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GAYLORD RG
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Luciano A. Pereira da Silva Professor da Universidade de Coimbra
A ASTRONOMIA DOS
LUSÍADAS
COIMBRA IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1915
Separata da Revista da Universidade de Coimbra. Vol. lí-iv
ÍNDICE GERAL
Páginas
ix-xv
Prefácio]
Gap.
I
Gap.
II
— Camões apreciado por Alexandre de Humboldt
3-5
— o «Tratado da Sphera» de Pedro Nunes 1.
O
7-18
Tratado da Sphera, traduzido por Pedro Nunes para iniciação na sciência astronómica
De Sphaera
7-8
8-10
de Sacrobosco
2.
Fontes da obra
3.
As Teoricae novae planetarum de Purbáchio.
Trechos
da tradução da Teórica do Sol por Pedro Nunes.
Gap.
III
—O
10-16
4.
Obras de Pedro Nunes.
5.
A Margarita
são
triplo
Es-
céu e orbe
fera,
Necessidade da sua reimpres16-18
.
Philosophica
18
movimento da oitava esfera
19-2
2.
movimento do céu estrelado no Tratado da O 5/?/ier<2 de Pedro Nunes Explicação deste triplo movimento nas Teóricas de Pur-
3.
O mesmo movimento
1.
triplo
,
-^1-23
báchio
resumido no Reportório dos tempos
de André do Avelar 4. 5.
.
O mesmo triplo movimento nos O triplo movimento, de rotação
.
—Âs
23-26 26-28
Lusíadas diurna, precessão e nu-
tação da Terra
Gap. IV
19-21
28
29-37
estrelas 1.
Estrelas fixas e erráticas.
2.
Nascimento
O
Sol considerado
estrela de luz própria e
ocaso das estrelas
como
única
29-35
35-37
qA astronomia dos Lusíadas
VI
Páginas
Gap.
V—A
esfera
As
^9-47
definições da esfera, segundo Euclides e Teodósio,
Canto
A Gap.
VI
no
X
39-41
esfera, símbolo da Divindade
41-47
— A grande máquina do mundo 1.
Evolução das
2.
O
leis
49-70
astronómicas até à
da gravitação
lei
de Newton
5.
As onze esferas da região etérea Gomposição das esferas planetárias A região elemental. Os quatro elementos
6.
A
3.
4.
Gap.
Vil— o
49-52
globo de Tétis, transunto reduzido do Universo
71-74
74-80 80-83 '
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
;
.
.'
.•
;
'.,
2.
A
.
...
climas
.^..
.
.
'
.,
.,.
......
altura do polo
^
'
,
.
.
.
.
.
.
.
.
»v;,
.
7
..
;
.
.
,
.
.
Gruzeiro-do Sul.
.
.
.
.
r.
.
.
.
.
103-107
.
109-148
.
.
.
X—A
12-123
.
123-127
dia
....
127-129 129-136
136-148
...
.
.
.
.
.
149-174
149-171
antárticos frios e os ardores equatoriais.
em Dante e Gamões máquina do mundo
.
.
.
.
.
.
:
.
.
.
3.
As observações astronómicas matutinas na
'
171-174
175-226
....
2.
.
.
'
A O
.
duplo movimento da oitava esfera
175-181
181-19^
do
ilha
Purgatório 4.
109-112 1
Origem portuguesa desta conste-
astronomia 1.
98-103
.
lação
Gap,
95-98
..
.
astrolábio plano dos gregos
— Novo céu ... 2.
87-93
,
...
....
O
.
;
.
6.
.
.•
.
.,...;
Regimento da altura do polo ao meio
.
;
.\
5.
Os
83-86
93-95
estações,
Regimento da Estrela do Norte
O
...-'.
cinco zonas
4.
1.
.
.
86-87
signos do zodíaco
O astrolábio náutico. A pesagem do Sol
3.
.
.
horas
— o astrolábio 1.
IX
66-68
68-70
71-107
Influição de signos ede^ estrelas
Gap.
....
zodíaco
As Os As As Os
-
57-63
63-66
situação geográfica de Portugal
O dia O mês O ano O tempo
Gap. VIII
52-57
.
193-196
As observações astronómicas vespertinas
.
...
5.
O
catálogo de Ptolomeu
6.
A
hipótese do Gruzeiro do Sul::
7.
A
hipótese da Ara, segundo Rizzacasa
.
.
.
.
.
.
.
.
.
196-199 199-203
204-215
.
..
.
.
.
.
21 5-221
índice gefal
vii
Páginas 8. 9.
A A
hipótese da Ara, segundo Angelitti
.
.
.
*
.
hipótese de serem fictícias as quatro chiare stelle e as três facelle
10.
221-222
Conclusão.
tuguesa do Cruzeiro do Sul
índice remissivo das estâncias comentadas
Colocação das estampas
222-225
Súmula da demonstração da origem por225-226
227-228
229
PREFACIO
Quanto mais
se
estudam os Lusíadas, mais evidente
se torna a
verdade com que o poeta, ao terminar o último canto, diz:
Nem me falta na vida honesto estudo Com longa esperiencia misturado, Nem engenho, que aqui vereis presente, Cousas que juntas se achão raramente.
Com
A
efeito,
ele aliava
ao seu engenho poético
este respeito emite o escritor inglês sr.
recente e a propósito da estada de
opinião
Camões em Coimbra,
num
livro
a seguinte
parte dos poemas, mais tarde escritos, foram compostos
longe de bibliotecas,
numa época em que
um
des; apesar disso, ele mostra e mitologia clássicas,
da
literatura^ de Portugal,
*
vasto saber.
^:
«A maior
iri
um
K. G. Jayne,
história,
Espanha
«Most of the poems written
os livros
eram preciosida-
completo conhecimento da literatura
da geografia, da astronomia, e ItáHa.
later in his life
A
e
sua familiaridade
were composéd
far
from
das
com
libraries,
an age when books were luxuries yet he shows an intimate knowledge of classical ;
literature
and mythology, of history, geography, ástronomy and of the literatures
of Portugal, Spain and
Italy.
His familiarity with at least nineteen Greek and Latin
some of them must have been read in the origThis learning must have been acquired at Coimbra; it is a testimonial not only to his diligence and power of memory, but equally to the thoroughness with which Coimbra had realised the ideais of Human-
authprs has been demonstrated, and inal, as
ism».
they had never been translated.
K. G. Jayne, Fj5go da
pág. 253.
Gama and
his successors^ 1460-1580,
London,
1910,
!;
qA astronomia dos Lusíadas
X
dezanove autores gregos alguns deles
devem
testemunho não só do seu estudo
da perfeição
O e
no
original, pois
não tinham nunca
Este saber deve ter sido adquirido
sido traduzidos. é
pelo menos, está demonstrada; e
e latinos,
ter sido lidos
com que Coimbra
e
realizara os ideais do
nosso estudo mostra que Camões tinha
um
pecial, pois o
do campo Elegia
é
e
Humanismo».
conhecimento claro
seguro dos princípios fundamentais da astronomia,
fessava no seu tempo.
em Coimbra,
da sua memória, mas também
como
Ele tinha até por esta sciência
ela se pro-
um
gosto es-
que sobretudo inveja aos que gozam a vida tranquila
poderem
dedicar-se à astronomia,
como manifesta na
III 1:
Ditoso seja aquelle que alcançou
Poder viver na doce companhia
Das mansas ovelhinhas que criou Este
bem
facilmente alcançaria
As causas naturaes de toda cousa
Gomo
se gera a
chuva e neve
Os trabalhos do
E
sol,
fria:
que não repousa
•,
porque nos dá a lua a luz alhêa,
Se tolher-nos de Phebo os raios ousa:
E como tão depressa o Ceo rodêa; E como hum só os outros traz comsigo; E se he benigna ou dura Gytherêa.
Bem mal pode entender isto que digo, Quem ha de andar seguindo o fero Marte, Que sempre os olhos traz em seu perigo.
O
livro de iniciação
na sciência astronómica era, no seu tempo, a
Sphaera de Sacrobosco, de que corriam várias edições latinas comentadas. O Tratado da Sphera- de Pedro Nunes, publicado em i537,
contêm
a
Não era porém a priOs manuais náuticos, chamados
tradução portuguesa desta obra.
meira vez que ela era traduzida.
Regimentos, que usavam os nossos marinheiros, eram acompanhados dum Tratado da spera do mundo, que era a obra de Sacrobosco,
como
vertida para português,
1
e i54)
Éa
Elegia que começa
também nos
se vê
no Regimento da Biblioteca de
«O poeta Simonides
referimos.
fallando», a que adiante (págs, i53
Prefácio
Munich
e
*
se limitou
xi
no Regimento da Biblioteca de Évora,
porem as
em
Pedro Nunes não
Acrescentou ao texto original anota-
a traduzir.
ções que o modificam
Camões são
As
vários pontos.
ideias astronómicas de
do texto de Sacrobosco, com as modificações contidas
Assim o Tratado da Sphera deste
nas notas de Pedro Nunes. tre
'
ilus-
matemático pode considerar-se a principal fonte astronómica dos
Lusíadas.
Se a Sphaera era o
livro destinado aos
que queriam abordar o
es-
tudo da astronomia, os Reportórios dos tempos dirigiam-se ao grande público, que neles encontrava os dados astronómicos necessários à
vida prática e as tão apreciadas indicações de astrologia judiciária
sobre as várias influências de signos e planetas.
O
Reportório dos
tempos de Valentim Fernandes, cuja publicação começou pelo ano de i5i8 era
e
que parece
bem
ter sido a primeira
A
conhecido do poeta,
obra portuguesa deste género,
Chronographia o reportório de
tiempos de Jerónimo Chaves começou a publicar-se
O
1548.
em
Reportório dos tempos de André do Avelar
à morte de Camões, mas
em
Sevilha
los
em
é já posterior
grande parte tradução do
livro
de
Chaves.
As lar,
ideias fundamentais astronómicas expostas nesta obra por
bem como
as que se
nada ao ensino
conteem na sua Sphaerae
universitário, são as
o sistema astronómico do poema Universidade
e
o
mesmo que
é
desti-
iitriíisque,
mesmas dos Lusíadas.
Ave-
Assim
o que Pedro Nunes professava na
aqui continuou depois professando
André
do Avelar.
Não há que nico, cuja obra
1543,
A
censurar o poeta por não seguir o sistema de Copér-
De
repolutionibiis
orbium
coelestiiim foi publicada
em
doutrina copernicana, longe de ser logo aceite, foi até ao fim
do século XVI objecto de grande discussão. Só no século xvii ela foi definitivamente adoptada depois que Galileu inventou a luneta, com a qual se viram as fases de Vénus, os satélites de Júpiter
e as
man-
chas do Sol, que tornaram manifesto o movimento de rotação do globo solar.
Não
se pode exigir de
Camões o que não
fez o célebre mate-
mático Pedro Nunes, que, conhecendo a teoria de Copérnico, continuou seguindo a de Ptolomeu,
* Regimento do estrolabio e do quadrante. Tractado da spera do mundo. Reproduction fac-símilé du seul exemplaire connu appartenant à la Bibliothèque royale
de Munich. Munich, Gari Kuhn, desta formosa reprodução.
1914,
Deve-se ao
sr.
Joaquim Bensaúde a
iniciativa
qA astronomia dos Liísíadas
XII
Nem
podem
se
como
aceitar apreciações
a de Oliveira Martins
que, depois de transcrever as estâncias X, 8i e
«Mas é,
se a
cosmographia
é phantastica, a
por via de regra, verdadeira»
A cosmografia lomeu não que
foi
21, diz:
geographia pelo contrario
*.
dos Lusíadas não
uma pura
I,
fantasia, foi
A
é fantástica.
uma
doutrina de Pto-
verdadeira teoria scientífica,
admiravelmente aos cálculos astronómicos
se prestava
e se
man-
emquanto esteve de acordo com os resultados da observação. foi abandonada. Tal é o destino das teorias scientíficas, que,
teve
Depois
sendo simples resumos dos factos observados, se vão modificando
com
o aperfeiçoamento dos meios de observação
novos e
factos.
E
Newton marcam
E
mica.
e
o conhecimento de
assim que os nomes de Ptolomeu, Copérnico, Kepler as transformações sucessivas da sciência astronó-
continuar-se-há,
sem que, nos
séculos futuros, as nossas teo-
de agora possam ser classificadas de fantásticas.
rias
A
astronomia
dos Lusíadas representa a sciência do tempo, que Camões adquiriu
com o As
seu «honesto estudo». indicações astronómicas são sempre feitas pelo poeta
forma bela
e concisa, e
com
perfeito rigor.
E
numa
notável, sob este triplo
aspecto, a primeira parte de V, 24:
Mas
ja
o Planeta que no ceo primeiro
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meyo Mostrara,
rosto, agora inteiro
em quãto
o
mar cortava
a
armada.
Acabamos por averiguar que Camões exprime este facto verdadeiro: nos quatro meses, decorridos entre a partida de Lisboa e a chegada à Angra de Esta passagem nunca
foi
devidamente explicada.
Santa Helena, cinco vezes a lua passara de quarto crescente a lua Folheando as cheia, como explicamos no Cap. vii (págs. 74 a 80). páginas do lunário contido no Almanach perpetimm de Zacuto, obra
famosa impressa
em
Leiria
em
na tábua relativa ao ano de 1497 É a informação assim colhida. pela verdade e
1496, o poeta fixou a sua atenção e
exprimiu naqueles quatro versos
um
exemplo notável do seu amor do interesse que os fenómenos celestes lhe mere-
ciam.
1
Oliveira Martins,
1891, pág. 235.
Camões, os Lusíadas
e a
Renascença em Portugal, Porto,
Prefácio
xiii
investigações que fizemos a propósito de V, 14:
As
Ia descuberto
tínhamos diante
La no novo Hemispério nova estrella Não vista de outra gente, que ignorante Algús tempos esteve incerta
delia,
levaram-nos ao reconhecimento da origem portuguesa do Cruzeiro do Sul, que
deixamos demonstrada nos Capp. ix
e x.
A descoberta
desta
constelação e do seu uso náutico revela o saber dos nossos marinhei-
Camões
ros.
enaltece este honroso facto, que importa tornar
bem
co-
nhecido.
Julgamos que deixa completamente esclarecidas todas as passagens astronómicas do poema este nosso trabalho, para o qual serviu de incentivo entendermos que os Lusíadas
devem
tados para o ensino da cosmografia nos liceus.
No
também
ser aprovei-
nosso curso de
«Mecânica celeste» da Universidade, que começamos pela história das sucessivas teorias astronómicas até ao aparecimento da
de Nev^ton,
lei
costumamos ler, a propósito do sistema de Ptolomeu, a bela descrição da máquina do mundo do canto X. Assim, em vez de fatigarmos os
com uma árida exposição de excêntricos e epiciclos, os conservamos atentos com prazer e vivamente interessados, sob a influência da arte admirável com que o poeta resume a concepção ptolomaica. discípulos
Analogamente
«O
se
pode proceder nos
zodíaco», se mostra
No
liceus.
como nos Lusíadas
todos os factos fundamentais da astronomia.
Gap.
vii,
intitulado
encontram descritos
se
As
diferentes noções
elementares desta sciência poderão ser introduzidas a propósito da leitura das estâncias
dade dos alunos,
que a
ellas se
eles aceitarão
com
referem.
Despertada a
curiosi-
A
leitura,
prazer a explicação.
por exemplo, da estância V, 24, atrás citada,
é excelente
ocasião para
a explicação das fases da lua.
E
Camões segue a doutrina de Ptolomeu e poema não pode já servir para auxiliar o estudo da
natural objectar-se que
por isso o seu
A objecção não tem valor. Os pedagogistas modernos entendem que o aluno tem de percorrer, nas suas linhas gerais, o
cosmografia.
mesmo caminho que sciência.
Em
a
humanidade seguiu na elaboração de qualquer
vez de ser
um
recipiente passivo de teorias já feitas,
levado a tomar uma atitude de investigador activo, inteem bem observar os fenómenos e formular êle próprio as leis naturais. É o processo de redescoberta. Assim, na astronomia, a
deve
êle ser
ressado
observação directa dos fenómenos celestes levá-lo-há primeiro à con-
cepção ptolomaica. mente.
A
concepção copernicana virá depois natural-
Qá astronomia dos Lusíadas
XIV
O
método de investigação
desperta
rio»
meios
*.
um
chamado «método de
directa,
laborató-
interesse e entusiasmo difíceis de obter por outros
Para o seu emprego não
nido de bons telescópios.
Basta
Gomeça-se por observações à
vista
um
necessário
é
um
observatório
mu-
lugar de vistas desobstruídas.
desarmada,
com
feitas
instrumentos
elementares, construídos na localidade ou nas oficinas do estabeleci-
mento de ensino,
se as há.
Por
viii,
isso
no Gap.
astrolábios de
O
astrolábio está naturalmente indicado.
págg. 124 e 126, explicamos a construção dos
Os problemas que navegadores são um bom exercício. Os alunos
madeira que iam nas nossas naus.
preocuparam os nossos
Assim aprendem
fazem, a princípio, observações simples.
colhem,
em
primeira mão,
um bom
a ver, e
cabedal de conhecimentos astro-
nómicos, que lhes revela os princípios fundamentais do movimento dos astros.
E
a leitura das passagens astronómicas do nosso
cional constituirá
O
um
poema
do volume, alem de
útil
uma
para consultas, fornece
O
canto
V
o que contêm o
é
na-
ensino assim conduzido.
hidice remissivo das estâncias comentadas, que se junta no
nómica dos Lusíadas. 22,
num
forte estímulo,
firn
estatística astro-
número máximo^
com 19. No Gama: a armada
de estâncias comentadas, seguindo-se o canto X,
V
canto
descreve-se a maior parte da viagem do
vai de Lisboa à ilha de S. Tiago, passa o equador, toca na
Santa Helena, dobra o Gabo, surge
em Moçambique.
Angra de
Tão
extensa
navegação explica o maior número de observações astronómicas deste
O
mínimo pertence ao canto IX, que não chega a aparecer no índice; nele tem lugar a chegada à Ilha dos Amores, e as ninfas fizeram esquecer os astros. Em compensação o canto X adquire, com a descrição da máquina do mundo por Tétis, uma grande importância astronómica. Os cantos I, II, III e VI concorrem com 9 esNo tâncias cada um, os cantos IV e VIII com 4 e o VII com 3. poema há mais referências astronómicas, de que nos não ocupamos, canto.
por dispensarem comentário.
Gomeçámos
a publicar a
Universidade de Coimbra,
1
número de
«The laboratory method of instructíon
astronomical teachers that there a
Astronomia dos Lusíadas na Revista da i.°
is
little
is
191 3.
growing
Tendo conversado
in favor so rapidiy
occasion for any plea in
its
behalf.
with It is
recognized fact that lhe direct investigation of celestial phenomena gives a vivid-
ness and reality to the subject and arouses interest and enthusiasm difficult to obtain by any other means.
and provide no means
Indeed, to require the study of the heavenly bodies
for observing
them
is
somewhat like restricting the student Mary Byrd, Á laboratory man-
of botany to text-books and to pictures of plants». ual in astronomy, Boston, 1899.
Prefácio
em
xv
'
setembro de 191 2, na praia de Ancora, com o
Rodrigues acerca de leituras que a incitou-nos ele a
amor
começarmos
tal
respeito
a publicação.
E
sr. Dr. José Maria andávamos fazendo,
com
depois,
pelo poeta que tão notavelmente se tem revelado
em
aquele
trabalhos
da importância das Fontes dos Lusíadas, acompanhou-nos sempre com os seus conselhos e indicações.
O
sr.
da língua
Dr. Gonçalves Guimarães, latina,
tigável, gosta
prestou-nos
um
com o
seu profundo conhecimento
auxílio precioso.
Trabalhador
sempre de ajudar, com o seu muito saber, os que
infa-
tra-
balham.
O
sr.
Frederico
Oom,
Sub-director do Observatório Astronómico
de Lisboa, que à sua grande competência de astrónomo reúne
um
vivo entusiasmo por Camões, prestou-nos da melhor vontade, sempre
que a
Ao
êle
recorremos, o seu valioso concurso.
nosso querido mestre
e
eminente matemático
sr.
Dr.
Gomes
Teixeira também temos que agradecer o interesse com que acompanhou a publicação do nosso trabalho, chamando-nos a atenção para
os estudos do Prof. Angelitti sobre a astronomia do Dante. Feito a par
dum
serviço universitário muito intenso, não pode dei-
xar de ter este trabalho faltas
e
incorrecções que muito agradeceremos
sempre que nos sejam indicadas.
A ASTRONOMIA DOS LUSÍADAS
Ves aqui Etérea,
a grande
&
Assi foy do saber
Que
lie
Quem Globo,
sem
cerca
&
machina do mundo,
elemenlal, que fabricada alto,
principio,
em
&
profundo,
& meta
limitada,
derredor este rotundo
sua superíicia tam limada,
He Deos, mas o que he Deos ningué o entende, Que a tanto o engenho humano não se estéde. Os Lusíadas, canto X, estância
8o.
:
Camões apreciado por Alexandre de Humboldt
O 1769
grande naturalista alemão Alexandre de Humboldt, nascido
em
em
Berlim, onde morreu
em
1869, publicou, nos últimos anos
da sua vida, a célebre obra Kosmos, formoso quadro de todo o
mundo
físico,
turais e
fruto
do seu profundo conhecimento das sciências na-
da sua vasta erudição
de estudo
literária,
adquiridos
nas suas conhecidas viagens.
e
subordinados ao
do homem —
^,
título
— Reflexo
No
do mundo
cujo assunto é «o sentimento
numa
longa vida
primeiro dos capítulos
exterioí"
na imaginação
da natureza nas diferentes
épocas e nos diferentes povos», ocupa-se dos Lusíadas.
A
crítica
que faz do talento de Gamões para descrever a natureza, que vou tentar traduzir, socorrendo-me o
do poeta,
é
mais possível dos próprios versos
como segue
«Aquela pecuHar concepção da Natureza, que tem a sua origem na própria observação, brilha, no mais alto grau, na grande epopeia na-
como que um aroma de
cional
da literatura portuguesa.
flores
da índia através de todo o poema, escrito sob o céu dos
picos,
na gruta de Macau
e
Respira-se
nas ilhas Molucas.
tró-
Não me compete
confirmar a ousada opinião de Frederico Schlegel, segundo a qual
Camões «excedem muito Ariosto em colorido e riqueza de imaginação» como observador, porem, da Natureza, posso os Lusíadas de
;
acrecentar que, nas partes descritivas dos Lusíadas, nunca a inspi-
ração do poeta, o ornato da linguagem ou os suaves acentos de me-
lancoHa prejudicam a precisão na pintura dos fenómenos físicos; antes,
como sucede sempre que
a arte brota de fonte pura,
realçam
a viva impressão de grandeza e verdade dos quadros da Natureza.
São inimitáveis
em Gamões
as descrições da eterna correlação entre
qA astronomia dos Lusíadas
4 Céu
e
Mar, entre as nuvens multiformes, os seus processas metereo-
lógicos e os diferentes estados da superfície do superfície
esta
Oceano.
Mostra-nos
ora quando brandos ventos a enrugam
as curtas
e
ondas brilham, espelhando os raios de luz que nelas brincam; ora
quando os navios de Coelho pestade, lutam tido próprio
com
Paulo da Gama,
numa temerosa Camões
os elementos desencadeados.
do termo,
um
combateu no sopé do Atlas e
e
Como
grande pintor marítimo.
em
observou nas costas da índia
e
no sen-
guerreiro,
no mar Vermelho
terras de Marrocos,
no Golfo Pérsico; duas vezes dobrou o Cabo;
é,
tem-
e,
durante i6 anos,
da China, com o profundo sentimento
da Natureza de que era dotado, todos os fenómenos do Oceano. Descreve o eléctrico fogo de Santelmo (Castor
Pólux dos antigos
e
marinheiros gregos) «o lume viuo, que a marítima gente tem por santo»; descreve a ameaçadora tromba
um
«leuantarse no ar
em
seu desenvolvimento sucessivo: vê
&
vaporzinho
sutil
fumo», «e do vento trazido,
rodear-se», donde desce o delgado cano que se vai acrecentando e se alarga
vem
quando «os golpes grandes de agoa em
si
chupaua»; a nu-
negra, que sobre ele se espessa, despois que de todo se fartou
O
pé que tem no mar a
E
pello ceo
si
recolhe,
chouendo em fim voou
Porque coa agoa a jacente agoa molhe:
Aas ondas torna
Mas
as
ondas que tomou:
o sabor do sal lhe
tira,
&
tolhe.
«Vejão agora os sábios na escriptura», diz o poeta
bando quási Natura»,
gão por
já
até dos
di-lo
modernos tempos) «que segredos sam
que, guiados «so por puro engenho
falsos,
*(e
&
zom-
estes de
por ciência»,
«jul-
ou mal entendidos» os casos que contam os rudos marinheiros
Que tem por mestra
«Mas O
a longa experiência.
do inspirado poeta para descrever a Natureza não se manifesta só nos fe*nómenos isolados; brilha igualmente quando talento
abrange grandes massas
duma
vez.
O
terceiro canto desenha,
poucos traços, a configuração da Europa desde as regiões mais
do norte até ao reino Lusitano
e
em
frias
ao Estreito que «se ennobrece co
extremo trabalho do Thebano». civilização dos
Faz constante alusão aos costumes e povos que habitam esta tão recortada parte do mundo.
Da Moscóvia, do Império da Alemanha Reno
e «outras varias
nações que o
frio laua», passa rapidamente para os deliciosos
Hélade: «que criastes os peitos eloquentes,
e os juízos
campos de de alta fan-
Cap. I
No décimo
tasia».
Gama
a
mundo
uma
— Camões apreciado por oAlexandre de Humholdt
e
um
canto alargam-se os horizontes.
monte para
alto
Tétis conduz o
desvendar os segredos da machina do
lhe
o curso dos planetas (segundo o sistema de Ptolomeu).
como
visão no estilo de Dante; e
movimento, expõe por
fim,
trata já de descrever só a
do mundo
e
É
de todo o
é o centro
quanto se
terrestre,
Não
das suas produções.
se
Europa, como no canto terceiro; todas as
são passadas
Cruz
terras de Santa
Terra
a
na descrição do globo
sabia dos países então descobertos
partes
5
em
revista,
sendo até nomeadas as
(Brasil) e as costas descobertas
por Magalhães,
porem não na lealdade». «no feito com «Se louvei Gamões principalmente como pintor marítimo foi para significar que a vida terrestre o tinha atraído menos intensamente. Já Sismondi nota, com razão, que o poema inteiro não contêm vestígio verdade português,
de qualquer observação sobre a vegetação tropical e o seu aspecto
São apenas mencionados os perfumes e produtos comerciais úteis. O episódio da ilha encantada oferece sem dúvida a fisionómico.
mais deliciosa pintura duma paisagem; mas a vegetação
como
exige
uma
Ilha de
é
formada,
Vénus, de «mirtos, cidreiras, limões odorí-
feros e romãs»: tudo próprio
do clima da Europa do
sul.
No maior
dos navegadores marítimos de então, Gristóvão Golombo, encontramos
mais gosto pelos bosques das costas, mais interesse pelas formas do reino vegetal;
mas Golombo
escreve
um
roteiro, e nota nele
as im-
pressões vivas de cada dia, emquanto que a epopeia de Gamões glorifica
onde,
Pedir às línguas dos
os grandes feitos dos portugueses.
genas nomes de plantas
como sobre um fundo de quadro,
indí-
na descrição duma paisagem
e introduzi-los
se
movessem
os personagens,
pouco podia tentar o poeta habituado a sons harmoniosos». Eis o que diz Humboldt.
Esta opinião, de tão eminente autori-
dade, traduzida do alemão para português por
melhor do que nós, devia
ler-se,
quem
o saiba fazer
desacompanhada de comentários, em
todas as edições escolares dos Lusíadas.
A
descrição da grande máquina do
mundo,
a
que Humboldt chama
visão no estilo de Dante, aludindo, naturalmente à subida do poeta
com
Beatriz, no Paraíso, através dos nove céus, é o trecho astronómico
mais importante dos Lusíadas. ferências a factos astronómicos
Mas por
todo o
poema há muitas
sempre sob uma forma bela
re-
e precisa.
JTO^Í!^^
iRatado Da fpbera coinai£beciíc3DoSo!ioa ií.ua.^bop:imeiroííuroDa
^
Geograpbiaoecíwdio Pto iomeo iflerãdrino. £íradoa nc»iamcn uuvatim cmlingosgcm pÊiioS>oiíro2 Pero JSun^CofmograpbooslRef oô
íoão bo tcrccf K) ocfte nome noíTò se nbo:.e acrecérados wmuírss annota ções
-z
figuras
perqucimfsfmlm&m
fepodcm entender. C^temooustratâdos qo iriefiiio dou os quacsfe x^craráo todas as pjíndpaes to: fc5 fob:ea.c.a.rtSí»cimrear.Êm
Dunidasoanauegaçáo.cóasiáuoasDo inouiinentçjoofolnfua oechnação. So R.egiméto òa altura afíiaojímm^micc
ítionosoutrostempos
COM
PREVILEGI
Z'íííísmM!y^'^^íe:^;é?;í:-'^m^^^f:ji^^'.^Mr^^^^
Frontispício do Tratado da Sphera, tirado do exemplar existente na Biblioteca Nacional de Lisboa.
Dimensões do
original,
sem margens:
o'",255
Xo'",i69
o
Para bem
I.
das,
se interpretarem os trechos astronómicos dos' Lusía-
eram
preciso ver quais
é
em
Tratado da Sphera de Pedro Nunes
as ideias fundamentais da astronomia
Portugal no século xvi.
No tempo
de Camões
i525?-
(n.
— m.
i58o) a grande autoridade
na sciência astronómica era o professor da Universidade Pedro Nunes, cujas obras lhe
em
Sal
niiis é
deram reputação europeia.
nome
i5o2, o seu
latino era Petrus
o título do capítulo que
de r astronomie
dii
moyen
Sobre as épocas
Machado na
em
Delambre
Nascido
Nonius
em
Alcácer do
Salaciensis.
lhe consagra
A^o-
na sua Histoire
âge.
que leu na Universidade, diz Diogo Barbosa
Biblioteca Lusitana:
«A
perspicácia do juizo, e a
madu-
reza do talento lhe facilitarão a compreensão das sciências aplicando-se
na Universidade de Lisboa às Faculdades de Filosofia
e
Medicina,
e,
recebendo nesta as insígnias Doutorais, ditou aquela pelo espaço de
em
três
anos que finalizarão
cias
aprendeu as disciplinas Matemáticas
fessor,
o de i533.
Ambicioso de novas
em
sciên-
que saiu consumado pro-
sendo o primeiro mestre que ditou Matemáticas
em
a Univer-
sidade de Coimbra, de que se lhe passou provisão da Cadeira a i6
de Outubro de 1644, e nela jubilou a 4 de Fevereiro de 1562».
Dentre as obras de Pedro Nunes, o Tratado da Sphera, publicado
em
iSSy, ano da transferência da Universidade de Lisboa para
bra, era naturalmente o livro lido pelas pessoas que a astronomia
mesmo
diz
como
parte integrante
Coim-
queriam conhecer
duma boa educação
geral.
Ele
na dedicatória ao infante D. Luis:
Vendo eu que ho tratado da sphera: & Theorica do sol & da Lua: com ho primeiro liuro da Geographia de Ptolomeu: sam aquelles «...
.
qA asironomia dos Lusíadas
(V
em Cosmographia deseja Por nam carecerem disso os que nam sabem latim
princípios que deue ter qualquer pessoa que
saber algfia cousa.
ho
em
tirey
nosso lingoagem.
Acrecentei-lhe alguas anotações p^ra
que mays facilmente se podessem entender. tratados que
compus sobre
Puslhe ao cabo
&
a Carta de marear:
hias
ho regimeto da
porque não sou tam confiado de minhas cousas que cresse
altura:
que per
as
si
quereriam ver:
&
jndo nesta cõpanhia algúa hora per
acerto se abrira ho liuro nelles».
No
Capitulo
iiij
— Dos
Bosco, a respeito do
«
.
.
&
circulos
das causas dos eclipses do Sol
&
mouimentos dos Planetas:
da Lua
movimento do
—
,
lê-se
&
no texto de Sacro-
sol:
Assi que destes dous mouimentos resulta ho seu mouimento
.
no circulo dos signos de Ocidente pêra Oriente pello qual anda todo
em trezentos & sesenta & cinco dias: & quasi hum dia porque lhe falece húa cousa pequena que
o circulo dos signos a quarta parte de
não he sensiuel
.
Pedro Nunes
«Não posso
.
.
faz, à
margem,
a seguinte anotação:
crer q este autor ignorasse quãto vay nisto que ele
diz ser insensiuel.
A
»
Mas
fala c6 principiai esy).
Sphaera de Sacrobosco
nos estudos astronómicos.
era,
no século
o livro de iniciação
xvi,
Camões, que tão bem sabia os princípios
fundamentais da astronomia, não podia deixar de conhecer o Tratado
da Sphera do nosso célebre cosmógrafo
Este livro
e professor.
foi
pois, naturalmente, lido pelo poeta; o certo é que as ideias funda-
mentais nele expendidas são as que se encontram no poema.
Para
se
compreender a importância deste interessante
livro, pre-
cisamos conhecer, ainda que rapidamente, a sua origem.
2.
O
renascimento da astronomia na Europa resultou do conhe-
cimento das obras dos árabes que, desde o século
ix,
vinham sendo
os cultores da sciência dos astros.
Foi Almamon, califa de Bagdad desde 814 a 833, traduzir,
quem mandou
do grego para árabe, a Grande Sintaxe Matemática de
Ptolomeu, único dos astrónomos da antiguidade cujas obras chegaram até nós.
O
próprio
Desde então
Almamon
a obra é conhecida pelo
nome de Almagesto.
fez observações astronómicas,
obliquidade da ecHptica, que achou
ser de 23°33'.
determinando a
Cap. II
O
—O
Tratado da Sphera de T^edro U^iines
g
astrónomo árabe Albaténio vivia pelo ano de 88o.
célebre
Este príncipe compôs tábuas astronómicas, referidas ao meridiano de Aracta, para substituir as de Ptolomeu.
tronomia cujo
título
na tradução
é,
Scientia Stellarum.
e
em
um
tratado de as-
— Mahometis Albatenii de
Hiparco (i6o antes de Cristo), comparando
suas observações da Espiga da Virgem século antes,
Escreveu
latina:
com
as que Timócatis fizera,
Alexandria, viu que as estrelas
mudavam
as
um
de posição
em
pareciam avançar lentamente de ocidente para oriente
relação
aos pontos equinociais, descobrindo assim o movimento de precessão
dos equinócios, que teve o
era de
nome de movimento dos auges
Segundo Ptolomeu (140 depois de
fixas.
i
grau
em cem
anos.
sessenta anos e quatro meses.
Cristo),
e
das estrelas
este
movimento
Albaténio achou que era de
grau
i
em
A obliqíiidade da eclíptica era, segundo
Albaténio, de 23^35'.
O
astrónomo Alfragano, que parece
ano de 950, adquiriu celebridade com os seus Elementos de astronomia, de que se fizeram
três traduções
O
latinas.
ter vivido pelo
título
em
da obra,
latim,
é:
Muhamedis Alfragani Arabis chronologica et astronómica Elementa. Segundo o comentador Christmann, Alfragano não fez mais do que copiar Ptolomeu e Albaténio.
O
astrónomo Thebit ben Chora
dação, que
foi
é o autor
da hipótese da trepi-
adoptada durante muito tempo, influindo nas tábuas
astronómicas até Tycho-Brahe.
qúidade da eclíptica
e
a
Para explicar a variação na
obli-
desigualdade no movimento das estrelas
fixas relativamente aos equinócios,
das antigas observações, imaginou,
que
ele
em
deduzia da comparação
cada equinócio,
um
círculo
cujo raio era de 4°i8'43''; o ponto equinocial verdadeiro estava na
circunferência deste pequeno círculo, percorrendo-o
com movimento
uniforme; deste movimento de trepidação ou de acesso resultava que as estrelas pareciam dente,
por
com
ser,
aparece
velocidades desiguais.
ir
A
recesso,
hipótese da trepidação acaba
mais tarde, abandonada, mas
com
e
ora para oriente ora para oci-
o movimento de niitação,
uma
hipótese semelhante re-
descoberto por Bradley
em
1728.
Esta hipótese da trepidação da esfera das estrelas por Pedro Nunes no seu opúsculo tationes.
É
— In
fixas é tratada
theoricas G. Piirbachii anno-
objecto da última anotação, intitulada: «De
motu octauae
sphaerae, secundum Thebit».
renovamento dos estudos astronómicos começa na Europa com a tradução do Almagesto, mandada fazer, em i23o, do árabe para A versão directa do grego para latim, pelo imperador Frederico II.
O
latim só foi feita no século xv, por Trapezuntius.
IO
astronomia dos Lusíadas
^li
A
Sp}iaei\2
de Sacrobosco
mais antiga das obras de astronomia
é a
produzidas na Europa, que chegaram até nós. era
um
nome
frade inglês, nascido
em
João de Sacrobosco
Halifax ou Holiwood, donde o seu
Tendo
Joannes de Sacro Bosco ou de Sacro Busto.
latino
es-
tudado na Universidade de Oxford, veio para Paris, atraído pela fama
da sua Universidade,
em
rendo
Ptolomeu
1256.
e aí
e as Matemáticas, morresumo do Almagesto de
ensinou a Filosofia
Sacrobosco compôs
um
dos Elementos de astronomia de Alfragano, que intitulou
e
De Sphaera.
uma
Este livro adquiriu
tal
celebridade que, durante
trezentos anos, não se conheceu outro nas escolas.
em Veneza em
primeira vez
O
De Sphaera
tratado
em liiigoagem
Foi impresso pela
1497.
de Sacrobosco
pelo doutor Pedro
foi
tirado noiwnente do latim
Nunes em
Já havia outras
1537.
Existe na biblioteca de Évora
um
Spera do mfido tirada de latim em lifigoage português.
O
traduções portuguesas.
Bensaúde descobriu outra, mais
Mas
está tratando de publicar.
antiga, na biblioteca de a
Entre elas ha
uma
sr.
margem
texto,
Joaquim
Munich, que.
versão de Pedro Nunes
tada de anotações que se lêem na
completando ou corrigindo o
Tratado da
acrecen-
é
das páginas, explicando,
segundo as ideias do seu tempo.
bastante extensa «sobre as derradeiras palauras do
Capitulo dos Climas^^. nas quais Sacrobosco afirma que a largura dos
aproximam do polo. Como todos vinham repetindo, desde Ptolomeu, esta asserção sem a
climas deminue à medida que se os autores
provarem. Pedro Nunes traduzida para latim
Sphaera.
Na
faz a sua
veio
e
demonstração.
acompanhando
biblioteca da Universidade há
Esta anotação
um
exemplar da
Joannis de Sacro Bosco Emeudata, Lutetiae, i557», onde essa anotação
trema verba
com
o título:
((
Sphaera
se encontra
uPetri Nonii Salaciensis Annotatio in ex-
capitis de Climatibus. Elia A^ineto interprete», tendo
fim esta nota:
foi
várias edições latinas da
no
«^'ernaculo sermone scripsit hoc Nonius. id est. His-
pano Portogallico». Pelo tempo
3.
rei
em
de Castela, reunia
que Sacrobosco ensinava
em Toledo
tempo, cristãos, mouros
e judeus,
Tábuas Afonsinas, publicadas em rei Afonso, o sábio, começaram a Ordeu,
em
i8()3.
Os
em
Paris,
Afonso X,
os astrónomos mais hábeis do seu
de cujos trabalhos resultaram as i252.
Os
livros
ser publicados
magníficos in-fólios teem por
Rey D, Alfonso X de y comentados por Dou Manuel Rico y
astronómicos do
em Madrid, título:
de Real
Libros dei
saber de astronomia dei
Çastilla^ copilados, ano-
tados
Sinobas.
Foi
em
1460 que apareceram as Teóricas dos planetas de Pur-
BACHio, livro famoso que teve
um
sucesso igual à Esfera de Sacro-
Cap. II
—O
Tratado da Sphera de ^edro V^ines
da Áustria
e
1423
Peurbach, nos confins
em
A
Régio ou Regiomontanus.
Viena de Áus-
sucessor o célebre astrónomo JoÂo
e
MíiLLER, de Koenigsberg,' donde o seu
são as
em
da Baviera, ensinou as Matemáticas
onde teve por discípulo
tria,
em
Jorge Purbáchio, nascido
bosco.
nome
latino
Joannes de Monte
obra mais considerável de Purbáchio Theoricae nouae planetariim, onde
Teóricas dos planetas,
tentou corrigir Ptolomeu e os astrónomos de Afonso X.
seguem
pela teórica do Sol, a que se
netas superiores, de triplo fixas,
Vénus
Começa
as teóricas da Lua, dos três pla-
de Mercúrio; termina
e
ii
com
o estudo do
movimento da oitava esfera, onde estão situadas as estrelas também chamada Firmamento. Purbáchio retoma a opinião
da solidez dos céus, rejeitada por Ptolomeu. Esta obra de Purbáchio teve o
sendo muitas vezes reproduzida
mesmo
comentada.
e
com
dores distingue-se Pedro Nunes,
destino da de Sacrobosco,
Entre os comenta-
o seu opúsculo
— In
theoricas
G. Purhachii annotationes aliquot, publicadas, segundo Diogo Bar-
em
bosa,
Coimbra,
Universidade
em
1546.
A
edição existente na Biblioteca da
de iSyS, juntamente
é
tione nauigandi.
Depois de fazer
um
com
diz
Delambre, a respeito de Pedro Nunes:
les
commentateurs de Purbach,
«Malgré ces inexactitudes peu importantes, plus soigneux;
du moyen
il
De Arte
a obra:
resumo de todo
il
atque ra-
este comentário,
est encore de tous
celui qui etait le plus
géomètre
est aussi le plus instructif» (Histoire de
et le
Vastronomie
âge, Paris, 18 19, pág. 280).
As Teóricas de Purbáchio foram consideradas como uma
conti-
nuação da Esfera de Sacrobosco, preparando para o estudo dos livros de
uma
como
Tem
Ptolomeu.
No
Observatqrio Astronómico de Coimbra existe
em Veneza em iSig, damos uma reprodução.
edição das duas obras conjuntas, publicada se vê
na última página, de que adeante
no frontespício o
Sphaera Mundt, que
título
se repete,
mais des-
envolvidamente, no alto da primeira página:
«Sphaerae mvndi gompendivm foeliciter inchoat. Nouitiis adolescentibus: ad
dam additum tígio
impetrantibus
:
astronomicam rempublicam capessen-
pro breui rectoque tramite a vulgari ves-
semoto: loannis de sacro busto sphaericum opusculum vna
additionibus nonnuUis littera
Contraque Cremonensia
ín
A
sparsim vbi intersertae
cum
sint signatis.
planetarum theoricas deliramenta loannis
quam vtiHs: Nec non eorundem motus planetarum accuratissimae
de monte régio disputationes tam acuratissimae Georgii purbachii:
in
•theoricae: dicatum opus
vtili serie
contextum: fausto sidere inchoat».
di astronomia dos Lusíadas
12
As com o
começam no
Teóricas, última parte do livro,
verso da folha 3o
Thcoricac noiíae planetarum Georgii Piirbachii astro-
título:
nomi celebrai issinii.
Pedro Nunes
faz
uma
Em
cousa semelhante.
continuação do Tra-
tado da Sphera, traduz as Teóricas de Purbáchio,
duas primeiras,
do Sol
a teórica
mas
limita-se às
da Lua, naturalmente por julgar
e a
em cosmographia deseja Transcrevemos o começo da teórica do sol
para «qualquer pessoa que
isso suficiente
saber alguma cousa».
A palavra
para se fazer ideia da constituição dos céus dos planetas.
auge indica «o ponto no ecentrico que mais o auge do sol é o seu apogeu, o ponto
da
em
se
achega ao firmameto»
que mais se afasta do centro
no fac-simile, que damos junto, da primeira
terra. Veja-se a figura
página da Teórica do Sol
e
da Lua, onde
Do
se lê
Sol
«A esphera do sol he composta de três particulares ceos: sam per tal arte situados: que a face de fora do mais alto concêntrica ao mundo: mas a face de dentro he ecentrica.
os quaes deles he
O
mais
baixo ceo delles he pello contrairo: porque a face de fora que he a
&
conuexa he ecentrica:
Mas
a cõcoua que he a de dentro he concétrica.
&
o terceiro ceo jaz antre estes dous:
partes se achega ao concauo do mais alto:
&
uexo do debayxo.
ho seu conuexo per todas
&
ho seu concauo ao con-
do meo per ambas suas faces
assi fica este ceo
ecentrico K
«Chamasse concêntrico ao mundo aquelle ceo que te ho mesmo mundo: & ecétrico cujo centro he fora do centro do mudo.
centro q o
«Portanto os dous primeiros ceos: parte
E
concêntricos.
sam
&
ecentricos:
porq com seu mouimento leuã o auge. do
parte
sol:
cha-
mãse deferentes do auge do sol: mas pore o terceiro ceo he de todo ecentrico: & porque mouendose leua consigo ho corpo do sol: que no mesmo ecentrico esta pregado: chamasse por esta razam ceo deferente do
sol.
«Estes três ceos tem dous centros: porque a face conuexa alto:
&
a
concaua do mais bayxo tem
vniuersal do
mudo.
PoUo qual toda a
assi de qualquer outro
cauo do mais
1
A
alto
&
brãco do
meo ho
:
centro que he ho
inteira esphera
do
planeta he concêntrica ao mundo:
sol
& bem
mas ho
con-
conuexo do mais baixo juntamente com ambas as
anotação à margem diz
o cetro do ecétrico
hum mesmo
domais
:
«O ponto
.a.
he ho centro do
mudo &
os dous pretos representa os deferentes do
ecentrico ou deferente do Sol».
:
o ponto
Auge do
sol
.b.
&
o
mm DA DO SOL E' IVâ DE LATIM EM LINGOAGEMTER HO DOCTCP. PÊRO NVNEZ*\ mà»f
[iráèiaiiiifiiiiiíiiiiiítiíi
THECTvICA
DO
SOL.
terc0ceo0:o0 quaee
fòm per tal arre firiia-
úo^tqm^Uctuíoz^mmmútomkB be coiicciirrícaaômiíndo:fti00afac€oeDcntro
becccniTfe3*0maí0b9Í]roceooe{fe0|>epe! loccntraíro:pd2qiic a faccDefoaa couiic)ta
que
fc)eâ
Ixccxnmcat^t acocouaqueíjeaoí
t)ciitroí?ccoficêrríca*Ma0 orer(XÍrocec
aiitrc€f}c64)ou0Ml?ofciiccniic]cop€r
rodae partee
fe
act^cga
p; ao
coiicawo0om3Í0alro:*tl?oftiicoíicaooaocofwe^oD0C>£ba|;i:o*'r' afTifícacftecco oomco per aríibaéfiiaafaceseccnfríco
bt
lx>
emito
rã 00 oéíéreii
UB t)o%n%t cooomcoba eccitiríra ou-
defereme
ch?^
CC^n^íTecenccfitrícoao miiiid0aquclkccoq«e íc |o inefíno centro3„omtiiido:^eciTícocõ|oceiiiro|^foáiK)remr0t>onw^
CPo^fanto O0DOII0 pmicíro0ceô0:partc toi ecerimcoe t a par íecc»icmmccH5.E|^iqcpmfeiimomiiicitolaiáo3«0eoofol:*^
';immms:S'^Sh^i:S:&i&à:í'mi:í
Dimensões do
áZã^és&M:^:tsãi:SíÂí:j&/Zii:fí'J-;.
original,
sem margens:
o'",252
X o'",i40
Cap. II faces do ceo do
—O
Tratado da Sphera de ^edro \N^ines
meo: tem outro
i3
chama
diferente centro q se
centro
do ecentrico.
«Os deferentes do auge do
sol
fazem seus próprios mouimêtos tam
concertados: que sempre a parte mais delgada do ceo mais alto: anda
& em hum mesmo
sobre a mais grossa do ceo mais bayxo:
tempo
fazem suas voltas: conforme ao mouimeto da oytaiia esphera de que
E
abaixo falaremos. ecliptica
mouimento sam
os poios deste
os poios
deferente do sol: na face da
mesma
ecliptica
«Mas ho deferente do Sol anda cada
dia
continuamente se volue.
ordenadamente per seu
próprio mouimento: segundo a socessam dos signos .l.noue
&
da
da oytaua esphera: por quanto ho auge do ecentrico que he
meudos
quasi oyto segundos daquella circunferência que se faz sobre ho
&
centro do ecentrico:
passa pollo centro do corpo do
Este último período
tradução do seguinte:
é
corpus deferens motu próprio super suo centro riter
«Sed orbis solare eccentrici regula-
s.
secundum sucessionem signorum quotidie
sol».
minutis et octo
.lix.
secundis fere de partibus circumferentiae per centrum corporis solaris
Pedro Nunes traduz
vna reuolutione completa descriptae mouetur». aqui regulariter por ordenadamente; para
designar o movimento
uniforme emprega indistintamente os adjectivos: igual, regular ou ordenado.
Assim no verso de Camões, Que também
nelle
tem curso ordenado,
Os Lusíadas, canto X, estância
87.
curso ordenado quer dizer movimento uniforme.
em que Kepler publicou a sua obra De stella uma época nova na história da astronomia, o planetas decompunha-se em movimentos simples, cada
Até ao ano de 1609 Martis, que marcou
movimento dos
um
dos quais era circular
e
uniforme.
assim também através da idade média,
movimento
Assim e
o
circular e uniforme, explicando os
dos astros,
foi
na antiguidade,
se fez
mesmo
fez Copérnico.
O
movimentos observados
o princípio fundamental da astronomia teórica até
Kepler.
O
primeiro planeta de que trata Purbáchio
é
o Sol, que ocupa a
quarta esfera, entre a de Vénus e a de Marte:
O
claro olho
do ceo no quarto assento. Os Lusíadas, canto X, estância
A nem
teórica
equante
do Sol
nem
entre os dois céus
é a
8^.
mais simples, não havendo nela a considerar
epiciclo.
O
movimento próprio do
chamados deferentes do auge do
sol executa-se
sol
(marcados a
J4
C^ astronomia dos Lusíadas
como
preto na figura), deferente do
em
screvendo
O
entre dois muros.
céu intermédio, chamado
desliza entre os dois de ocidente para oriente, de-
sol,
cada dia
um
ângulo de bg'
uma
o sol, que assim executa
e
quási
arrastando consigo
8'',
em
revolução completa
365 dias
e
um
quarto, aproximadamente.
Mas
o centro b do deferente do sol não coincide
da Terra.
Como
que damos
um
sol
O
ângulos desiguais hag Q lak.
menor que
iguais
cd
e
Terra
em
a,
com o centro a na anotação da página, de
mãs correspondem-lhes no
iguais cbd e ebf;
guio hag e
e se lê
em fac-simile, a arcos iguais cd e ef do decorrespondem no seu centro b os ângulos
fragmento
do corpo do
ferente
na figura
se vê
mundo a
ângulo iak é maior que ebf;
Enquanto pois o
cbd.
centro do
e
os
o ân-
sol descreve os dois arcos
ef do seu deferente, parece ao observador, colocado na descrever arcos desiguais da eclíptica. O plano do cír-
culo que descreve o centro do sol intersecta na oitava esfera a circun-
ferência que é a eclíptica da oitava esfera, linha
O é
ponto c
é o
auge do
auge (Oppositum augis);
O
seu perigeu.
o ponto
é
O
sol, visto
em
ou a sua maior longura; ponto
e é
o contrário do
que menos dista da Terra, o
da Terra, atinge a máxima velocidade no
mínima no apogeu. A hipótese do excêntrico explica assim desigualdade do movimento próprio do sol, com um movimento uni-
perigeu a
sol (Aiix solis),
o ponto de maior distância à Terra.
média do zodíaco.
forme
E
e a
em
torno
o que se
dum
lê
ponto situado fora do centro da Terra.
no texto:
«Certamente poys que ho sobre ho centro do se segue
mesmo
sol pello
mouimento de seu deferente moue: daqui
deferente ordenadamete se
que sobre qualquer outro ponto se moua desigualmente.
portanto ho sol sobre ho centro do desiguais:
&
mundo em
da roda do zodíaco anda partes desiguais».
Purbáchio, enumerando os orbes que planeta,
diz
E
tepos iguais faz ângulos
a respeito
do Sol
«Luna habet orbes quattuor periores Marte, Júpiter
e
et
e
compõem
a esfera de cada
da Lua: «Sol habet
vnam sphaerulam».
Os
três
orbes»,
planetas su-
Saturno teem três orbes, como o Sol:
secundum Nas teóricas de Vénus e Merhabet orbes cum epicyclo», e «Mercurius
«Quilibet trium superiorum três orbes habet a se diuisos
imaginationem trium orbium Solis». cúrio lê-se:
«Vénus
três
habet orbes quinque et epicyclum».
Pedro Nunes culares ceos»; e
em
si
diz:
«A esphera do
começa
quatro ceos».
a teórica
sol
da
he composta de três parti-
lua:
«A esphera da Lua tem
^^Il§ i s § p
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§ C5
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2
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o
"^
^^
^
:
:
Cap, II
Traduz pois
—O
Tratado da Sphera de ^Pedro ÍNjines por céus;
oy^bes
usa a palavra esfera para designar
e
Este uso distinto dos termos é
o conjunto dos céus de cada planeta.
próprio
duma
exposição didática.
Camões emprega mente, como
i5
as palavras: esfera, céu e orbe,
é natural
num
mas
indistinta-
poeta, que tem de atender primeiro ao
ritmo do verso.
No
canto segundo, Vénus sobe à sexta esfera, que é a de Júpiter,
depois de recebida na terceira, que a
é a sua,
para lhe pedir que proteja
armada portuguesa: Ia penetra as Estrellas luminosas, Ia
na terceyra Esphera recebida
Auante passa,
&
la
no sexto
ceo.
Pêra onde estaua o Padre se rnoueo. Os Lusíadas, canto
Aqui céu
No décimo
esfera.
estância 33.
teem a mesma significação que Pedro Nunes
e esfera
dá ao termo
TI,
canto, descrevendo o globo, «tran-
sunto reduzido» do mundo, diz Tétis: Qual
a matéria seja
nam
se enxerga,
Mas enxergasse bem que está composto De vários orbes, que a diuina verga Compôs, & hum centro a todos so tem posto. Os Lusíadas, canto X, estância
78.
Nestes versos os orbes são todos concêntricos ao mundo.
Mas
Tétis continua adeante:
Em
todos estes orbes, differente
Curso veras, nus graue,
&
noutros leue
Ora fogem do centro longamente, Ora da terra estam caminho breue. Os Lusíadas, canto X,
Agora não há.
os orbes são excêntricos.
Na
estância 90.
Parece haver contradição, mas
primeira estância, os orbes são as esferas completas; na
segunda os orbes são os céus excêntricos dos planetas.
Na a
transcrição que atrás fizemos da teórica do sol, sublinhamos
passagem: «toda a
inteira
esphera do sol
outro planeta he concêntrica ao mundo».
&
bem assi de qualquer Vimos com efeito o con-
junto dos três céus do sol contido entre duas superfícies esféricas concêntricas ao
mundo;
cada planeta. e
a décima;
e
o
Além das estas
mesmo
sucede
com
o conjunto dos céus de
sete esferas planetárias,
há a oitava, a nona
são concêntricas, não contendo mais
dum
céu,
/í
(1.4
astronomia dos Lusíadas
Sobre as dez esferas móveis está
do Empíreo, imóvel
a
Camões, abrangendo, na estância 78, toda
e concêntrica.
máquina do mundo, con-
a
sidera a esfera de cada planeta no seu conjunto; os orbes são as onze esferas e portanto são todos concêntricos.
Na
uma
estância 90, Camões, que acaba de fazer
meração de todas ticular os seus
admirável enu-
as esferas planetárias, passa a considerar
movimentos
céus deferentes dos planetas, os quais
teem curso
variável, desde o
deferente de Saturno, o mais grave, que faz a sua volta
do epiciclo da Lua, o mais
até ao deferente
em
Todos
27 dias e 8 horas.
leve,
em
3o anos,
cuja revolução se
estes deferentes são,
como o do
longamente do centro do
Sol, orbes excêntricos; ora estão afastados
mundo, no ponto do auge; ora estão caminho trário
par-
Já nos dois primeiros versos se refere aos
raterísticos dos planetas.
faz
em
distingue então os céus excêntricos, ca-
e
breve,
no ponto con-
do auge.
Enquanto ao movimento dos dois céus deferentes do auge do diz
Pedro Nunes que «em
hum mesmo tempo fazem
sol,
suas voltas:
conforme ao mouimeto da ojtaua esphera de que abaixo falaremos y>.
Mas depois não fala. Ora Purbáchio diz com
efeito: «& aeque cito circumeunt (orbes secundum mutationem motus octauae sphaeE ocupa-se, na verdade, da rae: de quo poster ius dicendum erity>. teórica da oitava esfera nO capítulo final intitulado: De motu octauae
augem
deferentes
Solis)
sphaerae.
Como Pedro Nunes do
traduz apenas os dois primeiros capítulos,
sol e
da
lua,
não chega a ocupar-se do movimento do
mamento, o que
faz
em
outras obras.
teóricas
Adeante tratamos deste assunto
4.
Tendo traduzido
em
especial,
a Teórica do Sol e
Purbáchio, faz Pedro Nunes,
da geografia de Ptolomeu.
em
E
fir-
da Lua de
a Teórica
seguida, a versão do primeiro livro
acrescenta por fim dois tratados origi-
nais seus sobre a carta de marear.
No scrito
Observatório Astronómico da Universidade existe
com
mente os
um manu-
a tradução francesa destes dois tratados, tendo respectiva-
títulos:
((Traité
que
le
Docteur Pierre Nunes
douttes de la navigation» e «Traité que
mographe du Roy notre naviguer avec
le
le
fit
sur certaines
Docteur Pierre Nunes cos-
Sire a faict pour la deffence de la carte de
regiment de
la haulteur».
Há também uma
cópia
manuscrita de todo o Tratado da Sphera.
Exemplares impressos deste Tratado conhecemos apenas o da Biblioteca Nacional de Lisboa, e
sabemos que há
um
exemplar na
:
Cap. II
—O
Tratado da Sphcra de ^edro [N^nies
Academia das Sciências de Lisboa
Biblioteca da
ly
e
outro na Biblioteca
uma
edição de todas as
de Évora.
O
governo português devia mandar fazer
obras de Pedro Nunes, pondo-as assim ao alcance dos estudiosos,
enriquecendo a literatura matemática nacional
menagem merecida
a este
homem
ilustre
uma
prestando
e
ho-
de sciência do século xvi,
que, não se ocupando da astronomia apenas sob o ponto de vista pura-
mente especulativo, teve principalmente à arte de navegar, colaborando
dum povo
função histórica
Ele
mesmo
de navegadores descobridores.
tomara
se
a
em defensam da carta de maaltura do polo em todo tempo
&
vindo ao seruiço do muito escrarecido
príncipe o Infante
maticas: lhe
em
Dô
em
&
demostração
euora: dey a
híía folha
muito excelete
Anrique: pêra o instruir nas sciências mathe-
disso figura
fiz
anno de .i533. escripto
vista as suas aplicações
sol»
E
«...
«Como
em
o seu saber na realização da nossa
o declara no «Tratado
rear», no capítulo
que ouuer
com
de papel:
do polo da dita cidade
el
&
ja tarde:
em
E
plano.
Rey nosso senhor
despois no
o regimento
perante sua alteza tomey a altura
pouco tepo antes do
sol posto:
&
achey q era .38. grãos & quasi hú terço. porque ate ora o mais do tempo fuy doente: & o dito regimento q assi escreui: tinha necessidade de algua mais decraração pêra se poder praticar ho não comu-
E
niquey a todos: posto q meu desejo sempre fosse & he: tirar-se de minhas letras algum fructo pêra esta arte de nauegary>.
A
arte de
navegar
é objecto
da sua obra De Arte atque ratione
naiiigandi libri duo, de que existe na Biblioteca da Universidade a edição de
Coimbra de
Na Imprensa
em
1573.
da Universidade de Coimbra começou a fazer-se,
18 14, a reimpressão do
como consta do
vol. vii
Tratado da Sphera de Pedro Nunes,
do Registo das férias dos
que traba-
oficiais
lharam nas obras impressas por conta da casa, que nos mostrou o actual director sr. dr.
um
como
Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, assim
papel avulso do arquivo, onde se
por concluir, principiadas
da Sphera scrito,
que
—O já
Astronómico.
tem
em
lê,
numa
não está na biblioteca da Imprensa,
—
Tratado Nunez MS.» Este manu-
várias épocas, «Pêro
original está nesta Biblioteca; é
Hsta de obras
é o
do Observatório
Infelizmente a reimpressão interrompeu-se, e
nem
exis-
as meias folhas impressas, a que se refere o registo das férias.
O
sr.
Francisco Maria Esteves Pereira publicou, na Revista de
Engenharia Militar (maio de 191 2
1
a fevereiro de 1912), o
«Tratado
qA astronomia dos Lusíadas
7(9
em defensam com
fazer
da carta de marear», dando o exemplo do que há a
as outras obras
do ensigne matemático.
Temo-nos ocupado do Tratado da Sphera como
5.
livro
lido
por Camões.
Vamos e
citar
uma
outra obra que se ocupa
que devia ser do conhecimento do poeta.
também
E
a
&
PHiCA totius Philosophiae Rationalis, Naturalis
de astronomia
Margarita PhilosoMoralis principia
diatogice duodecim libris complectens, de Gregório Reisch, prior de
uma
Os
Cartucha, perto de Friburgo.
do triuium: Gramática, Dialética
e
três primeiros livros
quadriuium: Arimética, Música, Geometria
nomia
é pois o objecto do livro
e
Na i535.
Astronomia.
Esta pérola
vii.
pédia do tempo, era universalmente conhecida
e
tratam
Retórica; os quatro seguintes do
e
A
astro-
filosófica, enciclo-
apreciada.
Biblioteca da Universidade existem as edições de i5o4, i5i7
Esta última edição, de Basileia,
é
revista pelo professor
Orôncio Fíneo, do Colégio Real de França, o mesmo contra quem Pedro Nunes escreveu o opúsculo De erratis Orontij Finoei, Regii Mathematicariim Lutetiae Professoris,
Da Margarita
Philosophica reproduzimos adeante, duas gravuras
que, ilustrando o assunto de que nos ocupamos, teem teresse de serem coevas de Camões
pladas.
e,
também
o
in-
naturalmente, por êle contem-
o
I
O
.
triplo
movimento da oitava esfera
capítulo primeiro do
Tratado da Sphera começa pela
defi-
nição da esfera, e continua depois:
«Duas diuisoes ha da sphera: a primeira he sustancial gíãda he acidetal. .s.
em
a
Sustãcialmete se diuide a sphera
nona que he o primeyro mobile:
que se chama o firmameto:
fixas
netas.
Das quaes
q mais
se
híãas
& em
sam mayores:
em
&
a da lua he a
.ix.
a se-
spheras
a sphera das estrelas
sete spheras de sete pra-
&
outras menores: segundo
chega ou se aparta do firmameto.
de Saturno he a mayor
em
&
E
por tãto a sphera
menor como na
figura pa-
recera».
Esta constituição da «machina do mundo» por nove esferas, cer-
cando a Terra, sobre as quais assenta o Empíreo,
poema do começo do século xiv. Pedro Nunes faz, a esta passagem do
é a
do Paraíso de
Dante,
guinte anotação, na
«Chamasse
margem da
fixas
texto de Sacrobosco, a se-
página:
porque estão sempre
em
híãa
mesma
distancia de
e híí soo ceo q he o oytauo: o qual per razam chama firmamento & amostrãsenos estas estrellas sempre per huas mesmas figuras & guarda o mesmo sitio as quaes cousas nã ha nos planetas. E segúdo a comu escola dos astrólogos a nona esphera não he primeiro mobile mas segundo & ho decimo he ho
nos por estaré todas delias se
primeiro:
não
mos
se
&
nestes doz^s ceos de cima nã ha estrellas
comprehende
os seus
pello sentido se
mouimentos na
.8.
&
por tanto
não per razã porq experimenta-
que não sam próprios a
ella».
Qá astronomia dos Lusíadas
20
Temos nona, que
pois, agora, é
mais
uma
A
esfera.
oitava é envolvida pela
nona esfera pela décima, que
é o
«machina do mundo» dos Lusíadas, poema do século
xvi.
o segundo móbil;
e a
primeiro móbil.
Tal
é a
Camões segue
Na
a
«comu
escola» dos astrónomos do seu tempo.
folha seguinte, lê-se no texto:
«Junto da regiam dos elementos: esta logo a regiam celestial cida:
&
pello seu ser
mouimento
Sam
circular:
Tmudauel he
&
liure
de toda mudança:
te
lú-
contino
chamaranlhe os philosofos Quinta essência.
noue spheras como acima dixemos
:
conuem
a saber.
Sphera
da LGa: de Mercúrio: de Vénus: do Sol: de Mars: de Júpiter: de Saturno: das estrellas fixas:
de cima cerca as debayxo. derradeiro ceo:
&
&
&
a
Tem
&
do derradeiro ceo
cada
híía
das
dous mouimetos ho primeiro he do
fazse sobre os dous cabos do eyxo
&
Antartico: começa de oriente: vay a ocidete
.s.
polo Artico
torna outra vez a
Ho outro oriéte: & este mouimeto parte per meo ha eqwmocial. mouimento he das spheras debaixo: contrairo ao primeiro per oblico: tem próprios eyxos sobre que se faz: os quaes esta apartados dos primeiros per .23. grãos & .33. meudos. Mas o primeiro mouimento moue & leua com seu ympeto todallas outras Spheras & em hú dia E porem ellas sem embargo deste mouimento: andão em contrayro. A oytaua Sphera em cem annos hum grão: & a este segundo mouimento parte cõ sua noite faze per derredor da terra húa reuoluçao.
meo ho zodiaco. debaixo do (\ua\ cada hú dos pranetas tem própria sphera: em a qual anda per próprio mouimento contra o mouimento do derradeyro ceo: & em diuersos espaços de tempos fazem suas reuoluções. Saturno em .3o. annos: Júpiter em .12. Mars em dous. .365. dias: & quasi seys oras. em Vénus & Mercúrio quasi eni Sol outro tanto tempo, a Lua em vinte & sete dias & oyto oras». per
:
Tendo observações posteriores mostrado desjgualdades no movimento da oitava esfera, introduziu-se a hipótese dum terceiro movimento Por isso Pedro Nunes corrige o texto e, com ele, um segundo móbil. de Sacrobosco, com esta anotação que vem completar a anterior: «Isto
segundo a opinião de ptolomeu porq os astrólogos q depoys este mouimeto de occidete pêra oriete pella ordê
fora acharam que
dos signos pertence a nona esphera:
grão mas
em
200.
hú grão
&
.28.
&
que nã he
em cem
anos hú
minutos de sorte que e 49. mil
anos falando naturalmete se cõprira sua reuoluçao. próprio a oitaua he o da trepidação q se faz
em
E
o mouimento
.7000. annos».
Cap. III
— O triplo mopimento da oitava
Adeante, na parte do Capítulo segundo intitulada
—
luros
lê-se
,
E
«... ^^
meon
ho arco do coluro que esta antre o pÕto do grãos:
.xxiij.
he
— Dos
dous co-
no texto:
a equinocial he a
lomeu
21
esfera
.xxiij.
mayor declinação do
sol: a
&
meudos.
grãos
cinquoenta
&
.xxxiij.
& hum
solsticio estiual
qual he segundo Pto-
Mas segundo
Al-
meudos...».
Pedro Nunes nota:
«Em
nosso tepo he
.23.
grãos
& meo & o
mouimeto da trepidaçã
da oitaua Sphera causa esta diuersidade por quanto ho
sol níjca se
aparta da ecliptica da oytaua sphera».
Aqui
está a trepidação da oitava esfera a explicar diferenças obser-
vadas na inclinação da ecliptica sobre a equinocial (equador).
E
não
há mais referências a este movimento no Tratado da Sphera.
Na
2.
teórica do sol anuncia-se que se tratará
oitava esfera,
do capítulo
mas Pedro Nunes, como
já
do movimento da
dissemos, não faz a tradução
de Purbáchio, que começa assim:
final
«De motu octauae sphaerae. Octauae vero sphaerae ad cuius motu: vt saepe dictú
es/:
orbes
Vnus
qiiiáo.
diurnus: quo in die naturali semel super polis
mudi
deferêtes auges planetarz/m mutantz/r: triplex inest moUis. a prío mobili reuoluit^/r.
semper
.s.
Alter a nona sphaera q seaindiim mobile vocatz/r: qui
est seciíndum successione
signorum cõtra motu primil super
polis zodiaci regularis: ita vt in qz//buslibet .cc. annis
& xxviii r
minuta
tabulis
arietis
fer progreditwr. hic
appellatur.
primi mobilis
Et
es/
&
arcz/s
motus
angiíí
Tqtúus
vocatt/r siue accessus círculos paruos arietis
^
A
&
í
gradu
&*stellarwm fixarz/m
zodiaci primi mobilis íter caput
í
Superfícies
superfície
az/tew es/ sibi propriz/s: qui
&
vníí
caput arietis nonae sphaerae.
nãque eclipticae nonae sphaerae sewper est primi mobilis.
per
recessus octauae sphaerae:
eclipticíie
motus trepidatiÕis
&
fít
super duos
cÕcauitate nonae sphaerae aequales super pricipia
librae eiusde perscriptos: ...»*.
oitava esfera
porem, com a qual se movem, como muitas vezes se tem
os céus deferentes dos auges dos planetas,
municado pelo primeiro móbil;
é
tem
um
triplo
movimento.
o movimento diurno, pelo qual faz
dito,
Um é-Jhe co-
uma rotação em
;
22
Qyi
Para não alongar
astronomia dos Lusíadas
da Sphaera Mundi apenas
a citação, extraímos
estas primeiras linhas, onde fica definido o
A
movimento de trepidação.
eclíptica e a linha equinocial cortam-se nos dois pontos equinociais:
o princípio de Aries
t (Caput
Arietis) e o princípio de Libra =^
Librae), pontos de entrada do Sol nos signos respectivos. ciso distinguir a eclíptica de
da nona
cada
uma das mesmo
três esferas.
décima estão sempre no
e
A
as linhas dos poios respectivos.
em
(Gaput
Mas é preAs eclípticas
plano, coincidindo portanto
nona esfera move-se dentro da
modo que a eclíptica da nona esfera desliza dentro da da décima, no mesmo plano, e o ponto de Aries desta nona esfera, que num momento coincidiu com décima
torno da linha dos poios da eclíptica, de
o ponto de Aries da décima, avança, relativamente a este, para oriente,
tornando a vir coincidir
O
com
ele
no fim de 49:000 anos.
plano, porem, da eclíptica da oitava esfera, no qual o sol faz
com o plano das outras duas; mas como em volta de uma posição média,
o seu curso anual, não coincide
dum
oscila
e
outro lado dele,
num movimento
de acesso
Os
e j^ecesso.
princípios de Aries e Libra
da nona esfera são os pontos equinociais médios; os pontos equinoverdadeiros são os princípios de Aries
ciais
que descrevem dois pequenos círculos,
em se
um
torno dos da nona, movendo-se
move
Na
pelo sul da eclíptica
num
Libra da oitava esfera, período de 7:000 anos,
deles ao norte, enquanto o outro
fixa.
damos uma repro-
última página da Sphaera Mundi, de que
dução,
que
e
vem uma cial
e
a
e
é
também
a página final
figura ilustrativa do eclíptica
das Teóricas de Purbáchio,
A
movimento de trepidação.
equino-
da nona esfera, designadas respectivamente por
«Equinoctialis» e «Eclíptica fixa», cortam-se nos dois pontos equinociais
Te—,
fixos nesta esfera.
