Maril Crabtree - Penas Sagradas

  • Uploaded by: adricdr
  • 0
  • 0
  • January 2021
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Maril Crabtree - Penas Sagradas as PDF for free.

More details

  • Words: 110,165
  • Pages: 252
Loading documents preview...
Maril Crabtree

Penas Sagradas O poder mágico de uma pena pode alterar sua visão do mundo TRADUÇÃO Paula A n d r a d e

2003

Título original: Sacred Feathers Copyright © 2002 by Maril Crabtree Licença editorial para a Editora Nova Cultural Ltda. Todos os direitos reservados. Coordenação editorial Janice Flórido Editores Eliel S. Cunha Fernanda Cardoso Editoras de arte Ana Suely S. Dobón Mônica Maldonado Arte da capa Fernanda do Val Revisão Levon Yacubian Editoração eletrônica Dany Editora Ltda.

_

EDITORA N O V A CULTURAL LTDA. Direitos exclusivos da edição em língua portuguesa no Brasil adquiridos por Editora Nova Cultural Ltda., que se reserva a propriedade desta tradução.

EDITORA BEST SELLER uma divisão da Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 - 1 0 andar CEP 05424-010 - São Paulo - SP www.editorabestseller.com.br 9

2003 Impressão e acabamento: RR Donnelley América Latina Fone: (55 11) 4166-3500

Este livro é d e d i c a d o a: Virgínia

Lenore

Briana

inspira e apoia

Crabtree,

tanto quanto

minha sogra, cuja

vida

me

meus amados pais o fazem.

í

índice

Agradecimentos

11

Prólogo

13

Introdução

15

PARTE UM O Mistério das Penas: Mensagens Místicas do Espírito Você Pode Fazer Isso! — Maril Crabtree

21

As Penas — Einda Hogan

23

Uma Questão de Estilo — Dra. Rachel Naomi Remen

28

Ser uma Pena — Mark Nepo

32

A Pena como "Alimento" para o Pensamento — CaroleLouie

33

Meditação — Locais onde Encontrar Penas

35

Dançaremos Novamente — Janet Cunningham

36

Canção Indígena Americana — Autor desconhecido

38

O Presente da Águia — Josie Asa de Corvo

39

Uma Pena com um Coração — Reverendo Fern Moreland...

43

Peça e lhe Será Dado — Victoria Rose Impallomeni

46

Ritual — Manifestação das Penas

49

Um Presente Especial — Penny Wigglesworth

50

Siga as Penas — Carolyn Elizabeth

53

Meu Nome Era Falcão Asa Dourada — Orazio J. Salati

56

Alma de Pena — Jeanne Scoville

58

7

Galgando as Penas — Marü Crabtree

60

Uma Mensagem do Pena Branca — Debra Hooper

61

Meditação — Atraindo a Energia da Pena

63

Canção da Pena — Kenneth Ray Stubbs

65

Aprendendo com os Corvos — Greg Eric "Saltador" Hultman

67

Você Já Está no Caminho — Kellie Jo Dunlap

74

Asas em Meus Pés — Pena Estelar

77

Meditação — Visão da Vida

80

PARTE DOIS O Poder das Penas: Mensagens de Cura e Transformação Penas e Sonhos: Uma Entrevista com uma Analista Junguiana — Maril Crabtree

85

Espírito da Pena — Denise Linn

89

Professoras em Sonhos — Gina Ogden

92

Do Coração da Águia — Maril Crabtree

94

Ritual — Curando com Penas — Don Alberto Taxo

97

O Poder da Águia — Bobby Rae Sullivan

98

Faróis da Noite — Eleanor K. Sommer

101

Um Espírito, uma Pena — Hazel Achor

105

Jornada da Pena — Anna Belle Fore

107

Uma Pena para Norma — Vickie Thompson

109

Ritual — Uma Bênção Residencial com Penas

114

União de Energia — Toby Evans

115

Espírito Mensageiro — Will Davis

122

Apoderando-me de Meu Poder — Carol Rydell

124

Uma Pequena Pena Branca — Cate M. Cummings

130

Meditação — As Cores das Penas e o que Elas Significam ... 132 Espírito da Coruja — Raven Lamoreux-Dodd

133

Penas e Bonecas — Vicki Wagoner

137

Penas Dançarinas — Cervo Hesitante

139

8

A Terra É uma Mãe Perfeita — Rod Skenandore, "Chefe Alce" Música do Falcão — Maril Crabtree Falcão Guardião — Amy Belanger Meditação — Um Passeio na Floresta

142 146 147 149

PARTE TRÊS Luz por Meio da Pena: Mensagens de Liberdade, Entrega e Desprendimento Penas e Graça — Maril Crabtree Doar — Terrill Petri Anjos a Meus Pés — Vicki Wagoner Um Fardo Tão Leve Quanto uma Pena — Robert Gass Pena de Pica-Pau — Paul W. Anderson Meditação — Presentes e Sinais das Penas Pássaro Preto, Pássaro Branco — Laura Giess Caçador de Penas — Mark E. Tannenbaum Um Espírito de Liberdade — Terry Podgornik Um Coração — Li-Young Lee Você Não Precisa Lutar — Lee Lessard-Tapager Ritual — Abundância de Pena, Abundância de Vida Cinqüenta Coisas para Fazer com as Penas — Mary-Lane Kamberg Qual É o Seu Fator Pena? — Virgínia Lore Sonhos de Falcão — Judith Christy Meu Leque da Liberdade — Elissa Al-Chokhachy A Insustentável Leveza das Penas — Deborah Shouse Meditação — Fantasias de Penas Convite — Kenneth Ray Stubbs Asas da Liberdade — Nancy Gifford ("Mumtaz") Ninho de Penas — Pam Owens A Pena Mágica de Lynda — Nancy Sena Desprenda-se, Voe Livremente — Ron Yeomans Meditação — Um Punhado de Penas 9

153 156 158 160 163 168 170 172 175 177 178 180 182 185 189 190 193 195 196 197 199 200 201 203

PARTE QUATRO Onde Há uma Pena, Há um Caminho! Mensagens de Amor, Força e Coragem Lembre-se de Quem Você É — Maril Crabtree Penas Bíblicas Pena Herdada — Carolyn Lewis King Pena Mágica — Robert M. "Bob" Anderson Ritual — Respire com a Pena

207 209 212 215 218

Uma Dádiva de Amor — Aweisle Epstein Penas e Pedras — Maril Crabtree Corvo Curador — Gaylen Ariel

219 221 222

A História do Cisne — Antoinette Botsford Anjo da Estrada — Kara Ciei Black Espaço Interior — Mary-Lane Kamberg Uma Pena de Cada Vez — Kimball C. Brooks

224 226 229 230

Meditação — Um Presente Inesperado A Cura da Águia — Maya Trace Borhani Se os Pássaros Podem Voar... — Marty Peach

232 234 237

Chefe Minipena — Phillip G. Crabtree O que Me Prende à Terra Está Oculto — Mark Nepo A Coragem da Águia — Gerald Wagner In Memoriam — K. M. Jordan

239 242 243 245

O Presente de Sofia — Sheelagh G. Manheim Meditação — Cuidando das Penas — Olhos de Pássaro

248 250

Nas Asas da Compaixão — Maril Crabtree

252

Agradecimentos Eu gostaria de agradecer a m e u m a r i d o , J i m , cujo apoio t e m sido u m a p r e s e n ç a curativa e constante; a m i n h a filha V i r gínia, m i n h a n o r a Tiffany, m e u filho J i m , m i n h a irmã S a n d y , e Gloria, que foi u m a fonte de apoio e encorajamento; a m e u s sócios em vida, Bill Grover, Judith Cristy e B o b M a n n , que me a c o m p a n h a r a m em todos os estágios e fases desse e m preendimento; a m i n h a querida a m i g a D e b o r a h S h o u s e , que me p r o p o r c i o n o u apoio, conselhos e sabedoria; p a r a c o m pletar os n o m e s citados acima, a m e u s sócios espirituais, R o n Zoglin, R o b e r t B r u m e t , Stan L e u t u n g , Roberta V o g e l , H e l e n e R o n Y e o m a n s , Patti C a w t h o n , W a r r e n e C h e r y l V a r n e y , Sharil Baxter e Paulla Levitch; a m i n h a editora, Claire G e r u s , que foi u m a guia durante todo o p r o c e s s o de p r o d u ç ã o deste livro; a m e u s parceiros n a p o l i t a n o s Liz, Sissel, P a u l i n e , N a n c y , B a r b a r a e P e g g y , e todos os m e m b r o s do G r u p o de Escritores de K a n s a s City, que me incentivaram durante as turbulências deste trabalho; a M a r k Carr, Cate C u m m i n g s , D e n i s e Linn, Victoria M o r a n e Saphira, a q u e m d e v o o rec o n h e c i m e n t o pelo estímulo e apoio manifestados desde o primeiro m o m e n t o ; e a todos aqueles que contribuíram c o m s u a s histórias s a g r a d a s p a r a este livro, m u i t o s d o s q u a i s agora são queridos a m i g o s d e v i d o ao que partilharam.

11

Prólogo Alguns anos atrás, eu c a m i n h a v a pelas ruas de A s p e n , C o lorado, sentindo-me deprimida apesar do sol radiante. Havia a c a b a d o de encerrar três anos de atividade c o m o diretora de uma o r g a n i z a ç ã o s e m fins lucrativos, t r a b a l h a n d o catorze horas p o r dia a fim de ajudar pessoas necessitadas. T o m a d a pelo estresse e p o r todas as e m o ç õ e s negativas que

imaginar, eu m e sentia um trapo. O futuro parecia uma e n o r m e muralha, tão intransponível quanto as m o n -

v o c ê possa

tanhas que m e r o d e a v a m . E u entrava e m p â n i c o c a d a v e z que p e n s a v a em que iria fazer. Por m a i s d e quatro décadas, obtive " s u c e s s o " e m e m p r e e n d i m e n t o após e m p r e e n d i m e n t o . D e v i d o à n e c e s s i d a d e de ser reconhecida, e u m e e s m e r a v a e m tudo. Especializei-me em carreiras e segui em frente: primeiro, c o m o professora; depois, tive filhos; em seguida, formei-me em Direito; trabalhei n u m a firma d e advocacia; m o n t e i m e u escritório próprio; trabalhei c o m os pobres. N a d a satisfazia m i n h a inquietação interna. N a d a me oferecia " p r o v a s " suficientes de que eu era um ser h u m a n o de valor. O que restava? Q u a n d o parei a fim de tomar fôlego, após ter subido u m a colina, algo desviou m i n h a atenção para m e u s pés. L o g o a m i n h a frente jazia u m a pena imensa e brilhante. N ã o havia pássaros ao redor. Somente a p e n a e eu. O u v i u m a v o z interior dizendo: "Pegue-a. É para você. V o c ê não está sozinha". A pena era macia, sedosa e preta. Seria m i n h a imaginação que a fazia cintilar internamente? Eu a peguei e a segurei c o m as duas mãos. Em algum lugar dentro de m i m , a v o z soou 13

ainda mais clara: " V o c ê é amada. É u m a parte integral desta vasta cadeia de interconexões. N ã o está sozinha". Continuei a segurar a p e n a c o m reverência. Um misto de g r a t i d ã o e alegria me i n v a d i u . A q u e l e l i n d o m e n s a g e i r o n e g r o d o c é u m e dizia q u e e u n ã o e s t a v a n u m u n i v e r s o vazio. M a i s tarde, aprendi que em muitas tradições antigas a p e n a preta é um sinal de sabedoria mística, recebido n u m a iniciação espiritual. Tais p e n a s (de corvos, por e x e m p l o ) são freqüentemente utilizadas p o r figuras x a m â n i c a s . A enorm e p e n a preta que m e esperava e m A s p e n p r o v e u m i n h a iniciação à sabedoria do universo. G u a r d e i a q u e l a p e n a preta. C a d a v e z q u e a p e g o , sua poderosa m e n s a g e m me toca: Você não está sozinha. Estamos com você; tudo na vida faz parte de você. Voe com o vento!

14

Introdução Sou uma ena no céu cintilante Sou o cavalo azul que corre pela planície Sou o peixe que nada, brilhante, na água... Como vê, estou vivo, estou vivo. V

— N. Scott Momaday, A Deliciosa Canção de Tsoai-Talee

P e n a s ! Penas m á g i c a s , místicas e incríveis! Penas de todos os formatos, t a m a n h o s , variedades e cores. Ao l o n g o da história, a s p e n a s t ê m s e a p r e s e n t a d o c o m o s í m b o l o s p a r a x a m ã s e padres, c o m o símbolos de realeza para reis e c h e fes, c o m o símbolos de cura ou c o m o símbolos sagrados em culturas tão antigas quanto as eras egípcia, asiática e céltica. Essas culturas p o s s u í a m habilidades para se c o m u n i c a r c o m a natureza por m e i o de c a m i n h o s que foram ignorados ou esquecidos e m n o s s a época atual. P o r é m , as p e n a s são m a i s q u e históricas. Para muitos, elas r e p r e s e n t a m sinais místicos, m e n s a g e n s ou oportunidades. S ã o fragmentos de sincronicidade na fluida m i s c e l â n e a dos significados universais. As p e n a s s u r g e m em lugares inesperados c o m o u m a garantia d o bem-estar, c o m o u m sinal reconfortante da abundância no universo e c o m o m e n s a g e i ros inconfundíveis de esperança e encorajamento. S u a graça efêmera as torna perfeitos emissários da liberdade espiritual e emocional. 15

N o s últimos três anos, tenho coletado histórias verídicas de pessoas cujas vidas se transformaram p o r causa das p e nas: p e n a s c o m o m e n s a g e i r o s sagrados, c o m o c o n d u t o r e s p a r a o esclarecimento, c o m o precursores da v e r d a d e interior ou c o m o gentis l e m b r a n ç a s do s i n c r o n i s m o e da abundância do universo. Essas histórias são relatos p o d e r o s o s de c o m o as penas e n s i n a m , g u i a m e i n s p i r a m a todos nós. Elas oferecem e x e m p l o s reais de c o m o o universo fala para n ó s por m e i o de um objeto " c o m u m " m a s místico — u m a pena. De que m a n e i r a u m a p e n a — um objeto i n a n i m a d o — fala a n ó s ? C o m o p o d e m o s receber m e n s a g e n s de u m a parte da asa de um pássaro? O que há nas p e n a s — opostas à borra de café ou às flores silvestres — que as qualifica c o m o precursores da v e r d a d e universal? V i v e m o s n u m c o s m o s holográfico, o n d e u m a p a r t e d o t o d o reflete e s s e t o d o . Q u a n d o u m a p e n a a b a n d o n a u m pássaro e cai na terra, ela traz consigo toda a energia que a vinculava ao ser vivo. De u m a perspectiva c ó s m i c a , a p e n a t a m b é m carrega, tal qual trazemos c o n o s c o , a energia universal q u e n o m e a m o s de várias formas: " D e u s " , ao "Espírito", "força de v i d a divina". Por que, então, n ã o aceitar que a p e n a cai em nossas vidas para nos trazer, diretamente, u m a m e n s a g e m dessa força de vida? Q u a n d o , entre centenas d e p e s s o a s , vejo u m a p e n a n u m lugar i n e s p e r a d o , sei que ela foi e n d e r e ç a d a a m i m . N e m t o d a s as p e n a s são " e s p e c i a i s " , t a m p o u c o o são t o d a s as pedras ou todos os cristais. M a s o potencial p a r a a c o n e x ã o está lá. Preciso apenas escutar a partir daquele espaço aberto dentro de m i m , o qual anseia p o r v o a r c a d a v e z m a i s alto. Só tenho de aceitar que, c o m o disse um contador de histórias, "há p o d e r e s simples, estranhos e r e a i s " que me afetam. As p e n a s t a m b é m são significados simbólicos universais, r e c o n h e c i d a s p o r tribos e tradições do m u n d o . Elas n o s fa16

I a m de v ô o , de liberdade, de ultrapassar limites, de c o l o car-se " a c i m a de t u d o " , da n e c e s s i d a d e de se soltar e relaxar. E m m u i t a s c u l t u r a s , a s p e n a s c a r r e g a m o r a ç õ e s aos deuses e conferem poderes extraordinários em batalhas. M a i s que tudo, as penas n o s c h e g a m c o m o dádivas. Elas v ê m do céu, do m a r , das árvores, da relva, e até m e s m o — c o m o ilustram essas histórias — de lugares n u n c a habitad o s por aves. E l a s n o s c h e g a m inesperadamente, m a s c o m u m propósito. S u a s m e n s a g e n s p o d e m ser espantosas, reconfortantes ou repentinas, m a s são s e m p r e u m a oportunid a d e para v e r — p a r a encontrar respostas a questões q u e n e m sequer s a b í a m o s que p e r g u n t á v a m o s . O que é, então, u m a pena? É u m a parte do corpo de um pássaro e é u m a parte de nós. Ela existe em si m e s m a para servir seu objetivo primário no c o s m o s , e existe em aliança c o m cada u m dos aspectos d o c o s m o s . Tal qual q u a n d o lev a m o s m e n s a g e n s inspiradoras aos outros, e n q u a n t o simp l e s m e n t e p r e e n c h e m o s n o s s a s v i d a s , as penas t r a z e m essas m e n s a g e n s a n ó s . Elas n o s l e m b r a m de q u e c a m i n h a m o s n u m m u n d o transbordante d e significados. Este livro c o n t é m m i n h a s histórias a respeito das p e n a s e das experiências d e outros. E m c a d a u m a , h á u m b r o t o d e s a b e d o r i a o u v e r d a d e , obtido p o r m e i o d o e n c o n t r o c o m u m a pena. Essas histórias são ofertadas c o m o presentes para sua própria j o r n a d a e c o m o e v i d ê n c i a de que o universo fala c o n o s c o de várias maneiras. V o c ê t a m b é m encontrará sugestões de c o m o explorar as conexões em sua v i d a p o r m e i o das atraentes penas, que pod e m ser usadas n u m a variedade d e cerimônias, m e d i t a ç õ e s e rituais. As penas nos ensinarão muitas coisas, se estivermos p r o n t o s p a r a aprender. L i n d a H o g a n , cuja m i r a c u l o s a his17

tória está i n c l u í d a n e s t e livro, l e m b r a - n o s d e q u e h á " a l g o v i v o n u m a p e n a . E l a c o n h e c e o interior d a s n u v e n s . C a r rega n o s s a s n e c e s s i d a d e s , n o s s o s desejos e as histórias de nosso sofrimento". As histórias das p e n a s que v o c ê ler aqui confirmarão que elas c u r a m nossas feridas, levam-nos a u m a n o v a liberdade, ajudam-nos a n o s entregar ao jubiloso universo e c r i a m u m a p o d e r o s a c o n e x ã o c o m tudo que está além d o intelecto racional. As p e n a s n o s c a r r e g a m aos lugares m a i s íntim o s da alma, o n d e e n c o n t r a m o s nossas próprias asas para alçar v ô o s a i n d a m a i s o u s a d o s .

18

Parte U m

O Mistério das Penas: Mensagens Místicas do Espírito

Você Pode Fazer Isso! Maril Crabtree Meus p é s estão p e g a n d o fogo. O asfalto da rodovia se estende, s e m fim, a m i n h a frente. Está quente — não, m a i s do que quente: é o c a l o r e s c a l d a n t e de um dia de a g o s t o no Missouri. O ú n i c o v e n t o , quente e sufocante, parece ter saído de u m a fornalha. E s t o u a n d a n d o há m u i t o t e m p o , d e s d e c e d o , e são três horas da tarde, o m o m e n t o m a i s quente do dia. E n x u g o o s u o r de m e u r o s t o e sinto o filtro s o l a r e s c o r r e r em m e u queixo. M e u s cabelos estão molhados e grudados sob o c h a p é u de b r i m . M e u s quadris estão doloridos e cada osso e m ú s c u l o de m e u corpo implora p o r descanso. C o n h e ç o e s s a dor. Já fiz isso antes. T o d o s os anos, entre 6 e 9 de a g o s t o , eu e a l g u m a s p e s s o a s r e a l i z a m o s um traj e t o d e 9 5 q u i l ô m e t r o s p e l a r o d o v i a , o n d e c a d a p a s s o representa u m j a p o n ê s m o r t o e m H i r o x i m a e N a g a s á q u i . Este ano, s o m o s vinte a c a m i n h a r , um p e q u e n o g r u p o de peregrinos da p a z , l e m b r a n d o o a n i v e r s á r i o d a q u e l a tragédia terrível, um m u n d o de dor e sofrimento m u i t o m a i o r q u e m e u m u n d o c o r p ó r e o , u m m u n d o e m guerra. T e r m i n a m o s a q u e l a g u e r r a só p a r a iniciar outra: a g u e r r a pela " d e f e s a " nuclear, pela " s e g u r a n ç a " contra as armas nucleares. A c a d a ano, eu a t r a v e s s o a m e s m a r e g i ã o do M i s s o u r i , ainda m a r c a d a p o r silos d e m í s s e i s , p a r a m e l e m b r a r d e q u e ten h o u m a e s c o l h a , u m a escolha r e l a c i o n a d a a m i n h a v i d a e ao q u e p o s s o fazer p e l a p a z . 21

M a s agora estou prestes a desistir. A colina m a i s longa de toda a j o r n a d a está l o g o à frente e há ainda um quilômetro e m e i o a percorrer antes de chegar ao topo, o n d e tomarei a á g u a a b e n ç o a d a e terei dez m i n u t o s para descansar. C a m i n h o atrás de todos; n ã o ouso parar antes de atingir o t o p o da subida. M a s n ã o vejo c o m o o farei. M e u s olhos ard e m por causa do suor e do cansaço. Então, vejo a pena: grande, intata e perfeitamente branca, a c e n a n d o para m i m n a g r a m a d o a c o s t a m e n t o . P o r q u e o vento, causado pela p a s s a g e m dos gigantescos c a m i n h õ e s na rodovia, n ã o a l e v o u e m b o r a ? N u n c a saberei, m a s a p e n a persiste, a c e n a n d o p a r a m i m e dizendo, c o m o se gritasse em m e u s ouvidos: " V o c ê p o d e fazer isso!" E d o u risada, s a b e n d o q u e posso. Sinto a energia da p e n a p e n e t r a n d o e m m e u c o r p o , c o m o s e ela m e d e s s e asas d e pura luz. Q u a s e corro o último quilômetro até a colina, rindo de encantamento. Sou um pássaro voando e batendo m i n h a s asas c o m alegria, n ã o exausta, m a s sim extasiada. A q u e l a colina n u n c a m a i s será um desafio intransponível. O u t r o p e n s a m e n t o flui em m i n h a consciência. Se p o s s o v o a r até a q u e l a colina, p o s s o fazer q u a l q u e r coisa! T e n h o apenas de recorrer à ilimitada energia do universo que s e m pre n o s rodeia e me sentir instantaneamente renovada. D u rante todo o dia seguinte, a l e m b r a n ç a d a q u e l a pena branca surge em m i n h a m e n t e e alimenta m e u s m ú s c u l o s fatig a d o s devido aos quilômetros finais de n o s s a c a m i n h a d a . Q u a n d o voltei para casa, tentei identificar o tipo de pássaro que deixara aquela pena no meio dos campos do Missouri. N i n g u é m p ô d e m e dizer. Estaria e u tendo alucin a ç õ e s ? N ã o importava. Eu sabia que a energia que recebi não era alucinação, e sabia que poderia subir qualquer colina no sentido literal ou figurado... c o m a p e q u e n a ajuda de m e u s a m i g o s alados. 22

As Penas Linda Hogan

Durante anos, eu rezei por u m a p e n a de águia. Queria u m a p e n a d e u m p á s s a r o vivo. U m a águia m o r t a n ã o m e ofereceria n a d a d o q u e e u esperava. U m p á s s a r o m o r t o e m n o m e do p o d e r h u m a n o é, na v e r d a d e , u m a p e r d a para o m u n d o , e n ã o um g a n h o . M i n h a p r i m e i r a p e n a de á g u i a , lustrosa e i n o c e n t e , foi dada a m i m por um curandeiro tradicional, o qual fui ver q u a n d o e s t a v a d o e n t e . Ele me c o n t o u u m a história a respeito das penas. Q u a n d o criança, s e u lar fora i n c e n d i a d o . T u d o que s o b r e v i v e u ao fogo foram as penas de águia. Elas p e r m a n e c e r a m entre as ruínas de sua casa, p a i r a n d o sobre as cinzas e a água. A p e n a que ele me d e u era u m a das sobreviventes. Eu ainda a m a n t e n h o guardada n u m a caixa de cedro e m m i n h a casa. M o r o n u m a r e g i ã o m o n t a n h o s a . N ã o é raro v e r águias d o u r a d a s no desfiladeiro, a c i m a de nós. Certa m a n h ã , após anos r e z a n d o p o r u m a p e n a , sonhei q u e estava dentro d e u m t e m p l o . E r a u m local s a g r a d o . H a v i a outras p e s s o a s , apreciando as p a r e d e s o r n a m e n t a d a s , os ícones de ouro, os santos v e n e r a d o s , m a s m i n h a a t e n ç ã o voltou-se p a r a o teto. Era rosa e esférico, cravejado de folhas e galhos d e s e n h a dos e m ouro. — O l h e m p a r a c i m a — eu disse aos outros. — O l h e m . A i n d a s o n h a n d o , pronunciei essas palavras e m v o z alta, e o s o m de m i n h a v o z me a c o r d o u . Desperta, o b e d e c i m e u 23

c o m a n d o e olhei p a r a cima, o n d e vi a j a n e l a aberta de m e u quarto. No m e s m o instante, uma imensa águia dourada v o o u em direção à janela; estava tão p r ó x i m a que p u d e v e r seus olhos n e g r o s me fitarem, m o m e n t o s antes de ela p e g a r u m a corrente de ar e alçar v ô o até o telhado da casa. L e v a n tei-me e corri para fora, descalça, a fim de verificar a o n d e o pássaro estava indo. Se eu lhe dissesse que a águia tinha desaparecido e que h a v i a s o m e n t e u m a p e n a n a rua q u a n d o saí, v o c ê p r o v a v e l m e n t e n ã o acreditaria. T a m b é m sei q u a n t o t e m p o l e v a p a r a u m a p e n a cair n o c h ã o , s e carregada pela corrente d e ar. S e m p r e e s p e r e i u m a p e n a d e á g u i a . C o b r i d i s t â n c i a s , o l h a n d o p a r a cima, m a s n u n c a n e n h u m a p e n a caiu. Ela simp l e s m e n t e planava até s u m i r de vista. M a s no dia de m e u s o n h o , u m a p e n a e s t a v a lá. No chão, a á g u i a deixara s e u presente b r a n c o e c o m as pontas negras. Sei q u e há u m a e x p l i c a ç ã o física para isso, u m a lei natural acerca da leveza e do ar. Esse evento contradiz a lógica. C o m o explicar a pena, o pássaro na j a n e l a , m i n h a v o z me a c o r d a n d o , c o m o se outra p e s s o a m a i s sábia e atenta m o rasse e m m i m ? S ó c o n s i g o p e n s a r que e x i s t e outra força, m a i s profunda que a física, trabalhando; algo que v e m de um m u n d o o n d e luz e trovão, sol e n u v e n s v i v e m . N e m sei dizer p o r q u e tantos de n ó s e s q u e c e m o s o mistério da natureza e do espírito, e n q u a n t o por centenas de anos tais coisas a c o n t e c e r a m e foram registradas p o r n o s s o s ancestrais. Q u a n d o m i n h a neta, Vivian, veio a o m u n d o , e u m e encontrava na sala de parto para recebê-la e cortar o c o r d ã o umbÜical, a ligação entre ela e a m ã e , sua origem. A s s i m que o c o r d ã o secou e caiu, nós o g u a r d a m o s n u m p o t e até que eu pudesse costurar um saco umbilical para acolher aquela primeira ligação, a fim de m a n t e r m i n h a neta conosco, segura e b e m . 24

U m dia, alguns m e s e s depois, m e u s pais v i e r a m n o s visitar. C o m o s e m p r e , a p r e s e n ç a de m e u pai n o s r e m e t i a a nossa identidade e origem. Portanto, p u s e m o s o b e r ç o na sala. M i n h a filha, T â n i a , v e s t i u sua r o u p a t r a d i c i o n a l d e contas e pérolas. E, de repente, c o m u m a expressão de horror, ela e x c l a m o u : — S u m i u ! — Tânia correu em direção ao pote que contin h a o cordão do b e b ê . Ela estava certa. O cordão, o b e m m a i s valioso de nossa casa, h a v i a s u m i d o . Por causa do p e s o e do formato do pote, e d e v i d o a sua p o s i ç ã o na estante, seria i m p o s s í v e l q u e o vento o tivesse levado. T a m p o u c o um animal p o d e r i a tê-lo pego. D u r a n t e toda aquela noite, procurei sob as cadeiras, nos c a n t o s e nas g a v e t a s , v a s c u l h e i a casa toda, e m b a i x o dos m ó v e i s , nas prateleiras, até que, enfim, n ã o restou um só lugar para verificar. Várias v e z e s em m e i o à b u s c a , abri a caixa de cedro que continha tabaco, m i l h o , artemísia e m i n h a primeira p e n a de águia, aquela q u e sobrevivera ao incêndio. N o v a m e n t e , eu v o l t a v a à c a i x a , e s t r a n h a n d o m e u c o m p o r t a m e n t o . Eu a abria, p e r g u n t a n d o - m e p o r que me via tão c o m p e l i d a a examinar seu conteúdo. É u m a caixa pequena sem n e n h u m esconderijo p a r a um cordão umbilical e, no entanto, eu sempre retornava a ela. A b r i a a caixa, olhava o c o n t e ú d o e a fechava. N o m e i o d e s s a procura, u m a m i g o d e o r i g e m indígena telefonou a fim de n o s convidar para um a c a m p a m e n t o em Montana. — A i n d a b e m que v o c ê ligou — eu disse a ele. — Perdi o cordão umbilical de m i n h a neta. — Contei-lhe q u ã o m a l me sentia e que talvez o cordão quisesse estar em outro lugar, c o m o n a reserva e m D a k o t a d o Sul, o n d e j a z i a m a s origens 25

d e m i n h a filha. O u p o d i a ser u m sinal d e que e u negligenciara m i n h a vida espiritual, o que acontece c o m freqüência q u a n d o trabalho, v i v o e ensino n u m m u n d o de c o n h e c i m e n tos diferentes. Ele m e disse que u m a cerimônia poderia funcionar. D e s liguei o telefone e fui preparar o rito. L o g o depois, subi u m a colina s o b o luar, em direção a um a g l o m e r a d o de árvores, o n d e realizei a oferenda. A m i n h a volta h a v i a o canto dos insetos, um falcão c o m seu c h a m a d o a g u d o e s e u farfalhar de asas. Q u a n d o voltei, dirigi-me mais u m a v e z à caixa de cedro. D e s s a v e z , a pena, outro objeto de valor p a r a m i m , h a v i a s u m i d o . N ã o entendi c o m o aconteceu. S i m , eu abria a caixa i n ú m e r a s vezes, m a s a p e n a n u n c a saía do lugar. C o l o q u e i - m e de quatro, olhei sob as cadeiras e avistei a p e n a d e águia, que a p o n t a v a e m direção a o cordão umbilical, q u e agora achava-se tão m i s t e r i o s a m e n t e no local que eu h a v i a v a s c u l h a d o diversas vezes. Foi a p e n a que me l e v o u ao cordão umbilical do b e b ê . A p e n a , o e l e m e n t o do pássaro, tão p r e p a r a d a para v o a r c o m o v e n t o , era um fragmento de todo um v ô o . Ela percorrera distâncias, elevara-se e caíra sob o sol. T a l v e z haja e v e n t o s e c o i s a s q u e f u n c i o n e m c o m o u m portal para o m u n d o místico, o m u n d o do p o v o primitivo, u m a volta à criação do universo e aos primeiros fragmentos de terra, o primeiro sopro de ser h u m a n o no início de um t e m p o . N o s s o s anciãos acreditam q u e é verdade, q u e é p o s s í v e l v o a r até o princípio de tudo e, ao fazê-lo, encontrar u m a razão sagrada, diferente da r a z ã o c o m u m , que está ligada às forças da natureza. N e s s e tipo de p e n s a m e n t o , tal qual na p e n a , o p o d e r do céu, do trovão, do sol e de tantas outras alianças forma u m p e n s a m e n t o a i n d a m a i s arcaico 26

que o t e m p o , e m e n o s primitivo que o presente. O u t r o s tentaram, durante séculos, entender o m u n d o p o r m e i o da ciência e do intelecto, m a s ainda n ã o c o m p r e e n d e m os animais, a terra infinita ou m e s m o suas próprias m e n t e s e c o m p o r tamento. Q u a n t o m a i s v a s c u l h a m o m u n d o , m a i s perto cheg a m do espiritual, das origens m á g i c a s da criação. H á ainda u m lugar, u m e s p a ç o entre m u n d o s , citado pelos c o n h e c i m e n t o s tribais de centenas de anos. N e s s e lugar, existem v ô o s silenciosos à m a r g e m das lutas h u m a n a s e de nossos desenhos. À s vezes, q u a n d o estamos m u i t o quietos, d a m o s um p a s s o em direção a esse mistério, o lugar do espírito. E, é preciso lembrar, o mistério por sua própria natureza n ã o gosta de ser c o n h e c i d o . Há algo v i v o na pena. S e u p o d e r talvez esteja no s o n h o do céu, nas correntes de ar e no silêncio de sua criação. Ela c o n h e c e o interior das n u v e n s . C a r r e g a n o s s a s n e c e s s i d a des, nossos desejos e as histórias de n o s s o sofrimento. Ela se eleva e cai no e s p a ç o e l e m e n t a r , u m a parte do m u n d o elaborado o n d e o p e i x e n a d a contra a gravidade, o n d e as enguias tornam-se tão prateadas quanto a lua. C o m o a p e n a c h e g o u à estrada e m p o e i r a d a o n d e m o r o ? C o m o ultrapassou as correntes de ar? C o m o a p e n a sobreviveu ao fogo? N u n c a saberei. T a m p o u c o saberei q u e v o z falou através de m i m no sonho. Só sei que e x i s t e m poderes simples, estranhos e reais.

27

Uma Questão de Estile Dra. Rachel Naomi Remen N ã o s o m e n t e p o d e m o s t e s t e m u n h a r o Mistério, c o m o tamb é m , de forma profunda, s o m o s o M i s t é r i o . N o s s a s vidas p o d e m n ã o estar limitadas pela nossa história, e p o d e m o s ir m a i s longe do que o u s a m o s sonhar. Se a V i d a em si n ã o é totalmente definida pela ciência, talvez sejamos m a i s do que a ciência acreditaria sermos. Q u a n d o A h i r o veio m e ver, ele e s t a v a n a fase t e r m i n a l d e u m c â n c e r d e próstata. Viera preparar-se p a r a m o r r e r . Era japonês, um belo h o m e m que vivera c o m integridade e certa e l e g â n c i a . S u a v i d a fora a família e o t r a b a l h o . D e s de o início, ele e s t a b e l e c e r a n o s s o s e n c o n t r o s e e n c a r r e g a ra-se deles. D i s s e - m e q u e queria c o n v i d a r para n o s s a s sessões a q u e l e s que t i n h a m a b e n ç o a d o s u a v i d a , u m d e c a d a v e z , c o m o intuito de agradecer-lhes p o r t u d o que lhe h a viam dado. T a l p r o g r a m a ç ã o n ã o é i n c o m u m nesse m o m e n t o de vida, m a s a l g u n s daqueles q u e ele planejou c o n v i d a r m e p e g a r a m de surpresa. Pensei que A h i r o convidaria a esposa, os filhos e a l g u n s a m i g o s m a i s íntimos. C o n t u d o , d e n t r e as pessoas que a m a v a , havia vários concorrentes profissionais. Ao escutar as histórias dessas pessoas, eu as consideraria i n i m i g a s de Ahiro. No entanto, ele sentia um profundo respeito p o r elas e acreditava que o h a v i a m e s t i m u l a d o a obter um excelente nível profissional, o qual j a m a i s atingiria s e m tais concorrentes. Q u e r i a agradecer-lhes. 28

E, então, começamos. Na metade da programação, quando discutíamos o encontro que tivéramos c o m um de seus filhos, Ahiro, de repente, parou no meio da frase e olhou para m i m . — R a c h e l — ele disse —, s o u um h o m e m culto. D e v o acreditar q u e a m o r t e é o fim. E v o c ê , c o m o u m a m u l h e r culta, certamente acredita que a m o r t e seja o fim. N ã o é? M a i s u m a v e z p e g a de surpresa, eu o olhei. Ele sorria para m i m , m a s s e u olhar refletia s e r i e d a d e . Pela p r i m e i r a v e z , p e r g u n t e i - m e s e n o s s o s e n c o n t r o s t i n h a m u m significado m a i s profundo do que i m a g i n á v a m o s . — Eu c o s t u m a v a p e n s a r q u e a m o r t e era o fim — respondi devagar. — M a s agora s i m p l e s m e n t e n ã o sei. A m o r t e me parece ser o último mistério que dá significado e valor à vida. N ã o sei se a m o r t e é o fim. Ele ficou surpreso. — Ora, v o c ê n ã o acredita n u m céu p o v o a d o de anjinhos. — Ahiro me e n c a r o u e franziu o cenho. — Ou acredita? — N ã o sei — eu lhe disse. H o u v e u m a p a u s a . Um brilho distinto cintilou n o s olhos de A h i r o , e tive a nítida sensação de que tínhamos entrado n u m nível de percepção u m d o outro q u e e u m a l p o d i a entender. E n t ã o , ele sorriu e esqueceu o assunto. Continuamos a nos encontrar semanalmente c o m os m e m b r o s d e sua lista. M a s , e m cada u m a das sessões, ele trazia à tona o a s s u n t o q u a n d o eu m e n o s esperava, c o m o se, p e g a n d o - m e de surpresa, p u d e s s e descobrir em que eu realmente acreditava acerca da morte. Contei-lhe histórias e experiências. Ele me falou de suas extensas leituras. C o mecei a ansiar p o r tais discussões. E r a m estimulantes, fervorosas, c o m freqüência e n g r a ç a d a s e às vezes profundas. C a d a v e z que ouvia seus a r g u m e n t o s b e m elaborados a respeito da finitude, eu lhe dizia: — A i n d a n ã o sei. — Creio que ele ficava frustrado. E intrigado. 29

D u r a n t e n o s s o p e n ú l t i m o e n c o n t r o , ele m a i s u m a v e z levantou o tema. Ao escutar n o v a m e n t e m e u " e u n ã o sei", A h i r o c o m e ç o u a rir. — Rachel, sou um h o m e m instruído. Tenho de acreditar q u e a m o r t e seja o fim. M a s , caso n ã o seja, voltarei na forma de u m a grande garça b r a n c a e lhe darei um sinal de que p e r d i e s s a discussão. E, então, aquele h o m e m alto e elegante se levantou. C o m as duas m ã o s nas costas e erguendo u m a das pernas, esticou o p e s c o ç o e, por um m e r o instante, tornou-se um grande p á s s a r o b r a n c o . A m b o s r i m o s a valer. — A p a r e c e r na forma de u m a grande garça b r a n c a me parece um tanto óbvio — eu lhe disse. — L e m b r a - s e daqueles p r o g r a m a s de televisão, em que os a n i m a d o r e s faziam u m estardalhaço q u a n d o a l g u é m dizia algo interessante? — L e m b r o — ele respondeu, rindo. — N ã o é m e u estilo. S o u mais minimalista. — T a l v e z v o c ê encontre outro jeito — comentei. A h i r o m e olhou por u m m o m e n t o considerável. — Farei algo que v o c ê r e c o n h e ç a — ele disse, repentinam e n t e sério. A p ó s alguns m e s e s , esse h o m e m incrível faleceu. P o u c o t e m p o depois, e u m e encontrava n o prédio T r a n s a m é r i c a , u m a estrutura piramidal no centro financeiro de S ã o Francisco, esperando um elevador que me levaria a um c o m p r o m i s s o . A altura do p r é d i o tornava os elevadores lentos. Tais m o m e n t o s dão às pessoas a oportunidade de estar consigo mesmas. Naquele breve instante, pensei em Ahiro e no quanto sentia falta de nossas conversas. L e m b r e i - m e de u m a das extraordinárias facetas q u e descobri nele e que h o m e m encantador ele fora. Enfim, u m dos elevadores chegou. E s t a v a vazio. Então, c o m a l e m b r a n ç a repleta de i m a g e n s desse relacionamento,

eu entrei. As portas se fecharam e o elevador m o v e u - s e de forma tão abrupta q u e quase p e r d i o equilíbrio. O l h e i p a r a o c h ã o a fim de recuperar o apoio d o s pés e, no piso do elevador, havia u m a única e perfeita p e n a branca. E m m i n h a m e n t e , e u continuava m i n h a s discussões c o m A h i r o . C o m o s e m p r e , ele apresentou a solução de m a n e i r a i n e s p e r a d a , e c e r t a m e n t e a p r o f u n d o u o n í v e l do d i á l o g o . A i n d a n ã o sei se há vida após a m o r t e , m a s talvez n ã o seja essa a questão. O importante é q u e o Mistério acontece e n o s oferece a o p o r t u n i d a d e de p e n s a r juntos e reivindicar u m a s e n s a ç ã o de arrebatamento e vida. As penas que caem em nossas v i d a s n ã o oferecem p r o v a s ou certezas. Elas apenas n o s l e m b r a m q u e d e v e m o s ficar atentos e escutar, p o r q u e o m i s t é rio do c o r a ç ã o da vida p o d e lhe falar a qualquer h o r a .

31

Ser u m a Pena Mark Nepo Ele se sentou quieto, enquanto seu pai caía no silêncio. Às vezes, seu pai olhava a distância e o formato dos olhos modificava-se, e ele sabia que o pai trazia consigo coisas que acontecem onde ninguém pode falar. Foi então que a pena apareceu. Ele tentou adivinhar se era de um falcão ou de um corvo ou talvez de uma garça, mas seu pai disse: "Não importa de que voador ela veio. O que importa é que ela nos leva e nos traz à vida superior e à vida inferior". Seu pai segurou a pena como se fosse dele. "Ela nos leva ao céu e ao solo até que ambos estejamos em casa". Seu pai colocou a pena nas mãos dele. "Qualquer coisa que nos liga ao superior e ao inferior é tal qual uma pena. A quietude é uma pena. A dor é uma pena. A amizade é uma pena. As coisas que acontecem onde ninguém pode falar são tal qual uma pena. Você é uma pena". 32

A Pena como "Alimento para o Pensamento Carole Louie

Tenho colecionado p e n a s desde q u e m i n h a filha era criança. Q u a n d o í a m o s juntas à praia, ela trazia u m a " p e n a de p r e s e n t e p a r a a m a m ã e " . Eu sabia i n t u i t i v a m e n t e q u e as penas e r a m importantes, m a s s o m e n t e depois de c o m e ç a r a estudar metafísica, percebi que as p e n a s que d e s p e r t a m a nossa atenção p o d e m ser " p r e c u r s o r e s " do m u n d o espiritual. A g o r a , c a d a v e z que u m a p e n a aparece, eu a s e g u r o em rninha m ã o e escuto a m e n s a g e m que ela me traz. Um dia, e n q u a n t o tirava pratos congelados do freezer, vi u m a pena v e r d e e brilhante presa ao pacote. Era um v e r d e vivo, b e m natural. N u n c a havia visto n a d a parecido e fiquei chocada. Segurei a p e n a e a escutei. Ela dizia que n ã o falaria c o m i go diretamente e que eu devia pedir ajuda. Pedir ajuda n ã o é algo que sei fazer, m a s m i n h a curiosid a d e em relação à m e n s a g e m que aquela misteriosa p e n a v e r d e teria para m i m sobrepujou m i n h a relutância. N a q u e l a noite, levei a pena a m e u grupo de m e d i t a ç ã o e contei-lhes a história. Passei a p e n a aos outros, pedindo-lhes q u e a s e g u r a s s e m e t e n t a s s e m escutar a l g u m a m e n s a g e m endereçada a m i m . À m e d i d a q u e a pena passava de m ã o em m ã o , todos me d e r a m u m fragmento d a m e n s a g e m . U m a m u l h e r disse q u e 33

a p e n a era um aporte — u m a manifestação física do m u n d o espiritual, transportada p o r forças angelicais. T e n d i a concordar c o m ela, já que n ã o tinha outra explicação para o fato de tê-la encontrado dentro do freezer. D e p o i s de receber todas as m e n s a g e n s , concluí que a p e n a viera me dizer que o a m o r estava a c a m i n h o e que u m a parte de m i m estivera m u i t o t e m p o " c o n g e l a d a " , e que agora era h o r a d e "derretê-la". A o curar a q u e l a parte c o n g e l a d a d e m i m , m a i s a m o r entraria e m m i n h a vida. C o m p r e e n d i a m e n s a g e m e concentrei-me em m i n h a cura. P o u c o t e m p o depois, c o n h e c i u m h o m e m que m e proporc i o n o u mais a m o r do q u e eu j a m a i s recebi! A pena c h a m o u m i n h a atenção a fim de q u e eu me preparasse para aprender, e o a m o r foi o professor.

34

Meditação LOCAIS ONDE ENCONTRAR PENAS Vá a um lugar sossegado, dentro ou fora de casa. Se quiser, ouça uma música suave. Após alguns momentos de total quietude, pegue lápis e papel. Faça uma lista de locais onde você pode encontrar uma pena. Compare sua lista com a seguinte, a qual mostra onde as penas dessas histórias verídicas foram encontradas: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Na rodovia Atrás de latas de lixo Em quintais (e jardins também!) Em acampamentos (até em seu saco de dormir!) Em apanhadores de sonhos Em sonhos Em elevadores Nas flores Nas caixas do correio Em prédios de escritórios No campo Em parques ou playgrounds Em sua geladeira ou freezer Nos legumes Na mata No zoológico Nas praias Nas estradas No capo de seu carro (olhe também dentro do carro) Numa trilha da montanha Nas ruas Sob os faróis Sob árvores e arbustos Locais onde as penas podem encontrá-lo: QUALQUER LUGAR!

35

Dançaremos

Novament

Janet Curmingham A experiência de obter u m a pena surge do nada, c o m o um símbolo de encorajamento para a l é m do p e n s a m e n t o racional. P o r é m , essa experiência aconteceu em m i n h a presença e foi t e s t e m u n h a d a por várias pessoas. Eu trabalhava como hipnoterapeuta com um grupo de sete mulheres, as quais p o s s u í a m l e m b r a n ç a s similares de e s t a r e m j u n t a s n u m a tribo i n d í g e n a a m e r i c a n a e m outra encarnação. As l e m b r a n ç a s de suas vidas p a s s a d a s h a v i a m emergido p o r m e i o de m e d i t a ç ã o , m e m ó r i a espontânea, terapia de vidas passadas, trabalho corporal e arte. A l g u m a s das m u l h e r e s t i n h a m l e m b r a n ç a s de um m a s s a c r e total da tribo a que pertenciam. D e s c o b r i r a m que o chefe da tribo, Á g u i a de Prata, aprisionara-se na escuridão: ele fora torturado e forçado a t e s t e m u n h a r o enforcamento e esquartejam e n t o de sua c o m p a n h e i r a e de sua filha. N u m a noite de inverno, as mulheres se encontraram em m e u consultório para u m a regressão em grupo, durante a qual tentariam desenterrar mais do que suas vidas naquela encarnação e discernir o objetivo de estarem juntas nesta vida. Elas posicionaram as cadeiras em círculo, e eu suavemente levei-as de volta à outra vida, c o m o índias americanas. Um p o u c o antes de a sessão terminar, u m a delas sentiu a energia do chefe e canalizou sua m e n s a g e m ao grupo: Vocês sofrimento,

realizaram

uma

importante

missão.

Ao

reviver

limparam a alma de lembranças aprisionadas

o que

{

tinham de ser libertadas, tal qual eu precisei fazer. Algumas lembranças

— o

amor,

a

convivência,

os

momentos felizes

— podem agora ser revividas. Alimentem-nas. Descartem a amargura, a dor, e sigam em frente. Tenho muito orgulho de meu povo. Dançaremos novamente. Renovaremos a Mãe Terra. O silêncio invadiu a sala. Todas nós tínhamos sentido u m a energia extraordinária e n q u a n t o a m u l h e r falava. Por fim, após continuar a discussão, o grupo c o m e ç o u a se preparar para ir embora. De repente, u m a m u l h e r exclamou: — O l h e m ! U m a p e n a . — Ela a p o n t o u o centro de n o s s o círculo. Sobre o carpete da sala havia u m a p e q u e n a p e n a cinza. — Q u e m a trouxe? — eu perguntei. T o d a s se e n t r e o l h a r a m e ficaram em silêncio. N i n g u é m havia trazido aquela pena. A regressão ocorrera n u m a sala fechada e s e m janelas. — A l g u é m d e v e tê-la trazido — insisti. As mulheres c o n t i n u a r a m e se perguntar a q u e m pertencia a pena. M a s n e n h u m a delas a trouxera. P o r fim, elas cam i n h a r a m devagar em direção à porta, p o n d e r a n d o acerca da inesperada aparição. Então, c o m o se em resposta a n o s sas dúvidas, u m a outra p e n a apareceu no centro da sala! N ã o p r e c i s á v a m o s d e m a i s garantias. D e alguma m a n e i ra, s a b í a m o s , o chefe Á g u i a de Prata atravessara o t e m p o , o e s p a ç o e o d e s c o n h e c i d o para n o s dar a q u e l e sinal. E tal e x p e r i ê n c i a c o n t i n u a a ser um sinal p a r a m i m da estreita ligação entre nossa " r e a l i d a d e " e outros m u n d o s ocultos.

37

Canção Indígena A m e r i c a n Autor Desconhecido Gritando pela noite com suas grandes asas rodopiando na escuridão; escuto a Águia puxando o manto negro do céu do leste.

