Arte Terapia

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Desde 1994 a equipe da POMAR organiza e publica a revista Imagens da Transformação que é a primeira revista de Arteterapia criada no Brasil.

O POMAR é uma instituição do terceiro setor e agora em convênio com o ISEPE contribuipara a consolidação de atividade científica no campo da arteterapia, através de seuscursos de pós graduação Lato Sensu em Arteterapia (atualmente no quinto grupo); Iniciação e Formação em Arteterapia, da produção de eventos neste campo de conhecimento e do oferecimento de ateliês permanentes dirigidos a comunidade em geral.



Editado pela Clínica POMAR Rua Engenheiro Adel 62 Casa 02 - Tijuca Rio de janeiro - Brasil Telefax: (21)2569.0547 [email protected] www.arteterapia.com.br orkut: Pomar Arteterapia Capa:

O rei lobo Victor César Villas Boas(Pós-graduação) escultura em concreto aerado

Coordenação Editorial: Angela Philippini ProgramaçãoVisual e Editoração: José Ruiter Jr Digitação: Bruna Estrella Tradução e Revisões em Inglês: Karin Guise Colaboraram nesse número: Ana Cláudia Afonso Valladares, Ana Luisa Baptista, Angela Philippini, Caroline Tavares, Cláudia Fleury, Cláudia Katerina Vieira Brasil Nogueira, Denise Nagem e Eliana Ribeiro, Dirlene Neves Pinto, Flora Elisa de Carvalho Fussi, Graciela Ormezanno, Jitman Vibranovski, Ligia Diniz, Lilian Cordeiro Araldi, Lucia Binelli Catan e Maria Elisa Binelli Catan, Márcia Tavares, Márcia Victório, Marcya Vasconcellos, Otília Rosângela Souza, Pedro Rocha Lima, Regina Macri, Robson Xavier da Costa, Rui de Carvalho, Vanessa Coutinho e Wanderley ���������� Alves dos Santos.

Opiniões Expressas nos artigos são de inteira responsabilidade de seus autores. Pede-se permuta On prie L’echange Exchange is requested Se solicita el canje Man bittet un austaust Si prega lo scambio Normas de publicação: Imagens da transformação está aberta à publicação de artigos relativos a arte e suas relações com a saúde e o

desenvolvimento

humano.

Os

interessados

podem

enviar seus textos em disquetes (incluindo ”Resumo” e

“abstract”),

acompanhados

de

cópia

impressa

coordenação Editorial da Clínica Pomar. É expressamente proibida qualquer tipo de reprodução sem a autorização por escrito do Conselho Editorial.

à

EDITORIAL O volume 12 da coleção de Revistas de Arteterapia “Imagens da Transformação” chega em tempo propício marcado pela consolidação e organização dos territórios profissionais para a Arteterapia no Brasil. Foi oficializada e estruturada União Brasileira das Associações de Arteterapia, tendo como desdobramento a regulamentação do exercício da profissão de arteterapeutas e a definição dos parâmetros mínimos curriculares, bem como a eleição de sua diretoria nacional, cuja presidência coube ao estado do Rio de Janeiro. A periodicidade da Revista Imagens da Transformação até o Volume 11 foi anual, no entanto em 2005 não foi possível viabilizar o lançamento , pois a equipe responsável por sua elaboração era também voluntária junto à UBAAT para promover a organização do Primeiro Encontro de Arteterapeutas do Merco Sul. A realização deste evento cumpriu as metas propostas de iniciar o reconhecimento e intercâmbio entre arteterapeutas do Merco Sul e propiciou a criação da Rede Latino Americana de Arteterapeutas. No entanto, a multiplicidade de atividades e tarefas para organizá-lo, inviabilizou concluir simultaneamente o volume XII da Revista Imagens da Transformação. O adiamento, porém, teve um aspecto favorável, por nos permitir receber mais contribuições, na forma de novos artigos com interessantes relatos de experiências no campo da Arteterapia. E, agora já desobrigados de nossas atividades voluntárias junto à UBAAT, e certos de que nossa missão foi adequadamente cumprida, apresentamos o Volume XII. Esta publicação inclui 25 artigos, debatendo, fazendo a difusão de diferentes campos de especialização, relatando experiências de processos arteterapêuticos com populações e instituições diversas e propiciando intercâmbio científico

entre

arteterapeutas

brasileiros

e

também

entre

os

arteterapeutas do Mercosul e de Portugal.

Angela Philippini



Indice Ana Cláudia Afonso Valladares Arteterapia, doente mental e família. Um cuidado integrado e possível em saúde mental na nossa atualidade? Ana Luisa Baptista A Roda Xamânica de Cura na ArteTerapia: Uma Releitura da Dinâmica da Psique Articulando os Tipos Psicológicos de Jung ao Círculo Psico-orgânicoEnergético de Anne Fraisse Angela Philippini Imagens na palavra

9

32 59

Caroline Tavares Identidade e memória na sociedade contemporânea

72

Cláudia Fleury Arte e educação ambiental: Outra via do conhecimento

86

Cláudia Katerina Vieira Brasil Nogueira São Luís, Bela Ilha de Cores e Gestos. Uma reflexão sobre o abandono e a redenção através da arte.

98

Denise Nagen e Eliana Ribeiro Adolescentes interagindo com o limite: O muro como parede da caverna e do templo

109

Dirlene Neves Pinto Arte moderna-Expressão simbólica de uma época

124

Flora Elisa de Carvalho Fussi Três meninos, três histórias e vários bonecos que possibilitaram a integração do self

145

Graciela Ormezzano, Mauro Gaglietti, Raquel Comiran e Carla Furlanetto Arteterapia no carcere

154

Jitman Vibranovski Teatro Terapêutico

163

Ligia Diniz Arteterapia na empresa - Jornada através das cores

171

Lilian Cordeiro Araldi Vivência em arteterapia: uma reflexão conforme a visão de Gadamer

184



Lucia Binelli Catan e Maria Elisa Binelli Catan Grupo: Diferentes olhares

189

Márcia Tavares A arteterapia e os espaços de criatividade nas instituições

200

Márcia Victório

210

A música como expressão símbólica Marcya Vasconcellos

216

Arte nas escolas : O resgate transformador Otília Rosângela Souza

224

A busca da alma e o sentido da vida Pedro Rocha Lima

232

Depressão e Criatividade Regina Macri

240

As deusas que habitam em nós Robson Xavier da Costa Unindo fios da memória: Uma experiência de arte-educação com crianças portadoras de necessidades especiais no estado da Paraíba

244

Rui de Carvalho O drama da não pertença: paradoxo da exclusão, a função integradora da arte

260

Vanessa Coutinho Dos cacos à redescoberta de um lugar no mundo: Terapia de um homem de 77 anos

286

Wanderley Alves dos Santos Arteterapia e desenvolvimento humano: Uma experiência na universidade da terceira idade em Extremadura/ Espanha



291

Arteterapia, doente mental e família. Um cuidado integrado e possível em saúde mental na nossa atualidade1

Art therapy, mentally  diseased people and their families - An integrated possible care in mental health in our present time

Ana Cláudia Afonso Valadares

Resumo A autora deste artigo se propõe a realizar uma reflexão teórica e prática sobre a importância da arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental, com enfoque à pessoa com transtorno mental e seus familiares, como um processo que auxilia na reabilitação desses usuários. A autora ainda ilustra o texto com algumas experiências de arteterapia aplicadas a esta clientela. Abstract The authoress of this article intends to accomplish a practical and theoretical reflection on the importance of Art Therapy in the new paradigm of care in mental health focusing the mentally diseased person and his family as a process that aids the rehabilitation of these users.  The authoress illustrates the text with some Art Therapy experiences applied to this clientele. “As sessões de arteterapia vão ajudar na ampliação de habilidades e aumentar a autonomia do usuário, valorizando a singularidade e desenvolvimento do potencial criativo muitas vezes latente nesta clientela, que são aspectos importantes para o cuidado integral e holístico, minimizando as diferenças, fortalecendo as práticas inclusivas e resgatando o prazer de estar atuando” (Valladares, 2004, p. 124). Reflexões sobre a história da loucura e a Reforma Psiquiátrica: O Brasil vem passando por mudanças significativas nos cuidados à saúde mental,

desencadeadas

pelas

transformações

gerais

no

contexto

de

saúde brasileira, bem como pela incorporação de elementos da Reforma Psiquiátrica. Este processo de Reforma Psiquiátrica, ocorrido no Brasil, foi encabeçado

pelo

Movimento

dos

Trabalhadores

em

Saúde

Mental,

no

qual sua principal meta era a desinstitucionalização, isto é, a negação da instituição asilar como tratamento e a sua substituição por novas práticas 1 Pesquisa inserida no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Integral da FEN/UFG.



que

efetivaram

a

hospitalocêntrico

participação

para

o

das

famílias

modelo

e

comunidades

(do

preventivista-comunitário).

A

modelo Reforma

Psiquiátrica significa um processo contínuo de reflexões e transformações no trabalho com a loucura, com a diferença e sofrimento mental, eventos que ocorrem

simultaneamente

nas

áreas

assistenciais,

culturais

e

conceituais.

Buscam, sobretudo, transformar as relações que a sociedade, os sujeitos e as instituições estabelecem com a superação do estigma, da segregação e desqualificação,

produzindo

um

novo

“imaginário

social”,

diferentemente

do que existiu ao longo dos anos, como a periculosidade, irrecuperabilidade e incompreensão do doente mental. Nos últimos anos, no Brasil, novos serviços foram criados objetivando adequarem-se à nova política de saúde mental, como a concepção do trabalho inter e transdisciplinar desenvolvido por profissionais de saúde, com a promoção de projetos terapêuticos individualizados e a reabilitação psicossocial,

o

que

exigiu

deles

requalificação

e

expansão

dos

papéis

o

doente

profissionais, para prestação do cuidado em saúde mental. Conseqüentemente,

houve

o

envolvimento

da

sociedade

com

mental, seja na lida, na individualização da assistência ou na inserção social do doente mental. Esse envolvimento da sociedade com o doente lhe ofereceu maior autonomia e suporte social, bem como grupos de apoio, locais para moradia e meios de subsistência. Isso significou o resgate do

indivíduo

como-sujeito-no-mundo,

por

lhe

oferecer

condições

para

desenvolver capacidades para lidar com o cotidiano, conviver e aceitar suas limitações. Presume-se que, com a reabilitação psicossocial, o doente mental passe a ser visto como um sujeito que vive em um determinado território, que estabelece relações sociais e que tem uma família. Cabe

salientar

que

desenvolver

psicossocial

significa:

cuidado,

construção

sofrimento

de

psíquico;

estabelecer de

oferecer

e

aplicar a

vínculos espaços

um

programa

possibilidade e

de para

de

de

reabilitação

acolhimento,

sociabilidade

ao

inclusão

diferença,

da

sujeito

de em para

superação de medos e preconceitos; propor formas mais humanizadas e integradoras; e ainda criar espaços para a aprendizagem e valorização da fala, da escuta, do registro, do respeito, da dignidade, da responsabilidade, do acompanhamento, da inclusão da família e da reinserção social. 10

Na reabilitação psicossocial lida-se com o ser complexo, pois esse processo visa maior subjetividade e singularidade no atendimento às pessoas em sofrimento

psíquico.

favorecem

o

aumento

mentais

a

diminuição

e

A

reabilitação das

social,

possibilidades

dos

efeitos

sobretudo, de

busca

recuperação

desabilitantes

da

ações dos

que

doentes

cronificação

dos

indivíduos, ações essas que envolvem o indivíduo, a família e a comunidade em cuidados complexos e delicados (Pitta, 2001). Assim,

uma

psicossocial

das do

questões

doente

mais

mental

relevantes

não

envolve

em

relação

somente

à

reabilitação

mudanças

no

seu

tratamento, mas, sobretudo, no tipo de serviço que o atende, uma vez que uma das tarefas mais importantes desse serviço de saúde mental é a de ajudar o indivíduo, permanentemente, a gerar “sentido” em sua vida, seja por meio da construção afetiva, relacional, material, habitacional ou produtiva. Esse novo sentido pode se dar em espaços abertos e não protegidos (diferente dos manicômios), fazendo aflorar um cenário de vida, um sonho de liberdade e a sua inclusão social (Saraceno, 1999). Nesse processo, está incluída a valorização das práticas terapêuticas que busquem o exercício da cidadania. Entende-se

que

a

reabilitação

psicossocial

abrange

contratualidade

em

quatro grandes cenários: habitação; rede social; família e trabalho, como valor social. Frente ao exposto, é pertinente afirmar que o co-envolvimento da família é um importante aspecto a ser considerado nos projetos de reabilitação,

tornando-a

protagonista

e

responsável

pelo

processo

de

tratamento e organização da vida do doente mental. Por isso, atualmente, a preocupação com a saúde mental não se restringe apenas à pessoa doente, mas a toda estrutura da sociedade em que ela está inserida, e da qual a família é parte integrante. Assim, transformar as relações que existem entre a família e o doente mental é um dos grandes desafios a serem enfrentados pela Reforma Psiquiátrica. E cabe ao profissional de saúde mental a responsabilidade de contemplar no seu contexto de atendimento, o indivíduo em sua totalidade, e também sua família. O co-envolvimento da família no tratamento da doença mental Pode-se afirmar que alterações importantes ocorrem na família quando um dos seus membros sofre de um transtorno psíquico. Estudos (Saraceno, 11

1999 e Melman, 2002) mostram que a doença mental, em geral, desencadeia graves danos no plano psicológico, no da organização da própria vida do indivíduo e também no plano material, que passa a vivenciar, no decorrer do tempo, distúrbios e desabilitações psicossociais. Pois, o convívio diário dos familiares com uma pessoa com transtorno mental dentro da casa, e fora do circuito hospitalar, traz sérias dificuldades para estas famílias, como encargos físicos, emocionais, econômicos e sociais. Essa é uma tarefa difícil, trabalhosa, complexa, que exige grandes responsabilidades. A família, ademais, representa o primeiro núcleo social do indivíduo, onde se esboçam as relações com o mundo, portanto, o núcleo familiar é a primeira interação de reabilitação e constitui um núcleo que acolhe o doente mental e que atende às suas necessidades materiais e afetivas. Fica evidente que ao partilhar um local comum, familiares e usuários enfrentarão conflitos e antagonismos,

entretanto

para

amenizar

as

dificuldades

enfrentadas

pela

família na convivência com o doente mental, o serviço deve estar apto a possibilitar que os familiares sejam capazes de exprimir também suas necessidades e sentimentos (Melman, 2002). Construir programas de intervenção e desenvolvimento que promovam a saúde e o bem-estar dos pacientes, assim como acolher o sofrimento mental do paciente são aspectos relevantes, mas também a presença dos familiares no acompanhamento desses elementos demonstra uma atitude saudável e benéfica em saúde mental, idéia esta ainda pouco explorada na atualidade, dentro da área da saúde mental ou da arteterapia. Por outro lado, é vital ampliar a capacidade de resistir e crescer numa situação tão adversa como a da doença mental, permitindo a abertura de um novo território existencial, isto é, experimentar novos gestos, novas possibilidades, um novo campo de intervenções, no qual a comunicação verbal não é o que mais importa. Valoriza-se nesse contexto a multiplicidade de formas de linguagem não-verbais, como os gestos, maneirismos, as somatizações, os silêncios, os choros etc. Repensar

o

cuidado

dispensado

aos

pacientes

psiquiátricos

e

familiares,

sob a perspectiva da construção-invenção de um outro modo de tratar os pacientes, é um caminho que indica a criatividade, a espontaneidade e o 12

lúdico. Diferentes modos de abordar os problemas e de explorar potenciais criativos, como veículo de mudança pessoal e de transformação da realidade externa, ocorrem por meio de processos coletivos. A esse respeito, Tavares (2004) também reforça que a experiência criativa proporciona uma ruptura no movimento de repetição da doença mental. a de atenção na saúde mental “A linguagem artística é um caminho de expressão, comunicação e síntese da experiência pessoal do sujeito, é fruto das atividades consciente e inconsciente, integra aspectos afetivos e cognitivos de saúde e doença, sendo portanto o seu entendimento muito útil para ampliar a compreensão do ser humano.” (Santana, 2004) A

arteterapia

é

um

processo

terapêutico

com

predominância

do

não-

verbal, que permite a transformação com o uso de materiais expressivos, possibilitando

a

emergência

de

conteúdos

inconscientes

para

confronto,

elaboração e expansão do indivíduo (Philippini, 2004b). A arteterapia, então, permite desenvolver a comunicação e a expressão com a utilização de materiais expressivos; acolher essas imagens simbólicas que surgiram com a valorização das experiências de vida dos pacientes e, posteriormente, facilitar as transformações pelos materiais expressivos. Os objetivos da arteterapia, nesse contexto, podem ser: • Desenvolver a autonomia criativa; • Valorizar a subjetividade e liberdade de expressão; • Ampliar habilidades, autopercepção de si e do outro; • ������������������� Facilitar a catarse • Permitir as trocas sociais e a integração São

desafios

enfrentados

pelo

arteterapeuta,

construir

um

cuidado

que

envolva um espaço acolhedor, mas não ameaçador e que permita à pessoa doente

expor

seus

sentimentos,

comunicar-se

com

maior

naturalidade

e

dar conta da complexidade e da amplitude de suas potencialidades. Assim, elaborar

estratégias

e

práticas

terapêuticas

para

facilitar

a

comunicação,

mesmo as não-verbais (plásticas), mas que sejam audíveis de alguma forma é 13

uma necessidade humana. Nesse sentido, é importante construir práticas que possam permitir “(...) um olhar mais atento aos talentos e as potencialidades de sua clientela, reforçando os aspectos mais saudáveis e criativos da subjetividade dos sujeitos envolvidos.” (Melman, 2002, p.132). Tais

proposições

com

características

do

processo

arteterapêutico

vêm-se

constituindo em experiências positivas, em vários estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul, por isso, acredita-se que a arteterapia muito poderia contribuir para a reabilitação do sofrimento mental. Para Valladares & Fussi (2003), a arteterapia é um processo de estímulo à criatividade, pois permite ao participante expressar-se e comunicar suas idéias e emoções, além de contribuir para o aumento da sua auto-estima e

expansão

emocional,

diminuindo

sua

ansiedade.

É

oportuno

ressaltar

que esta técnica permite acesso ao conteúdo do inconsciente, por meio da expressão artística, linguagem menos formal e “(...) o símbolo configurado em materialidade leva à compreensão, transformação, estruturação e expansão de toda a personalidade do indivíduo que a criou” (Philippini, 2004, p.78). A arteterapia procura valorizar a singularidade do sujeito sem perder de vista o coletivo, utilizando a arte, que é um caminho de expressão, de comunicação

e

síntese

da

experiência

pessoal

da

pessoa.

Representa,

ainda, conteúdos inconscientes e conscientes, integra aspectos afetivos e cognitivos de saúde e doença, sendo benéfica para ampliar a compreensão do ser humano (Santana, 2004). Allessandrini (2004) refere que as atividades artísticas possibilitam à pessoa simbolizar suas percepções sobre o mundo, sobretudo quando não consegue expressar-se verbalmente ou através da linguagem escrita. A arteterapia cria circunstâncias propícias para que o indivíduo exercite sua criatividade de forma espontânea, trabalhando com outras linguagens não-verbais, como a sonora, a corporal e a plástica, além de exercitar os estímulos auditivo, visual, motor, cognitivo e a fala, entre outros. Enfim, a arteterapia dá maior liberdade ao indivíduo para expressar suas emoções, cria oportunidades que levam os doentes mentais e seus familiares a aceitar com mais naturalidade as situações desfavoráveis, ajudando-os a se adaptar melhor às mudanças no seu cotidiano, diminuindo as situações 14

de estresse e restabelecendo o equilíbrio emocional. Da mesma maneira, a arteterapia pode ajudar o ambiente terapêutico a parecer menos hostil, tornando-o mais descontraído e natural. A Reforma Psiquiátrica, a desinstitucionalização e a reabilitação psicossocial são

caminhos

que

pertencem

a

este

tempo

presente,

tempo

que

está

sendo construído gradativamente, com a contribuição de cada profissional. Diante do exposto, sugere-se que a arteterapia, concomitante aos outros tratamentos, seja utilizada como forte aliada na promoção da integração, criatividade e liberdade da pessoa em sofrimento mental e de seus familiares e comunidade. “Prazer que pode vir da surpresa da mistura de cores e da gestação de imagens a partir de borrões e manchas iniciais, comunicando afetos esquecidos ou nunca experimentados. Prazer de tocar o barro que, sob a pressão, o calor e o trabalho das mãos, concretiza objetos e personagens. Prazer de ver o ritmo e a evolução dos traços que, da garatuja às formas mais elaboradas, representam emoções” (Philippini, 2004, p.89) Experiências criativas de arteterapia na saúde mental A estrutura teórica norteadora do presente estudo repousou na contribuição da arteterapia como desencadeadora do processo criativo e estimuladora do imaginário, para facilitar a expressão simbólica e a ordenação das experiências internas dos participantes. Aplicando a arteterapia, a autora deste trabalho realizou em uma Instituição Aberta de atendimento à Saúde Mental, em uma cidade do interior de São Paulo/SP, no segundo semestre de 2004, uma experiência que teve a duração de dois meses. A amostra foi composta por pacientes psiquiátricos adultos, e seus familiares (crianças, adolescentes e adultos) de ambos os sexos. O grupo foi formado por pessoas aquiescentes ao processo, sendo permitida a participação de mais de um elemento por família, devendo cada sessão ter no máximo dez participantes. A Fig 1. ilustra o convite apresentado aos usuários e familiares para formação do grupo. 15

Fig 1. ilustra o convite apresentado aos usuários e familiares para formação do grupo

As

intervenções

de

arteterapia

constaram

de

atividades

espontâneas/livres

e dirigidas, nas quais se utilizaram dinâmicas variadas de acordo com a necessidade do grupo, visando à integração de seus componentes, bem como propiciar um clima de descontração e respeito mútuo, elementos necessários para estimular o relato de experiências e sentimentos vivenciados pelos seus participantes. Essas intervenções de arteterapia favoreceram a conduta focal e imediata, e garantiram a privacidade e a segurança do relacionamento arteterapeuta-cliente, durante o atendimento. Sabe-se que não existem fórmulas mágicas para o ato do cuidar, mas a invenção, a busca de possibilidades várias, são alguns exemplos que podem ser inseridos na prática dos arteterapeutas que trabalham em saúde mental, conforme

os

novos

paradigmas

vigentes.

Para

tanto,

devem

ter

como

princípio básico o respeito às potencialidades e às limitações de cada fase humana. Realizou-se uma análise descritiva e exploratória de três sessões desenvolvidas, que se encontram descritas a seguir: Atividade 1: Desenho livre O desenho que se atém à expressão gráfica objetiva a forma, a precisão, 16

o

desenvolvimento

da

atenção,

da

concentração,

da

coordenação

viso-

motora e espacial, bem como ajuda a concretizar alguns pensamentos pela linguagem figurativa, portanto, favorece a objetivação da imagem. Primeiramente,

o

arteterapeuta

desenvolveu

com

os

elementos

do

grupo

um relaxamento corporal e mental. A seguir, sugeriu que os participantes, de

olhos

cerrados,

reportassem

na

imaginação

seus

momentos

de

vida

atuais, deixando-se experimentar as sensações corporais, os movimentos, a maneira de olhar para si e para o mundo à sua volta. Depois, propôs que os participantes

fizessem

um

desenho

projetivo

com

a

representação

desses

sentimentos e sensações, em uma contextualização livre. Estimulou a pessoa a dar um título às obras produzidas e a escrever palavras ou frases soltas, de forma poética ou não, podendo, assim, caracterizar uma escrita criativa, que registraria as principais emoções despertadas, o tema abordado, ou fatos significantes que ocorreram durante a confecção da obra proposta. Após o término desta etapa, as pessoas puderam compartilhar seus trabalhos com os demais membros do grupo e falar sobre o mesmo, caso quisessem. A seqüência sugerida teve o propósito de ajudar na orientação do pensamento do

participante.

Para

realizarem

esse

trabalho,

utilizaram

os

seguintes

materiais: giz de cera, carvão, lápis de cor, giz colorido, pincel atômico, canetas hidrográficas, lápis preto e borracha, carvão preto e papel sulfite branco (tamanhos A3 e A4) e cartolina branca.

Fig. 2 ilustra a representação gráfica - série 1 - da criança (familiar A), durante a 1ª sessão de arteterapia

17

As Fig. 2 e Fig. 3 expõem a representação gráfica de uma criança (familiar de um doente mental) com 8 anos de idade. O desenho, da Fig. 3, expressa sua projeção interna, seus medos e reações ao relatar a existência de um ser malvado invadindo a vida de uma família de patos, como mostra o desenho.

“Era uma vez um patinho e a patinha eles iam la na bera do Rio beber água e um dia tinha um lago e eles entraram e viu um bicho grande e mauvado e eles saíram correndo para casa todos assustado por causa do grande mostro mauvado” Fig. 3 Ilustra a representação gráfica - série 2 - da criança (familiar A), durante a 1ª sessão de arteterapia. 1Análise da casa baseada em livros de desenhos projetivos

18

Na Fig. 4, outra criança, com 10 anos de idade, também representando o familiar

do

doente

mental.

Expressa

certo

desequilíbrio

no

trabalho

ao

projetar o sol e as nuvens entre os planos da terra e da casa. As nuvens escuras do desenho – sugerem pressão ambiental; a casa se apresenta sem linha de base – sugere comprometimento emocional e dificuldades de contato firme com a realidade. Janelas só se encontram nos telhados – podendo indicar uma certa dificuldade de contato direto, contato vivido mais na base da fantasia e da imaginação. Ênfase no telhado – pode sugerir tentativa de defesa da ameaça de perda do controle pela fantasia ou distorção da percepção da realidade.

Fig. 4 Mostra o desenho da criança (fam.B), durante a 1ª sessão de arteterapia.

19

Nota-se,

pelos

desenhos,

que

mesmo

não

estando

diagnosticadas

como

“doentes”, as crianças relatam medos e desequilíbrios em seus trabalhos, algo que deve ser acolhido e trabalhado para não gerar uma série de danos às mesmas. Fica evidente, então, a importância de se desenvolver um trabalho de arteterapia junto a essa clientela. Atividade 2: Mandala A mandala é a representação simbólica da psique. Significa, sobretudo, a imagem utilizada para consolidar o ser interior ou para favorecer a meditação em profundidade. Ademais, ela possui finalidade dupla, a de conservar a ordem psíquica, se ela já existe; ou de restabelecê-la, se ela desapareceu, exercendo também uma função estimulante e criadora (Jung, 1964). A confecção da mandala favoreceu a organização de estruturas pela junção e articulação de formas prontas ou criação de novas formas. Inicialmente, os participantes viram jogos de mandalas já confeccionadas para que pudessem escolher entre as existentes, as que mais se identificavam com eles: cor, traçado, movimento, linha, tom, direção, forma, textura ou símbolo. Depois, eles

puderam

ler

o

significado

dessas

mandalas

escolhidas,

em

duplas,

refletir sobre a sensação e o sentimento que estas despertaram neles, e se isso tinha algo a ver com a vida deles no momento atual. A partir desta discussão, em duplas, os participantes puderam livremente colocar no grupo sua

experiência.

Posteriormente,

propôs-se

a

confecção

da

sua

própria

mandala, semelhante ou não à mandala escolhida. Para esse fim, utilizaram CDs como o círculo da mandala, e ainda cola colorida, materiais gráficos e perfurantes, fios de lãs, adesivos, lantejoulas, brocal e purpurina. No final da sessão os participantes puderam mostrar os trabalhos e falar sobre os mesmos, que foram expostos sob a forma de cortina. Nesta etapa, desencadearam-se reflexões pessoais, como: Quem sou eu? Do que eu necessito? Quais meus objetivos e metas? O que eu gostaria de realizar? O que eu preciso aprender? O que eu preciso transformar? O que estou deixando para trás ou que novos comportamentos eu posso ter? A Fig. 5 mostra as mandalas sendo construídas, expostas de forma coletiva e a Fig. 6 ilustra o trabalho final, a “cortina de mandalas”. As atividades com mandalas foram bem aceitas pelos pacientes, porque perceberam que delas 20

Fig. 5 mostra a construção das mandalas pelo grupo, durante a 2ª sessão de arteterapia.

emergiu a harmonia pessoal. Disseram que se sentiram mais equilibrados, mais

livres,

autônomos

e

originais,

porque

este

trabalho

possibilitou

a

eles a reflexão de “correr o risco” de traçar suas próprias rotas, trilhar seus caminhos, buscar suas próprias idéias e de lutar para torná-las realidade.

Atividade 3: Pintura do corpo humano: feminino X masculino1 A pintura possui uma função de expansão, de soltura, trabalha o relaxamento dos mecanismos defensivos de controle e ainda favorece a expansão da emoção, pela função libertadora. Ademais, objetiva a coordenação motora fina e visomotora e a discriminação visual. A pintura propicia a criação de representações bidimensionais,

utilizando

as

possibilidades

que

a

tinta

oferece,

como

a

pastosidade, a facilidade de misturas, a formação de novas cores, a marca da pincelada, a cobertura rápida de planos, a mancha, entre outras. No entanto, a técnica da pintura apresenta como obstáculos os limites das superfícies, da valorização das tonalidades e das cores (Pain & Jarreau, 2001).

1 Análise das figuras baseadas em livros de desenhos projetivos

21

Os

participantes

fizeram

representações

do

corpo humano nas formas masculino e feminino, no tamanho real no papel, tendo como modelo uma pessoa de cada sexo, escolhida livremente entre os elementos do grupo. Grupos distintos executaram

o

trabalho,

ficando

as

mulheres

encarregadas de criar a personagem feminina e os homens, o boneco masculino. Utilizaram, para tanto, instrumentos de colagem e de desenho, além da pintura. Após a criação dos personagens houve a apresentação das obras, que possuíam características personagens, da

distintas. foi

dinâmica

se

Ao

confeccionarem

estabelecendo

grupal

entre

os

a

os

relação

pacientes,

com

algumas pessoas querendo impor suas opiniões sobre as dos demais: os silenciosos e os mais ativos ou passivos no processo. No final, os participantes descrever

puderam

pensamentos,

frustrações

que

expor

seus

idéias,

iluminações

ocorreram

durante

trabalhos, o

ou

processo

de confecção da obra e, assim, se relacionaram, compartilhando a obra. Os

materiais

colorida, Fig. 6 ilustra o trabalho final, a “cortina de mandalas”, desenvolvido pelo grupo durante a 2ª sessão de arteterapia.

utilizados

pincéis,

jornal,

foram:

tinta

tecidos

guache coloridos,

colas com e sem purpurina coloridas, giz de cera,

canetas

hidrocores,

lápis

preto,

pincel

atômico, fios de lã, adesivos, lantejoulas, brocal e purpurina.

A Fig. 7 ilustra uma personagem fictícia: “Maria Eugênia, adolescente de 15 anos, que trabalha num circo de bailarina. A personagem adora brincar com as crianças e com os animais do circo. No momento, encontra-se sem namorado, mas gosta de sair para passear, dançar, ir ao cinema, tomar um lanche, adora ir a “baladas”. Também vive na zona rural e trabalha ordenhando as vacas, colhendo milho, alimentando e cuidando das galinhas e do gado. Ela tem irmãos, pais e 22

avós maternos. É uma personagem “rebelde” e desobediente, cursa o 1º colegial, porém é expansiva, tem muitos amigos, é brincalhona e ainda gosta de brincar de bonecas; em alguns momentos é “chata” e “fresca”. Pretende se casar e ter seis filhos, viajar e conhecer lugares novos, além de querer ser a dona do circo”. A figura

feminina

criada

pelos

participantes

foi

bem

configurada,

sem

fragmentação ou distorção, colorida, é criativa e sorridente. Expõe certo dinamismo,

movimentação

proporções

são

indicar

os

profundidade,

equilibradas.

dificuldade

sensação

e

de

de

a

coordenação

desamparo

impulsos,

Houve

é

rica

omissão

dos

do

impulsos,

em

detalhes

pescoço perda

e

suas



podendo

de

controle,

perante

comportamento

impulsivo, imaturidade e regressão. Nota-se, nas

também,

partes

predominância

genitais

femininas,

no cabelo comprido e no uso de adornos certo



exibicionismo,

preocupação atrair

podendo

o

vitalidade

ou

desejo

de

sexual,

sexo

expressar

oposto,

necessidade

de chamar a atenção. A Fig. 8 expõe outra personagem feminina, a “Ana Júlia. Possui quatro anos de idade, mora com os pais e um irmão, gosta de brincar de cavalinho, de boneca, de carrinho, de bicicleta, de patins, de fazer bagunça, subir na cama. Reside em Ipiranga/SP, vai regularmente à escolinha e almeja ser médica . O grupo relatou que a personagem era muito tímida, que não conseguia falar...”.

Fig. 7 Iilustra a personagem “Maria Eugênia”, desenho realizado por um grupo feminino (A), durante a 3ª sessão de arteterapia.

23

Esta figura feminina foi bem configurada, sem distorção, com poucas cores e seu

chorona, corpo

mas

com

completo,

proporções

equilibradas.

que

fragmentado.

ficou

O

grupo

não

Confeccionaram

contornou somente

a parte superior do corpo (tronco, membros superiores e cabeça), assim, não estão presentes o abdômen e membros inferiores – podendo significar certa dificuldade de movimentação ou ainda de sentimentos de constrição e castração ambiental, deterioração, retraimento e falta de confiança nos contatos sociais. Os braços amputados – podem indicar um sentimento de castração. Esta personagem apresenta-se com a face toda encoberta pela

Fig. 8 expõe a personagem “Ana Júlia”. Desenho realizado por um grupo feminino (B), durante a 3ª sessão de arteterapia.

24

cor marrom – significando certa dificuldade para desvelar suas máscaras, sua personalidade, seus sentimentos e desejos, dificuldade de contato com o exterior, pessoa passiva, insegura. Os botões, na linha central – podem indicar forte dependência materna. A idade da figura é bem inferior à dos criadores – o que pode sugerir imaturidade, fixação emocional em alguma fase ou reação a traumas. As Fig. 9 e Fig. 10 ilustram a personagem masculina, com nome fictício de “Nilton”. Um adolescente de 20 anos, solteiro, cursando o 3º colegial. Não é etilista nem alcoólatra; gosta de esportes, como andar de bicicleta, correr, jogar bola, praticar natação, esportes de aventuras e aulas de academia. Trabalha como office-boy em uma instituição particular, é um funcionário pontual e assíduo, possui as seguintes características pessoais: é nervoso e rebelde, porém não é revoltado com a vida nem com a família. Também gosta de sair, ir à lanchonetes, encontrar a turma da escola. Admira cachorro e passarinho; exercita desenhar objetos por lazer; almeja ser professor de educação física, casar e ter dois filhos. Figura masculina bem configurada e rica em detalhes, especialmente na face, as outras partes são menos expressivas – podendo sugerir sentimentos de menos valia, inferioridade, inadequação, preocupação com a crítica ou vergonha a respeito das outras partes do corpo. O personagem não apresenta fragmentação ou distorção da imagem. A pintura criativa mostra profundidade; expressa um sorriso discreto. Apresenta cores frias (verde, azul) nos membros inferiores e superiores, que podem significar a expressão de características balsâmicas, calmantes ou retardo de movimento, quanto ao resto do corpo, predominam as cores quentes (vermelho e amarelo), expressando atividade, dinamismo e acelerando o metabolismo. A cabeça e o tronco dão a idéia de dinamismo, diferentemente dos membros que não se movem ou não acompanham a dinâmica da personagem. Apresenta um certo desequilíbrio de proporções dos elementos visuais, sugerindo desproporção ampliada dos membros superiores em relação ao restante do corpo – podendo indicar comportamento compensatório para sentimentos de insuficiência de manipulação, dificuldades de contato ou inadequação nas relações com as pessoas e/ou com o ambiente; fantasia e ambição maiores que a capacidade de realização. Pela análise dos trabalhos, constatou-se, que ao se expressarem pela arte, de 25

Fig. 9 ilustra o personagem “Nilton”. Desenho realizado por um grupo masculino, durante a 3ª sessão de arteterapia.

Fig. 10 ilustra detalhe da cabeça do personagem “Nilton”. Desenho realizado por um grupo masculino durante a 3ª sessão de arteterapia.

26

forma lúdica, os criadores projetaram seus elementos vitais, expressando-se a si próprios. Percebe-se que um simples personagem fez emergir conteúdos e conflitos internos e inconscientes nos seus participantes, o que valoriza a importância do trabalho arteterapêutico com esta clientela. Pelo exposto, verificou-se que os participantes muito se beneficiaram com a aplicação da arteterapia, porque tendo danos no plano psicológico, eles precisavam

desenvolver

seu

potencial

criativo,

sua

auto-expressão,

sua

imaginação, sua espontaneidade e sua autonomia; também canalizar tensões, exteriorizar seus sentimentos e emoções e comunicarem o que pensavam e sentiam (facilitadas pelo processo não-verbal). As sessões de arteterapia ora apresentadas favoreceram a expressão de pensamentos e sentimentos dos participantes dos grupos de uma forma mais

lúdica,

que

puderam

onde

compartilharam

ser

dificuldades

trabalhados e

anseios

no

contexto

relacionados

à

terapêutico, própria

vida.

Considera-se, assim, que foi muito importante desenvolver este trabalho com esta clientela, pois a ajudou a expor seus conteúdos internos emergentes e a trabalhar esses mesmos conteúdos durante e fora das sessões (utilizando-se de outros processos psicoterapêuticos individualizados), pois, possivelmente, em outras situações, mas que muitas vezes não seriam trazidos à tona com tanta naturalidade e facilidade. Ademais, nas sessões de arteterapia cria-se um espaço para a liberdade, a alegria e o resgate do brincar. Nessa perspectiva, as sessões de arteterapêutica beneficiam,

sobremaneira,

o

equilíbrio

emocional

dos

seus

participantes,

auxiliando-os a se expressar e a superar bloqueios, medos, inseguranças e

a

reconhecer

seu

potencial

criador,

mantendo,

assim,

uma

relação

mais saudável consigo mesmo e com os outros. Esse processo pode ser evidenciado,

sobretudo,

pela

mudança

de

comportamento

dos

integrantes

do grupo, após o término do processo. Considerações Finais A

assistência

à

doença

mental,

em

sua

história,

sempre

apontou

a

impossibilidade da família estar junto, conviver e cuidar do doente mental. Tratar

do

doente

mental

significou,

durante

anos,

a

separação

do

seu

contexto social e familiar. Assim, possibilitar transformações e recriar as 27

relações já existentes não é algo fácil para os profissionais arteterapeutas que trabalham em saúde mental. A

experiência

psicótica

(agressividade

e

sofrimento)

projeta-se

na

vida

cotidiana do doente mental e do familiar, desvitalizando-a. Nesse sentido, cabe aos profissionais de saúde, em especial aos arteterapeutas e aos demais serviços, a responsabilidade da inserção de familiares e usuários no novo modelo de atenção à saúde mental, propiciando à família que se reorganize e assim garanta um suporte emocional positivo ao membro doente, no convívio diário. Mas o sucesso desse processo depende da participação dos usuários e de seus familiares, condição imprescindível para a continuidade da “vida”. A saúde mental vem ampliando seus conhecimentos e utilizando-se dessas práticas

na

criativas,

assistência

ou

a

melhor,

seus

com

usuários,

práticas

com

experiências

não-convencionais

alternativas

disponíveis

e não

apenas para uso, mas para investigações sistematizadas. A utilização das artes, no âmbito da saúde mental, proporciona mudanças de atitudes e de comportamentos, aspectos que, vividos positivamente com os clientes, promovem melhoria na sua qualidade de vida e na de seus familiares. Assim, o investimento no trabalho e em práticas alternativas e criativas com famílias e pessoas com transtornos mentais é fator importante no novo cenário da atenção em saúde mental. Este tipo de atendimento, no qual se incluem as sessões de arteterapia, permite que se valorize o potencial existente em cada ser humano, objetivando melhorar sua saúde e qualidade de vida para sua reintegração familiar e social. As

sessões

de

arteterapia

facilitam

a

expressão

da

subjetividade

dos

participantes e auxiliam, sobremaneira, tanto na auto-expressão, como na elaboração

de

conteúdos

internos

(sentimentos,

emoções,

lembranças

etc)

e alívio de tensões. Permitem, ainda, que o criador possa expressar seus sentimentos, adquirir consciência dos mesmos e, em seguida, melhorar a ativação e a estruturação do processo de seu desenvolvimento interno. Ao valorizar a expressão em si, dá-se mais liberdade ao criador, que pode seguir seu instinto e deixar o racional em segundo plano, tornando-se mais autêntico e saudável. As sessões de arteterapia conseguiram resgatar 28

aspectos mais saudáveis da personalidade, ademais, familiares e doentes mentais

alcançaram

a

percepção

de

que

seus

sentimentos

e

emoções

poderiam ser compartilhados com pessoas que tinham vidas semelhantes às suas, de forma profícua. Concluindo, trabalhar com portadores de transtornos mentais e familiares possibilita o resgate da cidadania; ultrapassar a exclusão, a rejeição, o isolamento e o preconceito; permite a troca com o outro que possui características semelhantes e ainda, favorece o compartilhar de dificuldades e anseios relacionados ao próprio transtorno mental, podendo os personagens se expressarem e lidarem de uma forma mais natural com a doença. Este trabalho pode trazer contribuições importantes para a área de saúde mental, pois a arteterapia é uma prática acessível ao tratamento de familiares e doentes mentais, cujos resultados vêm sendo satisfatórios. É importante também apontar que este estudo poderá ser utilizado em contextos de arteterapia clínica ou institucional, tendo em vista o valor e a eficácia do trabalho arteterapêutico aqui demonstrados. Profª Dnda. Ana Cláudia Afonso Valadares Arteterapeuta, Presidente da Associação Brasil Central de Arteterapia (ABCA), Membro do Conselho Diretor da União Brasileira das Associações de Arteterapia (UBAAT), Professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP)

29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALLESSANDRINI, C. D. Análise microgenética da oficina criativa: projeto de modelagem em argila. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. 18. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964. MELMAN, J. Família e doença mental: repensando e relação entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo: Escrituras, 2002. PAIN, S.; JARREAU, G. L. Teoria e técnica da arte-terapia: a compreensão do sujeito. 2. reimpressão. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. PHILIPPINI, A. Arteterapia e outras terapias expressivas no novo paradigma de atenção em saúde mental. ������������������������� In: VALLADARES, A. C. A. (org.). Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, 2004a. p. 87-105. ______ . Cartografias da coragem: rotas em arteterapia. 3. ed. Rio de Janeiro: WAK, 2004b. PITTA, A. (org.) Reabilitação psicossocial no Brasil. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2001. SANTANA, C. L. A. Arte por dentro e por fora: da implantação à consolidação do Projeto Arteterapia. In: VALLADARES, A. C. A. (org.). Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, 2004. p. 129-142. SARACENO, B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Belo Horizonte: Te Cora, 1999. TAVARES, C. M. Da vida sem arte à arte como promoção da vida: momentos da arte na psiquiatria. In: ��������������������������������� VALLADARES, A. C. A. (org.). Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, 2004. p. 53-68. VALLADARES, A. C. A. A arteterapia e a reabilitação psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico. In: ������������������������� VALLADARES, A. C. A. (org.). Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, 2004. p. 107-127. VALLADARES, A. C. A.; FUSSI, F. E. C. A arteterapia e a reforma psiquiátrica no Brasil. In: Rev. de Arteterapia: Coleção Imagens da Transformação, Rio de Janeiro, n. 10, v. 10, p. 5-13, 2003.

30

31

A Roda Xamânica de Cura na ArteTerapia: Uma Releitura da Dinâmica da Psique Articulando os Tipos Psicológicos de Jung ao Círculo Psico-Energético de Anne Fraisse Ana Luiza BaPTISTA

The shamanistic circle of healing in art therapy: A new lection of the dynamics of the psyche linking jung’s psychological types to the psycho-energetic circle of Ana Luiza Baptista Anne Fraisse

Resumo Olhar a dinâmica da psique integrada ao círculo psico-energético, oferece um novo referencial para o arteterapeuta, na medida em que subdivide a qualidade de cada elemento representante de cada uma das Funções Psíquicas, de acordo com o movimento energético correspondente. Longe de se esgotar, este trabalho abre para novas reflexões acerca da utilização da dinâmica da psique na prática arteterapêutica. Abstract To consider the Dynamics of the Psyche as part of the Psycho-Energetic Circle provides a new benchmark to the art-therapist as it subdivides the quality of each representative element of each of the psychic functions according to the correspondent energetic movement.  This subject is not yet run out, the article introduces new reflections about the use of the Dynamics of the Psyche in the art-therapeutical practice. Ao Sul, peço a ajuda necessária para soltar as amarras do passado;

Ao Norte, peço que me permita ouvir as vozes dos ventos;

Ao Sudoeste, que os sonhos e as visões sigam para o Leste, para que eu possa lembrar-me das imagens e mensagens de cada um dos oito pontos;

que elas tragam mensagens de terras distantes, dos vários cantos do mundo; Ao Nordeste, peço o impulso necessário para que eu

Ao Oeste peço que envie ao Leste a visualização dos caminhos percorridos e dos que ainda estão por ser trilhados;

possa mover a Roda em minha vida; Ao Leste que a intuição se enraíze; E finalmente ao Sudeste,a aceitação e a compreensão para poder assimilar todos os ensinamentos desta jornada”.

Ao Noroeste agradeço os ensinamentos dos meus antepassados com relação à justiça e ao olhar sem julgamento;

Alto da Boa Vista – Friburgo/RJ - Roda Xamânica de Cura, abril de 2004.

32

A roda xamânica de cura

Mandala

A Roda Sagrada dos Nativos Americanos, é composta de 36 pedras. A pedra central representa o Criador e ao seu redor, há um círculo interno de 7 pedras representando: a Mãe Terra, o Avô Sol, a Avó Lua, os 4 Clãs Elementares. Estes são os “seres” responsáveis pela fundação da vida, dando os ensinamentos para as estruturas básicas de todas as formas de vida. O Círculo externo tem 16 pedras, sendo que 4 representam as 4 direções principais, honrando os Espíritos Guardiões de cada direção. Estas 4 pedras dividem o círculo em quadrantes, cada um contendo 3 pedras, que totalizam 12, representando as 12 Luas do ano, que ensinam sobre as estações, as etapas de cada dia, as etapas da vida. Para completar, 4 raios de 3 pedras cada um, representando os Caminhos Espirituais que levam ao centro, trazendo as qualidades nos levam do cotidiano para o espaço sagrado do Criador. 33

Roda Xamânica de Cura

Cada pedra tem seu propósito e abaixo de cada uma delas há um cristal enterrado, ancorando a energia referente aquele ponto na Roda. Ao percorrer a Roda, busca-se perceber as oportunidades de crescimento que cada direção oferece e alinhá-las, conectando com as lições de cada totem. Pede-se, então, as orientações, permitindo que estes se aproximem em sonhos ou visão. Após sentirmos a energia de todo círculo à nossa volta, chegamos ao nosso conhecimento interior. A entrada na Roda é definida pela lunação em que nascemos. Este ponto de partida é a nossa primeira percepção da realidade. O círculo Psico-energético Criado por Anne Fraisse, o Círculo Psico-Energético tem suas bases na Roda Medicinal das tribos indígenas da América do Norte e da América Central, integrado ao pensamento de C. G. Jung, sobre o Movimento Energético e as Funções Psíquicas. Na roda busca-se estabelecer a auto-regulação psíquica e orgânica entre o ser doente e o mundo. A doença é compreendida como uma desarmonia, de forma que o doente se coloca no centro da roda e é acolhido pelo círculo. Da troca energética entre o sujeito que está no centro e as demais pessoas 34

que compõem o círculo, dá-se a cura. Ou seja, a harmonia é restabelecida, estando o interior igual ao exterior. Os nativos americanos reconhecem o círculo como o principal símbolo para o entendimento dos mistérios da vida. Observam que ele estava impresso em toda a natureza, de forma que cada parte do universo físico e cada coisa viva na Terra é vista como tendo uma origem espiritual e mental. Assim, cada manifestação é entendida como um estado contínuo de mudança.

Tudo o que o poder do mundo faz, é feito num círculo. O céu é redondo e eu ouvi dizer que a Terra é redonda como uma bola, e as estrelas também. O vento em seu maior poder, rodopia. Os pássaros fazem seus ninhos em círculos. O sol se levanta e se põe novamente em círculo. A lua faz a mesma coisa, e ambos são redondos. Até as estações formam um grande círculo em suas mudanças, e sempre voltam novamente para onde estavam. A vida de um homem é um círculo da infância até a velhice, o mesmo acontecendo onde o poder se movimenta (NEIHARDT, 1832). No simbolismo ancestral o círculo é o símbolo do espaço infinito, sem começo e sem fim. Representa a eternidade e a totalidade, começando onde termina e terminando onde começa. Dentro da Roda, sentimos o poder da cura em nossa mente e no nosso corpo, possibilitando um contato com as forças da natureza e do cosmo, levando-nos a uma harmonização interior e exterior com o meio ambiente. Encontrando nossa posição na roda, obtemos uma visão holística da vida, descobrimos nosso poder de cura, passamos a tomar o comando da nossa vida e a orientar conscientemente nossas ações e as opções que devemos seguir. Na Roda Sagrada o girar do círculo natural da vida está imortalizado. Nela está o ciclo das estações e a jornada da alma do homem que nasce, cresce, reproduz (frutifica) e ao término de seu ciclo realiza “a Grande Viagem pela Estrada Azul do Espírito, saindo do círculo da vida esperando um outro ciclo” (FRAISSE, 1997, 162).

