Superexploração Do Trabalho No Século Xxi_ 2018

  • Uploaded by: Giovanni Alves
  • 0
  • 0
  • February 2021
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Superexploração Do Trabalho No Século Xxi_ 2018 as PDF for free.

More details

  • Words: 54,677
  • Pages: 168
Loading documents preview...
Superexploração

do trabalho no século XXI

debates contemporâneos

Organizadores

Juliana Guanais e Gil Felix

Superexploração

do trabalho no século XXI

debates contemporâneos

1ª edição 2018 Bauru, SP

Copyright© Projeto Editorial Praxis, 2018 Coordenador do Projeto Editorial Praxis

Prof. Dr. Giovanni Alves Conselho Editorial

Prof. Dr. Giovanni Alves (UNESP) Prof. Dr. José Meneleu Neto (UECE) Profa. Dra. Vera Navarro (USP)

Prof. Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP) Prof. Dr. André Vizzaccaro-Amaral (UEL) Prof. Dr. Edilson Graciolli (UFU)

Capa

Giovanni Alves Tradução espanhol-português Adriana Marcela Bogado

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S696

Superexploração do trabalho no século XXI: debates contemporâneos / Juliana Guanais e Gil Felix (organizadores). — Bauru: Canal 6, 2018. 168 p. ; 23 cm. (Projeto Editorial Praxis) ISBN 978-85-7917-485-8 1. Trabalho 2. Capitalismo 3. Dependência I. Guanais, Juliana. II. Felix. Gil. III. Título. CDD 331

Projeto Editorial Praxis Free Press is Underground Press www.editorapraxis.com.br Impresso no Brasil/Printed in Brazil 2018

Rua Machado de Assis, 10-35 Vl. América | CEP 17014-038 | Bauru, SP Fone/fax (14) 3313-7968 | www.canal6.com.br

Sumário

APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Juliana Guanais e Gil Felix TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Adrián Sotelo Valencia A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

Ana Alicia Peña López e Nashelly Ocampo Figueroa A superexploração do trabalho e o colapso/ expansão da forma-valor no capitalismo global: Notas teóricas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

Giovanni Alves Salário por peça e superexploração do trabalho. . . . . . . . . . . 95

Juliana Guanais Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Gil Felix Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

Sumário

5

APRESENTAÇ ÃO

No nos queda, en esta breve nota, sino advertir que las implicaciones de la superexplotación trascienden el plano de análisis económico y deben ser estudiadas también desde el punto de vista sociológico y político. Es avanzando en esta dirección como aceleraremos el parto de la teoría marxista de la dependencia, liberándola de las características funcional-desarrollistas que se han adherido en su gestación. Post-scriptum à Dialéctica de la Dependencia. Ruy Mauro Marini, 1973.

Este livro foi pensado com o propósito de consolidar uma interlocução iniciada em 2013 entre professores e grupos de pesquisa situados em diversas universidades no Brasil e em outros países, em especial, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA). O grupo de pesquisadores foi reunido pelo renovado interesse pela obra e pelo legado de Ruy Mauro Marini (1932-1997), intelectual e militante marxista brasileiro que ao longo de sua vida dedicou-se intensamente ao estudo da América Latina, mas que, durante muito tempo teve suas obras pouquíssimo difundidas em seu país de origem, contrastando com o que ocorre em outros

APRESENTAÇÃO

7

países latino-americanos, como o México e o Chile, por exemplo, onde o autor viveu a maior parte de seu exílio1. No caso particular do Brasil, tal como hoje é reconhecido, foram amplamente difundidas críticas pouco rigorosas às teses de Marini, seja por mero desconhecimento e obscurecimento de sua produção ou, também, por outro lado, por perseguições de caráter duvidoso ou deformações teóricas politicamente orientadas2 . A despeito das diversas tergiversações, o que estava em jogo nestes silenciamentos era, na realidade, a defesa intransigente de uma estratégia revolucionária socialista por parte do autor e sua crítica às análises que partiam da intelectualidade vinculada ao Partido Comunista e à CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Tendo a revolução socialista como a única via possível para a superação da condição de dependência em que se encontra a América Latina, a posição de Marini causava grande incômodo à maior parte da academia latino-americana, comprometida com estratégias colaboracionistas, reformistas ou desenvolvimentistas. Ao defender abertamente a inevitabilidade da revolução e da luta armada, e ao se dedicar e produzir a maior parte de sua obra de forma a contribuir com este projeto de superação

1

Tal como indicaremos a seguir, não é nosso propósito apresentar a vida e obra de Ruy Mauro Marini neste livro. Para maiores informações sobre o tema indicamos a leitura de “Memoria” (s/d), texto escrito pelo próprio autor e que pode ser consultado no sítio eletrônico que reúne grande parte da produção de Marini: http://www.marini-escritos.unam. mx/002_memoria_marini_esp.html (acesso em 24/01/2018).

2

Um movimiento, aliás, já precocemente analisado pelo próprio Marini, nestes termos: “En su conjunto, constituye un texto desaliñado y truculento, que deforma casi siempre mis planteamientos para poder criticarlos, manipula los datos que utiliza (o no utiliza) y que brilla por la falta de rigor, la torpeza e incluso el descuido en el manejo de hechos y conceptos. El lector lo entenderá mejor si toma en cuenta que va dirigido fundamentalmente a la joven generación brasileña, que conoce poco o casi nada de lo que he escrito. Esto es lo que lleva a los autores no sólo a “exponer” mi pensamiento, sino también a permitirse adaptarlo libremente a los fines que se han propuesto. Seguramente, habrían procedido de otra manera, si se dirigieran a un público más familiarizado con las tesis en cuestión” (MARINI, 1978, p. 58). O texto a que se refere Marini no trecho é, no caso, a crítica feita por José Serra e Fernando Henrique Cardoso em 1978 à Dialéctica de la dependencia (1973), livro no qual, junto com os textos reunidos em Subdesarrollo y revolución (1969) e em El reformismo y la contrarrevolución: estudios sobre Chile (1976), Marini sistematizou estudos de grande fôlego e teses de enorme impacto teórico e político.

8

Superexploração do trabalho no século XXI

do capitalismo, Ruy Mauro Marini se tornou um pensador que deveria ser combatido, sobretudo nas universidades brasileiras. Em decorrência disso, houve um lapso de desconhecimento de, no mínimo, duas gerações, sendo que, dentre a última – formada ao longo dos anos 1980 e 1990 –, a leitura de seus textos e a menção ao seu nome muitas vezes sequer esteve presente nas ementas acadêmicas. Contudo, em um momento histórico como o atual, no qual o colaboracionismo e o desenvolvimentismo escancaram novamente, como farsa, seu enviesamento para a análise das formações dependentes – e que, portanto, as novas gerações se deparam com as suas limitações teóricas e políticas –, a revisita às teses de Marini vem se tornando uma tarefa incontornável. Junto com ela, porém, novos desafios também já estão postos frente a uma política não mais apenas de silenciamento, mas de reapropriação e de acomodação das estratégias colaboracionistas no interior das próprias releituras, tamanho é o legado teórico reformista que formata as gerações pós 1980. Este livro que ora se apresenta, de certa forma, integra um esforço recente que busca divulgar as obras e o pensamento de Marini para o público brasileiro. Porém, o faz a fim de resgatar especialmente seu legado teórico e, a partir dele, contribuir para a reflexão crítica do capitalismo no século atual. Para tanto, sob distintos pontos de partida e trajetórias de investigação científica diferenciadas, analisando dados de pesquisas teóricas e empíricas sobre o modo de produção capitalista das últimas décadas, os autores aqui reunidos destacam uma categoria central no pensamento de Marini: a superexploração do trabalho. Adrián Sotelo, em “Teoria da dependência e extensão da superexploração: uma perspectiva teórica”, em um primeiro momento, sintetiza a vigência atual da teoria marxista da dependência para a análise e a compreensão da problemática dos países dependentes da América Latina no contexto internacional. E, em seguida, fiel às reflexões feitas por Marini sobre as mudanças no capitalismo ao longo das últimas décadas do século XX, analisa detidamente as formas pelas quais a superexploração estaria se estendendo às economias avançadas, expõe as principais hipóteses que vêm desenvolvendo nos seus livros mais recentes e termina

APRESENTAÇÃO

9

propondo algumas linhas de investigação para o estudo das novas características da dependência. O artigo de Ana Alicia Peña López e Nashelly Ocampo Figueroa, “A superexploração dos trabalhadores migrantes mexicanos nos Estados Unidos”, é resultado de 25 anos de pesquisa e de trabalho realizado direta e conjuntamente pelas autoras com migrantes no México e no exterior. No texto, López e Figueroa buscam explicar a lógica geral à qual respondem os movimentos migratórios de latino-americanos para os Estados Unidos - especialmente dos mexicanos -, demonstrando como o processo de superexploração do trabalho é a chave para entender a crescente incorporação destes trabalhadores no mercado laboral estadunidense. No decorrer do texto, as autoras não apenas deixam claro como opera a superexploração do trabalho na dinâmica migratória, especificamente entre México e Estados Unidos, mas também demonstram a pertinência de se utilizar a categoria em questão para a compreensão do fenômeno migratório entre ambos os países, complexificando, portanto, sua análise para o caso de países centrais específicos do sistema capitalista. Intitulado “A superexploração do trabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notas teóricas”, o texto de Giovanni Alves apresenta as causalidades estruturais da vigência da superexploração do trabalho nas condições históricas do capitalismo global, sugerindo como hipótese a ideia do colapso/expansão da forma-valor e seu rebatimento na fórmula da composição orgânica do capital para explicar a nova superexploração do trabalho nas condições da economia global. Como o autor visa demonstrar em sua análise, o que era uma característica distintiva, embora não exclusiva, das formações sociais dependentes – a superexploração do trabalho –, torna-se, também, a marca das economias centrais, transformando-se em um fenômeno global, característico do movimento de precarização estrutural do trabalho no capitalismo mundial e decorrente de mudanças na esfera produtiva do capital. Em “Salário por peça e superexploração do trabalho”, eu, Juliana Guanais, exponho resultado de pesquisa empírica realizada com assalariados rurais que trabalham como cortadores de cana na agroindústria

10

Superexploração do trabalho no século XXI

canavieira do estado de São Paulo. O artigo tem como objetivo principal analisar a superexploração do trabalho dos cortadores de cana à luz da teoria do valor de Marx e da teoria marxista da dependência e, para tanto, investigo a relação entre pagamento por produção – forma predominante de remuneração dos cortadores de cana – intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira, demonstrando as conexões entre esses fatores. Depois de analisar como se dá a intensificação do trabalho e o prolongamento da jornada laboral no caso específico dos cortadores de cana - e de que forma ambos contribuem para a elevação do valor da força de trabalho dos últimos - apresento dados sobre o descenso dos salários e do piso salarial da categoria, demonstrando que os assalariados em questão estão sendo pagos por debaixo de seu valor, o que configura uma situação de superexploração do trabalho. Em “Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea”, eu, Gil Felix, analiso características das formas contemporâneas de circulação mercantil da força de trabalho que vem sendo expandidas desde o advento da acumulação flexível do capital. Para tanto, proponho uma abordagem para a análise dos processos comumente designados como flexibilização, precarização ou, mais recentemente, uberização do trabalho, considerando os processos de aceleração e amplificação da circulação da força de trabalho que lhe decorrem transversalmente e, portanto, de uma condição proletária de maior aproximação e/ou indistinção entre os exércitos ativo e de reserva. A partir disso, proponho uma agenda de pesquisas epistemologicamente atenta para as relações sociais de circulação a que estaria sujeita a classe trabalhadora e para o estudo atual da superexploração do trabalho. Essa breve apresentação dos textos já nos permite perceber que um dos aspectos a serem destacados deste livro é o fato de ser composto por artigos que, além de serem resultado de pesquisas de longo prazo, fruto de um acúmulo de investigações, também não se limitam apenas ao plano teórico exegético ou bibliográfico, já que enfrentam o desafio de analisar e interpretar a realidade social contemporânea à luz da categoria superexploração do trabalho. Além de (re)evidenciar a potência explicativa das categorias de Marini, os estudos que compõem este livro

APRESENTAÇÃO

11

também servem de exemplo de como é possível se construir uma teoria social “viva”, isto é, informada por análises que dialogam teoria e empiria, e que, portanto, estão em perpétuo movimento (dialético, histórico, materialista) de crítica e (re)construção. Não à toa, enfim, devemos destacar ainda que todos os artigos, de uma maneira particular, apontam para agendas de pesquisa compostas por temáticas e problemáticas as mais variadas possíveis, as quais também podem vir a ser do interesse de outros pesquisadores, seja da América Latina, ou não. O convite ao debate e à reflexão está feito. Boa leitura. Juliana Guanais e Gil Felix Foz do Iguaçu, verão de 2018.

12

Superexploração do trabalho no século XXI

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EX TENSÃO DA SUPEREXPLOR AÇ ÃO: UMA PERSPEC TIVA TEÓRIC A Adrián Sotelo Valencia

Introdução No presente ensaio, fazemos uma análise da relação dos conceitos de “dependência” e “exploração”, considerando-os organicamente imbricados e referentes a uma realidade específica, qual seja, a da formação histórico-social latino-americana contemporânea. Nosso propósito é iluminar a análise das mudanças que experimenta a América Latina no contexto mundial, no século XXI. Este ensaio revaloriza o conceito de exploração do trabalho em torno à sua localização dentro da teorização do marxismo. Em seguida, vislumbra a importância da teoria da dependência para a análise contemporânea do capitalismo mundial e latino-americano. Finalmente, enfoca a validade teórica e metodológica da teoria marxista da dependência (TMD) e, em particular, da teoria da superexploração da força de trabalho (Sft) na análise contemporânea de nossos países.

Teoria e método da exploração em Marx Em relação à teoria de Marx sobre a exploração do trabalho impõem-se algumas observações que, com frequência, têm sido incompreendidas ou ignoradas pelos críticos do marxismo e da teoria da dependência. Em primeiro lugar, Marx erige sua enorme obra (O Capital), em um nível muito elevado de abstração. Assim, por exemplo, em relação com a

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

13

teoria do valor, ele supõe uma situação em que este valor corresponderia a seu preço. Questão metodológica correta, embora não signifique que assim seja efetivamente o comportamento empírico na realidade histórica do modo de produção capitalista. Em segundo lugar, o conceito de exploração do trabalho, como relação social fundamental da sociedade histórica capitalista, em Marx, é um conceito relevante que edifica a teoria da mais-valia e do lucro dentro do modo de produção capitalista e não em outro. Quer dizer, na ausência do conceito de exploração é inimaginável, sequer, a elaboração e compreensão da lei do valor como eixo central da produção e acumulação capitalistas. A isto alude o próprio autor alemão quando escreve: “Toda empresa de produção de mercadorias é, ao mesmo tempo, uma empresa de exploração da força de trabalho; mas, sob a produção capitalista de mercadorias, a exploração se converte em um sistema formidável que, ao se desenvolver historicamente com a organização do processo de trabalho e os gigantescos progressos da técnica, revoluciona toda a estrutura econômica da sociedade e eclipsa a todas as épocas anteriores.” (Marx, 2000, T. II., p. 37).

Esquecer esta premissa, ou omiti-la, na análise da realidade concreta das relações sociais capitalistas de produção não é apenas limitar a visão estrutural a partir da que se aprecia a totalidade, senão também deturpar grosseiramente a realidade social e laboral produzindo visões fragmentadas e fetichizadas que escondem as relações fundamentais. Isto leva-nos a uma terceira observação, relativa ao fato de que a partir da definição da lei do valor, Marx expõe os métodos da exploração do trabalho identificados com a mais-valia absoluta e com a mais-valia relativa, como aqueles básicos para a reprodução do sistema capitalista em um contexto histórico de longo prazo. Isto supõe entender ambas as formas de mais-valia como conceitos articulados dentro de uma formação histórico-social específica, em cujo seio se conjugam os processos de trabalho e as relações sociais de produção. A periodização que pode surgir, tendo por base esses dois conceitos de mais-valia, não é outra que a que incorpora o predomínio ou não da produtividade do trabalho

14

Superexploração do trabalho no século XXI

com base no desenvolvimento tecnológico por sobre a extensão da jornada e a intensidade do trabalho ou sua articulação. Quer dizer, marca a pauta para estudar a gênese do desenvolvimento do modo de produção capitalista nas suas múltiplas articulações e definições resultantes. A rigor: não existe uma fase independente do capitalismo que tenha se baseado exclusivamente na prevalência da mais-valia absoluta (no prolongamento da jornada de trabalho) e outra fase que a deixasse para trás para se fundamentar no domínio exclusivo da mais-valia relativa; em vez disso, consideramos que a partir da revolução industrial que se desdobra a partir da segunda metade do século XVIII, onde efetivamente essa forma da mais-valia começa a ganhar terreno até se tornar hegemônica no conjunto do sistema, as demais formas e mecanismos correspondentes à primeira, e a outras formas de produção como a cooperação e o trabalho artesanal, coexistem com ela e se desdobram em cada processo histórico do seu desenvolvimento substancial. Em outras palavras: “... a periodização do capitalismo, segundo Marx, não se resolve em um período em que a mais-valia absoluta prevalece e outro em que prevalece a mais-valia relativa, senão que no período manufatureiro – em que, junto à extensão da jornada, método de extração da mais-valia absoluta, se observa o incremento da intensificação do trabalho e sua uniformização, método de produção de mais-valia relativa, assentando as bases reais para a plena vigência da lei do valor e, portanto, do império das leis do mercado – e em um período fabril em que, longe de diminuir, aumenta a pressão do capital em prol do prolongamento da jornada, tendência contraposta pelas lutas operárias para a redução da mesma e, sobre a base da revolução industrial, se desenvolve a produtividade do trabalho, ela também um método de produção de mais-valia relativa, se abrindo horizontes ao desdobramento das forças produtivas, apenas limitado pelas relações de produção em que este se enquadra.” (Marini, Sotelo y Arteaga, s/d, p. 66).

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

15

Resulta disto que o prisma através do qual devemos vislumbrar, por exemplo, o taylorismo, o fordismo e a produção em massa até os modernos sistemas de organização e exploração da força de trabalho centrados no toyotismo flexível da atualidade, cada um deles, envolve relações sociais imersas em uma combinação virtuosa para o capital suportadas tanto nas formas de produção da mais-valia absoluta como da relativa. Esta questão será retomada mais adiante quando analisarmos a Sft. Por último, consideramos que as tentativas por estabelecer uma “proporcionalidade inversa” da mais-valia absoluta e a relativa nos textos em que se desenvolveu a teoria da Sft, derivam de uma enorme incompreensão das distintas formas que a mais-valia pode assumir na sua articulação concreta dentro de determinadas condições de produção e circulação do capital. Portanto, era necessário realizar este labor para situar a especificidade da exploração capitalista nos países dependentes, por mais que esses se queiram assemelhar, por parte de alguns autores, à dinâmica histórica do capitalismo clássico. Ao contrário de outros autores enquadrados na vertente da dependência, a tarefa para desenvolver uma economia política da dependência e da exploração na América Latina foi realizada precisamente por Marini. É esta linha de trabalho que, em nossa opinião, merece ser aprofundada, com a finalidade de apreender as condições e contradições contemporâneas da exploração capitalista.

A importância da teoria da dependência na atualidade Podemos ou não concordar com Marini em relação às teses centrais que derivam de sua concepção sobre a teoria da dependência. Porém, certamente não podemos ignorar a original contribuição que, em nosso parecer, Marini faz ao campo específico da exploração do trabalho, ou seja, o fato de vincular orgânica e dialeticamente as formas da mais-valia relativa e absoluta (a dor de cabeça ou a nêmeses dos críticos) com o desenvolvimento da produtividade do trabalho e, portanto, da tecnologia que os autores neoclássicos e desenvolvimentistas, junto com o investimento de capital, vislumbram tanto como “produtora de valor” quanto de “desenvolvimento social em geral”, ocultando seus profundos efeitos

16

Superexploração do trabalho no século XXI

daninhos e degradantes no mundo do trabalho. Insistamos: esta última proposição significa que a teoria da dependência de forma nenhuma se move no âmbito das teorias da estagnação econômica de origem neoclássica, como pretendem infundadamente os críticos, senão que o faz no nada harmônico desenvolvimento capitalista em condições macro e microeconômicas de dependência estrutural. A tese central a respeito, afirma Marini, é que quanto maior o desenvolvimento tecnológico maior a exploração do trabalho, e não o contrário. No nosso parecer, isto é assim em função das razões que expomos a seguir. Em primeiro lugar, porque historicamente a dependência, nos termos de Marini, impossibilita a realização estrutural da tese central que a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) propõe desde seu surgimento: que, na medida em que a América Latina desenvolvesse a industrialização e a substituição de importações, retivesse e reinvestisse no “progresso técnico” e desenvolvesse os mercados internos –particularmente, nos países de maior desenvolvimento relativo como o Brasil, o México e a Argentina – nessa mesma medida alcançaria sua plena “autonomia” econômica (veja-se, por exemplo, Rostow, 1974; CEPAL, fevereiro de 1962, pp. 1-24 e Prebisch, 1987). Isto, nas últimas décadas, não apenas não aconteceu senão que, ao contrário, cada vez mais se vislumbra, como coloca Marini em diversos trabalhos (Marini, 1992), um aprofundamento dos traços duros e característicos da dependência, ainda que certamente mudem suas formas à luz da agudização de seus conteúdos, subordinação ao mercado mundial, Sft, intercâmbio desigual de valor e mais-valia em benefício dos países capitalistas avançados, Estado do quarto poder e cooperação antagônica, defasagem dos sistemas produtivos das necessidades de consumo das massas trabalhadoras e subimperialismo (Marini, 1973, 1977, 1985 e 1985a). Diferente do que propunham as correntes liberais, social-democratas e neoliberais, que apresentavam um panorama lisonjeiro para os países em “vias de desenvolvimento”, como gostam de classificar aos países dependentes inspirados nas abordagens do Banco Mundial, panorama que tenderia à “independência” e à soberania das nações e da força de trabalho; pelo contrário, as teses dependentistas da Sft vislumbram uma

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

17

tendência à exacerbação da Sft, estimulada na atualidade pela chamada flexibilização do trabalho, que acontece na dimensão produtiva de nossas economias e sociedades. Uma contribuição original de Marini que merece toda nossa atenção consiste na seguinte afirmação: a América Latina contribuiu para apressar o passo da mais-valia absoluta à relativa no capitalismo clássico, na época da revolução industrial; ideia concreta que se converte em fio condutor de qualquer teorização contemporânea sobre a Sft. Portanto, é necessário pelo menos pensar nos temas que apresentamos a seguir. O papel que a América Latina contemporânea está desempenhando como região salarial para o desenvolvimento dos países industrializados como os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão, sobretudo à luz da conversão de muitos de nossos países, como o México, em países importadores de alimentos. Nessa diretiva inscreve-se o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (TNLC) entre os Estados Unidos, o México e o Canadá, em torno de salários muito baixos, no caso dos trabalhadores mexicanos entre 10 e 15 vezes menores do que os recebidos pelos trabalhadores dos outros países. Inclusive no nível interprofissional dita diferença salarial chega a ser de até 30 vezes por hora. Outro tema importante é o papel que desempenha a Sft como alavanca para o desenvolvimento da produtividade, questão que implica relacionar a flexibilização atualmente em curso da força de trabalho com a dinâmica de introdução de novas tecnologias na América Latina. O incremento da produtividade do trabalho, seja na sua acepção de produção de mais-valia relativa ou não (quando não incide em um barateamento dos bens e serviços que constituem o valor da força de trabalho), ao mesmo tempo em que aprofunda a Sft incrementa a taxa de lucro do capital ao produzir uma maior quantidade de mercadorias. A abordagem de Marini a respeito disso é que a Sft não nega a possibilidade de que os países dependentes se transformem em especificamente capitalistas, porque nunca opõe o conceito de superexploração com o comportamento do desenvolvimento da produtividade do trabalho nos países dependentes e, inclusive, sobre a base da mais-valia relativa, que se desenvolve, mas subordinada ao regime de Sft.

18

Superexploração do trabalho no século XXI

Tomemos dois textos do próprio Marini onde encontramos a relação dialética entre a Sft e a produtividade. No primeiro Marini escreve: “... incidindo sobre uma estrutura produtiva baseada na maior exploração dos trabalhadores, o progresso técnico possibilitou ao capitalista intensificar o ritmo de trabalho do operário, elevar sua produtividade e, simultaneamente, sustentar a tendência a remunerá-lo em proporção inferior ao seu valor real” (Marini, 1973, pp. 71-72). E, em outro texto, sentencia: “... mas uma vez posto em marcha um processo econômico sobre a base da superexploração, começa a andar um mecanismo monstruoso, cuja perversidade, longe de se mitigar, é acentuada quando a economia dependente recorre ao aumento da produtividade, por meio do desenvolvimento tecnológico” (Marini, 1978, p. 4). Ninguém pode duvidar de que nos nossos países da América Latina, particularmente a partir da década dos anos cinquenta do século passado, se desenvolveu com força a industrialização substitutiva de importações e se articularam os métodos de produção de mais-valia absoluta e relativa sob a hegemonia desta última, no exclusivo âmbito das indústrias de ponta (eletrônica, automotriz, bens de consumo duradouros, bens de capital) comandada pelas empresas transnacionais predominantemente norte-americanas que importaram seus investimentos, seus padrões tecnológicos e seus métodos de gestão empresarial e da força de trabalho como aconteceu, por exemplo, na indústria automobilística com os sistemas ford-tayloristas de produção em massa impulsionados depois da Segunda Guerra Mundial e, mais tarde, com o toyotismo de origem japonês, a partir da década dos oitenta coincidindo com a entrada do neoliberalismo e das chamadas economias de mercado com predomínio das abordagens monetaristas, de imposição da austeridade e de redução do gasto público em detrimento do gasto social. Em relação a estes tópicos, que merecem ser aprofundados a partir da análise crítica e objetiva, tem se avançado em alguns elementos. Mencionemos, por exemplo, algumas elaborações de Marini (Prefácio, 1993) onde define a globalização como aquele processo centrado na generalização da lei do valor, isto é, na determinação do tempo de trabalho socialmente necessário para a produção e reprodução da força de trabalho em condições, pela primeira vez, verdadeiramente internacionais.

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

19

Ademais, este conceito de globalização assim definido se faria extensivo não apenas à força de trabalho, mas também aos outros elementos que determinam o custo de produção, ou seja, ao capital fixo, no que contam os meios de produção, as ferramentas de trabalho, etc., e a terra, considerada como meio de produção e também como meio de circulação enquanto matéria-prima que se incorpora ao produto final, a mercadoria. O que é comum a estes três elementos (força de trabalho, terra e capital) radica no fato de que o processo de globalização estaria difundindo, quase simultaneamente, o progresso técnico mediante a incorporação dos processos de produção de tecnologias de ponta: a informática, a biotecnologia, os novos materiais e a microeletrônica. Tecnologias desenhadas pelos grandes centros científico-tecnológicos e financeiros para desenvolver comercialmente um novo paradigma tecnológico qualitativamente diferente e superior ao que, grosso modo, se conheceu no passado como “paradigma ford-taylorista de produção em massa” e que dinamizou a produção industrial no longo período do pós-guerra capitalista. Porém, temos que esclarecer que dita difusão de maneira nenhuma implicou superar a dependência estrutural dos países latino-americanos, nem muito menos o regime de Sft que prevalece até nossos dias. Ademais de conceber desta forma nova o processo de globalização como aquele marco jurídico-institucional de referência imprescindível das nações para, no futuro, dirimir suas relações internacionais, Marini provoca com estas reflexões a necessidade de pôr em alto-relevo o debate acerca da questão da Sft, como aquele processo que já não seria apenas exclusivo das economias dependentes latino-americanas, mas que, com a globalização e os processos estruturais e superestruturais que a acompanham, se estaria generalizando a âmbitos laborais cada vez menos restritos e aos processos de trabalho dos próprios países industrializados, afetando segmentos cada vez mais generalizados da classe operária desses países (discussão que abordamos em Sotelo, 2010 e 2012). Esse é o caso, por exemplo, das indústrias automotivas dentro do Tratado de Livre Comércio (TLC) do México com os Estados Unidos e o Canadá, onde a existência de uma força de trabalho dez ou doze vezes mais barata no México com relação aos outros países, orienta os fabricantes canadenses e estadunidenses a trasladarem suas

20

Superexploração do trabalho no século XXI

fábricas para o México como um meio de conseguir a diminuição dos salários reais dos trabalhadores daquela região da “América do Norte”. Assim, ao mesmo tempo estimulam o crescimento do exército industrial de reserva e o aumento das taxas de exploração do trabalho. A isto, em essência, refere-se Marini quando fala da universalização da lei do valor que, na sua visão, pode ser qualificada como um processo de globalização historicamente em curso que, embora de forma desigual, afeta todas as escalas salariais tanto no nível dos mínimos como dos interprofissionais que operam, inclusive, em um mesmo ramo de produção, como acontece justamente nos Estados Unidos e entre ele e o México. Aqui devemos notar que, embora tanto a determinação dos salários como a formação do valor da força de trabalho sejam fortemente influenciados pelas condições nacionais, a globalização da lei do valor implica que, além de suas diferenças histórico-estruturais e macroeconômicas, o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias e de força de trabalho também é influenciado pelas condições internacionais através dos investimentos produtivos nos processos de trabalho, dos sistemas financeiros, da implementação de tecnologias de ponta e, por último, da influência cada vez maior que exercem as redes como a Internet nas condições de funcionamento e determinação da lei do valor e dos mercados de trabalho. Neste contexto, situamos a flexibilização do trabalho como dispositivo do novo padrão de reprodução capitalista especializado na produção para a exportação, como o produto melhor acabado das mudanças mais significativas – de ordem estrutural e institucional – que vêm acontecendo nos últimos anos no plano da divisão internacional do trabalho, principalmente, através de reformas estruturais impulsionadas pelo Estado. O resultado consiste, desde o ponto de vista do capital, no fato de conceber dita flexibilização do trabalho como a decomposição ergonômica3 do posto de trabalho do operário dos elementos unitários que o integravam, tais como os salários, a categoria contratual e

3

A ergonomia encarrega-se do estudo dos sistemas homens-máquina; mais precisamente define-se como a “tecnologia das comunicações nos sistemas homens-máquina” (Montmollin, 1971: 3).

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

21

as funções desempenhadas, em elementos independentes e polivalentes para serem reativados em função das necessidades da produção e da dinâmica cambiante dos mercados. Evidentemente isto não rompe com a centralização do capital de ditos componentes, senão que os controla através das gerências empresariais mediante sofisticados procedimentos que permitem sua racionalização e melhoramento nos processos produtivos e de trabalho. Esta flexibilização tem provocado novos fenômenos no espectro do mundo laboral que, em nossa opinião, tendem a piorar as condições de vida e de trabalho, além de fortificar o regime de Sft, quer dizer, a eficaz articulação entre a produção de mais-valia absoluta, a mais-valia relativa e a expropriação de parte do fundo de consumo da força de trabalho e a conseguinte redução dos salários abaixo do valor da força de trabalho: a. A determinação dos salários pelos níveis de produtividade da mão de obra, tendência hoje imersa nas políticas econômicas de modernização na América Latina e nos países do capitalismo avançado. Este é um fenômeno que atua contra o operário na medida em que as tendências à estagnação dos salários, ou sua franca declinação, cada vez mais são independentes dos movimentos de produtividade nas empresas, os quais, inclusive quando aumentam, não redundam em benefício das escalas salariais e menos ainda nos repasses econômicos e sociais, como acontece nos Estados Unidos. b. A procura da eficiência e da competitividade internacional do capital fixo como determinante do valor globalizado, questão que está implicando numa maior dependência tecnológica, na medida em que o ciclo produtivo, monetário e mercantil dos processos técnico-científicos do padrão tecnológico dominante está monopolizado pelos grandes centros industrializados e, em particular, pelas firmas monopólicas das empresas transnacionais. c. Por último, políticas salariais que se desconectam de suas dimensões sociais e assistenciais por parte de um Estado que, cada vez mais, minimiza suas responsabilidades frente à economia e

22

Superexploração do trabalho no século XXI

a sociedade seguindo os cânones mais endurecidos dos manuais das políticas neoclássicas e neoliberais. O laisser faire e o laisser passer neste capitalismo de corte neoliberal adquirem toda sua dimensão tanto contra os trabalhadores quanto, de forma mais ampla, contra a própria humanidade. A flexibilidade do trabalho, enquanto dispositivo jurídico-institucional da reestruturação produtiva em curso no novo padrão de reprodução capitalista, aparece em seu aspecto sócio-laboral mostrando o que é substancial dentro do processo de transição de um paradigma laboral a outro: a desregulamentação do trabalho, dos contratos coletivos trabalhistas, para sua posterior reconversão em dispositivos flexíveis, facilmente adaptáveis às necessidades de acumulação e valorização do capital na dimensão estrutural das fábricas e dos mercados capitalistas. Como assinalamos, para impulsionar estes processos de desestruturação do mundo do trabalho, o capital vem impondo reformas laborais nos mais diversos países da América Latina, da Europa e nos Estados Unidos, para juridicizar e codificar leis, regulamentos, códigos e estatutos que consagrem as novas regras do jogo que operaram as antagônicas relações operário-patrão (vejam a respeito: Sotelo, abril-junho, 2013 e 2 de maio de 2017; Thé Nicole e G. Soriano, 22 de setembro de 2016). Contra as afirmações que conferem uma correlação funcional e positiva entre desenvolvimento tecnológico e melhoria das condições de trabalho, sustentamos o seguinte corolário: dita correlação se desdobra em um sentido proporcionalmente inverso ao exposto pelos ideólogos: com maior desenvolvimento tecnológico e crescente incorporação de tecnologias de ponta nos processos produtivos e de trabalho, maior geração de desemprego mediante a falência de empresas e as demissões massivas e/ou seletivas, estimuladas pela reestruturação, as políticas privatizadoras e a abertura comercial transnacional. Obviamente isto atenta contra os postulados da teoria neoclássica e dos organismos do grande capital internacional como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Todas estas são condições que se desdobram da análise que fazemos desde a perspectiva da teoria marxista da dependência e de seu eixo

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

23

orientador sustentado na categoria da Sft enquadrada nas condições de um processo de dependência estrutural que se vem reforçando pela modernização tecnológica que, ao mesmo tempo, impulsiona um desenvolvimento posterior mais avançado do capitalismo dependente na esfera dos interesses do grande capital financeiro e da fração moderna da burguesia mundial e latino-americana, ao custo de dizimar as condições de trabalho e de vida de dezenas de milhares de trabalhadores latino-americanos que, ao ver vulnerados seus direitos fundamentais, não têm outra alternativa senão recorrer ao emprego precário, aceitar baixos salários que não resolvem suas necessidades, com altas taxas de exploração via prolongamento da jornada de trabalho, da intensidade laboral ou da redução salarial como de fato vem ocorrendo nos últimos anos. Esta é a condição que o capital e o Estado têm exigido dos trabalhadores para manter suas fontes de emprego. Para aqueles segmentos da força de trabalho que não aceitam essas condições ou que não se enquadram nos planos reestruturadores das empresas, o futuro que lhes espera é se situar no “setor informal” da economia ou diretamente no desemprego aberto e na miséria.

Extensão da superexploração ao capitalismo avançado: a abordagem de Marini Nos últimos anos, vem ganhando força uma ideia relativa à possibilidade de que se esteja estendendo no mundo desenvolvido, isto é, nas economias avançadas do capitalismo central, um intenso processo de Sft, em virtude de múltiplas dificuldades que o capitalismo está experimentando na escala global. Marini foi o pioneiro nessa abordagem (1993 e 1996; Sotelo, 2010, Smith, 2016 e Arrizabalo, 2016). Outros autores mostraram ceticismo frente a essa ideia ou hipótese (Osorio, 2016 e Katz, 12 de setembro de 2017). Da nossa parte, a assumimos de maneira propositiva e indicativa como guia de investigação e análise, não para considerá-la verdadeira e envolvê-la num esquema rígido e dogmático, mas apenas para iniciar um processo de investigação e reflexão no marco teórico-metodológico da teoria marxista da dependência, em particular, em função das teses de Marini que é quem originalmente

24

Superexploração do trabalho no século XXI

a formulou: “Deste modo, generaliza-se a todo o sistema, inclusive aos centros avançados, aquilo que era um traço distintivo – embora não privativo – da economia dependente: a superexploração generalizada do trabalho” (Marini, 1996, p. 65). Em ambas perspectivas ainda não existe um acúmulo de dados, informação e evidências com que contam outras temáticas dentro das ciências sociais, suficientes para que se possa coroar exitosamente este labor e levá-lo a bom porto. Porém, podem-se dar alguns passos nesta direção com o objeto de compará-la e, no caso, validá-la à luz das mutações e crise que está experimentando o capitalismo contemporâneo na sua atual fase neo-imperialista e neoliberal com fortes tendências à quase estagnação econômica. Por outro lado, a compreensão da possibilidade de que o capitalismo estenda a superexploração para suas áreas avançadas, ainda permanece embrionária e restrita a certas expressões teóricas, algumas empíricas, e a um reduzido núcleo de autores que a perceberam à luz das problemáticas do capitalismo contemporâneo (Martins, 2011; Smith, 2016). Isto se explica, em parte, pelo caráter recente do fenômeno que está se estendendo paulatinamente através de uma série de medidas econômicas e de políticas públicas que estão sendo implantadas nos países imperialistas sob as diretrizes do FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia; tríade também conhecida como “Troika”. Ainda assim, o número de autores que reconhecem e valorizam a importância da Sft como um mecanismo específico da exploração é cada vez maior. Por exemplo, Smith (2016: 250-251) reconhece que a superexploração é um terceiro mecanismo de extração de mais-valia do trabalhador, incluindo os países dependentes: “A arbitragem do trabalho global - superexploração - isto é, rebaixar o valor da força de trabalho, a terceira forma de aumento do mais-valor, é agora a forma cada vez mais predominante da relação capital-trabalho. Os proletários dos países semicoloniais são suas primeiras vítimas, mas as grandes massas de pessoas trabalhando nos países imperialistas também enfrentam miséria. Os/as proletários/ as novos/as, jovens, e do sexo feminino dos países de baixos

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

25

salários desenterraram o capitalismo do buraco em que ele se encontrava nos anos 1970. Agora, junto com os trabalhadores dos países imperialistas, sua missão é cavar outro buraco - cavar o túmulo para enterrar o capitalismo e, assim, assegurar o futuro da civilização humana” (tradução nossa).

Contudo, vão-se multiplicando os temas e conteúdos a respeito desta problemática que nos permitem abordá-la no contexto da crise do capitalismo que, independentemente das diversas interpretações que sobre ela tem sido feitas, se expressa no aspecto social e na precarizarização do mundo do trabalho mediante uma série de medidas que afetam negativamente os salários, o tempo de trabalho e o consumo da sociedade nos países da União Europeia, nos Estados Unidos, no Japão e, claro, na América Latina como testemunham atualmente Argentina e Brasil, onde voltou a se impor o neoliberalismo fundomonetarista selvagem e as maiorias têm visto minguar suas condições de vida e de trabalho numa velocidade impressionante. Para o capital não há outra saída possível senão continuar aprofundando ditas reformas, impulsionando, consequentemente, a entrada do regime de superexploração nessas sociedades, e abrindo a possibilidade de constituir, pela primeira vez na história, um autêntico proletariado internacional capaz de propor tarefas comuns de transformação, tema que aqui não abordamos. Aos propósitos deste ensaio, importa-nos constatar se a Sft se implementa e desenvolve sob a hegemonia da mais-valia relativa com os limites estruturais que esta última impõe (como acontece no capitalismo avançado) ou se a Sft sobredetermina (ao mesmo tempo que subordina e bloqueia, como nós supomos) a mais-valia relativa, como aconteceu durante a industrialização substitutiva de importações nos países que elevaram seus coeficientes de industrialização e desenvolveram os mercados internos de consumo e de trabalho nas economias dependentes da América Latina, ao menos até finais da década de setenta e princípios dos oitenta do século passado, contexto em que a exceção é o Brasil, pois estendeu sua industrialização por mais uma década.

