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Os quatro temperamentos
Fr. Conrado Hock
Os temperamentos em geral O Dr. Jorge Hagemann diz em sua Psicologia: "As modificações (ou as diferenças) dos estados gerais da alma se referem menos ao conhecimento do que ao sentimento, ou seja, menos ao espírito do que ao coração. Não tanto no modo de conhecer quanto na maneira de sentir e apetecer se manifesta a índole particular de cada alma. Nisto, sobretudo, se manifesta como o coração, centro dos sentimentos e afetos, é em uns e outros, mais fácil ou lenta, mais profunda ou superficialmente excitável. Essa diversa excitabilidade do coração ou diversa têmpera, com que uma alma se inclina a um determinado sentir ou apetecer, se chama temperamento. Se considerarmos as características fundamentais dos temperamentos individuais e os agruparmos segundo sua semelhança, podem-se dividir em quatro grupos, aos qual já a antiguidade deu nomes estáveis, unindo arbitrárias teorias com acertadas observações: temperamento sanguíneo, colérico, melancólico, fleumático. Estes temperamentos se distinguem entre si quanto à excitabilidade: do sanguíneo fácil e superficial, a do colérico fácil e profunda, a do melancólico lenta e profunda, e, finalmente, a do fleumático lenta e superficial. Já que o coração (o sentimento e afeto) está intimamente relacionado com o espírito e a fantasia, a diversa excitabilidade do mesmo tem, por consequência, uma diversa atitude no próprio entendimento e fantasia". O temperamento é, pois, uma disposição fundamental da alma, que se manifesta particularmente, quando esta recebe uma impressão, seja por ideias e representações, seja por acontecimentos exteriores. O temperamento nos dá a contestação a esta pergunta: Como se conduz o homem, que sentimentos apreenderam, que motor os impulsiona a operar, quando algo lhes
impressiona? Assim, por exemplo: como se porta a alma, quando louvada ou repreendida, que se ofende, quando adverte em si certa simpatia ou talvez antipatia por uma pessoa, ou quando, por ocasião de uma tormenta ou de encontrar-se de noite em um caminho solitário, lhe sobrevém o pensamento de um iminente perigo? Aqui cabe fazer as seguintes perguntas: 1. Diante de tais impressões se excita a alma com rapidez e força, ou, pelo contrário, com lentidão e debilidade? 2. Sob tais impressões se sente a alma impulsionada a operar imediatamente e a reagir com rapidez, ou sente bem a inclinação de esperar e estar-se tranquila? Move-a tais casos a operar com ardor, ou a colocá-la mais em um estado de passividade? 3. Esta excitação da alma dura por muito ou pouco tempo? Ficam gravadas na alma por muito tempo tais impressões, de maneira com somente com sua recordação se renove a excitação, ou sabe a alma sobrepor-se de imediato e com facilidade, de modo que a recordação de uma excitação não chegue a provocar outra nova? A resposta a estas perguntas nos leva como que pela mão aos quatro temperamentos e nos dá ao mesmo tempo a chave do conhecimento de cada temperamento particular e individual. O colérico se excita fácil e fortemente; se sente impulsionado a reagir imediatamente; a impressão fica por muito tempo na alma e facilmente conduz a novas excitações. O sanguíneo, assim como o colérico, se excita fácil e fortemente, sentindo-se assim mesmo impulsionado a uma rápida reação; porém, a impressão se apaga logo e não fica muito tempo na alma.
O melancólico se excita bem pouco diante das impressões da alma; a reação, ou não se produz nele ou chega depois de passado certo tempo. As impressões, todavia, se gravam muito profundamente na alma, sobretudo se se repetem sempre as mesmas. O fleumático não se deixa afetar tão facilmente pelas impressões, nem se sente mais inclinado a reagir; e as impressões, por sua parte, logo se desvanecem. O temperamento colérico e sanguíneo são ativos; o melancólico e fleumático são mais passivos. No colérico e no sanguíneo há uma forte inclinação à ação, e no melancólico e no fleumático pelo contrário para a tranquilidade. Os temperamentos coléricos e melancólicos são apaixonados e repercutem muito profundamente na alma; ao passo que os sanguíneos e os fleumáticos não tem grandes paixões, nem induzem a fortes arranques da alma. Se queremos conhecer nosso próprio temperamento, não devemos começar averiguando se temos ou não em nós os lados fortes e débeis, anotados acima para cada temperamento, senão que devemos responder antes de tudo as três perguntas a pouco enumeradas. O mais fácil será considerar essas perguntas, enquanto se referem às ofensas que recebemos e o melhor de tudo será nos atermos a seguinte ordem: Costumo aceitar repreendendo-as?
as
ofensas
com
dificuldade
já
Costumo guardá-las em meu interior? Caso respondamos que de ordinário não posso esquecer ofensas; as guardo em meu interior; sua recordação me renova a excitação; por muito tempo guardo o mal humor; por vários dias e mesmo por semanas inteiras trato de evitar a palavra e o encontro
com a pessoa que me ofendeu, se é este nosso caso, estamos então certos de ser coléricos ou melancólicos. Se, ao contrário, dizemos que não costumo guardar rancor, nem mostrar-me zangado com os outros por muito tempo; não posso deixar de querê-los, apesar da ofensa; e embora quisesse mostrar mal humor e cara má, não posso fazê-lo mais que por uma ou duas horas, neste caso somos sanguíneos ou fleumáticos. Convencidos de ser coléricos ou melancólicos, sigamos perguntando: Afeta-me com força e rapidez as ofensas? Deixo entrever em minhas palavras e maneiras? Sinto um forte impulso ao desafio imediato e à réplica ofensiva? Ou sou capaz de manter-me exteriormente tranquilo, enquanto fervo no interior? Me embaraça, perturba e desalenta de tal modo as ofensas que não encontro uma palavra conveniente ou o ânimo necessário para responder, resignando-me por isso ao silêncio? Não me acontece frequentemente o não sentir-me ofendido no próprio momento da ofensa para cair umas horas depois ou no dia seguinte em um extremo estado de prostração? Se nossa contestação à primeira série de perguntas é afirmativa, somos coléricos, e se à segunda, somos melancólicos. Temos chegado à convicção de ser sanguíneos ou fleumáticos? Nos envolvamos conosco no seguinte interrogatório: Ao receber uma ofensa me acendo e encolerizo no instante querendo operar com precipitação?
Ou consigo manter a tranquilidade? Mostro-me indiferente às ofensas? Persisto em meu estado de tranquilidade? No primeiro caso somos sanguíneos, no segundo fleumático. Somente se com este exemplo chegamos a conhecer nossos temperamento, podemos averiguar se possuímos as notas características particulares, tais como mais adiante será assinalada a cada temperamento. Podemos então aprofundar o conhecimento de nós mesmos, e em especial podemos chegar a conhecer o grau de desenvolvimento ao qual chegaram os lados fortes e débeis de nosso temperamento, descobrindo ao mesmo tempo as modificações que nosso temperamento predominante tem podido sofrer por mesclar-se com os outros. Ordinariamente parece coisa difícil conhecer o temperamento próprio e alheio. Contudo, a experiência demonstra que mesmo pessoas sem maior formação chegam de uma maneira relativamente fácil ao conhecimento de seu próprio temperamento, e dos que os rodeiam e de seus subalternos, contanto que lhes seja dado instrução adequada para isto. Porém, a investigação dos temperamentos oferece dificuldades especiais nos casos seguintes: 1. Quando o homem comete muitos pecados. Então a paixão pecaminosa sobressai mais que o temperamento. Assim, por exemplo, pode um sanguíneo, por sua condescendência com a ira e a inveja, molestar muito ao próximo e causar-lhe grandes pesares, embora por seu temperamento se incline a lidar bem com todos. 2. Quando o homem progrediu muito na perfeição. Os lados débeis do temperamento, como se manifestam ordinariamente em cada homem, são então pouco perceptíveis. Santo Inácio de Loyola, um colérico apaixonado, alcançou tal domínio sobre suas paixões
que no exterior parecia tão isento de paixões que os que lhe rodeavam o tinham por fleumático. No sanguíneo São Francisco de Sales conseguiu extinguir completamente os arroubos e explosões de ira; o que não obteve certamente, senão depois de 22 anos contínuos de combate consigo mesmo. Os santos melancólicos nunca deixam exteriorizar sua tristeza, o mal humor e o desalento, a que tende seu temperamento, senão que, com um olhar ao Crucificado, sabem dominar, depois de breve luta, essa perigosa disposição de ânimo. 3. Quando o homem possui pouco conhecimento de si mesmo. O que não conhece tanto suas boas ou más qualidades, o que não é capaz de formar um juízo sobre a intensidade de suas paixões e o modo de sua excitabilidade, tampouco poderá dar-se conta de seu temperamento, e perguntado por outros que gostariam de ajudar-lhe com o conhecimento de seu temperamento, dá respostas falsas, não intencionalmente, senão precisamente porque não conhece a si mesmo. Por isso, os principiantes na vida espiritual não chegam geralmente a conseguir conhecer seu temperamento, senão depois de ter-se exercitado durante algum tempo na meditação e no exame particular. 4. Quando o homem é muito nervoso. Pois, as manifestações do nervoso, como o que é variável em sua conduta, a irritação, a inconstância de sentimentos e resoluções, a inclinação à tristeza e ao desalento, aparecem em homens nervosos em tal grau que as exteriorizações do temperamento ficam relegadas a um segundo plano. Particularmente é difícil conhecer o temperamento de pessoas histéricas, nas quais o assim chamado "caráter histérico" está já completamente desenvolvido. 5. Quando o homem tem um temperamento misto. Chamamos temperamentos mistos àqueles nos quais predomina um temperamento determinado mesclado ao mesmo tempo com propriedades de outro. Sobre temperamentos puros e mistos já se