35

Os caminhos do círculo psíco-energético e a tipologia de Jung Tendo seu espaço sagrado demarcado por pedras, as Rodas Xamânicas configuram diferentes caminhos e direções, de acordo com o potencial de cada pedra: seu propósito, simbolismo, poderes e valores. Nos rituais xamânicos, reverencia-se as diferentes direções de acordo com o lugar onde cada pedra se encontra. A pedra indicativa da Direção Sul aponta o caminho da cura da Criança Interior e do amor. É o local de inocência, humildade, fé e confiança. Está ligado ao sol do meio-dia. Nesta direção estão as energias de purificação, entrega, troca e mudança. A direção Sul é o caminho do curador, um portal para as emoções. Vincula-se à Necessidade, Ponto 1 do Círculo Psico-Orgânico (SACHARNY, 2004) e ao Ouroboros, no Ciclo Arquetípico (BAPTISTA, 2002). Ambos falam de um estado total de indiferenciação, onde só há a sensação de existência. No desenvolvimento humano, este lugar refere-se ao período intra-uterino e aos primeiros meses de vida do bebê. É também o espaço da Fonte, da nutrição, para onde voltamos nos momentos em que precisamos nos reabastecer, nos conectando com a Energia Primária e com a Energia Consequencial (2). A Função Sentimento e a Direção Sul falam de Eros, que promove o relacionamento, a união, a ligação afetiva que gera o novo. Algo ou alguém só passa a ter significado quando está conectado afetivamente. Quando Eros não está presente a vida é mecânica e vazia, pois só nos relacionamos verdadeiramente com aquilo que nos envolve através do sentimento. O elemento atribuído tanto a esta posição, quanto à função psíquica do sentimento é a água. A água nos envolve desde a concepção até a nossa chegada no mundo. Ela é a fonte onde se sustenta a vida. É o lugar que habitamos antes do nascimento e, também, a Infância. Ela é fluida. Está em mudança constante: vai das grandes turbulências à calmaria. Nos remete ao fluxo da vida com suas mutações e transformações. Ela purifica e limpa, harmoniza e reflete a nossa essência mais profunda em sua superfície. Nos ensina a lidar com a força das nossas emoções. 36

Por sua energia receptiva, a água está “... intimamente ligada à lua e ao feminino, representa o eterno movimento, o vir a ser, a totalidade das virtualidades, germe dos germes, fonte e origem de todas as formas de existência. Sabemos que onto e filogenéticamente, a vida começa na água, o que conecta o concreto ao simbólico” (RIBEIRO, p. 2). Sua natureza, “... é submissa, mas conquista tudo. A água conquista submetendo-se, nunca ataca, mas sempre ganha a última batalha. A água cede passagem para os obstáculos com uma humildade enganadora, pois nenhum poder pode impedi-la de seguir o seu caminho traçado rumo ao mar” (BLOFELD, p.110-111). A energia da água nos revela a natureza de nossos sentimentos e emoções que sempre estão parcialmente conscientes. Mas, por mais límpida que seja uma água, a sua

transparência não é

perfeita, produz imagens distorcidas. A fluidez da água também nos desvela a necessidade intrínseca de ter um recipiente para que ela possa ser recolhida e acolhida. Isto destina a humanidade a estar em contato e em relação com alguém ou algo, para que se consiga viver as emoções. A partir destes símbolos primeiros, surgem dois outros: o de purificação e o de regeneração. Excesso de Água pode afogar o sujeito nos próprios sentimentos, tornandose

excessivamente sensível e

impossível de

se

relacionar,

mantendo as

outras pessoas afastadas com seus “melindres”. Pode acontecer ainda um “afogamento

no

outro”,

típico

de

relacionamentos

simbióticos,

onde

a

individualidade perde os contornos que são dissolvidos na fusão e interdependência. Em ambos os casos o sentimento perde sua função criativa e o sujeito passa a atuar defensivamente, impedindo a relação afetiva ao invés de favorecê-la. Saber “ouvir o coração” e expressá-lo nas nossas vidas exige um trabalho de grande refinamento interior, de contato permanente com Eros, com as águas revitalizantes do sentimento. No Sul a função Sentimento mostra-se extrovertida. Fala da expressão da necessidade da Criança Interior, tendo sua base calcada em valores subjetivos. 37

Dando seqüência à roda, o Sudoeste integra Água e Terra, sendo a Morada dos Sonhos e do Silêncio. Neste ponto a energia se introverte e a função sentimento se recolhe para o interior, possibilitando a entrada em contato com as energias da visão, dos sonhos, da imaginação e da arte criativa. É

o

lugar

da

emersão

das

imagens

arquetípicas

com

seus

múltiplos

significados. A Direção Oeste é representada pelo pôr-do-sol. Ela favorece a introversão e a contemplação da colheita. É a direção que indica o caminho da cura física, o poder da transformação e introspecção. O Oeste é o ponto da morte e da transformação. Refere-se ao caminho do guerreiro. Ao chegar no Oeste, pode-se buscar trilhar o caminho rumo a concretização de metas e objetivos, de acordo com o conhecimento da verdade pessoal. É também o portal para o corpo físico, estando relacionado à Energia Feminina da Criação – o útero onde ocorrem as gestações – e a sexualidade. Pois “... o interior da alma onde gestamos nossa idéias e ações é comparado ao ventre fértil da mulher. Nele está o nosso futuro, ele é o lugar dos nossos amanhãs” (GRAMACHO, 2002, p. 60). No Círculo Psico-Orgânico a energia encontra-se entre os Pontos 3 e 4, na passagem da Identidade Orgânica para a Força. No Ciclo Arquetípico, a vivência é a da Mãe Terra (Reino da Grande Mãe) e da chegada ao Patriarcado. Ou seja, refere-se ao momento em que a Consciência emerge e se confronta com o meio externo. Tanto

a

Função

Sensação

como

a

Direção

Oeste

do

Círculo

Psico-

Energético dizem respeito ao mundo dos sentidos e à possibilidade de desfrutá-los: sentir todos os odores, cores, texturas, temperatura, paladares e com isso aprofundar a vivência do mundo interno e externo. Referem-se à possibilidade de expressar a si mesmo através das ações concretas no mundo. Esse aprendizado se dá também através da aceitação dos limites que

toda

condição

concretização material

proporciona.

transitória

devemos

completamente. 38

Para

transmutar

primeiro

e

conhecê-la

transcender e

a

realizá-la

Ambas falam do elemento Terra, que vincula-se ao princípio feminino, como imagem do útero acolhedor que propicia a encarnação e concretização das energias vitais. Vincula-se ao corpo e a todos os processos vitais, “... à percepção da realidade e a tudo que fornece base e suporte para o crescimento, a tudo que assume uma forma definida e ocupa um lugar no espaço, ao nosso posicionamento existencial” (BERNARDO, 2004, p. 104). Traz à ação, à práxis, ao que é concreto e objetivo. É, portanto, sinônimo de concretizar, ou seja, tornar matéria. Refere-se a uma estrutura firme e sólida, que possibilita a construção do Ego. Portanto “... sua forma e localização são fixas; assim para um conteúdo psíquico, tornar-se terra significa concretizar-se numa forma localizada particular – isto é, tornar-se ligado a um ego” (EDINGER, p. 101). A terra é o que nos dá sustentação e nutrição para crescermos. Ao ser chamada de Grande Mãe, ela nos fala do amor incondicional, do sentimento que resiste a todos os obstáculos. Revela a importância de se nutrir e ser nutrido em todos os ciclos e estações. No Xamanismo a Terra é solicitada nos rituais onde é necessário buscar a força da vida e da encarnação. Quando a terra é excessiva, ocorre o soterramento, de forma que o sujeito não consegue se movimentar no mundo, tornando-se rígido e inflexível. Já quando ausente, trás o desenraizamento, a desconexão com o próprio corpo e a ausência de chão. Somente através dela tem-se a possibilidade de transcender a realidade para compreendê-la e transformá-la. Chegando ao Oeste, a energia se extroverte para que possamos captar tudo o que existe no meio externo. No Noroeste está a Lei em suas diferentes formas, passando pelo respeito a si e ao outro; pelas regras sociais, pelos direitos humanos, pelas leis da física, da ciência e do universo, até o respeito à Grande Mãe Terra e ao Grande Espírito, ou seja, o respeito às leis espirituais. É o lugar do Carma. Aqui Terra e o Ar se encontram e a energia volta-se novamente para o interior para que a Lei proveniente de Ananké, deusa da Necessidade que habita o orgânico profundo, se encontre com a Lei do Tempo, de Kronos. 39

Neles estão as bases das leis espirituais, naturais, humanas, sociais, legais. O Norte é a direção que nos indica o caminho que devemos seguir. É o lugar onde o guerreiro pode aprender com os conhecimentos

dos mestres

ancestrais. Nele está a Sabedoria Ancestral e o conhecimento do Sagrado. Lá se encontra a morada dos Anciões. É o lugar do conhecimento, da beleza e da ressonância harmônica, da imaginação ilimitada e do intelecto, dos sábios. É o local de preces e de agradecimento à nossa linhagem. Aqui a Energia está no Conceito – Ponto 6 do Círculo Psico-Orgânico. No Ciclo Arquetípico, o sujeito encontra-se na Dinâmica Patriarcal no momento em que a imagem arquetípica do Herói é ativada. Neste momento ocorre a passagem do Eu para o Mundo, comprometendo-se com as suas próprias escolhas e com as conseqüências intrínsecas a estas. A Função Pensamento e a Direção Norte têm como princípio regente o Logos, que determina a apreensão clara, lúcida e abrangente. Engloba o conhecimento racional. Ambas referem-se ao elemento Ar, que é um elemento criador, ativo, expansivo e seco, de qualidade masculina. Representa a essência do espírito, uma vez que o ar “... é a força da vida, suporte e sustento para o ser humano. Quando inspiramos, inflando os pulmões, absorvemos o sopro da Fonte da Vida, e quando expiramos, partilhamos esta dádiva com o mundo” (GRAMACHO, 2002, p. 69). Condutor do som, o ar possibilita a existência da música. Ele confere poder a palavra, ajuda a compreender as línguas. Revela a sua presença através de seu movimento que cria as brisas e os ventos, transformando situações estagnadas, varrendo as energias negativas, renovando conceitos e espalhando as sementes e idéias. Manifesta-se também nos aromas, trazendo o refinamento da possibilidade de discernir entre uma coisa e outra. Excesso de Ar trás a dispersão das idéias e dos conteúdos internos, levando à destruição. Sua ausência trás a estagnação, a falta de comunicação e movimento. Mais uma vez a energia psíquica sai do mundo interior e se volta para 40

o

exterior:

O

Pensamento

Extrovertido

esclarece

significados,

julga

o

comportamento humano e trás as palavras de sabedoria para o mundo. O Nordeste alia ao Ar as qualidades do Fogo. Fala das formas que a energia assume e de seu movimento, tanto no mundo exterior como interior. “É o lugar do dançarino, do coreógrafo, de onde podem ser percebidos a evolução e a involução do mundo, a implosão e a explosão de energia, o movimento e o ritmo de cada um” (FRAISSE, 1998, p. 99). De novo a energia se introverte para que possamos nos conectar com a nossa pulsação, nosso ritmo, sendo este fator determinante para a forma como nos movemos na vida. A Direção Leste indica o nascer do sol, que nos provê a energia Yang. Lá é a morada do Grande Espírito, cuja essência nos deu a vida. A tradição xamânica diz que dele viemos e para ele retornamos. O Leste representa o nosso ser espiritual, a centelha divina. Pelo Fogo, o Grande espírito se faz presente em nossa vida de muitas maneiras: na chama da vela que ilumina, no fogo da lareira que aquece, na luz das tochas que abrem o caminho na escuridão da noite. Ele é o fogo das estrelas, cuja essência somos feitos. No

Círculo

Psico-Orgânico

o

sujeito

encontra-se

na

passagem

do

Sentimento (Ponto 8) para a Orgonomia (Ponto 9). Vive a entrada na Dinâmica Cósmica no Ciclo Arquetípico. Neste momento já se percebe como um ser diferenciado, podendo conectar-se com o Todo sem perder a Identidade. Vinculada a Direção Leste está a Função Intuição. É o Fogo Sagrado que a tudo transforma nos auxiliando a enxergar o que precisa ser destruído a fim de que se possa reconstruir a vida de uma maneira mais saudável. Associado com Deus, ele é representante das energias arquetípicas que transcendem o Ego e são experimentadas como numinosas. O fogo também se vincula ao renascimento, como nos mostra o Mito de Fênix: a ave mítica que “... é o símbolo do renascimento através do fogo. Segundo a lenda medieval a Fênix vive na Arábia mas voa para o Egito, o país 41

da alquimia, onde se entrega ao seu ritual de morte e regeneração” (BRUCEMITFORD, 1996. p. 108). Esta é dotada “... de um esplendor sem igual, dotada de uma extraordinária longevidade, e tem o poder de se consumir em uma fogueira, de renascer de suas cinzas. Quando se aproxima a hora de sua morte, ela constrói um ninho de vergônteas perfumadas onde, no seu próprio calor, se queima” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 421/422). O Fogo pode ajudar muito, mas também pode queimar se não tivermos respeito por ele. Através dele aprendemos que tudo tem “Poder”, e se o “Poder” não é respeitado ele se volta contra nós mesmos. No Leste a energia se extroverte, apontando para o caminho do visionário, de onde vem o poder da luz, sendo, portanto, um portal para o espírito. Trás clareza, criatividade, força, espiritualidade e definição de novos projetos ou ciclo de vida. Nele estão os novos começos, que nos levam a trilhar novamente a Roda, em busca de novos conhecimentos e crescimento pessoal. Ele trás a ampliação da consciência, na medida em que ilumina diferentes aspectos do nosso ser, trazendo insights. No Leste vivenciamos a dialética, o jogo e a integração dos opostos. Nele as ligações sutis e não palpáveis entre os eventos internos e externos - a Sincronicidade – se faz presente. É o Leste que nos possibilita vivências temporais e espaciais fora dos padrões usuais. O Sudeste é o lugar da capacidade de amar a si próprio e aceitar-se. Uma vez mais, a energia volta-se para o interior para que possamos integrar as forças do Fogo e da Água, que nos possibilitam ouvir a fala dos ancestrais sobre nós mesmos, indicando qual o caminho a seguir. Aqui o ensinamento aliá-se à nossa capacidade de transformar a herança que nos é dada, de perdoar os erros dos ancestrais e de acolher o que eles podem nos trazer. Na

construção

da

nossa

personalidade,

dispomos

e

organizamos

os

elementos que se fazem presente na Roda de Cura, mas apesar... “... de partimos da mesma matéria prima, cada um de nós os articula de uma maneira única e singular, de acordo com as nossas características pessoais, nossa história de vida, nossas crenças, nossa cultura, nossas vivências e potenciais inatos” (BERNARDO, 2004, P. 125) . 42

Interagimos

com

esses

aspectos

tanto

interna

como

externamente.

Por

meio deles, se dá a ampliação da Consciência, que leva a compreensão de que o Eu e o Outro são aspectos de uma única realidade. As divisões da roda: Os eixos do círculo psico-energético e a dinâmica psíquica A Roda Xamânica de Cura configura uma Mandala, cujo o nome vem do sânscrito hindu – idioma antigo da Índia - e significa “círculo”, designando que “... toda figura se organiza ao redor de um centro” (FLAC). Em sua estrutura, a mandala evoca forma, movimento, espaço e tempo. Jung entende a mandala como a representação simbólica do Self, cuja essência somos feitos e da qual nos afastamos para adaptamos ao mundo exterior, buscando retornar a ela para conhecermos a nós mesmos. A mandala , como a Roda Xamânica, é constituída por desenhos geométricos que inscrevem uns nos outros - círculos, quadrados e triângulos -  resultando num grande círculo contendo várias imagens significativas que incorporam a divisão de uma unidade em multiplicidade e a reintegração na unidade, contendo sistemas simbólicos de todos os níveis. Seu desenho circular representa um eterno “pulsar”, direcionado o olho do seu centro para fora, num movimento de expansão energética; e de fora para dentro num movimento de concentração. Essa pulsação acontece num ritmo binário como o do coração humano. Ao fixarmos o olho no centro, entra-se facilmente em um “estado alterado de consciência”, possibilitando a auto cura interior. Quando expandimos o olhar do centro para fora, manifestamos a expansão da energia assimilada, distribuindo-a para o mundo ao nosso redor. Assim, a energia circula nos limites da Roda ora se introvertendo; ora se extrovertendo. Ela fala do ciclo temporal que pode ser observado nas repetições de experiências e eventos em nossas vidas. Quando dividida por uma linha horizontal, indica a divisão do espaço infinito na ordem para prover a vida no tempo, no aqui e agora. Já quando dividida por uma linha vertical, representa a força receptiva, o princípio feminino, sem largura ou profundidade. Tudo é nascido da mulher e o poder ativo e a força conceitual, representam o princípio masculino. 43

A fusão das  duas linhas no círculo formam um terceiro que é uma cruz circundada, demarcando tempo e espaço. A cruz quando contida dentro de um círculo é um símbolo do ilimitado, que representa também as quatro expressões do poder cósmico fluindo para sua fonte, ou os quatro elementos, os quatro corpos, as quatro funções psíquicas em sua natureza extrovertida. As funções psíquicas dividem–se em Racionais e Irracionais formando dois eixos principais em oposição na Roda Xamânica: o Eixo PensamentoSentimento Extrovertidos - vinculado à forma como o sujeito julga a realidade e o Eixo Sensação-Intuição Extrovertidos - referente à forma de percebê-la. O

Eixo

Pensamento-Sentimento

Extrovertido

está

mais

condicionado

à

nossa visão de mundo, ao cultural e ao social. Envolve a maneira de processar as informações, avaliar e definir situações. Assim, o eixo Sul-Norte é o eixo do tonal na visão de Castañeda: ele coloca em ligação a criança e o adulto, o passado e o presente.

Se o diálogo entre

estas duas partes de nós mesmos funciona, a espontaneidade pode se tornar um ato justo, a inocência um conhecimento, e a confiança da criança uma criação no adulto (FRAISSE, 1997, p. 162). É, portanto, “... o eixo da criança que nós fomos, e adulto que nós somos” (FRAISSE, 2004, p. 6). O Tonal vincula-se a tudo aquilo que podemos nomear, o que é manifesto – a consciência, o meio externo, a cultura, aos ciclos, aos ritos de passagem. Delimita tudo o que podemos conceber. Fala das crenças, do que acreditamos ser realidade, do mundo tangível e visível, do real. Neste Eixo, o adulto que fala de si em contato com a própria necessidade (energia da criança), integrando sentimentos e pensamento, trazendo um sentido único e pessoal. O

Eixo

Pensamento-Sentimento

Extrovertidos

e

o

Tonal

relacionam-se

com a forma como concebemos a nós mesmo e ao mundo a partir da lógica objetiva e subjetiva. Ambos referem-se ao que é revelado. O

Eixo

Sensação-Intuição

Extrovertidos

refere-se

às

percepções,

tanto

subjetivas - tendo maior afinidade com as imagens, como às provenientes da concreção e da presentificação dessas percepções. 44

Vinculam-se aos instintos e ao simbólico. O eixo Oeste-Leste é um eixo invisível, espiritual, que pertence ao mundo do Nagual, isto é, invisível, intangível; ele põe em contato o adulto e a criança do sexo oposto ao nosso, e nos permite um crescimento psíquico e espiritual (FRAISSE, 1997, p. 162). O Nagual é o inominável: “... essa parte de nós para a qual não existe nem

descrição

nem

palavras,

nem

sentimentos,

(CASTAÑEDA, in MONTAL, 1986, p. 154).

nem

conhecimentos”

Nele todas as realidades são

possíveis e coexistem numa infinidade de universos. Fala das visões, dos sonhos, dos insights. O Eixo Sensação-Intuição Extrovertidos e o Nagual apóiam-se em dados que se fazem presentes e são captados pela consciência e pelo inconsciente simultânamente. Ambos referem-se à percepção do que está latente, mas presente na consciência, embora ainda não nomeado. O sentido do que emerge do Nagual

– sensações, percepções e imagens

- não tem palavras. Só podem ser nomeados através da conexão entre Eros (Sul) e Logos (Norte), ou seja, pela conexão com o Tonal . Já se dividirmos a roda com um X, teremos outros dois Eixos, trazendo a imagem de uma ampulheta – representando o tempo e a eternidade em movimento. Nesta representação, configura-se duas aberturas: uma para baixo e outra para cima, trazendo a comunicação entre o terreno - abaixo - e o celeste acima. A energia se volta para o microcosmos, para o humano, e se abre para a contemplação, para o divino. O eixo Sudoeste-Nordeste (Água/Terra e Ar/Fogo Introvertidos) fala dos movimentos que precisamos dar aos nossos sonhos e visões para que estes possam Toda

chegar

a

concretização

consciência, começa

trazendo

como

um

novos

sonho

sentidos

distante.

Se

e

possibilidades. não

trouxermos

este movimento, a energia fica estagnada e não pode fazer a passagem para a concretização. O eixo Nordeste-Sudeste (Ar/Terra – Água/Fogo Introvertidos) refere-se a aceitação das Leis e da internalização dos limites. Neste eixo a Lei se vincula 45

a Eros, podendo ser compreendida como proteção e pode ser flexibilizada para atender às necessidades do sujeito. A integração entre estes dois eixos nos trás fala da necessidade de nos responsabilizarmos por nossos sonhos e visões, para podermos acolher suas mensagens e compreendermos seus significados, nos movendo no mundo a partir dos aprendizados que eles nos trazem, mas atentos à realidade. Pois na concretização de nossos sonhos e desejos, necessitamos saber quais os nossos limites e como nos protegemos. Ou no dizer de uma índia norte-americana: ... precisamos chamar de volta à terra sonhos e visões, colocando-os na vida. Em minha terra não podemos pisar às cegas, embalados por visões – ou as cascavéis provarão o contrário. Precisamos estar alertas, atentas para o lugar onde colocamos os pés (ANDERSON e HOPKINS, 1983, p. 145). Os

quatro

Eixos

são

complementares.

Juntando-os,

configura-se

uma

estrela de oito pontas. O

8

é o símbolo do infinito e da imortalidade, representando a

continuidade eterna, sem começo nem fim. Criada pelo entrelaçamento de dois quadrados, a estrela de oito pontas assocía-se a um estado de equilíbrio necessário para que a ordem e a justiça se estabeleçam. Representa o início de um novo ciclo, sendo um símbolo de regeneração psíquica. Seu centro é o centro de toda vida. Dele emana a energia que tudo move: sempre criando, começando,

encerrando;

sempre

movendo,

sempre

continuando.

Integrar

os Eixos é parte da Individuação, da busca da totalidade psíquica. A Roda Sagrada serve como um guia para o autoconhecimento e a busca de autotransformação do homem. Ela nos remete a conexão entre todos os aspectos do universo com sua pulsação contínua. Analisando-a, passamos a valorizar cada passo do nosso caminho e adquirimos uma nova compreensão do nosso processo evolutivo. Se um ponto do caminho se expande, o seguinte se recolhe e, assim, a energia se volta para dentro e para fora, num processo que segue continuamente, de forma que em algum ponto de um caminho, as lições básicas do caminho seguinte começam a emergir. 46

Assim a Roda é cíclica e seu giro contínuo. Ela traduz as formas de cada um “... orientar-se (direção e sentido) e conhecer seu lugar no mundo (localização e missão)” (FRAISSE, 1993, p. 159). Aplicando os conhecimentos de roda xamânica de cura à arteterapia Da mesma forma que existem vária técnicas de utilização da Roda Xamânica de Cura que vão desde a jornada xamânica, passando pelo diálogo com a criança interna, e pela recriação do jogo com as pessoas do passado, chegando ao resgate de alma, e à linha do tempo entre tantas outras; existem várias técnicas que possibilitam o trabalho com o círculo psico-energético e a dinâmica da psique na arteterapia. Os estudos de Jung sobre a Tipologia Psicológica mostram que a adaptação do indivíduo ao meio se dá na medida em que uma das atitudes – extrovertida e introvertida – bem como uma das funções psíquicas são mais diferenciadas que as outras, servindo como ponto de apoio à consciência (Ego). Nesse movimento a parte excluída e rejeitada forma a Função Inferior juntamente com a Sombra (Inconsciente Pessoal) e os Complexos Afetivos. O Círculo Psico-Energético possibilita o diálogo entre a Criança Interior e o Ego (Adulto); entre o Corpo Físico e o Espírito; trazendo a ampliação da consciência e muitos conteúdos para serem integrados. Como cada direção da Roda concentra uma qualidade energética, formada por

uma

atitude

(introvertida

ou

extrovertida)

e

uma

função

psíquica

(elementos da natureza), podemos usar este referencial na leitura simbólica e no direcionamento do processo arteterapêutico, considerando o que cada sujeito precisa ativar e desenvolver em si mesmo na busca de um maior equilíbrio. Num

primeiro

tempo,

pode-se

focalizar

o

diagnóstico

da

Tipologia

Psicológica ou do Ponto do Círculo Psico-Energético mais e menos habitado. Busca-se

através

da

leitura

das

representações

e

da

expressão

corporal

perceber qual a atitude, função predominante e o quanto estas, estão em desequilíbrio, para, num segundo tempo, buscar as funções auxiliares ou os

caminhos

intermediários,

chegando

finalmente

poder

trabalhar

com

a

Função Inferior ou o Ponto oposto ao que é menos habitado. Neste processo, uma gama de materiais e técnicas podem auxiliar o sujeito 47

a entrar em contato com aquilo que precisa desenvolver em si mesmo. Como cada direção do Círculo tem uma atitude e uma função predominante, podemos pensar na qualidade energética do elemento que a representa, bem como os materiais e técnicas que a focalizam. Segue alguns exemplos que podemos utilizar isoladamente ou com a Roda: Partindo da Direção Sul, focalizando o Sentimento Extrovertido, temos a Água, que pode ser usada para rituais de batismos e banhos, possibilitando o sujeito soltar o prazer da criança, trazendo o lúdico. A pintura com as mãos trazem essa qualidade sensorial da Criança Interior. No Sudoeste, buscando a introversão do Sentimento, o trabalho com manchas na água (xadrez líquido, cola colorida diluída em água, ecoline ou aqualine sob canson molhado; ou a mistura de nanquim com álcool sob papel canson) levam a introspecção profunda e abrem para a projeção nas manchas que se configuram livremente. A aquarela e o guache aguado também entram nesta função, já que impedem o controle racional sobre as imagens que se formam, facilitando as projeções inconscientes.

Experimentação com água em Grupo

48

O foco do trabalho é o mergulho no inconsciente seja através das imagens, seja pelo movimento, pelo toque ou pela música. Na transição entre os pontos está a lama. Ao chegar ao Oeste, a energia se extroverte para que o sujeito possa conectar-se com as possibilidades do universo sensorial. Aqui a qualidade energética da Água conecta-se com a Terra, ganhado densidade, incorpando. Torna-se, então, Argila. Esta é representada míticamente na figura de Céramo, o filho de Dioniso e Ariadnes que nasceu no Hades (BRANDÃO, p. 201).

Xadrez Líquido com Água

A Argila é o material central do Oeste, Reino da Grande Mãe Terra. Quanto mais próxima do Sul, ou seja, misturada com a água, mais próxima da qualidade de lama, trazendo a sensualidade do contato corpóreo. Ainda usando a argila, o trabalho com a ocagem também toca este ponto, de forma que a retirada de conteúdos forma um corpo oco, onde novas formas podem ser esculpidas e recolocadas. Aqui trabalha-se junto ao solo, à mãe terra. Busca-se o ritmo e as danças tribais. As músicas que têm ritmos bem marcados. 49

Trabalha-se com a exploração sensorial com texturas utilizadas de formas diversas; e a pintura corporal. Utiliza-se também sementes, produtos da terra, para serem separadas e constituírem formas. Ao se aproximar do Noroeste, a massa corrida, a massa biscuit, a massa de sabonete, o gesso, a massa de modelar, são materiais que ganham forma e secam rapidamente em contato com o ar. No Noroeste, a atenção volta-se para dentro. É necessário foco, atenção, concentração e disciplina. As técnicas impõem a obediência por si só, a partir da resistência do próprio material, como é o caso de entalhe em madeira ou da utilização de arames grossos. Já o trabalho com a lei focaliza a utilização de espaços delimitados, desenhos com regras e temas, materiais escolhidos previamente com objetivos claros. O mosaico feito com os mais diversos materiais fala da necessidade de foco e atenção, delimitação de espaço, que a técnica exige. Quando se aproxima do Norte, a qualidade da terra se esfarela e chegamos

Modelagem em Argila

Ocagem

Mosaico com casca de ovo

50

ao trabalho com a areia e o sopro. A criação de superfícies de areia natural ou colorida desenhadas sobre vidro e de sua transformação, trazem o limite de um material leve que cai e exige precisão para que as formas possam se manter. No Norte, o trabalho focaliza a respiração – inspirar e expirar, que pode ser acompanhada de técnicas de imaginação ativa, ou de objetos como balões, que possibilitam o encher e o esvaziar. Também o sopro é focalizado - soprar tinta no canudo sobre pano, soprar farelo de giz de cera ou pastel sobre papel; ou o sopro de pó de crepom sobre imagens feitas com cola; ou ainda de bolhas de sabão em cores e formas diversas. A energia

se

extroverte

na

expressão

estratégica

do

pensamento,

na

entonação de músicas e na utilização de instrumentos de sopro. Já os móbiles e vitrais trazem a relação entre equilíbrio, estratégia e o mundo das idéias.

Sopro

Móbile

No Nordeste, o sujeito volta-se para si, podendo ouvir a si mesmo. Aqui ouvimos o som do nosso próprio corpo e podemos expressá-lo por meio da dança livre com panos leves, fitas e balões, que trazem a fluidez dos movimentos integrados ao Ar. Desenhos com tintas em folhas grandes ou no chão com fitas e cordas, trazem a qualidade da soltura do movimento. 51

Chegando extroverte

ao no

Leste,

o

trabalho

fogo com

se cores

quentes. Todos os rituais de dança em volta da fogueira, ou de queimar cartas e imagens em caldeirões se encaixam neste momento. Também os trabalhos de contemplação, onde se sai de um mergulho profundo para reverenciar o Cosmos integra este ponto. Finalmente

Dançando com panos

no

Sudeste,

o

fogo

brando da vela revela o poder do fogo transformador. esfria,

mas

mantêm

aquecido,

transformando,

Este purgando

não -

queima destruindo

nem as

diferenças, extinguindo os desejos, reduzindo ao estado primeiro da matéria. É o fogo de Héstia. As

técnicas

que

envolvem

o

fogo

neste

momento

possibilitam

uma

introspecção. É o caso de passar o papel sob a chama da vela, contemplar as manchas e completar a imagem com pastel seco. Ou de derreter o giz de cera na chama da vela, desenhando sob pano ou papel. Aqui pode-se trabalhar com genogramas realizados a partir da escolha de cores, objetos e formas, buscando a relação entre o sujeito e os ancestrais. Trabalha-se,

também,

composição

da

representadas

com

linha

por

da

fotos,

a vida,

músicas,

desenhos, figuras - e o ciclo da própria existência

com

diferentes

materiais,

tendo como propósito a resignificação da Sul

própria

vida. Aproximando-se

podemos

trabalhar

com

a

do cera

derretida, sob o papel ou com giz de cera pingado na água. 52

Queima de Cartas

Assim fecha-se a Roda, mas não as possibilidades de materiais e técnicas que vão se encaixando em cada um destes momentos. Outro trabalho realizado em Arte Terapia é a construção de uma Roda Xamânica,

através

de

altares

elementos

correspondentes,

de

cada

integrados

a

Ponto outras

Cardeal,

utilizando-se

representações

dos

simbólicas

referentes a estes. Tal qual para os índios norte americanos, este trabalho edifica uma representação simbólica do Universo e da Mente Universal, uma vez que a Roda é um mapa da mente.

Trabalho com genograma

Cera Derretida

Altar da terra

53

Perceber qual altar que você mais habita, tendo mais elementos seus e, por isso, poder doar ao grupo esta energia; bem como ir de encontro ao altar do qual você possui menos elementos, criando orações que possibilitem a busca da ativação desta outra energia; é uma forma de retirar o excesso de energia da Função Psíquica Superior e buscar puxar a Função Inferior, expressando-se a partir dela. CONCLUSÃO: Sendo um dos sistemas mais antigos da humanidade, a Roda Xamânica de Cura trás em si o pulsar da vida em movimento, contendo as energias da Terra (os Reinos Animal, Vegetal e Mineral), do Ar e da Água e do Fogo. Segundo a tradição Tupy Guarany, nossos corpos são tecidos pela Mãe Terra através da energia desses elementos. Assim somos feitos da Terra (de onde é tecido o nosso corpo, cujo o coração tem o pulsar no ritmo do coração da Terra), pelo Ar (de vem nossa respiração), pela Água (que é o meio líquido fluido de nosso corpo - o sangue) e pelo Fogo (que trás a essência das estrelas e se localiza na região do plexo). Depois, temos nossa pele vestida com as cores do Arco-Íris, nossos ancestrais primeiros, tataravôs do mundo. Nossa essência é, então, inicialmente tecida por fios divinos. Ao nascermos novos fios se juntam ao nosso eu - tecidos pelas palavras e pelas mãos humanas. Estes últimos têm o poder de criar e destruir. Tais fios formam pedaços vivificados pelo nosso espírito. É nestes ensinamentos tão antigos, que Jung (1921) se apóia para traduzir a Dinâmica da Psique Humana. Ele equipara os movimentos de expansão e interiorização da Roda de Cura, em extroversão e introversão, vinculando-o à energia dos quatro elementos da natureza. Tais energias estão presentes em todos nós desde o nascimento, mas as atualizamos de maneiras diferentes, de acordo com a nossa história e reação ao meio externo. Posteriormente, Anne Fraisse, traz o conhecimento Roda de Cura para a prática clínica, como um instrumento de trabalho. Somando os dois conhecimentos, percebemos que o pulsar da Roda traz um novo olhar para os Tipos Psicológicos, uma vez que os pontos onde a energia se introverte, integra dois elementos da natureza, o que abre espaço 54

para novas reflexões acerca da utilização da Tipologia Psicológica de Jung. De toda forma, tanto como leitura simbólica, como pelo arsenal de materiais e técnicas que os diferentes canais expressivos possibilitam, a Roda Xamânica é um material precioso para o arteterapeuta, favorecendo o mergulho interior e a ativação de conteúdos poucos conhecidos pela Consciência. Percorrer a Roda Xamânica é percorrer o Caminho do Guerreiro – a Jornada de Auto-Conhecimento, ou seja, o percurso rumo à Individuação. Cada posição da Roda faz um convite para que cada um experimente a si mesmo, estabelecendo novos relacionamentos, novas idéias, e novas maneiras de se enxergar a vida. Explorando-a enxergarmos a nós mesmos como um ser multidimensional. Somos convidados a criar nossas próprias vidas, traçando a nossa história e nos responsabilizando por ela, por quem somos e por quem nos tornamos. Para tanto, cabe a cada um, num primeiro momento, discernir o que em si mesmo foi tecido pelos fios divinos (o Self) e o que foi tecido pelos fios humanos, para posteriormente, poder perceber o que se tem feito de si mesmo com os fios que lhe foram dados, podendo buscar o que nos falta para chegar mais perto da completude. Ana Luisa Baptista é Psicóloga Clínica (CRP 05/23146), Arteterapeuta credenciada a AARJ; Especialista em Psicologia Junguiana pelo Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação – IBMR; Psicoterapeuta Corporal em Análise Psico-Orgânica pela EFAPO (École Française D’ Anályse Psyco-Organyque) e pelo CEBRAFAPO (Centro Brasileiro de Formação em Análise Psico-Orgânica); Formadora de Terapeutas em Arteterapia desde 1996, com turmas no Rio de Janeiro e Florianópolis; Dinamizadora de Grupos de Estudos e Vivenciais em Arteterapia; Coordenadora do Home Care Terapêutico e supervisora do Projeto de Estimulação Sensorial para Portadores de Alzheimer do Incorporar-te: Espaço Terapêutico das Artes; Membro Fundador e Diretora Executiva do CEPAES – Centro de Estudos e Pesquisa em Artes, Educação e Saúde; Coordenadora dos Atendimentos de ArteTerapia a Crianças e Adolescentes Portadores de Neoplasia e seus Familiares e do Projeto As Formas Marias de Ser, ambos do Setor Psico-Social da Casa Ronald Mc Donald/RJ.

55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, SHERRY RUTH e HOPKINS, PATRÍCIA - O Jardim Sagrado: a Dimensão Espiritual da Vivência Feminina, SP: Saraiva, 1993. BAPTISTA, A. L. - Ciclos Arquetípicos e Círculo Psico-Orgânico na Arteterapia. In Imagens da Transformação. RJ: Pomar Ed, Nº 9, 2002. BERNARDO, P. P. – A Mitologia Criativa e o Olhar: Dando Corpo e Voz aos Diferentes Aspectos do Ser. ARCURI (org.) – Arteterapia de Corpo e Alma. SP: Casa do Psicólogo, 2004. BLOFELD, In Arroyo p.110-111. BRANDÃO, JUNITO – Dicionário Mítico-Etimológico. Vol. 1 – Vozes, Petrópolis, 1997. BRUCE-MITFORD, Miranda – O Livro Ilustrado dos Signos & Símbolos. Livros e Livros, 1996. CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A. - Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. RJ: José Olympio, 1994. CASTAÑEDA, in MONTAL – O Xamanismo. SP: Martins Fontes, 1986. DOURADO, JAGUAR – A Roda Sagrada. EDINGER, EDWARD F. – Anatomia da Psique: o Simbolismo Alquímico na Psicoterapia. São Paulo: Cultrix, FRAISSE, ANNE - Apresentação do Círculo Psico-Energético. Manuel d’ Enseignement d’ Ecole Française d’ Analyse Psycho-Organique – Tome 3, 2ª ed. Paris: EFAPO, 1997. ------------------ – Fonte de Fogo: Ensinamento e Iniciação: Vida, Morte e Renascimento num Percurso Analítico. R.J.: Bapera, 1998. ------------------- – Transcrição do Seminário: Círculo Psico-Energético, Mimeo, Rio II: 2004. GRAMACHO, DERVAL e GRAMACHO, VICTÓRIA – Magia Xamânica: Roda de Cura. São Paulo: Ed. Madras, ������������� 2002. JUNG, CARL GUSTAV – Tipos Psicológicos. Obras ������������������������� Completas, vol VI, Petrópolis, RJ: Vozes. NEIHARDT(1832) , in O Uso de Mandalas na Orientação Profissional,

56

in SOARES, et all – ORMEZZANO (org) - Questões de Arteterapia. PF/RS: ����������������� UPF, 2004. RIBEIRO, M. L.- Terra - Planeta Água. Conferência apresentada no 3º Curso Sobre Águas Minerais, em Poços de Caldas – MG. SACHARNY, SILVANA,– Os Sonhos. Apostila do Grupo Rio I, 2000.

57

58

59

IMAGENS NA PALAVRA

images in word

Angela Philippini Resumo A autora aborda relações entre imagem e palavra .Registra a possibilidade que cada palavra tem de configurar campos simbólicos, que podem ser posteriormente transformados em formas. Ressalta a importância das estratégias de escrita criativa em arteterapia para explicitar estas relações. E descreve a elaboração de livros feitos à mão, no processo arteterapêutico, como um produtivo instrumento de auto conhecimento. Abstract The authoress approaches the relation that exists between images and words. She registers the possibility of each word to characterize a symbolical field that can become a form. To clarify her point of view, she points out the importance of the strategies of creative writing in Art-therapy. She also describes the making of a hand made book in the art-therapeutic process as a productive tool of selfknowledge. “... o menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro, Botando ponto final na frase. Foi capaz de modificar a tarde Botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor!” Manuel de Barros por Manuel de Barros

60

As atividades conhecidas genericamente por “ESCRITA CRIATIVA” são amplamente utilizadas no processo arteterapêutico. Neste

artigo

abordarei

algumas

destas

estratégias,

mas

priorizando

as

experimentações imagéticas em torno da palavra, nas quais a consideramos como um estímulo gerador para chegar a processos visuais e plásticos, sonoros e/ou corporais. Assim abordarei a questão da utilização da palavra além de sua importância como ponte para uma produção literária mais fluente; examinando a função da palavra como fonte geradora na produção de IMAGENS. E neste contexto vou considerar cada palavra como uma

caixa de ressonâncias e significados,

em que cada uma das experimentações, seja com as sonoridades e/ou com seus significados simbólicos, abrirá caminhos para a geração de formas e configurações de afetos, materializados

na multiplicidade das modalidades

expressivas e plásticas. Uma forma habitual de utilizar a palavra no processo arteterapêutico é através de processos de desbloqueio criativo, levando quem experimenta a uma condição propiciatória para que suas palavras gerem mais palavras, sendo

este caminho

propício para a produção e criação de textos e escritas

diversas. O que certamente é um bom exercício criativo, pois este tipo de escrita costuma resultar em benéfico e silencioso diálogo entre quem escreve, e aspectos de sua vida psíquica menos conscientes. Mas aqui vou

preferir enfatizar a palavra como instrumento de produção de

imagens. Deste modo uma sucessão de palavras, tendo ou não significados reconhecidos, através de uma cadeia de associações livres, poderá gerar grupos de imagens, que por sua vez gerarão outras novas imagens. A prosódia, que é a musicalidade natural presente na linguagem verbal, já nos encaminha naturalmente para esse tipo de associação e produção simbólica. E também os tons, timbres, e

sonoridades de cada voz já são suficientes,

se observados com cuidado e atenção, para facilitar

algumas destas trilhas

assossiativas. Cruz e Souza em sua poesia, nos deixou o legado saboroso da célebre frase: “vozes veladas, veludosas vozes”, e mobilizar impressões a partir de sua

trechos

sonoridade, e 61

de

como

este , podem

sua própria

prosódia,

constituída apenas da repetição de quatro palavras. Mas... esta série de quatro palavras, a quantos territórios simbólicos bastante interessantes pode nos levar? Gosto de utilizar no processo arteterapêutico o jogo simbólico propiciado entre e através, segmentos que compõem palavras, como por exemplo: INAUGUR-AÇÃO, palavra composta por três significados distintos, que em seus três segmentos nos dá o sentido geral de “colocar dentro o augúrio”. Como na linguagem cotidiana nem sempre paramos para examinar as palavras etimologicamente, deixamos de ter claro e presente, seus reais significados e algumas de suas possibilidades simbólicas não aparentes à primeira vista. Às vezes uma única palavra pode estar “grávida de significados”. Assim nos processos de escrita criativa, costumo também, dependendo do contexto e campo simbólico abrangido, trabalhar os múltiplos significados e imagens de uma mesma palavra, partindo da percepção de que uma palavra é como uma caixa que contém múltiplas potencialidades simbólicas. Estas possibilidades podem ser desveladas e exploradas aos poucos, e estas descobertas são

guiadas

através da produção de imagens diversas, com a

ajuda de transposição de linguagens expressivas. Para propiciar este tipo de construção férteis

tais

simbólica

considero

que

como:

encantamentos,

algumas

palavras

celebrações,

são

especialmente

calendoscópios,

memórias...

E naturalmente cada arteterapeuta e cliente, a partir de suas subjetividades, construirão sua própria lista. Outra estratégia que considero bastante produtiva terapêuticamente, além desta de convidar o cliente a visitar a palavra nas suas raízes (

etimologia),

é retornar à origens ainda

palavra, sua

configuração

básica,

“o

mais primordiais, a forma visual desenho”

daquele

som,

presente

da

desde

tempos

imemoriais, como atestam os registros dos mitogramas, pictogramas, e ainda hoje em tempos contemporâneos, nas

configurações dos ideogramas da

escrita oriental. No

filme

“O

Décimo

Terceiro

Guerreiro”

o

ator Antonio

Bandeiras,

representa um poeta muçulmano que viajava à terras distantes, consideradas bárbaras pelo Califa a quem servia, e sua função além de escrever poesias, era transmitir notícias e fazer negociações comerciais. Em um dos trechos 62

do filme há um diálogo bastante significativo em que um dos Chefes Tribais, que não escrevia e considerado naquele contexto como povo bárbaro, após um

tempo de

convivência

pergunta: “Então, você é aquele que desenha os

sons?” Esta cena tem para mim um profundo significado, pois penso mesmo na escrita como

um desenho de sons, às vezes de sons externos, dos que se

escuta e dos que nos falam, mas às vezes é uma escrita, ou desenho de sons internos, afetos, impressões e expressões difusas, capturadas e configuradas pela grafia. Como bem nos lembra Clarice Lispector: “A palavra é uma isca para pegar aquilo que é ‘não-palavra’ e quando conseguimos, a palavra cumpriu sua missão...” O Codex de Dresden (abaixo) é o mais importante, belo e complexo dos livros maias. Cinco a oito escribas participaram da composição do livro. Os livros produzidos pela civilização sul-americana maia mostram a sofisticação de sua cultura, e têm uma estreita relação com o trabalho de pintores japoneses. Ao lado, o pictograma “HUN”(livro), representando folhas de papel entre pele de jaguar, usado como capa dos livros.

63

Roland

Barthes

produziu

uma

mostra individual de seu processo criativo, com uma fase expressiva em

que

ia

desconstruindo palavra, imagem,

para

gradualmente a

forma

da

transformá-la

em

através

da

mediação

da cor, e ia materializando sua experiência por meio de escritas diversas,e de que 64

se

grafismos coloridos

transformavam

depois

em manchas e pingos. Habitualmente grafiteiros e pichadores fazem este mesmo trânsito entre palavra e imagem, quando repetem sua rubrica. Seus grafismos são representados como

um registro de logomarca e essa marca,

funcionará como um pictograma ou um “ex-libris” (ícones representativos de

propriedade

de

um

determinado

indivíduo,

para

serem

carimbados

ou colado em livros e outros pertences pessoais) só que no caso dele é “carimbado” nas paredes.

A

palavra

como

particularmente

imagem

presente

na

está cultura

árabe onde a escrita é forma de manifestar

devoção

religiosa

e

temos a caligrafia, palavra formada pelo segmento cali = belo e grafia = escrita como expressão

representação de uma

artística

tão

aperfeiçoada

que através dela se louva à Deus.

65

Considero

que

a

escrita

tem

uma

importante

função

no

processo

arteterapêutico: escrever para compreender a si mesmo... Pois, as palavras guardam

em

sua

essência

imagens

diversas,

que

podem

surgir

em

associações livres, produtos da singularidade e da subjetividade de cada um. E neste contexto, palavras são fontes geradoras, fornecem o fio de Ariadne para a saída de labirintos, e matéria prima para significativas mutações psíquicas. Para auxiliar estes processos de auto-descoberta, uma que

outra

possibilidade

considero extremamente produtiva é usar os materiais expressivos e

plásticos para concretizar um livro especial e precioso. Como cada palavra escrita tem sua sonoridade e seu campo simbólico, poderá ser concretizada de formas diversas. Assim, gradativamente, um livro vai surgindo página por página, até a confecção da capa, que é a fase final deste processo. Estes processos de escrita criativa para construção de “Livros feitos à mão”, são também chamados de “self-books”. A construção

destes

livros

nasce

da

(palavras e melodias) e subjetividade, pela

mescla

entre

mediação da

afetos,

sonoridade

materialidades das

formas dos recursos plásticos e o colorido das imagens, sendo sua aplicação terapêutica

produtiva

em

muitas

situações.

O

simbolismo

no

processo

de construção num “livro feito à mão” é muito rico e abrange desde o significado das imagens escolhidas, passando pelas mensagens das legendas, até a escolha dos tipos de materiais plásticos escolhidos para a capa e para o interior do livro. Os

relatos

surgidos

nos

processos

arteterapêuticos

fornecem

o

contexto,

continente e alguns dos temas mais freqüentes que vejo surgir são intitulados como:

Livro dos Prazeres; Livro do Feminino; Meu mundo; Meus projetos; Ah se eu pudesse...!; 66

Quando eu crescer...; Eu gosto quando...; Sabores da Infância. Memórias... Em realidade existe uma infinidade de outros temas, tantos quantos as subjetividades necessitarem expressar, mas na minha prática como Arteterapeuta estes foram os temas que mais se repetiram. Um “Livro feito à mão” é uma delicada construção artesanal, que requer atenção, paciência, convidando em que

livros

Movimenta

aspectos

eram

a memória a revisitar um tempo ancestral

elaborados página por página manualmente .

arquetípicos

em

sua

construção

tenho visto causar mais impacto positivo nos clientes, construção

expressiva

e para

o

material este

tipo

que de

foi o pano, talvez pelas possibilidades da textura dos

tecidos ativar sensorialidades e reminiscências

vinculadas à situações de

afeto, aconchego e proteção.

Escrita Criativa Concluindo,

em

arteterapia,

a

codificação

de

emoções

e

afetos

pela

palavra, corresponde a mais uma, entre inúmeras, possibilidades expressivas de acesso ao inconsciente, oferecendo canal e continente para sentimentos difusos e muitas vezes desconhecidos.

67

Deste modo escrita criativa em Arteterapia não representa exercício

de

gramática

e

ortografia, mas apenas um produtivo

recurso

para

ativação do processo criador, e

uma

possibilidade

de

configurar novas informações na

consciência. A escrita

oferece meios de estabelecer um efetivo diálogo silencioso do indivíduo e fragmentos seus, muitas vezes sombrios e

desconhecidos,

que

em

cada releitura destes textos produzidos, tornam-se mais claros,

pois

gradualmente

os significados vão sendo apreendidos pela consciência. Assim

no

processo

arteterapêutico, a escrita estabelece as pontes entre os processos primários e secundários de elaboração psíquica, oferecendo vias de acesso para que os conteúdos inconscientes, aflorem à consciência. Outras estratégias abrangidas pela escrita são: livre associação sobre imagens plásticas produzidas e posterior codificação pela escrita, catalogação de imagens através de títulos e criação de textos a partir destes escritos incidentais. Outras possibilidades são desdobradas a partir da estimulação e desbloqueio do processo criador, através de processos de imaginação ativa elaborados a partir de textos, poemas, contos e fábulas, desde que mantenham a conexão ao campo simbólico presente no processo arteterapêutico, para que possam surgir novas imagens, que posteriormente gerarão outros textos próprios. Outras alternativas vão apoiar-se na construção de histórias, geradas a partir de imagens isoladas ou séries de imagens, que por sua vez, quando concluídas poderão ser globalizadas em uma imagem síntese, que também poderá gerar novas histórias em 68

processo alternado e cíclico. Os meios para combinar palavra e imagem são inúmeros. E mesmo quando o cliente atendido não puder fazer uso da escrita por ser analfabeto, ou por ter perdido a capacidade psicomotora da escrita estes recursos serão utilizados com a ajuda do arteterapeuta. No caso do cliente com necessidades especiais na área visual poderão ser agregados materiais com texturas diversas e elementos sonoros e olfativos.

Angela Philippini é psicóloga crp05/1421, arteterapeuta, artista plástica, Diretora da Clínica POMAR de ArteTerapia RJ, Master em Criatividade pela Universidade de Santiago de Compostela-Espanha, Coordenadora da Posgraduação em Arteterapia do convênio Pomar- ISEPE,Coordenadora do Conselho Editorial da Revista Imagens da Transformação, e Presidente da Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro.

69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: NOVAES, SYLVIA CALUBY [et Al] . Escrituras da Imagem. São Paulo, Fapesp: Editora da Universidade de São Paulo (2004) PHILIPPINI,A. Para entender Arteterapia - Cartografias da Coragem, Rio de janeiro, Pomar, (2000) BARTHES, ROLAND. Um artista aprendiz, Rio de janeiro, editora CCBB, (2002).

70

71

IDENTIDADE E MEMÓRIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Caroline Tavares

Identity and memory in the Comtemporaneous society

“No centro estão os germes; no centro está o fogo que engendra. O que germina, arde. O que arde, germina.” (Gaston Bachelard) RESUMO Este artigo pretende relacionar a produção artística da autora com o contexto da sociedade pós-moderna. O processo criativo e a poética apresentados envolvem a escrita, a pintura e o tecer e evocam os conceitos de intersemiótica, memória, corpo e subjetividade. A proposta visa evidenciar a valorização da singularidade e da individualidade no contexto atual, globalizado e com tendência totalizante, e, paradoxalmente, fragmentado. Busca, ainda, verificar como a poética aqui abordada pode constituir um modo de produzir memória, como um meio de imortalizar laços humanos, fragilizados na sociedade contemporânea. E de que forma esse mecanismo de preservação da individualidade opera como uma resistência afirmativa, “prolongando o que Derrida assinalava como sobre-vida (sur-vie).”1

ABSTRACT This article places the author’s artistic production in the context of the post-modern society. The creative process and the poetics here presented encompass writing, paiting and weaving, and evocate the concepts of intersemiotics, memory, body and subjectivity. The proposal aims to highlight the valorization of singularity and individuality in the present context: globalized and with a totalizing tendence, but, paradoxically, fragmented too. The work also aims to verify how the poetics here approached can constitute itself as a way to produce memories, as a means to immortalize human ties, weakened in the post-modern society. Furthermore, we ask in which ways that mechanism of indiduality preservation acts as an affirmative resistence, “enduring what Derrida stated as ‘living on’ (sur-vie).”1 1 Nascimento (2005)

72

INTRODUÇÃO Participar do curso de formação em Arteterapia da Pomar me levou a caminhos trabalho

completamente que



novos.

realizava,

no

Buscava consultório

fundamentar de

e

psicologia,

enriquecer onde

o

utilizava

materiais expressivos como ferramenta. Mas, além disso, toda a minha vida foi enriquecida pela possibilidade de criar. Desde criança tinha afinidade e intimidade com os fios. Porém, em algum momento, passei a não valorizar essa minha habilidade, embora tivesse muito prazer com ela. Durante a formação pude retomar contato com os fios e ingressei em um curso de tecelagem. Aprendi técnicas novas, consegui permissão própria para criar com fios e lembrei que a única bisavó que conheci tinha sido tecelã numa fábrica de tecidos. Paralelamente experimentava outros materiais e técnicas e me identifiquei com a pintura. Dediquei-me ao estudo prático e teórico da pintura sempre buscando

um

caminho

próprio,

uma

identidade

plástica,

uma

assinatura.

Passei a incluir a escrita nas pinturas e, mais tarde, a pintura transformouse em suporte para a publicação da escrita e do tecer. Senti que estava no caminho certo. Participei de algumas exposições coletivas e uma individual “Fios de Palavras”, e sigo pesquisando e praticando. Contexto Histórico A poética aqui abordada se insere na época atual fazendo parte de uma dinâmica que tem origem na Modernidade, com as “démarches” de Mallarmé, Apollinaire, Braque e Malevitch.

Momento em que as diversas

linguagens artísticas voltam-se para elas mesmas, rediscutem seus paradigmas e propõem novas soluções; momento em que o artista questiona a mimesis e, por conseguinte, o compromisso da arte com a representação; momento em que a palavra passa a ter outra função na poesia e, ao mesmo tempo, os elementos pictóricos também passam a ter uma outra função para a pintura. A essa Modernidade, que se inicia na metade do século XIX e termina em meados do século XX, segue-se uma Segunda Modernidade, esses dois períodos de nossa história recente são o objeto de inúmeras teorias que servem de fundamento para essa pesquisa. 73

A globalização é fato, é conseqüência do progresso tecnológico e é causa da mudança de paradigma e do comportamento e valores humanos. Os avanços tecnológicos e os seus benefícios nos campos da saúde, da comunicação e tantos

outros,

não

podem

ser

desvalorizados.

No

entanto,

preocupa-me

um pouco a ética duvidosa, a competição e o consumismo acirrados que também se apresentam. Zigmunt Bauman, sociólogo polonês, em seu livro Comunidade (2003), escreve que a pós-modernidade é regida “pelos poderes sedutores do excesso”.

Não obedeço a essa lógica.

seduzem; me incomodam, inclusive os meus. Ainda com

de

acordo

Bauman

(1999:

18), “a modernidade é o que é – uma obsessiva marcha adiante – não porque

sempre

queira

mais, mas porque nunca consegue

o

bastante”.

Denomina atual

de

a

época

“modernidade

líquida”,

metáfora

associada

à

mobili-

dade e à inconstância e sugere que “lidar com o excesso é o que passa, na

sociedade

tardia,

por

individual forma

– de

moderna liberdade a

única

liberdade

conhecida pelos homens e

mulheres

de

nosso

tempo”. (Bauman, 2003: 119) E a contrapõe à “modernidade

sólida”,

momento

anterior 74

Os excessos não me

onde o “derretimento dos sólidos levou à progressiva libertação da economia [...] Sedimentou uma nova ordem, definida Principalmente em termos econômicos.” (Bauman, 2001: 10) Em Anthony Giddens (2002), temos os conceitos de política emancipatória e do surgimento do que o filósofo inglês chama de política-vida, que também supõe emancipação. Desde o início do desenvolvimento da era moderna, o dinamismo das instituições

modernas

estimulou

idéias

de

emancipação

humana,

e

até certo ponto foi promovido por essas idéias. [...] Defino a política emancipatória como uma visão genérica interessada, acima de tudo, em libertar os indivíduos e grupos de limitações que afetam negativamente suas oportunidades de vida.

Ela envolve dois elementos principais:

o esforço por romper as algemas do passado, permitindo assim uma atitude transformadora em relação ao futuro; e o objetivo de superar a dominação ilegítima de alguns indivíduos e grupos por outros. [...] A política emancipatória opera com uma noção hierárquica do poder [...] A política-vida [...] é uma política de escolha.

Enquanto que a política

emancipatória é uma política das oportunidades de vida, a política-vida é uma política do estilo de vida. A política-vida é a política de uma ordem reflexivamente mobilizada – o sistema da modernidade tardia – que, num nível individual e coletivo, alterou radicalmente os parâmetros existenciais da atividade social.

É uma política de auto-realização num

ambiente reflexivamente organizado, onde a reflexividade liga o eu e o corpo a sistemas de alcance global.

Nessa arena de atividade, o poder é

gerador e não hierárquico. [...] Para dar uma definição formal: a políticavida refere-se a questões políticas que fluem a partir dos processos de

auto-realização

em

contextos

pós-tradicionais,

onde

influências

globalizantes penetram profundamente no projeto reflexivo do eu e, inversamente,

onde

os

processos

de

auto-realização

influenciam

as

estratégias globais. (Giddens, 2002: 193-197)

Já a teoria de Stuart Hall, um dos fundadores dos Estudos Culturais, faz-se pertinente na medida em que o autor descreve identidades diferentes para épocas diferentes, em que o sujeito sociológico da modernidade transformase no sujeito pós-moderno, como descrito a seguir: 75

[...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. [...] Estas transformações estão mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados [...] como nosso mundo pós-moderno, nós somos também ‘pós’ relativamente a qualquer concepção essencialista ou fixa de identidade [...] O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades. (Hall, 2005: 7-12)

O Processo Criativo A escrita é a primeira fase do meu processo criativo. As palavras e textos que insiro em meus trabalhos são fragmentos de escritos, geralmente, reflexivos ou de desabafo, mas também de amor. Todos têm significado especial pra mim e estão repletos de carga afetiva. O que é escrito fica guardado numa espécie de acervo de memória pessoal. No segundo momento, é feita uma busca nesses arquivos mnemônicos, visando capturar palavras/frases que sejam sonoras, que tenham ritmo e ressonância afetiva, para que sejam publicadas junto com a pintura e com a trama.

No momento em que, num texto, pinço fragmentos, essa escrita

torna-se poesia; no momento em que é inserida na pintura, assemelha-se à poesia visual. O motivo pelo qual retiro fragmentos dos textos é que não me agrada a idéia de tornar público o texto na íntegra, revelando intimidades. Os fragmentos falam por si, contém mensagens próprias e são sonoros, portanto dispensam a íntegra. A pintura se caracteriza pela expressão espontânea e informal, além da apropriação dos acasos.

No processo criativo algumas características como

a composição, as diferentes faturas e cores são modificadas, e a pintura conforma-se em ser fundo, em ser suporte para as outras linguagens que serão inseridas. O tecer produzido evoca elementos de minha memória pessoal e afetiva. A partir de um olhar contemporâneo, essa prática artesanal e ancestral é reconstruída.

Essa trama surge, então, numa relação dinâmica com a escrita e 76

a pintura.

Sua função não é mais utilitária ou decorativa, como originalmente.

Agora é linguagem, a obra está aberta a infinitas leituras. No contexto específico das três práticas envolvidas no processo poético seguem-se as seguintes referências teóricas, iniciando-se com a escrita:

A escrita será salva não em virtude de seu destino, mas graças ao trabalho que terá custado.

Começa-se então a elaborar-se uma

imagística do escritor-artesão [...] exatamente como um lapidário extrai a arte da matéria [...] onde o lavor da forma constitui o sinal e a propriedade de uma corporação. [...] Esse valor-trabalho substitui um pouco o valor-gênio [...] escrita artesanal [...] por um lado, constrói a sua narrativa por sucessão de essências [...] elabora um ritmo escrito, criador de uma espécie de encantação que, [...] toca um sexto sentido, puramente literário, interior aos produtores e aos consumidores de Literatura. (Barthes, 2004: 54-55)

Observa-se no trabalho, que a maneira inabitual de inserção do texto, no suporte, abre possibilidades para além de um discurso linear, isso se deve também à existência de outro discurso, o tecido pelo fio, que é inserido no mesmo suporte, tornando clara a sua condição de obra aberta, como Umberto Eco esclarece: [...] o discurso aberto se torna a possibilidade de discursos diversos, e para cada um de nós é uma contínua descoberta do mundo. [...] o discurso aberto tem como primeiro significado a própria estrutura. como

fonte

de

Assim, a mensagem [...] permanece sempre informações

possíveis

e

responde

de

modo

diverso a diversos tipos de sensibilidade e de cultura. (Eco, 2005: 280)

No âmbito da pintura, “a posição do abstracionismo informal [...] entende a ação do artista como resultado do livre exercício da subjetividade [...]” (Cocchiarale e Geiger, 2004: 21). 77

O tecer é um elemento importante da poética porque é uma prática que evoca tanto um lado mítico quanto artesanal e ainda familiar, estreitamente ligado à memória.

A leitura de Campbell enriquece a fundamentação, visto

que esse autor afirma que: [...] o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que

nossas

experiências

de

vida,

no

plano

puramente

físico,

tenham

ressonância no interior de nosso ser e de nossa realidade mais íntimos [...] mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana. (Campbell, 1998: 5)

Especificamente sobre o tecer e a mitologia envolvida: Fiando incessantemente, a fiandeira construiria para si a possibilidade de introduzir-se num outro mundo. Seria aquele do sagrado [...] As Moiras, desde muito cedo na religião helênica, com altares consagrados [...], aliam o sagrado e o humano. [...] Tempo curto ou longo, silêncios e gritos: tempo de uma função, sempre a mesma, única – a mulher fia desde as eras mais remotas.

A língua nasceu desse tempo contido no fiar primitivo.

Vozes

múltiplas nascidas na cabeça daquela cujas mãos não cessam de ir e vir. Língua primitiva: mythos e logos.

O falar, o escrever em si. [...] O corpo,

voltado para a leitura, para a escrita, iria referir-se ao tema mítico das Fiandeiras e seria, ele próprio, o fio prodigioso que se fia. [...] todo esse nada do qual é preciso fabricar nossa qualquer coisa na conivência do fio e do verbo. [...] escrita-fiação. [o fio] É o vínculo entre o abstrato e o concreto. [...] A voz – nossa voz que alimenta a meada com o fio da nossa história; a voz em si mesma, mágica roca do tempo – convoca-nos incessantemente, também, à escrita do que se apresenta como gritos e sussurros, chamados e rugidos.

