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Marcelo Cassara "Paladino"

Dicas de Mestre Dragão Brasil Especial

TRAMA

//\'/<' livro, assim como boa parte de minha carreira, é dedicado aos RPGistas de todo o Brasil. Sucessos decisivos a todos vocês.

Agradecimentos a: Rogério Saladino e J.M.Trevisan, por também escreverem algumas Dicas de Mestre e aliviarem minha barra. Awano, Petra, Fran, Akemi, Megumi, Edu, Vazzios, Riamonde, Reis e Jae, pela realização de um sonho. Joe, por acreditar (sei lá por que motivo) que eu poderia desenhar um título do Mangaverse. Gregorio, por Holy Avenger estilo Vertigo. Del Debbio e Norson, por ocasionalmente mandar notícias que alegram meu dia. Fernanda Gomes, por todas aquelas conversas sobre tijolos. Fernanda Ribeiro, por ser a primeira a notar. Sérgio Peixoto, pelo Animecon. Douglas Reis, por tudo que tem feito pelo RPG no Brasil. Rafael o Grande, Roberto o Maior, Chen, Zulu, Humberto e Gian, por aturarem um Mestre sem tempo para ler direito as aventuras antes de mestrar. .Joyce, Marco Poli, Feu, Neto, Urso e Betão, por aturarem Klunk o Bárbaro e outras de minhas excentricidades:

Sumário Apresentação . . .. . . . .. . . . .. . . . ... . . . .. . . . .... . .. .. . .. . . . .. . . .. . . ... . . 11 1 - Como ser um Mestre . . . ... . . . .. . . . ... . . .. .. . ... . . ... .. .. .. . 15 II - A morte dos heróis ......... .......... . . .. ..... ...... .. . .... 18 III - Quebrando regras . ... .. .... .. .. ... .. .. ... .. .. ... ... . .. .. . .. 22 IV - Overpower .. .. .. .. .......... .. ... . ...... .. .. ... ... .. ... .... .. . 26 V - Aventuras e campanhas..... .......... ................... 30 VI - Matar-pilhar-destruir ................................... 34 VII - Regulamentos . ... . ... . . ... . . . .. . . ... . .. .. . .. .. . ... . . . . . ... . 3 8 VIII - O único monstro ............ ..................... ....... 42 IX - M emórias . . ... .. . ... .. .... ... .. . ..... ... .. .. . .. ... .. . . . .. . ... . 46 X-Arena .........................................:............. .. .. .. 49 XI-O Vilão ............. ........................................... . 52 XII - Inteligência .. .. ...... .. .......... ... .... . . ... . . ... . . .. ... .... 5 6 XIII - Sortudos .. . . . ... . . . .. . . . ... . . .. .. . .. .. . ... . . . .. . . . ... . . . . . . .. 60 XIV - Demóstenes ...... ...... ........ .. . ...... ... . .. ... .. . .. .... 64 XV - Carisma ............................................ .......... 68 XVI - Longevidade................ ........... .. ............ ..... 73 XVII- Sangue novo .......................................... :.. 78 XVIII- Trabalho de equipe............. ....... ..... ... ..... . 82 XIX - Coadjuvantes. ..... ................ ....... ................. 87 XX - Traidores ... .. ... ..... ... ................ .. .. . .. . .. .. ... . . ... . 92 XXT - Gênese .. .. .. .... ..... ... ... .. ..... ..... ... .. ... . .. ... .. . ... . . 97 XXII - Gênese II ................ ............. .. .................... 104 XXIII - Gênese ll 1..... ............. ............................... 112 XXIV - Quando os dados rolam........................... 122 XXV - Deixando sua marca ............................ ...... 127 XXVI-Background ............................................ 132 xxvn - By Night ........................................ ........ 139 Glossário ................. .......................................... ... 149

Apresentação

Ser editor da Dragão Brasil tem sido uma experiência única. No início de meus tempos como jogador (fim dos anos 80, p<.: lo que me lembro), o cenário dos jogos de RPG no Brasil era bem diferente. Muito pouco se sabia sobre o hobby em nosso país. Quase lodos os jogadores eram estudantes universitários, com acesso a livros importados e domínio da língua inglesa. Eram poucas as livra' ias onde podíamos encontrar nossos jogos favoritos. Títulos em língua portuguesa podiam ainda ser contados nos d<'dos. Tínhamos Aventuras Fantásticas, série de livros-jogos que apresentaram o RPG para muitos de minha geração. GURPS, primeiro lftulo publicado pela Devir Livraria, que mais tarde se tornaria a 111aior editora brasileira especializada neste tipo de jogo. Tagmar, o primeiro jogo deste tipo criado e publicado por bras ileiros. E l>ungeons & Dragons, o primeiro e mais tradicional RPG do mundo, l'111 uma versão publicada em Portugal - sendo justamente este o primeiro Jogo de Interpretação com que tive contato. Obviamente, o número de RPGistas (palavra que nem existia na 1'poca) no Brasil era pequeno demais - nada comparado ao número 11

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

de jogadores de videogame, por exemplo. Revistas especializadas sobre videogames já existiam, mas não uma voltada para RPG. Jogadores veteranos talvez se lembrem da Dragão Dourado, uma revista em quadrinhos com histórias de fantasia medieval e um encarte sobre jogos de RPG. Mas era tudo. Parecia um cenário arriscado para se tentar uma publicação mensal, mas valia a pena tenLar. A revista Dragão Brasil teve início em 1994, com o nome Dragon emprestado de uma publicação importada (e devolvido pouco depois). Na época era toda em preto e branco, com ilustrações escassas (muitas minhas, no início) e diagramação simples. Mais parecia um fanzine de luxo. Os "membros fundadores" eram eu mesmo, Roberto Moraes e Grahal Benatti, dois antigos colegas de jogo. Destes, apenas eu não escolhi seguir outros caminhos. Parti para a empreitada já com alguma experiência como editor - em revistas de videogames - , mas não como editor de RPG. Nenhum de nós tinha muita idéia sobre como prosseguir. Não havia no Brasil nada parecido com esse tipo de publicação, nada que pudéssemos usar como base. Conhecíamos a Dragon Magazine, a Pyramid e outras revistas norte-americanas, mas o cenário do RPG eu seu país de origem era muito diferente do nosso. Por lá, tínhamos a dominação total de Advanced Dungeons & Dragons, enquanto no Brasil reinava GURPS, e Vampiro: a Máscara começava uma ascensão que levaria este j ogo ao topo da preferência nacional pelos anos seguintes. Grande parte do desafio em manter nas bancas a Dragão Brasil estava (ainda está) em descobrir aquilo que o público queria. Os jogos mais populares, os temas e gêneros, o tipo de material, a linguagem. Em certos períodos nossas páginas eram mais ligadas a jogos eletrônicos; em outros, mais voltadas à literatura, com resenhas e contos. A identidade da Dragão Brasil mudou muitas vezes, nem sempre agradando a certa parcela do público - mas, felizmente, sempre aprovada pela maioria. Nos dias de hoje, a Dragão Brasil tem como meta principal ser clara e acessível. Mostrar os jogos de RPG como algo simples, desfa-

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zero mito de "jogo complicado" ou "jogo de maluco" que tem causado tantos problemas ao hobby. Leitores antigos queixam-se da ausência de material avançado. Não os censuro, eles estão certos. Mas é o preço a pagar para que todos compreendam melhor o RPG e não tenham reservas quanto a ele. Ao longo da história da Dragão Brasil, descobrimos desde o infcio uma das seções favoritas dos leitores: as "Dicas de Mestre". Sem oferecer personagens, aventuras, magias, artefatos ou monstros, esta parte da DB tratava da resolução de problemas que surgem na mesa de jogo. Começou discreta, com uma página. Cresceu para duas, às vezes três ou quatro. E ganhou uma irmã, Troubleshooters - nome emprestado do jogo futurista Paranóia, para designar seus agentes especiais que resolvem os problemas do Complexo Alfa. Dicas de Mestre tinha, no início, apenas textos meus - somente muito mais tarde comecei a dividi-la com meus amigos Rogério "Katabrok" Saladino, J. M. Trevisan e raros outros. Era uma de minhas partes favoritas da revista, quase um tipo de editorial onde eu partilhava minhas opiniões, teorias e soluções com outros jogadores. Tratava de técnicas para jogar melhor, para tirar o máximo proveito do RPG. Hoje em dia não encontro tempo para me dedicar à Dragão Brasil tf(nto quanto gostaria. A revista-mãe resultou em todo um segmento, e outras publicações tomam minha atenção. Escrever as Dicas de Mestre tem sido raro - e cada vez mais difícil. Talvez porque, após tanto tempo, eu já não tenha tanta coisa assim para dizer. A sugestão para elaborar uma coletânea deste material partiu de meu amigo Marcelo Dei Debbio, também autor e editor de RPG. Não estou muito certo sobre seu sucesso. A maior parte dos artigos tem ligação com jogos antigos, especialmente AD&D, que nem existe mais no Brasil. Sei que apenas jogadores veteranos vão entender a maior parte das referências. No entanto, fiquei surpreso certa vez quando o desenhista Roger Cruz declarou que também lia as Dicas de Mestre. Apesar da "terminologia RPGista", ele encontrava ali conselhos úteis sobre criação de personagens, cenários e histórias.

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DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Desnecessário dizer como fiquei lisonjeado. Imagino, então, que deve existir alguma coisa positiva em reunir os primeiros anos de Dicas de Mestre em um único livro. Não sei exatamente o que é. Mas espero que vocês descubram, e então me contem.

Marcelo Cassara "Paladino"

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1 Como ser um Mestre Ao Mestre de Jogo cabe uma grande responsabilidade no RPC: tornar a aventura emocionante

Artigo publicado na Dragão Brasil# 03

Game Master, Dungeon Master, Mestre de Jogo ou simplesmente Mestre. Os nomes são muitos, mas o significado é o mesmo: o Mestre é aquele que guia os jogadores em sua jornada através dos mundos fantásticos do RPG. Se o jogo de RPG é considerado uma aventura, o Mestre é o roteirista dessa aventura. Todo-poderoso em seus domínios, ele cria os perigos a serem enfrentados pelos heróis. Coloca armadilhas em seu caminho, espalha monstros pelas cavernas, concede grandes poderes aos vilões - mas também esconde 1csouros valiosos e artefatos mágicos para recompensar os aventureiros por sua coragem. Muitos mitos cercam os Mestres de Jogo: quem são? O que fazem? Como conquistam esse título pomposo? Eles são mais inteligentes ou experientes que os outros jogadores? Leva muito tempo para se tornar um Mestre? Exige muito esforço? Qual nada! Qualquer jogador de RPG, experiente ou não, pode ser um Mestre. Até mesmo alguém que NUNCA jogou RPG antes pode vir a se tornar Mestre. As únicas exigências são um pouco de imaginação, sensalcz e - principalmente - um bom conhecimento das regras do jogo.

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DRAGÃO BRASlL E S PECIAL

Mestrando uma partida Vamos imaginar que você é uma pessoa audaciosa que resolve se tomar RPGista. Vá até sua loja ou livraria favorita, escolha o RPG que mais lhe agradar e compre-o. Leve para casa e leia as regras com atenção. Muito provavelmente, quando reunir seus amigos à volta da mesa para a partida, VOCÊ será o Mestre. Viu como é fácil? Comece explicando aos jogadores como funciona este jogo tão diferente. Diga que, no RPG, cada jogador deve interpretar um herói (só jogadores experientes podem jogar com mais de um personagem). Deixe então que os jogadores inventem seus personagens favoritos , seguindo sua orientação. Ou, melhor ainda, prepare alguns personagens com antecedência e depois deixe que eles escolham. Você já tem os heróis da história. Agora falta a própria história - ou aventura, como chamamos no RPG. A aventura é o desafio que será proposto aos heróis, e geralmente será entrar em uma catacumba em busca de tesouros. Quase todos os RPGS vêm com uma aventura pronta para auxiliar os Mestres iniciantes. Use-a. Será melhor que você tenha lido toda a aventura com antecedência, para evitar chateações no meio do jogo. Agora vem a parte difícil do cargo de Mestre: apresentar a história aos jogadores. Se isso não for feito corretamente, eles não vão pegar o espírito do jogo. Você precisa colocar o jogo na imaginação deles - afinal, além de roteirista, você também é o narrador. Seja dramático. Capriche no tom de voz. Se quiser, crie um clima tenebroso com velas e uma música de fundo. Vale tudo!

Justiça do Mestre A aventura começou! A euforia toma conta de todos, os jogadores exploram as possibilidades de seus personagens. Começam a matar goblins, escutar atrás das portas e vasculhar paredes em busca de passagens secretas. Deixe que fiquem à vontade. Você está conseguindo, está atingindo o objetivo do RPG: ninguém ganha e nin-

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DICAS DE MESTRE

guém perde, todos se divertem. Mas tenha cautela! Se não souber dosar os ingredientes agora, vai colocar tudo a perder! Como Mestre de Jogo, você é um verdadeiro deus! Pode criar um terremoto que faça desabar a caverna sobre os heróis, ou fazer surgir um dragão que matará todos com um único sopro de fogo. Isso é válido pelas regras, mas, se fizer isso, os jogadores vão se chatear. Talvez não queiram jogar de novo. É preciso ser um deus generoso e bondoso para evitar essa tragédia. Não exagere nos perigos, não use monstros demais. Coloque alguns tesouros nos bolsos dos inimigos derrotados, para que os jogadores sintam-se recompensados. E guarde aquele dragão poderoso para o final da aventura, quando os heróis já tiverem encontrado algumas armas e armaduras mágicas para melhorar suas chances. Será um clímax perfeito. Por outro lado, você não pode deixar as coisas fácei s DEMAIS. Nenhuma partida de RPG tem graça se não houver perigo, emoção, aventura. Dê aos heróis boas batalhas. Ao escolher os monstros, não fiqu e restrito apenas aos kobolds, goblins e ores manjados. Use monstros exóticos e desconhecidos. Incentive os jogadores a usa1cm o cérebro de vez em quando (é mais fácil vencer um gigante mm uma boa mentira do que com uma espada). Se ficarem convencidos demais, obrigue-os a fugir de uma luta pelo menos uma vez. Tente não matar ninguém, a menos que o jogador faça uma burrice ta o grande que isso seja inevitável. Mesmo assim, você pode 1cssuscitá-lo depois com alguma poção mágica. Esse é o papel do Mestre de Jogo. Se fizer tudo corretamente, os jogadores vão ficar satisfeitos com a brincadeira. E, se achar que mlo se divertiu tanto quanto eles, espere só: pode estar certo de que pe lo menos um dos jogadores pedirá para ser o Mestre na próxima aventura ...

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II A morte dos heróis Matar os personagens é uma opção arriscada. Mas, quando bem empregada, pode dar um sabor especial à aventura

Artigo publicado na Dragão Brasil# 05

A carta do leitor Maurício Salles Delayti, publicada na seção Pergaminhos dos Leitores em Dragão Brasil # 03, levantou uma polêmica interessante: os heróis devem morrer? Alguns Mestres de Jogo são verdadeiros sádicos, que não pegam o verdadeiro espírito do RPG e jogam "contra" os personagens, matando-os indiscriminadamente - das maneiras mais hediondas que as regras permitirem. Esses Mestres, contudo, não conservam o cargo por muito tempo: fatalmente os jogadores vão se revoltar e abandonar o grupo, ou então eleger outro Mestre para suas partidas. Nem por isso, entretanto, a morte dos heróis deve ser totalmente descartada pelo Mestre. Afinal, uma aventura de RPG sempre tem perigos - e perigos costumam matar. Se os heróis nunca morressem, ninguém precisaria de Pontos de Vida. E as partidas seriam um bocado chatas, pois não haveria riscos. Um Mestre homicida provoca a revolta dos jogadores, mas, um Mestre que nunca mata ninguém acaba criando verdadeiras 18

DICAS DE M ESTRE

aventuras "sedativas". Sem falar que os jogadores podem ficar mal-acostumados e se acharem imortais: nunca recuam, nem mesmo diante do maior dos dragões - e o Mestre não conseguirá mais detê-los, exceto com suas mortes.

Como e quando matar? Em RPG, a morte É REALMENTE necessária. Mas você, como Mestre, deve saber o momento certo de administrá-la. Não tente bancar Deus e sair por ai matando heróis indiscriminadamente - ou por motivos que apenas você conhece. Isto aqui não é vida real, e nem se parece com vida real! Uma aventura de RPG é como o roteiro de um filme: se o público (os jogadores, no caso) não gostar, não vai mais assistir filmes dirigidos por você. Aliás, você pode se inspirar nos filmes, livros e gibis para aprender a explorar melhor a morte dos heróis. Quase sempre, a morte de um personagem acontece no fim da história e serve para salvar o mundo. Foi assim em O Exterminador do Futuro 2, em que o ciborgue Arnie mergulhou em um tanque de aço derretido para destruir os segredos de sua fabricação; ou em Aliens 3, em que Rypley fez a mesma coisa para que o embrião alienígena em seu corpo não caísse nas mãos dos vilões. O assassinato de um parceiro pode servir também como tema para a aventura. Na história em quadrinhos A Morte de Robin, o garoto-prodígio foi morto pelo Coringa-que, por sua vez, foi perseguido por um Batman furioso e vingativo. Nesse caso, o personagem morto não precisa ser necessariamente um dos aventureiros: pode ser uma donzela que pede ajuda, um cavaleiro que se une ao grupo, ou até um animal ferido. Esse fi gurante participa da aventura por algum tempo, o suficiente para conquistar a afeição ou respeito dos heróis, e depois é 19

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morto pelo vilão da hi stória - o que daria aos aventureiros a motivação adicional da vingança. Você pode também matar um herói para fazê-lo ressuscitar oportunamente, em uma volta triunfal. Certos seriados japoneses adoram abusar desse recurso: Ultraman, UltraSeven, Jiban e Black Kamen Rider são apenas alguns dos super-heróis nipônicos que mo1Teram nas mãos de seus inimigos - apenas para retornarem no episódio seguinte, mais poderosos do que antes e dispostos a dar o troco. E, claro, não podemos esquecer do que aconteceu em A Morte do Super-Homem (alguém achou que ele ia MESMO continuar morto?). Por fim, a morte pode ser apenas um sustinho - um aviso para que um jogador muito impetuoso tenha mais cautela. Você pode matar o sujeito e fazê-lo ressuscitar pouco depois, com alguma poção mágica, um aparelho miraculoso ou por simples intervenção divina. Mas cuidado: não deixe os jogadores pensarem que seus heróis serão ressuscitados sempre que morrerem, ou você terá nas mãos um bando kamikaze !

O papel do morto Nem toda a responsabilidade de uma boa morte, sem traumas para o jogador, recai sobre o Mestre. O jogador também deve estar disposto a aceitar isso numa boa. Jogadores novatos tendem a se apegar demais aos personagens, e ficam extremamente deprimidos quando eles morrem. Eles colocam nos heróis parte do que são - e não é agradável ver essa parte morrer. Está errado! Jogadores experientes não ligam a mínima se seu personagem morre, principalmente se ele morreu salvando o mundo ou cumprindo sua missão. Um herói de RPG é como uma fantasia que você veste, um papel que você representa. Ele não é real. Você o fabricou com imaginação, criatividade e alguns minutos debruçado sobre uma planilha - e esses mate-

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rai s você tem de sobra. Se o herói morre, NENHUM pedaço seu va i com ele. Aprenda a receber com naturalidade a morte de seu herói. Nito use apenas um, tenha sempre vários personagens favori111s. Acostume-se a interpretar tipos diferentes. Seu personaptm morreu? Então faça outro. Você gostava dele? Então faça 1111Lro parecido. Você ficou chateado? Não fique. 1

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III Quebrando regras Saiba como e quando mudar as regras de seu RPG

Artigo publicado na Dragão Brasil# 06

Como todos j á sabemos, RPG quer dizer Role Playing Game ou Jogo de Interpretação de Papéis. Os jogadores participam como personagens de uma história fantástica que se desenrola em sua imaginação. Os jogadores são protagonistas de um filme interativo, atores de uma peça teatral improvisada, heróis de uma história que vai sendo escrita à medida que acontece. Uma espécie de "Realidade Virtual" sem computador. O fundamento do RPG não é nada revolucionário. Já existia há milhares de anos, antes mesmo da linguagem falada, quando homens das cavernas simulavam caçadas dançando à volta de suas fog ueiras. Podemos recuar mais ainda no tempo, quando sequer existiam seres humanos...:. e os filhotes de cinodite, o ancestral pré-histórico do cão doméstico, simulavam lutas de brincadeira para aperfeiçoarem-se para as caçadas que viriam. E, ao contrário do que se pode pensar, o costume perdura até os dias hoje: as brincadeiras de "caubói-e-índio'', "polícia-e-ladrão", e até de "casinha" estão aí para provar. Fazer-de-conta é parte integrante de nossa vida, de nosso crescimento, de nossa preparação para as dificuldades do futuro.

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Então, qual a diferença entre o sofisticado RPG e o simples fazcl1· conta? São as regras. Nas brincadeiras de polícia-e-ladrão são 1 11muns as discussões do tipo: "Eu acertei o tiro! Você tá morto, 111a!"; "Não acertou, seu verme! Eu estava atrás do poste!"; "Eu ttlirei quando você espiou!"; "Mas eu estava usando colete à prova d1· bala!", e por aí vai. Sem regras específicas, não há como evitar 1·..,sc tipo de confusão. Por isso precisamos dos sistemas de RPG e dos regulamentos que eles trazem: para evitar apelações. Em um lll'(J não haveria dúvidas sobre a existência de um colete à prova de ludas - pois ele estaria registrado na Ficha ou Planilha de Persona1•1•m. E o tiro do ladrão seria resolvido com uma mera jogada de dados, computando os eventuais modificadores do poste e do coleh' . Sem problemas!

As regras opcionais As regras de um RPG, contudo, não são sagradas ou invioláveis. apenas servem como base de apoio, e podem ser mudadas. É aí q11 0 e ntram as chamadas regras opcionais, aquelas que o grupo ado111 apenas se quiser. Elas não são absolutamente necessárias ao jogo, ,.,., vem somente para dar um sabor especial. Para adotar uma regra opcional, o ideal é que os jogadores e o Mt•stre concordem com ela. Claro que um Mestre pode impor uma 11•gra pela força, mas, geralmente, um sujeito desses não consegue 1111·sLrar por muito tempo: os jogadores ficam chateados e abando1111111 o grupo - ou, digamos, solicitam a renúncia do Mestre! Alguns RPGs já vêm com regras opcionais. No AD&D, por exemplo, existe a regra opcional chamada Proficiences (Proficiências, P1·rfcias) : sem Proficiências, um personagem sabe usar qualquer tipo de arma e consegue executar qualquer ação comum - como 1111dar a cavalo, caçar, nadar, cozinhar, dar nós, se disfarçar, etc. Isso 11110 é muito realista, já que nem todo mundo saber fazer de tudo, l1•1t o MacGyver. Contudo, usando Proficiências, cada personagem ,,,, sabe usar determinados tipos de armas -e deve escolher em uma 1t ... 1a as coisas "comuns" aqui lo que sabe fazer. Com isso, a constru-

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DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

ção de personagens torna-se mais difícil, mas o jogo fica mais convincente. Nem sempre, entretanto, uma regra opcional precisa vir pronta nos livros. Elas podem ser inventadas à vontade. Entre os jogadores de o&o, por exemplo, as regras opcionais mais comuns são referentes aos Pontos de Vida. O regulamento oficial decreta que, quando um personagem atinge O(zero) Pontos de Vida, ele está morto - mas muitos Mestres, por sua própria conta, escolhem modificar essa regra de várias maneiras: • Um personagem com O Pontos de Vida ou menos não morre imediatamente, mas morrerá logo se não receber tratamento dentro de um prazo pré-estipulado (como um ou dois turnos); • Um personagem com O Pontos de Vida não está morto, apenas desacordado, e voltará à consciência quando recuperar pelo menos 1 Ponto de Vida; •Um personagem com OPontos de Vida ou menos não morre imediatamente, mas deve fazer constantes testes de Constituição para continuar vivo.

Regras que atrapalham Assim, as regras opcionais servem para enriquecer o jogo. Mas, por vezes, também pode acontecer o contrário: uma regra excessivamente complexa pode ser simplificada, ou então ignorada completamente - mesmo que não seja uma regra opcional. Vamos tomar como exemplo o GURPS. Nesse sistema, cada tipo de arma pode ter mais de dez informações referentes a ela. Veja o caso de uma pistola laser, por exemplo: dano tipo perfurante; dano de ld; parâmetro de tiro rápido 9; precisão 7; alcance médio de 400 metros; alcance mínimo de 500 metros; 1 quilo de peso; 4 tiros por turno; 20 tiros por célula de energia; sem recuo; custo de U$ 1.000,00; disponível em Nível Tecnológico 8. São informações completas que tomam o jogo bem realista - e o realismo é coisa muito valorizada no sistema GURPS. ·Mas as coisas podem complicar se cada personagem do grupo tiver uma arma diferente, e se todas essas informa-

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DICAS DE MESTRE

ções tiverem que ser checadas cada vez que alguém dá um tiro. Pelo 111enos três ou quatro desses dados podem ser ignorados, sacrificando o realismo, mas tornando o jogo mais simples e rápido. O próprio Módulo Básico do GURPS recomenda que algumas regras sejam abandonadas para uma partida mais movimentada, ou quando jogam muitas pessoas ao mesmo tempo. Isso, claro, vai depender de 1·uda grupo de jogo. Outro exemplo: no sistema Storyteller (Vampiro, Lobisomem ... ), para que um personagem dê um soco, as regras dizem que o jogador deve fazer uma jogada de Destreza+ Briga (dificuldade 7) para desrnbrir se o soco atinge o alvo; e, depois, uma jogada de Força + 1 (dificuldade 6) para calcular o dano. Essa regra já é simples por si sô, mas ainda assim pode ser alterada - resumindo as duas jogadas de dados em uma única: basta jogar Força+ Briga (dificuldade 7), st:ndo que o golpe atinge automaticamente - e o número de sucessos determina o dano. Este exemplo foi citado na matéria sobre o jogo Wraith: The Oblivion, publicada em Dragão Brasil# 3, e alguns leitores pensaram tratar-se de uma falha. Não era! No inicio de -.cu capitulo 9, o livro Lobisomem: O Apocalipse diz que as regras t•xplicadas ali são apenas exemplos- e só devem ser usadas em caso de real necessidade. Portanto, agora você já sabe: os regulamentos de um RPG são lao elásticos e variáveis quanto o próprio jogo. Se uma regra lhe 11grada, use-a. Se não lhe agrada, mude-a ou jogue fora. Não é proibido.

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IV Overpower Heróis poderosos demais estragam as aventuras? Nem sempre...

Artigo publicado na Dragão Brasil# 07

Overpower foi o interessante termo que encontrei na carta do leitor Umberto L. Titânia, de São Paulo - SP. Entre outras coisas, além de comentar sobre o Cavaleiro Jedi e Nanometal (ambos publicados em Dragão Brasil# 14), a carta tratava de um assunto importante: os jogadores que sobrecarregam seus personagens de poder. Eis alguns trechos de sua carta, extensa demais para ser publicada na íntegra: "Há um tipo de jogador, muito comum, aliás, que costumo chamar de Overpower. Infelizmente já conheci muitos desses, como jogador e como Mestre. Tudo o que ele busca na criação e ' interpretação' de seu personagem é tirar o máximo proveito das regras para que ele se torne o centro do universo. Esse jogador não está interessado na história que seu personagem estaria vivendo, nem na interpretação dos outros personagens ou do Mestre, nas di cas e pistas espalhadas pela história, ou nos conflitos entre PCs e NPCs, subjacentes nas várias cenas pelas quais passa como se fosse um furacão. Seus personagens são sempre excessivamente musculosos, lindos, ' inteligentes' e ocos,

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DICAS DE MESTRE

sem nenhum conflito de consciência, com histórias que são colagens malfeitas de outros personagens supostamente heróicos." "Esses jogadores egocêntricos passam o jogo acariciando os dados, ansiosos por poder deslumbrar os demais com suas vantagens e bô!1US fantásticos, e não estão nem aí para o trabalho que o Mestre teve para bolar uma trama cheia de idas e vindas. Invariavelmente ele perde o fio da meada e acaba fazendo trapalhadas que trazem danos para ele e seus companheiros."

É verdade, existem os tais jogadores Overpower - também rnnhecidos como "Big Bill", entre outros apelidos. Eles exploram ;1n máximo os regulamentos e sobrecarregam seus personagens, têm 11ma forma bem d iferente de ver o RPG. É a eterna divisão entre •1< 1ueles que preferem o RolePlay, a riqueza da interpretação, e aqueles que gostam muito mais de se embrenhar nas selvas de regras. Qual a razão da intolerância contra os jogadores Overpower ? É q11c muilus costumam pensar neles como "novatos que ainda não 111>renderam a jogar direito". Uma teoria válida na maioria dos casos, 11110 se pode negar; muitos RPGistas começam como Overpower e só 111ais tarde descobrem o prazer da interpretação, colocando as regras 11111 pouco de lado e passando a apreciar mais o RolePlay. Pode ser 1 onsiderado uma evolução, o abandono do matar-pilhar-destruir. Mas nada ex iste de errado em trilhar o caminho do jogador e >vcrpower. Ele pensa no RPG como um quebra-cabeça, enxerga a ' onstmção do personagem como um desafio estratégico. Não está 111· 111 um pouco preocupado com "conteúdo emocional" ou "conflih1s de consciência". Só tenta criar heróis tão poderosos quanto pos·•fvcl dentro do limite imposto pelas regras - diversão estimulante, 1kvcmos reconhecer. É de se esperar que no final do processo o p1gador fique lambendo a cria, orgulhoso de sua obra, e ansioso p11ra provar seu valor dentro do jogo. E eu pergunto, o que pode haver de criminoso nisso? O que 1111pcde alguém de detestar personagens literários ou teatrais e ape11.1s divertir-se com os tais heróis musculosos, bonitos e até ocos?

