Apostila De Astrologia

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Astrologia Apostila de iniciação

Nota Preliminar O presente trabalho é constituído – na sua quase totalidade – de trechos recolhidos das apostilas do Curso de Astrocaracterologia, ministrado pelo professor Olavo de Carvalho nos anos de 90 a 92, de que participei ativamente como aluno e que desde então passei a lecionar, inclusive a pedido do próprio professor. Ao longo dos cursos, fui percebendo o quanto a imagem pública da astrologia era, de fato, péssima - o que acabava impedindo a compreensão da seriedade dos nossos estudos, fruto de anos de debate e de pesquisa, bem como um diálogo maduro e honesto com profissionais de outras áreas e ciências. Como antevejo a importância dos estudos astrológicos no desenvolvimento do ser humano e, por sua vez, da sociedade, e como preocupo em dar continuidade à série de discussões esclarecedoras lançadas pelo professor Olavo de Carvalho, faço, de suas palavras - e das palavras trocadas com colegas de pesquisa - as minhas, e tento rearranjar todo esse imenso material discutido por nós de uma maneira, digamos, “mais econômica”, sabendo que ao agir assim, corro o risco de macular a qualidade da obra original e de me descobrir traído por este sentimento de urgência que, entretanto, me lança na tarefa de divulgar e disseminar toda a bagagem que a mim foi transmitida, esperando sinceramente que, por maior que seja a escuridão e as trevas, sempre haja alguém que insista em transportar a luz.

Capítulo 1 – A Astrologia no contexto da Antigüidade O Sistema das Artes Liberais

A antiga divisão do universo num desenvolvimento objetivo no espaço e no tempo, por um lado, e numa alma que reflete esse desenvolvimento, por outro, já não serve para ponto de partida caso se queira compreender as ciências modernas da natureza. É, antes de tudo, a rede de interligações entre o homem e a natureza o objetivo central da ciência. Werner Heisenberg

Para o homem moderno é inconcebível sequer levar em consideração a possibilidade de que haja alguma relação entre os astros celestes e a psique humana. Afinal, isto que é chamado de “pura e remota possibilidade” é considerado - pelo homem moderno - como um grande devaneio de apelo saudosista e nostálgico, determinado pela crença corrente de que aquilo que é antigo, pertencente a tempos remotos, já está e sempre estará ultrapassado, visto a evolução a que chegamos. Entretanto, se assim o fosse, de nada adiantaria a experiência e o conhecimento já conquistados pela geração dos nossos antepassados e, desse modo, teríamos sempre que começar do zero, correndo o risco de cometer então os mesmos erros que eles inclusive já cometeram por nós - tal como a criança que, insistentemente, leva choque ao colocar o dedo na tomada, apesar das advertências do papai. Por isto, antes mesmo de criticar a astrologia dizendo que ela é uma ciência antiga que já caiu em desuso, deveríamos rever as nossas noções de “novo”, “velho” e, sobretudo, de “progresso” – ainda mais quando se trata do progresso e da evolução do conhecimento. Afinal, o “novo” não pode significar, unica e exclusivamente, a derrota e a destruição de algo que perdeu a sua validade e que, por isso, se tornou obsoleto, ultrapassado e “velho”. Ao contrário: um conhecimento dito “novo” também ocorre quando está firmemente ancorado no que de melhor o passado já edificou e quando se torna o melhor prolongamento daquelas pedras angulares que pavimentaram o solo onde pode se erguer toda uma cultura. Ou seja: o novo não é somente uma derrota do velho é também a melhor continuidade do velho. O novo, no melhor das vezes, é uma releitura que expressa uma síntese mais profunda e mais sucinta das sucessivas máscaras com que os fatos foram se apresentando ao longo do tempo e que tornaram o conhecimento tão confuso e difícil. Por isso, um conhecido dito “novo” – e que possa ser considerado autêntico – deve na maior parte das vezes abarcar a imensa massa incompreensível dos fatos, apresentando-a sob uma ótica clara e compreensível, dando-lhe uma luz e um polimento até então inexistentes. Avaliando o progresso e a evolução do conhecimento sob esse ângulo (1), talvez seja possível compreender a idéia e o valor que estão embutidos na palavra “tradição”, usada inclusive para qualificar um certo grupo de conhecimentos do passado da nossa civilização e a maneira como ele era transmitido e ensinado. A esse conhecimento era dado o nome de Ciência Tradicional. Para compreendê-lo perfeitamente, devemos nos lembrar que a palavra “tradição”, etimologicamente, significa transmissão. E que ele procurava transmitir certas noções de uma maneira em que nunca se perdesse a visão do

conjunto – ou de uma maneira em que um novo campo de conhecimento pudesse ser abarcado pelo quê de mais sólido foi construído por outras disciplinas, tal como um tijolo que, de unidade a unidade, vai compondo uma casa. Aliás, o Pensamento ou a Ciência dita Tradicional caracteriza-se sobretudo por esta noção: de uma unidade essencial que determina uma hierarquia e uma ordem que abarca todos os fatos existentes, propondo uma interpretação do homem e do universo de uma maneira em que todos os fatos caóticos e dispersos se encaixem, encontrem o seu devido lugar e a sua devida explicação e façam sentido, eliminando assim o absurdo e a incoerência que geralmente abala e espanta a nossa inteligência. Neste contexto, não deveria nos espantar o fato de que a astrologia tenha sido a disciplina que coroava o sistema de conhecimentos tradicionais chamado de Artes Liberais, e que pode ser visto como um grandioso sistema pedagógico que, de disciplina em disciplina, se propunha a levar o indivíduo a elaborar a totalidade da experiência de uma maneira em que ela se tornasse compreensível. Na história da cultura ocidental esse sistema existiu, quase sem interrupções, desde a antigüidade até a idade média, se tornando o berço e a fonte de onde nasceram quase todos os conhecimentos mais significativos da nossa cultura, tal como resumimos no quadro que se segue: AS ARTES LIBERAIS ciências do trivium Gramática: disciplina que levava o indivíduo a perceber a base material em que se constrói o discurso e que lhe dá um corpo ( como, por exemplo, no estudo dos sons das palavras e - ainda em algumas culturas - da imagem das letras), demonstrando dessa maneira o elo existente entre a dimensão física e a dimensão lingüística e simbólica. Lógica: disciplina que levava o indivíduo a perceber uma certa exigência que move forçosamente o raciocínio numa direção específica, impulsionado pela necessidade de desenvolver uma síntese cada vez mais abrangente dos fatos e que lhe coloca na condição de participar, em níveis e graus variados, de um plano superior, demonstrando dessa maneira o elo existente entre a dimensão cognitiva e a dimensão metafísica, isto é, entre a inteligência individual e uma certa inteligência universal, o Logos. Retórica: disciplina que levava o indivíduo a perceber que há diversas e variadas maneiras de causar uma comoção e uma reflexão no outro, estimulando-o a participar também da experiência do conhecimento, se deparando, assim, com o fato de que a dimensão metafísica deve ser apreendida por cada inteligência em particular, demonstrando dessa maneira o elo existente entre a inteligência particular e a alheia. AS ARTES LIBERAIS ciências do quadrivium Aritmética: disciplina que levava o indivíduo a perceber não tão somente o número pela sua característica quantitativa visto que, para que as coisas sejam várias e possam ser contadas, elas têm que ser necessariamente uma, isto é, ter unidade, revelando então o caráter essencial e substancial das coisas existentes, a sua estrutura elementar, demonstrando que tudo é o que é por possuir uma “misteriosa” força de unidade e integridade que faz com que as coisas se apresentem e sejam desta maneira - e não de outra. A aritmética era, antes de tudo, um estudo das identidades.

Geometria: disciplina que levava o indivíduo a perceber como as unidades se distribuem ao longo do espaço e o ocupam, demonstrando que as idéias de proporção (da dimensão espacial) bem como as de perspectiva (da direção espacial) eram desenvolvidas com o fim de estabelecer o equilíbrio e a harmonia espacial. Música: disciplina que levava o indivíduo a perceber como as unidades se manifestam ao longo do tempo, isto é, o compasso de duração típico de cada coisa, revelando o ritmo sob o qual tudo se desenvolve, demonstrando que as idéias de melodia e ressonância eram desenvolvidas com o fim de estabelecer o equilíbrio e a harmonia temporal. Astrologia: disciplina que levava o indivíduo a perceber o laço existente entre as três noções anteriormente apreendidas, isto é, entre a noção de unidade, espaço e tempo, demonstrando que cada coisa, por ser o que é, se desenvolve ao longo de um tempo e ocupa um certo lugar que lhe são muito peculiares, revelando assim os laços e as relações existentes entre a estrutura elementar particular (o microcosmo) e a estrutura universal (o macrocosmo), permitindo descobrir a unidade dentro da diversidade, a ordem dentro do caos - tudo com o fim de estabelecer, digamos, o equilíbrio e a harmonia existencial. A astrologia era a disciplina que se ocupava com o estudo do significado do céu, enquanto a astronomia tratava somente do aspecto físico e descritivo deste mesmo céu, sem o seu conteúdo simbólico. A astrologia era, antes de tudo, um estudo astronômico sobre o sentido e o significado de como todas as coisas estão arranjadas. A astrologia, pois, não passava de uma astronomia significativa. (2) Desse modo, podemos perceber que as Artes Liberais não compunham um simples agregado casual de disciplinas, nem mesmo uma combinação engenhosa de elementos díspares juntados tão somente em vista do desenvolvimento pedagógico a que se propunham. As Artes Liberais compunham um sistema, uma unidade dotada de coesão intrínseca, por mais que historicamente esta unidade se mantivesse velada e não fosse abordada textualmente de maneira explícita, e por mais que o conteúdo de uma disciplina nem sempre demonstrasse claramente a correlação existente com as outras, visto que, ora e meia, uma disciplina se tornava mais valorizada do que as demais, fazendo com que os laços existentes entre elas se tornassem mais tênues. No entanto, tão íntimos e inextricáveis eram estes laços que se poderia dizer, sem exagero, que constituíam uma só ciência estudada sob sete aspectos diferentes, se tornando representativa não tão somente em cada uma de suas partes isoladas como também na estrutura do seu conjunto. Podemos perceber também uma coisa muito mais interessante: no contexto das Artes Liberais, o conhecimento da linguagem (representado pelas disciplinas do trivium) antepunha-se ao conhecimento das coisas existentes (representado pelas disciplinas do quadrivium), estipulando uma seqüência ordenada que fazia da linguagem e das letras a introdução necessária para o conhecimento da realidade e da natureza. O que nos parece, pelo menos, sensato: afinal, se não conhecemos o instrumento que nos torna possível o conhecimento - a inteligência - como poderíamos nos certificar dos seus resultados quando ela penetrasse nos domínios da natureza? Vemos, assim, que as disciplinas do trivium e do quadrivium pontuam uma diferença de planos existente entre a dimensão cognitiva individual e a dimensão do real - bem como

uma diferença de plano muito mais complexa existente entre estas dimensões para com uma outra dimensão: a metafísica ou sobrenatural(3). A passagem de uma destas dimensões para a outra equivaleria a um salto de planos que pode ser encarado como uma verdadeira transcendência, a ser realizada pelo indivíduo humano. A divisão das Artes Liberais em trivium e quadrivium expressa, pois, uma distinção de planos: 1. de um lado, as estruturas e as leis da cognição individual; 2. de outro, as estruturas e as leis da natureza sensível; 3. e, para além destas dimensões, as Estruturas e as Leis Maiores nas quais estas se fundamentam e encontram um sentido, revelando os “laços de correspondências” que as igualam e as unem e que dissolvem todas as diferenças existentes. É claro que a relação entre estas não é direta e explícita e só pode ser mediada pelo ser humano. Este é, afinal, o sentido presente em qualquer cosmovisão tradicional. Na cosmovisão grega, por exemplo(4), reconhecemos as seguintes dimensões: 1. Ethos, correspondendo ao mundo humano de indecisão e liberdade relativa; 2. Physis, correspondendo à ordem repetitiva e mecânica da natureza sensível; 3. Logos, correspondendo à esfera absoluta dos princípios metafísicos. Com isto, reencontramos dois temas que tradicionalmente se repetem no meio astrológico, muito embora esvaziado do seu verdadeiro significado: o do Homem como mediador entre o Céu e a Terra, e o das correspondências entre ditos “planos superiores e inferiores”. Somente considerando o conhecimento e a cosmovisão tradicionais é que conseguiremos compreender que a ciência da natureza não estava voltada fundamentalmente para o aspecto sensível das coisas mas, sim, que cumpria a tarefa de levar o homem desde o conhecimento sensível até a esfera dos supremos princípios metafísicos. O conhecimento da natureza valia sobretudo pelas suas reverberações simbólicas, pelo vislumbre que podia dar de um plano superior, isto é, de uma dimensão metafísica ou sobrenatural. A totalidade da natureza sideral configurava uma zona de indeterminação e era considerada como um mundo intermediário, área de transição entre :

