Revista-mente-e-cérebro

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| ESPECIAL • INCONSCIENTE | OS DESCONHECIDOS UNIVERSOS DA MENTE ANO XIII No 319

O QUE MOVE VOCÊ?

A motivação traz satisfação e favorece conquistas, mas nem sempre é fácil manter o entusiasmo. Para cientistas, é indispensável entender o que está por trás de nossos objetivos

LER PENSAMENTO Tecnologia permite exploração de informações guardadas no cérebro ATENÇÃO Truque do cérebro ajuda a eleger estímulo para evitar as distrações OLFATO Cheiro de suor da pessoa amada diminui estresse e ansiedade

carta da editora

Os “porquês” de cada um

O

que faz você se levantar da cama a cada dia? Qual é a sua motivação? Quando se trata de trabalho, é muito frequente que as pessoas respondam rapidamente que o que as impulsiona é a necessidade de “ganhar dinheiro”. Certo, mas para quê? Por que comprar coisas ou pagar contas, qual o objetivo mais profundo de suas ações? Afinal, sabemos – mais ou menos claramente – que é onde colocamos energia (entendida aqui como empenho de tempo, capacidade intelectual e afetiva) que acreditamos, no mais íntimo de nós, que encontraremos satisfação. Especialistas chegam a argumentar que a motivação – aquilo que move a ação – pode ser até mais importante e determinante do que o talento. Claro, sempre é possível recorrer à didática pirâmide proposta por Abraham Maslow, de 1954, para falar das buscas nas quais nos empenhamos ao longo da vida. Ele classificou necessidades humanas, em ordem de prioridade, em fisiológicas, de segurança, de amor e atenção, de estima e de autorrealização. Os dois textos sobre motivação, nesta edição digital de Mente e Cérebro, mostram que atualmente a psicologia identifica “elementos críticos” que oferecem suporte à motivação. Quando enfrentamos dificuldade, convém perguntar o que está faltando. A resposta, em geral, se relaciona à ausência de autonomia, sensação de que a tarefa é inútil ou dúvida sobre nossa capacidade. Pesquisadores observam que, quando o entusiasmo se esvai, o questionamento pessoal é fundamental para avaliar objetivos e, eventualmente, rever escolhas. Como enfatizam ensinamentos budistas, o mais importante não é a experiência em si, mas o que restou dela após seu término. Ou seja: em quem você se transformou após a tão sonhada viagem, a conclusão do curso, o sucesso da dieta, o casamento ou chegada do bebê ou a promoção no trabalho? O que o motivou e ainda continua a impulsionar suas atitudes? No final do dia, qual era mesmo o seu “porquê”? Boa leitura.

GLÁUCIA LEAL, editora-chefe

[email protected] @glau_f_leal

3

sumário

capa

agosto 2019

6 Máquinas que Motivação

leem pensamentos



12 O que move você?

O entusiasmo tende a nos tornar mais comprometidos e alegres. Mas nem sempre a dedicação é compatível com os resultados. Novas pesquisas mostram a importância de rever objetivos e formas de alcançá-los

Parece enredo de filme de ficção científica, mas é realidade: técnicas de imageamento cerebral já permitem a exploração de informações armazenadas do cérebro

22 Truque cerebral

para evitar distrações



Quando algo nos atrai em um momento em que precisamos nos concentrar, a mente “escolhe” apenas um estímulo por vez para ser alvo de interesse

26 Pintinhos bons de matemática



Assim como as crianças, filhotes de galinha parecem ter preferência inata por algarismos menores à esquerda e maiores à direita

30 Cheiro da pessoa amada diminui estresse



18 O que vale a pena buscar?

A satisfação está muito mais no empenho em conseguir o que queremos do que em atingir nossos objetivos. Essa conclusão ajuda a entender por que aceitamos postergar o prazer

Mulheres que cheiram a camisa suada do parceiro relataram ter menos reações de ansiedade do que aquelas que sentiram o odor de um estranho ou de uma roupa não usada

34 A forma secreta das letras



Cientistas encontram pistas sobre a razão de associarmos certas letras e palavras com formatos circulares ou pontiagudos

especial Inconsciente

38 Universos além da consciência

Temos na mente significados codificados, revestidos de metáforas e imagens, que surgem nos sonhos, chistes, atos falhos e associações

42 Estranhos

mundos internos

Esse intrigante aspecto psíquico que influencia escolhas organiza memórias e experiências que preferimos esquecer ou dos quais não queremos saber. E se revela em sonhos, amores, desejos e fantasias

47 A mente

no laboratório

Mais de um século depois de Freud apresentar sua teoria, cientistas se rendem a evidências de que temos uma instância mental sobre a qual não temos controle

seções 3 CARTA DA EDITORA 54 LIVRO � LANÇAMENTO O oráculo da noite

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www.mentecerebro.com.br

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tecnologia

Máquinas que leem

pensamentos Nos últimos anos, as técnicas de imageamento cerebral avançaram tanto que se tornaram capazes de perscrutar – e em alguns casos alterar – conhecimentos guardados no cérebro

6

tecnologia

A

ideia de que a mente está completamente protegida das intrusões externas persistiu por séculos. Mas hoje essa suposição pode não ser mais válida. Sofisticados equipamentos de neuroimageamento e interfaces cérebro-computador detectam a atividade elétrica de neurônios, o que permite a decodificação e até alteração de sinais do sistema nervoso que acompanham processos mentais. Embora tais avanços tenham grande potencial para as áreas de pesquisa e medicina, eles trazem um desafio ético, jurídico e social: de repente se torna importante determinar se, ou em que condições, é legítimo obter acesso à atividade neuronal de outra pessoa ou interferir nela. Essa questão tem especial relevância porque muitas neurotecnologias se desviaram de uma configuração médica e passaram a fazer parte do domínio comercial. Tentativas de decodificar informações mentais por meio do imageamento também estão ocorrendo em processos judiciais em tribunais, às vezes de modo bastante questionável cientificamente. Há quase uma década, por exemplo, uma mulher indiana foi condenada por homicídio e sentenciada à prisão perpétua com base em um exame de varredura cerebral que mostrava, de acordo com o juiz, “conhecimento experiencial” sobre o crime. O potencial uso de tecnologia neural como um detector de mentiras durante interrogatórios ganhou atenção especial. Apesar do ceticismo de especialistas, empresas já estão comercializando tecnologia baseada em imageamento por ressonância magnética funcional e eletroencefalografia para detectar mentiras. As forças armadas americanas tam7

tecnologia

bém têm testado técnicas de monitoramento, mas por outra razão: a ideia é utilizar estímulo neural para aumentar o estado de alerta e a atenção dos soldados. A tecnologia de leitura cerebral pode ser vista como só mais uma etapa de uma tendência inevitável do mundo digital de avançar um pouco mais sobre nosso espaço pessoal. Talvez não estejamos dispostos a aceitar essa intromissão em nosso universo mental. As pessoas poderiam, de fato, considerar tal tecnologia como algo que exige a revisão de conceitos acerca dos direitos humanos básicos e até mesmo da criação de “direitos neuroespecíficos”. Diante da evolução tecnológica, é possível falar Empresas como Facebook, Netflix e Samsung já cogitam hoje em direito à liberdade cognitiva. Isso daria às traduzir pensamentos direto pessoas a possibilidade de do cérebro do usuário para tomar decisões livres e ino computador; num futuro formadas sobre a aplicação próximo, o controle cerebral prática do conhecimento poderá substituir o teclado científico que possa vascue o reconhecimento da fala lhar seus conhecimentos ou até afetar seus pensamentos. Num futuro próximo, o direito à privacidade mental deveria nos proteger tanto de intrusões não consentidas de terceiros em nossos “arquivos” cerebrais, quanto da coleta não autorizada dessas informações. Violações de privacidade no âmbito neural poderiam ser até mais perigosas do que as convencionais, uma vez que ultrapassam o nível do raciocínio consciente, deixando-nos expostos ao risco de ter nossa mente lida involuntariamente. Por mais que lembre enredo de filme de ficção, 8

