Grotowski - Em Busca De Um Teatro Pobre

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Jerzy Grotowski

EM BUSCA DEUM TEATRO POBRE J• ediçlo

Traduçlode Al.OOMAR CONRAOO

civilizaçlo. brasileira

c.:nP 01229455\

Titulo do original em in&lb: T OWAROS A POOR TH EATRf!

Copyright 1968 by Jeny O ro towski and Odin Teatrets Forlag

Projeto &rlfico de capa: Felipe Ta borda

ISB N 85 2CXH1003-7

Sumário

Direitos para a llna;ua portua;uesa adquiridos, com exclusividade para o Brasil, pela EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S. A., Rua Benjarnln Constant, 141, 20.141 RIO DE JANEIRO, RJ ., Tel .: 221 . 1132 que se reserva a propriedade desta tradoçlo. 1987

Impresso no Brasil Prlnted in Brazll

Preficio- Prter Brook . , . Em busca de um Teatro Po bre . O Novo Testamento do Teatro .. Teatro é Encontro .............. , Akropolis: Tratamento do Texto .. Dr. Faustus: Montagem Textual .. O Prlncipe Constante . . . ..•.• . Ele Nlo era Inteiramente Ele .. . Jnvestigaçlo Metódica . . . . .. . . O Treinamento do Ator (1959-1962) .. O Treinamento do Ator (1966) .. .. . A Ttcnica do Ator O Discurso de Skara ...... . .. . .. . O Encontro AmerK:a no •. Declaraçlo de Prindpios , . Dados complementares .

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23 47

S2 61· 89 92 101 107 14> 116 186 199 210 219

Prefácio PETER BROOK

~

G.oTOWSKI (lRiCO.

Porqu~7

Porque ningubn mais no mundo, ao que eu saiba, ninau~m desde Stanislavsk.i, investigou a natureza da represcntaçlo teatral,

seu fenômeno, seu significado, a natureza e a ciencia de seus processos mental-flsico-cmocionais tio profunda e completamente quanto Grotowsld. Grotowski coruidera seu teatro um laboratório. E ~. t um centro de pesquisa. Talvez seja o único teatro de vanguarda cuja pobreza nlo sipifica inconveniente, onde a falta de dinheiro nlo é justificativa para meios inadequados que, automaticamente, preju-

dicam as experiencias. No teatro de Orotowski, como em todos os verdadeiros laboratbrios, as experiencias s!o cienlificamente vMi·

das porque slo observadas as condições essenciais. Em seu teatro existe concentração absoluta por um pequeno grupo, c tempo ilimitado. Se o leitor estiver realmente interessado na criaçlo de Grotowski, deve ir à Po\Onia. Ou entllo fazer o que fizemos. Trazer Grotowski.

Ele trabalhou durante duas semanas com o nosso grupo. Nlo vou descrever seu trabalho. Por qu!? Em primeiro lugar, porque trabalho dessa natureza só f: livre se baseado na confiança. e a cOnfiança, para existir, nlo pode ser tralda. Em segundo, o trabalho é essencialmente niO-verbal. Verbalizar seria complicar e até destruir exercidos tllo claros c simples quando assinalados pelo gesto e executados pelo csplrito c corpo como um todo. Qual o resultado desse trabalho? Ele proporcionou a cada ator uma série de surpresas. A surpresa de ddrontar desafios simples e inescapáveis. A surpresa de visualizar seus próprios subterrúaios, truques e clichb. A surpresa de perceber algo de seus próprios recursos, imensos e ineltplorados. A surpresa de ser forçado a indagar por que ele afinal de con-

Com uma cond;çao. Essa dedicaçlo ao teatro nllo o transforma num fim em si mesmo. Pelo contràrio. Para Grotowski a representaçlo é um veiculo. Como eltprcssar-me? O teatro nllo é uma fuga, um refúgio. Um sistema de vida é um caminho para a vida. Parecerà isso um slogan religioso? Deveria parecer. Eis tudo. Nem mais, nem menos. Resultados? Pouco provàveis. Melhoram os nossos atores? Melhoram como homens? N!lo naqude senudo, até onde percebo. (E, claro, nem todos ficaram extasiados com as eltper~ncias. Nilo tanto quanto se afirma. Alguns se chatearam.) Mas, como diz ATden: Porque a maçl contbn uma semente Crcsctri, viva e extensa alegria Gm noresceote àrvore de frutos Pela~enlidade e mais um dia. O trabalho de Grotowski e o nosso t!m paralelos e pontos de contato. Graças a isso, à simpatia e ao respeito, conseguimos no$ encontrar. Mas a vida de nosso teatro ê, em todos os sentidos, diferente da do seu. Ele dirige um laboratório. Ocasionalmente, precisa de uma platéia, mas reduzida. Sua tradiçlo é católica ou anticatólica; neste caso, os extremos se tocam. Ele está criando uma forma de culto. Nbs trabalhamos em outro pab, com outra língua, outra tradiçllo. Nosso objetivo nllo é uma nova Missa, mas um novo relacionamento isabelino unindo o privado e o pUblico, o Jiuimo e a mullidllo, o secreto e o aberto, o vulgar e o mágico. Para isso necessitamos de uma multidllo no palco e de ouua que nos observe - e dentro da multidlO no palco personagens que oferecem a sua verdade mais intima às que compõem a multidllo que nos observa, partilhando assim uma experi!ncia coletiva.

tas é ator.

A surpresa de ser rorçado a reconhecer que tais problemu existem e que - apenr da longa tradiçlo Inglesa de evitar a seriedade na arte teatral- chega o momento em que tfm de ser enfren· tados. E a de perceber que ele quer enfrentl·los. A surpresa de perceber que, em algum lugar do mundo, o teatro é uma ane de absoluta dedicaçllo, monástica e total. Que a frase, jll conhecida, de ATtaud. "cruel para mim mesmo", é, na realidade, um completo sistema de vida -em algum lugar, pira algumas pessoas. pelo menos.

Chegamos perto de desenvolver um padrllo &loba!- a idéia de grupo, de conjunto. Mas nosso conjunto t sempre muito apressado, sempre muito desordenado para o desenvolvimento do conjunto de indivtduos que o compõe. Sabemos, teoricamente, que todo ator deve diariamente pôr sua arte em questao- como os pianistas, os bailarinos. os pintorC"i -e que, se nllo o ftzer, quase certamente estagnará. 1.7r1arà clichCs e 11

lO

entrarâ em dccadblcia. Reconhecemos isto c, no entanto, razemos tio pouco a respeito que estamos sempre buscando sangue novo, vitalidade JOVem - exoeçlo feita aos ta~tos excepcionais, que, naturalmente, aproveitam sempre as melhores oportunidades, absorvem ao mbimo o tempo disponlvcl. O Stratrord Studio roi um reconhecimento desse problema,

mas vivia lutando com a questlo do repertório, do cansaço da companhia, da fadiga . O trabalho de Grotowslci veio-nos lembrar que o que ele con5eque, quase milaarosamente, com um punhado de atores t exigido, na mesma extcnslo, de cada ator em nossas duas arande:s companhias, em dois teatros distantes uns cem quilômetros um do outro.

Em Busca de um Teatro Pobre*

A intensidade, a honestidade e a precisAo do seu trabalho s6 pode deixar-nos uma coisa: um desafio. Mas nlo por uma quinzena, nem apenas uma vez na vida. Diariamente. {Este anit;o Oc arti&o de J>t(cr Brook rol publicado Inicialmente na revi'ita Flmlrblt, tqlo oftdal do Ro,1111 Sllllk~ 1'1tftltTfCiub nonümnoçorraponcknlc 110 in vcr·

no,t967. )

Ftco

um pouco impaciente quando me perguntam : "Qual a origem do seu teatro experimental?" . Tenho a impressto de que o "experimental" significa um trabalho tangencial (brincando com uma "nova" t~nica em cada ensaio) e tributério . Supõe-se que o resultado seja uma contribuiçlo para o e:spetéc:ulo moderno: a cenografia usando esculturas atuais ou kttias eletrOnicu, música contemporlnea, os atores projetando independentemente estereótipos de circo ou decabar~. Conheço bem a coisa: jâ fiz parte disso. Nosso Teatro-Laboratório caminha numa outra dlreçlo, Em primeiro lugar, tentamos evitar o ecletismo, resistir ao pensamento de que o teatro é uma combinaçlo de matttias. Estamos tentando definir o que significa o teatro distintamente, o que separa esta atividade das outras catqorias de espeticulo. Em segundo lugar, nossas pro• Este "'tiro dt! J~ Grotowski foi pt~blkrldo tm Odm (Wroclaw, 9/ t96J); Ku11p Drom11tlsU Tftlltnu Pro1r11111 {Eslocoltno. t96J); Sml11 (No~/ SQd SI I96J); Clhln-s RefU1Vd-8ornuJt (Puis, JJ/ 1966); Tui1111t Dr11m11 Rrvitw (Ncw Orlearu, T. l$,1967.).

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duçOes sao investiJ,açOes do relacionamento entre ator e platéia. Isto é, cofLSidrromos a tknico clnico r pessoal do ator como a t~n­ cia da arte teatral. Slo dinceis de Joçalizar as fontes exatas desse enfoque, mas posso falar da sua tradiçlo. Criei-me com '? m~~o de Stanislavski; seu estudo persistente, sua renovaçlo sLStemâuca dos métodos de obSCTVaçlo e seu relacionamento dialético com ~u prôp~io tr~­ balho anterior fizeram dele meu ideal pessoal. Stanisl:lvskt mvestt· gou os problemas metodológicos fundamentais. Nossas S?I~Oes, oontudo, direrem profundamente das suas; por vezes, aUniJmOS conclusões opostas. E.studei todos os mttodos principais de treinamento do ator da Europa e de outras partes. Os mais importantes para os meus objetivos: exercidos de ritmo, de Oullin, investigações das ~ea~ extroversivas e introversivas, de Delsarte, trabalho de Stamslavski sobre as "açOes (\sicas", treinamento biomecânico de Meyerhold, a slntese de Vakhtanghov. Tambt:m especialmente estimulantes para mim roram as técnicas do teatro oriental, especialmente a Ópera de Pequim, O Kathakali in~iano e o Nô japonh. Poderia citar outros sistemas teatrais, mas o ml:todo que estamos desenvolvendo nAo é uma combinaçlo de técnicas extraldas dessas fontes (embora alauma.s vezes adaptemos alauns elementos para nosso uso). Nlo pretendemos ensinar ao ator uma strie de habilidades ou um repertório de truques. Nosso mttodo n!o é dedutivo, nlo se baseia em uma coleçlo de habilidades. Tudo estâ concentrado no amadurecimento do ator, que é C)(presso po,. uma tenslo levada ao extremo, por um completo despojamento, pelo desnudamento do que hâ de mais Intimo - tudo isto sem o menor traço ~ eaolsmo ou de auto-satisraçlo. O ator raz uma total doaçlo de st mesmo. Esta é uma t&:nk:a de "transe" e de integraçiO de todos ru poderes corporais e pslqulcos do ator, os quais emergem do mais Intimo do seu ser e do seu instinto, explodindo numa espk:ie de "transiluminaçlo''. Nlo educamru um ator, em nosso teatro, ensinando-lhe al&u· ma coisa: tentamru eliminar a resist@ncia de seu organismo a este processo ps\quloo. O resultado! a eliminaçlo do lapso de tempo entre impulso Interior e reaçlo exterior, de modo que o i~"? pulso se torna já uma reaçlo exterior. Impulso e açao slo concomatantes: o 14

corpo se desvanece, queima, e o espectador assiste a uma série de impulsos visiveis. Nosso caminho ê uma ~ia negativa, n!o uma~ leçl.o de técnicas, e sim errad k açlo de bloqueios. Anos de trabalho e de exerclcios especialmente compostos (que, por meio de treinamento flsioo, plbtico e vocal, tentam auiar o ator l correta conccntraçJo) alaumu vezes permitem a descoberta do inicio deste caminho. l:.nt&o torna-se posslvel cultivar cuidadosamente o que roi despertado. O próprio processo, embora de· pendente até um certo ponto da concentraçlo, da confiança, da entreaa e da quase total absorçlo na técnica teatral, nlo é voluntârio. O estado necessàrio da mente é uma disposiçao passiva a realizar um trabalho ativo, nlo um estado pelo qual "Qiltremosfa· r.eraquUo", mas "deslstimosden6ojar.f.fo". A maioria d~ atores do Teatro-Laboratório est.6. apenas começando a trabalhar para tornar possivel a manirestaçao vislvel de tal processo. Em seu trabalho cotidiano, eles nlo se concentram na técnica intelectual, mas na oomposiçAo do papel, na construçilo da forma, na expressAo dos simbolos- isto é, no artiricio. Nlo existe nenhuma contradiçlo entre a técnica interior e o artiflcio (articulaçlo de um papel por meio de slmbolos). Acreditamos que um processo pessoal que nlo seja apoiado e expresso pela articulaçAo rormal e pela estruturaçlo disciplinada do papel nlo ~ uma libe· raçlo, e redundar! no informe. Verificamos que acomposiçlo artificial nlo só nlo limita a espiritual, mude ra~o oonduza ela. (A tenslo troplstica entre o procaso interior e a forma fortale«: amboJ. A rorma! como uma se. dutora armadilha á qual o processo intelectual responde espontaneamente, contra a qual luta.) As formas do comportamento ' 1 natural" e comum obscurecem a verdade; compomos um papel como um sistema de slmbolos que demonstra o que está por tràs da más· cara da vislo comum: a dialética do comportamento humano. No momento de um choque ps\quioo, de terror, de perigo mortal, ou de imensa aJearia, o homem n!o se comporta naturolmtnte. O homem num elevado estado ei:piritual usa slmbolos articulados ritmi· camente, começa a dançar, a cantar. O gesto sfgn(ficativo, nlo o gesto comum, ! para nós a unidade elementar de expressAo.

"

Em termos de tknica formal, nlo trabalhamos por meio da proliferaçlo dos slmbolos ou pela soma deles (como nas repetiçOes formais do teatro oriental). Pelo contrArio, subtralmos, procurando a quintess!nc:ia dos slmbolos pela eliminaçlo daqueles elementos do comportamento "natural" que obscurecem o impulso puro. Outra U:cnica que ilumina a estrutura recôndita dos slmbolos f: a contradiçllo (entre acsto c voz, voz e palavra, palavra e pensamento, vontade c açlo, etc.)- aqui, também,tomamos a \1/o n~aliva.

cJusur san o relacionamento ator-espctador, de comunhao pereci>" tiva, direta, viva. Trata-se, san dúvida, de uma verdade teórica an· liga, mas quando rigorosamente testada na prática destrói a maioria das nossas idf:ias vulgares sobre teatro. Desafia a noçlo de teatro como slntese de disciplinas criativas diversas - literatura, escultura, pintura, arquitetura, iluminaçlo, representação (sob o comando de um diretor). Este "teatro sintético" é o teatro contcmporlneo, que chamamos de ''Teatro Rico''- rico em defeitos.

~ dincil precisar quais os elementos de nossas produções que resultam de um programa formulado conscientemente, e quais derivam da estrutura da nossa imaginaçlo. Freqüentemente me perguntam se certos cfcitos"mcdievai~" indkam uma volta intencional !s raizes rituais. N!o qtlste uma resposta única. No momento presente da nOS$8 consciblcia artlstica, o problema das "raizes" mlticas, da situaçlo humana elementar, tem signifiCado definido. Nlo em virtude, porém, de uma ''filosofia da arte'' c sim da descoberta e uso pritlco das regras do teatro~ Isto f:, as montagens nlo se originam de postulados estéticos a priori; antes, como disse Sartrc: ''Cada tknica conduz à metansica''.

O Teatro Rico bueia-se em uma cleptomania artistica, toman· do de outras disciplinas, construindo espetáculos hibridos, conglomerados sem espinha dorsal ou integridade, embora apresentados como trabalho artlstico oralnico. Pela multiplicação dos elementos assimilados, o Teatro Rico tenta fugir do impasse em que o cokxam o cinema e a tdevislo. Como o cinema e a TV sao superiores nas funções meclnicas (montagem, mudanças instantAncas de lugar, etc.), o Teatro RM:o ripostou com um apelo- evidentemente compensatório- ao "teatro total". A integraçi'lo de mecanismos emprestados (projeçOes cinemacogrificas, por exemplo) signiftca equipamento t~nico aperfeiçoado, permitindo grande mobilidade c dinamismo. E se o palco ou a platéia, ou ambos, fossem móveis, seria posslvel a perspectiva constantemente mutável. Tudo isto é uma tolice.

Durante diversos anos, vacilei entre os impulsos nascidos da pritica c a aplicaçlo de principias a priori, sem ver a contradiçlo. Meu amigo e colega Ludvilc Flaszen foi o primeiro a apontar essa confusAo no meu trabalho: o material e a têcnica que vinham espontaneamente, no preparo de uma montagem, da ess!ncia mesma do trabalho , eram reveladoras c promissoras; mas o que me parecia oriundo de conceitos teóricos era de fato mais funçlo da minha .,Crsonalldade que do meu intelecio. Percebi que a montagem conduzia a uma conscientizaçlo, ao invb de ser produto de uma conscienlizaçlo. Desde 1960, eu dava !nfase A metodologia. Por melo de CJ~:pcrimentaçOes prlulcas, procurava responder às perguntas com que tinha começado: O que~ o teatro? O que tem ele de único? Que pode fuer que o filme e a tclevisAo nlo podem? Dois conceitos concretos cristalizaram-se: o teatro pobre e a rcprcscntaçlo como um ato de transaresslo. Pela eliminaçlo gradual de tudo que se ·mostrou supérnuo, pcrcc~mos que o teatro pode existir sem maquilaacm, sem figurino especial e sem cenografia, sem um espcço isolado para representaçlo (palco), sem efeitos sonoros e luminosos, etc. S6 nlo pode

Nlo ht dúvida de que quanto mais o teatro explora e usa as fontes mednicas, mais permanece tecnicamente inferior ao cinema e t tclcvislo. Conseqüentemente, proponho a pobreza no teatro. Renunciamos a uma ãrca determinada para o palco e para a platéia: para cada montaacm, um novo espaço~ desenhado para os atores e para os espectadores. Dessa forma, torna-se posslvel infinita variedade no relacionamento entre atores c público. Os atores podem representar entre os espcctadorec;, estabelecendo contato direto com a platéia e conferindo-lhe um papel passivo no drama (por exemplo, as nossas montagens de Cain, de Byron, e de Shokuntola, de Kalida.sa). Ou os atores podem construir estruturas entre os espectadores c dessa forma inclui-los na arquitetura da açlo, submetendo-os a um stntido de pressA.o, congcstlo c limitaçlo de espaço (como a montagem de t lkropofu, de Wyspianski). Ou os atores podem representar entre os espectadores, ignorando-os, olhando "através" deles. Os espectadores podem estar separados dos atores - por exemplo, por um tapume a.Jto que lhes cheque ao

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queixo (como na montagem de O Principe Constante, de CaJ. dt::rón); dessa perspectiva radicalmente inclinada, eles olham para os atores como se vissem animais numa arena, ou como estudantes d e Medicina observando uma operação (além disso, o olhar para baixo confere à ação um sentido de trans&ressão moral). Ou então 3 sala inteira é usada como um lugar concreto: a última ceia de fausto, no refeitório de um mosteiro, onde ele recebe os espectado-res que são convidados de uma festa barroca servida em enormes rnesas cujos pratos são episódios de sua vida. A eliminação da dicotomia palco-platéia não é o mais importante: apenas cria uma si· tuaçao de laboratório, numa ârea apropriada para a pesquisa. O objetivo essencial é encontrar o relacionamento adequado entre ator e espectador, para cada tipo de representaçAo, e incorporar a decisão em disposições fisicas.

conduziu à criaçao pelo ator dos objetos mais elementares e mais óbvios. Pelo emprego controlado do gesto, o ator transforma o chão em mar, uma mesa em confissionário, um pedaço de ferro em ser animado, etc. A eliminação de música (ao vivo-ou gravada) nao produzida pelos atores permite que a representação em si se trans-forme em música através da orquestraçao de vozes e do entrechoque de objetos. Sabemos que o texto em si n!l.o é teatro, que só se torna teatro quando usado pelo ator, isto é, graças às inflexões, à associaçlo de sons, à musicalidade da linguagem.

Abandonamos os efeitos de luz, o que revelou amplas possibilidades de uso, pelo ator, de focos estacionários, mediante o emprego deliberado de contrastes entre sombras e luz forte. ~particular­ mente significativo que, uma vez que o espectador esteja colocado numa zona iluminada, tornando--se assim sensivel, passe ele também a tomar parte na representação. Ficou também evidente que os atores, como as figuras das pinturas de El Greco, podem "iluminar" com sua técnica pessoal, transformando--se em fonte de ••JuzespiriiUal".

Por que nos preocupamos com arte? Para cruzar fronteiras, vencer limitações, preencher o nosso vazio - para nos realizar. Nl!.o se trata de uma condição, mas de um processo através do qual o que é obscuro em nós torna-se paulatinamente claro. Nesta luta com a nossa verdade interior, neste esforço em rasgar a mâscara da vida, o teatro, com sua extraordiâria perceptibilidade, sempre me pareceu um lugar de provocaçao. f! capaz de desafiar o próprio teatro e o público, violando estereótipos convencionais de visão, sentimento e julgamento- de forma mais dissonante, porque sensibilizada pela respiraçao do organismo humano, pelo corpo e pelos impulsos interiores. Este desafio do tabu, esta transgressão, provoca a surpresa que arranca a máscara, capacitando-nos a nos entregar, indefesos, a algo que é imposslvel de ser definido mas que contém Eros e Caritas.

Também desistimos de usar maquilagem, narizes e barrigas pestiças, enfim, tudo o que o ator geralmente coloca, antes does· petáculo, no camarim. Percebemos que era profundamente teatral para o ator transformar-se de tipo para tipo, de caráter para carâter, de silhueta para silhueta- à vista do público- de maneira pobre, usando somente seu corpo e seu talento. A composiçlo de urna expressão facial fiXa, através do uso dos próprios músculos do ator e dos seus impulsos interiores, atinge o efeito de uma transubs11tnciaça.o notavelmente teatral, enquanto a mAscara preparada peJo maquilador é apenas um truque. Do mesmo modo , um traje sem valor autônomo, criado somente em funçao de determinado personagem e papel, pode ser transformado diante do público, contrastante com as funções do ator, etc. A eliminação dos elementos plásticos que possuem vida própria (isto t, que represent~m algo independente da açAo do ator)

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A aceitaçao da pobreza no teatro, despojado este de tudo que nao lhe é essencial, revelou-nos nl!.o somente a espinha dorsal do teatro como instrumento, mas também as riquezas profundas que existem na verdadeira natureza da forma de arte.

Em meu trabalho como produtor, tenho sido tentado, por essa razAo, a usar as situações arcaicas consagradas pela tradiçl!.o, situações (no domlnio da religião e da tradiç!o) que constituem tabus. Sentia a necessidadedeconfrontar·me com esses valores. Eles me fascinavam, dando-me uma sensação de repouso interior, ao mesmo tempo em que eu cedia à tentaçAo de blasfemar: eu queria atacà-los, vence-los, ou apenas enfrentA-los com a minha própria experiência, que é determinada pela experiência coletiva de nosso tempo. Este elemento de nossas produções tem sido chamado diferentemente de "colislo com as raizes", de "dialética do escárnio e 19

apoteose", ou então de "religillo e'tpressa pela blasf!mia, amor manifestado pelo ódio".

nos desnudamos e atingimos uma camada extraordinariamente recôndita, expondo-a, a mlscara da vida se rompe e cai.

Logo que meu conhecimento prático se tornou consciente e a conduziu a um método, senti-me compelido a rever a história do teatro em relaçllo com outros ramos do conhecimento, especialmente a psicologia e a antropologia culturaL Impunha-se uma revisao racional do problema do mito.

Em segundo, mesmo com a perda de um "ctu comum" de crença e das fronteiras inexpugnãveis, a perceptibilidade do organismo humano permanece. Somente o mito- encarnado na reali· dade do ator, em seu organismo vivo -pode funcionar conto tabu. A violaçlo do organismo vivo, a exposiçlo levada a um excesso uluajante, faz-nos retomar a uma situaçlo mltica concreta, experilnda de uma verdade humana comum.

experi~ncia

Percebi entllo, claramente, que o mito era ao mesmo tempo uma situaçAo primitiva e um modelo complexo com existancia independente na psicologia dos grupos sociais, que inspira componamentos e tendancias do grupo. O teatro, quando ainda fazia parte da religilo, jãera teatro: liberava a energia espiritual da congregaçto ou tribo, incorporando o. mito e profanando-o, ou melhor, superando-o. O espectador tinha entlo uma nova oonscientizaçlo de sua verdade pessoal na verdade do mito e, através do terror e da sensaçao do sagrado, atin· gia a catarse. NAo foi por acaso que a Idade Média concebeu a idéia da ''paródia sacra''. Mas a situaçllo atual é muito diferente. Como os agrupamentos sociais cada vez são menos definidos pela religilo, as formas mlticas tradicionais estilo em fluxo, desaparecendo e sendo reincarnadas. Os espectadores estio cada vez mais individualizados em relaçao ao mito como verdade corporificada ou modelo grupal, e a crença é muito mais um problema de convicçlo intelectual. Isto si&nifica que se torna muito mais dincil trazer à tona o tipo de im· pacto necessâriQ para atingir as camadas pslquicas que estio por trls da máscara da vida., A identificação do grupo com o mito- a equaçlo da verdade pessoal, individual, com a verdade universal -é virtualmente impossivel em nossos dias. O que é po&slvel? Primeiro, a conjrontOÇ{/o, antes que a identilicaçlo, com o mito. Em outras palavras, enquanto retemos nossas expcrif:ncias particulares, podemos tentar encarnar o mito, vestindo-lhe a pele mal ajustada para perceber a relatividade de nossos problemas, sua conexllo com as ''raizes'' e a relatividade de.sas "raizes" à luz da experi!ncia de hoje. Se a situação é brutal, se 20

Mais uma vez, as fontes racionais de nossa terminologia não podem ser citadas precisamente. Freqüentemente, perguntam-me sobre Anaud quando falo em "crueldade", embora suas formulações fossem baseadas em premissas diferentes e tivessem objetivo diferente. Artaud era um sonhador exuaordinãrio, mas seus escritos têm pouco signilicado metodológico porque não slo frutos de longa pesquisa prâtica. Slo uma proftcia espantosa, nlo um programa. Quando falo de "raizes" e de' "alma mltica", perguntam-me sobre Nietz.sche; se falo de "imaginação de grupo", vem logo à tona Durkheim; se de "arquétipos", Jung. Mas as minhas formulaç6es nao são derivadas das cibtcias humanas, embora eu as use para anAlise. Quando falo da expressAo simbólica do ator, inquirem-me sobre o teatro oriental, particularmente o teatro clássico chinh (especialmente quando sabem que estudei ali). Mas os sim bolos hierogllficos do teatro oriental slo inflexiveis, ~ mo o alfabeto, enquanto os slmbolos que usamos slo formas es· queléticas da açlo humana, cristalizaçlo de um papel, articulaçlo da psioofisiolo&ia particular do ator. Nlo tenho a pretenslo de que tudo o que fazemos seja inteira· mente novo. Estamos sujeitos, consciente ou inconsciente, a sofrer influ!ncias das tradições, da cilncia e da ane, até das superstições e sugestOes peculiares à civilização que nos moldou, da mesma forma que respiramos o ar do continente em que nascemos. Tudo isto influencia nossa empresa, embora às vezes possamos negà-lo . Mesmo quando chegamos a certas fórmulas teóricas e comparamos nosas idéias com as de nossos predecessores, já mencionados, somos forçados a apelar para ctrtas correçOes retrospectivas que nos habilitem a ver mais claramente as possibilidades com que nos depara-

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Quando confrontamos a tradiçao geral da Grande Reforma do teatro, de Stani.slavski a Dullin e de Meyerhold a Artaud, verificamos que nao partimos da estaca zero e que nos movimentamos numa atmosfera especial e definida. Se nossa pesquisa revela e confirma o lampejo de intuiçlo de outrem, curvamo-nos com humildade. Verificamos que o teatro tem certas leis objetivas e que sua rcalizaçAo só é posslvel quando respeitadas essas leis, ou- como disse Thomas Mann - atravb de uma espécie de "obcdiencia superior", à qual conferimos "atençllo condigna". Ocupo uma posiçllo especial de liderança no Teatro-Laboratório polon&. Nlo sou simplesmente o diretor, ou o produtor, ou o "instrutor espiritual''. Em primeiro lugar, minha relaçllo com o trabalho nllo é cer· tamente unilateral ou didática. Se minhas sugestões se refletem nas oomposiç6cs espaciais do nosso arquiteto Gurawski, é de se compreender que minha visAo roi formada ao longo de anos de colaboraçllocom ele. Existe algo de incomparavelmente Intimo e produtivo no trabalho com um ator que confia em mim. Ele deve ser atencioso, se· guro e livre, pois nosso trabalho consiste em explorar ao màximo suas possibilidades. Seu desenvolvimento é atingido pela observaçllo, pela perplexidade e pelo desejo de ajudar; o meu desenvolvimento se reflete nele, ou, melhor, está nele- e nosso desen· volvimento comum transforma-se em revelação. Não se trata de instruir um aluno, mas de se abrir completamente para outra pessoa, na qual é posslvel o fenômeno de "nascimento duplo e par· ti lhado". O ator ren~- nlo somente como ator mas como homem- e, com ele, renasço cu. ~uma maneira estranha de se dizer, mas o que se verifica, realmente, é a total aceitação de um ser humano por outro.

O Novo Testamento do Teatro*

O nome ''Teat~LDborDt6rio ''fa.:. pensar em pesquisa ci~ntlficu ~6 esta uma associaç4o apropriada? · A palavra pesquisa nao deveria lembrar sempre pesquisa c~entl_fica. Nada pode estar mais longe do que fazemos do que a ctlncta sensu stricto,· c nlo só pc~a nossa car@ncia de qualificações, como tam~m porque n!o nos mteressamos por esse tipo de tra· balho .

.A palavra pesquisa significa que abordamos nossa profissilo mats ou menos como o cntalhador medieval, que procurava recriar no seu pedaço de madeira uma forma jà existente. Nl!.o trabalha• Euamlo Barba reusu mttevbtl em 1964, inhtuiiJido..• "O Nowo TeMimm· Foi publicadl emStuliwroA/It~R~!Udd Ttfi/I'Ohrduto(Marllllo Ednorr, Pid111, 1965), como tambtm nn Ttfltrtu Tron 01 Tduukk (Uoi.Hmo l / 1966)e711HtrttfU1t~ti(Niri(Y.511966). '

to~Teatto'' .

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mos como o artista e o cientista, mas entes como o sapateiro, que procura o lugar exato no sapato para bater o preso. O outro sentido da palavra pesqu1 ~a pode parecer um pouco irracional, uma vez que envolve a idéia de penetraçAo na natureza humana. Em nossa época, na qual todas as línguas se confundiram como na Torre de Babel, em que todos os generos estéticos se misturaram, a morte ameaça o teatro, à medida que o cinema e a televisao invadem o seu domínio. Isto faz com que examinemos a natureza do teatro, como é que ele se diferencia das outras formas de arte, e o que é que o torna insubstilUivel. Sua pesquiso o condutiu a alguma d~finiçiJo?

Que significa a palavra teatro? Esta é urna pergunta com que sempre nos defrontamos, e para a qual hâ muitas respostas posslveis . Para o academico, o teatro é o lugar onde um ator declama um texto, ilustrando-o com uma série de movimentos, a fim de tornà-lo mais facilmente cÔmpreendido. Interpretado desta forma, o teatro é um acessório util da literatura dramática. O teatro intelectual é apenas uma variame dessa concepçlo, Seus defensores consideram-no uma espécie de tribuna polemica. Também aqui, o texto é o elemento mais importante, e o teatro funciona unicamente para acentuar certos ar&umentos intelectuais, provocando com isso o seu confronto reciproco. Trata-se de uma ressurreiçlo da arte medieval do duelo oratório. Para o espectador comum, o teatro é acima de tudo um luaar de divertimento, Se ele espera encontrar uma Musa frlvola, o texto nlo lhe interessa nem um pouco. O que o atrai slo as chamadas gags, os efeitos cômicos, e talvez os trocadilhos que levam de volta ao texto. Sua atençlo se dirige principalmente para o ator como um centro de atraçlo. Uma jovem vestida o mais sumariamente posslvel é, por si s6, uma atraçlo para certos freqüentadores de teatro que atribuem um critério cullural à atuaçlo da moça, embo-ra esse julgamento seja, na verdade, uma compensaçlo para a frustraçlo pessoal.

lodramAtico. N~ te caso, suu exigencias podem variar profundamente. Por um lado, pode demonstrar que pertence a uma sociedade melhor, onde a "Arte" é uma garantia; e, por outro, deseja experimentar certat.s emoçOcs que lhe proporcionem um senso de auto-satisfaçAo. Mesmo que nlo sinta piedade pela pobre Antigona, nem averslo pelo cruel Crconte, e nlo partilhe do sacrincio c do destino da herolna, acredita-se, apesar disso, moralmente igual a ela. Para ele, trata-se de uma questAo de ser capaz de sentir-se "nobre" . As qualidades didáticas desse tipo de ernoçlo sAo dúbias. A platéia - toda constitulda de Creontes - pode ficar do lado de Antígona durante a representaçlo, mas isto nlo a impedirA de comportar-se como Creonte, uma vez fora do !'eatro. digno de nota o sucesso das peças que tratam de uma infinda infeliz. O fato de assistir aos sofrimentos de uma criança inocente no palco torna bem mais fácil para o espectador simpatizar com a infeliz vitima. Assim, ele se asseaura do alto nlvel dos seus padrOcs morais.

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A gente do teatro nlo tem, usualmeme, uma concepçlo inteiramente clara sobre o teatro. Para o ator comum, teatro é, acima de tudo, ele mesmo, e nAo o que ele e capaz de conseguir através dos seus meios técnicos. Tal atitudeoriaina a imprudencia e a autosatisfaçAo, que o tornam capaz de apresentar açOcs que nAo exigem nenhum conhecimento especial, que slo banais e comuns, como andar, levantar-se, sentar-se, acender um cigarro, colocar as mAos nos bolsos, c assim por diante. Na opiniAo do ator, nada disso se destina a revelar alguma coisa, mas basta em si, porque, como jà disse, ele, o Sr. X, é o teatro. E se o ator possui um certo encanto que prenda a platéia, isso fortalecerA mais ainda a sua convicçlo.

O espectador que alimenta veleidades culturais gosta, de vez em quando, de assistir a representações do repert6do mais sério, até de uma trqédia, contamo que possua aJgum elemento mo-

Para o cenógrafo, o teatro é acima de tudo uma arte plàstica, o que pode ter conscqOêlcias positivas. Os projetistas slo freqUentemente defensores do teatro literArio. Aleg.am que o ccnârio, assim como o ator, servem ao drama. Esta crença nlo revela qualquer desejo de servir Aliteratura, mas apenas um complexo com rclaçAo ao produtor. Preferem ficar do lado do dramaturgo, jt\ que ele estã. distante e, conseqüentemente, tem menos possibilidades de limitálos. Na prãtica, os projetistas mais originais sugerem um confronto entre o texto e a vislo pllstica capaz de superar e revelar a imaginaçlo do autor. Nlo é, prOvavelmente, por mera coinCidbx:ia que os ccnóarafos poloneses slo, freqoentementc, os pioneiros no teatro de nosso pais. Eles exploraram as numerosas possibilidades

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oferecidas pelo desenvolvimento revolucioil.ârio da artes plásticas no stculo XX, as quais, em menor escala, inspiraram autores c produtores. NAo implicarà isso num certo perigo? Os cr1ticos que acusam os cenógrafos de dominarem o palco apresentam mais de um argu. mento válido e objetivo; a questão é que partem de uma premissa errada.~ como se acusassem um carro de correr mais depJ"C$$1 que um caracol. Isto é o que os aborrece, e nlo que a vislo do cenóara· fo tenha dominado a do ator e a do diretor. A visao do cenógrafo é criativa, nlo estereotipada; e. mesmo se o for, perde seu carãter teutológico através de imenso processo de ampliaçlo. Apesar de tudo, o teatro é transformado- q~oeira o cenóarafo ou não- numa Kric de quadros vivos. Torna-se uma espécie de comera tscura, uma excitante lanterna mágica. Mas não deixa, cntao, de ser teatro? Finalmente que significa o teatro para o produtor? Os produtores vem para o teatro depois de falharen1 em outros campos. Aquele que uma vez sonhou em ser autor termina sendo diretor. O ator que é um fracasso ou a atriz que jã foi prima donna e começa a envelhecer voltam·se para a produção. . O critico de teatro que, há muito, tem um complexo de importlncia com rdaçlo a uma arte pela qual nada mais pôde fazer, exceto escrever, volta-se tambtm para a produçlo. O hiper-senslvel professor de literatura, que jâ estâ farto do trabalho acadtmico, considera-se tambtm capaz de se tornar um produtor. Jâsabe o que é o drama- e que mais l-:o teatro para ele senAo a realizaçl.o de um teatro?

Con1o slo auiados por uma tal variedade de motivaç6es psica· naliticas, as idéias dos produtos sobre o teatro slo as mais variadas poss\veis. Seu trabalho é uma compensaçlo para vários fenômenos. O homem que nlo desenvolveu suas tendf:ncias pollticas, por exemplo, muitas vezes se to.rna produtor e goza, assim, de.uma sensaçlo de poder, que tal pos1çlo lhe confere. Isto levou malS de uma vez a interpretações perversas; e os produtores que possuiam essa

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necessidade de poder montaram peça~ que polemtla\am com as autoridades: dai as numerosas montagens ··rebeldes '' . Claro que o produtor quer ser criativo. Por consesuinte mais ou menos conscientemente- defende um teatro autônomo, independente da literatura, que ele considera apenas um pretexto. Mas, por outro lado, u pessoas capazes de um tal trabalho criativo slo raras. Muitas estio olicialmente contentes com a definição literária e intelectual do teatro, ou sustentam a teoria de Wagner seaundo a qual o ti:atro deveria ser uma síntese de todas as artes. Uma fórmula mais 6till Permite que se respeite o texto, este elemento básico invK>Iivel, e al~m do mais não provoca nenhum conflito com o meio literário e psicológico. Deve-se afirmar, num parêntese, que cada autor- mesmo aqueles que s6 podemos qualificar como tais por pura gentileza- sente-es obrigado a defender a honra e os direitos de Nickiewicz, Shakespeare, etc., simplesmente porque se conSideram seus colegas. Assim, a teoria de Wagner sobre "o teatro como arte total" estabelece la paix des bra~·~ no campo literãrio. Esta teoria justifica a exploraçlo dos elementos plásticos da cenografia numa montagem, e atribui os resultados a ela. O mesmo pode ser dito em rdaçlo i música, seja um trabalho original ou uma montaaem. A isto se acrescenta a escolha acidental de um ou mais atores conhecidos, e com esses elementos, apenas casualmente coordenados surge uma montagem que satisfaz. as ambições do produtor. Ele se coloca no cume de todas as artes embora na realidade se beneficie de todas sem liaar ao trabalho criativo realizado para ele pelos outros- se~ que, na verdade, algu~m pode ser chamado de criativo em tais circunstâncias. Desta forma, o número de definíç6es de teatro é praticamente ilimitado. Para fugir desse circulo vicioso, torna-se necessário, sem dúvida, eliminar, e nl.o adicionar. Por isto, temos de perguntar o que é indispensàvel no teatro. Vejamos. Pode o teatro existir sem figurinos e cenários? Sim, pode. Pode o teatro existir sem música para acompanhar o enredo? Sim. 27

Pode o teatro existir sem efeitos de luz? Oaro. E sem texto? Sim; a história do teatro confirma isto. Na evoluçlo da arte teatral, o texto foi um dos úJtimos elementos a ser acrescentado. Se colocamos aJaumas pessoas num palco com um cenlrk> que elas próprias montaram, e as deixamos improvisar seus pa'*is como na Commedio d~II'Arte, a representaçAo poderll ser iaualmente boa, mesmo que as palavras não sejam articuladas, mas apenas murmuradas. Mas poderl exitir o teatro sem atores? Nlo conheço nenhum exemplo disto. Pode-se mencionar o teatro de fantoches. Mesmo aqui, no entanto, o ator pode ser encontrado por trls das cenas, embora de uma outra forma. Pode o teatro existir sem uma platéia? Pelo menos um espectador ê necessário para que se: faça uma representaçlo. Assim, facamos com o ator e o espectador. Podemos entlo definir o teatro como "o que ocorre entre o espectador e o ator". Todas as outras coisas sAo suplementares - talvez necessárias, mas ainda assim suplementares. NAo foi por mera coincidência que nosso TeatroLaboratório se desenvolveu a partir de um teatro rico em recursos -nos quais as artes plâ.sticas, a iluminação e a música eram cons-tantemente usadas - para o teatro ascCtico em que nos tornamos nos últimos anos: um teatro asc~ico no qual os atores e os espectadores Uo tudo o que existe. Todos os outros elementos visuais slo construidos atravb do corpo do ator, e os efeitos musicais e acústicos através da sua voz. Isto nAo significa que nAo empreguemos a literatura, mas sim que nlo a consideramos a parte criativa do teatro, mesmo que os arandes trabalhos literàrios possam, sem nenhuma dúvida, ter efeito estimulante na sua gênese. Já que o nosso teatro Consiste somente de atores e espectadores, fazemos exig!ncias especiais a ambas as partes. Embora n!o possamos educar os espectadores- pelo menos, nao sistematicamente-, podemos educar o ator,

que é - algo qual qualquer f'IC'I'õO
~~:a!s ::~a~:o~;a~~~r:~~n~~j~oe~u~i~~ :~ a~~~e~a: entre uma mulher respeitável e uma cortesl. que ficou mcio diflcil de se estabelecer. O que impressiona quando se observa a atuaçll.o de um ator, tal como é praticada hoje em dia, é a mesquinharia de seu trabalho: a barganha feita por um corpo explorado JXIOs seus protetores diretor, produtor - criando em retribuiçao uma atmosfera de intriga e revolta. Assim como só um grande pecador pode se tornar um santo, sesundo os teólogos (nâo esqueçamos a RevelaçAo: "Asssim porque és morno, nem frio nem quente, eu te vomitarei da minha boca"), da mesma forma a mesquinharia do ator pode ser transforntada numa espécie de santidade . A história do teatro oferece numerosos exemplos disto.

O ator t um homem que trabalha em pUblico com o seu corpo, oferecendo-o publicamente. Se este corpo se limita a demonstrar o

NAo me entendam mal. Falo de "santidade" como um descrente. Quero diler: uma "santidade secular", Se o ator, estabelecendo para si próprio um desafio, desafia publicamente os outros, e, através da profanaçao e do sacrill:aio ultrajante, se revela, tirando sua máscara do cotidiano, torna posslvel ao espectador empret:nder um processo idêntico de autopenetraçlo. Se nlo exibe seu corpo, mas anula-o, queima-o, liberta-o de toda resistência a qualquer impulso pslquioo, então, ele nAo vende mais o seu corpo, mas o oferece em sacrincio. Repete a redençlo; estA próximo da santidade. Se tal representaçlo deve n!O ser fortuita, um fenômeno que n!o possa ser previsto no tempo e no espaço, m&J, pelo contrário, se quisermos um grupo de teatro cujo alimento seja esse tipo de trabalho, entllo temos de seguir um m~odo especial de treinamento e pesquisa.

