www.sciam.com.br
ANO 14 | Maio 2016 R$ 19,90 | 4,90 €
Cérebro Dm¹ amentas de pedra ré-história moldou a inteligência da espécie humana
O Crise econômica e explosão do turismo ameaçam santuário global da biodiversidade
O
O
Células projetadas sob medida vão diagnosticar doenças e reparar danos ambientais
O Tempo de vida da partícula é chave para entender mistérios do Universo
MAIO 2016
BRASIL
F Í S I C A D E PA RT Í CUL AS
32 O enigma do nêutron Dois experimentos de precisão discordam sobre quanto tempo os nêutrons sobrevivem antes de decair. A discrepância reflete erros de medidas ou indica algum mistério mais profundo? Geoffrey L. Greene e Peter Geltenbort
ECO LOGIA
44 Debandada em Galápagos Um aumento incessante no número de visitantes pode arruinar o famoso foco de biodiversidade em apenas alguns anos. Paul Tullis
Ma o 20 6 www ciam.com.br
76 79 06
00
8
ANO 14 | no 168 R$ 19 90 | 4 90 €
7
Biólogos sintéticos estão perto de empregar células para fazer diagnósticos de doenças humanas e reparar danos ambientais. Timothy K. Lu e Oliver Purcell
ISSN 1676-9791
Ao afiar a habilidade de fazer machados enquanto escaneiam os próprios cérebros, pesquisadores estudam como a cognição se desenvolveu. Dietrich Stout
BIO EN GENHA RIA
39 Computação vital
9
PS I CO LO GI A CO GN ITIVA
24 Contos de um neurocientista da Idade da Pedra
ANO 14
Cérebro Dm¹
e amentas de pedra ré-história moldou a inteligência da espécie humana o debate sobre as origens do homem
GALÁPAGOS
BIOINFORMÁTICA
NÊUTRON
Crise econôm ca e explosão do turismo ameaçam santuário global da biodiversidade
Células projetadas sob medida vão diagnosticar doenças e reparar danos ambientais
Tempo de vida da partícula é chave para entender mistérios do Universo
N A C A PA A fabricação de ferramentas cada vez mais ä¸äî_ClC䳸äù§î¸äöié§ÆxälxC³¸äǸlx îxß_¸³îßTøl¸ÇCßCCxþ¸§øbS¸_xßxTßC§Í/CßC x³îx³lxßx§¸ßxäîCCää¸_CbS¸iÇxäÔøäCl¸ßxä xäîS¸xäÇC³l¸Ç¸ßlx³î߸l¸_ßE³¸lx þ¸§ø³îîD߸äÔøxÇ߸løąxßyǧ_CälxC_Cl¸ä øäC³l¸îx_³¸§¸CÇC§x¸§î_C Ilustração de Mark Ross.
SEÇÕES
BRASIL
5 6
Carta do editor Cartas C IÊNC IA EM PAUTA
7
Sobre o lixo nuclear Trinta anos após Chernobyl, os EUA devem encarar seus desafios de segurança na área. Pelo Conselho de Editores da Scientific American TEC NOLOGIA
8
Design silencioso Algumas pequenas mudanças poderiam facilitar o uso de mídias digitais. David Pogue FÓRUM
9
Chernobyl não matou a energia nuclear Acidente apenas contribuiu para torná-la uma opção polêmica contra as mudanças climáticas. Frank von Hippel
9
12
Avanços Onde encontrar meteoritos em casa Sete experiências de carona no maior foguete da Nasa O meteorologista responsável pelo Monte Everest Uma tumba no Tibete revela um trecho antes desconhecido da Rota da Seda C IÊNC IA DA S A ÚD E
18
O paradoxo da medicina de precisão As primeiras tentativas de individualizar tratamentos usando DNA obtiveram sucessos ambíguos, e levantam dúvidas sobre iniciativa que irá impulsionar pesquisas. Jeneen Interlandi
12
D ES A FIOS D O COS MOS & C ÈU D O MÊS
20
A controvérsia da superterra superquente Dois times enxergaram realidades bem diferentes em 55 Cancri e.
21
Mercúrio transita pelo disco solar Fenômeno, que exige cuidados especiais para ser observado, será visível no Brasil do começo ao fim. Salvador Nogueira C IÊNC IA EM GRÁ FICO
50
20
Viagens com o Zika O vírus transmitido pelo mosquito migrou para os Estados Unidos de várias partes do mundo. Mark Fischetti
CARTA DO EDITOR
Pablo Nogueira é editor da 3`y´ï` ®yà`D´ àDå¨.
GREGORY MILLER
Novos formatos e uma polêmica pré-histórica Olá! Como recém-chegado ao cargo de editor da edição brasileira de Scientific American, gostaria de começar me apresentando a vocês, leitores. Me chamo Pablo Nogueira, e desde 1998 atuo como jornalista na área de ciências. Trabalhei ou colaborei com diversos veículos, a maior parte deles, revistas: somando as temporadas em Veja, Galileu e Unesp Ciência foram quase 14 anos. Conto isso para deixar claro que, para mim, fazer revista é uma paixão. E fico especialmente contente em poder exercer essa paixão a bordo de uma publicacão com o perfil e a qualidade de nossa Sciam. Minha missão aqui, leitor, é colaborar para que você possa mergulhar, com uma profundidade maior, no vasto oceano da produção científica contemporânea e, ao mesmo tempo, navegue este conteúdo com o máximo de facilidade e clareza. Não é por acaso que uso a palavra navegar aqui. Esta é a primeira edição da Sciam Brasil que será exclusivamente digital. A partir dela, vamos alternar, mês a mês, estes números digitais com as nossas edições de papel, que, aliás, desde o mês passado ganharam formato premium e passaram a ter 100 páginas. Para os assinantes nada muda: terão direito a ambas. E as edições de papel também poderão ser adquiridas em formato digital. Basta ir ao nosso site e encontrar lá os caminhos para baixar nosso novo aplicativo. Convido vocês a explorar esses novos formatos para que constatem, por si mesmos, que a mudança é apenas de suporte: a qualidade editorial da Sciam permanece igual. Bem, uma vez feitas as apresentações, vamos à nossa capa do mês. O antropólogo Dietrich Stout, da Universidade Emory, nos EUA, recorreu às mais modernas técnicas de imageamento cerebral para analisar uma ideia que chegou a ser popular na pesquisa sobre
evolução humana, mas depois foi quase descartada: a de que a produção de ferramentas de pedra teria contribuído decisivamente para o desenvolvimento cognitivo dos homininis, conjunto que inclui a espécie humana e seus ancestrais extintos. Stout formulou novos argumentos para a antiga hipótese, ao demonstrar experimentalmente, que, quanto mais complexa a ferramenta lítica produzida, maior a capacidade cognitiva requerida. Ou seja: é possível que, já nas priscas eras do Paleolítico Superior, remontando a 2 milhões de anos, o desafio de aprimorar a tecnologia de então tenha contribuído para nos tornar mais inteligentes. Quem sabe o que ocorrerá com os cérebros das criancinhas que hoje brincam com tablets e amanhã vão projetar computadores quânticos? Enfim, mais uma comprovação de que pensar com profundidade é ótimo para o seu cérebro. E aqui na Sciam, sua ginástica mental é garantida. Continue com a gente!
ALGUNS COLABORADORES
David Pogue é colunistaâncora do Yahoo Tech. Dietrich Stout é professor de antropologia na Universidade Emory. Seu foco de pesquisa sobre a fabricação de ferramentas de pedra no Paleolítico integra métodos experimentais de diversas disciplinas, variando da arqueologia à imagem cerebral. Frank von Hippel é pesquisador sênior em física e
professor emérito de relações públicas e internacionais do Programa sobre Ciência e Segurança Global da Universidade de Princeton. y¹àyĂ"Îàyy´y é professor de física da Universidade do Tennessee e trabalha na Fonte de Espalação de Nêutrons do Laboratório Nacional de Oak Ridge. Ele estuda as propriedades dessas partículas há mais de 40 anos.
Jeneen Interlandi é jornalista freelance especializada em assuntos ambientais e de saúde. Oliver Purcell é associado de pós-doutorado no Grupo de Biologia Sintética do MIT. Sua pesquisa abrange muitas áreas da biologia sintética, da concepção de partes biológicas sintéticas a abordagens computacionais inovadoras para o design racional de sistemas biológicos.
Paul Tullis é editor na TakePart, revista digital de notícias. Ele já escreveu para IY_[dj_ÒY7c[h_YWdC_dZ, D[mOehaJ_c[iCW]Wp_d[ e IbWj[, entre outras. Peter Geltenbort é cientista do Instituto Laue-Langevin, em Greno-ble, França, onde utiliza uma das fontes de nêutrons mais intensas do mundo para pesquisar a natureza básica dessa partícula.
Salvador Nogueira é jornalista de ciência especializado em astronomia e astronáutica. 5®¹ïĂ!Î"ù é professor DÒÒ«ZDf«rZrD«Í浫 de Biologia Sintética no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que integra circuitos computacionais e de memória em células vivas, aplica biologia sintética a importantes problemas médicos e industriais, e
constrói biomateriais vivos. Ele é ganhador de um prêmio Novo Inovador da Diretoria dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health Director’s New Innovator Award), entre outros. Em 2014, cofundou a empresa start-up de biologia sintética Synlogic.
www.sciam.com.br 5
CARTAS
[email protected]
Brasil
A BUSCA PELO PLANETA X
PRESIDENTE Edimilson Cardial DIRETORIA Carolina Martinez, Marcio Cardial, Rita Martinez e Rubem Barros
"A busca pelo planeta X" e o texto sobre a busca pelas ondas gravitacionais são as duas melhores publicações desta edição EDIÇÃO 166 de março/2016 (nº 166). As ondas gravitacionais são mais uma fonte, além da luz, para descobrir os segredos do Universo, e a busca pelo Planeta X é mais um mistério da astronomia para ser revelado. Ambos os temas são parecidos, pois cada um é uma “perturbação” no imenso Cosmos.
ANO 14 – MAIO DE 2016 ISSN 1676979-1 25'25'2 " Rubem Barros EDITOR Pablo Nogueira EDITOR DE ARTE João Marcelo Simões ESTAGIÁRIA Isabela Augusto (web) '" '2 '23 Luiz Roberto Malta e Maria Stella Valli (revisão); Aracy Mendes da Costa, Laura Knapp, Suzana Schindler (tradução) PROCESSAMENTO DE IMAGEM Paulo Cesar Salgado PRODUÇÃO GRÁFICA Sidney Luiz dos Santos COMUNICAÇÃO E EVENTOS GERENTE Almir Lopes
[email protected]
CORREÇÃO
ESCRITÓRIOS REGIONAIS: Brasília – Sonia Brandão (61) 3321-4304/ 9973-4304
[email protected] Paraná – Marisa Oliveira (41) 3027-8490/9267-2307
[email protected]
Diferentemente do que foi informado em “A busca pelo planeta X” , o diâmetro do planetoide Sedna é de 1.000 km.
5%'"' GERENTE Paulo Cordeiro % "35 02'2 $ '2 Diego de Andrade
¨yï¹´ Dåï¹åj ¹àày´ï´D Ê Ëj ȹà y®D¨
POR RESTRIÇÃO DE ESPAÇO, A REDAÇÃO TOMA A LIBERDADE DE ABREVIAR CARTAS MAIS EXTENSAS.
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DIRETORA Carolina Martinez GERENTE Ana Carolina Madrid EVENTOS Lila Muniz
3%<'"<'2 Jonatas Moraes Brito % "35 3= Lucas Carlos Lacerda e Lucas Alberto da Silva COORDENADOR DE CRIAÇÃO E DESIGNER Gabriel Andrade ASSINATURAS "' 3$%5'Mariana Monné % "35 <% 3 <7"3 3 Cinthya Müller EVENTOS ASSINATURAS Ana Lúcia Souza VENDAS GOVERNO Cláudia Santos <% 35"$ 2!5% 5<' Cleide Orlandoni FINANCEIRO % "35 0" % $%5' Cinthya Müller FATURAMENTO Weslley Patrik CONTAS A PAGAR Simone Melo SCIENTIFIC AMERICAN BRASILé uma publicação mensal da Editora Segmento, sob licença de Scientific American, Inc. SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL 5'2%iMariette DiChristina >75<5'2iFred Guterl $ % %5'2iRicki L. Rusting 3%'25'23iMark FischettijJosch Fischman, Seth Fletcher,Christine Gorman, Clara Moskowitz, Gary Stix, Kate Wong 3%25'2i Michael Mrak 0'5'2 0?5'2i Monica Bradley 023%5iSteven Inchcoombe >75<<023%5iMichael Florek 3%5 $2 %'%"% Visite nosso site e participe de nossas redes sociais digitais. www.sciam.com.br www.facebook.com/sciambrasil www.twitter.com/sciambrasil REDAÇÃO Comentários sobre o conteúdo editorial, sugestões, críticas às matérias e releases.
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3%5 $2 % 2 3"i Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar CEP 05421-001 – São Paulo – SP Cartas e mensagens devem trazer o nome e o endereço do autor. Por razões de espaço ou clareza, elas poderão ser publicadas de forma reduzida. 07 " Anuncie na Scientific American e fale com o público mais qualificado do Brasil.
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UM BRINDE À CIÊNCIA Em 2016, o festival internacional de divulgação científica Pint of Science chega a sete cidades brasileiras
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CIÊNCIA EM PAUTA
O PINI ÃO E A N Á LI S E D O C O N S E L H O E D ITO R I A L DA SC IENTIFIC A MERIC AN
Sobre o lixo nuclear Trinta anos após Chernobyl, os EUA devem x³`DßDßäxøälxäD¸älxäxøßD³cD³DEßxD Dos editores
Abril marcou o 30º aniversário do pior desastre nuclear do mundo, o incêndio do reator da usina de Chernobyl, na Ucrânia, na antiga União Soviética. Mais de 300 mil pessoas tiveram de abandonar o local, e gerou-se uma área de dezenas de quilômetros de extensão onde os níveis de radiação permanecem altos até hoje. É pouco provável um grave acidente com um reator nuclear nos Estados Unidos e em outros países que utilizam instalações seguras. Mas enfrentamos outro perigo que é, talvez, mais ameaçador: o acúmulo de lixo radioativo. Os EUA têm hesitado sobre esse perigo claro que se arrasta há décadas, empurrando irresponsavelmente o problema com a barriga sem um futuro definido. Os resíduos de combustível nuclear gerado pelas usinas emitirão radiação prejudicial por centenas de milhares — até milhões — de anos. Cerca de 70 mil toneladas de lixo nuclear estão armazenadas atualmente em 70 locais espalhados por 39 estados dos EUA. Um em cada três cidadãos do país num raio de 80 km de uma detas instalações. Os resíduos, quentes por causa do decaimento radioativo, ficam em piscinas profundas de água ou em “cascos secos” de concreto e aço assentados sobre plataformas reforçadas. Acidentes ou ataques terroristas poderão esvaziar as piscinas o quebrar os cascos, com o risco de que os rejeitos expostos se incendeiam, espalhando fuligem radioativa e afetando a cadeia alimenIlustração por Dave Murray
tar, numa catástrofe semelhante à de Chernobyl. À medida que os anos passam e o lixo segue guardado em piscinas e plataformas abarrotadas, o risco só tende a aumentar. Uma solução satisfatória para essa situação inaceitável vem sendo discutida há mais de 30 anos. A lei sobre Políticas de Rejeitos Nucleares de 1982 criou procedimentos para o descarte permanente de lixo nuclear do país, e levou à escolha, em 1987, da montanha Yucca, um pico estéril no deserto de Nevada, como sítio para um depósito geológico profundo a ser erguido e operado pelo Departamento de Energia dos EUA (DoE). Em Yucca, o combustível residual conservado em recipientes herméticos de aço seria selado dentro de túneis acima do lençol freático para minimizar a corrosão e possíveis vazamentos de material radioativo, mesmo por períodos geologicamente longos. Mas diante da oposição dos cidadãos de Nevada, bem como de incertezas científicas sobre a adequação geológica, o presidente Barack Obama suspendeu o debate em 2010. Hoje o destino do projeto segue no limbo. Além do perigo, a falta de um depósito traz dúvidas sobre a energia nuclear como ferramenta viável de baixa emissão de carbono para mitigar as mudanças climáticas. Caso o projeto Yucca Mountain seja desativado, o DoE buscou uma variada estratégia de manejo de lixo nuclear que inclui planos para consolidar instalações de armazenamento provisório, testes de perfuração profunda como técnica de estocagem de longo prazo, e a criação de protocolos de seleção de locais “baseados em consenso” para obter apoio de prefeituras e estados. Mas com essas medidas não iremos muito mais longe. Especialistas concordam que um depósito geológico é a única solução viável de longo prazo para descarte do lixo nuclear comercial. Criar um depósito subterrâneo é possível, tanto política como cientificamente. A Finlândia mostrou isso ano passado ao aprovar a construção das instalações de Onkalo que deverá se tornar o primeiro depósito geológico para combustível usado quando começar a funcionar na década de 2020. E até nos Estados Unidos, a Usina Piloto de Isolamento de Resíduos Nucleares (WIPP) no Novo México, armazena atualmente resíduos da produção de armas nucleares. (O WIPP não foi planejado nem aprovado para armazenar combustível usado.) Logo outro presidente ocupará a Casa Branca e haverá nova chance de tratar do lixo nuclear. A decisão de encerrar o projeto da montanha Yucca precisa ser revista, e a escolha e caracterização de sítios alternativos precisam ser muito aceleradas. Nesse ínterim, mais resíduos de combustível devem ser levados de piscinas resfriadas para cascos secos, que oferecem melhor proteção. Se a busca de sítios baseada em consenso falhar, o governo precisa exercer o seu poder para vencer a oposição local, em prol do bem comum, e criar um depósito geológico profundo. Quer o próximo presidente ser a favor ou contra a energia nuclear, ele precisa agir com firmeza para evitar envenenar nosso futuro comum. www.sciam.com.br 7
TECNOLOGIA
Design silencioso §øDäÇxÔøx³DäølD³cDäǸlxßD
D`§îD߸øä¸lxlDälîDä David Pogue
Já tentou cancelar um serviço no site de uma empresa? Você procura por todo lado e não encontra a opção Cancelar. É como se tivesse sido escondida de propósito. Você acabou de sentir o poder do design da interface. E à medida que mais objetos do dia a dia tornam-se computadorizados — carros, elevadores, fogões, refrigeradores — os designs de interface bons ou maus (e ardilosos) serão cada vez mais importantes. A era dos smartphones tornou o desafio ainda maior. É extremamente difícil comprimir uma quantidade enorme de aplicativos no espaço limitado da tela. Milhões de pessoas se culpam, confundidas por designs de softwares terríveis. “Acho que sou tapado”, resmungam. “Devo ser uma espécie de ludista.” Mas se o controle não funciona como deveria, ou não fica onde deveria, é claro que não é culpa sua, mas dos designers. É hora de o design de interface adentrar o debate público, e ser visto como algo tão importante quanto os custos ou a assistência ao cliente. Às vezes, opções esquisitas do design são propositais. Não é por acaso que o botão Registrar-se (para novos clientes) costuma ser muito mais visível que o botão Login (para quem já é cliente).
8 Scientific American Brasil | Maio 2016
David Pogue é colunista-âncora do Yahoo Tech e apresentador das minisséries DEL7 na rede pública de tevê PBS.
Mas, em muitos casos — mas muitos mesmo — parece que os designers de interfaces ruins simplesmente não raciocinaram. Por isso, na esperança de fazer essa discussão avançar, eu apresento algumas sugestões sutis para melhorar os designs de softwares. São conselhos para os designers, mas também para todos nós, para serem usados como parâmetro para avaliar a qualidade do trabalho que realizam. ïàUùï¹åmyùå¹àyÕùy´ïymyÿyàD®yåïDàUy®ÿå ÿyåy´¹`y´ïà¹mDïy¨DÎ Ao preencher seu endereço num site, geralmente você é solicitado a escolher o nome de seu país num menu. Se você vive no Brasil, ótimo, letra B, mas se você vive nos Estados Unidos, é preciso antes rolar por centenas de países em ordem alfabética! A internet é uma aldeia global. Mas de longe, o maior número de visitantes on-line vive na China, Índia, e nos EUA. Os nomes desses países não deveriam estar logo no começo do menu? Melhor ainda: por que o campo País não sabe onde você está? (Como os anúncios na internet deixam claro, é trivial para um webdesigner descobrir isso.) `¹´ååï{´`Dÿy®myȹåmDàyÕù{´`DÎLembra-se do organizador de bolso PalmPilot? Naquela telinha, o aplicativo da agenda de endereços exibia um destacado botão Novo, e a opção Apagar estava escondida dentro de um menu. Um engenheiro da Palm me explicou por quê: é mais comum pessoas entrarem na sua vida do que saírem. Usamos a função Apagar só quando alguém morre, se muda ou nos exclui. ®È¹àïD´ïy`¹´ïDà¹åÈDåå¹åÎ Um clique é sempre mais fácil de aprender, e de lembrar, do que vários. Um exemplo clássico: se houver apenas duas ou três opções — digamos, Hibernar, Reiniciar e Desligar — não devem ser colocadas num menu pop-up. Deixe-as visíveis na tela: há espaço. Em geral, menus pop-up, deveriam ser o último recurso, pois ninguém sabe que opções ele contém até que se resolve a clicar. E esse já é outro passo. 0D¨DÿàDååT¹ù´mD®y´ïDåÎGeeks veteranos ainda riem da louca ambiguidade das velhas caixas de diálogo do antigo Windows que mostravam três botões: Abortar, Repetir e Falhar. Adivinha? Seus descendentes estão aí. Eu apostaria uma grana alta que muitos usuários do Windows ainda ficam confusos diante das opções OK ou Aplicar nas caixas de diálogo — qual é a diferença? As palavras também são importantes em outras situações: um desenho vale mais que mil palavras, mas não quando se trata de um ícone que mostra um rabisco críptico sem nenhuma legenda. Gente! Rotulem seus ícones com palavras. Muitos programadores são melhores em codificar do que em escrever, e tudo bem. Mas alguém que sabe escrever melhor do que codificar poderia dar uma boa olhada nisso, antes de se dar o software por terminado. Aqui estão quatro dicas para melhorar os designs de interface. Na próxima vez que se sentir frustrado diante de um aparato tecnológico lembre-se: fique fora disso. Pode não ser culpa sua.