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DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Como água e óleo O único problema, apontado por Umberto em sua carta, é quando esses jogadores radicalmente diferentes se misturam. Isso sim, dá uma confusão dos diabos! Chega o jogador Overpower com sua Abominação de 5ª geração, portando metralhadora e lança-granadas, e esculhamba a cuidadosa crônica do Narrador que gosta de RolePlay. Ou então vem o jogador com seu diplomata elfo, ansioso por um duelo de lógica e ética com o supostamente inteligente mago maligno do Mestre Overpower... e é transformado em pudim de ameixa antes de proferir um argumento. Essa mistura simplesmente não funciona. Evite a mistura, e evitamos os problemas. Ideal mesmo para um jogador é ser ambos, aprender a jogar bem aventuras tipo Overpower e tipo RolePiay não pode existir RPGista mais completo. Quando não é possível evitar a mistura, tudo vai depender da habilidade do Mestre: ele deve equilibrar aquilo que acha certo e o que os jogadores querem. Um Mestre não precisa tolerar jogadores Overpower atrapalhando sua história. Existe um freio capaz de detê-los, e chama-se "não". Se um "advogado de regras" invocar de algum livro ou revista um regulamento qualquer, capaz de dar a seu personagem um poder abismal, apenas proíba. Se achar que coisas como a Força e o Nanometal são inadequadas à sua aventura, proíba. E se o jogador pedir para participar da aventura com um Guerreiro/Mago/Ladrão de 27º Nível, que tem todos os atributos em 18 (exceto Carisma, que é 17), simplesmente diga não. Por outro lado, Mestre RolePlay, cuidado com o abuso de poder! Você pode até tentar ensinar seu estilo ao grupo, mas sem tirania. Se os jogadores querem ser heróis e você impõe uma aventura difícil que faz todos entrarem pelo cano, só vai conseguir aborrecê-los - e, portanto, fracassar como Mestre. Lembre-se, você não é apenas um deus moldando um mundo de aventuras; é um roteirista criando uma história para agradar um público. Esse público são os jogadores. De que adiantará sua soberbamente planejada aventura, se ninguém gostar dela?

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DICAS DE M ESTRE

É preciso dar fim ao preconceito. Nada mais tolo que acusar de "jogar ma]" ou "jogar errado" por ser Overpower. Não há 111étodos certos ou errados, melhores ou piores. Só estilos diferenll!s. Escolha o seu, e deixe os outros em paz. 11 lguém

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V Aventuras e campanhas A diferença entre as histórias isoladas e as sagas intermináveis

Artigo publicado na Dragão Brasil# 1O

Em RPG uma "aventura" (ou "crônica", no sistema Storyteller) é a história do desafio que os jogadores irão enfrentar. Não é o mesmo que uma partida ou sessão de jogo: uma partida geralmente tem início quando o Mestre e os jogadores se reúnem, e termina quando eles se levantam para ir embora (ou quando começam a contabilizar os Pontos de Experiência). Uma aventura, contudo, pode se estender durante várias sessões de jogo. Quando a aventura dura mais de uma partida, é como se ela fosse separada em "capítulos", sendo interrompida para que o grupo continue outro dia - no estilo "mesma bat-hora, mesmo bat-canal ". Mas a aventura é uma história - e toda história, por definição, tem começo, meio e fim. Um dia, quando o objetivo dos heróis for alcançado, quando o dragão estiver morto e a princesa salva, a aventura irá terminar. E o que acontece quando a aventura termina? Os personagens sobreviventes ficam mais poderosos: encontram tesouros, descolam armas mágicas, ganham montes de XPs, Pontos de Personagem, Freebie Points ou seja Já o que for. É natural que os jogadores desejem usar os mesmos personagens em outra aventura. E outra. E mais

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nulra. Assim, aos poucos, o mundo imaginário dos jogadores vai se !ninando mais complexo. Os eventos se sucedem e tomam-se parte •k uma história maior: o irmão do mago Jkwlxts (aquele que foi 111orlo pelos heróis durante a primeira aventura) aparece para se vin1:111'; a tribo de ores que os aventureiros expulsaram voltou com ref nrços ; a polícia finalmente descobre o cadáver daquela moça, cujo •,1111gue alimentou um dos vampiros do grupo, em uma crônica já r •1quecida; o demônio que fez aquele pacto com um dos personaw·ns, três aventuras atrás, aparece para exigir seu pagamento. Quando ··~sç tipo de coisa acontece, quando as aventuras se encaixam umas 1111s outras para formar uma grande odisséia, então temos uma "campanha''.

Saga sem fim Enquanto a aventura tem começo, meio e fim, a campanha pode dmar indefinidamente. Uma campanha é a história completa da saga dns heróis, desde a primeira aventura; alguns personagens podem "' ' morrido, outros aparecido, mas quase sempre tudo gira em tomo 1lt 1 grupo. Muitos RPGistas jogam campanhas sem ao menos descont tal' que estão fazendo isso. Eles terminam a primeira aventura e 111111eçam logo a segunda, no mesmo mundo, com os mesmos per11111iagens. Por essa razão, quase todos os RPGs trazem descrições de gran1ks mundos-universos onde as campanhas podem se desenrolar. \,/11anced Dungeons & Dragons é aquele que conta com mundos1111ivcrsos mais ricos - especialmente Forgotten Realms, o mais d~­ t11lhado deles: um grupo de jogadores poderia jogar uma campa·,ha 111' Forgotten durante toda a vida, sem conseguir explorar nem mr 1111k do planeta Toril. Outros suplementos, em vez de cenários, tr 1/t' llt apenas dicas e regras para campanhas sobre um tema especfü111 como GURPS Cyberpunk, GURPS Supers e GURPS llluminati. 1111 rc os RPGistas é comum dizer que "nosso grupo e~tá jogando 1111111 campanha em Dark Sun", ou "vamos começar uma campanha 1k lurro.r com Call of Cthulhu".

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Jogar campanhas pode ser fascinante. É como ter uma outra vida, transcorrendo em um mundo diferente deste - quase uma realidade vi1tual. Claro que isso pode ser problemático se o jogador é "viciado": ele resolve assumir um compromisso com o RPG, fica obcecado com seus problemas no mundo fictício, e desatento ao mundo real. Estudar para a prova de química torna-se menos importante que organizar sua li sta de feitiços, e comprar o equipamento do guerreiro é mais urgente do que fazer o trabalho de geografia. Isso é errado! RPG tem hora e lugar e, como qualquer outra forma de lazer, não deve tomar-se mais importante que nossos compromissos reais. A realidade é sempre mais importante. Matar o mago que vai destruir o mundo não justifica a perda de uma refeição no mundo real, e nunca vale a pena perder a calma com um jogador porque o ladrão dele esfaqueou seu clérigo pelas costas!

Jogando sem campanha A campanha mais longa de que se tem notícia começou nos Estados Unidos, na cidadezinha de Minnesota, por volta de 1974 ano em que surgiu Dungeons & Dragons, o primeiro RPG do mundo. Composto por Dave Arneson, um dos inventores do jogo, e alguns de seus amigos, o grupo continua dando andamento à campanha até hoje! Claro que jogar campanhas exige uma certa regularidade nas sessões de jogo: geralmente os jogadores reúnem-se uma vez por semana, nas tardes de sábado ou domingo, e jogam durante três, quatro horas ou mais. Mas as coisas se complicam quando algu ns jogadores faltam, quando aparecem jogadores novos, ou quando o grupo não pode se reunir com freqüência. Assim fica difícil manter o ritmo da campanha. Isso não significa que o RPG esteja fora de alcance para essas pessoas. Nesses casos, o negócio é partir para aventuras curtas, que podem ser concluídas em uma única sessão de jogo. Aliás, alguns sistemas são melhor indicados para as aventuras curtas do que grandes campanhas - especialmente os jogos satíricos, como Toon, Pa-

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ranóia, Mulheres Machonas e Defensores de Tóquio. Também são melhores os jogos em que a construção de personagens seja mai s l':ícil , porque o tempo necessário para isso pode não ser suficiente: construir um personagem de GURPS, AD&D ou Shadowrun para uma aventura rápida pode ser demorado demais. Claro, contudo, que nenhuma r~gra proíbe aventuras curtas com esses sistemas - espel'ialmente para jogadores prevenidos, que sempre levam no bolso 11111 personagem pronto para essas eventualidades. Mesmo sem esses problemas, há quem prefira as aventuras nirtas em vez de campanhas. Elas são boas para jogadores que gos1:1111 de experimentar vários sistemas, sem se apegar a um ou outro 1ngo específico (eu sou um desses!). Aliás, as aventuras curtas são 11limas para desenvolver a interpretação: o jogador lida com mais pL'rsonagens diferentes, não liga quando eles se dão mal, e aprende n não se apegar demais ao jogo - o que é muito saudável, evitando 11quela fissura obsessiva que já mencionei. E falo por experiência ptüpria quando digo que esses RPGistas se divertem muito mais!

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VI Matar-pilhar-destruir Jogar RPG é muito mais que invadir templos, debulhar dragões e retornar com os bolsos cheios de tesouros

Artigo publicado na Dragão Brasil# 11

Esta é a "aventura-padrão" que qualquer RPGista já jogou ou mestrou: na taverna local (SEMPRE a taverna!), os aventureiros desfrutam de alguns momentos descontraídos em sua vida agitada. Então, entre uma caneca de cerveja e outra, e les ouvem uma história contada pelo velho da taverna (SEMPRE o velho da taverna!); ele fala de um templo em ruínas onde haveria grandes tesouros escondidos. Existem alguns probleminhas, como boatos sobre goblins e mortosvivos, bem como um dragão que habita as profundezas do templo. Isso não irá deter os aventureiros, claro: na manhã seguinte eles preparam suas armas, memorizam seus feitiços, fazem suas preces e partem para o tal templo. Chegando lá, a situação não podia ser mais previsível. Um templo abandonado, com uma ou mais criaturas e m cada aposento (COMO essas criaturas conviviam pacificamente no templo até agora?), apenas esperando pela chegada dos heróis. Cada sala, uma batalha. Depois da batalha, vasculhar o lugar em busca de tesouros, objetos mágicos e passagens secretas. Os feridos são curados com poções ou pelos poderes dos clérigos. E assim por diante, até a batalha final

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contra o dragão (quase sempre vermelho) que está no último aposento. É assim que quase todos entram em contato com o RPG: as aventuras de um grupo de iniciantes jogando Aventuras Fantásticas, D&D, AD&D ou GURPS freqüentemente se resumem a isso. Esse é o ~stilo que, entre outros apelidos, é conhecido como matar-pilhar-destruir ou hack & slash, em inglês . Não há nada de errado em matar-pilhar-destruir. No começo, quando os jogadores ainda estão se familiarizando com o RPG, esse método de conduzir aventuras é o melhor. Várias aventuras publicadas na Dragão Brasil foram baseadas nesse conceito, deixando as chances de interpretação por conta do grupo. Matar-pilhar-destruir, contudo, pode mostrar-se cansativo um dia. Mesmo RPGs ricos como AD&D - com centenas de regras a explorar, armas mágicas a experimentar e monstros a matar - não poderão entreter um RPGista experiente para sempre. O RPGista procura algo mais que o simples domínio de regras, algo além de fazer c:ílculos e criar personagens superpoderosos. Ele quer INTERPREIAR. Quer tomar-se outra pessoa, criar e controlar um personagem, 11luar como escritor de histórias de aventuras.

Agindo diferente Livrar-se do matar-pilhar-destruir e jogar RPG de verdade é um passo importante, que deve ser feito com cuidado para evitar r 'lwrregões. Alguns jogos são mais indicados do que outros para 111centivar a interpretação, especialmente Vampiro, Lobisomem e \'/wdowrun, mas não é necessário mudar de sistema. Até agora você j1,gou RPG para ganhar, certo? Tente mudar de atitude. Daqui por diante, procure representar mais e competir menos. Não significa q11 1,: você deva bancar o idiota, apenas pensar nas atitudes de seu 1w1·sonagem. Algo que pareceria estúpido para você seria muito na111rnl para seu herói. • Você é um paladino? Ofereça uma chance de rendição aos ores, em 11•1. de atacá-los de surpresa. Esqueça a ambição por tesouros, a

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menos que pretenda doá-los. Cure os feridos que encontrar pelo caminho, mesmo que pareça desperdício de seus poderes divinos. • Você é um clérigo? Defenda com fervor a sua religião, mesmo se estiver cercado de sacerdotes do deus rival. Faça oferendas a seu deus, jogando no rio parte de seu tesouro. Tente trazer outros seguidores para sua fé, mesmo correndo o risco de esgotar a paciência daquele anão com o machado. • Você é um samurai urbano? Seja paranóico, não confie em ninguém - nem mesmo em seus colegas. Revele a eles apenas as informações indispensáveis, e guarde para si segredos que possam render grana. Exija uma porcentagem maior na partilha do saque. Salve um inocente em perigo apenas se o apartamento dele puder servir de esconderijo mais tarde. •Você é um vampiro? Esqueça os combates diretos, convença outros a lutarem em seu lugar. Se estiver sendo acusado, culpe o colega que estava com você na cena do crime. Mate pessoas e pareça divertir-se com isso, ou poupe suas vidas e sofra com a fome de sangue. E fuja de lobisomens!

Morreu? Legal! Certa vez eu jogava RPG com outros colaboradores da Dragão Brasil, usando um sistema experimental criado por nosso colega Grahal. Meu personagem era o mago aprendiz MacGyver (inspirado em Profissão: Perigo), com a missão de recuperar um experimento de seu mentor que havia saído errado. Coisa à toa, um coelho carnívoro que voava e controlava lobos. Depois de muita perseguição (e muitas brigas com lobos), o monstrinho foi encurralado. MacGyver pretendia capturá-lo com vida, conforme as ordens de seu mestre - mas veio um bárbaro burro e degolou o coelhinho. Que fazer? O personagem que imaginei teria ficado arrasado, pois levaria uma bronca de seu mestre. Com certeza ficaria furioso com a estupidez e a covardia do bárbaro - que refugiou-se em uma árvore durante a luta com os lobos, mas ficou todo valente quando o adversário era um coelhinho. De modo que fiz MacGyver aplicar

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chicotada capricháda no rosto do bárbaro, para dar-lhe uma lrrnbrança de sua tolice. Evidente que, com isso, assinei a sentença de morte de meu p •rsonagem. O bárbaro era fortão, meus feitiços haviam acabado, e 1•11 nunca seria páreo para ele em Juta corr.oral. Mas, acreditem em 111i111 qu.ando digo, FOI DIVERTIDO. MacGyver recebeu um metro de .1r;o no estômago, e ainda assim foi divertido. Não foi uma atitude visando a sobrevivência, e sim a interpretação correta do personap,l!m. Não foi matar-pilhar-destruir. O mago MacGyver? Posso criar oulro quando quiser, quem sentirá falta dele? E querem saber o que foi mais divertido? O bárbaro foi preso e rnndenado à forca pelo assassinato de meu mago ... 11111a

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VII Regulamentos As regras são mesmo necessárias para jogar RPG?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 18

Não é fácil explicar o RPG em poucas palavras. Na verdade, também não é fácil Úplicar em muitas palavras - está absolutamente certo quem afirma que RPG se aprende jogando. Mas qual é a definição de RPG? Role Playing Game, Jogo de Interpretação de Papéis, não explica muita coisa. A mais clara e concisa definição de RPG que já encontrei estava em um vídeo de demonstração do Advanced Dungeons & Dragons da Abril Jovem: "O RPG é um jogo de imaginação ... mas existem regras". Sabemos que o RPG é um jogo de faz-de-conta, um modo de contar histórias e participar delas. Todos conhecemos esse tipo de jogo desde a infância, quando fingíamos ser policiais, caubóis ou super-heróis - e antes mesmo de existir a civilização humana, quando homens das cavernas contavam sobre suas caçadas por meio de representação teatral. A diferença entre esse faz-de-conta e o RPG é uma só: a existência de regras. Por que precisamos de regras? Porque a imaginação é terreno pantanoso, instável e traiçoeiro. Uma pessoa sempre vai imaginar de modo diferente de outra. Na maioria das vezes a função das re-

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gras é evitar brigas, discussões como aquelas que aconteciam nas brincadeiras de polícia e ladrão: "Bang, eu acertei você!", diz um garoto, "Que nada, o tiro pegou de raspão!", alega o outro. Quem 1·stá certo? Não há como saber, e um dos garotos terá que dar o braço a torcer para que a brincadeira continue. Se fosse uma partida de RfG, teríamos números, tabelas e dados para descobrir quem tem 1:izão. As regras são importantes no RPG ... mas elas são o mais importante? Ou ainda, são sempre necessárias?

O cenário Qual o objetivo do RPG? Divertir-se, todos sabemos. E como rnnseguimos essa diversão? Participando de aventuras, interpretando personagens, contando histórias ... ou aprendendo regras? Claro, há aqueles que apreciam a elegância e a complexibilidade 1l:is regras de um RPG. Esses jogadores, depois de aprender e explo1ar o regulamento básico do jogo, desejam mais e mais. Devoram livros-suplementos, usam todas as regras opcionais, conhecem todas as tabelas e modificadores. Tornam-se verdadeiros catedráticos, pl'Ofundos conhecedores do jogo. Nada existe de errado nisso, a teia 1k regulamentos de um RPG pode ser mesmo fascinante - mas nesse ' 11so o jogo fica reduzido a um simples jogo de estratégia, em que o nlljctivo é explorar cada brecha das regras para construir persona1•1·ns melhores. As regras não são tudo em um RPG. Nem são o mais importanti·, e às vezes não passam de um mal necessário. O principal produto ljlll' um RPG oferece é o cenário, a ambientação. Perceba que o su' 1·-;so de jogos como Vampiro e Lobisomem baseia-se nesse principio: abrir mão de regras complicadas e oferecer um cenário mais 1 l11borado, um Mundo das Trevas pleno de segredos, terrores e ma111vi lhas. Planescape e Birthright de AD&D também voltam-se nes'' direção. Até mesmo os livros-suplementos de GURPS, um sistema lt1·111 conhecido por suas regras complexas e realistas, hoje tendem a 11111.,trar cenários mais interessantes em vez de montes de regula-

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mentos opcionais. É o caso de GURPS Cthulhupunk, GURPS Goblins e outros. RPG

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Tenho por hábito me reunir com amigos aos sábados para jogar RPG, principalmente AD&D e Vampiro. Raramente tenho chance de ser Mestre: mestrar exige a criação antecipada de uma aventura, personagens e tudo mais, e a Dragão Brasil raramente deixa-me tempo para tais coisas . Senti.a falta disso, contudo. Certa vez resolvi fazer uma experiência. Iria mestrar para o grupo uma aventura de Paranóia, aquele que considero ser o melhor entre os RPGs de humor. Detalhe: eu NÃO CONHEÇO as regras de Paranóia. Toda a minha experiência com Paranóia resume-se a uma ou duas aventuras como jogador. Tenho algum conhecimento sobre o cenário, o Complexo Alfa, uma cidade futurista governada por um computador louco - mas nada sei sobre o sistema de regras. Não sei fazer nem um teste de atributo. Nada, mesmo. Acham que isso me deteve? Ocupamos uma mesa e comecei a descrever aos jogadores o Complexo Alfa. "Onde estão as fichas de personagem?", perguntou alguém, ao que respondi: "Fichas? Elas não são para seu nível de segurança, cidadão. Solicitar informação proibida é comportamento traidor. Traição é punida com a morte". Pode parecer estranho, mas em Paranóia é assim mesmo. É muito fácil morrer no Complexo Alfa, praticamente qualquer coisa pode ser considerada traição. Traição é punida com a morte. ZIOUF! Lá se vai o personagem, fuzilado por canhões laser que saem das paredes, e um clone surge para substituí-lo. Esse sistema de clones, aliás, é ótimo: funciona como as "vidas" de um videogame, evitando cálculos de dano, pontos de vida e coisas assim. Paranóia TEM regras de dano, mas escolhi ignorá-las para um melhor desenrolar da história. Se alguém era atingido, morria na hora. Não houve uma única pausa para consultar tabelas, fazer cálculos, rolar dados ou sequer abrir o livro. E, a modéstia não me

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impede de dizer, a aventura foi um sucesso. Todos gargalharam muito, e terminaram interessando-se pelo Paranóia. O autêntico RPG sem regras. Possível porque os jogadores eram experientes, entre eles vários colaboradores da Dragão, como Roberto Moraes, Gianpaolo Celli e J. M. Trevisan. Embora nunca li vessem jogado Paranóia antes, todos já eram veteranos em Vam11iro e AD&D. Eles entendiam a verdadeira natureza do RPG. Estavam di spostos a dar o braço a torcer. Sabiam que o importante não era vencer nem competir, mas se divertir. Sei que muitos vão discordar desse meu ponto de vista, pois cada um tem sua própria visão do jogo. Bem, não estou pedindo a ninguém que abandone as regras de seu RPG. Quero apenas provar que uma boa aventura não depende de cálculos e estatísticas. Você não precisa de regras e dados para jogar RPG, se puder substituí-los por criatividade e bom senso.

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VIII O único monstro Quem disse que masmorras precisam se parecer com jardins zoológicos?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 13

Mestres inexperientes de D&D e demais sistemas de fantasia medieval quase sempre cometem o mesmo erro: desenham o mapa de sua masmorra, repleta de salas e aposentos, e colocam um monstro diferente em cada uma - guardando o monstro mais poderoso (dragão vermelho, claro) para o fim. Um cenário desses certamente vai proporcionar uma aventura emocionante e cheia de surpresas, mas basta pensar um pouco para notar os seguintes furos: 1) Como é que tantas criaturas ferozes e carnívoras, que atacam qualquer coisa que se mova, conseguem viver harmoniosamente na mesma masmorra até o momento da chegada dos heróis? 2) Como é que os monstros errantes conseguem circular pelos corredores da masmorra sem entrar nas salas cheias de armadilhas e de outros monstros hostis? 3) Como é que o poderoso dragão vermelho na última sala permite a presença de tantos monstros repulsivos, mas fica todo nervosinho quando os heróis aparecem? Pelo menos para a terceira pergunta existe uma resposta: dragões gostam de isolamento, e sempre vão escolher como covil lo42

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cais de difícil acesso. Uma masmorra infestada de criaturas perigosas é uma boa escolha - afinal, as criaturas são perigosas para simples mortais, não para ele. O dragão utiliza-as como guardas para dificultar o acesso a seu tesouro, deixando-as em paz; em contrapartida, o instinto dos monstros faz com que mantenham distância de uma fera tão terrível. Isso poderia explicar a existência de dragões e outros monstros na mesma masmorra - mas a coexistência pacífica entre um cubo gelatinoso e um cão do inferno, por exemplo, seria mais difícil de explicar. Existem basicamente duas maneiras de contornar esse problema. A mais difícil é bancar o biólogo e estabelecer todo um ecossistema para a masmorra, detenninando quem se alimenta de quem - e evitando tais combinações. Certos monstros podem viver juntos se não tiverem interesses alimentares um no outro, e alguns até se ajudam muLUamente. Uma parceria clássica desse tipo é o monstro ferrugem vivendo com o carniça rastejador (ou verme da podridão): eles não lulam entre si - mas, quando aparecem os aventureiros, um fica com as armaduras enquanto o outro devora-lhes a carne ... A segunda maneira de evitar conflitos é povoar a masmorra com um único monstro. Monótono? Chato? Nem pensar!

O convívio dos parentes Ainda dentro desse conceito, temos três outras subdivisões de aventuras: usar apenas um tipo de monstro, apenas uma espécie, ou :1penas um indivíduo. No primeiro método, podemos classificar alJ' Uns monstros em certas categorias e escolher uma delas para empestear a masmorra. Entre os grupos principais estão os mortosvivos (zumbis, wraiths, wights, ghouls, múmias, vampiros ... ), perleitos para castelos mal-assombrados; humanóides malignos (goblins, ores, ogres ...), que se odeiam e brigam muito, mas podem viver junlos - geralmente com os mais fortes dominando os mais fracos; e os vegetais e invertebrados (besouro gigante, sanguessuga gigante, fu n1•0 amarelo, lodo negro), que nem sempre caçam uns ao~ outros, 111as compartilham grande apetite por carne de aventureiro!

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O segundo método consiste em escolher apenas uma espécie de monstro e suas subespécies ou raças aparentadas. É o caso da aventura "Gan·as, Presas e Asas", publicada em Dragão Brasil# 12, em que havia um labirinto cheio de gigantes; exceto por dois guerreiros fanáticos, a aventura inteira era baseada apenas em gigantes da colina, da pedra, do gelo e do fogo- com suas respectivas mascotes. O Livro dos Monstros AD&D é perfeito para fornecer idéias nesse sentido, pois suas criaturas são descritas com muitos detalhes. Se você tem uma história razoável , qualquer monstro serve para estrelar um aventura sozinho: uma comunidade de lobisomens vivendo disfarçados como camponeses comuns; o laboratório de um mago louco povoado de golens inacabados; um templo abandonado que está servindo de lar para um rebanho de minotauros ...

O vilão solitário O terceiro método, enfim, é o "eu-sozinho-contra-os-heróis". A masmorra é totalmente desabitada, exceto por uma única criatura - muito provavelmente aquela que os aventureiros vieram caçar. Esse adversário deve ser tremendamente poderoso, tremendamente esperto, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Em vez de lutar contra os heróis diretamente, o monstro enche a masmorra de armadilhas: alçapões no chão, guilhotinas nas passagens, agulhas envenenadas nas fechaduras e outros brinquedinhos. Às vezes ele pode atacar de surpresa e sumir antes do contra-ataque, minando devagar os Pontos de Vida dos heróis - sem falar em seus nervos! Esse personagem transcende a categoria de simples inimigo e se transforma em vilão (outro dia falaremos sobre as enormes diferenças entre inimigo e vilão). As criaturas ideais para esse fim são aquelas mais inteligentes, como dragões, dopplegangers, medusas, mantícoras, vampiros, magos ... É verdade que o Mestre não precisa dar satisfações sobre a convivência entre os monstros de sua masmorra: se ele quer que o troll e a quimera sejam pacíficos vizinhos de covil, que seja. Afinal, ELE é o Mestre. Mas alguns jogadores podem se sentir incomodados

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se houver muita falta de lógica na masmorra que estão explorando ("Como é? A aranha-caranguejeira estava esperando no teto para nos atacar de surpresa, nesta mesma sala, onde havia um batalhão de quinze gnolls quando chegamos?").

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IX Memórias Não confunda suas próprias lembranças com as de seu personagem

Artigo publicado na Dragão Brasil# 14

Esta é uma das grandes dores de cabeça do Mestre: os jogadores que conhecem todos os truques de todos os monstros. Imagine a cena: o Mestre conduz uma aventura de AD&o com personagens iniciantes (1° ou 2º Nível de Experiência). Em certo momento ele diz: "Pula diante de vocês uma grande pantera negra, com seis patas e dois tentáculos espinhosos saindo de seus ombros". " Ah, uma pantera deslocadora", diz um dos jogadores, sendo logo apoiado por outro: "Tem um bônus de +2 na Categoria de Armadura e em todos os testes de resistência. Tenham cuidado, ela projeta uma ilusão mágica; na verdade está a um metro de sua posição real". E pronto, lá se vai a surpresa, tudo porque os jogadores devoraram o Livro dos Monstros e conhecem todos os truques de todas as criaturas. Existem poucas saídas para o M estre: proibir o acesso ao livro (o que nem sempre é possível) ou inventar novas criaturas, com poderes desconhecidos. Mas ... será que isso está certo? Vamos raciocinar um pouco: como é que esses aventureiros inexperie ntes, de baixo nível, têm conhecimentos tão profundos sobre um animal raro (muito raro) como a pantera deslocadora? A menos que tenham e nfrentado outra

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uessas antes, isso não se1ia possível. Os jogadores conhecem o bicho porque leram o Livro dos Monstros, mas não podemos dizer o mesmo dos personagens. Em sociedades medievais não temos enciclopédia Barsa, revista Superinteressante ou documentários sobre vida animal na TV. Claro, os jogadores podem alegar que ouviram histórias sobre as criaturas - mas histórias desse tipo quase sempre são exageradas, ou completamente erradas. Obter informações seguras sobre criaturas incomuns é muito difícil. A atitude correta por parte dos jogadores, portanto, seria fingir surpresa; fingir que não conhecem os poderes especiais da pantera deslocadora - e de qualquer outra coisa que nunca tenham encontrado ou ouvido falar.

Você não sabe disso! "Fingir?", perguntarão os jogadores. "Então, quando aquele górgona furioso estiver se aproximando para o ataque devo FINGIR que não sei sobre seu sopro de gás venenoso que transforma pessoas l'Jn pedra?!" Sim, deve. Se o personagem nunca viu ou ouviu falar de um pórgona antes (o que é bem provável, pois são raros), naturalmente d e não sabe sobre o gás. Com isso a aventura fica muito mais autêntica, pois os personagens aprendem com seus próprios erros e acertos. Na verdade, nessas situações, o Mestre pode OBRJGAR o jogador a agir de acordo ("Não, você NÃO pode usar seu pergaminho de proll'Ção contra gases antes que o górgona ataque. Por que faria isso? < 'omo seu personagem poderia saber a respeito do gás?"). Outra saída é limitar o "conhecimento proibido" por meio das r l·gras. O personagem só pode saber sobre certa criatura se antes 11 vcr sucesso em uma rolagem de dados adequada (como um teste d~ Inteligência ou Conhecimento Místico, por exemplo). Muitos 1ngadores não enxergam com bons olhos essa "tirania" do Mestre, 111as desta vez ele está certo. E verdade que fica mais difícil jogar tendo em mente todas rssas preocupações. Cada jogador deve pensar nas aventuras ante-

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riores de seu personagem, e tirar o máximo proveito de suas experiências. Seria interessante, depois de cada sessão de jogo, manter um registro do que aconteceu com o aventureiro - uma espécie de diário do herói, contendo tudo o que ele aprendeu. O resultado é compensador: um personagem palpável, rico, com passado, e que não vai cometer o mesmo erro duas vezes!

