Althusser-freud-lacan-marx-freud.pdf

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HIBI.I OTECA DE FI LOSOFIA E HISTÓRIA DAS ClfNCIAS VoL N ~' 14

Coordenadores:

J. A . Guilhon de Albuquerque e Roberto Machado

LOUIS ALTHUSSER

FREUD E LACAN MARX E FREUD lntrÓcfuçào crítico-hist6rica, tradução e notas: Walter José E~angelista

Revisão:

Alaíde lnab González

2~

Edição

"FREUD e LACAN" foi traduzido do original francês. " POSITIONS" , - Paris, Editions Sociales, 1976 " MARX e FREUD" foi traduzido do original espanhol. "NUEVOS ESCRITOS", Barcelona, J.,.aia 8 , l978 Direitos adquiridos para a Ungua portuguesa EDIÇOES GRAAL Ltda. Rua Hermenegildo de Barros, 31-A Glória - Rio de Ja neiro - RJ CEP : 20241 - Tel.: 252-8582 Atendemos pelo Reembolso Postal Capa: Beatriz Rondon Revisão: Áurea Moraes Santos Produçllo Gráfica: Orlando Fernandes

Impresso no Brasil I -PTinted in Brazil

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Althusser, Louis, 1918Freud e Lacan. Marx e Freud : introdução critica-histórica I Louis Altbusser ; traduçlo e notas Walter José Evangelista ; revisão Alaide lnah Goo.zalez: - Rio de Janeiro: Edições Graal, 2~ ediçlo- 1985. (Biblioteca de Filosofia e história das ciênçias ; v. n? 14) Bibliografia . 1. Althusser, Louis, 1918 - Bibliografia 2. Althusser, Louis, 1918 . - Fílosofia 3. Freud, Sigmund, 1856-1939 Critica e interpretação 4. Lacan, Iacques M., 1901-1983 Bibliografia S. Marx, Karl, 1818· 1883 - Filosofia- Critica e interpretação I. Evangelista, Walter José II. Título III. Ttítulo: Marx e Freud IV. Série CDD -194 335.411 CDU- 330.85:1 . 84-0500

INDICE INTRODUÇÃO

por: Walter José EVANGELISTA - Althusser e a Psicanálise. .................... ... ..... ................................ 9 ~ibliografia quase completa de Althusser................................. 39 Bibliografia de Lacan .................... ........................................... 42 - Outras obras consultadas.......................................................... 42 FREUD E LACAN por: Loujs ALTHUSSER - nota preliminar ...................... . ..... ..... . .. . .... 47 - Introdução ....................................... ...... 51 · I -(voltar a Freud) ....... . . ; ................. . ...... 55 11 - (Qual é o objeto da Psicanálise?) .................. . 61 111 - {A passagem da ex.ist~ncia biológica a existência humana opera-se sob a Lei da Ordem e essa Lei da Or
MARX E FREVO por Louis AL'fHUSSER. ••••.•.....................•..••.•• 75

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INTRODUÇÃO

. ALTHUSSER E A PSICANÁLISE . Walter José EVANGELISTA*

Para Ana, Matheus e Kim

• Professor de fi losofia da U!!ivcrsidade Foderal de Minas (ierais.

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INTRODUÇÃO

ALTHUSSER E A PSICANÁLISE

Walter J . EVANGEliSTA

No início dos anos 60, o marxismo achava-se ameaçado. Tornara-se uma doutrina de Estado. Ora, sobretudo depois de 1956, data do XX Congresso do PCURSS, começava-se a ver que as graves limitações do Estado soviético estavam longe de ser apenas calúnias inventadas pelas forças da reação. O marxismo estava obstruído. Obstruido não somente pelo dogmatismo stalinist.a, mas também pelas tentativas de superação, feitas a custo de alianças com certas antropologias existencialistas e com certas filosofias do homem, que, ao invés de fazê-lo avanç-.u, arriscavam-se a arrastá-lo em seu próprio declínio. Além disso, o " humanismo teórico" resultante dessas alianças mostrava-se incapaz de ir além daj ustificada e necessária denúncia e de prestar contas, analiticamente, dos impasses vividos. Por outro lado, com o aparecimento do estruturalismo, um novo ataque se es boçava: incapaz de uma concepção estrutural atenta aos isomorfismos, a tese central do marxismo de uma determinação pelo econômico, não seria, apenas, uma grosseira e mecânica relação de causa-efeito entre base e superestrutura? · Nessa conjuntura, surge e intervém Althusser. Representante legitimo da mais pura tradição marxista, homemde-partido, ele, embora fiel ao PCF, vai abandonar, tão ousada quanto habilmente, a defesa da dialética dogmática e oficial, deixando-a entreguo aos ataques das filosofias existenciais e do estruturalismo. Para espanto geral e pânico de alguns, vai muito mais longe: pare-

ce passar para o lado dos estruturalistas. Na realidade, aproveita-se, momentaneamente, dessa moda para desvençilhar o marxismo deve-lhas filosofias e promover um rejuvenescimento de alcance mundial, que se tornou conhecido como um (re )começo do Materialismo Dialiri-

co. Essa estratégia de (re)começo abrange dois grandes momentos. No primeiro, que culmina em 1965, mostrou-se 4e modo vigoroso a cientificidade do Materialismo Histórico, que se achava encoberta por. ideologias. Nessa primeira fase, o recurso à categoria bachelardiana de ruptura, assumida por Althusser sob a forma do conceito de corte epistemológico, foi decisivo. No entanto, a Filosofia, assimilando-se à Epistemologia e definindo-se ccimo Teoria das práticas teóricas, concentrou-se exageradamente na oposição Ci~ncia X Ideologia, dei~an­ do, assim, a luta de classes em segundo plano. No segundo, que se inicia em 1967 e tem como auge o ano de I 974, a Filosofia é redefinida como sendo, em última instância, política na teoria. Com isso, a luta de classes retoma seus direitos e, conse· qüentomente, a · antiga oposição Ciência X -Ideologia perde o caráter absoluto que se arriscava a assumir, para ser reafirmada de"modo mais sutil e articulado. · De qualquer modo, o que mais nos importa aqui observar é que, em ambos os momen.tos dessa estratégia que provocou o (re)começo do Materialismo Dialético, o confronto com a Psicanálise ocupou um lugar decisivo. · Nessa estratégia e nesse confronto, " Freud e Lacan" (1964) bem como "Marx e Freud" ( 1976), textos que ora apresen~o ao leitor brasi.leiro, são duas táticas essenciais, adotadas, cada uma delas, em cada um dos referidos momentos. A leitura de ambos permite, portanto, na medida em que abrange esses dois momentos; uma forma de acesao completa, embora unilateral, à dimarcht althusseriana. · Oferecer algumas informações e reflexões. para facilitar tal ac;;es. sp, é o objetivo desta introdução.

••• Consideremos, então, o primeiro.desses textos: "Freud e Lacan". É preciso ver, antes de mais nada, que; muito embora Louis Althusser seja um dos mais claros e pedagógicos filósofos da atualidade, esse texto não ~onstitui uma "introdução ao pensamento de Lacan", que iria, fin almente,.revelar-nos os tenebrosos mistérios escondidos sob !J.S fórmulas mágicas que afirmam ser o inconsciente estruturado como uma linguagem ou falam dele como tendo o discurso do Outro. Não se trata, tampouco, de um ensaio, puramente especulativo, sobre Psicanálise. "Freud - e Lacan" e outra coisa. deriva de um .duplo lO

estatuto que se articula rigorosamente: a Política e a Filosofia; de uma política que se faz filosofia e de uma filosofia·que se faz politica, e que constituem a paixão de Althusser. "Freud e Lacan" é, antes de mais nada, um texto de Juta teórica. N~sa luta, Altbusser se define, inicial e essencialmente, em relação a um texto de 1949- " Auto-critique: la psycha~alyse. une idéologie reactionnaire", e só em referência a este texto aquele pode ser inteiramente ·· compreendido.' Este último é um artigo que aparece em · Lo Nouvrlle Critique, que é a revista teórica· oficial do P-artido Comunista Franc!s. O itn pro fi ssionais. familiarizados com o .domrnio da Psiquiatria, Psicologia e Psi"canálise, e que se assumem como marxistas o assinam. Um deles, S. Lebovici, será, alguns anos mais tarde, entre 197Je t9n. nada menos que o único Presidente francês da lnternt:Ítiona/ Psy cho":.. A nalytical Association. Nele, há uma condenação sem apelo à Psicanálise: .. . .. wgamos ao fun da nossa autocrltica, à .con~icção de qUI! o coojWtto. dizem os autores, sublinhando, eles mesmos. essa últimas palaVTa, das teorias psicanalíticas está·cotUamiNJdo pelo que n6s poderíamos deMminar IÍm ·princípio mistificador'..., · · •.

Neste texto, poucos autores são citados, mas~ dentre eles, aparece o nome de Lacan, que é criticado. Tendo como pano de fundo certas teses. de Politzer, conduzidos pe~a linha djanovista, procurando desesperad~mente fazer face à ofensiva do imperialismo norte-americano que provocava efeitos ideológiços no campo psicanalítico pela "ego psyclto/ogy ", nossos autores irão lançar o equivocado dilema: ou Marx. ou Frnlli. . · · Em 49 o stalinismo estava em plena vigênciâ. Assim, entre o ..Auto-critique ... " e o "Freud e Lacan" irá existir um marco histórico, cuja importância nunca é demais sublinhar: o XX Congresso do PCURSS, dito da desestaJin·izaçâo. Logo, o texto exprime, acima de tudo, a tensão entre dois ·momentos diferentes. do movimento cOmunista internacional: o· stalinista e o pós-stalinista. Trata-se, pois, de

I: Althusser tciia escrito, em 21 de fevereiro de 1969, ao seu tradutor para a edição do " Freud c Laca.n" da N~w Left Re~iew, o seguinte; "Há um perigo de que este artigo seja mal compreendido, a menos que seja tom ado pelo que entio objc:tivamcnte era: uma in· tervcnçào filo:>úfic:o . inslamlo o:. mcm bros d o PC r- a rc<;onhcccn:m a c:icntificidude du Psicanálise, da obr,uk.frw6e da importância da i{lt~rmJ;tç_àQ.~cariiana desta. Con5e-qücnt.ementc. d e er<1 polemico, porque a Psicanálise fora oficialmente condenada, nos anos cinqDcnta, como uma "idcoloaia reacionária"; a despeito de algumas modificações. essa condco~o ainda dom inava a situação quando cacrcvi este artigo. Esu situação excépcional deve ser levada em conta quando o sentido de minha interpretação é avaliado hoje". ALTHUSSBR, Louis. P()Sirõ~$·]. p. 103. · 2. BO"NNAFE et alíi. " Auto-crit..uc; la psycanalysc:. une idéologie reaction naire."

um protocolo do movimento revolucionário do proletariado, embora se exprimindo em uma esfera aparentemente bem distanciada deste, que é o mun.do da teori-a. Uma teoria cientlfica não surge e persiste por milagre. Ela sempre paga um alto preço pata existir, tanto histórica quanto politicamente: o preço de uma luta implacável. Essa luta poderá ser vista no combate tanto de Lacan, no seio do movimento psicualftico, quanto de Altbusser, no do comunista. ••freud e Lacan.. é a confluência dessas lutas. Ele não contém uma única palavra sobre Stalin ou o stalinismo, no entanto.joi um dos primeiros textos, na décado de 60. a promover um ·anti~stalinismo, não apenas puramente verbal, que repisaria publicamente o remono, através da repetição obsessiva da denúncia moral, mas que fundaria essa critica sobre um corpo conceitual rigoroso e demonstrável. Definindo-se em relação a esse texto de 49, ..Freud e Lacan" provoca, no interior do movimento comunista, uma significativa modificação em sua posição face às ciências em geral e à Psicanálise em particular, modificação esta que exprime u~a transformação de suas posições filosóficas. Indo diretamente ao esseneial: o texto procura mostrar, passan~o por Lacan, que a Psicanálise é "uma ciência nova, que é a ciência de um objeto novo: o inconsciente'~: "Ora, o objeto de uma ciência, enquanto . objeto-de-conhecimento, ou seja, um objeto produzido teoricamente~ não pode ser simplesmente apontado como a primeira realidade empírica vinda. Assinalar um objeto de uma cibcia implica poder distingui-lo das ideologias (teóricas) que o assediam .e sufocam. Implica. poi.v. a exi.ftência de princípios teóricos claros e rigorosos, capazes. seja dt• ler. seja de produzir tais distinções.

E o que faz Althusser, respondendo ao texto de 49. Uma a uma, ele vai mostrando, demonstrando c desmontando as várias figuras da ideologia que ocultavam ou enterravam .o objeto de Freud, tanto aos olhos dos próprios profissionais da Psicanálise em geral, quanto, de forma ainda mais grave, dos próprios marxistas. que, pordireito, deveriam ser capazes de conhecer a ideologia como ideologia. Essas figuras vão desfilando, uma a uma: biologismo, psicologismo, sociologismo, empirismo, positivismo, etc. Elas aio, cada uma a seu modo, efetivações de uma mesma tend!ncia, que é o id~alism<J da ideologia dominante burguesa, e que contamina tanto a Psicanálise quanto o Marxismo.

·

Esse combate ao idealismo, naturalmente, só é posaivel porque· Althusser ocupa posições materialistas. E é essa a virada profunda que ele provoca: enquanto os ..marxistas de 48", como diz Althusser, procuravam fundar ou, como no caso da PsicanAlisc, afundar, pela erltica, as ciências; enquanto eles, em nome de um saber superior, o Materia12

lismo Histórico e Dialético, legiferavam sobre a prática científica; enquanto eles estavam prisioneiros, para se ir ao fundo da questio, da .problemática idealista das filosofias ·do fiUIIkz~nto, a posição de Al~husser é diametralmente oposta. Ela é mt}terlalúta, ou seja, ela recusa a questão do fundamento. . Assim, o texto de Althusser nio objetiva fundar o discurso da PsicanáliSe em geral, e o de Lacan em particular. Num certo sentido, o que ocorre é exatam~nte o contrário: Althusser parte do caráter cientifico da Psicanálise, J Parte do fato de que Laean reconbeeeu e soube ti-. rar proveito do caráter cientifico da Psicanálise. Nesse sentido, o tra.balho de Althusser parece fazer-se na direção antes apontada por Engels, em seu projeto original da busca de uma dialética da Natureza: cada nova ciência, segundo este, revoluciona o Materialismo. Tratarse-ia, , poi.s, aqui, de explicitar a revolução feita pela Psicanálise, enquanto ciência nova, no Máterialismo. Ou ainda, não se trata de impor; uma dialética p~via às ciencias, mas, sim, de explicitar, partindo da existência de fato das ciênci&$, as ftguras da Dialética. Encontrar ou reconhecer, portanto, a dialética da Psicanálise. Não dispondo aqui do espaço que seria ~ecessário para uma detalhada explicação desse ponto, que é, no entanto, fundamental, limitome a indicar, esquematicamente; o esscncia1. 4 Como disse, Althusser provoca um (re)começo do Materialismo Dialético. Como fez isso? Ele o fez. voltando a Marx e à tradição marxista (Lênin, Mao, etc.). Ele o fez voltando a eles e explicitando, de modo rigoroso e analftico, a _especificidlltle da dilllética materialista ~m relação à hege/iQIIQ. Ele o fez mostrándo qual é o pressuposto radical que torna a dialética hegeliana ·pensáve/, e como um tal pressuposto é inteiramente diferente daquele · que torna a dialética marxista .possível e pensávcl. Coni efeito, ele nos mostra que a dialética ·hegeJiana é posslvel ~~à · . " ... pressupOJiçio rodical dt uma unldtMlt orlfln4rúJ &impl~s, dtstnrolno s~io d~ si m~smq pela ~tnutk da MgtJtMtlade, e jtlmtlis restau-

~tU/o-s~

3. Num ceno sentido. porq~~e não se trata de mudar de rundamento. Anta, no tc:JLto de 49, teríamos o fundamento lilosólico dado pelo Materialism:O Dial~ico, que ncpria o caráter de cientirlcidade à Psicanálise. a qual seria· uma simples ideologia reacionária; aaora. com o ~to de Althusser, terlamos o novo fundamento, que seria a Psicanálile enquanto Ciâlcia, redes(:obcrta por Lacan, o qual fundaria uma nova filosofll. que ~e­ ria o novo Materialismo Dialético de Althuseer. Nio. O _que o autor de " Freud e La· can" p~ende é que a Filosofia se desvencilhe. de uma vez por todas, da ques.tão idealista das teorias do fundamento. 4. Uma exposição cletalhadá aparecerá, nesta mesma oolcçio, do autor da pruente In· trodução, tratando das rclaç&s entre Man~ismo e hicanA&i~e.

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rol!do, em todo o seu desenvolvimento, cada vez numa rota/idade mais ·con- · crtta', a não ser es.fa unida~e e essa simplicidade originárias."'

Vale, pois, dizer que tÓdos os conceitos ou estruturas dessa dialéti· ca (simplicidade, essência, identidade, unidade. negação, cisão. ali~na· ção, contrários, abstração, negação da negação, Aujhebung, totaJ~da­ de contradição, etc.) estão suspensos a esse pressuposto. Vale dtzer qu~ a contradição hegeliana, estrutura fun~amental da dialética, é, c tem de ser, uma contradição simples. Vale dizer que Hegel é impensável e impossível se excluinnos essa "unidade originária simples'' e, por· tanto. espiritual. . O mesmo não ocorre com a dialética materialista. Voltando a Marx e à trooição marxista, Althusser faz um pacie~te levanta~e~t~ tanto de questões de fato (a análise feita por Mao acerca da multtphctdade e complexidade das contradições, ou a feita por Lênin da Revolução Russa) quanto de elaborações teór~cas rigorosas, e. portantQ, de. direito (o que é dito por Marx, na Introdução de 57, quanto ao método da Economia Política). e conclui que a dialética marxista não P'•de Jer a mesma que a hegeliana. Isso porque, segundo ele, ". . . no lugar do mito ideológico de uma filosofia da origem e dos s~f conceitos orgânicos, o marxismo estabelece o princípio do recOithtcimento do dado da estrutura complexa de todo 'objeto' concreto, estrwura que determiM tanto .o desenvolvúnento do objeto quanto o desenvolvimento da prática teórica que produz o seu conhecúnento. ( . .. ) Por con.reguinte, não te-. mos mais, continua ele (sob qualquer que seja a fonna ). unidade simples original, mas o sempre-já-dado de uma unidade complexa estruturada":• . logo, a dialética materialista não pode ser a mesina que a hegeliana, uma vez que seus pressupostos são diferentes. Importa observar' que, por detrás dessas questões, aparentemente tão distantes e abstra- .· tas, o que está em jogo é uma realidade dramaticamente concret&: o stalinismo, seus horrores e crimes. Com efeito, Althusser procurará demonstrar que o Materialismo Dialético em sua dogmática versão stalinista, implicando, por seu economidísmo, um panteísmo das forças produtivas (nova unidade original simples) e tendo como conseqüência especul~r o humanismo teórico, estava ainda prisioneiro da problemática hegehana. Para ele, a ruptura com a dialética hegeliana será, na realidade, uma ruptura com o stalínismo.

5. ALTHUSSER. L. Análi.te critica da teoria mar:cista. p. 173. 6. ALTHUSSER •. L. Análise crítica da teoria marxista. p. 174.

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'

No entanto, para o que agora nos interessa, ou ~ja·, para situar os tedos de Althusser acerca da P&icanálise importa observar mais de ,perto um outro aspecto do mesmo problema. Althusser estabelece a diferença entre a dialética marxista e a begeliana, sobretudo pela minuciosa análise de uma das suas estruturas essenciais, que é a contradição. Mostra que, coerente com seu pressuposto, a dialética hegeliana é, necessariamente, de uma contradição simples. A marxista, poi:' seu lado, igualmente coerente com o seu pressuposto, não poderá .ser uma contradição simples, mas, sim, uma contradição ". . . complexamente '- estruturalmente- desigualmente- determ;nada . .. "' SendQ a s:ontra-. diÇão o motor de toda dialética, essa última caracterização que dela se faz. é de extrema importância. Ela exprime o t ipo de causalidade dialética que é pensada por Mar~..e peJa tradição marxista. Ele indica, como dirá o próprio Althusser, grifando ele. mesmo a~xpressão, ..... o traço mais profundo da dialética marxista. " 3 Ora, para pensar urna realidade de tal importância, é preciso um conceito. Mas corno é que se produz um conceito? Um conceito não é uma simples palavra que podemos encontrar, com a leitura do primeiro dicionário consultado. Como sabemos, ~le não indica simplesmente uma realidade empírica. não é um nome que damos a uma coisa imediatlfmente observállel. Um conceito é.in.tcJ:dependente de todo um campo c
7. 8. 9. 10.

ALTHUSSER. ALTHUSSER. ALTHUSSER. AlTHUSSER.

L. L. L. L.

Análise Análise Análise Análise

crítica da crítica da crítica da crítica da

teoria marxista. p. 185. teoria marxista. p. 18 1·2. teoria marxista. p. 182. nota 48. lt>oria marxista, p. 182.

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Ora, se lermos com atenção os textos de Althusser publicados nessa primeira metade do decênio de 60, se considerarmos, sobretudo, o peque"o artigo intitulado ''Philosophie et Sciences Humaines". bem como alguns argumentos que aparecem no ''Marxismo e humanismo", ou, finalmente, a introdução escrita por ele para o Lin Le Capiud, veremos ·que Althusser está, nesse momento, verdadeiramente fascinado por Lacan. Poder-se-ia mesmo indagar se nio se passaria com ele algo da ordem do que Frapçois Roustang chamaria UJPIS/enncia PJlfl~.a teoria. 11 De qualquer modo, parece-me inegável que "Psicanálise e Lingüística" nada niais são que a própria teoria lacaniana e que, portanto, o conceito dt superdetemúnação vem, na realidade, de Lacan. E isso AlthUsser não pode declarar abertamente. Estamos, então, diante da seguinte situação: o conceito que permite pensar "o traço mais profundo da dialética marxista", que permite distinguir essa dialética da hegeliana e, pois, finalmente, empreender, no nível teórico, um corte com o dogmatismo stalinista vem desse doutor explicitai:Tlente condenado pelos "marxistas de 48", que enfrentara uma significativa cisão com a ortodoxia psicanalitica em 1953, e que, finalmente, nessa mesma época (1963), está sendo excomungadC) pela Sociedade Francesa de Psicanálise. ''Freud e Lacan" foi escrito fundamentalmente para os marxistas, · e Lacan não era desconhecido dos "marxistas de 48". Ele era, como vjmos, diretamente atacado. Logo, era .preciso, a todo custo, resgatar, mostrar e defender o caráter científico da Psicanálise em. geral e do trabalho de Lacan em particular. Não se tratava de fu11dar urna ciência, como quereria o idealismo. Tratava-se de lutar Pltraque ela fosse reconhecida oomo tal e, em primeiro lugar, pelos· próprios marxistas, que haviam cometido, no texto de 49, o terdvel engano, de jogar fora, junto com a água do banho, o bebê que era essa jovem ciência. Visto nesse quadro geral, .. Freud e Lacan" ~a meu ver, um dos textos mais inteligentes, belos e vigorosos de Althuss~. Ele está, sobretudo no interior dc;J movimento comunista, jogando uma cartada :decisiva: ou o "mérito teórico· de Lacan" é reconhecido, e então o seu também terá chances de sê-lo e, assim, uma dos primeiras crilictU fundadas do ,ftalinismo (a questão da dialética stalinista como um h•lianismo de pobre, enquanto ignora a superdeterminação) será possfvel, ou Lacari será massacrado, como a excomunhão de 63 parecia indicar, e então ... e então, nem é bom pensar: o sufocamento stalinista continuaria.

li. ROUSTANG. F. Un fkstin si /UIItStt, fGMim.