A voz segue um desenrolar e marca com sua assinatura os

encontros da pessoa consigo própria, ou com ouvintes-leitores que, ao escutá-la, reconhecerão, sem sombra de dúvidas, a voz do autor.

A voz:

eco das origens, fia a inocência essencial do self, dos silêncios eternos.” (Brunel, 1997: 373-383)

Conceitos Relacionados A respeito da intersemiótica, a leitura de textos de Julio Plaza promove uma discussão interessante acerca da interação entre as linguagens na época contemporânea. 78

Na

modernidade,

desde

os

círculos

simbolistas

que

cultivavam

a

sugestividade, de Rimbaud e Mallarmé, seguindo o exemplo de Baudelaire até Kandinsky, os artistas desenvolviam experiências entre os sentidos.[...] O século XX é rico de manifestações que procuram uma maior interação entre as linguagens. [...] a arte contemporânea não é, assim, mais do que uma imensa e formidável bricolagem da história em interação sincrônica, onde o novo aparece raramente, mas tem a possibilidade de se presentificar justo a partir dessa interação. (Plaza, 2003: 11-13)

A memória não é apenas um receptáculo de recordações. registrado

pode

ser

transformado

através

da

capacidade

O que está de

imaginação

e reflexão. A memória retém dados que estão relacionados a conteúdos vivenciais.

A integração dessas referências torna possível o processo de

conscientização. Jung (2000: 29) coloca que não se pode falar de consciência sem ter um eu como referencial. “Mas o que é o eu? É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória.” Para Fayga Ostrower, “[a memória] consiste de símbolos [...] que resultam de processos altamente dinâmicos e reformuladores, através dos quais os eventos são interpretados e abstraídos dos aspectos concretos, para guardar o resíduo essencial, o sentido relevante da vivência.” (Ostrower, 1990: 261) Tanto a memória quanto os acasos estão relacionados à seletividade interior.

É essa seletividade – caracterizada por interesses e experiências

pessoais, que determinará quais os acasos apresentam ressonância interior e, conseqüentemente, significado. [...] embora jamais os acasos possam ser planejados, programados ou controlados de maneira alguma, eles acontecem às pessoas porque de certo modo já eram esperados. são

de

todo

inesperados



Sim, os acasos são imprevistos, mas não ainda

que

numa

expectativa

inconsciente.

(Ostrower, 1990: 4)

Os acasos significativos apresentam caráter afetivo e são descritos como “ecos do nosso próprio ser sensível.” (Ostrower, 1990: 1) à lógica do acaso, mas seleciona.

A memória obedece

O acaso determina o que é armazenado 79

diante da infinidade de possibilidades.

Quando há necessidade de lembrar

de algo, o acervo de memória é consultado, e o que determina o que será pinçado de lá é a seletividade característica da memória. Em Modernidade e Identidade, Giddens aborda a temática da memória partindo da noção de tradição.

Ele relaciona tradição à memória, levando em

consideração o conceito de memória coletiva de Maurice Halbwachs, que envolve ritual e apresenta conteúdo emocional.

80

A memória, como a tradição [...] diz respeito à organização do passado em relação ao presente. [...] o passado não é preservado,

mas

continuamente

reconstruído,

tendo

como

base o presente. Essa reconstrução é parcialmente individual, mas, mais fundamentalmente é social ou coletiva [...] desse modo, a memória é um processo ativo, social, que não pode ser apenas identificado com a lembrança [...] a tradição é um meio organizador da memória coletiva. (Giddens, 1995: 80-82)

A noção de corpo e subjetividade na época contemporânea pode ser fundamentada com as teorias de Hall e Giddens.

Encontra-se no primeiro as

concepções de sujeito sociológico e sujeito pós-moderno que se referem, respectivamente, à modernidade e à contemporaneidade.

O sujeito [sociológico] ainda tem um núcleo ou essência interior que é o ‘eu real’, mas este formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem. [...] A identidade, [...] estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos

reciprocamente

mais

unificados

e

predizíveis.

[...]

O

sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. [...] Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. (Hall, 2005: 10-13)

Já Giddens mostra-se relevante ao tema quando trata da questão do corpo na modernidade tardia: 81

[...] o corpo não é só uma entidade física que ‘possuímos’, é um sistema de ação, um modo de práxis, e sua imersão prática nas interações da vida cotidiana é uma parte essencial da manutenção de um sentido coerente de auto-identidade. [...] Em relação ao eu, o problema da unificação refere-se à proteção e à reconstrução da narrativa da auto-identidade diante das intensas e extensas mudanças que a modernização provoca. [...] Como o eu, o corpo não pode mais ser tomado como uma entidade fisiológica fixa,

mas

está

profundamente

envolvido

na

reflexividade

da

modernidade. [...] O corpo, como o eu, torna-se o lugar da interação,

apropriação

reflexivamente

e

reapropriação,

organizados

ao

ligando

conhecimento

processos especializado

sistematicamente ordenado. (Giddens, 2002: 95-200)

CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo criativo e a poética aqui abordados relacionam-se à produção de

identidade,

subjetividade

e

memória.

O

valor

conferido

ao

que

é

subjetivo vincula o trabalho a uma “quase necessidade” de preservação da intimidade, da individualidade, da identidade, enfim, do que possibilita a

noção

de

inteireza;

numa

realidade

globalizada

onde

coexistem

uma

unidade hipotética e uma real fragmentação. Como uma marca, os fios de palavras engendram maneiras através das quais vivencio prazeres e sombras, fazeres e silêncios. Esse tecido resultante é como uma identidade; preserva minha individualidade através da construção de memória pessoal e coletiva. A produção pode ser vista, então, como uma tentativa de corporificação da subjetividade que torne possível o elo entre o abstrato e o concreto, o espontâneo e o sistemático, o sagrado e o humano. Talvez esse seja o meio que encontrei de transcender a tensão e integrar dois lados que, por vezes, parecem opostos. Refletir sobre esse trabalho me dá a sensação de ter alcançado o que procurava, aquela assinatura. Mas, como o caminho ainda não terminou, muito ainda há para ser procurado, descoberto, transformado. De qualquer forma, segundo Barthes, o estilo está relacionado à identidade, à singularidade e à memória, como se segue: 82

sob o nome de estilo, forma-se uma linguagem autárquica que mergulha apenas na mitologia pessoal e secreta do autor [...] seja qual for seu refinamento, o estilo tem sempre algo de bruto: ele é uma forma sem destino, é o produto de um surto, não de uma intenção [...]suas referências estão no nível de uma biologia ou de um passado [...] funciona à maneira de uma Necessidade [...] que se elabora no limite da carne e do mundo [...] o estilo é propriamente um fenômeno de ordem germinativa, é a transmutação de um Humor [...] o estilo só tem uma dimensão vertical; mergulha na lembrança enclaustrada da pessoa, compõe a sua opacidade a partir de certa experiência da matéria. (Barthes, 2004: 10-11)

Caroline Tavares é Psicóloga, Arteterapeuta e Artista Plástica

83

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Julio.

Tradução

Intersemiótica.

84

São

Paulo,

85

Arte-Educação Ambiental: outra via do conhecimento. Cláudia Fleury

Art-enviromental education: Another way of knowledge

Resumo Apresentação da Arte-Educação Ambiental, novo caminho pedagógico cujo objetivo é auxiliar na superação da crise sócio-ambiental que assola a vida no planeta Terra. Ao entender o presente momento de convulsão planetária como resultado de deficiência da percepção humana, produzida a partir de um modelo epistemológico predominantemente racionalista, busca-se outra forma educacional, em que predomine o sentir, o perceber, o imaginar e o criar. Apresenta o “fazer-artístico” como o fio condutor que guiará os indivíduos neste novo sentido, levando-os a uma convivência mais significativa com tudo que os cerca, promovendo assim a re-ambientalização do ser humano no mundo.

Abstract The text presents the Art-Environmental Education, a new pedagogic way whose aim is to help to overcome the socio-environmental crisis that devastates life in planet Earth.  On understanding the present moment of planetary convulsion as a result of a deficiency in the human perception that has been produced through a epistemological model that is mainly rationalist, we search another educational form where feelings, perception, imagination and creativity are preponderant.  It presents the “artistic-making” as a conducting thread that will guide the individuals in this new direction, taking it to a more significant sociability with everything that surrounds us, in this way promoting an other integration of the environment of human beings in the world.

Uma nova proposição A intenção deste ensaio é buscar um novo paradigma sócio-educacional, que já vem sendo gestado na mente de alguns pensadores:

educação que

promova o desenvolvimento integral do indivíduo e que tenha as atividades artísticas

como

instrumento

pedagógico,

suprindo

a

deficiência

do

atual

modelo cientificista e racional, que, através dos séculos, levou à fragmentação 86

da percepção humana. Visa, também, realizar apontamentos sobre o modelo social contemporâneo, seus valores,

a concepção de conhecimento vigente

e a forma de promovê-lo, mostrando que ele não mais responde, de forma positiva, aos problemas e necessidades emergentes. O homem moderno, graças a sua formação dicotomizante,

percebe-se

distanciado do mundo, agindo de forma alienada, indiferente ao resultado de suas ações. Vivemos à distância da própria vida, para dominá-la, inseridos em um contexto que artificializa. A própria condição humana, nesta distância, torna-se presa da artificialidade, enquanto modo de ser e de conhecer que separa, divide, recorta para submeter o mundo ao Ego (Sardi, 1999, p.157).

O novo projeto de educação, que chamaremos aqui de Arte-Educação Ambiental, tem como alvo reintegrar o indivíduo ao seu meio, articulandoo à sua realidade e tornando-o construtor do seu conhecimento a partir da sua práxis. Propõe o fazer-artístico como um instrumento para

desenvolver

uma nova percepção e atuação no mundo, mais holísticas e integradoras, modificando para melhor o teor das relações homem-homem e homemambiente. Superar a crise civilizatória

pela qual atravessa o planeta Terra é de

suprema importância para toda a coletividade! Este ensaio indica rumos e sua relevância reside no fato de que os caminhos apontados por ele não demandam

investimentos em tecnologia e não implicam em consumo de

energia material, sendo, portanto, acessível a todos os povos de todas as nações, sejam do Sul ou do Norte. A saída é uma trilha de volta para dentro de si-mesmo. A resposta está no interior do ser humano e no desenvolvimento de posturas perante a vida, que se implementarão

nova ótica, valores e

por meio da Arte-Educação.

Uma educação que valorize os potenciais de cada um, por meio de um fazer

despertando-os

consciente; um fazer para o qual o indivíduo seja

solicitado por inteiro; um fazer que trespasse todo o ser e onde conhecedor e conhecimento sejam uma só realidade, que se transforma em um processo contínuo de descoberta e estruturação. 87

Minha formação acadêmica em Artes Visuais e em Arteterapia e minha experiência

profissional

como

arte-educadora

e

arteterapeuta

me

despertaram para este tema. Os dezesseis anos de vivência nesta área do conhecimento

humano

têm

me

mostrado

que

as

atividades

artísticas

e

expressivas são poderosos recursos de formação e de transformação de valores e posturas. Bebendo em fontes bibliográficas, busquei a base para os meus apontamentos na teoria Sistêmica, encontrada nos pensamentos do físico Fritjof Capra, que

compreende a realidade através de uma abordagem

transdisciplinar dos sistemas vivos. Parti, em seguida, para uma linha de pensadores e educadores holísticos: Leonardo Boff, Sérgio Sardi, Ubiratan D’Ambrósio, Vânia Osório, Cristina Allessandrini, Susan Bello

e outros, que concebem o desenvolvimento da

personalidade associado à idéia do despertar e do cultivar das múltiplas potencialidades do ser humano, acreditando que

é preciso trabalhar seus

aspectos emocional, intuitivo e sensorial, tanto quanto o intelectual. Finalmente, sustentei este aparato teórico na minha prática como arteeducadora, em aula vivencial denominada Oficina Integrada. Crise civilizatória e revoluções conceituais No entendimento de Capra (1996), a crise civilizatória pela qual atravessa o planeta Terra deriva da aplicação do conceito de uma visão de mundo mecanicista,

fragmentada

e

obsoleta

relativamente

a

uma

realidade

globalmente interligada, vista como sistêmica. A teoria Sistêmica entende um sistema como um todo integrado cujas propriedades

essenciais

surgem

à fascinante conclusão de que

das

relações

entre

as

partes,

chegando

existe uma interdependência entre cada

organismo vivo no universo e de que o homem faz parte desta imensa rede de relações. Esta mudança no modo de percepção da realidade, em curso no universo científico, principalmente na física e na biologia, já se reflete no âmbito social. “O conceito do novo paradigma substitui a hierarquia autoritária do poder por uma organização social de parceria” (Bello, 1996, p. 30). A mudança na maneira de perceber, conhecer e pensar o mundo solicita profundas mudanças de valores. 88

Capra

(1996)

fez

um

interessante

paralelo,

transcrito

abaixo,

entre

pensamentos e valores, apontando duas tendências, uma afirmativa e outra integrativa, presentes e essenciais em todos os sistemas vivos. PENSAMENTOS

VALORES

Afirmativos

Integrativos

Afirmativos

Integrativos

Racional

Intuitivo

Expansão

Conservação

Análise

Síntese

Competição

Cooperação

Reducionista

Holístico

Quantidade

Qualidade

Linear

Não-linear

Dominação

Parceria

Num sistema saudável – um indivíduo, uma sociedade ou um ecossistema – existe equilíbrio entre integração e auto-afirmação. Esse

equilíbrio

dinâmica

entre

não

é

duas

estático,

mas

tendências

consiste

numa

complementares,

o

interação que

torna

todo sistema flexível e aberto à mudança (Capra, 1982, p. 40).

A sociedade moderna, que enfatiza tendências afirmativas em detrimento das integrativas,

está em convulsão e já não dispõe de muito tempo para

se auto-restabelecer. Embasada em valores distorcidos, a sociedade atual entende

desenvolvimento

associado

à

idéia

de

crescimento

econômico

e

tecnológico e à acumulação de bens materiais. Sua relação com a matéria é utilitarista e consumista. É excludente e seletiva e restringe a poucos o acesso a determinados aspectos essenciais para a existência humana em sociedade, subordinando e explorando a natureza e o ser humano, através do poder tecnológico. Banaliza a vida, convertendo-a em mercadoria. Neste

contexto

sócio-político

de

exclusão

e

subordinação,

a

educação é direito apenas de alguns e é tanto mais abrangente e de qualidade, quanto mais próximo o indivíduo estiver do topo da pirâmide social. Quem compõe a base da pirâmide é orientado

para

uma

educação

funcional,

também

chamada

de

capacitação (...) Um aprendizado de habilidades, que não dá nenhuma importância

ao desenvolvimento físico, social, cultural,

psicológico, ético e espiritual do estudante para além do que exige a função a desempenhar. (Boff; Arruda, 2000, p.16)

89

Assim, a educação crítico-reflexiva, voltada para a formação integral do indivíduo e que possibilita o desenvolvimento do ser humano enquanto pessoa e ser social fica restrita a uma minoria. Arruda e Boff (2000) vêem a necessidade de se implementar um sistema sócio-político-educacional que garanta a todos os cidadãos a participação ativa e criativa, em todas as esferas do saber e do poder da sociedade; um sistema que garanta a cada um e a todos o direito de serem co-autores do mundo; uma proposta onde [...] o apelo para uma visão planetária de responsabilidade compartilhada inclui

uma

profunda

revolução

dos

sistemas

educacionais.

Não

se

trata só de buscar uma educação mais profunda e eficiente. Trata-se de conquistar um nível de educação que não transmita às gerações que virão as iniqüidades e distorções que hoje presenciamos; de procurar um novo caminho orientado para o mundo, no sentido de preservação e da melhoria da civilização (D’Ambrósio, 1993, p.6).

O

modo

forjado

pelo

de

conhecer

pensamento

a

realidade,

vigente

racionalista-científico

em e

nossa

tem

sociedade,

como

foi

instrumento

básico o método analítico, que fraciona e decompõe a realidade em partes, para

melhor

compreendê-la,

dominá-la

e

consumí-la. A existência

foi

compartimentalizada e o homem tornou-se prisioneiro dos muros erguidos por sua mente analítica, que separa o sujeito do objeto de conhecimento, a mente da matéria, divorciando o conceito do que se percebe. Esta forma de abordagem, no entendimento de Boff (2000), é profundamente dualista, dividindo a realidade em pólos opostos: pessoa-natureza, masculinofeminino, mente-corpo, razão-emoção... “Esta divisão sempre beneficia um dos pólos, originando hierarquias e condutas de subordinação”.(Boff, 2000, p.31) Graças à sua bagagem histórica, a sociedade moderna enfatiza as formas racionais de conhecimento e deixa de valorizar e estimular formas de percepção e inteligência que não estão associadas ao intelecto. “A educação tem negligenciado o dom de conhecer as coisas por intermédio dos sentidos (...) A expressão artística pode proporcionar ao indivíduo condições para que estabeleça uma relação diferenciada de aprendizagem com o seu semelhante e com o mundo que o rodeia”. (Alessandrini, 1996, p.28) 90

O fazer-artístico na aprendizagem global Sabe-se

que

o

cérebro

se

divide,

morfologicamente,

em

duas

partes,

cada uma com sua especialização. O lado esquerdo é responsável pelo processamento

de

informações

verbais

e

numéricas.

Refere-se

à

parte

lógica, racional e analítica do cérebro. Já o hemisfério direito está associado às atividades criativas, uma vez que é a parte intuitiva, experimental e nãoverbal do cérebro, lidando com

as imagens e com a percepção das relações

globais. O lado direito cria metáforas e novas combinações de idéias. Durante o fazer-artístico, o indivíduo vive a oportunidade de experienciar e materializar uma situação, envolvendo, neste processo, além do pensamento racional, outras funções psíquicas (sensação, sentimento e intuição), que durante séculos foram menosprezadas e consideradas funções inferiores. Ao materializarmos a situação, estamos trabalhando com diversas funções. Precisamos

do

pensamento

para

planejar

mas

também

das

habilidades

sensoriais para colocar a mão na massa. Quando o fazemos, somos atravessados pelo sentimento nele contido, pois sem o sentimento, não investiríamos naquele acontecimento. Também, de uma forma mais ou menos sutil, colocamos em ação a intuição. Começamos um trabalho de um jeito, modificamos, vamos e voltamos e, em alguns momentos, sabemos que é isso mesmo, ou que não é nada disso, ou que estamos no caminho. É nossa intuição (e não o pensamento) que dirige o fazer. O projeto, por mais bem calculado, quando posto em prática, denota sentimentos, sensações diversas e segue outros caminhos[...] (Osório, 1998, p. 94).

O

fazer-artístico

estimula

a

utilização

dos

dois

hemisférios

cerebrais,

favorecendo a integração entre a aprendizagem intelectual e emocional e o desenvolvimento do ser humano em suas múltiplas potencialidades: seus aspectos racionais, emocionais, intuitivos e sensoriais. As atividades artísticas ativam

o

funcionamento

integral

do

cérebro,

o

que,

conseqüentemente,

promove uma percepção sistêmica da realidade. Segundo Capra (1996), se a mente opera de modo fragmentado, a realidade é percebida da mesma forma, levando a uma ação desarticulada. No entanto, se a mente funciona de modo global, a visão será holística, o que promoverá ações integrantes. Daí a importância da arte, entendida aqui como atividade expressiva e 91

criativa do ser humano, no desenvolvimento de uma aprendizagem global. Outra contribuição das atividades artísticas é que, ao interagir com os mais diversos materiais plásticos e expressivos, o indivíduo é instigado a agir e a optar por esta ou aquela possibilidade de atuação, e dessa forma, é levado a tomar conhecimento dos próprios recursos e a acreditar neles. O fazer criativo é, “do início ao fim, a experiência da superação de impasse. Cada questão e solução dentro da prática artística correspondem a uma questão e solução de ordem psicológica” (França, 1998, p. 78). Neste processo, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais em Arte (MEC, 1997), o ser humano desenvolve a criatividade, a flexibilidade e uma postura de abertura às possibilidades que estão além do aqui-e-agora, ampliando a capacidade de visualizar

situações vindouras. A arte ensina que,

na vida – fenômeno do vir-a-ser – é preciso flexibilizar e variar os pontos de vista, pois uma nova ótica permite novos entendimentos e novas formas de atuação, que levam a uma transformação contínua da existência. A Oficina-Integrada A Oficina-Integrada é uma aula-vivência destinada à crianças de seis e sete anos, oferecida por uma instituição municipal goianiense chamada Centro Livre de Artes. Neste espaço, busca-se trabalhar, através de atividades artístico-expressivas, determinados temas e conteúdos fundamentais para o desenvolvimento da personalidade humana. A criança vivencia o conhecimento através da dança, da dramatização, da música e das artes plásticas. Aqui, me aterei

às artes

plásticas, que é a minha prática e intervenção junto ao grupo. Em

uma

sala

ampla,

com

espelhos

nas

paredes,

a

Oficina-Integrada

oportuniza vivências diretas e espontâneas que objetivam a livre criação e expressão. Ali, duas vezes por semana, durante uma hora e meia, a criança risca, rabisca, colore, pinta e se lambuza, numa divertida e surpreendente descoberta de si mesma, da vida e da sua capacidade de deixar marcas e de interferir no mundo. Ao manusear lápis, pincéis, tintas, ao modelar e ao organizar o espaço compositivo, a criança integra, aos seus conteúdos internos, o que lhe está

sendo

ensinado,

participando

efetivamente 92

da

construção

do

seu

conhecimento, através das percepções sensoriais. Esta forma mais ativa e participativa de conhecer a vida confere maior significado à realidade, uma vez que a existência e a construção do mundo real estão intrinsicamente

associadas à existência e a construção do mundo

individual e subjetivo. A criança

se coloca naquilo que faz, e o resultado

deste fazer é um misto de objetividade e subjetividade. Assim sendo, criar e construir a realidade externa implica em construir-se a si mesmo. Compreendemos origem,

que

tentativas

processos se articula

todos de

produtivos

os

processo

estruturação,

onde

o

homem

de se

de

criação

representam,

experimentação

e

descobre,

ele

onde

na

controle, próprio

à medida que passa a identificar-se com a matéria. São

transferências simbólicas do homem à materialidade das coisas e que novamente são transferidas para si (Ostrower, 1977, p.53).

Esta prática gera uma intimidade entre o sujeito e o objeto. Uma simbiose entre o eu e a realidade e o desenvolvimento da consciência participativa, que Berman (1984 apud Bello, 1996, p. 29) define como a habilidade de a humanidade interagir com o universo a partir da sua sensibilidade, utilizando outros potenciais de percepção. Outro

aspecto

importante,

no

processo

de

aprendizagem,

vivenciado

na Oficina Integrada, é que o indivíduo adquire mais auto confiança para expressar-se, uma vez que seus pensamentos e emoções são respeitados, valorizados

e

somados

às

outras

manifestações

do

grupo,

criando

uma

realidade coletiva, fruto da participação de todos. Aqui surge o fenômeno da Autopoiese, conceito criado pelos neurocientistas Maturama e Varela. Medina (1998), citando estes dois cientistas de relevância para a teoria Sistêmica, define Autopoiese como uma organização circular comum a todos os sistemas vivos, onde em uma rede de processo de produção a função de cada componente consiste em participar da produção ou da transformação dos outros componentes da rede. Desse modo, toda a rede, continuamente, produz a si mesma no ato de fazer. “Portanto, a principal característica dos sistemas vivos é a criatividade, essa capacidade de recriar-se, recriar o outro, recriar o meio-ambiente” (Medina, 1998 p.15). 93

Assim, ativa-se e cultiva-se o potencial criador, responsável pela construção da

realidade,

e

desenvolve-se

o

respeito,

a

participação,

a

troca

e

a

cooperação, valores indispensáveis para a manutenção da vida no planeta. Em comum-união com a realidade Ao integrar Arte e Educação Ambiental, além de criar um novo vocábulo, Arte-Educação

Ambiental,

inaugura-se

um

novo

caminho

de

acesso

ao

conhecimento, re-conectado ao sensível, que passa pela emoção e pela sensibilização. Um caminho que permite viver a dimensão da afetividade, da vivência espontânea, direta, e da sintonia com as coisas. Este era o modo como o homem primevo

se relacionava com o ambiente. Seu entendimento

da realidade externa se dava por estas vias de compreensão. A palavra emoção quer dizer movimento a partir de, e o vocábulo sensibilização está associado à idéia de co-mover, movimento por um sentir interior. Portanto, a vivência em Arte-Educação Ambiental mobiliza através da emoção e para a ação. Remete

ao

movimento,

responsabilidades

[...]

Não

à

ação basta,

carregada portanto,

de apenas

significados agir.

e

de

Trata-se

da

significação que pomos nesta ação, e o modo como ela simultaneamente nos transforma (Sardi, 1999, p. 157)

O ato de conhecer, neste contexto, tem um sentido de experimentar, vivenciar, e, a partir daí, conceituar e ganhar consciência.

Neste ato, busca-se

o resgate da aprendizagem por meio dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), que funcionam como portas de entrada para uma compreensão mais significativa do mundo e das questões sociais. Enfim,

as

atividades

artísticas

contribuem

para

uma

mudança

efetiva

na forma de as pessoas perceberem e interagirem com a realidade; estas atividades abrem uma nova perspectiva para um entendimento do mundo no qual a dimensão

poética se faz presente. Nesta nova proposta sócio-

educacional, serão valorizadas e trabalhadas [...] as múltiplas potencialidades do ser humano e da própria sociedade. Ao lado do trabalho deve estar o lazer, junto com a eficácia a gratuidade, e com a produtividade a dimensão lúdica. A imaginação, a fantasia, a utopia, a

94

emoção, o sonho, o símbolo, a poesia e a religião devem ser tão valorizados quanto a produção, a organização, a funcionalidade e a racionalidade. Somente assim a sociedade será plenamente humana, pois necessita de pão e beleza (Boff, 2000, p. 33.)

Desta forma, o ser humano desenvolve-se em toda a sua potencialidade, realizando-se como co-criador do universo, transformando a si mesmo e à sua realidade por meio da imagem-ação criadora. Assim, apresento esta proposta de Arte-Educação, entendida

aqui como

ambiental, uma vez que, ao ativar o funcionamento integral da mente humana, promove conexões mais saudáveis e interações mais respeitosas e transformadoras com o outro e com o meio; desenvolve uma postura holística e condutas mais compatíveis com o novo paradigma sistêmico: abertura para a diversidade e para o novo, diálogo, troca, flexibilidade e criatividade. Eterno vir-a-ser Fundamentado por alguns princípios que organizam a vida, este ensaio chega ao termo não como uma idéia fechada ou acabada e tampouco tem a pretensão de

apresentar respostas definitivas para os problemas da

sociedade atual. O arcabouço pedagógico aqui proposto visa contribuir para o ser humano superar

a

percepção

cartesiano-mecanicista,

principal

causa

da

crise

civilizatória que atravessamos. A tessitura conceitual que foi apresentada, fruto da união do fio do meu pensar

aos

pensamentos

de

alguns

autores,

educadores

por

excelência,

levou-me a esta nova forma de construção do conhecimento: A ArteEducação Ambiental. Ao apresentar um modelo de Educação Ambiental que tenha as atividades artísticas como fio condutor, cria-se uma proposta educacional marcada pela comunhão com a realidade, pela flexibilidade e pela impermanência. Um modelo que possibilita uma abordagem transdisciplinar

do real, através de

atitudes de abertura e de diálogo com outras formas de conhecimento; um modelo que promove a convivência e a intimidade do indivíduo com tudo que o cerca, buscando a complementaridade e a riqueza presentes na diversidade. 95

Acreditamos, portanto, ser possível implementar uma educação inovadora, transformadora,

emancipadora

e

acima

de

tudo,

ambientalizadora;

que

conjugue ciência e arte, ética e estética e que re-ligue o indivíduo ao seu meio, promovendo sua identificação com a realidade social e

natural,

tornando-o co-responsável por elas. Assim, a Arte-Educação, seguida do adjetivo ambiental, edificará um novo saber a partir do diálogo com a realidade, com reflexão e práxis, trabalhando e valorizando ação e contemplação,

cognição e emoção, análise e síntese...

Por meio desse novo saber, o ser humano, movido por um sentimento de parentesco profundo com tudo que existe e com as futuras gerações, tornar-se-á capaz de trilhar novos caminhos, mais justos e igualitários, cujas diretrizes se construirão a partir das experiências

individuais e das vivências

compartilhadas. Cláudia Fleury é Arte educadorado centro Livre de artes ambientais e arte terapêuta pós- graduada pela Universidade Federal de Goiás.

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97

São Luís, Bela Ilha de Cores e gestos. Uma reflexão sobre o abandono e a redenção através da arte. Cláudia Katerina Vieira Brasil Nogueira

São Luiz, beautiful island of colours and gestures a reflection about abandonment and the redemption through art.

Resumo São Luís, ilha do amor, de fantasias, que abriga muitas histórias. São Luís do Bumba-Meu-Boi, do Cacuriá, terra do sol e do mar. Esse artigo comenta a idéia do abandono e conseqüente sentimento de inferioridade de um povo e a expressão criativa como forma de compensação da dor e do isolamento. O maranhense não reconhece e nem valoriza sua arte e a natureza que o cerca, provocando um distanciamento de suas raízes e valorizando terras alheias em detrimento de sua própria história. Abstract

São Luis, island of love and fantasies that shelters many stories.  São Luis of the Bumba-Meu-Boi, of the Caruria, land of sun and sea.  This article discusses the idea of abandonment and the resulting feeling of inferiority of a people and the creative expression as a form to make up for the pain and the lonesomeness.  The people of the state of Maranhão don’t recognize the value of their art and of the nature that surrounds them, provoking the apartness of their roots and the valorization of foreign lands with the prejudice of their own story. 98

Canção do Exílio “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá; as aves que aqui gorjeiam; não gorjeiam como lá; nosso céu tem mais estrelas; nossa várzea tem mais flores; nossos bosques tem mais vida; nossa vida mais amores; em cismar sozinho á noite; mais prazer encontro lá; minha terra tem palmeiras; onde canta o sabiá; minha terra tem primores; que tais não encontro eu cá; em cismar sozinho à noite; mais prazer encontro eu lá; minha terra tem palmeiras; onde encontro o sabiá; não permita Deus que eu morra; sem que volte para lá; sem que desfrute os primores; que não encontro por cá; sem qu’inda aviste as palmeiras; onde canta o sabiá”

(Gonçalves Dias)

Na tentativa de entender meu próprio abandono, o de meus amigos e também de alguns pacientes, pus-me a refletir sobre o abandono de uma cidade, de um Estado. Entendendo como abandono o sentimento de desamparo, dor e solidão que nos atinge sempre que nos desvinculamos de algo. A criança sofre o

abandono

quando

não

entende

a

ausência

de

sua

mãe,

quando

é

desmamada ou em algumas situações quando de fato foi abandonada, sendo 99

seus cuidados entregues à outras pessoas, não mais os seus pais. Ao percebermos essa separação, um sentimento de solidão, um vazio toma proporções assustadoras num momento de luto pelo que se foi, seja uma pessoa, uma mudança de casa, cidade, país, um emprego, uma condição financeira ou uma fase de nossas vidas que deixou saudades.

Esse vazio

representa a perda de uma identidade, numa fase transitória, ainda quando não se conhece a nova forma de ser. Talvez tenha sido a minha mudança para a cidade de São Luís do Maranhão, no final de 2003, depois de um percurso longo, a metade dos meus anos vividos, morando no Rio de Janeiro, onde construí minha identidade pessoal (casamento, filhos) e profissional (faculdade, trabalho), que me possibilitou esse olhar para a cultura popular e a dor de um povo que demonstra uma inquietude diante do descaso e abandono que sofre o Estado do Maranhão. Em contrapartida a esse sentimento doído de menos valia surge a arrogância negando toda e qualquer possibilidade de integração dessas polaridades. Gostaria então de abordar o sentimento de inferioridade decorrente do abandono e as manifestações artísticas como expressão compensatória da dor e do isolamento. A arte como a música, dança, pintura e escultura, do povo maranhense demonstra através de suas cores, formas, ritmos, criatividade dos adereços e a improvisação, além das influências culturais decorrentes da miscigenação desse povo, uma imponência às vezes exagerada, de luminosidade com traços fortes e formas arredondadas. Tanto no gesto que produz, como para quem confronta a imagem, nos deparamos com uma riqueza de detalhes e uma ingenuidade que demonstra a proximidade com o inconsciente. É óbvio que a multiplicidade de cores aparece também em decorrência do contato com um ambiente em que a Natureza apresenta uma infinita variedade de tons. A luminosidade dos trópicos favorece a multiplicação de matizes do verde, vermelho, azul e do amarelo. O céu também proporciona um desejo de criar em virtude das variadas formas em que as nuvens se apresentam, além dos tons dos azuis. O contato com tantas variantes é sem sombra de dúvida, um diferenciador 100

na obra de arte, mas São Luís e o Maranhão como um todo carregam em sua história uma mistura de raças que os diferencia. Para se perceber, com mais realidade, o sentimento de abandono desse povo, precisamos percorrer as ruas de São Luís. A Cidade de São Luís Fundada pelos franceses em 08 de setembro de 1612, por Daniel de La Touche, dando o nome de São Luís em homenagem ao rei da França Luís XIII, os franceses construíram algumas casas, uma capela, um forte e o convento de São Francisco. Três anos após a fundação solene de São Luís os portugueses invadem e expulsam os franceses, depois de vinte e nove anos da primeira invasão, São Luís é novamente invadida, pelos holandeses que permanecem

três

anos,

sendo

posteriormente

ocupada

novamente

pelos

portugueses. Nos anos de 1621 a 1624 criou-se, separado do restante do Brasil, o Estado Colonial do Maranhão e mais tarde o Estado do Maranhão e Grão-Pará. Só em 1684 é que o Maranhão se integrou ao resto do País, tendo São Luís como capital. São Luís, terra dos ventos, das palmeiras, do mar e do bumba-meu-boi, com vegetação amazônica de seus babaçus, jussaras (açaís), carnaubeiras e coqueiros e de um calor úmido. São Luís, mar de águas profundas que facilitaram a entrada dos navios vindos da África trazendo os escravos que construíram parte do nosso País. Com eles a saudade de sua Pátria, dos seus costumes e da liberdade, povo sofrido que trouxe para o nosso País a musicalidade e os gestos que deram origem aos ritmos e danças que enriquecem a cultura popular. São Luís nasce com essa peculiaridade, essa mistura de culturas e tradições influenciada

pelos

franceses,

holandeses,

portugueses,

africanos

e

índios.

Seus casarões com azulejos portugueses, ladeiras estreitas, seus becos e sobrados denunciam essa influência, além dos sotaques do “boi”, reagge, tambor de crioula, de mina e dança do cacuriá, entre outras. Lugar de histórias, de magia e encantamento. Com um folclore tão rico, uma paisagem exótica e um patrimônio histórico preservado, São Luís se destacaria e se tornaria referência única, se reconhecesse e valorizasse toda essa riqueza e 101

complexidade. Terra de gente introspectiva, o ludovicense é assim; calado, observador e receoso em ser invadido. Quando se anda pela cidade histórica de São Luís, descendo suas ladeiras, respiramos história, contemplamos um passado que pesa na postura física, jeito de andar e falar do ludovicense. Os casarões, os becos, as ruas estreitas e a presença constante do mar trazem um misto à cidade, de bucólico e iluminado, luz e sombra cinza e vermelhas, pretas e brancas, nuvens carregadas e mar manso. São paradoxos experimentados constantemente por esse povo sofrido, tão invadido outrora e que de “rico estado” passou a ser considerado um dos Estados mais pobres do País. Como suportar tanta contradição? Como amenizar a dor da miséria e o isolamento? Talvez somente através da arte em suas inúmeras possibilidades que essa terra proporciona como a fotografia, pintura, escultura, poesia, literatura, dança, música e a arte de tecer. É na “Raposa”, uma praia de pescadores, que encontramos as rendeiras. Nas casas pobres, construídas em cima do mangue (palafitas) moram dezenas de famílias que sobrevivem do mar e da arte de tecer. Em seus “bilros” ou com agulhas, mulheres, homens e crianças, sentam nas portas de suas casas e tecem esperando os visitantes. E com tanta simplicidade o local atrai turistas que se encantam com as tecelãs e suas “teias”. Percorrendo os vários ateliês espalhados pela cidade, encontramos uma farta coleção de telas, esculturas e vasos pintados com cores vibrantes que falam exatamente da experiência luminosa da paisagem em que vivem; a luz, o sol, sempre presente, a fluidez das águas também é uma constante, visto que São Luís é ilha e com muitos rios, alem de chover seis meses por ano. O verde em tons variados adorna os pássaros e árvores reproduzidas nas obras de arte. O barquinho à vela é um tema recorrente e o encontramos em várias obras de arte, com velas coloridas que marca uma característica da paisagem de São Luís. Tanto em alto mar, como na baía de São Marcos, os barcos de pescadores navegam colorindo o mar. 102

No

centro

histórico

encontramos

uma

rotina

diurna,

com

comércio,

restaurantes, algumas repartições, livrarias e o centro de cultura (muitos ateliês de pintura e de escultura). À noite o cenário se modifica, atraindo a música ao vivo em bares, cine de arte, teatro, grupos de capoeira e alguns “hippies” pelas calçadas confeccionando bijuterias. O centro histórico abriga dois teatros (Odilo Costa Filho e João do Vale), além do famoso Teatro Arthur Azevedo, que se encontra fechado para obras. Se

a

cidade

respira

arte,

em

suas

construções,

no

próprio

desenho

arquitetônico, podemos imaginar o que coletivamente é constelado quando se convive com o passado bem presente através das marcas expressas nas paredes, nas igrejas, nos becos, nas ladeiras, na música e na dança. Toda a vivência das senzalas, do autoritarismo “coronelista” e de uma burguesia falida. Conta-se que São Luís, no século XIX, era uma cidade muito próspera, pois havia no Estado usinas de arroz, fábricas de tecidos, beneficiamento de algodão e outras, mas o maranhense aprendeu apenas a tirar de sua terra e não mais depositar nela, arrancando tudo que ela pode lhe dar e levando a riqueza para outras terras. Assim esvaziou o solo, e não lhe devolveu nada em troca. Por centenas de anos essa forma de relação foi estabelecida e o povo tende a não mais valorizar o que dessa terra vem, preferindo as terras alheias. O que se constela é o sentimento de “abandono”. Então se os próprios filhos a abandonaram quem poderá acolher a terra de ninguém? Se não há respeito pela sua fertilidade e abundância, se não há amor pela sua criação, então o ódio e o desprezo prevalecerão. Podemos entender o sentimento de inferioridade que maltrata esse povo. Esse sentimento surge do “abandono”. Terra de ninguém, onde seus próprios filhos não a vêm com bons olhos. Onde eles fogem para outras terras em busca de um “lugar”, “um espaço”, O abandono de uma história, das raízes, dos costumes e tradições. Mas a arte consagra e perpetua toda uma história e não deixa se perder aqueles filhos ilustres como Humberto de Campos, Aluísio Azevedo, Arthur Azevedo, Gonçalves Dias, João do Vale, Ferreira Gullar e outros.

103

O Abandono O abandono gera um sofrimento imensurável, quase como se abrisse um “buraco” na história de cada um, mas é nesse estado de total isolamento e escuridão que surge a energia criadora. A criação vem do caos, do nada, da desproteção, do desamparo, do abandono. A arte torna-se o canal de comunicação dessa dor, ligando extremidades, aproximando

e

fazendo

entender,

dando

um

sentido

ao

abandono,

ao

descaso e ao desamparo. Construindo com as mãos, com o corpo, brotam a essência que configura a origem, as raízes. Quando se dança, canta, brinca, pinta ou modela, se recicla, se renova fazendo amenizar a dor causada por essa ferida de um descaso “nacional”. São Luís, ilha do amor, da criação. E na adversidade surgem lampejos elucidativos que transformam. Todos nós em algum momento de nossas vidas já experimentamos o abandono, seja abandonando ou sendo abandonado. Essa experiência nos expõe à dor e ao sofrimento, mas também nos possibilita uma consciência mais apurada a cerca de nossas necessidades, visto que, um sentimento de inferioridade emerge das profundezas, trazendo um desejo de competir e de vencer. Segundo Gilda Frantz, “O abandono é uma experiência decisiva na qual sentimos que não temos qualquer escolha. Sentimo-nos sós, como se os deuses não estivessem presentes. Se sentimos que estão ali e nos dão apoio, então não estamos abandonados. O termo abandonado significa, literalmente, não ser chamado. Tem uma relação etimológica com o termo ‘destino’, ‘fado’, que significa ‘a palavra divina’ e vem de fari e fatum, significando ‘falar’ ”. Precisamos sentir a necessidade de algo, “a falta de”, para que nos mobilizemos, e para que a personalidade se movimente, transformando a dor em um ato criativo. O povo maranhense padece pelo descaso do poder público, que não ampara devidamente seus filhos dando-lhes escolas, hospitais e saneamento. A

precariedade

em

que

vivem

determinadas

populações

em

pequenas

cidades ou povoados mostra o quanto dessa terra é retirado, desrespeitando 104

os “deuses” e principalmente a “deusa da fertilidade”, sem trazer para essas terras um “novo plantio”. Na tentativa de superar o sofrimento causado pela miséria e falta de condições básicas de sobrevivência, o povo maranhense cria. Faz lindos cestos da palha do babaçu, modelam em barro vasos que posteriormente são adornados com motivos da história de São Luis. Produzem peças teatrais que retratam sua realidade e dançam. Talvez pela descendência africana o maranhense goste de dançar em círculo, com o batuque dos tambores (aquecidos no fogo) ou as matracas. São danças populares trazidas pelos escravos e que fazem o povo sacudir o corpo, entoando ritmos marcantes. A religiosidade é respeitada, acontecendo rituais em diversas partes da cidade de acordo com a época do ano, como por exemplo, O bumba-meu-boi que é uma festa religiosa destinada ao São João e acontece com maior intensidade no mês de Junho, justamente por ser o mês desse Santo. O folclore maranhense é o conjunto dessa mistura de raças e de tradições. Através dessa riqueza cultural, esse povo cria e recria, elaborando a sua história social que perdura até hoje. Tendo a escravatura como a sombra que assusta e machuca grande parte da população. A minha história com São Luís está recomeçando, tenho uma longa estrada de pesquisa, encantamento e descobertas, no entanto percebo que através da arte e talvez da Arteterapia, possam surgir novos canais de comunicação com o passado desse povo, podendo ligar mundos tão distintos e aproximar esse Estado do restante de seu País.

Removendo essa película que impossibilita o

povo maranhense de se sentir em igualdade com outros brasileiros, fazendoo entender esse sentimento de inferioridade e valorizando sua arte, sua história, suas raízes. Não permitindo que sejam “roubados” e protegendo o que a UNESCO definiu como “Patrimônio Cultural da Humanidade”. Redenção Através

da

arte,

o

maranhense

vem

redimindo

esse

sentimento

de

inferioridade resultante do abandono, de forma inconsciente, transmite para a dança, música, pinturas e outros a expressividade de um povo marcado pelo descaso. 105

O artista maranhense é pouco valorizado e é discriminado em seu próprio Estado, tendendo a sair em busca de uma acolhida. Portanto a Arteterapia em São Luís poderá contribuir para uma maior conscientização do valor que a arte expressa. Movimentos populares podem ser motivados com o intuito de incentivar o ludovicense nessas descobertas. Podemos tomar alguns rumos, mas o primeiro passo está sendo dado com a formação de pessoas capazes de exercer a função de arteterapeutas. Quando cheguei a São Luís, preocupava-me muitíssimo em como penetrar nesse mundo tão fechado, nesse casulo que só é permitido visitar, mas dificilmente se integrar como fazendo parte do ambiente. Reconhecendo e entendendo o medo da invasão como um aspecto de proteção a tantos abandonos, a mim cabe tentar informar e formar pessoas da terra sobre a importância da Arteterapia, seus caminhos e benefícios para que a riqueza da arte maranhense seja integrada à vida cotidiana da cidade. A não valorização do que se cria, gera, a longo prazo, fragilidade, pois não reconhecendo o que se produz, não se pode perceber o valor existente. O ludovicense, através de informações como cursos, palestras, workshops, vivências, tem a chance de entender o quanto de suas raízes é tão valioso. O começo é esse, o primeiro passo, depois vem o segundo e assim, sucessivamente, caminhando para a redenção, a transformação e a liberdade de expressão. Livre das amarras do passado o povo poderá empregar a arte em diversas situações, ajudando a mudar a realidade social. Valorizando a arte popular, os artistas dos bares, os pintores das esquinas, os poetas, os brincantes do bumba-meu-boi e todos os outros, o Maranhão crescerá aceitando sua história e acolhendo sua terra, regando e fertilizando a cada colheita. Essas reflexões não pretendem encerrar o tema, todavia instiga a mim mesma e a outras pessoas para uma pesquisa mais aprofundada. Levanto aqui

algumas

questões,

que

certamente

precisam

ser

observadas

durante

um período para que se possa confirmar algumas hipóteses. Sinto-me comprometida com esse olhar, que em apenas um ano, com certeza, já promoveu mudanças em meu interior. 106

Vivenciar a magia contida nos batuques do boi, no requebrado dessa dança, me transporta para uma outra dimensão, abre em mim uma porta de acesso à ancestralidade, curando algumas feridas. São Luís oferece tantas riquezas e tantas informações que precisarei de muitos anos para sedimentar tais conhecimentos. Salve São Luís!!

Salve a Bela Ilha!!!

Cláudia Katerina Vieira Brasil Nogueira é Psicóloga - CRP no. 11/03383, Arteterapeuta Membro Fundador da AARJ Especialista em Psicologia Analítica

Referências Bibliográficas

ABRAMS, Jeremiah (org.), O Reencontro da Criança Interior, São Paulo, Cultrix, 1999. CARVALHO, M. Michel Pinho, Matracas que Desafiam o Tempo É o Bumba-Boi do Maranhão, São Luís, 1995. LIMA, Carlos de, Caminhos de São Luís, São Paulo, Ed. Siciliano, 2002.

107

108

ADOLESCENTES INTERAGINDO COM O LIMITE: O MURO COMO PAREDE DA CAVERNA E DO TEMPLO

Teenagers interacting with limits: The brickwall as the cavern and the temple wall

Denise Nagem e Eliana Ribeiro

Resumo Demonstrar que através da metodologia utilizada durante os seis meses do processo de Arteterapia breve, com esta parcela de adolescentes que na grande maioria das vezes, é colocada à margem das atenções e dos cuidados da sociedade, foi e é possível cultivar e alimentar em cada um deles, a sua individualidade.

Ressaltar a suma importância da conquista

de espaço físico e emocional, para estes jovens que possuem as mesmas necessidades de visibilidade e aceitação, de outros jovens de classes sociais mais privilegiadas. Abstract The aim of this article is to demonstrate that through the methodology used during the six months of the brief Art Theraphy process with this parcel of teenagers that, in the most part of times, is placed apart of the care and attention of society, it was and it is possible to cultivate and feed in each of them their individuality.  This work emphasizes the great importance of the conquest of physical and emotional space for these young people who have the same needs of visibility and acceptance as other young people of more privileged social classes have.   N.T.: Como a palavra para “muro” e “parede” é a mesma - “wall” - traduzi “muro” por “muro de tijolos” (brickwall) para diferenciar.

INTRODUÇÃO O presente artigo é fruto da parceria entre a Casa de Luciá e a Clínica POMAR, que estabeleceu a Casa como um dos campos de atendimento arteterapêutico

para

Arteterapeutas

formados

que se desenvolveu durante seis meses. 109

pela

Clínica,

atendimento

Fomos a segunda dupla de Arteterapeutas a trabalhar na Instituição, após um intervalo de aproximadamente seis meses da conclusão do primeiro grupo. Originárias de turmas diferentes do Curso de Formação de Arteterapia, sem nenhum outro trabalho prévio em conjunto, nos conhecemos com o objetivo de realizar este projeto. Este encontro inaugurou uma rica parceria, de mútuo apoio, tanto nos momentos de realizações quanto nos momentos mais difíceis. Nossa diferente formação acadêmica - Arquitetura e Ciências Sociais - enriqueceu nossos olhares para este trabalho. A INSTITUIÇÃO A Casa de Luciá, situada à rua Carolina Santos, Lins, tem como objetivo dar atendimento social, educativo e alimentar a crianças de 06 a 14 anos, em turnos complementares ao horário escolar. Na instituição, crianças e jovens contam com

aulas de reforço escolar, recreação, além do almoço, café da

manhã ou lanche, conforme o horário de freqüência. Mantida por uma sociedade espírita, a Casa de Luciá conta com os recursos de aluguéis de apartamentos de um prédio pertencente à referida sociedade, doações da comunidade e a renda de um bazar, além de buscar apoio em empresas como a Caixa Econômica Federal. Inicialmente um orfanato, a Casa modificou o sistema de atendimento para adequar-se à orientação do Juizado para a Infância e Adolescência, que preconiza a integração da criança e do jovem no ambiente familiar. O GRUPO O grupo constou, inicialmente, de nove pré-adolescentes, com idades entre 12 e 14 anos, sendo 7 meninos e 2 meninas. Obtivemos poucos informes da Casa sobre o histórico de cada um; inicialmente soubemos, apenas, serem moradores de comunidades do Lins. Quase todos haviam participado dos trabalhos em Arteterapia, com a primeira equipe a trabalhar na Casa. A TRANSFORMAÇÃO A entrada na adolescência demanda uma nova relação com o espaço: com o espaço físico – a transformação do corpo, sua ampliação, os novos odores; com o espaço emocional – novas demandas de visibilidade e inserção no 110 110

mundo. Tudo isso acontecendo em um contexto histórico no qual as imagens dominantes - TVs, outdoors - são espelhos desfavoráveis para os jovens das camadas pobres da população.

Entre imagens de surfistas, jogadores

de futebol, modelos e atrizes, nossos jovens entram em desvantagem. O incentivo ao consumo ergue muros invisíveis para impedir a

expressão

original dos jovens, constrói currais, para conduzí-los até as mercadorias. Tal contexto produz a sociedade de massas, que por sua vez, em sua expressão, produz a argamassa de mensagens e imagens e de violência, que manterão as muralhas e currais. Um encontro arteterapêutico pressupõe a construção de um “têmenos”, propiciador e acolhedor da transformação. Na construção de nossa relação com os jovens, algumas barreiras precisaram ser transpostas. Não poderíamos negar a diferença óbvia de idades e a diferença - pouco falada, mas presente - pelo fato de sermos de

metades diferentes da Cidade Partida,

termo tão

contundente, criado por Zuenir Ventura. Esta

transformação

inerente

da

adolescência,

ficou

marcada

desde

as primeiras semanas, quando da escolha do nome que o grupo - que chamaríamos de Tribo - deveria ter. Quando no final do primeiro dia, sugerimos a escolha de um nome para o grupo, a partir daquele dia formado, e como é de praxe entre os grupos de adolescentes que estabelecem os primeiros contatos, eles nos testavam falando somente dos cheiros de chulés e puns que estavam sentindo com a proximidade física que uma roda propicia. Então, sugerimos que, já que aqueles cheiros eram tão evidentes naquele grupo, um bom nome seria “Tribo Chulé cum Pum”, pontuando bastante a questão

dos

odores

corporais.

Como

não

houve

nenhuma

desaprovação

verbal ao nome, dançamos em roda e cantamos então, o nome da Tribo Chulé cum Pum, observando as faces surpreendidas e a voz quase calada, daqueles

meninos

antes

tão

desafiadores.

Porém,

no

encontro

seguinte,

já manifestavam o desejo de modificar a forma como seriam identificados enquanto tribo. O primeiro passo, em direção ao encontro, estava dado. Sugerimos que eles escolhessem um nome em comum acordo, para aquela tribo que começava a se formar. Depois de várias sugestões, concordaram placidamente que o nome deveria ser Tribo Casa de Luciá. 111

Após a leitura de um conto,

todos foram convidados a registrar através de

um desenho em lápis cera sobre papel tamanho A3, aquilo que mais tivessem gostado na história. Então, logo que todos confeccionaram seus desenhos, foram

convidados

a

falar

sobre

suas

composições,

e

também

sobre

o

que entenderam da história. Durante a confecção dos desenhos, um dos componentes, enquanto desenhava um pavão, lembrou da ave mitológica Fênix, e contando que seu grupo de escotismo levava este nome, indagou mais sobre ela. Explicamos, então superficialmente, sobre sua história de morte e renascimento das cinzas. Todo o grupo motivou-se pela história e quando percebemos um nome para a tribo havia sido escolhido: Tribo Fênix. Durante toda a primeira fase da terapia, indicada como a fase do diagnóstico, terminamos as sessões com uma dança circular acompanhada de um canto que repetia as palavras: “Tribo Fênix”. Outra grande questão daqueles jovens - a sexualidade - encontrou expressão quando, durante um trabalho com argila, aceitamos com naturalidade a modelagem de vários pênis. A aceitação propiciou maior tranqüilidade nos encontros seguintes, que transcorreram sem as palavras e gestos de cunho sexual

que

caracterizaram

nossos

primeiros

encontros.

Proporcionou-nos

também, um maior diálogo com os demais funcionários da instituição, uma vez que fomos solicitadas pela direção da mesma, a propiciar um encontro no qual pudéssemos explicar a dinâmica de um trabalho arteterapêutico. Aproveitamos então a oportunidade e executamos um Workshop com os profissionais da Casa, que trabalhavam diretamente com as crianças, ou seja, professores, inspetores, assistentes sociais e psicólogos. A cada transformação, nossa, do grupo e da instituição, os limites eram renegociados, e as barreiras dissolvidas. Após avaliar o processo de diagnóstico, identificamos a Transformação como força motriz da psicodinâmica grupal, e o

Mito da Fênix, como

estímulo gerador símbolo desta Transformação. Então, nesta primeira sessão da nova fase, resolvemos antes de mais nada introduzir oficialmente história do Mito da Fênix, apresentando assim a ressurreição através do fogo, e a transformação das cinzas em algo belo e vivo. A Fênix, quando pressente a hora da morte, constrói um ninho, e, batendo 112

as asas produz fogo, que a consome, transformando-a em cinzas. Das cinzas, uma nova Fênix renasce. O poder de ressurgir das próprias cinzas, torna-a símbolo de esperança e renascimento. Durante a segunda fase da terapia, a história mitológica da Fênix foi utilizada como

estímulo

diversas

gerador,

técnicas

para

plásticas

as

e

composições

construtivas,

expressivas

quando

foram

que

utilizaram

confeccionadas

muitas imagens, onde não só apareceram aves fênix, mais também muitos grafismos, escritas e fisionomias. Quando foram convidados no

conteúdo

da

narrativa,

a recontar a história da Fênix e a identificar quatro

símbolos

foram

identificados

como

indispensáveis na saga da Ave Mitológica: o OVO, o NINHO, a ÁRVORE e a FÊNIX. Estes símbolos foram construídos com materiais recicláveis pelo grupo, pois como se iniciaria o período de férias, achamos providencial estabelecermos um fechamento de idéias e conceitos, e por isso propusemos a confecção coletiva dos símbolos do Mito da Fênix, para que representassem o papel de guardiães e protetores do espaço arteterapêutico, durante o recesso de um mês. Após

as

férias,

optamos

neste

retorno

de

atividades,

retomar

com

um trabalho bastante semelhante ao trabalho com o qual iniciamos o processo arteterapêutico - a colagem como expressão da IDENTIDADE. Tal escolha foi pautada nas modificações que sabíamos que iríamos encontrar - a transferência de cinco integrantes do grupo para o turno da tarde, como

conseqüência

da

mudança

do

horário

escolar,

acarretando

uma

transformação na estrutura grupal. Ao chegarmos, a Fênix guardando seu ninho em cima da árvore, que havíamos confeccionado nos dois últimos encontros de dezembro, estava no mesmo lugar onde a havíamos deixado. Mostrou-se providencial termos dado

um

pequeno

fechamento

antes

das

férias,

principalmente

para

os

integrantes do grupo que haviam sido transferidos para o turno da tarde, cuja retomada do processo ainda era incerta. Após algumas negociações com a casa e sob orientação da supervisão, conseguimos após duas semanas do retorno das férias, começar a atender o grupo que tinha sido transferido para o horário da tarde. Tínhamos então 113

agora o grupo inicial dividido em dois grupos que começariam a caminhar paralelamente - ou não. Continuamos

trabalhando

a

questão

de

identidade

individual

e

grupal

através de esculturas e máscaras, muitas vezes ao som dos funks e proibidões, que eles faziam questão de nos apresentar, até que no início da terceira fase, a fase da autogestão, os grupos escolhessem as atividades que gostariam de concretizar. Quando chegou o momento da escolha, os dois grupos aprovaram a proposta de pintar uma parte do muro limítrofe do terreno da Instituição. O MURO A atividade plástica grupal, que finalizou o processo de Arteterapia breve, constituiu-se na pintura de parte interna de um muro na referida instituição. Tomaremos,

então

a

simbologia

do

MURO,

para

pontuarmos

algumas

questões sobre o trabalho arteterapêutico realizado. Durante o processo autogestivo do grupo, tivemos a função de orientar o planejamento e a organização como facilitadores na execução de qualquer objetivo; orientar a ocupação do espaço, individualmente,

e em uma

coletividade; orientar o compartilhar dos espaços coletivos. Tais questões são fundamentais não apenas para a organização interna de cada jovem, mas para o exercício da cidadania. Foi necessário dividir o muro em três partes: uma para o grupo da manhã, outra para o grupo da tarde e uma terceira para os outras crianças atendidas pela Instituição, que pleiteavam também o direito de deixar seus registros no muro.