Frank von Hippel é pesquisador sênior em física e professor emérito de relações públicas e internacionais do Programa sobre Ciência e Segurança Global da Universidade de Princeton.
Chernobyl não matou a energia nuclear `lx³îxDÇx³Dä`¸³îßUøøÇDßDî¸ß³E§DøD ¸ÇcT¸Ç¸§z`D`¸³îßDDäølD³cDä`§Eî`Dä Frank von Hippel
À 1:24 h, de 26 de abril de 1986, explosões estouraram a tampa e o teto da unidade 4 do reator nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, na ex-União Soviética, espalhando material radioativo na atmosfera. O fluxo, produzido por um incêndio dentro do núcleo do reator, se espalhou em todas as direções por mais de uma semana. No final, uma área de 3.110 km2 estava contaminada por césio 137, num nível tão alto que exigiu evacuação. Superficialmente, parece razoável concluir que o medo gerado pelo desastre indispôs a opinião pública com a energia nuclear — com tanto vigor que mesmo três décadas depois, há sérias dúvidas se ela poderia ser uma opção importante aos combustíveis fósseis que ameaçam o clima. Nos 15 anos antes do acidente, 20 novos reatores, em média, começaram a funcionar a cada ano. Cinco anos depois, a média caiu para quatro por ano. Mas a história é mais complexa. Os efeitos sobre a população, embora importantes, não foram devastadores. Para além da área evacuada, estima-se que a radiação causará dezenas de milhares de casos de câncer por toda a Europa por mais de 80 anos. Pode parecer muito, mas é apenas um acréscimo imperceptível na taxa geral de incidência de câncer. Com exceção do câncer de tireoide, causado pela ingestão de iodetos radioativos: houve epidemias perceptíveis (felizmente, com apenas de 1% a 2% de casos fatais) nas regiões mais afetadas da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia. No entanto, apesar do número previsto de mortes por câncer após os desastres de Chernobyl e da usina de Daichi, em Fukushima, em 2011, a energia nuclear ainda parece mais segura que o carvão, se vista pelo número médio de óbitos por unidade de enerIlustração de Ross MacDonald
FÓRUM
FRO N T E IR A S DA C IÊ N C I A C OM E N TA DA S P O R E S PE C I A LI S TA S
gia elétrica gerada. Segundo um estudo de 2010 do Conselho Nacional de Pesquisa, se em 2005 os 140 reatores nucleares dos EUA à época tivessem sido substituídos por usinas a carvão, o aumento da poluição do ar teria causado milhares de mortes prematuras a mais, anualmente. Porém, as pessoas temem mais o impacto a longo prazo da radiação do que os efeitos da poluição do ar. Uma pesquisa sobre o bem-estar da população ucraniana, 20 anos após Chernobyl, mostrou que uma dose extra de radiação, equivalente a uma exposição ao background natural por um ano, associava-se a menor satisfação com a qualidade de vida, a mais diagnósticos de transtornos mentais e à redução na expectativa de vida subjetiva. Tais medos contribuíram para a queda na construção de novas usinas pós-Chernobyl, mas houve outras razões. Praticamente na mesma época do acidente houve uma freada no crescimento do consumo de eletricidade em países desenvolvidos, porque o preço se estabilizou. Em 1974, a Comissão de Energia Atômica dos EUA projetava para 2016 uma demanda equivalente à energia produzida por quase três mil grandes reatores. Hoje, apenas 500 dessas usinas gerariam toda eletricidade que consumimos em média, embora uma capacidade maior possa ser necessária nas horas de pico. Outra razão é que, ao contrário das alegações dos anos 1950 de que a energia nuclear seria “barata demais para ser medida”, ela é cara. Os custos dos combustíveis são baixos, mas os de construção, enormes. Em especial na América do Norte e na Europa: de US$ 6 bilhões a US$ 13 bilhões por reator. Essa despesa se deve, em parte, à inclusão de padrões de segurança mais rigorosos, mas também ao fato de que, com menos usinas em construção, há menos tra-balhadores capazes de construí-las, levando a atrasos onerosos para corrigir erros. Hoje, o futuro está principalmente nas mãos da China. Cerca de metade dos reatores em construção desde 2008 ficam lá, e a indústria nuclear chinesa está propondo projetos em outros países. Contudo, a taxa de construção chinesa ainda está muito abaixo da dos EUA e da Europa Ocidental nos anos 1970, enquanto o consumo mundial de eletricidade triplicou. A Agência Internacional de Energia projeta que em 2040 o percentual nuclear na geração de eletricidade na China será apenas 10%. Logo, a energia nuclear tornou-se um ator útil, porém, relativamente pouco relevante, na escala necessária para que a humanidade abandone combustíveis fósseis. Chernobyl prejudicou seus projetos, mas não foi a única razão para o declínio da tecnologia. www.sciam.com.br 9
INFORME PUBLICITÁRIO
ED. 04 - MAIO 2016
Brasil quer estar no patamar de pesquisas de ponta contra Zika
O
governo lançou, em março, as ações do eixo de desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa do Plano Nacional de Enfrentamento ao Aedes aegypti e à Microcefalia, com recursos de quase R$ 1,2 bilhão. Os recursos serão aplicados em cinco frentes: diagnóstico; controle vetorial; vírus zika e relação com doenças e agravos, como microcefalia e síndrome de Guillain-Barré; desenvolvimento de vacinas e tratamentos, a exemplo de um contrato de R$ 200 milhões estabelecido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Ministério da Saúde (MS) com o Instituto
Butantan para imunização à dengue; e inovação em gestão de serviços de saúde, saneamento e políticas públicas. Vinte editais para financiamento de pesquisas serão lançados. Estão previstos R$ 305,8 milhões para 2016, R$ 162,2 milhões para 2017 e R$ 136,2 milhões para 2018. Para os anos seguintes, o plano prevê R$ 44,9 milhões para custear toda a duração de bolsas de doutorado e pós-doutorado, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC).
Eixo de enfrentamento As medidas começaram a ser discutidas no fim de 2015 no MCTI, em parceria com o MEC, MS, Casa Civil, BNDES, Capes, CNPq, Finep, institutos e pesquisadores. São parte de um projeto ímpar, que vai colocar o Brasil em um patamar de pesquisa de ponta, na área de combate à zika, à dengue, à chikungunya e seus vetores. Os resultados desse eixo de enfrentamento vão permitir ao governo brasileiro proteger, com mais eficácia, a saúde da nossa população.
INFORME PUBLICITÁRIO
A
lei que aumenta os percentuais de adição de biodiesel vegetal ao óleo diesel fóssil, usado como combustível para vários tipos de veículos, foi sancionada pelo governo. O índice da mistura passará dos atuais 7% para 8% até 2017, com o incremento de um ponto percentual a cada 12 meses. Com isso, o índice passará para 9% até 2018 e para 10% até 2019, podendo chegar a até 15%, mediante testes. A medida representa uma garantia de demanda para o Brasil, segundo maior mercado consumidor de biodiesel do mundo. Essa nova lei representa avanços importantes para o país em muitos setores como a agricultura familiar, a agricultura comercial, as usinas produtoras de biodiesel, o consumidor e o meio ambiente. A expectativa é que a flexibilidade de
A
previsão do tempo é uma ferramenta importante para uma série de atividades. Seja para agricultores planejarem plantios e colheitas de culturas, seja para prevenir possíveis desastres naturais nos perímetros urbanos. Os meteorologistas buscam, então, fazer previsões cada vez mais precisas para dar subsídios exatos para a população. Para tanto, se valem de softwares e códigos computacionais complexos. Um deles é o Brazilian Developments on the Regional Atmospheric Modeling System (Brams), desenvolvido pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe/MCTI). Com a nova versão, recentemente disponibilizada, a Brams 5.2, é possível fazer previsões mais precisas em toda a extensão da América do Sul. O principal diferencial desse sistema, de acordo com o pesquisador do Cptec Saulo Freitas, é que ele unifica os modelos de previsão do tempo e da qualidade do ar que a instituição utiliza atualmente. Outro ponto é que o Brams 5.2 permite uma avaliação simultânea do impacto das queimadas no ciclo de carbono. Em resumo, a ferramenta contabiliza fatores físicos, químicos e o ciclo de carbono para prever o clima.
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combinação acarrete preços mais baratos para o combustível. O Brasil assumiu compromissos ambiciosos na última Conferência do Clima, a COP 21, em Paris, tanto para a redução de emissões quanto para a ampliação das energias renováveis na matriz energética nacional. A nova lei vai ajudar o país a cumprir esses compromissos. Biodiesel, combustível renovável e biodegradável O biodiesel pode ser produzido a partir de plantas como o pinhão-manso e a palma. Atualmente, a soja é uma fonte de energia renovável que produz menos danos ambientais. Ele também pode ser produzido a partir de gordura animal.
“Por incluir processos físicos e biogeoquímicos mais realisticamente representados e integrados consistentemente em um único sistema de modelagem, temos condições de fazer uma previsão climática mais precisa. Esse sistema unifica diversos módulos, trazendo um sistema de modelagem de processos na atmosfera totalmente consistente, incluindo retroalimentações entre a superfície, atmosfera e biogeoquímica. Por isso, chegamos ao estado da arte”, explicou Saulo Freitas. “Isso significa que o Brasil está no estágio mais avançado da previsão climática.” Do menor para o maior Segundo o pesquisador, o Brams 5.2 permite uma avaliação mais regionalmente localizada das condições climáticas. É possível fazer previsões para áreas de até cinco quilômetros com antecedência de um dia. Já as análises mais completas – que levam em conta os fatores biogeoquímicos – servem para áreas de resolução de 20 quilômetros para um período de mais de três dias de antecedência. Juntando todas essas informações, é possível montar um mosaico de previsão climática para toda a América do Sul. A questão da delimitação da área é fundamental para a previsão do tempo. Isso porque quanto maior a área, maior a possibilidade de variação de cenários.
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AVANÇOS
Os leões do Parque Nacional Serengeti são considerados a única grande população no Leste da África que não está em declínio. 12 Scientific American Brasil | Maio 2016
C O N Q U I S TA S E M C IÊ N C I A , T E C N O LO G I A E M E D I C IN A
NÃO DEIXE DE LER
• Onde encontrar meteoritos em casa • Sete experiências de carona no maior foguete da Nasa • O meteorologista responsável pelo Monte Everest • Uma tumba no Tibete revela um trecho antes desconhecido da Rota da Seda
CONS ERVA Ç Ã O
Leões no limite
MICHAEL NICHOLS Getty Images
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AVANÇOS
Se os gestores na África tivessem a mesma verba que o Parque Nacional Yellowstone, poderiam bancar populações médias de leões não cercados com dois terços de seu tamanho potencial, um passo à frente do status quo atual mente extintas). Os leões também não vão bem no Leste da África; lá, a população do Serengeti é o único grande grupo para o qual há previsões otimistas. A estimativa conservadora é de 67% de chance de que a população de leões do Oeste da África caia à metade em 20 anos, e de 37% para o Leste da África. A análise também revelou um lampejo de esperança: a maioria dos leões na região sul está prosperando. Nessa parte do continente, “é bem provável que as populações sobrevivam”, diz Craig Packer, da Universidade de Minnesota, que orientou o estudo, recentemente publicado em Proceedings of the National Academy of Sciences USA. Por quê? Ou eles vivem em desertos tão inóspitos, onde humanos representam poucas ameaças, ou vivem em parques e reservas cercados. Mesmo pequenas reservas cercadas têm valor de conservação, segundo Peter A. Lindsey, da organização de conservação Panthera, que não participou do estudo. “Qualquer área que conseguirmos colocar sob proteção pode contribuir para a conservação. Quanto mais, melhor”, diz. As cercas permitem aos leões e outros animais selvagens sobreviver em fragmentos de terra nos quais, de outra maneira, seria impossível preservar grandes mamíferos, pois elas evitam conflitos com humanos, rebanhos e agricultura. Em vários lugares, a única razão pelo qual as áreas de conservação podem servir para restaurar as populações de alguma forma é porque foi assegurado às comunidades locais que essas barreiras vão mantê-las seguras. Mas nem todos os biólogos creem que as cercas sejam a tábua de salvação. Leões confinados fazem apenas “contribuições limitadas à funcionalidade do ecossistema”, escreveram Bauer e seus colegas no estudo. Será que as cercas fazem da paisa14 Scientific American Brasil | Maio 2016
gem um tipo de zoológico embelezado, e dos leões, uma atração turística cara? Se a área cercada for grande — o Parque Nacional Kruger, na África do Sul, cercado em sua maior parte, tem quase a área de Nova Jersey — então os leões ainda podem agir como predadores de topo e regular o ecossistema, controlando populações de antílopes, búfalos e outros ungulados, o que ajuda a manter as comunidades vegetais. Apesar de suas fronteiras artificiais, “ninguém duvida de que o Kruger seja um ecossistema real, com processos reais de ecossistema nele”, diz Packer. A maioria das áreas cercadas é bem menor. “Se você restringe a vida selvagem em áreas pequenas, cercadas e abrigadas, precisa geri-las de forma intensiva, porque a dinâmica da população parece endoidecer um pouco”, diz Lindsey. “E os motivos para isso não são bem entendidos.” A gestão intensiva pode incluir a implantação de contraceptivos hormonais nas fêmeas para evitar superpopulação, assim como a captura e a remoção de indivíduos para outras reservas, para reforçar a diversidade genética. Se novos genes não forem inseridos com regularidade num grupo pequeno, ele corre o risco de endogamia, que pode causar colapso populacional. Esse envolvimento ajuda, mas não é uma panaceia. “A comunidade de leões como um todo precisa lidar, de forma realista, com nossas prioridades e com as prioridades das comunidades locais”, diz Andrew Jacobson, pesquisador do Instituto de Zoologia. Uma cerca seria inviável, por exemplo, em locais onde impedisse animais de migrar, como o gnu, que todos os anos segue as chuvas pelo Serengeti. Qualquer que seja o “lado da cerca” que escolham, a maioria dos pesquisadores concorda que o futuro dos leões depende mais dos dólares do que de cercas. Mui-
tos parques e reservas africanos sofrem por falta de recursos. Segundo uma análise de Packer de 2013, é mais barato cuidar de leões em reservas cercadas, por cerca de US$ 500 por km2 (sem contar o alto custo de instalar a cerca, em primeiro lugar), do que em áreas abertas, onde US$ 2 mil permitem apenas gerir uma população igual à metade de sua densidade potencial. Mas uma avaliação feita pelo pesquisador da Universidade Estadual de Montana, Scott Creel, descobriu que, dólar por dólar, gastar em áreas não cercadas ajuda mais leões individualmente. De fato, se os gestores na África tivessem tanta verba quanto o Parque Nacional Yellowstone, cerca de US$ 4.100 por km2, poderiam bancar populações médias de leões não cercadas com quase dois terços de seu tamanho potencial, um passo à frente do status quo atual. Apesar da utilidade do ecoturismo e da caça de leões para a conservação em geral, apenas uma fração dessa renda costuma ficar disponível para gestores de vida selvagem. Nos locais onde a ecologia impede as cercas, o dinheiro é essencial para incentivar os habitantes a tolerar os custos de coexistir com grandes carnívoros, tais como perder gado para leões famintos ou impedir o rebanho de pastar em terras protegidas. De fato, se suas presas são expulsas pelo pasto dos rebanhos, os leões não terão opção além de passar a gostar de bois. Isso levaria a mais matanças retaliatórias, e os leões seriam pressionados por dois lados, já que sofrem tanto pelo conflito direto com humanos quanto por ter menos o que comer. Alguns ecossistemas se beneficiarão de cercas, enquanto outras populações precisarão de projetos de mitigação de conflitos, mas todos os esforços demandarão mais dinheiro. Os últimos insights indicam um caminho: leões ainda podem ter um lar na África, no futuro, se a comunidade internacional estiver disposta a bancá-lo. “Caso se possa elevar o financiamento para áreas protegidas da África”, diz Lindsey, “não há razão para que elas não possam abrigar muito mais leões.” –Jason G. Goldman
NU T R IÇÃO
Um toque no hambúrguer de cogumelo C IÊ NC I A D O CI DA D Ã O
Chuvas de abril trazem meteoritos de maio ³`¸³îßxÇxlDc¸äl¸xäÇDc¸x`DäD $xîx¸ßî¸äßD³lxääT¸ßD߸äjDääøDä þxßäÆxäx³DîøßD³¸äU¸UDßlxDäx ÇDßDßÍ %DäDxäîDÔøx`xß`Dlx¿ććlx ǸxßDxÇxlßDäxäÇD`DälxþE߸älFxî߸ä Dî³¥DD5xßßDî¸l¸lDÍÙ3xþ¸`zUøä`D߸ä Ôøxîz¸îDD³¸lxøDU¸§³Dlxølxj pode encontrar um a cada kmö da superfície lD5xßßDÚjlą¸Däî߸³DøîDx`DcDl¸ßlx xîx¸ßî¸ä2`DßlDß߸îîÍÙ1øD³l¸äx ßxløą¸îDD³¸ÇDßD¸lxøßT¸lxDß߸ąj x§xääT¸øî¸`¸ø³äÍÚ x
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ù³`¸DääDølEþx§ 7DlDäD¸ßxäxĀÇxßz³`Dä`x³î cas nas escolas americanas este ano D`¸³îx`xø³T¸xøDǧD`Dlx0xîßj Dä³øU
xÍ ¸³þyälxDUùßøxßxä só de carne, os estudantes em mais de 300 distritos escolares em todo o país þz`¸x³l¸Ù $äîøßDÚjøDE§DD lx`Dß³xx`¸øx§¸Í Essa mistura tem suas raízes em uma ³`DîþDlxÙäDU¸ßxääDølEþxäÚjl¸ø§ ³Dßā³äîîøîx¸
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cios nutricionais convenceram os distritos xä`¸§DßxäjÔøxÇßx`äDäxøßÇDlßÆxälx äDùlx³D`¸³DäjDîxäîDßDäîøßDÍ0¸ß xĀxǧ¸j³¸ù§î¸¸ø¸jD
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AVANÇOS FA ZE N D O N OT Í CI AS
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O governo francês anunciou que vai “pavimentar” À ®¨ Õù¨»®yïà¹å my ÿDå ÈùU¨`Då `¹® ÈD´zå 幨DàyåÎ Instaladas nos próximos cinco anos, as ruas high-tech poderão fornecer eletricidade a cerca de 8% da ȹÈù¨DcT¹ m¹ ÈD åÎ
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Poucos indivíduos jamais alcançarão o Monte Everest, mas o estúdio Sólfar, de àyD¨mDmyÿàïùD¨jÕùyDÈà¹ā®Dà®DåÈyåå¹DåmDyāÈyà{´`DÎ%yåïDÈà®DÿyàDjD empresa vai lançar um software para fones de ouvido de realidade virtual que ¹yày`yù®Dïà¨Dåy®Èyà¹Dïz¹È`¹®DåD¨ï¹m¹®ù´m¹Î
ESPA Ç O
Anunciados passageiros para o maior foguete da Nasa öć¿}j¸3ÇD`x"Dø`3āäîxÉ3"3Êj¸
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øîøßDäxäÇDc¸³DþxäÍ Projeto do Centro de Voo Espacial Marshall, da Nasa, e do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa
16 Scientific American Brasil | Maio 2016
BIOSENTINEL äîxøUx3DîþD§xþDßäxßxäþþ¸äD§ylD ¹ßUîDUDĀDD¸ßxl¸ßlD5xßßDÇx§DÇßxßD þxąlxälx¿´èöi§xþxløßDäÍøßD³îx¿} xäxäjþE߸ääx³ä¸ßx丳î¸ßDßT¸¸îǸx D³îx³älDlxlDßDlDcT¸x³`¸³îßDl¸äjx D³D§äDßT¸¸xäîDl¸lD§xþxløßDÍ xĀǸä cT¸KßDlDcT¸yøl¸ä¸UäîE`ø§¸äKää äÆxäîßÇø§DlDäÔøxxäîT¸Ç¸ßþßjÇDßDlxä äDäläîD³îxäjîDä`¸¸$DßîxÍ Projeto do Centro de Pesquisa Ames, da Nasa
CUSP (CUBESAT PARA ESTUDAR PARTÍCULAS SOLARES) ääDxäîDcT¸xîx¸ß¸§¹`Dþx`DßßxDlD `¸øD³xîºxî߸jøxäÇx`îß¹ßD
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xîDD5xßßDÍ Projeto do Centro de Voo Espacial Goddard da Nasa e do Instituto de Pesquisa do Sudoeste LUNAR ICECUBE 1øD³l¸¸ßUîDßD"øDj¸"ø³Dß`xøUxþD realizar o mais completo escaneamento do äDîy§îx³DUøä`DlxEøDÍ'øîßDä丳lDä
CORTESIA DE NASA MARSHALL SPACE FLIGHT CENTER (concepção artística)
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A RQUEO LO GI A
A Rota da Seda se dirige às montanhas
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Kashi (Kashgar)
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Changan (Xi’an) Mausoléu de Han Yangling
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CUBE QUEST CHALLENGE TOURNAMENT WINNERS (VENCEDORES DO TORNEIO DE DESAFIOS CUBE QUEST) öć¿èjîßzäääÆxääxßT¸xä`¸§lDäD ÇDßîßlx³ä`ßcÆxäÇ߸ǸäîDäǸßDxß`D ³¸ä³T¸§Dl¸äK%DäD¸øD¸øîßDäDz³ `Dä¸þxß³Dx³îDäÍ3xßT¸ÇßxDlDäDä xÔøÇxäÔøxx³îßDßx³D¹ßUîD§ø³DßjþD ¥DßxÇDßDD䧸³x³¸xäÇDc¸¸øD³ îþxßxD`¸ø³`DcT¸D䧸³D`¸D 5xßßDÍJennifer Hackett Mapa de Mapping Specalists
FONTE: “EARLIEST TEA AS EVIDENCE FOR ONE BRANCH OF THE SILK ROAD ACROSS THE TIBETAN PLATEAU”, POR HOUYUAN LU ET AL. EM SCIENTIFIC REPORTS, VOL 6, ARTIGO NÚMERO 18955. 7 DE JANEIRO DE 2016
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Sítio arqueológico Rota da Seda, caminho principal Ramo Possível ramo
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CIÊNCIA DA SAÚDE
O paradoxo da medicina de precisão As primeiras tentativas de individualizar îßDîDx³î¸äøäD³l¸% ¸UîþxßD äø`xää¸äDUø¸äjx§xþD³îDlùþlDää¸Ußx ³`DîþDÔøxßEÇø§ä¸³DßÇxäÔøäDä Jeneen Interlandi
A medicina de precisão nos parece um bem incontestável. Ela começa com a observação de que a constituição genética das pessoas é bastante variável, e logo as doenças e respostas aos tratamentos também diferem. Ela busca descobrir o remédio certo, para o paciente certo, no momento certo. O conceito, é lógico, tem seus adeptos entre os especialistas clínicos. Mas para cada um destes, há em contrapartida alguém que crê que os esforços para chegar à medicina de precisão são uma perda de tempo e de dinheiro. Com uma iniciativa de medicina de precisão multimilionária custeada pelo governo em andamento, intensificou-se o debate sobre se essa abordagem poderá mesmo, assim como promete, revolucionar a saúde pública. 18 Scientific American Brasil | Maio 2016
Jeneen Interlandi é jornalista freelance especializada em assuntos ambientais e de saúde.
