Devassos Por Natureza Jesse Bering

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Jesse Bering

Devassos por natureza Provocações sobre sexo e a condição humana

Tradução:

Maria Luiza X. de A. Borges

Para JCQ

Sumário

Um convite à impropriedade PARTE I Uma visão darwiniana do que pende

Por que eles ficam pendurados? Tão perto e tão longe: a contorcida história da autofelação Por que o pênis tem esse formato?: versão sem cortes Não tão depressa… O que há de tão “precoce” na ejaculação precoce? Ode às muitas virtudes evolutivas do sêmen humano PARTE II Corpos generosos

O pelo lá de baixo: o que o pelo pubiano humano tem em comum com o pelo dos gorilas A história natural do canibalismo A afecção da pele humana: a acne e o macaco nu PARTE III Mentes indecorosas

Devassos por natureza: quando um dano cerebral torna pessoas muito, muito despudoradas Como o cérebro adquiriu suas nádegas: travessura medieval em neuroanatomia Zumbis lascivos: sexo, sonambulismo, ereções noturnas… e você Os seres humanos são especiais e únicos: nós nos masturbamos. E muito

PARTE IV Estranhos companheiros de cama

Sobre pedófilos, hebéfilos e efebófilos: orientação erótica de idade Amantes de animais: zoófilos levam cientistas a repensar a sexualidade humana Assexuados entre nós Brincando com os pés: podofilia para pudicos A história de um amante da borracha PARTE V A noite das damas

Ejaculação feminina: uma estrada científica menos explorada O estranho caso das fag hags: mulheres que gostam de homens que gostam de homens O Teatro de Darwin apresenta… O misterioso caso do orgasmo feminino A megera evoluída: por que as adolescentes são tão cruéis umas com as outras? PARTE VI A gaia ciência, cada vez mais gay: há algo estranho aqui

Nunca pergunte o caminho a um gay “Homem solteiro, raivoso, hétero… procura semelhantes”: a homofobia como desejo reprimido O modismo do poliamor, o ciúme gay e a evolução de um coração partido Cientistas bem-dotados vão fundo nas preferências sexuais entre homens gays Seu filho é um “pré-homossexual”?: a previsão da orientação sexual adulta PARTE VII Como diz a Bíblia Bons cristãos (mas só aos domingos) Os coelhinhos de Deus: a taxa de reprodução dos crentes é esmagadoramente maior

do que a dos não crentes Criando raízes com minha mãe morta PARTE VIII Rumo às profundezas: trabalho existencial em laboratório

Ser suicida: matar-se é adaptativo? Depende: suicídio em benefício dos próprios genes (Parte I) Ser suicida: como é a sensação de querer se matar (Parte II) “Cientistas dizem que o livre-arbítrio provavelmente não existe, mas recomendam: ‘Não deixem de acreditar nele!’” O rato que não parava de rir: alegria e hilaridade no reino animal Notas Agradecimentos Índice remissivo

Um convite à impropriedade

ATÉ ONDE POSSO ME LEMBRAR, sempre fui abertamente curioso com relação a certos assuntos “impróprios”. Minhas perguntas mais sérias, eu percebia, tendiam a levar os outros a se afastar de mim bem devagar. Você poderia dizer que eu era um pouco analítico demais para meu próprio bem. Num dia memorável, perguntei à menina absolutamente horrorizada que se sentava ao meu lado na sala de aula da sexta série: “Não é esquisito que meu pênis, quando ereto, pareça mais uma cimitarra do que um punhal? Na certa isso deve significar que sou deformado”, confidenciei, cochichando em seu ouvido, “já que obviamente, para penetrar uma mulher como você da maneira apropriada, o pênis deve entrar direto na vagina, não aproximar-se dela num ângulo de 45 graus, como o meu.” Com o tempo, aprendi a ficar calado. Mas uma mente despudorada raramente encontra descanso. À medida que, muito devagar, adquiri algumas habilidades sociais extremamente necessárias, vi-me gravitando cada vez mais para o mundo da ciência, um mundo em que nada era sagrado, nenhuma questão absurda demais ou proibida (pelo menos para efeito de discussão, se não necessariamente forragem ética para o laboratório), e no qual descobri outras almas de conformação semelhante, que não me olhavam como se eu tivesse três cabeças quando eu perguntava, por exemplo, se pessoas que preferiam ser passivas num intercurso anal poderiam ter uma anatomia anal-genital interna diferente daquelas a quem isso parecia intensamente desagradável. Aliás, ainda não sei a resposta para essa questão. Por falar nisso, eu provavelmente deveria acrescentar (já que isso ficará bastante óbvio por meu foco desproporcional na genitália masculina) que havia algo muito importante para mim a que não pude dar plena expressão em meus primeiros anos e que sem dúvida moldou minha visão do mundo. Eu era gay. Na verdade, muito, muito gay. Confirmei essa verdade irrefutável mediante numerosos experimentos em minha adolescência, inclusive apalpadelas e beijos em “namoradas” inadvertidas, que, apesar de suas aparências lindas e personalidades maravilhosas, eram tão excitantes para mim quanto uma fatia de presunto perfumada com reluzentes dentes brancos. Não era apenas o nervosismo dos virgens, posso lhe assegurar, mas as meninas pareciam tornar meu pênis catatônico, ao passo que mesmo de longe os garotos o faziam erguer-se naquele esquisito ângulo de 45 graus que mencionei antes. Permita-me começar, portanto, fazendo uma revelação completa: minha perspectiva é a de um cientista psicológico gay, ateu, com uma queda por teorias evolucionárias. Ainda assim, embora eu certamente não tente esconder minhas próprias convicções pessoais, sou uma pessoa apolítica. A única coisa que lhe peço é que tente suspender seu julgamento até ter lido pelo menos um punhado de ensaios. Apenas recline-se, desabotoe as calças e fique bem confortável consigo mesmo. Relaxe, talvez com um copo de Chardonnay. E pense. Espero tornar esta última parte fácil para você. Quero que goste de aprender sobre seu pênis impetuosamente ejaculante, sua vulva gotejante, e seus próprios medos, preconceitos, fetiches e desejos. Apesar de nossas diferenças, e elas são

