Patrullas Ideologicas

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CARLOS ALBERTO M. PEREIRA/HELOISA B. DE HOLLANDA

E — Num texto publicado na revista NavUouca, vocS dizia o seguinte: "No Brasil-72 Underground e o nome de um campo de confinamento". Como voc6 v6, agora, e como foram aqueles anos?

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Porque estao penetrados de um sentido erotico/ De realidade/ Um lugar/ Uma AtlSntida Talassica/ Reerguida das regiOes abissais/ Eros eterno em deliciosa apao/ Os corpos ressurectos de Adao e Eva/ ... Qual 0 alcance desta entrevista, a que ponto luminoso atingir^?

W — Antes de tudo, vamos pensar no nome NavUouca. Eu tive a id6ia desse nome partindo da Stu/tifera Navis, aquele barco que passava pelas cidades medievais recolhendo os loucos, os malucos do burgo. Naviiouca singrando atraves da idade mediocre, essa era a raz^o de ser do nome. Underground... isso para mim e uma a<;ao do stablishment. Eu nSo aceito, isso para mim e olho do sistema, e RETIFICADOR, eu nSo me vejo assim como Underground. Isso e uma coisa exterior, alguns tSm esse sentimento de culpa e buscam o scape-goat, o bode expiatorio, que no caso era Waly Sailormoon, Ramirao ao ao, Chacal, e outros mais... Nada mais que bodes expiatorios. Eu quero meu justo lugar, eu luto pelo justo lugar. NSo sou onipotente, nSo penso que sou deus, onipotenteonisciente, mas nem um lugar a menos do que o que me cabe, que nSo e o lugar do ghetto underground. Em hip6tese alguma, isso fira os esquemas mentais, merdamentais do senhor X, Y ou Z, de tentar colocar no lugar do s6rdido ou seja em que esquema for. O meu justo lugar eu e quem abro, com a minha capacidade e sensibilidade, nSo e o que eles me delegam, com a bondade simpiitica, inapta e inata deles. Tenho apenas duas maos/ e o sentimento do mundo/. Quer dizer: estou com Carlos Drummond de Andrade e Miguel Arraes de Alencar, estou com a massa e NUNCA com a paiha! . E u t e n h o u m a moral, n a o d i g o rigida p o r q u e isso e coisa d e straight, de careta, mas uma moral bastante marcada: para mim, ot^io e ot^rio, e malandro e malandro. Mas e o lugar do poeta no mundo? Fui descobrindo que nem era malandro, bandido, nem tampouco otario. Nem burgues, nem ra?a fatigada. Construia um espago intermediario, nos intersticios, era um sitio por entre, a inven?ao doutra fabula diversa daquela clissica do mar e do rochedo ou da outra mais antiga da republica e do exilado. A ^irea do poeta e uma ^ea ludica tal qual a do que brinca, tal qual a do que joga. O espago da brincadeira nem se constitui do chamado mundo interior nem tambem da chamada realidade objetiva externa. E um espaco potenciai. Como diz o outro na procura da/ poesia: a poesia elide sujeito e objeto. Todo dia sonho ir para algum lugar/ Uma Barcelona onirica/ Eu possuo um Mapa-mundi na parede do meu quarto/ Eu, ela e ele/ Viajando/ Todo dia me surpreendo buscando um lugar/ Que ofere?a melhores condi$5es/ Uma Utopia em marcha/ Alargar o campo do possivel/ Onde nem mosquitos/ Nem FUNARTE/ A estreiteza da burocracia cultural/ Um lugar em que meus Babilaques possam vir k luz/

Logo depois que eu me despedir de vocS e vocS carregar seu gravador, ficarei remoendo o que disse, o que nao disse, chegando a hipoteses diferentes, opostas mesmo, do que provavelmente disse a voc6, uma esp^cie de perfeccionismo. Ficarei me perquirindo se fui megalomaniaco, apressado, querendo corrigir tal ou qual ponto de vista que me declanchou um mar de outras possibilidades, um estouro de boiada, mas temos de conviver com a precariedade, com a intermitSncia do pensamento... com o curto circuito, com a cicuta, com o blackout e, principalmente, nos tornar acostumados com o final em aberto, com a suspensao do veredicto, com o espago infinito e nao com o fmito. Eu vivo dentro da minha epoca, por dentro, e se e esse o caldeirao que ela apresenta, eu caio dentro e saio fora, salto que nem sapo para ver se escapo dessa. A mente humana e um canal muito sofisticado, o tempo inteiro, inclusive nesta entrevista que voce est^ fazendo, gosto de atravessar registros variados, vozes, teclas, o registro dado, o registro surreal, o registro beatnick, o registro pop, o registro hippie, o registro antropof^gico, o registro concreto, o registro tropicalista, o registro p6s-tropicalista etc. e tal...

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HSlio Oitidca 15 de outubro de 1979 E — Helio, desde a d6cada de 50 vocS vem fazendo experiencias de niptura diante dos c6digos estabelecidos da arte. Voc8 considera isso uma atua$ao politica? Como, e em que nivel? H — Bom, eu acho que sempre e uma atuagao politica, mas nao num nivel de ativismo politico, porque as pessoas que tSm um ativismo politico tSm que se dedicar totalmente a ele. A meu ver, a arte sempre

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tern um car^iter politico, principalmente quando 6 uma coisa altamente experimental, que propOe mudar. Uma proposta de mudanga das coisas sempre tem um carater politico. Mas eu nao acho que, automaticamente, haja um ativismo politico so porque 6 arte. E — Fale um pouco do seu trajeto como artista, desde que vocd come?ou ate agora... H — Eu comecei em 1954 a estudar com Ivan Serpa, eu tinha 16 anos naquela epoca. Fiz parte do grupo Frente, um grupo de vanguarda. Depois fui para o grupo Neoconcreto. O Gullar e a Lygia Clark formaram o grupo Neoconcreto... e tinha tamb6m a Ligia Pape, Reinaldo Jardim, Aloisio Carvao. Nessa epoca do grupo Neoconcreto e que eu comecei a romper com o quadro. Quer dizer, eu fazia quadros... uma experiencia que eu chamava de Meta-esquemas, que era para limpar o quadro da cor. Depois passei a fazer quadros monocrdmicos, que eram quadrados ligeiramente saltados da parede. Foram as ultimas coisas que eu fiz na parede. Logo em seguida sai para o espago, como se fosse assim uma paulatina desintegra?ao da pintura no espago... da pintura como ela chegou ao extremo de Mondrian. Toda essa coisa nasceu muito das experiencias concretas, principalmente da obra de Mondrian. Durante os anos 60 desenvolvi as obras de espafo; umas que chamo Penetraveis, cabines nas quais se entra, move-se paineis, tem cor... voce pisa a cor. Depois, esses penetrdveis se desenvolveram, ate hoje, em uma porgSo de facetas: o Bdlides, que inventei em 63, Nucleos, em 60 tambem... Bdlides eram caixas de madeira ou de vidro, pintadas, que vocS mexe e desdobra. Em 64, finalmente, inventei Parangole, capas que se colocam no corpo e se desenvolvem, como se fossem extensSes do corpo... A minha posigao foi sempre de que s6 o experimental e que interessa, a mim nao interessa nada que tenha sido feito... a meu ver, tudo isso e preludio pra o que eu quero fazer, um novo tipo de coisa que nao tenha nada que ver com os modelos, do que se chamou e se conheceu como arte. De modo que pintura e escultura para mim, sao duas coisas que acabaram mesmo, nao e nem dizer que eu parei de pintar... nao foi isso, eu acabei com a pintura, e totalmente diferente... Em 69 eu fiz uma experiencia em Londres, num galpao grande, foi imenso, e eu estava muito conhecido la. Era mais ficil fazer as coisas fora do Brasil, porque aqui dk sempre grande confusao. Depois de ficar muito tempo fora, na volta, da a impressao de que muita coisa que ja foi feita aqui as pessoas nem lembram ou fazem de conta que e sempre uma coisa nova, porque na realidade nao sabem o que aconteceu. De modo que a minha obra k praticamente desconhecida no Brasil. Eu fui para Nova York, no fim de 70, e s6 voltei em 78 para o Rio.

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Em Nova York, escrevi muito, textos, desenvolvendo teorias, e comecei tambem a desenvolver novos tipos de penetrdveis e umas coisas que eu chamo Parangoplays. Sao performances para serem levadas a cabo... Tenho duas gavetas de fich^ios, so desses textos, que eu chamo de conglomerado... e algumas maquetes eu comecei a fazer la, e estou desenvolvendo aqui; sao maquetes para serem feitas em grandes espagos, que eu quero fazer em grande escala, para as pessoas entrarem, em espagos publicos. E — Depois de 68, aqui no Brasil, houve uma area de pessoas que desbundou. Nessa epoca falava-se em contracultura, marginals... como voc6 viu e viveu aquele momento? H — Bom, eu tinha uma relagao direta, porque eu mandava muito material para eles, n6s fizemos Naviiouca e P6lem... e eu chamava de subterranea exatamente o fato de se ter arte brasileira sendo feita fora do Brasil. Eu acho que, nos anos 70, a maior parte dos artistas brasileiros estava fazendo coisas fora do Brasil: a Lygia Clark estava em Paris, Antonio Dias estava em Miiao, Sergio Camargo nao estava aqui. Isso e uma coisa que os criticos teimam em desconhecer: que muita gente estava fora daqui, mas continua a set arte brasileira, porque nao interessa se esta sendo feita aqui ou esta sendo feita fora. Teimam em desconhecer isso, como se s6 tivesse existido o que apareceu em sua exposigaozinha nas galerias do Rio e de Sao Paulo, o que e um absurdo. Eu acho que Naviiouca era uma boa coisa, porque foi o que langou todo esse pessoal: Ivan Cardoso, Jorge Salomao, Collares, Waly, Chacal, Luciano Figueiredo, Oscar Ramos... e era importante tambem porque mostrava a liga?ao direta que havia, dos concretos de Sao Paulo, com essas tendencias mais jovens. Eu agora estou com vontade de fazer uma publica?ao do tipo de Naviiouca, mas ja muito mais ambiciosa. Porque nao ha veiculo nenhum no Brasil, para se publicar nada... E — Na revista Naviiouca vinham junto os concretos, vocS e Lygia Clark, que ja vinha tambem dum projeto construtivo e pessoas que seriam propriamente daquele momento: Waly, Torquato, Chacal, que nao tinham um projeto construtivo, era uma outra coisa. Como e que vocS vd essa diferenga? H — Eu ja tinha ligagao com Torquato por causa da epoca de Tropicalia la em Sao Paulo. O Waly comegou a escrever seu livro la em casa; ele morava na minha casa, ali no Jardim Botanico. Depois, quando eu me mandei para Nova York, ele ficou la. Ivan, eu tambem ja conhecia. Torquato 6 que deu muito incentivo para que... a NavUouca, na realidade, nasceu de um esforgo grande que Torquato fez para organizar