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Como I, ttntiJo, que o ator I tnoinado no seu lealro, delttnuma monlagttm?

f!

qual a funçiiO

Como t, na prdtica, o trabofho com o ator "santo"? . Hâ um mito que conta como um ator, com uma quantidade considerâvel de experiência, pode construir o que nós chamamos de seu próprio ''ar~nal''- isto l:, um ac6mulo de ml:todos, artiflcios e truques. Deles, pode escolher um certo número de combinações para cada papel, e atingir assim a expressividade necesslria para prender sua platl:ia. Esse "arsenal" ou estoque pode nlo ser mais que uma coleção de clich!s, caso em que tal método l: inseparàvel do conceito do ''ator cortcslo''. A diferença entre o "ator cortesão" c o "ator santo" l: amesma que hâ entre a perlcia de uma cortesã e a atitude de dar e receber que existe num verdadeiro amor: em outras palavras, autosacriflcio. O fato essencial no sesundo caso l: a possibilidade de eliminar qualquer elemento perturbador, a fim de poder superar todo limite convencional. No primeiro caso, trata-se do problema da existência do corpo: no outro, antes, da sua na()-Cxistência . A téc· nica do "ator santo" l: uma técnica indutiva (isto~. uma tl:cnica de eliminação), enquanto a do "ator corteslo"l: uma tlcnica dedutivo (isto l:, um acúmulo de habilidades) . O ator que realiza uma açlo de autopenetraçlo, que se revela e sacrifica a parte mais intima de si mesmo- a mais dolorosa, e que nlo l: atinaida pelos olhos do mundo-, deve ser capaz de manifestar atl: o menor impulso. Deve ser capaz de expressar, atravl:s do som e do movimento, aqueles impulsos que estio no limite do sonho e da realktadc. Em suma, deve ser capaz de construir sua própria linauagcm psicanalhica de soru e ac:stos, da mesma forma como um arande poeta cria a sua linauagem própria de palavras.

Se levarmos em conslderaçlo, por exemplo, o problema do som, a plutlcldade do aparelho vocal e respiratório do ator deve ser infinitamente mais desenvolvida do que a do homem na rua. Mais ainda, esse aparelho deve ser c:apaz de produzir reflexos sonoros tio rapidameme, que o pensamento- que remove toda espontaneidade- nlo tenha tempo de Intervir.

O ator deve ser c:apaz de decifrar todos os problemas do seu corpo que lhe sejam ac:esslvcis. Deve saber como dirigir o ar e u partes do corpo onde o som deve ser criado c ampliado, como nu-

ma espk de amplificador. O ator comum conhece apenas a ca· beça co amplificador; isto l:, usa a cabeça como caU..> úc: ressoamplificar a voz, para tornar seus sons mais nobres, nlncia p mais aa.radlveis :\ plat~ia . Pode at~. de tempos em tempos. usar o corpo como amplificador. Mas o ator que pesquisa, intimwncnte, as possibilidades do seu próprio organismo, descobre que o número de amplifiCadores ~ praticamente ilimitado. Ele niO explora apenas •. c:a~ e o t_órax, mas tambCf!! a parte de trás da cabeça (o ocCiplclo), o nanz, os dentes:, a lannge, a barriga. a espinha, bem como aq~le aparelho amplificador que, na verdade, l: todo o corpo -e mullOS outros, alguns dos quais ainda nos slo desconhecidos. Ele descobre que nao basta emprepr a respiraçlo abdominal no paiC?. As várias fases da sua ~Ao física exigem diferentes tipos de resJ?Itaçlo. Descobre que a dlCÇ.llo aprendida na escola de teatro multO freqüentemente provoca o fechamento da sua laringe. Deve adquirir a habilidade de abrir a laringe conscientemente, e saber quando ela està aberta ou fechada. Se nAo solucionar esses problemas , sua atençlo serâ distra!da pelas dificuldades que encontrar! e o processo da autopenetraçAo falhará necessariamente. Se o ator està consciente de seu corpo, n!lo pode penetrar em si mesmo e revelar-se, O corpo deve ser libertado de toda resistência. Deve virtualmente, deixar de existir. Como acontece com a voz c a r~pi­ raçlo, nl~ basti: que o ator aprenda a usar os diversos amplilic:adorcs, a abnr a lannse e a escolher um certo tipo de respiraçlo. Deve aprender a executar tudo isto inc:onscientemente, nas fases culminantes de lUa representaçlo; e isto exige uma sl:rie de novos exercidos. Quando estiver trabalhando no seu papel, deve aprender a nlo pensar em tomar clementostf:tcnicos, mas em consequir eliminar os obstácul concretos que se apresentem (por exemplo, a resistlncia da voz). ~as coisas nlo slo de modo algum simples filigranas . Trataseda d1fct'mça Que decide o erau do b.ito. Significa que o ator nunc:a possuirl uma tl:cnica permanentemente " fechada'', pois a cada degrau do leU auto-cscrutinio, a cada modificaçlo, a cada acesso, a cada dttrubada de barreiras escondidas, encontrar! ele novos problem tknicos num nlvel mais alto. Ele deve, assim, aprender a sobrepu Lo1 lambem com o auxilio de certos excrclcios bàsicos.

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Isto funciona para todo: para o movimento, a plasticidade do corpo, aaesticulaçâo, a construçlo du mbcar.u. o1.11avés da musculatura facial, c, na verdade, para cada detalhe do corpo do ator. Mas o fator decisivo neste processo é a técniCil de pcnctraçlo pslquica do ator. Ele deve aprender a usar o papel como se fosse um bisturi de cirurgiao, para dissecar. Nilo se trata do problema de retratar-se em certas circunst!ncias dadas, ou de "viver" um papel; nem isto impOc um tipo de reprcsentaçlo comum ao teatro épico c baseado num câlculo frio. O fato importante é o uso do papel como um trampolim, um instrumento pelo qual se est uda o que está oculto por nossa máscara cotidiana- a parte Intima da nossa personalidade - , a fim de sacrifid-la, de expô-la.

1': um excesso nlo só para o ator, mas tambtm para a platéia. O espectador compreende, consciente ou Inconscientemente, que se trata de um convite para que ele faça o mesmo , c isto termina por dcspcnar oposlçllo ou indianaçllo, porque nossos esforços diários t! m a filfalidadc de esconder a verdade sobre nós, nAo apenas do mundo, mas tambtm de nós mesmos. Tentamos fu gir da nossa verdade, enquanto aqui somos convidados a parar e temar um olhar mais profundo. Temos medo de virarmos estltuu de sal, de olharmos para trlu, como a mulher de Lot. A realizaçlo dcs.sc: ato ao qual nos referimos - a aut~ pcnetraçlo, a revclaçlo - exige uma mobilizaçlo de todas as f~ rças nsicas e espirituais do ator, que está num estado de ociosa disponibilidade passiva que torna possivel um lndice ativo de reprcsemaçAo.

Temos de recorrer a uma linauaaem metafórica para dizer que o fator decisivo neste processo é a humildade, uma prcdisposiçlo espiritual: nlo parafm:er algo, mas para impedir-se de fazer algo, senlo o excesso se torna uma impudencia, em vez de um sacrincio. Isto significa que o ator deve representar num estado de transe. O transe, como cu entendo, é a possibilidade de concentrar-se numa forma teatral particular, e pode ser obtido com um mlnimo de boa vontade. 32

Se eu tivesse de expressar tudo isto numa só frase, diria que se trata de um problema de dar-se. Devemos nos dar totalmente, em nossa n1ais profunda intimidade, com conflança, como nos damos no amor. AI cstâ a chave. A autopenctraçll.o, o transe, o acesso, a disciplina formal - tudo isto pode ser realizado, desde que nos ten hamos entregue totalmente, humildemente, sem dcfessas . Este ato culmina num cllmu:. Traz alivio. Nenhum desses txerdcios nos vários campos do treinamemo do ator deve ser de supcrflcic. Deve desenvolver um sistema de alusões que conduzam a um ílusivo c indcscritivel processo de autodoaçAo. Tudo isto pode soar estranho c lembrar uma csp(:cie de charlatanismo . Para usarmos fórmul as cientificas podemos dizer que se trata de um emprego particuJar da sugcstao, tendo como objetivo uma rcalizaçao ideopl6.stico, Pessoalmente, devo admitir que nunca recuamos no uso dessas fbrmulas de "charlat4cs". Tudo que tenha um halo fora do comum e mágico estimula a imaginaçlo, tanto do ator quanto do produtor. Acredito que devemos desenvolver uma anatomia especial do ator; por exemplo, encontrar os vários centros de con~ ntração do corpo, para as diferentes formas de representar, procurar as áreas do corpo que o ator sente, algumas vezes, como suas fontes de mêrgia. A regi lo lombar, o abdome c a área em volta do plu:u.s solar muitas vezes funcio nam como uma fonte. Fator essencial neste processo é a claboraçao de um controle para a forma, a artifidalidade. O ator que cumpre um ato de autopcnetraçl.o empreende uma viagem que é registrada através de vlrios rcnexos sonoros e aestos, formulando uma espécie de convite ao espectador. Mas tais sinais devem ser aniculados. A falta de expressividade cstl sempre relacionada com certas contrad)çOes e discrepâncias. Uma autopcnctraç!o indisciplinada nlo t uma libertaçlo, mas é percebida como uma forma de caos biolbgico.

Como voei combina ~pontaneidade com disciplina formal? · A claboraçlo da artificialidadc é um problema de ideogramas -sons e gestos, que evocam associações no psiquismo da platéia.

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Lembra o trabalho de um tSCu1tor nwn bloco de pedra: o uso corucieme do martelo e do cinzel. Consiste, por exemplo, na anàlise do reflexo da mão durante um proctsso pslqulco, e seu sucessivo desenvolvimento atraY~ do ombro, do cotoYelo, do punho, dos dedos, a fim de decidtr como cada fase desse processo pode sa expressa atravb de um sinal, de um ideoarama, que transmite irutantaneamente as motivações escondidas do ator ou luta contra elas. ~

Esta elaboraçao da artificial idade- da rb:lea orientadora que a forma - muitas vezes se baseia numa busca consciente em nos-

so organismo, através de formas cujas linhas exteriores sentimos, embora sua realidade ainda nos escape. Presumimos que estas formas jã existem, completas, dentro do nosso organismo. Aqui, tocamos num tipo de representaçlo que, como arte, estã mais próxima da escultura que da pintura. A pintura envolve a soma das cores, enquanto o escultor elimina o que esconde a forma, como se ela jã existisse dentro do bloco de pedra, revelando--a dessa forma, em vez decrii-la.

Tampouco satisfaçamos o homem que vai ao teatro _d,~ertir­ . de um dia de trabalho. Todo mundo tem o duc1t0 de • dlmt;,.,, d<'PO;, de um dia de trabalho, c há inúmeras formas de para esse propósito, como certos tipos de filmes de cae mwic-hall, e muitas outras coisas parecidas. Estamos interessados no espectador que sinta umaaenuina necessidade espiritual, c que realmente deseje, a~ravCs de um confronto com a representaçao, analisar-se. Estamos mtcressados no cspcc· tador que nao pira num estágio el~~ntar de i?t.cgraçlo pslqu~ca, satisfeito com sua mesquinha estabthdadc cspmtual~ aco~étnca, sabendo exatamente o que ~ bom c o que t ru1m ~m JamaiS pôr-se em dúvida. Nlo foi para ele que EL Grego, Norwld, Thomas Mann e Dostoiévski falaram, mas para aquele que empreende um processo interminàvcl de autodesenvolvimentb, e cuja inqu~etaçâo nlo ~ eral, mas diriaida para uma procura da verdade de SI mesmo e da 1 sua miss:lo na Yida.

Isto significa um teatro para a l!lite? Esta procura da artificialidadc requer, por sua vez, uma strie de exerclcios extras, formando uma miniatura de tabela para cada parte do nosso corpo. De qualquer modo, o princlplo decisivo permanece o seauinte: quanto mais nos absorvemos no que está escondido dentro de nós, no excesso, na revelaçlo, na autopenetraçlo, mais rigidos devemos ser: nas discipJjnas externas; isto quer dizer a forma, a artificlalidade, o ideograma, o atsto. Aqui reside todo o principio da expressividade.

Que espera voei do espectador neste lipo de leiJiro? Nossos postulados nao slo novos. Exi&imos daJ pessoas u mesmas coisas que todo verdadeiro tn.balho de arte exige, seja a pintura, a escultura, a música, a poesia ou a literatura . Nlo satisfazemos o espectador que Yai ao teatro para cumprir uma neccuídadc social de contato com a cultura: em outru palavras, para ter aJauma coisa de que falar a seus amigos c poder dlzer que viu esta ou aquela peça, que roi muito interessante. Nlo estamos no teatro para satisfattr sua ''sede cultural''. I sto~ tn.paça.

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Sim, mas para uma elite nlo determinada pelo nlvelsocial nem pela situaçlo financeira do espectador, e nem mesmo pela educação. O trabalhador que nunca teve nenhuma educação .secundária pode desenvolver esse processo criativo de autOpcsqUisa, enquanto o professor universitàrio pode estar morto, permanentemente formado, amoldado na terrível rigid~z. de um cadáver. Isto deve ficar claro desde o inldo. Nao estamos mtercssados em nenhuma determinada plat~ia, mas sim numa plattia especial. Não podemos saber se o t_eatro ~inda ê.nccc;ssArio atualmc~tc, uma vez que todas as atrações socia1s, os diVCrtlmentos, os dc1tos de forma c cor foram tomados pelo cinema e pela tclcYisJ.o. T~o mundo repete a mesma pergunta retórica: o. teatro ~ nccesstmo7 Mas nós só a fazemos para poder responder: Sim, e, porque se trata de uma arte sempre jovem c necessária. A venda das.montagcns t oraaniz.ada em laraa escala. Entrttanto, nlo se org~mzam as apresentações dos filmes e da tclcvislo da mesma manetra. Se todos os teatros fossem fechado• um dia, uma grande porcentagem do poYO nlo tomaria conhecimento disto durante aJaumas semanas; mas se 35

se eliminassem os cinemas e a tdevislo, toda a populaçlo nomesmo dia entraria em grande alvoroço. Muita geme de teatro está consciente deste problema, mas tenta resolve..lo de forma errada: já que o cinema domina o teatro do ponto de vista têcnko, por que n!o fazer o teatro mais técnico? Inventam novos palcos, mudam os cenários com enormes velocidade, complicam a iluminaçllo e os cenários, etc., mas nunca conseguem atingir a capacidade técnica ~e ~m filme ou da televislo. O teatro deve reconhecer suas próprias hm1taçOes. Se nlo pode ser mais rico que o cinema, entlo assuma

!~~~~~e~~a:. ~~a:~~;:,b~~aa~~:.: t~~\::s~:;ua:~

c1e a qualquer pretensllo técnica. Dessa forma, cheaamos ao ator "santo" e ao teatro pobre. ~iste apenas um elemento que o cinema e a televislo nlo po. dem urar do teatro: a proximidade do organismo vivo. Por causa disto, toda modifiçlo do ator, cada um dos seus aestos mágicos (in. capa~ de serem reproduzidos pela platéia) torna-se qualquer coisa de m_mto arande, algo de extraordinário, alao próximo do btase. Por 1sto, é ~ec.essá.tio abolir a distAncia entre o ator e a platéia, atarvés da ehmmaçlo do palco, da remoçao de qualquer fronteira. Deixemos que a cena mais dràstica aconteça face a face com o es~tador, ~e modo a que ele esteja de braços com o ator, possa sentu sua respJTaçllo e seu cheiro. Isto condiciona a necessidade de um teatro de cArn.ara.

Estou pensando em COWI.:i que slo tio elementares e tio inti· mamente associadas, que 5eria dincil para nós submetê-las a uma anllise racional. Por exemplo, m mitos religiosos: o mito de Cristo e Maria; os mitos biol6gicos: o nascimento e a mone, o simbolismo do amor, on, num sentido mais vasto, Eros e Thanatos; os mitos nacionais, que slo muito dil1ceis de ser enunciados em rbrmulas, embora sua presença se faça .sentir no nosso sangue quando lemos a Parte li de Fonfather Eve, de Mickiewicz, o Kordian, de Slowacki, ou a Ave-Maria.

Uma vez mais, nllo existe problema na pesquisa especulativa de certos elementos reunidos numa montagem. Se começamos nosJO trabalho, numa montagem teatral ou num papel, violando o mais Intimo do nosso ser, procurando aquelas coisas que mais possam nos ferir, mas que ao mesmo tempo nos dlo um sentimento total de uma verdade purificante, que finalmente nos tra.t. a paz, entl1o inevitavelmente terminaremos chegando às represenloçDes roleti~as. Devemos estar familiarizados com este conceito, para nll.o perdermos o seu sentido real, jé. que o alcançamos. Mas isto nlo pode ser imposto a ninguém de imediato.

Como pod~ ~ tmtro apressar a lnqui~1Dçl1o qu~. como temos o direito d~ supor, vario de um individuo para outro?

Como funciona isto numa montaaem teatral? Nilo pretendo dar exemplos aqui. Penso que existe uma explanação sufK:iente na descriçlo de Akropolis, Dr. Fawtus ou outras montagens. Quero apenas chamar atenção para uma caracteristk:a especial dessas montagens teatrais, que combinam a fascinaçlo com uma negaçlo excessiva, uma aceitaçlo e uma rejeiçlo, um ataque lquilo que ~ sagrado (representaç(Jes coletivru), profanaçao e adoraçllo.

Para que o espectador seja estimulado a uma auto-análise, 9uando confrontado com o ator, deve existir algo em comum a hgâ-los, algo que possa ser desmanchado com um gesto, ou mantido com adoraçlo. Ponanto, o teatro deve atacar o que se chama de complexos coletivos da sociedade, o núcleo do subconsciente coleti· vo, ou talvez d~ superconsciente (nlo importa como seja chamado), aqueles m1tos que nAo constituem invençOcs da mente, mas q!'le slo, por assim dizer, herdados atra,·és de um sanaue, uma reliSilO, uma cultura e um clima.

Para iluminar ~ processo panicular de provocaçlo na platéia, de'llemos nos afastar do trampolim representado pelo texto, e que jl estA sobrecarresado de um sem-número de associações aerais. Para isto, precisamos ou de um texto clâssico, ao qual, através de uma espécie de profanaçlo, restituimos ao mesmo tempo sua verdade, ou de um texto moderno, que pode ser banal e estereotipado no seu conteúdo, mas apesar disso enraizado no psiquismo da sociedade.

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O ator "somo" nllo ser4 um sonho? O caminho da santidade nDo est6 aberto a todos. Só os poucos acolhidos podem trilh6-lo.

Como eu jâ disse, não devemos tomar a palavra "santo" no sentido rdiaioso. Tratt·se mais de uma metáfora, definindo uma pessoa que, atravts de sua arte, transcende seus limites e realiza um ato de auto-sacriflcio. Claro, voca tem razlo; é infinitamente dincll tentar reunir uma trou~de atores "santos" . É muito mais fiei! encontra r um espectador "santo"- no sentido que eu dou a estt palavra - , mas ele só vem ao teatro por um breve momento, a fim de faur um acerto de con tas consigo próprio, e isto é alao que nlo po.. de ser imposto pela dura rotina do trabalho diârio. Será a santidade, entllo, um postulado irreal? Creio que é tio bem fundado quanto o do movimento à velocidade da luz. Com isto, quero dizer que, mesmo tem atingi-lo, podemos nos mover consciente e sistematicamente naquela direçllo, oonseguindo assim resultados prâticos. A repre$tntaçlo é uma arte particularmente inarata. Morre com o ator. Nada lhe sobrevive, a n!o ser as revistas, que usuaJmente nAo lhe fazem muita justiça seja ele bom ou ruim . Por isto sua única fonte de satisfaçao estli na reaçlo da platéia . No teatr~

:~!:::~~:~~~~~~h~%:t~ag~af=~i~.e:~nt~~~:::~:;,~: co de md•gnaçA.o, e até de repugnlncia, que o espectador dirige nlo exatamente para ele, mas para o teatro. É dincil atingir um nlvel pslquico que nos habilite a suportar uma tal pressao.

muit~e~~e~~Z:ad:C,~~~:~:t~~::~~n::":u~i~~ 1~u~~~~ aritado, 5eT coberto de floreJ ou ver-se alvo de o utros simbolos costumeiros no teatro comercial. O trabalho do ator é também ingrato por causa da incessante supervisllo a que estli sujeito. Nilo é como ser criativo num escritório, sentado diante de uma mesa, mas debaixo do olhar do diretor, que, mesmo no teatro baseado na arte do ator, nige dele numa escala muito maior do que no teatro normal, impelindo-o a um sempre cresecente aumen1o de esforços que lhe slo muito dolorosos.

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Isto pode ser inSUTponável , se o diretor nlo possuir arande autoridade moral, se seus postulados n!o foram evK!emes e se nJo existir um elemento de confiança mútua inclusive além dos limites do consciente. Mas at! neste caso, ele é ainda um tirano e o ator de· n dirigir contra ele certas reações meclnicas inconscientes, como faz o aluno contra o professor, o paciente contra o méctico, ou o soldado contra os superiores. O teatro pobre n! o oferece ao ator a possibilidade do suc~so de um dia para uma noite. Desafia o con~ito burauês de ter um padrão de vida. Propõe a substituiçJo da riqueza material pela riqueza moral como o principal objetivo da vida. No entanto, quem nll.o alimenta um desejo secreto de atingir um sucesso estrondoso? Isto também pode ocasio nar oposiç!o e reaçOes negativas, mesmo se isto n!o estiver claramente formulado. Trabalhar desse modo nunca é estive!. Quem nlo procura estabilidade e segurança, de uma forma ou de outra? Quem nlo espera viver, no mínimo, t!o bem amanha quanto hoje? Mesmo que se aceite conscientemente um tal status, inconscientemente se procura em volta algo que reconcilie o fogo com a água, a "santidade" com a vida de " cortedo" . No entanto, a atraçao dessa situaçlo paradoxal é suficientemente forte para eliminar todas as intrigas, invejas e brigas sobre papéis, que fazem parte do dia-a-dia da vida dos outros teatros. Mas gente é aente, e perlodos de depress!o e de raivas reprimidas nllo podem ser evitados.

1:: digno de mençllo, porém, a satisfaçao que esse trabalho pode trazer. O ator que, neste processo especial de disciplina e de auto-sacrincio, autopenetraç!o e amoldamento, nllo tem medo de ir além de todos os limites normalmente aceitáveis, atinge uma espécie de harmonia interior e de paz de esplrito. Torna-se, literalmente, muito mais vibrante de mente e de corpo, e sua maneira de viver! muito mais normaJ do que a do ator do teatro rico. Est~ pnx:esso de an6/ise ~ uma espkíe de d~intqroçilo da estn~tu­ f"tl ps{quica. Ndo cormll o a1or o ~dgo, do ponto de '<lista d~ hig~ ne mental, de ullf"tlfJGSSOT os limites?

Nilo, desde que se entregue cem por cento a seu trabalho. Ê o trabalho feito pela metade, superficlallllCnte, que é psiquicamente

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dolocow e desfaz o equillbrio. Se só nos entreaarmO"' "uperficiaJ. mente nest~ proc:ess? de análise e abandono- e isto pode produzir ampl~ efe1tos estéucos -,quer dizer, se retivermos nossa máscara colld1ana de mentiras, ent4o testemunhamos um connito entre a máscara e nós mesmos. Mas se este proc:esw é levado ao seu limite extremo, poderemos, conscientemente, tirar a mAscara cotidiana sabendo agora a que objetivos ela serve e o que ocultava Esta ~ uma conflrmaçlo nilo do negativo que existe em nós, mas d~ positivo, n~o do que é pobre, mas do que é mais rico. Também conduz a ~~c~~~~o de complexos, da mesma maneira que numa terapia O r_nesmo se ~plica ao espectador. O integrante de uma platéia que a~1tao convnedoator, e de um certo modo segue o seu exemplo.' at1vando-~ .da n:'esma forma, deixa o teatro num estado de maJor harmoma mtenor. Mas. aq~elc que luta, a todo custo, para ma~ter a sua mãscara de ment!tas mtacta , deixa o espetáculo ainda ma1s confuso. Estou convencido de que, no todo, mesmo no último caso, o espetáculo apresenta uma forma de psicoterapia social cm:::nat::r5~~ ::~:r~ja uma terapia apenas se ele se entregou int'eira. ~á ~ertos perigos. ~muito menos arriscado ser Zé da Silva a v1da 1nte1ra do q~~ ser Van .Gogh. Mas, plenamente conscientes de nossa respo11$8bd1dade soc~al, devemos desejar que existam mais ':'an Goghs do q~e ~da S1 lva , mesmo que a vida seja muito mais sunples para. os ulllmos. Van Gogh é exemplo de um processo incompleto de mtegraç4o. Sua queda é a expressAo de um desenvolvi· ~ento que nunca foi completado. Se o lharmos as grandes personalidades, como, por exemplo, Thomas Mapn, encontraremos eventualmente uma certa forma de harmonia.

Parece-me que o diretor tem uma grande responsabilidade neste

P~o auto-analltico do ator. Como é que esta lnterdependéncio

S:a~=~~es:;~t~1uals pod~m ser as conuqaénâas de uma aç4o erra. ~te é um ponto vitalmente importante. A luz do qur acabei de d1zer ISto pode soar mais ou menos ntrantlo.

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O espetAculo aia uma esp«1e de conflito pslquico com o espectador. Trata-se de uma modificação e de uma viol!ncia, mas s6 pode ter algum efeito quando baseado num interesse humano e, mais do que isto, num sentimento de simpatia, num sentimento de aceitação. Da mesma fonna, o diretor só pode ajudar o ator neste processo completo e aaOnico se for tio emocional r ardorosamente aberto para o ator quanto o ator o é em relaçao a ele. N!o acredito na possiblidade de atincir efeitos através de cálculos frios. Uma espécie de claro para com nossos companheiros é essencial -uma compreenslo das contradiçOes do homem, e do fato de que ele é uma criatura sofredora, e nllo alguém a ser condenado. Esse ekrnento de abertura é tecnicamente ta.nalvel. Tiosomente se for reciproco pode esse elemento capacitar o ator a empreender os esforços mais extremos, sem qualquer medo de ser ridicularizado ou humilhado . ó tipo de trabalho qlk aia tal con. fiança torna as palavru desnecc:ssárias durante os ensaios. Durante o trabalho, o murmúrio de um som, e algumas vezes até o sillncio, podem ser bastante para nos fazer compreendidos. O que nasce no ator é enaendrado junto, mas no final o resultado é muito mais uma parte dele do que aqueles resultados obtidos nos ensaios do teatro "normal".

Acredito que lidamos aqui com uma "arte" de trabalhar que é impossivel de ser reduz:ida a uma fórmula, e nlo pode ser simplesmente aprendida. Assim como nem todo mtdico é necessariamente um bom psquiatra, também nem todo diretor é bem sucedido nesta forma de teatro. O principio a ser aplicado como um tipo de conselho, e também de avlJO, é o seguinte: "Primum non noc:ere" ("Primeiro, nlo faça mal"). Traduzindo isto numa linguagem técnica: é melhor sugerir, através de sons e gestos, do que "representar" diante do ator ou ajudA-lo com explanações intelectuais; melhor expressar-se através de um sillncio ou de um piscar de olho do que através de instruçôes, observando os estéaios no enfraquecimento e colapso psicológico do ator para correr em seu auxilio. O 5CgUndo principio é comum a todas as profLSSOes: se exiaes de teus colegas, deves exigir duas vezes mais de ti mrsmo.

Isto significa que, poralrabolhar com o ator ' 'santo '', o diretor deve ur duas veus "santo", que através do seu conhecimento e de 41

sua intuiçtlo. qu~bro os li"!i~es da história do teatro, ~ q~ dtw ~lar otual4adlsstmo com os ulumos ruulrados d~ ci~nciGS como psicologia, antropolog/11, inr~~IQÇ{ks do mito~ histtJrill dM rdigiiJes. . Tudo o que eu disse sobre o lado mesquinho do ator deve ser aphcado tamb&n ao diretor. Para desenvolver a mettrora do "ator corteslo", o equivalente para o diretor deve ser "diretor-coronel" E como ~ impos.slvel erradicat completamente o lado corteslo d~ ator, o mesmo acontece com o lado coronel do diretor. O trabalho do diretor exiae um certo Sllvoir-fai~ tático, principalmente na art~ da lidert.~a. Falando de modo aeral, esse tipo de pod.er desmorallU. CondJctona a necessidade de saber como condUZJr as pessoas. Exiae uma vocaç.lo para a diplomacia, um talento frio e desumano para desfazer as intriaas. Estu caracterlsticas acompanham o diretor como uma sombra, at~ no teatro pobre. O que podem?' chamar de componente masoquista do ator ~ a variante negativa do que~ criativo no diretor. que se apresenta na for~~ :o~~~:~:~~~tfu~~dica. Aqui, como em toda parte, as tre-

Quando me coloco contra as coisas pela metade, a mediocridade e as atitudes cômodas, ~ simplesmente porque devemos criar coiu.s que eitejam firmememeoricntadas paTa a luz ou para as trevas. Mu devemos sempre lembrar que o que ~ luminoso dentro de nós cont~ uma parte de escuridAo, que podemos penetrár, mas nunca aniquilar.

&fundo o que wxl disse, o "Sflgrado'' no teatro pode ser conseguido através de uma disciplina pslquico particulor e de v6rlos exerclcl~ /lsicos. Nas (SCOIO.f dt lf!Qiro, no teatro tradicional como ".o upenmtntal, ntlo uisre taltendlncia, nenhuma renratiWl obj~ llva de ela!Joror nado idlntlco. Como stt pode preparar o a~mlnho para o t~mamento dos otorts e produtores "santos"? A ti onde 1 =~~~;;a~e::~ros "mondsticos", em oposiç4o ao teatro "pa~

funçlo riiUal no teatro-~ um resultado do óbvio e provavelm~t~ inevitivel decllnio da re.ligiAo. Estamos falando, ao contràno, sobre a possibilidade de criar uma sacrum secular no ~~tro . O problema é: pode o atual estágio de desenvolvimento da ctvdlz.açlo tornar este postulado uma realidade em escala coletiva? Nlo tenho resposta para isto. Devemos contribuir pa~~ sua realizaçlo, pois uma conscientizaçAo secular, em vez .da rehatosa, parece ser uma necessidade psic~mocial ~r~ a soctedade. E~sa transiçAo deveria acontecer, mas tsto n!o stamfica que necessana· mente aconteça. Acredito que existe, de certa forma, uma regra ~ica, como a quedizque o ho mem nlo deve a~ir como lobo do seu irm!o homem. Mas, como todos sabemru;, taJS regras nem sempre são aplkadas.

De qualquer modo, tenho certeza de que essa renovaç~o nl.o virâ do teatro dominante. No entanto, ao mesmo tempo, extstem e existiram umas poucas pessoas, no teatro oficial, que devem ser considerados como santos seculares: Stanislavski, por exemplo. Ele afirmava que os sucessivos estágiru; do despertar e da renovaçll.o no teatro tiveram seus primórdios entre os amadores. e nll.o nos clrculos dos profissionais endurecidos e desmoralizados. Isto t~m~m foi confirmado pela exper~ncia de Vakh!anaov; ou, para ~lfar um exemplo de outra cultura, pdo teatro Nô Japonb, que, devado • capacidade técnica que exiae, poderia ser descrito como uma "s~­ perprofisslo", embora sua estrutura o torne um t~tro. se!"•· amador. De onde pode vir êssa renovaçlo? De pessoas msamfet~as com as condiçOea: do teatro normal, que assumam a tarda de cnar teatros pobres, com poucos atores, "conjuntos de clmara" que possam ser transformados em institutos para .educaça.o do atores; ou ainda de amadore5,trabalhando nas frontearas do teatro pr.ofis· sional, e que por conta própria atingiram uma técnica supenor ê exigida no teatro dominante; em suma, de uns poucos loucos que nlo tenham nada a perder, e qu~ tampouco temam um trabalho exaustivo.

N!o .acredito que a crise do teatro possa ser separada de certas outras cnses do ~r~ da cultura c:ontemportnea. Um dos seus elementos essenaats - o desaparecimento do sagrado e de sua

Parece-mee55eDcial fazer um esforço para oraanizar escolas secundArias de teatro. O ator começa a aprender sua profiSSAo muito tarde, quando já psiquicamente formado e, pior aind~, mor~l~n­ te moldado; e imediatamente começa a sofrer tend!nc1as arnvtStas, caracterlstica de grande número de alunos de escola de teatro.

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A idade é tio imponante, para a educação do ator, quantu pa· ra o pianista ou o dançarino- isto é, não se deve ter mais Ue 14 anos para começar. E se fosse posslvel, eu sugeriria o inicio ~t é nn idade mais jovem, com um curso técnico de quatro :mm , de exerdcios técnicos e concentrados. Ao mesmo tempo, o aluno de.. veria receber uma ~ucação humanlstiea adequada, apoiada não num acúmulo de amplos conhecimentos da literatura, de história do teatro, e assim por diante, mas num despertar da sua sensibilida· de, apresentando-o aos fenômenos mais estimulantes da cultura mundial. A edueaçlo secundária do ator deveria ser depois complementada por quatro anos de trabalho como aprendiz de ator, com um &rupo laboratório, tempo em que ele nllo só adquiriria uma grande soma de experi&lcia em representaçlo, mas tambtm continuaria seus estudos nos campos da literatura, pintura, filosofia, etc., num nlvel necessArio à sua profissão, e nlo com a finalidade de brilhar numa sociedade pernóstica. Ao completar seus quatro anos de trabalho prático, num Teatro-Laboratório, o estudante deveria rtteber uma espécie de diploma. Assim, depois de oito anos de trabalho desse tipo, o ator estaria comparativamente bem equipado para enfremar a profissão. Nao teria escapado aos perigos que ameaçan'l todo o ator, mas suas capacidades seriam muito maiores, e seu caráter estaria moldado com muito mais firmeza. A soluçAo \deal seria estabelecer institutos de pesquisa, que seriam dirigidos com probrez.a e rigorosa autoridade. O orçamento para sustentar um instituto assim seria a metade do que é gasto pelo Estado para sustentar um teatro provinciano. Sua equipe dirigente seria composta por um pequeno grupo de especialistas em problemas associados com o teatro: um psicanalista e um antropólogo social, por exemplo. Haveria um grupo de atores de Teatro-Laboratório normal e um grupo de pedagogos de escola secundãria de teatro, mais uma ~itora, para imprimir os resultados práticos que seriam imereambiados com outros ctntros idênticos e enviados a pessoas que faztm pesquisas em campos afins. é absolutamente essencial que toda pesquisa desu tipo seja supervisionada por um ou mais crlticos, que, de fora- mais ou menos como o advogado do diaboanalise as defici&lci85 do teatro, e que baseiem seus julgamentos em princlpim estéticos id!nticos aos do teatro normal. Como voe! sabe, Ludwik Aaszen tem esta tarefa no nosso grupo. 44

Como pode um tal teatro refletir o nossn tempo? Falo do conteúdo do an61LM dos problemas atuoi.r.

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Responderei de acordo com as eJ(pcriências de nosso teatro. embora ukmos com freqUência textos clàssicos, nosso teatro é contemporâneo, na medida em que confronta nossas raizes com nosso comportamento e nossos estereótipos correntes , e dessa for · ma apresenta o nosso "hoje" em relaçllo com o "ontem", e o nos· so "ontem" com o "hoje" . Mesmo se este teatro usa uma linguaaem elementar de gestos e sons- comprecnslvel, a\t:m do valor semlntico da palavra, até para uma pessoa que nao compreenda a llngua na qual a peça t: representada - . tal teatro deve ser nacia. na\, uma vez que se baseia na introspecçao e no todo do nosso superego social, que foi moldado num clima nacional particular, tornando-se assim uma parte dele. Se desejamos, na verdade, pesquisar profundamente dentro da lógica de nossa consciência e do nosso comportamento, e atingir seus pontos mais recônditos, seu motor secreto, entlo o sistema in· tegral de simbolos construido na montagem deve apelar para a nossa experiência, para a realidade que nos surpreendeu e nos mode· lou, para esta linguagem de gestos, murmúrios, sons e entonações extralda das ruas, dos trabalhos, dos cafés - em suma, de todo comportamento humano que tenha deixado uma impress.ll.o em nO..

Falamos de profançlo. O que, na realidade, serà isto, senao um tipo de falta de tato baseado no confronto brutal entre nossas declarações e nossas ações diãrias, entre as exper!ncias de nossos antepassados, que vivem dentro de nós, e nossa busca de uma vida confortâvel ou nossa concepção de luta da sobrevivência, entre nossos complexos individuais e os da sociedade como um todo? Isto significa que cada montagem clàssica é como nos olhar· mos num espelho, vermos nossas idéias e tradições, e nlo apenas a descriçlo do que pensaram e fizeram os homens dos séculos passa· dos. Toda a montagem construida sobre um tema contemporAneo é um encontro entre os traços superficiais do dia de hoje e suas raizes profundas, seus motivos escondidos. A montagem é nacional por· 4S

~uc é uma pesquisa sincera c absoluta no nosso ego histórico; é rcabsta porque é um excesso de verdade; é social porque é um desafio ao ser social, o espectador.

Teatro é Encontro*

Em uma tk suos dedaroçlks, vQCl d~ qu~ o teatro pode existir sem figurinos nem crndrlos, sem efeitos mwicais ou luminosos- e ati M!m um texto. Vocl ocrescentou: ""No desenvolvimento da arte teatral, o texto foi um dos últimos elerrlentos a ser acrescentado'', H6, em suo opini6o, um único elemento que o teatro nlJo pode dispensar- o ator. No entanto, desde o Commedia dell' Arte existem dramaturgos. Devt o di~tor de hoje desresfNifor uma trodiç6o de diversos skulos? Que lugar voei confere ao texto, como diretor?

Este nlo é o lmago do problema. O lmqo ~ o encontro. O texto é uma realidade: artlstica, existente num sentido objetivo. Ora, se o texto for suficientemente: velho, c se preservou todas as suas forças at~ hoje- em outras palavras, se o texto cont~m certas ---;-Em junhodt 1961,durantraE:I;~1. noCanadt, JrnyOrocowUioompare«u 1 um slmp61iointnnacional dctftltro, m1 Montra! . Durante JUI pmnanlncia, ooncrdrua~quintr mu~. a Naim Kauaa, que foi publiud• em Arutt Ullrn, U lhi'CW(Julhol961).

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concentrações de experi!ncias humanas, representações, ilusOes, mitos e verdades que ainda sAo válidos para nós, hoje- entao o texto torna-se u~na mensagem que recebemos das gerações anteriores. 'Iodo o vaJordo texto já está presente, uma vez escrito: isto é literatura, e nós podemos ler ptÇas como parte da "literatura". Na França, is peças publicadas em forma de livro é dado o nome de Tmtro- um en&ano, em minha opiniao, pois isso nao é teatro, e sim literatura dr•mádca. Diante desta literatura, podemos tomar uma destas duas posições: ou ilustramos o texto, através da mterprdaçao dos atores, da montagem, do cenàrio, da situaçAo da peça, e nesse caso o resultado nllo é teatro, sendo o único elemento vivo, em tal montagem, a literatura; ou ignoramos, virtualmente, o texto, tratando-o apenas como um pretexto, fazendo illlerpolaçOcs c modificações, c reduzindo-o a nada. Sinto que essas duas soluções sAo falsas, porque nos dois casos nao estaremos cumprindo nosso dever como artistas, mas tentando cumprir certas regras - c a arte n!o gosta de regras. As obras-primas slo sempre baseadas na transcendl:ncia das regras. Embora, é claro, o teste se verifique na montagem. Tomemos, por exemplo, Stanislavski. Seu plano era compreender todas as intcnçOes do dramaturgos, criar um teatro literário. E quando falamos do estilo de Tchckhov, na verdade estamos aludindo ao estilo das montagens que Stanislavski fazia das peças de Tchekhov. Na realidade, Tchckhov protestou quanto a isto, ao diter: ''Escrevi vaudt\o/1/i!S c Stanis\avski pOs dramas sentimentais no palco". Stanislavski era um artista genuíno; compreendeu involuntariamente o wu Tchekhov, c nlo um Tchckhov objetivo. Meycrhold, por sua vez, propôs, com a melhor boa-fé, um teatro autônomo com relaçlo i literatura. Mas acredito que ele é o único exemplo, na histbria do teatro, de realizaçlo de uma montagem tio profundamente enraizada no espírito de Goa;ol, no seu sentido mais profundo. O Inspetor Geral, de Meyerho\d, era uma espécie de colagem dos textos de Gago\. Por conseguinte, nAo slo as nossas boas idéias, mas a nossa prática, que constitui o verdadeiro texto.

Qual a tarefa do

t~tro

em relaçiJo d literatura?

A css!ncla do teatro é um encontro. O. homem que realiza um ato de auto-revelaçAo é, por assim dittr, o que estabelece contato

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consigo mesmo. Quer dizer, um extremo confronto, sincero, disciplinado, preciso e total - nAo apenas um oonfronto com seus pensamentos, mas um encontro que envolve todo o ~u _se_r, desde os seus instintos e seu inconsciente até o seu estado mats luado. o Teatro ê tambbn um encontro entre pessoas criativas. Sou cu, 0 diretor, que me defronto com o ator, e a auto-revelaçlo do ator me dl a revelaçAo de mim mesmo. Os atores e eu nos ddron~a­ mos com 0 texto. No entanto, nlo podemos expressar o que é ob~­ tivo no texto, c na realidade s6 os textos fracos nos dlo uma úmca possibilidade de interpretaçllo. Todos os ~randes textos_ representam uma espécie de abismo para n6s. VeJamos Hamltt. um semnúmero de ·livros foi escrito, livros dedicados a essa persona~cm. Os professores nos dirlo, cada um a seu modo, q~c d~obnram um Hamlet objetivo. Sugerem-nos Hamlecs revolucaonános, H~m­ lct.s rebeldes c impotentes, Hamlet, o marginal~ etc. Mas nllo ex1ste nenhum Ham1et objetivo. O trabalho é demastado ar•nde para Isto. A força das grandes obras reside no seu efeito ~tali~íco: abrem portas para n6s, colocam em movimento a maqumána da nossa auto-suficiência. Meu encontro com o texto lembra o meu encontro com o ator, e o dele comigo. Para o ator ~ ? _diretor, o texto do autor é uma espécie de bisturi que nos posstbthta uma abct:tura, uma autotranscedência, ou seja, encontrar o que está eJCOndtdo dentro de nós e realizar o ato de encontrar os outros: em outras palavru, transcender nossa solidAo. No teatro, se me permite, o text~ tem a mesma funçlo que o mito tinha para o poeta dos tempos anugos. O autor de Prometeu encontrou no mito de Prometeu tanto de. desafio quanto de abertura, talvez até mesmo a f~nt~ de sua cnaçlo. Mas o seu Prometeu foi produto da sua expcnl:ncta pessoal_. Isto é tudo que eu posso dizer sobre isto; o resto nlo importa. ~eptto: podemos representar o texto na sua inteara, podemos mcxhficar toda a sua estrutura, ou fazer uma espécie de colagem. Podemos, por outro lado, fazer adaptações e interpolaçõe~. Em nenhum desses casos trata-se de criaçlo teatral, mas de literatura. Brecht deu exemplos de tratamento de outros autores, e o mesmo fez ~hak~­ pearc. No meu caso, nlo desejo nem a interpenenaçl? hteràna nem o tratamento üteririo, pois ambos estio além d~ m1aha competl:ncia, uma vez que meu campo de aç!o é o da craaçlo teatral. Para mim, criador de teatro, o importante nlo sAo ~ pal~vras, mas 0 que fazemos delas, o que confere vida às P~,lavras ma~tmadas do texto, o que as transforma em "A Palavra . Vou ma1s longe: o 49

teatro é uma açlo engendrada pelas reações e impulsos pelos contatos entre as paaou. Trata-se de um ato tio quanto espirilual. Deixemos bem claro que nlo estou ' se deva . aur amor com a platéia- isto nos condicionaria a espkie de artij;o de consumo.

lk qualqut!r forma, pat11/flur suas montosens, .-od uco/M e autom. Que I que oriento sua escolha'? Por que rsta aqueft1, ate autor e n4o t~quele? O enconlro resulta de um fuclnio. Implica numa tamb&n em algo tllo idbltico, em profundidade, que identidade entre aquela que tomam parte tor deve procurar encontros que se afinem com a sua ra mim, isto significa os grandes Mas também significa Marlowe roque gosto muito dos textos ra mim, os primeiros slo como vozes dos me.o .,,,.,.,.;,, timos, vozes que nos v!m das fonte~ da """'" Clülwca_ e~ao,ow tes trabalhos me fascinam porque me confronto sincero - um brusco e

com as crenças eu experiblcias da ""~.: ;:;:.~";.::!:', do outro, com nossas experiencias e nc

..,,~

Sim, existe na verdade um relacionamento dencro do histórico do t~xto, entre a ~a e o texto. Mas nlo é o que decide a nossa lnclinaçlo e nossa vontade de nos · com esses trabalhos. ~o contexto das minhas nas que decide a minha escolha. Tomemos Por que estudamos a Odisúlo e a /lloda, formarmos da vida social e cultural do povo oloueto ""''" sim - mas isto é um trabalho para professores. arte, as obras estAo sempre vivas. Al personaaens ainda atuais porque ainda edstem perqrinos. Nós perearinos. A perq;rlnaçlo deles é diferente da nossa, e é que lançam uma nova luz. sobre a nossa própria condiçlo.