escreveu muito. Uma solução satisfatória dos múltiplos problemas que surgem se encontra levando em conta o temperamento dos pais do interessado. Se o pai e a mãe possuem um mesmo temperamento, de igual temperamento serão também os filhos. São, pois, ambos, pai e mãe de índole colérica? Os filhos assim mesmo o serão. Mas no caso de temperamentos distintos, os filhos terão um temperamento misto. Por exemplo, se o pai é colérico e a mãe melancólica, os filhos serão ou coléricos com tintura melancólica ou melancólico com tintura colérica, segundo que os filhos pareçam mais ou menos com o pai ou a mãe. Para averiguar em um temperamento misto qual é o temperamento predominante, deve-se ater exatamente às perguntas formuladas anteriormente para chegar a conhecer um temperamento. Sucede, todavia, embora não tão frequentemente, como muitos creem, que em uma pessoa se encontram tão entrelaçados dois temperamentos, que ambos se manifestam sempre com a mesma intensidade e força. Por isso, é naturalmente muito difícil tomar uma decisão quanto ao temperamento que há de ser atribuído a tal pessoa. Porém, é provável que com o correr dos anos, por causa de provas e dificuldades o temperamento predominante se manifeste. Presta-nos ajuda eficaz no conhecimento do temperamento misto e mais ainda do temperamento puro, a expressão dos olhos e em parte também o modo de andar. O olhar do colérico é resoluto, firme, enérgico e ardente; a do sanguíneo sereno, alegre, despreocupado; mas o olhar do melancólico é ligeiramente triste e preocupado, enquanto que o do fleumático é lânguido [abatido] e inexpressivo. Ao colérico vemos andar com firmeza e decisão e avançar depressa, o sanguíneo é ágil e ligeiro no pé, de passo curto e às vezes dançante; o passo do melancólico é lento e torpe; o
fleumático caminha lentamente e à vontade. Muito facilmente se reconhece o olhar do colérico (cujo tipo é o conhecido olhar de Napoleão, Bismarck) e o do melancólico (o conhecido olhar de Alban Stolz). Não podendo encontrar nos olhos nem a decisão nem a energia do colérico, nem a suave tristeza do melancólico, cremos estarmos diante de um sanguíneo ou um fleumático. Também os olhos nos descobrem o temperamento que predomina no temperamento misto. Depois de ter adquirido certa experiência na distinção dos olhares, muitas vezes se pode já no primeiro encontro com a pessoa e mesmo até vendo-a de passagem na rua determinar seu temperamento. Detalhes do corpo, que se apontam em acréscimo como notas características dos quatro temperamentos (como a formação do crânio, a cor da cara e do cabelo ou a constituição do pescoço e da nuca) não são, ao meu parecer, mais que um simples entretenimento. Por mais difícil que seja em certos casos chegar a conhecer o temperamento de um homem, nem por isso devemos economizarmos do trabalho de averiguar nosso próprio temperamento e o dos que nos rodeiam ou das pessoas com que tratamos com mais frequência, pois a utilidade é sempre grande. Conhecendo o temperamento de nosso próximo chegaremos a compreendê-lo melhor, o tratá-lo com mais justiça e a suportá-lo com mais paciência. Estas são vantagens para a vida social, as quais nunca podemos apreciar devidamente. Chegaremos a compreender melhor nosso próximo. O Dr. Krieg em sua obra: "A ciência da direção espiritual em particular" diz na página 114: "Não podemos entender nosso próximo enquanto não chegamos a conhecer seu temperamento, suas aspirações e
tendências, pois conhecer um homem significa sobretudo conhecer seu temperamento". Trataremos com mais justiça nosso próximo. A um colérico conquista-se expondo-lhe sossegadamente as razões; as palavras severas e imperiosas o mortificam, o obstinam e o irritam ao extremo. O melancólico se torna tímido e calado com uma palavra dura ou um olhar suspeito, mas com um tratamento atento lhe veremos mais dado, confiante e fiel. Da palavra de um colérico bem pode alguém fiar-se, mas não das promessas mais formais do sanguíneo. Desconhecendo, pois, o temperamento de nosso próximo nosso trato redundará sem justiça em dano próprio e alheio. Suportarmos com mais paciência a nossa próximo. Sabendo que os defeitos e fraquezas do próximo estão fundamentados em seu temperamento, os desculpamos facilmente, sem irritar-nos. Não nos impacientaremos se um colérico é azedo, duro, impetuoso e obstinado; ou se um melancólico se porta tímida e indecisamente, se não fala muito ou se o que tem que dizer, o profere de modo impróprio; ou se um sanguíneo se mostra loquaz, ligeiro e veleidoso [volúvel]; ou se um fleumático nunca sai de sua acostumada tranquilidade. É de grande proveito para conhecer seu próprio temperamento. Conhecendo-nos compreenderemos melhor também a nós mesmos, nossas disposições de ânimo, nossas propriedades e nossa vida passada. Uma pessoa muito experimentada e envelhecida na vida espiritual, ao ler os seguintes conceitos sobre os temperamentos confessou: "Nunca cheguei a me conhecer tão bem como quando me vi pintada de corpo inteiro nestas linhas; porém, tampouco ninguém me disse tão francamente a verdade como a faz este livrinho". Conhecendo nosso temperamento, trabalharemos com mais
acerto em nossa perfeição, posto que todos nossos esforços em prol de nossa alma se reduzem unicamente a cultivar as boas qualidades de nosso temperamento e a combater suas deficiências. De maneira que o colérico sempre terá que lutar acima de tudo contra sua obstinação, ira e orgulho; o melancólico contra seu desalento e medo da cruz; o sanguíneo contra sua loquacidade e inconstância, e o fleumático contra sua falta de aplicação e preguiça. Conhecendo nosso temperamento, seremos mais humildes, já que iremos nos convencendo de que o bom em nós não é tanto virtude, senão consequência de nosso natural e de nosso temperamento. Então o colérico falará com mais modéstia da força de vontade, de sua energia e intrepidez; o sanguíneo da serena concepção da vida, da facilidade de tratar com caracteres difíceis; o melancólico da profundidade de sua alma, de seu amor à solidão e à oração; o fleumático de sua suavidade e sossego de espírito. O temperamento, por ser inato no homem, não pode portanto trocar-se com outro. Porém, podemos sim e devemos cultivar e desenvolver a parte boa do mesmo e combater e neutralizar os influxos nocivos. Cada temperamento é bom em si mesmo e com qualquer dos quatro se pode operar o bem e chegar ao céu. É insensatez e ingratidão desejar outro temperamento. "Todos os espíritos louvem o Senhor" (S. CL, 6). Todos os movimentos e propriedades de nossa alma hão de servir a Deus contribuindo assim à glória de Deus e salvação das almas. Homens que tem diversos temperamentos e vivem juntos não deveriam rejeitar-se mutuamente senão completar-se e ajudar-se uns aos outros. Quando mais adiante se diga que o colérico, o sanguíneo, etc,
faz assim ou de outro modo, não se pretende dizer: "Tem que fazê-lo assim" ou "o faz sempre assim", senão "ordinariamente faz assim" ou "se inclina a fazê-lo assim".
O temperamento colérico 1. Essência do temperamento colérico A alma do colérico, pelas influências que recebe, se excita de imediato e com veemência. A reação segue instantaneamente. A impressão fica na alma por muito tempo. 2. Distintivo do colérico, tanto do bom quanto do mal O colérico sente e se entusiasma pelo grande, não busca o ordinário, mas aspira ao grandioso e sobressalente. Tende ao alto, seja nas coisas temporais ambicionando uma fortuna grande, um comércio muito extenso, uma casa magnífica, um nome de prestígio, um posto destacado, seja nas coisas de sua alma sentindo em si um veemente desejo de santificar-se, de fazer grandes sacrifícios por Deus e pelo próximo e de salvar muitas almas para a eternidade. A virtude inata do colérico é a generosidade, que despreza o baixo e o vil e suspira pelo nobre, grande e heroico. Nestas suas aspirações ao grande o apoiam: Um entendimento agudo. Na maioria das vezes, se bem que nem sempre, o colérico é um bom talento; é um homem intelectual, ao passo que sua fantasia e especialmente sua vida interior não se encontram desenvolvidas, senão que são um tanto raquíticas. Uma vontade forte, que não se intimida diante das dificuldades, senão, pelo contrário, emprega toda sua vitalidade e persevera a custo de grandes sacrifícios até chegar a sua meta. Não conhece o que é pusilanimidade e desalento. Um grande apaixonamento. O colérico é o homem das
grandes paixões; transborda de violentas paixões maximamente quando encontra resistência ou persegue seus altos projetos. Um instinto frequentemente inconsciente de dominar e sujeitar aos demais. O colérico nasceu para mandar; está em seus elementos, quando pode ordenar e organizar as grandes massas do povo. A imprudência é para o colérico um obstáculo sumamente perigoso em sua aspiração ao grande. Ele é a tal ponto absorvido que, uma vez que deseja, se lança apaixonadamente e cegamente até a meta concebida sem sequer refletir, se o caminho adotado realmente conduz ao fim. Vê este único caminho eleito em um momento de paixão e de pouca reflexão, sem dar-se conta de que por outro caminho poderia chegar a seu fim com muito mais facilidade e segurança. Encontrando-se diante de grandes obstáculos em um caminho errado pode, cegado pela soberba, resolver-se com dificuldade a desandar o andado e prova ainda o impossível por conseguir seu fim. Chega, por dizer assim, a perfurar a parede com a cabeça, tendo ao lado uma porta que lhe permite a entrada. Deste modo, gasta mal suas energias, se vê aleijado pouco a pouco de seus melhores amigos e acaba por estar isolado e mal visto em todas as partes. Depois de lançar-se a perder seus mais belos êxitos, todavia nega que ele mesmo é a causa principal de seus fracassos. Esta imprudência na eleição de meios se coloca de manifesta também em suas aspirações à perfeição, de modo que apesar de todos seus grandes esforços não chegará à perfeição. O colérico pode prevenir este perigo submetendo-se dócil e humildemente às normas do diretor espiritual.