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Althusser começa, então, pelo começo, ou seja. pelo ataque stalinista- via Jdanov- çontido no texto de49. .a preciso saber convencer. .Althusser .faz uso da mesma arma tão esplendidamente manejada por Lacan: a Retórica. Ela servirá de instrumento para abrir caminho para a Ciência. Com ela, Althusser irá ajudar a abrir o caminho para Lacan; · · E. essa abertura de caminhos se faz não apenas na ordem abstrata ou. teórica, mas, também, na materialidade concreta das instituições; Com efeito, no fim de 1963, Lacan é excomungado da Sociedade Fran· ccsa de Psicanálise, uma vez que esta desejava filiar-se à lntematiOtUJI Psycho-Analytic Associatíon, a qual, por sua vez, exigia, comó condição, a cabeça de Lacan. 12 Imediatamente após, o professor Delay, que acolhia seus seminários em Sainte-Anne, aproveita-se das circunstân:.. .cias para desembaraçar-se de tão tumultuosa personagem. Lacan está, . [~partirA de. então, sem a S.FP e sem O apoio logfstico de um·CC!ltro da 1mportanc1a que tem o Samte-Anne, no poderoso mundo da anstocra. cia m~ica fr~ncesa. Nessa conjuntura, a intervençio de Altbusser é . dupla: ao mesmo tempo em que: redige "Freud e Lacan" (janeiro de 1964), na qualidade de Secretário da prestigiosa Eco/e Normal~ Supr~ rieun> da. rue d'Uim, convida Lacan para·ali continuar seus seminários, que são retomados a partir de IS de janeiro de 1964.11 . Se, convidando-o para a Eco/e Nomuzle, um espaço se abria no nível institucional, o texto que Althusser guardou na gaveta, entre janeiro e dezembro de 1964 (ou seja, durante esse primeiro ano de Lacan na Eco/e Norma/e) fez seu trabalho, abrindo caminho, no seio dtl ideologia, para que Lacan fosse ouvido. Certamente, durante esse ano de 1964, esse texto foi discutidO entre os "amigos" de Althusser, çeiu. mente ele circulou tanto na Eco/e Norma/e Supérieure, quanto entre os comunistas, criando condições para o trabalho de Lacan. Certamente, ele contribuiu para que o doutor Jacques Marie Emile Lacan se transformasse em Lacan. · "Freud e Lacan" é, antes de qualquer outra coisa, um ~to polftico, e como tal deve ser avaliado. É bem verdade que o -texto pode ser diseulfvel, nesse ou naquele deta_lhe. O próprio Althusser o faz, em 1969, quando, por exemplo, admite, perante os leitores ingleses, que certas teses deveriam ser.

12. hcqucs-Aihtin MILLER reuniu uma completa documentaçio sobre iudo isso. a qual foi publicada no suplemento nt 8 da Omícar?, denominado .. L'excommunication.... 13. Jacqucs-AIIain MIL LER, em um seminário 110bre Psicanálise, realizado na Escola de Psicologia da Universidade Central da Venezuela, fala -desse convite a Lacan, feito por Althusser. nas página~ 11-9 do texto. ·divulpdo. em âmbito restrito, pelo Editorial. Ateneo de Ca~racas.

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corritidas ou ampliados. ( . .. ) Em pariiniar a t~oria iir lANn I qw. a fkspeito dr todas as p~~s. tim os a~,_ tos cu/turalisttU,.ao passo qw a traria -M Úlctlll llllltlndtul'flli.sta".'• " . • • 011

aptr~rntadcr rm t~mtos

E. fato, fascinàdo como estava, nessa éj,óca, pela teoria laca~ nbna, Althusser a assume talvez um pouco apressadamente. A tese do primado do simbólico, CO !li a qual Lacan unifica o campo da Psicanálise, vai aparecer. no "Freud e Lacan" , através da noção de ·~homini- . zação", que, se é estrar,ha tanto a La~n quanto a Freud, é inusitada . . _no próprio Althusser_.. · · · · . Essa noção de "~ominizaçio" traz consigo um certo culturalismo. pois o incónscientc,."a despeito de todas as precauÇÕeS.. , arri5ea~ a se dissolver em uma série de fatores e.x.terioret e sociais. E é sob um tal risco que se monta um. programa. . Com efeito. se a hominização, ou seja, ·o tornar-se humano da· "cria de homem" só se dá sob o primado do simbólico, então se.r ia possível passar deste para as estruturas de parentesco, pela mediação das formas ideológicas na~ quais são vividas as funções de, por exemplo, paternidade, materni.dade·e tiliaçio 7 Ora, como seria possível darse conta rigorosamente destas últim~, sem considerar as condições ~,--conômicas, jurídicas. éticas, religiosas da família, que estruturam o papel do pai, da mãe e da prole? E como considerá-las sem reco_rrer ao corpo conceitual do Materialismo Histórico? De tudo isso, surge um programa capaz de. ~nir Marxismo J:. l!si~análise. Mas esse programa é montado mediante certos·riscos. O mais importan.IJLdelcs. a meu ver, foi o perigo de confundir o objeto de . F.reud.~cum o.de Marx. O oferecimento, pelo Materialismo Histórico, . de conceitos capazes de promover o estudo das ré feridas condições poderia acabar conduzindo a uma anexação da Psicanálise ~lo Marxismo. sob o pretexto de não poss.uir o que ela poderia of«ecer-lhe, ou seja, uma teoria da idcologia. 15 Esse risco é claro· e definitivamen~e afastado pelo segu ndo artigo que apresento- "Marx .e Freud" - e que distingue, com rigor, o objeto -de Freud do de Marx. · Dominique Lecourt c.hama a atenc;ão para um outro perigo desse programa. •~ Ele acaba tornando dificil uma análise critica da "maquinaria lacaniana". Qúanto a isso, a me.u ver, será. novamente o texto "Marx e F reud"' ·q uc irá. abrir caminhos.

de

14. Ck a nota do editor brasil.:;:o do "Freud e lacan". In: ALTHUSSER. L ,oJi.(M.t·Z. p. 103. 15. Não teria sido eal» tendência de um Michel TORT. no seu "IA !sydttu!DIJ'-"! dan.r I~ MDtirialiJm~ DíQ{tctiqw".~ . . 16. LECOURT, O. La ,kllosophit SQIIS Jrifrtr. p. 113·20.

18

Mas, por mais importantes que sejam esse5 _impasses c cdtícas (que podem sempre ser retomados e corrigidos), não se pode perder de vista o fato de que são apenas pequenos det{llhes em relação à estratégia global de crítica do stalinismo e de relançamento do Materialismo Dialético. Se, para tanto, o objetivo tático de Althusser fora. segundo suas próprias palavras, o de intervir filosoficamente, ..... instando os memhro.f do PCF a recotJhecuem a cie_ntiflcidode da Psicanálisr, da obra de Freud e da impÓrtáncia da interpretação laconiana desto", 11 o sucesso parece ter sido bastante grande. Para citar apenas um exemplo, b~sta considerar que, pouco tempo após a publicação do texto- em 1967~8 - o Crntrê ã Etudes et Rtl'hercheJ Mar:dstes (CERM) organiza um grupo de estudos pluridisciplinares sobre Psycanâlise e Marxismo·, do qual resulta uma significativa produção teórica (ccréa de 12 artigos do publicados), 11 nitidamente dominada por um debate em torno de Lacan. A pro~a disso é que o próprio Lacân e&tará presente pa~a uma confrontação com o grupo, fechando o ciclo de exposições. Uma pequena nota da edição original do ''Freud e Lacan" nos diz: "L.A. propõe, aqui, algumas rejláões sob~ o estatuto teórico da PJiconálise. Ele desejo que essas I'J!.flexõe-s suscitem outras. É tambim o voto da revista". •• Se foi esse o objetivo e o desejo, cQtão ambos se realizaram, pois o des~ino teórico, mas sobretudo pólftico da Psicanálise, · na França, está marcado, até hoje, por esse pequeno artigo.

....

Consideremos agora o segundo teito, .. Marx. e Freud". _

· Entre 1965, data da publicação de "Freud c Lacan", e 1976, data· em que redigiu "Marx e Freud'' ,_muita_água rolou sob a ponte. No it~­ nerário teórico de Althusser, essas duas datas e, portanto, esses dots artigos são testemunhos de momentos bem _distintos, correlativos a duas definições
·.

.· .. 17. ALTHUSSER, L. Posi~j-)_' p. 103. t'8. Psychanalyse et Marxisme: ús CQhirrs tlu Crntrt d'Etlllirs tt Rrchrrch~s Morxis· u .t. Paris, 1970. 4 v. b 19. ALTHUSSER. L. "Freud et Lacan". IA Nouvrllr Crltiqur, n9 .161-2. dezem rojaneiro 1964/65._· ·

19

" Chamanmos T~orla (com maiúscula) à teoria geral, isto é, à t~orifl da prática ~m gmzl (~labort~da, ~~~~ própriiJ, a Pflnlr dll t~oria das pníticos trórlctU ~xlst~nt~s dtU dlncia&) qw transformam~"' 'conh~cimentos' (wrtlad~., C'i~nt{jltm) o produto ld~ógico das práticos 'emplrirtU' (a ativitlod~ do.f /rQfNf'ns J ~xlstmttJ".l"

·

'

O que nos propõe, concretamente, essa definição, um tanto pc:&adona c repetitiva'! Ela ~e· do princípio, rigorosamente marxjsta, segundo o qual há uma prior:idadc da prática. No entanto, quem~ capaz de m nhecer a prática? Quem é capaz de conbecer esse concreto que é " . . . a atividade dos hom~ns ~xistentes"? São . as ci!ncias. Althusser chamá-las-á, no entanto, "práticas teóricas". Essas cimciu ou práti. cas teóricas conhecem a prática dos homens. mas não possuem. n~ sariamente, uma .teoria da sua própriá prática teórica. Marx, com O Capital. apropriou-se da prática real dos homens cxistcn~ transformando, por exemplo, a Economia PoUtica clássica, ainda muito pró~i­ ma da prática empírica, em uma ciência dotada .de um objeto próprio, a luta de classes. . ; Marx não tinha, porém, uma teoria da sua própria prática teórica. Freud, com a Interpretação dos Sonho~. apropriou-se da prática . real dos homens existentes, transformando a antip Psicola,ia, ain4a muito próxima da prática empírica, em uma ciênciá dotada de um objeto próprio, o inconscien,e. Mas também ele não tin.ha uma teoria bem elaborada da sua prática teórica. Elaborar essa teoria seria, então, em 1963, o objeto da · Filosofia. · . Essa definição da Filosofia retoma alguns pressupostos filosóficos bem conbcci
a

20. ALTHUSSER, L. ANill.st u(tlca da ttorl4 marxista. p. 14S. 21. crr. KANT. Crltlq~ dt la raúon pun : Ver o prefácio da 24 cdiçio.

20

baria por impor-se, como um nov'\ \aber absoluto, a todas as ciancias. E~ risco foi nwito .~ndo a SJI,f~rlr. depois d~ ".F.-eud c lacan". por exemplo, que seria posslvcluma..fusia entre a .tóptca marxisla e a freudiana, qu!' Gria possfvcl um supcrdiscurso - eventu&:lmente chamado discurso da supcrdctcrminaç~o - que, enquanto tcona . geral .dos discursos. seria uma Teoria Geral da Ciência. Restaria, natu. ralmente. saber quem ~ria o .. dono" dessa Teoria Geral. se o Marx de Althusser. ou o Frcud d.c ·Laean. Isso, porque. se foi Lacan quem tedescobriu o objeto de Freud, fazcndQ, portanto, uma teoria da prática teórica de t:reud, então o autor dos Elàitos seria, tam~m. o construtor dessa nova filosofia. . Mas há um ugumlo Altlnuser, que se apresenta. desde 1~7, no prefácio à edição italiana de l,.irt L~ Capilftl - quando um movtmcn~ ,geral de autoerltica é anunciado - e q~c .e torna claramente defin~ 'dO e pensável quando surgem, em 1~74, os p~mentos.d~ Aut~ritica. · Com ele a filosoria não~ mats T~na da prAttca tcórtca. mas. sim. · ·. : , em 'attltna instância. luta de clalses na teoria··. o.que. signiflca isso'! A melhor resposta para uma tal questão t a próprta lettura dos dois textos que ora apresento. "Freud c Lacan" foi escrito pelo "primeil!J Althus.vd' e ·•Marx e Fteud", pelo ··s~do". Mas ..F~eud .e Lacan··, conforme mostrei, ~ um exemplo llmp1do de uma prát1ca .da Filosofia como. em última ln11tAncia, uma luta de cla1ses na t~na. · Em outras palavra11, e"istc, com·o quer Althusser. um~ radic~l prioridade da prática (mosmo quando trata de ~ma prâuc:a te~~~: Cll .•. ) sobre a teoria. A prátl:ça teórica quo nos deu frcud c. Lacan e incompatível com ll conscllncia~do-$Í ' dCIIl. prática, OU SCJ8, c;om a COI'I$tituição de uma Teoria da prâtic:a teórica que tenderia a clabor,r supercO"nceitos (como o de supcrdetcrminação) para um (upcnaber, uma ciência da cl6ncia ou um saber absoluto . .. Freud e ~az . uma Juta de classes na teoria pará ajudar a ~csobstruir o çamtnbo para o discurso cientifico da Psicanálise, Mais tarde, "Mar~ 111 f"'ud" vçm pa1'a corriair oa evcntuai11 desvios da ~ntiga ~oncepçlo de Teoria c mosu•~tr que.não mate a T~otfa. mas, stm, teonas distintas: 11 de Mar" _ · e a de Freud. No en~anto, antos de entrarmos di~tamcntc na çon,lderaçlo deste segundo texto. vejarnos, rocsmo que seja ~ linhas cxtremam~tc gerais, como se deu essa passag~~ d~ um momento ~o outro do .ittncrário de Althusaer, tentando pr1vdcgJar o ponto de vtsta que ma11 nos interessa aqui, ou seja, o da· relação CQm. a Psican61isc. 1965: Frunçois MASPEitO, um editor de esquerda C independtn•

•e

22.

ALTHUUiiR. L. Posiçdts-1. p. 75 e sep,

ll

te face ao Partido Comunista Fran~. inicia uma nova coleção ..,. chamada Thé~ri~ -, d!rig~da por LC?uí~ Althusser. Abrindo-a, nosso autor la~ç~ um hvro, CUJO tatulo, curto, claro ~ provoçativ.o, ressoa como um · mamfesto:_ Pour Marx. Ou seja, el~ dizia, com duas palavras, que se tomava part1do a fa~or de Marx, qu~ se voltava a ele, que se fundava sobre ele para empreender - ou para continuar? - a longa marcha em busca da._ filo.s~fia mar1tista. Lacail, que fazia algo semelhante com Freud, n~o dazta que a verdade é aquilo que corre atrás da verdade? O prefácio desse livro inaugural- a meu ver um dos textos-mais bonitos, sinceros e vigorosos que foram escritos por um comunista contemporâneQ- vai, já por seu titulo, direto ao essencial: elci se chama "Hoje". H~jc é preci8o v~ltar ~Marx, para se _analisar o· q'\e está ocorrendo. Hoje, com Marx, e precaso parar de ficar contando estórias da caJ:ochinha. Hoje é prçciso ver que o marxisma_oão é uma filbsofia .~Q_sentido da .Hi.stór~. mas, sim, a possibilidade aberta para uma anáhse concreta. de.umLUtua~o C?ncrcta ~porta.ilt~, atual. Hoje é preciso o~ar aceitar a dura evtdêr:-ct'a que se tmpõe: Mo existe umaft/ruofta I!U!'~t~ta ... em esta~o ~~co elab~rado. Ou seja, o Materialismo. Oialc:taco dos.manu~ts stalin!Stas !lio é~ filomfia marxista. Aqui está unt Althusse! grandtoso,.radical, mtranstgente,louco talvez, tentando a dura ex~nê!'cia de pontuar o diseurso da filosofia marxista, ptl'miJit~­ cendo no tntenor do Partido Comunista; vamos começar tudo de novo ' vamos (re)começar o Materialiamo Dial~tico! E o .conteúdo desse Jivro-manifeato? Artigos. Artigos diJttMÍos. Ele retoma os p~incipais _textos escritos desde 1960. aqueles que falam da super~etenrun~çao, com a exccçio- sintomática?- do "Philosopbie et . Scaences H u~ames" e do "Freud e Lacan", ou seja, dos textos em que se fala, exphcJtamcntc, da PsiCtiiUÍiist em geral e·de Lac-on em pilnU:UIar. .

.

.

·

l_lu_almcnte em 65, a mesma coleçio_publica Lin ú Capht1J.2l Este ultz~o recolhe o resultado ~ ~minários de estudos consagrados a O Capttal, em 1965, com a parttctpaçio de Etienne Balibar Jacques Ran.cicr~, Roger Establet e Pierre tdacherey. Enquanto La~. faz seus semtnános, agora na Eco/e Norma/e, sobre Freud, Althuuer faz os seus, .em grupo e com outro estilo, sobre Marx. São cucs dQis livros que, na segunda metade da década de sessenta, irio tomar AJthusscr · -conhecido e mundialmente famotó. . Antes deles. na primeira metade dessa década, eie era muito pou~ conhecido. No int~rior do Partido, por exemplo, seu nome quase nao chega a aparecer durante os.debates. Embora já tenha sido notado

21. .Hii uma tradução braalleira do amboa, _lançada ~ .Zaba:r. ·

22

por Merlea11-Ponty/• seu nome nio é recõnhecido. Jean Lacroix, seu antigo profeisor, (;onfeuou-me, em certa ocasiio, que posiçio de nlo realmente acc~ito pelo Partido deveria explicar muito das diflCuldad_cs pc:ssóais de Àlthusser: seu riJor c intransicmr;iu teóricos, a.liados à sua fiddida~lc, colocavam-no . em UÓla situaçio de. amGr . nio cor~ respondido. . · ·. . . A filosofia marxista francesa, até 1965, nio pUlava por Altbusser: O Partido Comunista penteia Politzer, fuzilado pelos nazistas, Sartre iniistia naquela posição ambfaua de ..compagnon de route". · ·Henri Léfcbvre o abandonara, deixando um certo vazio. dada sua irrccushel importância. Restava Roger Garaudy, que, tornando-se mundialmente conhecido, foi reconhecido como porta-voz da filosofia marxista francesa.. · Antes de 196.5, ou seja, antes da publicaçio de Pour Marx ~_de Lire Le Capiuú, a.S reações textos ~ Althuaser ..o esparJU e pouco significativas·. Mas, segundo Jean_Pierc.Cotten, de ·qualquer modo, ai poucas· réaçõei; já se concentram em tomo desse conceito fundamental de_supel'fk·terminaçQo e da queatio do humtllfi3mo.u Logo, do ponto de vista· que: aqui nos i.nteresaa, .ou·seja, diJ posição de. Althusser em relação·à Psic,lJiá/iSe, u discussões se farão, muito embora ind~ · tamente, referindc'"se a ela. Cotten analisa, com uma certa minúcia, as primeiras reações que vieram de G. Mury e G. Bcssc, c parece-lhe que .· ambos se mostram ~ticos _em relaçlo à questão da descontinuidade Marx - Hegel, à n.ova apresentação da al)tonomia relativa e à neccSsi.d,ade do conceito de .superdeterminação.26 · ·· ·. -nio 6 difiéil aoéiiar o fatO de DO fUndo, éues tres aspectos estejam imbricados no conceito de superthtuminaçQo: como vi. mos, a dcscoritinutidadc Marx - Hegel foi pensat/4 com o conceito de ~rdetermi~·. e é ele que coloca uma nova maneira de pensar a autonomia relativa, ulrla vez que· é ele quem indica um novo tipo d~ · causalidade, que implica, evidentemente, a questio do tipo de autono·mia entre as instâlncias. Logo, podemos dizer que tudo se concentra em tórno do concc:i.t o ~e su~rdet~rmilfação, e, portanto, da questão do · estatuto da .Psicanálise, pois, como vimos, foi ela, em sua verslo laca~ . · ··n!ana (Psican~lise e Lingnlstica), que ofereceu um tal conceito.

essa

.

aos

. Ora,

que,

.24. MERLEAÜPONTY, M . La~vruÍMlt~diM«rii/W:v: l6e.,._ópratili•do · ·profC5501" do Co/lige ~~ Frrur« ~ae de forma curiosa a dois pequenos artiaot publka- . dos pelo jo•em.Akhw;ser, em ~9Sl, c:ritiça"ndo-o duramente, mas, ao mamo tempo, re- · conhecendo-o como um Jqltirpo Rpreaentante lb tradiçio marxista, ao lado de En,e\5 c de PlekJiânov.

2s: COTIEN, Jean·Pime. LII -P•Nth dr Louis Althv:r•tr. p:· ls? e !ICp. 26.

~o dois arti,ot 'que aparecem na RYilta IA h/Uk, em fevereiro e abril de 1963.

-23

Segundo Cotten, o que apresenta dificuldade, para G . Desse- um dos primeiros intelectuais do PC a reagir- é o fato de que, se se aceita o ,c onceito Je superdeterminação, entio se subestima ·a ..contradição fundamental'', que ·é a alma .da concepçio clássica do marxismo: •• ... fKI"•~-Ih~. dil Cotten, referindo-se a Bcsse. ( ... ) qué o nti(Õf' de .fupt>rdelc-rminocão arri.{ca-u a .rub.t tituir a concepeão d ás#ca de uma ~flcá­ d u prúpria da .fUJWr~.uruturo, eficácia que ; o mOdo de l'Xi.uência da dl'ter· milla(ào em última in.rtánd a, ui11a conl"~prõo que tscoril'garia para o p/urali.mw: elllendamo.f: na quo/ não mais~ pod~ria encontrar, na complrxidotk . ( ht•m "al i da açà(l de rewmo, o modo de pn .tl'n(Q da cau.ra/idade em última ÍI1JtÓ11CÍQ· ·.:·

Aqui, o termo-chave é "pluralismo", que se opõe a "monismo". Defende-se o stgundo contra o primeiro. E a questão fundaméntal que AlthUSier irá a vários momentof colocar, assim como. diga-se de pas~ sa;sem, também Lacan, é a de saber o que é que essa opQsiçio pluralis~ mo- monismo quer di~er. 211 Parece-me que o que G . Besse teme, no fundo. ao condenar aquilo a que chama pluralismo, é á perda desse panteísmo das forças produtivas, desse monismo constitufdo pelo crescimento das forças produtivas, novo sujeito simples da História. que.se exprime em tudo e que é a única maneira de ver a contradição dita fundamental. ._ Algo de extremamente curioso e que mereceria toda uma reflexão ocorre: a ideola&ia que recusa a ruptura com Hegel~ a mesma que~ siste à Psicanálise. Por quê? Poder-se-ia especular sobre o fato de que o saber absoluto begeliano recusa a diferença entre os sexos? O mesmo ocorre com O . Mury, que é, segundo Cotten, apenas mais radical: " Oro, escreve ele, a própria tWçiio d~ suprnktennlllaçio i incompatível, niío someni~ com o ldeo./isnro, nuu simplesmente com o 'monismo ( . .. ) &tamM aqui, no COf'tlçàO do dehtlte_". ~ . E se C$tá. de fato, no coração do debate. Esse coração parece consistir, para se ir rapidamente ao fundo das coilas, em se saber se os comunistas estão dispostos a renunciar ao sonho de uma revolução sim~ ·pies. e a suas conotações escatológicas. Por que, afinal de _contas, o que· é que esse estranho conceito de s uperdeterminação traz, c.omo, conseqüência mais imediata, a não ser a ·evidência da necessidade de: uma tal renúncia? Sem de, a complexidade das contradições e dos

27. COTTEN. Jcan-Picrrc. IA TMMt~ dt Louis .AIIhwstr. p. 160. 21!. 29.

<.:rr .• entre outr11s, a nota n' I da tradutor, à p. 611 de ·· Marx c Freud". MU RY, G . " Matêrialismc ct bipcrempirisme" . Lo ~M11Sit. Abril 1963. p. 4 1.

problemas reais era sempre ·reduzida de qualquer jeitQ - ~o preço,~por vezes das mais escandalosas simplificações - a nada ma.ts ser senao a expre'ssão passageira e facilment~ superável de ll:m movimento cuja lô· · gica necessári!l se conhecia: mov1me~to do cresc~~ento das forças produtivas, que explodiria as antigas relações socuus de pTodução, etc. Não era isso que ensinava a dialética stalinista? Nio era esse o fundamento último des.s a espécie de fé inabalável que o militante comunista dt;yeria ter no então .chamado sentido .da Hist
.

A publicação de Pour Marx e Lire Le Capital, em 1965, torna .Aithusscr conhecido. Explode na França, a partir de então, a moda estruturalista, e o termo Epistemologia passa a ser de uso obrigatório para qualquer intelectual que pretenda catar "dmu k ~ní " da inteli~ gemsia francesa. Os ''conceitos fundamentais" do althusscrianismoproblemática, corte epistemológico, leitura sintomal. Ideologia X ·Ciência - começam a ganhar as ruas. MiUor Fernandes. sempre sc:nsi· vel às peripécias da inleligenlsía brasileira. expr~lo-á, um pouco· m:ais tarde, com um cartoon inteligente e picante: um C$hldante da PUC do Rio é assaltado, na rua, por um marginal da favela próxima, que lhe aponta o revólver. O estudante, perplexo, pergunta ao margi~ 'nal se se tratava ou não de um corte episte~oJógico. Millor parecia sentir, no ar, alguns dos impaSSC6 do "teoric~mo". · . Althusser faz falar de si no mundo inteiro. e reações confluem em Argenteuil. Entre 11 e 13 de março de J966, realiza,:-se um.a sessão do _C omité C eotral do PCF, erri Argenteuif, na qual se' i'econhece o dir~to à pesquis~ e à expressão filosófica para os aderentes do Partido. Nela•.a ..questão Althusser" ocupa um lugar de destaque,~ .nun~. será dema1s· sublinhar a importância dessa sessão para o &ell 1tioerano. Isso por~ que, como vimos, ele pretende realizar um modelo bastante especffi~ de Filosofia. Ele é um dos raros filósofos franceses que pode ser cons1~ derado um "grande intelectual" ·- poder-se--ia mesm~ a~riscar.se a d_i~ zer ser ele o único- c que consegue permanecer, do tnfeto ao fim, SCJ8 durante as circunstâncias dramáticaS de 19-56, seja durante os perfodos mais calmos, submetido.à.disciplina dessa organização poUtica de ~po leninista. Pode--se, evidentemente, aceitar ou recusar uma tal expen!n· cia como .válida. t inegável, no entanto, que ela, com tudo o que tem, tanto de grandioso e generoso, quanto de trágico. e d~ ••alienante" , é uma experiência rara e, portanto, exemplar. Isso JU~tifi~ eoti.o. que. olhemos com mais vagar o que significou Argenteud para o homem· de-partido que é Althusser. A reunião em questão, inteiramente consagrada a .problemas.