38

O Presente da Águia Josie Asa de Corvo E n q u a n t o m o r a v a n o Arizona, e u p a s s a v a incontáveis h o ras v a g a n d o pelas dunas coloridas do Deserto Pintado e pelas p l a n í c i e s de Dinetah (terra n a v a j o ) . F o i d u r a n t e u m a dessas c a m i n h a d a s q u e encontrei u m a linda asa de corvo, tal qual u m a afirmação ao n o m e q u e eu adotara. Inspirada pela riqueza de m a r a v i l h a s e poderosas paisag e n s do A r i z o n a , c o m e c e i a c o n v i d a r pessoas de todas as partes d o m u n d o p a r a conhecer retiros d e u m a s e m a n a das Visões do Deserto. Levei-as a alguns desses locais p o d e r o sos, conduzi cerimônias e deixei os participantes se b a n h a r na energia sutil do deserto. Lá, experienciaram curas, visões, m o m e n t o s milagrosos de revelação e presságios, e um profundo a g r a d e c i m e n t o ao poder da M ã e Terra. Ao final de um recente retiro das V i s õ e s do Deserto, n u m a noite cristalina, n ó s n o s sentamos ao redor da fogueira c o m u m a m u l h e r Dineh (navajo), que me auxiliou durante muitos anos, e e s c u t a m o s sua história. E l a é neta de u m a respeitável feiticeira que a criou e q u e está lentamente preparando-se p a r a deixar este m u n d o , u m fato que entristece m i n h a amiga. Ela c o n t o u u m a série d e eventos ocorridos e m sua vida — um p e r í o d o tumultuado e, às vezes, assustador que c o m p ô s a j o r n a d a x a m â n i c a de seu espírito. Q u a n d o terminou a fascinante história, ela se virou para m i m , c o m seus o l h o s negros e brilhantes, e declarou que, devido a tudo que passara durante seu período de iniciação, 39

ela agora se havia tornado u m a "duas águias". M a i s que isso, a primeira "duas águias". Ela, então, adentrou a noite, enquanto permaneci perto da fogueira, tentando assimilar aquela declaração e discernir o que significava. S e m respostas, fitei o céu estrelado, ponderei acerca dos mistérios do Espírito e de minhas iniciações xamânicas igualmente intensas, e, enfim, eu me recolhi ao conforto de m e u saco de dormir. D e p o i s que o retiro terminou, c o m e c e i a v i a g e m de volta a m i n h a casa, p a r a n d o aqui e ali para usufruir de alguns dos magníficos parques, o s quais n ã o h a v i a visitado. U m deles era o M o n u m e n t o Nacional dos Arcos, em Utah, um g r a n d e playground o n d e antigos gigantes t i n h a m f o r m a d o n u m e r o s o s arcos de pedra maciça durante suas brincadeiras. Era um dia quente e ensolarado. O calor intenso originava gotas de suor por m e u corpo, à m e d i d a que eu subia a trilha q u e levava a o A r c o D e l i c a d o . F i n a l m e n t e , a p ó s m e perguntar quantas h o r a s m a i s o trajeto duraria, eu contornei a trilha e lá estava ele! O A r c o D e l i c a d o se erguia na e x t r e m i d a d e de um gigantesco anfiteatro de pedra. P a r a além do arco, havia um precipício de c e n t e n a s de m e t r o s e m o n t a n h a s , cujos c u m e s e s t a v a m cobertos de neve, sussurrando seus segredos através da distância. V e n c i m e u m e d o de alturas e contornei, c u i d a d o s a m e n t e , a extremidade do arco. Passei pela multidão de turistas c o m suas c â m e r a s e c h e g u e i ao centro do A r c o Delicado. Fiquei ali p o r certo tempo, a b s o r v e n d o o p o d e r evidente do lugar. Então, sentei-me para c o n t e m p l a r a fantástica b e leza da vista. M e u coração e espírito se regozijaram. Eu queria apenas me levantar e cantar m e u encantamento por aquela m a r a v i l h o s a criação. Hesitei; havia tantas pessoas ao redor que n ã o conseguia obter coragem. M a s o Espírito tinha outros planos. M o m e n t o s depois, um corvo surgiu do n a d a e v o o u tão perto que consegui escu40

tar o roçar das p e n a s ao vento. Ele me c h a m o u de tal forma que me vi i m p e l i d a a entoar as c a n ç õ e s sagradas das tradiç õ e s n a t i v a s d a q u e l a terra. C o m o e u p o d e r i a n e g a r m e u nome? L e v a n t e i - m e e c a m i n h e i até o centro do arco. E n c h i m e u s p u l m õ e s e c o m e c e i a cantar do c o r a ç ã o , da barriga, das entranhas, do espírito. M i n h a v o z e c o o u pelos desfiladeiros e m i n h a alegria p o r estar viva e presente n a q u e l e lugar m a g nífico e x p l o d i u e m s o n o r i d a d e . T o d a s a s e x p e r i ê n c i a s d o ú l t i m o retiro e s t a v a m lá t a m b é m : os rostos b r i l h a n t e s do grupo após a s u a d a cerimônia, os olhos repletos de mistério, o uivo dos coiotes nas profundezas da noite. T u d o isso e m u i t o m a i s fluíam de dentro de m i m e extravasava c o m o u m a c o m e m o r a ç ã o d o Espírito. Depois de cantar quatro vezes a canção — quatro é um n ú m e r o de equilíbrio e h a r m o n i a —, saí do centro do arco, n o t a n d o que m u i t o s turistas t i n h a m estado quietos e i m ó veis durante a c a n ç ã o . Peguei m i n h a garrafa de água, despejei um p o u c o do líquido na lateral do arco c o m o oferenda e entoei u m a oração silenciosa a fim de que s e m p r e houvesse água p a r a o p o v o , as criaturas e as plantas. Cerca de trinta s e g u n d o s após despejar a água, p e q u e n a s gotas de c h u v a c o m e ç a r a m a cair do c é u azul e límpido! A c h u v a leve e refrescante c o n t i n u o u a me molhar, e n q u a n t o eu descia a m o n t a n h a . Q u a n d o c h e g u e i a m e u c a r r o , ela parou, e m a i s u m a v e z agradeci a b ê n ç ã o e a forma c o m o esta tornou m i n h a c a m i n h a d a tão prazerosa. Q u a n d o voltei à rodovia para prosseguir minha viagem, as primeiras cores do entardecer p i n t a v a m as rochas de ambos os lados da estrada. Sentia-me aquecida por aquelas cores e pelo amor por aquela terra, à medida que dirigia. De repente, m i n h a atenção voltou-se para a lateral da rodovia, o n d e avistei, de relance, algo se debatendo. Parte de 41

m i m s o u b e i m e d i a t a m e n t e o que era, e a outra parte n ã o p o d i a acreditar. Parei no a c o s t a m e n t o e voltei até o local. Q u a n d o cheguei, abri a porta do carro e, c o m o coração em disparada, aproximei-me. Ela estava lá, c o m suas p e n a s m o v e n d o - s e à brisa da tarde. E r a u m a águia j o v e m , q u e p a r e c i a ter finalizado s e u último v ô o . No m e s m o instante, eu s o u b e o que acontecera — vi a i m a g e m claramente em m i n h a m e n t e . Ela devia estar c a ç a n d o e, q u a n d o a t r a v e s s o u a r o d o v i a atrás de s u a presa, t r o m b o u n u m c a m i n h ã o que p a s s a v a e caiu na terra. E r a u m a n i m a l j o v e m e , l o g o , n ã o s o u b e r a desviar-se d o tráfego. Trazida do céu c o m o a chuva repentina, a águia jazia a m e u s pés. Ofereci tabaco e u m a breve cerimônia para a jornada do espírito da águia. Então, s a b e n d o q u e n ã o poderia deixar aquele corpo à m e r c ê dos veículos e dos abutres, eu o tomei n o s braços. P o r um m o m e n t o , a águia era c o m o u m a criança que o céu me enviara para cuidar. T ã o logo a a c o m o d e i no b a n c o traseiro do carro, c o m e c e i a dirigir e a rezar p e d i n d o ajuda para saber o que deveria fazer c o m a águia. O espírito dela era u m a presença tangível atrás de m i m . Cantei para ele e h o m e n a g e e i seu caráter c a ç a d o r e sua força, c h o r a n d o e s e n t i n d o - m e capturada p e l o seu poder. T o r n o u - s e claro o que deveria ser feito. Vi seus olhos n e gros e brilhantes e escutei sua voz me d i z e n d o que ela era "duas águias". Retornei à terra navajo e a entreguei à prim e i r a "duas á g u i a s " c o m o um presente à neta da feiticeira, a sua avó, por t u d o q u e ela transmitiu, e ao Dineh, o P o v o .

42

Uma Pena com um Coração Reverendo Fern Moreland Q u a n d o estudava mediunidade e sacerdócio, uma das primeiras palavras que ouvi foi aporte. O que essa palavra significava? Significava, simplesmente, mover um objeto de um lugar a outro com o auxílio de meios visíveis ou invisíveis. Alguns mágicos fazem isso com truques, mas minha experiência com esse tipo de aporte veio do reino espiritual. Eu saía do banco, localizado no agitado centro da cidade, quando algo me fez olhar para cima. Parei no meio do caminho e vi um pequeno objeto branco caindo do céu em minha direção. Olhei para além dos prédios, enquanto o objeto descia, flutuando, até tombar a meus pés. Abaixeime e o peguei, surpreso ao notar que se tratava de uma pena de andorinha-do-mar. Outros a meu redor olhavam para cima, imaginando que pássaro estaria voando, mas não havia nada no céu — somente aquela única pena. Eu sabia que não era uma pena de pombo por causa de seu formato. A "andorinha-do-mar" era o que me vinha à mente. O rio Missouri estava ao norte da cidade, mas eu nunca tinha visto uma andorinha-do-mar ou escutado falar sobre a presença de uma delas na região. De onde viera aquela pena? Continuei a ponderar ao dirigir para casa e nos dias que se seguiram, quando mostrava a pena a outras pessoas. Elas também nunca tinham visto uma pena como aquela. Por fim, coloquei a pena numa touca indígena que tenho em meu carro. 43

M a i s tarde, c o m p a r e c i a um e n c o n t r o da S o c i e d a d e de P e s q u i s a Psíquica. D e p o i s d o e v e n t o , u m h o m e m a p r o x i m o u - s e de m e u carro, a p o n t o u a p e n a e p e r g u n t o u - m e o n d e eu a encontrara. Relatei m i n h a experiência. Ele me olhou, cético. Q u a n d o l h e p e r g u n t e i q u e m ele era, disse-me s e u n o m e e me falou que era um ornitólogo. — Essa p e n a de andorinha-do-mar só p o d e ter v i n d o da região de Salt L a k e — ele explicou. — V e r d a d e ? — repliquei. — V e r d a d e — ele repetiu. N a q u e l e m o m e n t o , eu b a n q u e i o cético. M a s a p e n a era real, b r a n c a e linda. Q u e m a enviara até m i m ? A resposta surgiu p o u c o t e m p o depois, quando, pela primeira v e z , u m espírito guia falou c o m i g o , n u m a v o z m a s c u l i n a e profunda, identificando-se c o m o u m a v o z profética. Eu o batizei de o G r a n d e P e n a Branca. A p r i m e i r a v e z em que escutei a v o z em m i n h a m e n t e , pensei: "Fern, v o c ê d e v e estar l o u c o " . — N ã o , Fern, v o c ê n ã o está louco — a v o z me assegurou. D e s d e esse dia, t e n h o e s c u t a d o a v o z do G r a n d e P e n a B r a n c a e a r e c o n h e ç o c o m o um c o n d u t o r para D e u s , ou o T o d o - P o d e r o s o , ou qualquer t e r m o q u e v o c ê prefira. O G r a n d e P e n a B r a n c a t e m senso de h u m o r . Um e x e m plo de u m a de suas brincadeiras a c o n t e c e u q u a n d o eu devolvia u m livro n a biblioteca. N a q u e l a é p o c a , e u tinha u m a p e r u a T o y o t a e u s a v a o b a n c o traseiro p a r a guardar m a p a s , u m guarda-chuva o u qualquer coisa d e q u e precisasse. Fui à b i b l i o t e c a , d e p o s i t e i o livro no b a l c ã o e voltei à p e r u a . Q u a n d o m e a p r o x i m e i d o veículo, notei q u e tudo que estava sobre o b a n c o h a v i a sido j o g a d o no chão. Q u e m teria feito a q u i l o ? Eu s e m p r e t r a n c a v a o c a r r o e aquele dia n ã o foi u m a e x c e ç ã o . U m a p o r u m a , verifiquei as portas, e todas e s t a v a m trancadas. Irritado e intrigado, 44

destranquei a porta e coloquei tudo no b a n c o traseiro. A s sim que terminei, algo atraiu m i n h a atenção para o console entre os dois b a n c o s dianteiros. Lá, h a v i a u m a pena, a qual, m a i s tarde, identifiquei c o m o s e n d o de codorna. A s cores d a p e n a e r a m a s m i n h a s favoritas: v e r m e l h o , ferrugem, m a r r o m e preto. Sua p o n t a possuía o formato de um coração. C o m e c e i a chorar. U m a das maiores m e n s a g e n s do G r a n d e P e n a B r a n c a era o aporte de vários tipos de c o rações: b o t õ e s em forma de coração, penas, b ó t o n s , folhas j o g a d a s n a calçada e m que e u c a m i n h a v a . Quando nos encontramos em sintonia c o m o Espírito, p r o g r e d i m o s rapidamente. N ã o duvido que falo c o m D e u s e que D e u s fala c o m i g o p o r m e i o das penas e de m e u espírito guia. N ã o seria D e u s o espírito residente em todas as coisas vivas? T o d a vez que u m a p e n a aparece e m m e u cam i n h o , é D e u s dizendo: — Fern, acredite no coração. T u d o vai dar certo.

45

Peça e lhe Será Dado Victoria Rose Impallomeni Pássaros de uma pena irão se reunir. — Robert Burton, The Anatomy of Melancholy

S o u d e o r i g e m indígena, d a região d e K e y West. N o s últim o s vinte anos, escolhi ensinar ciência da flora m a r i n h a a p e s s o a s que q u e r e m aprender mais sobre n o s s a ligação c o m a natureza estando na natureza. S o u capitã de um pesqueiro e levo pessoas aos m a n g u e s — a selva de D e u s — para ver pássaros, peixes e outras espécies selvagens em seu a m b i e n t e natural. Essa área é o lar de dúzias de espécies de garças, andorinhas, pelicanos, águias-pescadoras, falcões e corvos-marinhos. P e r c o r r e m o s u m l o n g o trajeto d e s d e m i n h a i n f â n c i a , q u a n d o era permitido atirar em pássaros e m e u pai costum a v a praticar tiro ao alvo em corvos-marinhos. G r a ç a s às leis que p r o t e g e m essas ilhas e recifes de corais de constantes ruídos, poluição, v a z a m e n t o s de óleo e jet-skis, a área p o d e ser um refúgio pacífico para todas as espécies raras. Q u a n d o me abro p a r a me c o n e c t a r à n a t u r e z a , coisas incríveis a c o n t e c e m . S i n t o u m a l i g a ç ã o e s p e c i a l c o m o s p á s s a r o s , e m e u c o m p r o m i s s o é e n s i n a r às p e s s o a s c o m o a h u m a n i d a d e o s afeta. L u t e i p o r leis q u e o s p r o t e g e s s e m . M e u n o m e espiritual é M u l h e r G a r ç a B r a n c a . C o m freqüência, p e ç o — e r e c e b o — p e n a s de m e u s a m i g o s alados, m a s 46

n a q u e l e dia e m p a r t i c u l a r m e senti a b e n ç o a d a p e l o q u e aconteceu. D u a s freiras católicas h a v i a m m a r c a d o u m passeio c o m i go. E r a m a m a n t e s da n a t u r e z a e e s t a v a m a n i m a d a s p a r a passar um dia na água, v e n d o de perto o que só h a v i a m visto em livros. I m a g i n e i o que elas p e n s a r i a m de m i n h a s crenças espirituais, as quais e r a m mais sintonizadas às divas da terra e à natureza q u e a qualquer outra religião formal. A s s i m que d e i x a m o s o porto, levei-as à primeira parada, u m a p e q u e n a colônia q u e serve de poleiro a magníficas fragatas q u e p a s s e i a m na área. O n o m e desses pássaros se deve ao fato de que n a v e g a m c o m o as velhas fragatas. V o c ê p o d e vê-los v o a n d o e m locais quentes, m a s n ã o o s v ê p o u s a r c o m m u i t a freqüência. As fragatas estariam m o r t a s se estivessem na água, p o r q u e p r e c i s a m do vento sob suas asas para decolar. Elas p l a n a m durante o v ô o ; portanto, t ê m de p e r m a necer no ar. N ó s n o s a p r o x i m a m o s da ilha. E r a o auge da é p o c a de a c a s a l a m e n t o . D i r e c i o n e i o b a r c o a c i m a da c o r r e n t e e do v e n t o , e desliguei o m o t o r para que p u d é s s e m o s n a v e g a r pela ilha em paz. Coloquei u m a música linda — valsas vienenses, p o r q u e esses pássaros p a r e c e m valsar no ar. As fêmeas, de peito b r a n c o e c a b e ç a preta, e s t i c a v a m o p e s c o ç o e m direção a o vento. O s m a c h o s , totalmente pretos, exceto pela p a p a d a v e r m e l h a que inflam para atrair as fêmeas, b r i g a v a m para estar perto delas. Q u a n d o as fragatas-machos alçaram v ô o , elas n o s presentearam c o m u m balé intricado. O cortejo foi sensual e erótico, algo difícil de reparar a m e n o s que v o c ê p e r m a n e ç a quieto e observando. E n c a n t a d a s , a s s i s t i m o s à cena até que p e r c e b i que n o s a p r o x i m á v a m o s d e m a i s da ilha. Relutante, liguei o m o t o r para afastar o barco. O barulho assustou várias fragatas e elas v o a r a m b e m a c i m a d e nós. 47

Olhei para c i m a e disse: — S e a l g u m a d e v o c ê s t e m u m a p e n a p a r a m e dar, e u ficaria agradecida. U m a fragata d e s c e u , p u x o u u m a e n o r m e p e n a p r e t a e soltou-a. Boquiabertas, v i m o s a p e n a rodopiar no ar e cair no barco. As freiras ficaram atônitas. Em silêncio, agradeci à fragata. Era c o m o se u m a m a g i a r e a l e s t i v e s s e a c o n t e c e n d o . P e r g u n t e i - m e c o m o a s freiras interpretariam aquele evento. N ã o levei m u i t o t e m p o para descobrir. — Foi c o m o se o Criador entendesse sua m e n s a g e m por m e i o do pássaro — disse u m a delas, e a outra assentiu, concordando. Tal explicação c h e g o u m u i t o perto da minha.

48

Ritual MANIFESTAÇÃO DAS PENAS

Procure um local calmo, onde você possa se concentrar. Se tiver uma pena, segure-a na mão. Se puder estar ao ar livre, suba numa colina ou numa montanha. Leve a pena com você. • Durante a meditação, peça ajuda e orientação para o que precisar saber nesse momento de sua vida. De que qualidade você mais precisa? O que poderia ajudá-lo em seu caminho espiritual? • Leia a lista de penas coloridas e seus significados mais adiante neste livro. Veja se o que lhe ocorreu durante a meditação combina com algumas das qualidades listadas. • Mais uma vez em meditação, crie a intenção de que uma pena irá até você como forma de confirmação à dádiva que você pediu. Visualize-se segurando uma pena daquela cor, todo o seu ser banhado pelo brilho da cor que está segurando. Quando a meditação terminar, agradeça as graças que receber, incluindo uma bênção a todas as penas que forem a você em quaisquer formas (desenhos de penas, pássaros voando e t c ) . Nos dias que se seguirem, esteja atento à presença ou à ausência da qualidade que você pediu, e à cor que a simboliza. A cada vez, renove sua intenção por uma pena. Quando sua pena vier, não se esqueça de agradecer!

49

Um Presente Especial Penny Wigglesworth Já o u v i m o s dizer várias v e z e s q u e as pessoas a p a r e c e m em n o s s a s vidas p o r a l g u m a razão. T a m b é m j á e s c u t a m o s que não existem coincidências. As duas declarações tornaram-se verdades para m i m depois de ter conhecido Seth Bailey. C o m o voluntária n u m a clínica para doentes graves, c o nheci Seth q u a n d o ele tinha dezesseis anos de idade. A o s três anos, ele r e c e b e u o diagnóstico de leucemia, e, aos sete anos, submeteu-se a um transplante de medula. C o m o resultado da radiação e da quimioterapia, ele desenvolveu sérios p r o b l e m a s n o s rins e n o s p u l m õ e s . S u a m ã e o l e v o u ao r e n o m a d o Hospital Infantil de Pittsburgh, na esperança de que ele fosse qualificado para um transplante de pulmão. Os médicos de Seth lhe disseram que, se ele ganhasse no mínimo sete quüos, tornar-se-ia um candidato ao transplante. N ã o seria u m a tarefa fácil; a d o e n ç a o deixara m u i t o abaixo do peso " n o r m a l " para sua idade. Q u a n d o v o l t o u à clínica, Seth se sentiu deprimido e isolado. Falávamos sobre esperanças e sonhos. Contei-lhe m e u desejo de m o n t a r u m a p e q u e n a e m p r e s a caseira e organizar oficinas para confeccionar "ursinhos", que iriam ao mundo das doenças graves, distribuindo mensagens de amor, c o m p a i x ã o e esperança. Seth a d o r o u a idéia e, c o m seu coração e alma, p a s s o u a me ajudar a desenvolver n o s s a e m p r e s a s e m fins lucrativos. Ele n o s auxiliou c o m o c o m p u t a d o r , e tinha u m a idéia n o v a 50

a cada minuto. C o m p a r e c i a às oficinas três v e z e s por s e m a na, o n d e c o s t u r á v a m o s b o n é s e blusas para os ursinhos e púnhamos moedas com a mensagem " E m Deus Nós Conf i a m o s " n o s bolsos dos ursinhos. N o s s o objetivo era encontrar lares para os ursos em hospitais infantis e abrigos para doentes em toda a nação. Seth não mais se achava deprimido ou isolado. Havia encontrado u m n o v o significado para sua vida. H a v i a descoberto um m o t i v o para viver e c o m e ç o u a ganhar peso. N ó s o e l e g e m o s vice-presidente da n o v a e m p r e s a e, logo depois, ele entrou na lista para transplantes de p u l m ã o . T o d o s n ó s tínhamos esperança de que ele se recuperaria. No entanto, p o u c o após seu d é c i m o sétimo aniversário, Seth c o m e ç o u a enfraquecer. Foi internado no hospital. M e u lindo e corajoso a m i g o d e i x o u esta vida, gentilmente anin h a d o n o s braços d a m ã e . Ela me telefonou para contar a triste notícia. Q u a n d o saí de casa naquela m a n h ã , olhei para b a i x o e avistei, caída no chão, a m a i s linda pena. N u n c a tinha visto u m a p e n a daquele tipo e, no m e s m o instante, eu soube que era um presente de Seth. As lágrimas r o l a v a m q u a n d o peguei a pena, pois esta me lembraria para s e m p r e d a q u e l a alma preciosa que eu tanto a m a v a . No dia seguinte, sua m ã e veio a m i n h a casa. C a m i n h a m o s pelo jardim, partilhando histórias sobre Seth e a m a r a vilhosa contribuição que ele realizara n o s últimos m e s e s de sua vida. Contei-lhe s o b r e a pena. E n q u a n t o a n d á v a m o s , o l h a m o s para b a i x o e v i m o s outra pena — igual à que eu encontrara no dia anterior, m a s m e n o r . N ó s n o s entreolham o s e sorrimos. Seth oferecia outro presente, dessa v e z à m ã e . N u n c a tinha visto aquele tipo de pena, e jamais vi outra semelhante. 51

C i n c o anos depois, m i n h a p e n a ainda se encontra no bolso do p r i m e i r o ursinho. Ela me l e m b r a Seth e s e u riso, corag e m , a m o r e alegria. Seth s e m p r e estará em n o s s o s corações, g u i a n d o - n o s e n o s e n v i a n d o s e u a m o r p o r m e i o d o s ursin h o s que distribuirmos.

52

Siga as Penas Carolyn Elizabeth

Havia sido u m a p r i m a v e r a difícil. E s c a p e i de e n c h e n t e s e c h u v a s torrenciais no M e i o - O e s t e , e r u m e i à E u r o p a n u m a p e r e g r i n a ç ã o para v e r M ã e M e e r a , u m a j o v e m índia v e n e r a d a c o m o a e n c a r n a ç ã o da M ã e D i v i n a . Eu tinha planejado e s s a v i a g e m d u r a n t e dois a n o s e e s t a v a a n s i o s a p a r a r e c e b e r o darshan, a b ê n ç ã o especial de graça e luz, c o n f e rida aos s e g u i d o r e s d e M ã e M e e r a por m e i o d o p o d e r d e seu olhar. E u m e h o s p e d e i n u m a p e n s ã o e m Dornburg, A l e m a n h a . Foi uma agradável caminhada à casa de M ã e Meera em Thalheim. À noite, a M ã e recebia b u s c a d o r e s do m u n d o inteiro; em silêncio, p a r t i l h á v a m o s a a d m i r a ç ã o por sua lum i n o s a presença. D u r a n t e o dia, eu tinha u m a a b u n d â n c i a de t e m p o livre para explorar os vilarejos ao redor e as florestas entre eles. Na primeira s e m a n a , me familiarizei c o m as trilhas entre as árvores de D o r n b u r g . Fiquei encantada c o m a natureza acessível daquela parte da A l e m a n h a . A c a m i n h o da casa de M ã e M e e r a , notei o denso a g l o m e rado de árvores entre D o r n b u r g e T h a l h e i m , e reconheci a floresta que eu v i r a no livro de A n d r e w H a r v e y , Hidden Jounney [Jornada Secreta]. Eu sabia q u e a M ã e apreciava cam i n h a d a s m e d i t a t i v a s p e l a floresta, e c o n s i d e r a v a a q u e l a 53

m a t a c o m o seu santuário particular. A floresta representava um solo sagrado e me senti compelida a entrar. L o g o descobri que as trilhas n ã o e r a m tão d e m a r c a d a s quanto as das outras florestas que conheci. Ao explorar o território d e s c o n h e c i d o , v a g u e i p e l o e s p a ç o v e r d e j a n t e e apreciei o silêncio e a solidão daquele belo santuário, perd e n d o a n o ç ã o de t e m p o e direção. F i n a l m e n t e , percebi q u e era hora de voltar, caso contrário eu p e r d e r i a o darshan. O l h e i ao r e d o r e n ã o c o n s e g u i encontrar a trilha pela qual eu passara. P r e o c u p a d a , escolhi u m a direção que n ã o d e u e m lugar n e n h u m . Optei por outra, e outra, todas em v ã o . Entrei e m pânico! M i n h a p r e o c u p a ç ã o transformou-se e m m e d o irracional: e u m e perderia n a e s c u r i d ã o para s e m p r e . N ã o sabia q u e c a m i n h o t o m a r . P o r fim, p a r e i de p r o c u r a r e sentei n u m tronco de árvore. L á g r i m a s c o m e ç a r a m a rolar em m e u rosto. Estava c o m frio, a p a v o r a d a e sozinha. N ã o sabia o q u e fazer. Fechei os olhos e rezei por ajuda. Em seguida, senti o calor do sol em m e u corpo. A a t m o s fera era encantada e u m a natureza mística se revelou. A luz p e n e t r a v a entre as árvores e u m a p o d e r o s a sensação de esp e r a n ç a me invadiu. Olhei para baixo e avistei u m a p e n a a m e u s pés. A o pegá-la, achei q u e devia caminhar. A luz me direcionava e n q u a n t o as p e n a s c o n t i n u a v a m a aparecer no solo para encorajar m e u trajeto. C a d a v e z que eu c h e g a v a a u m a bifurcação, u m a p e n a surgia para me indicar a escolha certa. O q u e era u m a terrível experiência tornou-se u m a divertida exploração. E u m e sentia c o m o J o ã o e M a r i a à procura do c a m i n h o de casa. U m a por u m a , sete p e n a s me g u i a r a m para fora da floresta. C a d a u m a delas tinha sua própria b e l e z a e particula54

ridade e a p o n t a v a o c a m i n h o de u m a forma inconfundível. No áarshan daquela noite, eu sabia que já havia recebido a graça de D e u s no m e i o das árvores. Voltei para casa c o m aquelas sete p e n a s lindas. Elas cont i n u a m a me l e m b r a r da Presença e das oferendas que p o d e m ser encontradas, se eu estiver aberta para recebê-las.

55

Meu Nome Era Falcão Asa Dourada Orazio J. Salati

Sempre tive u m a certa afinidade por p e n a s e u m a identificação com as coisas dos índios americanos, embora eu ten h a n a s c i d o na Itália. Q u a n d o eu e m e u s a m i g o s de infância b r i n c á v a m o s de "caubóis e índios", eu s e m p r e escolhia ser u m índio — apesar de acabar

"morto" pelos caubóis.

Depois que cheguei à América, minha fascinação por p e n a s a u m e n t o u . S e m p r e que eu avistava p e n a s , eu as pegava p a r a apreciar suas cores, sua c o m p o s i ç ã o única. Q u a n do c o m e c e i a pintar, a d o r a v a p r o c u r a r p e n a s em objetos v e l h o s e danificados. P a r a m i m , e r a m ainda m a i s interessantes se n ã o fossem perfeitas. Pintei c o m partes de p e n a s e incluí p e n a s em a l g u m a s de m i n h a s pinturas. U m dia, u m a m i g o , que c a m i n h a v a pela floresta, encontrou u m a p e n a de falcão e me d e u de presente. M a i s u m a vez, senti u m a sensação estranha, c o m o se eu tivesse u m a forte ligação c o m o falcão. No final, descobri a razão de tais sensações. Por m e i o de regressão hipnótica, l e m b r e i que eu fazia parte de u m a tribo de índios americanos q u e havia sido massacrada. O n o m e dado a m i m n a q u e l a v i d a era Falcão A s a D o u r a d a . O falcão era um p á s s a r o espiritual, e nossa tribo u s a v a p e n a s de falcão para fins o r n a m e n t a i s e espirituais. 56

kJ

C o m o um artista nesta vida, em c a d a tela que p i n t o há a i m a g e m de u m a pena. Ela é tão i m p o r t a n t e quanto m i n h a assinatura. É m i n h a l i g a ç ã o c o m F a l c ã o A s a D o u r a d a — m i n h a l e m b r a n ç a pessoal de que as p e n a s n ã o são apenas b e l e z a s , m a s t ê m o p o d e r de falar a t r a v é s do t e m p o , do e s p a ç o e dos presentes de outros.

57

r-

Alma de Pena Jeanne Scoville Cresci n u m a linda fazenda e m W i s c o n s i n . M e u s pais tiver a m u m a profunda influência sobre m i m e m relação a o caráter sacro d a natureza. M i n h a m ã e , c o m freqüência, levava-nos à floresta para colher a m o r a s ou n o z e s . A p r e n d i a montar em tenra idade e me sentia à vontade na mata. Era p a r t i c u l a r m e n t e sensível às criaturas selvagens. Elas e r a m c o m o u m a família. Q u a n d o olho para trás, vejo que partilháv a m o s u m a espécie de telepatia natural que p e r m a n e c e c o m i g o até hoje. Representaram u m a fonte de segurança quando precisei me centrar em m e i o à pressa da modernidade. J á adulta, u m lugar que m e p e r m i t e esse equilíbrio p e s soal no m u n d o natural é o W y o m i n g . F a ç o p e r e g r i n a ç õ e s p a r a l á s e m p r e q u e posso. C e r t o ano, e u m e senti fortemente inclinada a visitar a Devils T o w e r , u m a m o n t a n h a sagrada dos índios a m e r i c a n o s a nordeste de W y o m i n g . M e u c o m p a n h e i r o e e u n o s a p r o x i m a m o s d a torre e m estado de reverência, tal q u a l fazemos ao entrar n u m a catedral ou em outro local santo. P e d i u m a b ê n ç ã o dos espíritos antes de a d e n t r a r a trilha q u e r o d e a v a a D e v i l s T o w e r e c o m e ç a r m i n h a j o r n a d a reflexiva. A o c i r c u n d a r a m o n t a n h a , escutei u m ruído n o arbusto m a i s p r ó x i m o . Investigando o s o m , enveredei p o r u m a clareira, o n d e m e deparei c o m u m falcão m a t a n d o u m coelho. No m e s m o instante, o u v i a seguinte m e n s a g e m do falcão: " P o d e r á entrar, se n ã o j u l g a r " . 58

M e u coração aceitou e continuei a me aproximar. E s c u tei: " P r o s s i g a p o r m a i s n o v e m e t r o s " , e n t ã o , " m a i s t r ê s m e t r o s " , até que me vi a quatro m e t r o s do falcão e do coelho. C o m p r e e n d i q u e h a v i a um a c o r d o entre eles acerca do q u e acontecia. Entrei n u m estado alterado de consciência e encarei o s olhos d o falcão por u m t e m p o que m e p a r e c e u u m a eternidade. Senti o p o d e r profundo e majestoso do falcão fluir atrav é s de m i m . E n t ã o , escutei: " D e v e ir agora. Q u a n d o se aprox i m a r d a trilha, h a v e r á u m presente m e u para v o c ê " . Eu r e s p e i t o s a m e n t e me virei e atravessei a clareira. Ao final, olhei p a r a b a i x o e e n c o n t r e i três p e n a s do falcão a m e u s pés. " S ã o m e u s presentes para v o c ê " , ouvi. "Ofereça u m a das p e n a s aos espíritos ancestrais deste lugar, outra a seu c o m p a n h e i r o e a ú l t i m a p a r a você. A g o r a vá!" Honrei o pedido e passei o resto do dia em total beatitude. M i n h a p e n a d e falcão agora p e r m a n e c e n o altar e m m e u quarto. É u m a l e m b r a n ç a das b ê n ç ã o s e e n s i n a m e n t o s q u e recebi de m e u i r m ã o falcão. S e u v a l o r n ã o t e m preço; é o tesouro mais s a g r a d o e um lembrete do G r a n d e Mistério de toda a Criação.

59

Galgando as Penas Maril Crabtree Penas caem das asas ou de dedos alados roçando pensamentos enquanto passam.

60

1L J

Uma Mensagem do Pena Branca Debra Hooper Vários a n o s atrás, u n s a m i g o s e eu c o m p a r e c e m o s a u m e v e n t o para observar u m a artista p a r a n o r m a l d e m o n s t r a r seu trabalho, o qual e n v o l v i a desenhar q u a d r o s de seres do m u n d o espiritual. Ela era capaz de "ver ao r e d o r " de seus temas. Havia cerca de sessenta pessoas e M a r i e selecionou quatro ou cinco c o m as quais ela gostaria de se conectar. Por sorte, fui u m a das escolhidas. Ela h a v i a d e s e n h a d o alguns retratos de parentes já falecidos q u a n d o olhou para m i m e disse: — Há um g u i a c o m v o c ê . Ele é m o r e n o e t e m c a b e l o s compridos... p o d e ser um chinês! M a r i e c o m e ç o u a r a s c u n h a r em tons pastel o h o m e m q u e d e s c r e v e r a e, m i n u t o s d e p o i s , e n t r e g o u o d e s e n h o a m i m . L e m b r o - m e d e ter p e n s a d o : " E l e n ã o s e p a r e c e c o m u m chinês!". N a q u e l a é p o c a , e u iniciava m i n h a j o r n a d a espiritual e n ã o fazia idéia do que e r a m guias e p a r a que serv i a m . L e v e i o d e s e n h o p a r a casa, g u a r d e i - o n u m a g a v e t a e o esqueci. Três anos se p a s s a r a m . C o m e c e i a participar de um grupo espiritual de amigos. Enquanto explorávamos novas p e r c e p ç õ e s de n o s s a j o r n a d a , o t e m a d o s guias surgiu. T e n tei me conectar c o m m e u guia espiritual; e m b o r a o sentisse a m e u redor, tive dificuldades de obter s e u n o m e . Ao l o n g o dos m e s e s , u m a i m a g e m c o m e ç o u a surgir, e tive certeza de que possuía um guia indígena. Eu o vi clara-

61

mente, e, em seguida, vários m e m b r o s do grupo t a m b é m o viram, mas cada vez que perguntava seu nome, nada se revelava. E r a m u i t o frustrante. Um ano depois, penas brancas c o m e ç a r a m a aparecer onde quer que eu estivesse. F l u t u a v a m em direção a m e u carro quando eu dirigia. Eu as achava à porta de casa, no jardim, na garagem. N ã o sabia o que fazer c o m aquela invasão de penas até que n u m a noite, enquanto eu meditava, a i m a g e m nítida de um livro aberto apareceu diante de m i m e sobre a página flutuava (você entendeu!) u m a p e n a branca. N o dia seguinte, n ã o sei p o r q u e m i n h a m e n t e a p a g o u o s detalhes, m a s me l e m b r e i de que a p e n a h a v i a escrito no livro o n o m e de m e u guia. A n u n c i e i o fato ao grupo, e eles me p e d i r a m p a r a descrevê-lo. Tentei a duras p e n a s fazê-lo, q u a n d o , de repente, l e m b r e i - m e do d e s e n h o . Corri à gaveta, o n d e eu o g u a r d a r a a n o s atrás. E m b o r a o retrato fosse a óleo e tivesse ficado no fundo da gaveta, ainda continuava perfeito em todos os sentidos — n e n h u m a dobra n e m m a r cas a m a r e l a d a s . E u n ã o p o d i a esperar m e l h o r s e m e l h a n ç a c o m o h o m e m que eu tentava descrever. A confirmação de s e u n o m e veio m a i s tarde, q u a n d o fom o s conhecer outra artista paranormal e sua amiga. Esta praticava psicografia. Ela me disse que h a v i a um índio americ a n o c o m i g o e que ele u s a v a u m a única p e n a b r a n c a em sua touca. E n t r o u em profundo estado meditativo e c o m e ç o u a psicografar. A i n d a tenho o papel. Ele diz: " S o u o P e n a B r a n ca. A m o v o c ê " . D e s d e então, t e n h o várias conversas c o m o P e n a Branca. Ele é a p e s s o a que cuida de m i m ; trabalha m u i t o c o m i g o . Eu t a m b é m o r e c e b o de t e m p o s em t e m p o s , e ele oferece e n s i n a m e n t o s m a r a v i l h o s o s e fundamentais a todos nós. A g o r a , toda v e z que u m a p e n a b r a n c a surge a m i n h a frente, sorrio e digo " o l á " .

62

Meditação ATRAINDO A ENERGIA DA PENA As penas podem inspirar seu coração, iluminar sua casa ou seu trabalho e ajudá-lo a voar através do dia. Se você deseja mais desta energia em sua vida, experimente utilizar as penas das seguintes maneiras: • Aplicando os princípios do feng shui. Se um relacionamento necessita de asas novas, coloque um buquê de penas nessa área; ou coloque penas em sua área de trabalho, caso sua carreira precise de um empurrão. A energia da pena pode ser usada em qualquer área ao criar novos inícios ou movimentos quando há estagnação. • Usando as penas para criar um foco. Selecione sete penas, uma para cada dia da semana, e coloque-as em seu altar ou em qualquer lugar com energia espiritual. Em estado meditativo, pegue cada uma das penas e deixe que ela lhe "diga" que qualidade representa para você: amor, coragem, fortalecimento, compaixão, liberdade, entrega e assim por diante. A cada manhã, selecione a pena com a qualidade na que você mais precisa se concentrar naquele dia (ou deixe que ela escolha por você), e leve-a consigo ao longo do dia. Tal qual o sino que badala periodicamente nos monasterios budistas e centros de retiros para lembrar o momento presente, um olhar para a pena serve como um lembrete para retornar ao foco do dia. • Criando uma pena móbile. As penas podem ajudá-lo a recordar uma lembrança querida ou podem ser a ligação com um lugar favorito. Se encontrar várias penas durante as férias ou num outro local especial, crie um móbile simples com palitos e fio de náilon. Pendure-o em um lugar no qual a brisa possa manter as penas em movimento ou no batente de uma porta, onde a entrada e a saída das pessoas serão suficientes para movimentar as penas. • Usando as penas como presentes. Inclua penas em cartões ou cartas; guarde-as em cestas de vime ou em outro objeto natural; 63

grude uma pena na tampa de uma caixa de presente; assim, quando a tampa for aberta, a pena será a primeira coisa que a pessoa verá. Se pretende dar um livro de presente, uma pena pode ser um ótimo marcador de páginas. Carregue uma pena com você como um presente inesperado para alguém que você venha a encontrar durante o dia e que possa precisar de energia extra. • Ficando atento a outras possibilidades de penas. Uma mulher tem a figura de uma pena impressa em seus cartões de visitas, porque ela queria algo que transmitisse uma imagem positiva às pessoas. "Invariavelmente", ela diz, "as pessoas me perguntam o que significa a pena. Não tenho uma resposta pronta. Uso minha intuição para responder o que cada pessoa precisa ouvir acerca daquela pena. Com freqüência, a conversa acaba tendendo para um nível mais profundo.

64

Canção da Pena Kenneth Ray Stubbs N a D a n ç a d o S o l i n d í g e n a , o t a m b o r s e m p r e representa um papel importante em cena. Várias pessoas o tocam, c a n t a n d o j u n t a s , e n q u a n t o b a t u c a m o r i t m o de c a n ç õ e s antigas. O t a m b o r é o c a t a l i s a d o r da d a n ç a , oferece u m a b a tida específica e e n e r g é t i c a p a r a q u e os d a n ç a r i n o s e r g a m as p e r n a s m a i s alto a fim de se fundirem ao c e r v o , ao b ú falo, à águia. D u r a n t e u m a recente D a n ç a do Sol, observei a dança prosseguir, canção após c a n ç ã o , canto após canto, a cadência do t a m b o r l e v a n d o - m e a um estado de transe. De repente, o t a m b o r ficou em silêncio. Eu me vi e s c u t a n d o o vento em vez das batidas ritmadas. N a q u e l e silêncio, vi u m a p e n a a m a r r a d a a um dos postes, g i r a n d o , flutuando, d a n ç a n d o c o m o v e n t o . Escutei a batida da p e n a — tão quieta c o m p a r a d a ao t a m b o r e, no entanto, c a r r e g a n d o sua p o d e r o s a m e n s a g e m , as energias, e c a n t a n d o a canção do v e n t o . M i n h a m e n t e retornou à é p o ca em q u e eu via falcões suspensos entre as n u v e n s , c o m p l e t a m e n t e imóveis, exceto pelas p o u c a s p e n a s que dançavam ao vento. N a q u e l e m o m e n t o místico, o b s e r v a n d o a p e n a solitária flutuando no poste, p u d e sentir a voz do v e n t o falando c o m a v o z da pena. Senti o p o d e r i m e n s o e infalível dos espíritos dos anciãos fundindo-se ao silêncio e falando por m e i o da pena. 65

S o u b e , n a q u e l e instante, p o r que m e fizera a p r e n d i z d e um x a m ã C h e r o k e e p a r a a p r e n d e r a alinhar a " d o c e feitiçar i a " a seus e n s i n a m e n t o s . S e u p o d e r v a s t o t r a n s c e n d e as eras, tal qual a p e n a e o v e n t o r e v e l a m m e n s a g e n s angelicais — u m a m e n s a g e m eterna a t o d o aquele que a escutar.