3. Más qualidades do colérico A. Orgulho: que se manifesta nos seguintes pontos: a) O colérico é muito presunçoso. b) Tem em alta estima suas qualidades pessoais e seus êxitos e se tem por algo excepcional e chamado a altos destinos. Até suas próprias faltas, por exemplo, seu orgulho obstinado e cólera, as considera justificáveis e mesmo dignas de toda aprovação. c) O colérico é um egotista muito caprichoso. Crê sempre ter razão, quem tem a última palavra, não sofre contradição e não quer ceder em nada. d) O colérico se fia muito em si mesmo. Isto é, de sua ciência e faculdades. Rejeita a ajuda alheia, gosta de fazer os trabalhos sozinho, seja por crer-se mais apto que os demais na plena segurança de sua própria suficiência para levar a feliz término a obra empreendida. Dificilmente se convence de que mesmo nas coisas de pequena importância requer auxílio divino; pelo qual, não é de seu agrado impetrar a graça de Deus e queria com suas próprias forças resistir vitoriosamente a grandes tentações. Por esta presunção, na vida espiritual cai o colérico em muito e graves pecados e é esta também a causa porque tantos coléricos, apesar de seus grandes sacrifícios, não chegam nunca a fazerem-se santos. Nele radica uma boa parte do orgulho de Lúcifer. Se conduz como se a perfeição e o céu não devessem atribuir-se em primeiro lugar à graça divina senão aos seus esforços pessoais. e) O colérico despreza o próximo. Aos demais tem por tontos e débeis, torpes e lerdos, pelo menos em comparação consigo. Este menosprezo pelo próximo se manifesta em suas palavras
depreciativas, zombeteiras e inconsideradas e no seu proceder arrogante com os que o rodeiam, sobretudo com seus súditos. f) O colérico é ambicioso e mandão. Sempre quer figurar em primeiro lugar, ser aplaudido e suplantar os demais. Sua ambição lhe faz diminuir, combater e perseguir aqueles que lhe cruzam o caminho, e isto não raras vezes com meios pouco nobres. g) O colérico se sente profundamente ferido quando é envergonhado e humilhado. Não sem mal humor recorda seus pecados, pois lhe obrigam a ter-se em menor conta e não poucas vezes chega a desafiar a Deus. B. O colérico se excita profundamente pela contradição, resistência e ofensas pessoais. Este estado de ânimo se exterioriza por palavras duras, que se bem pronunciadas em forma cortês e correta ferem, não obstante, profundamente, pelo tom com que as profere. Não há nada que possa ferir tão dolorosamente com menos palavras do que um colérico. Porém, o mais agravante é que o colérico, na veemência de sua ira, faz recriminações falsas e exageradas, e em seu apaixonamento chega a interpretar mal e tergiversar as melhores intenções do que se crê ofendido, e estas ofensas falsamente supostas, as reprova com as expressões mais amargas. A injustiça com que trata a seus semelhantes faz com que se esfriem suas melhores amizades. Sua ira culmina não poucas vezes em acessos de raiva e furor; daqui há somente um passo ao ódio concentrado. Os grandes insultos jamais os esquece. O colérico em sua ira e orgulho se deixa levar por ações que ele sabe muito bem que serão prejudiciais, por exemplo, à sua saúde, trabalho, fortuna; ações pelas quais se verá obrigado não somente a abandonar seu emprego, senão também a romper com velhas amizades. O
colérico é capaz de abandonar projetos queridos durante longos anos, somente por não ceder a um capricho. Diz o Pe. Schram em sua "Teol. Mist., II, 66": "O colérico prefere a morte do que a humilhação". C. Hipocrisia e dissimulação. A soberba e obstinação conduzem o colérico não poucas vezes a meios tão ruins como a dissimulação e hipocrisia, podendo ser, por outro lado, muito nobre e sincero por natureza. Não querendo confessar uma debilidade ou derrota, dissimula. Ao ver que seus projetos não saem sem problemas, apesar de seu empenho, não lhes resta nada mais que fingir e valer-se de fraudes e mentiras. O Pe. Schram diz em outro lugar: "Se é castigado, não corrige seus vícios, mas os oculta". D. Insensibilidade e dureza. O colérico é, antes de tudo, um homem intelectual; tem, por assim dizer, duas inteligências, mas um só coração. Esta deficiência na vida sentimental lhe traz não poucas vantagens. Não se aflige ao ver-se privado de consolações sensíveis em meio a oração e pode suportar por muito tempo o estado de aridez espiritual. É alheio a sentimentos ternos e afetuosos e aborrece as manifestações delicadas de amor e carinho que costumam nascer das amizades particulares. Tampouco uma mal-entendida compaixão é capaz de fazer-lhe abandonar o caminho do dever e obrigar-lhe a renunciar a seus princípios. Mas esta frieza de sentimentos tem também suas grandes desvantagens. O colérico pode permanecer indiferente e insensível frente a dor alheia e se seu próprio engrandecimento o reclama, não vacila em pisotear impiedosamente a felicidade que outros desfrutam. Seria de desejar que os superiores de índole colérica se examinassem diariamente, se não tenham sido talvez duros e exigentes com seus súditos, particularmente com os enfermos,
débeis de talento e remissos. E. Qualidades boas do colérico. Quando o colérico coloca sua vitalidade característica ao serviço do bem, chega a ser um instrumento sumamente apto para a glória de Deus e a salvação das almas, redundando tudo isto em seu próprio aproveitamento espiritual e temporal. A tudo isto contribui sobremaneira a agudeza de seu entendimento, sua aspiração ao nobre e grande, o vigor e decisão de sua vontade varonil e essa maravilhosa amplitude e clareza de olhar com que concebe pensamentos e projetos. Com relativa facilidade pode chegar o colérico a santidade. Os santos canonizados pela Igreja, são, em sua maioria, coléricos ou melancólicos. Um colérico solidamente formado não sente maiores dificuldades para manter-se recolhido na oração, pois com a energia de sua vontade desfaz facilmente as distrações; e isto se explica antes de tudo levando em conta que por natureza sabe reconcentrar com grande prontidão e intensidade toda sua atenção a um determinado assunto e esta é provavelmente também a razão pela qual os coléricos chegam tão facilmente a contemplação, ou, como chama Santa Teresa, a oração de quietude. Em nenhum outro temperamento poderá encontrar-se a contemplação propriamente dita com tanta frequência como no colérico. O colérico bem desenvolvido, é muito paciente e forte em suportar dores corporais, sacrificado nos sofrimentos, constante nas penitências e mortificações interiores, magnânimo e nobre para com necessitados e débeis, cheio de repugnância contra tudo o que é vil e baixo. E embora a soberba penetre a alma do colérico por assim dizer, em todas suas fibras até as últimas ramificações, de modo que pareça não ter outra paixão além da soberba, sabe, não obstante, suportar e mesmo buscar voluntariamente as mais vergonhosas humilhações, se seriamente aspira à perfeição. Por sua natureza insensível e dura tem poucas tentações de
concupiscência e com grande facilidade pode levar uma vida casta. Todavia, entregando-se um colérico voluntariamente ao vício da impureza e buscando nele sua satisfação, resultam atrozes e horrendas nele as erupções desta paixão. O colérico alcança grandes coisas também em seu labor profissional. Por ser seu temperamento ativo, se sente incitado continuamente à atividade e ao trabalho. Não pode estar desocupado e os seus trabalhos o faz com rapidez e aplicação; tudo lhe vai muito bem. Em suas empresas é persistente e não se amedronta diante das dificuldades. Pode-se colocá-lo sem cuidado em postos difíceis e confiá-lo grandes coisas. No falar o colérico é breve e conciso; nem é amigo de repetições inúteis. Essa forma breve, concisa e firme em seu falar e apresentar-se dá aos coléricos, que trabalham na educação, muita autoridade. As educadoras coléricas têm algo de varonil e não são aos seus alunos o braço a torcer como ocorre com as melancólicas indecisas. Os coléricos, ademais, sabem calar-se como um sepulcro. F. Do que o colérico tem que observar particularmente em sua própria educação. a) O colérico deve tirar grandes pensamentos da palavra de Deus (meditação, leitura, sermão), ou da experiência de sua própria vida. Eles devem enraizar-se bem em sua alma e entusiasmarem-se sempre de novo pelo bem e as coisas de Deus. Não importa que não sejam muitos esses pensamentos. Ao colérico Santo Inácio de Loyola, lhe bastava o "Tudo para a maior glória de Deus"; ao colérico São Francisco Xavier: "Que vale o homem ganhar o mundo inteiro se com isso perder a sua alma?". Um bom pensamento, que cativa o colérico servirá de norte e guia para conduzi-lo, apesar de todas as dificuldades, aos pés de Jesus Cristo. b) Um colérico deve aprender a pedir diariamente a Deus com