tecnologia

o fato é que esse perigo existe não apenas em estudos de marketing predatório ou tribunais que poderiam utilizar a tecnologia em demasia, mas também em usos que afetariam consumidores em geral. Esta última categoria, aliás, está crescendo. Há poucos meses, o Facebook revelou um plano para criar uma interface “discurso-para-texto” com o intuito de traduzir pensamentos direto do cérebro para o computador. Ensaios parecidos são feitos por empresas como a Samsung e a Netflix. No futuro, o controle cerebral poderia substituir o teclado e o reconhecimento da fala como forma principal de interagir com computadores. Se tais ferramentas se tornarem cada vez mais comuns – como é bem possível que ocorra –, novas possibilidades de uso indevido surgirão, inclusive violações de segurança. Cientes de que dispositivos neurológicos conectados ao cérebro são vulneráveis a sabotagem, neurocientistas da Universidade de Oxford sugerem que a mesma fragilidade se aplica a implantes cerebrais e que podem levar a um fenômeno chamado brainjacking, que seria uma espécie de “hackeamento” da mente. Tal possibilidade pode exigir a reconsideração do que entendemos hoje como direito à integridade mental, já reconhecida como uma prerrogativa indispensável para a saúde mental. 9

tecnologia

Essa nova interpretação, porém, tem desdobramentos: não só protegeria pacientes contra uma possível recusa a tratamentos para doenças mentais, mas também defenderia as pessoas de modo geral contra manipulações prejudiciais de nossa atividade mental pelo uso indevido da tecnologia. Por fim, o direito à “continuidade psicológica” pode proteger a vida mental contra alterações feitas por terceiros. Um exemplo: o mesmo tipo de intervenção em estudo para reduzir a necessidade de sono nas forças armadas poderia ser adaptado para tornar soldados mais beligerantes ou destemidos. A neurotecnologia traz benefícios, mas para diminuir riscos indesejados precisamos de um debate aberto que envolva neurocientistas, psicólogos, psicanalistas, médicos peritos legais, especialistas em ética e cidadãos comuns. Para alguns, podem parecer precipitadas essas preocupações, mas o mundo se transforma rápido, frequentemente nos surpreende. Afinal, há 15 anos você imaginava o quanto a tecnologia ocuparia sua vida hoje e o faria tão dependente de seu celular ou computador? 10

LIGHT

Coleção

História da Pedagogia P i a g e t • Vi g o t s k i • Wal l o n • Fre i re • Ro u s s e a u • D e w e y

Entenda o que eles pensaram. E se prepare para pensar a educação daqui para frente.

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A coleção que apresenta as visões essenciais da pedagogia organizadas em seis volumes acondicionados em estojo. Para você ter sempre à mão, consultar, debater e aplicar no dia a dia de trabalho. Conheça e entenda a contribuição de cada pensador para a pedagogia, saiba identificar suas teses principais e os resultados que suas ideias geram até hoje nas escolas. Conte também com extensa bibliografia comentada para ajuda-lo a organizar os próximos passos e continuar aprendendo. História da Pedagogia. Essencial para quem quer fazer história na educação.

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capa • motivação

O que move você? Pessoas motivadas procuram se superar e buscar melhores resultados, são mais entusiasmadas, responsáveis, comprometidas e, principalmente, mais satisfeitas. O problema é que nem sempre nosso empenho está alinhado com os resultados que obtemos. Novas pesquisas indicam a importância de rever rotas

capa • motivação

T

odo mundo que cursa psicologia – ou mesmo outras formações na área de ciências humanas – em algum momento assiste à aula sobre a famosa pirâmide de Abraham Maslow (1908-1970). O psicólogo americano estabeleceu uma hierarquia, expressa graficamente, localizando as necessidades mais básicas (como alimentação, por exemplo) na base da figura geométrica. No topo, ficam aspectos ligados à realização pessoal. Psicólogos e neurocientistas acreditam, porém, que as coisas não são tão simples. O que nos faz trabalhar, estudar, viajar, tomar banho, fazer ginástica, correr riscos, iniciar e manter relacionamentos? Resolvidas as necessidades básicas, o que nos move mesmo é uma exigência interna de autonomia, conhecimento, envolvimento e dinamismo. Fácil? Nem tanto. Em Quando enfrentamos plena era da tecnologia, em dificuldade, convém que as possibilidades se mulperguntar o que está tiplicam diante dos nossos olhos, muitos pesquisadores faltando; a resposta, em têm questionado ideias simgeral, se relaciona a falta de autonomia, sensação de que plistas sobre as necessidades e os anseios humanos. a tarefa é inútil ou dúvida Alguns estudiosos veem sobre nossa capacidade a maior fonte da motivação humana na ampliação das próprias competências e falam de dois sistemas de razões antagônicas que se formaram ao longo da evolução: curiosidade e medo, ambos repletos tanto de oportunidades quanto de riscos. É o caso do psicólogo Clemens Trudewind, pesquisador da Universidade de Bochum, na Alemanha, que durante algum tempo estudou essa interação. Ele comprovou algo que muitos pais e educadores 13

capa • motivação

já sabiam: crianças curiosas e destemidas resolvem problemas com mais eficácia do que as temerosas e passivas. No entanto, a curiosidade e o medo não são opostos: os pequenos muito medrosos e ao mesmo tempo curiosos também se revelaram bons solucionadores de problemas, segundo Trudewind. Razões supostamente antagônicas, portanto, não são obrigatoriamente excludentes.

Três elementos críticos Uma grande vantagem bastante prática da motivação é que ela nos faz mais entusiasmados, comprometidos, empenhados em buscar os melhores resultados e, em última instância, felizes – no que quer que estejamos empenhados. Além disso, aumenta a capacidade criativa e favorece as habilidades de comunicação. Especialistas chegam a argumentar que a motivação – aquilo que move a ação – pode ser até mais importante e decisiva para o sucesso do que o talento. Mas, afinal, de onde vem esse ânimo de direcionar a energia (um misto de empenho de tempo, capacidade intelectual e afetiva) em direção a um objetivo? A psicologia identifica três “elementos críticos” que oferecem suporte à motivação. A boa notícia é que todos podem ser ampliados e ajustados em nosso próprio benefício.

n Autonomia. Os psicólogos Edward L. Deci e Richard M. Ryan, da Universidade de Rochester, acreditam que aumentamos nosso grau de motivação quando nos sentimos responsáveis. Os pesquisadores trabalham com grupos de estudantes, atletas e funcionários e descobriram que a percepção de autonomia prediz a energia com a qual os indivíduos perseguem uma meta. 14

capa • motivação

Junto com o psicólogo Arlen C. Moller, Deci e Ryan desenvolveram vários experimentos para avaliar as consequên­cias emocionais e cognitivas de uma ação controlada por outras pessoas em comparação aos efeitos das próprias escolhas. Eles descobriram que os voluntários que tiveram a oportunidade de desenvolver uma ação com base em suas opiniões (contra ou a favor de algum tema) persistiram mais tempo em uma atividade subsequente de resolução de um quebra-cabeça (tarefa aparentemente desvinculada da anterior). Os cientistas afirmam que agir sob coação gera uma espécie de “tributário mental”, enquanto perseguir um objetivo no qual acreditamos nos deixa energizados.