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trecho de uma das cartas de W y.~pians ki, referindo-se à Acrópole como simbolo de um dos niveis mais altos de qualquer civilizaç!l.o especifica.

Akropolis: Tratamento do Texto*

De todas as peças dirigidas por Grotowski, Akropolis é a menos fiel ao seu originaJ literârio. O estilo poético foi a única coisa que permaneceu do autor. A peça foi transposta para o palco em condições totalmente diferentes das imaginadas pelo poeta. Numa espécie de estilo de contraponto, foi enriquecida com associações de idéias que fizeram aflorar, como um resultado secundârio do trabaJho, um conceito especifico da técnica: a substância verbal da obra teve de ser transplantada c enxertada com uma tal perlcia, que as palavras pareciam crescer espontaneamente das circunstâncias impostas pelo teatro.

A poça se desenrola numa catedral de Cracóvia. Na noite da Ressurreiçlo, as imagens e as personagens das tapeçarias revivem cenas do Velho Testamento e da Antigüidade, as verdadeiras raizes da tradiçao européia.

produçtlo foi o conhecido c;eqrafo polonb Josef Szajna, que tambbn desenhou o pratkbds. Morua&e:m
O autor concebeu seu trabalho como uma visão panorAmica da cultura mediterrAnea, cujas principais correntes estão representadas nesta Acrópole polonesa. Nesta idéia de "cemitério das tribos", para citar Wysplanski, a concepção do diretor e a do poeta coincidem. Ambos quiseram representar a soma total de uma civilização e testar seus valores com a pedra de toque da civilízaçao contemporAnea. Para Grotowski, a idade contemporânea começa na segunda metado do s«ulo XX. Dai sua experiência ser muito mais cruel que a de Wyspianski, e os valores do velho século da cultura européia sao submetidos a um severo teste. Seu ponto de fuslo nlo é mais o tranqüilo local da velha catedral, onde o poeta sonhou e meditou na solidlo sobre a história do mundo. Eles se chocam no clamor de um mundo extremado, em meio a uma confuslo poliglota na quaJ foram projetados pelo nosso século: num campo de ex· termlnio. As personagens rêordenam os grandes momentos da nossa história cultural: mas revivem não as figuras imonalizadas nos monumentos do passado, porém as fumaças e emanações de Auschwitz.

Principaisinth"prtta: Jaeó, o harpista, lldcr da tribo aaonlzantt: Zy1,munl Ml1/ik; Rebeca Cr.$S111dra; RtM Mit«b; lsaae.: A11U111f Jgho/kowsk/; Angcl Paris; Zbignitw Cynkulisou M~czys/QW Jrmolt'fki; &16: Ryswrd Cinfgk,

t!, na verdade, um "cemitério das tribos", mas n!l.o o mesmo imaginado e sonhado pelo velho poeta galiciano. Trata-se literaJ-

Ü DRAMA de Wyspianski foi parcialmente modificado, a

fim de servir à concepção do diretor. As poucas interpolaçOes e modificações feitas no texto original nlo se afastaram, no entanto, do estilo do poeta. O equilibrio do texto foi, de certa forma, alterado pela rcpctiçlo deliberadamente obsessiva de cenas frases, como "nossa Akropolis" ou o "cemitério das tribos" . Esta liberdade é justificada porque tais frases são os temas da peça. O prólogo é um

• O tnto de Lud'III'Ík tllszm, conselheiro litcrt.rio do Teatro-Laboratório, foi publicado em h/I'IH!tnik Ttatl'lllny (VallÕvia, l/1964), AI/a RicrtUI rkl Trotro IWDI'Qirlll Rtvkw (New Orlcans, T 21, 196$). AkropoUs foi produzida por Jtrty Grotowski. Seu principal colaborador nessa

dwto (Marsilio Editori, Pldua, 19M) e Tula"t

auarda-mup~rcos

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meme, de um "cemitério" completo, perfeito, paradoxal; um cemitério no qual se transformam as imagens poéticas mais audaclosas em realidade. "Nossa Acrópole" , cega de esperança,nlo veria Ressurreiçlo do Cristo-Apolo: ele foi deixado para trás, nos misteriosos limites externos da experiCncia coktiva. O drama formula um problema: que acontece com a natureza humana quando enfrenta uma viollncia total? A luta de Jacó com o Anjo e o trabalho dolorosamente terrivel dos internos nos campos de extermínio, o dueto de amor de Pâris e Helena e os gritos agoniados dos prisioneiros, a Ressurreiçllo de Cristo e os fomos crematórios - uma civilitaçlo de contraste e corrupçlo ... Apanhada pelas ral:r.es, esta imagem da raça humana provoca horror e piedade. A tra&icomédia dos valores apodrc:cidos foi substitulda por uma apoteose luminosa, que encerrava o drama lilosófico-histórico do velho poeta. O diretor mostrou que o sofrimento, além de terrlvel, é feio. A humanidade sentimental, o assassino e a vitima aparecem como gtmeos. Todos os focos de luz foram deliberadamente extintos na apresentaçlo no palco. A visão última de esperança é esmagada com uma ironia blasfema. A peça, como foi apresentada, pode ser interpretada como uma conclamaçAo à memória étnica do espectador, ao seu inconsciente moraL Em que ele se transformaria, se fos· se submetido a tal teste? Viraria uma casca humana vazia? Trandormar-se-ia na vitima daqueles mitos coletivos criados para cOnsolo mútuo?

A montDgtm! do fato d mtt4/ora A peça doi concebida como uma paráfrase poética de um campo de extermlnio. A interpretaçlo literal e a metâfora estio mescladas como num devaneio. A rqra do Teatro-Laboratório consiste em distribuir a açlo por todo o teatro e entre os espectadores. Estes, no entanto, nlo slo obrigados a participar da açlo. Para Akropolis, decidiu-se que nlo existiria um contato direto entre atores e espectadorCJ;: os atores representam aqueles que foram iniciados na experi~ncia última, slo os mortos; os espectadores representam os que permaneceram fora dos circulos de iniciados, permanecem na

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corrente da vida cotidiana, slo os vivos. Esta separaçlo, combinada com a proximidade dos eSpectadores, contribuiu para a impres· 11o de que os monos nascem de um sonho dos vivos. Os internos dos campos pertencem a um pesadelo, e parecem mover-se para ci-

ma dos adormecidos, vindos de todos os lados. Aparecem em diferentes lugares, simuJtlnea ou consecutivamente, criando uma senSliÇio de vertigem, e de uma ubiqDidade ameaçadora.

No meio da saJa, uma imensa caixa. Sucatas metAlicas amontoadas sobre ela: chaminés de vários tamanhos e larauras, um caminho de mio, uma banheira, pregos, martelos. Tudo e velho, enferrujado, e parece que foi tirado de um depósito de lixo. A realidade dos objetos é a ferruaem e o metal. Com eles, enquanto a açlo se desenvolve, os atores constroem uma civilizaçlo absurda: uma civiliz.açAo de cAmaras de gás. Desta forma, passa-se do fato para a metáfora.

Guard11-roupq O guarda-roupa é constituldo de sacos esburacados, cobrindo corpos nus. Os buracos slo cortados de forma a lembrar carne c:straçalhada; através deles, v~se diretamente um corpo estraçalha· do. Sapatos de madeira tosca; para as cabeças, barretes anônimos. Esta é a versao poética de um uniforme dos campos de concentraçlo. Através da semelhança, o guarda-roupa tira dos homens suas personalidades, erradica os sinais diferenciais que indicam o sexo, a idade, a classe social. Os atores slo seres complementares id~nticos. Nlo slo nada além de corpostonurados.

Os internos slo os procaaonistas e, em nome de uma lei maior, nlo escrita, slo seus próprios tonuradores. As condiçôes impiedosas do campo de extermlnio slo o seu meio social. O tipo de trabalho que executam marca-os c:om sua dimensAo e sua inutilidade; sinais rltmicos slo dados pelos guardas ; os internos gritam. Mas a luta pelo direito de vegetar e de amar continua no seu passo diârio. A cada ordem, os restos humanos, dificilmente vivos, levantam-se eretos como soldados disciplinados . O ritmo vibrante da peça sublinha a construçlo de uma nova civiliz.açAo; o trabalho expressa a detenninaçlo dos internos de viver, o que é constantemente rea· firmado em cada uma du suas ações.

Na.o há ncniiUm herói, nenhuma personagem se destaca das outras ~r sua próp1ia individualidade. Hã apenas a comunidade, que é a 1magem de todas as espécies numa situação extrema. Nos o ritmo é quebrado num cllmax de palavras, clnticos, &ntos e ruldot. O todo parece multiforme;dissolve-se refonna-se numa unidade despedaçada. f! a reminisc:l:ncia de uma'aota d'água sob um mkroscópio.

jo~tlssimos,

Mito t Rulidode Durante as pausas no trabalho, a fantAstica comunidade sonha. Os mi5erâveis adotam os nomes de heróis blblicos e ~Of!léricos. Identificam-se com eles e representam, dentro de suas hmnações, suas próprias versões das lendas. Trata-se de uma transmutaç!o atravb do sonho, um fenômeno conhecido das comunidades de prisioneiros, que durante a representaçAo vivem uma realidade diferente da que lhes é própria. Conferem um nlvel de realidade aos seus sonhos de dignidade, nobreza e felicidade. Trata-se de um jogo cruel e amargo, que escarnece das próprias aspirações dos prisioneiros, quando sao traldos pela realidade. Jacó espezinha seu futuro soaro até a morte, enquanto pede a mAo de Raquel em casamento. Na verdade, seu relacionamento

=i~:;~i~!~: ~:'~~r~:~~eici~~t~ar:~·~"f~:~:~~'':j~; uma luta entre dois prisioneiros: um estA ajoelhado e sustenta nas costas uma carrocinha, na qual o outro está deitado, com a ca&cça para o chAo. Jacó, ajoelhado, tenta livrar-se da sua carp, o Anjo, que ~ate com a cabeça no chAo. Por sua vez, o Anjo tenta dar uma raste!fa em Jacó. Mas seus pb: alcançam a carrocinha. E Jáco luta com todas as forças para dominar a sua carga. Os protagonistas nAo podem escllpar um do outro. Cada um estA pregado ã sua fer~amenta; sua tortura é mais intensa porque nlo podem dar vazio i\ 1ra crescente. A ramosa ~na do Velho Testamento é Interpretada como se se tratasse de duas vitimas que se torturam, pressionadas pela necessidade, o poder anOnimo mencionado em sua discuSSio.

tismo dearadado regula o mundo onde a intimidade ~ irnrossivel. Sua sensibilidade sexual tornou-~ aquela de uma sociedade monossexual, o Exército por exemplo. Da mesma forma, Jacó dirige sua ternura para objetos compensatórios: sua noiva é uma d 1.•111111é envolta num pedaço de véu. Equipado dessa maneira, ele lidera com ar solene a procissAo nupcial, seguido por todos os prisioneiros. que entoam uma canção folclóri ca. No ponto alto dessa cerimônia improvisada, ouve-se bem claro o som de um sino, sugerindo de modo sutil, e de certa forma também ironicamente, um ~onho de simples felicidade. O desespero dos homens condenados. sem esperança de libcrtaç!o, é revelado: quatro prisioneiros comprimem seus corpos contra as paredes do teatro, como mãrtires. Declamam a oraçllo da esperança no auxUio de Deus, pronunciada pelo Anjo no sonho de Jacó. Identifica-se na oraçllo o ntual do luto e o !amemo tradicional da Bíblia. Lembram os judeus diante do Muro das Lamentações. Hã, também, desespero agressivo do condenado que serebela contra o seu destino: Cassandra. Um dos prisioneiros, uma mulher, sai das fileiras ao som da ch.amada. Seu corpo se contorce histericamente; sua voz é vulgar, sensual e rouca; exprime os tormentos de uma alma autocentrada em si mesma. Modulando de repente uma melodia de suave lamentação, ela anuncia com um prazer óbvio o que o destino reserva para a comunidade. Seu monólogo é interrompido pela vozes guturais dos prisioneiros que, nas filas, fazem uma contaaem deles próprios. Os sons metàlicos da compainha de chamada substituem o crocitar dos corvos do texto de Wyspianski.

Páris e Helena expressam o encanto do amor sensual; mas Helena é um h~mem. Seu dueto de amor é regido pelo acompanhamento das nsadas debochadas dos prisioneiros reunidos. Um ero-

Quanto à esperança, o grupo de espectos humanos, liderados pelo Cantor, encontra seu Salvador. O Salvador é um cadãver sem cabeça, azulado, completamente despedaçado, horrtvel reminisctncia do campo de extennlnio. O Cantor eleva o cadãver, num gesto 1\rico, como um padre elevando o cálice. A turba pára reli&iosamente e segue o 1\der, em procissAo. Começam a cantar um hino de Natal em honra do Salvador. A cançllo vai aumentando de intensidade, transfonna-se num lamento extasiado, interrompido por gritos e risos histéricos. A procissto circula a imensa caixa no centro do palco; as mlos levantadas em direçlo ao Salvador, os olhos enevoados adorando-o. AJguns fraquejam, caem, retomam suas posições e se espremem em torno do Cantor. A procisslo evoca as tur-