Disfarçando os monstros Mas o que acontece se os jogadores não sabem ou não querem jogar dessa maneira? Nesse caso, Mestre, você tem duas alternativas: ou aceita essa condição, ou usa esse conhecimento para enganálos - fazendo com que sua bagagem de informações seja inútil. Exemplo: o Mestre diz aos jogadores que estão diante de uma mulher horrenda, com cabelos que se movem como serpentes. "Uma medusa!'', deduzem os espertinhos, e apressam-se em pegar seus espelhos ou fechar os olhos para que não sejam transformados em pedra. Então, quando julgam-se preparados para a luta, a criatura ataca - com dreno de energia! "Ei, medusas não fazem isso", protesta o jogador cujo personagem acaba de perder um Nível de Experiência. Ao que o Mestre tranqüilamente responde: "Eu não disse que era uma medusa, disse?" Trapaça do Mestre? De jeito nenhum. A mulher poderia ser um vulto ou outro morto-vivo, com grandes vermes movendo-se em sua cabeça; uma criatura totalmente nova, apenas semelhante a uma medusa, mas com poderes diferentes; ou até mesmo uma medusa legítima, em uma nova concepção. O mundo imaginário do RPG não é determinado pelo que está nos livros: é aquilo que o Mestre decidir. Se o Mestre determina que uma informação do Livro dos Monstros (ou qualquer outro livro) está incorreta, então ela ESTÁ incorreta. Não adianta reclamar. Portanto, jogadores, pensem duas vezes antes de bancarem os sabidões, pois o Mestre pode tirar proveito disso. Não é seu conhecimento que conta, e sim o conhecimento do personagem.

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X Arena Que monstros, que nada! Divertido mesmo é jogar herói contra herói!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 16

Nesta edição trazemos uma matéria inovadora para GURPS: "Aliens vs. Predador'', com regras próprias para que os jogadores usem personagens Aliens, Predadores ou ambos. Ambos? Mas em que circunstâncias esses alienígenas sanguinários, inimigos mortais, poderiam ser companheiros em uma aventura? Fácil: eles NÃO seriam companheiros coisa nenhuma! Seu ob1ctivo é destruir uns aos outros, e vence quem sobreviver. Jogador contra jogador? Mas isso está certo? Sim, não apenas é c.:crto, como também muito divertido. É verdade que um dos grandes pontos a favor do RPG é incentivar o trabalho de equipe, mas às vezes ficamos cansados de enfrentar aqueles monstros imbecis que o Mes1re coloca no caminho. Um colega aventureiro poderia ser um adversário bem mais difícil e inteligente. A essa "modalidade" de RPG, em que os jogadores enfrentam uns aos outros, chamamos Arena.

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Personagens equilibrados Todos os RPGistas deveriam experimentar um jogo de Arena pelo menos uma vez. Arena não é o mesmo que aventura: é como um jogo qualquer, com vencedor e perdedor, no qual dois jogadores - ou dois grupos de jogadores - comandam seus personagens um contra o outro. Na maioria das vezes nem precisa de Mestre: todas as jogadas de dados são feitas abertamente, sem o uso de escudo. A presença de um Mestre atuando corno árbitro, todavia, é recomendada para evitar discussões. Não existem regulamentos especiais para jogar Arena. Não importa qual o sistema de RPG utilizado, as mesmas regras que permitem aos personagens atacar monstros - ou vice-versa - podem ser usadas para combates entre aventureiros. O único critério a ser obedecido é a construção de personagens. Evidente que, para um duelo justo, os personagens (ou grupos de personagens) devem ser equilibrados. Cada lado vai usar exatamente a mesma quantidade de Pontos de Experiência, Pontos de Personagem, Pontos de Bônus ou seja lá o que for usado pelo sistema. Para características que devam ser sorteadas, como os atributos básicos de o&o e AD&D, o sorteio deve ser feito abertamente e da mesma forma para ambos os lados. Coisas que possam ser escolhidas livremente, como feitiços, devem ser deixadas para os jogadores decidirem. No AD&D temos uma regra especial: em vez de usar todos os Pontos de Experiência para ter um personagem de nível alto, o jogador pode reservar alguns para "comprar" itens mágicos. Exemplo : dois jogadores recebem 8.000 XPs cada um para criar seus personagens. O primeiro resolve usar todos para ter um guerreiro de 4° Nível. O segundo prefere ter um guerreiro de 3º Nível, ficando assim com 4.000 XPs sobrando. Ele gasta todos para dar a ele um M achado do Retorno +2 (que vale 3.000 XPs) e um Anel de Proteção +1 (l .000 XPs). Sugerimos que seja estipulado um limite para a quantidade de pontos gastos dessa maneira, algo como 6.000 XPs. Detalhe: os personagens devem ser construídos e m segredo, sem que o oponente perceba. Depois não vá reclamar que o perso-

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nagem adversário memorizou justamente aquele feitiço que anula os efeitos de seu melhor item mágico ...

Arena como aventura Na verdade, levando ao pé da letra, uma partida de Arena é pouco mais que um jogo de estratégia. Não há muito RolePlay envolvido. Mas isso pode ser resolvido se a Arena for jogada na forma de uma aventura: o Mestre cria um cenário e uma hislória que explira as circunstâncias da inimizade entre os grupos, e os personagens 1ogam normalmente. No decorrer da história eles podem preparar armadilhas, conquislar posições, descobrir os pontos fracos do inimigo, forjar alianças com NPCs, descolar melhores armas e armaduras, e conseguir outras vantagens até o instante da batalha decisiva. Em uma aventura, ao contrário do que acontece na partida co111um de Arena, o RolePiay é obrigatório. Um jogador não pode lazer algo que o personagem não faria, ou usar uma informação que 'cu personagem não possui. Se o grupo adversário fez amizade com rato NPC, por exemplo, não vale cair em cima do infeliz assim que l'lc surgir no caminho, sem nenhuma explicação. Jogar dessa maneira pode provocar muitas discussões - é sempre difícil ignorar 11ma vantagem quando temos chance de usá-la. Sugerimos que cada /'rupo de jogadores fique distante do outro, em mesas separadas (se possível em salas separadas), enquanto o Mestre serve como elo de ligação e diz a cada grupo o que o outro fez. O uso de miniaturas também pode ajudar bastante: para isso serão necessários dois conjuntos de miniaturas, um com cada grupo, mostrando as posições de cada personagem. Cada jogador move ~ ua miniatura enquanto o Mestre move as do grupo adversário. Acima de tudo, Mestre, seja justo e imparcial. Se você torcer para um dos lados - ou mesmo se mostrar sinais disso - o outro time pode sentir-se trapaceado. Mantenha o comando da situação, mas não seja tirano: ouça as queixas dos jogadores. E economize uma boa dose de paciência: você vai precisar!

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XI O Vilão Aquele que os jogadores adoram odiar

Artigo publicado na Dragão Brasil# 19

Inirrúgo. Do latim inimicu. Hostil, adverso, contrário. Vilão. Do latim villanu. Abjeto, desprezível, sórdido. Uma consulta ao Aurélio é suficiente para entender a diferença entre essas duas palavras. Inimigos existem ao montes em aventuras de RPG. São obstáculos momentâneos, esquecidos assim que seus cadáveres são revistados e deixados para trás. Mas um vilão não é apenas um inimigo. Seja em filmes, livros ou aventuras de RPG, ele tem uma única função: ser odiado pelos jogadores. Você pode até odiar um goblin que esfaqueou sua perna, mas essa raiva vai passar rapidinho quando rolar a cabeça do imbecil. O ódio pelo vilão é mais duradouro, e aumenta com o tempo ... porque o vilão também é mais duradouro. Ele é a sarna que incomoda os aventureiros, o incômodo que persiste aventura após aventura, até o ponto em que um jogador daria a vida (de sua personagem) para livrar-se do desgraçado. O vilão é ingrediente importante em uma aventura, mas inventar um cara tão detestável não é tarefa fácil. Não adianta querer que

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os jogadores odeiem alguém à prime ira vista. Nos filmes, o roteirista emprega quase noventa minutos para exibir as atrocidades cometidas pelo vilão - e você provavelmente terá que fazer o mesmo, planejando diversas ocasiões em que os heróis são frustrados, amedrontados ou se revoltam com suas maldades. Depois de duas ou três emboscadas covardes, donzelas mortas ou aldeias incendiadas, os jogadores vão desejar muito a cabeça de alguém na ponta da lança.

Tipos de vilania Eis algumas boas razões para odiar um vilão: • AMEAÇA: a razão mais comum. A existência do vilão ameaça os

aventureiros ou seu modo de vida. Dentro desta categoria estão o clérigo maligno que envia tropas de mortos-vivos para saquear cidades; o dragão vermelho que destrói vilas; o ladrão que rouba a l'Spada sagrada do paladino; e a gárgula que passa voando e deixa cair paralelepípedos na cabeça das personagens (grande vilão, Katabrok!) • ENTE QUERIDO: o vilão matou, feriu, escravizou, amaldiçoou ou transformou em pudim de ameixa um ente querido de um ou mais ilventureiros. Nem sempre funciona. O jogador preza seus entes que' idos, mas quem disse que ele precisa amar igualmente os entes que' idos de seu personagem? "Lorde Kalascar raptou, torturou e matou ~cu irmão'', diz o Mestre, esperando uma reação revoltada, e o jogador indiferente apenas comenta: "Ahn, eu tinha um irmão?" •TRAIDOR: poucos vilões serão mais detestados pelos personagens do que aqueles que os traíram. Ser sacaneado é sempre motivo de 1cvolta. Pense na reação dos jogadores quando descobrem que aquela doce camponesa, que implorou por ajuda para salvar seu pai, é na verdade um doppleganger atraindo heróis incautos para uma armadilha. • C HANTAGISTA: o vilão tem algo que um ou mais aventureiros de~l·jam ou precisam muito, mas se recusa a abrir mão desse objeto de n>biça. Talvez ele seja o único que conhece o paradeiro de uma

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pessoa desaparecida, ou a cura para uma maldição, ou tem a alma de um personagem guardado em um vidrinho, no bolso do manto. Odiado é o vilão que você não pode matar, mesmo que el ; esteja bem diante de seu nariz. •QUASE INVENCÍVEL: muito irritante. O vilão é invulnerável a todas as armas, magias e poderes de qualquer espécie. Ele apenas gargalha enquanto os aventureiros descobrem a inutilidade de seu poder de fogo, talvez depois de desperdiçar magias, munições e cargas de itens mágicos. Esse tipo de vilão tem uma fraqueza, mas ela é muito difícil de ser explorada - pense nos apuros do Super-Homem para convencer Mxzplyk a dizer seu nome ao contrário ... • Ooroso: alguns vilões conseguem ser tão hotTendos, tão pavorosos, que os jogadores vão desejar destruir o maldito apenas porque ele existe. Ele nem precisa ser mau , mas apenas mexer com os medos e repulsas dos jogadores. Uma larva de Alien entra pela boca de um ser humano, incuba em seu estômago e arrebenta seu peito para nascer. Não faz por maldade, mas isso não diminui nosso desejo de matar u bicho assim que lhe colocamos os olhos em cima dele. Não que seja uma motivação Já muito elogiável, claro ... • GRANA: se tudo mais falhar, sempre existe a compensação monetária. Talvez o vilão seja tão terrível que o rei ofereceu uma elevada recompensa por sua cabeça, ou então o próprio vilão conserva um grande tesouro em seu esconderijo.

Motivações do vilão Como pensa um vilão? O que realmente acontece em sua mente distorcida? Por que ele pensa como pensa e age como age? Para criar um vilão convincente é preci so responder estas e outras perguntas. São poucos os v ilões que apenas "desejam ser" maus, matando e saqueando só porque se amarram em fazer coisas malignas. O vilão quase sempre é alguém com um ponto de vista diferente. Para ele suas atitudes são corretas, ou necessárias - e os heróis não passam de tolos ingênuos, que atacam aquilo que não compreendem.

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"Que mal eu fiz?", irá perguntar-se o mago maligno, vendo sua torre ser invadida pelos caras bons. "Por que me perseguem? É verdade que transformei pessoas em monstros de duas cabeças, mas fiz isso apenas pelo avanço de meus estudos. Eles não percebem a magnitude de tal experimento? Como podem achar isso menos importante que desprezíveis vidas humanas?" Convencer alguém de sua vilania pode ser bem difícil. Imagine-se dizendo a um vampiro que ele é um monstro demoníaco, que mata pessoas e bebe seu sangue, e deve ser exterminado. "Estou apenas me alimentando", dirá ele, espantado com a acusação. "Vocês também não consumem outros seres vivos para viver? Então, onde ~·stá a diferença entre nós?" Mas questões morais sobre certo ou errado não importam aqui. C'omo já foi dito, o vilão é alguém a ser odiado, mesmo que ele tenha a lei e a ordem ao seu lado (não era assim com o Xerife de Nottingham?). Alguém que os jogadores vão perseguir até o fim do 111undo, não importa quão perigosa essa perseguição seja. Crie um vi lão assim, e sua aventura de RPG será um sucesso.

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XII Inteligência Como representar uma inteligência maior que a sua?

Artigo publicado na Dragão Brasil # 21

"É o Napoleão do crimt!, Watson. O organizador da metade do que é mau e de quase tudo o que está encoberto nesta grande cidade. Ele é um gênio, um filósofo, um pensador abstrato. Tem um cérebro de primeira ordem. Senta-se imóvel como a aranha no centro de sua teia, mas aquela teia tem milhares de radiações, e conhece muito bem o ponto sensível de cada uma delas. Ele mesmo pouco faz. Apenas planeja. Mas seus agentes são numerosos e esplendidamente organizados. Há um crime a ser feito, um documento a ser subtraído, diremos, uma casa a ser pilhada, um homem a ser removido - passa-se a palavra ao Professor Moriarty, a coisa se organiza e se realiza." SHERLOCK HOLMES , em O Problema Final

Sherlock Holmes é conhecido como o maior detetive de ficção de todos os tempos. Com seu poderoso raciocínio e incrível senso de observação, era capaz de deduções assombrosas - como desvendar a história da vida de alguém apenas examinando seu rel ógio de bolso. Holmes era o terror dos criminosos de Londres, até o dia em que encontrou seu nêmesis: o Professor Moriarty, um gênio crimi-

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11oso de mesmo nível intelectual. Depois de intermináveis lutas eslratégicas, golpes e contragolpes, os dois antagonistas encontraram 11 morte lutando e caindo em um penhasco. Holmes e Moriarty eram gigantes intelectuais. Suas fichas mosf rndas em GURPS Horror dizem que ambos têm IQ 18 e a vantagem Memória Eidética em 2º nível, uma memória fotográfica. Bem, não t' lão difícil encontrar jogadores que tenham personagens com tais valores de inteligência. Mas será que eles conseguem representá-la? S<.:ria possível para nós, m01tais, simular uma inteligência sobrehumana? Fingir baixa inteligência é fácil. Muitos jogadores já se di verti1111n bancando o bárbaro burro, que chuta po1tas em masmorras e lnz. outras besteiras. Quando o jogador tem um personagem de inteligência baixa, mas não age como tal no jogo, o Mestre pode exigir dde j ogadas de dados sempre que tentar algo inteligente - ou para 1•vitar uma burrice. Diante de um ore acuado que tenta o velho truque do "olhe, atrás de você!", um personagem com inteligência abaixn da média deveria ter sucesso em um teste para resistir à tentação de dar uma olhadinha sobre o ombro ... Burrice é fácil de interpretar. O problema é quando o personagem é muito mais inteligente que você.

Mais esperto que o Mestre Para um jogador, o problema não chega a ser tão sério. Sempre que ele estiver perto de fazer uma coisa tola, ou deixar de perceber algo importante, basta que o Mestre exija um teste de lnteliiGncia, IQ ou seja lá o que o sistema use. Jogar os dados resolve a questão. O mais prejudicado por problemas de alta inteligência é o próp1'io Mestre. Além de humanos e humanóides, ele precisa lidar com 1·1iaturas de intelecto sobre-humano - como dragões, supercompulndores, avatares e até deuses. Ora, um Mestre de RPG tem poder '< llpremo, mas não inteligência suprema! Como ele pode simular a 1111eJigência de um deus?

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E isso não é tudo. O Mestre não apenas é menos inteligente que um deus, dragão ou beholder, como também pode ser menos inteligente que os jogadores. Não, não estamos chamando o Mestre de burro; acontece que várias cabeças pensam melhor do que uma, e juntos os jogadores podem planejar e ter idéias melhores. Isso leva a situações meio estranhas, em que um paladino de Inteligência 11 consegue enganar um beholder de Inteligência 22.

Fingindo inteligência Uma maneira de fazer a balança pender para seu lado, Mestre, é usar o conhecimento a seu favor. Você sabe tudo sobre a aventura, mas o jogadores não. Se você está usando um NPC muito inteligente, ele poderia deduzir coisas que os jogadores não podem, mesmo que isso seja quase impossível - assim fazia Sherlock Holmes, baseando suas deduções em detalhes tão sutis que aos olhos de muitos ele parecia um bruxo! Em jogo, ficaria mais ou menos assim: "Como você sabia que os goblins estavam de tocaia atrás das rochas?", perguntam os aventureiros ao espertíssimo mago NPC que acompanha o grupo. E ele responde: "Ora, isso era óbvio! Goblins têm mentes ridículas, não sabem planejar. Vocês não perceberam?" O mesmo truque vale para vilões. Um vilão superinteligente poderia prever todos os passos de seus inimigos, não importa quão perfeitos ou sutis sejam seus planos. Enquanto esperam que o dragão vermelho apareça na entrada do covil para devorar o cabrito que deixaram como isca, os heróis são atacados pelas costas pelo mesmo dragão, que diz apenas: "Esperavam mesmo me enganar com um truque tão primário?" Esse é um velho truque de escritor, o "vilão onisciente". O monstro ou vilão conhece cada movimento dos heróis, e já tem uma armadilha ou contra-ataque planejado. Pode parecer injusto para os jogadores, mas os maiores vilões da ficção são assim. Em todos os filmes da série Guerra nas Estrelas, você se recorda de ter visto Druth Vader ser surpreendido uma única vez?

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De qualquer forma, Mestre, tenha cuidado. Não deixe que seu de inteligência divina seja enganado facilmente. Sherlock 1Colmes ou Moriarty nunca cairiam em truques baratos.

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XIII Sortudos Você não fica irritado com aqueles NPCS que parecem ser protegidos por Deus?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 22

Jogador: "Ei ! Onde está meu machado? Mestre: "Em seu lugar você encontra um bilhete que lhe diz 'obrigado, trouxa!"' Jogador: "Quê?! Quem fez isso?" Mestre: "Você não sabe, mas suspeita de Hernest Goldenhand, o ladrão que acompanhava o grupo na estrada." Jogador: "Espere aí, como ele conseguiu?! O machado estava junto a mim, em minha cintura, sob um manto pesado que cobre meu corpo todo." Mestre: "Por falar nisso, tem um corte feito com faca no seu manto, na altura da cintura." Jogador: "Ele cortou meu manto, enfiou a mão pelo corte, removeu um imenso machado de duas mãos e 'colocou um bilhete em seu lugar, tudo isso SEM QUE EU NOTASSE?! Aliás, por que meu amuleto mágico contra ladrões não funcionou?" Mestre: "Ahn, você tinha um amuleto? Foi roubado também." Jogador: "QUEM era aquele cara? Avatar do Deus dos Ladrões?"

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Certo dia eu e Katabrok especulávamos sobre como seria o personagem MacGyver no sistema Storyteller. Chegamos à conclude que ele teria um ponto em TODAS as Habilidades existentes, e ~cria um NPC - porque ele NUNCA falha em uma jogada de dados! Personagens infalíveis como o MacGyver, Conan, James Bond 1· outros são interessantes (mas nem sempre) em filmes e quadrinhos, mas em RPG eles podem ser muito, MUITO chatos! Em jogo, ~t·mpre que os jogadores tentam alguma manobra complicada - coi"ªs "rotineiras" em histórias de aventuras, como arremessar espadas, balançar em cordas e esquivar-se de flechas - , na maioria das vezes terminam traídos pelos dados e falham. Mas com um NPC isso nunca acontece, notaram? Ele SEMPRE consegue o que quer!

'ªº

Personagem do Mestre NPC significa NonPlayer Character, Personagem Não-Jogador. Na versão traduzida do AD&D da Abril Jovem, o NPC é adequada111cnte chamado de PdM -Personagem do Mestre. Como tal, ele goza ele certos privilégios. Criar NPCs é um prazer sem igual para qualquer Mestre. Ao 1 ontrário dos outros jogadores, ele não está preso às regras costu111ciras de constmção de personagens - pode torcê-las ou ignorá-las rnmo quiser. Não precisa rolar dados para conseguir atributos altos 1· nem economizar pontos para comprar grandes poderes. Além dis'º· como ele está sob o controle do Mestre, todas as jogadas de dados do NPC podem ser feitas em segredo atrás do escudo (ou 1aeen); isso significa que um NPC só falha quando o Mestre quer. Um problema surge, contudo. Os jogadores costumam sentir't' apegados a seus personagens, e o Mestre não é imune a esta mes111a fraqueza. Ele pode gostar tanto do personagem que nunca per111itirá sua morte, derrota ou humilhação, muitas vezes forçando a hnrra para salvar seu "protegido" . O NPC torna-se então um sujeito 111falível e imortal, de sorte sobre-humana, incapaz de errar em suas jogadas de dados - e que sempre conseguirá uma vitória fantástica ou uma fuga espetacular quando os PCs resolverem atacá-lo.

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O Mestre pode alegar que o NPC é muito habilidoso, sortudo, ou algo assim, e não cabe aos personagens contestar. Ele não deixa de ter razão, pois nestes casos a decisão do Mestre será sempre soberana. Mas isso faz com que os jogadores sintam-se injustiçados .

A fuga espetacular do ninja Certa vez fiz uma coisa muito feia. No passado distante, quando não era editor de RPG e tinha algum tempo livre, estava eu mestrando uma aventura de AD&o. Entre os jogadores estava Grahal, usando seu personagem Kaneda Shimaru, o elfo samurai, que vocês conheceram em Dragão Brasil# 18 (normalmente elfos não podem ser samurais, um tipo especial de guerreiro encontrado no Complete Fighter s Handbook, mas durante a campanha abri uma exceção a esta regra). No decorrer da aventura Kaneda encontrou seu arquiinimigo, um ninja. Eles duelaram. Eu queria que o ninja fosse derrotado, mas não que morresse, pois planejava usá-lo de novo no futuro. Quando ele estava bastante ferido, usou uma nuvem de fumaça para fugir - mas o samurai possuía a perícia Lutar no Escuro, e mesmo sem enxergar acertou um golpe que com certeza teria matado o ninja. Teria, porque ele desapareceu sem deixar rastro. Escapou quando não havia chance de escapar, uma tremenda "forçação de barra". Hoje reconheço que não foi uma decisão justa; deixei que meu apego pelo ninja NPC prejudicasse a aventura, roubando do jogador o merecido prazer de ver seu inimigo morto. Isso não deveria acontecer. Perdão, Grahal. Não faz a menor diferença se um NPC é poderoso ou fraco, grandioso ou medíocre; ele é um COADJUVANTE. Os verdadeiros astros da aventura são os PCs, os personagens jogadores. Não digo que todos os NPCs devam cair fulminados apenas para agradar os jogadores - se eles resolvem atacar Tiamat ou coisa assim, devem pagar pelo erro. Às vezes também é necessário mostrar os NPCs como seres poderosos ou astutos, para inspirar respeito ou temor. Não há nada errado nisso. O Mestre deve apenas tomar cuidado para não

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lorcer muito as coisas em favor dos NPCs, criando situações do tipo "as lanças amortecem a queda dele?". Alguns Mestres pensam em si mesmos como deuses, livres para lu7-er tudo que desejam. Erro. Na verdade, o Mestre é ESCRAVO dos 1ngadores. Ele deve servir e agradar, criar aventuras emocionantes e divertidas, ou pelo menos justas - sem NPCs milagrosos para encher ,, paciência. Se falhar nisso, os jogadores simplesmente se chateiam 1• vão embora. Restará então um Mestre onipotente, soberano, absoluto ... e sem jogadores. Grande porcaria.

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XIV Demóstenes Sem armas e feitiços detonadores, os jogadores vão precisar de mais criatividade e estratégia para vencer

Artigo publicado na Dragão Brasil# 23

"Era uma vez, no século IV a.C., um jovem e tímido grego chamado Demóstenes. Ele queria tomar-se orador-o advogado da antiga Grécia, igualmente engalfinhado em disputas j udiciais. Uma vez que não havia microfones e alto-falantes na época, era vital para o bom orador possuir voz clara e potente, e este não era o caso de Demóstenes. Para superar o problema, ele impôs a si mesmo um treinamento rigoroso: ia à praia, enchia a boca de pedras e falava para o mar. Ele precisou melhorar a pronúncia, porque era difícil falar com as pedras na boca; ao mesmo tempo, foi forçado a aumentar o volume de sua voz para superar o barulho das ondas. Resultado: quando venceu os obstáculos do treino duro, discursar para simples seres humanos (sem pedras e sem ondas) tornou-se a coisa mais fáci l do mundo". Assim funciona o chamado Método Demóstenes: colocar a si mesmo em uma situação difícil para que, mais tarde, as condições normais pareçam fáceis. Muito provavelmente você já imitou Demóstenes, mesmo sem saber. Depois de jogar um pouco no modo

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"Very Hard" ou "Nighmare" em seu videogame favorito, terminar o jogo no modo "Normal" torna-se brincadeira.

Criatividade como arma Em RPG, o Método Demóstenes consiste em aumentar os peri11os e/ou reduzir o poder dos jogadores, tornando a aventura mais dura do que em condições normais. É uma excelente maneira de Incentivar o grupo a usar mais a cabeça e menos o machado, fazendo-os abandonar o velho hack & slash, ou matar-pilhar-destruir. Sem 111'mas ou feitiços detonadores, eles vão precisar de mais criatividade e estratégia para vencer os inimigos. Para o jogador, colocar-se em situação difícil também é lucro. /\ té mesmo o mais fervoroso Overpower - o famigerado "advogado 11l· regras", que suga o máximo dos regulamentos para tomar seu pl'rsonagem poderoso - vai descobrir como a interpretação pode ser l:ln eficiente quanto um punhado de bônus nos dados: uma atuação 1 onvincente às vezes mostra-se melhor que um ilusão mágica ("Atreva-se a mover sua lança, ore estúpido, e será alvo das setas de trinta 111queiros que estão escondidos na mata à nossa volta!"); e um la1h :1o de 1º Nível pode derrotar um guerreiro de 20º Nível apenas 111111 uma boa idéia ("Que tal se eu envenenar a cerveja dele?"). Se dt•pois disso você ainda preferir o estilo Overpower, nesse caso já é q11estão de preferencia pessoal - uma preferência que muitos RPGistas 1 ' perientes cultivam, sem preconceito algum.

Os favoritos de Demóstenes Muito provavelmente, um dos RPGs que Demóstenes mais te1111 apreciado é Call of Cthulhu . Nada de magos incinerando os ini111lgos com bolas de fogo, ou guerreiros incríveis bocejando de té1lln diante do exército de zumbis. Aqui os jogadores são pessoas 111111uns de 1910 (sem metralhadoras e lança-granadas, portanto), Ih l1111do com monstruosidades cósmicas ancestrais. Lutar fisicamente • 11111 elas não resulta em morte provável - é morte certa! Aquele

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zumbi cadavérico, que em AD&D você faria em mil pedacinhos sem pensar duas vezes, em Cthulhu vai simplesmente ignorar seus socos, tiros e facadas. O único meio de detê-lo (se é que existe um) envolve algum pergaminho perdido, um ídolo atlante ou um livro profano de magia negra, disponível apenas depois de muita investigação. Outro jogo difícil é Paranóia, com sua burocracia tirânica e impossível de evitar. Sobreviver no Complexo Alfa já é desafiador o bastante, sem que os personagens desejem meter-se em "aventuras" . Basta um cadarço desamarrado, um gesto suspeito, uma frase errada, e você pode ser acusado de traição. Traição é punida com a morte. ZTOUF! Você foi desintegrado. Nosso orador grego teria adorado jogar este RPG l

Dificultando a vida Call of Cthulhu e Paranóia são títulos que aprecio e recomendo enormemente. Existem outros jogos tão desafiadores quanto eles, mas é simples tornar os RPGs que você já conhece bem mais difíceis. Existem várias maneiras de colocar pedras na boca de seus jogadores e fazer com que falem diante do mar: • o&D E AD&D: Permita apenas personagens de baixo nível (algo entre 1ºe 3°), com atributos básicos sorteados da maneira mais cruel (3d6, sem chiar). Se seu personagem ficou com Força 8 e Destreza 6, vire-se com o que tem. Itens mágicos são raríssimos - um tesouro de dragão terá, na melhor das hipóteses, uma espada + 1. Os magos nem sempre terão acesso aos feitiços que gostariam (quem disse que todos os magos de 3º nível precisam ter Bola de Fogo ou Relâmpago no livro de magias?). Experimente colocar um grupo destes contra 3d4 esqueletos, e verifique se eles correm ansiosos para o combate ou se pensam em uma estratégia melhor... • GURPS: Um "herói inciante" é construído com 100 pontos, o que é considerado pouco em te1mos de GURPS - mas certos jogadores sabem usar esses pontos para produzir PCs realmente apelões, com altíssimos Níveis de Habilidade em suas Perícias. A vantagem An-

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Lccedente Incomum é ótima para limitar esses personagens. Um piloto de caça com Artilharia 25, por exemplo, será com certeza um dos melhores artilheiros do mundo - e isto deveria custar uns 10 pontinhos de Antecedente Incomum. Pronto! Não vale mais a pena l er um NH exageradamente alto em uma Perícia! • VAMPIRO: Em um mundo de monstros com poderes sobrenaturais, que desafio seria maior que viver como um simples mortal? O suplemento Os Caçadores Caçados apresenta esta opção estimulante; no papel de um mortal que descobre a existência dos vampiros (nem sempre da melhor maneira ... ), um jogador vai precisar de boa dose Jc astúcia para destruir seus inimigos - ou pelo menos sobreviver à perseguição. Outras criaturas do Mundo das Trevas podem interagir com os mortais jogadores; diante de um lobisomem ou fantasma, pode ter certeza de que os jogadores vão preferir uma conversa amigável...