Os
dois círculos menores,
com movimento
tro nestes pontos, são os descritos,
com
cen-
uniforme, pelos
pontos equinociais da esfera das estrelas fixas; os restantes dois culos
máximos representam duas posições extremas da
eclíptica
cír-
móvel
mundo num dia natural. Outro é-lhe comunicado pela nona se chama segundo móbil; é um movimento regular, em torno dos poios do zodíaco, segundo a sucessão dos signos, em contrário do primeiro grau e 28 minutos aproximadamente. movimento, avançando em duzentos anos
torno dos poios do esfera, a
que também
i
Chama-se nas tábuas movimento dos auges
e das estrelas fixas.
É
o arco do zo-
díaco do primeiro móbil entre o princípio de Aries do primeiro móbil e o princípio
de Aries da nona esfera, pois a superfície da eclíptica da nona esfera está sempre
na superfície da eclíptica do primeiro móbil.
chama
se
O
movimento de trepidação ou de acesso
terceiro
porem
e recesso
é privativo dela
da oitava esfera;
e exe-
cuta-se sobre dois pequenos círculos na concavidade da nona esfera, iguais, descritos
sobre os princípios de Aries e Libra desta
mesma
esfera.
tnabat.Hiac matum rcquuntóc omncs Sphacras inferiores in motibus Tuisj íca vc refpcétu humseclípcicçmobilis íinc auges defercncium & declinacio/ nes eartun fcmper inuanab iles. Tbeonca vitima oétauçfphçrç*
%
*'/*«>,
«í.
>*
m <JA/ :i»*.
>
Pol*mad(fept.
1
\r ,
poPeílíj)t<.í;te.
*i
/7
^
^^T^^f' CrHocquo(5p(;deraIisfcientiç (íngalarcopafctttum. Impreffutn Venf eiíâ lacobõpêtiú dcLcucho.Anno Salncis.M.D.xix.Die vero.xxiiii.Decêbn8 i;
A B C D
E F
Página
com uma
figura ilustrativa
final
Omaesfnnc quatcrni.
da Sphaera Mundi,
do movimento de trepidação da oitava esfera,
nas dimensões do original
— O triplo
Cap, III
2 3
No meio
da oitava esfera. eclíptica
movimento da oitava esfera
da nona esfera
e
da figura estão marcados os poios da da equinocial, pelos quais passa o coluro
dos solstícios, princípios de Câncer
^
e
dos pontos equinociais verdadeiros move-se,
aro
duma roda em
enquanto o centro,
torno do eixo, descrevendo fixo
Assim cada como um ponto do
Capricórnio %.
um
um
pequeno
círculo,
na eclíptica da nona esfera, se move com esta
ao longo da eclíptica da décima.
Como
quarenta e nove é sete vezes sete, depois de executados
movimentos de trepidação da oitava esfera sobre os pontos equinociais do segundo móbil, o princípio de Aries do segundo móbil tem sete
percorrido toda a circunferência da eclíptica do primeiro, completando-se e
uma
rotação do segundo móbil, isto
das estrelas
é,
o movimento dos auges
fixas.
Os números
Foi Ricius {A. Ricii,
7:000 e 49:000 são sabáticos.
de motu octauae Sphaerae, i52i) que explicou a origem deles,
atri-
buindo-os ao astrónomo judeu do rei Afonso de Castela, o rabi Isaac
Abensid, cognominado Hazan ^
Moisés preceituara que, decorridos
anos de cultivo das terras, se não semeariam os campos
seis
podariam
as vinhas
no sétimo ano.
nem
Este era o ano sabático.
se
De-
corridos sete anos sabáticos, seguia-se o ano quinquagésimo, o ano
do
O
jubileu.
rabi Isaac, estendendo estes preceitos, a que atribuía
significação cabalística, aos feras,
estabeleceu
trepidação e
um
um
movimentos
da oitava
lentos
e
nona
es-
período de 7:000 anos para o movimento de
de 49:000 anos para o movimento dos auges e das
estrelas fixas.
Assim,
na' dificuldade
lentos, ter-se hia,
da determinação precisa de movimentos tão
segundo Rício, recorrido à Bíblia:
«Contarás também sete semanas de annos,
que fazem ao todo quarenta
e
isto é, sete
vezes sete,
nove annos» (Levitico, xxv,
8)
e,
em
vez de semanas de anos, contaram-se semanas de milhares de anos.
3.
No
seu comentário à obra de Purbáchio
tarum G. Piwbachij annotationes
— dedica
— In theoricas plane-
Pedro Nunes duas anota-
ções ao capítulo final que se ocupa do movimento do firmamento,
respectivamente intituladas:
Annotatio prima»
e
Annotatio secunda». tulo quarto
«De
«Octauae sphaerae triplex inest motus.
«De motu octauae sphaerae secundum Thebith.
Do mesmo
solis declinatione»
assunto se ocupa
do
livro
também no
capí-
segundo da obra De arte
atque ratione nauigandi.
1
Bailly, Histoire de
rastronomie moderne, Paris, 1785, tom.
lambre, Histoire de rastronomie du
moyen âge,
pag. 379.
i,
pag. 299; De-
:
24
agronomia dos Lusíadas
C/^
Esta teoria do triplo movimento da oitava esfera, adoptada por
depois dele,
agora
ate
foi lente
É
Coimbra.
por André de Avelar, que,
a ser professada
Pedro Nunes, continua
da cadeira das matemáticas na Universidade de
o autor do Repertório dos tempos o mais copioso que
saio
a
conforme à noua reformação do sancto Papa
lu\,
Gregório XIII, que teve as edições de i585, lõgo, 1594
No
e 1602.
Observatório Astronómico existem as edições de Lisboa de i585
ambas por Manuel de
i5qo,
e
Lira, sendo esta última muito rara, a
ponto de Inocêncio duvidar da sua existência.
Nesta edição de lõgo
Do
lê-se, a respeito
dos céus superiores, o seguinte
oitauo ceo, no qual estão situadas as
estrellas Jixas,
a que por outro no-
me chamão Firmamento. Tit. XXVII.
«O
oitauo ceo quanto a nos,
& terceiro na
estão situadas as estrellas fixas,
disséramos deferente
maramlhe estrellas
nem
&
os Gregos Aplanes, que quer dizer
que nelle estão guardam sempre entre
achegandose,
com
ordem natural, he onde chamado firmamento, como se
nem
&
trazedor de estrellas firmes,
sem si
erro,
& todas
estrellado, cuja superficie
chama de
distancia,
estam neste oitauo ceo, chamado
exterior he contheuda no nono,
alem dos dous mouimetos que tem do decimo
próprio se
Cha-
porque as
mesma
a
sua interior contem o septimo: a grossura deste ceo
legoas.
fixas.
apartandose huas das outras, como faze os
planetas, de que ja falamos,
tambê
foy
trepidação, ou de acesso,
&
&
sam 26980824.
&
nono: o seu
chegando
recesso,
alguas vezes ao Polo Árctico, que he o Norte, apartandose do Antárctico:
&
que he o Sul,
outras chegandose do Antárctico,
&
apar-
tandose do Árctico, sobre próprios Poios, que são os princípios de
Aries Aries
hus
& hbra da nona Sphera, ao redor dos quaes & Libra, com seu mouimento descreve húas
piquenos
círculos,
Acaba sua reuolução
cujos
semidiametros
destes círculos piquenos
maneira que de seus grãos caminha cada qual mouimento tem
também
Do noueno ('O a
noueno ceo
em
são
em
Ceo.
quanto a nos,
Tit.
&
noue grãos.
de
7000. annos:
de
20. annos, quasi híj grão, o
os outros orbes inferiores
que Ptolomeu chamou Primeiro móbil:
1
*
o principio do seu circunferências de
.
.
.
».
XXVIIL segudo na ordem natural, he
& elRey
Deve ser diâmetros, porque os semidiametros são de
dõ Afonso cõsidera
4"i8'43'^
Cap. III
— O triplo
&
te es-
por sua grande diaphanidade lhe chamarão Christalino:
outros dizé q neste ceo estão as agoas q se lêem do
&
25
Este segado a opinião dos Astrólogos não
per Segudo móbil. trelas,
movimento da oitava esfera
segundo o cantar dos
três
moços, Bnedicite aquae
do Génesis:
i.
qiiae
super caelos
Beda, q estas agoas se ouuessem aqui guardado para innundação do diluuio: outros affirmão q se puserão
Algus dizem segiído
sunt.
&
subtis.
ou
estrellas
&
&
causam:
&
transparétes,
Cristallino,
&
da grande quetura
aqui, para teperança
ceo
traz
estas agoas estar
dize
por
fogo q o mouimento do
isto algús
chamarão
&
pola grande transparecia
mui
claras,
a este ceo
mui
Aqueo,
Te
diaphanidade sua.
dous mouimêtos, hú he alheo causado da decima Sphera ou Primeiro
em
móbil,
espaço de 24. horas, outro mouimento
Oriente sobre os Poios do Zodiaco, próprio, o qual acaba 200. an.
I.
quartos:
&
g. 28.
m.
cõ este
em
&
te
de Occidente pêra
pola linha Eclyptica, q he seu
espaço de 49000. an. quasi: moue-se cada
9. seg. 47. ter. 46.
mouimeto leua
chamase mouimento dos auges,
&
trás
quar. e cada dia 4. si
os
ter. e 20.
orbes inferiores:
8.
estrellas fixas, o qual se faz
&
com
certa equação segundo he notório aos tabulistas».
Da
decima Sphera, ou primeiro móbil. Titulo
XXIX.
«A decima sphera em quanto a nos, & primeiro móbil quanto à ordem natural, he a que cumpre seu mouimento próprio, em espaço
& ios
&
tempo de
vinte
&
quatro horas, de Oriente a Poente, sobre os po-
do mundo, â qual como a senhora obedecem todos os outros orbes Neste orbe como tambe no nono não ahi
ceos
es-
Ale destes dez ceos mouiueis q dissemos, os theologos poe chamão Impyreo, que quer dizer ceo de
trellas.
outro mais supremo, ao qual
fogo aceso, pelo seu grande resplandor,
&
nelle esta a
Estes dois título
&
&
este he fixo
q não
se
moue,
lugar dos beauenturados».
títulos relativos à
nona
e
decima
esfera,
sobre o oitavo céu da edição de i585, são
títulos 21,
puesto
morada
assim como o
mera tradução dos
22 e 23 da Chronographia o repertório de los tiempos, com-
por Hieronymo de Chaues astrólogo y cosmographo, de que
vimos apenas a edição de Lisboa de iSyô, existente na Bibhoteca da Universidade,
mas de que
se fizeram várias
impressões anteriores,
começando pela de Sevilha de 1548. A teoria do movimento triplo do firmamento atravessa terada, todo o século XVI, nos.
A
em
obra de Copérnico
Portugal.
— De
Não deve
pois, inal-
isso surpreender-
reuolutionibus orbium coelestium
::
di astronomia dos Lusíadas
20 foi
publicada
em Nuremberg em
i543; as suas ideias, porem, que
tinham sido as da escola de Pitágoras, só no século
O
a ser geralmente aceitas.
nicano
mas
foi Galileu,
O
triplo
movimento da oitava
nas estâncias 85, 86
A
décima esfera
ligeiro logo
e
já
começaram
grande propugnador do sistema coper-
o seu principal argumento
pela primeira vez, foi dirigida para os astros
4.
xvii
87 do canto
em
a luneta que,
i6io.
X
esfera é descrito por
Camões
dos Lusíadas.
na estância 85
é introduzida
foi
;
é o círculo
que corre
por baixo do Empíreo imóvel:
Em
fim que o
sumo Deos, que por segundas
Causas obra no mundo, tudo manda
E
tornando a contarte das profundas
Obras da mão diuina veneranda,
Debaxo deste circulo onde as mundas Almas diuinas gozao, que nam anda, Outro corre tam leue & tam ligeiro,
Que não
se enxerga,
he o Mobile primeiro.
Este movimento do primeiro móbil leva
com
seu ímpeto todas as
Isto
exprime o poeta na
movimento diurno.
esferas interiores: é o
primeira parte da admirável estância 86:
Com
este rapto
Vão todos
&
grande mouimento,
os que dentro
tem no seyo
Por obra deste, o Sol andando
O
&
dia
noite faz,
com
Debaxo deste leue anda outro
Tam
Nos
&
lento,
sojugado a duro freyo.
Que em quanto Phebo,
de luz nunca escasso
Dozentos cursos
elle
faz,
da
hum
liltimos quatro versos descreve o
trelas fixas, próprio
em
lento,
a tento
curso alheyo
em
200 anos
mente, o que, sendo menos de grau grau, e chama-lhe
um
passo.
O
movimento dos auges
Como
da nona esfera.
49:000 anos, anda
i
grau e
passo.
e
e es-
esta faz a sua revolução
28 minutos aproximada-
num um passo
meio, o poeta arredonda
cristalino,
ou céu áqueo, dá
enquanto o céu deferente do Sol dá 200 voltas.
Comunicando-se o movimento de cada esfera às que dentro tem no há a
em
cada céu, o movimento que lhe
é
próprio
dos que lhe são alheios, provenientes das esferas superiores.
Assim
seyo,
distinguir,
o curso próprio do sol é o seu movimento anual que ele tem no excêntrico, seu deferente, na quarta esfera; e o seu é curso alheio,
causado pelo primeiro móbil.
movimento diurno
:
Cap. III
A
mopimènto da oitava esfera
como Camões reúne
Note-se sempre scientífico
— O triplo
27
à formosura dos versos o rigor
das doutrinas do seu tempo.
com
oitava esfera,
o seu movimento de trepidação, é descrita na
estância 87:
Olha estoutro debaxo, que esmaltado
De corpos lisos anda, & radiantes, Que também nelle tem curso ordenado,
E nos seus axes correm scintilantes Bem ves como se veste & faz ornado Co
largo cinto douro, que estrellantes
Animais doze traz afigurados
Aposentos de Phebo limitados.
Os trelas,
corpos
lisos e radiantes,
que esmaltam o oitavo céu, são as
Como
de que nos ocuparemos no capítulo seguinte.
es-
as estrelas
estão fixas neste céu, quando o poeta diz que nelle teem curso orde-
nado, significa apenas que elas são levadas no movimento regular próprio do firmamento; e que se trata do céu, indica-o na palavra também. alheio que o primeiro móbil
no seio; turno,
e
comunica
movimento próprio ao oitavo estrelas teem o movimento
a todos os orbes que dentro
tem
teem mais o movimento alheio que o segundo móbil, por seu
comunica a todas as esferas interiores; mas não teem só estes
dois movimentos,
mento.
As
A
teem também o curso ordenado, próprio do firma-
palavra seus, aplicada no verso seguinte aos eixos
em
volta
dos quais as estrelas correm scintilantes, acentua que se não trata de curso alheio.
—
—
no plural, axes Camões dizendo eixo, como na estância 84 do Canto VI: ,
refere-se aos extremos
do
Relâmpados medonhos nam cessauão, Feros trouões que vem representando Cair o ceo dos exos sobre a terra,
Consigo os elementos terem guerra.
Os
eixos do céu, que aqui significa toda a
os extremos do eixo do
máquina celestial, são mundo, poios do movimento diurno. O céu
ameaça desprender-se dos poios
ártico e antártico, e
desabar sobre a
terra.
Se
se tratasse
se executa o
Mas na
em igual sentido, em torno dos quais
da nona esfera, os eixos seriam,
os poios boreal e austral da eclíptica desta esfera,
movimento dos auges, que
lhe é próprio.
estância 87 descreve-se o oitavo céu, cujo
prio se executa
em
movimento pró-
torno dos pontos equinociais médios
são portanto os pontos de Aries
mento de trepidação.
e
;
os seus axes
Libra do cristalino, poios do movi-
i\V
Cí/
astronomia dos Lusíadas
Tétis, que está explicando ao
Gama
o globo, transinnpto redii\ido
do mundo, mostra-lhe, nos quatro primeiros versos desta oitava, as estrelas radiantes, levadas
no movimento de acesso
e
recesso do
mamento, apontando-lhe os poios deste movimento, centros dos menores percorridos pelos equinócios verdadeiros, tava esfera e móveis com ela.
culos
Camões, que parece
com que
ter tido
um
modelo à
cír-
na
fixos
oi-
vista, tal é a precisão
exprime nestas estâncias, não se esquece de chamar a
se
atenção para pontos tão importantes
como são
os equinócios médios,
como é natural em quem, como Tétis, mostra um globo onde podem ver os movimentos dos diferentes céus.
Na
fir-
se
segunda parte da estância 87 segue-se a formosíssima descrição
do zodíaco, de que nos não ocupamos agora.
No
5.
sistema de Copérnico o movimento diurno do firmamento
é resultado fixas
passou a ser
terra que descreve eclíptica.
O
O
movimento dos auges e explicado pela mudança de direcção do
da rotação da
um
terra.
em
cone circular
É
eixo da
torno da linha dos poios da
equinócio da primavera, origem de contagem das longi-
tudes celestes, retrograda por isso sobre a eclíptica, dando
completa, não
estrelas
em
49:000 anos,
uma
volta
mas em 26:000 anos aproximadamente.
o movimento át precessão dos equinócios, que aumenta a longitude
das estrelas.
A
hipótese do
movimento de trepidação, imaginada para
explicar
diferenças de observações erradas, acabara por ser abandonada.
No
século XVIII Bradley descobre o
movimento de nutação.
Desde
então a recta generatriz do cone de precessão passa a ser apenas
posição média do eixo da terra,
em
uma
torno da qual o eixo verdadeiro
descreve o cone de nutação.
O
equinócio médio retrograda sobre a eclíptica
secular de precessão.
O
com
equinócio verdadeiro executa,
o
movimento
em torno do em quanto
médio, oscilações cuja ampHtude não excede 18 segundos, o equador se inclina de 9 segundos para sição média, sendo o período deste
um
e
outro lado da sua po-
movimento de
18 anos e
^
apro-
ximadamente.
A
este
movimento chamou-se
— de
nutação, do latim niitare, os-
cilar.
E um
resurgimento do antigo movimento de trepidação, embora
muito reduzido
e
modificado.
IV As
I.
No tempo
estrelas
de Camões a palavra estrela tinha
uma
significação
mais extensa do que hoje tem, porque abrangia também os planetas.
Na Margarita nos referimos, Tract.
I,
no capitulo que
lê-se,
Cap.
«Stellae
Philosophica, enciclopédia do século xvi, a que já
xix),
omnes tam
Todas erráticas rias),
&
ocupa das estrelas (Libri
vii,
o seguinte:
siue planetae (quae in
naturae, motus,
se
íixae (quae in
firmamento sunt)
quam
erraticae
septem orbibus planetarum consistunt) eiusdem
figurae
cum
suo coelo sunt».
as estrelas, quer fixas (as que estão no firmamento), quer
ou planetas
(as
que estão situadas nas sete esferas planetá-
teem a mesma natureza, movimento
e figura
que os seus res-
pectivos céus.
As estrelas fixas, embutidas no firmamento, guardando sempre as mesmas posições relativas, teem o triplo movimento da sua esfera. Os planetas, alem do movimento que a oitava esfera comunica a todas as inferiores,
teem o movimento próprio dos seus céus, variando de
posição relativamente às estrelas fixas; são estrelas erráticas.
Gamões
fala
com
toda a propriedade quando
chama
planeta Vénus:
Mas
ja a
amorosa
strela scintilaua
Diante do Sol claro, no Orizonte
Mensageira do
A
terra,
&
dia,
&
visitaua
o largo mar,
com
leda fronte.
Os Lusíadas, canto VI, estância
85«
estrela ao
.
:
2A astronomia dos Lusíadas
3o
A
Lua, correndo apressada,
no seu movimento mensal, Mas
através das constelações zodiacais,
um
é
planeta:
o Planeta que no ceo primeiro
ja
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meyo Mostrara,
rosto, agora inteiro
em quato
o
mar cortaua
a
armada.
Os Lusíadas, canto V, estância
E a
mais próxima da
a estrela errática
24.
uma
terra, e é
das estrelas
que Camões alude no quinto verso desta estância: Ouuiolhe estas palauras piadosas,
A
fermosa Dione,
&
comouida,
Dantre as Nimphas se vay, que saudosas Ficarão desta súbita partida: Ia penetra a^ Estrellas luminosas. Ia
na terceyra Esphera recebida
&
Auante passa,
no sexto
la
ceo.
Pêra onde estaua o Padre se moueo. Os Lusíadas, canto
A
estância 33.
formosa Dione, partindo de junto do Gama, penetra as esferas
da Lua
e Merciírio,
é
recebida na sua,
esferas do Sol e de Marte, para
Nesta oitava, a palavra à esfera das estrelas
De
11,
ir
passa avante, através das
e
com
ter
na sexta
Jiípiter
estrelas designa planetas;
a.
esfera.
deusa não chega
fixas.
todas as estrelas, quer fixas, quer erráticas, só o Sol tem luz
própria; as outras são luminosas pela luz que dele recebem.
O
Sol, tendo,
alem do movimento que a sua esfera recebe do
mamento, o curso anual próprio do seu e
por isso
um
Que
estrela errática,
tempo o lúcido Planeta,
as horas
vay do dia distinguindo,
Ghegaua aa desejada,
A
& lenta Meta,
luz celeste aa gentes encobrindo.
Os Lusíadas, canto
II,
estância
i.
lúcido planeta é a única fonte da luz celeste.
luminosos os outros planetas;
É
uma
planeta: Ia neste
O
céu, é
o que
vamos
com
A
sua luz faz
a sua luz brilham as estrelas fixas.
ver.
Comecemos por uma o sábio.
fir-
No tomo
v,
opinião ilustre do século
parte
nomia dei Rey D. Alfonso
—
i.^,
xiii,
a de Afonso,
da obra Libros dei Saber de Astro-
X de
Castella,
Madrid, 1867, de que
já
—
vêem publicadas aLas vindictas ó el centiloquio Alfonsiy> Vindicias são, como as define o compilador Sinobas, «todos aquellos
falámos,
IV—qAs
Cap.
3l
estrelas
dichos, opiniones y frases escritas en los libros dei Saber de Astro-
nomia por
cem
pluma
la
Na
mismo Rey D. Alfonso».
dei
primeira das
Afonso sobre as figuras das
vindicias, que exprime a opinião de
constelações, lêem-se estas linhas, a pág. 169:
«Ca
et llanos. et
As
.
.
.
sinon cuerpos redondos, et fuertes la
el
».
na opinião do
estrelas são pois,
rijos e lisos,
si
apareiados para rescebir luz dei Sol. assi cuemo
Sol rescibe de Dios
•
non son en
las estrellas
rei
Afonso, corpos esféricos,
que refletem a luz do Sol, como o Sol
reflete a luz
que
recebe de Deus.
Vejamos a opinião geral sobre
da Margarita Philosophica, atrás citado,
pítulo
abaixo da passagem que
&
(dta
&
existunt,
Est enim
differút.
retentiua,
já
no século diz-se,
No
xvi.
stella
&
ca-
algumas linhas
transcrevemos:
quae coelorum partes sunt, necessário cum
stellae
eiusdem naturae
tiua
este assunto
&
ab
tantum densitate
ipsis
et
coelis
raritate
densior orbis sui pars, luminis solis recep-
Orbis uero
propterea potentiae uisiuae obiecta.
in alijs partibus (quia rarior)
lúmen uersus ipsum proiectum non
corporans, luminosus aut lucidus non
fit,
nec cuiuis colori
in-
subijicitur,
ideo uisibilis non est».
As
estrelas,
como
partes dos céus, necessariamente são da
mesma
Cada
estrela
natureza que eles, distinguindo-se apenas na densidade.
uma
é pois
solar, e
parte mais densa do seu céu, receptiva e retentiva da luz
por isso exposta à potência
visiva.
Nas
outras partes
porem
o céu, não incorporando (por mais rarefeito) a luz sobre ele pro-
não se torna luminoso
jectada,
quer cor, sendo por isso
nem
lúcido, e
não está
sujeito a qual-
invisível.
A mesma
opinião se encontra na Sphaera Mundi, folha 14, verso:
«Et
quod
scito
stella est
& idos
lucet sicut
magis
inter partes
quam reUquae
pars densior sui orbis figurae rotundae:
diaphanum condensatum: sui orbis:
partes.
etiã sicut
& galáxia
in stellis
est pars lúcida
quasi densior est
Sic quoque partes lune nÕ sunt vniformiter
lucidae».
E
deve saber-se que
céu, de
À
forma redonda;
via láctea é
uma
uma
estrela é
a sua face luz
uma como
parte mais densa do seu
um
diáfano condensado*
parte mais lúcida do seu céu;
é,
como nas
estrê-
:
qA astronomia aos Lusíadas
J2
também um pouco mais densa do que as restantes partes. também as partes da lua não são uniformemente lúcidas. Esta mesma teoria vamos ainda encontrar em André de
Assim
las,
Avelar.
Transcrevemos do Repertório dos tempos, edição de i585:
Da
& forma
matéria
das estrelas.
Titulo. 54,
«Diz Aristóteles no liuro
de caelo cap.
2.
as estrelas estão compostas, he a
&
mais densa
mediãte o qual se
q a
mesma
de madeira,
&
a
&
a
q a dos ceos, saluo q he a claridade dos raios do
assi
&
porque a claridade
como
reter
vem assi como o nò da taboa, he mais denso hum como outro se chama, & diz matéria rezam porque de dia não se vem as estrelas, he
sol,
taboa,
mesma
&
apta para receber
deq
que a matéria
7.
lume do
sol
he maior
&
ofusca a menor, assi
o lume de hua candea diãte de híia fugueira ou lume grande:
forma das
lugar
estrelas, he
dito de
ja
redonda como o mostra o Phylosopho, no
&
maneira de húa bola mociça,
donda como dissemos da Lua, &
assi se
perfeitamente re-
entenderá do Sol
&
mais
Planetas».
Nas
um
edições de 1894 e 1602, Avellar acrescenta
— Se
intitulado
em
tem as estrelas próprio lume,
novo capítulo
que chega a esta
conclusão
mas
«...
lume próprio seria supérfluo o
se as estrellas tiuerão
que recebessem do Sol, logo hase de dar
gem, que he o lume que do Sol corpos
&
obra
estrellas
com
&
os lugares
em
tem própria
sem
que se
influencia
Marte aquenta, lume,
&
&
sae, o qual recebido
mesturado
6i
diz,
A
porque a
& escuro,
luz :
diíFerentes
abranda a cera, endurece,
do Sol
se
podem entender
em
Saturno
s.
que
esfria,
em
ou podemos entender, que tem
com
estrelas ao
efeito
o do Sol».
ao declinar da teoria.
passam
ori-
como vemos por
que não basta a conseguir seu
perfeiçoado
as estrelas
comparação das
em
&
que as estrellas tem próprio lume
Assiste-se nestas linhas
momento em que luz, como o Sol.
&
conforme a este sentido
na Líía humidece
mas tem pouco
ser
so principio,
diuersos effeitos assi
experiência, que a luz do Sol enrarece,
condensa o barro,
hum
Aproxima-se o
a ser definitivamente fontes de
nó da tábua
é .repetida
por Avelar
:
IV — qAs
Cap.
39
estrelas
no seu interessante livrinho Sphaerae utriusque
^,
demonstrar o movimento diurno do firmamento, a
&
«Igitur
caelum
in
quo ipsae
eodem motu mouebitur ab
As
stellae (ac
nodus
quando foi.
29,
trata
in tabula) existunt
oriente in occidentem».
são pois, através do século xvi, consideradas
estrelas
de
r.
como
núcleos de condensação da matéria de que os céus são compostos,
brilhando
com
Lusíadas.
E
do Sol.
a luz recebida
o que se
lê
também nos
Assim, na estância 87 do canto X, Olha estoutro debaxo, que esmaltado
De corpos lisos anda, & radiantes, Que também nelle tem curso ordenado,
E
nos seus axes correm scintilantes,
como
as estrelas são corpos lisos,
recebem do Sol; brilham com Meyo caminho
E
as Estrellas
Tinham o
E
espelhos, radiantes
a luz
que
lu\ alheia:
a noite tinha andado,
no Geo co a
largo
Mundo
alheia.
lu:^
alumiado,
so CO sono a gente se recreia. Os Lusíadas, canto
Camões
com
O
estância 60.
no seu tempo, não atribuindo
reflecte a opinião corrente
luz própria às estrelas.
11,
mes],Tio faz
Ariosto
(n.
1474
— m.i 533),
no Orlando Furioso:
Rinaldo, ch^ di gloria e di splendore Gli ha,
como
il
sol le stelle, illuminati.
Canto
-
O poeta
diz
XXX,
estância 90.
que Reinaldo iluminava os irmãos com glória e
es-
plendor, como o sol às estrelas.
1 Sphaerae utriusq; tabeliã, ad Sphaerae huitis mundi faciliorem enucleationem. Autor e Andrea d'Avellar Olysiponensi, Artium, ac Philosophiae Magistro, & publico
íp Conimbricensi Academia Mathematum professore. Conimbricae, Apud Anton. Barrerium Typ. Reg. Anno Dni i5g3. Há um exemplar na Biblioteca da Univer-
sidade. 3
.
34
G/^
O mesmo
astronomia dos Lusíadas
conceito exprime Dante na descrição do anoitecer,
com
que abre o vigésimo canto do Paraíso: Quando
colui che tutto
Deiremisperio nostro
Che
Lo
si
il
mondo alluma
discende,
giorno d'ogni parte
il
che sol
ciei,
Subitamente Per molte
di lui
si rifa
luci, in
si
cnn'íiima.
prima s'accende,
parvente
che una risplende
Desce o Sol no horizonte, fenece o dia muitas luzes, estrelas fixas
e planetas,
em
'
*.
o céu reaparece
e
uma
que
com
só, a luz solar,
resplandece.
O mesmo Trat.
de
II,
quadrivío
Paltra
è,
si è,
.
.
.
xiv,
do trívio
e
correspondendo a aritmé-
può comparare alParismetica per due pro-
si
che dei suo lume tutte
le altre stelle
E
che Focchio nol può mirare.
sono nelParismetica,
nano
Cap.
do Sol:
Tuna
si
sete sciências
as sete esferas planetárias,
«E'l cielo dei sole prietadi:
Dante compara as
// convíto,
com
tica à esfera
No
adeante, no verso 3o do canto XXIII.
chè
dei
suo
lume
s'informano;
queste due propietadi
tutte
le
scienze
s'allunii-
»
como o
*A arimética ilumina as outras sciências
Gomo
Dante
seu tempo,
em
e Ariosto,
sol às estrelas.
Camões põe nos seus versos
as ideias do
que predominava a concepção geocêntrica do mundo,
de Ptolomeu, e a luneta estava por inventar.
Contudo temos
visto o verso:
—E
as estrelas no Céu, co a luz
— interpretado, como significando: — E as estrelas no Céu, com a Lua — citando-se a passagem do Sonho de Scipião, de Cícero, alheia
2
j
{De Re publica,
vi,
i6):
«ex quibus erat ea
(stella)
tima a caelo, citima terris luce lucebat aliena» Faria e Sousa cita
Parece-nos
1
bem que
se faz de
esta passagem,
ul-
sem mais comentário.
a sua intenção é apenas fazer notar a analogia
Quando aquele que todo
que o dia por toda
mente
também
minima, quae
^.
o
mundo
a parte se extingue,
novo aparente
|
ilumina
|
do nosso hemisfério desce,
o céu, que antes só ele accende,
por muitas luzes,
em que uma
|
|
subita-
resplandece.
|
2 J.
Barbosa de Betencourt, Subsídios para a leitura dos Lusíadas^ Paris-Lisboa,
1904, Pág. 5o. •^
«uma das quaes
era essa pequenina estrela que, sendo a ultima contando do
ceo, e a mais próxima da terra, luzia
com
luz alheia>\
:
IV — oás
Cap.
35
estrelas
da expressão Ince aliena, aplicada à Lua, coni a expressão co a Ini alheia, aplicada
No
por Gamões às estrelas.
comentário à estância x,.87, Faria
trelas são corpos
lisos,
reflectores
da
Sousa explica que as
e
Esta
luz solar.
é
que
es-
é a «luz
alheia».
As
2.
condensadas da substância dos seus céus,
estrelas, porções
são por eles arrastadas nos seus movimentos:
Da Lua
os claros rayos rutilauao,
Polas argênteas ondas Neptuninas,
As
Estrellas os
Ceos acompanhauão
Qual campo reuestido de boninas. Os Lusíadas, canto
estância 58.
I,
acompanham o firmamento; os planetas são levados nos céus respectivos. Assim o intervalo de tempo, que separa duas passagens superiores consecutivas duma mesmo estrela fixa pelo meridiano, é um dia sideraL tempo duma rotação completa do priAs
estrelas fixas
meiro móbil, menor, cerca de quatro minutos, que o dia solar médio.
No
segundo verso da estância VII, 6o:
O dá nos o poeta
ceo volubil
uma
com perpetua
roda,
bela e concisa definição do dia sideral, que é o
período da roda perpétua do céu polúbil, período constante, metro natural
do tempo.
Como, enquanto o céu dá uma para oriente
eclíptica,
na.
volta, o Sol se
move de
ocidente
o dia solar é maior que o sideral, e este
curso próprio do Sol, através das constelações zodiacais, faz variar o aspecto do céu estrelado no decorrer do ano.
Quando uma
tem o seu ocaso cerca duma hora depois do
podendo
Sol,
estrela
distinguir-se
na claridade dos liltimos raios solares, diz-se que o seu ocaso é heliaco; se nasce cerca
heliaco.
No
duma hora
antes do Sol, diz-se que
tem nascimento
antigo Egito o nascimento heliaco de Sírius, tendo lugar
na época das cheias do Nilo, era celebrado com festas religiosas. Distinguem-se ainda os nascimentos
e
ocasos cósmicos e crónicos.
Estas distinções não teem grande importância na astronomia,
No Tratado da Sphera
teem-na para a interpretação dos poetas.
Pedro Nunes
como nacem e
é este e se
assunto objecto do Capítulo
põem
da deferêça dos climas
«Ho poetas:
nacer
&
e
os Signos.
Da
mas
iii,
intitulado
deferença dos dias
e
de
— De
noytes:
—
ho por dos Signos he
segundo os Astrólogos.
em
Os
duas maneiras: segundo os
poetas fazem três deferenças
;
di astronomia dos Lusíadas
36
&
no nacer
&
Cósmico: Crónico:
no por dos signos.
Na-
heliaco.
cimcto cósmico se chama quando algú signo ou estrella: sobe de dia sobre ho horizõte da parte de oriete.
diz ter
Do
este
em
cada
hum
sol pella
&
nacimento se chama próprio principal
dia
menhã
de cada dia.
qual temos enxepro nas georgicas onde se ensina a fazer a se-
menteira das Favas
&
ho signo de Tauro.
Diz assi:
do milho no verão: quando ho
&
em
abrir
dãdolhe lugar a cõstellaçã canis
Nacimento crónico ou temporal he
põe
sol estaa
Quando ho resprandecete Touro
o ãno cõ seus cornos dourados: se
posto que
nacimêto cósmico per excelência: cõ o qual ho
&
nace:
E
nação seys signos desta maneira: aquelle signo porem se
artificial*
:
quando algum
signo ou estrella: despoys do Sol posto sobe per cima do horizonte da
parte de Oriente: e chamase Crónico porque he de noite.
E
temporal
porque ho tempo dos Mathematicos he despoys que ho Sol se põe. Deste nacimento dezia Ouidio no de Ponto aqueixandose do muito
tempo que auia que estaua degradado. As pleyades com seu nacimento fezeram ja quatro autunos: daua per estas palauras a entender que poys eram quatro autunos quatro annos eram passados de seu Nacimento Heliaco ou solar se diz quando algum desterro signo ou estrella se pode ver: por estar apartado do Sol:
nam
se podia ver:
com
por estar junto
&
antes
Deste nacimento diz
elle.
Ouidio no de Fastis Ia ho Aquário leue com seu cântaro obliquo sayo...».
-
Como em
Ovídio
Vergílio,
e
seguido atentamente por poetas,
um
vasta erudição incluíam
yê-se
o movimento
como Dante
e
das
estrelas
Camões, que na sua
conhecimento muito preciso da astro-
nomia.
Dante
dirige-se,
«Lo giorno
com
Vergílio, para o Inferno
se n'andava)),
{Inferno, canto vii,
como
no começo da noite
principia o canto segundo.
Adeante
verso 98) o poeta repara que meia noite
já vai
passada, Già ogni
stella cade,
Quando mi
descaem cípio
já
sobre o horizonte as estrelas que subiam quando, no prin-
da noite, se dirigia para a terrível porta.
Camões
1
che saliva
mossi,
Dia
indica o declinar da noite, pelo cair das estrelas de nas-
artificial
acima do horizonte.
op6e-se a noite; é a parte do dia natural
em que
o sol está
:
Cap.
IV — qAs
estrelas'
3j
cimento crónico, quando descreve o sonho de D. Manuel na estância IV, 67:
O
como do nobre pensamento
qual,
Daquella obrigaçam, que lhe ficara
De seus antepassados, (cujo intento, Foy sempre acrecentar a terra charaj Nam deixasse de ser hum so momento Conquistado: No tempo que a luz clara Foge,
A
O
tempo que a
&
as estrellas nitidas
que saem
repouso conuidão, quando caem. lui clara foge
*,
sendo o tempo
do Sol, ou indica o começo da noite ou a noite
como o tempo em que
falta a luz solar.
em que foge a luz dum modo geral,
Pelo que se segue tem de
optar-se por esta liltima interpretação.
Sair, falando das estrelas, é surgir
nascer enfim.
nascem de
As
noite
estrelas que
saem
no horizonte, começar a
nascem de
nítidas.
O
vêem
dia não se
;
subir,
só as que
adjectivo nitidas é importante, por-
que indica que o poeta se refere a estrelas de nascimento crónico. Define-se pois nos últimos versos a parte da noite
que
já
em
que as estrelas,
de noite nasceram, convidam a repouso, pela sua queda do lado
ocidental do meridiano.
A noite
caminha para o seu
fim.
E
adeante,
na estância 76, terminado o sonho, rompe a madrugada: Estendeo nisto Febo o claro manto Pello escuro Emisperio somnolento:
Veyo a menham no ceo pintando as cores De pudibunda rosa & roxas flores.
*
João Franco Barreto p5e
sição do a que era artigo.
:
Não
As nossas transcripções são ção, Lisboa,
Universidade.
á
hq
clara
em
se justifica tal
vez de a lu^ clara^ fazendo prepo-
emenda.
feitas á-Os LusiadaSy Fac-simile da primeira ediImprensa Nacional, 1899, ^^ ^^^ ^^ ""^ exemplar na Biblioteca da
:
V A
esfera
Spliaera Deus, cujus centrum est ubique, circumferentia nuí^quam.
Nas estâncias 77 a 80 do canto X canta o poeta as propriedades geométricas da esfera. Tétis mostra ao feliz Gama o rotundo globo, transunto reduzido do
em
volta as dez esferas concêntricas móveis
undécima cia
mundo em pequeno volume: no
esfera, o
Empíreo, imóvel.
que constitue a região
mos
Não
se
e,
centro a Terra,
envolvendo estas, a
enxerga a quinta essên-
celestial lúcida (vid. a transcrição
que
fize-
a pág. 20), vendo-se através dos diferentes céus claramente,
no
centro, a região dos quatro elementos, a Terra.
Aqui
hum
globo
vem no
ar,
que o lume
Claríssimo por elle penetraua,
De modo que
Como
o seu centro esta euidente,
a sua superficia, claramente.
Qual a matéria
seja
nam
se enxerga,
Mas enxergasse bem que está composto De vários orbes, que a diuina verga Compôs, & hum centro a todos so tem posto.
A diz
superfície deste rotundo globo, superfície tão limada,
na estância 80,
esfera,
é
uma
com que abre o
superfície esférica.
capítulo
1
como
se
Leia-se a definição de
do Tratado da Sphera de Pedro
Nunes «Sphera segundo Euclides he hú corpo que se causa pello moui-
mêto da çircunferéçia do meo
circulo leuado per derredor ate tornar
.
qA astronomia dos Lusíadas
40
ao seu lugar: estando ho diâmetro quedo.
Segúdo theodosio sphera
hum
&
no
meo
pÔto: do qual todallas linhas leuadas ate a circunferência
sam
he hú corpo maciso recolhido debaixo de hua soo face:
te
A linha dereita q passa pello cetro da sphera
Este ponto se chama cetro da sphera:
iguaes.
&
toca cÕ os seus cabos a
circunferêcia
:
chamase Eyxo
Os
da sphera.
dous põtos
q sã cabos do eixo são poios
do mudo».
Na JPi a 777 etro tTlxo
a
definição de Euclides,
que se chamava a definição
causal, a esfera é perfície de revolução
gerada pelo movimento de
uma
uma
su-
circunferência
em torno do diâmetro; cada ponto da curva generatriz descreve um Tomando círculo cujo plano é perpendicular ao eixo de revolução. a linha dos poios para eixo,
como
podem
que acabamos de fazer,
se indica
no
final
da transcripção
con-
siderar-se os pontos da esfera distri-
buídos
em círculos perpendiculares
ao
mundo, paralelos portanto; seguindo em cada paralelo o mo-
eixo do e,
vimento gerador, vê-se que os pontos vão estando a alturas diferentes sobre o horizonte, erguendo-se até ao meridiano para baixar
em
definição de Teodósio,
seguida.
Na
matemático do
primeiro século antes de Cristo, con-
da equidis-
sidera-se a propriedade tância dos pontos se
da superfície esférica ao centro
;
não se erguem nem
abaixam portanto estes pontos em relação ao centro da
esfera.
São estas duas definições que Camões tão engenhosamente resume no trocadilho dos dois primeiros versos da 2.^ parte da estância 78: Voluendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nuca sergue, ou se abaxa, & hú mesmo rosto Por toda a parte tem, & em toda a parte
Começa
No
&
acaba,
em
fim por diuina arte.
A
pa-
superfície de revolução;
não
primeiro verso está resumida a definição de Euclides.
lavra volvendo indica que a esfera é se refere a
movimento da
esfera,
uma
porque a superfície externa do globo
V — qA
Cap.
41
esferd
pertence ao undécimo céu, ao Empírio imóvel. isto é,
curvando-se
em
torno do eixo do
ora se ergue, ora se abaixa
No
em
A
mundo em
um
relação a
esfera, volvendo,
círculos paralelos,
plano horizontal.
A
segundo verso está resumida a definição de Teodósio.
fera não se ergue
nem
se abaixa relativamente ao seu centro.
E
es-
Tétis
pode bem mostrar no globo a propriedade da equidistância, porque, sendo
o seu centro, onde se vê a Terra, está evi-
êle transparente,
como a sua superfície, claramente. Não só na obra de Sacrobosco, mas também nos
dente,
outros Tratados
de astronomia do tempo, era usual darem-se as duas definições con-
como na Margarita
juntamente,
Philosophica,
Tract.
i,
Lib.
vii,
sos
III, De O com o seu engenhoso trocadilho. Da definição de Teodósio resulta que,
se
cortarmos a esfera por
um
plano que passe pelo centro, obtemos
um
círculo de raio igual ao
poeta resumiu-as
Definitione Sphaerae.
Cap.
A
da esfera.
secção feita por
para qualquer ponto da esfera
é
em
dois ver-
um plano passando pelo raio tirado um círculo máximo. A esfera é por
uma superfície de curvatura constante; tem em todos os pontos em todas as direcções a curvatura do seu círculo máximo. E esta
isso e
constância de curvatura que o poeta exprime, quando diz que o globo
«um mesmo forme,
em
rosto por toda a parte tem» e
quando
lhe
chama
uni-
seguida, na estância 79: Vniforme, perfeito,
em
si
sostido,
Qual em fim o Archetipo, que o
criou.
dum ponto qualquer e seguindo um círculo da esfera, mesmo ponto. Na esfera, como no círculo, não há princípio nem fim determinado; e em qualquer ponto o princípio se une com o fim. «E em toda a parte começa e acaba em fim, por divina arte», diz o poeta. Por divina arte quer dizer à maneira de Deus, como Deus. A palavra arte é empregada na mesma accepção do Partindo
volta-se ao
final
da estância
III,
22:
Esta, o velho que os filhos próprios come,
Por decretO; do Geo
Veo
a fazer
Criando a Reino
Em
&
leue,
&
foi
desta arte.
III,
3o:
o Príncipe Affonso, que desta arte
Se chamaua, do
«Por divina arte»
melhança de Deus.
illustre,
empregada em
igual sentido é
Mas
ligeiro,
no mundo tanta parte.
é
Auò tomando
o nome.
equivalente a «segundo o tipo divino», à se-
42
(òi
No
astronomia dos Lusíadas
uma
Observatório Astronómico da Universidade existe
ção italiana da Esfera de Sacrobosco,
segundo o costume.
Intitula-se Annotationi
Spera dei Sacrohosco, authore M.
em
Florença,
com anotações
Mauro
sopra la lettione delia
tradução
(ad verbum) da Esfera de Sacrobosco,
fiel
compreende Vna Spera Theologica :
Diiiina,
& Christiana
e
Vna Spera
Platónica, con Alcune eccitationi mathematiche, Theologiche
— spera theologica et
parte subordinada ao título
screvemos o seguinte trecho (pág.
margem como estreitamente
em
Impressa
Florentino»
i55o.
Além de uma
Da
tradu-
aditamentos,
e
constituindo
com
& diuiyie.
divina
— tran-
na
i6i), cujo assunto é indicado
um Primo presuppositOy
e
que se relaciona
o que vimos tratando:
«Presupponendo
spera materiale,
la
suoi dieci circuli (come
colli
figura perfeita, alia quale non si puo aggiugnere, o minuire cosa alcuna, & doue il principio è vnito col fine) significare quella diuina & ideale spera intelligibile, qual' è la nuda, pura, di
Dio glorioso
&
nõ se
li
&
benedetto.
II
&
inuisibile essentia
quale essentialmente solo é perfeito,
puo aggiugnere cosa alcuna:
&
è quel cõ
quale
il
cipio è col fine congiúto, anzi è vn' istessa cosa, principio tutte le cose,
eterno
&
non
di se stesso,
&
il
prin-
fine di
ne da se stesso principiato, per esser'
cosi circulo & spera, significare & Platónica, intellettuale spera, delia qu^ile & la circunferência in nessun' luogo».
incomprensibile.
quella intelligibile,
Et
il
il
centro è per tutto,
Começaremos por
notar que a esfera material
com
os seus dez
círculos é a esfera armilar artificial, cujo estudo é o objecto do
segundo
capítulo da obra de Sacrobosco, para, por ela, se entender a esfera celestial.
Assim o
capítulo
ii
do Tratado da Sphera
intitúla-se":
—
Dos círculos dos quaes a esphera material he composta per que entenComeça-se por estudar a equinocial, segue-se demos a celestial
—
.
o zodíaco, os dois coluros e o meridiano círculos
&
horizonte, ao t*odo seis
máximos; depois estudam-se os quatro
círculos
menores que
são os dois trópicos e os dois círculos polares.
& diuina,
PresupÕe-se primeiro, na Spera theologica material se
com
pode juntar nem deminuir cousa alguma,
unido com o fim
1
«Ge
qu'ils
que a esfera
os seus dez círculos (como figura perfeita, à qual não
*)
e
onde o principio está
significa aquela divina e ideal esfera inteligível
appelleront Tespace, ce sera cette sphère d'oú
et sur laquelle se passent tous les
Leur espace sera donc sans
phénomènes dont
limites puisqu'on
ils
ils
que
ne peuvent sortir
peuvent avoir connaissance.
peut sur une sphère
aller toujours
Cap. é
pura
a nua,
V—qA
43
esfera
essência de Deus glorioso e bemdito.
e' invisível
Só
essencialmente jc>er/^í/o, não se lhe podendo juntar cousa alguma;
êle é
que o princípio está junto com o íim,
é nele
cípio e fim de todas as cousas,
não de
si
é uma mesma cousa, prinmesmo nem por si mesmo
E
principiado, por ser eterno e incompreensível.
assim o círculo
e a
esfera significam aquela inteligível e platónica, intelectual esfera, cujo
em
centro está
toda a parte
em
e a circunferência
parte alguma.
Na
Encontram-se aqui duas ideias que Camões também exprime.
com
esfera o princípio une-se
em
começa
e
feita, à
qual se não pode juntar
acaba
Deus
feito
«árchetipo que o criou», isto
Da obra
A
tas.
de
é a
material, os quais
Mauro
Assim
na parte do capítulo
mundo
ho qual
tem
redÕdo ha
seja
e
estampas
como
quatro menores,
jun-
a esfera
Deus na esfera
a representação de
teológico, que
termo archetfpo encontra-se
& necessidade.
as duas
para a teologia cristã neste curioso
metade astronómico, metade
este
globo diz Tétis que é perfeito^ qual o
explica minuciosamente; estes círculos signi-
filosofia platónica
«Que ho ceo
é per-
como Deus.
máximos
ficam as perfeições divinas.
lê-se^
figura per-
cousa alguma, como
A segunda é a Esfera teológica e cristã, com-
posta de dez círculos, seis
Sphera
tirar
a parte
Esfera Platónica, cuja explicação se pode ler na
parte inferior da página.
O
é,
nem
Mauro Florentino reproduzimos
primeira
passa da
A esfera é uma
fim por diuina arte».
também do rotundo
;
como em Deus: «em toda
o fim,
i
em
Camões podia
Sacrobosco.
intitulada
livro^
ter lido.
No Tratado da
— Da redondeza do ceo:
três rezÕes.
Semelhãça
.
proueito
.
Pella semelhança se proua ho ceo ser redondo porque
sensiuel: he feito a
nam ha
nem
principio
figura redonda:
em
semelhança do mundo archetypo: fim.
E
por isso ho
a qual não ha principio
nem
mundo
em
sensiuel
fim».
Compare-se com a estância 8o: Ves aqui Etérea,
a
&
grande machina do mundo, elemental, que fabricada
Assi foy do saber alto,
&
profundo,
Que he sem principio, & meta
Quem Globo,
cerca
&
em
limitada.
derredor este rotundo
sua superficia tam limada,
He Deos, mas o que he Deos ningue Que a tanto o engenho humano não
devant soi sans jamais être arrete, et cependant le
bout, mais on pourra en faire
Paris,
Chap.
iii,
le tour».
il
o entende, se estede.
será fini;
H. Poincaré,
on n'en trouvera jamais
La
science et Vhypothèse,
Les géométries non euclidiennes, La Géométrie de Riemann.
Spera Platónica.
Pofen átinque Theologi Pia hbonrà di Dio Óptimo Máximo (enigmaricame i
tonici
tcpercio ) €fícr*corn'un*-centro,& Ia belle^z ancila clrcanfcrcnza.Perche (com^è detto) di rurr c le coíc create. cpmunicata è cíTo eíplicata
ia
bontà
&
&
indluifibi vnoDio,inuiÍibiíc coCçfon le, per j[ qual ruttc h buoncEt GÍTer detto ccrro,ce-
tro de quatro circuli,intorno acílb rcuoluri per la comunica i
ubdileaza j.laqual altro non
c
ch« vn*"ragg!0
dl diuinrtítiei
&
dctti 4. circuli inícrto, quefío tal ragqio Ji diuinita,in tut
te lbcofe,!le forme
dèpingc
&
& dcícriuc: lequali forme nelIa n>ente angélica chiamáno Idce. Neira.nima humana ragioni ò vero forme inrelligibiíi. Nella natura íèmid'elleco« fcNelIa mareriá forme íenfíbi» li. Per cio neili 4. circuíi quat-
tro íplcndori ( dclle 4. dettCr
cofe) apparifcano
.
&lc^
Spera Theologica Chriííiana,& diuína.
^
KíA
O nem
mundo tem
a
aslvonomia dos Lusíadas
forma de
um
rotundo globo, onde não há princípio
tim determinado, à semelhança de Deus, que é
sem
princípio
nem
mundo
sen-
meta hmitada.
O sível
mundo archetypo a sua imagem e
é
Deus,
e]ue
concebe
e
semeliiança; o artífice
executa o é
modelo da própria
obra.
a
No
célebre
«A
similitudine
Commentario á Esfera de Sacrobosco de Clavio, pág. 76 da edição de Veneza de iSgi ^: quidem
sic
fabricatus est ad similitudinem
Maximi nitus.
quo nec
in
Debet
est
argumentatur.
mundi
Mundus
hic sensibilis
archetypi, id est, Dei optimi
principium nec finem assignare,
igitur esse rotundus, ut
lê-se,
cum
nõ possit assignari
sit
infi-
in eo prin-
cipium nequefinis».
«Por semelhança argumenta-se assim.
Este
mundo
sensível foi
fabricado à semelhança do mundo arquétipo, isto é, de Deus Óptimo Máximo, no qual, por ser infinito, se não assina princípio nem fim. Deve portanto ser redondo, para se não poder nele assignar princípio
nem
fim».
Comentando
a
mesma passagem
de Sacrobosco, diz Vineto na
Sphaera Joannis de Sacro Bosco Emendaia, Lutetiae, iSSy, a que
já
atrás (pág. 10) nos referimos:
«Mundus Archetypus hic dicitur ea mudi forma, quam mente concepit Deus mundum hunc facturus: quae Dei cogitatio eterna est, vt Deus ipsé». «Chama-se aqui mundo arquétipo àquela forma do mundo que Deus concebeu na sua mente para fazer este mundo: a qual cogitação de
Deus
é eterna,
como
ele próprio».
Esta definição não diz
é,
porem,
distinta
da anterior, porque, como
Pedro Ciruello Darocense, no seu comentário, à mesma passagem:
«ydea vero ideia
1
não
í
deo nõ distinguiU/r re ab essentia diz/ma»
se distingue
niinc tertio ab ipso
plar desta edição 2
Petri
«em Deus
a
realmente da sua essência».
Christophori Clauii Bambergensis, S.
Commentarius,
^;
J.,
In
Sphaeram Joannis de Sacro Bosco Há um exem-
Auctore recognitus^ Venetas, i5gi.
no Observatório Astronómico.
Johannis de sacro busto sphere textum vna cum additionibus non aspernandis Ci?'uellt D., Parisiis,
Universidade.
Jehan
Petit^ i5i5. Existe
um
exemplar na Biblioteca da
V — qA
Cap.
Na Margarita
Philosophica, Tract.
«Factus est enim
mundi
mundus
intellectualis archetypi
principium nec
esfera
sensibilis
&
& in
íinis, sicut
i,
^7
Lib.
Cap.
vii,
lê-se:
iiii,
&
ad similitudine
exemplar
ideae mentis diuinae, in quo nec est
Vnde
figura sphaerica,
mente gerens, similique imagine formans.
Tu Mundum
Boetius.
cuncta superno Ducis ab exeplo, pulchrum puicherrimus ipse
Consentiunt Plato
& Mer-
curius trismegistus».
«O mundo
imagem do mundo
sensível foi pois feito à semelhança e
intelectual arquétipo e ideia
da mente divina,
em
que não há princípio
Donde Boécio: Tu tudo dena mente um mundo belo e em semelhante imagem o formas. Nisto concordam Platão e Hermes Trismegisto».
nem
fim, assim
rivas
O Que
como na
figura esférica.
do supremo exemplo, tu que
mundo
arquétipo é pois,
és belíssimo geras
em
última anáUse, o próprio Deus.
as propriedades da esfera reflectem os atributos divinos di-lo o
poeta na expressão «por divina arte», e
com que termina
a estância 78,
no verso — qual em fim o archetypo que o criou — da estância ime-
diata.
Mas
a geometria esférica não desvenda afinal, de
o divino mistério, pois que
, . ,
Que
modo
^
o que he Deus ningue o entende, a tanto
o engenho
humano não
se estede.
satisfatório,
VI
 grande máquina do mundo
No
1.
canto
X
uma
argonautas portugueses
faz Tétis aos
lição
de mecânica celeste segundo a teoria da escola de Alexandria.
O
anima a astronomia grega, dando
princípio matemático que
lugar a observações e cálculos de admirável persistência e subtileza, é a explicação
deus
dos movimentos periódicos dos astros, que
e egípcios se
da lua
e
mostravam
dos planetas, por
aos cal-
tão complicados nas suas observações
uma
sobreposição de movimentos perió-
dicos da forma mais simples, isto
formes.
já
de movimentos circulares e uni-
é,
Os mais complicados movimentos celestes foram, dentro
dos limites de precisão que permitiam atingir os instrumentos de
observação à vista desarmada, representados e
com grande
sucesso pela aplicação daquele pensamento matemático.
netas
movem-se em
círculos (epicidos) cujos centros se
outros círculos (deferentes) excêntricos
em
felicidade
Os
pla-
deslocam sobre
relação à Terra, colocada
no centro do mundo, resultando da combinação daqueles movimentos as suas estações e retrogradações.
O
complexo sistema
epicíclico de
Cláudio Ptolomeu, de Alexandria, último grande cultor da astronomia grega, é
uma
admirável concepção geométrica do universo que per-
mite a construção de tábuas dos movimentos do planetas.
sol,
As posições observadas confirmam depois
da lua
culadas, provando o superior engenho dos grandes espíritos ticos
A
e
dos
as posições cal-
matemá-
que foram gradualmente desenvolvendo o sistema. teoria
astronómica da
escola
alexandrina é sucessivamente
afinada durante 400 anos de observações e cálculos dos astrónomos árabes.
Cultivado depois pelos astrónomos europeus, o sistema pto-
com o renovamento dos estudos de literatura grega da Renascença, uma nova Alexandria na cidade de Nurnberg, com os trabalhos de Regiomontano e seus sucessores. lomaico tem por fim,
:
Q/i asir anomia
5o
Está então reunido o material
dos Lusíadas
vimentos dos planetas
que permite ao génio de
scientííico
Havendo no conjunto dos mo-
Copérnico a simplificação do sistema.
por todos
ciclos percorridos
eles,
no
mesmo
tempo em que o sol faz a volta do zodíaco, em planos paralelos à eclíptica; e havendo uma estreita dependência entre as posições nesses as posições
ciclos e
do
sol
no seu curso anual, concluiu Copérnico
uma acção comum que não Terra em torno do centro comum
que esses movimentos eram devidos a podia ser senão a translação da dos movimentos planetários: o
sol.
Afirmando a rotação da Terra
movimento em torno do
sol,
Copérnico não se limita a repetir
e
o seu
Samos, que, no terceiro século antes de
as ideias de Aristarco de
Cristo, ensinava já a rotação e translação da
Terra à volta do
Copérnico funda as suas afirmações nas observações
e cálculos
sol.
de
tantas gerações passadas, resumidas na teoria de Ptolomeu, afinada e
completada pelos astrónomos árabes
tema,
Copérnico simplificou-o
;
e
Meditando o
europeus.
tornando-o
heliocêntrico,
sis-
suprimiu
muitos círculos; a rotação da Terra aliviou as estrelas da acção do primeiro
e
Baseado no princípio do movimento
do segundo móbil.
uma combinação
circular e uniforme, o seu sistema é ainda tricos
com
O
livro
de excên-
alguns epiciclos.
De
í^euolutionibus de Copérnico foi publicado
em
1642,
mas durante meio século o sistema conta apenas um pequeno número de aderentes*. Quando por 1570 o astrónomo dinamarquês TichoBrahe visita a Alemanha, encontra aí a aspiração, também dominante
em
França
e
Itália,
por
uma Astronomia
sine hypothesi; a doutrina
de Copérnico não parecia suficientemente justificada pelo material de observação
em
que se fundava; ansiava-se por
uma
larga série de
observações planetárias de maior precisão, que decidisse a contenda dos astrónomos.
Ticho-Brahe, nada inclinado à ideia do movimento da Terra,
mou
sobre
si
essa tarefa.
to-
Observador admirável, conseguindo reduzir
No Reportório dos tempos de André de Avelar, Lisboa, Sgo, fl. 26, v., lê-se também com muitas demonstrações sua (da Terra) immobilidade, ainda que aja auido muitos varões muy doctos, que disseram mouer-se a terra, como foi Pythagoras, & em nossos tempos Copérnico, q disse estar o sol no meyo do mundo 1
i
«proua-se
quieto
suppos
& fixo, & a isto
terra ser a
que
se
mouia,
& ainda
que este doctissimo astrónomo
para suas demonstrações, não he de crer que entendesse ser assi ver-
dade, senão que deu à terra aquelles mouimentos, para milhor conseguir seu intento,
como também o fez Ptolomeo, pondo hua vez Eccentricos, & outra concêntricos com Epiciclos, & de qualquer maneira concluio & aprouou o que queria, que era saber as apparencias dos Planetas». 1602.
O mesmo
se repete nas edições de 1594 e
—
Cap. VI a
— qA grande
maquina do mundo
5i
minuto os erros das medições instrumentais sem luneta, acumula
I
durante vinte
pequena
um
e
anos, no seu observatório de Uranienburg, na
um
Hveen,
ilha de
vasto registo de observações do planeta
Marte, que, pela sua grande excentricidade, estava destinado a de-
Quando em
cidir a contenda.
clamando no
da febre:
delírio
náo tenho vivido debalde
—
,
i(5oi,
exilado, morria
em Praga
ex-
ne frustra vixisse videar, creio que
deixava Kepler, que lhe assistia aos
úl-.
timos momentos, na posse das suas preciosas observações, donde o
sistema de Copérnico havia de sair confirmado
dias a duração da revolução sideral de
Sabendo ser de 687
em
torno do
e purificado.
Marte
Kepler, adepto da doutrina copernicana, teve a ideia
sol,
de associar as observações de Ticho duas a duas, reunindo aquelas
que separava à
mesma
da Terra
um
intervalo de 687 dias e que correspondiam portanto
Tomando para órbita aproximada em vir-
posição do planeta na sua órbita.
uma
circunferência, suposição bastante
tude da sua pequena excentricidade, as cordas de ligação daqueles
pares de pontos eram bases de triângulos tendo por vértices opostos as diversas posições de Marte,
que assim pôde marcar por pontos,
por esses pontos, marcados
gem no
uma
terreno,
observação.
A
curva
adopção
na perspectiva de Marte
numa folha de papel como uma com os desvios permitidos pelos
dum
in-
Restava fazer passar
dependentemente de qualquer outra hipótese.
piquetaerros de
excêntrico dava desvios de 8 minutos
e os erros
de Ticho não excediam
minuto;
i
Depois de muitas tentativas,
a órbita circular estava pois condenada.
Kepler, conhecedor da teoria das secções cónicas de Apolónio (280 a.
G.),
acaba por verificar que
uma
às observações
elipse satisfaz
tichonianas.
Em vimento tis.
O
1609 publica Kepler as suas duas primeiras
um
contêm nas
leis
Uma
De
lei
do mo-
stella
Mar-
planetas descrevem elipses
em tempos
liga os
iguais.
A
terceira
lei,
elipse,
a
vão
chamada
tempos de revolução dos planetas com os
pubhcada
em
16 18.
Como
aplicação
com
aplicação
calculou Kepler as Taboas Rudolfinas,
leis,
com
os raios vectores dirigidos do sol para os pla-
e
eixos maiores das órbitas, só foi
das novas
Os
comprimento nos diferentes pontos da
varrendo áreas iguais harmónica, que
concepção geométrica mais bela do universo
de Kepler.
dos focos no sol;
netas, variando de
lei
das áreas, no seu famoso livro
elíptico e a lei
a
sistema de Copérnico é depurado definitivamente dos excên-
tricos e epiciclos.
se
leis,
à navegação; a teoria das cónicas de Apolónio,
dum
valor puramente
especulativo durante tantos séculos, passa assim a auxiliar os pilotos
nas derrotas marítimas.
Das
três leis
de Kepler pôde
Newton deduzir
a lei
da atracção na
'qA astronomia dos Lusíadas
52
razão directa das massas e inversa do quadrado das distâncias, que ele
publicou na sua grande obra Philosophiae Naturalis principia
mathemaíica, Londini, 1687, depois de a
Com uma
anos.
ter
meditado durante vinte
concisão notável diz o professor Bouasse da Univer-
sidade de Tulosa:
((L'ambition du physicien est de reconstruire
le
syllogistique à partir d'un principe assez générab)
Este princípio é hoje, na astronomia, a
da
lei
lei
de Newton.
Da
ele intitulou
Partindo
— Tratado de mecânica
acabamos de fazer
sucinta exposição que
Newton, pedra angular da astronomia moderna,
humanidade na procura de concordância
com
cola alexandrina
foi
sciência, a qual,
leis
resulta que a é
uma
cada vez mais simples
celeste. lei
de
conquista da
mais gerais,
e
o rigor crescente das observações; ela não podia
formulada por
ter sido
da
voie
da atracção newtoniana, pôde Laplace reconstruir o mundo solar
por meio do silogismo que
em
monde par
*.
um
uma
E
homem.
só
a teoria astronómica da es-
das gloriosas étapes no progredir incessante
segundo Mach
se
2,
pode considerar
um
problema
de mínimo: expor os factos o mais perfeitamente possível com o mínimo dispêndio intellectual. Aquela teoria merece a nossa admiração, e não o desdém daqueles que, familiarizados hoje com a concepção heliocêntrica de Copérnico, se julgam capazes de ter podido dar alguns
conselhos a Ptolomeu.
Do
resumo como
belo
2.
em
sistema ptolomaico não há
língua
nenhuma
a descripção que nos deixou a lira de
Depois dos estudos
feitos
seguir agora mais rapidamente a descrição da
puramente astronómica.
Se
satisfez
do mantimento nobre,
&
na armonia
Virão os altos
doce suauidade,
feitos,
que descobre
Thetis de graça ornada,
Pêra que
As
com mais
felice
Gama
grauidade,
alta gloria dobre,
festas deste alegre
Pêra o
&
&
claro dia
assi dizia.
1
De
2
E. Mach, Die Mechanik in ihrer Entwickelung.
la
méthode dans
máquina do mundo
Restringir-nos hemos, o mais
Despois que a corporal necessidade
E
Camões.
nos capítulos anteriores podemos
que começa na estância 76 do canto X. possível, à parte
tão grandioso e
les sciences, Paris, F.
Alcan.
:
:
Cap» VI Faz
— qA grande máquina do mundo
mercê barão
te
53
a Sapiência
Suprema, de cos olhos corporais Veres, o que nam pode a vã ciência Dos errados & miseros mortais Sigueme firme & forte com prudência Por este monte espesso, tu cos mais Assi lhe diz, &; o guia por hum mato
Árduo,
Nam
duro a humano
difficil,
andão muito que no erguido cume
Se acharão, onde
hum campo
De Esmeraldas, Rubis,
A
vista,
Aqui
trato.
tais
se esmaltaua,
que presume
que diuino chão pisaua
hum
vem no
globo
ar,
:
que o lume
Claríssimo por elle penetraua,
De modo que o
Gomo
seu centro esta euidente,
a sua superficia, claramente.
Neste monte espesso, de mato árduo,
onde
é preciso seguir firme e forte
com
difícil
a
humano
bem
prudência, está
zado todo esse longo trabalho de pacientes observações
em
capacidade
a teoria a
procura das
que regem os movimentos dos astros.
leis
que se chegou,
dum
subido valor, não só pelo trabalho
que custou como pelas benefícios que dela se colhem,
cume, esmaltado de rubis tido, através
e
A
bem
é
o erguido
esmeraldas, chão divino, donde é permi-
do modelo criado, abranger a complicada variedade dos
fenómenos astronómicos, pre vê-los tábuas,
simboli-
e laboriosos
engenho de tantos homens de superior
cálculos, todo esse dispêndio de
E
por
trato,
em
cálculos prévios nas preciosas
conhecidas dos navegadores portugueses.
concepção astronómica da escola de Alexandria era para Ptolo-
meu um modelo puramente matemático;
as suas esferas são apenas
fórmulas matemáticas, auxiliares geométricos para o cálculo das po-
Para os astrónomos árabes, porém, como Alba-
sições dos astros. ténio,
com lestes
as esferas são sólidas,
à
existência física, do vasto
maneira de Aristóteles; são peças,
maquinismo pelo qual os corpos
em movimento.
são postos
Purbáchio, nas suas
adoptou as esferas sóHdas dos árabes,
feitas
as dimensões suficientes para, dentro delas,
rentes e epiciclos de cada planeta.
O
ros é dado ver
Cícero
e
E
a
com
máquina do mundo, que ao
com
livre jogo os defe-
modelo criado para
ção do universo deixa pois de ser puramente geométrico; é físico-mecânico.
Teóricas,
de quinta essência,
terem
ce-
Gama
e
a concep-
um modelo companhei-
os olhos corporais.
Materno contam que Arquimedes, o grande matemático
siracusano, fabricara
uma
esfera de vidro onde se via a constituição
dos céus e sua disposição e movimentos.
Glávio descreve, no seu
:
.
qA astronomia dos Lusíadas
54 Commentario á
esfera de Sacrobosco (pág. 17 da edição citada), esta
admirável esfera onde os globos dos planetas, especialmente os do sol e
da
caminhavam com
lua,
mente como no
movimentos próprios, exacta-
os seus
fera vítrea, realizada pela indústria e arte de
Faria
esfera celeste.
e
Sousa
cita
que mereceu ao poeta Claudiano
Mas no tempo mesmo dos movimentos celestes,
V
o imperador Carlos
sante notícia.
M. Antonii
«Hunc locum, omnibus negotijs bium, siderum
— m.
Coccii Sabellici, ex
sibi
&
&
Paulo Jovio
cantado
com
com
*
mirabili oblecta-
coelestium or-
motu perpe-
huiusmodi machina
nullis retro
neque uisa».
V
passando os seus dias
S. Justo, longe dos negócios e bulício
do mundo, en-
o instrumento admirável onde o insigne matemático Leô-
uma
ncio incluirá astros
illo
omne
insignis,
Sabélico mostra-nos o imperador Carlos
no mosteiro de
ah orbe
atqiie aliis, lê-se
motuíí addito etiam octauae sphaerae
est
interes-
ubi uitam procul ab
delegit Carolus Caesar,
strepitu ageret, instrumento
neque audita
a
i558) no seu retiro no mosteiro
tuo, diuino prorsus artificio, incluserat: seculis,
Arquimedes, imitava
o globo de Arquimedes,
epigrama laudatório.
quod Leonellus mathematicus
in
tus,
um
essa es-
de Camões uma admirável representação como nunca se construirá outra, deleitava
i5oo
(n.
também
Ao sr. Dr. José Maria Rodrigues devemos esta Na coluna ySS do Supplementiim historiarum
de S. Justo.
condito
com que
céu, tal era a perfeição e certeza
representação completa das esferas celestes
e
dos
também o movimento perpétuo nem ouvira falar duma máquina
seus movimentos, juntando
da oitava esfera.