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aquilo. Acho que foi a ultima coisa que ele fez. Antes dele morrer estava pronto, mas s6 saiu mesmo a publico uns dois anos depois. E — As publica?6es desse tipo, como Naviiouca, como Pdlem, ou at6 um pouco antes, aqueles jornais como Flor do Mai, que veiculavam um certo tipo de informa?§o, acabaram. O que se tem agora, em termos de pequena imprensa, sSo coisas mais preocupadas com a politica direta. Voce acha que passou a epoca dessas publica?6es? H — Eu acho que nao. Eu acho que um outro tipo de publicagSo tem que ser inventado, porque todas as publicagOes culturais estSo muito ruins tambem. Tem-se que inventar outra coisa, mas numa base mais solida, mais constante. Para nao ficar s6 aquela obra solta numa decada, que foi o que aconteceu com a Naviiouca. Tenho uma serie de textos que fica muito duro publicar em publicagdes culturais porque ninguem vai ler, quem le aquilo e gente que vai a leilSo para comprar quadro, ent^o nSo d^, revista de arte e um horror no Brasil... e ridiculo... realmente um acinte... de modo que o ideal era fazer mesmo uma publicagio nova. E — Eu queria saber sua opini^o sobre as patrulhas ideoldgicas... H — O Caetano tinha TSLZSLO em reclamar, cl^o. Agora, eu nSo gosto da ideia de criar a patrulha odara, eu detestei, embora fosse uma necessidade daquele momento, porque ele estava sendo muito atacado e injustamente inclusive, porque o disco Muito era 6timo mesmo. Mas eu acho que nSo tem que haver patrulha nenhuma, quer dizer, o ideal da patrulha odara seria o de ser uma nSo-patrulha... eu acho que era essa a intengSo, mas nao souberam explicar direito. Detesto a palavra patrulha, mesmo, nSo h^ como sair dessa, sempre tem um significado sect^io. Eu acho que, no Brasil, os sectarismos sSo pauperrimos e e importantissimo evitar isso... E — Num dos teus textos da Naviiouca vocS dizia o seguinte: que **os portadores de mensagens serias nSo passam dereformistas". Essacritica tinha um sentido, vamos dizer, contra um certo tipK) de mensagem ideo16gica de esquerda que se pretende levar k arte? H — Toda mensagem h ruim. Depois de Mac Luhan e dos semiologistas, mensagem jd 6 uma coisa decodificada. Mensagem, no sentido panfletitrio, nao tem eflcacia; tem apenas uma efic^cia populista muito limitada. Essas coisas panflet^rias, populistas, na maior parte das vezes, nao sao revolucionsuias, sao mais e reformistas. Eu estou vendo todo mundo ainda falar sobre a mesma coisa, todo mundo falando em "invasao cultural", esse tipo de papo... que jk vem de anos seguidos... Parece um

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disco emperrado, sao sempre os mesmos argumentos, acho paup6rrimo, nem dii paciencia mais discutir esses argumentos... E — Entao nesse sentido, qual critica que vocS tem, por exemplo, k atua^ao da esquerda no Brasil, quando ela fala de cultura e de cria^ao artistica? H — A maior parte das vezes e ruim, tem algumas coisas boas, como Mario Pedrosa que e bom sempre, insubstituivel. Mas a maior parte das coisas faladas sao repetigdes dos mesmos chavOes, parece uma coisa que sempre nunca muda, a dialetica 6 pobre, o espirito de an^ise tambem. Esse neg6cio de mensagem, de "obra/mensagem", tudo isso eu acho que ja era (ou nunca foi — com rarissimas exce?5es — ou ser& que houve?). Estou cansado de teoricos universit^irios, realmente... essa tendSncia a teorizar, isso e uma dialetica nao marxista... Ali^s, depois de Nietzsche, a dialetica jk foi tambem desintegrada, nao adianta querer usar um tipo de dialetica hegeliana porque nao funciona mais. Na realidade sao bem cristaos... a meu ver, a maior parte dessas pessoas tem forma^ao jesuitica e se nao tem, parece que tem... E — Se a arte convencional, a pintura na parede, a escultura, por circunstincia acabam mesmo caindo nos saldes da burguesia, o trabalho experimental, de ruptura, por nao questionar como ele existe socialmente, onde ele circula, nao corre o mesmo risco? H — Claro... por isso e que eu quero fazer essas coisas grandes, para espagos publicos. O ideal era fazer um pouco o que aconteceu com Duchamp, que fazia um lugar especial pras coisas. A minha id6ia sempre foi essa, por isso nunca vendi muito obra minha, a unica coisa que eu vendo mesmo sao as coisas que eram de parede; os Bdlides, que vend^veis, a pessoa pode ter em casa, mas nao interessa a esse pes­ soal... sempre fica deslocado no espafo, sao muito ambientais, interferem no espago da casa burguesa, ficam horrendos em casas burguesas... E — As rupturas experimentais, em rela^ao a c6digos existentes, nos quais as pessoas se identificam, nao joga o trabalho numa area limitada, nao facilmente identific^vel? H — Eu acho que, com o tempo, ela vai sendo identificavel... eu acho que ja foi pior, nos anos SO n6s eramos combatidos por toda critica de arte, a nao ser M^rio Pedrosa e Gullar: nos anos 60, Frederico Morais d^va cobertura ao que se fazia na rua. Todo esse pessoal ai que esta at6 hoje expondo quadrinhos e falando sobre pintura eram as mesmas pessoas que combatiam, que agora se mostram a favor por causa da

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repercussdo que houve. Mas, eu acho que foi pior... ao menos o pessoal jovem 6 muito ligado na coisa, tem essa vantagem tambem... E — Nos 60 e nos 70, no comedo, houve uma grande explosflo de experitodas... H — Tem muita gente que nao vai emplacar 80, porque ninguem agUenta mais todas essas teoriazinhas populistas, tudo isso vai acabar com os anos 80. E — Quais as perspectivas de socialismo que vocS v8 para o Brasil? H — Socialismo no Brasil? NSo sei, nSo tenho capacidade para responder a essa pergunta, isso era bom perguntar ao Miirio Pedrosa. Mas, socialismo no Brasil? Eu estou achando quase impossivel, o Brasil e um pais bem fascista... £ — Vocg nSo acha que, num certo momento, o trabalho do artista radical pode se unir com o trabalho da pessoa politicamente engajada? H — Pode, claro que pode, acho que eles sempre se juntam, como numa 6poca (1917-1923) aconteceu na ROssia...

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IDEIAS DI — Jornal Nacional» domingo, 30 de Janeiro de 1972 antOnio calmon

PAU NO BURRO Ptssci cinco meses na Bahia e quando voltei encontrei muita coisa mudada no Rio de Janei­

ro. A vida i isso mesmo, mudanca constante. E na mudanca as mtscaras caem, os santos viram picaretas, os mendigos iiuminados resolvem Faturar. Chega de mistifka^io. esse ripismo de butique n&o engana mais ningu^. Tft na hora de dar nome aos bois, e aos burros lambim. Nao d4 mait pi aturar

nigrinhagem e baixo nivel. Seguinte: 1 — Que o Sr. Caetano Veloso e um g£nio, uma pessoa maravilhosa e principalmente um grande anista. nflo 6 novidade pra ningu^. Acontece que atr^ dele vem um ex^ito onde se encontra genie de todo tipo. Respeilo Capini, Macali.

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Duda. Pedro Kra. Luciano Fi­ gueiredo. Andri Luis de Oliveira. E salve os Novos Bahianos que slo legais. £ gente que trabdha e nfto tA a fim de se promover is custas de ningu^. Gal Costa i uma boa cantora e Paulo Lima um empres&rio inteligente. Wally SalomSo escreve bem e i um letrista inspirado. Talvez eu esteja esquecendo alguim, mas o resto do grupo baiano ou ripista ou aadergrouMi ainda nfto me disse na­ da. E ti na hora de denunciar os picaretas. O Sr. Gelfeia Geral, por exemplo, mediocre e recalcado, me convocou para uma entrevista para depois deturpila, omitindo conceitos que talvez ele n&o tivesse coragem de publicar. E quando gente recalcada obtim uma coluna de jornat descobre a melHor maneira de descontar os Tilmes. iivros, pe^as etc., que nlo teve capaci­ dade de fazer. O Sr. Omar Car­ doso que escreve na coluna do CeKia e cita o GeKia. esse eu nlo conheco. Sei que andou fa­ zendo uns niminhos e 6 o sucessor de Wally no trono de rei da Super 8. Wally parece que abdicou e resolveu se dedicar is letras. NSo estou s6 rcspondendo ao Sr. Omar Cardoso, estou agredindo frontalmente a Hitttl* nc*(io c«H«r«l qw w qmer lm$talar nease pids. 2 — Sio me venha falar de J(ilio Bressane e Rogerio Sganzerla. Os dois devem muito ao cinema novo. Julio estreou com o filme mais cinemanovista que vi, se ek esqueceu o nome eu lembro: Cara a Cara. O Aajo Nnera i legal, o resto i lixo. E tem mais, amizade: n6s do cine­ ma brasileiro que ficamos e compramos a barra tamos aqui DO meio da lama, nlo tamos em Londres curtindo uma de subdesenvolvidos deslumbrados. E