66

Aprendendo com os Corvos Greg Eric "Saltador" Hultman Se os homens tivessem asas e penas pretas, poucos deles seriam espertos o bastante para ser corvos. — Reverendo Henry Beecher Ward

Lá estava ela, u m a p e n a preta acetinada e brilhante voando em direção à porta de nossa casa. E m b o r a a d o l e s c e n t e , e u a i n d a era i m a t u r o c o m o u m a c r i a n ç a . R e c o l h i a tais t e s o u r o s p a r a i n i c i a r u m a c o l e ç ã o imaginária d e penas s e m n e n h u m m o t i v o real. A q u e l a m a n h ã n ã o foi u m a e x c e ç ã o . Corri para dentro de casa e me enfiei em n o s s o porão ú m i d o e obscuro. S e g u r a n d o a pena na p a l m a da m ã o , acendi a l â m p a d a do abajur. Peguei o pote n u m a prateleira, abri a t a m p a e coloquei m e u n o v o tesouro c o m a mistura colorida que eu já havia colecionado: gaio, pardal, pintassilgo, faisão e outros. Encontrar u m a pena de corvo naquela m a n h ã n ã o foi u m a ocorrência improvável. C o n t i n u a r a encontrar u m a pena de corvo todas as m a n h ã s e no m e s m o lugar foi. Parei de guardar p e n a s de c o r v o a p ó s a d é c i m a ou a d é c i m a p r i m e i r a corrida ao porão. P o r é m , elas a p a r e c i a m regularmente, todas na m e s m a área. P o u c o depois de encontrar as penas, os corvos c o m e ç a r a m a me acordar. A c a d a m a n h ã , entre seis e seis e meia, eu e s c u t a v a o estridente c h a m a d o . M e s m o d u r a n t e os in67

v e r n o s mais rigorosos, os corvos m a n t i n h a m - s e fiéis à própria existência entre o que restava de vegetação de um parq u e e s c o l a r e m frente a n o s s a casa. O s c o r v o s m o r a v a m n u m a meia dúzia de árvores que alguém plantara, anos atrás, para o benefício das crianças. O s corvos d o p a r q u e t i n h a m u m a vida b o a . V a s c u l h a v a m os sacos de lixo nas ruas à procura de restos de comida. M a s , de a l g u m a forma, aqueles corvos me irritavam. Havia lido em a l g u m lugar q u e eles às v e z e s se a l i m e n t a v a m de filhotes de pássaros em extinção. Eu m o r a v a no subúrbio e s e m pre explorava os c a m p o s e pradarias ao redor. Cresci conhec e n d o c a l h a n d r a s , a z u l õ e s e outros h a b i t a n t e s de e s p a ç o aberto. Para m i m , tais pássaros p o s s u í a m um pedigree m a i s valioso que o dos famigerados corvos. No entanto, eu escutava os corvos... s o m e n t e os corvos... q u a n d o acordava a cada m a n h ã . — Malditos corvos — eu r e s m u n g a v a em v o z baixa, tem e n d o q u e m i n h a m ã e p u d e s s e escutar. L e v a n t a v a - m e e olhava para o parque. Lá e s t a v a m eles, tão pretos q u a n t o carvão, pavoneando-se, v o a n d o , b a t e n d o as asas, empoleirando-se, b r i g a n d o e, às vezes, gritando. Eu me arrumava para ir à escola. Saía... e à porta e n c o n trava outra pena. E s e m p r e as achava p r a t i c a m e n t e no m e s m o lugar. Para piorar, os pássaros adquiriram u m a nova mania, c o m o s e q u i s e s s e m m e provocar. A p ó s dois anos, c o m e c e i a freqüentar o colegial. Eles me s e g u i a m até a escola. Eu c a m i n h a v a cerca d e u m q u i l ô m e t r o e m e i o por u m a rota c o m p l i c a d a devido às n u m e r o s a s ruas curvas. Em princípio, n ã o notei; m a s , c o m o passar das semanas, percebi que o s c o r v o s N Ã O e r a m o s m e s m o s pássaros que v i v i a m n a q u e l a s ruas que eu percorria a c a m i n h o da esco-

68

la. Aqueles e r a m os corvos estridentes que me a c o r d a v a m todas as m a n h ã s . D e p o i s das férias, q u a n d o voltei à escola para cursar o segundo colegial, os pássaros continuaram me seguindo c o m o de hábito. Foi então que percebi que eles a d o r a v a m caçar grilos ou outro alimento artrópode no c a m p o q u e eu c o s t u m a v a atravessar. Eureca! Tinha de ser isso. A respostal Satisfeito, esqueci o p r o b l e m a das p e n a s e dos c o r v o s . O m i s t é r i o havia sido solucionado, pensei. A p ó s os feriados de fim de ano, retornei à escola n u m a m a n h ã gélida, q u a n d o tudo e m C h i c a g o parecia congelar, até m e s m o o vento. E n q u a n t o fazia m i n h a travessia matinal, notei que tinha c o m p a n h i a . E m b o r a parecesse estranho, imaginei que os corvos eram vítimas do próprio hábito. Q u a n d o o inverno se intensificasse e os recursos alimentares se tornassem m a i s escassos, eu os veria m e n o s , pensei. Janeiro passou, depois fevereiro e m a r ç o . Os corvos e r a m incansáveis. Eles d e i x a v a m seus poleiros e me s e g u i a m até o colégio todas as m a n h ã s . Procurei m e u professor de biologia, o sr. G e t z m a c h e r , e contei-lhe o p r o b l e m a . Ele riu e disse q u e n ã o p o d i a ser verdade. — O que há c o m v o c ê ? Ficou louco? — ele dissera. Seria impossível estarem me seguindo e p r o v a v e l m e n t e n ã o e r a m os m e s m o s corvos. M i n h a autoconfiança desapareceu. Naquela época, questionar um professor era raro, e, se v o c ê o fizesse, o resto da classe seria penalizada. Portanto, deixei de lado a pesquisa científica. Eu c o s t u m a v a brincar de vigiar um ou dois pássaros, o q u e não era difícil já q u e a ausência de folhas por causa do i n v e r n o me permitia vê-los m o v e r e m - s e de árvore em ár69

vore. D o i s deles v o a v a m à frente e p o u s a v a m . O u t r a dupla vinha atrás de m i m , c o m o guarda-costas. Às vezes, eles p a r a v a m p a r a petiscar u m arbusto o u espantar a l g u m outro pássaro intrometido. Certa v e z , a s s u s t a r a m u m a coruja q u e r e p o u s a v a e m seu galho. A c h o que e s t a v a m b r i n c a n d o c o m ela, pois sabiam que s e tratava d e u m inimigo mortal durante a noite. No início da primavera, m e u melhor a m i g o e eu realizam o s u m a j o r n a d a ritualística a u m a reserva florestal n o s limites da cidade. D u r a n t e s e m a n a s , p l a n e j a m o s aquele p a s seio ciclístico, levando b i n ó c u l o s para observar os pássaros, sanduíches e c â m e r a s fotográficas. Até e m p a c o t a m o s gesso p a r a registrar o formato de p e g a d a s de animais. E, q u a n d o p e r c o r r e m o s aqueles d o z e quilômetros, c o n s e g u i m o s finalm e n t e n o s livrar d o s c o r v o s , p e d a l a n d o m a i s r á p i d o que eles. T ã o l o g o c h e g a m o s à floresta, nós n o s s e n t a m o s n u m a e n o r m e p e d r a e m c a m p o aberto para c o m e r o s sanduíches. Então, aconteceu. Os corvos vieram. V o a v a m sobre nós, e n q u a n t o t e n t á v a m o s espantá-los às gargalhadas. T e n t a m o s fotografar as peripécias dos corvos, m a s , ao revelar o filme, a s fotos m o s t r a r a m a p e n a s p o n t o s pretos n o c é u cinzento. M e u ressentimento a u m e n t a v a à m e d i d a q u e o ritual dos c o r v o s c o n t i n u a v a a o longo d e m e u s anos n o colegial. N o o u t o n o do ú l t i m o a n o , m i n h a a d o r a d a b i s a v ó m o r r e u . A b i s a v ó N o r a h a v i a n a s c i d o a o sul d e N e b r a s k a e m 1 8 8 4 . T i v e r a u m a v i d a l o n g a e interessante. Ela a d o r a v a c o n t a r histórias familiares e tentara, em vão, encontrar alguém i n t e r e s s a d o n a l i n h a g e m d a família. E u era o ú n i c o q u e apreciava ouvi-la. Por c o n s e q ü ê n c i a , ela partilhara i n ú m e ras histórias c o m i g o . Sua filha, m i n h a avó, v o v ó Fran, m o r a v a c o n o s c o na época e sofria de câncer. L o g o a p ó s o funeral de m i n h a b i s a v ó ,

n u m a m a n h ã , e u t o m a v a o d e s j e j u m c o m v o v ó Fran. F i z várias perguntas, s a b e n d o que ela, em b r e v e , iria partir tamb é m . Perguntei, então, p o r que a bisavó s e m p r e evitara falar na h e r a n ç a indígena em nosso sangue. N o r a s e m p r e se referira aos índios a m e r i c a n o s c o m m u i t o respeito, d i z e n d o que e m m a i s d e u m a ocasião eles t i n h a m salvo sua família d a fome. C o n h e c e n d o a s histórias familiares c o m o e u c o n h e c i a , parecia e s t r a n h o que n ã o h o u v e s s e n e n h u m índio na família que afirmasse a linhagem. V o v ó Fran sorriu e, c o m sua v o z m e l o d i o s a , disse: — M a s havia... — E ela c o m e ç o u a me contar. Fiquei perp l e x o ao saber que seu pai, m e u b i s a v ô , fora da n a ç ã o P i m a e h a v i a sido adotado pelos b r a n c o s . P o r a l g u m m o t i v o , ele tivera olhos azuis, portanto, p ô d e "passar". N u n c a tinha o u v i d o falar d o s P i m a . N ã o era material d o s filmes de H o l l y w o o d , c o m o os S i o u x , os C o m a n c h e s e os Apaches. — Q u e m era o p o v o Pima, v o v ó ? — perguntei. Ela me falou de fazendeiros q u e c u l t i v a v a m algodão, feijão e milho no sudeste, o n d e m e u b i s a v ô nascera. Os P i m a s h a v i a m sido u m p o v o pacifico, apesar d o que sofreram nas m ã o s dos b r a n c o s . Ela t a m b é m citou u m a a v ó C h e r o k e e e outros parentes m a i s afastados. Fiquei atônito. — P o r que m i n h a b i s a v ó n u n c a me c o n t o u isso t u d o ? — perguntei. — Porque acho que ela não queria que n i n g u é m soubesse. — M a s p o r quê? — N ã o sei. M e d o , talvez. Eu ainda era j o v e m d e m a i s p a r a e n t e n d e r o ódio p e l o s " í n d i o s " tão d o m i n a n t e entre os b r a n c o s . A q u e l e foi u m m o m e n t o tão r e l e v a n t e e m m i n h a v i d a quanto descobrir d e o n d e v ê m o s b e b ê s o u que Papai N o e l 71

n ã o existe. M u i t a s coisas ficaram claras n a q u e l a m a n h ã : a touca p i n t a d a à m ã o e enfeitada de p e n a s de águia que me fora d a d a na infância; os incríveis pés chatos que eu tinha. E n q u a n t o crescia, e u era a b o r d a d o p o r estranhos, criados p r ó x i m o a reservas, q u e d i z i a m coisas do tipo: — Ei, tem certeza de que n ã o é índio? V o c ê anda c o m o um. E h a v i a a estranha história da família de v o v ó Fran sendo expulsa de sua n o v a casa em N e b r a s k a por revoltados. U m d e m e u s tios lutara n a I I G u e r r a M u n d i a l e m Guadalca¬ nal e fora apelidado de "índio B i l l " . T u d o isso veio à t o n a e vários detalhes fizeram sentido. M i n h a a v ó faleceu u m m ê s depois; nós a e n t e r r a m o s na noite de Natal. C h o r e i m u i t o e p o r um l o n g o t e m p o . Ela era um espírito especial e até hoje sinto s a u d a d e s dela. D e p o i s disso, o s corvos n ã o m a i s m e d e i x a r a m penas. E u logo fui p e g o p e l o r e d e m o i n h o d a v i d a , c o m trabalho, esposas e filhos. A p e s a r de eu j a m a i s ter esquecido os corvos e a conversa c o m m i n h a avó, tais fatos p e r m a n e c e r a m guardados n u m canto de minha mente. A n o s atrás, após u m a séria d o e n ç a , voltei a pensar n a q u e l e s corvos. Sentado n u m a cabana ao norte das montanhas da G e ó r g i a , descobri p o r m e i o de um curandeiro que os corvos s a b i a m , antes de m i m , q u e m eu era. Foi q u a n d o aprendi o significado d o s corvos. M u i t a s tribos indígenas americanas acreditam que o corvo seja esperto e ardiloso, o que é v e r d a d e . Á v i d o p o r c o n h e c i m e n t o , o corvo é um animal inteligente que v o a até o V a z i o e volta, s e m p r e b u s c a n d o respostas p a r a o Mistério da V i d a e da M o r t e . A q u e l e s corvos d e i x a v a m u m a p e n a p o r dia a fim de que eu n u n c a me e s q u e c e s s e d o s ancestrais, a v ó s e avôs. P o r m e i o do c a s a m e n t o entre raças e da assimilação, algo perm a n e c e r a diferente no c e r n e de m e u ser. D e s c o b r i q u e o 72

C o r v o é e s e m p r e foi um espírito guia para m i m . P o r causa d i s s o , n ã o m a i s t e m o o V a z i o ; é o u t r a p a r a d a de m i n h a p e s q u i s a pessoal. Hoje os corvos c h e g a m a m i n h a v i d a regularmente, quand o q u e r e m m e dar u m a m e n s a g e m . O u t r o dia voltei d e u m a v i a g e m às m o n t a n h a s e a m u l h e r que cuidou de m i n h a casa, nesse ínterim, veio me c u m p r i m e n t a r . J a m a i s conversei sob r e corvos c o m ela; n u n c a lhe falei de m i n h a s origens. N e m sequer m e n c i o n e i o q u e me acontecera na G e ó r g i a — n ã o houvera tempo. Durante o desjejum, ela saiu na v a r a n d a e alinhou vários a m e n d o i n s n o parapeito. M i n u t o s depois, u m c o r v o p o u sou, em seguida, outro e outro. Ela voltou, sorridente e explicando que eles t i n h a m c o m e ç a d o a aparecer h a v i a duas semanas. A p ó s alguns dias, ela c o m p r o u a m e n d o i n s s e m sal e p a s s o u a alimentá-los. — A d i v i n h e c o m o eu os c h a m o ? Dei de o m b r o s , s e m fazer a m e n o r idéia. A i n d a sorrindo, ela disse: — C o r v o s Saltadores! — P o r que v o c ê os c h a m a a s s i m ? — perguntei. — P o r q u e eles me disseram para fazer isso... — e v o l t o u a seus afazeres.

73

Você Já Está no Caminho Kellie Jo Dunlap Às vezes, u m a m u d a n ç a é difícil de reconhecer, principalm e n t e q u a n d o ela está e m b a i x o de nosso nariz. D e p o i s de passar anos e s t u d a n d o contrabaixo e tocando em orquestras sinfônicas e concertos, eu me sentia frustrada. A d o r a v a tocar, m a s estava inquieta. Sentia q u e havia m u i t o m a i s na v i d a e q u e tinha m u i t o m a i s a a p r e n d e r e fazer. U m a a m i g a c o n v i d o u - m e para participar d e u m a oficina de e s t í m u l o s a h a b i l i d a d e s intuitivas por m e i o do c a m p o energético q u e rodeia cada corpo. Era um assunto intrigante. Eu já havia c o m e ç a d o a e x p e r i m e n t a r flashes de intuição e insight em m e i o à frustração. Às vezes, um " r u m o " surgia d o nada. R e c e n t e m e n t e , " e s c u t e i " u m a v o z m e d i z e n d o que eu deveria explorar m e u lado artístico e prestar atenção em m e u s sonhos. Pensei em fazer um apanhador de sonhos, o qual, de a c o r d o c o m a lenda indígena, captura s o n h o s ruins, p e r m i t i n d o apenas que os s o n h o s b o n s passem. M a s a idéia p e r m a n e c e u estagnada, tal qual a m i n h a vida parecia estar. Na oficina, o líder nos c o n d u z i u a u m a longa m e d i t a ç ã o , seguida d e u m exercício d e escrita, n o qual fazíamos perguntas e e s c r e v í a m o s qualquer resposta que viesse à m e n te. Fiz a p e r g u n t a que se tornara m e u martírio: Q u e camin h o e u deveria seguir e m m i n h a vida? A " r e s p o s t a " c h e g o u no m e s m o instante e eu a escrevi: " V o c ê já está n e l e " . Só isso, n e n h u m a grande revelação, ne74

n h u m a resposta específica. Ao final da meditação, q u a n d o o líder p e r g u n t o u se a l g u é m não havia r e c e b i d o u m a resposta, levantei a m ã o e contei-lhe o que havia recebido. — P a r e c e - m e u m a resposta — ele disse, sorrindo. — M a s quero u m a resposta real — queixei-me. — Algo claro e definido, do tipo: " V o c ê poderia ser um engenheiro espacial". — T o d o s na sala riram e c o n c o r d a r a m . — Às vezes, o universo só lhe dá u m a peça por vez — disse o líder. — O importante é que você reconheça que esta é, de fato, u m a resposta, e u m a resposta positiva a sua pergunta. Na m a n h ã seguinte, eu n a v e g a v a p e l a Internet à p r o c u r a de p e n a s para o a p a n h a d o r de s o n h o s que estava fazendo. Esbarrei n u m site c h a m a d o " C a m i n h o d a P e n a " e , e m seguida, descobri outro site de professores indígenas. Cliquei n u m b o t ã o que dizia: " H á três p a s s o s para o C a m i n h o da P e n a " . Q u a n d o cliquei no terceiro p a s s o , as palavras " V o c ê já está n e l e " surgiram em letras garrafais. Senti um arrepio na nuca. Ali e s t a v a m as m e s m a s palavras produzidas p o r m e u inconsciente — ou m e u s guias — ou o que me fizera escrevê-las na noite anterior. À medida que eu ia lendo, entendi que me encontrava n u m processo de reinterpretar m i n h a vida para incluir todos os aspectos de m i m m e s m a e, mais precisamente, o domínio da intuição. Tinha apenas de colocar um pé adiante do outro para estar "no c a m i n h o " de m e u eu intuitivo e espiritual. M e u c a m i n h o espiritual, desde então, t e m sido u m a aventura. T a l qual ocorre c o m a maioria de n ó s , as penas parec e m s u r g i r e m m o m e n t o s a p r o p r i a d o s . Q u a n d o fiz m e u a p a n h a d o r de s o n h o s , usei p e n a s que colecionei ao l o n g o d o tempo. C a d a u m a v e i o até m i m e m m o m e n t o s e m que eu precisava de confirmação ou encorajamento para continuar o trabalho espiritual que fazia. L o g o após t e r m i n a r m e u a p a n h a d o r d e s o n h o s , s o n h e i que encontrava u m a tonelada de p e n a s de pato. No s o n h o , 75

m a n d a v a m - m e colocá-las e m a p a n h a d o r e s d e sonhos. P o u co t e m p o depois, eu dirigia n u m a rodovia e a m i n h a frente havia um c a m i n h ã o cuja insígnia assemelhava-se a um apanhador de sonhos. S o b a insígnia havia os dizeres: " C u b r a o M u n d o " . Entendi no m e s m o instante! C o m e c e i a fazer apanhadores de sonhos p a r a os outros. U m a a m i g a c o m p r o u m a i s d e u m a dúzia p a r a presentear parentes no Japão. A s s i m , de certa forma, eu "cobria o m u n d o " c o m m a r a v i l h o s o s lembretes visuais d e que devem o s prestar atenção a nossos sonhos. O q u e c o m e ç o u c o m o u m i n s t r u m e n t o p a r a m e u camin h o espiritual expandiu-se p a r a incluir m u i t o s outros. A l é m de oficinas p a r a fazer a p a n h a d o r e s de s o n h o s , e s t o u profundamente envolvida c o m trabalhos curativos. As p e n a s ainda c h e g a m a m i m c o m o u m a garantia de que estou no c a m i n h o certo. A m a i s recente a p a r e c e u enquanto e u dirigia outra vez n u m a rodovia. U m a p e n a e n o r m e caiu a m i n h a frente do lindo céu azul. Eu teria p a r a d o para p e g á la se n ã o fosse o c h o q u e e o fato de estar a c e m quilômetros p o r hora, a i n d a "aturdida" p o r causa de u m a cura que acontecera no dia anterior. N ã o sou a primeira a dizer isso, m a s me p a r e c e claro que as p e n a s se c o n e c t a m para n o s m o s t r a r o g r a n d e conhecim e n t o que está m u i t o p r ó x i m o de nós. Elas se c o n e c t a m ao Pai C é u e à M ã e Terra. N u m a linguagem moderna, nós p e r d e m o s o insight, nossa ligação c o m o eu intuitivo. Se u m a p e n a m i s t e r i o s a m e n t e aparece n u m m o m e n t o d e iluminaç ã o , q u a n d o f a z e m o s c o n t a t o c o m esse eu a d o r m e c i d o , é u m a p o d e r o s a l e m b r a n ç a d e sabedoria d e u m t e m p o distante, q u a n d o c o n h e c í a m o s n o s s a s ligações c o m o ambiente e conosco.

76

Asas em Meus Pés Pena Estelar Minha relação c o m as penas c o m e ç o u antes que eu p e r c e besse. Quando jovem, eu passava horas caminhando nas praias de C a p e C o d , c a t a n d o penas, c o n c h a s e pedras. As c a m i n h a d a s e a b u s c a faziam parte de m e u processo de cura emocional. Eu tinha p o t e s de vidro cheios de penas, as quais colecionei s i m p l e s m e n t e porque a d o r a v a sua beleza. A o s p o u c o s , fui b u s c a n d o m i n h a trajetória para o Espírito p o r m e i o de m e d i t a ç ã o , ioga, c a m i n h a d a s na praia e estudos metafísicos. D u r a n t e u m a das aulas, e x p l o r á v a m o s visualização dirigida c o m o forma de receber orientação. Q u a n do e n t r e i em m e d i t a ç ã o , p e r g u n t e i : " Q u a l é a função de m i n h a v i d a ? " . E u e s p e r a v a obter s e n t e n ç a s claras e m m i nha m e n t e , p o r é m , a o invés disso, obtive u m filme. V i u m céu estrelado c o m quatro penas b r a n c a s e n c a m i n h a n d o - s e a o centro. E s s a s p e n a s cintilantes e s t a v a m unidas p o r u m cordão dourado. Tratava-se d e u m a p o d e r o s a i m a g e m , rica em s i m b o l i s m o , e q u e afirmava m i n h a trajetória c o m o artista espiritual. Acredito que a proposta de "fazer a r t e " ou do processo criativo visa a cura, e u m a obra finalizada é um l e m b r e t e desse processo. Vi as p e n a s brancas de m i n h a visão c o m o u m a pintura sagrada. Ao abrir u m a p e q u e n a galeria, cham a d a Arte & A l m a , m o n t e i u m a oficina intitulada Pintando de Dentro para Fora, a fim de estimular as pessoas (inclusive eu) a expressar e curar seu interior. P i n t á v a m o s de

77

acordo c o m a intuição, u s a n d o i m a g e n s que r e c e b í a m o s de meditações dirigidas. Algumas de minhas pinturas poss u í a m um tema indígena, e as penas apareciam c o m freqüência em m e u trabalho. A p e n a de águia, p o r e x e m p l o , é um símbolo clássico do Espírito, pois ela tocou as n u v e n s e caiu na terra. P o r é m , n ã o h a v i a águias em C a p e C o d . A m i n h a volta, os artistas p i n t a v a m gaivotas, d u n a s de areia e p a i s a g e n s d a baía d e C a p e C o d . E u m e p r e o c u p a v a cada v e z m e n o s c o m o aspecto comercial do trabalho artístico e cada vez m a i s em explorar essa arte interior: m e d i t a ç ã o , escrita automática e outras h a b ü i d a d e s psíquicas. M e u foco estava m u d a n do. C o m e c e i a me q u e s t i o n a r se fazia a coisa certa ou se perdia a n o ç ã o da realidade. U m dia, e m m i n h a confusão, decidi apelar a o Criador. F u i à praia e disse: — Ei, estou no caminho certo ou não? Preciso de um sinal, algo que me dê certeza, algo que afirme minhas crenças. Continuei a andar, m a s n ã o vi n e m senti n a d a q u e se ass e m e l h a s s e a um sinal. À beira do desespero, parei n o v a m e n t e e abri m e u s braços p a r a o céu. — É i m p o r t a n t e para m i m — c l a m e i em v o z alta. — P o r favor, m o s t r e - m e que está me ouvindo... que estou conectada. O u que d e v o m u d a r m e u c a m i n h o . — A n g u s tiada, n ã o vi n a d a . N ã o senti resposta. Triste, olhei para b a i x o a fim de dar o primeiro p a s s o para voltar. N o s m e u s pés havia u m p a r d e asas d e gaivota, u m a e m cada pé. E r a u m sinal: asas e m m e u s pés! D e repente, senti-me v e r d a d e i r a m e n t e vista e r e c o n h e c i d a , c o m o se o Espírito h o u v e s s e escrito um e n o r m e SIM em m i n h a lousa espiritual c o m aquelas asas de gaivota. O sinal me d e u c o -

78

r a g e m para prosseguir m i n h a trajetória, confiando no universo p a r a a m p a r a r m i n h a s escolhas. D o i s anos após a v i s ã o das quatro p e n a s brancas no céu estrelado, encontrei o h o m e m c o m o qual me casei. U m a s e m a n a d e p o i s d e n o s c o n h e c e r m o s , ele m e a p e l i d o u d e P e n a Estelar. Senti um arrepio: eu n ã o lhe dissera n a d a sobre a v i s ã o . Q u a n d o ele me c h a m o u de P e n a Estelar, foi c o m o s e falasse a m i n h a a l m a c o m o u m m e n s a g e i r o d e m e u n o m e espiritual. A v i s ã o tornou-se ainda m a i s real q u a n d o u m a m u l h e r que e u m a l conhecia p r e s e n t e o u - m e c o m quatro penas brancas. Ela disse que c a m i n h a v a n u m a ilha q u a n d o sentiu u m a forte p r e m o n i ç ã o d e q u e " e n c o n t r a r i a p e n a s p a r a P e n a Estelar". M o m e n t o s d e p o i s , ela a c h o u q u a t r o p e n a s b r a n cas, as quais trouxe para m i m . Fiz um l e q u e especial c o m elas, o qual uso em m e u trabalho curativo. M a i s de u m a vez, as p e n a s foram sinais importantes p a r a m i m . S ã o u m a m a n e i r a de receber a confirmação e o c o n h e c i m e n t o de q u e o Espírito n ã o é fruto de m i n h a i m a g i n a ção. As p e n a s são u m a manifestação física do Espírito que se liga a todos nós. E l a s me ajudam a l e m b r a r de que qualquer coisa é possível.

79

Meditação VISÃO DA VIDA

Corvo Lamoreux-Dodd liderou essa meditação dirigida para um grupo de vinte pessoas. Escutamos histórias de penas e contamos as nossas. Sentamos em círculo, cada um com sua pena, e nos harmonizamos com os poderes do universo que nos rodeavam. A sala tornou-se carregada de energia. Finalizamos a meditação com uma dança e um canto, enquanto Corvo tocava tambor: Escutamos o vento e o sonho Estamos no vento e cantamos Voamos ao vento com nossas asas com nossas asas com nossas asas • Escolha uma pena de poder ou uma que tenha significado para você. • Sossegado, feche os olhos e segure a pena com as duas mãos. • Erga os braços e ponha a pena em seu primeiro chacra (abertura energética no centro de sua cabeça). Essa é a ligação com o divino. Nos olhos de sua mente, crie um vórtice branco e visualize-o surgindo desse chacra. Pergunte: "Qual é o caminho de meu mais alto bem?, ou diga: "Por favor, mostre-me o caminho de meu mais alto bem". • Mova a pena para o chacra do terceiro olho (abertura energética no centro de sua testa) e crie um vórtice lilás. É sua ligação com o conhecimento espiritual. Mais uma vez, faça a pergunta ou repita o pedido. • Mova a pena para o chacra da garganta (abertura energética na base de sua garganta) e crie um vórtice azul. Faça a mesma pergunta. • Mova a pena para o chacra do coração (abertura energética no meio do peito) e crie um vórtice verde. Faça a pergunta de novo. 80

• Mova a pena para o terceiro chacra (abertura energética na área do plexo solar) e repita o exercício com a cor amarela. • Mova a pena para o segundo chacra (abertura energética abaixo do umbigo) e repita com a cor laranja. • Mova a pena para o primeiro chacra (abertura energética na região entre as pernas) e repita com a cor vermelha. • Por fim, deslize a pena ao longo do corpo, visualizando o arcoíris de cores que criou, até que seus braços estejam acima da cabeça. Levante a pena, ainda acima da cabeça, esticando os braços em direção ao céu. Repita a pergunta mais uma vez e agradeça o universo pela resposta que virá. Você pode fazer essa meditação sempre que precisar de direção ou confirmação de que está em seu caminho.

81

Parte D o i s

0 Poder das Penas: Mensagens de Cura e Transformação

Penas e Sonhos: Uma Entrevista com uma Analista Junguiana Maril Crabtree As p e n a s em si são objetos concretos e tangíveis; são partes da asa de um pássaro, m e t i c u l o s a m e n t e construídas para executar o que a n a t u r e z a ditou. A despeito da cor, do tam a n h o e do formato, os c o m p o n e n t e s b á s i c o s de u m a p e n a nunca mudam. O que significam as penas, porém, não é tangível, embora seja mais ou menos definível, e sua simbologia pode m u d a r de u m a circunstância para outra. O que as penas significam pode ser tão efêmero e intangível quanto um sonho. M a s o m u n d o dos sonhos possui estrutura própria, u m a geografia específica, um conjunto próprio de símbolos e significados. A interpretação dos s o n h o s existiu n o s t e m p o s bíblicos e na época dos oráculos gregos. No m u n d o contemporâneo, o trabalho de psicoterapeutas, c o m o S i g m u n d Freud, Alfred Adler, Carl J u n g e Erich F r o m m , revelou os s o n h o s c o m o u m a a b e r t u r a p a r a a p s i q u e , e x p r e s s õ e s do inconsciente e valiosos guias para n o s s a v i d a desperta. Q u a n d o me reuni c o m a psicoterapeuta junguiana M a r y Dian M o l t o n para discutir penas e sonhos, a conversa n o s levou a esses domínios e muito mais. T o m a m o s chá e sabor e a m o s fatias d e laranja n u m a c o n c h e g a n t e c o n s u l t ó r i o , rodeadas por livros, tapetes orientais e u m a m e s a forrada de 85

papéis. Fazia frio e n e v a v a do lado de fora; o céu cinzento apagava qualquer evidência de pássaros naquele m o m e n t o . — Se a l g u é m sonha c o m u m a p e n a — ela diz — eu p o deria associar tal fato c o m o Espírito. As p e n a s p o d e m ser u m s í m b o l o daquilo que n o s leva a o m u n d o imaginário o u a o m u n d o espiritual. P o d e m significar u m m e i o para encontrar as fantasias desse a l g u é m . P o d e m representar um sinal do que é criado, quase literalmente, do n a d a — ou seja, fora dos sistemas da psique pelos quais u m a idéia adquiriu u m a forma, u m símbolo. M a r y D i a n faz u m a p a u s a e t o m a o chá. — N ã o há nada no m u n d o das formas q u e n ã o se origine na fantasia. Esta cadeira, esta xícara, este b u l e de chá — ela a p o n t a — , n e n h u m deles existiu e m forma física antes d e ter existido em p e n s a m e n t o , em fantasia. Se as p e n a s repres e n t a m e s s e v ô o da fantasia, essa c o n e x ã o c o m o d o m í n i o d a i m a g i n a ç ã o , e n t ã o , v o c ê p o d e r i a dizer q u e , certa v e z , existiu u m a p e n a p a r a u m a xícara, u m a p e n a para u m bule, u m a p e n a para tudo que v o c ê vê a n o s s a volta. E n q u a n t o assimilo tudo isso c o m u m a fatia de laranja, ela continua: — É a transformação em símbolo. Há o desejo arquetípico de voar, tal qual no mito de ícaro. Os egípcios acreditavam que, na h o r a da m o r t e , a a l m a era p e s a d a n u m a b a l a n ç a em contraposição a u m a pena, a p e n a representando a verdade. Os astecas r e v e r e n c i a v a m Q u e t z a l c o a t l , a serpente e m p l u m a d a c o m o u m p o d e r o s o s í m b o l o d e fertilidade e vida. C o m o vê — ela sorri, l e v a n d o a xícara aos lábios —, a p e n a p o d e representar a transformação em a m b a s as extrem i d a d e s d o espectro. M i n h a c a b e ç a está girando — ou v o a n d o — n u m estado de total e n c a n t a m e n t o . P e n s o na famosa fénix, a ave da m i tologia egípcia, c o n s u m i d a pelo fogo e renascida das cin-

86

zas: o pássaro da m o r t e e da ressurreição que p o d e ser interpretado c o m o u m s í m b o l o d o r e n a s c i m e n t o espiritual. P e n s o nos deuses e n a s deusas retratados, ao longo dos séculos, c o m penas o u asas o u c o m o pássaros mágicos: Zeus transformando-se em cisne, anjos d a n ç a n d o na cabeça de um alfinete, e a s s i m p o r diante. Sinto a confusão a que se referiu o sensitivo E d g a r C a y c e , q u e analisou e interpretou centenas d e s o n h o s n a primeira m e t a d e d o século X X , quand o s o n h o u c o m " p e n a s voadoras". Q u a n d o m e n c i o n o a interpretação de C a y c e a M a r y Dian, ela concorda. — F r e q ü e n t e m e n t e , q u a n d o s o n h a m o s c o m v ô o s , significa que nossa espiritualidade está submersa, que nossa vida está praticamente "de pernas para o ar". C o n v e r s a m o s s o b r e As Três Penas, o f a m o s o c o n t o dos I r m ã o s G r i m m , no qual o velho rei, a fim de escolher seu sucessor, i m p ô s aos três filhos a tarefa de encontrar o m a i s lindo dos tapetes. Para evitar disputas entre eles, o rei lanç o u três penas ao ar e p e d i u aos filhos q u e cada um seguisse u m a delas. Os dois irmãos "mais e s p e r t o s " o b s e r v a r a m u m a das penas voar para o leste e a outra para o oeste. A terceira flutuou um p o u c o e caiu na terra. Eles r a p i d a m e n t e d i r i g i r a m - s e à e s q u e r d a e à direita, z o m b a n d o do i r m ã o " t o l o " , que ficaria c o m a terceira pena. M a s aquela p e n a apontava para baixo, em direção a u m a toca, o n d e o tolo e n c o n t r o u a b ê n ç ã o q u e o fez g a n h a r o reinado. S e g u n d o a análise de M a r y D i a n Molton, a solução n ã o se daria pela lógica ou pela razão, m a s sim pelas mãos do destino. — A s s i m é a p e n a — ela diz. — P o d e m o s pensar que o vento sopra as p e n a s e o espírito. (...) o espírito que m o v e as coisas ao redor da psique, que e n t e n d e a idéia da plenitude do tempo, a parte da psique q u e é inarticulada, tola, 87

lenta, distante do i m e d i a t i s m o racional. E s t a é a s o l u ç ã o mágica. Resquícios de Forrest G u m p . — L e m b r a - s e daquela p e q u e n a p e n a b r a n c a que flutuava ao redor do p e r s o n a g e m , mostrando-lhe o c a m i n h o ? — eu pergunto. — Ou teria sido apenas o "destino"? — O destino é outro termo difícil de se definir e, para m i m , está longe de ser s i m p l e s — M a r y D i a n r e s p o n d e . — No p e n s a m e n t o j u n g u i a n o , o d e s t i n o p o d e ser e n t e n d i d o de várias formas. U m a delas seria s i m p l e s m e n t e u m a "função da sincronicidade". I m a g i n o a i m u t á v e l m ã o da sincronicidade, erguendo o caldeirão de sonhos, m e x e n d o a sopa da psique para ver que arquétipos estão cozinhando. Penas, asas e v ô o estão entre os símbolos m a i s arcaicos q u e incitam n o s s a ânsia de n o s conectarmos c o m o p o d e r o s o m u n d o aéreo, l u m i n o s o e espiritual, n o s s o desejo de "desatar os velhos laços da terra" e n o s transformarmos em algo irreconhecível, exceto para o nível da a l m a ou para o q u e a a l m a simboliza. No símbolo, afinal, encontra-se a transformação.

88

Espírito da Pena Denise Linn

Durante m i n h a vida, tive a oportunidade de conhecer certo n ú m e r o de culturas ao redor do m u n d o . Em a l g u m a s dessas culturas nativas, fui p r e s e n t e a d a c o m um n o m e . Tratase de u m a honra e o n o m e me liga ao p o v o da tribo ou à cultura. Para o p o v o Zulu, s o u c h a m a d a de N o g u k i n i . Os Maoris neozelandeses chamam-me de Whetu-Marama-OteRangi. Trinta anos atrás, ao estudar as tradições antigas do H a v a í c o m um k a h u n a ( x a m ã ) , recebi o n o m e h a v a i a n o de Maileonahunalani. Gosto muito dos n o m e s que recebi ao longo dos anos; no entanto, eu tinha o desejo de receber um n o m e espiritual que refletisse m i n h a verdadeira origem indígena. Rezei para que tal n o m e me fosse presenteado diretamente pelo Criador. N u m a tarde quente de verão, senti a súbita necessidade de a n d a r na floresta q u e se e s t e n d i a entre as m o n t a n h a s Cascades, p r ó x i m o à p e q u e n a colina o n d e m o r á v a m o s . Eu já h a v i a p a s s e a d o pela floresta várias vezes, s e m p r e encontrando mistério nas coisas m a i s comuns: o formato de u m a folha caída sobre a terra ao sol do meio-dia; o s o m das criaturas invisíveis fazendo suas casas a m e u redor; a abundância e a q u a s e infinita v a r i e d a d e de arbustos, flores, m a t o , c o m todos v i v e n d o em h a r m o n i a e c o o p e r a ç ã o . A o s u b i r n o t o p o d e u m a c o l i n a forrada d e p i n h e i r o s , parei s o b u m a grande árvore e fechei os olhos. H a v i a tranqüilidade e paz. N e m s e q u e r escutava o canto habitual dos 89

pássaros ou o z u n i d o d o s insetos. Eu r a r a m e n t e e x p e r i m e n tara t a m a n h a quietude. P e r m a n e c i sentada durante horas, de olhos fechados, ciente da brisa suave q u e roçava m e u s cabelos, e s p e r a n d o um sinal do Espírito. D e r e p e n t e , senti u m a m u d a n ç a n o a r d a floresta. F o i c o m o s e sutis ondulações d e energia m e p e n e t r a s s e m . R e s p i r a n d o fundo, l e n t a m e n t e abri os olhos. A p o u c o s m e t r o s diante d e m i m , n u m galho, achava-se u m a g r a n d e coruja. E l a e s t a v a tão perto q u e , se eu esticasse o b r a ç o , p o d e r i a acariciar suas penas. Ela n ã o se m o v i a , o l h a v a diretamente p a r a m e u s olhos. A floresta p a r e c e u desaparecer, restando apenas aquele par de olhos enormes. Parecia que ambas respirávamos nossa essência. Então, c o m um piscar de olhos, a v e l h a coruja e r g u e u as asas e silenciosamente adentrou a floresta. A p ó s alguns instantes, os sons da m a t a retornaram, c o m o se nada houvesse acontecido. Eu me levantei devagar e a p r o x i m e i - m e do galho, o n d e a coruja p o u s a r a . H a v i a três p e n a s b r a n c a s sobre ele. Eu as peguei e apreciei a textura m a c i a e a incrível b r a n c u r a . De súbito, o u v i u m a v o z interior, dizendo: — P o n h a as p e n a s em sua bolsa de cura agora. — As palavras m e espantaram. E u possuía u m a linda b o l s a d e pele d e g a m o , m a s ela n ã o estava c o m i g o n a q u e l e dia. M a i s u m a vez, escutei a voz: — P o n h a as penas em sua b o l s a de cura. O convite p a r e c e u claro. P e d i a m - m e que eu colocasse as p e n a s dentro d e m e u corpo. S e m t i t u b e a r , j o g u e i a s p e n a s em m i n h a b o c a e as engoli. À m e d i d a que sentia as p e n a s d e s c e n d o p e l a garganta, p u d e sentir m e u espírito expandir. A v o z interior continuou: — O a s p e c t o curativo da coruja s e g u e c o m v o c ê . Trata-se do p o d e r de v e r a luz através da escuridão. Do m e s m o jeito q u e inseriu as p e n a s da coruja em seu corpo, o espírito da 90

Coruja p e n e t r o u em seu ser e estará s e m p r e disponível para você. Gradualmente, a visão desapareceu e a voz silenciou. Voltei à realidade da floresta, sentindo um m i s t o de leveza, abertura, p o d e r e força, que continua a me nutrir. E hoje, levo c o m i g o m e u N o m e Espiritual d e P e n a Branca.

91

Professoras em Sonhos Gina Ogden As avós v i e r a m até m i m e disseram: S o m o s muitas. N o s s o cabelo é b r a n c o c o m o as p e n a s N o s s a p e l e é lisa e brilhante c o m o as rochas. Viemos da bruma. S o m o s a lua S o m o s a luz S o m o s o olho na pata do p u m a a oração na asa da águia. N o s s a s m ã o s são o fogo da terra o arco-íris na rocha. N o s s o r e m é d i o é forte. N ó s a s e g u r a m o s c o m o um b e b ê . N ó s a a l i m e n t a m o s c o m o l u m i n o s o carvão da verdade. N o s s a c a n ç ã o é o pulsar do t a m b o r O rugido em s e u coração. Escute. Nossas v o z e s c o r r e m c o m o á g u a sobre as rochas a c a m i n h o do oceano. C l a m a m o s o rugido e m c a d a ser que s e m o v e . S o m o s o s o p r o da vida 92

o v e n t o no trigo o sussurro no ouvido. Em nossas línguas t e m o s o p ã o da sabedoria. S o m o s as avós. S o m o s as estrelas S o m o s a lua Somos a bruma S o m o s as pedras eretas. S o m o s silenciosas c o m o a s penas. C h e g a m o s , de repente, na noite. Não devemos nos mover.

93

Do Coração da Águia Maril Crabtree Don A l b e r t o T a x o assemelha-se ao retrato de Jesus: esguio, pele cor de oliva, cabelos escuros e c a c h e a d o s tal qual u m a auréola natural. Ele usa r o u p a s simples e sandálias, do jeito que as pessoas c o m u n s do E q u a d o r se v e s t e m . M a s a energia que e m a n a de sua p r e s e n ç a está l o n g e de ser c o m u m . O u v i d i z e r q u e esse h o m e m c u r a v a c o m p e n a s e quis conhecê-lo pessoalmente. Consegui marcar um encontro c o m ele, no fim da tarde, a fim de conversar sobre suas curas. M a s seu avião atrasou-se e D o n Alberto chegou poucos m i n u t o s antes de iniciar a palestra. Corri ao auditório. A m a i o r i a das cadeiras fora o c u p a d a e havia um clima de expectativa no ar. Eu me encontrava n o s fundos do i m e n s o salão q u a n d o ele c h e g o u . N ã o estava p r e p a r a d a para o p o d e r que senti a s s i m q u e aquele h o m e m entrou. Senti-me a i n d a m a i s d e s p r e p a r a d a para o que aconteceu q u a n d o fui apresentada a ele. S u a intérprete me a p o n t o u e D o n Alberto aproximou-se, sorrindo. E s t e n d i m i n h a m ã o , m a s ele s e g u r o u m e u s omb r o s e me a b r a ç o u . A força de algo q u e eu c h a m a r i a de " i m e n s a c o m p a i x ã o " e n v o l v e u - m e e me invadiu. Então, ele se v i r o u e c a m i n h o u entre a m u l t i d ã o , d e i x a n d o - m e extasiada, c o m o s e e u tivesse p a s s e a d o p o r u m j a r d i m forrado de flores e plantas exóticas. D o n A l b e r t o falou p a r a n ó s n a q u e l a noite c o m o o líder espiritual de onze c o m u n i d a d e s latino-americanas, indica94

do pelo C o n s e l h o X a m â n i c o de Iachags (curadores, x a m ã s e v i d e n t e s ) dos A n d e s E q u a t o r i a n o s . F i l h o e neto de curadores x a m ã s , ele descobriu, em tenra idade, que seus dons s e r i a m — e m b o r a ele j a m a i s esperasse ser n o m e a d o "A Força da G r a n d e L u z " (o título oferecido a ele pelo C o n selho) — a ponte entre a A m é r i c a do Sul e a do Norte p a r a compartilhar antigas profecias e c o n h e c i m e n t o curativo. Suas palavras ao auditório foram simples: — Q u a n d o a águia do norte p u d e r voar c o m o condor do sul, o m u n d o será transformado. Águias e condores são aves de força e sabedoria, e juntos r e p r e s e n t a m a m e n t e e o coração do m u n d o . Há m u i t o a aprender da união dos dois — Don Alberto dissera, por m e i o de sua intérprete. Q u e estranho, pensei. A q u e l e h o m e m , que n ã o sabia falar i n g l ê s , q u e c r e s c e r a n u m a c i d a d e p o b r e e q u e a i n d a morava na m e s m a c o m o curandeiro, fora escolhido para falar a respeito de transformação a u m a platéia de norte-americanos sofisticados. Pensei n o v a m e n t e e m Jesus, seu n a s c i m e n t o n u m a m a n jedoura e sua vida h u m i l d e , os sinais de sabedoria precoce q u a n d o aos d o z e anos ele falava aos m a i s velhos do m e s mo jeito que D o n A l b e r t o que, aos quinze anos, desafiara os x a m ã s experientes a liberar seus segredos antigos para o b e m do planeta. — Q u a n d o a luz do coração da á g u i a resplandecer, ela iluminará o m u n d o — D o n Alberto disse. — O coração sabe sentir. P e r m i t a m que seus corações liguem-se aos elementos da natureza — o ar, a água, a terra. Q u a n d o vocês sentirem a conexão, estarão p r ó x i m o s do Criador. L e m b r e i - m e das i n ú m e r a s vezes em q u e encontrei penas: sempre na natureza, sempre me trazendo o sentimento abenç o a d o do m u n d o espiritual invisível que sei existir, p o r q u e , nesses m o m e n t o s de c o n e x ã o , eu o sinto. 95

— P e r m i t a m que cada lugar e c a d a m o m e n t o sejam sagrados — ele continuou. — Simplesmente sentiam. Simplesm e n t e permitam-se sentir. E l e e n t o o u c a n ç õ e s x a m â n i c a s e m sua l í n g u a n a t i v a e c o n v i d o u - n o s a a c o m p a n h á - l o c a n t a n d o ou m u r m u r a n d o quaisquer sons que n o s v i e s s e m naquele m o m e n t o . — N ã o se c o n c e n t r e m nas palavras — ele disse. — É um convite ao coração. O coração de vocês sentirá as palavras e aprenderá o ritmo. D u r a n t e os cinco m i n u t o s seguintes, p r e e n c h e m o s a sala c o m sons lindos, inspirados pela simplicidade de seu convite. E n q u a n t o cada um cantava a partir do coração, de olhos fechados, os sons fundiam-se n u m a florescente h a r m o n i a , dando um n o v o significado à expressão música das esferas. Em seguida, ele p e g o u sua trouxa de penas e convidou nosso líder espiritual a receber u m a cura "para o benefício de todos". O ministro se a p r o x i m o u e D o n A l b e r t o direcionou as p e n a s à aura energética que rodeava o c o r p o do ministro. E n q u a n t o roçava as p e n a s ao longo do corpo dele, D o n Alberto cantava b a i x i n h o em sua língua nativa. As p e n a s s u b i r a m l e n t a m e n t e pela c o l u n a do ministro, l i m p a n d o e purificando. Então, ao parar diante do coração, D o n Alberto cantou. Ele trabalhou nos dois lados do corpo de n o s s o líder e, finalmente, n u m a b ê n ç ã o , c o l o c o u as penas no topo da cabeça do ministro. A e n e r g i a do c o n d o r e da águia — m e n t e e coração — fundiu-se e conectou-se ao corpo físico, assim c o m o ao espírito. N a q u e l e instante, senti a paz invadir m e u corpo, u m a inefável sensação de bem-estar interior. Lembrei-me de u m a velha canção infantil, c h a m a d a Cumprindo Promessas. C u m prindo a p r o m e t i d a união entre coração e m e n t e , senti-me renovada e abençoada por aquele c o m p r o m i s s o global.

96

Ritual CURANDO COM PENAS

Don Alberto Taxo Don Alberto Taxo, por meio de sua intérprete, deu as seguintes instruções para utilizar as penas num ritual curativo. Ao usar as penas, você estará trazendo o elemento ar à cerimônia. Ao se conectar a esse elemento, você cria uma ligação em termos de sensibilidade com toda a natureza. • Comece pedindo ao vento que passe a energia das penas à aura da pessoa que precisa de cura. • Use a energia das penas para remover a energia negativa do corpo, roçando as penas da direita para a esquerda ou roçando-as da esquerda para a direita, quando quiser coletar energia positiva. • Posicionando as penas em diferentes partes do corpo, você poderá dessa maneira afastar a energia negativa e restaurar a energia positiva. • Use penas grandes e largas para ajudar a tirar a energia negativa e penas menores, estreitas e coloridas para trazer energia positiva para o corpo. • Enquanto você acaricia suavemente a aura que rodeia o corpo, peça às penas que protejam e purifiquem o corpo com sua energia, para trazer harmonia e equilíbrio à aura.

97

O Poder da Águia Bobby Rae Sullivan Fui criada n u m r a n c h o e m D a k o t a d o Sul. M i n h a m ã e s e m pre c o n v e r s a v a c o m i g o a respeito da águia e de quão importante ela era para n o s s o p o v o , os O g a l a S i o u x . Se v o c ê visse, p o r e x e m p l o , u m a águia durante u m a v i a g e m , significaria q u e a j o r n a d a seria boa. Se a águia derrubasse u m a p e n a , este seria o m e l h o r i n s t r u m e n t o de cura de todos e v o c ê poderia usá-la p a r a ajudar a si e aos outros. D u r a n t e m i n h a vida, m i n h a m ã e g a n h o u três p e n a s d e águia. Ela as guardou, d i z e n d o - m e que, a l g u m dia, haveria d e usá-las p o r u m m o t i v o especial. N u n c a dei muita i m p o r tância, m a s era u m sinal impressionante ver u m a p e n a caindo do c é u justamente sobre o lugar o n d e e s t á v a m o s , enquanto a águia v o a v a . M i n h a m ã e encontrou u m a das três p e n a s perto de o n d e as águias faziam seus n i n h o s , n u m a colina de n o s s o rancho. A ú l t i m a veio até ela p o u c o depois de um a m i g o m o r r e r repentinamente. T í n h a m o s a c a b a d o de voltar do enterro e v i m o s a p e n a no m e i o da estrada, em frente à porteira do pasto. — T e n h o certeza de que é u m a m e n s a g e m dele — ela disse, sorrindo. — Q u a n d o é r a m o s crianças e brincávamos de procurar corvos, cada v e z q u e ele avistava u m a águia diziame que um dia flutuaria nas alturas, olhando para todos aqui e m b a i x o . D i s s e que jogaria u m a pena para a s pessoas que gostava e, para aqueles q u e n ã o gostava, jogaria outra coisa! 98

M u i t o s anos se p a s s a r a m . C a s e i - m e e dei a m i n h a m ã e três netas. M i n h a p r i m e i r a filha n a s c e u forte e saudável. A segunda teve alguns p r o b l e m a s , m a s l o g o o s superou. M i n h a caçula, Lisa, veio ao m u n d o saudável, p o r é m , aos três anos, d e s e n v o l v e u apoplexia devido a u m a febre e x t r e m a m e n t e grave. E n q u a n t o as afecções c o n t i n u a v a m a n o após ano, eu consultava médicos para descobrir o que poderia ser feito. N a d a parecia ajudar. Q u a n d o Lisa c o m p l e t o u sete anos, m e u m a r i d o preparava-se p a r a u m a D a n ç a d o Sol. Pedi-lhe que incluísse Lisa em suas preces. M i n h a m ã e entregou-lhe as três penas de águia que guardara todos aqueles anos. — Sinto que este é o m o t i v o pelo qual guardei essas p e nas — ela disse. — P o r favor, l e v e - a s e use-as e n q u a n t o estiver d a n ç a n d o e r e z a n d o p o r Lisa. P o u c o t e m p o depois, m e u irmão me l e v o u a um ritual, a c h a m a d a " t e n d a do suor". Durante a cerimônia, eu disse ao curandeiro que eu estava r e z a n d o p o r m i n h a filha doente. Depois que a c e r i m ô n i a terminou, ele me p u x o u de lado. — S u a filha já está s u b m e t i d a a u m a m e d i c i n a p o d e r o s a por m e i o da D a n ç a do Sol. O p o d e r da águia está trabalhando p o r ela e trata-se de u m a m a g i a m u i t o forte. Em seu oitavo inverno, a m e n i n a estará livre desse m a l que afeta sua mente e corpo. F i q u e i c h o c a d a c o m tais palavras. Eu n a d a lhe dissera a respeito d e m i n h a m ã e , das penas d e águia, d e m e u m a r i d o ou da D a n ç a do Sol da qual ele participara para o benefício de Lisa. Q u a n d o m i n h a filha c o m e m o r o u seu oitavo aniversário, ela o fez s e m a ajuda de m e d i c a ç õ e s . H a v i a quatro m e s e s que n ã o mais sofria afecções. L e m b r e i - m e de todas as histórias que m i n h a m ã e contara sobre a cura da águia e sobre

99

c o m o o p o d e r desse a n i m a l é forte q u a n d o u s a d o de m a neira correta. M i n h a m ã e n ã o se s u r p r e e n d e u c o m a n o v i d a d e de que Lisa n ã o m a i s sofria de apoplexia. Q u a n d o e n t r e g o u as p e nas a m e u m a r i d o , ela me disse, sentiu o p o d e r da águia se transferir para ele.