26

Superexploração do trabalho no século XXI

Relações dialéticas entre a mais-valia absoluta, a relativa e a superexploração da força de trabalho Um dos fios condutores da teoria da dependência consiste em determinar a relação entre a mais-valia relativa, tal qual a definimos anteriormente, e a superexploração do trabalho devido a que: “O problema está em determinar o caráter que assume na economia dependente a produção de mais-valia relativa e o aumento da produtividade do trabalho.” (Marini, 1973, p. 100, grifos no original). De fato, por isso resulta de vital importância considerar dois problemas essenciais: o primeiro, porque e devido a que causas, na economia dependente, a mais-valia relativa tem tantas dificuldades para abrir caminho e se constituir em hegemônica nos sistemas produtivos e de trabalho, como aconteceu nos países do capitalismo clássico após a Revolução Industrial na Inglaterra. Em segundo lugar, como é que, particularmente quando surge e se desenvolve a industrialização substitutiva de importações na América Latina, a superexploração do trabalho continua a subsumir a mais-valia relativa, evitando assim que se torne hegemônica no sistema. Nesta problemática radica para nós a essência do processo da dependência e da superexploração do trabalho concomitante com os problemas de atraso e subdesenvolvimento: “O problema está em determinar o caráter que assume na economia dependente a produção de mais-valia relativa e o aumento da produtividade do trabalho” (Marini, 1973, p. 100, grifos no original). Portanto, a Sft não pode se reduzir e definir como simples “violação” do valor da força de trabalho (como fazem alguns autores). Consideramos que o aspecto específico e característico que prevalece historicamente nas economias dependentes é a constituição de um modo de produção dependente – articulado ao sistema capitalista mundial – cimentado em um regime de superexploração do trabalho que assume certas especificidades e obstaculiza sistematicamente a implantação da mais-valia relativa como eixo do processo de acumulação e reprodução do capital. Em relação à superexploração do trabalho, Marini expressa que:

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

27

“… os três mecanismos identificados – a intensificação do trabalho, o prolongamento da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho necessário para o operário repor sua força de trabalho – configuram um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador, e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva. Isto é congruente com o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas na economia latino-americana, mas também com os tipos de atividades que ali se realizam. De fato, mais que na indústria fabril, onde um aumento do trabalho implica ao menos um maior gasto de matérias primas, na indústria extrativista e na agricultura o efeito do aumento de trabalho sobre os elementos do capital constante são muito menos sensíveis, sendo possível, pela simples ação do homem sobre a natureza, incrementar a riqueza produzida sem um capital adicional. Entende-se que nestas circunstâncias, a atividade produtiva baseia-se, sobretudo, no uso extensivo e intensivo da força de trabalho: isto permite baixar a composição – valor do capital, que unido à intensificação do grau de exploração do trabalho, faz com que se elevem simultaneamente as cotas de mais-valia e de lucro” (Marini, 1973, pp. 40-41).

Dessa citação infere-se a complexidade da economia dependente, inserida na dinâmica contraditória e desigual do sistema capitalista mundial, e se fragiliza a ideia de que a superexploração se reduza à simples “violação” do valor da força de trabalho. Sintetizando, se definimos com Marini (1973, p. 40) ab initio a Sft como expropriação de parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho e como consecutio a “violação” de dito valor, concluímos que a produção do valor da força de trabalho e sua determinação pela quantidade e o tempo de trabalho socialmente necessário se constituem sobre a base da lei do valor-trabalho tal e como foi formulada por Marx. Para isto, seria necessário desenhar previamente um “modelo ideal’ que – supostamente – expresse também o valor ideal que deve conter a força de trabalho. À margem deste exercício estatístico e empírico, pensamos que na verdade existe um modo de produção capitalista dependente complexo, multifacetado, contraditório e problemático que possui seu próprio ciclo de

28

Superexploração do trabalho no século XXI

reprodução que exacerba as condições de exploração da força de trabalho e da natureza, e que está mediado por múltiplas determinações tais como a dinâmica que lhe imprime o capitalismo hegemônico, as características autoritárias do Estado capitalista, o crescente desemprego e subemprego, os problemas inflacionários e deflacionários da economia, a dinâmica contraditória do comércio internacional, a estreiteza dos mercados internos de consumo e de trabalho e as possibilidades relativas de expansão regional do capital para realizar sua produção no mercado mundial, como acontece na atualidade sob o novo padrão de reprodução do capital dependente de especialização produtiva para o mercado mundial, seja primário-exportador ou manufatureiro. Na América Latina e em outros países dependentes, que destinam proporções crescentes de sua produção aos mercados exteriores – na atualidade, se investe massivamente na produção de biocombustíveis e de matérias primas para exportação – os recursos agrícolas de consumo popular são destinados a satisfazer as necessidades energéticas do capitalismo dominante, inclusive, das novas potências emergentes como a China, que se projeta a nível regional e mundial – neste momento – de maneira muito importante para as economias sul-americanas com ênfase em países como a Argentina e o Brasil. A diferença substancial do capitalismo avançado, em relação ao dependente, consiste em que no primeiro a mais-valia relativa é hegemônica no sistema produtivo, enquanto que no segundo essa mais-valia está subordinada às antigas formas de produção capitalista, à mais-valia absoluta e à superexploração do trabalho que precederam a mais-valia relativa. Isto é assim devido a que: “... as condições criadas pela superexploração do trabalho na economia capitalista dependente tendem a obstaculizar seu trânsito desde a produção de mais-valia absoluta à de mais-valia relativa, como forma dominante nas relações entre o capital e o trabalho. A gravitação desproporcionada que assume no sistema dependente a mais-valia extraordinária é um resultado disto e corresponde à expansão do exército industrial de reserva e ao estrangulamento relativo

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

29

da capacidade de realização da produção. Mais do que meros acidentes no curso do desenvolvimento dependente ou elementos de ordem transicional, estes fenômenos são manifestações da maneira particular de como incide na economia dependente a lei geral da acumulação de capital. Em última instância, é de novo à superexploração do trabalho que temos que nos referir para analisá-los.” (Marini, p. 100).

Desde o princípio o capitalismo avançado articulou e subordinou a mais-valia absoluta – prolongamento da jornada laboral, intensificação da força de trabalho – à mais-valia relativa, pelo menos desde o grande período da Revolução Industrial na Inglaterra, e incorporou paulatinamente os trabalhadores no consumo dos bens produzidos pelas fábricas da grande indústria. Foi isto que influenciou para que o próprio Marx em O Capital (Livro III, Cap. XIV, p. 235) vislumbrasse a possibilidade empírica da superexploração do trabalho – a redução do salário abaixo do valor da força de trabalho – mais como um fenômeno de concorrência e de conjuntura, encaminhado a confrontar a tendência de queda da taxa de lucro, do que um comportamento estrutural de longo prazo e como regularidade da análise geral do capital. Contudo, isto era congruente com sua premissa metodológica sustentada ao longo de O Capital, e que consiste no pressuposto de que o valor da força de trabalho (como o de qualquer outra mercadoria) corresponde sempre ao seu preço de mercado, como vimos anteriormente. Com efeito, para o desenvolvimento teórico-metodológico de O Capital, Marx supõe que o valor das mercadorias e da força de trabalho corresponde ao seu preço: “Para fazer nossas deduções, partíamos do pressuposto de que a força de trabalho se compra e se vende pelo seu valor. Tal valor, assim como o de qualquer outra mercadoria, se determina pelo tempo de trabalho necessário para sua produção” (Marx, O Capital, L. I, Seção III, Cap. V I I I , p. 177, grifos nossos). Posteriormente, originou-se um novo período caracterizado pelos estudiosos da sociologia do trabalho como sistema fordista-taylorista de produção em massa (Coriat, 1985), em que o operário recém-incorporado na linha de montagem contava tanto como produtor como consumidor de mercadorias produzidas pela grande indústria como, por

30

Superexploração do trabalho no século XXI

exemplo, os automóveis (a esse respeito pode ser consultada a magnífica obra de Braverman, 1997). Marini forjou a categoria superexploração – que ficou fora da análise geral de O Capital de Marx pelas razões expostas – como o núcleo duro e princípio orientador do desenvolvimento capitalista nas formações econômico-sociais subdesenvolvidas da periferia do sistema mundial, e permitiu diferenciá-lo histórica e estruturalmente do desenvolvimento dos países do capitalismo clássico. Aplicando dita categoria na análise do capitalismo contemporâneo e, em particular, à nova etapa histórica que se abriu nos finais da década dos anos oitenta do século passado – queda do muro de Berlim em 1989, desintegração da União Soviética, imposição do chamado “Consenso de Washington”, invasão imperialista dos Estados Unidos no Iraque na Guerra do Golfo (1991), aplicação generalizada e em grande escala da informática na produção material e imaterial e nas telecomunicações (terceira revolução industrial) – Marini assinala três condições que o capital teve que reunir previamente para abrir essa nova etapa da história. Em primeiro lugar, acentuou o grau de exploração do trabalho em todo o sistema para incrementar a massa de mais-valia, o que foi possível, agrega, com as derrotas do movimento operário e popular nos países do centro capitalista e nos da periferia, incluindo a América Latina. Em segundo lugar, intensificou a concentração de capitais nas economias avançadas para assegurar os investimentos em desenvolvimento científico-tecnológico e na modernização industrial, que implicou fortes transferências de valor desde os países dependentes da América Latina (o chamado intercâmbio desigual) que incrementaram a acumulação do capital e que, em consequência, agravaram os problemas de emprego, salário, marginalidade e miséria social de amplos setores de sua população. A terceira condição ampliou a escala do mercado para colocar os numerosos investimentos necessários para a modernização do aparelho industrial. Tudo isso, conclui Marini, reatualizou as leis e os mecanismos básicos do sistema: “... em especial a lei do valor... que opera mediante a comparação do valor real dos bens, quer dizer, do tempo de trabalho investido na sua criação, ali compreendido o tempo que

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

31

demandam os insumos e meios de produção, assim como a reprodução da força de trabalho” (Marini, Prefacio, p. 10). Na década dos noventa do século passado essas três condições possibilitaram a conversão da economia latino-americana em uma economia dependente neoliberal sustentada em um padrão de acumulação e reprodução de capital subordinado à dinâmica do ciclo de capital dos países hegemônicos do capitalismo avançado e, cada vez mais, do ciclo reprodutivo da economia chinesa. A configuração estrutural da economia latino-americana orientada ao mercado mundial, sustentada em padrões de reprodução inseridos em processos de “reprimarização” e de importação de tecnologias dos países centrais, é reflexo fiel desta nova forma de dependência que a torna mais vulnerável às contradições externas que impõe a acumulação capitalista numa escala mundial no século XXI. As políticas neoliberais da década dos oitenta coadjuvaram na criação das bases econômicas, políticas e institucionais para que pudesse operar a Sft, assim, este regime deixou de ser exclusivamente um regime próprio das economias dependentes para estender seu raio de ação aos países desenvolvidos, como sinalizou corretamente Marini. Desta maneira, a superexploração converte-se em um elo que acorrenta os novos sistemas de organização do trabalho como o pós-fordismo, o toyotismo e outros, como a reengenharia organizacional na época da mundialização do capital, sustentados pela intensificação do trabalho, precariedade laboral e no trabalho temporário e interino, assim como em uma marcada tendência de declínio dos salários reais dos trabalhadores como acontece a partir da administração de Reagan-Bush nos Estados Unidos (Chomsky, 2004: 168 e 210). Quando dizemos que a Sft se projeta na economia internacional, de forma nenhuma afirmamos que já não constitua a característica definidora da economia dependente, questão absurda que não conduz a nenhum resultado e, em vez disso, introduz confusão e deterioro na teoria. Se assim fosse o mesmo Marini não teria feito esta abordagem pouco comentada, certamente, pelos seus críticos. Significa, ao invés disso, que o capital, nas suas aspirações de lucro, não tem limites para explorar à vontade a força de trabalho, inclusive, em redobrar a

32

Superexploração do trabalho no século XXI

exploração (hiperexploração do trabalho, poderia se dizer), para manter sua reprodução em uma escala crescente de acordo com suas prerrogativas de rentabilidade. Isto é congruente com outra afirmação de Marini, que articula a lei do valor com a tendência à universalização da superexploração nos países avançados: “É preciso ter presente que a tendência que vai no sentido de aumentar a superexploração não vale somente para os capitais que cedem valor, no processo de transferência, senão que rege também para os que se apropriam valor, já que é evidente que isso lhes permite obter quantidades de valor superiores às que normalmente poderiam incorporar. Em outros termos, a universalização da lei do valor, ao tender a permitir apenas as transferências de valor que, no seu contexto, podem ser consideradas como legítimas, não aponta à supressão da Sft, mas, ao contrário, para sua agudização.” (Marini, Prefacio, 1993: 10)

Marini refere-se aqui ao capitalismo dependente como “capitais que cedem valor”, enquanto que os que se apropriam são os correspondentes ao capitalismo avançado. A universalização da superexploração permite ao capital com o uso da tecnologia similar, tanto nos países dependentes como nos avançados, obter massas de mais-valia maiores mediante este procedimento para os capitais hegemônicos dos países imperialistas que se apropriam de um valor suplementar. O único limite está marcado, em todo caso, pelas lutas de classe e pelas determinações estruturais e político-sociais em ambas formações da economia capitalista mundial. A globalização generaliza e estimula a lei do valor, a determinação do valor da força de trabalho e das mercadorias (materiais e imateriais) pelo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção e reprodução em condições verdadeiramente internacionais. Com ajuda da computação e da internet é mais factível conhecer e determinar o valor da força de trabalho do operário japonês, alemão, norte-americano ou mexicano e medir suas magnitudes quantitativas e qualitativas. A homogeneização da lei do valor/trabalho facilita a operação de regime de Sft nos países desenvolvidos, embora sem menosprezo da TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

33

adoção de formas particulares. Esta hipótese encontra sustentação teórica no pensamento de Marini (1996: 49-68) e foi precisamente ele que advertiu precocemente em alguns dos seus escritos que muitos autores preferem ignorar ou interpretar com outro sentido. Marini provoca a necessidade de pôr em alto relevo o debate sobre a questão da Sft no mundo contemporâneo, como aquele processo que já não seria apenas exclusivo das economias dependentes latino-americanas e outras do chamado “terceiro mundo subdesenvolvido”; senão que ademais, com a mundialização do capital e os processos estruturais e superestruturais que o acompanham, se estaria generalizando a âmbitos laborais cada vez menos restringidos e aos processos de trabalho dos países industrializados, afetando segmentos cada vez mais amplos da classe operária e do proletariado desses países. Neste contexto, irrompeu uma tendência caracterizada por três fatos: 1) a difusão tecnológica tende a estandardizar as mercadorias para facilitar seu intercâmbio em escala global, o que, no largo prazo, 2) provoca uma maior homogeneização dos processos produtivos e tecnológicos, e 3) desencadeia uma tendência à igualação da produtividade do trabalho e, portanto, de sua intensidade. Neste sentido, dimensiona-se a importância da Sft no sistema produtivo internacional. Marini (1996, p.61) revela a tendência do sistema a homogeneizar o capital constante e incidir diretamente na determinação da taxa de lucro. Encontra neste fenômeno um ponto de inflexão que divide duas épocas históricas do desenvolvimento capitalista mundial. Como resultado disso, temos uma segunda conclusão estratégica da análise marinista: a homogeneização tecnológica, ao estimular a igualação das composições orgânicas do capital na economia mundial, provoca um aumento da importância do trabalhador como fonte de lucros extraordinários (Marini, 1996, pp. 65 e ss.). O resultado final consiste em que a Sft – refutando as teses mais conspícuas dos autores do “final do trabalho” (Rifkin, 1997, Habermas, 2005) – se constitui como o fator principal para enfrentar a agudização da concorrência capitalista em escala mundial com o fim de contra-arrestar as crescentes dificuldades com que lida o capital no seu contraditório processo de produção de valor e de mais-valia, em uma perigosa pendente diante da “... falta de uma

34

Superexploração do trabalho no século XXI

fonte de extração intensiva e generalizada de mais-valia relativa (que distingue a dinâmica de acumulação capitalista madura), e as tentativas de compensar tal carência recorrendo à extensão e aprofundamento da mais-valia absoluta...” (Piqueras, 2014, p. 144). Temos que pontuar que, desde nossa perspectiva teórica da superexploração, em conjunção com a mais-valia absoluta figura a intensificação brutal da força de trabalho acarretada pelo sistema toyotista e a expropriação de (uma parte) do fundo de consumo que corresponde ao valor da força de trabalho e sua conversão em uma parte da acumulação de capital. A tecnologia informática consegue suprimir, virtual e relativamente, as limitações do tempo físico e as diferenças espaço-temporais entre os centros de produção e os mercados de consumo por mais longe que eles estejam, ao mesmo tempo, estende o desemprego que provoca, em consequência, um incremento na taxa de exploração dos trabalhadores ocupados através do aumento da jornada de trabalho (mais-valia absoluta), de sua intensificação (mais-valia relativa) e da remuneração da força de trabalho abaixo do seu valor (superexploração). Essas três condições são requeridas pelo regime de Sft em qualquer circunstância, de acordo com Marini, ao mesmo tempo que começam a operar no capitalismo avançado e nas suas estruturas produtivas e laborais, de onde Marini infere que “... se generaliza a todo o sistema, inclusive aos centros avançados, o que era um traço distintivo (embora não privativo) da economia dependente: a superexploração generalizada do trabalho. Sua consequência (que era sua causa) é fazer crescer a massa de trabalhadores excedentes e agudizar sua pauperização...” (Marini, 1996: 65, grifos nossos). É importante observar que em Subdesenvolvimento e revolução, Marini ainda não vislumbrava esta tendência cada vez mais presente nos países avançados. De fato, assinalando as diferenças existentes entre a mais-valia absoluta, baseada no prolongamento da jornada de trabalho, e a relativa, que acontece, inclusive, sem que se altere a magnitude de dita jornada ao diminuir o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção e reprodução da força de trabalho, formula que: “É possível identificar ainda uma modalidade de aumento da mais-valia, que é a que se origina de uma redução do sa-

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

35

lário que não corresponde a uma diminuição real do tempo de trabalho necessário. Este caso tende a ser excepcional nos países capitalistas avançados, mas adquire um caráter generalizado nos países capitalistas atrasados, como o Brasil, onde configura uma situação de superexploração. No texto exclusivamente para fins de simplificação, se toma a expressão mais-valia absoluta também para designar esta última modalidade” (Marini, 1985:148, grifos nossos).

A ideia, em síntese, é justamente conceber a Sft não apenas como processo operativo e conjuntural do capitalismo avançado senão, cada vez mais, como um mecanismo de exploração de caráter estrutural que, em princípio, operou nos países dependentes. É claro que muitos autores nunca conceberam esta perspectiva e, no máximo, entenderam a superexploração como um fenômeno estritamente conjuntural. De fato, em referência à crítica realizada a Marini, dizem Cardoso e Serra (1978:51) que: “... ao mesmo tempo em que estabelece prazos lógicos de férreas necessidades imaginárias (estagnação, subconsumo, superexploração, subimperialismo), transformando em tendência irrefreável o que é fase de um ciclo e em necessidade o que é alternância ou possibilidade contraditória”. Aprecia-se, assim, que para estes autores a superexploração do trabalho constituiu apenas uma fase de um ciclo, quer dizer, um fenômeno conjuntural que pode ser muito bem superado, inclusive, dentro dos próprios marcos estruturais e políticos do capitalismo dependente. Na mesma concepção militam autores como Katz (12 de setembro de 2017) que prega a existência de uma “teoria da dependência” sem superexploração, apenas trocando este último conceito pelo de “baixos salários”. Desta maneira, a Sft está se convertendo em um importante fator da economia mundial e de seus processos de valorização e acumulação de capital que, contudo, não anula, insistimos, as relações estruturais de dependência com os centros imperialistas, como tem se sustentado.

36

Superexploração do trabalho no século XXI

Conclusão Para concluir, apenas nos resta mencionar que nas condições atuais da relação entre dependência e exploração é necessário elaborar estudos articulados que se desdobrem em quatro direções, do ponto de vista dos novos traços da dependência, que expomos a seguir. No plano econômico, uma das características do que podemos chamar a “nova dependência” é a propensão à especialização produtiva das economias latino-americanas, estimulada pela aplicação sistemática da política econômica neoliberal. Assim, podemos dizer que a especialização produtiva é um conceito que define o novo perfil das economias latino-americanas a partir de sua propensão a especializar e orientar seus recursos (basicamente o capital, a força de trabalho e a terra) nas atividades mais rentáveis inclinadas ao mercado mundial, inclusive, em detrimento da produção e do mercado internos, provocando fortes movimentos internos recessivos e desequilíbrios recorrentes. A segunda linha de investigação, do ponto de vista social, aborda a concentração da renda como aquele traço perverso da economia dependente, que segue estimulando a realização da produção em faixas restringidas do mercado; portanto, orientando a maior parte da produção como produção suntuária, na medida em que não entra, ou entra muito pouco, no consumo majoritário da força de trabalho. Os segmentos reduzidos das classes dominantes, das classes médias e intermediárias da população são as que seguem se beneficiando do desenvolvimento extremo do capitalismo dependente inserido no mercado mundial. Evidentemente, a concentração da renda é apenas um reflexo, mais ou menos aproximado, dos movimentos subterrâneos que acontecem na esfera produtiva, quer dizer, onde se forjam os ingressos das distintas classes da sociedade. Desta forma, uma estrutura de produção polarizada implica crescentes polarizações nas esferas altas e baixas dos mercados internos e, por consequência, das rendas. A evidência empírica referente aos países latino-americanos revitaliza o nível metodológico da teoria da dependência como constatação da conformação de duas esferas do mercado interno: uma desdobrada para o mercado interno de baixa renda e a outra para o mercado de alta renda com a irrupção de uma terceira esfera

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

37

orientada ao mercado mundial fortemente controlado e monopolizado pelas grandes empresas transnacionais. Em terceiro lugar, destaca-se a linha de pesquisa relacionada com a cada vez maior extensão da Sft, inclusive, nos sistemas de trabalho e produtivos dos países do capitalismo desenvolvido que se observa com mais intensidade após a grande crise capitalista de 2008-2009, tanto na União Europeia, como no Japão e no próprio Estados Unidos, afetando as condições de vida e de trabalho de suas populações. Por último, um quarto nível articulado das análises da dependência e sua relação com a superexploração do trabalho radica na esfera política, constatando o problema da relação entre a democracia e as crescentes propensões ao autoritarismo político que se observam naqueles países onde trinfou a direita. Esta hipótese de trabalho exige relacionar a necessária concentração do poder no Estado, a partir de assegurar a especialização produtiva do novo padrão de reprodução capitalista dependente e a manutenção de uma estrutura polarizada fortemente concentrada em benefício do ingresso de capital e em detrimento do trabalho. Em suma, a superexploração do trabalho, a especialização produtiva, a concentração da renda, o desemprego, a miséria e as políticas excludentes dos Estados capitalistas latino-americanos – formalmente democráticos, mas realmente enraizados nas estruturas contra-insurgentes e autoritárias de poder – configuram os traços perversos de uma dependência estrutural que se opõe às reivindicações de democratização pelos trabalhadores e classes populares da América Latina, cujo sentido político não é outro que a exigência de uma maior participação nas decisões que os afetam para resolver suas principais demandas.

Referências Arrizabalo Montoro, Xabier, Capitalismo y economía mundial, Instituto Marxista de Economía-ARCIS-UdeC, Segunda Edición, Madrid, 2016. Braverman, Harry, Trabajo y capital monopolista, México, Nuestro Tiempo, 1997. CEPAL, “El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas”, Boletín Económico de América Latina, vol. 7, n. 1, fevereiro 1962, p. 1-24, versão na internet: http://prebisch.cepal.org/sites/

38

Superexploração do trabalho no século XXI

default/files/2013/prebisch_el_desarrollo_eco.pdf. Chomsky, Noam, Hegemonía o supervivencia. La estrategia imperialista de Estados Unidos, Grupo Editorial Norma, Bogotá, 2004. Coriat, Benjamín, El Taller y el cronómetro, Siglo XXI, México, 1985. Habermas, Jürgen, Teoría de la acción comunicativa, Vol. II, Crítica de la razón funcionalista, Taurus, México, 2005. Katz, Claudio, “Aciertos y problemas de la superexplotación”, Rebelión, 12 de setembro de 2017. Disponível em: http://www.rebelion.org/noticia. php?id=231417. Marini, Ruy Mauro, Dialéctica de la dependencia, ERA, México, 1973. ______, La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo, Cuadernos Políticos 12, abril-junio de 1977, pp. 21–39. ______, “Las razones del neodesarrollismo” (resposta a Fernando Enrique Cardoso e José Serra), Revista Mexicana de Sociología, Ano XL/Vol. XL, Núm. Extraordinário (E), México, IIS-UNAM, 1978: 57-106. ______, “El ciclo del capital en la economía dependiente”, en Oswald, Úrsula, Mercado y dependencia, Editorial Nueva Imagen-INAH, México, 1979, pp. 37-55. ______, Subdesarrollo y revolución, Siglo XXI, 12ª ed., México, 1985. ______, “Geopolítica Latino-Americana.” Arquivo Pessoal de Marini depositado no Programa de Estudos de América Latina e Caribe-Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1985a. ______, América Latina: dependencia e integração, Editorial Brasil Urgente, São Paulo, 1992. ______, Prefácio ao livro de Adrián Sotelo, México: dependencia y modernización, Ediciones El Caballito, México, 1993. ______, América Latina: democracia e integración, Editorial Nueva Sociedad, Caracas, 1993. ______, “Proceso y tendencias de la globalización capitalista” en Marini y Millán (coord.), La teoría social latinoamericana, vol. IV, Cuestiones contemporáneas, Ediciones El Caballito, México, 1996, 2ª ed., pp. 49-68. ______, Sobre el patrón de reproducción de capital en Chile, Cuadernos de CIDAMO, México, s/d. Marini, Ruy Mauro, Adrián Sotelo y Arnulfo Arteaga, (Marini y et alii,), El proceso de trabajo en México, Teoría y Política, n. 4, abril-junio 1981, México, Juan Pablos Editor, pp. 59-74. Disponível em: http://www.marini-escritos.unam.mx/322_proceso_trabajo.html. Martins, Carlos Eduardo, Globalização, dependência e neoliberalismo na

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E EXTENSÃO DA SUPEREXPLORAÇÃO: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA

39

América Latina, Boitempo Editorial, RJ, 2011. Marx, Karl, El capital, Vol. I, México, FCE, 1974. ______, El capital, T. II, FCE, México, 2000, 3ª ed. ______, El capital, T. III, FCE, México, 2000, 3ª ed. Montmollin, Maurice De, Introducción a la ergonomía, Aguilar, Madrid, 1971. Osorio, Jaime, Teoría marxista de la dependencia, Editorial Itaca-UAM-X, México, 2016. Piqueras, Andrés, La opción reformista: entre el despotismo y la revolución. Una explicación del capitalismo hitórico a través de las luchas de clase, Anthropos, Madrid, 2014. Prebich, Raúl, Capitalismo periférico: crisis y trasformación, FCE, México, 1987. Rifkin, Jeremy, El fin del trabajo, Paidós, Barcelona, 1997. Rostow, Walt Whitman, Las etapas del crecimiento económico, un manifiesto no comunista, México, FCE, 1974. Smith, John, Imperialism in the Twenty-First Century: Globalization, Super-Exploitation, and Capitalism’s Final Crisis, Monthly Review Press, NYU Press, 2016. Sotelo Valencia, Adrián, Crisis capitalista y desmedida del valor: un enfoque desde los Grundrisse, coedición Editorial ITACA-UNAM-FCPyS, México, 2010. ______, Los rumbos del trabajo. Superexplotación y precariedad social en el Siglo XXI, coedición Miguel Ángel Porrúa-FCPyS-UNAM, México. 2012. ______, “México: Reforma laboral y precariedad social”, Revista Pacarina del Sur [Online], ano 4, núm. 15, abril-junho, 2013. Disponível em: www. pacarinadelsur.comindex.php?option=com_content&view=article&id=676&catid=14. ______, “La reforma laboral en el régimen de Temer: superexplotación y precariedad social en el siglo XXI”, Rebelión, 2 de maio de 2017. Disponível em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=226098. Thé Nicole e G. Soriano, “Na primavera de 2016, um movimento inesperado: reforma trabalhista e movimentos sociais na França”, 22 de setembro de 2016. Disponível em: http://www.dmtemdebate.com.br/na-primavera-de-2016-um-movimento-inesperado-reforma-trabalhista-e-movimentos-sociais-na-franca/.

40

Superexploração do trabalho no século XXI

A SUPEREXPLOR AÇ ÃO DOS TR ABALHADORES MIGR ANTES MEXIC ANOS NOS ES TADOS UNIDOS Ana Alicia Peña López Nashelly Ocampo Figueroa

Introdução A migração internacional é um fenômeno intimamente vinculado à dinâmica da globalização dos processos produtivos, os mercados e demais âmbitos econômicos, sociais, políticos e culturais relacionados a ela. A migração massiva de mexicanos indocumentados e os milhares de centro-americanos e sul-americanos que ingressam anualmente nos Estados Unidos são apenas uma fração dos milhões de trabalhadores de países subdesenvolvidos que se incorporam às economias e sociedades mais desenvolvidas para levar adiante o processo de acumulação capitalista destas últimas. Quotidianamente milhares de pessoas emigram de países como Honduras, Guatemala, Haiti ou México, entre outros, para se introduzir de forma indocumentada nos Estados Unidos, viajando por terra ou por mar nas piores condições de transporte, alimentação e segurança. Nesse intuito, muitos perdem a vida (por inanição, frio, asfixia etc.), durante o trajeto ou nas mãos das forças de segurança. Assim, os Estados Unidos estabelecem as redes de população migrante que abastecem sua necessidade de trabalhadores em empresas maquiladoras, cultivos agrícolas, serviços pessoais e domésticos na Califórnia, no Texas, em Nova York, na Arizona e no resto dos estados.

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

41

O uso desta força de trabalho permitiu responder ao seu processo de produção e reprodução capitalista: por um lado, mediante a sustentação dos ramos de produção de vanguarda com o emprego de trabalhadores qualificados do mundo todo, especialmente asiáticos; e, por outro, com os setores mais atrasados tecnologicamente, que utilizam de forma massiva a força de trabalho menos qualificada, mais barata e superexplorável, os latino-americanos, em especial, os mexicanos. Entender a dinâmica do movimento migratório dos trabalhadores latino-americanos, a partir do fluxo mais intenso representado pelos mexicanos, é fundamental no contexto regional e mundial de confronto racista e xenófobo em relação a estas populações que, aparentemente, emigram do seu país por “vontade própria” e sem motivos claros4 que os levem a arriscar sua vida, romper laços familiares e culturais e ir à procura de um país que, frequentemente, se propagandeia como a nação mais universal e cosmopolita, que recebe os povos do mundo com os braços abertos e “ajuda” o Terceiro Mundo empregando trabalhadores migrantes na sua economia e, outras vezes, como nação saturada pela praga estrangeira, que deve ser detida e expulsa de qualquer forma5. Neste trabalho buscamos explicar a lógica geral à que respondem os movimentos migratórios de latino-americanos para os Estados Unidos e, em particular, de mexicanos, e como o processo de superexploração é a chave para entender a crescente incorporação destes trabalhadores no mercado de trabalho estadunidense. Para isso, dividimos este trabalho em três grandes seções: a primeira tenta situar a importância dos movimentos populacionais para os processos de acumulação capitalista hoje em dia, para logo, na segunda 4

A crescente pobreza, o maior desemprego e subemprego, a diminuição do salário, e a degradação geral das condições de vida que o neoliberalismo tem imposto à população mundial não resultam explicação suficiente para aqueles que mantêm uma postura alarmista, de surpresa ou inclusive xenofóbica e racista em face aos crescentes fluxos migratórios no mundo todo.

5

Em 1954, a “Operação costas molhadas” (Operación espaldas mojadas) constituiu a campanha mais extensiva de perseguição e expulsão de força de trabalho migrante. A vigilância policial e a militarização ampliada começaram a fazer parte da regulamentação da mão de obra migrante, de forma que a atual campanha anti-imigrante desdobrada nos Estados Unidos, não constitui um fenômeno novo ou original.

42

Superexploração do trabalho no século XXI

seção, identificar o papel que os migrantes latino-americanos têm tido no desenvolvimento do capitalismo nos Estados Unidos, salientando o caso dos migrantes mexicanos. E, por último, interessa-nos introduzir a reflexão da superexploração do trabalho migrante para mostrar como esta forma de exploração tem se constituído na forma generalizada nos Estados Unidos.

O contexto mundial: acumulação do capital e fluxos migratórios O desenvolvimento do capitalismo tem gerado condições de miséria, desemprego, fome, devastação ambiental, guerras e perseguições políticas que movem as populações, principalmente, de países subdesenvolvidos a emigrar para países que oferecem melhores possibilidades de sobrevivência. A tendência da migração internacional na segunda metade do século XX indica um crescimento constante e acelerado da população envolvida nesse processo: entre 1945 e 1990, em torno de 100 milhões pessoas de emigraram de seus países de origem (Peña; 1995a); enquanto que para o ano de 2015, a cifra esperada era de 244 milhões (Conapo, 2015). Isto significa que nos últimos 25 anos a migração internacional aumentou cerca de 150%. Porém, em relação ao total da população mundial atual, a população migrante ainda constitui uma porção muito pequena (3,3%). Ainda assim, devido ao seu acelerado crescimento, o fenômeno migratório se apresenta como um elemento central no desenvolvimento e ampliação do mercado mundial, e tenderá a se generalizar numa escala mundial. Dos 244 milhões de migrantes que foram calculados para o ano 2015, aproximadamente 16 milhões se movimentavam para procurar refúgio, devido a razões políticas, religiosas e ecológicas, enquanto 228 milhões (93,4%) emigravam diretamente por causas econômicas, ou seja, buscando emprego e um salário melhor. Portanto, a migração internacional da população é hoje fundamentalmente um processo de

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

43

migração de mão de obra (que inclui trabalhadores ativos, subempregados e desempregados com suas respectivas famílias quando isto é permitido). A participação produtiva (produção de mercadorias e serviços e, principalmente, lucros) e reprodutiva (produção física e espiritual dos trabalhadores) dos migrantes nos países de imigração permite sustentar o processo de acumulação de capital nesses países, porém também afeta direta e indiretamente os processos de acumulação e desenvolvimento capitalista dos países de origem, quer seja como fator positivo – via remessas financeiras ou intercâmbios mercantis e culturais – quer seja desestruturando-os pela “fuga de cérebros” ou o espólio e a expulsão de territórios com todas as implicações que isto envolve (ruptura de laços familiares, costumes etc.). Assim, os processos migratórios são parte de uma dinâmica de mundialização do modo de produção capitalista que tende à conformação do mercado mundial de mercadorias (meios de produção e meios de subsistência), de capitais e de força de trabalho (mercado laboral). Na perspectiva dos países de imigração, observa-se o aspecto racional do processo de uso da mão de obra migrante como causa que promove a migração internacional de trabalhadores, mas na perspectiva dos países de emigração o que observamos é a lógica da “globalização da pobreza” como sinaliza Armando Bartra (2003). A imigração da força de trabalho tem uma dupla utilidade nos países que a recebem: a. a) No processo de produção, a imigração provê a força de trabalho que se necessita por escassez de trabalhadores de certa qualidade específica e a tendência tem sido de que os salários destes trabalhadores migrantes sejam menores que os dos trabalhadores da nação receptora, com isso se implementam dinâmicas de superexploração6. b. b) No processo de reprodução, a integração, parcial ou completa, da população imigrante no espaço social do país de chegada

6

44

Na terceira seção detalharemos o que entendemos por superexploração do trabalhador migrante.

Superexploração do trabalho no século XXI

permite7 atenuar diretamente problemas de escassez de população (baixas taxas de natalidade), reduzir os salários, o que tende a degradar a qualidade de vida e a saúde dos operários nacionais e imigrantes. Também, este exército de trabalhadores migrantes permite exercer um maior controle sobre a classe operária nacional, mediante o confronto étnico entre os trabalhadores nacionais e os estrangeiros, ou entre os próprios estrangeiros (processos de racismo e xenofobia). A migração internacional dos trabalhadores está produzindo mudanças essenciais nos processos de produção mundial e reprodução social em geral. Além de ser alavanca para que aconteça a acumulação de capital, esta imigração tende a reduzir os sujeitos produtores à sua condição de mercadoria barata, de força de trabalho. A mistura de capacidades e necessidades dos trabalhadores do mundo todo, gerada pela migração de pessoas, potencia o desenvolvimento das forças produtivas técnicas e de procriação que, embora o capital procure subordinar a seu processo de acumulação, também faz com que os trabalhadores, ao vivenciá-lo (mesmo que alienadamente), descubram a força de uma nova universalidade produzida no capitalismo. Esta nova socialidade, que aglutina a grande diversidade material e espiritual que habita este mundo, tem como meio básico de conexão a migração internacional da população. Com a migração laboral, o benefício que obtêm os capitalistas das regiões desenvolvidas é muito maior que o derivado dos baixos salários pagos ao trabalhador migrante8.

7

A integração familiar dos trabalhadores imigrantes permite subordinar a procriação desta força laboral à dinâmica da acumulação do capital no país de imigração e, ademais, incorporar as mulheres estrangeiras – e inclusive as crianças – ao processo produtivo, o que gera profundas modificações nas formas de reprodução da população migrante (educação, saúde, moradia, família, moral, cultura, religião etc.).

8

Os salários que recebem os trabalhadores migrantes no país de imigração são mais elevados que os que se lhes paga no seu país de origem, porém é menor ao estabelecido dentro do país de imigração para os trabalhadores nacionais (quer dizer, é um pseudosobresalário) (Peña, 1995).

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

45

O benefício para o capitalista do país de imigração desenvolvido provém de três fontes relacionadas com a superexploração do trabalhador migrante: a. do emprego de uma força de trabalho por cuja produção e capacitação não se teve nenhum custo e cujo salário é muito menor que o da força de trabalho nacional pelo simples fato de ser estrangeira; b. da utilização de operários dispostos a aceitar jornadas de trabalho mais extensas e intensas, sem direito a moradia e educação nem a condições laborais salubres e seguras nem a se organizar em sindicatos; e c. de substituir os trabalhadores nacionais por estrangeiros, mais dóceis – por medo, solidão, despolitização etc. – e baratos. Assim, por meio da pressão deste novo exército industrial ativo e de reserva, o capital do país desenvolvido consegue homogeneizar a diminuição dos salários e as condições laborais e de vida dos trabalhadores nacionais e de toda a classe operária (base da superexploração do trabalho), ademais de dividir esta última e, portanto, debilitá-la em termos políticos e sociais. As formas pelas quais se adquirem estes benefícios, que usufruem os empresários mediante a exploração do trabalhador estrangeiro em cada região de imigração, são distintas segundo o grau de desenvolvimento econômico, político e cultural de cada uma dessas regiões.

A migração internacional latino-americana: chave para a acumulação de capital nos Estados Unidos Estados Unidos é o exemplo mais claro de um país conformado a partir da migração internacional, utilizada para se prover tanto de força de trabalho qualificada para seus processos produtivos de vanguarda como de força de trabalho pouco qualificada para os setores mais atrasados de sua economia. Ademais, a diversidade étnica de seus migrantes tem-lhe permitido confrontar entre si estrangeiros e inclusive dentro de um mesmo grupo étnico, em virtude da diversidade de tipos

46

Superexploração do trabalho no século XXI

de trabalhadores que imigram de uma mesma região (por exemplo, os asiáticos entre si ou contra os latino-americanos). Apesar desta ampla organização para controlar e explorar melhor o estrangeiro, os Estados Unidos têm tido que enfrentar mobilizações de resistência por parte dos latinos e asiáticos residentes no seu território9. Os Estados Unidos é atualmente o país com maior quantidade de população estrangeira no seu território, sendo mais de 45 milhões de pessoas em 2015 (Pew Research Center, 2015a). Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que é o país com as políticas imigratórias mais definidas e seletivas, é também o que mais recorre à migração indocumentada. Embora hoje as autoridades afirmem não poder controlar suas fronteiras das “ondas de indocumentados”, continuamente se descobre que esta imigração constitui um fluxo “oculto” em que se alicerça o poderio estadunidense, proporcionando a força de trabalho necessária para a agricultura e as indústrias mais atrasadas dos Estados Unidos com melhores condições para sua exploração, pelo fato de ser estrangeira e indocumentada. Para a regulamentação destes fluxos de imigrantes nos Estados Unidos, as amplas campanhas xenofóbicas e racistas desempenham um papel central, desencadeando-se em períodos de crise econômica, como o atual, nos quais é preciso expulsar massivamente trabalhadores por meio de múltiplas formas de violência. Os migrantes mexicanos constituem o maior fluxo populacional que chega aos Estados Unidos, cerca de 12 milhões de imigrantes eram calculados para 2016, segundo cifras oficiais do Conselho Nacional de População (Consejo Nacional de Población-Conapo); mais cerca de 7 milhões de indocumentados. Assim, os mexicanos conformam-se como o maior contingente nacional que é expulso do seu país na procura de condições de vida para eles e suas famílias, que ficam no país de origem e sobrevivem de remessas periódicas. Se incorporarmos os mexicanos nascidos e nacionalizados nos Estados Unidos, temos uma

9

Por exemplo, as lutas contra a lei Sensembrenner em 2006 e as recentes mobilizações contra as medidas xenófobas e racistas do atual presidente Trump que beiram escancaradamente ao fascismo.