n Valor. Motivação também costuma persistir quando permanecemos fiéis às nossas crenças. Atribuir valor a uma atividade pode restaurar o senso de autonomia, uma descoberta de grande interesse para os educadores. Em um artigo de 15

capa • motivação

revisão, os psicólogos Allan Wigfield e Jenna Cambria, pesquisadores da Universidade de Maryland, observaram que vários estudos haviam encontrado correlação positiva entre a valorização de um assunto na escola e a vontade do estudante de investigar a questão de forma independente. Felizmente, valores podem ser mudados. O psicólogo Christopher S. Hulleman, professor da Universidade da Virgínia, descreveu uma intervenção realizada no final do semestre letivo com dois grupos de estudantes do ensino médio. Um deles escreveu sobre como a ciência se relacionava com sua vida e outro deveria simplesmente resumir o que fora aprendido nas aulas de ciências. Os resultados mais marcantes vieram de estudantes com baixas expectativas de desempenho. Aqueles que descreveram a importância da ciência em sua vida melhoraram suas notas e relataram maior interesse, em comparação aos alunos em situação semelhante no grupo de resumo-escrita. Em suma, parece que pensar sobre algo (uma situação, uma área de conhecimento etc.) tende a aumentar nosso comprometimento. Não por acaso, um tema básico de meditação analítica do budismo é o fato de que o praticante vai morrer, mas não sabe quando isso vai acontecer, o que leva à reflexão sobre a preciosidade da vida – e à motivação para desfrutá-la de forma significativa.

n Competência. Gostamos do que fazemos ou fazemos o que gostamos? Tudo indica que, à medida que dedicamos mais tempo a uma atividade, percebemos que nossas habilidades melhoram nessa área e adquirimos senso de competência. Psicólogos das universidades Democritus da Trácia e da Tessália, ambas na Grécia, entre16

capa • motivação

vistaram 882 alunos sobre suas atitudes e o engajamento com o atletismo durante um período de dois anos. Os pesquisadores descobriram uma forte ligação entre o sucesso obtido por um aluno nos esportes e o desejo de praticar determinada modalidade. A conexão funcionou em ambas as direções – a prática tornou os jovens mais propensos a se considerar competentes e o senso de competência determinou a perseverança na prática esportiva. Estudos semelhantes, considerando atividades como música e rendimento acadêmico, reforçam essas constatações. A psicóloga Carol S. Dweck, A curiosidade e pesquisadora da Universidade Stanford, mostrou que a o medo não são opostos; competência está bastante estudos mostraram que associada às próprias crenças. crianças muito medrosas Em uma série de estudos, ela e ao mesmo tempo descobriu que aqueles que se curiosas se revelaram apoiam mais em talentos inaboas solucionadoras tos que no trabalho árduo dede problemas sistem mais facilmente quando enfrentam um novo desafio, porque temem que ele exceda sua capacidade. Já acreditar que o empenho promove a excelência nos ajuda a continuar aprendendo. Em geral, quando enfrentamos dificuldades para atingir aquilo que desejamos, convém perguntar o que está faltando. Muitas vezes, a resposta está em uma (ou mais de uma) destas três áreas: falta de autonomia, sensação de que a tarefa é inútil ou dúvida sobre sua capacidade. Enfrentar essas fontes de resistência pode fortalecer sua determinação. A escolha é pessoal, claro. (Leia mais sobre o tema na pág. seguinte.) 17

capa • motivação

O que vale a pena buscar? Neurocientista da Universidade de Washington mapeou centenas de cérebros de animais e constatou que o prazer está muito mais em buscar o que queremos do que em conseguir. Talvez isso explique por que suportamos postergar o recebimento de recompensas

18

capa • motivação

N

o começo da década de 50, o psicólogo James Olds, professor da Universidade Mc-Gill, no Canadá, chegou à conclusão de que a busca pela satisfação e a satisfação em si são processadas na mesma região no cérebro dos ratos. Outras pesquisas realizadas depois revelaram que o funcionamento mental de seres humanos segue a mesma lógica. Isso explica por que buscamos prazeres continuamente. Mas a maioria das pessoas também consegue postergar a realização dos seus desejos: na expectativa de viver algo que queremos, nosso cérebro já nos dá uma Nosso cérebro tem dois provinha da satisfação. O professor de psicologia e sistemas de recompensa, neurociência da Universidade um que nos leva a querer de Michigan Kent Berridge, e outro, à sensação vencedor do prêmio Grawede satisfação. Sentimos meyer de psicologia em 2018, vontade de obter algo fez uma descoberta fundae, na sequência, mental sobre motivação: nosa alegria da conquista so cérebro tem dois sistemas de recompensa, um que nos leva a querer e outro, à sensação de satisfação. Sentimos vontade de obter algo e, na sequência, a alegria da conquista. Por estarem muito próximos, esses dois movimentos mentais confundiram os cientistas, mas hoje se sabe que eles podem funcionar separadamente. Quando estamos muito ansiosos, estressados, ou sob o efeito de drogas, por exemplo, a vontade de conseguir o que almejamos é potencializada e a capacidade de escolha fica comprometida. Talvez você mesmo já tenha se flagrado, em momentos de grande tensão e cansaço, compran19

capa • motivação

do e comendo com avidez (mesmo sem fome) guloseimas pouco saudáveis, das quais sequer gosta de verdade. Podemos pensar que naquele momento você queria aquilo, embora realmente não gostasse. O neurocientista Jaak Panksepp, pesquisador da Universidade de Washington, mapeou centenas de cérebros de animais e constatou que o prazer está muito mais em buscar o que queremos do que em conseguir. Talvez isso explique, do ponto de vista da neurociência, por que suportamos postergar o recebimento de recompensa – como o pagamento no fim do mês ou uma boa nota depois de passar o fim de semana estudando para a prova. Segundo Panksepp, isso também é observado no comportamento de muitos mamíferos que preferem procurar comida a encontrá-la de uma forma fácil. Entre humanos, a lógica pode ser a mesma em muitas áreas da vida. Por exemplo, na paquera ou no início do namoro, em que existe a constante motivação da conquista, em contraste com a “calmaria” da relação estável após algum tempo.