Não forçais a barra! Um último aviso: o Mestre deverá ter extremo cuidado para não transformar sua "aventura Demóstenes" em castigo dos deuses para os jogadores - nem todos aceitam a idéia de ter alguém enfiando pedras em sua boca! Você corre um imenso risco de ser mal11Herpretado por eles, que podem se abotTecer com tanta dureza e p~clir sua renúncia - um direito sagrado dos jogadores quando acham que a aventura não está divertida. Seja muito, MUITO cauteloso.

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XV Carisma O que é? Como interpretar?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 25

"Carisma. [Do grego chárisma, "dom", pelo latim charisma] S. m. 1. Força divina conferida a uma pessoa, mas em vista da necessidade ou utilidade da comunidade religiosa; 'Entorna sobre mim as soberanas/ Inspirações que brotam dos Altares, /O carisma do amor que tudo irmanas, / Serva de Deus, Esposa dos Cantares.' (Alphonsus de Guimaraens, Obra Completa, p. 167.) 2. Epilepsia. 3. Atribuição a outrem de qualidades especiais de liderança, deri vadas de sanção divina, mágica, diabólica, o u apenas de individualidade excepcional. 4. O conjunto dessas qualidades especiais de liderança".

No mundo ficcional do RPG, não há palavra mais controversa e sujeita a interpretações tão diversas. Praticamente cada grupo de jogo tem suas próprias idéias a respeito do carisma. Existe, contudo, um erro supremo que quase todo RPGista já cometeu ou ainda comete: achar que grande carisma e grande beleza são a mesma coisa. De acordo com o bom e velho Aurélio, e também com a maioria dos RPGs, carisma pouco tem a ver com aparência. Ele pode ser

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resumido como " poder de liderança": determina a influência do personagem sobre outras pessoas, sua capacidade de fazer com que gostem dele e/ou sigam suas ordens. Não depende tanto de beleza ou feiúra físicas. Uma supermodelo que tenha baixo carisma seria uma chata insuportável; um baixinho feio e mirrado, mas charmoso, poderia reunir montes de amigos à sua volta. Mas carisma também não significa amabilidade ou simpatia pelo menos, nem sempre. Pode ser a simples capacidade de impressionar ou intimidar, sem gentilezas. Esse tipo de carisma é possuído por aventureiros rústicos, magos sisudos, cavaleiros das trevas, viloes e personagens sombrios em geral. Carisma também não está diretamente ligado a bondade ou 111aldade. Não, você não precisa ser justo, bonzinho, simpático e gente fina para receber os benefícios de um alto carisma. Doutor 1>cstino, um dos maiores e mais impiedosos vilões dos quadrinhos, 1· um excelente exemplo: mesmo com sua crueldade notória e seu 1osto arruinado, ele governa o reino da Latvéria e é amado por cada cidadão - prova incontestável de carisma elevado. Também gosto de pensar que o carisma tem alguma ligação 1·om a sorte do personagem. Até onde posso observar, pessoas oti111istas e confiantes são mais afortunadas que os chatos rabugentos. Em Arkanun, Invasão e Trevas, o atributo Sorte é um derivado dire1t1 do Carisma. D&D

e AD&D: antipáticos?

Em certos jogos, especialmente D&D e AD&D, é imensamente '111num pensar no atributo Carisma como se fosse aparência fís ica. Muitos jogadores imaginam que alguém com Carisma 17 ou 18 é honito ou atraente, enquanto um Carisma 3 ou 4 significa grande k1úra. As próprias regras do AD&D são um tanto contraditórias: nada r dito sobre aparência na descrição do atributo Carisma no livro do l11gador, mas regras citadas em outros livros relacionam carisma e npnrência - se um goblyn de Ravenloft morde seu rosto, por exemt•lo, provoca cicatrizes que tiram pontos de Carisma.

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Entre jogadores de D&D/AD&D, o Carisma costuma ser muito desprezado. Exceto no caso de classes que necessitam de um valor mínimo, como paladinos e bardos, poucos dão importância o este atributo - vamos encontrar nas mesas de jogo "trocentos" personagens que têm no Carisma seu valor mais baixo. Para evitar essa atitude, o Mestre deveria tornar mais freqüente o uso do Carisma em suas aventuras; apresentar mais situações que não possam ser resolvidas com luta, e sim com conversa. Um bando de aventureiros ágeis e poderosos mata um dragão mais facilmente, é verdade. Mas, se tiverem baixo Carisma, será mais difícil conseguir um bom preço ao vender a pele do bicho no mercado. GURPS:

sem carisma

Não existe no sistema universal GURPS um atributo Carisma (o que, diga-se de passagem, faz bastante falta). A reação de outras pessoas é determinada através do chamado Teste de Reação. Esse teste recebe ajustes de acordo com uma coleção de vantagens e desvantagens, escolhidas durante a construção do personagem: Aparência, Reputação, Estigma Social, Voz Melodiosa, Obesidade, Gigantismo, Gagueira, Fanfarronice, Covardia, Paranóia, Teimosia e muitas outras, quase sempre ligadas à aparência física ou ao comportamento social. Esse método pode ser mais realista, mas pouco prático. Nem todos os bônus e redutores podem ser usados em todas as situações. Se o personagem está sendo observado de longe, por exemplo, lá vai o Mestre fazer contas para cancelar os ajustes de vantagens como Voz Melodiosa e desvantagens como Gagueira.

A sedução dos vampiros O sistema Storyteller (Vampiro, Lobisomem ... ) merece um troféu nesta categoria. Aqui, carisma e aparência física são separados de forma muito clara e elegante. Temos três Atributos Sociais disLintos, todos utilizados para testar a reação de outras pessoas diante

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do personagem: Carisma, Manipulação e Aparência. Nesse caso, não devem restar dúvidas, sempre podemos saber com certeza se ulguém é bonito, carismático ou ambos. A diferença entre Carisma e Manipulação pode mostrar-se um tanto difícil de notar à primeira vista. O Carisma é passivo, sempre vai funcionar, a menos que exista algum esforço do personagem em contrário. Manipulação, por outro lado, é um poder ativo - uma capacidade de influenciar e manipular diretamente, de forma intencional. Em jogos que não estabelecem essa diferença sutil, como 1>& 0 e AD&D, seria adequado dizer que o Carisma é uma combinação de ambos.

Interpretação do Carisma Já sabemos que carisma é influência, não aparência. Então ele pode ser interpretado. Mas como podemos fazê-lo ? Nada difícil. Carisma abaixo da média, por exemplo, é muito simples e divertido de interpretar. O personagem simplesmente não ronsegue ser respeitado, e ninguém segue suas ordens ou dá valor :\s suas palavras. Ele é desagradável de alguma forma. Existem milhões de motivos para que isso aconteça: ele pode ser ranzinza e mal-humorado (o típico anão rabugento), convencido e arrogante, selvagem e truculento, perverso e egoísta. Também não precisa ter nenhum defeito de caráter, apenas algo incômodo ou irritante - que fal um guerreiro musculoso, amaldiçoado com uma voz de mulher? Quem irá respeitá-lo? Alto carisma é mais fácil de interpretar que alta inteligência. Para representar carisma superior, basta pensar nele como uma espécie de mágica, um charme irresistível que irá enfeitiçar as pessoas. Um RPGista é um simples mortal (alguns acreditam ser o próximo passo na evolução humana, mas falaremos deles outro dia): assim como você não pode levantar mais peso do que sua força permite, o jogador não pode mostrar mais carisma do que realmente possui. Com ce1teza ele não será capaz de formular as mesmas pala-

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vras inspiradoras que seu paladino de Carisma 18 usaria - e o Mestre não tem o direito de exigir isso dele. Penso que todo Mestre precisa ser extremamente complacente nesse sentido. Se um clérigo de altíssimo carisma insultar a mãe do rei bárbaro, por exemplo, o Mestre deveria pensar duas vezes antes de iniciar o massacre; pode parecer estranho, mas um personagem de AD&D com um altíssimo Carisma 18 poderia REALMENTE insultar um bárbaro e ainda se sair bem! Alto carisma permite fazer alguém de idiota sem que ele perceba. Por outro lado, se o anão com Carisma 3 resolve elogiar a aparência daquele mesmo rei bárbaro, ainda que com as melhores e mais sinceras intenções, muito provavelmente será servido no jantar. Claro que mesmo um personagem de grande carisma sempre pode ofender alguém se deseja fazê-lo de forma INTENCIONAL.

Carisma é um poder sempre em funcionamento, para o bem ou para o mal, não importando o que o jogador diga ou faça .

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XVI Longevidade Problemas com personagens que vivem demais

Artigo publicado na Dragão Brasil# 27

Dragões, elfos, anões, vampiros ... os mundos do RPG estão repletos de criaturas longevas. Seres que vivem várias vezes mais que um humano normal, atingindo idades de vários séculos, ou até milênios. O problemas com personagens muito velhos é que, seguindo as regras da maioria dos RPGs, eles podem ser bem poderosos. Conhecimento é poder - isso é verdade na vida real , e mais ainda no RPG. Acumulando treinamento e experiência durante muito mais tempo do que um humano normal poderia, eles vão atingir cifras altíssimas em suas perícias e encher muitas bolinhas em suas fichas de personagem.

Memória: não confie Se conhecimento é poder, como evitar que um personagem com centenas ou milhares de anos seja poderoso demais? A solução é bem simples: o personagem não consegue RETER todo esse conhecimento.

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A capacidade da memória humana está longe de ser infinita. Você consegue se lembrar com exatidão de coisas que viveu há cinco anos? Dez? Vinte? Então, como acreditar que alguém pode recordar acontecimentos ocorridos séculos atrás? Sherlock Holmes, em sua aventura de estréia, Um Estudo em Vermelho , já falava sobre os limites da memória humana. Diante de um espantado Dr. Watson, confessou que não conhecia as teorias de Copérnico sobre a composição do sistema solar - ele simplesmente não sabia que a Terra gira".:a em volta do Sol. Holmes era rigoroso com tudo que acumulava na mente, aprendendo apenas o necessário para seu ofício de de tetive. "Considero o cérebro de um homem como sendo inicialmente um sótão vazio, que você deve mobiliar conforme tenha resolvido", diz Holmes. " É um erro pensar que o dito quartinho tem paredes elásticas e que pode ser distendido à vontade. Segundo as suas dimensões, há sempre um momento em que para cada nova entrada de um conhecimento a gente esquece alguma coisa que sabia antes." Holmes estava certo. A mente, assim como um computador, tem um limite de armazenagem de dados. Não pode registrar lembranças indefinidamente, e nisso reside a maior fraqueza dos personagens muito longevos. Fatos, pessoas, lugares, idiomas, treinamentos - TUDO pode ser esquecido com a passagem do tempo. Sim, o personagem pode PERDER tudo aquilo que aprendeu, e que poderia tomá-lo poderoso demais para a campanha. Até mesmo pessoas que ele tenha amado ou que tenham tentado matá-lo podem se perder na sua memória; estamos falando de SÉCULOS, e não sabemos se a mente humana pode reter qualquer informação por tanto tempo, por mais importante que seja. Esse recurso precioso foi empregado de forma magistral em Mummy, um suplemento importado da linha Storyteller - que voltou ao mercado recentemente em Mummy Second Edition. As múmias são os únicos personagens realmente imortais no Mundo das Trevas. Nunca podem morrer. Quando destruídas, simplesmente vagam durante algum tempo pelo Underworld - o mundo dos mortos conhecido de quem joga Wraith: The Oblivion -, coletando energias

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para retomar a este mundo. A maioria das múmias tem milhares de anos de idade, mas não consegue se lembrar de tudo que viveram. Personagens de Mummy têm um atributo extra chamado Memória, que deve ser testado sempre que o personagem deseja se lembrar de algo ocorrido há muitos séculos.

Como funciona um imortal? O astronauta Neil Arrnstrong disse: "Acredito que cada ser humano tem um número finito de batimentos cardíacos, e não pretendo desperdiçar os meus fazendo exercícios por aí". Ele tinha certa razão. De acordo com estudos, todos os mamíferos têm uma mesma média de batimentos cardíacos ao longo da vida. Mamíferos de vida curta, como a maioria dos roedores, têm corações que batem mais depressa; baleias, elefantes e humanos vivem mais, mas seus corações batem mais devagar. Na média, todos têm corações que batem um igual número de vezes. Seguindo esse raciocínio, imagine um elfo de AD&D - que, de acordo com a sua descrição, pode atingir até seiscentos anos de idade. Ele vive sete ou oito vezes mais que um humano. Portanto, seu coração deveria bater sete ou oito vezes mais devagar. Seu metabolismo seria mais vagaroso, seus movimentos mais lentos. Verdadeira tartaruga (animal que, aliás, está entre os mais longevos do mundo). Supondo que elfos existissem e pudessem atingir idades tão avançadas, eles seriam lerdos demais para acompanhar os outros aventureiros! Claro, estamos falando do ponto de vista puramente científico (eu e minha mania de Dana Scully!). Elfos, anões, dragões, vampiros e outros são ficção, criaturas sobrenaturais. Assume-se que têm o mesmo ritmo de vida dos seres humanos - para eles, o tempo passa com a mesma velocidade. Se têm o mesmo ritmo de vida, então eles aprendem com a mesma velocidade que nós. Não parece, mas isso complica bastante as coisas. Um ser humano com sessenta anos é considerado um idoso, mas um elfo com a mesma idade mal atingiu a adolescência. As

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duas criaturas viram o sol nascer um mesmo número de vezes, têm a mesma experiência de vida. Será correto então que o humano idoso seja sábio, ponderado e precavido, enquanto o elfo ainda se comporta com "adolescente"? Se criaturas têm o mesmo ritmo de vida, se seus corações batem na mesma velocidade, então deveriam aprender e ganhar experiência da mesma forma. Um elfo, dragão ou vampiro com oitenta anos deveria ter a mesma experiência e sabedoria de um humano com essa idade - o que não é pouca coisa! Assim fica difícil imaginar um elfo adulto impetuoso, impaciente, rebelde e com demais traços de "juventude".

Imortalidade é CHATO! A coisa fica ainda pior quando atingimos a casa dos séculos de idade. Muito foi especulado sobre a imortalidade em livros, filmes e quadrinhos, mas NINGUÉM tem a menor idéia de como alguém pode se sentir após viver tanto. O que realmente acontece? Pessoas muito idosas costumam se mostrar cansadas de viver, apenas esperando a chegada da morte - seja com amargura, seja com alegria pelo descanso que virá. Seria esse sentimento multiplicado pela passagem dos séculos? Seria o imortal atacado por uma depressão tão profunda, ou uma ansiedade tão intensa, que desejaria buscar a morte? Por quanto tempo alguém pode tolerar o fardo da vida? Com o tempo, virá também o tédio. A mente humana exige estímulos, e sem eles nós enlouquecemos. Imagine alguém trancado para sempre em uma sala vazia, tendo consigo apenas um gibi do Hulk; o gibi pode proporcionar distração durante vinte ou trinta minutos, mas não pelos próximos anos. O mesmo acontece com o imortal, que não supo1taria estar sempre no mesmo lugar, fazendo sempre as mesmas coisas - é inconcebível acreditar que um vampiro possa viver duzentos anos na mesma cidade sem morrer de chateação! Ele buscaria novas experiências. Poderia procurar aventura, emoção, conhecimento místico ... qualquer coisa para quebrar sua rotina. 76

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Talvez os séculos também tragam a arrogância e a prepotência. O personagem pode acreditar que é superior aos "simples mortais". Ele experimenta a solidão dos gênios, sente-se vivendo entre simples crianças. Os humanos não representam mais mistério para ele depois de conhecê-los por tanto tempo, é capaz de prever suas reações e até adivinhar seus pensamentos. Não é nenhum exagero: quando você joga um mesmo videogame durante muito tempo, em ce1to momento não consegue antecipar os movimentos dos inimigos?

O tempo passa, o tempo voa ... Existem ainda as mudanças. O tempo muda tudo - TUDO mesmo! Não apenas o mundo à volta das pessoas, mas também as pessoas. Heróis podem cair, descobrindo que lutaram por bobagens. Vilões entendem que é errado oprimir inocentes e colocam seu poder a serviço do bem. E os papéis podem se inverter sucessivamente, várias vezes ao longo dos anos. Pense em como você é hoje, e em como era há dez anos. Pode ter mudado muito ou pouco, mas com certeza mudou - talvez para melhor, talvez para pior. Bem, se apenas uma década pode gerar tais mudanças, quanta coisa pode acontecer em dois ou três séculos? Como alguém pode continuar o mesmo durante tanto tempo? É muito estranho notar que na série Highlander os imortais continuam sempre os mesmos. Heróis são sempre heróis, vilões são sempre vilões. Será que funciona mesmo assim? Será que Kurgan, o vilão do primeiro Highlander, conseguiria mesmo atravessar meio milênio sem uma única pontada de remorso pelo mal que causou? E quanto a Connor McCloud? Poderia sua nobreza realmente resistir a quinhentos anos de provação? Não poderia ele se tomar maligno? Pense nisso quando seu personagem reencontrar um velho amigo ou inimigo séculos depois; essa pessoa pode ser qualquer coisa, mas com certeza não é mais aquela que você conheceu.

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XVII Sangue novo Como mestrar para novatos e formar novos grupos de RPG

Artigo publicado na Dragão Brasil# 28

As centenas de cartas que chegam todos as meses à Barraquinha do Ore mostram um problema sério para muitos RPGistas: eles estão isolados. No Brasil, como no resto do mundo, o RPG é ainda praticado apenas por uma minoria. Não mais de cem mil em todo o país, supõe-se. Dentro de uma população de 130 milhões, significa que existe no máximo um RPGista para cada 1.300 brasile iros, na melhor das hipóteses. Levando em conta ainda que uma generosa maioria está concentrada em grandes centros - principalmente Rio de Janeiro e São Paulo-, pode ser muito difícil para um RPGista isolado achar um colega. Podemos encontrar no Brasil cidades inleiras onde nunca ninguém ouviu falar de RPG. Sim, isso mesmo. Depois de muito procurar, talvez você descubra ser único RPGista em sua rua, bairro, ou mesmo em toda a cidade! Em vez de procurar outros RPGistas, fica muito mais simples formar seu próprio grupo. Nem todos conseguem, contudo. Muitos Mestres falham na tentativa de iniciar seus amigos no jogo de interpretar, ao apresen-

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tar as três letrinhas mágicas. Talvez alguns erros estejam sendo cometidos.

A primeira a gente nunca esquece Quase todos os RPGs trazem pelo menos uma aventura pronta, preparada para grupos que estão jogando pela primeira vez. E aconselhável que você a use, mesmo que acredite ser capaz de criar uma história muito melhor; essa aventura geralmente é planejada para incluir situações simples, problemas que não necessitam de soluções complicadas. Nunca se esqueça: os iniciantes ainda estão descobrindo como as coisas funcionam neste mundo de imaginação. Eles precisam começar com coisas comuns, como saltar muros, atravessar rios, forçar portas ... Os primeiros combates devem envolver seres ou criaturas normais, sem habilidades especiais. Pelo que me lembro, a primeira criatura que matei em minha primeira aventura de o&o foi uma simples pantera - e asseguro que isso não tornou menor a satisfação de derrotar o inimigo. Pelo menos por enquanto, esqueça monstros com poderes complicados de ilusão, petrificação, infravisão ... Não espere que os jogadores consigam enganar o ancião vampiro logo na primeira aventura! Não exija interpretação ou jogos mentais. Pelo menos não neste estágio tão inicial. Faça a coisa funcionar como um jogo qualquer, com dados e regras. Isso torna mais fácil para os jogadores entender como a coisa funciona. A interpretação virá depois, com o tempo.

Não imponha regras! Diante de jogadores estreantes, um conselho pode ser decisivo: pelo amor dos deuses, não tente enfiar um monte de regras na cabeça deles logo na primeira sessão de jogo! Você é o Mestre. As regras são responsabilidade sua, apenas você tem obrigação de conhecê-las. Quando um jogador precisa fa79

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zer um teste de Destreza, por exemplo, não tente explicar a ele todos os mecanismos do teste - apenas diga algo como "jogue este dado: você precisa tirar 15 ou menos para conseguir". Mais tarde, deixe que os jogadores procurem pelas regras por sua própria iniciativa. Eles farão isso, quando entenderem que conhecendo as regras podem jogar melhor. Aquele "monte de livros chatos" será visto de forma bem diferente daí em diante, pois então o conhecimento ali contido interessa aos jogadores. Eles vão querer saber que armas causam mais dano, que monstros são mais perigosos, que tesouros valem mais. Magos e clérigos vão querer conhecer outros feitiços. Shadowrunners mostrarão interesse por novas armas e equipamentos. Faça a coisa direito, e logo os jogadores farão fila para pedir emprestado seus livros de regras e aprender o jogo.

Quem precisa de números? Um erro cometido com freqüência espantosa pelos Mestres é tentar fazer com que um jogador estreante tente criar seu personagem. Construir um personagem costuma ser muito prazeroso para o RPGista experiente, mas o iniciante pode encarar a tarefa como algum tipo de "lição de Aritmética". De uma hora para outra ele se vê cercado de números estranhos e terminologias exóticas: precisa aprender o que significam coisas como Classe de Armadura, Jogadas de Proteção, Pontos de Vida, Pontos de Sangue, Disciplinas, Vantagens, Desvantagens, Perícias ... um vocabulário inteiro enfiado goela baixo! Obrigando o jogador a aprender tudo isso antes do jogo começar, você corre um imenso risco de perder seu interesse. Ele vai desistir daquele "jogo chato, cheio de regras e números". Entregar a ele um personagem pronto ajuda a evitar essa tragédia. Antes da aventura, tenha uma boa quantidade de personagens prontos à disposição. Explique cada um deles de forma bem básica ("este aqui é um guerreiro, este outro é um mago ... ") e deixe que cada jogador escolha o seu. Mencione que não existem personagens melhores ou piores - apenas diferentes. Diga também que, em outras aventuras, ele poderão usar outros personagens, se quiserem.

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Quando começar a chuva de perguntas sobre o que significam todos aqueles números, não perca tempo tentando responder todas de uma vez. É melhor esperar até que as respostas sejam necessárias, durante a aventura. Não se iluda acreditando que o jogador precisa conhecer toda a ficha para jogar: muitas vezes ele não vai utilizar nem metade dos números que estão ali. Em AD&D, não fique explicando minúcias como Carga Permitida, Abrir Portas, Colapso, Fator de Lealdade ... são coisas muito pouco usadas na maioria das aventuras. Se esses números forem necessários mais tarde, simplesmente consulte o livro.

Eu posso MESMO ser o Batman? O uso de personagens já conhecidos pelos jogadores é também um poderoso atrativo. É difícil sentir-se atraído por coisas abstratas, que não conhecemos bem - não tente empurrar personagens exóticos como paladinos, druidas, samurais urbanos, Brujahs, Garous ... leva tempo para que um jogador se acostume com coisas assim. Tempo que você talvez não tenha, se está tentando garantir o interesse de seus amigos no RPG. Se os jogadores são fãs de filmes, desenhos e quadrinhos, a coisa fica simples. Permita que joguem com os X-Men, Conan, Cavaleiros do Zodíaco ... quem eles quiserem. Todos nós desejamos, um dia, entrar na pele de nossos ídolos ou heróis favoritos - e este é o momento de mostrar ao jogador que sua chance chegou. Sim, eu sei que você poderia construir personagens novos e inéditos, mas não é sua criatividade que está em jogo aqui. Não se sinta culpado por sacrificar sua originalidade - lembre-se, você ainda está tentando atrair público. Pelo menos nesta primeira etapa você precisa conquistar a preferência dos jogadores, oferecer algo que eles apreciem. Mais tarde, já com um grupo de jogo estável, então você pode assombrá-los com suas próprias criações. Facilite a vida do novato. Não permita que regras e números embaralhem sua cabeça. Torne o jogo atraente. Estes são os conselhos mais preciosos para quem pretende iniciar seu próprio grupo RPGista.

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XVIII Trabalho de equipe Como ele é importante, e como sua falta pode arruinar a aventura

Artigo publicado na Dragão Brasil# 29

"- Quem é você, ancião? Como se atreve a invadir meus domínios? - Venho pedir sua ajuda, poderoso mago. Uma monstruosa ameaça paira sobre nosso reino. É imperativo que ouça minhas instruções ... - Ousa me dar ordens, velho tolo? Desconhece meu poder? Veja como invoco uma nuvem de gás venenoso para matá-lo, desprezível criatura! - Ah, que ótimo! - reclama o Mestre, depois de rolar os dados. Parabéns. Você acaba de matar o NPC que ia convocar todos os outros personagens para a aventura. Espero que esteja satisfeito. - Eu só estava interpretando o personagem, ora!"

Acreditem, isso REALMENTE ocorreu durante uma partida de AD&D, da qual fi z parte em tempos recentes. Era uma aventura com personagens de alto nível (15°, se bem me lembro). Aconteceu que un. dos jogadores, de tão preocupado com o RolePlay do mago teimoso e arrogante que interpretava, terminou matando um personagem vital para a aventura - assim como todos os empregados da sua torre, vítimas de uma Névoa Mortal.

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Não foi essa a única vez em que presenciei uma atuação exagerada acabar com uma sessão de jogo. Tal tipo de acidente acontece com freqüência muito maior do que se imagina. Nestes temos de "tendência Storyteller", o jogador se preocupa demais com seu RolePlay. Em seu empenho para interpretar de forma dramática ou marcante, ele termina se esquecendo da meta real da aventura: trabalhar em equipe com outros jogadores para resolver um problema. Muitos acreditam que o mais importante é vestir a pele do personagem, agir como ele agiria e pensar como ele pensaria. Estes RPGistas não estão errados. O problema surge quando essa interpretação exagerada prejudica o grupo, roubando a diversão dos outros jogadores.

RolePlayer e Historiador Quando veio ao Brasil para o IV Encontro Internacional de RPG, Greg Costikyan (autor dos RPGs Toon c Paranóia, entre outros) classificou os RPGistas em quatro tipos: o Overpower, o Estrategista, o RoleP!ayer e o Historiador. De modo geral, os veteranos acreditam que o jogador "ideal" é uma combinação dos dois últimos. O problema é que o RolePlayer (aquele que aprecia o teatro) nem sempre dá lugar ao Historiador (aquele que se importa mais com o cenário e a campanha). Quando o jogador se esforça demais em interpretar, obcecado em "ser astro" e atrair atenção, é muito fácil fazer a aventura sair dos trilhos. Assim acontece com o paladino que abandona o grupo para perseguir o vilão que foi na direção oposta, ou com o Malkaviano que resolve aprontar alguma loucura e termina colocando os companheiros em situações difíceis. Perdão pelo clichê, mas deve-se cortar o mal pela raiz; o grupo e a aventura precisam ser levados em conta ainda durante a criação do personagem. Em vez de apenas olhar para o próprio umbigo, é preciso pensar em suas ligações com o cenário e com o resto do grupo.

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Aventureiros, uni-vos! D&D e AD&D são os jogos que mostram mais empenho em conservar o trabalho de equipe. Cada personagem tem seu papel, sua própria especialidade: guerreiros empregam a força, magos lançam magias e decifram pergaminhos, ladrões forçam fechaduras e pulam muros, clérigos invocam proteção e curam os feridos. Temos ainda as subdi visões paladino, ranger, druida, bardo e magos especialistas, cada qual com suas vantagens próprias. Tudo funciona direitinho, o grupo age como uma máquina em que cada peça exerce sua função. Nestes jogos não existe tanto lugar para estrelismos. Um personagem sozinho (ou um grupo composto apenas por personagens de mesmo tipo) terá muito pouca chance de sobrevivência. Cedo ou tarde vai enfrentar um problema com o qual não pode lidar - o que fará o guerreiro musculoso diante de um fantasma intangível ou uma porta trancada, contra os quais sua espada é inútil? Um grupo variado tem chances maiores de sobreviver, especialmente quando são personagens de baixo nível. Aqueles poderosos demais, de alto nível, podem superar suas deficiências e causar problemas - um mago de 20º nível não precisa da ajuda de guerreiros para empunhar espadas, ou de ladrões para arrombar portas!