Peça aos cientistas favoráveis à medicina de precisão um exemplo de sucesso e é provável que citem o ivacaftor, um novo fármaco que melhorou os sintomas de um grupo muito pequeno e específico de pacientes com fibrose cística. A patologia é causada por qualquer uma de várias falhas possíveis na proteína que regula a entrada e saída de moléculas de sal nas células. Um defeito impede que a proteína chegue até a superfície da célula para poder transportar as moléculas de sal de um lado para outro. O ivacaftor corrige essa falha, que pode ser causada por uma série de mutações genéticas diferentes e é responsável por quase 5% dos casos do mal. Os testes genéticos revelam quem pode se candidatar ao tratamento. A Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos acelerou o desenvolvimento do ivacaftor há alguns anos, e o fármaco tem sido aclamado como a essência da promessa da medicina de precisão. De fato, quando o presidente Barack Obama anunciou o lançamento do programa de medicina de precisão financiado pelo governo, em janeiro de 2015, ele também louvou o ivacaftor: “Em alguns pacientes com fibrose cística, essa abordagem reverteu a doença, até então considerada imbatível”. Depois, Obama declarou que a medicina de precisão “traz oportunidades para avanços novos da medicina como poucas vezes vimos”. Agora, peça aos críticos um exemplo que mostre por que a medicina de precisão está destinada ao fracasso, e eles, provavelmente, também citarão o ivacaftor. O fármaco levou décadas para ser desenvolvido, tem um custo anual de US$ 300 mil por paciente, e não funciona em 95% das pessoas com mutações diferentes daquelas em que o efeito do ivacaftor é benéfico. E um artigo recente do New England Journal of Medicine mostrou que, no caso do ivacaftor, os benefícios no tratamento de pacientes-alvo comparavam-se aos de outros três tratamentos de tecnologia muito inferior e muito aplicados: altas doses de ibuprofeno, solução salina em aerossol e o antibiótico azitromicina. “Essas inovações fazem parte de pequenas melhorias incrementais no tratamento (de fibrose cística) que aumentaram de forma significativa as taxas de sobrevivência nas últimas duas décadas”, diz Nigel Paneth, pediatra e epidemiologista da Universidade do Estado de Michigan. “Custam uma fração dos medicamentos de alta tecnologia, e funcionam em todos os pacientes.” O mesmo paradoxo se aplica a quase todos os exemplos encontrados na medicina de precisão: para os clínicos, o uso do genótipo do paciente para determinar a dose certa do fármaco anticoagulante varfarina foi considerado uma dádiva divina, até que estudos mostraram que a abordagem não era melhor do que o uso de medidas clínicas em desuso como idade, peso e gênero. O fármaco Glivec foi aclamado como um símbolo da terapia alvo de câncer, por reduzir o tamanho de tumores em vários portadores de leucemia com uma mutação tumoral muito específica. Mas, depois, muitos tumores desenvolveram novas mutações que os tornaram resistentes à droga, e o câncer reincidiu. O resultado do Glivec Ilustração por Lorenzo Gritti
CIÊNCIA DA SAÚDE
para os pacientes foi apenas um pouco mais de sobrevida — alguns meses aqui, um ano ali — mas não alterou o resultado final. O debate se fundamenta no Projeto Genoma Humano, um esforço de 13 anos, e US$ 3 bilhões (em valores de 1991) para sequenciar e mapear todo o conjunto dos genes humanos. A partir desse trabalho, os cientistas criaram um atalho para associar variantes de genes a males específicos, usando o mínimo de sequenciamento possível. O atalho, conhecido como Estudos de Associação Genômica Ampla (GWAS, em inglês) envolveu o exame de trechos selecionados de todo o genoma para verificar quais eram sistematicamente diferentes em pessoas portadoras de certas patologias e em outras saudáveis. Na esperança de tirar a sorte grande com novas drogas alvo, as empresas farmacêuticas investiram pesado no GWAS. Mas a abordagem mostrou ser incapaz de identificar as raízes genéticas dos males. Um estudo após outro revelava vários grupos de variantes genéticos, sendo que qualquer um poderia predispor a pessoa a uma doença. Na maioria dos casos, essas variantes, quando muito, pouco almentavam ou diminuíam o risco. Os resultados lançaram uma pá de cal na possibilidade de estudar a variabilidade genética para desenvolver terapias alvo em grande escala. Os defensores argumentam que o problema não está na exploração das diferenças genéticas em si, mas no escopo limitado do GWAS. Em vez de procurar alguns tipos de variantes de genes comuns associados à doença, os pesquisadores devem examinar o genoma inteiro: seis bilhões de nucleotídeos. E precisam analisar esses dados junto com outras informações, desde o histórico familiar até os micróbios que habitam o corpo (o microbioma) e as alterações químicas do DNA que afetam a atividade de genes individuais (o epigenoma). Comparando todos os dados do maior número possível de pessoas, poderão estabelecer uma correlação precisa entre os variantes genéticos e as patologias associadas, definir a melhor forma de identificar os variantes e formular tratamentos. A iniciativa de medicina de precisão que o presidente Obama anunciou ano passado tem esse objetivo exato. Sua peça central é um exército de um milhão de pessoas, das quais todos os dados possíveis, incluindo genoma, microbioma e epigenoma, serão coletados e inseridos numa base de dados gigantesca, a qual poderá ser acessada por cientistas para gerar estudos e análises em série. Para entender como se espera que esses dados ajudem os cientistas, veja-se o exemplo da varfarina. A velocidade de metabolização ou a capacidade de a pessoa metabolizar uma droga são parâmetros que deveriam facilitar a prescrição da dose ideal para o indivíduo e, portanto, deveria levar a melhores resultados. Por que isso não ocorreu? A alimentação ou outros fatores podem ter influenciado? Os cientistas não sabem, mas com um exército de um
milhão de pessoas, acreditam que vão descobrir. “Garanto que, entre eles, haverá algumas dezenas de milhares de usuários (da varfarina)”, diz Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde. “Com tantas pessoas, você poderá dizer, ‘bem, na verdade, parece que ajuda muito esse subgrupo, mas pode ser que ele tenha uma alimentação diferente’”. Além disso, observa, entenderemos melhor as sutilezas que fazem o tratamento funcionar ou não. Adeptos e críticos concordam que os desafios serão imensos. Será necessário integrar terabytes de dados dispersos em bancos de dados com conteúdo e qualidade variáveis. E não é fácil estocar sangue e de tecidos de um milhão de pessoas, em especial se as amostras forem coletadas em intervalos regulares. Se a iniciativa for bem-sucedida — se os cientistas encontrarem traços confiáveis de uma patologia e depois criarem tratamentos com base nesses indicadores — os médicos ainda terão de se tornar fluentes nessa nova linguagem. A maioria não sabe interpretar os testes genéticos existentes, nem há uma boa proposta para treiná-los. Em teoria, a medicina personalizada poderia agir como a Netflix ou a Amazon. Elas sabem de cada filme e livro que você comprou e com base nessas informações podem prever o que é provável que adquira na próxima vez. Se seus médicos dispusessem desse tipo de dado — não sobre suas compras, mas como você vive, quais suas predisposições genéticas e que micróbios povoam sua pele e intestinos — então talvez a cura possa aparecer, tal como as sugestões de filmes. Parece justo dizer que vai demorar até que a ciência possa oferecer tratamentos personalizados para as massas, se é que conseguirá. A questão é: devemos tentar? Embora a medicina de precisão possa fazer sentido para pessoas com males difíceis e caros de tratar, os críticos dizem que, em geral, as abordagens mais simples são melhores, porque mais baratas e benéficas para muito mais gente. “Digamos que se descubra um fármaco (com alvo bem definido) que reduza o risco de diabetes em dois terços”, diz Peneth. “Custaria cerca de US$ 150 mil (por ano, por pessoa). Um programa focado em alimentação e exercícios teria o mesmo efeito. A expectativa de vida subiu uma década nos últimos 50 anos. E esse ganho não se deveu ao DNA. Foi o aprendizado sobre tabagismo, dieta e exercícios. Coisas fora de moda.” No final, esse projeto ambicioso pode fazer mais sentido como esforço de pesquisa do que como iniciativa de saúde pública. A cada dia aprendemos mais sobre as interações de diferentes variantes genéticos que causam as doenças. E é natural e desejável que se comece a juntar essa informação de forma sistemática. Mas a sociedade não deve esperar que esses esforços possam transformar de forma expressiva a medicina num futuro muito próximo.
Teoricamente, D®ym`´D Èyàå¹´D¨ĆDmD ȹmyàDù´`¹´Dà `¹®¹D%yïā e a Amazon.
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DESAFIOS DO COSMOS
Salvador Nogueira é jornalista de ciência especializado em astronomia e astronáutica. É autor de oito livros, dentre eles HkceWe _dÒd_je0FWiiWZe[\kjkheZWWl[djkhW^kcWdWdWYedgk_ijWZe[ifWe e ;njhWj[hh[ijh[i0EdZ[[b[i[ije[YeceWY_
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A controvérsia da superterra superquente ¸äîxäx³ĀxßDßDßxD§lDlxäUx l
xßx³îxäxD³`ß Salvador Nogueira
Nem bem começou, a caracterização de exoplanetas – ou seja, o estudo das propriedades desses mundos distantes a orbitar outras estrelas que não o Sol – já está causando controvérsias. O alvo em questão é o planeta mais interno a orbitar ao redor da estrela 55 Cancri A. Descoberto em 2004, esse planeta, que tem cerca de duas vezes o diâmetro da Terra e aproximadamente 8,5 vezes sua massa, completa uma volta em torno de sua estrela – que por sua vez é similar ao Sol, do tipo G – em apenas 18 horas. Por sua órbita curta, rasante, é certamente inabitável. Mas também é um ótimo alvo para estudos que tentem caracterizá-lo. Pois bem. Em 28 de novembro do ano passado, um grupo de pesquisadores encabeçado por Angelos Tsiaras, do University College, em Londres, submeteu um artigo ao Astrophysical Journal em que alegava ter feito a primeira detecção da atmosfera dessa superterra, graças a observações colhidas pela câmera WFC3, instalada a bordo do telescópio espacial Hubble. Ao “encaixarem” as observações com uma série de modelos, os pesquisadores alegam ter identificado no planeta, conhecido 20 Scientific American Brasil | Maio 2016
como 55 Cancri e (e recentemente nomeado Janssen pela União Astronômica Internacional), uma atmosfera em que predominam hidrogênio e hélio, similar à dos planetas gigantes do nosso Sistema Solar. Além disso, havia sugestão de uma pitada de cianeto de hidrogênio, ainda a ser confirmada. Seria a primeira observação espectroscópica de uma superterra, não fosse por um detalhe: um estudo publicado subsequentemente, feito por Brice-Olivier Demory, do Cavendish Laboratory, em Cambridge, e seus colegas, parece descartar por completo a detecção. Ele foi recebido pela revista Nature em 27 de agosto do ano passado, antes, portanto, do outro estudo britânico (embora tenha sido publicado depois, em 30 de março deste ano), e faz uso do telescópio espacial de infravermelho Spitzer. Os pesquisadores lançaram mão da instrumentação do satélite da NASA para produzir um mapa de temperaturas do planeta em seu lado iluminado pela estrela e em seu lado escuro. (Por estar muito perto de seu sol, esse planeta certamente mantém sempre o mesmo hemisfério voltado para o astro central, do mesmo modo que a Lua mantém sempre a mesma face voltada para a Terra.) O resultado indica que a temperatura no lado claro está em torno dos 3.000 graus Celsius, enquanto o hemisfério escuro fica em torno dos 1.600 graus. O trabalho parece suportar medições anteriores que sugeriam a presença de vulcanismo intenso no planeta, mas parece refutar a hipótese de uma atmosfera dominada por hidrogênio e hélio, pois se ela existisse haveria distribuição muito mais eficiente de calor entre os lados claro e escuro do planeta. Quem tem razão? Demory está apostando no seu trabalho, pelo simples fato de que ele não depende de modelagem para ser interpretado – trata-se de medições diretas. “Elas claramente nos dizem que o planeta é ineficiente na recirculação de calor do lado diurno para o noturno, o que descarta a presença de uma atmosfera grande.” É a palavra final? Ainda não. Precisamos nos lembrar de que esses são os primeiros passos efetivos na tentativa de caracterizar exoplanetas. Tanto Hubble como Spitzer estão trabalhando no limite de sua capacidade para gerar dados a partir dos quais os cientistas podem extrapolar suas conclusões. Apenas a próxima geração de telescópios espaciais e em terra poderá dizer com alguma confiança quem tem razão. Em particular, o telescópio espacial James Webb, que a Nasa pretende lançar em 2018, poderá bater o martelo a respeito da natureza da atmosfera de 55 Cancri e.
NASA/JPL-CALTECH
Concepção artística do planeta 55 Cancri e, uma superterra com duas vezes o diâmetro do nosso planeta, a cerca de 40 anos-luz do Sistema Solar.
ASTROFOTOGR AFIA
CÉU DO MÊS
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Mercúrio transita pelo disco solar
RODRIGO GUILHERME CARVALHO MELO
x³ºx³¸jÔøxxĀx`ølDl¸äxäÇx`DäÇDßDäx߸UäxßþDl¸j äxßEþäþx§³¸ ßDä§l¸`¸xc¸D¸ Observação celeste costuma ser algo que fazemos à noite. Mas vamos subverter a regra geral no dia 9 deste mês, por uma ocasião especial – o trânsito do planeta Mercúrio pelo disco solar. Para quem não está familiarizado com o fenômeno, é como se fosse um minieclipse, similar aos detectados pelos satélites caçadores de planetas em outras estrelas. Com duas diferenças importantes: este se dá em nosso próprio Sistema Solar e não resulta apenas numa medição da quantidade de luz da estrela que chega até nós – é possível observar um pequeno pontinho preto, Mercúrio, se deslocando à frente do Sol. Do ponto de vista da Terra, somente dois planetas podem transitar à frente do Sol: Mercúrio e Vênus. Entre os dois, o fenômeno mais raro é o do trânsito venusiano, vísivel somente um par de vezes a cada século. Já a passagem de Mercúrio pelo Sol acontecerá 14 vezes só no século 21. Duas já foram, em 2003 e 2006. A próxima será em 2019. O fenômeno será visível de todo o território nacional, do início até o fim. Ele começa às 8h12 (com diferença de mais ou menos dois minutos, de acordo com a localização de onde se observa) e termina às 15h42 (de novo, com variação de dois minutos para mais ou para menos). Observar um trânsito de Mercúrio é mais difícil que um de Vênus. Tenha em mente que estamos falando do menor planeta do Sistema Solar, com apenas 4.800 km de diâmetro, aproximadamente. Por conta disso, é impossível acompanhar o fenômeno sem o auxílio de um instrumento ótico. E aí entra um segundo drama: você nunca, jamais, pode olhar para o Sol usando um binóculo, luneta ou telescópio, a não ser que ele esteja equipado com um filtro apropriado. Há risco sério de cegueira. Bem, então, o que fazer? Há duas possibilidades. Ou acoplar um filtro adequado no seu instrumento ótico, que permita a observação solar com segurança, ou projetar a imagem do Sol produzida pelo binóculo ou telescópio num anteparo – um papelão branco,
por exemplo. Mercúrio deve aparecer como um pontinho escuro muito pequeno em meio ao disco solar, similar a uma das clássicas manchas do Sol. Além de Mercúrio, o mês também é muito bom para a observação de Marte, que estará em oposição ao Sol, com relação à Terra, no dia 22 (é o momento em que o Planeta Vermelho se aproxima mais do nosso e se torna um alvo mais fácil para observações telescópicas). E, para quem gosta de chuva de meteoros, há uma boa em maio, com pico na virada do dia 5 para o dia 6. São os EtaAquarídeos, que têm seu radiante (local de onde parecem emanar os bólidos celestes) na constelação de Aquário. Essa chuva acontece anualmente quando a Terra cruza a órbita do cometa Halley e detritos deixados pelo astro queimam na atmosfera do planeta, proporcionando o espetáculo. Bons céus a todos! (S.N.) O astrofotógrafo amador Cassiano Carromeu, que é neurocientista e trabalha em San Diego, na Califórnia, fez esse registro das Plêiades (M45), o famoso conjunto de estrelas azuis da constelação de Touro.
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VISIBILIDADE DOS PLANETAS
N
MERCÚRIO Visível no oeste, ao pôr do Sol na constelação de Áries. Próximo da Lua em 6. Em conjunção inferior e trânsito pelo disco solar em 9. Depois, passa a ser visto ao amanhecer. Em conjunção com Vênus em 13.
VÊNUS Visível em Áries e depois em Touro ao amanhecer, na direção do nascer do Sol. Próximo da Lua em 6. Em conjunção com Vênus em 13.
MARTE Visível durante toda a noite. Primeiro em Escorpião e depois em Libra. Em conjunção com Mercúrio em 21. Em oposição ao Sol em 22. Máxima aproximação com a Terra em 30.
JÚPITER Em Leão. Visível na primeira metade da noite. Próximo da Lua em 15.
SATURNO <ÒûèrfæÍD§ÜrÜ«fDD§«Ürr§ÜÍrDÒrÒÜÍrDÒfDZ«§ÒÜrD]õ«fr'ăZ«» Ultrapassado pela Lua em 22.
URANO Em Peixes, visível a leste antes do nascer do Sol. Ultrapassado pela Lua em 4.
NETUNO Em Aquário, visível a leste antes do nascer do Sol. Ultrapassado pela Lua em 2 e 29.
DESTAQUES DO MÊS Máximo da chuva de meteoros Eta-aquarídeos. Mercúrio em conjunção inferior. Trânsito de Mercúrio pelo disco solar. Oposição de Marte (máxima aproximação com a Terra).
O
CHUVA DE ETA-AQUARÍDEOS
C ALENDÁRIO LUNAR
S 22 Scientific American Brasil | Maio 2016
25 "350 2 '$3 Mapa mostra céu visível às 22h00 de 1º de maio, às 21h00 de 15 de maio e às 20h00 de 30 de maio a partir da latitude de 23°27’ Sul (Trópico de Capricórnio).
"
0 33 $'3'" 0" 3'%35" /3R
DIA
HORA
EVENTO
2
08h39
Lua passa a 2°N do planeta Netuno.
3
02h52
Melhor ocasião para visualizar o brilho fD5rÍÍDÍrrÜf«§D{DZrrÒZæÍDfD lua minguante falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao nascer da Lua em São Paulo.
4
23h33
Lua passa a 2°S de Urano.
6
00h19
Lua passa a 2,5°S de Vênus.
6
00h25
Lua no perigeu, mínima distância da Terra (357.909 km). Diâmetro angular aparente 32,8’.