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bas rdi&iosas da Idade Media, os suplicante5, os mendigos pcniten-

~~~!:~r:~~ t~:~u;a.:::: ~~.!~!~:~~~~;~~~i~

do pelas litanias devotas do Cantor, c a turba responde. Num supremo btue, a procissAo atinge o final da sua peregrinaçlo. O Cantor entoa um grito pkdoso, abre um buraco na caixa, e coloca nela o cadãver do Salvador. Os internos quem-no, cantando fanaticamente. Parecem jogar-se para fora do mundo. Quando o último condenado desaparece, a caixa se fecha. O silêncio cai de re-pente; entlo, depois de uma certa calma, ouve-se uma voz. Ela diz simplesmente: "Eles se foram, e a fumaça sobe em espirais". O delírio encontrou sua realizaçlo no crematório. Fim.

Os objttos como umq orquntror~o dinamfco A mais estrita indepcnd!ncia com rclaçAo a objetos é um dos principias bisicos do Teatro-Laboratório. ~ totalmente proibido introduzir na peça qualquer coisa que jâ nlo emja lã desde o inicio. Um certo número de pessoas e objetos é reunido no teatro. Deve ser suficiente para qualquer das situaçOes da peça.

Nlo hi cenUios, no sentido usual da palavra. Foram reduzidos a?S ~bjetos indispen~âv~is .l açlo dramflltica. Cada objeto deve contnbUir, nlo pua o stgmficado, mas para a dinlrnica da peça; seu valor estâ na sua variada utilizaçlo. As chaminés e as sucatas meu\licas alo usadas como cenârio c como uma metMora concretatridimensional, que contribui para a criaç!o de uma visto. Quando os atores. dcium o teatro, deixam atrás os canos que. forneceram uma mot1v1Çlo concreta para a peça. Cada objeto tem uso múltiplo. A banheira é uma banheira prosaica; por outro lado, é uma banheira simbólica; representa todas as banheiru nu quais corpos humanos foram reduzidos a sablo e couro. Quando virada para cima, a mesma banheira transforma-se num altar, diante do qual um interno entoa uma oraçlo. Colocada num lugar mais alto, transforma-se no leito nupcial de Jacó. Os carrinhos de mAo slo instrumentos para o trabalho ditrio; servem para o transporte dos cadáveres; encostados na pa-

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rede slo 05 tronos de Priamo e de Hécuba. Uma das c~amin~. transformada pela imaginaçlo de Jacó, é a sua grotesca noJVa. O mundo dos objetos representa os instru'!lentos mustcais.da peça; a monótona cacofonia da morte c do sofnmcnto sem senttdo _ 0 metal batendo no metal, o barulho dos martelos, o ranger das charninb atravts das quais ressoa a voz humana. Alguns pregos sacudidos por um interno evocam o sino do altar . Existe apenas um instrumento musical real, um violino. Seu tema t usado como apoio llrico e melancólico para uma cena br~ltal, ou c~mo um eco ritmado das ordens c apitos dos guardas. A 1magem v1sual é. quase sempre acompanhada por uma acústica. O núm~r~ de obJCIOS é extremamente limitado; cada um tem funções mult_1plas. !"fundos slo criados com objetos comuns, como nas bnncade1ras das crianças e nos josos improvisados. Estamos lidando com ~m .teatro em seu cstàgio embrionário, em meio a um proces~ cnat•vo no qual o instinto desperto escolhe I"Spontanea~ente os mstrumentos de sua mágica transformaçlo. Um homem VIVO, o ator, é a força criativa de todas as coisas.

O Teatro Pobre No teatro pobre, o ator deve compor uma mllsc:ara orglnica, atravb dos seus músculos faciais; depois, a personagem usarã a mesma expressAo, atravb da peça inteira. Enquanto todo o corpo se move de acordo com as circunstlncias, a mâscara permanece estática, numa expressAo de desespero, sof~imento e indiferença. O ator multiplica-se: numa espécie de ser htbndo, representando o .seu papel polifonicamente. As diferentes part~ do seu corpo d~o l!vre curso aos diferentes reflexos, que sAo mUltas vezes contrad1tónos, enquanto a Ungua nega nlo apenas a voz, mas tam~m os gestos e a mimica. Todos os atores usam gestos, atitudes c ritmos cxtraldos da pantomima. Cada uma tem a sua silhueta própria, irrC\Iogavelmente fixada. O resultado é uma despcrsonalizaçlo _das personagens. Quando os traços individuais slo removidos, os atores transformam-se: em estereótipos das espécies. Os mecanismos da expressAo verbal foram consideravelmente aumentados, porque todos os meios da expressAo vocal slo usados,

,.

desde. o confuso balbucio de uma criança muito pequena até a mais so~stt~ada declamaçAo retórica. Ruldos inarticulados, rosnar de antm&Js, suaves cançOes folclóricas, cantos litúrgicos dialetos declamação de poesia: tudo està aqui. Os sons Slo inter~a1ados ~ ~ma forma complexa, que devolve A memória todas as espécies de hnauagem. Estio misturados nessa nova Torre de Babel, no estron:t:r~~ e llnguas estrangeiras Que se encontram antes do seu

Dr. Faustus: Montagem Textual*

A mist~a de dementos incompativeis, combinada com a distorç~ da linguaae:m, provoca reflexos elementares. Reslduos de sofisucaçl? sAo justapostos a comportamentos animais. Meios de expressAo lttera~me~te "biológicos" slo ligados a composições bastantes convenctonru.s. Em_ Akropolis, a humanidade é passada atravh de uma penara muno fina: sua tessitura sai mais refinada.

F

AUSTUS tem uma hora de vida antes do seu martlrio infernal e da eterna danaçlo. Convida seus amigos para uma última ceia, uma confisslo pública, onde lhes oferece episódios de sua vida, como Cristo ofercctt~ K:U corpo c seu sanauc. Faustus saúda sew convidados- a platéia -assim que eles chegam, e convida-os a sentarem em tomo de duas arande:s mesas, colocadas nos lados da sa1a. Faustus toma o seu lugar numa terceira mesa, bem menor que

~um. palan• do tutoon,in.t de Mulowe foi mudadl;, muoscrlpl foi num1 ' 'moatqem" 011de • •uccsslo du ocnu foi modll'lc:acs., novu ~ foram criadu, ~ aJcutnu do oria!MI foram omil:idu. &tu s.lo u nocu dt. Pfoduçlo, tom.du PQf Eut:enio S.bl.. O tu:to foi publicr.Oo em TllkrM Dr11m11 Rtv~w{Ncw Orlearu T 24, 1964) c A/111 Rkrf'Cfl dtl Ttt~lro ~niulo (Marallio Editore, P6dua,l96,). Dr. FIIUSflU foi prociiRiõl por Jcn:y Oroto... ki . 0 lllrda-rOupt. foi dc:senh~O por Wakkmar Kryaler ~ •eeoosr•fll era ck Jeny OuraWIIti. ~ latkprde$: Fallllw: Zbq11iew C)~thr&; o Mdi5t6fdcs andró&eno:

atnlmldo IIU

R~1111

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Mitw:b e A1thHII Jllholko~/; Bcnvótio: RywJrdCkJklk.

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as outras, como um prior no refeitório. A atmosfera é de mosteiro medieval, e a história aparentemente se relaciona apenas com monges e seus convidados. Este é o arquétipo essencial do texto. Faustus e as outras personagens estio vestidos com hábitos de ordens diferenres. O hAbito de Faustus é branco; o de Mefl.st6feles é preto, sendo representado simultaneamente por um homem e urna mulher; as outras personagens vestem-se como franciscanos. Há também dois atores sentados às mesas com a platéia, vestidos com roupas modernas. Posteriormente daremos novos dados sobre eles. Esta é uma peça baseada num tema religioso. Deus e o Diabo lutam com os protaaonistas - e, por isso, a peça é representada num mosteiro. HA uma diferença dialética entra a aozaçlo e a apoteose. Faustus é um santo, e sua si\lltidade revela·se como um desejo absoluto de verdade pura. Se o santo deve identincar-se com sua santidade, tem de se rebelar contra Deus, Criador do mundo, por que as leis do mundo slo armadilhas que contradizem a mora1idade e a verdade. Stipendiump«e~~timorstst.

Hal Stipendium, ttc.

A recompensa do pecado é a morte. Isto é duro. SI~

negamus,fallimur El nufia tslin nobls veritas.

Se dizemos que nlo pecamos, Tralmos a n6s mesmos, e nlo existe verdade nenhuma em nós . Porque entAo, da mesma forma, devemos pecar, B assim, conseqOentemente, morrer. Ai, devemos morrer uma morte eterna. (1, I, 39-47) O que quer que façamos - de bom ou de mal - estamos condenados. O santo nlo pode aceitar como seu modelo este Deus que embosca o homem. Alieis de Deus slo mentiras, ele espiona qualquer desonra nossa para melhor nos condenar. Se desejamos ser santos, devemos ser contra Deus. Mas de que deve cuidar o santo? Da aJma, claro. Usando uma expressAo moderna, da sua própria conscitncia. Faustus, no entanto, nlo estA interessado nem na psicologia nem na teologia. Ele deve rejeitar esse tipo de conhecimento e procurar outra coisa. Sua

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busca começa exatamente na sua rebelil.o contra Deu~. MIU con:ao i: que ele se re bela? Asslnando um pacto com o DemOmo. Na reahda· de, Faustus nlo é apenas um santo, mas um mârtir - até muito mais que os santos e mârtircs cristlos, porque Faustus nlo espera nenhuma recompensa. Pelo cont rArio, sabe que isto o levarA a uma eterna danaçlo. Aqui, temos o arquétipo do santo. O papel é r~prese~tado por um ator jovem , de ar in()(.ente; suas carac:terist!cas _pslc.o~stcas lembram SAo Sebastilo. Mas este Slo Sebastilo é anu-rehgtoso e luta cont ra Deus. A dialética da ironia e da apoteose consiste, entl!.o, num connito entre a sua santidade ldga e a sua santidade religiosa, zombando de nossas Idéias sobre santos. Mas, ao mesmo tempo, esta luta apela para o nosso compromisso com o "espiritual" contemporAneo, e nisto temos a apoteose. Na momaaem , as ações de Faustus slo uma parlrrase grotesca das ações de um santo; e, n~ entanto, revelam ao mesmo tempo o pungente pothos de um mArm . O texto foi rearrumadode tal forma que acena li do Ato V da peça de Marlowe - quando Faus~us discute .com os trb sâbios inicia a montagem. Faustus, choo de humildade, com os olhos abertos, perdido na iminbacia do seu martirio, saôda seus hóspedes sentado A sua mesa pequena, os braços abertos como numa C~z. EntAo começa a sua confisslo. O que chamamos usualmente de VIrtude, ele chama de pecado- seus estudos t.eo16gicos e cientlficos; e o que chamamos de pecado, ele chama de v1rtude - seu pacto co~ o Demônio. Durante essa confisslo, o rosto de Faustus transmtte uma forte luz interior.

Quando Faustus começa a fa1ar sobre o Demônio, seu primeiro truque mqico, entra numa segunda realidade {jlashbocks). A açiO entlo se desenrola nas duas mesas onde Faustus evoca os episódios da sua vida, uma especie de narrativa biogrAfica.

Cena

1-

Cena

2- Wagner anuncia que seu mestre esti próximo da

Fawtus saúda seus convidados. morte. 63

Cena 1 -

Cena 4 -

Um monólogo no qual Faustus confessa publicamente, como pecados, seus esiUdos, e exalta, como virtude, seu pacto com o DanOnio. Cma

momento em que decidiu renunciar à teologia escolhendo a m_agia. Esta luta Interior t rcpresen;ada por um ~o nfluo entre uma coruja, que simboliza a pcrs~nahdade erudita, e um burro, cuja teimosa mérc•a é oposta à sabedoria da coruja. j-

9-

Num fla.shlxlck, Faustus começa a contar a história

da sua vida. Primeiro, um monólogo r~rdando 0

c~nll

tais- tudo isto enquanto declama seu texto com voz calma.

~~u~tus conver~ com Cornclius e Valdes, que vbn m•c•á-lo na mag1a . Cornelius transforma uma mesa num confessionário. Enquanto ouve a confissao de Faustus, ~ncedcndo-lhc absolviçlo, Fautus começa sua "?va VIda. O texto falado muitas vezes contradiz a sua mtcrpretaçlo; por exemplo, esses versos dcscrev~m o pr~zer da magia. Cornelius revela as cerimOmas mig1cas a Faustus c ensina-lhe uma fórmula ~ulta - que é na verdade um conhecido hino religiOSO polon&.

Qna 10- Batismo de Faustus. Antes de assinar o contrato, Faustus está quase afopdo num rto (o espaço entre as mesas). Assim,~ purificado e preparado para sua nova vida. Entllo, a fêmea Mefistófeles garante-lhe realizar todos os seus desejos. Ela conforta Faustus colocando-o no colo (a Pi~td). Qna 11 -

Cena

Faustus na noresta . Imitando um sopro de vento, o fa~fall~ar das folhas, os ruldos da noite, os gritos dos ammaas noturnos, Faustus encontra-se cantando o mesmo hino religioso que invoca Mefistófeles.

7- Apariçao de Mefistófcles ( a Anunciaçlo). Faustus está_ de joelhos, em atitude humilde. Mefist6feles, apotado apenas numa perna, um anjo sublime, canta seu texto acompanhado por um coro anaélico. Faustus comunica-lhe que está pronto a entregar sua alma ao dcmOnio, em troca de vinte e quatro anos de vida contra Deus.

Assinatura do pacto. Faustus 1e o contrato com Meristófeles, usando um tom comcrclal. Mas seus gestos revdam uma luta para apaziguar a anaústia que o atormenta. Finalmente, dominando sua hesitaçJo, rasp suas roupas numa espkie de auto-estupro.

Cena 12- O duplo Mefist6feles, usando gestos litúrgicos, mostra a Faustus suas novas vestes. C~na

Cena 6-

Durante um passeio, Faustus comunica a Mefistbfeles sua decisllo de entregar-lhe a alma .

/3 -

Cena com sua "esposa-demOnio" . Faustus trata-a como se fosse um livro que encerraue todos os segredos da natureza.

Se ~u tiwsse um livro onde pud~ v~r todos As penonagens ~planetas dos dus, pDra poder conh~r Seus movim~ntos ~ disposiçlks

:.:O~d~ P"ud~' ;~r·/~~~; ~j~~t"a"s,. ~~"a"s ~ 6~~~ 'Qu·~· Cresctm sobrr a terra. ( 1604Quarto. I, V, 618-620, 634-635)

C~na 8 -

A mortificaçlo de Faustus. Uma cena masoquista provocada pelas discussões dos Anjos Bons e Maus. Faustus molha o ~osto com o próprio cuspe, bate a cabeça contra os Joelhos, dilaCffa seus ór&Aos geni64

O santo examina a prostituta como se estivesse lendo cuidadosamente um livro. Toca todu as partes do

6S

::.~.o:.

Ct!na U-

e as IC como se fossem "planetas" , "plan

Mefist6reles tenta Faustus. Na Cena 13, o jovem coOX'Çll a sus~itar que o lXmônK> tambem está a .stt· viço de Deus. A Cena 14 significa uma tomada de conscilncia da realidade. Mefist6feles, neste momento da represnnação, é como um informante da policia. Desem~nha trb papéis: o próprio Mcfist6feles, o Anjo Bom e o Anjo Mau. Não é por acaso que o duplo MefistMeles estA vestido como um jesulta que tenta Faustus a pecar mortalmente. Mas quando Faustus começa a entender as conseqUCncias, começa calmamente a enunciar as palavras do Anjo Bom. Nesta cena, Mefistófeles, como o Anjo Bom, oferece a Faustus um encontro com Deus. Aaem como se fosse tarde da noite num mosteiro e dois monges insatisfeitos estivessem conversando, longe da vi&iiAncia dos outros. Mas Faustus recusa-se a arrepender-se.

Cena Jj- DiscussOes astrológicas. Mefist6feles desempenha o papel de servidor leal que exalta a harmonia e a perfeiçAo da criaçao do seu mestre, duplicando o som das esferas celestes. A conversaçlo é interrompida por dois convidados que falam de prostitutas. sao os dois atores que estavam sentados, durante toda a representaçlo, entre os espectadores. Eles representam todos os papéis de farsa (Robin, Vintner, Dick, Carter, os profeuores, o Velho, etc.). Em suas cenas, representam a banalidade que marca nossa vida cotl· diana. Uma destas cenas cômicas (com o Caçador de Cavalos) é representada exatamente depois que Faustus pergunta a Metistófeles: "Agora, diga-me, quem fez o mundo?" Cem1 16 -

Lúcifer mostra cada um dos Sete Pecados Capitais a Faustus. Faustus absolve-os como Cristo absolveu Maria Madalena. Os Sete Pecados Capitais slo representados pelas mesmas pessoas: o duplo Mcfistófclcs. 66

Ct!no 17- Faustus é transportado para o Vdticano por dois dragOes: o duplo Mcfistófelcs.

Qna 18 -

Faustus, invisível aos pés do Papa. està presente num banquete em Slo Pedro. A mesa do banquete é rcita com os corpos do duplo Mcfistófcles, que recita os Dez Mandamentos. Faustus esbofeteia o Papa, quebrando o seu orgulho c vaidade. Transforma o Papa num homem humilde - este é o milagre de Faustus.

Qno /9-

No palàcio do Imperador Carlos V, Faustus realiza milagres, na tradiçlo das lendas populares. Abre a terra c tira Alexandre, o Grande. Depois, Faustus bate em esperteza a Bcnvólio, um cortesão que desejava matll-lo. A raiva de Bcnvólio se dirige contra as me. sas; ele as desmantela , pensando que està despedaçao· do Faustus. Entllo Faustus transforma Benvólio nu· ma crlançinha.

Cena 20- Retomo ao presente -

a última ceia de Faustus. Faustus conversa com os convidados. A pedido de um amiao, convoca Helena de Tróia, desmascarando através de alusões cômicas as funções biológicas fe. mininas. Helena começa a fazer amor com ele; c, imcdilatamentc, dll à luz orna criança. Depois, nessa posiçlo erótica, ela se transforma no recém-nascido. Finalmente, é transformada numa criança sôfrega, mamando.

Cena 21 -

O duplo Mefistófcles mostra o Paraiso a Faustus. O Paraiso teria sido dele se tivesse seguido os manda· mcntos de Deus: uma boa morte, calma e religiosa. Entlo lhe mostra o Inferno que o aguarda: uma morte violenta e terrlvcl.

~na 22-

Cena final. Faustus s6 tem alguns minutos de vida. Um longo monólogo que representa sua \Jitima, e mais sacrllcga, provocação a Deus. 67

A h! Foustus, Agora só tens uma mlsero hora poro vi"" E df!fJOis serás condenado paro sempre! ' (V,II,IJ0-131)

... E ~·ejam onde Dew· Estentku seu broço e arqueou as sobrancelhas irados! {V,II,I47-148)

Faustus quer que a terra se abra e o engula, t: atira-se ao solo. No texto original. o monólogo expressa o arrependimento de Faustus por ter vendido sua alma ao DemOnio; ele se oferece para voltar a Deus. Na montagem, trata-se de uma Juta aberta, o grande encontro do santo com Deus. Faustus, usando gestos para dialogar com os Ctw: e invocando a plattia como testemunha, sugere que a sua alma sena salva, se Deus assim quisesse, se Ele fosse verdadeiramente misericordioso e poderoso bastante para saJvar uma alma no momento exato da sua condenaçAo. Primeiro, Faustus propOe que Deus pare o ten1po das esferas cdestes, mas em vao.

Parai, tsferos eternamente móveis do céu, Pago que o tempo pare e o meio-noite nunca cheque. (V,IJ,JJJ-134)

. Dirige-se a Deus, mas pergunta a se mesmo: "Oh, eu me

ar-

rar~• ao meu Deus I Quem me ret&nl" Faustus observa um fen:!,e.

no •n.teressan~e: o céu està coberto com o sangue de Cristo, e seria !~~~~nte meut gota dele para sua salvaçAo. Ele clama por essa sal-

Vffle, l!t'de, onâe o sangue de Cristo corre no firmamento! Apenas umo gota solvor6 o minha olmo, metade de uma gota/ V,II,l43-144)

Montonhosecolinas, vmde, vinde, eseoboteisobremim, E me ocu/roi do ira violenro de Deus! (V,II,I49-150)

Mas a terra t surda aos ~us lamemos, e ele levanta-se &ritando: "Nio, a terra não me acolheri\!" O ctu então ressoa com o Verbo e de todos os cantos da sala, atores escondidos, declamando como monges, entoam orações como a Ave Maria e o Padre Nosso. Vem a meia-noite. O b.tase de Faustus transforma-se em sua Paido. Chegou o momento em que o santo- depois de ter mostrado aos seus convidados a indiferença culposa e atb mesmo o pecado de Deus- está pronto para seu martírio: a danaçlo eterna. Esté enlevado, todo o ~u corpo t sacudido por espasmos. A falha estática de sua voz. no momento de sua Paido, transforma-se numa strie de gritos inarticulados- os penetrantes e penosos uivos de um animal apanhado numa armadilha. &u corpo estremece e, de repente, tudo t silêncio. O duplo Mdist6feles, vestido como dois padres, entra e leva Faustus para o inferno. Metist6feles carrega Faustus nas costas, segurando-o pelos pés, a cabeça do santo perto do chio, as mAos arrastando-se pdo solo. Desta ronna, ele segue para sua condenaçAo eterna, como um animal de sacriflcio ~ carregado , como algutm t arrancado da Cruz.

Mas Cristo desa~rece, enquanto Faustus lhe implora, e isto f!'~ com qu~.Faustus d1ga aos seus convKiados: "Onde esti\ agora7 ~~~~~~~~aed~~~ia~~: 147). Entlo aparece a face irada de Deus e

A f!mea Mefist6feles entoa uma triste marcha, que se transforma numa melancólica cançlo religiosa (a Mater Dolorosa seguindo seu Filho ao Calvlrio) . Da boca do santo saem gritos roucos: estes sons inarticulados nlo sao humanos . Faustus nlo ~mais um homem, portm um animal arquejante, um resto de homem sem dignidade. O santo contra Deus atingiu seu cume, viveu a crueldade

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de Deus. F~ t- moralmente vitorioso. Mas pagou o grande preço pela sua vitória: o manirio eterno no inferno, onde tudo lhe C= arrancado, at~ sua dignidade.

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Akropo lil; dilk>JO en tre doi.l monumentos {Hr11u Mirtda e Zblgnk~<~ C,nkutis). l oto: Teatro-Laboratório.

Akropolk: &aú (Rpv#nl Cinlalr) cm011 um louvor A librrdack da vid.ll do caçador.

l'oto:Ttatro-L8boratórlo.

O Princípe Constante*

Ü

ROTEIRO desta montagt'fll é baseado no texto do grande dramaturgo espanhol do século XVIII, Caldcr6n de la Barca, na exceleme tradução po&onesa de Julius Sk>wacki, o eminente poeta romlntico. O diretor, no entanto, nlo quis representar O Prlnci~ (À)ItSIOnle taJ romo é. Pretendeu mo51rar sua própria visao da peça, e a relaçlo do seu roteiro com o texto original é a mesma de uma variaçlo musicaJ em relaçAo ao tema original da música.

~rodliÇtockl...ud.-ik FlaJuft•p~~rcceu noprosramapolonh. o Prilfc;p, Cottsuifltt~ roi produLJdo PQI" Jeny Oroco-.ü. O luarda·rovPf! roi &.nhado por Waldm~ar Kryakr ~ • C.:IIOI"I'b ~r• de Ja-lyOuriWJki. Prindpt~ir; intb-J-e~a: O Prlncipe Com~ante: Rpunl Onl.k; O Rei: AIIIO#Ji l•ltolkcnrtkl; Fmixua: Rm. Mir«k11; Tarudllnt, o l)nK&uidor: MtU• Komoro..,_ k11; Mu~. o pertq:uidor:. Mi«:t,pltlw Jt111olll$/ri; o primdro prbioDriro: St1111bCw

Sdmki.

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Na abertura do espetáculo, o Primeiro Prisioneiro colabora com seus perseguidores. Deitado numa cama ritual, ele é inicialmente castrado e, ent!o, depois de lhe vestirem um uniforme, transforma-se em "um dos nossos". A montagem é um estudo da ' 'inflexibilidade'', que nao consiste em manifestaçlo de força, dianidade e ooragem. Para o povo à sua volta, que o olha mais como um animal estranho, o Segundo Prisioneiro - o Prlncipe - opOe apenas passividade e bondade, ligada5 a uma ordem espiritual maior. Parece nlo ofer~er nenhuma oposiçao às ações feias e vis do povo que o circunda, e nem chega a discutir com eles. Estio simplesmente além da sua consideraçlo. Recusa-se a ser um deles. Desta forma, os inimigos do Prlncipe, que deveriam apoiá-lo para mant!-lo no poder, nno t~m nent:uma influ!ncia efetiva sobre ele. Embora submetido às suas más açOes, preserva sua independ!ncla e purez.a até o h:tase. A disposiç.Ao do palco e da platéia lembra alao entre uma arena e um anfiteatro. Pode-se pensar, pelo que se vl: lá em baixo, em algum esporte cruel numa arena da Roma antiga, ou numa operaçlo cirúrgka como a retratada em Anatomia do Dr. Tulp, de Rcmbrandt.

que atormentaram o Principe até a morte arrependem-se e lastimam o seu destino. As aves de rapina transformam-se em pomba5. Finalmente, ele se transforma num hino vivo de homenagem à existência humana, apesar de ser perseguido e estupidamente humilhado. O btase do Prlncipe é o seu sofrimento, que só pode suportar através do seu oferecimento A verdade, como num ato de amor. Desta forma, a montagem, muito paradoxalmente, é uma tentativa de transcender o ato trágico. Consiste num apelo a todos os elementos que podem nos forçar a aceitar o aspecto tràgico. O diretor acredita que, embora nlo tenha sido literalmente fiel ao texto de Calderón, conservou todavia o sentido mais Intimo da peça. A montagem é uma transposição das profundas antinomias c dos traços mais caracterlsticos da era barroca, tais como seu aspecto visionârio, sua música, sua apr~iaçlo do concreto e seu espiritualismo.

A montagem é também um tipo de cxerdcio que tornou possivcl a vcrificaçlo do método de Grotowski no que se refere à representaçll.o. Tudo estâ moldado no ator: no seu corpo, na sua voz e na sua alma.

As pessoas que cercam o Principe- uma sociedade alienada c peculiar- usam togas, calções e botas de cano comprido, para de· monstrar que sentem prazer em fazer uso do poder, que estio confiantes no seu julgamento, particularmente em relaç.Ao !s pessoas de um tipo diferente. O Prlncipe usa uma camisa branca- simbolo ingenuo de sua pureza - e um casaco vermelho, que pode, atauma.s vezes, ser transformado em mortalha. No fina! da peça, ele se apresenta totalmente despido, sem nada que o defenda de sua própria identidade humana . Os sentimentos da sociedade em relaçlo ao Prlnclpe nlo slo uniformemente hostis. S4o antes a expressAo de um sentimento de diferença e de estranhe:ta, combinado com uma espk\e de fascinaçlo, e esta combinaçlo contém a possibilidade de renexos extremos como a violetlcia e a adoraçlo. Todo mundo quer ter o mánir para si e, no fim da momagem, lutam pela sua posse como se se tratasse de um objeto precioso. Entrementes, o herói está constantemente diante de intermináveis contradiçOes e submetido á vontade de seus inimigos. Uma vez que a setença é executada, as pessoas 90

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Ele Não Era Inteiramente Ele*

SrAN I SLAVSKJ assumiu um compromisso com os seus disclpulos. Foi o primeiro grand~ criador de um m~todo de repre-

sentar no teatro, e todos nós, que estamos envolvidos com os problemas teatrais, nD.o podemos fazer nada altm de dar respostas

ptS·

soais aos problemas que ele levantou. Quando, em inúmeros teatros europeus, assistimos às representações inspiradas na "teoria de Bredll", e temos de lutar contra um profundo t~io, porque a falta de convicçlo tanto dos atores quanto dos diretores substitui o tio famoso Verjremdungseffekt, recordamo-nos das próprias montaaens de Brecht. Talvez fossem menos verdadeiras que a sua teoria, mas por outro lado eram tAo pessoais e tio subversivas, mostravam um tal nivel de conhecimento proflssional, que nunca nos deixavam em semelhante estado de lassidlo.

Estamos entrando na era de Artaud . O "teatro da crueldade" foi canonizado, isto~. tornado trivial, 1rocado em miúdos, torturado de vlrias formas. Quando um eminen1e criador, possuidor de estilo e personalidade, como Pecer Brook, volla-se para Artaud, nao o faz para esconder a sua fraqueza ou para macaquear o h~ mem . Ocorre apenas que, num dado momento do seu dC:SC"nvolvimento, ele se acha de acordo com Anaud, sente a necessidade de um confronto, testo Anaud, e retém o que resulta desle teste. Per· manece ele próprio. Mas com relaçlo às produções amesquinhadas que podemos ver na ovont-gord~ teaual de muilos paises, lrabalhos ca61icos, abortados, cheios da chamada crueldade que nAo alemoriza nem uma criança; quando vemos lodos esses h11p~nlngs que revelam apenas falta de capacklade profiuional, um sentido de m&odo e um amor pelas soluçOes fâceis, mon1qens que só slo violentas na superflcie (podem nos ferir, mas nlo nos conduzem a nada) - quando vemos esses subprodutos, cujos autores chamam Artaud de pai espiritual, entlo pensamos que talvez exisla mesmo crueldade, mas apenas em relaçlo a Artaud. O paradoxo de Artaud estlt no falo de ser impossivel exccular suas proposições. Isto significa que ele eslava errado7 Seguramente nao. Mas Anaud nlo deixou nenhuma técnica concreta , nlo indi· cou nenhum método. Deixou visões. mctltroras. Bs1a foi, certa· mente, uma expressAo da personalidade de Artaud e é parcialmente um resultado da falta de tempo e de meios para colocar tudo que imaginou em lermos prâticos. (: lambém um resultado do que poderlamos chamar deenaano de Arlaud , ou pelo menos de sua peculiaridade: enquanlo invesligava sutilmente, de forma albaica, quase invisível e intangiVel, Artaud empreaoo uma linguagem que foi quase igualmente intan&lvel e fugidia. Contudo, os microraanismos slo estudados com um instrumenlo de precisAo, o microscópio. O que~ imperceptlvd exige precisAo. ·

• Ea1e attiJo de Jn-zy GrotOVo)ki foi publicado nn ~ TtiPIPI MoMntn(Parit, abril de 1961)e Ftour&ll, Jornal do Royal Shaknpurt Tht:atre Oub (Vtrio 1967).

Anaud falou da maaia do leatro e, da mandra que o fez, criou imagens que nos tocam de uma certa forma. Talvez nAo as compreendamos completamente, mas verificamos que ele procurava um teatro que transcendesse a razlo discursiva e a pslcolbaica. E quando, um belo dia, descobrimos que a essencia do teatro nllo esli nem na narração, nem no acontecimento, nem na discusslo de uma hip61ese com a platéia, nem na representaçlo da vida que aparece exleriormente, nem mesmo numa visAo (pois o teatro é uma arte

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executada aqui e agoru, no organismo dos atores, diante de outros homens); quando U.)t!wbrimos que a realidade do teatro é instantlnca, nao uma ilustraçao da vida, mas algo ligado à vida apenas por analogia,· quando ~cnt1ca.mos tudo isto, enlAo fazemos a seguinte pergunta: nlo estaria Artaud falando sobre isto e nada mais? Pois quando nos desfazemos, no teatro, dos truques da maquilagem, das barri&a1 rosttça.s e dos narizes falsos, e quando propomos aos atores que se transformem diante do espectador usando apenas seus Impulsos interiores, seu corpo, quando afirmamos que a magia do teatro consiste nesta transformaçl.o, enquanto ocorre, fazemos uma nova pergunta: nlo foi esta esptcie de magia que Artaudsugeriu? Artaud fala do ''transe cósmico". Isto traz de volta um eco da época em que os céus foram esvaziados dos seus tradicionais habitantes, tornando-se, em si, objetos de culto. O"transe cósmico", inevitavelmente, conduz ao "teatro mágico". Contudo, Artaud explica o desconhecido pelo desconhecido, o màgico pelo màgico. NAo sei o que se quer dizer por "transe cósmico", pois, falando de modo geral, nAo acredito que o cosmos possa, num sentido Osico, servir de ponto de referência transcendental para o homem. Os pontos de refer!:nciaJ sAo outros. O homem é um deles. Artaud opOs-se ao principio discursivo do teatro, isto é, a toda tradiçfto francesa do teatro. Mas nllo podemos aceitA-lo como pioneiro misto. Muitos teatros orientais e da Europa Central t!:m uma tradiÇio viva de teatro nilo-discursivo. E como clmificar Vakhtangov ou Stanislavski? Artaud recusou um teatro que se satisfazia em ilustrar textos dramt.ticos; exigiu um teatro que deveria ser uma arte criativa em si mesma, que nlo servisse apenas para duplicar o que a literatura fazia. Foi um sintoma de grande coragem e consciblcia da sua parte, pois ele escreveu numa lingua em que as obras completas de um dramaturgo nlo se intitulavam "Peças" ou "Comédias", mu ''Teatro de Moliêre", ou ''Teatro de Montherlant". Mesmo assim, a idéia de um teatro autônomo apareceu muito mais cedo, com Meyerbhold na Rússia. 94

Artaud pretendeu suprimir a barreira existente entre os atores e a platéia. Isto parece notàvel, mas devemos lemb,·ar que ele nao propôs nem abolir o palco separado da platéia nem procurou urna nova estrutura adaptada a cada nova montagem, criando ass1m uma base real para o confronto entre os dois "conjuntos" formados pelos atores e pelos espectadores. Ele simplesmente propôs colocar a platéia no centro e representar nos quatros cantos da sala. Isto nao signiflCa uma eliminaçlo da barreira palco/platéia. mas uma substituiçllo do clássico teatro de bonecos por outra estrutura rlgida. E, anos antes destas idéias de Artaud, passos decisivos nesta direçlo já tinham sido empreendidos por Reinhard, por Meyerhold em suas montagens dos Mistérios, e, um pouco mais tarde, por Syrkus, na Polônia, com sua jã elaborada concepção de um ''teatrosimultllneo''. Assim, retiramos os supostos méritos de Artaud a rim de restitui-los aos seus verdadeiros pais. Pode-se pensar que estamos preparando uma cena de martlrio, despojando Artaud de seus trapos, como ele fez com Beatrice Cenci na sua montagem. Mas há uma diferença entre despojar alguém para torturá-lo e fazer o mesmo para descobrir quem realmente ele é. Que outros tenham feito sugestOes identicas, em outros locais, nllo pode alterar o fato vital de que Artaud fe.z suas descobertas por si mesmo, através do seu próprio sofrimento, do prisma de suas obsessões individuais, e, no que diz respeito ao seu pais, ele virtualmente inventou tudo. Deve-se repetir mais uma vez: se Artaud tivesse tido à sua disposiçlo o material necessário, suas visões teriam se desenvolvido do indefinido para o definido. Ele poderia t!:-las convertido numa forma, ou, melhor ainda, inclusive numa t&::nica. Estaria, entlo, em condições de antecipar todos os reformadores, pois teve a coragem e o poder de ir além da corrente lógico-discursiva. Tudo isto poderia ter acontecido mas nlo aconteceu. O segredo de Anaud, acima de tudo, foi tornar erros e incomproensOes particularmente frutlferos. Sua descriçllo do teauo balinense, embora sugestiva para a imaginaçAo, é realmente uma mê. interpretaçAo. Artaud decifrou como "slmbolos cósmicos" e "gestos evocando poderes superiores" elementos da representaçlo que, na verdade, eram expressões concretas, letras especificamente

9'

tealrais de um alfabeto de sim bolos uuiversalmente compreendido pc&os belineses. A montagem balinense, para Artaud, era uma esplrie de bola de cristal para um vidente. Externou nele uma montagem diferente, que permanecia no seu inlimo; e esta obra de Artaud, provocada pelo teatro ba1inense, fornece-nos uma imagem de suas imensas possibilidades criativas. Assim que ele pa.ss:t da descriçlo para a teoria, no entanto, começa a explicar a magia pela magia, o transe cósmico pelo transe cósmico. E elabor-a uma teoria que pode signi· ficar tudo aquilo que se queira entender. Mas, nesta dec.rição, ele toca em algo muito essencial, do qual nao tem muita consciência. ~a verdadeira Jiçlo do teatro sagrado, quer falemos do drama medieval europeu, do balinense ou do Kathakali indiano: esta noçlo de que a espontaneidade e a discipli· na, longe de se enfraquecerem uma à outra, reforçam-se mutuamente; de que o elementar alimenta o que é elaborado, e vice-versa, para tornar-se a fome real de um tipo de representaçfto brilhante. Esta lição nlo foi compreendida nem por Stanislavski, que permitia os impulsos naturais dominarem, nem por 0.-echt, que deu muita btfase à construçao de uma personagem.

Artaud, intuitivamente, viu o mito como o centro din!mic:o de uma representaçAo teatral . Só Nietzsche o precedeu neste domlnio. Ele tamW:m percebeu que a transgressllo do mito renova seus valo-res esenciais c "transformava-se num elemento de ameaça que restabelecia as normas desprctadas" (L. Flaszen). No entanto, nlo se apercebeu do fato de que, no nosso tempo, quando todas as llnguas se misturam, a comunidade do teatro nllo pode, possivelmente, identiflct~r-se com d mito, porque nlo existe nenhuma fé única. Só um con.fronto se torna possível. Artaud sonhou em produzir novos mitos atravb do teatro, masestcbdosonhonasc:cudasua faltadeprec.islo. Pois, embora o mito forme a base ou estrutura para as cxpcri~ncias de gcraçõa in· teiras, cabe às gerações subseqüentes criA-Lo, c nlo ao teatro. No mãximo, o teatro poderia contribuir para a c.riJtalizaçlo do milo. Mas ai teria de su bastante semelhante 1s id~as correntes para ser criativo. 96

Um confronto é uma "pesquisa", um teste do que é um valor tradicional. Uma montagem que, como um transformadoreletrico, ajuste nossas exper~ncias àquelas das gerações passadas (c viceversa), urna montagem (:()llabida como um combate contra os valores tradiCionais c contemporâneos (cnquanto''transgressllo'') eis o que me parece a ítnica possibilidade de que o mito funcione no teatro. Uma renovaçlo honesta só pode "r encontrada neste dupo joao de valores, nesta lijaç!o c rcjciçio, nesta revolta e submissão. Contudo, Artaud era um profeta. Seus textos ocultam uma teia imensa de profecias, de alusOcs imposslvcis, de visões sugestivas, de mctãforas que parecem, a longo alcance, possuir um ceno sentido. Pois tudo isto estA fadado a acontecer. Ninguém sabe como, mas é inevitàvel. E acontece. Gritamos em triunfo quando descobrimos insignificantes enganos em Artaud. O simbolo que, no teat.-o oriental, é apmas uma parte de um alfabeto universalmente conhecido, nlo pode- c:odto 'Artaud pretendia- ser transferido para o teatro europeu, no qual cada simbolo deve nascer espontaneamente, em relação com assoc:iaçOes psicológicas ou culturais conhecidas, antes de se tomar algo bastante diferente. Todas as divisões feitas por Artaud da respi· raçao, em masculinâ, feminina e neutra, sao uma intcrprctaçlo errônea dos textos orientais e tão impcrc:epdvcis, na prAtica, que não podem ser distinauidas. Seu estudo sobre o "atletismo dos senti· mentos" tem etttos enfoques corretos, mas no trabalho pràtico conduziria a gestos estereotipados, um para cada cmoçlo. No entanto, ele coroca algo que devemos ser capazes de atingir através de caminhos diferentes. Refiro-me ao ponto mais importante da arte do ator: que o ator deve atingir (nlo tenhamos medo do nome) um ato total, que faça qualquer coisa com todo o seu ser, e nao apenas um aesto mcclnico (c ponanto rigido) de braço ou de perna, nem uma expressao facial ajudada por uma inOexlo e um pensamento lógico. Nenhum pensamento pode orientar todo o OT· ganismo de um ator de forma viva. Deve cstimulll-lo, c isso é tudo o que um pensamento pode realmente razcr. Sem compromissos, seu organismo pãra de viver, seus impulsos cresc:cm superficialmente. Entre uma reaçlo total e uma rcaçlo dirigida por pensamento, hà a mesma diferença que entre uma Arvore c uma planta. Como resultado final, estamos falando da impossibilidade de separar o tlsioo 97

do espiritual. O ator nlo deve usar seu organismo para ilustrar ' 'um movimento da alma"; deve reali.zareste movimento com o seu organismo. Artaud ensina-nos uma grande !içao, que nllo podemos deixar de aprender. Esta lição ta sua doença. A desgraça de Artaud t que sua doença, a paranóia, diferia da doença da tpoca. A civili.z.açlo sofre de esquizofrenia, que t um ruptura entre a intcligl:ncla e o sentimento, entre o corpo e alma. A sociedade ollo poderia consentir que Artaud fosse doente de maneira diferente. Seguraram-no, torturaram-no com cletroc:hoQues, tentando faz!..lo aprender a razlo discursiva c cerebral, isto t, assumir a doença da sodedade. Artaud definiu admiravelmente a sua doença, numa carta a Jacques Rivitrc: ''NAo sou inteiramente eu mesmo''. Ele nlo era apenas ele mesmo, era alautm mais. Nisto residia metade do seu dilema: como ser algutm mais. Ele deixou a outra parte intocada: como ser um todo, ser completo. Ele nllo poderia atravessar o golfo profundo entre a zona das suas visões (lntuiçOes) e o seu consciente, pois desistiria de tudo ordenadamente; nlo fez, por isso, nenhuma tentativa para atingir a precisAo ou o dominlo das coisas .. Em vez disto, tornou objetivos o seu caos e a divisAo do seu eu. Seu caos era uma imagem autentica do mundo. NAo era uma terapia, mas um diagnóstico, pelo menos aos olhos das outras pessoas. Sua explosAo caótica foi sagrada, pois possibilitou a outras pessoas atingirem um autoc:onhecimento. Entre os seus sucessores, o caos nAo é em nenhum sentido sagrado, ou suficientemente determinado: nlo hà nenhum sentido para que exista, a nA o ser para ocultar algo de inacabado, uma falta de firmeza. Artaud conferiu expressao ao caos, o que t algo totalmente diferente. Artaud expressa a idéia de uma grande liberaç!o, uma arandc transares.slo das convençOcs, uma purificaçlo através da vlolfncia c da crueldade; afirma que a evocaçlo dos poderes cegos no palco deveria nos proteaer deles na vida. Mas como podemos querer que nos protejam dessa forma, se obviamente nada foi feito neste senti· do? NAo t no teatro que os poderes obscuros podem ser comrolados; é muilo mais provivel que tais poderes dirijam o teatro para seus próprios fins. (Embora eu nilo acredite que se interessem pelo 98

teatro, jã que dispOem de outros meios de comunkl"çAo de massa.) O teatro, na realidade, nem nos protege nem nos deixa desprotegidos. Nao acredico que a explosiva aprcsentaçllo de Sodoma c Gomorra num paJoo acalme ou sublime, de alguma fonna, os impulsos pecaminosos pelos quais as duas cidades foram punidas. E, no entanto, quando Artaud fala de liberaçllo e crueldade, sentimos que se refere a uma verdade que pode ser verificada de ou1ra fonna . Semimos que o ator atin&e a essbld a da sua vocaçlo quando pra1ica um ato de sinceridade, quando se revela , se abre e se entresa, num gesto solene e extremo, c nlo se dettm diante de qualquer obsticulo estabelecido pelo hi bito ou comportamento. E, ainda mais, quando este alo de cxtrcn1a sinaridade t modelado num oraanismo vivo, em impulsos, numa forma de respirar, num ritmo de pensamento e de circulaçAo do sangue que sao ordenados e trazidos à consciblda, nilo se dissolvendo no caos e na anarquia formal - numa palavra; quando esse ato realizado atravts do teatro, t total, mesmo que nAo proteja dos poderes sombrios, pelo menos capacita-nos a responder totalmente, isto t, a começar a existir. Porque, no dia-a-dia, reagimos apenas com metade da nossa potencialidade, Se falo de um "alo total", t porque acredito que há uma alter· nativa para o ''teatro da crueldade''. Mas Artaud permanece como um desafio para nós neste ponto: talvez menos pelo seu trabalho do que pela idéia de uma salvaçlo atravts do teatro. Es1e homem nos deu, atravts do seu mardrio, um testemunho brilhante do teatro como terapia. Encontrei duas expressões de Artaud que merecem atençllo. A primeira é uma advertl:ncia de que a anarquia e o caos devem estar lipdos a um sentido de ordem, concebido pelo cons-. ciente, e nlo por uma ttcnica fisica. Assim, t digna de citaçlo esta frase, para os chamados discípulos de Artaud: "Crueldade t rigor". A outra frase conttn\ o próprio fundamento do ator. "Os atores devem ser como mirtires queimados vivos, que ainda nos fazem sinais, de dentro de suas fogueiras" . Eu acrescentaria que esses sinais devem ser articulados, e não podem ser apenas balcocios ou delirios, significando tudo e nada- a nAo ser que certa obra exija exatamente isto. Com tal condiçlo, afirmamos que es1a citação contem, num estilo oracular, todo o problema da espontaneidade e da disciplina, esta cofl}unç4o de opostos que origina o ato total . 99

Artaud foi um grande poeta do teatro, o que significa um poeta das possibilidades do teatro, e não da lileratura. dramAtica. Como o profeta mllico !saias, ele prediz para o teatro algo de definitivo, um novo significado, uma nova encarnação possível. "EnHlo, Emmanud nasceu." Como !saias, Artaud sabia da vinda de Emmanuel, da promessa que nisso se cominha. Viu a sua imagem através de um vidro, obscuramente.

Investigação Metódica*

~e é o lnstiluto Bohr? Bohr e sua equipe fundaram uma instituiçllo de natureza extraordin!ria. um ponto de encontro onde médicos de diferentes pa]ses fazem expcri~ncias e dlo seus primeiros passos na "terra de ninguém" de sua profisslo. Nele comparam suas teorias e recorrem A"memória coletiva" do Instituto.

e.

Essa "memória" guarda um inventArio detalhado de todas as pesquisas feitas, inclusive as mais audaciosas, c é con1inuamentc

~iao de J~Orotowsti foi

escrho par• ""l'lkar os objnivo.do IIUiihUO. Foi publkado nD Tytodttil KN/Iuroltt.f(Vau61'1.1, 1711967),

100

( 11(

~e~~

enriquecida por novu hipóteses e re~.ultados obtidos pelos mtdicos.

b)

Niels Bohr e seus colaboradores tentaram· descobrir, neste oceano de pesquisa comum, cenas tendências orientadoras. Forneceram um estimulo e inspiração na esfera de sua disciplina. Graças ao trabalho de homens a quem eles tanto acolheram quanto estimularam, puderam compilar dados essenciais e benef\cios, extraldos das pouibilidades industriais dos pajscs mais desenvolvidos do

c)

mundo.

O Instituto Bohr me fascinou durante muito tempo, como um modelo que ilustra um certo tipo de atividade. Oaro, o teatro niO t uma disciplina cientlfica, muito menos a arte do ator, na qual minha atençlo estâ centralizada. f.io emanto, o teatro, e em particular a tkníca do ator, nlo pode - como Stanislavski afirmou basear-se apenas na inspiraçlo ou em outros fatores imprevislveis, como uma explosao de talento ou o súbito e surpreendente destnvolvimento de possibilidades criativas, etc. Por qul:? Porque, ao contrArio das outras matérias arlist..icas, a criaçAo do ator ~ imperativa, isto~. situa-se dentro de um determinado perlodo de tempo, e at~ de um momento preciso. O ator nlo pode esperar por uma irrupçlo de talento ou por um momento de inspiraçlo.

Poder articular este processo, disciplinA-lo e convertl:-lo em aestos. Em termos concretos, isto sianifica compor uma partitura, cujas notas sejam minúsculos pontos de contato, rcaçOes ao estimulo do mundo exterior: aquilo a que chamamos de "dar e tomar". Eliminar do processo criativo as resist!ncia.s c os obstlculos causados pelo orpnismo de cada um, tanto o flsico quanto o pskjuico (os dois formando um todo).

Como podem as leis que aovernam tais processos pessoais c individuais ser expostas objetivamente? Como podemos atf: mesmo definir leis objetivas, sem fornec:er uma "fórmula" (pois todas as ''fórmulas'' s6 terminam~m banalidades)? Acreditamos que, para atinair esta indivualidade, nlo f: neo aprendizado de coísu novas, mas a eliminaç!o de hibitos antiaos. Deve ser claramente estabelecido para cada ator aquilo que bloqueia suas associações Intimas e ocasiona sua falta de decisão, o caos da sua expressão e a sua falta de disciplina: o que o impede de experimentar o sentimento da sua própria liberdade, que seu orpnismo f: completamente livre e poderoso, e que nada esti alf:m das suas capacidades. Em outras palavras, como podem ser tais obstâculos eliminados?

~io

Como, cntlo, pode--se fazer rom que tais fatores apareçam quando necessârios? Obrigando o ator, que deseja ser criativo, a dominar um método.

Retiramos do ator aquilo que o prende, mas nlo lhe ensinamos como criar - por exemplo, como interpretar Hamlet, em que consiste o gesto uãgico, como representar um farsa - pois f: precisameote nesse "como" que as sementes da banalidade e dos clichb, que desafiam a criaçlo, slo plantadas.

li

Fazer uma pesquisa desse tipo ji e colocar-se nos limites de disciplinas cientificas como a fonoloaia, a psicoloaia, a anuopologia cultural, a scmK>Iogia, etc.

Em nossaopinilo, as condições essenciais! arte de representar, (que devem ser objetos de uma pesquisa metódica) slo as seguintes:

Um instituto que se dedica a pesquisas desse tipo deve, como o Instituto Bohr, ser um local de mcontros, observações e di.stilaçlo das experil:ncias recolhidas pelos indivlduos mais capazes nos campos dos direrentes teatros de cada pais. Embora levando em consideraçlo o fato de que o domlnio no qual a nossa atençlo esti centrada nlo é cientifico, e de que nem tudo pode ser definido (na verdade, muitas coisas nlo devem ser), tentamos contudo dctermi-

a)

Estimular um processo de auto-revelaçlo, recuando atf: o subconsciente e canalizando este estimulo para obter a reaçlo necessâria. 102

JOJ

nar nossos objetivos com a precisao e a COilSeQII~ncia caracterbti· CIU da pesquisa cientiitca. O ator que trabalha aqui já é um profissional, porque nAo apenas KU trabalho criativo, mas as leis que o regulam, tornaram·se objtto de suas preocupaçOes. Um instituto para pesquisa met~ dológica nAo deve ser confundido com uma escola que treina at~ res, e cuja finalidade é "lançA-los". Nem deve ser esta atividade confundida com t~atro (no saJtido normal do termo); embora a v~rdadeira essblcla da pesquisa exija a ~laboraçlo de uma montasem e seu confronto com uma platéia. Nlo podemos estabelecer um m&odo se permanecermos indiferentes ao ato criativo.