Nunca
se
vira
assim nos séculos passados. Este movimento perpétuo da oitava esfera pidação que lhe é próprio. curso ordenado das estrelas
é
o movimento de
tre-
Podia assim vêr-se neste aparelho o
em
torno dos axes da oitava esfera, os
pontos equinociais médios, poios do movimento de trepidação, a que
Camões
se refere
na estância
87.
Deste famoso aparelho de Leonelo devia Camões
mento.
De
1
É
Teria
ele visto
algum modelo semelhante?
globos terrestres fazia-se no século xvi
o
tomo
terceiro da obra
leae, i56o.
A
de Lisboa.
Parece haver aqui
tium orbium,
:
M. Antonii Coccii
um
«ík
«Sc
um
siderum motú.
.
Opera Omnia, BasiAcademia das Sciências
erro tipográfico onde se lê:
motuu...; — devendo
grande comércio
Sabellici
transcrição é feita do exemplar existente na
tium orbium, siderum
ter tido conheci-
—
.
provavelmente ser:
.
.
omnê
coeles-
— omne coeles-
A
máquina do Mundo, Lib. VII, Tract. gravura extraida da Margarita Philosophica, (nas dimensões do original)
I,
Cap.
V
Cap. VI
em
— (M grande
máquina do mundo
mas muito
Lisboa, globos muito artisticamente iluminados,
dos,
como
55 erra-
Pedro Nunes no Tratado em defensam da carta
se queixa
de marear:
«Mas
isto
he mais pêra espantar: que fazendose cada dia nesta
cidade: globos muito fermósos:
&
custosos: nos quaes por serem
conformes ao mundo perque andamos
carecerem de
cometem
sciecia: os
:
que os fazem
dobrados erros
nelles
nam
&
cabe nenhiã engano: por
mãdam
os que os
posto que nos taes globos aja muyto ouro:
&
deyras, Alifantes
Gamelos:
fazer:
:
e outras
&
muytas bã-
cousas iluminadas...».
A
máquina do mundo, porem, que Tétis mostra aos portugueses não é feita de cristal, nem de armilas metálicas, nem movida por aparelhos de relojoaria. E um simples «trasunto reduzido» do mundo em pequeno volume, como se diz na estância 79, composto dos quatro elementos no centro e da quinta essência na região os
movimentos naturais;
Um
sciência do tempo.
mortal lograra ver ses fazia
com
celestial, e
tendo
modelo do universo como o concebia a globo, como esse que vêem no ar, nenhum é o
os olhos corporais,
como agora aos portugue-
mercê a Sapiência suprema. Qual
a matéria seja
nam
se enxerga,
Mas enxergasse bem que está composto De vários orbes, que a diuina verga Compôs, & hum centro a todos so tem posto.
Não
se
enxerga a matéria que compõe a parte
porque a
celestial,
quinta essência não pode ser apreendida pelos sentidos, vendo-se através delia a Terra no centro.
Mas
enxerga-se
bem que
está
com-
posta de vários orbes concêntricos à Terra; quer dizer, neste globo transparente
podem
feras e, portanto,
distinguir-se os contornos aparentes das onze es-
uma
junta que extraímos da
série de círculos concêntricos,
Margarita Philosophica
e
como na
que mostra, repre-
sentadas por círculos, as sete esferas planetárias desde a da à de Saturno, o
móbil
e,
círculo,
Firmamento, o Céu áqueo ou
finalmente, o Empíreo.
como em
figura
cristalino, o
Lua
até
primeiro
Quando o poeta emprega o termo
85:
Debaxo deste circulo onde as mundas Almas diuinas gozão, que nam anda,
•
não emprega círculo como sinónimo de esfera; designa a superfície pela curva do seu contorno aparente, pela curva que à vista a está
representando.
:
56
qA astronomia dos Lusíadas Completando
a estância 78, diz o poeta:
Voluendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca sergue, ou
& hO mesmo rosto & em toda a parte
se abaxa,
Por toda a parte tem,
Começa
&
acaba,
em
fim por diuina arte.
Já vimos no capítulo anterior que no primeiro verso se exprime
que a esfera
é
uma
superfície de revolução,
uma
pelo movimento de
podendo supôr-se gerada
em
semicircunferência
torno da linha dos
poios, subindo e descendo relativamente ao horizonte.
No
segundo
verso está expressa a propriedade da equidistância ao centro, não su-
nem descendo
bindo
um mesmo
a superfície esférica
com
relação a este ponto; e
uma superfície acabando em qualquer
rosto traduz a propriedade da esfera ser
Enfim, começando
de curvatura constante. ponto,,
em e
não tem princípio nem fim determinado, unindo-se o princípio
o fim, por divina arte, isto
semelhança com Deus
é
em
Vniforme, perfeito,
Qual
em
segundo o divino exemplar.
é,
Esta
completada na estância seguinte: sostido,
si
fim o Archetipo, que o criou
Vendo o Gama este globo, comouido De espanto & de desejo ali ficou,
O
Dizlhe a Deosa,
Em
Do mundo Por onde
A
te
em
vas,
&
yras,
&
o que desejas.
tal
qual o concebia a sciência do tempo, divi-
duas regiões: etérea
e
elemental.
«VniuersaUs autem mundi machina sciHcet,
&
elementarem regionem»,
Pedro Nunes
«A tial:
vniuersal machina do
&
in
duo
diuiditur, in
diz Sacrobosco.
Na
aetheream
tradução de
lê-se:
elemental.
A
Mundo
se diuide
em
duas partes.
a qual está
a
Agoa
&
como
centro do
mundo no
per derredor delia ho aar.
logo ho fogo puro que chega ao ceo da lua:-segíído diz Aristóteles
no liuro dos metheoros: porque assi os assentou deos grorioso
E
Celes-
parte elemental he sojeita a cõtinua alteração:
& diuidese ê quatro .s. terra meo assentada: seguese logo
&
dou
aos olhos teus, pêra que vejas
máquina do mundo, assim mostrada ao Gama, como transunto
reduzido do universo, de-se
trasunto reduzido
pequeno volume aqui
sam chamados elemetos: alteram & corrompem & torna a gerar. simprezes que se nam podem partir em estes quatro
pella mistura dos quaes se
& alto.
os quaes hus dos outros se
Sam
os elementos corpos
partes de diuersas formas:
fazem diuersas species das cousas que se
:
Cap.
E
geram. se
VI — cá grande máquina do mundo
hum
cada
E
viuenda de algús animaes.
como
resiste
ha humidade da agoa pêra
todoUos outros afora a terra se
mundo com
centro do
mouem:
seu peso: foge igualmente de
grande mouimento dos estremos:
dallas partes o
5j
dos três cerca de todo a terra per derredor
não quanto a secura da terra
a qual
:
&
fica
to-
no meo da
redonda Sphera. Junto da regiam dos elementos: esta logo a regiam celestial lúcida:
&
pello seu ser
mento
circular:
ímudauel he
&
liure
de toda mudança:
te
contino moui-
chamaranlhe os philosofos Quinta essência».
A distinção entre as regiões etérea e
elemental é indicada na estância
imediata: Ves aqui Etérea,
grande machina do mundo,
a
&
elemental, que fabricada
Assi foy do saber alto,
Que he sem
principio,
Quem
cerca
em
Globo,
&
& profundo, & meta limitada,
derredor este rotundo
sua superficia tam limada,
He Deos, mas o que he Deos ningue o entende. Que a tanto o engenho humano não se estede.
3.
A enumeração
começa agora, da
das onze esferas que constituem a região etérea
periferia para o centro, pelo
está designada por
Empíreo que na
figura
Celum emp/reum.
Este orbe que primeiro vay cercando
Os outros mais pequenos, que em
Que Que
está
com
a vista cega,
Empíreo
se
si
tem.
luz tão clara radiando.
&
a
mente
vil
também
nomea, onde logrando
Puras almas estão de aquelle bem,
Tamanho, que elle so se entende & alcança, De quem não ha no mundo semelhança.
Por baixo do Empíreo imóvel corre o primeiro móbil, a esfera impulsora do movimento diurno, que o poeta introduz na estância 85
Em
fim que o
sumo Deus, que por segundas
Causas obra no mundo, tudo manda
E
tornando a contarte das profundas
Obras da
mão
diuína veneranda,
Debaxo deste circylo onde as mundas Almas diuinas gozão, que nam anda. Outro corre tam leue & tam ligeiro.
Que não
Do
se enxerga, he o
Mobile primeiro;
4)rimeiro móbil diz Sacrobosco:
«Sed primus omnes
alias
58
qA astronomia dos Lusíadas
sphaeras secura impetu suo rapit intra diem,
&
noctem
circa
terram
semeb>.
Pedro Nunes traduz: «Mas o primeiro mouimento moue & leua com seu ympeto todallas outras Spheras & em hiâ dia c5 sua noite da terra húa reuolução»
fazc per derredor
O
*.
poeta canta:
Com
Por obra
O
No
&
este rapto
Vão todos dia
&
os. que
grande mouimento, dentro tem no seyo
deste, o Sol
andando
com
noite faz,
primeiro verso indica-se
a tento
curso alheyo.
com
o adjectivo grande a rapidez do
movimento diurno, de todos os movimentos cidade;
com
celestes o de
maior velo-
a palavra rapto indica-se a sua causa, sendo o primeiro
móbil que arrasta consigo todas as esferas interiores, «omnes sphaeras secum impetu suo
Faria é
e
alias
rapity>.
Sousa parece considerar rapto como substantivo
termo próprio dos matemáticos.
No
Cap.
iii
e diz
que
da Sphaera de Sa-
crobosco lê-se:
«Notandum
etiam, quòd Sol tendens à primo puncto Capricorni
per Arietem usque ad
primum punctum
Gancri, raptu firmamenti
Item iam dictos círculos describit Sol,
describit 182 parallelos
raptu Firmamenti descendens à primo puncto Gancri per Libram us-
que ad primum punctum Gapricorni».
Aqui
com efeito o substantivo rapto, exprimindo o movimento com que o primeiro móbil leva a esfera inteira do Sol a
está
de arraste
dar 182 voltas, enquanto o Sol no seu excêntrico avança debaixo da eclíptica
desde o primeiro ponto de Gapricórnio, por Aries, até ao
primeiro ponto de Gâncer;
outras 182 voltas enquanto o Sol desce
e
do primeiro ponto de Gâncer, pelo signo de Libra, até
'ao primeiro
ponto de Gapricórnio.
Na Margarita
Philosophica, Lib.
vii,
Tract.
do-se do quarto céu, à pregunta do discípulo
— responde-se: 1
já
«Quemadmodum
No Tractado da Spera do Mundo,
nos referimos na pág.
em
cada vimte e
Gap. xxxi, tratan-
— Gomo
se
move
superiores motu raptus
este céo?
ab oriente
existente na Biblioteca de Munich, a que
mesmo trecho: «Et ho moue consiguo todolos mais debaixo darquatro horas faze huua reuolluçam». Joaquim
10, lê-se a
seguinte tradução do
nono ceo com seu mouimemto arrebata redor da terra:
i,
e
Bensaúde, L' astronomie nautique au Portugal à Vépoque des grandes découvertes, Bern, 19 12, pág. i65.
Cap. VI
— QÁ gy^ande máquina do mundo
per occidentem, redeundo in orientem, in 24. horis, ad
A
mobilis».
como
esfera solar move-se
as superiores
5g
motum com o
primi
movi-
mento de rapto de oriente para ocidente voltando a oriente, seguindo o movimento do primeiro móbil. Parece-nos porem que o poeta emprega rapto como adjectivo, exprimindo com as duas palavras movimento rapto a mesma ideia do
Assim na Chronographia ou reportório dos tempos de André de Avelar, 1594, começa o Cap. lxx: substantivo rapto.
«Debaixo destes doze signos alem do mouimento rapto do Oriente
em
Ponête se moue o Sol de seu meão mouimento per obliquo de
Occidente a Oriente cada dia natural 69. min.
Aqui
está o
rapto, isto
em
é,
movimento diurno do
movimento de
sol
&
8 segundos quasi».
designado como movimento
arraste, proveniente
do primeiro móbil,
opposição ao movimento próprio «per obliquo» na eclíptica.
O
poeta diz analogamente que todas as esferas contidas no seio
da décima esfera vão com
este rapto
com o grande movimento de esfera.
arraste
Hoje o primeiro móbil
é
e
grande movimento,
em
que são levadas por esta
E a rotação da Terra É este «rapto e grande
a Terra.
que produz o movimento diurno dos astros.
movimento»,
este
grande movimento
em
isto é,
que
somos levados no
globo terráqueo, que nos dá a aparência do movimento diurno do
firmamento.
O
verso do poeta ainda tem actualidade, aplicado à
Terra.
Na segunda parte da estância 86 é descrita a nona esfera ou segundo móbil, também chamada Céu Aqueo ou Cristalino, designada na figura por Coelum aqueum. Debaxo deste
leue anda outro lento,
Tam
sojugado a duro freyo,
lento,
&
Que em quanto Phebo, Dozentos cursos
O
faz,
de luz nunca escasso
da
elle
hum
passo.
Cristalino é a esfera propulsora do movimento dos auges e
trelas Jixas que faz avançar
es-
kntamente de occidente para oriente
a
esfera das estrelas fixas e os céus deferentes dos auges dos pknetas.
Executa
em
uma
200 anos
revolução completa i
grau
e
em
49:000 anos, avançando portanto
28 minutos aproximadamente, o que, sendo
menos que grau e meio, o poeta arredonda num grau, como já vimos. Sendo a esfera do sol levada também neste movimento, com ele vão os dois céus deferentes do auge do entre estes dois
como
sol (pág. 12),
mas, deslisando
entre dois muros, avança o deferente
do
sol
no
qA astronomia dos Lusíadas
6o
mesmo do
sentido bq'
8''
quási
e
em
cada
revolução completa se faz
sol cuja
O
ximadamente.
É
dia.
em
seu movimento diurno
este o curso próprio
365 dias é
e
um
curso alheio,
quarto apro-
como
se diz
no quarto verso da estância, proveniente do primeiro móbil.
A
distinção do
movimento dos orbes
e alheio
Assim na obra Quaes-
encontra-se nos livros de ensino do tempo. tiones noiíae in lihellum de
em próprio
celestes
Sphaera Joannis de Sacro Bosco,
in
gratiã
studiosae iiiventutis collectae ab Ariele Bicardo, Parisits, i552, encontra-se, a
tes?»
a pregunta:
14,
fl.
— com
resposta:
a
próprio, seu per
O
se,
&
— «Quomodo mouentur sphaerae caeles-
— «Mouentur
motu
movimento dos auges
duplici motu, uidelicet
alieno, seu per accidens» e estrelas fixas é
motu
*.
actualmente atribuído à
em volta da linha dos poios da eclíptica o precessão em 26:000 anos. E o movimento de pre-
Terra, cujo eixo descreve cone circular de
cessão dos equinócios.
Na
estância 87 é descrita a oitava esfera, o Firmamento,
com
o
seu movimento próprio: Olha estoutro debaxo, que esmaltado
De corpos lisos anda, & radiantes, Que também nelle tem curso ordenado,
E
nos seus axes correm
scintillantes.
Já Vimos que, no século xvi, era ainda doutrina corrente que o sol era a única fonte de luz celeste, a qual as estrelas reflectiam
As
como
os
eram condensações da matéria que constituía como nós do firmamento, esferas de quinta essência condensada, lisas como espelhos, radiantes como
planetas.
estrelas
Eram
os céus.
pois as estrelas fixas
grandes globos de ouro, brilhando à luz do
Na
figura vê-se o
presentando as estrelas
sol.
firmamento esmaltado de pontos radiantes fixas.
re-
Estas estrelas teem os dois movimentos
alheios que ficaram já descritos, provenientes
do primeiro
e
do
se-
Mas teem também o curso ordenado do firmamento, movimento regular de trepidação ou de acesso e recesso, sete vezes mais rápido que o movimento do Cristalino, completando-se em 7:000 anos. Por isso correm scintillantes em seus axes, que são gundo móbil. que
é
o
os eixos próprios da oitava esfera.
poeta os extremos do eixo,
1
E
mais abaixo lê-se:
supra dictú
est.
mouentur motu bilis
motum
:
isto é,
Com
o plural axes designa o
os poios do
movimento de
trepi-
— Primum mobile circumuoluitur spatio 24 horarum ut
Reliquae sphaerae, quò sunt propiores primo mobili, eò uelocius alieno seu diurno, tardius uerò propriis motibus contra primi
etc.«.
Vimos um exemplar
das Sciências de Lisboa.
desta obra na Biblioteca da
mo-
Academia
Cap. VI
— qA grande maquina do mundo
6i
dação, que são os equinócios médios, princípios de Aries e Libra da
nona
deiros
A
em
como já vimos, os equinócios descrevem pequenos círculos com um raio de 4°i8'43''.
esfera,
volta dos quais,
movimento de trepidação acaba por
hipótese do
nada; mas renasce, embora
com
culo xviii
ser abando-
proporções muito reduzidas, no
sé-
movimento de nutação.
o
Na segunda
em
verda-
parte da estância 87 faz o poeta a descrição do zo-
díaco, admirável de beleza e concisão:
Bem Co
como
ves
&
se veste
faz
ornado
largo cinto douro, que estrellantes
Animais doze traz afigurados, Aposentos de Phebo limitados.
Como
comentário a estes versos, leia-se o Reportório dos tempos
de André do Avelar, Lisboa, i585:
Do
Zodíaco.
Titulo 2g,
«Os Phylosophos antiguos cõsiderarã no ceo hum que
de largo
tê
em
diuide
grãos*, por
12.
meo do
qual, passa
circulo maior,
húa
linha,
q o
cÕprido, e deixa a cada
parte seis grãos: ao circulo
marão Zodíaco,
e
^
cha-
a linha dixerão
linha ecliptica
Diuidese este circulo
em
partes iguaes, a q
12.
signos,
&
nome da
hum
cada figura
está cõposto,
delles
chamão toma o
do animal, de q
como
as estrelas do
ou firmamento, o pinião
8. ceo,
semelhão, e porque Zodion
&
em Grego
como animal, por chamou o circulo Zodíaco,
tãto quer dizer
isso se
como
em
se
dixeramos circulo de animaes: cada signo destes, se diuide
3o. partes, a
sam
36o. que
O nado,
1
2
os
que chamão grãos,
em
com que com
o zodíaco, que o cinge
Quer Quer
dizer,
uma zona
dizer, zona.
multiplicando
que se diuide todo o ceo,
largo cinto de ouro, é
e
e
12.
por 3o. resultão
qualquer circulo».
o firmamento se veste
e faz or-
a profusa pregaria de ouro das
esférica de 12 graus de largo.
.
02
:
astronomia dos Lusíadas
C/4
Os
constelações zodiacais.
doze animais estrelantes afigurados sao
as doze constelações do zodíaco, cujas estrelas, pela sua disposição,
pintam
e
semelham
Os aposentos de Phebo
de animais.
a figura
mitados são os doze signos, da extensão de 3o graus cada um, que se divide o zodíaco,
stelações, os quais o sol vai sucessivamente percorrendo
um
em
que se deram os mesmos nomes das con-
e a
vimento anual ao longo da
li-
demorando-se
eclíptica,
espaço de tempo de cerca
dum
No
mês.
em
no seu mo-
cada
um
deles
capítulo seguinte trata-
remos mais especialmente do zodíaco.
A
estância 88 termina a descrição do firmamento
com
a formo-
síssima enumeração das constelações extra-zodiacais: Olha por outras partes
Que
Olha a
E
vão fazendo.
carreta, atenta a Cinosura,
&
Andromeda,
Vè
a pintura,
as estrellas fulgentes
&
seu pay
o drago horrêdo
de Gassiopea a fermosura,
do Orionte o gesto turbulento,
Olha o Cisne morrendo que
A
O
Lebre, os Cães, a Nao,
&
sospira, a
doce Lira.
poeta comóve-se evocando as lendas poéticas que deram
desde a Carreta (Ursa maior)
às constelações,
menor)
O
L/ra de Orfeo.
até à doce
que
ele
e a
nome
Cinosura (Ursa
não podia prever era
que, volvidos dois séculos, novas constelações viriam intrometer-se
naquelas, às quais fica,
os
nomes
de:
M. de la Caille, havia de dar, com secura scientíMachina pneumática, Forno chimico, Esquadro e
Regoa, Reticido romboidal.
Na
.
admirável estância 89 iniroduz o poeta as sete esferas plane-
tárias pela sua
ordem, desde a de Saturno até à da Lua: Debaxo deste grande firmamento, Ves o ceo de Saturno Deos antigo, Júpiter logo faz o mouimento,
E O E
Marte abaxo bellico inimigo, claro olho do ceo
no quarto assento,
Vénus, que os amores traz consigo,
Mercúrio de eloquência soberana.
Com Compare-se com
três rostos abaixo
I,
21:
Deixam dos
A
vay Diana.
sete
Ceos o regimento.
esfera do sol fica no meio.
piter e Saturno, por isso
Por cima as esferas de Marte, Jú-
chamados planetas superiores; por baixo
as
esferas de Vénus, de Mercúrio e da Lua, que são os planetas inferio-
:
VI
Cap.
Os
res.
— qA grande máquina do
mundo
três rostos de Diana, são aqui os três rostos
pondentes às três fases: a lua cheia
63 da
lua, corres-
quartos, crescente e min-
e os
guante; na lua nova não há rosto porque a lua se esconde. re-se
com
III,
69: Cinco vezes a Lua
E e
com V,
Compa-
se escondera,
outras tantas mostrara cheio o rosto,
24:
Mas
o Planeta que no ceo primeiro
ja
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meyo Mostrara,
No
rosto,
em
agora inteiro
quãto o mar cortaua a armada.
Reportório dos tempos de Avelar, i585, lê-se a
—^Do rosto, «O
forma,
trãsparête,
igualmente denso
&
&
claridade da
—
64
46
v., tit.
espesso da lua procede de não ser seu corpo
nem
por onde os raios do
Lua
fl.
raro, se não sol
em
partes mais mociço q noutras
sam desigualmente
nella
emcorporados,
ík
daqui nasce aquella figura, que vulgarmente se chama rostos.
Com
4.
a estância
que acabamos de
lêr fica
completa a enume-
como estão representadas reproduzida, da máquina do mundo: o empíreo, ò
ração das onze esferas da região celestial,
na
figura,
atrás
primeiro móbil, o cristalino, o firmamento rias.
Estas onze esferas são concêntricas
analisar
com
Na
todas.
sete esferas planetá-
a Terra.
Resta agora
particular as esferas planetárias, compostas de vários
Já vimos a composição da esfera do
orbes.
como
em
e as
figura junta, extraída da
é constituída a esfera
sol,
a mais simples de
Margarita Philosophica, vê-se
de Saturno, compreendida entre dois
cír-
culos concêntricos, o exterior, que fica logo por baixo do firmamento, e
o interior, que devemos imaginar assente sobre a esfera de Júpiter,
Empregando a linguagem usada para o Sol, diremos que a sétima escompõe de três céus: os dois céus deferentes do auge de Sa-
fera se
turno^ aguarelados a preto na figura; e, entre os dois, o céu deferente
de Saturno ou, mais propriamente, o céu deferente do epiciclo de Saturno, cujo centro (c,
mundi).
triplo
Os
(c.
deferentis)
não coincide com o centro do mundo
céus deferentes do auge de Saturno são levados no
movimento da oitava
esfera.
O
deferente do epiciclo de Sa-
turno deslisa entre estes, segundo a successão dos signos, dois muros, é excêntrico;
dando uma volta completa
em
3o anos.
o ponto mais afastado da Terra
é o
seu
como
entre
Este deferente
Auge (Aux) ou
64
d^ astronomia dos Lusíadas
'
apogeu, o ponto mais aproximado da Terra
Na
iiim Augis).
toda a espessura do excêntrico.
O
corpo do planeta, engastado na
com
circunferência do epiciclo, move-se
este
dum
fazendo-se esta rotação no período
em
se executa
voltas, explicando-se
uma
torno do seu centro,
O
ano.
centro do epiciclo
uma
move-se sobre o deferente excêntrico, dando
Enquanto
o seu perigeu (Opposi-
é
parte superior da figura vê-se o epiciclo ocupando
volta
em
3o anos.
revolução do excêntrico, dá o epiciclo trinta
assim o movimento, ora directo ora retrógrado,
de Saturno ao longo do zodíaco.
O
centro do epiciclo não se move., porém, uniformemente sobre
cujo centro
um
Ptolomeu considera
o excêntrico.
equãtis) está a
(c.
uma
E
centro que o
é
mundo. movimento do centro do epiciclo
do epiciclo de Saturno move-se pois sobre
mas o
um
relativamente a este
é
o centro do equante
;
O
iguais, perto de
2
minutos por dia
parte os equantes observando que,
movimento
em
com
eles,
mente a outro, quando devia
um
teorias de Júpiter e
1
Marte.
ano
tro
Ptolomeu
se desviava
ter estas
do
movimento
centro e uniforme relativa-
duas propriedades
em
relação
centro.
Marte são análogas às de Saturno, sendo
período do movimento do excêntrico de
em
em tempos
Copérnico pôs de
circular e uniforme, pois que o
era, assim, circular relativamente a
As
Saturno.
centro de
o raio do equante
tirado para o centro do epiciclo descreve ângulos iguais
um mesmo
centro
círculo que é o defe-
centro do deferente é apenas o centro de equidistância.
a
O
uniforme.
seu movimento não é uniforme sobre este círculo; o
uniformidade do movimento
princípio do
equante,
distância do centro do deferente
igual à distância deste ao centro do
rente,
chamou
círculo a que
1
2 anos
em
Júpiter e 2 anos
O
sideral,
período do movimento do epiciclo é, em ambos, de como em Saturno, conservando-se o raio tirado do cen-
do epiciclo para o planeta sempre paralelo ao raio do excêntrico
do Sol dirigido para a posição do Sol no netas inferiores,
Vénus
e
Mercúrio,
mesmo
é o raio
instante.
Nos
pla-
do excêntrico tirado para
o centro do epiciclo que se conserva sempre paralelo a esta direcção,
sendo por isso de
i
ano,
como no
excêntrico nestes dois planetas.
A
Sol, o período do
movimento do
revolução do epiciclo faz-se
em
19 meses solares em Vénus, e em 4 meses solares em Mercúrio, aproximadamente. O excêntrico da Lua faz a sua revolução em 27 dias Na teoria da Lua considera-se, além dos dois céus defee 8 horas. rentes do auge da
Lua
céu, por fora destes,
um
quarto
chamado deferente da cabeça do Drago.
Este
e
do excêntrico deferente do
epiciclo,
quarto céu causa a retrogradação da linha dos nodos, à razão de cerca de 3 minutos por dia.
LIBRl
VIL
TRACT
L
Septentrío uel Aquilo
MerídícsuclAuster
A
sétima esfera,
gravura explicativa da esfera de Saturno, extraída da Margarita Philosophica, Lib. Vil, Tract. (nas dimensões do original)
I,
Cap. XXVIIÍ
— qA grande
Cap. VI
máquina do mundo
65
—
—
No Capítulo iiij Dos círculos & mouímentos dos Planetas do Tratado da Sphera, depois duma breve descrição dos movimentos do
o seguinte:
sol, lê-se
«Cada hum dos planetas afora ho
^
ou igualador: deferente
com
concêntrico
hum
ferente he
&
deferente
delle declina
no
& nam
circulo
em
&
ecliptica:
a outra pêra o sul: ho
dous lugares
a fígura que
ík
chamasse Drago: porque he larga no meo
O
*.
pêra o sul se chama ho Cabo do drago
sam
&
no qual estando a lua se moue pêra
fím. aquelle encontro
o norte chamasse Cabeça do drago
de qualquer planeta
hum
na superfície da
jaz
pêra o norte:
ho equante encontranse
se faz per este encontro: estreita
equante
.s.
he na superfície da ecliptica: ho seu de-
circulo ecentrico
mas hua metade
três círculos
Equante na lua he
epicíclo.
&
a terra:
tem
sol
iguaes.
^.
outro encõtro do qual dece
Os
E auemos
deferentes
&
equantes
de saber que assi ho
como ho equante de Saturno Júpiter: Mars. Vénus sam ecetricos & fora da superfície da ecliptica: mas ambos estam em híãa mesma superfície. E todo planeta tirando ho sol tem deferente
&
Mer-
cúrio
He
epicíclo.
hum pequeno
epicíclo
circulo
pella circunferêcia do qual he leuado ho corpo
do planeta
na
&
superfície
o centro do epicíclo sempre esta
E
do deferente.
portanto se se
tirarem duas linhas dereitas do centro da terra:
de sorte que recolham antre ellas ho epicíclo de
qualquer planeta
húa pella banda de
a
&
&
a outra pella banda de ocidente: o ponto da banda de que a linha toca ho epicíclo: chamase primeira estação: ho outro ponto da banda de ocidente chamase estação segunda.
E
quãdo ho planeta esteuer
oriente:
em
oriête
O
que esta estacionário. estações:
qualquer destas estações diremos
arco de cima do epicíclo antre as duas
chamase direyção:
remos que esta dereito:
em
&
&
quando ho planeta
duas estações chamase retrogradação:
dizemos que esta retrogrado. retrogradação:
&
A
^
A
lua
&
estando nelle ho planeta
não tem estação direyção
a causa he ho seu
ligeyro».
Nodo ascendente <2. Nodo descendente ^. 5
di-
nem
portanto nunca dizemos q a lua esta estacionaria
dereita nê retrogada:
muy
nelle estiuer
ho arco debaixo do epicíclo antre as
mouímêto no
epiciclo ser
;
:
66
(lA
Os
astronomia dos Lusíadas
epiciclos são de
pequenas dimensões relativamente aos defe-
Estes são os órgãos principais dos movimentos
rentes excêntricos.
dos planetas, como se vê na figura da esfera de Saturno; os epiciclos
Na
são as peças menores do maquinismo.
Camões
planetários
em
não pensando
refere-se apenas aos excêntricos,
descrever os tão diversos movimentos dos epiciclos.
em
Já na estância 89 Tétis, passando netárias,
chama
em
especial,
revista as sete esferas pla-
a atenção para os excêntricos deferentes dos planetas.
Assim, quando diz «Júpiter logo
faz o
movimento»,
é claro
que aponta
na esfera deste planeta, o céu excêntrico deferente do
movimento próprio de Júpiter céus deferentes do auge de Júpiter são levados no triplo movimento no qual
epiciclo de Júpiter,
os
descrição dos movimentos
da oitava esfera,
E
se efectua o
já descrito antes.
que especialmente se consideram os céus excêntricos torna-se
claro na estância 90:
Em
todos estes orbes, diíferente
Curso veras,
níís graue,
«Sc
noutros leue
Ora fogem do centro longamente, Ora da terra estam caminho breue.
Estes orbes são os excêntricos deferentes dos planetas, mais afastados do centro da Terra no auge, ou apogeu, e mais perto dele no
Teem curso mais grave o deferente de Saturno em 3o anos e o de Júpiter em 12; o de Marte faz seu curso em 2 anos e os do ano; o curso mais leve é o da Lua em Sol, Vénus e Mercúrio em
perigeu.
i
27 dias e 8 horas.
Pondo de parte
os epiciclos, peças
menores com tão variados mo-
vimentos, o poeta reduz as esferas planetárias à simplicidade da do Sol; e assim pode manter aquela linha de sobriedade
sendo
5.
feita esta
Na
com que vem
admirável descrição da máquina do mundo.
segunda parte da estância descreve-se a região elemental:
Bem como quis Que o fogo fez,
o padre omnipotente
&
o
ar,
o vento
&
neue,
Os quaes veras que jazem mais a dentro, E tem CO mar a terra por seu centro.
Os
quatro elementos estão dispostos
como
se vê
extraída da Chronographia de Jerónimo Chaves.
abaixo do céu da
lua, o
na fígura
Por
fora,
junta, e logo
fogo puro; por baixo deste o ar, dividido
três regiões
— suprema,
tos, tei^ra e
água, formando o globo terráqueo.
média
e ínfima; e
em
no centro, os dois elemen-
VI
Cap.
Transcrevemos
— qA grande máquina
do mundo
a descrição das três regiões
no Reportório de Avelar, edição de 1694
(fi.
do
ar,
67
como
é feita
52, v.):
«Diuidem os philosophos esta Sphaera do ar em regiões por três propriedades muy notaueis, que nella
três partes,
ou
vem que
são
se
parte superior, inferior
&
meya, a
pella
tem
que
vizinhança,
com
ou
parte,
superior
região
o fogo,
&
pellas
exalações,
q ate ella chegão, quando sobem da
terra, he quente,
ainda que não
secca, tãto se
&
como
o fogo, nesta
fazem as
estrellas,
que vemos correr de de híía parte a
noite
&
outra, tas,
&
&
outros Meteo-
Na
ros.
algus come-
2.
que he
fria,
seca pella distancia,
que tem do fogo,
&
não parar nella as exalações,
nem
chegar
lá a
reflexão dos rayos do Sol se gera a neue, pedra, nuuens, chuuas, tro-
uões, rayos,
& relâmpagos.' Na
terceira,
& mais
baxa de todas, que
& huas fria, & hú-
recebe mayores alterações viuem os homes, animaes, plantas,
vezes está quente,
&
mida, outras quente,
húmida, outras
& seca,
fria,
&
seca-,
outras
vem não somente também da maneira
as quaes variações lhe
dos vapores, que de ca de baxo se leuantão, senão
com que tocão a terra os rayos do Sol, & mais planetas, os quaes donde caem perpendiculares, fazem maior impressão de quentura, que donde caem obliquos, & desguelha». Adiante encontra-se esta expHcação da região do fogo
61, r):
(fl.
«Pois porque os que carece de princípios de phylosophia possão
melhor entender esta região do fogo, dizemos ser semelhante a quentura de
hum
forno, tirando-lhe todo o
neira, que se
não visse
mas com tudo
se lhe
lume que tinha detro em ma-
lume algum, ou cousa que desse
aphcassem algua cousa combustiuel, logo
luz,
se in-
mesma maneira he a região do fogo, que nem he lúnem tem brasa, nem chama, nem matéria, que arda, senão esta
flamaria, pella cida,
nelle
:
:
6S
dos Lusi.iiias
C:/ jstiwu)}}!!.!
como húa grande puré/ a,
subtilidade de ar, à qual se se aplicasse
.S:
algúa matéria terrestre, ou exhalação, logo será acesa, posto caso, que algús neste passo fantasia, philosophia,
Camões
como
&
&
inflamada,
querem chimerizar sua
a elles lhe aprazi>.
descrito a região elemental, esculpida nas portas
já tinha
do palácio de Neptuno,
em W,
e
ii
lo,
12:
\'em se os quatro elementos trasladados,
Em
diuersos officios oceupados.
Ali sublime o Foí:o estaua encima.
Que em nenhua matéria
se sustinha,
D"aqui as cousas uiuas sempre anima,
Despois que Promoteo furtado o tinha:
Logo após
O
elle leue se
inuisibil ar,
Tomou
sublima
que mais asinha
lugar, &:
Algum
deixa no
Estaua
a tcrrj
nem por quente, ou mundo estar vazio.
em montes
frio,
reuestida
De verdes eruas &: aruores floridas. Dando pasto diuerso &: dando uida Aas alimárias nella produzidas
A
clara
Das
forma
jf^^-oj^'
ali
estaua esculpida
entre a terra desparzidas.
De pescados criando vários modos. Com seu humor mantendo os corpos
As Os
transcrições que deixamos feitas dispensam maior comentário. dois elementos, terra e água, constitutivos do globo terráqueo,
estão personilicados
em
Ceres
Ditosa pátria que
Mas
e
Sempre
Neptuno, na estância VIII, 82
tal filho teue.
antes pai, que
em quanto
Este globo de Ceres
6.
todos.
o Sol rodea
&. Xej?tuno,
suspirará por tal aluno.
Tendo começado no Empíreo, «onde logrando puras almas
estão de aquelle
Bem tamanho
^>.
vem
lindar a descrição
máquina do mundo no globo terráqueo, colocado no Neste centro, pousada dos humanos.
Que nam somente ousados se contentam De soffrerem da terra firme os danos Mas inda o mar instabil esprimentam.
da grande
centro.
Cap. VI
— G^ grande máquina do mundo
6g
Colocada entre os dois elementos, no extremo da terra firme a pátria portuguesa, a praia ocidental, sofrendo a fascinação do
fica
mar
instábil: Eis aqui, quasi cume da cabeça, De Europa toda, o Reino Lusitano, Onde a Terra se acaba, & o Mar começa,
E
onde Febo repousa no Occeano. Os Lusíadas, canto III, estância
Quando o
sol
repousa no oceano, é sobre o
lares vão brilhar, entrando Portugal
terráqueo; e
com ele poeta com
20.
mar que
os raios so-
na sombra projectada pelo globo
como Portugal fica no extremo ocidental do continente, Europa inteira imersa na sombra da noite. Por isso
fica
a
o
tanta propriedade outra vez define a nossa situação geo-
gráfica
em
VII, 60:
Hum grande Rei, de la das partes, O ceo volubil com perpetua roda. Da
onde
terra a luz solar coa terra esconde,
Tingindo a que deixou de escura noda,
usando o engenhoso trocadilho do terceiro verso,
vem
um
terra significando a terra firme,
seguir a
mesma
Portugal
fica lá
em
que primeiro
dos quatro elementos, e a
palavra terra designando todo o globo terráqueo.
nas partes onde o céu volúbil (primeiro móbil),
o seu rodar perpétuo, esconde da terra-firme a luz solar globo, cuja
sombra
tinge de escura
nódoa
a terra
com
com
a terra-'
que a luz do
sol
deixou; e esta é a terra-continente, porque o globo terráqueo nunca a luz solar deixa de iluminar, por
em
um
ou outro lado.
Quando
pois
Portugal anoitece, estende-se a noite por todo o continente, o que
resulta
da sua situação no extremo ocidente
o movimento diurno do sol se
vem
;
a escura nódoa,
que com
alastrando para ocidente sobre a
Europa, acaba por cobri-la inteiramente, quando chega à praia
oci-
dental lusitana.
Veja-se no Cancioneiro geral de Garcia de Resende, princeps, i5i6
fl.
96, edição
^:
Eram da sombra da
terra
as nossas terras cubertas
quando parecem desertas •
as abitações
sem guerra
ao tempo que rrepousam os corações descanssados
&
os malfeytores
ousam
cometer mores pecados. (fyngymento damores feyto per Dyoguo brandam). 1
Pág. 44, tom.
III,
da edição da Imprensa da Universidade de Coimbra.
qA asíronomia dos Lusíadas
70
O
tix)CLidilho
de Camões é mais engenhoso, marcando
com
precisão
astronómica a situação geográfica de Portugal, que o poeta deixa definida logo
no segundo verso do imortal poema, que celebra As armas,
Que da
&
os barões assinalados,.
Occidental pray a Lusitana,
Por mares, nunca de antes nauegados, Passaram ainda alem da Taprobana.
:;
:
;
VII
o
I.
o dia. — A
zodíaco
sucessão do dia
da noite
e
foi
naturalmente o facto
astronómico que primeiro impressionou o homem.
Desponta o
sol
no
horizonte do oriente:
Mas assy como a Aurora marchetada, Os fermosos cabellos espalhou, No Ceo sereno, abrindo a roxa entrada.
Ao claro Hiperionio que acordou, Começa a embande.irar-se toda a armada,
E
de toldos alegres se adornou
sobe até ao meridiano, para descer
Vos poderoso
O
Sol logo
em
(I,
59)
seguida:
Rei, cujo alto Império,
em
nascendo, ve primeiro
Ve o também no meyo do Hemispherio,
E quando e
dece o deixa derradeiro
(I,
8)
desaparece no horizonte do ocidente, deixando a Terra envolta nas
sombras da
noite: Nisto Febo nas agoas encerrou,
Co
carro de Christal, o claro dia
Dando cargo aa Irmãa que alumiasse, O largo Mundo, em quanto repousasse
E
(I,
56).
a contemplação do maravilhoso espectáculo, que oferece o céu
estrelado
em
noites claras,
mostrou que também as estrelas se elevam
sobre o horizonte do lado oriental até à sua culminação no meridiano,
para descerern
em ...
A
seguida do lado ocidental:
&
as estrellas nitidas
que
sciern
repouso conuidão, quando caem (IV,
67).
:
dd astronomia dos Lusíadas
'J2
O
céu vai volvendo sem descanso; desfazem-se por fim as trevas
da noite, rompendo de novo a luz da madrugada: Mas ja o Geo inquieto reuoluendo, As gentes incitaua a seu trabalho,
E ja a mãy de Menon Ao sono longo punha
a luz trazendo,
certo atalho
Hiãose as sombras lentas desfazendo,
Sobre as
flores
Quando o
A
Da tempo:
partida da
terra,
ver a frota que no
sucessão do dia
—o
da
dia solar.
em
frio orualho,
Rei Milindano se embarcaua
e
mar estaua
(II,
92).
da noite resultou a primeira medida do
Cinco dias completos conta o poeta desde a
Angra de Santa Helena até à aparição do gigante AdaCabo Tormentório:
mastor, personificação do
Porem ja cinco Soes erão passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca doutrem nauegados. Prosperamente os ventos assoprando
:
Quando hua noite, estando descuidados Na cortadora proa vigiando, Hua nuuem, que os ares escurece Sobre nossas cabeças aparece (V,
Esta noite
do
Gama
vembro se lê
e
é
Sy).
novembro de
a de 21 para 22 de
1497.
A
armada
deixou a Angra de Santa Helena na quinta feira 16 de no-
dobrou o Cabo Tormentório no dia
22, quarta feira,
Gama em
no Roteiro da viagem de Vasco da
i4g'j,
como
2.* edição,
correcta por Herculano e Castello de Paiva, Lisboa, 1861, pag. 7:
((E
tanto que tevemos nosos navios aparelhados e linpos e lenha
tomada nos partimos desta
huuma
terra
que era xvi dias de novenbro,
nom
quinta feira pella
manham,
sabendo nós quanto éramos do
cabo de Boa Esperança, salvo Pêro d'Alanquer dizia que ao mais que
podiamos ser seriam
nam
que de noute pasara per
foram de larguo,
domde éramos. sueste, e ao
rança, e
virámos
em em
e
huum
ally
com
nam
vento
por estes respeitos
Pollo qual fomos
em
e
o porque se
elle
manham do cabo, e á popa, e isso mesmo á yda nom eram em conhecimento
dia pella
a volta
do mar com
sull
su-
sábado á tarde ouvemos vista do dito cabo da Boa Espeeste dia
a volta
mesmo virámos em da terra.
foram dezanove dias do mês de cabo, e
do cabo,
trinta legoas. a rree
afirmava era porque partira
o
E
a volta
do mar,
e de noute
manham, que novembro, fomos outra vez com o ao domingo pella
podemos dobrar porque o vento era susueste
e
o dito
Cap. VII
cabo
jaz nordeste sudueste, e
do mar,
e á
em
este dia
jS
mesmo virámos em a volta em a volta da terra. E
noute da segunda feira viemos
á quarta feira ao
com
— O :{odíaco
mêo
dia
pasámos
pello dito cabo ao longo da costa
vento á popa».
A
esta
passagem
faz
Herculano (pág. iSg) o comentário seguinte:
«Pelo computo deste Roteiro o cabo de Boa Esperança
foi
passado
novembro de 1497; pelo que se ha de emendar o que dizem Castanheda, Barros e Góes, que o fazem passado a 20. Quanto ao dia da semana concorda Castanheda com o nosso auctor,
pela
armada
a 22 de
dizendo que fora a
uma
quarta feira; mas a penúltima quarta
feira
de novembro de 1497 caiu a 22 do mez».
Relativamente à partida da Angra de Santa Helena, tanto Casta-
nheda {Historia do descobrimento da índia,
mião de Góes (Chronica de D. Manuel, a 16 de
A
i,
cap.
iii)
como Da-
parte, cap. xxxv) a
fazem
novembro.
narração do poeta concorda
Santa Helena* pletos
i.*
liv.
em
quando na
Tendo partido de o Roteiro. eram decorridos cinco dias com-
com
16 de novembro,
mostrou a figura colossal do
noite de 21 para 22 se
O Cabo começou a quando rompeu a madrugada do
Adamastor.
vêr-se
em
seguida, segundo o poeta»
dia 22:
Ia Phlegon, & Pyrois vinham tirando Cos outros dous o carro radiante,
Quando
Em
O gem
a terra alta se nos foy mostrando
que foy conuertido o gram gigante (V,
dia solar é definido pelo poeta
de
Mombaça para
em
II,
68,
61).
quando conta a
via-
Melinde:
Tinha húa volta dado o Sol ardente,
E noutra começaua, quando viram Ao longe dous nauios, brandamente Cos ventos nauegando, que respiram.
No
Roteiro da viagem de Vasco da
«Estevemos ainda a quarta
e
Gama em i4gj
lê-se, a
quinta feira depois de termos conhe-
cida a malicia e treyçam que estes perros quizeram pôr tra nós.
E
partimos pella
pág. 41:
manham
d'aly
com pouco
em
obra com-
vento, e viemos
1 É preciso não confundir com a Ilha de Santa Helena no Oceano Atlântico Angra de Santa Helena, situada na costa ocidental do continente de África.
qA asironomia dos Lusíadas
7^
Mombaça
pousar de
a julavemto de nós
poUo qual loguo arribámos contra
três legoas,
com
obra de oyto legoas junto
amanhecendo vimos dous barcos
E em
a terra.
em mar
obra de
pêra os avermos
elles
de tomar, porque desejávamos de aver pillotos que nos levasem onde
E
nós desejávamos.
dos ditos barcos
e
tomámollo,
mantimento
mouro honrrado que
e
huma moça, molher
hii
vinha.
todos se lançaram ao mar,
elles
outro se nos acolheo a terra, e na-
e
tomámos achámos dezasete homes
quelle que
milho
e
quando vêo a oras de vespora fomos com huum e
de
ouro
e
prata e muito
huum homem
E
tanto que nós
e
nós hos andámos tomando
com
bates».
O
velho,
chegámos junto com
episódio que o poeta
começa
a contar
na estância 68 teve logar
A
ao amanhecer do dia 14 de abril de 1498, sábado de Aleluia.
mada
os
'
ar-
surgiu a meia légua da vila de Melinde no dia seguinte, domingo
de Páscoa,
O
2.
como
mês.
se lê
na estância 72, de que adiante tratamos.
— A observação
do céu estrelado cedo levou à noção
da invariabilidade das figuras formadas pelas estrelas brilhantes.
Maravilhados contemplavam os
ram-se distinguindo as constelações.
homens o grande
Fo-
astro da noite que, errando através das constelações
kodiacais, ora se via logo após o sol poente reduzido a
arco prateado, ora
como um
o sol desaparecia no ocaso.
um
delgado
quando
disco circular surgindo no oriente
A
lua é pois
um
neta; e a observação das suas fases levou à
astro errante,
adopção de
um
pla-
uma medida
maior do tempo, o mês lunar ou lunação, base dos calendários lunares,
lua
como ainda
que estão
em
diz-se
Quando
mento da lua nova. diz-se
mahometano.
hoje é o calendário
teem a mesma longitude
que estão
em
Quando o
sol e a
conjunção; é o mo-
as suas longitudes diferem de
oposição; é o
junção e a oposição são as si^ígias.
momento da
lua cheia.
A
180% con-
Diz-se que o sol e a lua estão
em quadratura quando as suas longitudes diferem de 90^. Durante uma lunação há duas quadraturas separadas pelas sizígias: o quarto crescente, entre a conjunção e a oposição, e o quarto minguante, entre
o plenilúnio 12 horas e
Em estância
e
o novilúnio.
A
duração
duma
lunação é de 29 dias,
44 minutos.
lunações exprime Camões a duração do cerco de Lisboa na III,
59: Cinco vezes a Lua se escondera,
E
outras tantas mostrara cheio o rosto,
Quando
Ao
a Cidade entrada se rendera,
duro cerco que lhe estaua posto.
:
:
Cap. VII
— O ^odíaco
'75
Foy a batalha tam sanguina & fera^ Quanto obrigaua o firme prosuposto De vencedores ásperos, & ousados,
E
Na
de vencidos,
ja desesperailos.
Chronica delrey D. Affonso Henriques, por Duarte Galvão,
no cap. xxx da edição de Lisboa, 1726:
lê-se
«Durou ho cerquo perto de sinquo me^es,
Quando veyo em que hee ahos vinte
em
do Senhor
rijamente, e
e
dia dos Mártires S. Chrispino, e Chrispiniano,
sinquo dias do
mil cento quorenta
mez de Outubro, andado ha annos, foy a Cidade
e sette
era
muy
com grande determinação combatida,
Entrou-se principalmente por ha porta que ora chamão de Alfama, e
de hy pelas outras portas,
muito mais
fera,
e
depois de entrada foy dentro ha peleyja
quejanda soe antre hirados vencedores,
desesperados, peleyjando jáa hos
e vencidos,
Mouros com estremada desespera-
ção ....... por tanto foy tam grande ha mortindade delles,
ho conto dos que foram mortos, cuydar
quam pouquos
ha
e trazidos
ferro,
e
sobejo
que he escuzado
ficarão».
Esta passagem inspirou evidentemente a estância de que nos ocu-
pamos. lunares.
Note-se que o poeta não diz que se completaram cinco meses
Para
se
observarem cinco luas novas
basta que decorram quatro lunações
e
de cinco lunações incompletas, concorda pois
de cinco meses, marcada pelo cronista.
meses lunares, não porque
elle
e
cinco luas cheias
O
cômputo do poeta,
com
a duração á^ perto
meia.
Aqui o poeta empregou os
fosse investigar as luas do
1147, "^^^ porque estes meses, contados pelo
anno de
fenómeno bem
visível
das fases da lua, se prestam melhor às descrições.
Outro
é
porem o caso quando Camões, em V,
24, conta o
tempo
decorrido desde a saída da armada, de Lisboa, até que, pela primeira vez, foi avistada terra do continente africano na angra a que
o
nome de Santa Helena.
Como vamos
poseram
ver, o poeta exprime-se
com
admirável precisão, mostrando ter exacto conhecimento das luas do
ano de 1497.
A
armada partiu de Lisboa em 8 de da viagem de Vasco da Gama em i4g^, diz,
na pág.
julho de 1497.
a que
O
Roteiro
atrás nos referimos,
i
«Partimos de Restello
huum
sábado, que eram oyto dias do
mês
de julho da dita era de 1497, noso caminho, que Deus noso senhor leixe acabar em seu serviço, Amem».
:
qA astronomia dos Lusíadas
j6
Castanheda, Barros, Góes, Faria o
mesmo
cia
V,
2,
dia da partida
A
*.
Sousa unanimemente assinam
e
na estân-
esta data se refere o poeta
de que adiante trataremos.
Quanto
à
chegada à Angra de Santa Helena,
«Huuma
lê-se
no Roteiro, pág.
mês de novembro, que
quarta feira primeiro dia do
3
foy
Todos os Santos, achámos muitos signaees de terra, os quaees eram huuns golfãoos que naçem ao lomgo da costa. Aos quatro dias do dito mês, sábado ante manhan duas oras, achámos fundo de cemto e dez braças ao mais, e ás nove oras do dia dia de
ouvemos vista de terra,
emtam nos ajuntámos
e
capitam moor com muitas bandeiras
em
mesmo dia do mar, porém nom ouvemos
todos vistidos de festa, e terra na volta
A
este
Pêro d'Alanquer no
huuma grande
batell a
ssumdar
se
bombardas
bem
junto
conhecimento da
ouvemos
O
baya.
e
virámos
terça feira viemos na volta da terra e
terra baixa e que tinha
todos e salvámos o
estemdartes
e
vista
e
com
terra.
d'uuma
capitam moor mandou
achava
bom
pouso, pello qual
a achou muito boa e limpa e abrigada de todoUos vemtos, soomente de
noroeste e ella jaz leste e oeste, aa quall poseram
A quarta
feira
nome Santa EUena.
lançámos amquora na dita baya, onde estivemos oyto
dias alimpando os navios e corregendo as vellas e
A liv. I,
tomando lenha».
narração de Castanheda {Historia do descobrimento da índia, cap.
ii)
concorda com esta do Roteiro,
nica de D. Manuel, part.
novembro que avistaram Mas
ja
i,
Damião de Góes (Chrotambém diz que foi em 4 de Ouçamos agora o poeta:
cap. xxxv)
terra.
o Planeta que no ceo primeiro
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meyo Mostrara,
em
rosto, agora inteiro
quãto o mar cortaua a armada,
Quando da Etérea gauea Prompto coa
hum
marinheiro
vista, terra, terra,
brada
Salta no bordo aluoroçada a gente
Cos olhos no Orizonte do Oriente
(V, 24).
Esta estância é geralmente interpretada, entendendo-se que o poeta diz
que tinham decorrido cinco lunações, emquanto o
armada. até
mar
cortava a
colocar cinco meses lunares desde 8 de julho
;Mas como
4 de novembro?
1
Castanheda,
D. Manuel, part.
i,
liv.
i,
cap. 2; Barros, dec.
cap. 35
;
i,
liv. 4,
Faria e Sousa, Asia^ tom.
cap. 2; Góes, i,
nota de Herculano a esta passagem do Roteiro, pág. i33.
part.
i,
Chronica de
cap. 4.
Veja-se a
Cap. VII
É
— O ^odíaco
certo que João de Barros diz {Ásia, dec.
«E
liv.
i,
cap.
iv,
11):
tomou ante de chegar ao cabo de bóa Esque óra chama de Sãcta Helena, auedo cinquo
a primeira terra q
perança, foy a baya a
em
meses q era partido de Lyxbóa: onde sayo
&
77
terra por fazer
aguada
assy tomar a altura do sol».
Mas João de Barros não se refere a meses lunares. mada navegado nos meses de julho, agosto, setembro,
Tendo
a ar-
outubro
e no-
vembro, conta estes cinco meses, embora incompletos.
O
mede o
poeta, porem,
intervalo de
tempo decorrido desde
Lis-
mar
cor-
emquanto o
a Santa Helena, contando as fases da lua,
boa
Ora Camões tinha um conhecimento muito preciso, quer da viagem do Gama, quer da astronomia, para não cometer o
tava a armada.
erro de contar cinco meses lunares desde 8 de julho a 4 de novembro.
Note-se que o poeta se exprime 59, e
V,
dum modo
diferente nas estâncias
Enquanto no cerco de Lisboa
24.
III,
que a lua cinco ve-
diz
ses se escondera e outras tantas mostrara cheio o rosto,
agora diz
que a lua mostrara cinco vezes agora meio rosto, agora rosto inteiro.
Durante o cerco dos «muros Ulysseos» houvera cinco luas novas cinco luas cheias; durante a viagem do
(meio rosto) tes?
e
cinco luas cheias,
Pela ordem
agora inteiro,
—
em
i
Gama
Quartos crescentes ou minguan-
que o poeta conta as fases,
é claro
e
houvera cinco quartos
— agora meio rosto, ^
O
que se trata de quartos crescentes.
poeta
afirma pois que, desde a partida de Lisboa até à chegada a Santa Helena, cinco vezes a lua passou de quarto crescente a lua cheia. foi
precisamente
isto
o que sucedeu, como vamos
Ora
verificar.
O Almanach perpetimm de Abraham Zacuto, astrónomo de D. João II e
D. Manuel,
foi
em hebreu de
originalmente escrito
1473 a 1478, quando
o autor era ainda professor na Universidade de Salamanca.
ção latina
foi feita
membro da Junta em Leiria, em 1496
por José Vizinho,
A tradu-
dos MatemáExiste
um
exemplar desta edição na BibHoteca Nacional de Lisboa, do qual
re-
ticos, e
publicada pela primeira vez
Na
produzimos a página, que junto damos.
dade de Coimbra
existe a edição de
No Almanach perpetuum 1
Na
*.
Biblioteca da Universi-
Veneza de
i5o2.
de Zacuto encontram-se 3i tábuas de
última folha desta edição le-se
:
«Expl/ciunt tabwle tahulanim
astrorlo-»
mice Raby abraham Zacuti astronomi serenissimi Regis emanuel Rex portugalie cet cu canonibw5 traductis a linga ebrayca in latinu per
discipulum eiw5 actoris opera et arte
viri solertis
mediocri imprêsione cõplete existuwt felicibw5 circuitione 1496 sole existente in i5 g 53
m 35
astris 5
et
magistrum Joseph vizinum
magistri ortas curaqwe sua nõ
ano a pr/ma rerwm etherearwm
pisciuw sub eelo leyree».
1
qA astronomia dos Lusíadas
78
g^BIflcontuntiOKum zoppofitíonum 20
1496
19
«^27^1 iKCSkl IK89Í7I
menfeg
|M|fen]t5
K28|2[
\\6l0\()\
m m [
mátí^
I28I 2
12
34'
aprílÍQ ap2ílí9
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)
JlfTfF^
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íuní^
28
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11^
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9 24
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9 IL II
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i
fcbmar
j
febíuar
{1011
^1
I22
20 21 4^
liliLil |if 21I
Página do Aimanack perpetiium de Ábraham Zacuto, edição de Leiria, 1496^
com
«9
5eceB
^20
a
If 2»
40 Í2f
4f8
Ç54 2J
21
«7
fepte
fS
»7
0^
9^9
fept?
f
<í
ii
7
octoB 4
^7
S52 il
29
24
octoB
ÍO
10 22
29
aug9 21
iL
942
2Cf
16
I
2í
IÇ
8 52 ^ó
8
o çá
1
2|
9'
21
7
28
<;
20
mm
ap2ilt0
29 Ç9 40
I
[M|fen'[B
18
IS
to
2^
2Ò
\
29
o 32
2
149.7
IÇÇ^W \W0\7\ \\6l\W
menfes
|Í4lT
mai^
|
a tábua das conjunções e oposições da
Lua nos anos de
i4;6 e 1497.
Reprodução fotográfica do exemplar existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, nas dimensões do original.
i^
,
VII— O
Cap. conjunções e oposições do sol
e
da
lua,
^odíaco
79
que vão desde o anno de 1478
com os dados necessários para o cálculo das conjunções e em anos posteriores. A página, que reproduzimos, contêm
ao de i5o8, oposições
as tábuas 19 e 20, relativas aos anos de 1496 e 1497.
cada tabela tem cinco colunas
—
menses
estão indicados os
,
terminando
em
é,
Na
se vê,
—
primeira, intitulada
meses do ano, começando em março
as luas novas e as luas cheias, sendo os dias contados,
segundo o uso astronómico, de meio dia a meio
dia.
Na
terceira
coluna indicam-se os dias da semana (ítviae) pelos números desde
Na
domingo ao sábado.
a 7, de
e
Na segunda intitulada — dies — estão marem que teem lugar as conjunções e oposi-
fevereiro.
cados os dias dos meses ções, isto
verticais.
Como
quarta coluna lêem-se as horas
e
A
minutos, sendo as horas contadas de o a 24, desde o meio-dia. última coluna, de minutos, serve para cálculos de anos futuros.
1
As
linhas horizontais estão dispostas aos pares entre dois traços, sendo a superior relativa à conjunção e a inferior à oposição.
Da
tabela da direita, referente ao ano de 1497, extraímos o
se-.
guinte quadro, que mostra as fases da lua durante o trajecto da ar-
mada, desde Lisboa
até à
Angra de Santa Helena: Ânno de 1497
Meses
Dias
Dias da semana
do mês
„
Horas
e
minutos
„„—
Luas
Junho
29
quinta-feira
1%^
22"
lua nova
Julho
i3
quinta-feira
21
40
lua cheia
Julho
29
56
lua
12
sábado sábado
I
Agosto
12
33
lua cheia
Agosto Setembro
27
domingo
9
II
segunda-feira
4
29 58
lua cheia
Setembro Outubro
2.5
segunda- feira
í7
44
lua
IO
terça-feira
22
14
lua cheia
Outubro
25
quarta- feira
3
5i
9
quinta-feira
i5
9
Novembro
Vê-se assim que
foi
lua
lua
lua
nova
nova
nova
nova
lua cheia
nova no dia 29 de junho às 18 horas
22 minutos (tempo astronómico) ou às 6 horas e 22 minutos da
do dia 3o (tempo
civil); e foi
e
manhã
lua cheia no dia i3 de julho às 21 horas
So
qA astronomia dos Lusíadas
40 minutos (tempo astronómico) ou às 9 horas e 40 minutos do dia O quarto crescente foi então no dia 7 pela manhã. 14 (tempo civil).
e
Quando
pois a
armada
em
partiu do Tejo
8 de julho, tinha sido quarto
passagem de meio famosa viagem do Gama.
crescente na véspera; a lua ia portanto na
para rosto inteiro quando começou a
Pela segunda vez mostrou a lua inteiro o rosto
em
pela terceira vez e
de setembro, pela quarta
11
finalrrente pela quinta vez
em
em
já
regendo as vellas
tomando lenha».
e
em 12 de agosto, em 10 de outubro
9 de novembro, quando os nossos
argonautas estavam
Santa Helena, «alimpando os navios
A
Vê-se que o quarto crescente
tubro.
rosto
lua nova fora
em
26 de ou-
na manhã do dia
foi
e cor-
2
de no-
Quando pois os nossos marinheiros avistaram terra, pelas 9 horas da manhã do dia 4 de novembro, mostrara a lua, dois dias
vembro.
antes,
meio
indo na transição para rosto inteiro, pela quinta
rosto,
mar cortava a armada. Camões conhecia com certeza o livro de Zacuto, que devia ser famoso ainda no seu tempo. Percorrendo as tábuas do lunário, chavez, emqiianto o
mou-lhe naturalmente a atenção a tábua relativa ao ano de 1497. Camões, contando o tempo pelas fases da lua, regista um facto astro-
nómico rigorosamente verdadeiro, como acabamos de mostrar. Na estância 24 do canto V temos pois, mais uma vez, ocasião de admirar o poeta, sábio e artista, unia à beleza e concisão da forma a
como
exactidão scientífica.
O
3.
ano.
nomia que
— Foi
ainda no período puramente popular da astro-
observou que, como a
se
Marte, Júpiter
Merciário
estrela da manhã
ceu-se depois que
Mercúrio, Vénus trela
da manhã,
Na
como
Saturno, se deslocavam por entre as constelações
e
também
das estrelas fixas, sendo
ou planetas.
lua, outras estrelas, tais
e
começou por
estrelas erráticas
nomes: Apolo, quando
ter dois
Mercúrio, quando estrela da tarde.
Apolo
e
Mercúrio eram o
teve entre os gregos dois e
como
classificadas
mesmo
Reconhe-
planeta.
Como
nomes: Fósforo, como
es-
Héspero, como estrela da tarde.
descrição da batalha do Salado aparece-nos Vénus
trela da tarde (Vespero)
em
III,
ii5:
Ia se hia o Sol ardente recolhendo,
Pêra a casa de Thetis,
&
inclinado
Pêra o Ponente, o vespero trazendo,
Estaua o claro día memorado,
Quãdo o poder do Mauro grande
&
horredo
Foi pelos fortes Reis desbaratado,
Com
tanta mortindade, que a memoria,
Nunca no mundo
vio
tam gram
victoria.
como
es-
:
:
— O \odíaco
Cap. VII
8i
Dizendo que o claro dia memorado estava inclinado para o poente, trazendo o véspero, não quer o poeta significar que, no dia 3o de ou-
O
tubro de 1340, Vénus fora realmente estrela da tarde.
vem sr.
aqui
como símbolo da
tarde; há nesta estância,
véspero
como observa o
Dr. José Maria Rodrigues no seu notabilíssimo estudo Fontes dos
Lusíadas
*,
Pina
116):
(fl.
«E
tam prospero deu deos aos
este dia
da sua
da Crónica de D. Afonso IV, de Rui de
visível influência
em
fee,
cristaãos contra os jmigos
que tanta multidã delles foy
em
desbaratada como foy da óra da terça
em tam pouco
espaço
que começaram a pellejar
atee véspera que durou a batalha».
Como a
da manhã aparece Vénus ao romper do dia
estrela
armada chega enfim
em
que
à vista da tão desejada terra da índia, depois
da noite procelosa, quando a deusa determina abrandar por amores as iras e os furores dos ventos, mostrando-lhes as ninfas belas, «que
mais formosas vinham que as estrelas» Mas
ja a
amorosa
strela scintilaua
Diante do Sol claro, no Orizonte
Mensageira do
A A
&
terra,
dia,
&
visitaua
o largo mar,
com
De quem foge o
ensifero Orionte,
Tanto que o mar,
«Sc
a chara
Tocada junto foy de medo,
O
também
sol foi
leda fronte
deusa, que nos ceos a governaua.
classificado
armada
&
como
vira,
de ira (VI, 85).
estrela errática,
A
a conta dos sete planetas conhecidos dos antigos.
movimento próprio do trelas, exigiu
um
sol,
que se não vê ao
completando
descoberta do
mesmo tempo que
maior esforço de reflexão.
Observando
as es-
a constela-
ção que segue imediatamente o sol no seu ocaso ou a que o precede
no seu nascimento, concluiu-se que estas constelações não são sempre as
mesmas.
do
sol,
Assim, se o ocaso da constelação de Aries se segue ao
passado tempo esta constelação desaparece nos raios solares
e é a constelação
poente.
O
sol
do Toiro que passa depois a brilhar sobre o
apaga com a sua
está entre a que o precede
luz as estrelas
no seu nascimento
e a
sol
da constelação que
que o segue no seu
ocaso; e verificou-se assim que ele vai percorrendo sucessivamente, de ocidente para oriente, as constelações
a que se deu o
nome de
\odiaco.
A
duma zona da
esfera estrelada
sequência das observações levou
à descoberta da eclitica, círculo do movimento próprio do
1
O Instituto,
vol. Liv, pág. 3o6.
sol, e
com
:
?A ãslronomia dos Lusíadas
Í2
uma nova
o período deste movimento estabeleceu-se
—o
unidade de tempo:
ano.
O dias e
ano, período do curso próprio do
um
cuja duração é de 365
sol,
quarto aproximadamente, é definido pelo poeta
em
V,
2:
Entraua neste tempo o eterno lume,
No
E
Na
Nemeyo truculento, mundo que com tempo se consume
animal
o
andaua enfermo
seista idade
N'ella ve,
como
&
lento
tinha por costume,
Cuj^sos do sol quatorze vezes cento,
Com
A
&
mais nouenta
Quando no mar sexta idade começava
a
com
em que
sete,
armada
corria
se estendia.
o nascimento de Cristo.
Corria pois
o ano de 1497 da era de Cristo, quando a armada partiu do Tejo.
A
mundo pode
explicação das idades do
lêr-se
Transcrevemos da
o reportório de los tieinpos de Jerónimo Chaves.
edição de Lisboa, 1576,
fl.
De
na Chronographia
38:
Ias
edades dei mundo. Título J2.
«Toda
la
vniuersal duracion dei
mudo
Padres en seys interuallos de tiempo,
mundo.
Y
fue diuisa por los antiguos
Edades
a quien llamaron las
dei
esta diuisiõ fue assi hecha cõforme a los seys dias en que
fue criado el
mundo, y
esta es la
cõmun
diuision de Eusébio,
y de
En el tiêpo y duracion de cada vna destas edades ay tan gran diferencia y confusion entre los historiadores, que
todos los historiadores.
no se ha podido tomar certidumbre de su numeracion.
y dos Interpretes, que traduxeron
me
estas dos opiniones
ay dos prin-
^'nos siguen a los Hebreos, y otros a los se-
cipales parcialidades,
tenta
Y
parescio collegir
el viejo el
testamento: y segun
tiempo de estas edades, y Porque con mayor fa-
hazer de cada una delias Catalogo particular. cilidad las
Em
pueda entender
el lector».
resumo, a primeira idade, comparada à infância do homem,
vai desde a origem do
idade, que foi
como
mundo
a puerícia
até ao dilúvio universal.
A
segunda
do género humano, vai desde o dilúvio
Abrahão.
A
comparada à adoA quarta idade, que é compalescência do homem, vai até David. rada à juventude do homem, vai desde o rei David até à transmigraaté ao nascimento de
ção de Babilónia.
A
terceira idade,
quinta idade, que
vai até ao nascimento de Cristo.
A
foi
como
a velhice
do homem,
sexta idade e última vai desde
o nascimento de Cristo até ao último dia, o dia do juízo
final.
Isto
'
Cap, VII
— O lodiaco
83
mesmo se lê no Reportório dos tempos de André do Avelar, em grande parte, tradução do livro de Jerónimo Chaves.
O que
mundo, que com o tempo
é a última, vai
enfermo
O
numa
é,
consome, andando na sexta idade,
Por
velhice adiantada.
isso o poeta o
acha
e lento.
ano
é
também .
.
.
em
em
definido
O
tempo.
X, 86:
quanto Phebo, de luz nunca escasso
Dozentos cursos
4.
se
que
faz,
da
— A descoberta
um
elle
passo.
do movimento próprio do
sol levou
à distinção entre o dia solar e o dia sideral, determinado por duas
passagens sucessivas
maior que o sideral si.
O
duma
no meridiano.
estrela fixa
O
dia solar é
verdadeiros não são iguais entre
e os dias solares
dia sideral, que para nós é o
tempo duma rotação completa
da Terra, era ainda no século xvi o tempo duma rotação do primeiro
O
móbil, a esfera impulsora do movimento diurno.
dia sideral, pe-
ríodo constante, é a unidade natural do tempo.
No Título
3.*^
— Del Tiempo — da Chronographia de Jerónimo Cha-
ves, que atrás citámos, lê-se
2):
(fl.
.
El tiépo ser vn cierto numero y medida dei mouimiento dei primer móbil, considerando en el partes primeras y «... Aristóteles dize
postrimeras.
Y
.
.
:
/
porq entre todos
los
mouimiêtos de
los
cuerpos celestiales,
mouimiento dei Sol era mas notório y comum a todos los vulgares, semejantemente el mouimiento de la Luna: por esta causa la gente y vulgar midio los tiempos cõ estos dos mouimiêtos. Y vnos seguierõ el
el
mouimiêto de
mayor
Luna, y
Y
entendieron cielo,
el
tales
Árabes: y ai principio la Déspues otros siguieron el mo-
tales fuerÕ los
parte de todas las naciones.
uimiêto dei Sol.
primer
la
fueron los Romanos.
tiempo por
el
o primer móbil:
Solos los Philosophos
numero y medida el
dei
mouimiento dei
qual es causa dei mouimiento diurno
y cotidiano, y tambien por ser mas regulatissimo que todos Cielos y Spheras celestes».