100

Faróis da Noite Eleanor K. Sommer A s corujas s e m p r e r e s v a l a r a m p a r a m i n h a p s i q u e c o m o símbolos de mistério e sabedoria. M e s m o q u a n d o criança, eu adorava escutar os c h a m a d o s das corujas que h a b i t a v a m as florestas ao redor de n o s s a casa em N o v a Jersey. A i n d a hoje consigo visualizar os olhos i m e n s o s e as asas gigantescas, escuto o golpe de ar q u a n d o elas a l ç a m v ô o à procura de u m a presa. C a ç a d o r e s noturnos. E s p e c t r o s da morte. V i sionários precisos. A coruja vê o que outros n ã o p o d e m ver. A coruja n e m s e m p r e traz b o a s notícias, m a s é um p o d e r o so símbolo de transformação. M i n h a m o r a d a na floresta t e r m i n o u q u a n d o fui à Flórida estudar. As corujas a p a r e c i a m p a r a m i m em raras ocasiões, q u a n d o visitava m e u s familiares, a c a m p a v a ou quando visitava a m i g o s que m o r a v a m e m áreas m e n o s populosas. S o m e n t e ao me m u d a r para Naples, Flórida, elas voltar a m a fazer parte de m i n h a vida. D o i s pinheiros p r ó x i m o s a n o s s a c a s a e r a m o lar de um casal de corujas, q u e , no m í n i m o , já residia ali m u i t o antes de c h e g a r m o s . O c h a m a do familiar e a p r e s e n ç a etérea d e s p e r t a r a m m i n h a ligação c o m aquelas grandes aves predadoras. N o s s a vizinhança p o s s u í a u m p e q u e n o parque. U m carv a l h o , a l g u m a s p a l m e i r a s e os p i n h e i r o s c o m p u n h a m o poleiro perfeito p a r a as corujas e u m a linda vista para os m o r a d o r e s . M e u m a r i d o e eu s e m p r e p a s s e á v a m o s pelo parq u e ao entardecer, e s c u t a n d o as corujas, e n q u a n t o estas se p r e p a r a v a m p a r a a caçada noturna. 101

As caminhadas sempre nos relaxavam, especialmente q u a n d o n o s v í a m o s e m conflito acerca d e n o s m u d a r m o s para outra região da Flórida. A d o r á v a m o s N a p l e s , m a s a cidade tornava-se p o v o a d a e comercial demais. A n s i á v a m o s p e l a " v e l h a F l ó r i d a " . N o s s o p a s s e i o s , então, t o r n a r a m - s e discussões meditativas. Para onde iríamos? D e v í a m o s ficar? Certa noite, fiz a pergunta às estrelas e abri m e u s braços para o céu. N a q u e l e m o m e n t o , um instante de entrega, u m a das corujas v o o u sobre m i n h a c a b e ç a e senti sua c a u d a roçar m e u s cabelos. — Eis sua resposta — m e u m a r i d o e x c l a m o u . De fato, foi u m a resposta. Transformação. U m a m u d a n ça. Um sinal de que era hora de fazer algo n o v o . Na m a n h ã s e g u i n t e , m e u insight se c o n f i r m o u q u a n d o m e u m a r i d o t r o u x e u m a p e n a d e coruja, q u e h a v i a caído em frente a n o s s a casa. — A c h o que é para v o c ê — ele disse. As amigas aladas quase fugiram por causa do ruído ensurdecedor da serra que cortou um dos pinheiros que elas c h a m a v a m de lar. Nossa vizinha rabugenta não gostava das pinhas que caíam em seu carro, riscando a pintura do automóvel. Eu h a v i a sugerido que ela estacionasse o carro do outro lado da casa, m a s a mulher preferiu derrubar a árvore. E m n o s s a festa d e despedida, u m a amiga m e trouxe u m envelope cheio de penas de coruja que ela e o m a r i d o hav i a m encontrado n u m a c a m p a m e n t o . Amarrei-as a m i n h a primeira p e n a de coruja, j u n t o c o m conchas e pedras marinhas de m i n h a s praias favoritas em Naples: l e m b r a n ç a s para eu levar c o m i g o . A d e u s , corujas. Q u e o lar de vocês continue seguro. A l u g a m o s u m a casa e m Gainesville, u m a c o m u n i d a d e n o centro da Flórida, conhecida p o r suas árvores espetaculares e por seus quilômetros de terra virgem. 102

P r o c u r a m o s um lote para comprar. Dirigimos e dirigimos, c o n s e g u i m o s n o s perder em estradas de terra, fomos perseguidos p o r cachorros e t a p e a d o s por corretores. Encontram o s um p e d a ç o de terra e o c o m p r a m o s antes de passar u m a noite n o local. Q u a n d o enfim a c a m p a m o s , f o m o s surpreendidos p o r u m holofote q u e p e r t e n c i a a o v i z i n h o . A l â m p a da do h o l o f o t e i l u m i n a v a n o s s o s c i n c o a c r e s , tal q u a l a D i s n e y w o r l d , o f u s c a n d o as á r v o r e s e f o r m a n d o s o m b r a s bizarras. Os majestosos c a r v a l h o s q u e t e r i a m b l o q u e a d o o brilho artificial e n c o n t r a v a m - s e l o n g e d e m a i s para proteger o e s p a ç o da casa. P i o r q u e o holofote era o silêncio da manhã. — V o c ê escutou? — perguntei a m e u m a r i d o , ao acordar. — O quê? — E x a t o — eu disse. — N ã o há pássaros! A c o m b i n a ç ã o de luz e ausência de v i d a s e l v a g e m n o s c o l o c o u n a estrada n o v a m e n t e . Enfim, d e s c o b r i m o s u m a propriedade e o b t i v e m o s perm i s s ã o de dormir u m a noite no local antes de assinarmos qualquer d o c u m e n t o . A q u e l e adorável lote de quatro acres c o m u m p e q u e n o riacho custava caro d e m a i s , m a s alguns amigos interessaram-se em dividir o custo c o m o objetivo de r e s t a u r a r e p r e s e r v a r a q u e l a r e g i ã o . O l o t e a c h a v a - s e p r ó x i m o a centenas de acres de u m a terra já preservada por duas c o m u n i d a d e s , c o m regras restritas quanto ao corte de árvores e o desenvolvimento desenfreado; n ã o esperávamos, portanto, n e n h u m a surpresa durante nossa primeira noite. D e p o i s que o sol se p ô s atrás dos pinheiros, u m a brisa suave s o p r o u e m c a m p o aberto, o n d e i m a g i n a m o s construir nossa casa. Pássaros e sapos e grilos c o m p u n h a m a canção noturna. A q u e l a terra estava viva! Q u a n d o o m a n t o escuro da noite cobriu as árvores, escutei aquele s o m tão familiar da coruja. 103

P u d e sentir m e u m a r i d o sorrir n a escuridão. — Você ouviu? — Ouvi. M a i s d e u m ano depois, finalmente n o s m u d a m o s p a r a n o s s o m o d e s t o chalé, felizes p o r fazer parte de u m a c o m u n i d a d e q u e a m a v a a natureza. N o s s a s a m i g a s corujas logo descobriram que seus vizinhos desejavam proteger o habitat. No dia seguinte, aventurei-me n u m a m a n h ã fria de dez e m b r o . Inalei o perfume dos pinheiros e observei o ar sair de minha b o c a em forma de fumaça devido ao gelo do amanhecer. Q u a n d o olhei para baixo, vi, a alguns centímetros de m e u s pés, u m a p e n a . U m a p e n a d e coruja. E u m e senti transform a d a , viva e pronta para u m a n o v a aventura nas florestas. A g o r a n ó s a s o u v i m o s c o m freqüência, p i a n d o q u a n d o se p r e p a r a m para jantar ou gritando ao declarar seu território. V e n d o o que n ã o v e m o s . G u i a n d o - n o s à transformação.

104

Um Espírito, uma Pena Hazel Achor M i n h a j o r n a d a espiritual c o m a s p e n a s c o m e ç o u m u i t o s anos atrás na Califórnia. C e r c a de quinze de n ó s n o s encontrávamos semanalmente para explorar princípios espirituais, m u i t o a l é m d o que h a v í a m o s aprendido e m nossa criação religiosa. N ó s nos c h a m á v a m o s de "A S o c i e d a d e Ô m e g a " e as r e u n i õ e s o c o r r i a m em n o s s a s casas. À m e d i d a q u e os encontros a c o n t e c i a m c o m o passar dos anos, todos n o s torn a m o s m u i t o amigos. E n t ã o , u m dos m e m b r o s , C l a u d e , sofreu u m enfarte. Ele e a esposa, que p o d i a m se c o m u n i c a r em níveis psíquicos, c o m b i n a r a m q u e , q u a n d o m o r r e s s e , C l a u d e enviaria u m s í m b o l o de sua p r e s e n ç a espiritual. A p ó s três dias, a e s p o s a e o m e l h o r a m i g o , q u e t a m b é m p e r m a n e c e r a ao l a d o de C l a u d e , v i r a m s e u espírito partir. A v i d a no p l a n o físico havia terminado para ele. A p e s a r de eu ter c o m p a r e c i d o ao enterro, o primeiro encontro d a S o c i e d a d e Ô m e g a s e m C l a u d e p a r e c e u - m e i n c o m pleto. P r o s s e g u i m o s , c o m esforço, a p r o g r a m a ç ã o , m a s enfim verbalizei o que acreditava que todos n ó s sentíamos. — N ã o consigo parar de pensar em C l a u d e — eu disse. — Sinto s a u d a d e s dele. Q u e r i a que h o u v e s s e um jeito de ainda tê-lo conosco. — Ele está c o n o s c o — sua esposa, D e l o r e s , disse c o m lágrimas nos olhos. — T a l v e z se m e d i t a r m o s juntos, ele possa reunir-se a nós o n d e quer que esteja. 105

Em silêncio, fizemos um círculo e r e z a m o s pelo espírito de Claude. F o i reconfortante d a r m o s as m ã o s e nos concentrarmos em n o s s o velho a m i g o , desejando-lhe o b e m . Perm a n e c e m o s assim p o r alguns m i n u t o s e, então, cada um de n ó s disse u m a oração e m v o z alta. Quando terminamos, abrimos nossos olhos e olhamos para baixo. N o centro d o círculo, h a v i a u m a p e n a e n o r m e , s e m e l h a n t e em t a m a n h o e m a r c a s à p e n a de u m a águia ou de um falcão. Um olhar de surpresa e p u r a alegria ilumin o u o rosto de Delores. — E s s e é o s í m b o l o que e s c o l h e m o s antes de ele morrer... u m a pena! — ela e x c l a m o u . — T o d a v e z que v i a j á v a m o s , n ó s c o l e t á v a m o s p e n a s . C l a u d e disse que s e u espírito m e enviaria u m a p e n a para m e m o s t r a r que ele estava b e m . Por m a i s cética que tivesse sido ao longo de m i n h a j o r n a d a espiritual, n a q u e l a noite tornei-me u m a " c r e n t e " n o fato de q u e nossas almas s o b r e v i v e m p a r a a l é m do p l a n o físico. D e s d e aquele dia, p e n a s t ê m aparecido c o m o um sinal d e apoio q u a n d o passo p o r u m a transição. M a s n u n c a m a i s esquecerei a p e n a que s i m p l e s m e n t e se materializou. Se foi m a n d a d a pelo espírito de C l a u d e ou p e l o u n i v e r s o n ã o importa; o importante é que ela representa um milagre da infinita interligação.

106

Jornada da Pena Anna Belle Fore M e u c a m i n h o c o m a s p e n a s c o m e ç o u durante u m a meditação dirigida p o r Ernestine Cline, u m a artista esotérica de Fort M y e r s , Flórida. E n q u a n t o n o s conduzia n u m a j o r n a d a interior, Ernestine sugeriu q u e n o s i m a g i n á s s e m o s recebend o u m a dádiva d e u m sábio. M e u ser interior n ã o hesitou; vi m i n h a dádiva nitidamente: u m a p e n a preta sobre um travesseiro b r a n c o . No dia seguinte, durante m i n h a m e d i t a ç ã o em casa, foim e dada outra p e n a preta. P o u c o t e m p o depois, recebi u m a p e n a b r a n c a e u m a v e r m e l h a . Q u a l seria o significado dessas dádivas simbólicas?, perguntei-me. T a l significado era um mistério para mim. Claro, eu gostava da beleza das p e n a s , m a s não sabia o q u e fazer c o m elas q u a n d o apareciam em minha meditação. N e s s a época, u m a a m i g a querida e eu fomos à Califórnia p a r a u m a excursão d e autodescoberta. E m n o s s a primeira p a r a d a , saí do carro e, a m e u s pés, j a z i a u m a única p e n a preta. N o dia seguinte, e n q u a n t o c a m i n h á v a m o s , u m a p e n a b r a n c a surgiu em m e u c a m i n h o . Passei a me dar conta da freqüência c o m que as p e n a s a p a r e c i a m p a r a m i m . Então, c o m e c e i a procurar u m a p e n a vermelha! N u m a p e q u e n a c o m u n i d a d e d a Califórnia, p a r a m o s p a r a conhecer u m a loja de artigos indígenas. Procurei u m a p e n a v e r m e l h a , m a s n ã o encontrei n e n h u m a . A o sair, perguntei à lojista se ela tinha outras p e n a s . A m u l h e r d e s a p a r e c e u 107

no fundo da loja e voltou c o m um p e q u e n o saco de penas v e r m e l h a s . A q u e l a s p e n a s e s t a v a m n a loja h a v i a u m b o m t e m p o , ela dissera, m a s por a l g u m m o t i v o não as colocara à venda. Claro, senti que e s t a v a m a m i n h a espera! Essas pen a s c o n f i r m a r a m que m i n h a r e c e n t e decisão d e desenvolv e r a c a p a c i d a d e curativa seria a v o c a ç ã o m a i s acertada. A g o r a encontro p e n a s c o m freqüência. Elas me fazem rir e sorrir. C h e g u e i a encontrar u m a p e n a no toalete do local o n d e trabalho. A t é então, eu estava um tanto insatisfeita no cargo de administradora de um centro de saúde, o qual incluía tirar o lixo do toalete todos os dias. Ao achar aquela p e n a , entendi a m e n s a g e m de que eu devia " s u a v i z a r " e ver b e l e z a e m tudo. C a d a vez que vejo u m a pena, sei que ela representa um farol que ilumina m e u caminho.

108

Uma Pena para Norma Vickie Thompson O mais provável é que o fogo da alma seja inflamado pelo círio do convívio e o vento da amizade nunca mude uma pena! — Dickens, A Velha Loja de Curiosidades

F a z i a m u i t o calor em San A n t o n i o e eu esperava, impacientemente, q u e o ar-condicionado fizesse sua parte, q u a n d o entrei na rua principal de nossa subdivisão. Ao me virar, vi um anúncio de v e n d a de objetos usados. Eu n u n c a tinha ido a esse tipo de brechó, t a m p o u c o quisera, m a s algo me fez parar diante da residência. C a m i n h a v a pela calçada, perguntando-me por que resolvera olhar quinquilharias alheias, quando notei um carro c o m a placa de Oklahoma. C o m o tinha m u d a d o meses atrás para o Texas vindo de Oklahoma, imaginei que, se não conseguisse um desconto, ao m e n o s eu conheceria um conterrâneo. Eu pouco sabia quão profético seria aquele encontro. N o r m a era u m a m u l h e r de certa forma atraente, c o m cab e l o s p l a t i n a d o s , u n h a s i m e n s a s e cílios p o s t i ç o s . D e d u z i que ela devia ter uns cinqüenta anos. Era alta, esguia, m o rena e agitava os braços e as m ã o s daquele jeito a n i m a d o das pessoas que falam tanto c o m as m ã o s quanto c o m a boca. C o n v e r s a m o s p o r apenas alguns minutos, m a s foi o suficiente para descobrir que h a v í a m o s m o r a d o n o m e s m o bair109

ro em O k l a h o m a City, que a m b a s é r a m o s do M i s s o u r i e que eu precisava m u i t o de assadeiras. Fui e m b o r a c o m os braços repletos de assadeiras de cinqüenta centavos cada. N a quela noite, depois do trabalho, voltei à rua. D e s s a v e z , foi só p a r a conversar. Isso ocorreu há dez anos e ainda n ã o esg o t a m o s todos os assuntos. N o r m a tornou-se minha melhor amiga. O trabalho me o b r i g o u a m u d a r p a r a Atlanta e, depois, Connecticut. N o r m a m u d o u - s e p a r a L a s V e g a s e , e m seguida, K a n s a s City. M a n t i v e m o s contato p o r telefone e avião. No último outon o , fiz m i n h a p r i m e i r a v i a g e m a K a n s a s City, já q u e N o r m a tinha se m u d a d o p a r a lá. Ela estava n u m a casa n o v a e propus que fizéssemos u m a " l i m p e z a " . L i m p e z a s são feitas p a r a e l i m i n a r o indesejado, o mofo ou energias negativas, e t a m b é m p a r a ajudar as p e s s o a s a construírem um vínculo especial c o m a casa. Se os ocupantes e n t r a m em h a r m o n i a c o m os p a d r õ e s energéticos, o lar p o d e d e s e n v o l v e r um a m b i e n t e especial, o qual é n o t a d o p o r qualquer visitante. M u i t a s p e s s o a s j á fizeram c o m e n t á rios do tipo: " N ã o sei o que há em sua casa. Ela transmite muita paz". Na casa n o v a de N o r m a , r e u n i m o s todo o material de que i r í a m o s precisar: velas, óleos de proteção, incensos de salva e alecrim. C o l o c a m o s feijões crus n u m a lata p a r a improvisar u m chocalho. C o m e ç a m o s pelo interior d a casa. N o r m a e n t r o u em cada c ô m o d o , u s a n d o o c h o c a l h o para r o m p e r a energia estagnada ao l o n g o das paredes e n o s cantos. Eu a seguia c o m um incenso a fim de purificar os quartos e esp a n t a r qualquer energia indesejada. Na s e g u n d a p a r t e da c e r i m ô n i a , f o m o s p a r a o exterior. S e g u n d o m i n h a crença, cada direção está ligada a um elemento: o norte é terra, o leste é ar, o sul é fogo e o oeste é água. Primeiro, invocamos os espíritos do norte para prover prote110

ção. Fizemos o m e s m o em cada direção, e N o r m a deixava um pequeno presente de agradecimento, algo que representasse o elemento simbólico daquela direção. No norte, ela ofereceu u m a pedra e no leste, um incenso. U m a vela foi dada ao poderoso sul, e u m a concha para as águas do oeste. E m seguida, u s a n d o óleos essenciais, salpicamos s í m b o los protetores em cada porta e janela, m a i s u m a v e z pedindo proteção p a r a a casa e seus habitantes. A l é m de N o r m a , a residência t a m b é m era o lar de u m a cadela c h a m a d a Tisha e de dois gatos persas, Júlio e Sinbad. O p a s s o seguinte foi e n v o l v e r a residência n u m círculo de p r o t e ç ã o . C i r c u n d e i a casa três v e z e s c o m um b u l e de chá de salva fervente p a r a purificá-la. Continuei a fazê-lo por m a i s três vezes, cantando p a r a invocar a D e u s a e criar u m círculo energético e m volta d a construção (sabiamente, e s c o l h e m o s realizar as cerimônias n u m d o m i n g o de m a n h ã , antes que os vizinhos c o m e ç a s s e m a acordar!). O ritual de proteção era u m a parte importante p a r a m i m . N o r m a n u n c a percebeu q u a n t o e u m e p r e o c u p a v a c o m ela. C o m o ela sofria de pressão alta, durante anos temi que caísse na cozinha d e v i d o a um d e r r a m e ou enfarte. De forma irracional, m e u s m e d o s n u n c a se referiam aos quartos, ou à sala, ou ao banheiro. Era a b e n d i t a cozinha que me perturbava. O estágio final de u m a b ê n ç ã o residencial e n v o l v e a ligação do proprietário c o m a energia da casa em si. Pedi a Norm a que entrasse e m c a d a c ô m o d o , a c e n d e s s e u m a vela e " c o n v e r s a s s e " c o m o c ô m o d o . Ela diria ao local o que queria dele. P o r e x e m p l o , a l g u é m p o d e pedir um s o n o reparador no quarto. Pessoas que p o s s u e m trabalhos estressantes p o d e m pedir que a sala de estar seja um local tranqüilo e pacífico p a r a a família. N ã o sei o q u e N o r m a p e d i u n o s c ô m o d o s . Só sei que, tão logo ela se retirou, peguei u m a vela e fui à cozinha. 111

— N ã o ouse deixá-la m o r r e r — ordenei. T o d a a c e r i m ô n i a l e v o u u m a h o r a e meia. S u a d a s e exaustas, p r e p a r a m o s chá gelado e n o s s e n t a m o s no pátio p a r a recarregar n o s s a s baterias. L o g o depois, v o l t a m o s p a r a dentro a fim de n o s lavar. A p ó s um b a n h o l o n g o e relaxante, e n r o l e i u m a toalha e m m e u s c a b e l o s , vesti u m r o u p ã o e atravessei o corredor em direção a m e u quarto. Q u a n d o m e a p r o x i m e i d o armário, algo c h a m o u m i n h a atenção. S o b r e o estofado azul de u m a cadeira, h a v i a u m a p e q u e n a p e n a branca. Ela estava elevada, a extremidade m a l t o c a v a o a s s e n t o , c o m o se h o u v e s s e f l u t u a d o e p o u s a d o sobre o tecido azul. E m p r i n c í p i o , a c h e i e s t r a n h o . E n t ã o , entendi. E r a u m a m e n s a g e m . O s espíritos que c o n v o q u e i para proteger N o r m a a v i s a v a m - m e d e que tudo ficaria b e m . A g o r a e u p o d e ria parar de me preocupar, pois ela estaria protegida. Fui ao quarto de N o r m a e disse: — V e n h a aqui. Q u e r o lhe m o s t r a r u m a coisa. Eu devia estar c o m u m a expressão esquisita, porque N o r m a levantou-se, séria, e me seguiu. I n d i q u e i a pena. — De o n d e ela v e i o ? — ela perguntou. — Creio q u e veio do outro lado, a c h o que é um presente. N o r m a n a d a dizia, e n q u a n t o o b s e r v a v a a pena. Ela ded u z i u que eu a colocara ali e a g u a r d a v a u m a explicação. — N ã o , N o r m a . N ã o coloquei essa p e n a na cadeira. — Então, de o n d e ela v e i o ? — ela i n d a g o u outra vez. — A c h o que é u m a m e n s a g e m — eu respondi. — Creio que é u m a m a n e i r a de eles me d i z e r e m q u e funcionou, q u e eles nos ouviram. N o r m a t e n t o u racionalizar, m a s foi em v ã o . Ela n ã o tinha n e n h u m pássaro. As j a n e l a s e s t a v a m todas fechadas, e eu entrara e saíra do quarto o dia todo; portanto, seria fácil ter n o t a d o a pena. 112

Eu a observava à m e d i d a q u e ela percebia o q u e acontecera. N o r m a arregalou os olhos. Eu gostaria de lembrar o que d i s s e m o s exatamente, m a s s ó m e recordo d o sentimento de exaltação e alegria. N o r m a m o n t o u um p e q u e n o altar e c o l o c o u a pena nele. Q u a t r o meses depois, N o r m a teve um enfarte. N ã o sei se ela estava na cozinha; n ã o perguntei. T u d o que sei é que o acordo se m a n t e v e . Ela estava protegida e o b t e v e u m a rápid a r e c u p e r a ç ã o a p ó s u m a cirurgia q u e corrigiu u m sério p r o b l e m a e m seu coração. Em a l g u m a s s e m a n a s , estarei v o a n d o para K a n s a s City a fim de visitar N o r m a . C o n v e r s a r e m o s s e m parar e iremos a brechós. Visitaremos os filhos dela e os netos, e continuarem o s a conversar. B e b e r e m o s café e leremos o jornal no pátio pela manhã. F a r e m o s tudo que velhas a m i g a s fazem. E

naquele momento de paz, pouco antes do amanhecer,

Irei para fora e me comunicarei com Ela que está sempre à Honrarei Oferecerei

os

espíritos

meu

espreita. dos

profundo

elementos. agradecimento

atenta. E usarei penas em meus cabelos.

113

por

continuar

Ritual UMA BÊNÇÃO RESIDENCIAL COM PENAS Uma bênção pode ser realizada quando você se muda para uma casa nova ou sempre que sentir necessidade de limpar e purificar sua residência. Em minha casa, fazemos a bênção uma vez por ano, normalmente no equinócio de outono. • Para sua bênção, você pode convidar amigos que tragam as próprias penas. Eles o acompanharão, fortalecendo e reforçando seus movimentos, enquanto você percorre os quartos e o perímetro da casa. Ou você pode pedir que cada um escolha um cômodo e conduza a bênção naquele espaço. • Se tiver uma oração especial ou um feixe de penas, use-a na benção. Se não tiver, escolha a pena mais poderosa e passe algum tempo meditando com ela, invocando a necessidade de que ela o ajude a afastar energias negativas ou estagnadas e trazer novas energias e proteção. • Agradeça a sua pena, caminhe ao redor do perímetro de cada cômodo, limpando com a pena. Dê atenção especial aos cantos, onde a energia estagnada pode acumular. • Pare em cada porta e janela aberta, pedindo por proteção e bênção, e para que cada entrada seja reforçada com as energias do Espírito. • Finalize a cerimônia percorrendo o perímetro externo da casa, parando em cada uma das quatro direções para honrar o ambiente natural e o que sustenta sua casa. Você pode deixar pequenas penas em cada cômodo, como um meio prático de obter limpeza e renovação de energia quando quiser.

114

União de Energias Toby Evans A grande coruja tornou-se m e u totem p r i m á r i o em m i n h a primeira j o r n a d a x a m â n i c a ao m u n d o inferior. Fiquei fascin a d a ante o caráter m e d i c i n a l da coruja, descrito por u m a índia C h u m a s h , cujo n o m e era C h o q o s h Auh-ho-oh, c o m o "o t r a n s f o r m a d o r , a q u e l e q u e vê a luz na e s c u r i d ã o " . A coruja, ela disse, representa a m o r t e do e g o e da confusão de tudo q u e está fora de equilíbrio. Essa energia p o d e r o s a n e m s e m p r e é fácil de encontrar. À q u e l a altura d e m i n h a vida, e u era co-diretora d e u m p r o g r a m a d e educação juvenil d a igreja, c o m u m a m u l h e r c h a m a d a D e b b i e . E s t á v a m o s envolvidas n u m g r u p o d e percussão e n o s s o s objetivos espirituais n o s l e v a r a m a integrar os e n s i n a m e n t o s da R o d a de C u r a ao currículo j u v e n i l da U n i d a d e c o m T o d a a V i d a . Certa vez, d e s e n v o l v e m o s u m a oficina p a r a adultos e f o m o s c o n v i d a d a s a voltar a m i n h a terra natal para apresentá-la. A p ó s u m a hora d e v i a g e m , v i m o s u m pássaro m o r t o n a estrada; foram suas asas que c h a m a r a m n o s s a atenção. Ao parar, fitamos os i m e n s o s olhos d o u r a d o s de u m a grande coruja. O corpo estava perfeito, e s a b í a m o s que se tratava d e u m presente que ficaríamos h o n r a d o s e m aceitar. P e d i m o s e r e c e b e m o s a p e r m i s s ã o da Coruja para r e m o ver as asas. D e c i d i m o s que cada u m a de nós ficaria c o m u m a asa. Aceitei secá-las e prepará-las q u a n d o v o l t á s s e m o s para casa. D u r a n t e o processo, escutei u m a m e n s a g e m interior: 115

— As asas são um s í m b o l o da parceria de v o c ê s e do trabalho que realizam juntas. Quando esse trabalho estiver terminado, v o c ê terá de devolver as asas à terra. N ã o gostei da m e n s a g e m . Eu já estava a p e g a d a a m i n h a asa e mais apegada ainda a m e u relacionamento c o m D e b b i e . E s t á v a m o s apenas no início e a idéia de um fim n ã o m e p a r e c e u a t r a e n t e . G u a r d e i a m e n s a g e m n o fundo d e m i n h a m e n t e , feliz p o r esquecer q u e a escutara. D u r a n t e os q u a t r o a n o s seguintes, D e b b i e e eu c o n t i n u a m o s a unir e n e r g i a s e m sessões s e m a n a i s p a r a n o s s o p r o grama educacional. Nossa sociedade expandiu-se a ponto de partilhar as oficinas de cura c o m p r o f e s s o r e s e estudantes de e s c o l a s p ú b l i c a s . A C o r u j a p a r e c i a estar c o n o s c o , v o a n d o n a s correntes de ar, l e v a n d o - n o s às áreas m a i s p r o fundas do t r a b a l h o interior e exterior. U s á v a m o s as asas a n o s s a m a n e i r a , i n c l u i n d o sessões de cura e rituais pessoais. M a s , aos p o u c o s , n o s s a s vidas c o m e ç a r a m a t o m a r r u m o s diferentes. Eu estava inquieta, sentindo-me distante de m i n h a terra e arte. Parecia que m e u contrato cármico c o m a igreja havia a c a b a d o e eu estava pronta para partir. N e s s e ínterim, a m ã e de D e b b i e , Della, teve câncer, e D e b b i e p a s s o u os m o m e n tos finais ao lado dela. C o n c o r d e i em p e r m a n e c e r no prog r a m a até q u e ela p u d e s s e voltar. N ã o s a b í a m o s que a m o r t e de Della t a m b é m significaria o fim da sociedade. A p ó s o f a l e c i m e n t o de D e l l a , a m b a s n o s r e s i g n a m o s e D e b b i e a s s u m i u os deveres da m ã e . L e v o u o pai para casa e tornou-se sua constante enfermeira. Eu tinha cada vez m e n o s contato c o m ela, e m b o r a n o s e n c o n t r á s s e m o s n o g r u p o de percussão. N ã o falávamos sobre a dissolução da sociedade, apesar das evidências. Q u a n d o a coruja vinha até m i m em jornadas xamânicas, eu m o n t a v a em suas costas. M a s , às vezes, via-me sentada 116

sob u m a gigantesca abertura circular, observando o brilho das estrelas, e percebia que eu estava dentro dos olhos da coruja. C o m freqüência, quando a jornada terminava, eu voltava ao t a m a n h o normal e olhava para trás a fim de ver m i n h a c o m p a n h e i r a girar sua c a b e ç a e olhar diretamente para fitar min h a alma. O brilho dourado de seus olhos transformava-se em azul e as penas tornavam-se brancas. A i m a g e m era semelhante a m e u gato branco, que se cham a v a Arco-íris. Eu acordava no meio da noite e o via e m p o leirado na cabeceira da cama. Sua p e l a g e m branca tornavase cinza, iluminada pelo luar quando ele ansiava sair. N e s ses m o m e n t o s , ele sempre representava u m a coruja para m i m . Ao final do outono, Arco-íris saiu p a r a seu habitual passeio no quintal. S o m e n t e à noite percebi que ele n ã o havia voltado. Ao chamá-lo, recebi c o m o resposta o piado de u m a coruja. Senti u m a estranha sensação. Na m a n h ã seguinte, descobri o que a coruja havia relatado. Arco-íris foi e n c o n t r a d o m o r t o na rua, atropelado p o r um carro. Coloquei-o j u n t o à área da R o d a de C u r a de nossa propriedade. Q u a n d o fui contar a A d a m , m e u filho de onze anos, ele ficou m u i t o triste e p e d i u para faltar à aula. Garanti que j u n t o s faríamos u m a c e r i m ô n i a para Arco-íris, antes de enterrá-lo s o b u m a grande árvore. A d a m sentou-se no c h ã o e chorou, apertando o corpo de Arco-íris entre os b r a ç o s , e n q u a n t o fui b u s c a r m i n h a sálvia, tabaco e a asa de coruja. D e p o i s que t e r m i n a m o s o ritual, depositei o corpo do gato no b u r a c o que h a v í a m o s c a v a d o e, de repente, escutei as instruções em m i n h a mente. — C h e g o u o m o m e n t o de enterrar sua asa. C o l o q u e - a ao lado do gato. A sociedade entre v o c ê s a c a b o u e é hora de liberá-la. E n t e n d i a m e n s a g e m c o m o o p r e n ú n c i o de outra m o r t e e tudo em m i m resistia, apesar de eu saber que tinha de fazê117

lo. Foi difícil dizer a D e b b i e que m i n h a asa estava enterrada. N ã o c a b i a a m i m insistir p a r a q u e e n t e r r a s s e a dela. D e b b i e conhecia as instruções e n ã o estava preparada. V á r i o s anos se p a s s a r a m e a vida de D e b b i e foi c o n s u m i da pelas exigências familiares. A asa da coruja p e r m a n e c i a g u a r d a d a n u m armário e n u n c a tinha sido usada. Enfim, ela decidiu v e n d e r a casa e m u d a r - s e para outro E s t a d o , m a s n ã o foi um p r o c e s s o fácil. T u d o parecia dar errado. Q u a n do as coisas c o m e ç a v a m a c a m i n h a r , algo acontecia. P o u c o antes do D i a das M ã e s , liguei para D e b b i e a fim de saber c o m o ela estava. S e u pai h a v i a se instalado n u m a casa de repouso. Ela me p e r g u n t o u se era possível a l g u é m adquirir o c a r m a de outra pessoa, p o r q u e tinha a nítida sensação de que Della a a c o m p a n h a r a todo aquele t e m p o ! A p ó s d e s l i g a r o telefone, senti D e l l a a m e u l a d o . E l a me d i s s e q u e , d e s d e a m o r t e , h a v i a se l i g a d o à e n e r g i a de D e b b i e , d e v i d o à n e c e s s i d a d e de finalizar a l g u m a s q u e s tões c o m o m a r i d o . P o r é m , D e l l a m e garantiu que D e b b i e consentira. Lembrei-me de que, logo depois da morte de Della, D e b b i e c o n t o u - m e u m sonho, n o q u a l Della lhe p e r g u n t a v a se p o d i a ser ela. D e b b i e n ã o entendeu. Então, Della explicou-lhe que seria o m e s m o q u e usar as roupas da filha p o r a l g u m t e m p o . A l h e i a ao significado daquele pedido, D e b b i e disse à m ã e que a ajudaria. Em seguida, notei q u e D e b b i e h a v i a g a n h a d o p e s o e dores pelo corpo. Fisicamente, ela se parecia cada v e z m a i s c o m Della. Della agora indicava que o trabalho estava t e r m i n a d o e q u e p o d i a liberar D e b b i e p a r a que esta seguisse a própria vida. Ela n ã o se encontrava presa entre os dois m u n d o s , m a s se apegara ao corpo de D e b b i e e sabia que precisaria de ajuda p a r a separar-se da filha. C o n v e r s e i c o m D e b b i e e conc o r d a m o s e m criar u m a cerimônia p a r a auxiliar Della. M e u 118

lado racional n ã o fazia idéia de c o m o proceder, m a s acreditava que as orientações surgiriam e que d e v í a m o s apenas segui-las. As instruções que recebi consistiam em usar um objeto que pertencera a Della, sua c a n ç ã o favorita e t a m b é m a asa da coruja que D e b b i e guardara. Eu tinha u m a luva que fora de Della, que deixava em m e u ateliê, junto c o m metros de fitas coloridas que ela certa vez usara para enfeites e costura. No D i a das M ã e s , D e b b i e deitou-se no c h ã o do ateliê, sob u m a escada de madeira. Ela parecia estar deitada e m b a i x o d e u m c o m p a s s o gigante ou, u m a tenda. N o último d e g r a u d a e s c a d a , c o l o q u e i u m a v e l a b r a n c a ; s o b ele, h a v i a u m a tigela de flores secas. C o l o q u e i u m a vela p ú r p u r a perto da cabeça de D e b b i e p a r a alinhá-la c o m o Espírito, e u m a vela v e r d e aos pés dela, representando sua ligação c o m a Terra. No topo da escada, coloquei a luva e ajeitei a asa da coruja sobre ela. Ao pegar as fitas, foram-me m o s t r a d a s as áreas do corpo de D e b b i e às quais a energia espiritual de Della estava apegada. A m a r r e i u m a cor em c a d a local — n o s pulsos, tornozelos, cintura, peito, p e s c o ç o e testa. Para c a d a ponto, eu lev a v a a fita ao céu, s u b i n d o a escada. Repeti o ritual várias vezes até que todos os locais tornaram-se ligados à asa da coruja que continuava no topo da escada. O efeito final fic o u interessante. Depois, inseri a c a n ç ã o favorita de Della no aparelho de s o m e c o m e c e i a coagi-la a sair do c o r p o de D e b b i e . Em princípio, n a d a aconteceu. Circulei D e b b i e , c h a m a n d o guias e anjos e p e d i n d o assistência à Coruja. Ela seria a carruag e m de Della, levando-a ao outro m u n d o por m e i o do vôo. A p ó s alguns instantes, o espírito de Della saiu do corpo de D e b b i e , e x c l a m a n d o :

119

— Ruth, v o c ê t e m de me ajudar! R u t h era sua falecida irmã. L o g o , ela apareceu, a c o m p a n h a d a de outros ajudantes. Observei-os segurar Della p o r todos os lados. Em conjunto, m o s t r a m o s a Della que era h o r a de partir. D e v a g a r , ela c o m e ç o u a retirar-se do p l e x o solar de D e b b i e . O espírito de Della seguia as fitas tal qual circuitos de sua p r ó p r i a e n e r g i a vital. D e l l a foi l e v a d a e s c a d a acima, d e g r a u após degrau. O a r o m a das flores a fez parar e me dizer q u e eu tinha de colocar as flores na c a b e ç a e n o s pés de D e b b i e . Ela esperou que eu salpicasse as pétalas nas áreas antes de falar n o v a m e n t e . — Preciso de um m o m e n t o c o m a asa de coruja. — M i n u t o s d e p o i s , ela c o n t i n u o u : — A g o r a corte as fitas. Está s e n d o m a i s difícil partir a g o r a do que q u a n d o morri. A p r o x i m e i - m e de D e b b i e c o m u m a tesoura e cortei cada fita s e n t i n d o q u e e u e s t a v a f o r t a l e c e n d o a p a s s a g e m energética de volta para s e u corpo. C a d a fragmento de fita teve de ser r e m o v i d o e as aberturas foram seladas n u m nível etéreo. S i m b o l i c a m e n t e , todos os circuitos de Della retornaram p a r a ela, antes que me fosse permitido cuidar de Debbie. O corpo l â n g u i d o de D e b b i e foi d e l i c a d a m e n t e envolvido p o r um lençol. O u t r o grupo de auxiliares a p a r e c e u para ajudá-la a se recuperar. H o u v e um m o m e n t o de p u r a energia circulando dos pés à c a b e ç a de Debbie. O objetivo era retirar qualquer resíduo de Della do p l e x o solar de Debbie. Q u a n d o o p r o c e s s o terminou, D e b b i e e eu e m b r u l h a m o s a asa j u n t o c o m as fitas e l e v a m o s tudo ao p ó l o Leste dos Q u a tro Portais Direcionais em m i n h a R o d a de Cura. Coloquei a asa no b u r a c o que havia p r e p a r a d o e n o s desp e d i m o s de Della, libertando a verdadeira essência de seu espírito. 120

A longa p a s s a g e m c o m a Coruja ensinou a m i m e a Debbie os vários níveis da m o r t e , guiando-nos através da escuridão que e n c o n t r a m o s em n ó s m e s m a s e em outros ao avistar o sinal de nossa luz interior. S e r e m o s para s e m p r e gratas à Coruja, que se dividiu p a r a unir nossas energias. Ao juntar suas asas, ficamos livres para seguir n o s s o s c a m i n h o s s e p a r a d a m e n t e , ligadas pela v e r d a d e de n o s s a plenitude.

121

Espírito Mensageirc Will Davis

A l g u n s anos atrás, e u enfrentava u m m o m e n t o difícil e m m i n h a vida. H a v i a terminado u m relacionamento importante, o qual eu p e n s a r a q u e acabaria em c a s a m e n t o . D e s d e então, v i n h a c l a m a n d o p o r a l g u m a orientação, m a s n i n g u é m parecia me ouvir. Um dia, ao sair do trabalho, parei ao lado de m e u carro, no e s t a c i o n a m e n t o , a fim de e s p e r a r m e u a m i g o , S o n n y , q u e p e g a v a carona c o m i g o todos os dias. Eu o vi a p r o x i m a r - s e e, então, virei-me para entrar no carro. D e repente, avistei u m e n o r m e falcão v o a n d o n o céu. N ã o prestei m u i t a atenção, em princípio, até q u e o falcão v i r o u em m i n h a direção. P o u c o antes de a ave me atingir — uns três m e t r o s — ela girou e v o l t o u a subir. N e s s e exato instante, u m a p e n a de sua asa caiu entre m e u s pés. Fitei a p e n a c o m u m a s e n s a ç ã o de espanto. Ela estava em perfeitas c o n d i ç õ e s e tinha um lindo formato. S o n n y correu até m i m . N ã o c o n s e g u i a conter a agitação. — V o c ê viu aquilo? V o c ê viu aquilo? — ele repetia. A i n d a o l h a n d o a pena, eu repliquei: — Foi surpreendente. O falcão veio diretamente a m i m . N ã o sei se ele v i u alguma coisa... M a s veja a p e n a q u e ele derrubou. É linda! P e g u e i a p e n a , levei-a p a r a c a s a e d e i x e i - a s o b r e u m a m e s a . M a i s t a r d e , n a q u e l a m e s m a n o i t e , tentei e n t e n d e r 122

c o m o aquela p e n a m i l a g r o s a m e n t e viera até m i m . " T a l v e z seja u m sinal", pensei. " R e z a r e i c o m esta p e n a " . D e p o i s d e rezar, fiz u m p e q u e n o e s c u d o c o m u m a lasca de carvalho e amarrei a p e n a no centro dele. No dia seguinte, c o m e c e i a me sentir melhor. Em p o u c a s s e m a n a s , senti-me c u r a d o e pronto p a r a seguir em frente. Então, c o n h e c i u m a p e s s o a c o m q u e m partilhar a vida, alg u é m q u e estava interessado em seguir o m e s m o c a m i n h o espiritual. A i n d a t e n h o o p e q u e n o e s c u d o c o m a p e n a no centro. Em a l g u m a s crenças indígenas, o falcão é c o n s i d e r a d o um m e n sageiro. Acredito que o Criador e n v i o u - m e u m a m e n s a g e m n a q u e l e dia, avisando-me que tudo ficaria b e m e que, apesar de estar v i v e n d o um período r u i m ou negativo, há tamb é m coisas b o a s a receber. Q u a n d o n ã o m e sinto b e m c o m i g o m e s m o o u e m m e u m u n d o , o n d e quer q u e e u esteja, v i s u a l i z o a q u e l e falcão v o a n d o e deixando u m a p e n a para m i m , e escuto n o v a m e n t e sua m e n s a g e m .

123

Apoderando-me de Meu Poder Carol Rydell Q u a n d o eu tinha quatro anos de idade, não me sentia feliz por estar neste mundo físico. Em minha confusão, tentei, diversas vezes, fugir de meu corpo e da família com a qual vivia. Ao tentar fugir da confusão e da densidade, sofri três acidentes graves no mesmo ano. O terceiro quase tirou minha vida. Eu perseguia minha irmã caçula, como fazem os irmãos, quando ela me trancou para fora da casa. Comecei a bater na porta, gritando para que ela me deixasse entrar. Bati e bati em vão, até que, de repente, meu braço estourou o vidro ao lado do batente. Foi um ferimento grave. Depois de levar mais de 250 pontos no braço e receber oito transfusões de sangue, fiquei algum tempo internada no setor infantil do hospital. Ao lado de meu leito, havia uma menina dois anos mais velha. As pessoas a visitavam sempre. Uma cascavel a tinha picado e ela estava muito doente. Lembro-me de não ter medo de meu ferimento, mas sim do trauma que minha companheira de quarto estava vivendo. O medo e a preocupação dos familiares, médicos e enfermeiras me apavoravam. Aquela cobra me assustava. Só uma criatura horrível faria isso com a menina. Passaram-se quarenta anos e eu ainda pensava naquela cobra. Senti que já era hora de resolver esse medo. Obviamente não era justificado. 124

A p ó s a n o s de estudos espirituais, aprendi q u e a cobra era um s í m b o l o de t r a n s m u t a ç ã o , do p r o c e s s o de m o r t e e ren a s c i m e n t o . U m a cobra troca a própria pele, transitando entre a vida e a m o r t e , tal qual a b a n d o n a m o s n o s s a s partes envelhecidas p a r a n a s c e r n o v a m e n t e , c o m e ç a r u m n o v o ciclo de vida. A o refletir acerca d e m e u m e d o d e cobra, percebi que e u temia repelir partes d e m i m m e s m a que n ã o m a i s m e serv i a m . E s t a v a n a h o r a d e trocar d e pele. P o u c o d e p o i s d e m i n h a s reflexões, o universo graciosamente me presenteou c o m u m a oportunidade. E s t a v a a c a m i n h o de u m a consulta médica. E r a um lindo dia de primavera. Eu adorava dirigir pelo p a r q u e para observar os gansos no lago e qualquer vida s e l v a g e m que pudesse surgir. Q u a n d o fiz u m a curva, avistei u m a cobra na beira da rua. Parecia morta. T ã o logo a vi, s o u b e q u e era para m i m . Ansiosa, parei e olhei para ela, m a s , m e s m o s a b e n d o que estava morta, fiquei apavorada. — L e v e a c o b r a p a r a c a s a — escutei u m a v o z interior dizer. N ã o p u d e acreditar no que ouvia, m a s era real. — Isso é loucura — m e u eu p r a g m á t i c o replicou. — V o c ê n ã o t e m d e recolher u m a cobra m o r t a q u e e n c o n t r o u n a rua. Resolvi ir ao consultório m é d i c o a fim de n ã o me atrasar para a consulta. Se a c o b r a fosse r e a l m e n t e m i n h a , ela estaria a m i n h a espera q u a n d o eu voltasse. A s s i m q u e o m é d i c o saiu da sala de e x a m e , eu p e d i à assistente um par de luvas cirúrgicas, cuja caixa encontrava-se p e n d u r a d a à parede. — Claro, m a s para que precisa delas? — ela perguntou. — E s t o u t r a b a l h a n d o n u m p r o j e t o — r e s p o n d i . — Só preciso d e u m par. Ela me deixou pegar as luvas, agradeci-lhe e fui embora. Sentia-me ridícula. 125

Q u a n d o passei pelo parque outra v e z , sabia que a cobra estaria a m i n h a espera. N u n c a pensei em fazer outro trajeto a fim de n ã o enfrentar o dilema. Ao me a p r o x i m a r da curv a , lá estava ela. C o n t i n u a v a na m e s m a posição. A c o b r a e n c o n t r a v a - s e e m ó t i m a s c o n d i ç õ e s . N e m sei c o m o ela morrera, p o r q u e n ã o havia n e n h u m ferimento aparente. Tal fato c o n f i r m o u o s e n t i m e n t o de que eu devia l e v á la p a r a casa. Saí do carro devagar, ainda r e c e a n d o q u e a cobra pudess e r e s s u s c i t a r e m e picar. O u t r o s v e í c u l o s p a s s a v a m p o r m i m , tentando adivinhar o que acontecia. Q u a n d o c h e g u e i m a i s perto da cobra, ela p a r e c e u ainda m a i o r do que antes. D e v i a ter um m e t r o de c o m p r i m e n t o e era preta. C o m o eu a levaria para casa? A b r i o porta-malas do carro, achei u m a sacola de s u p e r m e r c a d o e coloquei as luvas cirúrgicas. N ã o podia fazê-lo. M e u coração batia rápido demais, m e u s j o e l h o s t r e m i a m e m i n h a r e s p i r a ç ã o e s t a v a ofegante. D i s s e a m i m m e s m a q u e eu tinha de fazê-lo. E s t a v a na h o r a d e enfrentar a q u e l e m e d o d e u m a v e z p o r todas. N o v a m e n t e , v a s c u l h e i m e u carro, p r o c u r a n d o algo q u e pud e s s e me ajudar. Um t a c o de golfe — era a ferramenta q u e eu precisava. " A g o r a está s e n d o m e s m o r i d í c u l a " , m i n h a v o z crítica ralhou. "O porta-malas está aberto; suas m ã o s estão cobertas p o r luvas cirúrgicas; v o c ê segura um taco de golfe e um saco plástico. O que as pessoas v ã o p e n s a r ? " . N ã o me importei. P e s q u e i a cobra c o m m i n h a "ferramenta e s p e c i a l " e coloquei-a no saco. E n t ã o , guardei-a no portamalas. E u m a l conseguia respirar. C o m e c e i a tremer, e n q u a n t o dirigia. N u n c a me senti tão idiota. Ao c h e g a r em c a s a , usei o taco de golfe p a r a retirar o s a c o do p o r t a - m a l a s e levei-o até os fundos. J o g u e i a c o b r a e m m e u c a n t e i r o d e flores e e s t i q u e i - a a o l o n g o d o s 126

cristais b r a n c o s q u e b o r d e j a v a m o c a n t e i r o . Q u a n d o m e levantei para admirar meu presente do universo, ainda senti c e r t o m e d o , m a s t a m b é m h a v i a a d m i r a ç ã o , o r g u l h o e realização. Corri para a cozinha a fim de telefonar a u m a amiga e contar-lhe a experiência. D e z minutos depois, voltei ao j a r d i m e quase desmaiei. Próximo à cabeça da cobra havia um lindo gaio-azul c o m as asas abertas. Ele t a m b é m estava morto. Gaios-azuis s e m p r e e n t r a v a m e m m i n h a vida q u a n d o e u precisava r e c o n h e c e r , h o n r a r o u utilizar p r o p r i a m e n t e m e u poder. A p r e s e n ç a do pássaro era um sinal de q u e eu havia p a s s a d o p o r u m a p o d e r o s a experiência simbólica a o enfrentar m e u m e d o . N o r m a l m e n t e , eu pegaria as duas criaturas e as enterraria, m a s me vi a d m i r a n d o a m b a s . O dia tornou-se noite, e eu ainda n ã o as enterrara por m e i o de u m a cerimônia. Na m a n h ã seguinte, o sol a q u e c e u - m e q u a n d o saí para o deque. Eu me preparei e m o c i o n a l e espiritualmente para a cerimônia que n ã o fizera no dia anterior. Olhei para o canteiro de flores. A cobra e o gaio h a v i a m desaparecido. Entrei em pânico. Senti culpa. N ã o realizara a cerimônia q u a n d o devia e, portanto, eles h a v i a m sido tirados de m i m . Procurei em todos os lugares: sob o deque, ao r e d o r da casa, no j a r d i m inteiro. T a l v e z m e u gato ou outro a n i m a l os tivesse levado ao riacho q u e h a v i a perto de m i n h a propriedade. A p ó s vasculhar os arredores do riacho, n ã o encontrei a cobra e o gaio. Resolvi fazer um enterro p a r a eles, apesar de n ã o tê-los m a i s c o m i g o fisicamente. A g r a d e c i os presentes e os ensin a m e n t o s . Ofereci água, tabaco e milho à M ã e Terra. L o g o c e d o , na m a n h ã s e g u i n t e , tive um s o n h o . Vi que a c o b r a e s t a v a e m b a i x o do d e q u e e p r o n t a p a r a voltar. E m b o r a e u t i v e s s e p r o c u r a d o n a q u e l e local, l e v a n t e i - m e , v e s -

127

ti u m a r o u p a , fui à g a r a g e m e p e g u e i o p e d a ç o de m a d e i r a q u e h a v i a u s a d o n o dia anterior p a r a v a s c u l h a r e m b a i x o do d e q u e . A j o e l h e i - m e ao l a d o do d e q u e e c o m e c e i a cutucar. De repente, senti algo pesado. Puxei-o e avistei a cobra na ext r e m i d a d e d o p e d a ç o d e madeira. M i n h a c o b r a havia voltado. P e n s e i em quão m á g i c a era a vida. N ã o perdi t e m p o c o m u m a cerimônia. M e u guia instruiume para abrir u m a vala na terra, a c o m o d a r a cobra e cobrila c o m pedras. A M ã e Terra e suas criaturas c u m p r i r i a m seu d e v e r e, após dois ou três m e s e s , eu r e m o v e r i a as vértebras da cobra p a r a usá-las nas bijuterias e n o s objetos de arte que eu criava. Mais u m a vez, orei e ofereci tabaco, água e milho. E r a u m a m a n h ã g l o r i o s a , e saí p a r a m i n h a c a m i n h a d a diária. Sentia-me grata pelo que acontecera naquela m a n h ã . D e p o i s de andar por vinte m i n u t o s , entrei n u m a rua e, diante de m i m , avistei u m a p e n a de um gaio-azul. A b a i x e i - m e e a peguei. Ela p o s s u í a u m a coloração magnífica, azul e preta, c o m detalhes b r a n c o s n a ponta. N o m e s m o instante, escutei que ela viera c o m o u m a dádiva de honra e reciprocidade. Já que eu h o n r a r a o gaio s e m sua forma física, ele me h o n r a v a c o m sua p r e s e n ç a . Fiquei grata p e l o presente e rezei em agradec i m e n t o , antes de r e t o m a r a c a m i n h a d a . Em seguida, no g r a m a d o a m e u lado, vi outra p e n a de gaio. Peguei-a. E r a tão linda q u a n t o a p r i m e i r a . E l a dizia que viera até m i m c o m o u m a dádiva de morte e renascimento,

um

ciclo

contínuo.

