Mente.e.cérebro.ed.318.julho.2019.pdf

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| ESPECIAL | ALFABETIZAÇÃO: TEMPO DE APRENDER ANO XIII No 318

DESCONFIANÇA Suspeitar demais da honestidade alheia faz pessoas perderem dinheiro AUTISMO Pessoas com a síndrome entendem melhor nuances de voz do que das expressões faciais FOBIA Filmes de super-heróis ajudam a superar

QUANDO DEPRIMIR É NECESSÁRIO Há situações em que o humor depressivo ajuda a manter a saúde mental

carta da editora

A saída é para dentro

V

ivemos tempos de pouco espaço para a introspecção e para a vivência dos próprios lutos, mesmo os menores, corriqueiros e, ainda assim, necessários. Não por acaso há tantos milhões de pessoas deprimidas no mundo. Como nos ensina Freud, o que é banido da consciência tende a retornar como sintoma. A teoria serve tanto para entender o funcionamento psíquico dos sujeitos individualmente quanto dos grupos sociais. Em um mundo em que o prazer é valorizado acima de tudo – haja vista os apelos da publicidade por toda parte – parece haver cada vez menos tolerância para com quem mergulha na própria dor. Ainda mais nos dias atuais, em que o acesso fácil às drogas promete o bem-estar, quase em um passe de mágica. Com frequência, os antidepressivos são receitados e vendidos como produtos capazes de banir a angústia – e não apenas própria da melancolia que corrói a vida aos poucos e pode ser clinicamente diagnosticada, mas também os sentimentos inerentes aos maus bocados pelos quais todos passamos em algum momento da vida, seja em razão da perda do emprego, do fim de um relacionamento ou da morte de um ente querido. Não é de admirar, portanto, que para fugir do desconforto psíquico tantas pessoas recorram ao uso de fármacos. Mas os medicamentos não são milagrosos e podem trazer vários efeitos colaterais. Cientes disso, na contramão de uma legião de médicos que receitam antidepressivos de forma quase banal, cientistas e psicanalistas se unem para trazer uma mensagem incômoda: em muitos casos, vivenciar estados depressivos brandos pode ser a saída mais saudável para entrar em contato com os próprios sentimentos, elaborar experiências – e crescer emocionalmente. Obviamente não se trata de idealizar o sofrimento: há casos em que a medicação é necessária sim – mas nem sempre. Além de funcionar como mecanismo de autoproteção contra situações desgastantes, o rebaixamento do humor nos faz rever crenças e atitudes. Entenda mais sobre o assunto nesta edição digital de Mente e Cérebro. Boa leitura.

GLÁUCIA LEAL, editora-chefe

[email protected] @glau_f_leal

3

sumário

julho 2019 6 A batalha visual Pessoas com personalidade dominante tendem a suportar melhor os olhares agressivos, sem se desviar

26 O preço da desconfiança Suspeitar demais das intenções alheias prejudica a capacidade de ganhar dinheiro; em vez de nos proteger, descrença na honestidade traz prejuízos

30 Roer unhas em busca de perfeição

Os hábitos repetitivos focados no corpo podem ser compreendidos como uma forma de tentar aliviar o tédio, a irritação e a insatisfação consigo mesmo

capa 10 Quando deprimir é necessário Especialistas defendem que, em muitos casos, a depressão pode ser uma adaptação mental saudável, capaz de nos ajudar a resolver problemas complexos

16 Decisões mais sábias

34 Super-heróis X medo Para superar seus medos, nada como enfrentálos. Uma equipe israelense encontrou uma maneira original de fazer isso: assistir aos filmes do Homem-Aranha

38 O componente auditivo do autismo

Novas evidências sugerem que autistas entendem os sinais sociais transmitidos por vozes de forma mais eficiente do que pela visão; descoberta pode facilitar processos de inclusão

Estudos revelam que pessoas deprimidas tendem a ser hábeis em tarefas que exigem capacidade de analisar vantagens e desvantagens das opções possíveis

22 O que é indispensável saber sobre depressão Principal causa de incapacitação para a vida profissional e afetiva, a patologia contribui para o aumento de carga global de doenças. Segundo OMS, acompanhamento psicológico é fundamental

42 De perto é melhor Pesquisadores acreditam que toques sutis, como encostar a mão no ombro do interlocutor, favorecem a confiança entre as pessoas

especial Alfabetização

46 O tempo a favor

da aprendizagem

Pesquisa sobre relação de processos de consolidação da memória mostra como crianças pequenas registram informações e valoriza o esquecimento, considerado essencial para apreensão de informações

50 A hora de ler e escrever

Situações lúdicas favorecem o desenvolvimento de esquemas mentais e exercitam a memória. Brincar de fazer imitações, por exemplo, ajuda a ampliar capacidades cognitivas

www.mentecerebro.com.br Presidente: Edimilson Cardial Diretoria: Carolina Martinez, Marcio Cardial e Rita Martinez Editora-chefe: Gláucia Leal Editora de arte: Sheila Martinez Colaboradores: Maria Stella Valli e Ricardo Jensen (revisão) Tratamento de imagem: Paulo Cesar Salgado Produção gráfica: Sidney Luiz dos Santos Escritórios regionais: Brasília – Sonia Brandão (61) 3321-4304/9973-4304 [email protected] Rio de Janeiro – Edson Barbosa (21) 4103-3846 /(21) 988814514 edson. [email protected] MARKETING/WEB Diretora: Carolina Martinez Gerente de marketing: Mariana Monné

ASSINATURAS E CIRCULAÇÃO Supervisora: Cláudia Santos Eventos Assinaturas: Simone Melo Mente e Cérebro é uma publicação mensal da Editora Segmento com conteúdo estrangeiro fornecido por publicações sob licença de Scientific American.

seções

Spektrum der Wissenschaft Verlagsgesellschaft, Slevogtstr. 3-5 69126 Heidelberg, Alemanha

3 CARTA DA EDITORA

Editor-chefe: Carsten Könneker Gerentes editoriais: Hartwig Hanser e Gerhard Trageser Diretores-gerentes: Markus Bossle e Thomas Bleck