As atividades de planejamento não foram bem recebidas, os

dois grupos pretendiam chegar e imediatamente iniciar a pintura do muro. Explicamos que antes disso, precisaríamos de um projeto, para vermos a quantidade de tinta e que cores iríamos precisar, para podermos comprar o material. No processo de pintura do muro, tivemos que lidar com o cotidiano da violência, expresso em imagens de metralhadoras, desenhos demonstrando troca de tiros, drogas, que se contradiziam com slogans de “Paz”, “Diga não às Armas” ou “Diga não às Drogas”. As mensagens de paz pareciam estar ali como uma concessão às facilitadoras. O fascínio dos meninos pelas armas era 114

evidente. O tom de voz quando mencionavam as armas era entusiasmado; quando mencionavam a paz, a voz tornava-se monótona, como se estivessem repetindo uma lição que deveria ser decorada.

Quando questionados sobre

a incoerência da imagem com a escrita, eles sugeriam uma faixa inclinada sobre a imagem, que na maioria das vezes era desenhada por trás da imagem, em segundo plano. Ressaltamos que o muro é uma mensagem e convidamos o grupo a que refletisse sobre que mensagem gostaria de deixar exposta na Casa. Percebemos organização;

a o

dificuldade

do

imediatismo

grupo era

na

questão

evidente.

Por

do mais

planejamento que

e

da

sinalizássemos,

parecia que a ligação entre o esboço e o muro não havia ficado clara. Depois

que

analisamos

juntos

uma

série

de

fotografias

de

grafittis,

pichações e pinturas rupestres, e conversamos sobre a diferença entre grafitti e pichação, chegamos a conclusão que o grafitti seria uma transformação da pichação, “seria a Fênix”. Através das figuras, mostramos que, “deixar sua marca” é ação humana, desde o período pré-histórico. Após o processo de planejamento, iniciou-se o desenho e pintura do muro, onde os espaços individuais deveriam ser respeitados, e que, qualquer troca, deveria ser negociada entre os interessados. Diante dos materiais, a reação foi de prazer diante da quantidade de tintas e da possibilidade de experimentar as próprias misturas tonalizantes. Ao iniciarmos a pintura do muro, a reação prazeirosa foi seguida de experimentações

diversas,

várias

tintas

sendo

misturadas

e

descartadas

quando não desejadas. No grupo, o prazer de fazer as misturas se iguala e, algumas vezes, ultrapassa o prazer de pintar o muro. Os

dois

grupos,

durante

o

processo

apresentaram

comportamentos

bastante variados e distintos. Enquanto o grupo da manhã, tinha o cuidado de reproduzir fielmente o seu planejamento, o grupo da tarde se sentiu livre para mudar o seu projeto quantas vezes achasse e sentisse necessário. O grupo da manhã apresentou uma grande dificuldade de terminar o trabalho dentro do prazo estabelecido, Por sua vez o grupo da tarde pintou e repintou o muro cerca de três vezes.. 115

Ao grupo se associa uma pequena platéia, integrada pelas demais crianças da Casa. A pergunta é a mesma : “Tia, quando vamos pintar também ? “

A

platéia, então, vai aos poucos, ocupando um espaço maior nos trabalhos - pegando tintas, auxiliando na limpeza do material. São bem aceitos pelo grupo da tarde, cujos integrantes marcam bem o espaço de “donos do trabalho”, permitindo, contudo, que os demais cheguem perto, façam comentários, auxiliem segurando pincéis. Vários

comportamentos

foram

observados

durante

a

pintura

do

muro:

a não ocupação de seu espaço, preferindo ficar ao redor dos outros do que executar sua pintura; ocupação de espaços alheios com sua pintura; permanecer

em

um

ultrapassar os limites

único

“quadro

espaço“por

horas

seguidas

sem

e nem ocupar outros espaços que lhe eram destinados;

pouca interação entre os integrantes do grupo; cada qual absorvido em seu próprio espaço; cessão de

transformação de um erro de pintura em outra imagem;

muitos de seus espaços, ficando apenas com um deles; pintar

de branco todo o seu trabalho, já pronto, e repintar várias vezes; mostrar satisfação em desfazer e refazer, demonstrando prazeiroso do que o produto final; pintar as mãos

o processo como mais demonstrando

prazer;

pouca organização e muito descuido com o material. Com a aproximação do final do tempo de terapia, avaliamos que talvez a parte do muro, feita pelo grupo da manhã,

não ficasse “pronta”; avaliamos,

também, que essa não conclusão seria o retrato mais fiel da forma de engajamento

nos

trabalhos:

pouco

116

comprometimento,

indecisão

de

engajamento, perfeição excessiva. Se o muro do grupo da manhã apresentou um grande trecho sem pintura, o do grupo da tarde, no processo de refazerse a cada encontro, fora pintado pelo menos três vezes. Nenhum dos grupos deu a obra como concluída. Sincronicamente, no último dia de pintura do Muro, por conseqüência dos conselhos de Classe que as escolas estavam praticando naquele dia, todos os componentes estavam na Casa durante todo o dia, então todos puderam trabalhar juntos na pintura final. A união dos grupos possibilitou uma espécie de fechamento de um ciclo: haviam começado como um único grupo, em setembro de 2003 e agora, em abril de 2004, encerravam a atividade como um único grupo, bastante antagônicos, mas felizes por estarem juntos novamente. Apesar de termos combinado que usaríamos somente o turno da manhã para a pintura, a tarde vieram pedir pra continuar...Percebemos que os meninos não haviam se convencido de que o processo estava chegando ao fim... Segundo Chevalier & Gheerbrant (2001) o significado mais fundamental do muro é “separação entre os irmãos exilados (...) a comunicação cortada, com sua dupla incidência psicológica; segurança, sufocação; defesa, mas prisão.” O MURO é, portanto, uma imagem pertinente para o Brasil de extremas desigualdades e para a cidade do Rio de Janeiro, nomeada com propriedade por Zuenir Ventura como uma Cidade Partida. O muro invisível da

desigualdade

toma

visibilidade

nos

corpos

franzinos,

carentes

de

alimentação, com marcas de maus tratos, apresentados pelos adolescentes atendidos por nós. Portanto, a transformação do MURO - que outrora era tão somente um representante de limite, de propriedade e até de segregação, em um suporte e aliado para a expressão artística e emocional - viabiliza um espaço real de publicação imagética comparável às paredes das cavernas e dos templos, onde os povos através dos tempos, sempre registraram as suas imagens sagradas. A HUMANIDADE E OS MUROS Arte Rupestre Os

Arte rupestre... as magníficas manifestações culturais da pré-história. antepassados

retratavam

desde

seus

desejos

mais

íntimos

até

suas

vontades mais latentes nas paredes de rocha. Símbolos da vida, da morte, 117

do céu e da terra, foram encontrados nas paredes cálidas das cavernas. A tela primordial em que nossos parentes longínquos plasmaram suas idéias pictóricas, foi a rocha pura. Estas manifestações estão imbuídas de uma intenção, e esta intenção é de comunicação. Muro das Lamentações A parede construída por Herodes no primeiro século a.C., é o lugar mais santo no mundo para os judeus. As orações são oferecidas nesta parede três vezes por dia, com

118

os seus mantos de oração brancos e azuis as pessoas se aglomeram esperando sua vez de aproximar-se do muro. É comum deixar um bilhete com algum pedido secreto nas frestas do Muro. Dizem que o pedido será atendido. A Grande Muralha da China A Grande Muralha não foi erguida de uma só vez nem de forma consecutiva. Cada cidade tinha sua fortaleza. O imperador decidiu unificá-las numa barreira, juntando as bordas de cada fortificação para conter os invasores do norte, militarmente mais fortes.

Muro de Berlim Construído em 1961, na então Alemanha Oriental, com a finalidade de impedir a fuga de alemães orientais para a Alemanha Ocidental, tornou-se um dos símbolos da Guerra Fria - conflito ideológico, político e econômico marcado pelo antagonismo e hostilidade entre os blocos de países liderados pelos Estados Unidos da América e a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviética - contexto que produziu corrida armamentista, mantendo sempre presente a ameaça de guerra nuclear. O Muro de Berlim foi derrubado em 1989, marcando o processo de re-unificação da

119

Alemanha e o final da Guerra Fria. Grafites e Pixações Quanto às marcas de identidade, deixadas nos muros da cidade, pode-se ressaltar a transformação criativa, representada pela mudança das pixações para os grafittes.  As pixações - marcas de identidade perpetradas em território de outrém - podem ser interpretadas como uma resposta agressiva dos jovens contra a  invisibilidade à qual muitas vezes são submetidos. Por outro lado, os grafites trazem uma idéia de comunicação, de mensagem visual, de um diálogo imagético. CONCLUSÃO O processo arteterapêutico em um grupo institucional é trabalho complexo

- complexidade entendida, aqui, em sua etimologia latina: tudo aquilo que se tece em conjunto. Embora nossa tarefa, dentro das etapas preconizadas pelo trabalho de terapia breve, fosse a de diagnosticar e trabalhar a 120

psicodinâmica

grupal, percebemos,

ao final do processo, que nossas questões como facilitadoras, e as questões da própria instituição foram fios com os quais também tecemos este trabalho. Durante todo o processo, a questão que perpassou a todos - grupo, facilitadoras e instituição - foi a transformação, a transição que todos estávamos vivenciando. Os adolescentes - a própria transformação, a difícil passagem de crescer em uma sociedade desigual, cujas imagens padronizadas de consumo

impedem a expressão de uma identidade saudável, condenando-

os ou à invisibilidade ou à marginalidade. Os funcionários da Instituição, por sua vez, vivenciavam as transformações decorrentes da mudança de orientação no funcionamento da mesma. Nós, as facilitadoras, a passagem para uma nova profissão, com todos os ajustes que precisaram ser feitos em nossas vidas pessoais. A Psique é mito, tanto no plano pessoal quanto coletivo, e se expressa por meio de imagens. Acreditamos que a Fênix, imagem mítica que a princípio ligamos apenas à psicodinâmica grupal, poderia abrir suas asas e abrigar a todos os envolvidos. A cada transformação, poderíamos considerar como um obstáculo a ser ultrapassado – um MURO a ser transformado. Nosso

ninho,

nosso

Têmenos,

construído

com

acolhimento,

massagem

nas costas e limites estabelecidos com firmeza, ultrapassou as paredes da sala de Arteterapia, alcançou as outras pessoas da Instituição, provocou atrito, possibilitou novas acolhidas em um workshop no qual, pela primeira vez a Instituição parou suas atividades rotineiras para experienciar algo desconhecido. Algumas combustões... Algumas cinzas... Alguns vôos... O trabalho saiu dos limites da sala, onde era realizado, e deixou a marca no muro do pátio, antes branco. Com os grafites, tão atuais, nos religamos aos nossos ancestrais, que expressavam-se nas paredes das cavernas e foi expressa, no muro, a identidade de um grupo. Denise Nagem é Arteterapeuta (AARJ 144), Artista Plástica, Arquiteta, Facilitadora da Clínica POMAR e Pós Graduanda em Arteterapia pelo Convênio POMAR/ISEPE. Eliana Ribeiro é Arteterapeuta (AARJ 143), Cientista Social, Professora e Pós Graduanda em Arteterapia pelo Convênio POMAR/ISEPE

BIBLIOGRAFIA 121

Referências Bibliográficas

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122

123

ARTE MODERNA - EXPRESSÃO SIMBÓLICA DE UMA ÉPOCA

Modern art - Symbolic expression of an age

Dirlene Neves Pinto Resumo O presente trabalho tem como proposta analisar o florescimento da Arte Moderna, nos séculos XIX e XX, como uma expressão simbólica das condições sociais e psicológicas em que viveram os artistas da época, enfocando a Pintura, por ter sido a mais propícia a inovações radicais. Aborda-se a obra dos pintores que mais influenciaram a Arte dos séculos seguintes, tecendose comentários a respeito de seus modos de pensar e sentir. Abstract This work intends to analyse the flourishing of Modern Art in the 19th and 20th centuries as a symbolic expression of the social and psychological conditions in which the artists of that period lived, focusing Painting, the most propitious art to radical innovations.  The work of the painters who most influenced Art of the following centuries is broached, with the discussion of their methods of thinking and feeling. INTRODUÇÃO A linguagem da Arte, como a dos sonhos e a dos mitos, é simbólica e, como tal, transcende a realidade objetiva. Numa obra de Arte está condensada toda uma gama de valores e afetos do artista que a concebeu, sem que ele, muitas vezes, sequer os tenha conscientizado. Mesmo assim, trouxe-os à luz já por meio de cores, de formas e de ritmos. Entranhada na matéria da tela, das tintas,da pedra esculpida, está a busca de tornar poético o quotidiano – a busca da transcendência. O contexto Histórico A Arte Moderna influenciou e expressou as mudanças ocorridas no Mundo Ocidental dos fins do Século XIX e início do Século XX, com duas mudanças radicais no modo de ver as coisas: rompeu-se com o ideal de beleza prevalecente no Mundo Clássico e os artistas deixaram de tentar reproduzir o mundo conforme percebido por nossos sentidos. 124

No

contexto

histórico

dos

últimos

dois

séculos

(principalmente

no

interregno de 1848 a 1914), o mundo sofreu alterações profundas, tais como uma no

crescente campo

tecnológico)

das e

urbanização, Ciências novos

o

inédito

(trazendo

acúmulo

de

extraordinário

questionamentos

dos

novos

conhecimentos

progresso

filósofos,

tudo

científico forçando

e

uma

mudança no modo de vê-lo. Estes fatos do mundo externo (mecanização, velocidade,

conflitos

entre

classes

e

sexos,

estudo

da

mente

humana,

novos meios de comunicação, ameaça de guerra, acesso às artes dos povos primitivos) podem ter afetado a sensibilidade e a imaginação dos artistas. Relembremos que nesta época de extrema produção tecnológica foram inventadas as máquinas de costura, de escrever e a frigorífica foram criados o

telefone,

o

fonógrafo,

o

automóvel,

a

dinamite,

a

lâmpada

elétrica,

construídos o metrô (em Londres), o elevador e o primeiro arranha-céu, surgiram o cinema, o avião, o plástico, o aço e o alumínio produzidos em larga escala e ainda a fotografia, que foi mais um fator a forçar a busca de novos caminhos, que não a representação da realidade objetiva. Neste mesmo período houve a publicação do “Manifesto Comunista” (Marx e Engels), de “A Origem das Espécies” (Darwin), “Assim falou Zaratustra” (Nietzsche),

“Interpretação

dos

Sonhos”

(Freud),

“Três

Ensaios

sobre

a

Sexualidade” (Freud), (Jung). Planck elaborou a Teoria dos Quanta, deste modo iniciando a Física Contemporânea e Einstein lançou os fundamentos da

Teoria

da

Relatividade.

Auguste

Comte

desenvolveu

o

pensamento

Positivista, escola filosófica que defende a idéia de que o conhecimento genuíno é o obtido pelos métodos da Ciência, sendo, pois, aliada ao Materialismo. No campo social, as mulheres conquistaram alguns direitos: na Inglaterra surgiu o primeiro colégio feminino, na Alemanha foram admitidas numa Universidade, na Nova Zelândia conseguiram o direito ao voto (note-se que 20 anos depois a líder das sufragistas ainda foi presa na Inglaterra) e os operários sindicalizaram-se. Em Paris, os artistas tiveram acesso à Arte de povos de áreas remotas, como a África Negra, Índia, Indonésia, Egito, Pérsia e Cambodja, expostas em museus e também a gravuras japonesas. Por fim, a mudar drasticamente o comportamento social mundial, pela 125

primeira vez na história do homem, bombas foram usadas contra populações civis, com a eclosão, em 1914, da 1ª Grande Guerra Mundial. Neste mundo em mudança, os artistas viam-se expostos a novas idéias e a criações científicas e tecnológicas em todos os campos. Nunca se vivera num mundo como aquele. Este excesso de cientificismo e de tecnologia, o materialismo e a ambigüidade da sociedade, tudo os levava à busca de novos caminhos, o que fizeram por intermédio do estudo da Arte dos povos primitivos e de uma espiritualidade conectada à Natureza. Influenciado pelas idéias de Marx, Nietzsche e Freud, o Homem do novo século mudou a perspectiva pela qual se via: a auto-imagem do grande número

de

trabalhadores

explorados

e

sofridos

contrastava

com

a

do

burguês da era do desperdício e da ostentação. A mecanização crescente das fábricas fazia com que os operários se sentissem como que componentes das máquinas, peças num processo de produção, sem que nada pudessem imprimir de pessoal ao que faziam. Os artistas têm antenas que captam o sentimento coletivo, refletindo na Arte esta nova maneira do Homem se perceber e que pode ser mais bem observada nos retratos: enquanto o Impressionismo diluiu suas formas, o Cubismo foi mais adiante e fragmentou-as, como que refletindo a tomada de consciência de uma sociedade que se fracionava, que criava a luta de classes, fragmentação esta registrada nas diversas formas de Arte da época, principalmente na Literatura e nas Artes Plásticas. O INÍCIO DA ARTE MODERNA O Salão Oficial de Paris e a sociedade não aceitavam os artistas que desejavam expressar seu modo de ver e de viver seu tempo, preferindo o escapismo que lhes permitia refugiar-se num mundo pasteurizado, longe do sofrimento dos que habitavam as grandes cidades. Muito freqüentemente, os artistas que buscavam novas atitudes em relação à

estética,

eram

também

engajados

em

movimentos

políticos

contra

o

regime. Como não aceitavam os padrões da arte exibida nos Salões Oficiais, apelaram ao Imperador Napoleão III e este permitiu, em 1863, a abertura do Salão dos Recusados, ao qual Manet compareceu com a tela “Almoço sobre 126

a relva”. Em 1874, alguns destes dissidentes montaram uma exposição no estúdio de um fotógrafo, daí surgindo o denominado impressionismo que ainda trazia traços do movimento Realista, que lhe é anterior. As

duas

últimas

Impressionismo

e

décadas o

do

surgimento

Século de

XIX

vários

presenciaram

movimentos

a

crise

do

antinaturalísticos,

alguns dos quais buscaram suporte em teorias escritas por seus componentes. A absorção destas novas idéias gerou o que é hoje conhecido como PósImpressionismo, que trouxe uma variedade de soluções pictoriais subjetivas. Era a busca de uma arte cujo valor seria autônomo, independente do mundo exterior. Considerando que o homem e sua obra são duas faces de uma mesma realidade, vamos examinar de que modo os artistas reagiram ao desafio de

expressar

o

turbilhonamento

daquele

mundo

instável

e,

por

vezes,

ameaçador. Artistas e Movimentos que mudaram a arte dos Séculos XIX e XX Édouard Manet (1832/1883) – buscou por algum tempo a aprovação do Salão Oficial mas, fiel à sua visão de mundo, causou um dos maiores escândalos do mundo artístico, ao apresentar seu “Almoço sobre a Relva” no Salão dos Recusados (1863), em que representou uma cena campestre na qual descartou, não só o nu feminino sob formas mitológicas, como também a busca da representação espacial ilusória, que procura representar as três dimensões do mundo visível no espaço bi-dimensional de uma tela, questionando, assim, a hipocrisia da época e gratificando o público masculino com o espetáculo de uma jovem mulher desnuda, mas enviando uma mensagem de que não se serviria disto sob o subterfúgio de estarem apreciando a pureza do mundo ideal das ninfas mitológicas. Sua modelo encara

o

espectador

diretamente,

com

uma

audácia

que

somente

uma

profissional teria na época. Na verdade, ele retratou Victorine, sua modelo preferida, bastante conhecida nas rodas artísticas. Por meio de sua mestria, tirou a profundidade da cena, minando assim duplamente os valores de tudo quanto era aceito pela sociedade da época e pelo Salão Oficial. Claude Monet (1835/1926) – representante da quintessência do Impressionismo, Monet buscou, até o fim de sua longa vida, revelar as possibilidades 127

Quadro 1 – Manet – “Le déjeuner sur l’herbe”

expressivas da pintura e transmitir o frescor e a leveza da realidade como percebida por um olhar fugaz. Pintando sempre ao ar livre, queria captar os mutantes efeitos da luz sobre os corpos, dar à sua pintura a aparência de espontaneidade – o que impedia que os contornos das formas fossem nítidos, conforme se buscava na Academia. Há uma ambigüidade, uma simplicidade misturada à sofisticação, em suas telas, que refletia as contradições da época. Monet gradualmente perdeu a fé no Positivismo, refugiando-se na Natureza. Agia intuitivamente a respeito da mecânica da visão, enquanto a ciência da época aprofundava os estudos de Ótica. O desdobramento de sua obra tornou sua pintura uma teia de pinceladas que construíam oticamente uma imagem desmaterializada que, em seus últimos trabalhos, beirava a abstração e conduziram

mais tarde, ao Expressionismo Abstrato da Escola

de Nova York. 128

Quadro 2 – Monet – “La Gare St. Lazare”

Paul Cèzanne (1839/1906) – é considerado por muitos o “Pai da Pintura Moderna”.

Via

as

formas

da

natureza

como

extensões

das

estruturas

abstratas das formas geométricas. A linha e a cor estão entrelaçadas em seu trabalho, as distorções formais surgindo como conseqüência da necessidade de expressar sua visão estética e sua lógica interna. Era de natureza rebelde, mas sua educação foi conservadora, o que gerou um conflito interior. Rejeitado pelo público, refugiou-se no campo, longe de Paris e de suas influências,

trabalhando

solitário

e

isolado,

perseguindo

seus

objetivos

com a persistência de quem acredita no que busca. Procurava harmonizar a

tridimensionalidade

da

Natureza

com

a

bidimensionalidade

da

tela,

por meio dos elementos plásticos (cor, forma, ritmo) e não pelo uso dos processos ilusionistas criados pela Perspectiva, recriando, assim, a linguagem pictórica. O motivo era apenas um ponto de partida para a obra: ao pintar centenas de vezes o “Monte Sainte Victoire”, seu intimismo transformou paisagens

destituídas

Cèzanne dizia que

de

maior

encanto

em

cenas

de

grande

lirismo.

“(...) a Natureza é sempre a mesma, embora aquilo que

chega à nossa vista nunca pareça igual. Nossa arte deveria fazer transparecer o permanente, debaixo de todas as aparências que mudam.” Aberto à observação dos fenômenos naturais, ele não partia de uma idéia abstrata 129

realizada por seu intelecto, mas sim de tudo o que vinha do que chamava suas “sensações”.Cèzanne não teorizou sobre seu trabalho, como o fariam os cubistas, mais tarde. Sua obra busca, não as transformações efêmeras, mas a continuidade do ser, testemunha o que é concomitantemente próprio à matéria e o que ela tem de universal, como se visse uma unidade dinâmica no mundo. Num de seus últimos quadros – “As Grandes Banhistas” – o grupo de mulheres parece

fazer parte da natureza que as cerca. Por meio de linhas,

cores e formas, Cèzanne obteve o maravilhoso equilíbrio que inspirava os jovens pintores de sua época, que o consideravam um grande mestre, capaz do milagre de unir a natureza observada à idealização da natureza. Por ocasião de sua morte, em 1906, vários movimentos artísticos clamavam ser os continuadores de Cèzanne, que dizia ter falhado em atingir todos os seus objetivos. Enquanto a emancipação da cor trazida por Cèzanne significou tudo para Matisse, Picasso e Braque buscaram uma nova unidade pictorial a Quadro 3 – Cèzanne – “ As Grandes Banhistas”

130

partir das formas geométricas subjacentes à sua obra. Com o aplanamento das figuras, a organização estrutural e a simultaneidade dos pontos de vista, Cèzanne começou a trilha que conduziu Picasso e Braque ao Cubismo, em 1908. Assim, embora Cèzanne nunca tenha abandonado a representação de um motivo, sua arte serviu como transição entre a arte perceptual do Século XIX e a arte não representativa do Século XX. Paul Gauguin (1848/1903) – pensava que “a Arte é uma abstração para ser sonhada em presença da natureza, mas esta fantasia é impedida pela influência corruptora e opressora da vida moderna.” A família materna de Gauguin era descendente dos incas peruanos, tendo ele vivido no Peru quando criança. Além disto, foi marinheiro por alguns anos. Era atraído pelo exótico e por uma vida simples. A civilização industrial agrediu sua sensibilidade, o que motivou sua ida para a Bretanha, parte da França onde a civilização não havia chegado como aos

grandes

centros,vendo-se

atraído

pelo

modo

de

vida

primitivo

dos

camponeses bretões. Gauguin tivera contato com o movimento literário e artístico do Simbolismo e, como eles, buscava criar uma linguagem estética que expressasse os intangíveis e misteriosos aspectos do mundo em que vivemos. Refletindo uma ambivalência típica do fim do Século XIX, ele se debatia entre sua urgência interior de volta aos fundamentos da humanidade e um escapismo romântico para uma situação idealizada. Seu protesto contra a era industrial realizou-se por duas vias: refugiando-se nas ilhas da Oceania e usando meios plásticos para enfatizar seus pontos de vista. No Taiti sua obra tornou-se ainda mais luminosa, mais complexa e potente. Usando a distorção das figuras e uma imensamente rica paleta de cores aplicadas arbitrariamente de forma chapada, afastou-se do Naturalismo, (que procurava representar a natureza tal como a vemos), influenciando o grupo que se autodenominou “os Nabis”, e também antecipando Matisse e os “Fauves”. Sua pintura retoma aspectos da arte mural, com elementos decorativos que foram a base de uma nova pesquisa estética por inúmeros

artistas de gerações seguintes.

Suas linhas sinuosas, traçando arabescos, influenciaram a arte abstrata de Kandinsky. Gauguin buscou inspiração nos vitrais medievais e nas gravuras japonesas que chegavam à Europa naquela época devido à abertura dos portos do Japão ao comércio com o exterior. Desejando trazer um novo 131

frescor à Arte e à humanidade, buscou-o nas fontes “selvagens”. Assim, estudou a arte das civilizações da Índia, Indonésia, Egito, Pérsia, e Cambodja, entre outras, em freqüentes visitas a museus de Arte e de Etnografia de Paris. Fez ainda um aprofundado estudo de pinturas, esculturas e objetos decorativos da África Negra, o que resultou em influenciar Picasso e Matisse. Ressalte-se que os museus de Paris e de Londres representaram um novo fenômeno cultural no fim do Século XIX, pela oportunidade dada aos artistas e intelectuais de serem expostos a outras culturas. Por meio da nova conquista da humanidade, a fotografia, Gauguin tomou conhecimento dos frisos egípcios e javaneses, cuja influência se pode notar em trabalhos como “Ta Matete” e “De onde viemos? O ����������������������� que somos? ���������� Para onde vamos?” A esta obra Gauguin se referiu como sendo “um poema musical que não precisava de libreto para transmitir seu significado”. Ao morrer, isolado, com problemas financeiros e de saúde, disse: “Eu desejei estabelecer o direito de ousar qualquer coisa(...) o público não me deve nada, mas os artistas, estes sim, devem-me algo”. Quadro 4 – Gauguin – “Ta Matete “ (“Não Iremos ao Mercado Hoje”)

132

Vincent Van Gogh (1853/1890) – numa carta a seu irmão e protetor Theo, escreveu: “Encontrei minha razão de ser em meu trabalho, em algo a que posso me dedicar de corpo e alma, que inspira a minha vida e lhe dá sentido.” Sua vida

foi marcada pelo fervor religioso e por uma intensa necessidade de

ser amado, que afastava as mulheres de que se aproximava, não tendo achado um equilíbrio entre suas necessidades afetivas e as exigências externas. Foi influenciado pela Arte européia do Norte (Alemanha, Holanda, Bélgica), admirava Delacroix e, mais tarde, foi profundamente afetado pelas gravuras japonesas, que clarearam sua paleta. Cansado da estética professada pelos artistas que se reuniam nos cafés de Paris, foi viver em Arles. Sonhava com uma nova comunidade artística em que artistas, juntos, executariam um ideal comum. Por um breve período trabalhou com Gauguin, que também sonhara em levar para a Oceania jovens artistas para que pudessem trabalhar juntos, longe da influência corruptora da civilização. Van Gogh escreveu a Theo: “Ao invés de tentar reproduzir o que vejo, uso as cores mais arbitrariamente, Quadro 5 – Van Gogh – “Noite Estrelada”

133

buscando sua força expressiva. Tento exagerar o essencial e deixar vago o óbvio.” Supõe-se que sofresse de esquizofrenia. Em sua arte há conflito, luta e excitação nervosa, mas não se vê introspecção opressiva ou desespero paralisante. A alta carga emocional é traduzida por curvas vertiginosas, formas pontiagudas, linhas curtas e descontínuas, cores contrastantes. Por vezes, a energia explosiva de suas linhas e cores poderia ter se perdido na incoerência, não fosse ele o grande artista que foi. Pintou a vida de sua época, mas foi buscar nos camponeses simples o lirismo a que sua sensibilidade o impelia. As formas das imagens que criou brotavam de seu inconsciente e ele escreveu a Theo dizendo: “Desejo pintar homens e mulheres com aquele algo de eterno que o halo simboliza, por meio da radiação e vibração de minhas cores.” Expressionismo As correntes expressionistas caracterizam-se pela exacerbada emotividade, mas o conteúdo expressivo não precisa ser necessariamente angustiante ou trágico, como veremos. Expressionismo Alemão – Havia na Alemanha vários centros de atividade artística, graças à sua descontinuidade histórica e política. Em Dresden surgiu o movimento denominado “A Ponte”, em que o pintor mais representativo foi Ernst Ludwig Kirchner. Os artistas deste movimento interessaram-se

pela

arte

expressionista

do

norueguês

Edvard

Munch

e

fizeram uma pintura cujo impacto decorativo evocava o artesanato, tão presente na Alemanha ao longo de toda a sua história. Buscavam uma representação

do

mundo

sofisticação. Aplicavam não

refinadas,

Interessavam-se

criando pela

externo

mais

próxima

ao

primitivismo

que

à

as cores puras diretamente na tela, com pinceladas obras exploração

de

extraordinário psicológica,

impacto

contando

emocional.

com

grande

habilidade em desnudar as profundezas da mente humana, com ênfase nos temas trágicos ou angustiantes. Na verdade, o interesse despertado pela Psicologia levou alguns artistas a explorarem humana até então considerados tabus. 134

aspectos da personalidade

Berlim estava governada pela presença autoritária do Kaiser e Munique tomou o lugar de liderança por suas Academias mais liberais, bons museus e por ter atraído estudantes de vários países, inclusive Rússia, Estados Unidos, Suíça e Áustria. Criou-se uma atmosfera intelectual que favoreceu o aparecimento do movimento “O Cavaleiro Azul”, cujos artistas acreditavam na liberdade de expressão e na experimentação, enfatizando as propriedades simbólicas e espirituais das formas e cores. Seu trabalho era intelectual e sofisticado, contando, inclusive, com a publicação de uma coletânea de estudos estéticos com ilustrações das artes primitiva, gótica e medieval, além Quadro 6 – Kandinsky – “Composição IV”

de pinturas como as de Cèzanne, Rousseau e Picasso. Desejavam chegar à síntese de todos os interesses e influências da Arte Moderna. Vassili Kandinsky (1866/1944) – foi o mentor espiritual do grupo “O Cavaleiro Azul” e quem deu embasamento teórico à pintura não representativa. Na sua busca pelo absoluto, deu início a uma série, que chamou de “Improvisações”, em

que

trabalhou

com

liberdade

crescente,

e

que

foi

a

origem

dos

primeiros quadros abstratos. Em Paris esteve em contacto com os Fauves (expressionistas franceses), que reforçaram sua idéia de que a cor pode ser inteiramente independente do objeto. Pensava como Gauguin, que dissera 135

que “A cor, que é vibração, justamente como a música, é capaz de atingir o que é mais universal, e ao mesmo tempo mais impalpável na Natureza: sua força interior.” A pintura de Kandinsky é introspectiva e intuitiva, conduzindo a um lirismo que ele enfatizava ser de ordem espiritual. Ele mesmo conta que descobrira poder a pintura ser autônoma, independente de estar ligada a um objeto, quando, voltando de uma caminhada em que estivera imerso em seus pensamentos, ao abrir a porta de seu ateliê, a verdade lhe viera como uma revelação (insight): ao ver um quadro seu no ateliê, apoiado num dos lados, sentiu que a representação de objetos em sua pintura era desnecessária, e até, prejudicial. Podemos imaginar a luta heróica deste idealista, de espírito sincero e aspirações místicas, para viver à margem do opressivo materialismo que dominava os primeiros anos do Século XX. O Expressionismo na França No início do Século XX, houve em Paris um grande número de retrospectivas dos

mestres

Pós-Impressionistas

(notadamente

Cézanne,

Gauguin

e

Van

Gogh), que excitou a imaginação dos jovens artistas, que nunca antes haviam tido a oportunidade de ver semelhantes quadros ao vivo. Foi como que uma revelação para Matisse e seus companheiros, que imediatamente se sentiram tentados a novos experimentos. Algum tempo depois, reuniramse numa exposição, com trabalhos absolutamente originais, revelando seu espírito independente. Um crítico, chocado pela audácia das cores intensas e distorções de formas, disse ter se sentido numa jaula, entre feras (une cage aux fauves). No entanto, estes jovens pintavam com paixão e seu objetivo era injetar um novo vigor na Arte, através da libertação de conceitos estabelecidos.

Seguiam

o

instinto,

afastando-se

daquela

sociedade

que

cultuava como seus maiores valores a Ciência e a Tecnologia. Henri Matisse (1869/1954) – não desejava representar o mundo externo, mas sim evocá-lo artisticamente. Seu ponto de vista era essencialmente estético. Explorando os problemas do desenho e da pintura, estudou o esquema de cores dos tapetes orientais e a arte da Oceania e da África Negra, que conheceu nos museus de Paris. Dizia ser incapaz de distinguir entre o sentimento que tinha pela vida e sua maneira de expressá-la. Buscava uma nova concordância cromática e a simplificação das formas. Pode-se perceber que algo cerebral controla a espontaneidade e a licença que se 136

permitia ter ao pintar, que seu raciocínio lógico convivia harmoniosamente com sua intuição. Matisse declarou desejar que sua arte “fosse um símbolo e ao mesmo tempo um criador da alegria de viver, uma harmonia viva de cores, análoga a uma composição musical”. Sua tela “A Dança” foi escolhida pelo Quadro 7 – Matisse – “A Dança”

crítico Argan para a capa de seu livro sobre a história da Arte Moderna e sua “Alegria de Viver” estimulou Picasso a criar “Les Demoiselles d’ Avignon”, marco na rota do Modernismo . Cubismo Pablo Picasso (1881/1973) – O Cubismo, conforme hoje o conhecemos, surgiu da estreita colaboração entre Georges Braque e Picasso. Representar o

objeto

por

meio

de

múltiplas

perspectivas

conformava-se

com

o

conhecimento trazido pela Ciência, de que a percepção humana deriva, não de um único golpe de vista, mas de uma sucessão de registros, da experiência armazenada na memória e da capacidade da mente de conceituar a forma observada.

Fragmentando

não

somente

objetos,

mas

também

a

figura

humana, disseram que o homem era secundário às exigências formais da obra, 137

destituindo o ser humano de sua posição prioritária, nunca antes contestada desta forma. Picasso foi um talento desde criança. Aos 23 anos mudou-se definitivamente para Paris. Após suas fases azul e rosa, conheceu nos museus de Paris as máscaras do Congo, que o fascinaram, fazendo-o afirmar que “as máscaras não são como as outras esculturas. Elas são objetos mágicos (...) são mediadores (...). Eu também acredito que tudo é desconhecido, que tudo é inimigo(...) Eu entendi para que os negros as usam (...) Eu entendi por que eu sou um pintor (...). ‘Les Demoiselles d’Avignon’ (1907) (...) foi minha primeira pintura exorcista.” Embora Braque tenha tornado claro que já trabalhava com o Cubismo antes Quadro 8 – Picasso – “Les Demoiselles D´Avignon”

138

de conhecer Picasso, este quadro é considerado por muitos como a semente deste movimento artístico. Se atentarmos para o ambiente da Europa no início do Século XX, poderemos melhor entender a busca de novas fontes de energia vital na vida instintiva e na arte tribal, como forma de remeter-se a um mundo mais primitivo, mais humanizado, em contraste com a crescente mecanização. Note-se ainda que em 1900 houve a publicação do livro de Freud sobre sonhos, em que ele pesquisava o inconsciente, afirmando que, sob a superfície do homem civilizado, jazia uma até então desconhecida vida instintiva mais primitiva – e isso parecia muito ameaçador. Por suas características pessoais, Braque (sistemático e sensível) e Picasso (emocional e expressivo) foram complementares durante toda a pesquisa do Cubismo, analítico ou sintético. Trabalhando em conjunto na mesma tela, raramente assinavam ou datavam seus quadros desta época. Braque usou pela primeira vez a técnica de “trompe l’oeil” num quadro todo fragmentado, afirmando assim que qualquer que seja a

linguagem pictórica, a Arte é um mundo

de fantasia e artifício – e não um simulacro do mundo real. No “Retrato de Ambroise Vollard”, uma obra prima de inteligência analítica, Picasso demonstra como o sentimento lírico pode sobrepor-se ao formalismo impessoal. Os Cubistas sempre se asseguraram de que a pincelada e a textura das tintas fossem observáveis na obra, como que para reafirmar a realidade da superfície pintada. Picasso introduziu a colagem, uma das mais férteis técnicas empregadas na Arte. Colocando num quadro peças do quotidiano e dizendo que nem tudo o que está na tela precisa ser feito pela mão do artista, Picasso e Braque questionaram o fazer artístico e os valores estabelecidos pelas assim chamadas “Belas Artes”. Ao substituírem a pintura de um papel pelo próprio papel já pintado, colando-o em uma natureza morta, por sua vez estavam perguntando ao espectador: “O que aqui é o verdadeiro: o papel real ou a pintura dos objetos aqui representados?” . À pintura a óleo, adicionaram areia e depois outras texturas, talvez buscando

trazer

à

tela

a

sensação

tátil

daquele

material,

tornando-nos

conscientes de novas riquezas que se oferecem aos nossos sentidos. Após o Cubismo, Picasso prosseguiu sua longa carreira por meio de várias outras abordagens artísticas: desenho, gravura, pintura e escultura eram praticadas simultaneamente. Foi a mente artística mais inquieta e criativa do Século XX. 139

Surrealismo O

Surrealismo

foi

Breton(1896-1966),

lançado

pelo

poeta

e

1924,

como

um

movimento

em

médico

psiquiatra

literário.

Andre

Foi

muito

influenciado pela teoria do inconsciente de Freud, que abriu à pesquisa uma vasta região da psique.Seus seguidores interessaram-se pelas idéias a respeito do medo da castração, dos tabus sexuais, dos fetiches, das tênues fronteiras entre o homem e seu instinto animal e entre a realidade do mundo exterior e a criada pela mente. Em seu manifesto,Breton definiu o Surrealismo como “o automatismo psíquico em seu estado puro, a expressão do verdadeiro funcionamento do pensamento, na ausência de qualquer controle exercido pela razão,e dissociado de qualquer preocupação estética ou moral.” O Surrealismo é baseado na crença de uma realidade superior mais ampla e mais real que a percebida pela consciência – a Surrealidade. A imagem surrealista seria a justaposição de duas realidades diferentes. A Arte formula imagens e, como se pensa por imagens, ela é um meio adequado para trazer à

superfície

os

conteúdos

profundos

do

inconsciente.

Freqüentemente,

na

pintura surrealista as figuras são familiares e reconhecíveis, porém entre elas existe uma relação dúbia, de estranheza, como num sonho ou num pesadelo. O público tornou o Surrealismo um dos movimentos mais populares do Século XX. Max

Ernst

imagens

(1891-1976)

metafóricas.



Em

adotou

1925

as

técnicas

produziu

uma

automáticas

série

de

e

criou

desenhos

por

meio de “frottage”, em que colocava folhas de papel sobre superfícies de texturas diversas e esfregava um lápis sobre elas. As figuras que daí advinham

eram

apagando

algumas

imaginários,

a

usadas qual

como

manchas chamou

ou

base

para

traços,

“História

associações:

obteve

uma

Natural”.

Em

enfatizando

série sua

de

ou

animais

pintura,

criou

paisagens fantásticas e seres híbridos, saídos de suas manchas e texturas ambíguas, num jogo de associações alógicas. Não partia do sonho: criava um sonho figurado. Joan Miró (1893-1983) – embora

negasse ser 140

um surrealista, admitia que,

por volta de 1925,a influência da poesia surrealista e o fato de estar vivendo “à base de uns poucos figos secos por dia “o haviam feito desenhar quase que inteiramente a partir de alucinações. Associados a formas geométricas e caligráficas, surgiam em sua obra seres fantásticos, próximos a formas orgânicas, que pareciam ter sido trazidos à memória por visões de fantasia de uma infância feliz, numa linguagem cifrada,feita de signos e alusões. Seu mundo é um mundo claro, um espaço mítico, como se fora a Natureza captada do limiar da consciência. René

Magritte

(1898-1967)



com

meticulosidade

acadêmica,

pintava

em seus quadros objetos em justaposições arbitrárias e bizarras, criando situações implausíveis, numa lógica do absurdo. Seu objetivo era criar estranheza

quanto

ao

que

era

familiar:

deslocando

os

objetos

de

seu

contexto habitual, fazia o observador atribuir-lhes um significado que estava latente, revelado apenas

na mente de quem o contemplava. Buscava fazer

o espectador entender que a pintura de um objeto é poesia, assim como a poesia se distingue da palavra que a expressa. Quadro 9 – Dali – “A Persistência da Memória”

141

Salvador

Dalí

(1904-1989)



segundo

Breton,

Dali

foi

quem

melhor

encarnou o espírito surrealista,embora não esteja situado pela crítica entre os expoentes do movimento. Com ele,o automatismo e a espontaneidade foram substituídos por uma técnica ilusionista, como se pintasse a mão enigmáticas imagens fotográficas, extraídas de sonhos. Foi como se tivesse criado um modo racional de lidar com

a fantasia, desvelando e

revelando

as ansiedades, o erotismo e a magia dos conteúdos oníricos. Era irônico, excêntrico vezes,

e

provocativo,

sendo

seu

comportamento

em

público,

muitas

ultrajante. Gostava de simular loucura e provocar escândalo, dizendo

pintar mais como um louco do que como um sonâmbulo... CONCLUSÃO As aceleradas mudanças por que o mundo passou no final do século XIX e início do XX ecoaram na alma dos artistas, que aceitaram o duplo desafio de interpretar as transformações pelas quais passava a sociedade

e indicar

saídas para os impasses. Acompanharam apontaram

meios

a

marcha para

o

da

Ciência

homem

e

escapar

da

Tecnologia,

à

automação

mas

também

crescente,

à

desumanização causada pela falta de contacto com as fontes da criatividade. Lutaram

contra

o

conformismo,

interessaram-se

pelo

lado

psicológico

dos seres humanos, buscaram no estudo da arte dos povos primitivos e no misticismo uma forma de defesa contra o materialismo da época. A Arte Moderna acolheu a imaginação, a fantasia e a espontaneidade, em detrimento da pura razão, trouxe à tona a ambivalência da sociedade contemporânea, abriu-se como campo de experimentação e de incorporação de novos modos de encarar a realidade, criando assim um novo espaço para a reflexão e questionamento do mundo em que vivemos. Longe de ser supérflua,a Arte é fundamental ao ser humano. Se formos capazes de contemplar uma obra de arte procurando senti-la, e não entendêla, receberemos o alimento espiritual que misteriosamente nos conectará um pouco mais com a centelha divina que existe em cada um de nós.

142

Dirlene Neves Pinto é Arteterapeuta em formação, Artista Plástica, Diplomada pela Escola de Belas Artes da Universidade do Rio de Janeiro, Responsável pelo núcleo de História da Arte no Curso de Arteterapia Lígia Diniz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ARGAN, Giulio Carlo.– “Arte Moderna – Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos”, São Paulo, Companhia das Letras, 1992 BRIGGS, A., HALL, A., HAWKES, N. et allie. – “Grandes Acontecimentos

que

transformaram

o

Mundo”,

Rio

de

Janeiro, Reader’s Digest, Brasil, 2000. GOMBRICH, E. H.– “A História da Arte”. Rio de Janeiro, Zahar Editores,1985 HUNTER,Sam and JACOBUS, John.– “Modern Art”. New York, Harry Abrams Incorporated, 1985. JAGUARIBE, Hélio. – “Um estudo Crítico da História”, vol. II, São Paulo, Editora Paz e Terra, 2001. JUNG, Carl Gustav. – “O Homem e seus Símbolos”, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977. Mc EVEDY, Colin. – “Atlas Histórico-Geográfico Universal”, Lisboa, Difel Equipe Editora Bertrand Brasil S.A., 1987. OSTROWER, Fayga. – “Universos da Arte”, Rio de Janeiro, Campus, 1983. Imagens : www.google.com 143

144

3 boys, 3 stories and several puppets that made possible the integration of the self

3 MENINOS, 3 HISTÓRIAS E VÁRIOS BONECOS QUE POSSIBILITARAM A INTEGRAÇÃO DO SELF Flora Elisa de Carvalho Fussi

RESUMO autora relata experiência de processos arteterapêuticos com crianças hospitalizadas e portadoras de cardiopatia. Utiliza a mediação de bonecos ( fantoches de dedo e personagens construidos com sucata).Registra os benefícios terapêuticos destas estratégias para faciltar a comunicação não verbal e para a transformação de estados emocionais adversos . ABSTRACT The authoress reports experiments of art therapeutic processes with children hospitalized and carriers of cardiopathy. She utilizes the mediation of puppets (finger marionettes and characters made with scrap iron). She registers therapeutic benefit from these strategies to make easier the non-verbal communication and the changes or transformations of adverse emotional conditions.

145

Os

atendimentos

em

arteterapia

às

crianças

portadoras

de

cardiopatias

congênitas que trarei nesta pesquisa ocorreram no Ambulatório de Cardiopediatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.

Usamos uma sala

de consultas preparada para esse fim, forrada com lençóis para que as crianças possam se sentar ao chão e ficarem à vontade. Sento-me junto com elas. Durante as sessões gosto de observá-las construindo ou desenhando, pois suas emoções também são transmitidas de forma não verbal. As crianças chegam geralmente desconfiadas, caladas ou muito excitadas, após diversas consultas, exames invasivos, longos períodos de internação ou chorosas por precisarem tomar uma série de injeções, algumas vezes, encaminhadas para cirurgia, ou vindas do pós cirúrgico. Estes sinais não verbais me ajudam a definir o fio do atendimento. E foi a partir destas observações que pude perceber como o trabalho com bonecos é rico e norteador para os atendimentos em arteterapia. Essas brincadeiras com os bonecos substituem as palavras, propiciando que confusões, ansiedades e conflitos sejam elaborados, refere Oaklander (1980) em suas pesquisas. Pude compartilhar desse pensamento numa sessão de arteterapia com um menino de 3 anos, que chamarei de Pedro. Pedro chegou muito quieto para o atendimento, não se relacionou com as outras crianças que brincavam, sentou-se perto de mim, mas não quis que me aproximasse muito, ou o tocasse, deixei-o à vontade. Percebi que olhava com muito interesse os dedoches que estavam pelo chão, em meio a brincadeira de teatro. Onde as crianças criavam histórias e dramatizavam cirurgias. Estes dedoches são personagens de contos de fada, e as representações simbólicas do médico e da médica (vestidos com roupa branca), bem como da dentista (que atende no hospital, pois estas crianças necessitam de atendimento odontológico especial). Estés (1994) considera o simbolismo da boneca como tesouro simbólico da natureza intuitiva, relacionado ao espírito interior nos contos de fada que ajudam o herói ou heroína com sua sabedoria. Bem, o fato é que nosso pequeno herói se levantou, escolheu o dedoche que representa o médico, o pegou, olhou e o jogou na parede com toda força. As crianças olharam imediatamente, pedi que deixassem. E assim Pedro jogava o boneco na parede e o pegava por um longo tempo. Várias crianças foram chamadas para o atendimento, e ele compenetrado jogando o dedoche na parede. 146

Com isso Pedro pode relaxar suas defesas, entrar em contato com sua raiva, e também se permitir sentir essa raiva do profissional da saúde assim como elaborá-la. Quando sentiu que seu conflito se organizou, se sentou e foi brincar com os outros bonecos. Continuou calado, mas sua expressão se suavizou, seus movimentos estavam mais harmônicos. Brincou, conversou com os bonecos, até que sua mãe o chamou para a consulta com a médica cardiopediatra. Podemos perceber então, que a brincadeira é própria da criança, ela traz segurança e permite que seja experimentada uma nova forma de ser, como Oaklander (1980). Brincar com bonecas vem desde a antiguidade e elas representam uma figura que terá animação diante alguém, ou numa brincadeira solitária. Trazem uma característica imaginária de quem a construiu, ou de quem brinca. A cada atendimento arteterapêutico me encanto com a força que os dedoches exercem sobre as crianças na era do computador e do videogame. Entre estes bonequinhos, os que compõem a história do “Chapeuzinho Vermelho” são os que fazem mais sucesso com as crianças, principalmente o lobo mau, que é muito bravo e geralmente devora todos os outros bonecos repetidas vezes, quando não devora a mim também! 147

Chevalier e Geebrant (1997) esclarecem o simbolismo do lobo, como o herói, o guerreiro que enxerga à noite e possui a força no combate. Para o simbolismo do devorador ressaltam a “imagem iniciática e arquetípica, ligada ao fenômeno de alternância dia-noite, morte-vida (...) a liberação de dentro da garganta do lobo é a aurora, a luz iniciática que se segue à descida dos infernos” (p. 556). As crianças cardiopatas convivem com o medo da morte e a dor. É preciso ajudar a elaborar o medo, suavizar a dor e compreender seus sentimentos.

Confeccionar bonecos traz a relação com a própria identidade. Os bonecos permitem à criança e ao adulto falar do que gostam e do que não gostam. A criança mais do que ninguém dá vida a esses bonecos ao contar sobre suas próprias experiências importantes “fazendo com que os bonecos fiquem carregados de suas necessidades, angústia e desejos” (SANTOS, 1999, p.112) Angústias e desejos que surgiram durante a confecção de um dragão por um menino de 12 anos, a quem chamarei de José, teve início depois do primeiro encontro. Quando foi acolhido na arteterapia, já havia passado por várias consultas médicas. A queixa era de “problema no coração”, taquicardia, desmaio, agressividade com a mãe, atraso no desenvolvimento escolar, dificuldade com a 148

professora, e episódios de briga na escola. Não aparentava ser agressivo, não olhava para mim, mostrava-se tímido e com medo de seu “problema no coração”. Após a consulta com a cardiopediatra, foi encaminhado para exames específicos da cardiologia. No nosso primeiro encontro, sua mãe estava presente, muito nervosa, falando dos desmaios com muita ansiedade. Contei a eles a história da “Bela Adormecida”. A mãe relatou que faltava a ela um príncipe que lhe desse carinho, pois se sentia por vezes sozinha. José desenhou o castelo, com muitos espinhos a sua volta, dizendo a mim que: ninguém (frisando a palavra) entraria no castelo. Este castelo estava guardado por um dragão, feroz e que soltava muito fogo! Decidimos construir esse dragão com sucatas, utilizando também caixas de medicação. A construção com sucatas permite o lúdico como processo de montagem, interagindo, ressalta Urrutygarai (2004), caos-ordem, desordem -nova ordem, sem a recusa de elaboração de complexos. A nova forma que surge traz a transformação e não a destruição do material original de sucata. O que permite a elaboração do processo interno, do complexo. O dragão foi revestido com bricolagem (técnica onde colam pedaços de papel picado) com o intuito de, ao rasgar os papeis que fossem rasgados também conteúdos internos, que puderam ser resignificados quando colados, dando o colorido que José escolheu. Durante a construção do boneco pude perceber sinais não verbais de aproximação, fortalecendo o vínculo. Davis (1979) considera importante a comunicação não verbal do terapeuta, que ao se movimentar entra em sintonia com o paciente. O fato de ajudar José na construção do dragão, na colagem das sucatas, dos papeis coloridos, trouxe essa sincronia. Para construir seu personagem, José apresentou dificuldade e insegurança, tanto para colar as sucatas, quanto para escolher as cores do dragão. Durante esse processo José foi trazendo sua história, suas dificuldades, medos, conquistas e descobertas. Um pouco a cada sessão. Quando o dragão ficou pronto, trouxe sua identidade: era feroz e soltava muito fogo. Mas ainda tinha 3 anos! Era um dragão bebê, e se chamava Hércules. Na sessão seguinte com José, enquanto brincava com o dragão, ele pode mostrar o quanto estava inseguro em relação a sua vida, seu nascimento, seu pai. Melaine Klein (apud Mello, 2005) nos ensina que o atendimento exerce uma ação 149

específica na brincadeira e o brincar deixa de ser uma brincadeira. Ao apresentar o boneco, a criança apresenta a si próprio, seus anseios, seus medos e desejos. O boneco permite que a criança se distancie, tenha segurança e que seus pensamentos mais secretos possam ser revelados. (Oaklander, 1980). Com o decorrer do processo arteterapêutico, nas produções plásticas sobre o mito de Hércules, o dragão cresceu. José pode entender questões referentes à sua história com relação à mãe e ao pai desconhecido. José me contou que em seus exames não havia problemas físicos. Estas questões foram trabalhadas a partir da discussão de caso com a cardiopediatra. Na psique a ansiedade, o medo e a raiva podem ser sentidos sincronicamente no coração, ressalta Ramos (1995). Os fatores psicológicos são predominantes na etiologia das disfunções cardíacas, provocando alterações fisiológicas, como mostram as pesquisas sobre as doenças psicossomáticas. Ao trazer à tona sentimentos bloqueados, a criança se sente mais forte e capaz, conseqüentemente mais feliz e com melhores condições para lidar com suas decepções e seu tratamento clínico. Podendo compreender melhor as ligações de seu estado físico e suas emoções. (Fussi, Philippini, 2004 ) Ao se fortalecer internamente seu coração “sarou”. Reconheceu no tio materno o papel de cuidador, consequentemente sua mãe pode dividir a responsabilidade pela sua educação, e se permitir tratá-lo com mais atenção e carinho. Como havia trocado de escola, estava se relacionando melhor com a professora e colegas. Para a criança o coração tem um significado especial: é o lugar onde estão guardados seus entes queridos. Quando pequena não consegue enxergá-lo como o órgão que conhecemos anatomicamente, mas sim em sua forma simbólica. O coração é tido como o centro vital, e o responsável pela circulação do sangue. Como símbolo, tem referência em todas as culturas, cada qual com sua visão de mundo, refere Nager (1993), traz o simbolismo da vida, centro da emoção, borbulha de ansiedade, de medo e de alegria. José trouxe seu “problema de coração” como sintoma de uma situação familiar que estava vivenciando. Oliveira (2003) ressalta que a cardiopatia faz emergir, sua com carga simbólica, distúrbios familiares encobertos. O coração, traz em sua simbologia a relação com as emoções e o amor. O outro menino ao que me refiro, e chamarei de Jonas, tem 9 anos. Chegou para o atendimento arteterapêutico bastante inseguro e calado. Enquanto observava as crianças brincando, ficou muito curioso com o “coração partido” que estava 150

entre os brinquedos, um coração de borracha macia que estava se partindo. Este coração não pode ser concertado, mesmo quando martelado, amarrado nem mesmo com aplicação de injeções. As crianças que não podem ter o seu coração “concertado” têm uma relação especial com ele. Jonas, a partir da história do “Sapinho fujão”: um sapinho que pula pela estrada a procura de sua casa, encontrando muitos obstáculos pelo caminho;

trouxe

em sua produção plástica, uma estrada dizendo que não tinha fim. Em seguida resolveu brincar com os dedoches. Passado um tempo disse que o fim da estrada era depois das pedras. A meu pedido desenhou o que havia depois das pedras: um rio com dois peixes, onde a água era quentinha, e o rio era muito fundo. Voltou a brincar com os dedoches, escolhendo o “coração partido” para concertar. Pegou uma cobra pequenina de pano e colocou no buraco do coração falando que a cobra estava saindo do coração. Com uma chave de ferramenta concertou o coração (retirando a cobra). A serpente, segundo Chevalier e Geebrarnt (1997), traz o sentido de psiquismo obscuro, o que é raro, incompreensível e misterioso. Em seguida colocou um dedoche no buraco (uma bonequinha que durante as brincadeiras havia sido a mãe do Chapeuzinho Vermelho), saindo do coração. Depois trocou, colocou o lobo, o caçador, e cada um foi saindo. Conversamos e ele com dificuldade expressou que os bonecos que gostava saiam pelo buraquinho do coração. Pude compreender seu medo de que as pessoas que ele gostava escapassem de seu coração, já que Jonas é portador de CIV (Sopro no coração). Mostrei a ele então, por meio de um desenho, como era o “sopro”. Portanto, ao brincar com o coração, ele pode expressar seus medos, resolver conflitos internos e externos, se equilibrar e integrar muitos aspectos de si mesmo, como nos ensina Oaklander (1980). Pôde compreender também seu problema fisiológico. Chevalier e Geebrarnt (1997) atribuem duplo significado à simbologia do buraco: imanência e transcendência, abrindo o interior ao exterior, e o exterior ao outro. Durante esse atendimento Jonas fortaleceu a relação consigo, ficou por mais um tempo brincando, bastante calado, até que sua mãe o chamasse para a consulta. Nesse período procurei conversar com ele, pois estava com o olhar ainda triste, mas ele não quis. Procurei estar ali com ele em silêncio, respeitando seu momento de elaboração enquanto brincava. Oliveira caracteriza bem este momento ao observar que “ser continente implica ouvir, ouvir até mesmo o silêncio” (2003, p.139). 151

O jogo dramático, o trabalho de construção dos bonecos, as brincadeiras, o uso de cores, as produções plásticas, a arte que emerge da produção simbólica referem Fussi e Philippini (2005), propicia a busca da cura e a restauração de níveis de regulação e equilíbrio, permitindo no contexto hospitalar, que as crianças expressem seus sentimentos, podendo encontrar novas formas de se relacionarem com a doença, com a equipe multiprofissional e tenha motivação para a manutenção da própria auto-estima. A criação dos símbolos, como os apresentados, não modificará todas as situações que a criança encontra no hospital, mas fortalece e possibilita caminhos de transformação. Flora Elisa de Carvalho Fussi é arteterapeuta, Arte Educadora. Arteterapeuta do Caps - Novo Mundo da Prefeitura de Goiânia, Coordenadora e Professora do Curso de Arteterapia do Alquimy Art. Membro fundador da Associação Brasil Central de Arteterapia.