6
–
6
16h30
Lua nova.
6
21h54
Lua passa a 4,9°S de Mercúrio.
9
12h06
Mercúrio em conjunção inferior. Trânsito através do disco solar visível do Brasil.
9
17h34
Melhor ocasião para visualizar o brilho fD5rÍÍDÍrrÜf«§D{DZrrÒZæÍDfD"æD crescente falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao pôr do Sol em São Paulo.
Máximo da chuva de meteoros Eta-Aquarídeos (cometa 1P/Halley). Taxa de avistamento de cerca de 70 meteoros por hora.
9
19h41
Júpiter estacionário.
12
08h47
Lua passa a 4,4°S do aglomerado estelar de Praesepe (Messier 44), na constelação de Câncer.
13
04h54
Lua passa a 2,1°S da estrela Regulus (alfa de Leão).
13
14h03
Lua em quarto crescente.
13
17h38
Mercúrio a 0,4°S de Vênus (Conjunção).
15
06h53
Lua passa a 1,8°S de Júpiter.
18
10h42
Lua passa a 5,6°N da estrela Spica (alfa de Virgem).
18
18h54
Lua no apogeu, máxima distância da Terra (405.955 km). Diâmetro angular aparente 29,7’.
21
16h01
Lua passa a 6,6°N de Marte.
21
18h15
Lua cheia
21
19h02
Mercúrio estacionário.
22
03h58
Marte em oposição ao Sol (a Terra entre o planeta e o Sol)
22
17h10
Lua passa a 3,7°N de Saturno.
22
21h37
Marte atinge seu máximo brilho: -2,1 magnitudes.
Touro de 14/05/2016 a 21/06/2016
29
09h13
Lua em quarto minguante.
* O limite das constelações foi estabelecido pela União Astronômica Internacional em 1930, o que permite estabelecer, com grande precisão, os instantes de entrada e de saída do Sol em cada uma das 13 constelações que são atravessadas pela sua trajetória anual aparente, a eclíptica.
29
16h54
Lua passa a 2°N de Netuno.
30
18h36
Marte atinge sua menor distância com a Terra, 75,28 milhões de quilômetros.
Áries de 19/04/2016 a 14/05/2016
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FERRAMENTEIRO: O professor de antropologia Dietrich Stout trabalha em uma ferramenta de pedra no Laboratório de Tecnologia Paleolítica na Universidade Emory
P S I C O L O G I A C O G N I T I VA
CONTOS DE UM NEUROCIENTISTA DA IDADE DA PEDRA Ao afiar a habilidade de fazer machados enquanto escaneiam os próprios cérebros, pesquisadores estudam como a cognição se desenvolveu Dietrich Stout
Fotografias de Gregory Miller
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A
Dietrich Stout é professor de antropologia na Universidade Emory. Seu foco de pesquisa sobre a fabricação de ferramentas pedra no Paleolítico integra métodos experimentais de diversa disciplinas, variando da arqueologia à imagem cerebral.
INDA TENHO O PRIMEIRO MACHADO DE MÃO DE PEDRA QUE FIZ. TRATA-SE DE UM espécime bastante ruim, cruamente lascado de um pedaço de pedra fraturado pela geada que catei em um passeio pelas terras de um fazendeiro em West Sussex, na Inglaterra. Não teria impressionado os ancentrais humanos conhecidos por nós como Homo heidelbergensis. Esses primos do Homo sapiens de 500 mil anos atrás deixaram machados de mão muito melhores em um sítio arqueológico nas vizinhanças, em Boxgrove.
Mesmo assim, trabalhei duro para fazer essa simples ferramenta de corte e tenho orgulho dela. O que importa, no entanto, não é que eu esteja explorando um novo hobby. O que importa é que minha exploração tinha a intenção de provar questões chave acerca da evolução humana e do surgimento da linguagem e da cultura que são o selo de nossa espécie. Reproduzir as habilidade de povos pré-históricos a fim de compreender as origens humanas já foi feito antes: arqueólogos fazem isso há décadas. Nos últimos 15 anos, contudo, levamos essa abordagem para novas e empolgantes direções. Trabalhando em conjunto, arqueólogos e neurocientistas usaram máquinas de escaneamento cerebral para observar o que acontece por baixo do crânio quando um ferramenteiro moderno lasca com paciência uma pedra, moldando-a para se transformar em um machado de mão. Com essa visão sobre o cérebro, esperamos identificar quais as regiões que evoluíram ali dentro, a fim de ajudar os povos do Paleolítico a escavar um machado ou uma faca bem trabalhados a partir de um naco de pedra sem forma. Essas colaborações entre arqueólogos e neurocientistas reviveram uma ideia amplamente desacreditada: fazer ferramentas foi um fator importante na evolução dos humanos. O antropólogo britânico Kenneth Oakley assegurou há 70 anos, no seu influente livro Man, the Tool-maker (Homem, o fazedor de ferramentas) que fabricar apetrechos líticos foi “a principal característica biológica” da humanidade, algo que direcionou a evolução de nossos “poderes de coordenação mental e corporal”. A ideia deixou de agradar quando cientistas comportamentais documentaram o uso, e até mesmo a confecção de ferramentas, em espécies não humanas como macacos, corvos, golfinhos e polvos. Como lembrou o paleontólogo Louis Leakey em sua agora fa-
mosa resposta de 1960 ao primeiro relatório histórico feito por Jane Goodall acerca do uso de ferramentas por chipanzés: “Agora precisamos redefinir ferramenta, redefinir o Homem, ou aceitar que chipanzés são humanos”. Para muitos cientistas, relacionamentos sociais complexos substituíram a fabricação de ferramentas como o fator central na evolução cerebral de primatas. Nas décadas de 1980 e 1990, as hipóteses influentes “inteligência maquiavélica” e “cérebro social” sustentavam que o maior desafio mental que os primatas enfrentam é ludibriar outros membros da sua espécie, não dominar seu ambiente. Tais hipóteses ganharam apoio empírico a partir da observação de que espécies de primatas que formam grandes grupos sociais tendem a ter cérebros grandes. Mas trabalhos mais recentes, incluindo nosso próprio, mostraram que a abordagem “Homem, o fazedor de ferramentas” não está morta (apesar de a linguagem de Oakley estar claramente desatualizada). A fabricação de ferramentas não precisa ser exclusivade humana para ter sido importante em nossa evolução. O que importa é o tipo de ferramenta que fazemos e como aprendemos a fazê-las. Entre primatas, os humanos na verdade sobressaem em sua habilidade de aprender um com o outro. Somos peritos em imitar o que outra pessoa faz. A imitação é um pré-requisito para aprender habilidades complexas e acredita-se que sirva como base para a incrível capacidade humana de acumular conhecimento de maneira que outros primatas não conseguem. Portanto, parece prematuro abandonar a ideia de que antigos utensílios de pedra possam fornecer informações importantes acerca da nossa evolução cognitiva. Ensinar e aprender a fabricar ferramentas cada vez mais complexas pode até ter representado um desafio formidável para nossos ancestrais, estimulando a evolução da linguagem. De fato, neurocientistas acreditam que as ca-
EM SÍNTESE
Um meio de responder perguntas acerca da evolução humana e, em particular, do desenvolvimento da linguagem e da cultura implica reproduzir as habilidades usadas pelos povos pré-históricos. Uma versão de 26 Scientific American Brasil | Maio 2016
alta tecnologia dessa abordagem usa máquinas de escaneamento do cérebro para observar quais as regiões neurais que se tornam ativas quando um ferramenteiro lasca uma pedra para ter o formato de um
machado de mão. ¹¨DU¹àDcÇyå `àùĆDmDå entre arqueólogos e neurocientistas reviveram a ideia desacreditada de que a fabricação de ferramentas foi um dos principais motores da evolução humana. Ensinar e
aprender o modo de produzir ferramentas ´D mDmy mD 0ymàD ´D ÿyàmDmy å´`DàD® ù® myåD¹ ¹à®mEÿy¨ ¹ åù`y´ïy ÈDàD nossos ancestrais, a ponto de impulsionar a evolução da linguagem humana.
7" " 3 2i%DlD!ßxäxÉacima, extrema direitaÊx³ä³DD
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pacidades linguísticas e as manuais se baseiam em algumas das mesmas estruturas cerebrais. Para testar essas ideias, tivemos de analisar com cuidado como as ferramentas milenares eram feitas, e comparar as descobertas com evidências sobre a evolução dos sistemas cerebrais relevantes. Ao estudar essas questões, logo caímos em dificuldades, porque nem cérebros nem comportamento aparecem no registro fósseil. Dada a escassez de evidências, nosso único recurso foi estimular, em ambiente de laboratório, os tipos de habilidade que passavam entre gerações, milênios atrás. Por isso, meus alunos, colaboradores e eu passamos muitos anos tentando imitar as habilidades dos ferramenteiros do Paleolítico. ARQUEOLOGIA EXPERIMENTAL
Usar modernas técnicas de escaneamento cerebral para estudar algumas das tecnologias mais antigas da humanidade pode parecer estranho. Algumas pessoas nos lançaram olhares desconcertados quando começamos a empurrar carrinhos com pedras para dentro de um laboratório de neuroimageamento de última geração. Mas não há nada incomum em arqueólogos fazerem experiências. Faz tempo que estudar o presente é um dos métodos mais importantes para entender o passado. Cientistas conceberam experimentos para replicar técnicas ancestrais de fundição (arqueometalurgia) e para observar a decadência implacável de carcaças animais (tafonomia), para entender melhor a fossilização. Experiências casuais na fabricação de ferramentas – talhamento, como os arqueólogos o chamam – datam do século 19, e ex-
periências mais controladas agora estão bem estabelecidas no estudo da tecnologia lítica. O escopo dessas experiências aumentou nos últimos anos. Meus conselheiros de graduação — Nicholas Toth e Kathy Schick, ambos hoje na Universidade de Indiana em Bloomington e no Instituto da Idade da Pedra — propuseram, em 1990, usar uma técnica de imagem então nova para investigar o que se passa no cérebro quando alguém constrói uma ferramenta lítica. Nos últimos 15 anos, seguindo essa ideia, transformei em um dos principais intentos de minha pesquisa descobrir o que acontece no cérebro quando a pessoa talha um pedaço de rocha. Hoje meu laboratório funciona quase como um programa de aprendizagem em fabricação de ferramentas de pedra. Enquanto escrevo, consigo ouvir o ruído de talhadores iniciantes acrescentando ainda mais pedacinhos a uma pilha de pedra quebrada na área de trabalho do lado de fora de meu escritório na Universidade Emory. No ano passado, essa pilha ultrapassou 3 metros de comprimento, com quase 13 centímetros de altura e contendo mais de www.sciam.com.br 27
1.360 quilos de pedra lascada. Observo através de uma janela enquanto a pesquisadora de pós-doutorado Nada Khreisheh dá conselhos a um estudante frustrado. Atualmente Khreisheh gasta cerca de 20 h por semana treinando 20 alunos (cada um recebe 100 h de aula) na arte milenar de fabricar machados de mão. Até agora, este é nosso projeto mais ambicioso. Cada sessão de treinamento é gravada em vídeo para que possamos analisar mais tarde quais técnicas de aprendizado funcionam melhor. Coletamos e medimos cada artefato a fim de rastrear o desenvolvimento de habilidades. Os estudantes precisam passar por repetidos imageamentos por ressonância magnética a fim de examinar a função e a estrutura do cérebro em modificação, assim como passar por testes psicológicos para ver se capacidades particulares, como planejamento ou memória de curto prazo, po-
le necessário através de uma prática longa e meticulosa. Nossos ancestrais enfrentaram os mesmos desafios quando aprenderam a fazer ferramentas de pedra, e suas vidas provavelmente dependiam de serem bem-sucedidos. As exigências da produção de ferramentas, aliadas a interações sociais complexas para ensinar essas habilidades, podem ter se tornado a força motora da evolução cognitiva humana. Classificamos essa reinicialização moderna da hipótese do “Homem, o fazedor de ferramentas” de Oakley como Homo artifex – a palavra latim artifex significa “habilidade, criatividade e destreza.” FERRAMENTAS NO CÉREBRO
Ensinar aos alunos como trabalhar a pedra não é o único desafio técnico em aprendermos sobre práticas pré-históricas. As imagens cerebrais padrão não se adaptam a alguns aspectos do estudo de produção de ferramentas de pedra. Se alguém já entrou em um equipamento de ressonância magnética, provavelmente se lembra que lhe foi dito, enfaticamente, para não se mexer, porque isso estragaria a imagem. Infelizmente, ficar imóvel dentro de um tipo de tubo de 60 cm de diâmetro não conduz a lascar pedras, apesar de ficarmos tentados a dormir. Em nossas primeiras experiências, driblamos esse problema ao usar uma técnica de imagem cerebral conhecida como FDG-PET (tomografia de emissão de pósitrons por fluoro-deoxiglicose). A linha intravenosa para fornecer a molécula radioativa usada no PET a fim obter imagens da atividade cerebral precisa ser injetada no pé para permitir que os lascadores usem as mãos, um procedimento um tanto quanto doloroso. O sujeito do teste pode então bater livremente no pedaço de pedra a ele destinado para se tornar um machado ou faca, enquanto o marcador é levado por tecidos metabolicamente ativos para o cérebro. Depois que o sujeito tiver terminado, fazemos uma imagem a fim de determinar o local onde o agente químico se acumulou no cérebro. Utilizando essa técnica, parti para investigar duas tecnologias da Idade da Pedra – Olduvaiense e Acheulense antigo – que agrupam o começo e o final do Paleolítico Inferior, um período evolucionário crítico, de 2,6 milhões a 200 mil anos atrás, quando o cérebro de hominins (humanos e seus ancestrais extintos) quase triplicou em tamanho. A questão que queríamos explorar em meu laboratório era se o desenvolvimento dessas tecnologias significou novas exigências para o cérebro que, com o passar dos milênios, poderia haver levado, através da seleção natural, à sua expansão. A produção de ferramentas Olduvaiense (denominada assim por causa do desfiladeiro Olduvai, da Tânzania, onde foi descrita pela primeira vez em meados do século 20 pela equipe de paleoantropólogos-arqueólogos de Louis e Mary Leakey) envolve tirar lascas afiadas de fragmentos da pedra. Essas simples lascas de pedra se tornaram as primeiras “facas” da humanidade. Conceitualmente, é a forma mais simples de fazer ferramentas. Mas os dados iniciais de PET confirmaram que o processo real de talhar é uma tarefa exigente, que vai além de bater uma pedra na outra. No estudo, deixamos que os alunos exercitassem a tarefa durante 4 h sem nenhuma instrução. Depois de familiarizados, aprende-
'³x¹î¸Çßx`äDl¸³Dß uma tecnologia percussiva tão exigente que um pequeno erro pode comprometer a peça inteira. dem estar relacionadas à aptidão para fazer ferramentas. Trata-se de uma quantidade imensa de trabalho, mas essencial para compreender as sutilezas dessa tecnologia pré-histórica. No mínimo, o esforço nos ensinou que fabricar essas ferramentas é difícil, Mas o que queremos saber é por que é tão difícil. Oakley e outros proponentes do argumento “Homem, o fazedor de ferramentas” achavam que a chave da fabricação de ferramentas era uma capacidade “exclusivamente humana” de pensamento abstrato - isto é, a capacidade de imaginar tipos diferentes de ferramentas como um tipo de modelo mental a ser reproduzido. Respeitosamente, discordo. Como qualquer artesão experiente pode nos contar, saber o que queremos fazer não é a parte difícil. A dificuldade está em realmente fazê-lo. Talhar um machado de mão exige que o artesão neófito domine uma tecnologia de percussão que envolve o uso de um “martelo” portátil de pedra, osso ou chifre, para tirar lascas de uma pedra, moldando-a numa ferramenta útil. O trabalho requer golpes poderosos dados com precisão de milímetros e rápidos demais para permitir correção enquanto são executados. Como numa escultura de mármore, cada golpe remove algo que não pode ser colocado de volta. Mesmo pequenos erros podem comprometer a peça por completo. Usando um sistema de controle de movimentos, a cientista de movimentos Blandine Brill e seus colegas da Faculdade de Estudos Avançados em Ciências Sociais, de Paris, mostraram que, ao contrário dos novatos, os lascadores experientes ajustam a força de seus golpes a fim de produzir lascas de tamanhos diferentes. Combinar uma série de golpes como esse para chegar a um objetivo de desenho abstrato, como um machado de mão, somente é possível depois de adquirir o contro28 Scientific American Brasil | Maio 2016
I M AG E M ram a identificar e prestar atenção às características particulares do núcleo, concentrando-se, por exemplo, em áreas que sobressaíam e seriam mais fáceis de quebrar. O aprendizado na verda5y`³`Dä lx xä`D³xDx³î¸ ßxþx§D `¸ øD ÇDßîx D¸ß l¸ `yßxU߸ y øäDlD ÔøD³ de se reflete em diferentes padrões de atividade l¸ D Ç߸løcT¸ lx
xßßDx³îDä äx î¸ß³D Dä ä¸äî`DlDÍ ä Dx³ä läî³øßD no córtex visual, na parte posterior do cérebro, EßxDä DîþDlDä ÔøD³l¸ ø
xßßDx³îx߸ ¸lxß³¸ îßDUD§DþD x ø ǧxx³î¸ antes e depois da prática. Mas 4 h de prática não ßx³ä`x³îx lDä
xßßDx³îDä '§løþDx³äx äǧxä Éöjé §Æxä D ¿jé §T¸ lx D³¸ä é muito, tempo, mesmo para a primeira tecnoloDîßEäÊj `¸ÇDßD³l¸Dä `¸ ßxÆxä DîþDä ÔøD³l¸ xäîDþD
Dąx³l¸ D`Dl¸ä lx T¸ gia da humanidade. `xø§x³äxä É¿jé §T¸ D öćć § D³¸ä DîßEäÊÍ 'ä Ǹ³î¸ä Dąøä lx³¸îD ßxÆxä `xßx Em talhadores bem experientes, que cheUßDä øäDlDä ÔøD³l¸ §Dä`DþD îD³î¸
xßßDx³îDä '§løþDx³äxä ÔøD³î¸ `xø§x³äxäç ¸ä gam perto das habilidades documentadas de þxßx§¸ä îDUy äx D`x³lxßD ÔøD³l¸
DąD ø D`Dl¸ lx T¸ `xø§x³äxÍ ferramenteiros reais Olduvaienses, algo dife๠¹àïyāÈàz®¹ï¹àm¹àåD¨ ๴ïD¨ rente é visto. Como mostrado por Bril e seus co´yà¹à 3ù¨`¹ ´ïàDÈDàyïD¨ m¹àåD¨ legas, eles se distinguem pela capacidade de controlar a quantidade de força aplicada num à¹åùÈàD®Dà´D¨ m¹¨¹U¹ golpe percussivo, para destacar lascas do núcleo ÈDàyïD¨ de forma eficiente. No cérebro dos experientes, ´yà¹à essa habilidade estimulou o aumento de atividade no giro supramarginal no lobo parietal, que está envolvido na consciência da localização do corpo no seu ambiente espacial. 3ù¨`¹´ïàDÈDàyïD¨D´ïyà¹à Há cerca de 1,7 milhão de anos, a tecnoloºàïyā Èàz®¹ï¹à ÿy´ïàD¨ Hemisfério Hemisfério gia Olduvaiense baseada em lascas começou a esquerdo direito ser substituída pelo tecnologia Acheulense (que deve o nome a Saint-Acheul , na França), que envolvia a fabricação de peças mais sofisticadas, como ma- que fornece imagens de resolução mais alta. Para isso, tivemos de chados de mão em forma de gota. Alguns machados do período achar um modo de manter os sujeitos imóveis. Trabalhando com o Acheulense antigo – aqueles do sitio inglês de Boxgrove, que neurocientista social Thierry Chaminade, agora na Universidade datam de 500 mil anos, por exemplo – eram modelados de for- Aix-Marseille, na França, pedi que ficassem parados no escâner e ma delicada, com cortes transversais finos, simetria tridimen- assistissem a vídeos de talhamento, ao invés de fazer ferramentas sional e pontas afiadas e regulares, todos indicativos de um alto reais. Essa técnica funciona porque, como Chaminade e outros mostraram, usamos muitos dos mesmos sistemas cerebrais tanto nível de habilidade de talhar. Talhadores modernos sabem que essa técnica exige não somen- para entender ações que observamos quanto para executá-las. te controle preciso, mas um planejamento fundamentado. Como Apesar das diferentes metodologias, descobrimos que as mesmas um golfista que opta pelo taco certo, talhadores usam diversos reações ocorriam nas áreas viso-motoras, tanto no método de martelos “duros” (pedra) e “moles” (chifre/osso) quando traba- talhar Olduvaiense quanto no Acheulense: maior atividade no giro lham em sequências de lascas planejadas, para que extremidades frontal inferior direito quando se assistia à produção de ferramene superfícies fraturem-se no padrão desejado. Precisam alternar-se tas do Acheulense superior. Concluímos que a capacidade de aprender habilidades físicas sem cessar entre diversas subtarefas enquanto mantêm a mente firme no objetivo geral de um machado terminado, resistindo à exigentes teria sido importante nos estágios iniciais Olduvaienses tentação de tomar atalhos. Sei, por amarga experiência, que não é da evolução tecnológica humana, mas que os métodos Acheulenpossível enganar a física de fracionamento de pedras. É melhor ses exigiam um nível maior de controle cognitivo, fornecido pelo córtex pré-frontal. Na verdade, essa observação concordou com a parar por um dia quando se está cansado ou frustrado. As exigências para se produzir uma ferramenta no estilo do pe- evidência fóssil, que mostra que, nos últimos dois milhões de anos, ríodo Acheulense tardio também produzem um traço característi- alguns dos incrementos mais velozes no tamanho do cérebro ocorco no escaneamento cerebral. Algumas das mesmas áreas estão reram no Acheulense superior. Mas essa descoberta não mostrou envolvidas tanto no modo de talhar do período Oduvaiense quan- qual evento foi a causa e qual foi a consequência. Será que a to no do período Acheulense. Mas nossos dados de PET do Acheu- produção de ferramentas realmente direcionou a evolução do lense também mostram uma ativação que se estende para uma re- cérebro no H. artifex, ou apenas entrou de carona? A fim de resgião específica do córtex pré-frontal, chamada de giro frontal inte- ponder essa pergunta, precisávamos levar ainda mais sério o esturior direito. Décadas de pesquisa feitas por neurocientistas como do de como o cérebro aprende a fazer ferramentas. Adam Aron, da Universidade da Califórnia em San Diego, já ligaram essa região ao controle cognitivo necessário para se alternar APRENDIZADO E EVOLUÇÃO entre tarefas diferentes, e para não dar respostas inapropriadas. Precisei de cerca de 300 h de prática para igualar a perícia dos Desde então corroboramos os resultados do PET usando MRI, ferramenteiros do Acheulense superior em Boxgrove. A aprendiza-