É
este
modo
los otros
de entender o tempo, medindo-o pelo movimento do
em
primeiro móbil, que se encontra
III, 22,
quando o poeta
a Lusitânia se tornou Reino ilustre no decorrer do tempo: Desta o Pastor nasceo, que no seu Se vè, que de
homem
Cuja fama, ninguém Pois a grande de
nome
forte os feitos teue,
vira
que dome,
Roma nam
se atreue;
diz
que
^ asironomia dos Lusíadas
84
Esta, o velho que os filhos próprios come,
Por decreto, do Geo
Veo
a fazer
Criando a Reino
No duz
leue,
&
illustre,
foi
desta arte.
quinto verso introduz o poeta o mito do tempo que tudo pro-
tudo consome,
e
&
ligeiro,
no mundo tanta parte,
&
ligeiro,
— «o velho que os
do verso seguinte
leue»
vimos (págs. 26
e 67),
é
com
é definido
filhos
O
próprios come».
o primeiro móbil, que,
mesmos
os
«Geo
como
já
adjectivos no final
da estância 85 do canto X: Outro corre tam leue
Que não
No
&
tam
ligeiro.
he o Mobile primeiro.
se enxerga,
em lingoage Português por Valetim
(íReportorío dos tepos
fer-
nãdez alemã», que parece ter sido o primeiro dos Reportórios publicados
em
Transcrevemos
português, começa-se por definir o tempo.
do exemplar existente na Biblioteca de Évora, que julgamos ser a edição de 1628
Começa
se
*:
ho reportório
&
em
primeyramete do tempo
geeral
&
que cousa he
«Em bessem
aquelle
& muy
tempo rudo
Por
cota certa algúa: andaua todo entre elles confuso.
creve Aurélio macrobio: nÕ auia entã tempos algús. '
ai se
colhe
nom húa
&
E
alcança.
enxertar por
uarom no
nem
ordem de
agricultura
os antijgos muyto:
pranetas se
fizer
Ao exemplar
&
es-
têpo nó he
em
vêem 528.
|
semear
|
com tempo & numero.
colher
|
&
Certo lou-
&
padre
seu próprio lugar: quãdo dos signos
mençã».
com
Tivemos ocasião de comparar
a edição de i552, existente na Biblioteca Nacional de
as tábuas
do lunário para os anos de i55o a 1600; no exemplar
de Évora vêem estas tábuas para os anos de i528 a i55o. 1
como
de Évora faltam as últimas páginas, que estão substituídas por
o exemplar de Évora
pois ser a de
Ca
hõrrarom no como a deus
páginas manuscritas, copiadas da edição de i552.
Lisboa; nesta
isso
por quanto chegando hay Saturno a regnar por
do tempo: mais largamente
1
ytalia so-
conta ou medida certa que do contino rodeo do ceo se
sua industria alcançou a gente noticia de laurar
&
em
rústico antes que
as getes por ordé semear ne colher: nõ tedo dimensiô
O
A
edição de Évora deve
Reportório dos têpos de Valentim Fernandes é traduzido do
castelhano e dedicado a António Garneyro,
sumo
secretário do rei D. Manuel.
uma edição, em Lisboa em
Do
Repertório de tiêpo original existe na Biblioteca de Évora
corrigida por
Sancho de Salaya, catedrático de Salamanca, publicada
1543.
dução de Valentim Fernandes saragoçano.
é feita
duma
A tra-
edição anterior, devida a André de Ly,
Cap. VII
E
elle
adiante,
quando
— O ^odíaco
do sétimo céu
se trata
85 de Saturno, lê-se:
e
«Outros disserÕ q saturno qz/er tãto dizer como semeador: que foy primeyro q ensinou a semear laurar & prãtar em ytalia: &
por ysso o pintarÕ c5 a fosse na
mão
todas as cousas q o tepo produze
hÕrrarÕ por
áeiis
&
comedo
mesmo
stus filhos: porqwe
as
cÕsume:
&
assi o
dos têpos: he praneta masculino».
Camões conhecia com Fernandes.
elle
certeza o Reportório dos tempos de Valentim
Parece-nos evidente a influência do trecho da definição
do tempo, que transcrevemos, na estância que estamos analisando.
No é
quinto verso está o tempo personificado
porem marcado
em
O
Saturno.
tempo
pelo movimento do primeiro móbil, o céu ligeiro e
leve do verso seguinte.
A
frase contino rodeo
do ceo faz lembrar o
verso:
O
ceo volubil
com perpetua
roda,
que define o primeiro móbil na estância VII, 6o.
Do
livro
do professor Mach, cujo nome
citámos, Conferências scientíjicas populares
já
noutro lugar (pág. 62)
*,
traduzimos
da conferência intitulada — Natureza económica cas
—
,
por nos parecer
um
um
trecho
das investigações
físi-
interessante comentário à estância que nos
ocupa:
«Todas as
leis
e conceitos físicos são indicações abreviadas,
que
muitas vezes contêm implícitas ainda outras indicações, a respeito de experiências economicamente ordenadas e prontas para uso.
vidade pode dar a enuncia
dum modo
tais indicações,
A
bre-
cujo conteúdo só raras vezes se
completo, a aparência de entidades independentes.
Não queremos naturalmente ocupar-nos aqui dos mitos poéticos como Lembraé, por exemplo, o do Tempo que tudo gera e tudo devora. fala dum Tempo absoluto, indepenbem como dum Espaço absoluto, con-
remos apenas que Newton ainda dente de todos os fenómenos ceitos
acima dos quais o próprio Kant não poude elevar-se,
ainda hoje são, de vez
gador da Natureza
é
em
quando, repetidos a
sério.
Para o
e
quô
investi-
Tempo apenas a indicação dum fenómeno de outro, e nada mais. aceleração dum corpo caindo livremente é de
cada determinação de
abreviada da dependência
Quando dizemos que
a
9™,8io por segundo, quer isto dizer que a velocidade para o centro
*
E. Mach, Popular wissenschaftliche Vorlesungen, Leipzig, 1910.
S6
qA astronomia dos Lusíadas
da Terra aumentou de (V",8io enquanto a Terra executou mais da sua rotação
o que, por sua vez, só pode reconhecer-se pela sua
*,
posição relativamente a outros corpos celestes.
também senão uma
Em
Terra.
fenómenos
Como
a
^—
A
relação da posição do corpo
velocidade não é
com
a posição da
vez de os referirmos à Terra, podemos referir todos os
um
existe
mesmo
relógio ou
uma
à nossa sensação interna
do Tempo.
correlação entre todos os fenómenos, e cada
pode servir para medida dos restantes, facilmente
se origina o erro
Tempo, independentemente dos
de se atribuir significação ao
um
fenó-
menos».
Se Camões reproduz o mito poético do tempo como entidade inde-
num
pendente, o que é natural
homem
de grande saber que
poeta, logo no verso seguinte,
também
foi,
como
noção rigorosa
se reporta à
do tempo, referindo o intervalo que vai desde Viriato a D. Afonso
Henriques ao movimento de rotação do primeiro móbil, a que hoje corresponde o movimento de rotação da Terra, satisfazendo assim os filósofos antigos,
As
5.
horas.
como
—O
Ia neste
Que
Aristóteles, e os futuros,
em
dia divide-se
como Mach.
horas:
tempo o lúcido Planeta,
vay do dia distinguindo, Chegaua aa desejada, & lenta Meta,
A
No século bém relógios
as horas
luz celeste aa gentes encobrindo
XVI usavam-se no
mar
(II,
i).
os relógios de sol
Havia tam-
^.
de areia para marcar as divisões dos quartos de vigia,
a que o poeta se refere
O
em
Capitam
De
6o:
II,
illustre, ja
cansado,
que arreceia,
vigiar a noite
Breue repouso entam aos olhos daua,
A
1
O
2
Os
dia
outra gente a quartos vigiaua.
tem 86400 (24X60X60) segundos.
defeitos destes rológios são apontados por D. João de Castro
no Roteiro
de Lisboa a Goa, Lisboa, 1882, pág. i83: «... não considerando como os Relógios por onde se regem são feitos em differentes Regiões, e cada hum serue á leuação
do pollo do lugar donde he
meo
feito,
o que
dia; porque, vereíicando as oras
fazião
meo
dia, e
o terceiro
11
oras
C)je
muy conhecidamente
se
mostrou ao
por quatro Relógios, achei que dous delles
—
,
e
o quarto
1
1
me
oras —: alem disto faz mintir
muitas vezes muito os taes Relógios o variar de suas agulhas, porque,
como quer
que são ceuadas com differentes pedras, e os mesmos ferrinhos seião mais aceiros huns que outros, faz que variem ou nordesteem huns muy dififerente dos outros, e
daquy vem mostrarem o lugar de meo
dia
com
tanta falsidade:
.
.
.».
Cap. VII
Cada quarto de
O
hora.
— O lodíaco
Sj
vigia durava oito relógios ou ampulhetas de
primeiro quarto de vigia da noite era o quarto da prima;
o segundo o da modorra;
e
o terceiro o quarto da alva.
Dom Joam de Castro, da viagem que fi\eram mar Roxo no anno de i54i, Paris, i833, lê-se:
Roteiro de ses
ao
meia
Assim no
os portugue-
«De noute, toda a noute foi o vento Nordeste gallerno: o quarto da Prima gouernamos Alloeste, q o da modorra, Alloeste quarta de Noroeste: Mas o quarto dalua gouernamos todo Alloeste» (pág. 26). «De noute
foi
o vento oeste bonança: toda a noute corremos, ate
o quarto
da prima rendido, com
grande.
A
.8.
as vellas de proa, e vellas da gauia
hiium rellogio do quarto da modorra,
tomamos fundo em
com
todallas vellas: go-
braças, e deshi ate amanhecer, corremos
uernamos sempre
leste,
quarta de sueste» (pág. 271).
da prima em VI,
Assiste-se ao render do quarto
Em
quanto este conselho
No fundo
Com
38:
se fazia
aquoso,- a leda, lassa Frota
vento sossegado proseguia
Pello tranquillo mar, a longa rota:
Era no tempo quando
Do Eoo Emisperio
a luz do dia
está remota,
Os do quarto da prima
se deitauão
Pêra o segundo os outros despertauão.
O tifica
segundo quarto
é
o da modorra, cuja denominação o poeta jus-
na descrição que faz na estância imediata: Vencidos
vem do
sono,
&
mal despertos
Bocijando a miude se encostauam, Pellas antenas, todos
mal cubertos,
Contra os agudos ares que assoprauam:
Os olhos contra seu querer abertos Mas estregando os membros estirauam; Remédios contra o sonno buscar querem, Historias contão, casos mil referem.
Para resistirem à modorra que os acomete, conta então Veloso aos companheiros a história dos Doze de Inglaterra. 6.
Os signos do ^odiaco.
é descrito pelo poeta
Bem Co
— Como
já
vimos (pág.
61), o zodíaco
na segunda parte da estância X, 87:
ves
como
se veste
&
faz
ornado
largo cinto douro, que estrellantes
Animais doze
traz afigurados.
Aposentos de Phebo limitados.
:
88
qA astronomia dos Lusíadas
O se
zodíaco, zona celeste de 12^ graus de largura, dentro da qual
observam os movimentos dos planetas,
como
No
sabido.
é
Signo n5
«
E
do soL
doze signos,
doze signos
&
q quer dizer signos:
cousa se no casas ou moradas
he de presuponer q todos os doze signos do zodiaco
assi
em
— Dos
q?/er dizer outra
se referem aa natureza
quãdo esta
em
Reportório dos tempos de Valentim Fernandes
no capíailo intitulado
lê-se,
é dividido
Ca segundo o efecto q ho sol faz daquelles doze tal nome poserom os astró-
do
cada casa
sol.
logos ao signo que nos mostra aquella casa atribuyda
&
dente aa condiçam de aquelle animal por a qual se figura
mos
por ordé
O
sol,
em
Por
sol.
como
vere-
cada hu dos signos».
percorrendo a
cessivamente cada
correspon-
um
eclíptica, linha
dos signos que se
chama
isso o poeta lhes
média do zodíaco, ocupa
chamavam também
((Aposentos de
Phebo
su-
casas do
limitados».
São limitados à extensão de 3o graus cada um, perfazendo os doze Junto damos um quadro os 36o graus da volta inteira do zodíaco.
com os seus nomes, latino e português, os símbolos com que se designam, as figuras correspondentes aos seus nomes como se vêem na Chronographia de Jerónimo Chaves, e os graus de longitude em que cada um começa. Os nomes dos signos são os mesmos das constelações zodiacais, os doze estrellantes animais afiguraFoi no tempo de Hiparco que os signos tomaram o nome das dos. dos doze signos
constelações que os ocupavam. cios,
Por causa da precessão dos equinó-
à razão de 5o", 2 por ano, os signos foram-se deslocando para
ocidente sobre as constelações, estando hoje o signo de Aries sobre a constelação dos Peixes.
Os cada
Reportórios do século xvi trazem a descrição minuciosa de
um
dos signos
com
a astrologia respectiva.
relativos aos signos,
pítulos,
Percorrendo os ca-
do Reportório de Valentim Fernandes,
pode-se formar o seguinte quadro das datas das entradas do sol nos signos Aries
11
de março
Libra
Taurus Gemini Câncer
11
de abril
Scorpius
12
de maio
Sagittarius
i3
de novembro
12
de dezembro
1 1
de janeiro
10 de fevereiro.
.
......
Leo
14 de julho
Gapricornus Aquarius
Virgo
14 de agosto
Pisces.
Os
i2 de
junho
14 de setembro 14 de outubro
quatro signos de Aries, Câncer, Libra e Capricornus eram
chamados os quatros signos
marca o
cardeais, porque a entrada do sol neles
princípio das estações.
1
— O ^odíaco
Cap, VII
8g
Aries
Taurus
Gemini
Câncer
Leo
Virgo
\.yjjií
^/
^
^
900
120"
Cancro ou Caranguejo
Lião
Libra
Scorpius t
^
—
Sagiítariíis
:
240"
Scorpião
Sagitário
Capricornus
Aqiiarius
Pisoes
Capricórnio
Aquário
Peixes
33o«
Os signos de
As
figuras são reproduzidas da
zodíaco.
Chronographia de Hieronymo Ghaqes, Lisboa,
i576,tfl. 161
•
:
di astronomia dos Lusíadas
gif
No
Reportório de Avelar, impresso pela primeira vez
em
i585,
«conforme à noua reformação do sancto Padre Gregório XIII», encontra-se
(^ti.
entrada
87, v.) a tábua da entrada do sol nos doze signos, sendo a
em
Aries a 21 de março,
causa dos dez dias suprimidos
Camões exprime
a
em
em Taurus
a 21 de abril, etc,
i582.
em
época do ano,
que tiveram lugar alguns
dos acontecimentos que descreve, pela posição do sol na eclíptica,
dicando o signo.
Assim
a batalha
por
de Aljubarrota coincidiu
com
in-
a en-
trada do sol no signo da ^'irgem:
Respondem
trombetas mensageiras.
as
Pífaros sibilantes, &. atambores
Alferezes volteam as bandeiras
Que
variadas
sam de muitas cores
Era no seco. tempo, que nas
eiras
Ceres o fructo deixa aos lauradores, Entra
em
Astrea o SoL no mez de Agosto,
Baco das vuas
Como
se
tira o
vé da tabela, o
sol
agosto, e a batalha teve lugar
Xa
doce mosto \l\\
entrava no signo da
em
Virgem
a 14 de
14 de agosto de i385.
descrição dos signos da Chrono^jraplua de Jerónimo Chaves,
indica-se não so a entrada no signo é,
27).
na constelação do
mesmo nome.
como
entrada na imagein, isto
a
que tem lugar mais tarde, porque
as constelações são deslocadas para oriente, relativamente aos signos,
Lê-se na Chronographia
pela precessão dos equinócios.
[^. 85):
comunmente a los quatorze de imagen ai íin de Agosto».
(vEntra el sol en el signo de Virgo
Agosto, comiença a entrar en
O
la
poeta refere-se sempre aos signos
e
não às constelações.
A
posição do sol na eclitica indicava-se pela sua longitude expressa no signo, e nos graus e minutos
de que
em
do signo
Também nas
^.
seguida nos vamos ocupar,
pelo animal correspondente ao seu nome.
A
data da batalha de Aliubarrota
e
três estancias,
o signo que o poeta designa
é
e
não a constelação.
não so determinada astronó-
micamente, mas relacionada também com factos agrícolas, o que dá aquela estancia
^
A
um
certo sabor de almanach.
transcrição, que
numa
Xo
calendário do Re-
nota anterior fizemos, da última folha do Almanach
perpetuum de Zacuto termina assim: «... 1490 sole existente in i3 g 53 m 35 s pisciuw sub ceio leyree». Terminou-se a impressão do Almanach estando o sol
em
i5»53'35" do signo dos Peixes
140Ó,
como
se
pode
no ano de
14QÕ, isto
e,
verificar nas próprias tábuas de Zacuto.
em
25 de fevereiro de
:
Cap. VII
— O :{odíaco
gi
portorio de Valentim Fernandes há no cimo de cada página dos meses dois versos alusivos aos factos característicos de cada
O
respondente gravura.
Yo
soy
julio
Porq de pa:
O
mês de :
um, com
a cor-
julho diz:
q trillo las eras inchan paneras.
el
se
de agosto:
Yo soy
O
agosto; q
&
Pipas
ç\uavios
:
amano
las cubas.
pêra. el
çumo
de
las vuas.
de setembro:
Yo soy setiebro q de maduras vuas Ago buê vino: hinchêdo las cubas. :
O
poeta indica os dois acontecimentos agrícolas entre os quais
teve logar a batalha: o
Em lugar
II,
em
72,
malhar do
trigo nas eiras e as vindimas.
marca o poeta o dia da chegada a Melinde, que teve domingo de Páscoa, como já dissemos:
i5 de abril de 1498,
Era no tempo alegre quando entraua, de Europa a luz Febea,
No roubador
Quando hum,
E
&
o outro corno lhe aquetaua,
Flora derramaua o de Almathea:
A memoria do dia renouaua, O presuroso Sol, que o Geo rodea,
Em O
que aquelle,
sello
Era quando o
sol
a
quem tudo
pos a quanto tinha
está sogeito,
feito.
começava a percorrer o signo do Touro, onde
estava havia apenas quatro dias, pois entrara nele a
em
no tempo alegre cornucópia.
No
que Flora, deusa das
Yo
Em V,
2, diz
de
abril.
Era
abril:
soy abril: de dulce dormin
Agrada
em
1 1
derramava a sua
Reportório de Valentim Fernandes deíine-se assim,
no calendário, o mês de
foi
flores,
flores hojas:
y aues oyr.
o poeta a época da partida da
8 de julho de 1497.
Nos
armada do Tejo, que
dois primeiros versos indica o mês:
Entraua neste tempo o eterno lume,
No animal Nemeyo
Entraua quer aqui do Lião
quadro
ia ter lugar
atrás.
truculento.
dizer ia entrar.
A
entrada do sol no signo
poucos dias depois, a 14 de
julho,
como
se vê
no
:
g2
cá astronomia dos Lusíadas
,
Andava o
no signo dos Peixes quando a armada, tendo deixado
sol
o rio dos Bons Sinais,
ia a
Emquanto
caminho de Moçambique:
isto se passa,
na fermosa
Casa Etérea do Olimpo omnipotente, Gortaua o mar a gente belicosa; Ia la da
& do Oriente, & a famosa & o Sol ardente
banda do Austro,
Entre a costa Ethiopica,
sam Lourenço, Queimaua entam os Deoses, que Tifêo
Ilha de
Co temor grande em
O
sol
de março,
1 1
belicosa cortava o
sol
em que passava para
mar desde 24 de
çambique, que avistaram
em
i
o
.
no signo dos Peixes.
e
.
Boons Signaees
D 'aquy
Mo-
Esteve durante este trajecto
Transcrevemos a passagem corres-
Gama em i4gj
(pág. 22):
Rrafaell, e isto porque elle o levava, e ao rrio dos
*.
nos partimos
do mês de fevereiro
em
A gente
o de Aries.
aquy posemos huum padram, ao quall poseram nome
padram de Sam
seguinte
42).
fevereiro e ia chegar à Ilha de
de março.
pondente do Roteiro da viagem de Vasco da «
(I,
entrava no signo dos Peixes a 10 de fevereiro e levava a per-
corrê-lo até
sempre o
peixes conuerteo
leste
ciosa de vista.
e
huum sábado que eram
vinte e quatro dias
fomos aquelle dia na volta do mar,
e a
noute
por nos arredarmos da costa a quall era muito gra-
E
ao domingo fomos ao nordeste,
em
oras de vespora vimos estar três ylhas
o
mar
e
quando vêo a eram pequenas,
e
sam de grandes arvoredos e a outra he calva e pequena mais que as outras, e de huuma aa outra averá quatro legoas, e porque era noute vyrámos na volta do mar e de noute pasámos por ellas. e
as duas
E
ao outro dia fomos noso caminho,
porque ás noutes pairávamos.
e
andámos
E huuma
seis dias pello
meiro dia do mês de março, á tarde ouvemos vista das ylhas que se ao diante segue.
mar
e
E
pairámos até pella manham.
E emtam
Gompare-se com V, 78 Muy grandemente aqui nos alegramos Coa gente, & com as nouas muito mais. Pellos sinais que neste rio
achamos
O nome ihe ficou dos bós sinais: Hum padrão nesta terra aleuantamos, Que para
asinalar lugares tais
Trazia alguns, o nome tem do bello
Guiador de Tobias
e terra
porque era tarde virámos na volta do
terra syguinte».
1
maar,
quinta feira, que foy o pri-
a Gabello.
viemos emtrar
em
a
—
Cap. Vil
— O :{odiaco
Esta terra era a Ilha de Moçambique.
Bons Signais ção
até
Gama
pelo
feita
Moçambique
:
A
g3 viagem desde o
novo descrita
é de
em
rio
dos
V, 84 na narra-
ao rei de Melinde:
Assi que deste porto nos partimos
Com mayor esperança & mór tristeza, E pela costa abaixo o mar abrimos Buscando algum
sinal
de mais firmeza
Na dura Moçambique emfim surgimos, De cuja falsidade & má vileza Ia serás sabedor,
&
dos enganos
Dos pouos de Mombaça pouco humanos.
7.
e a
As
— A divisão
cinco \onas.
da esfera celeste nas cinco zonas
correspondente divisão do globo terrestre acham-se descritas no
Tratado da Sphera de Pedro Nunes na parte do capítulo título Dos quatro círculos menores :
que tem
11
—
por
«Poys que
ja
falamos dos seys círculos mayores diremos agora,
dos quatro menores.
Auemos
de notar que estando o sol no primeiro
põto de cancro que he ho solsticio do estio: pello mouímento do pri-
hum
meiro mobile: faz
círculo que he
ho derradeiro que ho
sol faz
& chamase circulo do solsticio estiual pella razam chamase também trópico estiual: & veo este nome de tropos que quer dizer volta: porque entam começa ho sol a fazer da parte do norte: sobredita:
&
volta pêra o hemispherio
tando cio
também ho
sol
&
começase apartar de nos.
no primeiro ponto de Capricorno que he o
do inuerno: pello mouímento do primeiro mobile:
que he ho derradeiro que culo do faz
debayxo
ho
solsticio
sol volta
da banda do
sul.
E
solsti-
circulo
chamase
cír-
do ynuerno: ou trópico do ynuerno: porque entam
pêra nos.
també o polo do zodíaco oitaua esphera se
elle faz
hum
faz
Es-
moue
:
E
pois o zodíaco se aparta da equinocial:
E
do polo do mundo.
se apartara
também ho
pois a
zodíaco que he parte da oytaua
esphera se mouera: per derredor do eyxo do mundo:
&
ho polo do Por tãto este per derredor do polo artico: chamase
zodíaco se mouera per derredor do polo do mundo. círculo que o polo do zodíaco faz
círculo artico
:
&o
outro círculo que faz ho outro polo do zodíaco per
derredor do polo antartico:
chamase
círculo
Outro
antartico.
si
quanto he o que mays se aparta o Sol da equinocial: tanto he o que se aparta
ho polo do zodíaco do polo do míído: ho que
se
prouara
desta maneira
E .8.
auemos mays de notar que os quatro
dous trópicos
& ho
paralello artico
& ho
paralellos
menores
antartico nos apartão no
^ astronomia dos Lusíadas
g4
eco ciiiquo -ojias ou regiões.
E
por isso dezia Vergilio nas georgicas.
Cinco zonas ha no Ceo bua das quaes he sempre queimada do torrada do fogo.
estão debaixo das ditas :{onas:
do Metamorphoseos. tura
:
sol
&
Outras tantas partes ha na terra que dereitamente
A
q esta
como Ouuidio no meyo
duas deUas estão cubertas de neue
:
dixe no primeiro liuro
nam
he habitauel per quen-
& as
outras duas que estam
sam temperadas pella mistura do quete com o frio. Assi antre estas:
que a zona que esta antre os dous trópicos he inhabitauel: pella quen-
sempre anda antre
tura do sol que
os trópicos: a terra
&
que
inabitauel: e
debaixo delia he
as
duas Zonas que
antartico:
pêro muito
frio:
circullo artico
sam
do inuerno
estio e
& ho
ho circulo
artico:
circulo antartico:
sol
anda
&ho mesmo
ha de dizer das regiões da terra
que estão debaixo: mas das outras duas zonas:
ho trópico do
inhahitaueis
porque ho
muito apartado delias: se
causa
jaz
estam cercadas pello
& pello
mesma
pella
sam
como
a
assi a
que estaa antre
q esta antre
ho trópico
habitaueis: porque se tempera
da zona torrada q esta antre os trópicos: com a frialdade das zonas frias que estão debaixo dos poios: & ho mesmo se ha de
a quentura
dizer das partes da terra que estam debaixo delias».
A
esta afirmação do texto de Sacrobosco, da inhabitabilidade
zona tórrida
e
da
das zonas glaciais, faz o tradutor Pedro Nunes a se-
guinte anotação na
margem:
«As nauegações dos portugueses nos amostrara: q não ha terra fria em q não aja homes».
tam destêperada per quete ne per
As navegações dos portugueses transformaram
a
sciência
do
tempo.
No
trecho acima transcrito, quando, depois de definidas as cinco
zonas celestes, se diz «outras tantas partes ha na terra que dereita-
mente estão debaixo das ditas zonas», deve-se entender que cada ponto dente.
duma zona terrestre fem o seu zénite na zona celeste As verticais tiradas do centro da Terra para os
círculos polares terrestres
ção
em
determinam
correspontrópicos e
superfícies cónicas de revolu-
torno do eixo do mundo, que vão interceptar a esfera celeste
segundo os trópicos
e círculos
polares celestes correspondentes.
:
Cap. VII
A
como
equinocial, ou,
— O lodíaco
hoje dizemos, o equador, linha
em
tórrida, está definida pelo poeta
zona
Por
Do
este largo
gS média da
V, i3:
mar em fim me alongo
conhecido pollo de Galisto,
Tendo o termino ardente ja passado Onde o meyo do mundo he limitado.
Em
V,
7;
Passamos o lemite aonde chega
O
Sol,
que pêra o Norte os carros guia,
Onde jazem
O e
em X,
filho
quem nega
os pouos, a
de Climêne a cor do dia,
129;
Aqui o soberbo império, que
Com
terras
Da China
&
nam
riqueza
corre,
&
se
afama
cuidada,
occupa o senhorio
Desdo Trópico ardente ao Cinto
Câncer
refere-se o poeta ao trópico de
e
frio,
ao círculo polar ártico.
O
trópico de Capricórnio e o círculo polar antártico são introduzidos
em
V, 27 Achamos
ter de
todo
Do Semicapro pexe Estando entre
elle
Austral, parte do
Mas é a
a
&
passado
ja
grande meta, o circulo gelado
mundo mais
a mais formosa estância
em
secreta.
que entram as zonas terrestres
admirável colocação da Europa na zona temperada,
em
III,
6:
Entre a Zona que o Cancro senhorea, Meta Septentrional do Sol luzente, E aquella, que por fria se arrecea Tanto, como a do
meyo
laz a soberba Europa, a
Pela parte do Arcturo,
Com E 8.
As
marca o
—A
zona.
rodea.
do Occidente:
Mar Mediterrano.
entrada do sol nos quatro signos cardeais
princípio das estações, que
a zona que se considera. rida,
&
suas salsas ondas o Oceano,
pela Austral, o
estações.
por ardente,
quem
Tendo
a
teem sua
feição especial
armada atravessado
segundo
a zona tór-
o poeta descreve naturalmente os factos característicos desta '
:.
:
qA astronomia dos Lusíadas
g6
Na
parte do capítulo
diuersidade dos dias partes da terra
&
— Da
do Tratado da Sphera intitulada
iii
em
noytes que tem os que morao
— começa-se
por descrever o que sucede
diuersas
com
os ha-
bitantes do equador:
«Auemos de saber que ho
os que viuem debayxo da equinocial
principio de Aries:
tempos dous
& quando estaa no principio de Libra: & tem nestes
solsticios altos:
porq lhes passa o
cima de sua cabeça: tem também dous nos principios de Cancro
sol esta
porque entam se aparta ho
sol
&
&
solsticios
Capricorno
bayxos quando ho
&
chamanse bayxos pode do seu zenith:
:
lhes he equinócio:
&
dous bayxos:
teram no anno
teram dous
estios
estando o sol em qualquer dos dous pôtos equinociaes ou junto Tambê teram dous iiiuernos .s. estando o sol nos primeiros
E
de cancro e Capricorno ou júto delles
&
se
põem
as estrellas que
delles.
nesta abitação
estam acerca dos poios
tros.
meio os
»
Por
isso o
poeta diz
hori-
círculos diurnos de todos os as-
Durante todo o ano são os dias iguais às noites; sempre
he equinócio.
.s.
pontos
Para os habitantes do equador os poios do mundo estão no zonte, que corta portanto ao
per
sol dereitamente
ho mais que ser
do qual se segue que poys sempre quatro solsticios dous altos
nace
tem
na cabeça duas vezes no anno: conue a saber quãdo estaa no
sol
em
II,
lhes
63
Vaite ao longo da costa discorrendo,
E
outra terra acharas de mais verdade,
La quasi junto donde o Sol ardendo, Iguala o dia,
&
noite
em
quantidade,
referindo-se a Melinde, que fica junto do equador, a três graus apenas
de latitude
A
sul.
E
linha equinocial é igualmente definida
desda a
fria
Nem mesmo
— Dos
só os que
o Sol
nam muda
o estilo
dias, sobre a gente de Ethiopia,
Tudo tem no
o
VII, 61
plaga de Gelanda,
Ate bem donde
Nos
em
seu Reino
em
grande copia.
vivem no equador teem dois
estios e dois invernos;
sucede aos outros habitantes da zona tórrida.
que viuem antre a equinocial
&
Com
o trópico de Cancro
o título
—
lê-se
depois no Tratado da Sphera:
«Os que tem ho
zenith antre a equinocial
tem duas vezes no anno ho
&
sol sobre a cabeça:
o trópico de Cancro
porque se imaginar-
.
Cap. Vil
mos hum
— O ^odiaco
em
zodiaco
Cancro
:
&
circulo equidistante a equinocial:
da sua cabeça: craro esta que este
gj que passe pello zenith
tal circulo
se encõtrara
dous lugares que igoalmenle se apartam do principio de
& portanto quãdo quer que ho sol
esteuer nestes dous lugares
passara de necessidade pello zenith de sua cabeça.
que terá dous
estios
&
dous inuernos: quatro
ferenças de sombras: assi cial
Do
solsticios
qual se segue
&
quatro de-
como os que víuem debaixo da
equino-
»
:
E
claro que considerações análogas se
vivem entre a equinocial não
com ho
fala o
e
podem
fazer para os que
o trópico de Capricórnio.
Tratado da Sphera, que só
Mas
destes
se refere ao hemisfério bo-
Quando Sacrobosco, no século xiii, escreveu o seu tratado, não eram seus conhecidos os habitantes do hemisfério austral. Foram os portugueses os primeiros que atravessaram a zona tórrida, real.
onde duas vezes por ano o
sol
invernos fazendo e dois verões,
em V,
passa no zénite de cada lugar, dois
como
o
Gama
diz ao rei de Melinde.
i5:
Assi passando aquellas regiões,
Por onde duas vezes passa Apolo,
Dous inuernos fazendo & dous verões, Emquanto corre dhum ao outro Polo: Por calmas, por tormentas & oppressões Que sempre faz no mar o yrado Eolo, Vimos as Vrsas a pesar de luno Banharemse nas agoas de Neptuno.
A
respeito dos que
vivem no
limite norte
da zona tórrida diz o
Tratado da Sphera no parágrafo
Dos que viuem debaixo do trópico de Cancro: «Os que tem ho
zenith no trópico de
Cancro tem hua soo vez no
.s. quãdo esta no primeiro põto de entam em húa soo ora de hum dia de todo anno te a sombra perpendicular: & neste sitio esta a cidade chamada Syene: & por isso dezia Lucano ^ Syene pêra nenhua parte laça sombra isto
anno o
Cancro:
se
sol
sobre a sua cabeça
&
ha de entender ao meyo dia de
tempo do anno vay
a
«Vmbras nusquam 7
sombra pêra
flectente Syene».
hum a
soo dia:
& em
banda do norte».
todo o outro
gS
Como
Lusíadas
astro)ioniij dos
c4
Lucano, se exprime Camões a respeito de Siene,
O
famoso Pompeyo nam
De
Ter
:
te pene,
ver que a justa Nemesis ordene, teu sogro de
Posto que o
victoria dina.
ti
frio Fasis,
ou Sjene
Que fera nenhum cabo a sombra Bootes gellado,
Temessem
A
71
III,
teus feitos illustres a ruyna,
Nem
O
em
o teu
inclina:
linha ardente,
&: a
nome
geralmente.
cidade de Siene, situada no Egipto ao sul
e
proximamente no
meridiano de Alexandria, era célebre pela famosa medida do raio da Terra,
feita
sabido
qiie
por Eratóstenes
em
cabo ao meio dia no até ao fundo pelo
do verão,
em
zénites
poço era iluminado
Alexandria ao meio
de Siene, media
de Alexandria
e
dia,
no dia
momento
es-
o ângulo compreendido entre
os
do
solstício estival, a distancia zenital
tava no zénite
um
que
e
o que p^rovava a situação da cidade no trópico
Eratóstenes, medindo
de Câncer.
do
solstício
sol,
Era então para nenhinn
século antes de Cristo).
(ò.^
Siene os corpos não lançavam sombra
Siene, isto
o
é,
que nesse
sol,
número de graus do arco Achou que esse
de meridiano compreendido entre as duas cidades. arco era de
7''
12',
isto é, y-
Alexandre Magno
e,
da circunferência.
mandado
depois dele, os Ptolomeus, tinham
medir os caminhos do Egipto, pelos hematistas,
isto é,
ou geógrafos, que mediam as distâncias pelos passos,
agrimensores
tinham
e estes
achado que a distância de Siene a Alexandria era de 5:ooo estádios.
A circunferência isto é,
25o:ooo estádios, donde
do raio da
9.
é fácil concluir
Os climas.
lada — Da é
número de
— A palavra clima não tinha no século xvi
que hoje tem.
O
sentido
definido na parte do capítulo
Nunes,
o
estádios
terra, considerada esférica.
signiíicação é
do meridiano era pois cincoenta vezes esta distância,
repartição
do
iii
dos cHmas
—
toda tirada de Alfragano.
.
em
a
mesma
que Camões a emprega
Tratado da Sphera,
que,
intitu-
segundo observa Pedro
Sacrobosco considera habitável
apenas a parte do hemisfério boreal compreendida entre o paralelo terrestre de
i2'"'45'
de latitude e o paralelo de 5o°3o' de latitude.
tre estes dois paralelos coloca
os
dois primeiros
em
mais
sete zonas
seis,
En-
que dividem o espaço entre
menores, que são os
sete climas.
Estes paralelos são escolhidos de forma que a diferença entre o maior dia do ano
no paralelo
de meia hora; e
inicial e
em cada
no paralelo
final
clima considera ainda
de cada
um
cHma
seja
paralelo médio^
Cap. VII
dum
onde esse dia difere
No
— O :{odiaco
99
quarto de hora do dos paralelos estremos.
quadro junto resumimos o que Sacrobosco diz
a respeito dos sete
climas.
^
Climas
Latitude
Dia máximo
Largura do clima,
em
I.
ir.
III.
IV.
V.
Princípio
12» 45'
I2h 45«"
Meio
i6
40
l3
Fim
20
3o
i3
Princípio
20
3o
i3
i5
Meio
24
i5
i3
3o
Fim
27
3o
i3
45
Princípio
27 3o
3o
i3
45
Meio
45
14
Fim
33
40
14
33
40
14
i5
36
24
14
3o
Fim
39
14
45
14
45
39 41
20
i5
Fim
43
3o
i5
Princípio VI.
Clima de Méroe
400
Clima de Siene
35o
Clima de Alexandria
3oo
Clima de Rodes
255
Clima de
212
Clima do Borístenes
Roma
i5
43
3o
i5
i5
Meio
45
24
t5
3o
Fim
47
i5
i5
45
.
440
i3
Princípio
Meio
"
i5
Meio
Princípio
Denominação do clima
milhas
,
Princípio
VIL Meio Fim
A
i5
i5
40
16
5o
3o
16
45
dos paralelos
inicial,
máximo»
paralelos, isto
médio
Clima dos Rifeus
í85 i5
coluna intitulada «latitude» dá,
lada «dia
mos
47 48
e final,
em
graus
de cada clima.
indica-se a duração do dia é,
e
o número de horas
e
minutos, a latitude
Na
coluna
intitu-
maior do ano nos mesminutos que o
sol está
sobre o horizonte dos lugares neles situados, no dia do solstício do estio.
Na
clima, isto inicial e
o
coluna seguinte lêem-se é,
as milhas
de largura de cada
do arco de meridiano compreendido entre o paralelo
final.
:
100
Q/í
O
primeiro clima
titude norte,
é
astronomia
cios
Lusíadas
limitado ao sul pelo paralelo de 12^45' de
onde o dia maior do ano dura
i2'^45"\
la-
o qual, segundo
Sacrobosco, separa as partes habitáveis da Terra das que o não são,
por
Este clima estende-se ao norte até ao paralelo de
fiiuito quentes.
de
20''3o'
latitute,
onde o dia máximo
de
é
i3'^i5'^,
meia hora mais
inrcial; tem de largura 440 milhas e chama-se clima
que no paralelo
de Méroe, por nele se achar a cidade de Méroe, situada na Niíbia, na ilha
do
mesmo nome,
em
de que Gamões fala
X, 96:
Ve Meroe, que ilha foy de antiga fama Que ora dos naturais Nobá se chama.
O
dia
em
maior do ano vae aumentando meia hora
que no paralelo três horas e
final
cada clima, até
do sétimo clima tem de duração 16^1 5"^, mais
meia que no começo do primeiro clima.
A
largura dos
climas vae deminuindo, sendo de i85 milhas no último, que tira o seu
nome dos Montes
Rifeus, de que fala o poeta
Da"parte donde o dia
Com
em
III,
7
vem nascendo,
Azia se auizinha: mas o Rio
Que dos montes Rifeios vay correndo, Na alagoa Meotis, curuo & frio As
diuide
:
&
o Mar, que fero
&
horrendo
Vio dos Gregos o yrado senhorio.
A
largura dos climas, definidos pela propriedade de haver
uma
variação de meia hora na duração dos dias máximos nos paralelos
que os limitam, vae deminuindo para o polo.
monstração desta asserção
como noutro
E
foi
A
generalização
e de-
pela primeira vez feita por Pedro Nunes,
logar (pág. 10) já dissemos.
no sentido que
fica
definido que
devemos entender o termo
clima, na pergunta que o rei de Melinde faz ao
Gama em
II,
109:
Mas antes valeroso Capitam, Nos conta, lhe dezia, diligente.
Da
terra tua o clima,
Do mundo onde
&
regiam.
morais distintamente.
Portugal estendia se na Europa sobre o clima de
Roma
ao norte
de Lisboa, e ao sul sobre o clima de Rodes.
Sacrobosco limitava ao 12*^45'
sul
o
mundo
habitável pelo paralelo de
de latitude norte, princípio do clima de Méroe.
As navegações
dos portugueses ao longo da costa africana foram, porem, recuando
Cap. Vil
— O :{odíaco
loi
aquele limite, juntando aos climas conhecidos novos climas,
poeta diz
em
como
o
IV, 76:
Determinam o náutico aparelho, Pêra que com sublime coraçam
Vaa
A
que mandar cortando os mares
a gente
buscar nouos climas^ nouos ares.
Assim no Reportório dos tempos de André do Avelar, Lisboa, i585, se
contam
já
quatro climas
v.) vinte e
64
(fl.
em
cada hemisfé-
rio:
Dos
«Clyma chamarão
os antiguos, o espaço de terra, q faz diferença,
mea hora
desdo principio, ate o fim,
no maior dia do anno, noctial para
a linha,
Os
&
Titulo 68.
climas.
e
cõforme a
&
o Norte vinte
de maior ou menor quantidade,
podemos
isto,
cotar desda equi-
quatro climas pois ay de diferença entre
o Polo na quãtidade do maior dia do anno doze horas.
antigos não contarão mais de sete,
&
os atribuirão aos sete Pla-
netas pondo o meio do primeiro clima, onde o maior dia do anno era
de treze horas, e
meia,
&
& o meio do segundo,
a experiência, pos
&
em
mas
mesma
&
quantos
boreais, o dia
máximo tem
trópico de Câncer; nos climas austrais,
O
de Capricórnio.
armada
é o clima
&
sam
Por agora baste
os climas».
em
cada hemisfério.
lugar quando o sol atinge o
quando o
sol
chega ao trópico
clima mais ao sul do equador por onde passa a
do Cabo de Boa Esperança, onde Vasco da
exclama quando vae surgir a figura do Adamastor,
O
serue a Geogra-
Outros tantos climas, podemos
pois aqui já vinte e quatro climas
Nos climas
horas
conta fenesceo, porq
linha equinoctial, para o sul.
somête saber q cousa he clima,
Temos
ja esta
mais perfeição, o que toca
Astronomia, nesta parte.
fabricar da
i3.
contauão ate o meio do septimo clima, onde o maior
assi
dia do anno he de dezaseis horas:
phia,
onde o maior dia tinha
em
Gama
V, 38:
potestade, disse, sublimada
Que ameaço Este clima,
diuino,
&
este
ou que segredo,
mar nos
apresenta.
Que mor cousa parece que tormenta ?
As
expedições marítimas portuguesas foram sistematicamente avan-
çando para o
em Verde em jador
sul
1434, 1446.
durante o século xv.
Nuno
Tristão ao
Atinge-se
em
Gil
Eanes chega ao Cabo Bo-
Cabo Branco em 1442
147
1
e
ao
Cabo
o equador e avança-se depois su-
102
ãsirouomia dos Lusíadas
Qyi
cessivamente no hemisfério austral, até que Bartolomeu Dias chega
em dezembro
a Lisboa
com
de 1488
Tormentório, cujo nome então D. João
II
Está aberto o caminho para o Oriente.
Esperança. rige A^asco
Cabo muda para Cabo de Boa
a notícia de ter passado o
Para
lá se
di-
da Gama, por ordem de D. Manuel, a realizar a boa
es-
perança.
Quando começa e
vae
a
«já lá
famosa
concílio
a acção dos Lusíadas, já a
da banda do Austro
ilha
no Olimpo luminoso.
tendo cometido o
agora o caminho poeta diz
e
Noto
em
I,
é
anuncia que a gente de Luso,
Jiipiter
lenho leve por vias nunca usadas,
a força, a
Cabo por Bartolomeu
e
Reunem-se os deuses em
42).
(I,
mar duvidoso num
não temendo de Africo coberto o
do Oriente entre a costa etiópica
e
de São Lourenço»
armada passou o Cabo
mais se atreve agora.
Des-
Dias, não se navega mais para o sul;
enfim para o oriente, para a índia.
E
o que o
27:
Agora vedes bem, que cometendo,
O
duuidoso mar,
Por
vias
num
lenho leue.
nunca vsadas, nam temendo
De Africo & Noto a força amais satreue: Que auendo tanto ja que as partes vendo, Onde o dia he comprido, & onde breue. Inclinam seu propósito,
A
As
&
perfia
ver os berços, onde nasce o dia.
partes onde o dia é comprido e onde breve são os diferentes
climas caracterizados pela duração diferente que neles teem os dias, referidos a
uma mesma
época do ano.
Durante o século xv foram
os portugueses acrescentando para o sul novos climas. 5.° e 6."
Nos versos
da estância indica o poeta as navegações de norte a sul pelo
Nos
oeste de Africa.
gem do Gama:
ir
dois líltimos versos anuncia o propósito da via-
eníim
em
direcção ao oriente, a ver os berços onde
nasce o dia.
A
definição dos ventos Africo e
Noto pode-se ver na
que reproduzimos da Chronographia de Jerónimo Chaves. é designado (fl.
na figura por
LYBS,
e
a
figura junta,
O Africo
seu respeito lê-se no texto
65):
«Aphrico es vn viento q nasce dei Occidéte brumal, como escriue Los Griegos lo llamarõ Lybs: los Leuãtiscos lo llaman Po-
Plinio.
niente lebecho: los dei lo
llaman Garbino.
uamente húmido.
mar Oceano
lo
llamã Huestsuduest, algunos
templadamente, y excessiEs de naturaleza Es viento pluuioso y tempestuoso, y suele muchas frio
vezes causar tempestades, truenos y relâmpagos».
Cap. VII
A
«
lo3
respeito do Noto, que na figura é designado por
Chaves
lo
— O^odíaco
(fl.
AVSTER,
diz
64):
Austro es vn vieto q corre dei angulo dei médio dia Nothis, q quiere dezir humor por
Uamarõ Notho, de
humidades que causa, segun escriue Aulogelio. llaman médio jorno.
Los
dei
mar Oceano
lo
:
los
Griegos
las pluuias
Los Leuantiscos
y lo
llaman Sur, y algunos
llamar Vedaual, es vn viento de naturaleza caliente y húmido, suele ser fulminoso, engedra nublados, causa pluuias, condesa lo suelen
el
ayre, saluo en Africa que causa serênidad.
tilencial,
Na
como
escriue sant Isidro».
volta da costa oriental africana já o Injuriado
Em
Noto da
Noto favorece
a
viagem:
porfia
que eo mar (parece) tanto estaua
Os assopros
esforça iradamente
Com que rios fez uencer a gram
corrente (V, 67).
— Aos
sete planetas dos an-
correspondiam os sete dias da semana.
Entendia-se que os
10.
tigos
Suele ser viento pes-
influição de signos e de estrelas.
qA asirouomia dos Lusíadas
104
planetas tinham «suas horas dominantes sobre os corpos inferiores».
O
tempo desde o nascer até ao pôr do sol, era dividido em 12 horas, assim como a noite. Em cada uma destas sucessivas 24 horas, chamadas horas planetárias ou desiguais, dia artificial
intervalo de
^,
iam exercendo sua à
Lua, como
mesmo
ao
num
influência os planetas pela sua
ordem, de Saturno
turno de sete sentinelas, pertencendo de novo a vez
planeta de 7
em
Assim dominando o
7 horas.
sol
na
pri-
meira hora do dia ao domingo, vinha a pertencer a hora prima do
Lua na
dia à
segunda-feira
e
2,
Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus
a
Saturno respectivamente na terça, quarta, quinta, sexta-feira
como
é,
e italianos
dos dias da semana.
Na
e
sá-
nomes espanhóis, franceses
se sabe, a razão dos
bado. Esta
e
astrologia judiciária era funda-
mental saber-se qual o planeta dominante na hora do nascimento das
bem como
pessoas,
Os
o signo que então subia no horizonte (horóscopo).
planetas influíam
como Marte sobre
os
também sobre classes especiais de indivíduos, homens de guerra e ladrões salteadores de ca-
minho.
Os
sete climas
sete planetas,
eram igualmente
atribuídos pela sua
No
desde Saturno à Lua.
ordem aos
Reportório dos tempos de
— «Dos
Valentim Fernandes, no capítulo intitulado
pranetas
&
que
quer dizer praneta», lê-se:
«... Estes pranetas sete dias
Na
&
da somana:
ou partidas do
lineas
como acima dissemos
descrição de cada céu e planeta
i
Vid. nota de pág. 157.
2
Pertencendo ao Sol, planeta da
2."
3.^
em
a terceira
;
— Saturno,
depois Júpiter, colocado na
situado na
6.^ esfera,
tinha a
6.**
A
23.^
hora pertencia a Vénus, a
24.* a
23.^
hora era de Saturno, a
24.»
de Júpiter,
e
guintes Júpiter, 3
Vénus
e
influía
8.»
hora,
como
e
como
hora;
5.» 5.^
esfera,
depois na
i5.« e
portanto a hora prima as horas 8.% i5.« e 22.».
portanto na primeira hora do dia
Do mesmo modo na
pri-
Mercúrio, e na primeira hora dos dias se-
Saturno, respectivamente.
Gompare-se com o conhecido
título
:
Verdadeira historia do Infante D. Pedro
de Portuga] o qual andou as «sete partidas do mundo», fistevão.
Seguia-se o
que dominava na
Mercúrio
de terça-feira (martes, mardi, martedi) dominava Marte.
meira hora do dia de quarta-feira
citado o
hora para Mercúrio, colocado
hora; Marte, planeta da
de segunda-feira (lunes, lundi, lunedi) à Lua, assim
A
vem
próximo da Terra.
7.^ esfera,
hora; e o Sol voltava a dominar de novo na
7.^
na 22.^
particular
primeira hora do dia, era a se-
4.» esfera, a
esfera
esfera; e a quarta para a Lua, planeta mais
planeta mais afastado
a
proporcionados aos sete climas q som sete
mundo ^ pouoradas».
gunda para Vénus, situada na na
foro correspõdetes aos
feita
por
Gomes
de Santo
Cap. VII
com
respectivo clima
«Do ceo
&
terceyro:
— O lodiaco
«E he senhor do quinto clima onde
Alem dum domínio
No
Assim
as suas cidades principais.
do quinto praneta que he vénus»,
romã: napoles: narbona: toledo:
influência
io5
esta
a respeito
lê-se:
Trapezõda: Cõstãtinopoli:
ík lixbõa».
geral sobre cada clima, tinham os planetas
sobre certos países, províncias
cidades
e
em
particular.
Reportório dos tempos de André do Avelar, edição de i585, en-
contra-se ainda
uma «Taboa
Planetas tem sua significação»
E
cidades, sobre que os
126, v.).
(fl.
com
natural encontrarem-se nos Liisiadas expressões
astrológica.
quando
Descrevendo a nobre Espanha,
diz o
esta
Gama em
origem 111,
19,
se refere a Castela:
Tem
o Galego cauto,
Castelhano, a
quem
&
o grande
&
Restituidor de Espanha,
Depois, na estância 65 do
&
raro
fez o seu Planeta
com
Bethis, Lião, Granada,
ques
&
das prouincias
mesmo
senhor
delia,
Gastella.
canto, diz de D. Afonso
Ren-
:
Com E
estas sujugada foy Palmella,
a piscosa Cizimbra,
&
juntamente
Sendo ajudado mais de sua Desbarata
No
hum
concílio dos deuses
estrella
exercito potente.
do canto
I
Vénus defende contra Baco os
portugueses (estância 33): Sustentaua contra
elle
Vénus
bella,
AfFeiçoada aa gente Lusitana,
Por quantas qualidades via
Da
antiga
Nos
fortes corações, na
Que mostraram na
A benigna
nella,
tam amada sua Romana, grande
estrella,
terra Tingitana.
estrela dos portugueses foi
também conhecida do Duque
de Alencastro (VI, 47): Era
este Ingres potente,
&
militara
Cos Portugueses ja contra Gastella, Onde as forças magnânimas prouara Dos companheiros, & benigna estrella.
No
século XVI o termo «estrela» incluía
também
os planetas.
poeta não se refere porém a planetas determinados.
Usa uma
O ex-
::
lo6
0/4
asíronomia dos Lusíadas
pressão corrente, nascida na astrologia, no se
emprega ainda
A
mesmo
sentido
em
que
Os
pla-
hoje.
também da
astrologia fez parte integrante
medicina.
netas e signos tinham domínio sobre partes diferentes do corpo hu-
mano.
Era preciso observar
da Lua
a posição
dos outros planetas
e
nos signos do zodíaco para determinar os dias críticos das doenças, saber os tempos idónios para purgar, sangrar, íiuências de signos e de estrelas, de que se
etc.
ocupavam
Às variadas
in-
os «Reportórios
dos tempos», allude o sexto verso de V, 23: Se os amigos Philosophos, que andaram
Tantas
terras,
por ver segredos
As marauilhas que eu
A
delias,
passei,
passaram
tam diuersos ventos dando
as vellas
Que grandes escripturas que deixaram Que influiçam de sinos & de estrellas, Que estranhezas, que grandes qualidades, E tudo sem mentir, puras verdades.
Nesta estância compara o poeta a sciência dos antigos
filósofos
com
os novos conhecimentos provenientes das viagens dos portugue-
ses,
«tudo
Também
sem mentir, puras verdades», confirmadas pela observação. com quem o poeta conviveu em Goa, diz
Garcia da Orta,
nos seus Colóquios dos simples
drogas: «que
e
dia aguora pellos Portuguezes do que se sabia
se sabe
em cem
mais
em hú
annos pellos
Romanos» ^
Na
estância 17 anterior já o poeta expõe o conflicto que se acentua
entre a experiência ingénua e a autoridade dos textos consagrados:
Os casos vi que os rudos marinheiros Que tem por mestra a longa experiência, Contão por certos sempre
&
verdadeiros
Julgando as cousas so polia aparência
E
que os que tem juízos mais inteiros
Que
so por puro engenho
Vem
&
por ciência,
do murdo os segredos escondidos
Julgão por falsos, ou mal entendidos.
Garcia da Orta, que estudara
também
em Salamanca
e
Alcalá de Henares,
diz:
medo
«Fez isso porque avia
não vos maravilheis de di\er cousa
1
Conde de
2
Ibidem.
d'isto
de dizer cousa contra os Gregos, e
porque eu estando
algíía contra
Ficalho, Garcia
Galeno
da Orta
e
em
espanha não ousaria
contra os Gregos»
e o seu
^.
tempo, Lisboa, 1886, pág. 3o3.
Cap,
O
VII— O
'107
lodiaco
poeta insiste porem, na estância imediata, no valor do teste-
munho
dos olhos: Vi claramente
Que
a
visto o
lume
viuo.
maritima gente tem por santo,
Em tempo de tormenta & vento esquiuo De tempestade escura & triste pranto; e
no começo da admirável descrição da tromba marinha:
Eu
vista
No ar hum E do vento
E
(& não presumo
o vi certamente
Que a
me enganauaj vaporsinho
&
leuantarse,
sutil
fumo
trazido, rodearse.
quando por fim exclama: Vejão agora os sábios na escriptura
Que segredos sam
estes de Natura,
O poeta convida positivamente os sábios na escritura, isto
consomem
a vida só
no estudo dos
templação directa da natureza.
é,
os que
livros dos velhos filósofos à con-
Nas
estâncias 16 a 23 do canto
V
sente-se perpassar o vento derruidor das venerandas autoridades con-
sagradas.
Nesta última o poeta põe
em
relevo a importante parte
que os portugueses tiveram, pelas suas viagens, no desenvolvimento e
transformação da sciência.
VIII
o A
I.
altura do polo.
1497 já a armada, de que
em
— Ao cair da
Paulo da
S. Rafael, de 100 toneladas, e
desfeita,
numa
Cabo Verde.
acompanhando
caravela,
a
^^
tonéis,
Bartolomeu Dias seguia a
armada
até às Ilhas de
Pungente saudade devia, nesta hora, amargurar o
ração dos navegantes, que iam executar
um
co-
dos mais heróicos feitos
Desaparecera no horizonte
Soava ainda nos seus ouvidos aquele clamor de
em
nau
nome Bérrio do seu primeiro
na Angra de S. Brás.
que a história regista.
mentações
nau capitaina era
também uma nau de mantimentos, de 200
Seguia
para a Mina
A
Gama comandava
Nicolau Coelho a caravela S. Miguel
de 5o toneladas, mais conhecida pelo
que devia ser
era capitão-mór, se estendia
a famosa viagem.
a S. Gabriel, de 120 toneladas.
possuidor.
tarde de sábado 8 de julho de
Gama
Vasco da
Começava
pleno mar.
astrolábio
a terra
da pátria.
gritos, choros e la-
que irrompera a multidão que enchia a praia de Be-
lém, quando os marinheiros, ao desferir das velas, lançaram o grito
de e
Boa Viagem!
Lembravam-lhes os rostos amargurados dos amigos
parentes que ficavam.
Partiam uns
Tejo?
160.
Quando voltariam?
Quantos tornariam ao
Volvidos dois anos, regressaram apenas
552!
Os
navios seguiram a rota das Ilhas de
Cabo Verde, onde
o ca-
pitão-mór mandara que se reunissem, caso se perdessem uns dos ou-
No
tros.
*
sábado imediato avistavam as Canárias,
«... os
navios que se chamavão
quando ElRey
Dom
Roteií^o
culano
e
i858, tom.
i,
na noite de
Gavriel,
João os armou lhe poz estes nomes».
Gaspar Corrêa, Lisboa, 2
sam Miguel, sam
e
sam
Rafael,
Lendas da
se-
que
índia, por
pág. i5.
da viagem de Vasco da
Gama em
i4g']^ 2.^ edição,
Castelo de Paiva, Lisboa, 18G1, págs. 129 e i32.
correcta por Her-
no
astronomia dos Lusíadas
Qyi
gunda-feira, passando através do Rio do Ouro, e
tormenta, que os navios se dispersaram.
domingo,
23,
e
tamanha
a cerração
em
tangendo trombetas
no Só na
a juntar-se
à vista da Ilha do Sal, faltando a S. Gabriel.
nau capitaina, atirando muitas
quarta-feira seguinte reencontraram a
bombardas
foi
Tornaram
sinal de alegria.
Ao
outro dia
chegavam à Ilha de Santiago, onde pousaram na praia de Santa Maria. se demoraram uma semana, concertando as vergas dos danos cau-
Ai
sados na passada tormenta
fazendo aguada:
e
A aquella ilha aportamos, que tomou O nome do guerreiro Sanctiago, Sancto que os Espanhoes tanto ajudou
A
fazerem nos Mouros brauo estrago:
Daqui tanto que Boreas nos ventou
Tornamos
Do
A
a cortar o
salgado Oceano,
terra
imenso lago,
&
Foi na quinta-feira, 3 de agosto e
deixamos
assi
onde o refresco doce achamos (V,
*,
que se fizeram de novo ao mar
vieram rodeando a «larga parte de Africa».
no caminho da derrota para
•largo,
em
a
com
Serra Liôa, engolfou-se
9).
Mina.
Bartolomeu Dias poz-se
Vasco da Gama, na
todas as naus do seu
altura da
comando no mar
direcção ao sul:
Sempre em
No
fim pêra o Austro a aguda proa
grandíssimo golfão nos metemos,
Deixando
Co Gabo
a serra aspérrima a
quem
Lyoa
das Palmas
nome demos.
Navegaram assim durante os meses de agosto, setembro e outubro, com muitas tormentas e cerrações, até que Vasco da Gama julgou ser tempo de ir demandar a terra. Na manhã de sábado 4 de novembro, pelas 9 horas, ouviu-se o gageiro bradar, do cesto da gávia: Terra!
Houve grande alvoroço de alegria. Vestiram-se todos de com muitas bombardas, desfraldando
Terra!
festa e salvaram ao capitão-mór
bandeiras
e estandartes.
Quando puderam a altura
do
sol,
sair
em
terra,
levaram os astrolábios para tomar
operação que se não podia fazer
bem
a bordo, pois
menor que fosse o balanço do navio, se cometiam erros de 4e5gráus^. Iam de^,erminar a latitude ou /ac/e^a do lugar. Camões, que, por
í
Roteiro da viagem de Vasco da
2
J.
Gama em
i4g'j, págs. 2 e 3.
Bensaúde, L'astronomie naiilique au Portugal à répoque des grandes dé-
c divertes^
Berne, 1912, pág.
112.
;
Cap,
VIII— O
astrolábio
iir
Gama
nas estâncias 25 a 27 do canto V, descreve-nos Vasco da
pado com os
da Angra de Santa Helena.
latitude
de Boa Esperança, situado
A
dum
latitude
mostra a figura
ZN^
vertical
já
bem
grau apenas mais ao
O
ÈZ
arco
com
linha zenite-nadir,
perto do
da
Cabo
sul.
como
se sabe e
do meridiano mede o ângulo da o equador EE'^ isto
é,
a latitude
o ângulo da linha dos poios
o horizonte //'//, isto
é,
a altura
do
Estes dois arcos são iguais, pois que
polo.
qualquer deles, somado
O
faz 90".
EZP
arco
nha dos poios PP' EE'', o arco
ZN'
um
Estavam
lugar é igual à altura do polo,
junta.
PH mede
o arco
PP' com
ocu-
pilotos nas observações necessárias para o cálculo
é
titude
com é
o arco
de 90°, porque a H-
perpendicular ao equador
ZPH é
de 90°, porque a vertical
é pois igual à altura
Uma
polo
PH.
uma
latitude austral pela
As
A la-
H'H.
ou elevação do
latitude boreal é
do lugar, se diz
titude
per-
é
perpendicular ao horizonte
EZ
ZP,
medida pela
do polo antártico.
também
altura do polo ártico;
Por
isso,
em
vez de
la-
altura do lugar.
menor que a altura do polo ficam sempre acima do horizonte no seu movimento diurno. Podem observar-se quer na sua culminação, quer na passagem inferior pelo meridiano, onde atingem a menor altura. Estas estrelas, chamadas cirestrelas cuja distância polar é
ciimpolares, ficam compreendidas
polo
um número
num
círculo cujos pontos distam
de graus igual ao da latitude do lugar.
círculo vai pois deminuindo,
quando
se
O
do
raio deste
avança para o equador.
Os navegadores portugueses começaram por se guiar pela constechamavam a Bu:{ina ^ Por ela sabiam
lação da Uy^sa menor, a que
determinar a altura do polo; por ela contavam as horas da noite.
Aplicavam para
isso
um
conjunto de regras,
chamado Regimento da
Estrela do Norte.
Quando em 1456 Cabo Verde, o polo passagem
1
menor
A e
as descobertas se
estenderam até às Ilhas de
era já tão baixo que a boca da Buzina, na sua
inferior pelo meridiano, vinha passar à flor das águas.
figura da
mais
Bw^ina era formada por oito
uma
estrelas: as sete principais da
estrela de 4.^ grandeza (a 5 de Flamsteed)
gando, do lado da Guarda dianteira, a linha das duas Guardas estrela
(Lisboa, 1590, las.
menor desenhavam
Ursa
se vê prolon-
(T e P)
desta cons-
boca da Bupna.
Por na roda dos rumos da meia noite do Reportório dos tempos de André do Avelar
telação. i;so
A
que
A
fl.
T,
a p e a 5 da Ursa
88, r.) se
a
vê a Ursa menor, ou Biipna^ constituída por oito estre-
qA astronomia dos Lusíadas
JI2
Ursa menor começava a banhar-se no oceano; deixava pois de ser A^iu-se então
circumpolar.
Os
de estudar o céu austral.
a necessidade
como
nossos navegadores distinguiram depois o Cruzeiro
conste-
lação independente, determinando a altura do polo austral pelo Regi-
mento do Cruzeiro do Sul.
A Junta
dos Matemáticos, incumbida por D. João
do estudo dos
II
problemas náuticos, ocupou-se da determinação das latitudes no hemisfério sul, assunto
se ultrapassara
modo
que se tornou urgente resolver desde que
de calcular a latitude
^Gama
em
O
altura meridiana do Sol. stituiu
Os
o equador.
em
1471
nossos cosmógrafos formularam o
qualquer lugar da Terra por meio da
conjunto de regras a que chegaram con-
o Regimento da altura do polo ao meio dia, que Vasco da aplicou na
Angra de Santa Helena.
—
2. Regimento da Estrela do Norte. A Terra, durante o seu movimento de translação à volta do Sol, executa em torno do eixo
366 rotações
e
porem sempre
um
quarto aproximadamente.
paralelo a
uma mesma
A figura que se
às
movimento de precessão do polo norte, executa num período de 26000 anos, a que se chama ano plaNela estão marcadas as posições do polo desde o ano de Soco, junta representa o
antes, até ao de 16000, depois de Cristo.
os anos anteriores e Cristo.
que
nome de Polar
do circulo descrito pelo polo.
estrelas situadas ao longo
tónico.
virtude deste movimento,
equinócios, o polo vai-se deslocando entre
cabendo, no decorrer dos séculos, o
as estrelas,
mudando em torno duma
cone circular
Em
perpendicular ao plano da eclíptica.
chamado de precessão dos
eixo não se conserva
recta; lentamente vai
um
de direcção no espaço, descrevendo
O
Os
é o polo
nação da
com
o sinal
+
Indicam-se
com
o sinal
—
os posteriores ao nascimento de
pontos do círculo percorrido pelo polo distam do centro,
da eclíptica
*,
23"
Yá,
número de graus
igual ao da incli-
eclíptica sobre o equador.
Se considerarmos as posições do polo a partir do ano de 3ooo
a.
C.
(— 3ooo), vemos que êle se vai afastando da Ursa maior e aproxichamadas as mando da Ursa menor pelo lado das estrelas p e Guardas desta constelação. As estrelas mais brilhantes da Ursa -f,
1
Como
se sabe,
chamam-se poios de qualquer
midades do diâmetro perpendicular
a este círculo.
círculo
duma
Os poios da
extremos do diâmetro da esfera celeste perpendicular ao plano da nite e o nadir são os poios
do horizonte.
mais designação, entende-se que se trata
ou o polo
sul.
Quando
dum
se diz
esfera as extreeclíptica são os eclíptica,
O zé-
simplesmente polo, sem
dos poios do equador, o polo norte
Cap. VIII
menor são de 4.^
e
a a e a
de
|3,
À
grandeza.
5.*
— O astrolábio
grandeza, e a
2.*
estrela
[3,
ii3 de
7,
as outras são
3.*;
a mais brilhante
das Guardas
da Ursa menor, chamaram os nossos marinheiros Guarda dianteira, porque é a que vai adiante no movimento diurno e primeiro chega ao
No
meridiano.
da
ano de 1000
a.
G. (— 1000) o polo estava mais perto
do que da a da Ursa menor; a Guarda dianteira
p
foi a
estrela
Hercules
VeqcL
No
polar dos Fenícios.
ano do nascimento de Gristo, o polo distava
da a da Ursa menor, aproximando-se depois sempre mais.
11° 7^
No
daXircc
fim do século xv esta distância estava reduzida a 3° Ya e no fim
do século XVI a menos de ao ano de 2096,
em
3^.
Hoje
é
de i°io'
e irá
deminuindo
que atingirá o valor mínimo de 26 minutos.
Então o polo começará a afastar-se da actual Polar.
No
séculos serão depois sucessivamente Estrelas Polares a P,
do Geféo,
em
seguida a a do Gisne,
vez à Vega da Lira.
até
Uma
e
decurso dos
y,
e
depois a
no ano de 14000 caberá a
importante mudança se vai assim operando
no aspecto do Géu.
No
último quartel do século xv,
maram-se vesse
uma
e
durante parte do século xvi,
to-
Se houYs para distância polar da Estrela do Norte. estrela precisamente no polo, bastava medir-se a sua altura
3*^
acima do horizonte com qualquer instrumento, como o astrolábio, o quadrante ou a balestilha, para se ter a latitude do lugar da obser-
qA astronomia dos Lusíadas
114
Descrevendo porém
vaçáo.
pequeno círculo de
3*^
na altura observada
V2 de raio
uma
em
um
torno do polo, era preciso fazer-se
correcção maior ou menor, aditiva ou sub-
Os
dependente da sua posição.
trativa,
no seu movimento diurno,
a Polar,
nossos pilotos consideravam
na Ursa menor o alinhamento das duas estrelas mais brilhantes, a Polar
a
e
Guarda
dianteira, que era
4
como um
ponteiro, cujo movi-
3
V.
mento seguiam, distinguindo
oito direcções correspondentes às situa-
ções, verticais, horizontais e inclinadas a 40°,
junta mostra estas oito posições da Buzina.
em
pé no polo olhando para nós,
com
da linha
Guardas iam na sua culminação,
Braço de
Em
Lintias. à altura
nais
+
oeste.
a altura
As quatro
—
,
«[5
Quando
as
que estavam na Cabeça;
estavam no Pé.
designavam-se por Braço de
As
leste e
posições intermédias, a 48^, chamava-se
torno da figura lêem-se os números da correcção a fazer
observada da Polar,
ou
dizia-se
inferior pelo meridiano,
posições horizontais da linha
figura
um homem
os braços estendidos horizon-
talmente, o esquerdo para leste e o direito para oeste.
quando na passagem
A
«p.
Imaginava-se
em
cada
um
dos oito casos,
com
conforme se teem de somar ou subtrair, para
do polo
e
portanto a latitute do lugar.
os
si-
se saber
Cap. VIII
O
— O astrolábio
Regimento da Estrela do Norte que
ii5
Tratado da
está junto ao
spera do mudo tirada de latim em lingoage português, existente na Biblioteca Pública de Évora, é assim redigido:
(íRegimêto da estreita do norte cô os sinaes das guardas pêra
quando quer q tomares a altura da estreita do norte pêra saberes quãto estas aredado da linea equinocial pêra aparte do norte.
quando as guardas estam no braço de
Ité
&
dianteyra cõ a estrela do norte leste esta acima do eyxo
E
([
acima do eyxo
Quando
([
a estrella do norte: norte
linea
leste e hoeste.
a estrela do norte
abayxo do braço do
E
loeste.
a estrella do norte esta
meo.
três grãos e
as guardas
E
hoeste.
meo.
quando as guardas estam na
húa guarda per outra
esta
&
huú grão
guarda
loeste esta a
estam no pee esta a guarda dianteyra com
&
E
sul.
a estrella do norte esta acima do
eyxo três grãos.
E
([
quando
as
guardas esta na linea acima do pee esta húa
guarda per outra: norte
meyo
eyxo
E
([
rumos.
quando
E
&
E
sul.
a estrella
do norte estaa acima do
grão.
forem
as guardas
em
cada huu dos sobreditos quatro
daltura que tomares tyraras os grãos que a estrella esta
E
acima do eyxo.
os outros que ficarem estarás aredado da linea
equinocial pêra a parte do norte.
Em
([
estes outros
quatro rumos a diante escriptos anda a estrella
do norte a bayxo do eyxo. teyra
s.
Quando as guardas estam no braço de leste: com a estrella do norte leste & hoeste. E
&
estaa abayxo do eyxo huu grão
E quando
([
esta a
bayxo do eyxo t[
com
E
quando
a estrella
do eyxo ([
E
três
as
grãos
leste
&
a estrella
do norte
meo.
estam na
as guardas
huua guarda per outra
esta a guarda dian-
linea
acima do braço deleste
& hoeste. E
a estrella
do norte esta
meo.
guardas estam na cabeça: esta a guarda dianteyra
do norte: norte
& sul. E
a estrella
do norte esta abayxo
três grãos.
quando
as guardas
guarda per outra norte
estam na
& sul. E
linea
abayxo da cabeça esta huua
a estrella
do norte estaa abayxo do
eyxo meyo grão. ([
E
quando quer que as guardas
fore
acima escriptos
em
cada hú
daqlles quatro rumos cõ a a altura q tomares da estrella. ajutaras os grãos qadita estrella esta abayxo do eyxo. E todo iuto: tãto estarás
aredado da linea eqnocial pêra aparte do norte».
qA astronomia dos Lusíadas
ii6
A se
Ursa menor era também
saberem
as horas
da
como
utilizada
relógio sideral, para
Considerando nos ângulos compre-
noite.
endidos pelas oito direcções, atrás mencionadas, mais três direcções
teremos ao todo 24 posições equidistantes, ocupadas sucessivamente pela constelação nas 24 horas do dia. O ângulo de duas posições sucessivas mede i5^ (24x15^ = 360°) e é percorrido
intermédias,
C&bec&
Hombro ççfluerwo
ora.90 direi h
numa
hora.
beça quando
Se numa noite sucede estar é
meia-noite, o
mesmo não
noite seguinte, por causa do
A
ecliptica.