Referências Bibliográficas CHEVALIER, J.; GEEBRANT, A. Dicionário de símbolos. 11º ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1997. ESTÉS, P.C. Mulheres que correm com lobos. Histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. FUSSI,

F.E.C.;

PHILLIPINI

A.

Arteterapia

e

doenças

cardiovasculares. In: Porto C.C. (org) Doenças do coração: Prevenção e tratamento. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. p. 66-68. 2005. MELLO, M.C.B. A técnica e a linguagem do brincar. Rev. Memórias da psicanálise. Melaine Klein, nº3 São Paulo: Duetto, 2005. SANTOS, D. P. A arte de construir bonecos e contar a própria história. In: In: Tramas criadoras. A construção do ser si mesmo. Allessandrini C. D. (org) São Paulo: Casa do psicólogo, 1999. 152

OLIVEIRA, W. Relação médico-paciente em cardiologia. In: BRANCO, R.F.G. y R.(org) A relaçao com o paciente. Teoria, ensino e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: uma abordagem gestaltica com crianças e adolescentes. São Paulo: Summus, 1980. RAMOS, D. G. (1990) A psiquê do coração. Uma leitura analítica e seu símbolo. São Paulo: Cultrix, 1990.

153

Art therapy in prison

ARTETERAPIA NO CARCERE Graciela Ormezzano, Mauro Gaglietti, Raquel Comiran e Carla Furlanetto RESUMO

Este trabalho tem como proposta compartilhar algumas experiências pesquisadas e os resultados obtidos em quatro trabalhos com detentos. Longe de esgotar o assunto, tenta-se facilitar estudos futuros. ABSTRACT This work has a proposal to share some experiences and results gotten in four works with prisoners. Instead of to exhaust the subject, it shows some foundations for future studies. A arteterapia é um processo terapêutico que resgata uma tradição milenar de utilizar recursos expressivos diversos para auxiliar as pessoas a contatarem conteúdos inconscientes. A partir das informações provenientes destes níveis mais profundos de funcionamento psíquico, procura-se facilitar o desenvolvimento da personalidade como um todo. Cada pessoa tem um modo de criação singular e os recursos expressivos precisam contemplar essas singularidades. O objetivo não é a estética das produções, mas a recuperação da possibilidade individual de criar em liberdade ativando seus núcleos sadios e encontrando formas mais harmoniosas de se relacionar e estar no mundo. O

processo

pode

ser

desenvolvido

através

de

diferentes

modalidades

expressivas, como o teatro, a dança, a literatura, a música e as artes visuais. Desse modo, a dupla experiência interior-exterior reorganiza as imagens existentes na história pessoal e na história da humanidade, trazendo à tona sentimentos e emoções expressos por meio das diversas linguagens artísticas. Ao trabalhar com essas linguagens verbais e não-verbais, ocorrem, analogamente, transformações internas. A arte ajuda na construção da personalidade, no desenvolvimento da criatividade, na busca do conhecimento e do reconhecimento da nossa essência humana, do sentir, do agir, do pensar e do sonhar em liberdade. A arte fascina os 154

estudiosos da psique. Freud interessou-se em desvendar o porquê das emoções sentidas ante determinadas obras. Intrigava-o não poder determinar as intenções do artista do mesmo modo que acreditava compreender outros fatos da vida psíquica. Ele investigou as vidas de Leonardo da Vinci, Michelangelo e Goethe à luz da psicanálise, reconhecendo a função catártica das imagens observando que estas escapam da censura, mais do que as palavras (CARVALHO, 2004) . Toda expressão artística tem o poder de revelar o que realmente se sente sem as máscaras habituais que se podem impor à fala; o desenho, por exemplo, revela nuanças do inconsciente muitas vezes

escondidas e que, quando descobertas,

tornam-se a solução de muitos problemas. Entretanto, a poesia, cuja base se encontra no imaginário, faz daquilo no que se acredita uma possibilidade real. A imaginação poética oferece a oportunidade de dar voz a um tema básico existencial, mostrando um caminho para viver criativamente com um sofrimento que pode ser deformado e também transformado. A arteterapia mostra que é possível levar pessoas trancadas em seu mundo interior a se conhecer melhor e, com isso, amenizar

vários fatores que

causam sofrimento (FUCHS, 1999). As terapias expressivas têm apresentado um significativo crescimento e, dentre essas, a arteterapia tem surgido como uma produtiva alternativa de promoção, preservação e recuperação da saúde. O trabalho arteterapêutico inscreve-se entre os processos terapêuticos de abordagem holística, tendência que está sendo cada vez mais utilizada em escolas, empresas, presídios e hospitais. Nesta busca de fundamentos teóricos visa-se, inicialmente, conhecer estudos que tragam à luz os efeitos desta atividade criadora na população carcerária para, posteriormente, indicá-la como uma alternativa possível a ser desenvolvida nos presídios.

Contudo, sabe-se que várias dimensões comunicativas podem

ser ativadas: a dimensão criativo-expressiva, a dimensão simbólico-cognitiva e a dimensão analítico-criativa.

Essas três dimensões, embora sempre presentes,

podem ser ativadas em momentos distintos. Quatro experiências de sucesso Os apenados não constituem uma população homogênea: alguns precisam relaxar; outros, descobrir os motivos que podem tê-los levado a produzir o crime; 155

na sua maioria, gostariam de ser ouvidos e de resgatar a auto-estima. A seguir, observa-se o que um grupo de mulheres de uma penitenciária feminina comenta sobre a produção de uma colcha de retalhos: “Esperamos recomeçar nossas vidas recuperando nossa alegria de viver, sem tristeza, nos agasalhando e correndo ao encontro de algo novo, que nos traga um futuro melhor para nossas vidas e que Deus nos abençoe”. Ao que as arteterapeutas acrescentam sobre o trabalho desenvolvido: [...] os objetivos foram alcançados e deslumbramo-nos com a força das relações configurando-se na nossa frente, onde o encontro com a essência humana foi sentido por todas nós.

E entre tecidos e agulhas, costurou-se “Retalhos de

Esperança”, que simboliza um chamado para o cuidar do ser humano, aonde quer que ele esteja. (VIEIRA; LEMOS, 2002, p.61). Os presos são pessoas que sofrem o preconceito da sociedade, se sentem excluídos. Frei Betto (2000) afirma que, antes, quando se falava em marginalização, quem era marginalizado ainda tinha esperanças de voltar a fazer parte; hoje, contudo, a palavra utilizada é exclusão, de modo que quem é excluído não tem mais esperanças de voltar, porque a lógica capitalista e neoliberal é excludente, exclui do sistema todo aquele que não favorece o acúmulo de riqueza de quem estiver no poder. Muitas pessoas que estão privadas de liberdade, provavelmente, estão arrependidas do ato que as levou a perdê-la.

A proposta da arteterapia

nos campos da educação e da saúde permite o desvelamento das capacidades, o desenvolvimento emocional e cognitivo, a reorganização interior na liberação dos conflitos conscientes e inconscientes. A arteterapia pode fazer com que a pessoa se liberte e, através dessa libertação, criar possibilidades para uma futura ressocialização do detento.

Segundo Daniel

Brown (2000, p.6): “A arte terapia cria um jogo de ferramentas para sua mente que você pode usar para produzir um estoque de símbolo com poder de ajudar a superar obstáculos que o impeçam de alcançar todo o seu potencial”.

Frei

Betto, ao relatar a sua experiência como preso comum durante a ditadura militar, entre 1969 e 1973, quando foram suspensos seus direitos legais à prisão política, afirma que a grande maioria dos reclusos é recuperável sempre e quando sejam motivados para atividades que os reeduquem: Montamos uma equipe de teatro.

Duas apresentações foram abertas ao 156

público da cidade. Os ensaios funcionavam como terapia de grupo. Recordo de “Cabeção”. Não falava e nunca tirava a japona. Indaguei por quê. “Você já viu o Frank Sinatra em mangas de camisa?, perguntou-me, acrescentando: “Mafioso anda sempre de terno e gravata”.

Em poucas semanas de ensaios, “Cabeção”

contou o crime que cometera para fazermos um laboratório teatral e abandonou a japona. (1996, p. 17). Por trás das grades do cárcere encontram-se muito mais do que criminosos ou vítimas de um sistema falido; há

pessoas

excluídas do convívio social, com

poucas perspectivas, mas com muitos sonhos e

um potencial enorme que pode

ser aproveitado, gerando a mudança de hábitos e atitudes. De acordo com Nise da Silveira (1992, p.90), [...] cada um desses indivíduos esquizofrênicos ou marginais de vários gêneros, possui suas peculiaridades, mas todos têm contato íntimo com forças narrativas, brutas, virgens do inconsciente. Que hajam configurado visões, sonhos, vivencias nascidas dessas formas primígenas, eis um dos mistérios maiores da psique humana. Desenvolver projetos com detentos, que, além das grades de ferro e muros altos das penitenciárias, estão trancafiados em seu mundo interior, é um desafio e sobretudo uma prova de que o ser humano tem o poder de transformação nas suas mãos.

Podem ser citados aqui alguns dos trabalhos desenvolvidos por pessoas

que aceitam as diferenças e investem no ser humano: o trabalho de conclusão de curso, de Aline Teixeira Vieira e Ana Carolina Lemos, duas psicólogas concluintes do curso em Arteterapia,

na Clínica Pomar, RJ, que escolheram fazer estágio

na Penitenciária Feminina Bom Pastor, em Recife, PE; a proposta terapêutica com máscaras, de Leonice Araldi e Graciela Ormezzano, uma arte educadora e uma arteterapeuta, que trabalharam na Penitenciária Agrícola de Chapecó, SC; o trabalho de conclusão da

pós-graduação em Arteterapia, na Universidade

São Judas Tadeu, SP, desenvolvido por Greice M. Cezarini no Presídio do Carandiru, em São Paulo; e o Projeto ZAP, que nasceu pelas mãos das jornalistas, escritoras, humanistas e pesquisadoras Elisabeth Misciasci e Luciane Makkário, as quais, após algum período de pesquisas e entrevistas em presídios femininos, escreveram a obra literária Presídio de mulheres (VIEIRA, LEMOS, 2002; ARALDI; ORMEZZANO, 2003; CEZARINI, 2004; MISCIASCI, MAKKÁRIO, 2004). 157

O primeiro exemplo, é a experiência de Vieira e Lemos, realizada entre 2001 e 2002, as quais concluíram que a arte possibilita um contato com a liberdade de expressão, favorecendo o crescimento interior através do potencial criativo. As pesquisadoras relatam no artigo intitulado “A arte atravessando grades”, a sua trajetória para desenvolver o projeto na penitenciária, destacando a palavra “desconfiança” que teve forte impacto num primeiro momento, mas, posteriormente, foi sofrendo modificações, após tomarem conhecimento dos objetivos e da formalização do contrato terapêutico. O grupo fechado para esse trabalho foi

de oito mulheres e a proposta inicial foi que as participantes,

descalças e andando pela sala emitissem diferentes entonações às vogais. No desenvolvimento da atividade foi intenso o som vindo de cada uma, dando a impressão de que algo estava sendo rasgado; em seguida, elas se apresentaram através da colagem de figuras.

Depois do primeiro contato e de algumas

atividades, outra palavra surgiu, “esperança”, desta vez, para intitular o conjunto dos trabalhos individuais. O resultado final deste projeto foi a confiança resgatada em cada coração que se abria em cada lágrima caída, em cada sorriso surgido, pois as autoras acreditam que existe uma confiança que reside essencialmente em cada ser humano, basta para isso, que seja explorada e compreendida (VIEIRA, LEMOS, 2002). O segundo exemplo foi há três anos, realizando-se um trabalho junto com o Grupo de Apoio à Aids (Gapa), do qual participaram treze pessoas, com público predominantemente masculino.

A proposta terapêutica utilizou a construção de

várias máscaras (meia de náilon, cartolina, gaze gessada, etc.) e a vivência dos personagens criados por meio de jogos dramáticos.

No início os participantes

se mostravam desconfiados, mas, lentamente foram apropriando-se do espaço de saúde, de seus sentimentos e as máscaras auxiliaram a que se sentissem mais desinibidos, aproveitando a possibilidade de falar com a promessa de reserva absoluta sobre os depoimentos. Esses homens e mulheres, com histórias de vida trágicas, sonhavam com “gozar da liberdade o mais rápido possível”, “ter uma família e viver em paz”, “resgatar a paternidade”, “pensar no que poderia mudar e melhorar”, e muito mais... (ARALDI; ORMEZZANO, 2003). A proposta do terceiro projeto foi aplicar a arteterapia nos presidiários portadores de aids que freqüentavam a enfermaria do Carandiru. Para o desenvolvimento do seu projeto, Cezarini atendeu doze presidiários, percebendo que os pacientes 158

demonstravam vontade de fazer os trabalhos, mas faltava-lhes força física e psíquica, tanto que muitas vezes tinha de atendê-los no leito. Ao iniciar o trabalho no Carandiru, a pesquisadora teve grandes dificuldades já que as pessoas atendidas dificilmente demonstravam disposição para isso.

No começo o trabalho com os

detentos sofreu muita resistência devido à desconfiança e à falta de fé; então, foram utilizados como recursos um filme e uma fábula, pedindo-se que cada pessoa relacionasse suas próprias histórias de vida com uma das obras, em forma de desenho. Posteriormente, esses desenhos foram interpretados de acordo com a proposta da

arteterapia, vasculhando o inconsciente, provocando a formação de

símbolos e arquétipos. A arte procura valorizar as pessoas resgatando o processo de socialização e busca valorizar os aspectos pessoais, profissionais e afetivos. Com o passar dos dias, os pacientes que estavam sendo atendidos sentiam cada vez mais necessidade de falar sobre suas vidas, às vezes, eram necessárias horas de conversa com um só paciente, assim, através das imagens, podiam ser ajudados (CEZARINI, 2004). O último trabalho que vale a pena conhecer, é o Projeto ZAP (paz ao contrário), de Misciasci e Makkário (2004) voltado para o sistema prisional feminino. Entre inúmeros trabalhos realizados e a realizar, promoveram-se concursos de literatura, teatro e outros.

Sobre o concurso de literatura, as autoras afirmam

que a idéia de exercitar a escrita nos presídios motivou muitas presidiárias a procurarem as escolas do sistema para se alfabetizar. Algumas detentas sentiamse realizadas ao saberem que pelo menos trinta jurados compostos por escritores, jornalistas e educadores estavam lendo os seus escritos, uma vez que muitas não têm para onde ou a quem escrever; elas expressavam que, com suas histórias, não só queriam provar que estavam se ressocializando como também que podiam servir de exemplo para aqueles que se encontram a caminho do cárcere; outras, declararam que, após um dia de trabalho, sentiam prazer em pegar o lápis e o caderno para deixar aflorar a imaginação, pois entendiam que o corpo está preso atrás de barras de ferro e muralhas, mas a mente, não, assim, conseguiam se transportar para lugares inimagináveis, entendendo e até lamentando o tempo perdido em maquinar vinganças. Considerações finais Quando alguém opta pela arteterapia para trabalhar com detentos, seja 159

através de projetos de pesquisas ou do voluntariado, já que não existe a figura do arteterapeuta nos presídios, como existe a do médico, do psicólogo ou do assistente social, o depoimento é o mesmo: num primeiro momento, percorre-se um caminho muito árduo, pois se esbarra em dificuldades, tanto burocráticas por parte do sistema, quanto psicológicas e, até mesmo, físicas da maioria dos apenados.

Porém, posteriormente, observa-se que o resultado dessa difícil tarefa

é um dos mais compensadores, pois existe dentro de cada

ser humano uma

essência de criatividade, harmonia e afeto. É preciso ter coragem para ir buscar lá no fundo da alma esses sentimentos; então, basta fechar os olhos e deixar o pensamento e a alma livres. Por meio da arteterapia emerge uma nova linguagem, que permite a expressão dos mais profundos e escondidos níveis da experiência pessoal; o que importa é o significado do que se produz, seu valor é simbólico. Os símbolos são difíceis de verbalizar e a imagem colabora com o processo simbólico ao trazer os conteúdos inconscientes para o consciente. O inconsciente para Jung dinamiza e cria conteúdos novos, assim como também, por ser receptáculo, guarda conteúdos dos quais a consciência gostaria de se libertar.

Se o inconsciente é assim postulado como uma totalidade dos

conteúdos psíquicos, e sendo a arte o resultado aparente destes últimos, a visão alcançada pela teoria analítica proporciona um fundamento mais aproximativo ao entendimento da criatividade e das ações expressivas como reveladoras da alma humana, sem reduzi-la a estados sintomáticos, necessariamente (URRUTIGARAY, 2003, p. 22-23). A imaginação é o meio natural para trazer imagens que iluminem o desconhecido.

Ao se darem essa permissão, a expressão artística e literária

os introduzirá em aspectos míticos e metafóricos desse mundo desconhecido, podendo encontrar mensagens dos apenados que elucidem as nossas buscas. Graciela Ormezzano é arteterapeuta, arte educadora e doutora em Educação pela PUCRS.Docente, pesquisadora e coordenadora do Curso de pós graduação em Arteterapia da UPF.| Mauro Gaglietti é historiador, doutor em História pela PUCRS, docente e pesquisador da UPF | Raquel Comiran é acadêmica do curso de Educação Artística da UPF e bolsista da Fapergs | Carla Furlanetto é acadêmica do curso de Educação Artística da UPF e bolsista do CNPq

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ARALDI, L.; ORMEZZANO, G. Máscaras: uma vivência com um grupo de detentos. In: II CONGRESSO SUL AMERICANO DE CRIATIVIDADE; VII JORNADA GAÚCHA DE ARTE TERAPIA; IV ENCONTRO DE TERAPIAS EXPRESSIVAS, 2003, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Centrarte/Sesi, 2003. BROWN, D. Arte terapia: fundamentos. Vitória Régia, 2000.

São Paulo:

CARVALHO, M. M. Pioneiros da psicologia. [S.l.], [s.d]). Disponível em: <_ HYPERLINK “http: //www.crpsp.org.br/a acerv/pioneiros/magui/fr magui artigo.htm” CEZARINI, G. [S.l.], [s.d.]. Disponível em: <_ HYPERLINK “http://www.intenationalgirl.blogger.co m.br” FREI BETTO. Antropologia: a grande maioria dos presos é recuperável. Em Foco, São Paulo, n.2, mar. 1996, p. 16-17. ____. Crise da modernidade e espiritualidade. In: ROITMAN, A. O desafio ético. ���������������������� 2.ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2000. p. 31-46. FUCHS, M. Between imagination and belief: poetry as therapeutic intervention. In: LEVINE, S.K.; LEVINE, E.G. (Ed.) Foundations of expressive arts therapy: theoretical and clinical perspectives. ���������������� London: Jessica Kingsley, 1999. p. 195-210. MISCIASCI, E.; MAKKÁRIO, L. Escritoras que fazem o zaP!. [S.l.], 2004. Disponível em: <_ HYPERLINK “http://www.livropresidiodemulheres.com.br/” SILVEIRA, N. da. O mundo das imagens. São Paulo: Ática, 1992. URRUTIGARAY, M.C. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro: Wak, 2003. VIEIRA, A.; LEMOS, A. A arte atravessando grades. Arte terapia: Imagens da transformação, 2002, v.9, n.9, p. 51-63. 161

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TEATRO TERAPEUTICO

Therapeutic drama

Jitman Vibranovski Resumo: Da aplicação de técnicas teatrais na arte terapia e a experiência no curso de teatroterapia na pós graduação da Clínica Pomar Abstract: On the application of dramatical techniques on art therapy and the experience on the discipline of drama-therapy of the graduate course of Pomar Clinic.

DIONISIO Ah, esse Deus que rege o teatro, esse Dionísio dos êxtases e das transformações! Que medo! Me pega, me embriaga e me leva para não sei onde de primitivo. E não precisa de álcool. É só dançar a sua dança. É só fazer seus rituais. Eu que me aculturei, aprendi todas as normas de comportamento, que tenho meu corpo tão direitinho, tão comportadinho, vem esse Dionísio lá dos inícios dos inícios e me diz: “Olha, não esqueça que um dia você foi bicho, que um dia mal sabia o que era consciência, que saiu andando sem saber direito por onde ia. Eu “to” aí dentro.” 163

Não é por acaso que Dionísio foi um dos últimos dos Deuses que subiu ao Olímpo. A medida que o homem ia se organizando e organizando sua mitologia, Dionísio ficou para trás. A sua própria história conta da dificuldade de nascer e chegar ao Monte Sagrado. Para nossa sorte, ele viveu entre os homens e do seu culto nasceu essa arte que chamamos TEATRO. Com lápis, papel, tinta, pincel e argila dá até para despertá-lo. Mas para vivelo em toda a sua plenitude você, como no candoblé,

tem que emprestar o seu

corpo. Permitir ser cavalo deste Orixá. Mas peça ajuda a Apolo. Permaneça consciente para trazer da experiência acréscimo, soma. Você pode fotografar ou filmar mas jamais conseguirá reproduzir integralmente a experiência.

O teatro é a arte efêmera. Quem beijou, beijou, quem não beijou, perdeu. Depois dá para amplificar falando, desenhando, pintando ou modelando.

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EXPERIÊNCIA PESSOAL Conheci o teatro 1964. Tinha eu 19 anos e era uma pedra. Sim, essa é a sensação que eu tenho de mim naquela época. Tinha tanta vida quanto uma pedra. A diferença entre nós é que eu me mexia (mal). Foi quando familiares muito preocupados, me levaram a um clube perto de casa para ver se eu gostava do grupo de teatro. Pronto! Fui mordido. Não que eu tenha sido “curado” imediatamente, claro. Ainda estou procurando, ainda bem. O que eu quero dizer, é que o teatro já entrou na minha vida pela porta da ajuda, da terapia. Quando fiz o curso de formação em arteterapia da Pomar comecei a perceber que intuitivamente como professor de teatro eu já usava o teatro terapêuticamente. PALCO SEGURO Teatro terapia oferece um palco seguro onde se pode deixar aparecer nossos personagens internos. E são tantos!. No início eles encontram uma armadura que não deixa que se manifestem. Com jeitinho e muita música, eles vão aparecendo. Gente que não falava, falou. Gente que não dançava, dançou. Nesse palco você pode ser pedra, bicho, planta, água, ar, terra, fogo, criança,

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velho, homem, mulher, pai, filho, bom e ruim. Pode viver no passado e no futuro. Pode chorar e rir. Tudo pode.

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OFICINAS As fotos desse artigo são de algumas aulas do curso de pós graduação da Pomar na disciplina teatro terapêutico. Normalmente começam com exercícios de aquecimento para desinibir e desmontar um pouco as armaduras corporais e buscar novas corporalidades com gestos e posturas desconhecidas. Depois

do

esquentamento

desconhecidos. Para começar

partimos

para

uma

busca

de

personagens

gosto de apresentar a dança dos elementos, onde

trago uma seqüência de músicas específicas que remetem à água, à terra, ao fogo e ao ar. Peço aos alunos que com o estímulo da música sejam esses elementos. Depois coloco uma quinta música de meditação e peço a todos que sentem, imóveis e deixem apenas o corpo vibrar, sem nenhum movimento. No final compartilhamos e os alunos têm oportunidade de observar as experiências em cada um desses elementos. Os exercícios seguintes sempre são no intuito de buscar os personagens internos e a avaliação do curso é feita com cada aluno compondo um personagem e trazendo com o máximo de elementos teatrais que consiga como figurino, música, texto, etc. Sai cada coisa! Também trabalhamos com psicodrama. Com permissão da protagonista relato um exemplo. Depois da dança dos elementos uma aluna, mulher com idade em volta dos 50, disse que no elemento água sentiu o quanto ela é provedora das carências alheias e o quanto ela não provia as suas próprias carências. Ao falar ela fez um gestual em volta do ventre que parecia que ela falava de uma gravidez e eu perguntei se ela tinha filhos. Disse que tinha um filho de 25 anos e começou a colocar na indiferença desse filho a sua carência. Relatou que em noites de calor o filho pedia para dormir na cama dela porque o quarto dele era muito quente e o dela era mais fresco. Normalmente ele se deitava primeiro e se espalhava na cama. Quando ela chegava para dormir pedia que ele chegasse um pouco para o lado e ele se encolhia no canto. Então ela o tocava. “Eu só queria encostar um pouquinho nele”, dizia. Ele a rechaçava dizendo que 167

não gostava de dormir com ninguém tocando nele. Pedi que ela dirigisse esta cena escolhendo dois alunos para representar o filho e ela mesma. Ela escolheu para representar o filho o único homem que havia na turma. Antes de fazer a cena pedi a aluna que iria representa-la para terminar a cena como quisesse. Eles fizeram a cena toda e no final a aluna encolheu-se numa posição fetal para grande espanto da “diretora”. Pedi para repetir a cena, agora a “diretora” fazendo o papel do filho. Na representação ela acrescentou na fala do filho: “Nem com minha namorada eu gosto de dormir encostado!” A cena foi mais uma vez repetida agora a “diretora” fazendo o papel dela mesma. E eu novamente pedi que ela também pudesse mudar o final. Então quando o “filho” a rechaçou , ela bateu no ombro dele e falou: “Se você não pode me dar um pouco de carinho, então também não pode dormir aqui não. Vá para o seu quarto” Ele respondeu: “Mas lá é muito quente”. E ela: “Junte dinheiro e compre um ar condicionado”. Ela, através desse psicodrama, viu que a cena pode ser modificada. Claro quem tem muita água para rolar debaixo dessa ponte. Mas pelo menos ali ela eliminou o “algoz” do seu drama e assim sem a espera que o seu filho se modificasse ela poderá partir para elaborar e entender a sua relação afetiva com o mundo. CONCLUSÃO No grande teatro da vida quantas vezes ficamos agarrados na mesma peça, fazendo o mesmo enredo (em geral é um grande drama), dizendo o mesmo texto e ainda reclamando do diretor:

“Ah, meu Deus, porque sofro tanto. Porque me

deste tanto sofrimento” E compulsivamente vamos montando a mesma peça por toda a vida. Às vezes até trocamos o nosso antagonista mas geralmente escolhemos outro do mesmo jeito para fazer o mesmo papel. Pirandelo no seu “SEIS PERSONAGENS EM BUSCA DE UM AUTOR” nos traz o drama de personagens que precisam encenar a mesma peça pena ler. 168

sempre. Vale a

Dando voz a toda esta turma que nos habita, remontando os nossos dramas com outros finais, o teatro nos proporciona retirar alguns nós, mudar o enredo e montar muitas e muitas peças. Como é boa a liberdade para um dia viver um drama, noutro uma comédia, noutro um belo musical e num outro ainda um romance. Poder fazer qualquer papel sendo eu mesmo. Possuir os personagens para que eles não me possuam.E o primeiro passo para possuí-los é conhecê-los. Então vamos para o palco. Vamos permitir que

os nossos personagens

apareçam. Vamos deixá-los encenarem seus dramas. Como dizem os ingleses “let´s play” – vamos brincar. Lembra da música do Chico? “Agora eu era herói, o meu cavalo só falava inglês....” Jitman Vibranovski é�������������������������������� arteterapeuta, ator, diretor e ������������������������������� professor de teatroterapia do curso de pós graduação em Arteterapia da Clínica Pomar (convênio ISEPE).��Diretor de teatro – O Teatro Institucional

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Art therapy in business A journey through colours

ARTETERAPIA NA EMPRESA – JORNADA ATRAVÉS DAS CORES

Ligia Diniz

RESUMO Reportamos neste artigo uma aplicação bem sucedida do processo arte terapêutico a nível empresarial. Uma vivência através do uso das cores, com a finalidade de facilitar aos participantes um encontro físico e psíquico consigo mesmo, foi aplicado a uma empresa durante uma semana dedicada a saúde integral de seus funcionários. Foram atendidas cerca de 2000 pessoas que depuseram positivamente, mostrando que é possível levar a arteterapia, com toda a subjetividade envolvida, a um local de caráter patriarcal e racional. ABSTRACT We report in this article a successful application of the art therapeutic process in an institutional level.  An experience through the use of colours aiming to free the partakers of their difficulties of a physic and psychic encounter with themselves, was applied in an enterprise during a week dedicated to the total health of its employees.  About 2000 people were contacted and they gave a positive testimony, showing it’s possible to take Art Therapy, with all its subjectivity, to a sphere of patriarchal and rational structure.   N.T.: Na Inglaterra usa-se a grafia “colours” e nos EUA “colors” INTRODUÇÃO A empresa contratante do projeto realiza periodicamente atividades intelectuais, didáticas, para seus funcionários. Decidida a inovar, a nova proposta da empresa foi fazer, este ano, uma exposição sensorial em uma semana dedicada a saúde dos funcionários, de um ponto de vista integrado, visando mais o sentir que o racional. Propusemos então um trabalho de arteterapia enfocando as cores, pois estas despertam emoções características, como descritas a seguir. Significado das cores como elementos provocadores de emoções As cores do espectro solar nas quais estamos interessados são o vermelho, laranja, amarelo, verde, azul claro e azul índigo, lilás ou violeta. O vermelho, o laranja e o amarelo são cores quentes, despertam mais ação, mais extroversão, são consideradas cores “yang”. O verde, o azul e o lilás são cores frias, despertam mais calma, introversão e transcendência. Estas cores podem ser 171

associadas aos sete chacras de energia do corpo humano. Os chacras são centros de força vital a diferentes níveis de experiência no sistema humano. O vermelho evoca ação e paixão; é uma cor quente, ativa o calor e a intensidade, é a cor do fogo e do sangue, é o princípio da vida, é a cor guerreira. O vermelho também desperta o estado de alerta, seduz, encoraja e provoca; é associado ao chacra basal, situado na região genital e na base da coluna vertebral. Relaciona-se à posturas de solidez, “pés na terra”, vida. O laranja evoca alegria, energia, auto-afirmação. Tem uma energia mais elaborada, temperada, em relação ao vermelho. É a cor do por do Sol e é associada ao chacra do abdômen. Este chacra está ligado à fluidez, alegria, energia. O amarelo é a cor do Sol e a cor do ouro. Evoca luz, calor, riqueza de espírito, caráter luminoso, sabedoria, reflexão, discernimento, o poder da palavra e é associada ao chacra do plexo solar ligado à expansão, luz, clareza, poder. O verde é uma cor tranqüilizadora, refrescante. É a cor do reino vegetal, da natureza, com seu odor revigorante. Esta cor simboliza o princípio do crescimento natural e saudável e a capacidade de nutrir os seres vivos. Evoca passividade e imobilidade, é a cor da esperança e da longevidade, das águas dos lagos, do mar, é a cor das plantas medicinais. O verde é a própria mãe natureza, sugere germinação e renovação, reflete a capacidade de nutrir, cuidar e proteger, sendo a cor da cura. Esta cor é associada ao chacra cardíaco que está ligado ao coração, relação, troca, sentimento. O azul é a cor do céu, do ar. Evoca leveza, elevação, exprime a calma, doçura, repouso e a contemplação, tranqüilidade e paz. O azul faz lembrar o céu límpido, evoca pureza e perfeição moral. É o símbolo da sabedoria divina e da sabedoria transcendente e também leva à divagação. O azul mais escuro leva ao sonho, sugere desapego, e leva a alma em direção à totalidade. O azul claro é associado ao chacra da garganta e azul escuro ao chacra frontal (terceiro olho). O lilás, cor da temperança, é a cor do equilíbrio entre a terra e o céu, entre os sentidos e o espírito, ente o amor e a sabedoria. Cor da espiritualidade e da transcendência, cor do mistério da passagem, da transformação, evoca a evolução pessoal, a busca da totalidade. O lilás é associado ao chacra coronário, localizado no topo da cabeça. 172

O branco é a união de todas as cores representando a totalidade, o cosmos, o infinito. Objetivo do Trabalho O trabalho Arteterapia na Empresa – Jornada das Cores tem por objetivo facilitar aos participantes um encontro físico e psíquico consigo mesmo, através de vivências baseadas nas cores, visando contribuir para a busca de sua saúde integral. Metodologia A metodologia utilizada neste trabalho foi a da Arteterapia, em particular sua abordagem das cores. A Arteterapia é capaz de abrir novos canais de comunicação que facilitam o acesso ao inconsciente por intermédio de múltiplas formas de expressão. Diferente de outras técnicas psicológicas, a Arteterapia privilegia aspectos sensoriais, o que a torna adequada a um evento que visa a melhoria da qualidade de vida e da saúde integral dos participantes. Realizou-se uma jornada pelas cores do espectro solar iniciando pelo vermelho, passando pelo laranja, amarelo, verde, azul claro e escuro, lilás, terminando no branco. Cada cor possibilita despertar determinadas emoções e passar por cada uma delas representa um desafio interior. A vivência das cores deu-se em uma sucessão de ambientes monocromáticos. Cada cor, que atua como um elemento facilitador de contato com as emoções do sujeito, representa, através de seus atributos psicofísicos, um desafio ao nível da subjetividade. Desta forma, neste experimento, os participantes puderam entrar em contato e enfrentar seus medos, suas vergonhas, seus desconhecimentos ansiogênicos. Os vários ambientes coloridos a serem percorridos foram decorados por elementos também relacionados a esta cor. O contato com os ambientes foi realizado sensorialmente, através dos sentidos, vendo, cheirando, ouvindo e tocando, despertando nas pessoas a energia que cada cor é capaz de suscitar. As emoções despertadas abrangeram das mais instintivas às mais espirituais, propiciando aos participantes uma conexão com seus aspectos físicos e psíquicos, auxiliando-os em sua busca de saúde integral. Dinâmica da Jornada 173

Na entrada, pequenos grupos de seis pessoas foram convidados, por um arteterapeuta vestido de preto, a fazerem uma jornada através das cores. Foi explicado a estas pessoas que elas iriam passar por vários ambientes, cada um representando uma cor, e que elas teriam a oportunidade de vivenciar sensorialmente cada uma delas. Foi sugerido aos participantes que se permitissem sentir a emoção que cada cor lhes traria. O primeiro ambiente: vermelho

Este ambiente continha imagens de guerreiros de várias épocas e luzes no chão lembrando fogo. Um arteterapeuta vestido de vermelho recebeu as pessoas que entraram neste ambiente, ajudando-as a entrar em contato com esta cor dizendo: “vocês estão entrando no mundo do vermelho; o vermelho é a cor do sangue, do fogo, é o princípio da vida, é a cor guerreira, a cor que encoraja. Vamos entrar em contato com esta energia do vermelho dentro de nós, sentindo o guerreiro que existe dentro de cada um, o pulsar do nosso sangue. Entrar em contato com nosso guerreiro é conectar com nossa capacidade de ir à luta para buscar o que precisamos, é a nossa capacidade de lutar pela sobrevivência”. 174

Logo após o arteterapeuta convidou o grupo a dar as mãos e fazer uma roda tribal, batendo com os pés no chão, lembrando nossos ancestrais que, antes de sair para a caça ou para a luta, faziam uma roda para despertar o seu espírito guerreiro interno. A nossa caça agora é outra, a nossa luta é outra, mas é a mesma energia, o guerreiro interno, o herói que nasceu. O arteterapeuta lembra que todos são da mesma tribo, que estamos lutando juntos. Além de sentir com o corpo essa energia do vermelho, as pessoas estiveram vendo imagens que despertam essa energia, escutando um som de pulsar de coração, sentindo texturas no chão e no ambiente, de forma a perceber a energia que o vermelho desperta com todo o seu sistema sensório-motor. O arteterapeuta explicou, “Sempre que vocês precisarem desta fôrça para ir à luta, para buscar algo que necessitem, vocês podem ativar essa energia, este guerreiro interno que vocês tem. Não é necessário ficar armado o tempo todo, pois vocês sabem que quando precisarem basta evocar a energia de seu guerreiro interno que ela vem”. Neste momento o grupo foi convidado a passar para o próximo ambiente. O segundo ambiente: laranja

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Este ambiente tem imagens de atletas, de movimento. Um arteterapeuta vestido de laranja recebeu as pessoas que entraram neste ambiente ajudando-as a entrar em contato com esta cor, com as seguintes palavras: “vocês estão entrando no território do laranja. O laranja é a cor que evoca a nossa energia vital, a alegria, o movimento, o prazer de viver, a saúde. Vamos entrar em contato com essa energia do laranja dentro de nós, nos conectando com nossa vitalidade, com nossa alegria, com nossa força vital”. O arteterapeuta sugere nesse momento que as pessoas comecem a soltar seu corpo, soltando os pés, joelho, pernas, quadris, tronco, braços, pescoço, cabeça, até que todo o corpo fique solto e se movendo, sentindo a energia circular por todo corpo. Rindo junto com o grupo, sentindo o prazer de liberar essa energia. As pessoas podem emitir sons e a admirar o ambiente que também sugere essa mesma energia. Ao final, o arteterapeuta diz: “sempre que vocês estiverem deprimidos, sem vitalidade, sem vontade, ativem o seu laranja, a sua vitalidade, a sua vontade de viver, pois vocês tem essa energia dentro de vocês.” A seguir o grupo passa para o próximo ambiente. O terceiro ambiente: amarelo Este ambiente tem imagens do sol, de girassol, elementos que sugerem luz, clareza. Um arteterapeuta vestido de amarelo recebeu as pessoas que entraram neste ambiente ajudando-as a entrar em contato com esta cor, com as seguintes palavras: “vocês estão entrando no território do amarelo. O amarelo é a cor do Sol, é a cor do ouro, evoca luz, calor, riqueza, é a cor do rei, da riqueza de espírito, sabedoria, reflexão, administração, discernimento, traçar metas, o poder da palavra. Vamos entrar em contato com o amarelo dentro de nós, com a nossa capacidade de reflexão, de administrar nossa vida, nossa saúde, buscar nossa sabedoria para traçar metas para viver melhor; saber administrar em conjunto.” Para isso o terapeuta convida as pessoas a escrever ou desenhar metas e refletir sobre o que estão precisando ativar nas suas vidas. 176

O arteterapeuta diz, ao final: “quando vocês estiverem confusos, com dificuldade de traçar metas, de discernir, de administrar suas vidas, lembrem-se do amarelo que existe em vocês, do rei interno, do poder que existe em vocês.” O grupo passa para o próximo ambiente. O quarto ambiente: verde Este ambiente lembra um grande pulmão da natureza, e é repleto de plantas medicinais. Um arteterapeuta vestido de verde recebe as pessoas que entraram neste ambiente ajudando-as a entrar em contato com esta cor, com as seguintes palavras: “vocês estão entrando em contato com o verde, a cor da natureza, do reino vegetal, o pulmão de mundo, nós respiramos o verde com odor revigorante, o verde sugere germinação e renovação, reflete a capacidade de nutrir, cuidar e proteger, é a cor da cura e das plantas medicinais. Vamos sentir dentro de cada um este curandeiro interno, essa capacidade de nutrir os outros e se nutrir, vamos sentir este ar que respiramos.” 177

O arteterapeuta convida o grupo a sentir o cheiro de plantas, de ervas medicinais, e depois vão trocando com os companheiros os raminhos de plantas, experimentando o compartilhar. Convida o grupo a respirar profundamente, enchendo bem os pulmões e depois os esvaziando, sugerindo depois a cada um plantar uma semente, simbolizando o respeito à natureza, contribuindo para a preservação do meio ambiente. No ambiente verde, além dos odores, ouvem-se sons da natureza. É lembrado pelo arteterapeuta que, quando se sentirem fracos, desconectados dos outros e da terra, ative seu verde, ou seja, sua capacidade de nutrir, de curar, de respirar, de germinar. O grupo passa para o próximo ambiente. O quinto ambiente: azul claro e escuro Este ambiente tem uma parte representando o céu claro e outra parte o céu escuro com estrelas. Um arteterapeuta vestido de azul recebe as pessoas que entraram neste ambiente ajudando-as a entrar em contato com esta cor com as seguintes palavras: 178

“Aqui é o reino do azul, a cor do céu, do ar, da leveza, da harmonia, da comunicação harmônica, é o caminho da divagação, exprime a calma, a doçura. O azul escuro é o céu a noite, é o caminho do sonho, da imaginação e da intuição. Vamos entrar em contato com nosso azul, sentindo esta leveza dentro de nós, fluindo harmoniosamente com nosso corpo, pensando nos nossos sonhos “. O arteterapeuta oferece uma estrela cadente para que cada um deixe uma mensagem de um sonho positivo para a coletividade e depois prenda esta estrela no cenário do cosmos. Diz que quando precisarem desta leveza, desta fluidez, desta harmonia, da sua intuição, e da sua capacidade de sonhar, lembrem-se do azul que está dentro de cada um de nos. O grupo passa para o próximo ambiente. O sexto ambiente: lilás Este ambiente tem lanternas lembrando velas e um chão macio para quem quiser sentar ou deitar. Um arteterapeuta vestido de lilás recebe as pessoas que entraram neste 179

ambiente ajudando-as a entrar em contato com esta cor, dizendo: “o lilás é a cor da temperança, é a cor do equilíbrio entre a terra e o céu, entre os sentidos e o espírito, entre o amor e a sabedoria. É a cor da transcendência, evoca a evolução pessoal, a busca da totalidade. Vamos fechar os olhos e sentir o lilás dentro de nós, o equilíbrio, a nossa conexão com a totalidade. Sentindo o eixo do nosso corpo, vamos ficar alguns segundos neste estado meditativo.” sugere que sintam o lilás,

O arteterapeuta

sempre que desejarem entrar em contato com este

estado meditativo, com seu eixo, conectando seu interior com a totalidade. 180

O grupo passa para o próximo ambiente. O sétimo ambiente: branco Por fim as pessoas chegam ao ambiente branco que contém um disco de Newton. Um arteterapeuta vestido de branco as recebe com afetividade, explicando que o branco é a união de todas as cores, demonstrando isso girando

o disco de Newton. Entrega um CD e papéis coloridos para que elas façam uma mandala das cores levando consigo este símbolo de uma jornada realizada. Além dessa jornada pelas cores, que ocorreu no hall da empresa, foram realizadas vivências de Biodança e contação de estórias nos jardins. As vivências enfocaram o trabalho em grupo, o respeito pelo outro, o compartilhar. CONCLUSÃO Esta jornada pelas cores e as vivências realizadas nos jardins, levaram os participantes a experimentar emoções das mais básicas as mais complexas. Constatamos que esta experiência sensorial despertou nas pessoas a importância de se olhar, de se cuidar, de olhar o outro e compartilhar com o outro e perceber 181

que ele faz parte de um todo que também precisa ser olhado e ser cuidado. Enfim, tomar consciência de si mesmo, do outro e do Cosmos em busca de uma saúde integral. O depoimento positivo dos participantes e o convite para repetir a experiência na mesma empresa sugerem que a arteterapia é um instrumento eficaz para ser empregado também no meio empresarial, refletindo a necessidade e a carência de contato com a subjetividade nesse universo patriarcal de nossa sociedade. Ligia Diniz é Psicóloga - CRP 1900-RJ, Arteterapeuta, Membro Fundador da Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro, Pós- graduada em Psicologia Junguiana, Membro Trainée do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro, Bacharel em Artes Cênicas, Facilitadora de Cursos de Formação em Arteterapia de Base Junguiana no Rio de Janeiro e em Porto Alegre e Facilitadora de Terapia Corporal em Biodança.

182

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Vivência em arteterapia: uma reflexão conforme a visão de Gadamer Lílian Cordeiro Araldi

The Experience in Art-Therapy means : reflection according to Gadamer’s vision

RESUMO: Este artigo propõe-se a rever o conceito de vivência a partir da visão Hans Georg Gadamer, fazendo uma conexão com as práticas arteterapêuticas. ABSTRACT This piece of writing intends to revue the concept of the experience from the vision of Hans-Georg Gadamer, making connection with the practices of ArtTherapy.

A compreensão da arteterapia como geradora de objetos plásticos, simbólicos e poéticos, em uma situação significativa para o sujeito, não pode ser vista separadamente do conceito de vivência. Todo o processo arteterapêutico é efetivado em um contexto, onde ao sujeito, com sua bagagem física e sensória, junto com seu universo psíquico, é proposto um fazer significativo, num espaço de trabalho, de prática, de criação e de entendimento, de diálogos e de significados. Essa experiência é, então, chamada de vivência. Dessa maneira, entender mais amplamente o que seja vivência faz-se necessário para perceber o “como” e a obtenção de resultados em um processo arteterapêutico. O uso da palavra vivência, segundo Gadamer, começa a aparecer com mais freqüência nos anos 70 do século XIX. Sua introdução está vinculada à aplicação na literatura biográfica, principalmente a dos artistas e poetas dessa época, e “consiste em compreender a vida a partir da obra” (2002p.106). Estendendo o conceito, vivenciar significa estar presente no momento em que algo acontece, remete a imediaticidade com que se apreende algo real. Da mesma forma, “o vivenciado” é o conteúdo permanente daquilo que foi vivenciado pelo sujeito, é o que resta do conteúdo transitório do “vivenciar”. Assim, fazem parte do processo, tanto o estar presente durante um episódio, quanto o rendimento transmitido por ele, seu resultado permanente. 184

Porém, segundo o autor, não basta somente ter presenciado um acontecimento para que ele se torne uma vivência, mas que o “ter-vivenciado” tenha provocado um efeito, especial, emprestando-lhe um sentido permanente. A vivência revestese, então, de um significado condensador e intensificador, pois retém conteúdos de maneira a mantê-los vivos e em constante contato com os nossos níveis psíquicos. Configurar uma vivência, torná-la carregada com sentido permanente, passa pela intenção, fator que abrange todos os atos da consciência. A vivência é um desses atos, é um ato da vontade. Por conseguinte, o seu conteúdo só se revestirá de permanência, de acordo com a intencionalidade e a consciência envolvidas no momento do fato vivido. Se não for dessa forma, ficará na condição de “momentos materiais”, apenas vividos, mas não vivenciados. Esse entendimento de Gadamer cabe perfeitamente na dinâmica arteterapêutica, na qual a intenção e a entrega no momento em que é proposta uma vivência são essenciais, pois não há processo terapêutico sem vinculação da vontade do sujeito. Para algo ser denominado ou avaliado como vivência, sua significação deve estar associada a uma totalidade de sentido. Isso separa “a” vivência de outras vivência e do restante do decurso da vida, em que na verdade não se vivência “nada”, segundo o autor: “o que vale como vivência não é mais algo que flui e se esvai na torrente da vida da consciência, mas é visto como unidade e com isso ganha uma nova maneira de ser uno”. (Id.p.112). A verdadeira vivência não se esgota em seu conteúdo, mas está sempre sendo resgatada pelo nosso psiquismo e nos levando a novos entendimentos, reflexões e aprendizados, acerca do vivenciado e da vida em sua totalidade. A vivência é ainda, segundo Gadamar, fundamento de todo o conhecimento, o que faz crer que o processo arteterapêutico, que trabalha a partir de vivência, vale-se de um método que tem mais possibilidades de aproximar o sujeito daqueles conteúdos, internos ou não, aos quais deva voltar a sua capacidade de converter em conhecimento, trazendo à luz da sua consciência. Assim sendo, a vivência indica uma referência interna com a vida. É a vida que se manifesta em uma vivência. Gadamer afirma que referência interna com a vida e a vivência, não é mera relação entre o universal e o particular, mas que toda vivência encontra-se “numa relação direta com o todo, com a totalidade 185

da vida”. (Id.115). A vivência, portanto, não é um acontecimento separado, mas insanamente relacionando com a totalidade da existência do sujeito em suas múltiplas dimensões, envolvendo ele mesmo, o meio e o outro. Nesse contexto uma vivência arteterapêutica, não poderá ser experienciada como um fato isolado pelo indivíduo, mas se converterá em uma fonte de intenso fluxo para a vida, promovendo reflexões e construções acerca do que foi vivenciado. Gadamer, para fazer entender que a vivência não é um evento corriqueiro, a compara com a aventura, ou seja, ambas não são apenas um episódio – casos “enfileirados que não possuem nenhum nexo interno e que justamente por isso não têm nenhum significado duradouro”, (Id p.116) mas interrompem o curso costumeiro das coisa, relacionando-se positiva e significativamente o nexo que interrompem. Ambas possuem um caráter de exceção, e depois delas, tem-se que voltar à normalidade, continuar vinculando ao que é costumeiro. “Cada vivência é trazida para fora da continuidade da vida, permanecendo ao mesmo tempo referida ao todo da própria vida”. ��������������������������������������������� (Id. P.116). �������������������������������� Voltamos, porém, ao nosso viver cotidiano tanto da aventura como da vivência enriquecidos e amadurecidos, com uma nova bagagem de conhecimentos. E a partir disso, transcendemos aquele entendimento anterior, resignificamos. Gadamer amplia seu pensamento incluindo a vivência estética. Segundo ele, existem semelhanças entre a estrutura da vivência e o modo de ser estético. Dessa maneira, a experiência estética não é apenas uma espécie de vivência, mas é a própria. “Assim como a obra de arte é um mundo para si, também o vivenciado esteticamente como vivência distancia-se de todos os nexos com realidade.” (Id p. 116) A vivência estética é capaz de “arrancar de um golpe aquele que a vive dos nexos de sua vida [...]. Na vivência da arte se faz presente uma riqueza de significados que não pertence e este conteúdo específico ou a esse objeto, mas que representa, antes, o todo do sentido da vida.”(Id. P. 116). A vivência estética é a que mais exemplarmente representa seu conceito, conforme Gadamer. Como fator de interrupção do curso normal da vida é a forma que mais eficácia possui e pode levar o sujeito a experimentar o verdadeiro significado a não ser através de uma vivência. A arte origina-se da vivência e dela é expressão. É produto de uma vivência e é 186

destinada para outra vivência, a estética. Para Gadamer uma vivência não poderá ser entendida em seu significado a não ser através de outra. Assim um produto artístico representa uma transposição de vivência de quem produziu, que por sua vez, irá se converter numa nova vivência para aquele capaz de a receber a atribuir-lhe significações. No caso da arteterapia, o significado desses conceitos é estendido e a experiência estética se impregnará de um caráter intenso de permanência, já que ele se alia a vivência terapêutica. Nesse sentido, arteterapia torna-se uma vivência significativa, uma unidade vivencial, capaz de se relacionar com o holus do indivíduo. Dentro da prática arteterapêutica, a vivência ocorre em dois patamares: a vivência estética e a vivência terapêutica, a qual igualmente se ajusta aos conceitos gadamerianos. Ambas se revestem de significados e propõem a criação de conteúdos permanentes ao sujeito, capazes de levá-lo a novas construções e/ou indagações acerca do que foi vivenciado e de seus reflexos. Partindo disso, a vivência arteterapêutica relaciona os conteúdos, o estético e o terapêutico, gestando um processo completo, cujo efeito é mais amplo do que suas práticas isoladas. Viver um processo terapêutico com a possibilidade de fazelo esteticamente, tanto no criar, quanto no fruir, pode torna-se enriquecedor para o sujeito, proporcionando vivências tão novas e recobertas de intensa significação que são capazes, por si só, de fazê-lo transcender seus espaços psíquicos ordinários. A transcendência, nesse caso não é apenas de conhecimento, não envolve somente a razão, mas principalmente o espírito. A pessoa, que passa por um processo de vivência arteterapêutica, acresce-se de espiritualidade, e se conecta com sua essência, com sua alma. Lílian Cordeiro Araldi é Artista Plástica e Arteterapeuta

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Gadamer, Hans-GeorgE – Verdade e método – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, Vozes, 2003 – Volume1 187

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Group: Different interpretations

GRUPO: DIFERENTES OLHARES Lucia Binelli Catan Maria Elisa Binelli Catan

RESUMO O presente artigo demonstra dois diferentes olhares na formação de grupos; abordando as questões de inclusão, controle e afeto. As autoras buscam relatar duas situações diferentes utilizando o prisma da Arte-terapia:Experiências realizadas em Instituições públicas ABSTRACT This article shows two different interpretations in the formation of groups; approaching matters of inclusion, control and affection. The authoresses try to tell two different situations through the prism of Art Therapy. These experiences were made in public institutions. UMA VISÃO SOBRE GRUPOS Vários conceitos de grupo existem, mas se compreende grupo como um a reunião de pessoas que estabeleçam uma ação, atividade específica voltada para um objetivo comum. Entende-se que: “A gênese de um grupo e sua dinâmica são determinadas, em última análise, pelo grau de autenticidade das comunicações que se iniciam e se estabelecem entre seus membros.” (MAILHIOT,G. ��������������������������� B.,pg.70,1991) O encontro de pessoas voltadas ao cumprimento de uma tarefa ou objetivando uma intenção que perpasse a todos os componentes do mesmo em atingir o desejado. Assim sendo: “Cada membro, que lê e traz para o aqui-e-agora do grupo não o simples conteúdo da leitura e sim suas reflexões e experiência anterior, estará contribuindo para o aprofundamento da experiência pessoal e grupal.” (MOSCOVICI, F., pg.06,1985) Quando observamos um grupo devemos pensar que este passa por três etapas distintas e interligadas para o que é entendido por grupo se concretize. Essas três etapas são: inclusão(vinculação), controle e afeto. 189

“O grupo é como uma rede, como uma teia de aranha, onde cada elemento funciona como um ponto nodal independente, mas psicodinamicamente interligado, agindo como um subsistema, onde cada um afeta o outro e é afetado pelo conjunto, criando uma matriz operacional.” (RIBEIRO, J. P., pg. 35, 1994)

Todos os grupos passam por estas três questões (quesitos) formadoras

com

maior ou menor intensidade, mas “Para que o grupo possa existir, deve definir-se como grupo.Os limites devem ser estipulados, de modo a deixar claro quem está dentro e quem está fora dele.” (SCHUTZ, W., pg. 104, 1989) A inclusão é o que possibilitará

às pessoas

estarem ativamente em um

momento ou em uma situação grupal, podendo se perceber como participantes, objetiva e subjetivamente de algo maior, que possa ser gerado a partir desta interação. Entendendo que em sua essência, a inclusão em um processo de grupo pode ser dito que “Na dimensão da inclusão, meu comportamento é determinado pelo modo como me sinto a respeito do que significo como pessoa.” (SCHUTZ, ��������� W., pg. 106, 1989) O controle do grupo envolve principalmente o posicionamento dos membros deste grupo, “Pessoas diferentes assumem ou buscam papéis diversificados e as lutas pelo poder, a competição e a influência passam a ter uma importância central. A interação típica para enfrentar tais questões é o confronto.” (SCHUTZ, ��������� W., pg. 108, 1989) Quando entra em jogo o poder, ele pode fluir naturalmente, ou pode ser imposto por algum membro do grupo, de tal forma que outros se submetam a este; podemos pensar, também, que a imposição de lugar de poder, talvez esteja relacionada mais ainda com o lugar que os membros de um grupo delegam a outrem. Quando não é possível equilibrar as forças de comando e comandado, pode-se gerar situações desagregadoras do grupo. O controle é uma dimensão presente nos grupos. Após a transição dos elementos por estas duas dimensões anteriores, a inclusão e o controle, o afeto como terceira dimensão se apresenta, neste momento da vida de um grupo, no momento que a vinculação básica já tenha se estabelecido e questões de controle definidas, e os papéis de cada membro já tenham sido de 190

algum modo discutidos. O afeto surge para demarcar o potencial de envolvimento dos membros de um grupo. “Uma vez que o afeto se baseia na construção de vínculos emocionais, é geralmente a última fase a emergir no desenvolvimento de uma relação humana ou de um grupo.(...). À medida que prossegue a relação, tendo se formado os vínculos afetivos, as pessoas se abraçam, no sentido literal ou figurativo.” ��������� (SCHUTZ, W., pg. 109, 1989) Quanto maior for a carga afetiva envolvida, maior, pode-se pensar, o recurso para desempenho de tarefas

estabelecidas pelo grupo. A posição de ser ou não

amado coloca o indivíduo em uma relação, inicialmente dual, eu e o outro, uma situação de confrontação, onde o sentimento pertinente

“A ansiedade

afetiva é ser ou não ‘capaz de ser amado’.” (SCHUTZ, W., pg. 110, 1989), para posteriormente ser estendida para uma situação de múltiplas relações, criando de fato uma possibilidade de funcionamento grupal. Outros pontos importantes a serem considerados e observados são os papéis que são desenvolvidos e desempenhados pelos membros constituintes

de um

grupo. Classifica-se em três categorias específicas os papéis desempenhados dentro das propostas grupais, com maior ou menor envolvimento: “1) Papéis das funções do grupo: Papéis dos participantes em razão das funções que o grupo preenche ou pretende preencher.(...) 2) Papéis de fortalecimento e conservação do grupo: Nesta categoria incluem-se os papéis orientados para o funcionamento do grupo como grupo.(...) 3) Papéis individuais. Visam à satisfação das necessidades individuais dos participantes, isto é, à consecução de objetivos de ordem particular, que em geral, não são relevantes para os propósitos do grupo como um todo.”(BEAL, G. M.,BOHLEN, J. M. e RAUDABAUGH, J. N., pg.77, 1972) Cada participante do

grupo busca algo, além da sua própria individualidade,

mas almeja ter suas necessidades básicas satisfeitas, visualizando o grupo como um organismo autônomo, onde a soma de suas partes vai além do todo, pode-se dizer que: 191

“O grupo tenta dar a cada um o que é seu, estar atento às necessidades de nutrição de seus membros, bem como evitar o que é prejudicial.” (RIBEIRO, J. P., pg. 42, 1994)

As Mãos e o Inconsciente no Trabalho Grupal Maria Elisa Binelli Catan “O grupo

é um microcosmo onde o quotidiano acontece, onde

relações negadas ou percebidas se fazem presentes e reconhecidas, onde o amor a si próprio e ao outro se descobre, onde o passado se faz presente com emoção.” (RIBEIRO, 1994)

Refletindo estas palavras de Ribeiro em relação ao grupo existente no Núcleo de Atividades Expressivas Nise da Silveira, do Hospital Psiquiátrico São Pedro, percebemos que lá temos um grupo definido. Seus freqüentadores, a maioria deles há mais de dez anos, presentes todos os dias. No entanto, são indivíduos muito ensimesmados,

convivem em um equilíbrio de alienação. A emoção e o afeto

também coexistem paradoxalmente em conseqüência do tempo de convívio. Entre os freqüentadores assíduos, que são aproximadamente dez, tem-se relações mais próximas, desde enamoramento, até zelo e proteção. É interessante observar que estes em relação à Oficina, como espaço, e com os profissionais que ali trabalham tem um cuidado especial. Se eles percebem alguém que na visão deles não é bem-vindo; ou de alguma desordem, nos avisam. São guardiões daquele espaço que promove alguma integração entre eles. Fazendo de certa maneira sentirem-se mais vivos, mas ligados à realidade. Com este tipo de atitude, eles deixam bem claro quem está dentro do grupo e quem não está. Em relação à inclusão, em sua maioria são subsociais, com isto eles têm uma atenção maior daqueles que os rodeiam. Na Oficina, a questão do controle é secundária, visto que seus participantes são em sua maioria abdicratas; para eles já não existe uma importância de ser competente ou não, desde que por intermédio de seus trabalhos sejam vistos/ compreendidos. Tentando colocar um olhar arteterápico, a Oficina não funciona como um “setting” terapêutico, mas como um ambiente em que podem se expressar através 192

de recursos plásticos. É difícil montar uma sessão de Arteterapia com este grupo, pois cada um tem suas predileções: um só pinta quadros com têmpera, outro só desenha com giz de cera, outro com canetas hidrocor, e assim por diante. Além disto são resistentes à mudança dos materiais expressivos; não aceitam interferência no trabalho; gostam que estejamos por perto para partilhar daquele gesto de expressão, talvez sejamos o elo que os liga à realidade, ou também representemos uma figura receptiva, cumprindo o papel de mãe substituta que aceita e acolhe o ser que esta a sua frente com a intenção de simplesmente estar, pode-se dizer cumprindo uma função que não foi ou não pode ser desempenhada pela figura materna original. “Em nossa sociedade, a frustração ou insatisfação das necessidades de afeto constitui uma das causas mais comuns de desajustamentos e psicopatologias graves.” (MOSCOVICI, Fela, pg. 60,1985)

Aqueles que vêm de fora sempre carregam consigo uma imagem negativa do HPSP; e isto acarreta em um problema social ainda maior – o abandono; vidas esquecidas, desvalorizadas. A impressão que se têm, é que por mais que se fale em acabar com os manicômios, se fale nas reformas antimanicomiais, isto não acontece. Os pacientes que se encontram internados por décadas, ali encontraram um espaço para ficar e viver; talvez na oficina sintam-se realmente vivos, amados. O preconceito nas relações interpessoais pode alienar ainda mais aqueles pacientes tão negligenciados pela sociedade, escondidos pelas famílias. Segundo MAILHIOT,1991: “Os bloqueios e as filtragens na comunicação humana tornam-se permanentes e tendem a se cristalizar cada vez que as relações interpessoais são prejudicadas pelos preconceitos. As distâncias sociais e psicológicas entre interlocutores tendem então a se acentuar e a ser percebidas como irredutíveis.”