Algo maior Durante uma das mais comentadas palestras do TED, a maior convenção de ideias do mundo, que acontece anualmente na Califórnia, o professor do departamento de psicologia da Universidade de Chicago Mihaly Csikszentmihalyi fez uma pergunta à plateia: “O que faz a vida valer a pena?”. Em 15 minutos de apresentação, ele chegou à seguinte conclusão: Não podemos ter uma ótima vida sem o sentimento de que fazemos parte de algo maior do que nós mesmos. 20

capa • motivação

Durante a maior parte da vida, buscamos recompensas – que podem aparecer em forma de bens materiais, prazeres sensoriais ou afeto – e evitamos punições, mas em geral nos frustramos Talvez seja esse o propósito maior da nossa motivação. Além de atender às nossas necessidades biológicas de sobrevivência, de sermos recompensados por aquilo que fazemos bem feito e realizar com autonomia algo que importa, precisamos ter a sensação de que o que queremos e do que gostamos tem um significado. Ganhar dinheiro? Assistir a séries? Viajar? Receber elogios? Ter um corpo considerado bonito segundo os padrões de beleza vigentes? Tudo isso é ótimo. Mas se empenhar continuamente em conseguir o que se deseja pode ser muito mais gratificante. Principalmente se o objetivo não for obter apenas satisfação pessoal, mas encontrar um objetivo maior para motivar suas ações. 21

atenção

Truque cerebral para evitar distrações Diante de uma situação em que precisamos nos concentrar, mas vários estímulos nos atraem simultaneamente, “escolhemos” apenas um para nos ater 22

atenção

V

ocê está dirigindo por uma rodovia por onde não costuma transitar e sabe que a saída está em algum lugar desse trecho da estrada, mas nunca a utilizou antes e não quer perdê-la. Enquanto olha atentamente para um lado em busca do sinal de saída, numerosas distrações se intrometem em seu campo visual: cartazes, um conversível charmoso, o toque do celular. Como o seu cérebro se concentra na tarefa que está realizando? Para responder a essa pergunta, neurocientistas em geral estudam o modo como o cérebro reforça sua resposta para o que você está procurando, condicionando-se com um impulso elétrico especialmente forte quando vê o que procura. Outro “truque” neurológico pode Neurocientistas acreditam que a ampliação dessa linha de pesquisa ser igualmente importante: segundo poderá ajudar a compreender o um estudo divulgaque ocorre no cérebro de pessoas do pelo periódico com transtorno de déficit de Journal científico atenção e hiperatividade (TDAH) of Neuroscience, o cérebro enfraquece sua reação deliberadamente perante tudo o mais, de modo que, comparativamente, o alvo de interesse ganhe destaque. E o mais curioso: fazemos isso sem sequer perceber. Os neurocientistas cognitivos John Gaspar e John McDonald, ambos pesquisadores da Universidade Simon Fraser, na Colúmbia Britânica, Canadá, chegaram a essa conclusão depois de pedirem a 48 universitários que fizessem testes de atenção em um computador. Os voluntários deveriam identificar rapidamente um círculo amarelo isolado em meio a um conjunto de 23

atenção

círculos verdes sem serem distraídos por um círculo vermelho ainda mais chamativo. Durante todo esse tempo os pesquisadores monitoraram a atividade elétrica no cérebro dos estudantes por meio de uma rede de eletrodos conectados a seu couro cabeludo. Como primeira evidência direta desse processo neural em ação, os padrões registrados revelaram que o cérebro dos participantes do experimento consistentemente suprimira reações a todos os círculos, exceto quando se referia àquelas formas geométricas que estavam procurando. “Neurocientistas estão cientes da supressão há algum tempo, mas ela não tem sido tão estudada quanto mecanismos que aumentam a atenção”, salienta McDonald. “A novidade é que, com esse trabalho, determinamos como é possível evitar distração por meio da supressão.” O neurocientista acredita que pesquisas desse tipo algum dia poderão ajudar os cientistas a entender o que ocorre no cérebro de pessoas com problemas de atenção, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). E, em um mundo cada vez mais permeado de distrações, o que é um importante fator para acidentes de trânsito, qualquer insight sobre como o cérebro concentra atenção deve despertar também a nossa. 24

inteligência

Pintinhos bons de matemática Assim como as crianças, filhotes de galinha parecem ter preferência inata por algarismos menores à esquerda e maiores à direita

26

inteligência

P

ense em um número. Agora imagine um maior. Tente visualizar os dois na sua frente. Se você enxerga o menor do lado esquerdo, apenas confirma um dado encontrado frequentemente: tendemos a posicionar números no espaço da esquerda para a direita. Cada vez mais evidências, incluindo pesquisas com bebês lactentes pré-verbais, sugerem que nascemos com essa tendência, que pode ser facilmente influenciada pela cultura e alterada. O curioso é que um estudo publicado pelo periódico científico Science , por

uma equipe de pesquisadores da Universidade de TrenOs resultados mostram to, na Itália, mostra que beque as escolhas dos bês de uma espécie compleanimais dependem de tamente diferente também quantidades relativas, preferem colocar os algarise não de qualquer mos maiores nessa ordem. preferência absoluta Os cientistas treinaram pinpor algum número, tinhos de três dias de vida e indicam que essa para andar em torno de um predisposição é inata painel em busca de alimento. Num primeiro momento, alguns filhotes aprenderam a encontrar comida atrás de uma divisão em que havia cinco pontos desenhados. Em seguida, os cientistas, coordenados pela psicóloga cognitiva Rosa Rugani, substituíram o painel por outros dois. Quando essas novas separações mostravam duas marcações cada uma, os animais caminhavam inicialmente para a marca da esquerda em 70% das vezes. Quando 27

inteligência

os painéis exibiam oito, os pintinhos tendiam a escolher o número da direita, como se tivessem certa preferência pela disposição numérica. Os pesquisadores repetiram então o experimento com outros filhotes, que foram treinados com divisões exibindo 20 pontos e testados com marcação de oito ou 32. Surpreendentemente, em ambos os ensaios, os animais viraram à esquerda para os números pequenos e à direita para os grandes. Os cientistas escolheram como menor o oito em um contexto e maior no outro para mostrar que o efeito depende de quantidades relativas, e não de qualquer preferência absoluta por algum número. Os resultados confirmam fortemente a ideia de que essa predisposição é inata. A pesquisa indica, porém, que a preferência pode ser facilmente modificada pela experiência; por isso, é bem provável que substituí-la não represente muita dificuldade para cérebros jovens numa cultura que escreve nesse sentido. Falantes de árabe, por exemplo, mostram tendência espacial inversa. Outros povos que escrevem da direita para a esquerda e os dígitos na outra direção, como em hebraico, não mostram nenhuma predileção particular. Os autores do estudo sugerem que esses resultados estão relacionados com o fato de que cérebros não são simétricos. O hemisfério direito domina o processamento visuoespacial, levando a uma preferência para o lado esquerdo do espaço para comandar a atenção – o que talvez explique por que tendemos a pensar nos “primeiros” números nessa direção enquanto contamos. O esquema espacial pode surgir também de um mapa físico dos algarismos no cérebro, algo encontrado em humanos no córtex parietal posterior direito, mas ainda não observado em animais. 28

sentidos

Cheiro da pessoa amada diminui estresse Em um novo estudo, os pesquisadores descobriram que as mulheres que tinham cheirado a camiseta suada do parceiro relataram ter menos estresse do que aquelas que sentiram o cheiro de um estranho ou de uma roupa não usada 30

sentidos

E

stá ansioso com a situação caótica do país, com o trânsito ou com o compromisso assumido de falar em público? Tente cheirar a camiseta suada da pessoa amada. Estranho? Talvez, mas um estudo experimental recente revelou que o odor do parceiro afetivo pode reduzir os níveis de estresse psicológico e fisiológico, mesmo quando a pessoa não está presente. Já o cheiro de um estranho tende a aumentar os níveis de estresse, de acordo um estudo publicado no periódico científico Journal

of Personality and Social Psychology. “Muitas mulheres usam a camisa do parceiro e homens às vezes preferem o lado que a companheira normalmente ocupa na cama quando ela está fora”, diz a doutora em psicologia Marlise Hofer, pesquisadora da Universidade de British Columbia.  “Ao observar esses comportamentos, fiquei curiosa para saber se traziam algum benefício efetivo”, conta Hofer. Ela e outras três pesquisadoras recrutaram 96 casais heterossexuais para participar do estudo.  Os homens foram instruídos a usar uma camiseta branca por 24 horas e evitar usar desodorante, fumar ou comer alimentos como alho ou cebola, que interferem diretamente no odor exalado. Após usarem as peças durante cinco horas, as devolveram ao laboratório.  As camisetas foram dobradas e congeladas pelo avesso, em embalagens individuais, com a área da axila voltada para cima para preservar o aroma, e descongeladas duas horas antes do início do teste de estresse.  Aliás, há algo curioso no método: congelar uma peça de roupa preserva o odor do usuário por até dois anos, segundo as pesquisadoras. Os homens foram escolhidos para usar as roupas porque costumam ter suor mais forte, enquanto as mulheres tendem a ter um olfato mais apurado. 31