Outra coisa a se observar: na estrutura das Artes Liberais, o domínio da linguagem e do pensamento era representado por 3 disciplinas, enquanto que o domínio das coisas e da realidade era representado por 4 disciplinas - e 3 x 4 = 12. Doze eram, portanto, as “possibilidades” entre a palavra e a coisa, entre o fenômeno e o significado do fenômeno, entre a realidade sensível e a inteligível. A astrologia, assim, não era mais do que um mapeamento e uma sistematização dessa atividade de mediação que é própria do homem em estabelecer a conexão entre a realidade sensível e certos princípios metafísicos. Notas 1- que não corresponde de forma alguma à perspectiva continuísta e descontinuísta com que a Filosofia da Ciência tenta interpretar a evolução dos fatos pois, para a primeira, o desenvolvimento do saber científico ocorreria em termos lineares e contínuos, sem interrupções, sem crises, sendo pois cumulativa, estando aberta aos conceitos de influência, atmosfera, tradição e precursores, enquanto que para a segunda o desenvolvimento do saber científico ocorreria através de mutações, envolvendo períodos críticos e revolucionários e fases de normalização, jamais acumulando valores do período anterior e sempre rompendo com os mesmos. No entanto, o que a Filosofia da Ciência deveria considerar é que o conhecimento pode progredir e evoluir de ambas as maneiras, isto é, de maneira contínua mas não propriamente linear, ou seja, progredindo através de análises e acréscimos que lhe dariam, digamos, um ritmo ascensional, determinando uma alteração de conceitos e valores que não rejeitaria os da época precedentes visto que estes estariam sendo apenas revistos e reinterpretados sob uma ótica mais abrangente e universalizante. 2- durante a Idade Média, os termos astronomia e astrologia eram empregados indiferentemente para designar a mesma disciplina, muito embora já possuíssem conteúdos distintos e passassem a ser estudadas separadamente logo depois. Isidoro de Sevilha (560-635) foi o primeiro a empregar a distinção moderna entre os dois termos nas suas Etymologiae. Para entender o significado que cada uma dessas disciplinas tinha, devemos lembrar que o sufixo “nomos” se reporta às regras e as leis que regulam os fatos ou fenômenos enquanto o sufixo “logos” se reporta a razão ou ao princípio supremo que a tudo engloba e dá sentido - de onde se subentende que a astronomia era a ciência que estudava as leis que regulam os astros, enquanto a astrologia era a ciência que estudava o sentido e o significado maior do arranjo dos mesmos. 3- termos aqui utilizados para expressar uma mesma idéia, visto que ambos se referem a um plano que esteja para além do plano físico ou natural 4- essa divisão ternária se mantém presente em toda e qualquer cosmovisão reconhecidamente tradicional e, por nomes diferentes, expressam as mesmas noções: na cosmovisão taoísta, reconhecemos as dimensões de Ti (Terra), Jen (Homem) e Tien (Céu); na cristã, as dimensões de Natura, Homo e Deus; na idade média, Corpo, Alma e Espírito

Faculdades Cognitivas Para completar, foi pelo fim de sua existência - séc. XIII - que todo o conhecimento reconhecidamente tradicional deu mostras do longo e proveitoso amadurecimento por que atravessou e que, como uma árvore que atinge o seu objetivo ao desenvolver frutos, deixou-nos como legado dois estudos importantíssimos que, desde já, se tornam indispensáveis para compreender a concepção que se tinha da inserção do homem dentro do cosmos – e também para vislumbrar quais teriam sido os critérios com que se realizava uma interpretação astrológica. O primeiro estudo se refere aos tratados do escolástico Alberto Magno (1260) sobre o funcionamento da alma humana que, segundo este, se dava e se articulava em sete funções distintas (chamadas de faculdades cognitivas) que descreviam os modos com que o indivíduo percebia, sentia e lidava com as circunstâncias ao seu redor. O segundo estudo se refere aos tratados do filósofo árabe Mohieddin Ibn’Arabi (1230) que associava certas “potências da alma” a alguns planetas celestes. É claro que não podemos fazer vistas grossas a recente contribuição dada pela psicologia da cognição que, durante toda a sua existência, contribuiu muito para esclarecer as atribuições de cada uma dessas faculdades, revelando o papel de cada uma na integração da personalidade do indivíduo. O quadro de correspondência abaixo tenta ilustrar todo esse conhecimento que assim pode ser resumido e sintetizado: Astros celestes

Faculdades cognitivas

SOL

INTUIÇÃO percepção imediata que o sujeito tem de determinado dado tão logo este se apresente

LUA

SENTIMENTO alteração emocional – ora agradável, ora desagradável - que o dado provoca no sujeito

MERCÚRIO

PENSAMENTO associação que o sujeito faz do dado com outros dados já conhecidos

VÊNUS

FANTASIA imaginação das infinitas possibilidades que o dado permite e oferece, vislumbradas pelo sujeito

MARTE

ESTIMATIVA reação instintiva que o sujeito tem perante o poder de ação do dado

JÚPITER

VONTADE expressão da liberdade que o sujeito se dá perante o dado, moldandoo de acordo com sua vontade

SATURNO

RAZÃO formulação de regras e leis que o sujeito constrói a partir dos dados obtidos pelas demais faculdades, e com as quais compõe o seu entendimento de mundo

Diante, pois, deste modelo proposto pelas Artes Liberais e pelas Ciências Tradicionais percebemos, espantados, o quanto que o entendimento - seja lá do que for - para o homem moderno corre o risco de se esvanecer e nunca se estruturar, visto a incapacidade da cultura atual em desenvolver seus conhecimentos de uma maneira integrada - o que só seria possível se tivesse conservado na memória a intuição viva do que significou esse universo intelectual e espiritual, onde todas as coisas faziam sentido. Mas, somente agora, em pleno século XX, que alguns desses tratados foram reencontrados (graças aos estudos de antropologia, simbologia e religião comparada), devolvendo então à mente contemporânea um vislumbre do que poderia ter sido esse sistema unificador, essa unidade do conhecimento que coordenava e promovia, de uma só vez, o desenvolvimento científico, artístico e ético do ser humano. Uma lição, desde já, poderíamos tirar desse patrimônio greco-medieval: há a necessidade de estabelecer uma “relação” entre princípios absolutos e atemporais e a atualidade dos fatos. Aliás, esta é a prerrogativa da ciência moderna que tenta estudar os fatos à luz de princípios - muito embora se esqueça do contexto em que se situa a sua proposta e, por isso mesmo, fica rodopiando em falso, imersa e presa nos fatos. Deveríamos, pois, tentar ver além dos fatos e dos fenômenos. Esse talvez seja o método: ao adotá-lo não fazemos senão seguir o preceito tradicional de tentar unir - como é missão do Homem - o Céu e a Terra, o universal e o particular, o eterno e o provisório. Esta parece ser a lei fundamental de todo o conhecimento que se compõe: 1. de princípios, por um lado; 2. de fatos e fenômenos, por outro; 3. e do misterioso enlace na inteligência humana.

A cosmo visão Tradicional e a cosmo visão Moderna Resta-nos, no entanto, entender os motivos pelos quais todo este patrimônio intelectual e espiritual foi se tornando esquecido e obsoleto, impedindo, inclusive, que a astrologia pudesse ser compreendida em toda a sua extensão. Mas tal entendimento exigiria por si só quase que um ensaio à parte (5), onde se demonstraria os inúmeros fatores que estavam em jogo neste momento e que concorreram para uma mudança definitiva na maneira como o homem encarava o mundo. Aqui, no entanto, nos limitaremos a apontar um ou outro fator que, ao longo do tempo, contribuiu para que esta mudança ocorresse, muito embora tenhamos que explicar a natureza desta mudança e como ela se processou. E isto porque esta mudança não implicou numa progressiva revisão crítica de todo o conhecimento já conquistado mas, sim, numa súbita alteração que pode ser vista como uma verdadeira ruptura. Aliás, para a Filosofia da Ciência este momento é chamado de “ruptura epistemológica”(6), e é o termo usado para designar uma época em que houve um salto repentino de uma determinada cosmovisão para outra, sem qualquer

elaboração mais sofisticada do quadro de valores e conceitos das épocas anteriores, de modo que as contradições ainda existentes pudessem ser esclarecidas e propiciar um novo avanço do conhecimento, colocando-o sob novo patamar. Na realidade, não houve um verdadeiro avanço ou progresso do conhecimento já existente: houve uma nova maneira de conhecer as coisas e de se encarar o mundo. Através desta nova ótica, já não se considerava a dimensão metafísica ou sobrenatural como a dimensão necessária que dava a cada coisa o seu sentido e o seu valor. A partir deste momento, é retirado do horizonte intelectual humano a perspectiva de uma explicação mais transcendente e universalizante visto que o homem mergulha totalmente no mundo dos fatos e dos fenômenos e passa a acreditar que tudo pode ser explicado por este prisma, através do qual todas as coisas revelam somente o seu aspecto efêmero e transitório. Com o advento da Renascença pelo século XVI, o homem se outorga um lugar no trono dos fatos e da natureza de onde pretenderá governá-los ao longo dos séculos vindouros, eliminando definitivamente tudo aquilo que pudesse lhe ser superior, já que ele, o homem, é quem se torna o Rei Supremo e Absoluto. A partir da Renascença já se processa a “morte a Deus”, mesmo que somente séculos mais tarde viessem a decretar e assinar seu atestado de óbito (7). Durante este período se realiza a passagem de um conhecimento que era fundamentado sobre a noção de ordem, de analogia e de sentido para um conhecimento que procura se fundamentar cada vez mais sobre a noção de realidade e de objetividade. É a partir deste momento que a cosmovisão deixa de ter uma estrutura ternária (Natureza-Homem-Deus) e tenta ficar em pé somente sobre uma estrutura binária, permitindo o desenvolvimento desintegrado das disciplinas do Homem e da Natureza que se tornaram, ao longo do tempo, duas correntes completamente antagônicas e que no século XVII serão oficialmente separadas com a abertura das faculdades parisienses de Letras e Ciências (8). Mas... quais foram os fatos que de alguma maneira contribuíram para que uma mudança como esta ocorresse? Dentre vários, é pelo menos necessário mencionar que o obscurecimento progressivo da dimensão metafísica e sobrenatural foi historicamente consolidado:

. pela bula papal de Frei Inocêncio III (séc. XIII) que dá solução final a luta contra os gnósticos, decretando que a busca de Deus no íntimo do indivíduo e por iniciativa do indivíduo é pura heresia, e que somente dentro e através da Igreja Católica o Homem pode alcançar o conhecimento transcendente. Dessa maneira, fixam-se os limites da ciência profana que fica encarregada de investigar somente o mundo material, acumulando dados sobre o reino objetivo - sem questionar o sentido que, estando na esfera do espírito, passa a ser monopólio do clero católico e daquilo que passou a se chamar a ciência sagrada;

. pela desenvolvimento inflacionado da retórica que acabou suplantando e desprestigiando a lógica, tão corrente na Idade Média. Aliás, é pela Renascença que a aristocracia começa a formar o seu próprio quadro de intelectuais que passaria a se expressar através da língua natal recém instituída, estimulando assim o pendor de filosofar literariamente, preferindo as palavras às idéias. Isto ocorreu de tal maneira que a atmosfera intelectual reinante já não era a da “seca terminologia técnica” exigida pela lógica e pela dialética escolástica mas, sim, a da conversação amena e elegante,

recheada de floreios. Desse modo, o abandono da dialética em favor da retórica se tornou uma mudança decisiva de mentalidade: afinal, os argumentos já não valiam mais pela sua demonstração exaustiva mas pelo seu encanto persuasivo. Há, assim, uma queda de nível do discurso. A grave conseqüência disto é que se perde a confiança no poder cognitivo do discurso lógico e dialético em conhecer a realidade. No entanto, o que caracteriza a mente preparada e letrada é compreender que, se partir de uma premissa real e se raciocinar corretamente, a conclusão do raciocínio será tão verdadeira quanto à premissa. Essa transferência da veracidade da premissa à conclusão é a grande conquista da educação porque é isto que permite que o sujeito saiba de muitas coisas sem necessitar da experiência pessoal;