quanto i jogada industrial, a Phillips funciona em moldes neocapitalisias, usando esque­ ma publicitlrio e tudo. Uma das coisas que mais admiro em Cae­ tano i iustamente ter comprado essa barra. Que eu saiba seus discos nlo sfto discos piratas. Caetano quer ser ouvido. tem seu publico e ama seu publico. Talvez seja por isso que uma das pessoas que vocS cita. um coleguinha seu. tenha brigade com ele e o apelidado de Caretano Velhoso- Quanto I Super 8, ela s6 interessa a quem tem dinheiro pra comprar equipamento (eu nlo tenho) e por isso td curtindo o cinemascope. E dai? 3 -- Nlo td interessado em Haroldo de Campos, nem em Oswald, nem Mfcrio de Andra­ de. A vanguarda de hoje i a retaguarda de amanhl. podes crer. 16 criando pru futuro, nlo tenho ccHnpromissos com o passado. Hilio Oiticica i uma pessoa de direita que fm pra porta de um cinema de Nova torque esculhambar Filmes "nazistas" como Ten® em Traeie. Nunca li tanu besteira junta quanto nos chamados Heliotapes. Discutir Teatro Nd i frescura e culturalismo. Eo Tildsofo alemlo que falava de tomar as coisas pela raiz falava de outras coisas que nlo cabem na viagem psicodfelica. Voci esqueceu. ti Tingindo que esqueceu ou s6 leu essa citacio? Alils. o nomedele e Kari Marx, tl sabendo? Qual t a sua amizade, que medo 6 esse? 4 — E nlo me veoha de Dziga Vedov e Mojica Manns. Isso a gente curthi nos anos 60, t vestibular de cinema. Quanto a » seus filmes subterrlaeos que vocC cita tanto. jl vi lodos. Voct nlo 6 o primeiro subSganzerla que anda pintando por ai a flm de se promover. O

147 resto jl se mandou pra Londres e adjacSncias. o que e que vocS esti esperando? 5 — Sganzerla tem talento e viu filmes paca. E 6 exatamente isso que eu nlo suporto nos fil­ mes dele, nlo suporto colagens de cintfilo. King Vidor, Welles, esses caras ja deram o recado deles e pronto. Eu id a fim do novo, gente boa, o cinema e a poesia que vieram antes nlo me interessam. E quanto I jogada de Rog^o, nlo entre nela nlo que sempre foi muito pessoal. Rogfcrio Sganzerla i seu teorico? H6. ha. 6 — Dteio Pignatari e Ha­ roldo de Campos? HA, hi. hi. hi, hi. Se voct acha realmente que slo as pessoas mais liicidas do pats voci tl mesmo por fora. E quem i Mondrian? 7 _ Wally Sailormoon eu nlo conhe
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GUSTAVO DAHL

LUZ PARA CEGOS A cMtncaltara t • ovtn fact di cullnn, logo t« iiie»u c(^. Moderao i o comoM, o resto i bcstein.

CARLOS DIEGUES

AVISO A PRAQA Fato: Um anciflo "pelo tom ressentido, peUs pessoas que fre­ quents e pelas datas que cita, deve ter no minimo a idade do Austregisilo de Athaide, done da Lingua Superoito (uma esptcie de homem que sabia javante), produziu um artigo contra a industria (de carona num jomal dela) em que, em apenas umas duas laudas, escreve a palavra dlahciro oito vezes. Se nAo for uma bandeira, e um bode. Fraae: "Com Os Herdetros o PSD ganhou o seu Visconti" (de um

gink) aposentado, citado pelo homem que sabia javants). Foco: O PSD foi a unka criafio original da politica brasileira. Me interessa. Visconti 6 um ginio. amizade. Obrigado. E voct? Sempre votou na UDN ou e uma novidade? Preste atencSo, por­ que se nSo botar o Brasil nos filmes, nio imprime. Consulte seus idolos sobre isso tambtm. Flrna: Conbe^o a manobras mas nflo Ibe conhe^. LA em casa tem uma escada, mas 6 s6 pra quem respeito. NAo cito nomes nem volto ao assunto (mesmo provocado), nesse nivelzinho tAo baixinhozinho de poltmica de provincia. Saia, desaparefa. Do vosso Luchino do Amaral Peixoto (tambem conhecido por Carlos Diegues, pra enganar os otArios como voct). NAo perca: Como En Go*toM o Meu Francis t o fUme mais importante docinema brasi­ leiro, desde Tem em Tnuse. Uma das chaves para o que vem por ai. NAo o futurismo de direi­ ta, 0 futuro s6. O publico entendeu, OS cinemas estAo cheios, sucessAo. Preste Uen^Ao, sucessAo. EstA pintando, ou nAo estA,

um grande pau entre o demonismo (Alice Cooper, por exemplo) e uma nova concep^o de saiide vital. A hora do face a face com a neurose, duelo na rua deserta por onde passa o real velho de guerra. Vide: artigos de Jerry Rubin; espetAculo em Ann Harbour, era favor de John Sinclair; Oltimas apresenta^Oes de I^lan e Harrison; discos e entrevistas de Lennon & Ono. Depois, as duas tendtncias nAo podem mais coexistir pacificamente num mesmo universe normativo, comp 6 esse em que se transformou o mundo pop de hoje. No caso, quando o sonho termina o pesadelo vira inimigo. Lennon jA ganhou na prAtica a guerra contra o lirismo trouxa de McCartney (essa guerra, no Brasil, durou att pouco tempo contra os sinfdnicos). O pau agora t outro. de olhos abertos e cucas tambtm. Fnistrados os Apocalipses e Eras de AquArio que vinham por ai. Ou vM. Quero ver, porque pinta o flm de alguma coisa. Ou o nascimento de outra, como t muito natural. AinenderAo, aprende> rAo; estAo sempre mwrendo e nascendo coisas. Movimento.

MARTHA ALENCAR

CAPITAO NOSFERATO CONTRA Caetano Vdoso, conhe^o: o cara que sacou uma jogada muito s^a antes de todo mundo (lembrar a vaia de £ Pntttido ProiMr). Cilberto Oil, conhe$o: criou a ponie Rio-Africa, filirou o som dos alto-falantes e transistores e fez uma miisica que i negra e no*ui. Capint, coiihe(o: poeta da pesada, letrista de letras que todo muodo camou. Macalt, conbeco; asrediu o Mancanizinho, enfrentou a vaia grosu, criou novos sons. Falo como parte desta enorme massa <)uc o pessoal (que se diz) da contracultura parece ifnorar de maneira que me parece um tanto fascista: o pOblico. Alguns caras (Caeiano, Gil e outros) jogaram suts duvidas e comradicOc*. suas ansiedades, sua pele, leu sangue, para que a massa os devorasse. Enfrentaram, amblMlt vlejai. enfrentaram. E i preciso ter peito pra enfrentar a massa. Muito mais peito do que para sesubmeteraojulgamento de patotas e gnipelhos intelectuais (?). O Sr.

A CULTURA

BRASILEIRA

Nosferato. nio conheco. NSo passou no cinema da esquina, nio saiu no gibi. nio mexeu com ningutm. S6 foi visto por patotas, e patotas eu nio freqOento. Se ninguim sacou ainda, estou falando de um grupinho que se diz o underground brasileiro e que usou um jomal de grande circulado (mas que contradifio, Nosferato. que baratot) para pichar alguns dneastas que Tizeram o que eles nlo tiveram coragem de fazer: enfrentar o publico. Ninguhn isii certo, debaixo da terra talvez seja em cima mesmo. pelo a(ougue talvez se chegue a McMidrian, dois e dois talvez sejam cinco. mas uma coisa i cena: a cultura feiu para a elite, fechada em incetectualismos e outros ismos, e uma forma de fascismo. Por isso, fa(o questio de abrir este espa$o com resposta de alguns caras que eu respeito e conheco. O resto. Nosferato, nio conlwfo.

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patrulhas ide0l6gicas

carlos alberto m. pereira/helolsa b. de hollanda TORQUATO NETO'

GELEIA GERAL Voc§s preferem Aroldo de Azevedo ou Haroldo de Campos? Escoiha: A — olho caucasiano branco; B ^ olho oriental; C — olho anormal "mongol6lde".

NEW YORK, fevereiro. Meu amigo Luis OtAvio Pimentel evocou bem o colegiallivro-de-hist6ria dos enfoques (?) locais. NAo queria me meter nessa coisa, mas resolvi por duas razdes: 1 — Glauber; 2 — porque amo as pessoas atacadas & tbeir work. ] _ A intriga que procuram fazer, absurda dizendo que chamei Terra em Transe de "filme feito por nazistas" num cinema daqui: que loucura! Meu querido, onde Ihe disseram isto? Sempre achei Terra em Tnase um dos maiores filmes jA feitos na Amtrica Latina — mesmo porque, qual a importAnda pa­

ra as pessoas envolvidas no que eu haja dito aqui ou nAo? Vocts pensam que New York 6 porta do Paissandu? ignorAncia mats provincianismo — o grave mes­ mo t a tentativa de hearsay de fofoqueiro: quero e exijo saber quem inventou informa^Ao tAo infame! Adoro Glauber acima de tudo, e envio daqui todas as supervibra^des possiveis para que se neutralizem essas migathas de mesquinharia — seria inutil discutir muito a fundo o conteudo dos argumentos usados: loo poor. Quanto A outra acusa^Ao i bem ridicula: nAo sou eu quem anda dando entrevistinhas di­

zendo que estou fazendo "tra­ balho (...) paralelo" — very weird, BO? Frescura falar em teatro. no? Muito mais, a meu ver, t fazer entrevista (mal feita, mal Informada) sobre Carmem Miranda s6 "porque estA na moda em New Yorlc". (Um minuto de conversa com MArio Montez 6 mais infonnativo do que pAginas de entrevistas desse tipo.) SAo pessoas que pularam a ipoca tropicAlia e nem sabem que Caimem-Cae jA se ligavam por parentesco — hearsay, hearsay, iwarsay: quando irAo aprender a i-n-v-e-n-t-a-r, meu Deus?