Fama

25 .

ideológicos e culturais, marca data. Scsundo RoJer Oaraudy, "nenJtu. .m a ~ssõo do Comit; Central fora tentrada mlwiwJmente nesus problemas desde 19J7". Vale dizer que, nesse Pc:rlodo de 37 a 66, quax inteiramente dominado, como · o foi, pelo dogmatismo stalinista, as questões ideolóJicas não eram verdadeiramente debaticfas. Deixemos de lado outros aspectos e consideremos apenas, nessa seslio, a questão Althusser. A tentação de considerá-la como o grande duelo en.tre um Garaudy, campeão da velha ortodoxia, e jovem Althusscr é muito grande. Não há dúvida de que posições tcóriCo-jdcoló~cas se chocavam de modo irredutfvel. .E era, provavelmente, a primêira vez em · .que se via, com toda clareza, que nio se poderia decidir, entre uma pOsição ou outra, pela via simples e expeditiv.a. da autoridade. Afinal de . contas, dez anos já se haviam pas.sa~o desde o X~ Congresso do PCURSS. Por outro lado, um eterno debate, para um partido que se quer eficaz, pode enfraquecer e postergar, por um tempo pcriJosa- · mente longo, a ação. É o ..eterno'' problema·colocado por um Partido. Assim, o confronto entre as posições de Althusser e as de seus oposit~ · res colocava, para o Pa~do, problemas bem reais, diante dos·quais seria preciso Jrande maturidade c habilidade poUticas: mr nome de que ~ decitlir quem e$1~ certo e qwm estflVO errado? Aragon dá mostras, a meu ver, de uma tal maturidade, ao dizer, referindo-se às conclusões dos debates, que:

o

". . . i .., nstlltllllo. "'" compmmluo "''" IJÓI, 110 ~11tldtJ JMTfeittlltWifk

lwnráwl desm ptllavra, patrl o Mm do·Panldo, ~o wteltM i llisim qutt eu · pm&o, patrl I'Nlizor tu to"ftu qW Ullo liiOI'rl ditmte tk IIÕI" .!"

Toda a questlo é saber se tais acordos de cavalheiros são possfveis sem deixar seqOelas, se se pode conviver politicamente com teses por vezes radicalmente inconciliáveis. E tudo o que. ocorreu após Ar- . senteuil parece indicat que nio. Althusser, embora nló tenha sido~ jeitado oficialmente pelo Partido, .como ocorreu. mail tarde; com Oarau~y, vem, inegàvelmente, pqan1fo~m alto preço por sua oposição tcóraca. · . . A posição do Partido - se é que se pode dizer assim, como se houvesse uma posição una e única - face Altbusser foi curiosa. Ninguém o ataca no plano poUtico. Ele é um militante disciplinado. O que ata~ cam é o modo como ele usa a teoria. Ora, surge, aqui, uma JTande ambigüidade, ou um diilogo de surdos, porque, para Althuaaer, a polftica é muito exatamente a maneira pela qual ele usa a teoria. . . E ele prc-

a

lO. ÁRAGON, citado p·o r COTTEN, Jcan·Pierre. IA ptnsh tk Louis Altlnu.Jer. p~ 1.73.

lende usar a teoria para fazer face, de modo conscqQentc, ao stalinism~

.

.

.

.

Vejamos isso mais de perto. Uma palavra busca sintetizar a critica que lhe é feita: doutrinarismo. O caro ·professor da Eco/r Norma/e n_ã~ militll bastante. Ninguém, ~videntemente, ousará dizer. com prc~asa~. o qu~ vem a ser essa história de militar bastante. O certo é que 1sso o levana a encarar, de modo problemático, a relaçio entre a teoria c a prática social. Para ir ao fundo da questlo: Althussc:r desconheceria 'O lugar real que ocupava. Desconhecendo esse real, ele i[á transformar em descontinuidades o que só pod~a ser captado .no interior de uma dialética que nio se satisfaça com puras rupturu. · · · Que rupturas? . ·_ ·fundamental~ente, a. insistência no. corte'epistemoÍógico,·a Õposu;ao entre a funçao práuca do humamsmo no marxismo e o antihum~nismô teórico e, finalmente, a descontinuidade entre a dialetica hcgeliana e a materialista. · . Se essas ~ticas fossem radicalizadas, o .querestaria de pé da labortosa pcsqutsa de Althusscr c da critica do stalinismo qúe dela de-corre'! Se se editaSS;C, novamente, a divisão entre dois grupos, um que .fala do ponto de vtsta do real e outro que desconhece seu lugar real então não poderia haver solução. ' G~raudy propõe uma sfÔtcsc. Mas o preÇo a ser pago por ela é o de abnr mão do alcance t~órico dos novos conceitos e de suas come-. qüindas, como, por exemplo, a Critica do sujdto. Càstraçio teórica: "Se nós soltamw.s UmG das potlttu da cadeia, dizia ele em Arpnteilil, a~bam~ caintio em dfiiU concepções lllllititlctU, igWilmeltte flll.u. J10"/W umlatt!rau: a de 11m MOCientifldsmo dDtltrilf4rlo que /tU abstroção do momento sôbjetivo e a .de um 'socillllsmo lnmtaiwto' q~ prete,. o~se 00 socilllismo dentlftco ".J l · · É claro que o "ncocientificismo doutrinário., significa Altbusser. Este, segundo Oaraudy, fere os sentimentos dos militantes comunistas, ~ corre o riscc:- de arrancar-lhes iuas r~ de agir e de vivér. o qu~ me parece maas terrível é que, em certo sentido, Oaraudy catá certo. Isso na medida em que, de fato, Althusaer~ . tomando possivel uma critica da ideologia, faz uma crítica de um certo modo de vida, uma vez que, afinal, a ideologia pertence· à ordem do vivido. Restaria saber se a crítica a um çerto ·modelo de existancia militante abriria espaço · para formas ideológicas mais interessantes dessa mesma exist!ncia· em outras.palavras, saber se a~ antigas ."r~ de Yiver" Cederiam Jupr a

~~J.
. 27

..... ..

outtas ·"razões'', igualmente imaginárias; mais adequadas, porém, a um desejo revolucionário. . .Sob certos·aspeçtos, é de se temer que isso nio tenha acontecido. A intervenção de Althusscr deu margem a alguns exa,cros, como o de reforçar uma certa ideologia da distinção entre a Ideologia e a Citncia, que, como vimos, é de fundo stalinista, e essa ideologia teve efeitos dramáticos. Permito-me construir um exemplo que é quase uma çari· catura. Em um livro tão intereSsante quanto discutível, Le marlage et la crise du coup/e, Róger Géraud nos reproduz algumas de suu "observações clinicas". Uma jovem de 22 anos lhe conta suas "misérias" (anorgasmia, embora casada, desejando sua irmi, tentativa de suicfdio· do marido, compensação através de uma ibundan~ prátiça polítiça, etc.). Em um certo momento, a paciente "acusa" seu médico de ser um burguês, porque era um médico . Este lhe pede para continuar. e a m_oça diz: "-Pois bem, eu quero ser uma militante científica, nlo uma burguesa que tem estados de alma. Eu quero que minha açio seja ilu·· minada pela ciência marxista . .. " 31 Parece-me importante observar, aqui, a separação que se estabelece entre a militante cient(fica, de um lado, e, de outro, a mulher ·que teria, como uma burguesa, "estados de alma". A militante científica não poderia ter "estados dt alma". A militante cientHica seria esse ser monsfruoso que viveria na frieza do çon· ceito. Não posso afirmar que essa J;~Ossa "militante científica" seja uma ..althusseriana" dos anos 60. Pode tratar-se, pura e simplesmente•. de uma vitima· do stalinismo. Ela realiza, no entanto, a meu ver, de modo exemplar, um certo modelo caricotural da oposi.ção entre Ciencia c Ideologia. O fundo da questão parece residir em uma imensa confusão que se faz entre a prática cient(jica enq~~Qnto tal e a alivldode militante. ~Não me parece correto identificar uma e outra. O lucar da militância e o da·prática científica, embora articulados; são diferentes. A militância . é algo que implica ardor·, paixão. A prâtica cientifica, embora possa ser sustentada, no fundo, por uma paido como é ocaso de Althusser, exige-, ao se exercer, uma certa distância, para que ic tenha a "cabeça fria" para pensar conceitualmente, e, portanto, apropriar-se do real de forma mais justa. Ora, nào me parece que Althusser tenha proposto a existência na prática científica como a única total c possfvel, como o modelo de vida. Nurica será demais insistir quanto a isso, pois estamo1, aqui; em um dos pontos nevráJgicos para a compreensão do trabalho de Althusser. principalmente se se leva em conta que é sobretudo ... e por vezu,

32.

2X

GERAUD. Roge r. L~ Marlagt ti lt1 rri.st áu 'oup/t . p. 101-S.

exclusivamente- graças à tese da distinção entre Ideolosia e Ciência que ele se fez conhecido no Brasil e que a evolução de seu pensamento passou, na maioria das vezes, desapercebida pela opinião comum. Sem sombra de dúvida, a ideologia cientificista e dogmática do stalinismo ( ... eu estou na verdade e a ideologia é o outro ... ), que dominou por vários anos o movimento comunista, pesa muito fone e ela também opõe Ciência e Ideologia. .e a inércia dessa ideologia que, a meu ver, leva a uma oposição absoluta e sem exterior entre uma e outra. Assim, a Ciência passa a ser o outro da ldeologitJ t vice-versa. Ora, uma vez que .a ideologia é da ordem da vida, da exist!ncia, do "vivido';, pensar-se-á que, dada essa radical oposição, trata-se de instaurar o seu outro, ou · seja, a Ciência, e, ponanto, uma ..vida cientffica", um "vivido cientffi. co", uma ·•existência cientffica", o que é um manifesto absurdo, ou, pelo menos, uma espécie de pervenão. Seria falso e injusto imputar uma tal concepção a Althusser, muito embora, a meu ver, seja iJual. mente inegável ter ele sofrido, como qualquer outro comunista de sua .seração, o peso dessa ideologia. Um certo exagero, uma certa superva-· lorização da Ciência por Althusser obedece a outras razões que não o dogmatismo cientificiista. Com efeito, e isso é o mais importante a ser notado, a insistência de Althusser quanto a valores exigidos pela prática cientifica, tais como o rigor, o trabalho com conceitos teóriCos, no sentido exigen.te do tenno, a demonstratividade, a sistematicidade, etc. tiveram um papel político tão preciso quanto importante: durante o stalinismo, a 'teoria era, pura e simplesmente, uma serva do poder, e Althusser vem 'reivindicar, para ela, uma autonomia relativa. Ora, de nada adiantaria essa autonomia sem a existência efetiva da teoria, o que·prcssupõc, evidentemente, que tais virtudes se exerçam na paciência do' conceito. Assim, o "doutrinarismo" de A.lthu.sser preci.sa, tJMftl ver, seronali.sado, desse ponto de vi.sta, como umo rtQíâo ao pragmatismo vigtnlt no dog· matismo stalinista. Era preciso insistir sobre o valor da teoria . Creio que a o.bservação mais pertinente quanto ao trabalho de . Althusser veio de Waldeck Rochet: " Eu considero, diizia ele em Araentcuil, qw. a~sar de dúÍinpir a teoria dtJ ideologia, convém acenhlar,lflio o qwtU dúllllp, ma.r oqru tU Ulle reoJ. mente, porque qut:ÚftWr 01111'0 métotlo só tkMmbocGrd 1111 el(lbortlçdo th um. teoria. septUada dtJ vida. ( . .. ) t pt~ra subliMar a necessidatk>da uniiio fnti·

ma tntre a teoria ta prática sociJII qw Lên;ne emprqaVG/rtqikirttmtntt os

sinônimos 'ideologio prolettíi'Úl' e 'teoria do soclolúmo cientlfico'! Ainda uma vez. se todo ideologia tem um cardlerdecltwe, nio~podedl­ zer, por isso •. qw toda Jdeologill se}tl um conl~txlmento f(l/so.

29

O ~~~~nc/Q/1 sa~r qu~ papel a classe 3ocilzl em ~stão d~s~mpenha no

d~senvolllimento

social'·."

·

Essa observação de W aldeck me parece muito importante, por· que, de fato, a grande questão que se colcx:ou ao Althusser de 1965-66 foi a questão da relação entre a teoria científica e o movimento concreto c real. ~ Ep!stemologia•. que diatinguia, de modo simplista e abrup· to, entre ~~ê~cta e_Ideologta, era.um ranço stalinista dos arios 50/ 52.)4 Ora, se a msJStêncta no aspecto aenUfico do marxismo, instrumentali.zado _pela cpistcmo~ogia bacl)elardiana (que superava ·as teorias cspe~ulattvas do conhectmento por uma epistemologia histórica c matcria· hsta), era capaz de promover uma critica teórica rigorosa do staUnis-mo e, assim. começar a serrar o galho sobre o qual se assentava essa epistemotogia de origem stalinista, nem tudo, . porém,. estava feito. ~lgo precisava acontecer para que esse momento da pesquisa althusscn~~a fosse levado às_ suas últimas conseqüências e se completasse. As crttt~ em Argcnteutl foram um desses fatores: agora o próprio Partido Vla, graças ao trab,alho de Althusser, os impasses da epistemologia ~ue opun~a qênc.ia e Ideologia. E é para mostrar esse aspecto que a mtervcnçao de Waldeck me parece impof1ante; Para tentar captar o movimento em sua generalidade, poder-se-ia dizer que Argentcuil viu, pelo trabalho de Althusser, de modo bastante ..concreto"· - porque consignado em textos -, que, se .a epistemologia da oposição Ciência X Ideologia fosse tomada em todo o seu radi- · ~lismo e rigor, ela conduziria à produção de uma concepção da teona. ou melhor, ~e uma ideologia da teoria como algo separado da vida, portanto, separado do real c, conseqüentemente, falso. Ein outras palavras, que a concepção que se tinha da FiJosofia .como teoria das proticas. t~óriras _e ra solidária para não dizer idêntica, a essa ideologia da teona, e devul, portanto, ser ultrapassada, pela. reintrodução da l~ta de classes na fórmula que dizia ser-a Filosofia uma polftica na teo-' na. . Em 1967, ~a advertência à edição italiana de Lin L~ Capital, A lthusser anuncta essa ultrapassagem por meio de um movimento dê a.ut~~r_ítica, ao recusar a definição de Filosofia sob a qual foram eP .:ritos fr~ud e Laca~"· Pour Marx e Lire Le Capital. . Mato de 68 veto em seguida. . Certamente o_ que ali se passou contribuiu para reforçar o movimento de autocrittca em relação à oposição absoluta entre Ci~ncia e

33. Citado por COTTEN. Jcan-Picrrc. IA ~n.rit dt Lotti.v Althu.urr. p. JSS-6. 34. Quanto a cllliC ponto. cncontrar-se·á um excelente estudo de J. M. OA YMAN. em l.t'.< müítrt'.
ldeoiQgia, pois, entre outras coisas, colocou em qucstio, de modo candente, um certo prestigio da ci&ncia. oficial e universitária. Surge, então, um segundo Althusscr tem'atizando a presença da política e disposto a superar os equfvocos da ideologia sccretada por .sua prática. O fio condutor para se compreender uma tal supcraçio pode ·ser essa questão da teoria separada da vida. Mesmo antes de maio já surgem novos e importantes conuitos; que tentarão recolocar em termos mais precisos a questão; Em 1967, no Curso dt Fi/o$()fi(l para ci~ntutas, AlthusKr avança a importante ·distinção entre ideologias teóricas e· ideologilu proticos; tU id~ologias práticas, são, então. segundo ele: ". . . fomtaÇões conrplexaJ ú montag~M de noçõrs·npnsentações- · imag"u em comportamentos-conJutas-lltirlldts-gestos. O conjunto funciono como n(mnas práticas qw go'"mum a alitlllk ~a tomada dt posicão co1tcr~ ta dos homeM em nlaçào a obj~tos reais e a probl~mas rHis de sua existi,.. cia social e individuo/, e tk SIUl História. " n São, portanto, algo inteiramente existencial, real e concreto. A partir delas, ele definirá as ideologias teóricas, dizendo que se trata de uma definição provisória: ·

.

" ... são, em última lnstãncio. na uoria, fomtJJS transformados das ideologias práticas, mesmo quando se trota de formas irnconhecí'"l$. "» .

Esses dois conceitos fazem avançar a pesquisa, que se faz, às. vezes, como toda pesquisa, de modo tateante e precário. Eles abrem o ·cam~o . para que o problema da arti~ulação entre teOria e vida possa contmuar a ser trabalhado. As ideologias rt6ricas serão "formas transformadas", finalmente, do vivido. Toda a questão seri. portanto~ de . poder ~mar, de modo rigorosq, tais transfor!Tiações cspecifiças. A meu ver, Althusser nio foi muito lange nesse trabalho, e a articulação entre ideologias teóricas e práticas ~anece como um programa. No entanto, dadas essas definições (que datam de 1967 .... ). a tese simplista que opõe Ciência e ldeologi~ - e que acaba opondo Ciência e Vida- voa pelos ares, perdendo completamente seu sentido. Isso porque o corte epistemológico é, então, pensado não mais como uma ruptura entre a Ciência e a Ideologia. mas, sim, entre uma ciência e a ideo· logía teórica que constitui a sua pró-história. Além do mais, a ci~ncia nova que surge, sendo uma prática, como toda e qualquer prática precisará Althusser em 1970, no famoso artigo "Ideologia e Aparelhos I dcológicos de t.~tado" - fàz·.fe .mb uma ideologia. Assim, toda e qual-

35. ALTHUSSI::.R.• L. Phi/o~ophir ri philo.•ophír .vpontllflh dr.< .ÇQmnu. p. 26. l6. ALTHUSSf.R. L Philo.
quer ciência se faz sob uma ideologia. Logo, não há separação entre Ideologia e Ciência. A oposição ldeol'o gia X Ciancia é uma ideologia como qualquer outra. Toma-se, pois, mais claramente ainda, distância do stalinismo. A Filosofia, desde 67/ 68. no Curso d~ Filosofia paro cü•ntista.s e no U11ine e a Fi/o.wfia, não é mais definida como Epistemologia, como Teoria das práticas teóricas, mas, sim, como prática. Ela é, em última instância, uma prática política na teoria, é uma "presentarão da luta de classes na teoria. A luta de classes que fora ocultada pelo stalinismo pode ser, agora, além de vivida, pensada. Assim, afastada a oposição ideológica entre a ciência e a ideologia. ll:ita a distinção entre ideologia teórica e ideologia prática, definida a filosofia como política na teoria, reintroduzida, portanto, a luta de classes. não pode mais haver lugar para uma s~pqração entre a teoria e u 1·ida. Marx e Freud serão exemplos extremos de como a teoria não é separada da vida. A crítica de irracionalismo feita, por vezes, a Marx e a heud é si ntoma dessa verdade. .. "Marx e Freud", o segundo texto q~e aqui apresento, irá mostrar. stth t> po.uw de fundo dos conceitos a que acabo de me referir. como ·a teoria é inseparável da vida. ~o que veremos a seguir. · Vejamos, inicialmente, como "Marx e Freud" nos '!'ostra q~e a teoria é inseparável da vida, através da questão do confl1to e da Jrra'cionalidade. O artigo ··Auto-critique: la psychana~se•. un~ idéologie .~éac~i~n­ naire" liqüidava toda e qualquer pretensao ctentlfica da Pstcanuhse, ao considerá·la como algo essencialmente irracional·. Mas esse t~~ to de 1949 ti nha um modelo bastante preciso de racionalidade: todo. racionm gl!ru/ não existe. também a Ciência t>m gua/ ou a Raião em gt'ral não existem. O que existem são modos de produção, diHC:-nos Marx . Pois bem. perguntará Althusser, por que não pensarmos em modos de pro· duçào de conhecimentos? Em 1965 - Ur~ L~ Capital - essa questão ainda <·orria o ri.fco de ser tratada especulativamente. A Rlosofia, Teo~

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ria das prálicils teóricas~ ou Epistemologia-, poderia ser construlda como um .sistema que especularia sobre o modo de produção científico e sua distinção do modo de produção ideolócico. M ~· feita rap!damente a correção no conceito de Filosofia- agora polit1ca na teona -, esse risco desapareceu. Não se trata de construir, por uma combinatória formal, os modos de produção de conheci_mc:ntos~ Trata·se de partir da produção de conhecimentos, concretamente existente na pJálica cientUica efetiva dos cientistas. Com outras palavras, não se trata do discurso da Rilzão, mas, sim, da análise das condições concretas, Ttist6ricas, matefi.ais, segundo as quais várias formas de racionalidade se desenvolvem. Ou ainda, não se trata de elaborar uma teoria para fundar a Ci~ncia, mas, si,rn, de examinar o modo como cada ciencia exi.rt~nte é produzida. Desaparece, portanto, a ra· c~onalidade exterior e soberana. Para Althusser, isso se chama. pura e Simplesmente, mJiten'alismo. · Ora, aq~i, o _que mais i!l'porta observar é que o que dcsaparoc:c· com essa ractonahdade ex tenor e sobera~a é, muito exatamente, o discurso dogmático, ontologizante, do antigo Materialismo Dialético e Histórico. A argumentação de Althu~ser é irnplácavcl. Se a Psicanálise é incompatível com um certo modelo de razão, então o marxismo também . o será. Por quê'! _ . Porque a.s ~ndiçõ~s de· produção tanto de ~ quanto de outro sao mcompatJve!s com o modelo roclonali.rta.·se a Psicanüisc: ~"irra­ cional", porque supõe o "inconsci~n.t~" como condição de sua produçã ~. ~-esse_ inco!;rdent~ não é a Razão, então o marxismo, iJualmente, sem 1rra'-1onal • porque ~te supõe a luta de clat.Jt'.'> , e c:stB não é a Ril·zào, mas, sim, o conflito das razões. Para Altflusser, de um modo geral, não se tem acesso à teoria psicanalítica sem passar pela ..irracionalidade" da transferência, pois é com ela que "vivemos" nosso inconsciente. Mas, do mesmo modo. para ele não se tem acesso à teoria marxista sem passar pela ..irracionalidade" da luta dt> classes. Ora, tanto um quanto outro, tanto o inconsciente real quanto a luta de classes real são do domínio da vida. E "Marx e Freud" nos mostrará que é essa vida, concretamente experimentada, que é condiç.ão de possibilidade dessas novas ciências. Logo, a ant.iga critica de · que o "althuss~rianismo" é apenas um formalismo separado da vida não é mais pensável. . A audácia de Althusser é total: não são o marxismo e a psicanálise que devem d~brar~se às exigências de um modelo externo de racío.n al id~de ou cienti~cídade (no qual, por exemplo, devem desaparecer con01to e contrad1ção), mas, sim, a antiga idéia de razão e d~ ciincia ; qu~ deVt.'

cedn lugar às evidências oriundas dessas novas prálicas cientíjl.U

cas. Ele se pretenàe fiel ao principio marxista de prioridade da prática: . a prática científica tem uma prioridade face a qualquer especulação sobrê; a prática científica. Se a prática marxista se faz, inexoravelmente, no conflito, se a prática psicanalitica é impensável sem o conflito, se uma certa idéia de razão exclui o conflito, então essa idéia de razão i . falsa. Mas, com essa intródução do conceito de conflito nas condições de produÇão das n·ovas ciências, ." ' . . . renovam( -se), totalmente. aJ.con-

dições anteriormente reconhecidas como normais para qualquer descobrimento. " 17 E, com ·uma tal renovação, todos os conflitos e cisões (no marxismo: a teoria das duas ciências, a ·epistemologia dogmática e cientificista da separação entre Ciência e Ideologia,.a superação dessa epistemologia, o stalinismo, o conflito sino-soviitico, as tensões de Argenteuil, o movimento de autacritica, etc.; na psicanálise: todos os apaixonados conflitos vividos por Lacan; as cisões de·SJ e de 6)., etc.) agora não são mais fortuitos, puramente empfricos ou acidentais. Não . ,se trata mais daquilo que poderia aparecer como sendo, simplesmente, uma "petite bistoire", um pouco sensacionalista c cmpkica, que deve-ria envergonhar-se de aparecer diante da austera seriedade do con~i­ to. O drama passa a ser uma das 'condições da teoria. Os conflitos passam a 8er os proprios fios com os quais se tece a téia da nova figura de racionalidade. Temos, ~gora, um segundo Althusscr "existenciaiista", que irá " fundar" as ciências na vida c não no puro conceito. Se nosaa " militante científica" ouvisse o que ele diz agora, ela seria obrigada a admitir, mais que nunca, que para se ter acesso à .ciência da qual ela pretende sei: militante, ela tem de ter certos ••estados de alman, ,tão imaginários quanto quaisquer outros.31 . Com o " segundo" Althusser, a vida e.a luta de classes irronipem na teoria e é isso que " Marx e Freud" nos mostra, aprofundando a . · · crítica indireta do stalinismo . Vejamos, agora, para terminar: como Althusser resolve a questão do tndivídualí~mo, distinguindo ·o objeto de Freud do de Marx. Conforme vimos, os "marxistas franceses", em 1949, condenavam ina~la velmente Psicanálise. "No seu conjunto, diziam eles, ~la i uma ideologia reacionária". Reacionária pó r ser uma forma de iTTacio~ nalismo. Um inconsciente em si resulta de um misticismo obscurantisReacionária, também, . por ser individualista. O homem é, para Marx, algo essencialmente social: sua es~ncia " . .. é o conjunto das re-

a

ta. 37.