O que se procura realizar neste espaço, Oficina da Criatividade, é tentar resgatar o resquício de ser humano que sobrou dentro de cada indivíduo. O resgate do socialmente incluído, vinculado com um contexto maior. Os participantes da Oficina de Criatividade adquirem por vezes, um “status”, que não cancela a posição anterior, que ocupam na sociedade, mas ampliam a possibilidade de resgate do ser humano que esta aí encarcerado, física e psiquicamente pela 193

instituição que os acolheu. Pensar neste acolhimento faz pensar que é uma ação relativa não sendo executada por todas as pessoas participantes, mas em especial por quem trabalha na Oficina de Criatividade. Atendimento multifamiliar e arteterapia Lucia Binelli Catan O presente relato parte de uma experiência desenvolvida, em um programa de atendimento a alunos da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul – Programa Vinculação, a partir da terapia familiar , tendo sido formatado um grupo Multifamiliar. A abordagem se deu a partir do olhar voltado para grupos familiares, tendo como princípio que: “A teoria da terapia familiar está fundamentada no fato de que o homem não é um

ser isolado. Ele é um membro ativo e reativo

de grupos sociais. O que experiência como real depende de componentes tanto internos como externos.” (MINUCHIN, S., pg.12, 1990)

Tendo como objetivo a leitura e compreensão das relações estabelecidas entre os membros de um mesmo núcleo familiar, para de algum modo buscar resoluções para

situações conflitivas apresentadas pelo grupo , que podem

estar incidindo em um dos membros deste sistema, sendo este indivíduo um PI. (paciente identificado), ou um bode expiatório das situações relacionais dos membros do sistema. “O

terapeuta

deve

controlar

o

impacto

da

terapia

e

das

circunstâncias de vida sobre a família e estar para oferecer apoio. A mudança através da terapia, como qualquer outra mudança familiar, é acompanhada de estresse, e o sistema terapêutico deve ser capaz de lidar com isto.” (MINUCHIN, S., pg.111, 1990)

Como proposta de atendimento foi formado um grupo Multifamiliar,

onde

participam quatro famílias. O atendimento realizado com várias famílias ao mesmo tempo, ou seja um “setting” terapêutico composto por vários núcleos familiares que apresentem uma problemática semelhante. Não esquecendo que a inclusão, controle e afeto devem ser observados para que o grupo possa ser efetivo, onde cada um avalia “em que nível irei comprometer-me com este grupo, quanto de minha energia (...) 194

terei que dispor para alocar nesta nova relação” (SCHUTZ, W., pg. 111, 1989), para atingir resultados positivos neste encontro grupal. O grupo originou-se, da demanda escolar, na qual os professores observando a dificuldades dos alunos, optaram por encaminhar para o atendimento visando beneficiar o rendimento escolar destes. Estas crianças vieram para o atendimento psicológico, o qual foi ampliado para um enfoque maior, incluindo a Arteterapia. Pela modalidade proposta de atendimento, pais e filhos farão parte do mesmo grupo, com um enfoque familiar com a utilização de recursos da Arteterapia, em um encontro semanal com uma hora de duração. Os pais em questão visualizam seus filhos como portadores de dificuldades. Esta percepção pode reduzir as possibilidades de novos olhares dos pais para com seus filhos, e desta forma impedindo um avanço no crescimento enquanto indivíduos. A terapeuta de família MADANES:1993, descreve que: “En ciertas familias, no es preciso que un niño tenga efectivamente un ‘síntoma’ para servir de foco a la preocupación de sus padres: la misma función puede cumplirla un rasgo de personalidad.” (MADANES, C., pg. 97,)

É importante registrar que estas crianças já se encontravam em situação escolar diferenciada, pois fazem parte de um enquadre de CE (Classe Especial) que tem por objetivo trabalhar necessidades específicas dos alunos que não conseguiram avançar no tempo padrão, junto às demais crianças, e que possuam uma dificuldade neurológica reconhecida e avaliada por um Médico neurologista. Devido ao enquadre destas crianças os pais apresentam uma forma diferenciada de olhar para seus filhos e em vista disto, o uso dos recursos expressivos pode possibilitar um novo olhar. Aqui vale uma reflexão das palavras de WINNICOTT, referindo-se as mães, que por vezes não conseguem validar os filhos: “Há também a mãe que subestime

o filho; é como um artista

que deprecia sua tela, sendo, portanto, a pior pessoa do mundo para vendê-la. Como o artista, a mãe receia o elogio e a censura, e antecipa-se às críticas desvalorizando ela mesma aquilo que lhe pertence.” (WINNICOTT, ��������������� D. ���������������� W., pg.39, 1987)

A habilidade com os materiais , e linguagens específicas do desenho, pintura , modelagem e teatro, coloca os filhos em uma posição de detentores de 195

conhecimentos que não são de domínio dos pais, esta situação possibilita um novo padrão de trocas entre os membros da família e entre as famílias participantes do grupo. A mudança de status desencadeou um novo olhar. “A satisfação das necessidades de estima ou status leva ao desenvolvimento de sentimentos de autoconfiança, capacidade de ser útil e necessário para os outros. Sua frustração produz sentimentos de inferioridade, impotência, levando freqüentemente, a reações de desalento, de compensação defensiva ou outras manifestações neuróticas.” (MOSCOVICI, F., pg.60,1985)

Como reflete o pensamento de MOSCOVICI, a estima no relacionamento do grupo ampliou os olhares, estimulando pais e filhos para o desempenho das tarefas propostas nas sessões até o momento.

Reduzindo o sentimento de

frustração circulante no grupo devido ao histórico escolar e o comprometimento apresentado pelas crianças. Este trabalho ainda em andamento, pode ser considerado como uma proposta a ser continuada. Até o presente momento uma

das famílias mudou de horário

já que a criança em questão apresentou uma evolução muito significativa principalmente no que se refere à forma dos pais o olharem possibilitando um avanço escolar, passando agora a cursar a primeira série. Outra família que apresentou, desde o início, uma resistência muito grande com a solicitação da escola em freqüentar o atendimento, não permaneceu, apresentando inúmeras faltas, o que só agravou a não inclusão destes, no funcionamento do grupo; acarretando um processo de exclusão. Um outro atendimento foi oferecido para esta criança, em outra modalidade não relacionada com

psicologia ou

Arteterapia de forma direta. O comportamento da mãe desta criança permanece de não inclusão e não cumprimento de regras. Pensando... E aí, um grupo pode ser o início ou fim em si mesmo? Se for considerado que as pessoas reúnem-se em busca de algo, um grupo pode ser o fim de si mesmo, mas se pensarmos que este grupo pode ser desencadeador de outros momentos e de outros grupos, pode-se dizer que este vai além de sua finalidade inicial. Principalmente se este estiver relacionado com necessidades expressas no próprio grupo original. 196

Grupos embasados no processo de Arteterapia possuem

duplo vínculo, ou

melhor esta duplicidade de olhar, já que não é o grupo “que se basta”, mas as pessoas reunidas em um momento de grupalidade voltada para a atividade expressiva, ou melhor para atividades nas quais são utilizados recursos expressivos através de materiais pertinentes ao “fazer artístico”. Os componentes do grupo podem estar buscando uma resolução de conflitos interiores através da liberdade de expressão oferecidos em um grupo de Arte-terapia. Lucia Binelli Catan é arte ���������������������������������������������� educadora– Especialista em Artes Visuais pela UCS- Universidade de Caxias do Sul, Psicóloga CRP- 07/06600, Terapeuta Familiar Sistêmica pelo CEF- Centro de Estudos da Família, POA e Pós-Graduanda em Arte Terapia – ISEPE - CENTRARTE.

Maria Elisa Binelli Catan é Licenciada em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em educação de jovens e adultos pela PUCRS / FDRH e pós-graduanda em Arte Terapia – ISEPE - CENTRARTE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS : BEAL, George M., BOHLEN, Joe M., RAUDABAUGHI, J. Neil. Liderança e dinâmica de grupo. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. BOSCOLO, L., CECCHIN, G., HOFFMAN, L., PENN, P.. A Terapia Familiar Sistêmica de Milão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. BOWLBY, John. Cuidados Maternos e Saúde Mental. São Paulo: Martins Fontes, 1988. MADANES, Cloé. Terapia Familiar Estratégica. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1993. MAILHIOT, Gérald B.. Dinâmica e Gênese dos Grupos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1991. MINUCHIN, Salvador. FAMÍLIAS Funcionamento & Tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. 197

MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1985. RIBEIRO, Jorge P.. Gestalt-terapia – o processo grupal. São Paulo: Summus, 1994. RILEY, Shirley. Arteterapia Para Famílias. São Paulo: Summus, 1998. SCHUTZ, Will. Profunda simplicidade: uma nova consciência do eu interior. São Paulo: Agora, 1989. WINNICOTT, D.W..Privação e Delinqüência. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

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A ARTETERAPIA, E OS ESPAÇOS DE CRIATIVIDADE  NAS INSTITUIÇÕES

The arttherapy and the criativity spaces in the institutions

Márcia Tavares

RESUMO Em seu livro “Memórias , Sonhos e Reflexões” CARL jUNG defende a superação das especializações limitantes, fazendo alusão as vantagens que um profissional extrai ao estudar e integrar outros campos de conhecimento. Sendo a Arteterapia transdiciplinar, pude constatar ao longo de 3 anos, através de pesquisas, leituras e vivências o poder transformador da Arteterapia junto ao público de uma  instituição da 3a. idade, assim como os resultados positivos decorrentes da inserção de práticas holísticas. ABSTRACT In his book, “Memories, Dreams and Reflections”, Carl Jung shows the benefits of overstepping the limiting specialization fields. He speaks about the advantages obtained by a professional who studies and integrates other knowledge fields. Arttherapy is a trans-disciplinary matter. During the period of 3 years, I could verify the transformation power of Art-therapy with the public of an institution for aged people as well as the positive results obtained through holistic practices in the therapeutic process. UMA ABORDAGEM  HOLÍSTICA RESIGNIFICANDO O INDIVÍDUO NA TERCEIRA IDADE Velho ou idoso? IDOSO= QUEM JÁ VIVEU MUITOS ANOS VELHO = DESGASTADO, SEM VIDA Segundo Deepak Chopra,“Somos tão velhos quanto acreditamos que somos”, pois a queda do vigor, a medida que a idade avança, é fruto, em grande parte, da expectativa que se tem desse declínio. Nascemos herdeiros da crença de que vamos crescer, nos modificar, debilitar, sofrer e morrer. O desespero por envelhecer faz com que aceleremos o processo de envelhecimento. A sucessão de perdas a que é submetido, sejam físicas, afetivas e tantas vezes materiais, advindas da aposentadoria, propiciam que o idoso, em sua 200

grande maioria, vá ficando à margem (excluído) e com menos expectativas sócio-culturais. Numa sociedade que marginaliza e descarta a pessoa de idade avançada, como se somente o jovem pudésse ser útil e produtivo, torna-se difícil a manutenção da auto-estima. Ao ingressar em uma instituição geriátrica, o indivíduo, muitas vezes,  contrariado, debilitado e/ou com deficiência em suas funções psicomotoras e cognitivas, mergulha num  processo de isolamento e autodestruição, sentindo-se um fardo inútil e mal-quisto pelos seus familiares. ARTETERAPIA Se acreditamos que o homem é capaz de alterar sua própria fisiologia pelo que pensa e sente, sendo responsável por cada reação que acontece no seu organismo, cabe ao arteterapeuta facilitar que outras percepções aconteçam, dando origem a novas alternativas e soluções, descongelando os pensamentos que trancaram o indivíduo dentro de sensações de isolamento, fragmentação, separação e inutilidade. Afim de estimular as mudanças necessárias a renovação, com o intuito de melhorar a qualidade de vida na 3a. Idade, tornando-a mais saudável e prazeirosa, o terapeuta, se defronta com grandes inimigos como: preconceitos, baixa estima, velhos hábitos, rigidez, crenças, conformismo, dificuldade de expressar emoções ... Através da Arteterapia, ao estimular o potencial criativo que ajuda o indivíduo a perceber diferentes possibilidades, propiciaremos a libertação de padrões repetitivos, críticas e hábitos que atrapalham o livre fluir. Ao fomentarmos potenciais adormecidos e desvitalizados, através das mais diversas formas de expressão, auxiliamos a revisão de conceitos e a transformação de crenças, despotencializando

rancores

guardados

e

alterando

estados

mentais

que

influenciam o que se encontra na consciência, possibilitando que resgatem sua auto-estima e se tornem mais confiantes para exercitar seu poder de escolha  e sua capacidade de comunicação, com a perspectiva de vislumbrarem novas oportunidades, possibilitando o prazer de outras descobertas, o que contribui em muito, no processo biopsicosocial. Se emoções passivas, sentimento de fracasso, bem como a raiva reprimida, enfraquecem o sistema imunológico, ao ativarmos emoções, alimentamos o espírito, possibilitando  transformações positivas. 201

Compartilhando nossos medos Nos tornamos mais valentes Compartilhando nossas perdas Nos enriquecemos Compartilhando nossos erros Seremos mais sábios (Autor desconhecido) Ouvindo ou criando, têm a chance de organizar sua visão do mundo, expressando suas angústias e expectativas, ampliando o universo. O arteterapeuta e os espaços de criatividade O Arteterapeuta, ao integrar pessoas em seu cotidiano, conduzindo espaços coletivos, onde as pessoas podem ser conscientizadas dos cuidados essenciais para levar/ manter uma vida mais salutar, se reunir, trocar experiências, partilhar e criar, além de incrementar a rede social, facilita que através da arte, os preconceitos sejam rompidos, evitando que experiências sejam interrompidas, abortadas, permitindo que o indivíduo vá descobrindo que seu potencial é latente, não é passado , é presente. Assim ao longo da caminhada, vai percebendo que é possível criar e brincar, sem crítica e sem medo, reencontrando-se com a espontaneidade, experienciando com naturalidade os materiais expressivos, permitindo-se transformar , errar e reinventar, além de ter facilitado o acesso ao seu inconsciente. Ao vislumbrar novos horizontes, torna-se mais fácil sua integração e acolhimento no grupo, que passa a ser sua nova família, facilitando e permitindo que se ouçam, se apoiem. O Arteterapeuta ao propiciar a exploração de sensações sem cobranças, num exercício de flexibilidade que viabiliza a originalidade, motiva a quebra de padrões habituais, possibilitando ao indivíduo maior contato e ampliação da sua capacidade de produzir. OBS.: Segundo pesquisas gerontológicas, o fato de se saber ativo, faz cessar a perda de músculos e de tecidos ósseos. Esta nova crença instalada, fortalece a auto-estima, resgata a confiança e aumenta a alegria de viver. 202

Ao engajar-se numa linguagem individual e única, o indivíduo começa a fazer parte da realização concreta de jogar para fora os bloqueios que o impedem de raciocinar livremente. Uma visão holística Artes de cura “...Ou aprendemos a nos acariciar  ou liquidaremos com a nossa espécie...”

R.SHINYASHIKI

Através dos anos o ser humano além de atravessar uma série de mudanças e perdas bio sociais e psicológicas, acrescidas de preconceitos culturais de uma sociedade onde apenas a beleza e a jovialidade tem valor, começa a rejeitar o próprio corpo, isolando-se e evitando o contato, o toque e o carinho. Pesquisas indicam que um simples toque na mão, uma abraço em torno da cintura, pode reduzir o ritmo cardíaco baixando a pressão sanguínea e que a ternura e o carinho reduzem em cerca de 50 % a arteriosclerose e o risco de ataque cardíaco. O Toque, pode curar e é uma necessidade tão primária e importante como a  comida. “...Por favor, me toque, ainda que eu resista e até o rejeite. Insista, descubra um jeito de atender minha necessidade... ...Por favor, me toque, segure minha mão, sente-se perto de mim, dê-me força e aqueça meu corpo cansado com sua proximidade. Minha pele ainda que muito enrrugada, adora ser afagada. Não tenha medo, apenas me toque...” ( trecho do texto POR FAVOR, ME TOQUE - PHILLIS DAVIS) A massagem,

uma

das

mais

antigas

artes

naturais

utilizadas

para

o

restabelecimento do equilibrio físico e psicológico, estimula a circulação sanguínea e linfática, oxigenando e nutrindo as células do organismo, aliviando tensões, dores e desbloqueando a energia dos músculos. Os ganhos são grandes, a começar pela auto-massagem, onde o indivíduo estabelece um contato consigo mesmo, favorecendo a autopercepção. - Janet F. Quinn - PHD e professora de enfermagem, da Carolina do Sul, em seu artigo - CURA: o surgimento do relacionamento correto - nos lembra que o termo HARMONIA, pode ser encontrado nos dicionários como sinonimo de acordo, 203

conciliação, vínculos perfeitos. Outro sinônimo para vínculo, é relacionamento, união que é inversamente o contrário de separação, isolamento. Declara que poderíamos reduzir drásticamente os custos destinados a saúde, ensinando as pessoas a se curarem umas às outras, incentivando o reaparecimento do princípio feminino e de suas formas, com a reaprendizagem das massagens. Caso: ...Quando chegou na instituição, ``R´´, como iremos tratá-la, recusava qualquer expressão de carinho. Se alguém tocasse seu braço, dizia que doía intensamente... Com a frequência nas oficinas, participou de atividades como: • experiências táteis com utilização de diferentes materiais • auto-massagem • massagem 2 a 2 com bola nas mãos • massagem em grupo, com uso de materiais como penas, algodão ... • dança em dupla • confraternizações Atualmente ``R´´ sorri, quando é beijada, retribuindo com naturalidade. A MASSAGEM, produz endorfinas, abre espaços internos, desenvolve a vivacidade, o desempenho, além de aproximar, propiciando trocas afetivas, que são manifestações dífíceis entre esta população. “ A um homem nada se pode ensinar. Tudo o que podemos fazer é ajudá-lo a encontrar as coisas dentro de si mesmo” GALILEU Técnicas como a visualisação e a meditação utilizadas após a aplicação de relaxamento profundo ajudam a equilibrar o indivíduo pois diminuem o desgaste físico e mental. Estudos da Unidade de Medicina Comportamental da Unifesp citam a Meditação como possível substituta de tranquilizantes. A meditação, embora de difícil introdução entre os idosos que, inicialmente desconfiados, têm dificuldade de manter-se de olhos fechados, assustados com a possibilidade da “perda” de controle do que ocorre a sua volta, mostrando-se inseguros, revelase um método de grande importância pois fortalece a concentração, reduz o estresse e a pressão arterial. Esta técnica, ao aumentar a clareza mental, possibilita ampliação da criatividade sendo nossa grande aliada pois além de combater a ansiedade, reduz a excitação e o stress que provoca uma reação tensional. Ao propiciar o contato com sentimentos mais profundos e ampliar a percepção de uma dimensão espiritual, favorece a flexibilização da rigidez. A medida que vão 204

aprendendo a compartilhar e a ceder, nota-se uma redução da competitividade tão constante num público marcado por perdas sucessivas. “É ne realização mais que perfeita da conexão mente e corpo que está a resposta para uma vida mais longeva”. DEEPAK CHOPRA Artigo de Jacob Bongren, estudioso de Cromoterapia, citado no Livro Medicina Natural, diz que a falta de interesse e entusiasmo, companheiros persistentes de integrantes de instituições geriátricas - geradores de depressões e doenças da pele - pode ser amenizada pela absorção das cores. A cor com sua frequência de vibração da luz, enquanto elemento curador, vem somar-se à Artes Curativas, através de suas propriedades estimulantes e regenerativas, tanto pela ação no meio ambiente, em diversas circunstâncias, como pela intenção individual, que pode se dar através da visualização da respiração da cor, orientada pelo terapeuta durante processos de relaxamento e visualização. Levando-se em conta que todo pensamento gera uma vibração, que se reflete em cores, concluíremos que cada indivíduo matiza seu universo. Daí ser de grande importância neste trabalho propiciarmos atividades lúdicas, que ao incentivarem a brincadeira e o riso desencadeiam reações fisiológicas, que influem no sistema imunológico, responsável por mudanças no nosso estado de espírito e vice-versa. Abrir um verdadeiro sorriso relaxa o tórax e o diafragma, aumentando a oxigenação e diminuindo a tristeza e as tensões, gerando uma nova mensagem que é imediatamente retransmitida ao sistema nervoso. O bom humor pode proporcionar o alívio da dor e ao auxiliar o desbloqueio da criança interior, fomentará a criatividade, fator de importância fundamental nas mudanças internas. A saúde do ser humano é a alegria. JEAN-YVES LELOUP Assim como nossos olhos são sensibilizados pela frequência da vibração da luz, criando em nosso cérebro a sensação da cor, nossos ouvidos captam as vibrações sonoras que transformam nosso estado emocional. Segundo pesquisas do Hospital Presbiteriano, em São Francisco. a música diminui a ansiedade, a tensão, podendo até aliviar a dor, sendo capaz de provocar um estado de espírito em que as capacidades extra-sensoriais são estimuladas, possibilitando a abertura de uma janela espiritual. Utilizadas nas meditações, favorecem o mergulho em estados alterados de consciência propiciando o acesso mais fácil ao inconsciente. Além de serem incentivo para que as pessoas soltem a voz, servem como estímulo 205

as manifestações afetivas. CASO: ...Pela 3ª vez “D. Flor” estava ausente da sessão.Ela que era sempre tão participante, falante e risonha, fazia muita falta para todos. Seu coração andava “enfraquecido” e dera um susto em todos. Após uma série de aborrecimentos que tivera com sua irmã que, além de retirar todos os materiais de pintura que ela tanto gostava de realizar, ameaçava retirá-la da instituição que ela aprendera a amar ao residir. Naquele dia, após conversarmos sobre o estado de saúde de “D. Flor”, distribuí a letra da música Amigo interpretada por Roberto Carlos e após cantarmos acompanhando o CD, propus uma atividade plástica ( colagem com grãos ) onde eles poderiam “semear” tudo de bom que desejassem para nossa amiga ausente. Ao final da atividade encontravam-se bastante silenciosos. Coloquei para ouvirmos a música Nossa Senhora, muito admirada por eles e de mãos dadas cantamos, o que gerou muita comoção. Comentei então que poderíamos fortalecer nossa intenção positiva em relação a amiga ausente e sugeri que visitássemos “D.Flor” e a ela entregássemos o que havíamos semeado em sua intenção, ao que todos que podiam andar facilmente, concordaram, e juntos rumamos para seu quarto, onde ela nos recebeu  muito surpresa  envolta em abraços e votos de melhora. Com enorme sorriso nos agradeceu.  Grande foi a alegria na semana seguinte quando pudemos vê-la ressurgir  e participar  novamente com todos da sessão. Dr. Bernie Siegel - autor de Amor, Medicina e Milagres , relata em seu livro que pessoas com menos contatos sociais apresentam uma taxa de mortalidade 200% maior que as pessoas altamente sociáveis) A arte do afeto O Arteterapeuta ao facilitar a mobilização de emoções e sentimentos únicos de cada um, propicia que uma enorme quantidade de energia seja liberada e permite que a essência mais pura de cada pessoa se revele, o que facilita o resgate do valor da história pessoal de cada indivíduo. Ao incentivar através de palavras positivas, mesmo que sem uma aceitação imediata, o terapeuta favorece que assim como sementes, as palavras fiquem no campo magnético do indivíduo, para que em algum momento germinem para o mental escutar e o ser florescer. Cada um de nós tem o poder de transformar os estímulos que recebe e, às vezes, um único gesto ou palavra num clima de afetuosa respeitabilidade e confiabilidade, pode 206

significar a permissão que o indivíduo necessita para ampliar o espaço existencial de toda uma vida. CASO: ...”MR. S” fora colocado na instituição por seus familiares, após cirurgia que deixara seu braço semi-paralisado e impossibilitado de continuar a trabalhar. No ínicio do trabalho na instituição, “Mr. S” gostava de estar presente, mas, evitava as atividades plásticas, alegando sua incapacidade posto que sua mão estava cada dia mais paralisada. A medida que as produções plásticas iam evoluindo , começou a se afastar e suas aparições foram se tornando cada vez mais raras até o seu desaparecimento. Tentamos em vão reinseri-lo com nossos recados. Quando finalizávamos um grande painel de mosaico, em que todos participavam, decidi dirigir-me a seu aposento e revelar-lhe que faltava pouco para a conclusão do trabalho, mas que havia sido guardado um espaço para que ele registrasse a sua passagem pela oficina e que isto era muito importante para mim. Retornei mais uma vez. Exitou. Já desacreditando da possibilidade da sua participação, tive uma grata surpresa ao vê-lo surgir no último dia. “Mr. S” ao constatar que o espaço destinado a ele ainda estava sendo guardado, pediu ajuda para cooperar. A partir daí passou a ser o integrande mais assíduo da oficina, vindo a tornar-se um exímio artesão do mosaico utilizando ambas as mãos. A insegurança e o sentimento de menos valia internalisado pela atitude familiar, deu lugar a uma nova fase em sua estadia. Se a dissimulação faz perder a confiança e a distância emocional fere ambas as partes, nada melhor do que em minutos de solidão, medo e dor, a presença de um diálogo positivo, de atitudes afetuosas, que instalam a confiança e o fortalecimento de vínculo afetivos, onde todos saem ganhadores. Alimentar o organismo com amor e esperança sempre será benéfico. Terceira idade Tentando ensinar..., aprendi Aprendi, que a mocidade e a beleza...são efêmeras Que velhos e novos...Tem anseios semelhantes Aprendi que velho... É aquele que perdeu viço e que o idoso, embora tenha percorrido a mesma distância sabe que viver vale a pena Libertou-se da hipnose social que nos faz crer que o tempo está esgotado 207

aprendi que precisamos falar com ternura a ter paciencia com suas loucuras lembrando sempre que o hoje deles pode ser o nosso amanhã. Márcia Tavares •���������������������������������������� ...Grandes conquistas envolvem RISCOS... Mais do que corrermos perigos, estaremos arriscando ajudar a outros  vencerem. Marcia Tavares é pós-graduanda em arteterapia pelo ISEPE, é arteterapeuta facilitadora cínica POMAR, com pós-graduação na FHB-UNIPAZ, é membro da diretoria da. AARJ, Artista Plástica e Professora

REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CHOPRA Deepak - Corpo Sem Idade, Mente Sem Fronteiras -Ed. Rocco - 1994 PHILIPpINI Angela - Cadernos de Arteterapia na Terceira Idade - volume III - Ed. Pomar - 1995 NERY Anita L. - Envelhecer Num País de Jovens - Ed. UNICAMP Revista Imagens da Transformação - Vol. 5 - RJ - 1998 SIEGEL Bernie S. - Amor Medicina e Milagres - Ed. Best Seller 1989 BARRETO, Mª Letícia - Admirável Mundo Velho - Ed Ática GONÇALVES, Armando - Medicina Natural - Ed. Brasil 21 Ltda SHINYASHIKI, Roberto - A Carícia Essencial, Uma Psicologia do Afeto - Ed. Gente - SP - 1985 SCHNEIDER, Merr - Manual de Autocura - Método Sel208

Healing Ed. TRIOM - Sp - 1998 LOURENÇO, Denilde Morais - Afetoterapia -Martin Graf. e Edit. Ltda - Ribeirão Preto - 2003 GLAT, Schulamis G. - Grupos de Criatividade - Art Bureau Ed. de Arte - RJ - 1998 LELOUP Jean-Yves - Cuidar do Ser - Fílon e os Terapeutas de Alexandria - Edit. Vozes - Petrópolis - 2001

209

A Música como Expressão Simbólica

Music as symbolic expression

Márcia Victório

RESUMO Este artigo propõe-se a fazer uma incursão sobre a utilização da música no espaço arteterapêutico. Considera a música como uma força poderosa, capaz de alterar nossa percepção e nossa cognição, abrindo uma porta para que o inconsciente se manifeste. Desta forma, conteúdos traumáticos poderão ser transformados e uma melhor qualidade de vida ser alcançada. ABSTRACT This article intends to analize the use of music in Art Therapy. It considers music as a powerful tool, capable of changing our perception and cognition, opening a door for the manifestation of the unconsciousness. In this way, traumatic contains can be transformed and a better quality of life can be achieved.

A voz de alguém Quando vem do coração De quem detém toda beleza Da natureza Onde não há pecado nem perdão (Alguém cantando – Caetano Veloso) É difícil estabelecer, com precisão, as origens da música. Musicólogos e estudiosos da música procuram relacioná-la aos elementos da natureza e situam a sua origem na origem do universo. Fregtman afirma que “desde que o homem existe, houve música.” e que não somente o homem, mas os animais, os átomos e as estrelas fazem música. Afirma, ainda, que esta é uma das formas de se conectarem com o seu criador. (1989) A funções da música foram se modificando de modo a acompanhar e significar cada tempo. As mitologias de quase todos os países do mundo possuem figuras de deuses e semideuses aos quais se atribui habilidade musical. Nas lendas gregas, Tirteo leva um exército à ação ao som da flauta. Árion foi resgatado pelos delfins, seduzidos pela música de sua lira. Talvez o mais famoso dos Deuses músicos seja Orfeu que com sua música submetia os animais selvagens, detinha o curso das ondas e fazia dançarem as árvores e rochas. 210

Na Antiguidade, a música servia para as manifestações de sentido religioso, sendo também utilizada em celebrações e nos diversos rituais. A Bíblia relata que os muros de Jericó caíram quando os sacerdotes tocaram as suas trombetas e que Davi fazia adormecer o rei Davi ao som de sua lira. Na Idade Média, com a queda do império romano

e o fim

da perseguição

aos cristãos, ocorreu uma grande mudança. Ainda com algumas influências da música grega dos templos, foram acrescidos conhecimentos germânicos, árabes, judaico-cristãos e bizantinos. Seguiram-se os períodos do Renascimento, Barroco, Classicismo, Romantismo, Contemporâneo,

cada

qual

com

suas

características

preponderantes,

que

influenciaram tanto as artes quanto as filosofias de cada época. Hoje, podemos dizer que a música é tida como expressão e comunicação de sentidos, sensações e emoções, tanto em níveis individuais quanto coletivos. Ela reflete não só uma época como também as sociedades e as culturas que existem nesta época, ao mesmo tempo que é refletora de um tempo e das sociedades e culturas que existem neste tempo. Sendo assim, podemos considerar a música como um símbolo arquetípico com funções transformadoras. Ela se constitui, pois, numa das formas de projeção do inconsciente. Ou seja, através da música o inconsciente pode ser acessado simbolicamente trazendo à consciência desconfortos que, compreendidos e

desejos, perdas, dores, decepções e

transformados, poderão trazer uma nova

qualidade de vida. Entretanto, é preciso que se esclareça que utilizar a música como um dos recursos expressivos em Arteterapia não significa fazer uso das propriedades da Musicoterapia. O Arteterapeuta utiliza a música como mobilizadora de material inconsciente com o objetivo de posteriormente trazer a sua expressão para um material plástico, seja desenho, pintura, colagem, modelagem, ou outro recurso. É sobre este material que é feita a decodificação. A título de exemplificação, citaremos uma experiência. Foi solicitado a um paciente que pesquisasse em suas lembranças, uma música que falasse de sua infância. Na sessão seguinte, ele trouxe uma fita com algumas 211

canções, que foi ouvida e cantada e, das quais destacamos: Em seguida, foi solicitado que o paciente através de tintas e pincéis, expressasse o sentimento que essas canções lhe suscitaram. Surge o relato de alguns fatos vividos àquela época que o fizeram sofrer muito. Lembrar das brincadeiras e que delas não participava porque era excluído do grupo, que quando participava era o último a ser escolhido porque o consideravam desajeitado, que sempre sobrava como “vovó” porque não conseguia fazer par... foram recordações extremamente A Carrocinha

Pai Francisco

A carrocinha pegou

Pai Francisco entrou na roda

Três cachorros de uma vez.

Tocando seu violão:

Tra lá lá

Dararão dão dão! Dararão dão dão!

Que gente é esta, Tra lá lá

Vem de lá “seu” delegado, E Pai Francisco foi pra prisão. Como ele vem Todo requebrado Parece um boneco

A benção, vovó!

Fui à Espanha

Caranguejo peixe é.

Fui à Espanha

Caranguejo não é peixe,

Buscar o meu chapéu

Caranguejo peixe é;

A bacia é de ouro

Azul e branco

Caranguejo só é peixe

Areada com sabão;

Da cor daquele céu.

Lá no fundo da maré.

Depois de areada,

Ora, palma, palma, palma!

Samba, crioula,

Ora, pé, pé, pé!

Que veio da Bahia.

O roupão é de seda,

Ora, roda, roda, roda!

Pega na criança

Camisinha de filó,

E joga na bacia.

Touquinha de veludo

A benção, vovó

Enxuga com roupão

dolorosas, mas que possibilitaram ver o quanto era discriminado e o quanto ainda se colocava neste lugar. Foi com muito sofrimento que apontou situações atuais em que agia com este mesmo padrão de isolamento. Assumir a sua parcela de responsabilidade foi um grande passo na transformação desta atitude. 212

Na sessão seguinte, o trabalho anterior foi novamente apresentado e solicitado que fizesse um outro que o transformasse. A produção deste novo trabalho trouxe prazer e satisfação. Cantamos com alegria novamente as canções. Na produção, ele estava agora, incluído na brincadeira de roda. É preciso dizer que o material trazido à consciência não garante a mudança radical de atitudes, mas como em todo processo terapêutico, traz um alerta para novas confrontações. A caminhada continua. Mesmo porque, num sentido mais amplo, a jornada terapêutica é infinita... “Compreender é como cantar...” anônimo

Márcia Victório é psicóloga ( CRP 05 - 8515), arteterapeuta, mestre em educação musical ( CBM/RJ), membro fundadora da associação de Arteterapia do Rio de janeiro, é professora dos Cursos de Formação e de Pós-Graduação em Arteterapia da POMAR/ISEPE e de Música no Colégio Pedro II, ministra cursos, workshops e palestras em vários locais.

213

REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Fregtman, Carlos Daniel. Corpo, música e Terapia. São Paulo: Cultrix, 1989. ____________________. O Tao da Música. São Paulo: Pensamento, 1989. Millecco Filho, Luís Antônio, Brandão, Maria Regina e Millecco, Ropnaldo Pomponét.É Preciso Cantar. Rio de Janeiro: Enelivros, 2001. Stewart, R. J. Música e Psique. São Paulo: Cultrix, 1987. Tame, David. O Poder Oculto da Música. São Paulo: Cultrix, 1984

214

215

Arte nas escolas :

Art in the school: rescue to renew

o resgate transformador Marcya Vasconcellos RESUMO

A autora aborda, no contexto educacional, a transformação do paradigma racional, positivista e patriarcal por novas concepções ressalta os benefícios da pedagogia crítica, e a construção da atitude

o “Eterno Aprendiz” como marcos

destas mudanças. E informa sobre o papel da Arte como mediadora destas transformações. RESUMO The authoress approaches, in the educational context, the transformation of the rational paradigm, positivist and patriarchal, into new conceptions, emphasizing the benefits of the critical pedagogy and the construction of the “Eternal Apprentice” attitude as signs of these changes. It informs about the role of Art as mediator of these transformations. O momento em que vivemos nos convida a substituir velhos paradigmas racionais,

positivistas,

patriarcais

e

cartesianos

por

novas

concepções

educacionais, fundamentadas na pedagogia crítica e voltadas para a formação de uma sociedade mais inclusiva. A atual ideologia neoliberal produz um tecido cultural em que o mercado se afirma como “regulador soberano das relações sociais e se dilui na esfera pública, espaço por excelência de garantia dos direitos sociais e subjetivos” (Corrêa, 2000, p.10), sem considerar que uma sociedade para se sustentar precisa satisfazer suas necessidades básicas do momento em questão, mas sem perder de vista as perspectivas das gerações futuras. No sistema educacional atual, o lógico é dissociado da emoção e do prazer, excluindo-se a vida como ela é, e ao próprio aluno, com suas subjetividades. O homem contemporâneo aliena-se de si mesmo, de sua objetividade, do seu trabalho, de suas possibilidades de criar e de realizar em sua vida conteúdos morais mais humanizadores Assim sendo, é necessário propiciar espaços e situações que favoreçam a construção emocional de cada um e dessa maneira

aumentar o seu potencial

criativo e humano. Sem isso não daremos oportunidade para que homens integrais 216

sejam formados. Chamamos de homens integrais aqueles que desenvolvem a tríade corpo-mente-espírito. Para Byinton (1996), é fundamental que essas partes sejam tratadas como um Todo: O ensino através do símbolo mantém a todo instante a noção de transcendência da parte e sua ligação com o Todo cultural e universal. Essa transcendência da parte e sua ligação significativa com o Todo introduz os conceitos de iniciação e de sacralização no ensino. Aprender coisas somente nos mantém no literal e no profano. Aprender amorosamente o significado das coisas ligadas ao Todo individual, cultural e cósmico nos remete à atitude de transversão do Eu e à dimensão do sagrado através do simbólico. A dimensão do sagrado aqui não se refere a nenhum tipo de culto religioso e sim exclusivamente à ligação da parte com o todo através dos inúmeros significados da parte(p.20).

A tendência pedagógica chamada Pedagogia Crítica tem como objetivo primordial oferecer uma direção histórica, cultural, política e ética para as pessoas que estão comprometidas com as classes oprimidas. Ela não é hegemônica e tem a intenção de dar espaço e voz aos que não possuem poder e propiciar o fim das desigualdades e injustiças sociais existentes. Para a Pedagogia Crítica, o mundo, a escola, as pessoas não podem ser pensados fora de seu contexto histórico-político-social-econômico. É preciso conhecer a história de um determinado grupo e a sua contextualização no mundo para poder delinear um plano pedagógico de atuação neste grupo. Ela procura descobrir e questionar o papel que as escolas, verdadeiras “arenas culturais” (McLaren, 1997, p.192), representam na vida política e cultural, já que, ao mesmo tempo em que ela é selecionadora, é, também, o espaço para que as pessoas habilitem a sua atuação no mundo. A escola é, portanto, dialética, já que é um espaço onde a liberação e a dominação estão sempre sendo confrontadas. É papel da escola crítica desenvolver cidadãos críticos e ativos. O aluno deve ser preparado para transformar o que está a sua volta. Ele deve marcar sua presença ativamente e não ser um mero expectador. A educação e o professor também não podem ser neutros. Devem estar conscientes e inseridos num espaço histórico e preparar-se para uma atuação 217

concreta, que não passe à margem da realidade. Embora reconheça que a escola é um espaço a serviço da ideologia dominante, o professor que atua de acordo com os pressupostos da pedagogia crítica deve evitar dar continuidade à ideologia capitalista e aos privilégios da

classe

dominante. Ele também deve lutar pela não desvalorização do capital cultural das classes subordinadas, já que entende que algumas formas de conhecimentos têm mais poder e legitimidade do que outras. Não é mais possível, no mundo de hoje, pensar-se numa prática pedagógica alienada e alienante. É preciso ouvir os gritos de socorro do planeta e da humanidade. Não há mais tempo para deixar as mudanças para depois. O amanhã já chegou. Está batendo à nossa porta, clamando por um mundo mais justo e mais consciente. E é intenção da pedagogia crítica “curar, consertar e transformar o mundo” (McLaren,1997, p.192). Apesar de um tanto pretensiosa, é a proposta mais adequada ao momento que vivemos. Curar homens e planeta, consertar as desigualdades e transformar tudo e todos. Mesmo consciente de que essa é uma proposta para ser realizada a longo prazo, é preciso começá-la. Somente uma prática pedagógica que propicie o questionamento e a mudança pode dar conta da tarefa que deve ser cumprida neste novo milênio. E o homem só conseguirá reconstruir o mundo e transformálo a partir da reconstrução de si mesmo e retomando aquilo que, infelizmente, tem andado perdida: a sua integridade física, emocional e espiritual. É preciso levar aos bancos escolares a situação de “eterno aprendiz” do homem, para que possa haver um processo realmente educativo. Para Paulo Freire, é no processo de “hominização” que a reflexão se instaura (Freire, 2001). Por isso é que toda prática educativa que valoriza o papel das emoções, dos sentimentos, dos desejos, dos limites; a importância da consciência na história, o sentido ético da presença humana no mundo, a compreensão da história como possibilidade jamais como determinação, é, substancialmente, esperançosa e, por isso mesmo, provocadora da esperança”.(Freire, 2000).

O homem, obedecendo a uma determinada trajetória evolutiva, vai construindo uma estrutura mental de pensamento e um sistema de valores ligado ao meio em que vive. Nesse caminho evolutivo, a linguagem vai se estabelecendo através da 218

palavra, numa construção consciente, transmitindo sentimentos,

significando,

conceituando. No entanto, a linguagem verbal nem sempre consegue expressar as sensações e as emoções; por isso, o homem utiliza outras formas de linguagem para se expressar. Essas linguagens são formas diferentes de intelecção. Elas se originam de percepções, sensações e emoções, mas são elaboradas através do pensar e do conhecimento já adquirido. E a nossa civilização nos obrigou durante muito tempo a separar nossos sentimentos e emoções de nosso intelecto e raciocínio. É importante que o pensar e o sentir, como forma de expressão, possam coexistir, possibilitando ao homem uma capacidade expressiva ampliada. Intuição e intelecto se completam e permitem ao homem utilizar suas potencialidades de forma mais ampla, ilimitada. Negar uma delas seria negar ao homem uma parte de si mesmo. A arte, durante muito tempo foi considerada um espaço para ser freqüentado apenas por alguns seres considerados “especiais”, já que somente eles possuíam aquele “dom”. Hoje, sabemos que ao se desenvolver determinadas capacidades adormecidas e julgadas de domínio de apenas alguns, estaremos potencializando o aluno, possibilitando a sua formação integral. A compreensão de arte como possibilidade de todos, a valorização de seu conteúdo e de uma metodologia que proporcione a vivência de diferentes linguagens expressivas, complementará a sua formação que não pode continuar a ser baseada, unicamente, no ensino verbal, lógico e racional. Torna-se necessário permitir a experiência não-verbal, intuitiva e perceptiva para proporcionar a instrumentalização necessária que garantirá a promoção do aluno como ser criativo e empreendedor, capaz de aprender pensando e sentindo. Provavelmente, se durante a trajetória educacional o aluno tivesse a oportunidade de realizar trabalhos artísticos, ele poderia desenvolver mais todas as suas funções: pensamento, sensação, emoção e intuição(Jung apud Silveira, 1986 ). E, dessa forma, descobrir um saber com sabor. Nesse ensaio, o trabalho artístico está sendo considerado a possibilidade de construir, expandir e multiplicar espaços de criação, a princípios internos e depois materializados externamente em múltiplas formas expressivas pela coletividade. Não importa a “beleza ou a estética” do produto final, mas sim cada etapa do 219

processo. Cada espaço interno e externo percorrido e vivido para se chegar lá. Segundo Fayga Ostrower (1987) “desde tempos imemoriais, as manifestações artísticas são o documentário psíquico da coletividade e simultaneamente as representações da singularidade dos indivíduos”. E é nisso que apostamos: ao trabalharmos, desenvolvendo os processos criadores, estaremos reconquistando o eu de cada um. E, através da reconquista do eu, poderemos chegar ao nós. Em Arteterapia com abordagem Junguiana, o caminho para a individuação (Jung) é o de fornecer suportes materiais adequados ( através das linguagens artísticas :Artes Visuais, Teatro, Música, Dança, Literatura ) para que a energia psíquica plasme símbolos em criações diversas. Estas produções simbólicas retratam a psique em múltiplos estágios, ativando e realizando a comunicação entre inconsciente e ego. Esse processo colabora para a compreensão e resolução de estados afetivos conflituados, favorecendo a estruturação e expansão da personalidade através da criação. É claro que a sala de aula não pode e não deve ser confundida com um “setting” terapêutico. Mas nada impede que nos apropriemos dos recursos da arteterapia para instaurarmos em nossa sala de aula um espaço dedicado ao reencontro do eu, para depois seguirmos em direção ao nós e ai sim, poderemos incluir a nós mesmos e aos outros. A Arteterapia possui uma abordagem processual, e é dela que queremos nos apropriar. Através das vivências com os materiais expressivos (papel, tinta, cola, sucata, giz de cera, barbante, panos, fios, bonecos, caixas de areia, instrumentos musicais, argila, etc.), o aluno vai, pouco a pouco, tomando contato com a realidade, oscilando entre o real e o simbólico, e tentando descobrir sua própria identidade e as dos outros. E o professor poderá resgatar, juntamente com seus alunos, a possibilidade de conhecer, compreender, refazer, recuperar, rememorar, reparar, transformar e transcender.Será uma fascinante jornada. Construir um novo espaço interno juntamente com os nossos alunos talvez seja a chave da inclusão e do novo mundo. O desenvolvimento global efetua-se por um conjunto de fatores físicos, intelectuais, sociais, e emocionais. E estes fatores são estimulados através das vivências, do dia-a-dia em contato com o simbólico, com suas emoções. Com base nesta constatação, relacionamos a importância e as contribuições que a Arte pode fornecer ao trabalho pedagógico. 220

Criar é tanto estruturar quanto comunicar, é integrar significados e é transmitilos. Ao criar, procuramos atingir uma realidade mais profunda do conhecimento das coisas. Ganhamos, concomitantemente, um sentimento de estruturação interior maior; sentimos que nos estamos desenvolvendo em algo de essencial para o nosso ser. O fazer artístico nos provê a oportunidade de nos mobilizarmos em ação; de em ação nos percebermos e entrarmos em contato com conteúdos ainda não contactados, e de experimentarmos possibilidades de integração e transformação em nosso ser e em nossa relação com o mundo. E é no decorrer do fazer e do imaginar que isto de dá. Outro fator de suma importância na atividade artística é o fato de que ela nos permite não só perceber concretamente, mas concretamente estruturar, organizar e ordenar elementos da percepção tanto interna quanto externa de forma a nos ajudar a obter uma compreensão do nosso momento existencial e de aspectos de nossa existência. Concretizar questões que precisam ser trabalhadas

no campo

psicológico, ajuda na resolução de angústias e tensões. Quantas vezes, quando as idéias estão embaralhadas, não começamos a arrumar as gavetas do armário? Intuitivamente concretizamos a tarefa de arrumar. Aos poucos as idéias começam a se arrumar também. A arte provê a possibilidade de dar forma à complexidade que é a nossa intimidade, sem as exigências da linearidade causal, temporal, cartesiana que a lógica nos traz. Ao dar forma, podemos dar sentido às nossas experiências, re-significando nossas vivências, ampliando e construindo a consciência de nós mesmos em relação ao mundo. Não temos a menor dúvida de que é papel da escola resgatar o sujeito, torná-lo cidadão, dar a ele ferramentas básicas para compreender o mundo.E acreditamos que trabalhar sua auto-estima, desenvolver o seu potencial criativo e resgatar a sua dignidade enquanto SER NO MUNDO é a chave para que ele se torne um sujeito feliz e integrado. A mitologia hindu narra que os deuses pretenderam ocultar do homem a fonte da vida e, após muitas discussões sobre onde escondê-la, concluíram que o lugar onde ela jamais seria encontrada seria no coração do próprio homem. Sendo assim, percebemos que é preciso “tocar” o coração das pessoas para que elas possam reconstruir as suas partes fragmentadas ao longo de suas vidas. Só 221

se aprende o que se vive. Não adianta ocupar os alunos com disciplinas dadas de forma conteudística, sem que eles possam vivenciar questões e a partir daí transformá-las dentro de si próprios. Marcya Vasconcellos é Atriz, arteterapeuta e Mestra em Ciências Pedagógicas.

REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BYINTON, C.A.B. Pedagogia Simbólica: A construção amorosa do ser. Rio de Janeiro: Record, 1996. CORRÊA, VERA. Globalização e neoliberalismo: o que isso tem a ver com você, o professor? Rio de Janeiro: Quartet, 2000. FREIRE, PAULO. Ação cultural para a liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2001. ____________ . Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000. McLAREN, PETER. A vida nas escolas.Porto Alegre: Artes Médicas. OSTROWER, FAYGA. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Editora Vozes. SILVEIRA, NISE DA. Jung: vida e obra.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 222

223

A BUSCA DA ALMA

The search for the soul and for the sense of life

E DO SENTIDO DA VIDA Otília Rosângela Souza

RESUMO O presente texto é uma reflexão sobre os sofrimentos do mundo atual como ansiedade, depressão, pânico e stress, decorrentes da sobrecarga de ocupações, assim como apresenta a relação entre esses sofrimentos e a necessidade de descoberta do sentido da alma humana. ABSTRACT This text is a reflection about the sufferings of the present world such as anxiety, depression, panic and stress, derived from the load of occupations and it also presents the relation between these sufferings and the need of discovering the sense of the human soul.