Simbolicamente,

eu

havia

experienciado tal ciclo q u a n d o escolhi enfrentar o m e d o da cobra. C o n t i n u e i a c a m i n h a r e encontrei outra pena. E n q u a n t o a segurava, soube que era u m a dádiva de fé e que eu n ã o estivera sozinha durante o processo. 128

O u t r a p e n a apareceu; esta me trouxe a c o m p r e e n s ã o de que o mundo etéreo é tão poderoso quanto o físico. Havia realizado a cerimônia m e s m o s e m ter a cobra e o pássaro para enterrar. Eles s a b i a m que t i n h a m sido honrados. A c a d a cinco m e t r o s , u m a pena aparecia para m i m , c a d a u m a trazendo u m a m e n s a g e m única. A última pena representava u m a dádiva p o r eu apoderar-me de meu poder. O velho m e d o n ã o mais me dominava. D i s s e r a m - m e que o m a i s importante a fazer no m u n d o é nos tornarmos aquilo que s o m o s e que p o d e m o s ser. Q u a n d o c h e g u e i em c a s a , tinha v i n t e e d u a s p e n a s ao todo. M e u pássaro sagrado havia retornado para m i m , m a s em outro formato. L e v e i as p e n a s ao t ú m u l o da cobra e j o guei todas elas, m e n o s uma, na terra. A q u e l a única p e n a d e gaio p e r m a n e c e respeitosamente em m i n h a escrivaninha. C a d a vez que a vejo, penso n o s preciosos p r e s e n t e s q u e a s p e n a s p o d e m oferecer. E n q u a n t o continuo a crescer espiritual e e m o c i o n a l m e n t e , tornándom e repleta d o q u e sou, tenho u m a profunda c o m p r e e n s ã o de suas m e n s a g e n s .

129

Uma Pequena Pena Branca Cate M. Cummings

É outubro. O l h o a carteira de motorista de m e u pai. S e g u r o entre as m ã o s aquele p e q u e n o d o c u m e n t o e tento visualizar a d i m e n s ã o d a v i d a d e u m h o m e m . M a n t e n h o e m m e n te, sentada na sala de espera do hospital c o m m e u marido, que o h o m e m , m e u pai, ligado a c i n c o m á q u i n a s na U T I , m e r e c e mais consideração e respeito. Pelo jeito, este é m e u infortúnio, p o r q u e n ã o v o u decretar a morte de m e u pai. C o m o tomar essa decisão? Os m é d i c o s q u e r e m a permissão de retirar o tubo de respiração da traqueotomia, o tubo de alimentação do e s t ô m a g o , o e q u i p a m e n t o de diálise que m a n t é m os rins funcionando... e assim por diante. A equipe do hospital, que desistiu de m e u pai, está me pression a n d o para liberar espaço a q u e m tenha u m a c h a n c e real de ser "curado". É n o v e m b r o . Às vezes, e n q u a n t o c a m i n h o pelos corredores do hospital, sinto-me n u m m u n d o surrealista — devan e a n d o , se v o c ê preferir, ou presa n u m pesadelo. T o d o s os p i s o s do p r é d i o são i d ê n t i c o s — distintos s o m e n t e p e l o s b o t õ e s do elevador q u e aperto em desespero. N e s s a m a n h ã , m a i s u m a v e z , m e u m a r i d o e eu caminham o s pelo corredor s e m fim, em direção às portas da U T I , as quais nos s e r v e m d e barreiras. Q u a n d o n o s a p r o x i m a m o s da porta, noto algo no chão. N o corredor d o hospital e m frente à s portas d a U T I , nós n o s a b a i x a m o s para p e g a r u m a p e q u e n a p e n a b r a n c a que 130

v e m o s n o chão. U m a p e n a branca! U m a p e n a n o ambiente esterilizado do hospital? — A c h o que é para você — m e u marido diz, por impulso. Intrigada, seguro a p e n a em m i n h a m ã o e atravesso as portas. Q u a n d o olho p a r a cima, percebo que n ã o e s t a m o s no quarto andar, o n d e se e n c o n t r a a U T I . E s t a m o s no seg u n d o andar. Juntos, l e m o s as letras impressas no vidro da porta — M A T E R N I D A D E . É o lugar o n d e os b e b ê s n a s c e m , onde a esperança nasce, o n d e u m a n o v a vida — u m a n o v a vida! — v e m à realidade. E m m e i o aos pedidos insistentes dos parentes para e u desistir de m e u pai, da r e c o m e n d a ç ã o dele p r ó p r i o para que eu " n ã o a p e l a s s e p a r a m e d i d a s e x t r a o r d i n á r i a s a fim de mantê-lo v i v o " e da inexplicável falta de fé da equipe m é dica, p e r m a n e c i resoluta. Insisti em mantê-lo v i v o . Decidi lutar pela vida. N ã o se trata do clichê "vida", m a s sim de u m a expressão que n ã o p o d e m o s n o m e a r n e m ver. A dádiva da m e n t e é u m a e n o r m e b ê n ç ã o que paira sobre n ó s ; e, c o m o intuito de criar u m a e x a l t a ç ã o m e n t a l , a c o r d a m o s , de repente, e p e r c e b e m o s que s o m o s acolhidos pelas luvas de D e u s , tal qual p r o t e g e m o s um p e q u e n o pássaro o u suas penas e m n o s s a s m ã o s . É d e z e m b r o . Em p o u c o s dias, será o Natal. M e u pai está e m casa comigo. M A T E R N I D A D E !

131

Meditaçãc AS CORES DAS PENAS E O QUE ELAS SIGNIFICAM Ao longo da história, as penas têm simbolizado diferentes coisas em diferentes culturas. No entanto, considere-se que muitas penas coloridas têm um significado universal. Quando uma pena aparecer, repare em sua cor, sua forma, tamanho, tipo e origem. Abra-se para qualquer mensagem que possa vir até você. • Penas azuis trazem paz, proteção, sensação de bem-estar. As penas do gaio-azul podem também alertar quanto a um problema iminente. • Penas pretas são um símbolo de sabedoria mística advinda da iniciação espiritual. Também podem ser um aviso em relação a saúde debilitada, morte ou transição imediata. • Penas marrons trazem estabilidade, dignidade e respeito. • Penas marrons com detalhes pretos simbolizam equilíbrio entre o físico e o espiritual. • Penas verdes são um símbolo de renovação, novas direções e crescimento. • Penas iridescentes (com reflexos de cores brilhantes) simbolizam insight místico, completude, transcendência espiritual. As penas do pavão também são um alerta em relação ao falso orgulho. • Penas vermelhas trazem vitalidade e saúde. As tribos da Polinésia e da América do Sul vêem as penas vermelhas como símbolos da terra, do sangue e da feminilidade. A realeza usava penas vermelhas em vestidos e capas; anéis de penas vermelhas foram utilizados como dinheiro. O grande deus asteca Quetzalcoatl, a "serpente emplumada", tinha o bico vermelho de um pássaro no lugar da boca. • Penas brancas são símbolo de purificação, amor, inocência e vida nova. • Penas amarelas simbolizam alegria, atenção mental, prosperidade, o sol e a masculinidade. 132

Espírito da Coruja Raven Lamoreux-Dodd As árvores de ciprestes se e l e v a v a m sobre as águas sujas c o m o s e n t i n e l a s , v i g i a n d o as b r u m a s d o s E v e r g l a d e s . A garça-azul c a m i n h a v a cautelosa para n ã o perturbar o j a c a ré. O longo b i c o v a s c u l h a v a o p â n t a n o à procura de c o m i da. Eu p e r m a n e c i a no b a r c o , escutando, esperando e observ a n d o . U m pica-pau m e assustou. A garça ergueu-se m a jestosamente; então, todos nós s o s s e g a m o s de novo. O entardecer oferecia um brilho especial à paisagem. Quando senti u m a n o v a presença, virei-me p a r a ver u m a coruja sobrevoando o deque, em minha direção. Suas asas pareciam e n o r m e s , e p e r g u n t e i - m e c o m o ela c o n s e g u i a n a v e g a r na densa floresta tropical. Q u a n d o fiz m e n ç ã o de me abaixar, ela v o o u até um g a l h o e p a r o u para me contemplar. Fitei os profundos olhos cor de chocolate, repletos de c o m p a i x ã o . O êxtase em m e u coração era quase insuportável. O a m o r nos olhos da coruja continha o universo inteiro. Eu queria conhecê-la e c o m u n i c a r - l h e m e u a m o r p o r ela. Eu me senti h o n r a d a e p r o f u n d a m e n t e grata. Inclinandose em m i n h a d i r e ç ã o , ela c o m e ç o u a emitir sons. Respirei fundo para me a c a l m a r . A m e n s a g e m transmitia a p o i o e afinidade. De repente, q u a n d o o b a r u l h o de outros h u m a nos emergiu, ela o l h o u na direção deles, depois voltou-se para m i m e e m b r e n h o u - s e na m a t a s e m um ruído. D e s d e esse dia, as corujas t ê m sido u m a presença espirilual c o n s t a n t e em m i n h a v i d a . A coruja s e m p r e a p a r e c e 133

q u a n d o estou prestes a trabalhar ou q u a n d o preciso de ajud a o u inspiração. E m qualquer país e m que m o r o o u que visito, a s corujas v o a m até m i m o u a p a r e c e m p a r a m i m . E m n o s s a casa, na Inglaterra, as corujas n o s c h a m a m à noite ou de manhã. Talvez a m e n s a g e m m a i s consistente que recebi da coruja tenha sido: "Confie em seu c o n h e c i m e n t o interior". Essa m e n s a g e m surgiu n a noite e m que recebi u m presente extraordinário de u m a coruja. Certa noite,

quando

saí

da

reserva

indígena de

M i c o s s u k e e , a l u a n o v a p o u c o e n c o r a j a v a m e u trajeto. A rodovia parecia estreita d e m a i s n a escuridão d a noite. M i n h a m e n t e v a g a v a pelas experiências daquele dia, e eu me concentrava no c a m i n h ã o à m i n h a frente que me ajudava a dirigir. De repente, notei um m o v i m e n t o na lateral esquerda do c a m i n h ã o , q u a s e imperceptível d e v i d o aos faróis dos outros veículos. E r a u m a coruja, e ela v o a v a b a i x o demais. Fiquei horrorizada q u a n d o ela colidiu c o m o c a m i n h ã o e espatifou-se no a c o s t a m e n t o . D i m i n u í a v e l o c i d a d e e parei. A i n d a trêmula, e s p e r e i que u m g r u p o d e carros passasse antes de abrir a porta. — G r a n d e Espírito — e v o q u e i —, p o r favor, ajude-me. — N ã o achei u m a lanterna no carro, m a s encontrei m i n h a m a n t a asteca. C o m o auxílio dos faróis dos carros que p a s s a v a m , percorri a longa distância que me separava da coruja. O tráfego desapareceu. Eu m a l p o d i a ver a faixa do a c o s t a m e n t o e o n e v o e i r o a u m e n t a v a . C o n t i n u e i p e d i n d o ajuda e tentei " e n x e r g a r " p o r m e i o de m e u s pés. A n d e i alguns m e t r o s e ouvi um pio. Parei e escutei. E r a a coruja; seu l a m e n t o m o ribundo c a u s o u - m e arrepios. Q u a n d o outro carro p a s s o u , olhei para m e u s p é s e avistei a coruja diante de m i m . P e d i p e r m i s s ã o para tocar a ave

134

e c u i d a d o s a m e n t e a m o v i p a r a v e r se ainda vivia. O pescoço estava quebrado. Acomodei-a na manta, conversando c o m seu espírito e p e d i n d o ao G r a n d e Espírito q u e cuidasse da ave. A coruja piou u m a última vez. O que eu tinha de fazer? Senti q u e devia levá-la p a r a casa. Pressenti q u e receberia orientações ao longo do c a m i n h o . Ofereci tabaco e voltei ao carro. S e n t i a - m e e s t r a n h a m e n t e feliz, t e m e r o s a e confiante ao m e s m o t e m p o . E n q u a n t o dirigia, c o n v e r s a v a c o m a coruja e acariciava sua cabeça. U m a v e z em casa, perguntei-me o que fazia c o m aquela coruja e que direito eu tinha de tê-la tirado do pântano. E n t ã o , das profundezas, u m a v o z disse: — P o d e ficar c o m as asas, as garras e a l g u m a s p e n a s da região do coração. Enterre o resto da coruja perto do local onde fará a cerimônia. A s s i m que completar tudo isso, saberá o que fazer. Fiquei profundamente grata p o r essa oportunidade, e m bora n ã o s o u b e s s e c o m o proceder. Fiz um café, a p a g u e i as luzes e me sentei c o m a coruja. Fitando o céu, c o m e c e i a me preparar p a r a cuidar de seu b e l o corpo. A brisa do golfo p e n e t r o u pelas janelas, i m p e l i n d o - m e a agir. Eu sabia q u e n ã o teria m u i t o tempo, se quisesse preservar as asas em p o s i ç ã o de v ô o . Possuía certa experiência em limpar perdizes após ter m o r a d o na região de Q u e b e c . Apesar de ter c o m i d o as perdizes c o m respeito e de ter usado suas p e n a s de m o d o h o n r a d o , aquilo parecia b e m diferente. Era u m a hora da m a n h ã . N ã o queria acordar n i n g u é m só p a r a pedir conselhos; portanto, tinha de confiar no Espírito e em m i m m e s m a . T o m e i um b a n h o e fiz u m a l i m p e z a energética da coruja, do c ô m o d o e de m i m m e s m a c o m a fumaça de sálvia. Q u a n do r e m o v i as asas, pedi p e r d ã o à coruja, caso eu fizesse algo 135

que a desonrasse. Retirei a c a r n e d o s ossos c o m um bisturi. Tão logo as limpei da m e l h o r m a n e i r a que p u d e , eu as abri, d e p o i s a s p r e n d i à s g r a d e s d o forno c o m p r e g a d o r e s d e m a d e i r a e levei-as ao forno quente. Desliguei o forno e deixei a tampa aberta. E n q u a n t o as asas s e c a v a m , peguei as garras e as p e n a s do peito, e as e m b r u l h e i n u m p a n o v e r m e l h o p a r a protegê-las. Olhei para o relógio e notei, perplexa, q u e e r a m seis horas da m a n h ã . Decidi ligar p a r a um a m i g o de o r i g e m indíg e n a e pedir-lhe um c o n s e l h o de c o m o retirar os resquícios de carne das asas. S a b i a q u e a coruja era um c u r a d o r p o d e roso e sentia-me responsável por honrar sua carcaça. Ele sugeriu q u e eu pedisse ajuda às formigas. Se eu colocasse as asas n u m lugar o n d e s o m e n t e as formigas pudess e m alcançá-las, elas r e s o l v e r i a m o p r o b l e m a . Claro que eu teria de ficar atenta e barrar as formigas no m o m e n t o certo. I m a g i n a n d o a r e a ç ã o d o s v i z i n h o s , c a s o eu p e n d u r a s s e as asas na j a n e l a , disse q u e seria impossível! P o r fim, coloquei as asas na varanda, já que as formigas e r a m p e q u e n a s d e m a i s para carregá-las p e l o s degraus. D o i s dias depois, m e u a m i g o a p a r e c e u p a r a m e ajudar. L i m p a m o s as asas e p e d i m o s às formigas que fossem e m bora. Fiquei feliz ao v e r que elas n ã o p r e t e n d i a m ficar. Enterrei a coruja n u m local sagrado, c o m oferendas de tabaco e m i l h o , e p e d i u m a b ê n ç ã o do G r a n d e Espírito e da coruja. D i s s e r a m - m e que eu devia usar as asas para dançar. — D a n c e p a r a curar a si m e s m a e ajudar os outros. D a n ce pela j o r n a d a c o m a Coruja e veja através da escuridão. A Coruja estará s e m p r e c o m v o c ê . S o u p r o f u n d a m e n t e grata p e l o s presentes da Coruja do Espírito. C a d a v e z que d a n ç o c o m as lindas asas da coruja, l e m b r o - m e d a m e n s a g e m d e "confie e m seu c o n h e c i m e n t o interior", e n q u a n t o continuo m i n h a j o r n a d a curativa. 136

Penas e Bonecas Vicki Wagoner

Durante m i n h a infância, p e r m e a d a de abusos, eu adotara duas b o n e c a s . A p e g u e i - m e a elas n u m esforço de fingir que

infância era " n o r m a l " . U m a das b o n e c a s era de p a n o e e m s e u rosto havia a pintura de u m b e l o sorriso. A outra minha

era de plástico, c o m u m a e x p r e s s ã o solene n o s olhos e u m a b o q u i n h a rosada. Eu as a c h a v a as b o n e c a s m a i s lindas do mundo. U m dia, anos depois, e n q u a n t o a r r u m a v a m e u armário, eu as encontrei. Resolvi que era h o r a de deixá-las partir, m a s não queria jogá-las n o lixo. E r a m parte d e m i m , p e r t e n c i a m a m i n h a infância, p o r pior que ela tivesse sido. P e r c e b i q u e tinha d e e n t e r r á - l a s , m a s n ã o s a b i a o n d e . Guardei-as e m m e u carro, j u n t o c o m u m a p e q u e n a pá, sab e n d o que u m dia e u receberia u m a orientação. V á r i a s s e m a n a s se p a s s a r a m . N u m final de s e m a n a , fui a um p a r q u e à beira da praia. Fazia anos que eu n ã o ia àquele parque, p o r é m senti q u e era a hora e o lugar para c o m pletar m i n h a missão. Recolhi as bonecas, enrolei-as n u m a toalha, peguei a pá e caminhei até a praia. N ã o sabia onde iria enterrá-las, mas tinha certeza de que seria guiada. A n d e i por a l g u m t e m p o , então parei, sentei-me na areia e comecei a cavar. Ao inserir a pá na areia, avistei u m a p e q u e n a pena branca — a confirm a ç ã o de que aquele era o lugar. Guardei o presente, sorri, disse u m a prece em agradecimento e continuei a cavar. 137

Fiz um b u r a c o p e q u e n o , apenas o suficiente para conter a s b o n e c a s . C o l o q u e i u m a c o n c h a nas m ã o s delas. P e r d o e i m e u passado, despedi-me e agradeci a D e u s e aos anjos p o r me dar forças para fazer aquilo. D e p o i s de tapar o b u r a c o c o m areia, rezei m a i s u m a vez. Decidi nadar n o golfo p a r a m e purificar c o m água salgada. E n q u a n t o c a m i n h a v a e m d i r e ç ã o a o m a r , olhei p a r a b a i x o ; a m e u s pés jazia u m a e n o r m e p e n a b e g e . Peguei-a, entoei outra p r e c e de agradecimento, guardei-a junto c o m a p e n a b r a n c a e dirigi-me à água. S u b m e r g i t o d o o m e u eu na á g u a do mar, liberando v e l h a s feridas, p e d i n d o purific a ç ã o e luz. De r e p e n t e , vi p á s s a r o s v o a n d o e p o u s a n d o na á g u a a m e u redor. Senti-me protegida e amada. Parecia que os anjos v i n h a m até m i m n a forma d e pássaros! E m e r g i da água, s e q u e i - m e e c o m e c e i a d e i x a r a p r a i a q u a n d o percebi u m a p e n a m a r r o m a m e u s pés. Dessa vez, ri a valer e, enfim, as lágrimas surgiram, lágrimas de alívio e satisfação p o r q u e u m a outra parte de m e u p a s s a d o fora curada.

138

Penas Dançarina* Cervo Hesitante Durante anos s o n h e i c o m p e n a s . Elas s u r g i a m e m m e u s s o n h o s c o m o u m i n s t r u m e n t o d e o r i e n t a ç ã o espiritual. A s p e n a s listradas a p a r e c e r a m p r i m e i r o . E m outro s o n h o , v i dois espíritos a n c e s t r a i s c o m b u q u ê s d e p e n a s azuis e m s u a s m ã o s e a t r a v e s s a n d o m e u g r a m a d o a p ó s a c h u v a da primavera. Um sonho continuava a se repetir. Nele, eu era um piloto e me dirigia ao portão do aeroporto. Eu via várias penas pretas, que recolhia e p u n h a em m i n h a valise. Eu dizia: — Esta quebrou... m a s talvez ainda seja útil. — Colhia todas as penas, as quebradas e as inteiras, e as guardava na valise. E s t a v a na hora de descobrir o significado do sonho. Fui a Bear Butte, e m D a k o t a d o Sul, c o m dois a m i g o s . N ó s n o s r e u n i m o s n u m a área sagrada, c o n h e c i d a e respeitada p o r todas as tribos, e c o m e ç a m o s u m a b u s c a da visão, u m a prática que consiste em meditar isoladamente, para obter u m a resposta. C a d a u m d e n ó s t o m o u u m c a m i n h o diferente n o s flancos rochosos p a r a que o G r a n d e Espírito falasse a nós. Encontrei um lugar e s c o n d i d o entre as árvores. Eu h a v i a levado u m a m a n t a p o r q u e esperava que a temperatura baixasse. M a s n ã o imaginei u m a m u d a n ç a tão rigorosa. D u r a n t e a b u s c a , experienciei todos os tipos de clima, m e n o s a n e v e . A c h u v a c o m e ç o u a cair, depois transformou-se e m g r a n i z o . E u m e e n c o l h i a p a r a m e a q u e c e r , mas, p o r vezes, t o r n a v a - m e entorpecido pelo frio. Então, vi 139

u m velho índio, o m e s m o que aparecera para m i m e m son h o s e visões. — A c o r d e ou irá m o r r e r — ele disse. E u i m e d i a t a m e n t e abri o s olhos, m a s n ã o c o n s e g u i a parar de tremer. A c h e i que iria m o r r e r congelado. E n t ã o , a v o z d e u m a m u l h e r gentilmente p e d i u - m e para cantar. — V o c ê deve estar b r i n c a n d o — protestei. M a s a v o z insistiu e, então, c o m e c e i a cantar. No m e s m o instante, senti m e u corpo se aquecer e s o u b e q u e superaria a j o r n a d a s e m congelar. Sete dias depois, tive outro s o n h o . Eu estava n u m a torre de p e d r a c o m um a m i g o , o l h a n d o p e l a j a n e l a . A torre se erguia a c i m a do m u n d o inteiro, e eu observava o que acontecia lá e m b a i x o . Era um lindo dia de p r i m a v e r a e eu p o d i a ver a terra florescer. Eu usava apenas um tecido de couro a m a r r a d o à cintura. Virei para m e u a m i g o e disse: — E s t á na h o r a de descer. — C o l o q u e i u m a t o u c a repleta de penas pretas na cabeça. As penas, eu notei, eram a q u e l a s q u e eu coletara no s o n h o anterior, e e s t a v a m presas a u m a faixa v e r m e l h a . D e p o i s de p ô r a t o u c a , c o m e c e i a dançar. E n t ã o , no s o n h o , m e u a v ô (que é de o r i g e m C h e r o k e e ) veio até m i m e m o s t r o u - m e um arco de pedra e u m a roda d e cura t a m b é m d e pedra. N o centro, havia u m a fonte. Ele me disse que eu tinha de recriar aquela visão e c o m p o r um ritual s e m e l h a n t e à D a n ç a do Sol. Esta seria c h a m a d a de a D a n ç a d a Pedra. Entendi, finalmente, o s o n h o das p e n a s pretas. P a r a m i m , o p r e t o é a cor do n o r t e , a d i r e ç ã o do i n v e r n o . T o d a s as m i n h a s ligações espirituais c o m e ç a m n o norte. M e u m ê s d e n a s c i m e n t o é d e z e m b r o ; m e u n a s c i m e n t o espiritual acontec e u no norte, no território S a s k a t c h e w a n . O n o r t e é o lugar 140

da sabedoria, da visão e do c o n h e c i m e n t o interiores. É um lugar s e m preconceitos, o lugar o n d e v o c ê p e r d o a a si m e s mo e aos outros, e vive apenas o presente. É t a m b é m o símb o l o do feminino, a escuridão, a volta ao útero. O sonho me ofereceu o t e m p o necessário para despertar m e u p o d e r curador, c o n s a g r a n d o - m e c o m a energia v e r m e lha (sul, m a s c u l i n o ) e a energia preta (norte, feminino). A n o p a s s a d o , conduzi a n o n a D a n ç a da P e d r a n u m a área florestal sagrada, dedicada a essa proposta a cada p r i m a v e ra. T o d o s os anos, ensino àqueles que q u e r e m dançar c o m o receber a energia sagrada do C r i a d o r que os fortalecerá p a r a o p r ó x i m o p a s s o de suas jornadas. A visão onírica da dança das p e n a s pretas h a v i a sido realizada.

141

A Terra É uma Mãe Perfeita Rod Skenandore, "Chefe Alce" Quando todas as árvores pegam fogo e morrem e apenas os tocos permanecem, Saímos de nossas tocas e começamos a rezar pela chuva. A chuva irá alimentar os leitos dos rios e fazer os brotos crescerem E plantaremos as sementes que a águia traz e voltaremos a rezar pela volta da neve. E rezaremos pela volta do papo-roxo, do alce, da cobra, do pombo, E rezaremos pela volta da calhandra, aquela que traz amor. — trecho extraído de A Terra É uma Mãe Perfeita, de Rod Skenandore, "Chefe Alce"

Como m e m b r o da tribo O n e i d a / P é s Pretos e líder espiritual e curador de longa data, sei que as p e n a s são instrum e n t o s sagrados. Elas e x p r e s s a m n o s s a intenção. S ã o u m dos m e i o s pelo qual o Espírito fala à q u e l e s que e s c u t a m . C o m o a t e s t a r a m as p r o f e c i a s a n t i g a s , é h o r a de abrir as portas entre os povos, entre os m u n d o s , e deixar que a terra seja curada. Q u a n d o p e ç o u m a c o n e x ã o c o m o Espírito, u m a águia a p a r e c e . A s p e n a s d a á g u i a t ê m caído d o c é u p a r a m i m . Q u a n d o m i n h a m u l h e r estava grávida de n o s s a filha, fomos às m o n t a n h a s de W y o m i n g e c r u z a m o s c o m um grupo de cavalos m a l h a d o s . P a r a m o s para admirá-los. Então, p e g u e i 142

m e u leque de p e n a s de águia no carro e c o m e c e i a abanálos, a b e n ç o a n d o - o s p e l o trabalho. D e repente, u m a á g u i a surgiu a c i m a de nós. O b s e r v a m o s a ave e n q u a n t o esta circulava o céu e derrubava u m a pena. C o n s e g u i agarrá-la. E r a u m a p e n a p e q u e n a , r e p r e s e n t a n d o a criança que em b r e v e teríamos, e t a m b é m era u m a m e n s a g e m do Espírito, dizendo que tudo correria b e m durante o parto. Levei minhas penas ao tribunal a fim de ajudar a defender o direito dos índios americauos a realizar a Dança do Sol c o m o u m a cerimônia religiosa. Processamos o governo federal por perseguição religiosa. Esse caso acabou resultando na Lei de Liberdade Religiosa dos índios Norte-Americanos. Usei minha pena de águia no tribunal de Omaha, N e b r a s k a , o n d e dois c o m p a n h e i r o s m e u s — m e m b r o s do M o v i m e n t o I n d í g e n a A m e r i c a n o que fundamos para defender os direitos civis e políticos d o s índios — enfrentavam u m j u l g a m e n t o p o r m a t a r agentes d o F B I n a R e s e r v a d e Pine R i d g e . Eu o b s e r v e i em silêncio, e n q u a n t o o chefe da C I A admitia que havia m e n t i d o a respeito da prova. Q u a n d o saído tribunal, repórteres me p e r g u n t a r a m c o m o avaliava o desenrolar do j u l g a m e n t o . — Estará t e r m i n a d o em dois dias — repliquei. D a d a a g r a v i d a d e do c a s o , o j u l g a m e n t o p o d e r i a durar s e m a n a s . Portanto, m i n h a p r e m o n i ç ã o parecia espantosa. M a s os sinais do Espírito e r a m claros. Dirigi até os limites da cidade. Q u a n d o cheguei ao local certo, saí, levando m e u tabaco e m i n h a pena de águia. Orei e realizei u m a cerimônia para meus irmãos capturados. Nesse estado alterado, tive u m a visão: um p u n h a d o de p e n a s de águia estava empilhado n o s pratos da balança da justiça, cravada à entrada do tribunal de O m a h a . Eles e s t a v a m igualm e n t e equilibrados. M e n t a l m e n t e , coloquei m i n h a p e n a de águia n u m prato que c h a m e i de prato da "verdade". E s s e 143

prato baixou, e l e v a n d o o do outro lado. Dois dias depois, c o m o eu previra, m e u s companheiros foram liberados. As situações m a i s desesperadoras p o d e m ser resolvidas c o m o poder curador da pena. C o m rezas, cerimônia e a p e n a para expressar a intenção do x a m ã , qualquer desejo p o d e acontecer. Um e x e m p l o é a c e r i m ô n i a U w i p i , um ritual sagrado da tradição L a k o t a Sioux. Um altar é criado c o m os símbolos das quatro direções e u m a pessoa é a m a r r a d a pelos m e m b r o s . U m a m a n t a cobre c o m p l e t a m e n t e o corpo do x a m ã . As luzes se a p a g a m e a c e r i m ô n i a c o m e ç a . S o m e n t e o Espírito p o d e d e s a m a r r a r o h o m e m s o b a m a n t a . S o m e n t e o Espírito tem o p o d e r de soltar os n ó s e n o s libertar dos p r o b l e m a s que criamos para nós mesmos. E m certa ocasião, durante u m e c e r i m ô n i a U w i p i , n ó s n o s r e u n i m o s n u m a sala e s p a ç o s a . C o b r i m o s a s j a n e l a s c o m cobertores p a r a escurecer ainda m a i s o ambiente. Os outros sentaram-se em círculo. C a n t a r a m e b a t e r a m os t a m b o r e s , à e s p e r a da e n e r g i a espiritual. Eu a g u a r d a v a s o b a m a n t a , m e u s braços e pernas e s t a v a m amarrados. A escuridão era sufocante. De repente, escutei canções antigas de cura e m e u s m e m b r o s c o m e ç a r a m a se soltar, até que p u d e m o v ê - l o s livremente. A m i n h a frente, surgiram as a l m a s dos sete anciãos, sentados em semicírculo a m e u redor. Sentei c o m eles, absorvendo seu p o d e r e energia. Eles cintilavam. No altar atrás deles, havia u m a p e n a de águia n u m a roda, a qual fora feita p o r C r o w D o g . O b s e r v e i a p e n a q u a n d o esta se e r g u e u s o z i n h a , r o d e a n d o a luz, e atravessou a sala em m i n h a direção, c o m sua energia brilhante. L á g r i m a s r o l a r a m em m e u rosto. Ao esticar a m ã o , a pena f l u t u o u e caiu e m m i n h a p a l m a . E n t ã o , escutei u m ruído 144

repentino, c o m o u m a e x p l o s ã o , e todos os cobertores caír a m das janelas. Corri à j a n e l a m a i s p r ó x i m a e olhei para fora. U m a águia v o a v a , e m b o r a tivesse colidido n o vidro da sala. M o m e n t o s c o m o esse para m i m c o n f i r m a m que estamos todos conectados, e q u e as portas estão abertas entre o n o s so t e m p o e todos os outros tempos. E s t a m o s aqui para virar a m a r é do tempo, e a sabedoria dos anciãos está disponível para n o s ajudar. O fio d o u r a d o que liga todas as raças está lá, e as p e n a s p o d e m n o s unir de diversas maneiras. A Terra É uma Mãe Perfeita, se a e s c u t a r m o s e a p r e n d e r m o s c o m ela.

145

Música do Falcão Maril Crabtree Penas se espalham entre os dedos, O Falcão cai com o vento, espiralando como se estivesse agarrado a um lugar sem esperança — um rasante ousado, "fazer ou morrer", então, erguendo-se de novo, carregado pela esperança e pelo vento, sibilando no ar, repleto de um acalanto límpido. Agora escutem enquanto os sons da sinfonia nascem de suas asas, cantando e girando ao atravessar o arpejo do céu.

146

Falcão Guardião Amy Belanger Em 1 9 9 0 , tive o privilégio de representar a região m o n t a n h o s a d e O z a r k n o C o n g r e s s o Biorregional N o r t e - A m e r i c a no. Essa reunião n a c i o n a l dos ambientalistas, ecologistas e outras c o m u n i d a d e s a c o n t e c e u p a r a c o o r d e n a r e expandir nossos esforços pela p r o t e ç ã o ambiental. D u r a n t e três dias, n ó s c o m u n g a m o s n u m a c a m p a m e n t o no M a i n e , discutindo de que forma n o s s o sistema alternativo de valores p o d e r i a causar i m p a c t o no m u n d o . A c a d a m a n h ã , a c o r d á v a m o s ao nascer do sol p a r a preparar panquecas na cozinha do a c a m p a m e n t o , participar de aulas de ioga na floresta ou p a s s e a r de c a n o a no lago. T o d o s os dias, r e u n í a m o s visões variadas de ativistas ambientais, advogados dos direitos dos animais e daqueles que defendiam c o m u n i d a d e s vítimas de lixo tóxico. Entre as sessões, a d e n t r á v a m o s a floresta que q u e r í a m o s proteger, realizando c a m i n h a d a s , t o m a n d o b a n h o n o lago e d e s c o b r i n d o u m a ou o u t r a s i n g u l a r i d a d e do m u n d o . À n o i t e , o s sulistas c a n t a v a m , e n q u a n t o o u t r o s d a n ç a v a m , c o n t a v a m histórias ou p r o s s e g u i a m os debates do dia. C o m freqüência, s e n t á v a m o s à beira do lago, c o m o sol a q u e c e n d o os pinheiros e um falcão real circulando no céu, c o m o se dissesse: " E u os estou o b s e r v a n d o " . N o ú l t i m o dia, s a b í a m o s que u m a p r o f u n d a m u d a n ç a pessoal seria necessária para aqueles que desejavam causar um i m p a c t o m í n i m o no m u n d o . N ã o s o m e n t e t í n h a m o s de 147

Maril Crabtree

fa#

Sapada

8

ensinar o m u n d o a cuidar da terra, c o m o t a m b é m precisáv a m o s m o s t r a r lições espirituais daqueles que n o s e n s i n a m d i a n t e de a d v e r s i d a d e s . T í n h a m o s de a p r e n d e r a refazer n o s s a l i n g u a g e m para atingir o s que n ã o c o n h e c i a m n o s s o trabalho, curar n o s s o próprio desespero ante o q u e perdíam o s , e p e r m a n e c e r m o s pacíficos e c o m p l a c e n t e s contra a oposição hostil. No último dia, cada um de n ó s sabia que havíamos crescido como professores e que tínhamos nos u n i d o uns aos outros tanto na m e n t e c o m o no espírito. N a q u e l e dia frio de p r i m a v e r a e na a l e g r i a de n o s s o s corações, n ó s nos a g r u p a m o s p a r a a cerimônia de encerram e n t o à beira do lago. D u z e n t a s pessoas deram-se as m ã o s n u m g r a n d e círculo, p a s s a n d o u m a p e n a d e falcão, c o m o um lembrete do antigo índio a m e r i c a n o , e cada u m a abençoou aquele encontro. No solo, perto do círculo, alguém avistou outra pena. Era a p e n a de n o s s o falcão guardião, e c o n c o r d a m o s e m aceitá-la c o m o u m presente d e despedida de n o s s o c o m p a n h e i r o viajante. A b a i x a m o s n o s s a s cabeças para rezar, m e d i t a r e escutar as palavras de sabedoria de n o s s o líder, que e r g u e u a pena a fim de agradecer ao falcão guardião, que n o s agraciara c o m sua presença durante os três dias. De q u a n d o em q u a n d o em nossas discussões, n ó s o v í a m o s atravessando o céu ou q u a s e i m ó v e l entre a s n u v e n s . Ele s e t o r n o u u m s í m b o l o para n ó s d e tudo pelo q u e trabalhávamos. Foi u m daqueles raros m o m e n t o s em que o aperto de m ã o de u m a pessoa e o brilho dos olhos significam: " s o m o s u m " . E r g u e m o s n o s s a s m ã o s e o l h a m o s o céu no instante final d o fechamento. E x c l a m a ç õ e s e c o a r a m q u a n d o testemunham o s n o s s o sentinela sagrado, o falcão guardião, descrever o formato exato de n o s s o círculo a c i m a de nós, completando a b ê n ç ã o c o m um c u m p r i m e n t o inesquecível.

148

Meditaçãc UM PASSEIO NA FLORESTA Breitenbush, um centro de retiro no Oregon, fica no coração de Cascades e é conhecido por suas fontes naturais de água quente. Mas, para mim, o mais impressionante é a antiga floresta que rodeia Breitenbush. Ao ler os folhetos de orientação, soube que as árvores mais velhas do continente estão lá. Fiquei triste ao saber que, hoje, menos de cinco por cento da floresta americana está intata. Enquanto eu caminho entre as árvores gigantescas, é difícil imaginar que essas árvores sejam "espécies ameaçadas". São cheias de vitalidade, subindo dezenas de metros até o céu. Aquelas que caem naturalmente têm troncos de quase três metros de diâmetro. Algumas árvores tombaram sobre o rio para prover acesso seguro à outra margem. Então, caminho pelo perímetro que foi reflorestado. O contraste é incrível. Aqui, as árvores mais altas têm cerca de um metro e meio. Não há sombras, somente o sol implacável e o solo esparso. Serão necessárias décadas para que a floresta chegue perto de sua antiga majestade. Pergunto-me o que será de nossa terra quando os últimos cinco por cento se forem. A mulher que caminha comigo é uma índia do Oregon; ela me contou que as madeireiras agora têm permissão para cortar árvores da floresta nacional. Essas florestas, antes preservadas, estão sendo devastadas pelas serras de forma alarmante. Eles derrubam as árvores que estão longe das rodovias que dão acesso aos parques nacionais, ela diz. Portanto, os turistas não conhecem a extensão da devastação. Ao longo da rodovia, há árvores imensas, mas, na verdade, a floresta fica a nove quilômetros do asfalto e leva tempo demais para as sementes do reflorestamento crescerem. Penso em minhas penas. O que acontecerá quando todas as árvores desaparecerem? Os pássaros já correm sérios riscos em muitas áreas, e são forçados a procurar um novo habitat cada vez 149

que o desenvolvimento desenfreado chega a suas árvores. Além de perdermos as árvores antigas e importantes, e de não podermos mais desfrutar de sua sombra e admirá-las, não teremos igualmente pássaros para ver e ouvir, e outras criaturas menores. E, sem os pássaros, não haverá penas para acrescentar beleza ao mundo, nenhuma pena para encontrar no caminho da floresta. Nesse momento, como se adivinhasse meus pensamentos, uma pena aparece na trilha. Ela entoa seu aviso: "Não estejam tão certos de mim. Posso não estar aqui para seus netos". Os sinais de um planeta em perigo estão a nosso redor, mesmo quando procuramos somente penas. Talvez seja por isso que o universo parece enviar mensagens sempre que pode. Só então, saberemos que a hora de agir — por nosso futuro e pelo futuro das próximas gerações — é agora. As penas são também uma mensagem para proteger e amar todas as formas de vida do planeta, e, assim, seus presentes continuarão aqui para todos. • Faça uma caminhada. Tal qual na forma budista "caminhada meditativa", ande devagar para estar ciente de cada passo. • A cada passo, nomeie e agradeça algumas partes do planeta e toda a sua variedade. • Seja cuidadoso a cada novo passo a fim de ajudar a proteger nossa terra para as gerações futuras, e peça uma bênção para seu movimento futuro nessa direção.

150

Parte X r ê s

Luz por Meio da Pena: Mensagens de Liberdade, Entrega e Desprendimento

Penas e Graça Maril Crabtree Durante u m a recente v i a g e m a S ã o Francisco, a p e s s o a que se sentou a m e u l a d o n o avião sugeriu que e u visitasse a Catedral d a G r a ç a . N ó s últimos anos, cidadãos d o m u n d o inteiro v ã o a essa catedral p a r a participar de u m a experiência espiritual c o n h e c i d a c o m o " p e r c o r r e r o l a b i r i n t o " . O m o d e l o antigo d e u m labirinto d e o n z e circuitos, encravado no chão da Catedral de Chartres, na França, foi levado a São Francisco pelo dr. L a u r e n Andress, um sacerdote episcopal; trata-se de um i n s t r u m e n t o p a r a c o n t e m p l a ç ã o e reflexão da vida espiritual. No m o m e n t o em que eu s o u b e desse labirinto, tive a certeza de q u e iria conhecê-lo. N a q u e l a tarde, fui a N o b Hill e l o g o avistei as torres da catedral entre as ruas asfaltadas da cidade e as casas coloridas. Assim que me aproximei da igreja, notei um café chamado C u p of Grace. N ã o resisti à tentação de tomar u m a xícara do famoso café c o m leite de S ã o Francisco. O estabelecimento era convidativo, c o m algumas m e s a s diante da janela, que oferecia vista para o pequeno parque do outro lado da rua. N o s fundos do café, havia prateleiras de livros religiosos e CDs. U m a música de canto gregoriano amenizava o ambiente. O gerente do café conversou c o m i g o sobre o labirinto e me regalou c o m histórias acerca do p o d e r que o labirinto tinha sobre a vida das pessoas. Q u a n d o me virei p a r a sair, senti u m a p e n a e m m e u bolso. E u a encontrara e n q u a n t o 153

p a s s e a v a pelo zoológico no final de s e m a n a anterior. P o r é m , e m lugar d e colocá-la j u n t o c o m m i n h a s outras penas, p o r a l g u m a razão a deixara no bolso daquele casaco. A g o r a eu entendia p o r quê. Retirei-a do bolso. — Eu gostaria de lhe dar um p e q u e n o presente em troca das coisas que partilhou c o m i g o — eu disse, oferecendo a p e n a ao gerente. Expliquei-lhe por que as penas e r a m especiais p a r a m i m . Ele m e agradeceu. — V o u colocá-la em m e u altar e ela me lembrará de que preciso me doar às p e s s o a s — ele disse. F i q u e i contente. U m presente b e m d a d o e g r a c i o s a m e n t e recebido, e m especial p o r u m estranho, possui u m a qualidade sagrada e m n o s s o m u n d o t u m u l t u a d o . Trocar m i n h a p e n a pelo t e m p o que esse h o m e m d i s p e n s o u a m i m foi gratificante. No dia seguinte, depois de ter percorrido o labirinto interno c o m dúzias d e p e s s o a s que, c o m o eu, e x p e r i m e n t a r a m aquela forma única de oração contemplativa, voltei à catedral p a r a percorrer o labirinto externo. Este fora esculpido em p e d r a n u m a área adjacente ao café. O gerente h a v i a m e n c i o n a d o que o labirinto ao ar livre era u m a experiência distinta, e ele estava certo. Um h o m e m p r a t i c a n d o tai chi n u m canto do terreno me c u m p r i m e n t o u ; ele e eu é r a m o s os únicos que usufruíamos daquele ar matinal, j u n t o c o m alguns p o m b o s que c i s c a v a m p o r ali. A p ó s completar m i n h a c a m i n h a d a n o labirinto, resolvi i r a o café p a r a agradecer n o v a m e n t e a o gerente. A o m e aprox i m a r d o estabelecimento, olhei p a r a b a i x o . A o lado d e u m arbusto, jazia u m a linda p e n a b r a n c a . S o u b e i m e d i a t a m e n t e que ela era p a r a m i m . O universo, a o n o s a b e n ç o a r c o m abundância, p r e s e n t e a v a - m e c o m outra p e n a , a qual seria u m a preciosa l e m b r a n ç a daquele lugar especial. 154

p a s s e a v a pelo zoológico no final de s e m a n a anterior. P o r é m , e m lugar d e colocá-la j u n t o c o m m i n h a s outras penas, p o r a l g u m a razão a deixara no bolso daquele casaco. A g o r a eu entendia p o r quê. Retirei-a do bolso. — Eu gostaria de lhe dar um p e q u e n o presente em troca das coisas que partilhou c o m i g o — eu disse, oferecendo a p e n a ao gerente. Expliquei-lhe p o r que as penas e r a m especiais p a r a m i m . Ele m e agradeceu. — V o u colocá-la em m e u altar e ela me lembrará de que preciso me doar às p e s s o a s — ele disse. F i q u e i contente. Um presente b e m d a d o e g r a c i o s a m e n t e recebido, e m especial p o r u m estranho, possui u m a qualidade sagrada e m n o s s o m u n d o tumultuado. Trocar m i n h a p e n a pelo t e m p o que esse h o m e m d i s p e n s o u a m i m foi gratificante. No dia seguinte, d e p o i s de ter percorrido o labirinto interno c o m dúzias d e p e s s o a s que, c o m o eu, e x p e r i m e n t a r a m aquela forma ú n i c a de oração contemplativa, voltei à catedral para percorrer o labirinto externo. Este fora esculpido em p e d r a n u m a área adjacente ao café. O gerente h a v i a m e n c i o n a d o que o labirinto ao ar livre era u m a experiência distinta, e ele estava certo. Um h o m e m p r a t i c a n d o tai chi n u m canto do terreno me c u m p r i m e n t o u ; ele e eu é r a m o s os únicos que usufruíamos daquele ar matinal, j u n t o c o m alguns p o m b o s que c i s c a v a m p o r ali. A p ó s c o m p l e t a r m i n h a c a m i n h a d a n o labirinto, resolvi i r ao café para agradecer n o v a m e n t e ao gerente. Ao me aprox i m a r d o estabelecimento, olhei para b a i x o . A o lado d e u m arbusto, jazia u m a linda p e n a b r a n c a . S o u b e i m e d i a t a m e n t e que ela era p a r a m i m . O universo, a o n o s a b e n ç o a r c o m abundância, p r e s e n t e a v a - m e c o m outra p e n a , a qual seria u m a preciosa l e m b r a n ç a daquele lugar especial 154

Segurei a p e n a em m i n h a s m ã o s e agradeci os m e i o s m i s teriosos, m a s simples, que o universo utiliza para se c o m u nicar. " C o m e c e aqui. C o m e c e agora", pensei, enquanto acariciava a pena. "Procurarei m a i s oportunidades para oferecer m i n h a s p e n a s e eu m e s m a . " Espantada, percebi q u e reafirmava a intenção do gerente, q u a n d o este dissera q u e a p e n a o lembraria de doar-se mais aos outros. A p e n a b r a n c a ainda está c o m i g o . M a s sei que encontrarei s e u p r ó x i m o d o n o e m breve...

155

Dom Terrill Petri Faz três a n o s que coleciono penas. Elas p a r e c e m estar o n d e quer que eu vá. Por q u ê ? N ã o tenho certeza, m a s m i n h a filha, u m a m u l h e r sábia, diz q u e as penas estão relacionadas a transição e sincronicidade. N o s últimos anos, d e v i d o a m i n h a profissão de relações p ú b l i c a s , p a s s e i a dirigir a V i s ã o F e m i n i n a I n t e r n a c i o n a l , u m a o r g a n i z a ç ã o s e m fins l u c r a t i v o s q u e t r a b a l h a c o m m u l h e r e s da cultura indígena dos Estados U n i d o s , África e A m é r i c a do Sul. U s o m i n h a s h a b i l i d a d e s e c o n h e c i m e n t o para ajudar as m u l h e r e s ao r e d o r do m u n d o a iniciar o próprio n e g ó c i o . N o curso das aulas, aprendi m u i t o c o m essas m u l h e r e s que v i v e m na simplicidade da sobrevivência, c u i d a n d o de si m e s m a s e dos filhos, utilizando os talentos q u e p o s s u e m . E l a s t ê m p o u c o conforto material, m a s t o r n a m - s e ricas ao a p r e c i a r as d á d i v a s da n a t u r e z a q u e estão d i s p o n í v e i s a t o d o s n ó s . S a b e m que suas n e c e s s i d a d e s s e r ã o a t e n d i d a s c o m u m a certeza que s e m p r e invejei, e n q u a n t o m e debatia p a r a angariar fundos para a organização. N a última primavera, e n q u a n t o t r a b a l h á v a m o s n a reserv a Pine R i d g e c o m u m grupo d e índias, puxei u m a folha d e u m a pilha de p a p é i s e u m a p e n a caiu. U m a das m u l h e r e s sorriu e disse: — É u m a p e n a de p o m b a . E s s e será seu n o m e indígena: Pomba.