Desunião entre vampiros Assim como D&D e AD&D tornam mais fácil trabalhar em equi pe, com Vampiro ocorre justamente o contrário. Vampiro valoriza imensamente (eu diria exageradamente) a importância de criar e esculpir um personagem quase em nível teatral, e o ato de trabalhar seu conteúdo com devoção, adoração e até paixão, mas sem salientar a impo1tância do grupo como um todo. Certo, o personagem torna-se vibrante, fascinante, repleto de sentimento ... bom para um romance literário, mas irá funcionar bem na aventura? A interpretação sofisticada e os Backgrounds rebuscados acabam se fechando sobre o jogador como uma armadilha.

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Exagero? Apenas imagine um Ventrue executivo de empresaarquétipo comum para este clã; junte a ele um Gangrel ecoguerrilheiro, um Toreador estrela de cinema e um Nosferatu sem-teto. São todos estereótipos bastante típicos. Bem, que tipo de coisa faria tal grupo trabalhar em equipe, por um objetivo comum? (Não vale aquele clichê manjado em que "o Príncipe obriga vocês todos a fazer um servicinho ...") Para resolver este problema em Vampiro, o jogador precisa tornar seu personagem mais flexível. O grupo funciona bem apenas quando o Brujah sai do beco e o Ventrue desce do arranha-céu para trabalharem juntos. Isso não significa sacrificar o RolePlay, de jeito nenhum! Seu Ventrue ou Toreador mauricinho jamais entraria em esgotos? Não é preciso ser tão radical. Basta ir até o shopping e descolar umas botas bem transadas (foi assim mesmo, Katabrok?). Pronto, ele agora pode acompanhar o grupo na perseguição ao Nosferatu foragido.

Vilania, egoísmo e crueldade Outra ameaça ao trabalho de equipe são os personagens malignos. Não é sem motivo o esforço dos livros AD&D em desestimular (e até proibir) aventureiros malignos como jogadores. Por que um personagem mau atrapalha a aventura? Simplesmente porque ele não liga para o grupo, quer apenas salvar o próprio traseiro. Diante de uma ameaça maior, vai se esconder na árvore mais próxima enquanto os outros enfrentam o perigo. Guarda para si a poção de cura que encontrou enquanto os outros não olhavam. Prefere vender no mercado a espada mágica, em vez de cedêla ao guerreiro. Quando o jogador insiste em ter um personagem maligno, uma solução provisória é fazer com que seus objetivos coincidam com os do grupo. Se ele agir de forma inteligente, não vai sacanear os companheiros a cada cinco minutos. "Mas ele não é maligno?", você pergunta. Ser vil, egoísta ou cruel não significa necessariamente praticar o mal - apenas assegurar a própria sobrevivência. Mesmo

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os maiores vilões sabem trabalhar em equipe quando entendem que, sozinhos, são impotentes contra determinada ameaça (quantas vezes não vimos vilões pedindo ajuda aos heróis quando a co _sa fica feia?). Assim sendo, o clérigo maligno que acompanha o grupo pode perfeitamente usar sua magia para curar o guen-eiro. Esse aparente ato de "bondade" é apenas uma garantia, uma medida inteligente; afinal, será bem melhor que o guerreiro esteja ali para proteger o clérigo quando o próximo monstro surgir. Mas que fique claro: ter um personagem maligno "funcional" pode dar certo em uma aventura ou duas, mas dificilmente durante uma campanha inteira. Cedo ou tarde ele vai trair, abandonar ou decepcionar os companheiros quando não precisar mais deles. E lá se vai o trabalhg.,de equipe.

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XIX Coadjuvantes O uso correto de NPCS por jogadores

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PC: Player Character, Personagem Jogador NPC:

NonPlayer Character, Personagem Não-Jogador

Parece simples, mas não é. Especialmente quando um jogador controla, além de seu próprio personagem , um ou mais NPCs. Praticamente todos os RPGs têm regras para o uso de companheiros NPCs por jogadores - eles podem ser comprados como quaisquer vantagens ou poderes especiais. Em AD&D, guerreiros, rangers e ladrões atraem seguidores em quantidade que varia dependendo do Carisma. Em GURPS, Aliados custam pontos de personagem. Em Vampiro e Lobisomem, Aliados também estão disponíveis por pontos de Antecedentes ou ce11as Qualidades. Pombas, até meu Defen sores de Tóquio tem vantagenJ próprias para o uso de NPCs por jogadores - Irmão Salvador, Gata Apaixonada, Robô Gigante e tudo o mais. Tudo muito simples, tudo muito fácil. O problema começa quando o jogador resolve usar seu NPC como simples recurso de combate. Ele manda o pobre coitado na frente para distrair o dragão, testar

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a armadilha na porta ou dar más notícias ao Príncipe vampiro. O Aliado acaba servindo apenas como um tipo de "vida extra" em um videogame. Um limite deve ser traçado aqui. Aliados SÃO vantajosos em combate ou fora dele, é verdade. Mas o Aliado não é alguém que vai sacrificar a vida alegremente a um estalar de dedos do jogador, e o Mestre tem toda a liberdade para interferir nisso. Afinal, ele ainda é um NPC - ou PdM, Personagem do Mestre, como é chamado no AD&D traduzido pela Abril Jovem. A palavra final sobre as atitudes de um NPC pertence sempre ao Mestre. ("Está sugerindo que eu distraia o gigante enquanto seus amigos entram na caverna e ele limpa meus ossos? EU ME D~ITO!") O RPGista experiente sabe usar seus NPCs sem apelação. Quando um jogador descobre todo o potencial de drama e diversão que um Aliado proporciona, raramente repete esse erro.

Eu posso ter um Aliado? Qualquer Aliado NPC deve ser autorizado pelo Mestre. Mesmo quando as regras estão a favor do jogador, às vezes a presença de um personagem extra pode atrapalhar a aventura - ou o Mestre pode simplesmente decidir que o jogador não merece um NPC. Antes de mais nada, evite NPCs "soltos" no ar. A melhor maneira de garantir que o Mestre permita a presença do NPC é amarrar sua história com o personagem. Ele deve fazer parte de seu Background, seu passado. Em vez de um simples colega de batalha, ele pode ser algo muito mais profundo - um parente, uma amante, um grande amigo ou algo mais complicado. A boa construção dessa ligação vai depender da criatividade de cada um. Isso também ajuda o jogador a valorizar mais seu NPC; quanto mais tempo e dedicação ele devotar à criação do NPC, maior será seu valor - e menos chance ele terá de ser colocado em perigo.

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Fraquinho? Nem sempre De modo bastante geral, o típico companheiro NPC é inofensivo e pouco eficiente em combate - como o escudeiro do guerreiro, o assistente do mago ou a namorada andróide do Defensor de Tóquio. Ele não existe para lutar, e sim para dar mais colorido ao personagem. Para jogadores que só sabem resolver as coisas na base da porrada, estes deveriam ser os únicos NPCs permitidos. Mas um RPGista de bom senso não precisa ficar restrito a NPCs fraquinhos - ele até pode possuir um Aliado mais habilidoso em combate, se não abusar dele para sair de todas as encrencas. Uma boa saída é equilibrar um personagem fraco e inofensivo com um NPC poderoso. Os livros, quadrinhos e desenhos animados estão repletos de duplas assim, geralmente garotinhos ou belas jovens que conquistam a amizade de animais, monstros ou robôs gigantes (acredito que Rick fones e o Incrível Hulk sejam o exemplo mais clássico). Este é um dos poucos casos em que um NPC poderia lutar em lugar de um PC.

Aliado animal Nem todos os NPCs precisam ser personagens - podem ser também monstros ou criaturas, como ocorre com o ranger, cercado de animais da floresta. Os magos de AD&D têm o "familiar", um animal invocado por meio de magia (um de meus personagens favoritos de AD&D é o mago Beakman, acompanhado por seu ratinho Lester). Um mago necromante pode criar mortos-vivos (um esqueleto mordomo seria bem interessante). Dentro de certos limites, qualquer animal ou criatura fantástica funcionaria como companheiro NPC. Assim como acontece com personagens comuns, animais Aliados são pequenos e quase inofensivos - poucos são capazes de causar mais dano que um rato. Mas, como dito no caso de NPCs poderosos, animais maiores não ficam totalmente descartados. Em Vampiro um PC pode ter animais selvagens como carniçais, e a revista Só

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A venturas # 8 apresentou uma regra opcional para o uso de criaturas poderosas em GURPS.

"Seu mala!" Existe ainda a questão: quem disse que o Aliado precisa ser sempre uma presença agradável? O parceiro NPC pode ser útil apenas em certos aspectos práticos, mas intolerável como pessoa - algo parecido com Fox Mulder e Dana Scully, da série Arquivo X: são parceiros que várias vezes salvaram a vida um do outro, mas que vivem brigando e discutindo sobre seus pontos de vista ("Isso é absurdo, Mulder!"). Como outros exemplos simples temos aquele mordomo chato e arrogante, mas que ninguém manda embora porque "está na família há anos" (Alfred pode ser eficiente, mas suas observações irôn icas às vezes torram a paciência de seu patrão Batman); o mecânico que sabe consertar a nave como ninguém, mas que adora cantarolar música sertaneja (desafinada) enquanto trabalha; e não podemos esquecer Tasloi, escudeiro de Katabrok, o Bárbaro - que em momentos de emergência acaba trocando a espada +5 contra gigantes pela panela +l para esquentar o grude! Ter um NPC detestável ajuda a equilibrar os benefícios que ele oferece. Existem muitas formas de tomar um NPC algo mais que um trunfo de combate. Ele é uma chance preciosa de controlar mais de um personagem ao mesmo tempo - um desafio digno de RPGistas experientes. Faça a coisa direito, e o Mestre nunca vai precisar interferir com seu "personagem extra".

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Estatuto dos Direitos dos Seguidores Elaborado pelo Sindicato dos Seguidores, NPCs e PDMS por Rogério Saladino •Seguidor não é "bucha de canhão" e nem "boi de piranha". • Seguidor não tem a obrigação de testar todas as armadilhas encontradas pelo grupo. •Seguidor tem o direito de ser alimentado (de preferência com comida). •Seguidor tem direito a uma parte na divisão dos tesouros do grupo. • Seguidor tem o direito de não ser usado como cobaia para as experiências mirabolantes do mago biruta do grupo. • Seguidor não é verificador-de-itens-mágicos-que-ninguém-sabeo-que-faz. • Seguidor tem direito a um quarto na estalagem, não no estábulo. •Não deve haver diferença no tratamento de seguidores de um mesmo aventureiro. O goblin feioso deverá ter os mesmos privilégios que a elfa gostosa de Carisma i 8. • O aventureiro deve fornecer meios para que o seguidor possa se comunicar com sua família pelo menos uma vez por mês, não importando onde esteja (Ravenloft, Planescape, Spelljammer. .. ), e liberar o seguidor para visitar sua cidade natal pelo menos cinco vezes por ano. • O seguidor não deve ser chamado de nomes pejorativos, independentemente de suas ações. • O aventureiro deve assumir inteira responsabilidade por atos cometidos pelo seguidor no cumprimento de sua função, tais como multas, prisões, julgamentos, despesas, duelos, execuções ...

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XX Traidores O que fazer com esses chatos?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 31

"Eu preciso comentar a resposta à carta do "verdadeiro paladino" Lone Ranger (Dragão Brasil# 27). COMO o jogador cujo personagem traiu seus companheiros estava "apenas interpretando um papel?". Então um jogador de futebol que comete uma falta desleal está "apenas jogando bola?". Não, ele recebe um cartão vermelho e é expulso para aprender a não fazer mais isso. Se há alguma lei fundamental a todos os RPGs é que ninguém escapa às conseqüências dos próprios atos, ainda mais com uma desculpa fajuta dessas. Jogadores que só criam personagens "traíras" devem ser EXPULSOS da sessão de jogo (seu personagem vira um PdM até o fim da aventura) e, se insistirem, do grupo de jogo. Não fosse por gente assim, haveriam mais RPGistas (meu primeiro grupo de jogo tinha um "traíra" inveterado, e muita gente parou de jogar por cauda dele e de seus discípulos). Não acho que pode haver acordo ou meio-termo nesta questão: ninguém gosta de ser traído por uma pessoa a quem salvou mais de uma vez, faz-deconta ou não. Nenhum jogador deve deixar sua própria diversão estragar a dos outros".

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Este é um trecho de uma carta enviada a mim pelo leitor e colaborador Eric Mune, de Alumínio - SP. O restante da carta foi publicado nos Pergaminhos dos Leitores desta edição, mas tomei a liberdade de separar este parágrafo; ele destaca um problema que também tem sido motivo de queixa em cartas de outros leitores. O problema? Jogadores que estragam a aventura e a diversão dos colegas porque seus personagens são traidores. Lutam apenas quando sabem que podem vencer, fogem das lutas difíceis sem se importar com as vidas dos parceiros, escondem segredos, roubam tesouros, sacaneiam os colegas de todas as formas. Por que eles fazem isso? As razões são várias. Alguns escolhem personagens malignos e acabam exagerando no RolePlay. Outros alegam interpretar uma "personalidade forte", encontrando aí uma desculpa para abusar de violência e trapaças desenfreadas. E existem, claro, aqueles que só querem saber de chutar o pau da barraca. (Estes últimos foram apontados a mim pelo leitor Sérgio B. Citroni , São Paulo - SP, a quem agradeço muito.) Já que nem sempre é fácil saber a diferença entre esses tipos (falaremos disso outro dia), o que fazer com os traidores? Como impedir que quebrem a regra s uprema do RPG, a busca do grupo pela diversão? A traição deve ser punida? Sim, mas não da forma que muitos pensam. Não acredito no descarte imediato de personagens traidores. Eles são um recurso interessante e precioso (uma das melhores aventuras de Invasão que mestrei tinha um traidor), mas APENAS quando os jogadores são maduros e sabem manter as diferenças dentro do jogo. Nada de levar inimizades para vida real, expulsando jogadores da mesa e coisas assim: personagens devem ser punidos, não jogadores. Algum espertinho criou um personagem "traíra" e está sendo difícil aturá-lo? Então o personagem (ELE, não o jogador) vai mesmo sofrer as conseqüências. Se o Mestre funciona como um "deus" em seu mundo de fantasia, cabe a ele seguir seu senso de justiça e resolver como vai castigar atitudes desleais - assim como um deus verdadeiro faria.

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Como deve ocorrer esse castigo? Além da revolta e desconfiança dos próprios colegas de grupo, existem "trocentas" outras formas de puni-lo. A mais comum é trazer do passado alguns NPCs que tenham sido sacaneados pelo traidor, agora ansiosos por vingança.

Bobbaphet, o caçador de recompensas Pelo que me lembro, apenas uma vez joguei com um personagem traidor - ou seja, que ia totalmente contra os interesses do resto do grupo. Era a primeira aventura de uma campanha de D&D, só com personagens ladrões, em uma cidade tipo Lankhmar (um mundo de ladrões, comentado na Dragão Brasil# 26). Tenho a peculi aridade de jogar com personagens que são adaptações de outros gêneros (o que costuma dar nos nervos de certos Mestres ... ), e naquela vezescolhi um caçador de recompensas. Ele usava elmo para esconder um rosto deformado e perseguia o pirata Hansollo, comandante do navio Millenium Falcon, atrás de uma recompensa oferecida por sua captura. Seu nome era Bobbaphet. Soa familiar? Bobbaphet foi meu primeiro personagem de tendência cruel (Caótico e Maligno). Engajado com um grupo de aventureiros contra sua vontade, aos poucos desenvolveu pelos colegas um ódio mortal. Começou a tramar planos e sabotagens para destruí-los - e ele era mesmo MAU! Assustou crianças, matou um mendigo, quase matou um campestri (um tipo de bicho-cogumelo engraçadinho), incendiou um circo e tentou colocar a culpa nos outros aventureiros. (Heim? A cham que isso é pouca coisa, que não é ser mau de verdade? Então desculpem, não tenho tanto talento assim para a vilania!) Como era uma aventura do tipo "o crime não compensa", os planos de Bobbaphet sempre davam errado (ou seja, o Mestre punia o personagem por seus atos malignos). Entre outras coisas, ele foi paralisado por esporos do campestri, pentelhado por uma coruja fa. lante e várias vezes "gongado" por PCs e NPCs; estes insistiam e aplicar petelecos no elmo de Bobbaphet, produzindo estrondos quo

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o deixavam surdo ou desmaiado. Ele terminou a aventura adquirindo um terrível pavor de cogumelos, e desejando muito um elmo tratado com a magia Silêncio ... Bobbaphet acabava sempre tão desgraçado que provocava risos em todos. Não planejei nada disso durante a criação do personagem. No início ele foi feito "apenas para jogar", para enfrentar perigos, como qualquer outro. Ele até que se saiu bem jogando pôquer de marinheiro (aquele com adaga) em uma taverna barra pesada, buscando informações sobre Hansollo. O verdadeiro potencial do personagem foi revelado quando começaram suas maldades e os castigos que vieram com elas. Bobbaphet era o famigerado "vilão que todos adoram odiar". Poucas vezes joguei uma aventura tão divertida! Espero que aquela campanha continue, espero ter novas chances de praticar o mal com Bobbaphet e assisti-lo entrar pelo cano! (Como é, Katabrok? Tem jeito?)

Crime e castigo Assim provamos que um personagem traidor nem sempre é um tormento. Bem utilizado, ele pode ser divertido para quem o usa e TAMBÉM para os demais. Acredito que seja esta a melhor solução para o problema dos ''lraíras" - castigar o personagem, não o jogador. Esse recurso quase sempre funciona, pouco importando a intenção escondida sob a trai\'ão. Se o jogador queria bancar o esperto ou sabotar a aventura, a punição do personagem será um castigo indireto (afinal, seus planos fracassaram). Se estava mesmo interpretando, vai aceitar a punição como conseqüência natural dos atos do personagem. Eu disse que esse recurso QUASE sempre funciona. Existe uma 1111portante exceção- grupos e aventuras que não adotam o estilo "o 1·rime não compensa". Em RPGs sombrios com Vampiro, Shadowrun 1• Call of Cthulhu , não faz muito sentido que os maus sejam sempre rnstigados por algum benevolente e arbitrário poder divino. Neste lipo de jogo vence o mais esperto, é salve-se quem puder. Uma trai-

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ção bem planejada VAI funcionar. Quando o Mestre muda isso os jogadores podem se sentir trapaceados. (Não é mesmo engraçado? Dizer que promover a justiça é injustiça?) Manter traidores na aventura é possível, mas exige razoável habilidade do Mestre. Talvez você consiga isso ... ou talvez sua paciência chegue ao fim e o jogador acabe mesmo chutado para longe da mesa de jogo.

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XXI Gênese A invenção de um mundo para aventuras de RPG

Artigo publicado na Dragão Brasil# 32

A palavra "mundo" tem significado especial para RPGistas. Um mundo de RPG é um cenário de campanha, o reino imaginário onde vivem os heróis e onde acontecem as aventuras. Não é simplesmente um planeta - pode ser também uma cidade, um continente ou uma dimensão. Talvez seja nosso próprio mundo, com poucas diferenças, tal como o Mundo das Trevas de Vampiro; ou algo completamente diferente e alienígena, como o Complexo Alfa de Paranóia. Felizmente para o Mestre inexperiente, o Brasil já tem numerosos jogos e suplementos trazendo descrições de cenários de campanha: Titan -O Mundo de Aventuras Fantásticas, GURPS Fantasy, Forgotten_ Realms, Karameikos, Shadowrun, Tagmar e outros. Mesmo que estes não existissem, adaptar um mundo já existente para uma campanha de RPG não é tarefa das mais complicadas -praticamente qualquer Mestre pode adaptar regras e fazer rolar uma aventura em um ambiente que tenha visto em filmes, livros, quadrinhos ou videogames. Usar mundos já existentes é fácil e confortável... mas o Mestre t•m evolução logo entende a verdadeira extensão de seus poderes.

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Ele descobre que não depende daquilo que está no papel, que não está preso aos grilhões do material publicado. O Mestre pode não apenas mudar tudo que quiser em um mundo, mas também CRIAR seu próprio mundo. Criar um mundo. Poucas tarefas são mais gratificantes para o Mestre - ou trabalhosas. Você pode fazer a coisa aos poucos, devagar, à medida que sua campanha se desenvolve; ou então se armar de imaginação e coragem para arquitetar o mundo todo. De qualquer forma, esteja preparado para um bocado de trabaJho; com certeza você vai precisar descansar no sétimo dia!

"' Earthlike" Você pretende que seu mundo seja muito parecido com a Terra? Com os mesmo tipos de cenários - mares, montanhas, selvas, cidades ... - e apenas alguns elementos diferentes, como monstros, dragões, magia ou tecnologia avançada? Isso é bem fácil. Coloque aJguns continentes sobre oceanos e pronto. São assim a Era Hiboriana de Conan, Toril de Forgotten Realms, Yrth de GURPS Fantasy, a Terra-Média de O Senhor dos Anéis e centenas de outros. Mas o desafio maior é criar mundos baseados em traços exóticos. Veja, por exemplo, a Terra inundada de Waterworld, o tórrido Arrakis de Duna e o gélido Hoth de Star Wars. Esses mundos "diferentes" são sempre interessantes, especialmente em campanhas de ficção científica- embora a fantasia também seja plena deles, como provam certos mundos exóticos de AD&D: a anelada Sigil de Planescape, o mundo-dimensão de Ravenloft e o destroçado Krynn de Dragonlance. Então, primeiro responda a pergunta: você quer um mundo ri· gorosamente "Earthlike" (tipo-Terra) ou ele terá elementos exóti· cos? Se terá, como você pretende explicar a presença desses ele· mentos? Dizer que são conseqüência de magia é a forma mais fácil, mas não a única (pessoaJmente, eu acredito que explicar fenômenos estranhos apenas por meio de "mágica" é pura preguiça de pens ou consultar alguns livros).

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Seja como for seu mundo, para defini-lo você deve responder a uma série de perguntas: • POSIÇÃO: o que existe à volta desse mundo? Ele fica no vácuo cósmico como os demais, ou está imerso em algum ambiente fantástico - talvez no centro de um ciclone fantástico, uma tempestade energética ou uma dimensão paralela. Já se acreditou que a Terra era sustentada por quatro elefantes, que ficavam em pé sobre uma colossal tartaruga, que navegava através do universo. Interessante, não? Seu mundo tem luas? Quantas? Em Dragonlance, o mundo de Krynn tem três luas, uma branca, uma negra e uma vermelha, cada uma representando uma divindade do bem, do mal e da neutralidade. Talvez o próprio mundo seja o satélite de um planeta maior: algumas luas, como aquelas que existem em volta de Júpiter e de Saturno, são muito grandes - e alguns cientistas acreditam que elas podem conter vida. O mundo tem um único sol? Nenhum? Mais de um? O Cair da Noite , famoso conto de Isaac Asimov, fala de um mundo com quatro sóis onde só anoitecia a cada dois mil anos! Como resultado, toda a população tinha um terrível e descontrolado medo do escuro; quando chegava a noite fatídica, todos enlouqueciam de pânico e destruíam a civilização - que levava mais dois mil anos para se reerguer das ruínas ... •FORMA: qual será a forma do seu mundo? A massa planetária tende a se aglomerar em forma de esfera - o sólido geométrico que oferece maior superfície com menor volume. Não chega a ser uma esfera perfeita: ao girar sobre si mesmo, a força centrífuga faz com que o planeta seja um pouco mais largo na linha do equador e achatado nos pólos. Claro que seu mundo não precisa ser necessariamente esférico. Pode ser achatado - como acreditava-se que a Terra era antes de Colombo -, cilíndrico, cúbico ou até multifacetado (que tal um mundo com a forma de um d20?). Ele pode ser oco, habitado no lado de dentro; ou então um universo compacto, sem nada existindo além de seus limites, como o semiplano de Ravenloft. Tais formas não podem ser explicadas pela ciência - mas, em campanhas de

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fa ntasia, os deuses podem ser bem criativos quando modelam seus mundos ... • TAMANHO: se você pensa em ser científico, existem certos limites

para o tamanho de um planeta. Mundos muito pequenos têm baixa gravidade (veja no próximo tópico), e não podem segurar atmosfera, como acontece com a Lua. Mundos maiores que Júpiter ou Saturno (trinta vezes maiores que a Terra, ou mais) podem entrar colapso e virar estrelas. •GRAVIDADE: a gravidade de um planeta depende de seu tamanho e

de sua densidade em relação à água. O cálculo é simples: diâmetro (em quilômetros) x densidade (em relação à água; veja mais adiante) x 0.0000143 =gravidade aproximada (em as). A Terra tem diâmetro de 12.735 km, densidade de 5.5 e 1 G. Metalian tem 22.654 km, densidade 7 .5 e 2.4 Os. Um humano comum resiste por curtos períodos sob até 3 G, mas só pode levar uma vida normal entre 0.75 e 1.25 G. Mundos de baixa gravidade vão gerar criaturas mais fracas, enquanto a gravidade pesada faz seres mais fortes. Os vulcanos de Star Trek são o exemplo mais conhecido: como seu planeta Vulcano tem gravidade pesada, eles são muito mais fortes (em GURPS, possuem ST média 18 em vez de 10). GURPS Viagem Espacial explica quais são os modificadores de força para diferentes gravidades. •DENSIDADE: indica de que material o planeta é feito. A densidade é

medida em relação à água. Mundos como Júpiter e Saturno têm baixa densidade (entre 0.6 e 2.5), pois são feitos apenas de pó e hidrogênio; mundos metálicos como meu Metalian, de Espada da Galáxia, têm densidade acima de 7.1. Um mundo equilibrado como a Terra, com mais rocha e menos metal, normalmente fica entre 3 e 7 . •ATMOSFERA: a atmosfera da Terra

é do tipo oxigênio-nitrogênio,

formada por 78% de nitrogênio, 21 % de oxigênio, 1 % de argônio e traços de outros gases. O mais importante, óbvio, é o oxigênio - ele

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só existe em mundos que tenham vida, pois é liberado pelas plantas. Por outro lado, oxigênio em excesso (acima de 30%) é inflamável e corrosivo. Quanto à densidade, alguns mundos podem ter pouco ar (terrestres poderiam viver nele apenas com trajes pressurizados) ou uma atmosfera muito densa (a pressão esmagaria um terrestre). A pressão atmosférica varia com a altitude: uma interessante sugestão contida no World Builder s Guidebook é sobre um mundo onde a pressão seja forte demais ao nível do mar, e os habitantes sejam obrigados a viver apenas em montanhas. uma regrinha sobre planetas capazes de sustentar vida: exceto no caso de alguma intervenção mágica, eles têm (ou um dia tiveram) água líquida em sua superfície. Até onde sabemos, o surgimento da vida como conhecemos não é possível sem a presença de água, amônia ou ácido sulfídrico em estado líquido. Isso depende de um equilíbrio delicado: a distância do planeta até seu sol (porque calor excessivo faria evaporar toda a água) e sua gravidade (para impedir que o vapor d'água escape todo para o espaço), entre outros fatores. Em geral, cada sistema planetário tem apenas um (no máximo dois) mundos assim. Mundos sem água e com vida são possíveis, mas exigem explicações. Talvez a água tenha sumido com o passar dos séculos, e hoje cada gota é imensamente preciosa - é assim com Arrakis, de Duna; o tórrido Athas, de Dark Sun; e provavelmente Marte. Um mundo sem água também poderia ostentar formas de vida diferentes de todas que conhecemos, como Metalian. Pelo menos para humanos, a vida também seria difícil em mundos com água demais - veja o exemplo de Waterworld. Impérios poderiam existir apenas em arquipélagos, ou a bordo de embarcações gigantescas. Terreno seco seria o tesouro mais precioso de um mundo assim. • ÁGUA:

• RELEVO: por falar em oceanos, que tipo de terreno predomina em

seu mundo? Montanhoso, pantanoso, desértico, florestal, vulcâni-

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co? Tem árvores com quilômetros de altura, ou cavernas que atravessam o globo? Algum desses terrenos existe em maior quantidade, ou estão uniformemente espalhados pelo planeta? Como cenário de campanha, seria interessante uma variedade generosa de ambientes - tal como o "mundo-colcha-de-retalhos" de Yrth, de GURPS Fantasy. Também não precisamos ficar restritos a te1Tenos "conhecidos" - afinal, boas aventuras de ficção e fantasia exigem lugares perigosos, inóspitos e impressionantes. No centro do continente de Tatadas (novamente Dragonlance), a queda de um meteoro criou um vasto oceano de lava. Cybertron, lar dos robôs da série Transformers , era feito de peças e mecanis mos. Na história A Linda Filha do Caçador de Escamas, de Lucius Shepard, humanos habitavam o gigantesco corpo de um dragão adormecido. A ficção científica e a fantasia estão repletas de idéias para mundos incríveis. •CLIMA: o mundo é congelante, frio, normal, quente ou um inferno? A temperatura é constante durante o ano todo, ou varia com as estações? As mudanças climáticas são suaves ou extremas? Quanto mais amplos os limites de temperatura, mais rigorosa e desafiadora será a vida sobre esse mundo. Um truque interessante para conseguir extremos climáticos é fazer com que o mundo tenha uma face sempre voltada para seu sol, sem movimento de rotação. É assim com Mercúrio, que atinge 350°C em sua face ilumjnada e -180°C no lado escuro. Nunca haveria dias e noites, e apenas ceitas áreas intermediárias seriam habitáveis por humanos. Temperatura é apenas parte do clima. Ternos também umidade, ventos, chuvas, tempestades, neblina, ciclones, emanações radioativas e todo tipo de fenômeno para tornar a vida "interessante". No filme Inimigo Meu, dois náufragos precisavam se virar para viver em um planeta onde choviam meteoros todos os dias ... • MAPA: naturalmente você vai querer desenhar um mapa de seu mundo. Não é preciso ser nenhum cartógrafo profissional para produzir o mapa de um mundo imaginário - especialmente um mundo

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medieval, no qual não há satélites ou fotos aéreas para mapear com precisão. Mapas medievais podem ser repletos de desenhos sugestivos, com monstros marcando áreas inexploradas. No mercado americano existem muitos programas de computador para traçar mapas de RPG - incluindo o próprio AD&D Core Rules, que vem com um ótimo editor de mapas. Tanto GURPS Viagem Espacial quanto o World Builder's Guidebook também ensinam com traçar mapas realistas. Entre os livros indicados para o criador de mundos existem pelo menos três títulos interessantes. Dois deles são suplementos de RPG: GURPS Viagem Espacial, deliciosamente obediente aos padrões da astronomia; e o importado World Builder 's Guidebook, mais recente - embora seja de AD&D, não usa nenhuma regra desse sistema e pode gerar mundos para qualquer jogo. O terceiro é Mundos da Federação, um tipo de catálogo com os mundos e raças de Jornada nas Estrelas. Não ensina a gerar mundos, mas é bom para descolar umas idéias. Acredito que estes sejam o primeiros passos para a invenção de um novo mundo. Como você dever ter notado, o assunto é vasto demais para estas poucas páginas. Hoje tratamos apenas de geografia e aspectos físicos - nada falamos sobre vida animal, história, cultura, mitologia ou civilização. Vamos deixar tudo isso para uma outra vez.