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CARLOS ALBERTO M. PEREIRA/HELOlSA B. DE HOLLANDA

2 — Torquato, Waly, Ivao, Haroldo de Campos & Concre­ tos, elc. assim mesmo! afluSncia sadia: sarro legal. Sei que lutam muito para conseguir fazerproduzir algo nesse pais. Nio quero ficar a descrever as qualidades 6bvias desses caras: Ha­ roldo jk conhece esse tipo de ataque hA tempos: lA caiejado na coisa. Os novifos tSo no fogo: 6 bom: melhor que a indiferen?a; adoro o tom cafajeste das coisas: Ivan absorveu muito o belairlsmo Rogtrio/Julio que e legal: the best. Luciano, Lute Ot&vlo, Oscar Ramos: todo mundo no fogo — e fogo — mas i fogo de palha: nAo i nada, no fundo — por que perder mais tempo em discussSo desse nivel? Como pode algu^ criticar HaroMo, se nem escre­ ver sabe? Ridiculous! 6 mais genial i que uma das pAginas

com OS tais textos chama-se

Idtias com letras monumentais: que ironia! How Sad! E pensar que esse titulo me faz pensar em HUSSERL. Ivan quer ser mordido; isso 6 l^al: ele cria vampiros na esperan^a de que o suguem: sua carne pede que os dentes a trinquem; 6 o supercafajeste (Juli­ nho, seu idolo, adorable sexyfajeste): os cafajestes-clichgs parecem Hguras de pardquia (JECE) diante dele. Eu, vampiro velho, espero minha vez pro meu bite. WALY-BAHJA fallen-angel no Rio: seu sotaque nSo e de Jequie, i de ALFA-ALFAVELAVILLE: RIO—S. CARLOS: desfoflt da panorAmica carloca: RIVERA IN JANUERO. Waly nada tem a ver com o trabalho TROPICALIA: S6 trambiqueiros podem querer criar essa dependSncia: seu tra­

balho 6 fruto de um desenvolvimento pessoalissimo: brotando ainda: ALFA-ALFAVELAVILLE i a descoberta multidi­ mensional de niveis urbanos nessa experiSncia da sua luta com minha experitncia PA­ RANGOLE (somos parentes longinquos) nem com artistas "letristas"; seu encontro com Luciano prova isso: WALUCINADA acima do mero letrismo de Indiana e seus seguidores. O texto de Luis Otivio (Pa­ ra Lttciaoo A Oscar de Lop — GO, UH, 27-1-72) coloca magniflcamente o problema e exp6e a sutileza das diferen^as e a originalidade das experiSncias: o seguimento desse 6 um texto sobre isso.

Al6 jA.

H£LI0 OITICICA, 23/2/72

Adendo a entrevista de Ittlio Oiticica sobre ''Fatmlhas Ided^gicai^ parte escrita entrcgue pelo entrevistado em 14 de fevereiro de 1980

Antes de terminar queria falar umas coisas — assim como um depoimento do q penso e acho disso tudo: quando me pediram q falasse sobre essa hist6ria toda de patrulhas - etc. - pensei assim: q chatisse! — nSo porque nSo queira colaborar — mas 6 q o assunto 6 chato — nao me

PATRULHAS IDEOU^WICAS

interessa na realidade: assim como tudo o q penso e fa^o e ignorado por toda essa gente q faz "teoria" — "demagogia politica" pensei eu — * etc.: ao voltar de NOVA lORQUE e q pude constatar a frieza e a indiferen?a das pessoas em rela?ao ao q fa?o: nao porque seja quase q desconhecida a minha atividade: nao!: havia e ha como q um boicote (q se torna inutil em ultima analise ja q nao pode ele "cortar" a minha atividade criativa) natural ao q nao e rotulado como sendo uma ativi­ dade a qual e dada uma fun?ao pseudo-politico-culturai: como e dificil e impossivel me incluirem nisso (al6m da inveja normal q toma certos individuos em rela?ao a quem cria!) ha sempre um ar de indiferenpa com mistura de "meios sorrisos" e/ou "conselhos de como proceder" q vSm dessa gente como se eu fora um idiota com dons surpreendentes q ainda falta aprender o mecanismo cultural q rege a bobajada artistica brasi­ leira: e o pior e q pensem q nao vejo isto ou q nao tenho consciSncia disso tudo: ora! — quero aqui dizer q tenho felizmente essa indiferen?a a meu favor: toda essa gente implicada em "programas culturais" nada significam para o q tem mesmo algum significado grande e duradouro: tudo o q fa?o e virei a fazer nada tem a ver com qualquer tipo de programa cultural!: nadaU pelo contrario e a tentativa mais concreta de demolir e tornar impossivel qualquer significa?ao real a tudo o q seja demagogia cultural ou programa para tal demagogia: todo esse corta barato q quer dizer o q "tem q fazer o artista" ou de como "deva proce­ der" ou q "caminho tomar": nao ha "caminho" ou "diregao" para a cria?ao: nao ha "obriga?6es" para o artista: quem pensa poder fazer o q quer ao mesmo tempo q assume compromissos q nada t6m a ver com a atividade q tSm cometem um erro fatal: e como conseqUSncia deste erro tornam-se demagogos e um po?o de equivocos: tornam-se maus: maus artistas: maus carater: e acaba com q o compromisso assumido passe a ser o unico interesse afogando a criatividade e a capacidade de inven?ao q sao na verdade as unicas q deveriam prevalecer acima de qualquer eventual compromisso: e isso nao e "alienacSo": nao!: ninguem menos alienado do q eu: ninguem tambem menos otario: otarios sao os q se mantSm indiferentes ao q e criativo e a INVEN^AO: sSo duplamente equivocados: pensam e agem com indiferen?a: o barato q querem oferecer nao e suficiente nem pra eles mesmos nem pra ninguem: k malhado!: todos sao te6ricos demais: sao pessimistas: sao jesuitas quando pensam encarnar pensamentos revolucionarios: sao feitos: acima de tudo fazem das coisas e da vida coisas feias: chatas: a indiferen?a q observei diante de mim (e quanto a mim) e a materia morta dos q perderam ou alienaram qualquer dom de criatividade — qualquer generosidade criativa ja era pra essa gente: porisso e q quis encerrar essa discussSo e essa entrevista dizendo tudo isso!: "patrulhas" "engajamentos" etc. nada estabelecem ou definem: a coisa teria q ser abordada e resolvida de outro modo: como nao sei! so sei 6 q tudo o q foi feito ate hoje quanto ao assunto envolvendo artistas e/ou programas culturais determinados tem provado ser o maior corta barato e da maior esterili-

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CARLOS ALBERTO M. PEREIRA/HELOlSA B. DE HOLLANDA dade criativa: na maior parte consistem em assumir compromissos abstratos daquilo q deva ser ou vir a ser a "cultura" ou a "atividade artistica": e falham irreversivelmente porque castram o dom q s6 o artista tem como prioritirio: aquele que gerar solucSes prdprias para o q deva fazer ou nSo: quando digo artista digo aquele q cria ndo importa em q ramo ou condigflo: para os "meios sorrisos" q possam achar ingSnua esta abordagem ou argumenta^flo devo dizer q 6 o oposto: 6 a mais consciente e inteligente a q se possa chegar no momento dentro de tanta bobagem q 6 discutida entre n6s nesse tempo aqui no BRASIL: tudo o q e entrevista/abordagem cultural/etc. e mal discutida/mal abordada e falha em coerdncia nflo s6 intelectuai como filosdficotedrica: sao o q chamo de tedricos de cabe^a oca: te6rico$ q o querem ser quando a coisa seria nflo teorizar: q fazer? — !

^ ^^ Diirio de bordo Quanto a mim, sei que a prisSo sera dura como tem sido para todos — prenhe de amea^as,' de vil e covarde rancor. Mas nSo a temo, como nSo temo a fiiria do tirano miser^vel que arrancou a vida a setenta de meus irmSos. CONDENAI-ME, NAO IMPORTA. A HISTORIA ME ABSOLVERA. Fidel Castro, 1953

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were in conflict with on that level". What a fine insight — "sexually nerve-wracking". — Think about that.' Judith Malina, 1970 (...)

Abelardo I — Escuta Abelardo! Abandonaste o socialismo? Abelardo II — Fago-lhe presente dele! Abelardo I — Mas eu nio aceito. Neste momento eu quero a destrui^So universal... O socialismo conserva... Abelardo II — Virou bolchevista! SSo todos assim... Quando era o grande milionario e emprestava a ao mes e eu Ihe falava dos ideais humanit&rios e moderados do socialismo, ca^oava. Conhecia tudo, lia tudo, mas se ria... Agora... Abelardo I — Sempre soube que s6 a violencia k fecunda... Por isso desprezei essa contrafagSo. Cheguei a preferir o fascismo do Perdigoto. Mas agora eu queria outra coisa... Abelardo II — O comunismo... Abelardo I — Para te deixar um veneno pelo menos misturado com Heloisa e os meus cheques. Deixo voces ao Americano... E 0 Americano aos comunistas. Que tal o meu testamento?