COURTESY OF THIERRY CHAMINADE Institute of Neurosciences of Timone, Aix-Marseille University
Expansão do processamento cerebral
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0 %'3'2 ' "' 'iUm ferramenteiro novato §Dä`¸øøD`Dl¸lxT¸lx ÇxlßDj`ß`ø³lDl¸DÔøÇx§¸ä ÇxlDc¸äÔøxäDßDÔøD³l¸
DąD¸Ç§xx³î¸ÍDlDÇxlD c¸yxîÔøxîDl¸jÇxäDl¸xxl l¸jÇDßDÔøx¸DÇßx³ląDl¸lDä habilidades motoras e de plane ¥Dx³î¸Ç¸ääDäxßD³D§äDl¸ lxîD§DlDx³îxÍ
gem talvez pudesse ter sido mais rápida se tivesse um professor, ou fosse parte de um grupo de ferramenteiros. Mas realmente não tenho certeza. Apesar de décadas de talha experimental, quase não foram feitos estudos sistemáticos sobre o processo de aprendizagem. Em 2008, Bruce Bradley, professor de arqueologia da Universidade de Exeter, na Inglaterra, e um talhador de longa data, me convidou a achar uma resposta para esse lapso em nosso conhecimento. Bradley queria treinar a nova geração de talhadores acadêmicos britânicos, e achou que eu gostaria de coletar dados de imagens neurológicas no processo, a fim de ter uma visão melhor sobre o processo de aprendizagem. Ele estava certo, e eu fiz isso. Uma coisa que me animei a tentar foi uma técnica relativamente nova chamada imagem por tensor de difusão (DTI), uma forma de MRI que permite mapear as faixas de fibra de substância branca, que servem como a “fiação” do cérebro. Em 2004, um grupo liderado por Bogdan Draganski, então na Universidade de Regensburg, na Alemanha, usou o DTI para mostrar mudanças estruturais nos cérebro de pessoas aprendendo a fazer malabarismo, o que desafiou a visão tradicional, de que a estrutura do cérebro adulto é relativamente imóvel. Suspeitávamos que aprender a talhar também exigiria algum nível de religação neural. Se assim fosse, queríamos saber quais circuitos eram afetados. Se nossa ideia estivesse correta, esperávamos vislumbrar se a fabricação de ferramentas pode, de fato, causar em um indivíduo, ainda que em pequena escala, o mesmo tipo de alterações ocorridas durante a evolução humana. No final, a resposta foi um retumbante sim: a prática em talhar elevou os traços de substância branca conectando as mesmas re-giões frontal e parietal identificadas em nossos estudos com PET e MRI, incluindo o giro frontal inferior direito do córtex pré-frontal, uma região essencial para o controle cognitivo. A extensão dessas mudanças podia ser prevista a partir do número real de horas de treino de cada indivíduo: quanto mais uma pessoa treinava, mais sua substância branca mudava. Mudancas no cérebro – o que os cientistas chamam de “plasticidade” – trazem material bruto para modificações evolutivas, efei30 Scientific American Brasil | Maio 2016
to conhecido como acomodação fenotípica. A plasticidade dá flexibilidade às espécies para que ensaiem novos hábitos, e testem os limites da adaptação atual. Caso se descubra um bom truque, ele se integra ao repertório comportamental e a corrida evolucionária segue: a seleção natural favorecerá quaisquer variações que gerem mais facilidade, eficiência ou confiabilidade através do aprendizado desse novo truque. Logo, nosso resultado gerou evidência importante de que a ideia do H. artifax era viável, e que a produção de ferramentas poderia realmente ter guiado mudanças cerebrais através de mecanismos evolutivos conhecidos. Tendo essa informação, precisávamos saber, a seguir, se as respostas anatômicas observadas equivaliam a desenvolvimentos evolutivos específicos no cérebro humano. Crânios fósseis não trazem dados sobre as mudanças nas estruturas cerebrais internas, então optamos pela segunda melhor opção: a comparação direta com um de nossos parentes vivos mais próximos, o chipanzé. Felizmente, eu já havia pedido auxílio a Erin Hecht, agora na Universidade Estadual da Geórgia, para colaborar na análise do DTI. A dissertação de Hecht, comparando a neuroanatomia de chipanzés com humanos, havia lhe dado acesso aos dados e a expertise necessários. O resultado, publicado em 2015, foi uma dissecação virtual, baseada em DTI, de traços de substância branca nas duas espécies, que identificaria quaisquer diferenças nos circuitos cerebrais relevantes. Ele confirmou nossas suspeitas: os circuitos para produzir ferramentas vistos em nossos estudos com PET, MRI e DTI eram, na realidade, mais extensos em humanos do que em chipanzés, sobretudo em conexões com o giro frontal inferior direito. Esse achado se tornou a ligação final em uma cadeia de inferências de artefatos antigos com evolução cerebral, comportamento e cognição que eu reunia desde estudante de pós-graduação. Ela fornece um poderoso novo apoio para a velha ideia de que a fabricação de ferramentas no Paleolítico ajudou a formar a mente moderna. No entanto, isso ainda está longe do final da história. PELO BURACO DA FECHADURA
Adoro ferramentas de pedra, mas elas dão apenas a visão mais estreita, como que pelo vão da porta, acerca da complexa vida de nossos ancestrais. Como um geólogo com um sismógrafo, o truque é transformar tais bits de saber sobre a neurociência de talhar
ferramentas num modelo rico acerca da vida na Idade da Pedra. Embora os dados obtidos por esses apetrechos sejam limitados, poderíamos ter nos saído pior. Aprender a fazer essas peças leva tanto tempo quando muitas habilidades acadêmicas: uma matéria típica de universidade nos Estados Unidos exige cerca de 150 h de trabalho. No estudo com Bradley, os alunoss registaram uma média de 167 h de prática, e no final ainda lutavam para fazer machados de mãos Acheulenses. Talvez eu não devesse me sentir tão mal sobre as 300 h de que precisei. Mas um regime de exercícios tão entediante e frustrante exige motivação e autocontrole, atributos fascinantes numa visão evolutiva. A motivação pode vir de fora, de um professor, ou de dentro, da antecipação de uma recompensa futura. Muitos pesquisadores creem que ensinar é a característica que define a cultura humana, ao passo que antecipar o futuro é vital para tudo, de relações sociais à solução de problemas técnicos. É óbvio que a motivação sem o autocontrole nós leva só até certo ponto. O autocontrole, a inibição de impulsos contraprodutivos, é essencial para vários tipos de habilidades cognitivas. Na verdade, um estudo recente dirigido por Evan MacLean, da Universidade Duke, descobriu que autocontrole e planejamento futuro estão correlacionados com maior tamanho de cérebro em 36 espécies de pássaros e mamíferos. Nosso trabalho agora resultou no acúmulo de evidências que ligam a produção bem-sucedida de machados de mão a sistemas cerebrais de autocontrole e planejamento, fornecendo uma ligação direta com essa evidência comparativa da evolução do tamanho do cérebro entre as espécies. Além de motivação e autocontrole, o ferramenteiro deve compreender em detalhes as caraterísticas da pedra trabalhada, o que é muito difícil pelo autoensino. A curva de aprendizagem do talhamento segue um padrão em forma de escada: na maior parte do tempo exercitamos e consolidamos habilidades, mas, de vez em quando, alguns conselhos nos levam ao próximo nível. Apesar de algumas vezes ser possível descobrir truques sozinho, existe uma vantagem real em aprender com os demais. Um bom jeito de aprender é apenas observar. Embora chamar alguém de “bom imitador” possa ser ofensivo, psicólogos comparativos veem a cópia fiel como um pilar da nossa cultura. O trabalho de Andrew Whiten, da Universidade de St Andrews, na Escócia, assim como o de outros, mostrou que primatas têm certa destreza em imitar, mas não chegam perto da habilidade para copiar, compulsiva e de alta fidelidade, que possuem humanos. A imitação basta? Alguém pode descobrir como funciona o xadrez ao prestar atenção a vários jogos, mas seria mais fácil se outra pessoa explicasse as nuances de estratégia e tática. O que queremos saber é se isso também vale para talhar ferramentas e outras habilidades pré-históricas. Thomas Morgan, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e colegas há pouco realizaram uma experiência com a produção de ferramentas de pedra, para avaliar como o saber passa de uma pessoa a outra. Eles mostraram que há um maior aprendizado quando o ensino envolve a linguagem, ao invés de apenas demonstrações. Pesquisas adicionais seguindo essa linha podem um dia ajudar a res-
ponder os grandes mistérios acerca de quando e por que a linguagem humana evoluiu. O ensino não é a única conexão possível entre a produção de ferramentas e a linguagem. Os neurocientistas reconhecem que a maioria das regiões do cérebro desempenha computações básicas ligadas a vários comportamentos diferentes. Tomemos, por exemplo, a área de “fala” clássica, no giro frontal inferior esquerdo, descrita pelo antropólogo do século 19, Paul Broca. Desde a década de 1990, novas pesquisas mostraram que a área de Broca contribui não só para a linguagem, mas também para a música, a matemática e a compreensão de ações manuais complexas. Essa observação reforçou a ideia consagrada de que a produção de ferramentas, ao lado da propensão humana de se comunicar através de gestos, podem ter servido como precursores evolutivos fundamentais da linguagem. Essa ideia foi desenvolvida de
Estudos com imagens indicam que circuitos neurais usados na produção de ferramentas foram escolhidos pelo cérebro em formas primitivas de comunicação. forma mais completa por Michael A. Arbib, da Universidade do Sul da Califórnia, por exemplo, em seu livro de 2012 How the Brain Got Language (Como o cérebro gerou a linguagem). Os achados de nossos estudos nos levaram a propor, há pouco, que os circuitos neurais, incluindo o giro frontal inferior, passaram por mudanças a fim de se adaptar às demandas da produção de ferramentas do Paleolítico, e daí foram cooptados a apoiar formas primitivas de comunicação, usando gestos e, talvez, vocalizações. Essa comunicação protolinguística teria sido então sujeitada à seleção, produzindo no final as adaptações específicas que dão suporte à linguagem humana moderna. Nossas experiências contínuas, além de criar um monte maciço de lascas quebradas, vão nos permitir testar essa hipótese. PA R A C O N H E C E R M A I S
3§¨¨ "yDà´´ D´m ù®D´ àD´ ÿ¹¨ùï¹´i ´ āÈyà®y´ïD¨ ÈÈà¹D`Î Dietrich Stout e Nada Khreisheh em Cambridge Archaeological Journal, Vol. 25, Número. 4, págs 867–875; Novembro de 2015. Experimental Evidence for the Co-evolution of Hominin Tool-Making Teaching and "D´ùDyÎ T. J.H. Morgan et al. em Nature Communications, Vol. 6, Artigo 6029; 13 de janeiro de 2015. 5y 3DÈy´ï $´mi à`Dy¹¨¹Ă $yyïå %yùà¹å`y´`yÎ Organizado por Colin Renfrew, Chris Frith e Lambros Malafouris. Oxford University Press, 2009. Publicações de Dietrich Stout: ïïÈåiëëå`¹¨DàU¨¹åÎy®¹àĂÎymùëåï¹ùï¨DUëÈùU¨`Dï¹´å D E N OSSOS A RQU I VOS
'ày´å mD `àDïÿmDmyÎ Heather Pringle; abril de 2013.
www.sciam.com.br 31
F Í S I C A D E PA R T Í C U L A S
o gm enig ma do u nêu uttron t Dois experimentos de precisão discordam sobre quanto tempo os nêutrons sobrevivem antes de decair. A discrepância reflete erros de medidas ou indica algum mistério mais profundo? Geoffrey L. Greene e Peter Geltenbort
EM SÍNTESE
Os melhores experimentos do planeta não concordam sobre a duração do tempo de vida dos nêutrons antes de decaírem em outras partículas. Dois tipos principais de experimentos estão em andamento: a garrafa que aprisiona e conta o número de
Ilustração de Bill Mayer
nêutrons que sobrevivem depois de vários intervalos de tempo, e os experimentos do feixe, que procuram partículas que resultam do decaimento dos nêutrons. Resolver a discrepância é essencial responder a várias questões sobre o Universo. www.sciam.com.br 33
y¹àyĂ"Îàyy´y é professor de física da Universidade do Tennessee e trabalha na Fonte de Espalação de Nêutrons do Laboratório Nacional de Oak Ridge. Ele estuda as propriedades dessas partículas há mais de 40 anos. Peter Geltenbort é cientista do Instituto LaueLangevin, em Grenoble, França, onde utiliza uma d fontes de nêutrons mais intensas do mundo para pesquisar a natureza básica dessa partícula.
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ELIZMENTE PARA A VIDA NA TERRA, A MAIOR PARTE DA MATÉRIA NÃO É RADIOATIVA. ISSO É inquestionável, mas é, na verdade, bastante surpreendente porque o nêutron, um dos dois componentes do núcleo atômico (o outro é o próton), está sujeito a decaimento radioativo. No interior do núcleo, um nêutron típico sobrevive por muito tempo e pode nunca decair, mas se estiver livre, se transformará em outra partícula em mais ou menos 15 minutos. As palavras “mais ou menos” preenchem uma lacuna perturbadora na compreensão física dessa partícula. Por mais que tentemos, não conseguimos medir com precisão suficiente a vida média do nêutron. O “enigma da vida média do nêutron” não é uma situação embaraçosa apenas para nós, físicos experimentais. Sua solução é vital para a compreensão sobre o Universo. O processo de decaimento do nêutron é um dos exemplos mais simples de interação nuclear “fraca” — uma das quatro forças fundamentais da natureza. Para entender bem a força fraca, precisamos saber quanto tempo vivem os nêutrons. Além disso, esse tempo de sobrevivência determinou como se formaram os primeiros elementos químicos mais leves depois do Big Bang. Para os cosmólogos seria interessante calcular as abundâncias esperadas dos elementos e compará-las com medidas astrofísicas: se concordassem, confirmariam nosso cenário teórico, e, se divergissem, poderiam indicar que fenômenos desconhecidos afetaram o processo. Para fazer essa comparação, no entanto, precisamos saber qual o valor da vida média do nêutron. Há mais de dez anos, dois grupos experimentais, uma equipe na França, liderada por um pesquisador russo e outra nos Estados Unidos, tentaram separadamente medir com precisão a vida média do nêutron. Um de nós (Geltenbort) era membro do primeiro grupo, e o outro (Greene), do segundo. Junto com nossos colegas, ficamos surpresos e um pouco intrigados ao descobrir que nossos resultados discordavam consideravel-
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mente. Alguns teóricos sugeriram que a diferença se devia à física exótica — durante o experimento, alguns nêutrons podem ter se transformado em partículas nunca antes detectadas, que, por sua vez, podem ter afetado os dois experimentos de formas divergentes. No entanto, suspeitamos de uma razão mais banal — talvez um dos grupos ou até os dois, tenha só cometido um engano, ou mais provavelmente, tenha superestimado a precisão do experimento. A equipe dos EUA completou, recentemente, um longo e meticuloso projeto para determinar qual a principal fonte de incerteza de seu experimento, na expectativa de resolver a discrepância. Mas em vez de clarear a situação, esse esforço confirmou nosso resultado anterior. De forma si milar, outros pesquisadores confirmaram depois as descobertas da equipe de Geltenbort. Essa discrepância nos deixou ainda mais perplexos. Mas não estamos desistindo — os dois grupos e outros continuam a procurar respostas. MEDINDO O TEMPO DE NÊUTRONS
Em princípio, medir a vida média de nêutrons deveria ser um processo direto. A física envolvida no decaimento nuclear é bem conhecida, e dispomos de técnicas sofisticadas para estudá-lo. Sabemos, por exemplo, que se uma partícula tiver a
possibilidade de se transformar em outra F U N DA M E N T O S ou outras de massa menor e, ao mesmo tempo, de manter suas características como carga e momento angular de spin, ÇxäDßlxly`DlDälxîx³îDîþDäj`x³îäîDä³T¸`¸³äxøßDxlßlx³îþDx³îx ela o fará. Os nêutrons livres mostram essa ¸îxǸÔøx¸ä³zøî߸³äþþx
¸ßDlx³ù`§x¸äDîº`¸ä¸äx§¸ßxä instabilidade. Num processo chamado xĀÇxßx³î¸äl¸ø³l¸DÇßxäx³îDßxäø§îDl¸ä`¸³îD³îxäÍU¸ßD¸þD§¸ßlDþlD decaimento beta, um nêutron se rompe, ylDl¸³zøî߸³D³lDäx¥D³lxîxß³Dl¸jD`DøäDl¸äxølx`Dx³î¸yUx dando origem a um próton, um elétron e `¸³x`lDÍ0¸ßx¸l¸lx`Dx³î¸UxîDj¸³zøî߸³äxîßD³ä
¸ßD³øÇ߹x um antineutrino (a contrapartida de anti§UxßDøx§yî߸³xøD³î³xøîß³¸jD`¸³îßDÇDßîlDlxD³îDîyßDl¸³xøîß³¸Í' matéria do neutrino). No entanto, a soma lx`Dx³î¸DßD³îxÔøxD`DßDx¸¸x³î¸D³ø§Dßlxspin das partículas das massas dessas partículas é ligeiraxßDlDä äx¥D øDä D¸ lD ÇDßî`ø§D ¸ß³D§Í mente menor, apesar de terem a mesma Carga = –1 carga total, momento angular e outras proElétron Momento angular priedades. Entre as propriedades que se de spin = +½ conservam está a “massa-energia”, o que Carga = 0 Carga = Carga = +1 n Momento angular significa que as partículas resultantes Momento a Momento angular de spin = +½ de spin = +½ de spin = +½ guardam essa diferença de massa na forma Carga = 0 de energia cinética. Momento angular Não podemos prever com exatidão de spin = -½ quando um determinado nêutron decairá porque o processo é um fenômeno quântico basicamente aleatório — só dizer quanto tempo os nêutrons vivem, em média. Por isso, para medir a corrigir os cálculos para termos certeza de estarmos contando vida média dessas partículas precisamos estudar o decaimento somente partículas que de fato sofreram decaimento beta. Para realizar essa correção, usamos uma técnica engenhosa. de uma grande quantidade delas. Os pesquisadores utilizaram dois métodos experimentais O número de nêutrons perdidos que atravessam as paredes da — um chamado técnica da “garrafa” e o outro, técnica do garrafa depende da taxa com que eles rebotam nas paredes. Se “feixe”. O primeiro consiste em confinar os nêutrons num forem mais lentos ou a garrafa maior, a taxa de rebotes e porrecipiente e contar quantos restam depois de um dado inter- tanto a taxa de perdas diminuirá. Variando tanto o tamanho da valo de tempo. O método do feixe, ao contrário, não foca no garrafa como a energia (velocidade) dos nêutrons em sucessisumiço de nêutrons, mas no aparecimento de partículas nas vos ensaios, podemos extrapolar até chegar a uma garrafa hipotética onde não haverá colisões e, portanto, nenhuma perda nas quais eles decaem. A abordagem da garrafa é em particular desafiadora porque paredes. Obviamente, essa extrapolação não é perfeita, mas os nêutrons podem atravessar com facilidade a matéria e, con- fazemos o possível para levar em conta qualquer erro que essa sequentemente, também as paredes da maioria dos recipientes. técnica possa introduzir. No método do feixe — usado por Greene e outros no Centro Seguindo a sugestão apresentada de modo explícito, pela primeira vez, pelo russo Yuri Zel’dovich, os físicos experimentais de Pesquisas de Nêutrons do Instituto Nacional de Padrões e que utilizam a abordagem da garrafa — como Geltenbort e seus Tecnologia (Nist, na sigla em inglês) — enviamos um feixe de colegas na França — contornam o problema aprisionando nêutrons frios ao longo do campo magnético no interior de um nêutrons muito frios (ou seja, com energia cinética muito anel formado por eletrodos de alta tensão que aprisionam baixa) dentro de um recipiente com paredes muito lisas (ver partículas de carga positiva (ver quadro na pág. 37). Como os nêutrons não têm carga, eles atravessam a armadiquadro na pág 36). Se os nêutrons forem suficientemente lentos e a garrafa lisa lha sem sofrer desvio. Se, no entanto, um deles decair dentro da o bastante, eles são refletidos pelas paredes e, assim, permane- armadilha, gerará um próton, que por ter carga positiva ficará cem no frasco. Para produzir esse efeito, os nêutrons precisam “preso”. Periodicamente “abrimos” a armadilha, descarregamos se deslocar a velocidades da ordem de metros por segundo, ao e contamos os prótons. Em princípio, o aprisionamento e a contrário dos cerca de dez milhões de metros por segundo que detecção de prótons são quase perfeitos, e são necessárias apecostumam viajar quando são emitidos durante o processo de nas correções muito pequenas, na eventualidade de termos perfissão nuclear, por exemplo. Esses nêutrons “ultrafrios” são tão dido algum decaimento. lentos que você pode ultrapassá-los correndo. Até hoje, o experimento da garrafa mais preciso foi realizado no Instituto LaueONDE PODE ESTAR O ERRO? Langevin (ILL), em Grenoble, França. Para uma medida ser confiável, é preciso que ela seja Infelizmente, não há garrafa perfeita. Se os nêutrons por acompanhada de uma estimativa confiável de sua precisão: a acaso escaparem, atribuiremos a perda ao decaimento beta e medida da altura de uma pessoa, por exemplo, com uma obteremos um valor inexato para a vida média. É preciso então incerteza de um metro, é muito menos significativa que a
Como o nêutron decai
!