ALTHUSSER, L. "Mar)( e Freud", p.

3!!. Cfr. f'. 2l! do preS
34

68.

·t~ç'&s sociais". logo; Lllbà teôtia qUe se certtfil ho individuo uma téc- · ,fttcl tt~e ~rttbalba ~:orn o lttdii,idúó ~ podt ~f Wna formaçã~ particu.lllt d~ adeo~ógia · getál d"mirUahte; ::que é .,urguesa e individualista. . .. ~~ "Matx c Froud;~, Althu~ser ataéa es8e problema dé frente, d.esr~t~ndo equfvõcos. tottlo acabamos de observar, o chamàtltJ hirta·cJofiahsrno•• dà Pil~ná1ist faz parte integrante c fundamental das con,diçõü dt p~u"o da nova ~encia. Vejamos, agora, como o seu clrti• .~ad~ " lndlllidt1áll3mo" ~. iaU&Jifiente, uma estrutura •tí$ilicial da ~ua .clenttncldadt, Pttôibitctmosj ~ssim, ootttô o que páretia, aos ólhtl~ dos "mlltldsta~ fral1~s dé! 48" , cal'à<:tensticas da ídeol9gi'a constitui~" ·Pata A lthuster, ha vttdade, estruturàs essenciais d~ cierttifiéidade ou Cól1dlções ptli'a sua prodU~Ilo. ' . Para.cb~atrnos a isso, consideremos, de novo, inicialmente1 ô tàíilc~l anh~mpmsmo de Althusser. Esse antiempirismo é compiitfvei Cófi'l a posiÇiu de Laean 111 íemtlhattte a éla. Ambos, ta.:an e Althusser, t6nsldetll.m que ~ vttdàdéitd Frêud ê ó verdadeiro Marx sÃo e~ stn~a}rrtentltntletnpttlstts. Páta artibos. a Ciêncià tom~â ali oride 0 emplhsmu llttbá. Mü o qLili cxata~toté CJ empiris~~7 é abfindd.ó Lité Lt Capitã/ que Altbuuet ttâtà o tintll do empmsfi1o 1 ê no8 d uma da~ sUilí dtMonítrli~t&!li mais tltgarttlâ 1 riJo rosas. Jlllseia~se. tiatutalffithte, tnt · Marlt. Uh'ià vet que~ trltll dlltt c_apit~l; Mas conttssa; ftelapti• melta vu ê ootn toda ela~, qut s~ tniptta na ~llnei.fi sttundo ll qual Ucab ~ê F~ud. LdJo, sua dêftn,çio dt effipltlsmu ~ córttpãtfvel cdnt u,ma certa ltituta, tartto de Mlltit q,uáHtd dt t:rcúd. M:ts t1 qu• i emplns~o? E~tJlrflmõ f ldéntl/ltttt o tJbjtl~relil cdm õ b~j~t~titt~ cõnlflttm,ento. Edlltt que ô objtttJ-de-conltetimtHtrJ. ttUt a essêfiC!à lá• ti no obJeto-l"diJ, ~· umt maneira oü dt outra, ltm.plri!itHô ê cüncebtr ô PNCésso do. éOnhêtltHfrtt~ côtnO .uma ~odâtldüde d- exttaçitl dl ~etdadf a P,artit do *1. A.sim tomo Matx. não ehàiõU ~6ftceftd d• . #WI.f.'olalta .abstmfHJtJ eüê eonéelto dl tealidada dà tJtl)llltãtÀB ~pt· tallsta, Fteüd nld éhiiiJOU ao é"nl!tit6 de ''inconJtleHtr 11 ab.WdiliJ,; ~ eõttc!dto dà rtalidàde dó ffiódõ de aet humllfió rt•urbtíco ou psltó•

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~vidéh.tertt~Htt, a v•tdade 1~ á w; éom o ttll. tMdffttementl dJ c:õrt~t!ôi cl.ettú~~ IIIH 11 'WI QOJH os õbjeto!i r~iã, em tclltçÁ6 ~IJii qu~ts el~t etn dlttmil lldlluj txillt~ttt. l!videnten\trUe, 3 eõn~lt6 d• . .

num-valia té#h a ver wm ll Dl'lor~W~u ~pitaHitê e 6 dt Ht~l1ttãeltntt ·I:OM o rêll ·~modo de het hütrtatto ntur6tiG:o o" r;JIQÓtJooH, Evldtntt~ ·· mtn~, O ~onheclmtftló ~ ~.nb*ltHinto do, re&), .~bâ bsl utft à Vet eom é dtfinldo. put AltbtW~t. 11e,utndo ntsso Mlflt flJdtoitmente. CõthO st,rtdd _uma /orfttll. J~ ãplopi'/Dtdo de úm t'tiO óUtró. t!ólfÃir:l• thtitlo ctenJ{jlco. ê JUHttfomta dt fJp1opHavâo do tJbj;ttJ ffltl pt/9 oh)fttJ. .

o

de-conhecimento, dirá Altbusser. Isso nada mais faz. senio exprimir, em uma outra linguagem, as famosas fórmulas de .Marx da Introduçao geral de 57, considerada, como _se sabe, como sendo o seu Discurso do Método: ·-

... . . A toialüiatle, nos diz ele, tal como ela·aporece IW espfrlto como""' todo ~nstldo. i 11m p~to do clreiHo pensame, qw !e aproprút do mwulo da útalca m411el,. pos.r(vel, trr~~Mll'tl que difere tia apropri~ lle~te mJIIItlo pela Ane, Religião or~ pelo espírito pTático""~~,

·ou, ainda: ·•. . . o concreto é concreto, po~ é a ·síntese de múltiplas determinoções, lógo, o wrklade da diver.riiJilde_" 40 · · Logo, o que faz com que uma ciência exista não é apenas a exis-

tência de um real, de um objeto real. Uma ciência existe quando ela produi um objeto-de-<:onbecimento capaz de se apropriar do real. ,O que caracteriza uma ciência é o fato de ela ter sido capaz_ de constrwr, . com seus conceitos rigorosamente definidos, o seu objeto-d~ conhecimento. . Ora, se o Marxi!mo, enquanto Materialismo Histórico, é uma ciência, e se à Psicanálise, enquanto teoria "do inconsciente, é uma ciência, então, tanto um quanto a outra devem ter seus objetos-d~. conhecimento respectivos." E é a partir desse principio rigorosamente colocado que se irá desfazer o "qüiproquó" em torno do caráter individualista da Psicanálise. . . · Com efeito, o Materialismo Histórico é. uma ciência: ciencia da . luta de classes em uma formação sooat dada. Logo, o Materialismo Histórico não é o ciência, mas apenas''uma ciertcia finita. Em -'9. o· Marxismo (Materialismo Histórico e Dialético) era a Ciência. Pouco importa se isso não era confeásado diretamente. Pouco importa se esse· caráter totalizante e totalitário se escondi• por trás de expressões ino;. centes tais como a que nos dizia que a "critica social" iluminava ot fatos com uma luz nova,.dei.xando ver se eram fatos cientfficoa ou nio. O fato é que; finalmente, era eaae supeQaber, essa ci&ncia \lnica da História que nos dizia, na verdade, o que é o real. , · Se o Materialismo Histórico fosse a ciência e se ele noll dissesse que o Homem é isso ou aquilo - no presente caso, que ele 6 o conjunto das relações sociais - entlo. qualquer afirmação diferente seria, evi• dentemente, úma ilusão. Mas o Materialismo Histórico nlo 6 nem t Ciência c nem tampouco a ciência do Reà1. Face ao R.eal inexó~4vel, o

39, MARX, Karl. lntrodtlctl011 fbtiMI•. 51. p. 256.40. MARX, Karl. lllt~tltHt tilliral• j7, p. 2,,

*

J6

Materialismo Histórico é apenas uma ciência finita qw se apropria desse real nos limites do seu campo específtco, isto é, nos limites dO seu ohje. to-de.coniJecimento. Dentro desses limites, o Materialismo Histórico nos dirá que o homem ... "é i! cm~junto dos reloç&!s sociois". Vale dizer, nos limites do seu objeto-c»conhecimento (a luta de classes em uma form.ação social dada), o homem será o conjunto das relações so-· ciais: Ou seja, o homem será o suporte da luta de classes ou das rela.c;ões sociais. Nesse caso, entlo, o Materialismo Histórico não estará mais falando do R~l, mas apenas de algumas de suas detenninações. · Antes, quando o Materialismo Histórico era Pensado como a· Ciência, ele se opunha, necessariamente, à Psicanálise. Era, como vimo.s. ou Mau- dizendo que o homem é o conjunto das relações sociais.,... ou Freud - dizendo que o, homem:é dotado de um inconsciente e, portanto, de algo que ocorre ·no indivfd~o: . A Psicanálise, aos olhos de Altliusscr, como ficou estabelecido em ..Freud e Lacan", é também uma ciência. Ou seja, a Psicanálise está. conseguindo definir um objeto-~conhecimento que é seu. Estrita- • . mente seu. Esse objeto é o inconsciente e seu funcionamento. Logo~ o· que é preciso ser visto, com todo rigor e radicalidade, é que, se Marxismo e Psicanálise, enquanto ciências efetivas que são, referem-se, cOmo ~ qualquer ciência, ao real, elas nio têm, no entanto, e nein podem ter o mesmo objeto-de-conhecimento. Enquanto o Materialismo Histórico elaborou uma teoria das formas histórico-sociais da individualidade humana, ou _seja, enquanto, para ele, o individuo só pode ser sujeito suport~ d• relações de classe e o individualismo, uma figura especlfica da- ideologia dominante- burguesa, a Psicaná.li.se· elaborou uma teoria da subjetividade, subjetividade esta que só pode ocorrer no individuo .. humano. · Em outras palavras, tanto o Marxismo quanto a PsicanAlise sio ciências. Ciências sui generis, como vimos, maa ciências. Eaquanto tais, elas não se referem, diretamente, ·ao individuo humano real; exis-. tente. Elas são formas distintas de apropriação desse ~1. O Marxis. mo se" apropriará dele, por exemplo, transformando a nOção ideológica de individuo-humano-sujeito-consciente-do-si no conceito de sujcito-suporte-de-relações-sociais-.~produçio. A Psicanálise o fará, por sua vez, transformando essa mesma noçio pela nova teoria do sujeito que lhe é correlata. . . Vemos, então, que o Marxism~. enquanto ciincia da luta de classes em formações sociais dadas, nio pode falar da subjetividade indivldutll, pois não é esta a suo ceM, a sua "realidade", o seu objeto-decdnheciment"o. Enquanto eienciaparticulor, ele só poderá falar das formas sociais do individ~idade. E, sempre enquanto ciertcia panicular, 'ele deverá ~vitar a tentação .ideológica, o desejo de totalização que f a37

ria, do seu discurso particular, um saber abaoluto, o qual diria que todo homem é isto ou aquilo. . Do mesmo ·modo, e pelas mesmas razões, a Psicanüilo, enqJ~~~~~to ciência do inco_n.r~i~nt~. não poderá falar das formas históriço.IOCiaia da indiyidualidadc., mas ape~as da subjetivi~ade individual ou das posições subjetivas face ao social. Aquela nlo é a sua cena, a 1ua "rcali~ · dade", o se~.,t objeto-de-con~ccimento. Ela deve. pois. como qualquer ... çiência, fugir à tent~çio de totali.Zaçio. Vemos. pois. q·ue o chainado . "individualismo" da PsicanaUise, do ponto~ vista·estrito, nadunais é senão respeito à espccifiçidadc do ~u objcto-d~conbccimcnto.- ou seja, o inconsc.ientc, que só ocorre no individuo ~ e que, portanto, u·m tal. "individualismo'.' é, na realidade, uma estrutura essencial à 1ua cienti-' ·. fiCidadc . · Caso não fosse "individu~dista", a Psicanâlise seria, então, uma ideologia. : . · . . Em 1949, estávamos na mais total oposiçlo. qa ou Marx ou: Freud. Em 1965, apro~imamo-nos do perigo oposto; ou seja, da ten-'·: dhrcia a fundir Marx e Freud no discurso da superdeterminação, supetciência, saber absoluto que rceditaria, se a tendência dominante . fôsse a da Psicânálise, ·uma epistemologia geral, a qual proporia, como fimd_am~nto, o desejo, tal çomo ele se exprime-esconde na linguagem, ou se apropriaria da PsicanaUise, se a dominb.cia. fosse do Marxismo, colocando-a no. Materiàlismo Histórico comó a nova teoria da Ideologia, da qual ele teria nC:ccssidade; .teoria essa·que~ novamente, tomaria possivel uma epistemologia geral c fundante. Tanto Marx quanto Freud se pei-deriam, ·de novo, na ideologia totalitária e totalíza~. Em 1976, com ··M·arx c Freud", Althusser restabelece a distãncia adequa:. da.: Marx e Freud, o mesmo combate.contra a noÇlo ideológica de sú. jeito, mas em ~ois campos radicalmente distintos; porque duas ciancias distintas. ·• · . Evidentemente, surge um novo problénta. Çomo articular essas duas. ciências? Essa ·novidade, no· entaJJto, é·a peitas pma pr.ecisão de um· pJ:'oblema velho como o mundo, tal como o da articulaçio do sa-

ber. ·

.

.

, ..

Com ''Marx e Freud", portanto, assim como o faeta com "F~ud .

e Lacan",. Althusser nos (noStrou· como a Filosofia é, eQl última in.. tãnçía, política na· teoria.. . ·

. Abril de 1984 Walter J. EVANGELISTA

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BIBÚOGJUFIÂ

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FREUD E LACAN -Por LOUIS ALTHUSSER Tradução de: WALTER JOSf: EVANGELISTA

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:FREUD E LACAN 1 . · . . · . Por .LOUIS ALTHUSSER Tradução de: WALTER JOs! .EVANG'ELISTA

NOTA PRELIMINAR Digamo-lo Hm rodeios: fwm quiser hoje, P14TtJ e sirltplesmtnte, compreender a descoberta revolucionária de Freud, não optn41 rec~ 'cera ma existência, mos também conhecer seu sentúlo, dne atrawssar, a·CUJI(I de grQ'U/es esforços Ciftlci)s e le6rlc~s, () 1/ntiJ$() t$PQÇO de pre. conceí(os ideológicos que nos separf!. tk Freud. Yisto que não somente a descoberta de Freud foi, como irem~ ver, reduzida a discipliNJS que /Jre . são, em sua.essincia, estrtinhas ( Bio/ogiD, Psicologia, Sociologia, Filos0a fia); tuio apenas numerosos psicanalistas (sobretudo na escola americana) se torrrQram cúmplices desse revislonlsmo: mos, pior alntlo, esse revisionismo serviu, ele próprio, objetivamente, d pr.odigioSil explf?roç4o itkológíca de que a Psicanálise foi objeto e vltbna. Não foi sem l'tizio que. não há muito tempo (em 1948) marxistas franceses tknunciaram, . nessa explorQftlo, llmll "ideologill naclc:HUfrl~". f1W servkl de arrun,lft(). luta ideológica contra o marxismo, ·e tk meio prático de Intimidação e. mi,,tiflcação dos consciências. · ·· ·· ' Mas hoje se pode ~rfeltamente dizer que esses mesmos manlst4t foram, à .rUa maneira, direta ou indireta~Mnte, as prlmeJros vitimas diJ. ídeo/ogiD que eles únunciawlm: já que a confwullr~~m com a ducokrttl. rewJ/ucionária ú Fr~. aceltand.o assim, ú fato, as poslçks do OJIHr-·

na

I. i4 NOintlk Crltlqw, 16/, 161 (dftmrltro -}tuwl~ 1964/lfJ.IJ)• .•

sário, sujeitando-se às suas próprios condições e reconhecendo, na imagem que ele lhes impunha, a preterua realidade da Psicanó/ise. Toda a história passado das relações entre o Marxismo e a Psicanálise repousa, ess,ncialmente, sobl't essa confusão e essa impostura. Que fosse particu.larmente dificil escapar disso, nós compl'tendemos, primeiro pela função dessa ideologia: lendo as idéias "dominantes", no caso, desempenlrado perfeitamente, .reu papn de "dominação", impondo-u. mesmo contra a vontade delu. aos pr6prios upfrilos que desejawun combat~las. Mas nós o compreendemos, tambim, pela existência do revisionismo psicaniJiítico que tomou possÍ'vel essa exploração: a queda na ideologia comtfOU, com efeito, pela queda da Psicanálise no bioloKismo, no psicologismo e no sociologismo. ·Que esse revisionismo tenlra podido autorizar-se do equívoco de certos conceitos de Freud, que foi obrigado, como. tOdo inventor, o peruar sua descobuta nos conceitos teóricos existentes, constituídos, portanto, para outros fins, também podemos compreendê-lo (o próprio Marx não · foi igualmente obrigado a pe.nsar a sua desco~rta em certos conceitos hegel/anos?).· Não há tfÚJ.(J .lllldtl que poua surp~mder um espír:ito um pouco informado acerca diz hiSi6ria das ciências novas - e preocupado em definir o irredut{ve/ de uma desco~rta e de seu objeto nos conceitos que a .exprimiram qU4ndo de seu nascimento, e que, desatiUllitados pelo progresso dos conhecimentos, podem ulteriornrente ocultá-la. . Portanto, retomar a Freud impõe hoje: 1' não somente recwtu, como uma grosseira mistificação, a camada ideológica d~ 6UQ exploração reacionáritz; · 2• mas, além disso, evittu cair nos equívocos, mais sutis, e. sustentados pelos prestfgios de algumas discipliiULY mais ou menos cient(ficas, do r~isiolfismo psicanalítico; · · 3' e, fiM/mente, consagrar-se a um trabalho sério de crítica histórico-teórica, fNJra identificar e tkfinir, nos conceitos que Frtud tem de empregar, a verdadeira rel~o eplstemolópca existent~ ~mre esses conceitos e o. conteúdo que eles pensavam. Se,m esse trfplice trabalh.o de crítica ideológica ( 1'. 2') e de elucidação epistemológica (3P), praticamente inauprado na França por Lacan, a deScoberto de Freud permanecerá, em sua especificida
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. ·maneira, 0 mesmo destino, e qU41 é a importdncia teórica de um autlntico "retomo a Freud". • · _ Dignar-se-ào admitir que um artigtJ!ão ~me. ~ se proptJt abordar um problema de tal importânci~. se !'?o q1ltser tiW-Io, deve llmJ_rar-_se ao essencial: sitiUlr o ~eto do Pstcanalue, para dele dar uma f!n~t~a . definição, nos conceitos que permitam a loCIJI~açio, P_~fHlraçao !nd~­ pensávél à elucidação dase objeto. DigMr·se-ao admitir, consequent~ . mente, ·que se faça intervir esses concei~o~, '?nto ~IIIJI!Io poss(vel em, sua forma rigorosa, como o jaz qualquer disc!plma ctentíftca•. sem. to~-los . insípidos num comentário de vulgarizaçao demasiad_o apf't?X'f1!0.''.vo, e sem tentar desenvolvi-los verdadeiramente numa análtse que ex1gma um .espaço inteiramente diverso. . . Apenas o estudo slrio de Freud e de Lacan, que cada um pode empreender dará a medido exata desses conceitos, e permitirá definir os problem:.U em suspenso numa reflexão teórica já rica de resultados e de promessas. L. A.

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INTRODU.CÂO

Alguns amigos critiearam-me, com toda razão,-por ter falàdo de·· Lacan em três linhas: 2 ter falado demasiado dele para o assunto do qual CP tratàva, e ter falado bem pPUCO dele face ao que eu COR<:IUÍa. Pedem-me algumas palavras para justificar tanto minha alusão quanto o seu objeto. Aqui estão elas - algumas palavras, onde seria nec::essárià um livro. Na histôria da Razão Ocidental~ os nascimentos sio otitto de todos os cuidados, previsão, precauções, prevenções, ~te. O pré-nata) é institucional. Quando uma jovem ciertcia natc:e. o clrculo (amiliar jA está sempre pronto para o espanto, o júbilo e o batismo. Dcade hé muito· tempo que qualquer criança, mesmo tend<J sido simpleamente encontrada. é reputada filha de um pai. Quando se tratJ de uma criança prodígio, os pais brigariam entre eleS, no cartório, pe'Ja paternidade; se não fosse a mãe, ·e o respeito que lhe é devido. No nosso mundo prenhe, prev~se um luga·r para o nascimento, chega-se até a prever um lugar para a previsão do nascimento: "prospectiva". · .Q ue eu saiba, oo transcorrer do século XIX, duas ou tris crianças nasceram, sem ser esperadas: Marx, Nietz.sche, Freud: Filhos ''natu-

2. Cfr. Rnw tkl'~meJfl ,.W~'fw,jullll~julho 1963, "Pbil'*'Phil: r;t Sáeeces Humaina" p. 7 c p. 11, nota 14: Man rv.ndou aua teorilaobre a rcjáçio do mito do ..H()Iff() rconomiCJU ". Frcud rundou 1ua teorilaobre a rcjc:içio do mito do "HO#ffO pychologlnu". Lacan viu c wmJmencleu a ruptura liberadora de Freud. Comprendev-a no lelltido pleno·do.tenno, tomando a letra DO .leU fiaor, C forçaride» a procluzir,llm tr6gua nem coocxuio, suu próprias ~ciu.·Eic pode, çomo qualquer um, errar ao detalc, mesmo

~

escolh
rcf~nciu

filotóficu: dew-te·lhc o

~"cio/.

·rais", no sentido em que a natureza ofende os costumes, o honrado direito, a moral c a arte de viver: natureza ~ a regra violada, a mãe.solteira, logo, a aus~ncia de pai lepl. A Razão O~idental faz pagar caro a um filho sem pai. Marx, Nietzsche, Freud tiveram de pagar a COJlta, algumas vezes atroz, da sobrevivência: preço contabilizado em exclusões, condenações, injúrias, misérias, fome e mortes, ou loucura. .Falo apenas deles (poder-se-ia falar de outros malditos, que viveram sua condenação à morte na cor, nos sons ou no poema). Falo apenas deles porque forllm nascim.ento de ciências ou de critica. · Que Freud tenha contíecido a pobreza, a calúnia e a perseguição, _que ele tenha tido a aJma suficientemente anco,_da para, suportar, int erpretando-as, todas as injúrias do século -lio coisas que talvez não · estejam isoladas de alguns dos limites c dos impa515e5 do seu gênio . Deixemos esse ponto, cujo exame é, sem dúvida, prematuro. Consideremos apenas a solidão de Freud no seu tempo. Nio.f'alo da solidão humana (ele teve mestres e amigos; embora tenha eonhecido a pobre-. za), falo da sua solidão t~órlca. Pois, quando ele quis ·pensar, ou seja, uprimir, sob a forma ~e um sistema rigoroso~c conceitos abstratos, á descoberta extraordinária com a qual deparava, a cada dia, nos encontros com sua prática, foi um _trabalho vio procurar preccdent~ tcóri. cos: ele quase não achou pais na teoria. Teve de sofrer e, ao mesmo tempo, arrumar a sesuinte situação teórica: ser, ele mesmo, o seu próprio pai; construir, com suas mãos de artesio, o espaço teórico em que pudesse situar sua descoberta; tecer, com fios emprestados aqui e ali, por adivinhàção, uma grande rede com a qual capturaria, nas profundezas da experiência cega, o peixe abundante do inconsciente, que os homens di~~ m_u~o. porque ele Jala mesmo quando dermem. Isso quer dizer, para se exprimir com os termos de Kant: Freud teve de pensar sua descoberta e sua prática com conceitos importados, emprestados à Ffsiu encrg~ica. então dominante, à &:onomia Polítia e _à Biologia de seu tempo. Nenhuma herança legal atrás de si: salvo um lote de conceitos filosóficos (corisciência, pfé.conscientc, inconsciente, etc.), talvez mais atravaneadores do que fecundOs, porque ma.r_cados por uma problemática da con~eibcia, . presente até mesmo em suas rcst.rições*; nenhum legado, fossc·dé que antcpa~do fosse: como .únicos guias, escritores: Sófocles, Shakespcare, Moliere, Gocthe- máximas, etc. Teorica mente, Freud montou sozinho o seu negócio: produzindo seus próprios conceítos,- se~s conceitos ..domésticoS'.. wb a proteção de conceitos importados, tomados de emprátimo ao estado

c•)

NOTA DO TRAD UTOR: Cs!C ponto será melhor uplicitado, pelo autor, em seu ""Marli C: r rcud .. cfr. página 9] C squintcs.