. pela famosa revolução científica proporcionada por Galileu no século XVI que começou por operar com realidades mentalmente construídas (com modelos) e que, com o tempo, acabou voltando as costas para o real manifesto a ponto de subjugá-lo e desmerecê-lo até substitui-lo definitivamente por equações matemáticas, por esquemas de relações meramente possíveis, tomando-os como se fossem a realidade mesma, isto é, mais reais do que a própria realidade fenomênica. Tal proposta significou a ruptura decisiva entre a lógica formal (as relações entre idéias e juízos) e a lógica material (relação entre a lógica formal e as coisas efetivamente conhecidas), proporcionando um desenvolvimento até mesmo extraordinário do primeiro, muito embora instaurasse um verdadeiro divórcio entre ambas e decretasse por fim o desvario da razão. Diante da falência da lógica e da razão, perde-se a noção do que seja “raciocinar corretamente”. Aliás, desenvolve-se com o passar dos séculos a idéia de que as relações lógicas sejam unica e exclusivamente “fenômenos da mente” - um estilo de pensar que reduz tudo a um mero psicologismo e que toma de certo prestígio os meios universitários e científicos, visto inclusive a hostilidade irracional que aí são desenvolvidas contra a idéia dos princípios universais – situação que é muito bem colocada séculos mais tarde por Edmund Husserl, no século XX (9)

. pelas observações feitas no século XV por Nicolau de Cusa sobre a semelhança existente entre a infinitude cósmica e espacial e a infinitude de Deus, muito embora reconhecesse que somente Deus era, de fato, infinito e que o universo era apenas interminado, isto é, sem limites definidos, não sendo terminado em seus constituintes, faltando-lhe completamente precisão e determinação rigorosas. Por causa desta aparente semelhança, e pelo fato da razão humana se mostrar impotente para equacionar tanto a infinitude espacial quanto a divina, acreditou que a natureza espacial só se tornaria conhecida plenamente se o indivíduo lançasse mão do ato cognitivo supremo reservado para conhecer Deus e somente a Deus, a que deu o nome de douta ignorância, e que permitia ao filósofo captar intuitivamente o que a razão não abarcava. Com isso, o conhecimento da natureza foi elevado ao estatuto de mistério e a intuição foi rebaixada de função, sem que o resultado obtido fosse melhor do que aquele que já se obtinha por via racional. Afinal, focando a intuição na natureza, que mais poderíamos obter senão a prova cada vez mais absoluta e certa da medida relativa e incerta das coisas, de sua transitoriedade e precariedade? Desse modo, o ser humano desenvolveu o ofuscamento da inteligência perante a complexidade cósmica. Este ofuscamento provocou a distorção - funcional e conceitual – da mais nobre faculdade humana, que passava a se encarregar da tarefa inglória de se certificar daquilo que, por si só, é de natureza incerta, provisória, inexata e cambiante. Pode-se duvidar da sensatez desse empreendimento mas é certo que esse foi o caminho seguido pela evolução da ciência moderna. A filosofia de

Nicolau contribuiu, mesmo que involuntariamente, para o advento de uma ciência amputada da sua raiz metafísica.

. pela mudança de pensamento ocorrida em torno do ano de 1700 e que foi muito bem observada pelo grande historiador do Historicismo, Friedrich Meinecke (1936), quando se processa uma ruptura do pensamento europeu com o universo abstratista dos gregos, cuja visão da natureza humana como uma essência fixa e imutável permanecera dominante apesar de todas as mutações espirituais ocorridas na Idade Média. A partir deste momento, têm-se a visão do universo como um processo vivente, dinâmico, e a intuição da personalidade humana e dos fatos como um processo que se desenvolve e se cria no tempo. Para este historiador, o Conde de Shaftesbury (1671-1713), Leibniz (1646-1716) e até mesmo Giambattista Vico (1668-1744) fundam um novo cogito: a base dos conhecimentos humanos não estaria mais numa estrutura absoluta, abstrata e universal e, sim, na maneira como as coisas concretamente se desenrolam e se processam através do tempo. Com isto, muda-se o foco da atenção humana que procurava, antes, vislumbrar o essencial mas que, agora, se deleitava com o concreto e existencial. Aliás, inverte-se mesmo o significado tradicional do conceito essência: antes, designava uma unidade estrutural que representava o princípio interno da diferenciação do ser, da sua singularidade, sendo como que o algoritmo de todas as transformações pelas quais este ser passa; depois, passou a designar as características mais específicas e mais particularizantes deste ser, isto é, como ele materialmente e temporalmente se apresenta e que o tornam único e irrepetível. No entanto, o pior desta mudança conceitual é que ela abala a confiança na imutabilidade e universalidade da natureza humana visto que, se o indivíduo não tinha uma natureza dada mas era o resultado de um processo, então sujeito ativo da vida social já não era o homem e, sim, a sociedade. Com isto, o indivíduo passa a ser visto como um sinal algébrico vazio cujo valor será determinado pelo resultado de uma equação social, dada a superioridade ontológica desta sobre aquele. A sociedade passava assim a condição de substância real – mais real do que os indivíduos que a compõe. Desse modo, já não há mais ser, nem universo, nem homem e nem coisa nenhuma: a única realidade é o próprio acontecer – a história. Esses fatos, bem como outros, foram capitais para que uma mudança de mentalidade ocorresse, o que promoveu uma visão e uma análise do mundo bem diferenciadas das épocas anteriores. Com isto, alterou-se também o corpo de conceitos e valores da cultura - e que precisam ser relembrados, sob pena de se criar um impasse cada vez maior que afastará a astrologia de toda e qualquer compreensão. Notas 5- o que inclusive já foi feito pelo próprio Olavo de Carvalho no livro O JARDIM DAS AFLIÇÕES, em especial nos capítulos a Divinização do Tempo e a Divinização do Espaço, e qualquer outra tentativa de se falar sobre o assunto seria como que “chover no molhado” 6- corte que marca o advento do saber científico no domínio das ciências naturais e que estabelece uma profunda separação entre o pensamento antigo e medieval e o moderno. Para Gaston Bachelard, este é o momento em que ocorre a emergência mesma do saber científico e que exprime a transformação radical de um problema pré-científico em uma

questão científica, tratando-se pois de um ato de fundação de uma ciência, a partir do qual todas as tentativas de retorno a noções que prevaleciam antes são eliminadas. No entanto, este corte se deu única e exclusivamente no domínio da física, jamais contemplando e abarcando as suas possíveis relações com o domínio metafísico e humano, tal como era considerado pela cultura do período anterior. 7- pelo fim do século XIX, Friedrich Nietzsche proclamou: “Deus está morto”. 8- Vide as seguintes obras: AS PALAVRAS E AS COISAS, de Michel Foucault – Editora Martins Fontes - 1992, TWO CULTURES, de Charles Percy Snow – Editora Edusp - 1995 9- vide a sua conferência que foi transformada num pequeno e maravilhoso livro intitulado A CRISE DA HUMANIDADE EUROPÉIA E A FILOSOFIA, onde se indaga sobre o porquê do fracasso das ciências, perguntando-se pela origem dessa crise e redescrevendo a trajetória da razão ocidental.

Capítulo II – A Astrologia e alguns de seus impasses A noção de essência e de existência "Se lançarmos de novo um olhar sobre todo o discurso astrológico de “analogia”, “conformidade”, “correspondência” e “correlação” entre o plano superior dos astros e o plano inferior, representado pelos destinos terrenos, não poderemos deixar de constatar de que em tais termos se misturam com freqüência exagerada elementos genericamente conhecidos e elementos especificamente astrológicos - elementos que convencem a todos e elementos altamente controversos. E no seu uso impensado se ocultam diferenças importantes por debaixo de fórmulas sofisticadas e sugestivas. Cada vez que se usam tais palavras cabe indagar de que tipo de analogia se está falando. Um diálogo significativo entre concepções antagônicas se sustenta com tais esclarecimentos; adoece quando insistimos em manter a polivalência das palavras." Siegfried Böhringer

Para entender melhor aquilo que os astrólogos chamam de essência de um ser humano, seria interessante que recorrêssemos a certas noções filosóficas, tais como as Categorias Aristotélicas(10), onde se tentou formular os diversos níveis de propriedades com que um ser (11) se caracteriza e se apresenta, sendo portanto todos os seres compreendidos por qualquer uma dessas categorias, desses “níveis”, a saber: Categoria

nível de propriedade

se refere ao que é próprio de um ser e de nenhum outro, às suas características mais essenciais e, sem as quais, este ser seria inconcebível pois ele não existiria, sendo impossível a este ser se apresentar Substância de uma outra forma que não esta com (12) que ele necessariamente se apresenta, e sendo essa impossibilidade uma necessidade inerente da sua natureza e não algo imposto - a não ser que se diga que é algo imposto e ditado pela sua própria natureza

descrição exemplo: gato - aquele que encarna tudo aquilo que sabemos ser a verdadeira noção da “gatidade”, isto é, de um animal mamífero, carnívoro, da família dos felídeos, digitígrados, de unhas retráteis, domesticado pelo homem desde tempo remotos, e usado comumente para combate aos ratos

qualidade

se refere às propriedades sensíveis do - aquele cuja pelagem ora é ser, às características físicas com que ele branca, ora preta, ora castanha, pode se apresentar e se manifestar ora malhada, lisa ou curta e etc...

ação

se refere às ações específicas que um

- aquele que caça ratos

determinado ser pode cometer paixão

se refere às ações específicas que um determinado ser pode sofrer

relação

se refere às relações específicas que um - aquele que participa da vida determinado ser pode manter doméstica do ser humano

- aquele que é caçado por cães

São, ao todo, 10 categorias(13), e as cinco acima expostas já servem para demonstrar a preocupação aristotélica em distinguir e verificar qual o nível de propriedade está em questão quando se diz que um ser tem determinada característica: é uma propriedade do nível da qualidade, da ação – ou da própria substância? E isto porque, seja qual for a propriedade que você esteja dando e predicando a um ser ou a um objeto, há de se distinguir os predicados que lhe sejam substanciais e que traduzem as suas características mais essenciais, sendo que todos os outros lhe seriam subordinados, em maior ou menor grau. Para Aristóteles, a substância era o nível de propriedade suprema pois somente ela podia dar conta de uma descrição essencial e de retratar aquilo que um ser é, por mais difícil que fosse realizar verbalmente tal descriçãoi (14). No entanto, o que cumpre salientar é a noção que Aristóteles formula sobre os acidentes de uma substância, isto é, sobre as características que porventura esse ser toma quando ele assume uma existência e se manifesta, sendo estas características nem sempre essenciais e, na maior parte das vezes, contingentes, provisórias, a encargo do tempo e suas mudanças, refletindo então as diversas maneiras com que um mesmo ser pode existir e se apresentar. Para este filósofo, o acidente “é aquilo que pode pertencer a uma só e mesma coisa, qualquer que ela seja; assim, por exemplo, estar sentado pode pertencer ou não a um mesmo ser determinado, e também branco, pois nada impede que a mesma coisa seja branca ou não branca(15)”. O acidente “é aquilo que pertence a um ser e que pode ser afirmado dele em verdade, mas não sendo por isso nem necessário nem constante (16)”. A noção de acidente contrapõe, pois, a de substância visto que, se a substância expressa o que o ser é, os acidentes expressam tudo aquilo que pode ou não acontecer a este ser desde que ele tenha se manifestado e passado a existir. O acidental distingue-se por isso do essencial. Distingue-se também do necessário, de tal modo que o acidente é fortuito e contingente, podendo existir ou não existir, enquanto o necessário expressa uma condição que não pode ser de outro modo e que, por conseguinte, só existe deste modo. Aliás, a palavra necessário, etimologicamente, vem do original nec cedo, significando tudo aquilo que não cede e permanece constante. Percebemos, assim, que há uma distinção entre substância e acidente da mesma maneira que existe entre essência e existência - sendo a essência uma coisa enquanto a existência é totalmente outra. Por isso, se o horóscopo é de fato um instrumento capaz de retratar uma essência humana, seria necessário que o astrólogo tivesse noção de tal distinção, para que não predicasse o indivíduo com características que não lhe são próprias e essenciais e, sim, circunstanciais. A dificuldade de entender tal noção de essência ocorre porque, atualmente, só temos a noção do que um ser é pela matéria de que ele é composto, isto é, pelas suas propriedades sensíveis, se esquecendo de que, para que qualquer ser se manifeste, ele vai ter que se manifestar de uma forma e não de outra, sendo esta forma expressa por