54 LIVRO • LANÇAMENTO Sim, a psicanálise cura!

Acompanhe a @mentecerebro no Instagram Saiba com antecedência qual será o tema da capa da próxima edição

www.mentecerebro.com.br

MENTE E CÉREBRO ON-LINE Visite nosso site e participe de nossas redes sociais digitais. www.mentecerebro.com.br facebook.com/mentecerebro twitter.com/mentecerebro Instagram: @mentecerebro REDAÇÃO Comentários sobre o conteúdo editorial, sugestões, críticas às matérias e releases. [email protected] tel.: 11 3039-5600 fax: 11 3039-5610 Cartas para a revista Mente e Cérebro: Rua Paulistania, 551 São Paulo/SP - CEP 05440-001 Cartas e mensagens devem trazer o nome e o endereço do autor. Por razões de espaço ou clareza, elas poderão ser publicadas de forma reduzida. PUBLICIDADE Anuncie na Mente e Cérebro e fale com o público mais qualificado do Brasil. [email protected] CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR Para informações sobre sua assinatura, mudança de endereço, renovação, reimpressão de boleto, solicitação de reenvio de exemplares e outros serviços São Paulo (11) 3039-5666 De segunda a sexta das 8h30 às 18h, [email protected] www.editorasegmento.com.br Novas assinaturas podem ser solicitadas pelo site www.lojasegmento.com.br ou pela Central de Atendimento ao Leitor Números atrasados podem ser solicitados à Central de Atendimento ao Leitor pelo e-mail atendimentoloja@editorasegmento. com.br ou pelo site www.lojasegmento.com.br MARKETING Informações sobre promoções, eventos, reprints e projetos especiais. [email protected] Editora Segmento Rua Paulistania, 551 São Paulo/SP - CEP 05440-001 www.editorasegmento.com.br Edição no 318, julho de 2019, ISSN 1807156-2.

socialização

A batalha visual Pessoas com personalidade dominante tendem a suportar melhor os olhares agressivos, sem se desviar; cientistas holandeses usaram imagens subliminares para entender melhor esse comportamento

A sérvia Marina Abramovic em sua performance A artista está presente, realizada no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), em 2012. Na ocasião, ela passou um total de 736 horas sentada em uma cadeira de madeira, conservando apenas o contato visual com 1.675 pessoas. Em dado momento, foi surpreendida com a chegada de seu exmarido, o também artista plástico Ulay

6

socialização

E

ntre os nossos parentes próximos, os chimpanzés, o lugar ocupado por um indivíduo na hierarquia social é quase sempre negociado sem violência física: uma simples batalha de olhares decide quem

é mais poderoso. Os seres humanos em geral também não costumam se estapear para marcar sua posição social. “Mas, assim como seus ‘primos’ peludos, frequentemente usam, às vezes até sem se dar conta, a competição com os olhos”, afirma o pesquisador David Terburg, da Universidade de Utrecht, na Holanda. Segundo ele, personalidades socialmente dominantes evitam menos olhares agressivos, em comparação aos mais retraídos. Em um experimento coordenado por Terburg, 40 jovens adultos observaram uma tela na qual se alternavam, sequencialmente, figuras ovais nas cores azul, verde ou vermelha. Entre elas, apareciam, em ordem alternada, três pontos das mesmas cores. Os voluntários deviam inicialmente fixar o olhar na figura e depois desviar os olhos, o mais rápido possível, para o ponto da mesma cor. Pouco antes, porém, surgia na tela, de forma subliminar, um rosto com uma expressão feliz, neutra 7

socialização

Em artigo sobre o estudo publicado no periódico científico Psychol. Sci., os cientistas afirmam que “indícios de autoestima e segurança podem ser reconhecidos em frações de segundos” ou furiosa por apenas 33 milissegundos. Com isso, os participantes não percebiam conscientemente a imagem dos rostos. Os cientistas cronometraram o tempo que os participantes do experimento levavam para desviar o olhar da figura oval para o ponto. Na sequência, os voluntários preencheram questionários. A tabulação das respostas permitiu aos pesquisadores aferir o quão dominantes ou indulgentes eram cada um dos jovens e como tendiam a se comportar em relação aos seus iguais. Em artigo sobre o estudo publicado no periódico científico Psychol. Sci., os cientistas dizem que “indícios de autoestima e segurança podem ser reconhecidos em frações de segundos”. A afirmação se baseia na análise que mostrou que quanto mais autoconfiante a pessoa, mais tempo o seu olhar permanecia fixo nas figuras que se seguiam a uma expressão irritada. Já os participantes socialmente reservados ou que se sentiam inseguros fixavam o olhar por mais tempo quando os rostos felizes apareciam. Provavelmente no dia a dia várias vezes nos desviamos visualmente de rostos que nos intimidam ou sustentamos o olhar, apesar de detectarmos sinais, ainda que ínfimos, de agressividade alheia. Perceber esse comportamento pode trazer pistas importantes a respeito de nossas interações sociais. 8

capa

Especialistas defendem que, em muitos casos, a depressão pode ser uma adaptação mental saudável que nos oferece melhores condições para resolver problemas complexos

Quando deprimir é necessário

capa

O

s números são assustadores. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 300 milhões de pessoas no planeta sofram hoje com depressão. No dia a dia, é raríssimo encon-

trar um adulto que não conheça alguém que já apresentou sintomas ou tenha, ele mesmo, enfrentado o problema. A prevalência incrivelmente alta – em comparação com outros distúrbios mentais que afetam apenas cerca 1,5% da população, como a esquizofrenia e o transtorno obsessivo compulsivo – parece representar um paradoxo evolutivo. O cérebro desempenha funções cruciais para a sobrevivência e a reprodução, por-

Antropologia mostra que sintomas depressivos surgem em sociedades nas quais as pessoas ainda vivem em ambientes similares aos de nossos ancestrais

tanto, as exigências da evolução deveriam ter tornado esse órgão tão complexo mais resistente. E, em geral, os transtornos mentais são raros. Mas por que isso não se aplica à depressão? A questão poderia ser solucionada se o quadro fosse decorrente do envelhecimento ou uma consequência do estilo de vida moderno. O avanço da idade, porém, não funciona como explicação, pois os primeiros episódios depressivos tendem a se manifestar na adolescência ou no início da vida adulta. Assim, à semelhança da obesidade, a depressão talvez seja um problema que surge devido às enormes diferenças entre as condições da vida moderna e as de nossos ancestrais. Mas essa explicação também não é satisfatória. Os sintomas da depressão são encontrados em todas as culturas já examinadas em profundidade, como a dos Aché, no Paraguai, e a dos !Kung, no sul da Áfri11

capa

ca: sociedades nas quais as pessoas vivem em ambientes similares aos que existiram em nosso passado evolutivo.