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

47

população de cerca de 40 milhões de pessoas de origem mexicana morando nesse país. De fato, a fronteira México-Estados Unidos é a mais transitada do mundo pelos migrantes legais e indocumentados e por trabalhadores fronteiriços (que moram no México, mas trabalham nos Estados Unidos). A imigração internacional de população, que permite o uso de uma força de trabalho muito barata e explorável, é complementada nos Estados Unidos e demais países desenvolvidos com migração de capitais a países subdesenvolvidos para conseguir a valorização do capital mediante a superexploração da força de trabalho destes últimos com empresas maquiladoras, subcontratação etc. A discriminação dos trabalhadores estrangeiros é uma característica sobressalente da política migratória estadunidense, não apenas por abrir ou fechar as fronteiras para certas nacionalidades específicas (prática generalizada em todos os países de imigração), senão pela utilização massiva de trabalhadores temporários, que não são reconhecidos como imigrantes nem como cidadãos. Em vez disso, dá-se-lhes o caráter de “ilegais” com o objetivo de mantê-los em situação laboral mais degradante e marginal. Esta política dual de migração (por via legal e indocumentada) corresponde à estrutura dos operários ativos, desempregados e subempregados (não apenas dos trabalhadores estrangeiros, senão também dos nacionais) que requer a economia estadunidense para sua acumulação. A razão pela qual esta força de trabalho não é reconhecida como imigrante legal (quer dizer, como força de trabalho necessária) radica na possibilidade de gerar nela maior vulnerabilidade, tanto dentro do processo de trabalho como nos aspectos legais e sociais que afetam as condições de vida dos trabalhadores imigrantes. Assim, em períodos de recessão, como o atual, os ataques contra a imigração se dirigem, em primeira instância e de maneira violenta, contra esses trabalhadores10. 10

48

É importante lembrar que desde a Operação Costas Molhadas, em 1954, se instauram estas formas de criminalização contra os imigrantes nos Estados Unidos: “Com ajuda de oficiais federais, estatais, dos condados, do FBI, do exército e da marinha, apoiando-se no dispositivo militar e na opinião pública, a patrulha fronteiriça desdobrou a campanha mais extensiva até então contra a força de trabalho mexicana, muito vulnerável. A vigi-

Superexploração do trabalho no século XXI

Se tomarmos toda América Latina como uma região só (incluindo o México), em 1970 havia cerca de 1.2 milhões de imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos, enquanto que para 2015, essa população ascendia a aproximadamente 21.2 milhões (Pew Research Center, 2015b). Se observarmos o número de pessoas de origem hispana que era calculado para 2015, 55.2 milhões, pode se apreciar mais claramente e reconhecer que o capital estadunidense está em condições de controlar um grande Exército Industrial de Reserva, uma mão de obra o suficientemente barata para sustentar a concorrência no mercado mundial com outras regiões capitalistas, como o próprio leste asiático, particularmente, a China. Nesse sentido, parece-nos importante a reflexão que faz Barreda (1996, p. 221) em relação a este tema: “As disciplinadas e extremadamente baratas classes operárias mexicanas e latino-americanas são hoje uma importante vantagem comparativa a favor dos Estados Unidos contra a pujante indústria chinesa, recém-orientada ao mercado mundial. Na medida em que esta última penetra com grande sucesso nos mercados internacionais de manufaturas simples (têxteis, bens domésticos etc.), os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão procuram conter e/ ou contra-atacar esta nova investida no universo dos lucros extraordinários, organizando dentro de suas respectivas áreas de influência dezenas ou centenas de milhões de trabalhadores que sejam tão superexploráveis como os chineses. Este uso da força de trabalho latino-americana seria uma empresa impossível de realizar se o terceiro mundo não tivesse sido construído historicamente sobre a base dessa figura prévia da dependência”.

A conformação deste Exército Industrial de Reserva latino-americano para os Estados Unidos acontece num contexto no qual os governos neoliberais deste país, têm se dedicado a abater as condições de vida

lância policial e a militarização ampliada chegaram a formar parte da regulamentação da mão de obra” (Gómez-Quiñones, 1978, p. 86).

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

49

de toda a classe operária estadunidense. Desmantelaram-se sindicatos, contratos trabalhistas e boa parte da previdência social (saúde, educação, seguro de desemprego, moradia etc.). Segundo David Harvey, desde 1968 e até o ano 2000, o valor do salário mínimo estabelecido nos Estados Unidos tinha descido aproximadamente 30% em termos reais, o que colocava aqueles que ocupam cargos em tempo integral retribuídos com salários mínimos bem abaixo da linha da pobreza. O aumento do salário mínimo em 1997 (5.15 dólares, do ponto de partida de 4.25 dólares a hora em 1994) seguia estando muito abaixo dos níveis de 1968: “Com grande frustração pela incapacidade de conseguir um salário digno para viver a escala nacional, toda uma série de campanhas e agitações locais eclodiu nos últimos anos em todo o país numa escala mais local” (Harvey, 2000, p. 146). Estas políticas, que ademais se conceberam num contexto de altos índices de desemprego e crescente oferta de empregos com baixa remuneração, crescente desigualdade na distribuição do ingresso e um aumento do índice de pobreza, abrangeram toda a classe operária estadunidense (nacional e estrangeira), embora afetassem mais os estrangeiros (especialmente, os chamados hispanos e, entre estes, os mexicanos) e a população negra (Levine, 2001, p.69). Em 2007, o total de pessoas consideradas pobres nos Estados Unidos chegava a 43.1 milhões, dos quais 12.1 milhões eram hispanos (U.S. Census Bureau; 2016). Assim, em condições de crise e de reestruturação produtiva, com um crescente número de imigrantes e de população nascida no exterior11, as contradições e os confrontos entre população estrangeira e trabalhadores nacionais se agudizam. O ambiente de xenofobia e racismo é o que impera. Nos próprios bairros operários, onde convivem hispanos, asiáticos e negros surgem situações de violência que são aproveitadas

11

50

Esta categoria inclui os imigrantes legais, os chamados não imigrantes, que são estrangeiros admitidos por períodos temporários e para um propósito específico (geralmente, se trata de funcionários, empregados de empresas, estudantes e turistas); e também, se incluem os refugiados que não adquiriram a categoria de imigrantes legais.

Superexploração do trabalho no século XXI

mediante o uso da força policial para controlar, inclusive de maneira militarizada, esses grupos sociais12. A partir dos anos noventa, a política migratória dos Estados Unidos torna-se mais restritiva e violenta para os latino-americanos, especialmente, para os trabalhadores mexicanos. Em 1993, com a Operação Bloqueio (Operación Bloqueo), são construídos cercas e fossos na fronteira com México (Ciudad Juárez-El Paso), passam a serem utilizadas novas tecnologias para a detecção de indocumentados e se incrementa significativamente o número de efetivos de Patrulha Fronteiriça. Em 1994, essa primeira intervenção é reforçada com a Operação Guardiã (Operación Guardián) –construção de barreiras e reforço da patrulha fronteiriça em Tijuana-San Diego – ao mesmo tempo que o Congresso do estado da Califórnia aprova a Lei 187 (que fica suspensa um ano mais tarde por ordem judicial), para negar assistência social – saúde e educação – a trabalhadores indocumentados e suas famílias. Em 1995, instrumenta-se a Operação Salvaguarda (Operación Salvaguarda), em Yuma-Tucson e os candidatos à presidência dos Estados Unidos retomam a problemática migratória como tema eixo das campanhas, coincidindo no endurecimento da política migratória. Em 1996, propõem-se duas iniciativas de lei, uma restringe a assistência social aos trabalhadores indocumentados e outra propõe para estes um tratamento de criminosos, eliminando todos seus direitos civis (a proposta de lei antiterrorista) (Peña, 1996, p. 29). Em 1997, implementa-se a Operação Rio Grande (Operación Río Grande), em Texas-Novo México e se estabelece o aumento de mil agentes fronteiriços por cinco anos consecutivos e a aquisição e melhoria de equipamento tecnológico de controle fronteiriço. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, fecham-se os cruzamentos menos perigosos e se estabelecem controles mais rígidos nas fronteiras e dentro das cidades; se proíbe o pedido de entrada temporária ou permanente nos Estados Unidos para qualquer pessoa que permaneceu indocumentada no país durante um ano; multas e prisão 12

Nos distúrbios na cidade de Los Ángeles, Califórnia, em 1992, depois do protesto de cidadãos negros e latinos pela repressão policial de que foram objeto, o governo fez intervir o exército e expulsou uma boa quantidade de latinos. Ver ao respeito: La Jornada, de 02 a 08 de maio de 1992.

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

51

para os imigrantes que tenham excedido o tempo autorizado pelo visto; detenção de todo estrangeiro com antecedentes delitivos (inclusive apenas multas de trânsito); restrições nos benefícios sociais para os indocumentados, como saúde e educação, e o estabelecimento de critérios mais estritos em relação ao nível de ingresso dos patrocinadores de potenciais migrantes. No início de 2005, aprova-se a legislação Real ID (identificação real) que funciona como reforma antimigrante, pois obriga os governos estatais a verificar a condição migratória de todo solicitante de carteiras de motorista. Além disso, endurece os requisitos para outorgar asilo político a refugiados e autoriza fundos para construir mais muralhas na fronteira com o México. Em dezembro de 2005, sanciona-se na Câmera de Representantes um dos projetos de lei mais amplos e restritivos na história anti-imigratória dos Estados Unidos. Dito projeto é proposto por James Sensenbrenner e Peter King. Ao ser promulgado como lei, tornaria delito federal cruzar a fronteira de maneira ilegal (com isto se criminalizaria o imigrante). Ademais, estabeleceria fortes penas contra companhias e empresas que contratam migrantes indocumentados, negaria serviços estatais aos mesmos, aceleraria os processos de deportação, aumentaria a capacidade dos centros de detenção para poder manter os migrantes presos até serem deportados, converteria a polícia estatal e local em agentes de imigração. Propõe, ainda, a construção de um muro fronteiriço e a condenação a 5 anos de prisão a toda pessoa que dê assistência aos imigrantes indocumentados, tal como dar-lhes comida, teto ou aconselhamento jurídico. Com esta lei criminalizavam-se não apenas os 11 milhões de imigrantes indocumentados que estavam previstos para esse ano nos Estados Unidos, mas também as empresas que os contratavam e as famílias, amigos e organizações de direitos civis que os apoiavam. Por esta razão, a aprovação da Lei Sensenbrenner na Câmara de Representantes, alertou a centenas de organizações de imigrantes em todo o país, e gerou a mais ampla mobilização pela defesa dos direitos dos imigrantes na história dos Estados Unidos. Embora a mencionada lei fosse dirigida centralmente contra os imigrantes indocumentados, também afetaria, de maneira direta e indireta, os direitos dos que tinham documentos, por isso, a mobilização incluiu todo tipo de organizações e agrupamentos de migrantes, ou

52

Superexploração do trabalho no século XXI

minorias relacionadas com estes grupos, o mais significativo dos quais foi sem dúvida a população hispana e, dentro desta, a população mexicana. Assim, no início de 2006, mais centralmente nos meses de março, abril e maio, os Estados Unidos foram testemunhas de mobilizações massivas de imigrantes de todas as nacionalidades, principalmente os mexicanos, em mais de 50 cidades. Depois das mobilizações de 2006, geraram-se várias propostas de discussão sobre a reforma migratória, por exemplo, uma das “melhores ofertas”, proposta em junho desse ano, incluía regularizar o status de entre 8 e 9 dos mais de 11 milhões de indocumentados que existiam, também propunha expedir 200 mil vistos de trabalho por ano para trabalhadores hóspedes (Rosas-Landa, 2006). A reforma migratória continua sem ser discutida e, em vez disso, o que temos é uma onda crescente de repressão anti-imigrante que, desde 2007, vem se agudizando com as crises econômicas e sociais, assumindo uma forma cínica e mais violenta em 2017 com a presidência de Donald Trump, em que se vivencia um aumento crescente no número de deportações (em 2006, foram 240 mil pessoas; em 2008, a cifra subiu para 323 mil, e, para 2016, calculava-se que chegaria aos 3 milhões); além de um aumento nas detenções de imigrantes indocumentados (em 2006, foram presos 15.462 imigrantes; em 2007, o número praticamente dobrou com 30.408 detenções); blitz massivas nos locais de trabalho (como a do dia 25 de agosto de 2008, uma das maiores de seu tipo na história dos Estados Unidos, que foi realizada em uma fábrica de transmissores em Laurel, Mississipi); e novas modalidades de detenções, como as deportações feitas nos hospitais, do país todo, de pacientes estrangeiros em estado grave e com doenças críticas, que não têm documentos migratórios em ordem nem seguro de saúde (Noticias Latinas; 2009); ou a denúncia da Casa del Migrante Poblano, que assegura que existam atualmente, na Califórnia, 30 poblanos aos que se lhes colocou uma tornozeleira eletrônica com a qual podem ser vigiados todos seus movimentos, através de um dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS, pela sigla em inglês), que lhes impede ir a qualquer lugar sem vigilância, enquanto são levados a julgamento por ingressar ilegalmente aos Estados Unidos (Puga; 2008).

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

53

Podemos presenciar a mesma situação nas denúncias apresentadas por mulheres hondurenhas na pré-audiência de Nova York do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) capítulo México, em setembro de 2014 (ver ditame Audiência Final, TPP Capítulo México, 2014). Apesar desta ampla ofensiva contra a imigração mexicana e latino-americana, e, embora tenham diminuído os fluxos para os Estados Unidos a partir de 2008 devido à crise econômica que se vivencia, estes não têm cessado e continuam sendo muito importantes. A maioria dos imigrantes latino-americanos, em especial no caso do México, tem optado por sustentar-se e sobreviver à crise nos Estados Unidos, devido a que a situação nos seus países de origem é mais problemática ainda. Esta situação contraditória tem significado mais violência para aqueles que tentam cruzar a fronteira13 e para quem consegue cruzá-la e encontrar um emprego nos Estados Unidos. Este é o contexto em que a superexploração é possível e cotidiana.

A superexploração dos trabalhadores migrantes mexicanos nos Estados Unidos A. Como entendemos a superexploração do trabalho A superexploração do trabalho é o pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor, implicando na degradação e pauperização da reprodução imediata dos trabalhadores. Por isso, parece-nos importante refletir sobre como opera esse mecanismo na dinâmica migratória, especificamente, entre o México e os Estados Unidos e a pertinência do uso deste conceito para a compreensão do fenômeno migratório entre ambos os países, e no resto da América Latina.

13

54

De acordo com cifras da Secretaria de Relações Exteriores, de janeiro de 1995 a março de 2004 foram repatriados 2.640 mexicanos mortos. Segundo cifras de Wayne Cornelius, da Universidade de Califórnia em San Diego, o número de mortos na tentativa de cruzar a fronteira foi de, ao menos, 3.218 pessoas de 1995 a 2003 (Cabrera, 2005, p. 41). O que faz da fronteira México-Estados Unidos uma das mais perigosas do mundo e uma das mais lucrativas para as máfias organizadas no tráfico de pessoas.

Superexploração do trabalho no século XXI

O tratamento do problema da superexploração não é tematizado por Marx em uma seção específica de O Capital, senão que o encontramos de forma implícita em distintas seções dos três tomos de sua principal obra14. Marx, ao explicar como se determina o valor da força de trabalho, assinala: “O limite último ou limite mínimo do valor da força de trabalho é formado pelo valor da massa de mercadorias sem cujo aprovisionamento diário o portador da força de trabalho, o homem, não pode renovar o seu processo de vida; isto é, o valor dos meios de subsistência fisicamente indispensáveis. Se o preço da força de trabalho cai com respeito a esse mínimo, cai abaixo do seu valor, pois assim ela só pode se conservar e desenvolver de forma atrofiada. Porém, o valor de toda mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho necessário para fornecê-la em seu estado normal de qualidade.” (Marx, 1985, p. 210) [grifos nossos].

No caso dos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, deve-se considerar que a maioria não vê retribuído o valor de sua força de trabalho15, isto se reflete nas suas condições de vida (problemas de desnutrição, superlotação de moradia, péssimas condições educativas, altos níveis de pobreza etc.). Existem vários mecanismos que permitem a superexploração do trabalhador e que estarão presentes no caso dos migrantes latino-americanos nos Estados Unidos. O fato de que a força de trabalho se pague depois de ter sido consumida no processo produtivo permite desde a perda ocasional do salário referente aos dias já trabalhados, quando o 14

Apenas citaremos alguns elementos que se expõem em relação às formas de exploração da mais-valia absoluta e relativa, e sua exemplificação com a situação de superexploração dos trabalhadores migrantes mexicanos nos Estados Unidos (Peña, 2012).

15

Se pensarmos no trabalhador migrante, falamos daquele trabalhador que deve se movimentar espacialmente para levar a cabo seu processo de trabalho e, portanto, seu deslocamento implica uma separação entre seu lugar de reprodução social (espaço reprodutivo do trabalhador com sua família) e seu lugar de trabalho. Esta separação de espaços deverá se considerar no cálculo do valor de sua força de trabalho (Peña, 2012, p. 60-63).

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

55

capitalista se declara em falência, até outro tipo de anomalias que impedem que os salários paguem o valor da força de trabalho. No caso dos trabalhadores imigrantes, em muitas ocasiões os empresários deixam de pagar-lhes os salários, aproveitando situações como a condição clandestina ou simplesmente a falta de organização laboral dos primeiros. Para o caso dos imigrantes mixtecos16 que trabalham nos campos da Califórnia, segundo uma pesquisa do início dos anos noventa, um de cada quatro tinha vivido pelo menos uma vez o roubo de seu salário por parte do empresário que os contratava (Zabin et al., 2000). Entre as anomalias que acontecem por pagar os salários depois de ter consumido a força de trabalho, temos a adulteração dos meios de subsistência do trabalhador, como outra forma de reduzir o valor da força de trabalho e, com isso, sua qualidade reprodutiva normal17. No caso dos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, o deslocamento tem gerado uma mudança completa no sistema de alimentação e de vida em geral, trazendo sérios problemas de desnutrição, obesidade e uma maior incidência de doenças degenerativas. Também, tem que ser considerado que esta população consome cotidianamente comida chatarra18 , produzida nas redes de alimentação rápida estadunidenses nas piores condições e de péssima qualidade nutricional. Outro mecanismo que permite a superexploração é o pagamento do salário a crédito. Através de mecanismos circulatórios de manipulação de preços, estas situações são muito frequentes hoje em dia para os trabalhadores no geral. Entre os imigrantes mexicanos, em especial, no

16

N. da T.: Pessoas originárias do povo ameríndio que habita hoje os estados mexicanos de Oaxaca, Guerrero e Puebla.

17

É muito importante considerar este mecanismo de consumo na superexploração do trabalhador, devido a que em todo o século XX e o que passou do XXI, o capitalismo tem se dedicado de maneira sistemática à adulteração dos valores de uso cotidiano que consome a população (trabalhadora), degradando seus conteúdos para conseguir, dentre outros efeitos, o barateamento de seus custos sem diminuir os preços desses produtos. Ver trabalhos de Jorge Veraza (1993) sobre a Subordinação Real do Consumo.

18

N. da T.: Tradução literal da expressão inglesa junk food, que se refere, de forma pejorativa, aos alimentos com alto teor calórico e nível reduzido de nutrientes. Geralmente, são alimentos com elevado conteúdo de gorduras saturadas, sal ou açúcares, e aditivos alimentares.

56

Superexploração do trabalho no século XXI

caso dos indígenas que trabalham no campo nos Estados Unidos, estas situações abrangem a moradia que lhes aluga o empresário contratante, o transporte, a comida, a água, a energia elétrica, a internet e outros meios de subsistência. O prolongamento da jornada de trabalho além dos seus limites normais leva-nos, por um lado, à obtenção de uma mais-valia absoluta, mas também é um mecanismo que permite a superexploração do trabalhador, enquanto produz um desgaste extensivo da força laboral, que implica a impossibilidade de pagar o valor do uso real que se faz dela em uma jornada estendida; o desgaste do operário não equivale “a umas horas a mais de trabalho”, senão que a reposição da força para laborar leva muito mais tempo que essas horas; aí radica o roubo ao valor da força de trabalho, ao tempo de vida do operário, portanto existe uma superexploração do trabalhador (Marx, 1990, p.280-281a). Além disso, o prolongamento da jornada de trabalho atenta diretamente contra os tempos da reprodução do trabalhador e, portanto, contra a qualidade dessa reprodução. Por essa via, conecta-se com a superexploração do trabalhador: “A comissão entende que prolongar a jornada de trabalho por mais de 12 horas constitui uma usurpação da vida doméstica e privada do operário e provoca efeitos morais desastrosos, intrometendo-se na intimidade doméstica de cada homem e eximindo-o de seus deveres familiares como filho, irmão, marido, pai. Esse trabalho de mais de 12 horas tende a minar a saúde do operário e provoca assim uma velhice e morte prematuras…” (Marx, 1990, p. 303b) [grifos nossos].

A superexploração dos trabalhadores implica assim não apenas sua reprodução atrofiada, senão também é uma aniquilação prematura da força de trabalho19. No caso dos imigrantes mexicanos temporários e 19

Outro elemento a considerar nesta aniquilação prematura da força de trabalho, pela extensão da jornada laboral, é sua mais rápida reposição. Isto implica que o capitalista deveria pagar dentro do valor da força de trabalho por esta substituição rápida do trabalhador, mas, ao não pagá-la, se abre novamente uma diferença entre um menor salário pago e um maior custo da força de trabalho, uma superexploração.

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

57

indocumentados esta situação é levada ao extremo, isto é, pelo fato da maioria deles ter sua família em outro país e, portanto, preferir continuar trabalhando para enviar mais dinheiro, permite ao capitalista levar ao extremo a extensão da jornada de trabalho, embora reduzindo ao mínimo as necessidades reprodutivas do trabalhador (comer, dormir e se assear em moradias ou espaços superlotados e pouco propícios para isso). Em relação à reflexão sobre a mais-valia relativa (capítulo 10, tomo I), a superexploração é vista como uma situação que viola os limites normais do processo de exploração do trabalho, pois implica a apropriação de parte do tempo de trabalho necessário do trabalhador (capital variável) como único método para estender o trabalho excedente sem recorrer à extensão da jornada nem à produtividade crescente, que barateie o custo dos meios de subsistência que conformam o valor da força de trabalho. Esta redução do salário abaixo do valor da força de trabalho, como assinala Marx, desempenha um papel importante no movimento real dos salários, porém em virtude dos pressupostos metodológicos de O Capital, não é um tema abordado por extenso nessa obra, sem significar por isso que não seja uma realidade do capitalismo e que seja tão importante como a necessidade de pagar o valor da força de trabalho de forma completa20. No caso dos imigrantes mexicanos, o montante dos seus salários diminui à medida que aumenta sua vulnerabilidade; isto é, se são indocumentados, temporários, indígenas, mulheres, jovens, trabalhadores agrícolas, que trabalhem em uma região de imigração etc. (Peña, 2012 e Ocampo, 2015). Em relação ao uso das máquinas e à superexploração do trabalhador, Marx (1984, p.479a) coloca:

20

58

Barreda (1994, p. 225) reflete sobre isto: “De fato, o pagamento da força de trabalho por seu valor resulta um pressuposto indispensável para a demonstração lógica do processo de valorização, porém isso não esgota o seu significado... a superexploração também está presente como pressuposto lógico-real na estruturação de todo o discurso de O capital,... afirmo que o ponto de partida é, em verdade, um paradoxo que contempla, ... o pagamento da força de trabalho pelo seu valor e, uma vez que se desdobra o desenvolvimento capitalista das forças produtivas, a tendência a transgredir esta equivalência.”

Superexploração do trabalho no século XXI

“Nos países desenvolvidos desde a antiguidade, o emprego da máquina em determinados ramos da indústria gera em outros tal superabundância de trabalho que nestes a queda do salário abaixo do valor da força de trabalho impede o uso da maquinaria e o torna supérfluo, com frequência impossível, do ponto de vista do capital, cujo lucro, além disso, provém da redução não do trabalho empregado, senão do trabalho pago.” [grifos nossos]

É frequente encontrar nos ramos produtivos com mais atraso tecnológico a utilização de mão de obra barata, onde os imigrantes estrangeiros têm um papel preponderante. Entre eles, sabemos que, no caso dos Estados Unidos, os imigrantes mexicanos ocupam um dos níveis mais baixos. Este uso intensivo da mão de obra, ao invés do uso da máquina, não é apenas um problema de custos, senão que, é claro, implica uma degradação física (uma atrofia de seus corpos e sua saúde) e moral dos trabalhadores. É preciso lembrar que existe uma relação de organicidade entre a superexploração e o uso da maquinaria. Um primeiro efeito é que ao incorporar todos os membros da família ao trabalho assalariado, a maquinaria desvaloriza a força de trabalho do operário, pois obriga sua mulher e filhos contribuírem trabalhando para obter o salário familiar, que antes ele obtinha sozinho. Ademais da desvalorização da força laboral dos integrantes da família operária, a incorporação de mulheres e crianças como parte dos assalariados, aumentou o ritmo e nível de degradação reprodutiva do trabalhador e sua família, levando-os a situações completamente desumanas21. Assim, o uso do trabalho infantil e feminino, permite a superexploração do trabalho e com isso amplia a degradação da reprodução dos trabalhadores e sua família. No caso dos trabalhadores imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, observamos que o crescimento do trabalho das mulheres migrantes vai 21

Entre os temas que aborda Marx em relação a isto temos: a escravização dos filhos pelos pais, a enorme mortalidade das crianças dos operários nos seus primeiros anos de vida, o descuido e maus-tratos de crianças pela ocupação extradoméstica das mães, a depravação das mulheres, a devastação intelectual do trabalhador e sua família, e a crítica à “educação” fabril (Marx, 1984).

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

59

pauperizando as condições de reprodução física, emocional e espiritual, não apenas delas mesmas como trabalhadoras, senão dos seus filhos e, inclusive, de seus esposos. Se a isto agregamos que os trabalhos destinados às mulheres são retribuídos com um salário menor e com piores condições laborais, temos uma população trabalhadora predisposta à superexploração. Outro efeito que produz a incorporação da maquinaria sobre o operário é o prolongamento da jornada de trabalho até seus máximos limites e, como vimos, isto é um meio para a superexploração. Assim, o desenvolvimento da maquinaria e a grande indústria não se complementam com a superexploração do trabalho senão que a promovem e ampliam. É importante situar esta relação, porque, às vezes, se pensa que a superexploração do trabalho é produto de uma falta de desenvolvimento das forças produtivas, porém, como vimos, ao invés disso, a superexploração é facilitada com o uso das máquinas. Então, não deve nos estranhar o fato de encontrar um amplo uso da superexploração do trabalho em um país desenvolvido como os Estados Unidos22, e não apenas como um fenômeno da periferia capitalista23. O que temos à nossa frente é um paradoxo do desenvolvimento capitalista: tanto o desenvolvimento da produtividade, como o seu oposto, o desenvolvimento da superexploração, são parte da forma como se leva adiante o processo de produção capitalista. Estas formas se determinam mutuamente, devido a que o desenvolvimento da tecnologia, e com ela, da produtividade, produz uma população excedente que será a base 22

Em relação à superexploração nos países desenvolvidos, veja-se o texto de Grossmann (1979), sobre a teoria dos salários que explica a superexploração como uma tendência dos salários à medida que o capitalismo se desenvolve, e o texto de Sotelo (2003) sobre a reestruturação atual do mundo do trabalho, em que se exemplifica como opera a superexploração entre os operários nacionais das indústrias dos países desenvolvidos.

23

Trabalhos acerca da periferia capitalista e a superexploração são os de: Ruy Mauro Marini (1973), que desenvolve a problemática da dependência latino-americana, e os trabalhos de seus alunos na UNAM que exploram diferentes determinantes da superexploração nas economias latino-americanas: a intensidade e extensão da jornada laboral, assim como o corte na cesta básica e a incorporação da família operária no trabalho produtivo. Ver Osorio (1975), Cabral e Arroio (1974), Arteaga e Sotelo (1978), Arteaga, Sotelo e Marini (1981), Farfán, Jiménez e Escobar (1980), Molina e Hernández (1981), Ceceña (1982), Castro (1983), Pineda (1981) e Spagnolo (1984).

60

Superexploração do trabalho no século XXI

para que se opere a superexploração de forma mais adequada e contínua (Marx, 1984, p. 496-497b). Embora o uso da maquinaria possa permitir inclusive a redução da jornada, graças à crescente produtividade do operário, isto não significa menos trabalho para ele, senão a possibilidade de ser ainda mais espoliado. A intensificação da jornada “não se vê” tão claramente como a extensão da mesma, mas sim se sente no desgaste do operário. Assim, o desgaste crescente da força laboral nos remete à superexploração do trabalho, cada vez mais sob mecanismos mais complexos, como o aumento da velocidade da máquina ou a ampliação do campo de trabalho do operário. Com este mecanismo da intensificação do trabalho fica mais claro como opera a superexploração nos países desenvolvidos, nos trabalhadores industriais, agrícolas e de serviços urbanos e, claro, nos trabalhadores imigrantes que chegam a esses países para laborar a um ritmo de trabalho muito mais intenso que nos seus países de origem. Sem dúvida, seria interessante um estudo de como opera a intensificação do trabalho nos diversos ramos produtivos na contemporaneidade. A crescente mortalidade dos trabalhadores assim como as novas doenças, causadas pela intensificação do trabalho, são um fato concreto e escandaloso do desenvolvimento capitalista24 atual. No caso dos trabalhadores imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, encontramos a situação de embaladoras de carne ou processadoras de frango, por exemplo. Porém, consideramos que a superexploração do trabalho abrange outros espaços laborais dos trabalhadores nos Estados Unidos e no resto dos países capitalistas. A superexploração do trabalho também é o cotidiano na manufatura moderna e na indústria a domicílio. Basta inteirar-se das atuais condições da indústria maquiladora para compreender a crueldade da

24

A esse respeito podem ser revisadas duas publicações do National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) dos Estados Unidos, uma dedicada ao estresse no trabalho (niosh, 1998), outra às doenças e acidentes trabalhistas nos Estados Unidos (niosh, 2004). Também, é interessante revisar as referências acerca da morte por excesso de trabalho no Japão, fenômeno chamado Karoshi (en.wikipedia.org/wiki/karoshi) e a página da Internet sobre o estresse no local de trabalho que mantém a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Veja-se também Sotelo (2003).

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

61

situação em que vivem os trabalhadores que laboram nestes âmbitos produtivos. Assim, encontraremos uma proporção muito ampla de trabalhadores imigrantes mexicanos na indústria manufatureira e indústria a domicílio nos Estados Unidos (especialmente, sob a forma de maquilas). Na revisão que fizemos da superexploração, observamos que se trata de um mecanismo que se dá na circulação da mercadoria força de trabalho (no momento da compra-venda), mas que é apoiado por processos da produção, da distribuição e do consumo da força de trabalho ou dos bens de subsistência que formam parte do valor da mesma (Barreda, 1994, p.222-223). B. Condições que apoiam a superexploração da força de trabalho migrante latino-americana nos Estados Unidos Do mencionado até aqui, queremos enfatizar alguns elementos que caracterizam a exploração e superexploração do trabalhador migrante nos Estados Unidos: • Os trabalhadores imigrantes se inserem de maneira desigual e desfavorável na estrutura produtiva, em setores de trabalho que exigem menor qualificação e pagam menos, e nos quais há pouca ascensão ou deslocamento por capacitação. • As diferenças nacionais que incidem no valor da força de trabalho e nos seus salários. • Diferenças internas de salários em cada país, determinadas pela produtividade, desenvolvimento tecnológico, grau de acumulação de capital, setor econômico, pelas diversas categorias de trabalho e condições geográficas e sociais que impactam sobre a determinação do valor da força de trabalho migrante. • As condições da procura e da demanda da força de trabalho (especificamente, na fronteira e nas regiões com maior participação de imigrantes). • As deportações como um mecanismo jurídico de regulação dos fluxos. • Os limites impostos pelo sindicalismo corporativo nos Estados Unidos (por exemplo, os limites infra-salariais). 62

Superexploração do trabalho no século XXI

















Diferenças nas taxas de exploração entre ambos os países: maior nos Estados Unidos do que no México (e outros países latino-americanos). Diferença salarial entre migrantes residentes e migrantes temporários. Aqui agregaríamos as diferenças salariais, portanto de condição de vida, não apenas por tipo de residência, senão também por condição legal, por origem étnica (inclusive se são indígenas ou mestiços), por setor produtivo de trabalho (agricultura, indústria ou serviços urbanos), por sexo, por idade, e por região de imigração (oeste, centro e leste), que nós denominamos características de vulnerabilidade. Remuneração abaixo do valor da força de trabalho nos Estados Unidos, mas acima do valor da força de trabalho mexicana, em um mercado produtivo de igual ou maior exploração, que nós denominados pseudo-sobresalário (Peña, 1995b). A superexploração dos migrantes apoia-se tanto na extensão da jornada de trabalho, como na intensificação do trabalho, assim como em todos aqueles mecanismos circulatórios que diminuem os salários abaixo do valor da força de trabalho migrante. Existe uma determinação política do grau de exploração dos migrantes estabelecido pela relação internacional da luta de classes e pelas políticas xenofóbicas e racistas nos países ou regiões de imigração. Os salários dos migrantes são discriminativamente diminuídos, por exemplo, às vezes, se lhes exclui dos serviços nos quais o Estado provê à força de trabalho: educação, saúde, moradia e seguro de desemprego. Isto considerando a situação legal destes trabalhadores como “estrangeiros”, “ilegais” ou indocumentados. A debilidade político-organizativa e a incapacidade de negociação ou regulamentação dos salários, devido ao seu caráter de imigrantes e, mais ainda, se são temporários e indocumentados. A debilidade política pela sua “bagatela” e abundância (custo de reprodução menor), isto é, por ser parte do Exército Industrial de Reserva.

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

63



A capacidade de compra do dólar estadunidense, em relação ao peso mexicano. Isto dissimula a superexploração, porque o dólar tem uma maior capacidade de compra, aparentando o salário do migrante ser um “sobresalário”, quando, na verdade, não é.

Assim, a superexploração já não funciona como um mecanismo de exceção, senão que tem se convertido na forma de exploração constante dos trabalhadores imigrantes; no caso dos trabalhadores mexicanos nos Estados Unidos é uma prática generalizada. A massificação da atrofia do corpo dos trabalhadores, no geral, é parte de um fenômeno global vinculado à expansão do mercado mundial, que cresce vulnerabilizando a saúde física, emocional e espiritual dos seres humanos; dito processo é percebido pelos trabalhadores migrantes de forma imediata, pois eles mesmos mostram as consequências do desgaste que padecem em poucos anos, tornando evidente como se massificou o corpo humano, uma mercadoria descartável para amplos processos produtivos depois de seu uso intensivo. A superexploração do trabalhador imigrante é utilizada pelo capital para apoiar a superexploração dos trabalhadores não migrantes em distintos espaços nacionais25. Assim, a superexploração do trabalho é um parâmetro essencial para localizar onde estão e como estão os trabalhadores latino-americanos, em particular os mexicanos, nos Estados Unidos, qual é sua situação, não apenas jurídica e política, senão também econômica e social. Diante disto, seria conveniente construir um processo de defesa global, pois é nessa direção que aponta o futuro do trabalho globalizado.

Referências ARAGONÉS, A.M y Dunn, T. Trabajadores indocumentados y nuevos destinos migratorios en la globalización. Política y Cultura, Migración:

25

64

A descrição de Engels em “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” [1978], sobre as precárias condições de vida dos imigrantes irlandeses na Inglaterra de 1845 diz: “Em suma, os irlandeses descobriram... qual é o mínimo das necessidades vitais, e estão ensinando isso agora aos operários ingleses” (Engels, 1978, p. 347).

Superexploração do trabalho no século XXI

nuevo rostro mundial. México, Universidad Autónoma MetropolitanaXochimilco, no. 23, pp. 43-65. 2005. ARTEAGA, A. y Sotelo, A. Dependencia o neodesarrollismo: comentarios a la polémica Cardoso y Serra- Marini. In: El Gallo ilustrado. 1978. BARREDA, A. La Dialéctica de la dependencia y el debate marxista latinoamericano. In: MARINI, Ruy Mauro, MILLÁN, Margara (coords). La teoría social Latinoamericana. Subdesarrollo y dependencia. Tomo II, México, Ediciones El Caballito, 1994, pp.199-234. ______. Neoliberalismo, crisis en la reproducción de la fuerza del trabajo y resistencia autogestiva. In: Consumo y capitalismo en la sociedad contemporánea, problemas actuales de la subordinación real del consumo. México: Universidad Autónoma Metropolitana, 1996. pp. 215-265. BARTRA, A. Cosechas de ira. Economía Política de la contrarreforma agraria. México: Ítaca, 2003. CABRAL, B. y Arroio, R., El proceso de industrialización en México 19491950. Un modelo de superexplotación de la fuerza de trabajo. 1974. Dissertação (Licenciatura em Economia) - Facultad de Economía, Universidad Nacional Autónoma de México. CASTRO, N. de A. Ejercito de reserva: su especificidad y comportamiento político en el desarrollo del capitalismo en Brasil. 1983. Tese (Doutorado) Facultad de ciencias políticas y sociales, Universidad Nacional Autónoma de México. CECEÑA, A. E. La explotación de la mujer como recurso de sobreexplotación de la fuerza de trabajo en México. 1982. Dissertação (Licenciatura em Economia) - Facultad de Economía, Universidad Nacional Autónoma de México. Department of Health and Human Services. US, Cincinnati. Stress at work. In: National Institute for Occupational Safety and Health. Disponível em: http://www.cdc.gov/niosh/pdfs/stress.pdf Acesso em: 03 de jul. 2017. ENGELS, Friedrich. La sagrada familia, La situación de la clase obrera en Inglaterra y otros escritos de 1845-1846. Obras de Marx y Engels, OME, Vol. 6, Barcelona, Editorial Crítica, 1978, pp. 345-349. ESCOBAR, V. M. et al. Una aproximación al valor de la fuerza de trabajo en México. 1980. Dissertação (Licenciatura em Economia) - Facultad Ciencias Políticas y Sociales, Universidad Nacional Autónoma de México. FARFÁN, G. A., Jiménez y Escobar. Una aproximación al valor de la fuerza de trabajo en México. 1980. Dissertação (Licenciatura em Economia) - Facultad de ciencias políticas y sociales, Universidad Nacional Autónoma de México.

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

65

FRY, R., Lopez, M. H., D; Vera Cohn, Passel, J. S., & Brown, A. Modern Immigration Wave Brings 59 Million to US, Driving Population Growth and Change Through 2065: Views of Immigration’s Impact on US Society Mixed. In: Pew Research Center. 2015. Disponível em: http://www.pewhispanic. org/2015/09/28/modern-immigration-wave-brings-59-million-to-u-s-driving-population-growth-and-change-through-2065/ Acesso em: 03 de jul. 2017. GÓMEZ. Q. J. La política de exportación de capital e importación de mano de obra. México, Historia y Sociedad, no. 20, pp.66-97. 1978. GROSSMANN H. La ley de la acumulación y del derrumbe del sistema capitalista. México: Biblioteca del pensamiento socialista, Siglo XXI editores. 1979. HARVEY, D. Espacios de esperanza, Cuestiones de antagonismo. España: AKAL Ediciones. 2000. HERNÁNDEZ M. F. El proceso de consumo de la Fuerza de Trabajo del Obrero ferrocarrilero. 1981. Dissertação (Licenciatura) - Facultad de Ciencias Políticas, Universidad Nacional Autónoma de México. LEVINE, E. Los nuevos pobres de Estados Unidos: los hispanos. México: IIEc-UNAM-CISAN, Miguel Ángel Porrúa. 2001. MARINI, R.M. Dialéctica de la dependencia, México: Serie popular ERA/22, 1973. MARX, K. El Capital, Tomo I / Vol.3, Libro primero, El proceso de producción del capital. México: Siglo Veintiuno editores. 1985. _____. El Capital, Tomo I / Vol. I, Libro primero, El proceso de producción del capital. México: Siglo Veintiuno editores. 1990. OCAMPO, F. N. Los jóvenes mexicanos: entre la sobrepoblación relativa y una fuerza productiva social. El caso de la emigración de jóvenes del Estado de Morelos a Estados Unidos (1990-2012). 2015. 223p. Tese (Doutorado em Economia) –Instituto de Investigaciones Económicas, Universidad Nacional Autónoma de México. OSORIO, J. Superexplotación y clase obrera: el caso de México. México, Cuadernos Políticos, Número 6, Outubro- Dezembro. 1975. PEÑA, L. A. La migración internacional de la fuerza de trabajo (1950-1990): una descripción crítica. México: Instituto de Investigaciones Económicas, Editorial Cambio XXI. 1995. _____. Los migrantes mexicanos: ¿problema o recurso estratégico para la economía estadounidense? México, Momento Económico, Instituto de investigaciones Económicas, Universidad Nacional Autónoma de México, N. 86, pp. 29-33. 1996.