à
meia
Hnha
a[j
a
Guarda
sucederá,
movimento anual do
dianteira na Ca-
como
sol
se sabe,
na
para oriente na
vai estando cada vez mais inclinada para oeste
noite, nos dias sucessivos.
Como
o dia solar médio
é
maior
que o dia sideral cerca de 4 minutos, no fim de i5 dias haverá um uma hora (i5x4™ = õo™), e portanto a Guarda
desvio correspondente a dianteira
marcará meia noite no primeiro rumo a seguir à Cabeça E assim de i5 em i5 dias, de modo que no decorrer do
para oeste.
ano
irá
Na estrela
marcando figura junta
a
meia noite nos 24 rumos seguidamente.
resumimos o Regimento das horas da
do norte, que tamisem
se encontra junto
noite pela
ao Tratado da spera
:
Cap.
VIII— O
iiy
astrolábio
do mudo da Biblioteca Pública de Évora
e
que
é explicado
do seguinte
modo (.i
&
Regimento pêra
suas guardas,
mea
s.
se
saber as horas da nojte pella estreita do norte
sabedo
em cada mes
sem errardes quasi nada.
E
quinze dias per todo ãno na
manejra
mea
Janeyro meado,
E em E em
os meses
vam per orde
q rumofa:{e
de quinze
E em
noyte no braço ezquerdo
mea
noyte dous horas acima do braço.
fim de feuereyro: na linea do
ombro ezquerdo.
E em
linea.
fim de março: dous horas acima da linea.
Abril meado,
([
em
seguinte
Março meado, mea noyte huua hora em cima da
([
mea
noyte na cabeça
fim de abril: huíãa hora abaixo da cabeça.
Mayo meado, mea noyte dous horas abaixo da cabeça. E em fim de mayo: na linea do ombro direyto. Junho meado, mea noyte huua hora abaixo da linea. E em fim de junho: dous horas abaixo da linea Julho meado, mea noyte no braço direyto: E em fim de julho: húa hora abaixo do braço.
([
([
([
Agosto meado, dous horas abaixo do braço.
([
E em
fim de agosto na linea.
Setêbro meado,
([
E em
mea
noyte húa hora abaixo da linea.
fim de setembro: dous horas abaixo da linea.
Octubro meado, mea noyte no pee.
([
E em
fim de octubro: huua hora acima do pee.
Nouembro meado, mea noyte dous horas acima do
([
E em E em
se
em
«No
que a Guarda dianteira faz meia-noíte,
facil-
deduz a hora que nesse dia corresponde à sua passagem
em
chamou também Estrela
ho-
qualquer outro rumo. rologial
linea.
fim de dezembro: dous horas acima da linea».
Sabido o rumo
mente
pee.
fim de nouembro: na linea.
Dezembro meado, mea noyte huúa hora acima da
([
1
em
fim de janeyro hua hora acima do braço.
Feuereyro meado,
([
ella
as guardas
nojte. logo contares as horas antes da mea noyte: ou despoys
Por
isso se lhe
*.
capitulo passado
chamamos
anda sempre ao redor da
que hora he».
estrella
à
guarda dianteira
estrella Horologial,
porque
do Norte, como seta de relógio, mostrando
André de Avelar, Reportório dos tempos, Lisboa,
1590,
fl.
87, r.
qA astronomia dos Lusíadas
iiS
Quando
o rei D. Duarte, entre os anos de 1428 e 1437, escreveu o
Leal Conselheiro, também se ocupou desta contagem das horas pela
Ursa menor.
Assim no Capitulo LR, Da taboa
declaraçom das
e
cousas que adiante som scriptas, diz:
«Decima, a maneira de conhecer a
me a
suas guardas aa
ha foy devysado,
como de
feito
e
em
noite e
posto
bem
pode
em
em
sabem
duas rodas, húa da
outra terra, posto que delia
mea
mea
venhom
o os
mes eu ordeney da manhãa, com seu regymento
noite sollamente;
noite, e outra
He
como per
proveitosa e
nom pensom
que seja
speriencia muytas vezes o sentem, e pêra
sabem teem ajuda pêra seerem melhor
Vê-se que os relógios de
também auxiliavam
bem
cousa
prazivel aos mais que a sabem, porque antes
sol,
usados
em
regidos».
Portugal no século xv,
a determinação das horas da noite, pois que nas
em
coberturas tinham desenhada a roda dos rumos
marcando
meia
do ano a Buzina
ia
figura anterior.
D. Duarte porem divisou
a
noite, gráfico
uma
que no decurso
semelhante ao da
outra roda, onde mar-
No
cava os rumos da Guarda dianteira ao amanhecer.
Da
ella
tempo
nom penso que
tantos que
pêra se de todo aver boo conhecimento.
os que a
per
que trazem as figuras nas cuberturas, per que se
saber o tempo da
de tanto prazer
e
mym gram
de coor poder saber,
scristo pêra se
estes reynos o
assy geeralmente saibam rellogios dagulha
do norte,
estrella
manhãa, segundo per
roda pêra saberem as oras quantas som da manhaã,
Capítulo C,
noite,
ou des-
como se hão de debuxar estas duas rodas concêntricas. No Capitulo Cl, Pêra saber quantas oras som ante ou despois da mea
pois, explica
noite, e
quanto ante manhaã, diz como, depois de observado o lugar
da estrella major das guardas da noite, se sabe pela roda grande quantas horas hão de decorrer até ao amanhecer, pela roda pequena
quantas passam ou faltam para a meia noite
e,
pela comparação das
duas rodas, o intervalo da meia-noile ao amanhecer.
O
próprio rei dá pois o exemplo de se ocupar
blemas astronómicos, tão importantes
num
prazer de pro-
país que seu irmão, o in-
fante D. Henrique, impelia para as navegações.
uma
com
A
Ursa menor era
constelação preciosa; por ela se sabia a altura do lugar e as horas
da noite.
Compreende-se por
quando, avançando para o
isso o
sul,
a
embaraço dos nossos marinheiros
viram mergulhar no mar.
Cada-
mosto, veneziano ao serviço do infante D. Henrique, descobrindo
1455 as Ilhas de Cabo Verde, onde a Guarda dianteira
já
em
vinha passar
junto do horizonte, reconheceu a necessidade de procurar novo guia
nas constelações do hemisfério austral.
Cap. VII
1— O
lig
astrolábio
os olhos dos mareantes
Nas viagens de circumnavegação da África
seguiam com interesse o abaixamento sucessivo do polo norte, o mergulhar das Ursas, cada vez mais profundo, nas águas do mar e o seu desaparecimento no hemisfério
final
África e e
em
Gamões, que
sul.
fez a volta
da
tantas noites, passadas através do mar, contemplou atento
enlevado o espectáculo do céu estrelado, não deixa de registar nos
Lusíadas este momento da viagem
em
que as duas Ursas descem abaixo
do horizonte, facto pela primeira vez observado de bordo das naus portuguesas: Assi passando aquellas regiões
Por onde duas vezes passa Apolo, Dous inuernos fazendo & dons verões,
Emquanto
corre
dhum
ao outro Polo:
Por calmas, por tormentas e oppressões Que sempre faz no mar o yrado Eolo, Vimos as Vrsas a pesar de Juno Banharemse nas agoas de Neptuno. (V,
Ovídio conta nas Metamorphoses
(liv.
i5).
que Júpiter, enamorado
ii)
de Cahsto, ninfa do séquito de Diana, tomara, para a seduzir, a forma desta deusa.
Assim
gerado Árcade.
foi
Juno, ciosa da honra conjugal,
para que os encantos de Calisto não continuassem a atrair o esposo,
numa ursa. Árcade, andando um dia à caça no com os olhos fixos nele e, não sabendo que era a sua
transformou a ninfa bosque, vê a ursa
própria mãe, prepára-se para lhe desfechar o dardo mortífero.
intervêm a tempo de evitar o matricídio.
Júpiter
Um vento repentino leva-os
através do espaço, atirando-os para o céu, onde ficaram formando duas
constelações vizinhas.
Calislo é a
ao Polo norte Polo de Calisto,
Ursa maior
como na
por isso Camões chama
e
descrição da América,
em
X,
139:
Vedes
Vay
a
grande
terra,
que contina
de Calisto ao seu contrario polo.
Juno porem indignada por vêr a sua ao
mar para
pedir a Tétis, sua
ama
de
rival brilhar leite, e
no céu, desceu
ao velho Oceano que
não permitissem que nas suas águas se banhassem os astros colocados no firmamento em prémio do adultério com que fora ofendida: At uos
si
laesae tangit contemptus alumnae,
Gurgite caeruleo septem prohíbete triones,
Sideraque Pellite,
in caelo, stupri
mercede, recepta,
ne puro tinguatur in aequore pellex ^ [Met,
1
Se a injúria
feita à
vossa
filha
ofendida vos atinge, afastai do azulado pego
os Sete Triões, e expulsai as estrelas recebidas no céu
que a concubina
se
11, 528).
não banhe nas vossas puras águas.
em
paga do adultério, para
qA astronomia dos Lusíadat
ííiO
Septem^trioucs, donde deriva a palavra Septentriáo, era tino das Ursas,
mais especialmente da Ursa maior.
constelação era circumpolar.
Na
Odissea há
Ursa maior como constelação que nunca
com
e
assim sucedia na Grécia
efeito
Hoje porem
homéricos.
já
nome
Para Ovídio
também
la-
esta
referências à
banha nas águas do mar,
se
na Ásia Menor, nos tempos
e
assim não sucede,
em
virtude do movi-
mento de precessão; na latitude de 40 já a estrela vem tocar no * Junto damos uma tabela com as distâncias polares das horizonte. sete estrelas principais da Ursa maior e das a e p da Ursa menor, '^
vj
As
desde o ano de 2000 antes de Cristo, até ao de 1900 depois. trelas de
es-
cada constelação estão pela ordem das suas actuais distâncias
ao polo.
Distância polar das estrelas
Ursae majorh
Ano
— 2000 — i5oo — 1000 — 5oo
Ursae minoris j
a
B
17«,52
i5°,oi
2i»,68
130,57
130,54
190,45
180,96
220,44
16,78
15,98
21 ,39
i5 ,42
15,93
20 ,23
21 ,64
19,85
7%97 6,86 6,53
C
£
P
T
a
-n
P
16,78
17,58
21 ,75
17 ,70
18,57
21 ,61
24,41
17,20
17,53
19,68
22 ,74
20 ,25
21 ,3
1
23,48
27 ,22
14,5o
7'07
18,92
22 ,08
24,28
22 ,95
24 ,12
25 ,70
3o,o3
II ,76
8,29
-f
5oo
20,83
24, ,69
26 ,23
25 ,72
26,93
28,16
32 ,8o
-]-
1000
23,09
27 ,40
28,5o
28,53
29,72
3o ,8o
35 ,52
9 500 6 ,22
11,81
-1-
1100
23 ,58
27,96
28,98
29,08
30,27
3i ,34
36,o5
5 ,66
12 ,20
-{-
1200
24,07
28
29,47
29 ,64
3o
,81
31,89
36,58
5,10
12 ,60
-f i3oo -f 1400
24,57
29,07
3i ,36
32 ,44
37,11
4,54
i3 ,00
25 ,08
29,62
29 ,97 3o ,47
3o ,19
30,75
3i ,90
32 ,99
37,63
3,98
i3 ,40
-f-
i5oo
25 ,60
3o ,18
30,98
3i ,3o
32,44
33,54
38,i5
3,42
i3,8o
~|-
1600
26 ,12
30,73
3i ,5o
3i ,85
38,67
2,86
14,21
4-1700
26,64
32,o3
32,40
32,97 33,5o
34,09
3i ,29
34,64
39,18
2,3l
14,62
-f 1800
27 ,17
3i ,85
32,56
32,95
34,02
35,19
39,69
I
,76
i5,o3
33,08
33,5o
34
35,75
40
1,23
i5 ,44
-}-
1900
27,71
Assim
,5
1
32 ,41
,19
vê-se que no ano de 1000 antes de Cristo, a
deixava de ser circumpolar
1
,55
Os números desta
4000 vor Chr.
bis
sftir
numa
latitute
Ursa maior só
boreal de 24^; no começo da
tabela são extraídos de P. Neugebauer^
Gegenwartj ^um Gebrauch
Astronomen, Leipzig, 19 12.,
9,94
Sterntafeln von
fiír Historiker^ Philologen
und
Cap. VIII era crista,
de
que vivia Ovídio,
um
com
vj
f, C, £,
iS*^
A
de latitude;
grau,
também
A
outra Guarda.
Ursa menor e
depois que se fizeram ao
e
se nas agoas de
da
estrela
do
Os navegantes sentiam que ambas
Juno
Neptuno.
atravessar o equador todos os astros tinham ocaso e nascimento.
latitude de 4° ao sul, o polo norte estava outros tantos graus abaixo
do horizonte
e
descrevendo
a Polar,
inteiramente e o
mesmo
em
A
torno dele
um
pequeno
Então nenhuma
Continuando a navegar para o
Em
sucessivamente a
^,
p,
e,
C,
sul,
por
26^ de latitude
descrevia todo o seu círculo diurno abaixo do horizonte. visíveis
menor
estrela desta constelação
sua vez desapareciam as estrelas da Ursa maior.
deixavam de ser
cír-
Estrela do Norte desaparecia
sucedia a toda a constelação da Ursa
17^ de latitude austral.
podia vir acima do horizonte.
oc
observar-se
já
constelação, assim truncada, e o Regimento
culo de 3° Yf, deixava de ser visível.
a
avançaram mais
Nesta posição não podia
inferior.
as Vrsas a pesar de
em
mar
guia precioso começava a faltar-lhes quando viam
Ao
Cabo Verde,
Ilha de Santiago de
Guarda dianteira desaparecia no horizonte com a Ursa menor perdia então estas duas estrelas quando
Banharem
Na
de latitude a a
25*^
tocava no horizonte, perdendo a
já
norte deixava de ter completa aplicação.
um
em
a
vinham na passagem
rumo da
que
até
P, ^,
quando os navegantes estavam na
em um
o
vinha tocar no horizonte na altura
toda a constelação desaparecia na sua passagem inferior
ela,
pelo meridiano. Y,
-/j
armada de Vasco da Gama saiu do Tejo e sul, a da Ursa maior mergulhava no mar
pois a
grau para o
sucessivamente depois a
e,
121
deixava de o ser a 3o° de latitude
já
ano de i5oo a estrela
Quando
SS*^.
navegou e
em
No
norte.
— O astrolábio
que
já
Depois não su-
biam acima do horizonte, quando desembarcaram na Angra de Santa Helena. Na altura de 34'', no Cabo de Boa Esperança, também a y desaparecia.
de latitude,
Restava apenas a contando
esta a elevar-se 4°
v].
mesmo com
No Cabo
o efeito da refracção, não chegava
acima do horizonte.
Africa não se via pois senão
uma
das Agulhas, a 35° graus
estrela
Na
parte mais austral da
da Ursa maior
e isso só
na
primavera, quando a sua culminação tinha lugar de noite, erguendo-se então àquela pequena altura.
Podia pois muito
bem
o poeta dizer
que a constelação da Ursa maior era desconhecida dos moradores derradeiros austrais da África,
como em
VIII, 72:
Crescendo cos sucessos bons primeyros
No peyto
as ousadias,
Pouco
pouco caminhos estrangeyros^
Que
&.
descobriram
hús, succedendo aos outros, proseguiram;
qA astronomia dos Lusíadas
122 De
Aífrica os
moradores derradeyros
Austrais, que nunca as sete flammas viram,
Foram
vistos de nos, atras deyxando Quantos estam os Trópicos queymando.
A e
expressão sete flamas de Gamões corresponde a septem triones
designa as sete estrelas de
O
no céu como sete clarões.
grandeza da Ursa maior, brilhantes
2/'^
poeta refere-se muito precisamente a
não à Ursa menor, cuja invisibilidade
esta esplêndida constelação e
não era característica do extremo já
do continente africano, pois tinha
sul
lugar 7 graus ao norte do trópico de Capricórnio.
Alguns comentadores entendem que pregada
em
Mas
vez de Sete-estrêlo.
da constelação das Plêiades
e só dela.
Sete-estrêlo é o
O
asterismo, que está situado no pescoço do
As
cal.
Plêiades são visíveis
em
de o ser depois de 67° de latitude
Nem
o poeta contava sete flamas
mal não distingue senão
nome popular
poeta não se refere a este
Touro
e é
portanto zodia-
todo o continente africano
xam
numa
seis estrelas,
em-
a expressão sete flamas é
sul,
na zona
e
só dei-
glacial antártica.
constelação onde
apezar do seu
um
olho nor-
nome de
sete-
estrêlo:
Quae septem
como
diz
sex tamen esse solent,
dici,
As
Ovídio nos Fastos.
Plêiades são claramente indicadas
na linda trova popular Sete-estrêlo, vae
E
em
pino
o cajado vae virando;
As ovelhinhas de Deus,
A
O
cajado
volta que vão levando
formado pelas
é
Orionte,
como Camões
nome Os
três reis jnagos.
lhe
três
1.
estrelas
do boldrié do ensifero
chama em VI, 85, que teem também por Quando as Plêiades vão em pino, isto é,
na sua culminação, o Cajado passa pela posição vertical, vai virando. O autor anónimo de tão formosa quadra, que tantas vezes se enlevou na contemplação da volta que vão levando as ovelhinhas de Deus,
bem que guma senão às sabia
o
nome de
Sete-estrêlo se
não aplica a constelação
al-
Plêiades.
Também Camões chama
às
estrelas
luzente
gado no
final
da
Égloga VII: Então Phebo nas águas
se encerrou
Go'os animaes que o mundo allumiavão; E co'o luzente gado appareceo A cândida pastora por o Geo.
1
João de Deus, Prosas, coordenadas por Teófilo Braga^ Lisboa, 1898^ pág.
32.
Cap. VIIí
— O astrolábio
12S
Nos Lusíadas temos uma imagem semelhante em
Em ^5
quanto apaceutar o largo Polo,
&
Esíi-elLis,
o Sol der lume ao Mundo,
Onde quer que eu
como
aqui,
com fama & em memoria.
gloria
viuer,
Viuirão teus louuores
Camões usa
io5:
II,
uma linguagem
é sabido,
análoga à que
Vergílio põe na hôca de Eneias, agradecendo o acolhimento de Dido: In
dum
fretei
current,
fluuii
Lustrabunt conuexa,
dum montibus umbrae dum sidera pascei:
/?o/í/5
Semper honos, nomenque tuum, laudesque manebunt; Quae me cumque uocant terrae '. [Eneida,
A
607-610).
í,
conceção porem das estrelas movendo-se no azul do céu, qual
rebanho pastando ao longo da campina, rias físicas explicativas
passagem, que nos
sr.
se vê
Flammea
causa canamus.
sit
cibus uocat atque inuitat eunteis,
per caelum pascenteis corpora passim (De rerum natura Y,
astros
nadas no
movem-se
solicitados pelas partículas de fogo dissemi-
As
estrelas
dáo cada dia a volta da campina
como ovelhas que vão em busca do pasto
O
3.
astrolábio náutico.
—O
melhor processo para resolver o latitude era o
Junta dos Matemáticos de D. João
pela altura do
Enquanto os
rios
II,
Assim o
instrumento era o astrolábio.
(i.
sempre (em mim)
nome
^
que
aqui e
a tua honra, o teu
ali
sol, e
Mestre João,
o melhor
físico e ci-
é,
o céu) der pasto aos astros, permanecerá e os teus louvores,
quaisquer que sejam
me chamem.
Cantemos agora, qual
podem então
diz
que emanara da
correrem para o mar, enquanto as sombras seguirem as cur-
vaturas dos montes, enquanto o polo
as terras
celeste,
quotidiano.
problema náutico da determinação da
1
2.
5 1 0-526).
que são o alimento de que precisam para brilharem
éter,
eternamente.
na seguinte
sive ipsei serpere possunt,
Quo quoiusque
Os
das teo-
Dr. José Maria Rodrigues:
Moiibus astrorum nunc quae
;
uma
Lucrécio
do movimento diurno, como
indicada pelo
é
em
é
deslisar
seja a causa dos
movimentos dos
onde o sustento de cada
pelo céu os flâmeos corpos.
um
o
chama
e
astros
convida a
;
ir,
ou
eles
pascendo
i24
Zi astronomia dos Lusíadas
rurgião de D. Manuel, que
em
Cabral
Fecha en uera crus
a...
mejor
como
foi
na expedição de Alvares
piloto
i?oo, na carta que escreveu ao rei, de A^era Cruz:
a
primero de maio de 5oo. pêra
mar
la
non por ninguna estrella
es regvrse por el altura dei sol que
mejor con astrolábio que non con quadrante nin con otro ningud trumento. do criado de vosa alteza
e
voso
e
es-
Johannes.
leal servidor.
artium et medicine bachalarius» ^
No Compendio
dei arte de
nauegar dei licenciado Rodrigo Çamoum exemplar na Biblioteca da Uni-
rano, Seuilha, iSqi, de que existe
versidade de Coimbra,
dum
lê-se, a tis.
i3 e 14, o processo de construção
Traduzimos o mais literalmente
astrolábio.
como eram
ficamos sabendo
fabricados os astrolábios de madeira e
de latão, que iam nas naus de Vasco da
«O
seja de
um
da grossura de
metal ou madeira, dedo. se tomará
Gama.
No meio
astrolábio faz-se desta maneira.
donda que
e
dois de
de
modo que
E
BAC
que corte
posta
uma
ponto
C
uma
tábua re-
A, no qual se porá
um
circulo, o
maior que
um
tamanho de
do segundo o dobro do que o segundo dista
em
duas partes eguaes cada
onde o circulo maior
é
um
E pondo
D um
BC, no
BC, com
arco de círculo,
a outra
ajustada a régua
sar pelo centro A.
eguaes: duas.
em
e
outro
e
o compasso assim aberto no ponto B, tra-
cem-se outros dois arcos de círculo que cortem os primeiros e,
E
dos três círculos.
cortado pela linha
ponta traçar-se-ha acima do ponto
G
grão
ajustada a régua sobre o centro A, trace-se a linha
das pontas do compasso, aberto segundo a linha
abaixo de E.
e
uma
dentro deste círculo se traçarão outros
o segundo diste do primeiro o
trigo, e o terceiro diste
do primeiro.
E
de
por todas as partes egual,
um ponto
ponta do compasso, traçando-se com a outra
poder receber a dita tábua.
Assim
possível.
em FG,
tire-se a linha
DE,
Divida-se agora o quadrante
e cada uma destas em cada uma destas 18 em
a qual
DB
em
em
F,
há de pastrês partes
cada qual destas 9 em cinco: ficará o dito quadrante partido outras três
e
noventa partes eguaes ou gràos, aos quaes se porão seus números
de cinco
desde
B
no ponto
em e
D
cinco entre o segundo círculo e o terceiro,
acabando com 90 no ponto D. Faça-se agora da linha DE, pelo qual se passará um anel ou
resistente, a que se dará
1
começando
uma
laçada por onde caiba
Joaquim Bensaúde, Lastronomie
découvertes, Berne, 1912, pág. 254.
nautiqiie
um
um uma
dedo.
furo fita
Sus-
au Portugal à Vépoqiie des grandes
Cap. VIII
penso o astrolábio, pelo
um
mesmo
— O astrolábio
125
furo se passará
um
fio
delgado
peso que venha pendurar-se abaixo de todo o astrolábio.
estando suspenso a linha
DE,
e
estará
quieto o astrolábio, o
bem
astrolábio, de aquelle lado sobre que cair o
que o
fio
fio
nivelado o instrumento.
caia sobre a dita linha.
Depois
fio,
se dará a
até ao
comprimento
e pelo
Senão, do dorso do se irá
desbastando até
numa régua
da
mesma
recta
Hl no
feita
uma
meio da sua largura,
à qual régua
forma que na figura se vê, gastando-a numa das suas metades
meio da largura, de modo que
também
Se,
cair justamente sobre
matéria, que tenha de largo dedo e meio, se tirará sentido do seu
com
se gastará
fique inteira a linha
Hl,
e
o mesmo
na outra metade até ao meio da sua largura mas
do lado contrário, ficando também inteira nesta parte a linha
HL E
cerca das extremidades se porão duas taboinhas quadradas da largura
da régua pelo meio, levantadas perpendicularmente
e
de meio a meio.
sobre a linha Hl, no centro das quaes se farão dois pequenos orificios,
de
modo que cada um
delles fique
em
egual distancia da sobreface da régua.
no meio feito,
que
do
direitura sobre a linha
Esta régua, por
delia, será fixada sobre o dito astrolábio
um
a
furo feito
noutro furo, nelle
mesmo tamanho do da régua, no centro A, com uma com uma chaveta, como se vê na figura».
se apertará
Hl e
cavilha
qA astronomia dos Lusíadas
120
O
astrolábio usado pelos nossos navegadores era pois
mento simples.
chamavam
duado, a que
um
Constava apenas de duas partes: a roda.
do astrolábio,
e
uma
móvel em torno do centro da roda, que era
nulas,
um
instru-
círculo gra-
alidade de píá medeclina
*.
Suspenso o astrolábio pelo anel ou laçada, o diâmetro correspondente
O número
ao zero da graduação ficava horizontal.
de graus, marcado
pela medeclina, dava a inclinação sobre o horizonte da linha de enfia-
mento dos
dois orifícios das pínulas.
Se o instrumento era de pequenas dimensões, suspendia-se duma
Querendo tomar
das mãos.
com
o instrumento até
declina que se
ambas
íicar
movia
A
as pínulas.
duma
a altura
estrela, erguia-se o
o olho junto do extremo inferior da me-
dos orifícios de
se ver a estrela através
até
braço
medeclina marcava então na graduação a
al-
tura do astro acima do horizonte.
Para tomar
do
a altura
Não
tamente diferente.
sol seguia-se,
se olhava
um método
porém,
para o
Suspenso o instrumento duma das mãos, estendia-se o
medeclina.
braço para a frente, colocando-se o observador de roda no plano vertical do dirigia-se a
sol.
Tendo assim em
medeclina com a outra mão, de
modo
passava através dos
dava a altura do
sol
modo que
à
uma
maneira de cábrea.
figura junta
um
damos
já
raio de
A leitura do limbo
latão, era
de grandes dimensões,
corda, de três paus juntos pela parte superior
A
observação fazia-se do
a fotografia
dum
mesmo modo.
Na
destes grandes instrumentos.
E
astrolábio náutico de latão, existente no Observatório Astronó-
Tem
mico da Universidade de Coimbra.
um
sombra da
um
nesse momento.
Se o instrumento, de madeira ou suspendia-se, por
a
Então
das pínulas.
orifícios
a orientar a
frente o astrolábio,
pínula mais alta viesse cobrir a pínula de baixo. luz solar
comple-
dos buracos da
sol através
meio metro de diâmetro,
E um
centímetro de espessura e dez quilos de peso.
instrumento
bastante aperfeiçoado, cuja construção deve ser da segunda metade
1
Adoptamos
esta nomenclatura
no Roteiro de Lisboa a Goa, Lisboa, sentar que sobio o sol depois de diito,
com
a
autoridade de D. João de Castro, que
1882, pág. 365, diz: «.
me demorar
á quarta
acharey que não posso ter o Rosto pêra
nem menos
a
Roda do
estarlabeo, pêra que o
a parte
Rayo
.
.
e
quando
se repre-
do sudueste, como
já
tenho
onde então estiuer o
sol,
entre pellos buracos da mede-
mas forçadamente me ha de ficar o sol no lado direito e nas costas do estarRayo entre pellos buracos da medeclina, o que em todo o outro tempo não acontece, mas de necessidade avemos de ter o Rosto e a circunferência ou Roda do estarlabeo dereitamente ao sol». Pedro Nunes no Tratado da Sphera chama à alidade niediclinio, do latim medicliniwn. Na prática a palavra tomou a
clina,
labeo, pêra que o
forma feminina.
Cap.
do século
As
xvii.
VIII— O
I2y
astrolábio
Era destinado apenas a observações de altura do sol. A pínula, já como as dos primitivos astrolábios. para cima, tem no buraco encastrada uma lente. A
pínulas não são
que devia
ficar
pínula baixa não é furada; há nela dois traços
devia vir formar-se a ele se dirigia a
imagem do
sol,
em
dada pela
cujo cruzamento
lente,
quando para
medeclina.
[ASTROLÁBIO NÁUTICO, existente no Observatório
Astronómico da Universidade de Coimbra,
tendo meio metro de diâmetro,
um
centímetro de espessura
e dez quilos de peso.
A
—
pesagem do sol. O método, que descrevemos para as observações solares, tem a vantagem de dar a altura do sol ao meio dia verdadeiro, isto é, na sua passagem pelo meridiano, sem emprego 4.
J28
oá astronomia dos Lusíadas
O
de relógio.
observador, tendo o astrolábio suspenso diante de
passagem do
antes da
modo que
no meridiano
sol
sombra da pínula
a
a medeclina
e
si
dirigida de
cubra sempre a pínula baixa, pas-
alta
sando pelos dois orifícios a luz solar, vai vendo a extremidade superior
da medeclina subir constantemente, marcando
um
ângulo sempre
em
maior na graduação; consérva-se depois estacionária, para baixar seguida quando o sol
correspondente à posição
tempo
é a
máxima
em
altura
que a medeclina estaciona durante algum
altura atingida pelo sol e portanto a altura deste
astro na sua culminação, isto
dá pois, por
A
desce do outro lado do meridiano.
já
é,
O
ao meio dia verdadeiro.
a altura meridiana
si só,
do
sol,
com
astrolábio
a qual se fazia a
conta da latitude.
Este processo, ,tão simples difícil
como engenhoso, parece
compreensão para os nossos
terem a altura do
sido de
ter
que entendiam que, para
ao meio dia, deviam tomar no astrolábio a
sol
quando os seus relógios de
tura do sol
mavam
pilotos,
E
nesta prática.
sol
marcavam meio
al-
dia e tei-
o que diz D. João de Castro, quando conta
no Roteiro de Lisboa a Goa^ (págs. i8i a 184) esta curiosa scena, passada a bordo da nau Grifo, em 2 de junho de i538: «... a oras
de
meo
tomamos
dia
o sol, e estando cada
íicando a sua altura, disse ho Piloto que já decia; logo
com
siderar o crerão todos, e hindosse
em
o sol que a
vere-
sem mães contempo acharão
seus estarlabeos, fiquei eu e o doctor e o Calafate, que sabíamos
o contrairo,
e
oulhando o
sol
que leuauão nos estarlabeos, achei que
o Piloto tomara do sol ao orizonte 48 grãos,
marinheiro 42-,
e
e o
mestre mães
-,
hum
outro 43; eu tinha a este tempo tomado 48-, e o
calafate 42 ^: ora ficando eu ãssi,
bindo o sol até se pôr
em
tal
hum
em
juro que dahi
a híía ora
me
foi so-
altura de 44 grãos, o que sentindo o calafate
seu estarlabeo, começou a dizer que o sol lhe tinha sobido até
mães de 44
grãos, pello que tornando os dous marinheiros a tomar
o sol, acharão daltura 44 grãos; o doctor a este tempo se foi ao mestre e lhe fez tornar a tomar o sol, e achou os mesmos 44 grãos, o que
vendo o
Piloto, o tornou a
tomar outra vez,
grãos folgados: a causa de tamanho erro
do
mar
crereiíi que
lógios lhe fa^em se
erguem
1
e
tomão o
sol
dia, e
com
meo
vem
e
achou os mesmos 44
de os Pilotos
na maior altura, quando os grãos que ao tal
e
homens
os seus
Re-
tempo acham,
vão fazer sua conta, não considerando como os Relógios
Roteiro de Lisboa a
Corvo, Lisboa, 1882.
Goa por
D. João de Castro, anotado por João de Andrade
.
— O astrolábio
Cap. VIII
por onde
regem são
se
em
feitos
diíFerentes Regiões,
serue á leuação do pollo do lugar donde he
nhecidamente
se
mostrou ao meo
i2g
dia;
e
hum muy co-
cada
o que oje
porque, vereficando as oras
por quatro Relógios, achei que dous delles terceiro ii oras -, e o quarto ii oras 0:
feito,
me
alem
fazião
meo
dia,
com
o
como
vezes muito os taes Relógios o variar de suas agulhas, porque,
quer que são ceuadas
e
disto faz mintir muitas
differentes pedras, e os
mesmos
ferrinhos
seião mais aceiros huns que outros, faz que variem ou nordesteem
huns
muy
meo
dia
diflferente
com
dos outros, e daquy
vem mostrarem
o lugar de
tanta falsidade».
Vê-se que, alem de D. João de Castro, discípulo de Pedro Nunes, só o médico e o calafate sabiam que não era necessário relógio para se ter a altura
meridiana do
o piloto, porem, o mestre
sol;
ma-
e os
rinheiros não se convenciam disso, obrigando o honrado D. João de
Castro a jurar que durante
meio grau.
uma
hora lhe fora subindo o
mais
Andrade Corvo, que anotou o Roteiro de Lisboa a Goa,
pensava como
estes, pois
que
numa
nota (pág. 42) diz:
«Para a determinação da altura do
sol
pelo astrolábio e uso das
taboas de declinação, era preciso fazer a observação ao meio dia exacto: e era
podiam
sol
o astrolábio
prever os contratempos que cada dia
fácil
surgir, e tornar difficil
com
senão impossivel a observação; alem
da diíFiculdade de determinar a máxima altura do
sol
sobre o hori-
souXq^ pela dificuldade de ter a hora verdadeira^)
O
contratempo que podia sobrevir era encobrir-se o
A
dia.
sol
ao meio
dificuldade de ter a hora verdadeira não existia, porque esta
não era necessária.
A
este processo de determinar a altura
do
sol
ao meio dia pelo
emprego puro e simples do astrolábio, seguindo, como a fiel de balança, o movimento da medeclina, quando o sol se aproximava do meridiano, até que ela se tornava algum tempo estacionária, indicando
assim a altura máxima, chamaram os nossos marinheiros jpesar o
sol.
— Sabida pelo
as-
5.
Regimento da altura do polo ao meio dia.
trolábio a altura zénite,
tomando
trolábio é 76°
g*)
do
sol
sobre o horizonte, teremos a sua distância ao
a diferença para 90°. ^ distância zenital
do
Assim
se a altura lida
sol será i3°^.
Quando
no
as-
a obser-
vação se faz no dia do equinócio da primavera ou do outono, o
sol
no equador e portanto a distância zenital do sol na sua culminação dá imediatamente a distância do zénite ao equador, isto é, a latitude do lugar. Nos outros dias a passagem meridiana do sol tem lugar está
ao norte ou ao sul do equador, a e é preciso
uma
distância igual à sua declinação,
combinar, por soma ou diferença, a distância zenital do
qA astronomia dos Lusíadas
i3o
dada pelo astrolábio, com a sua declinação nesse
sol,
Neste cálculo é também impor-
nas tábuas, para se obter a latitude.
tante saber se o sol passa ao norte ou ao sul
em
nhece pelo sentido
procurada
dia,
do zénite, o que se co-
que correm as sombras ao meio
O
dia.
pró-
prio astrolábio mostra para que lado vão as sombras, pois que tendo-se
de dirigir a medeclina de
modo que
a pínula baixa, basta reparar para
a
sombra da pínula
que lado
alta
fica esta última.
cubra
Se a
pínula inferior fica para o lado do sul, as sombras correm ao sul, o
passa portanto ao norte do zénite; se
sol
para norte, as som-
fica
bras correm para este lado, e o sol passa no meridiano ao sul do zénite.
Para
conta da altura do polo, acabaram os astrolábios
facilitar a
em
sentido inverso do que atrás
mudou para
a parte superior, na direcção
portugueses por ter a graduação ficou indicado.
do zénite,
O
zero
daí vinha correndo a graduação até
e
A
do diâmetro horizontal.
mente a distância
zenital
do
Por
naiiegar de Rodrigo Çamorano,
Otra manera de ha{er (fl.
num
extremo
do instrumento dava imediata-
leitura sol.
90*^,
isso
já citado,
la ciienta ai sol,
no Compendio dei arte de há
um
como
capítulo intitulado:
la iisan en
Portugal
28).
O
conjunto de regras para o cálculo da latitute constituía o Regi-
mento da altura do polo, que
mente com
se encontrava a
bordo dos navios
junta-
as taboadas da declinação do sol e sua posição nos signos
do zodíaco para cada
dia.
Transcrevemos
este
regimento como se
no Tratado em defensam da carta de marear, que acompanha o Tratado da sphera de Pedro Nunes. Preferimo-lo pela sua forma breve e clara. Juntamos algumas figuras elucidativas dos diferentes
lê
casos. e sul;
H'H é o horizonte; EE' Z o zénite. Á seta indica
presentado pelo símbolo usual
Pn
Ps os poios, norte o sentido das sombras e o sol é reo equador;
ís rel="nofollow">.
e
Pedro Nunes redige da seguinte
forma o
Regimento da altura do polo ao meo dia. «Se o norte:
sol
tem dechnação pêra o norte
&
as
sombras vão pêra o
saberemos pello estrelabio ao meo dia q he na mayor altura:
quantos grãos ha de nos ao sol*: quelle dia:
&
o que
nocial pêra o norte
Isto
é,
&
acrecétaremos a declinação da-
somar será o q estamos apartados da
(EZ = É%\-%Z,
do nosso zénite ao
sol.
fig.
i).
linha equi-
Cap. VIII
Mas
se
ho
sol
— O astrolábio
tem declinação pêra o norte
&
j3i as
sombras vão pêra
& pello
re-
forem iguaes estaremos na equinocial.
E
o sul: saberemos pello estrelabio quanto ha de nos ao sol:
gimento a declinação:
& se
forem desiguaes: tiraremos o menor numero do mayor porq o q ficar isso estaremos apartados da equinocial: & será pêra o norte se se
a declinação era
mayor {E'^J^^Z%,
EZ= h% — Z^,
pêra o sul se a declinação era menor fig.
fig.
2):
&
será
{HB<,Z^, EZ=>^Z — E^J,
3).
A mesma se as
regra nos serue tendo ho sol declinação pêra o sul porq
sombras vão pêra o
declinação: e o q
o sul
Mas se o q cial.
somar
(ÉZ=m-h'^,
se o sol
se
isso
estaremos apartados da equinocial pêra
fig. 4).
tem declinação pêra o
ha de nos ao
E
ajuntaremos o q ha de nos ao sol cõ a
sul
sul: ^^ as
sol for igual a declinação
sombras vão ao norte estaremos na equino-
forem desiguaes tiraremos o menor numero do mayor:
o que ficar: será o que ao
tal
&
tempo estaremos apartados da equino-
& será pêra o sul se a declinação for mayor (£'€?> Z€^, EZ = — E% Z%, fig. 5): & será pêra o norte se a declinação for menor cial:
{m<M, Éz=mz-m, E
fig. 6).
quando não ouuer declinação: ho que ouuer de nos ao
sol isso
:
l32
qA astronomia dos Lusíadas
estaremos apartados da equinocial:
&^
será pêra onde forem as som-
bras.
E em o que
todo tepo que o sol pello estrelabio esteuer
&
equinocial
O
mesmo
teuer de declinação: isso
elle
pêra a
mesma
noueta grãos
parte».
mais antigo que
livro
em
estaremos apartados da
conhece contendo as regras para o
se
cálculo da latitude pela altura meridiana do sol, devidas à Junta dos
Matemáticos de D. João
do Regimento dó estrotabio
&
& do
Consta
quadrante pêra saber ha declinaçam
em cada hnum dia & as/ pêra saber ha estreita do seguido do Tractado da Spera do mundo tjrada de latim em
ho logar do
norte,
soll
que
linguoagejn,
é
a
Sphera de Sacrobosco. sr.
na Biblioteca de Munich.
existe
II,
Joaquim Bensaúde,
primeira tradução portuguesa conhecida da
Este livro
é objecto
do notável trabalho do
naiitiqiie
an Portugal à Vépoque
uma
nova sobre os estudos
U astronomie
des grandes découvertes, que lança
astronómicos feitos
em
luz
Portugal para acompanhar o desenvolvimento
uma
das navegações de descoberta, dando-lhes
No Regimento
direcção scientífica.
de Munich as regras correspondentes aos diferentes
casos de posição do sol e do sentido das sombras, minuciosamente explicadas e aplicadas a exemplos, são seguidas
dum
calendário
com
a posição do sol nos signos e a sua declinação para todos os dias do
Devido à amabilidade do
ano.
sr.
Joaquim Bensaúde, que nos ofere-
ceu umas provas da reprodução/ac-s/;/z//e que a BibHoteca de Munich
documento
está fazendo de tão importante
damos
histórico,
A primeira
reprodução da página relativa ao mês de novembro. luna de números encarnados, contêm os números de
do mês.
A
a encarnado,
reita,
cada
dia.
Na
ordem dos
segunda coluna, impressa a preto, dá o lugar do
signos do zodíaco, apenas
O
em
graus.
dão os graus
e
livro parece ter sido
Biblioteca
PúbHca de Évora
As
junto a
sol
últimas duas colunas à
minutos da declinação do
sol
co-
dias
nos di-
em
impresso pelo ano de 1609. existe
uma
obra semelhante, publi-
Consta também do Tratado da spera
cada posteriormente (iSig?).
do mudo tirada de latim em lingoage português, a que se segue ho
pêra per ella saber ho mareãte em aquém ou datem da linea equinocial, com ho regi-
regimento da declinaçam do qual paj^te
mento da
esta.
s.
estreita
sol
O
do norte.
mente, sem exemplos, por ser de tábuas de declinação para
O
já
um
regimento
é
exposto mais sucinta-
mais conhecido. ciclo de
E acompanhado
quatro anos.
Regimento de Munich tem, na opinião dos peritos, a aparência duma reimpressão. Se a edição anterior não estava já impressa, com certeza existia o original manuscrito quando partiu a expedição de
KX
lion^bío fcmt díôô. ar.íôa.rnr. ní. ^.vt^.
f lilcíltraobytarionpfi anEdctobifpotconfen:
4
H
5ôcôria0pav55,f.joâl) ilionarDocomfelTo:abâ c K3crtolia«obifpoiiiiar
b
f
Iripboniíe^coçmbciríTõ
5
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H
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b
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D iRufobpomfóproófpr £ud>cno bUpo albancil-t 6 f íimanobifpo:ifãgozfWJj2_ g 3trcIaoaçãocfancftcuâM8 êSancfaffabdvivma'^ FII 01 £ftcuam íomfcflb z,Ro c iColombano abbaoe Dcj - ã t o gccUiavirgemCTiartYrh ^ iCknicníc papa imanar c
n
f
Bê ^eírjfosotipmanrrí
:noiW-í?" aj TpcDtodwcaoíinoi ,, o Xgrtcola ^ vi^alc marn^TT" c 37acoboo:aoo2matt|pre ríã o Saomninbo r^ ^ g^etnSnoíctapoftollc liõ ,
,
Reprodução, nas dimensões do original, da pagina de novembro
do calendário que acompanha o Regimento do estrolabio existente na Biblioteca de Munich.
& do
quadrante^
VIU— o
Cap.
E Vasco
1497.
com
da Gama,
tSB
astrolábio
os pilotos, devia ter consultado
página semelhante á que reproduzimos, quando
em novembro
Angra de Santa Helena. Almanach perpetuinn de Zacuto
uma
fizeram
a conta da latitude da
E
certo que o
ano anterior
em
Leiria e podia
ir
Mas
a bordo.
fora impresso
este
no
Almanach não
dispensava o Regimento, porque não continha o processo de cálculo
E
da altura do polo.
a tábua que se extraíra da obra de
Zacuto para
juntar ao Regimento, embora pouco precisa, porque se aplicava, sem
correcção,
em qualquer
ano, tinha a
vantagem de pôr de lado
cálculos,
que a imperfeição dos astrolábios, então usados, não exigia.
A
chegada à Angra de Santa Helena
João de Barros (Década
Liv.
i,
iv,
Cap.
é
assim contada na Ásia de
11,
edição princeps, Lisboa,
i552):
«E
q tomou ante de chegar ao cabo de bóa Esperança, foy a baya a que óra chama de Sãcta Helena, auêdo cinquo a primeira terra
meses q era partido de Lixbóa: onde sayo em terra por fazer aguada & assy tomar a altura do sol. Porque como do pso do astrolábio pêra aqiielle mister da nauegaçam, auia poço tepo q os mareãtes deste reyno se aproueitauã,
&
os nauios erã pequenos:
nam
cõfiáuã
muyto de a tomar dentro nelles por causa do seu árfár. Principalmente com hu astrolábio de páo de três palmos de diâmetro, o qual armáuã em três páos a maneira de cábrea por melhor segurar a linha solar, & mais verificada & distinctamete poderem saber a verdadeira altura daquelle lugar: posto q leuássem outros de latam
nos, tã rusticamente
nauegar. PSO delle
E porque
começou
em
este
em a nauegáçã
tractamos desta matéria
em
é
se
achou o primeiro
nossa geographia largamente
os primeiros liuros delia:):
tranho deste lugar, dizermos quando
nam
que tanto fructo tem dado ao
esta arte
rejno de Portugal
(peró que
em
mais peque-
&
per
quem
nam
será es-
foy achado, pois
de menos louuor este seu trabalho que o doutros nóuos jnuen-
tóres que
acharam cousas proueitósas pêra vso dos hómees».
Esta passagem inspirou evidentemente as estâncias 24 a 26 do canto V:
Mas
já
o Planeta que no ceo primeiro
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meyo
rosto, agora inteiro
em
quãto o mar cortaua a armada, Quando da Etérea gauea hum marinheiro Prompto coa vista, terra, terra, brada Saha no bordo aluoroçada a gente Mostrara,
Cos olhos no Orizonte do Oriente.
t34
qA asfronomia dos Lusíadas
A A
maneira de nuues se começam descubrir os montes que enxergamos,
As ancoras pesadas se adereçam, As vellas ja chegados amainamos: E pêra que mais certas se conheçam As partes tão remotas onde estamos, Pello nouo instrumento do Astrolábio Inuençam de
sutil juizo
&
sábio.
Desembarcamos logo na espaçosa Parte, por onde a gente se espalhou,
De ver cousas estranhas desejosa Da terra que outro pouo nam pisou: Porem eu cos pilotos na arenosa
em que parte estou, Me detenho, em tomar do sol a altura E compassar a vniuersal pintura. Praya, por vermos
Como
vimos no capítulo
anterior, o poeta é,
mais rigoroso do que o historiador. 8 de julho
A
armada
na primeira estância, partira de Lisboa
fora na véspera quarto crescente.
e
A
em
lua passava de
Quando chegaram em 4 de novembro
meio rosto para rosto inteiro.
à vista da terra do continente africano, a lua ia pela quinta vez na
transição destas
mesmas
fases,
tendo sido quarto crescente dois dias
Camões exprime-se com admirável
antes.
exactidão, registando
um
facto astronómico verdadeiro.
Segundo
da Gama em
de Vasco
na volta do mar, a sondar
dia na baía a que
saímos
bem
junto
com
terra
na terça-feira 7 de novembro que, vindo as Pêro de Alemquer foi mandado pelo capitão-
no batel à procura de
bom
pouso, ancorando ao outro
puzeram o nome de Santa Helena.
forma depois (pág.
«Ao
i4g'j,
no dia 4 viraram
e foi só
naus na volta da terra,
mór
da viagem
a transcrição que então fizemos áo Roteiro
O
Roteiro
in-
5):
outro dia depois de termos pousado, que foy á quinta-feira,
em
terra
com
o capitam
moor
».
Camões, não podendo, sem prejuízo daquela concisa beleza que se admira no seu imortal poema, descer à monótona pormenorização
dum
roteiro,
novembro, barcou
e
quinta-feira,
com
Tomemos porém nós o dia 9 de como aquele em que o capitão-mór desem-
não distingue
dias.
os pilotos tratou de conhecer ao certo, pello
nouo instrumento do Astrolábio,
aas partes tão remotas» onde estavam.
Cap. VIII—
bem
Para
O
i35
astrolábio
interpretarmos este verso, aproximemo-lo das frases,
que deixamos sublinhadas, de João de Barros. instrumento fora invento recente, é
Este não diz que o
O que
em Portugal.
feito
afirma
êle
que havia pouco tempo que os mareantes deste reino se aproveita-
vam do
uso do astrolábio par^a aquelle mister
achar a altura meridiana do acrescenta que
em
sol
da navegação, que era
para a conta da latitude.
Adiante
de Portugal se achou o primeiro uso
este reino
Assim também se deve entender que, para o emprego que dele faziam os mareantes, para saberem a posição do lugar. O astrolábio náutico português era apenas a simplificação dum instrumento antiquíssimo, como
delle
na navegação.
poeta, o instrumento era novo, no
adiante diremos.
Os
nossos argonautas levaram consigo os astrolábios para terra.
Firmaram na
praia três paus ao alto, que ligaram pela parte supe-
maneira de cábrea, para deles suspenderem o astrolábio grande
rior, à
Próximo do meio-dia,
de madeira, de três palmos de diâmetro.
Gama
Vasco da
com
ocupava do instrumento maior, os pilotos
se
em
o braço estendido para a frente, sustentavam os astrolábios pe-
quenos de
latão, suspensos,
como
Olhando
balança, pelo anel superior.
para a graduação da roda, atentos ao movimento da medeclina, que
com
rigiam
gem do
a
mão
que tinham
modo que um
feixe de luz solar
um
kpesa-
algum tempo por 76 graus, antes de começar a
Acharam uma
sol ao
de
di-
A ponta superior da medeclina foi-lhes subindo na gradua-
sol.
ção, até que estacionou
descer.
livre,
sempre pelos buracos das pínulas, procedia cada
se enfiasse
do
se
volta,
meio
altura
máxima de
complemento da
dia,
As sombras corriam ao Fizeram depois a
76°
altura,
0.
A
distância zenital
era portanto de i3*^^.
para onde ficara voltada a pínula
sul,
inferior.
Abriram o calendário do Regimento
conta.
e
consultaram a página de novembro, análoga à que deixámos reproduzida.
O
lugar do sol era
uma
em
26*^
do signo de Scorpius, a que cor-
responde,
como
nação
pois que aquele signo é austral.
sul,
aí se lê,
o sul e indo para lá
também
declinação de
as sombras,
tância zenital meridiana do sol, para
caso
era austral.
i3°^
com
A
19*^21'
ou seja 19°^,
Sendo
decli-
a declinação para
deviam somá-la com a
obterem a
latitude
dis-
que neste
soma, segundo as regras do Regimento, de
Na
lista
o Regimento de Évora encontra-se,
com
19^1 dava 33 graus.
de latitudes que acompanha efeito, entre
as Alturas
do
sul des a linea equinocial de guinee atee ho cabo de boõa esperança,
a
Angra de Estavam
sancta yllena pois
assim calculado
em
um
33*^
com uma
altura de 33°.
de latitude ao sul do equador.
Tinham
elemento indispensável para marcarem a posição
do lugar na universal pintura,
isto
é,
no mapa-mundi.
Um
grau
i36
qA astronomia dos Lusíadas
mais ao
sul
avançava sobre o mar o Cabo de Boa Esperança, que
haviam de dobrar no dia 22
O
trópico de
este niimero
Câncer
e
onde os esperava o gigante Adamastor.
em
ficava
segundo o Regimento, que dava
23°33^,
para declinação máxima do
sol.
perada austral, entre o trópico de Câncer
como o poeta
e
Estavam na zona tem-
o círculo glacial antártico,
na estância 27:
diz
Achamos ter de todo ja passado Do Semicapro pexe a grande meta, Estando entre
elle
Austral, parte do
O
6.
&
o circulo gelado
mundo mais
astrolábio plano dos gregos.
trolábio náutico,
secreta.
— Camões
sabia
bem
que o
as-
usado a bordo das naus portuguesas, não era mais
dum
que a simplificação
outro instrumento, muito mais antigo, do
qual se conservavam línicamente as peças destinadas à medição de
Bastava-lhe ler o parágrafo do Cap.
alturas dos astros.
de Sacrobosco, obra muito sua conhecida, intitulado absoluta terrae,
em
que se explica o
modo
da Sphaera
i
De
qnantitate
de avaliar as dimensões
da Terra: «Totus aute terre ambitus auctoritate Ambrosii: Macrobij: Theo-
&
dosii
Euristenis philosophorú.
Vnicuique quide
m.
stadia cÕtinere
ccclx. graduíã zodiaci septingenta
Sumpto enim astrolábio
dia.
cclii.
í
deputado terre
noctis claritate
stellate
diffinitur.
sta-
per Ptruque in qua
medidinii forame polo perspecto: notetur graduú multitudo steterit
mediclinium supra orizonte. deinde procedat cosmimetra
recte cõtra septetrione a meridie donec vt prius polo steterit altius
í
di-
alterius noctis claritate viso
vno gradu medicliniú. post hoc mensus
huius itineris spaciiã et íuenietur. ccccccc. stadioríí.
sit
Datis igitur vni-
cuique ccclx. gradú tot stadiis terreni orbis ãbitus. cchi. m. stadioru inuentus erit»
*
^.
No Tratado da Sphera
de Pedro Nunes lê-se a seguinte tradução deste tre-
cho: "Ho cerco de toda a terra segundo dizem os filósofos Ambrósio. Theodosio.
& Eratóstenes he de dozentos & cinquoenta & dous mil estádios dando & sesenta partes do zodíaco setecentos estádios. E ho modo que se tem pêra se isto alcançar he este. Tomaremos ho estrelabio & em noyte crara & estrellada: oulharemos ho polo per ambos os buracos do mediclinio: que he a regra que joga no centro: & notaremos a quantos grãos esta o mediclinio:
Macrobio a cada
:
:
:
hua das trezetas
:
depoys disso yremos dereitos ao norte: ate que outra noite nos amostre ho mediclinio estar
ho polo mais
alto
hum
zentos
&
sesenta grãos
:
Se medirmos este espaço de caminho:
grão.
acharemos que sam setecentos estadioe:
& dando
acharemos quanto
seja
outro tanto a cada
ho cerco de toda a
hum
terra».
dos tre-
Cap.
VIU— O
i3j
astrolábio
Transcrevemos da edição de i5i5, comentada por Pedro Ciruello {Johannis de sacro busto sphere textiim vna ciim additionibiis Petri C/'n/^///, Parisius, i5i5,
um
Trata-se de medir
fl.
no Cap.
32, r.), a que já nos referimos
v.
arco do meridiano, compreendido entre dois
num
lugares, cujas latitudes difiram
Vê-se aqui indicado o
grau.
modo
de determinar a altura do polo, dirigindo para a Polar a medeclina
do astrolábio, até se enfiar esta estrela pelos dois e
das pínulas
orifícios
Temos
fazendo a leitura da graduação nesta posição.
pois as peças
constitutivas do nosso astrolábio náutico claramente indicadas
no
as-
embora impressa escrita na primeira me-
trolábio a que se refere a obra de Sacrobosco, que,
pela primeira vez
tade do século
em
*
Ferrara
em
1472, fora
XIII, compilada de fontes árabes.
Aos árabes
deveu o conhecimento na Europa ocidental deste
se
astrolábio, que era
um
instrumento bastante complexo.
Foi
mesmo
opinião corrente que eles o tinham inventado, a ponto de se lhe cha-
mar
«astrolábio dos árabes».
ceberam dos gregos
Está porem hoje demonstrado que
este instrumento,
do astrolábio esférico
se distinguir
em
siríaco
Do
siba, bispo de Qenserin.
clue
M. Nau {Le
VW
síècle
e
francesa
no século
re-
asU^olábio plano, para,
M.
do armilar.
com tradução
cou, pela primeira vez, astrolábio, escrito
chamado
um
Nau
F.
publi-
tratado sobre o
por Severo Sabokt de Ni-
vii,
estudo deste importante documento con-
traité siir Vastrolabe plan de Sévère Sabokt, écrit
M.
d'après des soiirces grecqiies, par
au
F. Nau, Paris, 1899)
que o astrolábio plano, que se supunha posterior a Ptolomeu (século d.
de C.),
foi
inventado por Eudóxio de Gnido (409-366
por Apolónio de Perga (séculos
foram apenas os transmissores aprendido
Para
com
iii~ii
dum
a obra de
M. Nau.
duas pínulas furadas sobre a graduação.
e
as
reproduzimos as figuras que
fig.
está representado o as-
I
Aí vemos a medeclina com as
Por baixo da medeclina fig. III
e
dentro da cercadura
mostra isolada.
móvel como a medeclina, mas independente
dela,
fig. II
numa
placa circular
representa separadamente.
fixa,
aranha é
torno do eixo
sobre a qual ela se move,
Cada instrumento
Fica assim rectificada a infôrmâçáo que, â respeito da
demos no cap. 11, M. de La Lande. JO
em
A
Através das largas aberturas desta recortada peça vêem-se
os círculos traçados
1
os árabes
extremidades ponteagudas que deslisam
graduada vê-se a aranha, que a
que a
Assim
instrumento, cujo uso tinham
Na
trolábio completo, do lado do rosto.
central.
de C.) ou
os gregos.
se fazer ideia deste instrumento,
acompanham
de C).
a.
11
a.
pág. 10) e que colhêramos,
i.«
tinha,
em
edição da Sphaera^
sem mais exame, na Astronomie de
dá astronomia dos Lusíadas
l3S geral,
ou de
um
jogo de três a sete destas placas,
latitude», sobrepostos
numa chapa tnãe
circular,
metidos todos,
munida dum rebordo,
do astrolábio, caixa
stituía
e
chamadas
cilíndrica de
a
«discos de clima
bem como
a aranha,
que os árabes chamavam
pequena
altura, cujo
fundo con-
o dorso do astrolábio, vindo o rebordo formar do lado do rosto,
a cercadura graduada,
Fig.
I
que se vê na
- ROSTO DO
superior, o anel de suspensão*
íig. I,
a que se prende, na parte
ASTROLÁBIO PLANO.
Dentre os discos de
latitude, coloca-
va-se por cima o que correspondia à latitude do lugar de observação;
sobre êle girava a aranha
Os
discos de latitude,
e
por cima desta a medecHna.
como o desenhado na
fig. II,
conteem
a pro-
jecção estereográíica dos círculos da esfera celeste, sendo ponto de vista o polo austral e plano de projecção o plano paralelo ao equador,
tangente à esfera no polo norte.
Cada ponto
é
pela recta dele tirada para o polo antártico. centro do disco, emjc.
O
círculo
COO
é
projectado neste plano
O
polo norte está no
projecção do trópico de
Cap, Capricórnio;
EE'W
é a
VIU— O
i3g
astrolábio
projecção do equador e
DD D"
a do trópico
de Câncer; o pequeno círculo central é o orifício onde passa o eixo
do instrumento.
O
cercam o ponto
são as almocântai^as^ ou «paralelos de altura», sec-
:{
zénite é projectado
em
^.
As
circunferências que
A
ções feitas na esfera celeste por planos horizontais equidistantes.
maior de todas
HE WH'
Fig.
começam por
rências
é a
projecção do horizonte.
Estas círcunfe-
n - DISCO DE LATITUDE.
cercar completamente o zénite, depois são inter-
rompidas na parte superior, indo terminar no bordo do disco, onde atingem o trópico de Capricórnio.
A parte
do céu
austral,
desde este
trópico para o sul, não é representada no disco.
As
linhas
que se interceptam no zénite, formando
arcos de círculo,
1
como {E, são
Adoptamos, para designar
forma portuguesa, com
um
feixe
os «círculos verticais», que vão
estas circunferências, a palavra almocântara
a autoridade
do professor
sr.
badar.
como
David Lopes, profundo conhe-
cedor da língua árabe, donde a palavra deriva, que a respeito dela nos diz: particípio passado, na
de
marcar
«É o
forma feminina, do verbo cântara: construir em arco, abo-
em arco. A sílaba mo (ou mu) é o preíixo formativo Deve ler-se almocântara e não almocantarat. Há na forma árabe que soa t no estado construto, mas fora disso é apenas sinal do feminino
Daí (al)cântara, ponte
dos particípios.
um
sinal
em
a: aldeia, alcântara,
deiaí, alcantarat».
como
se vê das respectivas formas portuguesas, e
não
al-
QÁ astronomia dos Lusíadas
140
Um
no horizonte os azimutes.
segundo
a recta vertical
deles é o meridiano, que se projecta
Com
.^ji?.
estas linhas e as almocântaras fica
estereografada a rede de círculos correspondente ao sistema de coor-
denadas dos astros, que teem por círculo máximo fundamental o horizonte e por isso
chamadas coordenadas horizontais:
a altura e o azi-
mute.
Fig. III
As
dem
linhas,
numeradas de
de trópico a trópico,
das quais se
— ARANHA
podem
i
DO ASTROLÁBIO.
a 12, que na
como CD, são
metade
inferior se esten-
as linhas horárias, por
meio
saber as horas chamadas planetárias ou desiguais.
As horas do dia são contadas de a 12, desde como as da noite desde o seu ocaso. A hora i
o nascer ao pôr do sexta é
sol,
marcada sobre
o meridiano.
O
disco
tem em cima
um chanfro
que o
fixa
na caixa do astrolábio,
para não ser arrastado pela aranha, quando esta sobre êle desliza torno áo eixo central que (fig. III)
contêm
nos doze signos
um
mantêm
as peças
do instrumento.
círculo excêntrico, projecção
e estes
em
graus.
se suprimiram.
da
estrela.
A
cada
uma
aranha
do zodíaco, dividido
Nela estão também representadas
as principais estrelas fixas, designadas pelos seus
teiro, cujo
A
em
delas corresponde
nomes, que na figura
um
denticulo ou pon-
ponto extremo marca a posição da projecção estereográfica
Para se
ter a posição dos planetas, procura-se nas
a sua situação no zodíaco no dia da observação.
O
Tábuas
ponto, que no zo-
VIII— O
Cap.
141
astrolábio
díaco da aranha marca o signo e grau achado, é a projecção do pla-
A
neta nesse dia. fixas e
uma representação das Fazendo-a mover em torno do centro,
aranha oferece pois
dos planetas.
imagem do movimento
projecção do polo, temos a
diurno.
estrelas
que
é a
Para
co-
porem os astros na posição que, sobre o horizonte dum lugar, ocupam num determinado instante, é preciso fazer uma observação
locar
E
de altura.
O
Para
dia.
para
a sua
que serve a medeclina.
do
isso toma-se a altura
medeclina para o
anel, dirige-se a
com
isto
pode servir para se saber, por exemplo, a hora do
astrolábio
sombra
sol.
sol,
de
Suspenso o astrolábio pelo
modo que
a pínula alta cubra
Suponhamos
a pínula baixa, e lê-se a graduação.
que se acharam 3o° para altura do
sol
sobre o horizonte nesse instante.
Procura-se nas Tábuas o ponto ocupado no zodíaco pelo sol nesse dia.
E
o ponto correspondente do zodíaco da aranha que tem de colocar-se
em
Faz-se rodar a aranha sobre o disco da latitude do
3o^ de altura.
lugar, até que aquele ponto
dum
3o°,
venha colocar-se sobre a almocântara de
ou outro lado do diâmetro vertical do disco, conforme o sol
estiver a oriente
o horizonte.
Também
sagem superior se eleva
e
astro-
sobre
se
vêem
os pontos do zodíaco que vão na pas-
na inferior pelo meridiano, assim como o ponto que
no oriente
a astrologia.
Então temos no
momento ocupam
ou a ocidente do meridiano.
lábio os astros colocados na posição que nesse
e
o que desce no ocaso, o que era importante para
A hora
é
dada pelo número da linha horária que marca,
na metade inferior do disco, o ponto do zodíaco diametralmente oposto ao ocupado pelo
Durante a
um
sol.
noite,
para pôr a aranha na posição correspondente a
certo instante, fazia-se a observação da altura
Para
fixas nela representadas.
duma
das estrelas
isso servia a medeclina,
cujos orifícios se visava a estrela.
Se
a altura lida era,
através de
por exemplo,
de 20°, fazia-se girar a aranha até que o extremo do ponteiro da trela viesse colocar-se sobre a
díaco ocupado nesse dia pelo
almocântara de
sol,
horária
No Tratado
em
O
HE WH'
ponto do zo-
do horizonte
que ele se achava, dava a hora da
e
cinco problemas astro-
nómicos, dos quais acabamos de resumir os dois primeiros, astrolábio é usado noite.
como
Não há
em
que o
relógio para a determinação da hora do dia
cálculos a fazer; tudo se reduz à leitura dos nú-
meros gravados no instrumento.
bem
(fig. I),
noite.
de Sabokt, publicado por M. Nau, a descrição do
instrumento é seguida da resolução de vinte
ou da
es-
dado pelas Tábuas, estava então na
parte inferior do disco, abaixo do círculo e a linha
20°.
distincto: a medeclina,
Há
no astrolábio duas partes de uso
bem como
a graduação, sobre
que correm
as suas pontas, são destinadas à observação das alturas dos astros; a
142
(l/í
aranha
e
astronomia dos Lusíadas
o disco de latitude funcionam
como máquina de
calcular, in-
dicando a aranha, quando levada à posição conveniente, os números a ler sobre as linhas
A
do
disco.
figura junta representa
Diamètre
:
belo exemplar deste instrumento,
Hauteur suspendu.
12 5 "^/m
:
Epal^seuT
um
7™"/m
Poids.errviron
:
ISO^^ti 1
Kilog.
ASTROLÁBIO ÁRABE DE BRONZE, construído por
feito
século x, existente"na Biblioteca Nacional de Paris.
de bronze no século x, que se conserva na Biblioteca Nacional
de Paris.
É um
para Djafor,
em
Ahamed ben Khalaf no
filho
astrolábio árabe construído por
de Moktafi Billah, nascido
377 C907 a 987 da era
cristã).
em
A medeclina
Ahamed ben Khalef
294 da hégira, falecido está colocada do lado
nsTROLHBio PLnno DO
Rei
AFOMSO X (SÉCULO
de CfiSTELA XIII)
telafa^bdâftrola^
FIQURn DO ROSTO
(faz)
DO HSTROLnBIO
n aranha (red), colorida toda de amarelo, contêm o zodíaco e os ponteiros das estrelas fixas. Htravez das suas aberturas vêem-se, em fundo branco, no disco áa latitude de Toledo (ladeza XL): a projecção estereográfica das almocântaras e circulos verticaes, acima do horizonte; e as linhas horárias, que marcam as horas deseguaes, na parte inferior. O rebordo exterior graduado, a que se prendem as argolas de suspensão, coloridas de amarelo como êle, faz parte da mãe do astrolábio que forma o dorso do instrumento. Na figura não se vê a medeclina, porque esta corre sobre a graduação, do lado do dorso.
Vlll— O
astrolábio
14B
sobre
um
disco de latitude, que
está desviado da posição que deve ocupar.
A
rede dos círculos ver-
Cap.
do rosto sobre a aranha,
ticais e
e esta gira
almocântaras está descaída para a esquerda
em
vez de ocupar
a parte superior, o que resultou de se ter fotografado o instrumento
no estado em que actualmente se encontra. É preciso pois imaginar o diâmetro, que passa no zénite, levado à posição vertical. Ao sr. Joaquim Bensaúde agradecemos a cedência que nos fez do cliché deste desenho que se encontra no seu excelente
au Portugal
X de
L' astronomie nautique
(pág. 87).
No Tomo fonso
livro
II
dos Libros dei saber de astronomia dei rey D. Al-
Castilla,
Madrid, i863, encontram-se os quatro Libros de
Os
dois primeiros, intitulados Libros deli astrolábio
los astrolábios.
redondo, tratam da construção
e
O
uso do astrolábio esférico.
lábio plano é estudado nos dois Libros deli astrolábio llano.
em
meiro destes,
astro-
O pri-
que se ensina a construir o astrolábio, fecha com o
debuxo do instrumento,
visto
do lado do rosto, que reproduzimos
Aí se vê a aranha
página separada.
seu zodíaco excêntrico
e
(red),
colorida a amarelo,
em com
Cerca-a o
os ponteiros das estrelas fixas.
rebordo graduado da caixa (madre) do astrolábio, tendo, na parte superior, os anéis
vêem-se,
em
Na
(ladeia xl).
Através das aberturas da aranha
de suspensão.
fundo branco, as linhas do disco da latitude de Toledo figura
não está representada a medeclina, porque ela
corre do outro lado, sobre o dorso graduado do astrolábio.
com
efeito
Não há
necessidade de colocar a medeclina do lado do rosto, pois
que ela funciona independentemente da aranha.
As observações de
altura dos astros são pois, neste exemplar, feitas no dorso do instru-
mento.
O
Libro
II
contêm cincoenta
e oito capítulos.
Os
cinco primeiros
ocupam-se da nomenclatura das diferentes partes do astrolábio; os cincoenta e três restantes resolvem outros tantos problemas astronó-
O
micos.
Cap. xxx trata da determinação da latitude
altura meridiana
no Cap. XXIX,
do
De
sol.
Um
lugar pela
é resolvido
saber la declinacion de qual grado quisieres dei
^odiaco dei cerco dellyguador, dispensa a
dum
problema subsidiário deste
Tábua de
em
que se mostra como o instrumento
declinações dos planetas, exigindo apenas a das
suas posições nos signos do zodíaco, porque por êle se pode deter-
minar mecanicamente a declinação, isto é, a distância ao círculo do equador (cerco deli jguador), de qualquer ponto do zodíaco. Para isso basta
car-se
mover
a aranha até
no meridiano,
isto é,
que esse ponto do zodíaco vá colo-
no diâmetro vertical do
disco,
acima do
horizonte, e ler o niimero da almocântara que passa pelo ponto nessa
posição.
Leva-se
em
seguida ao meridiano, da
mesma
maneira, o
^ astronomia dos Lusíadas
144 ponto de Aries
números
dois
o
e lê-se
em
clinação do sol
diferença dos
declinação procurada do ponto do zodíaco.
é a
O
serve o disco de qualquer latitude.
isto
A
número da almocântara.
Para
astrolábio dá pois a de-
quakjuer momento, desde que se saiba a sua po-
sição no zodíaco.
Vejamos agora como, no século xiii, Afonso X de Castela o problema da latitude pela altura do sol ao meio dia:
resolvia
•
XXX
Gapitolo
«De saber
la
ladeza de qual uilla quisieres. et es la sua longura de
la linna equinoctial.
sobre
mas
alto
non fuer en
la altura dei sol
mingua
libra,
que fincare será
et lo
toma
que puede seer en aquel
cabeça de aries ó de
Et
dia.
que
la altura
si
en
el
fuer
fallaste
médio
dia.
en
el sol
la
de nouaenta.
Et
ladeza de la uilla que quisiste.
la
una destas dos cabeças de
la
polo septentrional
el
uilla.
«Si esto quisieres saber, et es e
quanto se alza
et es otrossí
en essa
la tierra
si el
sol
aries ó de libra, sepas la
declinacion dei grado dei sol assí cuemo te mostramos.
Et
si
fuer la
declinacion dei grado dei sol á parte de septentrion. minguala de la altura de
médio altura
médio
dia.
mingualo
beça de aries et lo
et
annadiendo sobrella. será
delia, ó
la
fuer la declinacion aparte de
si
sobredicha. et lo que fuer de la
la altura
de libra en essa
que fincare será
Ao
Et
dia que fallaste.
annádela sobre
de
la ca-
ladeza de la uilla que quisiste saber».
enunciado do problema junta-se, no
nição de latitude (ladeia)
do polo septentrional.
la altura
Et desende minguala de .XC*
uilla.
duma
título
vila e diz-se
do capítulo, a
que ela
Exclue-se pois o hemisfério
tantes não havia notícia.