Gráfico de Nigel Hawtin
www.sciam.com.br 35
EXPERIMENTOS
Técnicas diferentes, resultados diferentes x³îäîDäîx³îDßDxlß ¸ þD§¸ß yl¸ lD þlD ylD l¸ ³zøî߸³ øäD³l¸løDäîy`³`DäÇß³`ÇDäi D ÙDßßD
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xĀxÚÍ ä þEßDä xllDä ¸UîlDä`¸DDßßD
DD¸ §¸³¸ l¸ä D³¸ä îx³lx D `¸³`¸ßlDß x³îßx äj dentro das barras de erro calculadas, o mesmo acontecendo com as xllDäl¸
xĀxÍ'äßxäø§îDl¸ä lDä løDä îy`³`Däj ³¸ x³îD³î¸j äT¸ `¸³îD³îxäÍ lä`ßxÇF³`D lx `xß`D lx ¸î¸ äxø³l¸ä x³îßx Dä ylDä l¸äl¸äyî¸l¸äǸlx ³T¸ ÇDßx`xß øî¸ ßD³lxj Dä y ä³`DîþDx³îxD¸ß Ôøx D ³`xßîxąD lDä xllDäj ¸ Ôøx ä³`D ÔøxDlä`ßxÇF³`DßxÇßxäx³îD ø þxßlDlx߸ Ç߸U§xDÍ 'ø ¸ä `x³îäîDä äøUxäîDßDDä³`xßîxąDä lx äxøä ßxäø§îDl¸ä ¸øj Dä xǸ§D³îxj D l
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ä`¸ lxä`¸³x`l¸Í
Medidas da vida média do nêutron Vida média do nêutron (segundos)
900 895
Média do método do feixe* (zona azul): 888,0 +– 2,1 segundos
Método do feixe Método da garrafa
Contagem #1 Contagem #2 Contagem #3
#1
Número de nêutrons observados
#2
#3
Tempo
Método da garrafa
890 885
Incerteza
880 875
Cheio com nêutrons
Média do método da garrafa (zona verde): Discrepância 879,6 +– 0,6 segundos
870 1990
1995
2000
2005
2010
2015
Ano do experimento
7®D¹à®Dmy®ymàÕùD´ï¹ïy®È¹¹å´{ùï๴åÿÿy®zy´`yàù®ày`Èy´ïy `¹®´{ùï๴åyyåÿDĆE¨¹myȹåmyÿEà¹å´ïyàÿD¨¹åmyïy®È¹j®D´ïy´m¹åyDå ®yå®Då`¹´mcÇyåjÈDàDåDUyàÕùD´ï¹åàyåïD®Îååyåïyåïyå¹à´y`y®¹åȹ´ï¹å que aparecem na curva que representa o decaimento do nêutron ao longo do ïy®È¹Î ÈDàïàmyååD`ùàÿDj¹å`y´ïåïDåDȨ`D®ù®DyÕùDcT¹å®È¨yåÈDàD `D¨`ù¨Dà¹ÿD¨¹à®zm¹mDÿmD®zmDm¹´{ùï๴ι®¹¹å´{ùï๴åȹmy®j ocasionalmente, escapar pelas paredes da garrafa, os cientistas variam o tamanho da garrafa e a energia dos nêutrons — os dois parâmetros afetam o número de ÈDàï `ù¨DåÕùyyå`DÈD®mDDààDDÈDàDyāïàDȹ¨DàDïzù®DDààDDȹïzï`D `DÈDĆmy`¹´ïyà¹å´{ùï๴ååy®´y´ù®DÈyàmDÎ
*A média do método do feixe não inclui a medida de 2005, que foi substituída pelo estudo do feixe de 2013.
mesma medida com uma precisão de um milímetro. Por essa razão, ao fazer medidas precisas é sempre importante mencionar a incerteza experimental. Uma incerteza de um segundo, por exemplo, significa que nossa medida tem uma alta probabilidade de não ser mais de um segundo menor ou maior que seu valor verdadeiro. Em geral, qualquer medida tem duas fontes de incerteza. Os erros estatísticos decorrem de só podermos medir experimentalmente uma amostra finita — no nosso caso, um número finito de decaimentos de nêutrons. Quanto maior a amostra, mais confiável a medida e menor o erro estatístico. A segunda fonte de incerteza — erro sistemático — é muito mais difícil de ser estimada porque decorre de imperfeições no processo de medida. Essas falhas podem ser simples, como uma trena mal graduada usada para medir a altura de uma pessoa. Ou podem ser mais sutis, como um viés de amostragem — uma pesquisa por telefone, por exemplo, poderia se basear mais em chamadas de telefones fixos que de telefones celulares e assim não ser uma amostra verdadeiramente representativa de uma população. Os físicos experimentais se esforçam muito para minimizar esses erros sistemáticos, mas é impossível eliminá-los por completo. O melhor que se pode fazer é analisar em detalhes todas as fontes imagináveis de erro e depois estimar a contribuição residual de 36 Scientific American Brasil | Maio 2016
cada uma no resultado final. Então somamos os erros sistemático e estatístico para obter a melhor estimativa de confiabilidade geral da medida. Em outras palavras, nos esforçamos muito em estimar “incógnitas conhecidas”. Obviamente, nosso maior medo é ignorar uma “incógnita conhecida” — um efeito sistemático de alguma coisa que sequer sabemos que não sabemos — que pode estar camuflada no procedimento experimental. Embora façamos o possível para calcular todas as incertezas possíveis, a única forma de superar esse erro adicional com total confiança é realizar outra medida, completamente independente, usando um método experimental diferente que não esteja sujeito aos mesmos efeitos sistemáticos. Se as duas medidas independentes concordarem dentro do intervalo de erro, então poderemos ter confiança nos dois resultados. Se por outro lado elas divergirem, teremos um sério problema. Atualmente, dispomos de dois métodos independentes para medir a vida média do nêutron. São eles o feixe e a garrafa. No mais recente experimento com o feixe, realizado no Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, o valor obtido para a vida média do nêutron foi de 887,7 segundos. O erro estatístico estimado foi de 1,2 segundo e o erro sistemático de 1,9 segundo. Quando se combinam os dois erros estatisti-
Método do feixe
¹`¹´ïàEà¹m¹®zï¹m¹mDDààDDjDïz`´`Dm¹yāy´T¹åyÈày¹`ùÈD`¹®¹å ´{ùï๴åj®Då`¹®ù®m¹åÈà¹mùï¹åmyåyùmy`D®y´ï¹j¹åÈàºï¹´åÎ'å`y´ïåïDå y´ÿD®ù®yāymy´{ùï๴åD¹¨¹´¹myù®DÚDà®Dm¨DÛy¨yï๮D´zï`D ¹à®DmDȹàù®`D®È¹®D´zï`¹yy¨yïà¹m¹åmyD¨ïDïy´åT¹y®¹à®DmyD´y¨Î 'å´{ùï๴åjmyåÈà¹ÿm¹åmy`DàDy¨zïà`DjÈDååD®màyï¹j®Dååyù®my¨yåmy`Dà dentro da armadilha, os prótons resultantes, com carga positiva, serão DÈàå¹´Dm¹åÎ'åÈyåÕùåDm¹àyå`¹´y`y®¹´ú®yà¹my´{ùï๴åm¹yāyjy åDUy®ÕùD´ï¹ïy®È¹y¨yå¨yÿD®ÈDàDDïàDÿyååDàDDà®Dm¨DδïT¹j`¹´ïD´m¹¹å prótons que estão dentro da armadilha, eles conseguem medir o número de ´{ùï๴åÕùymy`D àD®´DÕùy¨y´ïyàÿD¨¹ÎååD®ymmDzDïDāDmymy`D®y´ï¹j Õùy`¹ààyåȹ´myK´`¨´DcT¹mD`ùàÿDmymy`D®y´ï¹´ù®mDm¹´åïD´ïyjyÕùy Èyà®ïy`D¨`ù¨Dà¹ÿD¨¹à®zm¹mDÿmD®zmDm¹´{ùï๴Î
Feixe de nêutrons (de intensidade conhecida) atravessa o ane
Eletrodos
+
Próton
–
+
Armadilha Conta-se o número de decaimentos num dado intervalo de tempo
Inclinação medida
Número de nêutrons que atravessa a armadilha Tempo
camente, obtemos uma incerteza total de 2,2 segundos. Isso significa que existe uma probabilidade de 68% de que o valor da vida média do nêutron esteja 2,2 segundos acima ou abaixo do valor medido. Por outro lado, o experimento da garrafa realizado no ILL resultou num valor de 878,5 segundos para a vida média do nêutron, com uma incerteza estatística de 0,7 segundos, um erro sistemático de 0,3 segundo e uma incerteza total de 0,8 segundo. Esses são os dois experimentos mais precisos para calcular a vida média de nêutrons no mundo, mas suas medidas diferem em cerca de nove segundos. Essa diferença pode não parecer muito grande, mas é significativamente maior que as incertezas calculadas nos dois experimentos — a probabilidade de se obter uma diferença dessa magnitude devida apenas ao acaso é menos de uma parte em 10 mil. Precisamos então pensar com seriedade na possibilidade de que a discordância resulta de uma incógnita conhecida — e que alguma coisa importante pode ter sido ignorada. FÍSICA EXÓTICA
Uma explicação atraente para a diferença é que ela reflete um fenômeno físico exótico, ainda não descoberto. Uma razão para acreditar nisso é que, embora os métodos sejam discre_
pantes, outras pesquisas feitas com o feixe mostram bom acordo entre si, e o mesmo acontece com estudos usando a garrafa. Suponha, por exemplo, que além do decaimento beta normal, os nêutrons decaíssem por meio de um processo até agora desconhecido que não gera os prótons que procuramos no experimento do feixe. Os experimentos da garrafa onde o número total de nêutrons “perdidos” é contado, contariam tanto os nêutrons que desapareceram via decaimento beta como aqueles que sofreram esse segundo processo desconhecido. Poderíamos concluir então que a vida média do nêutron seria mais curta que a de um decaimento beta “normal”. Enquanto os experimentos do feixe registrariam apenas o decaimento beta, que religiosamente produz prótons, resultando numa vida média mais longa. Até o momento, como vimos, os experimentos feitos com o feixe de fato fornecem um valor da vida média pouco mais longo que os realizados pelo método da garrafa. Alguns teóricos levaram essa ideia a sério. Zurab Berezhiani, da Universidade de L’Aquila, na Itália, e colegas sugeriram um processo secundário: eles propuseram que um nêutron livre, às vezes, pode se transformar num “nêutron espelho” hipotético que não interage mais com a matéria normal e, assim, parece sumir. Essa “matéria espelho” poderia contribuir para a quantidade total de matéria escura do Universo. Embora essa ideia seja bastante atraente, ela continua sendo altamente especulativa. É preciso ter uma confirmação definitiva sobre a discrepância entre os métodos da garrafa e do feixe para medir a vida média do nêutron antes que a maioria dos físicos aceite um conceito tão radical. É bem provável que um dos experimentos (ou talvez até os dois) tenha subestimado ou ignorado um efeito sistemático. Quando se trabalha com montagens experimentais tão delicadas e sensíveis, essa possibilidade nunca está descartada. IMPORTÂNCIA DA VIDA MÉDIA DO NÊUTRON
Descobrir o que pode ter sido ignorado obviamente pode trazer paz de espírito aos físicos experimentais. Mas há uma questão talvez mais importante: se chegarmos ao fundo desse enigma e medirmos com precisão a vida média do nêutron, seremos capazes de responder várias questões fundamentais sobre o Universo que perduram há muito tempo. Antes de tudo, uma avaliação precisa da vida média do nêutron nos ajudará a entender como a força fraca funciona em outras partículas. Ela envolve quase todos os decaimentos radioativos e comanda a fusão nuclear que ocorre no interior do Sol. O decaimento beta do nêutron é um dos exemplos mais simples e genuínos de interação da força fraca. Para calcular os detalhes de outros processos nucleares mais complexos envolvendo a força fraca, precisamos antes entender perfeitamente como ela funciona no decaimento do nêutron. Entender a taxa exata de decaimento do nêutron também ajudará a testar a teoria do Big Bang no início da evolução do Cosmos. Nessa teoria, no primeiro segundo de vida o Universo era formado por uma mistura densa e quente de partículas, incluindo prótons, nêutrons, elétrons e outros. Nesse momenwww.sciam.com.br 37
to, sua temperatura era de cerca de dez bilhões de graus — tão quente que essas partículas eram energéticas demais para se unirem e formar os núcleos e átomos. Depois de cerca de três minutos o Universo expandiu e esfriou até uma temperatura em que prótons e nêutrons puderam se ligar para formar o núcleo atômico mais simples: o deutério, que é um isótopo mais pesado do hidrogênio. A partir daí, outros núcleos simples conseguiram se formar — o deutério conseguiu capturar um próton para formar um isótopo do hélio, dois núcleos de deutério se uniram para formar um elemento mais pesado, o hélio, e pequenos números de núcleos mais pesados também se formaram, até chegar ao lítio (acredita-se que todos os outros elementos mais pesados foram produzidos em estrelas vários milhões de anos depois). Esse processo é conhecido como nucleossíntese do Big Bang. Se, enquanto o Cosmos estava se resfriando, os nêutrons tivessem decaído a uma taxa muito mais rápida do que a taxa pela qual o Universo perdia calor, o resultado seria que não haveria
mente, se eles discordarem, esse modelo terá de ser modificado. Certas discrepâncias poderão indicar, por exemplo, a existência de novas partículas exóticas no Universo, como um tipo diferente de neutrino, que pode ter interferido no processo de nucleossíntese. Uma forma de resolver a diferença entre os resultados da garrafa e do feixe é realizar mais experimentos usando métodos com precisão comparável que não estejam sujeitos aos mesmos erros sistemáticos que comprometem os resultados. Além de continuar com os projetos da garrafa e do feixe, cientistas de vários outros grupos do mundo estão trabalhando em métodos alternativos para medir a vida média do nêutron. Um grupo do Complexo de Pesquisa do Acelerador de Prótons do Japão (J-PARC), em Tokai, está desenvolvendo um novo experimento com um feixe capaz de detectar os elétrons, e não os prótons gerados no decaimento dos nêutrons. Outro desenvolvimento muito interessante está sendo projetado por grupos do ILL, o Instituto de Física Nuclear de São Petersburgo, na
O equilíbrio entre a duração média da vida de um nêutron e a taxa de resfriamento do Universo foi fundamental para a formacão dos elementos que constituem nosso planeta, e tudo o mais que existe por aqui nêutrons disponíveis quando o Universo atingiu a temperatura adequada para formar os núcleos. Somente os prótons teriam restado, e todo o Cosmos seria formado quase que inteiramente de hidrogênio. Por outro lado, se a vida média do nêutron fosse muito maior que o tempo necessário para o Cosmos esfriar o suficiente para possibilitar a nucleossíntese do Big Bang, teria ocorrido uma superabundância de hélio. Esta por sua vez, teria afetado a formação dos elementos mais pesados envolvidos na evolução de estrelas e finalmente na criação da vida. Por isso, o equilíbrio entre a taxa de resfriamento do Universo e a vida média do nêutron foi fundamental para a formação dos elementos que constituem nosso planeta e tudo o que nele existe. A partir de dados astronômicos podemos medir a razão cósmica do hélio em relação ao hidrogênio, bem como as quantidades de deutério e outros elementos leves que se encontram no Universo. Gostaríamos de ver se essas medidas concordam com os números previstos pela teoria do Big Bang. A previsão teórica, no entanto, depende do valor preciso da vida média do nêutron. Sem um valor confiável, nossa capacidade de fazer essa comparação é limitada. Se a vida média do nêutron for conhecida com mais precisão, podemos comparar a razão observada a partir de experimentos astrofísicos com o valor teórico previsto. Se eles concordarem, nosso cenário padrão do Big Bang sobre a evolução do Universo será ainda mais confiável. Obvia38 Scientific American Brasil | Maio 2016
Rússia, o Laboratório Nacional de Los Alamos, a Universidade Técnica de Munique e a Universidade Johannes Gutenberg, em Mainz, na Alemanha. Eles planejam usar garrafas para confinar nêutrons ultrafrios com campos magnéticos em vez de paredes materiais. Isso é possível porque essa partícula, embora não tenha carga elétrica, se comporta como um pequeno ímã. O número de nêutrons perdidos acidentalmente nas laterais dessas garrafas deverá ser bem diferente das perdas em medidas anteriores, e por isso devem produzir incertezas sistemáticas bem diferentes. Esperamos com fervor que, juntas, a continuidade de experimentos com garrafas e feixes e essa nova geração de medidas possam enfim resolver o enigma da vida média do nêutron.
PA R A C O N H E C E R M A I S
®Èà¹ÿym yïyà®´Dï¹´ ¹ ïy %yùï๴ "yï®yÎ A. T. Yue et al. em Physical Review Letters, vol. 111, no 22, artigo no 222501; 27 de novembro de 2013. 5y %yùï๴ "yï®yÎ àym Î =yïy¨mï y y¹àyĂ "Î àyy´yj y® Reviews of Modern Physics, vol. 83, no 4, artigo no 1173; outubro—dezembro de 2011. $yDåùày®y´ï ¹ ïy %yùï๴ "yï®y 7å´ D àDÿïDï¹´D¨ 5àDÈ D´m D "¹Ā 5y®ÈyàDïùày ¹®U¨´ ¹Dï´Î A. Serebrov et al., em Physics Letters B, vol. 605, no 1—2, págs. 72-78; 6 de janeiro de 2005. D E N OSSOS A RQU I VOS
0à¹U¨y®D m¹ àD¹ m¹ Èàºï¹´Î Jan C. Bernauer e Randolf Pohl; no 142, março de 2014.