por certo muitas neste mundo, há algo que todos nós temos em comum: somos humanos. Não estou interessado no sensacionalismo pelo sensacionalismo, mas muitas das questões que mais me atraem são, por definição, bastante sensacionais. Se você as examinar com atenção suficiente, contudo, notará quantas vezes os tópicos mais excitantes são capazes de suscitar questões filosóficas mais profundas e trazer outras muito mais substanciais à superfície. Por exemplo, ao ler sobre zoófilos, você poderá se ver, como eu me vi, questionando suas próprias repulsas sexuais moralistas impensadas; um olhar para a evolução do pelo pubiano ou da acne revela, de maneira inesperada, nossas estreitas relações genéticas com outros símios; fantasias de masturbação revelam o que nos torna únicos no reino animal; e fetichistas de pés revelam como as coisas que nos excitam como adultos são permanentemente calibradas por experiências infantis muitas vezes inocentes. Antes de mais nada, tento ser um bom cientista, quer esteja investigando a ejaculação feminina, o nascimento inesperado de pelo pubiano em bebês de seis meses ou a psicologia de mulheres encantadas por homens gay. Como muitos destes ensaios foram publicados originalmente em minhas colunas nas revistas Scientific American e Slate, e portanto examinam apenas as dimensões mais interessantes de determinado tópico, certamente não sou capaz de cobrir todos os aspectos e pontos de vista contrários que envolvem cada questão. Entretanto, encorajo você a continuar lendo sobre os assuntos que deixarem um gosto de quero mais na sua boca, e para isso incluí notas finais para ajudá-lo a seguir adiante. Então, por favor, junte-se a mim na impropriedade. Não aceitemos a escola de vida segundo a qual sobre certas coisas é melhor não falar. Como isso deve ser enfadonho. Convido-o a me acompanhar numa viagem de descoberta científica. Sinta-se livre para entrar e sair de sua leitura ou ler os ensaios fora da ordem. Eles são todos independentes. Mas olhe onde pisa: o terreno é escorregadio. E note que, embora o tom em geral seja leve, nem tudo será divertido. Alguns dos ensaios que incluí nesta antologia tendem de fato a nos fazer refletir muito seriamente – eles incluem um exame realmente detalhado da maneira de pensar de um suicida. Escrevi esse texto específico em resposta à alarmante onda de suicídios de adolescentes gays nos últimos anos. Foi um artigo que lamentavelmente calou fundo em muitos leitores, alguns dos quais compartilharam corajosamente suas histórias pessoais comigo depois de topar com ele por acaso. Há oito seções neste volume, cada uma representando um tema geral ou área de assuntos e examinando uma amostra das estarrecedoras esquisitices da simples condição humana. A primeira dessas seções, “Uma visão darwiniana do que pende”, inclui tudo que você não sabia que sempre quis saber sobre a anatomia reprodutiva masculina. Na Parte II (“Corpos generosos”), examinaremos como podemos ser destinados pela Mãe Natureza a consumir a carne uns dos outros, por que somos o único símio que sofre de acne e muitas outras coisas pouco sabidas sobre partes do corpo aparentemente banais. Em seguida, na Parte III (“Mentes indecorosas”), vamos explorar um pouco de neurociência realmente suja, empurrando nosso senso comum para alguns cantos desconfortáveis nesse processo. Isso nos prepara para a Parte IV (“Estranhos companheiros de cama”), em que faremos um exame crítico, não condenatório, de alguns dos mais intrigantes fetiches, parafilias e distúrbios sexuais, explorando as origens de seu desenvolvimento, teorias e debates relacionados a diagnósticos clínicos. Se você pensa que fazer sexo com animais é inerentemente errado, ou que a sexualidade começa na adolescência, com a primeira descarga de hormônios, talvez esta seção o leve a uma inesperada mudança de ideia.

Em “A noite das damas” (Parte V), voltaremos nossa atenção especificamente para as mentes e corpos das mulheres. Observe apenas que sou um homem gay considerando essas mentes e corpos, portanto tenho uma visão um pouco diferente da maioria. Por falar nisso – e não sei bem o que Nietzsche teria a dizer sobre o conteúdo da seção seguinte –, na Parte VI (“A gaia ciência, cada vez mais gay: há algo estranho aqui”) vamos então focalizar alguns dos mais recentes e mais provocantes estudos sobre a homossexualidade. Na parte VII (“Como diz a Bíblia”), examinaremos como a religião origina-se de nossa psicologia evolutiva e como nossas práticas usuais de sepultamento não estão fazendo nenhum favor a nós mesmos ou ao planeta. Por fim, na última seção do livro, “Rumo às profundezas: trabalho existencial em laboratório”, investigaremos algumas questões densas e consternadoras sobre suicídio, o sentido da vida e a evolução da alegria e da felicidade. Animado? Espero que sim. Então, para começar em grande estilo, lanço a pergunta: por que cargas-d’água os testículos ficam pendurados daquela maneira – e por que dói tanto levar um pontapé ali?

PARTE I

Uma visão darwiniana do que pende

Por que eles ficam pendurados?