Manda-se tomar a
defi-
é igual à altura
sul,
de cujos habi-
meio
altura do sol ao
máxima do sol nesse dia, inditomar, sem necessidade de relógio.
dia e acrescenta-se que ela é a altura
cando-se assim a maneira de a
Quando
se diz que,
não estando o
a declinação do grau do sol assi
ao Cap. XXIX,
nação do
dum
em
cuemo
te
mostramos, faz-se referência
que se ensinou a determinar, pela aranha, a
ponto do zodíaco.
sol faz-se
nos pontos equinociais, se saiba
sol
no dorso do
Assim
astrolábio,
decli-
a observação da altura meridiana
onde corre a medeclina; a
decli-
nação determina-se no rosto do instrumento com a aranha deslizando sobre
um
disco de latitude qualquer.
diferença, da altura solar
com
A
combinação, por soma ou
a decUnação, que depois se
parte do nosso conhecido Regimento
Se há diferença na forma, o cálculo
lê,
é
da altura do polo ao meio é essencialmente o mesmo.
uma dia.
O
.
Cap. VIII
problema
é
— O astrolábio
aqui restrito ao hemisfério norte
ainda nelle se excluem
Neste Regimento de Afonso X, conto
os pontos ao sul do trópico.
podemos chamar-lhe, não
se tala de
rerem sempre ao
Só
norte.
e
i^5
sombras, que se subentende
:corr
do
se trata de lugares situados ao nort^ *
trópico de Câncer.
,
gavam em pleno hemisfério
completado de
uma
é pois
modo
a
as nossas naus nm^er
determinação da latitude tinha
austral, a
O
de fazer-se fora daquelas restrições.
formulou entre nós,
[:r.
'
Quando, na segunda metade do século xv,
Regimento, que para isso.se
generalização do que acabaraos de
poder aplicar-se
em
ler,
todos os pontos do globo
terrestre.
O
astrolábio plano, que se prestava à resolução de tantos problemas
astronómicos, apenas se empregava a bordo das naus na determinação
Para
de alturas.
E
inúteis.
A
e
a graduação sobre que
e os discos
de latitude tornavam-se
medeclina
isso bastava a
as suas pontas corriam.
aranha
certo que estas peças serviam
a declinação
do
sol.
porém
Preteriu-se
também para determinar nas
dispensá-las,,,,. juntando,
Tábuas do sol, às posições nos signos as 4echnaçõe§iem cada :dia> Desembaraçado o instrumento destas peças, puderam aumentar-áe as suas dimensões, o que facultou uma melhor divisão do limbo circular> Tal
a
é
cação
origem do «astrolábio náutico», que não
dum
é
senão
í^, simplifi-
instrumento que os árabes receberam dos gregos
O
duziram na Europa ocidental.
,e
introt
astrolábio plano ficou reduzido ap^r
nas ao necessário para observar alturas: .um círculo graduado, a roda^
em
cujo centro gira
uma
régua, munida de duas pínulas furadas, a
que os gregos chamaram dioptro se
e os
árabes alidade, e que
em
latim
chamou medidinium, donde o nome medeclina, dos nossos marir
nheiros.
Gaspar Correia descreve-nos, nas Lendas da índia, o Çacuto, Abraão Zacuto, ocupado
com
a.
éstrólico
organização das tábuas do
construção dos astrolábios náutico,s:
sol e a
«Elrey (D. Manuel) era muyto inclinado á Estrolomia, polo que
muytas vezes praticaua com o Judeo Çacuto
O
que todo
bem
/.
.
.
...
.
.
ouvido por ElRey houve muyto contentamento e
prometendo ao Judeu muytas mercês por seu trabalho, lhe muyto encomendou que desse cabo a tão boa cousa como tinha começado. Ao que o Judeu se offereceo, e como já tudo tinha exprimentado, e sabido a certeza do decurso do
mando
hum
o esprimento polas estrellas
regimento desta declinação do
sobre sy,
u
e os
mezes
e dias,
de
e os
sol,
com sol,
hum
mudamentos que
fazia, to-
suas artes da estrolomia, fez
apartando os anos, cada
hum
ano bisexto até o outro, que são
dA astronomia dos Lusíadas
1^6
quatro anos apontadamente, de quanto anda o sol cada dia, contado
de meo dia a meo
pêra a banda do Norte, como pêra a banda
dia, assi
do Sul, todo per grande concerto pasta de cobr^ da grossura de
em
que estaua dependurada
boa ordem; pêra o que
e
meo
dedo, redonda,
direita, e nella linhas e pontos, e
outra chapa, assi de cobre corrediça ao redor,
pontos furados direitos
no ponto do meo
hum
em
certo
que estaUa o
que parte estaua o
chamou
estrolabio, que
tudo per grande assi o lugar
o Judeu ensinou
ElRey mandou, como e de que modo hauião meo dia com o estrolabio, ensinandolhe
a alguns pilotos, que lhe
em
meo
per ambos,
sol
tomando
O que
cada ano, se sabia as legoas que erão andadas. de tomar o sol
no
conta polo regimento na tauoa de
e feita
sol,
sol,
huma argola
postos huns
e nella
do outro, porque entrado o
em
dia, se via
arte e sobtil modo, e lhe
fez
com huma
o ponto do
a conta que hauião de fazer polas tauoadas do regimento, no que
todo os muyto industriou»
No Almanach perpettmm do
(Tabula
sol
de Zacuto, Leiria, 1496, há quatro tábuas
prima, secunda,
solís
1473 a 1476, que, juntamente o cálculo,
em
em
com
et solis
declinação do tais cálculos.
dum
um
do-se
permitem
com
aquela posição, dá a
de Munich preferiu-se pôr de parte
Distribuiram-se os 36o graus do zodíaco pelos 365 dias
uma
mesmo número
E em
nalguns dias.
números inscreveu-se, como vimos,
destes
em
sol,
mesmos que feito
solis,
Depois a Tabida declinationis plane-
No Regimento
sol.
correspondente do são os
Tabula equationis
ab equinotiale, entrando nela
ano, repetindo-se o
de cada
a
iercia, quarta) para os anos de
graus, minutos e segundos, da posição do sol no zodíaco
cada dia de qualquer ano.
tarum
em
*.
se
a declinação
Estes graus e minutos
graus e minutos.
lêem na Tabula declinationis de Zacuto,
ou outra interpolação onde há repetição do
grau do zodíaco.
O
frente
Regimento de Évora,
anual, contêm tábuas de declinação para
em
um
vez
ciclo
duma
ten-
mesmo
única tábua
de quatro anos, o
que mostra que ao tempo da sua publicação se requeria
já
maior pre-
cisão. .
.
Depois de se referir às tábuas de declinação do
Correia o astrolábio náutico
para se fazer, pelo arte -
E
e sobtil
e o
sol,
descreve Gaspaf
seu uso no tomar do sol ao meio dia
Regimento, a conta de
latitude, tudo
per grande
modo,
dizendo ainda,
em
continuação do que acabamos de transcrever,-
que Zacuto se ocupou também do Regimento da estrela do Norte, para
Lendas da Índia, Lisboa,
i858, tom.
í,
págs. 261 e 263.
VIII— O
Cap.
147
astrolábio
que os pilotos soubessem navegar «assi com o
sol,
como com
a escu-
ridão da noite», acrescenta (pág. 264):
«O que
em
tudo foy
bem, como
tanto crecimento de
parece ao seruiço do Senhor Deos; porque homens
entendimentos forão mais entendendo
em
com que
alcançando,
em
dia
de sobtys ora está
toda perfeição».
Também Gamões diz que saber as partes em que estão
O
que
novo,
é
mento em
Este
uso náutico.
Deixámos
na navegação. e
por
e os pilotos
tratam de
siitil
juizo
&
sábio.
uma
não
e sábio,
é
o instru-
simpHcidade primitiva, mas sim o seu
o sentido do poeta.
é
atrás (pág. i33) transcrito o trecho de João de Barros
que diz que
quando
Gama
invenção de juízo subtil
e
reduzido a
si,
Vasco da
nouo instrumento do Astrolábio
Pello
Inuençam de
em
e
oje
scientes, e
em
Portugal se achou o primeiro uso do astrolábio
Gontinuemos
quem
«No tempo que
foi
a
leitura
achado (Década
o jnfante
desse trecho para sabermos i,
Liv. iv, Gap.
dom Anrique começou
11):
o descobrimento
de Guiné, toda a nauegaçam dos mareantes éra ao longo da costa,
uandoa sempre por rumo: da qual tinham suas
noticias per sináès de
que faziam roteiros como ajnda ao presente vsam
& pêra ^quelle modo
de descobrir
jsto bastáua.
em
algua maneira*,
Peró depois que
quisserã nauegar o descuberto, perdendo a vista da costa
matiua
&
que segundo seu
modo em
elles
& engolfan'-
dose no pego do mar: conheceram quantos enganos recebia na juizo das singraduras
\é-
esti-
vinte quatro
dauam de caminho ao nauio, assy por razam das correntes como doutros segredos q o már tem, da qual verdade de caminho a altura Peró como a necessidade é mestra de todalas é my certa mostrador.
oras
artes, e têpo delrey
dô Joã o segudo foy per
&
negócio a mestre Rodrigo dicos,
&
a
elle
a mestre Josepe judeu
encomedádo
hu Martin de Boémia natural daquellas partes: o qual se
gloriáiia ser discípulo de Joãne de
entre os professores desta sciecia.
de nauegar per altura do
sol,
Monte Régio afamado astrónomo
Os quáes achárã
radamente do q começou,
esta
maneira
de que fizeram suas tauoádas pêra de-
clinaçam delle: como se óra vsa entre os nauegantes,
páo».
este
ambos seus mé-
em
já
mais apu-
q seruiã estes grades astrolábios de
t^
qA astronomia dos Lusíadas João de Barros alribue pois a invenção do uso náutico do astrolábio
mesmo
a mestre Rodrigo, a mestre José Judeu, que é o
mestre José
Almanach de Zacuto e Martim Behaim, que chegara a Lisboa em discípulo de Regiomontano. Esta passagem Behaim a introdução do astrolábio em Por-
Vizinho, que traduziu do hebreu para latim o se intitula seu discípulo, e a
1484
e se
gloriava de ser
deu lugar
a atribuir-se a
não
tugal,
atendendo a que Barros
se
Afirmou-se também que e
do seu uso náutico apenas.
fala
Ephemerides de Regiomontano
ele trouxera as
que delas se extraíram os elementos para as nossas Tábuas do
Assim o instrumento
e as
tábuas náuticas, usadas pelos navegadores
portugueses, seriam de origem alemã. sidade de
opinião.
tal
Não
é
Está hoje demonstrada a
sol,
Ora não são
de 23°3o'.
calculada para
os
uma
As tábuas
foi
tá-
obliqúidade da eclíptica
uma
a
que se encontram no RegÍ7nento de Munich.
de 23^36' só
O
que se encontra a
*
números desta tábua, mas sim
manach perpetunm de Zacuto, correspondentes 23°33',
fal-
mas sim nas Tahulae
nas Ephemerides,
directioniim profectioniunqiie de Regiomontano
bua das declinações do
sol.
os do Al-
obliqúidade de
A
obliqúidade
adoptada, muito mais tarde (i537), por Pedro Nunes.
náuticas portuguesas
provêem
pois de fonte peninsular.
astrolábio plano, donde derivou o astrolábio náutico, era conhecido
na península séculos antes da vinda de Behaim.
Gaspar Correia cuto,
em
atribue,
por seu lado,
um
papel exagerado a Za-
parecendo apresentá-lo como único introdutor da sciência náutica
Nos primeiros anos do
Portugal.
rique conseguira trazer para cá mestre e construtor de instrumentos.
aqueles que julgou competentes
século xv já o infante D.
Jácome de Maiorca, cartógrafo
D. João
em
Hen-
II
reuniu
em
cosmografia,
torno de
si
todos
como foram o bispo
de Ceuta D. Diogo Ortiz, mestre Rodrigo, mestre José Vizinho, Mar-
Abraão Zacuto, que veio de Salamanca em 1492. Tinha uma junta de astrónomos, cristãos e judeus, como tivera Afonso X
tim Behaim pois
de Castela.
e
Este, justamente cognominado o sábio, dedicava-se à
astronomia por puro amor da sciência, tendo D. João
dum
*
II,
político sagaz,
punha
um
infeliz.
a sciência astronómica ao serviço
vasto plano, comercial e marítimo.
J.
reinado
Bensaúde, L'asÍronomie nautique au Portugal, pág.
2Ô.
IX Novo céu
O
I.
Cruzeiro do Sul.
mentos sob o impulso
forte
— Encetadas
as navegações dos descobri-
do Infante D. Henrique, lançadas as naus
portuguesas através dos terrores do desconhecido para regiões que a sciência então dizia inhabitáveis, os reis portugueses, proseguindo a
obra do Infante, tiveram particular cuidado, como resulta do precedente capítulo,
em
instrumentos
das necessárias regras de astronomia, sendo-lhes guia
e
que os nossos mareantes partissem providos de
todos os recursos que os conhecimentos dos cosmógrafos podiam mi-
Assim no Tratado em defensam da carta de marear, Pedro Nunes: nistrar.
«Ora manifesto he que
estes descubrimentos de costas: ylhas:
diz
&
nam se fezeram indo a acertar: mas partiam os nossos mareantes muy ensinados & prouidos de estormentos & regras de terras firmes:
astrologia
&
ham dãdar
sua Geografia. ja as
sam cousas de que
geometria: que
Leuauã
cartas
muy
particularmente rumadas:
de que os antigos vsauam: que
dose ventos
As
Cosmographos
os
apercebidos: segúdo diz Ptolomeu no primeiro liuro da
&
nam tinham mais
& não
figurados que
nauegauam sem agulha».
regras de astronomia
eram resumidas nos Regimentos. Pelo
Regimento da altura do polo ao meio dia determinavam a latitude, medindo a altura do sol na sua culminação. Com o Regimento da Estrela do Norte obtinham a latitude
observando a Buiina. e
este
Ao
sul
Regimento tornava-se
ram então atentamente
Os
nossos navegadores estuda-
as estrelas austrais,
duma
noite,
do equador porém perdiam a Polar,
inútil.
ção que substituísse a Ursa menor
grupo com a forma
sabiam as horas da
e
e
em
busca
acabaram por
cruz, cuja haste,
duma
distinguir
constela-
um
marcada por duas
novo
estrelas
qA astronomia dos Lusíadas
j5o (a, Y
Crucis)^ tendo
aproximadamente
nha com o polo, tomando
Chamaram
ridiano.
mesma
ascensão recta, se
noite e
determinavam
ali-
na passagem pelo me-
Por
nova constelação Cruzeiro do Sul.
à
marcavam as horas da da agulha de marear,
a
a posição vertical
ela
No Tratado Lisboa em i5i4
a latitude.
redigido pelo piloto João de
*,
ensina-se a medir por ela a declinação da agulha.
Se a origem portuguesa do Cruieiro não
foi
ainda reconhecida
pelos historiadores da astronomia, resulta isso apenas de serem mal
conhecidos no estrangeiro os documentos que a comprovam, dos quais
Foram
nos vamos ocupar.
os portugueses que
marcaram
Centauro, para guia dos navegadores, este brilhante sinal de cruz, que tamanha celebridade adquiriu no século xvi.
briram só novas terras
e
junto do
em forma
Não
desco-
novos mares; deixaram também na esfera
Por isso no Tratado em defensam da carta de marear, que acompanha o Tratado da Sphera, pubhcado em iSSy, diz Pedro Nunes; celeste este
«Nam
novo asterismo.
ha duuida que as nauegações deste reyno de cem anos a
esta parte:
sam
mayores: mais marauilhosas: de mais
as
altas
&
mais discretas conjeyturas: que as de nenhúa outra gente do mundo.
Os elle
portugueses ousaram cometer o grande
sem nenhu
A
estas
Entrara por
Descobriram nouas ylhas: nouas terras: nouos
receo.
mares: nouos pouos:
mar Oceano.
majs
&i o q
descobertas
faz
he: nouo ceo: nouas estrellasy>.
Camões
alusões
frequentes,
como em
V,4: Assi fomos abrindo aquelles mares
Qae geraçam As nouas
Que
em
II,
algíãa
ilhas
nam
vendo
&
abrio,
os nouos ares,
o generoso Enrique descobrio;
8b: Assi dizia,
&
todos juntamente,
Hus com outros em
pratica fallando
Louuauam muito o estamago da gente, Que tantos ceos & mares vai passando; ou
em
IX, 17:
O A
prazer de chegar aa pátria cara, seus penates caros
Pêra contar
Nauegaçam, os vários
i-
J. 1.
&
a peregrina,
parentes,
&
çeos,
rara
&
gentes,
de Brito Rebelo, L/vro de Marinharia, Lisboa, igoS, págs. 22 e 23.
:
Cap.
IX — Novo
iji
céu
Vir a lograr o premio, que ganhara
&
Por tam longos trabalhos,
accidentes,
Cada hum, tem por gosto tam
Que o coração para
O
nopo céu
é descrito
O O
foi
do ramo claro
mar, por yr deitar do ninho caro
morador de Abila derradeiro
Num
&
engenho raro,
madeiro ajuntando outro madeiro,
Descobrir pode
a parte,
De Argos, da Ydra
leste
:
venturoso Rei, que arou primeiro
Este por sua industria,
Um
perfeito,
he vaso estreito.
no último verso de VIII, 71
Conceito digno
Do
-
elle
que
faz clara
a luz, da Lebre, e da Ara.
observador, colocado no polo norte da Terra, tem o polo ce-
no seu zénite
e
com
o equador coincidente
o horizonte, e por isso
vê apenas as estrelas do hemisfério celeste boreal, as quais no seu
movimento diurno, sem nascimento nem ocaso, descrevem circunfer rências horizontais (almocântaras). Semelhantemente o observador situado no polo sul só vê as estrelas do hemisfério celeste austral, sendo
para
êle invisíveis as
A
que estão ao norte do equador celeste.
estas
duas estações corresponde o mínimo campo de visibilidade dos astros.
Os
habitantes do equador
eles os dois poios ficam
podem
modo
círculos diurnos verticais descritos pelas estrelas, de
Os
estão 12 horas acima e 12 abaixo dele.
meço da
noite abaixo
Para
ver toda a esfera celeste.
no horizonte que divide assim ao meio os que. elas
situados ao co-
astros,
do horizonte, vão subindo do lado do oriente
e,
volvidas 12 horas siderais, acham-se todos na parte superior, tendo
passado para a parte inferior todos aqueles que, no princípio da noite,
Numa
brilhavam no hemisfério superior. pois ver-se,
numa
podem boreais como
estação equatorial
só noite, todas as constelações, tanto
austrais.
Um equador
observador situado entre o e
o polo norte pode ver
12
to-
das as estrelas boreais e as austrais
*
/
que não fiquem compreendidas na calote esférica
que determina,
do polo
um
sul,
círculo
em
torno
menor da
lerà celeste, distante dele
um
es-
niímero
de graus igual ao da latitude do lugar.
As estrelas boreais que estão dentro duma calote igual em volta do polo norte nunca descem abaixo do hori-
—
^-'-^TÍ^^ \' •/T \
t"\, /.
\
"V*-v. *'•.
X.^^xX
\
l-w
\\
'/-'A
^N^vl^
A"/^
\x^ \\'' V
V\
x\
'-X
X. ••
\ \
v\
\
''•./!
A
,''''\
*-Ns^
"VZ-^-VT ^^-^^V \
X^JX
^^^^--^^^l^J—-^"^^^
V /
:
qA astronomia dos Lusíadas
j-52
zonte
descrevem a maior parte do seu
as outras estrelas boreais
;
As
culo diurno acima dele.
estrelas austrais, pelo contrário,
ram mais tempo abaixo do que acima do
O
horizonte.
tem logar para o observador situado ao
inverso
Aí as constelações
como Argos,
austrais,
cír-
demo-
sul
a Hidra, a
do equador.
Lebre
Ara,
e a
conservam-se, no seu percurso diurno, mais tempo acima do que abaixo
do horizonte; as constelações boreais
demoram menos tempo no Camões
indica
visíveis
sobem
a
menor
altura e
hemisfério superior.
no último verso da estância, que acabamos de tran-
screver, o novo céu que se ia oferecendo à contemplação dos nave-
gadores, onde predominavam cada vez mais as constelações austrais,
ao passo que avançavam para o
Não
sul.
Argos, a Hidra, a Lebre
lações novas.
porem a consteAra figuram já no catá-
se refere
e a
logo de Ptolomeu.
Onde
.
o poeta fala de nova constelação é
Ia descuberto ,
A
De
ser
IV, 85:
no Olimpo
A palavra tíeinispério celeste
estrellas
em
como
a de Argos.
indica geralmente nos Lusíadas o hemisfério
que assenta sobre o horizonte.
vide a esfera
Qualquer círculo máximo
di-
dois hemisférios: o equador divide-a nos hemisfé-
boreal e austral; o horizonte separa os hemisférios, superior e
inferior.
É
o hemisfério superior,
geralmente designa. lá
estrella.
palavra estrela é tomada aqui na significação de constelação,
como no último verso de
rios,
/
V, 14:
tínhamos diante
La no nouo Hemisperio, noua
>
em
E
assim
—
lá
a
abóbada
celeste,
no novo hemisfério
que o poeta
— quer dizer:
no novo céu, no céu que cobre as regiões austrais do globo
ter-
restre.
Assim também em
'
8:
I,
Vos poderoso
O Ve
Sol logo
o
em
Rei, cujo alto Império,
nascendo, ve primeiro
também no meyo do Hemispherio,
E quando
dece o deixa derradeiro;
O sol vê o império português quando nasce no oriente, vê-o
na sua culminação no meridiano (meio do hemisfério) ocaso.
O
e
também
ainda no seu
império a que o poeta aqui alude é o do seu tempo, que
se estendia desde a Ásia, pelas costas de. Africa, até ao Brasil,
como
:
-
Cap.
em
diz depois
VII, 14,
IX— Novo
céu
i53-
quando descreve as possessões da «pequena
casa Lusitana»
De Aífrica tem maritimos assentos, He na Ásia mais que todas soberana, Na quarta parte noua os campos ara, E se mais mundo ouuera la chegara,
No Tratado da Évora,
lê-se,
^
spera do mudo, existente na Biblioteca Pública de
na parte do Cap.
11
que se ocupa do Meridiano
e
Hori-
zonte:
«Em. a spera ay outro circulo mayor: chamase orizonte. hè hu ho mais de cima hemisperio do de mais de baixo
circulo que aparta
& por esso se' chama orizõte. q qr & porq aliem de elle nenhúa cousa circulo do emtsperio»
Ao
podemos
chama
veer.
lhe
tãbem
*.
horizonte chamava-se pois «círculo do hemisfério»
em
poeta
dizer terminador de nossa vista.
;
por isso o
geral designa por hemisfério a meia esfera que se apoia
sobre o horizonte, e assim tem de interpretar-se
A
em
I,
65:
ley tenho daquelle, a cujo império
Obedece o
visibil,
&
—
inuisibil,
Aquelle que criou todo o Emispherio,
Tudo
Todo
da Terra o
ronha
homem
Elegia
—
,
&
todo o
insensibil.
o hemisfério é o maravilhoso espectáculo
minador de nossa
Na
o que sente,
III,
que
em
cada lugar
pode contemplar acima do horizonte, que
vista».
que tem a
riíbrica
—^Da
índia a D. António de
descreve Gamões o temporal que, ao dobrar do
Boa Esperança,
assaltou a náu S. Bento,
é «ter-
em
que
foi
em
No-
Gabo de
i553 para a
índia:
Porque chegando ao Cabo da Esperança,
Começo da saudade que renova, Lembrando a longa e áspera mudança;
^
O
trecho original correspondente na Sphaera de Sacrobosco é:
«Horizon
vero est circulus diuidens inferius hemisphaerium à superiori, vnde appellatur horizon, id est, terminator visus.
causa».
Dicitur etiã horizon circulus hemisphaerij,
eadem
;
:
^54
:
;
oá astronomia dos Lusíadas Debaixo estando
da estrella nova
já
Que no novo Hemispherio resplandece, Dando do segundo axe certa prova Eis a noite com nuvens s'escurece;
Do ar subitamente foge o dia E todo o largo Oceano s'embravece.
A
que resplandece no novo céu,
estrela nova,
Quando
as naus
davam
o Cruzeiro do Sul.
é
a volta da Africa, o polo sul tinha já
O
vação que tornava esta constelação circumpolar.
em
á sua haste alinhada pelo polo, descrevia
ele-
com
torno dele todo o seu
«dando do segundo axe
diurno acima do horizonte,
círculo
uma
Cruzeiro,
certa,
prova».
Voltemos agora à estância V,
de que
14,
já
começámos
a ocu-
par-nos Ja descuberto tínhamos diante
La no nouo Hemisperio, noua estrella, Não vista de outra gente, que ignorante Algíãs
tempos esteue incerta
Vimos
a parte
menos
d'ella
rutilante
E por falta destrellas menos bella. Do Polo fixo, onde inda se nam sabe Que
A
outra terra comece, ou
mar acabe.
nova constelação, a que Gamões aqui
Elegia
III,
se refere, é a
mesma da
o Cruzeiro do Sul, que êle afirma ter sido assinalada pelos
portugueses, não a tendo visto
nenhuma
outra gente antes deles.
A
verdade desta afirmação do poeta tem sido obscurecida pela opinião, até
há alguns anos geralmente
mento do Cruzeiro no
tral,
que atribue a Dante o conheci-
em
princípio do século xiv,
Quando Dante chega com
vina Comédia. eleva a
aceite,
que compôz a Di-
Vergílio à ilha
montanha do Purgatório, situada em 82 graus de
numa
em
latitude aus-
posição antípoda de Jerusalém, olha para o oriente
tando-se
em
estrelas,
nunca
seguida para a direita na direcção do polo vistas por
Io
mi
volsi a
que se
sul,
e, vol-
vê quatro
ninguém senão pela primeira gente: man
destra e posi
mente
Airaltro polo, e vidi quattro stelle
Non
viste
mai fuor che
alia
prima gente.
(Purgatório,
Que
estas quatro estrelas são as do
corrente, apoiada
em
autoridades
J,
22-24).
Cruzeiro tem sido opinião
como Humboldt,
Rizzacasa d'Orsogna mostrou os erros envolvidos ção, emitindo
um
novo parecer:
as quatro estrelas
até que
em
tal
em
1907
interpreta-
pertencem à cons-
IX— Novo
Cap.
Ara.
telação dá
céu
i5ò
F. Angelitti, professor de astronomia na Universi-
dade de Palermo, publicou, nos anos de 191 2
e
191 3,
um
magistral
estudo de astronomia dantesca na Rivista di Astronomia ^ que se
em Turim,
publica
duma
depois
chegando no ponto especial de que nos ocupamos,
análise minuciosa e completa, a concluir que as quatro
que Dante duas vezes se refere no Purgatório, são as das
estrelas, a
chamas da constelação da Ara, cios,
se
de pura imaginação do poeta.
em
assunto
não são antes quatro astros
fictí-
Depois voltaremos a tratar deste
dêmos como certo que a sciência da Divina Comédia a constelação do
particular; por agora
astronómica acabou por excluir Cruzeiro do Sul.
Os
nossos pilotos consideravam no Cruzeiro cinco estrelas, a que
juntamos, na figura, as letras
duas estrelas a
e y
formam a haste da cruz, sendo desenham a linha dos braços.
beça; as duas, p e
^,
A
da cruz,
£,
que
fica fora
A
de quarta grandeza.
primeira grandeza;
com que actualmente
|5
e y
é
uma pequena
mais brilhante
são de segunda e
observava-se geralmente a
a,
oc,
A
f,
^
che-
a linha ay se tornava vertical e o Cruzeiro
ficava portanto empinado, o que resultava de
mesma
Ca-
latitude
que lhe
a
e y a
mais próxima do polo,
meridiano era marcada pela
quando
Pe
de ter-
§
gada da
servia de Guarda,
a o
As
de
tomando-lhe a altura na sua culminação. a ao
designam.
estrela
a
é
Para a determinação da
ceira grandeza.
se
ascensão recta aproximadamente
terem estas duas estrelas
^.
Desta circunstância
es-
pecial é que resultava a grande importância náutica deste brilhante
grupo de estrelas que os nossos marinheiros souberam destacar da constelação do Centauro,
Três destas
estrelas
encontram-se
já
no catálogo de Ptolomeu,
que se refere ao ano iSy ou i38 da nossa era. visíveis
tauro,
em
sem
Alexandria. as agrupar
capítulo como,
em
Então eram elas Ptolomeu observou-as, incluindo-as no Cen-
num
Vimos no precedente movimento de precessão dos equinócios,
asterismo especial.
virtude do
o polo boreal se tem deslocado, aproximando-se da Estrela do Norte.
O mesmo
^
movimento tem aproximado o polq
F. Angelitti,
cielo stellato
Sugli accenni danteschi ai segni,
da occidente
nomia, Torino, tom. 2
in oriente, di
un grado
in
(T,
da constelação do
alie costella^ioni
ed ai moto dei
cento anni, in Rivista di Astro-
vi, vii.
Eni i5oo a ascensão recta do Pé do Cruzeiro
da Cabeça
sul
Crucis) era. de 181 ",08.
(a, Criicis)
era de lyg^^^gy e a
i56
(2A
No quadro
Cruzeiro. estrelas
dadas
a, p, y,
cem em cem
astronomia dos Lusíadas
junto*
em
ver-se as distâncias polares das
começo da era
anos, desde o
tâncias polares
podem
graus, décimas e centésimas de. grau, de
teem diminuído; assim
a
crista até 1900.
As
dis-
do Pé do Cruzeiro tem sido
reduzida nestes dezanove séculos de 38° a 27^,5.
Distância polar das estrelas
Crucis
Ano
O
37»,96
4i«,4i
44%09
100
3; ,42
40 ,86
43,54
200
36,88
40
,3i
42 ,99
3 00
36,34
39 ^^^
42 ,44
400
35,79
39,21
41 ,89
5oo
35 ,24
38 ,66
41 ,33
600
34,69
38 ,10
40,77
700
34,14
37 ,54
40
800
33 ,59
36,98
39 ,65
900
33 ,o3
36,42
39 ,09
1000
32 ,48
35 ,86
38,53
IIOO
3i ,93
35 ,3o
37,97
1200
3i,37
37,41
i3oo
3o
,81
34,74 34,18
1400
3o ,25
33 ,63
36,27
i5oo
29,70
33 ,07
35,70
1600
29
íM
32 ,5i
35 ,i3
1700
28,58
3i ,96
34,57
1800
28 ,02
3i ,41
34,01
+ 1900
27 ,46
3o ,86
33 ,45
-|-
Em está
Si*"
Alexandria, situada
abaixo do horizonte.
do polo
37*^,42,
de 6°,42
aciritá
1
bis
Estes
em
latitude boreal de 3í°, o polo sul
No
ano 100 o Pé do Cruzeiro, distante
uma
altura
do horizonte de Alexandria, devendo juntar-se ainda
apenas meio grau.
invisíveis
36 ,84
numa
elevava-se portanto na sua culminação a
o efeito da retracção.
maior elevação.
,21
No As
decorrer do século
11
esta altura diminuiu
outras estrelas do Cruzeiro atingiam
Ptolomeu poude pois observá-las todas.
uma
Hoje são
Alexandria.
números são extraídos de
^ur Gegenwart, Leipzig, 1912.
P.
Neugebauer, Stenitafeln von 4000 vor Chr,
Cap,
IX — Novo
i57
céu
procurar estas estrelas no catálogo de Ptolomeu tem de
Para.
calcular-se as suas coordenadas para a época a que este catálogo se
iSy-iSS
refere,
d.
de C.
Usando
as tábuas e fórmulas do opúsculo
Sterntafeln de Neugebauer, que já citámos, obtem-se a ascensão recta
para aquela época, tendo depois de passar-se para a
e declinação
la-
titude e longitude celestes pelas fórmulas sabidas de transformação,
porque são as coordenadas
eclíticas as
Obtem-se
usadas por Ptolomeu.
assim as seguintes posições para as quatro estrelas principais do Cru-
no ano iSy-iSS da nossa era*:
zeiro,
Estrela
a Crucis.
.
.
r
...
Longitude
Latitude
196° 14^
— 52«4l/
.
»
T
»
190 59
B
»
190
No
-48 -47
58
B
195
— 5o
I
catálogo de Ptolomeu, que se encontra nos Lib. vii e
27 33 i5
do
viii
Almagesto, as estrelas estão dispostas pela ordem das constelações, sendo a 44.^ a do Centauro, cujas estrelas são numeradas desde
Destacamos a posição
37.
como
ali
se
e
grandeza das estrelas
Longitude
G
Quae Quae Quae
32 37
Os
a
n.°^.3i, 82 e 87,
encontram ^r
Centauri constellatio 44
3i
i
Talo eiusdem pedis
.
.
G M Au.
5l
10
.
=^ l5 20
Au,
5i
40
pede
=^14 40
Au.
49 »o
.
est extra sub dextro posteriore
M
=^ IO
est in poplite pedis dextri
est in
Magnitude
Latitude
.
niámeros da coluna das longitudes indicam as posições no signo
de Libra (^), devendo portanto acrescentar-se-lhes os
iSo*'
que vão
desde o ponto de Aries ao princípio de Libra, para se poderem comparar
com
os
números da tabela
anterior.
As
latitudes são austrais
(Au.).
Vê-se assim que a a Crucis se identifica
com
a estrela 32, situada
Torino, 191 2, pág; 842.
1
Rivista di Astronomia, tom.
2
Transcrevemos da tradução do grego para latim de Trapezúncio,
Gàurico, publicada
em Veneza em
Astronómico da Universidade.
vi,
i528^ de
que existe
um
revista
pof
exemplar no Observatório
iSS
Q/i
astronomia dos Lusíadas
junto da pata posterior direita do Centauro, classificada de segunda
grandeza; a
com
Crucis
p
a Sy,
que
considerada de quarta grandeza;
reita,
jarrete direito, de
segunda grandeza
A
dum grau. com nenhuma
diferenças ficar-se
*.
com
e a ^
a 3i,
não
y,
di-
colocada no
com
Esta identificação faz-se
da Cabeça,
estrela
debaixo da perna
fica fora,
é possível identi-
das outras estrelas; para isso seria preciso su-
por erros de alguns graus nas suas coordenadas, tanto na latitude
como na
longitude.
Três das
estrelas principais
do Cruzeiro encontram-se pois
catalo-
gadas por Ptolomeu, incluídas na constelação do Centauro, não cons-
porem um asterismo
tituindo
fizeram
foi
distinto.
O
que os portugueses depois
destacar, na região celeste ocupada pelo Centauro,
uma
um
novo
com a haste dirigida para o polo, útil nas navegações austrais. Formaram uma nova constelação, o sinal tão procurado para lhes servir de guia, como no norte a Biiiina, Os historiadores da astronomia declaram, com Humboldt, que a referência mais antiga a esta constelação, designada já com o nome de Cruzeiro, é a de Corsali, em iSiS^. Da referência que lhe faz também Pigafetta, companheiro de Fernão de Magalhães, quando desgrupo,
cruz de estrelas
creve a célebre viagem de circumnavegação do globo, não nos ocupa-
remos por ser posterior
em viagem em
ido para a índia
primeira
Andrea
(i52o).
Corsali,
florentino,
tendo
serviço do rei português D. Manuel, conta a sua carta escrita de Cochim,
neiro de i5i5, ao duque Julião de Médicis. interessa, e que transcrevemos
com
com
A
data de 6 de
ja-
passagem que nos acompanha, é a
a figura que a
seguinte^:
«In che luogo sia il
giorno
temente
co'l Sole,
lo
il
polo Antartico, per Taltura de gradi, pigliammo
& ricontrammo
con
la notte
manifestano due nugolette
''
1'astrolabio,
&
torno ad essa cõtinuamente hora abbassandosi,
moto
com
1
circulare
esse
si
camminano, con vna
stella
^
&
euiden-
grandezza, ch'in-
di ragionevol
hora alzandosi in
sempre nel mezzo, laqual
volge lontana dal Polo circa vndici gradi: sopra di queste
Deve notar-se que
a figura
do Centauro, que
se vê
desenhada nas modernas
cartas celestes, é diferente da de Ptolomeu. 2
Humboldt, Cosmos,
trad. de Galuski,
tom.
ii,
Paris,
i866, pág, 353; Allen,
Star liames and their meaniugs, New-York, 1899, pág. 188; C. Flammarion, Les étoiles, Paris, 1882, pág. 3
562
Ramuzio, Navigationi
et
viaggi, vol.
i,
Venetig, i558,
exemplar na Biblioteca Nacional de Lisboa. ^
As duas migolette são
s
É
a
'í
Hvdri.
as
Nuvens de Magalhães,
fl.
177
v,
Existe
um
Cap.
IX — Nopo
i5g
céu
apparisce ima croce maranigliosa nel mezzo di cinque
circondano (com'il carro
vanno intorno
ai
tramontana) con
la
&
è di tanta bellezza,
la
che con esse
Polo girandole lontano circa trenta gradi,
curso in 24. hore,
che
stelle,
altre stelle,
&
fa
suo
che non mi pare ad alcuno
segno celeste douerla comparare. come nella forma qui
di sotto ap-
pare».
^
ii
\ A,
POLO ANTARTICO.
Não há dúvida que
B,
CRVSERO.
a c)'oce maranigliosa,
que Corsali acha de
Pé distava do polo, em i5oo, porem ia num navio português e forani nossos marinheiros que lhe mostraram a maravilhosa criii, que
tanta beleza, é o Cruzeiro do Sul, cujo
cerca de 3o graus. os
eles tre
há muito conheciam, pois que
tuguês
por
já
em
i5oo fala dela o
físico
Mes-
João a D. Manuel, como veremos.
Em vez em
Corsali
uma
duma
simples referência a esta constelação temos
em
por*
exposição completa do uso náutico do Cruzeiro, escrita
i5i4 pelo piloto João de Lisboa, resultado de estudos anteriores, êle
mesma
feitos
com
outro piloto nosso. Pêro Anes,
cidade donde Corsali escreveu.
publicado pelo
sr.
J.
I.
No Livro
em Cochim, na de Marinharia
de Brito Rebelo, Lisboa, 1903, encpntra-se
qA astronomia dos Lusíadas
2Ò0
Tratado da Agulha de 7narear achado por João de llixDepois de explicar no capítulo 4.° como pela
(pág. 20) o
boa, ho ano de i5i4.
Estrela do norte se determina a declinação da agulha de marear, trata o piloto
mesma determinação
João de Lisboa da
pelo Gruzcíiro
(pág. 22):
determinei ífazer decraraçã do cruzeiro por ver mais largo
«...
synall
que do que todos tem conhecimento: o qual por muitas vezes
pere anes que deus
achamos estamdo
te e
eu espremetamos muitas vezes c5 ho norte e
e parte
que be vimos ambos dos ditos synaes esta
ê
húa linha cõ os pollos du mudo:
e
por este cru\eiro ser o mais manifesto synall dos navegiiamtes
por húa agulha estado
isto
nã aver nhú embaraço: determiney de sobre
elle
elle
e
cochim e e
fazer operaça
per a agulha que se faz ao norte».
João de Lisboa
foi
para a índia, pela segunda ou terceira vez,
Entende o
sr.
em
comandada por Tristão da Cunha.
i5o6 na frota de dezasseis navios
Brito Rebelo que foi durante o tempo, que esta ocasião
lhe proporcionou de se achar
em Cochim,
que
tudos a que acima se refere.
Pêro Anes,
piloto
ele
procedeu aos
es-
muito notável, fora
nomeado por D. Manuel, em i5o3, patrão da navegação da índia e mar Oceano. Os dois pilotos, segundo o sr. Brito Rebelo, teriam tomado parte na expedição de Vasco da Gama em 1497. Em Cochim, numa latitude boreal de 10^, podiam observar não só a Estrela do Norte mas também o Cruzeiro do Sul, cujo Pé, na sua culminação,
aí se
uma
elevava então a
altura de 20^ sobre o ho-
rizonte.
Vem em
seguida a descrição da constelação:
«sabereis que neste cruzeiro do suU
quatro delas sã
gramdes da
andam çinquo
— — gramdeza 1.^
e
hua
estrellas as
da— 5.* — grã-
deza: esta he morteíicada ê respeito das outras e esta íFegura do cruseiro conheceras por
húa
estrella
*
plaina que pêra iso
íis
na qual
asynei as ditas estrelas na llatitude que tinha dos pollos e asy as car atuías
As
dos synaes segundo são affigurados».
quatro estrelas principaes que
sificadas
i
Aliás
como de
2.*
— hua espera plaina,
do cruzeiro do
sul,
como
a cruz
eram
se lê correctamente âdeante
onde desenvolve o que
respectivas figuras (Nota do
formam
pois clas-
grandeza; a quinta estrela, «mortificada
sr.
diz aqui
Brito Rebelo).
em
em
no regimento
sustância e onde se
vêem
as
Cap.
IX — Nopo
céu
i6i
respeito das outras», é a que hoje se designa pela letra
s
As
suas
distâncias polares vê-se que são já sabidas.
Em
seguida explica-se (pág. 23) o
modo
de medir o nordestear
ou noroestear da agulha, borneando ao pé do Cruzeiro:
emtã bornearas pelos ferros do semeçircoUo ao pee do cruque seja metido pela abertura emtã veras homde apomta
«...
:{eiro atee
a
froll
de
llis
dagulha pelas quartas que vão ao llomguo da caixa
homde apomtar
aquela
e a
e
deíFeremça de tua agulha e asy veras ho
afastamêto se he pêra ho oriemte ou pêra oçidemte».
Adiante (pág. Sy) grafe
— Regimento do
é este
mesmo
assunto desenvolvido sob a epí-
Cruzeiro do sulL
Gomo
já
aqui se subentende,
observado quando
expressamente
se declara aí
tiver direito e
«estee a estrela da cabeça cõ ha do pee e híía llinha
prepêdecular».
que o Cruzeiro
Nesta posição,
em
é
es-
que o Pé está no meridiano, pode
não só fazer-se a operação com a agulha, mas também determinar-se a latitude do lugar, tomando a altura desta estrela, cuja distância polar sabida era de 3o^.
Estando-se no equador, o polo
e a altura meridiana
do Pé era de 3o^; ao
fica
no horizonte
sul a altura era de 3o°
mais a elevação do polo antártico; ao norte do equador era menor que
3o°.
Daí a regra simples que transcrevemos
com
a figura res-
pectiva:
tít.
has de saber que quãdo tomares este cruzeiro do siãl halo de
lomaf quãdo esteuer epinado do pee
e olharas bé
qile fiser esta feição e
que este norte
sul
tomaras a
hõa Com a outra
estrella
e lleste oeste
cá
102
astro7i077iia
dos Lusíadas
os braços e olharás be quamtos grãos toomas
grãos estaas na llinha
que menos for de tomares mais
se
e se
tomares menos
e
tomares
se
de — 3o — grãos:
— 3o — aquillo
— 3o — estarás afastado pêra a parte do norte. E de — 3o — tudo o que mais tomares estarás pêra a
parte do sul quer seja pouquos quer muitos» {Livro de Marinharia,
pág. 39).
A noite,
constelação era
também
como
no norte:
«It.
a Bi/:{ina
ffim de ífevereiro
— i5 — dias húa sul
pêra a
meia
ora: asy
bamda do
aproveitada para marcar as horas da
noite na
Cabeça:
como na comta do
sudueste
e
E
daíy de
norte:
— i5 — ê
começamdo no
he espremetada» (Livro de Marinha-
ria, pág. 39).
Podemos assim desenhar uma
figura,,
semelhante à que fizemos
/este
ceôte
Pd para a Ursa menor, que indique as posições ocupadas peío Cruzeiro à
meia
noite, de quinze
em
quinze dias, no decorrer do ano.
A haste
k
Cap.
IX — Novo
t63
céu
da cruz servia assim de ponteiro para marcar as horas da
noite,
como
no norte a linha da estrela polar para a Guarda dianteira.
comprehenderem as designações das posições e movimentos das estrelas por meio dos rumos, deve supor-se no polo celeste uma Rosa, como a da agulha, com o norte para cima e a linha Para
se
A
norte-sul vertical.
linha leste-oeste fica horizontal; a designação
da Rosa indica o lado
leste
vador colocado na Terra
Do que vimos
esquerdo, para o obser-
direito, e oeste o
olhando para o polo
e
*.
dizendo se conclúe que o precioso códice do sé-
culo XVI, pertencente à livraria dos
Duques de Palmela
e
que faz
objecto do Livro de Marinharia, nos permite contrapor à simples
Corsali ao Cruzeiro do Sul, na sua carta de i5i5, o
referência de
Tratado da Agulha do
piloto português
em
anos antes,
que se mostra
já
data de
em Cochim com Pêro Anes
resultado de estudos feitos
i5i4,
com
João de Lisboa,
oito
o conhecimento completo do valor
náutico da nova constelação.
Mas ha
Na
mais.
carta escrita de
i5oo a D. Manoel, que
Mestre João^, depois de contar como terra
com mais
numa
latitude sul
trelas austrais: las estrellas dei,
saber, antes
ninguna
me
estrella
Vera Cruz em
i
de maio de
noutro lugar citámos (pág. 124), o piloto
já
dois pilotos
e
em
27 de abril descera
em
achara pelo astrolábio que estavam
de 17 graus, fala dos seus trabalhos sobre as esmando a vosa alteza como estan situadas
«solamente
pêro en que grado esta cada una non paresçe ser inposible en
la
lo
he podido
mar tomarse
altura de
porque yo trabaje mucho en eso
e
por poço que
el
nauio enbalançe se yerran quatro, o cinco grados, de guisa que se
non puede fazer synon en
Na
*
figura, relativa
terra».
No
corpo da carta reserva
àUrsa menor, do nosso anterior capítulo
signações direito e esquerdo referem-se a
um homem
um
(pág. 116) as de-
colocado no polo celeste
e olhando para a Terra.
«Para não abrir
^
um
novo additamento, não parecerá inteiramente fora de um outro astrólogo do tempo de D. Manuel,
propósito o intercalar aqui a noticia de
que, como é notório, também cultivava com amor esta sciencia, Chamava-se elle Joam Farás, physico de el-rei, e d^elle existe na Real Bibiiotheca d'Ajuda uma traducção em hespanhol da Geographia de Pomponio Mela. .. O titulo, no alto do primeiro fólio, em letras encarnadas, é do teor seguinte: Llã geografia j cosmografia de Pomponio Mela cosmógrafo, pasada de latiti en romance per maestre Joan Farás bachiller ê artes e em medeçina Jisico j sororgiano dei miiv alto rey de Portugal Dom ManocL Não encontramos registado o nome de João Farás. Será acaso o mesmo mestre João, que acompanhou Pedro Alvares Cabral?» (Sousa Viterbo, Trabalhos .
.
.
náuticos dos portugueses^ Parte
lí,
págs. 285, 280).
;
qA astronomia dos Lusíadas
104 espaço para fazer junto ofac-símile
um
esboço das constelações austrais^ de que damos
*,
'
\^^ -f
9
€ escreve ao lado"
«tornando senor
propósito estas guardas nunca se escondeis
aí
anteâ syenpre andan en derredor sobre el orizonte, e aun esto du-
doso
qtre
non
tyco,
e
estas
se qual
de aquellas dos
mas baxas
principalmente las de
estrellas
sea
eí
poio antar-
la crus son grandes-
como ías det carro, e la estrella deí polo antartyco, o sul es pequena como ia dei norte e muy ciara,, e k estrella que esta en rib^ de toda la crus es mucho pequena»^ casy
com o nome der grandes «casy como las dei
Aqui temos pois o Cruzeiro do Sul designado Crii\.
As estrelas da com efeito no
carro» e
sificadas
de
2.^
constelação são
já
do Cruzeiro clasgrandeza, como as da Ursa maior. No esquema
estelar o Cruzeiro
século xvi foram as estrelas
está
rubrica «las guardas».
evidentemente na parte superior, junto
As guardas
são as duas estrelas
(a,
da.
j Crucis)
que apontam na direcção do polo sul, como na do polo norte apontam as Guardas da Ursa Maior. Diz mestre João que estas guardas nunca se escondem, antes sempre andam em derredor sobre o iiorizonte naquella latitude e época do ano o Cruzeiro andava na verdade todat
1
Este fac-simile
é
reproduzido da ofera Centenário do descobrimento da Amé-
Memorias da Comissão portuguesa^ Lisboa, 1892, pag. 61. pode vêr-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Corpo rica^
maço
2,
doe. n.®
2.
A
carta original
chron.,- parte
3.^,,
IX — Novo
Cap.
A
a noite acima do horizonte.
mava
i65
céu
palavra bosja mostra que êle for-
do polo antártico uma Bu:{ma, como no norte.
junto
As
três
pequeninas estrelas muito juntas, que se vêem sobre a última letra desta palavra, são do Pássaro da índia
que
se
(a, p, f
(p, y, ^
O
Apodis).
losango
eleva sobre o artigo la é formado peias três do Triângulo
com
Trianguli)
Vê-se pois que
em
a « Centauri.
i5oo havia
um
já
grupo de estrelas a que os
chamavam a Cí^ui. Mestre João fala dele a Do esquema das uma constelação já conhecida. de como D. Manuel
nossos marinheiros
estrelas
do texto da carta resulta evidentemente que
e
do
se trata
Cruzeiro do Sul.
A
carta de Gorsali de í5i5,
com
o seu ião confuso esboço, deixa
em
pois de ser o documento mais antigo ciona,
A
que a Cruz do Sul se men-
prioridade pertence à carta de mestre João, de
de j5oo.
Anterior à referência de Gorsali é
Agulha do
Não
João de Lisboa,
piloto
serviço de D. Manuel,
quem mostrou
foi
também
i
de maio
o Tratado da
pois Corsali, que ia
em
aos nossos marinheiros aquela,
constelação; foram os nossos que lhe indicaram a cru^ que tanto o
maravilhou,
Resta>nos examinar cartas de
uma passagem, muito
Américo Vespúcio, na qual
forma de uma mandorla, que
A
mandorla
*
seria
se
citada,
uma
€le fala de
de
uma
das
constelação
tem suposto ser o Cruzeiro do
em Sul.
imaginada por Vespúcio ligando as quatro estrelas
por duas linhas divergindo do pé do Cruzeiro para os extremos dos braços e convergindo depois no topo da cruz. O exame das cartas leva
porém
a concluir que se
não
trata desta constelação,
mas de um
outro grupo de quatro estrelas.
Na
obra de Bandini, Vita e lettere di Amerigo Vespucci, Firenze,
1745, encontra-se, depois
das quatro cartas
em
que Vespúcio narra
as suas duas primeiras viagens, feitas ao serviço do
as duas seguintes, outra carta
^
feitas
dirigida a
segunda viagem.
ao serviço do
Lorenzo
rei
rei
de Castela, e
português D, Manuel,
de' M^edici,
€m
uma
que lhe conta a sua
Nesta carta, escrita de Sevilha com data de 18 de
julho <3e i5oo, lê-se o seguinte (págs, 69 e 70):
«... e
^
Esta palavra,
'«designar o 2
come desideroso,
O
ciiija
tradução
d'esser€ autore, che segnassi la stella dei
literal é
amêndoa, é usada na arte
il-aliana
para
resplendor oblongo que cerca o corpo dos santos subindo ao céu,
título
da carta é: Lettera di Américo Vespuc-ci
indiri^:^ata a
Lorem^o
di
Pierfrancesco de' Mediei, che contiene un^esatta descrizione dei suo secondo Viaggio •fatto
per
i
-Re di Spagna, ora per la
'existe íia Biblioteca
prima volta data
da Universidade de Coimbra.
alia luce.
A
obra de Bandini
:
j66
Q/i
Firmamento
astronomia dos Lusíadas
deiraltro polo, perdei molte volte
il
sommo-
di notte in
movimento delle stelle delPaltro polo, per segnar quanto» minor movimento, e che fussi piú presso ai Firmanon potetti con quante male notti ebbi,. e con quanti stru-
contemplare
il
di esse tenessi
mento,
e
menti usai, che fu
men
tenessi
quadrante,
restai satisfatto in
polo dei meridiono
il
Firmamento:
intorno ai
e
me
Capitolo dei Purgatório,
medesirao
a causa dei
*
mentre che
un detto dei nostro Poeta Dante,
di
Non
e Tastrolabio.
segnai
che
stella,
che dieci gradi di movimento alFintorno. dei movimento,,
dimodochè non essendo
il
quando
gran
di
nominar nessuna,
circolo, che facevano»
questo andavo, mi ricordai
in
dei quale fa
menzione nel prima
finge di salire di questo emisperio, e
trovarsi nell altro, che volendo descriver
il
polo Antartico dice
mi volsi a man destra, e posi mente Air altro polo, e vidi quattro stelle Non riste mai,fiior che alia prima gente: Goder pareva il Ciei di lor Jiamelle,
Io
O
settentrional pedovo sito,
Poichè privato
«Che secondo crivere per
le
me mi
pare, che
quattro stelle
fíno
nottai
quattro stelle figurati
movimento,
e se
Vespúcio
vita,
sul,
o polo
*
Polo dei meridiono
Humboldt na sua Histoire de
é
e
non mi
non salga verilà; perche ia
salute,
e
diz que,, desejoso de ser êle
2
spero presto tornare in il
polo»
^,
o autor que primeiro
perdera muitas vezes o sono da
dit
sul.
la
Géographie du nouvemí
continent,
Vespuce, à chercher vamemení une étoile polaire du sud,
des paroles (de un deito) de notre poete le
Purgatoire, en feignant de sortir
assi-
noite,,
tomo
dá conta de parte deste trecho nos seguintes termos: «Tandis que
3 19,
occupé,
dice
des-
in questi versi vogíia
non tomar sanza notare
nalasse a estrela polar do
pág.
Poeta
íl
qiielle.
come una mandorla, che tenevano poça
Dio mi dá
quello emisperio, e
di mirar
polo delPaltro Firmamento,
ií
a qui, che quello, che
diffidi
sei
Dante, qui dans
le
je
me
rv^
j'étai&
rappelas
premier chapitre
dit
d'un hemisphère pour entrer dans Tautre, veut
mi
volsi a
man
destra e posi mente.
D
décrire ce pôle antarctique et chante
:
me
poete a euFintention de décrire parles quatre
parait à
moi que dans
étoiles le pôle
ses vers le
Io
de Tautre firmament et jusqu'iei
je n'ai
.
aucun doute que cela ne
.
soit
ainsi, parce qu'enefFet je vis quatre étoiles qui figuraient (ensemble) ima mandorla,.
et avaient
é
peu
(!)
de mouvement».
O
ponto de admiração depois da palâwa peu
posto por Humboldt, que, inclinando-se a crer que se trata aqui das estrelas
Cruzeiro, encontra este advérbio
a contrariar a sua opinião.
do-
IX — Novo
'Cap.
i6y
cê11
«observando as estrelas mais próximas do polo, as quais, descrevendo círculos diurnos de
pequeno
movem
raio, se
mais lentamente,
Su~
blinhamos as palavras minor movimento, por ser esta a circunstância
por
notada
êle
com
cuidado,
especial
como
resulta
da leitura do
Apesar de tantas noites passadas a enfiar os astros pelas pínulas do astrolábio e do quadrante, não lhe foi possível assinalar Não pôde pois estrela com menos de lo graus de distância polar. trecho.
nomear estrela alguma <|ue marcasse o polo sul. Emquanto nisto andava, recordou-se da passagem do Purgatório,
em
que Dante, olhando para o polo
a verdade com que o poeta fazendo a figura de
vê quatro estrelas,
sul,
se exprime,
uma mandoHa,
e verificou
porque notou quatro estrelas
as quais tinham pouco movi-
mento. ^
Que
estrelas
diz que elas
que
formavam
esta
mandorla?
pôde observar mais próximas do polo.
êle
Vespúcio apenas nos
tinham pouco movimento, o que quer dizer que eram das
Não
se lhes
Não
atribuir distância polar muito superior a lo graus.
estrelas do Cruzeiro, que de- distância
em
pode pois
se trata das
iSoo se estendiam entre 3o e 36 graus
do polo, descrevendo os seus círculos diurnos com
uma
velocidade superior a metade da das estrelas equatoriais, que são as
de velocidade máxima
Vespúcio não podia pouco movimento estrelas já tão distantes do admitir menos cuidado numa circunstância que *.
classificar
polo, e
como de
não se pode
merecia especial
lhe
atenção.
Em
nova
carta, dirigida ao
mesmo Lorenzo
de'
Mediei no fim de
para lhe narrar a sua terceira viagem, descreve Vespúcio as
ii5o2,
constelações austrais.
De novo
fala
de
um
grupo de quatro
estrelas
|unto do polo:
polo Antartico non ha FO-rse maggiore, nè minore, siccome si
«II
può vedere risplendano,
forma
di
sinistra
nel nostro polo Artico, nè lo toccano
ma
quelle che
quadrangolo.
E
lo
alcune
stelle,
che
circondano sono quatíro, che hanno
mentre queste nascono,
un Ganopo risplendente
si
vede dalla parte
notabile grandezza» (Bandini,
di
pág. 114).
O
*
astrónomo
A
Ideler, que
reiaçãe da velocidade do
estrelas equatoriais é
—
-
Humboldt consultou a
respeito das obser-
movimento diurno de uma
dada pelo seno da sua distância polar.
para a a do Gruseiro, por ser sen.
3o°= —
;
estrêla para a das
Essa relação é de
para as outras é maior.
:
qA astronomia dos Lusíadas
i68
com
vaçôes estelares contidas nesta carta, vê-se embaraçado
este
quadrángulo, pois diz
«L'obser\^ation que
marquante,
tantes che circondano
pôle austral n'est environné d'aucune étoile
le
mais quelles sont ces quatre
est exacte,
polo antartico
il
e
étoiles
peu
écla-
hanno forma di quadran-
golo ? Serait-ce
le petit
carre d'étoiles de cinquième et sixième gran-
Bode
a placé
dans ses cartes, d'après
deur, que
La
pôle
même
cono
si
?
les
observations de
dans lequel, de notre temps, se trouve eífectivement
Caille, et
J'en doute, à cause de ce qui suit:
E
le
mentre queste nas-
vede dalla par^te sinistra un Canopo risplendente.
Ces rap-
ports de lever et de coucher ne cadrent pas avec la supposition que je
viens d'énoncer))
*.
Depois descreve Vespúcio identifica
com
a,
(3,
y
Hjdri,
«Dopo questo seguono avanzano
tutte Taltre, che
um
grupo de
em
e
seguida
três estrelas,
um
que Ideler
de seis:
splendore
sei altre lucenti stelle, le quali di
sono nelPottava sfera; delle quali quella,
che è nel mezzo nella superfície delia detta sfera, ha misura di
conferenza gradi trentadue.
Canopo,
ma
fosco, le quali tutte
Este grupo de seis estrelas
cir-
Dopo queste figure seguita un gran
é
si
veggono nella via
lattea».
assim explicado por Ideler:
«Je crois reconnaítre dans ces six plus brillantes étoiles, a et p
des pieds du Centaure et les quatre étoiles de la Croix du Sud, parce
que
i.*'
elles
se trouvent toutes
r étoile du milieu 3i°--
que
du pôle
(p
de
la
Croix) est
fait
Croix du
Deve pois
il
Si
mes
explications et
mes
con-
en resulte que Vespuce, dans sa
déjá mention des deux
Nuages de Magellan
II
nom
et
particulier
ne connait pas même
le
Sudy).
com Ideler que Vespúcio no fím do ano nome do Cruzeiro do Sul nem isolava as
concluir-se
não conhecia ainda o
^
parce que
est le
aux constellations de Tautre hémisphère. la
i.^
acçompagnées d'un Canopus obscur qui
des deux Coalbags; mais qu'il ne donne encore aucun
nom de
;
misura di circonferenia)\
second Coalbag ou sac de charbon.
Médicis,
Voie lactée
parce
jectures ne sont pas hasardées, lettre á
la
vraiment aujourd^hui éloignée de 3.°
austral (c'est une
les six étoiles sont
dans
Humboldt, Histoire de
la
Géographie du nouveau continent, tom.
i5o2 suas
v, pág. 227.
Cap.
numa
estrelas
i6g
ceu
constelação separada, visto que as juntava
num grupo
do Centauro
principais
IX — Novo
de seis
com
as duas
o que confirma a nossa
;
opinião de que na carta anterior, de i8 de julho de i5oo, ele se não
quando
refere ao Cruzeiro,
da sua mandorla K
fala
Pelo contrário, não pode haver dúvida que a
mente o
Mestre João na sua carta de
piloto
signando-o
com
já
nome de Cruz.
o
ele se refere nitida-
de maio de i5oo, de-
i
Esta carta
Tratado da
o
e
Agulha de João de Lisboa, de i5i4, no qual se mostra o conhecimento completo do seu uso náutico, são os documentos mais antigos em que se menciona o Cruzeiro.
O
astrónomo
distinto
em
vatório Astronómico de Lisboa, que
Sub-director do Obser-
Lourenço Marques
foi a
1907
Campos Rodrigues,
o Observatório
instalar
Oom,
Frederico
sr.
teve ocasião de
e ahi
observar, durante 16 meses, as constelações austrais, diz-nos que as
um
pessoas, que não teem
com
o confundem facilmente
chamam grupo cido
—
«Cruzeiro falso» £,
com
do ano
'.
Carinae,
â,
conhecimento seguro do Cruzeiro do Sul, o grupo de estrelas que os portugueses
e os ingleses
x Velae
As
Cr^oss.
estrelas deste
— reproduzem um aspecto muito pare-
o do verdadeiro Cruzeiro e é
e
False
fácil a
confusão
em certas
sobretudo quando o verdadeiro se não vê.
épocas
Com menos
também podem
atenção, ou maior inexperiência,
fazer confusão, por serem aspectos caracteristicamente cruciformes, duas outras combi-
nações:
a,
Trianguli, a Centaiiri, ou
p, Y
observações mostram
bem
p, 0, u,
w Carinae.
numa simples referência a um grupo uma indicação segura do Cruzeiro.
quer vêr, austrais,
Estas
o erro que pode cometer-se quando se
Quando Vespúcio perdia o uma estrela polar do sul, havia
de quatro estrelas
sono da noite, procurando descobrir
meio século que de bordo das naus
já
portuguesas se começara o estudo das constelações austrais.
1
Tem-se também querido
que fala Plínio triones
non
(n.
23
— m. 81
identificar
d.
com
o Cruzeiro o Thronon Caesaris de
de G.) na sua Hist. Nat., L.
cernit Troglodytice, et confinis Aegyptus: nec
vocant Berenices crinem
thfonon: insignes démontrer, que
la
;
item,
ibi stellas».
flatterie
quem
A
II,
este respeito diz
Humboldt: «On
courtisanesque des savants
Thronon, constamment invisible en
formar constelação i38 da nossa era. i3
As
estrelas
distinta,
Itália, et
quem
sub divo Augusto cognominavere Caesaris
à Auguste, les etoiles dont se
Paris, 1886, pág. 352).
Cap. lxxi: «Septen-
Canopum
compose
Italie»
la
a
dit,
sans
le
alexandrins qui avaient
changé Tétoile de Canopus en un Ptolemaeon, avait aussi
honneur
Na
rattaclié,
pour
faire
Croix du sud à un Caesaris
{Cosmos, tomo
II,
trad.
de Galuski,
do Cruzeiro estão incluídas no Centauro, sem
no catálogo de Ptolomeu, que
se refere ao
ano iSy ou
dos Li/shidas
Q/í as/rouofjiia
l'^0
obra de Ramusio, Naingationi
por Luiz de Cadamosto, das duas navegações por
escrita
em
A
serviço do Infante D. Henrique.
ele feitas
descripção das duas navega-
traduzida do italiano para português,
ções,
pela
encontra-se a narrativa,
píaggi,
et
foi
publicada
em
1812
Academia das Sciências de Lisboa. Para a primeira navegação Cadamosto em março de 1465, numa caravela nova de 46 to-
partiu
neladas que o Infante lhe
mandou armar, da
qual era patrão Vi-
cente Dias, natural de Lagos, costeando a Africa até ao rio Gambia.
De observações Cadamosto no «Nos
dias,
astronómicas, feitas na embocadura deste
trata
rio,
capítulo final da narrativa desta primeira viagem:
que estivemos sobre a embocadura deste
mais que huma vez a
estrella
não vimos
rio,
do Norte: aparecia muito baixa sobre
o mar, e era necessário para a ver estar o tempo muito claro, pare-
cendo levantada delle somente cousa de huma lança de
bém vimos
sobre o
mar
Tam-
altura.
seis estrellas claras, luzentes, e
grandes, e
tirando-lhe o lugar pela Bússola, vimo-las direitas ao Sul, figuradas
por este
modo
# * ##, e assim julgamos ser o
não
estrella principal
se via,
e
o dia de doze
meia, estando
e
me
dous do dito mez se não
A
em
disposição
engano»
em
Sul,
e os
O
E
uma
sétima,
à da
ia inclinado a
Em
austral.
E
e
tomo
é
Carro do
seis estrelas
Estavam em
noite, o Cruzeiro
vê-lo então sobre o
possível que naquele grupo de
O
que
é certo é
que
já
i3°
mar,
-seis estrelas
neste ano de 1455
noticias
paM
geografia das nações ultramarinas, publicada pela Academia das SciênII,
n.°
I,
Lisboa, 1812, pág. Sy.
que no capítulo anterior feitas
As
Transcrevemos da tradução portuguesa, contida na Colecção de
a história cias,
no começo da
Podiam
46° para o poente.
entrassem as do Cruzeiro.
*
um
mais próxima do polo, que eles supunham
dois de julho,
próximo ao seu ocaso.
arranjo
Ursa Maior, devendo comple-
poder vêr-se, depois de perder de todo a do Norte. de latitude norte.
se vê na
um
que se depreende do texto
como depois Mestre João uma Buzina por
como
naturalmente
companheiros procuravam formar
teem pois uma disposição análoga tar-se
o principio de Julho, a
cruz deste esboço de estrelas,
que melhor conveio ao tipógrafo.
e
*.
obra de Ramúzio, não merece confiança.
que Cadamosto
a
era possível vêlla senão perdendo
Neste lugar achamos a noute de onze horas
de todo a do Norte. meia,
nem
Carro do Sul: mas
(pág. 118) nos
na segunda navegação.
É
a estas observações
queremos
referir.
de Cadamosto
Demo-las porém como
Fica assim rectificado esse engano.
Cap.
uma
a tripulação de
IX — Novo
tjl
céu
caravela portuguesa estuda
com
vivo interesse
as estrelas do sul.
Podemos agora as descobertas
reconstituir a história
lações que indicassem o polo, latitude de
nam um Carro
como no
em
do Sul de que não vêem
Em
existência.
1455,
das estrelas, não duvi-
numa
latitude sul de
uma
o físico Mestre João forma junto do polo antártico
em
Em
companheiros imagi-
e os
uma
i5oo,
boca vem abrir-se no actual Triângulo;
busca de conste-
norte as Ursas.
ao norte, Gadamosto
i3*^
dando contudo da sua
17%
Buzina, cuja
D. Manuel da
e fala ao rei
que duas estrelas apontam na direcção do polo,
Cruz do
sul,
como de
constelação conhecida.
expedição de Vasco da
Gama
com Pêro Anes,
E
assim natural que os pilotos da
tivessem
um
Lisboa, que parece ter sido
por i5o6,
passo que
estendiam para o equador, os navegadores portu-
se
gueses trataram de estudar as estrelas austrais
numa
Ao
do Cruzeiro.
já
conhecimento dela.
em Cochim,
desses pilotos, estuda
a constelação
do Cruzeiro
João de
e
no seu Tra-
tado da Agulha, de i5i4, ensina a determinar por ele o desvio da agulha, a latitude do lugar e as horas da noite, ficando assim comple-
tamente resolvido o problema que vinha sendo posto ha tantos anos.
As
referências de Corsali e Pigafetta são posteriores.
A estância, esta verdade
:
Que
que Vasco da
como
Gama
não vista de outra gente», exprime
estrela,
a nova constelação foi primeiro assinalada na
celeste pelos portugueses austrais.
em
que estamos comentando,
pois,
chama ao Cruzeiro «nova
esfera
mais adequada para as navegações
a
o Cruzeiro do sul era
uma
constelação
bem
portuguesa
devia ser tradição ainda viva no tempo de Camões.
2.
— Os
antárticos frios
e
os
ardores equatoriais.
Em
conti-
nuação da passagem, atrás citada (pág. \5o), em que Pedro Nunes diz que os portugueses, entrando sem receio pelo Oceano, descobri-
ram novas
terras,
novos mares
e,
o que mais
é,
novo céu
e
novas
estrelas, acrescenta:
«E perderanlhe torrada ^ona:
com que
tanto o
medo: que nem ha grande quentura da
o desconpassado frio da extrema parte do sul:
os antigos scriptores nos
que perdendo a
&
nem
estrella
do norte
:
ameaçauam
& tornandoa
passando ho temeroso cabo de Boa esperança
lhes
:
Ganges tam nomeado
a
grade Trapobana:
&
:
descobrindo
ho mar de Ethiopia
de Arábia: de Pérsia: poderam chegar a Jndia.
tais»»
pode estoruar:
a cobrar
Passaram o
as ilhas
:
rio
mais orien-
:
qA astronomia dos Lusíadas
f'f2
Esta firmeza de ânimo perante os ardores equatoriais antárticos
também
em
o poeta enaltece
Porque
os frios
e
VIII, 67
se eu de rapinas só viuesse
Vndiuago, ou da pátria desterrado,
Como
crés que
tam longe me
Buscar assento incógnito
&
viesse,
apartado
Porque esperanças, ou porque
?
interesse,
mar yrado, Os Antárticos frios, & os ardores Que sofrem do Carneyro os moradores
Viria exprimentando o
O
?
com que
receio da grande quentura da zona tórrida,
escritores
ameaçavam quem ousasse aproximar-se
os antigos
dela, era
uma
das
causas principais das murmurações que contra o descobrimento da
Guiné faziam, segundo João de Barros, não somente os mareantes,
mas ainda
de mais
pessoas
outras
(Década
qualidade
I,
liv.
I,
cap. iv):
«Cá segundo os
afirma q esta per que o sol anda a que elles
nam
é
Ora onde
habitada.
dentro do feruor do
mundo, todos
antigos escreuerã das partes do
sol,
chamam
manda
o jnfante
tórrida zona,
descobrir,
é já tanto
que de brancos que os homees sam, se
for alguu de nos, ficará (se escapar)
tam negro como sam
lá
os Guinéus
vesinhos a esta quentura».
Já vimos no capítulo
vii (pág.
se afirma a inhabitabilidade
como no
94)
da zona tórrida
e
texto de Sacrobosco
das zonas glaciais, co-
mentando o tradutor Pedro Nunes, em anotação, que «as navegações dos portugueses nos amostraram que não ha terra tão destemperada por quente
E
nem
por
fria
em que
não haja homens».
este feito de ousadia perante os terrores
com que
a sciência
do
os portugueses
acabaram por
mostrar, que o poeta celebra na estância transcrita.