Entrevistas com idosos e doentes terminais revelam que grande parte sentem medo da morte, arrependem-se de não terem realizado algo e muitos não se dão por satisfeitos com a vida que levaram. Observamos que aqueles que mais temem a morte são os que não viveram plenamente. Encontramos vários relatos semelhantes ao de Jorge Luiz Borges, que foi escrito duas semanas antes de falecer: 224

“Se eu pudesse viver minha vida novamente, A próxima trataria de cometer mais erros, não tentaria ser perfeito...relaxaria mais. Levaria a sério muito poucas coisas... Seria menos higiênico... Correria mais riscos...Viajaria mais... Contemplaria mais entardeceres... Subiria mais montanhas... Nadaria em mais rios. Iria a mais lugares aonde nunca estive. Comeria mais doces e menos verduras. Teria mais problemas reais e menos imaginários!... Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e prolificamente cada minuto da vida, e é claro que tive momentos de alegria... Mas, se eu pudesse voltar atrás, trataria de ter somente bons momentos... Pois, se não sabes, é disso que a vida é feita, e não percas nunca o aqui e agora!... Eu era um desses que não iam a nenhuma parte sem termômetro... Uma bolsa de água quente... Um guarda-chuvas e um pára-quedas. Se eu pudesse voltar a viver... Começaria por andar descalço, desde o início da primavera e seguiria assim até terminar o outono. Daria mais voltas pelas pequenas ruas... Contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças... Se eu tivesse, outra vez, a vida pela frente! Mas percebas...Tenho 89 anos... E sei que estou morrendo!...” No mundo atual a vida se torna cada vez mais difícil e sufocante, o homem vive preocupado com a sobrevivência, com as obrigações constantes e com o excesso de deveres. Pessoas se sentem culpadas por não darem conta de tudo. 225

Dessa forma, deixam de viver o presente. Passam o tempo procurando dar conta das obrigações do dia-a-dia ou preocupado com o futuro. Por isso surge o desgaste; a pressão externa e interna geram a desordem, a ansiedade, o pânico, a depressão e o stress tão freqüentes nos clientes que nos procuram paralisados e sentindo-se desabrigados e perdidos pelo caminho. O ser humano inicia a vida com a sensação de perda do paraíso ao ser afastado da barriga da mãe e procura reviver essa relação através dos relacionamentos que estabelece no decorrer da vida, mas estes relacionamentos estão todos fadados a, um dia, também sofrerem a separação, que um dia pode acontecer, até mesmo por causa da morte. No entanto, desde o nascimento até a morte, algo em nós, que talvez possamos chamar de alma, impéle-nos a tornarmos o mais plenamente possível aquilo que temos condições de nos tornar. Alma como uma energia que anima o corpo físico e que nos impulsiona a corresponder a quem somos potencialmente. A origem e objetivo dela são misteriosos, mas ela se manifesta intuitivamente, em momentos de inspiração, em todo ser humano. Porém, constantemente o homem sente medo da solidão, da separação e do abandono. Tem necessidade de se proteger do medo e, às vezes, perde de vista o objetivo da própria vida. Jung observou que uma neurose “precisa ser compreendida, em última instância, como o sofrimento da alma que não descobriu seu sentido.” As tradições passadas e os orientais já afirmaram que a ansiedade é sinal de que há algo errado com a vida interior. Os símbolos que surgem nos sonhos e nas produções plásticas revelam claramente como e onde as energias do corpo perderam a harmonia. É isso que faz o ser adoecer como já demonstrado pela psicossomática. Quantas vezes encontramos pessoas, ou já ouvimos falar, que, após uma mudança de estilo de vida, harmonizaram-se ou desenvolveram a prática da meditação, curaram-se de doenças, até mesmo de câncer? Em muitos casos, quando se recupera a harmonia espiritual, acontece a cura. A verdadeira cura ocorre quando a pessoa retorna ao caminho do crescimento pessoal e sabe o que deseja fazer da própria vida, segue 226

a bem-aventurança, encontra o significado, pois cada vida tem um significado mesmo que não saibamos qual. Embora existam ainda grandes mistérios, sabemos que estamos aqui, na estrada, e caminhamos para a maturidade. Este é o nosso destino. Nietzsche, disse que é preciso amar nosso destino e, se não aceitarmos um único fator importante em nossas vidas, nós a desestruturamos, pois ela é um contexto de contextos formalmente integrados e relacionados. Tudo em nossa vida possui um sentido, até mesmo as vicissitudes. Somos como somos pela vida que vivemos e pelo que tiramos de aprendizado dela. Portanto é preciso, para nosso crescimento, assumir responsabilidade pelo nosso sofrimento e pela tarefa da busca de sentido que ela nos atribui. À medida que descobrimos onde saímos dos trilhos ou deixamos de aproveitar oportunidades, então podemos imediatamente voltar a um caminho mais alinhado com o porquê de estarmos aqui. Não precisamos estar perto da morte para passar nossa vida em revista, podemos despertar mais cedo, conscientizando-nos do processo no dia-a-dia. É necessário uma mudança de atitude psicológica baseada na suspensão dos vícios do ego e num “abandonar-se” transcendental colhendo os frutos de uma vida mais espiritual, mais harmoniosa. Se

o

indivíduo

busca

apenas

a

sobrevivência

pessoal

num

mundo

essencialmente sem sentido e inóspito, concentra toda a sua inteligência para viver com muito conforto e para que os filhos tenham as mesmas oportunidades. Mas, quando concebe a vida como uma forma de crescimento pessoal, com responsabilidades espirituais, o enfoque muda inteiramente. Ele pode se dedicar a encontrar o espírito humano dentro de si, assumindo a posição em que cada experiência tem valor em si e por si, sem nenhuma referência a coisa alguma que possa acontecer. O presente se torna rico e se transforma no que se vivencia no momento, valorizando-o como ele é, livre de desejos e de sofrimento. Estando inteiramente presente em cada acontecimento da vida, aprende-se com cada um deles porque o presente é uma dádiva que recebemos. A palavra Buddha quer dizer “aquele que foi despertado”. Dentro da sabedoria 227

difundida pelo budismo, está “ver o sofrimento como um sinal que desperta”. Os ensinamentos do Buda baseavam-se, portanto, na experiência da verdade do sofrimento e de como é possível cessá-lo. Nós, ocidentais, pensamos sem parar, enquanto os orientais preconizam que o silêncio, a meditação, são imprescindíveis para curar um corpo carregado de tensões que vêm do pensamento. Deepak Chopra diz em O caminho do mago: “Quando você acorda pela manhã, antes de começar a pensar no seu dia, existe um momento em que você está apenas desperto, sem que nenhum pensamento passe pela sua cabeça. Você é apenas você num simples estado de percepção consciente. Essa experiência se repete de quando em quando durante o dia”... De acordo com Chopra, temos dentro de nós a capacidade de mago, isto é, de transformar o ruim em bom, o pó em ouro em pó. Não sabemos que temos tal capacidade até exercitá-la, e aprendermos que somos capazes de controlar nossos próprios pensamentos, aqueles que nos atordoam. A história que escutei um dia conta: “Havia um homem que queria ser iluminado, então procurou um mestre para lhe ensinar como fazê-lo. O mestre disse-lhe que ele deveria ir para uma ilha que ficava no meio do oceano e parte dela havia submergido. Uma parte onde havia um templo com mil sinos feitos por artesãos. E o mestre disse que, quando ele ouvisse os sinos submergidos, cujo som vinha do mar, tornaria-se iluminado. E o homem foi para a ilha e colocou-se à beira-mar. O barulho das ondas do mar o irritava enquanto ele procurava o som dos sinos. Mesmo assim ele persistia. O tempo foi passando... meses... até que ele desistiu. Deitou-se na areia da praia, ficou ouvindo o barulho das águas, das ondas, dos coqueiros batendo e, de repente, sem querer ouviu um sino repicar. Logo pensou que estivesse alucinando e, como tal, continuou a admirar aquilo que antes o irritava, a curtir o mar, seus sons e a natureza. Ouviu mais e mais sinos, até ouvir como se fossem mil sinos tocando conjuntamente. Foi nesse instante que o homem entendeu o que faria uma pessoa iluminada; curtir a beleza de cada momento.”

228

Os orientais há muito preconizam a necessidade de uma mudança de consciência, uma ligação interna com o Deus interior e com o Deus presente em tudo que existe, uma abertura da consciência para uma harmonia e uma segurança que são sempre acessíveis a todos. Segundo Jung, o homem possui um centro integrador da personalidade que o impulsiona para a individuação, processo de crescimento da personalidade. Para denominar a intencionalidade holística do organismo humano, Jung utilizou o termo Si-mesmo ( self ), referindo-se ao senso consciente de quem somos que nos impulsiona para o crescimento, independentemente do de só conhecermos parcela muito pequena do enorme mistério que encarnamos. Certamente a jornada é difícil e tortuosa. Com a primeira intuição de despertar, o homem sente o medo da solidão e da separação. No entanto, ele pode lutar contra a inconsciência; lutar contra o medo, sustentando-se pela tênue intuição de que não está só, de que é um ser espiritual com um objetivo, também espiritual no planeta, assim como todos os outros seres com os quais se relaciona durante a vida. Cada um possui algo a desempenhar na teia da vida, cada um possui um caminho próprio que ninguém pode percorrer por outro. Dessa forma podemos assumir a posição em que cada experiência tem valor em si e por si, sem nenhuma referência a coisa alguma que possa acontecer. Podemos abrir à intuição e às coincidências significativas e assim chegarmos onde temos que chegar. E, sobretudo, sabermos que, se não seguirmos nossa intuição, não acontecerão as coincidências que nos orientam na caminhada e perdemos a sensação de inspiração e de estarmos vivos e no caminho certo para nós. Podemos acabar, assim, vendo nossos atos numa revisão de vida. Teremos que enfrentar nosso fracasso. Como diz Campbell: “Siga a sua bem-aventurança. Vá onde quer que a sua verdadeira bem-aventurança interior o leve, ao lugar onde você se sinta em harmonia. E, se sair do caminho certo, encontre sua bem-aventurança.” É preciso seguir nossos sonhos como sinais que indicam onde nossa bemaventurança está devidamente localizada. Somos todos espíritos em crescimento, todos temos uma intuição original que é positiva. A intuição e as coincidências nos levarão, um a um, ao destino dos seres humanos na Terra, que é evoluir para a unificação. É a partir do olhar do âmago espiritual que a alma toma seu sentido. 229

Aos poucos a humanidade vai evoluindo, progredimos de uma expressão do divino em termos de deuses da natureza, passamos pela do Deus pai fora de nós até chegarmos a do Deus dentro de nós. É preciso estabelecer uma ligação interna com Deus, como uma mudança de consciência, uma abertura da consciência para uma harmonia e uma segurança que estão sempre disponíveis. Assim podemos encontrar nossa alma e o verdadeiro sentido de nossa vida.

Otília Rosângela Souza é Psicóloga CRP16183-4, Arteterapeuta, Pós-graduada em Reabilitação em Geriatria e Gerontologia, Pós-graduada em Neuropsicologia, Máster em Criatividade pela Universidade de Santiago de Compostela – Espanha. Diretora da Integrarte em B.H. Presidente da Associação Mineira de Arteterapia.

REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CAMPBELL, J. O Poder do Mito. 13ª ed. São Paulo: Palas Athena, 1995. CHOPRA, D. O Caminho do Mago: Vinte lições espirituais para você criar a vida que deseja. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. HOLLIS, J. O Projeto Éden: A busca do Outro Mágico. São Paulo: Paulus, 2002. 230

231

Depressão e Criatividade

Criativity and Depression

Pedro Rocha Lima RESUMO

O autor descreve a sucessão de variáveis adversas decorrentes da vida na pós modernidade, agravados pelos processos de globalização. Ressalta que nem sempre o ego tem forças necessárias para manter-se íntegro, e quando não consegue as disfunções decorrentes mais comuns atualmente são depressão e Síndrome do Pânico. Aponta como saídas possíveis para fortalecer o ego e reconstruir o Self, o exercício da criatividade destacando o papel da arteterapia neste contexto. ABSTRACT The author relates the succession of adverse variables derived from life in the post modernity, worsened by globalization process. He emphasizes that the ego does not always have the necessary force to keep itself irreproachable honest. When it does not achieve it, the most common deriving functions are depression and Panic Syndrome. He points out as a possible solution to strengthen the ego and rebuild the Self the exercise of creativity enhancing the role of art therapy in this context.

“...Não há crime maior do que ter o que desejar; não há desgraça maior do que não saber se contentar; não há calamidade maior do que desejar obter. A satisfação de estar satisfeito é a satisfação eterna.” Tao Te King, capítulo 46 Paradoxal, não? Qual a função da conjunção e conecção de depressão à criatividade? A jornada, às vezes, é longa e até sofrida. Depressão e síndrome do pânico apresentam, na pós-modernidade, altos índices de incidência; porém ambas são as duas faces de uma mesma moeda. Vejamos: A síndrome do pânico expressa a face oculta da depressão; em ambas, a depressão e pânico, há a implosão e falência do EGO newtoniano-cartesiano, o qual atua como, digamos, inter-face entre inconsciente, sombra e realidade 232

externa. Vejamos esta implosão na vertente do pânico. Sua instalação é abrupta, episódica; o EGO mostra-se estilhaçado, perde suas funções de base (racionalização, projeção, condensação, enfim, falência dos assim chamados mecanismos de defesa na ótica freudiana). Esta “tsunami” extrapola os níveis psicológicos e invade o equilíbrio fisiológico da corporeidade, dando ensejo ao surgimento do quadro clínico mais característico da síndrome do pânico; temos: dispnéia, sensação de morte iminente, sudorese (principalmente pés e mão), cólicas, as vezes diarréia, taquicardia; enfim “a realidade do real” desaba sobre nós e nosso EGO, em seus padrões newtoniano-cartesianos, entra em colapso. Temos então o pânico, isto é, um CAOS, virtualmente desprovido de fractais capazes de fazê-lo recobrar-se. Não nos cabe aqui adentrar nas formas clínicas e respectivas evoluções do pânico. Cabe, tão somente, ressaltar que a medicina clássica, a psiquiatria dita organicista, trata o pânico basicamente bloqueando a recaptação da serotonina (para tal se usa a fluoxetina e seus sucedâneos). Poderíamos dizer, em jargão homeopático que em vez de “ouvir” (repertorizar) o que nos diz o pânico nós o silenciamos, isto é, nós o suprimos; o que equivale a nós o colocarmos em uma camisa de força farmacológica. O que tentam nos dizer nossa mente e nosso corpo quando “fazem”episódios de pânico? Por que na pós modernidade tantas pessoas, principalmente jovens, saindo da adolescência e se adentrando na vida o exibem com tanta freqüência? A camisa de força farmacológico

“freia”

nosso

“hardware”

cerebral

impedindo

o

surgimento

de novas redes neuronais capazes de fazer fluir criatividade do SELF; e talvez exagerando... a tecnologia tende a nos “robotizar”. Queremos enfatizar que o pânico é a manifestação clínica de uma depressão que se mostra agudizada. Esta manifestação aguda de depressão, isto é, pânico, atinge preferencialmente, EGOS ditos fortes, isto é, bem sintonizados com a cultura pós moderna naquilo que ela tem mais desafiador: competitividade, consumismo, automação e incertezas cuja a única saída é o risco sempre a espreita. Como dissemos, pânico e depressão constituem-se em duas faces de uma mesma moeda. Vejamos agora a outra face. Nesta face a depressão mostrase menos efusiva, menos manifesta; ela é, digamos, mais ardilosa, pois os mecanismos de defesa (projeção, racionalização, etc.) ainda sustentam o EGO 233

ante o processo de implosão. Na síndrome do pânico a subtaneidade episódica mascara o que ocorre, no fundo há depressão em evolução. Como na televisão ou no cinema: no pânico as imagens “passam” rápido, quase não acompanhamos o enredo; na depressão as imagens são maçantemente lentas, porém, no fundo, “o filme é o mesmo”. Na face lentificada encontramos a depressão propriamente dita. A primeira, dita reativa, porque expressa uma reação ante um fato ou conjunto de fatos e eventos adversos. Podem ser manifestações depressivas episódicas que se sucedem com mais freqüência e maior intensidade, podendo evoluir para cronicidade ou reverter. A segunda, dita endógena, provêm, ao que tudo indica, de um sofrimento profundo oriundo do SELF. Aqui há uma comunidade prossessual, evolutiva e gradualmente mais severa. Vamos nos deter nesta segunda forma por ser, digamos assim, o “uniforme de gala”, solene e litúrgico da depressão. Esta é a “Grande depressão” ou depressão endógena da psiquiatria clássica. Vamos, para facilitar a exposição, batiza-la como “síndrome da transcendência” (S.T). Esta S.T. apresenta um sinal patogênico: há uma gradual e crescente perda do élan vital; a luminosidade da vida assume forma dissipativa e cede lugar à negritude que culmina no que São João da Cruz denominou “noite negra da Alma”. Se pesquizarmos na história da música, da pintura, literatura encontramos inúmeros casos, alguns com desfecho suicida. A luz cede lugar à negritude; no fim do túnel não há luz, pelo contrário, no fim da luz há um túnel cuja “porta estreita” tem um frontispício onde se lê: “Humilde”. Ai então mora o perigo e, clínicamente podemos encontrar recursos nos antidepressivos, os quais podem ser de natureza alopática (fluoxetina e sucedâneos), homeopáticos, ortomoleculares bem como práticas de meditação, arteterapia, psicoterapia, florais de Bach, enfim impõem-se uma abordagem holística bem orientada. Todos são recursos para atingir e ultrapassar a “porta estreita” da humildade. O que é isto? Para sabermos o que uma coisa é, isto é, conhecê-la, o melhor é tentar entender o que ela não é. Exemplos: Para conhecer a matéria é preciso procurar saber o que é anti-matéria; o que é a onda? procuremos saber o que é a partícula; o que é a Luz? Procuremos as Trevas. O que é o Perigo? Procuremos a Salvação; evoquemos aqui Friedrich Holderlin (1770-1843): 234

Está perto, E difícil de encontrar Deus. Mas onde há perigo Cresce também salvação... No original: Nah ist Und schwer zu fassen der GOTT Wo aber Gefahr ist, wächst Das Rettende auch. Para conhecer a humildade tentemos conhecer a arrogância, para tanto vamos nos remeter ao mundo grego, mais precisamente: Atenas século V a.C. quando culmina a dialética Hýbris X Nêmesis. Arrogância e humildade são termos que, na pós-modernidade, assumiram conotação pejorativa; é preciso saber posicionar-se entre estes dois extremos e tal posicionamento é cada vez mais difícil. Os “shoppings” são construídos de tal forma que temos que andar mais, sentar menos e consumir mais. A mídia nos incita a consumir o “último lançamento” do celular, do carro, ect, etc. Há “promoções”, “facilidades”, ser humilde “não é uma legal...” Cada vez mais procuramos as “cavalgadas ecológicas” e nossas raízes emocionais primitivas nos “big brothers” das tevês. A pós-modernidade nos mostra um mundo órfão de ideologias e cada vez refém da técnica e da automação. Uma reação fundamentalista com base no terror é sintoma de reação à globalização que progride, segrega, tecnologiza e distancia o homem de sua humanidade, de sua espiritualidade (não confundamos espiritualidade com religiosidade). A nível do indivíduo é o SELF que reage à globalização avassaladora. O processo de globalização cada vez mais segrega o IN-divíduo, excluindo-o do grande “banquete” das multinacionais que estão em todo lugar e em lugar algum. Com a globalização se dissipam as fronteiras geográficas sem uma sustentação 235

ideológica ou espiritual para apoiar o homem em sua humanidade; o homem fica à mercê da tecnologia e do bombardeamento da informação instantânea. Cresce a incerteza que nos arrasta para as fronteiras permanentes do risco do aqui e agora (terrorismo, violência, corrupção etc, etc...) Enfim o EGO newtonianocartesiano perde o chão espiritual e ideológico, enfim, está “preparando” para o pânico/depressão. Os termos “depressão” e “pânico” por si só pressupõem algo pessimista e trevoso, por que não falamos de Síndrome de transferência? Seria algo mais estimulante e menos sombrio. Feitas estas considerações sobre a globalidade, retornemos a dialética Hýbris X Nêmisis. Vamos tentar recuperar o sentido de humildade e arrogância lá no mundo gregro. Arrogância (híbris no grego) é algo mais, trata-se de uma diferenciação exagerada de si mesmo em detrimento da harmonia com a coletividade a qual pode manifestar-se em níveis tais como: econômico, social, político, intelectual, financeiro e mesmo a nível corporal (o exagerado culto atual à corporeidade diferenciada através de exercícios e anabolizantes), se distanciando da estética e assumindo, por vez, aberrações corporais, quer masculinas quer femininas. No dizer de Heráclito a hybris (arrogância) “sufoca mais que o incenso alastra”. Hybris expressava, na tragédia grega, a arrogância do herói a qual acarretava a sua queda (hoje a queda do heróico EGO newtoniano – cartesiano ocorre através a chamada depressão/pânico, ou... Síndrome da transcendência – S.T./ Transcendências/. Já agora se impõe um desafio: como contabilizar a individuação ante hybris (arrogância)? Ser diferente, ter in-dividuação, não pressupõe a hybris, antes, a hýbris (daí híbrido) nos distancia do OUTRO, o que nos aproxima do Outro isentos da arrogância (hybris)? A humildade, uma qualidade que aprendemos com o despojamento da sombra e conectando nosso SELF através do AMOR, tanto a nós mesmos quanto aos OUTROS. Tomemos o outro pólo da dialética da hýbris, isto é, Nêmesis. Nêmesis, deusa grega que veio torna-se a justiça, era no dizer de Hesíodo “a calamidade dos homens mortais”. 236

Nêmesis nasceu da Noite (deusa das Trevas), esta por sua vez era filha do CAOS, portanto, antes de Nêmesis era a desordem (CAOS) e ausência de LUZ (NOITE – TREVAS). Além de Nêmesis (justiça) a Noite gerou o Engano e o Amor, a Velhice e a Discórdia. A palavra Nêmesis provavelmente originou a raiz NOMOS, que significa lei (daí ECO – Nomia, onde eco, OICOS no grego, significa ambiente propício à VIDA); donde se conclui que, supostamente, a ECO + NOMIA seja a ciência que produza leis que compatibilizem a VIDA e o VIVER neste planeta... Ao fim do Século VI a.c. e início do V, em Atenas, foi instaurado o ostracismo que significava: - Através tijolos de terra cota, os “Ostraka”, o povo, de forma secreta, escrevia o nome daqueles que deveriam ser excluídos da coletividade, segundo seu grau de “hibridização”; era, no fundo, um pré-julgamento coletivo, era um banimento para o “ostracismo”, afim de preservar a coletividade daqueles considerados arrogantes. A consciência coletiva ateniense era bastante atenta em prevenir a proliferação da hýbris, decisões relevantes eram tomadas na eclesia (assembléia plenária), onde todos participavam. Procurava-se sempre evitar investiduras individuais de poder, peças teatrais eram representadas uma única vez; “Atenas não teve funcionários ou políticos que representassem o Estado; todos, em turnos, eram o Estado”. Com o deslocamento do eixo da cultura ocidental da Grécia para Roma a justiça e outros tantos institutos sofreram profundas transformações, as quais podem ser observadas na atualidade, principalmente se refletirmos sobre a globalização. O caráter semi-edêmico da depressão/ pânico (S.T.) expressa uma reação do Self ante a pós-modernidade... e onde está a CRIATIVIDADE? Através da criatividade nos reabastecemos hoje, para a jornada do amanhã. Ao criarmos, renascemos e nos inspiramos hoje para o amanhã, condição que na depressão gradualmente se anula, chegando, às vezes ao aniquilamento total; o que significa: a roda óctupla da vida reverteu , não gira mais para frente... Do grego temos o radical poesis: “ação de fazer algo”, em latim poese, daí poesia. Em nosso corpo temos o processo de hemato-poiese: criação permanente 237

de glóbulos vermelhos na medula óssea, os quais irão carrear oxigênio e gás carbônico afim de “poetar” a VIDA. Então poetar significa “fazer algo”, o que nos remete ao elevado ou comovente nas pessoas e na Natureza, enfim somos todos envolvidos pelo sentimento do belo. Como tudo isso ocorre na pós-modernidade – globalização?

Fica aqui a

questão para todos e para cada um (inclusive, claro, para mim em especial pois me atrevo a poetar nestas sendas...) A hipertrofia do EGO newtoniano-cartesiano atingiu, na pós-modernidade, tal índice de desenraizamento do SELF de tal forma que há um processo de “desegoização” do SER que perde sua “freqüência de sintonia” energética com o SELF, então simplesmente dizemos: “...deprimiu...” sim, mas por quê? Para onde e para o que? Então suprimos a fisiológica recaptação e está tudo bem/ Tudo bem para quem? Para onde vai o SER? O SELF produz criatividade, nos impele ao decaimento da LUZ às TREVAS, isto é, do fóton à partícula ou, por outras palavras, somos impelidos a retornar o “fio da meada”. Impõe-se um “salto quântico” do perigo à salvação para recordar Hölderlin: “Saltos quânticos” ocorrem permanentemente, quer na matéria viva quer na matéria dita “inerte”, há uma permanente troca energética que envolve o SER e o COSMOS; o SER enquanto ONTOS, isto é, transcendência em si próprio, está se tornando refém da automação, da globalização e o SELF nos sinaliza através a Síndrome da Transcendência (S.T.). Há que se “oxigenar” nosso SELF através da criatividade seja contemplando o belo ou meditando o Shunyat ( o NADA dos Budistas), seja “poetizando” em Arteterapia. O “salto quântico” de hoje é a reencanarção de amanhã, significando que a luz (fótons) transcende em ondas, cumprindo sua jornada de iluminação e retorna à partículas (matéria), estabelecendo assim uma conexão energética do nível sub-atômico com o processo cósmico de “poiesis” permanente que, bela e misteriosamente, rege nosso Universo. Nossa criatividade, à semelhança das raízes que mergulham na negritude da terra, buscará os elementos básicos para elaborar sua seiva, que irá possibilitar belas flores e saborosos frutos. E também nós, repito, em nossa criatividade 238

“deitaremos” raízes na profundeza de nosso SELF, afim de ali receber os elementos para florecer nossa criatividade que irá, ao vicejar, nos conectar ao COSMOS. Aqui me permito um lincenciosidade lingüística; em alemão dispomos de um prefixo cujo valor desconheço semelhante em português, trata-se de Ur, que no seu sentido mais radical, viabiliza criatividade através de nossa Urkraft (força originária); nosso ímpeto elementar criativo, originário, primário, sem o qual “deprimimos” é o nosso Ur-gewalt: nossa força interna de “brotação” originária é nossa UR-sprünglich: nossa espontaneidade. Ser humilde significa não perder a conexão com nossa maneira própria de escrever, “minha caligrafia”, isto é minha forma própria, íntima e originária de expor-me ao mundo, tal é a nossa UR-sprünglich; sendo assim podemos cultivar no nosso íntimo o nosso “Ur-wald” – nosso mato virgem...

Pedro Rocha Lima é médico e analista junguiano no Rio de Janeiro e professor convidado no curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Psicologia Analítica da Universidade Veiga de Almeida

239

The goddess who living in us

As Deusas que Habitam em nós Regina Macri Resumo:

Este relato trata de uma experiência profissional desenvolvida no Ambulatório do Hospital Universitário Gaffreé e Guinle de maio a dezembro de 2004, junto à mulheres entre 20 e 70 anos, através de técnicas de arteterapia, tendo como base a abordagem junguiana na reflexão das mudanças do Feminino e na criação de espaço para o diálogo interno. Abstract: This article relates the profissional experience developed with women between twenty and seventy years old in University Hospital Gaffreé Guinle, through arttherapeutical techniques and supported by Jung’s approach in a reflection of the Feminine transformation and creation of space to intern dialogue. “O mito é a abertura secreta através da qual as energias inesgotáveis do cosmo são lançadas nas manifestações humanas, oferecendo os símbolos que fazem progredir o espírito humano” (CAMPBELL, 1998) Mais de oitenta por cento da população que procura atendimento nas Unidades da Rede Pública de Saúde – onde desenvolvi minha experiência profissional – é de mulheres (desde adolescentes até a Terceira e Quarta Idade) com toda a sua bagagem de vida e de questões que as afligem: afetivas, familiares, profissionais, climatério, menopausa, gravidez, puerpério, depressão, insônia, bloqueio da criatividade, diminuição da libido. Vivemos num tempo em que nossos úteros, corações e mentes se unem numa atitude de resgate do cuidar e do receptivo que moram no Feminino. Num tempo em que o casamento do masculino com o Feminino precisa se dar dentro e fora de nós. Sendo assim, senti a necessidade de criar, e oferecer, um espaço (Oficina) de reflexão das mudanças do Feminino com a de um diálogo interno. 240

finalidade de possibilitar a abertura

“As oficinas remetem à idéia da produção e desta para à idéia de produção de subjetividade. É nesse espaço que se engendram, se experimentam, se criam novas formas de relacionamento, novos espaços existenciais, novos modos de ser.” (LIMA, 2003) Pensei que a Mitologia Grega abarca, através de suas Deusas, vários aspectos do Feminino na Psique humana. E que todas nós, mulheres, trazemos essas Deusas sem a consciência de qual está à sombra, e qual delas se sobressai. Se alguma se esconde..., se brigam, se conversam... E como esse “desconhecimento” traz sintomas físicos, mentais, emocionais,... Naquele momento os objetivos do trabalho eram reconhecer os diferentes aspectos do Feminino, lidar com o corpo e com as emoções de forma mais criativa e prazerosa em todas as fases da vida, resgatar a auto-estima e a cidadania, acordar o processo criativo adormecido, reconhecer a importância da consciência da abrangência e da profundidade do Feminino em cada um e na sociedade. Os encontros eram semanais com a duração de três horas e havia a presença de uma estagiária (** Cleudes Werneck) que encontrava-se em Formação em Arteterapia. Durante oito meses fomos “visitadas” pelas Deusas: Afrodite, Deméter, Perséfone, Hera, Ártemis, Héstia e Palas Atenas. Rimos e choramos, surpreendemo-nos, cantamos e dançamos, comemos, dormimos e sonhamos com elas. “Viver miticamente também é cultivar uma relação cada vez mais profunda com o universo e com seus grandes mistérios.” (FEINSTEIN) O encontro com esses arquétipos (Deusas) permitiu a reelaboração de processos internos cristalizados e mal resolvidos que fragilizaram e adoeceram no percurso da vida Víamos isso nos seus processos criativos: nas imagens, na escrita criativa, na diminuição das queixas físicas e emocionais. Até que num determinado momento do processo, entendi que a criação cresceu diante da criatura, ou seja, o processo criativo resgatado unìssonamente, 241

permitia-me contemplá-lo ele próprio “facilitando”... A contextualização dos símbolos emergentes não foi necessária, pois a arte demonstrou que tem um mecanismo regulador, como afirma READ. A proposta inicial não era caminhar em direção ao estético, mas esse espaço de troca propiciou o desvelamento de habilidades latentes com a ampliação da consciência. “a arte precisa compreender que sua missão e’ carregar a vida espiritual– divina para o dia-a-dia; moldar isso de uma maneira tal que suas formas, cores, palavras e tons atuem com uma revelação do mundo futuro.” (STEINER) Não conseguimos nos colocar de fora do processo apesar do nosso papel de Facilitadoras, fomos “atingidas”. Afinal, também somos mulheres, e as Deusas habitam em nós... “O ser humano é por natureza um ser criador. Não há outro caminho para se viver, aprender e procurar compreender o mundo a não ser criativamente...” (OSTROWER) Regina Maccri, é arteterapeuta, Astróloga, Mestre em Enfermagem, Mestre em Reiki, Terapeuta Floral, Taróloga, Coordenadora da Oficina de Mitologia e da Oficina Literária do HUGG-UNIRIO, Pós Graduanda em Arteterapia pela UNIRIO e pela Faculdade do Litoral Paranaense, AARJ 152.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELLO, SUSAN. Pintando sua Alma. RJ: Wak Ed., 2003 CAMPBELL, JOSEPH. O Poder do Mito. ����������������������� SP: Ed. Pallas Athena, 1998. FEINSTEIN, DAVID, KRIPPNER, STANLEY Mitologia Pessoal-A Psicologia Evolutiva do Self. SP: Ed. Cultrix, s/d. 242

FEITOSA, MALU, RUSSO, SAMARA. As Deusas, as mulheres, as feridas e a cura do feminino. LIMA, ELISABETH ARAÚJO. Oficinas e outros dispositivos para

uma

clínica

atravessada

pela

criação.

Oficinas

Terapêuticas, 2003. OSTROWER, FAYGA. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004. SILVEIRA, NISE DA. Jung, Vida & Obra. RJ: Ed. Paz e Terra, 1997 WOOLGER, ROGER, WOOLGER, JENIFFER A Deusa Interior. SP: Ed. Cultrix, 1989.

243

UNINDO FIOS DA MEMÓRIA: UMA EXPERIÊNCIA DE ARTE-EDUCAÇÃO COM CRIANÇAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS NO ESTADO DA PARAÍBA Robson Xavier da Costa

Uniting threads of the memory: an experience of art-education with handcapped children in the state of Paraíba

RESUMO Este artigo descreve uma prática com arte-educação com portadores de necessidades especiais no Estado da Paraíba, desenvolvido no ano de 1995, a partir do Setor de Arteterapia da Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência do Estado da Paraíba – FUNAD. O autor relata como essa experiência contribuiu para o crescimento pessoal das crianças e jovens atendidos e o seu desenvolvimento como profissional, culminando com sua formação em arterapia pela Clinica Pomar em 2004. ABSTRACT This article describes a practice with art-education with carriers of special needs in the State of Paraíba, developed in the year of 1995, starting from the Section of Arteterapia of the Foundation Integrated Center of Support payable to bearer of Deficiency of the State of Paraíba - FUNAD. The author tells as that experience it contributed to the children’s personal growth and assisted youths and its development as professional, culminating with its formation in arterapia for the Clinical Orchard in 2004.

Arte e formação humana Todos os homens por mais diferentes que sejam, participam diariamente de inúmeros fenômenos culturais: imagens, músicas, falas, sons movimentos, histórias, jogos, conversas, livros, feiras, exposições, rádio, televisão, discos, vídeos, revistas, cartazes, vitrines, painéis, desfiles e muitas outras manifestações esbarram à nossa frente a cada dia, e vamos lentamente desenvolvendo nosso gosto e apreciação. 244

Ver, ouvir, mover-se, sentir, pensar, descobrir, exprimir, fazer, são partes fundamentais do desenvolvimento humano; processos aprendidos e culturalmente influenciados, que podem ser vivenciados de diversas formas mas sempre partirão do lúdico, especialmente das manifestações artísticas. Privilégio do homem a arte manifesta-se a partir da necessidade de interação. Desde o período intra-uterino o bebê percebe e interage com o mundo externo de várias formas, mas é a partir do nascimento que a interação passa a ser trabalhada através da relação da criança com o seu meio; se a estimulação for correta e constante o desenvolvimento será contínuo e satisfatório. A expressão é uma das necessidades humanas que deve ser trabalhada lenta e continuamente; desde a 1ª infância é fundamental que se promova o seu desenvolvimento através do brincar e do acesso aos meios de expressão criativa. A arte nesse momento é o recurso fundamental para o desenvolvimento infantil, permitindo que a criança escolha, manipule e explore todos os recursos ao seu alcance, descobrindo e relacionando-se de forma natural e espontânea com o seu mundo. Se esse processo é contínuo, a evolução criativa também é desenvolvida e a criança é capaz de ultrapassar as várias fases do grafismo até atingir a maturidade expressiva na arte. A escola tem a responsabilidade de fornecer meios e estimular a maturação expressiva da criança, o fato de dar liberdade para que ela manuseie materiais diferenciados, que possa lambuzar-se de tintas e outros produtos, atividade que normalmente não é possível em casa, faz com que a criança passe de mero espectador que recebe tudo pronto, ao construtor do seu saber, através de atividades agradáveis e prazerosas. Utilizando-se dos recursos da arte como práxis, a escola pode motivar e promover a criatividade do aluno, visando formar um novo homem, mais sensível às mudanças que o cercam, e acima de tudo mais humano consigo mesmo e com aqueles que lhe estão próximos, formando as bases do futuro profissional e cidadão participativo. O professor deve explorar nas atividades pedagógicas a experiência da livre exploração de materiais, os mais variados possíveis; a coordenação motora; as 245

noções de espaço; a lateralidade; o movimento; a percepção visual, auditiva e sinestésica; a música; a expressão individual da criança; os jogos; a autoestima e a autoconfiança; a criatividade e principalmente a integração social, de acordo com o nível de desenvolvimento e potencialidade de cada criança. Segundo Ingelott Taterka “a tarefa mais importante do educador é ensinar a criança a conviver, a se situar como pessoa dentro do grupo. Para isso é necessário que se ofereça experiências que façam com que a criança descubra o seu mundo, as relações entre as coisas e as pessoas, entre sua pessoa e os outros; e o principal: que descubra as suas próprias possibilidades e que tenha oportunidade de fazer pleno uso delas.” Permitir que a criança explore e conheça o seu entorno é fundamental para o seu desenvolvimento como ser humano.”(apud Reily et al. 1993) É importante ressaltarmos que o desenvolvimento varia de indivíduo para indivíduo e a prática pedagógica na escola tem que ser estabelecidas de acordo com as necessidades dos educandos, levando em conta seu desenvolvimento cognitivo e biopsicossocial. Arte e educação confundem-se na medida em que uma fornece subsídios para o desenvolvimento da outra em um processo de inter-relações constantes que culminam com uma educação estética. A arte como processo cultural apresenta dimensões artísticas e estéticas, e a arte-educação também segue o mesmo princípio, quando permite ao aluno a possibilidade do fazer, do exprimir, e do refletir sobre sua produção e a de outros. Sendo assim a arte-educação promove o desenvolvimento integral do homem tornando-o construtor do seu saber, levando-o a refletir e transformar o seu mundo. Relação arte e psicologia Nem sempre nos parece fácil entender a relação existente entre a Arte e a Psicologia; as duas áreas muitas vezes confundem-se; mas comecemos por compreender afinal o que é arte?

Essa é uma questão fundamental, o que é arte? Através dela poderemos 246

compreender o comportamento estético. Se cada um de nós pensasse no que é arte, não hesitaríamos muito, todos concordaríamos que a Monalisa de Leonardo da Vinci, o teto da capela sistina de Michelangelo e muitas outras obras são arte. O que não se pensa é em quais critérios foram usados para classificar esses objetos como arte, já a arte contemporânea muitas vezes não é considerada como tal, por não corresponder ao que o senso comum considera arte. Na verdade mesmo os teóricos não conseguiram definir um conceito fechado sobre o que é ou não arte. Sendo o campo semântico do termo incerto, o campo recoberto pelo conceito é extenso, uma definição de arte não deve contrariar o movimento de autocontestação e de inovação que acompanha o desenvolvimento e a transformação constante da arte. Muitas vezes o conceito de arte é atribuído a apenas uma prática, mas segundo o esteta italiano Luigi Pareyson, podemos ordená-lo em três categorias: a arte entendida como fazer; a arte entendida como expressão e a arte entendida como conhecimento.(apud et al. Pereira, 1994, p. 16) A primeira concepção prevaleceu na antigüidade, quando o aspecto fabril, manual era acentuado. Com o romantismo o que importava era a íntima coerência das figuras artísticas, como os sentimentos que as inspirava e suscitava, e só no renascimento foi que a arte foi vista como uma visão de realidade, ora sensível, ora metafísica, ou de um conhecimento íntimo, profundo, concreto e emblemático. Na realidade a arte é expressão de determinados tipos de sentimentos e realidades íntimas dos homens que a produzem e daqueles que apreciam, demonstrando

traços

da

personalidade

de

seu

autor. A arte

também

é

conhecimento, ela muitas vezes está próxima da ciência e mesmo dos seus próprios aspectos cognitivos e a arte também é um fazer, pelo processo de construção ou apresentação da obra, todas estas faces estão presentes em uma obra de arte. A arte é expressiva enquanto é forma e toda a forma é expressiva enquanto o seu ser é um dizer, tornando-se um significado, e tendo significado é uma forma de conhecimento por ensinar uma nova maneira de ver a realidade, sendo uma maneira de modificar a forma de ver e de expressá-la através do fazer. 247

Neste sentido a arte “é um fazer, um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer.”(Pareyson apud Pereira et al. 1994, p. 17) O pensador italiano Dino Formaggio (apud Pereira et al. 1994, p.17) diz que: “a arte é tudo aquilo a que os homens na história chamaram e chamam arte”; o que nos lembra que somente na história se pode conceituar a arte. Desta forma para se entender a arte se faz necessário um diálogo com ela, ou com a fruição das obras de arte. E o que caracteriza essas obras é a técnica, a crítica, o público, o mercado e todas as instituições ligadas à arte, inclusive a mídia, sendo portanto impossível um conceito inviolável e invariável sobre a arte. Segundo Merleau Ponty (apud Pereira et al. 1994, p.20) “a dialética humana é ambígua: ela se manifesta inicialmente através das estruturas sociais ou culturais que faz aparecer e nas quais se aprisiona. Mas seus objetos de uso e seus objetos culturais não seriam o que são, se a atividade que o fez aparecer não tivesse também como sentido negá-las e ultrapassá-las.” A arte é uma das maneiras de interligar signo e símbolo e, uma única representação que é uma extensão da consciência humana e ao mesmo tempo é uma forma de adquirir novos conhecimentos. A presença marcante do fator projeção na arte aliado a outros como expressão, conhecimento, fazer e prazer, denotam um campo rico para o estudo da Psicologia que abre espaço para a pesquisa sobre o universo do artista e daquele que é espectador, que analisa, compreende e conseqüentemente é envolvido pela arte. Embora a arte seja até certo ponto concreta, não podemos concebê-la enquanto conceito de modo literal, o que a faz aproximar-se de um mundo subjetivo, de sentimentos e conhecimentos muito específicos, então podemos dizer que Arte e Psicologia caminham juntas procurando desvendar a complexidade da natureza humana, através de meios diferenciados. A arte na educação especial Convivemos no campo da educação diariamente, com diversos tipos de usos das manifestações e linguagens artísticas. Existem uma gama de estímulos visuais e auditivos provenientes da evolução da sociedade de consumo, que influenciam através da mídia, até mesmo os pontos mais distantes. 248

Cabe a escola como instituição de perpetuação do conhecimento humano adquirido e palco da elaboração de novos conhecimentos, promover uma educação não só para as letras e números, mas para a formação de indivíduos, que possam ter acesso às formas mais complexas de informação através da imagem. A escola poderá ser um veículo de divulgação da cultura em uma visão ampla e multidisciplinar, promovendo o desenvolvimento global do homem. A arte na escola tem um papel bem definido, que é o de promover o desenvolvimento das potencialidades individuais, do espírito de integração grupal e da formação do indivíduo conhecedor do legado artístico-cultural da humanidade. Além da escola, a mídia mobiliza toda a sociedade a partir dos recursos da imagem e dos símbolos. Outras profissões e práticas sociais por sua vez, também de um modo particular, usam os recursos da arte. A linguagem artística acompanha toda a história da humanidade e toda a vida do homem, de modo que no processo de escolarização falar de alfabetização estética deveria ser algo tido como estranho, pois a arte deveria fazer parte da vida de todos. A arte-educação especial tem condições de promover o desenvolvimento da motivação e da criatividade do aluno, numa tentativa de torná-lo um sujeito mais sensível e aberto para descobrir suas potencialidades . Quando abordamos o tema arte no processo educativo de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais, criamos a possibilidade de refletir, de concentrar esforços e recursos da psicopedagogia, que possam associados às diferentes linguagens artísticas contribuir com o processo de crescimento desse segmento social. A educação através da arte possibilita um meio de comunicação não verbal ou pré-verbal. A criança especial encontra na arte um mundo próprio onde é mais fácil expressar a emoção, os sentimentos e interagir com as coisas e pessoas. Nesse sentido, a arte é potencializadora da autoestima e da autoconfiança, e extremamente importante para o desenvolvimento da criança portadora de necessidades educativas especiais.

Geralmente esses sujeitos não acreditam nas

suas potencialidades. Se o arte-educador for capaz de despertar o prazer durante as atividades de arte-educação, promovendo a autoestima,

o desenvolvimento

do trabalho, esta ação pedagógica, passa a ser algo significativo, vivenciado pelo aluno, um meio de auto-afirmação. 249

Na arte-educação o aluno tem a liberdade de manusear materiais os mais diversificados, sujar-se de tintas, pintar, desenhar, criar objetos, dramatizar seus conflitos e sentir, vivenciando a música, todas atividades direcionadas para uma reabilitação através da “Arte Processo”, estímulo que normalmente ele não teria na família. No Brasil, a arte-educação teve início com a inclusão da disciplina de psicologia aplicada à educação na Escola Normal de São Paulo, no ano de 1914. O Prof. Oscar Thompson, diretor da Escola Normal de SP, convidou o Prof. Ugo Pizzoli, catedrático da Universidade de Modena (Itália) e diretor da Escola Normal daquela cidade para instalar o Gabinete de Antropologia e Psicologia Pedagógica e Científica no Brasil, nesse gabinete foram desenvolvidos testes psicológicos de: acuidade visual, sensibilidade tátil, acuidade auditiva e outros, além da realização de vários cursos para professores. (Barbosa, 1987). Os cursos ministrados nesse período, ajudaram a divulgar a nova pedagogia centrada no aluno e levaram os professores a desenvolver trabalhos e publicálos. Um desses estudos era sobre o desenho infantil, foi feito pelo prof. Adalgiso Pereira, trabalho pioneiro no Brasil. Nesse período, os estudos sobre o grafismo infantil eram uma preocupação de psicólogos e pedagogos, como forma de estudar o desenvolvimento mental da criança através dos testes projetivos. A valorização da estética infantil como arte, ligada ao espontaneismo expressionista, só teve lugar no Brasil, com o advento do modernismo brasileiro, entre as décadas de 20 e 30, através da atuação de artistas como: Anita Malfatti que abriu espaço para a valorização da arte infantil, utilizando novos métodos de ensino baseados no deixar fazer, que explorava e valorizava o espontaneísmo e a livre expressão infantil. A partir do trabalho desenvolvido por ela, várias ações isoladas continuaram a desenvolver-se pelo país afora. Só em 1948, um novo fato bastante significativo para a arte-educação. Foi criada a Escolinha de Arte do Brasil, sob a coordenação de Augusto Rodrigues, baseada no modelo americano, espaço ainda hoje em pleno funcionamento. Augusto foi um pernambucano, natural do Recife, que sempre questionou a maneira tradicional da educação brasileira e dedicou-se desde criança às artes plásticas e gráficas. Augusto foi muito influenciado por médicos, educadores e artistas, para a criação da escolinha, foram eles: Ulisses 250

Pernambucano, professor da Faculdade de Medicina de Pernambuco e criador da Escola Neurológica e Psiquiátrica do Recife (a tamarineira), incentivando sempre o estudo do desenho infantil no Brasil. Javier Villafañe, poeta e artista mambembe, colecionador de desenhos infantis e grande divulgador do desenho da criança da América latina. Helena Antipoff, russa, médica formada pela Universidade de Sorbonne na França, com formação em psicologia infantil. Tendo sido professora de psicologia na Europa, organizou o Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte (1929), trabalhando também na Sociedade Pestalozzi; profunda valorizadora da arte da criança. Nise da Silveira, psiquiatra e educadora, criadora da seção de terapêutica ocupacional do Centro Psiquiátrico nacional no Rio de Janeiro (1946), situado no Engenho de Dentro; trabalhando atividades artísticas a partir da teoria ocupacional e da psicologia analítica. Como fruto do seu trabalho e do artista Almir Mavignar, entre 1946 e 1951, no ateliê de pintura e desenho, foram realizadas diversas exposições, a primeira em 1947 com 245 pinturas no primeiro andar do Ministério da Educação. Em 1957, por ocasião da participação do Brasil na II Exposição de Pinturas de Esquizofrênicos em Zurique, Carl Gustave Jung elogiou pessoalmente o trabalho de Nise da Silveira. A Escolinha de Arte do Brasil foi criada no corredor da Biblioteca Castro Alves, no Instituto Nacional do livro, no Rio de Janeiro, tendo como primeira professora a artista Lúcia Alencastro Valentim. Em 1949, a EAB passou a contar com a participação da professora Noêmia Varela, que havia trabalhado com Ulisses Pernambucano no Recife; posteriormente ela fundou a Escolinha de Arte do Recife, que funciona sob sua supervisão até hoje. O movimento “Escolinha de Arte” prolongou-se e gerou frutos em todo o Brasil, sendo palco para todas as discussões sobre arte-educação até 1971, quando da obrigatoriedade do ensino de arte nas escolas de 1º e 2º graus do país pela lei de nº 5.692/71, que regulamenta e cria a licenciatura plena e curta em Educação Artística. (Barbosa, 1987). Com a criação dos cursos de formação de professores em arte por todo o país, diminuiu a ênfase no trabalho com portadores de necessidades educativas especiais, e concentrou-se toda a preocupação e direcionamento para a formação do profissional que deveria trabalhar na escola regular. A formação dos 251

profissionais que atuam na arte-educação especial é geralmente muito eclética, muitos tem formação em educação física, em pedagogia, psicologia, com uma atuação direcionada para a educação especial. Só a partir do fim da década de 90, é que o trabalho de arte com portadores de necessidades especiais tem sido resgatado, através de cursos de especialização em alguns Estados direcionados para a arte-educação. Cada vez mais a arte tem desempenhado um papel fundamental no processo de reabilitação do portador de deficiências, promovendo o desenvolvimento de seu potencial criativo, tornando indivíduos antes limitados, pelo preconceito social, em verdadeiros participantes do processo de desenvolvimento histórico-social do meio em que vivem, buscando continuamente a integração através da arte. A arte na educação especial na Paraíba, inicia-se através de programas específicos como oficinas, ateliês e briquedotecas ou através de aulas de educação artística junto às salas especiais da rede regular ou em rede de escolas especializadas. A leitura da arte voltada para o campo de trabalho através do artesanato, constitui uma das práticas comumente achadas em escolas regulares e especiais. A partir de uma nova abordagem da arte-educação com a formação de quadros especializados, esse processo vem alterando-se, ampliando a dimensão da arte no processo de desenvolvimento. A arte começa a deixar de ser vista apenas como produto mercadológico, para ser considerada um amplo recurso psicopedagógico na educação e reabilitação da pessoa portadora de necessidades educativas especiais. Nesse sentido, experiências vem sendo desenvolvidas no campo da educação especial, de habilitação e reabilitação da pessoa portadora de deficiências. Reconhecendo-se a amplitude das funções da arte observa-se que as modalidades de uso dela, em ateliês, oficinas e nos estabelecimentos de educação especial passam a ser usados com mais qualidade. Em João Pessoa, a arte-educação voltada para a pessoa portadora de necessidades educativas especiais, convive historicamente nas instituições, em clínicas especializadas, escolas especiais, coordenações de educação especial, centros e fundações, envolvendo equipes interdisciplinares. 252

O arte-educador na sua trajetória de construir a arte como valor pedagógico, seja na escola tida como “normal” ou “especial”, enfrenta distintos processos de desinformação e preconceitos, o que dificulta consideravelmente a qualificação de sua prática. Para alguns, a arte não é vista em sua articulação com o processo de desenvolvimento mental, sócio-afetivo e cultural. Essas posturas refletem tipos de mentalidades conservadoras e pedagogicamente ultrapassadas. A escola como espaço social vivencia todos esses processos de lutas que se dão no plano simbólico e gestual. A construção da arte-educação no espaço da educação especial, vem se desenvolvendo com avanços e limitações, tendo em vista os atores nela envolvidos e as novas abordagens no campo educacional. Relato deexperência com arte- educação especial no estado da Paraíba Este relato pretende resgatar retalhos de minha experiência como arteeducador na Coordenadoria de Deficiência Mental - CODAM, junto a Fundação Centro integrado de Apoio ao Portador de Deficiência - FUNAD, em João Pessoa/ PB, realizada durante o ano de 1995. A FUNAD constitui um centro de referência estadual e regional na área de educação especial. Funcionalmente é vinculado a Secretaria de Saúde, do Trabalho e Ação Social e a Secretaria de Educação e Cultura do Governo do Estado da Paraíba. A FUNAD foi criada em 1990, a partir de todo um trabalho de articulação entre profissionais, instituições ligadas a área e entidades civis de pessoas portadoras de deficiências. A

fundação

profissionalizar

tem a

como

pessoa

objetivo

portadora

institucional, de

necessidades

habilitar,

reabilitar

educativas

e

especiais,

assim como realizar ações de prevenção das deficiências. Integram a FUNAD profissionais das áreas de saúde, educação, administração, educação especial e trabalho, através de programas interdisciplinares. Dentre as coordenadorias específicas de atendimento a pessoa portadora de deficiência encontra-se a CODAM, que congrega programas de prevenção e reabilitação da pessoa portadora de deficiência mental. Dentre os programas existentes nesta coordenadoria, durante o ano de 1995, encontravam-se: o setor de triagem, o setor de habilidades básicas, o setor de estimulação precoce, o setor 253

de ludoterapia, o setor de integração psicossocial e o setor de atividades de vida diária e o setor de arte-educação. O público atendido pela CODAM, constitui-se de pessoas portadoras de deficiência mental, síndrome de Down, paralisia cerebral e múltiplas deficiências, de faixas etárias variadas. Cada usuário é atendido duas vezes por semana, de acordo com o programa definido no processo de triagem e acompanhamento. O Serviço de Arte-educação, foi criado no início do funcionamento da Coordenadoria, com a colaboração de profissionais graduados em Educação Artística. Denominado institucionalmente de setor de arteterapia, esse programa tem como objetivo, desenvolver o potencial criativo da pessoa com dificuldades no desenvolvimento mental através da linguagem artística, assim como oferecer através da arte um espaço terapêutico em que o usuário pudesse trabalhar também seus aspectos psíquicos, objetivos e subjetivos. A experiência concreta com o resultado psicopedagógico que o trabalho com arte produz, é que se entende, a nomenclatura dada ao setor, já que nenhum dos profissionais ali existentes, tinham formação em arteterapia, mas em arte-educação. Dois educadores destacaram-se durante a implantação do setor, o arteeducador José Antonio Lucena Barbosa, com formação na UFPB e a educadora Edith Belli, oriunda da Escolinha de Arte do Brasil e da Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro. No período de 1995 dois arte-educadores foram integrados ao setor, dentre os quais Robson Xavier da Costa, autor deste trabalho e Elizabeth Madruga, ambos com formação na UFPB. O setor em toda a sua trajetória de implantação e sedimentação buscou oferecer o máximo de possibilidade de linguagens artísticas, no sentido de colaborar com o processo de reabilitação e socialização dos indivíduos atendidos. Quanto à metodologia o trabalho baseou-se em algumas diretrizes, dentre elas: a) atender as necessidades vitais de expressão; b) desenvolver a sensibilidade estética; c) promover o ajustamento e a integração à vida social familiar e cultural; d) proporcionar o desenvolvimento da autoconfiança, autodeterminação e da criatividade. Dentre os recursos técnicos utilizados no setor de arte-educação, privilegiou-se 254

as técnicas de expressão plástica, cênica e musical. O setor durante o horário de atendimento não define a priori uma ação para um grupo de usuários. A escolha do que fazer com artes era espontânea e individualizada. Enquanto um escolhe o recurso plástico da modelagem, outro busca a pintura, outro por música. A necessidade do usuário era definida como eixo norteador da ação, de modo a obter prazer e aproximação do fazer artístico com as formas particulares de expressão e comunicação. Essa estratégia metodológica vem refletir-se em um nível favorável de satisfação e procura dos usuários em relação ao setor. O setor de arteterapia atua de modo integrado com outros setores da CODAM, no sentido de garantir a interdisciplinaridade que o trabalho demanda. Participam dessa parceria, o setor de psicologia, serviço social, habilidades básicas, atividades de vida diária e o setor de integração psicossocial. A maioria dos usuários, é atendida em mais de um serviço, durante o processo de tratamento, o que de certo modo, implica no caráter multidisciplinar e também interdisciplinar na prática institucional. O trabalho de arte-educação geralmente parte de um tema cotidiano dos alunos, para daí então serem definidos os recursos artísticos a serem utilizados. Cada usuário é atendido duas ou três vezes, semanalmente, de modo a garantir uma disponibilidade de tempo necessário para a qualidade do trabalho de expressão e acompanhamento. Embora alguns usuários tendem a optar por uma única forma de expressão, procura-se estimular a sua passagem por todas as linguagens artísticas, de modo a ampliar o repertório de expressão e comunicação dos mesmos. Por outro lado, procura-se também qualificar as habilidades e formas de expressão a partir do processo pedagógico. O setor de arte-educação trabalha dentre as habilidades plásticas, com: técnicas de desenho, de pintura, recorte e colagem, reaproveitamento de sucatas, modelagem, reciclagem de papel e gravuras. No que concerne, a arte cênica, o setor desenvolve ações de expressão corporal, mímica, máscaras, dramatização, teatro de bonecos e teatro de sombra. Quanto às atividades musicais, o programa atua com: jogos musicais, dinâmicas de grupos, confecção de instrumentos, sensibilização sonoro-musical. 255

A produção dos trabalhos realizados no período de 1995, possibilitou a realização de três exposições públicas. A primeira foi realizada no período de 23 a 27 de agosto na Fundação Espaço Cultural da Paraíba e no Centro Turístico de Tambaú, durante o VI Encontro Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar. A segunda exposição, foi realizada de 2 a 5 de outubro, na cidade de Natal no Estado do Rio Grande do Norte, durante o II Congresso Nacional de ArteEducação Especial e III Festival Nacional de Arte Sem Barreiras. A terceira mostra por sua vez, foi realizada na FUNAD, no período de 04 a 15 de dezembro. A estratégia de divulgar para o público externo a produção artística dos usuários portadores de deficiências, por um lado, procurou desmistificar para toda a sociedade a capacidade de criação plástica, estética e artística da pessoa tida como “deficiente” ou “excepcional”. Por outro lado, criou-se alternativas sociais de inclusão da pessoa portadora de deficiência mental nos espaços de cultura, como forma de romper com as barreiras e estigmas sociais. Considerações finais Este trabalho revelou que a arte-educação especial tem um relevante papel no que concerne a imagem social dos tidos como “excluídos”. Inserir, incluir a pessoa portadora de deficiência mental nos espaços de cultura, é um processo que o Setor de Arteterapia da FUNAD vem construindo e que exerce resultados relevantes no campo da cidadania da pessoa portadora de deficiência. Através da arte podemos fomentar a inclusão social e o respeito pela pessoa portadora de deficiência mental como sujeito com direitos e deveres iguais a todos os outros. Atualmente o Setor de Arteterapia da FUNAD continua funcionando nos mesmos moldes aqui relatados e tem atendido um grande número de crianças, favorecendo a sua integração social e permitindo que os mesmos desenvolvam suas habilidades, demonstrando seu potencial à família e à comunidade. Esse trabalho despertou meu interesse pessoal e profissional na potencialidade da arte como construção do processo de individuação o que me levou a buscar uma formação mais consistente na área de Arteterapia, o que só foi possível no ano de 2004 a partir da Formação em Arteterapia da Clínica Pomar, realizada na cidade do Recife – PE. Reviver essa experiência na FUNAD, reaviva minhas 256

lembranças e instiga cada vez mais minha prática como arte-educador e arteterapeuta. Para escrever este artigo foi preciso unir fios da memória, informações encontradas nas minhas lembranças e dos meus pares, e na memória coletiva, além de revirar meus baús com escritos guardados desde o ano de 1995 que já considerava perdidos. Desta forma ampliamos nossa teia de relações e possibilidades e estabelecemos vínculos com outros olhares que enriquecem nossa forma de ser e estar no mundo. Robson Xavier da Costa é arte-educador, arteterapeuta e artista plástico. Licenciado em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial, Sociologia, Arteterapia, Educação e Tecnologias da Informação e Comunicação e Mestrando em História. Professor e Chefe do Departamento de Artes Visuais da UFPB e Coordenador do Grupo de Estudos em Arteterapia da Paraíba.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATACK, SALLY M. Atividades Artísticas para Deficientes. (série educação especial). São Paulo: Papirus, 1995. AZEVEDO, Fernando Antonio Gonçalves de. ArteEducação/educação especial. Revista Integração. Brasília/DF, nº 08, p. 27, jan/fev/mar/ 1992. CARMO, Apolônio Abadio do. Deficiência: uma questão de ponto de vista. Brasília/DF: Revista Integração, nº 07, pp. 16 a 18, 1991. COSTA, Robson Xavier. Formação e Atuação do Arteeducador Especial na Cidade de João Pessoa/PB. João Pessoa: monografia/CE/UFPB, 1995. COSTA, Robson Xavier. FUNAD, Setor de Arteterapia, Relatório de Atividades do Exercício de 1995. João Pessoa, 257

dezembro de 1995. FONSECA, Victor. Educação Especial. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. GOLINELLI, Rinaldae DOS SANTOS, WanderleyAlves. Arteterapia na Educação Especial. Goiânia-GO, 2002. JANUZZI, Gilberta. A Luta pela Educação do Deficiente Mental no Brasil. 2ª edição Campinas/SP: Editora Autores Associados, 1992. LEHENBAUER, Silvana. Informações Teóricas e Práticas sobre as Potencialidade das Pessoas Portadoras de Deficiência. Métodos, Técnicas

e

Instrumentos

para

Normalização

-

Enfoque: Deficiência Mental. Revista Pestalozzi nº 30, pp. 10-16, 1994. LOWENFELD, Vicktor. A Criança e sua Arte. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1971. PEREIRA, João A. Fryze. Os Limites da Arte: a abertura para a Psicologia. Revista Psicologia, ciência e profissão. ano 14, nº 1,2 e 3, pp. 14 a 21, 1994. PHILIPPINI, Ângela. Cartografias da Coragem – Rotas em Arteterapia. Rio de Janeiro: Pomar, 2001. REILY, Lúcia Helena. Atividades de Artes Plásticas na Escola. 2ª edição. São Paulo: Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1993.