Rei da Vela, 1937

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(...) For Lenin's birthday, I read Lenin and Krupskaya. Krupskaya's Memoir of Lenin — and she is a zap of a woman, bold, strong, inspiring all around her. Why do they fill me with hope, when we all know what happened? And Mao too, seriously for the first time — if it weren't for the obsession with the military. I am sending you in a package copy of an interesting supplement to L'Idiot Internationale which Jean-Jacques (Lebel) and other Anarchs made up in collaboration with the Maoists. It was a first attempt to work together & J-J described with great intensity the agony of this attempt — **It was nerve-wracking. It was, in fact, almost sexually nerve-wracking to work with people we

Clark 2 de outubro de 1979 E — Lygia, em que medida seu projeto de trabalho se articula com um projeto de participa^So politica? L — No meu caso, eu ndo poderia vincular a priori... mas, naturalmente, se voc8 olhar as conseqUdncias do meu trabalho depois que eu deixo esse

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mercado, largo a sociedade de consumo, nSo porque eu quisesse fazer isso politicamente mas porque o movimento foi esse, entao voc6 vS que ele 6 muito politizado porque nega o sistema. ^ — E qua! foi a trajetdria desse rompimento? L — O inicio da importincia do meu trabalho foi em 1954, com a linha organica, ate chegar aos Bichos, Quando eu fiz os Bichos em 59, eu me lembro que a primeira atitude politizada que eu tive foi a seguinte: eu sabia que o Bicho nao deveria ser uma escultura, uma obra de arte para ser colocada daquela forma dentro do mercado ou exposta em museus, galerias... entao meu sonho era fazer o que naquela ocasiao nao se conhrcia: seriam os Multiplos. Reproduzir em quantidade e vender nas esquinas das pra^as, nas ruas do Rio de Janeiro, camelds pequenininhos... Entao toda crian^a podia comprar, todo homem do povo p<^ia comprar... Mas foi um projeto evidentemente fora da realidade... Diante disso, como eu tinha que comunicar o trabalho e nao podia fazer o que eu chamaria de pequenas pe^as para serem vendidas por camelds... OS Bichos acabaram sendo recuperados, integrados no sistema. Na ItMia, em 64, fui a primeira pessoa naquela Bienal que, em vez de escrever na plaqueta "nio tocar", "nao mexer", escreveu em trSs linguas dife­ rentes (italiano, francos e inglSs): "e favor tocar", "favor participar"... Nesse momento, eu acho que o trabalho chegou a uma fase de socializa^ao. E — Quais OS desdobramentos que esse seu trabalho teve em termos de influSncia? L — Houve uma rea^ao mais positiva no estrangeiro do que no Brasil. Ainda em 64, fui convidada para fazer uma exposi?ao na Signal, em Londres, e essa exposi^ao marcou de tal maneira, que muitos jovens ingleses come?aram a fazer Bichos e na Franca, nos SalOes, nas Bienais e nas Galerias, foi desenvolvida aquela tentativa de estimular a participafSo do espectador muito baseada na experiSncia dos Bichos. Eu fiz o Bicho de 59 a 63, quando comecei a fazer uma outra qualidade de Bicho, que eu chamei de Trepante porque nao tinha mais dobradi^a. Era a "obra mole": bichos de borracha que eu colocava no chao. Quando o Mirio Pedrosa os viu pela primeira vez, deu um chute no bicho e disse: "que maravilha! Ate que enfim pode-se chutar uma obra de arte"... Naturalmente, a minha fase sensorial do corpo jA estava naquela materia, naquela borracha, mas eu nao sabia... Depois eu fiz o Caminhando, que era menos obra, menos autoria, menos objeto de arte. Eu pegava uma fita topoldgica, que eu nao inventei, pois a topologia existe, e pedia ^ pessoas que cortassem e fizessem o seu prdprio Cami-

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nhando; a estnitura nJo era minha, a obra nfto era minha, a autoria nao era minha, s6 o conceito era meu; a participa^do, que era o ato da criati­ vidade, foi dado ao outro. E — Como o mercado reagiu a essas experiSncias? L — Por exemplo, na Bienal de Veneza onde fiz uma retrospectiva em que entraya o Bicho, a Superflcie Modulada, mas ji entrava Objetos Sensoriais, a Gimpel, a Denise Ren6 e a Marlboro ficaram muito entusiasmadas com o meu trabalho e procuraram o meu atelier em Paris para ver se me amarravam num contrato. Mas, no momento em que chegavam e perguntavam: "o que que voc6 esta fazendo agora...?" Eu pegava um saquinho plAstico com uma pedra e dizia: "Touchez!" Evidentemente, nenhum deles quis, porque eles apostam no artista no presente para criar um mercado no futuro. Mais tarde, eu fui chamada a New York por um grande advogado que queria fazer os Multiplos de cameld e vender por 2, 3 d61ares. Esse advogado era muito esperto e quis me amarrar evidentemente com toda a minha obra do passado, do presente e do futuro. Mas eu nao podia nem voltar pro passado, nao queria amarrar os Bichos como ele queria (a nao ser para multiplicA-los) e a parte toda sensorial eu me recusava a vender... acabei naturalmente sem fazer negocio nenhum... E — At6 que ponto a situagao politica instaurada com o golpe de 64 interferiu no seu trabalho? L — Acho que quem faz uma arte que expressa a politica de forma indireta... uma arte com um contexto mais para o futuro, nao da para ser sabotada. Agora, quem faz uma arte arraigada na politica como muitos artistas que se voltaram para uma arte figurativa, uma arte politizada de maneira direta, essas pessoas ou mudaram ou naturalmente foram muito prejudicadas porque houve realmente uma transforma^ao muito radical no Brasil. No meu caso, posso dizer que continuei a minha pesquisa livre, porque qualquer censor que olhe minha obra nao vai alcangar jamais o que estou propondo dentro do grande contexto social: que e reaprender a viver, se desbloquear, criar, em vez de continuar fazendo uma "obra de arte"... Eu ja havia escrito sobre a inutilidade de expressao atraves do quadro, da inutilidade da escultura em si e da inutilidade da pintura; pra mim, o suporte tradicional esta morto desde aquela epoca... E — Como isso se liga as orientacSes da estetica neoconcretista? L — Eu nao posso dizer que se ligue diretamente a orienta?ao neoconcre­ tista porque eu fui uma das pessoas que contribuiram para o neoconcre-

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tismo com a obrafeita. Era eu, o Ferreira Gullar, o Helio Oiticica (que era muito jovem), o Reinaldo Jardim, a Ligia Pape e outras pessoas... O Gullar, por exemplo, largou depois de um determinado momento a arte e se debruQOu na politica, comefando a fazer poesia tipo folhetim de cordel do nordeste. Hoje ele diz: "eu queria fazer politica, nSo era arte..." Em mim nao houve essa quebra, eu continuei pesquisando... E — E o que vocS acha dessas idas e vindas... desses impasses? L — Eu acho, por exemplo, que a ruptura do Gullar foi necessiria pra ele, porque ele chegou num impasse... ele estava fazendo o que se chamava "nSlo-objeto"... Ele era o te6rico da turma e ele prdprio teve uma crise, achava que o que ele estava expressando nao tinha nada a ver com a realidade. Entao, no caso dele, eu acho perfeito, porque cada um tem a sua op^lo e pode dizer, por exemplo: "nao vou fazer mais arte porque acho que a politica e importante"... Ali^ eu acho que h muito dificil dissociar a politica... mas que atitude politica de um jovem, naquela epoca, foi realmente mais importante do que a atitude das pessoas que continuavam a pesquisa a longo prazo, como eu? Porque, na realidade, a burguesia ingeria tudo antropofagicamente... tudo que se fazia nascia como cultura morta. Entao o Ferreira Gullar deu um corte naquilo para se voltar s6 sobre a politica e hoje ele estA retomando aos poucos... jk escreveu esse poema que eu acho muito bonito chamado Poema Sujo que nao e como a Luta Corporal, a Luta Corporal ainda era dentro da temAtica da linguagem neoconcreta... E — Lygia, vamos voltar para os seus impasses... os caminhos do seu trabalho... L — O que houve foi uma continuidade muito grande dentro da pesquisa, embora eu tenha mudado formalmente toda a estrutura do trabalho. Mas, de qualquer maneira, eu proponho a participa?ao sujeitoobjeto e, atualmente, o objeto virou sujeito. Entao fica sujeito dialogando com sujeito. £ quando eu comedo a fazer a terapia das pessoas atraves de meu trabalho, ja quase hA uns 5 anos... E — Houve alguma cobran?a em rela?ao ao seu trabalho... Voc6 se sente de alguma forma patruihada? L — Voc8 sabe... se ha cobranca eu nem sei, nem tomo conhecimento. Sou uma pessoa muito solitAria, sabe? Eu, quando converso com um artista sobre qualquer coisa que ele tenha feito, procuro me colocar no lugar dele, mesmo sem abrir mao de nada do que eu penso e sem abrir mao da minha radicalidade... porque eu sou muito radical, nao e? De modo que, se houve cobran^a, eu nao sei... Agora, que e estranho que o

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Bicho, tao conhecido lA fora, publicado em todas as revistas que vocS possa imaginar, ou mesmo a minha fase sensorial nao tenham mercado aqui no Brasil e um pouco escandaloso... Talvez isso seja uma forma de cobran^a, nao e? E — No caso, uma cobranga ate maior... L — £... eu vou dizer uma coisa muito rApida, porque eu sou tao apolitica, que e at^ dificil pra mim... eu tenho horror a tudo que e radical, embora eu respeite a minha propria radicalidade. Na politica, eu sou contra qualquer especie de radicalidade, tanto de direita quanto de esquerda. E — E OS aspectos radicals da politica estudantil no Brasil-60? L — Eu tive uma experiencia que me deixou muito chateada. Eu estava no estrangeiro e li que haviam matado um estudante aqui no Brasil, na 6poca do golpe. Eu pensei: bom, se matam os jovens, e porque eles estao sendo muito mais virulentos, muito mais ativos do que os artistas... n6s continuamos assimilados pela burguesia como coisa morta... e, afinal, eu pergunto: "n6s estamos domesticados?" E isso me aborreceu muito... Se eu fosse mais jovem talvez eu tivesse feito politica dai em diante, e nao mais arte. E — Voce esta negando a radicalidade do artista nesse momento? L — Nao, eu acho que todo artista tem essa radicalidade... todo artista tem um rompimento com a realidade, nao e? Agora, ate onde o artista, hoje, faz coisas interessantes, vivas, virulentas... isso eu digo a voce: eu tenho visto muito pouco, praticamente nao vejo nada...