E se não for doença? Existe outra possibilidade: talvez, na maioria dos casos, a depressão não deva absolutamente ser considerada um distúrbio. Muitos cientistas acreditam que esta seja, na verdade, uma adaptação, um estado mental que sem dúvida traz um ônus real, mas que também produz benefícios concretos. “Na depressão, a mente se torna mais analítica e concentrada – uma reação útil para a resolução de problemas complexos que provavelmente estão na base dos primeiros fatores a desencadeá-la”, afirma o doutor em psicologia Paul W. Andrews, pesquisador na Universidade McMaster, no Canadá. “Se os profissionais de saúde mental a enxergarem sob este prisma, estarão mais bem preparados para aliviar a dor e o sofrimento que acompanham o quadro.” Ao longo de sua história, a psiquiatria se esforçou para definir o conceito de doença mental. Psiquiatras como J. Anderson Thomson Jr., pesquisador da Universidade da Virgínia, lembra que os critérios diagnósticos atuais exigem a presença de “sofrimento ou incapacitação clinicamente 12

capa

Em situações extremas, a excitação pode levar ao colapso dos neurônios, assim como o carro tende a quebrar quando é forçado

significante” para que uma condição psicológica seja vista como um transtorno. Mas questiona se um traço seria o bastante para representar um distúrbio. Thomson Jr. propõe que consideremos o fato de que uma pessoa com febre alta parece experimentar sofrimento e incapacitação: sua capacidade de trabalhar e pensar é prejudicada e, muitas vezes, sente fortes dores, além de mal-estar generalizado. Ele ressalta que tais sintomas não são, porém, suficientes para garantir que a febre seja considerada um transtorno. Trata-se, é claro, de uma reação que desenvolvemos contra as infecções, que mobiliza células de defesa aos tecidos com maior risco de infecção e regula a produção de substâncias necessárias à ação imune – mas que poderiam causar graves danos ao organismo se produzidas todas ao mesmo tempo. 13

capa

Essa sofisticada “coordenação” é um forte indício de que a febre é adaptativa: trata-se de um traço moldado pela seleção natural ao longo do tempo para cumprir uma função útil. De fato, diversos estudos envolvendo humanos e outros animais demonstraram que suprimir a febre com aspirina ou outro medicamento tende a prolongar a doença e que a febre aumenta as chances de sobrevivência em casos de infecções graves. Thomson Jr. e Andrews salientam que esse critério do “sofrimento e incapacitação” adotado pela psiquiatria leva a conclusões equivocadas sobre os transtornos – a febre não resulta do funcionamento deficiente do corpo; o que ocorre é exatamente o contrário. Na depressão também surgem sofrimento e incapacitação. Trata-se de uma condição emocional dolorosa e os indivíduos deprimidos têm, com frequência, dificuldade para exercer suas atividades cotidianas. Não conseguem se concentrar no trabalho e nos estudos, costumam se isolar socialmente, ficam letárgicos, e, muitas vezes, perdem a capacidade de extrair prazer de atividades como a alimentação e o sexo. Isto, porém, não significa que um episódio depressivo seja 14

capa

um transtorno mental, assim como os sintomas dolorosos da febre não configuram, por si sós, uma doença. Ainda que seja falha a definição psiquiátrica dos transtornos mentais, porém, são necessários mais elementos para que possamos suspeitar que um estado mental tão debilitante seja adaptativo e não disfuncional. Uma das razões para acreditar que a depressão pode ser útil é fornecida pelas pesquisas sobre uma molécula cerebral conhecida como receptor 5HT1A. Ela se liga ao neurotransmissor serotonina, outra molécula do cérebro profundamente envolvida nos mecanismos que desencadeiam a depressão e visada pela maior parte dos medicamentos antidepressivos disponíveis. Roedores desprovidos desse receptor exibem menos sintomas depressivos em resposta ao estresse, o que indica que o 5HT1A está, de algum modo, envolvido na origem da depressão. Ao comparar a composição da parte funcional do receptor 5HT1A dos ratos à dos homens, notou-se uma similaridade de 99%, indicando que a molécula é tão vital que a seleção natural a preservou por milhares de anos desde o tempo em que viveu nosso ancestral comum. Assim, a capacidade de “acionar” a depressão parece ser algo importante – e não mero acidente evolutivo ou o resultado de uma disfunção cerebral. (Leia mais sobre o tema nas págs. seguintes) 15

capa

Decisões mais sábias Dilemas complexos exigem pensamento atento e habilidade política. Experiências de laboratório indicam que pessoas deprimidas são boas em resolver esses impasses, por analisar melhor as vantagens e desvantagens das opções possíveis 16

capa

O

que poderia haver de tão útil na depressão? Aparentemente, nada. Mas só aparentemente. Os deprimidos costumam pensar intensamente em seus problemas. Tais pensamentos são chamados de ru-

minações obsessivas: são ideias persistentes que tomam conta da mente e tornam difícil raciocinar sobre qualquer outra coisa e tudo parece desinteressante. Vários estudos já mostraram que, muitas vezes, esse modo de pensar é extremamente analítico. Nesse estado, a pessoa se debruça sobre um problema complexo, dividindo-o em componentes menores, examinando-os detalhadamente, um de cada vez.

Perda de apetite tem o objetivo de livrar o cérebro da “distração” com o alimento para que a pessoa se concentre no que realmente a incomoda

Essa maneira analítica de pensar pode ser altamente produtiva.

Cada uma das partes, quando isolada, não oferece tanta dificuldade, de modo que o problema se torna mais manejável. Na verdade, diante de uma situação difícil, entrar em um estado depressivo (ainda que provisoriamente) é, não raro, uma reação que ajuda a resolver o problema. Em algumas de nossas pesquisas, encontramos indícios de que, em testes de inteligência, as pessoas que mais se deprimem ao lidar com proposições complexas são as que obtêm pontuação mais alta. Mas é preciso fazer aqui uma distinção entre o estado depressivo (assim denominado pela psicanalista Melanie Klein), marcado pela introspecção, necessário para elaboração de situações de angústia, e a depressão patológica, que pode ser incapacitante e até levar ao suicídio. O estado depressivo surge em situações de luto (seja pela perda de um ente querido, uma separação ou perda de emprego, por exemplo). O fato de 17

capa

ser saudável não faz dele menos sofrido. Pelo contrário, é marcado pela tristeza necessária e por períodos de recolhimento.

Gasto de energia Do ponto de vista físico, a análise exige boa dose de pensamento ininterrupto e a depressão propicia muitas mudanças cerebrais que nos ajudam a avaliar vários aspectos sem nos dispersar. Para que uma pessoa não se desvie do objetivo é preciso que os neurônios do córtex pré-frontal ventrolateral (CPFVL) sejam continuamente ativados. Isso, porém, acarreta grande gasto energético no cérebro. Além disso, a excitação contínua pode levar ao colapso dos neurônios, assim como o motor de um automóvel tem maior probabilidade de quebrar quando forçado. Estudos sobre depressão em ratos mostram que o receptor 5HT1A está envolvido no fornecimento aos neurônios do combustível necessário ao funcionamento e à proteção contra o risco de colapso. Esses processos permitem a continuidade ininterrupta das ruminações, minimizando os danos neuronais, o que pode explicar a grande importância evolutiva dessa molécula. O desejo de isolamento social, por exemplo, ajuda o deprimido a evitar situações que o obrigariam a pensar em outros assuntos. Da mesma forma, a incapacidade de obter prazer com o sexo ou outras atividades evita que ele se envolva em algo que o distrairia do problema. Pensando assim, fazem sentido todas 18