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atual das ciên~ias existentes c, é preciso dizê. lo, no horizonte do mundo ideológico em que se banhavam tais conceitos . . Foi assim que recebemos Freud. Longa cadeia de textos, profundos, por v~es claros, por vezes obscuros, freqOcntemente cniJmáticos c: contraditórios, problemáticos, arrn~os por conceitos muitos dos· quais nós parecem, à primeira vista, caducos, inadequados a seu con·le~do, ~ltrapassados. Pois não duvidamos, hoje; de modo algum, da ex1stênc1a deste conteúdo: a própria prática analftica, teu efeito. • Resumamos, pois, esse objeto que é para nós Frcud: L .Uma prática (a cura analftica). 2. Uma técnica (o m~odo da cura) que_dá lugar a uma exposição abstrata, de aspecto teóri1:9. 3. Uma tcona que está em relação com a prática e com ·a técnica. Este conjunto orpnico prático.( I), técnico (2), teórico (3) lembra-nos a estrutura de toda disciplina científica. Fonnalme11te; o que Freud nos dá possui, na verdade, a estrutura de u"'a éiên~ia . Formalmente: pois as ·dificuldades da t!=rminologia conpeitual de Frcud, a desproporção às vezes sensível entre seus conceitos e o conteúdo deles le~am-nos a colocar a questão: nesse conjunto orsânico prático-técnico-teórico, deparamo-nos com um conjunto verdadciràmente estável, verdadeiramente fi_xo ao nivel cientifico? Em outras palavras, a teoria seria, nele, verdadeiramente teoria, no sentido cientifico? Não seria ela, aí, pelo contrá~io ~ uma ~imples transposição metodológica da prática (a cura)? ~ai a ~d~1a, mutt~ correntemente admitida, de que, sob suas aparênCias teon~as {devJdas a uma pretensio respeitável, embora vã, mesmo no próprio Freud), a Psicanálise per_mancccria uma simples prática, que dá resultados, às vezes, mu nem sempre; simples prática prolongada em técnica (regras do método anaUtico), mas sem teo,ía, ou, pelo menos, sem verdadeira teoria: o que ela declara teoria nada mais~ senà? _o s ~nceito.s téc~cos cegos. nos quais ela reflete as regras da sua prat1ca; SJmp'es prátJca sem teoria. . . talvez. então, simplesmente, mag!d? que conseguiria: ~mo qualquer magia, pelo efeito de seu prestig•o. e dos seus prcstigJOS, colocados a serviço de uma necessidade ou demanda sociais, que seria, então, sua única razão, sua verdadeira ralào. lévi-5trauss teria feito a teoria dessa magia, dessa prática SOC"iai que seria a Psicanálise., designando no xomã o antepassado de Freud. · · Prática grávida de uma teoria em parte silenciosa? Prática orgulhosa ou envergonhada de ser apenas a magi!l social dos tempos mo-. dcrnos? Que vem finalmente a ser a Psicanálise?

I A primeira palavra de Lacan é para dízer: em principio, Freud fundou uma ciência . Uma ciência nova, que é a· ciência de um objeto novo: o inconsciente. · Declaração rigorosa. Se a ·Psicanálise é verdadeiramente uma ciência, pois ela é a ciência de um objeto próprio, ela é tam.bém uma ciência Segundo a estrutura de toda ciência: possuindo uma teoria e uma técnica (método) que permitem o conhecimento e a transformação de seu objeto em uma p~:dtica especifica~ Como em qualq:uer ci~n­ cia autêntica constituida, a prática não é o absoluto da <:i!ncia, mas um momento teoricamente subordinado; o momento em que a teoria, tornada método (téenica) entra em contato teórico (conhecimento) ou. prático (a cura) com seu objeto próprio (o inconsciente). · Se essa tese é exata, aprática analítica (a cura) que absorve toda a atenção dos intérpretes e dos filósofos ávidos da intimidade do par confidencial, na qual a confissão enferma e o segredo profissional mé- .· díco troçam as promessas sagradas da intersubjetividade, não encerra os segredos da Psicanátise: ela detém somente uma parte da sua realidade, aquela que existe na prática. Ela não encerra em si os stus segre. dos teóricos. Se essa tese é exata, a técnica, o método~ também não encerra, a não ser como qualquer método, ou seja, por delegação, não da prática mas da teoria, os segredos da Psicanáli~. Apenas a teoria os .encerra em si, como em qualquer outra. disdplina científica. · · Em numerosíssimos lugares de sua obra, Freud se considerou a si próprio como teórico; comparou a Psicanálíse, em relação à cientificidade, como a ciência fisica nascida ~om GaliJeu; repetiu que a prática (a· cura) e a técnica analítica (o método analítico) só eram autênticas porque fundadas sobre uma teoria cientifica. Freud disse e voltou a di• ter que Jn1a prática e uma t~nica, mesmo fecundas. s6 poderiam merecer .o nome de científicas, quando uma teoria lhes desse, não por simples declaração, mas através de fundação rigorosa, o direito. · A primeira palavra de Lacan. é para considerar literalmente esse dito: E dele tirar a conseqüência: voltar a Freud.para buscar. discernir e apreender nele a teoria da qual todo o resto. tanto a técnica quanto a _, prática, saiu, de direito.

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Voltar a Freud. Por que esse novo retorno às fontes? Lacan não volta a Freud como Husserl a Galileu ou a Tales. para captar um nascimento em seu nascimento, ou seja, para realizar esse preconceito lilosólico religioso da pureza, que, como toda água que brota à tuz do dia só é pura no momento preciso, no puro instante de seu nascimento. na pura passagem da não-ciência à ciência. Para ele. essa passagem não é pura. ela é ainda impura: a pureza vem depois dessa passa'gem. ela não se encontra na passagem ainda "vasenta" (a vasa invisível de seu passado, suspensa na água nascente que simula a transparência, ou seja. a inocência). Retorno a Freud quer dizer: retorno à teoria bem estabelecida. bem fi"ada, bem assente no próprio Freud, à teoria madura, reOetida, consolidada, verificada, à teoria suficientemente avançada e instalada na vida (inclusive na vida prática) para haver construído aí a sua morada, produlido o seu método, e engendrado a sua prática. O retorno a Freud não é um retorno ao nascimento de Freud: mas um retorno à sua maturidade. A juventude de Freud, essa comovente passagem da ainda-não-ciência à ciência (o período das relações com Charcot, Bernheim, Bre'!Jer, até os Estudos sobre a histeria - I 895) pode. é claro. interessar-nos, mas de uma maneira totalmente diferente: a título de um exemplo de arqueologia de uma ciência, ou como índice negativo de não-maturidade, servindo então par~ datar com maior precisão a própria maturidade e sua chegada. A juventude de uma ciência é a sua idade madura: antes dessa idade, ela é velha. tendo a idade dos preconceitos em que vive, como uma criança vive os precon. ceitos e, portanto, a idade de seus pais. · Que uma teoria jovem, portanto madura, possa recair na infância. ou seja, nos preconceitos de seus antepassados e de sua descendência: toda a história da Psicanâlise o prova..É ai que reside o sentido profundo do retorno a Freud, proclamado por Lacan. Temos de retornar a freud para retornar à maturidade da teoria freudiana, não à sua inrãncia, mas à sua idade madura. que é sua verdadeira juventude nós tçmos de retornar a Freud para além do infantHismo teórico, da reca~da na infância, na qual uma boa parte da Psicanálise contemporânea, sobretudo americana, saboreia a~ vantagens de suas concessões. Essa recaída na infância tem um nome, que os fenomenólogos compreenderão logo: psicologismo, ou um outro nome, que os marxis· tas perceberão de imediato: pragmatismo. A história moderna da Psicanálise ilustra o julgamento de Lacan. A Razão Ocidental (razão juri~ dica, religiosa, moral e poUtica tanto quanto cientlfica) não consentiu. com efeito, após anos de desconhecimento, desprezo e injúrias meios, aliás, sempre disponfveis em caso de insucesso -, em concluir um pacto de coexistência pacifica com a Psicanálise, senão sob a condição de anexá-la às suas próprias ciências ou aos seus próprios mitos: 56

à Psicologia, quer ela seja behaviorista (Dalbiez) ou fenomenológica (Merleau-Ponty) ou existencialista (Sartre); à Bioneurologia, niais ou menos jaksoniana (Ey); à ..sociologia" de tipo "culturalista" ou "antropológica" (dominante nos EEUU: Kardiner, M. Mead, etc.) e à Filos,,lia {\:fr. :~ "psicanálise existencial" de Sartre. a "análise do itálico IJ11wín" de Biswanger, etc.). Essas confusões. essa mitificação da Psi~:an;ilisc. disciplina reconhecida oficialmente, ao preço de alím\ç~•s· compromissos sdados com linhagens imaginários de adoçà(). mas ~:om pod..:rcs hem reais. foram subscritas por alguns psicanalistas. mui to feliles. por saírem final mente de seu gueto teórico, por serem ..reconheci-· dos.. como membros, com pleno direito, da grande família da Psicologia. da Neurologia, da Psiquiatria, da Medicina, da Sociologia. da An·tropologia, da Filosofia, transbordantes de felicidade por ostentarem, sobre seu sucesso prático, a etiqueta de garantia desse reconhecimento "teórico" que lhes conferia, finalmente, a pós décadas de injúrias e exflio. o direito de cidadania no mundo: o da ciência. da Medicina, e da Filosofia. Não se precaveram contra o aspecto suspeito desse acordo, acreditando que o mundo se rendia às suas razões- quando eles próprios st: rendiam, à sombra das honrarias, às razões desse mundo-, preferindo suas honrarias às suas injúrias. · Com isso, esqueciam que uma ciência só existe, como ciência, Se pode. de pleno direito. pretender à propriedade de um'objeto próprioque seja o seu e não seja senão o seu- e não apenas à côngrua de um objeto emprestado. concedido, abandonado por uma outra ciência, a um de seus "aspectos", de suas sobras, que sempre se podem aprovei. tar. a seu modo. nas cozinhas, contanto que o dono já esteja saciado. Com efeito, se toda · a Psicanálise se reduz ao "condicionamento" behaviorista ou pavloviano da primeira infância; se ela se reduz a uina dialética dos estágios descritos por Freud sob a terminologia do oral, do anal e do genital, da latência e da puberdade; se, finalmente, ela se redut à experiência originária da luta hegeliana, do "para-outrem" fenomenológico, ou do "abrir-se-em-profundidade" do ser heideggeria. no: se toda a Psicanálise nada mais é senão essa arte de aproveitar as sobras da Neurologia, da Biologia, da Psicologia, da Antropologia e da Filosofia, o que é que lhe cabe, então, como objeto próprio, que a distinga verdadeiramente dessas disciplinas e faça dela uma ciência de pleno direito'!·'

3, As tentações mais ameaçadoras s.io representadas pela Flfosoj16 (que reduz de bom grado toda a Psicanálise à experiencia dual da cura e ai encontra material para ''verifi· car" os temas da intersubjetividade renomenolósica, da exist~cia-projeto ou, mais Jeralmente. do personalismo): pela Pslco/Ofill, que anexa, como outros tantos atributos de uin "sujeito" que. manirestamentc, não constitui pa.r a ela um problema, a maior parte

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É nesse ponto que Lacan intervém: para defender, contra essas .. reduções" e desvios que dominam, hoje, uma grande parte das interpretações teóricas da análise, a s ua irredutibilidade, que não é mais do que a irredutibi~idade de seu objeto. Que sejam oeéessárias. para essa defesa, uma luc1dez e firmeta fora do comum, apt3s a repelir todos os assaltos da hospitalidade devora
a

da~ catc~orias da Psicanálise: e, final~cntc, pela Sociologia, que, vindo em socorro da _Pstcolo~ta .. ofcr~ com q~~ dar, ao "prind~i~ de realidade", seu oonteúdo objetivo (os

Imperativos soaatS c famlluues), q uc o "sUJe! lo'! tem apenas_de " interiorizar" , para se ver armado com um " superego" , e com as categorias conupondeotes. Submetida as-. sim. ;i l'si.:nlogia \lU à Socioklgia. a t'sicanàlisc reduz-se h.lbitualmcntc a ~ma técni~ de ~adap.tação "emocional" o_ u. ~afetiva", a uma n:educaçio da "funçio rdacional", que nada tem a 'l(cr com seu objeto real - mas que reapondcm, infelizmente, ~ uma grande d~.manda , ba_ stantc_orientada, além· do mais, no ·mundo contemporinco. Foi por cuc vJcs que a Pstcanãhse se tornou.um objeto de consumo corrcntc na cultura, ou seja, na ideologia moderna.

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todo o prestígio de Lacan ("Gôngora da Psicanálise", "Grande Dragão", grande oficiante de um culto esotérico em que o gesto, o mutismo e a compunção podem compor o ritual tanto de um a comunicação real - como o de uma fascinação berri "parisiense'')-, enquanto, para o utros {cientistas ou filósofos, em primeiro lugar}, é claro que seu " artifício", sua estranheza e seu "esoterismo", tudo isso, enfim, não deixa de ter relaç.ão com .as condições de seu exercício pedagógico: tendo de ensinar a teoria do inconsciente a médicos, analistas ou analisados Lacan lhes dá, na retórica de sua palavra, o equivalente em mímica d~ linguagem do inconsciente, que é, como todos sabem, em sua essência última ...Wítt.", trocadil ho, metáfora;fracassada ou bem sucedida: o C'JUÍva lcntc da experiência vivida em sua prática. seja ela de analista .nu Jc :~ nali sado. · . Basta compreender as condições ideológicas e pedagógicas dessa h~guage~ :o~ seja, toma~. e.m relação a sua ..interioridade" pedagógica, a- d1stanc1a da "extenondade" .histórica e teórica, para· discernir seu sentido e seu alcance objetivos- e reconhecer seu propósito funda" mental: dar a descoberta de Freud conceitos teóricos à sua altura. definindo tão rigorosamente quanto possível, hoje, o inconsciente e suas · leis... que constituem todo o seu objeto.

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li

e

QuaJ ~ o obj~to da Psicanálise? - aquilo de qu~ a técnica analfti.., ca se deve ocupar na prática ~alftica da cura, ou seja: não a própria cura, não essa situação pretensamente dual em que a primeira fenome-. nologia ou moral vinda encontra satisfação de sua necessidade - mas os ..efeitos". prolongados no adulto sobTé\livente, da extraordinária ~•ventura que, desde o na~mento at~ a liqüida~;ão do ~di po , transfor-, ma um animalzinho engendrado por um homem e uma mulher numa · criancinha humana. Um dos ''efeitos" do devir-humano do serzinho biológico saldo do .parto humano: eis, em seu devido lugar, o objeto da Psicanálise, qué tem o simples nome de in(onscinrte. Que esse scrzínho biológico sobreviva, e, ao inv~ de sobreviver como criança das florestas que se tornou cria de lobos ou de ursoa (crianças assim eram exibidas nas cortes reais do século XVIII), sobreviva como criança humana (tendo escapado de todas as mortes da infãncia. tantas·das quais são mortes humanas, mortes que sancionam o fracasso do devir-humano), tal é a prova que todos os homens, adul·tos, superaram: eles são a8 testemunhas, para sempre amnbicas, e muito.freqüentemente as vitimas dessa vitória, trazendo no mais surdo, ou Sc:ja, no mais gritante de si mesmas, as feridas, enfermidades e o cansaço desse combate pela vida ou morte humanas. Alguns, a maioria, sai· ram dele quase indenes -ou pelo menos insistem em dá-lo a conhecer a todos, em alta voz-; muitos desses eJ~-combatentes ficam marcados por esse combate para o resto da vida: alguns morrerão, um pouco mais tarde, vitimas de seu combate, com as velhas feridas reabertas de repente numa CJtplosão psicótica, na loucura, a última compulsão de uma "reação terapêutica negativa"; outros, mais numerosos, morrerão, o mais "normalmente" possível, sob o disfarce de uma falha ..orgânica". A Humanidade só inscreve nos memoriais de suas guerras seus mortos oficiais, aqueles que souberam morrer a tempo, ou seja, tarde, homens, em guerras humanas, nas quais só se dilaceram e se sacrificam lobos e deuses hunuuros. A Psicanálise se ocupa, apenas nos seus sobreviventes, com uma outra luta, a única guerra sem memórias nem memoriais que a Humanidade finge nunca haver travado, aquela 61

que ela pensa ter sempre ganho de antemão, pura e simplesmente porque ela só existe pelo fato de lhe haver sobrevivido, de viver e de gerarse como cultura na cultura humana: guerra que se trava, a.cada instante, ~m cada um de seus rebentos que devem percorrer, cada um por si, proJetados, expulsos, rejeitados, na solidão e contra a morte, a longa marcha forçada que, de larvas mamiferas, faz crianças humanas, suj~i-

_tos. Que o biólogo não possa tirar partido desse objeto, certamente, esta história não é biológica! já que toda ela está dominada, desde o ponto de partida, pelo constrangimento forçado da ordem humana, que cada mãe grava, ~b a f~rma de "amor" ou ódio materno, desde seu ritmo alimentar e adestramento, no animalzinho humano sexuado. Que a História, a "Sociologia" ou a Antropologia, não tirem partido dele, nada de espantoso! já que elas tratam da sociedade; logo, da cul~ . tura, ou seja, do que já não é mais o animalzinho - que só se torna humano por haver ultrapassado esse espaço infinito que separa a vida do hu.mano ~ o biológi~o do histórico, a "natureza" da "cultura". Que a Ps1colog1a se perca nele, nada há para se estranhar! já que ela julga tratar, no seu "objeto", de alguma ~·natureza", ou "não-natureza" humana, da gênese desse existente identificado e regis~ra.do sob os próprios controles-da cultura (do humano)- quando o objeto da Psicanálise é a questão prévia absoluta, o nascer ou não-ser, o abismo aleatório do próprio humano em cada rebento d!o homem. Que a "Filosofia" nele ~rca suas referências e seus antros, evidentemente! pois essllS origens smgulares lhe escondero as únicas origens às quais da, na sua essência, presta homenagens: Deus, a Razão, a Consciência, a História c a Cultura. Suspeit:ar-se-á que o objeto da Psicanálise possa ser especifico, e que a modahclade de sua matéria, como a especificidade de seus "mecanismos" (para retomar uma palavra de Freud), sejam de uma ordem completamente distinta da-matéria ou dos "mecanismos" que o biólogo, o neurólogo, o antropólogo, o sociólogo, o psicólogo e o filósofo têm para conhecer. Basta reconhecer essa especifJCidad~ portanto a distinção de objeto que lhe serve de fundamento, para reconhece; à Psicanálise um direito radical à especificidade de seus conceitos, ajus: tados à espeéificidade. de seu objeto: o inconsciente .e seus efeitos. I

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111 Lacan não negaria o fato de que, sem o surgimento de uma nova ciência: a Lingüística, sua tentativa de teorização teria sido impossivel. .~ssi~ se faz a história das ci~ncias, na qual, freqaentemente, uma .ctêncta só se torna tal pelo recurso a outras ciencias e pelo desvio por outras ciências, não·somente ciências existentes quando de seu batismo, mas também tal ciência nova, vinda mais tarde, que tem necessidade de tempo para nascer. O opaco provisório da sombra projetada sobre a teoria freudiana pelo modelo da Física energética de Helmholtz e Maxwell encontra-se hoje de:sfeito pela luz que a LingOistica estrutural projeta sobre o seu objeto, permitindo um acesso inteligível a esse objeto. Freud já dissera que tudo dependia da linsuagcm; Lacan precisa: "o discurso do inconsciente é estniturado como uma linguagem". Na sua primeira grande obra, a Ciincia dos sonhos, que não é anedótica ou superficial como se acredita frcqaentcmente, mas . fundamentál, Freud estudara os "mecanismos'\ ou "leis" do sonho, reduzindo suas variantes a duas: o d~slocamento e a condensação. Lacan nelas reconheceu duas figuras essenciais designadas pela LingQisti· ca: a metonímia c a metáfora. Daf resulta ·que o lapso, o ato falho, a . 'piada c o sintoma se tomavam, como os elementos do próprio sonho: Significantes, inscritos na cadeia de um discurso inconsciente, dublan_. do em silêncio, ou seja, em voz ensurdecedora, no desçonhCcimentó do " rccalcamento", a cadeia do discuno verbal ·do sujeito humano. Com-· isso, éramos introduzidos ao paradoxo, formalmente familiar à. Lingtüstica, de um discurso duplo e uno, inconsciente e verbal, só tendo como campo duplo um campo único sem nenhum al~m a não ier em si mesmo: o campo da "cadeia signifiCante". Com isso, as mais importantes das aquisições de Sa.ussure e da LinaWstica oriunda dele entravam, com pleno direito, na inteligência do processo tanto do discurso do inconsciente, quanto do discurso verbal do sujeito, c de sua relação, ou seja, de sua não-relação id<ica à sua relação, em síntese, de seu redobramento e de sua defasagem. Com isso, as interpretações filosófico-idealistas do inconsciente cômo segunda consciência, do inconsciente como má fé (Sartre), do inconsciente como sobrevivência cancerosa de uma estrutura inatual ou non-seh.S (Mcrleau-Ponty), todas as

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interpretações do inconsciente como "id" biológico-arquetípico (Jung) tornavam-se o que elas eram: não Ulll começo de teoria, mas ..teorias" nulas, mal-entendidos ideológicos. Falta definir (sinto-me forçado ao mais terrível d~s esquematismos, mas como escapar dele em algumas linhas?) o sentido desse primado da estrutura formal da linguagem, e de seus "mecanismos", encontrados na prática da interpretação analftica, em função mesmo do fundamelho dessa prática: seu objeto, isto é, os "efeitos" atuais, nos sobreviventes. da ••hominízaçio" forçada do animalzinho humano em homem ou mulher. Não basta, para responder a essa questão, invocar simplesmente o primado de fato da linguagem, que é o único objeto e meio da prática analítica. Tudo o que aconteu na cura se dá de fato na . linguagem e pela linguagem (inclusive o silêncio, seus ritmos, suas esça nsões). Mas é preciso mostrar agora, de direito, porque e como opa-· pel de fato da linguagem na cura, que é, simultaneamente, matériaprima da prática analltica, e meio de produção de seus efeitos (a passagem, como diz Lacan, de uma "palavra vazia" para uma "palavra plena"), só é fundado, de fato, na prática analftica, porque ele está fundado, de direito, em seu objeto, que funda, em última instância, tanto essa prática como a sua técnica: logo, uma vez que se trata de urna ciência, na teoria de seu objeto. Está aí, sem dúvida, a parte mais original da obra de Lacan: a sua descoberta. Essa passagem da existencia (no puro limite) biológica à existência humana (filho de homem), Lacan mostrou que ela se operava sob a Lei da Ordem que eu chamarei Lei de Cultura, e que es$8 Lei da Ordem se confundia, em sua ess!ncia jrmnal, com a ordem da lingu~gem: Que ~eve!'Dos entender por essa fórmula enigmática, à primetra v1sta? Pnmcuamentc, que a totalidade dessa passagem só pode ser _a preendida ~ob a forma de uma lini\l'ágem recorrente, só pode ser des!8nada pela hnguagem do adulto ou da criança em situação de cura, dcs1gnada, determinada, localizada, sob a lei da linguagem, em que se filta e se dá toda ordem humana, portanto, todo papel humano. Em se> guida, que, nessa determinação, pela linguagem, da cura, transparecc a presença atual, perpetuada, da eficácia absoluta da ordem na própria passagem, da Lei de Cultura no .devir-humano. Para indicá-lo, em aJgumas breves palavras. marquemos, para esse efeito, os dois grandes momentos dessa passagem. 1) O momento da relação dual, pr~cdipiana, em que a criança, deparando-se apenas com um a/ter ego, a mãe, que escande sua vida.com sua presença (do!) e com sua ausencia ifort/)4 vive essa relação dual no modo do fasclnio 4. Siio duas eltpreu&ll alemãa que Freud tornou c.lélebre- com as quais uma crianci· nha que ele obtel'11ava nncionava o aparecimento e o desaparecimento de sua mie, pela