sentidos

As participantes deveriam cheirar, aleatoriamente, uma entre três tipos de camisetas por um minuto: a de seu parceiro, outra de um estranho ou uma peça limpa, não usada, sem saber de qual se tratava. As pesquisadoras perguntaram a cada uma se acreditavam que a roupa tinha sido usada por seu parceiro. Na sequência, as voluntárias passaram por um teste psicológico, destinado a induzir estresse, composto pela simulação de uma entrevista de emprego e um desafio mental que consistia em contar, de 2027 a 1 (ordem decrescente), o mais rápiAs camisetas foram do possível, por 17 segundos, endobradas e congeladas quanto eram observadas por uma banca de “juízes”, previamente pelo avesso, em embalagens individuais, instruídos a não sorrir. As pesquisadoras coletaram com a área da axila amostras de saliva das mulheres voltada para cima para sete vezes ao longo do experimenpreservar o aroma, e to, para medir os níveis de cortisol, descongeladas duas o hormônio associado ao estreshoras antes do início se. Para controlar as diferenças na do experimento produção de cortisol, as voluntárias foram submetidas ao teste de estresse durante a mesma fase de seus ciclos menstruais. As mulheres também responderam ao mesmo questionário cinco vezes, indicando quão ansiosas, tensas ou desconfortáveis se sentiam numa escala de zero (nada) a 100 (muito). No geral, tanto antes como depois do exercício de matemática e da entrevista simulada de trabalho, as que tinham cheirado a camiseta do parceiro relataram se sentir menos estressadas do que aquelas que sentiram o cheiro de um estranho ou de uma roupa não usada.  Os níveis de 32

sentidos

cortisol caíram principalmente quando a mulher não só tomava contato com o cheiro do marido ou namorado, mas também o reconhecia. “O cheiro associado à percepção de que o odor é do companheiro reduz sensivelmente a resposta do estresse fisiológico”, afirma Hofer. As mulheres que cheiraram o odor da axila de um estranho apresentaram nível mais alto de cortisol. No entanto, elas não relataram se sentir especialmente estressadas. “Isso sugere que as reações ao hormônio podem representar mobilização de energia dentro do sistema metabólico em preparação para uma ameaça potencial (a resposta de lutar ou fugir) e que a reação ao cortisol pode não ser acessível à experiência subjetiva de estresse”, escrevem as pesquisadoras no artigo sobre o experimento. 33

linguagem

A forma secreta das letras Os idiomas variam muito de uma cultura para outra, mas raízes comuns podem ser encontradas na maioria deles. A ciência tem pistas sobre a razão de associarmos certas letras com formas redondas ou pontiagudas 34

linguagem

V

ocê sabe o que quer dizer bouba, takete, malumi e kiki ? Se não tem ideia, não faz mal, pois de fato as palavras não têm nenhum significado. Apesar disso, por décadas os vocábulos têm sido estudados por linguistas fascinados pela maneira como esses termos podem transmitir significado em muitos idiomas. Pesquisas da década de 1920 já demonstravam que crianças e adultos, independentemente do idioma que falavam, combinavam as palavras bouba e malumi com formas arredondadas e kiki e takete com formatos pontiagudos. O porquê Consoantes parecem permanece um enigma. carregar significado além Consoantes e vogais não das palavras que ajudam têm nenhuma relação inea formar; um estudo recente rente com o significado na com 71 falantes de francês maioria das expressões. A letra “o” em “octógono”, mostrou associação de por exemplo, não está ligapalavras com b, m e l com da de maneira “natural” a formas arredondadas formas de oito lados, nem azul ao tom, à cor que associamos à palavra, por exemplo. Então, o que haveria de tão especial em bouba e takete ? Hoje os cientistas apresentam uma resposta parcial a essa pergunta: consoantes parecem carregar significado além das palavras que ajudam a formar. Em um estudo recente com 71 falantes de francês publicado na Language and Speech , pesquisadores europeus liderados pela psicolinguista Mathilde Fort, da École Normale Supérieure, em Paris, mostraram que os participantes associavam consistentemente palavras com b , m e l com formas re35

linguagem

dondas e termos contendo k e t com formatos pontiagudos, independentemente das vogais com as quais eram Em diferentes combinadas. Os resultados sugerem que bouba e kiki culturas há reações podem ser semelhansemelhantes a certos tes às palavras onosons, que persistem matopaicas em inapesar da ampla glês “ crash” (colisão) diversidade de e “crunch” (mastilínguas; cientistas gação), em que as acreditam que certos consoantes fornesons desencadeiam cem um sentido associações específicas simbólico de som no cérebro do barulho do impacto, independentemente das vogais. A diferença seria que b , m e l têm esses significados em vários idiomas, não apenas em inglês, como k e t . Um pequeno experimento de acompanhamento, no entanto, mostrou que o efeito não é limitado a algumas consoantes. Participantes de uma amostra de 23 pessoas também combinaram palavras com d , n, s, p, sh e zh com formas arredondadas e termos com f, v e z com formatos pontiagudos. Assim como antes, os indivíduos pareciam ignorar as vogais. O resultado, que o simbolismo sonoro não pode explicar, sugere que temos reações fundamentais a certos sons, que persistem ape36

linguagem

sar da ampla diversidade de paisagens melódicas de línguas do mundo todo. É provável que as consoantes de cada grupo tenham algo em comum que desencadeia essas associações no cérebro, mas os cientistas ainda não descobriram de que se trata essa propriedade – a acústica simples não pode explicar. De qualquer forma, a descoberta mostra que as consoantes em geral desempenham papel excepcional no idioma. De fato, algumas línguas, como árabe e hebraico, priorizam as consoantes sobre vogais, muitas vezes omitindo estas últimas nos textos. A raiz do termo “escrever” em árabe é / ktb /. Se preenchermos essas letras com vogais diferentes, teremos uma variedade de palavras relacionadas, como kataba (ele escreveu), yaktubna (eles escrevem) e kitab (livro). A presença desses idiomas no mundo – e a ausência de qualquer um que priorize vogais – ajuda a reforçar a ideia de que as consoantes são fundamentais. As vogais continuam necessárias porque tornam possível dizer as palavras em voz alta. Mas são as consoantes que fazem o trabalho duro de transmitir significado. 37

especial • inconsciente

Universos

além da consciência Há em nossa mente significados codificados, revestidos de metáforas e imagens; sentimentos reprimidos, porém, reaparecem disfarçados e deslocados, tanto nos sonhos quanto no cotidiano por Gláucia Leal