ALGUNS ANOS ATRÁS , o psicólogo evolucionário Gordon Gallup, que voltaremos a encontrar nesta seção, com suas colegas Mary Finn e Becky Sammis, propôs-se a explicar as origens naturais da única parte do corpo masculino possivelmente menos atraente que o pênis – os testículos. Sob muitos aspectos, a chamada hipótese da ativação, elaborada pelo grupo, acrescenta detalhes ao que muitos de nós já sabemos sobre testículos escrotais descidos: eles servem como uma espécie de unidade fria de armazenamento e produção para o esperma, que se conserva melhor numa temperatura ligeiramente mais baixa que o padrão para o resto de nossos corpos. Mas a hipótese da ativação vai muito além desse fato curioso. Ocorre que os testículos humanos exibem algumas características bastante complexas, embora sutis, de regulação de temperatura que passaram em grande parte despercebidas tanto por médicos quanto por pesquisadores e leigos. O princípio mais importante da hipótese da ativação é que o calor da vagina de uma mulher impulsiona radicalmente o esperma que esteve hibernando no fresco e arejado saco escrotal. Esse calor ajuda a concepção. Ele explica, contudo, muitas outras coisas também, inclusive por que um testículo costuma ser ligeiramente mais baixo que o outro, por que a pele do escroto por vezes se torna rugosa (como uma ameixa seca e tão enrugada como a pele de um elefante), por que os testículos se retraem durante a excitação sexual, e até por que machucados testiculares – comparados com outros tipos de danos físicos – são tão excruciantemente dolorosos. Para nos ajudar a chegar ao mesmo ponto, considere uma realidade alternativa, em que os ovários, como os testículos, descem durante o desenvolvimento embriológico e emergem fora da cavidade do corpo feminino num saco fino, desprotegido. Depois de ter afastado essa imagem da mente, observe que as gônadas pendentes de muitos animais machos (inclusive os seres humanos) são igualmente intrigantes. Afinal de contas, por que ao longo de toda a evolução a natureza teria projetado uma parte do corpo – cuja importância reprodutiva é obviamente enorme – para ficar pendurada fora do corpo, indefesa e vulnerável? Tendemos a nos acostumar com as partes de nosso corpo, e com frequência não nos ocorre sequer indagar por que elas são como são. Alguns dos maiores mistérios evolucionários são também os aspectos mais banais de nossas vidas. A primeira grande questão, portanto, é por que tantas espécies mamíferas desenvolveram testículos escrotais pendentes. As gônadas masculinas em algumas linhagens filogenéticas seguiram direções completamente opostas, em termos evolucionários. Por exemplo, os testículos dos elefantes modernos estão profundamente embutidos na cavidade do corpo (os animais dotados desse traço são chamados de testicondos), ao passo que outros mamíferos, como as focas, têm testículos descidos, mas desprovidos de escrotos, com as gônadas sendo simplesmente subcutâneas. Gallup e seus colegas consideraram várias teorias possíveis sobre a evolução testicular por descida de nossa espécie. Uma das explicações mais extravagantes – que acabou sendo descartada pelos pesquisadores – é que os testículos escrotais evoluíram no mesmo espírito que as penas do

pavão. Isto é, dada a enorme desvantagem de ter todo o seu potencial genético contido numa fina bolsa de carne delicada, desprotegida e balançando a vários centímetros de distância do resto de seu corpo, talvez os testículos escrotais tenham se desenvolvido como uma espécie de adereço ornamental que comunica a qualidade genética do macho. Na biologia evolucionária, esse tipo de explicação adaptacionista recorre ao princípio da desvantagem. O cerne teórico do princípio da desvantagem é que se o organismo é capaz de prosperar e sobreviver enquanto ainda é atrapalhado por um traço custoso e disfuncional como uma plumagem elaborada e incômoda, ou (neste caso) gônadas vulneravelmente pendentes, ele deve ter alguns genes de alta qualidade e ser um parceiro valioso. Mas a hipótese da desvantagem não se ajusta muito bem ao caso dos testículos escrotais descidos, explicam os autores, porque se isso fosse verdade deveríamos esperar que essas partes do corpo se tornassem cada vez mais elaboradas e pendentes no curso da evolução, para não mencionar que as mulheres deveriam demonstrar uma preferência por homens que arrastam por aí a bagagem escrotal mais ostentosa. “Com a possível exceção de escrotos coloridos entre algumas espécies de primatas”, escreve Gallup, “há pouca evidência de que esse tenha sido o caso.” Não tenho conhecimento de nenhum estudo sobre variação individual intraespécie do design escrotal, mas apesar disso tendo a conjecturar que a maioria dos machos humanos tem escrotos bastante sem graça, desinteressantes. Qualquer coisa que se desvie disso – em particular um conjunto de testículos extraordinariamente pendurados, suspensos em escrotos que chegam aos joelhos –, em vez de provocar um efeito afrodisíaco, tende mais provavelmente a deixar uma mulher com ânsia de vômito, aos berros ou olhando perplexa. Uma explicação mais provável para a descida escrotal, que vem sendo apresentada há algum tempo, é que a produção e o armazenamento de esperma são maximizados em temperaturas mais frescas. “Não só a pele do saco escrotal é fina para promover a dissipação do calor”, escrevem os autores, “as artérias que fornecem sangue para o escroto são posicionadas junto das veias que levam o sangue para fora dele e funcionam como um mecanismo adicional de troca de resfriamento e aquecimento. Em consequência dessas adaptações, as temperaturas escrotais médias em seres humanos são tipicamente 2,5 a 3 graus Celsius mais baixas que a temperatura do corpo (37 graus Celsius), e a espermatogênese é mais eficiente a 34 graus Celsius.” O esperma é extraordinariamente sensível mesmo a pequenas flutuações no clima. Quando a temperatura ambiente eleva-se aos níveis do corpo, há um aumento momentâneo da mobilidade do esperma (ele se torna mais ativo), mas ele dura só por um período de tempo antes de se extinguir. Para ser mais exato, o esperma prospera à temperatura do corpo por um período de cinquenta minutos a quatro horas, o tempo que lhe seria necessário para viajar através do aparelho reprodutivo feminino e fertilizar o óvulo. Mas depois que a atmosfera espermática se eleva muito acima de 37 graus Celsius, as chances de uma inseminação bem-sucedida consequentemente despencam – qualquer esperma viável torna-se o equivalente de uma torrada queimada. Assim, em outras palavras, exceto durante o sexo, quando a hiperatividade é adaptativa, o esperma é armazenado e produzido com mais eficiência no ambiente fresco e arejado do saco escrotal relaxado. Não é desejável, contudo, que o escroto fique frio demais, pois a natureza calibrou esse ponto de temperatura em níveis ideais precisamente definidos. Felizmente, os escrotos humanos não apenas pendem ali contendo nossos testículos e preparando nosso esperma; eles também empregam “ativamente” algumas interessantes táticas