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XXI Gênese II Concluindo a criação de seu mundo de aventuras

Artigo publicado na Dragão Brasil# 35

Em Dragão Brasil# 32, Dicas de Mestre abordou os primeiros passos para criação de mundos para RPG. O assunto é extenso demais para um único artigo, como deve ser óbvio. Na primeira parte falamos apenas de geografia: forma, tamanho, composição, atmosfera e outros aspectos puramente físicos. Aprendemos a construir mundos ainda desabitados, com paisagens perigosas e ameaças ambientais (abismos, tempestades, chuva de meteoros ...). Tais lugares podem ser bons para uma visita dos PCs durante uma aventura ou duas - mas pouco interessantes para longas campanhas. Bem, chegou o momento de povoar nosso mundo. Que a vida apareça!

Flora e fauna Já discutimos antes as condições para que um planeta possa suslcntar vida como nós conhecemos (você pode tentar criar vida como nós NÃO conhecemos, mas isso fica por sua conta). Além de água, o pia nela precisa ter vegetação - sem ela não existe oxigênio

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no ar. Não falamos necessariamente de selvas e florestas: talvez a vida vegetal já tenha desaparecido, ou esteja escondida, fora de vista. A maior parte do oxigênio da Terra é liberada pelo fitoplâncton, algas microscópicos em suspensão na água do mar (chamar a Amazônia de "pulmão do planeta" não é uma verdade total). Você pode ainda determinar que o oxigênio do ar foi liberado por meio de algum outro processo, como a eletrólise do água. Planejar uma biosfera completa para um mundo não é fácil. Na verdade, duvido que isso seja possível para qualquer um (exceto Ele, que já tem alguma experiência). Mas, como ponto de partida, você pode começar escolhendo uma espécie dominante e alguns animais - não muitos, a princípio. Arrakis, o mundo desértico da série Duna, é habitado principalmente por humanos nativos (os Fremen) e sandworms, os monstruosos vermes-da-areia. Um cenário formidável, com apenas duas formas de vida! Comece decidindo qual será a espécie dominante em seu mundo. Digamos que sejam humanos (depois, se quiser, você pode acrescentar outras raças). Eles podem ter surgido ali mesmo, ou são parte de uma colônia ou posto avançado - não importa. Além deles, vamos criar dois tipos de animais. Um deles pode ser herbívoro, quase inofensivo. Talvez um animal de pasto - provavelmente domesticado pela espécie dominante, como gado ou montaria. A outra espécie poderia ser um perigoso predador, que se alimenta dos herbívoros e causa problemas ocasionais aos humanos. Pode parecer muito pouco, mas você vai notar que o mundo de Hoth, de O Império contra-ataca, é exatamente assim: humanos, tauntauns (herbívoros, provavelmente) e wampas (predadores). Mais tarde você pode acrescentar outras criaturas a seu mundo. Caso seja um mundo de fantasia medieval, povoá-lo será bem fácil - AD&D e outros RPGs trazem centenas de criaturas mitológicas. Na verdade, um mundo de fantasia medieval ficaria estranho sem coisas como dragões, grifos, gárgulas e mortos-vivos.

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Sociedade Já temos bichos. Quem vai dominá-los? Qual será a espécie dominante? A maior parte dos mundos de RPG é dominada por humanos, pelo menos em suas regiões principais. Você pode decidir que será assim (acredite, vai facilitar MUITO a sua vida) ou resolver que seu mundo é dominado por outras criaturas. Podem ser elfos, anões, minotauros, gigantes, insetos, plantas inteligentes ... qualquer coisa! Se pretende criar uma espécie completamente nova, vá em frente. Talvez eu resolva dedicar um Dicas de Mestre ao assunto. (Hmm ... puxa, preciso tomar nota disso.) Humana ou não, a espécie dominante deverá viver em sociedade. Uma sociedade é um agrupamento de seres (não necessariamente seres inteligentes) que vivem em estado gregário. Em RPG, podemos resumir dizendo que sociedade é uma porção de criaturas vivendo em aldeias, cidades, países ou mundos. Na Terra, a sociedade humana começou juntamente com a civilização, há cerca de dez mil anos. O mais importante alimento da época era o pão, feito com sementes de trigo moídas em farinha e assado em fomos rudimentares. Quando acabava o trigo de uma região, a tribo era obrigada a mudar-se para outro lugar- até alguém perceber que sementes de trigo caídas no chão resultavam em novas plantas. Com isso surgiu a agricultura, invenção que marca o surgimento da civilização humana: a partir de então o homem abandonou sua vida nômade, e pela primeira vez teve oportunidade de viver em um só lugar, em sociedade. (E atenção, feministas de plantão: muito provavelmente, essa descoberta foi feita por uma MULHER. Mais uma que devemos a vocês.)

Governo Pessoas vivendo juntas necessitam de governo. Os suplementos GURPS Viagem Espacial e GURPS Compendium li explicam numerosas formas de governo. Entre as principais temos:

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•ANARQUIA: não há leis ou governantes. A ordem é mantida pelo povo, pela consciência social ou pelo domínio do mais forte. • DEMOCRACIA: representantes eleitos pelos cidadãos formam um congresso ou parlamento que decide as ações da sociedade. Uma variação, a democracia ateniense, estabelece que cada ato deve ser votado por TODOS os cidadãos. • CLÃffRIBAL: a sociedade funciona como uma grande família, composta de clãs e tribos, normalmente governados por anciões ou líderes religiosos. Costumes e tradições são muito importantes nesta sociedade. •CASTAS: como a anterior, mas cada clã ou tribo tem uma profissão. Teríamos famílias ou clãs guerreiros, religiosos, estudio sos, tecnológicos e outros. Em geral existe uma hierarquia - castas mais importantes têm autoridade sobre as demais. • DITADURA: o governo fica nas mãos de um único líder - um rei, ditador ou lorde guerreiro. Sucessores são escolhidos por herança, combate, eleição ou outras maneiras. Se o governante é um rei, então trata-se de uma monarquia. Temos ainda numerosas outras formas de governo: Tecnocracia (engenheiros e programadores de computadores governam); Cibercracia (computadores governam); Teocracia (governo por líderes religiosas); Patriarquia (os homens são autoridade; ou as mulheres, em uma Matriarquia), etc.

Ciência e tecnologia Quando dizemos "tecnologia", não estamos falando apenas de computadores, naves espaciais ou armas de raio. A tecnologia de um povo é sua capacidade técnica - e isso inclui até mesmo machados de pedra. Em GURPS, cada cenário tem um Nível Tecnológico, ou NT. Começa em O (Idade da Pedra: fogo, alavanca, linguagem), passando por NT 3 (Medieval: armas de aço, matemática com zero ... ), NT 7 (Idade Moderna); NT 8 (futuro cyberpunk) até NT 16 ou mais, quando TUDO é possível para a tecnologia. A tecnologia de um povo não precisa ser equilibrada - ela pode ser muito avançada em certas áreas e muito atrasada em outras. Sob

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as condições certas, uma raça poderia descobrir a clonagem e o tl!lctransporte antes da pólvora! Talvez exista em seu mundo uma planta, animal, mineral ou outra condição capaz de facilitar o avanc;o de certa ciência. Em Deadlands, um RPG de "faroeste fantástico" um minério misterioso chamado "rocha fantasma" permite que cienti stas loucos construam engenhos incríveis (incluindo lança-chamas, raios congelantes e até máquinas do tempo!). Em GURPS Espada da Galáxia, a tecnologia da Terra avançou muito em armas e naves, porque os terrestres puderam analisar peças alienígenas; mas não ~ houve avanço em medicina, pois o organismo dos alienígenas é muito diferente do nosso. Tecnologia avançada são significa necessariamente cultura avançada. Um povo pode possuir baixa tecnologia, mas imensa sabedoria e conhecimento - obtidos por meios mágicos ou psíquicos, talvez. E como exemplo de situação contrária teríamos, digamos, um povo de bárbaros com acesso a naves espaciais e armas de raio (quem sabe deixadas por antigas raças avançadas, hoje extintas).

Cultura A cultura de um povo abrange sua história, conhecimento, mitologia. Estes costumam ser os aspectos mais ricos e fascinantes de um cenário de RPG - especialmente mundos de fantasia medieval. Um Mestre pode empregar longos e prazerosos momentos lapidando tais detalhes em seu mundo. A cultura de uma sociedade é o complexo dos padrões de comportamento, crenças, instituições e outros valores espirituais e mate riais. Complicado demais? Vamos simplificar dizendo que "cultura é aquilo em que um povo acredita". A cultura é aquilo que está registrado em livros, pergaminhos ou memórias raciais. Não é necessariamente a verdade - mas sim nquilo que a sociedade acredita ser verdade. Hoje sabemos que a Terra é redonda, não achatada, mas nossa sociedade já acreditou ni s~o um dia.

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A cultura também reflete a personalidade de um povo. Como eles são, de forma geral? Guerreiros corajosos? Agricultores pacatos? Pensadores solenes? Bárbaros sanguinários? Claro que cada indivíduo é único, mas você precisa estipular um "padrão" para sua sociedade. Pessoas que se comportem de forma muito diferente sofrerão estigma social. Você decide quais aspectos culturais são reais, e quais não são. Seu mundo terá magia? Difícil abrir mão dela, especialmente quando você não tem respostas científicas para tudo ("Você quer saber • como aquelas montanhas podem flutuar no céu? Hmm... mágica!"). Magia não serve apenas como munição para as bolas da fogo dos magos. Ela poda ser usada como explicação para qualquer fenômeno sobrenatural, como dragões gigantescos, navios voadores, reinos submarinos e outras maravilhas. A cultura de seu povo tem deuses? Deuses falsos, inexistentes, que servem apenas para dar esperança às massas? Ou deuses verdadeiros, que concedam poderes sobrenaturais a sacerdotes, enviam avatares para executar missões e até caminham pelo mundo vez por outra? Exceções existem (Athas, o mundo seco da Dark Sun, não tem deuses), mas um mundo de fantasia não está completo sem um bom panteão de divindades - com certeza elas tiveram papel vital na história e criação do mundo. Seus deuses podem ser onipotentes entidades cósmicas, ou então criaturas com fraquezas humanas, capazes de morrer (sim, isso PODERIA acontecer). Criar uma cultura a partir do nada será sempre muito difícil. Você pode simplificar as coisas baseando a cultura de sua sociedade em alguma civilização real, ainda existente ou não - o Império Romano, o antigo Egito e o Japão feudal estão aí, nos livros de História. Além disso, buscar inspiração em povos lendários ou ficcionais (olimpianos, atlantes, vulcanos...) também não é nenhum crime.

Esforço hercúleo Para povoar mundos imaginários, além de quaisquer cenários de RPG, recomendo os mesmos livros que citei na primeira parte

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Jcstc artigo e alguns outros: Civilizações Extraterrestres, de Isaac Asimov; GURPS Compedium II ou GURPS Viagem Espacial, ambos com regras para criar sociedades; e World Builder's Guidebook, de AD&D, especialmente voltado para mundos medievais. Povoar um mundo será sempre muito mais difícil que criá-lo - as variantes de criaturas, raças e culturas são infinitas. Leia, pesquise, busque inspíração à sua volta. Construa seu reino da fantasia. No futuro, com um pouco de sorte e muito trabalho, talvez você veja outros RPGistas vivendo aventuras no mundo que você modelou e publicou. Não acredito existir recompensa maior para tal esforço.

Um mundo como exemplo Como exemplo simples de criação de um mundo, vamos apresentar o planetóide Keyla, cenário da minissérie Lua dos Dragões. Este mundo foi escolhido porque tem aspectos simples, fáceis de resumir em poucos tópicos. • Keyla é uma lua de grande porte em órbita de Calidori-4, um mundo gasoso (como Júpiter). Por ser uma lua, tem uma de suas faces sempre voltada para Calidori-4. Os dias duram 22 horas, com 20hs de claridade e curtas noites de 2 hs. Keyla possui oceanos, montanhas e grandes florestas, que exalam muito oxigênio. • Em relação à Terra, Keyla tem gravidad~ um pouco mais baixa, atmosfera um pouco mais densa e taxa de oxigênio ligeiramente maior. Essa combinação de fatores permite o crescimento de árvores mais altas e o surgimento de criaturas muito maiores - incluindo insetos imensos. • Como a maioria dos mundos, Keylajá foi habitado por dinossauros (hoje extintos). Hoje sua fauna é composta quase exclusivamente por insetos, moluscos e outros invertebrados, quase sempre de grande tamanho. Não existem aves ou mamíferos: exceto pelos antropossauros e alguns tipos de peixe, não há outros grandes vertebrados. 110

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• A forma de vida dominante são os antropossauros: um tipo de povo-lagarto, descendente de dinossauros. Eles têm anatomia humanóide básica (cabeça, tronco, dois braços e duas pernas). São quase idênticos aos mamíferos da Terra: têm diafragma, glândulas mamárias, dentes especializados, lábios e laringe. • Os antropossauros dividem-se em várias espécies, geralmente agrupadas em tribos. Sua tecnologia é quase nenhuma: muitas tribos não conhecem o fogo, e apenas algumas sabem fabricar máquinas simples, como alavancas e roldanas. Não possuem matemática, escrita ou qualquer forma de registro de informação - a maior parte de seus conhecimentos vem de memória genética. Em quase todas as espécies a proporção entre os sexos é desigual: até sete fêmeas para cada macho. •No topo da cadeia alimentar de Keyla estão as dragoas-caçadoras - antropossauras predadoras, arborícolas, com traços lupinos e felinos. Vivem em aldeias construídas no topo de árvores gigantes, a centenas de metros de altura. • As caçadoras são lideradas por uma chefe, escolhida em combate direto. A líder deve demonstrar força e confiança permanentes; a qualquer sinal de fraqueza, outras serão impelidas (por instinto) a fazer desafios pela liderança. •A mitologia das caçadoras é simples: acreditam na Divina Serpente, uma imensa deusa-sereia-serpente que habita uma gigantesca caverna em chamas, dentro de seu coração. Essa crença reforça sua coragem e confiança em si mesmas: as caçadoras não se submetem a onipotentes habitantes dos céus - elas carregam sua deusa DENTRO de si mesmas! • As caçadoras são temidas por seu hábito de caçar e capturar mulheres de outras espécies. Mantidas como escravas, elas são torturadas como oferenda à Divina Serpente.

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XXIII. Gênese III Você criou o mundo. Você povoou o mundo. Agora, em sua missão divina, chega o momento de criar novas raças para personagens jogadores.

Artigo publicado na Dragão Brasil# 38

Homens-lagarto, elfos-do-mar, kenders, kobolds, thrikreen, imortais, tartarugas-ninja, anjos demônios, múmias, metalianos ... ao longo de seus três anos de existência, a Dragão Brasil apresentou muitas novas raças para personagens de RPG. Por que as raças diferentes do gênero humano exercem tanto fascínio sobre o RPGista? Basta lembrar que no RPG temos chance de ser aquilo que não somos na realidade: guerreiros, magos, ladrões, agentes secretos, super-heróis ... bem, já que é assim, por que restringir nossa escolha apenas à profissão? A maioria dos RPGs apresenta, além do onipresente Homo sapiens, numerosas outras escolhas. O s mundos de AD&D são habitados por elfos, meio-elfos, anões, gnomos e halflings. Também temos novas raças em GURPS Fantasy, Supers, Conan, Aliens, Fantasy Folk e outros. E os cinco títulos que formam o Mundo das Trevas de Storyteller são totalmente baseados em raças não humanas - Vampiro, Lobisomem, Mago, Wraith e Changeling; humanos são secundários. 112

DICAS DE MESTRE

Mas então, existindo tantas raças nos mundos de RPG, por que criar mais? Uma das razões é surpreender os jogadores, colocando em seu caminho criaturas com as quais eles não estão familiarizados. A maioria dos jogadores de AD&D sabe como reagir diante de kobolds e ores, mas o que acontece quando eles encontram, digamos, humanóides de pele azulada, olhos amarelos e pequenos cifres? QUEM, diabos, são esses caras? O que querem? São hostis ou pacíficos? Por outro lado, os próprios jogadores também gostam de raças exóticas. Após algum tempo de campanha eles logo se cansam dos humanos, elfos, anões e outras opções "comuns"; o RPGista típico tem grande apetite por novas experiências, e encarnar novas espécies é urna das melhores opções no cardáp10. Então, se você deseja criar uma nova raça, existem alguns conselhos que pode seguir...

Evolução paralela: o fator humano Sua raça pode ser desde urna simples variante dos elfos a um ofídeo nictolófico base-petróleo Classe Psi (sim, isso existe: é uma das raças de Aliens Recognition Guide, suplemento do RPG Men in Black). Mas, se você é um criador iniciante, siga o exemplo Dele e comece com algo "à sua imagem e semelhança" - ou seja, humanóide. Chamamos de "humanóide" seres com cabeça, tronco, dois braços e duas pernas, todos nos lugares usuais - e talvez algumas mudanças cosméticas, como orelhas pontudas, pele cinza, olhos de inseto, cauda e coisas assim. Estão dentro dessa categoria os humanos, elfos, anões, gnomos, halflings, ores, goblins, ogres e seres do tipo. Como explicar que tantas raças, oriundas de espécies diferentes - ou mesmo de planetas diferentes -, tenham todas a 113

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mesma estrutura humanóide básica? Por que os habitantes dos planetas visitados pela nave Enterprise parecem gente da Terra com maquiagem e roupa engraçada? Por que as metalianas têm . ? se10s. Para economizar a grana dos efeitos especiais? Também, mas existe uma razão mais lógica e cientificamente aceitável. As palavras mágicas são "evolução paralela". Os bichos evoluem, todos sabemos. Mudam ao longo das eras, adotam formas mais adequadas à sobrevivência. Girafas ganham pescoços maiores para alcançar galhos mais altos. Rinocerontes ganham chifres para se defender dos predadores. Zebras e tigres ganham listras como camuflagem no capim alto. Evolução paralela é quando duas criaturas completamente diferentes tomam-se iguais - ou ganham características iguais ao longo de milhões de anos. Em biologia, o exemplo mais conhecido de evolução paralela é o polvo. É um invertebrado, mas seus olhos têm estrutura de máquina fotográfica - uma câmara que recebe a luz ambiente, com uma retina fotossensível e uma íris que regula a entrada de luz no globo ocular. Além dos cefalópodes, nenhum outro invertebrado tem olhos desse tipo; eles existem apenas em animais superiores (peixes, anfíbios, aves, répteis, mamíferos ... ). Polvos e vertebrados não possuem nenhum ancestral comum que tenha olhos assim. Nesse caso, como essa estrutura ocular apareceu em criaturas tão diferentes? Coincidência? Outro famoso exemplo de evolução paralela é a fauna da Austrália. Há milhões de anos, quando o continente australiano se afastou dos demais, todos os mamíferos do mundo ainda eram marsupiais - após nascer, os filhotes completavam seu desenvolvimento em uma bolsa no ventre da mãe. Os mamíferos prosseguiram em sua evolução, tronaram-se placentários, capazes de prolongar a gravidez sem a necessidade do marsú114

DICAS DE M ESTRE

pio ... exceto na Austrália. Ali todos continuaram marsupiais, mas ainda evoluindo, ganhando formas semelhantes àquelas encontradas no resto do mundo. Existem ratos marsupiais, gatos marsupiais, lobos marsupiais (o lobo-da-tasmânia, hoje extinto), ursos marsupiais (o koala) e até um tipo de macacomarsupial, a cuíca-manchada. Se os humanos vieram dos macacos, talvez a cuíca pudesse originar um homem-marsupial, quem sabe? Como os marsupiais australianos ficaram tão parecidos com seus parentes placentários, se não houve qualquer contato entre eles? Houve evolução paralela. Criaturas diferentes evoluindo em ambientes iguais e condições iguais atingem soluções anatômicas iguais. Quando precisam voar, ganham asas sejam pássaros, insetos, morcegos ou peixes-voadores. Quando precisam nadar, ganham nadadeiras - sejam peixes, golfinhos, pingüins ou tartarugas marinhas. Isso significa que humanóides PODEM surgir em outros planetas, ou a partir de outras criaturas, ou ambos. Significa que dinossauros PODEM originar homens-lagarto, e insetos PODEM originar metalianos. Mas se você não se importa com nada disso e quer uma raça "muuuito" diferente do convencional (invisível, de quatro braços, de quatro patas, blindada, feita de energia...), vá em frente. Consulte em seu RPG as regras usadas por outras criaturas para aquele tipo de poder. Em geral, cada RPG tem regras adaptadas para humanóides: se você mudar isso, vai enfrentar problemas .. . mas os resultados podem compensar.

Com o poder, a responsa Sua raça terá poderes especiais? Sim, é grande a tentação de dar montes de poderes e habilidades para sua raça - mas, se ela é destinada a jogadores, você precisa balancear seus pode115

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res com fraquezas; um -1 para cada +1. Se não o fizer, o jogo ficará desequilibrado. Nos títulos de Storyteller, todo Narrador experiente sabe o que acontece em grupos mistos de vampiros, lobisomens e magos: estes últimos são muitos mais poderosos que os demais. Na verdade, por esse mesmo motivo a editora White Wolf criou o suplemento Sorcerer - trazendo um mago alternativo, menos poderoso, para participar de campanhas ao lado devampiros e lobisomens. Criar novas raças em AD&D também é complicado, porque não há regras próprias para equilibrar poderes e fraquezas. O resultado disso é que em AD&D existem raças melhores que outras - e isso não deveria acontecer, não para personagens jogadores. Veja o exemplo dos elfos: têm Destreza +1, enxergam no escuro, vivem centenas de anos, têm bônus de +1 nos ataques com espadas e arcos, 90% de resistência contra magias de encantamento e sono, bônus em testes de surpresa, podem encontrar portas secretas e escondidas, têm acesso a quase todas as classes (exceto druida e paladino)... e sua única grande desvantagem é ter-1 em Constituição. Um enorme desequilfürio. É espantoso que jogadores de AD&D ainda se interessem em personagens de outras raças. No outro extremo temos os halflings, a raça menos favorecida pelos deuses em AD&D. São resistentes a venenos, varinhas de condão, bastões, cajados e magias, mas apenas quando têm alta Constituição; têm bônus de +1 nos ataques com fundas e armas de arremesso (ooh, mas que armas terríveis!); bônus de surpresa (mas apenas sozinhos ou em companhia de halflings e elfos); 15% de chance de ter infravisão e outros poderes menores. O pior é que eles têm Destreza + 1 e Força -1, e podem ser apenas guerreiros, clérigos e ladrões. Guerreiros e cJérigos com Força -1? l Sobram apenas os ladrões! 116

DICAS DE MESTRE

Entre os grandes sistemas, GURPS é aquele que melhor resolve esse problema, porque todas a vantagens e desvantagens têm um custo em pontos. Se você quer que tenham destreza um pouco acima da média humana e que enxerguem no escuro, basta dar-lhes DX+l (10 pontos) e Visão Umbrosa (25 pontos). O custo para uma raça assim seria de 35 pontos, e pronto. Mas cautela, Mestre de GURPS, pois existe aí um truque: um personagem normal de 100 pontos tem um limite de -40 pontos para comprar desvantagens - mas desvantagens raciais NÃO contam nesse limite. Assim, um jogador apelão pode criar uma raça lotada de desvantagens apenas para agarrar os pontos.

Civilização e tecnologia Você pretende que sua raça seja social? Claro que existem raças de criaturas solitárias, que provavelmente encontram um semelhante apenas na época do acasalamento (talvez para matálo depois, como ocorre com aranhas e escorpiões). Mas será melhor que sua raça seja mais social, especialmente se é destinada a jogadores. Uma raça social pode viver em cidades, aldeias, tribos ou mesmo em pequenos grupos errantes. Criar urna raça que vive em grupos menores é mais simples, porque você não precisa se preocupar tanto com sua origens, dialetos, reinos, etc. Como? Você quer cidades? Gigantescas civilizações, dominando vastas áreas do mundo, guerreando umas com as outras por territórios, recursos ou crenças? Então eis aqui a notícia: civilização e tecnologia andam de mãos dadas. Uma não poderia existir sem a outra. Assim, quando falamos de civilização, na verdade queremos dizer "civilização tecnológica". Como pode se formar uma civilização tecnológica? Como uma espécie pode evoluir e dominar o mundo? Para isso são exigidos dois elementos: inteligência e habilidade manual. 117

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Inteligência é a capacidade de resolver problemas. Nem mai s, nem menos. Quanto maior essa capacidade, maior será a inteligência de uma criatura. Chimpanzés são considerados inteligentes porque conseguem encaixar varetas e empilhar blocos para alcançar bananas no alto da jaula - prova incontestável de inteligência. Habilidade manual? Sim, senhoras e senhores. Sem isso, não temos civilização- pelo menos, não uma civilização tecnológica. O homem ergueu sua cidades não apenas porque pensou em como fazê-lo, mas porque tinha mãos para fabricar e segurar ferramentas. Muitos pesquisadores acreditam que baleias e golfinhos têm tanta inteligência quanto os seres humanos - mas eles nunca poderiam construir casas ou cidades, pois não têm mãos. Se bem que habilidade manual não precisa vir necessariamente de "mãos": coisas como pinças, tentáculos e o poder psíquico de telecinésia também servem. Outro ingrediente importante para uma civilização é o fogo, a primeira e mais importante fonte de energia utilizada pelo homem. O fogo permitiu ao homem-das-cavernas sobreviver a invernos mais rigorosos, afastar predadores, preparar uma variedade maior de alimentos e defumar a carne para conservá-la por mais tempo. Mais tarde, ele permitiria forjar metais e movimentar motores a vapor, entre incontáveis outras aplicações. Imaginar raças avançadas surgindo sem fogo é MUITO difícil, e ex ige explicações. Os elfos-do-mar de AD&D, por exemplo, não podem forjar metais; eles conseguem armas e ferramentas metálicas pelo comércio com habitantes da superfície.

Vida longa e próspera Uma raça não é feita só de orelhas pontudas, pele cinzenta e olhos de inseto. Ela tem um conteúdo. Ela tem psicologia e cultura, quase sempre diferentes dos humanos. Sem isso, in118

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terpretar personagens de outras raças perde metade da diversão! Quando planejar a psicologia de uma raça, primeiro pense se ela é igual, diferente ou muito distante da psicologia humana. Isso coloca as diferenças raciais apenas em características físicas, mantendo o interior intocado. Veja o Super-Homem dos quadrinhos: um alienígena fisicamente diferente, repleto de poderes e fraquezas especiais - mas humano por dentro. Exceto pelas diferenças culturais, os nativos do planeta Krypton são psicologicamente idênticos aos terrestres, com os mesmos temores, ambições, qualidades e defeitos. Claro, você poderia acrescentar apenas uma ou duas diferenças sem importância, para dar sabor (os kryptonianos parecem, em geral, mais frios e arrogantes que os terrestres; o Super é uma exceção). Os elfos da fantasia medieval são o exemplo mais conhecido de raça com psicologia diferente da humana. O grande diferencial está em sua longevidade, sua capacidade de viver por muitos séculos. Talvez por permanecer mais tempo no mundo, eles aprendem a amar a natureza, fazem amigos mais raramente, não comem ou bebem demais - ou seja, preferem apreciar lentamente os prazeres da vida. Apesar disso, as semelhanças entre elfos e humanos são suficientes para que um RPGista (humano) possa interpretar corretamente um personagem elfo. Algumas raças podem ter uma psicologia tão diferente que mal podem ser compreendida por hnmanos, ou vice-versa. Os thri-kreen de Dark Sun (AD&D) eE tão entre as raças mais compJicadas para jogadores: eles nunca dormem, e não conseguem entender essa necessidade em outras criaturas ("Ei, acorde! Você está imóvel há vinte minutos! Tem certeza que está bem?"); nunca precisam de água, e sentem-se desconfortáveis em sua presença; e acham a carne de elfo muito saborosa, sendo capa119

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zes de atacar os companheiros de grupo em caso de escassez ("Por que esse cara-de-formiga fica me olhando desse jeito?"). Meus rnetalianos, com sua psicologia baseada em insetos sociais, também não ficam muito atrás. Interpretar seres que pensam de forma muito diferente é difícil, mesmo para RPGistas experientes; raças assim funcionam melhor corno NPCs.