38

especial • inconsciente

O

inconsciente é por definição incognoscível. O psicanalista está, portanto, na posição infeliz de um estudioso daquilo que não se pode conhecer”, escreveu Thomas Ogden, em The primitive edge of experience, de 1989. Na verdade, podemos pensar o inconsciente sob duas ópticas. Como adjetivo, é possível associá-lo ao que escapa à consciência, sem estabelecer discriminação entre conteúdos dos sistemas pré-consciente e inconsciente. Para melhor compreender, vale observar aqui que a concepção de consciência parece semelhante à de atenção: estamos conscientes daquilo para o que nos voltamos e inconscientes daquilo com que não nos ocupamos. Poderíamos, segundo essa lógica, estar conscientes de situações e fenômenos para os quais voltássemos nossa atenção – entraríamos então no que Freud chamou de pré-consciente. Aquilo para o que evitamos dar atenção por acharmos que pode deflagrar perturbação e dor está no inconsciente reprimido. É possível, nesse caso, falar do inconsciente como substantivo, no sentido tópico. Trata-se, assim, de uma instância psíquica, faz parte da primeira teoria do aparelho psíquico desenvolvida por Freud, constituído de material recalcado, não diretamente acessível à consciência. A consciência pode ser comparada com o que está visível na tela do computador. Temos acesso imediato a outras informações “pulando” para outra parte do documento ou mudando de janela. Esse gesto seria análogo às partes consciente e pré-consciente da mente. Mas pode ser mais difícil acessar outros 39

especial • inconsciente

conteúdos, pois podem estar criptografados ou atachados, podem exigir senha ou ainda ter sido corrompidos, de modo que a informação esteja embaralhada e, portanto, incompreensível. A ideia de que guardamos motivações sobre as quais não temos controle (e, por vezes, nem mesmo, ciência) traz à tona a hipótese que oferece consistência a comportamentos e vivências que, de outra forma, pareceriam completamente incoerentes. Freud se deu conta de que lapsos verbais e de escrita, falhas da memória, ações confusas e outros equívocos podem ser, em um nível mais profundo, não casuais – mas inconscientemente intencionais. Para ele, os sonhos constituem um caminho privilegiado para o inconsciente, embora não seja possível desvendá-los completamente.

Lapsos verbais e de escrita, falhas da memória, ações confusas e outros equívocos podem ser, em um nível mais profundo, não casuais, mas inconscientemente intencionais Da mesma forma que os sonhos, outras formas de comunicação podem apresentar representações de desejos e observações inconscientes que empregam os mesmos mecanismos oníricos. Os significados inconscientes são codificados, revestidos de metáforas e imagens. Um exemplo muito comum disso se dá em situações em que sentimos raiva, mas reprimimos essa emoção por sabermos que desencadeará sentimentos dolorosos e em especial quando é dirigida a alguém com quem temos relação mais próxima. Assim, os sentimentos reprimidos são disfarçados e deslocados – e aparecem, por exemplo, quando criticamos outra pessoa. 40

especial • inconsciente

A AUTORA GLÁUCIA LEAL é jornalista, psicóloga e psicanalista, especialista em psicossomática psicanalítica. Editora-chefe de Mente e Cérebro.

PARA SABER MAIS Freud nosso de cada dia. Gláucia Leal. Em: Por que Freud hoje? Coord. Daniel Kupermann. Zagodoni, 2017. O estranho (1919). Em: Freud (1917-1920) “O homem dos lobos” e outros textos. Sigmund Freud. Obras Completas. Companhia das Letras, 2010.

É possível pensar na seguinte situação: a orientadora de pesquisa de uma jovem avisa que vai ausentar-se do país durante um período crítico do trabalho. A estudante pode até compreender, de forma sincera, as razões da orientadora. Mas, prosseguindo a conversa, ela fala de um caso que ouvira: uma mãe havia deixado o filho pequeno sozinho em casa para fazer compras, a criança acordou e terminou se ferindo ao cair da escada. A mensagem inconsciente é clara: a orientadora é tida como a mãe negligente, a aluna é o filho desprotegido. A queda faz alusão ao risco que ela julga correr. Conscientemente, a garota fala como adulta, mas inconscientemente se ressente com a orientadora que não cumpre a função de mãe. Cabe considerar que a consciência tem gradações. É frequente que vivências infantis que evocaram grande vergonha ou culpa fiquem tão abafadas que se torna muito difícil resgatá-las, sendo possível ter apenas indícios desse material. Já uma introspecção momentânea, aliada a alguma capacidade psicológica de tolerar o desconforto de lidar com algum conteúdo que estava inconsciente, pode levar o desejo que parecia escondido ao pleno conhecimento. Do mesmo modo, no decorrer de uma terapia psicanalítica na qual o paciente é encorajado a falar e pensar com maior liberdade para estabelecer associações, seus anseios e temores tendem a se aproximar, gradualmente, da consciência. (Leia mais sobre o tema no artigo na próxima pág.) 41

especial • inconsciente

Estranhos mundos internos

Esse intrigante aspecto psíquico que influencia escolhas organiza memórias e experiências que preferimos esquecer ou dos quais não queremos saber. E se revela em sonhos, amores, desejos e fantasias 42

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G

rande parte dos nossos conteúdos psíquicos são inacessíveis ao próprio conhecimento. E apesar de “escondidos”, surgem disfarçados e influenciam nossas escolhas. Recentemente, ao pesquisar a ação de neurotransmissores, o psiquiatra Eric Kandel, ganhador do Nobel de Medicina em 2000, comprovou que o inconsciente tem também o papel de intensificar as emoções e sensações de angústia que pareciam ocultas. O inconsciente freudiano não é apenas a inconsciência, no sentido da não consciência ou no de uma outra consciência. Trata-se de uma instância simultaneamente “descoberta e inventada”, uma vez que é um sistema que organiza nossas memórias, desejos e experiências que pretendemos esquecer ou dos quais não queremos saber. Ele existiu desde sempre, desde que sonhamos, amamos ou fantasiamos. O psicanalista Jacques Lacan acrescentou que há inconsciente desde que falamos com os outros. Os animais não têm inconsciente não porque não são racionais, ou porque não te-

Características da mente oculta(*) • Impulsos ou ideias incompatíveis podem existir simultaneamente sem parecer contraditórios. É aceitável que amor e ódio se expressem ao mesmo tempo, sem que haja discordância. • Os significados podem ser facilmente deslocados de uma imagem para outra. • Muitos significados podem ser reunidos em uma única imagem; é o que chamamos de condensação. • Processos inconscientes são atemporais e as ideias não têm ordem cronológica. Conteúdos referentes a anos atrás podem surgir misturados aos mais recentes. • O inconsciente independe do mundo externo, representa a realidade psíquica, interna. Por isso, sonhos e alucinações são percebidos como reais. (*) Identificadas por Freud no texto O inconsciente, de 1915.

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especial • inconsciente

nham consciência e muito menos porque estão privados de afetos e emoções – mas exclusivamente porque não falam. Na verdade, o que Freud inventou foi uma forma de usar o inconsciente para alguma coisa – aliviar o sofrimento psíquico e os sintomas, de modo a tornar a vida das pessoas mais interessante e, quiçá, menos dolorosa. Ele criou um método para ler o inconsciente e libertar o desejo do qual ele é feito, usando uma maneira reduzida e muito mais concentrada de inconsciente que se chama transferência. Após algum tempo de análise, muitas pessoas se perguntam, surpresas, “o que acontece”, ao perceberem que passaram a agir de forma menos repetitiva e mais autônoma, sem, contudo, saber precisar de forma exata os momentos nos quais se deram as transformações. É o inconsciente que “acontece” entre analista e analisando. Com essa constatação, Freud mudou também nosso entendimento do que é uma patologia mental. A mesma neutralização do inconsciente se dá com o que chamamos de “psicológico”.