III Interesso-me pelo ator porque de é um ser humano, h:to en. volve dois pomos principais: primeiro, o meu encontro com outra pessoa, o contato, o sentimento mlJtuo de compreenslo, e a impressAo criada pelo fato de que nos abrimos para um outro ser, que tentamos oompreend~lo; em suma, uma superaçlo da nossa solidllo. em seguida, a tentaliva de entender a nós mesmos atravb do compOrtamento de outro homem de encontrar-se nele. Se o ator reproduz um ato que eu lhe ensinei, trata-se de um tipo de ''veste''. O resultado é uma açlo banal do ponto de vista mdodológioo, e, no meu lnlimo, eu o considero estéril, pois nada foi revelado para mim. Mas se, numa colaboraçlo intima, atingimos o ponto em que o ator se revela atravb de uma el'lpreulo, entlo comidero que, do ponto de vista met00ol6gico, isto foi efdivo. Entlo, terei sido pessoalmente enriquecido, pois naquela expreulo um tipo de experimcia humana me foi revelado, algo tlo especial que deveria ser d~finido como um destino, uma condiça.o humana. Isto se aplica ao relacionamento entre o diretor e o ator, mu est~ conceito se estende a todo o grupo, uma nova perspectiva se abre nos limites desta vida coletiva, no terreno comum das nossas convicçOes, nossas crenças, nossas supertiçôes e nas condjçõcs da vida contcmporAnea.

104

Se esse terreno comum existe, inevitavelmente cheaaremos, ~;om toda a sinceridade, a um confronto entre a trad1ção e a contcmporaneidade, entre o mito e a descrença, o subconsciente c a Imaginação coletiva.

Não monto uma peça para ensinar aos outros o que já sei. S6 depois da montagem ftcar pronta, e nllo antes, é que terei aprendi· do mais. Todo método que não se abre no sentido do desconhecido t um mau método. Quando digo que a açAo- se nào se quer que sua reação fique sem vida - deve absorver toda a personalidade do ator, n1io estou falando de algo"cxterno", como os aestos ou truques exaaerados. Que quero dizer, entlo? É uma questlo que envolve a própria exist~ncia da vocação do ator, de uma reaçao. d~ sua parte, que lhe permita revelar cada um dos esconderijos da sua personalidade, desde a fonte instintivo--biológica atravês do canal da consciência e do pensamento, até aquele àpice tllo dincil de definir e onde tudo se transforma em unidade. Este ato de total desnudaçllo de um ser transforma-se numa doação do eu que atinae os limites da transaressao das barreiras e do amor. Chamo isto um ato total. Se o ator age desta maneira, transforma-se numa est*cie de provocaçAo para o espectador. Do ponto de vista metodológico, isto é elicaz, pois confere ao ator um máximo de poder sugestivo, na condiçAo, claro, de que evi· te o caos, a histeria e a exaltação. Deve ser um ato objetivo; quer dizer, articulado, disciplinado. Mas acima e além da eficàcia metódica. uma nova perspectiva se abre para o espectador. A realizaçlo do ator constitui uma superaçlo das meias medidas da vida cotidiana, do cOnflito interno entre corpo e alma, intelecto e sentimentos, prazeres fisiológicos e :upiraçOes espirituais. Por um ~ mento, o ator encontra-se fora do semicompromisso e do conflito que caracterizam nossa vida cotidiana . Ele faz. isto para o espectador? A expressAo ''parao espectador'' implica num certo coquetismo, numa cena falsidade, numa barganha consigo mesmo. De\·emos dizer "em relaçl.o ao" espectador ou, talnz, em lugar dele. É precisamente aqui que estA a provoc:açAo. Falo do método, falo da superaçllo dos limites, de um confronto, de um processo de autoc:onhecimemo e. num certo scn· lO~

tido, de uma terapia. Esse métoc.lo deve per-manttcr aberto- sua própria vida depende desse requisito - c ~ diferente para cada in· dívlduo. ~assim que deve ser, pois sua natureza intrinseca exige que seja individual.

O Treinamento do Ator (1959-1962)

O

exercidos deste capitulo slo o resultado de trabalho c pesquisa feitos durante os anos de 19$9-62. Foram anotados por Eugenio Barba, no periodo que passou no Teatro-Laboratório e suplemcntados com comentàrios meus e dos nossos instrutores, que, sob a minha orientaçlo, diriairam o treinamento. Durante esse tempo, estava eu procurando uma técnica positiva ou, em outras palavras, um determinado método de formaçao capaz de dar objetivamente ao ator uma tknica criativa que se enraizasse na sua imaglnaçlo e em suas wociaçOes pessoais. AJauns elementos destes exerd.cios foram mantidos durante o perlodo de treinamento, mas seu objetivo mudou. Todos os elterclcios que constitulam apenas uma resposta Apergunta: "Como se pode fazer isso?", foram eliminados. Tomaram-se, entiO, um pretelltO para elaborar uma forma pessoal de treinamento. O ator deve descobrir as resist!ncias e obstáculos que o prendem na sua forma criativa. Assim, os exerclcios adquirem a possibilidade de sobrepujar os impedimentos pessoais. O ator na.o se pergunta mais: "Como posso fazer isto?" Em vez disto, deve saber o que ndojtlz,tr, o que o impe. 106

107

de. Atravts de uma adáptaçllo pessoal dos exerclcios, deve-se encontrar soluçllo para a eliminaçllo desses obstáculos, que variam de ator para ator. hto é o que quero dizer quando falo em via negativa: um processo de eliminaçllo. A diferença entre o treinamento de 1959-62 e a fase subseqüente e mais acentuada nos exercidos flsicos e vocais. Em sua maioria, os elementos básicos dos exercidos flsicos foram mantidos, mas t~m sido orientados para uma busca de contato: a recepçllo de um estimulo do exterior e a reaçllo a ele (o processo de "dar e tomar•: já mencionado em outra parte). As caixas de ressonllncia ainda do usadas nos ex~rcícios vocais, mas agora colocadas em açllo através de vários tipos de impulsos e de contato com o exterior. Na teoria, nao há exerclcios respiratórios. Expliquei minhas razões para eliminá-105 no capitulo "A Técnica do Ator" (pág. 160). De acordo com cada caso individual, descobrem-se as dificuldades que aparecem, determinando as suas causas e logo eliminando-as. NAo trabalhamos diretamente com a respiraçllo, mas corrigimo-la através de exercidos individuais que silo quase sempre de natureza psícoflsica.

A. EXERClCIOS FlSICOS

l-Aquecimento 1) Marcha ritmíca, girando os braços e mãos. 2) Corrida na ponta dos pés. O corpo deve sentir uma sensaçao de fluidez, vôo, imponderabilidade. O impulso para a corrida vem dos ombros. 3) Marcha com os joelhos dobrados, mA os nos quadris. 4) Marcha com os joelhos dobrados, segurando o tornozelo. !!) Marcha ~mos joelhos ligeiramente dobrados, mllosAocando os lados dos pés. 6) Marcha com os jodhos ligeiramente dobrados, segurando os artdhol com os dedos. 7) Marcha com as pernas tensas e rigidas, como se estivessem sendo puxadas por cordas imaginàrias seguras pelas mllos (os braços estendidos para a frente). 8) Partindo de uma posiçllo agachada, dar pequenos saltos para a frente, sempre permanecendo na posiçJo original agachada, com as mllos ao lado dos~·

Jerzy Grotowski

O trein:lmento consiste em exerclcios elaborados pelos atores e adotados de outros sijemas. Mesmo os que nao resultaram de uma pesquisa pessoal do ator foram desenvolvidos tlaborados a fim de satisfazer os objetivos preciosos do método. A terminologia pertinente aos exercidos escolhidos foi posteriormente alterada. Uma veZ que os atores adotem um dado exercido, esiabelecem um nome para ele; com base em suas id~i:u e asSociaçõeS pessoais. Conscien· temente, tendemos a usar uma glria especial, dede que isto atue de forma estimulante sobre a nossa imaginaçllo.

e

O que se segue ~ um esboço inacabado de um dia de treinamento. 108

Nota: Mesmo durante estes exercidos de aquecimento, o ator deve justificar cada detalhe do treinamento com uma imagem precisa, real ou imaginluia, O exercido s6 é corretamente executado se o corpo nllo opuser nenhuma resist!ncia durante a realização da imagem em questlo. O corpo deve parecer sem peso, tAo maleàvd quanto o plástico aos Impulsos, tio duro quanto o aço quando atua como suporte, capaz até de vencer a lei da gravidade. li - Exerdcios para ulaxar os músculos e a coluna vertebral

I) "O gato". Bste exerclcio se baseia na observaçlo do gato quando acorda e se espreguiça. O ator estende-se no chio, com o rosto para baixo, completamente relaxado. As per· nas estio separadas e os braços juntos do corpo, as palmaS 109

2)

3)

4) ~)

6) 7) 8) 9)

viradas para o chllo. O "gato" acorda e puxa as mlos em direçlo ao peito, mantendo os colovelos para cima, de forma que as palmas das mlos formem uma base de sustentaçl.o. Os quadrU: levantam-se, enquanto as pernas "andam" nas pontas dos pés em direçAo às mllos. Levantar e estender a perna esquerda para o lado, erguendo e estendendo ao mamo tempo a cabeça. Recolocar a perna esquerda no chio, apoiada nas pontas dos: dedos. Repetir o mesmo movimento oom a perna direita, a cabeça ainda levantada. Estender a coluna vertebral, colocando o centro de cravidade primeiro no centro da coluna, e ~ pois mais acima, na nuca. Ent.lo, voltar 6 posiçlo primeira e cair de costas, rdax2ndo. lmqine que tem uma corrente de metal em volta do tórax . Force-a através de uma expanslo vi.&orosa do tronco. De cabeça para baixo, com os pés juntos na parede. As pernas vlo se abrindo lentamente, at~ atingirem o mbimo posslvel. Posiçlo de descanso. De cócoras, com a cabeça calda para a frente e os braços balançando entre os joelhos. Posiçlo ereta, com as pernas juntas e firmes. Flexionar o tronco em direçlo do solo at~ que a cabeça toque os joelhos. Viaorosa rotaçlo do tronco da cintura para cima. Mantendo as pernas juntas, saltar para uma cadeira. O impulso para o salto nllo vem das pernas, mas do tronco. Acrobacias parciais ou totais. Partindo da posiçlo ereta, jogar o corpo para tr6s formando uma "ponte" até que as mlos toquem o chio, por

trú. lO) Posiçlo deitada, de costas. Virar o corpo vigorosamente da esquerda pará a direita. li) Da pos~o ajoelhada, jopr o corpo para trls formando uma ''ponte" at~ que a cabeça toque o chio. 12) SaltO$ imitando o canguru. 13) Sentar no chio com as pernas juntas e estendidas para a freme, o corpo ereto. As mlos, colocadas por trâs dopescoço, pressionam a cabeça para a frente e para baixo, até tocar os joelhos. 14) Marcha sobre as mlos e os pés, o peito e o abdome virado para cima. 110

Nota: t igualmente incorreto realizar estes exerdcios de um modo inanimado. O exerclcio serve para o pesquiS4. ND.o se trata de uma mera rcpetiçllo automática ou de um tipo de massagem muscular. Por exemplo, durante os exercidos deve-se investigar o centro de gravidade do corpo, o mecanismo de contração e de relaxamento dos músculos, a funçlo da coluna nos diversos movimentos vi~ lentos, analisar qualquer desenvolvimento complicado e relacion6lo ao conjunto de cada junta e cada músculo. Tudo isto ~ estritamente indivtdua1 e resulta de uma pesquisa continua e total. Somente os uerclcios que "pesquisam" abrangem todo o organismo do ator e mobilizam seus recursos ocultos. Os exercicios "repetidos" oferecem resultados inferiores.

111- Exerdcios ''de cabefa paro baixo''

Noto: Estes exercidos slo mais posiçOel do que acrobacias e, de acordo com os principias de Hatha Yoaa, devem ser executados de modo bastante lento. Um dos principais objetivos da sua prAtica é o estudo das modificaçOes que ocorrem no organismo; principalmente o estudo da resplraç.lo, o ritmo cardlaco, as leis de equillbrio c o relacionamento entre posição e movimento. I) De cabeça para baixo, usando a testa e

as mD.os como

apoio. 2) De cabeça para baixo, posição Hatha Voga. 3) De cabeça paTa baixo, apoiado no ombro esquerdo (ou di·

reito), na face e no braço. 4) De cabeça para baixo, apoiado pelo antebraço.

IV- V6o I) Agachar-se numa posiçlo curvada, pular e balançar-se c~ mo um pàssaro que se prepara para voar. AJ mlos ajudam

o movimento como se fossem asas. 2) Ainda .pulando, aprumar a posição, enquanto

as mlos ba·

tem como asas num esforço pua erguer o corpo. 111

3) Imitar um vOo com sucessivos movimentos semelhantes ao ato de nadar. Enquanto o corpo estã executando estes movimentos de nataçlo, hà apenas um ponto de contato com o chào (por exemplo, o calcanhar de um pé). Executar rãpi· dos saltos para a frente, ainda apoiado no calcanhar de um pé. Outro mttodo e o seguinte: tentar lembrar a sensação de voar que se experimenta num sonho e espontaneamente recriar esta forma de vOo. 4) Pousar como um pàssaro. No/a: Combinar estes exerclcios com outros baseados em quedas, cambalhotas, saltos, etc. Deve-se tentar executar um longo saJ •• to de vôo, que começa como um phsaro tomando impulso e termi· na quando ele pousa.

V- Soltos e Çambolholos

Cambalhota com o corpo rlgido, como se fosse uma marionete, mas como se tivesse uma mola dentro dela. Salto do tigre dado simultaneamente por dois atores que se cruzam no ar em alturas diferentes. Salto do tigre combinado com cambalhotas em si· tuaçOes de ''batalha'', usando varas ou outras arma5.

.5) 6) 7)

Nota: Em todos esses exerdcios, além do fator "pesquisa" e do estudo do próprio or&anismo, há também um elemento de ritmo e dança. Os exerdcios - especialmente nos casos das variaçõc:s de "batalha - slo extcutados ao som de um tambor, tamborim ou outro instrumento, de forma a que tanto o extcutor do exerdcio corno aqude que toca o tambor improvisem e produzam um estimulo reciproco. Nas seqnencias da "bata1ha", as reaçOes flsicas são acompanhadas por gritos espontlneos e inarticulados. O ator deve justincar todos estes exercícios semi-acrobáticos através de motivações pessoais, pressionando as rases iniciais e finais do

exercido. Cambalhotas para a frente, usando a cabeça como apoio. a) Cambalhotas para a frente, ajudando-se com uma mAo.

b) c) d)

cosuu.

4)

I)

Cambalhotas para a frente, sem uso das mlos. Cambalhotas para a frente, terminando sobre uma perna. Cambalhotas para a frente, com as mAos atrAs das

e) 2) 3)

VI- Exercfcios para os pés

Cambalhotas para a frente com um ombro tocan· do o chio para apoio. Cambalhotas para tris. Pulo do "tigre" (mergulhando a cabeça}. Com ou sem corrida preparatória, braços estendidos, pular sobre um obstáculo em cambalhota, caindo sobre um ombro. Levantar-se com o mesmo movimento. a} Salto de tigre alto. b) Salto de tigre demorado. Salto de tigre seguido imediatamente de uma cambalhota para trás.

112

2)

fique no chio com as pernas levantadas. Faça os se· auintc:s movimentos com os pés: Aedo e estiramento dos artelhos, para a frente c a) para trás. b) Aexlo e estiramento dos artelhos para os lados. c) Movimento rotativo dos pés.

PosiçlOde~:

a)

b)

c)

d) e)

Aexione os joelhos com os braços abertos, man. tendo a planta dos pés no mesmo lu1ar o tempo todo. Ande nos lados dos pés. Marcha do pombo {oom as pontas dos pés volta· das para dentro, os calcanhares afastados) nas pontudos pés. Marcha sobre os calcanhares. Aexione os artelhos em dirtÇ!o l sota dos pb e depois para cima, na direçllo oposta. 11)

f)

Pegue pequenos objetos com os anelhos (uma cai· xa de fósforos, um lápis, etc.). 3)

VI/- Extrdcios mfnimos concentrados principolmenJe nas mllos e JNrnas VIII- EsJudos de representoçllo sobre quo/quer temo, V:«Utados enquanto~ anda e corre

B.

EXERCI CIOS PLÁSTICOS 4)

1- Exerckio.s elementares

Nota: Estes exerclcios slo baseados em Oalcroze e outros m~todos ciA.ssicos europeus. Seu principio fundamental~ o estudo dos vetores opostos. Particularmente importante e o estudo dos vetores dos movimentos opostos (por exemplo, a mio faz movimentos circulares numa direçlo. o cotovelo na direçlo oposta) e das imaaens contriUtantes (por exemplo, a mio aceita, enquanto a perna rejeita). Onta forma, cada exercicio estA subordinado A "pesquisa" e ao estudo dos meios de expressAo de cada um, das reslst~ncias e dos centrOs comuns do organismo. I)

2)

Andar ritmada mente com os braços estendidos para os Jadoc. Girar os ombros e os braços, puxando os, cotovelos para tràs o mais longe possivel. As ml~ giram na direção oposta dos ombros e dos braços. O corpo inteiro reforça tais movimentos e, enquanto giram, os ombros IC:vanu~m-se, absorvendo o pescoço. lmagínc: um golfinho. Aumento gradual do ritmo da rotações. Fazer com que o corpo aumente de altura, andando na ponta dospb. ''Cabo de guerra"- Uma corda imaginAria ~esticada A sua frente , e deve ser usada para permitir o seu avanço. Nlo slo as mlos nem os braços que ajudam o corpo, mas o !ronco, que se adianta em direçAo das mlos. Forçar-se para a frente até que a perna, atrâs, toque o chio com o joelho. O movimémo do corpo deve ser 114

5)

6)

7)

8)

rápido c forte como a proa de um navio sulcando uma onda viOlenta. Dê um salto das pontas dos pés, curvando os joelhos no momento de cair. Volte à uma posiçllo de pt com um movimento energético e elãstico, ainda na ponta dos dedos, seguindo-se de uma flexllo dos joelhos. O impulso vem da cintura, que age como a corrente que regula a fase de flexão e o salto que se se&ue. Os braços estilo estirados para os lados, e enquanto uma palma acaricia, a outra rejeita. Deve-se ter a sensaçao de muita leveza, suavidade e elasticidade como uma esponja de borracha; Movimentos rotativos opostos. Posiçlo de pé com as pernas separadas. Fazer quatro rotações com a cabeça para a direita; depoiS, com o tronco, movimentar-se para a esquerda, a coluna vertebral para a direita, os quadris para a esquerda, a perna esquerda para a direita, a coxa para a esquerda, o tornozelo para a direita, e assim por diante, com o braço direito airando para a esquerda, o antebraço para a direita e a mAo para a esquerda. O corpo inteiro participa, mas o impolso vem da base da coluna. De pé, com as pernas separadas e os braços estendidos acima da cabeça, as palmas tocando-se. Rotaçllo do tronco, curvando-se para o chllo o máximo posslvel. Os braços acompanham este movimento duplo de rotaçlo e flexAo. Voltar à posiçllo inicial c, flexionando para trb, completar o exercido numa "ponte". Marcha rítmica. O primeiro passo normal; no segundo, flexionar os joelhos até que as nádegas toquem os calcanhares, mantendO o tronco ereto. Levantar-se para uma posição de pé, no mesmo ritmo e repetir a mesma seqoencia de passo normal alternado com uma flexlo de joelho. lmprovisaçOcsrom as mAos. Tocar, alisar, sentir, acari· ciar diversos objetos, materiais, texturas. Todo o corpo sente essas sensaçOes tà.tcis. Jogos com o próprio corpo. Elabore uma tarefa concreta, como opor um lado do corpo ao outro. O lado direito é gracioso, belo, com movimentos atraentes e harmoniosos. O lado esquerdo, ciumentamente, olha o direito,

e

115

9)

11 -

e:t~pressando em seus movimcncos seu rcssentimenco c seu ódio. Ataca o lado direito para vingar-se da sua inferioridade c cenca degradá-lo, destrui-lo. O lado esquerdo vence:, mas ao mesmo tempo escá fadado a perder, pois sem o lado direíco nAo pode sobreviver nllO pode se movimentar. Isco e apenas um e:t~emplo. O corpo pode facilmente ser dividido em seções opostas; por exemplo, a parte superior c a pane inferior. Os membros podem .se opor uns aos outros- uma mio contra uma perna, uma perna contra a oucra, a cabeça contra a mio, etc. O que e importante to cocal compromisso da imaginaçao de cada um, que deve dar vida c significado nlo apenas às partes do corpo diretamente mo"tívadas, mas também iquelas que nAo estejam. Por exemplo, durante uma Iuca entre uma mio e a outra, as pernas devem expressar horror e a cabeça espanco. Mo~lmentos inesperados. Faça um movimento como, por exemplo, a rotação dos dois braços. Este movimenco começa numa direçAo, depois de alguns segundos mos'cra escar errado, isto e, o oposto dó que pretendia . A d'ireçllO t cnlllo modificada, depois de um breve momento de imobilidade. O inicio do movimento deve ser sempre cnfacizado, e depois subilamente modificado aPós um momento de imobilidade- para o movimento cOrretO. Outro exemplo: comece a andar vagarosamen· te, como se tivesse dificuldade. De repente, depois de parar por alguns momentos, comece a correr rê:pida c araciosameme.

Ex~rclciõs duomposirtJo

Nota: Estes exercidos foram adaptados de acordo com o processo de formaçAo dos ideogramas gesticulatórios dos teatros antiao e medieval, cando da Europa quanto da África c do Oriente. Nao se trata, no entanto, de um problema de ftxar ideogramas, como, por exemplo, na Opera de Pequim, onde, para retratar uma no r, o ator deve fazer um gesto especifico c imucàvel, herdado de Kculos de tradiçlo. Novos ideoaramas devem ser constantemente procurados c sua composiçlo aparece imediata e espontaneamente. O ponto de partida para cais formas gesticulat6rias ~o estimulo da 116

imaginaçlo de cada uma c a descoberta, em eadn um, das reações humanas primitivas. O resultado final~ uma forma viva, que possui sua lógica própria. Estes exercidos de composi,-ão têm pos.sibilidade:s ilimitada. Aqui serAo apresentados apenas alguns que podem ser desenvolvidos. I)

O norcscimento e o emurchimento do corpo. Andar ritmadamt1lte. Como numa planca, a seiva cresce, partin· do dos pb e espalhando-se para cima, a1ravts de todo o corpo, atingindo os braços, que explodem em bolões, como acontece de verdade com todo o corpo. Na seaun· da fase, os ramos secam c morrem por um. Terminar o cxe:rclcio no mesmo ritmo em que,foi comC'ÇBdo. :Z) A imaaem do animal. Nllo CORSiste na imicaçlo realista e literal de um animal de quauo patas. N4o se "reprc· senta" um animal, mas invade-se o subconsciente para criar uma fiaura de animal cujos caracteres particulares cxprcsstm um aspecto da cond~lo humana . Podemos partir de uma associaçlo. Que animal associamos com a piedade, a astúcia, a sabedoria? A associaçlo nlo pode ser bana], estereotipada- o Ido representando a força, a raposa a astúcia, etc. Ê tambtm importante determinar o centro de vitalidade do anima1 (o focinho para o cachorro, a espinha para o aato, a barriga para a vaca, etc.). 3) Auavb de associações com aente, situações, lembranças, metamorfosear-se numa árvore. Os môsculos rcaaem, expreuando a associaçlo pessoal. Para começar, devem-te concentrar essas associações numa parte especifica do corpo. Assim que as reações aumentem de intensidade, o resto do corpo e incluldo. A vitalidade desta árvore, sua tenslo, descanso. Micromovimentos sAo alimentados pela a.ssociaçAo. 4) A nor. Os pá; slo as ralus, o corpo ~ o talo c as mlos representam a corola. Todo o corpo vive, treme, vibra com o processo imperioso da e:t~plos!o em flores, auiado pelas associaçOes de cada um. Dar à "flor" um sentido lóaico, que pode ser ao mesmo tempo triste, tr!gico c perigoso. A "flor" eslà separada do processo que a criou e a parte dela que e representada pelas m!os deve ser usada como um gesto retórico num diAlogo.

117

Andar de pês descalços, imaginando que pisa em diferentes tipos de chiO, superOcie, matéria (cômodo, àspero, seco, molhado, liso, acidentado, com neve, ardas ardentes, l beira d'lgua, etc.) Os pês são o centro da expressividadc, comunicando suas reações para o resto do corpo. Repetir o mesmo exercido usando sapatos e tentar reter a expressAo dos péJ descalços. O mesmo exercido é aplicado b mãos que sentem, tocam, acariciam matérias c superOcies específiCas (ainda imaginArias). Depois,.razer as mllos e os pês reagirem simultaneamente, algumas vezes com impulsos opostos. 6) Analogia com um recl:m-nascido. a) Observar um rcctm·nascido e comparar suas reaçOes com as do seu próprio corpo. b) Procurar qualquer vestlaio da inflncia em seu próprio comportamento (por exemplo, alautm fu ma como uma criança mamando o seio da mie) .. c) Encontrar os estimulos que revivem as necessidades da inflncia (por exemplo, uma pessoe que d! uma sensação de segurança, o desejo de chupar, a necessidade de uma sensaçlo de caJor, interesse pelo próprio corpo, desejo de consolo). 7) Estudo d~ diferentes tipos de passos. a) O tipo de passo determinado pela idade, transferindo o centro do movimento para as diferentes partes do corpo. Na inflncia, as pernas são o centro do movimento; no periodo da puberdade, os ombros; na idade adulta, o tronco; na maturidade, a cabeça; na vdhicc, as pernas outra vez. Observar as modificações no ritmo vitaJ. Para o adolescente, o mundo é lento em relaçlo aos seus movimentos, enquanto para o vclh.o, o mundo se movimenta muito depressa. Estes slo, claro, apenas duas das chaves possíveis de intcrpretaçlo. b) Tipos de passo dependendo de diferentes dinamismos flsicos {Oeumático, belicoso, nervoso, sonolento, etc.). c) Passos como uma forma de desmascarar as ci:rac teristicas que gostarlamos de esconder dos outros. d) Diferentes tipos de passos dependendo das oarac· teristicas psicológicas c patológicas.

e)

S)

118

8)

Paródias dos passos das outras pessoas. O essencial, aqui, t apreender os motivos, c nao o resultado do jeito de andar. O desmascaramento está fa· dado a ser supcrlicial se nlo contiver um elemento de auto--ironia, se o riso b custas dos outros nAo for tambtm As custas da própria expcri~ncia. Escolher um impulso emocional (chorar, por exemplo) e transferi-lo para uma parte particular do corpo - um pé, por exemplo, que entllo terá de fornecer a expressAo. Um exemplo concreto disto é elconora Ouse, que, sem usar o rosto ou os braços, "beijava" com todo o corpo. Expressar dois impulsos contrastantes, com duas partes diferentes do corpo: as mllos riem enquanto os pés cho--

'am. 9)

lO)

C.

Apreender a luz com as partes do corpo. Animar estas partes, criando formas, gestos, movimentos. Modelagem dos músculos; o ombro chora como um rosto; o abdome exulta; um joelho mostra voracidade.

EXERCI CIOS DA MASCARA FACIAL

Estes cxerclcios se baseiam em vârias sugestOes feitas por Delsartc, particularmente em sua divisao de cada reaçlo' facial em impulsos introvcrsivos e extroversivos. Cada reaçlo pode, na realidade, ser inclulda em uma das categorias seguintes: 1- Movimento criando contato com o mundo exterior (extro-versivo). li - Movimento que tende a chamar atençlo do mundo exterior a fim de concentrá-lo no sujeito (introversivo). 111- Estág.ios intermediàrios e neutros.

Um exame-minucioso do mecanismo destes trb tipos de reaçllo t muito útil para a composiçllo de uma personagem. Baseado nestes tr!s tipos de reaçlo, Delsarte fornece uma anàlisc detaJh.ada e exata das reaçOes do corpo humano e até de partes do corpo, como as sobrancelhas, cllios, pllpebras, lábios, etc. A interpretação que Delsartc dà desses trb tipos de reaçlo nlo é, no entanto, aceitlvel, uma vez que está condicionada As convenções teatrais do .tculo XIX. Uma intcrpretaçlo puramente pessoal deve ser feita. 119

A• reações da face corrc:spondem imimamente As reações de todo o corpo. Isto nlo isenta o ator, no entanto, de executar eJCerclcios faciais. A este respeito, além dos conselhos de Delsarte, o tipo de treinamento para a musculatura fada! usada pdo ator do teatroclãssico indiano, o Kathakali, é apropriado e útil. Este treinamento visa a controlar cada músculo da face, trans· cendendo dessa forma a mlmica estereotipada. Implica numa consci~ncia dc cada um dos músculos faciais do ator.~ muito impor· cante colocar em movimento, simultaneamente, mas em ritmos di· ferentes, os vArios músculos do rosto. Por eJCemplo, fazer as pâl· pebras baterem rapidamente, ênquanto os músculos das faces Ire· mcm lentamente, ou fazer o lado direito reaair vivamente, enquan· to o esquerdo se mostra meio preauiçoso.

Todos os exercidos descritos neste capitulo devem ser executa· dos sem interrupção, sem pausa para descanço ou reações privadas. Mesmo os pequenos descansos devem ser incorporados como uma parte integral do exercido, cujo objetivo nlo é um dcsenvolvimen. to muscular ou um perfeccionismo flsk:o, mas um processo de in· vestigaçâo visando ao aniquilamento
As duas condiç&s necessárias para um bum poder de emissllo vocal são: A coluna de ar que emite o som deve sair com força, c: sem en· oontrar obstáculos (por exemplo, uma larinse fechada ou uma abertura insuficiente dos maxilares). b) O som deve ser amplificado por caixas de ressonância fi. siológicas.

a)

Tudo está intimamente: ligado com a respiração. Se o ator só respirar com o peito ou o abdome, nlo poderá armazenar muito ar, c: assim será forçado· a ec:ooomizá-lo, fechando a laringe e distorcendo, com isso, a voz, e eventualmente provocando desordens vocais. Todavia, através de uma rcspiraçlo total (torácica superior e abdominal), ele poderft acumular uma quantidade mais do que necessária de ar. Para isto, é vital que a coluna de ar nlo encontre nenhum obsticulo, como o fechamento da laringe: ou a tend~ncia a fa lar com os maxilares apenas meio abertos. Respir~llo

Observações empbicas revdam trb tipos de respiraçlo: Respiraçlo torkica superior, ou peitoral, predominante na Europa, principa.lmente nas mulheres. b) Respiraçlo in f crio~ ou abdominal. O abdome expele: sem que o tbrax seja usado de forma alguma. Este é um tipo ck rcspiraçlo ensinado usualmente nas escolas de teatro. c) Respiraçlo total (torftcica superior e abdominal), a fase abdo-minal sendo a dominante. Este é o tipo mais higiblico e funclo-. nal, e é verincado nas crianças e nos animais.

a)

O poder dtz emiss4o

Ateoçâo especial deve ser prestada ao poder da emissAo da voz de modo a que o espectador nlo apenas escute a voz do ator perfei· lamente, mas seja penetrado por ela como se fosse estereorônica. O espectador deve ser envolvido pela voz do ator, como se ela viesse de todos os lados, e nlo apenas de onde o ator está. As diversas paredes devem falar com a voz do ator. Esta preocupaçAo com o poder de emisslo da voz é profundamente nttessâria, a fim de evitar problemas vocais que possam se tomar sérios. O ator deve explorar sua voz para produzir sons e entonações que o espectador seja incapaz de reproduzir ou imitar.

A respiraçAo total ta mais eficaz para o ator. No entanto, nlo devemos ser dogmitlcos sobre isto. A rcspiraçlo de cada ator varia de acordo com sua constitu)çlo fisiológica; o fato de ele ad
120 121

respiraçao, desde que as várias posições e ações fisicas (acrobáticas, por CJiemplo) exijam um outro tipo de respiraçao que não a total. É necessário acostumar-se à respiração total. Isto é, devemos ser capazes de controlar o funcionamento dos órglos respiratórios. as diferentes escolas de ioga inclusive a Hatha Yoga -exigem uma pràtica dilria das tknicas respiratórias, a fim de controlar e explorar a função biológica da respiraçAo, que se torna automática. Dai a necessidade de uma série de exerclcios pra criar uma conscienti.zaçlo do processo respiratório. É do conhecimento de todos que

Seguem-se, aqui, diversos métodos de verificaçlo da respiração total. a)

b)

Deitar no ch!o ou em qualquer superOcie dura, de modo a que a coluna vertebral fique em linha reta. Colocar uma mio no peito e a outra no abdome, Durante a respiraçao, deve-se sentir a mio que estl!. sobre o abdome ser levantada primeiro, e depois a que está no peito, tudo isto num único movimento continuo e brando. Deve-se tomar duidado em não dividir a respíraçAo total em duas fases separadas. A expansAo do peito e do abdome deve ser livre de tenslo, e a sucessao das duas fases nlo deve ser destacada. Sua concatenaÇio deve produzir uma sensaçao de um fraco intumescimento do tronco. A subdivislo diU fases pode tr&UT uma innamaçlo dos órgAos vocais, e até dist(Jrbios nervosos. No inicio, o ator deve praticar sob a supervislo de um instrutor. Método adotado do Hatha Yoga. A coluna vertebral deve estar bem reta, e para isto é necessãrio que se esteja deitado numa superOcic dura. Bloquear uma narina com um dedo c respirar pela outra. Depois da rcspiraçlo; fazer o contrArio: bloquear a narina pela qual se respirou e respirar pela que foi bloqueada no inicio. Attrb fases se sucedem no seguinte ritmo: Inspiração: Sustentaçlo do ar: Expiração

4squndos 12 segundos 8 squndos

122

c) O método que se segue, tirado do teatro clássico chinb, é basicamente o mais eficiente, podendo ser usado em qualquer po&içlo, tnquanto os dois anteriores exigem que se esteja deitado. Estando-se de pé, colocar as mlos nas duas costelas inferiores. A inspiraçlo deve dar a impresslo de começar no lugar exato em que as mlos estio colocadas (portanto, empurrando-u para fora) e, continuando através do tórax, produziri a sensaçlo de que a coluna de ar sobe até a cabeça. (Isto slanlnca que, durante a respiração, o abdome e as costelas inferiores se dilatam primeiro, quidos, numa sucessão leve, pelo tórax.) A parede abdominal contrai-se, enquanto as costelas parecem o:pandirsc, formando assim uma base para que o ar seja armazenado, c evitando que ele escape com as primciras palavras pronunciadas. A parede abdominal (contraindo-se para dentro) salta na dircçlo oposta aos mCasculos que projetam as costelas inferiores (contraçAo exterior), mantendo-lU usim para uma expiraçlo bem demorada. (Um erro comum é a compresslo dos m(lsculos abdominais antes que a inspiraçAo total seja completada, resultando numa respiraçlo apenas torécica superior.) A expíraçAo ocorre num sentido inverso: da cabeça, atravts do tórax, ao lugar onde as palmas das mlos cstAo colocadas. Deve-se ter cu_idado de nlo comprimir demasiadamente o ar interior como ji s'c disse - c que todo o processo se desenvolva suavemente; em outras palavras, sem nenhuma divisao entre as fases abdominal e toréclca superior. Um exerci cio como este nlo se destina a ensinar rcspiraçlo pela rcspiraçAo, mas preparar para a rcspiraçlo os que vlo emitir a voz. Também ensina como estabelecer a base (a parede abdominal) que, pela contraçlo, permite a fkil c vigorosa cmisslo do are, desta for· ma, da voz. Durante a rcspiraçlo total, nlo deve armazenar nem comprimir grande quantidade de ar. O ator deve adquirir a maior indepcndlocia posslvel em relaçlo à rcspiraçlo oralni· ca, evitando uma forma de respiraçAo que exija pausas que possam interferir com a declamação do texto. O bom ator respira em silencio e rapidamente. Respira no luaar do texto (seja prosa ou poesia) que ele estabeleceu como uma pausa lóaica. Isto é funcional, pois economiza tempo e evita pausas supérOuas: etnccesÂ.rio, jl!. que mantém o ritmo do texto. 123

O ator deve sempre saber quando respirar. Por exemplo, numa cena com um ritmo rápido, deve respirar antes do final das últimas palavras do seu companheiro, a de estar pronto a falar assim que o companheiro termine. Por outro lado, se ele respira no fim da fala do companheiro, haver! um breve silêncio no meio do diáJogo, criando um "buraco" no ritmo.

os músculos da nuca se contraem: os músculos de baixo do queiJIO se contraem (pode~se testar isto colocando-se o polegar debailiO do queixo e o indicador abaixo do lábio inferior); o maxilar inferior está muito para a frente ou muito para trás.

run

Exercidos para respiraçlo rápida e silenciosa: a)

De'*· com as mAos nos quadris, o ator ripida e tranqOilamc:nle inspira arande quantidade de ar com os lábios e dentes, antes de pronunciar algumas palavras.

b) Fazer uma strie de pequenas respirações silenciosas, gradualmente aumentando de velocidade. Expirar normalmente. NAo se deve exagerar os exerckios respiratórios. A respiraçlo é um processo orglnico espontlneo, e os exerc:icio5 nlo pretendem submet!-la a um controle estrito, mas corriair algumas anomaJias, sem nunca retirar a sua espontaneidade. Para fazer isto, os exercidos respirac6rios e vocais devem ser combinados, e a respiraçlo corri&ida quando neces.sãrio. Se, durante a execuçllio da sua parte, o ator 5e concentra em sua respiraçlo, forçando-se consciencemente a controlA-la, mas sendo incapaz de livrar-se desse pensamento, entlo pode-se dizer que os exercidos respiratórios foram mal executadot.

Aberlura da /aring~ Deve-se ler um cuidado especial com a abertura da larinae, quando se fala e res:pira. O fechamento da larinJe impede uma emisslo correta do ar, neaando assim ao ator o correto uso da vot. Pode-se dizer que a laringeestà fechada se: a voz~baixa; se tem a sensaçAo concreta da larin&e naprganta; na respiraçlo, ouve-se um leve barulho; o pomo-de-adio se move para ci.ma (por exemplo, ao en&ollr a larinae estA fechada , e o pomo-do-adio levanta-se; 124

A laringe está sempre aberta se sentimos a sensaçlo de muito espaço atrás da boca (como quando bocejamos).

O fechamento da laringe ~ sempre resultado de maUJ hábitos adquiridos nas escolas de teatro. Os mais freqUentes exemplos disto slo: a) Os alunos executam exercidos de dicç!O antes de aprenderem a controlar a respiração. Tentam obter uma correta emisslo vocal oom o aux.llio da dieçlo c, com a intençlo de tconomiz.ar o ar inspirado, fecham a laringe. b) Pede-se muitas vezes ao aluno para respirar c depois contar em voz alta. Quanto mais ele conte, mais será parabenizado por sua habilidade de economizar a respiraçlo. Trata-se de um erro imperdoávd, porque, para ser bem sucedido, o aluno fecha a laringe, deteriorando assim seu poder de emisslo. Ao contrArio: é essencial respirar muito profundamente, e nlo tentar economizar o ar. Cada palavra deve ser envolvida, como se saturada com ar, especialmente as vogais. Deve-se tomar cuidado, no entanto, para que nlo se fique sem ar entre as palavras. c)

A respiraçlo defeituosa que deve ser corrigida. Muita.s vezes o aluno dilata o abdome como se estivesse respirando, mas na reaJidade apenas ocorre uma respiraçlo torici.ca superior.

Ellercicios bAsicos para abrir a laringe (prescritos pelo médico chinês Lina):

De pé, com a parte superior do corpo, inclusive a cabeça, curvada levemente para a frente . O maxilar inferior, totaJmente relaudo, descansa no poleaar, enquanto o indicador sustenta levcmcn· te o lábio inferior, para impedir que o maxilar inferior caia. Levantar o maxilar superior e as sobraru::e\has, ao mesmo tempo em que

"'

1 se enruga a testa, de modo a senur urna sensaçAo de que as temporas se estllo abrindo num bocejo, e~ contraem levemente os mús-culos de cima e de baixo da cabeça. e a parte de tràs do pescoço. Finalmente, deixar a voz sair. Durante todo o exercicio, verificar se os m(lsculos do pescoço estão relaudos: o quei.xo, apoiand~se no pescoço, nl.o deve encontrar nenhuma resistência. Os erros que se cometem comumente, durante este exercicio, sAo: a contraçl.o dos músculos do queixo e da pane da rrente do pescoço, a incorreta poslçlo do maxilar inrerior (colocado mmto para tràs), o relaxamento dos mUsculos da cabeça e a queda do maxilar inrerior, em vez de uma ascenslo do maxilar superior. Clixas dt res.soniJnc:ia

A tarera das caixas de ressonllncia fastol6gicas ~ aumentar o poder de emisslo do som emitido . Sua runçlo é comprimir a colu· na de ar na parte especifica do corpo escolhida como um amplifica· dor da voz. Subjetivamente, tem-se a impressAo de que alguém rala com· a parte do corpo em questlo - a cabeça, por exemplo, se se usa a caixa de ressonllncia superior• .

b) CaiJc.a de resson!ncia do tórax, conhecida na Europa, em· bora raramente usada. Funciona quando se rala com um baixo volume. Para verificar se estA runcionando, coloque uma mAu no tórax, que deve vibrar, Para usá-lo, rale c~ mo se a boca estivesse situada no peito. c)

d) Caixa de ressonlncia da laringe, usada nos teatros orien· tai• e arricanos. O som produzido lembra o rugir dos ani· mais selvagens. Ê também caracter1stico de alguns cantores negros dej11u (por exemplo, Louis Armstrona). e)

Caixa de ressonlncia occipital. Pode ser obtida ralando-se com um volume muito alto. Projeta-se a corrente de ar pa· ra a caixa de res.sonlncia superior e, enquanto se rala numa elevaçlo crescente, a corrente de ar é dirigida para o occiplcio. Durante o treinamento, pode-se obter essa res· sonlncia produzindo-se o som de um miado bem alto. Essa caixa de reuonlncia é comumente usada pelo teatro dásslcochinf:s.

f)

Hé. ainda uma série de caixas de ressonância que os atores muitas vezes usam inconscientemente. Por exemplo, no tio ralado teatro "intímista", a ressonlncla maxilar (por tr!s do maxilar) é muito usada. Outras caixas de ressonlncia podem ser encontradas no abdome, e nas partes centrais inreriores da espinha.

g)

A possibilidade mais rrutirera esti no uso de todo o corpo como caixa de ressonlncia. Isto é obtido peJo uso timultA· neo das res.sonlncias do peito e da cabeça. Tetnicamente, pode-se concentrar a atençlo na caixa de ressonlncia, que não està sendo automaticamente ustda no momento em que se rata. Por exemplo, quando se rala em alto volume, usa-se, normalmente, a ressonlncia da cabeça. Podemos, no entanto, concentrar-nos na exploraçlo simultlnea da

Na realidade, hà um número quase infinito de caixas de ressonância, dependendo do controle que o ator exerce sobre seu instrumental fisico. Aqui nos limitaremos a enunciar apenas algumas. a)

Caixa de resson!lncia da cabeça, ou superio r, que é a mais emprqada no teatro C\lropcu. Tecnicamente, runciona atrav~ da presslo da corrente de ar na parte rrontal da ca· beça. Pode-se racilmente dominar esta caixa de ressonln· ela, colocando-se a mão na parte superior da testa e enunciando a consoante ''m''; deve-se, entllo, poder sentir un1a vibraçiÓ definida. De modo geral, a caixa de ressonlncia superior é usada quando se rala com um volume alto de

~"caiai dt rcuonlncia" t puramctitr coovmcional. Do ponlOdt ~ia­ la dmttriCO. ~~to esci

provado que • presslo Jubjel:iu d<11 impiriÇio dt u .,.,., udttermlnldll par~c 6o corpo (nialldo IWin~ um~ •ibrlçt.o u1nn1 no kK'IJ) r1Ç1«1m

q\lf c:ut1 lrea fumlont ob}ellvarno::nu: «
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Caixa de res.sonllncia nasal, que é também conhetida na Europa. Functona automaticamente quando a consoante "n" é pronunciada. Tem sido injustamente abolida nas escolas de teatro. Pode ser explorada para caracterizar certas partes, ou até um papel completo.

127

caixa de ressonância do peito. Neste caso, "concentrar"sianifica comprimir a coluna de ar numa caixa de ressonllncia inativa. Faz-M" necessário o conrd.rio quando se fala num volume baixo . Normalmente, a caiu de resso. nlncia do peito estã em uso e, por isto, deve-se concentrar na da cabeça . Esta caixa de ressonância, que en~olve todo o corpo, pode ser definida como uma caixa de ressonAncia tOial. Efeitos interesantes podem ser obtidos pela combinação simultlnea de duas caixas de ressonlncías. O uso simultâneo da ressonlncia oa:ipital e da laringe, por exemplo, produz um efeito vocal consquido por Yma Sumac nas suas famosas canç0cs veiuanas. lim aJauns casos, podemos combinar duas caixas de res.sonlncia, uma desempenhando a funçlo de ''solo" e outra de ''acompanhante". Por exemplo, a caixa de ressonlncia maxilar pode dar o "solo", enquanto o "acompanhamento" uniforme 6 fornecido pela torãcica. A~diiYOt

c)

Depois rte respirar totalmente (a respiraçAo abdominal e torãcica superior), os músculos da barriga ficam comprimidos, automaticamente, forçando o ar para cima, As costc:las in feriores s&o impulsionadas para fora, e assim se obttm uma base para a coluna de ar. Comojã mencionci, é um erro comum a comprcsslo dos músculos abdominais antes que o prooeuo da rcspiraçlo t01al abdominaJ seja completado (tendo como resultado apenas uma respiraç.lo tor6cicAsuperior).

Aqui, também, é importante nlo armazenar muito ar durante a contraçlo dos músculos abdominais, jà que isto causa o fechamento da laringe. Se os músculos abdominais nlo forem contraidos suficientemente devagar, sente-se uma sensaçlo de enjOa .

Hl muitos outros métodos de criar uma base para a coluna de ar. O ator deve praticar muitos destes a fim de poder alternA-los de acordo com os papéis e as circunstâncias.

lmpostaçdo dollot

O uso de qualquer caixa de resonância pressupõe a exU:t!ncia de uma coluna de ar que, para ser comprimida, necessita de uma base. O ator deve aprender a achar conscientemente, dentro dele, a base para esta coluna de ar. Esta base pode ser adquirida das se. auintes formas:

HA duas maneiras diferentes de impostar a voz, urna para atores e outra para cantores, já que seus objetivos stlio bastantes diferentes. Muitos cantores de ópera - até mesmo excelentes - slo in· capazes de fazer um longo discurso sem cansar a voz, e correm as-sim o risco de enrouquecer, simplesmente porque sua voz é impostada para cantar e nlo para falar. As escolas de teatro muitas vezes cometem o engano de ensinar o futuro ator a impostar sua voz para cantar. A raz.lo disso é que muitas vezes os profCSSOfes s&o excantores de ópera e, freqOentemcnte, um instrumnto musical (o piano) é usado para ac:ompari.har os exercidos vocais .

a)

Pela dilataçlo e contraçlo da parede abdominal. Este m6codo é muitas vezes uaado pelos atores europew, embora muitos deles nlo tenham conscíencla do motivo real atrú da dilataçlo muscular. Os cantores de ópera, muitu vezes, reforçam esta base pelo cruzamento das mlos no abdome, e, fingindo apertar um lenço, comprimem as CQl.. telas inferiores com os-antebraços.

~dosorganicos

b)

Pelo método usado no teatro clássico chio&. O ator envoJ. ve a cin-tura com um cinto largo, fortemente apertado. Quando respira totalmente (a respiraçlo torácica e abdominal), o cinto comprime os músculos do abdome, for. mando assim uma base para a coluna de ar.

As observações anteriores, que advertem o ator contra a privaçAo de sua rcspiraçlo or&ftnica, s1o também vãlidas para as cai· xas de res.sonlncia, a abertura da laringe e a base da voz. O objetivo dos exerdcios é tomar o ator dono do seu diapaslo potencial. ~ essencial, para ele, explorar, espontaneamente c quase subcons-

128

129

cicn:cmcme, estas possibilidades enquanto executa a partitura do seu papel. Muitas vezes acontece que o ator que executa mal seus exercidos controla a voz "escutando-se". Isto bloqueia o processo orgAnico, e pode ocasionar uma sérte de tensões musculares que, por sua vez, impedem a emisslo correta da voz (por exemplo, um parcial fechamento da laringe). Um círculo vicioso é criado: no desejo de usar a voz corretamente, o ator escuta a si mesmo; mas, fazendo isso, todo o processo vocal é bloqueado c a emissAo correta da voz torna-se imposslvd. Pai-a evitar isto, o ator deve aprender a controlar a própria voz, escutando-a, nao de dentro dele, mas de fora. Com isso em vista, um exercício correto é articular um som, dirilindo-o contra uma parede, e escutar o seu eco. Nâo escutamos passivamente um eco, mas conscientemente o modelamos movendo-nos para mais perto ou mais longe da parede, guiando-o para mais aho ou mais baixo, e modificando a ressonância, o timbre, a entonaç!o.

EJ§D I

1

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QTI[Q~.A,

A fim de explorar organicamente o aparelho respiratório e vocal , em relaçAo às múltiplas exigências de um papel, a pesquisa individual deve ser estimulada. Pode-se determinar que imagens e associaçao produzem, em certos atores, a "abertura" do aparelho vocal (ressonâncias, laringe, etc.)