constância e humildade sua ajuda divina. Enquanto não tenha aprendido isto, não adiantará muito no caminho da perfeição. Pois também para o colérico vale a palavra de Cristo: "pedi e recebereis" e se, ademais, se vencer para pedir um conselho e apoio a seu próximo, embora não fosse senão a seu superior ou confessor, adiantaria ainda mais. c) Um colérico deve deixar-se levar em tudo por este bom propósito: não quero buscar minha própria pessoa, senão considerar-me sempre: (a) como instrumentos de Deus que ele pode usar à vontade, e (b) como servo de meu próximo, que diariamente se sacrifica pelos demais. Deve operar segundo a palavra de Cristo: "Quem entre vós queira ser o primeiro, seja servo de todos". d) Um colérico tem que lutar continuamente contra o orgulho e a ira. O orgulho é sua desgraça, a humildade sua salvação. Portanto, (a) faça sobre este ponto um exame particular por muitos anos! (b) Humilha-te por iniciativa própria diante dos superiores, do próximo e na confissão! Pede por um lado a Deus que os que mais proximamente te rodeiam te humilhem, e por outra, aceita com grande generosidade as que te sobrevenham. Vale mais para um colérico ser humilhado por outros do que humilhar-se a si mesmo. G. Do que se deve observar na educação de um colérico. O colérico pode, por suas faculdades, ser de grande utilidade à família, aos que o cercam, à comunidade e ao estado. Pois, o colérico bem-educado vai atrás das almas extraviadas sem descanso nem respeito humano. Propaga com constância a boa imprensa e trabalha de boa vontade apesar dos maus êxitos no florescimento das associações católicas, sendo assim uma bênção para a igreja. Mas, por outro lado, se o colérico não combate as más qualidades de seu temperamento, a ambição e a obstinação lhe poderão levar ao extremo de causar, como a pólvora, grandes
estragos e confusão nas associações públicas e privadas. Pelo que o colérico merece uma educação esmerada, sem economizar trabalhos e sacrifícios, já que são grandes os bens que ela comporta. a) Ao colérico, sendo suas aptidões excelentes, deve aperfeiçoá-lo quanto seja possível a fim de que aprenda realmente algo. Do contrário, quererá ele mesmo aperfeiçoar-se mais tarde descuidando de seu labor profissional ou, o que é muito pior, envaidecendo-se excessivamente de suas habilidades embora na realidade não tenha cultivado suas aptidões, isto é, em rigor, não tenha aprendido algo. Os coléricos menos aproveitados de talentos ou com suas faculdades pouco desenvolvidas (nas forças de suas faculdades) podem chegar, alguma vez independentes ou com o cargo de superior nas mãos, a grandes desacertos e amargar a vida dos que os rodeiam, obstinando-se em suas ordens, embora não entendam muito nem tenham claros conceitos do que se trata. Tais coléricos operam frequentemente segundo aquele famoso axioma: "Assim quero, assim ordeno; basta minha vontade como razão". b) Deve-se induzir o colérico a que se deixe educar voluntariamente, isto é, a que aceite voluntária e alegremente tudo o que se ordena para humilhar seu orgulho e refrear sua cólera. Não se corrigirá o colérico com um tratamento duro e orgulhoso, antes, se amargará e endurecerá mais; ao contrário, propondo-lhe razões e motivos sobrenaturais se lhe poderá levar facilmente ao bem. Na educação do colérico não deve deixar-se levar pela ira dizendo: "Para ver se assim consigo romper a obstinação deste homem". Ao contrário, deve ficar-se tranquilo e esperar que também se tranquilize o educando; logo, se poderá falar nestes termos: "Seja sensato e deixe-se conduzir de maneira que possam retificarem-se suas faltas e enobrecer-se o bem em você".
Também na educação do menino colérico o principal será sugerir-lhe bons pensamentos, colocá-lo diante de seus olhos sua boa vontade, seu pudor, sua repugnância ao baixo, insinuar-lhe sua felicidade temporal e eterna e induzir-lhe a corrigir, sob direção do educador, suas faltas e aperfeiçoar suas boas qualidades, por iniciativa própria. Não convém amargar ao menino colérico com castigos vergonhosos, senão persuadir-lhe da necessidade e motivos justos do castigo imposto.
O temperamento sanguíneo 1. Essência do temperamento sanguíneo. A alma do sanguíneo se excita rápida e veementemente por qualquer impressão; a reação é instantânea; mas a impressão fica muito pouco tempo na alma. A recordação de coisas passadas não provoca tão facilmente novas emoções. 2. Disposições fundamentais do ânimo sanguíneo (tanto do bem como do mal). 1. Superficialidade. O sanguíneo não penetra até o fundo, nem vai ao todo, senão se contenta com a superfície e uma parte do todo. Antes de concentrar-se em um objeto, o interesse do sanguíneo já se paralisa e desvanece pelas novas impressões que o ocupam. É amigo de trabalhos fáceis, vistosos, que não exigem demasiado labor intelectual. E é difícil convencê-lo deste seu defeito: a superficialidade; pois sempre crê ter entendido todas as coisas; assim, por exemplo, ter compreendido bem um sermão, embora a metade do mesmo tenha estado muito longe de seus alcances intelectuais. 2. Inconstância. Por não ficar muito tempo as impressões na alma sanguínea, de imediato seguem-se outras. Consequência disto é uma grande inconstância, que todos os que tratam com os sanguíneos tem de levá-la em conta, se não querem desenganar-se de pronto. O sanguíneo é inconstante em sua disposição de ânimo; rapidamente passa do riso a choradeira e vice-versa; é inconstante em suas
opiniões: hoje defende com tensão o que impugnou a uma semana; é inconstante em suas resoluções: ao propor-se um novo ponto de vista abandona sem remorsos todos seus planos e projetos anteriores; esta inconstância faz, às vezes, suspeitar que o sanguíneo não tem caráter nem princípios. O sanguíneo nega esta inconstância, posto que aduz novas razões para cada uma destas mudanças. Não se fixa o bastante em que é necessário deliberar de antemão todas suas ações para não se entregar sem mais nem mais a qualquer impressão ou opinião. Também em seus trabalhos e diversões é inconstante, querendo sobretudo a variedade; se assemelha a abelha, que voando de flor em flor retém de todas elas tão somente a melhor; ou um menino, que bem pronto se cansa do novo jogo recebido de presente de seus pais. 3. Interesse pelas coisas exteriores. O sanguíneo não se concentra de boa vontade em seu interior, senão que gosta mais de fixar sua atenção em coisas exteriores, sendo nisto justamente o contrário do melancólico, quem, com predileção penetra em sua vida interior e no mundo de seus pensamentos, sem advertir o que passa em seu exterior. Este gosto pelas coisas exteriores se manifesta no interesse que toma o sanguíneo pela beleza da roupa da casa, pelas formas elegantes do trato com os demais. Neles, sobretudo, são ativos os cinco sentidos, enquanto que o colérico trabalha mais com o entendimento e o melancólico com os sentimentos. O sanguíneo precisa ver tudo e ouvir e tem que falar sobre tudo. A ele chama muito a atenção a facilidade, vivacidade e infinidade de palavras, a qual muitas vezes é para os demais uma pesada loquacidade. Por sua viva ação sensitiva tem muito interesse para as coisas pequenas, qualidade favorável que mais
ou menos falta ao colérico e ao melancólico. 4. Serena concepção da vida. O sanguíneo considera tudo sob seu aspecto mais sereno. Como é otimista não conhece dificuldades, senão que sempre confia no bom êxito e se realmente sai mal alguma coisa se consola facilmente e não se aflige por muito tempo, tendo em conta este seu gozo pela vida, se explica sua peculiar inclinação de zombar dos demais, tomar-lhes pelo cabelo e fazer-lhes vítimas de suas brincadeiras e más jogadas; para a qual supõe o sanguíneo como coisa natural, que os demais aguentem seus desagrados extravagantes e não pode menos que admirar-se ao ver que, pelo contrário, se zangam por suas brincadeiras e provocações pouco agradáveis. 5. Carência de paixões enraizadas. Como se excitam tão facilmente as paixões do sanguíneo, não penetram no profundo de sua alma; e se parecem como um fogo de palha que por um momento produz forte crepitar e muito logo se funde em si mesmo; enquanto que as do colérico é semelhante a um incêndio devorador. Esta carência de afetos profundos lhes é de tanta maior utilidade quanto que quase sempre lhe priva de grandes tempestades internas e lhe ajuda a servir a Deus com certa hilaridade e sossego, livre do apaixonamento do colérico e da timidez e ansiedade do melancólico. 3. Más qualidades do sanguíneo A. Vaidade e satisfação de si mesmo. A soberba do sanguíneo não se manifesta em um afã imoderado de mandar ou sendo egotista como no colérico, nem no medo das humilhações, como no melancólico, senão em certa vaidade e complacência de si mesmo. Experimenta uma alegria
quase pueril de si mesmo, de seu exterior, de seu vestido e seus trabalhos; se olha de boa vontade no espelho e no vidro das portas e janelas. Ao ser louvado se sente feliz, e é, por conseguinte, muito viciado na adulação. Por meio de elogios e lisonjas facilmente se deixa induzir às maiores necessidades e até mesmo aos mais vergonhosos pecados. B. Inclinação aos galanteios, a inveja e aos zelos. Como o sanguíneo se mostra tão suscetível a palavras lisonjeiras e tão pouco concentrado em si mesmo, dando por outra parte demasiada importância às coisas exteriores, se inclina facilmente às amizades particulares e as intrigas. Porém, seu amor inconstante não lhe penetra até o fundo da alma. O sanguíneo bem educado gostaria de contentar-se em seus galanteios somente com as ternuras e demonstrações exteriores de afeto; todavia, sua ligeireza e culpável intransigência lhe arrasta a graves extravios, na maioria das vezes por seu otimismo, ou seja, da opinião que tem, de que o pecado não lhe poderia acarretar consequências funestas. Uma mulher sanguínea de má vida se entrega sem temor nem vergonha ao pecado; nem depois dele se inquieta por remorsos. A vaidade e a inclinação as intrigas levam o sanguíneo à inveja, aos zelos e a todas aquelas concepções loucas, olhares estreitos e violações da caridade que a inveja e os zelos trazem consigo. Por deixar-se absorver facilmente pelas exterioridades e por sua propensão às amizades particulares, ao sanguíneo lhe custa muito ser imparcial ou justo. Os superiores e educadores têm frequentemente um favorito a quem antepõem aos demais. O sanguíneo se sente impulsionado a lisonjear aos que lhe agradam. C. Gozo pela vida e afã de prazeres.