termorregulatórias para proteger e promover os interesses genéticos dos homens. Ponho “ativamente” entre aspas, é claro, porque embora seja bastante estranho atribuir consciência a escrotos humanos, os testículos de fato respondem de maneira não intencional às ações reflexas do músculo cremastérico. Esse músculo serve para retrair os testículos de modo que eles sejam puxados para mais perto do corpo quando fica frio demais – basta pensar numa ducha fria – e também para relaxá-los quando fica quente demais. Essa ação para cima e para baixo acontece de um momento para outro; assim os corpos masculinos otimizam continuamente o clima gonadal para a espermatogênese e o armazenamento do esperma. É também por isso que em geral é desaconselhável para homens usar jeans apertados ou cuecas colantes; sob essas condições restritivas, os testículos são empurrados contra o corpo e artificialmente aquecidos de tal modo que o músculo cremastérico não pode fazer seu trabalho da maneira apropriada. Uma outra razão para não usar essas coisas é que não estamos mais em 1988. Agora, sei o que você está pensando: “Mas, dr. Bering, como explica o fato de os testículos quase nunca serem perfeitamente simétricos em seu posicionamento dentro do mesmo escroto?” De fato, a função de regulação da temperatura governada pelo músculo cremastérico pode explicar até as assimetrias mais tortas, mais variáveis na posição dos testículos, com um mais acima do outro. Segundo um relato publicado em 2009 no periódico Medical Hypotheses pelo anatomista Stany Lobo e colegas, cada testículo migra continuamente em sua própria órbita como uma maneira de maximizar a área da superfície escrotal disponível sujeita à dissipação do calor e ao resfriamento. Como ocorre com o calor ambiente gerado por painéis solares individuais, em se tratando de temperaturas espermáticas, o todo é mais que a soma das partes. Com um olho suficientemente arguto, presumivelmente poderíamos dominar a arte de “ler” o alinhamento testicular, usando o escroto como um termômetro de sala improvisado. Mas isso é só especulação minha. De uma perspectiva evolucionária, o design da genitália masculina só faz sentido na medida em que complementa adaptativamente a anatomia feminina, sobre a qual percebo que deveria me aprofundar (mas o dia só tem 24 horas). Em contraste com os homens, a menos que uma mulher se envolva em enérgico exercício físico, o aparelho reprodutivo feminino é mantido continuamente na temperatura normal do corpo. Esse é o ponto crucial da hipótese da ativação de Gallup: a elevação da temperatura que envolve o esperma, tal como ocasionada pela ejaculação dentro da vagina, “ativa” o esperma, tornando-o temporariamente frenético e permitindo-lhe assim adquirir o ímpeto necessário para penetrar o colo do útero e chegar às tubas uterinas. “Em nossa concepção”, escrevem os autores, “testículos escrotais descidos evoluíram ao mesmo tempo para tirar proveito dessa elevação de temperatura dependente da cópula/inseminação e para funcionar de modo a evitar ativação prematura do esperma, mantendo as temperaturas testiculares abaixo do valor crítico estabelecido pelas temperaturas do corpo.” Uma das coisas que talvez você tenha notado em sua própria genitália ou na daqueles que lhe são especialmente próximos é que, em contraste com a pele escrotal afrouxada que acompanha os estados flácidos, não excitados, as ereções penianas costumam ser acompanhadas por uma reveladora retração dos testículos para mais perto do corpo. (É o tipo de coisa mais fácil de demonstrar usando ilustrações visuais, e uma rápida busca de imagens pelo Google forneceria exemplos diversos. Basta você escolher seus próprios termos de busca e desabilitar “pesquisa segura” – se estiver num lugar público neste momento, porém, talvez queira deixar para fazer a busca mais tarde, como um dever de casa.) Segundo Gallup e seus colaboradores, esta é uma outra

engenhosa adaptação escrotal. O reflexo cremastérico serve não só para elevar a temperatura testicular, mobilizando esperma para a ejaculação prestes a acontecer na vagina, mas (bônus adicional) oferece também proteção contra o dano que empurrões vigorosos durante o intercurso poderiam causar a testículos frouxos demais. Há também muitas outras hipóteses suplementares conectadas à hipótese da ativação. Por exemplo, os autores ponderam se a bem documentada preferência dos seres humanos – e bastante singular no reino animal – pelo sexo noturno pode ser ao menos parcialmente explicada por testículos sensíveis à temperatura. Embora os autores notem os muitos benefícios da cópula noturna (como a acomodação do sexo clandestino ou a minimização da ameaça de predação), essa preferência pode também refletir uma adaptação circadiana relacionada a escrotos descidos. Uma vez que nossa espécie evoluiu originalmente em regiões equatoriais onde as temperaturas durante o dia elevavam-se comumente acima da temperatura do corpo, seria difícil manter ajustes testiculares ideais nesse calor excessivo. Em contraste, ao entardecer e à noite as temperaturas ambientes caem abaixo da temperatura do corpo, retornando a condições termorregulatórias ideais para os testículos. Além disso, depois do sexo noturno a parceira do sexo feminino tende a dormir, permanecendo assim numa posição estacionária, muitas vezes supina, que também maximiza as probabilidades de fertilização. Embora a hipótese da ativação nos ajude a compreender melhor a arquitetura funcional, ainda que esquisita, das gônadas humanas masculinas, talvez ainda lhe pareça estranho que a natureza tenha investido tão pesadamente num banco genético tão precariamente situado. Afinal, ainda ficamos com o fato curioso de que esses preciosos gametas estão literalmente pendendo de um vaso completamente desprotegido. Gallup e seus colaboradores consideraram isto também: Qualquer explicação de testículos escrotais descidos deve também tratar dos enormes custos potenciais de ter os testículos situados fora da cavidade do corpo, onde são deixados praticamente desprotegidos e especialmente vulneráveis a afrontas e danos. Para serem compatíveis com a teoria evolucionária, os custos potenciais dos testículos escrotais não teriam de ser apenas contrabalançados por benefícios compensadores (isto é, ativação do esperma por ocasião da inseminação), mas esperaríamos também encontrar adaptações correspondentes que funcionassem para minimizar ou anular esses custos. Aqui entra a dor. Não apenas a dor, mas a dor inusitadamente aguda, lancinante, que acompanha o machucado testicular. A maioria dos homens tem histórias terríveis para contar a esse respeito – seja uma bolada na virilha ou o pontapé de um irmão –, mas todos nós homens temos algo em comum: tornamo-nos todos extraordinariamente hipervigilantes contra ameaças ao bem-estar de nossos testículos escrotais. Segundo os autores, o fato de os homens serem tão melindrosos e sensíveis em relação a essa parte do corpo em particular pode mais uma vez ser compreendida no contexto da biologia evolucionária. Se você é homem, a razão por que provavelmente tem um sobressalto maior ao ouvir as palavras “esmagamento” ou “ruptura” associadas a “testículo” do que ao ouvi-las associadas a, digamos, “braço” ou “nariz” é que os testículos são desproporcionalmente mais vitais para seu sucesso reprodutivo do que essas outras partes do corpo. Eu, por exemplo, tive de fazer uma pausa para me proteger antes de sequer digitar essas palavras juntas.