Por exemplo, em alguns atores, a caixa de ressonância superior é amomaticamente colocada em açilo quando, ao falar, eles dirigem a voz para o teto com as maos, empurrando literalmente a voz pra cima. Desta forma, uma das caixas de ressonlncia inferiores pode ser colocada em movimento, deixando-se que as mlos conduzam a voz para o chio. O ator deve sempre permitir reações vocais espontlneas, em vez daquelas que sAo friamente calculadas. Os seguintes exerclcios sAo muito úteis para isto: a)

Use a voz para criar em tomo de voei: um circulo de ar "duro" ou "suave". Com a voz, construa um sino que se to rne sucessivamente maior e menor. Envie um som atravb de um canudo largo e, depois, atrav& de um canudoestrcito,etc.

130

I.

Palco italiano. Os atores iJO\am-se da pla~ii.J e representam acmpre cJcnlro ck uma iru dt;limitada.

2.

Teatro circular (paJeoc:entral). Embora a posiçio do fN'IcoSoe ahe re , permanece a hunira enlre alrtre espectaOor.

). ' Tealro-Uboratóric-. Nio uiste sepuaçlo enlre atotes e espec:t3doru. Todo o rKilllO • uansforma em palc:o e, ao mnmo tl:mpo, em platiia. 4 No perioõo &e rdonna tl:atral, no inicio clesiC lkulo, fi.zrn.m-te ai· ~;umas tl:ntativu (Meyerbokl, Pisc:ltor e outtos) no M:Tltido de levar 01 atutc:s li plat~ia em determinados momenlO$
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b) AçOes vocais comra os ObJeuvos: use sua vol para fazer um buraco na parede, para virar uma cadeira, para apagar uma vela, para fazer um quadro cair da parede, para acariciar, para empurrar, para cn\olvcr um objeto, para var· rer o chllo; use a voz como se fosse um machado, uma mllo, um martelo, uma tesoura, etc.

AJém dessas explorações conscientes e higiênicas da vol, há duas outras maneiras de aumentar suas possibilidades:

22

Aspecao da ~lo dnrom,tica de Dr. PtuU1114, bueado tm tulo do Umro hora anles de lUa mortt, Ffi!tUII ofereoe uma 61Cima otia a lt\U amiJOS (a.. ~tadorn).

MarkJ1re.

a) O ator deve aprender a enriquecer sua faculdades pela emisslo de sons nlo usuais. Um exerclcio extremamente útil a esse respeito consiste na imilaçlo de sons naturais e barulhos mcclnioos: o gotcijar da água, o pipilar dos pàs-. saros, o barulho de um motor, etc. Primeiro imite estes sons. Depois, encaixe-os num texto falado, de modo a despertar a associaçllo do som que voe! precisa elaborar ("colorindo" as palavras). b) O ator deve desenvolver a habilidade de falar em registros que nllo s!o os seus naturais, isto é, mais alto e mais baixo que o normal. Isto nllo significa apenas um aumento ou diminuiçllo metódicos e contlnuos da voz aos registros pouco habituais, mas, em casos especlficos, uma operaçllo artificial com registros nAo usuais, sem que se esconda a sua artificialidade. Outra maneira muito útil de atingir artificialmente outros registros ~ a imitaçlo parodiada de vozes de mulheres, crianças, velhos, etc. Mas o ator nunca deve forçar-se metodicamente, a baixar sua voz do seu registro natural, para atingir, por exemplo, a voz "viril". Esta tend~ncia é particularmente incômoda, provocando innamaçaoda garganta e at~ distúrbios nervosos .

2J Aspteto da açlo dnromitkl de O Ptírtt:i!H Corut•,.t~. baseado em tc.u o de Caldcr&I.Siowacki. A pl1tfi& cokxa·se de modo 1 IUJerir 1 observaçlo de um ato proibido, aua loealiuçlo e.,-oando uma arena de touros ou um anfiteatro du :Piu de opc.-.çio.

138

Empr'fO vocal Se o ator sofre de um leve defeito vocal, que nllo pode ser erradicado, em vez de esforçar-se para ocultá-lo, deve explori-lo de diversas formas, de acordo com os papéis que representa.

139

Dicr~o

A regra básica para uma boa dicção é expelir as vogais e ''mastigar" as consoantes, Não pronuncie as letras com demasiada distinçAo. Muitas vezes, em vez de pronunciar a palavra como uma emidade, o ator soletra-a de acordo com as letras que a compõem. Isto tira a vida da palavra, conferindo-lhe as mesmas caracteristicas da pronúncia de llngua estranaeira aprendida num livro. Hâ uma diferença fundamental entre a palavra escrita e a falada, sendo a palavra escrita apenas uma aproximaçAo. A dicçao C um meio de expressao. A multiplicidade de tipos de dicçlo existentes na vida deve ser tambtm encontrada no palco. Restringir-se a um único tipo de dicçlo significa um empobrecimemo dos efeitos sonoros e constitui uma recusa a empregar todos os meios ã dispostçlo - é antes como se se obrigasse um ator a usar sempre a mesma roupa . Assim como na vida nao hA um só tipo de dicçao, mas inúmeros, dependendo da idade, saúde, caráter e estrutura psicossamltica do individuo parti· cular, da mesma forma nllo existe uma única forma de dicçlo no teatro. O ator deve sublinhar, parodiar e exteriorizar os motivos interiores e as fases físicas da personagem que está Interpretando, atraves de uma modificaçao da pronúncia ou usando um novo tipo de dicçlo. Isto tambtm condiciona a modificações de ritmo derespiraçlo. No palco, em geral, a dicçllo é carcaterlzada por uma pronúncia precisa e monótona, que, além de ser pesada do ponto de vista arHstico, tambt:m tende a uma afetaçlo. Tomando como base os diferentes tipos de dicçlo a serem observados na vida cotidiana, dependentes das peculiaridades flsicas e psicol6aicas do individuo, o ator deve atingir outros tipos de dicçlo artificial, que o auxiliem a caracterizar, parodiar e desmascarar o papel. Cada papel nttessita de um tipo diferente de dicçlo e, mesmo dentro da estrutura do mesmo papel, as possibilidades oferecidas pelas modificações de dicçlo, de acordo com as circunstlncias e situações, devem ser exploradas ao mAximo. Seguem-se, aqui, alguns exerci cios com bte objetivo: 140

a) Parodiar a dicçAo de seus próprios conhecidos. b) Atraves da dicçllo, apenas, retratar diversas personasens (um glutlo, um miserllvcl, um religioso, etc.). c) Caracterizar, através da dicçlo, certas particularidades psicossomáticas (raua de dentes , coraçlo fraco, neurastenia, etc.). A tendl:ncia a acentuar muito as consoantes C errada. Slo as vogats que devem ser acentuadas. A enfatizaçllo demasiada das consoantes causa o fechamento da laringe. Quando, ao praticar a dicção, for necessãrio acentuar as consoantes, as vogais devem ser acentuadas proporcionalmente. Cada frase deve ser emitida com uma longa onda respiratória, que impeça a laringe de se fechar. Só no sussurro se deve acentuar a consoante. Os exercidos de dicçlo nunca deveriam ser praticados com textos usados na representaçlo, a fim de evitar uma distorçllo da sua interpretaçlo. O melhor treinamento de dicçlo é obtido na própria vida privada. O ator deve prestar continua atençlo à sua pronúncia, até fora do âmbito de seu trabalho. Outro exercido eficaz para a dicçlo C ler uma rrase bem lentamente, repetindo-a várias vezes, cada vez mais depressa, sem diminuir as vogais. Os exercidos de controle ritmico podem ser executados com o auxilio de um metrOnomo ou do próprio pulso. A mesma velocidade deve ser mantida do principio ao fim. Nlo aumente a velocidade depois de um verso na poesia, ou no fim de uma frase na prosa. Mesmo ao aritar ou produzir um tom muito alto, o ator deve sempre reter uma reserva que lhe permita aumentar o volume, se necessário. A1Cin do mais, o esforço que fizer com a voz ser! notado. O ator nlo deve nunca aprender seu papel em voz alta. Isto, automaticamente, conduz a uma "petrifieaç!o" interpretacional. Da mesma forma, nlo se deve declamar uma parte, por mero divertimnto, na vida privada, ou divenir-se com detalhes da montagem. Além de ser um falta de respeito para com a realizaçlo de alauCm, conduz imediatamente à banalidade, sem que o ator tenha conscil:ncia disto. Durante os ensaios, o ator deve estar ciente das possibilidades acúticas da sala na qual vai representar, a f101 de des141

cobrir os ereitos (ecos, ressonâncias, etc.) que podem incorporando-os à estrutura do seu papel.

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usados,

Pousos Ê importante nAo abusar das pausas. A pausa, como meio de expressao, atinge seu propósito nestas condições: a) Seu uso parcimonioso, somente quando acrescenta expressividade. b) A eliminaçlo de toda a pausa que nAo tenha uma runçAo artlstica, e que nlo seja dependente da estrutura do papel (resultante de uma radiga pessoal, de uma prolixidade natural, etc.). c) A diminuiçAo das pausas respiratórias, que devem sempre ser ràpidas e suaves. Ê aconselhàvel r~las coincidir com as pausas lógicas. d) Deveo-se dar prioridade às pausas ''artificiais'' ou •• ralsas' ', criadas por um intervalo. Por intervalo queremos dizer a transiçlo de um tom de voz para outro. O ator deve sempre praticar o intervalo curto, que é, de longe, mais diflcil que os longos. Exploroçbo de erros

O ator deve ter presença de espirito para inserir rapidamente na esuutura do papel qualquer erro (de dicção ou movimento) involuntariamente cometido durante a representaçlo. Em luaar de parar ou recomeçar, deve continuar, explorando o erro como um dei! o. Por exemplo, se o ator pronuncia uma palavra erradamente, nlo deve corrlair-~ mas repetir a pronúncia errada em outra.s palavras, a fim de que o espectador entenda isto como parte da estrutura do pape!. Esta técnica, naturalmente, exige um comando dos próprios reflexos, bem como qualidade de improvisação. Th:nico de pronúncia NAo hA direrença essencial entre a dedamaçlo da poesia e da prosa. Em ambos 01 casos, hã um problema de ritmo, de expressAo e de acentos lógicos. 142

Na prosa, o ritmo tem de ser descoberto, ou quase dttirrado: temos de sentir o ritmo especillco do texto. O bom ator é capaz de ler, ritmicamente, atf: mesmo um catálogo telefônico. Ritmo nlo é sinônimo de monotonia ou de prosódia unirorme, mas de pulsaçAo, variaçlo, mudança súbita. Depois de determinar a.s vãrias tônicu lógicaJ do texto, ~ acordo com o plano geral da interpretaçlo, deveo-se impor um ritmo que coincida com tais acentos. No entanto, mesmo na prosa, nlo se deve ravorccer um ritmo em detrimento da 16aica rormal, ou, no outro extremo, do sentido lbaico do texto. Nem deve o ritmo do texto ser conado em pedaços, ou a tônica lógica ser enratizada com pausas. A. tônica lb&ica de uma rrasc nlo deve ser isolada: representa o ponto culminante de uma corrente rítmica produzida por uma simples onda respiratória e melódica. Muitas vezes acontece que a tOnk:a ló&ica é colocada em duas palavras direrentes- talvez att: separadas uma da outra- na mesma rrase. A capacida~ de manipular frases é importante e nccessària na representaçlo. A rrasc é uma unidade integral, emocional e lógica, que pode ser mantida por uma única onda expirat6ria e melódica. Trata-se de um ruraclo concentrado num epicentro, rormado pela tônica lógica ou os timbres . lU vogais deste epicentro niQ devem ser diminuldas, e sim prolongadas levemente, a fim de conrerir-lhes um valor especial, tendo-se muito cuidade em nAo quebrar a unidade da frase com pausas injustificadas. Decerto, podem existir exceçOe:s a esta ·regra, principalmente quando se deseja obter um efei· to formal especifico: neste caso, o epicentro pode ser retalhado e as rrascsquebradas. Na poesia, também, a rrase deve ser considerada como uma entidade lógica e emocional, a ser pronunciada numa única onda respiratória. Diver~aslinhas (uma e meia, duas ou mais) muitas vezes constituem arrase. Aqui, o ritmo de cada linha deve ser estabelecido sem se recorrer a meios monbtonos. A qualidade distinta da rrase deve ser retida, usando-se diversos meios, e nlo apenas um, como acento tônico ou pausa entre as linhas. Hã inúmeras maneiras de proteger o ritmo de cada linha. Podemos colocar uma Ylrgula ou um ponto final no fim de uma linha; no fim da outra, fazer a tônica lógica cair na última palavra; e usar 143

um inlervalo (mudança de tom} no fim de uma terceira, just ificando-o do ponto de vista da interpretaçlo. A necessidade de fiXar as pausas respiratórias existe tanto na prosa quanto na poesia . Elas nao podem existir conjuntamente, pois podem causar uma falta de ar. Se, por outro lado, estio muito separadas, e o ator tenta fazer a sua expiraçlo alongar-se, a larinse seri fechada. Podemos violar todas as rqras mencionadas aqui, des(leque a transaressao ~ja intencional e vise a um efeito fonnal .

O Treinamento do Ator (1966)*

Outros elementos podem também ser utilizados: a) Aoeleraçlo ou retardamento do ritmo da frase. b) Mudanças súbitas de ritmp. c) lnspiraçlo nlo escondida antes das palavras que originam a tônica lóaica da frase. d) lnsplraçlo il6gica: isto t, num lugar da fra5e onde a rcspiraçlo nlo ocorreria normalmente.

Todo ator- mesmo aqueles que slo tecnicameme peritossofre determinado tipo de crise vocal depois de· um periodo de diversos anos. Isto .se deve .6. idade, que modifica a estrutura do corpo, exigindo uma nova adaptaçlo ttcnica. O ator que deseja evitar a estagnaçaO deve, periodicamente, começar tudo de novo, aprendendo a respi rar, a pronunciar e a usar suas caixas de ressonAncia. Deve redescobrir sua voz.

144

E m sua introduçlo, Grotowski diz que o contato entre a platl:ia e o ator l: vital no teatro. Tendo isso como principio, começou suas lições com a f rue: ' 'A essf:ncia do teatro l: o ator , suas ações e o que ele pode realizar". Suas confer!ncias, e os vãrios exercidos apresentados, baseiam-se em muitos anos de pesquisa met6dica e cicntlfica sobre as ttcnicas do ator e sua presença H.dca no palco.

14S

Exerclclos l'ocais Para começar, Grotowski faz algumas observações sobre a atitude a ser adotada em relaç!o à voz. Pede absoluto sill:ncio de todos os que estAo presentes na sala, tanto dos atores quanto dos demais assistentes. O riso deve ser evitado, mesmo no inicio dos o:erclcios que possam lembrar um trabalho de circo. Aqueles que n!o estiverem familiarizados com seu m~odo podem receber tal impresslo, mas logo modificar!o sua atin•de, depois de alaumas lições, e de terem visto os resultados alcançados. Os assistentes neste caso as pessoas que nlo tomam parte ativa nos exerclcios devem ser "invislveis e inaudlvcis" para os alunos.

Estimulo da l'OZ Cada aluno escolhe um texto e tem inteira liberdade para recitá-lo, cantã-lo, aritá-lo. Este exercido é realitado em conjunto. Durante sua execuçlo, Orotowski passeia entre os alunos, alaumas vezes examinando os troncos, costas, cabeças ou abdomes, enquanto eles falam . Nada foge à sua observaçAo. Depois deste exerclcio, seleciona quatro dos atores-estudantes. Os outros retornam aos seus luaares em absoluto silblcio, de onde passarAo a assistir aos progressos dos seus colegas.

Grotowskl coloca um estudante no centro - O aluno diz um texto improvisado, sua voz aumentando ara· dualmente de volume. - As palavras dc!vem ressoar contra a parede, como se a parte superior da cabeça é que estivesse falando. A cabeça nl.o deve pender, pois isto ocasiona o fechamento da laringe. A traves do eco, o teto torna-se um participante do di6.1ogo, que anume a forma de perguntas e respostas. Durante o exercido, Orotowsk.i conduz o aluno, pdo braço, atravb da sala. - Entlo, começa uma conversa com a parede, também improvisada. Aqui, torna-se evidente que o eco é quem responde. Todo o corpo deve reaair ao eco. A voz oriaina-sc e elabora-se no peito. 146

- Agora, a voz ê colocada na barriga. Desta forma, trava-se uma conversa com o chio. Posiçi.O do corpo: ''Como uma vaca gorda e pesada''.

Nota: Orotowski 9bserva que, durante estes exerdcios, o pensamento deve ser excluldo. Os alunos devem dizer o texto sem pensar nele nem fazer nenhuma pausa. Orotowskl interrompe toda a ,.ez que percebe que o aluno está pensando, durante os exerdcios.

-

O ciclo completo dos exerclcios é executado, em sucuslo. A voz da cabeça (dirigida para o texto). A voz da boca (cOmo se falando para o ar defronte do ator). A voz occipital (dirigida para o teto atrás do ator). A voz do peito (projetada para a frente do ator). A voz da barriaa (dirigida para o chio). A voz elaborando-se: a) nas omoplatas (dirigida para o teto, atris do ator). b) nascostas(diriaida para a parede atrã.s dp ator). c) na regiao lombar (diriaida para o chio, a parede e a sala que ficam portris).

Grotowski nlo deixa o ator tranqOilo. Enquanto o ator fala, move-se em volta do aluno, estimulando c comprimindo algumas partes do corpo dele, despertando assim certos impulsos vivos que, automaticamente, emitem a voz. O ritmo dos cxerdcios t muito ripido. Todo o corpo deve participar nos exerctcios- até nos vocais. Um dos exercidos de descanso con.siste em uma conversa improvisada com a parede, completamente livre de tenslo. O ator deve estar, durante todo o tempo, ciente de que o eco rol aproveita· do. ~ notivel como Cieslak- o ator principal de Grotowski e seu colaborador mais próximo-, que deve ter executado e vistO estes exerdcios inúmeru vezes, segue o progresso dos alunos com o maior interesse e atençAo.

147

Extrclcio do

"Tig~"

Este exerdcio tem como objttivo deixar o aJuno totalmente l vontade e, ao mesmo tempo, colocar o ressonador gutural em açlo. Grotowskl participa do exerckio. Ele interpreta o tiare atacando sua presa. O aluno (a presa) reage, ruge como um tigre (as improvisações vocais de Armstrong). Nlo se trata somente de um problema deruair. Os sons devem se basear no texto, cuja continuidade! importante para este tipo de exerdcio.

Grotowskl: "Aproxime-se .. Texto ... Grite .• . Eu sou o tiare, nlo vod ... eu vou com!-lo". Assim, ele faz com que o aluno entre totalmente no joao. t:: notlvel como os alunos siO tomados pelo exerdcio. Aaora, toda a timidez desapareceu. O único obsticulo t a ralta de um texto ramiliar, pois as palavras nlo vhn racitmente na improvisaçlo. De repente, Grotowskl interrompe o exerdcio (sem que alguns alunos {)ttCCbam loao, de tal modo estio tomados pelo exerclcio), e pedê a um aluno que cante uma cançlo. Isto t reito aparentemente para relaxar a voz. Grotowsk.i considera esse relaxamento vocal da maior importlncia, principalmente para aqueles alunos que estiv~ rem razendo esse tipo de exercidos pela primeira vez. Os órglos vocais ainda nlo estio acostumados a ser usados desta rorma. A rorça pedqóaica de Grotowsk.i t demonstrada pelo rato de que os alunos ttm dificuldade de conter-se depois de um exerclclo. Nlo prestam nenhuma atençto i audiblcia, que tarnbbn esti notavHmente intea.rada no procesJO total. E:arclcio "Xing-King'' A eu!ncla deste exerclcio esti na repet.içl.o aritada da palavra "Kina" num tom bastante alto e nUm tempo r6pido, com urna s«ie de variações desde tons mais baixos ate mais altos. F'malmente, o som se elabora no occiplcio, que, neste momento, la boca. Orotowsk.i obtmt os mais impressionantes resultados na improvisaçiO em torno desta palavra ate fmgir um cllmax:. Depois de cinco minutos, o aluno, sob o esUrnulo de Grotowskl, atin&e uma aJtura na sua escala voeal que lhe parece totalmente nova. Verificamos muitos rostos surpresos entre os alunos .•. 148

"

2J 1teuot~tdoru

149

De repente, Grotowski volta a uma recitaçlo normal de um texto.

Extrclcio "LA·LD" O exercido começa com o aluno andando pela sala e camando ''LA·ID-111". Grotowski deita-se entlo no chio, ao lado do aluno. O "LA-LA" é-agora repetido contra o teto, a parede e o chao, alternando entre a voz da cabeça, da barriaa e do peito. Grotowski massaseia a barriga do aluno, para alivii-la e estimular a caixa deressonância ali situada. Depois deste exercido, o aluno permanece no chio por alguns momentos, completamente relaxado .

NotD: O resultado é notivel. Mesmo depois da primeira aula, a voz do aluno atinge entonações e extensOes que ninguém antes poderia desconfiar que ele possulssc. Groc.owski recomeça o mesmo ciclo de exercido com o primei· roaluno. Estimulo dos impulsos vocais das diferentes caixas de ressonl.ncia: - A vozdacabeça(dirigidaparao teto) . - A voz da boca (como se ralando para o ar derronte do ator). - A voz occiphal (dirigida para o teto atris do ator). - A vozdopeito(projetadaem rrentedoator). - A voz da barrip (dirigida para o chio). - A voz elaborando-se: a) nos omoplatas (diriaida para o teto, atris do ator). b) na regilo lombar (dirigida para o chio, a parede c a sala que f.cam por tris). Os ett~tros e caixas de ressonl.ncia a serem desatados estio desisnados no diagrama 6J-6S por um "X".

Extrclcioseguintt O miado de um gato com a mais longa extenslo de: a) b) c)

entonaçlo; nuanças; climax. !lO

TIGRE A expresslo da voz no rugir de um tigre. Hã já visiveis sinais de progresso, em comparaçllo con1 o aluno anterior. Os exercidos vocais sllo agora acompanhados de perambulações, movimentos de rolamento e afiamento da:s garras. Grotowski, sem nenhuma dúvida, aprendeu com a experiancia que os alunos necessitam dessas associações, para entregarem-se totalmente aoexerdcio.

SONS Articulaçlo de todas as espécies posslveis de sons inarticula· dos, nas mais variadas entonações atingidas pelo alunos. ~como se o aluno estivesse abrindo a jaula em que estivessem presas, de ror· ma latente, sua fauna e sua nora. O "tempo" desses cxerclcios é espantoso. O mesmo ocorre com os resultados, em certos aspectos, pois este aluno também atinge uma dimensAo de dlapaslo que, segundo afirma depois, nunca tinha atingido antes. Disse: que isto veio automaticamente, e que os resultados roram devidos ao ciclo de exercidos e à Intima cooperaçlo. Também a sinceridade com que este exercido roi executado e a simpatia dos outros desempenham um papel que nlo pode ser substimado. Exercfcio seguinlt

O ator estendido no chio, numa posiçlo descansada. Gr~ towski apela para a sua imaginaçAo, encorajando-o a pensar o mlnirno posslvel. As reações nao devem ser procuradas, Se nlo r~ rem espontlneas, nlo interessam . Grotowski indica, com a palma da mio, os lugares do corpo do aluno que foram queimados pelo sol. Enquanto isto, o aluno canta baixinho . Depois de um certo tempo, a voz modifica-se, o poder e a intensi,dade da cançlo, alterando-se de acordo com as partes do corpo tocadas por Gr~ towski. !SI

Exercidos baseados em sons animais Durante o intervalo, os atores nlo podem falar entre si c, acima de tudo, n!o podem sussurrar. Mais tarde, Grotowski explica a rullo da proibiçlo. A audilncia permanece a mais quieta pouivd. A duraçto aproximada dos exercidos para cada aluno é de trinta minutOI. Um tc:rcciro aluno é convidade a executar os mesmos exercidos. Aqui, no entanto, Grotowski introduz um novo elemento nos execcicios; utn tipo de postura de cabeça para baixo, Voga. O ator tem de recitar um texto e cantar uma cançlo, enquanto per-

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crande importlncia para atores que possuem uma larinac fechada ou bloqueada. Durante ate excrdcio, houve riso da parte da audil:ncia. Grotowski nlo hesitou em pedir silencio.

Tigre: Um prolonpdo rUJido, com as mcsnuu entonações e respirações. Cabnz: Um silvo prolongado com a mesma entonaçlo e respjraçlo. VG"ca: Um mugido prolongado, com a mesma entonaçlo e respiraçlo. ' Durante estes exercicios, o corpo deve acentuar os sons produ· ridos. Os movimentos mais elementares de cada um destes animais devem ser reproduzidos pdo corpo. Repetindo este excrdcio, Grotowski vai um pouco maiJ longe. Ele estimula reaçOes definitivas no aluno, usando, por exemplo, uma atitude agressiva para com ele.

Outros exerckios lendo animais como tema Exercido seguinte. O ator fica estendido no chio. Grorowski: ''lmaaine que vod: estA deitado num rio morno c a Aaua do rio esti correndo sobre o seu corpo. Fique em silencio por alaum tempo c depois cante", Enquanto isto, Grotowski toca com a mio as partes do corpo que entram em contato com a lgua morna. O aluno deve simplesmente reaair, Em minha opinilo, estes exercidos servem para estimular os centros da voz que estio maU prbximos do lugar ou pessoa com quem rata, ou através de quem o estimulo é dado.

Outro urre/cio com o mesmo propósito Otitc-~c com o cJotómaao para o solo. - O aluno é instruido para falar com o teto. - Os centros vocais a serem usados estio nas costas, isto é, abaixo do pescoço, na parte inferior das costas em volta do diafragma e entre os omoplatas.

lS2

O ator é um touro e Grotowsk.i o toureiro, com uma malha vermelha que achou por perto. O ator deve cantar enquanto ataca. Durante este excrcicio, Grotowski interrompe por um momento para dar algumas explicações. Os atores tem uma pcqueoa pausa, mas nlo podem falar ou sequer sussurrar.

Grolowski: "Todas estas técnicas usadas com os excrdcios vocals slo o opÔsto dOI métodos nonnais. Durante as aulas de dicçlo, somente as coruoantcs dO estudadas. Hl aulas especiais para as vogais, durante as quais um instrumento mwical é usado, oomo o piano. Durante estas aulas, presta-se muita atençlo i rcspiraçlo e As diferentes técnicas de respiraçlo. Isto estA errado. A respiraçlo abdominal, por exemplo, nlo pode ser aprendida por todo o mun· do. As pessoas adaptam sua respiraçlo de acordo com suas atividade& humanas. Suas condições de atividade. Sua rcspiraçlo. Tenha o cuidado de somente sugerir um método apc~"feiçoado de respiraçlo a alguém que tenha dificuldades genulnas com a rcspiraçlo. ~ uma bobqem impor um certo tipo cspedfico de respiraçto ou uma ett· ta tttnica a algutm que nlo tenha problemas a este respeito. ·No enJlj

tanto, isto t o que acon1ece com a maioria das escolas de teatro. O tipo de respiraç~ qu~ uma pessoa uso deve sucuidada.

A IIm do mais, htl a/)Dlas uma regra absoluta. A atividade corporal vem primeiro, e depois a expressAo vocal. A maioria dos atores faz o contrário. Primt!iro, esmurro-se a mesa~ d~pois grit~l O processo vocaJ nlo pode ser livre sem um ótimo fundonamento da larinae. A laringe deve primeiro ser relaxada, e depois o queixo e os maxilares. Se a làrirfge nlo relaxar ou abrir, deve--se encontrar uma maneira para obri&i-la ·a faâ-lo. Eis por que pedi ao terceiro aluno para ficar de cabeça para baixo. Ao fazer isto, e falando ao mesmo tempo, ou aritando e cantando, hã uma ótima possibiiKiade de que a laringe se abra. Conheci uma atriz que sofria de diversas crises voca.is. O m«tico nlo foi capaz de aUJliliá-la. Certa vez, em públi· co, esbofeteei-lhe violentamente a face. O resultado foi que ela começou a cantar espontaneamente. A respeito disto, todo um processo poder ser mencionado: Contato- Obsuvoçlo- Estfmulo- R~oçlo No processo vocal, todas as partes do corpo devem vibrar. ti da maior lmporttncia- e repetirei sempre Isto -que aprendamos a falar-prjmeiro com o corpo, e depois com a voz. Levantar um objeto de uma mesa ta concluslo de um complicado processo do corpo. ~lo-

&tfmulo- RNÇOO(resposla)

A voz t material. POde ser usada para tudo. Todos os csdmulos do corpo podem ser expressos pela voz. Pensemos nas possibili· dadcs de associações da voz em relaçlo ãs seauintes palavras, por exempLo:

-F""' -Suave -Cobra -Cio

O corpo deve ser o centro das reações. Devemos aprender a reagir a todas as coisas com o nosso corpo, att mesmo a uma conversa do dia-a-dia. Devemos a radualment banir todas as formalidades fisic as do nosso comportamento: os braços cruzados dificultam

nossas reações. Todas estas coisas - voz e expressOes do corpo - devem sêr aprendidas individualmente por cada um de n6s. .f'ortanto, tornase necessArio um exame acral, diário, de tudo o que se relaciona com o nosso corpo e a nossa voz. O professor ou assistente só deve intervir quando aparecem as dificuldades. Ele nAo deve nunca interromper o processo individual enquanto apresenta ótinlflS possibilidades de adquirir resultados; e jamais deve tentar modificá· lo. O processo natural flsLol()gieo- respiraçlo, voz, movimentonunca deve ser restringido ou obstruido por sistemas e teorias im: postos.

Outras obs6WJÇDes com relaçlo d vot "A vo:- humana procura elementos nssonantes. O corpo e espedalmentt aquelas portes }6 mencionadas s4o os locais exatos para a ressonbncia da voz. 'Orr tst cr<e.ur se.ulement quand onfait des recherches. • Este t tambmt o caso no teatro. Para cada situaçlo, e para a sua interpretaçAo peJa voz, pode-se tentar encontrar a ressoól\ncia apropriada. Isto se aplica ao treinamento, mas nlo ao preparo dO papel. Os exercidos e o trabalho criativo nlo devem se mistuiar. ô mciô, o esplrito da tpoca, a mentalidade, tudo pode constituir~ obstáculo para a formaçlo de uma boa voz. O QTO mals ele.menlar, e q~a nect:SSita da mais urge.ntt cor~o. ~a supertens/Jo da voz. unicamente porque as fNSSOlJS se es-qu~mãe.falarcomocorpo.

O treinamento da voz, na maioria dos palses e praticamente em todas as escolas, ~concebido e praticado erroneamente. O processo natural da voz t impedido e destruido. Tknicas anormais slo eruinadas, o que desraz os bons llibitos naturais. Meu principio básico t o seguinte: Ntlo pense no instrumento

vocal, nlo pense nas palavras, mas reqja- reaja com o corpo. O corpo é o primeiro vibrador, a primeira caixa de ressonAncia."

IS4

ISS

Ê necessário sentir o contato com o d1lu.

Grotowski: ''Hoje demonstraremos certos exercidos que pare· cerão imposslvcis de serem executados aa;ora. Observem o Sr. Ci~ lak atentamente. Só a observaçlo pode tornã-los capazes de executar estes exercidos dentro de pouco tempo." O uerdcio de Cit!Siak consistiu principalmente no seguinte: - Conceotraçlo . - Rolar e virar o corpo, mantrndo uma posiçlo tesa. -Com os ombros para baixo (posiçAo apoiada nos ombrO!!). - Estendido no ch!o- rolar r virar o corpo. -Saltos: toda uma série executada sem pausa, tornando-se cada vez mais dinccis.

Noto: Pediu-se aos alunos que fiussem o mesmo exercício da melhor maneira posslvel. A maioria dos exercidos parece baseada no principio dos exercidos ioaa. Mais de uma coincidi!:ncia pode ser observada. Particularmente digno de nota é a concentraçlo profunda e constante de Cieslak. Todos os seus movimentos tem uma direçlo bem determinada, o que é acompanhado por todas as suas extremidades e,_ uma observaçlo mais detalhada, até pelos seus músculos. A diferença essencial entre estes exercidos e os do ioaa slo que os de Grotowski slo exerclcios dinimicos visando ao exterior. A exteriorização substitui a introspeçlo tlpica do ioaa. Drpois ~os saltos, seguiu-se uma pausa compulsória para relaxamento. Estes exercidos foram coletivos. Agora Cieslak CQmeça a trabalhar com cada aluno individualmente.

Enrcfcios de ombro, apoiado num braço dobrabo Primeiro, é fornecida uma explicaçao de como cair. Isto exige uma tl:cnica especial, que, se corretamente praticada, permite uma queda sem dor, de qualquer posiçao. Depois da demo nstraçlo, te>dos os alunos foram convidados a executar o mesmo exercido. Dr todos os esforços, o que parece maior estt. na descoberta do ponto onde o equillbrio é atingido e colocado sob controle. Gre>towskl intervém e obser-va que se deve procurar esse ponto sem pressa e sem grande esforço. Cada um deve .experimentar por si

Nota: Tornou-se óbvio, neste exerdcio, que nossos estudantes de teatro nlo tinham suficiente preparo flsico. Além do mais, provou-se que é nc:ceuãrio levar mais em consideração as condiçOes flsicas dos nossos atores e dedicar mais tempo a isto. Nlo basta saber cair de uma escada sem se ferir. Isto é apenas um problema de acrobacia, e pode ser feito por qualquer pessoa mais ousada. O problema real consiste em adquirir uma técnica firme de movimento que permita controlar até o menor movimento em cada detalhe. Como t embaraçoso ver um ator caminhar de joelhos com uma careta no rosto e as juntas estalando! Cieslak demonstrou toda uma gama de movimentos. Cada um deles t acompanhado por uma CQncentraçlo indescritlvel e um completo controle tanto do corpo quanto da respiraçlo.

O gato Improvisações sobre o gato. Cieslak fornece um exemplo: o gato que se espreguiça e se relaxa depois de ter acordado. O principal objetivo deste exercido, como da maioria dos outros, é tornar a coluna vertebral nexlvel. Grotowski e Cieslak insistem em que estes exercidos devem ser feitos com os pés descalços. IS6

PosiçiJo do cotovelo Fica-se de cabeça para baixo, apoiado por ambos os cotovelos, em vez das palmas das mlos, habitualmente usadas. As miOs juntam-se atrás da cabeça. Este exercido ajuda o sentido de equilibrio. IS7

Posiç~a

Posic;io do cotovelo

do ombro

Ajoelhar-se pronto para tomar a posiçllo de cabeça para baixo. F:11:cr um trilngulo dos antebraços, com as palmas das mllos colocadas atrás da cabeça. Os ombros slo o ponto de apoio. Aqui também ~ da maior importância nllo apressar-se. Este exerci cio tem maior pos!ibilidade de sucesso se se procurar, sem. afobaçlo, o pontodeequillbrio. ''N!lo se apressem'', Grotowski repete mais uma vez. Movimento lento Partir da posiçlo em pé. Da posiçlo de cabeça para baixo, passar para uma de ombro (cf.excrclcioprtvio). -Comas pernasaindanoar,transferiro pesodocorpodoombro para a nuca, ficando os braços e as maos no chão, para apoio. - Rolar- ainda num movimento lento- com as pernas esticadas. - Voltar à posiçlo original em pé. Este exerdcio deve ser feito com uma certa força imaainária. Deve-se imaginar que se estA em contato constante com algu~m. a fim de dar ao exercido uma direçllo definida. A grande força expressiva deste exercido està no controle dos músculos das pernas. Os dedos dos pés estilo sempre estirados para uma direçlo fixa. Quando uma das pernas atinge o ponto final do movimento, no chio, o braço assume a direçlo. Aqui, a coordenaçlo ~essencial. Pouco antes de terminar o movimento da perna, o braço começa a movimentar-se na mesma direção c da mesma forma. -

Ex~rclcio ~uinl~

Ajoelhar-se com as pernas levemente separadas, o peito ar· queado para cima por um impulso dos rins. Depois, o corpo estirase vaaatosamente para tris, at~ que a cabeça toque o chio, os rins impulsionando continuadamcnte para a frente a fim de conservar o arco e mamer o equilíbrio. ~também através do impulso dos rins que o corpo se levanta até a sua posiçlo original. O peito deve permanecer "arqueado o tempo todo, mesmo na posiçlo final; caso contràrio, o exercido nllo terA nenhum valor. Trata-se de outro c:xerdcio para tornar a coluna vertebral flexlvel. (Fig. 28)

~ 21

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Exerclcio m6o-dedo

Cieslak di um exemplo de jogo com u mlos. Elpantosol Trata-se de: um movimauo ondulante lendo sobre os dcd01 uma pluma. O braço c a mio devem cs1ar completamente relaxados no inlcio. Enquanto conmpktamcntc relaxada, a mio ~ posta em vibraçlo pelos músculos do braço. Somente esses músculm slo "i· 1$9

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pulso vivo conteÇll nestll ~nilo. mesmo qullndo invisl~l do exterior. Squindo o exemplo de Cieslak, os alunos repetem este uerclcio, primeiro individualmente, depois em pares. No último caso, uma certa associaçlo já existe: -Abraçar -Pegar -Empurrar Já assinalamos o principio fundamental de Grotowskl: primeiro o corpo, depois a voz. Aqui, ele enfatiza mais uma vez a necessidade de que, nesse uercido, o corpo inicie o movimento que, depois, ~elaborado pelas maos. As mlos, num certo sentido, sao as substitutas da voz. Slo usadas para acentuar o objetivo do corpo, o impulso do movimento vindo da coluna vertebral. Desta forma, o exercicio deve comrçar no corpo, na coluna vertebral e no tronco. O processo deve ser vislvd. A última parte do exerdcio ~um movimento de empurrar. O movimento de empurrar~ o resultado de um processo total, e~ feito pelas mlos. O Impulso, no entanto, deve preceder o movimento. Este impulso deve vir, visivelmente, do corpo. Origina-se e desenvolve-se nos rins. As mlos nlo entram em açlo antes do fim do processo. Para o ator, a ess!ncia do exerck:io estA em ter conscilncia do fato de que um movimento interno de empurrar deve ocorrer antes do movimento real de empurrar. Este exerdcio deve ser feito lentamente , sem pressa. A direçlo, neste caso, é fornecida pela posiçlo do peito.

/Ãpois deste -urrcfcio, Grotowski forn«r algumas explicaçOO suplementam: "Neste exercÍcio, fomeccmos a vods certos detalhes para ajudá-los a analisar um movimento. &pefo que fique bem claro que ~ muito importante nunca fazer nada que nlo se harmonize c:om seu impulso vital, nada de que nlJo possom prestar contas. A tma nos amarra. Quando saltamos para o ar, ela nos espe-



Tudo que realizamos deve ser sem pressa, mas c:om grande coragem; em outras palavras, nlo c:omo um sonlmbulo, mu c:om toda a c:onsci!ncia, dinamicamente, como um resultado de impulsos 162

definitivos. Temos de aprender, gradualmente, a ser responsáveis por tudo que empreendemos. Temos de procurar. Todos estes exercidos devem ser enriquecidos com novos elementos e experi!ncias pessoais, se as procurarmos. A busca deve ser dirigida particularmente para uma adaptaçlo do corpo ao gesto e vice-versa. Nosso corpo deve adaptar-se a cada movimento." Grotowski insiste em que seus exercicios sejam executados c:om um minimo de roupa. Os alunos devem estar praticamente despidos. Nada deve difiCUltar os movimentos. Acima de tudo, nenhum sapato, pois eles impedem os pes de viverem, de se movlmenlarem. Nossos ~ devem tocar o chAo. O contato fá-los-á senlirem·sevivos. Uma ve1. mais, Grotowski retoma 1 sua reara dourada: "Todo o nosso corpo deve se adaptar a cada movimento, por menor que seja o movimento. Todo o mundo deve seguir seu próprio caminho. Nenhum ex.erdcio estereotipado deve ser imposto. Se peaamos uma pedra de gdo no chAo, todo o corpo deve reaair a este movimento e ao frio. Nlo só as pontas dos dedos, nem somente a mAo, mu todo o corpo deve revelar a frieza deste pequeno pedaço degelo."

Outro shie de exercidos, datll vet ex«Utados por Ciulak, para demonstrar que o corpo deve adapltu'-se a cado movimento Todos os exerdcios, que roram praticados em detalhes e separadamente, durante as últimas aulas, sAo agora executados por Cieslak, num movimento coordenado. Ele os liga num ciclo completo. Todo o seu corpo se adapta a cada movimento, a cada mlnimo detalhe. Com uma concentraçlo total e um controle de todos os seus mCUculos - e hi muitos - trabalha o ciclo lnteiro, improvlsando em tomo dele. Isto demora uns quinze minutos. Quando estes exercidos rorem dominados, e se for capaz de execud•-los sem muitos obsticulos tbcnicos, poder-se-á começar a combinA-los com improvisaçlo. Os exercidos slo, entlo, meros pretextos, ou "detalhes", como di1. Grotowski. Durante a execuçlo do uerclcio, Cies\ak ligou todos esses detalhes numa improvi.Siçl.o sem nenhuma preparaçlo. Nenhuma prqXIrDÇlJO I permitida. 163

Somente a autenticidade é nccessflria, absolutameme obriaatória, A improvisaçlo deve ser inteiramente sem p!:mincaç!o anterior, caso contrArio toda a naturalidade seri destru\da . Ainda mais, a improvisaçlo nlo tem nenhum sentido se os detalhes nlo forem execuradoa com precisAo.

Rftaç4o tnln 01 uerdcios e o reprtSeniQ(4o

Os exercidos servem apenas como apoio para as situaçôes e detalhes da peça. No palco, é preciso ser individual. Os excrclcios adaptados As situações da peça devem ter uma personalidade escondida, e a coordcoaçlo dos vflrios demcntos deve ser também individual. Aquilo que vem de dentro é meio improvisado. O que vem de fora é tknico. em nenhum dos exercidos integrantes do ciclo, executados pelos companheiros de Grotowski, Cicslak, há jamais sinal de simetria.

& olgo ~ sim~trico, n4o l orglinico!

A simetria é um conceito da ainistica, nlo da educaçao flslca para o teatro. O teatro exige movimentos oralnioos. O slanlficado de um movimento depende de uma intcrpretaçto pasoa.I. Para o espectador, os movimentos do ator num. palco podem ter um sentido bastante diferente do que para o próprio ator. Ê errado pcnsu que os cxcrclcio1 mostrados por Cicslak - os cxcrdcios nsioos - sAo especiais para os atletas, para pessoas fortes, para corpos flcxlvcis . Todo o mundo pode criar sua própria série de movimentos, um estoque que ele poderá manipular, se uma cxpcriencia ~or assim o exij:ir. No entanto, ninguém deve esquecer de eliminar tudo que é supttnuo. O estoque deve conter nlo somente os movimentos, mas, de prcferencia, os elementos que compGcm tais movimen-

tos.

164

Depois de uma destas aulas, Grotowski deu instruções para que se preparasse um exerckio de improvisaçao, baseado nos vários detalhes e exerckios que fo ram demonstrados c ensinados por Cieslak, durante a mesma aula. No inicio da terceira aula, os alunos foram divididos em dois &rupos . Foi-lhes pedido para mostrar uma iroprovisâçlo. Imediatamente, ficamos impressionados com a falta de continuidade entre os aJunos. A essencia deste exerdcio de improvisaçAo era, simplesmente, pOr fim à falta de continuidade existente entre as diferentes partes-do exerckio. Quanto os dois arupos executaram os exercidos, Grotowski fez alawnas observações sobre a execuçlo c o arremate técnico. Os principais defeitos eram a falta dê continuidade, como jl mencionamos, c a perda do equillbrio em várias posições. Isto ocorreu principalmente por causa da pressa . Cada aluno deve superar suas próprias dificuldades. Grotowski c Cicslak corrigiram cada aluno e, depois, cada um repetiu a parte diflcil do exercido até que estivesse perfeito. Ao fazer uma correçlo, dcve·se procurar a origem do erro e nlo concentrar-sedemasiadamente no próprio errb. Cicslak demonstra o exercido mais uma vez, parando nos lugares que foram dificeis para a maioria dos alunos. Fica claro que o motivo principa1 dessas dificuldades é a falta de conuole c pressa demasiada. O modo pelo qual Grotowski faz com que o aJuno descubra por si mesmo seus erros e movimentos desnccessârios é notãvel. Juntos, tentam aperfeiçoar o exercido. Cieslak dedica sua atcnçlo a uma jovem que, ao tocar o chio numa cambalhota, obviamente nAo sabe por que estA fazendo aquilo. Isto é um erro. Nilo se trotavo dt nenhuma associoç4o. Ela repete o exerdcio e Oeslak verifica. que o erro é devido a um obstãculo técnico. Um certo movimento era preparado adiantadamente e bloqueava toda a continuidade do exercido. Os movimentos prepara~os devem ser evitados. S6 no momento em que o movimento é feito, deve ser ligado com uma associaç!o espontlnea . Um erro que decorre de uma fraqueza dos músculos abdominais pode ser eliminado através de uma leve a1teraçlo: por exemplo, por um apoio despercebido das maos. Isto é feito apenas para aperfeiçoar a exccuçAo técnica. Os erros técnicos nlo interfe-

J6S

rem com a associação que vem depois. Cieslak demonstra isto com um exemplo. Mesmo quando estendido no ch:lo, como parte de um exerclcio, de~se estar consciente, todo o tempo, de que se tem uma rulo para fazer isto. Deve-se fazer uma associaçAo com alguma coisa. Ao coordenar as partes de um exerdcio, deve-se procurar constantemente o melhor método de coordenaçlo, sem tentar encontrar novas associações naquele momento. Somente atravb de um perfeito controle dos diferentes exercícios, poder-se-á executar o ciclo completo em torno de uma associação que já se encontrou. A quantidade de exercidos separados nlo é fua. Cada um deve fazer suas próprias experi~ncias, a fim de descobrir os métodos e po-. siçOcs corretos de execuçlo. Esta é uma base êssencial para a educaçao dos atores.

Rt/axomento do coluno ~rtebrol consodo A posiçlo ideal para relaxamento é agachar, com a cabeça quase tocando o chio em frente, os braços estendidos para a frente e as palmas das maos descansando no chio (Fi&. 36).

j

Extrdcios de m6o t dedos A maioria dos atores possui mlos e dedos duros. Eatas extremidades t~m arande poder de expres51o. Portanto, devem ser tgeis e leves. Existem muitos exerclcios importantes para tal objetivo. Cieslak demonstra toda uma strie deles.

Orotowski começa com os exercidos vocais. Estes sAo dedica.· dos especialmente às pessoas que nlo puderam participar dos exerclcios anteriores. Os quatro alunos que executaram todo o ciclo no inicio participam agora mais uma vez, sem nenhuma interrupçlo: - Eatlmulo da voz. - Obtençlo de um eco: conversa com a parede, o teto, o chio, etc.

Aqui, Grotowskiforntct! umo uplicoç6o:

"Se se espera uma resposta da parede, em forma de eco, todo o corpo deve re&&ir a esta posslvel respolla. Se voe! me di uma resposta, deve fazt..lo primeiro com o corpo. Ele~ vivo. Agora faça o mesmo com a parede. Os exercidos que usam o eco ajudam a exte· rioriz.ar a voz. O ator deve reagir para o exterior, atacando o espaço que existe em Jua volta, em contato, todo o tempo, com outra pessoa ou outras pessoas. Nunca deve ouvir-se, pois isto resulta na introspcoçlo da voz. Muitas vezes, no entanto, o ator ~ incapaz de resistir i tentaçlo de ouvir-se, quando deve ouvir o «0 da sua voz." Grotowskl concentra-se ogoro em dois alunos Para determinar o tipo de voz dos alunos, ele começa um jogo deconversaçlo. O jo&o começa com uma mútua observaçlo dos dois sobre quais partes do corpo usarlo para conversar entre si. Logo depois, Grotowski fornece um exercido que prepara todas as partes do corpo para entrar em contato eom as do companheiro, e para ativâ-las.

" 166

167

-

O exercido ativa as seauintes partes do corpo: P!s

- Joelhos

-QuadN - Abdomc.infertor-abdome -Peito - Braços e mlos O corpo conversa Depois destes exercidos preparatórios, a voz toma pane.

Grotowski trabolho ogoro com um olu no d~ codo Vt"l Ele estimula, atravts de pequenas batidas c&n as pontas dos dedos juntas, os «ntros de energia do aluno, que estio espalhados por todo o corpo. Os principais centros sAo: - Entre os omoplatas - A parte inferior das costas - A cabeça: parte superior e occiplcio - O peito: nos lados, onde as costelas estAo ligadas. O ator deve 5er capaz de despertar estes esdmulos e ativA-los atravb de repetidos exerdcios. Isto deve ser feito pela voz e partindo do interior. ~totalmente errado usar o método de bater-se. Para atinair os diferemes lugares, deve-se deixar o corpo passar por certas transformaÇ()es. Falar quando o corpo estA (orcido numa ~ siçlo fora do comum nunca é ceno. As posições fora do comum só devem ser usadas quando inlencionais, naqueles casos em que s!o quue inofensivas t voz. Na realidade, elas podem ser benéficu, oomo, por exemplo, no exercido para abertura da laringe. O aluno fiCI de cabeça para baixo e deve falar, cantar e t.ritar durante aJ. gum tempo nesta posiçlo.

-

Agora, Grotowski responde algumas JX!rguntas oos ossistentes:

I)

Exerdcio para estimular os centros vocais Exercido para a voz baseado no som RRI: Do mais baixo ao mais alto Do mais suave ao mais fone Do mais longo ao mais breve O mesmoexerdciocom o som RRA Depois disto, vem a interpr~açAo do tigre já referida anteriormente. 168

' 'Por que nâo é permitido que se fale ou se sussurre depois destes~erclcios?"

Grotowski: "Para a maioria dos alunos, estes exerdcios Slo praticamente novidades. O inStrumento vocal ainda nlo estã adaptado a estas tknicas. Produziu sons que nunca produzira antes. O síletlcio é a melhor maneira de proteger o instrumento vocal que foi influenciado por estes exerclcios. '' 2)

Enrdcios YOalis -