uma exigência de unidade e de integração que lhe é própria e, por isso mesmo, diferente da de qualquer outro ser, tendo pois cada ser uma forma de se individualizar e de se distinguir dos demais, sendo uno e íntegro de uma forma específica e expressando a sua individualidade de uma forma que lhe é inerente e particular. Aliás, a noção de unidade sempre ocupou a mente do homem antigo. Para este, sempre houve um misterioso nexo de unidade que coere e dá uma forma específica a tudo que existe e se manifesta, sendo tal unidade a expressão maior de uma necessidade fundamental que cada ser tem para ser o que é. Desse modo, todo ser tem uma forma uma necessidade - que lhe é própria, e esta forma fundamental e necessária é o retrato e a expressão da sua essência. Por isso, há certas características nos seres que não são acidentais e, sim, formais (essenciais), visto que cada ser é o que é e só pode se manifestar se cumprir determinadas exigências. A essência expressa, pois, a condição básica e necessária para que qualquer coisa seja e, em termos humanos, é a forma mais fundamental que cada individualidade se arroga e toma. Desse modo, só conhecemos um ser humano - na sua essência - na medida em que reconhecemos ou percebemos as características que são necessárias a sua coesão e unidade, isto é, que são exigidas pela sua identidade. É como diz Christoph Sigwart(17): “A essência é a unidade de um ente na medida que reivindica para este ente a necessidade de certas propriedades”. Percebemos, assim, que as coisas são o que são justamente porque há uma necessidade imperiosa que faz com que assim elas sejam e não por haverem outras causas intervenientes, de natureza física ou histórica. Afinal, há causas suficientes para que uma maçã apodreça, havendo somente uma única causa para que ela seja mesmo o que é - uma maçã - e não um hipopótamo: a sua exigência formal e estrutural, que é, no máximo, uma causa de natureza ontológica (18). Aliás, se não houvesse esta causa formal determinando que os seres sejam de determinada maneira, eles tomariam aleatoriamente formas variadas, de modo que seria possível a um ser tomar provisoriamente uma forma e depois outra e, assim, de maçã chegar a hipopótamo - o que nunca ocorre. É essa impossibilidade lógica e concreta que faz com que os seres sejam tal como são, distinguíveis e reconhecíveis, com identidade própria - com status ontológico, como diria um bom filósofo - pois têm uma forma que lhes é própria e inerente. É claro que há as causas eficientes, responsáveis por determinado efeito ou conseqüência esperada - mas há a causa formal, responsável para que uma coisa seja o que ela é. Aristóteles inclusive impôs um requisito adicional às interpretações científicas, exigindo que uma explicação adequada de um processo deveria especificar todos os quatro aspectos da causação. Esses quatro aspectos são os que distinguimos abaixo e, à titulo de exemplo, analisaremos a mudança de cor da pele do camaleão à medida que se desloca numa árvore: 1

Causa formal = corresponde ao ser em que este processo ocorre e se dá, e que tem características que lhe são próprias e que já exigem que o processo se dê uma forma e não de outra. Descrever a causa formal é especificar o ser no qual o processo a ser analisado se dá, e que delimita de antemão a análise e o estudo, corrigindo eventuais

erros. Afinal, há uma diferença substancial entre a mudança de cor da pele do camaleão e da pele do homem: no primeiro, é um sinal de normalidade; no segundo, é um sinal de anormalidade. 2

Causa material = corresponde a substância contida na pele, que sofre a mudança de cor.

3

Causa eficiente = corresponde à transição da folha para o ramo, transição esta acompanhada por uma mudança de luz refletida e uma variação química correspondente na pele do camaleão.

4

Causa final = corresponde ao final do processo, ou melhor, a sua finalidade, que é a do camaleão escapar à detecção pelos seus predadores.

Somente uma diferenciação como esta consegue nos demonstrar que, para que qualquer coisa exercesse uma ação sobre outra, necessariamente teria que ser algo antes pois, se não chegasse a ser nada, se não fosse nada, como poderia então causar ou sofrer uma ação? Seria impossível. É necessário, pois, que o ser que sofra uma ação qualquer seja algo, justamente para que possa sofrer de tal ação. E este algo característico de que se constitui um ser é determinado por um causa de natureza formal e jamais de natureza eficiente ou material, como costumamos pensar (19). Por isso que Aristóteles disse que as categorias da ação e da paixão estão condicionadas às da substância: a ação e a paixão de um ser dependem da sua essência, do que ele é. Desse modo, não apenas as nossas ações estão delimitadas por aquilo que somos como também as nossas paixões, ou seja, aquilo de que só nós podemos padecer e sofrer. O que possibilita a descrição de um ser em suas características essenciais é justamente essa diferenciação que se dá entre o que, no indivíduo, é formal e essencial e o que, nele, é acidental e circunstancial. É possível, pois, falar de um ser, descrevê-lo em sua essência, desde que saibamos: 1.distinguir as coisas em essência e em existência; 2.discernir a exigência formal de cada coisa, que lhe dá unidade e identidade próprias. Tarefa extremamente árdua e complexa e que nos parece óbvia e enfadonha mas que, se não for executada, jamais permitirá realizar aquilo que a astrologia ao longo dos séculos disse ser capaz: diagnosticar o que é típico e essencial em um ser humano. Notas 10- recomendo, em particular, a obra de Mário Ferreira dos Santos DAS CATEGORIAS, onde se analisa a obra aristotélica em que estas noções são apresentadas: o ORGANON 11- deveria estar usando aqui o termo filosoficamente correto: ente. Entretanto, para facilitar a compreensão do leitor no assunto abordado, preferi usar o termo ser para designar uma coisa, um objeto, um fenômeno – inclusive um ser. A distinção entre ente e ser é tão importante que foi tema de vários debates filosóficos.

12- substância = sub + stare = aquilo que está por debaixo das coisas e as sustenta 13- substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, situação ou posição, posse ou condição, ação e paixão 14- para Aristóteles, a despeito desta dificuldade, era facultado ao homem a capacidade de perceber intuitivamente os princípios gerais dos fenômenos e esta faculdade expressava uma certa visão interior. Traduzia a capacidade de ver o que era “essencial” nos dados da experiência sensorial. Esta capacidade seria análoga aquela “visão” típica de um taxonomista. Taxonomista é um cientista que aprende a “ver” os atributos genéricos e as differentiae de um espécime. De certo modo, ele “vê mais” do que um observador destreinado. Ele sabe o que deve olhar. Aliás, o próprio Aristóteles foi um taxonomista de grande êxito, que se propôs classificar umas 540 espécies biológicas. 15- em TÓPICOS, obra do autor. 16- em METAFÍSICA, obra do autor. 17- em LOGIC, de Christoph Sigwart – Editora Thoemmes - 1995 18- ontologia = estudo do ser, daquilo em que consiste o ser em si. 19- as causas eficiente e material são as causas com as quais a ciência moderna se limita a trabalhar e operar. Aristóteles inclusive já havia criticado os filósofos que procuraram explicar um processo exclusivamente em termos de causas materiais e eficientes. Criticou também os filósofos pitagóricos que acreditavam explicar um processo quando encontravam uma relação matemática que o exemplificasse. Para ele, a abordagem pitagórica sofria da preocupação exclusiva com as causas formais, por mais que reconhecesse a importância das relações numéricas e geométricas no conhecimento da física.

Os fatores de emergência e predisponência Reconhecemos que são por demais complexas as relações que se estabelecem entre o que, num ser, é uma propriedade formal e essencial e o que, nele, é somente uma propriedade acidental e circunstancial. No entanto, tal complexidade é muito bem analisada (20) e exposta quando Mário Ferreira dos Santos, filósofo brasileiro, formula as noções de predisponência e emergência que, desde já, mostram-se também indispensáveis para o bom discernimento daquilo que vem sendo chamado de essência individual.

Como vimos, todo ser é o que é justamente por ser, digamos, uma “fusão” de propriedades que lhe são formais e estruturais e outras que lhe são circunstanciais e materiais. Porém, de tudo aquilo que ele concretamente é, há certos aspectos sem os quais ele não poderia ser o que é e nem existir, e outros que poderiam variar sem que no entanto ele deixasse de ser o que é. Desse modo, tudo aquilo que num ser é absolutamente essencial para que ele seja o que é denomina-se emergente; é, em suma, o que vem à existência juntamente com o ser porque, se não viesse desse modo, este ser simplesmente não poderia se manifestar, e não existiria. Contudo, há outros aspectos no ser que, mesmo não fazendo parte intrínseca dele, mesmo não precisando estar incondicionalmente nele, são necessários também para que o ser exista e, sem os quais, os aspectos emergentes não poderiam se manifestar, sendo estes os aspectos denominados predisponentes. Aliás, é conveniente lembrar que predispor quer dizer “aquilo que está de antemão arranjado, disposto ou ordenado para que algo seja e se torne possível”, e isto para que possamos compreender que diversos fatores predisponentes podem proporcionar a emergência de um mesmo ser, o mesmo fator emergente: afinal, existem muitas maneiras de fazer com que uma mesma coisa ocorra. Desse modo, o fator predisponente pode variar mas o emergente não, e isto porque o fator emergente é a própria coisa. A complexidade que tal abordagem oferece é que as vezes é praticamente impossível saber onde termina a emergência e onde começa a predisponência. A relação do emergente e do predisponente é, pois, muito mais íntima do que parece. Sabemos, entretanto, que a influência externa que um ser pode sofrer - a paixão - é proporcional a sua forma interna e que, da mesma maneira, a emergência limita a predisponência. Mas ocorre também o contrário, ou melhor: para que um ser surja e apareça, é necessário haver alguma predisposição para tal; do contrário, nada poderia se manifestar, ocorrer e existir. Desse modo, a emergência, para se manifestar, depende de uma condição que a predisponha, sendo porém esta condição múltipla e variada e não essencial, e isto porque, se fosse essencial, seria a própria emergência. Isto significa que jamais a emergência e a predisponência vão estar separadas e que a identidade concreta de um ser resulta em parte da sua emergência e em parte da sua predisponência, e isto de tal modo que a predisponência jamais se torna alheia à emergência. Os fatores predisponentes atuam, pois, proporcionalmente à natureza do ser, a sua essência, proporcionando à determinada emergência sua manifestação. É por tais raciocínios que podemos, então, admitir que: 1. as propriedades que um ser vai adquirindo ao longo da sua existência não podem - e não conseguem - jamais revogar a sua forma, aquilo que ele é, havendo pois uma fusão entre os fatores que predispuseram a emergência desta forma e a forma mesma; 2. a forma do ser jamais vai emergir e se manifestar de maneira, digamos, pura, mas somente através de elementos que a predispuseram aparecer e que, aos poucos, foram se somando uns aos outros, criando laços complexos entre o que, num ser, é emergente e predisponente - laços porém discerníveis. Todas estas observações refletem um aprofundamento – rico em detalhes – da visão e

do raciocínio de Aristóteles, visto que o ser, para ele, é fruto de uma união entre matéria e forma, sendo que: matéria = é aquilo que transforma o particular em indivíduo único. forma = é aquilo que transforma o particular em membro de uma classe de coisas semelhantes. Desse modo, especificar a “forma” de um particular é especificar as propriedades que ele compartilha com outros particulares. E todas estas observações se fazem necessárias para compreendermos que um ser em particular jamais poderá ser compreendido como “pura forma”, visto que esta é igual a de qualquer outro ser da mesma espécie. Afinal, dois seres diferentes não têm igualdade numérica, mas podem ter, sim, igualdade específica visto que, pela perspectiva da espécie, a forma seria a mesma para ambos, podendo então ser distinguidos apenas materialmente. Por isso, se o mapa astrológico retrata uma essência, e se a essência revela uma forma que deve ser compartilhada por todos da mesma espécie, surge uma pergunta: como seria possível deduzir características tão individualizantes de uma estrutura tão essencial como a de uma mapa astrológico? De duas, uma: ou a essência que uma mapa astrológico traduz não é a essência tal como concebida por Aristóteles, ou o ser humano seria o único ser que comportaria um grau de diferenciação a mais de espécie - o que determinaria suas inúmeras variedades. Talvez o ser humano seja isto: o único ser que se diferencia bem mais além do que é exigido pela forma da sua espécie visto que, se de fato é o único ser em vias de realização, ele se diferenciaria justamente por cada membro da espécie procurar tal realização a sua maneira, prefigurando aquela famosa observação de Goethe: “o exemplar perfeito de uma espécie já não está mais nesta espécie – ele funda uma espécie”. Mas isto já é passar do território da filosofia para a poesia sem fechar o assunto e sem encontrar nenhuma conclusão. E isto porque talvez o assunto seja muito espinhoso e difícil – prova suficiente de que a dita essência humana impõe muito mais dificuldades de avaliação do que qualquer astrólogo atual imagina. Notas 20- em FILOSOFIA E HISTÓRIA DA CULTURA, do próprio autor.