Não é que essas outras partes do corpo não sejam adaptativamente importantes, ou que não doam quando você se machuca. Trata-se antes de uma questão de grau de dor. A variação da sensibilidade à dor entre diferentes regiões do corpo, segundo essa visão, reflete a vulnerabilidade de diferentes adaptações e a importância que elas têm em seu sucesso reprodutivo. Muitas crianças nasceram de homens de nariz quebrado, mas nem uma única foi jamais gerada por um homem com testículos irreparavelmente danificados. O importante é que ancestrais do sexo masculino que aprenderam a proteger suas gônadas terão deixado mais descendentes, e a dor é um ótimo motivador para promover a ação defensiva preventiva. Ou, para pensar sobre isso de outra maneira: qualquer homem no passado ancestral que ignorasse ou apreciasse o dano testicular teria sido rapidamente extirpado do pool genético. As maravilhas do músculo cremastérico não terminam aqui. Ele também se flexiona em resposta a estímulos ameaçadores, de fato puxando os testículos para mais perto do corpo e pondoos fora de perigo. Na verdade, salientam os autores, médicos japoneses eram conhecidos por aplicar uma alfinetada na coxa interna de pacientes do sexo masculino como uma preparação cirúrgica: se o paciente não exibisse nenhum reflexo cremastérico, a anestesia epidural tinha pegado, e ele estava pronto para entrar na faca. Outras evidências sugerem que o medo e a ameaça de perigo desencadeiam o reflexo cremastérico. Há várias maneiras de testar isso em casa, se você estiver disposto. Trate apenas de assegurar que o dono dos testículos medrosamente reflexivos saiba o que você está querendo fazer antes de apavorá-lo. Portanto, aí está – uma explicação evolucionariamente informada dos testículos escrotais descidos nos seres humanos. É tudo uma maluquice? Não me deixem pendurado, pessoal. A bola está com vocês.

Tão perto e tão longe: a contorcida história da autofelação

MUITO ANTES QUE EU SOUBESSE tudo que sei sobre sexo, fiz o que muitos homens jovens fazem, ou seja, pus um rolo vazio de papel toalha sobre meu pênis e chupei esperançosamente a outra ponta do papelão. Certo, talvez nem todo mundo faça isso; eu estava um pouco confuso sobre o princípio da sucção. E agora estou um pouco embaraçado pela história, embora um ano inteiro tenha se passado depois disso e hoje eu esteja muito mais bem-informado sobre a felação. Ah, relaxa, estou só brincando. Bem, mais ou menos. Eu realmente tentei essa proeza, mas tinha doze ou treze anos na época. Para lhe dar uma ideia mais clara de meu parco conhecimento carnal nessa idade, esse foi também o momento aproximado em que comuniquei à minha irmã mais velha, de maneira muito sigilosa, que uma chupada [blow job] consistia em usar os próprios lábios para soprar [blow] uma brisa fresca no ânus de outra pessoa. Assim, para evitar confusões semelhantes, vamos definir nossos termos claramente. Autofelação, o assunto em pauta, é o ato de aplicar a boca aos próprios genitais para obter prazer sexual. A terminologia é importante aqui, porque pelo menos uma equipe de psiquiatras que escreveu sobre o tema distingue entre auto-fellatio e auto-irrumatio. No sexo não solitário, a maior parte da ação na felação cabe à parte que chupa, ao passo que no irrumatio a ação de enfiar tem um papel maior, a boca da outra pessoa servindo como um receptáculo passivo para o pênis. De qualquer maneira, meu ato com o rolo de papel toalha foi simplesmente um plano B naquela idade pueril, uma tentativa vã de contornar as óbvias limitações anatômicas da autogratificação oral. E, pelo que todos dizem, eu não fui o único a tramar o plano A. Em Comportamento sexual no macho humano, Alfred Kinsey e colegas relataram, de fato, que “uma considerável porção da população registra tentativas de autofelação pelo menos no início da adolescência”. Infelizmente, dadas a inoportuna caixa torácica e a espinha dorsal hesitante de nossa espécie, Kinsey estimou que somente dois ou três de cada mil homens são capazes de realizar essa façanha. Há a história do poeta italiano decadente Gabriele D’Annunzio, que teria mandado que lhe tirassem um osso para facilitar o ato, ou aquele antigo esquete no Saturday Night Live em que Will Ferrell se matricula num curso de ioga para se tornar flexível o bastante para fazer felação em seu próprio órgão. Mas a realidade com frequência é mais estranha que a ficção. Em 1975, a psiquiatra Frances Millican e colegas descreveram o caso real de um paciente “muito perturbado” que aprendeu ioga precisamente por essa razão. Agora, talvez você pense que ser parte do percentual ultraflexível da população é puro divertimento. (Todos nós ouvimos aqueles gracejos sobre nunca precisar sair de casa.) Mas pense de novo. Há uma longa e lamentável história de patologização desse comportamento; psiquiatras descreveram seus praticantes como sexualmente desajustados, presos num estado infantil de dependência lactente, ou mesmo motivados por desejos homossexuais reprimidos. Tome o caso descrito pelos psiquiatras Jesse Cavenar, Jean Spaulding e Nancy Butts, que escreveram em 1977