E — De que forma essa preocupa^ao esta contida no seu projeto? L — Claro, porque eu acho que se voce nao faz nada pra mudar o mundo, para determinar uma mudan^a de visao de mundo... se a gente nao se propOe a mudar o mundo, como visao, nao adianta nada. Hoje em dia eu acho que qualquer coisa que se faca deve estar tao ligada a um ato politico que nao deve haver mais diferen^a entre a politica em si e a arte do outro lado... um gesto, uma fala, uma atitude, devem ser coisas politizadas... E — E por ai que voc6 formalizou seu trabalho sobre a sensorialidade e sobre o corpo? L — Ai entra todo o conceito precArio do ato, do aqui/agora. Eu falo nisso ha mais de vinte anos e agora tA na moda, nao 6? Como eu tambem peguei o corpo hk muitos anos atrAs, agora e moda... tudo b corpo, mas,

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na realidade, nao e o corpo que interessa. Toda a fantasia e todo fantasma que habita o corpo e que interessa; e todo o bloqueio que a pessoa tem pra fazer amor, pra viver... as pessoas que estSo completamente perdidas, que tomam droga, os buracos que elas trazem dentro do corpo, a falta do self total, isso e que me interessa... eu aponto a vida como caminho... E — Desde quando esse projeto orienta sua obra? L — Bom, o meu trabalho come^ou... Na primeira fase, chamada "nostalgia do corpo", que seria cortar o corpo em peda^os e sentir o corpo; na realidade, o que eu estava fazendo era quase que uma coisa esquizofrSnica; eu sentia na minha m§o um pedago de reconhecimento do meu corpo... que h o problema do dentro ou fora. E depois eu fiz umas mascaras tamb6m sensoriais com os olhos tapados, os ouvidos tapados, a boca tambem... agora, vocS via a realidade... juntava sons diferentes e voce, com isso, fazia verdadeiras viagens psicodelicas. EntSo, essa parte sensorial pega o que a droga te dA, com a diferen^a de que no meu trabalho nAo ha o perigo da droga porque h4 o que eu chamo de "elabora^Ao", enquanto a droga produz uma viagem enorme, muitas vezes sem elabora^Ao, podendo a pessoa entAo se perder completamente nas alucina^des... No meu trabalho em Paris, as pessoas viviam as situa^des mais arcaicas que voc8 pode imaginar... pre-verbais. Depois procuravam contar a viv8ncia que tinham tido; e era muito curioso porque nos 3 primeiros m.eses elas contavam olhando pra mim, depois eu era jogada completamente fora do grupo e as pessoas come^avam a se comunicar diretamente entre si e a propor criatividades diferentes. E sempre eu vi mudan^as: heterossexuais passavam por periodos de bissexualidade; o bissexual as vezes virava hetero, As vezes virava homossexual. EntAo, realmente, na parte sexual, na parte de droga, em qualquer parte que voce possa imaginar, eu tocava e tocava fundo no momento da experiencia. Depois veio o "corpo coletivo", que era muito importante... todo mundo tinha aquela vivdncia ao mesmo tempo e depois davam um rapport completamente diferente, dependendo da vivgncia que tivessem tido. E — Como voce vS esse discurso do corpo, da sensorialidade, e at6 mesmo da piragAo na gera^Ao 70? L — Eu vejo como um sintoma de que tudo entrou em crise; nAo foi s6 o suporte para expressar um quadro que entrou em crise, nAo foi s6 a escultura que entrou em crise; todos os valores sociais entraram em crise; antigamente nAo havia isso, havia, bem ou mal, o que se chamava "a familia"; entAo o jovem de 14, 15 anos, o que ele fazia? Ele soltava

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aquele esquema, mas era recuperado depois pelo esquema que ele soltava como rebeldia. E, desde 64, comecei a observar que o jovem nAo tinha mais nada pra soltar, era o vazio total e nenhuma referencia... se um jovem se ve sem uma referSncia defmida... no fundo a propria mAe deixou de ser referencia, o social deixou de ser referencia como familia... entAo como e que ele vai satisfazer toda aquela parte chamada "transcendente", "metafisica", se nAo existe mais nada pra ele se chegar, pra ele poder acreditar... 6 o futuro, pra ele ter uma continuidade de vida... at6 a bomba atdmica, a meu ver, deu o sentido do precArio ao homem, porque no momento que aparece a bomba n6s todos sabemos que um dia o mundo pode explodir. EntAo, eu acho que ate a bomba ajudou um pouco o conceito do "aqui e agora"... e viver, e viver com intensidade o momento em que se pode viver ainda...

^^•

Castro Ah/es foi em cana O primeiro movimento estudantil que a hist6ria registra no Brasil foi em 1710, quando os estudantes lutaram contra os piratas franceses de Duclerc. No inicio do seculo passado, tomam parte da "noite das garrafadas", em Minas, revoltandose contra os Portugueses, da revolu?Ao federalista do R. G. Sul, e da Sabinada, na Bahia. A acusa^Ao de "mocidade subversiva" aparece num jornal conservador, aplicada aos participantes da campanha abolicionista que come9ava nas Faculdades. Em 1865 entre a rapaziada presa no Recife estavam Castro Alves e Fagundes Varela. Em 1860, OS estudantes aderem A campanha pela Repubhca. Em 1888, vaiam o Conde D'Eu e aplaudem o republicano Silva Jardim. Em 1869, a "Primavera de Sangue". Os estudantes fazem o enterro simbdlico do chefe da For?a Publica, que havia mandado chicotear e jogar as carrots contra eles. No choque, os policiais matam dois jovens usando facas e punhais.

Flagrante, mar./abr., 1978 (...)

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Caetano Moso 26 de outubro de 1979 E — Caetano, como 6 que voc6 estii vendo esse momento de agora em termos de cria^fto artistica? C — Normal... um pouquinho excitado pela abertura... E — Normal como? C — Normal, quer dizer... o trabalho que eu fa?o, de musica popular, 6 uma das coisas que tgm conseguido ser mais est^veis no Brasil. A capaci­ dade de criando das pessoas que fazem musica popular aqui tem sido assim potente, potentissima, e vem atravessando todos os lances... Talvez em outras ^eas de criando exista uma vulnerabilidade maior do que na 4rea de musica popular. Eu nSo tenho uma visSo assim muito nitida sobre a musica popular brasileira, como teria quem estivesse de fora, mas, boa, ou n&o muito boa, ou 6tima, seja qual for, e muito representativa da coisa brasileira, k muito potente, e um canal atraves do qual 0 Brasil se exprime com muita const^ncia, e um canal que em nenhum momento eu vi se fechar... E — Mas essa vulnerabilidade, n9o estando na cria^So, pode estar na area da divulgapdo, por exemplo? C — VocS fala em musica popular? Bom, ai tem tudo: problema de censura, problema de pobreza do pais... disco e uma coisa cara, as pessoas s3o pobres e s6 uma faixa da populagto pode comprar disco. Com todos OS problemas, a criagSo de musica popular se mant6m num nivel normal... e um normal que e anormal, na verdade, porque nio e muito comum. O caso do Brasil, com musica popular, t especial; e muito forte o mercado de musica, b muito grande o interesse pelo que se faz... inclusive o status intelectuai e politico da cria^^o de musica popular no Brasil. E aberrante esta importancia: todo muito intui uma for^a cultu­ ral, politica, intelectuai e filos6fica na musica popular brasileira. E isso existe porque a musica popular e muito forte, vem muito de dentro, expressa e atua muito sobre o pais. Talvez nio do modo como em geral se pensa, mas acho que nio poderia haver tudo isso se nio houvesse de fato uma "for^a estranha" na musica popular no Brasil... E — Com essa tal "abertura", entre aspas, voltam discussOes antigas, em torno do que possa ou do que deva ser uma arte, entre aspas, "engajada". Como fe que voc8 v8 essa questio?

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C — Tudo entre aspas... Eu acho que se a gente tirar as aspas entio pode come^ar a conversar para ver como e mesmo que sio essas coisas... E — Entio vamos la... C — Eu sou mau para politica; j^ falei isso mil vezes e pensei que essa afirma^io fosse ser entendida como uma esp^ie de modestia justificada mas, na verdade, foi recebida como uma agressio. Quer dizer, quando eu falo abertura, nio falo com aspas porque eu vejo que tem coisas que estio acontecendo, que mudou... Miguel Arraes fez um comicio em Recife que tinha 80.000 pessoas, o Brizola voltou, Fernando Gabeira conta tudo, langou um livro, enfim, eu acho que k isso, 6 abertura mesmo... Agora, eu nio sei avaliar o que nos levou a isso porque ai hi problemas: se e a economia, as for^as internacionais, os interesses das multinacionais... entra numa parandia politica, e eu tenho pregui^a, entendeu, eu acho que isso h chato. Se e CIA, se e KGB, quem foi que mandou fazer, se a gente tem autonomia politica ou nio, at6 que ponto e por que foi preciso haver uma abertura, quer dizer, se foi conquistada pelas campanhas da Ruth Escobar ou se foi uma coisa que o governo militar concedeu porque achou que devia... Nio sei julgar isso e tambem nio me sinto com muita energia para resolver essas questOes. Nio vai adiantar muito mesmo se eu ficar 10 anos estudando isso, vou acabar um politico meio micho. Eu fa^o musica, minha energia vai em outra coisa, me sinto ligado a tudo que acontece mas atraves do que eu fa^o. E — Com a abertura, todo o discurso mais tradicional de esquerda come^a a voltar i tona e aquelas velhas discussdes do papel social da arte, da arte engajada, comegam a pintar de novo, inclusive a nivel de cobranga... C — Pois e, primeiro eu tirei as aspas da abertura e depois eu tirei da arte engajada porque, para mim, o engajamento da arte sd se di nesse ponto que eu estava descrevendo e e o que me interessa. Quer dizer, se eu tentar um engajamento extra-artistico e submeter minha criapio is conclusdes que eu tirar desse processo de engajamento, vou fazer uma... E — Um mau panfleto... C — Talvez, eu nio sei o que vai resultar, pode ate resultar em boa arte. Eu acho que o Chico Buarque comete esse erro e faz uma arte extraordiniria, ele comete esse erro ao nivel de dizer assim: eu sou um cidadio, enquanto cidadio eu acho... quer dizer, da a impressio que fazer musica, sambinha, nio e tio importante; que o importante e querer a justi^a social. Mas no Chico Buarque o mais importante 6 o sambinha mesmo, o interesse dele pela justiga social t uma coisa que pode ou nio