T o c a d a pelos dois presentes, a p e n a e o n o m e , guardei a p e n a e m m i n h a carteira p a r a tê-la s e m p r e c o m i g o . U m m ê s d e p o i s , e u viajava pela África, m a i s u m a v e z trabalhando c o m u m grupo d e índias. U m dia, c a m i n h a m o s até as Victoria Falis, u m a cachoeira conhecida t a m b é m c o m o A Caldeira do Diabo. A q u e d a - d ' á g u a tinha d e z e n a s de quil ô m e t r o s e p a r a m o s no topo para observar aquele espetác u l o d a n a t u r e z a . U m a d a s m u l h e r e s m e d i s s e q u e fazia parte d a antiga tradição j o g a r n a á g u a algo que v o c ê n ã o m a i s quisesse. " Q u e r o m e livrar d e m e u s m e d o s e c o n f l i t o s " , p e n s e i . " T a l v e z aqui seja o lugar certo para tanto." L e m b r e i - m e de m i n h a p e n a de p o m b a e t a m b é m lembreime da tradição indígena a m e r i c a n a de "doar". Se v o c ê recebe um presente do universo, é importante devolvê-lo c o m o forma de a g r a d e c i m e n t o . Tirei a p e n a de m i n h a carteira. E r a h o r a de devolvê-la e deixá-la levar m e u s m e d o s . J o g u e i a p e n a em direção à q u e d a - d ' á g u a , i m a g i n a n d o que ela cairia no g r a m a d o l o g o a n o s s a frente. C o n t u d o , o v e n t o a l e v o u à e x t r e m i d a d e da cachoeira. Observei-a cair na Caldeira do Diabo. N a q u e l e instante, u m a linda b o r b o leta aterrissou no local em q u e eu concentrava m i n h a atenção: a borboleta, o símbolo universal da transformação! Senti u m a p a z interior, s a b e n d o que m i n h a s preces p a r a libertarm e dos m e d o s h a v i a m sido atendidas. D e v o l v e r a p e n a ao u n i v e r s o foi u m a b o a m a n e i r a de agradecer à M ã e Terra pelo cuidado e pela certeza de que no futuro eu continuaria a ser protegida p o r ela.

157

Anjos a Meus Pés Vicki Wagoner Sou uma pena para cada vento que sopra. — Shakespeare, Conto de Inverno, Ato II, Cena 3

Trabalho n u m p r é d i o de escritórios, r o d e a d o p o r quatro avenidas de intensa circulação. P r ó x i m o dali, p o r é m , há um lago junto ao qual c o s t u m o me sentar, ler e m e d i t a r durante m i n h a h o r a de a l m o ç o . O lago é p e q u e n o m a s c a l m o , c o m pinheiros e arbustos floridos a sua volta. A despeito do tráfego, consigo " m e desligar" e apreciar a beleza da água, das n u v e n s e da v i d a s e l v a g e m q u e lá habita. Há vários tipos de aves, a maioria patos e u m a garça-azul; há t a m b é m peixes e pássaros pretos, que m e r g u l h a m no lago e r e s s u r g e m alguns m e t r o s adiante, sacudindo-se v i g o r o s a m e n t e . Certo dia, eu atravessava o g r a m a d o , em direção a m e u canto à beira do lago, quando parei de repente. Poucos m e t r o s à frente havia n o v e egretas b r a n c a s e u m a garça-azul i m ó v e i s e o l h a n d o para a m e s m a direção. L e m b r e i - m e de ter visto u m a cena parecida no filme Cidade dos Anjos. Os anjos (em forma h u m a n a ) reuniam-se todas as m a n h ã s na praia, ao nascer do sol, para agradecer ao C r i a d o r por mais um dia. T o d o s fitavam a m e s m a direção em silêncio solene. A cena causara certo i m p a c t o em m i m , pois transmitia serenidade e s a c r a m e n t o . A g o r a as egretas e a garça v o l t a v a m a atenção para um só p o n t o e, parecia-me, c o m a m e s m a serenidade profunda. 158

Fiquei estupefata. Foi a cena m a i s impressionante que já vi. Elas p e r m a n e c e r a m n a q u e l a posição por alguns m i n u t o s e depois v o a r a m . A l m o c e i , li e meditei c o m o de hábito. O dia estava ensolarado e lindo, c o m p o u c a s n u v e n s no céu, u m a brisa refrescante e u m a atmosfera m á g i c a . Q u a n d o me levantei para voltar ao trabalho, dei alguns passos e escutei a seguinte m e n s a g e m : — O p r e s e n t e está a seus pés. Olhei para baixo. Sobre a g r a m a havia n o v e p e n a s brancas e u m a p e n a azulada. A g r a d e c i a o s anjos p o r me v i s i t a r e m . A m e n s a g e m foi clara. C o m os desafios de u m a n o v a carreira, um s e g u n d o trabalho para completar o orçamento, um m a r i d o e dois filhos adolescentes, sinto-me sobrecarregada e desequilibrada, a despeito de m i n h a s tentativas de relaxar e confiar que tudo dará certo. T e n d o a me deixar levar pela falta de fé. P o r é m , m a i s u m a vez, os anjos encontraram m e i o s de dizer que sou a m a d a , protegida e guiada. Recolhi as penas e as coloquei n u m pote em m i n h a mesa. No pote estão impressos os dizeres Liberte-se. C a d a vez que olho p a r a elas, r e c o r d o o silêncio s e r e n o dos p á s s a r o s — m e u s anjos disfarçados — e o m a r a v i l h o s o presente.

159

Um Fardo Tão Leve Quanto uma Pena Robert Gass A s f o r m a ç õ e s rochosas d e U t a h são u m d e m e u s lugares de visão e poder. V o u ao deserto, c o m suas torres de pedra, obeliscos e beleza prístina em b u s c a de luz e solidão. Era o décimo dia de m e u retiro. Eu ficava n u m a cabana, localizada n u m a fazenda, que era c o m o um porto espiritual. Passara os primeiros dias livrando-me do estresse e da velocidade da vida moderna. Q u a n d o me aquietei, pedi orientação para m e u trabalho e minha vida. Durante u m a das m e ditações, escutei que eu escreveria um livro e trabalharia individualmente c o m líderes no papel de guia e treinador. No dia seguinte, saí p a r a c a m i n h a r e escalei parte de u m a p a r e d e d e p e d r a . E u m e sentia tão a g i t a d o p o r c a u s a d e m i n h a "tarefa" que c o m e c e i a falar c o m D e u s em v o z alta. — D e u s , o que significam esse livro e esse trabalho? S a b e que n ã o preciso de tudo isso. Já descobri q u e n ã o tenho de realizar coisas importantes no m u n d o p a r a ser feliz. Aliás, eu ficaria m u i t o feliz se diminuísse o r i t m o por a l g u m tempo. Se essa tarefa é importante para V o c ê , eu a farei. Do contrário, n ã o sei. P o r favor, ofereça-me um sinal. U m a pista para eu saber que direção tomar. De repente, c o m e ç o u a chover. S a b e n d o que a rocha ficaria escorregadia, desci r a p i d a m e n t e , e s q u e c i a conversa, o sinal e D e u s . C e r c a de q u i n z e m i n u t o s d e p o i s , v i r e i - m e . H a v i a u m arco-íris n o céu. U m a das pontas apontava para a p e d r a o n d e eu estivera.

E m vez d e m e acalmar, fiquei ainda m a i s agitado. — É um sinal. S e m dúvida que é... Ou talvez n ã o seja. Arcoíris sempre aparecem. M a s esta é a promessa que Deus fez a Moisés. É o sinal clássico do pacto entre Deus e o homem... A g o r a você se acha Moisés? O sinal, schmine, é um arco-íris. Discuti a questão até chegar à cabana. À beira do desespero, falei c o m D e u s n o v a m e n t e . — Sei que estou abusando. Pedi um sinal e vi um arcoíris saindo da p e d r a o n d e eu estava. D e v i a me sentir grato, m a s estou assustado e confuso. T e n h o dúvidas. Talvez dúvidas n ã o se resolvam p o r meio de sinais. M a s L h e p e ç o m a i s u m sinal. A l g o c l a r o e p r e c i s o , c a p a z d e e s p a n t a r m e u s m e d o s . Q u e r o que u m a pena v e n h a a m i m de forma m á g i ca. T a m b é m c o m p r e e n d o que talvez eu n ã o receba esse sinal. Se for para eu viver c o m dúvidas, que assim seja. A essa altura, eu me liberei. Senti tranqüilidade interior. M e s m o que o sinal n ã o aparecesse, estava preparado para aceitar m i n h a tarefa. N a q u e l a m a n h ã , um grupo de m u l h e r e s apareceu na fazenda para u m a cerimônia. S o u b e r a m p e l o proprietário q u e eu estava em retiro. M i n h a m ú s i c a era i m p o r t a n t e p a r a a c o m u n i d a d e que elas r e p r e s e n t a v a m e, portanto, q u e r i a m que eu cantasse algumas canções no cerimonial daquela noite. Eu devia me sentir honrado, m a s fiquei irritado. " E s t o u e m retiro espiritual", p e n s e i . P r e t e n d i a declinar, m a s m e lembrei de m e u p e d i d o a D e u s . Senti n a q u e l e m o m e n t o q u e o espírito se manifestava por intermédio das mulheres. E n tão, aceitei o convite. N a q u e l a noite, n ó s n o s r e u n i m o s a o redor d a fogueira para rezar, cantar e dançar. A festa terminou. Eu guardava meu violão q u a n d o u m a m u l h e r postou-se a m i n h a frente. Ela me olhou e disse:

161

— Isso é para v o c ê . D i s s e r a m - m e q u e eu devia lhe dar isso. — N a s m ã o s dela h a v i a u m a p e n a de um falcão de rabo vermelho. Q u a n d o toquei a pena, escutei a v o z de m e u " e u " duvidoso, tentando encontrar u m a justificativa racional. M a s n ã o h a v i a n e n h u m a . Pela primeira v e z , m e u interior cético e s tava s e m palavras. A p e n a está e m m e u altar c o m o u m a l e m b r a n ç a d a v o n tade de D e u s .

162

Pena de Pica-Pau Paul W. Anderson Apesar do trajeto d e d u z e n t o s e oitenta q u i l ô m e t r o s , m e u v e l h o D o d g e p o r t o u - s e b e m n a q u e l a noite, sob o c é u estrelado q u e p a r e c i a s a l p i c a d o d e lantejoulas. A l t e r n a n d o a direção c o m m i n h a m u l h e r , P a m , eu e ela p e r c o r r e m o s os l o n g o s q u i l ô m e t r o s entre K a n s a s City e T a o s , no N o v o México. Q u a n d o o sol se ergueu ao lado das m o n t a n h a s S a n g u e de Cristo e surpreendeu a planície c o m mais um dia, sabor e a m o s b u r r i t o s e f e i j ã o - v e r m e l h o no café da m a n h ã em nosso restaurante favorito. A q u e l a única refeição c o m p e n sou as treze h o r a s de viagem. Por volta do meio-dia, chegamos à estalagem Velha Taos. Tim Pé-Descalço, um dos proprietários, apareceu para n o s receber. C o m a tradicional lentidão de T a o s , ele nos ofereceu u m a b r e v e história e um passeio pela hacienda de c e m anos. As p a r e d e s r o s a d a s , a e x t e n s a v a r a n d a e a m a r a v i l h o s a v i s t a d a planície t r o u x e r a m - m e u m a s e n s a ç ã o de tranqüilidade e bem-estar. A última instrução de T i m foi sobre c o m o usar a b a n h e i r a q u e n t e do lado de fora de nosso quarto. C o m u m a toalha n o o m b r o , resolvi tomar b a n h o antes d e Pam. E n q u a n t o explorava os arredores, parei perto de u m a mesa c o m duas cadeiras. Atrás de u m a delas p r ó x i m a s ao arbusto, avistei u m a p e n a preta e branca. A alta folhagem da grama a sustentava acima da terra, c o m o se a oferecesse 163

a m i m . " P e g u e a p e n a que v o c ê pediu. É sua. Os pássaros a d e i x a r a m para v o c ê " . A sincronicidade, para m i m , é c o m o u m a m a n i f e s t a ç ã o p a r a n o r m a l . T u d o p a r e c e interligado. M a i s u m a v e z , percebi q u e estava no lugar e na h o r a certos. Perplexo, aceitei a p e n a que, três m e s e s atrás, eu h a v i a p e d i d o . E, e m b o r a a aparição daquela pena coincidisse com uma experiência interior q u e eu tivera, o verdadeiro i m p a c t o e o e n s i n a m e n to p r o p o r c i o n a d o s por ela ainda e s t a v a m p o r vir. As penas surgem em minha vida como poderosos símbolos de vários tipos de energia, mas sempre de forma inesperada. Ao me abaixar para recolher a pena, lembrei-me da pedra de três meses atrás, em março, quando eu e P a m tínhamos ido a Taos para comemorar nosso aniversário de casamento. O p i c a - p a u me l e m b r a o kachina da tradição Z u n i , q u e p a r e c e m palhaços c o m suas p e n a s listradas de preto e branco. Esses pássaros são trapaceiros, r e p r e s e n t a m o coiote do reino das aves, c o m cantos agradáveis q u e a c a b a m m e peg a n d o distraído. Eles v i v e m e m b a n d o , a c a s a l a m - s e para m a n t e r a espécie e, tal qual seus parentes corvos, p r e e n c h e m o espaço a sua volta c o m um p o d e r audacioso. Eu queria um p o u c o dessa energia, e, em m a r ç o , p e d i a cada pica-pau que via u m s í m b o l o d e seu poder. E m princípio, desejei u m a p e n a da l o n g a cauda. À m e d i d a que o m ê s de m a r ç o passava e n e n h u m a pena aparecia, disse aos pássaros q u e ficaria feliz em g a n h a r qualquer u m a . As aves p a r e c i a m rir de m i m . Na verdade, senti-me i g n o r a d o e m e u p e d i d o foi d e s c o n s i d e r a d o . V o l t e i a K a n s a s C i t y c o m as mãos vazias. N e n h u m a pena de pica-pau aparecera para m i m até então, q u a n d o esta apareceu. A p ó s os rituais de a g r a d e c i m e n t o e l i m p e z a , amarrei a pena à flauta que eu c o m p r a r a . D u r a n t e o final de s e m a n a , toquei flauta p a r a os pássaros que se a p r o x i m a v a m de m i m . 164

C o m o sempre, eles i g n o r a v a m a m i m e a m i n h a música, m a s pareciam felizes c o m o verão que substituía o inverno e c o m os tufos de n u v e n s b r a n c a s que flutuavam no céu. D o m i n g o era o dia de voltar para casa. E era t a m b é m o solstício. A c o r d e i p a r a ir à garganta do Rio G r a n d e v e r o sol nascer. Q u e r i a rezar e honrar o dia no local onde eu vira um falcão fêmea c h o c a r dois filhotes. T a l v e z ela ainda estivesse lá. À primeira luz da m a n h ã , p e g u e i m e u t a m b o r e m i n h a flauta, destranquei o carro e inseri a chave na ignição. Girei ,i chave para ligar o m o t o r . N a d a aconteceu. A chave n ã o se movia. A ignição parecia congelada. Tentei tudo que sabia para ligar o carro. C o n t i n u a v a e m p e r r a d o . E n t ã o , desisti de ir à garganta do rio e c o m e c e i a me preo¬ cupar c o m a v o l t a p a r a c a s a . T i m a c h a v a - s e n a c o z i n h a , assando pães e cortando as frutas para o café da m a n h ã . Ele sugeriu que eu telefonasse para o m e c â n i c o da região. — B o m dia. D e s c u l p e incomodá-lo a essa hora, m a s n ã o consigo fazer m e u carro p e g a r e preciso retornar a K a n s a s < i t y hoje. P o d e me ajudar? — Ah, ainda é m u i t o cedo. V o c ê disse K a n s a s City? — S i m , K a n s a s City. E s t a m o s h o s p e d a d o s na estalagem Velha Taos. — E n t ã o , ligue para m i m em duas horas e eu lhe direi se posso ir consertar s e u carro. — Dito isso, ele desligou. Fui até T i m . — V o c ê tem grafite? T a l v e z ele solte a ignição. — T e n h o , sim. Está lá fora, no depósito. — V o u pegá-lo. D i g a - m e o n d e ele está exatamente. — N ã o . E s p e r e aqui. Eu p e g o o grafite p a r a você. — T i m 1,1 v o u as m ã o s e dirigiu-se ao depósito. Após alguns m i n u t o s , inseri um p o u c o de grafite na ignição. N a d a . Três a n o s atrás, o D o d g e fora roubado. Os la165

drões h a v i a m q u e b r a d o a coluna da direção e q u e i m a d o os fios da ignição. Talvez eu p u d e s s e fazer algo s e m e l h a n t e . M a s não queria quebrar nada e n e m sequer sabia o que quebrar. Outra opção seria retirar a direção e, eu esperava, e x p o r os fios. Fui falar c o m T i m . — V o c ê tem soquetes? — expliquei a ele m e u plano. — T e n h o . Estão no depósito. — Q u e r que eu vá buscá-los? — perguntei. — N ã o . Eu vou buscá-los para v o c ê . Fiquei na varanda, observando o n o v o dia que se espalhava pela planície. — Detesto esperar — disse a m i m m e s m o . Então, tive um insight. Era disso que se tratava. Essa era a m e n s a g e m . Aprender a esperar! Os soquetes n ã o funcionaram. P a m apareceu para ver o que estava acontecendo. Descrevi-lhe a situação. — T u d o tem a ver c o m a capacidade de esperar — eu disse a ela. — Detesto esperar. Tive de esperar a pena de picap a u , o m e c â n i c o , o grafite, os soquetes e m e u passeio à garganta do rio. N ã o gosto de esperar. E n q u a n t o eu falava, inseri a c h a v e na ignição m a i s u m a vez. Girei a c h a v e e o carro pegou. P a m riu. — A c h o que e n t e n d e u a m e n s a g e m . A ignição tem funcionado b e m desde então. G u a r d a m o s as malas no carro, saímos do estacionamento e r u m a m o s para a rua. A p ó s percorrer quinze metros de asfalto, um e n o r m e pica-pau v o o u em frente ao carro, p o u s o u e c o m e ç o u a andar. Ele agia c o m o se regesse u m a banda. S e g u i m o s o p á s s a r o , e n q u a n t o e s t e atingia a estrada e virava à esquerda, a direção que d e v í a m o s tomar. Ele e m i tia ruídos o t e m p o todo, c o m o se c o n v e r s a s s e c o n o s c o . E n 166

tão, p a r o u de andar e, s e m esforço, v o o u até o fio de altatensão da estrada. Lá ele p e r m a n e c e u , quieto. C o l o q u e i a cabeça para fora da janela. — O b r i g a d o pela p e n a — eu disse. — Entendi a m e n s a g e m . — L e n t a m e n t e , o pássaro abriu as asas, sacudiu a cauda e alçou v ô o em direção ao c a m p o .

167

Meditação PRESENTES E SINAIS DAS PENAS As penas de certos pássaros foram utilizadas, em muitas culturas antigas, para simbolizar sinais e presságios específicos. Esses sinais permeiam nossa linguagem: sábio como runa coruja, o pássaro azul da felicidade, ágil como uma águia. Embora a pena transmita uma mensagem única para cada pessoa, há mensagens universais que elas também nos passam: • Corvo — conhecimento intuitivo, sabedoria mística (o corvo também é visto como um mensageiro da morte ou da doença em algumas tradições. O poema de Edgar Allan Poe, O Corvo, fala da natureza misteriosa e agourenta do pássaro). • Águia, falcão — agilidade, força, coragem; associadas à energia masculina, o princípio yang; são pássaros sagrados em muitas culturas, freqüentemente vistos como "mensageiros". • Martim-pescador — felicidade, prosperidade, boa fortuna. • Coruja — sabedoria interior, associada à energia feminina, o princípio yin. • Pavão — um símbolo de proteção ou clarividência; também um símbolo do amor e do prazer sensual. • Pomba — adaptação e sobrevivência. • Papo-roxo — um mensageiro do bom tempo, se for visto cantando ao ar livre, e de que haverá chuva, se estiver escondido entre as folhagens da árvore; também representa inocência e "boa sorte". • Gralha — outro precursor do bom tempo, se for vista no topo de uma árvore, e da chuva, se for vista mais abaixo; quando elas se reúnem, é sinal que uma tempestade está a caminho. • Gaivotas — paz, eternidade. • Cegonha — boa fortuna, muitos filhos. Para essa meditação, escolha um dia, um final de semana ou uma semana. Declare a intenção de notar que pássaros surgem a sua volta. Anote os tipos de pássaros que você reconhecer. Pro168

cure o significado deles em várias fontes, como enciclopédias, livros ilustrados sobre pássaros ou num bom dicionário com citações históricas e literárias. Depois de pesquisar todos os significados, encontre um lugar sossegado para meditar. Pergunte a sua sabedoria interior que significados poderiam se aplicar a sua vida naquele momento. Dê tempo à resposta. Escreva o que lhe vem à mente. Peça orientação contínua ao mundo natural e especialmente às penas.

169

Pássaro Preto, Pássaro Branco Laura Giess Q u a n d o vi os pássaros pela primeira vez, eu ainda era casada e morava numa cidadezinha do Kansas. Eu trabalhava em Hays, e viajava noventa e seis quilômetros todos os dias. Meu casamento havia se deteriorado e eu estava desesperada, sem saber o que fazer. Deveria tentar salvá-lo ou esperar que uma separação me trouxesse alguma luz? Tais pensamentos permeavam minha cabeça, mas não conseguia encontrar uma resposta. Certa manhã, a caminho do trabalho, um pássaro branco e um preto voaram diretamente sobre meu carro. Eles apareceram do nada, apenas os dois; e o evidente contraste das cores me surpreendeu. Embora eu reparasse em pássaros, jamais notei um par tão singular. "Imagino quem estaria tentando se comunicar comigo", pensei ao observar os pássaros atravessando meu campo de visão. Tentei captar a presença de alguém, mas nada me ocorreu. Então, esqueci o assunto. Mas, no dia seguinte, aconteceu novamente, no mesmo local e da mesma maneira — um pássaro branco e um preto voaram acima de meu carro. Eu não os havia assustado; não existia nenhuma explicação lógica para tal comportamento. 170

N o entanto, nos dias q u e s e seguiram, e n q u a n t o m e debatia entre continuar c a s a d a ou me separar, eu via os pássaros v o a n d o : s e m p r e dois pássaros, um preto e um branco, e s e m p r e no m e s m o lugar. Eu pensava: "O que é isso? O que estão tentando me dizer?". G r a d u a l m e n t e , percebi que o s pássaros e r a m u m s í m b o lo de m i n h a s e m o ç õ e s internas e do conflito que eu sentia: parte preto, parte b r a n c o . M i n h a vida estava um turbilhão. Tor fim, a p ó s u m m ê s , t o m e i u m a d e c i s ã o . C o m g r a n d e dificuldade, disse a m e u m a r i d o e a m e u s dois filhos adolescentes que precisava de solidão para procurar u m a solução p a r a m i n h a infelicidade. A c h e i u m a p a r t a m e n t o , n ã o muito longe do trabalho, e, c o m m e d o e determinação, m u d e i - m e e c o m e c e i u m a vida nova. D e p o i s q u e m e instalei e m H a y s , v i o p á s s a r o b r a n c o várias v e z e s , m a s n u n c a m a i s v i o p r e t o . Q u a n d o e n f i m decidi continuar separada, sabia e m m e u coração que tinha feito a escolha certa p o r m a i s dolorosas q u e fossem as conseqüências. O d e s a p a r e c i m e n t o do p á s s a r o preto e a constante aparição do b r a n c o p a r e c i a m confirmar m i n h a decisão. A g o r a que estou feliz, tranqüila e livre, vejo pássaros brancos c o m freqüência!

171

Caçador de Penai Mark E. Tannenbaum Uma pena na mão é melhor que um pássaro voando. — George Herbert, Jacula Prudentum

Em geral, as pessoas são colecionadoras. C o n h e ç o pessoas que c o l e c i o n a m b o n e c a s e figurinhas de futebol. U m a v e z , colecionei t a m p a s de garrafa; m a i s tarde, preferi latas de cerveja e garrafas. N ã o havia m o t i v o para eu colecionar tampas e recipientes de bebida; a suposta m a n i a parecia expressar o caçador dentro de m i m . Q u a n d o m i n h a vida entrou em crise, eu descobri que o instinto colecionador m a i s u m a vez se manifestava — n ã o c o m o antes, m a s de certa forma mais p o d e r o s o . Só consigo relacionar tal fato a um sussurro que l e m b r o ter escutado q u a n d o m e u i r m ã o g ê m e o p a s s o u por m i m , dentro d o útero de m i n h a mãe: " A p r o v e i t e a j o r n a d a " . Foi um sussurro a o v e n t o , s e m e l h a n t e a u m p á s s a r o q u e voa sobre v o c ê ; então, n u m rápido farfalhar de asas, o sussurro acontece. É profundo. Era u m m o m e n t o forte e m m i n h a vida. E m e r g i a m tantas v o z e s d a n a t u r e z a que p e n s e i e m usar tapa-ouvidos para silenciá-las! T u d o parecia florescer, c o m o se as azaléias abriss e m seus b o t õ e s em m e u s olhos. Fragrâncias intoxicantes e n o v a s sensações m e r o d e a v a m , acariciavam m i n h a m e n t e , 172

espírito e corpo. C o m e ç a v a outra vez. O u t r a fase de caçador? N ã o n o sentido d o q u e e u era, m a s e m q u e m e u m e tornava. O q u e me levou à fase seguinte foi Animal Speak [Fala A n i m a l ] , u m livro escrito por T e d A n d r e w s q u e explicava c o m o os elementos da natureza tinham seu próprio significado. Fiquei mais ciente d o que m e rodeava. E m termos simples, era o equilíbrio q u e eu procurava. A p ó s m u i t a leitura, d e s c o b r i q u e m i n h a ligação c o m a natureza expressava-se, em especial, por m e i o dos pássaros. Eles e r a m m e u totem. Eu me sentia mais alinhado, m a s faltava ainda a chave para abrir a porta da experiência direta. D u r a n t e u m final d e s e m a n a e m m e a d o s d e s e t e m b r o , levei o livro, m e u cachorro, Yapper, e m e u e q u i p a m e n t o de c a m p i n g ao P a r q u e S h a d e s State, em Indiana, para procurar a " c h a v e " que T e d A n d r e w s havia m e n c i o n a d o . Perguntei-me o que seria preciso para encontrá-la. Se ela estivesse n a q u e l a área, eu tinha três dias para cobrir 2.000 acres! Na m a n h ã do terceiro dia, saí para passear c o m Yapper, seguindo u m a trilha. À q u e l a altura, eu me c o n v e n c e r a de que n ã o havia n e n h u m a urgência de encontrar a chave. Sendo o último dia — e c o m o eu n ã o tinha n a d a a perder —, pedi a c h a v e em v o z alta. — Q u e r o encontrar u m a pena, de preferência u m a p e n a de falcão — eu disse à floresta. Em seguida, esqueci o assunto. Continuei a c a m i n h a r atrás de Y a p p e r , já q u e ele sabia o n d e ir. D e p o i s d e u m t e m p o , u m a s o m b r a surgiu sobre m i m . F o i c o m o s e alguém tocasse m e u ombro, sussurrando e m m e u ouvido: "Aproveite a j o r n a d a " . Até Y a p p e r n o t o u a s o m b r a e c o m e ç o u a latir. O l h e i para o céu. Eles e s t a v a m lá — dois falcões v o a n d o ! Fiquei perplexo. Parei, agradeci ao Pai C é u e à M ã e T e r r a 173

pelo presente, e segui os falcões ao longo da trilha. Q u a n d o enfim p o u s a r a m n u m a clareira, Y a p p e r e eu e s t á v a m o s s e m fôlego. V i alguns b a n c o s d e m a d e i r a n o local. N o t e i u m objeto s o b r e um dos b a n c o s e me aproximei. H a v i a u m a p e n a a m i n h a espera. Peguei-a e senti tanto sua fragilidade quanto sua magnificência. Foi o m o m e n t o da verdade: u m a chave, um acesso a portais n u m nível que eu n u n c a h a v i a experim e n t a d o , u m n o v o equilíbrio e m m i n h a vida. D e s d e e n t ã o , t e n h o e n c o n t r a d o m u i t a s p e n a s . N ã o são apenas presentes da natureza; t a m b é m s i m b o l i z a m a renov a ç ã o da vida. C a d a v e z q u e u m a p e n a cai, outra p e n a surge. Essa n o v a vida substituindo a velha me diz que a m o r t e é s o m e n t e o c o m e ç o : o n d e há morte, há vida, um equilíbrio. E, ao l o n g o do c a m i n h o , recordo o que o falcão sussurrou em m e u ouvido: " A p r o v e i t e a j o r n a d a " .

174

Um Espírito de Eèerdade Terry Podgornik Cerca d e dois anos atrás, u m a p e n a a p a r e c e u e m m e u cam i n h o . Eu logo a notei. Parecia importante, m a s n ã o sabia o que fazer c o m ela. D e s d e então, penas t ê m aparecido c o m freqüência, quase do n a d a . O m a i s c u r i o s o é que, q u a n d o me vejo n u m a m b i e n t e urbanizado, s e m pássaros à vista, as p e n a s encont r a m u m a m a n e i r a de vir até m i m . Às vezes, ao sair do trab a l h o , em m e i o a edifícios, carros e pedestres apressados, u m a p e n a flutua e cai a m e u s pés. A s p e n a s m e c o n e c t a m a algo que vai a l é m d e m i m m e s ma e de m i n h a s p r e o c u p a ç õ e s c o m u n s . Q u a n d o fui à E s c ó cia, passei m u i t o t e m p o visitando os lugares m a i s pitorescos e c o m p r a n d o presentes. Um dia, e n q u a n t o eu tentava decidir q u e lenço iria c o m p r a r , ergui o olhar e vi um j o v e m c o m p e n a s d e falcão e m seus cabelos. N ã o n o s c o n h e c í a m o s , m a s sorrimos um para o outro na loja. N a q u e l e instante, partilhamos u m c o m p a n h e i r i s m o secreto, b a s e a d o nas penas. Saí sentindo-me leve, apesar das cansativas horas que passei de loja em loja. Enfim, entendi que as p e n a s , para m i m , r e p r e s e n t a m lib e r d a d e espiritual. Elas me encorajam a me concentrar no que r e a l m e n t e é importante na vida. Elas me d i z e m quando é hora de me renovar, aproveitar a vida, viver o m o m e n t o presente. É u m a m e n s a g e m simples, mas poderosa, algo que eu preciso ouvir c o m freqüência.

175

C o n c l u í que, se as p e n a s c o n s e g u i a m chegar até m i m m e s mo na cidade, eu devia a elas e a m i m m e s m a um a m b i e n t e m a i s n a t u r a l , o n d e a n e c e s s i d a d e de a p r o v e i t a r a v i d a e apreciar a natureza me a c o m p a n h a s s e constantemente. T e n h o de agradecer às p e n a s p o r obter t e m p o para retiros pessoais, longas c a m i n h a d a s em p a r q u e s e à beira de rios e férias em locais selvagens. A cada n o v a p e n a , fortaleço a capacidade de escutar m i n h a sabedoria interior.

176

U m Coração Li-Young Lee

Veja os pássaros. Mesmo o vôo nasce do nada. O primeiro céu está dentro de você, Amigo, abra-se a cada fim do dia. O trabalho das asas foi sempre a liberdade, acelerando um coração a cada coisa que cai.

177

Você Não Precisa Lutar Lee Lessard-Tapager Tal qual ocorre a muitas p e s s o a s , a condição de m i n h a própria saúde tornou-se u m a a v e n i d a para m u d a n ç a s de carreiras e para fazer coisas de q u e gosto. Sofri um ferimento no j o e l h o que se recusava a sarar c o m os tratamentos tradicionais. E x p l o r e i alternativas e no final obtive a cura p o r m e i o da cinesiologia holística e do trabalho c o m áreas de energia estagnada e m m e u s p a d r õ e s d e energia. A g o r a ensino cura holística e ajudo u m a a m p l a variedade de pessoas. P o u c o d e p o i s d e l a r g a r m e u a n t i g o e m p r e g o e decidir ensinar o q u e a p r e n d i por m e i o de m i n h a r e c u p e r a ç ã o , c o m e c e i a c o l e c i o n a r p e n a s . Q u e r i a criar u m e s p a ç o d e c u r a p a r a m e u t r a b a l h o q u e i n c l u i r i a objetos s a g r a d o s d a n a tureza. A s s i m q u e resolvi usar p e n a s e m m e u espaço, elas c o m e ç a r a m a surgir em m e u c a m i n h o . Fazia longas c a m i n h a d a s e m Pine Island (na costa d o Golfo, n a Flórida), o n d e m i n h a prática de ioga e cura h a v i a c o m e ç a d o a se formar. Foi um d a q u e l e s p e r í o d o s em que n a d a p a r e c i a vir facilmente — precisei lutar e trabalhar c o n s t a n t e m e n t e para adquirir estabilidade financeira para m i n h a n o v a aventura. U m dia, e u c a m i n h a v a , p e r g u n t a n d o - m e p o r q u e tudo requeria tanto esforço, quando avistei u m a linda pena b r a n c a n u m c h a r c o à b e i r a da estrada. O tínico p r o b l e m a era q u e ela e s t a v a r o d e a d a de água. Eu q u e r i a a p e n a , m a s n ã o queria entrar n a l a m a p a r a pegá-la. " S e desejo m e s m o 178

u m a p e n a c o m o esta, h a v e r á outra p a r a m i m c e d o o u tarde", pensei. Continuei a c a m i n h a r e me surpreendi ao v e r um b a n d o e n o r m e de íbis-brancos t o m a n d o sol. Q u a n d o o b a n d o alçou vôo, u m a única p e n a b r a n c a caiu na estrada diante de mim. A m e n s a g e m foi instantânea e clara. — V o c ê n ã o precisa lutar. A c e i t e que o universo irá prover o que v o c ê necessita, q u a n d o chegar a hora. A m e n s a g e m foi e x a t a m e n t e o que eu precisava escutar. D e s d e então, s e m p r e q u e me vejo lutando contra o r i t m o do u n i v e r s o , olho p a r a a p e n a b r a n c a q u e recebi n a q u e l e dia. Ela m e l e m b r a d e q u e tudo a c o n t e c e q u a n d o t e m d e acontecer.

179

Ritual ABUNDÂNCIA DE PENA, ABUNDÂNCIA DE VIDA

Escolha a pena que mais o atrai ou imagine uma pena de que goste e vá a seu lugar favorito para meditar. • Coloque a pena a sua frente num tapete, mesa ou altar (ou em sua mente, se a pena for imaginária), e concentre sua energia no espaço da pena. • De olhos fechados ou abertos, permaneça por alguns momentos com a pena, meditando acerca de suas forças e qualidades positivas. Escreva-as ao final da meditação ou durante. • Em seguida, pense em lugares de amor, conforto e poder de sua vida. Com que bons amigos você foi abençoado? Onde você sente o poder interior? Que bênçãos materiais você tem? (não minimize — lembre-se, para o desabrigado, um teto é uma grande bênção; para o faminto, comida é definitivamente algo ainda mais precioso!). Se quiser, desenhe ou rascunhe esses lugares confortáveis e poderosos ou faça pelo menos um esboço deles. • Segure a pena em suas mãos. Comece pelo topo da cabeça e, devagar, contorne um lado de seu corpo com ela, e depois o outro. Em seguida, faça o mesmo à frente e atrás. Crie um "campo" de energia que cubra seu corpo. Enquanto isso, diga (em voz alta, se puder) as palavras "Sou abençoado com...", seguidas das coisas que pensou. Eis aqui alguns exemplos: • Sou abençoado com inteligência. • Sou abençoado com senso de humor. • Sou abençoado com amor pela vida em si. • Sou abençoado com uma cama confortável, muitos livros e dinheiro para suprir minhas necessidades. 180

• Sou abençoado com amigos que gostam de mim e me aceitam. • Sou abençoado com um lindo jardim em minha casa, onde sinto meu próprio poder e o poder da natureza. Não se preocupe com especificidades. Continue dizendo as palavras "sou abençoado", enquanto cria o campo energético da pena. Nesse ínterim, você irá se harmonizar com o campo universal de energia positiva que nos rodeia o tempo todo.

181

Cinqüenta Coisas para Fazer eom as Penas Mary-Lane Kamberg N o m e u q ü i n q u a g é s i m o aniversário, u m a a m i g a m e d e u cinqüenta penas. M i n h a carta de agradecimento a ela foi esta lista de idéias a realizar c o m as penas: 1. Criar um n i n h o de penas. 2. Colocar uma pena em m e u boné. 3 . Fazer cócegas e m m i m m e s m a . 4. Juntar-me aos pássaros que p o s s u e m a m e s m a pena. 5. Enfeitar a l g u é m . 6 . Escrever c o m u m a pena. 7. C o l o c a r u m a p e n a e um tinteiro p e r t o de seu c o m p u t a d o r p a r a l e m b r á - l a da infinita a m p l i t u d e da c o municação. 8. D o r m i r n u m a c a m a de penas. 9. D o r m i r u s a n d o um travesseiro de p e n a s . 10. Tirar o pó c o m um e s p a n a d o r de penas. 1 1 . D e c i d i r o q u e p e s a m a i s : u m quilo d e p e n a o u u m quilo de ferro. 12. F a z e r um enfeite de Natal. 13. Costurar u m a colcha de penas. 14. U s a r p e n a s e m m e u casaco d e inverno. 15. P r o v o c a r m i n h a i m a g i n a ç ã o . 182

16. R o ç a r o nariz de m e u m a r i d o e n q u a n t o ele está dormindo. 17. Fazer cócegas n o s pés de um b e b ê . 18. F a z e r u m cocar indígena. 19. A s s o c i a r - m e à A c a d e m i a das Penas. 20. Fazer os anjos v o a r e m . 2 1 . Criar u m a fantasia de pássaro. 2 2 . Fazer u m a p a n h a d o r d e sonhos. 23. Fazer u m a m á s c a r a d e Carnaval. 24. Fazer m e u gato pensar que h á u m pássaro n a casa. 25. A m a r r a r u m a p e n a e m m e u carro, abrir m i n h a s asas e a p r e n d e r a voar. 26. Prender penas e m m i n h a s m e c h a s . 27. Atirar c o m arco e flecha. 2 8 . Usar u m b o á d e penas. 2 9 . Fazer um leque de penas. 3 0 . Deixar u m a p e n a n o chão para que u m a criança possa encontrá-la. 3 1 . Sentir que sou u m a bela pena. 3 2 . Usar u m c h a p é u d e p l u m a s . 3 3 . Costurar u m a almofada d e p e n a s . 34. Fingir q u e s o u u m cavaleiro e m p l u m a d o . 3 5 . Fazer u m c h a p é u para entrar n a b a n d a . 3 6 . Brincar de índio. 37. Estimular m i n h a vaidade. 3 8 . Acariciar as p e n a s de a l g u é m . 3 9 . D e s a r r u m a r as penas de a l g u é m . 4 0 . Fazer um colar de penas. 4 1 . Enfeitar m i n h a colher d e pau. 4 2 . Lutar b o x e c o m a l g u é m que p e s e 50 quilos (ou seja, que seja um "peso-pena"). 183

4 3 . Pintar u m quadro. 4 4 . E n c h e r u m aquário vazio c o m p e n a s coloridas. 4 5 . F a z e r u m periscópio. 4 6 . Enfeitar u m vaso. 47. Criar u m a história p a r a c a d a pena. 4 8 . Partilhar as penas c o m a l g u é m . 4 9 . M o n t a r u m móbile. 50. Decorar m e u computador.

184

Qual É o Seu Fator Pena? Virgínia Lore Você c o n s e g u e falar c o m os anjos o u v o a r c o m o u m a águia? D e s c u b r a q u e m e n s a g e m a p e n a t e m para v o c ê neste teste. 1. S e u primeiro ato consciente pela m a n h ã é: A. Meditar p o r alguns minutos B . Pedir u m farto café d a m a n h ã C. L e r o jornal D. A c o r d a r as crianças a c a m i n h o da cozinha 2 . A o andar pela rua, v o c ê repara: A. No odor fresco da c h u v a sobre o asfalto B . N a sorveteria e m frente C. No veículo estacionado em local proibido D . N o s carros que p o s s u e m assentos p a r a b e b ê s 3. S u a s férias ideais seriam: A . N u m retiro espiritual B . N u m luxuoso cruzeiro C. No campo D. Visitando a família ou a m i g o s que m o r a m l o n g e 4. Se sua televisão está ligada, v o c ê está assistindo: A. A um p r o g r a m a de entrevistas B. A um seriado a m e r i c a n o C. Ao telejornal D. A novelas 185

5. V o c ê sonha m u i t o c o m : A. Pássaros B. Beijos C. Brigas D. Fugas 6. Na adolescência, v o c ê costumava: A. O b s e r v a r as n u v e n s B. Cantar no coral da escola C . Ser m e m b r o d o g r ê m i o D . B u s c a r p r i v a c i d a d e n o banheiro 7. Se p u d e s s e ler m a i s poesia, v o c ê c o m e ç a r i a com: A. O s i m b o l i s m o de C r u z e Sousa B. A rica sintaxe de J o ã o Cabral de M e l o N e t o C. O h u m o r cáustico de O s w a l d de A n d r a d e D. A simplicidade de M a n u e l B a n d e i r a 8. V o c ê passa m u i t o t e m p o diante do c o m p u t a d o r : A. Escrevendo B . J o g a n d o v i d e o g a m e pela Internet C. E n v i a n d o e-mails políticos D. O r g a n i z a n d o as finanças da família 9. N u m a ensolarada tarde de sábado, v o c ê está: A. No jardim, e s c u t a n d o o s o m da natureza B. D e n t r o de u m a sala de c i n e m a , assistindo a u m a comédia C. N u m a passeata de protesto D. N u m a loja de artigos domésticos 10. V o c ê preferiria viver: A. Na Paris dos anos 70 B . N a N o v a Y o r k dos anos 2 0 C. Na S ã o Paulo dos anos 60 D. No R i o de Janeiro dos anos 50 186

i

Pontuação: • Se a maioria das respostas for A:

Explorador Angelical.

Asso-

ciado ao e l e m e n t o ar, o d o m í n i o primário do E x p l o r a d o r Angelical é a espiritualidade. Intuitivo e muito criativo, o Explorador Angelical já possui um forte relacionamento c o m o d e s c o n h e c i d o e é m u i t o receptivo a m e n s a g e n s d o além. N o entanto, lembre-se d o v e l h o ditado: " N ã o p e q u e pelo e x a g e r o " . A ruína do Explorador Angelical é a ganância espiritual. S e u desafio é m a n t e r os pés no chão para que ele utilize a visão espiritual de forma prática. A m e n s a g e m da p e n a é um lembrete de que o p o d e r está neste plano e há oportunidades de vincular-se a circunstâncias físicas. • Se a maioria for B: Dançarino. Na alameda do fogo, o instinto primário do Dançarino é a sensualidade. Em seu aspecto sombrio, tal característica p o d e parecer materialista ou um apego à carne. Essa pessoa d e v e ser um dançarino na vida real ou, ao m e n o s , trabalhar no ramo. Dançarinos saudáveis, p o r é m , a p r o v e i t a m as oportunidades de obter alegria no m u n d o físico. O D a n ç a r i n o vive a gratidão sincera e o e n t u s i a s m o p o r aquilo que as p e s s o a s a c h a m insignificante. O desafio para o Dançarino é desapegar-se de detalhes materiais da v i d a diária. Q u a n d o v o c ê encontrar u m a pena, siga seu conselho d e p e r m a necer "quieto e e s c u t a r " ou fique p o r alguns m o m e n t o s refletindo antes de voltar aos afazeres normais. • Se a maioria for C: Orador da Águia. Associado ao elemento terra, o O r a d o r da Águia faz sua j o r n a d a pela v e r d a d e e justiça. S e u instinto primário é social, especialmente voltado para o bem-estar de todas as pessoas. C o m seus olhos voltados para o horizonte, o O r a d o r da Águia n e m s e m pre sabe se relacionar e tende a ser crítico q u a n d o a l g u é m desiste dos próprios ideais. Ele é regrado pela paixão p e l a 187

igualdade. A s p e n a s s u r g e m n o c a m i n h o d o O r a d o r d a Á g u i a para lembrá-lo da alegria de viver o "aqui e agora", q u a n d o livre de j u l g a m e n t o s . o

Se a maioria for D: Ninho Seguro. O instinto primário do N i n h o S e g u r o é a autopreservação em todas as suas m a nifestações. R e g r a d o pela água, o N i n h o S e g u r o investe m u i t a e n e r g i a em fortalecer os r e l a c i o n a m e n t o s e c o n s truir seu lar. Ele n ã o é apenas especializado em jardinag e m , c u l i n á r i a e p a t e r n i d a d e (ou m a t e r n i d a d e ) , m a s é t a m b é m um excelente amigo. D o t a d o de e m p a t i a e sensibilidade, o N i n h o S e g u r o p o d e facilmente tornar-se m o roso, m a l - h u m o r a d o ou deprimido. A pena o avisa de que é p r e c i s o c o n c e n t r a r - s e m a i s no c r e s c i m e n t o p e s s o a l e confiar na a b u n d â n c i a do universo.

R e s u l t a d o s Mistos: • Um par compatível é um equilíbrio forte e saudável entre dois tipos (quatro ou mais respostas em cada categoria). Leia as d u a s descrições e assimile as m e n s a g e n s da pena. • U m a divisão entre os três tipos (três em cada) indica um forte equilíbrio entre os três lados desenvolvidos de sua personalidade. Para crescer ainda mais, leia a descrição do tipo em que você obteve a menor pontuação e deixe a pena ajudá-lo a desenvolver as qualidades desse aspecto. • U m a mistura absoluta (de dois a três em c a d a um dos quatro tipos) sugere que você seja um individualista c o m a n o ç ã o de que c o n h e c e seu próprio valor e possui um conj u n t o ú n i c o de gostos e princípios. Ao r e c o n h e c e r isso, permita q u e a m e n s a g e m da pena o inspire a partilhar sua singularidade, fortalecendo os outros.

188

Sonhos de Falcão Judith Christy Eu o vi pela p r i m e i r a v e z em m e u s s o n h o s — u m a presença s o m b r i a e misteriosa. Q u a n d o c o m e ç o u a aparecer no plano físico, eu s o u b e que devia prestar atenção ao que ele me mostrava. Eu estava de férias n u m a das ilhas do golfo da Flórida. Certo dia, um falcão v o o u p o r c i m a de m i m e p o u s o u n u m a árvore perto da casa. S e u colorido era lindo e me encantei c o m os detalhes das penas. Observei, fascinada, q u a n d o ele se a c o m o d o u no galho da árvore e me olhou. N o s dias que se seguiram, eu o vi várias vezes. Em outro dia, sentei-me no terraço p a r a meditar sob o sol. F e c h e i os olhos e esvaziei m i n h a m e n t e de p e n s a m e n t o s . Eu m e encontrava profundamente relaxada q u a n d o m e assustei ao escutar o grito de um pássaro. U m a s o m b r a p a s s o u sobre m i m e algo caiu em m e u colo. A b r i os olhos e vi um p e q u e n o galho de a m o r a s sobre m i n h a s pernas — o presente do falcão. Fiquei e m o c i o n a d a ante aquele vínculo sagrado. D u r a n t e m i n h a s d u a s s e m a n a s d e férias, e l e a p a r e c i a quase diariamente, pousando no parapeito do deque em frente à cozinha. Eu o admirava pela j a n e l a e até tirei u m a foto, que p e r m a n e c e em m e u altar. A q u e l e adorável falcão d a Flórida tornou-se u m s í m b o l o da liberdade p a r a m i m — u m a liberdade que permite v ô o s , b u s c a s e n o v o s riscos, m a s s e m p r e p e r m a n e c e ligada à terra q u e é seu apoio e santuário. 189

Meu Leque da Liberdade Elissa Al-Chokhachy M e u altar e local de m e d i t a ç ã o ficam em m e u quarto. É m e u retiro, o n d e e x p e r i m e n t o o silêncio interior e m i n h a s a g r a d a l i g a ç ã o c o m a F o n t e . S o b r e a toalha b r a n c a do altar estão as m e m ó r i a s m a i s significativas de m i n h a j o r n a da espiritual. F o t o s de seres i l u m i n a d o s , m í s t i c o s e p r o fetas, c o m o a M ã e A b e n ç o a d a , G u r u m a y i , J e s u s C r i s t o e Sai B a b a , q u e m e o f e r e c e m e s p e r a n ç a e m m o m e n t o s d e necessidade. Um tesouro importante que se encontra no altar é m e u "leque da liberdade", u m a c o m p o s i ç ã o das várias p e n a s que colecionei ao l o n g o da estrada da liberdade. Em m a r ç o de 1987, vivi u m profundo despertar espiritual. A l é m d e ter sido a b e n ç o a d a c o m a altíssima consciência, experienciei a unidade d e D e u s e m todos o s sentidos. Descobri que D e u s estava em mim e em todas as coisas. Essa percepção transform o u m i n h a vida. C o m o resultado, eu me comprometi totalmente com o c a m i n h o espiritual. Foi, s e m dúvida, o a u g e da experiência. Ironicamente, paralela à magnífica consciência, surgiu a constatação de que m e u m u n d o exterior não suportava m i n h a nova interioridade espiritual. Os anos que se seguiram foram tumultuados, e m e u casam e n t o d e dezoito anos t e r m i n o u e m divórcio. E u rezava, pedindo força, coragem, ajuda e cura. Surpreendentemente, o universo respondia c o m sinais de esperança e conforto. 190

N ã o me lembro do dia exato em que a p r i m e i r a p e n a da liberdade apareceu em m e u c a m i n h o . O leque e a coleção de p e n a s a c o n t e c e r a m naturalmente. L o g o no início da jorn a d a espiritual, participei d e u m intenso w o r k s h o p d e cura. A o final, u m participante, q u e e u n ã o c o n h e c i a , ofereceum e u m presente. Era algo q u e ele havia g u a r d a d o durante anos; p o r é m , s e m explicação, sentiu-se i m p e l i d o a ofertá-lo a mim. E r a u m a peça sagrada d e u m a veste indígena, a m a r r a d a por u m a tira de couro. M u i t o e m o c i o n a d a , agradeci o presente e me senti c o m o v i d a c o m sua generosidade. U m a v e z em casa, coloquei-o em m e u altar e fiz u m a p r e c e de agradecimento. Na m e s m a época, eu realizava caminhadas reflexivas para m e centrar e equilibrar. E m geral, u m a p e n a aparecia e m m e u trajeto. N ã o i m p o r t a v a o local. Eu p o d i a estar na floresta, na praia ou na rua. Eu me via i m p e l i d a a olhar em determinada direção e lá havia uma pena para mim. Eu sorria, s a b e n d o que se tratava de um presente do Espírito. C a d a p e n a representava um m a r c o e um s í m b o l o de que me e n c o n t r a v a no c a m i n h o da liberdade. Eu recolhia a p e n a e agradecia. Q u a n d o v o l t a v a ao altar, c o l o c a v a a p e n a na tira de c o u r o da peça indígena. Batizei-a de "leque da liberdade", p o r q u e cada p e n a significava u m p a s s o e m direção à independência, c o m p l e t u d e e autonomia... e, um dia, eu sabia q u e iria voar. O i t o anos após m e u despertar, libertei-me do casamento. N ã o precisava mais fingir q u e eu era a i m a g e m do que deveria ser. N ã o tinha de esconder m i n h a espiritualidade no armário. P o d i a respirar. F i n a l m e n t e estava livre para ser eu mesma. E m b o r a eu lute m u i t o p a r a criar três adolescentes, m i n h a cura continua, e sinto-me m a i s livre e feliz do que nunca. 191

M i n h a espiritualidade incorporou-se a m e u trabalho de enfermeira, e fui a b e n ç o a d a c o m um g r u p o de a m i g o s espirituais. E l e s m e a j u d a r a m n o s altos e b a i x o s d e m i n h a jornada. A g o r a as p e n a s a p a r e c e m de vez em q u a n d o . M a s o m a i s extraordinário é q u e em m e u cartão de visitas há u m a p e n a impressa. I n s p i r a d a p o r u m d o s pacientes m a i s j o v e n s d a instituição e m que trabalho, u m a criança d e u m ano, escrevi um livro infantil, o qual conta a história de um anjinho q u e v e m à terra p a r a espalhar seu amor. Claro que ele é um anjo c o m asas. M a i s u m a v e z , a s penas surgiram e m m i n h a trilha c o m o intuito de me ajudar ao longo da j o r n a d a de liberdade pessoal.