Nestes exercidos, é particularmente importante nunca fazer nenhuma pausa. Seria de grande importância, para os alunos, usarem textos que conheçam perfeitamente bem, de cor, durante os exercicios vocais. Se tiverem de pensar para improvisar um texto, a continuidade ser! quebrada. Saber algumas cançôc:s de cor também é muito útil. Durante estes diferentes exercidos, deve-se libertar totalmente do t~to. Procurar pelo t~to resulta num processo de pensamento, e exatamente isto deve ser evitado. Depois dos exerdcios vocais, Orotowsld permite que cada alu· no faça um exercido de telaxamento. Este consiste em descansar durante cerca de 20 minutos, sem que seja permitido falar ou sussurrar. Bebidas frias também tem um péssimo deito sobre a voz.

' 'O texto desempenha um papel nestes exerdctos? Pode ser qualquer texto? Grotowski: "NAo acredito que o texto tenha grande importlncia. Por isto, digo que pode ser fortuito, e até deve ser fortuito. O importante é que se d~ ao texto, através do corpo e da tknica vocal, um arau de interesse que nAo tem em circunstâncias normais. Através destes exerclcios, das técnicas vocais e de movimento, tenta-se despertar a atençAo. Durante a representaçl.o, isto significa a atençAo da platéia." 169

Exercfcios parti ariwu asdiferemes caixas de ressonancia do corpo Alguêm da assistlncia Cconvidado a vir junto de Grotowski e tocar nas diferentes caixas de rc:ssonlncia, a fim de convencer-se de que a parte do corpo em questlo vibra realmente, se usada de modo correto. Se o ator domina todas as tknicas vocais, pode atingir uma ressonlncia nas partes mais improvltveis do corpo. Para um contato imediato com o público, e para faur um discurso, é muito imponante ser capaz de ativar as principais caixas de ressonlncia.

Exerclcios de IJSSOdoçao O aluno deve cantar uma canção enquanto imagina uma associaçlo com o seguinte: -Um tigre - Umacobra - Uma cobra serpeando - Uma faca-cortar - Um machado- dar machadadas. Depois, tem de "cantar" um pedaço de papel para fora das mlos de Grotowskl, à distancia de 9S em. Eni squída, canta uma cançAo durante a qua1 a voz deve entrar em contato com uma mancha particular do teto. A voz é como um braço que pode tentar alcançar a mancha indicada.

O estágio avançado de suas pesquisas cientificas, a respeito da voz e do movimento, é provado por estes efeitos. A este respeito, l: digno de nota que Grotowski se impõe uma disciplina, como medida indispensávd para que tudo atinja um resultado.

Persuntas "~ posslvel estimular-se a partir do exterior? Em outras palavras, é possível estimular os próprios centros vocais aolpeando-se ou beliscando-se?'' Grotowski: "Isto é impossível, c até periaosol Voct perde sua atitude natural. Ao tentar atingjr estes lugares diferentes, nosso corpo se coloca automaticamente numa posiç!o fora do natura1, e conseqüentemente os 6rgllos vocais nllo podem executar sua runçllo normalmente. Pela minha experiência deste método, penso poder ir mais longe c assinalar repercussOes psicol6gtcas desta prAtica errada. Se voce começa a estimular e ativar seus próprios centros vocais, hi o risco de que, por causa do resultado esporàdico, voct possa pensar que este método é eficaz, apesar de todos os perigos que representa para a voz c para os 6rglos que produzem e formam a voz. A este respeito, creio poder falar até de um certo nardsis· I)

mo." 2) "Vod nos deu um certo número de detalhes tknicos, mas que dizer da sua filosofia da arte?''

Grotowski: "Uma filosofia sempre vem depois de uma técnica! Voe! anda na rua com soas pernas ou com suas idéias? Dtpois destes extrdcios de associoç/Jo, Grotow.ski prova a uistlncia das Yibroçiks nas diferentes coixas de rcssonbncia Grotowski pede a um aluno para colocar a ressonlncia atris da cabeça (occiplcio). Acende um fósforo, coloca-o a uma pequena distAncia do lugar ressonante. A chama move-se; na verdade, vibra. Da mesma forma, Grotowsk.i fez um vidro se partir durante um exercido com scw atores, simplesmente através da vibraçllo. Assim, ele prova que a voz é uma força material. Ê evidente que, para estes exercidos, as técnicas de Grotowski devem ser executadas perfeitamente. 170

Ht. muitos atores que, durante os ensaios, gostam de travar discussões cientificas e sofisticadas sobre arte, e assim por diante. Estes atores tentam, através destas discussões, esconder sua falta de empenho e sua falta de um minimo de aplicaçlo. Se vocl se entrega tot.a1mente num ensaio, nlo tem tempo para discutir. Numa discusd.o, vod se esconde atrà.s de uma falsa mAscara.'' Depois desta interrupçAo, Grotowski continua sua aula. Nos exercidos seguintes, a tnfasc scrâ conferida !s associaçOCS e à adapataçlo da voz a estas associações. Orotowski assinala que toda a simetria de movimento deve ser evitada. Os atores silo educados para o teatro, nllo para a ginàstica. 171

A~iuçr}ts

I)

2)

Andl~

Pense em uma vaca numa campina. Coloqu~-sc no lugar desta vaca. O est6maao para baixo. Adapt~ sua voz. Fale com o chio, como falaria uma vaca. Coloque a voz no abdom~. mu espere por uma resposta, um eco, do chlo. lma&ine um tigre cantando. C.nte uma cançao e ruja u notu, sem esquecer a melodia. Apesar destas associações, preste atençlo para que o corpo aja primeiro. O corpo deve, através da procura da posiçlo e da direçllo, facilitar o trabalho da voz.

MdsNra GrotowskL· "Cante o seu nome.. . Joseph. Cante Joseph. Evoque este Joseph. Quem~ ele, este estranho? Continue cantando seu nome- Joseph- perguntando: Joseph, quem é voe~? Quem é voe~? Procure a mãscara do r05to de Joscph. Esta será realmente a mAscara de Jo$eph? Sim, estetoesscncial de Joseph? E agora t este essencial Joscph, sua mãscara, que canta.'' Verificamos que a voz do aJuno se transforma, se a profunda, e torna-se lrrcconhecl.vel.

Depois de uma curta pausa, todos os alunos s!o convidados a vir para a frente. Grotowski pede-lhes que pensem num animal e criem um sentimento de prderlncia ou de afeiçao por tal animal. Depois de um curto perlodo de concentraçlo, cada um deve ~xpres­ sar os sons do animal escolhido, mas este processo deve passar primeiramente por todo o corpo. Em outras palavras, o corpo deve adaptar-se orpnicameme aos impulsos que precedem o som. Desta forma, é nccusArio expressar o animal inicialmente com o corpo.

112

do exerdcio

Gradualmente, começar a procurar o animal escolhido com o corpo- sem nenhuma pressa. Se achar que já encontrou os impulsos corretos do animal, começar a ativar a voz. Começar a dar a voz do animal através de um texto ou de uma cançl!.o. 3) Representar o ato amoroso de dms animais. Usar a voz. I)

2)

Aqui o corpo é o principal fator. A segunda parte do e11.erdcio começa com a voz. Isto significa que se deve primeiro aprender e elaborar os implllsos por algum tempo, até que se tomem tio fortes que seja posslvel conferir-lhes uma voz. No exerckio seguinte, cada aluno deve comparar·se a uma planta ou uma irvore. Este processo, inevitavelmente, comec;:a nochAo. Como cresce uma planta? A planta fala. A planta canta. O sill:ncio de uma planta. O sili!ncio de uma (lrvore .. . Este sil!ncio é audive\, diz Grotowskl. O vento nas irvores- transformando-se numa tempest;~de - todo o bosque movimenta-se. Subitamente, ele Interrompe as diferentes interpretações e passa para um outro aspecto. Aárvorecantaaosol. Na lrvore, pássaros estio cantando. Todas estas interpretaç6es ocorrem com movimento e texto!

GroJowski assinala o perigo que ~ ocu/Ja atrás desJe tipo de

exercicio "Nestes exercidos, 6 fàcil enganar e evitar os impulsos natu· rais, simplesmente imitando do exterior a forma de uma planta. Vod pode, claro, começar por uma composiçAo, mas este é um exercido diferente. Pensar tambtm nlo é permitido neste exerdcio.

113

voce deve im~iatamente elaborar o primeiro impulso dentro de vod, mesmo que o resultado difira profundamnte do apresentado pelos seus colqu. Nunca olhe para os outros e, acima de tudo, nlo copie o resultado deles. A~ pessoar d sua t101Ja niJo exist~m. O que vod está fazendo pertence ao seu Intimo, e nlo se relaciona com nin&uém mais. " Finalm~nl~. Grotowski of~r«e uma visdo regras mais importantes da sua tknica:

g~ral

dos

·· Mmha terminologia su rgiu de experi~neias e pesquisas p..;~ soai~. Todo mundo deve encontrar uma espressllo, uma palavra sua, uma forma estritamente pessoal de condicionar seus prbprios senumemos.''

~lem~ntos ~

"Imprima na sua memória: ·o corpo deve- trabalhar primeiro. Depois vem a VOl. "Se voc! inicia algo, tem de se entregar totalmente a isto. Deve entregar cem por cento de si mesmo, seu corpo inteiro, toda a sua alma e todas as posslveis associações Intimas, individuais. Durante o ensaio, o ator pode atingir um climax que ele vai elaborar. Ele guarda as mesmas posições e os mesmos climu profundo. O àpice de um cllmax nunca pode ser ensaiado. Pode-se apenas exercitar os graus preparatórios do prOCC$SO que conduz As alturas do cllmax. Um clima.x n!o pode ser alcançado sem uma prática constante. O cllmax nunca pode ser reproduzido . ' 'Em tudo que se faz.. deve-se guardar sempre isto em mente: nlo existem rearas futas, estereótipos. O essencial ~ que tudo deve vir do corpo e através dele. Primeiro, e acima de tudo, deve existir uma reaçAo nsica a tudo que nos afeta . Antes de reagir com a voz, deve-se re~gir com o corpo. Se se pensa, deve-se pensar com o corpo. No entanto, é melhor n!o pensar,esim qir,usumirosriscos. Quando falo em nlo pensar, quero dizer n!o pensar com a cabeça. Claro que se deve penw, mu com o corpo, loaicamente, com precisAo e responsabilidade. Deve-se pensar com o corpo inteiro, através de ações. Nlo pense no resultado, nem como certamente vai ser belo o resultado. St ele cresce espontlnea e organicamente, como impulsos vivos, finalmente dominados, será sempre be- · lo - muito mais belo do que qualquer quantidade de resuhados calculados postos juntos.

174

17l

via o controle discursivo do ator sobre suas ações, o Vtrfremdungm~odo. Bramais um tipo de dever est~ico do ator, pois nrecht nlo se perguntou, na verdade: "Como se pode fazer isso?" Embora indicasse a1gumas expli· cações, estas se limitaram ao plano geral.. . Certamente, Brecht estudou a tknica do ator com grandes detalhes, mas sempre do ponto de vista do diretor observando o ator.

stif/tlll. Mas isto nlo era realmente um

A Técnica do Ator*

lerzy Grotowski, gostaria que Yod definisu poro mim sua poslçlo em rdDÇ4o 4r v6rlas teorias de rrpresmtoç4o, como por exemplo as de Stonilavskl, Artaud e Brecht, explicando como, atravb da rejl~

x,o, e naturalmente da sua experilncia pusoo/, vocl ch~ou a tloborar uma tb:nic11 própria poro o ator, definindo tanto seus objetivos QUDIIIOMUS m6os. Creio ser nec;essário faur uma distinçAo entre mltodos e estltiCD. Brecht, por exemplo, explicou muitas coisas interessantes sobre as possibilidades de uma forma de representaçlo que envol·

~7.oTu.tro-LaborllóriockOrotowskl apresentouoPrl«iJMCOIIJtllllt, no T11HtredQ Netiotu, em Paril. Depois de uma tom« na Dinanwu, Sukiro e

Noruq~~, em 1966, ali wiqem a Paril proporcionou 1 pos$lbllldade de uma maior platft• julpr por 11 me$!Tll; o mhlodo de Gr01owski. Foi durante sua~ em Paril que Jeny Orocowsklaravou ata tnttnbta, ,com Denis Blblec, publicada post«iOT'lmnte em Ln Ullru Frtl"fii/Jn(Paril, 16/22 de março de 1961).

176

O caso de Anaud e diferente. Artaud apresenta um estimulo indiscutlvel no que diz respeito à pesquisa das possibilidades do ator, mas o que ele prop{k:, no fina l, são apenas visOts, uma espb:ie de poema sobre o ator, e nenhuma concluslo prática pode ser ext ralda de suas divagações. Artaud tinha plena consciencia- como podemos constatar no seu ensaio "Un Athletisme Affectir', em Le TMatre et .ron Double- de que havia um autlntico paralelismo entre os esforços do homem que trabalha com seu corpo (por exem plo, levantar um objeto pesado) c os processos pslquicos (por exemplo , recebendo uma bofetada, reagir). Ek sabia que o corpo possui um centro, que decide as reações do atleta e as do ator que deseja reproduzir os esforços ps\quicos auavb do seu corpo . Mas se analisarmos seus principias de um ponto de vista prático, descobrimos queconduum a estereótipos: um tipo particular de movimento para exteriorizar um tipo particular de emoçAo. No fim, isto conduz a clich&. Mas nl.o havia clich! quando Artaud estava faundo sua ptS· quisa e ele, como um ator, observou suas próprias reaçOes procurando uma salda para a exata imítaçAo du reações humanas e reconstruções calculadas. Mas consideremos esta teoria. Certamente, contem um estimulo útil. Mas se a tratarmos como uma tá:nica, terminaremos nos clichb. Artaud representa um ponto de partida importante para a pesquisa e para a perspectiva da estetica. Quando pede ao ator que estude a rcspiraç.lo, explore os elementos dirercntes da respiraçlo na sua representação, está oferecendo ao ator uma oportunidade de ampliar suas possibilidades de representar, nlo apenas através de palavras, mas tambem através daquilo que é inarticulado (inspiraçlo, expiraçlo, etc.) Esta é uma proposiçlo estéHca muito fértil. Mas nAo ê uma técnica. ·Há, na realidade, muito poucos mltodOJ de representação. O mais desenvolvid o é o de Stanislavski. Stanislavski propôs os pro-

177

blemas mais importantes c ajudou com suas respostas. Através de inô.mcros anos de pesquisa, seu mêtodo evoluiu, mas o mesmo nllo aconteceu com seus di.sclpulos. Slnnislavsk i teve disdpulos para ca· da uma das suaJ fases, c cada d!SCipulo se prendeu à sua fase parti· cular; dal a discussOcs de ordem 1eológica. Stanislavski estava ~empre fattndo experiências e nllo sugeriu receitas, mas sim os meios pelos quais o ator poderia dcscobrir·sc, respondendo em todas as situações concretas A pergunta: "Como se pode fazer isso?" Reside aqui o essencial. Naturalmente, ele tirou tudo isto da real i· dade do teatro do seu. pais, do seu tempo, de um realismo que ... ... Um rtallsmo interior ...

.•• um realismo existencial, acho eu, ou quase um naturalismo ex.istcneiaJ. Charlcs Dullin também deixou ótimos cxcrclcios, improvisações, jogos com mà.scaras e outros excrclcios com temas tais como "homem e plantas", "homem c animais". Estes silo muito ô.tcis para a formaçllo do ator. Estimulam nll.o apenas a sua imaainaçllo, mas também o desenvolvimento de suas reações natu· rais. Isto, no entanto, nlo constitui uma técnica para a formaçllo do ator. Qual, ent4o, a originalidade da suo posiç6o em relaç4o a tstas di· ~rsas concepç/Jes?

pera~~a::S:!::e~·~~~cn~es~: f=rPfSS:;.~CCrcC:;~a~:~ ser. Um mttodo é sua conscientiz.açllo deste "como". Acredito que devemos nos fazer e!ta pergunta uma vez na vida; mas, tio logo entramos nos detalhes, ela nllo deve mais ser feita, pois- no momento mesmo de formulà·la- começamos a criar estereótipos e cli· chês. Entlo devemos fazer a pergunta: "O que é que nbo devo fa· zer?''

Os exemplos tknicos sAo sempre os mais claros. Respiramos. Se fizennM a pergunta: ''Comodevo respirar?'', elaboraremos um tipo de rca;piraçlo preciso c perfeito, talvez a do tipo abdominal. As crianças, animais e pessoas que vivem perto da natureza respiram principalmente com o abdome, com o diafragma. Mas entlo vem a 178

segunda pergunta: "Que espbcic de respiraçlo abdominal f: melhor?" E passamos a tentar descobrir, entre os inúmeros exemplos, um tipo de inspiraçAo, um tipo de expiraç!o, uma po· siçlo particular para a coluna vertebral. Isto seria um terrivcl enga. no, pois nao hà um tipo perfeito de respiração vàlido para todo mundo, nem pára todas as situações pslquicas e flsicas. A respi· raçAo é uma reaçlo fisiológica ligada a caractcristicas especificas de cada um de nós; depende de situaçOes, tipos de esforço, atividades fisicas . Trata·scdecoisa natural, para a maioria das pessoas, quan· do respiram livremente, usar a respiraçAo abdominal. O número de tipos de respiraçAo abdominal, no entanto, é limitado. E, claro, existem as exceções. Por exemplo, conheci atrizes que, por pos· sul rem o tóru muito longo, nAo podiam usar a respiração abdomi· nal 110 seu trabalho. Para tal, foi necessário arranjar um outro tipo de respiraçll.o, controlado pela coluna vertebral. Se o ator tenta, artificialmente, impor·se uma respiraçllo abdominal objetiva, perfeita, bloqueia com isso o seu processo natural de respiração, mesmo se for naturalmente do tipo diafragmético. Quando começo a trabalhar com um ator, a J)f'imeira pergunta que me faço é a seauintc: 'Será que este ator possui alguma dificul· dade de respiraçllo?" Ele respira bem; tem ar bastante para falar, cantar. Por que, entlo, criar problemas, tentando impor·lhe um ti· po diferente de respiraçAo? Por oulro lado, quem sabe se ele nlo tem dificuldades? Por quê? Serlo problemas fisicos1 ... Ou proble· mas pslquicos? Se forem problemas pslquicos, de que espécie se· r Ao? Por exemplo, um ator f: inibido. Por que t inibido? Todos nós somos inibidos, de uma forma ou de outra. Nllo podemos ser total· mente descontraldos como se ensina em muitas escolas de teatro, pois aquele que é totalmente dcsoontraido nAo passa de uma cortina molhada. Viver significa nlo ser rctraldo nem dcscontraldo: é um processo. Mas se o ator é sempre muito rctraldo, o motivo blo-queador do processo respiratório - quase sempre de natureza pslquica ou psicolóa.ica- deve ser descoberto. Devemos determi· narqual é o seu tipo natural de respiraçlo. Observo o ator, enquanto sugiro exercidos que o impelem a uma total mobiliz.açlo psicoflsica. Observo-o num momento de conflito, atuaçlo ou namoro com outro ator, naqueles momentos em que algo se transforma automaticamente. Uma vc que sabemos o tipo natural de respiraçAo 179

do ator, podemos definir com maior exatidlo os fatores que atuam como obstllcu.los 6.s suas reações, e o objttivo dos c,;erclcios torna~

emao climinl-los, Reside nisso a diferença essencial entre a nossa

técnica e os outros métodos: nossa

técnica~

negativa, e nAo positl-

Não estamos atrls de fórmulas, de estereótipos, que sAo a prerrogativa dos profissinais. Nlo pretendemos responder a pergutas do tipo: "Como se demonstra irritaçAo? Como se anda? Como se deve representar Shakespcare?" Pois estas sao as perguntas

Sim, nlo acredito em fbrmulas.

Portanto, nDo existe a jormoçDo dos owrcs, mos o jormoçDo de codo ator. Como ~ocf ja:;; isto? Vocl os observo? Fo:;; perguntas? E depois? ...

usualmente feitas. Em vez disso, devemos perauntar ao ator:

Hà os exerdcios. Falamos muito pouco. Durante o treinamento, cada ator deve fazer suas próprias associações, suas variamcs pessoais (recordações, evocaçao de suas necessidades, tudo que ele nllo foi capaz de cumprir).

"Quais Slo os otmáculos que lhe impedem de realizar o ato tocai, que deve cnaajar todos os seut recursos psicofisicos, do mais instin-

Voei! treina coletivo,;ente?

tivo ao mais racional?" Devemos descobrir o que o atrapalha na respiraçlo, no movimento e- isto ~o mais importante de tudono contato humano. Que resist@:nciu existem? Como podem ser eliminadas? Eu quero eliminar, tirar do ator tudo que seja fonte de distúrbio. Que s6 permaneça dentro dele o que for criativo. Trata· se de uma liberaçlo. Se nada permanecer~ que ele nlo era um ser criativo.

O ponto de partida para um trdnamento ~ o mesmo para todos. No entanto, tomemos como exemplo os exercidos nsicos. Os elementos dos exercícios slo os mesmos para todos, mas cada um deve executã-los de acordo com a sua própria personalidade. Um observador atento verã facilmente as diferenças, de acordo com as personalidades individuais.

Um dos grandes perigos que ameaçam o ator, ~ sem dúvida, a falta de disciplina, o caos. Nlo podemos expressar-nos attavb da anarquia. Creio que nlo pode existir um verdadeiro processo criativo no ato se lhe faltam disciplina e espontaneidade. Mcyerhold ba· seou seu trabalho na disciplina, na formaçlo exterior; Stanislavd:i, na espontaneidade da vida cotidiana. Estes slo, de fato, os dois aspectos complementares do processo criativo.

O problema essencial! dar ao ator a possibilidade de trabalhar "em segurança". O trabalho do ator está em perigo;! sempre submetido a uma supervi.slo e uma observaçlo continuas. Deve-se criar uma atmosfera, um sistema de trabalho pelo qual o ator sinta que pode fazer absolutamente tudo, que scrã entendido e aceito. Multas vezes, ~ no momento exato em que compreende isto que o ator se revela.

Que quer YOC:f dizer por "o to totol''do ator'! Nlo se trata apenas da mobiliuçlo de todos os recursos, de que falei. é algo muito mais dincil de definir, embora seja butante tanglvcl do ponto de vista do trabalho. é o ato de desnudar-se, de rasaar a mllscara diruia, da exteriorlzaçlo do eu. é um ato de revclaçlo, strio c solene. O ator deve estar preparado para ser absolutamente sincero. I! como um dearau para o ipice do organismo do ator, no qual a consciencia c o instinto estejam unidos.

Na pr6tica, enllo, a jormaçlo do ator dt~e • adaptar a codo caso porticular?

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H6, portanto, uma coriflonça total ent~ os diferentes atores e entre eles e voei. Nlo hão problema do ator ter de fazer o que o diretor ordena. Ele deve compreender que pode fazer o que quiser, c que, mesmo se no fim nenhuma de suas sugestões for aceita, nunca serao usadas contra ele.

Ser6julgado, e nno condenado ... Ele deve ser aceito como o ser humano que!.

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Em relaç6o d integrOflo do ator numa repruentaçDo, Yocl usou o termo "partitura", e nllo "popd". A nuança I obYiomente muito Importante no seu lrabalho. Poderia definir exatamente o que quer diur por "partitura" do ator?

Que é um papel? Na realidade, é quase sempre uma personaaem do texto, o texto impresso que se di ao ator. Ê lamlXm uma concepçl.o particular da personagem, e aqui outra vez hâ um estereótipo. Hamlet é um inteleciUaJ sem grandeza, ou um revolucionário que deseja modificar tudo. O ator tem o seu texto; um encontro torna-se entl.o necessário. Nilo se deve dizer que o papel é urrl pretexto parao ator, ou o ator um pretexto para o papel. Trata· se de um instrumento para fazer um corte transversal de si mesmo, uma an11ise de si mesmo; e, a partir dai, um contato com ds outros. Se se contentar em explicar o papel, o ator deverA saber que tem de se sentar aqui, chorar ali. No inicio dos ensaios, serlo evocadas associaç6es normalmente, mas depois de vinte representaçbes nada terâ sido deixado. A representaçlo serã puramente meclnica. Para evitar isto, o ator, como o músko, necessita de uma partitura. A partitura do músico consiste de notas. O teatro é um encontro. A partitura do ator consiste do1 elementos de contato humano: "dar e tomar" , Olhe para outras peuoas, confronte-as consigo, com as suBJ prOprias experi~ncias e pensamentos, e forneça uma rt)>lica: NCstes encontros humanos relativamente Intimas, hâ sempre este elemento de ''dar e ~ornar''. O processo é repetido, mas scmprehicet nunc:oquequerdiz.er, nunca é bem o mesmo. Para coda produçDo, tsta partitura I eradualmente estabtledda entre ator e vod?•

Sim, numa espécie de colaboraçlo. Ent6o o ator I livre. Como fat. de (e este foi um dos grandes problemOJ frisados por Stanislavski) para encontrar em coda reprcsentaç4o um estado criativo que lhe permita executar a partitura sem ~tornar demasiado rlgido, sem estar t~marrado por uma disciplina puramente m«anico? Como poder6 ser prtserVada a exist~ncla vital tanto da partitura quanto da liberdade criativa? 182

f: difiei! responder em poucas palavras, mas se voe~ me permitir uma popularizaçlo, poderei dizer: se, durante os ensaios, o ator tiver estabelecido a panitura como atao natural, orglnico (o padi"âo de suas reaçOes, "dar e. tomar") c se, quando jà representado para fazer esta confisslo, nada escondendo, então a represc:ntaçlo atingirA sua plenitude. "Dar e tomar".. Isto tamblm inclui o espectador?

Não se deve pensar no espectador enquanto se representa. Naturalmente, trata-se de um problema delicado. Primeiramente o ator estrutura seu papel; em segundo, sua partitur-a . Neste momento, estã procurando um tipo de pureza (a eliminaçao do supérnuo), bem como os sinais nccc:ssArios para a expressao. Então pensa: "O que eu estou fazendo é compreenslvel?" A pergunta implica na presença do espectador. Eu também estou ali, guiando o trabalho, e digo ao ator: "Nio compreendo", "Compreendo", ou "Compreendo, mas nao acredito" ... Os psicoiOgicos perguntam prontamente: "QuaJ a sua religillo?" - nào seu dogma ou fLiosofia, mas seu ponto de orientação. Se o ator tiver o espectador como ponto de orientaçlo, então, num certo sentido, estarâ se colocando à venda. Isto ser6 exibicionismo .•.

Um tipo de prostltuiçlo, de mau gosto ... Ê inevitâ:vel. Um grande ator polonb de antes da guerra chamava isto de pub/icotropismo. Embora eu nlo acredite que o ator ne&ligencie o fato da presença do espectador, e diga a si mesmo: "Nilo hã ninguém aqui". Isto seria uma mentira. Em suma, o ator nlo deve ter a platéia como ponto de refer!ncia, mu ao mesmo tempo não dC\Ie negligenciar o fato da sua presença. Vocf: sabe que, em cada uma das nossas montagens, criamos um relacionamento diferente entre os atores e os espectadores. No Dr. Faustus, os espectadores eram os convidados; em O Prlncipe Constante, eram os assistentes. Mas eu acredito que o fato essencial é que o ator nlo deve representar paro a platéia, e sim confrontar-se com ela, em sua presença. Melhor ainda, deve cumprir um ato aut!ntico, tomando o lugar dos espectadores, um ato de extrema sinceridade e autenticidade, ainda que disciplinado. Ele deve doaNe, e nlo controlar-se; abrir-se, e nao ftehar-se, pois isto terminaria no narcisismo. 183

Voei acndiro qu~ o ator necessite de uma longa preporaçlJo antes de cudo representóç4o, a fim tk atingir o qu~ alguns chamam d' "e! todo tk JrOÇQ"'

O ator deve ter tempo para desraur-se de todos os problemas e distrações do cotidiano. Em nosso teatro, temos um periodo de sil!ncio que dwa trinta minutos, durante os quais o ator prepara ·suas roupU, e talvez. refaça alaumas cenas. lsto é bastante natural. Um piloto que experimenta um novo aviAo, pela primeira vez, nc: cessita também de uma solidlo de alauns minutos, antes de voar.

to é mais fértil, para mim, do que dina1r uma produçlo ou, em outras palavras, criar apenas em meu próprio nome. Tenho me orientado, ponanto, pouco a pouco, para uma pesquisa paracientifica no campo da arte do ator. Isto é resultado de uma evoluçAo pessoal, e nAo de um plano inicial.

Vod penso que suo tkniCtl de reprrsentoçlJo é aplicdve/ por outros diretores, que pod~ ser adaptada a outros fins que n(Jo os seus?

Mais uma vez, devemos distinguir a estética e o método no meu traba1ho. Claro que, no Teatro-Laboratório, bá elementos de uma estética que me é pessoal, c que nlo deve ser copiada por outros, pois 01 resultados nlo seriam autenticas nem naturais. Mas nós somos um instituto de pesquisa da arte do ator. Graças a esta tbcnica, o ator pode falar e cantar num registro muito amplo. Este é um resultado objetivo. O fato de nlo ter nenhum problema com a respiraçlo, quando fala , também é um dado objetivo. O fato de poder utiliz.ar di(erentes tipos de reaçOCS rtsicas e vocais, que: silo multo diflceis para muitaaente, tam~m é objetivo.

Atua/~nt~. existem, ent(Jo, 'dols asp«tos no seu tralxllho: de um

lado, a uthica consci~nte de um criador, e do outro, 11 pesquisa de uma tknlCtl M reprt#ntaçla. Que I. qu~ vem primeiro?

O mais importante para mim, atualmente, é redescobrir os elementos da arte do ator. Primeiro, rui ator, e depois diretor. Nas minhas primeiras monta&ens, em Cracôvia e em Poznan, rejeitei as concessOCI e o conservadorismo teatra1. Gradualmente:, desenvolvi e descobri que a minha rc:allzaçlo pessoal era muito menos rrutifera do que o estudo das possibilidades de ajudar os outros a realizaram-se. Isto nlo é uma forma de altrulsmo. Ao contrário, trata-se at~ de uma aventura muito maior. No fim, as aventuras de um diretor tornam-se fâceis, mas os encontros com outros seres humanos do mais dinccis, mas rrutiferos e mais estimulantes. Se pos· so obter do ator - em colaboraçllo com ele - uma total autorevelaçlo, como com Rysz.ard Cieslak em O Prlncipe Constante. is184

ISS

ou objetos. Algo os eslimula e vocCs reagem : ai ntà todo o segredo. Estímulos, Impulsos, reaçOts.

O Discurso de Skara•

NA.o

.e pode ensinar m&odos pré-fabricados. Nlo se deve tentar descobrir como represem ar um papel particular, como emitir a voz, como falar ou andar. Isto tudo silo clichb, e nAo se deve per· der tempo ·com eles. N!o prócurem m&odos pré-fabricados para cada ocasllo, porque isto só conduzirA a estereótipos. Aprendam por vods mesmos suaslimitaçOes pessoais, seus obstAculos, e a maneira de; superA-los. Al~m do mais, o que quer que façam, façam de todo o coraçAo.J}liminem de cada tipo de cxcrckio qualquer movimento que seja puramente ginistico. Se desejam fazer este tipo de coisa - ainlstica ou mesmo acrobacia - , façam sempre como uma açlo espontânea contada ao mundo exterior, a outras peSsoas

~tutododltc:urxldefl'ICtframento , rdtopor JerzyOrOiowskl, an um tnnirltrio de da dias realiudo M Elcoll. 0ram•11ea de Skarl (Su6N), nn janeiro de 1966. cfiri&l6o por ek, rom stut colabonl6ora; Ryuard Cleslô, Rma Mir~h c Antonl Jahotkowaki. OI utrdciolllsic:os. plblicol e vocail ~do os

Jà f31 ei muito sobre associações pessoais, mas estas associaçOes ntloo ~u pensamentos. Nilo podem ser calculadas. Eu faço um movimento com a mllo e, depois, procuro as associações. Que associaçOes? Talvez. a associaçAo de que estou tocando alguém, mas isto é apenas um pensamento. Que é uma associação na nossa profissão? ê algo que emerge nao só da mente, 1nas de todO o corpo. ~ um retorno a uma recordação exata. ND.o analisem isto intelectualmente. As recordaçoet sAo sçmprc rcaçOes flsicas. Foi a nossa pclc que nao esqueceu, nossos olllos que nllo esqueceram. O que escutamos pode ainda ressoar dentro de nós. f!: reaJizar um ato concreto, e nllo um movimento como acariciar em geral, mas, por exemplo, acariciar um gato. Nlo um gato abstrato, mas um gato que cu vi, com quem tenho contato. Um gato com um nome especifico - Napolclo, por exemplo. E trata-se deste gato particular que se acaricia agora. As associações sllo isto. Tornem as suas açOes concretas, relacionando-as com uma lembrança. Se vocts tem confiança de fazer isto, ent!o nllo analisem completamente de que re<:ordaç!o se trata - realizem-na concretamente, c isto será bastante. Em tal situaçllo nllo insistam em tais pcoblemas. Falando dos problemas de impulsos e ruçOes, frisei, durante u aulas, que nllo hà impulsos ou reações sem contato. Alguns minutos atrás, falamos de problcmu de contato com um companheiro. Mas este companheiro imaginário deve ser fixado no espaço desta saJa real. Se nlo se fixar o companheiro num lugar exato, as reações pcrmanecerllo dentro da gente. Isto significa que vocb se com rolam, sua mente os domina c voc!s se movimcn· tampara um narcisismo emocional, ou para uma tcnslio, um certo tipo de limitaçllo.

O contato é uma das coisas mais essenciais. Muitas vezes, quando um ator fala de contato, ou pensa em contato, acredita que isto significa olhar fixamente. Mas isto nlo é contato . Contato n!o é ficar fixado, mas ver. Agora, estou em contato com voe!$, vejo quais de vocb estio contra mim. V~jo uma pessoa que está indiferente, outra que escuta com algum interesse, e outra que sorri. Tudo isto modifica minhas ãções, trata-se de contato, c isto me força a modif~ear meu jeito de agir. O padrlo esti sempre fixo. Neste ca-

dacrito.-capltulosantniorts.

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so, por exemplo, vau dar mtu conselho final. Tenho aqui algumas notas essenciais sobre o que falar, mas a maneira como falo depende do contato. Se, por exemplo, ouço al&uém sussurrando, falo mais alto e ardculadamente, e isto inconscientemente, por causa do

contato. Dessa forma, durante a representaça.o, quando a partitura- o texto c a açlo claramente definidos - jã est6. fixada, deve--se sempre entrar em comato com os companheiros. O companheiro, se~ um bom ator, sempre segue a mesma partitura de ações. Nada é deixado ao acaso, nenhum detalhe é modificado. Mas hà mudanças de 611ima hora neucja&o de partituras, toda vez. que ele representa

levemente diferente, c vocês devem observl-lo intimamcmc, ouvir c obsctvl-lo, respondendo às suas ações imediatas. Todo o dia, ele

dlr.: "Bom dia", com a mosma cntonaçAo, exatamente como seu vizinho diz sempre "Bom dia"a vocb. Um dia, ele estâ de bom humor, outro cansado, outro com pressa. Sempre diz: "Bom dia" , mu com uma pequena diferença de cada vez. Tem-se de perceber Isso, nlo com a mente, mas ver c ouvir. Na verdade, vocb sempre dlo a mesma resposta: "Bom dia" , mas se tiverem realmente ouvido, pc:rcebcrlo que sert um pouco dlfcrcnte'cada dia. A açlo c a entonaçlo slo as mesmas, mas o contato f: tio ripido que é imposslvel analiSÁ-lo racionalmente. Isto modifica todas as relaçOc$, e é também o qrcdo da harmonia entre os .homens. Qu1ndo um homem diz "Bom dia", c outro responde, ht automaticamente uma hannonia vocal entre os dois. No palco, muitas veus detectamos uma desarmonia, porque os atores nlo escutam seus companheiros. O problema nlo é ouvir e perauntar qual é o tipo de entonaçlo, e sim apenu escutar e responder.

amigo atua como sempre, mas nlo ê sincero. Existem mudanças tllo pequenas que eles dificilmente notam, w.u se o outro ouvir atentamente, sem alterar sua partitura, ser!!. capaz de reagir de acordo. Através de tais exercidos, o contato pode ser ensinado. Qual o perigo destes CJCerck:ios? O perigo ~t.t tm que o ator pode mudar seu jogo de partituras. Quer dizer, :alterar sua partitura atravês de mudanças em ações c situações. Isto é falso. 1:. fàcil. Deve-se manter a partitura e renovar o contato cada dia.

Os primeiros pa~is podem basear-se, oouscientemente, nos amplificadores vocais, mais os papéis fuiUros dcvcrlo ir além disto. Todo o nosso corpo é um sistema de caixas de ressonância isto é, vibradores -,c todos estes exercícios slo apenas treinamentos para ampliar as possibilidades da voz. A complexidade deste sistema é espantosa. Fa.lamos num impulso, em contato com alguém ou alauma coisa. Os movimentos da coluna espinaltambém modifiCam a ressonAncia. 1:. imposslvcl controlar tudo isto com o cérebro. Todos estes exercidos com caixas de ressonAncia slo apenas um inicio para abrir as possibilidades, deve--se agir c viver sem um pensamento calculado. Dev~sc ir al~m disto, e encostar as caixas de ressonAncia sem qualquer esforço. Não gritem durante os exercidos. Podem começar- e este método é ótimo para todo o mundo- com o que se pode chamar de voz artificial. Mas como um desenvolvimento destes exerclcios, deve-se procurar outra voz, a própria voz natural, e, através de diferentes impulsos do corpo, abrir esta voz. Nem todo o mundo usa sua voz real. Falem naturalmente, c através destas ações vocais naturais, coloquem em movimento as vàrías possibilidades das caixas de ressonlncia do corpo. Entlo, vir6 o dia em que seu corpo saberà como amplificar sem um lembrete. Trata-se do ponto capital, com o nascimento de outra voz, e só pode ser atinaido por ações vocais completamcme naturais.

Devo falar, agora, com uma inOexlo que esti inconscient~ mente em harmonia com a do meu intb'prcte. Trata-se de um concerto para du.u voíts, e hl, imediatamente, um tipo de composiçlo, desde que o contato necesstrio exista. Para conseguir isto, existem vbios exercidos. Por exemplo: quando uma peça está pronta, um dos atores pode um dia representt-la de maneira diferente, enquanto os outros se manthn nas suas partituras nxadas de açOcs; e, dentro disto, cada um reage de um modo diferente. Aqui estA. um outro exercido: dois atores devem manter seu jogo de par· tituras, mu a motivaçlo por tràs da açlo é difereme. Por exemplo, tomemos uma discusslo de dois amíaos. Num dia panícular, um

N!lo se deve, conscientemente, controlar-se. NAo controlem os lugares de vibraçlo do corpo. Devem apenas - c este é o exercido bisico- falar com as vlrias partes do corpo. Por exemplo, a boca

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Como se deve trabalhar a voz?

estll. na parte de cima da cabeça, c eu falo com o teto. Mas na verdade devo fazer o segufnte: devo improvisar o texto e dizer: "Sr. Te-to, está me ouvindo? ... NAo? Mas por que nlo me ouve?" Escutem

se ele fala, se responderá. Nunca ouçam sua própria voz- isto

e

sempre errado. Trata-se de uma regra. psicológica. Se se escutam,

voc!s bloqueiam a laringe e tambbn o processo de ressonlncia. Sempre ajam, falem, discutam e façam contato com coisas concr~ tu. Se tbn a imprcsslo de que a boca est6. no peito, e se se dirigem à parede, ouviria a resposta vindo da parffle . Esta ea forma de pôr em movi~to todo o sistema de ressonlncia dentro do corpo. Pode-se representar a parte dos animais, mas os exercícios devem

ser dcsalvolvidos de modo a evitar representações de animais Irreais, ou animais que estejam distantes do seu próprio caráter. Em

outras palavras, nlo representam um cachorro como um cachorro de verdade, porque vocb nlo silo cachorros. Procurem encontrar seus própriCM: traços de cachorro. Aaora, estou reagindo: mantenho minha voz natural, e começo a usar meus dentes sem imitar a voz do cachorro. Trata-se de uma pequena diferença. Pode-se começar imitando a voz de um cachorro a explorar as possibilidades da imaainaçlo vocal; no entanto, mais tarde, no desenvolvimento, deve-se encontrar a própria natureza. O contato~ igualmente importante nos exercidos flsicos . O contato que nós vimos, com a terra, o chio, durante os exercidos, é sempre um diáloto autf:ntico: "Seja boa para mim, terra, ame-me, confio em v~. Pode me escutar?" E nossas maos procuram este contato autentico. Hã ainda o problema do diáloao entre as diferentes partes do corpo. Quaildo uma mio toca um joelho, ou quando um pé toca outro~. tudo Isto é uma procura de segurança. como se o pé CS· tivesse dizendo: "é um pouco doloroso, mas tenha confiança". Es.. ta é a cssencia do dilllogo quando um pé toca outro. Este di!loao deve ser &cmpre concreto, mas nAo vem do cérebro. NAo calculem as palavras deste diáJogo. Se fizermos Isto de um modo autf:ntico, teremos a impressAo de que é verdade - agora estou tocando minha coxa e nlo estou pensando de que diá.loao se trata e, no entanto, é um contato concreto.

a

a maioria, porque a maioria das pessoas tem exatamente ate tipo de obstáculo. Vejamos agor
Acima de tudo, nlo pensem que a maquilagem é mã, c portan· co dC\Ie ser evitada. Pensem em como vocb poderio transformar-se sem o auxilio dela. Mas, se civerem de usar maquilagem, usem. Se realmente estudaram as modificações posslveis sem maquilagem, serAo, ao usà-la, muito mais expressivos c capazes de ultrapassarem tod<» os embustes técnicos.

Falei através da minha mio para a minha coxa. Cada um deve procurar a sua própria forma. Se Isto nlo for necessãrio, entiO se deve deixar de lado. Nlo há regras rlgidas. Hoje, quando falei a uma du participantes, expliquei-lhe que, para ela, hã outros elementos que deveriam ser acentuados, mas agora falo em geral, para

Atravb de reaç6es c impulsos fixos, através de uma partitura de detalhes fixados, procurem o que~ pessoal e Intimo. Aqui, um dos arandcs periaos é o de que nAo ajam em verdade de acordo com os outros. Neste caso, quando estiverem conccncrados no elemento pessoal como um tipo de tesouro, se estiverem procurando a riqueza de suas emoçOes, o resultado seri um tipo de narcisismo. Se desejam sentir emoções a todo o custo, se desejam ter uma ''psique'' rica, quer dizer, se estimulam artificialmente o processo interno, apenas imitarão emoçôc:s. Trata·sc de uma mentira nlo só para os outr<», como tambbn para vods.

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Como começa tudo isto? Sempre começa com emoções ou reaçOO pslquicas que nlo slo familiares . Por exemplo, umu personagem da peça deve ma! ar a própri.t mãe- mas, na realidade, vocã mataram sua mie? Nlo. Mu talvez jã tenham matado algutm. Se assim for, é muito bom que possam valer-se da sua própria experi!ncia; mas, se nllo mataram, nlo poderio investigar os próprio~ sentimentos ou peraumar a voc!s me$mOS qual é o estado pslquico de um homem que matou a própria mie. t:. imposslvel, jã que voc!s nlo tiveram a experilncia de um ato semelhante. Mas talvez já tenham matado .um animal. Talvez tenha sido uma experi!ncia poderosa para vocb. Como viram o animal? Como se comportaram suas mAos? Voe& estavam concentrados ou nlo? Fizeram isso sem querer, ou foi uma luta interna? Por exemplo, vocb acharam que nllo deviam, mas que era enaraçado faz~lo. Finalmente, na peça em que vods devem matar a própria mie, podem buscar os sentimentos que experimentaram quando mataram um gato, e isto serã uma análise cruel da situaçlo, porque a reprcsentaçlo nlo &erlil grandiosa e trãgica, mas apenas descarregarA. uma pequena obsesslo pessoal. Além do mais, a lembraoça de ter matado um gato, quando se deve matar a mlle, nlo é banaL Mas se tiverem de representar uma cena em que matam um animal, a lembrança concreta de como foi quando mataram um animal nlo é bastante - deve-se encontrar uma realidade mais d.ificil. Nlo há nenhuma dificuldade em mostrar que se foi cruele isto é muito dramluico. Desta forma, nlo existe sacriOcio para voe&. Procurem algo mais lntimo. Por exemplo, vocb acham que matar um animal, nesta cena, lhes daria uma sensaçlo, um tipo de cllmax? Talvez respondam sim, e se quiserem dizer sim, procurem nu próprias recortJações momento• de interuo cllmax fisieo, que sejam bastante preciosos para ·serem partilhados com outros. exatamente nesta recordaçlo que alauém deve apoiar-se na hora de matar o animal na peça, esta reeordaçlo concreta, tio intima, tio pouco própria para os olhos dos outros, e que nlo será fàcil. Mas se fizerem ilto realmente, se recuarem até esta lembrança, nlo será posslvel ficarem tensos ou dramáticos. O choque da sinceridade será demasiado forte. Voeis estarlo desarmados e relaxados diante de uma tarefa que é demais para vocts, diante de uma tarefa que quase os esmaga. Se isto acontecer, será um grande momento, eis·

a

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to é o que eu quero dizer quando afirmo que, através de meios concretos, é posslvel atingir o que é pessoal. Quando se atinge isto, se é um puro, purgado, mn pecado. Se a lemhr:tnç:a é de um pecado, entlo se estar! livre desse pecado. Trata-~ de um tipo de redençllo. A seguir, quero adverti-los a nunca procurarem, numa representaçllo, a espontaneidade, sem uma partitura . Nos exercidos, a meclnica é diferente. Durante uma montagem, nenhuma espontaneidade verdadeira é possível sem uma partitura. Seria apenas uma imitaçllo de espontaneidade, desde que se destruiu a própria espontaneidade pelo câos. Durante os exerclcios, a partitura consiste de detalhes flxados, e eu aconselharia (exceto nas improvisações especificas propostas pelo diretor ou professor) a improvisação apenas dentro deste esquema de detalhes. Isto quer dizer que se deve conhecer os detalhes de um exercido. Hoje, eu quero todos Os detalhes. Criarei estes detalhes e vocês tentarlo encontrar suas diferentes variantes e justificaç6es. Isto lhes dará uma improvisaçlo aut!ntica - em vez de ficarem construindo sem rundamentos. Quando SCI desempenha um papel, a partitura nllo é mais feita de detalhes, mas de slmbolos.

NA o quero explicar, agora, o que e um simbolo. Em última análise, trata-se de uma reaçlo humana, purificada de todos os rragmentos, de todos os outros detalhes que nlo sejam de imporlinda capital. O slmbolo é o impulso claro, o impulso puro. As ações dos atores slo, para n6s, slmbolos. Se se deseja uma definiçlo clara, deve-se pensar no que eu disse anteriormente: quando nlo percebo, isto li&nlfica que nlo existem slmbolos. Eu disse "percebo", e nlo "compreendo", porque compreender é uma funçlodo cérc;bro. Muitas vezes, podemos ver, durante a peça, coisas que nlo compreendemos, mas que percebemos e sentimos. Em outras palavras, eu sei o que sinto. Nlo posso defini-lo, mas sei o que é. Nlo tem nada a ver com a intelig!ncia; a reta outras associações, outras partes do corpo. Mas, se eu percebo, isto significa que houve slmbolos. O teste de um impulso verdadeiro~ se acredito nele ou nlo. Quero também advertir a voc!s para que sempre evitem os clich!s, se desejam realmente criar uma verdadeira obra-prima. Nao sigam os caminhos mais fãceis das associações. Quando disse-

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rem: "Que dia bonito!", nlo tem de dizer ~mpre este "Que dia bonito!" com uma entonaçlo reliz. Quando se diz: "Hoje estou triste", nlo é preciso usar sempre uma entonaçAo triste. Isto é um cliche, um lugar comum. O homem é muito mais complicado. Quase n!o acr,editamos no que dizemos. Quando uma mulher diz: "Hoje estou triste", em que estará pensando? Talvez quisesse dizer: "Vi embora!", ou ainda: "Estou sozinha". Tem~se de ter consciblcia do que existe atrâs das palavras. Por exemplo, quando uso a palavra "belo", ralo com alegria na voz. Quase sempre, o sianificado mais proCundo da nossa reaç!o está escondido. Deve-se saber que a reaçlo autêntica lransmitida pelas palavras existe realmente, e n!o apenas ilustra as palavras.

Outro exemplo: um ator tem de escrever um exercício. Mas na realidade, através do escrever, cada um de n6s realiza um projeto diCerente. Algutm quer razl-lo imediatamente, a fim de ter tempo para algo que considera mais imporsante. Outro n!o quer Cazer; nlo gosta de seu IApis ou de seu papel; tudo está errado. Outro quer ser um bom aluno. Quer mostrar como pode Cazer btm este cxerclcio: ''As outras crianças t~m lápis rombudos, mas a ponta do meu está 6tima. A! outras crianças tbn papéis amassados c sujos, mas o meu papel e5tâ ótimo. As outras crianças escrevem sem pen· sar no que estio escrevendo, mas' eu me concentrei totalmente" . Bstat a realidade.

Quando o homem diz umaoraçlo, tem reações diCerentes, impulsos dirererues e motivos diCerentes. Talvez esteja pedindo ajuda ou agradecendo. Talvez queira esquecer algo desagradável . Aspalavras. slo sempre um pretexto. As palavras nunca devem ser ilustradas. A mesma coisa se di com a açlo. Sabe-se, por exemplo, que em cena cena de uma ~a realista, (tomo conscientemente o exemplo de uma peça realista pois tudo o que cu disse pode ser aplicado a um repcrt6rio realista também) existem momentos em que se parece aborrecer. Tudo parece aborr«er. O que Caz o mau ator neste caso? Uustra a açao; seus gestos c movimentos imitam a representaçlo de um homem aborrecido. Mas aborrecer-se realmente é nlo encontrar aJgo capaz de nos interessar. Um homem, nesta situaslo. é muito ativo. Ele pode começar a ler um livro, mas o livro nlo lhe fixa a atençlo. Depois, procura comer algo. Mu tu~ do tem gosto ruim. Entlo, resolve sair um pouco, ir att o jardim, mas hoje o jardim està sem graça, o ar pesado, a atmosrera deprC$siva. Entlo, ele tenta dormir. Isto é butante concreto. Mas hoje o sono lhe Coae. Em outras palavras, ele estA sempre ativo. Nlo tem mais tempo de reprtsentar o homem que estA aborrecido. Ble age muito mais do que em outras situações. Este é o exemplo Cornccido por Stanislavski. No entanto, isso està também de acordo com o teatro realista, uma vez que, quando um homem Caz algo concreto, quando, por exemplo, Caz algo para os outros, quando trabalha e executa suas obrigaçOes, dentro destas ações existem reações pessoais que nlo correspondcm ao que ele raz, com a idtla externa das suas ações.