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imaginário do ego, sendo ela própria este outró, tal outro, qw:úquer outro, todos os outros da identificação narcisica primária, 5em jamais poder tomar•. face ao outro ou a si mesmo, a distAncia objctivante do terceiro; 2) o momento do &lipo, no qual surge uma estrutura ternária no fundo da estrutura dual, quando o terceiro (o pai) se imiscui, como um Intruso, na satisfação imaginária do fascfnio dual, perturba a sua economia, quebra os seus fascínios, e introduz a criança nisso a que l acan chama a Ordem Sim bólica, a da linguagem objetivante. que lhe permitirá dizer tinalmente: eu, tu, ele ou ela, que permitirá, pois, ao ser.t inho situar-se como crianra humana num mundo de terceiros adultoL

·

· Dóis grandes momentos, portanto: I) o do imaginário {préedipiano); 2) o do simbólico (o ~dipo resolvido), ou, para falar aqui uma liflguagem diferente, o da objetividade reconhecida em seu iuo (simbólico). ' mas ainda não conhecida (surgindo o conhecimento da objetividade numa ..idade" e numa prática completamente diferentes). E aqui está o ponto capital que .Lacan esclareceu: esses dois momentos são dÓminados, governados é ~ar~ados por uma única Lei. o do Simbólico. O próprio momento do imaginário, que se acaba de apresentar, linhas acima, para maior clareza~ co.mo pr.ecedendo o simbólico, corno distinto dele -logo como o primeiro momento em que a criança vive a sua relação imediata com um ser hu.mano (mãe) sem a reconhecer praticamente como a relação simból.ica que ela é (ou seja . a relação de uma criancinha humana com uma mãe humana) -, .está marcado e estruturado. em sua dialética, pela própria dialitic.a da Ordem .Simhâ/it·u, ou seja. da Ordem humana. da no rma humana (as normas dos ritmos temporais da alimentação, da· higiene, dos comportamentos. das atitudes concretas do reconhecimento - sendo a aceitação, a recusa, o sim ou o não ditos à·criança apenas os détalhes, as modalidades empíricas dessa Ordem constituinte, Ordem da Lei e do Direito de assinaç,âo atr_ibutiva ou excludente) sob a própria forma da Ordem do signifi cante, ou sej a, sob a forma de uma Ordem formalmente idêntica à ordem da linguagem.' manipuliiÇào de um objeto qualquer que a ··n,urava" : "~á af!", "'foi embora!'". No e&$0, um bobina. 5. Formalm~nt~. Porque a Lei de Cultura, da qual a lil1JU1Jem ~a forma e o acaso prtmeiros. não Se esgota na linguagem: ela tem, por conteúdo, as estruturas rcáJS do parcn• ICSCO, e as formações id~lógicu determinadas, nas quais u penonqcns inscritas ticssu estruturas vivem a sua funçio. Nio baata aaber que a famQia ocidental i patriarcal c exogâmiea (esttiUUra do paRntaco), é préciso tam~m elucidar as formações ideológicas que governam a conjugalidade, a paternalidade, a matemalidaCie e a infância: que significa. no nosso mundo atual. ··ser esposo" , "ser pai", "ser mie", "aer filho'"? Sobre essas formações ideológicas r:apcçífu:u, todo um trabalho de pesquisa r:atá ainda por rcaliur-se. ·

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Onde uma leitura superficial ou orientada de Freud só via a infância feliz e sem leis, o paralso da "perversidade polimórfica", uma espécie de estado de natureza escandida somente por estágios de aspecto biológico, ligados à primazia funcional de determinada parte do corpo, lugares de necessidades "vitais" (oral, anal, genital)." Lacan mostra a eficácia da Ordem, da Lei, que espreita, desde antes de seu nascimento, qualquer homenzinho que vai nascer, e se assenh9ra dele desde seu primeiro vagido. para lhe des~gnar seu lugar e seu papel, logo, sua destinação forçada . To das as etãpàs vencidas pelo ftJh<> de homém o são sob o reino da Lei, do código de ass-inação, de comunicação e de não-comunicação humanas; suas "satisfações" trazem em si a marca indelével e constituinte da Lei, da pretensão da ·Lei humana. que. como toda lei, não é "ignorada" por ninguém, sobretudo por quem a ignora. mas pode ser desvirtuada ou violada por qualquer um. sob~e­ tudo por seus mais puros fiéis . É por isso que. qualquer redução dos traumatismos infantis, que os deduza unicamente das "frustrações.. hiológicas. está- falseada em seu princípio, pois a Lei que a eles concer-. ne l'az, enquanto Lei, abstração de todos os conteúdos, só existe e só age como Lei por e nessa abstração, e só o filho de homem sofre e recehe essa regra com seu primeiro alento.' Por ai começa. já começou.

'6. Uma certa neurobiología e uma certa psicologia ficaram contentfssimas em descobrir em Freud uma teoria dos "estágios", que elas traduziram, sem hesitar, direta e uaustivamente, numa teoria da "maturação por estágios", seja neurobio16gica. seja bioneuropsicológica - atribuindo mecanicamente i maturaçio neurobiológica o papel de: uma "c:s~ncia"'·; cujos "estágios" freudianos seriam apenas o puro~ simples ..fenômeno··. Perspectiva que não é mais do que uma reedição do velho paralelismo mecanicista. 7. Correr-se-ia o risco de dc:sccnhecer o alcance teórico desta condi4;ão formal. se lhe of'us~scmos a ólf'arên~:ia biológic;~ dos C(J ncc:itos (libido. afetos. pulsões. desejo) nos qu ais F'reud pensa o "conteúdo .. do inconsciente. Por exemplo, quando ele diz que o so· nhn c u ··plcnu-u~J·c..lcscju·· 1ll"uu.rrllrrfii/llmg). no mesmo :-cntido que Laciln quer condu;dr o bomem à "li11guagem do seu desejo" inconsciente:. E. contudo, a partir dc:sSll condição formal que esses conceitos (aparentemente biológicos) adquirem o seu sentido autêntico, que esse: sentido pode .ser assinalado e ~; e que uma técnica da cura pode ser definida e aplicada. O desejo, categoria fundameritltal do inconsciente:, s6 ~in· teliglvc:l em sua especificidade como o sentido singular dO discurso do inconsciente: do Slljeito humano: o sentido que: surae no " joao" e pelo ..jogo" da cadeia signifiêante de que se compõe: o discurso do inconsciente. Como tal, o "desejo" e&tá marcado pela c:strutura que comanda o tornar-se humano. Como tal, o desejo se distingue radicalmente: da ".necessidade" orglnic:a. de ess!ncia biolósica. Entre a necessidade orgànica e o dc:sc:jo inconsciente. nio e?tiste continuidade de etsencia, bem como nio eJtiste continuidade de essência entre a c:xis~ncla biológica do homem e sua existencia histórica. O dc:sc:jo e determinado no seu ser equívoco (seu "manquc-à-êtrc:", diz Lacan) pela estrutura da Ordem que lhe impõe sua marca, e o destina a uma existtncia sem lugar, a existência do recalcamento tanto de seus recursos quanto de suas decepções. Não se tem acesso à realidade: especifica do desejo partindo da necessidade orginica, assim como não acedemos

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desde sempre, mesmo sem nenhum paii vivo, isso que é a presença ein· a~o (fo Pai (_ q ue é Lei), togo, da Ordém do sjgntficante humano, quer . d~r, d~ Le1 de_Cultura: este discurso, condiçio absoluta de qualquer· · d1scurso, este discurso presente~e cima, ou seja, ausçnte em seu abismo, em qualquer discurso verbal, o discurso dessa Ordem, esse discurso do Outro; do grande Terceiro, que é essa Ordem mesma: o discurso do é.dada uma captação, conceitual' do incons. inconsciente. Por ai nos . c1ente, que é, em cada ser hum·ano, o lugar absoluto no qual seu dis.: · cu~so singular busca seu próprio. lugar, busca, fracassa nessa busca, ·e.· assrm fracassando, encontra o seu próprio lugar, a Ancora própria dô. seu lugar, na imposiçãe, na impostura, na cumpliÇidade e na denega·ç_ão de seus J:!rê_prios fascínios imaginários. Que no Ed.ipo a criança sexuada ~ torne criança humana sexu~l (homem, mulher), submetendo à prova do Simbólico seu5 fantumas imaginários, e acabe, se tudo "caininha" bem, por se tornar o queée. se aceitar como é: rapazinho ou mocinha entre adultos, .tendo seus dire!t<>s dé criança nesse mundo de adultos, e possuindo, como qualquer cnança, o pleno· dir~i~o .de vir a ser um "como papai", ou seja, um ser humano mascuhno, tendo uma mulher (e não mais apenas uma. mãe), ou "como mamãe"-, ou seja, um ser humano feminino, tendo um . esposo (e não somente um pai) - isto é apenas o termo da longa marcha forçada em diRção à infância humana. Que, neste. último driuna, tu
ma

que

e,

en-

à realidade especffica da exútência histórica· partindo da cxist!ncia biolóJica do ~'ho­ mem"' Pelo contrário: assim como são as categorias da H iatÓfia que permitem defanir a cspccifici~de da existência histórica do homeni, inclusive determinaQõc:a que aparente- · mente_ICnam puramente biológicu, tais eomo suu "neceuidada" ou os feuômenos d~mogr~ficos, distinguindo sua exist~ncia biJtórica de uma exist.eoci~ puramente biológJca. IJSlm tambtm são as categori.u easenciais do inconsciente que permitem aprceuder .e definir o próprio sentido do delejo, distinguindo-o du realidada biológir.:.s q11~: o f\1· portam (exatamente como a exist!ncia biolóJica su.,Orta a ex.íst!ncia histórica), mu sem o co:.nstlhl'lr-, nem o d~t~mrinar.

que se~ ~ai, ele ganha, com isso.- a seguràl'lç(üe vir a ter um dia, mais tarde, quando se tiver tornado adulto, o direito que lhe é agora recusa. do, por fàlta de "meios". Ele tem apcoas um direitozinho, que setornará grande se ele próprio souber creseer, ..tomando sua sopa todinha". Q~ando, por seu lado, a menina vive e assume a situação trágica e benéfica da· castração, ela aceita não ter o mesmo. direito que sua ·mãe. ela aceita, então, duplamente, não ter o mesmo. direito (falo) que· seu pai, uma vez que sua mãe não o tem (nada de falo), embota mulher, porque mulher, e el~ aceita, ao mesmo tempo, não ter o mesmo direito que sua mãe, ou seja, não ser ainda uma mulher, como o é sua mãe. Mas ela ganha, em compensação, seu direitozinho: o de mocinha. e as promessas de um grande direito, direitp inteiro de mulher, quando ela se tiver tornado adulta, se souber crescer; aceitando a Lei da Ordem humana, ou seja·, submetendo-se a ela, se for necessário para a violar - , não tomando sua sopa "todinha". Em qualquer caso, quer seja no momento do fascínio dual do Imaginário (I), quer seja no· moment~(&iipo) do reconhecimento vi· vido da inserção na Ordem simbólica (2), toda a dialética da passagem é marcada, em sua· essência última, pelo selo da Ordem h'umana, do Simbólico, cujas leis formais , ou seja, o conceito formal, são-nos fornecidas pela LingOistica: . · . A teoria psicanalítica pode dar-nos, assim, aquilo que faz de toda ciência não uma pura especulação; mas uma çiência: a definição da essência formal de seu objeto, condição de possibilidade de toda aplicação prática, técnica, aos seus próprio~ objetos concrttos. Gra~ a isso, a teoria psicanalítica.escapa às antinomias idealistas clássicas formuladas, por exemplo, .por Politzer, quando esse autor, exigindo da Psicanálise (cujo alcance teórico revolucionário ele foi o primeiro a captar. na França) que ela fosse uma ciência do ..concreto", verdàdeira ··' Psicologia ooncr~ta", censurava nela suas abstraç&s: o inconsciente. o c~~1plex~ .de Ed.i po, o complexo de castração, etc. Como pode a Psicanahse. dllla Pohtzer; pretender ser uma ciência 'do concreto, como ela quer e pode ser, se ela persiste nas abstrações, que nada mais são senão o "cuncret9.. alienado em uma Psicologia abstrata e metaOsica? Como reencontrar _ o "concreto .. a partir de tais abstrações, do abStràto? Na V('fdade, nenhuma Ciência pode abster-Se de abstraçãO, mesm6 quando ela, na sua ."pr~tica.. (que não é, tenhamos cuidado, a prática teórica dessa ciência :·mas a prática da sua aplicação ooncreta), trata ·apenas de~sas variações 'Singular~ e únicas que são os ..dramas" individ~is. Ta1s com~ Lacan as pensa em Freud- c Lacan nã.o pens:a nada afém dos conce1tos de Freud, dando-lhes a forma de nossa cientificidad~ a única ..cientilicidade que ~xi.ste - . as ~·ahstraç&s:· da Psicanãlise:ião t:JJ;alamente os autênticos conceitos cientfficos de seu objeto, na médi·tht em que, enquanto conceitos cie~tificos de seu objeto, elas conltêm

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.e~ si o ín~ice, a· me~ ida.e o fundamento da necessidade de ·sua abstração, ou se~ a, a própna medida de sua relaçlo com o·"concreto"iogo, a ·sua próprta relação com o concreto de sua aplicação comumente chamada prática anaJftica (a cura). ' . &tipo nio é, pois, um "'Mntido'; oculto, a que faltaria apenas a · .consciatlcia ou a palavra- o &tipo nio 6 uma eatrutura enterrada no .passado, ~ue} sem~re poufvel reestruturar ou superar, ••reativando. !h e o sentido ; ? &tipo é a estrutura dramática, a ..méquina teatral"' - 1mposta peJa da Cultura a qualquer candidato, involuntário e for.çado, à Hum~~ade, uma estrutura que conttm em si própria nlo apenas a posstbdtd~de, mas a ncceuidade das variações concretas em que ela existe, para ~odo individuo que pode chegar ao seu limiar vivê-lo e sobreviver a ele. A Psican~ise, na sua aplicaçio, dita sua pt,~­ ca (a cura), trabalha sobre os "efettos"' concretos dessas variações ou seja, sobre a modalidade do nó eapec;ffico e abiolutameote sinsular' em que a·passagem do edjpo foi, é abordada, ultrapasuda, ·parcialmente .malograda ou eludida por este ou aquele indivíduo. Eaau variações podem ser pensadas c conhecidas em sua própria esa&Icia a· partir da· estrutura do in)JQrillnte :e.dipo, precisamente pela razio que faz com Q4e to.da essa passagem tenha sido maroada, desde seu pre&mbufo, pelo fasclmo, tanto nu suas formas mais ..aberrantes" quanto nas mais . ••normais", pela Lei dessa estrutura, .última forma do aceuo ao Simbólico sob a própria Lei do Simbólico. · ~i que estas bre~es indicaç&s nio apenas pareceria, como o sio; sumánas e esquemât•cu, e que nwneroaae·noçõeà, aqui invocadas ou avançadu~ exigiriam lonaos 'desenvolvimentos para serem justificadas .e fundadas. Mesmo esclarecidas em seu ·rundamento, e nas relaQÕcl que ~las man~m com o conjunw das noções que u sustentam, mesmo relactonadas literalmente com as an'lises de Freud, elas colocam, por sua vez, problemas: não somente probl~as deformação, de definiçio ~ de esclar~mento con~ituais, mas novos problemas reais, produzidos necessariamente pelo desenvolvimento do esforço de tcprizaoão que se ~caba de considerar. Por exemplo: como. pensar risorosamente a relaçao entre a estrutura formal da linguagem, condição de possibili. dade absoluta da. exiJt!ncia e da compreenaio do inconaciente, de um. lado, as estruturu concretas do parentesco, de outro lado, e, enrun, as

. o

Lc!

8. ExprcuC!a de Lacan ("miquioa"), retomando Freud ('•ein ·lfi~ ·Shauspiel... Schauplatz"). Oe Politzer, que falll de "dr11.ma", a F~ud e Lac:an, que fabim de teatro, cena. encenaçio. maquinaria, Jénero teatral, entenador, etc., b! toda a diitJnc:ia do~ pectador, que se tom~ pelo teatro, ao p~rio teatro. · · 9. Se ac wmpreende eate termo "ef~to'' ao contexto de uma teoria dUaic:a da caúaali· dade, conc:cbcr-»6. atravá dele, a pn:eençaatual da cauu ao leU efeito (cfr. Spin~).

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forniações concretas ideológicas em que são vividas as funções especf. . ficas (paternidade, maternidade, inflncia) implicadas nas estruturas · do parentesco? Pod~se conceber que a variação histórica dessas últimas estruturas (parentesco, ideologia) possa afetar sensivelmente um ·ou .outro.aspecto das instincias isoladas por Freud? Outra qucstio: -em .que medt~a ~ dcscobc:rt~ de Freud, pensada na sua ~acionalidade, po- : de, pela stmples defimçao de seu obJetO.. e de seu lugar, repercutir nas . disciplinas de que ela se distingue (tais como a Psicologia, a Psicosso- , ·ciologia, a Sociologia) e provooar nelas questões sobre o estatuto (por: ·vezes problemático) do objeto das mesmas? Finalmente uma última . ' .questão, entre tantas outras: quais são as relações existentes entre a . teoria analítica e: 191 Sl:UlS .condições de aparecimento histórico, por um la~~ ; 29, suas condições sociais de aplicação, por outro lado? 19 {l~m era, ~ntão, Freud, pala ter podido, ao mesmo tempo, fundar a teona analitaca e inaugurar, como Analista nt I, auto-analisado _Pai originário, a longa filiação daqueles praticantes que se afirma~ seus seguidores? · . 2• Quem são, então, 0$ psictinalistas, para aceitarem, ao mesmo ~ ·tempo (e com a maior naturalidade), a teoria freudiana, a tradição di_dátaeá sustentada por Freud, e as condições econômicas e sociais (o estatuto social de suas "sociedades" estando estreitamente ligado ao es~ ~atuto da corporação médica) nas quais eles atuam? Em que medida as ··origens . históricas, e as condições econômico-sociais do exercfcio da . .Psicanálise repercutem na teoria e na técnica analítica? Em que medi~ :da, sobretudo, pois esse é efetivamente o estado .dos fatos, o silêncio teórico dos psicanalistas sobre esses problemas, o recalcamenÚJ teórico dé que são vítimas esses problemas no mundo analítico afetam tanto a teoria quanto a técnica analftica em seu próprio conteúdo? A eterna · questão do "fim da análise" não se relacionaria. entre outras a esse r~ calcamento, ou seja, ao não-pensamento desses prob/mtaf, q~ dej,en- . ·dCID de uma história epistemológica da Psicanálise e de .uma história · social (e ideológica) do mundo analitico? . .Esses. são outros .tantos problemas reais verdadeiramente abertos .9ue co~stJtuem ,. desde agora, outros tantos campos de pesquisa. Não é ImpoSSJVe( que, num ruturo próximo, certas nOÇÕes SaÍam transforma- · · das dessa experimentação. . Essa experimentação, se vamos ao fundo das coisas, é aquela a 9u~ ~reud submeteu, no seu domínio, uma certa imagem tradicional, JUfldtca, moral e filo~ófica, ou seja, definitivamente ideológica do "ho-· mem", d
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sabe.m os at6 mesmo, contra o que penaava~ filósofos íluministas e contr11 Hegel, que a História não tem "centro", mas possui uma estrutura que tem umt "centro" necessário apenas no desconhecimento ideológico. Freud nos reveJa, por sua vez, que .o sujeito real, o indlvfduo em sua essênc:ia singular, nAo tem a figura de um ego, centrado no ··eu" ("'moi" ), n~ " conscie.ncia" ou na "existência" - quer esta seja a existênci~ ~o para-si, do corpo~próprio, ou do "comportamento" -, que o suJeito hun11ano é descentrado, constitufdo por uma estrutura que também tem um ..<:entro" apenaS no desconhecimento imaginário· do "eu·•, ou seja, nas formações ideológicas em que ele se "reconhc-. ce·n_ Desse modo~ ter-se-á notádo, estâ aberta para nós, sem dúvida, uma das vias pelar. quais chegaremos talvez um dia a uma melhor com-· prcensão dessa estrutura do de5COflheçlmento, que intercua, em primeiro lugar, a qualquer pesquisa sobre a ideologia.18 Janeiro d~ 1964

\0. NOTA BIBLIOGRÁFICA PA" UM ESTUDO: a obra de Lacan (...)pode Ri abordada, para facilitar o accao a ela, na quinto ordem; · I. Les cornplell:cll _familiaux en PatboloJio. (E11cyclopN~ FfQ~~Çt~lu, de Monzie, Tomo& . ..La ·vte montale" , 1938): . 2. La cauulitf pi)'Cbfquc (EPD/utll111 p.rydtl4triqw, 1947, faiCitule I). 3. L.o stadc du mirolr com me formateur de la fontion du je. (Re-~W françaisedl l'sy-

clrtvtalyu, 1949, XIU, 4). 4. La chose freudien~. (EPOiwtflJII p.ryclt14trlqw, 1956, fudwle 1). S. 1.4 fonnatioot de l'im:Qnldel'lt (~minairo 57-58), (8111/e'lll de Psyclwlorie.) 6. Lca rdlitiona c;·objot et los structllfCII freudieranea. (smllnairc S~57). (Nieti11th· Psydlo/Ofle, O' 10) · · 7- Le ~ ot son intcrprttation (S6miftain: 'l-j9). (BtJlfllll de Psydfolop,juviet 60.) . &. Os sete púmcros pu_blí~dos
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MARX E FREUD Texto de Louis AlTHUSSER Tradução e notas de Walter José EVANGELISTA

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MARX·E FREUD Texto de Louis ALTHUSSER Tradução e notas de Walter José EVANGELISTA

Muita gente concorda ein reconhecer hoje em· dia, apesar da e1(is. tência de sintomáticas resistências, cujas razões deverão ser e1(amina-. d as, que, no campo das Ciências Sociais ou Humanas, dois descobri- . mentos inesperados, totalmente imprevisiveis, provocaram um abalo · no universo dos valores culturais da época clássica, o universo da burguesia ascendente e instalada no poder (do século XVI ·ao XIX). Esses descobrimentos são o Materialismo Histórico, ou teoria das condições, das formas e dos efeitos da Juta de classes, obra de Marx, e o inconsciente, obra de Freud. Antes de Marx e Freud, a culiura se baseava na diversidade das Ciências da Natureza, completadas por ideolo-· gias ou filosofias da história, da sociedade e do·sujeito lruinano. Com Marx e Freud, teorias científicas ocupam, repentinamente, regiões até então reservadas às formações teóricas da ideologia burguesa (Econo~ mia, Política, Sociologia, Psicologia) ou, melhor dizendo, ocupam, no · interior dessas regiões, posições surpreendentes e desconcertantes. No entanto, muita gente também ·concorda em reconhecer que os fenômenos que Marx e Freud estudaram, os efeitos da luta de classes e os efeitos do inconsciente, não eram desconhecidos antes deles. Toda uma tradição de filósofos polfticos e, em especial, a dos praticistas, de que fala Spinoia a propósito de Maquiavel- que se referiu, diretamen- · te, à luta de classes e a quem se deve a tese da anterioridade da contradição sobre os contrários -, os mais conhecidos dos quais são os filó~ sofos do Direito N atura.l, que aludiram, indiretaf!1ente,. a ela sob o dis_. farce da teoria jurídica, toda essa tradição , repito, constatara, muito antes de Mar", a existência das classes e dos efeitos da luta de classes. O próprio Marx reconhecia como seus antepassados diretos, de quem se separara através da critica à teoria burguesa da luta de classes, os historiadores burgueses da Restauração e os economistas da escola de 15

~icardo, como Hodgskin: esses autores haviam reconhecido a exist(ncta d~s classes e da luta de classes. Do mesmo modo, os efeitos do mconsctente, estudados por Freud, tinham sido, em parte, reconhecidos desde a mais remota Antigtlidade, nos sonhos. nas profecias, nos fenômen·os de possessão e de exorcismo, etc., consagrados por práticas definidas de tratamento. . N~e sentido, nem Marx nem Freud inventaram nada: o objeto, CUJU teona cada um deles produziu, existiu antes de seu descobrimen~ to. O _q~ foi então que acrescentaram? A definição de seu -objeto , de seus hmttes e de sua extensão, a Caracterização de suas condições, de suas formas de e xistência e de seus efeitos, a formulação das exigências que se devem c umprir para compreendê-lo e atuar sobre ele: ou seja, sua teoria. ou as primeiras formas de sua teoria. . Nada mais banaJ do que tais afirmações, se é certo que, para o materialismo, todo descobrimento nada mais faz senão produzir a forqta de conbec_imento de um objeto já existente fora do pensamtnto. As coisas se tornam mais interessantes, no entanto, no momento em que as condições desses desconcertantes descobrimentos renovam.