192

A Insustentável leveza das Penas Deborah Shouse

Q u a n d o e u era criança, a d o r a v a o s p á s s a r o s e tinha u m a m o r especial pelas p e n a s . Eu gostava de e x p l o r a r o gram a d o , à procura de u m a surpresa azul e brilhante. D e p o i s de ler o livro infantil A Pena do Pica-Pau, c o m e c e i a procurar u m a p e n a m á g i c a q u e me traria b o a sorte, tal qual relatava o conto. C h e g u e i a ver vários pica-paus, m a s n u n c a obtive u m a p e n a deles. N u m dia quente de verão, eu estava c o m outras c r i a n ç a s , b r i n c a n d o d e p e g a - p e g a , q u a n d o avistei m i n h a primeira p e n a de pica-pau. Parei para pegá-la, s e m ligar para a z o m b a r i a das outras crianças. A conotação mística daquel a p e n a m e t r a n s p o r t o u . P o r c o n s e q ü ê n c i a , iniciei m i n h a coleção de penas. E u g u a r d a v a m i n h a c o l e ç ã o n u m a caixa d e presentes d a Julius L e w i s . A Julius L e w i s era u m a loja de departamentos elegante de M e m p h i s , e o n d e m i n h a família c o n s e g u i u aquela caixa, eu n ã o sei. C o m freqüência, u m a pena exótica surgia em minha coleção: u m a pena de p a v ã o q u e encontrei n u m arbusto no zoológico, penas de flamingo de u m a viagem à Flórida, u m a pena de falcão n u m terreno baldio. Eu n ã o gostava de receber penas das pessoas; preferia encontrá-las. E nunca peguei as penas de um pássaro morto — parecia-me desrespeito. 193

A i n d a t e n h o m i n h a c o l e ç ã o . G o s t o d e acariciar m i n h a s p e n a s , sentir o contraste entre a p l u m a m a c i a e a p o n t a afiada. G o s t o das cores e do brilho. M a s o que m a i s adoro em relação às p e n a s é sua leveza. T e n h o u m a caixa d e p a p e l ã o c o l o r i d o , o n d e h á p e n a s d e gaio, pardal e gaivota, e a caixa, ainda assim, parece vazia. S o m e n t e q u a n d o e r g o a tampa, vivencio a m a g i a e o tesouro q u e o p e q u e n o c o m p a r t i m e n t o c o n t é m .

194

Meditaçãc FANTASIAS DE PENAS As penas podem lhe oferecer a sensação do desconhecido, do exótico, do misterioso. O toque delicado cria calafrios em seu corpo e ativa seus sentidos. Passe algum tempo pensando em fantasias de penas. O que você sempre sonhou fazer — ou sempre sonhou que fosse feito em você — com penas? Encontre um lugar tranqüilo para essa meditação. Depois de ler cada idéia, feche os olhos e veja as imagens que lhe vêm à mente. Anote as sensações que acompanham as imagens. Após percorrer todas as idéias, volte a suas favoritas e transforme-as em realidade! Amostras de fantasias: • Talvez você queira ter o seu próprio leque de penas. • Imagine-se deitado numa cama coberta de penas... ou imagineas caindo e cobrindo seu corpo, enquanto você sente o toque suave das penas. • Use uma máscara de penas. Você pode comprá-la na época do Carnaval ou criar uma. • Vista-se com penas: jogue boas em seu pescoço, use uma roupa bordada de penas. Complete o conjunto com brincos de pena, uma tiara ou um chapéu de pena. • Pendure penas no teto em diferentes alturas. Ou faça um móbüe de penas. A mais suave brisa irá movê-las ao ritmo do ar. • Com um parceiro ou sozinho, experimente uma massagem com penas. Use uma pena de pavão ou outra que seja macia. Tente vários toques: carícia, afago, estímulos...

195

Convite Kenneth Ray Stubbs A chama de uma vela irradia Um dedo descansa Uma pena de pavão acaricia Uma manga amadurece Uma corrente de água quente se espalha Braços abraçam Tornando-se um.

196

Asas da Liberdade Nancy Gifford ("Mumtaz") Como artista, c o m e c e i a colecionar p e n a s e asas d e pássaros há muitos anos para incorporá-las a m i n h a s obras. Elas me falam de todos os aspectos da liberdade, do político e social ao espiritual. Por e x e m p l o , tenho u m a obra c h a m a d a Paz, que c o n t é m u m a antiga prótese de u m a m ã o da I Guerra M u n d i a l . E n tre os dedos há u m a pena de gaivota. U m a colecionadora idosa adquiriu outra p e ç a c h a m a d a Libertando o Espírito. T e m p o s depois, ela me telefonou para dizer que havia sofrido um enfarte grave e estava doente. Ela p e n d u r o u o q u a d r o na p a r e d e em frente à c a m a para que p u d e s s e apreciá-lo constantemente. — As asas levarão m e u espírito para o outro lado — ela disse. A l g u m a s s e m a n a s depois, sua filha telefonou para inform a r que a m ã e havia falecido e confirmou quanto o quadro a confortara n o s últimos dias de vida. Ao acordar todas as m a n h ã s , a filha relatou, ela dizia: — M i n h a s asas n ã o v o a r a m ainda! Penas e asas p a r e c e m vir até m i m q u a n d o m a i s preciso. Durante m i n h a lua-de-mel no Havaí, eu admirava as egretas que p a s s e a v a m pelo c a m p o . E r a m lindas, m a s e u n ã o quis suas asas p o r q u e isso significaria que u m a daquelas criaturas elegantes teria de morrer. 197

N o dia s e g u i n t e , e n q u a n t o p a s s e á v a m o s p e l a s c o l i n a s , u m a egreta v o o u de e n c o n t r o ao pára-brisa do carro e m o r reu na hora. Eu me vi c o m p e l i d a a honrá-la e ainda tenho fotos d o m o m e n t o e m q u e retirei s u a s asas. S e m p r e l e v o c o m i g o u m a tesoura. Sinto que o s p á s s a r o s m e a b e n ç o a m c o m suas asas para, d e a l g u m a forma, s e r e m úteis, e m v e z de morrerem em vão. M i n h a p e n a favorita é aquela que me foi dada p o r um r a p a z c h a m a d o W o l f , u m í n d i o H u r o n e filho d e F r e d W a h p e p a h , um a n c i ã o e s t i m a d o . Ele foi o líder espiritual d e u m w o r k s h o p q u e participei, dois anos atrás, e m M a l i b u . Q u a n d o me m u d e i p a r a Londres, ele me d e u a p e n a c o m o s í m b o l o de proteção. Ela ainda está p e n d u r a d a no espelho retrovisor de m e u carro e s e m p r e estará. A g o r a m o r o n u m a c o m u n i d a d e p r e s e r v a d a que s e chama A u d u b o n . Um casal de águias vive a p o u c o s m e t r o s da casa. A l i m e n t a m - s e em n o s s o lago todos os dias. A cada estação, e n s i n a m o filhote a pescar e v o a r em n o s s o jardim. O p â n t a n o ao lado do lago é o reduto de u m a egreta; durante duas s e m a n a s na p r i m a v e r a , ela faz um estardalhaço. P á s saros d e todos o s tipos p e s c a m e m n o s s o lago. Q u a n d o me sento para observá-los, os pássaros ficam atentos a m i m e a b r e m suas asas!

198

Ninho de Penas Pam Owens

Várias d é c a d a s atrás, u m j o v e m m é d i c o , q u e t r a b a l h a v a n u m hospital d e Indianápolis, correu p a r a atender u m cham a d o de urgência n u m a área pobre da cidade. Q u a n d o c h e g o u , foi recebido à porta p o r dois rapazes robustos, c o m um sotaque das m o n t a n h a s de O z a r k . Eles disseram q u e a irmã estava d a n d o à luz. Ao examiná-la, o m é d i c o constat o u que, de fato, ela encontrava-se em trabalho de parto e n ã o podia ser r e m o v i d a . Ele p e d i u aos i r m ã o s que fervess e m água, e c o m e ç o u os preparativos p a r a o parto. E n q u a n t o o j o v e m m é d i c o a t e n d i a a futura m a m ã e , os i r m ã o s e n t r a v a m a c a d a m i n u t o para perguntar: — Já está na h o r a da p e n a ? O m é d i c o n ã o fazia idéia do que significava aquilo, m a s n ã o queria aborrecer os i r m ã o s que, claramente, q u e r i a m ter certeza de q u e a " p e n a " aconteceria. C a d a v e z que pergunt a v a m , ele respondia s i m p l e s m e n t e : — A i n d a não! Por fim, sabendo que n ã o conseguiria segurá-los por mais t e m p o e u m a v e z que o b e b ê estava para nascer, ele resolveu conceder. Q u a n d o os irmãos apareceram, o m é d i c o disse: — Está na hora. Um dos i r m ã o s utilizou u m a p e n a p a r a roçar o nariz da i r m ã . O b v i a m e n t e , ela e s p i r r o u e , d e a c o r d o c o m o b o m m é d i c o , o b e b ê n a s c e u em seguida!

199

A Pena Mágica de Lynda Nancy Sena Minha irmã, L y n d a , é u m espírito livre. Ela acredita que o u n i v e r s o a ajudará e, p o r t a n t o , gasta p o u c a e n e r g i a c o m problemas. Ela dirige um carro de s e g u n d a m ã o há quinze anos e n ã o c o n c e b e a idéia de se separar dele. M e s m o no c l i m a tropical da Flórida, L y n d a n u n c a usa o ar-condicionado. Ela diz q u e não há n a d a m e l h o r ( c o m exceção de sua filha, Kelly, a q u e m ela a m a i n c o n d i c i o n a l m e n t e ) que sentir o sol em s e u rosto e o v e n t o n o s cabelos. Certa noite, n ó s c o l o c á v a m o s livros e p a p é i s no carro de L y n d a . N o t e i u m a p e n a amarela, v e r d e e a z u l no console e m p o e i r a d o entre os dois assentos. — P a r a que serve esta p e n a ? — perguntei. — É do papagaio de Kelly — ela respondeu. — Aquela ave tem u m a ligação especial comigo. Essa pena é mágica. Vários meses depois, tive a oportunidade de olhar o interior do carro novamente. A pena continuava no m e s m o lugar. — V o c ê c o l o u a p e n a no console? — perguntei. — N ã o . — Ela sorriu. — Está s e m p r e c o m i g o . Eu lhe disse, é u m a p e n a m á g i c a ! S e m dúvida, a despeito da ventania que invadia o carro, a p e n a lá p e r m a n e c e u p o r m e s e s a fio. Q u a n d o um dia ela desapareceu, L y n d a d e u de o m b r o s e concluiu que seus p o d e r e s m á g i c o s h a v i a m sido transferidos p a r a a l g u é m q u e os necessitasse. 200

Desprenda-se, Voe Livrement, Ron Yeomans A pena azul de Ilusões não pensou em se explicar para mim. Apenas observei, enquanto a história se escrevia por si só, por meu intermédio, e não fez perguntas. — Richard Bach

Anos a t r á s , u m d e m e u s l i v r o s f a v o r i t o s era Ilusões de Richard Bach. A história fala da capacidade de desapegar-se de p a d r õ e s e limitações, da confiança em n ó s m e s m o s p a r a fazer as escolhas certas e do aprendizado do amor incondicional. A certa altura, Richard, o p e r s o n a g e m principal do livro, decide atrair u m a p e n a azul, visualizando-a; trata-se de u m a "prática" para atrair o que q u e r e m o s que aconteça em nossas vidas. A p e n a a p a r e c e u e d e m o n s t r o u q u e p o d e m o s estar p o d e r o s a m e n t e ligados ao universo, se n o s d e s p r e n d e r m o s do que pensamos saber e d e i x a m o s as forças do universo n o s guiar à verdade. I n t e l e c t u a l m e n t e , e n t e n d i a m e n s a g e m de Ilusões, m a s precisei de anos para sentir o q u e B a c h dizia e aplicá-lo a m i n h a s circunstâncias. V i n t e anos depois, penas azuis, de repente, a p a r e c e r a m e m m i n h a vida. U m a m i g o m e e n v i o u u m cartão — " d o n a d a " — c o m u m a pena azul impressa no papel. Passados alguns dias, encontrei p e n a s de gaio-azul sobre m i n h a m e s a , 201

c o m o s e t i v e s s e m sido colocadas ali d e propósito. N o m e s m o dia, recebi u m cartão-postal que descrevia u m e n c o n tro, cujo tópico era "Sincronicidade: M e n s a g e n s do U n i v e r so". No cartão havia u m a pena azul. E n t e n d i a m e n s a g e m , c o m p a r e c i ao encontro e iniciei u m a excitante j o r n a d a espiritual. P o r que, após tantos anos, as p e n a s azuis e n t r a r a m em m i n h a vida?, perguntei a m i m m e s m o . O que elas apontav a m ? Então, lembrei-me da história de Richard Bach. E com e c e i a avaliar m i n h a vida. P e r c e b i q u e estava preso a velhos p e n s a m e n t o s , conceitos e hábitos. A l g o n o v o tinha de n a s c e r . As p e n a s azuis p e d i a m que m e desapegasse, que largasse aquilo q u e n ã o mais me servia e continuasse a receber e dar amor incondicional, s e m julgamentos. Outro livro, Conversando com Deus, tornou-se a trilha da liberdade, a qual as p e n a s azuis me c o n v i d a v a m a seguir. P o r ter passado m i n h a infância n u m a m b i e n t e religioso e repressivo, abracei o livro Conversando com Deus de m e n t e e coração abertos. Os conceitos foram claros e diretos. A q u e le era um D e u s c o m o qual eu podia me identificar, que eu p o d i a a m a r v e r d a d e i r a m e n t e e receber dele o m e s m o a m o r e m troca. E s t o u a p r e n d e n d o a v o a r acima das coisas que costumav a m m e incomodar. S e m e vejo regredindo, sendo crítico, logo encontro u m a p e n a azul em a l g u m lugar. Ela é tão eficaz quanto um farol. Traz a m e n s a g e m de q u e devo me olhar no e s p e l h o antes de julgar os outros. O b r i g a d o , m i n h a s a m i g a s penas, por m e lembrar d a unid a d e de n o s s o universo e por serem c o m p a n h e i r a s em m i n h a trilha para a c o m p r e e n s ã o . M e u espírito v o a c o m vocês.

202

Meditaçãc UM PUNHADO DE PENAS

Hoje de manhã eu caminhei pela praia. Não procurava penas, somente caminhava. Mas as penas estavam lá, úmidas e ao longo da costa. Não poderia ignorá-las, certo? Continuei a recolhê-las... penas de pelicano, de gaivota e até de corvo. Em pouco tempo, obtive um punhado de penas — o suficiente para encher um vaso, por exemplo. Eu não sabia ao certo o que fazer com as penas, tampouco imaginava que mensagens elas traziam do universo. Pareciam penas "comuns". Porém, nunca encontrei tantas de uma só vez. Meu lado ganancioso forçou-me a guardá-las. Continuei andando e notei uma mulher recolhendo conchas na praia. Ela carregava uma sacola, na qual jogava as conchas. Mostrei-lhe minhas penas; ela me mostrou suas conchas. Então, nós nos separamos, aumentando nossas respectivas coleções. Um castelo de areia havia sobrevivido às marés da noite. Senti vontade de fincar minha pena no topo das torres de areia. Afinal, um castelo de areia é a idéia sagrada de uma criança (ou de um adulto!), embora a areia pertença ao mar e não às mãos daquele que o criou. Pensei nos pássaros que possuíam essas penas. Estamos na primavera. Eles abandonaram aquelas penas para que outras cresçam no lugar. Os pássaros parecem aceitar a noção de mudança e impermanencia, com um desprendimento tão libertador quanto seus vôos. Uma após a outra, deixei as penas caírem de minha mão. A maré da manhã as levaria junto com o castelo de areia. Elas em breve voltariam à terra, tal qual ocorre a todas as coisas. Suas irmãs penas também cairão um dia, quando as mais novas quiserem crescer. Nesse ínterim, eu me senti leve sem as penas que, instantes atrás, queria manter comigo. Resolvi pegar uma pena de cada vez e deixar que outra pessoa recolha um punhado delas. 203

O que alivia seu peso e o ajuda a voar? Imagine-se preparando-se para uma longa jornada nas estrelas. O que você levaria para ajudá-lo a voar mais depressa e percorrer uma distância maior? O que você deixaria para trás a fim de aliviar seu peso? Feche os olhos, fique em silêncio, relaxe as mãos e faça essas perguntas: 1. Para 2. Para 3. Para 4. Para

seu seu seu seu

eu físico eu emocional eu mental eu espiritual

Dê tempo para que cada uma das respostas apareça no seu próprio ritmo.

204

Parte Quatro

Onde Há uma Pena, Há um Caminho! Mensagens de Amor, Força e Coragem

Lembre-se de Quem Você É Maril Crabtree Voltei à praia. A praia s e m p r e foi um lugar especial para m i m , um lugar de c o n e x ã o c o m o Espírito, um lugar de paz. O infinito m u r m ú r i o das ondas do golfo me acalma. É um ambiente sagrado para sentar e ouvir, deixar dúvidas e m e d o s irem-se c o m a maré. É um local para praticar a quietude, na esperança de chegar ao vazio, que é, paradoxalmente, o espaço de c o m p l e t u d e . H o j e o sol se e s c o n d e atrás das n u v e n s . A t é as o n d a s p a r e c e m s e m ânimo; n e m transeuntes e catadores de conchas c a m i n h a m pela areia. Fico l o g o irrequieta. Preciso de um sinal para saber se o universo está me ouvindo c o m a m e s m a profundidade que eu o escuto. Em estado meditativ o , p e g o m e u d i á r i o e e s p e r o q u e a c a n e t a c o m e c e a se mover. Então, ela escreve: enquanto, ra

continue sentada

Você saberá quando for a hora. Por

e escutando.

Tenha fé,

seja

verdadei-

e diga não às dúvidas. Assim, você será simplesmente sincera

consigo

mesma.

Conecte-se.

Lembre-se

Continue

de

quem

você

é.

Seu

ser

é

lindo.

conectada.

F e c h o o diário e c a m i n h o l e n t a m e n t e sobre a areia. Eu havia p e d i d o um sinal, e o sinal especial para m i m é s e m pre u m a b e l a p e n a em m e u c a m i n h o . M a s está v e n t a n d o — ventando tanto q u e as pessoas desistiram da praia. Há alg u m a s , a l é m de m i m , q u e p e r m a n e c e m sentadas ou andando contra o vento de cabeça baixa para evitar areia nos olhos. C o m o a s p e n a s conseguirão p o u s a r c o m esse vento? 207

F i n a l m e n t e , vejo u m a p e n a desgastada e a pego. Obrigada, universo — v o u levá-la, m e s m o que ela n ã o faça parte de seus p a d r õ e s prístinos! Contente, continuo a n d a n d o , c o m a intenção de sair da praia, já que c o n s e g u i m e u sinal. N o t o u m a caneta esferográfica fincada n a areia. Q u e estranho... Talvez a caneta t a m b é m seja um sinal para eu continuar registrando m e u trajeto. A b a i x o - m e p a r a pegá-la e reparo n a s p e q u e n a s c o n c h a s sobre a areia. L á , m e i o enterrada n o s grãos de areia, está u m a b e l a e e n o r m e pena. Em seguida, vejo u m a s e g u n d a p e n a a p o u c o s centímetros da primeira, b a l a n ç a n d o c o m o vento e a n c o r a d a p o r a l g u m a s conchas. — Certo. Já entendi a m e n s a g e m sobre dizer n ã o às dúvidas — digo ao universo. E, de repente, ouço a réplica. — J a m a i s duvide do que p o d e m o s p r o v e r para você. T u d o que deseja está a seu alcance. F i q u e aberta e deixe a barreira da d ú v i d a desaparecer! Esteja certa de que trevas e dúvidas retornarão à luz. P e r m i t a que o aprendizado do a m o r esteja em s e u c a m i n h o . O a m o r que v o c ê b u s c a é s e u — nasceu c o m você. A m e q u e m v o c ê é e q u e m v o c ê foi. Esse é o v e r d a d e i r o significado das p e n a s que e n v i a m o s !

208

Penas

Bélicas

Do G ê n e s i s ao A p o c a l i p s e , a Bíblia é repleta de i m a g e n s de pássaros, asas e penas. Eis aqui a l g u m a s passagens: • Disse t a m b é m D e u s : P r o d u z a m as águas e n x a m e s de seres viventes, e v o e m as aves acima da terra no firmamento do céu... D e u s os abençoou, dizendo: Frutificai, multiplicai-vos e enchei as á g u a s n o s mares, e multipliquem-se as aves sobre a terra. (Gên.

1:20-22)

• E s p e r o u ainda outros sete dias, e de novo soltou a p o m ba para fora da arca. À tarde a p o m b a voltou para ele, e havia no seu b i c o u m a folha v e r d e de oliveira: assim soube N o é que as águas t i n h a m m i n g u a d o de sobre a terra. (Gên.

8:10-11)

• C o m o u m a á g u i a q u e desperta o s e u n i n h o , q u e adeja sobre seus filhos, Ele estendeu as suas asas, os t o m o u , os levou sobre suas asas. Só J e o v á o conduziu, e n ã o havia c o m ele deus estranho. (Deut.

32:11-12)

• A c a s o se eleva o falcão pela tua sabedoria, e estende as suas asas para o sul? Porventura se remonta a águia ao teu m a n d a d o , e p õ e no alto o seu ninho? (Jó

39:26-27)

• Q u ã o preciosa é a tua benignidade, ó Deus! Os filhos dos h o m e n s refugiam-se debaixo da s o m b r a das tuas asas. (Salmo

36:7)

209

Disse eu: Oxalá q u e eu tivesse asas, c o m o p o m b a ! E n t ã o voaria e descansaria. (Salmo

55:6)

Habitarei no teu tabernáculo para sempre, buscarei refúgio no esconderijo das tuas asas. (Salmo

61:4)

E m b o r a vos deiteis entre as cercas dos apriscos, sois c o m o as asas da p o m b a , cobertas de prata, cujas p e n a s m a i o r e s o são de ouro amarelo. (Salmo

68:13)

Pois ele me livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa. Cobrir-te-á c o m suas penas, e sob as suas asas encontrarás refúgio... (Salmo

91:3-4)

Se eu t o m a r as asas da alva, e habitar n a s extremidades do mar; ainda lá me guiará a tua m ã o , e me susterá a tua destra. (Salmo O

139:9-10)

Q u e r e s p ô r o s teus o l h o s n a q u i l o q u e n ã o é ? Pois s e m dúvida as riquezas fazem para si asas, c o m o a águia q u e voa para o céu. (Prov.

23:5)

P o r é m , os que e s p e r a m em J e o v á r e n o v a r ã o as suas forças; subirão c o m asas c o m o águias; correrão, e n ã o se cansarão; andarão, e n ã o desfalecerão. (Isaías o

40:31)

M a s para vós, os que temeis o m e u n o m e , nascerá o sol da justiça, trazendo curas nas suas asas. (Mal. 4:2)

o

O l h a i p a r a a s aves d o c é u , q u e n ã o s e m e i a m , n e m ceifam, n e m ajuntam em celeiros, e v o s s o Pai celestial as alimenta. (Mat. 6:26) 210

• Respondeu-lhe Jesus: As raposas t ê m covis, e as aves do c é u pousos; m a s o Filho do h o m e m n ã o tem onde reclin a r a cabeça. (Mat. 8:20) • L o g o ao sair da água, viu os céus se abrirem e o Espírito c o m o u m a p o m b a descer sobre ele. (Marcos

1:10)

• N ã o se v e n d e m cinco passarinhos por dois asses? E n e m um deles está esquecido diante de Deus. (Lucas

12:6)

• As quatro criaturas, tendo cada u m a delas seis asas, são cheias de olhos ao redor e por dentro. N ã o t ê m d e s c a n s o dia e noite, dizendo: Santo, santo, santo, é o S e n h o r D e u s , o Todo-Poderoso, o que era, o que é e o que há de vir. (Apoc.

4:8)

211

Pena Herdade Carolyn Lewis King Achar u m a p e n a diante de sua casa p o d e não parecer u m milagre, m a s o m o m e n t o e m q u e encontrei m i n h a p e n a especial ainda continua v i v o e m m i n h a m e m ó r i a . Primeiro, v o c ê t e m de e n t e n d e r que o j a r d i m de m i n h a c a s a , tal qual t o d o s os j a r d i n s da p e q u e n a c i d a d e de O k l a h o m a e m que e u m o r a v a , era u m terreno árido. N a d a crescia nesse j a r d i m . O s b o l s õ e s d e gás n o subsolo, e m b o r a n ã o sejam consideráveis para p r o d u z i r resíduos, t o r n a m a terra i m p r ó p r i a p a r a a m a i o r i a d a s p l a n t a s . O v e n t o de O k l a h o m a , as c h u v a s irregulares e o clima rigoroso mantin h a m n o s s o j a r d i m inóspito. O u t r a coisa q u e v o c ê p r e c i s a saber é q u e , p o r parte de m ã e , sou m e m b r o d o C l ã d o P á s s a r o , d a tribo M u s c o g e e C r e e k . Q u a n d o c r i a n ç a , eu v a s c u l h a v a os c é u s à p r o c u r a d e u m a á g u i a o u u m falcão, e s p e r a n d o ser a b e n ç o a d a p o r u m a pena. S e m p r e soube que os pássaros e suas penas eram considerados sagrados e importantes para práticas antigas do Clã. M i n h a m ã e foi criada c o m o cristã. M e u pai, t a m b é m u m M u s c o g e e C r e e k de sangue, recusou-se a aceitar o cristian i s m o . Ele insistia em seguir a velha tradição — os c a m i n h o s e s p i r i t u a i s da n a t u r e z a e c e r i m ô n i a s r e l i g i o s a s q u e foram transmitidas de geração a geração pela tribo. Cresci c o m p a r e c e n d o a rituais cristãos c o m m i n h a m ã e e t a m b é m a p r e n d e n d o acerca da natureza e das cerimônias tribais c o m 212

a família de m e u pai. M a s , e m b o r a eu respeitasse a v e l h a tradição, n u n c a me liguei p e s s o a l m e n t e a ela. C a s e i - m e e formei m i n h a p r ó p r i a família. M o r á v a m o s n u m a casa, construída sobre 160 acres q u e foram doados à família de m e u m a r i d o c e m anos atrás, q u a n d o nossa tribo foi obrigada a mudar-se do A l a b a m a . A porta de nossa casa está localizada a leste, na p o s i ç ã o do n a s c e r do sol e, s e g u n d o a tradição indígena, é a direção de n o v o s c o m e ç o s , renascimento e r e n o v a ç ã o . A cada m a nhã, q u a n d o eu saía de casa p a r a conduzir a perua escolar, e n t o a v a u m a p r e c e que a família de m e u pai me ensinara. Dirigir um veículo repleto de crianças era u m a grande resp o n s a b i l i d a d e , e e u s e m p r e m e sentia u m p o u c o ansiosa. M i n h a reza era simples: que o dia seja b o m e que c h e g u e m o s a salvo a n o s s o destino. Os dias quentes de agosto se p a s s a r a m , um após o outro, e jamais fiquei s a b e n d o se min h a s preces faziam a l g u m a diferença. Certa m a n h ã , eu me sentia m a i s ansiosa que o n o r m a l , p o i s e s t a v a a t r a s a d a . F i z a p r e c e r a p i d a m e n t e , entrei na p e r u a e manobrei-a, impaciente. Foi nesse m o m e n t o q u e a p e n a surgiu, um tesouro reluzente no m e i o do j a r d i m árido. Em princípio, o j a r d i m era o m e s m o de sempre, e, de repente, ele oferecia aquela linda p e n a , um p r e s e n t e d o s céus. S e m c o n t e r a alegria, saí do carro, peguei-a e segurei-a c o m as duas m ã o s . Ela era, p a r a m i m , um símbolo de respeito à natureza e de contínua reverência às tradições tão fortes e sagradas. Pela primeira v e z , recebi u m a m e n s a g e m direta d a q u e l e poder. A pena me garantiu que m i n h a família — m e u s filhos e os filhos deles — teria acesso ao Espírito ao fortalecer nossas relações c o m a natureza. A p e n a ainda está c o m i g o . Eu a g u a r d o n u m lugar e s p e cial. Ela t e m sido u s a d a para abençoar m i n h a casa e a m o 213

rada de outros. M e u s filhos a u s a r a m em p e ç a s da escola ( m e u neto de sete anos foi o último m e m b r o da família a usá-la na escola). A p e n a o c u p a um lugar de h o n r a no coração deles e no m e u . Ela é m a i s q u e u m a h e r a n ç a de família, c o m o u m a jóia ou m ó v e l . A p e n a me l e m b r a de que n o s s a família se e s t e n d e através do t e m p o e nas quatro direções, até o n d e a vista alcança, e é tão vasta q u a n t o o coração.

214

Pena Mágica Robert M. "Bob" Anderson

No final dos anos 8 0 , eu vivia u m a difícil crise de identidade. M e u primeiro c a s a m e n t o havia terminado. E u m o r a va n u m a p e q u e n a cidade rural da Luisiana e tentava angariar energia para r e c o m e ç a r . M i n h a v i d a profissional estav a e m revolução; m i n h a vida pessoal estava u m desastre. N a d a parecia p r o m i s s o r no horizonte, e eu sofria de u m a g r a v e d e p r e s s ã o . Foi q u a n d o m i n h a p r i m e i r a e x p e r i ê n c i a c o m a s p e n a s aconteceu. Parte da rotina, a despeito da depressão, era correr quatro quilômetros p o r dia. Eu percorria u m a estrada de terra, c o m e ç a n d o p o r m i n h a casa. Antes d o exercício, s e m p r e dem a r c a v a a linha de partida e c h e g a d a em frente à casa. A estrada, em geral, p e r m a n e c i a deserta. Ao longo do trajeto, pinheiros e carvalhos b o r d e j a v a m a estrada. H a v i a t a m b é m u m a p e q u e n a área p a n t a n o s a , onde eu via, às vezes, egretas, garças e outras aves aquáticas. N a q u e l e dia em particular, eu corria p o r q u e n ã o sabia o q u e m a i s podia fazer. O ritmo constante, p o r é m , n ã o espantava m e u s d e m ô n i o s . A i n d a me sentia d e p r i m i d o e perdido. Lágrimas r o l a v a m sobre m e u rosto e n q u a n t o eu corria. N e m sequer n o t a v a a b e l e z a natural da estrada. Ocasionalm e n t e , escutava o canto de pássaros; eles p a r e c i a m z o m b a r de m i n h a s lágrimas e de m i n h a solidão. Na m e t a d e do tra215

jeto, l e m b r o - m e de ter p e n s a d o : " E u gostaria de q u e algo m á g i c o acontecesse e m m i n h a vida". O livro de R i c h a r d B a c h , Ilusões, surgiu em m i n h a m e n t e . Eu o tinha lido dois anos antes e a história me tocara profundamente. D e c i d i " m a g n e t i z a r " u m a p e n a azul. Seguindo as instruções do livro, fechei os olhos, visualizei a p e n a em m i n h a m ã o e a cobri c o m u m a luz dourada. Em seguida, esvaziei a m e n t e e corri e corri e corri. Q u a n d o terminei o exercício, sentia-me v o a n d o . Ao cruzar a l i n h a de " p a r t i d a / c h e g a d a " q u e m a r q u e i na terra, quase desfaleci. H a v i a u m a pena sobre a marca! P e r m a n e c i p a r a d o p o r alguns minutos, observando a p e n a no solo. Q u a n d o a p e g u e i , fiquei c h o c a d o n o v a m e n t e — n u n c a tinha visto u m a p e n a c o m o aquela. E r a d e u m azul brilhante. O lado reverso era dourado. Vários m e s e s depois, eu estava e n s i n a n d o caratê perto de u m a loja de animais. No intervalo, entrei na loja e vi u m a arara. E n t ã o , percebi que a p e n a que eu havia m a g n e t i z a d o naquele dia pertencera a u m a arara — u m a ave que eu j a m a i s vira. Sei que m u i t a s coisas p o d e m ser explicadas, m a s deixo que v o c ê calcule a probabilidade de u m a arara derrubar u m a p e n a azul na região rural da Luisiana j u s t a m e n t e no dia em que resolvi m a g n e t i z a r u m a p e n a dessa cor. V i v e m o s n u m m u n d o o n d e h á p o u c o s heróis, n e n h u m a m a g i a , n e n h u m e n c a n t a m e n t o e, para m u i t o s , n e n h u m futuro. N a q u e l e dia, a m á g i c a do u n i v e r s o a c o n t e c e u p a r a m i m . S o m e n t e p a r a m i m . N ã o p o s s o n e g a r o fato e n u n c a o esquecerei. A m e n s a g e m era simples: a m a g i a existe. N ã o s e p o d e e x p l i c á - l a o u controlá-la. D o c o n t r á r i o , n ã o seria magia; seria ciência. 216

A p e n a azul é um l e m b r e t e t a n g í v e l do que n ã o p o s s o ver, imaginar ou entender. S o u policial e acredito em provas. A p e n a azul p a r a m i m é m á g i c a , traz b o a sorte, forças p o s i t i v a s e e v i d ê n c i a . P e r m i t e - m e ir a um l u g a r do q u a l necessito e me l e m b r a do que preciso saber.

217

Ritual RESPIRE COM A PENA Agradeço a minha amiga Saphira, que sugeriu este ritual. • Decida que intenção você quer inserir no universo. • Pegue uma pena (quanto maior, melhor) e limpe a ponta que se liga ao pássaro (a parte utilizada para fazer uma caneta-tinteiro). • Segure a pena pela extremidade e aproxime-a de seus lábios. Encha o pequeno tubo com sua intenção ao assoprá-lo várias vezes, enquanto mentaliza seu desejo. Exemplo: "Estou repleto de coragem/amor/compreensão tal qual esta pena que está absorvendo minha respiração". Você também pode fazer o contrário, liberando algo que não quer ou não precisa em sua vida, ao assoprar a extremidade da pena. Exemplo: "Estou liberando minha r a i v a / ó d i o / m e d o ao encher esta pena com minha respiração. • Feche os olhos e concentre-se no que você quer, enquanto mantém a pena na palma da mão. Irradie sua energia para a pena, assim como sua intenção. • Quando sentir que a mensagem foi recebida, agradeça à pena, que foi seu instrumento de desejo. • Se quiser, coloque a pena num local proeminente, onde estará visível a você para que se lembre de sua intenção. Ou você pode colocar a pena num de seus locais favoritos e deixar que ela faça o trabalho de lá.

218

Uma Dádiva de Amor Aweisle Epstein Um campo de penas por uma briga de amor. — Luis de Gongora y Argote, Soledad, I

Tratava-se de um retiro meditativo de três meses, c o m mais de c e m pessoas, nas colinas das Sierras da Califórnia. M e u noivo estava presente, m a s participava de outro programa. Depois de ele ter passado seis semanas em treinamento, ávida de saudade, resolvi me juntar a ele até o final do curso. E m b o r a suas a t i v i d a d e s fossem diferentes das m i n h a s , c o n s e g u í a m o s n o s encontrar durante a s refeições. E m v á rios m o m e n t o s , ele parecia me evitar e mostrava-se encantado c o m outra m u l h e r , a qual era mais alta e mais m a g r a q u e eu. Ela sorria c o m ardor e seus olhos b r i l h a v a m s e m pre que o fitavam. T i v e a impressão de que a m b o s se sentav a m juntos durante as refeições, e eu os via caminhar em direção à floresta n o s intervalos. S e , p o r acaso (ou n ã o ) , eu o encontrava sozinho, ele parecia reticente — ou n ã o se m o s t r a v a d i s p o n í v e l p a r a falar c o m i g o —, algo q u e contrastava c o m o brilho suave que ilum i n a v a sua face q u a n d o ele ficava c o m ela. Foi u m a p r o v a ç ã o para a qual eu n ã o estava preparada. Passei a vida esperando aquele h o m e m . D e s d e o primeiro encontro, nossas a l m a s p a r e c e r a m se atrair e se fundir n u m a pequena nuvem branca. Estávamos no mesmo caminho 219

espiritual. D e c l a r a m o s n o s s o a m o r e fizemos planos para o futuro, c o m o ter filhos e passar o resto da vida juntos. E m p o u c o s dias, e u m e v i aos prantos n a privacidade d e m e u quarto. Queria muito conversar c o m ele, mas m e u n o i v o parecia inacessível. Q u a n t o mais eu tentava alcançálo, m a i s ele se distanciava. Na tentativa de inventar d e s c u l p a s para vê-lo, deixei o s e g u i n t e b i l h e t e na sua porta: " P o d e me e m p r e s t a r seu I Ching?". Ele p e d i u para que outra p e s s o a levasse o livro até m i m . Escrevi outro bilhete: " P o d e m o s n o s ver durante meia h o r a antes d o j a n t a r ? " . S u a resposta: " E s t o u o c u p a d o dem a i s c o m o curso. Entregue o livro a B o b " ( u m de seus professores). E n t ã o , u m dia, e n q u a n t o e u m e d i t a v a e m m e u quarto, a l g u é m j o g o u um bilhete sob a porta. L o g o reconheci a elegante caligrafia. " E u p a s s e a v a pela mata, p e d i n d o a D e u s um sinal de S e u amor... e elas caíram a m e u s pés. A c h e i que v o c ê apreciaria o s i m b o l i s m o " . D e n t r o do e n v e l o p e encontrei duas penas m a c i a s , no centro das quais havia um coração negro, tal qual as p e n a s de u m a coruja (nós n ã o sabíamos na época, m a s as corujas são c o m p a n h e i r o s fiéis e dedicados). Um a n o depois, n ó s n o s c a s a m o s , e já faz vinte e três anos que e s t a m o s juntos.

220

Penas e Pedras Maril Crabtree Como uma pedra que afunda Até o fundo de minha alma. O "desvalor" lá reside. Como uma pedra que assenta No meio do meu coração. O "desvalor" lá permanece. Lá vem a pena Flutuando em direção à pedra. O "sagrado" clama. Lá vem a pena Para nutrir a pedra antiga. O "sagrado" lá fala. Modele a pedra com a pena: Beleza de completude. Modele a pedra com a pena: Nasce o amor com ousadia. Modele a pedra com a pena: O verdadeiro "eu" se desvela.

221

Corvo Curador Gaylen Ariel Não são apenas as melhores penas que formam os melhores pássaros. — Esopo

E m m e a d o s d e 1990, passei u m a t e m p o r a d a nas m o n t a n h a s , r e c u p e r a n d o - m e de um grave acidente. A M ã e Terra jamais falhou c o m i g o q u a n d o abri m e u coração a ela, e esse m o m e n t o crucial n ã o foi exceção. Eu lia, na é p o c a , um livro s o b r e o p o d e r c u r a t i v o dos corvos, e notei que a cada dia um grupo de corvos sobrev o a v a a região em que eu estava. G r a d u a l m e n t e , c o m p r e e n di que estaria protegida pelo corvo enquanto precisasse. U m p o u c o antes d e e u voltar para casa, v i u m a pena d e c o r v o em frente à r e s i d ê n c i a de m e u a m i g o , o n d e eu me hospedava. " Q u e presente bonito... Q u e bela coincidência", pensei. C o n t e i a m e u s a m i g o s e eles n ã o acreditaram que a pena p u d e s s e significar a l g u m a coisa. M a s q u a n d o n o s d i r i g i m o s a o a e r o p o r t o , dias d e p o i s , m u d a m o s d e opinião. U m d e m e u s a m i g o s p a r o u n o estac i o n a m e n t o . P e r m a n e c i sentada, e n q u a n t o ele c a m i n h a v a para a porta do passageiro. Em vez de me ajudar a descer do carro, ele me p e d i u q u e abrisse a janela. Q u a n d o o fiz, ele m e presenteou c o m u m a p e n a d e corvo q u e encontrou ao lado da porta. 222

— O u t r a coincidência? — Ele sorriu. — N ã o quero falar sobre isso — eu disse. E m c a s a , m a n t i v e a s p e n a s d e c o r v o c o m i g o a fim d e adquirir c a l m a e proteção. S e m a n a s depois, fui à caixa do correio p a r a recolher m i n h a correspondência. Q u a n d o abri a caixa, um corvo v o o u de dentro dela. S i m , um c o r v o vivo! Já vi m u i t a s coisas q u e me f o g e m à c o m p r e e n s ã o , m a s e n c o n t r a r um corvo dentro da caixa do correio foi e x c e p cional. Fiquei paralisada p o r alguns instantes, c o m o coraç ã o em disparada. Q u a n d o , enfim, peguei a c o r r e s p o n d ê n cia, avistei outra pena. D e v o acrescentar outro i n c i d e n t e c o m u m c o r v o . A p ó s t e r m i n a r esta história, p e r c e b i que a tinta da i m p r e s s o r a havia terminado. Saí para c o m p r a r outra. E u o s escutei antes d e vê-los. U m a cacofonia alucinada d e gritos m e fez olhar p a r a cima. H a v i a , n o m í n i m o , uns sessenta c o r v o s s o b r e v o a n d o m i n h a c a b e ç a . S u r p r e e n d e n te, n ã o ? S e m p r e guardarei c o m carinho m i n h a s p e n a s de corvo e a g r a d e c e r e i p e l a p r o t e ç ã o q u e senti d u r a n t e u m p e r í o d o difícil d e m i n h a v i d a . D e s d e e s s e dia, q u a n d o o l h o p a r a b a i x o e vejo u m a pena, eu digo: — O b r i g a d a pelo presente!

223

A História do Cisne Antoinette Botsford M e u a v ô p e r t e n c i a a o C l ã A t h a b a s k a n / B e a v e r p o r parte de m ã e , e era um m e s t i ç o f r a n c o - c a n a d e n s e p o r parte de pai. Foi criado c o m o um católico e sabia m u i t o p o u c o acerca de s u a s t r a d i ç õ e s a n c e s t r a i s . C o m o a m a i o r i a d o s j o v e n s de o r i g e m i n d í g e n a , ele se d e i x o u seduzir p e l o s espíritos da garrafa em tenra i d a d e e s u c u m b i u às c a u s a s do a l c o o l i s m o antes q u e eu o c o n h e c e s s e . M a s , e n q u a n t o eu crescia, fiquei m a i s e m a i s c u r i o s a em r e l a ç ã o a n o s s a o r i g e m mestiça. S o u b e que, tradicionalmente, o p o v o de m e u a v ô tinha um rito especial de a m a d u r e c i m e n t o que e n v o l v i a algo que seria traduzido c o m o " a O r d e m d o C i s n e " . O p o d e r do cisne, de a c o r d o c o m o c o n h e c i m e n t o tribal, era particularmente útil a h o m e n s e m u l h e r e s que realizav a m sua transição entre a infância e a vida adulta. Os atrib u t o s do cisne c o n t r i b u í a m p a r a que fizessem essa transiç ã o tornando-se m e m b r o s responsáveis da tribo: os cisnes s ã o leais a seus c o m p a n h e i r o s , v o a m em grupo, v o l t a m sempre aos m e s m o s lagos em certas épocas do ano, t r o m p e t e i a m q u a n d o n e c e s s á r i o , m a s são silenciosos e n a d a m durante horas em á g u a fria ( u m ritual de purificação entre m u i t o s p o v o s indígenas). C a d a j o v e m , s e g u n d o o q u e eu s o u b e , q u e s u p e r o u os " o b s t á c u l o s " d e s e t o r n a r adulto, p o s s u i u m a p e n a d e cisne a m a r r a d a a s e u local de d o r m i r . T a l v e z ter u m a p e n a 224

de c i s n e e ser um "filho do c i s n e " ajude as p e s s o a s a m a n ter um equilíbrio p a r a enfrentar a vida. P e n s a n d o e m tudo isso, saí para c a m i n h a r , n u m a tarde de dezembro, c o m m e u marido à beira de um lago, não m u i t o l o n g e de nossa casa. O i t o cisnes h a v i a m c h e g a d o do C a n a d á p a r a tornar aquele lago seu refúgio de inverno. " S e r i a m a r a v i l h o s o ter u m a p e n a d e cisne e m h o m e n a g e m ao p o v o de m e u a v ô " , pensei. E ali, sobre a água gélida do lago, u m a p e n a de cisne flutuava! C o n t u d o , ela encontrava-se longe da m a r g e m e o dia estava frio demais para se pensar em um m e r g u l h o . — V o c ê quer aquela p e n a ? — m e u m a r i d o perguntou. — Q u e r o , sim. — V o u pegá-la para v o c ê . — N ã o . V o c ê ficará d o e n t e p o r causa do frio. — O b s e r v e — ele disse. M e u marido p e g o u u m a pedra e a atirou na água. A pedra caiu no lago e, claro, criou vários anéis na superfície. O impacto da pedra fez a água mover-se e empurrar a p e n a até as proximidades da m a r g e m . Ele j o g o u outra pedra, e a p e n a aproximou-se o suficiente para que ele pudesse pegá-la. É n e c e s s á r i o dizer q u e esta p e n a é a m a i s p r e c i o s a de m i n h a coleção?