capa

as metáforas e obras de arte que representam esse quadro como uma espécie de prisão. Até a perda de apetite, comumente observada na depressão, pode ser vista como um estímulo aos pensamentos obsessivos, pois a mastigação e outras atividades orais interferem na capacidade do cérebro de processar informações. A ruminação é tão resistente às distrações que as pessoas deprimidas geralmente têm pontuações menores do que aquelas que não se encontram nesse estado em avaliações cognitivas e testes de interpretação de texto. Há uma abundância de dados indicando que elas fazem menos pontos porque estão pensando em outros assuntos, que interferem em sua capacidade de concentrar-se nos exercícios propostos. Os deprimidos simplesmente têm dificuldade para pensar em qualquer outra coisa que não os problemas que desencadearam a depressão. Mas existe indício de que toda essa ruminação faça algum bem? A maioria dos clínicos e pesquisadores acredita que os pensamentos obsessivos típicos do rebaixamento do humor sejam prejudiciais. Os pesquisadores acreditam que se essa hipótese estivesse correta, as estratégias para evitá-los ou interrompê-los deveriam levar a uma resolução mais rápida. Mas os fatos não confirmam essa previsão. Indivíduos que tentam evitar as ruminações, distraindo-se ou buscando fuga no álcool e nas drogas, ten19

capa

dem a ter episódios depressivos mais longos. Intervenções que estimulam a ruminação, porém, como a psicoterapia e em alguns casos o incentivo à escrita que expresse os próprios sentimentos costumam promover a resolução mais rápida da depressão. Outros dados que apontam na mesma direção provêm de diversos estudos em que se demonstra que pessoas em estados de ânimo depressivo se saem melhor na solução de dilemas sociais – conflitos de interesse com um parceiro de cuja cooperação sejam dependentes. “Essas situações complexas, que envolvem vários elementos – exatamente o tipo de desafio que exige análise concentrada –, são também relevantes o suficiente para motivar a evolução de um estado mental tão oneroso”, afirmam . Dilemas complexos exigem pensamento atento e habilidade política. Experiências de laboratório indicam que pessoas deprimidas são boas em resolver esses impasses, por analisar melhor as vantagens e desvantagens das opções possíveis. As pesquisas indicam também que tais dilemas são gatilhos naturais da depressão – por exemplo, conflito com o parceiro. Considerando que a depressão é despertada por problemas sociais complexos, a ruminação ininterrupta ajudando os deprimidos a resolver esses problemas, a capacidade ancestral do receptor 5HT1A de ativar o rebaixamento do humor e o papel deste na garantia de que os pensamentos obsessivos não sejam interrompidos, parece pouco provável que a depressão seja 20

capa

A medicação nem sempre é necessária e em casos leves e moderados pode funcionar apenas como placebo, mas o acompanhamento psicológico é fundamental um transtorno no qual o cérebro funcione de modo irregular. Ao contrário, esse estado de fato se assemelha à febre – um complexo elemento organizado de nossa biologia que, apesar de doloroso, cumpre uma função específica. Não resta dúvida de que a depressão existe como patologia, mas, tal qual se dá com a esquizofrenia e o transtorno obsessiPARA SABER MAIS Is serotonin an upper or a downer? The evolution of the serotonergic system and its role in depression and the antidepressant response. Paul W. Andrews, Kyuwon R Lee, Molly Fox e J. Anderson Thomson Jr., em Neuroscience & Biobehavioral Reviews 51:164-188. Fevereiro 2015 The bright side of being blue: depression as an adaptation for analyzing complex problems. Paul W. Andrews e J. Anderson Thomson, Jr., em Psychological Review, vol. 116, nº 3, págs. 620-654, julho de 2009. Bem-estar e consumo. Maria Silvia Bolguese. Mente&Cérebro nº 160, págs. 58-63, maio de 2006.

vo compulsivo, sua taxa de incidência está provavelmente mais próxima de 1% ou 2% da população do que de 30%. O número exagerado de diagnósticos pode se dever ao fato de que as pessoas às vezes relutam em falar sobre os problemas que desencadearam seus episódios depressivos. As questões envolvidas costumam ser embaraçosas, delicadas e, geralmente, dolorosas. Algumas pessoas acreditam que devem seguir em frente ignorando as angústias, ou simplesmente não sabem expressar em palavras seus conflitos internos. Em casos assim, são maiores as chances de que o terapeuta ou pesquisador pense no episódio depressivo não como uma reação saudável às dificuldades da vida, mas sim como consequência de uma disfunção. A depressão, porém, é a forma que a natureza encontrou para dizer que temos problemas sociais complexos e que a mente está determinada a resolvê-los. O reconhecimento da verdadeira razão de ser da depressão ajudaria milhões de sofredores a descobrir as raízes de suas emoções dolorosas e a enfrentar seus problemas de maneira mais proveitosa. 21

capa

O que é indispensável saber sobre (*) depressão Principal causa de incapacitação para a vida profissional e afetiva, a patologia contribui de forma importante para o aumento da carga global de doenças, mas existem vários tratamentos eficazes. Segundo a OMS, tratamento psicológico é fundamental

capa

D

epressão não é tristeza. A condição é diferente das flutuações usuais de humor e das respostas emocionais de curta duração aos desafios da vida cotidiana. Quando tem longa duração e intensida-

de moderada ou grave pode se tornar uma condição crítica de saúde, afetando todas as áreas da vida da pessoa. Nos casos mais graves, a depressão pode levar ao suicídio (são registrados 800 mil a cada ano). Entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos é a segunda principal causa de morte. Embora existam tratamentos eficazes conhecidos para depressão, menos da metade das pessoas afetadas no mundo (em muitos países, menos de 10%) recebe tratamento. Os obstáculos ao atendimento eficaz incluem a falta de recursos, de profissionais treinados e o estigma social associado aos transtornos mentais, que faz com que as pessoas adiem a busca por ajuda. Outra barreira ao atendimento é a avaliação imprecisa. Em países de todos os níveis de renda pessoas com depressão frequentemente não são diagnosticadas corretamente e outras que não têm o transtorno são muitas vezes avaliadas de forma inadequada, sendo submetidas a intervenções desnecessárias.