O sanguíneo não ama a solidão senão que busca a companhia e conversações dos homens; quer desfrutar da vida e em suas diversões podem ser muito brincalhões, licenciosos e frívolos. D. Medo das virtudes que exigem grande esforço. Tudo o que significa sacrifício para o corpo e os sentidos lhe parece difícil. Coisas penosas são para ele o refrear a vista e os ouvidos, o dominar a língua e observar o silêncio. Tampouco são de seu agrado a abnegação do paladar e a abstenção de manjares agradáveis; teme todo exercício de penitência corporal. Somente um sanguíneo perfeito busca fazer penitência de muitos anos por seus pecados anteriores. O sanguíneo ordinário vive segundo o princípio de que a absolvição sacramental da penitência apaga os pecados e tem, portanto, como inútil e ainda prejudicial o afligir-se pelas faltas passadas. E. Outras desvantagens do temperamento sanguíneo. a) Os juízos do temperamento sanguíneo são com frequência falsos, seja porque não averigua mais que a superfície das coisas, nem vê as dificuldades das mesmas, seja porque se mostra parcial em seus afetos de simpatia. b) As empresas do sanguíneo fracassam facilmente, pois, confiando sempre no bom êxito, não detém a mente em eventuais dificuldades e impedimentos; outro motivo de seus fracassos o encontramos em sua inconstância que bem pronto e por qualquer coisa lhe tira o interesse. Prova disto é o fato muito significativo de que muitos dos que quebram em seus negócios ou sofrem grandes perdas de fortuna, são de índole sanguínea. c) O sanguíneo é inconstante no bem. Como se entrega de bom grado à direção dos outros, se deixa seduzir com grande facilidade, caindo em mãos de homens perversos e levianos. O sanguíneo se entusiasma rapidamente pelo bom, mas rapidamente
languidesce seu entusiasmo. Como São Pedro, salta com valor do barco querendo caminhar sobre as águas do rio, mas logo lhe sobrevém o temor de poder submergir-se; como São Pedro saca impetuosamente a espada em favor de seu Mestre para fugir pouco depois; como São Pedro se junta com a melhor intenção aos inimigos de Cristo e entre eles rapidamente o nega três vezes. d) Por dissipar sempre seu coração e ser inimigo de todo recolhimento e de qualquer reflexão profunda sobre si próprio e sobre seu modo de operar não alcança um suficiente conhecimento de si mesmo. e) A vida de oração do sanguíneo padece detrimento com estas três dificuldades. A primeira, surge nas assim chamadas orações interiores, nas quais se requerem muitas reflexões mais longas e tranquilas, isto é, na meditação, na leitura espiritual e no exame particular. Logo a distração facilmente provocada pela vivacidade dos sentidos e a intranquilidade de sua fantasia, lhe impede de chegar a uma concentração mais profunda e duradoura em Deus. Finalmente, dá em suas orações excessivas importância aos sentimentos e ao consolo sensível, o qual, em tempo de aridez, lhe tira o gosto pela piedade. 4. Boas qualidades do sanguíneo A. O sanguíneo tem muitas qualidades pelas quais pode levar-se bem com seus semelhantes e fazer-lhes simpáticos. a) Prontamente conhecido em todas as partes é confiado e loquaz com todas as gentes e se comunica facilmente com pessoas desconhecidas. b) É afável e alegra em suas palavras e conduta e sabe entreter divertidamente aos que o cercam referindo interessantes narrações, brincadeiras e agudezas.
c) É muito atento e obsequioso. Não presta um benefício com a frieza do colérico, nem com o coração tão afetuoso como o melancólico, senão que o faz de uma maneira alegre e serena que com gosto se aceita o favor. d) Se mostra sensível e compassivo nas desgraças de seu próximo sempre disposto a ajudar-lhe em sua aflição com palavras serenas e alentadoras. e) Possui o dom especial de fazer notar os defeitos do próximos, sem que este se sinta ferido, nem lhe custa muito dirigir-lhe uma repreensão. Se a alguém se precisa comunicar coisas desagradáveis convém preparar o terreno por intermédio de um sanguíneo. f) É verdade que, ao ser ofendido, se acende rapidamente e sua ira, prorrompe às vezes em expressões ruidosas e quase deliberadas; mas depois de ter desabafado, esquece tudo, sem guardar rancor de nada. 5. Boas qualidade do sanguíneo A. O sanguíneo tem muitas qualidades que lhe fazem simpático a seus superiores. a) O sanguíneo é dócil e submisso; pelo qual, a virtude da obediência, que geralmente se tem por difícil de guardar, não lhe acarreta maiores dificuldades. b) É sincero e sem maior sacrifício sabe desabafar-se diante dos superiores quanto as suas dificuldades, estado de ânimo e até mesmo seus pecados vergonhosos. c) Se é castigado não guarda rancores; pois a obstinação lhe é desconhecida. Os súditos sanguíneos não causam maiores dificuldades ao superior. Não obstante, tenha este cuidado com eles, posto que tais podem corresponder-lhe com a adulação; o
qual põe em perigo a paz da vida comum. Nem tampouco mostre o superior maior preferência por um sanguíneo que pelos coléricos e melancólicos, nem repreenda a estes últimos, por ser eles tão reservados e por não pode expressar-se nem desabafar-se tão facilmente. 6. Do que tem que observar o sanguíneo em sua auto educação. a) O sanguíneo deve aprender a refletir muito, tanto nos assuntos espirituais como nos materiais. Com especial esmero cultivará os exercícios de piedade que requerem reflexão, como são a meditação matutina, a leitura espiritual, o exame particular, a meditação na oração do rosário e frequentes atos da presença de Deus. A disposição significa a ruína do sanguíneo, ao passo que o recolhimento e o cultivo da vida interior são sua salvação. Ao ocupar-se em negócios deverá dizer-se sempre: "Não creias ter deliberado o bastante sobre o assunto"; considera todos seus pontos e detalhes; leva em conta as dificuldades, que casualmente te prevenirem; não seja demasiado confiante, nem otimista. b) O sanguíneo deve exercitar-se diariamente na mortificação dos sentidos, dominar a vista, os ouvidos e a língua, endurecer o tato, preservar seu paladar de guloseimas, etc. c) O sanguíneo deverá seguir as instruções dos bons (não dos maus) e aceitar, portanto, sua ajuda e seus conselhos na direção espiritual. Diz Schram: "Bem protegidos os sanguíneos chegarão à santidade". Uma forte muralha de amparo oferecerá um horário bem regulado; na vida comum a observância da regra da casa ou da ordem a que pertence. d) A aridez de longa duração é para o sanguíneo uma prova
particularmente saudável porque nela se purifica sua vida sentimental malsã. e) O sanguíneo deve aperfeiçoar, ademais, suas boas qualidades, como a caridade do próximo, a obediência, a sinceridade, a alegria da alma; e estas boas qualidades lhes há de enobrecer por meio de intenções sobrenaturais. Combaterá sem descanso aquelas faltas as quais mais inclina sua natureza, isto é, a complacência de si mesmo, a predileção por amizades particulares, a sensualidade, os zelos, a ligeireza, superficialidade e inconstância. 7. Observações sobre a educação e o trato com os sanguíneos. A educação e o trato com os sanguíneos é relativamente fácil. O tenha reduzido a estreita vigilância; se insista em que não deixe sem acabar os trabalhos começados. Não se deverá demasiado crédito a suas palavras, propósitos e promessas; deve fixar-se ademais no cuidado que coloca em seus trabalhos; nunca deverá ser tolerado uma lisonja de sua parte, nem antepor-lhe aos demais por seu caráter atento. Por fim, tenha-se presente que o sanguíneo não guarda em seu interior o que lhe é dito ou o que é observado em nós, senão que tudo irá comunicar aos demais. Portanto, se deliberará bem antes de fazê-lo confidente. Na educação de um menino sanguíneo tenha-se em conta os seguintes pontos: a) Conduzi-lo com severidade à abnegação de si mesmo, e em particular, ao perfeito domínio sobre seus sentidos, à tenaz perseverança em seus trabalhos e a observância de boa ordem. b) Reduzi-lo a estreita vigilância na direção; preservá-lo cuidadosamente das más companhias (já que com tanta facilidade
se deixa seduzir). c) Não contraria-lo nem tirar sua jovialidade; mantendo-lhe, não obstante, em seus justos limites.