225

Anjo da Estradú Kara Ciel Black Minha a m i g a M e l i s s a e e u d e c i d i m o s v i v e r u m a g r a n d e a v e n t u r a — u m a v i a g e m d e b i c i c l e t a d e m i n h a casa, e m Seattle, a S ã o F r a n c i s c o . N ã o t i v e m o s n e n h u m m f o r t ú n i o e n q u a n t o a t r a v e s s á v a m o s o E s t a d o de W a s h i n g t o n . T a n t o as estradas q u a n t o os m o t o r i s t a s r e s p e i t a v a m os ciclistas. P e d a l a m o s o dia todo, p a s s a n d o pelas florestas de C a s c a d e s e a c a m p a m o s à noite. M a s tudo m u d o u q u a n d o c h e g a m o s à Califórnia. Às v e zes, os motoristas t e n t a v a m n o s j o g a r para fora da rodovia d e propósito. O s a c o s t a m e n t o s e r a m estreitos, e s b u r a c a d o s e em declive. N o s s a aventura transformou-se em tensão e ansiedade, e n q u a n t o n o s p r o t e g í a m o s de veículos que par e c i a m d e t e r m i n a d o s a nos atropelar. Quando subimos u m a colina, a viagem tornou-se um pesadelo. A t r a v e s s a m o s u m a p o n t e sobre u m rio. E u pedalava na frente, c o m M e l i s s a a p o u c o s metros, a i n d a lutando para percorrer a elevação. Ao olhar a m i n h a direita, n a d a me s e p a r a v a da queda, a n ã o ser o a c o s t a m e n t o estreito e u m a a m u r a d a de cerca de sessenta centímetros. De repente, u m c a m i n h ã o gigantesco surgiu n a estrada, p a s s o u por n ó s e, l o g o em seguida, p a r o u no a c o s t a m e n t o . O tráfego intenso n ã o n o s permitiria ultrapassar o c a m i n h ã o . Em pânico, brequei a bicicleta. Sabia que tinha apenas três escolhas: (1) virar à direita e cair no precipício, pois a a m u rada n ã o me ampararia; (2) colidir c o m a traseira do c a m i 226

n h ã o , o que resultaria em graves ferimentos; (3) frear a bicicleta antes que me estatelasse na traseira do c a m i n h ã o . No último segundo, m i n h a bicicleta p a r o u a poucos centímetros do caminhão. No m e s m o instante, o caminhão retorn o u à estrada. O motorista tivera sua parcela de diversão e n e m sequer p e r d e u t e m p o para saber s e e s t á v a m o s b e m . E u a i n d a tremia n a bicicleta q u a n d o M e l i s s a m e alcançou. Ela havia t e s t e m u n h a d o tudo e estava trêmula t a m b é m — de raiva e m e d o . Ela se a p r o x i m o u e me abraçou, quando as lágrimas de alívio e revolta finalmente surgiram. E n t ã o , o estranho, ao qual me refiro c o m o m e u "anjo da estrada", p a r o u no acostamento. Ele d e s c e u do carro, apressado. Parecia ter visto t o d o o ocorrido. — V o c ê s estão b e m ? — ele p e r g u n t o u , p r e o c u p a d o . Os i n t e n s o s o l h o s c a s t a n h o s t r a n s m i t i a m afeto e os c a b e l o s n e g r o s e s t a v a m p r e s o s n u m rabo-de-cavalo. A p e l e b r o n z e a d a indicava que o h o m e m p a s s a v a m u i t o t e m p o ao ar livre, c u m p r i n d o suas tarefas. N ó s o a s s e g u r a m o s de que e s t á v a m o s b e m , m a s ele p ô d e ver que nos sentíamos abaladas e m o c i o n a l m e n t e , pois n ã o p a r á v a m o s de falar. — M o r o à beira do rio — ele disse. — G o s t a r i a m de descansar um p o u c o e t o m a r u m a xícara de chá? S e m hesitação, n ó s aceitamos. S a b í a m o s que, d e a l g u m a forma, poderíamos confiar naquele estranho. Ele p e g o u nossas bicicletas e colocou-as na carrocería de sua c a m i n h o nete. N ó s n o s s e n t a m o s n a frente e , e m p o u c o s m i n u t o s , d e s c e m o s o precipício até a casa, que era, c o m o ele dissera, à b e i r a do rio. E m b o r a p e q u e n a , a residência transmitia paz e tranqüilidade. Ele insistiu que d e s c a n s á s s e m o s e n q u a n t o p r e p a r a v a o chá. S a í m o s para o terraço e a d m i r a m o s o rio e a m a t a que 227

o rodeava. A o s p o u c o s , o m e d o e a raiva d e s a p a r e c e r a m e c o m e c e i a voltar ao n o r m a l . A l g u m a s horas depois, r e s o l v e m o s partir. — A n t e s de irem, quero lhes dar u m a coisa. — O h o m e m desapareceu dentro da casa e voltou c o m um objeto em cada m ã o . — S ã o feixes de cura. Eu m e s m o os fiz. Eles as protegerão até o final da v i a g e m . O feixe de cura era c o m p o s t o p o r três s a c o s de c o u r o , a m a r r a d o s c o m u m barbante. Várias p e n a s coloridas estav a m p e n d u r a d a s a o feixe, c a d a u m a d e u m p á s s a r o diferente. Ele n o s d i s s e q u e tirara as p e n a s de p á s s a r o s m o r t o s q u e e n c o n t r a r a na estrada e, d e p o i s de purificá-los e abençoá-los, o s h o n r a r a c o m u m enterro a d e q u a d o . Ele apontou os v á r i o s tipos de p e n a s e e x p l i c o u a e n e r g i a espiritual d e c a d a u m a . As p e n a s v o a v a m c o m a brisa e, c o m o m o v i m e n t o , parec i a m assegurar que os espíritos dos pássaros n o s observav a m p a r a i m p e d i r que t a m b é m a c a b á s s e m o s m o r t a s n a estrada. R e a l i z a m o s o resto da v i a g e m em total segurança. Ao c h e g a r em casa, p e n d u r e i o feixe de c u r a na porta, o n d e as p e n a s m o v e m - s e c a d a vez que a l g u é m entra ou sai. É u m a g r a c i o s a l e m b r a n ç a da h o s p i t a l i d a d e de um estran h o e u m a b ê n ç ã o constante e protetora em m i n h a vida.

228

E s p a ç o Interior Mary-Lane Kamberg Lutando para ser comum, eu rodopio como uma pena numa órbita eclética de trajetos ao banco e ao mercado e infindáveis sessões domésticas. Minha vida é cozinhar, guardar objetos em lugares abarrotados de coisas. Encaro a parede e em minha mente escrevo poemas que durarão tanto quanto a memória.

229

Uma Pena de Cada Vez Kimball C. Brooks A "esperança" é como as penas, que pousam na alma. — Emily Dickinson

Era primavera e eu estava internado n u m centro de reabilitação para alcoólicos. Fazia u m a semana que havia chegado e sentia-me apavorado, s o z i n h o e confuso. N ã o conseguia conceber a possibilidade de nunca mais beber. Disseram-me que eu tinha de m u d a r totalmente o m e u jeito de encarar a vida. Várias vezes, escutei que eu deveria modificar minha atitude e encontrar um Deus que me compreendesse. H a v i a um i m e n s o lago no centro. Era o lar de várias famílias de gansos. T o d o s os dias, durante n o s s o t e m p o livre, eu c a m i n h a v a à beira do lago e tentava entender o que me acontecia. Eu me sentia atraído pelo lago, e m b o r a n ã o soubesse por quê. M e u coração estava tão carregado e cheio de m e d o que seria incapaz de m u d a r a l g u m a coisa em m i n h a vida. Um dia, enquanto eu andava à beira do lago, avistei u m a pena. A ponta da pena era preta. Gradualmente, ela tornavase cinza e depois, branca até chegar à outra extremidade. D e repente, u m n o v o p e n s a m e n t o m e ocorreu: " T a l v e z eu n ã o precise m u d a r abruptamente. C o m o a p e n a , eu p o 230

L

deria passar do preto ao b r a n c o lenta e g r a d u a l m e n t e " . Pela primeira v e z , entendi o conceito q u e eu escutara s e m parar, a b a s e de todas as instituições de reabilitação — um dia de c a d a v e z . Pela p r i m e i r a v e z , senti a e s p e r a n ç a de q u e eu poderia m u d a r e aceitar a vida s e m a bebida. A i n d a tenho a p e n a q u e encontrei. O fundamento " u m dia de c a d a v e z " já se transformou em quinze anos, e m i n h a a l m a está tão em p a z q u a n t o a b a s e b r a n c a da pena.

231

Meditação UM PRESENTE INESPERADO Minha amiga Deborah e eu caminhamos juntas sempre que possível. Hoje fizemos uma daquelas caminhadas sem rumo, um passeio em que cada passo atravessa um novo terreno, uma nova experiência. Enquanto andávamos, nós conversávamos. Deixamos que nossas vidas se revelassem de maneira inesperada. A caminhada transformou-se numa jornada ao desconhecido, encontrando respostas para perguntas que ainda não existiam e vendo tudo por um outro prisma. Ao final do passeio, nós nos dirigimos à casa de Deborah. Ela tomou a frente para abrir a porta. Enquanto eu a seguia, olhei para baixo e vi uma pena marrom na calçada. O outro lado da pena parecia tão marrom quanto o primeiro, mas havia diferenças. A cor era mais leve, brilhante e uniforme. Virando a pena diversas vezes, notei dúzias de diferenças sutis em ambos os lados. Nunca havia parado para examinar uma pena, como também não costumo examinar minha vida sob várias perspectivas. O mesmo, porém diferente: o surpreendente presente do inesperado estava lá o tempo todo. Contudo, quando o universo me mostra algo sofrido e desagradável, não vejo o fato como um presente bem-vindo. Minha reação imediata é olhar apenas um lado, aquele que se apresenta, e sinto-me com as asas cortadas e o coração pesado. Leva tempo — às vezes muito tempo — para observar o outro lado, buscar os significados ocultos, encontrar os presentes secretos que surgiram em minha vida. Em lugar disso, escondo minha cabeça sob a asa e caminho cabisbaixa, esquecendo que ainda posso voar e me elevar para outro lugar e para outra perspectiva. Do alto da montanha, o pedrisco se sente uma rocha; do ar, o mesmo pedrisco é quase indistinguível. Estou aprendendo a ver o poder do desconhecido, do oculto, de aspectos da vida que nem sempre seguem as leis da razão, da lógica, mas vagam através de várias voltas e giros. Tudo tem um 232

outro lado. Os pássaros não poderiam voar sem os dois lados das asas; tampouco nós poderíamos. Estou aprendendo a apreciar a beleza de ambos os lados. • Escolha um objeto familiar que você usa ou vê todos os dias, seja de sua casa ou de seu jardim; algo que seja pequeno o bastante para caber em sua mão. Encontre um local confortável para se sentar com o objeto. • Feche os olhos e imagine-se com uma visão de raios X; veja através do objeto, notando suas diferentes cores e sob diferentes ângulos. • Abra os olhos e observe o objeto dessa nova perspectiva. Repare em tudo que você nunca reparou: textura, odor, como você sente as formas. Deixe que o objeto o guie a outros detalhes. • Pense numa época de seu passado, quando algo triste ou desagradável aconteceu. Da perspectiva do momento atual, que presentes inesperados emergiram? • Agora feche os olhos e projete-se para dez anos à frente. Da perspectiva desse "futuro", que outros presentes você vê?

233

A Cura da Águia Maya Trace Borhani O dia se foi, e a escuridão Cai das asas da Noite, Como uma pena que se desprende De uma águia em vôo. — Henry W. Longfellow, "O Dia se Foi"

As p e n a s c o m f r e q ü ê n c i a m a r c a m o c a m i n h o q u a n d o a transformação está prestes a acontecer, flutuando em outros domínios. Precursoras de l e m b r a n ç a s e intuição, s í m b o l o s de transformação e renascimento, esses presentes a c o n t e c e m q u a n d o o espírito se manifesta, l e m b r a n d o - m e das formas sagradas de cura. M o r o n u m a ilha na costa do Estado de W a s h i n g t o n , onde e s t o u rodeada pelo m a r e por um suntuoso viveiro de pássaros selvagens. G a r ç a e martim-pescador, águia-pescadora e c o r m o r ã o h a b i t a m as praias, o c é u e as cascatas da ilha. C o s t u m o passar h o r a s n o topo d e u m a rocha, o b s e r v a n d o um n i n h o de águia e c o n t e m p l a n d o o v ô o dos pais atenciosos. O m a r e s v e r d e a d o encontra-se logo abaixo, repleto de vida e sustentando aquele lugar. Certa noite, durante o verão, subi u m a m o n t a n h a sinuosa a fim de atingir o círculo de pedras que jazia em seu c u m e . T e n d o Cascades a leste, as m o n t a n h a s O l y m p i c ao sul e a silhueta do C a n a d á a oeste, eu me encontrava no topo de 234

m e u m u n d o visível e apreciava sua soberania. M a s , dessa v e z , eu havia feito aquela c a m i n h a d a tão familiar para me despedir; a vida me afastava de m e u lar e do santuário q u e aquela ilha se tornara p a r a m i m . A n t e s de dar o último p a s s o para atingir o topo, olhei na direção do oeste, sob o magnífico luar. U m a p e n a brilhante chamou minha atenção. Tropeçando e escorregando nas pedras, alcancei a p e q u e n a p e n a e peguei-a. R i c a m e n t e decorada de b r a n c o e m a r r o m , ela possuía o d e s e n h o de um arco em s e u centro. A q u e l a foi m i n h a prim e i r a p e n a d e águia, u m símbolo d e p o d e r n u m a é p o c a d e transição e m u d a n ç a ; um sinal para seguir em frente, confiar na jornada, dar o p r ó x i m o passo. D u r a n t e toda a noite, sob o luar de verão, a p e n a coroou o altar no pico da m o n tanha, o n d e dormi. A g o r a , após a l o n g a jornada, estou de volta à ilha. M u d a n ç a s e transformações t ê m sido m i n h a s c o m p a n h e i r a s , e voltei a m e u lar, s e m saber ao certo que forças misteriosas g u i a m m i n h a vida. C a m i n h o entre o p a s s a d o e o presente, em direção ao futuro, ao desconhecido. A terra, os elementos e a respiração da vida me c a r r e g a m . Ao p e r c o r r e r a floresta, a c a b o p a r a n d o à b e i r a de um despenhadeiro sobre a água. O vento do i n v e r n o estava tão violento quanto a m a r é q u e colidia c o m as p e d r a s e o sol que aquecia m e u rosto. Eu chegara àquele dia t e m p e s t u o s o p a r a enterrar o que restava de um relacionamento amoroso. Q u e r i a sentar e meditar, c o n t e m p l a r as o n d a s turbulentas, u m a raridade naquela região de águas serenas. Continuei a caminhar à beira do despenhadeiro, à procura de um nicho entre as pedras que me protegeria do vento. Enfim, achei u m a fenda onde eu poderia me aninhar e receber o calor do sol. O ritmo constante das ondas d o m i n o u m e u p e n s a m e n t o . Deitei-me sobre a p e d r a que me abraçava e liberei as lágri235

mas. Queria m e libertar dos laços que m e p r e n d i a m aos símb o l o s do amor, para soltar o q u e engaiolava m i n h a capacid a d e de amar. N ã o e r a m lágrimas d e tristeza, m a s s i m d e purificação, reconhecimento, bênção e renovação. Lembranças de um h o m e m , d e u m a m o r que eu, d e a l g u m a forma, j a m a i s esq u e c e r e i ; fatos q u e a c o n t e c e r a m entre n ó s d a n ç a v a m e m minha mente. E u sobrevivera a o t e m p o q u e tudo cura. Senti nascer u m a deliciosa sensação da experiência, o i m p e n e t r á v e l mistério do p a r a d o x o , e essa dádiva da vida sobre a terra. Eu sabia q u e a alegria era s u p r e m a , que m e s m o a p e r d a e o sofrim e n t o d e v i a m ser deixados de lado para adentrar a b e l e z a para a qual n a s c e m o s . Era hora de ir. Eu havia feito o que fora preciso. Levanteime para descer. A trilha seguia pela encosta, na extremidade oposta ao desfiladeiro. M a s a l g u m a força misteriosa me compeliu a subir a rocha, em direção ao limite da floresta. No pico da rocha, vi a m e u s pés u m a p e n a em m e i o ao m u s g o . A b a i x e i - m e e peguei-a. R e c o n h e c i seu formato e sua cor. A cura da águia, que inicialmente ajudou-me a partir, agora era u m s í m b o l o d a soberania d e m i m m e s m a , solidária a m e u pedido. Ajoelhei-me sobre o m u s g o e chorei e ri pela certeza de que, ao me liberar, eu n ã o iria cair, m a s sim v o a r — ou, ao m e n o s , flutuar! U m a v o z interior, a q u e l a q u e e s c u t e i a m e u r e d o r n o s galhos e na brisa, disse: — C o m a c o m p r e e n s ã o v e m a sabedoria e os tesouros da terra para m a r c a r e m n o s s o c a m i n h o . F i q u e atenta. Note o que está a sua volta. Veja tudo que v o c ê é e sente em c a d a p e ç a da natureza que a rodeia. Seja única.

236

Se os Pássaros Podem Voar... Marty Peach Por a n o s a fio, p a r a c a m u f l a r m e u p a v o r de voar, eu i n g e ria várias doses de b e b i d a alcoólica antes e durante os v ô o s . E u p r e c i s a v a ficar e n t o r p e c i d a p a r a c o n s e g u i r voar. A n t e s de aceitar m e u a l c o o l i s m o e b u s c a r ajuda, m a t e i u m a grande q u a n t i d a d e de células cerebrais tanto na terra q u a n t o n o ar. Permaneci abstêmia por cerca de cinco anos antes de adquirir c o r a g e m p a r a entrar n u m avião sem beber. U m a v e z que o álcool n ã o m a i s fazia parte de minha vida, eu tin h a de v o a r sóbria e sozinha! O m a i o r teste a c o n t e c e u q u a n d o me preparava p a r a u m a v i a g e m à índia. C o n h e c e r aquela terra vasta e m i s t e r i o s a s e m p r e fora m e u sonho, m a s n ã o sabia se suportaria tantas horas de vôo. Para a u m e n t a r m e u estresse, receava deixar m i n h a s três c a c a t u a s c o m u m a a m i g a . M i n h a "família d e p e n a s " representara u m importante p a p e l e m m i n h a recuperação. Aquelas aves lindas m e h a v i a m dado horas d e extrema alegria, e eu me afeiçoara a elas, tal qual as p e s s o a s fazem c o m cachorros ou gatos. C h o r e i a c a m i n h o do aeroporto e ao me postar na fila do b a l c ã o de e m b a r q u e . As d ú v i d a s e o m e d o já h a v i a m se instalado. S e n t i a - m e ansiosa e sozinha. C o m o eu agüentaria aquele v ô o m o n u m e n t a l s e m a ajuda do álcool? Estava determinada a ir, m a s ao pensar no que teria de enfrentar, todo o m e u interior estremecia. 237

Enfim, c h e g o u m i n h a v e z de apresentar a p a s s a g e m no balcão. Q u a n d o abri a b o l s a p a r a pegar o bilhete, u m a p e n a cor d e p ê s s e g o c a i u . S o u b e , n o m e s m o i n s t a n t e , q u e e l a pertencia a u m a das m i n h a s cacaruas, c h a m a d a P ê s s e g o . P o r é m , n ã o fazia idéia de c o m o a p e n a fora p a r a r em m i n h a bolsa. E n q u a n t o a pena flutuava em direção ao balcão, u m a m a r a v i l h o s a sensação de paz e c a l m a me invadiu. Q u a n d o a alegria substituiu o m e d o , um p e n s a m e n t o me ocorreu: " P o s s o voar!". Eu sabia que m e u s pássaros ficariam b e m e eu também. O sentimento de paz p e r m a n e c e u c o m i g o durante m i n h a estada na índia. Foi reforçado q u a n d o , na m e t a d e da viag e m , u m a c o m p a n h e i r a d e excursão disse: — M a r t y , olhe para b a i x o . A m e u s pés havia a m a i s linda pena de papagaio que já vi. A i n d a t e n h o essas belas penas. S ã o u m p o d e r o s o lembrete do dia-a-dia de m i n h a r e c u p e r a ç ã o e u m a certeza de que n u n c a estou sozinha. P o r isso, sou m u i t o grata.

238

Chefe Minipena Phillip G. Crabtree Certa noite, depois de u m ensaio m u s i c a l , voltei para casa e fui direto para m e u quarto, c o m o de hábito, para limpar m e u violão. Tirei o i n s t r u m e n t o da c a i x a e p e g u e i m i n h a camiseta velha para lustrá-lo antes d e guardar. M e u a v ô m e dera aquela camiseta durante u m a s férias no Caribe quando eu tinha n o v e anos. N e l a havia a caricatura de um pato amarelo, usando óculos escuros. S o b r e u m a das lentes dos óculos havia a i m a g e m da ilha da M a r t i n i c a e na outra lente, a de St. Martin. Q u a n d o a c a m i s e t a d e i x o u de me servir, eu a m a n t i v e c o m i g o devido a seu valor sentimental. D e p o i s q u e a música e o violão se t o r n a r a m u m a parte especial de m i n h a vida, o tecido m a c i o , p o r ter sido tantas v e z e s lavado, transform o u - s e na flanela ideal. M e u avô, C o r b i n M e r i w e t h e r , faleceu m u i t o anos antes. S e m p r e fomos p r ó x i m o s . As férias que tiramos j u n t o s for a m u m e x e m p l o d o s b o n s m o m e n t o s q u e tivemos, e m especial depois de eu c o m p l e t a r dezessete anos. Foi o a n o em que m e u s pais se d i v o r c i a r a m e t a m b é m o ano em que m i n h a avó morreu. A m b o s p o s s u í a m o s u m grande vazio e m n o s s a s vidas e n o s a p r o x i m a m o s a i n d a m a i s nessa época. D e s d e então, n ó s n o s t o r n a m o s m u i t o amigos. Q u a n d o e s t á v a m o s juntos, o s p r o b l e m a s d o m u n d o pareciam pequenos. íamos freqüentemente para o campo, a fim d e fazer c a m i n h a d a s n o m a t o , o b s e r v a r p á s s a r o s o u 239

então eu apenas sentava-me para escutar suas histórias fantásticas a respeito da vida. Ele era um h o m e m b e m - h u m o rado, gostava de viver e s e m p r e tinha um sorriso a m o r o s o para m e oferecer. C o m o h á anos l i m p o m e u violão c o m essa camiseta, n ã o é raro pensar em m e u a v ô nessas horas. N a q u e l a noite em particular, q u a n d o vi a camiseta, parei e refleti acerca das l e m b r a n ç a s d o s b o n s m o m e n t o s que n ó s p a s s a m o s juntos. E u vivia certos percalços. M e u aniversário d e trinta a n o s se a p r o x i m a v a . N a q u e l e ano, sentia-me um tanto triste. Os p r i m e i r o s sinais da idade se t o r n a v a m evidentes; q u a n d o eu me o l h a v a no espelho, via fios de cabelo b r a n c o aqui e ali. Vários a m i g o s queridos e parentes h a v i a m m o r r i d o , e eu me sentia m a i s sozinho. Pensei em m i n h a v i d a e percebi que n ã o chegara o n d e eu queria estar. T o d o s e s s e s p e n s a m e n t o s v i n h a m à m e n t e , e n q u a n t o eu lustrava m e u violão c o m a c a m i s e t a v e l h a . A p ó s g u a r d a r o violão, virei-me e notei uma pena minúscula, não muito maior que a unha do dedão, caída no chão do quarto. Q u a n d o m e a p r o x i m e i dela, fui i n v a d i d o p e l a p r e s e n ç a de m e u avô. Era c o m o se ele estivesse no quarto, falando comigo. E l e sabia d e m i n h a s dores internas. N a q u e l e m o m e n t o , escutei sua v o z e c o a n d o dentro d e m i m , d i z e n d o - m e q u e ele estava c o m i g o e s e m p r e estaria, e que era preciso viver o presente, n ã o o p a s s a d o ou o futuro. — Um dia, e s t a r e m o s j u n t o s de n o v o — ele e n t o o u dentro de m i m . N a q u e l e b r e v e instante, tudo m u d o u . N ã o sei ao certo o que h o u v e , m a s senti que podia enxergar as coisas sob outra perspectiva. O s e n t i m e n t o de solidão desapareceu e n ã o m a i s me sentia deprimido. U m a sensação de calor e confort o m e invadiu. 240

M a i s tarde, n a q u e l a m e s m a noite, v a s c u l h e i o quarto inteiro p a r a d e s c o b r i r de o n d e v i e r a a p e n a , m a s n a d a encontrei. No dia s e g u i n t e , q u a n d o m e n c i o n e i o f e n ô m e n o a m i n h a m ã e a o telefone, ela m e c o n t o u algo q u e e u n u n c a soubera. — S e u a v ô foi um b r i n c a l h ã o i n v e t e r a d o — ela d i s s e . — Q u a n d o eu era p e q u e n a , n ó s b r i n c á v a m o s de í n d i o , e ele c h a m a v a a si m e s m o de " C h e f e M i n i p e n a " . E l e a d o r a va esse apelido. D e s d e esse dia, aposentei a camiseta; ela já h a v i a c u m prido seu objetivo. E m b o r a a presença de m e u avô n a q u e l a noite tivesse sido b r e v e , o i m p a c t o profundo da experiência p e r m a n e c e r á c o m i g o p a r a s e m p r e . N ã o m a i s v e j o a s coisas c o m m e u s olhos; prefiro ver e sentir c o m m e u coração. T o d o s esses sentimentos surgiram d e u m avô a m o r o s o e de u m a p e q u e n a p e n a angelical. A q u e l a p e n a m i n ú s c u l a tornou-se m e u talismã p a r a me lembrar de que a vida é b o a e de que n ã o estou sozinho.

241

O q u e Me P r e n d e à Terra Está Oculto Mark Nepo Meu coração batia apressado, como o de uma garça acuada no pântano, sem espaço para me mover. Confuso e surpreendido pelo barulho de minha mente, flutuei sem graça ao centro do lago, que os humanos chamam de silêncio. Penso, se quiser saber, que a paz não é mais que o outro lado das asas cansadas que pousam no lago, enquanto o coração em suas penas bate suavemente.

242

A Coragem da Águia Gerald Wagner De todas as p e n a s , a da águia é a m a i s valorizada tanto na tradição indígena a m e r i c a n a quanto no c o s t u m e tribal cont e m p o r â n e o . É c o n s i d e r a d a um s í m b o l o sagrado do grande pássaro e de sua força, p o d e r e resistência. E m muitas tribos indígenas, existiu u m a tradição m u i t o antiga c h a m a d a " c o n t a g e m d e golpes". Aproximar-se d e u m i n i m i g o a r m a d o o suficiente p a r a tocá-lo c o m um b a s t ã o ou c o m as m ã o s vazias, e escapar c o m v i d a era considerado um feito ainda m a i o r que matá-lo. Isso representava um ato de ousadia que requeria m a i s c o r a g e m do que eliminar a l g u é m d e u m local seguro. U m guerreiro que enfrentasse essa p r o v a c o m sucesso era h o m e n a g e a d o e r e c o n h e c i d o p e l o s m e m b r o s da tribo p o r m e i o das p e n a s de águia, um sinal de sua grande c o r a g e m . A s penas d e águias e r a m usadas n o s cabelos, sendo m o t i v o de orgulho p a r a o guerreiro. Chefes e outros líderes acum u l a v a m tantas p e n a s que p o d i a m criar u m c o c a r inteiro p a r a utilizá-lo em cerimônias e batalhas. Essa antiga tradição hoje e m dia t e m u m significado m o d e r n o em várias reservas — os índios que se f o r m a m em u n i v e r s i d a d e s são h o m e n s h o n r a d o s . O s f o r m a n d o s receb e m u m a p e n a d e águia c o m o s í m b o l o d e h o n r a e c o r a g e m p o r ter obtido os quesitos necessários p a r a um d i p l o m a universitário. T o r n o u - s e c o s t u m e a m a r r a r a p e n a na b e c a durante a cerimônia de graduação. 243

Recebi m i n h a p e n a d e águia d e u m a m i g o , u m dançarino tradicional, que utiliza as p e n a s em rituais que acontec e m há m a i s de c e m anos. S a b e r q u e a p e n a fez parte dessas d a n ç a s d e i x o u - m e a i n d a m a i s h o n r a d o e m r e c e b ê - l a . D e p o i s da graduação, pendurei a p e n a na p a r e d e para me l e m b r a r do que conquistei. A tradição de usar p e n a s de águia e outros trajes indígenas durante a g r a d u a ç ã o torna-se m a i s e l a b o r a d a a cada título. P e s s o a s c o m o título de m e s t r e p o d e m cobrir a b e c a c o m penas, e os doutores em geral v e s t e m o traje indígena tradicional. Ethel Connally Johnson, a primeira m u l h e r de origem indígena a se formar doutora pela Faculdade de Medicina V e terinária da U n i v e r s i d a d e do C o l o r a d o , quis h o n r a r seus ancestrais durante a cerimônia. Várias semanas antes do evento, Ethel pediu permissão ao diretor da faculdade para usar roupas indígenas durante o ato. O diretor n e g o u o pedido. No dia do evento, Ethel vestiu a b e c a e a g u a r d o u que seu n o m e fosse c h a m a d o . Q u a n d o se levantou, ela tirou a b e c a , r e v e l a n d o o traje de c o u r o de antílope, coberto c o m penas e c o m os adereços que p e r t e n c i a m a sua família h a v i a anos. Ao subir no palco p a r a receber o diploma, ela foi ovacionada pela platéia. S e m p r e que m e l e m b r o dela, penso n u m a m u l h e r que teve a c o r a g e m de h o m e n a g e a r a si e a s e u p o v o — n ã o c o m o objetivo de confrontar o p o d e r do " s i s t e m a " , m a s simplesm e n t e p a r a h o n r a r seus ancestrais. Ela tinha a c o r a g e m da águia.

244

In Memorian K. M. Jordan C o l e c i o n e i penas durante anos a fio. A l g u m a s comprei, m a s a m a i o r i a surgiu c o m o u m a dádiva do céu. As p e n a s t ê m u m lugar especial e m m i n h a vida. Q u a n d o criança, e u alm e j a v a voar. A c h o que m e u coração é de águia — s e m p r e fui u m a pessoa d e t e r m i n a d a e um líder. A d o r o " v o a r " para conquistar algo n o v o . M e u irmão caçula t a m b é m tinha u m coração d e águia. Ele a m a v a estar ao ar livre e m u d o u - s e para M o n t a n a , em m e a dos de 1970, p a r a trabalhar no Serviço Florestal. Passava a m a i o r parte d o t e m p o p e r c o r r e n d o trilhas e m áreas c o m o S c a p e g o a t Wilderness, ao norte de Helena. A d o r a v a as m o n t a n h a s , a vida s e l v a g e m e a solidão. T a l qual a águia, ele possuía força e c o r a g e m extraordinárias. A l g u n s anos atrás, m e u irmão faleceu devido a u m a esclerodermia. Ele p a s s o u o último m ê s de vida confinado n u m leito de hospital. Q u a n d o s e u espírito finalmente lib e r t o u - s e do c o n f i n a m e n t o , decidi viajar às m o n t a n h a s e j o g a r suas cinzas o n d e ele vivera e trabalhara durante anos. M a s eu sabia que esse ritual n ã o seria suficiente. Resolvi criar um feixe de penas em sua h o m e n a g e m e deixá-lo no local o n d e eu pretendia j o g a r as cinzas. Li livros a respeito de c e r i m ô n i a s s a g r a d a s e tradições indígenas. M a s n ã o encontrei n e n h u m a orientação. Portanto, p e d i ajuda p a r a criar o feixe de penas, realizar a c e r i m ô 245

nia e cuidar dos preparativos da v i a g e m . O processo l e v o u vários m e s e s e ofereceu-me t e m p o p a r a viver o luto. E n q u a n t o eu recolhia os itens para h o m e n a g e á - l o , várias pessoas d o a r a m presentes ao saber o q u e eu pretendia fazer, e senti que o Espírito trabalhava p o r m e i o delas p a r a me prover o necessário. Eu gostaria de obter u m a p e n a de águia para o feixe, m a s , c o m o n ã o sou de o r i g e m indígena, contentei-me c o m a s p e n a s d o nobre p e r u . S i m b o l i c a m e n te, amarrei as p e n a s de peru n o s cabelos de m e u irmão, todas apontadas p a r a b a i x o c o m o sinal de que ele fora um h o m e m d e honra. Para a cerimônia em si, escolhi um lugar, que Karl m e n cionara muitas v e z e s , perto d e u m a c a b a n a n o lago W e b b . Q u e i m e i sálvia, e s p a l h a n d o sua fumaça nas quatro direções e me purifiquei. Salpiquei sal m a r i n h o no c h ã o e fiz um círculo c o m grãos de milho. A p ó s cavar u m b u r a c o p e q u e n o n o círculo, encostei n o tronco de um pinheiro e escutei o v e n t o soprar entre as árvores, sentindo-me c o m p l e t a m e n t e e m paz. Karl m e m a n dara muitas fotos d a q u e l a área, que era o lar dos funcionários do Serviço Florestal. O céu possuía um azul profundo, c o m imensas n u v e n s brancas. Eu pude ver p o r que ele amara t a n t o a q u e l e l o c a l . F e c h e i os o l h o s e i m a g i n e i - o livre da d o e n ç a e do sofrimento, v o a n d o , enfim, c o m suas a m a d a s águias. E m seguida, guardei todos o s itens, u m p o r um, dentro do feixe: as p e n a s de peru; u m a ferradura; cristais, turquesa, quartzo rosa e ametista; p e n a s de arara; tabaco e milho. Rezei p a r a cada u m dos itens, p e d i n d o a o G r a n d e Espírito que abençoasse K a r l e liberasse s e u espírito para o p r ó x i m o grande trabalho. 246

U m a nova sensação de paz me invadiu ao terminar a c e r i m ô n i a . C o n t i n u o s e n d o a b e n ç o a d o pelas p e n a s . C a d a v e z que aparecem, p e n s o em Karl e sinto-me p r ó x i m o a ele. A l g u m dia, v o a r e m o s j u n t o s n o v a m e n t e .

247

O Presente de Sofia Sheelagh G. Manheim Meu irmão costumava pedir perdão aos pássaros; aquilo parecia sem sentido, mas correto; tudo é como o oceano, tudo flutua e se toca; um distúrbio num só lugar reverbera até o fim do mundo. — Dostoiévski, Os Irmãos Karamazov

A s p e n a s s e m p r e t i v e r a m u m sentido profundo e m m i n h a vida. Q u a n d o criança, eu as colecionava por causa da b e l e za. Eu as j o g a v a no ar, roçava m e u rosto c o m elas, encaixava as pontas para formar u m a só pena, juntava-as a fim de fazer um leque. E n c o n t r a r u m a pena era o m e s m o que descobrir um tesouro e sentir-se especial. D u r a n t e a v i d a adulta, a p ó s fazer a n á l i s e j u n g u i a n a e me tornar u m a p s i c o t e r a p e u t a j u n g u i a n a , aprendi a ver o m u n d o s i m b o l i c a m e n t e , e m e u a m o r pelas p e n a s a d q u i r i u u m n o v o significado. A s p e n a s e r a m a i n d a u m p r e s e n t e do céu, mas também se transformaram em mensagens para minha alma. T a l p e r c e p ç ã o tornou-se ainda mais real para m i m durante um verão que passei na região de Martha's Vineyard. A p ó s dez dias de chuva, eu fiquei deprimida. Na tarde em que o sol finalmente apareceu, saí da casa e caminhei até a lagoa dos patos. Aliás, estava mais que deprimida. A idéia de entrar na lagoa e n u n c a mais emergir l e v o u - m e a andar 248

na b e i r a d a da água, c a n t a n d o um h i n o a Sofia, a deusa da sabedoria. Fitando a lagoa, avistei o que parecia ser um m i n ú s c u l o catamarã, atravessando a água em minha direção. Fiquei perplexa ao descobrir que não se tratava de um brinquedo de criança, m a s s i m de duas penas de cisne, paralelas sobre a á g u a e trazidas até m i m pelo vento. P e r m a n e c i quieta, c o m o coração cheio de alegria. A possibilidade de acabar c o m m i n h a vida havia sumido. As penas atingiram a beirada da lagoa e, agradecida, recolhi o presente q u e Sofia me enviara. Depois desse verão, minhas preces são atendidas por m e i o das p e n a s q u e recebo, as quais r e p r e s e n t a m respostas a questões de m i n h a alma. Certa é p o c a , eu explorava a noç ã o de dignidade. E encontrei p e n a s de p e r u de todos os tipos e fui agraciada c o m a p r e s e n ç a de perus selvagens. Em o u t r o v e r ã o , e n q u a n t o m e r e c u p e r a v a d e u m a enfermidade, achei lindas p e n a s de galinha-d'angola. Essas galinhas c i s c a m q u a l q u e r e l e m e n t o d a terra, b o m o u ruim: u m ato simbólico para a l i m p e z a do corpo. E n t ã o , recebi o privilégio d e v e r u m g r u p o d e g a l i n h a s - d ' a n g o l a a t r a v e s s a n d o nosso gramado. P e n a s de corvo e de coruja t ê m sido, em várias ocasiões, presentes para m i n h a a l m a destinados a me ajudar a entender a vida e a p r e n d e r as lições q u e me são necessárias.

249

Meditaçãc CUIDANDO DAS PENAS — OLHOS DE PÁSSARO Se fosse um pássaro, você estaria cuidando de suas penas constantemente: limpando-as, banhando-as e ungindo-as. Após um longo vôo, você usaria seu bico para afofar e acariciar suas penas. Na hora de chocar os ovos, você faria um ninho confortável para eles. O tempo que você passaria cuidando das penas e construindo o ninho seria uma parte vital de sua vida como pássaro. Empregue alguns instantes para observar o que está acontecendo a suas penas. Afinal, as penas são fundamentais para ajudá-lo a voar pelo céu. As penas do peito e a penugem sob as penas o mantêm protegido das temperaturas extremas e tornam seu ninho mais macio. Você sabe que sem as penas para voar sua vida transforma-se numa realidade diferente. Imagine como seria não poder planar entre as árvores, ou pousar num lugar onde você teria uma vista excelente de tudo, ou deslizar entre as nuvens! A mensagem para nós é clara. Precisamos cuidar dos aspectos físico, mental, emocional e espiritual de nosso ser. Formas de limpeza, banho e carinho podem variar entre nós, mas, sem esses cuidados pessoais, somos incapazes de planar ou de "nos proteger do frio" com o calor espiritual que nos alimenta. • Sente-se num lugar onde você possa escrever e pensar. Talvez na lanchonete favorita, no banco de um parque ou em sua cozinha. Primeiro, pense num dia típico e numa semana típica de sua vida e faça uma lista dos cuidados que você tem "com suas penas". Calcule quanto tempo você costuma passar consigo mesmo. • Em seguida, independentemente de quantos itens pertençam à lista, faça uma "lista de desejos" que inclua de que maneiras você gostaria de se cuidar. Um jeito de fazer isso é imaginar algo e observar se sua mente logo vem com o velho "mas...". Se assim for, saberá que está na trilha certa. Escreva os itens a despeito dos protestos de sua mente.

250

• Tente realizar um desejo de sua lista por semana. Ou planeje um dia inteiro de "prazer", e realize os desejos da lista. Se parecer egoísta demais, lembre-se de que o amor-próprio e a valorização pessoal são tão necessários para seu potencial quanto as penas para os pássaros. Lembre-se também de que todos os pássaros restauram e renovam a energia entre um vôo e outro. Essa meditação é ainda mais divertida se for feita com um amigo ou amiga. Vocês podem se ajudar a descobrir novas maneiras de nutrir seus ninhos e cuidar de suas penas, e também se auxiliam mutuamente durante o processo.

251

Nas Asas da Compaixão Maril Crabtree Às vezes, a p o n t e entre o conhecido e o desconhecido é m a i s que u m a pena. N e s s e caso, a p o n t e representaria um pássaro inteiro. S e r i a o m a i s c o m u m e o m a i s b a r u l h e n t o d o s pássaros — a p o m b a . Q u a n d o a vi e n c o l h i d a no m e i o da calçada, l o g o s o u b e que estava ferida. E n q u a n t o pés apressados p a s s a v a m por ela, sua única reação e r a m fúteis tentativas de erguer as asas. E l a p e r m a n e c i a de o l h o s s e m i c e r r a d o s , p e i t o o f e g a n t e e p e n a s trêmulas. As ruas do centro da cidade e s t a v a m repletas de carros, prédios e pessoas voltando do a l m o ç o . Eu havia sido convidada para almoçar n u m clube exclusivo de m u l h e r e s de n e g ó c i o s , e r e s p i r e i a l i v i a d a q u a n d o f e c h e i a p o r t a do estresse, da pressão, da escada corporativa do m u n d o que eu a b a n d o n a r a anos atrás. M i n h a tarde estava livre para eu fazer o q u e m a i s amava: escrever. M a s ali está aquele pássaro. E u m e a p r o x i m o d o corpo trêmulo e me ajoelho diante dele. A q u e l a p o m b a e eu form a m o s u m laço d e a l g u m tipo. S o m o s a s únicas que dimin u í m o s a v e l o c i d a d e em m e i o àquela atividade frenética. N ó s n o s o l h a m o s . N ã o vejo s a n g u e ou outros sinais de ferimento. A s p e n a s p a r e c e m e m frangalhos. P o r q u a n t o t e m p o ela p e r m a n e c e r a ali? Suspeito de que seja u m a das c e n t e n a s de p o m b a s q u e v o a m n o s edifícios e c i s c a m as m i g a l h a s j o g a d a s n o asfalto. P o d e r i a ela ter c o l i d i d o c o m 252

u m a j a n e l a e caído na calçada? T a l v e z tivesse sido atropelada por um carro. Estaria à beira da m o r t e ? O q u e fazer? N u n c a e s t u d e i o r n i t o l o g i a , t a m p o u c o sei c o m o tratar de pássaros. Volto ao clube, onde algumas m u l h e r e s ainda estão, e anuncio: — Há um pássaro ferido na calçada. A l g u é m sabe o que fazer? — Certamente u m a b o a alma irá cuidar do problema. — N ã o a toque s e m proteger suas m ã o s . Esses pássaros t r a n s m i t e m doenças — várias replicaram. — T a l v e z v o c ê consiga um saco de papel na cozinha. — Por que n ã o telefona para a S o c i e d a d e Protetora dos Animais? R e s o l v i seguir todas as sugestões. V o u à cozinha, o n d e u m a m u l h e r gentil me dá um saco de papel e me indica o telefone. A S o c i e d a d e Protetora dos A n i m a i s me informa q u e n ã o lida c o m a n i m a i s s e l v a g e n s , e m e s u g e r e o u t r o n ú m e r o . Q u a n d o consigo completar a ligação, a atendente me p e r g u n t a que tipo de pássaro é. — D e v e ser u m a p o m b a , m a s n ã o t e n h o certeza. — T e n to m a n t e r um t o m sereno na v o z . — Isso importa? — S i m , importa. Só c u i d a m o s de pássaros nativos deste Estado. P o m b o s n ã o são considerados nativos. — C o m o assim? Eles m o r a m nesta cidade. Isso n ã o os faz nativos? — N ã o . Há u m a distinção entre p o m b o s e outros pássaros selvagens, c o m o o cardeal, o gaio, o papo-roxo e o pardal. P o m b o s feridos n ã o se qualificam para o cuidado e o tratamento especiais que um cardeal receberia. — P o r outro lado — a v o z continua —, se for um pássaro da família dos p o m b o s , poderemos cuidar dele. Por que n ã o o traz aqui para d a r m o s u m a olhada? 253

E l a me ensina c o m o c a p t u r a r o p á s s a r o no s a c o de papel e e x p l i c a o c a m i n h o m a i s rápido p a r a c h e g a r ao centro de v i d a s e l v a g e m . S u s p i r o . Lá se vai m i n h a tarde p a r a escrever. P o r é m , aquela odisséia d o p á s s a r o a d q u i r i u u m significado é p i c o . Sei que n ã o ficarei tranqüila até vê-lo b e m . Se o c e n t r o de v i d a s e l v a g e m n ã o abrigar a p o m b a , eu o farei. P e g o o saco de papel e volto à rua. N e n h u m pássaro. Ele desapareceu. Aflita, v a s c u l h o a área. Teria a p o m b a alcanç a d o a rua e um carro a m a t a r a ? M i n h a h e s i t a ç ã o inicial resultara e m sua morte? O u ela descobriu u m jeito d e voar? D e s a p o n t o e alívio me i n v a d e m . M e u s esforços n ã o são m a i s necessários e n ã o precisarei enfrentar a constrangedora tarefa de capturar um pássaro e transportá-lo. A tarde é m i n h a n o v a m e n t e . S e m dúvida, é o u n i v e r s o me d i z e n d o q u e d e v o correr para casa e c o m e ç a r a escrever. Entro em m e u carro e afasto-me do centro da cidade. Q u a n d o faço u m a curva p a r a adentrar a via expressa, vejo um h o m e m em pé na calçada. Ele usa roupas puídas e segura u m cartaz c o m o s dizeres: "Preciso d e e m p r e g o . Trab a l h o p o r c o m i d a o u dinheiro". P a r o no farol. A m i n h a volta, há pessoas bem-vestidas e alheias aos arredores. O h o m e m abaixa os olhos, encarando a rua, o n d e s e m d ú v i d a p a s s o u m a i s de um dia de sua existência. M i n h a a m i g a J e n n y c o s t u m a deixar barras de m a n t e i g a e latas de salsicha em s e u carro para ocasiões c o m o essa. — S i n t o - m e péssima, se n ã o faço n a d a — ela diz. — M a s se eu der dinheiro, n u n c a saberei se o p e d i n t e o gastará em c o m i d a o u bebida. Talvez ela seja literal d e m a i s , m a s n a q u e l e m o m e n t o lam e n t o n ã o ter u m a lata de salsicha p a r a oferecer ao h o m e m . T u d o q u e tenho é um saco vazio. 254

O farol abre, m a s n ã o me dirijo à via expressa. Em v e z disso, p a r o n u m a loja de c o n v e n i ê n c i a s . C o m o s a c o v a z i o e m m ã o s , p e r c o r r o a s prateleiras, s e l e c i o n a n d o alimentos que não precisem de abridor de latas ou de um fogão. Q u a n d o p e n s o n o que e u gostaria d e c o m e r s e t i v e s s e p a s s a d o o dia m e n d i g a n d o s e m ser vista, p e g o várias b a r r a s de c h o c o l a t e e um p a c o t e de b a t a t a s fritas. O total das c o m p r a s é m í n i m o , se c o m p a r a d o ao p r e ç o do a l m o ç o q u e a c a b e i de usufruir. Volto para o carro c o m o saco de p a p e l cheio e retorno ao local o n d e vi o h o m e m . — Por favor, faça c o m que ele esteja lá — rezo em v o z baixa. — N ã o o faça desaparecer c o m o a p o m b a . N u n c a m e deixei levar por pessoas que p e d e m e s m o l a s n o s faróis ou nas calçadas. Na v e r d a d e , s e m p r e as rotulei de seres p r e g u i ç o s o s que e n c o n t r a r a m um m e i o m a i s fácil d e n ã o trabalhar. O u então, e u c o n s i d e r a v a essas p e s s o a s c o m o criaturas indefesas, cujas n e c e s s i d a d e s v ã o a l é m d e m i n h a s possibilidades. A c i m a de tudo, finjo que n ã o as vejo para evitar q u e elas i n v a d a m m i n h a versão c o n v e n i e n t e da realidade. M a s o corpo trêmulo do pássaro me transformou. Se eu d e s p e n d e s s e a l g u n s m i n u t o s d e m i n h a preciosa tarde, e u poderia ajudar outro ser h u m a n o . N ã o resolveria s e u prob l e m a , m a s talvez m e u gesto o encorajasse a continuar tentando m u d a r d e vida. O h o m e m a i n d a está lá, p a r e c e n d o — ou seria m i n h a i m a g i n a ç ã o ? — m a i s miserável que antes. Encosto o carro e saio, carregando o saco de alimentos. — T o m e — digo, ao me abaixar p a r a deixar o saco ao lado dele. — N ã o tenho u m e m p r e g o para v o c ê , m a s u m p o u c o de c o m i d a é s e m p r e lucrativo. B o a sorte. Eu me viro e volto ao carro. 255

— O b r i g a d o , senhora. O u v i m e s m o aquelas palavras o u teria sido m i n h a imag i n a ç ã o m a i s u m a v e z ? V o u e m b o r a rapidamente. M e u c o ração bate acelerado. "Talvez, em outra oportunidade", p e n s o , "eu tenha c o r a g e m de encará-lo n o s olhos, c o n v e r sar c o m ele e escutá-lo." P o r q u e n ó s , p á s s a r o s feridos, n ã o p o d e m o s e s q u e c e r nossas p r e o c u p a ç õ e s diárias p o r um m i n u t o para dar atenção ao outro? Q u a n d o atinjo a v i a e x p r e s s a , e s t o u p e n s a n d o no q u e p r e p a r a r e i p a r a o j a n t a r e i m a g i n o se c o n s e g u i r e i a l g u m t e m p o para escrever antes d a refeição. E m princípio, n e m s e q u e r p e r c e b o a m e i a d ú z i a de p á s s a r o s s o b r e o t e l h a d o da varanda. Desligo o m o t o r e p e r m a n e ç o dentro do carro, o b s e r v a n d o as ruidosas aves. Pergunto-me se " m i n h a " p o m ba está entre elas. M e u c o r a ç ã o se a q u e c e ao pressentir a forte ligação c o m aquela p o m b a , q u a n d o o s pássaros v o a m e m direção a o entardecer.

256

MARIL CRABTREE é escritora, espiritualista e estudiosa de ciências esotéricas. Seu principal interesse são as práticas xamânicas dos povos indígenas norte-americanos. Escreve poemas, ensaios e artigos para as mais conceituadas publicações da área, além de ministrar regularmente cursos e workshops sobre esoterismo e desenvolvimento espiritual.

RESGATE A SABEDORIA DOS ANTIGOS MESTRES E VEJA COMO UMA SIMPLES PLUMA PODE MUDAR SUA VIDA! Há milênios as civilizações tradicionais conhecem o extraordinário poder da plumagem dos pássaros. Sacerdotes, xamãs, feiticeiros, mestres e iniciados de todo o mundo sempre souberam que penas são objetos mágicos, guias e mensageiras da natureza e do espírito. Maril Crabtree lhe oferece as chaves dessa sabedoria ancestral, aponta o caminho da magia e mostra como utilizar a energia das penas para: • Atrair influências positivas para todas as áreas da sua vida: relacionamentos, trabalho, saúde etc. • Curar a si mesmo — e aos outros — física e espiritualmente, para superar a angústia, a depressão e o desânimo. • Receber e compreender as importantes mensagens que o universo envia a você. Reunindo depoimentos e textos reveladores de renomados estudiosos de ciências esotéricas. Penas Sagradas traz ainda meditações e rituais que proporcionam e fortalecem a conexão com o mundo espiritual, os segredos do cosmo, as mais elevadas manifestações divinas.

AUTO-AJUDA

www.editorabestseller.com.br

Related Documents


More Documents from "alfredo"

January 2021 0
February 2021 0
Annie Besant - Karma
February 2021 0