A Complexa Noção de Cidadania Cósmica Vemos, assim, como é extremamente complexa e delicada a tarefa de discernir o que, num ser, é interno e externo, ou seja, o que lhe é próprio e o que foi adquirido do meio tão logo tenha passado a viver e existir. Por isso é que, se pretendemos empreender um

estudo na área de astrologia, dizendo que determinada característica é a essência do indivíduo, isto é, que ela é própria e inerente do indivíduo e jamais adquirida, esbarraremos com um gravíssimo problema, visto que não há a possibilidade de apontar um único traço ou qualidade do indivíduo que, de certo modo, não dependa do meio externo, embora haja traços externos que são - como Mário Ferreira formulou - a própria expressão de um ser e de sua identidade. O conceito (21) de essência que é usado na astrologia exige, pois, que isolemos o indivíduo somente na sua emergência, sendo sua essência aquilo que ele é independentemente do meio circunstancial, do qual entretanto depende para se manifestar e existir. Desse modo, só conseguiríamos formular uma descrição essencial e pura do indivíduo se estabelecêssemos uma espécie de predisponência, digamos, vazia, ou melhor: se estabelecêssemos ao menos uma total indiferença ao meio sóciohistórico-familiar, considerando o indivíduo apenas em face ao meio terrestre e celeste que é justamente o meio que a astrologia leva em consideração. Aliás, nem conseguiríamos estabelecer um meio que fosse ao mesmo tempo tão genérico e real quanto este, e isto porque só este meio consegue reunir, em si, as características de tal generalidade e realidade. Sendo assim, se fosse possível formular uma espécie de tipologia de caráter puro e essencial, certamente ela teria que ser de predisponência astronômica, isto é, ela teria necessariamente que considerar o ser humano apenas em referência ao universo cósmico - o que revelaria que esta tipologia pura e essencial, para se fazer, necessita de um meio que é propriamente astrológico, e que a astrologia não é nada mais e nada menos do que esta tipologia pura e essencial. É por isso que, caso não seja possível o discernimento da emergência de um ser, jamais será possível erguer esse conhecimento que chamam de astrologia. Afinal, parece que a única tipologia essencial possível é de natureza astrológica - e que a astrologia é a única tipologia propriamente pura. Isto significa também que se a emergência pura de um indivíduo - a sua essência - está necessariamente ligada a uma predisponência astronômica, a única predisponência com a qual a essência de um indivíduo pode manter relação é a sua condição espaço-sideral, ou seja, o tempo e lugar em que passou a existir e se manifestar - que são, precisamente, os dois fatores (22) com que o astrólogo trabalha ao confeccionar um horóscopo. Desse modo, o indivíduo passa a ser visto como um indivíduo puro e considerado como uma espécie de “cidadão cósmico”, isto é, como cidadão de um universo físico e geral - que é, em suma, o indivíduo de que a astrologia, há séculos, vem tentando falar. Notas 21- o conceito é uma coisa e a forma pura ou essencial - a qual ele se refere - é outra. A forma é expressa por um conceito - ela não é o conceito. O conceito nos o inventamos; a forma, não. O conceito é apenas a descrição das condições mínimas que este ser necessita para que ele seja ele mesmo. O conceito não esgota a essência. A atividade conceitual chega apenas ao ponto de distinguir uma essência de todas as outras. O conceito delimita o ser de maneira que possamos diferenciá-lo dos demais seres. Desse modo, a forma não é meramente “negativa”, isto é, não é somente a diferença de um ser dos demais mas é o que faz com que ele seja o que realmente é. O conceito - que é a tradução da forma - se limita a assinalar a diferença entre um ser e os outros, sendo esta

distinção suficiente para que saibamos do que se trata. Notem, entretanto, que esta diferença não basta para constituir positivamente um ser: afinal, para que um ser seja, não basta que ele seja discernível ou diferente dos demais. 22- não devemos nos esquecer que, para a Física, uma unidade (identidade) é também reconhecida justamente por haver a impossibilidade de “dois corpos ocuparem o mesmo espaço ao mesmo tempo”, sendo então o tempo e o espaço dois fatores capazes de discernir um ente.

A Arte Astrológica a Caminho de uma Ciência Astrológica O verdadeiro intuito da astrologia, ao longo dos tempos, foi sempre o de captar esta essência individual; empreendimento extremamente difícil e que, na maioria dos casos, se revelou fracassado. Afinal, por não conseguirmos discernir e expressar tal essência com clareza e precisão, sempre recorremos ao expediente de retratá-la de maneira metafórica e alegórica. A rigor, só tivemos até hoje uma arte astrológica que, mesmo conseguindo captar intuitivamente esta diferença individual, sempre encontrou dificuldades para descrever o indivíduo puro em face ao meio astronômico, lhe predicando características e propriedades que não lhe pertencem propriamente e que são, sim, do seu meio - lhe são circunstanciais. Desse modo, enquanto a mente humana não dispuser de conceitos claros e precisos para empreender uma tal descrição, ela continuará apelando para descrições alegóricas e artísticas, que são belas, magnéticas e, por isso mesmo, persuasivas - mas que deixam dúvidas com relação à sua veracidade. A astrologia tem uma raiz metafísica por um lado e, por outro, uma raiz empírica, estando pela sua própria natureza colocada numa linha de demarcação entre uma coisa e outra - daí resultando a enorme complexidade que sua investigação impõe. Por isso que a astrologia sempre foi uma forma de conhecimento considerada nobre por um lado e, por outro, uma grande palhaçada, visto que, pela grandiosidade da sua intenção e do seu objeto ela se mostra nobre, mas pelo seu estudo e desenvolvimento concreto, ela se revela uma lástima. Desse modo, a astrologia ora é vista como rainha e, ora, como prostituta, tomando e perdendo tais status à medida que o homem vai formulando e reformulando a noção da envergadura do próprio fenômeno humano que, desde já, nos parece impossível de ser compreendido apenas por uma única via, isto é, por uma única forma de conhecimento, exigindo pois a convergência de vários e criando, assim, um perfil mais integral do que seja o Homem. Ademais, toda forma de conhecimento teve a sua fase simbólica e se desenvolveu depois: é o que ocorrerá, um dia, com a astrologia, demarcando então um importante avanço dentro do quadro dos conhecimentos humanos, pois ela acabará demonstrando os laços complexos que sempre existiram entre as ciências naturais e humanas. Aliás, todo constrangimento e dificuldade que a astrologia sempre impôs à mente humana reside no fato dela ter como hipótese central a relação de correspondência existente entre o cosmos e os fatos terrestres, como se tudo o que acontecesse aqui na Terra dependesse, de alguma maneira até então inexplicável, da estrutura cósmica, supondo então que o lugar da espécie dentro do universo não seja nada gratuito. Dentro deste

contexto, o Homem passa a ser visto como uma “ponte” entre tudo aquilo que o tempo impõe e tudo aquilo que o espaço encerra. A astrologia supõe então um lugar muito especial para o ser humano: o de interventor e mediador entre o céu e a terra, ou seja, entre uma dimensão absoluta e uma dimensão onde tudo é efêmero. Na antigüidade, este era o retrato do homem, ou seja, o que procurava fazer tudo de acordo com o tempo. Na atualidade, ele tenta fazer de tudo no seu espaço, não considerando o momento, se tornando então joguete de uma história que já não mais manobra e na qual se afunda e se encerra. Não é à toa que se reclama sobre o sentido da vida - ela não tem mais sentido algum. Não há sequer um único sentido ou direção que possamos tomar, tampouco princípios que assegurem uma correta avaliação da situação, ou valores aos quais a raça humana possa se devotar. É como se todos os princípios intitulados de “humanos” houvessem caídos ou sido esquecidos. E pior: quem estabeleceu essa condição na qual nos encontramos foi o próprio ser humano. Notas 1- que não corresponde de forma alguma à perspectiva continuísta e descontinuísta com que a Filosofia da Ciência tenta interpretar a evolução dos fatos pois, para a primeira, o desenvolvimento do saber científico ocorreria em termos lineares e contínuos, sem interrupções, sem crises, sendo pois cumulativa, estando aberta aos conceitos de influência, atmosfera, tradição e precursores, enquanto que para a segunda o desenvolvimento do saber científico ocorreria através de mutações, envolvendo períodos críticos e revolucionários e fases de normalização, jamais acumulando valores do período anterior e sempre rompendo com os mesmos. No entanto, o que a Filosofia da Ciência deveria considerar é que o conhecimento pode progredir e evoluir de ambas as maneiras, isto é, de maneira contínua mas não propriamente linear, ou seja, progredindo através de análises e acréscimos que lhe dariam, digamos, um ritmo ascensional, determinando uma alteração de conceitos e valores que não rejeitaria os da época precedentes visto que estes estariam sendo apenas revistos e reinterpretados sob uma ótica mais abrangente e universalizante. 2- durante a Idade Média, os termos astronomia e astrologia eram empregados indiferentemente para designar a mesma disciplina, muito embora já possuíssem conteúdos distintos e passassem a ser estudadas separadamente logo depois. Isidoro de Sevilha (560-635) foi o primeiro a empregar a distinção moderna entre os dois termos nas suas Etymologiae. Para entender o significado que cada uma dessas disciplinas tinha, devemos lembrar que o sufixo “nomos” se reporta às regras e as leis que regulam os fatos ou fenômenos enquanto o sufixo “logos” se reporta a razão ou ao princípio supremo que a tudo engloba e dá sentido - de onde se subentende que a astronomia era a ciência que estudava as leis que regulam os astros, enquanto a astrologia era a ciência que estudava o sentido e o significado maior do arranjo dos mesmos. 3- termos aqui utilizados para expressar uma mesma idéia, visto que ambos se referem a um plano que esteja para além do plano físico ou natural 4- essa divisão ternária se mantém presente em toda e qualquer cosmovisão reconhecidamente tradicional e, por nomes diferentes, expressam as mesmas noções: na

cosmovisão taoísta, reconhecemos as dimensões de Ti (Terra), Jen (Homem) e Tien (Céu); na cristã, as dimensões de Natura, Homo e Deus; na idade média, Corpo, Alma e Espírito

Capítulo III – Noções Astrológicas

Astrologia e céu "Deus inventou e nos deu a visão para que, contemplando as revoluções celestes, pudéssemos aplicá-las sobre as revoluções dos nossos pensamentos que, apesar de desordenadas, são parentes das revoluções imperturbáveis do céu, dos movimentos periódicos e regulares da inteligência divina. Desse modo, ao estudar a fundo os movimentos celestes e exercer a retidão natural do raciocínio, estaríamos imitando os movimentos absolutamente invariáveis da divindade, ordenando através destes os nossos próprios pensamentos que, deixados a si mesmos, estão sujeitos à aberração." Platão