VITAL Biólogos sintéticos estão perto de empregar células para fazer diagnósticos de doenças humanas e reparar danos ambientais Timothy K. Lu e Oliver Purcell
OS PRIMEIROS COMPUTADORES eram biológicos: tinham dois braços, duas pernas e 10 dedos. “Computador” era a designação de uma profissão, não de uma máquina. A ocupação desapareceu depois que máquinas de calcular programáveis, elétricas, surgiram no final da década de 1940. Desde então, pensamos em computadores como dispositivos eletrônicos. No entanto, nos últimos 15 anos, a biologia tem passado por uma espécie de renascimento no campo da computação. Cientistas em universidades e empresas start-up creem estar perto de promover os primeiros biocomputadores de meros objetos de pesquisa a ferramentas do mundo real. Esses sistemas, construídos com genes, proteínas e células, incluem elementos básicos da lógica computacional: testes do tipo IF/THEN, operações AND e OR, e até simples operações aritméticas. Alguns incluem memórias digitais primitivas. Se recebem os inputs biológicos certos, esses computadores vivos costumam gerar resultados outputs previsíveis. Nos próximos cinco anos, mais ou menos, os primeiros computadores biológicos poderão ser usados como meios sensíveis e preIlustração de Sam Falconer
cisos de diagnóstico e terapia para patologias como câncer, doenças inflamatórias e disfunções metabólicas raras. Nós e outros que projetamos sistemas celulares lógicos vislumbramos um futuro, não tão distante, em que eles serão seguros e inteligentes o bastante para tratar e identificar distúrbios. A tecnologia possibilitará novas formas, mais rápidas e baratas, de produzir substâncias químicas complexas, como biocombustíveis e produtos farmacêuticos. Ela pode nos permitir responder a vazamentos de poluentes ao permearmos ecossistemas contaminados com organismos concebidos para monitorar e degradar toxinas. Isso não quer dizer que a tecnologia da bioinformática agora esteja avançada. O campo está em sua infância. Não pense iPhone, pense Colossus. Colossus foi um dos primeiros computadores eletrônicos programáveis. Se você tivesse entrado em Bletchley Park, no centro ultrassecreto de decriptação, ou quebra de códigos, ao norte de Londres, onde Colossus começou a operar em 1944, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, você o teria visto zumbindo sem parar, fitas de papel fluindo sobre polias, com www.sciam.com.br 39
seus 1.600 tubos de vácuo zunindo perfeitamente afinados. Pelos padrões de hoje, Colossus era demasiado primitivo. Ele ocupava toda uma sala, daí o nome. Ele só conseguia executar alguns poucos tipos de cálculos e não podia armazenar seu próprio programa. Levava dias ou semanas para desenvolver, carregar e testar um novo programa. Operadores tinham de religar a máquina fisicamente toda vez. Apesar de suas limitações, Colossus quebrou a criptografia que os nazistas usavam para codificar suas mensagens mais importantes. Esse desajeitado computador, que mal havia começado a “engatinhar” no mundo da informática, ajudou a vencer uma guerra mundial. Seus descendentes catapultaram a civilização, décadas mais tarde, da era industrial para a era da informação. Os computadores celulares mais impressionantes feitos até agora na realidade são muito mais simples, lentos e menos capazes que o Colossus. Como os primeiros computadores eletrônicos, nem sempre funcionam; executam apenas os programas mais simples e não são reprogramáveis fora do laboratório. Mas vemos nesta tecnologia um pouco do mesmo potencial transformador que a eletrônica digital tinha em seus anos iniciais. Mesmo um pingo de inteligência, aplicada de forma engenhosa, pode criar resultados quase mágicos em um sistema vivo. É provável que computadores celulares nunca substituam as variedades eletrônica e óptica. A biologia não ganhará nenhuma corrida contra a física do estado sólido. Mas a química da vida tem um poder inerente único e pode interagir com o mundo natural — grande parte do qual, afinal, funciona com base em biologia — de maneiras que sistemas eletrônicos não podem. LIGA, DESLIGA
Toda célula em nosso corpo é, em certo sentido, um pequeno computador. Ela recebe inputs, muitas vezes na forma de moléculas bioquímicas que se ligam à sua superfície, e os processa por meio de cascatas de interações moleculares. Às vezes, essas reações afetam o nível de atividade de um ou mais genes no DNA da célula; ou seja, determinam o quanto um dado gene é “expressado” ao ser transcrito em RNA e depois traduzido em múltiplas cópias da molécula proteica que o gene codifica. Essa computação química analógica gera outputs: um esguicho hormonal de uma célula glandular, um impulso elétrico de uma célula neural, uma corrente de anticorpos de uma célula imune, e assim por diante. Nossa meta é explorar as habilidades naturais que as células têm para processar informações e executar programas. Desejamos ir muito além da engenharia genética convencional que apenas silencia um gene, intensifica sua expressão, ou insere um ou dois genes de uma espécie em células de outra. O objetivo é talharmos sob medida, de maneira rápida e confiável, o comportamento de muitas variedades de células como um engenheiro elétrico projeta uma placa de circuito: ao selecionar partes, ou componentes pa-
5®¹ïĂ!Î"ù÷µÍ«{rÒÒ«ÍDÒÒ«ZDf«rZrD«Í浫fr ««D Sintética no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que integra circuitos computacionais e de memória em células vivas, aplic biologia sintética a importantes problemas médicos e industriais, e constrói biomateriais vivos. Ele é ganhador de um prêmio Novo Inovador da Diretoria dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health Director’s New Innovator Award), entre outros. Em 2014, cofundou a empresa start-up de biologia sintética Synlogic. Oliver Purcell é associado de pós-doutorado no Grupo de Biologia Sintética do MIT. Sua pesquisa abrange muitas áreas da biologia sintética, da concepção de partes biológicas sintéticas a abordagens computacionais inovadoras para o design racional de sistemas biológicos.
dronizados de um catálogo e uni-los, ou interligá-los. Infelizmente, a biologia difere da eletrônica de maneiras que frustram essa ambição; mais detalhes sobre isso mais adiante. O progresso tem sido lento, porém considerável. Os primeiros grandes avanços aconteceram em 2000. Naquele ano, James Collins e seus colegas da Universidade de Boston “costuraram” dois genes mutuamente interferentes para fazer um interruptor genético que pode ser alternado entre dois estados estáveis; uma memória digital de um bit. Além disso, um grupo liderado por Michael Elowitz, então na Universidade de Princeton, inseriu um oscilador rudimentar em uma cepa da bactéria Escherichia coli. O microrganismo piscava como uma luzinha de Natal quando um gene fluorescente ligava e desligava com regularidade. Em 2003, Ron Weiss, então em Princeton, tinha projetado um biocircuito que leva uma célula a se iluminar quando a concentração de um composto ambiental está ideal: nem muito alta, nem muito baixa. Esse sistema ligava entre si quatro inversores, que mudam um sinal HIGH para outro LOW, e vice-versa. Anos depois, Adam Arkin e seus colegas da Universidade da Califórnia em Berkeley, criaram uma forma hereditária de memória que usa enzimas chamadas recombinases para cortar pequenas seções do DNA, virá-las ao contrário e reinseri-las. O DNA modificado passa de uma célula para suas filhas quando ela se divide — uma característica útil, considerando que muitas bactérias se reproduzem a cada uma ou duas horas. Elaborar partes destinadas a realizar uma única operação é uma coisa; juntar, ou agregar muitas partes para formar um sistema integrado é muito mais complicado, porém mais útil. Biólogos sintéticos criaram componentes genéticos para realizar todas as operações booleanas básicas da lógica digital (AND, OR, NOT, XOR, e assim por diante). Em 2011, dois grupos de pesquisadores tinham inserido portas lógicas individuais em células bacterianas e programado-as para se comunicarem através de “fios” químicos, criando em essência computadores multicelulares. Martin Fussenegger, Simon Ausländer e seus colegas do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Zurique, montaram partes desse
EM SÍNTESE
¹y´y´yà¹å criaram células capazes de contar, somar, armazenar dados na memória e fazer operações lógicas básicas.
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Esses biocomputadores se comunicam via sinais químicos, que são inerentemente baàù¨y´ï¹åÎ yå´yàå ïD®Uz® ï{® m`ù¨
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tipo para criar sistemas que podiam realizar operações aritméticas simples. Um de nós (Lu), junto com Collins, George Church, da Escola de Medicina de Harvard, e outros, combinou unidades hereditárias de memória em uma cascata para produzir uma cepa modificada de E. coli capaz de contar até três. O estado de memória permanece intacto de uma geração celular para a próxima. Essa característica crucial permite armazenar informações sobre eventos passados para serem recuperadas no futuro. Em princípio, o contador que criamos poderia ser aprimorado para alcançar números mais elevados e registrar eventos importantes, divisão ou suicídio celular. UM ESPIÃO NO ORGANISMO
A computação biológica começou a ir além de demonstrações de provas de conceitos; potenciais aplicações do mundo real estão à vista. Nos últimos anos, nós e outros descobrimos muitas maneiras de projetar sensores, operadores lógicos e componentes de memória em circuitos genéticos que podem desempenhar tarefas úteis em células vivas. Em 2011, um grupo criou um sistema de lógica genética capaz de forçar uma célula a se autodestruir se contiver uma assinatura cancerígena específica. O circuito genético monitora os níveis de seis sinais biológicos; nesse caso, pedaços de RNA chamados microRNAs (miRNAs) que regulam a expressão gênica. Esses seis sinais formam uma assinatura distinta de células cancerosas de origem humana, conhecidas como células HeLa. Quando o circuito está numa célula HeLa, dispara um interruptor genético assassino e produz uma proteína que instrui a célula a suicidar-se. Na célula não HeLa, o circuito está inativo e não provoca o suicídio celular. Outros grupos, inclusive o nosso, apresentaram circuitos que realizam operações aritméticas básicas, calculam taxas ou logaritmos, convertem sinais digitais de dois bits em níveis analógicos de output de uma proteína, e registram e transmitem os estados ligado/desligado das portas lógicas da célula parental a seus filhos. No ano passado, nosso grupo e o de Christopher Voigt, ambos no MIT, criamos um microrganismo que age no intestino de um mamífero. Trabalhamos com camundongos, mas a espécie bacteriana que modificamos, Bacteroides thetaiotaomicron, vive em níveis muito elevados no intestino de cerca de metade dos humanos adultos. Antes disso, Pamela Silver, da Escola de Medicina de Harvard, e seus colegas modificaram genes de bactérias de E. coli para operar no intestino dos roedores. O biocircuito faz da bactéria um espião. Enquanto está ociosa, ela usa parte de seu DNA como um notebook para detectar se colidiu com uma substância química selecionada. Adotamos como alvo compostos inócuos, mas poderia ser uma molécula tóxica ou um biomarcador presente só quando o hospedeiro tem certo mal. Depois de ingerir os compostos, os camundongos excretam as bactérias em suas fezes. Nos microrganismos expostos ao alvo, os circuitos desencadeiam a produção de luciferase, uma enzima que brilha no escuro. O brilho é tênue, mas visível ao microscópio. Não é difícil imaginar como esses sistemas poderiam ser úteis para pessoas que têm um problema intestinal, como a doença inflamatória intestinal (IBD, na sigla em inglês) [ver box na próxima página]. Em breve, talvez possamos programar bactérias inócuas, que ocorrem naturalmente, para identificar e “relatar” sinais pre-
coces de câncer ou IBD. Os dispositivos poderiam mudar a cor das fezes, ou acrescer a elas uma substância química detectável em um kit barato, semelhante a um teste doméstico de gravidez. AS PARTES DURAS DE WETWARE
Sentinelas celulares como as que acabamos de descrever não precisam de muito poder computacional para melhorar em muito os testes de diagnósticos já disponíveis. Um teste IF/THEN, algumas portas AND e OR, e um ou dois bits de memória persistente são suficientes. Isso é uma sorte, porque engenheiros de bioinformática têm à frente uma lista de desafios que engenheiros eletrônicos de computação nunca tiveram de enfrentar. Comparada às velocidades em giga-hertz dos circuitos eletrônicos, a biologia avança no ritmo de um caramujo. Quando aplicamos inputs aos sistemas genéticos, costuma levar horas até que o output surja. Felizmente, vários eventos biológicos interessantes não operam em escalas de tempo muito curtas. Ainda assim, pesquisadores buscam acelerar a computação em células vivas. A comunicação é um problema à parte. Em computadores convencionais, evitar cacofonia é fácil: basta ligar componentes por meio de fios. Quando muitos componentes compartilham um fio, pode-se dar a cada um uma janela de tempo para falar ou ouvir, ao sincronizar cada parte com um sinal de um relógio universal. Mas a biologia é wireless, e não existe um relógio mestre. A comunicação dentro das células, e entre elas, é barulhenta. Uma razão para o ruído é que partes biológicas usam substâncias químicas, em vez de fios físicos, para trocar sinais. Todos os componentes que usam qualquer “canal” químico podem se comunicar ao mesmo tempo. E pior: as reações químicas subjacentes, que enviam e recebem sinais, são em si mesmas barulhentas; a bioquímica é um jogo de probabilidades. Projetar sistemas que calculem confiavelmente, apesar do ruído, é um desafio permanente. Essas questões afligem em especial sistemas de bioinformática que usam computação analógica, como muitos fazem, porque, como réguas de cálculo, dependem de valores (os níveis de proteínas ou RNAs) que podem variar quase todo o tempo. Sistemas digitais, em comparação, processam sinais que são HIGH ou LOW, TRUE ou FALSE. Embora isso torne a lógica digital mais robusta a ruídos, existem menos partes disponíveis que funcionam assim. O maior problema é a imprevisibilidade. Engenheiros elétricos têm modelos que preveem, com grande precisão, o que um novo design de circuito fará antes de o construírem. Biólogos não compreendem bem o suficiente como células funcionam para fazer tais previsões. Tateamos o caminho, muito por tentativa e erro, e muitas vezes descobrimos que os sistemas agem só por algum tempo. Depois colapsam. Muitas vezes não entendemos por que. Mas estamos aprendendo, e uma razão forte para construir computadores com células é que esse processo de construir, testar e “debugar” computadores biológicos pode revelar sutilezas da biologia celular e genética que ninguém havia notado antes. NASCIMENTO DE UMA NOVA MÁQUINA
Superar esses desafios pode levar décadas; alguns, como a velocidade algo lenta de processamento, talvez sejam intratáveis. Parece improvável que a bioinformática cresça em desempenho na www.sciam.com.br 41
A P L I CAÇ Õ E S M É D I CA S
Diagnóstico por biocomputador 3äîxDä lx `¸ÇøîDcT¸ U¸§¹`¸ä ǸlxßD îxß ßDlxälxDǧ`DcÆxä³D Dß`ø§îøßDj ³lùäîßD
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42 Scientific American Brasil | Maio 2016
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Como funciona
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mesma trajetória exponencial da computação digital. Não esperamos que computadores biológicos sejam mais rápidos que os convencionais. No entanto, engenheiros de bioinformática se beneficiam de um aumento cada vez mais acelerado da taxa com que conseguimos ler e sintetizar DNA bruto. Como a lei de Moore, isso reduz o tempo gasto para projetar, construir, testar e refinar circuitos gênicos todos os anos. Embora ainda seja cedo, aplicações de bioinformática comercialmente viáveis estão chegando. Células podem navegar por tecido vivo, distinguir sinais químicos e estimular crescimento e cura de maneiras que nenhum microchip já conseguiu. Se os diagnósticos por biocomputadores funcionarem bem, o próximo passo é empregá-los para tratar de doenças, quando e onde eles as detectarem. Clínicas oncológicas já começaram a isolar células do sistema imune, chamadas células T, de pacientes com câncer sanguíneo, para inserir nelas genes que as instruem a matar o câncer, e depois as reinjetam no corpo. Pesquisadores trabalham para acrescer lógica ao pacote genético inserido nas células T, de forma que elas detectem várias assinaturas de câncer e estejam equipadas com interruptores de desligamento, aos quais médicos possam recorrer para controlá-las. Outros tipos de câncer poderiam ser tratáveis por esta abordagem. Em 2013, Collins, Lu e outros biólogos fundaram a Synlogic, uma empresa para comercializar medicamentos que utilizam bactérias probióticas modificadas, que podem ser engolidas com segurança. Agora, a start-up aperfeiçoa biocomputadores para tratar fenilcetonúria e disfunções do ciclo de ureia, dois distúrbios raros, porém graves, que afetam pessoas desde o nascimento. Ensaios com animais já começaram, com resultados encorajadores. À medida que entendemos mais como o microbioma afeta a saúde humana, devemos descobrir que bactérias modificadas podem ser benéficas para um conjunto crescente de males, incluindo distúrbios inflamatórios, metabólicos e cardiovasculares. Com mais experiência e uma biblioteca cada vez maior de biopartes, medicamentos “inteligentes” se tornarão mais comuns e poderosos. E é provável que a tecnologia alcance outras áreas. No setor de energia, microrganismos inteligentes poderão produzir biocombustíveis. Em engenharia química e de materiais, biocomputadores podem ser úteis para sintetizar produtos hoje difíceis de fazer, ou exercer um controle pontual sobre a bioprodução, ou manufatura. Na conservação ambiental, poderiam monitorar locais remotos para detectar qualquer exposição cumulativa a substâncias tóxicas e então realizar reparações necessárias. O campo está, literalmente, evoluindo muito rápido. Quase com certeza, as aplicações mais incríveis de bioinformática ainda têm de ser concebidas.
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Programming a human commensal bacterium, Bacteroides thetaiotaomicron, to sense and àyåȹ´m ï¹ åï®ù¨ ´ ïy ®ùà´y ùï ®`à¹U¹ïDÎ Mark Mimee et al. em Cell Systems, vol. 1, nº 1, págs. 62–71; 29 de julho de 2015. 3Ă´ïyï` D´D¨¹ D´m mïD¨ `à`ùïå ¹à `y¨¨ù¨Dà `¹®ÈùïDï¹´ D´m ®y®¹àĂÎ Oliver Purcell e Timothy K. Lu em Current Opinion in Biotechnology, vol. 29, págs. 146–155; outubro de 2014. $ù¨ï´Èùï 2% UDåym ¨¹` `à`ùï ¹à my´ï`Dï¹´ ¹ åÈy`` `D´`yà `y¨¨åÎ Zhen Xie et al. em Science, vol. 333, págs. 1307–1322; 2 de setembro de 2011. D E N OSSOS A RQU I VOS
<mD å´ïzï`DÎ W. Wayt Gibbs; edição nº 25, junho de 2004.
www.sciam.com.br 43
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ECO LO G I A
DEBANDADA EM GALÁPAGOS Um aumento incessante no número de visitantes pode arruinar o famoso foco de biodiversidade em apenas alguns anos – Paul Tullis
Na ponta sul da ilha de Santa Cruz em Galápagos, um desafiladeiro conhecido como Las Grietas é o lar de uma espécie de peixe-papagaio: uma criatura de cores brilhantes de cerca de 46 cm de comprimento. O lago onde o peixe vive foi criado há muito tempo, quando ondas grandes se esparramavam por sobre a orla elevada da ilha e caíam em uma fenda profunda. Hoje em dia é refrescado por água da chuva que se infiltra pela rocha vulcânica 44 Scientific American Brasil | Maio 2016
porosa que forma o desfiladeiro íngreme. Em meio a isso tudo, a população do pequeno peixe-papagaio vem se desenvolvendo no lago, com água tão clara que é possível ver, através de quase 20 m, os vertebrados escondidos no fundo. Em agosto de 2014, programei para fazer uma caminhada ali com o naturalista Andrés Vergara. Nos encontramos no Hotel Finch Bay Eco e andamos cerca de 10 min por areia e terra irregu-
lar em um ritmo tranquilo. Então pegamos o trecho final da trilha sobre rochedos, depois para baixo pelas paredes de pedra do desfiladeiro, escalando feito caranguejo, até a borda do lago. Esse trecho era perigoso o suficiente para espantar o turista casual; só uns poucos aventureiros na verdade chegavam ao lago. É um local lindo. Nas bordas da rocha, 9 m acima, há lugar a partir do qual um visitante com coragem pode pular para a água lá embaixo.
Paul Tullis é editor na TakePart, revista digital de notícias. Ele já escreveu para IY_[dj_ÒY7c[h_YWdC_dZ, D[mOehaJ_c[iCW]Wp_d[ e IbWj[, entre outras.
Pinta Marchena
Enseada de Tagus
Genovesa
Ilhas Galápagos
EQUADOR
San Salvador Bartolomé Seymour Baltra
Fernandina
Isabela
Puerto Ayora
Santa Cruz
San Cristóbal
Santa Fé Baía da Las Tortuga Grietas Santa María 0 0
20 20
Española
40 milhas
40 quilômetros
bilidade causa impactos, e não é mais o único tipo de turismo que está sendo feito em Galápagos. A afluência de viajantes está em rota de colisão com aquilo que todos querem apreciar: a vida selvagem. De 20 espécies endêmicas criticamente ameaçadas, 16 vivem nas quatro ilhas habitadas que mais recebem visitas. Novas espécies invasoras, trazidas em grande parte pelos visitantes, estão dominando alguns nichos ecológicos. Uma iguana verde, que pode transmitir doenças do continente para espécies endêmicas, foi capturada em Puerto Ayora, em Santa Cruz, em agosto; ninguém sabe como ela chegou lá ou quantas podem ter vindo com ela. As Ilhas Galápagos não seriam o primeiro lugar sensível em termos ecológicos a ser danificado permanentemente por turistas. Visitantes desbastam corais em busca de suvenires na Grande Barreira de Corais. A frágil Antártida está sendo descoberta por navios de cruzeiro. Agora há uma loja Walmart em Teotihuacán, a milenar cidade mesoamericana no México, que foi exumada e restaurada. O Equador, ao deixar que a indústria do turismo se desenvolva de forma intensa, pode estar presidindo a destruição de uma joia da biodiversidade. Se isso acontecer, as ilhas também pode-
EM SÍNTESE
Um crescimento acentuado no número de turistas que visitam as Ilhas Galápagos ameaça a própria biodiversidade que as pessoas vão para observar. O Equador encorajou o Dù®y´ï¹ D ® my y´¹àmDà åyù ¹àcD®y´ï¹Î $Då ¹ yā`yy do Parque Nacional Galápagos, que foi demitido, assim 46 Scientific American Brasil | Maio 2016
como especialistas independentes de vida selvagem, dizem que o país precisa estabelecer um limite anual de visitantes ou as ilhas serão arruinadas. Os especialistas ĆyàD® ù® relatório, no início de 2014, recomendando um limite de 242 mil pessoas, mas dizem que a administração do presidente
Rafael Correa o ignorou. Nesse meio-tempo, a administração do parque está construindo passarelas e outras infraestruturas para facilitar o acesso a locais ecologicamente åy´å ÿyåj Õùy ȹmyàD® åyà mD´`Dm¹åÎ ¹ïzå ÈyÕùy´¹å e ilegais se expandiram para trazer ainda mais turistas.