Como os ancestrais O RPGista sabe corno é duro criar um personagem marcante, com um passado e conteúdo; então, imagine fazer o mesmo para urna raça inteira! É difícil criar urna forma diferente de pensar. Lembrar-se de sua espécie ancestral ajuda um pouco - basta ver corno a vida de nossos antepassados (macacos, segundo Darwin) influiu na personalidade que ternos hoje. As fobias mais comuns na espécie humana são o medo de altura (para quem vive em árvores, cair é a forma mais fácil de morrer), de cobras (o predador mais comum e mortal nas copas das árvores) e da escuridão (os tigres dente-de-sabre e outros carnívoros do Pleistoceno atacavam principalmente à noite). Humanos também não gostam de viver sozinhos, porque são fisicamente fracos - e juntos, na pré-história, tinham maior chance de sobrevivência contra animais mais fortes. Digamos que urna raça tenha evoluído de touros, rinocerontes, triceratops ou criaturas do tipo. Como os Ceratops, um dos povos-dinossauro mostrados em Dragão Brasil # 30 - ou os dragões-sete-chifres de Luas dos Dragões. Os machos da espécie, apesar de herbívoros, são encarregados da proteção do rebanho e seriam extremamente agressivos, rabugentos e até paranóicos. As fêmeas, sempre protegidas, seriam muito dóceis e pacíficas. A espécie em geral teria imenso e indiscutí120

DICAS DE MESTRE

vel medo de lugares altos, porque um animal bovino NUNCA deixa o solo durante toda a sua vida (poucos sabem, mas se você afasta um cavalo do chão durante alguns segundos, ele tem grandes chances de enlouquecer). Para eles, mesmo a mais simples escalada seria façanha impossível. Bem, é tudo por enquanto. Esperamos ter ajudado o Mestre que deseja inventar novas criaturas para sua campanha - e também o jogador que tenta experimentá-las.

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XXIV Quando os dados rolam 1 Decidir por si mesmo ou deixar que os dados o façam?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 33

"Deus não joga dados com o Universo." A lbert Einstein "Deus não apenas joga dados, como às vezes os joga onde não podem ser vistos." Stephen W. Hawking

É bem provável que Einstein e Hawking não estivessem pensando especificamente em RPG quando enunciaram suas famosas frases. Contudo, mesmo sem saber, estes gênios definiram os principais estilos de mestrar: o uso da mente e o uso dos dados. Podemos assumir que o Mestre de RPG é como um "deus" em seu mundo de aventuras: ele cria e modela o mundo onde o história acontece, controla a realidade. Não há limite para sua onipotência aquilo que ele diz é lei, mesmo as coisas mais impossíveis. Se o 1. "Quando os dados rolam" era o nome de uma saudosa seção presente nas antigas revistas Dragão Dourado e RolePlay, com episódios curiosos e engraçados enviados pelos leitores - precursora de nossa atual "Lendas Lendárias".

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DICAS DE M ESTRE

Mestre decreta que um bárbaro armado com uma espada comum foi capaz de decapitar um dragão-deus de cinco cabeças, então assim será. Afinal, é o SEU universo. Se o Mestre é um deus, como ele toma suas deci sões? Pondera sobre elas, como disse Einstein? Ou deixa tudo nas mãos do acaso e joga os dados, como acredita Hawking?

O método Einstein Dispensar os dados e decidir sem eles tem uma óbvia vantagem paro o Mestre: as coisas sempre vão acontecer exatamente como ele planejou. Sem imprevistos. Este Mestre pensa em tudo. Ele realmente PENSA sem deixar nada ao acaso. Nunca faz testes de reação para verificar como a rapariga da taverna reage à paquera do elfo: apenas consulta o Carisma do elfo, a Inteligência ou Sabedoria da rapariga, e toma sua decisão. Torce o nariz enojado diante de tabelas de monstros aleatórios - cada monstro será escolhido com cuidado, levando em conta suas chances e motivos para estar ali naquele instante. De acordo com Einstein, dados e tabelas não servem para substituir o bom senso. O Mestre que segue este método pode até rolar os dados de vez em quando, para disfarçar - mas no final tudo é decidido pelo cérebro . Este Mestre muitas vezes também obriga os jogadores a decidir as coisas por si mesmos: em vez de j ogar os dados e testar Inteligência para resolver um enigma, o jogador deve PENSAR. A grande desvantagem do modo E instein é que ele pode tornar a aventura meio sem graça, especialmente para iniciantes. Estes se sentem nas mãos de um deus arbitrário, vítimas de seus caprichos. Nem adianta jogar os dados: se o guerreiro tenta arrombar uma porta que o Mestre NÃO deseja ver arrombada, então ele NÃO vai conseguir - nem mesmo com um acerto crítico. Dispensar completamente o uso dos dados transforma a aventura quase em uma peça teatral improvisada. Muitos grupos do tipo "interpretativo" (ou RolePlayer) até gostam de jogar assim - eles

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preferem confiar mais na própria inteligência do que em números e estatísticas. Mas esse tipo de jogo é um tanto sofisticado demais, próprio para RPGistas mais avançados: iniciantes vão encontrar pouca satisfação neste método.

O método Hawking 1 Se Deus joga dados, então tudo é acaso e probabilidade. Seguindo este método, o Mestre desiste de pensar no assunto e joga os dados para tudo - desde a reação da rapariga à paquera de bordo, até a quantidade de moedas no tesouro do dragão. Esse costuma ser o método adotado por Mestres iniciantes ou inseguros: ainda sem confiança para usar o seu próprio julgamento, eles preferem deixar as decisões por conta dos dados. Mestres do tipo "Estrategista", amantes das estatísticas, também apreciam usar os dados sempre que possível. A maior vantagem de usar os dados o tempo todo é que isso torna o jogo mais vibrante. A satisfação do jogador é maior quando ele vê com os próprios olhos que o monstro não resistiu a seu feitiço ou errou seu ataque. Gritos de emoção são lançados à volta da mesa onde o Mestre joga os dados abertamente. A desvantagem óbvia é que, jogando em aberto, o Mestre não pode mentir. Fica muito mais difícil proteger os jogadores e manter a aventura no rumo. Quando o ogre consegue um acerto crítico e dano máximo com sua clava, o Mestre não pode fazer nada para salvar da morte o infeliz personagem - e o jogador acaba saindo da aventura mais cedo. Da mesma forma, quando o mago do grupo consegue dano máximo com sua bola de fogo e o vilão falha em seu teste de resistência, aquilo que deveria ser urna épica batalha final termina de forma brusca e sem graça: a aventura saiu prejudicada, porque o Mestre não podia proteger o vilão. Assim, deixar tudo nas mãos do acaso é um jogo arriscado: pode levar a grandes e moções, mas também a grandes decepções.

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O método Hawking II Vamos examinar melhor a frase de Hawking: eles diz que, às vezes, Deus joga os dados onde eles não podem ser vistos. Então, se Deus é um Mestre de RPG , nesse caso ele usa um escudo! Ferramenta Básica do Mestre, o escudo (também conhecido como biombo ou screen) não passa de uma folha de papel cortado, dobrada três ou quatro vezes e colocada de pé sobre a mesa, diante do Mestre. Uma de suas faces, aquela que fica voltada para os jogadores, geralmente traz ilustrações ligadas ao jogo, como castelos, dragões, mapas e outros temas, ajudando a colocar os jogadores no clima. A outra face tem tabelas de consulta rápida para o Mestre, evitando que ele perca tempo folheando livros para encontrá-las. A terceira utilidade do escudo é a mais importante: evitar que os jogadores observem as anotações do Mestre e o resultado de seus dados. Quando o Mestre joga os dados atrás do biombo, ele tem a chance de mentir. Se aquele ogre consegue um acerto critico que vai matar o ladrão, o Mestre simplesmente ignora os dados e diz que o ogre errou. Se o vilão falhou em seu teste de resistência contra a bola de fogo , o Mestre diz o contrário e a batalha dura mais um pouco. Impossibilitados de ver os dados, os jogadores podem apenas aceitar isso - pouco importa se o Mestre está mentindo ou não: aquilo que ele diz é sempre verdade, independente do resultado dos dados. No fim, isso não passa de uma combinação dos métodos Einstein e Hawking I: o Mestre usa os dados, mas também usa o bom senso e não permite que resultados indesejados atrapalhem a aventura. Impossível evitar a pergunta: se os jogadores não podem ver os dados, então por que jogá-los? Por que o Mestre não decide isto ou aquilo simplesmente, como Einstein faria? Na verdade, existe uma grande diferença entre a decisão arbitrária e a jogada atrás do escudo - mas essa diferença só funciona dependendo da habilidade do Mestre. O segredo ~ fazer com que os jogadores acreditem que o Mestre SEMPRE segue os dados. Assim

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conseguimos a mesma emoção dos dados jogados em aberto, mas sem os riscos de que estraguem a aventura. Isso só funciona quando os jogadores acreditam no Mestre. A conquista dessa confiança é trabalhosa e demorada, exigindo muito habilidade. Para ajudar nisso, o Mestre inteligente costuma ocasionalmente levantar o escudo e mostrar aos jogadores o resultado dos dados - assim eles podem confirmar com os próprios olhos que o monstro realmente resistiu aos efeitos do feitiço, sem trapaça. Mostrar os dados de vez em quando concede certa segurança aos jogadores. Eles vão acreditar que, pelo menos na maior parte das vezes, o Mestre está realmente sendo imparcial.

Quem tem razão? Então, como ficamos? Einstein ou Hawking? Decidir e ponderar, ou deixar rolar? Não existe fórmula infalível, disso sabemos. Tudo depende daquilo que o Mestre procura. Imaginação e bom senso resultam em boas histórias. Jogar os dados desperta emoção e agito. É a dosagem correta de cada ingrediente que resulta em aventuras mais saborosas.

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xxv Deixando sua marca O que fazer para criar tipos marcantes e inesquecíveis

Artigo publicado na Dragão Brasil# 34

Então você anda jogando os dados há algum tempo, certo? Já se divertiu debulhando goblins, decapitando bestas da Wyrm e detonando no ciberespaço, certo? Começou com kobolds palermas e agora já tem poder suficiente para peitar avatares, certo? Então, um belo dia, você achou que isso já não bastava. Bater, bater e bater perdeu a graça. Atingido por uma inesperada inspiração, você descobriu que o RPG podia ser muito mais que jogar dados e acumular números na planilha. Desde então, uma nova satisfação domina seu ser quando você embarca em seu mundo de campanha: agora você não está apenas disposto à matar-pilhar-destruir, corno uma máquina de guerra sem mente. Agora você quer MAIS! V'X ê quer VIVER a aventura. Será que você ficou louco? Muitos diriam que sim ("Pois~. agora ele só pensa naquele jogo estranho ... "), mas não se surpree11da. O RPGista mediano, após algum tempo de campanha, atravessa esse tipo peculiar de metamorfose: entediado com simples combates, magias e espadas com bônus, você agora usa o mundo de aven127

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lura para fazer-de-conta. Para fazer coisas impossíveis. Melhor ain-

da, SER pessoas impossíveis. Essa etapa na vida do RPGista costuma ser vista por muitos com um "avanço de nível", um tipo de "evolução". Mas não é bem assim que funciona: pensar dessa forma é pura arrogância e preconceito (eu realmente ODEIO esses tipinhos !). Muitos jogadores avançados ainda preferem o estilo antigo, mas de forma mais inteligente e sofisticada: tramando novas táticas, explorando novas regras, descobrindo novas magias e criaturas, mergulhando fundo nos segredos de seu RPG favorito. A estes costumamos chamar de Estrategistas.

Fome de emoção Mas, para outros tipos de RPGista avançado, Pontos de Experiência já não servem mais de alimento. Então, por que ele joga? O que ele busca na aventura, além de apenas colecionar vitórias, tesouros e objetos mágicos? A resposta pode ser única para cada um. Razões pessoais demais, que apenas o próprio jogador conhece - ou talvez nem ele. Mesmo assim, podemos classificá-los em dois tipos principai s.... Primeiro temos o RPGista que deseja criar. Ele gosta de contar histó rias, erguer sagas épicas, fazer girar o mundo de fantasia onde vivem seus personagens . A centelha criadora arde em seu peito descontente com o mundo real, ele busca construir em suas aventuras um mundo mais interessante e emocionante. Seu desempenho em jogo dá solidez à sua fantasia, faz com que seja preservada. Este tipo de jogador costuma ser tratado aqui como Historiador. O segundo tipo é o RPGista que é menos autor e mais ator também conhecido como RolePlayer, palavra inglesa para "interpretador de papéis". Ele gosta do teatro envolvido no RPG, gosta de fingir e interpretar. Em verdade, "interpretar" pode ser uma palavra vazia demais para definir o que ele busca. Enquanto o Historiador quer escapar do mundo onde vive, o RolePlayer quer escapar de si

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mesmo! Como o verdadeiro ator de teatro ou TV, ele busca ser outra pessoa, estar em sua pele... e deslumbrar a platéia com sua grandiosa arte. (Dramático demais? Eu? OK, perdão ... ) Perceber a diferença entre um Historiador e um RolePlayer legítimos pode se mostrar um tanto difícil. Poucos se apegam em demasia a um único estilo - o mais comum é encontrar jogadores que sejam um amálgama destes dois tipos. E isso faz alguma diferença? No fundo, não. Quando criam um personagem, ambos perseguem um mesmo objetivo: querem que seu personagem seja marcante, dife~ente dos demais. Por que eles desejam isso? Para que a existência do personagem seja lembrada e preservada (para o Historiador) e porque vivê-lo será prazeroso (para o RolePlayer).

Seja lembrado O que é, exatamente, um personagem "marcante"? Literalmente, é aquele que deixa sua marca- na memória de quem o conheceu. Pense em todas as campanhas de RPG que já jogou: entre os personagens de outros jogadores (não os seus), quais conseguiram chamar mais sua atenção? De quais você se lembra melhor? Pronto! Aí estão os personagens marcantes. Ciiar um personagem marcante não é fácil - se fosse, teríamos montes de Batman, Darth Vader, Capitão Kirk e Fox Mulder por aí. Sim, a indústria do entretenimento nos bombardeia com milhares de novos personagens todos os anos, mas quantos conseguem realmente se destacar? Poucos, muito poucos. Pense bem: dentre todos os filmes do Jean-Claude Van Damme que assistiu, você consegue lembrar o nome de UM personagem sequer? Não o ator, mas um personagem. Frank Dux, de O Grande Dragão Branco, é o único que me ocorre no momento. Claro que você também pode ser marcante com sua ATUAÇÃO. Isso é bem diferente: você é um RPGista tão talentoso que, em suas mãos, qualquer personagem sem graça ganha luz própria. Você pode salvar da mesmice até mesmo aquele manjado e estereotipado anão

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rabugento. Se assim for, parabéns. Se ainda não é o caso, o jeito é se empenhar mais na criação do próprio personagem.

Simples, profundo ou novo Você pode tornar seu aventureiro marcante buscando três metas principais: simplicidade, profundidade ou originalidade. A simplicidade é o caminho mais garantido. Desse modo você tenta tornar o personagem marcante apenas porque é fácil lembrar dele. Para começar, pelo amor dos deuses, esqueça aqueles nomes estrambólicos que à s vezes surgem na fantasia medieval Ghatterialn, Dintokvslay, Rhanflogarth e outras bobagens impronunciáveis (sim, Katabrok, estou falando com você!). Também não caia na armadilha dos nomes já desgastados pela cultura pop-John, Steve, Bruce, David, McCoy e outros. Se é algum super-herói, esqueça também palavras gastas como Power, Force, Shadow, Warrior... O melhor é usar nomes simples, fáceis de lembrar e pronunciar, mas também inéditos. Quer ver? Han Solo, Rambo, Fox Mulder, Spock, Nikita, Lestat... Também ajuda dar ao personagem um traço marcante, algo que sempre chame a atenção dos demais. Pode ser algo na aparência (tapa-olho, tatuagem, cabelo verde ... ), na personalidade (resmungão, delicado, nojento ... ), nos man.eirismos (sotaque, tique nervoso, gagueira ... ) ou alguma outra coisa. As regras de GURPS são ótimas para criar traços peculiares. Vampiro também. Ainda tentando a simplicidade: se você pode explicar seu personagem em poucas palavras, então ele está ótimo. Será lembrado mais facilmente. Quer ver? James Bond: um super-espião frio e sofisticado. Han Solo: um pirata e contrabandista espacial. Wolverine: um mutante selvagem com garras. Alguns personagens são tão simples que seus nomes chegam a ser auto-explicativos: Homem-Aranha, Mulher-Gato, Tocha Humana, Magneto, Aquaman, Capitão Ninja ... A seguir temos o método da profundidade, que consiste em detalhar o personagem ao máximo. Responder todas as perguntas

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sobre ele - onde nasceu, como eram seus pais, o que come no café da manhã ... Assim o personagem fica tão completo que praticamente ganha vida própria. Jogadores de Vampiro, em especial, parecem cultivar este estilo: consomem páginas e mais páginas descrevendo a história de seu personagem, pincelando seu passado e personalidade (conheci alguns que chegam quase a escrever romances inteiros sobre seus vampiros!). Este é o modo mais difícil: o personagem criado assim pode ser fascinante e apaixonante para o próprio criador, por seu envolvimento íntimo - mas será diferente fazer com que outros se envolvam da mesma forma. Só vai funcionar durante uma longa campanha, durante a qual os demais jogadores terão tempo de conhecer bem sua obra: para eles, será como ler um romance (na verdade, participar dele) e mergulhar na vida do companheiro. E, finalmente, a originalidade. Consiga uma idéia nova, e terá seu personagem marcante. O que tomou MacGyver tão conhecido, entre tantos outros tipos que surgiram na TV desde 1988? Ele vence com criatividade e porcarias que traz nos bolsos, e não com socos e tiros. Como explicar o atual sucesso de A rquivo X? Mulder e Scully seguem a velha receita da dupla de tiras que vive brigando, mas com ingredientes sobrenaturais - coisa que nunca havia sido tentada antes. Por que a arqueóloga Lara Croft tomou-se a mais aclamada heroína dos videogames? Porque poucos pensaram em usar uma linda garota como protagonista de um jogo eletrônico, em vez dos atiradores truculentos de Doom e similares. Não acredite que todas as boas idéias já foram usadas. Idéias novas estão flutuando por aí, esperando quem as agarre. Eu, pessoalmente, penso que seres humanos não são capazes de criar coisa alguma - tal poder está reservado a apenas UM ser no universo. O melhor que podemos fazer é aguçar nossa sensibilidade para captar as idéias que navegam pelo ar. Elas existem, eu lhes asseguro. Não imagino de onde venham, mas elas existem e estão aí! Fazer com que alguém seja lembrado é só o primeiro passo. Fazer com que seja amado, apreciado ou odiado ... bem, isso é assunto para outro dia.

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XXVI Background Que nome feio é esse? O que tem a ver com RPG?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 43

Background. Essa palavra aparece com certa regularidade quando a conversa é entre RPGistas experientes, e também em matérias da Dragão Brasil. Alguns preferem dizer "ambientação", outros falam apenas em "história" ou "histórico" - mas Background é muito mais abrangente. Procurando Background no dicionário inglês-português (a pronúncia é /bék-gráund/), você deve encontrar vários significados. Entre eles temos ambiente, cenário, antecedentes, formação, experiência. Todos valem em RPG, porque Background é justamente isso - aquilo que enriquece e "recheia" o personagem. Sua história. Seu ~assado, personalidade e tudo que o torna uma pessoa única. Indo direto ao ponto, Background é aquela "hi storinha" que o Mestre pede para você escrever atrás do ficha de personagem mas você disfarça, finge que não ouviu e deixa Pl\fª depois. Se o personagem de RPG fosse um computador, a planilha com números seria seu hardware - a parte física, aquela que podemos ver e tocar. E o Background seria o programa, o software. Algo mais subjetivo, algo que não podemos ver imediatamente quando examinamos a planilha - mas SABEMOS que está ali.

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DICAS DE MESTRE

Background não é indispensável para jogar RPG. Você pode preencher uma planilha, lançar os dados e esquecer qualquer outra preocupação. A diferença é que, jogando assim, muito em breve você pode acabar perdendo o interesse pelo personagem - e também pelo próprio jogo. Empregue algum tempo elaborando o Background para seu personagem, e com certeza ele será mais valioso para você. Sim, verdade. Você deve ter notado que, quanto mais tempo joga com um mesmo personagem, mas você fica apegado a ele. Isso não acontece apenas porque vocês debulharam monstros juntos (OK, isso TAMBÉM é divertido). Acontece porque agora seu personagem tem um passado. Você não o inventou durante a criação, antes de jogar - mas o Background surgiu naturalmente, aos poucos, durante a campanha. Sendo assim, não seria mais interessante construir personagens com passado e conteúdo, em vez de apenas uma planilha com espaços e bolinhas preenchidos? GURPS

não é só números!

De ntre os grandes sistemas, GURPS é aquele em que podemos esquecer mais facilmente o valor de um Background. Talvez por isso este jogo seja tão detestado pela "elite" RPGista. Digamos que você resolve construir um personagem de GURPS. O Mestre anuncia uma aventura de fantasia medieval. OK. Você logo pensa naquele "combo" para ter alta Esquiva', e resolve comprar DX 14 (45 pts), HT 14 (45 pts), Reflexos em Combate (15 pts) e a perícia Corrida com NH 16 (16 pts). Pegamos também Ultraflexibilidade das Juntas, pois é baratinho (5 pts). Para compensar o custo elevado, vamos ter ST 10 (O pts), IQ 10 (O pts) e as desvantagens Cleptomania (-15 pts), Covardia (-10 pts), Sadismo (-15 pts) e -5 pontos em Peculiaridades variadas (tem mau hálito, usa roupa escura, gosta de tirar meleca do nariz ...). Esse personagem terá Escalada 12 sem nenhum custo, graças à Ultraflexibilidade das Juntas. Temos ainda 19 pontos para Perícias.

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DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

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do Corrida 16 e Escalada 12 que já temos, vamos pegar os sempre populares Furtividade 14 (2 pts), Arrombamento 10 (4 pts) ç Rastreamento 10 (4 pts). Uma arma? Tem aquele truque: você usa o NH em Lança para atacar e o nível pré-definido em Bastão para aparar. Então pegamos Lança 16 (8 pts) e temos Aparar 9. Aproveite o ponto que sobrou e pegue Arremesso de Lança 14 (1 pt). Pronto, já temos nosso personagem. Temos mesmo? Vejamos ... o sujeito não tem passado, não tem personalidade, não tem nem mesmo um nome. Pensando bem, o que temos é apenas um amontoado de números e cálculos espertos um personagem feito com mentalidade puramente estrategista .. Até que está bom se você está jogando suas primeiras aventuras e ainda não pegou o espírito do coisa, mas ... pode estar certo, você logo vai se cansar. Como transformar esta planilha cheia de números em um personagem? A resposta: dê a ele um Background. Para começar, temos que chamar esse cara de alguma coisa. Um nome medieval, rápido! Usando o método popular, vou fechar os olhos, teclar algumas letras ao acaso e acrescentar vogais. Deixa ver, deu "knvsdlkn". Kanvisdalkin. Até que não ficou ruim. O que esse Kanvisdalkin faz da vida? Ele tem Reflexos em Combate, uma alta Esquiva e alto NH em Corrida e Lança. Será um soldado de infantaria? Talvez parte das tropas do reino? Ei, um momento! Kanvisdalkin tem Covardia, Cleptomania e· Sadismo! Dão muitos pontos, mas quando tentamos conciliar tudo em uma só pessoa, o que temos? Ele é sádico, gosta de ver o sofrimento alheio - mas também é covarde, evitando situações em que possa se ferir. Nosso amigo é um ti pinho bem desprezível, que ataca gente pelas costas e espeta inimigos caídos com a lança. E ainda um cleptomaníaco, que rouba coisas sem precisar delas. Como Kanvisdalk:in não tem a perícia Punga, seus roubos serão descobertos regularmente. Ainda bem que tem Corrida com NH alto - vai precisar disso paro fugir das encrencas em que se mete ... Já temos muita coisa para trabalhar. Kanvisdalkin alistou-se nas tropas do reino acreditando que seria prazeroso chacinar inimi-

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gos e pilhar cidades, mas sua covardia e seus furtos provocaram sua expulsão do exército - ou talvez ele mesmo seja um desertor, fugindo durante uma batalha perigosa. Agora ele vive como ladrão, assaltando casas (isso explica suas perícias Escalada, Furtividade e Arrombamento), mas também freqüenta tavernas e oferece seus serviços como "lanceiro" a grupos de aventureiros desavisados. ISTO é Background. Criar uma história, um passado e personalidade, compatíveis com os estatísticas de jogo. O ideal mesmo é pensar no Background antes de construir o personagem - e não o contrário, como acabei de fazer. Kanvisdalkin teria uma vida mais fácil se, digamos, tivesse a perícia Punga em vez de Rastreamento.

Masmorras com personalidade Como funciona o Background em AD&D? Com seu sistema de raças, classes e tendências, muitas vezes o personagem já vem com um conceito e uma personalidade razoáveis. Se você escolheu ser um elfo ranger Honrado ou um anão guerreiro Vil, isso já diz muito sobre seu passado, comportamento e modo de vida. Não é preciso inventar mais nada; você já tem um personagem com Background suficiente. Suficiente, apenas. Raro é o adepto experiente de AD&D que fica satisfeito seguindo apenas as orientações do Livro do Jogador. Aqueles que têm acesso a livros importados Jogo agarram algum kit da série Complete Handbooks - os famigerados Livros Vermelhos, cada um se aprofundando em urna classe ou raça de personagem. Quando adota um kit, o jogador está p~rsonalizando seu aventureiro. The Complete Fighter's Handbook, por exemplo, ensina como transformar um simples guerreiro em um samurai, gladiador, mosqueteiro, pirata, bárbaro e numerosos outros tipos - eles são mais ou menos como os arquétipos que aparecem nos Livros dos Clãs de Vampiro ~ Cada kit apresenta pequenas vantagens e desvantagens para diferenciar ainda mais o personagem. Uma guerreira amazona recebe +3 em seu primeiro ataque, porque em geral o oponente não espera ser atacado por uma mulher; em compensação, ela

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sofn.: redutor de -3 em testes de reação, porque mulheres guerreiras não são bem vistas em sociedades medievais. OK, os Livros Vermelhos não existem em português ainda (exceto Livro do Guerreiro). Mas quem disse que precisamos deles? Basta uma boa idéia, uma ligeira mudança nas regras, e você também pode inventar seu personagem exclusivo. Lembro-me de um amigo que, em uma aventura de AD&D, esco1heu jogar com um jovem guerreiro. Sua história era interessante: filho de um dos maiores ladrões do reino, ele queria seguir essa mesma carreira - mas o pai, arrependido, não desejava para o filho a mesma vida de crimes. Como resultado tínhamos um guerreiro que passava o tempo todo tentando destrancar fechaduras, mover-se em silêncio e escalar muros - mas NUNCA conseguia, porque não tinha habilidades de ladrão. Perceba que, em termos de jogo, isso não trouxe nenhuma vantagem ao personagem - só problemas. Mas, por seu Background bem bolado, o Mestre decidiu que aquele guerreiro poderia comprar Pericias Comuns de Ladino pelo custo normal, como se fosse mesmo um ladrão. Sim, seria muito mais simples para o jogador construir um personagem ladrão ou guerreiro/ladrão e evitar tanta complicação ... mas, nesse caso, que graça teria?

J Horror MUITO pessoal De modo geral, quanto menos regras um RPG tem, mais necessário será um bom Background. Talvez por isso, para quem prefere personagens intensos e ricos, Vampiro: a Máscara é o que temos de melhor. Mais do que ensinar a preencher planilhas, Vampiro obriga o pensar profundamente sobre o personagem, explorando seu íntimo até o osso, tratando-o como coisa viva. O slogan "jogo de horror pessoal" não está ali à toa: quando decide mergulhar fundo na alma do personagem, o jogador muitas vezes é confrontado com questões incômodas sobre preconceito, moralidade, humanidade, bondade e

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D ICAS DE MESTRE

maldade. Deve haver muitos escritores e atores profissionais que, com certeza, não nutrem tanto respeito, carinho e dedicação por sua obra quanto certos jogadores de Vampiro. Em tempos ancestrais, durante a dominação total de AD&D, o RPG era pouco além de um jogo de estratégia com falas. Quase tudo era só hack & slash - "matar-pilhar-destrnir". Com sua nova proposta, além de trazer um público diferente (garotas!), o jogo de Mark Rein•Hagen também trouxe uma nova tendência: mais Background e menos regras. Do início ao fim o livro básico enaltece a importância de criar um personagem com conteúdo, respondendo todas as perguntas, pensando em sua história, seu passado e interior a nível literário. Pela primeira vez, criar e interpretar era mais importante que detonar monstros. Sim, é verdade que havia outros RPGs mais "interpretativos" antes de Vampiro - mas foi o jogo da White Wolf que conseguiu firmar de vez a tendência. Seu sucesso provocou uma onda de novos títulos, em que os números importavam menos que a ambientação. Até mesmo os jogadores de AD&D e outros títulos passaram a ver o RPG de forma diferente, mudando seu estilo de jogo. Pena que, em tempos recentes, Vampiro tenha se desviado de sua proposta original - a exploração íntima do personagem. Hoje, quase tudo é política e guerrinha de Clãs. Vejamos se Rein•Hagen consegue resgatar o bom e velho drama no iminente Vampiro 3ª Edição. Hoje sabemos que não.