O ser humano sempre nutriu um grande terror de confirmar que há algo mesmo no céu que determina - seja em que grau for - os fatos aqui na Terra, visto que para ele tal confirmação certamente eliminaria por definitivo a sua possibilidade de livre decidir. O que é um grande absurdo: o Homem sempre pôde decidir contra ou a favor do que quisesse, por maior que fossem os obstáculos e por menos que soubesse avaliar a própria situação. O Homem sempre pode dizer sim ou não, pagando um preço por contrariar e negar aquilo que lhe impõe alguma resistência e se mostra real. Desse modo, o Homem pode até agir contra si mesmo, se quiser, contrariando seus valores e o que julga fundamental. Mas pode agir a favor - e a sua liberdade não fica de maneira nenhuma limitada por ter que agir a favor da própria natureza. Aliás, é assim que ela se expressa, com todo o seu poder (23). Ademais, são estes valores pessoais que, ao longo da história, vão se consolidando e se mostrando como os mais dignos da própria espécie, e que sempre norteiam o indivíduo no sentido de definir qual o melhor caminho a tomar. Aliás, foi justamente o fato de alguns homens terem devotado a própria vida a alguns princípios e personificado alguns valores que fez com que o rumo da história fosse mudado, para o bem ou para o mal. Isto nos faz crer que, se há algo que possa nortear a conduta tão duvidosa dos homens, este algo se refere exatamente aos princípios ditos humanos, por mais que estes, de pessoa a pessoa, sejam variáveis. Afinal, há pessoas que fazem a vida, por exemplo, totalmente voltadas para si mesmas, para a auto-estima, para o respeito próprio, enquanto há pessoas que são completamente voltadas para o outro, para o convívio mútuo. Mas, de qualquer forma, tanto o respeito próprio quanto o convívio mútuo são princípios humanos fundamentais, dos quais uma ou outra pessoa se investe para se orientar e construir a própria vida. São princípios com que a pessoa se identifica e dos quais não consegue abrir mão - o que, se fosse feito, significaria a destruição total da

sua identidade. Aliás, ela nem mesmo concebe que a vida possa ser levada de outra forma. Cada ser humano, pois, se espelha - ou procura se espelhar - em determinado princípio que tem como fundamental para si mesmo. E isto, como se sabe, é uma questão de natureza psicológica. O que devemos nos lembrar, entretanto, é que o céu sempre foi a instância para onde o Homem mirou a sua atenção para se orientar em pleno mar, tanto quanto para constatar determinado período favorável às plantações - o que, como se sabe, é uma questão da área das navegações e da agricultura. Entretanto, o céu sempre foi também o lugar de personificações míticas das mais extravagantes, de Deuses que resumiam, em sua própria epopéia, a consagração de determinados valores humanos - o que, por sua vez, é uma questão de natureza simbólica. Poderíamos até nos valer da noção bíblica de que o homem deve procurar ser “a imagem e o reflexo de Deus” para lançar uma hipótese astrológica derradeira: o céu de nascimento de um indivíduo traz a imagem - ou personifica - aquilo que ele pretende ser, ou os valores aos quais dedicará toda a sua vida. Aliás, foi exatamente isto que a pesquisa de Michel Gauquelin (24) deixou entrever: cada personalidade célebre fez da própria vida exatamente aquilo que estava prefigurado no céu no instante do seu nascimento e, por isso, deduzimos que a vida de qualquer indivíduo que persevere na sua realização acaba tomando o desenho e a forma do seu mapa astrológico. É claro que a nossa dedução não está baseada nesta noção bíblica – mesmo que ela seja uma maneira persuasiva de apresentar a situação, como alguns poderão pensar. A nossa dedução está baseada em vários fatores que veremos mais adiante, tanto quanto ao valor e o significado do céu dentro da cosmovisão tradicional, sem os quais qualquer correspondência entre o homem e o espaço sideral se torna incompreensível. Na cosmovisão tradicional, como já expusemos anteriormente, a totalidade da natureza sideral configurava uma zona de indeterminação e era considerada como um mundo intermediário, área de transição entre :

sendo esta a única dimensão que corresponde simultaneamente ao Homem e ao Céu em toda e qualquer cosmovisão tradicional. O Céu estaria, assim, no mesmo plano em que se situa o Homem. Percebemos, assim, que a astrologia aponta para o fato de que os tipos humanos esboçados pelos horóscopos - não são apenas criação e concepção da mente humana

mas, sim, dados que fazem parte intrínseca do real (como uma espécie de simbolismo natural ), não podendo ser pois pura invenção já que estão sendo interpretados. Desse modo, parece que fazemos parte de uma grande estrutura cósmica, como se fôssemos peças inconscientes do grande mecanismo a que pertencemos - o que facilmente nos remete à imagem de um relógio ou de um mecanismo vivo ( um cérebro, por exemplo), que são imagens recorrentes na astrologia. Aliás, o pressuposto mesmo da astrologia é de que o cosmos pensa e pensa humanamente, isto é, como se fosse um homem, tendo pois uma intenção, e de que fazemos parte de um pensamento cósmico e de uma intenção cujo vulto nos escapa, sendo então o mapa astrológico o instrumento que nos permitiria avaliar a ambos.

Astrologia e cosmovisão Por tudo isso que foi exposto, vemos que a astrologia - a ciência da natureza cósmica por excelência - representava o coroamento de um conhecimento integrado. Foi, por isso mesmo, chamada também de mathesis universalis, representando a medida estruturante de todas as coisas e de todos os conhecimentos, o sistema de padrões e critérios em que se estruturava: de um lado, a percepção que cada indivíduo tinha do cosmos; e, de outro, o cosmos propriamente dito em toda a sua diversidade. Somos então forçados - pela tradição - a pelo menos supor que o céu de nascimento de um indivíduo parece demarcar uma certa “percepção natural” com que o ser humano capta e observa tudo que o cerca. Afinal, é a estrutura deste céu que está desenhado e prefigurado num mapa astrológico, demarcando, para cada nascimento, quais as perspectivas e relações que se abrem entre o sujeito nascido e o mundo em torno, formando o campo de visão muito particular de cada um. O mapa natal de um indivíduo seria, assim, um espécie de mapeamento das perspectivas com que ele se nortearia ao longo da sua vida; perspectivas, estas, que se abrem para compreender tudo o que o cerca e que formam a sua visão particular do mundo, isto é, a sua cosmovisão. Dentro deste contexto, um mapa astrológico só poderia ser visto como um mapeamento cognitivo do sujeito, ou seja, daquilo que ele preferentemente presta ou não presta atenção, e isto quando as circunstâncias não exercem pressões que o obrigam a atentar para outras coisas - o que, de fato, quase nunca ocorre. O mapa astrológico seria também um instrumento com o qual se poderia reconhecer as coordenadas de ação que o indivíduo procura tomar ao longo de toda sua vida visto que, se descobrimos quais são as perspectivas que particularmente ele nutre e vislumbra sobre tudo que o cerca, descobriríamos também que ele tentaria traçar o seu caminho da maneira que estas perspectivas lhe indicaram, construindo então o seu destino de um modo e não de outro, ou melhor: conforme a sua própria consciência lhe disse. Mas... que perspectivas fundamentais são estas que os seres humanos podem ter da vida? Quais são os princípios gerais com que cada indivíduo, a sua maneira, vê o mundo e procura se orientar? Se lembrarmos que princípio é “uma relação fundamental apreendida pelo pensamento”, poderíamos dizer que todo e qualquer indivíduo teria uma mentalidade diferenciada que lhe capacitaria apreender o mundo fenomênico sob os seguintes princípios: CASA 1

sob o princípio da identidade

(se mobiliza (25) pela imagem que todos e tudo passa e projeta) CASA 2

sob o princípio da materialidade (se mobiliza pelos recursos disponíveis no real a sustentar o bem-estar)

CASA 3

sob o princípio da comunicabilidade (se mobiliza pelas idéias explicitadas e ainda implícitas)

CASA 4

sob o princípio da interioridade (se mobiliza pelas exigências e pressões emocionais)

CASA 5

sob o princípio da capacidade (se mobiliza pelas coisas que faz e pelo valor-próprio)

CASA 6

sob o princípio organicidade (se mobiliza pelo todo esquematizado e o seu funcionamento equilibrado)

CASA 7

sob o princípio da alteridade (se mobiliza pela reciprocidade e pelos níveis de relacionamento)

CASA 8

sob o princípio da potencialidade (se mobiliza pelo poder de reação e transformação das coisas)

CASA 9

sob o princípio da universalidade (se mobiliza pelos princípios explicativos que fundam certezas)

CASA 10

sob o princípio da sociedade (se mobiliza pelas exigências e pressões sociais)

CASA 11

sob o princípio da prospectividade (se mobiliza pelas perspectivas futuras e pelo projeto a realizar)

CASA 12

sob o princípio da finalidade (se mobiliza por um sentido e um fim para o qual tudo caminha)

Estes seriam, a grosso modo (26), os princípios e os valores cardinais com que o indivíduo se orientaria ao longo da sua vida, tal como uma bússola existencial. É como se o simbolismo natural celeste personificasse e traduzisse certos princípios capazes de resumir toda a dimensão da experiência humana. Afinal, se até mesmo para a Dramaturgia Clássica toda diversidade de enredos pode ser resumida em 3 ou 5 conflitos básicos, porque é que não pode haver um outro sistema ou um outro “código dos conflitos humanos” que resuma a vida em 12 experiências fundamentais? O sistema astrológico seria justamente isso: um sistema de princípios que resumiria a variedade das experiências humanas.

Astrologia e destino Parece que o esquema que está esboçado num mapa astrológico representa um modelo, uma figura pessoal que expressaria ao máximo um certo grupo de possibilidades superiores humanas que pode ou não ser realizada, visto que não há nada neste modelo que possa garantir tal realização. Desse modo, o homem de sucesso seria aquele que personalizaria o seu destino, enquanto o homem comum seria aquele cujo destino o despersonalizaria, exercendo sobre ele tamanhas influências que acabaria levando a vida de uma forma que não lhe é adequada. Afinal, a força dos acontecimentos pode ser muito mais forte do que sua vontade pessoal. Por isso é que o mapa astrológico não é - e não pode ser - a expressão literal de um destino humano. Isso só acontece em casos muito privilegiados, em que o indivíduo: se torna o autor dos acontecimentos, pela força da sua vontade; é auxiliado pelas circunstâncias momentâneas e históricas; é auxiliado pela sorte. Desse modo, entre aquilo que é ditado pela própria natureza e as circunstâncias pode se estabelecer tanto uma zona de atrito como de harmonia, sendo que talvez a má ou boa adaptação dependa também de caraterísticas que já estejam ditadas na própria natureza. Deve-se, portanto, encontrar um encaixe entre as circunstâncias externas e a forma individual interna; deve-se encontrar uma resolução dialética entre o que se é e as circunstâncias, sendo um destino a resultante de ambos fatores. Afinal, a defasagem que se dá entre o que é imposto pela própria natureza e o que é imposto pela circunstância se torna a raiz do sofrimento humano. Por isso que o mapa astrológico não é e não pode ser a expressão literal de um destino humano. Afinal, este é composto não só pela forma individual - que está expressa no horóscopo - mas, também, pelas circunstâncias, que são imprevisíveis e variáveis e que, por isso mesmo, não podem ser deduzidas de uma mapa astrológico. Aliás, a idéia de que o mapa astrológico seja a tradução literal de um destino suprime simplesmente a noção de acidentalidade - que, no entanto, existe. O mapa astrológico não pode ser, portanto, a causa de tudo o que acontece ao indivíduo. O mapa astrocaracterológico pode ser comparado, então, à planta arquitetônica de uma casa: temos a sua estrutura - a parte formal - mas não temos ainda a matéria de que ela será feita, de modo que esta estrutura pode corresponder tanto a uma simples maquete de papel quanto a uma casa de verdade. A matéria de que tal casa será feita - a parte material - depende de inúmeros outros fatores que não estão necessariamente prescritos na planta, sendo estes incalculáveis e imprevistos, e que surgem no transcurso da vida.

Astrologia e caráter Como vimos, o mapa astrológico não descreve o que somos mas, sim, o que pretendemos ser, e isto se nos esforçarmos para tal ou se tivermos, digamos, sorte. Desse modo, o indivíduo que está descrito e esboçado num mapa astrológico é um indivíduo genérico e ideal e não o indivíduo concreto e real. O indivíduo do qual a astrologia fala é, sim, um indivíduo ideal – mas que representa o modelo ou a figura sonhados por alguém, aquilo que é o objeto da sua mais alta aspiração espiritual e afetiva, se tornando assim a síntese de tudo a que se aspira, de toda perfeição que se