sobre um soldado solitário de 22 anos que vinha fazendo felação em si mesmo desde os doze. Ele ficava desesperado “pelo fato de que só era fisicamente capaz de incorporar a glande, e queria ser capaz de incorporar mais”. Sinceramente, devia ser tão – oh, qual é a palavra que estou procurando… ela está bem na ponta da minha língua – frustrante para esse pobre soldado. Essa é a suprema provocação, ele estar tão perto e no entanto tão longe. Desde os dias de Freud, psicanalistas deram tratos à bola sobre o assunto da autofelação. Num artigo de 1971 de autoria do psiquiatra Frank Orland, vemos a linguagem típica, cheia de jargão, usada para dissecar as bases “simbólicas” da autofelação, que é conceitualizada como um “anel de narcisismo” virtual: A autofelação representa uma recriação do estágio infantil precoce em que os representantes intrapsíquicos dos objetos externos estão separados do eu-objeto, com uma simbiose parasítica coexistente com o objeto externo. Através do fenômeno da autofelação, o ego restabelece o necessário domínio sobre o objeto externo representativo como uma defesa contra a perda do objeto e para restaurar a fusão parasítica com o mamilo-seio. Isto, senhoras e senhores, é o mais genuíno psicoblá-blá-blá – e eu lhes digo isto como psicólogo. Por vezes as pessoas são motivadas a lamber os próprios genitais simplesmente porque a sensação é agradável. Sempre haverá, é claro, aqueles, como o dúbio mestre de ioga, que levam isso um pouco longe demais e para os quais a autofelação contribui para a doença mental. O soldado mencionado acima, que não conseguia levá-la adiante o suficiente, ficou tão frustrado por sua fantasia semirrealizada que, quando se masturbava da maneira antiquada, só conseguia chegar ao clímax imaginando estar fazendo uma autofelação. O primeiríssimo caso psiquiátrico de autofelação publicado, que apareceu no American Journal of Psychiatry em 1938, foi também o mais chocante e patológico. O paciente era um balconista de 33 anos que, antes de ser encaminhado a Eugen Kahn e Ernest Lion, psiquiatras de Yale, acabara de cumprir uma pena de sessenta dias na prisão por agressão sexual. “Entre suas práticas perversas”, explicam os autores, “estavam pedofilia, cunilíngua, atos homossexuais (felação, sodomia e masturbação mútua), exibicionismo, travestismo, fetichismo, algolagnia, voyeurismo e espreita.” Mas esqueça todas essas parafilias banais. Os psiquiatras do homem ficaram especialmente intrigados por seu hábito mais inusitado. Esse paciente parece ter sido um sujeito um tantinho tortuoso. Os autores o descrevem como um pouco efeminado na postura, no andar e em maneirismos; não chegava a 1,58 m de altura – “um tanto magro e com quadris largos”, escreveram, com “um padrão feminino de distribuição do pelo pubiano” e “seu reflexo faríngeo é muito lento”. O paciente era o terceiro mais velho de oito filhos e cresceu numa família severa, religiosa, contra a qual os médicos julgam que se rebelou transgredindo notoriamente seus elevados padrões morais. Ao narrar aos psiquiatras as origens de seu interesse pela autofelação, o perturbado balconista lembrou-se de que quando tinha catorze anos fora convidado por um “menino aleijado” para fazer sexo oral com ele. O paciente, sendo tímido, recusou a oferta, mas a ideia daquilo fermentara e, sem coragem de abordar uma outra pessoa, resolveu encarregar-se ele mesmo do assunto. “Continuou tentando noite após noite, conseguindo curvar as costas cada vez mais, até que finalmente conseguiu em agosto de 1923.” (Só para o caso de você querer marcar o aniversário em