O temperamento melancólico 1. Essência do temperamento melancólico A alma do melancólico se excita debilmente por influências externas; e sua reação, se é que reage, é assim mesmo débil. Porém, tal excitação, mesmo que sempre débil, permanece longo tempo na alma; e favorecida por novas impressões, que se repetem no mesmo sentido, aprofunda mais e mais até apoderar-se e mover com violência a alma, e não deixar-se arrancar logo sem dificuldade. As impressões na alma do melancólico se parecem a um poste, que, à força de marteladas, se vai afundando na terra dura com lenta, mas crescente tensão, fixando-se com tanta firmeza que não é fácil arrancá-lo. Esta nota característica do melancólico merece especial atenção, posto que nos dá a chave para chegar ao conhecimento de muitas coisas que na conduta do melancólico nos parecem inexplicáveis. 2. Principais disposições de ânimo do melancólico A. Propensão à reflexão. Em seu modo de raciocinar, o melancólico se detém demasiado em todos os antecedentes até as causas últimas. Como se dá de boa vontade à consideração do passado, sempre volta a recordar os acontecimentos que transcorreram a tempos. Seu pensamento tende ao profundo; não fica na superfície, senão que seguindo as causas e a conexão das coisas, indaga as leis ativas da vida humana, os princípios segundo os quais deve operar o homem; seus pensamentos, por fim, se estendem a um campo vasto, penetram no porvir e se elevam até o eterno. O melancólico possui um coração cheio de abundantes e
ternos afetos, no qual sente de certo modo o que pensa. Suas reflexões vão acompanhadas de uma misteriosa ânsia. Ao meditar sobre seus planos e particularmente sobre assuntos religiosos, se sente comovido em seu interior, e mesmo profundamente agitado. Porém, apenas deixa transluzir em seu exterior estas ondas de violenta paixão. O melancólico sem formação incorre facilmente em um meditar e sonhar desperto, porque não é capaz de resolver as múltiplas dificuldades que de todas as partes o assediam. B. Amor pela solidão. Prolongadamente o melancólico não se sente bem na companhia dos homens. Prefere o silêncio e a solidão. Encerrando-se em si mesmo, se isola do que o cerca e emprega mal seus sentidos. Na presença dos outros se distrai facilmente e não escuta nem atende, por ocupar-se com as próprias ideias. Por causa do mal uso que faz de seus sentidos não se fixa nas pessoas, como se estivesse sonhando, nem sequer saúda a seus amigos na rua. Semelhante desatenção e sonhar de olhos abertos lhe acarretam mil contrariedades em suas tarefas e vida cotidiana. C. Séria concepção da vida e inclinação à tristeza. O melancólico sempre considera as coisas em seu aspecto negro e adverso. No íntimo de seu coração se encontra continuamente certa suave melancolia, certo "choro interno"; o qual não provém, como afirmam alguns, de uma enfermidade ou disposição mórbida, senão de um profundo e vivo impulso que o melancólico sente em si para Deus e a eternidade, e ao qual não pode corresponder, atado como está à terra pelo peso e as cadeias da matéria. Vendo-se ausente de sua verdadeira pátria e tendo-se por peregrino no mundo, sente nostalgia pela eternidade. D. Propensão à quietude. O temperamento melancólico é um temperamento passivo. O
melancólico não conhece o proceder acelerado, impulsivo e laborioso do colérico e do sanguíneo; é mais bem lento, reflexivo, cauteloso; nem é fácil empurrá-lo a ações rápidas; em uma palavra, no melancólico se nota uma notável inclinação à quietude, a passividade. Deste ponto de vista, poderá explicar-se também seu medo dos sofrimentos e seu temor aos esforços interiores: a abnegação de si mesmo. 3. Particularidades especiais do melancólico O melancólico é muito reservado. a) O melancólico dificilmente se aproxima de pessoas estranhas, nem entra em conversação com desconhecidos. Revela seu interior com suma reserva, e na maioria das vezes somente aos que têm mais confiança; e então não encontra palavra conveniente para declarar a disposição de sua alma. O melancólico sente a necessidade de expressar-se de vez em quando acerca do estado de sua alma. Porém, até chegar a tal colóquio deve superar numerosas dificuldades, e no próprio discurso será tão torpe que, apesar de sua boa vontade, não encontrará calma. Tais experiências lhe fazem, todavia, mais reservado. Um educador deve conhecer e ter em conta esta nota característica do melancólico; do contrário, tratará a seus educandos melancólicos com grande injustiça. Geralmente, ao melancólico custa muito o confessar-se, não assim ao sanguíneo. O melancólico gostaria de desabafar-se por meio de um colóquio espiritual, mas não pode; o colérico poderia expressar-se, mas não quer. b) O melancólico é irresoluto. Por suas excessivas reflexões, por seu temor das dificuldades, por seu medo de que saia mal o plano ou o trabalho a empreender, o melancólico não acaba de resolver-se. Adia de boa vontade a decisão de um assunto, o despacho de um negócio. O que poderia fazer imediatamente, o
deixa para amanhã ou passa para a semana seguinte; logo se esquece disto, e assim sucede deixar passar meses inteiros o que poderia fazer em uma hora. O melancólico nunca acaba uma coisa. Muitos necessitam de longos anos até colocar em claro sua vocação religiosa e tomar o hábito. O melancólico é o homem das oportunidades perdidas. Enquanto que os demais estão já do outro lado do fosso, ele está pensando e refletindo, sem atrever-se a dar o salto. Descobrindo em suas reflexões vários caminhos que conduzem à mesma meta, e não podendo decidir-se sem grande dificuldade em determinado caminho, facilmente concede razão aos demais, e não persiste com obstinação em suas próprias opiniões. c) O melancólico se desanima. Ao começar um trabalho, ao executar um encargo desagradável, ao internar-se em um terreno desacostumado, mostra o melancólico desalento e timidez. Dispõe de uma firme vontade, nem lhe faltam talento e vigor, mas lhe faltam muito frequentemente valor e ânimo suficientes. Por isso disse-se com razão: "Ao melancólico deve atirá-lo na água para que aprenda a nadar". Se em suas empresas atravessam algumas dificuldades, embora de pouca monta, perde o ânimo, e gostaria de deixar e abandonar tudo, ao invés de sobrepor-se, de compensar e reparar os fracassos padecidos, redobrando seus esforços. d) O melancólico é lento e pesado. O melancólico é lento: Em seu pensar: tem que considerar tudo com atenção e examiná-lo seriamente, até formar-se um juízo discreto. Em seu modo de falar: quando se vê obrigado a contestar apuradamente ou a falar em um estado de perplexidade, ou quando teme que de suas palavras poderiam depender grandes consequências, se intranquiliza, não encontra a resposta adequada, a qual é às vezes mesmo falsa e insuficiente. Sua aflição de espírito é talvez a causa pela qual
o melancólico tropeça com frequência em suas palavras, deixa sem acabar suas frases, emprega uma má sintaxe e ande em busca da propriedade da expressão. Em seus trabalhos: trabalha esmerada e solidamente, mas sozinho, sem impulsos, e com muito tempo. O mesmo, todavia, não se crê lento em seus trabalhos. e) O orgulho do melancólico. Tem seu aspecto muito peculiar. O melancólico não aspira a honras: tem, pelo contrário, certo medo de mostrar-se em público e de aceitar louvores. Teme muito as afrontas e as humilhações. Se retrai frequentemente excitando deste modo as aparências de modéstia e humildade; mas na realidade, não é ela uma prudente reserva, senão mais um certo temor à humilhação. Nos trabalhos, nas colocações e ofícios cede a presidência a outras pessoas menos experientes e mesmo incapazes; sentindo-se, todavia, ferido em seu coração por não ter respeitado e apreciado o bastante seus talentos. O melancólico, se quer realmente chegar a perfeição, deve dirigir especialíssima atenção a este respeito, enraizado no mais profundo de seu coração e fruto da soberba, como também encontra em sua sensibilidade e suscetibilidade às menores humilhações. Do que se disse segue-se que é muito difícil tratar com melancólicos; pois por suas particularidades não os apreciamos em seu ponto justo, nem sabemos tratá-lo com acerto. Ao sentir isto o melancólico se torna ainda mais sério e solitário. O melancólico tem poucos amigos, porque não são muitos os que o compreendem e os que gozam de sua confiança. 4. Qualidades boas do melancólico a) O melancólico pratica com facilidade e gosto a oração