66

Superexploração do trabalho no século XXI

____. Migración internacional y superexplotación del trabajo. México: Ítaca, 2012. 237p. PUGA, M. J. Éxodo de poblanos por la recesión económica y políticas antiinmigrantes en Estados Unidos. En: La Jornada de Oriente de Puebla del 31 de marzo. 2008. Disponível em: http://www.lajornadadeoriente.com. mx/2008/03/31/puebla/puebla.php Acesso em: 03 de jul. 2017. PINEDA, F. Movimiento sindical y sistema de dominación en México. La confederación de trabajadores de México, 1936-1976. 1981. Dissertação (Licenciatura) - Escuela Nacional de Antropología e Historia. México. ROSAS-LANDA, M. A. El costo de la reforma migratoria para México. En: El Universal. 2006. Disponible en: http://archivo.eluniversal.com.mx/ internacional/50578.html. Acesso em: 03 de jul. 2017. SOTELO, V.A. La reestructuración del mundo del trabajo. Superexplotación y nuevos paradigmas de la organización del trabajo. Universidad Obrera de México, Escuela Nacional para Trabajadores Plantel Morelia, México: Editorial Ítaca. 2003. SPAGNOLO, A. Crisis y trasgresión del capitalismo argentino, 1976-1981. 1984. Dissertação (Maestria em Economia) - Facultad de Economía, Universidad Nacional Autónoma de México. International Migration Report, New York, United Nations. Disponível em: http://www.un.org/en/development/desa/population/ migration/publications/migrationreport/docs/MigrationReport2015_Highlights.pdf Acesso em: 03 de jul. 2017. U.S. Census Bureau. En: USA statistics in completer. Disponível em: https://www.census.gov/library/publications/2007/compendia/ statab/127ed.html Acesso em: 03 de jul. 2017. VALENZUELA, F. J. El capitalismo mexicano en los ochenta. México: Era, 1986. VERAZA, Urtuzuástegui. Génesis y estructura del concepto de subordinación real del consumo bajo el capital. En: Seminario de El Capital, Facultad de Economía, Universidad Nacional Autónoma de México. 1993. WIKIPEDIA, the free encyclopedia. Karoshi. Disponível em: https:// es.wikipedia.org/wiki/Kar%C5%8Dshi Acesso em: 03 de jun. 2017. ZABIN, Carol, et al. Mixtec migrants in California Agriculture. California Institute for Rural Studies. Disponível em: http//www.cirsinc.org/pub/ mixtec.html. Acesso em: 03 de jul. 2017.

A SUPEREXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES MEXICANOS NOS ESTADOS UNIDOS

67

A superexplor ação do tr abalho e o colapso/ expansão da forma-valor no capitalismo global: Notas teóricas Giovanni Alves

Em um de seus últimos trabalhos (1996), Ruy Mauro Marini (19321997) salientou a necessidade de se estender o conceito de superexploração do trabalho aos países capitalistas centrais (Marini e Millán, 1996). Marini explicou a disseminação da superexploração do trabalho pelas mudanças no comércio mundial com o crescimento do comércio intra-firmas e a operação de empresas terceirizadas provocando uma homogeneização do mercado mundial. A dissolução gradual das fronteiras nacionais e aumento da fase de produção projetado para cobrir mercados cada vez mais vastos, envolveu a intensificação da concorrência entre as grandes empresas e seu esforço contínuo para alcançar lucros extraordinários sobre os seus concorrentes. Assim, com o mercado mundial cada vez mais integrado nos principais setores produtivos, aprofundou-se a tendência para abolir as diferenças nacionais que afetam a validade da lei do valor. Ao mesmo tempo, aumentou a importância da exploração da força de trabalho mais qualificada garantir lucros extraordinárias. Embora, a qualificação e habilidades da força de trabalho variem de nação para nação, sua intensidade média aumenta à medida que ela utiliza tecnologias superiores. Ele observa que isso não necessariamente se traduz em reduções significativas nos diferenciais salariais nacionais. Observando as mudanças provocadas pela globalização da economia capitalista a partir de 1980, tais como a internacionalização dos

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

69

processos de produção e a disseminação constante da indústria para outras nações - não simplesmente para explorar as vantagens criadas pelo protecionismo comercial, como no passado, mas acima de tudo para atender a intensificação da competição global - Marini observou que, nesse movimento do capital no mercado mundial, desempenha papel de destaque, embora não exclusivo, a exploração excessiva dos trabalhadores assalariados e as transformações tecnológicas na produção do capital (Marini e Millán, 1996). É interessante que Marini tenha comparado a situação do capitalismo global com as transformações capitalistas da Europa capitalista do século XVIII para o século XIX período histórico de constituição do mercado mundial. Naquela época a introdução de novas tecnologias implicou num desemprego generalizado, aberto ou dissimulado, ampliando-se a superpopulação relativa do capital. O próprio capitalismo em expansão favoreceu o crescimento da massa do proletariado e o capital buscou a maximização da exploração salarial a um custo mais baixo do que ela pode representar. Para isso, ele utilizou tanto o aumento das horas de trabalho quanto a intensificação do trabalho ou ainda, de modo cruel, a redução dos salários, sem levar em conta o valor real da força de trabalho. Assim, nos primórdios do capitalismo industrial, tal como hoje com o capitalismo global, Marini observou que se generaliza pelo sistema mundial do capital, incluindo os centros avançados, o que era uma característica distintiva, embora não exclusiva – das economias capitalistas dependentes: a superexploração do trabalho. Deste modo, cresceu a massa de trabalhadores assalariados excedentes e aguçou-se sua pauperização, no momento em que o desenvolvimento das forças produtivas abriu perspectivas ilimitadas de bem-estar espiritual para os povos. Por isso, para ele, tal como aconteceu no século XIX, a questão central torna-se a luta dos trabalhadores para colocar limites sobre à orgia do capital, colocando sob as mãos do povo o controle das novas condições sociais e técnicas de produção. Não se trata de bloquear o aumento da produtividade do trabalho, e até mesmo o seu corolário natural, o aumento da intensidade laboral, mas distribuir de forma mais equitativa, o esforço de produção, que envolve a redução da jornada de trabalho

70

Superexploração do trabalho no século XXI

em uma taxa compatível com o progresso da capacidade produtiva em geral (o que implica uma revolução democrática radical). Essa disseminação da superexploração do trabalho é produzida pelas mudanças do comercio mundial, principalmente pelo comercio intra-firmas e o aumento da presença de empresas terceirizadas na rede de subcontratação global, e também pelas tecnologias moderna que imprime um alto grau de padronização na produção de peças e componentes, que é transmitido em equipamentos e métodos de produção em larga escala, e o uso de insumos de qualidade comparável. Diz ele: “Em outras palavras, a produção mundial é caracterizada hoje por uma homogeneização crescente em termos de capital constante fixo e circulante”. E salienta: “Uma vez iniciado o processo de remoção de barreiras que provocam a fragmentação do mercado mundial e colocam obstáculos ao fluxo da reprodução do capital, uma nova fase inaugurada em produção-circulação de mercadorias, caracterizada pela tendência para a completa restauração da lei do valor” (Marini e Millán, 1996: 35). O objetivo das notas teóricas é abordar a disseminação da superexploração do trabalho na era do capitalismo global, não pelas mudanças na esfera da circulação do capital como indica Marini, mas devido o fenômeno do colapso (e expansão) da forma-valor por conta do salto mortal da produtividade do trabalho na era do capitalismo global. Na fase histórica do capitalismo global – aquilo que Marini vai identificar como “economia globalizada” – impõe-se a efetividade do aumento da composição orgânica do capital pressionando a taxa média de lucro no âmbito do mercado global sob completa restauração da lei do valor. Na verdade, o que explica o aumento e relativa estabilização da taxa de lucro na economia global no primeiro momento do capitalismo global (1980-1996 e depois, 2001-2008) foi o movimento complexo das contratendências à queda da taxa de lucro (vigência da superexploração do trabalho, desvalorização do capital constante por conta das revoluções tecnológicas e financeirização da riqueza capitalista). Depois, com a Grande Recessão de 2008/2009, verifica-se uma longa depressão da economia global (Roberts, 2016), caracterizada por lenta recuperação e insustentabilidade da taxa média de lucro num cenário mais rebaixado d que aquele anterior à 2008.

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

71

Portanto, a disseminação da superexploração do trabalho decorre de mudanças na esfera produtiva do capitalismo global dadas pela relação capital constante/capital variável que, por conseguinte, provocaram alterações na dinâmica do comercio global e da própria reprodução do sistema mundial do capital (como salientou Marini). Deste modo, faremos uma nova abordagem da disseminação da superexploração do trabalho na era do capitalismo global não circunscrita apenas às mudanças na circulação do capital na economia globalizada. Para isso, num primeiro momento, iremos expor a tese do colapso (e expansão) da forma-valor no capitalismo global e depois trataremos do conceito de superexploração da força de trabalho, buscando expor a principal forma de desvalorização do capital variável num cenário global da lei do valor “afetada de negação”. Na era do capitalismo global - o estágio do capitalismo histórico que se constitui a partir da crise estrutural do capital (1980-...) - temos por um lado, a síntese entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa baseada nas novas tecnologias informacionais acopladas à gestão toyotista; e por outro lado, a exacerbação da função do credito na era do capitalismo predominantemente financeirizado, ocultando por meio do endividamento das famílias, o rebaixamento do fundo salarial. Por um lado, temos a intensificação e alongamento da jornada de trabalho. Indústria, serviços, comercio e inclusive administração pública, incorporaram a nova lógica do trabalho flexível. Por outro lado, torna-se visível a desvalorização do capital variável por conta da constituição da nova precariedade salarial com a disseminação da contratação precária. Ao mesmo tempo, nas novas condições históricas de expansão do capital, o valor como forma derivada se expandiu pela totalidade social (Alves, 2013). Ao aprofundar-se a financeirização da riqueza capitalista por conta da desmedida do valor (Prado, 2005), reforçam-se num patamar qualitativamente novo, o fenômeno da dependência das economias subalternas; e aquilo que era característica da periferia do sistema do capital (a superexploração do trabalho) torna-se também a marca das formações sociais do capitalismo central. Na verdade, as mudanças ocorridas na era da crise estrutural do capital provocadas pela persistência da baixa lucratividade nas condições da IV Revolução Industrial impuseram

72

Superexploração do trabalho no século XXI

novas tendências na ordem da exploração, provocando aquilo que István Mészáros caracterizou como sendo uma equalização do índice diferencial de exploração (Mészáros, 2011; Antunes, 2009; Valencia, 2012). Portanto, o que antes era característica da formação social dos países capitalistas dependentes, tornou-se característica do sistema global do capital tendo em vista que o fenômeno do colapso (e expansão) da forma-valor e a dominância do capital financeiro enquanto macroestrutura da ordem do capital social total, “colonizaram” tanto as nações periféricas quanto as centrais. A servidão financeira é a captura do fundo público e a sucção da riqueza social pelo capital financeiro (via superexploração do trabalho), um dos elementos característicos do capitalismo global.

O colapso (e expansão) da forma-valor A primeira hipótese que iremos expor é que o “salto mortal” da produtividade do trabalho decorrente dos avanços das revoluções tecnológicas ocorridas após a Segunda Guerra Mundial, ou aquilo que Ernst Mandel considerou como sendo a aceleração da inovação tecnológica no capitalismo tardio (Mandel, 1982), fez com que o tempo de trabalho necessário, base do valor-trabalho, deixasse de ser a medida da riqueza capitalista. Deste modo, a lei do valor ou lei do valor-trabalho sofreu uma alteração qualitativamente nova. Estamos diante de um movimento dialético, onde o que deixou de ser não perdeu a sua efetividade. A lei do valor-trabalho não deixou de ser efetiva, mas tornou-se afetada de negação. Esse movimento dialético de “negação” do valor no interior da própria efetividade da lei do valor é denominado “desmedida do valor”. Ela faz com que a base de produção do valor (o trabalho abstrato) entre em colapso e exploda, com o valor expandindo-se abruptamente como forma derivada ou forma em extinção (Alves, 2013). É importante esclarecer que não se trata do “envelhecimento e inutilidade da lei do valor” como afirma Antonio Negri e Carlo Vercellone (2008); ou ainda da morte da teoria do valor-trabalho proclamada pelos teóricos do capitalismo cognitivo que destacam a passagem para uma

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

73

suposta teoria do valor-conhecimento. Negri e Vercellone não apreendem de modo dialético a crise da forma-valor nas condições históricas do capitalismo global. Falta-lhes a lógica dialética adequada para lidar com a situação extrema do desenvolvimento do capital em sua forma senil. Michel Husson ensaiou uma critica das teses do capitalismo cognitivo. Disse ele que o valor-conhecimento não existe, pois a forma-capital incorpora na esfera do trabalho o conhecimento como poder produtivo de mais-valor. Deste modo, para Husson a lei do valor continua a operar a mercantilização globalizada do capital com uma brutalidade e expansão renovada, inclusive levando o capitalismo global a uma crise sistémica sem precedentes. Depois, não existe um “terceiro tipo” de capitalismo, o que Yann Moulier Boutang (2007) denominou “capitalismo cognitivo”, que viria após o capitalismo mercantil e o capitalismo industrial. De acordo com Carlo Vercellone (2008), a nova etapa do capitalismo (o capitalismo cognitivo) seria caracterizada por “um novo trabalho hegemônico, marcado pelo seu carácter mais intelectual e imaterial.” Diz Husson que a suposta hegemonia do trabalho intelectual não existe, pois, ao mesmo tempo que aumenta a qualificação de alguns trabalhadores assalariados, implicando o surgimento em maior escala do trabalho intelectual, o capitalismo global reproduz de fato, numa escala superior, o trabalho manual e as formas mais básicas das operações de produção do capital. Portanto, os teóricos da predominância do “trabalho cognitivo” pura e simplesmente extrapolam tendências parciais do mundo do trabalho sem entender que elas não podem ser generalizadas. Enfim, o que as pesquisas concretas sobre a organização do trabalho capitalista demonstram claramente é que existe de modo intrínseco às novas formas de produção capitalista, a articulação complexa entre o dito “trabalho cognitivo” e o neo-taylorismo. A clássica exploração da força de trabalho se dissemina no mundo do capitalismo global, inclusive mobilizando cada vez mais o conhecimento dos trabalhadores assalariados ao lado da reposição das formas tradicionais de exploração com a intensificação do trabalho e o prolongamento das horas de trabalho (Husson, 2010) Nossa tese é que o efeito da “desmedida do valor” provocada pelo salto mortal da produtividade do trabalho no capitalismo tardio, ao

74

Superexploração do trabalho no século XXI

invés de anular ou suprimir a lei do valor, expandiu e reforçou a efetividade do seu movimento e da sua expressão nas fórmulas em valor (tal como a fórmula da composição orgânica do capital, dada em valor). Por exemplo, a tendência estrutural de queda da taxa média de lucro (vide Gráfico 1) se explica pela persistência do aumento da composição orgânica do capital (em valor) – apesar de seus movimentos contratendenciais, – pelo menos desde 1855. A estabilização relativa da queda da taxa média de lucro no capitalismo global a partir de 1981, num patamar bastante rebaixado, comparando-se a série histórica desde 1955, se deve à veloz desvalorização do capital variável por conta da precarização estrutural do trabalho. Do mesmo modo, a estabilização relativa da taxa média de lucro no período histórico de 1946 a 1967 deveu-se à era de expansão do capital – a era de ouro do capitalismo fordista-keynesiano - após a II Guerra Mundial. Entretanto, o que é visível é a persistente queda histórica da taxa média de lucro, explicada pelo persistente aumento da composição orgânica do capital (em valor). Pode-se estabilizar a tendência de queda, mas não reverte-la por conta do enrijecimento da estrutura de trabalho morto acumulada em detrimento do trabalho vivo. Gráfico 1: Queda da taxa média de lucro nos países capitalistas centrais (1855-2009)

Fonte: Roberts (2016)

Na verdade, o reforço da efetividade do movimento do valor se caracteriza pela expansividade de suas contradições internas. A fórmula em valor mais importante salientada por Marx é a fórmula que explicita

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

75

a dinâmica da acumulação do capital e a tendência à queda da taxa média de lucro: a fórmula da composição orgânica do capital, onde C é o capital constante em termos de valor e V o capital variável. A desmedida do valor provoca a agudização (expansividade) das contradições intrínsecas a C e V. O colapso do valor (utilizando a analogia com um fato cosmológico - o colapso de uma estrela - que, ao colapsar-se se expande26) se caracteriza pela expansão da efetividade da forma-valor – no sentido ideológico - como valor em extinção, ativando radicalmente as contradições intrínsecas às formas de capital. Essa expansão da forma-valor (em extinção) significa a expansão das formas derivadas de valor, expansão de natureza ideológica. O valor é uma relação social de exploração mediada por formas ideológicas que sustentam a extração de sobretrabalho. Na medida em que as formas ideológicas do valor, como, por exemplo, a lógica (e valores-fetiche) do gerencialismo produtivista de cariz toyotista, se “desacopla” da base material do trabalho produtivo (a fábrica) e invade a materialidade do trabalho improdutivo e das relações humanas e sociais (a esfera do mundo vivido), temos as formas derivadas de valor, ideologia operante do trabalho e vida estranhada. ■■ O movimento contratendencial do capital constante Nessa situação de singularidade histórica, dada pela crise estrutural do capital e pela pressão persistente do aumento da composição orgânica do capital (em valor) pela queda da taxa média de lucro, vejamos

26

76

Uma estrela se forma pelo colapso de uma nuvem de material composta principalmente de hidrogênio e traços de elementos mais pesados. Uma vez que o núcleo estelar seja suficientemente denso, parte do hidrogênio é gradativamente convertido em hélio pelo processo de fusão nuclear. O restante do interior da estrela transporta a energia a partir do núcleo por uma combinação de processos radiantes e convectivos. A pressão interna da estrela impede que ela colapse devido a sua própria gravidade. Quando o combustível do núcleo (hidrogênio) se exaure, as estrelas que possuem pelo menos 40% da massa do Sol se expandem para se tornarem gigantes vermelhas, em alguns casos fundindo elementos mais pesados no núcleo ou em camadas em torno do núcleo. A estrela então evolui para uma forma degenerada, reciclando parte do material para o ambiente interestelar, onde será formada uma nova geração de estrelas com uma maior proporção de elementos pesados

Superexploração do trabalho no século XXI

o que acontece com o capital constante (C) e capital variável (V) em termos de movimentos contratendenciais: No capital constante opera de modo agudizado, a contradição entre o trabalho abstrato que tem como base o trabalho formalizado; e o trabalho abstrato bloqueado, que surge com o trabalho não-formalizado, o trabalho imaterial, o “novo saber”, componente ampliado no processo de produção das novas máquinas da revolução informática/ informacional (Gorz, 2005). O capital constante possui como um dos seus elementos compositivos, o capital fixo. A “missão histórica” do modo de produção capitalista é o desenvolvimento do capital fixo (Mandel, 1980). No seio da “missão histórica” do modo de produção capitalista existe uma contradição crucial do capital. Nossa hipótese é que existe uma inadequação entre a base material do novo saber, conteúdo do trabalho imaterial, e o movimento da exploração ou produção do valor. Os objetos técnicos (as novas máquinas complexas) produzidos na era da pós-grande indústria (Fausto, 1987), contém em seu seio um quantum de valor em desefetivação que provoca uma desvalorização lenta do capital constante, mesmo que a produtividade do trabalho tenha dado um “salto mortal”. O trabalho abstrato bloqueado, que tem como base o novo saber, opera um bloqueio que reduz a velocidade de desvalorização do capital constante. Portanto, o fenômeno da “desmedida do valor” que observamos no capitalismo da maquinofatura (Alves, 2013) ou capitalismo da pós-grande indústria (Fausto, 1989), exacerba as contradições dos componentes de valor. No caso do capital constante, é o que descrevemos acima: a contradição na produção do capital constante entre trabalho abstrato e trabalho abstrato bloqueado provoca uma inadequação no plano da matéria, entre o novo saber que compõe o trabalho imaterial e a lógica da exploração, mais adequada ao trabalho formalizado. Essa contradição fulcral do capital constante na era da crise estrutural do capital reduz a velocidade da sua desvalorização em termos de valor, contribuindo, deste modo, para o aumento da composição orgânica do capital, mesmo que o capital variável se reduza em termos de valor

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

77

por conta do aumento da exploração da força de trabalho – a vigência da superexploração do trabalho no sistema mundial do capital. ■■ O movimento contratendencial do capital variável Ao mesmo tempo, o componente do capital variável contém em si, tanto quanto o capital constante, uma contradição intrínseca que limita sua própria desvalorização: a contradição entre o movimento da precarização estrutural do trabalho e os limites histórico-morais da exploração (e degradação) da força de trabalho. Na medida em que se desenvolve o modo de produção capitalista cria necessidades novas que passam a compor o modo de vida nas quais os homens vivem e forem educados. É o componente histórico e social, um dos componentes que determina o valor da força de trabalho (o outro componente é o elemento físico). O componente histórico e social amplia-se com o processo civilizatório do capital. Entretanto, ao mesmo tempo, a superexploração do trabalho faz com que o componente histórico e social deixe de ser satisfeito no cálculo dos salários. O aumento da riqueza do ponto de vista material implica na diversidade das necessidades. Entretanto, o capital torna-se cada vez mais incapaz de satisfazer as necessidades novas suscitadas pela produção capitalista. A vigência da superexploração do trabalho representa a particularidade histórica do movimento de precarização estrutural do trabalho como um dos principais recursos – senão, o principal - de desvalorização do capital variável. Ela implica a manifestação persistente de queda do salário relativo da classe trabalhadora como tendência histórica do capitalismo tardio.27 27 O salário relativo é a relação entre o salário real e a produtividade do trabalho. Por exemplo, mesmo que o trabalhador assalariado tivesse mantido seu salário real, caso a produtividade do trabalho tivesse aumentado, sua situação social relativa, comparada á do capitalismo, teria baixado. Mandel observou: “Marx dedicou uma enorme importância à noção de ‘salário relativo’ e considera que um dos principais méritos de Ricardo foi esse de ter estabelecido a categoria de salário relativo ou proporcional” (Mandel, 1980). No capitalismo tardio em sua fase fordista-keynesiana, a indexação dos salários à produtividade e a presença do salário indireto no cálculo do salário da classe trabalhadora mantinha o valor do salário real e em alguns casos, provocava uma elevação, preservando o salário relativo. Entretanto, com o capitalismo neoliberal, temos a queda abrupta e profunda do salário

78

Superexploração do trabalho no século XXI

Portanto, o problema da necessidade de aumento da velocidade da desvalorização do capital constante é o problema principal do capitalismo num cenário de aumento da composição orgânica do capital e tendência histórica de queda da taxa de lucros. Para que a tendência histórica de queda da lucratividade se reverta é necessário reduzir a composição orgânica do capital por meio da desvalorização de C e V. Entretanto, para reduzir a composição orgânica do capital (isolando as outras contratendências que o capital possa operar), a desvalorização do capital constante (capital fixo + capital circulante) deveria ocorrer numa velocidade igual ou maior que a desvalorização do capital variável em termos de valor (na equação abaixo, C é a composição orgânica do capital, medida em termos de valor). Entretanto, foi o que não ocorreu: o capital constante não tem conseguido se desvalorizar numa velocidade igual ou superior à desvalorização do capital variável. As grandes empresas que organizam os circuitos da valorização do capital em escala global promoveram nos últimos trinta anos (19802010), um rápido crescimento dos investimentos em capital constante (capital fixo e capital circulante) que, a princípio, deveria ter desvalorizado o capital constante. Apenas as grandes empresas têm a capacidade financeira de acelerar o processo de obsolescência do capital fixo, acelerando a taxa de rotação do capital constante. Nas condições das revoluções tecnológicas que ocorreram sob o capitalismo global, o desenvolvimento das forças produtivas implicou investimentos diretos e indiretos cada vez mais caros em inovações tecnológicas. Assim, buscou-se reduzir o valor contido no “trabalho morto” por conta do aumento da produtividade do trabalho no setor I, o setor de bens de produção. Entretanto, a natureza do novo capital constante (capital fixo + capital circulante) que emerge com as revoluções tecnológicas do capitalismo global, isto é, as novas máquinas complexas e os novos materiais, transfiguram efetivamente o cálculo da produtividade do trabalho no setor I,

relativo da classe trabalhadora por conta do aumento da produtividade do trabalho e a degradação do salário real, principalmente em seu componente indireto por conta da crise do Estado de bem-estar social. Eis o verdadeiro sentido da superexploração do trabalho salientada por Ruy mauro Marini.

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

79

tendo em vista a desmedida do valor, tornando, por conseguinte, mais lento a redução do valor contido no “trabalho morto”. Apesar do vigor da plena obsolescência planejada do capital constante, o descenso do valor das novas máquinas e os novos materiais (o capital constante) é mais lento do que o descenso do valor da força de trabalho (o bloqueio dado pelas contradições do capital variável). Ao mesmo tempo, como salientamos acima, a queda do valor da força de trabalho (v) que ocorre principalmente por meio da precarização estrutural do trabalho, encontrou um limite histórico-moral dado pela luta de classes e a correlação de forças entre capital e trabalho (a desvalorização do valor do capital variável poderia ocorrer também pela redução do valor contido nos bens-salário produzidos pelo setor II – entretanto, ela encontra limites na crise de produtividade do trabalho no setor I, o setor de bens de produção, que produz insumos para o setor II). A nova materialidade da produção das novas máquinas capitalistas complexas (hardware e software) possui como conteúdo predominante, o trabalho imaterial, raiz da crise do “trabalho morto” do capital. A desmedida do valor transtorna a “medida” efetiva da produtividade do trabalho que promove a desvalorização do capital constante. A presença do trabalho imaterial, como uma forma de trabalho concreto recalcitrante ao movimento de abstração do valor que permite a medida efetiva da valorização, é mais um traço crucial de “negação do capitalismo no interior do próprio capitalismo” (Fausto, 1988). É um dos elementos de negatividade que tende a desmanchar a forma-mercadoria no sentido da sua desmedida.

A crise do trabalho abstrato Destacaríamos como duas determinações cruciais da crise do trabalho abstrato, (1) a dinâmica estrutural intrínseca à produção do capital, que percorre a passagem da manufatura para a grande indústria e a própria temporalidade da grande indústria, isto é, a substituição progressiva de trabalho vivo por trabalho morto, a passagem da subsunção formal para a subsunção real do trabalho ao capital; e (2) a constituição de um novo saber do trabalho concreto nas instâncias dinâmicas de

80

Superexploração do trabalho no século XXI

produção do capital, forma material resistente às determinações do trabalho abstrato, o trabalho que produz valor. André Gorz no livro “O imaterial” (2005) diz que o trabalho como saber não é mais mensurável segundo padrões e normas preestabelecidas. A crise do trabalho abstrato se manifesta quando o capital não sabe mais como definir as tarefas de maneira objetiva. Na verdade, o desempenho não é mais definido na relação com essas tarefas, mas ele tem a ver diretamente com as pessoas. O desempenho repousa sobre sua implicação subjetiva, chamada também “motivação” no jargão administrativo, gerencial. Deste modo, o modo de realizar as tarefas, não podendo ser formalizado, não pode tampouco ser prescrito. O que é prescrito é a subjetividade, ou seja, precisamente isso que somente o operador pode produzir ao “se dar” à sua tarefa. As qualidades impossíveis de demandar, e que dele são esperadas, são o discernimento, a capacidade de enfrentar o imprevisto, de identificar e de resolver os problemas. A crise da produtividade se manifesta no predomínio da lógica da gestão. A produção do capital na era da maquinofatura contém em si, a crise de produtividade do trabalho como crise da medida do valor. Por isso, Gorz salienta que a idéia do tempo como padrão do valor não “funciona” mais. Entretanto, Gorz, como os teóricos do capitalismo cognitivo, não opera com um léxico dialético, pois não se trata de que o tempo de trabalho deixou de operar como padrão do valor, mas sim, de que ele se tornou “afetado de negação”. Ele funciona e não funciona – ao mesmo tempo. Nas condições do valor em extinção, o que conta na organização do trabalho capitalista é a qualidade da coordenação visando a “captura” da subjetividade do trabalho vivo pelo capital. A impossibilidade de mensurar o desempenho individual e de prescrever os meios e os procedimentos para chegar a um resultado conduz os dirigentes das organizações capitalistas a recorrerem à “gestão por metas”: eles fixam metas aos trabalhadores assalariados, cabendo a eles desdobrar-se para cumpri-los. É o que André Gorz salienta como o retorno ao trabalho como prestação de serviços, o retorno do serviço (servicium, obsequium) devido à pessoa do suserano na sociedade feudal (Gorz, 2005). Na verdade, não se abole o trabalho material, mas apenas reconfigura-se o complexo vivo do trabalho com a presença central do trabalho

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

81

imaterial que não prescinde do trabalho material, mas é remetido à periferia do processo de produção ou abertamente externalizado (é falsa a contraposição entre trabalho material e trabalho imaterial – o que ocorre no capitalismo global é a plena articulação contraditória ele o trabalho material e trabalho não-material). Na verdade, em alguns pólos de produção do capital, o trabalho dito material se toma um “momento subalterno” do processo de produção do capital, ainda que permaneça indispensável ou mesmo dominante do ponto de vista qualitativo. O novo saber do trabalho imaterial decorre do desenvolvimento da nova base técnica do sistema produtor de mercadorias, onde as novas máquinas complexas que constituem o arcabouço da produção social. Portanto, por um lado, “trabalho vivo” reduzido a “trabalho morto”; e por outro lado, “trabalho morto” inteligente ou as novas máquinas complexas tendencialmente recalcitrantes à medida do valor. O “novo saber” que se desdobra do desenvolvimento das forças produtivas do “capitalismo cognitivo”, tão necessário às novas condições de produção social, compõe cada vez mais a estrutura de valor dos objetos técnicos complexos que operam como capital constante. Apesar do trabalho imaterial estar subsumido à máquina como forma social do capital, ele – o trabalho imaterial como novo saber - por suas qualidades intrínsecas de forma material, é recalcitrante à medida pelo trabalho abstrato, além de estar aquém (ou além) da lógica da produtividade do capital. Deste modo, a natureza do “novo saber” que impregna o processo de trabalho das novas maquinas capitalistas, nega (aufhebung) em si, a ordem material do trabalho abstrato pois é, em si, irredutível à quantificação pelo tempo de trabalho. O “novo saber” não é passível de ser precificado de acordo com a medida da lei do valor-trabalho; e ainda é incapaz de ser formalizado, e portanto, transformado em “máquina”, como ocorre, por exemplo, com o conhecimento formalizado que se interverte em máquina (o que coloca limites irremediáveis ao incremento da produtividade no setor I da economia capitalista, o setor de bens de produção). O trabalho imaterial tende a ser um nexo “estranho” prenhe de contradições materiais na ordem produtiva do capital. Entretanto, o “novo saber” está integrado (e é elemento compositivo) da produção do capital.

82

Superexploração do trabalho no século XXI

Ele nasceu do movimento da forma-valor e permanece contraditoriamente no interior dela. Ele é parte do movimento do capital como contradição viva, regido pela sua lógica. Mas o capital está diante de seu próprio limite intrínseco: a natureza do “trabalho vivo”, a sua dimensão anímica indispensável para a produção de máquinas complexas. O “novo saber” assume um papel estratégico na pesquisa, desenvolvimento e produção do capital constante, constituindo o “trabalho morto” complexo (no caso da robótica, trabalho morto inteligente, a “inteligência artificial”, máquinas complexas que devem se ampliar com a IV Revolução Industrial). É a partir daí que se abre um campo de luta do capital – luta de vida ou morte - pela formalização do trabalho vivo, isto é, ocorre a intensificação do movimento de “captura” da subjetividade da força de trabalho como trabalho vivo, trabalho vivo reduzido, mas indispensável (e ineliminável) à produção do capital. Essa tentativa perpétua de formalização do trabalho vivo ou do trabalho imaterial, visa adequá-lo à materialidade do trabalho abstrato, transformando-o em trabalho morto ou trabalho morto “com toque humano” (um modo de capital fixo complexo inscrito na lógica da “autonomação” ou “automação com toque humano” à serviço do capital que caracteriza o método de gestão toyotista28). É isso que explica a busca recorrente de novas formas de gestão de pessoas nos locais de trabalho. A difusão da lógica da gestão de pessoas pelo complexo vivo do trabalho – não importa se é trabalho produtivo de valor propriamente dito, indústria ou serviços ou ainda administração pública – se explica pelas formas derivadas de valor que replicam a obsessão do capital pela formalização do trabalho vivo, mesmo em seus pólos menos desenvolvidos de produção/reprodução de valor como relação social de dominação/exploração/opressão social (Goulejac, 2007). 28

Autonomação descreve um recurso de projeto de máquinas para desempenhar o princípio de Jidoka utilizado pelo Sistema Toyota de Produção. Autonomação, ou Jidoka, pode também ser descrito como “automação inteligente’” ou “automação com toque humano”. Este tipo de automação implementa algumas funções supervisoras antes das funções de produção. Na Toyota isto geralmente significa que, se uma situação anormal aparecer, a máquina pára e o os operários pararão a linha de produção. Autonomação previne produtos defeituosos, elimina superprodução e foca a atenção na compreensão do problema e assegurar que esse problema não se repita.

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

83

O processo de produção do capital, o processo de produção do trabalho abstrato, fundamento da forma-mercadoria, percorre a transição da manufatura para a grande indústria. É um processo de substituição de “trabalho vivo” pelo “trabalho morto”. Esse movimento do capital contém em si, a apropriação do saber tácito do mundo do trabalho vivo pelo capital e sua transformação (ou formalização) em conhecimento através da ciência, conhecimento científico que é transformado em tecnologia, forma social da técnica. A máquina capitalista é expressão da cristalização do saber em conhecimento fetichizado (reificação). O “trabalho vivo” se defronta com a máquina como uma coisa estranha a si próprio, quando ela é, na verdade, a cristalização de um conhecimento expropriado pelo capital do próprio trabalho vivo. A máquina capitalista é a reificação do conhecimento formalizado que se transforma em capital fixo. Este movimento de abstração do trabalho vivo em trabalho morto é o desenvolvimento do sistema de máquinas. A máquina é a expressão suprema do trabalho abstrato (a máquina capitalista é, em si, um ente abstrato, trabalho morto que subsume trabalho vivo). Entretanto, ao negar o “trabalho vivo”, a máquina nega a própria fonte de valor, a força de trabalho. Deste modo, ao surgir em sua plenitude com o sistema de máquina, o trabalho abstrato é negado pelo seu próprio movimento contraditório tendo em vista que a redução do trabalho vivo em capital fixo significa a redução da própria base de produção de valor. No sentido dialético, a lei do valor tende a ser abolida ao surgir em sua plenitude. Poderíamos dizer que, como um organismo vivo, o valor começa a morrer ao nascer. O surgimento do sistema de máquinas na grande indústria expressa o ápice de desenvolvimento contraditório da produção de mercadorias. As novas máquinas complexas que surgem com a forma social da pós-grande indústria ou maquinofatura, (o capital fixo “inteligente”) repõem nas condições da crise estrutural do valor, o “trabalho vivo” negado tendencialmente pelo próprio movimento da subsunção real do trabalho ao capital. Entretanto, o novo trabalho vivo que se põe com a IV Revolução Industrial como trabalho imaterial, repõem um “novo saber” - não mais o saber artesanal, na medida em que o saber artesanal pertencia a um

84

Superexploração do trabalho no século XXI

estágio “primitivo” das forças produtivas do trabalho social, mas o saber imaterial, produto de (inter)subjetividades complexas contraditoriamente integrada à lógica do capital e irredutível às medidas abstratas e à formalização visando a “produtividade” do trabalho. O novo trabalho vivo expõe a crise da produtividade do trabalho no capitalismo global (vide Gráfico 2). Gráfico 2: Produtividade do trabalho (por hora trabalhada) (em %)

Fonte: https://thenextrecession.wordpress.com/2017/07/08/a-zombie-world/ . Acesso em: 09/07/2017

Sob a grande indústria, a formalização do saber em conhecimento representa o próprio sentido da educação técnica, que adestrava homens e mulheres à linha de produção, ao seu posto de trabalho, quase como máquinas vivas, logo substituídas por capital fixo. Entretanto, com a “pós-grande indústria”, temos o momento de afluência do novo saber das (inter)subjetividades complexas, trabalho vivo obrigado a lidar com as novas máquinas, inclusive máquinas que exigem afetos e envolvimento. Temos na era da maquinofatura um novo saber resistente à mera formalização abstrata (que tanto alimentou a lógica do trabalho abstrato em sua odisseia mecânico-industrial) (Alves, 2013). Deste modo, temos hoje a crise da educação técnica como mero adestramento profissional.

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

85

O que observamos não é um mero retorno do “saber artesanal”, tendo em vista que o “novo saber” inscrito no trabalho imaterial – não podemos esquecer – é parte compositiva do trabalhador coletivo do capital, isto é, elemento compositivo da máquina capitalista. O “novo saber” não é exterior à implicação do trabalho abstrato, sendo ele próprio expressão da subsunção real do trabalho ao capital. Mas, a nova legalidade do “novo saber” é uma interioridade tensa, convulsionada pela sua própria natureza, que abre, hoje, nos locais de trabalho da indústria capitalista mais desenvolvida, um novo campo de luta de classes. O trabalho imaterial como trabalho concreto expressa, enquanto elemento compositivo do trabalhador coletivo do capital e, portanto, subsumido à lógica do valor, o pleno desenvolvimento da materialidade contraditória do trabalho abstrato. O trabalho imaterial e seu “novo saber” nasce da contradição intrínseca à forma-máquina, a contradição entre forma material como técnica e forma social como capital. Em seu momento mais desenvolvido, a contradição essencial da relação-capital se explicita, paradoxalmente, na reprodução do “trabalho vivo” como “novo saber”, trabalho imaterial que compõe, ao lado de outros elementos, a manifestação explícita da crise do trabalho abstrato.