··totalmente, as condições anteriormente reconhecidas como normais para qualquer descobrimento. E, sem dúvida, não é por acaso que os dois . descobrimentos que modificaram o mundo cultural, num espaço de cinqüer'lta anos, _pertencem ao que se convencionou chamar Ciinc(as Humanas ou Sociais, e que rompem com os processos tradicionais de descobrimento nas Ciências da Natureza e nas formações teóricas da ideologia. Não é, tampouco, por acaso que·essa ruptura comum tenha. sido sentida, por numerosos contemporâ.ncos, a partir do momento . ~ITI que: Marx c Freud se tornaram suficientemente conhecidos, como a manifestação de uma certa afinidade entre as duas teorias. A partir disso, prisioneiros como eram do preconceito ideológico do monismo, não fo i por acaso que alguns deles começaram a buscar as razões dessa afinidade numa identidade de objeto, como, por exemplo, Reich, querendo identificar os efeitos do inconsciente isolados por Freud com os efeitos da luta de classes apontados _por Marx.' · . Continuamos vivendo, ou pelo incnos somos muitos os que vive-

I . Nota do tradwtor: A chave para a compreensio dessa critica que faz Althuuer só po- · deli ser percebida com clarcu ac 11e leva em conta. a necessária distioçio entre objeto real e objeto-de-conhecimento . Tanto o objeto de Freud quanto o de Mau. enquanto objetos teóricos. sio objetos-de-conhecimento c, como tais. irredutíveis ao objeto real. Neue sentido, nlo h4 homopneidade entre Freud e Mari. E&sa homoseneidade f!Cll , no ontanto, suacrida pelo " prcçonc:cito ideolóaico do monismo". Quanto à ti(lfio ld«>I6Jica d1 '"011ismo, o próprio Althuaser nos pode e.claRcer. Sea11ndo ele; trata-te de um ''conçeito-chavc da co~çepçio peNO&! de Haeckcl; arande bióloao alemio, intrtpido combatente materialiata·mccanicista da luta anti-reliJiosa e anticlerical no. anoe de

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mos com este mesmo pressentimento: se muitas coisas os aproximam,

. deve Juz~r algo em comum ttrl~ MllrX e FMJJJ._Por que? E ainda que:_ a

fracassada experiência de Reich nos tenha ensmado oade e como nao

se deve buscar seu ponto de encontro (numa identidade de objeto), continuamos convencidos de que algo em comum ocorre neua dupla experiência, sem precedentea na história· da cultura. . . · Pode--se afrrmar, em primeiro lugar, que, num mundo.tgualmente dominado Pelo idealismo c pelo mecanicismo, Freud_n?s ofe~ ? :exemplo, assun como Marx, de um pensamento ma(enllltslll e dialetl·

co.

.

.

· Se a tese mfnima que define o materialismo é a existência dá reali-. dadc fora do pensamento ou da consci!ncia, Freud é, desde o ini~, materialista, já que nega a primazia da consciência, não só n_o co~ mc:nlo, mas também na próprill C()mciência, e nega, além dlsso, !' P!lmazia da oonsci!ncia na Psicologia. para pensar o llpa~lho pnqwco ·como um todo. em que o cso, ou o comciénte, nada mais é senão uma instância, parte ou efeito. Em um nlvel mais geral, . a oposiçio de Freud a todo idealismo, ao espiritualismo .e l reláliio, mesmo se esta se disfarça. de moral, é bem conhecida. . . Quanto à dialética, Jõ'reud nos deu surpr~~dentes figur~ dtal~­ cas que nunca considerou como leb (casa cnuc!vel ~odabdade de uma certa tradição marxista): por exemplo, •• categonas de transfe-rência, condensaçào,.superdeterminaçio, etc./e tám~m essa tese ~iffi:Í· te de que·o inconsciente não conhece ll contftlll.ição, e que essa auscncta de contradição é a condição de toda contradiçio. Meditar sobre essa · tese nos lcvãria muito long~ Isso 6 cap~ de fazer explodir o modelo clássico da contradição, modelo tirado demasiadamente ao ~ da letra • de Hegel para poder Krvir de método para Ulll4 análise marxista.1.

1886-1910. Publicista muito ativo,a~ttor de obras ' populares' que tiJeram umappntaca dirusio. criador da ' Liga dos Mon.istas Alemlcs'. Considerava, como monista, que nio havia d uas. substàncias (Dew e o mundo, o Esplrito ou a alma e a matma), mas uma só. Por sua conta, Haeckel pensava que e~~a ÚJIÍc:a Substtnc:ia po'Ssuía ( u.m pouco como a subslincia spinozista pouui, tambán. dois at.ributo.eucaci&il) dois atributo~: a malt.ria c a energia. Todas as determinaçôea, tanto materiais como espirituais, de as . considerava modos dessa Subsdncia, a qual diziaiiCf 'Toda-poderca'. Plekbtnov retomaria esse tema do 'monismo', que nio deiuva de ter. ICIJI d6vicla. afmidade com as tendénclas mecanicistas que Lêfli_n, tio viJoroaamente, iria ÇCJ~&urar-lhe em squida. Plckllinov era mais 'consoqlknte' que Haeckcl: rcc:onhecia que o idealismo moderno era também 'monista' tudo explicando por uma ünica substlncia, o Espfrito". (Althua"r: Loui5. FatiO, de Ma,x. p . I 77, nota.U). Cnmo se v! . o monismo vive numa problemática que não distingue o objeto real do objeto-de-conhecimento. . 2. Nota do tf'tHbllor. ver mm informações sobre ase ponto na pillina 13 e squintcs da introduçio. Al~m disso, quem se intereaar pelo problema da dia~tica em aeral c da

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~ a~x e Fr.eud SC: ap~oximariamf' portanto, um do outro através do matenahsmo e da d1aJétrca, com a surp~ndente vantagem, da R[lrte' de Freud, de haver explorado figuras dialéticas muito parecidas com· as de Marx, mas, às yezes~ !nclusive, mais ricas que estas e como que esperadas P,Cia própna teona de Marx. Se posso citar-me, num outro momento Ja dea ~m exemplo dessa surpreendente afinidade, ao fazer. ver q~e a categ~r~a de superdeterminação (tirada ·de Freud) era alguma ~o•.sa n~essar1,a e esperada pelas análises de Marx e de Lênin, aos quats convmha exatamente, tendo, além disso, a vantagem de destacar o qu.e ~epa~ava ~arx e Lênin de Hegel, no qual, precisamente, a con. trad1çao nao esta superdetenninada. 3 · ~ Seriam suficientes essas afinidades filosóficits para dar conta da comu·nidade ~eórica que existe entre Ma.rx e Freud? Sim e não. Po-· ~criamos, co~ efeito, P!lrar aqui, uma vez que esse aspecto filosófico· Já é bastante nco, e deixar que tada ciancia funcione por sua conta ou · ~ja, 9ue se.enfrente com seu objeto próprio, irredutivel, enquanto'obJeto, as afimdades filosóficas que acabamos de citar, e retirar-no·s, calando-nos. N~ enta!lto, um outro fenômeno deve reter riossa atenção, fenômeno ma1s surpreendente ainda: é o qu~ denominei o caráter conflituoso tanto da teoria marxista quanto da .freudiana. . Que a teoria freudiana seja uma teoria conflituosa é um fato que provém da experiência. Desde o seu nascimento e esse fenômeno nunca deixou de-se repetir, provocou contra si não ·~mente uma forte resistência, não somente .ataques e criticas, mas também e isso é o mais interessante, tentativas de anexação e de reviJão. 'Digo que tais tentativas.de anexação ~ d~ revisão são mai~ interessantes que os ataques e crft1cas, porque ~1gmficam que a teorta contém - seus adversários ·o confessam - algo de W!rdQ!feiro e de p~rlgoJo. Onde não existe nada de· ver~adeiro, ~ão existe, tampouco, nenhuma razã·o para anexá-lo ou . r~v1sá-lo. E~1ste, portanto, em Freud, algo de verdadeiro, de qúe é preCISO apropr1ar~se, para rever seu sentido, uma -..ez que isso que é 'l'f!rdadeiro é perigoso: é preciso revê-lo para neutralizá-lo. Cria-se, assim . um circulo, cuja dialética.é implacável. O mais importante nessa dia.Ji

co!ltrildiç:lo em particular, tal como ela aparece em Freud, poderá ler com grande provetto entre outros, os s~gu~ntes. textos: " A dcnegac;io" ( VtriJt'ilfllllg) Fre~d; (J. W . XIV p. 11·5. lacan; L~ Semtrral"; hvre.l; us écrits ltdtniq~,t de Fm~d; lntroduction ct re~o.nse u un e~ pose de Jean Hypp«;>htc .~ur la Verncinuna de Freud; p. 63 e. finalmente. 0 . Comme~ta~re plll'lé sur la Vem~mung de Freud par Jean Hyppolite", que aparece na p.· ll79 dos Eau.• de J. lacan. Ex!Siem traduções brasileiras. . . · · 3. Nm_~ tradu_u'!'- Além da págin.a 13 e seguintes da introdução vej a-se, por exemplo. o leii(~O Contntd~çaoe sobrcdetermmação", que aparece em ALTHURSSER. L. AnáJi.· . sc-·alllca da teor1u marxi.•to p. 75 e seguintes.

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'tica resistência·crítica-revisio·é que esse fenômeno, que começa sem.prefora da teoria freudiana (em seus adversário$) acaba sempre dentro ' da teoria freudiana. então, a partir de seu próprio interior que a teoria freudiana se vê obrigada a defender-se contra as tentativas de anexação c de revisão: o adversário acaba sempre por "infiltrar-se" - o re_·visionismo - provocando. contra-ataques· internos que acabam em ci.sões. Ci~ncia conflituosa, a teoria freudiana é uma ciência cisionistu, cuja história vem in arcada por cisões incessantemente renovadas.. Pois bem, a idéia de que uma ciência possa ser, por natureza, con·flituosa e cisionista. e estar submetida a essa dialétiea resistênciaataques-revisão-cisões, é um verdadeiro escândalo para o racionalismo, embora este se proclame materialista. O racionalismo pode perfeitamente aceitar que uma ciência nova (Copérnico, Galileu) se choque com o poder estabelecido da Igreja e com os preconceitos d~ ~ma épo.ca de ignorância, mas isso ocor~ como por acidente e só num primeiro .momento, até que a ignorância desapareça: por direito próprio, a ciancia, que é a razão, acaba sempre por vencer, já que a vtrdJJ.de é onipo· 'tente (o próprio Lênin dizi~: a teor{a de Marx é onipotente porque é vt?rdàdeira) e mais poderosa que todas as trevas do mundo. Para Q ra.cionalismo, a idéia de que possam existir ci~nci!ls· conflituosas por O!l· tu reza, assediadas ou inclusive constituídas pela contestação e pela lu· 'ta, é um puro contra-senJo: nesse caso, nio se trata de ciatlcias, mas de ·simples opiniões, contraditórias· em si mesmas como todos ·c,>s pontos de vista subjetivos, e, em consc:qOancia, inaceitáveis._. . ·. ·. .· · Pois bem, anteriormente à teoria f~udiana, a ciancia mar~tista nos mostra o exemplo uma ci~ncia n~sariamente conRituosa ci· sionista. E aqui não se trata de ·um açidente, nctn da ignorância surpreendida ou dos preoonctitos dominantes, atacados·em sua comodidade e em seu poder: trata-se de uma necessidade organicamente ligada ao próprio objeto da ciência fundada por Marx. Toda a história da . teoria marxista e do marxismo .o provam, a começar, para se dar um exemplo, pela história do próprio ~arx. Partindo de Hegel e de Feuerbach, em quem acreditou encontrár a-crítica de Hegel,-Marx só chegou a alcançar posições filosóficas, a partir das quais lhe foi possfvel descobrir o seu objeto, através de uma longa luta polftica e filosófica, interna e externa. E só chegou a ocupar essas posições quando rompeu com a ideologia burguesa dominante, depois de haver experimentado, política e intelectualmente, o caráter antagônico que tma o mundo da ideologia burguesa dominante e as posições políticas e filosóficas que lhe permitiram descobrir o que o imenso edificio da ideologia burguesa e suas formações teqricas (Filosofia, Economia Politica, etc.) tinham como missõo dissimular, a fim de perpetuar a exploraçio e o domfnio da classe burguesa. Marx se convenceu, assim, de que a -..erdade que desc~bria não tinha por adverslirio acíd~ntal o "erro", ou a "ignorAo·

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cia'\ mas o sistema org8nico da ideologia burguesa, peça essencial da Juta de classe burguesa. Esse erro não tinha nenhum motivo para reçonhecer algum dia a verdade (a exploração de classe), já que, pelo contTário, tinha, como função orgânica.de classe, mascará-la e submeter. ·em sua luta de classe, os explorados ao sistema de ilusões indispensável à sua submissão. No próprio centro da verdade, Marx encontrava a .· luta de classes, uma luta inconciliável e impiedosa. Ao mesmo tempo, descobria que a ciência que estava fundando era uma ciência de pa;tido ( lêniil), uu seja. UIT!a ciência que a burguesia jamais poderia reconhe· . cer, mas que combateria por todos os meios, até a morte. Toda a história do marxismo verificou, e diariamente verifica, o caráter nec·e.uariamente conflituoso da ciência fundada por Marx. A , teoria marxista, verdadeira e perigosa, oonverteu-se rapidamente num . dos objetivos vitais da luta de classe burguesa. E assim veio a funcionar a dialética que eu antes assinalava: ataque-anexação-revisão-cisão, o ataque vindo de fora passou a ser ataque vindo de dentro da teoria, a . qual se viu invadida pelo revisionismo. A ele respondeu o contra." ataque .da cisão em determinadas situações-limite (Lênin contra a li' Internacional). Foi através dcss~ dialética implacável e inevitável, de uma luta irreconciliável'; que o marxismo cresceu e se fortaleceu, antes· de atravessar graves crises, sempre conflituosas. . . ·Tudo 'isso é bem conhecido, mas nem sempre se avalia adequadamente o seu significado. Facilmente se admitirá que a teoria marxista está necessariamente imersa na luta de classes e que o conflito que a faz afrontar-se com a ideologia burguesa é irremediável•.mas não ·se admitirá tão facilmente que a conflituosidade da teoria marxista seja t·on.\'litutiva de sua cienti.ficidade, de sua objetividade. Haverá um retrocesso até posições positivistas e ecooomicistas, e as condições conflituosas da existência da ciência serão consideradas contingentes. em relação a seus resultados científicos. Isso significa não ver que a ciência marxista e o pesquisador marxista devem tomar posição no conflito cujo objeto é a teoria marxista. devem ocupar posições tcóricas{prol~ tárias) de classe, antagônicas a toda posição teórica de classe burguesa, para poder constituir e desenvolver sua ciência. Quais são essas posições .teóricas de classe proletárias indispensáveis à constituição e ao desenvolvimento da teoria marxista? São posições filosóficos materialistas e dialéticas, que permitem ver o que a ideologia burguesa oculta necessariamenté: a estrutura de classe e a exploração de classe de uma .formação.social. E tais posições de cl~ são sempre e necessariamen. . te antagônicas às posições burguesas. Esses principios. senão com essa formulação (posições teóricas de classe), mas ao menos em seu sentido geral, são amplamente reconb~ cidos pelos téóricos marxistas. No entanto, não se pode deixar de pensar que, com demasiada freqilência, ..só são reconhecidos verbalmente,

sem que seu sentido último tenha sido verdadeiramente assumido e seja valorizado com todas as s~as conseqOências. Seria preciso tentar utilizar uma expressão menos corrente, mas, talvez. mais esclareçcdora? No fundo dessa idéia- ou seja, a de que simplesmente para ver e compreender o que ocorre em uma sociedade de classes é indispensável ocupar posições teóricas de clàssc proletárias- existe a simples constatação de que, numa realidade necessariamenre conflituosa, como é uma. sociedade desse tipo, não se pode ver tudo :J partir de todas as partes, não se pode descobrir a essência dessa realidade çonflituosa, a não ser sob a condição de se ocuparem determinadlzs posições no conflito e não. outras, uma vez que ocupar passivamente outras posições é deixar-se arrastar pela lógica da ilusão de classe que se chama ideologia dominante. Evidentemente, uma tal condição se choca contra toda a tradição positivista, a partir da qual a ideologia burguesa interpretou a prática das Ciências da Natureza, já que a condição positivista de objetividade é precisamente ocupar uma posição nula,fora de conflito, qualquer que seja este (uma vez passadas as épocas teológicas e metafisica). No entanto. essa mesma condição entrelaça com uma tradição diferente, cujos traços podem encontrar-se em Maquiavel, por exemplo, quando este escreveu ..para conhecer os principes, é preciso ser povo". Marx disse a mesma coisa, no fundo, em toda a sua obra. Quando escreve, no Prefácio de O Capital, que essa obra "repre.fenta o proletariado", afirma, em definitivo, que é preciso estar situado nas posições do proletariado para conhecer O Capital. E se tomamos as palavras de Maquiavel em sentido forte e as aplicamos à história de Marx e de sua obra, podere111os dizer com justiça: é preciso ser proletariado para conhecer O Capital. Isso significa concretamente: não somente é preciso haver reconhecido a existência do proletariado, mas também ter compartilhado suas lutas, tal como fez Marx durante quatro anos antes do Manifesto, ter militado nas primeiras organizações do proletariado, para poder estar em condições de conhecer O Capital. Para deslocar-se até as posições teóricas de classe do proletariado não existe, com efeito, nenhum outro meio senão a prática, ou seja, a participação pessoal nas lutas politicas das primeiras formas organizadas· do proletariado. ~ mediante essa prática que o intelectual "se cr,mwme em proletariado" e somente se ..se converteu em proletariado". ou seja, se conseguiu deslocar-se de. posições teóricas de classe burguesa e p~ queno-burguesas para posições teóricas revolucionárias, pode conhecer O Capital- no sentido em que Maquiavel dizia que "para conhecer os príncipes. é preciso ser povo". Pois bem, para um intelectual, não

se

existe nenhuma outra maneira de ser povo a não ser converter-se em po- · VQ, por meio da experiência prática da luta desse povo. . Permito-me dizer algumas palavras sobre uma expressão demasia· do "'élebre: procede de Kautsky. e Lênin retomou em seu Que Fo=er? lH

Refere-se à fusão do movimento operário e da teoria marxista, e diz: á teoria marxista foi elaborada por intelcctuais·c introduzida no movimento operário· a partir d~ fora. Sempre acreditei que essa expressão era infeliz. Que Marx e Engels se tivessem fortnadb como int~l~ctuai.r burgúese~ fora do·moviménto operário,~ unrfato tvidente:.formaram.se cumo todos os intel~tutüs da qk>ca, nas univenidades burguesas. M.as é teotia márxista nada tem a ver com ú teorias burguésas de que . ~~~\l~nt iltlpregnados os intelectuais; peló contdrio, o que ela diz é algo de totalmente estranho ao mundo da teori• I! da .Ideologia burgum. Como se explica, pois, que intelectuais IJurpeses extremamente prepatados tenham podido forjar e conceber ~ma ·teoria revolucionária . que sc:1rve ào proletariado, diZendo a verdade sobte O Capital? Creio . que a respasta é simples e que já a indiquei antc8: Marx e Engels não forjaram s-ua teoria de fora do movimento operário, n,as dentro do movimento operário; não a partir de fotâ do proletariado e de suas posições, mas a pa.rlir de dentro da1 posiç6es e da prática revolucionária . do pr()l•tariado. Porque se h•viam ·con\'lrtido em intelectuais oft~nl­ cos do proletariado - c se haviam convertido niuo por sua prática no movimento .operário, lem dtililr de 1tt intelectuais - ~ que pudttam ooncebct sua teoria. Essa teoria nlo foi ..importada do exterior" para d tftóvimcntg t>per_Atló, mas foi concebldi, gtàças a um enorme Nforço têdtiêo, Hé> lflltritJr do movimento oper,tio. A pmuJo-imponardó de qUI fala Ka&atlky nada mais ~ que à t >tPtiMtlo, no interior do movi· metUO operl\th:>, dê uma teoria produzida iltnlro do movi!Mntô operA· tio por itttelêctuais orgânicos do prolétariad<J. . · Esllla não são questões secund•ri•• ou de' pormcnorn. mas probl~mlls que comprometem o sentido dé toda a obra de Marx, uma vez que~ des/ocam~nto (de qu~ Pre1,1d gosti tanto dt falar, ao refé· rir-&e ao •u objeto) para posiçãés teóricas de classe tcvoludonitlas não tem, como se poderia. cret. conseqttêntias utticah\itlte pollti~as: tem; lll~m disso, Çdnseqilências toótiéal. _ . C<)norcblfninté, abandonar a.s posi~õti teôtlc:às burgueses t J» queng...burguesas pata alcal1çar póiiç6és teóricas dt c:lã~IIC prolct4rias é um pwu poUtico·t~ri"o ou tilosófiCC) plêno de eo~seqOêttdat teóricas- c c=letttíflw. Nâu foi por casualidade que Marl escr~veu, c:omo subtftulo ~ O Copltal, cita áimpleí frase: .. Critica da Ecotlontia Putftf.• ca". "nltHol látnpouco J'ôr á~aso que se rnenospretou, colt'l freqUtnciaj o ttentldo daaa crWca, tomando-a pdt um jufZC) dt Matx sobre umâ t.al~dà_d• irrecusada e írrecu~vel, tttduzindd-íl a di1C\lll3ei p11ra saber " Smlth c Ricardo comP.rnndetam Cótrttarnlnte i110 ou aquilo~ ~se viram à rHaJs-valia sob a rendi ou ttlo, de. A ruUdade ni lnfinha· fttetttt mllla iottgc. No d,s/ocamtiilo qut o leva ã'.oc:uptr po,tçatt de elaase prolct.íiria•; Marx descobtt qu•, apttár de todot acertos dctlses autotci, li B~onomia Polida tJtiattnte n:lo t rundarntntalmente

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' uma ciincia, mas uma fonnação t~6rica da itkoloila bu~sa. que de. sempenh~ o papel que lhe corresponde na luta de clusea ideológica. Descobre que não são somente os pormenores da Economia PoUtica ·existente o que deve ser criticado,·mu que o que se deve recolocar e o que deve ser posto em questão é a própria idéia do prQjeto, ou seja, da · existência da Economia Política, a qual só pode ser concebida como disciplina autônoma, independente; enquanto, dissimular as relações entre as classes e a luta de classes que tem como missio ideolóaie.a ocultar. A rev.oJução teórica de Marx conduz, assim, l conclusio de· que não existe (salvo para a burguêsia, cujos interesses sio demuiado· evidentes) Economia Po/(tica e, de que, com maior motivo ainda,114o.. existe ec~nomia poUtica marxista.· Isso nio quer dizer que nio ~ta nada, mas que Marx suprime esse súposto objeto que er" a EConomia· Política e. o.substitui por uma re.alldtlde totalment~ dlftrtni~. que ra~-· ta inteligível a partir de certos princfpios tota/mem~· diftrttft~s. os do Materialismo Histórico, em que a luta de cltu.Su i dtttritiiiWite para · compreender os prohltmas clra~os e~pnômicos. . . ·. · . · Poderíamos encontrar inúmeros exemplos em M~ . para mot-· .trar que sua teoria da luta de classes é co_mpletamcnte difcreitte·da tco·· .ria burguesa, que sua teoria da ideologia e do Eatado, 6. do m~o.. modo, dqconcertaote. Bm todos esses casos, pode-se relacipnar o • locamento para posições teóricas de çJasse com a rcvoluçl·o no objétci · {o qual se transforma em outro muito diferente, ou seja, nlo IOIIlOilteseus limites, mas, inclusive, sua própria natureza t 'sua ilktitillf?IM mu-. dam) e com as conseqQ~nciu prático-revolucionáriu que derivam clii- ·. .so. ~ bem verdade que essa radical transformação dos pr~imen~·. de reconhecimento tradicionais não facilitou a tarefa do• leitoros de·. Marx. No entanto, o que mais os chocou f~i a fecundidade teóriea e.· cientlfica de uma ciência conflituosa. . ·. . Está bem, dir-sc-â, no entanto, o que teni a ver Freud Com tudo. isso? O caso é que, guardadas as devidas proporções e em um nfvel di-· ferente, a t~ria freudiana se encontra numa situação parecida, sob O· domínio da conflitutnidade. . Com efeito, quando Freud edificou sua teoria do in~nscientc, to-. cou em um ponto.extremamente scnsfvel da ideologia filosófica, psi~· lógica. e moral. P.Ondo em questão; atrav6e do descobrimento do i~­ conscicnte e dé seus efeitos, uma certa idéia ·natwal, Upolttlilea do /to-. mem como sujeito, cuja-unidade está cusqurada OU coroado ~la CINU.:. ciiltcla. . · Mu também nesse caso ocorre que essa ideologia dificilmento pQde repunciar a essa concepção-cllave sc.m renunciar a seu p~pel pró-. · prio. Essa ideologia (seusfuncionâriQ!, diria Marx) rcaiste,·critica, ataca e trata de se apoderar da teoria freudiana,: de reva-.Ja a partir de den-· tro; Jpós ta-Ja- . atacado de . fora. Podemos reconhecer aqui. aqueladial6-. "' . ~

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tica que Já ~nalisamos:_ es~ nela o que justifica o caráter nc:cessariá. . .~o entant~, qual é esse aspecto comum "que permite reJacionár"al hbsttl!dade da tdeolog!~ burguesa do homem, frente à teoria do in~onsct_e.nte, com a hostilidade dessa mesma ideologia burguesa, frente a teona ~a luta de classe? O que em Marx é necessário· não é relativamente ac1dental_em Freud? Como relacionar o que é "útil para a luta de classes de uma sociedade com o reflexo de defesa de uma ideologia do homem?. Na r~alidad~, essa relação não é tão arbitrária quanto possa parecer. Essa tdeolog1a do homem como sujeito, cuja unidade está assegu• rada ou c~ro~da pela consciência, não é uma ideologia fragmentária _q ualquer, e Simplesmente a forma filosófica da ideologia burguesa a q~al ~ominou a História durante cinco séculos e que, embora hoje ~m dta na o tenha a. mesr_na força q~e ~ntts, reina, ainda, em amplos setores da filoso~a tdc:ahsta e constttut a filosofia impHcita na Psicologia na Moral e, mclustve, na Economia Política. Não vale a pena recorda; agora que a gr:ande tradição idealista da filosofia burguesa foi uma fi~osofia d~ cons~iência, ·empírica ou tran_scendcntal, uma vez que tudo tsso é cotsa sabtda e, além do mais, ·porque essa tradição estã cedendo lugar ao neoposit_ivismo.. Ao contrário, pode ser mais importante re~ord~~ que essa. Ideologia do sujeito-coiiScient~ constitui a filosofia tmphetta na teopa da Economia Política Clássica, c que foi sua versão econômica o que Marx criticou, ao recusar a noção de homo economicus, segun~o a qual o h om_e~ se define como o sujeito·consciente de suas neccss!da~es, e esse SUJetto-dé:-nccessidade, como o elemento últi· mo e constitutivo de toda a sociedade. Assim, Marlt rechaçava a idéia de que se pudesse encontrar no hom~m. como sujeito de suas necessidades, não só a explicação última da sOciedade. mas, também e isso é fun~a_m~nlal. a_ e-xplicafão do homem coma sujeito, ou seja; com~ unidade tde~hca a .s1 e tden~tfic~vcl p~r si, ·em cspecíal por esse por si por cxc:_Jê~cta que e a consetêncJa de SI. Regra fundamental do materialismo: ."'!o julgar o ser por s~~ c~nsciên~ia de si!, uma vez que todo ser é algo dtshnto ~c sua conscteneta de SI. Mas, talvez, ainda seja mais impor~ante assmalar que essa categoria filosófica do sujeito consciente de si . s~ enca~n~ naturalmente na concepção burguesa da Morá/ e da Psicologia. É_ fac1l compreende_r que a Mor:al tenha necessidade de um sujeito con~c1c:nte de SI, ou -~CJ~, responsável por seus 11tos, pkra qu~~;. possa obngá-los, em consctencta, a obedecer a normas cuja imposição pela força res~lt_!l meno~ ~conômica. E s~· compreende ta~bém~: pela simples definu;~o de su_r:1to mo~al (ou SUJeito-de-seus-atos), que esse.~ujei­ to nada mats é senao o complemento nect!Ssárlo do sujeito-de·dinito 0 qual de~e estar bem sujeito e consciente, para ter uma identidade, e ~o­ der, ass•m. prestar contas do que deve em função de leis que está obrimen~e confltt\!-OSO da teona freudiana.