Fatores preventivos Um episódio depressivo patológico pode ser categorizado como leve, moderado ou grave, dependendo da intensidade dos sintomas. Uma pessoa com um episódio depressivo leve terá alguma dificuldade em continuar um trabalho simples e atividades sociais, mas sem grande prejuízo ao funcionamento global. Durante um episódio depressivo grave, é improvável que a pessoa afetada possa continuar com atividades so23

capa

ciais, de trabalho ou domésticas. Uma distinção fundamental também é feita entre depressão em pessoas que têm ou não um histórico de episódios de mania (euforia). Os dois tipos de depressão podem ser crônicos (isto é, acontecem durante um período prolongado de tempo), com recaídas, especialmente se não forem tratados. Atualmente é ressaltado que a depressão é resultado de uma complexa interação de fatores sociais, psicológicos e biológicos. Da mesma forma, a abordagem terapêutica não é única. Pessoas que passaram por eventos adversos durante a vida (como desemprego, luto, trauma psicológico) são mais propensas a desenvolver depressão e a patologia pode causar mais estresse, piorando a situação de vida e o transtorno em si. Há também relação entre a depressão e a saúde física: doenças cardiovasculares, por exemplo, podem levar à depressão e vice-versa.

Diagnóstico e cuidados Existem tratamentos eficazes para depressão moderada e grave, sendo de grande importância os tratamentos psicológicos e em muitos casos o uso de antidepressivos. Os remédios podem ser eficazes no caso de depressão moderada a grave, mas não são a primeira linha de tratamento para os casos mais brandos. Esses medicamentos não devem ser usados para tratar depressão em crianças e não são a primeira linha de tratamento para adolescentes. Ao optar pelo medicamento, é necessário levar em conta a possibilidade de efeitos adversos associados e considerar a intervenção psicoterápica individual ou em grupo, associada à prática gradativa de atividade física e à meditação. 24

capa

A depressão é uma das condições prioritárias cobertas pelo Mental Healt Gap Action Programme (mhGAP), da Organização Mundial da Saúde (OMS). O objetivo do programa é ajudar os países a aumentar os serviços prestados às pessoas com transtornos mentais, neurológicos e de uso de substâncias, por meio de cuidados providos por profissionais de saúde que não são especialistas em saúde mental. A iniciativa defende que, com cuidados adequados, assistência psicossocial e medicação quando necessário, dezenas de milhões de pessoas com transtornos mentais, incluindo depressão, poderiam começar a levar uma vida saudável, mesmo quando os recursos são escassos.   (*) Informações fornecidas pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), vinculada à OMS

personalidade

O preço da desconfiança Suspeitar demais das intenções alheias prejudica a capacidade de ganhar dinheiro; em vez de nos proteger, descrença na honestidade alheia pode provocar prejuízos 26

personalidade

A

maior parte da população mundial vive hoje em cidades. Isso significa, entre outras coisas, que menos gente conhece seus vizinhos. Em algum momento parece inevitável nos perguntarmos se devemos

nos aproximar de outras pessoas ou levantar a guarda e nos fecharmos para fugir de eventuais perigos. Alguns pesquisadores acreditam que a falta de confiança pode não apenas prejudicar o convívio social (e nos privar de benefícios que isso traz para a saúde mental), mas também custar dinheiro.

Participantes de experimento que reconheceram ter “visão cínica” da natureza humana tiveram renda menor, em comparação aos seus colegas mais otimistas Um número cada vez maior de estudos revela um dado intrigante: pessoas que confiam pouco em seus colegas ganham menos em transações financeiras. Num estudo realizado há uma década em laboratório, e várias vezes replicado, os voluntários que subestimaram o número de parceiros que dariam retorno a seu investimento, em um jogo que seguia princípios da economia, investiram menos e acabaram com receita menor do que poderiam ter conseguido. Agora, um novo artigo publicado em maio no Journal of Personality

and Social Psychology estabelece algumas relações curio27

personalidade

sas entre o mundo real do prejuízo financeiro e a descrença. O cientista Daniel Ehlebracht, pesquisador da Universidade de Colônia, na Alemanha, constatou que as pessoas que reconheceram ter “visão cínica” da natureza humana tiveram renda menor (em milhares de dólares, após dois e nove anos), em comparação aos seus colegas mais otimistas. Para obter dados mais confiáveis, os pesquisadores excluíram várias explicações sugeridas para a ligação entre desconfiança e renda, como traços de personalidade dos participantes, condições de saúde, educação, idade, gênero e situação profissional. Ehlebracht sugere que o cinismo aumenta o sentimento de suspeita, o que dificulta – e às vezes impede – a cooperação. Se isso é verdade, essa característica não deve ser prejudicial em lugares em que um alto grau de suspeita é justificado. Examinando a situação em 41 países europeus, os pesquisadores constataram que em nações com os índices de criminalidade mais elevados e menos cooperação, o cinismo não se correlacionava com menor renda. Então, conceder aos outros o benefício da dúvida pode não significar oferecer a possibilidade de ser enganado. Em vez disso, parece ser bastante compensador. 28

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ansiedade

Roer unhas

em busca da perfeição Os hábitos repetitivos focados no corpo podem ser compreendidos como uma forma de tentar aliviar o tédio, a irritação e a insatisfação consigo mesmo 30

ansiedade

O

senso comum atribui o hábito de roer unhas à ansiedade, mas novos estudos sugerem outra causa para esse comportamento: o perfeccionismo. Em um deles, publicado no Journal

of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry , pesquisadores analisaram a habilidade de controlar as emoções e comportamentos relacionados com a organização de 48 voluntários, metade deles com algum comportamento repetitivo focado no corpo, como roer unhas, arrancar os cabelos ou cutucar a pele. Estes marcaram, em comparação ao grupo de controle (sem nenhum desses hábitos), maior pontuação na escala que media perfeccionismo. Atitudes automáticas como Além disso, demonstramorder e coçar favorecem a ram inclinação a se sosensação de bem-estar, mas brecarregar e a se sentir somente temporariamente; rapidamente frustrados depois do alívio inicial, com poucas atividades. porém, as pessoas costumam Os hábitos repetitivos, se sentir constrangidas sugerem os autores, seriam uma forma de tentar aliviar o tédio, a irritação e a insatisfação. Os mesmos voluntários foram expostos a situações elaboradas para provocar quatro diferentes emoções: estresse (os cientistas mostraram um filme de um acidente de avião); tranquilidade (documentário sobre ondas do mar); frustração (os pesquisadores apresentaram um quebra-cabeça com alto grau de complexidade, dizendo que seria fácil montá-lo); e tédio (participantes foram deixados sozinhos em 31

ansiedade

uma sala). O primeiro grupo demonstrou comportamentos focados no corpo em todas as situações, exceto durante o filme relaxante. Pesquisas anteriores sugerem que o hábito de morder e coçar, de fato, pode favorecer a sensação de bem-estar, mas somente temporariamente – o que talvez satisfaça a vontade do perfeccionista de fazer algo. Depois do alívio inicial, porém, essas pessoas costumam sentir dor, vergonha e constrangimento. Alguns estudos demonstram que esse tipo de crença e comportamento pode ser amenizado com a terapia cognitivo-comportamental. Aprender a agir e pensar de forma diferente quando a tensão aumenta pode permitir interromper o impulso de roer unhas ou puxar os cabelos, por exemplo. 32