Propriamente
tempo os ameaçava, quando Vasco da
cuja falsidade
e
Gama
rar a figura do
Gama como
navegadores, que
viagem ]á aqueles terrores Samorim, devemos conside-
partiu para a sua
estavam dissipados, mas, na sua
fala ao
a personificação de toda essa sucessão de
êle continua, os quais
Crescendo cos successos borls primeyros
No peyto Pouco
Que
&
as ousadias, descobriram
pouco caminhos estrangeyros,
hus, succedendo aos outroá, proseguirdffl. (Vlll,
p).
IX — Nopo
Cap.
Os
do
frios
sul
como alcançam
céu
jj3
esquece o poeta que
uma
Sul,
&
fama amigos, não
das duras provas se experimenta
Vencendo os torpes
Do
Descrevendo
faziam particularmente sentir-se.
as honras imortais os que são de
no regaço
frios
regiões de abrigo nuas. (VI, 97).
A
Camões dá do maior
explicação que
austral,
por
rigor do frio no hemisfério
de abrigo da parte do polo, é a que se encontra na
falta
Ásia de João de Barros, na descrição da viagem de Fernão de Magalhães ao longo da costa sul-americana,
mar de Ponente (Década
III, livro
em
busca de passagem para o
V, cap.
ix):
«Seguindo seu descobrimento, chegarão a dous de abril do anno de quinhentos
em
está
&
vinte, a
cincoenta grãos
hum
:
&
que chamarão de são JuUão, que
rio a
com
isto já
tantas tormetas
&
frios,
que
podiam marear as velas. Porque naquellas partes de cUma* he mais frio, que da parte do Norte por razão do auge do sol, como querem os astrónomos, como
os mareantes não
o inverno, assi
em proporção
:
por ser desabrigado de terra firme da parte do polo».
Hoje
é
conhecido o regimen de correntes atmosféricas e marítimas
do Atlântico, que, na sua parte
sul,
comunica com o Oceano glacial
antártico por todo o largo espaço que vai desde o
das Agulhas.
A
consigo as aguas frias da corrente do costa africana.
Gabo Horn ao Gabo
corrente do Brasil, inflectindo-se para leste, arrasta
Ao
Gabo Horn que
longo da costa da Patagónia
dirige sobre a
vem do
sul a cor-
rente fria de F^alkland.
A
viagem de Magalhães
é o
último feito cantado nos Lusíadas:
Ao longo desta costa que tereis Yrá buscando a parte mais remota
O
Magalhães, no
feito
com verdade
Português, porem não na lealdade.
Desque passar
a via
mais que mea,
Que ao Antártico polo vay da
linha,
Dhíãa estatura quasi Gigantea
Homes
E
vera^,
Co nome
^
foi
Em proporção
da terra
mais auante o
ali
estreito,
vizinha:
que
delle agora, o qual
de clima
— quer dizer:
transcrito da edição de Lisboa, 1628.
se arrea
caminha
em proporção
da
latitude.
Este trecho
i']^
C/^
astronomia dos Lusíadas
& terra
Pêra outro mar
Com
que
fica
onde
suas frias asas o Austro a esconde. (X, 140 e 141).
Foi da terra vizinha àquele rio de S. Julião, situado por 5o° de a
austral,
latitude
mais de meia distância portanto do equador ao
polo antártico, que vieram os homens de estatura gigantesca, a que
Magalhães deu o nome de Patagões. Fernão de Magalhães deixou o seu nome ligado ao Estreito por descoberto. estelares
Gama
Na
esfera celeste o seu
nome
se juntou ainda às
que brilham no hemisfério austral.
Também
ele
Nuvens
o feito do
merecia ser comemorado entre as estrelas como diz Camões,
quando descreve
a partida de
Belém:
Pellas prayas vestidos os soldados,
De
E
varias cores
vem,
&
varias artes,
não menos de esforço aparelhados
Pêra buscar do mundo nouas partes:
Nas
fortes
nãos os ventos sossegados,
Ondeão os aerios estandartes» Elias prometem vendo os mares largos De ser no Olimpo estrellas como a de Argos. (IV, 85).
Os astrónomos não tão
se
lembraram de
merecida consagração.
A
Armada do Gama
heróica empresa terá
imorredoira nos versos do poeta, a e
fazer à
quem
foi
dada «uma
sonorosa», para cantar as glórias da sua pátria.
porem fama fúria
grande
X Â astronomia em Dante
A
I.
— No
máquina do mundo.
e
Camões
estudo que fizemos no anterior
capítulo a propósito da estância V, 14,
mostrámos que Camões celebra
nela este facto, que revela o saber náutico dos pilotos portugueses na
época dos descobrimentos: foram eles que, procurando na esfera celeste,
desde o meiado do século xv,
guia,
como no
um
Centauro, lando-o
numa
do Sul.
O
um
norte a Buzina, acabaram por descobrir, na região do
grupo de estrelas apropriado àquele uso náutico,
(n.
iso-
deram o nome de Cruzeiro
constelação distinta, a que
reconhecimento da origem portuguesa desta constelação
tem sido retardado pela opinião, aceite,
asterismo que lhes servisse de
que identificava
com
há poucos anos geralmente
até
o Cruzeiro as quatro estrelas que Dante
1205, m. i32i) põe junto do polo antártico, nos cantos
Os
Purgatório.
I e
VIII do
trabalhos, porem, de astronomia dantesca que ulti-
mamente publicaram, em
Itáha, Rizzacasa de
vieram provar cabalmente a falsidade de
tal
Orsogna
opinião.
e
F. Angelitti,
Vamos
indicar
o caminho por eles seguido, o que nos leva à análise das ideias astro-
nómicas de Dante, complemento indispensável a este nosso estudo de astronomia camoneana
Camões
*.
aliava ao seu engenho poético
Dante juntava ao seu génio poético
nham sóHdos conhecimentos
*
Neste capítulo tentamos fazer
teschi. sr.
.
.,
a
que
F. Angelitti.
já
um
uma
vasta erudição,
profundo saber.
como
Ambos
ti-
de astronomia, que Camões revela nos
um resumo
do genial estudo, Sugli acceni dan-
nos referimos, do ilustre director do Observatório de Palermo,
Pondo de parte
as fórmulas e cálculos minuciosos
que o acompa-
nham, limitamo-nos apenas a considerações geométricas elementares. Os admiradores de Dante e de Gamões, a quem os cálculos astronómicos não sejam familiares,
poderão assim fazer
na Rivista
di astronomia,
uma
ideia
aproximada de tão formoso estudo, publicado
Torino, anos dei9i2ei9i3.
qA astronomia dos Lusíadas
J'j6
Lusíadas
e
Dante manifesta nas suas poesias
prosa, particularmente
A concepção
em
//
do sistema do mundo de Camões difere nalguns pontos
da de Dante, que escreveu no alvorecer do século (Trat.
Cap.
II,
em
nas suas obras
e
Convito.
Em //
xiv.
Convito
explica Dante que Aristóteles suposera haver ape-
iii)
— os sete céus dos sete planetas, envolvidos pela esfera estrelas fixas — seguindo nisto os antigos astrónomos dum tempo
nas oito céus, das
,
em
de observações mais grosseiras,
que nas estrelas se notava ape-
nas a revolução diurna; mas Ptolomeu, sabendo
que a oitava esfera
àlêm do movimento diurno de oriente para ocidente
tinha,
da linha dos poios do equador,
em
trário
céu,
um movimento
lento
em
em
torno
sentido con-
torno da linha dos poios da eclíptica, descoberto por Hi-
parco, acrescentara
nono
já
chamado
um
novo céu por fora do céu estrelado.
cristalino
Este
ou primeiro móbil, era a esfera propul-
sora do movimento diurno que arrastava consigo todos os céus inte-
numa volta completa em quási 24 horas, isto é, em 28 horas e ^ duma hora, como Dante diz *; o movimento lento, que hoje chamamos de precessão dos equinócios, ficou sendo considerado como próA situação dos diferentes céus é em seguida prio da oitava esfera. riores
(Trat.
II,
«Ed
Cap.
iv)
assim descrita:
è 1'ordine dei sito questo,
che
primo che numerano
'1
dov' è la luna: lo
secondo è quello dov' è Mercúrio:
dov' è ¥enere
quarto è quello dov' è
è
Marte:
:
lo
lo sesto è quello dov' è
il
Giove:
Sole
:
è quello
lo terzo è quello
lo quinto è quello dov'
settimo è quello dov' è Sa-
lo
turno: Tottavo è quello delle Stelle: lo nono è quello che non è sensibile
se
non per questo movimento che
è
detto di sopra
chiamano molti cristaUino, cioè diáfano, ovvero Veramente, fuori
di tutti questi,
li
pongono
cattolici
^,
lo
Cielo Empireo,
che tanto vuol dire, quanto cielo di íiamma ovvero luminoso;
gono, esso essere immobile lo
luogo di quella
Tal
é a
Somma
E
quale
lo
tutto transparente.
questo quieto
e
pon-
e pacifico cielo è
Deita che sè sola compiutamente vede».
máquina do mundo de Dante, formada pelos nove céus de
Ptolomeu, movendo-se dentro do Empíreo
católico.
Tendo-se, porem, julgado necessário, para explicar desigualdades
que parecia haver no movimento da oitava esfera, atribuir-lhe
1 -^ de hora equivale a 4 minutos. O dia médio 4 minutos aproximadamente. 2 O movimento diurno, de que falou no Cap I
sideral é
iii.
menor que o
um
ter-
dia solar
X — QÂ astronomia em Dante
Cap.
Camões
e
ijj
ceiro
movimento, chamado de trepidação, teve de acrescentar-se mais
uma
esfera.
O
céu estrelado passou a
ter,
como próprio
vimento trepidatório; para a nona esfera, ou céu
movimento fera; o
cristalino,
mo-
passou o
lento de ocidente para oriente, antes atribuído à oitava es-
décimo céu, novamente acrescentado,
E
móbil, propulsor da rotação diurna.
Camões no canto X, dentro do Empíreo imóvel.
ficou
sendo o primeiro
assim a máquina do mundo,
constituída por dez esferas, girando
descrita por
O
dele, o
com
sistema de Dante concorda
o texto da Sphaera de Sacro-
bosco.
Pedro Nunes, na sua tradução desta obra, corrige o texto
original
em
cípio
anotações marginais, que deixámos transcritas no prin-
do Cap.
III
feita a descrição
com
(págs. 19 e 20); de acordo
estas anotações é
de Camões.
Sacrobosco atribue à oitava esfera o andamento de anos.
Pedro Nunes anota que
tal
grau
i
era a opinião de Ptolomeu,
em
100
mas que
acharam depois que este movimento de ocidente para nona esfera, e não era de i grau em 100 anos, mas de I grau e 28 minutos em 200 anos. Assim também diz Camões, em X, 86, que o nono céu anda os astrónomos
oriente pertencia à
Tam
lento
&
sojugado a duro freyo,
Que em quanto Phebo, de Dozentos cursos
faz,
da
luz
elle
nunca escasso
hum
passo.
Dante segue, como Sacrobosco, a opinião de Ptolomeu, atribuindo à esfera estrelada o
expressamente
em
andamento dum grau por
//
Convito (Trat.
11,
Cap.
movimentos do planeta Vénus, enumera no seu
epiciclo: segundo, o
completa
num
lo
la stella si
epiciclo
quello dei sole; //
primeiro, o do planeta
três:
do centro do epiciclo no deferente, que se
Dante descreve assim os
«Uno, secondochè
guendo
Assim o afirma
quando, contando os
ano; terceiro, o comunicado a todo o céu de Vénus pela
oitava esfera.
secondochè
século. vi),
il
si
terzo,
movimento delia
cento anni uno grado.
movimentos:
três
muove verso
muove con
tutto
il
lo
suo epiciclo; Taltro,
cielo
ugualmente con
secondochè tutto quel cielo stellata spera,
si
da occidente
muove,
se-
in oriente, in
Sicchè a questi tre movimenti sono tre mo-
vitori».
Dante não adopta pois, para a oitava
esfera,
o andamento pro-
posto pelos astrónomos afonsinos, extremamente lento, de 28 minutos
em
200 anos, ou
duma
volta completa
em
i
grau
e
47.000 anos,
JjS
cA astronomia dos Lusíadas
em Camões; nem
que encontramos de
grau
I
em
o andamento muito mais rápido,
duma
cada 66 anos, ou
volta completa
em
23.760 anos,
que Albaténio deduzira, comparando as suas observações das estrelas Antares, Coração do Lião,
e
com
Sírio
guindo, porem, Ptolomeu, adopta o movimento de
em
ou duma volta completa
Menelao;
as feitas por
36. 000 anos, valor
i
em
grau
que
é
se-
100 anos,
quasi a média
números 47.000 e 23.760. poeta vinha enumerando os diferentes movimentos
aritmética daqueles
O
na esfera de Vénus, que tores, já //
por
é a terceira,
ele definidos
a considerar
para contar os seus agentes mo-
no precedente capítulo (Trat.
11,
Cap.
de
v)
Convite:
«E adunque da sapere primamente, che cielo)
li
movitori di quello (terzo
sono sustanze separate da matéria, cioè intelligenze,
le
quali la
volgare gente chiama angeli».
Os movimentos do
terceiro,
bem como
de todos os outros céus,
são dirigidos por creaturas espirituais, puras inteligências, a que a gente vulgar
chama
categorias
três
anjos.
Estas creaturas angélicas repartem-se por
cada categoria compreende três ordens, havendo
e
assim nove ordens, correspondentes aos nove céus. goria
é
formada pelos Anjos, Arcanjos
e
A primeira
cate-
Tronos, que respectivamente
fazem mover os céus da Lua, de Mercúrio
e
de Vénus; as Domina-
ções, Virtudes e Principados constituem a segunda categoria e
respectivamente os céus do Sol, de Marte
e
movem
de Júpiter; finalmente as
Potestades, Querubins e Serafins, compreendidos na terceira catego-
dirigem os movimentos da esfera de Saturno, do Firmamento
ria,
do primeiro móbil
*.
Estas creaturas espirituais não actuam por contacto material;
zem mover
os céus, apenas entendendo.
lecto, é definida
tando no Trat.
de
//
fa-
inte-
vem comen-
Convito:
Voi che, intendendo,
1
Tal acção, por mero
no primeiro verso da canção que Dante 11
e
il
terzo ciei movete,
Esta enumeração das ordens e categorias é feita segundo a sucessão das es-
feras desde a primeira,
ordem de hierarquia o último os Anjos.
que
á a
No
A
da Lua, até à nona, que é a do primeiro móbil.
angélica é a inversa,
ocupando o primeiro lugar os Serafins
e
Paraíso, XXVIII, Dante segue a classificação de S. Dionísio
Areopagita, que inclue na primeira jerarquia os Serafins, Querubins e Tronos
;
na
segunda, as Dominações, Virtudes e Potestades; e na terceira, os Principados, Arcanjos e Anjos.
Cap.
X — qA astronomia
em Dante
CamÔes
e
lyg
onde invoca os Tronos que, entendendo, causam os movimentos do céu de Vénus.
Tendo contado três agentes
três
movimentos neste
céu, a que
correspondem
motores, Dante não mencionou ainda o movimento diurno,
por isso continua:
«Ancora
si
muove
questo cielo,
tutto
oriente in occidente, ogni di naturale
una
e rivolgesi coll' epiciclo, íiata;
lo
se esso é da intelleto alcuno, o se esso é dalla rapina dei bile,
me
Iddio lo sa, chè a
É
primo mo-
pare presuntuoso a giudicare».
ponto de dúvida para o poeta se o movimento de toda a esfera
uma
de Vénus de oriente para ocidente
como
da
quale movimento,
vez
em
os outros três, por algum intelecto, ou se
cada dia
é
produzido,
provêm da rapina do
primeiro móbil; parece-lhe presunçoso decidir; Deus é que sabe.
Não
tem, porem, esta dúvida no Paraiso, XXVIII, 70-78: Dunque
costui,
che tutto quanto rape
L'altro universo, corrisponde
Al cerchio che piú ama e che piú sape.
O
demonstrativo
o primeiro móbil, o qual arrasta
costiii indica
consigo (rape) todos os outros céus e corresponde, segundo Dante, ao círculo dos Serafins, a
ordem
angélica que mais participa do
amor
e
da sapiência divina.
Também
Camões, depois de
ter dito
corre, tão leve e tão ligeiro que
continua
em
que debaixo do Empíreo imóvel
se enxerga, o
Móbile primeiro,
X, 86:
Com Vão
este rapto
O
&
grande mouimento,
todos os que dentro tem no seyo
Por obra
Assim
não
dia
&
deste, o Sol
noite faz^
se explicava o
andando a tento
com
curso alheyo.
movimento diurno de todas
as esferas, le-
vadas na rapina do primeiro móbil, como diz Dante, ou no movi-
mento rapto, como
diz
Camóes.
Já no Cap. vi (pág. 58) vimos
Sacrobosco se exprimia a este respeito:
«Sed primus omnes
sphaeras secum impetu suo rapit intra diem,
&
noctem
circa
como alias
terram
semel».
Além
desta rotação comunicada pelo primeiro móbil a todas as
esferas, tinha o céu estrelado a sua revolução lenta trário, à
razão de
i
em
sentido con'
grau por século, segundo Dante, que tão presente
;
i8o
cA astronomia dos Lusíadas sempre
tinha
movimento que
tal
quando pela primeira vez a
«Nove
delia luce quasi ad
quando
zione,
appresso
fiate già
mia mente,
la
alli
êle conta a idade.de Beatriz,
se lê
na Vita Nuova,
miei occhi apparve prima
alia
EUa
chiamare.
lo cielo stellato era
quali
donna
mosso verso
la
parte d'oriente delle dodici
che quasi dal principio dei suo anno nono,
si
io la vidi quasi alia fine dei
mio nono anno».
Já o céu do Sol, no seu giro próprio anual,
ia
completar nove vol-
contadas desde o nascimento do poeta, que portanto
tas^
fim do seu nono ano, quando a gloriosa
primeira vez apareceu aos seus olhos.
dama do
das doze partes de
fixas
I
grau
em
loo anos, o avanço
em
100 meses,
triz
no seu primeiro encontro com Dante, i
Dante,
em
5. 200,
em em
i
de maio de 1274.
100 anos gastaria o
volta inteira.
duração de 7.000 anos apenas,
Colocando no ano
grau
de grau fazia-se
Mas
fir-
esta volta não
Alguns Padres da Igreja atribuiam ao mundo
chegaria a completar-se.
uma
uma
36.000 anos a dar
oriente estrelas
Tal era a idade de Bea-
8 anos e 4 meses.
Neste movimento lentíssimo de
mamento
mover para
dum duodécimo
em
isto é,
ela já estado nesta
Movendo-se a esfera das
grau.
i
quási no
ia
seu pensamento pela
Então tinha
vida o tempo bastante para o céu estrelado se
uma
delia
non sapeano
era già in questa vita stata tanto, che nel suo
Tuna d'un grado:
apparve a me, ed
i
lo cielo
sua própria gira-
la gloriosa
quale fu chiamata da molti Beatrice,
tempo
| II:
mio nascimento, era tornato
un medesimo punto, quanto
clie si
parti
ai
por
até
como
viu,
óu
e
Dante assim pensava também.
da criação o começo da era vulgar,
5 199,
cuja vida se tinham completado treze séculos depois de
Cristo, contava
como decorridos
culos de duração do
mundo.
já
no seu tempo sessenta
Faltavam apenas cinco
estrelado tinha volvido 65 graus, isto
é,
pouco mais
e cinco sé-
séculos.
dum
O
céu
sexto dos
O movimento celeste aproxiAssim o afirma em // Convito, Trat. 11, Cap. XV, quando compara o firmamento com a Física, pelo seu movimento diurno, e com a Metafísica, pelo seu movimento quási insen36o graus
duma
revolução completa.
mava-se da sua consumação.
de ocidente para oriente:
sível
«Ancora, per per di
lo
due movimenti, significa queste due scienze; chè
movimento, nel quale ogni
punto a punto, significa
mente compiono e di
fa
li
la fisica; e
in oriente
si
rivolve, e fa
nuova circulazione
cose naturali corrutibile, che cotidiana-
lor via, e la loro
questo tratta
da occidente
le
di
muta di forma in forma movimento quasi insensibile, che
matéria
per lo
si
per un grado in cento anni, significa
le
cose
X — qA aslronomta
Cap.
e
non avrebbe
chè
punto,
fine
;
Camões
la metafísica.
di queste trata
i8j creazione, e
di
E
peró dico che
significa quelle, che essa circulazione cominciò, che fine delia circulazione è redire a
uno medesimo
quale non tornerà questo cielo, secondo questo movimento,
ai
che dal cominciamento dei e
e
ebbero da Dio cominciamento
incorruttibili, le quali
non aranno fine, questo movimento
em Dante
mondo poço piíi
che la sesta parte è volto;
noi siamo già nelViiltima etade dei secolo, e attendemo veracemente
la
consumazione dei
celestiale
Tendo o firmamento
movimento».
volvido pouco mais
dum
revolução, Dante julgava-se no último milénio do
sexto da sua lenta
movimento
celes-
tial.
O
2.
duplo movimento da oitava esfera.
com Pedro Nunes, um tório,
triplo
— Gamões
movimento na oitava
considerava,
esfera: o trepida-
próprio dela; o movimento lento de ocidente para oriente, co-
municado pela nona esfera; e o diurno, causado pelo décimo céu, como mostrámos no Cap. iii. Dante, com Ptolomeu, considerava nela apenas um duplo movimento: o de i grau por século de ocidente para oriente
em
o diurno,
em
torno dos poios da eclíptica, que lhe era próprio, e
que era arrebatada pelo nono céu, como acabamos de
ver.
Atendendo sempre
a estes dois
movimentos, resolvia Dante o pro-
blema astronómico da determinação das
estrelas visíveis
dum
deter-
minado lugar da Terra em qualquer época e o problema recíproco deste, da limitação da zona terrestre donde uma determinada estrela se
pode
Ele ponderou até as circunstâncias da visibilidade do
ver.
céu estrelado
e
dos planetas, na hipótese teórica da não-existência do
movimento diurno.
Parecendo-lhe o primeiro móbil, pela sua acção
sobre as outras esferas,
comparável à Filosofia moral, na sua
cia sobre as outras sciências,
Convito, Trat.
ii,
parte dei
possibile fosse questo
nono
ancora non veduta
cielo sarebbe
delia terra; e Saturno sarebbe quattordici anni e
luogo delia terra celato, quasi, e
'1
e
sole, si
dici di e
//
Giovi
sei anni si
cielo
non muovere,
in ciascimo
mezzo
luogo
a ciascuno
celerebbe; e Marte un anno
sole cento ottantadue di e quattordici ore (dico di, cioé tanto
tempo quanto misurano il
em
Cap. xv:
«Onde ponemo che la ter^a
influên-
explica assim essa semelhança
celerebbero
e
cotanti di); e
Venere
mostrerebbero;
mezzo starebbe ascosa
e la
Mercúrio, quasi
Como
luna per tempo di quattor-
a ogni gente.
quaggiú generazione, nè vita d'animale
e
Di vero non sarebbe
e di piante: notte
non sarebbe,
qA astronomia dos Lusíadas
a
nè
ma
nò seltimana, nè rncsc, nè anno;
dl,
disordinato, e
'1
cessando
meiíti,
movimento morale
la
tatto Tuniverso
sarebbe
non
altri-
Tallre seienze sarebbono celate
filosofia,
alcun tempo, e non sarebbe generazione, nè vita di
sarebbono
E
degli astri sarebbe indarno.
felicita, e
indarno
per antico trovate».
scritte e
Se o nono céu se não movesse, como Dante não seria levado na rotação de cada
os
dia,
firmamento
figura, o
homens contemplariam
uma abóbada celeste que a principio julgariam imóvel sobre o horizonte. No decorrer dos séculos verificariam que as estrelas iam desaparecendo lentamente do lado do oriente, surgindo novos astros do lado do ocidente e descobririam assim o movimento do céu estrelado
em
da
volta dos poios
eclíptica de
i
grau por século.
Os
habitantes
dos lugares por onde passa o plano da eclíptica estariam, relativa-
mente
a este
estão os habitantes
Em
em
movimento,
condições análogas àquelas
em
que
do equador a respeito do movimento diurno.
qualquer lugar do equador o hemisfério celeste que se vê no co-
meço da
noite, girando
em
torno dos poios, situados no horizonte,
acaba por desaparecer no fim de 12 horas, sendo substituído pelo hemisfério inferior; todas as estrelas
duma
semi-revolução diurna.
por Dante,
em
podem assim
ser vistas
no tempo
Analogamente, na hipótese figurada
cada lugar da Terra, situado debaixo da
eclíptica, se-
riam observadas todas as estrelas nó fim de 18.000 anos, tempo da semi-revolução do firmamento. parte do tempo criação, só
cada
um
um
duma
céu estrelado.
metade
Um
e
mais
um
sexto, e portanto dois terços
do
terço restaria ainda por observar.
com qualquer dos
poios da eclíp-
mó dum
moinho.
apenas, mas sim metade do
Nestes dois pontos não
sempre
céu,
ficaria
invisível.
Considerando o que sucede para os lugares intermédios, cujo nite fica entre a eclíptica e
em
em
sempre o mesmo hemisfério girando lentamente em torno
da vertical como a terço
volvidos 6.000 anos desde a
sexto da esfera celeste se teria tornado aparente
lugares cujo zénite coincidisse
tica ver-se-ia
um
é,
destes lugares, àlêm do hemisfério primitivamente visível;
ter-se-ia pois visto
Nos
Decorrida, porém, apenas a sexta
revolução, isto
qualquer dos seus poios, conclue-se
*
zé-
que
qualquer desses lugares estaria ainda por ver, decorridos sessenta
séculos,
menos que metade, mas mais duma
terça parte,
do firma-
mento.
Em t
suma, a afirmação dantesca que
um
Este problema é tratado completamente pelo
tmtomia, Torino,
vol. VI, págs, 5o6"5ii.
terço do céu estrelado
sr. Arigelitti
na RiPista di As-
X — qA astronomia
Cap.
não
em Dante
Camões
e
i83
no seu tempo, se a nona esfera
teria ainda sido vista
se
não mo-
em cada lugar da supermas em nenhum mais de dois
vesse, deve entender-se neste sentido: que fície
da Terra do cêu,
parte.
E
e
portanto estaria ainda por ver, pelo menos, a terça
certo que Dante contava
O
anos desde a criação. -?
de volta,
—
,
metade,
teria sido vista
terços,
como decorridos na sua
céu tinha avançado mais
vida
rigorosamente devia dizer que estariam por ver
e
do céu estrelado.
O
6. Soo
graus àlêm de
5
^
poeta preferiu porem a fracção simples
*,
ou
r,
ex-
*^
7-^
.
.
dum modo
primindo-se
costuma
ele
O
aproximado, grossamente assegnando, como
dizer.
caso teórico imaginado por Dante, que acabamos de resumir,
mostra como
mia
.
ele se
Vamos agora
esférica.
efectivo
Para
comprazia na resolução de problemas de astrover como êle considerava o movimento
do firmamento. da visibilidade das
distinguir as diferentes circunstâncias
trelas, resultantes
é conveniente
do movimento diurno,
num
lembrar como a esfera celeste
é dividida
em
com um
três regiões
em
por dois círculos menores paralelos ao equador, traçados cada polo como centro,
es-
lugar qualquer da Terra,
dum número
raio esférico
volta de
de graus
do lugar, as quais são: uma calote esférica
igual à latitude geográfica
contendo as estrelas circumpolares aparentes; a calote simétrica, das
zona intermédia,
estrelas circumpolares ocultas; e a
nascimento
Os
e ocaso.
terrestre e a celeste.
P' do equador é
e
O
dois círculos da
fig.
i
PZPZ'P, passando pelos dum ponto L da superfície
círculo
pelo zénite
o meridiano do lugar L.
Z
HH'
QQ
Q
P
poios
P
e
da Terra,
P
é
o polo boreal
o austral.
Consideremos primeiro
medida na esfera
real,
polo norte à latitude.
com um
um
lugar
L
celeste pelo arco
da calote esférica limitada
pelo. círculo
raio esférico
PH,
de latitude geográfica
HPAH é
ZQ.
menor, traçado
cp,
bo-
a projecção
em
volta
do
igual à altura do polo, e portanto
Esta calote contêm as estrelas circumpolares boreais, que
durante todo o movimento diurno
do horizonte HH'; trica
com
são as projecções do hori-
zonte racional e do equador sobre esse meridiano. Q
/das estrelas
representam a esfera
AIPHA,
em torno
de
PP^
se
é a calote circiimpolar aparente.
que cerca o polo
sul,
contêm as
conservam acima
A
calote simé-
estrelas circumpolares
austrais, que durante o movimento diurno se conservam abaixo do
1
os i8o
Em
6.5do anos o firmamento tinha volvido 65 gráus; faltavam
duma
semi-revolução, que se efectuaria
em
18.000 anos.
1
15
gráus pafa
i84
dA astronomia dos Lusíadas
horizonte
HH
é
;
HAQH'A'QH, as estrelas que
em
A
a calote circuinpolar oculta.
compreendida entre os paralelos
zona intermédia
HA
e
A'H', contêm
cada dia surgem no oriente, acima do horizonte de
L, para desaparecerem no poente.
em
Se,
vez de L, se tratasse
austral, seria
Cp,
polo sul;
A
e a
AH
circumpolar aparente a calote A'P'H'A', que cerca o
medida pelo arco
é
lugar L' de latitude geográfica
calote circumpolar oculta seria
distância do paralelo celeste
clinação é
de
dum
de igual valor,
AH
HPAH.
ao equador,
sua de-
isto é, a
^Q = 90° — i^^ = 90° — ^. A declinação
mas
Concluímos pois que,
austral.
num
lugar de latitude geográfica dada, os paralelos celestes, boreal e aus-
de declinação igual ao complemento dessa latitude, destacam
tral,
uma
volta dos poios celestes as duas calotes circumpolares, e
em
aparente
outra oculta.
Consideremos agora o problema recíproco, ísto é, como são vistas estrela as diferentes partes da superfície da Terra, durante
duma dada
a rotação diurna da esfera celeste.
ximo que passa pela Seja
S
linha dos poios
O
plano da figura
PP^
e
o valor da declinação do astro, isto
é,
em
ph mede
o
mesmo
5
má-
(fig. 2).
5Q
ao
é a projec-
dirigido para
no orbe terrestre o hemisfério,
cada instante visível ao astro S, do hemisfério
terrestre
HH
máximo perpendicular ao diâmetro SS'
a estrela; o plano deste círculo separa
o círculo
da sua distância
equador QQ', a qual começamos por supor boreal. ção do círculo
é
pela estrela dada
invisível.
ângulo que o arco celeste
PH^
O
arco
igual ao
Cap.
X — qA astronomia em Dante mesmo número
arco SQ, e portanto tem o
da
O
estrela.
e
com
'85
de graus da declinação
paralelo terrestre que se projecta
volta do polo terrestre boreal jp
Camões
em
^
em
ah, descrito
o raio esférico ji?/í, limita a calote
boreal terrestre que durante toda a rotação diurna se vê constante-
mente do astro S;
A
circumpolar aparente.
é a calote
calote simé-
trica a'p'h'a' conserva-se durante a rotação diurna invisível ao astro é a calote
os lugares da
ocultam à
zona intermédia haqh'a'q'h contêm
Terra que durante a revolução diurna aparecem
e se
estrela.
em
Se,
A
circumpolar oculta.
S;
vez de S, considerássemos
austral Q'S'
= B,
seria
uma
estreia S' de declinação
circumpolar aparente a calote
a'p'h'a' e
circum-
polar oculta a calote hpah.
O
paralelo terrestre ah dista do equador qq'
igual a go°
— hp,
ou a
90° —
5,
complemento da declinação do tude geográfica do
do astro S
é
mesmo
PS = go'' —
Conclue-se pois que para sul
q
sl
uma
arco aq, ou
hq',
isto é,
a sua latitude geográfica é o
astro.
O
valor,
'à,
um
mas
paralelo
austral.
a'/z'
Ora
tem uma
lati-
a distância polar
distância polar de S' é P'5'
= 9o^ —
estrela dada, situada ao norte
§.
ou ao
do equador, os dois paralelos terrestres de latitudes geográficas,
em valor absoluto, à distância polar da es, em volta dos poios do globo terráqueo as duas calotes uma aparente e outra oculta ao astro constantementet
boreal e austral, iguais, srêla,
destacam
circumpolares,
durante a revolução diurna.
Em
particular, se a estrela é equatorial e portanto
^^o,
as dua-
iS6
qA astronomia dos Lusíadas
calotes anulam-se,
em
todas as partes da superfície terrestre são,
e
cada dia sideral, aparentes ao astro durante 12 horas
e
ocultas du-
rante as outras 12.
Apliquemos o que
acaba de dizer às estrelas da Ursa maior
se
no ano de i3oo, para nos reportarmos à época da mística viagem des-
Na
por Dante na Divina Comédia.
crita
podem
tabela do Cap. viii (pág. 120)
ler-se as distâncias polares das sete estrelas principais
constelação nesse ano; a maior distância polar é a da 37*^ 6'
36",
em
que arredondaremos
a latitude geográfica boreal de
37°
37*^ 7'
O
7'.
tj,
de
daquela
ou
37*^,11,
com
paralelo terrestre
destacava pois, naquela época, a
calote circumpolar terrestre aparente àquela estrela, o que quer dizer
que todos os lugares da Terra, de latitude norte superior a 37°
conservavam
visíveis à
se
7',
Ursae inajoris durante a rotação diurna;
tj
e
portanto de todos esses lugares se podia ver aquela estrela constan-
E
temente acima do horizonte. restantes estrelas da
juntamente se podiam
também
que as suas distâncias polares são todas menores que a da
Como
a refracção atmosférica eleva 34' as estrelas,
junto do horizonte, a
de 37°
7',
Pode
Ursae majoris era 36^^
33'
vista
visto
tj.
quando passam
não só do paralelo
de latitude norte.
A ponta mais
aus-
latitude geográfica de 36^40'
N.
pois dizer-se que, no ano de i3oo, para toda a Itália, incluindo
a Sicília,
E
vj
mas ainda do de
da SicíKa tem proximamente a
tral
ver as
Ursa maior movendo-se em torno do polo,
era a Ursa maior
uma
constelação circumpolar aparente.
assim o afirma Dante no Paraiso, canto XIII, 7-9: Immagini quel Carro, a
cui
il
seno
Basta dei nostro cielo e notte e giorno. Si ch'al volger dei
temo non vien meno.
A
Ursa maior chamava-se também o Carro *; as três estrelas da cauda da Ursa formavam a lança do carro, sendo a vj a ponta da lança.
Diz o poeta que por toda a
para na abóbada celeste se ver dia
Itália e noite
o polo tinha altura bastante o Carro, que,
com
o volver
da lança (temo), não era deminuído pela descida de qualquer das suas^ do horizonte. Incluímos na Itália toda a Sicília, aten*
estrelas abaixo
dendo ao
efeito
da refracção.
Dante não conhecia
podia fazé-lo intervir nos seus cálculos,
não
este
mas podia
fenómeno saber,
e
como
notícia de facto, que a ponta da lança vinha passar rente ao horizonte
na extremidade mais austral da
1
Carreta lhe chama CamoeS
em
Sicília,
3C,
no seu tempo.
8§í.
Olha a carreta^ atenta a Cinosuraé
Cap.
As
X — qA astronomia
em Dante
Camões
e
i8'J
Can^o eram, porem, muito quando o poeta, saindo do Inferno com Vergilio «a riveder
circunstâncias de visibilidade do
diferentes, le stelle»,
se encontra
na
do Purgatório, numa situação antípoda
ilha
Observando no
de Jerusalém, por 32^ de latitude austral.
belo planeta que convida a amar, voltou-se à
do polo
sul
quatro estrelas,
mão
oriente o
direita e viu junto
que contemplou enlevado; volvendo de-
mal teve tempo de notar o desaparecimento do
pois ao nosso polo,
Carro, quando viu o velho Catão junto de Com'io
si:
dal loro sguardo fui partito,
Un poço me volgendo Là onde
airaltro polo,
Garro già era sparito;
il
Vidi presso di
me un
veglio solo,
Degno di tanta reverenza in vista, Che piú non dee a padre alcun figliuolo.
Em
32° de latitude sul cinco das estrelas do
lares ocultas,
Carro eram circumpo-
porque as suas distâncias ao polo norte
diam
entre 24^,57 e 3i°,36 no ano de i3oo.
com
37°, II
de distância polar,
e
uma
A
O
ocaso.
êle,
compreen-
ponta da lança, a
das rodas,, a
essas elevavam-se acima do horizonte do Purgatório, e
se
yj,
com 32°,44, com nascimento y,
poeta voltou-se para o polo norte, não para olhar para
porque este polo estava 32° abaixo do horizonte, mas para olhar
para o ponto do horizonte onde desaparecera a láltima estrela do Carro, o que tivera lugar
num
azimute de 20°, contado do norte para
oeste.
Tendo estado primeiro
tado ao
sul,
teve de efectuar
sobre a direita, ou
um
um
descrito pelo poeta,
contemplar as quatro estrelas volgiro de 160°, se continuou a volver
Em
giro de 200°, se volveu pela esquerda.
qualquer dos casos a expressão
pouco ao nosso polo,
a
líii
poço não pode
mas sim ao tempo. significa
referir-se ao arco
Dizendo que se volveu
que se voltou para olhar por
um
um
pouco
para o norte.
Camões não
se esquece de
mencionar a circunstância de ser a Ursa
maior desconhecida aos moradores do extremo cano,
em
sul
do continente
afri-
VIII, 72:
De
Affrica os
moradores derradeyros
Austrais, que nunca as sete flammas viram^
Foram
vistos
de nos, atras deyxando
Quantos estam os Trópicos queymando.
Gama, no Cabo das
Já Verificámos (págs. 121 e 122) que, na época da viagem do seis estrelas
Agulhas,
em
da Ursa maior eram circumpolares ocultas 35° de latitude austral.
Só a
yj
surgia no horizonte, ele-
iSS
qA astronomia dos Lusíadas
vando-se a menos de 4° na sua culminação, que só na primavera tinha lugar de noite. Podia pois Camões fazer dizer ao Gama que os moradores derradeiros austrais da Africa nunca viram a Ursa maior.
nunca podia estender-se milhares de anos
este
atrás,
como
E
resulta da
tabela de distâncias polares que nos serviu para essa demonstração (pág. 120).
Assim os maior
em
dois poetas se
latitudes
mento apenas
ocupam ambos da observação da Ursa
austrais.
teórico; o nosso
O
florentino tinha disso
um
conheci-
poude seguir com curiosidade o des-
aparecimento sucessivo daquela constelação, quando circumnavegou a costa africana.
O
lugar mais favorável à observação das estrelas é o equador,
onde numa noite podem todas ser a Ulisses,
quando na bolgia dos conselheiros fraudulentos conta
merária travessia este,
Dante faz notar este facto
vistas.
já fora
das colunas de Hércules
A
na ância de ver o mondo sen^a gente.
com rumo de
a te-
sudo-
chegada à linha equi-
nocial é admiravelmente descrita neste terceto: Tutte
le stelle già deiraltro
Vedea
la notte, e
Chenon
il
polo
nostro tanto basso
surgeva fuor dei marin suolo. {Inferno,
Chegando ao equador,
XXVI,
127-129).
Ulisses via já todas as estrelas austrais du-
rante a noite, e via o polo norte tão baixo, que não surgia fora do nível
do mar.
Enquanto remavam no hemisfério boreal, podiam contemplar
Avançando para o
todas as estrelas boreais e parte das austrais.
sul,
baixava o polo norte, diminuindo a calote celeste circumpolar aparente; a calote circumpolar oculta ia-se
também
reduzindo.
No
equa-
dor o nosso polo atingia o espelho das águas, e não só os astros boreais e
mas também
os austrais se ofereciam, todos, à vista de Uhsses
dos seus velhos companheiros.
Temos
até aqui atendido especialmente ao
movimento diurno, cau-
sado pela nona esfera, de que resultou termos de considerar no globo terrestre duas calotes circumpolares,
cada estrela, tendo por bases cada e austral,
um
de latitude geográfica igual,
polar da estrela; ou, o que é o
uma
aparente
e
outra oculta a
dos paralelos terrestres, boreal
em
valor absoluto, à distância
mesmo, duas
calotes tendo por vér-
tices os poios terrestres, e por bases os paralelos descritos
deles
mento
em
com um
raio esférico igual
lentíssimo,
à declinação
do
astro.
em
O
volta
movi-
porém, que a oitava esfera executa, dentro da nona,
sentido contrário da rotação diurna, faz variar a declinação das
X—
Cap. estrelas;
astronomia em Dante
Qyí
e
Camões
'8g
no decurso dos séculos aumentam portanto aquelas duas
deminuem quando ela decresce, anulando-se até, se a estrela durante aquele movimento lento vem passar no equador. É fácil ver, dum modo elementar, como esta calotes,
declinação cresce,
se a
e
variação se dá.
O
círculo
PCPCPy
ou primeiro móbil, poios P,
P
que na figura junta representa a nona esfera,
máximo
o círculo
é
do equador
e pelos poios
«coluro dos solstícios».
R, R' da eclíptica e se chama
a
é
ÇlQ
desta esfera que passa pelos
projecção, sobre o plano deste coluro,
do equador, cujo polo boreal
supomos
ser
CC
P;
é a
projecção
da eclíptica, da qual o polo boreal é
O
R.
coluro dos solstícios incide
perpendicularmente sobre os dois círculos eclíptica,
da nona esfera, equador
e
marcando no último o
ponto C, que
o primeiro ponto
é
do signo de Câncer,
ponto O,
e o
O
princípio de Capricórnio.
CQ, ou o seu
igual
arco
C'Q, cuja grandeza designamos por
As
clinação da eclíptica sobre o equador.
s,
oitava esfera; para termos a posição de qualquer delas,
marcamos nesta o ponto em que
aos círculos da nona,
raio tirado do centro da estrela fixa.
A
Terra para a
mede
a in-
estrelas estão situadas
estrela.
em
na
relação
a encontra o
S uma
Seja assim
sua latitude, cuja grandeza designamos por
P, é
me-
dida pelo arco SC, pois que as latitudes celestes são dadas pelo arco
do círculo máximo, que passa pelos poios da entre o astro e a eclíptica.
em
torno de
RR'
O
eclíptica,
compreendido
movimento lentíssimo do céu estrelado um círculo menor paralelo
faz descrever à estrela
à eclíptica, projectado
no segmento
rectilíneo SS'.
A estrela vai
des-
lisando relativamente aos círculos fixos da nona esfera, projectando-se
na figura segundo os pontos sucessivos da recta SS'.
mesmo
serva sempre o
valor
SC=^ = S'C'. A
A
latitude con-
declinação, porem,
contada desde o equador QQ^, vai variando: tem o valor máximo na s; tem posição S, em que é medida pelo arco SC-\- CQ = p
SCQ=
S',
— Q'C' = P — 3; endido entre ^ — e
Entre estes
S'C
e
+
medida pelo arco S'Q' = nas posições intermédias tem um valor compre-
em
o valor mínimo na posição
p
+
£.
que
é
mesmos
limites vai pois va-
riando o raio esférico das calotes circumpolares terrestres, aparente
uma,
e oculta a outra, à estrela
Se a estrela
é
considerada.
de latitude boreal,
como primeiro supomos,
a calote
qA astronomia dos Lusíadas
jgo
com
circumpolar aparente ao astro,
o seu vértice no polo norte da
Terra, tem o raio máximo, quando a estrela atinge,
em
o semi-
S,
coluro dos solsticios que passa por C, principio de Câncer; vai-se depois reduzindo e o raio da calote adquire o valor mínimo, quando
em
a estrela atinge,
S',
o semi-coluro dos solsticios que passa por O,
Então esta
principio de Capricórnio.
calote, de raio P
—
£,
é a
porção
da superfície da Terra que, no decorrer dos séculos, se conserva
sempre aparente ao astro: lote igual,
perpétua ocultação
de perpétua aparição.
é a calote
simetricamente traçada
em
Uma
ca-
torno do polo sul, é a calote de
que compreende a porção da superfície terrestre
*,
eternamente oculta ao astro.
O
inverso
tem lugar para uma
em
sua declinação é mínima cípio de Câncer,
e
S\_,
máxima em
estrela Si, de latitude austral; a
no semi-coluro que passa pelo prinS\, no semi-coluro que passa pelo
princípio de Capricórnio.
Nas considerações que acabamos de fazer, suposemos ser p maior que £, como a figura representa. Se fôr.p menor que s, o ponto S'
vem
Q
colocar-se entre Q' e C, no primeiro caso, e o ponto Si entre
e C,
no segundo; então, com o movimento lentíssimo do céu
lado, a estrela, quer seja boreal quer austral,
de perpétua aparição
e as calotes
QCl,
vem
estre-
passar no equador
de perpétua ocultação anu-
e
lam-se.
Apliquemos o que
se
acaba de dizer às sete estrelas principais
da Ursa menor, como Dante o para a inclinação da riável, era
nação
O
faria.
provavelmente de 23 graus
clássica, a
valor adoptado pelo poeta
considerada por ele
eclíptica,
mais recente por
e
meio.
um
elemento inva-
Esta era a determi-
ele conhecida, feita
em Marâghah
pelo astrónomo Nazir ad-din at-Tíàsi^, no ano de 1270.£ -= 23'^3o',-
pois
advertindo que
uma
diferença dalguns minutos não
produz alteração sensível nos resultados a que de cada estrela
bem
conhecia,
ia
Tomaremos
se chega.
A
latitude
o poeta buscá-la ao catálogo de Ptolomeu, que ele
como veremos.
talogadas por Ptolomeu, a de terceira grandeza, que
vem
Das
menor logo
sete estrelas
da Ursa menor, ca-
latitude é a Polar, classificada de
em
primeiro lugar designada pela
sua situação no extremo da cauda, «quae est in extremitate caudae».
A sua latitude celeste é de 66 graus, atingida por esta estrela durante p — £,
1
em
boreal.
o
A
declinação mínima
movimento lentíssimo do céu
Estas designações de perpétua aparição e de perpétua ocultação encontram-se,
alguns tratados de astronomia, impropriamente aplicadas às calotes a que atrás
chamamos circumpolar aparente 2
e
Rivista di Astronomia, tom.
circumpolar oculta. vi,
pág. 848, nota.
X — QÁ astronomia
Cap.
—
estrelado devia pois ser de 66^
2?)^
em Dante
e
em
igi
A calote de perpétua
3o' == 42° 3o'.
aparição para a Polar seria descrita
Camões
volta do polo boreal da
Terra
com um
raio esférico de 42° 3o'; limitá-la-ia pois pelo sul o paralelo
terrestre
com
Em
latitude geográfica de 90°
— 42° 3o',
isto é,
de 47°
3o'.
todos os pontos da Terra, de latitude geográfica boreal superior
a 47 graus e meio, era portanto a Polar uma estrela de perpétua aparição, e igualmente o eram também as outras seis estrelas da Ursa
menor, por terem a constelação da
latitude celeste
maior que a da Polar.
Para Dante
Ursa menor era de perpétua aparição em todos os
lugares situados ao norte do paralelo terrestre de latitude geográfica
47°3o'N.
Na
canção «Io son venuto
punto delia rota» começa assim Dante
ai
a terceira estância:
Fuggito é ogni augel che
caldo segue
'1
Dal paese d'Europa che non perde
Le
As
sette stelle gelide
unquemai.
aves que vão atrás do calor fugiram já da região da
que não perde nunca as sete estrelas gélidas. ladas são as da Ursa menor, situadas ao
na zona glacial ártica
hoje,
celeste.
A
deixa de ver esta constelação é a que
47 graus
e
que,
nia,
meio de
com
tempo de Dante, como ainda região da Europa que nunca ao norte do paralelo de
fica
latitude, e nela ficam as cidades
os centros mais afamados de cultura scientífica.
emigraram para o
na alegoria do poeta, aqueles das escolas de Paris
árabe Averroes
A
e
sul
filósofos
em
de Paris e Coló-
foram no século
as suas célebres Universidades,
região da Europa
Europa
Estas sete estrelas ge-
As
xiii
aves que desta
busca de calor significam,
que abandonaram as tradições
de Colónia para seguirem as doutrinas do
*.
expressão «stelle gelide» parece ser
uma
reminiscência da pas-
sagem da Eneida, VI, 14-17: Daedalus, ut fama
est,
fugiens Minoia regna,
Praepetibus pennis ausus se credere caelo,
Insuetum per
iter
gélidas enavit ad Arctos,
Ghalcidicaque levis tandem super
ares e,
1
Rivista di Astronomia^ tom.
2
Segundo
com
vii,
adstitit arce
págs. 5o9-5i8,
ousou cometer-se aos voou peio desusado caminho para as gélidas Ursas
a fama, Dédalo, fugindo dos reinos de Minos,
as suas asas velozes,
2.
deslizando levemente, parou afinal sobre a cidadela de Ghalcis.
:
:
qA astronomia dos Lusíadas
jg2
Mas
Vergílio não se refere propriamente às constelações das Ur-
sas; as gélidas Ursas (gélidas Arctos) indicam apenas o polo boreal
do mundo.
Dédalo, voando da ilha de Creta para a rocha Calcídica,
tomou a direcção do norte. na mente aqueles mesmos versos
situada na ilha de Eubea,
Camões devia
ter
quando designou o polo boreal I,
vergilianos,
em
Arcturo congelado,
celeste pelo
21
acharam juntos num momento, Os que habitam o Arcturo congelado,
Ali se
Arcturo
E
os que o Austro tem,
A
Aurora nasce,
é estrela
O
também
Arcturo congelado Posto que o
é o
frio Fasis,
Que pêra nenhum cabo
O
Bootes gelado,
Temessem
Numa
e
&
as partes
onde
o claro Sol se esconde.
de primeira grandeza, a principal da constelação
do Boieiro, ou Bootes; mas telação.
&
o teu
&l
dava
se
este
nome
Bootes gelado de
a toda a cons-
III,
71:
ou Syene a
sombra
inclina
a linha ardente.
nome
geralmente.
noutra estância o poeta indica,
com
a constelação, o polo
norte.
Voltando a Dante, consideremos o problema de duplo movimento do céu estrelado que
nos põe, quando, na praia do Purgatório,
ele
olha para o polo sul e vê quatro estrelas nunca pistas senão pela pri-
meira gente: Io
mi
volsi a
man
destra e posi mente
AlPaltro polo, e vidi quattro stelle
Non
Quem
mai fuor che
viste
era a primeira gente?
prima gente.
alia
Se era a primeira na ordem do
tempo, como quer a maior parte dos comentadores, deve entender-se
que a prima gente eram os primeiros habitantes de certas latitudes boreais, para
quem
do movimento boldt e os que
Eva com
tinham sido
as quatro estrelas
meiros tempos da criação
e
lento, próprio
seguem
do céu estrelado.
a sua opinião, a
nos pri-
Assim, segundo
Hum-
prima gente seriam Adão
os seus descendentes, que tinham vindo habitar na Ásia,
regiões situadas por 3o graus de latitude norte.
gente ser primeira na antigos dividiam o
ordem de
mundo
podem entender
e
em
Pode, porem, aprima
Vimos Como os como Assim também como primeira
situação no globo.
conhecido
primeiro o mais próximo do equador. gente se
visíveis
depois se tinham tornado ocultas, por efeito
os habitantes
em
sete climas, contando
duma zona compreendida
entre
:
X — qA astronomia em
Cap, o equador
e
!
um
Dante
Camões
e
igS
certo paralelo de latitude boreal, os quais, pela sua
posição mais favorável, eram os únicos que podiam observar as quatro estrelas.
O
poeta acrescenta, a seguir: Goder pareva
O
il
ciei di lor fiamelle.
vedovo
settentrional
Poichè privato
sito,
mirar quelle
sei di
Havia pois uma região septentrional privada da estrelas.
vista das quatro
Neste caso era ela constituída pela
Privada eternamente?
calote terrestre de perpétua ocultação para aquelas estrelas.
Senão,
pode supôr-se que era formada pelos lugares da Terra donde elas
puderam
ser observadas nos primeiros
pois deixado de o ser
em
virtude do
Aqui temos pois de resolver
um
tempos da criação, tendo de-
movimento
lento
que Dante ponderou, atendendo à rotação diurna
chamamos de precessão dos
hoje
e
rio. — Dante,
esférica,
ao movimento que
equinócios.
As observações astronómicas matutinas na
3.
do firmamento.
problema de astronomia
ilha
do Purgató-
seguindo a opinião corrente no seu tempo, entendia que
a terra emersa, la
gran
secca, se continha toda
num
trapézio esférico
rectângulo, fechado ao sul pelo equador, pelo círculo polar ártico ao norte, e por dois arcos de meridiano, afastados
em
longitude,
emersa,
em
a leste
e
a oeste.
No
um
do outro i8o graus
meridiano central da terra
32 graus de latitude boreal aproximadamente, estava
tuada Jerusalém
O resto
*.
do globo era coberto pelas águas
mondo sen^a gente. Neste mundo sem gente imaginou
si-
e cons-
tituía il
tório
o poeta a montanha do Purga-
emergindo das águas, numa situação antípoda de Jerusalém.
esta situação faz várias referências.
Assim, quando, depois duma
A ás-
pera subida por aquela montanha, os dois poetas se sentam voltados ao levante, para contemplarem o caminho andado, Dante, vendo-se
iluminado do lado esquerdo pela luz solar, ficar
que o
sol lhe fica
Come
ao norte;
ciò sia, se
il
e
fica estupefacto
ao veri-
Vergílio explica:
vuoi poter pensare,
'
Dentro raccolto, immagina Siòn
Gon questo monte Si^
in su la terra stare
che ambedue hanno un solo orizzòn
E
diversi emispere {Purgatório^ IV, 67-71).
*
Assim
se interpretava a
DominusDeus: terras».
passagem da Bíblia
Ista est Jerusalém, in
(E^eqiiiel^ V, 5):
médio gentium posui eam,
«Haec
dicit
et in circuitu ejus
;
ig4 ffse
dA astronomia dos Lusíadas queres compreender
como
gina o monte de Jerusalém a
recolhido dentro
isto seja,
em
ti,
ima-
monte do Purgatório situados sobre Terra, de forma que ambos tenham um horizonte comum, ficando
em
e este
hemisférios diametralmente opostos».
Está aqui claramente
cada a posição do Purgatório, antípoda de Jerusalém,
e
indi-
numa
portanto
latitude austral de 32 graus.
A
primeira indicação a respeito da posição do
época da mística viagem,
no zodíaco, na
dada por Dante no Inferno,
é
quando uma onça de pele mosqueada
Tempo E il
sol
se lhe atravessa
87-43,
I,
no caminho:
era dal principio dei mattino
montava su con quelle stelle Gh'eran con lui, quando Tamor divino Mosse da prima quelle cose belle; Si che a bene sperar m'era cagione sol
Di quella fera
alia gaieta pelle,
L'ora dei tempo, e
Rompia
la
dolce stagione.
manhã, e o sol ia surgindo com aquelas estrelas que dele, quando o amor divino primeiro fez mover aquelas
a
estavam junto
formosas cousas; eram de
bom
agouro a variegada pele da onça, a
Era pois uma manhã de primavera. e a doce estação. Era tradição antiga no tempo de Dante que o mundo fora criado na
hora do dia
primavera, na época do equinócio; o
sol tinha sido criado
no signo de
Sacrobosco, no seu opiísculo Computns Ecclesiasticus, quando
Aries.
faz a descrição dos signos,
«Primum
igitur
signum
começa assim est Aries,
a de Aries:
quoniam secundum quòd
credit
Ecclesia, in eo factus est sol».
No
Reportório dos tempos do nosso André do Avelar ainda se
descrição do signo de Aries: a
na
Tal era também a opinião de Dante.
maior opinião de todos».
tercetos finais do Inferno, Vergílio guia Dante pela vereda
Nos
escura por onde sobem, que, por
uma
céu contém,
ram no
lê
«Neste signo criou Deos o Sol, segundo
e
sem descanço, de
volta ao chiaro mondo, até
abertura redonda, avistam enfim as belas cousas que o
por ela saem a ver de novo as estrelas.
Purgatório.
Assim
se acha-
Dante nota então com prazer o aspecto do céu,
que descreve nos nove tercetos que vamos transcrever (Purgatório,
I,
13-39): Dolce color de oriental
Che
Dal mezzo
1 Dal me^^o DeWaer.
zaffiro,
s'accoglieva nel sereno aspetto ^
puro infino
ai
primo
giro,
é a lição exacta, restituída pela crítica diplomática,
cm
vez de
!
X — qA astronomia
Cap.
em Dante
Camões
e
igS
Agli occhi miei ricominciò diletto,
Tosto
eh'
i'
uscii fuor delPaura
Ghe m'avea contristati
morta,
occhi
gli
e
il
petto.
Saindo da atmosfera morta que lhe tinha contristado a vista e o coração, deleita-se contemplando de novo o azul de safira, que desde o zénite (me^io, me^^o dei capo) se estendia até ao horizonte (primo giro).
Lo
amar conforta
bel pianeta che ad
Faceva tutto rider Toriente,
Velando
O
i
Pesei che erano in sua seorta.
amar
belo planeta que convida a
em
velando os Peixes, que vinham
fazia sorrir todo o oriente,
O
sua escolta.
O
sobe no oriente antes do signo de Aries. aqui ao signo ou à constelação dos Peixes.
signo dos Peixes
poeta pode referir-se
No
seu tempo o desvio
entre os princípios das constelações zodiacais e os dos signos, resultante do
movimento de precessão, era
de 20 graus, estendendo-se
já
por isso estas constelações desde o vigésimo grau do signo do
nome Aries,
até
ao vigésimo grau do signo seguinte.
Estando o
mesmo sol em
o surgir dos Peixes, signo ou constelação, no horizonte do
um
oriente, indica que se está
Io
mi
volsi a
man
pouco antes do romper de
alva.
destra e posi mente
Airaltro polo, e vidi quatro stelle
Non
viste
mai fuor che
Goder pareva
O
il
settentrional
Poiehè privato
O poeta, se fica
vedovo sei di
prima gente.
sito,
mirar quelle
olhando para o oriente, tinha o polo norte à sua esquerda.
Volvendo à mão
Nada
alia
fiammelle.
ciei di lor
direita
contempla o polo
sul e
vê quatro estrelas.
sabendo a respeito da posição delas relativamente ao ho-
rizonte e ao meridiano; apenas se fica julgando que estariam junto do
polo austral. diz
Quanto
à posição que
estrelado, só nos
que nunca foram vistas senão pela primeira gente,
sitio
e
que há
um
septentrional privado de as ver, que o poeta por isso lastima, cha-
mando-lhe viúvo (vedovo
mia
ocupam no céu
sito).
Já indicámos o problema de astrono-
esférica, envolvido nestas indicações.
Com'io dal loro sguardo
Un poço me Là onde
il
Vidi presso di
fui partito,
volgendo alFaltro polo,
Garro
me un
già era sparito,
veglio solo,
Degno di tanta riverenza in vista, Ghe piú non dee a padre alcun íigliuolo.
;
'
igô
qA astronomia dos Lusíadas
Deixando aquelas
Na
boreal.
estrelas, voltou-se
em
latitude austral
vinham acima do horizonte, como (yj
por algum tempo para o polo
que se achava, duas estrelas do Carro
notámos.
já
A
Ursae majoris) desaparecera, quando viu junto de
ponta da lança o velho Catão,
si
inspirando tanta reverência, que mais não deve filho algum a seu pai.
Lunga
barba e
la
Portava,
a'
bianco mista
di pel
suoi capegli simigliante,
De' quai cadeva
ai
petto doppia
lista.
Li raggi delle quattro luci sante
Fregiavan Gh'io
Os
il
si la
sua faceia di lume,
vedea come
Sol fosse davante.
il
lançavam tanta
raios das quatro luies santas
de Catão, que ela parecia iluminada pelo
luz sobre a face
Catão de
sol.
do Purgatório, interroga os poetas sobre a sua vinda, pois do diálogo
com
E
Vergílio.
só então é que é o
titica,
guarda
desaparece de-
e
romper de
alva:
L'alba vinceva Fora mattutina,
Ghe
fuggia innanzi,
Gonobbi
il
che
si
di
lontano
tremolar delia marina. [Purgatório,
I,
As observações astronómicas em que Dante
um
pouco antes do romper de
iiS-iiy).
se estava
comprazendo
alva, interrompidas pelo
aparecimento
de Catão, são continuadas depois na tarde desse
4.
As observações astronómicas
vespertinas.
mesmo
dia.
— Ao cair
da tarde
do dia da chegada ao Purgatório, os poetas, guiados por Sordelo,
caminham na montanha por uma vereda direcção ao vale
em
tortuosa a
que deviam passar a noite.
do ocaso, quando chegam à
meia encosta,
O
sol
em
aproxima-se
do vale onde contemplam as almas
vista
que, sentadas sobre a erva e as flores, cantam a Salve Regina.
Chega
delo mostra a Vergílio várias personagens.
a
Sor-
hora da Ave-
Maria: Era
già Tora che volge
Ai naveganti
Lo
E
che
di lo
il
ch'han detto
a'
il
cuore
dolci amici addio
nuovo peregrin d'amore
Pange, se ode squilla
Ghe
disio
e entenerisce
paia
'1
di lontano,
giorno pianger che
si
muore.
{PurgatóriOy VIII,
Era
já a
1-6),
hora que faz volver à pátria o desejo dos navegantes
lhes enternece o coração, no dia
em
e
que disseram adeus aos amigos
I
:
Cap.
X — c4 astronomia
em Dante
e
Camões
igj
queridos; a hora que punge de saudade o peregrino, há pouco sepa-
rado dos seus, quando ouve ao longe o toque da Ave-Maria, que parece chorar o dia que morre.
Então a multidão das almas entoa o hino Te
E
lucis ante.
aquele exército gentil, terminado o cântico sagrado,
quando
pálido e hu-
fica,
milde, olhando para o céu, descem do alto dois anjos de azas verdes,
empunhando espadas de
Sordelo diz que eles
fogo.
vêem para guardar
o vale contra a serpente que se aproxima, e convida os poetas a des-
cerem ao lugar onde vão passar a noite. Dante anda apenas três passos quando reconhece o seu amigo Nino Visconti, a quem, depois de afecNino queixa-se da sua viúva, tuosas saudações, explica a sua vinda. que passara a segundas núpcias.
uma pausa
Segue-se
aproveita para retomar a observação do céu, que de
que Dante
manhã
viera in-
Curioso sempre de ver a desconhecida
terromper o velho Catão.
re-
gião polar austral, os seus olhos dirigem-se ávidos para o céu estrelado,
apenas
pontos
lá
(pur
là)
onde as estrelas são mais vagarosas, como os
duma roda mais próximos do Gli occhi miei ghiotti
Pur
là
Dante contemplava
andavan puré
le stelle
come ruota
Si
gunta-lhe:
dove
eixo {Purgatório, VIII, 85-98):
ai cielo,
son piú tarde,
piú presso alio stelo.
do polo
as vizinhanças
«Filho, para onde olhas, lá
Vergílio per-
austral.
em cima?»
E
Dante responde;
«Para aquelas três estrelas que incendeiam o polo do lado de cá»
E
11
duca mio: «Figliuol, che lassú guarde?»
Ed
io a lui
Di che
:
«A
quelle tre facelle,
polo, di qua, tutto arde».
il
Vergílio faz-lhe então notar que as quatro estrelas claras que
nham
visto de
manhã
estão agora
em
baixo, do lado de
lá, e
ti-
que estas
três tinham subido para o lugar que aquelas ocupavam de manhã:
Ed
egli a me: «Le quattro Che vedevi staman, son
E
Mas
chiare stelle di là, basse,
queste son salite ov'eran quelle».
Vergílio é interrompido por Sordelo, que mostra a serpente
que, no fundo do vale, avançava por entre a erva e as flores.
observações celestes
A
E
as
terminam assim.
altura do polo sobre o horizonte era de 32 graus, pois tal era a
latitude
do Purgatório.
Podemos
esquerdo levantado para o
alto,
representar-nos Dante,
numa
com
o braço
inclinação duns 40 graus, apon-
qA ãslronomia dos Lusíadas
igS
com o braço direito estendido a uma altura duns 20 graus, apontando com As três o indicador para as quatro chiare sielle, já vistas de manhã.
com
tando
o dedo indicador para as três facelle, e Vergílio,
vão
estrelas
altas {lassú),
próximas da sua passagem superior pelo me-
ridiano, ficando do lado de cá do polo, isto
é,
entre este e o zénite; as
quatro estão baixas, próximas da passagem inferior pelo meridiano,
do lado de
O
lá
do polo,
drugada desse
damente
a
Os
dia.
mesma
dois grupos de estrelas
declinação, distando, porem,
forma que, quando se
entre este e o ponto sul do horizonte.
isto é,
primeiro grupo subiu à posição que o segundo occupara na ma-
um
devem
em
ter
aproxima-
ascensão recta por
passagem superior meridiana, o outro ambos são circumpolares aparentes no
vai na
aproxime da inferior;
e
Naquela manhã de primavera, quando os Peixes surgiam no oriente, o grupo das quatro estrelas subia à sua culminação e o grupo das três descia à passagem inferior no meridiano; o in-
Purgatório.
Os
verso tinha lugar de tarde.
dois grupos
dos perto do coluro dos solsticios, a
um
e
devem
pois estar situa-
outro lado do polo austral
do equador.
^Quantas horas decorreram entre tarde
as
observações da
manhã
e as
Bastante grosseiramente tem sido avaliado este intervalo
?
da
em
As observações matutinas foram feitas um pouco antes do De tarde, na hora da Avc-Maria, ou seja, meia hora depois do pôr do sol, as almas cantam todo o hino Te liicis ante. Descem os dois anjos, segue-se o colóquio com o juiz Nino Visconti, 12 horas.
romper de
e
alva.
terminado
Supondo assim
que Dante contempla as estrelas.
êle é
decorrida outra meia hora, colocaremos as observações da tarde
que a viagem
nascimento do dia durado 1
hora
e vinte
quinze dias depois do equinócio da primavera, o
foi
no Purgatório seria às 6 horas
sol
tempo verdadeiro 1 1
e
e
o ocaso às 5 horas
horas
e
meia.
cinco minutos.
A
sol,
e
ainda
i
e três
e
um
quarto de
quartos, tendo portanto
duração do crepiásculo fora de
Entre as duas observações teriam
pois decorrido: o crepiásculo matutino,
nascer ao pôr do
as 11 horas e
hora, o que perfaz
meia desde o
um
intervalo de
14 horas entre as observações celestes matinais, supostas feitas
pouco antes do romper de feitas e
I
alva, e as observações
hora depois do ocaso do
sol.
depois do equinócio
*«
Rivista di Astronomia, iom.
vii,
um
da tarde, supostas
Este intervalo seria de i3 horas
meia, na hipótese extrema da viagem ter sido
1
uma
Admitindo, como parece mais provável,
hora depois do sol posto.
pág. í3h
feita vinte e cinco diaâ
Cap.
X — qA astronomia
em
t)ante e
Camões
Resta-nos agora saber se aqueles dois asterismos, e o outro
um
triangular
quadrangular, são formados por estrelas reais, ou se são
Precisamos pois averiguar
de pura ficção do poeta.
se nos globos
ou nos catálogos de estrelas, conhecidos de Dante,
celestes,
separar
íg^
um
grupo de
três e
um
grupo de quatro
é possível
que da
estrelas,
ilha
do Purgatório pudessem ser observados nas condições de posição definidas pelo poeta.
O
5.
catálogo de Ptolomeu,
Ptolomeu era no tempo de Dante,
—O e
catálogo de 1.022 estrelas de
continuou sendo até ao século xvi,
Dante não
o código fundamental da astronomia sideral de posição. só o conhecia,
mas
atribula até grande importância ao
número
1.022
de estrelas nele descritas. Já nos referimos (pág. 167) a este catálogo, que se encontra nos Libs. VII
e
VIII
do Almagesto, verificando que nele
se registam, in-
cluídas na constelação do Centauro, três estrelas do Cruzeiro do Sul,, faltando,
porém, aquela que forma a cabeça da cruz
(j
Cr^ucis).
As estrelas são descritas pela ordem de 48 constelações, e as que não fazem parte de nenhuma delas encontram-se a seguir a uma constelação vizinha.
O
e latitude celestes,
catálogo dá as coordenadas eclípticas, longitude
das estrelas,
buídas por seis ordens.
e as
suas grandezas aparentes, distri-
Estão registadas 1.022 estrelas, entre as
quais i5 de primeira grandeza ^
A
época a que se refere o catálogo de Ptolomeu
é
o primeiro ano
do império de Antonino Pio, correspondente, segundo uns, ao ano de iSy da era vulgar,
«([
e,
segundo outros, ao ano de i38.
Sunt autem omnes
stellae
tum boreales tum
Magnitudinis ([
Primae
SecGdae
australes. 1022.
diferença
Quarum
* i5
45
Tertiae
208
Quartae
474
Quinta e
217
Sextae
A
49
Obscurae
9
Nebulosae
5
Et cincinnus». Encotitra-se este resumo final do catálogo de Ptolomeu citada, fl.
48V.
do Almagesto,
feita
ria
tradução, já atráa
por Trapezúncio e revista por Gaurico, Veneza, i528,
qA astronomia dos Lusíadas
200
dum
ano não tem porem importância nenhuma, atentas as condições
As observações que
de precisão das coordenadas registadas.
ram de base
ao catálogo foram feitas
em
Alexandria,
numa
servi-
latitude
boreal de 3i graus.
Da e
teoria do
movimento da
adoptada por Dante, resulta
uma
para
trelas
lado
uma
regra simples
obteem, es-
Efectuando-se o movimento própHo do céu estre-
sempre à
eclíptica, ficando
distância dela; as latitudes celestes não são pois alteradas por
aquele movimento.
As
épocas.
As
latitudes
do catálogo servem para todas as
longitudes celestes, que, a partir do primeiro ponto do
signo de Aries, se contam na eclíptica segundo a até ao
se
torno da linha dos poios da eclíptica, as estrelas descrevem
lentamente círculos paralelos ao plano da
mesma
com que
época dada, as coordenadas eclípticas de qualquer das
do catálogo.
em
Ptolomeu
oitava esfera, exposta por
ponto
estrela, essas
em
que ela
ordem dos
é cortada pelo círculo de latitude
vão aumentando à razão de
i
grau por século.
signos
de cada
Sabido
o intervalo de tempo que separa a época dada da época do catálogo,
tomar-se hão tantos graus quantos os séculos completos contidos nesse intervalo, juntando-lhe tantas vezes 3 minutos quantos os lustros
com-
pletos a mais, e ainda tantas vezes 36 segundos quantos os anos restantes; os graus, minutos e segundos, assim obtidos, somar-se-hão, ou
subtrair-se-hão, da longitude registada da estrela, conforme a época
para que se quer a posição do astro
é posterior,
ou anterior, à época
do catálogo.
Para tesca,
se
terem
na época da viagem dan-
as posições das estrelas
que pode ser o ano de i3oo ou i3oi da era vulgar, contaremos
como decorridos
i.i63 anos desde a época do catálogo.
anos conteem-se
u
longitudes das estrelas
gundos, de
modo
Em
j.i63
séculos, 12 lustros e 3 anos, durante os quais as
aumentaram
11 graus,
36 minutos
e
108 se-
que, para ter as longitudes das estrelas na época
da mística viagem, Dante juntaria às longitudes, dadas por Ptolomeu, II
graus
e
38 minutos, número redondo.