Falkenste in: Background total Com a onda de Vampiro, surgiram muitos RPGs no estilo "quem liga para regras"? Jogos que não têm muita graça quando vistos estrategicamente, mas que trazem boa carga de drama e diversão. Castelo Falkenstein, em certos aspectos, talvez seja até melhor que Vampiro. Escrito como um romance épico, esta obra-prima de Mike Pondsmith não tem planilhas: o jogador deve escrever um pequeno diário sobre seu personagem, usando certas palavras-cha137

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vc que mais tarde se traduzem em regras. Simplesmente genial! Falkenstein chegou ao Brasil há poucos meses, e merece ser conferido. Arkanun, de Marcelo Dei Debbio, tem regras enxutas e obriga os jogadores a enriquecer seus personagens pensando mais em sua história. Em Paranóia, de Greg Costikyan, os Agentes Atiradores não têm Backgrounds muito ricos (claro, pois não vivem o bastante para isso!), mas o cenário é tão rico que torna possível jogar sem nenhuma regra! Os recentes Dragonlance Fifth Age e Marvel Super Heroes abandonaram o poderoso sistema AD&D em favor de novas regras, mais dramáticas. Então ficamos combinados: quando preencher sua próxima planilha, dê ao personagem algo mais que números e bônus.

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XXVII By Night Erguendo sua própria cidade de vampiros

Artigo publicado na Dragão Brasil# 46

By Night. Duas palavrinhas que podem parecer não familiares para quem não tem acesso a livros importados de Vampiro: a Máscara. Os veteranos, no entanto, conhecem bem seu significado. Para melhor ou pior. No jargão "vampiresco'', um By Night é a descrição de um cenário para uso em crônicas de Vampiro. Cada livro fala de uma cidade do mundo real, mas mostrando como ela seria se existissem vampiros. A editora White Wolf (responsável pela publicação de Vampiro nos Estados Unidos) já colocou no mercado diversos By Night - desde Chicago a Berlim, passando por New Orleans, Los Angeles e Washington D.e. Também tivemos, sob o selo Black Dog (uma divisão de White Wolf com produtos mais adultos), o pesadíssimo Vancouver by Night; e, mais recentemente, Hong Kong by Night - para Kindred of the East, a nova linha da White Wolf sobre vampiros orientais. Existe também a série Rage Across para Lobisomem, que já teve Nova York, Rússia, Austrália, Appalachia e o lendário Rage Across the Amazon ("lendário" por suas toneladas de bobagens... ). 139

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Rumores dizem que a linha By Night foi cancelada nos Estados Unidos porque gerava muitas discussões e reclamações - especialmente entre os moradores de tais cidades, que nunca concordam sobre como ela deveria ser. Na verdade, a maioria dos jogadores de Vampiro que teve contato com estes livros simplesmente odiou o material. A Devir Livraria já descartou qualquer possibilidade de trazer os By Night para o Brasil, preferindo títulos de mais qualidade - notícia que tem provocado suspiros de alívio entre aqueles que sabem o tamanho da encrenca. Contudo, mesmo que os livros By Night originais tenham fracassado, a idéia básica não é ruim. Na verdade, é amplamente utilizada pela maioria dos Narradores brasileiros - pensar em como seria a história de uma cidade qualquer no Mundo das Trevas, com forças sobrenaturais agindo nos bastidores. A cidade escolhida costuma ser aquela onde os jogadores vivem, ou então grandes capitais com Sampa e Rio. O que o Narrador faz, então, é tranformá-la em cenário para Vampiro, colocando seus jogadores ali. Também já tivemos nossos " mini By Nighf' aqui na Dragão Brasil. Pequenas matérias sobre como usar São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba e Brasília (nas edições# 15, # 18, # 20, # 22 e# 27, respectivamente). Até hoje são numerosos os pedidos de leitores para criar versões By Night de outras cidades brasileiras - pedidos um tanto difíceis de atender, \levando em conta quantas centenas ainda restam! O que podemos fazer, então, é ajudar você a criar seu próprio By Night.

Real ou ficcional? A primeira coisa que você deve decidir: sua cidade será feita a partir de um lugar real ou será totalmente imaginária? Todos os cenários By Night publicados até agora são baseados em lugares reais, mas você pode optar por inventar sua própria cidade. Como comparação, pense nos quadrinhos de super-heróis: o un iverso Marvel usa cidades reais como Nova York e Washington, enquanto a oc prefere suas Metrópolis e Gothan City.

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DICAS DE MESTRE

As vantagens de usar uma cidade fictícia são óbvias: você não precisa fazer muita pesquisa (afinaJ, a cidade será como você quiser) e tem liberdade para incluir qualquer elemento. Fica um pouco difícil colocar uma usina nuclear na aventura se você está rolando uma crônica em Sampa, certo? Por outro lado, usar uma cidade real também traz vantagens, seja em Vampiro ou qualquer outro jogo. Isso economiza muito trabalho para o Narrador - a cidade já está ali, ele não precisa inventar quase nada. Além disso, os jogadores JÁ CONHECEM o cenário: o Narrador não precisa perder tempo explicando ao grupo como se parece o lugar. É bem mais prático que ler "trocentas" páginas em um GURPS Fantasy para saber e explicar como funciona a complicada cidade de Mégalos, por exemplo. Depois de resolver este ponto crucial, começa uma série de perguntas que precisam ser respondidas durante a criação: 1. Q UAL A HISTÓRIA DA CIDADE? Se você está usando uma cidade real para seu By Night, então esta parte do trabalho merece uma visita à prefeitura, à biblioteca municipal ou ao site da cidade na Internet. Você precisa conhecer a história local, desde a fundação aos dias de hoje. Descubra os personagens e fatos históricos mais importantes, e pense em como poderiam influenciar a situação atual. Na prefeitura você pode, inclusive, conseguir mapas de lugares que poderá usar mai s tarde nas crônicas. Feito isso, vem a parte divertida - a influência dos vampiros. Aponte exatamente em que época os primeiros vampiros chegaram, e como afetaram a história local. Talvez algum vulto histórico tenha sido na verdade um vampiro, ou um carniçal. Qualquer grande evento ou mudança na história da cidade (seja algo positivo como a chegada de uma indústria, ou negativo como um desastre natural) poderiam ter sido provocados por vampiros. Os jornais dizem uma coisa, mas a verdade é outra. A explosão de um paiol de munições da Marinha na Ilha do Boqueirão, em 1995, bem poderia ter sido causada por uma batalha entre Camarilla e Sabá. 14 1

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Preste atenção também às lendas e fatos estranhos ocorridos na cidade - nesse ponto, uma conversa com o vovô pode ser mais informativa do que pesquisar em livros. Qualquer cidade brasileira tem ou teve suas histórias de vampiros e lobisomens, além de outras coisas inexplicáveis: a aparição de um OVNI, uma série de crimes macabros, uma seita satânica, uma casa assombrada ... Você pode pegar essas coisas e bolar para elas uma explicação compatível com o Mundo das Trevas. (Quem disse que o ET de Varginha precisa ser mesmo um ET? Que tal se ele fosse um Nosferatu?) 2. QUANTOS VAMPIROS HÁ? O erro mais freqüente em muitos cenários e crônicas (incluindo a maioria dos By Night oficiais da White Wolf) é a superpopulação de vampiros. Para uma cidade vampírica bem planejada, você deveria catalogar TODOS o~ vampiros que vivem nela - ou pelo menos a maioria. Calma, não é assim tão difícil quanto parece! Em sua página 31 , o módulo básico de Vampiro sugere um Cainita para cada cem mil mortais. É um número bem razoável, levando em conta que eles se esforçam para manter a Máscara e portanto limitam a criação de novos membros. Sampa, a cidade mais populosa do Brasil, tem pouco mais de 10 milhões de habitantes-o que significaria cem vampiros. Dividindo esse valor entre os sete clãs da Camarilla (ou Sabá, supondo que a cidade seja dominada por apenas uma das facções), temos no máximo QUINZE vampiros de cada clã! E o Rio de Janeiro, tão infestado de Cainitas em tantas crônicas, tem pouco mais de METADE dessa população! Portanto, mesmo que você viva em uma grande cidade com 1 milhão ou 2 milhões de habitantes (apenas Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Recife e Salvador estão dentro desta faixa), não terá que lidar com mais de vinte vampiros. Pode parecer muito pouco à primeira vista, mas lembrese: usar menos personagens permite que você dê mais atenção a cada um deles individualmente- e também evita aquelas aventuras tipo chacina, com vampiros morrendo aos montes toda semana! A

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destruição de cada vampiro precisa ser pensada com muito cuidado, pois sempre vai trazer conseqüências ... Claro que estes números são apenas uma sugestão, não uma regra. Cada Narrador pode aumentá-los (mais provavelmente) ou reduzi-los (mais raramente) como quiser. Você vai precisar de uma quantidade maior especialmente se pretende usar seu By Night em tive actions - às vezes, um único tive reúne duas ou três vezes mais vampiros que o máximo permitido na cidade ! Apenas evite aumentar DEMAIS a população vampírica. Quanto mais vampiros houver, mais ameaçada a Máscara estará. Já vi crônicas com tantos vampiros que você podia esbarrar com um deles na rua a qualquer momento! 3. ONDE ELES FICAM? Se você vai seguir nossa recomendação e criar uma cidade com poucos vampiros, é hora de posicioná-los. Onde eles ficam na cidade? O mais comum é dividir o lugar em territórios, cada um dominado por um clã - ou um vampiro. O tamanho do território depende do poder daquele clã e seu interesse no lugar. Você pode seguir a receita tradicional (os Gangrel ficam com as matas, os Nosferatu com os esgotos, os Ventrue com o centro empresarial...) ou mudar tudo. Que tal os Tremere controlando as matas, tal vez porque exista ali uma caverna ou templo místico? Ou talvez os Nosferatu habitando o museu de arte, lar tradicional dos Toreador. Além de territórios, os vampiros também controlam pessoas e indústrias - no Mundo das Trevas, quase tudo é dominado pelos vampiros . Descubra quais são os recursos principais de sua cidade (construção civil, rede hospitalar, departamento de polícia, jornais, TV, crime organizado ...) e determine que clãs ou vampiros comandam esses seguimentos. 4. QUE CLÃS? Uma coisa importante: você não precisa ter vampiros de TODOS os clãs na cidade - nem mesmo a maioria. De acordo com alguns suplementos importados sobre o Mundo das Trevas, apenas três ou

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qualro cidades no mundo inteiro são habitadas pelos sete clãs. Chicago é uma delas. No Brasil, a única opção aceitável seria Sampa (talvez o Rio também, forçando um pouco a barra). Três ou quatro clãs nativos são mais que suficientes, e também ajudam a definir a "cara" da cidade. Uma que seja habitada apenas por Yentrue, Tremere, Toreador e Nosferatu seria bem pacata, sem grandes explosões de violência - mas com muita intriga e jqgos de poder rolando por baixo dos panos. Vampiros "encrenqueiros" como os Gangrel, Ventrue e Malkavianos não seriam muito bem recebidos. Não esqueça que também poderia haver apenas UM representante do clã. É uma situação bem interessante, e obriga a repensar muita coisa. Sendo o único Brujah da cidade você provavelmente será o líder de uma gangue de humanos e/ou carniçais. Como o único Gangrel, você comanda uma matilha de lobos (ou talvez lobisomens). O mais engraçado é que você passa a ser o Ancião local, o vampiro mais velho da cidade - uma posição que, neste caso, dificilmente vai lhe trazer qualquer vantagem. É mais provável que você receba instruções ou conselhos do Ancião de uma cidade vizinha. E quando um jogador quer ser um vampiro de um clã que não existe na cidade, você sempre pode dizer que ele veio de fora ... e terá que arcar com as conseqüências d isso.

5. COMO ELES CHEGARAM? Como, quando e por que os vampiros chegaram à sua cidade? De onde eles vieram? Estavam ali desde sua fundação? Ou surgiram depois, atraídos por alguma coisa? Assim como os mortais erguem cidades em lugares com recursos naturais (água, comida, fontes de energia ... ), vampiros também vivem perto de fontes de alimento (os mortais). Isso já é motivo definitivo para atrair qualquer vampiro, mas pode haver outros. Talvez a cidade tenha grande valor político ou estratégico - controlar uma região produtora de prata seria decisivo na luta contra os lobisomens, por exemplo. Ou talvez o motivo seja místico: a cidade tem ll·ndas sobre um artefato mágico, uma pista para atingir a Golconda, 144

ÜJCAS DE MESTRE

ou emana alguma energia mística especial (talvez seja umNode, um lugar onde a magia é mais poderosa; esses pontos são muito cobiçados por magos). Colocar na cidade esse tipo de "chamariz" também ajudaria a explicar uma população vampírica acima da média. 6. Só VAMPIROS? Além de vampiros, sua cidade tem alguma outra criatura sobrenatural? Será interessante que exista pelo menos um grupo de outras criaturas (lobisomens, muito provavelmente), talvez como inimigos ou rivais. Outro bom atrativo é instalar na cidade uma criatura sobrenatural única, exótica - de um tipo que não existe na maioria das outras cidades. Você vai encontrar dúzias de sugestões em livros e suplementos Storyteller (ou em antigas edições da Dragão Brasil): uma Múmia, uma Abominação, um Mokolé, um Mago, um demônio, ou mesmo algum tipo mais raro de vampiro (Gárgula, Samedi, Salubri ... ). Mas tenha cuidado. Evite encher sua cidade de criaturas estranhas, ou ela vai ficar parecida com um circo de aberrações ...

7. QUEM É QUEM? Um By Night não está completo sem uma relação dos NPCs mais importantes. Mesmo que você não esteja disposto a preencher planilhas para todos os vampiros do lugar, terá que fazê-lo pelo menos para alguns. Comece, é claro, pelo Príncipe. Ele é o vampiro mais conhecido da cidade, e sua autoridade máxi ma ... pelo menos na aparência. Lembre-se, a posição de Príncipe nem sempre é ocupada pelo vampiro mais poderoso - ele pode ser apenas um fantoche, um chamariz para correr riscos enquanto os verdadeiros regentes ficam ocultos, em segurança. O clã ao qual pertence o Príncipe terá mais prestígio na cidade. Depois do Príncipe, escolha alguns vampiros importantes e/ou influentes. Comece com os Anciões, os vampiros mais antigos de cada clã. O que eles fazem com seu poder? Como pretendem mantêlo? Sua posição está ameaçada? Um clã com poucos vampiros (ou

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com um Ancião de pulso fraco) poderia estar subordinado ao Ancião de uma cidade vizinha. Mas espere! Quem disse que Vampiro é apenas disputa de poder?! Faça o favor de incluir também alguns personagens interessantes - não necessariamente poderosos ou influentes, apenas interessantes. O Malkaviano que comanda o circo ou parque de diversões não tem qualquer poder, mas sempre será uma aparição exótica na crônica. O mesmo vale para aquela Gangrel solitária que dorme com os lobos no jardim zoológico, o Nosferatu paranóico escondido no porão abandonado, a Gárgula taciturna no alto da velha catedral... E mais uma coisa: pelo amor dos deuses, NÃO SE ESQUEÇA DOS MORTAIS! Só porque os vampiros controlam tudo, não quer dizer que não existem mortais (ou carniçais, ou parentes ... ) com papéis importantes na cidade. O uso de mortais como personagens de destaque também evita a superpopulação de vampiros. Eles são apenas marionetes na maioria dos casos, mas também podem ser Aliados, amantes ou até inimigos. E quanto aos caçadores de vampiros? Há algum deles? Mais de um? 8. QUEM SÃO OS JOGADORES? A última e, talvez, mais importante pergunta. Você não pode simplesmente criar sua cidade, apontar habitantes ilustres, elaborar intrincadas relações entre eles - e depois fazer com que os jogadores caiam de pára-quedas no meio disso tudo. É crucial que você não tente fazer tudo sozinho só porque é o "poderoso e absoluto Narrador". Converse com os jogadores enquanto elabora sua cidade - afinal, eles vão fazer parte dela. Pergunte que tipo de personagens pretendem fazer e pense em como encaixá-los. Ouça suas idéias. Seja flexível também: sua cidade não deveria ter nenhum Brujah, mas tem aquele cara que adora jogar com personagens desse clã? Arrume um jeitinho. Dê aos personagens jogadores ligações fortes com a cidade. Isso vai evitar aqueles terríveis grupinhos encrenqueiros que chegam, destroem, matam, arrebentam a Máscara e depois fogem para 146

DICAS OE MESTRE

a próxima cidade. Cuide para que os Recursos, Contatos, Aliados, Rebanho e outras vantagens dos jogadores sejam todas perdidas caso saiam dali. Eles devem formar uma teia complexa, obrigando um jogador a pensar mil vezes antes de fazer bobagem - afinal, ninguém sobrevive muito tempo no Mundo das Trevas sem um mínimo de cautela. Uma idéia interessante é que cada jogador poderia ter mais de um personagem na cidade. Não precisa ser outro vampiro: talvez um lobisomem, mago, carniçal, parente, caçador ou mesmo um mortal comum. Assim, além de ver outra face da mesma moeda, os jogadores poderiam ter crônicas diferentes no mesmo cenário - talvez até mesmo encontrando seus antigos personagens, agora NPCs.

Mas o que faço com isso? Legal. Você ergueu sua cidade By Night. Criou um cenário interessante e amarrou os personagens dos jogadores direitinho. Mas e agora, o que acontece? Trate de ambientar o pessoal. Comece com algumas situações de rotina, pequenos problemas que a cidade já conheceu antes talvez a violação de alguma Tradição, que agora deve ser corrigida e/ou punida. Durante estes primeiros conflitos os jogadores vão conhecer e explorar seu pedaço. Deixe que percebam as vantagens de dominar uma cidade, os recursos de que dispõem ... e as desvantagens de perder tudo isso. Ensine-os a gostar da cidade. Como sugestão, o Narrador poderia rolar uma aventura de estréia com os personagens tentando proteger a cidade de algum problema. O problema? Que tal um grupo de vampiros recém-chegados, descuidados e encrenqueiros, desafiando a autoridade local e colocando a Máscara em risco? Seria uma experiência disciplinadora - uma pequena lição para jogadores que costumam eles próprios devastar as cidades por onde passam. Agora é a vez deles ficarem do outro lado da encrenca ... Construir uma cidade By Night é trabalhoso e complicado. Exige do Narrador muita pesquisa, imaginação e interação com os jogado-

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rcs. Mas, no final, o resultado é um ambiente rico, fascinante e atraente para seu grupo. Vamos apenas esperar que eles não destruam esta cidade como fizeram com as últimas ...

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Glossário

Este glossário deve familiarizar o não-jogador de RPG com os títulos dos jogos mais conhecidos no mercado (muitos deles citados ao longo deste livro) e também com muitos termos de jogo empregados pelos RPGistas. 3D&T: Defensores de Tóquio 3ª Edição; RPG em que os jogadores fazem o papel de heróis poderosos, baseados em mangá, anime e videogames; para jogá-lo é preciso possuir o Manual 3D&T ou as revistas Dragão Brasil Especial 3D&T. AD&D: Advanced Dungeons & Dragons; jogo de RPG em que os jogadores fazem o papel de guerreiros, magos, clérigos, ladrões e outros aventureiros, combatendo monstros e conquistando tesouros em mundos medievais. Atualmente o jogo está extinto, substituído por uma nova versão, o D&D 3ª Edição. ANJOS - A CIDADE DE PRATA: RPG de horror; regras para personagens anjos e seu mundo, a Cidade de Prata; compatível com Trevas. 149

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ARKANUN: RPG de horror medieval; os jogadores fazem o papel de magos e guerreiros na Europa medieval, em plena Idade das Trevas, às voltas com a Santa Inquisição, anjos, demônios, bn.xas e outros inimigos; compatível com Trevas. A VENTURA: uma história; um desafio apresentado pelo Mestre, a ser vencido pelos jogadores . A VENTURAS FANTÁSTICAS: o primeiro RPG publicado no Brasil, consiste de uma coleção de livros-jogos, um módulo básico (Aventuras Fantásticas - Uma Introdução aos RolePlaying Games) e numerosos suplementos (Dungeoneer, Blacksand, Out of the Pit e Titan - O Mundo de Aventuras Fantásticas). A VENTURA-SOLO: uma aventura envolvendo apenas um jogador e o Mestre; também pode ser um livro-jogo. BACKGROUND: o passado, a história de um personagem, criatura, objeto ou lugar. BIRTHRIGHT: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre governantes e seus problemas para administrar seus reinos . CAMPANHA: uma sucessão de aventuras envolvendo os mesmos personagens. CENÁRIO DE CAMPANHA: veja Mundo de Campanha. COMPATÍVEL: significa que um jogo ou suplemento usa regras iguais ou similares a outro(s) jogo(s) de RPG. CONAN: suplemento para GURPS sobre a Era Hiboriana, cenário das aventuras de Conan, o Bárbaro. CRÔNICA: o mesmo que campanha, em jogos da linha Storyteller.

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DICAS DE M ESTRE

D&D: Dungeons & Dragons; o primeiro jogo de RPG do mundo. Mais tarde este jogo se tornou AD&D, Advanced Dungeons & Dragons, e recentemente recebeu uma terceira edição, voltando a ser D&D, ou D&D 3E. DARK SUN: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre um mundo desértico que teve sua energia vital sugada por praticantes de magia. DESAFIO DOS BANDEIRANTES: RPG de fantasia histórica; os jogadores fazem o papel de aventureiros na Terra de Santa Cruz, um reino de fantasia baseado no Brasil colonial e suas lendas. DESCOBRIMENTO DO BRASIL: RPG histórico sobre a chegada da esquadra de Cabral; compatível com Mini GURPS. DEVIR: a mais importante editora brasileira em publicação de jogos de RPG, responsável pelos títulos Vampiro, Lobisomem, Mago, GURPS, D&D, Shadowrun e outros. DRAGONLANCE: antigo cenário de campanha para AD&D, baseado em uma série de romances sobre a Guerra da Lança. ENTRADAS E BANDEIRAS: RPG histórico sobre as expedições exploratórias dos bandeirantes; compatível com Mini GURPS. FANTASY: suplemento para GURPS sobre Yrth, um mundo de fantasia medieval. FICHA DE PERSONAGEM: tipo de formulário usado pelos jogadores para anotar informações sobre um p~rsonagem. FlRST QUEST: versão para iniciantes do jogo AD&D. FORGOTTEN REALMS: o maior e mais rico cen ário de campanha para AD&D, atualmente também di sponível em D&D 3E,

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sobre o vasto mundo mágico de Toril e seus muito s perigos e m aravilhas. GURPS CYBERPUNK: suplemento para GURPS sobre aventuras futuristas envolvendo megacorporações, ciberespaço, aventureiros com partes biônicas e armas de alta tecnologia. GURPS FANTASY: suplemento para GURPS sobre de Yrth, um mundo de campanha baseado em fantasia medieval. GURPS HORROR: suplemento para GURPS sobre aventuras de horror, mortos-vivos, demônios e outros monstros sobrenaturais. GURPS ILLUMINATI: suplemento para GURPS sobre os Uluminati, líderes secretos que comandam a humanidade através d e lavagem cerebral, mensagens subliminares, satélites espiões e outros métodos temidos pelos "teóricos da conspiração". GURPS IMPÉRIO ROMANO: suplemento para GURPS sobre a Roma Imperial. GURPS MAGIA: suplemento para GURPS sobre várias formas para o uso de mágica; uma "magia" também pode ser qualquer feitiço ou mágica. GURPS MÓDULO BÁSICO: livro básico do jogo GURPS. GURPS SUPERS: suple me nto para GURPS sobre super-he róis; um "Super" também pode ser qualquer personagem com superpoderes. GURPS ULTRATECH: suplemento para GURPS sobre equipamento de alta tecnologia. GURPS VIAGEM ESPACIAL: suplemento para GURPS sobre aventuras em outros planetas, naves espaciais, raças alienígenas e equipamento de alta tecnologia.

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DICAS DE MESTRE

GURPS: Generic Universal RolePLaying System; jogo em que os personagens e aventuras podem pertencer a qualquer gênero (fantasia, horror, ficção, super-heróis... ); para jogá-lo é preciso o livro GURPS Módulo Básico. INVASÃO: RPG de suspense; os jogadores fazem o papel de agentes especiais, ligados a agências e entidades que combatem os metalianos e traktorianos, extraterrestres infiltrados na Terra; compatível com Trevas. LNRO BÁSICO: o manual principal de um jogo de RPG; o livro com as regras principais, e o único realmente necessário parra jogar. LNRO DO JOGADOR: um dos três livros básicos do jogo AD&D. LIVRO DO MESTRE: um dos três livros básicos do jogo AD&D. LNRO DOS MONSTROS: um dos três livros básicos do jogo AD&D. LIVRO-JOGO: uma história de aventura (tipicamente baseada em fantasia medieval) dividida em capítulos numerados. Os capítulos não fazem sentido quando lidos em ordem numérica; ao final de cada capítulo, o leitor deve fazer uma escolha que levará a história para um rumo diferente. Os mais famosos livros deste tipo publicados no Brasil pertencem à série Aventuras Fantásticas. LIVROS DAS TRIBOS: suplementos para o jogo Lobisomem, sobre cada uma das facções de lobisomens do Mundo das Trevas. LIVROS DOS CLÃS: suplementos para o jogo Vampiro , sobre cada uma das facções de vampiros do Mundo das Trevas. LIVROS VERMELHOS: apelido da série The Complete Handbooks, suplementos para o jogo Ao&o.

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LOBISOMEM: o Apocalipse: RPG em que os jogadores fazem opapel de lobisomens, uma raça de guerreiros transmorfos em guerra contra uma entidade maligna chamada Wyrm; compatível com Storyteller. MAGO: a Ascensão: RPG em que os jogadores fazem o papel de magos, seres com o poder de alterar a realidade com sua mágica; juntos eles tentam libertar o mundo do controle da Tecnocracia; compatível com Storyteller. MANUAL 3D&T: livro básico do jogo 3D&T. MESTRE: um tipo especial de jogador, que comanda a aventura e coordena as ações dos outros jogadores. Ele atua como roteirista, árbitro e diretor de teatro. MLNI GURPS: versão para iniciantes do jogo GURPS. MUNDO DAS TREVAS: cenário de campanha para a maioria dos j ogos da linha Storyteller; um mundo igual ao nosso, mas mais sombrio, e habitado por todo tipo de criaturas sobrenaturais. MUNDO DE CAMPANHA: um cenário ficcional, geralmente um planeta ou continente, usado para sediar as aventuras. Livros contendo a descrição desses mundos, voltados para j ogos de RPG, estão entre os suplementos mais populares. NARRADOR: o mesmo que Mestre, em jogos da linha Storyteller. NPC: NonPlayer Character, Personagem Não-Jogador; um personagem coadjuvante, controlado pelo Mestre. PC: Player Character, Personagem Jogador; cada um dos personagens controlados pelos jogadores.

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PLANESCAPE: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre a cidade planar de Sigil, situada em uma encruzilhada de dimensões. PLANILHA DE PERSONAGEM: veja Ficha de Personagem. QUILOMBO DOS PALMARES: RPG histórico sobre a fuga de escravos em busca de liberdade; compatível com Mini GURPS. RAYENLOFT: antigo cená1io de campanha para AD&D, sobre uma dimensão maligna de onde é impossível escapar, e governada por monstros sobrenaturais. ROLEPLAY: o ato de interpretar um personagem; falar e gesticular como se fosse seu personagem falando, e não você. RPG: RolePlaying Game, Jogo de Interpretação de Personagens (ou Papéis); tipo de jogo-teatro em que cada jogador assume o papel de um personagem, geralmente um herói aventureiro desafiando perigos em mundos de fantasia. RPGISTA: relativo a RPG; jogador ou Mestre de RPG. SPELLJAMMER: antigo cenário de campanha para AD&D, misturando fantasia medieval e ficção científica, com navios mágicos voadores que viajam pelo espaço. STORYTELLER: sistema de regras adotado pelos jogos Vampiro , Lobisomem, Mago , Street Fighter e outros; Storyteller também quer dizer Narrador, como é chamado o Mestre nos jogos desta linha. STREET FIGHTER: o Jogo de RPG: RPG de ação; os jogadores fazem o papel de Street Fighters, lutadores com poderes especiais, envolvidos no combate à organização maligna Shadaloo; compatível com Storyteller.

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SUPLEMENTO: livro de referência que complementa o livro básico, trazendo mais regras, informações, personagens e aventuras para enriquecer o jogo. Em geral um suplemento trata de um aspecto mais específico do jogo, de forma mais detalhada e profunda que no livro básico. TAGMAR: RPG de fantasia medieval; o primeiro RPG criado por brasileiros. TORMENTA: mundo de fantasia medieval para jogos de RPG. TREVAS: RPG de horror moderno; os jogadores fazem o papel de investigadores do oculto, envolvidos com ordens de magos, anjos, demônios, vampiros e outras ameaças. TRINITY: jogo de ficção científica em que os jogadores fazem opapel de seres poderosos em defesa a Terra. Compatível com Storyteller. TSR: editora norte-americana responsável pelos jogos o&o, AD&D, Alternity e outros. Atualmente é uma subdivisão da Wizards of the Coast. VAMPIRO: a Máscara: RPG de horror gótico; os jogadores fazem o papel de vampiros, transformados em poderosos predadores da noite, mas amaldiçoados com a sede de sangue e perda de sua humanidade; compatível com Storyteller. VAMPIROS MITOLÓGICOS: RPG de horror; regras para personagens vampiros, baseados em lendas; compatível com Trevas. WHITE WOLF: editora norte-americana responsável pelos jogos da linha Storyteller. WJZARDS OF THE COAST: editora norte-americana que inclui a TSR, e atual responsável pelos jogos o&o, Star Wars RPG e outros.

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Ilustração de capa Evandro Gregorio Editoração eletrônica Fernanda Gomes Impressão Parma Distribuição exclusiva para todo o Brasil Fernando Chinaglia S/A Copyright
D icas de Mestre foi -impresso na cidade de São Paulo em o utubro de 2002 pela Gráfica Panna para a Trama Editorial Ltda. A tiragem foi de 10.000 exemplares. O texto foi composto em T imes New R o m an n o corpo 11 / l 3,5. Os fotolitos da capa e miolo foram executados pela própria Editora.

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