O vizinho, o passado, a amnésia Se o inconsciente sempre existiu, o que Freud inventou foi um método de tratamento, usando o inconsciente como hipótese de trabalho e reforçando a ideia de que esse aspecto 44

especial • inconsciente

psíquico é algo que ocorre na relação entre pessoas, na forma como nós nos interpretamos e nos entendemos – ou nos desentendemos. Podemos pensar que o inconsciente tem três capítulos principais: o sexual, o infantil e o recalcado. São as três figuras deste estranho que nos habita: o vizinho lascivo que “só pensa naquilo”, o passado de enganos e ilusões e a amnésia deliberada para coisas desagradáveis. Para Freud, sonhos são a “via régia para o inconsciente”. Segundo ele, porém, aquilo de que nos lembramos ao acordar é resultado da elaboração onírica, resultante da passagem do conteúdo latente para uma representação consciente, o que implica um processo de deformação daquilo que está escondido em nossa mente. Para que esse “disfarce” ocorra, os elementos são fundidos, combinados, deslocados e os pensamentos, expressos em palavras, sensações e principalmente imagens. Em 1919 Freud escreveu o ensaio das Unheimliche, na maioria das vezes traduzido para o português como O estranho e, mais recentemente, por Paulo César de Souza, direto do alemão (e publicado pela Companhia das Letras), como O inquietante. Souza reconhece, porém, que é “desnecessário chamar a atenção do leitor para a insuficiência desse termo”. Em seu texto, o criador da psicanálise não trata propriamente do inconsciente, mas de temas afins, como 45

especial • inconsciente

castração, compulsão à repetição, pulsão de morte, narcisismo e o duplo, tomando como ponto de partida o conto de E. T. de A. Hoffman, O homem da areia. Para Freud, o estranhamento tem origem em traumas da infância, é recalcado no inconsciente e se torna algo, de alguma forma, “familiar” e ao mesmo tempo “suspeito”; ele chega à conclusão de que o inquietante é algo já conhecido, enclausurado no inconsciente – e quando vem à tona causa sensação de medo, terror, estranheza. O conto de Hoffman revela estreita ligação entre o medo de perder os olhos com a castração na fase edípica. Nessa época, “poetas e escritores já dominavam um pensamento diferente daquele racional imposto pela ciência positivista que Freud bem articulou à nova ciência humana emergente, a psicanálise”, escreve a psicanalista Sandra Edler, na apresentação do livro Freud e o estranho, organizado por Bráulio Tavares (Casa da Palavra, 2007). “A qualquer momento podemos nos confrontar com um episódio estranho, sem explicação à primeira vista, e por isso mesmo perturbador; mas Freud nos lembra de que vamos acabar por reencontrá-lo ou ainda reviver a inquietante sensação de estranheza que experimentamos. (Leia mais sobre o tema

no artigo na próxima pág.) ”

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especial • inconsciente

A mente no laboratório

Um século depois de Freud apresentar a teoria de que habita em nós uma instância sobre a qual não temos controle – mas se mostra em nossas ações e pensamentos – muitos cientistas se rendem a evidências e buscam estudá-la

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especial • inconsciente

H

á mais de um século, quando o criador da psicanálise lançou a ideia de que temos em nós um aspecto inconsciente, foi inevitável que fosse deflagrada a desconfiança dos cientistas, que se perpetua ao longo de décadas. Não é para menos, a proposta de Sigmund Freud é intrigante. Segundo ele, essa parte da mente abriga pensamentos, desejos e lembranças que, por seu teor excessivo, sexual ou violento, não suportamos manter por perto – e, por isso, são removidos para uma espécie de “porão” psíquico para que não tenhamos de lidar com eles a cada instante. Apesar de nossos esforços para manter esses conteúdos recalcados, eles continuam vívidos e vez por outra retornam mais ou menos disfarçados. Como esse aspecto não é, por definição, facilmente acessível, não é simples estudá-lo – embora se apresente inúmeras vezes por meio de atos falhos e no conteúdo dos sonhos, por exemplo. Depois de muitas abordagens buscarem negar ou ignorar essa instância – o que, aliás, é compreensível, visto que parece realmente desconfortável ter um “estranho morando dentro de nós” –, a ciência tem se rendido e procurado compreendê-la melhor. Atualmente, o domínio da inconsciência, descrito mais genericamente no âmbito da neurociência cognitiva como qualquer processo que não permita a ativação da consciência, é rotineiramente estudado em centenas de laboratórios que usam técnicas psicológicas objetivas baseadas em análises estatísticas. 48

especial • inconsciente

Dentre tantos, dois experimentos revelam algumas capacidades da mente inconsciente – embora nem de longe na profundidade proposta por Freud e estejam mais ligados à percepção do que ao profundo universo da inconsciência abordada pela psicanálise. Os dois experimentos abordam um aspecto interessante dessa (ainda) misteriosa instância psíquica: ambos buscam compreender processos de “mascaramento”, a ocultação de objetos da cena apresentada. Ou seja: as pessoas que participam dos estudos olham, mas simplesmente não veem o que seus olhos captam. O primeiro estudo resultou Ao longo do tempo, várias de uma colaboração entre os abordagens psicológicas pesquisadores Filip van Opsbuscaram negar ou ignorar a instância inconsciente em tal, da Universidade Ghent, Bélgica, Floris P. de Lange, da nós, o que é compreensível, Universidade Rad-boud Nijjá que para muitos é megen, na Holanda, e Stanisdesconfortável ter um las Dehaene, do Collège de “estranho morando em nós” France, em Paris. Dehaene, diretor da Unidade de Neuroimageologia Cognitiva (Inserm-CEA, na sigla em francês), é mais conhecido por suas investigações sobre mecanismos cerebrais responsáveis por contas e números. Ele explora até que ponto uma simples adição ou uma média podem ser calculadas de forma automática – o que ele acredita que ultrapasse os limites da consciência. Somar 7, 3, 5 e 8 geralmente é considerado um processo cognitivo consciente e sofisticado. Porém, Van Opstal e seus colegas provaram o oposto de forma indireta, mas bastante convincente. Durante o experimento, a imagem de um conjunto de quatro números arábicos com 49

especial • inconsciente

um único dígito (1 a 9, excluindo o 5) era projetada rapidamente numa tela. Voluntários tinham de indicar, o mais rápido possível, se a média dos quatro números era maior ou menor que 5. Cada rodada era precedida por uma pista oculta que podia ser válida ou inválida. A pista consistia num flash mostrando outro conjunto de quatro números cuja média era menor ou maior que 5. Estes eram precedidos e seguidos por marcas hashtag ou jogo da velha (#) no lugar dos números visualizados de relance durante o flash. As marcas efetivamente escondiam as

Em menos de 3 segundos somos capazes de detectar imagens incongruentes; sofisticadas redes neurais do córtex codificam as imagens, pois aprendemos que certos objetos combinam e outros não pistas de modo que, conscientemente, não era possível ver esse conjunto de números. Convidar os participantes a adivinhar se a média dos quatro números escondidos era menor ou maior que 5 também não funcionou: ela era aleatória. No entanto, a pista ainda influenciava a reação dos participantes. Quando a dica implícita era válida, a resposta final era conscientemente mais rápida que quando a pista era inválida. Na ilustração, a média dos quatro indícios invisíveis (3,75) era menor que 5, enquanto a média dos números-alvo visíveis era maior que 5. Resolver esse conflito requer mais tempo de processamento (cerca de 1/40 de segundo). Isso significa que a pista aciona a atividade neural representada pela declaração “menor que 5” que, por sua vez, interfere no estabelecimento imediato 50

especial • inconsciente

de uma associação de neurônios representando “maior que 5”. Essas pistas invisíveis e indetectáveis influenciam no comportamento e sugerem que “saber sem se dar conta disso” pode, de alguma forma, ajudar a estimar a média dos quatro números de um dígito. É pouco provável que nesses casos as pessoas ajam seguindo as regras algébricas precisas que as crianças aprendem na escola. Mas o processo pode basear-se na heurística (método para fazer descobertas). Por exemplo, para cada número maior que 5, realmente aumenta a probabilidade de o voluntário apertar o botão “maior que 5”. Este é apenas o último de uma batelada de experimentos que demonstram a capacidade de “codificação do conjunto”, uma habilidade da mente de estimar, em poucos segundos, a expressão emocional dominante de uma multidão de rostos ou das dimensões aproximadas de pontos agrupados, mesmo que as faces ou os pontos isoladamente não sejam conscientemente identificados.