mental. A séria concepção da vida, o amor à solidão, a inclinação à reflexão, são para o melancólico em todos os pontos proveitoso para conseguir uma grande intimidade em sua vida de oração. O melancólico possui, por assim dizer, uma disposição natural à piedade. Contemplando as coisas terrenas, pensa no eterno; caminhando na terra, o céu o atrai. Muitos santos tiveram o temperamento melancólico. Contudo, também o melancólico encontra precisamente em seu temperamento uma dificuldade para a oração. Porque, desanimando-se nas adversidades e sofrimentos, lhe falta a confiança em Deus e assim se distrai com seus negros pensamentos de pusilanimidade e tristeza. b) No trato com Deus, encontra uma profunda e inefável paz. Ninguém melhor que o melancólico entende a palavra de Santo Agostinho: "Criaste-nos para vós, ó Deus, e inquieto está nosso coração enquanto não repousa em vós". O coração brando e cheio de afetos do melancólico sente no trato com Deus uma imensa felicidade, a qual conserva também em seus sofrimentos quando tem suficiente confiança em Deus e amor ao Crucificado. c) O melancólico é para os demais um guia no caminho para Deus, um bom conselheiro nas dificuldades, um superior prudente, benévolo e digno de confiança. As necessidades de seus co-irmãos lhe despertam extrema comiseração, junto com um grande desejo de ajudar-lhes; e quando a confiança em Deus lhe alenta e apoia, sabe fazer grandes sacrifícios pelo bem de seu próximo, ficando ele mesmo firme e imperturbável na luta por seus ideais. Schubert em sua "Ciência da alma humana", diz a respeito do melancólico natural: "Esta tem sido a forma predominante da alma dos poetas e artistas mais sublimes, dos pensadores mais profundos, dos inventores e legisladores mais geniais e sobretudo daqueles espíritos, que abriram em seu século ao seu povo o acesso a um
mundo feliz e superior, ao qual levantou ele próprio sua alma atraída por uma inextinguível nostalgia". 5. Qualidades más do melancólico a) Os melancólicos incorrem por seus pecados em terríveis angústias. Penetrando mais que os outros no profundo da alma pela ânsia por Deus, o melancólico se ressente muito em particular do pecado. Nada lhe abate mais do que o pensamento de estar separado de Deus pelo pecado mortal e se alguma vez cai profundamente, não chega a levantar-se senão com grande dificuldade; já que lhe custa muito confessar-se pela humilhação, a que se deve submeter. O melancólico vive assim mesmo em constante perigo de recair no pecado; pois, continuamente meditando sobre seus pecados passados, isto lhe causa sempre novas e graves tentações; nas quais de bom grado se deixa levar por sentimentalidade e tristes sentimentos, que aumentam mais a força da tentação. A obstinação no pecado ou a recaída nele lhe submergem em uma profunda e prolongada tristeza que pouco a pouco lhe vai privando da confiança em Deus e em si mesmo. Então é vítima de semelhantes pensamentos: não tenho as forças necessárias para levantar-me; nem Deus me envia para isto seu auxílio oportuno. Deus já não me quer, e, pelo contrário, busca condenar-me. Este estado pode chegar a converter-se em cansaço da vida. O melancólico queria morrer; mas teme a morte. Por fim, seu infeliz coração se rebela contra Deus, fazendo amargas censuras e sentindo em si a excitação do ódio pela maledicência contra seu criador. b) Os melancólicos sem confiança em Deus, nem amor à cruz são arrastados pelo medo de seus sofrimentos a um excessivo
desalento, e passividade e até mesmo desespero. Se os melancólico tem confiança em Deus e amor à cruz se aproximarão de Deus e se santificarão precisamente pelos padecimentos, como enfermidades, fracassos, calúnias, tratos injustos, etc. Porém, se lhes falta estas duas virtudes, sua causa andará muito mal. Lhe sobrevirá penas, talvez muito insignificantes, e então se entristecerá deprimido, enfadado e perturbado. Não falaram nada ou muito pouco e está farto de desfalecimento e com cara severa; fugirão da companhia dos homens e chorarão continuamente. Prontamente lhes acabará o ânimo para seguir seus trabalhos, perderão o gozo em sua vida profissional encontrando sua maior complacência em ver tudo negro. Sua contínua disposição de ânimo será nas 24 horas ao longo do dia não conhecer nada além de dores e penas. Este estado pode chegar a converter-se em formal melancolia e desespero. c) Os melancólico que se abandonam a seus sentimentos de tristeza, incorrem em muitas faltas contra a caridade que chegam a ser onerosas para seus próximos. O melancólico perde facilmente a confiança em seus semelhantes, em particular a seus superiores e ao confessor; e isto somente por alguns defeitos insignificantes que neles descobre, ou porque recebe de parte dos mesmos algumas leves repreensões. Interiormente se revolta e indigna com veemência por qualquer desordem e injustiça que nota. O motivo de sua indignação pode frequentemente justificar-se, mas não assim no grau de sua raiva; nisso vai demasiado longe. Dificilmente poderá esquecer as ofensas; das primeiras faz pouco caso a princípio, mas se chegam a repetir-se as desatenções penetrarão estas até o mais profundo da alma, excitando-lhe uma
dor difícil de superar, e despertando-lhe profundos sentimentos de retaliação. Gota a gota e não de repente vai infiltrando-se no melancólico o vírus da antipatia por aquelas pessoas, das quais sofreu muito ou nas quais encontre algo que criticar. Semelhante aversão chega a ser tão veemente que apenas ao olhar tais pessoas ou dirigir-lhes a palavra, enche-se no fim de desgosto e nervos somente com sua recordação. Ordinariamente não se desvanece esta antipatia, senão quando o melancólico está separado e longe de tal ou qual pessoa, e então somente depois de transcorridos meses e até mesmo anos inteiros. O melancólico é muito desconfiado. Raras vezes confia em um homem, temendo sempre que não busque o seu bem. Deste modo tem frequentemente e sem motivo algumas duras e injustas suspeitas de seu próximo; imagina nele más intenções e tem medo de perigos que não existem. Vê tudo negro. O melancólico gosta de lamentar-se em suas conversações, chamar sempre a atenção sobre o lado sério, queixar-se logo com regularidade da malícia dos homens, dos tempos às cegas que correm e da decadência dos bons costumes. Seu estribilho é: vamos de mal a pior. Também nas adversidades, nos fracassos e ofensas considera e julga as coisas, porém, mais do que são na realidade. Como consequência se é às vezes uma exagerada tristeza, uma grande e infundada raiva pelos demais, várias reflexões sobre injustiças reais ou suspeitas; tudo o qual dura dias e semanas. Os melancólicos que se abandonam a esta inclinação de ver em tudo o obscuro e maligno chegarão a ser pessimistas, isto é, homens que em todas as partes esperam o mau êxito; hipocondríacos, isto é, homens que em pequenos padecimentos corporais se lamentam continuamente temendo sempre enfermidades perigosas; misantropos, homens que adoecendo de
evasivas e ódio ao homem, manifestam aversão ao trato humano. Uma dificuldade particular tem o melancólico na correção e repreensão dos demais. Como já foi dito, o melancólico se indigna excessivamente ao notar desordens e injustiças e se sente obrigado a intervir contra estes transtornos, embora muitas vezes não tenha nem ânimo nem habilidade para tais conversações. Antes de dirigir a repreensão medita detidamente o modo do processo e as palavras que devem ser empregadas, porém, no momento que tem que falar, lhe ficam as palavras na garganta ou dá a reconvenção tão cautamente, com tanta ternura e reserva que apenas merece o nome de reprimenda. Em toda sua conduta se nota quão difícil é castigar os outros e quando o melancólico quer dominar essa sua timidez, incorre facilmente no extremo contrário de dirigir a reconvenção com raiva e nervosismo ou prorromper em palavras demasiado severas; não alcançando desta sorte nenhum fruto verdadeiro. Esta dificuldade é a cruz pesada dos superiores melancólicos. Não sabem conduzir a ninguém e acumulam por isso muita raiva e deixam muitas desordens lançar raízes, embora sua consciência lhes admoeste a opor-se a estes transtornos. Assim mesmo, diante das faltas de seus subalternos e ao repreendê-los logo, o fazem grosseira e ruidosamente, e, ao invés de animar os educandos, os desanimam em sua formação. 6. Como deve educar-se a si mesmo o melancólico? a) o melancólico tem que fomentar em si grande confiança em Deus e amor aos sofrimentos. Disto dependerá tudo. A confiança no amor à cruz são os dois pilares, com os quais se manterá em pé com tal firmeza que nem as provas mais graves subirão aos lados fracos de seu temperamento. A desgraça do melancólico está em que leva sua cruz; sendo sua salvação a aceitação com gosto e alegria (não à força) a qual, o melancólico deve ter muito em consideração, a divina providência, bondade do Pai Celestial, que as