vislumbra e pode se conceber. Desse modo, o homem puro que se reflete no mapa astrológico - o homo astrologicus é, queiramos ou não, uma abstração. Uma abstração muito especial, é certo, que parece traduzir não somente aquilo que de emergente e essencial há em todo homem como também o sentido e a direção que se esforça por tomar dentro da múltipla experiência humana. Mas, como toda e qualquer abstração, deve e pode ser tratado como um enfoque-limite, isto é, como um enfoque que abstrai do indivíduo concreto e real aquilo que nele se diz essencial. É assim que percebemos que o homo astrologicus é uma camada do ser humano e não um ser humano concreto e real. Esta camada tem características: 1)como ela traduz o que há de essencial e de emergente num ser humano, refere-se justamente àquilo que há de fixo e imutável numa personalidade, revelando então uma espécie de grade estática por onde qualquer força que passe terá que assumir a forma dela, exigindo inclusive do indivíduo que ele imponha esta forma às circunstâncias; 2)como ela é a menos determinada de todas por qualquer condição efetiva do meio em torno e como ela é a melhor expressão da emergência pura, ela não pode ser alterada em hipótese alguma pelo que venha a lhe acontecer. Isso quer dizer que uma mesma emergência - uma mesma essência - é compatível com uma multidão de predisponências diferentes e possíveis e que, portanto, um determinado horóscopo pode refletir várias personalidades diferentes, e isto conforme as predisponências (as circunstâncias) onde tenha nascido e se inserido (27); 3)como ela expressa o que há de fixo e imutável numa personalidade individual, deixa a entender que deverá haver algo de fixo e imutável na psique para que tal avaliação seja válida. Desse modo, se nada de fixo e imutável houver numa estrutura psicológica individual - e isto para além das tão proclamadas influências familiares e sociais - a avaliação de tal camada (a avaliação astrológica) se torna impossível. Portanto, urge saber se dentre tudo o que foi pesquisado em nome da psicologia humana há alguma referência sobre uma estrutura de base ou sobre uma camada da personalidade que permaneça estável por toda a vida. Encontramos tal referência num estudo chamado Caracterologia, cujo objeto de investigação é chamado de caráter e que é descrito como: a)“um feixe de traços que conferem a um indivíduo uma originalidade natural. O termo engloba, portanto, não só as disposições estáveis e inatas mas também a maneira pela qual o sujeito explora essa base primitiva. O caráter aparece como resultante ou resultado de uma ação sobre um dado suscetível de evoluir” (Roger Gaillat); b)“o núcleo constitucional primitivo do psiquismo humano. É uma estrutura psicofisiológica ao mesmo tempo organizadora e relacional que coloca o indivíduo, de maneira original, em relação constante e dinâmica com o dado existencial”(Roger Gaillat); c)“uma unidade viva, ou a qualidade distintiva essencial de uma alma individual. Afinal, todo homem é dotado de uma alma mas possui, além disso, um espírito, quer

dizer: ele é um eu ou um si. Por isso, num sentido muito específico, o caráter é a qualidade da vontade pessoal, assinalando condições constantes que revelam uma certa direção preferencial de um eu ou de uma consciência - o que determina, portanto, entre outras coisas, as metas às quais alguém se sente impelido” (Ludwig Klages). Sendo assim, e seguindo uma idéia de Henri Wallon, é essa camada da personalidade chamada de caráter que acaba explicando porque é que, na presença das mesmas circunstâncias, dois indivíduos que dispõem da mesma educação familiar, da mesma influência social e até mesmo de capacidades idênticas reagem de modo completamente diferentes: afinal, cada um tem uma maneira distinta de interpretar a situação ao redor e reagir a ela porque cada um observa, valoriza e reage à situação de um modo que lhe é muito próprio. É o caráter, então, que vem a dar um diferencial à personalidade, fazendo com que cada pessoa venha a viver sua vida e a escrever sua história de uma maneira que lhe é muito peculiar. Se tomamos o termo caráter (28) em sua acepção etimológica, seremos forçados a considerar que toda marca que porventura uma pessoa venha a deixar na vida foi fruto do seu esforço pessoal, isto é, foi fruto da tentativa de reunir tudo o que conhece e o que desconhece de si para atingir uma meta que tenha se proposto. Afinal, existe dentre de todos nós, sob o amontoado de confusões, uma unidade viva que incessantemente não deixa de murmurar certas sugestões que deveríamos escutar e acatar, já que elas são a expressão máxima da nossa realização pessoal, isto é, do nosso destino, da única tarefa que nos cabe. É o caráter que traduz então - em termos humanos - as características que são necessárias à coesão e unidade da personalidade e que formam uma identidade. Porém, o caráter - que é uma camada - não é e não pode ser a expressão total e literal do indivíduo concreto e particular ( dado que este tem também uma carga genética, uma educação, uma história afetiva e social e etc, sendo sua personalidade total composta de várias camadas ) mas pode ser, em raríssimas vezes, a expressão final que esta personalidade assume visto que, por perseverar a sua maneira, acaba impondo sua forma às circunstâncias, elevando assim o seu potencial caracterológico à qualidade de personagem, isto é, de um ser humano que deixa uma marca na humanidade ou pelos seus feitos ou pelo seu comportamento. Vemos, assim, que a noção de caráter engloba não tão somente a causa formal, tal como definida por Aristóteles, mas também uma outra causa, a que ele dava o nome de causa final. Aristóteles inclusive insistia sobre o fato de que toda explicação científica de uma correlação ou processo deveria incluir um relato da sua causa final, ou telos. Explicações teleológicas são explicações que utilizam a explicação “a fim de que” ou equivalentes a esta. Interpretações teleológicas, no entanto, não carecem da pressuposição da deliberação e escolha conscientes. Mas dizer, por exemplo, que “camaleões mudam de cor para escaparem à detecção” não é atribuir uma atividade consciente aos mesmos. Também não é afirmar que o comportamento dos camaleões implementa algum “propósito cósmico”. No entanto, interpretações como esta pressupõem que um futuro estado de coisas determina o desenrolar de um estado presente: uma bolota se desenvolve como o faz a fim de realizar a sua finalidade natural de acabar sendo um carvalho; uma pedra cai a fim de atingir a sua meta natural – um estado de repouso tão próximo quanto

possível ao centro da Terra. Em cada caso, o estado futuro “puxa consigo” a sucessão de estados que leva a ele. O caráter humano teria esta mesma característica e seria, assim, um misto de causa formal e final, expressando não somente aquilo que de emergente e essencial há em todo homem como também o sentido e a direção que ele se esforça por tomar dentro da múltipla experiência humana, prefigurando aquela famosa observação de Ortega Y Gasset: “A reabsorção das circunstâncias é o destino concreto do homem”

Uma proposta para a interpretação astrológica Seguindo o raciocínio de tudo o que foi exposto, deduzimos que uma possível leitura do mapa astrológico natal seria composta então de duas estruturas que se relacionariam e se interpenetrariam: as perspectivas e os pontos-de-vista fundamentais que o indivíduo nutre, ao longo de toda a sua existência, sobre o que o cerca - representado pelas chamadas Casa Zodiacais; a maneira como o indivíduo apreende e se coloca perante tais pontos-de-vista - representado pelos chamados Astros Celestes. Somente para dar uma idéia longínqua do que poderia ser uma aplicação dessa astrologia, damos o exemplo de um ser humano cujas exigências de integração da sua individualidade seriam expressas por: a) Sol na Casa X (intuição topológica ou sociológica ) = uma percepção imediata do momento sócio-político pelo qual o seu lugar está passando, isto é, das exigências e pressões sociais, dos poderes existentes, dos deveres e das responsabilidades que emanam da posição que cada um toma dentro do grupo e da posição que deve tomar para fazer frente a estas circunstâncias e não sucumbir a elas; b) Saturno na Casa IX ( razão ética ou legal ) = uma necessidade de compreender profundamente as regras e leis com as quais o ser humano se certifica daquilo que seja certo, correto e verdadeiro, descobrindo inclusive certos princípios que valham igualmente para todos e que possam dar uma medida sobre a conduta mais correta a tomar; c)Júpiter na Casa I ( vontade personal ou arrojada ) = uma vontade suprema de se fazer respeitado e de mostrar quem julga ser, arrogando e tomando as coisas para si e impondo o seu estilo, a sua presença, de modo que a sua imagem seja impactante; d) Marte na Casa XI ( estimativa estratégica ) = uma vontade instintiva de se projetar para adiante e de jamais ficar para trás no curso da história, nutrindo um faro absurdo para detectar situações que possam ameaçar o seu futuro e o seu projeto e também de situações que possam colocá-lo numa posição de popularidade; e) Vênus na Casa VIII ( imaginação emergencial ) = uma imaginação que vislumbra alternativas e soluções para o caso da situação se apertar e que também descortina o que poderia acontecer e como as coisas se processariam caso a situação chegasse a um

limite; f) Lua na Casa III ( sentimento comunicativo) = uma necessidade vital de concatenar as próprias idéias bem como de vê-las amadurecendo, precisando - para isto - de um ambiente onde possa refletir e conversar quando assim o desejar. E - de fato - esse ser humano foi: a) o governante mais poderoso do seu tempo e um dos mais poderosos de todos os tempos, se mostrando extremamente ambicioso e enfeitiçado pelo poder; b) um gênio da jurisprudência, embora não tivesse estudado Leis na universidade; c) um homem que jamais discutiu a possibilidade de fazer as coisas de uma outra maneira visto que fazia as coisas do seu jeito e a seu modo, conseguindo tudo por iniciativa própria, contando apenas com sua auto-confiança e não com a proteção de ninguém, sendo levado - boa parte das vezes - por uma irresistível tendência ao exagero; d) alguém que sempre deixava a entender que, um dia, no futuro, ouviriam falar de sua pessoa; e) um grande militar e, ao mesmo tempo, um político capaz de improvisar as soluções mais inesperadas, que parecia já saber de antemão como reagir às situações; f) um homem que vivia cercado de sábios e que, mesmo nos instantes mais difíceis, buscava neles um estímulo intelectual. Este homem foi NAPOLEÃO BONAPARTE. Notas 23- vide o livro A VONTADE, de Paul Foulquié – Publicações Europa-América 24- Notável pesquisador que, ao longo de 27 anos, nada conseguiu comprovar contra a hipótese de que certas posições astrológicas determinavam o grupo profissional a que o indivíduo pertenceria. Para maiores esclarecimentos, consultar o próprio livro do autor, COSMOPSICOLOGIA ou então o livro EM DEFESA DA ASTROLOGIA, de John A. West. 25- se mobiliza tanto intelectualmente quanto afetivamente ou volitivamente, dependendo da natureza dos planetas aí localizados, que representam as diversas funções da alma: intuição, razão, sentimento, pensamento, fantasia, estimativa e vontade 26- mais detalhes no DICIONARIO DE CASAS que figura na seção Patrimônio Astrológico do nosso site.

27- foi mais ou menos isto que René Guenon quis dizer ao falar que, de todas as condições a que o homem está submetido quando nasce, o horóscopo expressa as mais gerais. Ora, as mais gerais são também as mais sutis, as mais difíceis de se enxergar; porém, são as mais rígidas e imutáveis. 28- do vocábulo grego charakter, que significa impressão, gravação; do verbo grego charassein, designando o ato de agudizar, riscar, esculpir, o que se aplicava a princípio a todo signo (de escrita, astronômico), sendo utilizado depois para designar coisas muito especiais. Representa, portanto, signos distintivos mas que geralmente parecem ter vida própria e uma certa importância mágica. Isto nos conduz, por graus, ao emprego atual desta palavra: cunho, marca, especificidade; propriedade ou qualidade inerente a um ente e que o distingue dos demais; a forma específica de cada coisa.

Capítulo IV – Uma possível Astrologia para a Modernidade A Astrocaracterologia: uma pesquisa astrológica "A Alta Igreja da Ciência Moderna também não se mostrou, em sua maior parte, menos relutante em examinar a evidência quanto à astrologia. A astrologia é, de acordo com o modelo apresentado, impossível. Por isso, aqueles que afirmam o contrário ou pretendem ter evidências são ou iludidos ou deliberados charlatães que não podem ter lugar em uma sociedade inteligente. Em face de tal tabu, somente os cientistas corajosos é que ainda estão dispostos a levar em consideração a evidência da astrologia, e só os mais valentes estão prontos a dedicar suas energias criativas e reputações na exploração desta ciência proscrita (...) de olhar além da evidência e formular uma teoria realista, rigorosamente elaborada, sobre o modo como a astrologia poderia funcionar. Este processo de busca por conexões causais e de elaboração e teste de teorias que responderão pelos fatos sempre foi a mola mestra da ciência. Como John Addey disse muitas vezes, a astrologia só pode ser beneficiada se as normas da ciência forem seguidas com o máximo rigor possível. (...) É um degrau essencial no processo de restabelecimento deste antiga disciplina a seu lugar de direito entre a fraternidade das ciências. Qual deveria ser exatamente este lugar ainda está sujeito a conjecturas, mas ninguém com mentalidade tolerante pode ter qualquer dúvida de que a dimensão científica da astrologia desafiará gradativamente nosso conceito sobre a relação do homem com o cosmo." Charles Harvey