258

259

O DRAMA DA NÃO PERTENÇA: PARADOXO DA EXCLUSÃO A FUNÇÃO INTEGRADORA DA ARTE Rui de Carvalho

The Drama of Non-Possessing: paradox of exclusion of the integrated function of art

Resumo O autor aborda as relações entre fatores emocionais e biográficos, e a criação e manutenção de condições de exclusão em ambientes e situações diversas. Aponta os benefícios das estratégias da Arte e da Psicoterapia como variáveis que propiciam possibilidades de compreensão e transformação ilustrando através do relato de estudo de três casos clínicos. ABSTRACT The author approaches relations between emotional and biographic factors and the creation and the maintenance of conditions of exclusion in various environments and situations. He shows the benefits of Art and Psycho Therapy as variables that propitiate the possibility of comprehension and transformation illustrating through the report of studies of three clinic cases.

Pretende ser este meu artigo uma reflexão sobre as dinâmicas profundas inerentes ao sentimento e às situações de exclusão. Formulada esta intenção passo desde logo a colocar diversas questões. A primeira que postulo, de ordem retórica, é:

“Significa (ex)clusão, literalmente o inverso de (in)clusão?” Se analisarmos o significado etimológico das palavras, encontramos a sua raiz latina, ganhando as primeiras sílabas grande vitalidade em português. “Ex” está imbuído de uma conotação de movimento para fora ou para longe, afastamento e ainda de separação, privação e extracção. “In” ou “en” conota-se com movimento para dentro, introdução, aproximação, provimento e protecção. Assim, no princípio de cada uma das palavras dão-nos orientação relativa às suas vocações antagónicas. Dando largas a alguma especulação dialéctica ocorre-me que exclusão é próximo no sentido de exclusivo. Tal pode significar identidade e unicidade, uma aspiração profunda de todo o ser humano. Por sua vez inclusão é parente de incluso, ambos com sentido de envolvido ou integrado em, o que 260

corresponde também a uma necessidade inerente à condição humana. Se bem que implicando aspirações aparentemente contraditórias ambas afiguram-seme como sendo paralelas no decurso da nossa existência, numa alternância de autonomia ou individuação e dependência ou necessidade de pertença. Ocorre-me acerca disto o símbolo Yin-Yang da filosofia taoista chinesa. Yang representa o movimento, a expansão, o etéreo e arriscar-me-ia, a exclusividade. Yin, o recolhimento, a inacção, a matéria e na linha de pensamento seguida a inclusividade. Mas um não pode coexistir sem o outro. Necessariamente complementam-se e equilibram-se. Na ordem universal são a energia e a matéria que se transmutam entre si, originando todas as manifestações. O sábio chinês praticava voluntariamente a exclusão, retirando-se da sociedade para desse modo se encontrar incluído na essência universal. Podemos ler no Tao-Te-King: - “Todos têm a sua riqueza só eu pareço desprovido. O meu espírito é o de um ignorante devido à sua lentidão. Todos são clarividentes só eu me encontro na obscuridade. Todos têm um espírito perspicaz, só eu tenho o espírito confuso que ondula como o mar e sopra como o vento. Todos têm um fim a atingir, só eu tenho o espírito confuso como um camponês”. Chegado a este ponto surge-me então a segunda questão:

- “Será então o sentimento de exclusão não apenas próprio aos excluídos sociais, mas comum a todos nós?” Parece uma questão naif, mas formulo-a intencionalmente para me permitir a reflexão seguinte. Como já disse anteriormente, para o sábio taoista, chinês, 261

a exclusão da sociedade era uma opção. Quando pensamos em situações de exclusão da nossa sociedade ou nos excluídos sociais várias categorias de pessoas surgem: os delinquentes e toxicodependentes, os miseráveis (sem abrigo, sem emprego, vivendo em condições de subsistência), os “loucos”, pacientes psicóticos

com

internamentos

prolongados

em

Hospitais

Psiquiátricos

ou

abandonados nas comunidades. Aqueles que têm um corpo ou mente diferente (deficientes, distintos fisicamente, culturalmente ou do ponto de vista racial), os que são vítimas de doenças (como a lepra ou tuberculose de outros tempos e ainda actuais, ou a S.I.D.A dos tempos de hoje), os homossexuais, os velhos desesperados e sem família, são um outro grupo de pessoas sujeitas a maior ou menor exclusão, dependendo das comunidades onde se inserem. Do nosso imaginário fazem também parte personagens como a do palhaço pobre cuja tristeza e rejeição caricata nos faz rir, como a de Charlot, o sem-abrigo romântico, mendicante do amor ou como das personagens rejeitadas e revoltadas que James Dean imortalizou, entre outros. Os

indivíduos

referidos

anteriormente,

geralmente

debatem-se

com

sentimentos dolorosos de não pertença. Para tal contribuem dinâmicas complexas inerentes à consciência pessoal de diferença e não aceitação pelos outros da diferença, devido à rigidez (e estupidez) de valores individuais e sociais. No entanto se refletirmos sobre nós próprios encontraremos referências pessoais de vivências de não pertença e receio de não aceitação (o que por sua vez determina a rigidez com a qual podemos não aceitar os outros). Desde a infância precoce que encetamos uma batalha pela aceitação, aprovação e amor dos que nos rodeiam. Uma luta sem tréguas iniciada com os familiares (pais, irmãos e a fins) e mais tarde com os nossos pares da escola, dos grupos de amigos, do emprego, etc. Trabalhando com grupos analíticos de Arte-Psicoterapia, frequentemente observo os meus pacientes encetarem estas lutas, em particular quando se integram

nos

grupos,

com

reactualizar

periódico

daquelas

dinâmicas

em

movimentos de luta e fuga. Progressivamente, pelo trabalho de perlaboração, vão-se tornando evidentes as dinâmicas profundas de dramas de não-pertença, inerentes aos comportamentos no grupo.

262

No entanto, se por um lado sermos excluídos possa ser atribuído às atitudes de não aceitação sofridas pela parte dos outros, dentro das matrizes familiar e sociais, ao longo das nossas histórias de vida, também o sentimento ou fantasia de não pertença pode ser determinante das situações reais de exclusão. A isto designei de “o paradoxo da exclusão”, uma vez que ser excluído é frequentemente consequência de padrões relacionais de não pertença que determinam ou têm como consequência a não aceitação e a exclusão. Sendo então estes dramas comuns a todos nós, vivenciados de formas mais ou menos intensas e necessitando de reelaborações sucessivas ao longo da vida, surge-nos outra questão:

- “Podemos do ponto de vista da lei determinista da causa-efeito, apontar a origem do paradoxo da exclusão?” “Só eu difiro dos outros homens porque continuo agarrado ao seio da Mãe” Tao-Te-King O que me ocorre, logo de seguida, é que em todos nós adultos há uma criança solitária, temerosa de ser rejeitada e carente de aceitação, validação, aprovação e amor. De forma a ilustrar alguns dos meus achados clínicos relativos às dinâmicas do paradoxo da exclusão socorri-me de três situações clínicas, duas de pacientes em Arte-Psicoterapia Analítica individual e a terceira de uma sessão de um grupo de Arte-Psicoterapia Analítica. A primeira designei de: - “Estrangeira no próprio país e estrangeira no país dos outros”. Esta paciente, com cerca de trinta anos de idade e de origem Francesa, veio viver para Portugal com o companheiro, cujos os pais eram emigrantes Portugueses. Procura-me após estar radicada em Portugal há cerca de três anos e devido a problemática depressiva e de ansiedade. Tinha tido até então dificuldades de integração na sociedade portuguesa, nomeadamente em termos de emprego e com os familiares do companheiro. 263

Apesar de vários movimentos para se integrar, tinha frequentemente a sensação de não ser aceita e de os outros serem potencialmente agressivos consigo. A língua constitui um fator de conflito para si, sentindo-se desvalorizada, frequentemente. Para facilitar a aceitação e a expressão de si mesma sugeri-lhe que nas sessões de Arte-Psicoterapia falasse em francês. Deste modo coloquei-me em situação de igualdade e em posição de dialógicamente empatizar com as suas dificuldades. Apesar de tudo preferia comunicar em Português, embora em momentos de

Num desenho realizado alguns meses após iniciar a sua Arte-Psicoterapia, são notórios os sentimentos de isolamento e depressão. Um olho azul observador e persecutório, representante do olhar desvalorizativo do pai pesa sobre a cabeça da mulher velada e triste. Este desenho foi realizado, num momento em que estava muito desiludida com o contexto da sua vida, não se sentindo apoiada pelo marido deprimido e não se sentindo integrada em Portugal. Nessa altura 264

estava muito próxima da decepção com a sua família de origem. Algumas sessões depois escreveu: “… Je voudrais apprendre à parler cette nouvelle langue mais je me sens freinée… Je n’ai pas appris à parler ma langue, mon cœur n’a pas eu le choix, il c’est fermée… J’ai choisi d’être etrangére dans mon pays. J’ai choisi de communiquer dans la difficulté…»1 O sentimento de não pertença e de isolamento vai sendo progressivamente identificado com um lado seu, do qual vai tomando progressivamente consciência e com o qual vai tentando entabelar um diálogo interno reabilitador, como se evidencia num desenho realizado alguns meses mais tarde.

1- Eu gostaria de aprender a | falar esta nova língua,| mas me sinto reprimida...| Não aprendi a falar minha língua,| meu coração não teve escolha,| ele se fechou...| Escolhi ser uma estrangeira no meu país.| Escolhi me comunicar | na dificuldade...”

265

Imerge num processo de reparação dos objetos internos persecutórios, conciliando-se consigo própria e com o mundo que habita, o que representa num outro desenho efetuado mais tarde. O amor no seu relacionamento conjugal vai sendo recuperado, sendo tal representado noutro desenho em que acrescenta um texto:

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“Et voilá, Je suis heureuse de vous dire que nous faisons le nécessaire pour avoir un bébé, Je suis heureuse de vous dire que Je suis heureuse. Quand Je suis toute seule Je savoure cette idée egoistement e Je profite de toutes les émotions délicieuses qu’elle me provoque… Ce que Je ressentes actuellement ne laisse plus de place à mon passé comme Je pouvais le concevoir il y a encore peu de temps…»2 Sente-se progressivamente mais segura de si, de ser amada, mais conciliada com a zanga e desapontamento que sentira para com a sua família de origem. Tem saudades de França, dos pais, da irmã e do sobrinho, o que representa noutro desenho. Mas mais uma vez a pressão interna para romper, leva-a à intenção de interromper abruptamente a psicoterapia. Acaba por retroceder. Próximo de fim da terapia escreve: “Je me sens comme une enfant qui rejet sa mère pour construire son identité, et en même temps, Je vais la rechercher parce que c’est confortable. J’ai failli couper avec vous, J’ai failli rompre et non pas me séparer, comme Je l’ai est fait avec ma famille. Un jour J’ai décidé de prendre mon envol, J’ai également généré la rupture avec eux. Aujourd’hui Je me sépare d’eux, c’est encore difficile de plainer sur le quai, parce que Je les aime et qu’ils vout me manquer. D’autaut plus que Je n’ai plus vraiment besoin de mettre 2000 kilomètres entre nous pour pouvoir prendre mon envol. J’ai juste besoin de me séparer d’eux pour retourner á ma vie…»3 No desenho que procede o terminar da sua psicoterapia é notório o sentido reparado do equilíbrio estético. 2 -“Sinto-me feliz em poder dizer-lhe que estamos fazendo o necessario para termos um bebê. Sinto-me feliz em poder dizer-lhe que estou feliz | Quando estou sozinha, saboreio egoisticamente esta idéia e desfruto de todas as deliciosas emoções que ela desperta em mim... O que sinto neste momento não deixa nenhum espaço ao meu passado, como pude perceber agora ha pouco... 3 - Sinto-me como uma criança que rejeita sua mãe para poder construir sua identidade e, ao mesmo tempo, vou procura-la porque é cômodo. Consegui cortar relações com você, consegui romper sem me separar, como ja tinha feito com minha familia. Um belo dia decidi bater asas e voar. Eu também causei a ruptura com eles. Hoje em dia, estou me separando deles e isto ainda é dificil.

267

268

- Um tronco de árvore forte, apesar de incorporar um buraco, que se assemelha a uma ferida, deixa espaço na folha de papel para um campo verdejante e florido de esperança, onde uma flor em particular, de entre as outras, se destaca sobre um céu luminoso. A situação da paciente que passo a descrever de seguida designei de:

- “ Um corpo diferente do meu”. Trata-se de uma mulher na casa dos 20 anos que no final da adolescência desenvolveu uma doença degenerativa do sistema nervoso. É um verdadeiro exemplo de coragem, face à dor profunda sentida pela perda progressiva de funções motoras, o que desencadeou períodos de desespero e depressão. A diminuição de autonomia, que se foi instalando insidiosamente fê-la sentir-se num corpo cuja representação se tornou difusa, um corpo diferente do seu até aí. O corpo transformado desencadeou em si um drama de não pertença fazendo-a sentir isolada e excluída pelos outros, o que agravava o tolerar da situação de dependência crescente. Numa das representa-ções pictóricas iniciais de si, após iniciar a sua arte-psicoterapia, vemos uma figura semelhante a um bebé em posição fetal, isolado e abandonado no canto de um enorme campo deserto onde ao fundo se vislumbra

um

moinho,

alusivo da mó esmagadora do destino, mas também do processo de transformação psicoterapeutica, que encetara com esperança de a libertar da sua dor e depressão e de aprender a lidar com a situação com que se vira confrontada, reinvestindo-se de competência. No

desenho

realizado

algumas semanas mais tarde vemos expresso a sensação emocional de esmagamento, consequente da dor física 269

que sentia na altura, inerente à sua doença neurológica. A figura humana representada aparece no meio de um ramo de flores, desenquadrado face ao ramalhete, alusão à beleza e potencialidade do mundo dos outros, que sentira deixar de pertencer. Entre lágrimas e manifestações de revolta e perda, vão estando, a pouco e pouco, presentes mais sorrisos. O desejo e disponibilidade interna de uma relação amorosa que lhe devolvesse o sentimento de ser amada vai crescendo. Esta esperança realizada é representada num desenho posterior em que contemplamos em primeiro plano duas figuras enlaçadas com o calor do sol como fundo. Tinha iniciado um namoro que evoluiu mais tarde para uma relação marital.

270

271

A alegria e o sobressalto da gravidez figura num desenho ulterior. Tal permitiulhe aceder às vivências e memórias da sua infância tanto aprazíveis como fragilizantes. Foi-lhe então possível aflorar os sentimentos de incompreensão, rejeição e afecto desadequado por parte da mãe, mas sem que agora se afundasse em sentidos de determinismo aniquilador. É então possível começar a solidificar o processo de reparação de si mesma, excitantemente iniciado antes.

272

Os exemplos pictóricos nos quais me baseio de seguida são relativos a uma sessão de um

grupo analítico de arte-psicoterapia, em cuja a dinâmica se

organizaram dramas de não aceitação. Designei-a de:

- “Dramas partilhados de não aceitação”. Em determinado período do processo grupal começaram a surgir movimentos de luta e fuga intensos entre os membros deste grupo: - Manifestações de descontentamento face à incapacidade de compreensão dos outros membros do grupo; - Sensação de não se enquadrarem naquele contexto com desejo de interromperem a psicoterapia; - Ausência de fenômenos de ressonância e de espelhamento pela parte dos membros do grupo, que esperavam que cada um acabasse de falar para então verbalizarem aspectos subjetivos individuais desligados dos restantes; - Eleição de bodes expiatórios os quais tinham um papel ativo no provocar das atitudes agressivas, rejeitantes e de exclusão pelos demais; - Falta de equatividade na partilha do tempo da sessão, que era monopolizado por alguns; - Silêncios prolongados de alguns membros do grupo que durante várias sessões permanecem excluídos da comunicação verbal; - Ausências frequentes às sessões, indiciantes de auto-exclusão; - Lutas sibelinas pela obtenção da atenção empática do psicoterapeuta que se procurava que adotasse uma posição de juiz reprimindo e rejeitando os outros a favor da razão de que se pretendia ser detentor; - Queixas frequentes de rejeição, desvalorização, abandono e maus tratos por pessoas das suas vidas de relação, reais. A sessão que pretendo ilustrar representou o culminar perlaborativo das dinâmicas de não pertença ativadas na matriz grupal e incorporadas nos fenômenos

transferências

colaterais

e 273

transmediadores.

Mais

próximos

da

significação daquelas, o que se constatou por ligações estabelecidas pelos membros do grupo, com referências aos padrões objetais genético-evolutivos e sinalização dos mesmos nos relacionamentos intra-grupais, tornou-se possível interpretar o paradoxo de exclusão que existia no grupo. Todos os desenhos que apresento foram realizados nesta sessão.

O primeiro desenho foi realizado por uma paciente que sofreu abandono precoce pelo pai, que a rejeitou e excluiu da sua vida. Tinha a sensação de que os relacionamentos afetivos da sua vida inevitavelmente culminariam em situações de abandono, desapontamento, rejeição e mesmo exclusão. No desenho vemos uma figura humana que percorre um caminho em direção a uma outra figura e estende-lhe o braço (sem mão). A outra personagem, a negro e envolta numa linha vermelha, parece estar caída e envolvida por um rosto fantasmagórico. Há aqui alusão à sua motivação de socorrer e reabilitar aquela representação de si como sendo potencialmente abandonada e rejeitada, embora não se sentindo ainda com recursos (mãos) para tal. 274

O segundo desenho é de uma mulher que sofrera a perda da mãe por morte, no início da sua vida adulta e da sua sexualidade. O sentimento de culpa pela morte da mãe persistia impedindo-a de elaborar o luto e motivando um sentimento profundo de inferioridade enquanto mulher. Tal implicou numa incapacidade de se sentir valorizada com as suas realizações e em sentimentos de ser depreciada e minimizada pelos outros, o que a levava a auto-excluir-se em contextos sociais. A necessidade de defender o bom objecto materno idealizado infantil, para subsistir ao trauma da perda do objecto real, teve como consequência uma posição regredida face à sexualidade, manifesta em incapacidade orgástica no coito. No seu desenho vemos um olho enorme, representativo do olhar da mãe, que da morte a observa. Em sua casa tem espalhadas múltiplas fotografias da mãe ampliadas e enquadradas. Envolve o olho uma coroa de flores e folhas, alusão à idealização duma mãe incapaz de ser igualada. No canto inferior esquerdo há uma lágrima, associada a dor da perda. 275

O desenho seguinte é de outra paciente que foi internada num colégio durante a adolescência, estando os pais fora de Portugal. Tal fê-la desenvolver sentimentos de abandono, isolamento, incompreensão e exclusão da família que determinaram a ocorrência de episódios depressivos graves a partir do final da adolescência. Compensara parcialmente aqueles sentimentos com uma atitude aplicada nos estudos, onde tinha bons resultados, expressão do desejo de manter o amor dos pais distantes, agradando-lhes e como forma de aplacar a agressividade punitiva dos professores e cuidadores do internato. No seu desenho vemos várias prendas (que curiosamente são no número correspondente aos membros do grupo, com ela inclusive e o psicoterapeuta). Naquelas está expresso, simultaneamente, o seu desejo de prendar com agrados os outros, de forma a assegurar o seu afecto, e o seu desejo de preencher o seu vazio de afeto com prendas de afeto por parte dos outros (o que quando não era possível compensava com compras compulsivas). Nas penas dispersas está expresso o seu penar depressivo. Esta paciente utilizava comportamentos exuberantes e excêntricos como forma de marcar a diferença dos outros, mas também como modo de cativar a sua atenção. No entanto, o que frequentemente obtinha eram respostas depreciativas e rejeitantes, ao que reagia com uma raiva narcísica intensa. Mantinha um sentido de justiça taliónico (da “pena” de Talião) e uma empatia intensa para com as crianças e adolescentes, com quem trabalhava, mal tratadas e negligenciadas pelos pais ou professores, envolvendo-se em cruzadas de defesa daquelas. 276

O paciente do desenho seguinte é de um homem na casa dos 30 anos, muito receoso dos envolvimentos amorosos e outros em geral, votando-se a uma vida algo isolada. O isolamento era sustido através de uma atividade criativa intensa, quer musical, quer de criações pictóricas digitalizadas. Sentiu ter uma mãe excessivamente dedicada e cuidadora, que frequentemente lhe referenciava os outros fora da família como potencialmente perigosos. O pai foi sentido como rejeitante e desvalorizativo. No final da adolescência, de forma a autonomizar-se e preservar o sentido de identidade, bem como a coesão, do si mesmo, encetou um processo de rejeição e ataque violento aos imagos parentais idealizados. Neste desenho, vemos de um lado uma forma monolítica, representativa do baluarte da sua liberdade, no qual parece originar-se a musicalidade, que parece mediar o espaço que o separa dos outros mantidos à distância, por serem sentidos como incertos, aprisionantes e potencialmente atacantes da sua auto-estima ou abandonantes (em particular as mulheres).

277

Desta série, o desenho final, é de uma paciente cuja representação prevalecente do pai era como tendo sido muito autoritário exigente e punitivo, sentindo-se submetido por ele a potenciais ameaças de violência física. A mãe é descrita por ela como uma mulher carente, afetivamente frágil e inconsequente, que se aliava com os filhos contra o pai tirano. Os filhos seriam usados por ela para preencher o seu vazio de afeto. Nas relações amorosas da adolescência e adultícia desta paciente, repete-se uma sensação de incompletude no sentir-se amada pelos namorados, por quem se sente usada sexual e afetivamente (para o que de certo modo contribui ativamente). Todos os seus relacionamentos afectivos terminaram com a mágoa de não se ter sentido correspondida e completada relativamente às suas necessidades de amor. O seu esvaziamento de amor tenta ser compensado com realizações intelectuais e artísticas, reconhecidas como tendo uma intenção fantasiada de agradar ao pai e deste modo obter a sua validação e valorização. Aquele vazio de amor teve mais recentemente tradução em psicossomatizações, nomeadamente uma anemia grave e prolongada, associada a depressão, que a levou a isolar-se e a restringir a sua vida de relação. Nesta fase mais actual da sua vida ocorrem toda uma série de circunstâncias relacionais que a fazem sentir rejeitada, atacada e excluída. A forma central que se observa no desenho, que realizou nesta sessão de grupo, é denunciante do sentimento de incompletude

278

no amor, e de não encontrar na relação com os outros a forma de amor que correspondesse à forma almejada por si. Faz-me lembrar aquelas jóias em forma de coração, com duas metades que encaixam, guardando cada um dos amorosos a parte correspondente ao amor do outro. Só que aqui as metades não se completam, tal como ela tinha a sensação de não ser completada pelo amor dos outros. O mais provável seria, ao contrário, ser excluída. Complementam o desenho, num dos lados um fundo quente e luminoso possível alusão ao ideal de envolvimento amoroso, e no outro, em oposição, um fundo aquoso, sujo, eventual referência à ambivalência em relação aos objectos de desejo que, se apesar de excitantes, são sentidos como potencialmente esvaziados do afeto que necessita (sujos). A última questão que coloco, à laia da conclusão, é:

“Tendo em conta o exposto anteriormente sobre as dinâmicas do paradoxo da exclusão, que condições tornarão possível a aceitação de si mesmo e dos outros, bem como a construção de um sentimento de pertença bem integrado?” Como podemos depreender do refletido anteriormente, o jogo das dinâmicas do indivíduo com os dogmas culturais e contextos sociais levará a um leque de “lugares sociais”, que poderá variar desde a adaptação estrita às convenções sociais, como modo de garantir a aceitação pelos outros e o sentimento de pertença, até à situação de auto-exclusão, consequente a um sentimento profundo de não pertença ao “sistema” (seja ele familiar, social, laboral ou geral). Mais uma vez encontramos no Tao-Te-King: “Hesitantes como quem teme os seus vizinhos; reservados como um convidado; instáveis como o gelo que funde; concentrados como o tronco da madeira bruto; extensos como o vale; turvos como a água lamacenta”. Algures naquele leque, encontramos aqueles cujos contextos de diferença, quer por deficiência, quer por doença, os levam a desenvolver fortes sentimentos de não pertença, apesar de necessidades intensas de aceitação. Noutro local 279

teremos os “comuns” de nós, relativamente adaptados, mas em permanente risco. Logo ao lado, indivíduos com situações de fobia social, depressão, hipocondria, perturbações border-line da personalidade, entre outras nosologias, aparentemente bem integrados socialmente, mas que padecem de situações do

foro

psicopatológico

e

procuram

tratamento

psicoterapeutico,

vivendo

frequentemente dramas internos de não pertença ou não aceitação. Em vários dos meus pacientes com hipocondrias constatei a ocorrência de vivências na infância de abandono ou rejeição, quer devido a depressão materna, quer por simultânea ausência ou corte de relação com o pai. Os pacientes com fobias sociais ou personalidade evitantes encontram-se comprometidos num permanente drama de não aceitação. Com frequência, encontram-se referências na sua história pessoal de figuras parentais pouco aprovadoras e valorizativas, bem como muito exigentes e com pouca capacidade de contenção da ansiedade dos filhos. Noutros momentos estes pais são paradoxalmente sedutores. Nas situações de perturbações border-line, a alternância de idealização e desidealização dos outros, bem como a pressão para passagens ao ato, leva-os frequentamente a situações de exclusão. Autores psicanalíticos comparam os padrões de relacionamento objetal destes pacientes com falhas ocorridas na fase de reaproximação de Mahler, em que a criança por volta dos 18 meses, após ter ensaiado o processo de separação da mãe, necessitando de se aproximar novamente dela, não a encontra disponível e sustinente. Por sua vez nos doentes deprimidos, particularmente aqueles com depressão maior, constata-se uma atitude marcada de auto-exclusão, inerentes aos sentimentos de desvalorização, ruína, isolamento e ideias de suicídio. Nestes, a par dos sentimentos de não pertença, encontramos uma atitude de não aceitação dos outros e da realidade da existência, denunciante da ação sabotadora de um objeto interno de relacionamento atacante ou persecutório. Em todas as situações de “paradoxo de exclusão”, independentemente de estratégias técnicas apropriadas, sociais, pedagógicas ou psiquiátricas, é necessário fornecer uma “substância unificadora ou agregadora”. Os elementos dessa substância afetiva, unificadora, propícios ao sentimento de integração e pertença, são a aceitação incondicional, a tolerância, a compreensão empática e dialógica, bem como o afeto amoroso. Tais são as condições básicas e necessárias dum contexto psicoterapêutico, quando se trabalha com pessoas que têm dinâmicas vivenciais intensas de “paradoxo de exclusão”. 280

Encontramos no Tao-Te-King: “ Quem combate por amor, triunfa; Quem se defende por amor, mantêm-se firme; O céu socorre-o e protege-o com amor.” Trabalhando-se com pessoas com dinâmicas do drama de não-pertença, maior

ênfase

será

necessário

colocar

naqueles

elementos.

Uma

atenção

acurada à contra-transferência será necessária, já que aquelas pessoas poderão potencialmente desencadear sentimentos de não-aceitação no psicoterapeuta. Ideal seria que a própria sociedade, fosse capaz de possuir em si os pressupostos dos elementos da “substância aglutinadora”. No entanto, pelo contrário, todas as sociedades contêm em si, pressupostos rígidos de não aceitação, baseados nos códigos morais e legais, mesmo aquelas em que a ritualização simbólica e simbiótica facilita a integração. Até nos grupos de animais com uma estrutura hierarquizada, como os símios, em estudos etológicos efetuados, verificouse que aqueles que ocupam um lugar mais baixo na hierarquia ou que são excluídos pelos outros membros do bando, têm menos hipóteses de ser bem sucedidos na reprodução e sobrevivência. Em particular nos chimpanzés, por exemplo, observou-se que quando o líder é deposto, ele se isola, evidencia um comportamento deprimido, deixa de se alimentar e acaba por falecer. Tenho muitas reservas em relação à capacidade da nossa sociedade atual (do “capitalismo decadente”, na acepção de Mário Soares), de fornecer elementos da substância aglutinadora, salvo excepções e também quanto à apetência de muitos indivíduos excluídos serem permeáveis à sua assimilação. A arte, enquanto fenómeno social e individual acessível a todos, poderá funcionar como um agente catalizador daquela substância aglutinadora, e deste modo contribuir para a restauração do “lugar social” dos indivíduos excluídos. Este conceito de restauração da ligação social tem sido principalmente defendido por arteterapeutas e psicanalistas lacanianos, franceses, ligados à intervenções terapêuticas criativas, em particular aqueles que trabalham com pacientes psicóticos. Segundo aqueles que se fundamentam nas acepções de Lacan, o problema fundamental da psicose reside na forclusão do Nome do Pai. A forclusão apenas se 281

sustenta no significante da criação e funciona paradoxalmente na psicose, como uma pressão para criar ou delirar. A criação artística (particularmente integrada no contexto do atelier terapêutico) pode funcionar como sustinente preenchendo o local na mente do significante forcluído. Aquele sustinente contribuirá para a reparação dos três registos: - Imaginário: Como objeto imaginário. - Simbólico: pela lógica própria à técnica artística. - Real: pela produção de obras cuja autenticação no campo do outro permite ao psicótico uma “restauração da ligação social” (René Pandelon). Quanto a mim, a falha do significante (simbólica) do nome do pai ocorre em todas as situações de “paradoxo de exclusão”. Nas situações mais graves de perturbações anti-sociais, sem abrigo e psicoses ocorre a forclusão marcada do Nome do Pai e da Lei que lhe é inerente. O indivíduo não possui significação nominal, nem é empossado da Lei que lhe confere uma identidade e ligação social. Em outras situações menos graves ocorre uma integração frágil ou perda temporária de representação do significante validado pelo terceiro. À potencialidade terapêutica da arte, inerente ao fornecimento de sustinente facilitador da assimilação de significantes, denomino de função integradora da Arte. CONCLUSÃO Iniciando-se a vida com uma luta pela integração e aceitação, consequente do trauma da exclusão do ambiente uterino, luta essa que se prolonga por toda a existência, culmina com a derradeira exclusão da vida – a morte. A avassaladora angústia da exclusão da morte acompanha o homem desde os imemoriais primórdios da tomada de consciência do ciclo de vida e é sentida por todos nós. As diferentes concepções religiosas e espiritualistas procuraram e procuram fornecer crenças que sustenham aquela angústia, providenciando um sentido de continuidade e inclusão. Nas religiões mágico-animistas encontramos a ideia de retorno do espírito à natureza. Em religiões de sociedades mais atuais encontramos ou as crenças de renascimento da alma, providenciando a sua purificação, até à unificação com a essência divina ou o repouso eterno no 282

paraíso divino, fornecendo qualquer delas um sentido de vida após a morte. No entanto, a maioria das religiões com códigos morais e sociais mais elaborados prevêem a possibilidade do inferno ou do limbus, onde as almas, daqueles que cometeram acções passíveis de os tornar excluídos da sociedade, incorrerão na pena de exclusão da plenitude da vida após a morte. Assim, mesmo perante a morte continuamos em risco de vivenciar o nosso drama da não pertença. No meu entender, só o sentimento de esperança criativa nos sustem ligados à vida, apesar das inevitabilidades maliciosas da realidade. Apenas aquele sutil e tênue sentimento de esperança criativa nos fornece um sentido de continuidade e ligação suficientemente coesos para suportar e inovar a transitoriedade. É precisamente este o fim último da nossa ação em Arte-Psicoterapia: - Ajudar os nossos pacientes a desbloquearem e desenvolverem a sua criatividade, que aplicada à expressão artística, lhes permitirá suster as suas angústias existenciais, descobrindo em si a fonte de novas significações que lhes possibilitarão um sentido de integração, para além dos códigos existenciais a que foram condicionados. Rui Carvalho é médico e preside a Sociedade de ArteTerapia de Lisboa - Portugal

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, RUY. O polimorfismo da arte de sonhar ser, 2001. CARVALHO, RUY A arte de sonhar ser. In: ArteTerapia, Coleção Imagens da Transformação, nº 8 – 2001. RJ, 2002. CARVALHO, RUY. Matizes técnicas da criação artística no contexto relacional terapeutico, 2003. CARVALHO, RUY. Alimento de si para si mesmo – A função nutridora da arte, 2004. CARVALHO, RUY. As funções terapêuticas da arte, 2004. CUNHA, ANTÔNIO

GERALDO.

Dicionário

Etimológico

Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2ª Edição. Editora Nova Fronteira. 14ª Impressão, Abril de 2001. 283

PANDELON, RENÉ; ROUX, D.; LUSTIG, N. Psychose, Style et Suppléance. ����������������������������������������� In: La Revue Française de Psychiatrie et Psychologie Medicale. Nº 11. Octubre, 1997. PANDELON, RENÉ; TETREL, R.; Loukil, N.Co-animation, Pluridisciplinarité et Fonction Phorique. Montfaver,Juin 2000. TSE, LAO. Tao Te King. �������������������������������� Editorial Estampa. Lisboa, 1977.

284

285

DOS CACOS À REDESCOBERTA DE UM LUGAR NO MUNDO: O RELATO DA TERAPIA DE UM HOMEM DE 77 ANOS

From the pieces to rediscovery of a place in world: A therapy relate from a 77 years old man.

Vanessa Coutinho  RESUMO A autora relata uma experiência de trabalho terapêutico com cliente idoso. Registra seu processo de transformação, da percepção do sentimento de desqualificação até o momento em que o resgate da auto-estima se expressa através de descobertas de novas atividades e novos papéis sociais. ABSTRACT The authoress relates an experience of therapeutic work with an aged patient. She registers his transformation process that began with the perception of the feeling of disqualification. She relates his process that culminated in a movement to rescue his self-esteem that was expressed through the discovery of new activities and new social roles. Francisco (nome fictício) chegou ao grupo terapêutico aos 77 anos de idade. Veio por sugestão dos filhos, que começaram a se preocupar porque, após um convívio de mais de 50 anos, sua esposa havia falecido. Segundo eles, Francisco havia se tornado “distraído e descuidado” (SIC), o que poderia provocar acidentes tanto em casa quanto na rua. Os filhos também sugeriram que Francisco contratasse dois acompanhantes, que se revezariam em dois turnos de 12 horas, para que eles tivessem a certeza de que o pai sempre estaria sob os cuidados de alguém, que, inclusive, poderia ajudá-lo em suas tarefas rotineiras, como ir ao banco, pagar contas, fazer compras e outras. Ele não aceitou a proposta, preferindo manter a senhora que trabalhava para o casal há alguns anos, o que significava companhia apenas na parte da manhã, de segunda-feira a sábado.  O grupo do qual Francisco passou a fazer parte encontráva-se duas vezes por semana, e era composto por dez pessoas, de faixas etárias diversas. Ele vinha sozinho, e sempre demonstrou organização suficiente para cuidar de si mesmo. No ato do contrato, pediu para pagar as sessões mensalmente, e sempre trazia o valor no dia correto, já separado em um envelope no qual anotava o número de sessões no mês e suas respectivas datas, para facilitar o meu controle. Quando 286

percebia que, para obter algum resultado em seus trabalhos necessitaria de material específico, pedia para que eu providenciasse e, caso isso não me fosse possível, perguntava onde poderia adquiri-lo.  O trabalho arteterapêutico em grupo parecia fazer muito bem a Francisco. Em uma das sessões falou-nos de como havia passado os últimos dez anos se dedicando ao cuidado com a esposa, que, após um problema de saúde, não conseguia mais ter autonomia nas mínimas necessidades do dia-a dia, como alimentação e higiene. Francisco compartilhava conosco sua confusão quanto ao lugar que ocupava no mundo neste momento, pois, afinal, uma década havia se passado quase sem que ele pudesse perceber, e durante este período pouco tempo teve para olhar para si mesmo, uma vez que o cuidado com o paciente acamado é sempre uma tarefa muito intensa, tanto física quanto emocionalmente.  No primeiro encontro foi oferecida a cada integrante do grupo uma folha grande de papel e alguns materiais de desenho, para que experimentassem livremente, deixando fluir a criatividade. Após a costumeira pausa de que muitos adultos precisam para se autorizar a pegar um giz de cera e começar a rabiscar o papel, todos foram, cada um a seu tempo, produzindo imagens. Todos menos Francisco. Ele olhava atônito aquele material à sua frente, modificava a posição da folha sobre a mesa, examinava cuidadosamente os lápis coloridos, como se nunca antes tivesse visto objetos semelhantes. Chamou-me e perguntou o que deveria desenhar. Esclareci que não havia regras quanto a isso, que ele poderia produzir quaisquer imagens que desejasse, ou até mesmo apenas testar no papel as possibilidades do material. Francisco continuou imóvel. Muito cedo, em meu ofício de terapeuta, aprendi a prestar cuidadosa atenção às minhas próprias sensações quando em contato com o cliente. Naquele momento, a sensação que eu conseguia identificar era a opressão. Francisco, enfim, tomou coragem e perguntou: -Não tem um modelo?  -Modelo?  -É. Um modelo para eu copiar...  No decorrer do processo, Francisco falou ao grupo a respeito de sua percepção de que, para seus filhos, ele era alguém desprovido de inteligência, alguém que se 287

saía muito bem apenas em trabalhos que não necessitassem de muito raciocínio. Sua esposa, essa sim, era tida como uma pessoa brilhante e culta. Francisco, por toda a vida, trabalhou no comércio. Depois, com a enfermidade da mulher, foi assumindo, cada vez mais, uma posição de submissão. Acabou por nos dizer o quanto percebia a companheira como uma tirana, que costumava gritar seu nome a qualquer hora do dia ou da noite, sem se preocupar se ele estava ou não fazendo alguma coisa, e o quanto essa coisa podia ser importante para ele.  Algum tempo mais tarde, Francisco sofreu uma queda. Nada muito grave, porém, por um tempo, não poderia ir ao local dos encontros do grupo. Pediu que passássemos a trabalhar em sua casa, em sessões individuais. Percebendo o quanto a terapia vinha sendo importante para ele, aceitei a proposta. Se, por um lado, ele perderia com a falta das parcerias do grupo, por outro, poderíamos investir em materiais e técnicas mais específicas às questões que ele precisava trabalhar.  Em determinado momento, Francisco manifestou seu desejo pela produção de “coisas úteis” (SIC). Perguntei o que ele queria dizer com isso. Explicou-me que gostaria de criar objetos que pudessem ter alguma função no dia-a-dia de sua casa. Ter uma função parecia ser a questão mais presente. Podemos entrar em uma discussão sobre o que é ter função num “setting” arteterapêutico, mas isso não seria útil à exposição. Para Francisco, reinventar um papel era o ponto de salvação.  Começamos a trabalhar com reaproveitamento de materiais, no caso, folhas de jornal, que eram enroladas e moldadas a partir de um palito comprido feito de madeira, produzindo rolinhos bastante resistentes, com os quais Francisco construía, de acordo com suas possibilidades e imaginação, os mais diversos objetos, como porta-retratos, molduras para quadros, cestos para revistas. O “jornal velho”, material usualmente considerado lixo, ao servir de matéria-prima para os rolinhos, readquiria um valor, embora bastante diverso do original, mas nem por isso menos útil.  Muitos objetos fez Francisco com essa técnica. Eu chegava à sua casa e, normalmente, já o encontrava com todo o material sobre a mesa, inclusive diversos rolinhos já prontos, cada vez mais bem-feitos e regulares. A transformação do jornal velho (que após modelado recebia tratamento com base acrílica e tinta, 288

para que desaparecessem completamente as letras) em uma forma totalmente diferente e novamente útil, parecia abrir novos caminhas à frente de Francisco. Sem perceber, ele já se familiarizara com a possibilidade de criar. Planejava, buscava os materiais necessários, fazia as adaptações devidas. Imaginava e construía. Criava e se organizava.  A trilha que traçamos levou-nos a experimentar o mosaico com cacos. Francisco descobriu, no alto de um armário na área de serviço, vários azulejos quebrados (mais uma vez, material “velho”, “inútil”), que eram envolvidos em pedaços de pano. Depois recebiam marteladas até serem completamente transformados em cacos. Da ordem existente até então, criava-se o caos. Quantas vezes é assim que sentimos a nossa vida? Cremos ter tudo em perfeito molde e, de repente, algo se quebra. Então, precisamos, a partir dos cacos/caos construir uma nova ordem. E era isso que Francisco fazia, unindo os pequenos pedaços de azulejo. Um dia, diante de uma obra recém-concluída, perguntou: “por quanto você acha que eu poderia vender caixas como esta?”. Surgia o desejo de retomar uma atividade profissional, qualidade tão valorizada em nossa sociedade. Voltar ao conhecido trabalho com vendas, só que, dessa vez, a venda de objetos produzidos por ele, únicos, todos com sua “assinatura”. A cada dia, Francisco se empenhava mais em descobrir os melhores lugares para adquirir material, em aprimorar a técnica, em inventar algo diferente. O prazer envolvido nessa atividade era visível, até para os mais desatentos observadores. Diante deste momento, muitos poderão dizer: “a busca do belo, a preocupação com a estética, a produção para o comércio? Então já rompemos com a proposta da arteterapia!”. E eu posso completar: que bom! Esperamos de um processo terapêutico algo que se aproxime da promoção e manutenção de saúde. E se Francisco, ao redescobrir razões para sua vida, transforma o espaço da terapia em espaço de produção de um novo papel social, e isso lhe faz bem, só posso concluir que acertamos. Que soubemos, juntos, conduzir o processo. E, mais uma vez, que a possibilidade de criar é uma grande condutora na busca do sagrado encontro com o si-mesmo. E esse encontro, ainda que não seja fácil, é fundamental. Vanessa Coutinho é Arteterapeuta (AARJ 093), Psicóloga (CRP 05/22161), Psicopedagoga, Autora do livro “Arteterapia com crianças” – (WAK Editora)

289

290

ARTETERAPIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UMA EXPERIENCIA NA UNIVERSIDADE DA TERCEIRA IDADE EM EXTREMADURA / ESPANHA

Art therapy and human development: A experience on the University of 3rd years in Extremadura / Spain

Wanderley Alves dos Santos

Resumo Este trabalho relata a experiência de um arteterapeuta em uma universidade da terceira idade na Espanha. E algumas observações de campo que pode enriquecer as reflexões sobre a importância da Arteterapia para a saúde e desenvolvimento humano. Abstract This work is about speak of the experience whit Arte therapy in the University of 3rd years in the Spain. This observation of date can be very important for reflections about Arteterapy for health and develop human. A UEX (Universidad de Extremadura) está legalizada na cidade de Badajoz, Espanha, fronteira com Portugal. Extremadura é uma das maiores regiões da Espanha com vocação agrícola, mas, por mais de vinte anos tendo uma explosão de desenvolvimento urbano e Educacional, promovido pela União Européia, assim, por mais de vinte anos em franco desenvolvimento urbano e utilizando tecnologias de ponto em vários setores A UEX desenvolve um programa

de universidade para a terceira idade sob

a direção do Prof. Dr. Florentino Blasque Antonado, para quem oferecemos um projeto de conferências

de Arteterapia, por ocasião de nossa visita àquela

Instituição espanhola. E tudo aconteceu dentro de uma sincronicidade yunguiana, por assim dizer. O processo foi desenvolvido em quatro estágios: primeiro contato, metodologia, conferências, avaliação: Primeiro Contato Um fato inusitado aconteceu quando fomos tratar dos detalhes da organização das conferencias, logo no primeiro momento que chegamos no instituto de 291

Educação da UEX acompanhados do diretor da Universidade da Terceira idade, Prof.Dr. Florentino B. Antonado, sua secretaria informou que havia um contratempo naquele momento que faltara um professor por motivo de força maior, e

uma classe,

com mais de 40 alunos, estaria sem professor naquele

instante. O Diretor não teve dúvidas, olhou para mim e perguntou se teria condições de ministrar naquele instante uma conferência. O prof. Dr. Florentino B. Antonado, também, é diretor do doutorado em Ciências da Educação, curso do qual sou aluno. Daí a confiança em fazer o convite, apesar de não ter claro o que era a Arteterapia, mesmo assim, nos depositou um voto de confiança. Como já estou habituado com esse trabalho de conferências e já estava preparado para desenvolver este tema não tive dúvidas, aceitei o desafio e naquele mesmo instante, fomos para sala onde se encontravam os estudantes “mayores”, como são chamados em Español. Fui apresentado a todos, sendo explicada a minha súbita presença naquela memorável tarde. Daí para frente o diretor me deixou na sala com todos e se retirou. Metodologia Na seqüência de atividades introduzimos o tema Arteterapia e Desenvolvimento Humano. Apontando as bases históricas e epistemológicas da Arteterapia e num segundo momento uma parte prática. Por uma hora relatei sobre questões objetivas e metodológicas da prática arteterápica e seus benefícios para a pessoa humana. Num segundo momento apliquei

uma

dinâmica

que

se

mostrou

bastante

eficiente,

pois,

todos

demonstraram vivo interesse pela atividade criativa. Nesse particular, a parte prática, procurei despertar o que de melhor havia na memória dos participantes pedindo, depois de um relaxamento dirigido, que dessem forma visual a uma vivência marcante e prazerosa de suas vidas, através do desenho artístico. Sendo que isso deveria ser feito dentro de um circulo . Todos se engajaram na atividade e ao final houve uma surpreendente participação e alegria geral. É importante lembrar que são alunos da Universidade da Terceira idade, senhora e senhores entre 50 e 70 anos, numa fase diferente da vida, onde a reflexão e a busca de significado da vida esta sendo revisto, reavalidado. Todo trabalho objetivou atingir um núcleo de revitalização pessoal e auto292

estima (Golineli, 2000). O êxito desse eixo foi impressionante. E ao final desse processo, utilizei um recurso sonoro para induzir a todos a um estado de tranqüilidade, convidei-os a cantar comigo, como tenho experiência em música, e, também, como fiz um curso de extensão em

fundamentos de musicoterapia,

me senti habilitado para , naquele instante, fazer um “cruzamento de técnicas”, assim, utilizei, um trecho da música “conquista do Paraíso” vocalizado. Logo todos, muito entusiasmados, conseguiram vocalizar também, daí a instantes se tinha um coro de 40 vozes ressoando dentro da instituição. Foi um impacto muito grande e inesperado. Muitos vieram ao final comentar da alegria de ter vivido aqueles momentos, viso-musicais: O arteterapeuta e o musicoterapeuta devem trabalhar juntos? Essa é uma questão para se meditar. Orientei que todos deveriam, em suas residências dar uma forma mais estética para as concepções visuais evocadas naquele instante e deveriam enviarme, depois, os trabalhos “mais elaborados através de uma técnica artística a escolher”, e todos se colocaram com vivo interesse para executar esse propósito. Conferências. Ao término dessa “conferência-experiência” o professor Dr. Florentino B. Antonado me chama à porta da sala onde nos encontrávamos, vivamente entusiasmado, me dizendo que havia tido grande êxito e que muitos alunos o haviam procurado, logo ao término de nossa atividade, para relatar o acontecido. E que ele, enquanto diretor, estava me convidando, por tanto, para mais 3 (três) conferências

em outro campus da Universidade: cidade de Zafra, Mérida1 e

depois outra, novamente em Badajoz, na Faculdade de Educação. E o mesmo êxito foi repetido na demais experiências encetadas no decorrer do programa proposto. As demais conferências foram enriquecidas com data show e uso de fotos tiradas, por mim, de regiões da Espanha, uma foto de Barcelona, outra de monumento em Badajoz, Mérida e Zafra.. Esse detalhe é importante destacar pois, utilizei fotos da região para iniciar a exposição, destacando o que de grande foi feito por pessoas, ponto de partida de nossa conferência. Essa estratégia foi bastante interessante, pois, através da imagem de um detalhe importante da região onde estávamos fazendo a conferência, se estabeleceu, assim, um “link mental” 1 Mérida, capital de Extremadura onde se encontra importante exemplo de sítios arqueológico de arte romana.

293

com os participantes que logo de início se identificavam

com o imagético

oferecido e em seguida facilitava o contato com o tema que propunha, que era novo para todos naquela região. Avaliação A ultima conferência foi feita numa cidade chamada Zafra, próxima a Badajoz, e foi particularmente, rica. Fui acompanhado por um professor, Don Miguel, que faz parte da direção da “Universidad

de los Mayores” · que nos conduziu até

a região onde há um campus da referida Universidade. Porque foi importante essa experiência, no que toca as demais? Por que, simplesmente, Dom Miguel introduziu uma variável na situação que desconhecíamos. Ele havia convidado uma senhora para participar da conferência em Arteterapia naquela região, pois, estava muito necessitada, com francos sinais de depressão e desesperadora apatia geral pela vida. E ao final da atividade proposta, Dom Miguel, me informou que fora procurado pela sua convidada e seu marido. E com surpresa foi informado que depois daquele trabalho de Arteterapia, ela havia, surpreendentemente, melhorado. E teria afirmado:”... foi preciso vir

um

brasileiro e a Arteterapia, para ajudar-me. “ Ouvi, pessoalmente, o relato impressionado, pois, tudo fora feito sem meu prévio conhecimento. Para Dom Miguel, segundo seu próprio relato, não havia dúvidas que nossa atividade Arteterápica havia promovido melhoras visíveis e profundas na referida personagem e no ânimo geral. E, o entusiasmo do próprio era visível por causa disso. Particularmente, nessa conferência de Zafra,introduziu-se uma outra situação utilizou-se ao final do trabalho um áudio visual com músicas de um cd, com som de “violão espanhol”. Os visuais projetados da tela de um notebook, eram

imagens ampliadas do “windows media players”, pedi para que todos

centrassem sua mente nas imagens em movimento e ouvissem a música. Neste ponto é importante destacar que a sugestão para usar esse recurso,.cd e imagens do mídia players, veio da Arteterapeuta Rinalda Golineli, que acompanhou todo planejamento das atividades. As imagens eram de estilo “mandálicas” e quando ampliadas tornaram-se extremamente belas de ver. Um outro detalhe é que ao final da projeção todos foram convidados a dizer uma palavra “forte” como num grande jogral. Cada um escolheu a sua palavra como por exemplo: amor, sucesso, 294

alegria....assim, por diante. Essas

variáveis

combinadas

com

o

relaxamento

e

indução

verbal

à

autoconfiança teriam sido os fatores que promoveram uma súbita mudança psicológica na referida personagem, que fora introduzida no ambiente, sem meu conhecimento? O campo para pesquisa está aberto e sem dúvida teremos gratas surpresas em favor da Arteterapia e sua metodologia. A Arteterapia na Universidad de los Mayores em Extremadura,na Espanha, sem dúvida, propiciou uma mudança real na vida das pessoas. E com certeza abriu caminho para novas e importantes pesquisas naquela região central da Espanha. A Arteterapia é uma ferramenta de grande valor como atividade de apoio para a terceira idade, promovendo verdadeiras oportunidades de soluções de conflitos psicológicos e colaborando para o crescimento pessoal, crescimento para o qual não há idade. Wanderley Alves dos Santos é arteterapeuta, professor de Artes Plásticas da Universidade Federal de Goiás/UFG do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação – CEPAE, Doutorando em Ciências da Educação – UEX – ES. Membro da Associação Brasil Central de Arteterapia e União Brasileira das Associações de Arteterapia

295

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENEZON, R. O. Manual de Musicoterapia. Enelivros, Rio de Janeiro, 1985. GOLINELI, R; SANTOS, W. Arteterapia na Educação Especial. Goiânia, Edição de autor, 2002. PAIN, S.; GLADYS, J. Teoria e Técnica da ArteTerapia. Compreensão do Sujeito. ArtesMedicas.Porto Alegre, 1996.

296

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