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servir ao sambinha. Agora, o sambinha dele n§o b um sambinha, e mais do que a pr6pria justi?a social, t alguma coisa que poderi at6 criar condi^des esteticas, psicoldgicas, sociais, na alma do brasileiro, para que se possa um dia viver alguma justi?a social. Eu acho que o teatro dele n§o e bom por isso e sua musica e genial porque nasceu disso. Agora, eu tambem tenho uma Snsia de justiga social porque e horrivel essa vida de baixo astral social, de explora?ao e fome. O Brasil 6 uma loucura, o desnivel de vida e enorme, as popula^Oes famintas, um neg6cio horroroso. Quando eu digo que tem um erro na maneira como o Chico se coloca, 6 o que eu considero um erro formal... mas nSo d^ para vocS nSo ter ansiedade em relagto a solu^ilo dos problemas da justi?a social. S6 que eu acho que, no caso da arte, o engajamento nao se da por essa via, de fato nSo se dk por essa via... Se da, eu acho, pela via do seu engajamento com aquilo que vocS faz... 6 voc£ tentar viver mais comple­ tamente, mais intensamente o significado daquilo que vocfi est& fazendo... E — Como essa questio do engajamento se colocou ao longo da sua trajetdria artistica? C — Foi o seguinte: eu tinha colegas na faculdade que faziam movi­ mento politico. Eu nunca participei, mas sempre achei 6bvio que a gente precisa de justiga social e achava que eu queria ser a favor de quem quisesse a justipa social. Em principio, eu achava que as pessoas de esquerda eram boas e inteligentes e as outras burras e mas. Ao mesmo tempo, eu me sentia um pouco solitario, estranho, porque nao conseguia entrar em nenhum partido, nem naquelas coisas de chapa de diretdrio de faculdade. E sempre tive um pouco de grilo com o desprezo que se votava a coisas como sexo, religiao, raca, rela?ao homem-mulher... E — Ficavam como questdes menores... C — Mas nao eram sd menores nao, elas eram inexistentes e 4s vezes ate nocivas. Tudo era considerado alienado, pequeno-burgues, embora todo mundo na universidade fosse na verdade pequeno-burgues. Quer dizer, sexo nao dava, religiao nSo dava, tudo nao dava. Eu sentia que as questdes que, para mim, pareciam muito importantes nunca podiam ser consideradas; e eu era considerado sonhador, artista... Eu tinha uma colega que fazia politica e me dizia: "vocS nao quer nada, vocd t vadio, irresponsavel, nao tem futuro...'* e eu ficava preocupado por outras razdes, como 6 que era a transa?ao de sexo, seas meninas iam dar, se nao iam dar, se voce pode ou nao ter uma relapao aberta com uma mulher, se a mulher pode transar com outros homens, se pode namorar homem com homem...

E — Nao tinha nenhuma chapa que falasse nisso... C — Nao... nenhuma... Na chapa seria pedir demais, nem numa con­ versa privada... tudo isso era aliena^ao. Entao, eu ficava com aquelas duvidas naturals da adolescencia, reprimidas por uma responsabilidade com o futuro da revolu?ao. £ por isso que depois pintam essas revolu9des todas que sao chaterrimas, puritanas. Eu tinha um pouco de estranhamento com a turma por causa dessas coisas e, alem do mais, eu me sentia tambem meio pregui?oso, queria pintar, ver filme, pensar sobre os filmes, fazer musica, cantar, aprender as musicas... Outro dia, eu dei uma entrevista na qual digo que acho os politicos estrelas apagadas, nao sao como OS artistas. Na minha cabe^a, e uma questao daquilo que me atrai, que me liga uma coisa na cabega e o politico em geral nao liga... Por exemplo, eu vi a entrevista de Macal6 na Veja, e vi que ele esti entusiasmado porque falou com o Golbery, mas eu nao acho graga, nem em Fidel Castro, nem em ninguem... eu aoho tudo isso meio apagado, nao sinto muito tesao. A vida da gente e muito casual, eu me vi casualmente fazendo musica e profissionalizado como musico popular, e essa coisa de musica popular ser muito forte no Brasil t mais forte do que eu pensava; porque eu fui preso, fiquei dois meses preso, 4 meses confinado e 2 anos e meio exilado, por nada; somente porque eles tinham medo do que a gente era e nao sabiam o que era... eu vi como a coisa pode ter um peso absurdo. O meu modo de entender engajamento e esse, quer dizer, por causa da minha histdria, entendo engajamento dessa maneira... E — Mas Caetano, isso que voch descreveu como sendo sua pratica de vida vocS consideraria como uma pratica politica? C — Eu acho que deveria ser considerado assim: a politica deveria chegar a ser uma coisa que se d^ na vida, quer dizer, o modo de realizar a vida sobre o planeta. Mas 6 dificil porque, na pratica, toda vez que se faz politica come^-se logo a descartar uma s6rie de coisas para poder se exercer a politica... alguem me contou que o prdprio Lenin uma vez falou assim: "eu gostaria de poder alisar a cabe^ de cada um dos cidadaos mas, na verdade, as vezes b preciso ser duro e mandar cortar metade das cabegas..." Quando se reunem, seja na universidade ou em qualquer lugar, 10 pessoas para resolver questdes politicas, ou seja, como organizar alguma coisa que deverii atuar sobre a organiza^ao da vida em sociedade, come9a-se logo a descartar uma s6rie de coisas como: sinceridade, fbonestidade, afeto, sexo etc. Entio, a politica tem sido sempre uma -Uansa^ao de manipula?ao do poder e 6 completamente impossivel que a

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patrulhas ide0l6gicas

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gente queira que agora deixe de ser assim... embora eu ache que o que se chama de politica hoje, tudo que se chama de politica deveria ser transcendido, deveria ser superado. Quer dizer, a gente poderia chamar a nova coisa de politica tambem, a palavra ate merece, mas depois de tao manchada durante tantos seculos a palavra foi contaminada por um baixo astral... Naquele periodo dos Beatles... do Tropicalismo... isso tudo foi muito colocado... houve um recesso dessas discussOes nos anos 70, nao e? E isso no mundo todo... porque, naquela epoca, ate a China era animadissima... eu sei que a China encaretou... Eu acho que e uma coisa de respirafio do planeta. Porque naquela epoca havia todas essas coisas... era Laing, Marcuse... sexualidade... Fidel ainda nio estava vestido de general; porque agora ele esta, nSo e? Pra mim... a politiza?ao do cotidiano... eu sou muito assim... e essa questao o tempo todo... devagar... devagarzinho... E Caetano, boa parte das discussdes em torno da producSo de musica no Brasil tem girado em torno do que seja "nacional e do que seja "popular", tambem entre aspas. Como e que vocS ve essas questdes? Q Para mim e um pouco dificil essa questao de nacional e popular, porque eu nunca tenho isso como uma questao, nem como um projeto, nem como uma meta. Isso para mim e uma coisa... eu sou nacional e popular ate onde nao se pode mais ser. Para mim isso nao vale como projeto. Quando vira projeto fica parecendo ajagga Macuna[ma, que eu acho meio chata. Parece que tem uma familia de Sao Paulo que financiTT^ir^melhor intelectuai fazer a melhor pesquisa e sai a melhor encena?ao do melhor Brasil, ideal, com ironia, mas tudo direitinho... Nao e o meu mundo, eu nasci em Santo Amaro da Purificagao, recdncavo da Bahia; vivi em Santo Amaro ate 18 anos de idade. sai de \k e fui para Salvador. Entao, a questao do nacional e do popular, para mim, nao 6 um projeto, h uma coisa que }i esta... t como estar no mundo, viver no planeta... ja sou eu mesmo... Entao, eu sou de Santo Amaro, do povo do Brasil e tem coisas que, muitas vezes, eu me sinto tentado a combater porque sao coisas que sao viciacjas por essa especie de projeto de arte popular nacional oficial... E — Vira coisa de... C — No fundo e um projeto vago que as pessoas tem e que eu nao sd nao me identifico com ele como percebo que o prdprio Brasil nao se identifica. i. um projeto alienado, de fato alienado. E quando vejo que a critica vem comprometida com isso, eu vou contra... nao e esse o lado... a vida e diferente, nao pode ser transformada num projeto oficial que vai ser assim mais ou menos uniformizado numa id^ia do tom popular

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nacional ideal. Eu acho isso ruim, e puritano, nao leva em considera^ao as diferengas... E — Caetano, o seu trabalho, desde sempre, incomodou bem mais que o trabalho daqueles artistas que, por hipdtese, poderiam incomodar mais por estarem falando de maneira mais clara, mais explicita, sobre problemas "maiores", os tais problemas mais legitimados. Por onde vocS acha que o seu trabalho incomoda? C — Em primeiro lugar, nao sei se isso e totalmente verdade. Uma coisa verdadeira e que o meu trabalho incomoda mais amplamente, em areas diferentes e at6 antagdnicas, mas eu nao diria que necessariamente incomoda mais. Muitos outros artistas tem tido, localizadamente, mais problemas. Problemas de censura muitos colegas meus tiveram muito mais do que eu, eu relativamente tive pouco e sempre falei na imprensa, relembrei sempre isso. Nao da nem para comparar meus problemas de censura com os problemas do Chico Buarque ou do Gonzaguinha ou dos letristas do Milton Nascimento... nao da nem pra comparar porque eu nao tive quase nenhuma musica censurada, tive duas can?des que eles cortaram uma frase de cada e um problema com a capa do longplay

J6ia... E — Talvez o problema nao seja tanto na area de censura oficial... C — Pois 6, mas nesse incomodar o poder oficial, localizadamente, eu acho que muitos colegas meus tiveram sempre muito mais problema que eu. Agora, o que aconteceu comigo e que, por exemplo, ao mesmo tempo que eu fui vaiado pelos estudantes de esquerda, fui preso pelo poder oficial, e isso da uma impressao de que eu sou muito incdmodo... E — Mas, em termos de comportamento, voc6 nao acha que seu trabalho provoca reagdes? C — Eu sei, tem provocado muitas coisas, mas nao tenho muito interesse que provoque mais nao. Eu me assustei, me assustei que causasse tanta complica?ao assim a ponto d'eu ser preso, uma coisa desproporcionada... nao fica de acordo com a minha cabe^a, eu acho meio demais a resposta que vem... o que mais incomoda e a minha vontade de cotidianizar a politica ou de politizar o cotidiano. E — Agora, a prisao, voce acha que eles te prenderam em fun^ao de um comportamento inaceitavel, ou tinham suspeitas, fantasias, hipdteses a respeito de uma hipotetica participagio politica direta? C — Eu acho que ate isso devia haver... mas por fantasia. Nao havia nenhuma participa^ao da gente em nenhuma coisa politica. Na verdade.