Superexploração da força de trabalho e desvalorização do capital variável O colapso (e expansão) do valor provocam a plena efetividade da contradição noutro componente de valor da fórmula da composição orgânica do capital: o capital variável. Diante da crise de lucratividade do capitalismo do século XXI (vide Gráfico 2), operou-se o movimento pleno de desvalorização do capital variável por meio da precarização estrutural do trabalho. Entretanto, o movimento da precarização estrutural do trabalho encontrou os limites histórico-morais do processo civilizatório do capital. Embora opere nesta direção, o capital é incapaz de reduzir absolutamente o valor da força de trabalho ao seu elemento físico (os meios indispensáveis para os trabalhadores assalariados viverem e multiplicarem-se), desprezando o componente histórico e social. A questão crucial que se coloca para o capital no século XXI será

86

Superexploração do trabalho no século XXI

resolvida pela luta de classes, pois ela decidirá se a velocidade de desvalorização do capital variável acompanhará (ou não) a velocidade de desvalorização do capital constante. Uma das expressões históricas do movimento de precarização estrutural do trabalho é a vigência da superexploração da força de trabalho como fenômeno global. Ela é um recurso para promover o aumento da velocidade de desvalorização do capital variável no plano do mercado mundial. Ela diz respeito à queda abrupta e profunda do salário relativo do proletariado no mercado mundial. A superexploração da força de trabalho não diz respeito apenas à realidade dos países capitalistas dependentes, mas tornou-se característica do movimento da precarização estrutural do trabalho no capitalismo global, operando aquilo que Mészáros denominou de equalização descendente da taxa diferencial de exploração da força de trabalho (Mészáros, 2011). Como conceito, superexploração do trabalho foi caracterizada por Ruy Mauro Marini, pelo (1) aumento da intensidade do trabalho, com o aumento da mais-valia obtido por meio da maior exploração do trabalhador assalariado e não do incremento da sua capacidade produtiva; (2) o prolongamento da jornada de trabalho com o aumento da mais-valia absoluta em sua forma clássica, aumentando, deste modo, o tempo de trabalho excedente; e a (3) redução do consumo do trabalhador assalariado além do limite normal (como observou Karl Marx em “O Capital”, “o fundo necessário de consumo do operário se converte, de fato, dentro de certos limites, num fundo de acumulação de capital”) (Marini, 1980; Marx, 1996). As reflexões de Ruy Mauro Marini sobre a superexploração da força de trabalho partiam da realidade da exploração nos países capitalistas dependentes (tal como o Brasil). A necessidade estrutural da superexploração da força do trabalho decorria da contradição entre o aumento da composição orgânica do capital, um traço das economias de desenvolvimento capitalista hipertardio caracterizadas por setores dinâmicos de alta inovação tecnológica; e a redução da massa de mais-valia no conjunto da economia nas formações sociais capitalistas dependentes, fazendo com que a superexploração do trabalho se tornasse uma

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

87

necessidade estrutural para que a taxa de lucro global da economia dependente fosse preservada. Portanto, as inovações tecnológicas nos setores mais dinâmicos exigiriam a depreciação da força de trabalho como mecanismo de compensação para reequilibrar as taxas de mais-valia e lucro. Com as mudanças ocorridas na era do capitalismo global, a superexploração do trabalho adquiriu um sentido concreto para além da particularidade do capitalismo dependente, tornando-se um fenômeno global. Para Ruy Mauro Marini, com a globalização, a produção mundial é caracterizada hoje por uma homogeneização crescente em termos de capital constante fixo e circulante. Com a redução das barreiras comerciais e a maior integração do comércio mundial, a lei do valor teve uma “completa restauração” (Marini e Millán, 1996). Como observou ele, no capitalismo do imediato pós-guerra, um mercado global rigidamente compartimentado por mercados nacionais, sujeitos a um maior ou menor grau com a vontade de cada Estado, afetou significativamente o funcionamento da lei do valor. Mas com o capitalismo global, a nova fase do mercado mundial, tivemos a dissolução gradual das fronteiras nacionais e o aumento da fase de produção projetado para cobrir mercados cada vez mais vastos, envolvendo a intensificação da concorrência entre as grandes empresas e seu esforço contínuo para alcançar ganhos extraordinários sobre os seus concorrentes. Tivemos a proliferação do uso de procedimentos para a obtenção de tais lucros extraordinários. Entretanto, as grandes empresas estão tornando-os cada vez mais difícil estabelecer monopólios tecnológicos por longos períodos, dadas as características que assumiu a gestão do capital. A concorrência impõe novas formas de reduzir os custos de circulação (como just-tempo no sistema, o que quer para evitar a formação de estoques) e descentralização produtiva (como outsourcing) não implica apenas graus maiores de centralização do capital, mas requer a divulgação das tecnologias, nomeadamente em matéria de métodos diretos de produção (embora, obviamente, não em relação a sua concepção). Deste modo, ao invés do capitalismo fordista-keynesiano, no capitalismo global a difusão tecnológica é indispensável para a normalização de produtos e, por conseguinte, para a permutabilidade, que tende,

88

Superexploração do trabalho no século XXI

finalmente, para padronizar os processos de produção e para coincidir com a produtividade do trabalho e, assim, a sua intensidade. Na era do capitalismo global, sob a vigência explosiva da lei do valor, se impõe a tendência da queda da taxa média de lucros devido o aumento da composição orgânica do capital no plano do mercado mundial, com o capital operando na economia global, o mesmo mecanismo de compensação que opera nas economias dependentes dos países do capitalismo hipertardio: a superexploração do trabalho. Um indicador que aponta a vigência da superexploração do trabalho nos países da OCDE é o crescimento da desigualdade de renda no período de 1990 a 2015 – um crescimento de 35% (vide Gráfico 3). Um autor que veio a denunciar tal aumento da desigualdade social e concentração de renda no capitalismo global, sem ir às raízes estruturais do rebaixamento histórico da civilização salarial do capital foi Thomas Piketty (Piketty, 2014). Gráfico 3: Desigualdade de Renda na OCDE

Deste modo, a superexploração do trabalho no sistema mundial do capital, incluso os países capitalistas dependentes como o Brasil, adquire as seguintes particularidades sócio-históricas: 1. observamos o aumento exacerbado da extração de mais-valia relativa por meio do aumento da intensidade do trabalho através

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

89

da utilização de novos métodos de gestão toyotista acoplados a inovações tecnológicas das revoluções informáticas/informacionais. Portanto, ocorreu um aumento da capacidade produtiva com o aumento da intensidade do trabalho pela conjunção/ articulação de novas tecnologias informacionais e organização do trabalho toyotizada, redundando numa maior exploração do trabalhador assalariado. Deste modo, o aumento da capacidade produtiva da força do trabalho articulou-se com a redução do salário relativo. 2. ocorreu a reposição da extração de mais-valia absoluta por meio do prolongamento da jornada de trabalho e portanto, do tempo de trabalho excedente, tanto sem sua forma clássica, como em sua forma pós-moderna. A forma clássica de extração da mais-valia absoluta ocorreu com o predomínio das horas-extras ou prolongamento usual da jornada de trabalho. Por conta das mutações orgânicas da forma-valor “afetada de negação” tivemos a “implosão” categorial da jornada de trabalho com o tempo de vida reduzindo-se a tempo de trabalho e a posição do fenômeno da “vida reduzida” (Alves 2017). O desenvolvimento do capitalismo global propiciou a síntese entre mais-valia relativa e mais-valia absoluta, tendo em vista que as novas tecnologias informacionais em rede e os novos métodos de gestão toyotista produziram uma intensificação do trabalho que implodiu a delimitação clássica entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho. Este é o modo da superexploração da força de trabalho na era do capitalismo flexível. 3. a redução do consumo do trabalhador assalariado além do limite normal, a formulação clássica de Ruy Mauro Marini para o conceito de superexploração do trabalho, adquiriu no capitalismo global um novo sentido concreto. Por exemplo, a dilapidação do fundo de consumo se verifica não pela redução do consumo no sentido do empobrecimento absoluto, mas sim, pela manifestação da pauperização relativa tendo em vista que os salários não acompanham a produtividade do trabalho social (redução drástica do salário relativo). A redução do consumo

90

Superexploração do trabalho no século XXI

ou da capacidade aquisitiva do trabalho oculta-se por meio do aumento do endividamento das famílias de trabalhadores dado pela proliferação do crédito. Por isso, o fundo necessário de consumo do trabalhador assalariado mantém-se exclusivamente por conta da servidão financeira das famílias de trabalhadores, expondo um novo aspecto da superexploração da força de trabalho (a escravidão financeira da pessoa-que-trabalha). Deste modo, o fundo de consumo torna-se um fundo de acumulação do capital fictício, forma hegemônica do capital na era de sua crise estrutural. Na era do capitalismo global, o fenômeno da superexploração do trabalho atingiu não apenas as camadas pobres e de baixa qualificação da classe trabalhadora, mas também as camadas sociais do proletariado, operários e empregados melhor qualificados e bem posicionadas na estratificação social; e atingiu também os trabalhadores assalariados de “classe média” ou camadas sociais com rendimentos salariais acima da média nacional e que aumentaram a capacidade aquisitiva pelo acesso ao crédito (endividamento) e pela dedicação ao emprego em função da manutenção do padrão de vida de “classe média”, sofrendo, deste modo, a corrosão e perda da qualidade de vida e a deterioração do equilíbrio sociometabólico (adoecimento psicossomático) em virtude da compressão psicocorporal (Alves, 2011) dada pela intensificação do trabalho devido a gestão toyotista acoplada às novas tecnologias informacionais, longas jornadas de trabalho e degradação salarial relativa maximizada pelo endividamento.

A título de conclusão Na medida em que a nova superexploração da força de trabalho sob o espírito do toyotismo como novo método de gestão da produção capitalista, se universalizou e se generalizou no plano do capitalismo mundial, aumentou-se a incongruência entre produção de riqueza social e qualidade de vida/bem-estar das individualidades pessoais de classe

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

91

– não apenas da indústria, mas dos serviços e inclusive, administração pública. Apenas as camadas de trabalhadores assalariados produtivos do capital, são a rigor, explorados no sentido clássico do termo marxiano; mas, tendo em vista a disseminação de formas derivadas do valor e do trabalho abstrato virtual pela totalidade social, pode-se considerar que, mesmo trabalhadores assalariados improdutivos, interiores ou exteriores à produção do capital (como os trabalhadores públicos, por exemplo), também são “explorados”, na medida em que incorporam no sociometabolismo laboral, elementos do trabalho estranhado. A universalização da superexploração da força de trabalho no capitalismo do século XXI representa a universalização da condição existencial de proletariedade (Alves, 2008). O colapso/expansão da forma-valor representa no plano da contradição do movimento do capital como auto-valorização do valor, a afirmação da “massa da humanidade como massa totalmente ‘destituída de propriedade’,; e que se encontre ao mesmo tempo em contradição com um mundo de riqueza e cultura existente [...] (Marx e Engels, 1987). A obsessão pela desvalorização do capital variável, principalmente por meio da superexploração da força de trabalho, representa a necessidade de preservar o telos29 do capital, isto é, os princípios do ser do sendo do valor em processo (o movimento contraditório da autovalorização do valor): a lucratividade do capital.

29

92

“O manter-se que se contém nos limites, o ter-se seguro a si mesmo, aquilo no que se sustenta o consistente, é o ser do sendo. Faz com que o sendo seja tal em distinção ao não-sendo. Vir à consistência significa, portanto: conquistar limites para si, de-limitar-se. Daí ser um caráter fundamental do sendo o telos, que não diz nem finalidade nem meta ou alvo e, sim, “fim”. Mas “fim” não é entendido aqui no sentido negativo, como se alguma coisa já não continuasse e, sim, findasse e cessasse de todo. “Fim” é conclusão no sentido do grau supremo, de plenitude. No sentido de per-feição. Pois bem, limite e fim constituem aquilo em que o sendo principia a ser. São os princípios do ser de um sendo” [o grifo é nosso] HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.

Superexploração do trabalho no século XXI

Referências ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do Trabalho: Ensaios de sociologia do trabalho. Bauru: Projeto editorial Praxis, 2013. ___________. Trabalho e subjetividade: O “espirito do toyotismo” na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo editorial, 2011. ____________. A condição de proletariedade: A precariedade do trabalho no capitalismo global. Bauru: projeto editorial Praxis, 2008. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo editorial, 2009. FAUSTO, Ruy. A Pós-grande indústria: Nos Grundrisse (E para além deles). Lua Nova 19,1989. GORZ, André. O imaterial: Conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005. GOULEJAC, Vincent de. Gestão Como doença Social. Aparecida: Idéias&Letras. 2007. HUSSON, Michel. Quelques critiques aux thèses du capitalisme cognitif à paraître dans Solidarités . Multitudes 67, Paris: Éd. Inculte, 2010. MANDEL, Ernst. O capitalismo tardio. Coleção Os economistas. São Paulo: Abril Cultural, 1982. ______. A formação do pensamento econômico de Karl Marx: de 1843 até a redação de O Capital. São Paulo: Zahar editores, 1980. MARINI, Ruy Mauro. Dialéctica de la dependencia: la economía exportadora. In: STAVENHAGEN, R.; LACLAU, E.; MARINI, R. M. Tres ensayos sobre América Latina. Barcelona: Anagrama, 1980. MARINI, Ruy Mauro e MILLÁN, Márgara. Procesos y tendencias de la globalización capitalista. In: MARINI, R. M.; MILLÁN, M. (Coord.). La teoría social latinoamericana: tomo IV, cuestiones contemporáneas. México D.F.: UNAM, 1996. MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Tomo I. São Paulo: Abril Cultural, 1996. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). São Paulo: Editora Hucitec, 1987. MÉSZÁROS, István. Para além do capital: Rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo editorial, 2011. MOULIER-BOUTANG,Yann. Le capitalisme cognitif. La nouvelle grande transformation. Paris : Éditions Amsterdam, 2007. NEGRI, Antonio; VERCELLONE, Carlo. Le rapport capital/travail dans le

A superexploração dotrabalho e o colapso/expansão da forma-valor no capitalismo global: Notasteóricas

93

capitalisme cognitif. Multitudes, Paris: Éd. Inculte, 2008. PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. São Paulo: Intrínseca, 2014. PRADO, Eleutério. Desmedida do valor: Crítica da pós-grande indústria. São Paulo: Xamã Editora, 2005. ROBERTS, Michael. The long depression: How it happened, why it happened and what happens next. Chicago: Haymarket books, 2016. VALENCIA, Adrián Sotelo. Los rumbos del trabajo: Superexplotación y precariedade social en el siglo XXI. Ciudad de Mexico: Pórrua, 2012.

94

Superexploração do trabalho no século XXI

Sal ário por peça e superexplor ação do tr abalho Juliana Guanais Reiteramos que no es nuestra intención pretender validar aquí planteamientos teóricos sobre la base del estudio empírico presentado. La importancia que este estudio tiene para nosotros es que, lejos de contradecir los supuestos teóricos que teníamos al iniciarlo, su conclusión no sólo nos ha llevado a asumirlos con más énfasis, sino que nos ha señalado pistas para proceder a nuevos desarrollos de los mismos. Marini; Sotelo Valencia; Arteaga Garcia, 1981.

INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo principal analisar a relação entre pagamento por produção30 (forma predominante de remuneração dos cortadores de cana), intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira brasileira e demonstrar as conexões indesatáveis entre esses fatores. Toda a análise toma como base a pesquisa realizada junto a duas usinas de açúcar e álcool localizadas no interior do estado de São Paulo entre os anos de 2011 e 2016. Além de nessas

30

O ponto de partida de toda análise aqui empreendida é que o pagamento por produção pode ser visto como uma modalidade do salário por peça analisado por Karl Marx no livro I de “O capital” (1867).

Salário por peça e superexploração do trabalho

95

empresas, a pesquisa de campo também foi realizada em Tavares (sertão paraibano), local de origem de um dos grupos de cortadores de cana entrevistados. Para começar é preciso explicar o que é essa modalidade salarial. O pagamento por produção é uma forma específica de remuneração que está presente não somente no meio rural, mas também no urbano, e possui ampla base legal, sendo previsto no artigo 457, § 1º da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT)31, bem como incontroversa aceitação doutrinária e jurisprudencial. De acordo com a lógica desta modalidade salarial, a remuneração de um trabalhador é equivalente à quantidade de mercadorias produzida pelo mesmo. Isto é, o salário a ser recebido não terá como base as horas por ele trabalhadas, mas sim a quantidade de produtos que serão produzidos no decorrer de sua jornada de trabalho: “O salário por produção (por unidade de obra) corresponde a uma importância variável segundo a quantidade de serviço produzido pelo empregado, sem levar em conta o tempo gasto na sua execução. Fixo é o valor ajustado para cada unidade de obra (por exemplo, quantidade de frutos colhidos); mas o total do salário varia com o número de unidades produzidas. Apesar de, nesse caso, o fator tempo não ser considerado para efeito de cálculo da remuneração, é obrigatória a observância da jornada máxima de oito horas diárias e 44 horas semanais, ressalvada a prestação de horas extras, na forma legal” (In: Contrato de safra: manual, 2002, p. 29) [grifos originais].

Devido a sua própria natureza, a maioria das atividades assalariadas rurais é remunerada por intermédio do pagamento por produção, seja no Brasil ou no mundo. Países como México, Estados Unidos, Haiti e 31

96

Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. § 1º - Integram o salário, não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagem e abonos pagos pelo empregador. Disponível em http://www.soleis.com.br/ ebooks/TRABALHISTA-91.htm. Acesso em 19.07. 2017.

Superexploração do trabalho no século XXI

França, são somente alguns dos exemplos onde encontramos essa forma específica de remuneração sendo utilizada em quase todos os setores agrícolas e também em vários ramos industriais. No caso específico do setor sucroalcooleiro brasileiro, não é possível precisar com exatidão quando o pagamento por produção se tornou a forma predominante de remuneração dos cortadores de cana, mas, alguns estudos apontam que o mesmo já era utilizado com esse propósito desde pelo menos a década de 1960 (Cf. Sigaud, 1971 e 1979; Garcia Jr., 1989; Neves, 1989). Entretanto, mais importante do que precisar exatamente em qual data o pagamento por produção foi introduzido na agroindústria canavieira, é necessário entendermos quais os motivos que levaram as usinas de açúcar e álcool a utilizarem essa modalidade salarial como a forma predominante de remuneração dos cortadores de cana. No caso do setor sucroalcooleiro brasileiro, as usinas passaram a utilizar esta modalidade salarial específica não somente com o intuito de impedir que os assalariados rurais tivessem o controle de seu processo de trabalho e de seu salário (Cf. Alves, 2006; Guanais, 2010), mas também porque o pagamento por produção traz muitas outras vantagens aos detentores dos meios de produção, como já nos demonstrou Marx ([1867] 2013): “Dado o salário por peça, é natural que o interesse pessoal do trabalhador seja o de empregar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista a elevação do grau normal de intensidade. É igualmente do interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois assim aumenta seu salário diário ou semanal” (Marx, 2013, p. 624-625).

Ao ter sua remuneração atrelada à quantidade de “peças” que é capaz de produzir em um determinado período de tempo, nada mais compreensível que os trabalhadores invistam o máximo possível de suas forças, de suas energias e de sua disposição no sentido de produzirem cada vez mais, atitude extremamente importante para os detentores dos meios de produção. Neste contexto o aumento da intensidade do trabalho acaba surgindo por parte dos próprios trabalhadores,

Salário por peça e superexploração do trabalho

97

interessados em receber um salário melhor. E mais. Como vimos na passagem acima, quando recebem por produção os trabalhadores também demonstram maior disponibilidade para o prolongamento de sua jornada de trabalho, para que, assim, possam trabalhar por mais tempo, objetivando com isso o aumento de sua produção diária. E isso porque, de acordo com a lógica do pagamento por produção, ao produzirem mais, recebem mais.

Intensificação do trabalho na agroindústria canavieira32 “Na década de 1950 a produtividade do trabalho era de 3 toneladas de cana cortadas por dia de trabalho; na década de 1980, a produtividade média passou para 6 toneladas de cana por dia/homem ocupado e, no final da década de 1990 e início da presente década, atingiu 12 toneladas de cana por dia” (Alves, 2006, p. 92).

Como a passagem acima deixa claro, a quantidade de toneladas de cana cortada por dia por cada trabalhador rural aumentou exponencialmente com o passar dos anos. A própria elevação contínua da média – quantidade diária mínima de toneladas que deve ser cortada pelos trabalhadores para conseguirem manter seus postos de trabalho – já serve como um indicador concreto desse aumento33. Mas como podemos explicar o que está ocorrendo no setor sucroalcooleiro? Ao analisarmos o processo produtivo que envolve o corte manual da cana, é possível verificar que está em curso um processo de 32

Devido aos limites do presente artigo, não será possível desenvolver aqui uma discussão mais aprofundada sobre intensificação do trabalho e teoria marxiana do valor. Para isso, indico o terceiro capítulo do meu livro Pagamento por produção, intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira brasileira. (São Paulo: Expressão Popular/FAPESP, no prelo).

33

Ao não conseguirem alcançar a média diária estipulada pela usina para qual trabalham – que atualmente gira em torno de dez ou doze toneladas/dia por trabalhador, dependendo da empresa - os cortadores de cana são demitidos. Esta imposição da média é extremamente importante para as empresas, que a utilizam como uma forma de selecionar somente os trabalhadores mais produtivos.

98

Superexploração do trabalho no século XXI

intensificação do trabalho dos cortadores de cana, que, a cada nova safra, veem-se obrigados a trabalharem e a produzirem cada vez mais no mesmo período de tempo para poderem assegurar seu emprego. Ao intensificar o trabalho, as empresas objetivam preencher todos os “tempos de não-trabalho” presentes na jornada laboral, e, assim, elevar quantitativamente e/ou melhorar qualitativamente os resultados produzidos no mesmo espaço de tempo, fenômeno que fica a cargo dos próprios trabalhadores, que, para tanto, são obrigados a despender mais energia vital em sua atividade (Cf. Dal Rosso, 2008). No caso específico do corte manual da cana, esse aumento de resultados é expresso pelo crescimento da quantidade de toneladas de cana cortada por dia por cada trabalhador, que, devido à intensificação do trabalho, passou a cortar um volume cada vez maior de cana no mesmo período de tempo, gerando, assim, uma produção superior de valores de uso no decorrer de sua jornada. Como vimos na passagem acima, entre 1980 e a presente década, a produção individual dos cortadores de cana mais do que duplicou, o que serve como um importante indicador deste processo. Mas não podemos deixar de destacar aqui que o processo de intensificação do trabalho que está em curso no corte manual da cana resulta muito mais de mudanças organizacionais no processo produtivo do que de avanços efetuados nos meios materiais com os quais o trabalho é executado e/ou de mudanças tecnológicas introduzidas no setor. Isso faz sentido se lembrarmos que o instrumento de trabalho dos cortadores de cana – o podão - é o mesmo desde que essa atividade teve início no Brasil no século XVI34. Dessa forma, nos parece ser possível dizer que no caso específico da agroindústria canavieira brasileira essa reorganização do trabalho – um dos objetivos do processo de reestruturação

34

Esse tipo de argumentação também está presente nos trabalhos de Reis (2012) e de Alves e Novaes (2011). Para o primeiro: “Desde a década de 60, nenhuma mudança técnica significativa foi implementada na atividade de corte manual da cana que possibilitasse aumento de produtividade” (Reis, 2012, p. 68).

Salário por peça e superexploração do trabalho

99

produtiva pelo qual passou o setor sucroalcooleiro a partir de 2000 – é um elemento capaz de aumentar o grau de intensidade do trabalho35: “Se não houve mudança nas ferramentas e se não houve mudança na produtividade da cana, resta examinar as mudanças na organização do trabalho. Entendemos como organização do trabalho a forma como o trabalho prescrito é determinado para os trabalhadores e como a sua realização é conferida ou fiscalizada. Em geral quem determina a forma como trabalho é realizado é a gerência de recursos humanos. Entre a década de 80 e a presente houve uma mudança significativa na área de recursos humanos das usinas. Na década de 80 a maior parte das usinas de São Paulo não tinha um departamento de recursos humanos, tinha apenas um departamento de pessoal, que fazia, fundamentalmente, admissão, demissão e controlava a folha de pagamentos e registros em carteira, férias, afastamentos etc. A partir da década de 90 as principais usinas promoveram o Departamento de Pessoal à Diretoria de Recursos Humanos, isto é o Departamento de Pessoal deixa de ser um mero departamento e passa a ser diretoria, portanto, passa a formular com as duas outras diretorias, a Industrial e a Agrícola, a estratégia da organização. Quando esta diretoria é criada ela passa a ter novas funções, além daquelas clássicas já descritas: controle da seleção, controle diário da produtividade de cada trabalhador, promoção de cursos de capacitação de profissionais, desde trabalhadores do chão de fábrica, até e principalmente trabalhadores das gerências superiores e implementação da política de participação nos lucros e resultados ...” (Alves, s/d, mimeo).

Mas além da reorganização do trabalho, há, ainda, outros fatores que também contribuem para a intensificação do trabalho dos assalariados rurais, quais sejam: a média diária de produção (que, como

35

100

Conforme Dal Rosso (2008): “Pode haver alteração na intensidade acompanhada de mudança técnica [...] ou não [...] Aquela não acompanhada de mudança técnica prévia implica que a reorganização do trabalho é também elemento suficiente para torná-lo mais intenso” (Dal Rosso, 2008, p. 72-73).

Superexploração do trabalho no século XXI

mencionado anteriormente, impõe a obrigatoriedade dos trabalhadores produzirem cada vez mais para conseguirem atingir a meta mínima e, assim, assegurar seu emprego) e o pagamento por produção. Como já destacado, ao utilizar o pagamento por produção como a forma de remuneração, as usinas buscam obter mais trabalho e, consequentemente, mais “mercadorias” dos cortadores de cana, fato que pôde ser percebido no decorrer da investigação. Por intermédio da pesquisa de campo realizada em ambas as usinas, pudemos comprovar que o pagamento por produção contribui, e muito, para a intensificação do trabalho dos cortadores de cana, conforme fica explícito nos depoimentos abaixo: “Eu gosto de produção porque você recebe mais, né, o que a gente ganha na diária é muito pouco, pouco mesmo [...] Já na produção, não, tem cara que se mata. Eu já vi até desmaiar de tanto trabalhar, dá câimbra. Tem gente que não espera nem a ginástica [laboral], já desce do ônibus e vai pegando o eito para não perder tempo” (Wilson36).

“Na produção a gente trabalha ‘forçado’37. O trabalho por produção, se você faz uma diária de produção, vamos dizer, uma diária de R$ 100 mais ou menos de produção por dia, e você tá gostando do serviço, e você tem capacidade de aumentar aquilo ali, você não vai diminuir, você não quer diminuir, todo dia você vai ter que ter mais, dá pra aumentar cada vez mais, na produção o cara pode conseguir, mas é gostoso você receber o salário, porque o salário vem bom, vem gordo, vem bom, você trabalha interessado...” (seu Joaquim).

36

Em função do compromisso de que nenhuma informação passível de identificar os sujeitos fosse divulgada, os nomes dos participantes referidos no estudo foram alterados e substituídos por nomes fictícios, assim como os de todas as pessoas às quais eles se referiram nas entrevistas.

37

Trabalhar forçado é uma expressão bem recorrente entre os assalariados rurais. Quando dizem que eles trabalham forçado, estão querendo dizer que se esforçam bastante no trabalho, que trabalham com empenho e afinco.

Salário por peça e superexploração do trabalho

101

“Na produção o pessoal tá se cansando, não perdendo hora, não perdendo nem minuto no trabalho, porque se perder a pessoa, digamos que tira R$ 800, R$ 700 no mês, se teve minuto perdido, se perder hora, tudo isso aí, aí já não vai tirar mais! Aí fica aquela correria, pega ali, pega acolá, aí pronto, aí não vai ganhar aquilo lá o que ganha, tem que correr mesmo, não pode perder minuto” (José).

As falas nos deixam claro que o ritmo de trabalho dos cortadores de cana é muito influenciado pela possibilidade que eles têm de receber um salário mais elevado, já que recebem por produção. Assim, para poderem ganhar um salário melhor, os trabalhadores buscam sempre que possível trabalhar mais e mais rápido, isso é, preencher todos os “tempos de não-trabalho” presentes em sua jornada e aumentar seu ritmo para cortar uma quantidade cada vez maior de cana ao longo de seu expediente, e, ao fazerem isso, acabam desrespeitando os limites de seu próprio corpo. Importante dizer ainda, que grande parte dos cortadores de cana entrevistados também reconheceu que o ritmo e a velocidade imprimidos no trabalho são maiores hoje em dia do que há alguns anos atrás, outro indicador do crescimento do grau de intensidade. “Se aumenta a velocidade, cresce correspondentemente o quantum de trabalho feito e a quantidade ou qualidade dos resultados” (Dal Rosso, 2008, p. 175). É por tudo isso que muitos trabalham tanto – se forçam tanto no trabalho – que chegam até mesmo a desmaiar ou ter outros mal estares súbitos mais graves no decorrer de sua jornada laboral, precisando ser imediatamente socorridos pelos colegas de trabalho ainda no interior dos canaviais, como será tratado adiante. E mais. Como já discutido em pesquisa anterior (Cf. Guanais, 2010), o pagamento por produção praticado na agroindústria canavieira guarda uma especificidade quando comparado aos demais praticados em outros setores, e isso também contribui ainda mais para a intensificação do trabalho dos cortadores de cana. Vimos que em função do sistema de amostragem cientificamente elaborado pelos departamentos agrícolas das usinas, os cortadores de cana ficam impossibilitados de conhecer não somente a quantidade de metros que cortaram em um dia de trabalho (isso é, a quantidade de “peças” que produziram), mas também

102

Superexploração do trabalho no século XXI

o valor do metro (o preço da “peça”) que produziram, tornando impossível para os mesmos controlar seu processo de trabalho e seu salário. Assim, sem saber ao certo quanto irão receber por aquele dia, nem terem conhecimento se conseguiram (ou não) atingir a média diária, muitos cortadores de cana ficam inseguros, e, acabam se vendo na obrigação de aumentar seu ritmo e trabalhar o máximo que conseguirem, o que muitas vezes acaba acarretando em acidentes e problemas de saúde. Ao longo das entrevistas realizadas, muitos trabalhadores também fizeram questão de reconhecer a relação do pagamento por produção com a elevação da intensidade do trabalho, e, consequentemente, com o aumento do desgaste físico e com muitas das doenças que os acometem. Para os entrevistados, o trabalho na diária38 era visto pelos próprios trabalhadores como mais maneiro, isso é, mais leve, não tão pesado como o corte de cana. Assim, aqueles que trabalhavam na diária (e que, por isso, não recebiam por produção) prejudicavam menos a saúde porque forçavam menos do que aqueles que cortavam cana e que recebiam por produção. Ainda para os entrevistados, quando trabalhavam na produção os assalariados acabavam tendo mais chances de se machucar e de se acidentar porque tinham um ritmo de trabalho muito mais acelerado e intenso do que o ritmo daqueles trabalhadores da diária: “Valmir (V): Aqui na [nome da usina] tem diferença: o pessoal do plantio é por diária, e o do corte é por produção. A diária você trabalha menos, e ganha bem menos. Você só planta, limpa a roça, tira mato, o serviço é mais ‘maneiro’, 38 Normalmente, as turmas da diária chegam às usinas um pouco mais cedo que as demais, entre janeiro e fevereiro, antes do “início oficial” da safra, e têm como forma de remuneração predominante a diária, isso é, todos que fazem parte dessa turma recebem um valor fixo por dia. No caso específico de uma das usinas pesquisadas, no ano de 2012 a diária estava em torno de R$20. Nos primeiros meses as turmas da diária são responsáveis pela limpeza dos canaviais e pelo plantio de cana, mas, depois que se inicia a safra, tais turmas continuam com as atividades que já faziam, mas também assumem outras, tais como a “bituca”, o recolhimento de pedras, a abertura de eitos para as máquinas, etc., as quais, por serem consideradas secundárias e menos importantes do que o corte da cana, estão dentre as mais mal remuneradas pelas usinas. Quando recebem por diária os assalariados rurais acabam ganhando um valor diário e mensal bastante inferior ao que é obtido por meio do pagamento por produção, fato que faz com que a grande maioria dos trabalhadores dê preferência para o último.

Salário por peça e superexploração do trabalho

103

por isso ganha menos. Já os do corte é tudo produção, mas o serviço é pesado demais, mas também ganha bem mais. Pesquisadora (P): Mas e você, prefere trabalhar por diária ou por produção? V: Eu prefiro a diária, porque o serviço é mais ‘maneiro’. Porque na produção o cara ganha bem mais... mas tem que se esforçar demais, né, tem que se matar. Na diária não, é mais fácil, não judia tanto do corpo da gente. Eu prefiro na diária porque eu posso voltar gordo para casa...na produção não, o cara emagrece demais, viu”. “Eu dei uma baixada no ritmo, agora eu tô cortando menos cana do que naquela época, né, porque dependendo do jeito que você tá esforçando ali, você causa um problema nas costas, né... Um colega meu, o Padilha, ele cortava cana desde dois mil e quatro e o médico proibiu ele de cortar cana, o médico falou para ele que se ele quisesse viver um pouco mais ele tinha que parar de cortar cana...aí ele parou, né, parou naquela semana mesmo” (Igor).

Outro indicador39 inconteste da intensificação do trabalho é o acúmulo de atividades – que antes eram exercidas por mais pessoas – em um único trabalhador, acúmulo esse que também afeta os assalariados rurais. Como sabemos, o corte da cana não se limita somente a atividade de retirada da cana do solo, já que envolve, também, um conjunto de outras atividades anexas, tais como a limpeza da cana (com a eliminação da palha que ainda permanece), a retirada da ponteira, o transporte da cana cortada para a linha central do eito e a arrumação da cana depositada na terceira linha em esteira ou em montes (Cf. Alves, 2008). Ou seja, ao longo de sua jornada os canavieiros não somente cortam cana, mas também são obrigados a realizar uma série de atividades que estão relacionadas ao corte. Isso faz com que um único trabalhador 39

104

Sobre os indicadores da intensificação do trabalho, Dal Rosso (2013) escreveu: “Quais são esses indicadores é uma questão aberta, que pode adequar-se às condições de trabalho pesquisadas. Alguns elementos gerais podem ser indicados: ritmo e velocidade exigidos pelas atividades, acúmulo de tarefas, polivalência ou exercício simultâneo de diversas atividades paralelas, aumento ou diminuição do esforço exigido no trabalho, cobrança de resultados por parte de chefes ou controladores dos processos de trabalho” (Dal Rosso, 2013, p.49).

Superexploração do trabalho no século XXI

tenha que ser capaz de dar conta, sozinho, de todo esse conjunto, o que é extremamente interessante para as usinas, que assim podem reduzir a quantidade de força de trabalho empregada. Por fim, não podemos deixar de lembrar aqui que não somente no Brasil, mas em grande parte dos países, o grau de intensidade do trabalho não consta nos acordos coletivos travados entre empregados e patrões, o que acaba fazendo com que sua elevação muitas vezes seja imposta aos trabalhadores sem qualquer tipo de negociação. Como explica Dal Rosso (2011): “Há que se questionar os limites para a intensificação do labor. Por mais flexível que seja o trabalhador, impõem-se determinados limites individuais e coletivos. Os limites individuais dependem da capacidade de resistência de cada sujeito. Os limites coletivos ou sociais dependem por um lado de negociações entre sindicatos e empresas e por outro da resistência coletiva dos trabalhadores. No Brasil, negociações sobre intensidade do trabalho são tão escassas que praticamente não aparecem no rol das cláusulas definidas em acordos coletivos de trabalho. Prevalece a norma implícita de que o contratador, pelo fato de comprar mão de obra, no ato do contrato recebe o direito de determinar o grau de intensidade do labor segundo os padrões que julgar pertinentes. Em muitos outros países do mundo vige esta prática de que a intensidade laboral não é objeto de negociação, ficando sua determinação como direito do empregador” (Dal Rosso, 2011, p. 144-145).

Prolongamento da jornada Ao analisarmos detidamente o processo produtivo que envolve o corte manual da cana, é possível verificar que além de estar em curso um processo de intensificação do trabalho, episódios de prolongamento da jornada também são recorrentes. Isso faz com que nesse setor o aumento da intensidade do trabalho se some à extensão da jornada laboral, trazendo enormes prejuízos à saúde dos trabalhadores, que

Salário por peça e superexploração do trabalho

105

têm sua força de trabalho ainda mais dilapidada quando isso acontece. É importante mencionar aqui que, a despeito de não ser o único fator determinante, o pagamento por produção também contribui, e muito, para o prolongamento da jornada laboral, já que, quando estendem seu tempo de trabalho, os assalariados podem cortar uma quantidade maior de toneladas de cana, e, assim, receber um salário mais alto. Deve-se ressaltar que, no caso da agroindústria canavieira, esse prolongamento da jornada pode se dar por intermédio de três formas, que podem ocorrer conjugadas ou não: pelo descumprimento das paradas previstas para almoço e descanso; pela prestação de horas extras (realizadas após as oito horas convencionais de trabalho); ou ainda via trabalho aos domingos e feriados. No caso da primeira situação, a partir das observações in loco foi possível perceber que mesmo tendo asseguradas a pausa de uma hora para o almoço e as duas pausas de dez minutos para descanso (que devem ser feitas de manhã e de tarde), muitos trabalhadores rurais não obedeciam esses momentos de parada. Especialmente no que se refere ao almoço, muitos cortadores de cana optavam por almoçar em poucos minutos para poderem retornar o mais rápido possível para sua atividade. Importante deixar claro que situações como essas contrariam algumas das recentes exigências do Ministério Público do Trabalho (MPT), que preveem que no caso específico do intervalo para almoço, além de terem que respeitar a parada de uma hora, os cortadores de cana também devem retornar aos ônibus para fazer suas refeições em mesas abrigadas sob toldos, o que nem sempre ocorre na prática. De acordo com os entrevistados, pelo fato de receberem por produção, muitos não fazem as pausas que lhe são garantidas, já que ao pararem de trabalhar, diminuem sua produção, e consequentemente, seu salário. Isso fica bem claro no depoimento de um dos trabalhadores: “José (J): Almoçou, tem uma hora de descanso no almoço, tem 10 minutos de parada as 9 horas e 2 horas da tarde tem mais 10 minutos. Nós, que tá no serviços gerais, quando é 9 horas o ônibus apita e nós para 10 minutos, aí a gente senta um pouco, fica conversando um pouco, aí passou os 10

106

Superexploração do trabalho no século XXI

minutos e nós começa de novo, só que na produção tem os 10 minutos, a mesma coisa, só que eles não param porque - mas o pessoal da usina também não obriga - mas o certo mesmo é parar, sabe. Pesquisadora (P): E por que eles não param? J: Porque eles olham no holerite e eles não pagam os 10 minutos, é obrigado a pagar, mas eles não pagam, aí o pessoal fala que eles não vão ficar parado os 10 minutos porque eles não vão ganhar nada, então eles ficam trabalhando devagarzinho, aí fica trabalhando! Aí chega as 11 horas – porque tem 2 turnos, duas turmas pra almoçar, uma turma almoça das 10 as 11 horas, e outra almoça das 11 as 12 horas – aí deu 11 horas e o ônibus apita, aí quem tá na produção tem que ir pro serviço, principalmente eles que tá na produção que quanto mais rápido melhor pra não perder tempo, porque se ganha, se tira 800, aí chega no mês e se não fizer isso daí aí tira R$500, R$ 600, aí não pode perder tempo”.

Como é possível perceber a partir do depoimento acima, as pausas são descumpridas - já que além de desestimuladas pelos fiscais de turma, muitas vezes também não são pagas pelas usinas, contrariando o que está previsto em lei40 – e os cortadores de cana trabalham “correndo” porque têm consciência de que cada minuto parado representa uma diminuição em seu já parco salário. Também não podemos nos esquecer que quanto mais suspenderem sua atividade, mais difícil fica para atingir a média diária – extremamente elevada - e, ao não atingirem a mesma, o risco de demissão é enorme, como já explicado anteriormente. Outra forma de prolongamento da jornada ocorre via trabalho aos domingos e feriados. De início, é preciso deixar claro que os cortadores de ambas as usinas pesquisadas trabalham de segunda a sábado, tendo os domingos e feriados como únicos dias de folga e descanso. Entretanto, a despeito disso, ambas as usinas “convidam” os cortadores de cana a trabalharem também nesses dias e oferecem algumas “vantagens” para 40

De acordo com Garcia: “Cabe frisar que o empregador também deve conceder aos trabalhadores, sejam urbanos ou rurais, o intervalo para descanso e refeição (intrajornada) e o intervalo interjornada, sendo este último de 11 horas consecutivas, conforme art. 66 da CLT e art. 5º, parte final, da Lei 5.889/73” (Garcia, 2007, p. 10).

Salário por peça e superexploração do trabalho

107

aqueles que aceitarem seu “convite”. Uma dessas vantagens é a duplicação do valor que os trabalhadores irão receber por aquele dia41. Isto é, se por acaso aqueles que aceitarem trabalhar em seu único dia de folga cortarem, por exemplo, 10 toneladas de cana nesse dia, ao invés de receberem um salário diário condizente com aquelas 10 toneladas, receberão um salário condizente com 20 toneladas de cana. Isso acaba fazendo com que mesmo extremamente cansados do trabalho da semana toda, muitos cortadores de cana acabem indo trabalhar aos domingos e feriados também. Ao longo da pesquisa de campo, foi difícil encontrar trabalhadores que permaneciam em seus alojamentos aos domingos para descansar e se recuperar para a próxima semana de trabalho. Para eles, a oportunidade de receber dobrado era muito atrativa e não podia ser deixada de lado, e por isso grande parte dos cortadores de cana acabava aceitando prolongar sua jornada de trabalho para sete dias. Não podemos nos esquecer que os salários dos cortadores de cana sempre foram historicamente baixos (Cf. Alves, 2008), mas que mesmo assim devem assegurar a sobrevivência dos mesmos e suas famílias não somente ao longo da safra, mas também durante toda a entressafra, e, para tanto, é necessário que seja uma quantia que seja capaz de suprir todas essas necessidades. Mas há, ainda, outros fatores que também contribuem para esse prolongamento da jornada. Além do desconhecimento da quantidade de cana que cortaram por dia - que, como vimos, trás insegurança aos trabalhadores no que diz respeito ao salário que receberão no final da quinzena ou do mês -, os baixos preços pagos pelas usinas para o metro de cana cortada também acabam levando os assalariados não só a intensificarem seu ritmo de trabalho, como também a prolongarem sua jornada para que assim possam assegurar um salário minimamente razoável para sua sobrevivência. Não podemos nos esquecer que o preço do metro linear de cana, a despeito de variar em função das diferenças

41

108

Como deixa claro o Manual de Contrato de Safra: “... o trabalhador safrista tem direito a um dia de folga na semana (24 horas seguidas), devidamente remunerado. Essa folga deve coincidir com o domingo. Quando houver, por algum motivo justificável de natureza técnica, trabalho no domingo, deverá ser concedido outro dia de folga ao trabalhador, ou o pagamento do domingo trabalhado em dobro, sem prejuízo do pagamento normal do dia de descanso” (In: Contrato de safra: manual, 2002, p. 27).