terapia

Superheróis

XX

medo Para superar seus medos, nada como enfrentá-los. Uma equipe israelense encontrou uma maneira original de fazer isso: assistir aos filmes do Homem-Aranha 34

terapia

I

magine um monstro repulsivo, caminhando em sua direção. E não importa se esse ser asqueroso é apenas uma inofensiva aranha ansiosa por não ser incomodada por humanos. Se você é uma das milhões

de pessoas que se apavoram diante de um aracnídeo, é provável que tudo o que deseje nesse momento seja contar com ajuda para se salvar. Se for de um super-herói, melhor ainda. O pesquisador Yaakov Hoffman, da Universidade Bar-Ilan, em Israel, e seus colegas seguiram essa linha de raciocínio para sugerir um tratamento original para aracnofobia: assistir

Os resultados do experimento foram promissores: enquanto estavam atentos ao filme, a intensidade do medo dos voluntários, medida por um questionário antes e depois da visualização, diminuiu em 20%

aos filmes do Homem-Aranha. Em um experimento, os cientistas apresentaram trechos de um desses filmes para cem pessoas, com medo de aranhas em diferentes graus. Numa cena com duração de apenas sete segundos, os participantes do experimento viram o artrópode que daria seus poderes ao herói rastejando em sua teia. Os resultados foram promissores: enquanto estavam atentos ao filme, a intensidade do medo dos voluntários, medida por um questionário antes e depois da visualização, diminuiu em 20%. Já os integrantes do grupo de controle (também com

35

terapia

fobia de aranha), que viram uma cena da natureza, não experimentaram nenhuma melhora. Colocar a pessoa em contato com o objeto fóbico não é novidade. O benefício observado não resulta de uma diminuição geral do medo causado pela visualização em si, mas explica-se pela exposição ao estímulo temido. Segundo esse método para tratar tal tipo de fobia, inicialmente o paciente imagina uma aranha, em seguida olha detalhadamente uma fotografia do animal e, na sequência, observa a aranha ao vivo. O objetivo é, gradualmente,

O potencial do método não se limita ao desconforto com aranhas; pesquisadores também conseguiram reduzir o medo das formigas graças ao filme Ant-Man superar o próprio medo, pelo simples fato de confrontá-lo, até que se sinta à vontade para tocá-lo com a mão. Segundo os pesquisadores, porém, a eficiência seria aumentada dez vezes pelo contexto positivo associado às aranhas no filme. Os resultados do experimento, no entanto, são preliminares. Os cientistas salientam que será necessário medir o quão sustentável é a melhoria. Mas, se esse método confirmar sua eficácia, pode ser um complemento de escolha 36

terapia

para as terapias atuais, fornecendo uma maneira simples e divertida de expor os pacientes ao objeto de seu terror. O mais interessante é que o potencial do método não se limita às aranhas. Os pesquisadores também conseguiram reduzir o medo das formigas graças ao filme Ant-Man (Homem-Formiga). Felizmente, a lista de super-heróis é quase tão grande e variada como a de fobias: Batman para atenuar medo de morcegos (chiropterafobia), Mulher-Gato para diminuir o desconforto diante de felinos (ailurofobia, também chamada de galeofobia), Aquaman para combater o medo de água do mar (talassofobia) e até Tartarugas Ninja contra a fobia de répteis ou coisas que se arrastam (herpetofobia). Há até personagem para atender quem sofre de ornitofobia, o medo de aves: Howard the Duck (nos cinemas do Brasil lançado como Howard , o Super-Herói ), um pato acidentalmente transportado para a Terra. 37

comunicação

O componente

auditivo

do autismo

Novas evidências sugerem que autistas entendem os sinais sociais transmitidos por vozes de forma mais eficiente do que pela visão; para especialistas, essa descoberta pode facilitar o processo de inclusão dessas pessoas 38

comunicação

E

xpressões faciais, olhares e movimentos dos lábios dizem muito sobre o que se passa em nossa mente, às vezes até mais do que gostaríamos de revelar. Para pessoas com autismo, porém, captar

e compreender mensagens, sejam de felicidade, medo, tristeza ou qualquer outra emoção transmitida pelas feições, é uma missão muito complexa e, não raro, impossível. Muitos pesquisadores tomam essa dificuldade como evidência de que o autismo envolve sérios déficits de processamento de informações sociais. Mas a voz também pode fornecer pistas emocionais, e vários estudos recentes indicam que, quando ouvem vozes, autistas são capazes de reconhecer sentimentos e outras mensagens, assim como as pessoas que não apresentam distúrbios significativos no funcionamento mental – e em alguns casos com mais precisão. “Nessa fase, nossos estudos se concentraram apenas “É muito mais fácil em adultos autistas bastante ajudar alguém a funcionais, cujas habilidades superar a incapacidade não são necessariamente rede ler emoções em presentativas da população rostos do que abordar autista mais ampla”, salienta a falta de compreensão Andrew Whitehouse, chefe mais ampla de pesquisa de autismo no Instituto Telethon Kids, em de sentimentos”, Perth, na Austrália. “Também diz cientista preciso considerar que o êxito em uma tarefa de laboratório não se traduz necessaria39

comunicação

mente em sucesso em interações sociais no mundo real”, acrescenta Helen Tager-Flusberg, professora de ciências psicológicas e cerebrais na Universidade de Boston. Ainda assim, os estudos sugerem que para pelo menos alguns subgrupos de pessoas autistas, em certas situações, déficits na identificação de emoções estão restritos principalmente à visão. “Isso é uma grande notícia de uma perspectiva de tratamento”, comemora Kevin Pelphrey, diretor do Instituto de Autismo e Distúrbios de Desenvolvimento Neurológico da Universidade George Washington. “É muito mais fácil ajudar alguém a superar uma incapacidade de ler emoções em rostos do que seria tratar de uma profunda falta de compreensão dos sentimentos em todas as modalidades.”

Três comprovações O pesquisador Daniel Javitt e seus colegas do Instituto Nathan Kline para Pesquisa Psiquiátrica, nos Estados Unidos, exibiram fotografias de rostos que expressam felicidade, tristeza, medo ou raiva a voluntários autistas. Os 19 participantes não foram bem ao identificar essas emoções. Mas, quando pesquisadores tocaram audioclipes de vozes que transmitiam sentimentos similares, os participantes identificaram as emoções relevantes tão bem quanto um grupo de controle. Os dados saíram no Journal of Psychia-

tric Research.

comunicação

A neurocientista Tamami Nakano, da Universidade de Osaka, no Japão, e seus colegas pediram que participantes avaliassem vozes cantadas reais e outras geradas por computador. Embora o desempe-

Em um estudo japonês, os participantes com autismo não só executaram a tarefa mais rapidamente que seus pares sem diagnóstico, como também se saíram melhor ao responderem prontamente a vozes

nho dos grupos de autistas e de controle fosse diferente para as vozes reais, os 14 participantes autistas deram às vozes artificiais as mesmas notas baixas por suas qualidades humanas e emocionais que seus pares não autistas. Os resultados foram publicados em agosto, em Cognition.