Capa de Harry Potter Creio que a possibilidade que temos de agrupar rapidamente todos os diferentes elementos contidos numa cena e colocá-los no mesmo contexto é uma das principais características da consciência. Intrigados com essa questão, os neurocientistas Liad Mudrik e Dominique Lamy, da Universidade de Tel Aviv, e Assaf Breska e Leon Y. Deouell, da Universidade Hebraica em

51

especial • inconsciente

Num piscar de olhos Participantes do experimento viam quatro números durante 600 milissegundos e precisavam decidir rapidamente se a média ultrapassava 5. Máscaras com marcas hashtag (#) garantiam que os quatro números sugeridos não seriam vistos conscientemente; no entanto, a média pode ser estimada de forma “automática”.

Jerusalém, dispuseram-se a testar até que ponto é possível integrar inconscientemente todas as informações de um único quadro numa experiência visual unificada e coerente. Os psicólogos israelenses usaram a “supressão por flashes contínuos”, uma técnica poderosa de ocultação, para tornar as imagens “invisíveis”. Nesse processo, padrões coloridos aleatórios, que mudam rapidamente, são disparados na forma de flashes em um dos olhos enquanto a imagem de uma pessoa realizando qualquer tarefa vai desaparecendo lentamente no outro olho. Em poucos segundos, a figura torna-se completamente invisível e o observador vê apenas formas coloridas. A cena que vai se tornando gradativamente mais intensa acaba finalmente irrompendo e o espectador consegue vê-la. Algo parecido com a capa de invisibilidade de Harry Potter que, com o passar

do tempo, vai sumindo e revela o que está por baixo. O aspecto fascinante do estudo de Liad Mudrik é que o tempo até a cena se tornar visível depende do conteúdo da imagem. Imagens reais de uma mulher colocando uma pizza no forno, um garoto mirando um alvo com arco e flecha ou um jogador de basquete saltando para fazer um arremesso levam 2,64 segundos para se tornar visíveis, enquanto os quadros não naturais são mascarados por 2,50 segun52

especial • inconsciente

dos. A diferença é pequena, mas significativa: a mente inconsciente detecta coisas incongruentes nessas imagens. Uma mulher coloca um tabuleiro de xadrez no forno, a flecha a ser disparada é substituída por uma raquete de tênis e a bola de basquete se transforma em uma melancia. Os psicólogos verificam se as duas imagens, a congruente e a incongruente, estão realmente invisíveis e não podem ser distinguidas uma da outra quando mascaradas. Essa descoberta implica que a inconsciência reconhece que há algo errado nas imagens, que o objeto manuseado está fora do contexto. A forma como a mente conduz esse processo é muito intrigante, talvez porque as vastas e intrincadas redes do córtex cerebral que codificam as imagens tenham aprendido que certos objetos combinam, outros não. Considerando o número quase infinito de combinações de objetos e contextos, é possível que essa solução seja realizada pelo cérebro? Ou será que as técnicas de ocultação suprimem a visibilidade da imagem, mas não impedem completamente o acesso consciente a elas? Somente mais pesquisas poderão responder a essas perguntas. Assim, talvez no futuro possamos finalmente conhecer a capacidade da inconsciência cognitiva e ter mais informações sobre o papel fundamental desempenhado pela consciência neste nível mais prático. Já para acessar aspectos mais profundos da estância inconsciente proposta por Freud nada melhor do que recorrer à psicanálise. 53

livro | lançamento

O oráculo da noite – A história e a ciência do sonho. Sidarta Ribeiro. Companhia das Letras, 2019. 472 págs. R$ 79,90. E-book: R$ 39,90.

Do misticismo à psicobiologia Livro de Sidarta Ribeiro trata do sonho, uma atividade mental governada por emoções e processos neuroquímicos, que nos permite simular futuros possíveis, esquecer, criar, ensaiar comportamentos e aprender

A

o longo da história, as experiências oníricas guiaram decisões de líderes e várias culturas, e ainda hoje muitas pessoas fazem escolhas (como adiar viagens, por exemplo) com base nos sonhos. Em linhas psicote-

rápicas que valorizam o papel da instância inconsciente, como a psicanálise e a psicologia analítica, essas manifestações noturnas são recursos importantes para compreender desejos e processos mentais nem sempre óbvios. Em O

oráculo da noite, o neurocientista Sidarta Ribeiro, pós-doutor pela Universidade Duke, se pergunta – indagações que certamente já passaram pela cabeça de muita gente: o que é o sonho, afinal? Qual seu propósito? Como compreender suas mensagens simbólicas e detalhes tantas vezes intrigantes? 54

livro | lançamento  Para oferecer respostas, de forma instigante e inteligente, o professor de neurociência, fundador e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), busca embasamento em consistentes informações antropológicas, psicanalíticas e literárias, além das mais recentes referências sobre biologia molecular, neurofisiologia e medicina. O neurocientista assinala, por exemplo, que experiência onírica foi provavelmente a primeira demonstração para nossos ancestrais de que a percepção sensorial pode ser apenas um teatro de ilusões. No momento em que foi possível experimentar vividamente a riqueza dessa formação psíquica, e lembrar-se disso na vigília, tornou-se possível perceber que nem tudo que é pensado deve corresponder a uma percepção ou ato motor na vida real. Daí para a imaginação consciente (incluindo o planejamento do futuro e a lembrança do passado, articulados)

Desvendar os mecanismos e funções oníricas esclarece muito sobre a origem da consciência humana; o uso do sonho como tecnologia psicológica e pedagógica é um recurso pessoal poderoso

pode ter sido um pulo. Colunista de Mente e Cérebro durante 12 anos, Ribeiro recorre a história, filosofia, narrativas sobre amores, monges e demônios para compor um panorama atraente e ao mesmo tempo aprofundado. Ele ressalta que, hoje, a ciência sabe que sonhar – uma ativi-

dade mental governada por emoções, motivações e processos neuroquímicos – nos permite simular futuros possíveis, esquecer, criar, ensaiar comportamentos. E aprender durante a noite sem nos submetermos aos riscos da realidade. O ato de compartilhar essas experiências por meio da linguagem talvez tenha inaugurado a religião, confirmando para todos os membros da tribo que além dessa realidade há outras, fato atestado por todos ao despertar de manhã. Desvendar os mecanismos e funções oníricas esclarece muito sobre a origem da consciência humana. Embora numa época em que se dorme tão pouco os sonhos muitas vezes sejam desacreditados, menosprezados ou simplesmente esquecidos, seu uso como tecnologia psicológica e pedagógica se torna cada vez mais poderoso, à medida que adquirimos conhecimento sobre a melhor forma de dormir e sonhar. 55

LIGHT

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