e observaçOes do autor. Se M dt!St!}a criar uma verdadeiro obroprimo, deve-M ~mpre e"ilar as Mias mentiras: as verdades de ca-

Evitem sempre a banalidade. Isto é, evitem ilustrar as palavras lendãrto, onde, sob cada data, se encontra um provtrbio como: "Aquele que é bom para os outros scrA Celiz". Mas isto nlo é ver· dade. Suma mentira. O espectador talvez fique contente. O espectador gosta de verdades ràceis. Mas nlo estamos no teatro para avadar ou alcovitar o espectador, Estamos ali para dizer-lhe a verdade. Tomemos J>01 exe(l'lplo a Madona. Falei com uma du partici· pantes, uma senhora da Finlândia, e ela me deu um exemplo para isto. Disse que, toda vez que se representa a Madoria, seja ou não numa peça religiosa, e quer se trate da Virgem Maria ou apenas da maternidade, esta maternidade abençoada t 5empre rcpresc:ntada por uma mie debruçada com amor sobre sua criança. "Mu", disse-me ela, ''eu sou mie e sei que a maternidade t ao mesmo tempo a Madona e uma vaca. Esta é a verdade". Isto nao é uma met6Cora, é a verdade. A mie dá seu leite A criança, e tem reações pslcol6&icas nlo muito diCerentes das de uma vaca. Ao mesmo tempo, podemos ver na maternidade coisas verdadeiramente sagradas. A verdade é complicada. Portanto, evitem as belas mentiras.

Sempre tentem mostrar o lodo desconhecido do.s coisas ao upectodor. Ele vai protestar, mas nunca esquecerá o que voch fizeram . Depois de alguns anos, ele diri: "Aquele ralou a verdade. Trata-se de um grande ator". Sempre procurem a verdade real, e n!lo o conceito popular da verdade. Usem suas pr6prias experiências reais, especificas, inti·

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,.,

mas. Isto sianirlca que muitas vezes se vai dar a impresslo de falta de tato. Tentam sempre como objetivo a autenticidade. No inicio deste stminârio, dei um exemplo de representaçao de uma morte. Vocês nunca podem representar a morte como um morto, pois nlo tfm conhecimento da morte. Só podem representar suas [email protected] mais lntimu. Por exemplo, sua experi&lcia de amor, do seu medo quando em face da mone, e do sofrimento. Ou ainda suu reações psicológicas diante de algu~m que está morto, ou um tipo de comparaçlo entre vod e a pessoa morta. Trata-se de um processo analítico. Que faz o morto'? Estou manco, sem movimentos, mas estou vivo. Por quf? Porque existe O pensamento. Em suma, façam sempre o que está intimamente ligado com as suas próprias experlblcias. Eu disse aqui, diversas vezes, que o ator deve revelar-se, deve mostrar o que é mais pessoal, e sempre da maneira mais autbltica. Numa espécie de excesso para o espectador. Mu voch nAo devem esforçar-se para isto. Apenas ajam com o seu ser. Nos momentos mais importantes do papel, revelem suas experienclas mais pessoais e mais fortemente guardadas. Em outros momentos, usem os simbolos, ma.s justifiquem-nos. Isto basta. Nlo precisam vir com isto desde o inicio. Galsuem degrau por degrau, mas Rm falsidade, sem fazer imltaçOes, sempre com toda a personalidade, com todo o corpo. Como resultado, vods descobriria alsum dia que o corpo começou a reaair totalmente, o que si&nifK:a que estA qua.st aniquilado, que quue nlo existe mais. Nlo oferece mais resistenciu. Seus impulsos estio livres. Finalmente, algo que é muito importante, alao que é, na verdade, a ~ncia dp nosso trabalho: a moralidade. Comprocndam que nlo estou falando de moralidade no sentido usual c cotidiano da palavra. Por exemplo, se vocfs mataram alalKm trata-se de um problema ético de vocf:s. Nlo se trata de um problema meu ou do seu colaborador. Para mim, a moralidade si&nifica expressar, no seu trabalho, a sua verdade inteira. Sdiflcll, mas é poss\ve\. E isto é o que cria toda a grande obra de arte. Certamente, ~muito mais fácil falar da experi!ncia de matar alguém. Existe pathos nisto. Mas existem muitos outros probremas mais pessoais, que nlo possuem o mesmo pathos do crime, e ter coragem de falar deles e criar g.randeza em arte. 196

Tenho repetido aqui, diversas vezes, porque acredito ser essencial, que se deve ser estrito no próprio trabalho, c que se deve SC1 oraanizado c disciplinado, e o fato de que o trabalho canse é abso· lutamcnte necessário. Muit:u vezes, tem-se de estar totalmente exausto para quebrar a resistencia da mente c começar a representar com autenticidade. No entanto, nlo quero dizer que se tenha de ser ma'IOquista . Quando for necessãrio, quando o diretor lhes der uma tarefa, quando o ensaio estA em franco progresso - nestes momentos, deve-se livrar de qualquer radisa. As regras do trabalho slo duras. Nilo há luear para mimosas, intocáveis em sua fragilidade. Mas nllo procurem sempre associaçOes tristes de sofrimento, de crueldade. Procurem também algo luminoso. Muitas vezes, podemos nos abrir através de recordaçOes sensuais de dias lindos, de recordaçOes do paraíso ~rdido, pela recordação de momentos, pequenos em si mesmos, em que estivemos verdadeiramente abertos, em que tlnhamos confiança, em que fomos felizes. Isto é muitas vezes mais diflcil de penetrar do que em labirimos escuros, desde que se trata de um tesouro que nlo queremos doar. Mas freqUentemente nos traz a possibilidade de encontrar a confiança no próprio trabalho, um relaxamento que nAo é tâ:nico, mas se fundamenta no impulso correto. Quando falo, por exemplo, na necessidade de siJencto durante o trabalho, ralo de aJao difleil, do ponto de vista prAtico, mas que é de absoiUia necessidade. Sem um silencio exterior, vocb nl.o podem atinair aquele silencio interior, o sil&lcio da mente. Quando se deseja revelar seu tesouro, suas fontes, deve-se trabalhar em silencio. Evitem todos os elementos da vida privada, do contato privado: sussurros, conversas, etc, Voc!s podem aozar dura1 ..e o trabalho, mas dentro du fronteiras do trabalho, e nlo de um modo particular. De outra forma, nlo atinairlo bons resultados. Depois disto, quero dizer a vocb que nAo conseauirAo arandes alturas se se orientarem para o público. Nlo estou falando de um contato direto, mude um tipo de servidlo, do desejo de ser aclamado, de aanhar aplausos e palavras de louvor.~ impossível, trabalhando dessa forma, criar alao de grande. Os grandes trabalhos slo sempre fontes de conflito. Os verdadeiros artistas nlo tbn uma vida rácil, c nlo slo, de inkio, aclamados e carregados nos ombros. No inicio, c durante muito tempo, existe uma luta dura. O artista

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fala a verdade. A verdade~ quase sempre mUlto dth:rc:nte do conceito popular de verdade. O pUblico nlo gosta de enfrentar problemas. Ê muito mais fácil para o espectador encontrar na peça o que já sabe. Dal, nasce o connito. Mas depois, passo a passo, esse mesmo público começa a verificar que sao aqueles ml!1.mos artistas, aqueles mesmos artistas peculiares, que ele nao pode esque<:er. Entâo, chega o momento em que se pode dizer que se conseguiu a glória. E se assegurou o direito de falar aquelas verdades que nlo as populares. Neste momento, hAduas possibilidades. Ou se acha que esta posiçlo social é muito imponantc: para si próprio, c: isto significa que se bloqueou qualquer desenvolvimento posterior; começase a ter medo de: perder a posiçllo c: c:ntlo passa-se a dizer as mesmas coisas que os outros di7.em . Ou se continua sentindo-se livre como artistas; ainda nlo se està orientado para o público; continua-se procurando a verdade, mesmo a que se esconde: em camadas mais JH"Ofundas. Entlo, se irA cada vez. mais longe, e se permanecerA um grande homem . Na Polônia, antes da guerra, houve um a1or famoso que encontrou uma palavra excelente para esta o rientaçlo em dircçlo ao público. As plantas orientam-se em dircçlo ao sol. Nestas circunstAncias, nbs falamos de tropismo. De forma que esse ator, Osterwa, fa lou dc:publicotropismo. Trata-se do pior inimiao do ator.

O Encontro Americano*

SCHECHNER: Vocf jQ/ou diversas veus em "bica arrlstica "; que sitnifica isto paro a vidQ artlslica?

GROTOWSIO: Durante o curso, nlo usei a palavra " ética'' , mas sem dúvida, no fundo do que eu disse, havia uma atitude ética. Por que nlo usei a palavra "ética"? As pessoas que falam sobre ética geralmente querem impor um tipo de hipocrisia aos outros, um sislema de gestos e de comportamento que serve como uma ética. Jesus Cristo sugeriu deveres tticos, mas, apesar de ter milagres à sua disposiçlo, n!o conseguiu melhorar a humanidade. Por que, ent!o, renovar este esforço? • frqmano de uma mtrevitta concedida em 1• doe dcumtwo doe 1967, an New Vork. Jtny O rocowskl, juntamtntt com 11n1 colaborador Rysu.rd Ocslak, ~tabara um CIU10 para alauns atudUllftl da Estola de Artftl da Universidack de New York. Es~vam l)l'aenta i mtrevbta Thtodort Hofrman, Rlchard Sch«hner, J~ua O!wat t Mary Tiemey. J.cqua Chwlt KrViu como inttrprctc de OrotOWikl, laniO na emr~a q~~~onto no curso. O tuto eompkto dau mnMsu roi publicado tm ~o..-R~oMw,

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ll>R. (Volume

tl, N•t, Outubl'ode 1961.)

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Talvez devbsemos fazer-nos perguntas apenas sobre as ações nece.sslrias no caminho da criatividade artistica. Por exemplo, se durante a criaçlo nós escondemos aquilo que funciona em nossas vidas pessoais, pode-se h:r certeza de que nossa criatividade falharA. Apresentamos uma imagem irreal de nós mesmos; não nos expressaremos c começaremos um tipo de namoro intelectual ou fi losófico - usaremos truques, c a criatividade sera imposslvd . • Nilo podemos esconder nossas coisas pessoais, essenciais mesmo se se tratarem de pecados . Ao contràrio, se estes pecados estiverem prorundamcntc enraizados - talvez nem sejam pecados, mas tentaçOcs - , poderemos abrir a porta para o eleJo das associações. O processo criativo consiste, no entanto, em n!lo apenas nos revelarmos, mas na cstruturaçlo do que~ revelado. Se nos revelarmos com todas estas tentaç6cs, nós as transcenderemos, nós as dirigiremos atravb de nossa consciencia. Este ~ realmente o ll.mago do problema ~tico: nao esconder o que for bãsico. Nlo impona se o material e moral ou imoraJ: nossa primeira obrigaçlo, na arte, ~ nos expressar através de nossos próprios motivos pessoais. Outro fato muito importante para a etica criativa ~ correr riscos. A filll de criar, devemos, cada vez, correr todos os riscos do fracasso. Isto sianinca que nao podemos repetir um velho caminho ram\liar. Na primeira vez que empreendemos um caminho, hll uma penetraçlo para dentro do desconhecido, um pr~csso solene de busca, cstudÇI e confronto, que evoca uma "radlaçlo" especial resultante da contradiçlo. Esta contradiçlo consiste num domlnio do desconhecido- o que nâo e nada mais do que uma falta de autoconhccimcnto - é do encontro das técnicas para modcli-lo, estrutura-lo, reconhcd-lo. O processo para conseguir o autoconhccimento empresta força ao trabalho de cada um. Na seaunda vez que manipUlamos o mesmo material, se empreendermos o caminho conhecido. jl alo teremos mais este desconhecido dentro de nós como ponto de rcrcr~ncia; só ficaram os truques - estereótipos que podem ser filosófiCOS, morais ou técnicos. NAo se trata de um problema ~tico. NAo estou falando de "grande valores". Uma autopcsquisa é simplesmente o direito da

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nossa profisslo, nosso primeiro direito . Pode-se chaml·IO dt Mu:o, mas pessoalmente prefiro tratA-lo como parte da técnica. A terceira coisa que poderiam os considerar "ética" é o problema do processo c do resultado. Quando trabalho - seja durante um curso ou quando dirijo - o que digo nunca~ uma verdade objetiva. O que quer que cu dig.a- slo sempre estimulas que fornecem ao ator a possibilidade de ser criativo. Eu digo: "Preste atcnçAo naquilo", procure este processo solene c reconheclvel. Nlo se deve pensar no resultado. Mas, ao mesmo tempo, nlo se pode ignoraro resultado, porque, do ponto de vista objetivo, o fator decisivo na anc é o resultado. Assim, a arte é imoral. Estll certo quem obti· ver o resultado. É exatamente isso. Mas a fim de conseguir o rcsul· tado - c nisto reside um paradoxo - nlo IC deve procurar por ele. Se alguém se lança à 1ua procura, bloqueia o prO«SSS natural criativo. Observem os trabalhos cerebrais: a intelig~ncia impõe soluções jl conhecidas, e começa-se a trapacear com coisas conhecidas. Eis por que de'Ycmos olhar sem fixar nossa atcnçlo no resultado. Procuramos o que? Que slo, por exemplo. minhas associações, minhas recordações--chave - reconhed-las nao pelo pengmento, mas atravb dos meus impulsos corporais; tornar·mc consciente de· les, dominl·los e orpnizA-los, e descobrir se slo mais fortes agora do que eram quando sem forma. Eles nos revelam mais ou menos? Se menos,~ porque nlo os estruturamos bem. Nlo devemos pensar no resultado, que o resultado virll; che-garA o momento em que a luta pelo resultado scrl totalmente cons· ciente c inevitável, envolvendo toda nossa maquinaria mental. O único problema é: quando? No momento exato em que nosso material criativo vivo esta concretamente presente. Neste ponto, podemos usar a intcligfncia para estruturar as associações c estudar o rdacionamento com a plattia. As coisas antes proibidas slo permitidas agora. e. claro, há as variações individuais. Hll a possibilidade de alguém começar com o jogo mental, c depois, mais tarde, abandonl·lo por algum tempo, voltando depois a ele. Se for este o seu caminho, mesmo assim nlo pensem ainda no resultado , mas no processo de reconhecer o material vivo. Outro problema chamado "etica". Se algu~m rormula o que cu estou para formular, pensa-se que ~ algo muito ~ti co; mas cu o 201

descobri na base de um problema completamente objetivo e tecmco. O principio é o de que o ator, a fim de se realizar, nlo deve tra-

balhar para si mesmo. Pendrando em sua relação com os outros - estudando os elementos de contato -,o ator desoobrirà o que estã nele. Deve dar-K totalmente .

Mas hã um problema. O ator tem duas possibilidades; I) ou n:presenta para a platéia - o que é completamente natural ,
si mesmo ou para o espectador. S•ut procura deve ser dirigida de dentro dele em direçio ao exterior, mas nllo pora o exterior. Quando o ator começa a trabalhar através do contato, quando começa a viver em rclaçlo a alguém- nllo ao seu comportamento de palco. mas ao companheiro de sua própria biografia-, quando começa a penetrar no estudo dos impulsos do seu corpo, a rclaçlo desse contato, desse processo de troca, há sempre um renascimento do ator. Imediatamente, ele começa ::a usar os outros como tela para o companheiro da sua vida, começa a projetar coisas sobre-as personagens da peça. E este é' um segundo renascimento. Finalm(!ntc, o ator descobre o que cu chamo de "companheiro seguro", este ser especial diante do qual ele faz tudo, diante do qual ele representa com as outras personagens, a quem ele revela seus problemas e suas experiências pessoais. Este ser humano - este "companheiro seguro" - nlo pode ser definido. Mas no momento em que o ator descobre seu "companheiro seguro", o terceiro c mais forte renascimento ocorre, c observa-se uma modificaçlo vislvcl (!fi seu comportamento. ~durante este terceiro renascimento que o ator encontra soluçOes para os problemu mais dificeis: como criar quando se cstã controlado por outros, como criar sem a segurança da criaçllo, como encontrar a segurança que é inevitâvcl se desejamos nos cxprt!SSOr, apesar do fato de que o teatro é uma criaçlo coletivo, na qual somos controlados por diversas pessoas c um trabalho de diversas horas nos é imposto. Nilo precisamos definir este "companheiro seguro" para o ator, precisamos apenas dizer-lhe: "Você tem de doar-se totalmente". E muitos atores compreendem. Cada ator tem sua própria oportunidade de fazer esta descoberta, c trata-se de uma oportunidade direrentc para cada um. Este terceiro renascimento nlo é nem para si mesmo nem para o espectador.~ muito mais paradoxal. Dà ao ator uma amplitude máxima de possibilidades. Podemos pensar nisso como se fouc ético, mas na verdade é té'cnico- apesar do fato de que é também misterioso. ScHECHNER:

Duas ~rguntas relacionadas. Diversos vezes, vo-

ei disse aos estudantes - particularmente durante os exercices Alguém por quem se procura. Não hâ uma resposta simples, única. Uma coisa é clara: o ator deve dar-se, e nllo representar para

plastiques (que descreverei maiS tarde) - "poro se superarem a si mesmos'', ''ter coragem'', "ir além". E disse tambtm que devem

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resianor-se o "nllo four". Primeira pergunto: Qual f o reluçllo ~ntrr superor~st e re5ignor-se? &g11nda pergunto -e os foro jumas por que acredito que estejam relacionadas, embora n6o swbo por· qul:- Diversos vnes. quando esm·emos trabalhando em cenas de Shokespeort, vod dwe: "Nilo reprn·ente o texto, voei nbo é Juli~ to, voei niJo escrewu o texto''. Que quis vod dizer com isto?

naç.lo, e nunca procurar o fãcil. Podemos •·representá-lo", num mau sentido, calculando um movimento, um olhar, e os pensamentos. Isto 6 simplesmente uma sondqem. Que e que desimpedirA as possibilidades naturais e intearais? Aair -isto e, reagir-, nlo conduzir o processo mas relacionA-lo com experiências pessoais, e ser conduzido. O processo deve nos possuir. Nestes momemos, devemos ser internamente passivo!>, mas externamente ativos. A fórmula de resignar-se a " nlo fazer' '~ um estimulo. Mas se o ator diz: "Agora eu devo me decidir a encontrar minhas experiências e minhas associações Intimas, devo en· contrar meu ''companheiro seguro", ele será alivo, porém ser! como alguem confessando que jã elaborou tudo em belas frases. Ele confessa, mas isto~ nada. Se ele se resigna, por~m. a "nlo fazer" esta coisa dincil, e reporta-se a coisas que slo verdadeiramente pessoais e as exterioriza, encontrará uma verdade muito diflcil. Esta passividade interna confere ao ator uma chanct a ser aproveitada. Se se começa muito cedo a conduzir o trabalho, o processo estA bloqueado.

GROTOWSJ
GROTOWSKt: Sim. Se o ator quer representar o texto, estA fa· zendo o mais fácil. O texto estã escrito, ele fala com o sentimento e livra~se da obriaaçlo de fazer alao ele mesmo. Mas se, como fizemos durante os ültimos dias, ele trabalha com uma partitura silenciosa- dizendo o texto apenas em seu pensamento-, desmascara essa falta de ação e reaçlo pessoais. Entlo, o ator ~ obrigado a referir-se a de mesmo, dentro de seu próprio contexto, e a encontrar sua própria linha de impulsos. Nós podemos n!o dizer na· da do texto, ou entlo "recitA-lo" como uma citaçlo. O ator pensa que estã citando, mas encontra o cK:Io de pensamento revelado nas palaYras. Hã muitas possibilidades. Durante a cena do assassinato de Desdl!:mona, na qual trabalhamos durante o curso, o texto fun· cionou como uma peça de amor erótico. Aquelas palavras transformaram-se na atriz - nlo importa que ela nlo as tenha escrito. O problema ~ sempre o mesmo: pare com a trapaça e en· contre os impulsos autenticos. O obj~tivo ~o de um encontro entre texto e ator.

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ScHECHNER: Entllo foi por isso que sente o texto''. Aindonlloero tempo.

Yod

disse: "N{lo repre-

HOF't"'MAN: Quando os estudan/es estavam fazendo trabalhos privados, vocl exigiu silêncio absoluto. Isto foi diflcil de consqu1r, p()Js foge ds nossas lradiçlks, pelas quais somos todos "colaboradores amigos'', correpondendo com amor ao no$$0 colega ator. GROTOWSKI: A falta de tato t: a minha especialidade. Neste pais, observei uma certa cordial idade externa, que faz parte da mibcara diária de voc!s. As pessoas sa.o muito "amáveis", mas t: muito dincil para elas estabelecerem um contato aut~ntico; basicamente, slo muito sozinhas. Se confraternizamos muito facilmente, sem etiquetas ou cerimônias, o contato natural t: posslvel. Se se é si ncero com outro, este encara isto como uma parte da màscara cotidiana. ~ Acho que as pessoas aqui funcionam e comportam-se como instrumentos ou objetos. Por exemplo - e isto tem-me aconteçido freqüentemente - , tenho sido muito convidado por pessoas que nlo slo minhas amigas. Depois de uns poucos drinques, elas começam, histericamente, a se confessar, e me colocam na posiçlo de juiz. Trata-se de um papel que me é imposto, como se eu fosse uma cadeira para elas descansarem. Sou tanto um juiz quanto um consumidor que vai a um armazém; nessa base, o armazém não està ali para ele- ele existe para o armazém.

apenas de um problema ético, mas de uma obripçlo profissional -como a que se impõe aos m~icosc advogados. O silencio sianifica algo mais. O ator t: sempre tentado ao publicotropismo. Isto bloqueia os processos e resultados profundos naquele namoro de que falei antes. Por exemplo, o ator faz algo que pode 5er achado engraçado, no sentido posit ivo: seus colegas riem. Entlo, ele começa a tentar faü-105 rir mais. E o que era antes uma reaçlo natural torna-se artificial . Hà ainda o problema da passividade criadora. ~ dificil de expressar, mas o ator deve começar nlo fazendo nada. Silêncio total. Isto inclui até os seus pensamentos. O sil!ncio externo trabalha como um estimulo. Se hà um sil!ncio absoluto, e se, por diversos momentos, o ator não faz absolutamente nada, este silencio interno começa, e volta toda a sua natureza em d ireçlo Usuas fontes. ScHECHNER: Gostaria, agora, de passar a uma área afim. Um bocado do trabalho deste curso, e acredito que também o do suo companhia, dit. respeito aos exercices plutiques. Nilo quero tradulir este termo, porque o trabolho nllo é exatamente o que entendemos em lnglb por "movimento corporal". Sew uercfcios sbo psicojlsicos, e há umo absoluto unidade entre o jlsico e o psfquico; as assodQÇ(Jes do corpo silo também ossoclaçDes dos sentidos. Como vocl desenvolveu estes exerdcios, e como funcionam no treinamento e na montagem?

Hà qualidades de comportamento, em cada pais, que temos de desrespeitar para criar. A criatividade nAo sianirtea o uso de nossas màscaras cotidianas, mas o fazer situaçOes excepcionais, nas quais nossas miscaras cotidíanu nlo funcionem. Vejam o ator. Ele trabalha defronte d os outros, deve confessar seus motivos ptSSOBis, deve expressar coisa$ que sempre esconde. Deve fazer isto conscientemente, de uma forma estruturada, porque uma confisslo lnaniculada nlo é uma confissão de verdade. O que o bloqueia ao máximo são os seus companheiros e o diretor. Se ele prestar atençlo às reações dos outros,.serà bloqueado. FJCa pensando que sua confisslo é engraçada. Pensa que pode tornar-se objeto de discussOes às suu costas, e não consegue revelar-se. Todo ator que discute privadamente u associaçOeslntimu de o ut ro ator sabe que, quando expressar seus motivos pessoais, de tambtm serà motivo das piadas de aJguém mais. Assim, devemos impor aos atores e aos diretores uma obrigaçAo rlgida de serem discretos. ND.o se trata

GROTOWSKI: Todos os exerclcios de mocimemos tinham, no principio, uma funçAo diferente. Seu desenvolvimento é resultado de muita experimentação. Por exemplo, começamos fazendo ioga diretamente, visando a uma concentraçlo absol uta.~ verdade, perJUntamos, que a ioaa confere ao ator o poder de concentraçAo? Observamos que, apesar de todas as nossas esperanças, acontecia exatamente o contrário. Havia uma cena concentraçlo, mas era introvertida. Esta concentraçlo destrói toda a expressAo; trata-se de um sono interno, um equillbrio inexpressivo; um repouso absolUio, que elimina todas as ações. Isto deveria ser óbvio, porque o objetivo da ioga~ parar trb processos: o pensamento, a respiraçAo e a ejaculação. Isto significa que todos os processos da vida são interrompidos, e encontra-se a plenitude e a realiuçll.o numa morte

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conscienle, numa autonomia fechada em nossa própria ess~ncia. Nlo ataco isto, mas nlo e para atores. Mas observamos também que cc:rtas posições ioaa ajudam muito as reaÇOes naturais da coluna vertebral; conduzem a uma segurança o próprio corpo, a uma adaptaçlo natural no espaço. Entlo, por que nlo aproveitá-las? Começamos a pesquisar, a buscar diferentes tipos de contato nestes eAercicios. Como poderiamos transformar os elementos flsicos em elementos de contato humano? Representando com o próprio companheiro. Um diiloco vivo com o corpo, com o companheiro que evocamos em nossa imaginaçlO ou talvez. entre as partes do corpo cujas mlos falam com as pernas, sem oolocar este diAlogo em palavras e pensamentos. Estas posições quase paradoxais vlo alem dos limites do naturalismo. Começamos também a trabalhar com o sistema de Ddsarte. Eu estava muito interessado na tese de Delsarte, de que existem reações introvertidu e extrovertidas no contato humano. Ao mesmo tempo, achei sua tese muito estereotipada: era multo enaraçada como treinamento do ator, mas havia qualquer coisa, nela, que passei a estudar. Começamos procurando em todo o proarama de Delsarte aqueles elementos que nlo eram estereotipados. Terminamos por ter de achar novos elementos nossos, a fim de. realizar o objetivo do nosso proarama. Entlo, a personalidade do ator trabalhando como instrutor tornou-se instrumental. Os exercidos flsicos foram amplamente desenvolvidos pelos atores. Eu fazia apenas as perauntas, os atores pesquisavam. Uma pergunta seguia-se a outra. Alguns dos exercicios eram condicionados por uma atriz que tinha grande dificuldade com eles. Por esta raz.Ao, transformei-a em instrutora. Ela F• muito ambiciosa, e agora é uma grande mestra nestes ~erclcios- mas pesquisamos juntos.

Com estes exerdcios, procuramos uma conjuncAo entre a estrutura de um elemento e as associaç6es que o transformam no modo particular de cada ator. Como podemos conservar os elementos obJetivos e ainda continuar além em direçlo a um trabalho puramente subjetivo? Esta e a contradiçlo do representar. a esslncia do treinamento.

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HA diferentes tipos de exercidos. O proarama e sempre aberto. Quando estamos trabalhando numa produçlo, nlo usamos os exerclci05 numa peça. Se. o flÚ:SSCmOS, seria estereotipado. Mas para cc:rtas peças, certas cenas, devemos fazer exercidos especiais. AJ. gumas vezes, algo se aproveita desses exercidos para o programa bAsico. Houve perlodos - ate de oito meses - em que nlo fizemos nenhum exercido. Verincamos que estbamos fazendo exercidos pelos exercidos, e desistimos deles. Os atores começaram a procurar a perfeiçlo, a fazerem coisas imposs\veis. Era como o tigre que come apropria cauda. Neste momento, paramos os exercidos por oito meses.· Quan4o os reiniciamos, eram completamente direrentes. O corpo desenvolvia novas resist@ncias, as pessoas eram as mesmas, mas se tinham modificado. E rehiiciafflos com um acrescimo maior de personaliz.açlo.

Mais tarde, verificam05 que, se tratamos os exercidos como puramente fuioos, desenvolve-se uma hipocrisia emotiva, e aestos graciosos com as emoçOes de uma dança de fadas. Entlo, desistimos e começamos a procurar uma justificaçlo pessoal nos mlnimos detalhes. Pela representaçlo oom colegas, com um sentido de surpresa, de inesperado -justificações reais que eram inesperadas -como lutar, como fazer gestos descorteses, como parodiar-se, e assim por diante. Naquele momento, os exercidos adquiriram vida.

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Declaração de Princípios•

vulsionamos com o ritmo da música. Em nossa busca de libcraçlo, atingimos o caos biol6g.ico. Sofremos mai! com uma falta de totalidade, atirando-nos, dissipando-nos. O teatro - atravts da técnK:a do amr, de sua ane, na qu&l o organismo vivo se esforça para atingir motivaçOCs mais altas proporciona uma oponunidade que poderia ser chamada de integraçlo, de um tirar de máscaras, de uma revelaçlo da substlncia authltica: uma totalidade de reações ·nsicas e mentais. A oportunidade deve ser tratada de forma dilciplinada, com uma consc~ncia tota1 das responsabilidades que isso envolve. Aqui, podemos ver a funçlo terapêulica do teauo para as ~ssoas , em nossa civilizaçAo atual. verdade que o ator executa essa açlo, mas 16 pode executála atravb de um encontro com o espectador - intimamente, visivelmente, sem se esconder atràs de um CQmeroman, do assistente ou da maquiladora - num confronto direto c:om ele, c de certa forma "em lugar dele" . A reprcscntaçAo do ator- afastando as meias medidas, revelando-se, abrindo-se, emergindo de si mesmo, em oposiçllo ao fechamento - é um convite ao espectador. Este ato deve ser comparado a um ato dos mais profundamente enraizados, a um amor gcnulno entre dois seres humanos - sendo isto apenas uma oomparaçflo, jâ que s6 podemos nos referir a este "emergir de si mesmo" atravb de uma analogia. A este ato, paradoxal e fronteidço, chamamos de ato tota1. Em nossa opinilo, ele CRitomiza o apelo mais profundo do ator.

a

Ü

RITMO de vida na civilizaçlo moderna se caracteriza pela tenslo, por um sentimento de condenaç4o, pelo desejo de esconder nossas motivações pessoais, e por uma adoçAo da variedade de papéis e mbcara.s da vida (màscaras diferentes para a nossa famllia, o trabalho, entre amigos e na vida da comunidade, etc.), Gostamos de ser "cientlficos", querendo dizer com isto racionais e cerebrais, uma vez que esta atitude ~ ditada pelo curso da civillzaçlo. Mas tamb&n queremos pagar um tributo ao nosso lado biológico, o que po(lerlamos chamar de prazeres fisiológicos. Nllo queremos ser limitados nesta esfera. Portanto, fazemos um joao duplo de Intelecto e inslinto, pensamento e emOÇio; tentamos dividir-nos atlificialmente em corpo e alma. Quando tentamos nos livrar disto tudo, começamos a gritar e a bater com o ~. nos con-

~owtklacnvftlmc tutopt~n~IQO irUcrnonoTc•tro-Libon.tc>rio,

c, em pettlevtar, patl 011torcs qiH! f&rlam 11m aprendizado, lntes de 1aem acâtos 111 companh~, 1 fim de colodo-tos em contato com oe; prindpios bhicos do trabalho

lllttaliudo.

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11 Por que sacrificamos tanta energia l nossa arte? Nlo é para ensinar aos outros, mas para aprender com eles o que nossa existbl· cia, nosso organismo, nossa experilnda pessoal c ainda nlo treina· da tem para nos ensinar; para aprender a romper os limites que nos aprisionam e a libertar-nos das cadeias que nos puxam para tris, das mentiras sobre nós mesmos, que manufaturamos cotidianamente, para n6s e para os outros; para as limitações causadas pela nOSJa ignorância e falta de coragem; em resumo, para encher o vazio em nós; para nos realizarmos. A arte nlo é um estado da alma (no sentido de algum momento extraordinlrio e lmprevislvel de ins· piraçlo), nem um estado do homem (no sentido de uma profisslo ou funçlo social). A arte é um amadurecimento, uma evoluçl.o, uma ascençlo que nos torna capazes de emergir da escuridão para uma luz fantâstica.

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Lutamos, entlo, para descobrir, experimentar a verdade sobre nÓS mesmosj rasgar u máscaras atrás das quais nos escondemos diariamente. Vemos o teatro - especialmente no seu aspecto palpbcl, carnal -como um lugar de provocaçao, uma transformaçAo do ator e também, indiretamente, de outras pessoas. O teatro só tem significado se nos permite transcender a nossa vislo estere
III A arte nlo pode ser limitada pelas leis da moralidade comum ou de qualquer catecismo. O ator, pelo menos em parte, é criador, modelo c criaçlo encarnado$ num só. Ele deve possuir pudor, poiJ do contritio sert levado ao exibicionismo. Deve ter coraaem, mas nlo apenas a coraaem de ex.ibir·se- uma coragem passiva, po.derlamos dizer: a cora&Ún de um desarmado, a coragem de revelar· se. Nem aqUilo que toca a esrera interior nem o prorundo desnudamento do se(devem ser encarados como um mal, pois tanto no processo de prepataçlo quanto no trabaJho acabado produzem um ato de criaçiO. -Se niO apareceram facilmente, c se nlo forem sinais de um anorarliento, mas de uma maestria, serlo criativos; revdamnos e puriflcam-nos enquanto nos tran.sctndemos. Na verdade, impelem-nos a Isto. Por tais r~. cada aspecto do traba1ho do ator, relativo a materiais interiores, deve ser protegido de obsenaçOes incidentais, lndiscriçGes, leviandades, comentlrios inúteis e brincadeiras. O domlnio pessoal - tanto espirituaJ quanto flsk:o - nAo deve ser "conspurcado" pela trivialidade, pela sordidez da vida e pela falta de tato em relaçl.o a si e aos outros. Este postulado pode soar como

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de ordem moral abstrata. Mas nlo ê. Oiriae-se ã. verdadeira es.s.encia do apelo do a10r. Este apelo ê reallu.do através da carnalidade. O ator n!o deve ilustrar, mu realizar um "ato da alma", através do seu próprio organismo. Assim, ele está diante de duas alternativas extremas; ou vende, desonra seu ser real, "encarnado", tornando-se objeto de prostituiçlo artlstica; ou entrega-se em doaçlo, santiftcando seu ser "encarnado" real.

IV O ator s6 pode ser orientado e inspirado por aJauêm que se entrega de todo coraçlo à sua atividade criativa. O diretor, enquanto orienta a inspiraçlo do ator, deve ao mesmo tempo permitir ser orientado e inspirado por ele. Trata-se de um problema de liberdade, companheirismo, e iJto nAo implica em falta de disciplina, mas num resptito pela autonomia dos outros. O respeito pela autonomia do ator o lO sianif.ca auKncia de lei, falta de uig&cias, discwsOcs interminlveis, e a substituiçlo de açlo por continuas correntes de palavras. Ao contrário, o respeito pela autonomia significa enonnes ed~ncias, a expectativa de um máximo de esforço criativo c de um mbimo de revelaç!o pessoal. Compreeridida dessa forma, a solich.ude pda liberdade do ator só pode ser aerada da plenitude da liderança, e oiO da sua falta de p lenitude. Tal falta implica em impos~Ao, ditadura.

v O ato de criaçlo nada tem a ver com o conforto eXterno ou com a civilidade humana convencional ; q~Jer dizer, as condições de trabalho nas quais as pessou se sentem felizes. Neste tipo de criatividade, discutimos através de propostas, ações e orpniJmos vivos, n!o atravb de explicações. Quando, nnalmente, nos encontramos no rastro de algo diflcil, e muitas vezes quase intanalvel, nlo temos o direito de perd!-lo por causa de frivolidade c ralta de cuidado. Portanto, mesmo durante certas pausas, depois das quais continua-

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remos o processo criador, somos obrigados a observar uma certa rcti~ncia natural em nosso comporlamento, c att em nossos problemas privados. Isto se aplica tanto ao nosso trabalho quanto ao trabalho dos nossos companheiros. Nao devemos interromper c desorganizar o trabalho porque estamos apressados com os nossos negócios privados: nlo podemos fazer brincadeiras, comentários sobre ele. Em qualquer caso, as idéias particulares de entretenimento nlo têm lugar na profissao de a10r. Em nossa abordagem das tarefas criativ35, mesmo se o tema é a brincadeira , devemos estar em estado de serenidade- podemos até dizer de ''solenidade''. Nossa terminologia de trabalho, que serve como um estimulo, nlo deve ser dissociada do trabalho c usada no contato privado. A terminologia de trabalho deve estar sempre associada com o trabalho. Um ato criativo desta qualidade é realizado dentro de um grupo, c, ainda que dentro de certos limites, devemos restringir nosso egoísmo criativo. O ator nllo tem o direito de modelar seu companheiro, a fim de ficar mais habilitado para maiores possibilidades em sua representar;Ao. Nem tem o direito de corrigir o companheiro, sem ser autorizado pelo lider do trabalho. Elementos Intimes e drásticos no trabalho dos outros silo intocáveis, e nao devem ser comemados na ausência deles. Os conflitos privados, disputas, afetos, animosidades são inevitáveis em qualquer agrupamento humano. Ê nosso dever para com a criaçao nlo deixar que deformem e envileçam o nosso processo de trabalho. Somos obrigados a abrir-nos até para com um imimigo.

VI Já foi mencionado diversas vezes, mas jamais podemos acentuar e explicar demasiadamente o fato de que nllo devemos explorar privadamcnte nada que se relacione com o ato criativo: isto é, locação, figurinos, objetos, um elemento da partitura da reprcsentaçl.o, um tema melódico ou partes do texto. Esta regra se aplica aos mínimos detalhes, e nl.o existem uceções. Nl.o fizemos esta regra somente para pagar tributo a uma devoçl.o artística rspe:cial. Nilo estamos interessados em palavras nobres e grandiosas, mas nossos conhecimentos e expe:riencias nos dizem que a ausência de 214

uma estrita ades.lo a tais regras fa z com que a par:imra do ator stja dcst itulda de suas motivações psíquicas e do seu ''t"rkndor".

VII A ordem e a harmonia no trabalho de cada ator slo condiçOes essc:nciais sem as quais o ato criativo não pode ser realizado . Aqui, exigimos consistência. Exigimos isto dos atores que "êm para este teatro, conscientemente, a rim d.: se: lançarem em algo extremo, num tipo de transformação que exige uma resposta total de cada um de nós. Vieram testar-se em algo de muito definitivo, que vai além do significado de "teatro", e é muito mais um ato de viver c um caminho de existência. Isto talvez wc quase vago. Se tentarmos explicá-lo teoricamente, poderemos dizer que o teatro c a representação slo para nós um tipo de veiculo que nos ~rmite emergir de nós mesmos, rea\i1.ar-nos. Podemos ir neste caminho até uma grande profundidade. No entanto, quem quer que fique aqui mais do que o ~rlodo de teste, deve estar perfeitamente consciente de que tudo isto de que falamos pode ser menos compreendido através de palavras grandiosas do que de detalhes, exigCncias e rigores do trabalho, em todos os seus elementos. O individuo que perturbar os elementos bâsicos, que nlo respeitar, por exemplo, sua própria partitura de representaçll.o e a dos outros, destruindo sua estrutura por uma reprodução automática e entediada, é o mesmlssimo que abala a motivaçl.o altamente inderinivel da nossa atividade comum. Aparentemente, silo pequenos detalhes que formam o pano de fundo contra o qual se tomam as decisOes fundamentais, como, por exemplo, o dever de anotar os elementos descobertos no decurso do trabalho. Nao devemos confiar em nossa memória até sentirmos que a espontaneidade de nosso trabalho está sendo ameaçada, e mesmo entl.e devemos manter um registro apenas parcial. Esta é uma regra tao básica quanto a estrita pontualidade, a imediata memori7.açlo do texto, etc. Qualquer forma de leviandade em nosso trabalho é totalmente proibida. No entanto, acontece muitas vezes que o ator tem de verificar uma cena, esboçando-a a fim de checar sua organização e os elementos de seus companheiros de ação. Mas mesmo então, ele deve seguir tudo cuidadosamente, medindo-se 215

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contra des, a fim de compreender suas mouvaçõcs. Esta é a diferença entre um esboço c um engodo. O ator deve estar sempre pronto para executar o ato criativo no momento exato detcrmin,do pelo grupo. A este respeito, sua saúde, suas condiçOes flsicas, e todos os seus problemas particulares, deixam de ser apenas uma qucstlo pessoal. Um ato criador dessa qualidade sb floresce se alimentado por um organismo vivo. Portanto, somos obrigados a cuidar diariamente do nosso corpo, a fim de estarmos sempre prontos para nossas tarefas. Nlo se deve dormir pouco, por causa de divertimentos particulares, e depois vir para o trabalho cansado ou de ressaca. Nlo podemos estar incapazes de concentrar-nos. A regra, aqui, nlo exige apenas a presença compulsória de alguém no lugar de trabalho, mas a disposiçlo flsica para criar.

VIII A criatividade , especialmente quando se relaciona com a represcntaçlo, é de uma sinceridade sem limites, ainda que disciplinada: isto é, articulada at ravés de signos. O criador nlo deve, portanto, achar em seu material uma barreira neste sentido. Como o material do ator é o seu próprio corpo, ele deve ser treinado para obedecer, para ser flexlvel, para responder passivamente aos impulsos pslquicos, como se nao existisse no momento da criaçlo - nlo oferecendo resistatlcia a lguma. A espontaneidade e a disciplina slo os aspectos bâsicos do trabalho do ator, e exigem uma chave metódica . Antes de um homem decidir-se a fazer algo, deve elaborar um ponto de orientaçlo, e depois agir de acordo com isso e de forma coerente. O ponto de orientaçlo deve ser bastante evidente para ele, resultado de convicçOes naturais, observações e experiltlcias anteriores na vida. Os fundamentos ~icos deste método consti· tuem, para o nosso grupo, este ponto de orientação. Nosso instituto é engrenado para examinar as conseqU~ncias deste ponto de oricntaçlo. Portanto, ninguém que vem c permanece aqui pode alegar falta de conhecimento do programa metódico do grupo. Quem 216

quer que venha traballlar aqui, e deseje manter distAncia (em relaçlo à consci~ncia .. rialiva), demonstra um tipo errado de cuidado com sua própria individualidade . O significado etimolbgico de "individualidade" é ' "mdivisibilidade", o que significa uma exsistên· cia completa em alguma coisa: a individualidade é o verdadeiro oposto do ser pela metade . Sustentamos, portanto, que aqudes que vbn e permanecem aqui descobrem em .nosso método algo profun· damente relacionado com eles, preparado por suas vidas e expc· ri~ncias. Desde que aceitem isto conscientemente, presumimos que cada um dos participantes se sinta na obripçlo de treinar criativamente e tentar formar sua pr6pria variaçlo inseparável dele mesmo, sua própria reoricntaçao aberta para os riscos e pesquisas. O que nbs chamamos aqui de métodos é exatamente o oposto de prescrições.

IX O ponto principal é que o ator nao tente adquirir uma espécie de formulàrio, nem construa uma caixa de truques. Aqui n!lo é lugar de colecionar todas as espécies de meios de expressao. A força de gravidade, em nosso trabalho, empurra o ator para um amadurecimento interior, que se expressa através de um desejo de romper barreiras, de atingir seu "cume", a totalidade. O primeiro dever do ator é aceitar o fato de que ninguém aqui deseja dor-lhe nada; em vez disto, pretendemos tirar muito dele, eliminar tudo que o mantém usualmente amarrado: sua resistência, sua recicfncia, sua tend~ncia a esconder-se atrb de máscaras, os obstlculos que seu corpo impOe ao trabalho criativo, seus costumes, e atC suas usuais "boas maneiras" .

X Antes do ator ser capaz de realizar um ato total, tem de cumprir um número de exig~ncias, algumas das quais slo tio sutis, 217

t.llo intanglveis, que se tornam praticamente inddinlveis atrav~ de palavras. Só s.llo compreenslveis através da aplicaç.llo prAtica. f: mais fâcil. no entanto, definir as condições sob as quais um ato total mlo pode ser realizado, e quais das açOes do ator o tornam imposslvel. Este ato nAo pode existir se o ator estA mais Interessado no encanto, no sucesso ~. no aplauso e no saJArio do que na criaçlo compreendida em seu sentido mais alto. Nlo pode aistirs se o ator o condk:iona ao tamanho do seu papel, ao seu lugar no espeticulo, ao dia e tipo de platéia. Nlo pode haver um ato total se o ator, mesmo fora do teatro, dissipa seu impulso criativo e, como já dissemos antes, o conspurca, o bloqueia, particularmente através de compromissos incidemais ou de naiUreza duvidosa, ou pelo uso premeditado do ato criativo como uma maneira de favorecer sua própria carreira.

Dados Complementares

Jerzy Grotowski criou o Teatro-Laboratório em 19.S9 em Opole, cidade de 60.1)X) habitantes, na rqilo sudoeste da Polônia. Foi assistido de perto por seu mais Intimo colaborador, o conhecido cr1tlco teatral e literário Ludwik Ftaszen. Em janeiro de 1965, o TeauoLaboratório deslocou-se para a cidade universitària de Wroclaw, que, com meio milhiO de habitantes, é tam~m a capital cultural dos Territórios da Polônia Oriental. Neste cidade, transfonnou-se no atual Instituto de Pesquisa Teatral. As atividades do Laboratório foram patrocionadas, de forma continua, pelo Estado, atravb das prefeituras de Opole e Wroclaw. A própria denominaçlo revela a natureza de seus objetivos. Nlo se trata de teatro na acepçlo normal da palavra, mas de urna instituição destinada a pesquisas no domlnio da arte teatral, e da arte dramática em particular. As produções do Teatro-Laboratório representam uma espécie de modelo de trabalho, onde a atual pesquisa da arte dramática pode ser colocada em prllica. Nos meios teatrais, ~conhecido como o Mttodo Grotowski. Além deste trabalho de pesquisa e metodologia, e das representações 218

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pUblicas, o Laboratório dedica-se ao preparo dos atora:, produtores e elementos pc=rtencentc=s a outros campos de atividades afins. O Teatro-Laboratório possui um grupn ]1Crmanente de atores que funcionam, ao mesmo tempo, como in!l>Lfutorc=s. Os alunos, muitos dos quais estrangeiros, s.llo acc=itos também para um aprendizado a curto prazo. sa.o ainda chamados especialistas em outras disciplinas, como psicologia, fonologia, antropologia cultural, etc. O Teatro-Laboratório conserva uma certa coc=rtncia na escolha do seu repertório. lu peças levadas em cena baseiam-se nos grandes clássicos poloneses e internacionais, cuja funçlo, aproxima-se do mito, na consciência colc::tiva. As produções que comprovam as etapas progressivas da pesquisa metodológica e artlstica de Grotowski slo as seguintes: Coim, de Byron, Shokuntolo, de Kalidasa, Fonfother's Eve, de Mickiewicz, Kord1on, de Slowacki. Akropolis, de Wyspianski, flumlet, de Shakespcare, Dr. Foustus, de Marlowe, e O Prlncipe Constante, de Calderón, em adaptaç.llo polonesa de Stowacki. No momento, acha-se em preparaçlo um espetáculo baseado em temas do Evangelho. O Teatro-Laboratório também promove representações no exterior, através de tournées. Jerzy Grotowski visita com freqOência os diversos centros teatrais existentes em i nUmeras países, ministrando cursos teóricos e práticos sobre seu método. Seu mais estreito colaborador nessa pesquisa ~ Ryszard Cieslak, que, na opinilo de determinado critico do jornal francês I'Expre:ss, ~ a imagem viva deste método no seu papel como o Príncipe Cantante.

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