Mapa de Mapping Specialists
PÁGINAS ANTERIORES: ERIN KRUSZEWSKI Getty Images(leões-marinhos); MATT MOYER Getty Images (iguana); DOUG CHEESEMAN Getty Images (turistas)
Tivemos sorte de fazer a visita naquela época, porque logo depois Las Grietas foi fechada para que as trilhas fossem melhoradas. Reabriu em dezembro de 2014. Vergara, que trabalha como guia no Parque Nacional Galápagos, me ligou então e disse que agora o local tem calçadão sobre as rochas, uma escada sofisticada que leva até a água e uma plataforma de madeira para o pulo no lago. “Faz parte de um plano do Parque Nacional Galápagos de tornar as coisas mais fáceis para a comunidade e para os visitantes”, disse. As melhorias elevaram dramaticamente o número de visitantes, que triplicou entre julho de 2014 e julho de 2015, quando 7.109 pessoas fizeram a caminhada. O que todos esses humanos significam para a viabilidade dos peixes-papagaio não está claro. Será que a quantidade maior de migalhas de sanduíche, protetor solar na água e as inevitáveis embalagens de plástico vão poluir seu hábitat único – e acabar arruinando o apelo turístico do lago? Desde que Charles Darwin visitou as ilhas em 1835 e as enxergou como um laboratório vivo de seleção natural, Galápagos se tornou globalmente conhecido como um dos melhores lugares para ver a vida selvagem. As ilhas contam com 14 espécies de saíras (conhecidas como tentilhão-dos-galápagos) e 12 espécies de tartaruga. Pinguins e flamingos vivem a alguns poucos quilômetros uns dos outros. Leões-marinhos são tão bem alimentados com peixes em abundância que nem se importam com os pinguins, que em outras partes do planeta caçam com rapidez. A lista de atrações selvagens, divulgada em panfletos jeitosos e em sites na web, é o motivo pelo qual alguns turistas aventureiros (e ricos) têm sido compelidos por décadas a fazer a longa viagem até o arquipélago. Nos últimos anos, no entanto, o número gotejante de turistas se transformou em uma enxurrada. No começo dos anos 1990, 41 mil pessoas visitavam Galápagos anualmente. Em 2013, o número ultrapassou 200 mil pela primeira vez. Mais de 224 mil visitantes vieram em 2015, outro recorde. Esse aumento é alimentado em parte por necessidade. O Equador está se debatendo em termos financeiros. O petróleo é responsável por 44% de sua renda com exportação. A fim de reforçar suas finanças e compensar a queda nos preços do petróleo, o governo se voltou para o turismo, permitindo que a indústria se desenvolva com mais facilidade nas ilhas e colaborando com projetos como o feito em Las Grietas. “O governo está trabalhando para aumentar de forma significativa o turismo em Galápagos; não há dúvida quanto a isso”, diz Swen Lorenz, que tem conhecimento em finanças e que, de 2011 até 2015, foi diretor-executivo da Fundação Charles Darwin, que aconselha o governo em relação a questões ecológicas. É possível fazer turismo de forma a preservar áreas naturais, beneficiar a população local e até financiar a conservação de hábitat e de espécies. Mas mesmo esse “ecoturismo” de responsa-
riam perder o interesse para os turistas e a renda que eles trazem. Em 2013, o Equador deu um passo para colocar Galápagos em uma trilha sustentá vel. O presidente Rafael Correa encomendou um estudo sobre o impacto do turismo crescente nas ilhas. O relatório que voltou foi grave: caso não se estabelecesse com rapidez um limite máximo em relação ao número de visitantes por ano, o desenvolvimento contínuo colocaria em perigo a biodiversidade do arquipélago e sua atratividade para os turistas. Mas, até agora, o governo de Correa não prestou atenção a essa advertência.
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LIMITE POLÊMICO SOBRE TURISTAS
O movimento para avaliar o impacto do turismo começou no final do verão de 2013, quando Arturo Izurieta recebeu de surpresa um telefonema de Lorena Tapia, na época ministra do meio ambiente do Equador. Izurieta, nativo do Equador, que viveu mais de 25 anos em Galápagos, trabalhava como conservacionista na Austrália. Tapia lhe oferecia uma chance de voltar para casa, para o arquipélago, e um cargo que ocupara no começo dos anos 1990: diretor da Reserva Marinha e Parque Nacional Galápagos. Além disso Tapia queria que Izurieta assumisse o problema do desenvolvimento sustentável, de acordo com Izurieta. (Tapia, por um porta-voz, rejeitou o pedido para ser entrevistada.) O presidente Correa, ela lhe disse, havia acabado de pedir um estudo sobre quantos turistas os Galápagos podiam acomodar. Quantos locais podiam ser abertos com segurança? Qual era o impacto geral da presença humana nas ilhas? O último item “era uma questão bastante empolgante”, lembra Izurieta. “Ela me perguntou: ‘Como vamos descobrir isso?’”. Correa queria a resposta em um ano. Izurieta começou em setembro. Logo reuniu uma comissão de especialistas, tais como Stephen J. Walsh, geógrafo que dirige o Centro para Estudos sobre Galápagos na Universidade da Carolina do Norte, e Carlos Mena, que, com Walsh, codirige o Centro de Ciência de Galápagos, que é gerido em conjunto pela Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill e pela equatoriana Universidade de San Francisco em Quito. Esse grupo incluía biólogos, geógrafos e um professor de faculdade de administração. A equipe decidiu definir cenários de crescimento do turismo e deixar que o governo decidisse qual gostaria de atingir segundo seu objetivo, fosse a geração de renda, a conservação das ilhas, ou um equilíbrio entre os dois. “A escolha se baseia na quantidade de risco que se está disposto a correr”, diz Walsh, e no que o governo valoriza. Se o governo decide duplicar o número de turistas, por exemplo, deve aceitar um risco maior de que o hábitat seja pisoteado e ocorram mais vazamentos de diesel e mais poluição de barcos. “Toda vez que é tomada uma decisão sobre a dimensão
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humana, ela afeta como Galápagos será no futuro”, diz Walsh. Walsh e Mena criaram modelos matemáticos dos ecossistemas das ilhas, a fim de determinar como diferentes níveis de crescimento, para diferentes perfis de turistas, afetariam diversos aspectos do meio ambiente. As 19 ilhas, e seus cerca de 145 locais protegidos, sofrem impactos diferentes dependendo se o turista está hospedado ali ou em um navio ancorado, por exemplo. Até a nacionalidade importa: a produção de lixo cresce mais rápido, por exemplo, quanto maior a porcentagem de turistas dos EUA. A equipe incorporou décadas de dados e os inseriu em algoritmos para entender como a mudança de um fator afetaria os outros. Quando Walsh e Mena elevaram o número de visitantes anuais, os modelos reveleram limites críticos — pontos nos quais os efeitos negativos começaram a modificar o ambiente de forma dramática, enviando algumas espécies para a ruína. Basicamente os modelos mostraram uma espiral de morte caso houvesse um crescimento descontrolado do turismo. As exigências para o desenvolvimento privado, a fim de sustentar o crescimento, destruiriam hábitats, e vegetação e animais seriam extintos. Depois de uma década mais ou menos, o declínio das espécies se tornaria tão evidente que, como resultado, a indústria de viagens se reduziria. Programas financiados pelos turismo, para restabelecer as espécies em dificuldades, ficariam sem recursos. “Se continuarmos a crescer”, diz Izurieta, “logo atingiremos o ponto sem volta.” Quão logo? O relatório de Izurieta, conhecido por Cenários para a Sustentatibilidade, define essa data como 2017. O crescimento ilimitado traria mais renda nos próximos 10 anos do que outros cenários. Mas a renda do turismo atingiria um pico em 2027 e depois declinaria. “O número de visitas ficará abaixo do que temos agora”, diz Izurieta. www.sciam.com.br 47
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O cenário alternativo de estabilização, que limitaria o número de visitantes a 242 mil por ano, representaria menos renda entre hoje em dia e 2027, mas vir-tualmente garantiria renda anual contínua por décadas. O limite, diz Izurieta, está baseado na capacidade de carga (total de visitas em certo período de tempo) de locais dentro das áreas protegidas. Ele reduziria o mercado dos hotéis gigantes e também diminuiria a procura por hotéis pequenos e ilegais, mas permitiria que o ecoturismo, de preço mais alto e pegada de carbono leve, que sustentou as ilhas por décadas, continuasse mais ou menos desimpedido. O grupo de Izurieta apresentou seu relatório em fevereiro de 2014. Durante a maior parte de 2014, de acordo com Izurieta e dois outros conservacionistas com quem conversei, Tapia discutiu o relatório com o atual ministro do Turismo, o diretor nacional de pla25 35 25 27 3 %53`¸³äxøßDßxî¸ß³DßßDcDäDxä
¸ßc¸älx`¸³ nejamento, o dirigente do conselho de governança de äxßþDcT¸³D³`Dl¸äxÇDßîxÇx§D`¸UßD³cDlxx³îßDlD³¸ÇDßÔøxÍDä¸äx¥D Galápagos e o diretor dos parques nacionais. O grupo Dl³äîßDl¸`¸ßxąDj¸îøßä¸Ç¸lxßD`¸xĀäîß`¸DäxäÇy`xä³DîþDäÍ “fez várias reuniões a fim de polir a apresentação que seria feita ao presidente Correa”, diz Izurieta. “Nessas reuniões, havia um consenso de que seria aconselhado o cenário que no mar podem tornar Galápagos “um destino de férias como de estabilidade.” No entanto, foi difícil conseguir que políticos qualquer outro, com hotéis de spa e ruas cheias de lojas de camisenacionais se concentrassem na política ambientalista no começo ta”, diz Lorenz, ex-diretor da Fundação Charles Darwin. de 2015. Os legisladores estavam muito ocupados com a revisão da O governo de Correa parece não estar tomando nenhuma Lei Especial de Galápagos de 1998, que determina coisas como o medida para retardar o crescimento, apoiando, ao invés, mudansalário mínimo e o número de licenças para barcos. O grupo deci- ças na Lei Especial que espera que desencorajarão o turismo. Ao diu adiar a apresentação até que uma nova lei fosse aprovada, o não fazer uma escolha, os líderes do Equador estão optando, por que aconteceu em junho de 2015. omissão, pelo crescimento descontrolado. Concedem às compaDois meses antes, no entanto, o ministro do Meio Ambiente nhias aéreas voos extras para o aeroporto Seymour, o maior das despediu Izurieta — sem explicação, ele diz. Tapia, por um porta- ilhas, na árida ilha de Baltra. Dão aos turistas licenças de entrada -voz, se recusou a comentar. Desde então, o relatório está esqueci- nos parques mesmo quando os requerentes não conseguem mosdo em uma prateleira, de acordo com diversas fontes. trar que possuem reserva em um hotel legalizado, como é formalmente exigido (há hotéis não licenciados em todo lugar). Funcionários do governo emitem as chamadas permissões de residência HOTÉIS ILEGAIS, VISITANTES ESTRANGEIROS Izurieta está convicto de que é essencial limitar os turistas. temporária sem data de expiração. Observadores próximos dizem que a limitação ao número de “Galápagos é o destino turístico gerenciado com mais cuidado no mundo”, diz Matt Kareus, diretor executivo da Associação Interna- visitantes não está próxima, porque os conselheiros de Correa evicional de Operadores Turísticos do Arquipélago de Galápagos. tam dar a má notícia de que o turismo terá que ser reduzido. “Não “Enquanto [Izurieta] estava no comando [do parque], não houve acho que o limite será estabelecido”, diz Juan Carlos Garcia, direum impacto maior nos locais protegidos — nenhum. Estava muito tor de conservação da filial equatoriana do World Wide Fund for bem administrado.” Mas qualquer número de turistas, não impor- Nature. “Todo mundo está com medo de dar qualquer número.” Duas modificações incluídas na Lei Especial revisada, que ta quão “eco” eles sejam, acarreta riscos. O simples ato de trazer combustível para apoiar até mesmo viagens de baixo impacto foram aceitas em abril, podem gerar mais problemas. Uma elimiaumenta os vazamentos, a emissão de carbono e a degradação da nou a exigência de que os residentes de Galápagos fossem majoriterra. Os ecoturistas podem, sem querer, trazer espécies invasoras tários em qualquer investimento feito nas ilhas; agora, os locais para as ilhas, assim como qualquer outra pessoa. A mosca parasita devem apenas estar “envolvidos” no novo projeto, um termo passíque está exterminando o pássaro do mangue provavelmente foi vel de várias leituras. A segunda permite mudar os limites do parintroduzida na década de 1960, quando as visitas turísticas eram que. Tecnicamente, essas duas modificações poderiam possibilitar que os investidores estrangeiros corram para lá, desenvolvam o menos de um vinte avos do que são hoje. “Ainda temos tempo de estabilizar o número de turistas, mas que já foi área de parque e deixem os habitantes com pouco ganho precisamos começar já”, disse-me Izurieta por telefone em abril de econômico pelas perdas no ecossistema. Sem um limite, é quase certo que o número de turistas com 2015. “Se não, não sei o que vai acontecer.” É fácil ver como as praias de areia branca do arquipélago, a água do oceano a 27° C, as base em terra aumentará, diz Kareus, da Associação Internaciopaisagens lindas e atividades como mergulho com snorkel e caia- nal de Operadores Turísticos do Arquipélago de Galápagos.
Eles usam mais energia e deixam mais lixo do que os viajantes que passam as noites em navios. O Serviço Nacional de Parques dos Galápagos regula, pelo sistema de gerenciamento, as visitas de turistas a áreas sensíveis, como as ilhas de North Seymour, onde aves-de-fragata e patolas-de pés-azuis magníficas aninham e criam seus filhos, e a Baía de Tortuga, onde tartarugas marinhas enterram os ovos. Mas o sistema foi projetado para uma proporção de leitos nos navios em relação a camas nos hotéis entre 1:1 e 1:2. Hoje há quase cinco vezes mais camas em hotéis do que leitos em navios, de acordo com estatísticas citadas por Izurieta, que substituiu Lorenz como diretor da fundação Darwin. E elas não incluem muitos hotéis não licenciados em crescimento, especialmente em Santa Cruz. Estipulou-se uma moratória na expansão e na construção de novos hotéis há cerca de uma década, mas nunca foi aplicada, de acordo com Felipe Cruz, vice-diretor-executivo da fundação, que vive nas ilhas há 30 anos. Ele conta que uma casa em seu bairro ganhou mais dois andares, e ele se surpreendeu ao ver uma placa de “hotel” quando a construção foi finalizada. Muitas das construções, dizem Cruz e outros, são de instalações baratas que atendem universários mochileiros e pessoas da América do Sul que vão para lá passar o fim de semana. Para a classe média em expansão da região, uma viagem aérea de US$ 300 de Santiago ou Buenos Aires para Baltra está ao alcance de mais gente do que jamais esteve. Izurieta aplaudiu a abolição da moratória para hotéis porque crê que levará a novas construções mais bem reguladas. Legalizar o que ocorria de qualquer jeito colocará esses locais sob o olhar das autoridades. Apesar de o Ministério do Turismo dizer que novos hotéis serão limitados a 35 quartos, será preciso resistir à pressão da indústria, diz ele. Lorenz me enviou documentos produzidos por uma consultora financeira chamada Stock & Fund Managers, que assegurava que ela e um grupo de investimento haviam “garantido dois locais privilegiados” para erguer 39 “vilas” e dois hotéis totalizando 95 quartos, sendo que um dos projetos oferecia “restaurantes, áreas de diversão, salas de reunião, spas e piscinas”. Lorenz diz que em 2014 o Kempinski Hotels, da Alemanha, e o Waldorf Astoria Hotels & Resorts apresentaram planos de grandes empreendimentos para Correa. Os hoteleiros disseram não ter projetos confirmados nas ilhas, e o ministério do Turismo não quis comentar, apesar de ter emitido um anúncio, em 9 de setembro de 2015, reconhecendo que a aprovação, pelo conselho de governança de Galápagos, de três projetos somando 36 quartos “reasseguram o banimento dos mega-hotéis dos Galápagos”. VONTADE POLÍTICA
A conservação e o turismo em Galápagos não são incompatíveis; a renda dos visitantes pode ajudar a proteger o hábitat e a vida selvagem. Visitei um berçário que trabalhava para recuperar uma espécie de tartaruga gigante que quase havia sido extinta por ratos que devoram seus ovos. Logo após, um estudo publicado na PLOS ONE relatou que um programa de reprodução cativa similar para a população de tartarugas gigantes na ilha de Española, somado a esforços de erradicação de cabras por lá, havia sido tão bem-sucedido que hoje sua população é considerada estável. A
bilheteria do parque financiou grande parte do trabalho, ao lado de fundos vindos de organizações ambientalistas. As condições da vida selvagem nas ilhas desabitadas, onde espécies invasoras como as cabras também já fizeram estragos, estão também melhorando graças a programas de conservação financiados pelo turismo. Eliécer Cruz, ex-diretor do Serviço Nacional do Parque Nacional Galápagos, que o presidente Correa tornou presidente do conselho de governança do arquipélago em abril de 2015, me contou, em outubro último, que estava trabalhando em modificações no sistema de imigração, a fim de limitar os número de visitantes. Também disse que ele e os ministros relevantes haviam conversado, no dia anterior, sobre finalmente apresentar Cenários para a Sustentabilidade para o presidente Correa. Segundo ele, um limite de 242 mil visitantes por ano, o número que o relatório diz ser sustentável, é “realmente importante”. Mas, em fevereiro, o atual chefe do Sistema Nacional do Parque Galápagos, Walter Bustos, confirmou que o relatório ainda não havia sido apresentado. Bustos me contou que o novo ministro do Meio Ambiente, Daniel Ortega, decidiu “atualizar os dados” do relatório de Izurieta. Perguntado sobre isso, Walsh disse por email que o pedido “não é para mudar os resultados do modelo usado”, mas para “observar de forma explícita a economia do turismo em Galápagos”. De todo modo, disse Bustos, “não é tão fácil” pôr o limite de 220 mil por ano, aduzindo que “acho que podemos alcançar 220 mil por outras políticas.” Ele disse que a restrição a 35 quartos para novos hotéis e a exigência de aprovação pelo conselho de Galápagos como modelos de medidas que vão “reduzir o ritmo de crescimento” do turismo nas ilhas. A questão é se isso pode ser feito antes de o patamar de 242 mil ser ultrapassado, o que no ritmo atual acontecerá na primeira metade de 2017. Quanto ao motivo pelo qual Izurieta foi demitido, ele não dará sua opinião de forma oficial. Dias depois de perder seu emprego em abril, ele escreveu que se tratava de uma “decisão política” e que”embora a respeite, não concordo necessariamente com ela”. Nesse meio-tempo, a construção turística continua em ritmo rápido. Um projeto de infraestrutura de US$ 2,5 milhões está em andamento. Parte dos recursos irá para a enseada Tagis, na ilha de Isabela, onde, em 29 setembro de 1835, Darwin se deparou com lagartos grandes e pretos, com entre 1 e 2 m de comprimento. Não fica claro em seu diário se ele chegou ali por barco ou fez a desafiante escalada para baixo a partir das montanhas ao redor, mas de qualquer modo é difícil chegar à enseada. A administração do parque pretender construir escadas.
PA R A C O N H E C E R M A I S
5y D¨EÈD¹åi %DïùàD¨ åï¹àĂÎ Henry Nicholls. Basic Books, 2014. D¨DÈD¹å Dï ïy à¹ååà¹Dmåi 0àDïyåj ¹¨¹åïåj 5¹ùàåïåj D´m àyDï¹´åïå Dïï¨y ¹à DàĀ´Ýå àDm¨y ¹ ÿ¹¨ùï¹´Î Carol Ann Bassett. National Geographic, 2009. 0¨ù´myà´ 0DàDmåyi 5y D´m ¹ $D´ ¹´ ïy D¨EÈD¹å å¨D´måÎ Michael D’Orso. Harper, 2002. 5y yD§ ¹ ïy ´`i 3ï¹àĂ ¹ ÿ¹¨ùï¹´ ´ 'ùà 5®yÎ Jonathan Weiner. Knopf, 1994. D E N OSSOS A RQU I VOS
' ¨yDm¹ ÿÿ¹ my DàĀ´Î Gary Stix; Fevereiro, 2009.
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CIÊNCIA EM GRÁFICO
Viagens com o Zika 'þßøäîßD³äîl¸Çx§¸¸äÔøî¸ß¸øÇDßD¸ä äîDl¸ä7³l¸älxþEßDäÇDßîxäl¸ø³l¸ O surto de Zika explodiu nos noticiários internacionais este ano, juntamente com alertas aos viajantes, imagens desoladoras de bebês afetados durante a gestação e uma ligação com uma doença autoimune que pode causar paralisia. A notificação do vírus nos Estados Unidos data de 2007, quando médicos voluntários americanos contraíram a doença num surto na Micronésia e apresentaram os sintomas depois de terem voltado para o Alasca. Desde então, mais 50 casos foram identificados nos Estados Unidos. Praticamente todos esses pacientes contraíram o vírus enquanto estavam no exterior, mas pelo menos duas infecções foram adquiridas por relações sexuais.
Como os Centros para Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos não fornecem uma análise detalhada dos casos de Zika estado por estado, a Scientific American reuniu e analisou informações das secretarias da saúde de 50 estados e do Distrito de Columbia e acompanhou funcionários da saúde de alguns municípios e cidades. O resultado foi este mapa exclusivo que mostra as primeiras rotas que o vírus seguiu até chegar aos Estados Unidos. —Dina Fine Maron
Flórida Texas
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50 Scientific American Brasil | Maio 2016
Nova York
Minnesota 2014
Nova Jersey Washington D.C.
2015
Illinois
Washington D.C.
Haiti Guatemala El Salvador Honduras
Kiribati
Ilhas Cook
Polinésia francesa
Porto Rico Venezuela Colômbia Brasil
Virgínia
Senegal
Arkansas Massachussets
Ilha de Páscoa (Chile)
Minnesota País com transmissão efetiva do vírus Zika (atualizado até 8 de fevereiro de 2016)
Geórgia 2016 (atualizado 8/fevereiro/2016)
Mapa por Mapping Specialists, gráficos por Jen Christiansen
FONTE: CENTROS DE CONTROLE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS DOS ESTADOS UNIDOS (PAÍSES COM TRANSMISSÃO EFETIVA)
2009
Alasca
2007
Oregon