sua folhinha.) Acontece que gostou daquilo – tanto, na verdade, que mesmo em meio à longa litania de perversões que apreciava, o auto-irrumatio tornou-se instantaneamente seu ato autoerótico favorito. Os autores descrevem como, a partir de então, a excitação sexual do homem, de uma estranha maneira reminiscente do cão de Pavlov, foi acompanhada por uma “sensação de constrição na garganta”. Devia ser uma sensação terrivelmente incômoda, eu imagino, e pelo visto também difícil de resolver. “Ele tentou obter gratificação substituta”, dizem os autores “fumando ou estimulando a faringe com uma banana, ducha vaginal ou um cabo de vassoura. Essas coisas lhe proporcionavam diferentes graus de satisfação.” E, ao que parece, ele também superou a timidez e a falta de autoconfiança de sua adolescência: gostava particularmente de fazer felação em si mesmo diante de uma plateia chocada. Desde esse primeiro relato de caso por Kahn e Lion, um punhado de outros pingaram ao longo dos anos, com subsequentes investigadores tentando encontrar um conjunto de denominadores comuns de personalidade naqueles que preferem a autofelação a outras formas de sexo. Num artigo publicado em 1954 na Psychoanalytic Review, por exemplo, William Guy e Michael Finn viram um tema começando a emergir. “Em todas as descrições clínicas”, observam esses autores, “encontramos repetidamente termos como retraído, tímido, efeminado e passivo.” Isso é código para “bicha”, acredito, e de fato outros autores notaram de maneira mais expressa os desejos homossexuais frequentemente reprimidos desses praticantes da autofelação. Na verdade, a julgar pela escassa literatura, uma das grandes questões psicanalíticas que ainda não foi satisfatoriamente resolvida parece ser a extensão em que o envolvimento com autofelação – ou simplesmente o desejo de fazê-lo – indica uma atração erótica pelo mesmo sexo. Suspeito, no entanto, que a super-representação de homens gays naqueles velhos relatos de caso nada mais é que um reflexo do ethos cultural daqueles tempos. As investigações psiquiátricas mais recentes sobre autofelação datam do final dos anos 1970 (por volta da época em que o tênue domínio particular de Freud sobre a psiquiatra cessou), e as mais antigas, dos anos 1930; de modo que, em geral, os homens nelas descritos enfrentavam proscrições infundadas contra a homossexualidade. Isso significa que chegar aos pênis de outros homens era muito difícil. Assim, não é tão surpreendente que aqueles apavorados demais ou dentro do armário demais para praticar felação em um outro homem desenvolvessem graves neuroses após entregarem-se a seus próprios pênis. Um artigo publicado em 1946 no American Journal of Psychiatry exemplifica esse fenômeno. O caso envolve um primeiro-sargento (não confundir com o soldado que conhecemos antes) de 36 anos, extremamente inteligente e agradável, mas virginal, com desejos homossexuais secretos. Segundo o registro oficial, ele praticara a autofelação pela primeira vez aos treze anos, mas ficara tão horrorizado com esse “impulso” que nunca mais o repetiu – isto é, até um mês antes de chegar à enfermaria psiquiátrica do hospital. Após fazer um boquete em si mesmo a sós, o sargento tornouse intensamente paranoico, temendo que os outros soldados soubessem de seu comportamento de alguma maneira e que cada risinho, sussurro ou olhar desviado se relacionasse com sua transgressão. Ele sofreu um colapso nervoso ao ouvir a expressão “chupador de pau” flutuando de maneira casual e brincalhona no quartel, convencido de que ela se destinava justamente a ele. A história teve um desfecho bastante triste, pois, embora tivesse respondido bem à tranquilização dos médicos de que estava sendo excessivamente paranoico, o sargento foi exonerado por “não ser mais adaptável dentro do serviço militar”. Os terapeutas designados para o

caso, major Morris Kessler e capitão Geoge Poucher, chegaram a uma conclusão bastante estranha, da qual tenho a impressão que você poderia discordar. “A autossuficiência sexual”, escreveram eles, “seja por masturbação ou autofelação, é equivalente a ter uma afinidade com o próprio sexo.” Em outras palavras, se vocês, meus amigos homens heterossexuais, fossem fãs da masturbação manual em 1946 teriam sido tachados de pervertidos homossexuais secretos, que gostavam tanto de pênis que manipulavam seus próprios genitais. Durante a proibição de gays nas forças armadas na era Clinton, marcada pelo “Não pergunte, não conte”, isso teria feito da autofelação um caso gravíssimo, se ela tivesse aparecido nesse momento. E, falando sério, ainda bem que nos livramos daqueles tempos de ignorância de outrora. A cada um o que é seu – muito literalmente no caso da autofelação. Eu sei, eu sei, não tive sequer uma chance de falar sobre autocunilíngua em mulheres. Dados os obstáculos anatômicos ainda mais sérios na falta de um dispositivo reprodutivo protuberante, talvez esse comportamento em mulheres nem seja possível. Confesso que não sei; e não há nenhuma menção a isso na literatura científica. O equivalente feminino mais próximo da autofelação com que deparei é o caso de mulheres que sugam os próprios seios, para fins sexuais ou outros. Um terapeuta escreve sobre uma paciente do sexo feminino de extrema autossuficiência que tinha o hábito de fazer isso. Quando lhe perguntaram por quê, ela respondeu apenas: “Estou com fome.” Mas esta é uma outra história para um outro dia.

Por que o pênis tem esse formato?: versão sem cortes

SE ALGUM DIA você deu uma boa e longa olhada no falo humano, o seu ou o de outra pessoa, provavelmente ficou pensando sobre seu formato peculiar. Vamos admitir: ele não é o apêndice configurado do modo mais intuitivo em toda a evolução. Mas, segundo o psicólogo evolucionário Gordon Gallup, o pênis humano é na realidade uma “ferramenta” impressionante no sentido mais verdadeiro da palavra – uma ferramenta manufaturada pela natureza ao longo de centenas de milhares de anos de evolução humana. Talvez você se surpreenda ao descobrir o quanto ela é especializada. Além disso, ficaria pasmo com o que sua aparência pode nos revelar sobre a natureza de nossa sexualidade. O curioso sobre a evolução do pênis humano é que, em se tratando de algo que difere tão obviamente em forma e tamanho do de nossos parentes vivos mais próximos, somente nos últimos anos os pesquisadores tenham começado a estudar sua história natural mais detalhadamente. A razão para essa negligência não é clara. É difícil imaginar que cientistas pragmáticos pudessem estar preocupados que o assunto trouxesse à baila sentimentos puritanos. A questão tem, de fato, um fator risível inerente, então compreendo que é necessário um tipo especial de cientista psicológico para contar à velhinha sentada a seu lado num voo para Denver que ele estuda a maneira como as pessoas usam seus pênis quando ela lhe pergunta qual é o seu trabalho. Seja como for, se você pensa que só há uma maneira de usar o pênis, que ele é um mero instrumento de fertilização interna que não requer maior reflexão, ou que tamanho não importa, bem, isso só serve para mostrar o quanto você pode aprender com os achados da pesquisa de Gallup. A abordagem de Gallup ao estudo do design do pênis humano é um exemplo perfeito de engenharia reversa tal como a expressão é usada no campo da psicologia evolucionária, e engenharia reversa é um conceito muitas vezes não explicitado que você me verá usar repetidamente em todo este livro. Trata-se de uma técnica investigativa lógico-dedutiva para descobrir o propósito adaptativo ou a função de traços físicos, processos psicológicos ou preconceitos cognitivos existentes (ou sobreviventes). Isto é, se você começa com o que vê hoje – neste caso, o pênis com seu formato esquisito, sua glande bulbosa (a “cabeça”, na linguagem comum), sua haste longa e rígida, e a aresta coronal, que constitui uma espécie de lábio em forma de guarda-chuva entre essas duas partes – e vai recuando no tempo, observando como ele veio a assumir essa aparência, a engenharia reversa é capaz de propor um conjunto de hipóteses baseadas na função, derivadas da teoria evolucionária. Neste caso, estamos falando sobre pênis, mas a lógica da engenharia reversa pode ser aplicada a praticamente qualquer coisa orgânica, da forma de nossos dentes incisivos à oponibilidade de nossos polegares ou o arco de nossas sobrancelhas. Para o psicólogo evolucionário, as questões prementes são, essencialmente: Por que isso é assim? e Para que isso serve? A resposta não é sempre que se trata de uma adaptação biológica – de que aquilo resolveu algum problema evolucionário e portanto deu aos nossos ancestrais uma vantagem competitiva em termos de seu sucesso reprodutivo. Por vezes um traço é apenas um