Superexploração do trabalho no século XXI

existentes entre as distintas espécies de cana, é sempre muito baixo, muitas vezes não passando de centavos de Real. Deve-se ressaltar aqui também que independentemente da forma pela qual se dê o prolongamento da jornada, o motivo é sempre o mesmo: a tentativa por parte dos trabalhadores de aumentar seu parco salário. Contudo, é preciso se deixar claro que, na prática, se forem levar em consideração somente o retorno financeiro que terão, trabalhar um dia a mais na semana acaba sendo “melhor” do que fazer horas extras, uma vez que, diferentemente dos demais assalariados, os cortadores de cana, por receberem por produção, não recebem o valor da hora(s) extra(s) trabalhada(s). Isso porque, de acordo com o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho (TST), quando os trabalhadores que são remunerados por produção trabalham horas extras, os empregadores não são obrigados a pagar a seus empregados o valor da(s) hora(s) extra(s) trabalhada(s) uma vez que nessas ocasiões os mesmos já estarão recebendo um adicional. Isso quer dizer que quando os empregados recebem por produção e fazem horas extras, as empresas ficam autorizadas a pagar aos mesmos somente o adicional (ou seja, somente o “número de peças” a mais que o trabalhador produziu durante esse tempo de hora extra), não sendo, portanto, obrigadas a pagar também o valor da(s) hora(s) extra(s) trabalhada(s)42. Importante deixar claro aqui que até o presente momento, a despeito de existir alguns magistrados se posicionando contra, o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho sobre o pagamento de horas extraordinárias aos cortadores de cana ainda continua prevalecendo. Com isso, o roubo do valor das horas extras trabalhadas que deveriam, mas não são pagas aos cortadores de cana, vem a se somar a 42

Em seu artigo, Francisco Giordani, Juiz Titular da Vara do Trabalho de Campo Limpo Paulista (SP), se posiciona contrário a esse entendimento majoritário do TST: “O entendimento majoritário, ao menos na jurisprudência, é no sentido de que, quando o empregado trabalha e é pago por produção, a hora extraordinária já encontra-se remunerada com o que recebe a mais, restando, apenas, o pagamento do adicional e reflexos [...] Referido entendimento, no que toca aos trabalhadores rurais, não pode, com a devida vênia, prevalecer, havendo, ao reverso, que considerar devido o pagamento da própria hora mais o adicional, e não apenas esse...” (Giordani, 2009, mimeo).

Salário por peça e superexploração do trabalho

109

todos os demais roubos presentes no processo produtivo do corte manual da cana, tais como os roubos no momento da passagem do compasso e os roubos no momento da pesagem da cana nas balanças das usinas, roubos esses que interferem diretamente e negativamente no salário dos cortadores de cana. Por fim, não podemos nos esquecer também que o prolongamento da jornada laboral ainda oferece muitas outras vantagens aos usineiros. Isso porque ao acrescentarem mais horas de trabalho à sua jornada, além de estarem efetivamente prolongando o tempo de produção, os trabalhadores empregados estão suprindo o trabalho que poderia ser realizado por outras pessoas. Dessa forma, as empresas economizam na contratação de novos empregados pela maior exploração dos que já estão em atividade, tornando, assim, desnecessária a criação de novos postos de trabalho43. Mas e a superexploração do trabalho, onde entra na presente pesquisa? Como ela se dá na prática?

Superexploração do trabalho De acordo com Ruy Mauro Marini ([1973] 2011), a superexploração do trabalho é um mecanismo de compensação que opera na esfera produtiva dos países dependentes utilizado pelos capitalistas desses países para compensar as perdas geradas devido às transferências de valor e de mais-valia para os países centrais, e é viabilizada por intermédio de três mecanismos-chave: o prolongamento da jornada laboral, o aumento da intensidade do trabalho, e a redução do consumo dos operários mais além de seu limite normal. De acordo com o autor: “O aumento da intensidade do trabalho aparece, nessa perspectiva, como um aumento da mais-valia, obtido através de

43

110

Nunca é demais lembrar que a utilização massiva de horas extras em um país dependente como o Brasil, que conta com altas taxas de desemprego e subemprego, acaba produzindo efeitos multiplicadores negativos extensivos ao conjunto da economia, especificamente aos setores de trabalhadores que se encontram sem emprego, e cuja existência reforça ainda mais a tendência de baixa dos salários.

Superexploração do trabalho no século XXI

uma maior exploração do trabalhador e não do incremento de sua capacidade produtiva. O mesmo se poderia dizer da prolongação da jornada de trabalho, isto é, do aumento da mais-valia absoluta na sua forma clássica [...] Deve-se assinalar, finalmente, um terceiro procedimento, que consiste em reduzir o consumo do operário mais além do seu limite normal, pelo qual “o fundo necessário de consumo do operário se converte de fato, dentro de certos limites, em um fundo de acumulação de capital”... (Marini, 2011, p. 147-148).

E Marini (2011) continua: “... esses mecanismos (que ademais podem se apresentar, e normalmente se apresentam, de forma combinada) significam que o trabalho é remunerado abaixo de seu valor e correspondem, portanto, a uma superexploração do trabalho” (Marini, 2011, p. 150).

Os três mecanismos-chave mencionados por Marini (2011) acabam por configurar um modo de produção fundado na maior exploração da força física dos trabalhadores, e não no desenvolvimento de suas capacidades produtivas. De acordo com o autor, essa realidade é condizente não somente com o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas nas economias latino-americanas, mas também com as atividades produtivas que são ali realizadas. Ao afirmar que a superexploração corresponde a uma situação em que o trabalho é remunerado abaixo de seu valor, Marini (2011) quis dizer que nesta situação específica o salário recebido pelo assalariado não condiz com o valor de sua força de trabalho, isto é, que sua remuneração é inferior ao valor de sua força de trabalho. Mas, como isso pode ocorrer? Para que seja possível responder de forma satisfatória a esta questão é necessário, primeiramente, remetermos à discussão sobre a determinação do valor da força de trabalho. De acordo com Marx (2013): “O valor da força de trabalho, isto é, o tempo de trabalho requerido para sua produção, determina o tempo de trabalho necessário para a reprodução de seu valor. Se 1 hora de tra-

Salário por peça e superexploração do trabalho

111

balho se representa numa quantidade de ouro de ½ xelim ou 6 pence, e se o valor diário da força de trabalho é de 5 xelins, o trabalhador tem de trabalhar 10 horas diárias para repor o valor diário que o capital lhe pagou por sua força de trabalho ou para produzir um equivalente do valor dos meios de subsistência que lhe são diariamente necessários. Com o valor de seus meios de subsistência está dado o valor de sua força de trabalho, e com o valor de sua força de trabalho está dada a grandeza de seu tempo de trabalho necessário (...) Certamente, o capitalista pode pagar ao trabalhador, em vez de 5 xelins, apenas 4 xelins e 6 pence, ou menos ainda. Para a reprodução desse valor de 4 xelins e 6 pence bastariam 9 horas de trabalho, obtendo-se assim 3 horas de mais-trabalho em vez de duas (...) Mas só se chegaria a tal resultado por meio da compressão do salário do trabalhador abaixo do valor de sua força de trabalho. Com os 4 xelins e 6 pence que produz em 9 horas, o trabalhador dispõe de 1/10 menos meios de subsistência do que antes, o que resulta na reprodução atrofiada de sua força de trabalho (...) Apesar do importante papel que desempenha no movimento real do salário, esse método é aqui excluído pelo pressuposto de que as mercadorias, portanto também a força de trabalho, sejam compradas e vendidas por seu valor integral. Partindo-se desse pressuposto, o tempo de trabalho necessário para a produção da força de trabalho ou para a reprodução de seu valor pode ser reduzido, não porque o salário do trabalhador cai abaixo do valor de sua força de trabalho, mas apenas porque esse próprio valor cai” (Marx, 2013, p. 388-389).

Conforme sabemos, para Marx (2013) o valor da força de trabalho também é determinado pelo tempo de trabalho socialmente requerido para sua produção e reprodução. Ou, dito de outro modo, o valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência necessários à manutenção de seu possuidor. Partindo desta primeira premissa, Marx (2013) estabelece outra proposição: a de que a força de trabalho – como todas as demais mercadorias – também deve ser vendida e comprada no mercado por seu valor integral, isto é, o salário a ser recebido pelos trabalhadores deve ser equivalente ao valor de sua força de trabalho (não devendo estar, portanto, abaixo desse mesmo valor). 112

Superexploração do trabalho no século XXI

Mas, como vimos na passagem acima, a despeito de partir desta proposição teórica para elaborar toda sua teoria, Marx (2013) também reconhece que na prática sempre existe a possibilidade do capitalista pagar ao trabalhador um salário que não equivalha, que esteja abaixo do valor de sua força de trabalho. Entretanto, como isto só é possível por intermédio da compressão do salário do trabalhador abaixo do valor de sua força de trabalho, Marx (2013), por razões metodológicas, a fim de demonstrar algumas de suas preposições mais importantes, optou por não desenvolver teoricamente esta possibilidade, embora a reconheça em diversas passagens do livro I, tal como a citada acima. Tendo isso em mente, para Marx (2013), o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção e reprodução da força de trabalho até pode ser reduzido, mas não porque o salário do trabalhador caiu abaixo do valor de sua força de trabalho, mas sim porque o próprio valor da força de trabalho sofreu uma redução. E mais. De acordo com Marx (2013), para ser possível exteriorizar-se por meio do trabalho, a força de trabalho consome as energias vitais do trabalhador. Isto faz com que neste processo homens e mulheres gastem seus músculos, seus membros, seus nervos e também seu cérebro, os quais têm que ser “repostos” para que os trabalhadores possam repetir o mesmo processo de trabalho no dia seguinte sob condições idênticas de saúde e força. Para reporem tudo o que foi gasto ao longo da jornada de trabalho e continuarem vivos, os trabalhadores necessitam diariamente de uma quantidade suficiente de meios de subsistência. E quanto maior for o gasto de energias vitais dos trabalhadores, maior tem que ser esta quantidade de meios de subsistência. É por isso que Marx (2013) afirma que quanto maior for o dispêndio de força de trabalho, maior tem que ser o salário recebido pelos trabalhadores. “Esse gasto aumentado [de energias vitais] implica uma renda aumentada” (Marx, 2013, p. 245). A partir disso percebemos, então, porque razão o “... valor da força de trabalho aumenta de acordo com seu desgaste, isto é, com a duração de seu funcionamento e de modo proporcionalmente mais acelerado do que o incremento da duração de seu funcionamento” (MARX, 2013, p. 616).

Salário por peça e superexploração do trabalho

113

Se fossemos seguir a risca todo este movimento teórico construído por Marx (2013), de forma bastante resumida chegaríamos as seguintes conclusões: 1) quanto maior for o dispêndio de força de trabalho, maior o desgaste dos trabalhadores, e, portanto, maior terá que ser a quantidade de meios de subsistência necessários à manutenção dos mesmos; 2) quanto maior for o valor desta massa de meios de subsistência, maior será o valor da força de trabalho; 3) quanto maior for o valor da força de trabalho, maior deve ser o salário a ser recebido, uma vez que, como já nos demonstrou o autor, a remuneração dos trabalhadores deve ser equivalente ao valor de sua força de trabalho, não devendo estar, portanto, abaixo deste valor. Após essa breve retomada do raciocínio de Marx (2013), é possível analisar o que Marini (2011) quis dizer quando afirmou que na situação específica de superexploração, o trabalho é remunerado abaixo de seu valor. Ao fazer esta afirmação, o autor brasileiro está levando adiante até as últimas consequências aquela possibilidade que havia sido reconhecida por Marx (2013), mas excluída de seu esquema teórico pelas razões metodológicas já indicadas. Ao analisar o caso específico dos países dependentes latino-americanos, mesmo baseando-se e sendo fiel a toda construção teórica elaborada por Marx (2013), Marini (2011) irá demonstrar como aquele pressuposto teórico-metodológico no qual o autor alemão baseou-se – a existência de equivalência entre o salário e o valor da força de trabalho – não se aplica à realidade empírica presente naqueles países, que guardam muitas especificidades quando comparados aos países centrais44. Como Marini (2011) deixará claro, nas economias dependentes, a despeito da classe trabalhadora ser submetida cotidianamente a procedimentos tais como o prolongamento desmedido da jornada e o aumento da intensidade do trabalho – os quais, como nos explicou Marx

44

114

De acordo com Sotelo Valencia (2012), “El mérito y la novedad de la propuesta de Marini (…) consiste en que él forjo la categoría superexplotación – que quedó fuera del análisis general del capital de Marx por las razones expuestas – como el núcleo duro y principio rector del desarrollo capitalista en las formaciones económico-sociales subdesarrolladas de la periferia del sistema mundial, y permitió diferenciarlo histórica y estructuralmente del desarrollo de los países del capitalismo clásico” (Valencia, 2012, p. 148).

Superexploração do trabalho no século XXI

(2013), implicam necessariamente em uma elevação do valor da força de trabalho na medida em que aceleram seu desgaste – é possível se afirmar que de maneira geral os trabalhadores desses países não recebem um reajuste em seu salário que venha compensar esse maior desgaste e que, portanto, seja condizente com a elevação do valor de sua força de trabalho. Isso faz com que – a despeito de terem o valor de sua força de trabalho elevado em função dos procedimentos citados acima – a maioria dos trabalhadores das economias dependentes acabe recebendo um salário que não equivalha, isto é, que esteja abaixo do valor de sua força de trabalho, configurando, assim, uma situação de superexploração. Mas é possível falar que isso ocorre no caso específico dos cortadores de cana brasileiros?

Superexploração do trabalho na agroindústria canavieira Como já demonstrado, o pagamento por produção estimula tanto o aumento da intensidade do trabalho como o prolongamento da jornada laboral, fazendo com que no processo produtivo do corte manual da cana ambos os procedimentos estejam associados, contribuindo sobremaneira para o aumento do gasto de energias vitais e para o maior desgaste dos assalariados rurais. Da mesma forma como ocorre com os trabalhadores de outros setores produtivos, quanto maior for o dispêndio de força de trabalho dos cortadores de cana, maior será o desgaste dos mesmos e, portanto, maior terá que ser a quantidade de meios de subsistência necessários à sua manutenção e reprodução; e quanto maior for o valor desta massa de meios de subsistência, maior será o valor da força de trabalho. A partir disso, é possível se entender por que o aumento da intensidade do trabalho e a extensão da jornada laboral – na medida em que contribuem para a elevação do gasto de energias vitais e para o maior desgaste dos cortadores de cana - trazem como consequência a elevação do valor da força de trabalho desses assalariados rurais. Mas, ao mesmo tempo em que os cortadores de cana brasileiros têm um aumento no valor de sua força de trabalho, é possível se afirmar

Salário por peça e superexploração do trabalho

115

que esse aumento não é acompanhado por uma elevação proporcional de seus salários. Isso faz com que esses trabalhadores rurais recebam um salário que esteja abaixo do valor de sua força de trabalho, configurando, assim, uma situação de superexploração. E mais. Além de não aumentarem, tanto o piso salarial como os salários dos cortadores de cana têm diminuído de forma significativa com o passar dos anos, conforme apontam os resultados de vários estudos recentes (Cf. Alves, 2008; Ramos, 2007; Pochmann, 2009)45, fato que contribui para tornar ainda maior a brecha existente entre o valor da força de trabalho desses trabalhadores e a renda que recebem (Cf. Marini, 1978): “Verifica-se que em São Paulo essa queda foi extremamente forte. Enquanto em 1989 um trabalhador tinha um piso salarial no corte de cana de 2,07 salários mínimos, em 2007 o valor recebido em salários mínimos é de 1,21 salários. Se considerarmos o salário conquistado na greve de 1986 a queda é mais dramática ainda, em 2007 o piso salarial é menos da metade do conquistado. É importante verificar que houve, além da queda nos salários dos cortadores de cana, um outro movimento importante entre as décadas de oitenta e a presente década, que foi o aumento da produtividade do trabalho. Na década de oitenta, segundo depoimento dos trabalhadores e segundo os dados das próprias usinas, os trabalhadores cortavam em média 6 T/H/D (toneladas de cana por homem dia), hoje, o relato dos trabalhadores é que o mínimo exigido pelas usinas para a efetivação do contrato de trabalho é de 9 T/H/D” (Alves, 2008, p. 45-46).

O estudo de Pochmann (2009) também chama atenção para a desproporção entre a evolução do rendimento da produção agrícola e a remuneração dos trabalhadores rurais ao longo das últimas décadas. De 45

116

Essa tendência é válida para todos os assalariados rurais brasileiros, e não somente para os cortadores de cana, como apontam os dados do DIEESE (2014): “... os salários ainda continuam muito baixos. Os pisos salariais negociados pouco ultrapassam o valor de um salário mínimo. Entre 2007 e 2013, por exemplo, a média dos valores negociados pouco variou: em 2008, atingiu 1,16 salário mínimo, enquanto em 2013 representou 1,10 salário mínimo” (DIEESE, 2014, p. 28).

Superexploração do trabalho no século XXI

acordo com o autor, na passagem da década de 1980 para a de 1990 há uma significativa inflexão no pagamento dos trabalhadores em comparação com o rendimento da produção. Enquanto o rendimento médio da colheita de cana foi multiplicado por 2,6 vezes entre 1979 e 2004, o pagamento recebido pelo trabalhador por colheita perdeu 57,4% de seu valor real. Já no que diz respeito à remuneração média, a pesquisa de Pochmann (2009) demonstra também que esta apresentou uma alteração importante a partir da segunda metade da década de 1970. Após o percurso de acompanhamento da remuneração em relação ao rendimento médio até a primeira metade da década de 1980, assistiu-se em seguida, à evolução desconectada entre o crescimento do rendimento médio na colheita e o rebaixamento da remuneração média dos cortadores de cana. De acordo com o autor, entre 1985 e 2004 a remuneração média perde 28,3% de seu valor real, enquanto o rendimento médio da produção de cana aumenta 60%46. Sobre esta tendência de existir, ao mesmo tempo, uma elevação no valor da força de trabalho dos trabalhadores nas economias dependentes, e uma diminuição de seus salários, Marini (1978) escreveu: “Resumiendo: es posible afirmar que, pese al deterioro del salario real, el obrero ha visto aumentar el valor de su fuerza de trabajo, haciendo aún más dramática la brecha creciente entre dicho valor y el ingreso real que percibe. El problema que tendrá que resolver la clase obrera brasileña, en el marco del presente ascenso de sus luchas, no consiste, pues, tan sólo en recuperar el nivel de su salario real de hace veinte años. Bien al contrario, los trabajadores tendrían que lograr aumentos salariales que superen dicho nivel, para asegurar una remuneración acorde con el valor actual de su fuerza de trabajo” (Marini, 1978, p. 92) [cursivas do autor]. 46

O estudo de Ramos (2007) também vai na mesma direção: “Fica devidamente explicitado que a remuneração do trabalho na cana deve-se, fundamentalmente, ao crescente esforço feito pelos cortadores de cana queimada, que permitiu a elevação do rendimento de corte mas que não conseguiu evitar que a remuneração diária real na atualidade seja menor do que a que se conseguia na segunda metade da década de 1970 e início da de 1980” (Ramos, 2007, p. 16).

Salário por peça e superexploração do trabalho

117

Mas, quais as consequências práticas disto? De acordo com Marx (2013), quando há, por alguma razão, uma elevação no valor da força de trabalho, a mesma deve ser acompanhada por um aumento proporcional dos salários, para que dessa forma os trabalhadores e suas famílias possam se manter e se reproduzir em condições adequadas. Contudo, nas situações em que isso não ocorre, o padrão de vida dos assalariados piora muito, já que nessas circunstâncias os mesmos terão cada vez mais dificuldade para conservar sua força de trabalho em estado normal, já que só conseguem se manter e se reproduzir de forma precária e parcial. Ao trabalharem cada vez mais e/ou por mais tempo, e ao não conseguirem repor todo o gasto adicional que tiveram porque não foram incluídos custos de depreciação maiores na reprodução de sua força de trabalho, os trabalhadores das economias dependentes - e aqui se incluem os assalariados rurais estudados nesta pesquisa - acabam arcando não apenas com o esgotamento precoce de sua força de trabalho, expresso na redução progressiva de sua vida útil, mas também com transtornos psicofísicos provocados pelo excesso de fadiga. Os acidentes de trabalho, as doenças ocupacionais, os casos de aposentadoria por invalidez, e até mesmo a morte prematura, são outras mazelas que também acabam surgindo como decorrência deste processo em que não somente a força de trabalho é consumida, mas a própria vida dos assalariados. Como vimos, o pagamento por produção acaba estimulando, ao mesmo tempo, tanto a elevação da intensidade do trabalho como o prolongamento da jornada, procedimentos que contribuem para aumentar ainda mais o desgaste desses trabalhadores que já desempenham uma atividade extremamente penosa e árdua por natureza. Não podemos nos esquecer que para o trabalho no corte manual da cana, mais do que força é necessário muita resistência física, já que ao longo de sua jornada de trabalho, os assalariados rurais realizam várias atividades repetitivas, exaustivas e a céu aberto, na presença de fuligem, poeira, fumaça e calor, e por um período que pode chegar até a dez horas diárias. Mas, a despeito dos assalariados rurais trabalharem cada vez mais e por mais tempo, os mesmos dispõem de pouco tempo para poderem repousar para recuperar as energias para o trabalho do dia seguinte, o que certamente comprometerá não somente o rendimento em sua

118

Superexploração do trabalho no século XXI

atividade, mas também sua saúde. Não se pode deixar de lembrar que, quanto maior for o número de horas consecutivas em que um esforço de trabalho é despendido, menor será a capacidade de recuperação do trabalhador em suas horas livres, sempre de igual, ou até menor duração, que seu tempo de trabalho. E mais. O descumprimento das pausas durante o trabalho, a frequência com que fazem horas extras, a necessidade de estar sempre aumentando a quantidade de toneladas de cana que cortam por dia, as poucas horas de sono, a fraca alimentação fornecida pelas usinas e as péssimas condições dos alojamentos, também acabam agravando ainda mais o já acentuado desgaste dos trabalhadores. Neste contexto, tornam-se recorrentes os mal-estares e as dores no corpo, sendo a última a principal causa de absenteísmo no trabalho. Quando acometidos por tais dores, os trabalhadores têm duas opções: faltam ao serviço para atendimento médico ou vão trabalhar mesmo assim, correndo o risco de não atingirem a produtividade mínima exigida (Cf. Alves, 2008). Caso faltem, as faltas só serão abonadas desde que justificadas pelo atestado médico e pelo recibo da compra dos medicamentos receitados. Contudo, o custo de tais medicamentos consome quase todo o dinheiro ganho no dia – pois quando faltam por motivos de saúde, os trabalhadores são remunerados por diária – fazendo com que faltar ao trabalho para ter atendimento médico seja uma alternativa muito cara. Nos outros casos, quando os trabalhadores decidem ir trabalhar mesmo com dor, podem vir a não atingir a média exigida, ou podem ser obrigados a suspender seu trabalho no meio do expediente em função da dor (Cf. Alves, 2008). Nesses casos os trabalhadores ficam sob a mira dos fiscais de turma que comunicarão a baixa produtividade a seus superiores, dificultando futuras contratações. Frente a isso, pensando em aliviar as dores no corpo na grande maioria das vezes provocadas por excesso de trabalho, os cortadores de cana buscam por conta própria os antiinflamatórios e analgésicos, medicamentos que lhes asseguram um rápido reingresso ao trabalho. Desta forma, percebemos que a automedicação serve como uma forma adotada pelos próprios trabalhadores para assegurar um ritmo de trabalho que vai além da capacidade física de muitos.

Salário por peça e superexploração do trabalho

119

Para agravar ainda mais todo esse contexto, a carência nutricional, acentuada pelo esforço físico excessivo, também contribui para o aumento dos acidentes de trabalho, além das doenças das vias respiratórias, dores na coluna, tendinites, desmaios, etc. Isso sem contar a fuligem da cana queimada que contém gases extremamente venenosos e nocivos à saúde e que é inalada diariamente pelos cortadores de cana. Não é de se estranhar, portanto, que muitos trabalhadores passem mal no meio de seu expediente. Como nos explicam Barbosa (2010) e Laat (2010): “É provável que na atividade de corte de cana devido ao ritmo de trabalho intenso, os ajustes fisiológicos que ocorrem em resposta ao exercício físico não consigam dar suporte à demanda do organismo para manter o equilíbrio interno, e, com isto, resposta anômala e/ou patológica passe a ocorrer, refletindo em níveis diversos de fadiga e insuficiência dos músculos envolvidos no trabalho e de órgãos alvos exigidos acima do limite...” (Barbosa, 2010, p. 6-7). “A hipertermia pode surgir em um trabalhador do corte manual de cana, pois esse faz um exercício intenso e prolongado, exposto às baixas umidades, altas temperaturas, sem adequada hidratação e péssima transpiração por conta das vestimentas pesadas [...] Como sintomas da hipertermia surgem inicialmente sede, fadiga e câimbras intensas. Na sequência o mecanismo termorregulador corporal começa a entrar em falência e surgem sinais como náuseas, vômitos, irritabilidade, confusão mental, falta de coordenação motora, delírio e desmaio [...] O suor é abundante, até o momento em que surge a desidratação [...] Essa é uma fase perigosa...” (Laat, 2010, p. 62).

Além da hipertermia, dentre os mal-estares mais frequentes, estão também as câimbras, que, na medida em que aumentam, se espalham por todo o corpo dos trabalhadores: “Geralmente as câimbras começam de maneira inesperada nas mãos, barriga, pernas ou nos pés, impedindo os mo-

120

Superexploração do trabalho no século XXI

vimentos. Relatos dão conta de casos em que ao levantar o podão, o trabalhador teve o braço e, em seguida, todo o corpo imobilizado. Todos os relatos apontam para o endurecimento dos músculos, o que é um dos sintomas da câimbra provocada pela perda do líquido e sais. A aplicação de soros nos casos extremos, nos quais os trabalhadores são transportados para os hospitais e postos de saúde, é uma medida que visa hidratar o trabalhador suprindo, dessa forma, os sais perdidos durante o trabalho” (Saturnino da Silva, 2011, p. 237).

Inseridos neste contexto caracterizado por condições insalubres de trabalho e enormes exigências no que se refere à qualidade do serviço desempenhado, muitos trabalhadores rurais acabam vindo a falecer até mesmo no próprio canavial, durante sua jornada de trabalho. Segundo o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), entre as safras de 2004 e 2008, vinte e um cortadores de cana morreram em decorrência de excesso de trabalho nos canaviais paulistas. “Todas as evidências colhidas a partir de relatos de trabalhadores e a partir da verificação das condições de trabalho apontam que as mortes são decorrentes do esforço exigido durante o corte de cana” (Alves, 2008, p. 34). As mortes cada vez mais frequentes de cortadores de cana de várias regiões do Brasil também chamaram a atenção de Silva (2006). Em sua pesquisa, a autora buscou ouvir alguns médicos para descobrir as causas que levaram os trabalhadores rurais a óbito. Os especialistas argumentaram que a sudorese excessiva (provocada pela perda de potássio) pode conduzir à parada cardiorrespiratória. Também há casos que são provocados por aneurisma, em função do rompimento de veias cerebrais. Entretanto, na grande maioria dos casos, nos atestados de óbito a causa mortis desses trabalhadores ainda são muito vagas, não permitindo, portanto, uma análise conclusiva a respeito do que causou as mortes. Nos atestados consta apenas que os trabalhadores morreram ou por parada cardíaca, ou por insuficiência respiratória, ou por acidente vascular cerebral (Cf. Alves, 2006). Mas, como diria Silva (2006), as mortes dos cortadores de cana são a ponta de um iceberg de um processo gigantesco de exploração, no qual

Salário por peça e superexploração do trabalho

121

não só a força de trabalho é consumida, mas também a própria vida dos trabalhadores. Ao longo das entrevistas realizadas com os assalariados rurais das duas usinas, vários mencionaram que já haviam ouvido falar e/ou já haviam presenciado casos de mortes no interior dos canaviais. Como nos contam seu João Gomes e José: “Pesquisadora (P): E o senhor, já conheceu alguém que se machucou trabalhando? João Gomes (JG): Conheci, muita gente, ahh!! Porque era ali, na turma da gente, né, o povo se cortava, aí vinha aquele carrinho baixo do fiscal e levava eles pra cidade, aí ali dava atestado pra eles. Eu mesmo nunca peguei atestado, graças a Deus eu nunca se machuquei. P: E na época em que o senhor trabalhou, tinha gente que passava mal na roça? JG: Ah, já sucedeu em minha turma morrer gente! Já morreu gente... P: Morreu gente? Como foi isso? JG: Foi assim, tinha um rapaz - no derradeiro ano que eu trabalhei nas usinas - que ele era de Tavares, ele trabalhava mais nós na mesma turma que a gente, aí ele trabalhou, e quando foi pra ele se fichar a usina não queria fichar ele porque ele tinha um problema, né, mas eu sei que ele se fichou-se por proteção, aí ele pegou pra trabalhar na cana, e quando tava faltando trinta e poucos dias pra safra terminar, nós tava cortando cana numa fazenda aí nós terminemos - porque a cana acabou e nós tinha que vir embora cedo - aí quando ele entrou no ônibus ele tava ruim, aí ele sentou-se assim no banco, e nós andamos uns duzentos metros e ele desmaiou. Aí o motorista falou que ia levar ele pra cidade de Itápolis – nós morava em Borborema, mas era longe pra chegar, né – aí nos levamos ele pra Itápolis que era mais perto. E quando nós chegamos lá, o médico espiou e ele já tava morto, já tava morto... P: E ele tinha trabalhado o dia inteiro? JG: Tinha trabalhado, esforçado, tinha trabalhado ‘forçado’...ele se forçou demais, ele só trabalhava ‘forçado’. Aí eu sei que ele morreu, nós deixamos ele na cidade de Itápolis. Aí os filhos dele vieram de fora, pediram pra ir buscar ele,

122

Superexploração do trabalho no século XXI

mas ele não teve condição de ir pra casa, né, porque a usina não liberou, aí enterraram lá mesmo, em Borborema”. “Pesquisadora (P): E tem muito acidente, muito desmaio na roça? José (J): As vezes tem corte, mas é leve, não é exagerado, não. Mas morte mesmo eu já cheguei ver, sabe... A pessoa tava trabalhando demais, aí chegou a tarde e a pessoa caiu e quando chegou no hospital já tava morto, já. Eu vi isso, isso foi em 2007. P: A pessoa era jovem? J: Era um senhor de uns 48 anos... P: Ele ‘forçou’ muito? J: Ah, ele ‘forçou’ bastante, aliás, ele forçava bastante, demais mesmo. Aí chegou nesse dia aí, ele não resistiu, caiu e não deu conta de chegar no hospital, aí de lá pra cá eu não vi mais [morte], não; mas pode ter acontecido e eu não saber porque é muito lugar. Eu até ouvi falar de outros, mas eu não cheguei ver. Mas eu também ouvi falar de outros que sofreram acidente e não conseguiram mais trabalhar, pessoa jovem, sabe?!”.

Aqueles que não chegam a falecer têm sua capacidade laboral reduzida de uma safra para outra, têm seus corpos mutilados e são considerados inválidos para o trabalho. Mesmo assim, em parte considerável dos casos, por serem os únicos provedores de suas famílias, os cortadores de cana sentem-se obrigados a continuar trabalhando. Este é o caso de seu Joaquim, que trabalhou como cortador de cana por muitos anos, e hoje em dia, com mais de cinquenta anos, sente no próprio corpo, sobretudo na coluna e nos braços, os impactos negativos acarretados por uma atividade tão intensa e desgastante como é o corte. Sem tanta força nem resistência física, o trabalhador confessou que não aguentaria mais trabalhar exclusivamente como cortador de cana, mas, como não podia deixar de trabalhar porque não podia viver sem receber um salário, teve que buscar emprego na turma da diária de uma das usinas pesquisadas a despeito de sua péssima condição de saúde:

Salário por peça e superexploração do trabalho

123

“Mas tem muito cortador de cana – de nós mesmos – que já cortou muito e que já não quer mais vir, não...cabra novo, porque já esgotou demais, não aguenta mais fazer o que fazia...cabra novo mesmo...que tirava dois mil, dois mil e tanto por mês, aí não quer mais vir. Eu sei que eu não tiro mais nem mil! [risos]. Tô aleijado da coluna, tô todo cheio de dor, já não aguento mais...e rapaz novo já tá deixando, principalmente homem cortador de cana ele passa 10, 15 anos cortando cana e ele não aguenta fazer...força muito a barra, força tudo, força a coluna, força os braços, força os pulmão mesmo, né, o respiratório, né, você engole muito daquela poeira, da fumaça que vem. Então o cortador de cana já entra na fumaça porque não existe tempo melhor pra cortar cana, pra ver se faz uma diária boa. Então essa é a ilusão da vida, né, depois que a gente morre acaba tudo e já era. As vezes a gente se empolga, ‘vamos fazer isso, vamos ganhar aquilo’, mas enquanto tu vives e tá com saúde tá bom demais, né, mas depois nada mais presta” (seu Joaquim).

Como isso percebemos que além de fazer uso da força de trabalho daqueles que contrata, o capital também se apropria dos anos futuros dos trabalhadores, atentando contra seu fundo de vida.

Referências ALVES, F. J. C. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, nº3, vol.15, p.90-98, set/dez 2006. ______. Trabalho e trabalhadores no corte de cana: ainda a polêmica sobre o pagamento por produção e as mortes por excesso de trabalho. In: BISON, N; PEREIRA, J. C. A. (Orgs.) Agrocombustíveis, solução? A vida por um fio no eito dos canaviais. São Paulo: CCJ, 2008, p. 22- 48. ­­ ______. Trabalho intensivo e pagamento por produção: o moedor de carne do Complexo Agroindustrial Canavieiro. Mimeo, s/d. ALVES, F.; NOVAES, J. R. P. Precarização e pagamento por produção: a lógica do trabalho na agroindústria canavieira. In: FIGUEIRA, R. R. et al. (Orgs.). Trabalho escravo contemporâneo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011, p.122-150. BARBOSA, C. M. G. Avaliação cardiovascular e respiratória em um grupo

124

Superexploração do trabalho no século XXI

de trabalhadores cortadores de cana de açúcar queimada no estado de São Paulo. 2010. Tese (Doutorado) - Programa de Pneumologia da Universidade de São Paulo. DAL ROSSO, S. Mais trabalho!: a intensificação do trabalho na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008. ______. Ondas de intensificação do labor e crises. Perspectivas, vol.39, p. 133-154, jan/jun 2011. ______. Crise socioeconômica e intensificação do trabalho. In: ANTUNES, R. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 43-53. D’INCAO, M. C. O “boia-fria”: acumulação e miséria. Petrópolis: Vozes, 1976. GARCIA, G. F. B. Relações de trabalho no setor canavieiro na era do etanol e da bioenergia. Mimeo, 2007. GARCIA Jr., A. R. O Sul: caminho do roçado. Estratégias de reprodução camponesa e transformação social. São Paulo: Marco Zero, 1989. GIORDANI, F. Prática desumana: hora-extra não paga prejuízos de cortadores de cana. Mimeo, 2009. GUANAIS, J. B. No eito da cana, a quadra é fechada: estratégias de dominação e resistência entre patrões e cortadores de cana em Cosmópolis/SP. 2010. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas. ______. Pagamento por produção, intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira brasileira. São Paulo: Expressão Popular/FAPESP [no prelo]. LAAT, E. F. Trabalho e risco no corte manual de cana de açúcar: a maratona perigosa nos canaviais. 2010. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Metodista de Piracicaba. MARINI, R. M. Dialética da dependência [1973]. In: TRASPADINI, R.; STEDILE, J. P. (Orgs.). Ruy Mauro Marini. Vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2011, p.131-172. ______. Las razones del neodesarrollismo (Respuesta a F. H. Cardoso y J. Serra). Revista Mexicana de Sociologia. Ano XL, vol. XL, numero extraordinário (E), p. 57-106, 1978. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital [1867]. São Paulo: Boitempo, 2013. NEVES, D. P. Por trás dos verdes canaviais: estudo das condições sociais de constituição e das formas de encaminhamento dos conflitos entre trabalha-

Salário por peça e superexploração do trabalho

125

dores rurais e usineiro. Niterói: EDUFF, 1989. NOVAES, J. R. P. Heróis anônimos. Democracia viva, nº36, p. 58-67, set/2007. POCHMANN, M. Força de trabalho e tecnologia no Brasil: uma visão da história com foco atual na produção de cana de açúcar. Rio de Janeiro: Revan, 2009. RAMOS, P. O uso de mão de obra na lavoura canavieira: da legislação (agrária) do Estado Novo ao trabalho superexplorado na atualidade. In: ANAIS II SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DO AÇUCAR: TRABALHO, POPULAÇÃO E COTIDIANO. São Paulo: Editora do Museu Paulista da USP, p.1-23, 2007. REIS, L. F. Mecanização e intensificação do trabalho no corte de cana do CAI canavieiro do estado de São Paulo. 2012. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos. SATURNINO DA SILVA, M. Trabalhadores-migrantes nos canaviais paulistas: sociabilidades, condições de trabalho e formas de resistência! 2011. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campinas Grande. SIGAUD, L. A nação dos homens: uma análise regional de ideologia. 1971. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ______. Os clandestinos e os direitos: estudo sobre os trabalhadores da cana-de-açúcar de Pernambuco. São Paulo: Duas Cidades, 1979. SILVA, M. A. M. A morte ronda os canaviais paulistas. Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária, nº2, vol. 33, p.111-141, ago/dez 2006. SOTELO VALENCIA, A. Los rumbos del trabajo. Superexplotación y precariedad social en el siglo XXI. México D.F.: Miguel Ángel Porrúa, 2012.

Outras fontes Contrato de Safra: manual. Brasília: MTE/SIT, 2002. DIEESE, 2014. Estudos e Pesquisas: O mercado de trabalho assalariado rural brasileiro. DIEESE, nº 74, outubro de 2014.