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gado a não ig11orar. sujeito qúe deve ter consciência .das l~is qu~ o forçam (Kant), mas sem obrigá-lo em consriinâa. Cabe pensar. ·então. que es~ célebre Jujeito pJicológico que foi e continua sendo .o objeto de uma dé11âa, a Psicologia, não seja um dado natural e bruto, mas tenha uma naturela estranha. mista c problemática, comprometida com o destino lilosólico de todos os.sujtitos que nele 5e entrecruzam: ·sujeito de direil.
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que, por uma coincidênda plena de sentido, é sobre ela que se concentrou a critica freudiana da consciência. Na realidade, se se compreende bem Marx., não há nenhum mistério nesse ponto sensível, que Frcud atacou, de toda tradição filosófica clássica e das formações teóricar da ideologia burguesa, como são a Psicologia, a Sociologia e a Economia Polftica, ou de suas· formações _ práticas, como a Moral c a Religião. Basta compreender que os diferentes "sujeitos-conscientes-de" são unificadóres da .identidade social

do invidívuo. enquanto eles mesmos estão unificados como outros tanto.f · exemplares de uma ideologia do "Jwmem", ser naturalmente dotado de consciência, para captar a unidade profunda dessa ideologia e de suas formações teóricas e práticas. Basta captar essa . profunda unidade para dar-se conta de como são poderosas as resi!{têndas a F"reud. Posto que, ao descobrir o inconsciente, Freud:não apenas tocou um "ponto sensível" da ideologia filosófia, moral e psicológica existente, não se chocou apenas com idéias que estavam .ali por casualidade, fruto do desenvolvimento do saber ou da ilusão humana, nio tocou apenas um ponto sensível, porém secundário, de uma ideologia crucial e localizada. Não; talvez sem o saber nQ iníci~. embora, em seguida, ele o tenha sabido muito. bem, Frcud tocou o ponto teoricamente mais unsívrl de todo o sistema da ideologia burguesa. E com isso Freud não contava, dado o que podemos ~hamar sua inocência politica, dissimulada por uma grande sensibilidade ideológica. q mais paradoxal é que Freud; salvo em alguns ensaios aventurosos e criticáveis (Totem e tabu, O male.star np civilizacão, etc.), nunca tentou verdadeiramente compreender e pensar, como um .todo, essa ideologia burguesa que atacava no seu. ponto mais sensível. Sigamos avançan-d o por esse caminho: niQ estava ~ em condições de fazê-lo, uma vez que, para isso, teria de ser Marx. E' não era Marx: ·:st>uobjeto rra muito difrrrntt. Mas bastou-lhe revelar ao; m~nd~ estupefato que esse outro objeto existia, para que suas éonsc-· qü.:nc1as apare'-"eSsem por si mesmas e -para que se desfechassem.contra ele os ataques ininterruptos dos que, por uma rázão ou 'por outra. . mas sobretudo porque estavam unidos pelas convicções da classe dominante, tinham interesse em que se cala.ue. São Bem conhecidas as palavra·s de Freud ao aproximar-se dessa América q,ue iu visitar: "trazemos-lhes a peste... Pensemos nas palavras de Marx. ao falar de O Ca- - . -. pito! c1~mo.."d!' mai.s giganfe.tco míssillancado na cabeça .da bufÍue.sia CtJptta/t.tta . E.'ISUS Sào palavras de homens que sabiam não somente O •q.~ s.ignificava lutar mas que sabiam t~mbtm que traziahl ·ao mundoCJe~Jas que não podiam existir a não ser na e pela luta, pela simples . razao. de que o adversário não ·POdia tolerar sua exil'tência: ciêncills connítu?sas, sem nenhum compromisso possível.· · · · , Sena preciso, no entanto, não nos limitarmos a essas generalidades. por mais corretas que sej~m; pela seguinte razão:.o ob/rto de Fl'ftld

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~o ohjeto de Marx. Com ~feito, havia em Freud algo de muito especial

que fa:t com qú~ a comparação entre ambos cesse e, ao mesmo tempo. . começe de novo. .. . _ . U uhjcto d~: ~reud não é o objeto d_e .Marx. Marx se ~rgunta o que é uma. formação social,· reco~hece nela o pape_l determm_ante da Juta de classes, a partir da qual ed1fica tod~ sua teona da.relaçao entre relações de produção e as forças produ uvas.~ ~ ·c.o~la da ~u.peres­ trutura (Direito e Estado, ideologias). A condu;ao tconca prevta .q~~ rege essa teoria, na qual as relaçõef (de .Pr~duçào, de classe:. ·etc.) sao determinantes, essa teoria que encerra a tdéJa de uma causalidad~ ~las re/Óciks e não pelos elementos, é a r~u~ do .pressupos.to t~rtco. da Economia Polhica clássica ou das teonas tdeahstas-da H1stóna, ~use­ ju. que são os indivúluos••os .sujeitos ~orig.inários, ~orno causas últamas} de todo o processo econom1co ou h1st6nco. _Por ~~~o:_ Marx se preoçupa numerosas vezes. em O Capital, em prec1~r a 1deu~ de !'ue se d~ve ~:onsidcrar os indivíduos como .vuportr.v (Trager) de juncoes. funç~s que estão, por sua vez, determinadas e fixadas pelas rtlaçiks de luta de · classes (econômicas, políticas e ideológicas) qu~ movem toda a ~tru­ tura social, inclusive quando esta. nada mais faz senio reproduz~r-se. Na /ntrodurào. à Contribuift}ó . . .- , Marx diz: não_se deve part1_r do_. "concreto. mas do abstrato". Essa teoria da primazia . da~ reJa~ . ·sobre os termos, essa teoria dos individuas (capitalistas 0\1 proletátJOS) como ..suportes de funções" verifica a tese da Introdução. Nio é que Marx nunca perca de vista os individúos concretos, mas, como·estes são também "concreto", são ..a sintcse de múltiplas determin~ç~" e O Capirfl/·se limita ao estudo das mais in,portantes d~m~IUplu determinações, ~m se propor a tarc:ra de ~onstrutr, mcdsante ·a ·'síntese de múltiplas determinações", _os individuos concretos, a _q uem só considera provisoriamen_te, enquanto suportes, com;o ~m de ~er deseobrir as leis da sociedade capitalista. em que esses •t:ad•v(duos.concretos existe~. vivem e lutam! Mas, ainda assim, O Capit~ nos fal_a · bastante deles, e os textos histórieos de Marx. do sufiaentemente explícitos para que saibamos que.Marx não ~ia .ir.mais al~ f.~ umt1 ·

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t~tJria da individulllidadr social. ou das formas hutonctiJ da rndrvtdutl/1dad~. Nada há em Marx que aptecipe o descobrimento de Frcud: Mda há em Marx q~ prusa fundtlwntar 11nt0 korúl do P_slquismo. · Pois bem, em se11s desarortunados ensaios de d1'
-1. • .\ ·ma ,j,, ITÍidllft" : par.a que !iC J'05Sõ& perceber .; llkai'IQ: de tai5 observaçaés de )\ltbusscr, é im!lrÚdndlvcl"'!UC SC: leia Q ~'l>mcntirio (eito por ele i ./ttll'r~J fh J7... de

Marx

i:m /.C'r () (·apitai.

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referia, de modo algum, à sociedade ou às relaç&s sociais, mas a fenômenos muito partitulares que afetavam os indMduos. Embora tenha sido possível escrever..sc qúe no inconsciente· há um elemento tramindividuol, é sempre no indivíduo que se manifestam os efeitos do inconsciente, e ~ sobre o individuo que opera o tratamento, inclusive se este requer a. presença de óutro individuo (o analista) para transformar os efeitos do inconsciente existentes. Basta essa diferença para distinguir' Freud de Marx. . · É ela os distingue, inclusive, se se podem encontrar, nas condições de suas respectivas descobertas, semelhanças estranhas. Em páginas anteriores, insisti no fato· de que o intelectual deviafazer-se povo, para compreender os príncipes. -Dei a entender, até mesmo, que a transfor'!lação que o faz passar de·posiç~ teóricas de classe burguesas ou pe-Queno-burguesas a posições proletárias, a partir das quais, e unicamente a partir das quais, é possfvei vu a exploração e a luta de classes, passava pela prática polftica. Pode-se, inclusive, ~um pouco mais longe· e diicr que um intelectual não pode converter-se num intelectual .o rgãnico do proletariado senão com ltêondição de ser educado pela luta de ~!asse do proletariad9, a qual transforma suas posições anteriores e lhe permite ver. Alguns .sustentaram, com ajuda de poderosos argu~entos, que algo assim deve ter-se passado com Frtud: se este mudou de posição em relação aos problemas da consciência, se rompeu com a Fisiologia e a Medicina, ; porque foi como que educado por seus próprios pacienJes histéricos, os quais literalmente lhe ensinaram e lhe fizeram ver que existia uma linguagem do inconsciente inscrita em seu corpo, e foi Anna O. que não somente inventou. para ele, a expressão talking cure (etapa decisiva da descoberta), mas lhe impôs, al~m disso, o reconhecimento da existência da transferência e da contratrimsferência. Este é um apaixonante aspecto ·da história· da Psicanálise, sobre o qual os materialistas fariam bem em meditar. Só que, com·o primeira evidência, o que Freud descobriu ocorre no indivíduo. E é aqui que encontramos uma primeira forma inesperada de conflituosidade, e com ·e la, uma nova diferença entre Freud e . Marx, ao mesmo tempo em que (encontramos) um principio que, sent dúvida, tem sua parte no efeito de submissão exercido pela ideologia . sobre os siljtitos.} Parece, com·efeito, que a ·recusa generalizada da Psi: S. Nota do l l'llllulor. Ponto extrem:.~mente deliGado na d~,c~r de Aithú~. .P.areccmc importante observar que ele está chamando a atenção para ''uma nova·S ' fctença ' i en~re. F~ud e Marx~. E é essa diferença q ue afastará. de uma vez por todal, · -~se ldcnt•fic:t~r. por e:c:cmplo, o imaginário segundo Lacan c o mesmo segundo Alt liseer. Qua~to a C!ISliS questões do sujeito, do indivíduo c da ideologia, podcr·so-• -~ltar. com •ntcrc:sse, tanto o ar tigo anterior - "Freud c Lacan" ~quanto "ldcoloaia c a("~ r~ ~h~ id~ológ-icos de l;.onado ... sobretudo a parte referente à ideologia (A propósitCI dll 1drolog1a ).

canálise por parte dos filósofos (ou a revisão a que a s.u~metem , _c~m o· fim de destruir sOas pretensões), inclusive pelos materialistas _?t•r~tst~s. que se refugiam, com demasiada freqüência, numa con~o o~~olo­ gica da tese leninista da consciência-reflexo, pelos mMicos, pst~ólo­ gos, moralistas e outros, não :St deve unicamnrtt a um ant~gontsm.o ideológico de: massa embora. a nível de massas, esse antago~tsm.? SCJB inevitável. Parece ~r preciso acrescentar uma nova determt!'laçao e~­ pccffica a esse antagonismo, pa~a explicar seu aspecto_ p~ópno ou. ~Ja uma determinação que tenha a ver com uma caractenstlca ~o objetoinconsciente como tal. Esse elemento supleme~tar se rc:.fere ~ n~tureza do inconsciente, que é recalcat'!eli~o. (refoulement) , Se tsso. e .~erda~e. não é arriscado afirmar que os mdtvtduos não suportam a t.de•a ~o. Inconsciente apenas por razões de caráter exclusivamente tdeolog•co, · mas . . . porque eles mesmos tê~ um in.cotu_,citnlt, o q~a! automaticamente. por .meio de uma compulsao de repeJiça? ( ~~ednho­ /ungszwanl), a idéia da existência d~.inconscientc::T~o md•~!duo desenvolve, ússim, ..esponta nebf!u a exJStencJa do tnconsciente. ·sustentou, além disso, que o pstqutsm? -~tava es\ruturado sobrc. 0 modelo da unidade centraáJJ numa conscJ~ncta : mas estrutura-

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do como uni "aparelho''' que compona "sls.tcmas diferentes", irredutíveis a um principio único. Na primeira "tóplea" (figura no espaço), .~se aparelho comp~ndo o inconsciente, o prkonsciente e o consCiente, além de uma Instância, ·correapondc a uma "censura·~ que recalca para o inconsciente, o que representa pulsõcs insuportáveis para o pré-conscie~te e o consciente. Ná segunda tópica, esse ·aparelho .compreende o td, o ego e o superego, e o que as&eJura o recalq\le é uma parte do _ego e o superego. :es~ aparel,ho não l u~a unldtldt c~iltraila, ma5 um conjunto de anstãn_c•_as constttufdas pelo JOIO do rocalque inconsciente. ·A aparição do su~e1to, o d~t!._tra~cnto do aparelho psfquico com relação ao· ~nscaente e ao ego sãO&Jmult4neos a uma teoria ~o ego revolucionána: o ego, que antes era unicamente o·reino da consciencia convenese, ele mesm?, em p~rte, em inconsciente, pane interessada ~o conflito ~o recalque m~~sc!ent~ pelo qual se constituem as instâncias. E jx>r '55? ~ue &: consc1enC1a é tncapu de ver a "diferença dos sistemas" em ·cuJo 1nteno~ nada mais ê- ienio um sistcnfa entre outros. cujo conj~rito está submcttd'? à ~inâmlca conflituosa do rccalcamento. · . Tor~a-se 1nevrtável pensar, com a devida distância,;na revolução tnt;oduzrda por Marx quando este renunciou ao mito ideológico burgues seg.u~do.o qual a natureza ~a soci_edade seria um todo único e rent~ado, para passar toda formaçao soc1al como um sistema de instânCias sem c~ntro. Freud,_que apenas conhecia Marx, pénsava, como este, seu objeto (~mbora nada tivesse em comum com o dele) por meio d~ figura espac1al de uma''tópica" (recorde-se o Prefãao à Contribuif~o de I !:!59), e de uma tópica sem centto,.em que as diversas instâncias . n~o possuem ou~ra unidade senão a unidade de seu funcioru~mento con- · .fl~tuo.w no que rre~d denomina "o apa~lho psíquico", terrrio este (aparelho) _que lambem nos f'!z pensar drscretamente em Marx. Subhnho a semelhança dessas afinidades teóricas entre Marx e . Fre~~ par~ faze~ \ler até !ue ponto·essa alteração dasfomuu de pénsar tradtCJonaJs e a mtroduçao de formas de pensar revolucionárias (tópi~•.apar~lho, ~nstâncias conflituosas sem nenhum centro, ilusão necessana d.a ldentJdade do ego, ele.) poderiam tanto indicar a presença de um_obJe~o d~ncertante, o inconsciente, como chocar-sec-.om a ideologta CUJ? camr~ho fechavam e com o recalcamento que prov~vam. . Partm~o d1sso, podemos tentar definir negativamente ·a posição do mconscaente freudiano. . O ín_consciente freudiano fu pane do pfquito, o que o impede de· ser 1dent1ficado, como uma corrente materialista mecanicista tende ·a f~ê-1~, com o não-psíquico, ou 'com um efeito. derivado do .nio-. psJqul.co. Por isso•. o inconsciente freudiaao qAo é nem uma realidade ~ate11al (~rpo, cerebro, o biológico, o psicdjlsiológico), nem uma realidade soc:1al (as relações sociais defmidas por Marx eomo detenninan-

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tes dos indivfduos, independenlemen(~ de sua conJciéncia) distinta da "consciência" e, portanto, do psiquismo, mas que produza ou determine a conselência a.pesar de si. Não~ que Freud negasse a exis~ncia de uma rebção entre o inconsciente, de um lado, e o biológico e o social, de outro. Toda a vida psfquica está montada sobre o biológico, graças às pul.rõe.ç (Tríebe), a que Freud considera como tepresentantes enviados pelo somático ao interior do psíquico. Mediante esse conceito de representação, Freud ll1anifesta seu reconhecimento biológico da pulsão (que, no fundo, sempre é sexual), mas, mediante esse mesmo conceito, libera a pu.lsão do desejo inconsciente de todii forma de determinação essencial pelo biológico: a pulsão é "um conceito limite entre o somático e o psíquico".(G.W., V, 67), conceito limite que é, ao . mesmo tempo, o con~ito desse limite, ou seja, da di/etetWa entre o somático e o psíquico. Não é, tampouco, que Freud negasse a exis~ncia de uma relação entre o sistema das instâncias do ego e a realidade objetiva ou social, cujo rasto pode ser visto não. somente no princípio de. realidade, mas também no sistema per~pção-conscimcia e no superego. Mas também nesse caso, por sua insistencia em f.,.Iar da superflcie exterru~ do aparelho· psfquico, Freud marca. de. novo, um limite: o. apoio no .mundo exterior e social designa uma diferença de realiclatle e,. ao mesmo tempo, seu reconhecimento e sua identificação. · · · Não resta a menor dúvida de que, para Freud~ os fenômenos originados pelo aparelho psiquico, e; em especial, os efeitos do incons-ciente não constit1,1em uma verdadeira realidade, mas uma realidade. sui gene ris: "Deve-se reconhecer uma realidade nos desejos inconscientes? Não saberia responder a isso., .. Quando alguém se encontra fren- · te a desejos inconscie~tes que chegaram à sua última~ mais verdadeira expressão. vê-se forçado a dizer que a realidade psfquica é uma fonna particul4r de existência fUI! não devemos confundir com a realidade materia(". (G. W., II~IU, 625). Ou, ainda: ..P.ara os processos inconscientes, a prova da realiá:aile (objetiva, materiál) não tem nenhuma valida-· de, a realidade do pensamento equivale à realidade exterior, o desejo. equivale à sua consecução ... portanto, que ninguém se deixe enganar.. nunca, transferindo o valor de· realidade para as formações psiquicas recalcadas ..,. Devemos usar a moeda vigente no pais que explorani9S" (Sobre os dois princípios da atividade 'psíquica) • · Pesignando essa.realidade sui generis. única em seu aa.tero. o in-. consciente freudiano não tem, evidentemente, nada tm comum com o inconsciente da tradição filosófica: o esquecimento platônico, o indiscernível de Leibniz ou o avesso da co'nscienciade si he,eliana, uma vez que esse inconsciente é sempre um acidente ou uma modalidade da consciência; é a consciência da.verda~ reco/H'rta pelo esquecimento do corpo, mas que permanece como tal neue esquecimento (Platlo), o in~ finitesimal da consciência demasiadame~te pequena para aer com~. 91

preendida (Leibniz) ou a ~.:ou.":iência presente em si no em-sif para-si da consciência de si, antes de descobrir-se no novo para-si da consciência de si (Hegel). foda essa tradição filosófica considera a consciência como a vérdade de suas formas incons(ientes, ·ou seja, considera o inconsciente com()· consciincia desconhecida. O destino da filosofia é, então, "pôr dç lado" esse desconhecimento, a fim de que a verdade seja descoberta~ Desse ponto de vista sintomátiCo e limitado, podemos di~er que, em Freud, a consciência não é nunca a verdade de suas formas inconscientes, a começar porque a relação da consciênçia com.as formas inconscientes não é uma relação de propriedade (suas formas), o que equivale a dizer: a consciência não é o sujeito do inconsciente tese que pode verificar-se no tratamento, durante o qual, apesar do que já se disse sobre isso, a consciência não se apossa de novo de sua 1Wclode através de seu inconsciente. mas o que faz é contribuir parà reordenar o dispositivo fantasmátíco num inconsciente submetido ao trabalho (Durcharbeit) da análise. Para terminar, gostaria de.insistir em um último aspecto. O inconsciente freLtdiano não é tampouco uma estrutura (psiquica) nãoconsâenrt que a Psicologia reconstruiria a partir dos estereótipos o u do caráter genérico das condutas de um individuo, como se: estas fossem algo como sua pré-montagem inconsciente. Na ·França, houve uma interpretação desse tipo com Merlcau-Ponty, o quaJ/ia Freud sob a dupla influência da psicologia do comportamento (behaviorismo) e da filosofia do transcendental concreto de Husserl. Merleau-Ponty tendia a pensar essa estrutura do comporta~Mnto como um a prwri t?-nltpredicativo, que determinaria o sentido e a figura das condutas no aquém de sua consciência.tética. Buscava, através dessa slntese, ou estruturá antepredicativa, um meio para chegar até o inconsciente freudiano. Semelha~tes teori~ poderiam tomar ·corpo sem recorrer explicitamente a Husserl, mas não poderiam pl'C8cindir da psicologia do comportamento, ou. mais sutilmente, da psicologia de P. Janet; embora aquela estivesse .baseada numa gênese materialista dos estereótipos da estrutura das oondutas. . Acredito que, do ponto de vista freudiano, cabe fazer duas criticas diferentes a essa tentativa. A primeira é que essa teoria do inconsCiente como montagem das condutas não questiona o que, como jã vimos, é o·n úclco da ideologia p&icológicá: a ideologia da unidade do su-. jeito. considerado como ·sujeito de suas condutas e de seus atos (o rato de que se possa fazer, eventualmente, abstração da coosci~cia não afeta esse prinéfpio de 1111idade). A segurida é que essa tentátiva não muda de túreno ~m relaçio ao da Psioologia: ncohu, sob a forma de unia reafidade ·a que chama tncotUci~nte, a eatrutura .das con~utas conscientes ou nio. Pouco importa que esse recobrimento seja transcendental, empfrico ou genético; o que encontra se parece mais com o 92

não-consciente de que ralávamos do que com o inconsciente freudiano. E não deve equivocar-se quanto ao inconsc:iente. Recordemos as pala~· vras de Freud: .. Devemos usar" a moed;l vtgente no pais que e~~lQra.mos.., e não outra. Dezembro de 1976. .

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