envia para nosso bem, e abrigar assim mesmo terna devoção à Paixão de Cristo e a Mãe Dolorosa. b) Se lhe sobrevém afetos de antipatia ou apatia, de desalento, desconfiança, abatimento, deve resistir desde o princípio, a fim de que estas más impressões não penetram demasiado em sua alma. c) Ao sentir-se triste deve dizer-se sempre o melancólico: Não está tão mal como te imaginas; vê as coisas excessivamente negras. d) O melancólico deve estar sempre bem ocupado; para não dar tempo às reflexões. O trabalho assíduo supera tudo. e) O melancólico cultivará as boas qualidade de seu temperamento, em particular, a inclinação à vida interior e a compaixão pelas desgraças dos homens; porém, ao mesmo tempo combaterá constantemente suas particularidades e lados fracos, indicados anteriormente. f) Santa Teresa, em um capítulo especial sobre o tratamento de melancólicos mal dispostos, diz: "Com muito pouco atenção se poderá ver que se inclinam de um modo particular a impôr sua vontade, a proferir tudo o que vem à mente, a deter a consideração nas faltas dos outros, para ocultar as próprias, e buscar sua satisfação e sua paz em seu próprio capricho". Santa Teresa assinala aqui dois pontos nos quais deve fixar-se particularmente o melancólico em sua autoeducação. Com muita frequência está o melancólico tão excitado, tão cheio de amarguras e angústias, porque seus pensamentos não se ocupam senão nas faltas dos demais e porque tudo queria conforme sua vontade e gosto. O melancólico pode cair no mal humor e desalento, quando a coisa não avança, mesmo nas menores ninharias, como ele gostaria. Pelo que pergunte-se o melancólico sempre que se veja invado por tristeza:
Não tenho me detido novamente e excessivamente nas faltas do próximo? Deixa os demais fazer o que queiram. Não resultou talvez tal coisa segundo meu desejo e vontade? Convence-te de uma vez com toda fé sobre a verdade das palavras da Imitação de Cristo: "Porque te perturbas se não sucede o que quer e deseja? Quem é que tem todas as coisas à medida de sua vontade? Certamente nem eu, nem você, nem homem algum sobre a terra. Nenhum homem há no mundo sem tribulação ou angústia, mesmo que seja rei ou papa. Quem, pois, é o que está melhor? Certamente, o que pode padecer algo por Deus" (1, 22) 7. Do que se deve observar no tratamento e educação de um melancólico. a) Deve tratar de compreender o melancólico. Os melancólicos apresentam muitos enigmas em sua conduta para aquele que não conhece as propriedades de seu temperamento melancólico. Por conseguinte, deve estudá-lo e esforçar-se por averiguar de que forma se caracteriza na pessoa interessada. Sem esses conhecimentos se cometerão graves faltas no trato com melancólico. b) Trata-se de ganhar a confiança do melancólico. O qual não é fácil, por certo, e somente se alcança dando-lhe todo bom exemplo e buscando sinceramente seu bem. Como se abre ao brilho do sol um broto fechado, assim se abre a alma melancólica, quando a iluminam raios solares de bondade e caridade. c) Alentar sempre o melancólico. d) Repreensões ásperas, bruscas de trato e dureza de coração lhe abatem e paralisam as forças. Palavras atentas e alentadoras, paciência sofrida e constante lhe dão ânimo e fortaleza. O melancólico se mostra muito agradecido por tal amabilidade.
e) Se deve exortar ao melancólico ao trabalho; mas sem esmagá-lo por isso. f) Como tomam tudo excessivamente a peito e trabalham muito com seus sentimentos e coração, estão os melancólicos muito expostos ao perigo de debilitar seus nervos, pelo que deve preocupar-se que súditos melancólicos não esgotem completamente a força de seus nervos; pois uma vez gastos cairão em uma estado lamentável de prostração, e não se aliviarão senão com grande dificuldade. g) Também na educação do menino melancólico deve fixar-se de tratá-lo com afabilidade, de animá-lo e impulsioná-lo ao trabalho. Acostume-o, ademais, a expressar-se bem em suas conversas, a empregar bem seus sentidos e a cultivar a piedade. É digno de especial atenção o castigo do menino melancólico; pois os desacertos tem sobretudo neste ponto fortes consequências, fazendo-o sobremaneira teimoso e reservado. Por isso castigue-o com grande prudência e bondade, evitando o máximo possível as aparências de injustiça.
O temperamento fleumático 1. Essência do temperamento fleumático As várias impressões provocam tão somente uma excitação débil na alma do fleumático, se é que em algum momento a afetam. A reação é também débil, se não chega a faltar por completo. As impressões desaparecem prontamente. 2. Disposições fundamentais do ânimo fleumático. a) O fleumático não se interessa muito pelo que se passa fora dele. b) Mostra pouca vontade pelo trabalho; dá, todavia, grande preferência ao descanso. Tudo anda e se desenvolve nele muito suavemente. 3. Boas qualidades. a) O fleumático trabalha lentamente, mas assiduamente, contanto que não tenha que pensar muito em seu trabalho. b) Não se irrita facilmente nem por insultos, fracassos ou doenças. Permanece tranquilo, quase inerte, discreto e tem um juízo prático e sóbrio. c) Não conhece maiores paixões, nem grandes exigências pela vida. 4. Más qualidade. a) É muito propenso a descansar, a comer e beber, sendo, ademais, lerdo e negligente no cumprimento das obrigações.
b) Não tem energia, nem se propõe um ideal elevado, sequer seja em sua devoção. c) É sumamente difícil educar os meninos fleumáticos; pois se deixam comover pouco pelas sensações exteriores e por natureza se inclinam à passividade. É necessário explicar-lhes tudo, até os mínimos detalhes; repetindo-lhe mil vezes, para que ao menos compreendam algo; deve-se acostumá-los, ademais, com grande paciência e carinho, a uma vida bem ordenada. A aplicação do castigo corporal traz consigo menos perigo e aporta maiores frutos na educação de meninos fleumáticos do que na de outros, sobretudo dos coléricos e melancólicos.
Temperamentos Mistos A maior parte dos homens tem um temperamento misto. Predomina em tais um temperamento principal (por exemplo, o colérico), cujas disposições fundamentais, as qualidades boas e más se atenuam sob o influxo de outro temperamento. Geralmente vale mais ter um temperamento misto que puro; pois a mescla suaviza a estreita e vigorosa índole predominante. Para facilitar o conhecimento do próprio temperamento, será bom tratar brevemente das seguintes mesclas. O temperamento colérico-sanguíneo Nele a excitação é instantânea, como também a reação; a impressão, por outro lado, não é tão duradoura como no temperamento colérico. A soberba deste se mescla com a vaidade, sua ira e obstinação se temperam e moderam, seu coração se abranda. Resulta, portanto, uma mescla muito feliz. O temperamento sanguíneo-colérico O temperamento sanguíneo-colérico se parece com o colérico-sanguíneo; com a única diferença de que os distintivos do sanguíneo passam ao primeiro plano e os do colérico ao segundo. A excitação e a reação se seguem imediatamente e com veemência, enquanto que a impressão não se perde tão prontamente como no temperamento sanguíneo, se bem que não é tão profunda como no colérico puro. Os defeitos do sanguíneo, como sua ligeireza, superficialidade, distração e loquacidade, estão melhorados pela seriedade e firmeza do temperamento colérico.
O temperamento colérico-melancólico e o melancólico-colérico. Aqui entram em união dois temperamentos sérios e apaixonados: o orgulho, a obstinação e a ira do colérico com o caráter amuado, rude e taciturno do melancólico. O homem provido de semelhante mescla de temperamentos necessita muito domínio sobre si mesmo, a fim de alcançar a paz da alma e de não ser um fardo aos que vivem e trabalham com ele. O temperamento melancólico-sanguíneo e sanguíneo-melancólico. Se caracteriza por uma débil suscetibilidade de impressões, por uma reação igualmente débil e uma impressão não tão duradoura como no temperamento melancólico. O temperamento sanguíneo comunica ao melancólico algo de sua mobilidade, alegria e serenidade. Os melancólicos com um colorido de sanguíneo são aquelas boas pessoas e almas de Deus incapazes de ofender a qualquer um e sempre emocionadas; as quais, por outro lado, pecam por falta de força e energia. Parecido é o temperamento sanguíneo-melancólico; só que nesta mescla ressalta mais a superficialidade e inconstância do sanguíneo. O temperamento melancólico-fleumático. Homens de tal índole estão mais aptos à vida comum que os puramente melancólicos. Lhes falta a amuadez, grosseria e reflexão do melancólico, o qual se substitui pelo sossego e a insensibilidade do fleumático. Estas pessoas não se escandalizam tão facilmente, sabem suportar insultos e em seus trabalhos mantem-se tranquilas e constantes.