126

Superexploração do trabalho no século XXI

Circulação e superexplor ação do tr abalho: agenda de estudos da condição proletária contempor ânea Gil Felix

Para o Dudu, que não precisou do texto, e para o Eduardo Taddeo, pela trilha sonora

Introdução A partir das transformações decorridas da crise capitalista dos anos 1970, grosso modo, vem sendo analisado nos estudos do trabalho a metamorfose de um proletariado “estável” e “fixo” para um “flexível” e “móvel”. Nas economias centrais, comumente associada ao fordismo que teria caracterizado as estratégias produtivas da indústria desses países em grande parte do sec. XX, a erosão de tal condição anterior estaria motivando abordagens a respeito de um “retorno da superexploração” (Harvey, 2008), da crise da “sociedade salarial” (Castel, 1998), emergência de um “precariado” (Standing, 2015), dentre outras. Por outro lado, a desestatização das economias planificadas também foi acompanhada de um amplo quadro de demissões e de implantação das rotatividades laborais características de estratégias empresariais e administrativas adotadas em consonância aos preceitos da reestruturação produtiva. Nas periferias capitalistas, em que, quando observada, tal condição

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

127

pretérita abarcava apenas uma fração estatisticamente minoritária do próprio conjunto do operariado, processo específico, embora consonante, também vem sendo analisado sob diversos matizes. Esses processos teriam implicações observáveis de forma aproximada nos dados que vem sendo produzidos sobre as atuais tendências do trabalho no mundo. Aproximada porque há um desconhecimento empírico a respeito da circulação da força de trabalho em virtude da falta de instrumentos de aferição do fenômeno e, sendo assim, ausência de dados específicos ou diretos sobre isso47. Contudo, como decorrência desses processos, um bom índice a ser observado é a diminuição do tempo médio de permanência no emprego em todos os países que produzem dados a respeito. Da mesma forma, também é significativo o declínio ou praticamente fim do chamado “trabalho para toda a vida”, mesmo nos países que, por exemplo, foram caracterizados por grupos de trabalhadores que por gerações a fio apresentavam circulação praticamente nula da força de trabalho. Dentre aspectos diversos, esteve e está em curso ainda uma intensa ação política empresarial em prol de maior demissibilidade (redução ou anulação de regulações trabalhistas para recrutamento/demissão de trabalhadores), ainda que em ritmos diferentes, a partir de parâmetros historicamente distantes e sob processos também distintos no que se refere à luta de interesses de classe que se institucionaliza em torno do tema dos direitos trabalhistas nas mais diversas regulações estatais previamente estabelecidas. Na França, o contrato de trabalho por tempo indeterminado que caracterizava a quase totalidade dos vínculos de emprego nos anos 1970 apresenta índice de decrescimento constante nas últimas décadas. Desde 1972, contudo, já há ampla utilização do trabalho temporário pelas empresas por meio de agências especializadas nesse tipo de contrato, que, na prática, permitem a demissão do trabalhador a qualquer momento e sem custos. A média de duração desse trabalho temporário no 47

128

Uma métrica da circulação pressuporia acompanhamento e produção de conhecimento tanto do tempo de produção quanto do de circulação da força de trabalho em percursos individualizados, o que não é produzido sequer pelas agências estatísticas dos países cujas relações de trabalho são em sua maioria reguladas por contratos formais.

Superexploração do trabalho no século XXI

setor no início da década passada era de 6 semanas (Jounin, 2004, apud Costa, 2010). Em agosto de 2016, enfim, após forte resistência sindical, greves e mobilizações sociais, foi promulgada a nova legislação trabalhista que, dentre outras alterações, instituiu regras a fim de facilitar as chamadas “demissões econômicas”48 . O mesmo ocorre nos demais países europeus. Nos EUA, nos últimos quarenta anos houve uma redução significativa do chamado “lifetime employment” em uma única empresa para os cada vez mais vastos “hamburger-flipping jobs” (Farber, 2008). Atualmente, vinte e três ou vinte e quatro meses de vínculo já são considerados um tempo relativamente satisfatório de permanência na empresa. Em 2010, o tempo médio de permanência no emprego era de 4,4 anos (DIEESE, 2011: 59). Na China, as reformas do final dos 1980 em diante aboliram o pleno emprego, a garantia do “trabalho para toda a vida” e a relação que fixava o trabalhador ao seu danwei, isto é, à sua unidade de trabalho, dando aos gerentes das novas firmas o poder de determinar salários, recrutar e demitir. Com isso, apenas entre 1996 e 1999, por exemplo, 25 milhões de trabalhadores foram demitidos (Appleton et al., 2002, apud Yueh e Knight, 2004), formando um vastíssimo exército de reserva e inserindo gradualmente a circulação mercantil da força de trabalho. Pesquisas atuais têm indicado que há uma grande distância entre trabalhadores com residência urbana (hukou urbano), cujo tempo médio no emprego ainda estava em quase 20 anos em 1999, e os chamados “migrantes” (hukou rural), que tinham cerca de 4,5 anos em média, ou seja, naquela época, menos do que o ultra-flexível mercado dos EUA (id. ib.). A manutenção do sistema hukou – que garante acesso a serviços públicos de acordo com um controle de residência – e a permissão do trabalho temporário formaram um contingente de proporções chinesas de uma força de trabalho altamente circulatória, espacialmente móvel e parcamente remunerada. Porém, o Japão talvez seja o melhor exemplo desse processo com a dissolução do sistema de “emprego vitalício”, o shuūshin koyou, que 48

Cf. Loi Nº 2016-1088, Journal Officiel de la République Française, 09/08/2016.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

129

abrangia parte dos trabalhadores japoneses no mínimo desde os anos 1920. O Japão era reconhecidamente um país de pouquíssima circulação, o que, inclusive, era considerado um dos pilares de “sucesso” econômico49. Mas, em 2010, segundo dados oficiais, mais de 6 milhões de trabalhadores japoneses (14,5% do total) experienciaram alguma rotatividade de trabalho. Em 1985, essa taxa era de apenas 1% (Roncato, 2013). Atualmente, crescem não só a circulação, mas a inserção cada vez mais precária dos trabalhadores no mercado: um em cada quatro trabalhadores seria um “woorking poor”50, uma condição que atinge principalmente os estrangeiros ou os dekassegui, ou seja, todos aqueles que “saem em busca de dinheiro através do trabalho”. No Brasil, segundo os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), ou seja, apenas os vínculos formalizados, o tempo médio de emprego era de 4,4 anos em 2000 e de 3,9 anos em 2009 (Dieese, 2011: 17)51. Há também uma fração de empregos formais em que a circulação é ainda mais intensa. Em aproximadamente 63,6% dos casos de desligamento ao longo da década de 2000, o tempo de trabalho foi menor do que um ano (id. ib.: 53). Na década de 1990, 45% dos trabalhadores registrados trocavam de emprego em um ano. A taxa global acelerou para 53,9%, em 2002, e em 2013 chegou a cerca de 64% (Dieese, 2014). Neste período, em especial, a aceleração da circulação da força de trabalho esteve relacionada a um processo de rebaixamento dos salários. Se por um lado houve aumento do salário mínimo fixado por lei e dos registros formais, por outro, os salários foram em grande parte reduzidos a esse mínimo, tal como se observou na razão estabelecida entre o salário médio real de admissão e o salário mínimo real (Pozzo

49

No entanto, como relatou o jornalista Satoshi Kamata, a política de “emprego vitalício” nunca existiu de fato para todos os trabalhadores, excluía não apenas os temporários, mas também as mulheres e quiçá os ditos “estáveis”. Apenas entre 1960 e 1973 (kodo seicho ki), não teriam ocorrido grandes demissões (Kamata, 1991: 151).

50

Categoria utilizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para se referir ao trabalhador empregado que tem renda abaixo da linha de pobreza.

51

A taxa de rotatividade no emprego assalariado informal, em geral, seria estimada entre 3 a 4 vezes maior do que no formal (Ulyssea, 2006).

130

Superexploração do trabalho no século XXI

e Chahad, 2013; Pochmann, 2012)52 . Em termos históricos, fenômeno semelhante também teria ocorrido em outro momento no qual houve grande incorporação formal de força de trabalho, particularmente entre 1968-1973. Neste período, sob intensa circulação proporcionada pelo fim da estabilidade decenal e pela criação do FGTS em 1966, houve, inclusive, uma redução de salários reais (Marini, 1977; 1978). Tal como já mencionado, embora os dados indiquem tendências cada vez mais amplas e generalizadas, as maneiras pelas quais estaria se desenvolvendo envolvem parâmetros, formas, durações e graus bastante diferenciados entre si. Neste caso, a menção aos índices brasileiros é particularmente fortuita nesta introdução para uma ressalva para o leitor, cuja análise não está no escopo do artigo, mas que convém abrir um breve parêntese. Em geral, análises sobre tais tendências que se pretendem mundiais, mas que se restringem aos efeitos e às lutas em torno do desmonte do Estado de Bem-Estar – tendo como parâmetros o crescimento dos índices formais de “desemprego” ou o fim do regime de pleno assalariamento formalizado, por exemplo – têm sério risco de reproduzir um eurocentrismo grosseiro. Tal como na formação social brasileira, um vasto setor informal da economia constituído por alta circulação da força de trabalho e um exército de reserva de enormes proporções não são características novas na maior parte do mundo, especialmente na América Latina, Ásia e África53. Porém, uma miopia 52

No mesmo sentido, em relação aos rendimentos médios reais dos trabalhadores ocupados entre 2004 e 2012 houve tendências distintas e significativas entre empregados com e sem carteira assinada. Enquanto os primeiros teriam tido 5,6 de aumento no rendimento no período seguinte (até 2012), os trabalhadores por conta própria teriam tido cerca de 15% (Chahad; Pozzo, 2013: 21).

53

Para o leitor especialmente interessado sobre o tema, sugiro ler um artigo em que retomo as proposições teóricas de Ruy Mauro Marini a respeito da produção e reprodução das especificidades com que se apresenta o exército de reserva nas formações dependentes (Felix, 2017). Este artigo que agora publico é um desdobramento das reflexões feitas a partir das proposições deste autor, que venho estudando de forma mais sistemática desde 2007, e das pesquisas empíricas que realizo desde 2005 na Amazônia Oriental, que o leitor também poderá conferir com maiores detalhes no livro que será publicado em breve (Felix, no prelo). Neste sentido, as teses apresentadas aqui são, na verdade, baseadas em diversas pesquisas sociológicas realizadas junto a trabalhadores e camponeses brasileiros nas primeiras décadas do século, cujos resultados vêm sendo debatidos em vários espaços acadêmicos e de militância política.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

131

cética oposta também corre o risco de reproduzir um viés tão grosseiro quanto o anterior diante de fenômenos significativos como é o caso, por exemplo, no Brasil, do aumento da chamada rotatividade para todas as frações de trabalhadores, principalmente dentre aquelas mais escolarizadas e de maior especialização, sendo um dado cada vez mais generalizado no mercado formal (Cf. DIEESE, 2014). Por outro lado, recentemente, a questão da chamada “alta rotatividade” no Brasil foi erigida ao status de problema social por uma série de agentes políticos no país, o que, por sua vez, também é um fato extremamente relevante54 . Como tal, a pauta foi inserida na agenda pública vinculada a interesses de grupos empresariais por maior desregulamentação estatal e demissibilidade e obteve sucesso no que se refere às mudanças na legislação trabalhista brasileira em temas como acesso ao benefício do seguro-desemprego, legalização plena da terceirização e, enfim, possibilidade de negociação de direitos anteriormente legislados entre patronato e sindicatos. Ao mesmo tempo, também se predica nas últimas décadas pelo fim do regime de estabilidade que vigora em parte do setor público assalariado, em prol de um mercado plenamente “rotativo” e “competitivo”. Em 2017, foi inserida a possibilidade do contrato formal denominado como “trabalho intermitente”55 e regulamentada uma nova forma de demissão com redução de custos para o patrão, ambas com rápida adesão por amplos setores do empresariado. Segundo aferição recente da OIT no sugestivo relatório “Changing nature of jobs” (ILO, 2015), há uma tendência mundial de crescimento, ou substituição, dos empregos de tempo integral e contrato estável de

54

Sendo “rotatividade” a forma como foi traduzido no Brasil o conceito de turnover ou labor turnover, frequentemente usado no campo dos Recursos Humanos e da Psicologia do Trabalho cuja unidade de análise é a empresa e o indivíduo. Sua origem remonta ao contexto norte-americano da I Guerra Mundial, à preocupação em relação aos custos empresariais de recrutamento-demissão de trabalhadores e a uma definição oficial adotada por administradores em uma Conferência, que, em 1918, formaria a National Association of Employment Managers (Crum, 1919; Brissenden, 1920; Jacoby, 2004).

55

“Trabalho intermitente” é uma forma contratual que está sendo inserida no processo de alteração das legislações trabalhistas brasileiras. Prevê o pagamento do trabalhador apenas pela hora trabalhada, sob convocação do patrão. Aproxima-se, neste sentido, ao Zerohour Contract da Inglaterra, tal como descrevo a seguir.

132

Superexploração do trabalho no século XXI

trabalho para o que denominaram como non-standard forms of employment, assim definidas: “A OIT considera as seguintes formas de trabalho como non-standard [“atípico”, segundo tradução convencional da OIT]: (1) trabalho temporário; (2) formas contratuais envolvendo várias partes, inclusive o trabalho temporário por meio de agências; (3) relações de emprego ambíguas, inclusive o trabalho por conta própria e relações de emprego disfarçadas; e (4) part-time [a tempo parcial]”. (tradução minha; grifos meus; ILO, 2015a: 33).

O trabalho nas prateleiras do supermercado De maneira geral, a relação entre tais processos em curso e as transformações no sistema capitalista mundial já foram sistematicamente abordadas e amplamente referidas56 . Aqui, inicialmente, interessa ressaltar somente um aspecto específico desse processo: a relação entre um regime de acumulação flexível do capital e as formas de circulação da força de trabalho que lhe são decorrentes. A utilização generalizada das estratégias empresariais empregadas sob um padrão de acumulação flexível do capital implica em alguns aspectos do que se designa sob os termos “flexibilidade” ou, outros casos, “precarização do trabalho”. De forma ainda mais recente, dado o impacto da gestão e das relações de trabalho inspiradas na empresa Uber, cujas tendências que vou indicar adiante vêm sendo radicalizadas, “uberização do trabalho”. Como tal, vem sendo relacionada a uma série de questões: os impactos das empresas estruturadas em rede e a adoção das novas tecnologias de informação e comunicação (Castells, 1999; Lojkine, 1995); desemprego, declínio dos contratos de compra de força de trabalho por tempo indeterminado e aumento dos contratos por tempo 56

A referência principal utilizada por mim nessa investigação está nos textos de D. Harvey sobre o tema, especialmente em “Condição pós-moderna” (Harvey, 2008), quando propôs a categoria acumulação flexível. Em sintonia com Harvey, uma série de autores também analisaram o processo de transformações do trabalho após a década de 1970 e, sob variados enfoques, a adoção de elementos do padrão flexível pelas empresas decorrentes de reestruturações produtivas convencionalmente denominadas como neotaylorismo, reengenharia, toyotismo, “modelo japonês”, kalmaranismo, neofordismo ou pós-fordismo (Gounet, 1999).

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

133

parcial ou determinado (Castel, 1998); informalização, desregulamentação, diminuição ou ausência de direitos trabalhistas (Antunes, 2013); remuneração variável57; multifuncionalidade ou polivalência (Antunes, 2011; Bihr, 1998); jornadas de trabalho variáveis, deslocalizadas ou indeterminadas (Sennett, 2010); subcontratação e práticas generalizadas de outsourcing, nas mais variadas formas (contratos de trabalho domiciliar, contratos de empresa fornecedoras de componentes, contratos de serviços de terceiros – empresas e/ou indivíduos – e contratos de empresas cujos trabalhadores executam a atividade produtiva ou serviço na planta da contratante, geralmente com a formação de subcontratações escalonadas; Cf. Druck, 1995; Alves, 2011)58 . No mesmo sentido, pretendo demonstrar algo transversal às análises já realizadas: o processo de aceleração e amplificação da circulação da força de trabalho, que, na falta de outra alusão, vou me referir como supercirculação. Para tanto, ressalto a relação epistemologicamente simples que se estabelece entre o novo padrão de acumulação flexível – em especial a dinâmica específica que assume a circulação do capital – e a circulação mercantil da força de trabalho que lhe é subsumida. Considerando que a acumulação flexível envolve fundamentalmente uma mudança na circulação do capital em termos de rotação, de relação tempo-espacial em compressão, há também uma mudança em curso das formas de produção, circulação e utilização da força de trabalho, que decorrem dessa nova circulação do capital. Como o que se requer é o uso “flexível” da força de trabalho no processo de trabalho advindo da acumulação flexível do capital, isto é, a adoção de métodos de compra e venda just-in-time ou de “fim dos estoques” de força de trabalho, não se trata propriamente de prescindibilidade, mas sim de aumento 57

As referências nesse sentido são tanto no aumento do salário por peça (produto, tarefa ou serviço), quanto no que descrevem, por exemplo, Linhart et al. (1993) e Linhart (2007): adoção de políticas de individualização das remunerações e das situações de trabalho, isto é, aumento diferenciado dos salários, atribuição de formações personalizadas, definição de carreiras individualizadas.

58

No Brasil, a adoção da terceirização foi generalizada principalmente a partir dos anos 1990 (Ramalho e Martins, 1994; Druck e Franco, 2007; Marcelino, 2002; Pochmann, 2007). No momento em que escrevo este artigo, está em vias de ser regulamentada para o emprego em todos as funções internas das empresas.

134

Superexploração do trabalho no século XXI

de sua circulação, enquanto mercadoria, o que, por sua vez, enfatizo, implica em uma série de mudanças também na produção e na utilização da força de trabalho. Ressalto que esse processo envolve mudanças em termos de tempo e espaço da circulação mercantil da força de trabalho, denotando questões de ordem conjectural que podem ser atualmente desdobradas em vários sentidos. Por amplificação, por exemplo, podemos atribuir quantidade (no sentido de um maior número de trabalhadores em situação de reserva e/ou maior fluxo de entrada e saída do mercado de trabalho); extensão (maior mobilidade espacial da força de trabalho); qualidade (maior plasticidade ou amplitude de recrutamento da força de trabalho oferecida por trabalhadores polivalentes, poli-especializados, intersetoriais). A aceleração, por sua vez, envolve mais compra e venda da mercadoria. Relaciona-se, em certa medida, com o processo convencionalmente designado como “flexibilização trabalhista”, que é a forma de adequação das regulações trabalhistas à atual etapa de acumulação flexível do capital e ao seu congruente mercado de trabalho, seja com a mudança das leis que impedem a total demissibilidade e liberdade de compra/venda e uso da força de trabalho, seja com a criação de novos postos de trabalho já previamente regulados dessa forma ou não legalmente formalizados em geral. Contudo, rigorosamente, tal como destacarei a seguir, circulação, mobilidade e deslocamento são questões teórica e analiticamente distintas. Neste artigo, mais do que desenvolver cada uma dessas possíveis implicações, pretendo frisar uma démarche atenta, por um lado, para as condições de reprodução social dos trabalhadores sob tal regime e, por outro, para um programa de estudos coerente com as mesmas, no caso, que não oblitere epistemologicamente as relações sociais de circulação na contemporaneidade. Entretanto, é necessário frisar que o processo indicado significa não apenas efeitos teóricos clássicos de maior intensidade da ação social do exército de reserva, tal como analisou Marx na acepção original desse conceito, como demissibilidade, concorrência e rebaixamento ou controle salarial, mas, atualmente, também, uma alteração na própria relação entre exército ativo e exército de reserva, no sentido de uma aproximação. As formas que assume hoje a circulação mercantil de força de

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

135

trabalho tendem a fazer diminuir cada vez mais a distância entre exército ativo e exército de reserva, constituindo uma “classe trabalhadora de reserva”, em circulação constante59. Isto é, aquilo o que caracterizava historicamente algumas camadas contínuas do exército de reserva a que Marx (2013) teria associado etimologicamente à liquidez, fluência ou flutuação com o uso dos termos “ flüssige” e “ fließender”, por exemplo, agora também tenderiam a ser características, ou situações, de frações cada vez mais amplas da classe trabalhadora. Em vez de fronteira, há de se pensar em trânsito, movimento, ou, certos casos, quase indistinção – o que não significa propriamente uma “nova classe social” em formação, mas uma nova morfologia da classe trabalhadora, dado que, como proponho a seguir, dentro de uma tradição marxiana, por exemplo, as relações sociais são rigorosamente as mesmas. Em termos básicos, tendo a criticamente poderosa categoria “força de trabalho” como parâmetro para a análise da mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado, Marx definiu que “Todo trabalhador a integra [superpopulação relativa ou exército industrial de reserva] durante o tempo em que está parcial ou inteiramente desocupado” (Marx, 2013: 716). Alguns autores têm buscado demonstrar uma agência cada vez mais plenamente mundializada do exército de reserva, ampliando o alcance de seus efeitos. François Chesnais, por exemplo, propôs que a emergência de um capitalismo caracterizado pelo livre deslocamento transnacional do capital, estaria colocando em franca concorrência trabalhadores do mundo inteiro. Haveria, portanto, um processo de “mundialização do exército industrial de reserva” (Chesnais, 2006). Ursula Huws (2012) também observou a formação de um “exército de reserva global”, frente aos atuais fluxos do capital e do trabalho. Foster, McChesney e Jonna (2011) foram ainda mais longe: as atuais mudanças no

59

136

Dado o processo de “flexibilização” ou precarização dos contratos de trabalho, essa aproximação não implica necessariamente um trânsito formal-informal ou, certos casos, até mesmo emprego-desemprego. A situação ativo-reserva pode ser intermitente ou, certos casos, até mesmo praticamente indistinguível dentro do próprio mercado formal de compra e venda de força de trabalho regulado pelo Estado, tal como indicado a seguir.

Superexploração do trabalho no século XXI

sistema imperialista e no trabalho tanto no “Sul” quanto no “Norte” se devem justamente por conta de um “exército de reserva global”60. Esta concorrência mundializada do exército de reserva que esses pesquisadores estão defendendo, portanto, reforça e exponencializa a análise aqui proposta. Com eles, poder-se-ia pensar em uma ação agora cada vez mais mundializada do mesmo em uma etapa de acumulação flexível do capital e, por conseguinte, em efeitos também mundiais. Entretanto, tal como grifei, o processo em curso exige uma abordagem de cunho transversal da questão – no sentido de que seja atenta à totalidade da circulação da força de trabalho –, dado que até mesmo as fronteiras classificatórias entre exército ativo e exército de reserva já parecem estar em disputa61. Susanne Soederberg, por sua vez, analisou a incorporação cada vez maior de frações da superpopulação relativa como devedores no mercado financeiro a partir dos novos mecanismos de endividamento financeiro empregados de forma cada vez mais ampla pelas indústrias de cartão de crédito, micro-empréstimos, hipotecas, cheques, etc (Soederberg, 2014; 2013; 2012). Nesse caso, os resultados de sua pesquisa também implicam em reconhecer transformações significativas na natureza do exército de reserva. Ela enfatiza alguns aspectos fundamentais dessa incorporação, como o disciplinamento e a expropriação brutal dos salários pela rapina financeira, além dos fatores de ordem ideológica. Por outro lado, dentro da perspectiva que estou propondo, caberia observar ainda as implicações desta financeirização da circulação da força de trabalho para os processos que elenquei acima. Uma hipótese lógica a ser seriamente considerada é, assim como no caso da 60

Bastante interessante, porém, é o impasse que eles enfrentaram ao tentarem adequar as categorias utilizadas pela ILO (como, por exemplo, part-time workers e vulnerably employed) nas contas de um exército ativo ou de “reserva global”. No Brasil, um impasse semelhante com as categorias utilizadas pelo IBGE pode ser encontrado, por exemplo, em Neto (2013).

61

Não surpreende, nesse sentido, um interesse renovado por teorias de origem latino-americana para buscar explicar o crescimento de uma suposta “superpopulação absoluta”, como é o caso de análises do antropólogo canadense Gavin Smith (2011; s/d). Ou mesmo propostas de leituras atuais dos escritos de Ruy Mauro Marini que sequer foram publicados em língua inglesa até o momento, tal como propôs recentemente John Smith (2016), a partir de Londres, com relativo sucesso editorial.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

137

chamada mundialização, também haver um efeito exponencializador dos mesmos. Contudo, essas políticas de rotação se desenvolveram e se desenvolvem em condições históricas específicas. No mínimo desde Taylor (2006 [1911]), a moderna administração científica racionaliza o processo de produção de forma a cada vez depender menos dos trabalhadores-indivíduo ou, como ele propunha, a cada vez mais tornar o “sistema” independente do “homem eficiente”. O trabalhador-massa taylorista é uma peça da máquina, do corpo-fábrica, ou seja, imprescindível, mas substituível, quando necessário. A política de retenção de Ford também era fundada justamente nessa possibilidade de substituição progressivamente racionalizada pelo taylorismo. Ou, como ele sustentava na sua conhecida máxima: “Men work for only two reasons: one is for wages, and one is for fear of losing their jobs”62 . Tal racionalização, ao expandir cada vez mais sua abrangência, potencializa a circulação da força de trabalho e as políticas empresariais de rotação, ou seja, insere a demissibilidade/descartabilidade ou troca imediata do trabalhador-indivíduo. Enquanto processo histórico, porém, remontaria aos primórdios polemicamente datados do próprio capitalismo. Teoricamente, nesse sentido, pode ser concebido como o processo contínuo de subsunção do trabalho ao capital já descrito no Livro I de O Capital. Um processo que, como Marx também analisou no manuscrito que ficou reconhecido como “Capítulo inédito”, desenvolve-se através da transformação tanto dos meios de trabalho propriamente ditos, quanto das relações de trabalho, e que “prossegue e se repete continuamente”, mesmo após a subsunção real do trabalho ao capital (Marx: 1978: 66). Sendo assim, o processo de substituição da subsunção formal à subsunção real do trabalho ao capital e, depois, seu prosseguimento através de modalidades de produção de mais-valor relativo, como é o

62

138

Algo como, em uma tradução livre minha: “Os homens trabalham por apenas duas razões: uma é pelo salário e a outra é pelo medo de perder seus empregos”.

Superexploração do trabalho no século XXI

caso da intensificação do trabalho, produz e potencializa continuamente a aceleração da circulação da força de trabalho63. Nesta perspectiva, as mudanças organizacionais da administração científica após o paradigma taylorista-fordista não só aprofundaram essa racionalização, como também inseriram um processo diretamente relacionado a esse, de supercirculação. Neste sentido, a metodologia utilizada por Linhart (2007: 94-103) é pertinente. Para ela, a análise de um novo modelo implica dar a mesma importância ao que muda e ao que não muda, cabendo distinguir o que deriva do discurso e o que está relacionado às práticas e aos resultados. Ohno escreveu em seu livro que a primeira coisa que quis ver nos EUA foi um supermercado. Foi a partir dele que teria tirado as ideias para implantar as metas just in time na Toyota (ou pelo menos foi dessa forma que ele explicou a posteriori o que fez). A ordem era evitar “desperdícios”: “Do supermercado pegamos a ideia de visualizar o processo inicial numa linha de produção como um tipo de loja. O processo final (cliente) vai até o processo inicial (supermercado) para adquirir as peças necessárias (gêneros) no momento e na quantidade que precisa. O processo inicial imediatamente produz a quantidade recém retirada (reabastecimento das prateleiras). Esperávamos que isso nos ajudasse a atingir a nossa meta just-in-time e, em 1953, implantamos o sistema na nossa oficina na fábrica principal” (Ohno, 1997: 45).

Sendo assim, as gerências referenciadas no “novo modelo” aplicaram essas estratégias ao uso da força de trabalho no processo produtivo, tomadas das prateleiras na medida exata do que se precisa dela, isto é, no momento e na quantidade exata do que se precisa. Adquirida e

63

Nos manuscritos publicados no Livro III, Marx analisou outro movimento, que não é contraditório com esse, enquanto uma das causas contrariantes da lei da tendência de queda da taxa de lucro, que é a ação contrária que exerce a superpopulação relativa sobre o aumento de produtividade e sobre o próprio processo de subsunção do trabalho ao capital (Marx, 2008: 312).

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

139

descartada na quantidade e no momento o mais exato possível do que se utiliza; contratada e remunerada, em último caso, apenas pelo dia, hora, peça ou tarefa necessários em determinado processo produtivo. Frisarei, todavia, que tal processo decorre da própria natureza das relações sociais de produção estabelecidas no trabalho assalariado e que, portanto, ainda que estejam relacionadas a condições de trabalho tecnicamente próprias da etapa de acumulação flexível, advêm do mesmo mecanismo mercantil capitalista de valorização do valor e de exploração da força de trabalho. No modo de produção capitalista, enquanto mercadoria, a força de trabalho é necessariamente “móvel”, isto é, sempre sujeita à “mobilidade”, como propunha Gaudemar (1977), referindo-se às mudanças espaciais e qualitativas impostas pela circulação e acumulação do capital. Porém, nesse caso, é necessário fazer um exercício de digressão às categorias marxianas: em teoria, o que significa especificamente um aumento da circulação da força de trabalho?

Circulação e reprodução da força de trabalho A seu tempo, Marx descreveu que os trabalhadores relegados às camadas mais profundas do exército de reserva ainda “aptos para o trabalho” eram os que mantinham condições de mobilidade (Marx, 2013: 719). Tal como o capital seria indiferente ao ramo de produção em que se situa seu processo de valorização, tal como o capitalista seria indiferente à natureza particular do processo de trabalho de que se apropria para obter lucro, o despossuído vendedor de força de trabalho, escravo moderno, também teria pouca opção a não ser a “indiferença” ao conteúdo do seu próprio trabalho, à instrumentalização do seu corpo para o uso da forma e no espaço históricos em que se instala o processo de trabalho. Neste sentido, as condições de mobilidade que mantinham ou não esses trabalhadores “aptos para o trabalho” não seriam apenas deles, mas da natureza da força de trabalho, em geral, enquanto mercadoria no modo de produção capitalista. Afinal, essa mercadoria circula em um mercado de trabalho, particular e especial, mas um mercado, no qual o capitalista compra a força de trabalho, e não o trabalhador e nem o trabalho. O trabalhador, por definição, é “livre” e “móvel”: “Isto é,

140

Superexploração do trabalho no século XXI

livre de se vender, livre de se vender apenas ao capital. Móvel, isto é, capaz de ir sozinho ao mercado para se vender e se submeter à exploração capitalista” (Gaudemar, 1977: 265). A esfera da circulação, em que se insere a compra e venda da força de trabalho, como Marx expõe com toda sua ironia, “é, de fato, um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem. Ela é o reino exclusivo da liberdade, da igualdade, da propriedade e de Bentham” (Marx, 2013: 250). Mas a mobilidade da força de trabalho, mesmo sendo uma mercadoria como qualquer outra, em termos marxianos, também é bastante singular. Gaudemar (id.) sugere reler os primeiros capítulos de O Capital, em que Marx trata da circulação simples das mercadorias em geral, para se pensar na mobilidade da força de trabalho. Como se sabe, Marx apenas apresenta a mercadoria força de trabalho a partir do seu 4º capítulo. Façamos o exercício, de forma resumida. Destacarei apenas dois pontos: o valor e o deslocamento espacial das mercadorias. Marx, no capítulo 1, afirma que a grandeza do valor de uma mercadoria é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Isso porque o trabalho é a “substância do valor” e o tempo de trabalho a sua medida. “Essas coisas [os produtos do trabalho, as mercadorias] representam apenas o fato de que em sua produção foi despendida força de trabalho humana, foi acumulado trabalho humano. Como cristais dessa substância social que lhes é comum, elas são valores – valores de mercadorias” (Marx, 2013: 116). No capítulo 2, sobre o processo de troca, Marx afirma: “As mercadorias não podem ir por si mesmas ao mercado e trocar-se umas pelas outras. Temos, portanto, de nos voltar para seus guardiões, os possuidores de mercadorias” (id.,ib.: 159). No que se refere à troca, é sabido que a circulação simples das mercadorias não altera seu valor e expressa apenas sua metamorfose, M-D-M. O transporte, no entanto, constitui trabalho necessário para a produção de uma mercadoria: para que uma mercadoria seja oferecida e trocada numa praça de mercado, deve ser deslocada até lá, o que significa, portanto, mais tempo de trabalho necessário para sua produção. Como também é de pleno conhecimento, esse assunto foi mais abordado por Marx nos seus rascunhos editados

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

141

no Livro II, em que conclui, por exemplo, que “(...) o valor de uso das coisas só se realiza em seu consumo, o qual pode exigir seu deslocamento espacial e, portanto, o processo adicional de produção da indústria do transporte” (Marx, 2014: 229). Logo, o valor da mercadoria tem em sua composição o valor acrescido do seu transporte, o tempo de trabalho socialmente necessário para o seu transporte64 . E a força de trabalho? A particularidade mais evidente – ou, melhor, aparente – é que ela é a única que vai “por si só ao mercado”. Como observa Gaudemar (id.), a força de trabalho “(...) se apresenta ela própria no mercado, como única mercadoria ‘livre’ de se deslocar, de se dirigir ao local de venda da sua escolha” (p. 201). E conclui: “Os fluxos migratórios tomam aqui o seu lugar na constelação do capital” (id. ib.: 321). Porém, se levarmos adiante o raciocínio proposto, notaremos que o que vale para as outras mercadorias, grosso modo, vale também para a força de trabalho. O deslocamento compõe seu valor, necessariamente. Os custos do deslocamento espacial são sempre parte do valor da força de trabalho, uma vez que, para que tenha valor de uso para seu comprador, o capitalista, o trabalhador precisa necessariamente se deslocar até o lugar em que se dará esse consumo, o local de trabalho. A rigor, em termos de valor, impera exatamente a mesma lógica das demais mercadorias. Ainda que extremamente significativa para a compreensão das atuais dinâmicas de trabalho em domicílio e todas as demais formas de deslocamentos e transformações do local de consumo da força de trabalho, essa seria, portanto, uma particularidade apenas aparente. Não obstante, a mobilidade espacial da força de trabalho normalmente implica outras complexificações. Peña López (2012), por exemplo, que pesquisa os trabalhadores mexicanos nos EUA, afirma que a

64

142

Marx conclui que a indústria do transporte “se distingue pelo fato de aparecer como continuação de um processo de produção dentro do processo de circulação e para o processo de circulação” (grifos do autor. Marx, 2014: 231). O aumento da produtividade nessa indústria reduz o tempo socialmente necessário para a produção de praticamente todas as mercadorias e permite, como explicita Marx, uma “destruição do espaço pelo tempo”. Junto à indústria das comunicações, esse fator influenciou, inclusive, a divisão internacional do trabalho nas últimas décadas e as mudanças da atual etapa de acumulação do capital.

Superexploração do trabalho no século XXI

reprodução social de um trabalhador migrante não está fixada a um só espaço geográfico e social, mas a vários: “Ao considerar os meios de subsistência do trabalhador migrante se deve ter em conta os diversos espaços de reprodução que ele e sua família requerem (de forma imediata e mediata) e também os espaços de traslado ou movimento, que em si mesmos também são espaços de reprodução. Este “rompimento” dos espaços de reprodução determina o processo de reprodução do trabalhador, que se torna extraordinariamente complexo” (Peña López, 2012: 61; grifos meus; tradução minha).

O que assinala Peña López nesta citação se refere não apenas ao denominado “trabalho migrante”, quando os espaços de reprodução são “rompidos” (e duplicados, ou triplicados), mas à circulação mercantil da força de trabalho em geral. Como afirma, os próprios espaços de movimento e de deslocamento são também espaços de reprodução, que, dependendo da distância e do tempo envolvidos, implicam em elevação dos custos da reprodução da força de trabalho. Ou seja, também há “re-produção” da mercadoria na esfera da circulação. A reprodução do trabalhador (e de sua unidade social de reposição) também inclui o tempo que permanece no exército de reserva, seu “tempo de circulação”, ou seja, o período que compreende uma venda e outra da força de trabalho – “tempo”, é bom frisar, já que, obviamente, como mercadoria, a força de trabalho também pode circular sem se deslocar espacialmente: “No interior do ciclo do capital e da metamorfose das mercadorias, que constitui uma fase desse ciclo, realiza-se o metabolismo do trabalho social. Esse metabolismo pode condicionar o deslocamento espacial dos produtos, seu movimento real de um lugar para o outro. Mas a circulação de mercadorias é possível sem seu movimento físico e o transporte de produtos, sem a circulação de mercadorias – e mesmo sem a troca direta de produtos. Uma casa que A vende a B circula como mercadoria, mas não sai para passear. Valores-mercadorias móveis, como algodão ou ferro-gusa, jazem no mesmo depósito de mercadorias, ao

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

143

mesmo tempo que percorrem dezenas de processos de circulação, sendo comprados e vendidos pelos especuladores. O que realmente se move é o título de propriedade sobre a coisa, não a coisa em si. Por outro lado, no Império Inca, por exemplo, a indústria do transporte desempenhou um grande papel, embora o produto social não se distribuísse nem como mercadoria, nem por meio das trocas comerciais” (Marx, 2014: 229).

A questão, porém, é que o tempo de circulação é uma reprodução não paga imediatamente na forma salário. Esta é a verdadeira especificidade da mercadoria força de trabalho, no que se refere à circulação simples de mercadorias65. Um fator que, embora claramente percebido por Marx, não foi desenvolvido por ele na época66 . O processo atual de acumulação, contudo, nos impele a isso. 65

Considerando como “tempo de circulação” os custos de circulação como um todo no período em que a força de trabalho não está vendida (isto é, grosso modo, pensando a partir do que foi analisado para as mercadorias em geral no Livro II, por exemplo, em três itens: custos líquidos, armazenamento e transporte). Cf. Marx (2014: 209-231). Cabe frisar que o que estou denominando aqui como “tempo de circulação” e, como também designo adiante, “tempo de produção” para a força de trabalho, foram abstrações que fiz para o exercício que demonstrarei a seguir. Marini, por exemplo, se referiu a uma “circulação da venda da força de trabalho” e a uma “especificidade da venda da força de trabalho (M-D-M) na circulação capitalista”, em um guia de leitura que preparou em conjunto para um curso na UNAM sobre o processo de circulação do capital (Marini et al., 1979).

66

O capitalismo que Marx toma por base para sua análise era caracterizado por outras estratégias de acumulação e reprodução. Isso, porém, não o impediu de fazer um importante exercício a respeito de um suposto “subemprego anormal” (Marx, 2013: 615-6), dentro das premissas metodológicas cuidadosamente adotadas por ele no Livro I, que eu destaco para o leitor especialmente interessado: “A unidade de medida do salário por tempo, o preço da hora de trabalho, é o quociente do valor diário da força de trabalho dividido pelo número de horas da jornada de trabalho habitual. Suponha que esta última seja de 12 horas e que o valor diário da força de trabalho seja de 3 xelins, isto é, o produto de valor de 6 horas de trabalho. Nessas circunstâncias, o preço da hora de trabalho será de 3 pence e seu produto de valor somará 6 pence. Ora, se o trabalhador estiver ocupado menos de 12 horas por dia (ou menos de 6 dias por semana), por exemplo, somente 6 ou 8 horas, ele receberá, mantendo-se esse preço do trabalho, um salário diário de apenas 2 ou 1 ½ xelins [em nota: “O efeito desse subemprego anormal é totalmente diferente do que resulta de uma redução geral, imposta por lei, da jornada de trabalho. O primeiro não tem qualquer relação com a duração absoluta da jornada de trabalho e tanto pode ocorrer quando esta é de 15 horas como quando é de 6 horas. O preço normal do trabalho, no primeiro caso, é calculado sobre a base de que o trabalhador trabalhe uma média de 15 horas; no segundo, que ele

144

Superexploração do trabalho no século XXI

O valor da força de trabalho é definido por Marx em diversas passagens do Livro I de O Capital (2013: 245-247; 338; 388-389; 587) e de outros textos (Marx, 2006a: 44; 2006b: 126)67. Como resume, ao contrário das outras mercadorias, sua determinação contém um “elemento histórico e moral”. Mas, continuando nosso exercício, nos termos de Marx, é também uma mercadoria como qualquer outra. Então, assim como as demais mercadorias, é preciso diferenciar valor, valor de troca e preço da força de trabalho68 . E, para isso, no entanto, é preciso observar que o modo de exposição de Marx no Livro I considera, metodologicamente, valor = preço (ou seja, no caso da força de trabalho, que ela é remunerada de acordo com o seu exato valor). Esta exposição se deve ao objeto em questão, o processo de produção do capital, e, assim, ao interesse em demonstrar e analisar a valorização do valor, a pertinência das categorias força de trabalho, mais-valor absoluto, extraordinário e relativo, etc. Porém, sua complexificação (não equivalência valor-preço) não só está indicada em diversas passagens do próprio Livro I, como também está nos outros textos que escreveu antes e depois deste mesmo Livro I e que foram editados postumamente nos outros Livros de O Capital.

trabalhe 6 horas por dia em média. O efeito seria, assim, o mesmo se, no primeiro caso, ele só estivesse ocupado por 7 ½ horas e, no segundo, apenas por 3 horas”]. Como, segundo o pressuposto que adotamos, ele tem de trabalhar uma média diária de 6 horas para produzir apenas um salário correspondente ao valor de sua força de trabalho, e como, segundo esse mesmo pressuposto, de cada hora ele trabalha somente meia hora para si mesmo e outra meia hora para o capitalista, é claro que não poderá obter o produto de valor de 6 horas se estiver ocupado por menos de 12 horas. Se anteriormente vimos as consequências destruidoras do sobretrabalho, aqui descobrimos as fontes dos sofrimentos que, para o trabalhador, decorrem de seu subemprego”. 67

Sendo que “Trabalho assalariado e capital” (2006a) é um texto de Marx republicado postumamente por Engels, cujas alterações, em especial, na questão da mercadoria força de trabalho, foram detalhadas por ele no prefácio de 1891. “Salário, preço e lucro” (2006b) também é um texto póstumo publicado por Eleanor e Eduard Aveling em 1898 a partir do manuscrito de 1865, porém as alterações nesse texto se restringiram aos títulos.