Uma equipe liderada por I-Fan Lin, da Universidade Metropolitana de Tóquio, mediu a rapidez com que pessoas conseguiam julgar se um determinado som vinha ou não de um humano. (Os exemplos de áudio incluíram um violino tocando uma dada nota musical e uma pessoa pronunciando a vogal “i”.) Os 12 participantes com autismo não só executaram a tarefa mais rapidamente que seus pares sem diagnóstico de autismo, como também se saíram melhor, ao responderem prontamente a vozes, mesmo quando faltavam importantes componentes acústicos. Os resultados foram publicados na

Scientific Reports. 41

relacionamento

De perto é melhor Pesquisadores acreditam que toques sutis, como encostar a mão no ombro do interlocutor, aumentam o grau de confiança entre as pessoas e podem impulsionar a cooperação grupal

42

relacionamento

I

ndependentemente da forma, seja um toque delicado de paquera ou um beliscão, o contato físico pode transmitir vários tipos de informação social. Há mais de três décadas os psicólogos Christopher G. Wetzel,

do Rhodes College, e April H. Crusco, então da Universidade do Mississippi, relataram que garçonetes que encostavam brevemente na mão ou no ombro dos clientes tinham chances de ganhar uma gorjeta maior do que se não fizessem esse gesto. Estudos posteriores demonstraram ainda que o toque costuma favorecer a influência que exercemos sobre estranhos e ajudar vendedores a pressionar consu-

O toque proposital costuma favorecer a influência que exercemos sobre estranhos, a ponto de ajudar vendedores a convencer consumidores a adquirir determinado produto ou instituições de caridade a conseguir voluntários midores ou instituições de caridade na hora de procurar voluntários. Esse tipo de contato talvez possa explicar por que alguns políticos costumam dar tapinhas nos ombros ou nas costas de seus eleitores sempre que possível. O efeito funciona também entre pessoas íntimas. Por exemplo, um estudo realizado por um grupo de psicólogos da Central de Serviços Psicológicos de Iowa e da Universidade do Estado de Iowa demonstrou que as mulheres costu43

relacionamento

mam tocar o marido mais frequentemente quando discutem um tema que elas trouxeram do que nos momentos em que ele levanta uma questão – como se a pressão extra, física e simbólica, pudesse aumentar sua influência. O estudo mostra, porém, que quando não há interesse de sedução, os homens tendem a manter menor contato físico durante um diálogo, independentemente da pessoa que iniciou a conversa. Os cientistas acreditam que as interações físicas sutis, que sinalizam cordialidade e confiança, podem impulsionar também a cooperação grupal. Psicólogos da Universidade da Califórnia em Berkeley descobriram que o tempo que os jogadores de basquete da NBA passavam tocando um no outro no início da temporada poderia ajudar a prever o desempenho meses mais tarde. Não importa se são leves pancadas comemorativas com os punhos, apertos de mãos, abraços. A proximidade parece refletir o espírito de uma equipe unida e indicar a capacidade dos atletas de jogar bem como indivíduos e como time. 44

especial • alfabetização

O tempo a favor da aprendizagem Pesquisa sobre relação de processos de consolidação da memória mostra como crianças pequenas registram informações e valoriza o esquecimento, considerado parte essencial do processo de apreensão de informações

46

especial • alfabetização

E

nsinar uma criança pode ser um desafio, especialmente antes dos 5 anos, quando o desenvolvimento intelectual infantil ainda está começando. Por mais que a mente em formação seja terreno

fértil para novos aprendizados, não é raro que informações sejam esquecidas tão logo sejam adquiridas. Freud chamou de amnésia infantil o fenômeno que consiste na incapacidade de menores de 3 ou 4 anos de criar representações estáveis de eventos, motivo pelo qual

Crianças na fase préescolar são vulneráveis à interferência retroativa, fenômeno que se dá quando temos uma informação e, diante de um novo aprendizado, o mais recente é encarado com prioridade pelo cérebro

a maioria das pessoas não consegue trazer memórias mais antigas à consciência. Por outro lado, pesquisas com bebês e crianças pequenas constatam que eles são capazes de criar lembranças de acontecimentos, mesmo que não conscientemente. De qualquer maneira, a memória é seletiva e a capacidade de armazenamento, limitada – o que faz do esquecimento uma condição essencial ao seu normal funcionamento. Estudos recentes sugerem que crianças de faixa etária pré-escolar são altamente vulneráveis ao que se conhece como interferência retroativa: fenômeno que se dá quando temos uma informação guardada e, diante do aprendizado de um novo dado mais relevante, 47

especial • alfabetização

o sistema nervoso dá prioridade para o segundo. “Às vezes, as lembranças interferem na apreensão de novas experiências”, escrevem Kevin P. Darby e Vladimir M. Sloutsky, da Universidade do Estado de Ohio, em seu estudo publicado na Psychological Science. A pesquisa parte do conceito da interferência retroativa para investigar os efeitos do processo de fixação de informações na memória de crianças ao introduzir um intervalo de 48 horas entre o aprendizado e o teste. O estudo levantou a possibilidade de que crianças muito jovens não conseguem formar traços de memórias permanentes de imediato, mas são capazes de fazê-lo com o passar do tempo. Segundo evidências, em uma variedade de tarefas dependentes do hipocampo, a passagem de tempo – ou, possivelmente, a combinação de tempo e sono – resulta na consolidação de memórias e, consequentemente, em melhor desempenho na execução de tarefas. 48

especial • alfabetização

O estudo foi realizado por meio de dois experimentos: na primeira etapa, foi observado que o intervalo melhorou a memória das crianças e eliminou a interferência retroativa. Já os resultados da segunda fase sugeriram que esse benefício estaria limitado a situações em que os pequenos voluntários recebiam informação suficiente para formar uma estrutura complexa de memória. “Suspeitamos que o processo de consolidação seja capaz de eliminar interferências e contribuir com a formação de estruturas permanentes de memórias”, afirmam os autores. Segundo eles, em contraste a crianças, os adultos demonstraram pouca interferência retroativa, mesmo quando testados imediatamente, o que sugere que são capazes de formar memórias duradouras rapidamente. Ainda que sejam necessárias pesquisas adicionais, os resultados do trabalho de Darby e Sloutsky revelam que o tempo pode ter notáveis efeitos na memória de uma criança, mesmo que muito pequena. Ou seja: em se tratando da educação dos pequenos, paciência é a chave para bons resultados. 49

especial • alfabetização

A hora de ler e escrever e de d a d i v i t a a ravar g e d a v i t ria e a ó m e m Na tent e ção p e c r e p os t e n d e s m o t a i t u r c o r ci comp e d m e g i r o i va s , t i n g o c entender a s e funçõ e s o x e l p m um e com v l o v n e s e es d r o d a s i u icas, q s m ô t pe a n a s exõe n o c e d o d traça ios n ô r u e n , s sinapse