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eu suponho — porque nunca me foi expUcado aquilo — que eles tinham um medo vago, igual ao medo que os estudantes de esquerda tiveram da gente. No fundo, eu acho que era a mesma coisa, s6 que eles estavam com 0 poder na mao e os estudaiUes estavam sonhando com um possivel futuro poder tao ruim'^uanto essei^ Oque assust^. prende; prenderam a gente ripido, nao sabiam o que era, depois ficaram sem saber o que fazer... rasparam a nossa cabe^a, nao tinham prova de nada, mas nao tinham coragem de soltar, porque nao conseguiam decidir... Solta, deixa voltar para a televisao com a cabepa raspada? Nao pode... Entao confinaram a gente na Bahia, ficamos na Bahia sem trabalhar feito dois inv^Iidos, uma coisa doida, nao podiamos ser fotografados, dar entre­ vista, cantar, trabalhar, durante 4 meses. Nao dava mais, jk estivamos casados, e ficamos pedindo para deixarem a gente trabalhar... tinhamos que nos apresentar todo dia ao coronel, um coronel Luis Arthur... todo dia a gente ia la: "olha, estamos aqui..." Ai o coronel Luis Arthur ficou pedindo para deixarem a gente trabalhar. Entao, deram a sugestao de sair do Brasil; dissemos que sim, aceitamos, e tivemos 4 dias para sair. Nao sabiam o que fazer... o que eu entendo e isso, um equivoco que quase acaba com a minha vida, um erro fundado nesse tipo de medo do desconhecido, medo do inexplicivel. E — Caetano, o pensamento de esquerda, marxista, sempre veio ligado k razao, k seriedade... enquanto a chamada contracultura e seus frutos levariam k carga da loucura... voci acha que o prazer e a alegria sao antagdnicos a politica? C— isto esta um pouco... foi o que a gente falou... as coisas que me grilavam quando eu estava na escola... ate hoje ainda 6 mais ou menos a x|uestao. Eu acho que essa imposta$ao 6 um grilo, e que o projeto de organizar a sociedade sempre fica viciado por esse negdcio de uma serie­ dade que, na verdade, 6 um modo de descartar uma serie de conteudos que tornariam dificil a execu^ao dos pianos e dos projetos. Acho que e mais uma especie de pobreza filosofica e pregui^a. Eu nao conheco a obra de Marx, mas duvido que seja tao pobre como se representa no teatro, por ai, duvido... Por exemplo, o orgasmo feminino e uma coisa que eu penso ks vezes 10 horas por dia... nao estd em Marx, ele nao tem nada sobre isso, nunca escreveu sobre isso, mas e uma coisa que me interessa. Por que isso 6 nao-serio? E _ Caetano, a partir de um certo momento voce esteve no centro do debate em torno das chamadas Patrulhas Ideoldgicas. Que problemas voc8 acha que estao por tris daquela discussao? C — Eu acho que os problemas sao esses que a gente jk colocou aqui; no

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fundo t mais ou menos isso, pelo menos 6 o m^mo que eu posso ver no momento. VocS falou que eu estava no centro daquelas discussOes e, em determinado momento, realmente eu me senti assim... mas eu, na verdade, nao tive uma atitude tao nitida assim como a do Caca Diegues, que chegou a forjar a expressao que fez tanto sucesso, que eu acho um barato, mas cujo sucesso me impressiona um pouco demais... parece uma dessas coisas boladas em agSncias de publicidade, que funcionam muito... E — Mas vocS acha que o tipo de censura ou patrulhagem a que o Cac& se referia era a mesma que voc6 poderia ter sofrido? C — Olha, eu me identifiquei muito com o tipo de situagao pela qual o Caci passou, na fepoca do filme Xica da Silva, porque eu gostei do filme e o tipo de critica que se fez nas conversas que eu ouvi, e no que saiu impresso, era bem do tipo antiprazer, seriedade, responsabilidade... Agora, eu nao acho o Caci uma pessoa tao parecida assim comigo, com as coisas que eu fa?o... eu acho os filmes dele, ate Xica da Silva, bem mais parecidos com o outro lado do que com o lado patrulhado... E — Mas voce nio acha que Xica da Silva e um filme que tem esse tal projeto nacional popular? C — Tem um lado disso; tem um lado que parece cartaz polones, aquela unidade... mas o filme foi feito com uma quantidade de prazer muito grande, o que se passa dentro do filme e maravilhoso, b fantasia, e estilizado, 6 como se fosse um musical, e eu acho muito bonito, eu gostei muito. Uma coisa que falaram muito contra, aquela preta que da aquelas risadas e que faz aquela coisa, e que e um negdcio assim de barra... em geral reclamavam como se estivessem brigando com uma pessoa real, diziam assim: "mas ela foi muito injusta, aquilo e uma personagem p^ssima, como b que pod&", e outros ja dizem assim: nao, botar a mulher negra vencendo atraves do sexo b uma coisa que... ' mas enfim, tudo b uma conversa assim meio seriosa. E o filme foi perseguido do mesmo modo como as coisas que eu fago sao perseguidas; esse reclamar... "ah, mas 6 irresponsAvel", "a mulher nko representava real­ mente uma responsabilidade com a sociedade"... e realmente nSo, mas esse negocio de responsabilidade com a sociedade acaba deixando as pessoas secas e sem graca... Porque cinema tambem b muito forte no Brasil; televisao e quase que uma geladeira, e cinema b um pouco mais porque voc6 sai de casa, vai ate o cinema... mas tambem nao e pra ser muita coisa, cinema e cinema, b para voce se divertir, voce vai ali ver um filme, depois volta para casa, ou sai pra jantar... nao pode ser muito. Isso b que b o ser muito do cinema, por isso que eu gosto, eu adoro

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aquele filme do Super-Homem, acho que vai fundo, e o 007... eu gosto dessas coisas mesmo, o filme que eu achei mais Undo nos ultimos anos e um filme do Bruce Lee, chama-se O Dragdo Chinis... um filme Undo. Agora, a coisa do cinema se manifesta mais no conflito porque e o problema do projeto de resolver a cultura brasileira e criar uma industria. Isso e um conflito tSo profundo que quem leva isso ^ ultimas consequSncias, tragicamente como Glauber leva, s6 pode ser uma pessoa que tem uma visao profunda das coisas e uma coragem enorme, uma capacidade muito grande, s6 um sujeito maior, um brasileiro maior, imenso como ele, poderia topar uma barra dessas... E Caetano, essas pol€micas envolvendo criticos, imprensa, em torno do artista Caetano Veloso, prejudicam, por exemplo, a vendagem dos seus discos? C N3o sei dizer... meu ijltimo disco foi o que menos vendeu na minha carreira e numa fase em que os artistas da minha Area, nio s6 da minha ^ea considerada como faixa de publico, como Chico Buarque e Gonza­ guinha, mas na area de grupo mesmo, Bethinia, Gil e Gal venderam mais, quer dizer, eles nunca tinham feito disco de ouro, BethSnia fez 2, Gal fez 2, Gil fez 4, com o N3o Chore Mais... e eu fui um fracasso de venda. Mas eu nio atribuo isso k critica nSo, eu acho que a critica repre­ sentava o mesmo tipo de falta de receptividade para o meu "mood" atual que o publico.

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noticias contraditdrias: uma, do £x6rcito reconhecendo 4 mortos e 4 feridos no dia 28, e outra, do Chile, fala de 6 feridos e 3 mortos no dia 30. O Exercito divulga depois um comunicado em que anuncia ter levantado o cadiver de um guerrilheiro e que um subtenente esti fora de perigo. Dos nossos mortos, Raul quase nio pode ser catalogado, dada a sua introspec^io; era pouco combativo e pouco trabalhador, mas interessava-se constantemente pelos aspectos politicos dos problemas, embora nunca formulasse perguntas. Ricardo era o mais indisciplinado do grupo cubano e o que tinha menos capacidade de decisio diante dos sacrificios cotidianos, mas era um extraordinirio combatente e um velho companheiro de aventuras, no primeiro fracasso de Segundo, no Congo e agora aqui. E outra perda sensivel por sua qualidade. Somos 22, entre eles dois feridos. Pacho, Pombo — e eu, com a asma a todo vapor. Che Guevara, 1967 (...) Letreiro — ESTA SITUAgAO DEVE MUDAR. Jeanson — Sim, k lutar certamente, mas o que h a luta? V6ronique — Mas olha, se eu quiser conhecer a teoria e os m6todos da revolu^io, sou obrigada a participar da revolugio pritica. Jeanson — Mas vocS pode participar da revolugio, voc6 -nio pode inventi-la.

1967, Rio-S§o PaiUo Ctemperatura local) Perderam-se II mochilas, com medicamentos, prismaticos e alguns instrumentos de grande utilidade, como o gravador em que copi^vamos as mensagens de Manila, o livro de Debray anotado por mim e um livro de Trostsky, sem contar o partido que o governo vai tirar dessa captura e a confianga que incute aos soldados. Calculamos 2 mortos e 5 feridos deles, mas hi duas

V6ronique — Mas olha, se eu quiser adquirir conhecimentos, 4 preciso que eu atue primeiro; voc8 concorda com isso? Jeanson — Sim, estou de acordo com isso, somente a pritica revolucioniria supde ela mesma... um conhecimento da situa(io; como... V^ronique — Mas eu conhe^o a situa^io, tudo vai mal. Godard, La Chinoise, 1967 (...)

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