São dessas premissas – colocadas a princípio pelas Ciências Tradicionais - que partimos para elaborar a hipótese que acima demonstramos e que, acrescidas de contribuições dadas por algumas ciências modernas ( psicologia, antropologia, filosofia da ciência, epistemologia, estatística, metodologia e etc), nos permitiu desenvolver, ao longo desses últimos vinte anos, uma pesquisa astrológica que pode confirmar tal hipótese, ou seja, que o mapa astrológico é o mapeamento cognitivo do indivíduo, daquilo que ele espontaneamente presta ou não a atenção - e isto com todas as ressalvas e advertências que a psicologia da cognição, somadas a ontologia, pode nos dar e frisar. Tal pesquisa é intitulada Astrocaracterologia e foi proposta, nos seus princípios gerais, pelo filósofo Olavo de Carvalho que inclusive ajudou a implantar o movimento astrológico no Brasil através da figura de Emma Costet de Mashville e de sua escola Júpiter (1978). Mas, desde que o rumo do movimento astrológico foi tomando um caminho doentio e inusitado - transformando a prática da leitura astrológica num instrumento, digamos, massageador do ego - Olavo de Carvalho se viu diante da

responsabilidade de alterar o rumo deste movimento que ajudara a implantar, se esforçando então para fazer uma verdadeira assepsia na área astrológica desenvolvendo, assim, os primeiros esboços da pesquisa astrocaracterológica. A Astrocaracterologia vai assim, à princípio, contra à prática da astrologia atual - a astrolatria - que pretende obter um retrato estático e coisificado dos indivíduos sob a forma de uma descrição puramente exterior. Afinal, hoje em dia, considera-se o autoconhecimento como a simples identificação de traços de personalidade - se esquecendo de que o “eu” não pode ser conhecido apenas teoricamente mas, sim, vivido e assumido em toda a sua subjetividade. Dessa forma, o auto-conhecimento, tão proclamado em nossa época, deixa de ser visto como luta e realização de valores livremente assumidos e se transforma em mera investigação auto-contemplativa e auto-complacente, curiosidade de desocupados. É claro que isso só é possível de ocorrer numa cultura em que a economia se tornou a regra, permitindo com que houvesse um terrível descompasso entre educação técnicocientífica e formação humanística-filosófica, aumentando cada vez mais a dificuldade em entender o sentido e a realidade da substância individual (do eu), empurrando então a todos para dentro de uma crise de identidade na qual geralmente vive preso o tipo consumidor que vê e considera tudo como transitório e substituível - inclusive o gênero humano. Aliás, a sociedade atual nos põe em contato direto com objetos de fabricação industrial que se sucedem em velocidade vertiginosa, fazendo com que tenhamos uma noção do mundo exterior jamais composto de entes - cada qual com seu status ontológico próprio - mas, sim, composto de aparências transitórias que se fazem e se desfazem, e de que não há nada que seja ou possa ser. A noção de eu, identidade, integridade, essência, neste contexto, se confunde e se perde, e entra num atoleiro de considerações doentias e estapafúrdias. Sendo assim, se para o homem moderno é difícil compreender o ser em toda sua complexidade e com todas as suas implicações, imagine quão grandiosa é a dificuldade para compreender a astrologia - é imensa!! Aliás, a astrologia, por ter uma raiz metafísica por um lado e, por outro, uma raiz empírica, está - pela sua própria natureza colocada numa linha de demarcação entre uma coisa e outra, daí resultando a enorme complexidade que sua investigação impõe. Vemos, assim, o quanto que o fenômeno astrológico é muito mais complexo do que pretende qualquer vil moralismo cósmico, impondo discernimentos que fariam com que o próprio Aristóteles ou o próprio São Tomás de Aquino perdessem a cabeça. Dessa maneira, a Astrocaracterologia pretende demonstrar também que há uma inconsistência metodológica total na área astrológica, impedindo com que uma das formas de conhecimento mais antigas (29) do ser humano tenha respeitabilidade pública e possa ser averiguada, deixando de ser vista então como se fosse uma questão de “crença”. A astrologia não é uma crendice, um folclore, uma bruxaria, uma loucura ou um absurdo, assim como pensaram um dia que a medicina, a psicologia e a ecologia o fossem. A astrologia é um fenômeno como qualquer outro e, por mais dificuldades de investigação que ele ofereça, deve e pode ser estudado. Bastaria, para isso, que uma único símbolo astrológico tivesse comprovadamente uma relação com algum fenômeno psicológico - o que, curiosamente, a pesquisa de Michel Gauquelin já deixou a entrever. Mas, por enquanto, a astrologia se limitou a constatação de fatos - onde uns são verdadeiros e, outros, duvidáveis - e a uma observação clínica, sendo por isso mesmo

extremamente empírica e não teórica, desenvolvendo então descrições tipológicas que são extremamente persuasivas mas que, infelizmente, traduzem casos particulares e raramente a regra geral. Em parte isto ocorre porque as pessoas que procuram “estudar” astrologia estão, na realidade, procurando, digamos, uma espécie de muleta cósmica que suporte a fragmentação da própria psique e que dê um simulacro de sentido à própria existência e, ao invés de encontrarem isto, acabam se deparando com uma coisa que só oferece mais problemas - problemas, estes, para os quais não querem atentar e nem tampouco resolver. Temos que reconhecer com honestidade que a astrologia é ainda um enigma como qualquer outro e que, onde buscamos o sentido da vida, só encontramos mais contradições e dúvidas. Aliás, os indivíduos que se recusam a avaliar a complexidade do fenômeno astrológico - e que são qualificadas para estudá-lo - têm medo, digamos, de serem rotuladas de místicas, idiotas, irracionais, e largam o problema, deixando-o nas piores mãos. Desse modo, quem acaba se interessando pelo problema é louco e quem é sadio foge ou não se interessa pelo problema. Entretanto, o tema astrológico é importante e será difícil fugirmos dele. Urge, por isso, uma pesquisa no campo astrológico. Uma pesquisa que não só tente desenvolver uma técnica diagnóstica do tipo humano determinado pela estrutura celeste mas que organize todo o patrimônio astrológico que se mantém ainda em estado simbólico, transformando-o num estudo sistemático e crítico e descobrindo uma metodologia que lhe seja aplicável. Essa pesquisa, em suma, é a Astrocaracterologia que, como tal, jamais poderia deixar de considerar: . o legado da antropologia e, principalmente, dos estudos de religiões comparadas que recompõem e dão uma vaga idéia do que foram as Artes Liberais dentro do contexto das Ciências Tradicionais (René Guénon, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt, Seyyed Hossein Nasr, etc); . as relações que foram estabelecidas pelo filósofo árabe Ibn’Arabi entre os astros celestes e certas “potências” da alma, que nos remete imediatamente à teoria das faculdades cognitivas, elaborada coincidentemente na mesma época pelo filósofo escolástico Alberto Magno; . os resultados da pesquisa estatísitica realizada por Michel Gauquelin, onde se confirma uma das hipóteses astrológicas, isto é, de que indivíduos com determinados planetas em determinadas áreas (30) do mapa acabam se ocupando de determinadas atividades, e isto se ainda foram indivíduos que perseveraram na própria realização; . o legado da psicologia atual, principalmente no que se refere à área da Cognição (Piaget, Wilian Stern, Gordon W. Allport, etc) e à área da Caracterologia ( Klages, Rene Le Senne, Szondi, Jung, etc ), que acabou se constituindo numa ciência completamente própria, com problemas, métodos e objetivos que lhe são inerentes; . o ser humano em toda a sua extensão e complexidade, fazendo-se então necessário erguer um conhecimento antropológico mais abrangente, de orientação filosófica, o que encontramos na antropologia filosófica alemã e na escola filosófica espanhola, cujo expoente foi Ortega Y Gasset.

A Astrologia, as ciências e o debate astrológico Essas são - de acordo com o nosso entendimento - premissas básicas para elevar a qualidade do debate e da investigação do fenômeno astrológico. Aliás, todo o debate em torno do tema astrológico tem sido extremamente retórico e partidário, onde: de um lado se coloca o astrólogo como um guru que, por deter um conhecimento que se diz “secreto”, acaba alegando que não há como explicá-lo, deixando a astrologia sem qualquer estudo e sem qualquer fundamentação rigorosa - o que justamente a torna indigna de respeito; de outro lado se coloca o “homem de saber” que, mesmo sem ter estudado o suficiente qualquer referência sobre o assunto se dá o direito de julgá-lo, evitando ao mesmo tempo se envolver com a questão para não manchar a própria reputação intelectual, deixando então a astrologia num completo abandono quando, curiosamente, é o mais apto a estudá-lo. Por isso, enquanto não sairmos do debate astrológico que ainda se mantém no nível da argumentação retórica e não empreendermos uma discussão lógica e analítica, tentando equacionar o problema, jamais daremos um passo com relação ao que se concebe como o “conhecimento da astrologia”. Ademais, toda forma de conhecimento teve a sua fase simbólica e se sistematizou depois: é o que ocorrerá, um dia, com a astrologia, demarcando então um importante avanço dentro do quadro dos conhecimentos humanos atuais pois acabará revelando os laços complexos que sempre pareceram existir entre as ditas ciências naturais e humanas - o que, para as Ciências Tradicionais, já era óbvio. Hoje em dia, inclusive, tenta-se descobrir esses laços, e tal tentativa constitui-se no que há de mais inovador no mundo acadêmico: a transdisciplinariedade. Ela não só propõe um diálogo entre todas as disciplinas com a intuito de compreender mais profundamente o que seja o Homem mas também admite que, quando uma questão não pode ser respondida e esgotada pelo conhecimento acumulado de uma disciplina, outra deverá intervir com este propósito – o que, mal ou bem, demonstraria o limite de cada disciplina, e as possíveis relações entre elas. Ou seja: aquilo que a academia atualmente propõe como necessário para o conhecimento do ser humano é inerente à disciplina astrológica - e isto porque a astrologia participava do primeiro conjunto de conhecimentos interdisciplinares de que se tem conhecimento na história da humanidade. Ademais, tanto a natureza quanto o ser humano sempre foram objetos e campos de profundo interesse e atenção, dos quais inclusive já se extraiu algum conhecimento, havendo, entretanto, um único conhecimento que ainda não foi levantado com a sua devida importância - aquele conhecimento que fala exatamente da relação do homem com o mundo e do mundo com o homem, levando isto a seus últimos termos e às suas últimas conseqüências que, de uma maneira muito grosseira, foi e é a tentativa da história e da sociologia e, muito mais recentemente, da ecologia. Num futuro talvez não muito distante, quem sabe tal tentativa chegue e alcance o limite do astronômico. Quando isto acontecer, estaremos inevitavelmente retomando o raciocínio astrológico. Por isso é de se acreditar que, quando o Homem se perguntar seriamente sobre o seu lugar no universo e sobre o sentido da sua vida, talvez pare de mirar o céu de forma

meramente poética e passe a levantar sérias questões que, para sua surpresa, já foram elaboradas em tempos remotos - mas que nunca tiveram continuidade e o seu devido respeito. E estas questões, queiramos ou não, serão de natureza astrológica.

A Astrologia e a sua fundamentação A suposição implícita da astrologia é de que o mundo tem uma ordem que lhe é inerente - e a Astrocaracterologia não poderia deixar de se apoiar nessa premissa e nesse fundamento. Aliás, muitos de nós, com a intenção de dar legitimidade e respeitabilidade a astrologia, se apoiam nessa premissa como se ela fosse indiscutível, e também porque se pensa erroneamente que a validade de qualquer conhecimento se estabelece se há, de antemão, uma fundamentação rigorosa e explícita de tudo o que esse conhecimento envolve - o que, infelizmente, só ocorre depois de muita análise e esforço intelectual. A própria história das ciências comprova que muitas hipóteses foram levantadas, muitas foram discutidas e refutadas para que, só depois, se chegasse ao conhecimento dos fundamentos últimos em que estas se apoiavam. Desse modo, não se deveria exigir da astrologia - como comprovante da sua legitimidade - que ela demonstrasse, desde já e de uma maneira rigorosa e irrefutável, o fundamento em que ela se apoia, visto que este não é o processo natural inerente à experiência do conhecimento e visto que, assim, não estaríamos discutindo a astrologia e sim o seu suposto princípio, a saber, o princípio da “organicidade do mundo”princípio, este, muito discutido por intelectuais de porte, tais como Werner Heisenberg, Max Horkheimer e Raymond Abellio, para não mencionar outros. No fundo, talvez, exigimos de nós mesmos algum fundamento, alguma premissa, para tranqüilizar nosso cérebro pasmado dessa caminhada tão árida que ele terá que percorrer, se esquecendo de que, o que exigimos no início da jornada, só encontraremos no final - e isto se chegarmos a encontrar. Notas 29- a Astrologia, tanto quanto a Agricultura, configuram as primeiras formas de interesse e de conhecimento do homem primitivo. 30- confirmando o quanto é importante e imprescindível a avaliação da posição dos planetas nas casas astrológicas, mais do que a própria posição dos planetas nos signos, isto é, no zodíaco. Vide Astrologia, Cosmo e Destino, de Siegfried Böhringer, Vozes, 1992.

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