50

especial • alfabetização

A

alfabetização é um momento importante tanto no desenvolvimento cognitivo quanto emocional da criança, muito valorizado pela família e pela escola – e com razão. O processo de leitura não se res-

tringe a simplesmente decifrar as letras e sim dominar todo um sistema simbólico. O amadurecimento neuropsíquico que esse processo exige nem sempre é levado em conta quando se tenta impor a leitura a crianças tão jovens quanto 4 ou 5 anos. Justamente por isso, o letramento precoce é um assunto permeado por controvérsias. Para o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky, a alfabetização é resultado de um processo longo e repleto de etapas, das quais fazem parte, por exemplo, gesto e expressões. Ao fazer um símbolo no ar, a criança já manifesta uma linguagem mais próxima da escrita. Segundo essa concepção, o aprendizado gradual é imprescindível e deve ser incentivado nas classes de primeira infância, sem que atividades mecânicas de leitura e escrita atrapalhem ou forcem as etapas de desenvolvimento. Os estudos de Vygotsky têm ligação direta com a pedagogia Waldorf, introduzida pelo filósofo e educador austríaco Ru-

51

especial • alfabetização

“Suspeitamos que o processo de consolidação seja capaz de eliminar interferências e contribuir para a formação de estruturas permanentes de memórias”, afirmam os autores do estudo dolf Steiner em 1919. Essa escola defende que até os 7 anos as crianças tenham apenas uma responsabilidade na escola: brincar. Ao participar de jogos e atividades lúdicas, meninos e meninas desenvolvem diversas habilidades, entre físicas e motoras, além de um estímulo essencial para a vida: a confiança. Segundo a teoria, nessa fase o aluno tende a gastar muita

PARA SABER MAIS Reflexões sobre a alfabetização. Emília Ferreiro. Cortez, 2001 Alfabetizando sem o BÁ-BÉ-BI-BÓ-BU. L C. Cagliari, L. C. Cagliari Scipione, 1999. Psicogênese da língua escrita. A. Teberosky e E. Ferreiro Artes Médicas Sul, 1999. Da forma sonora da fala à forma gráfica da escrita: Uma análise linguística do processo de alfabetização. D. Alvarenga e outros. Em Cadernos de Estudos Linguísticos, vol. 16,1989.

energia e se prepara fisicamente – isso é fundamental para o seu desenvolvimento neurológico e sensorial. Tais capacidades refletem em domínio corporal, linguagem oral e, principalmente, contribuem para a inteligência da criança. As situações lúdicas possibilitam também o desenvolvimento de esquemas mentais e o exercício da memória. A imitação, por exemplo, é uma parte importante das brincadeiras de criança: com muita frequência, os jogos são um eco do que as crianças viram e escutaram dos adultos. Para Vygotsky, o jogo não é uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação criadora das impressões para a formação de uma nova realidade que responda às exigências e inclinações da própria criança. Em sua opinião, a estimulação da leitura precoce comprometeria tal formação, além de possivelmente ocasionar problemas como sobrecarga, deficiências na coordenação motora, apatia, desinteresse, desmotivação e estresse. Ou seja, na educação infantil, incentivar o aprimoramento de características como a criatividade pode ser mais importante do que ensinar a ler o próprio nome. 52

livro | lançamento

Sim, a psicanálise cura! J.-D. Nasio. Zahar, 2019. 112 págs. Livro impresso: R$ 56,90. E-book: R$ 39,90

O enigma da cura Em seu novo livro, o psicanalista J.-D. Nasio apresenta cinco etapas do trabalho clínico, partindo da observação até a interpretação, quando o analista “diz com clareza o que o paciente já sabia de forma confusa

Q

ualquer um que tenha – após anos de estudo da obra de Sigmund Freud e dos autores que vieram em sua esteira –, se autorizado a sentar-se numa poltrona atrás do divã (ou mesmo diante do

paciente), convidando-o a dizer o que lhe vier à cabeça, certamente já se questionou a respeito da eficácia da psicanálise. E se não o fez, certamente deveria, pois certezas absolutas podem ser perigosas, obturar faltas e podar reflexões. Felizmente, dia após dia, ano após ano, os resultados da experiência analítica tendem a convencer tanto psicanalistas quanto pacientes comprometidos com o tratamento de que sim, a escuta do inconsciente promove profundas transformações na vida das pessoas que se dispõem

livro | lançamento

a encarar essa jornada. “O paciente curado recupera-se mais facilmente dos transtornos provocados pelos acontecimentos perturbadores da vida. Aprendeu que nenhuma dor é definitiva, nem absoluta... Estar curado é poder reagir ao inesperado e reencontrar a capacidade de amar e de atuar”, escreve o psiquiatra e psicanalista J.-D. Nasio, autor do recém-lançado Sim, a psicanálise cura!. Em seu novo livro, o autor apresenta de modo original a sua concepção e a sua prática de como conduzir uma análise. Partindo de oito casos clínicode seu consultório (como o Homem de Negro; Amália, a mãe violenta; e Clara, a bebê que se deixava

“Estou convencido de que um psicanalista cura seu paciente graças não somente ao que sabe, ao que diz ou ao que faz, mas graças sobretudo ao que é e, mais ainda, ao que é inconscientemente”

morrer) Nasio apresenta sua forma de trabalhar e ajuda seus pacientes a encontrarem a cura, introjetando uma maneira não conflituosa de falarem consigo mesmos e reestabelecer vínculos afetivos. “Nasio escreve e trabalha com uma inventividade que

evoca a recomendação de Lacan de que cada analista deve reinventar a psicanálise”, afirma o psicanalista brasileiro Marco Antônio Coutinho Jorge, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que assina a apresentação da obra. De forma didática, o autor partilha com o leitor cinco etapas do desdobramento do trabalho analítico, partindo da observação até a interpretação, quando o analista “diz com clareza ao paciente o que este já sabia de forma confusa”. Ele apresenta ainda quatro variantes inéditas da interpretação, que leva à possibilidade efetiva de transformação. E conclui que ao fim de cada análise “o advento da cura continua a ser um enigma”. 55

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