68

O valor de troca, modo de expressão do valor, forma de sua manifestação, forma fenomênica (Erscheinungsform), é diferente do valor, substância (Substanz). A característica do valor da força de trabalho não é diferente: tal como as demais, ela é uma abstração real, possui uma materialidade social e histórica, também se trata de trabalho humano objetivado (Marx, 2013: 169). No caso, no próprio homem/mulher.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

145

Façamos uma observação atenta da definição de força de trabalho. Marx calcula um valor médio (no caso, diário) cuja composição compreende toda a reprodução do trabalhador (e de sua unidade social de reposição da força de trabalho)69. Se o preço da força de trabalho não compreende esse valor médio mínimo, significa que este preço está abaixo de seu valor. “O valor da força de trabalho se reduz ao valor de uma quantidade determinada de meios de subsistência e varia, portanto, com o valor desses meios de subsistência, isto é, de acordo com a magnitude do tempo de trabalho requerido para a sua produção. [Considerando que, tal como Marx definiu nos parágrafos anteriores, esses meios de subsistência compreendem não só aqueles necessários ao proprietário da força de trabalho, mas também aos “substitutos dos trabalhadores, isto é, de seus filhos, de modo que essa peculiar raça de possuidores de mercadorias possa se perpetuar no mercado”, ou seja, à sua unidade social de reposição de força de trabalho]. Uma parte dos meios de subsistência, por exemplo, a alimentação, o aquecimento etc., é consumida diariamente e tem de ser reposta diariamente. Outros meios de subsistência, como roupas, móveis etc., são consumidos em períodos mais longos e, por isso, só precisam ser substituídos em intervalos maiores de tempo. Algumas mercadorias têm de ser compradas ou pagas diariamente, outras semanalmente, trimestralmente, e assim por diante. Porém, independentemente de como se divida a soma desses gastos no período de, por exemplo, um ano, ela deve ser coberta diariamente pela receita média. Se a quantidade de mercadorias requeridas para a produção da força de trabalho por um dia = A, por uma semana = B e por um trimestre = C, e assim por diante, então a média diária dessas mercadorias seria = 365A + 52B + 4C + etc./365. Supondo-se que nessa quantidade de mercadorias necessárias

69

146

Nesse sentido, tal como qualquer mercadoria, seu valor equivale ao tempo socialmente necessário para sua (re)produção, isto é, para sua produção em dado momento. Essa média, portanto, obviamente, sempre varia em decorrência das mudanças do valor como um todo (não é necessariamente igual de uma venda para a outra).

Superexploração do trabalho no século XXI

à jornada média de trabalho estão incorporadas 6 horas de trabalho social, então objetiva-se diariamente na força de trabalho meia jornada de trabalho social médio, ou, dito de outro modo, meia jornada de trabalho é requerida para a produção diária da força de trabalho. Essa quantidade de trabalho requerida para sua produção diária forma o valor diário da força de trabalho ou o valor da força de trabalho diariamente reproduzida” (Marx, 2013: 246-7).

Em seguida, Marx também delimita uma situação em que o preço da força de trabalho cai abaixo de seu valor, que seria quando se paga abaixo desse valor médio mínimo. Por exemplo, quando o valor recebido é reduzido a apenas o imprescindível para o dia, ou para o homem/ mulher: “O limite último ou mínimo do valor da força de trabalho é constituído pelo valor de uma quantidade de mercadorias cujo fornecimento diário é imprescindível para que o portador da força de trabalho, o homem, possa renovar seu processo de vida; tal limite é constituído, portanto, pelo valor dos meios de subsistência fisicamente indispensáveis. Se o preço da força de trabalho é reduzido a esse mínimo, ele cai abaixo de seu valor, pois, em tais circunstâncias, a força de trabalho só pode se manter e se desenvolver de forma precária. Mas o valor de toda mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho requerido para fornecê-la com sua qualidade normal”. (Idem, ib.).

Neste sentido, a forma salário, sempre que não compreende também o valor da circulação da força de trabalho (da reprodução como um todo) estaria abaixo de seu valor70. Sua aparência e sua referência, portanto, apenas condicionam a própria circulação da mercadoria força de trabalho. Como é sabido, em uma sociedade de mercado, a “grande transformação” histórica do trabalho assalariado também está no fato de que a forma salário apenas remunera imediatamente as horas 70

As teorias do “salário indireto”, supostamente críticas de Marx, como Meillassoux (1977), constatam isso, ainda que de outra forma.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

147

compradas da força de trabalho e não sua circulação. A condição de mercadoria da força de trabalho só existe no próprio mercado e, uma vez que sua circulação não é remunerada imediatamente, ela também não pode ter existência fora dele, seu possuidor exclusivo deve vendê-la novamente, mantê-la em circulação no mercado71. Tal como qualquer outra mercadoria, a força de trabalho não tem valor sem valor de uso, e seu valor de uso só se realiza com seu consumo. Se para as demais mercadorias, a esfera da circulação não acresce valor (exceto em seu transporte, que, de certa forma, ainda integra a esfera da produção), no caso da mercadoria força de trabalho, apesar da circulação integrar seu valor, a forma salário tem como referência imediata apenas as horas em que foi vendida, isto é, a esfera da produção. É no processo de trabalho que a força de trabalho é (re)criada ipso facto, ela só se realiza com seu consumo. Porém, seu valor é composto também pelo tempo em que circula. Portanto, o devido entendimento da condição de mercadoria da força de trabalho deve levar em conta sua rotação, para o que importa tanto a esfera da produção quanto a da circulação. Assim como qualquer outra mercadoria, essas esferas não podem ser epistemologicamente separadas. Ao tratar da rotação do capital, Marx, por exemplo, indica a possibilidade do que estou querendo chamar a atenção aqui: “O trabalho realizado ontem não é o mesmo que se realiza hoje. Seu valor, somado ao mais-valor por ele gerado, existe agora como valor de uma coisa diferente da força de trabalho em si, isto é, como valor do produto. No entanto, é porque o produto se transforma em dinheiro que a parte do valor desse produto que equivale ao valor do capital variável adiantado pode ser novamente convertida em força de trabalho e, assim, voltar a funcionar como capital variável. É irrelevante, nesse caso, a circunstância de que com o valor

71

148

Daí a constatação habitual de que, no capitalismo, o trabalhador é escravo da sua condição de vendedor de mercadoria, da imposição da venda da força de trabalho para sua reprodução social. Ele não é mercadoria, mas é, necessariamente, vendedor de mercadoria. E, justamente, só nessa condição de mercadoria, inclusive, que há a possibilidade de algo inerente ao capitalismo: do preço dessa mercadoria cair abaixo do seu valor.

Superexploração do trabalho no século XXI

de capital não só reproduzido como reconvertido à forma-dinheiro sejam empregados os mesmos trabalhadores, isto é, os mesmos portadores de força de trabalho. É possível que o capitalista, no segundo período de rotação, empregue novos trabalhadores, em vez dos anteriores” (grifos meus; Marx, 2014: 404-5).

Para compreender o tempo de circulação, especificamente, é necessário observar a relação que guarda com o valor e o preço da força de trabalho72 . A inserção da variável tempo de circulação, nesse sentido, implica uma alteração do preço da força de trabalho, caso se mantenham as demais variáveis constantes (valor da força de trabalho e suas determinantes). Assim, por exemplo, para que a força de trabalho não caia abaixo de seu valor, a grandeza de seu preço deve necessariamente aumentar em razão direta com o aumento do tempo de circulação. Podemos ilustrar essa relação com alguns exercícios simples. Por exemplo, quando se observa a variação entre dois momentos: um primeiro em que não há circulação (momento 1) e um outro, em que se insere um determinado tempo de circulação (momento 2). Se não houver mudança no valor da força de trabalho entre os dois momentos (assim como em variantes como duração da jornada, intensidade do trabalho e força produtiva do trabalho, que poderiam alterar esse valor), ocorre aumento de preço, na forma: Considerando: VFT = valor da força de trabalho TP1 = tempo de produção do momento 1 TP2 = tempo de produção do momento 2 TC = tempo de circulação do momento 2 P1 = preço da força de trabalho no momento 1 P2 = preço da força de trabalho no momento 2

72

As categorias “valor” e “preço” estão aqui empregadas no mesmo sentido dado por Marx no Livro I, suficientes para expor a questão considerada fundamental a respeito do tempo de circulação.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

149

E sendo: Momento 1: ___________________________­_ _______ TP1 Momento 2: ____________________________|____________________________

TC

TP2

Ou seja:

Então: Momento 1:

Momento 2:

Ou seja:

Podemos numerar um exemplo fictício para ficar ainda mais claro. Consideremos que o preço da força de trabalho mensal é $300 e que o trabalhador vendeu sua força de trabalho por 30 dias. Consideremos

150

Superexploração do trabalho no século XXI

também que esse preço corresponde ao valor da força de trabalho73. O preço da sua força de trabalho foi, portanto, $10/dia. Agora consideremos que, no mês seguinte, o valor da força de trabalho não se alterou e seu preço mensal continua igual, $300. Mas, ao contrário do mês anterior, o trabalhador procurou trabalho por 15 dias e, depois, só vendeu sua força de trabalho nos 15 dias restantes. Para ter os mesmos $300 correspondentes ao valor da força de trabalho ele precisa receber $20/ dia. Se ele receber apenas os mesmos $10/dia, ele terá recebido no fim desse mês apenas a metade do valor da força de trabalho. Como a forma salário tem como referência o tempo de produção, ou seja, só há efetivamente remuneração do tempo em que a força de trabalho foi vendida, o mais provável é que o trabalhador receba no máximo o mesmo preço diário da força de trabalho pelos 15 dias restantes. E que esse seja o pagamento considerado justo tanto por ele, quanto pelo capitalista. Afinal, eles consideram que esse é o pagamento correto pelas mercadorias que trocaram. Antes disso o trabalhador não tinha ainda vendido sua força de trabalho e nada tinha a receber. O capitalista não vai pagar pelo tempo que ele não comprou a força de trabalho. Só a partir da troca, do contrato de compra/venda. A referência poderá ser diária, semanal ou mensal, mas só a partir daí, não antes. E o trabalhador também não vai cobrar o tempo que ficou sem receber salário (não vai reajustar seu preço), já que não vendia mais sua força de trabalho para o patrão anterior e nem tinha começado a vender para o próximo. Isso não significa que o preço da força de trabalho sempre estará abaixo de seu valor quando ocorre circulação da força de trabalho, mas sim, como já demonstrei acima, que o aumento da circulação necessariamente significa aumento do preço, quando não há variação no valor. A situação inicial poderia supor, por exemplo, 5 dias de circulação e 25 de produção, 1 mês de circulação e 11 de produção, 11 meses de circulação e 1 de produção ou qualquer outra proporção, desde que a segunda situação sempre aumente o tempo de circulação em relação à primeira. 73

O mesmo exercício pode ser feito para outras formas de salário por tempo – para um valor diário da força de trabalho, semanal ou anual, por exemplo – assim como para outras formas de salário por peça, que, como demonstra Marx (2013), é apenas uma metamorfose do salário por tempo.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

151

Nesse caso, é imperioso frisar aqui que a não equivalência entre valor e preço da força de trabalho, isto é, a remuneração da força de trabalho abaixo de seu valor, não decorre necessariamente de sua mercantilização. Considerando que se trata de um regime de trabalho assalariado e não de escravidão, o valor em dado momento inclui sempre uma circulação média da força de trabalho. Nesse sentido, cabe citar que sempre existiram diversos mecanismos de transferência de valor regulatórios e disciplinadores da situação de reserva da classe trabalhadora, instituídos, por exemplo, diretamente entre distintas unidades sociais de reprodução da força de trabalho (por relações de parentesco, domesticidade, vicinalidade, amizade, etc), por instituições como sindicatos ou pelas antigas sociedades de socorro mútuo, pelo Estado ou diretamente pelo mercado (instituições financeiras), tal como vem se implantando mais recentemente no bojo de um receituário neoliberal. Também é preciso frisar que a referência “imediata” da forma salário que mencionei se refere à precificação da mercadoria, à referência direta da fixação do preço combinado no contrato de compra da força de trabalho, e não ao momento ou à forma em que o pagamento é feito. O fato da força de trabalho ser paga depois do seu consumo pelo capitalista e não exatamente no momento em que o contrato é feito não altera em nada o argumento apresentado. Em O Capital, Marx constata esse fato: “Em todos os países em que reina o modo de produção capitalista, a força de trabalho só é paga depois de já ter funcionado pelo período fixado no contrato de compra, por exemplo, ao final de uma semana. Desse modo, o trabalhador adianta ao capitalista o valor de uso da força de trabalho; ele a entrega ao consumo do comprador antes de receber o pagamento de seu preço, e, com isso, dá um crédito ao capitalista” (Marx, 2013: 248-9). E, em seguida, a fim de continuar sua exposição teórica, adota um pressuposto metodológico: “O preço da força de trabalho está fixado por contrato, embora ele só seja realizado posteriormente, como o preço do aluguel de uma casa. A força de trabalho está vendida, embora ela só seja paga posteriormente. Para uma clara compreensão da relação entre as partes, pressuporemos, provisoriamente, que o possuidor da força de trabalho, ao realizar sua venda, recebe imediatamente o preço estipulado por contrato” (Marx, 2013: 250). Contudo, o crédito

152

Superexploração do trabalho no século XXI

que o trabalhador dá ao capitalista é importante e também se relaciona com a minha tese por outras questões, tal como no caso que indiquei a respeito da atual financeirização da circulação da força de trabalho. Em seu tempo, Marx indicou o risco de não pagamento por conta da falência do capitalista, os endividamentos dos trabalhadores e uma série de outros efeitos desses endividamentos exemplificados em uma longa nota após esse primeiro parágrafo que citei (Marx, 2013: 248-9). É preciso ressaltar ainda que tempo de produção não se confunde com jornada de trabalho. Tempo de produção se refere ao período no qual a mercadoria força de trabalho foi vendida e não ao tempo de duração da jornada de trabalho. O tempo de produção compreende tanto as horas voltadas para a jornada de trabalho quanto as horas de descanso (horas de não-trabalho) do trabalhador ao longo do período em que ele vende a força de trabalho para o capitalista. A jornada de trabalho compreende apenas as horas em que a força de trabalho está sendo consumida no processo de trabalho, ou seja, o período em que produz valor, no caso de um trabalho produtivo. A redução do tempo de produção da força de trabalho não significa redução da jornada de trabalho. O resultado normalmente é o exato oposto disso. É, na verdade, uma forma de prolongar a jornada e reduzir as horas de não-trabalho pagas na compra da força de trabalho, seus faux frais74 . Isso porque não há prejuízo para aquele que compra a força de trabalho, uma vez que o preço da força de trabalho não tem referência imediata com o aumento do tempo de circulação, ou seja, ele não é reajustado tal qual a fórmula acima prevê. Sendo assim, não se altera a grandeza absoluta do mais-valor e nem sua grandeza relativa: o preço da força de trabalho permanece igual. Por outro lado, aquele que vende a força de trabalho tem o valor referente ao tempo de circulação subtraído do preço. Quanto mais o tempo de circulação aumentar (e o tempo de produção reduzir), menos o trabalhador receberá proporcionalmente. E o limite dessa subtração está, inclusive, mais além do que 74

Isto é, uma forma que o capitalista tem de retirar o que considera faux frais da compra da força de trabalho (aqui, no sentido original da contabilidade, do agente unitário de mercado capitalista, e não exatamente no sentido reapropriado por Marx, da totalidade da produção capitalista).

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

153

a compra da força de trabalho por um dia apenas, ou seja, quando o tempo de produção se depara com uma jornada de trabalho. Está, por exemplo, nas formas de compra de força de trabalho em que é possível retirar completamente o valor referente à reprodução de todas as horas de não-trabalho, como é o caso do preço atingido em certos salários pagos por peça ou por hora de trabalho. Os efeitos diretos dessa subtração são, justamente, o prolongamento da jornada de trabalho e sua intensificação, únicas maneiras do trabalhador obter o mínimo para sua reprodução75. Atualmente, formas de compra/venda de força de trabalho que colidem o tempo de produção com a jornada de trabalho estão em expansão em todo o mundo provocando não só esse processo que estou indicando, mas também um drástico processo de aceleração e amplificação da circulação mercantil da força de trabalho, no sentido que já indiquei. Além das diversas formas de salários por peça ou por hora trabalhada, talvez o Zero-hour contract seja o mais radical exemplo dessa expansão. Nele, o comprador de força de trabalho paga apenas e exatamente o tempo de produção, requerido quando e na medida em que se necessita. Não há jornada fixa76. Em dezembro de 2015, teriam 801 mil trabalhadores nessa condição no Reino Unido. Em 2009, eram cerca de 200 mil77. A empresa Uber de serviços de transporte, sediada nos EUA e que, segundo publicado em sua página eletrônica, opera em 539 cidades e em mais de 100 países, também é outro exemplo radical dessa expansão, nesse caso, inclusive, global. Seu índice especulativo no mercado financeiro em 2016 superou o de empresas como GM, Ford e Volkswagen. Só no Brasil, em 2017, a empresa declarou ter cerca de 500 mil motoristas 75

A intensificação do trabalho e o prolongamento da jornada são mecanismos de extração de mais-valor que, tal como Marx demonstrou, também podem fazer com que a força de trabalho caia abaixo de seu valor. Mas isso se deve a um aumento do valor da força de trabalho devido ao seu maior desgaste (Marx, 2013: 594). A subtração do valor do tempo de circulação não significa necessariamente aumento do valor da força de trabalho, ainda que sejam dimensões geralmente relacionadas.

76 Cf. “Zero hours contracts”, Advisory, Conciliation and Arbitration Service/UK, s/d; “Zero hour contracts. Contract types and employer responsibilities)”, UK Government, 27/03/2017. 77

154

Cf. “UK workers on zero-hours contracts rise above 800,000”. The Guardian. 09/03/2016.

Superexploração do trabalho no século XXI

em atividade. Sem contar as concorrentes similares, seriam 17 milhões de aparelhos celulares usando o aplicativo da empresa, sendo a cidade de São Paulo a que mais compra os seus serviços no mundo. Por outro lado, pesquisadores têm constatado que a distinção entre a jornada de trabalho e o tempo de não-trabalho pagos na compra da força de trabalho também estariam cada vez mais em xeque. Contribuiriam para isso não apenas o aumento da jornada por meio do aumento do número de horas dedicadas ao trabalho (horas-extra, transporte, alimentação, qualificação/estudo, sobreaviso, trabalho doméstico, etc) ou por meio da introdução de banco de horas, por exemplo (ambos instrumentos diretos de redução das horas de não-trabalho bastante conhecidos em uma situação na qual ocorreu venda de força de trabalho e na qual em geral já se desenvolveu histórica e politicamente a luta de classes no mínimo desde o século XIX)78 . Haveria agora uma tendência à indistinção contábil das horas, dada a não mensuração do tempo de não-trabalho, isto é, ao entrecruzamento de tarefas objetivas feitas fora da jornada formal, cada vez mais potencializadas pelas tecnologias de informação e comunicação (celular, computador), e de preocupações subjetivas, cada vez mais inseridas pela gestão participativa e pela captura não mais apenas do corpo físico, mas da mente, da subjetividade do trabalhador79. Face ao que denominei supercirculação, contudo, acrescentaria ainda outros aspectos. De maneira geral, a “flexibilidade”, tal como se aponta nos estudos feministas desde os anos 1980 (Hirata e Cattanéo, 2009), é sexuada, ao que poderíamos acrescentar: racializada, etnicizada, corporada. Seria, nesse caso, mais uma forma de intensificar ao máximo a exploração econômica dos corpos e mentes a partir do uso seletivo e da reprodução de subalternidades sociais historicamente constituídas em dado contexto. Mas não só. O processo de aumento da circulação da 78

Em outras dimensões, porém, como na questão da intensidade do trabalho, não há sequer mensuração regulada, a despeito do enorme avanço das estratégias empresariais das últimas décadas.

79

Cardoso (2010; 2013) vem analisando nesse sentido o que denomina como intensificação do tempo de trabalho a partir dos anos 1980. Aqui salientamos a dimensão mercantil da força de trabalho relacionada a esse processo.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

155

força de trabalho também estaria permitindo, por exemplo, a adoção de determinadas estratégias empresariais que intensificam todos os efeitos acima elencados de forma seletiva. Em cada vez mais setores, permite práticas de recrutamento/expulsão contínuas, selecionando determinados perfis de trabalhadores (idade, estado civil, maior qualificação, escolaridade, etc), introduzindo reestruturações produtivas (extinção de funções, expulsão e troca de profissões, “renovação de quadros”, “enxugamento de pessoal”), reduzindo custos com capacitação profissional interna, exigindo maior intensidade do trabalho (sendo o período de contratação associado a uma “prova” de desempenho ou “seleção” constante), produzindo e reproduzindo economicamente as mais variadas opressões (raça, etnia, sexo, gênero, deficiência, orientação sexual, etc), assim como rotacionando a força de trabalho já dilapidada (adoecidos, mortos, desgastados, “pouco produtivos” em geral). Marx analisou detalhadamente como o trabalho assalariado mascara o trabalho não pago; como a venda da mercadoria força de trabalho mascara a produção do mais-valor, uma vez que tanto o capitalista quanto o trabalhador consideram que a forma salário condiz exatamente com o produto do trabalho de uma jornada de trabalho. No que se refere à circulação da força de trabalho, mesmo que o trabalhador perceba a ausência de salário ou o aumento do tempo de circulação como empobrecimento, ainda assim a forma salário também é normalmente um mascaramento do rebaixamento do preço da força de trabalho a níveis inferiores do próprio valor da força de trabalho. Ou seja, em certo sentido, a forma salário também mascara a reprodução não paga.

A agenda de estudos da atual condição proletária dos escravos vendedores de força de trabalho Em um contexto no qual a análise sociológica se depara com a rapidez das novas condições colocadas pelo aumento da produtividade na indústria de transportes, tecnologias de comunicação e sistemas de crédito, pelas novas condições sociais da esfera da circulação e da rotação do capital, um amplo leque de questões teóricas e metodológicas ainda resta em aberto.

156

Superexploração do trabalho no século XXI

Para certa ideologia hegemônica e tornada científica do mercado, em tese, acelerar e ampliar a circulação das mercadorias acarretaria transformações profundas do tempo e do espaço, mas não maiores contradições sociais. Uma interpretação a partir da teoria marxiana do valor trabalho, como a que foi demonstrada neste artigo, permite hipótese no sentido oposto. A reprodução social do trabalhador é profundamente alterada em termos de espaço e tempo e também profundamente dilapidada, inclusive, e justamente, por meio das próprias “leis de mercado”. O “trabalho”, que é considerado pela gestão empresarial moderna um “serviço” que deve ser adquirido pelo menor preço no mercado, usado da forma a mais intensa possível e substituído sempre que não é mais necessário ou rentável por outro melhor, ou seja, que é uma “coisa” como qualquer outra, elemento rentável ou peça, obviamente, tem implicações diferentes para seu vendedor. A estratégia de acumulação flexível do capital, cada vez mais empregada a fim de redução de custos com rebaixamento salarial e adequação do processo produtivo às oscilações do mercado, racionaliza a produção com formas de compra e uso exato e “enxuto” da força de trabalho no processo produtivo. Contudo, aumentar a circulação da força de trabalho provavelmente também seria um mecanismo de superexploração do trabalho. A classe trabalhadora não apenas circula mais, mas também trabalha mais, de forma mais intensa e prolongada, quando vende sua força de trabalho, e recebe menos, fica mais tempo circulando de forma não remunerada. O que na aparência significa a simples desregulamentação ou o aumento da jornada de trabalho, tal como se tem verificado no mundo em geral, na verdade se traduz em formas comerciais extremamente eficazes de extração de mais-valor que não são voltadas para o avanço das forças produtivas do trabalho, mas sim, principalmente, e fundamentalmente, para a dilapidação da força de trabalho. Seu resultado objetivo atualmente mensurável – aumento de horas de trabalho e aumento de horas no “desemprego” – encerra, portanto, forma que não se confunde com o aumento das jornadas de trabalho que desencadearam as lutas de classe na indústria inglesa do século XIX. São formas que só puderam ser desenvolvidas sob outras condições. Apenas nas condições atuais do trabalho está sendo possível promover esse

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

157

comércio de força de trabalho e adotar essas estratégias de extração de mais-valor, de maneira cada vez mais generalizada e praticamente em todos os processos produtivos e setores da economia. Como tem sido observado, um processo como esse tem como consequência não só a invisibilização do trabalho e das relações de produção, como propunha Marx, mas também uma circulação extrema da força de trabalho que invisibiliza a própria compra e venda da mercadoria, tornada plenamente parcial, como é o caso limite da compra por peça, serviço, hora ou fração de hora (em parte, também em condições distintas de trabalho por peça e sob formas que interseccionam complexamente trabalho produtivo e improdutivo). Quando consideramos a condição de mercadoria da força de trabalho a partir da própria teoria do valor trabalho, podemos compreender um processo contraditório de dilapidação da força de trabalho dado pelo aumento do tempo de circulação (tempo de não venda) da mercadoria ao mesmo tempo em que aumenta o tempo de trabalho (horas de consumo). Assim compreendido, considerando outras condições de circulação da força de trabalho e a aproximação entre exército ativo e exército de reserva, uma série de questões ainda mereceriam ser melhor estudadas, não apenas no que se refere às relações de produção propriamente ditas, mas também, de forma ampla, às relações sociais de circulação, isto é, à nova morfologia das classes trabalhadoras nas condições de exploração circular do trabalho que lhe impõe a aceleração do mercado de compra e venda da única mercadoria que dispõem. Um amplo leque de questões se abre à pesquisa empírica diante, por exemplo, dos deslocamentos espaciais e sociais (entre profissões, entre setores, entre firmas, etc) e dos rearranjos intergeracionais, de gênero, de parentesco, conjugalidade, sexualidade, domesticidade e morfologia social reprodutiva em geral80. Da mesma forma, para a análise das formas que assume a ação política a partir desta condição proletária que, porventura, desafiarão 80

158

Para o leitor especialmente interessado tanto em termos teórico-metodológicos quanto em determinados dados de valor heurístico para algumas dessas questões, sugiro consultar o livro que será publicado em breve (Felix, no prelo), com dados de uma pesquisa ampla e específica sobre o tema, assim como um outro que já publicado a partir de etapa anterior de pesquisa (Felix, 2008).

Superexploração do trabalho no século XXI

a convencional associação da maior “rotatividade” com menor poder político e menor organização classista, em grande comprometida por uma perspectiva paradigmática e por um raciocínio fatalista. Nesse sentido, um pensamento reflexivo a respeito do mundo do trabalho epistemologicamente atento para a atual condição proletária implica em trazer à baila uma análise processual da circulação, ou seja, do vastíssimo mundo ainda inexplorado da cotidianidade e da historicidade dos processos sociais de circulação, na medida em que a análise processual até então privilegiou transições históricas ou processos de transformação com sentidos polarizados do tipo condição camponesa a proletária, fábrica antes e depois da reestruturação produtiva, operários estáveis a trabalhadores precários, rural-agrário a urbano-industrial, categoria ou setor A a categoria ou setor B, exército ativo a exército de reserva, etc., ou vice-versa.

Referências Alves, Giovanni. Terceirização e acumulação flexível do capital. Estud. sociol., Araraquara, v.16, n.31, p.409-420, 2011. Antunes, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: Antunes (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo, 2013. Antunes, Ricardo. Adeus ao trabalho?. São Paulo: Cortez, 2011. Bihr, Alain. Da grande noite à alternativa. São Paulo: Boitempo, 1998. Brissenden, Paul F. The Measurement of Labor Mobility. Journal of Political Economy. vol. 28, n. 6, pp. 441-476, Jun., 1920. Cardoso, Ana. Organização e intensificação do tempo de trabalho. Sociedade e Estado. n.2, vol. 28, maio/agosto, 2013. Cardoso, Ana. Os trabalhadores e suas vivências cotidianas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. n. 72, vol. 25, fev., 2010. Castel, Robert. As metamorfoses da questão social. Petrópolis: Vozes, 1998. Castells, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Chahad, J. P.; Pozzo, Rafaella. Mercado de trabalho no brasil na primeira década do século XXI. Informações Fipe, Temas de economia apli-

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

159

cada, junho, 2013. Chesnais, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. Costa, Luciano. Trabalhadores em construção: mercado de trabalho, redes sociais e qualificações na construção civil. 2010. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Doutorado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas. Crum, Frederick S. How to Figure Labor Turnover. Publications of the American Statistical Association. vol. 16, n. 126, p. 361-373, jun., 1919. DIEESE (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONOMICOS). Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: DIEESE, 2011. DIEESE. Os números da rotatividade no Brasil: um olhar sobre os dados da RAIS (2002-2013). São Paulo: DIEESE, 2014. Druck, Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica. 1995. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Doutorado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas. Druck, G.; Franco, T. (orgs.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007. Farber, Henry. Employment Insecurity: The Decline in Worker-Firm Attachment in the United States. CEPS Working Paper, n. 172, jan., 2008. Felix, Gil. O caminho do mundo: mobilidade espacial e condição camponesa em uma região da Amazônia Oriental. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008. Felix, Gil. Sobre o conceito de exército industrial de reserva em Ruy Mauro Marini. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 47, 2017. Felix, Gil. Mobilidade e superexploração do trabalho: o enigma da circulação. Rio de Janeiro/Foz do Iguaçu: FAPESP/Lamparina/Editora da Universidade Federal da Integração Latino-americana, no prelo. Foster; McChesney; Jonna. The Global Reserve Army of Labor and the New Imperialism. Monthly Review, vol. 63, n.6, nov., 2011. Gaudemar, J.-P. Mobilidade do trabalho e acumulação de capital. Lisboa: Editorial Estampa, 1977. Gaudemar, J.-P. De l’ouvrier-masse au travailleur flexible. Vingtième Siècle, n. 14, p. 13-24, Apr./Jun., 1987. Gounet, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. Harvey, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2008.

160

Superexploração do trabalho no século XXI

Hirata, H.; Cattanéo, N. Flexibilidade. In: Hirata et al. (org). Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: Edunesp, 2009. Huws, Ursula. Bridges and barriers: globalisation and the mobility of work and workers. Work organisation, labour & globalisation, vol. 6, n. 1, 2012. Ilo (international Labour Organization). World employment and social outlook 2015: The changing nature of jobs. Geneva: International Labour Office, 2015. Jacoby, Sanford. Employing Bureaucracy: Managers, Unions, and the Transformation of Work in the 20th Century. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 2004. Kamata, Satoshi. Outro lado do Modelo Japonês: Entrevista de Satoshi Kamata a Helena Hirata. Novos Estudos CEBRAP, n. 29, p. 148-155, mar., 1991. Linhart, Daniele et al. Vers une nouvelle rémuneration scientifique du travail ?. Travail et Emploi, n. 57, 1993. Linhart, Daniele. A desmedida do capital. São Paulo: Boitempo, 2007. Lojkine, Jean. A revolução informacional. São Paulo: Cortez, 1995. Magdoff, F.; Magdoff, H. Disposable Workers: Today’s Reserve Army of Labor. Monthly Review, vol. 55, n. 11, apr., 2004. Marcelino, Paula. A logística da precarização: terceirização do trabalho na Honda do Brasil. 2002. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas. Marini, R. M. et al. Economía Política III. El proceso de circulación del capital (Tercer semestre). Facultad de Economía, Sistema de Universidad Abierta, UNAM, 1979. Disponível em: http://www.marini-escritos.unam. mx/pdf/288_economia_politica_3.pdf. Acesso em: 14.07.2017. Marini, R. M. La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo. Cuadernos Politicos, n. 12, abr-jun., 1977. Marini, R. M. Las razones del neodesarrollismo (respuesta a F.H. Cardoso y J. Serra). Revista Mexicana de Sociologia, Ano XL, vol. XL, número extraordinário, 1978. Marx, Karl. O Capital. Livro I. Capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas Ltda., 1978. Marx, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. Marx, Karl. O Capital. Livro II. São Paulo: Boitempo, 2014. Marx, Karl. O Capital. Livro III. (vol. IV). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

161

Marx, Karl. Trabalho assalariado e capital. In: Marx. Trabalho assalariado e capital & Salário, Preço e Lucro. São Paulo: Expressão Popular, 2006a. Marx, Karl. Salário, Preço e Lucro. In: Marx. Trabalho assalariado e capital & Salário, Preço e Lucro. São Paulo: Expressão Popular, 2006b. Meillassoux, Claude. Mulheres, celeiros e capitais. Porto: Afrontamento, 1977. Neto, Nelson. Exército industrial de reserva: conceito e mensuração. 2013. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico), Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Paraná. Ohno, Taiichi. O sistema Toyota de produção: além da produção em larga escala. Porto Alegre: Bookman, 1997. Pochmann, M. A superterceirização dos contratos de trabalho. Campinas: SINDEEPRES, 2007. Pochmann, M. Evolução recente da rotatividade no emprego formal no Brasil (Nota técnica). Brasília: IPEA, 2009. Pochmann, M. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012. Ramalho, José R.; Martins, Heloisa (Orgs.) Terceirização: negociação e diversidade no mundo do trabalho. São Paulo: Hucitec, 1994. Roncato, Mariana. Dekassegui, cyber-refugiado e working poor: o trabalho imigrante e o lugar do outro na sociedade de classes. 2013. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas. Sennett, Richard. A corrosão do caráter. Rio de janeiro: Record, 2010. Smith, Gavin. Hegemonía selectiva o administración de poblaciones: enfoques distintos a la población residual. s/d. Disponível em: https:// www.academia.edu/4753407/Hegemon%C3%ADa_selectiva_o_administraci%C3%B3n_de_poblaciones_enfoques_distintos_a_la_poblaci%C3%B3n_residual. Acesso em 14.07.2017. Smith, Gavin. Selective Hegemony and Beyond-Populations with “No Productive Function”: A Framework for Enquiry, Identities, n. 18, p. 2-38, 2011. Smith, John. Imperialism in the twenty-first century: globalization, super-exploitation and capitalism’s final crisis. New York: Monthly Review Press, 2016. Soederberg, S. El debtfare y la creación de los cercos financieros: el caso del payday (día de pago) de la industria prestamista. Razón y revolución, n. 28, pp. 97-117, 2014.

162

Superexploração do trabalho no século XXI

Soederberg, S. The Mexican Debtfare State: Dispossession, Micro-Lending, and the Surplus Population. Globalizations, n. 9, vol. 4, pp. 561-575, 2012. Soederberg, S. The US Debtfare State and the Credit Card Industry. Antipode. vol. 45, n. 2, p. 493-512, mar., 2013. Standing, Guy. O precariado. Belo Horizonte: Autentica, 2015. Taylor, Frederick. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 2006. Ulyssea, G. Informalidade no mercado de trabalho brasileiro: uma resenha da literatura. Revista de Economia Política, vol. 26, n. 4 (104), p. 596618, out./dez., 2006. Yueh, L.; Knight, J. Job mobility of residents and migrants in urban China. Journal of Comparative Economics, n. 32, p.637-660, 2004.

Circulação e superexploração do trabalho: agenda de estudos da condição proletária contemporânea

163

Sobre os autores

Adrián Sotelo Valencia é Licenciado em Sociologia, Mestre e Doutor em Estudos Latino-americanos pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). É Professor-Pesquisador de Tempo Completo Definitivo do Centro de Estudios Latinoamericanos da UNAM. É membro do Sistema Nacional de Investigadores (México). Autor de diversos artigos e livros. Dentre os mais recentes estão: Crisis capitalista y desmedida del valor: un enfoque desde los Grundrisse (Editorial ITACA-UNAM-FCPyS, México, 2010); Los rumbos del trabajo. Superexplotación y precariedad social en el Siglo XXI (FCPyS-UNAM- Miguel Ángel Porrúa, México, 2012); México (Re)cargado: neoliberalismo, dependencia y crisis (UNAM-Editorial Itaca, México, 2014); The Future of Work: Super-exploitation and Social Precariousness in the 21st Century (Brill, Leiden-Boston, 2015); Precariado ou proletariado? (Práxis, Bauru, Brasil, 2016); Sub-imperialism Revisited: Dependency Theory in the Thought of Ruy Mauro Marini (Brill, Leiden-Boston, 2017). E-mail: [email protected]. Ana Alicia Peña López é Professora e Pesquisadora de tempo completo na Faculdade de Economia da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). Participa como orientadora no Doutorado em Pesquisa e Intervenção Educativa da Universidade Pedagógica Nacional de Morelos. É membro do Sistema Nacional de Investigadores (México). Coordenou o Projeto PAPIIT IN304312: “Situación socioeconómica de los jóvenes

Sobre os autores

165

en México y su proceso de migración internacional hacia Estados Unidos, 1990-2012”, de janeiro de 2012 a dezembro de 2014. Desde janeiro de 2010 até a presente data, participa no Proyecto de Investigación y Intervención comparada México-España-Argentina, com a Universidade Pedagógica Nacional, México; Universidade Jaume I de Castellón (UJI), Espanha; Universidade Nacional de Córdoba e Universidade Nacional de Buenos Aires, na Argentina. É autora do livro Migración internacional y superexplotación del trabajo, publicado pela Editora Ítaca em 2012 e de outras publicações em capítulos de livros e em revistas relacionadas com este tema. E-mail: [email protected]. Gil Felix é Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Doutorado da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, Brasil) e Mestre em Antropologia pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF, Brasil). É professor do Instituto Latino-americano de Economia, Sociedade e Política da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA, Brasil), atuando no Curso de Sociologia e Ciência Política. É autor dos livros O caminho do mundo: mobilidade espacial e condição camponesa em uma região da Amazônia Oriental (Niterói, Brasil: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008) e Mobilidade e superexploração do trabalho: o enigma da circulação (Rio de Janeiro/Foz do Iguaçu, Brasil: FAPESP/Lamparina/Editora da Universidade Federal da Integração Latino-americana, no prelo). Nos últimos 15 anos, pesquisou temáticas relacionadas à mobilidade espacial, condição camponesa, circulação e superexploração do trabalho. Desenvolve pesquisa empírica na região da Amazônia Oriental desde 2005. Email: [email protected]. Giovanni Alves é Professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP, Marília, Brasil) e Livre-docente em Teoria Sociológica. É Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Doutorado da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, Brasil), Pós-doutor em Sociologia pela Universidade de Coimbra (Portugal), Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Brasil) e Coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (www.estudosdotrabalho.org). É

166

Superexploração do trabalho no século XXI

autor de livros e artigos na área da Sociologia do Trabalho, globalização e reestruturação produtiva, sendo os mais recentes: Trabalho e subjetividade (São Paulo, Brasil: Boitempo, 2011) e Labirintos do labor (Bauru, Brasil: Práxis, 2017). E-mail: [email protected]. Juliana Guanais é Professora do Instituto Latino-americano de Economia, Sociedade e Política da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA, Brasil), atuando no Curso de Ciência Política e Sociologia.  É Mestre e Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, Brasil). É autora do livro Pagamento por produção, intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira brasileira (São Paulo, Brasil: Expressão Popular/FAPESP, no prelo). É líder do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho (UNILA/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, Brasil) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Estudos sobre o mundo do trabalho e suas metamorfoses” (UNICAMP/ CNPq). Pesquisadora colaboradora do Centro de Estudos Rurais (CERES) da UNICAMP desde 2005. Pesquisa a temática do trabalho assalariado rural há uma década. Email: [email protected]. Nashelly Ocampo Figueroa é Professora e Pesquisadora na Facultade de Economia da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). É Coordenadora na Universidade Pedagógica Nacional de Morelos (sede Ayala), do Mestrado em Educação do Campo e do Projeto Internacional de Pesquisa e Intervenção Educativa Comparada México, Espanha e Argentina (MEXESPARG). É membro do Sistema Nacional de Investigadores (México). Coordenou o Projeto “Situación socioeconómica de los jóvenes en México y su proceso de migración internacional hacia Estados Unidos, 1990-2012”, de janeiro de 2012 a dezembro de 2014. É autora do capítulo La Ley General de la Acumulación Capitalista y la complejización contemporánea de la miseria que integra o livro Vigencia de la Economía Política en el estudio de los problemas nacionales e internacionales, publicado pela UNAM em 2014, dentre outras publicações sobre o tema da migração. E-mail: [email protected].

Sobre os autores

167

Related Documents


More Documents from "MargaridaDuarte"