Para determinar
as posições das estrelas
na época da criação, con-
taremos 5.336 anos decorridos desde a criação até à época do catálogo.
O
primeiro ano da era vulgar correspondia, segundo as indi-
cações dantescas, ao ano de 6199 ou 6200 da criação.
anos se conteem 53 séculos, 7 lustros trelas
de
e
i
variaram neste intervalo 53 graus, 21 minutos
modo
Como em
5.336
ano, as longitudes das ese
36 segundos,
que, para ter as longitudes das estrelas naquela época, Dante
subtrairia das longitudes, dadas por Ptolomeu, 53 graus e 22 minutos,
número redondo.
No
Paraíso, XlII, 4-6, refere-se Dante às quinze estrelas
classi-
X — qA astronomia
Cap.
cm Dante
Camões
e
20I
Ptolomeu na primeira grandeza, quando convida quem
ficadas por
bem
queira entender
o que ele viu, a imaginar
Quindici
Lo
stelle,
che in div.erse plage
cielo avvivan di tanto sereno,
Che soperchia
As quinze
em
que
estrelas,
deli'
aere ogni compage.
com
diversas plagas avivam o céu
tanta luz que atravessa toda a espessura do ar, são as quinze estrelas
de primeira grandeza do catálogo ptolomaico.
Em
Convito, Trat.
//
Caps. xiv
11,
xv, Dante mostra a seme-
e
mundo com
lhança das esferas componentes da máquina do junto das sciéncias do seu tempo.
por
As
comparadas sucessivamente às
ele
sete sciéncias
do
trivio e
astronomia.
fera
com
Em
seguida explana a semelhança da oitava es-
a física por três motivos,
— pelas
1.022 estrelas nela obser-
vadas, pelo seu polo aparente e pelo seu movimento diurno
com
sua semelhança
do
geome-
quadrivio: gramática, dialética, retórica, aritmética, música, tria e
o con-
sete esferas dos planetas são
a metafísica por outros três,
—
;
e a
— pela via láctea^
pelo polo oculto e pelo seu movimento lentíssimo de ocidente para oriente
—
Depois compara a nona esfera à sciência moral,
.
mente o céu imóvel, o Empíreo, à
E mero
quando
se
e final-
teologia.
ocupa da oitava esfera que Dante se refere ao nú-
1.022 das estrelas catalogadas no Almagesto:
«Per che per ordine
è
da vedere prima
poi quella delia metafísica.
física, e
niolte stelle
;
chè, secondochè
li
Dico
savii
comparazione delia
la
ch'il cielo stellato ci
d'Egitto
mostra
hanno veduto,
infino
alFultima stella che appare loro in miridie, mille ventidue corpora di stelle
pongono,
di cui io parlo» (// Convito, Trat.
11,
Cap.
xv).
Aqui consigna pois Dante que, segundo o que os sábios do Egipto poderam observar até à última estrela que ao sul lhes aparecia, contaram 1.022 corpos de os números dois, vinte lhança do céu estrelado
«E si
in questo
com
lo
seguida considera subtilmente
para explicar
uma
ha esso grandíssima similitudine
due s'intende
il
tre
movimento
altri
nove,
e
béne
e venti, e mille:
locale, lo quale è
terazione: chè, conciossiacosachè dal dieci in
esso dieci alterando cogU
colla física, se
numeri, cioè, due,
da un punto
movimento su non si vada
a un altro di necessita: e per lo venti signifíca
í5
das razões de seme-
a física:
guardano sottilmente questi
che per
Em
estrelas. e mil,
il
con sè stessoj
e la
delFal* se
non
piú bella
^02
qA astronomia dos Lusíadas
alterazione, che esso riceva,
che riceva
si
movimento
significa.
si
si
può
mostra
soli
se
sua di sè medesimo;
E
per
lo mille significa 7nille,
è
il
movimento
maggior numero,
E
non questo multiplicando.
la fisica;
il
prima
e la
ragionevolmente per questo numero
è venti;
cere; chè in nome, cioè questo
cere non
è la
e
detto
il
dei cres-
piú cres-
movimenti
questi tre
siccome nel quinto dei primo suo libro
è pro-
vato».
Este trecho mostra
bem como Dante
se
em
comprazia
meditar a
composição deste número 1.022 das estrelas catalogadas, que servara inalterado desde Ptolomeu até ao seu tempo, bula
uma
As
em
em
se con-
ao qual
atri-
importância cósmica.
posições das estrelas
podiam também
ser estudadas por Dante
globos celestes, que não faltavam no seu tempo.
hoje
e
Itália dois
Existem ainda
exemplares de globos celestes árabes, construídos
antes de êle escrever a Divina Comédia, baseados sobre o catálogo
de Ptolomeu.
Um, do
ano de 1080, conserva-se no Museu de
mentos antigos de astronomia
física e
do ano de 1226, que no século
tro,
deal Borgia,
em
Velletri, e
xviii fazia parte
por isso
horgiano, está actualmente no
é
instru-
matemática de Florença; o oudo Museu do Car-
conhecido pelo
nome de globo
Museu Nacional de Nápoles.
Qual-
quer deles podia ter sido estudado pelo poeta.
Vimos como Dante podia facilmente deduzir do maico
O
as
catálogo ptolo-
coordenadas eclípticas das estrelas para qualquer época.
conhecimento das coordenadas equatoriais, ascensão recta
e decli-
nação, era-lhe, porem, indispensável para a resolução dos problemas
O
que as suas referências astronómicas implicam. que passa pelos poios do equador rário, ou círculo de declinação,
compreendido entre o astro tingue
em
e
e
por
uma
círculo
máximo
estrela é o círculo ho-
dessa estrela; o arco deste círculo
o equador é a declinação, que se dis-
boreal e austral; a ascensão recta é o arco do equador con-
tado para leste, no sentido directo, desde o equinócio vernal até ao
ponto
em
Dadas
que o círculo de declinação da estrela corta o equador. as
coordenadas eclípticas
duma
estrela,
podem
obter-se as
suas coordenadas equatoriais por qualquer dos três métodos: pelo mé-
todo analítico, efectuando os cálculos indicados nas fórmulas; pelo mé-
um desenho de projecção; ou pelo método um globo celeste. Todos estes métodos se
todo gráfico, executando
mecânico, empregando
usavam no tempo de Dante. tratados de astronomia,
diam tais
ser feitos por
em
quem
As fórmulas eram
então expressas, nos
regras tão minuciosas que os cálculos po*
soubesse executar as operações fundamen-
sobre os números, sendo ainda facilitados por tábuas adequadas*
X — qA
Cap.
O
astronomia em Dante
e
Camões
uso das fórmulas era porém muito laborioso.
breve era o emprego do método gráfico.
O
sr.
'2o3
Muito mais
fácil e
Angelitti indica
um
processo simples de efectuar a resolução geométrica do problema
O
emprego do globo
duma
celeste era,
Deve
exactidão suficiente.
porém, o processo mais expedito
como
ter-se
*.
e
certo c[ue era a este que
Dante de preferência recorria.
Com os
modernos globos
celestes, feitos de pasta de papel compri-
mida, articulados pelos poios do equador passar-se
dum modo
armila meridiana, pode
grosseiro, das coordenadas eclip-
Distendendo, por exemplo,
para as equatoriais.
ticas
embora
fácil,
numa
um
fio
entre o
polo da eclíptica e o ponto desta correspondente à longitude celeste
dada da
tome-se sobre este
estrela,
do círculo de a eclíptica.
latitude,
um
tenso, que
fio
marca o quadrante
arco igual à latitude dada, contado desde
Ter-se-há assim o lugar da estrela no globo celeste.
Faça-se agora girar o globo até que este ponto venha colocar-se debaixo da armila meridiana: o arco desta, compreendido entre o ponto, e
o equador, é a declinação; e o grau do equador que cair debaixo da
armila dará a ascensão recta da estrela.
Os
globos celestes usados na antiguidade
de madeira ou metal, eram muito
com grande
na idade média, e
bem
feitas
gravavam
neles se
Serviam como
ins-
permitiam resolver todos os problemas dô
e
com
astronomia esférica,
precisão igual à que se obtinha nas observa-
Tais globos celestes, ou astrolábios esféricos, pres-
ções dos astros.
riais,
e
torneados
exactidão os círculos e constelações.
trumentos de observação
tavam-se
bem
à transformação das coordenadas eclípticas nas equato-
porque se podiam indiferentemente articular na armila meridiana,
tanto pelos poios do equador,
como
pelos da eclíptica.
Articulado
primeiro o globo pelos poios da eclíptica, levava-se o ponto desta cor-
respondente à longitude celeste dada da estrela, até armila, sobre a qual se
Assim
à latitude dada.
da
estrela.
e
podia
com
rigor
debaixo da
um
arco igual
marcar na esfera
a posição
Articulando agora o globo pelos poios do equador, aca-
bavam de determinar-se marcado
se
ficar
então, a partir da eclíptica,
lia
as
até ficar debaixo
coordenadas equatoriais, levando o ponto
da armila meridiana
e
lendo a declinação
ascensão recta, como acima se disse.
Dante podia
pois,
com um
dos globos celestes
em
uso no seu tempo,
fazer esta transformação de coordenadas muito rapidamente e
uma
exactidão maior do que permitem os modernos globos
1
Rivista di Astronomia, tôm.
2
Ibidem^ tom.
vii,
pág, 87,
Vií,
págs, 85-86.
^,
com
2Ò4
qA astronomia dos Lusíadas
A
6.
do Cri{\eiro do Sid.
hipótese
—A
celebridade adquirida no
século XVI pelo Cruzeiro do Sul estabeleceu a tendência a relacionar
com
esta constelação qualquer referência a
embora
trelas,
com
tal
um
grupo de quatro
es-
acompanhada de indicações incompatíveis Assim sucedeu com as quattro chiare stelle
ela viesse
aproximação.
de Dante.
Vespúcio na sua carta a Lourenço de Médicis, de julho de i5oo,
com que Dante quer descrever o polo uma mandorla e tinham pouco movipouco movimento está êle de acordo com o
diz que viu as quatro estrelas
que elas figuravam
austral, e
mento.
Atribuindo-lhes
poeta, cujas observações se fazem na região do céu onde as estrelas
são mais vagarosas,
Pur Si
como pontos duma roda mais
là
dove
come
le stelle
perto do eixo:
son piú tarde,
ruota piu presso alio stelo.
De pouco movimento eram pois, para o poeta, tanto as quatro como as três que de tarde tinham subido a ocupar o
claras estrelas
lugar daquelas.
Da
análise que fizemos (págs. i65 a i68) das cartas de Vespúcio,
de i5oo e i5o2, resulta que êle não pode referir-se ao Cruzeiro, que
nem
de
nome
E
conhecia.
pouco movimento
se Vespiicio
não podia qualificar como de
as estrelas desta constelação,
entre 3o e 36 graus de distancia do polo sul,
diam
não podia
classificar entre as estrelas
em
que
i5oo se esten-
também Dante
mais vagarosas, pois que,
as
em
i3oo, estavam situadas entre 3i e 37 graus de distância polar.
Andrea
Corsali,
navegador florentino ao serviço do nosso
rei
D. Manuel, que pelos marinheiros portugueses tivera conhecimento
da nova constelação,
é
quem
pela primeira vez,
em
i5i5, diz que as
quatro estrelas de Dante são as do Cruzeiro, atribuindo por isso ao
poeta
um
espírito profético.
Humboldt, que
se inclinava a ver nas quatro estrelas dantescas as
do Cruzeiro do Sul, explica assim como o poeta poderia ter tido co-
nhecimento desta constelação:
«On
ne peut douter que
le
Dante, dont Pérudition égalait
le
génle
poétique, a pu avoir notion des quatre étoiles de la Croix du Sud) soit
par
PArabie
les
voyageurs pisans ou vénitiens qui visitaient TEgypte,
et la
Perse, soit par des globes de construction árabe sembla-
bles à ceux de
Dresde
et
de
Si donc les quattro stelle
la collection
du Dante sont
du Cardinal Borgia
à Veletd.
celles de la Croix, ce
que
la
plupart des commentateurs admettent, on n'a pas besoin d'attribuer
;
X — qA astronomia em
Cap.
comme
au poete un esprit prophétique seizième siècle
No
Dante
Camões
e
le faisait
au commencement du
voyageur fíorentin Andrea Corsali»
le
2o5
*.
Cosmos, ocupando-se ainda das sete estrelas descritas no Pur-
Humboldt:
gatório, diz
L'astronome milanais de Cesaris voyait dans
«...
«di che
'1
qui se couchent
quand
Croix, Canopus, Achernar et
Foma-
polo di quà tutto quanto arde,»
se lèvent les quatre étoiles
de
la
J'ai tente, dis-je, d'éclaircir le
Ihaut.
le trois facelle,
et
problème par
les
considérations
suivantes: «Le mysticisme philosophique et religieux qui penetre et
rimmense composition du Dante, assigne
vivifie
à tous les objets, à
Cest Le groupe des
côté de leur existence réelle ou matérielle, une existence idéale.
comme deux mondes
dont Tun est
le reflet
de Pautre.
quatre étoiles represente, dans Tordre moral, les vertiis cardinales, la
Prudence,
pour cela
la Justice,
nom
le
«qui éclairent
pérance
mêmes
de saintes
ciei
semo
sept
nymphes
ciei-
la
Terre de
se trouvent réunies
Cest
la
uns des autres d'après les
do carro
tudes teologais.
esmeralda,
noi sem qui ninfe, e nel
la vérité, le paradis terrestre,
«In cerchio
le
facevan di sè claustro
de
lois éternelles
Le monde
et théologales.
du íirmament, éloignés la
ideal est
Mécanique une
celeste,
libre création
produit de Tinspiration poétique»^.
le
Dante descreve direita
étoiles,
nous révèlent eux-
nous sommes des nym-
les objects réels
sont à peine reconnaissables.
de Tâme,
:
êtres
«lei
réunion des vertus cardinales
Sous ces formes mystiques, les
chantent:
ils
nous sommes des
Dans
stelley).
Ninfe.»
et la
Les premiers de ces
leur double nature; le
Tempérance; elles méritent lumières, liici sante. Les trois étoiles
Force
pôle» representem les vertiis théologales, la Foi, TEs-
et la Charité.
phes, dans
le sette
le
la
é a
que vêem dançando ao lado da roda
três ninfas
representam as três Vir-
triunfal de Beatriz, as quais
Uma,
-cor
de fogo, é a Caridade; outra, verde de
Esperança; a terceira, da candura, da neve, Tre donne
in giro dalla destra
Venian danzando
:
L'altr'era,
come
Fossero state
La
ruota
Tuna tanto
Ch'appena fôra dentro
ai
é a
rossa,
fuoco nota
se le carni e Fossa di
terza parea
smeraldo
fatte;
neve teste mossa. [Purgatório,
XXIX,
121-126).
^
Histoire de la Géographie du nouveau continent, tom.
^
Cosmos,
trad. de Galuski, Paris, 1866, tom.
11,
iv,
pág. 324.
págs. 578 e 5jg.
Fé:
2c6
qA astronomia dos Lusíadas
A
esquerda do carro dançam quatro ninfas vestidas de púrpura,
que são as Virtudes cardeais, a Justiça, a Temperança, a Fortaleza
com
a Prudência, que,
e
os seus três olhos pode ver o passado, o pre-
sente e o futuro: Dalla sinistra quattro facean festa, In porpora vestite, dietro ai
D'una
modo
di lor, ch'avea tre occhi in testa. (Purgatório, XXIX, i3o-i33).
Mas quando
Matilde, depois de ter banhado o poeta nas águas do
Letes, o introduz na dança destas quatro, elas, abraçando-o, dizem-lhe:
«Nós aqui somos ninfas Indi
mi
no céu somos estrelas».
tolse, e
Dentro
E
e
alia
bagnato m'offerse
danza delle quattro belle;
ciascuna col braccio mi coperse.
«Noi sem qui Ninfe, e nel
ciei
semo
(Pwrga/dr/o,
stelle».
XXXI,
io3-io6).
Deste último verso conclue Humboldt que as quatro estrelas que
Dante vê na manhã da chegada ao Purgatório simbolizam as quatro Virtudes cardiais, sendo por isso que lhes chama «luzes santas», quando descreve o brilho
com que
os seus raios
iluminam
a face de Gatão,
Li raggi delle quattro luci sante.
As três facelle, que à tarde tinham subido ao lugar que estas ocupavam de manhã, simbolizam as três Virtudes teologais. Podem estas sete estrelas ser de pura invenção do poeta, que as imaginaria situadas junto do polo sul naquela região do firmamento,
não vista de Alexandria, onde os globos celestes, construídos segundo o catálogo de Ptolomeu, deixavam
um
Humboldt, porém,
não são
as sete estrelas
espaço vazio de estrelas. fictícias;
a que o poeta liga aquela significação ideal.
Cruzeiro; o grupo das três e
é
formado pelas
Fomalhaut, propostas, como
êle diz,
O
Para
são estrelas reais,
grupo das quatro
estrelas
é
o
Canopo, Achernar
pelo astrónomo milanês
De Ce-
saris.
Os comentadores que admitem
o Cruzeiro
como
explicação do pri-
meiro grupo procuram as estrelas do segundo na região celeste que
mesma declinação do Cruzeiro, mas dele difere cerca de 12 horas em ascensão recta. Não concordam todos na escolha das três estrelas; no que, porém, todos se acham de acordo é em ser uma delas No catálogo de Ptolomeu está registada, entre a estrela Achernar. as estrelas da constelação de Eridano, uma de primeira grandeza,
tem
a
Cap.
X — QÁ astronomia
designada como «ultima
&
fluuii
hoje está ela identificada
que assim deve
(a Eridani),
com
a
Camões
20J
Julgou-se
durante
de primeira grandeza,
Eridani, de terceira grandeza,
^
Acabou por
deminuido de brilho.
ter
e
est splendida».
muito tempo ser esta a Achernar
mas
em Dante
se
reconhecer
nem podia estar, uma distância
que a Achernar não está no catálogo de Ptolomeu,
porque no tempo deste grande astrónomo ela tinha
polar de 23 graus e não podia por isso ser observada na latitude de
Alexandria, que é de 3i graus boreais.
Vimos no precedente do
como
capítulo
do Cruzeiro
três das estrelas
encontram no catálogo de Ptolomeu, faltando, porem, nele
Sul se
a estrela que
forma a cabeça da cruz
(y
Crucis).
Se as sete estrelas são pois aquelas que a que nos
vimos referindo, Dante
propõem
os comentadores
uma
teria ido buscar
das quatro es-
bem como uma do grupo das três, a outras fontes que não ao nem aos globos celestes segundo este construídos.
trelas,
catálogo ptoiomaico
Humboldt las
diz
que Dante podia
ter tido
conhecimento das quatro estre-
do Cruzeiro, quer pelos viajantes pisanos ou venezianos que iam ao
Egipto, Arábia e Pérsia, quer pelos globos de construção árabe, semelhantes ao globo horgiano.
que
um
porém, de documento algum
E
O número
no céu
é,
segundo Dante, 1.022, número este que
reportando-se à autoridade dos sábios do Egipto,
uma
nem
se co-
ao poeta não pode atribuir-se o conhecimento de estre-
que não sejam as catalogadas por Ptolomeu.
las vistas
*,
único exemplar desses supostos globos árabes contendo este
asterismo. las
consta,
então estivesse formada a constelação do Cruzeiro
já
nhece
Não
importância cósmica.
Vimos como
êle,
e
de estre-
êle adopta,
ao qual atribue
na comparação que faz
da física com a oitava esfera, considera tão significativos os algarismos do número 1.022. Bastava que êle conhecesse uma estrela a mais, para se alterar o algarismo 2 das unidades, a que ligava especial significação.
1
Assim o próprio poeta contradiz
Schiapareli,
Manuali Hoepli)^
a explicação de
na sua obra L' astronomia nelV antico testamento {nP 332 dos trata da constelação designada
no Livro de Job
chadrê theman, que a Vulgata traduz por interiora Austri
e êle
(IX, 9) pelo
Esta constelação dos Penetraes do Sul era formada, segundo o
trónomo
italiano,
deli'
ilustre as-
por cinco estrelas de primeira grandeza, entre as quais a Ganopo,
cinco de segunda, que, pelo ano jSo
a.
C, culminavam todas na
altura sobre o horizonte^ inferior a 20 graus, do lado do sul,
dida grinalda na região mais austral do firmamento.
mente
nome
por penetrali
Aiistro.
e
Hum-
distribuídas pelas constelações de Argo,
pertencendo cinco à primeira, duas à segunda
Palestina a
uma
formando uma esplên-
Estas dez estrelas estão actual-
do Centauro
e
do Cruzeiro do Sul,
e três à terceira.
Assim os hebreus
teriam incluído três das estrelas do Cruzeiro na brilhante constelação dos Penetraes
do Sul,
como Ptolomeu
incluiu depois três delas
Ptolomeu, isolaram as estrelas do Cruzeiro
num
no Centauro; mas nem asterismo distinto.
eles,
nem
qA astronomia dos Lusíadas
20S
Demais, a verdade
boldt.
que o catálogo de Ptolomeu esteve
é
uso entre os astrónomos até ao século
número das
xvi,
Nem
estrelas registadas.
sem que
em
aumentasse o
se
sequer as quinze estrelas de
Não
primeira grandeza chegaram a ser reobservadas todas.
se pro-
pondo fazer novos catálogos, os astrónomos contentavam-se em
trans-
Mesmo
portar para outras épocas as posições dadas por Ptolomeu.
astrónomos notáveis, como Albaténio, se limitaram a reobservar muito poucas estrelas, com o fim
línico
de determinarem
são o movimento próprio da oitava esfera,
com
com maior
preci-
o qual depois fizeram
o transporte das longitudes de Ptolomeu.
Se as sete estrelas de Dante são astros reais, elas teem de ser procuradas entre as do catálogo ptolomaico, o qual serviu de base aos construtores dos globos celestes que o poeta podia ter estudado e foi
o código fundamental da astronomia de posição até ao século xvi.
E
brilhavam na região celeste, onde mais
se as quattro chiare stelle
tarde os portugueses isolaram a nova constelação do Cruzeiro, Dante
deve
tê-las escolhido entre
do Centauro. grandeza
as
mais resplandecentes junto das pernas
Nesta região regista Ptolomeu
e cinco
uma
estrela de primeira
de segunda; todas as outras estrelas do Centauro
são de grandeza inferior.
Entre aquelas
seis se
devem
pois encontrar
as quatro estrelas de Dante, e assim ficam excluídas duas
a
Y,
porque não existe no catálogo,
como já vimos (págs. 167 e como «Quae est extra sub quarta grandeza,
e
i58),
e a p,
porque com
a estrela do Centauro, designada
dextro posteriore pede», classificada na
por isso de menor importância.
entende que, entre as
do Cruzeiro:
ela se identifica,
O
sr.
Angelitti
Dante escolheria, por formarem
seis,
um
*
grupo
mais compacto, as quatro de segunda grandeza, que, no catálogo de Ptolomeu, teem as coordenadas eçlípticas da tabela junta, onde as trelas estão
numeradas de
Número
i
a 4, pela
ordem
Longitude
Latitude
da estrela
1
0'=
I
Libra
io«
2
Libra
ii
10
3
Libra
i5
20
4
Libra 16 20
Rivista di Astronomia, tom.
vi,
0'
190"
= 191 = 195 = 196
10
20 20
pág. 843.
es-
crescente das longitudes:
— 5i°
— 55 — 5i — 43
10'
20
40
,
Cap.
A com
X — qA astronomia
em Dante
e
Camões
2og
com aã, e a terceira As coordenadas das quatro estrelas são rela-
primeira destas estrelas está identificada a a
tivas ao
do Cruzeiro.
Para
ano iSy, ou i38, da era vulgar.
época da criação, Dante, conservando as
coordenadas na
ter as
mesmas
53^22' das longitudes, pela regra atrás exposta;
latitudes, subtrairia e
para ter as coor-
Devemos
denadas na época da viagem, juntaria às longitudes ii^38'. supor que,
mesmo
para a época da viagem, Dante calculasse assim as
coordenadas, deduzindo-as das posições ptolomaicas, e não de obser-
vações recentes, porque então os astrónomos, como se
notámos, não'
já
ocupavam em reobservar estrelas, e muito menos estrelas tão auscomo estas. Dante não devia ter usado o catálogo de Albaténio,
trais
nem
o dos astrónomos afonsinos, porque esses foram deduzidos do de
Ptolomeu, adoptando para o firmamento indicado pelo poeta, de
um
um
movimento
diferente do
Assim Dante
grau por século.
teria atri-
buído às quatro estrelas, escolhidas entre as mais brilhantes do Centauro, as seguintes coordenadas, para as épocas da criação e da via-
gem:
Longitude
Número da estrela
Na época
da criação
Na época
da viagem
j
1
2
i37 48
202 48
— 5i«io' — 55 20
3
141
58
206 58
— 5i
4
142
58
207 58
— 43
36o 38'
201° 38'
Estudando a hipótese da escolha das o
sr.
tral
40
estrelas nesta região celeste,
um
Angelitti restringe os seus cálculos e discussões a
ponto cen-
do grupo das quatro estrelas das pernas do Centauro: ao ponto
cuja latitude e longitude são respectivamente a tudes, e a das quatro longitudes, do grupo.
média das quatro
lati-
Esse ponto central tem
pois as seguintes coordenadas:
longitude na época da criação
==
:i3g° 5o',
= 204 épocas = — 5o
longitude na época da viagem latitude constante nas
Dante devia
duas
ter-se assegurado,
quando
5o 18.
fez a escolha
de estrelas, da posição delas a respeito do meridiano
e
do seu grupo do horizonte.
Qá astronomia dos Lusíadas
2Í0 na manhã
e
na tarde do dia
E
atenção, no Purgatório.
em
que imagina fixar sobre elas a sua
por prima gente quer indicar os
se
meiros habitantes dos lugares da Terra, situados boreal, devia ter
também
numa
verificado que as suas estrelas
pri-
certa latitude
eram
visíveis
dessa latitude na época da criação, tendo deixado de o ser, passado certo tempo,
em
virtude do
movimento lentíssimo do céu estrelado de
ocidente para oriente.
Para a primeira indagação precisava Dante determinar
as coorde-
nadas equatoriais das suas estrelas para a época da viagem, o que podia fazer, partindo das coordenadas eclípticas, pelos três métodos,
O
já indicados.
sr.
Angelitti aplica os três processos à determinação
das coordenadas equatoriais do ponto central das quatro estrelas do
Centauro, partindo dos valores da latitude
e
longitude celestes, acima
Começando
registadas para a época da viagem.
pelo método analí-
tico, aplica
primeiro as modernas fórmulas de transformação de coor-
denadas
em
e,
seguida, refaz o cálculo,
como
êle se
podia efectuar no
empregando a regra de Albaténio e as tábuas então em Acaba por fixar-se nos valores seguintes das coordenadas equa-
século XIV, uso. toriais
do ponto central, para a época da viagem*:
ascensão recta
=
declinação
=—
174°
Aplicando depois o método gráfico, mais
uma
goroso, obtêm
declinação de
i^,
64^ 21
—64°
e
.
fácil
uma
embora menos
ri-
ascensão recta de
175^ Já vimos
por meio
como
dum
o
mesmo problema
globo celeste.
Os
gado por Dante. podia efectuar
com
um
pode resolver mecanicamente,
Este deve ter sido o processo empre-
globos celestes,
no seu tempo, permitiam
se
rigor
em
uso
assim
êle
ou astrolábios esféricos,
maior que os actuais;
e
grande facilidade t rapidez, e suficiente aproxi-
mação, aquela mudança de coordenadas. Conhecidas as coordenadas equatoriais do ponto central das quatro estrelas, resta saber a sua posição a respeito
diano, nos instantes
vações, isto
O
é,
com
que o poeta imagina ter
do meri-
suas obser-
duma
estrela, ângulo
formado pelo seu círculo ho-
o meridiano, obtêm-se subtraindo a ascensão recta do astro
da ascensão recta do meridiano.
l
feito as
e
resta determinar a sua altura e o seu ângulo horário.
angulo horário
rário
em
do horizonte
Rivista di Astronomia, tom.
vii,
pág. 82.
X — qA astronomia em Dante
Cap.
Os
em
instantes,
Camões
211
que Dante imagina as suas observações astronó-
micas, não são definidos
com
mas
precisão,
indicados
Assim, quando, ao romper de
terminação poética.
Lo
e
bel pianeta che
com uma
inde-
alva, diz:
ad amar conforta
Faceva tutto rider Poriente
Velando
i
Pesei che erano in sua scorta,
sabendo que, quando
íica-se
ele saiu
a riveder
le stelle,
despontavam
no oriente, ou tinham acabado de subir acima do horizonte, os Peixes;
mas não
fica
lação do
esclarecido se se trata do signo dos Peixes ou da conste-
mesmo nome.
O
sr.
Angelitti
examina por
isso as três hi-
póteses, a seguir formuladas: a primeira, que estivesse no horizonte
médio do signo dos Peixes,
oriental o ponto
01 5.°
grau deste
que no horizonte do oriente se achasse o ponto
signo; a segunda,
médio da constelação dos Peixes, que ao
isto é,
deve supor correspondente
se
grau do signo de Aries, pois que, no tempo de Dante, as cons-
5.°
telações zodiacais se estendiam desde o 20.° grau do signo do
nome
até ao 20.°
mesmo
grau do signo imediato; a terceira, que no horizonte
oriental estava o primeiro ponto de Aries.
Na
primeira hipótese, tem que se determinar a ascensão recta do
meridiano,
isto é,
o grau do equador que estava no meridiano, quando
no horizonte oriental do Purgatório passava o
iS.^
grau do signo dos
Peixes.
Nos tempos do poeta chamava-se ascendente ao grau da
eclíptica
que subia no horizonte oriental;
nele subia no dente.
mesmo
instante,
e
ao grau do equador, que
chamava-se ascensão oblíqua do ascen-
Subtraindo 90 graus desta ascensão oblíqua, tinha-se o grau
do equador que então estava no meridiano, recta do meridiano.
e
portanto a ascensão
Esta ascensão recta pode-se determinar,
apli-
cando as fórmulas, ou as tábuas das ascensões oblíquas dos signos, ou empregando
O
um
emprego dos
globo celeste. três processos levou o sr. Angelitti a
ascensão recta do meridiano
para o instante dos Peixes
em
*.
em
= 262°
adoptar a
29',
que no Purgatório ascende o ponto médio do signo
Primeiro faz o cálculo por meio das fórmulas
seguida, usando as tábuas que
davam
e refá-lo,
as ascensões oblíquas de
vários pontos da eclíptica para os diversos climas, tábuas contidas nas
obras astronómicas do tempo do poeta.
Rivista di Astronomia, tom,
vii,
pág. 148.
O
processo mais simples
é,
212
qA astronomia dos Lusíadas
porem, o do globo.
Goloque-se
um
globo celeste na posição corres-
pondente à latitude do Purgatório, com o polo austral numa altura de 3-2 graus sobre o horizonte. Faça-se girar o globo até que o i5.° grau
do signo dos Peixes
se
venha colocar no horizonte oriental.
então o grau do equador que
vem
cair
ter-se-há assim a ascensão recta do meridiano.
muito rapidamente,
uma
leitura
e os
Leia-se
debaixo da armila mediana,
Esta operação faz-se
globos celestes do tempo de Dante permitiam
mais rigorosa do que os modernos.
Subtraindo da ascensão recta do meridiano, que era de 282°
29',
do ponto central das quatro estrelas do Centauro,
a ascensão recta
que era de 174°
obtemos o ângulo horário deste ponto, de 78^
r',
O
contado desde o meridiano para oeste. central fazia pois, de
mediaram 14
círculo horário
manhã, do lado do ocidente,
meridiano do Purgatório. tarde
e
do ponto
este ângulo
Entre as observações matutinas
horas, ou i3 horas e meia,
como
já
28',
e
com as
o
da
verificámos.
Nesta primeira hipótese contamos como decorridas 14 horas, o que corresponde a um aumento de 210 graus (14 x i5° = 2io°) no ângulo
Assim o
horário.
vendo para
oeste,
com
um
do meridiano o que é o
mesmo,
ângulo horário de 288^ distava do meridiano
28',
um
estrelas,
distava
contado para oeste, ou,
ângulo de 71°
82',
contado
Conclue-se pois que o círculo máximo, passando pelos
leste.
poios do equador e pelo ponto central das quatro estrelas, fazia de
nhã,
com
o meridiano do Purgatório,
do ocidente;
O
mo-
a rotação diurna do firmamento, até que, de
quando o poeta imagina observar de novo as
tarde,
para
círculo horário daquele ponto central foi-se
e
um
de tarde,
um
ângulo de 71°
ponto central estava pois de tarde
ma-
ângulo de 78° 28' do lado
um
32^,
do lado do oriente.
pouco mais próximo do
meridiano, e portanto a maior altura sobre o horizonte, do que de
manhã.
A igual hipótese,
em
tório o 5.°
de 275°
e
Na segunda
que se supõe ascender no horizonte oriental do Purga-
grau de Aries,
5o',
seria, pela
Na
conclusão se chega nas outras duas hipóteses.
ter-se-ia
uma
ascensão recta do meridiano
o ângulo horário do ponto central das quatro estrelas
manhã, de 101°
terceira hipótese,
em
meiro ponto de Aries,
contado desde o meridiano para oeste.
49',
que se supõe ascender no Purgatório o
ter-se-ia
uma
pri-
ascensão recta do meridiano de
270*^, e
o ângulo horário daquele ponto central seria de
oeste.
Nestas duas hipóteses deve-se considerar
96'' 69',
menor o
para
intervalo
entre as observações matutinas e as vespertinas; contando decorridas só i3 horas e meia, juntaremos ao ângulo horário da
(i3,5x tese,
i5*^
= 202°,5),
para ter o da tarde.
o ângulo horário seria,
à,
manhã
202° 3o'
Assim, na segunda hipó-
tarde, de 3o4*^ 19' para oeste, ou de
Cap.
X—qA
55° 41', para leste.
O
aslronômta em Dajite
círculo horário do ponto central formaria de
manhã, com o meridiano, dente; e de tarde,
um
um
ângulo de 101° 49' para o lado do oci-
ângulo de 55° 41^, para o lado do oriente, es-
Na
tando portanto muito mais alto que de manha. o ângulo horário seria, à tarde, de 298°
O
leste.
com
o meridiano,
um
29^,
terceira hipótese,
para oeste, ou de 61°
3i',
círculo horário do ponto central formaria, de manhã,
para
tarde,
2/3
Camões
e
um
ângulo de 95°
59',
para o lado ocidental;
e
de
ângulo de 6í°3i^ para o lado oriental, estando portanto
então mais elevado sobre o horizonte.
Do
diálogo, travado entre Dante e Vergílio no
momento das
obser-
vações astronómicas vespertinas, resulta que as quatro estrelas vão perto da sua passagem inferior pelo meridiano e portanto próximas
da sua altura mínima sobre o horizonte, tendo estado, no instante das observações matutinas, perto da passagem superior,
mas da sua
altura
máxima sobre
o horizonte.
e
portanto próxi-
Não podemos
pois supor
que estas estrelas estivessem situadas junto das pernas do Centauro, porque, se assim fosse, resultaria, como acaba de mostrar a discussão feita
nas três hipóteses consideradas, que as quatro estrelas estariam
no momento das observações da tarde mais o que está
em
altas
do que de manhã,
completo desacordo
com
as condições definidas pelo
uma
fácil
confirmação do resultado a
poeta.
Qualquer pessoa pode
ter
que acabamos de chegar, com o simples emprego
Colocando truídos,
austral
um
mesmo um
globo qualquer,
dum
globo celeste.
dos modernamente cons-
na posição correspondente ao Purgatório,
isto é,
com
o polo
elevado 32 graus sobre p horizonte, e trazendo o primeiro
ponto de Aries ao horizonte do lado do oriente, verifica-se imediata-
mente .que o Cruzeiro do Sul de 85 graus. trelas
No
fica a oeste,
em
ano de i3oo,
eram menores, do que
as indicações
es-
o Cruzeiro do Sul
No momento das observações mabem longe do meridiano, pois ia
afastado dele 93 graus para ocidente.
trelas
ângulo horário de cerca
hoje são, cerca de 8 graus, o ângulo
horário devia ser duns 93 graus. tutinas estava
num
que as ascensões rectas destas
E
tamanha
a discordância
com'
do poeta que se pode logo concluir que as quatro
não podem ser as do Cruzeiro,
grupo, vizinho desta constelação,
nem
as
es-
de qualquer outro
como aquele que temos vindo
con-
siderando.
Os propugnadores do Cruzeiro do Sul procuram as trêè /aceíle mesma declinação deste asterismo,
na região celeste que, tendo a dele dista cerca de 12 horas
em
ascensão recta.
Rejeitado, porêm^
o Cruzeiro, tem de renunciar-se a esta escolha do grupo das três trelas,
es-
porque elas não satisfariam também à condição de irem pró-
dA astronomia dos Lusíadas
lVv
ximas do meridiano nos instantes das observações. Achernar, que todos eles incluem entre as
E
demais,
a
não era conhecida
três,
de Dante.
De tudo
o que temos dito resulta já que não
foi
entre as estrelas
mais brilhantes do Centauro que Dante tomou as quatro chiare
stelle.
Tal hipótese involve erros incompatíveis com o grande saber
astro-
nómico do poeta suas afirmações.
e
com a precisão e cuidado, que ele sempre põe nas Não queremos porem terminar esta análise, sem
examinar a interpretação do Cruzeiro do Sul, ou antes, do grupo
mais racionalmente, o deve
telar que,
vista
da condição expressa no verso
substituir, debaixo
— «non
viste
es-
do ponto de
mai fuor che
alia
prima gente».
Dum modo
análogo ao
já descrito
para a época da viagem, dedu-
zem-se das coordenadas eclípticas, relativas à época da criação, do
ponto central do grupo de quatro estrelas, o mais brilhante
compacto
ascensão recta declinação
= =—
1
25° 29',
32 46
.
Este ponto central, tendo na época da criação tral
mais
e
do Centauro, as seguintes coordenadas equatoriais:
de 32°
46', distava
do polo
uma
declinação aus-
sul 67° 14^, e era então visível
os lugares boreais de latitude geográfica inferior a 67° 14^
de todos
O
grupo
inteiro das quatro estrelas podia ser visto nas latitudes boreais infe-
riores a 5o°.
Os propugnadores do teeín entendido por
situados
numa
Cruzeiro, ou
prima gente
dum
grupo estelar vizinho,
os primeiros habitantes dos lugares
latitude boreal de 3o°.
Verificámos que, na época da
viagem, o ponto central do grupo, que vimos considerando, tinha
uma
portanto 35° 39' do polo
sul.
declinação austral de 64° 21'
e distava
Assim, não só o ponto central, mas todo o grupo, se podia observar
na
boreal de 3o°.
latitude
tiesta latitude geográfica
de serem
aí
A
tem
situação proposta da primeira gente
pois de ser rejeitada, porque,
as estrelas visíveis apenas nos primeiros
da criação, como se pretende, elas continuaram visíveis, e
Na se era
a ser
em
vez
tempos depois constantemente
ainda o eram na época da viagem.
hipótese do Cruzeiro, ou
dum
grupo vizinho, a prima gente,
aquela gente que nos primeiros tempos contemplou estas es-
trelas e depois deixou
de as ver, teria de ser pois colocada
tude bastante superior a 3o°, na de 45°, por exemplo.
numa
lati-
Nesta latitude
O ponto central das quatro estrelas do Centauro deixaria de sê ver,
X—qA
Cap.
quando
astronomia em
Dame
Camões
e
Como, segundo
a declinação austral de 46°.
ele atingisse
21S a
teoria da oitava esfera de Ptolomeu, as latitudes das estrelas se con-
servam constantes, aumentando
um
as longitudes
grau por século,
é
preciso determinar o valor que tomaria a longitude do ponto central,
quando a sua declinação
se tornasse igual a
sua latitude celeste era sempre de
um
problema de astronomia esférica
cuja latitude celeste e declinação são
método
Os
— 5o°
—45°, sabendo-se que
Há
18'.
a
assim a resolver
— achar a longitude dum astro, — o que podemos fazer pelo
dadas
método gráfico ou por meio dum globo celeste. esféricos do tempo de Dante permitiam resolver o pro-
analítico, pelo
astrolábios
blema com rapidez
e
exactidão
^.
A
longitude do ponto central, cor-
respondente àqueles valores de latitude e declinação, seria de 180° 20'; e
como
um
a longitude na época da criação era de 189° bo', teria havido
aumento de 40°
3o'
na longitude, o qual
período de quarenta séculos
e
meio.
Este
decorrido entre a época' da criação e aquela
se é
em
num
teria efectuado
o intervalo de |que o
tempo
ponto central
das estrelas se havia de tornar invisível na latitude boreal de 45^.
Os
habitantes
desta
latitude
teriam pois visto este ponto durante
4.060 anos, tendo-se-lhes tornado circumpolar oculto pelo ano de ii5o
a.
C.
A hipótese da Ara,
7.
sogna
quem
segundo Rinacasa.
— Foi Rizzacasa de Or-
primeiro censurou os astrónomos que teem defendido a
hipótese do Cruzeiro do Sul, por não terem sequer consultado
um
globo celeste, para verificarem se as estrelas desta constelação ocupa-
vam
também quem primeiro procurou no catálogo de Ptolomeu as estrelas dantescas. Tendo colocado um globo com o polo austral numa altura de 32 gcáus sobre o horizonte, e com o 255." grau do equador debaixo da armila meridiana, poude assim considerar o aspecto do céu como êle se ofereceria à as posições indicadas pelo poeta; ele foi
observação dos poetas, na hora matutina da chegada ao Purgatório*
A O
constelação da
Cruzeiro
ia
Ara
próxima da sua passagem pelo meridiano. longe dele do lado do ocidente, quási a meio do seu ia
curso descendente; de tarde, passadas 14 horas, devia. pois
ir
no he-
misfério oriental a mais de meio do seu curso ascendente, de
que estava mais celeste,
alto
que de manhã.
modo
Esta simples inspecção do globo
que basta para se rejeitar a hipótese do Cruzeiro, ou
dum
grupo vizinho, chamou a atenção de Rizzacasa para a constelação da Afa.
Rivista di Asti-onomla, tom.
vii,
págs. 466 a 470.
2l6
qA astronomia dos Lusíadas
A
Ara,
também chamada Lar
e
Turíbido,
do catálogo ptolomaico, formada por sete e
grandezas, segundo Ptolomeu, se
ordem
é a
constelação n.° 46
estrelas, cujas
coordenadas
resumem no quadro
junto, pela
crescente das longitudes*:
Constelação da Ara
Número Longitude
da estrela
I
Escorpião
2
Escorpião 20 5o
3
Escorpião iS
4
Escorpião 25 10
5
Escorpião 26 20
6
Escorpião 27 40
7
Sagitário
20*»
40'
3
Grandeza
Latitude
— 3o° — 34
= 230" 40' = 23o 5o = 235 = 235 10 = 236 20 = 237 40 = 243
-33
20'
4
20
4
— 34 — 26 — 22
— 25
5
i5
10
4
3o
4
40
5
45
4
Estas sete estrelas são todas pouco brilhantes, pois estão
cadas na quarta à
e quinta
grandezas.
origem mitológica da constelação da Ara
estrelas,
e
da sua
e à teoria
segundo Arato, entende que as quatro chiare meiras da tabela,
classifi-
Rizzacasa, porém, reportando-se
stelle
influição
^
são as quatro pri-
que as três facelle são as três últimas, tendo estas
apesar da sua pequena grandeza, sido escolhidas por Dante
por causa da sua importância mitológica.
A
como
inspecção da coluna das latitudes mostra logo
se fez na-
turalmente a separação dos dois grupos de estrelas, de que resultou a figura da constelação: as últimas três, mais próximas do equador,
formam
do polo, as chamas do fogo que arde
Quando
a
Ara vem chamas
em cima
do
lar
ou
altar.
na sua passagem inferior pelo meridiano, as qua-
tro estrelas das
casa,
formam, do lado
a base da constelação; as quatro primeiras
estão mais altas que as três da base; Rizza-
porém, supõe que Dante imaginara a constelação colocada numa
posição invertida, tendo este equívoco levado o poeta a considerar,
nas observações da
tcirde, as
Rivista di Astronomia, tom.
1
2
Que
quatro estrelas mais baixas que o grupo
vi,
pág. 844,
influiçam de sinos
&
de estrellas
(Os Lusíadas, V,
I
23).
Cap, das
três.
equador
X — qA astronomia
em Dante
Camões
e
2JJ
Imaginando assim a Ara, com as chamas voltadas para o base do lado do polo antártico, quando ela de manhã ia
e a
próxima da passagem superior meridiana, as quatro estrelas das chaficar por cima das três da base; de tarde, depois da pas-
mas deviam
FIGURA DA CONSTELAÇÃO DA ARA, reproduzida dos Libros dei saber de astronomia
sagem
inferior, a constelação tinha já
estavam por baixo, tendo as
três
'.
executado meia volta, as quatro
passado para cima delas.
E
esta
inversão na posição relativa dos dois grupos, operada pelo movimento diurno, que, segundo Rizzacasa, o poeta exprime quando faz dizer a Vergílio: «Le quattro chiare
Ghe vedevi staman, son
E
E uma
queste son
interpretação
bem
salite
stelle
di là, basse,
ov'eran quelle».
diferente da que se dá a estes versos na
hipótese do Cruzeiro.
*
mas; n.""*
As
estrelas
n.***
i
que
a 4, da tabela, são as quatro
as outras três estão na base da constelação, a
6 e 7 nos extremos do
friso,
em
Rey D.
se 5
vêem no meio das cha-
no meio
e
em
cima, e as
Esta figura está no centro da «Rueda
baixo.
de las estrellas dei Fogar», que se encontra Libros dei saber de astronomia dei
n.*»
em
frente da pág.
Alfonso
X de
1
Castilla.
14
do tom.
i
dos
Os astrónomos
Afonsinos conservaram as latitudes de Ptolomeu e transportaram as longitudes para o ano de 125 16
1
da era vulgar, juntando-lhes 17°
8'.
,
2JS
qA.
O
sr.
astronomia dos Lusíadas
Angelitti submete as estrelas da
Ara
a
uma
análise seme-
lhante à que fez a respeito das quatro estrelas do Centauro.
miremos apenas os
Resu-
resultados.
O
quadro seguinte dá as posições das estrelas da Ara, para as épocas da criação e da viagem, deduzidas do catálogo de Ptolomeu, subtraindo das longitudes, que se lêem na última tabela, 53^
mando
22' e so-
11^38', segundo a regra atrás exposta.
Consteíação da Ara
Longitude
Número da estrela
Na época
Na época
da criação
da viagem
— 3o« 20'
I
1770 18'
242«
2
177 28
242 28
-34
i5
3
181
38
246 38
-33
20
4
181
48
246 48 247 58
18'
5
182 58
6
184
18
249 18
— 34 — 26 — 22
7
189 48
254 48
— 25
Tomando
a
média destes números, o
sr.
10
3o
40 45
Angelitti restringe as suas
considerações ao ponto central das estrelas da Ara, cujas coordenadas
são as seguintes:
= 182^ 11^, = 247 longitude na época da viagem latitude constante nas duas épocas = — 29 34. longitude na época da criação
1
A
estas coordenadas eclípticas
1
correspondem, na época da viagem,
as coordenadas equatoriais
ascensão recta
=
declinação
=—
237°
56',
5o 33.
Supondo que, no momento das observações matinais, ascendia no horizonte oriental o i5.° grau do signo dos Peixes, a ascensão recta
do meridiano seria de 252^29', ângulo horário
e o
= 252*^
ponto central da Ara teria o 29'
— 237° 56'= 14° 33'.
X—
Cap,
Como um
(lá
astronomia em Dante
ângulo de i5" corresponde a
e
uma
Camões
2ig
hora, conclue-se que,
neste instante, o ponto central tinha atravessado superiormente o
me-
pouco menos duma hora. Se supozermos que ascendia o 5.° grau do signo de Aries, a ascensão recta do meridiano seria de 276® 5o', e o ponto central teria o ridiano, havia
ângulo horário
= 275°
5o'
— 237^
havendo portanto cerca de duas horas
e
56'
= 37°
54',
meia que passara no meri-
diano.
Na
hipótese, finalmente, de ascender no horizonte o primeiro ponto
de Aries, a ascensão recta do meridiano seria de 270°,
e
o ponto cen-
tral teria o
ângulo horário
= 270° — 237"
56'
= 32° 4',
tendo passado pela sua culminação, havia pouco mais d& duas horas.
Para termos os ângulos horários no momento das observações manhã, 210° na primeira hi-
vespertinas, juntaremos aos ângulos da
pótese, e apenas 202" 3o' na segunda e terceira,
como
anteriormente.
Acha-se assim, na primeira hipótese, o ângulo horário
== 224*^ 33',
ângulo horário
= 240°
24',
ângulo horário
= 234**
34'.
na segunda, o
na terceira, o
Como
a
passagem
inferior pelo
meridiano corresponde a
um
ân-
gulo horário de 180°, vê-se que o ponto central da Ara tinha, de tarde,
passado inferiormente pelo meridiano havia cerca de três horas no primeiro caso, cerca de quatro no segundo,
meia no
cerca de três horas e
terceiro.
Tendo o ponto 39*^ 27'
e
do polo
central
sul,
uma
e portanto,
declinação austral de 5o°
33',
distava
na sua passagem inferior pelo meri-
diano, descia 7° 27' abaixo do horizonte do Purgatório, situado latitude austral de
32**.
É
numa
pois essencial saber se êle tinha já surgido
acima do horizonte no momento das observações da tarde, para verificar se então a
Ara
se podia observar.
9 problema de astronomia
esférica,
horizontais, azimute e altura,
dum
Assim tem de
se
se resolver
da determinação das coordenadas
ponto da esfera celeste, de que se
conhecem o ângulo horário e a declinação. Este problema resolve-se, como o da passagem das coordenadas eclípticas para as equatoriais,
...
qA astronomia dos Lusíadas
220
pelo método analítico, pelo método gráfico, ou, muito facilmente, pelo
emprego dum globo
Na
celeste.
primeira hipótese, o ponto central tinha de tarde, no Purgatóseguintes coordenadas horizontais:
rio, as
=333*^31',
azimute
distância zenital=
=
altura
O O
azimute
é
88 33, i
27
contado desde o ponto sul do horizonte para oeste.
ponto central tinha surgido havia pouco, achando-se apenas na
tura de cerca de
i
grau
e
Na
A
meio.
aproximadamente metade acima,
e
constelação da
Ara
al-
estava pois
metade abaixo, do horizonte.
segunda hipótese, as coordenadas horizontais são:
=326°
azimute
4',
distância zenital= 81 47,
=
altura
O
8
i3
ponto central estava a pequena altura, de cerca de 8 graus, sobre
o horizonte.
A
constelação tinha acabado de surgir, toda, acima do
horizonte.
Na
terceira hipótese, as coordenadas horizontais são:
=328*^39',
azimute distância zenital altura
O
ponto central estava cerca de
= =
5
84 27 5
graus
,
33 e
meio sobre o horizonte,
constelação vinha, quási toda, acima do horizonte.
e a
A
interpretação de Rizzacasa, que reúne
as quatro estrelas
da manhã
e as
num mesmo
trèsfacelle da tarde, não é contra-
riada pelos resultados que acabamos de resumir.
Ara
satisfaz a condição,
da tarde ela
No momento
já se elevava,
uma
constelação da
das observações
metade pelo menos, acima do horizonte,
as três estrelas que,
segundo as suposições
então deviam estar acima do grupo das quatro. senta
A
geralmente exigida, de se achar, de manhã,
perto da sua culminação no meridiano.
podendo pois ver-se
asterismo
Mas
feitas,
aqui se apre-
dificuldade na interpretação de Rizzacasa, pois, estando tão
baixas as estrelas da Ara, mal pode dizer-lhes respeito a pregunta de Vergílio a Dante:
«Figliuol, che lassú guarde?».
supor que as xrès facelle iam
Vejamos finalmente
bem
altas
as condições
Ara, desde a época da criação.
Tal pregunta faz
no firmamento.
de visibilidade das estrelas da
Das coordenadas
eclípticas
do ponto
X — qA astronomia em
Cap.
Dante
Camões
e
22/
central da Ara, atrás registadas^ deduzem-se, as seguintes coordena-
para a época da criação:
d-as equatoriais,
O
ascensão recta
=
declinação
=—
ponto central distava pois 62°
169°
10',
27 45,
do polo
i5^
sul,
e era por isso
visível de todos os lugares do hemisfério boreal de latitude geográfica
E
inferior a 62** i5'.
lugares da Terra de
toda a constelação da Ara se podia observar dos latitude boreal inferior a
5ó graus, na época da
criação.
em
Consideremos,
Para
45''.
atingisse
estes, o
uma
duma
especial, os habitantes
ponto central da Ara tornar-se-ia invisível quando
Gomo
declinação austral de 45°.
deste ponto era constantemente igual a
— 29° 84',
tude correspondente a
a
Acha-se assim
uma
latitude boreal de
tal
latitude
e
uma
longitude celeste de 227°
do que a longitude de 182°
que o
1 1',
declinação de —45°.
14',
mesmo
a latitude celeste
procure-se a longi-
a qual é 46^
3'
maior
ponto tinha na época da
Seria pois necessário que decorressem quarenta e cinco sé-
criação.
culos, desde esta época, para
que o ponto central se tornasse circum-
polar oculto para aqueles habitantes, o que sucederia pelo ano de 700
Assim, na interpretação de Rizzacasa,
antes de Cristo.
podia ser a gente que habitou, nos primeiros quarenta os lugares da Terra situados por
A hipótese da Ara,
8.
45*^
Ql
prima gente
e cinco séculos,
de latitude boreal.
segundo Angelitti,
—O
sr.
Angelitti aceita,
da explicação de Rizzacasa, apenas a identificação das quatro estrelas da manhã com as que formam as chamas da Ara, excluindo deste terismo as três estrelas da tarde.
as-
Desagradando-lhe também supor,
com
Rizzacasa, que Dante, por equívoco, tivesse invertido a posição
real
da Ara,
restitue esta à sua verdadeira situação
lado do equador, de
modo
que, quando a
Ara
com
a base
do
surgia no horizonte, as
quatro estrelas das chamas, mais próximas do polo austral, nasciam primeiro, e já visíveis
E
em
qualquer das três hipóteses, atrás consideradas, eram
no momento das observações da tarde.
assim como os propugnadores do Cruzeiro do Sul procuraram
o grupo das três estrelas ção do Cruzeiro, sr.
mas
numa
região celeste
com
distante dele doze horas
em
a
mesma
Angelitti foi procurá-las na região celeste que, tendo a
clinação das
chamas da Ara, precede
declina-
ascensão recta, o
mesma
esta constelação 10 horas
de-
em
ascensão recta; de maneira que, quando, decorrido o intervalo de quatorze horas entre as observações
dá manhã
e as
da tarde, as quatro
qA astronomia dos Lusíadas
222
chamas
estrelas das
vão
três estrelas
vêem
se
a
pequena altura acima do horizonte, as
pouco depois da sua passagem superior pelo
altas,
meridiano, aproximadamente na
ocupava de manhã.
tro
em
registadas
trelas,
mesma
posição que o grupo das qua-
Satisfazem a condição requerida as três es-
último lugar,
com
números
os
A
constelação de Argo, no catálogo de Ptolomeu.
As
nopo, a Argiis, de primeira grandeza.
na
48, 44 e 46,
estrela
44
é a
Ca-
estrelas 48 e 4b identifí-
cam-se respectivamente com as que actualmente se designam por V
Puppis
e -
A
Puppis.
grandeza destas duas
,é
classificada por Pto-
lomeu como teixeira magna^ devendo portanto colocar-se entre gunda e a terceira grandeza.
A
interpretação de Rizzacasa,. assim modificada pelo
satisfaz
bem
em
as condições
Nem
as estrelas da Ara,
nem
na Argo, estão suficientemente vizinhas do polo aus-
para junto do qual Dante dirige os olhos cheios de curiosidade:
tral,
Gli occhi miei ghiotti
Pur Si
9.
A
là
dove
come
andavan pure
le stelle
ai cielo
son piú tarde,
ruota piú presso alio stello.
hipótese de serem Jicticias as estrelas.
dores entendem que, ITQS facelle
nem
— Muitos
as quatro chiare stelle da
estrelas conhecidas savii d'Egitto
meridie»,
manhã, nem as fictícios.
appare loro
as do catálogo de Ptolomeu, observadas
Das quatro
latitude boreal de 3i°.
nada dizendo, a
tal
elas
não forem
respeito, do
estrelas são fictícias, êle deve tê-las
já cata-
As
de 1.022, «secondochè
infino alP ultima stella che
Dante expressamente que
gente,
em número
do poeta,
hanno veduto,
eram
numa
dria,
comenta-
da tarde, devem ser procuradas entre as estrelas
logadas no tempo de Dante, por serem todas elas astros
diz
Angelitti^
que o poeta define a posição dos dois
grupos de estrelas, exceptuando uma. as três escolhidas
sr.
a se-
estrelas
em
três.
in
Alexan-
da manhã,
vistas senão pclâ
grupo das
li
prima
Se as sete
imaginado naquela região celeste
que, desde a criação até ao seu tempo, tendo-se
em
consideração o
duplo movimento do céu estrelado, nunca poude ser vista senão pelos habitantes da zona terrestre compreendida entre o equador e o paralelo
de 3i" de latitude boreal.
Estes habitantes constituiriam a pri-
meira gente, não por ordem do tempo, mas pela ordem de situação
no globo, contada desde o equador. gente haveria
um
setientrional vedovo
Em sito,
contraposição à primeira região privada da vista
daquelas estrelas pela sua posição ao norte da latitude boreal para a qual tais estrelas seriam de perpétua ocultação.
É
natural,
porém, supôr-se que,
em
vez de limitar a zona da «pri-
meira gente» pelo paralelo de Alexandria, o poeta pensasse antes no
Cap.
X—
(yl
astronomia
em Dante
Camões
e
223
paralelo de Jerusalém, que mais lhe importava considerar, situado
32 graus de latitude boreal,
também
i
grau apenas mais ao norte,
O
as £.022 estrelas eram, de facto, todas visíveis.
numa
tório ficava
e
em
donde Purga-
posição antípoda de Jerusalém, de forma que a
na latitude de Jerusalém, era pre-
calote celeste, circumpolar oculta
cisamente a calote circumpolar aparente no Purgatório,
Na
latitude
boreal de 32 graus, é circumpolar oculta a calote celeste, tendo por
base o círculo descrito
em
torno do polo sul,
Dentro desta calote devem
32 graus.
com um
ter ficado
raio esférico de
constantemente com-
preendidas as quatro estrelas, durante todo o tempo decorrido desde
a criação até à época da viagem, para delas se poder dizer que nunca
tinham sido vistas senão pela primeira gente, se esta gente tuída
pelos
32 graus;
habitantes
lugares boreaes
dos
satisfeita essa condição, elas
é consti-
de latitude inferior a
não podiam
ter sido vistas
dos
lugares ao norte do paralelo boreal de 32 graus.
Na
hipótese de serem fictícias as estrelas, podem, dentro de certos
Vamos resumir
limites, escolher-se arbitrariamente as suas posições.
uma das soluções propostas pelo sr. Angelitti. Os dois grupos estelares teem a mesma declinação austral, mas o das três precede dez horas, em ascensão recta, ao grupo das quaEstas formam uma cruz com a haste dirigida para o polo austro. tral da eclíptica, tendo portanto a mesma longitude, tanto a estrela do pé como a da cabeça da Cruz
com uma
triângulo equilátero,
da
O
fictícia.
grupo das
três
forma
um
das bissectrizes na direcção do polo sul
eclíptica.
Como
Dante diz que, de tarde, as
três facelle
tinham subido ao
ocupavam de manhã, deve supôr-se que este lugar era antes da passagem superior pelo meridiano pois que, se esta passagem se tivesse já efectuado, o movimento das estrelas seria então de descida. E como também diz que as quatro chiar e stelle iam, à lugar que as quatro
tarde, baixas,
pode supôr-se que
elas
do polo do equador, na sua passagem
estavam no meridiano, debaixo
De manhã,
inferior.
quatorze
horas antes, elas estavam pois do lado oriental, duas horas antes da
sua passagem superior pelo meridiano e portanto
num
ângulo horário
de 33o graus.
Atribua-se ao pé da Cruz fictícia este ângulo horário de 33o graus, contados no sentido do movimento diurno, no momento
das observações matutinas.
Dê-se-lhe
uma
declinação
austral
80 graus, sendo portanto a sua distância polar de 10 graus. a estrela do pé ficará suficientemente vizinha do polo sul.
.
Si
.
.
là
dove
le stelle
son piú tarde,
come ruota piú presso
alio stelo.
de
Assim
^ astronomia
224
A
dos Li/síadas
ascensão recta do meridiano, limitando-nos à primeira hipótese^
de ascender, de manhã, no horizonte do Purgatório o i5." grau do signo
dos Peixes, era,
como sabemos, de
achava então 3o^ para
cia se
A
era de 282° 29'.
—56°
29'. Como o pé da Cruz fictído meridiano, a sua ascensão recta
esta ascensão recta e a
correspondem uma longitude de
leste
262°
uma
declinação de
uma
celeste de 278° 55' e
podem
para a época da viagem, valores estes que se
40',
como na
obter pelo método analítico, gráfico ou mecânico,
—80%
latitude celeste
resolução
do problema inverso.
Para termos conservar a
na época da criação, devemos
a longitude e a latitude
mesma
latitude
de 56°
segundo as ideias de Dante,
40',
e subtrair 65° da longitude, visto terem decorrido sessenta e cinco
A
208° 55',
uma
tância polar de 29°
17'.
A
declinação de
da criação, de 29°
17' e,
como vamos
—60°
na da viagem, de e
48', e
do pé da Cruz
distância polar da estrela
minuindo durante os sessenta
longitude celeste de
correspondem uma ascensão
estas coordenadas eclípticas
recta de 169° 27', e
uma
o que dá
séculos entre as duas épocas,
um
portanto
fictícia era,
uma
dis-
na época
Ela yeiu sempre de-
10°.
primeiros séculos desde a criação,
ver, até atingir o valor
mínimo de
9° 5o', e
aumentou
em
seguida, nos quatro séculos anteriores à viagem, até tomar o valor de
A
10°.
sempre
estrela conservou-se pois
invisível nos lugares situa-
dos ao norte do paralelo boreal de 32 graus.
A com
cabeça da Cruz
a
mesma
fictícia
considera-se formada por
longitude da do pé, e
cerca de 3° 44', de
modo que
com uma
a haste da
estrela
se
estrela,
latitude celeste
menor
Cruz tem uma extensão, de
Verifica-se que
cerca de sete vezes o diâmetro da Lua.
uma
também
esta
conservaria invisível nas latitudes boreaes superiores a
32 graus.
Como
vimos no
n.^ 2 deste
Capítulo (pág, 189), obtêm-se o valor
máximo, ou o mínimo, de declinação duma estrela, atingidos com o movimento lento do fi^rmamento, somando à sua latitude celeste, ou subtraindo dela, os graus de inclinação da eclíptica sobre o equador.
Assim
a estrela
austral, de 56°
do pé da Cruz
40'+
23° 3o'
= 80°
fictícia teria 10'.
Como
a declinação máxima,
a estrela é austral, este
valor seria atingido quando ela estivesse no semi-coluro dos solstícios
que passa pelo princípio de Capricórnio, tude fosse de 270°. 23° 3o' cios
= 33°
10',
quando
declinação teria o valor a estrela estivesse
que passa pelo princípio de Câncer,
tude fosse de 90°.
uma
A
isto é,
Assim
longitude celeste de 208° 55' e
uma
longi-
mínimo de 56°4o' —
no semi-coluro dos
isto é,
esta estrela, que,
quando a sua
quando
solstí-
a sua longi-
na época da criação, tinha
declinação austral de 60° 48',
X—
Cap.
(1/1
astronomia em Dante
a que corresponde a distância polar de
madamente
sessenta e
um
máxima mínima de 9° 5o'.
29*^ 17',
uma
Camões
teria,
longitude de
austral de 80°
então a declinação tância polar
séculos,
e
10',
225
volvidos aproxi270*^,
adquirindo
que corresponde a
a
dis-
Depois, durante os quatro séculos de-
corridos até à época da viagem, a longitude aumentaria até 278^ 5 S', e a. declinação
deminuiria até 80^, sendo portanto de 10^ a distância
polar.
Como
mínima declinação, atingida pela estrela do pé da Cruz, durante o movimento lento do firmamento, é de 33^ 10', a calote do a
globo terrestre, limitada pelo paralelo traçado
em
com um
de perpétua ocultação
raio esférico de 33®
O
para esta estrela. fica boreal,
uma
10',
é
a calote
torno do polo norte
paralelo terrestre, de 56° 5o' de latitude geográ-
destaca pois para' o norte, sobre a superfície da Terra,
calote para a qual a estrela é de perpétua ocultação.
res, nela situados, constituiriam o settentrional
ção ao pé da Cruz
vedovo
sito,
Os em
lugarela-
fictícia.
Não entraremos em mais
particularidades.
Admitindo que Dante
imaginou os seus dois grupos de estrelas na região circumpolar austral,
inobservada pelos astrónomos do Egito, outras soluções se
podem
formular, alem da que acabamos de resumir, satisfazendo a todas as
condições de posição indicadas pelo poeta.
Dante
ter visto,
num
simples volver de olhos, sobre
Ele teria assim deixado as suas quatro chiare
numa
um
globo celeste.
stelle e as três facelle
indeterminação poética.
9.
Conclusão.
— Das
três interpretações,
de fazer, aquela que considera se inclina o sr. Angelitti, é a
A
Essas soluções podia
sr.
com
Angelitti,
a própria modificação in-
não chega a satisfazer completamente.
A hipótese, patente.
acabamos
dantescas, e à qual
que satisfaz a todas as indicações do poeta.
interpretação da Ara, de Rizzacasa,
troduzida pelo
cuja análise
fictícias as estrelas
porem, do Cruzeiro do Sul é inaceitável, como ficou Esta última conclusão é a que sobretudo nos importa.
bem
Alguns comentadores dos Lusíadas aproximam da primeira parte da estância V, 14: Ia descuberto
tínhamos diante
La no nouo Hemisperio, noua estrella Não vista de outra gente, que ignorante Algus tempos esteue incerta
a
d'ella,
passagem do Purgatório: .
Non
viste
.
.
e vidi quattro stelle
mai fuor che
alia
prima gente,
220
qA asironomia dos Lusíadas
dando como certo que à nova que
fala
Camões,
provado o erro de
já
nova constelação, de
estrela, isto é, à
Dante aludia com as suas
tal
opinião, que
tem
qiiattro stelle.
Fica
tido o inconveniente principal
de contrariar o reconhecimento da origem portuguesa do Cruzeiro,
jus-
tamente registada por Camões naqueles versos.
Provam
esta origem: o
João de Lisboa, redigido
Tratado da Agulha de marear do
em
piloto
i5i4, onde se ensina o uso náutico do
Cruzeiro do Sul; e a carta que a D. Manuel escreveu, de Vera Cruz, o físico M.^ João, piloto de Cabral, já
desta constelação.
estrelas da
de
1
em
i
de maio de i5oo, falando-lhe
Vimos, no anterior Capítulo, como as quatro
mandorla descrita na carta de Vespúcio, de i8 de
julho
podem ser as do Cruzeiro. Finalmente, acabou de mosque também a este asterismo não pertencem as quatro estrelas
5oo, não
trar-se
de Dante.
Não pode
pois restar dúvida que foram os marinheiros portugueses
que souberam destacar no firmamento este grupo estelar, tão próprio para lhes servir de guia nas navegações austrais.
no seu imortal poema, este honroso
facto,
que
Camões
bem prova
enaltece,
o saber as-
tronómico dos navegadores portugueses, os quais descobriram, não só
novas terras trelas».
e
novos mares, mas, «o que mais
é,
novo céu, novas
es-
.
índice remissivo das estâncias comentadas
Pág.
Pág.
Canto
Canto
estância
I,
— — — — — — — —
estância
II,
— — — — — — — — Canto
III,
.
estância
— — — —
— — — —
8
.
21
,
27
.
33
.
.
62,
42 56
.
92
•
71
.
71 .
i53
»-
3o, 86
33 .
63
68
.
i5,
3o
33,
86
.
96
.
73
7^
92 io5
91 .
72
.
123
6
95
•
»9
20 22
59 65
85
69
83,84
.
74» 75
.
80
.
90
37,71 .
.
.
101
i52,
174
2
82,91
7
95
.
.
i3
.
.
.
14
.if 2,1 54, 225
i5
.
1
-95
97,119,121
17
.
.
.
106
18
.
.
.
107
.
107
.
107
19
.
.
22
.
.
.
24
.
.
25
.
.
26
.
.
— —
27
.
.
37
.
.
.
38
.
.
.
61
.
.
.
73
67
.
.
.
io3
78
.
.
.
92
84
.
.
93
10
.
II
.
.
.106 3o,
76
i34, 147
i34
.
95, i36
72 lOI
.
68
.
68
12
.
.
68
38
.
.
87
39
.
47 84 85
.
.
87
.
.
io5
•
97
'
—
.
60
.
—
61
.
VIII, estância 32
.
27
•
.
.
Canto VII, estância 14
Canto
10
,*
.
— — — — — — — —
98, 192
110
12
.
Canto VI, estância
io5
.
.
ii5
76
io5
.
.
71
67
.
.
23
—
100
7
9
.
•
— — — —
— — — —
100
109
--
—
35
I
—
—
.
— — ^ — — —
59
60
—
192
io5
38
65
Canto V, estância
102
Canto IV, estância 27
Canto V, estância
71, i52
29, 81
.
.
.
.
.
.
173
.
i53
35, 69,
85
.
96
.
68
qA astronomia dos Lusíadas
228
Pág.
Canto
VIII, estância 67
—
'~~'
•
7»
.
72
.
.
•
^72
.
i5i
ág.
Canto X, estância 86
.
í6, 58, 59,
:
83,177,179 87
121, 122,
13,27,33,
.
172, 187
Canto X,
estância
— — —
75
.
.
76
.
.
77
•
39, 40, 55, 56
— — — —
.
41, 56
80
.
43, 57
81
.
79
85
—
53 39, 53
.
78
52
— — —
87
.
62
.
89
.
i3,
62
90
.
i5,
66
91
93
129
•
. '
,39
.
—
140
.
26, 55, 57
--
141
.
68 100
•
.
57
.
5o, 61,
88
.
.
95
.
119
-
173
173, 174
Colocação das estampas
Em frente da pág.
Frontispício do Tratado da Sphera
Primeira página da Theorica do Sol e da
Fragmento da Página
A
A
final
7
Lua
12
terceira página da Theorica do Sol
14
da Sphaera Mundi
22
máquina do Mundo, extraída da Margarita Philosophica sétima esfera, extraída da Margarita Philosophica
Página de novembro do calendário do Regimento de Munich Astrolábio do Rei Afonso
X
de Castela.
55
....
64 182 142
University of
Coimecticut
Libraries