“subproduto” de outras adaptações. O sangue não é vermelho, por exemplo, porque vermelho funcionava melhor do que verde, amarelo ou azul, mas apenas porque contém a proteína hemoglobina, que é uma excelente transportadora de oxigênio e dióxido de carbono e por acaso é vermelha. Mas no caso do pênis humano, todos os sinais indicam que ele veio a ter a aparência que tem por uma genuína razão adaptativa. Se você fosse examinar o pênis objetivamente – por favor, não o faça em público ou sem a permissão da outra pessoa – e comparar a forma desse órgão com o design do mesmo órgão em outras espécies, notaria as seguintes características unicamente humanas. Primeiro, apesar da variação de tamanho entre os indivíduos, o pênis humano é especialmente grande comparado ao dos outros primatas. Quando ereto, ele tem em média entre 12,5 e 15 centímetros de comprimento e cerca de 12,5 centímetros de circunferência. Nem o mais bem-dotado chipanzé, nosso parente vivo mais próximo, chega sequer perto disso. Mesmo considerando a massa total e o tamanho do corpo, os pênis dos chimpanzés têm cerca da metade do tamanho dos pênis humanos tanto em comprimento quanto em circunferência. Tenho a impressão de que sou uma fonte mais confiável a este respeito do que a maioria. Tendo passado os cinco primeiros anos de minha vida acadêmica estudando a cognição dos antropoides, vi um número incalculável de pênis simiescos. Certa vez passei um verão com um gorila prateado que tinha um pênis minúsculo (mas era um ótimo sujeito) e cuidei de um lascivo bebê orangotango que gostava de enfiar seu pênis em praticamente qualquer coisa com um buraco, o que infelizmente um dia incluiu minha orelha. Além disso, só a espécie humana tem aquela glande como uma calota de cogumelo, conectada à haste pelo fino tecido do frênulo (a delicada saliência de pele logo abaixo da uretra). Chimpanzés, gorilas e orangotangos têm um design fálico muito menos extravagante – quase só haste. Ocorre que uma das características mais significativas do pênis humano não é tanto a glande em si, mas a aresta coronal que ela forma por baixo. O diâmetro da glande onde ela encontra a haste é mais largo que a própria haste. Isso resulta na aresta coronal que circunda a circunferência da haste – algo que Gallup, usando a lógica da engenharia reversa, acreditava poder ser uma importante pista evolucionária das origens da estranha visão do pênis humano. Bem, a ironia não me escapa. Mas ainda que este psicólogo evolucionário em particular (este que vos fala) seja gay, para as finalidades da pesquisa devemos considerar a evolução do pênis humano em relação à vagina humana. Estudos de imagiologia magnética de casais heterossexuais fazendo sexo revelam que, durante o coito, o pênis típico se expande completamente e ocupa o aparelho vaginal, e com penetração total pode até chegar ao colo do útero da mulher e levantá-lo. Isso, combinado com o fato de que a ejaculação humana é expelida com grande força e por uma distância considerável (até sessenta centímetros se não contida), sugere que os homens são projetados para liberar esperma dentro da porção mais alta possível da vagina. Num artigo publicado na revista Evolutionary Psychology, Gallup e Rebecca Burch afirmam que “um pênis mais longo seria vantajoso não só para deixar sêmen numa parte menos acessível da vagina, mas, ao encher e expandir a vagina, ele também ajudaria e incitaria o desalojamento de sêmen deixado por outros machos como um meio de maximizar a probabilidade de paternidade”. Essa “teoria do desalojamento do sêmen” é a parte mais intrigante da história de Gallup. Talvez prefiramos ver nossa espécie como ditosamente monógama, mas, ao menos em algum grau, pular a cerca tem sido nosso modus operandi pelo menos desde que andamos sobre duas pernas. Como as células de esperma sobrevivem no muco cervical de uma mulher por até vários dias, se ela tiver

mais de um parceiro sexual do sexo masculino durante esse período, digamos dentro de 48 horas, o esperma desses dois homens estará competindo por acesso reprodutivo ao seu óvulo. Segundo Gallup e Burch, “exemplos incluem sexo em grupo, estupro por bando, promiscuidade, prostituição e insistência do macho residente em sexo em resposta a uma suspeita de infidelidade”. E embora o desalojamento do sêmen seja o objetivo do macho competidor, nem mesmo pênis satisfatoriamente desenvolvidos são perfeitos. De fato, como evidência das inclinações sexuais naturais de nossa espécie, os autores citam casos bem-documentados de heteroparidade, nos quais “gêmeos fraternos” são de fato gerados por dois pais diferentes que fizeram sexo com a mãe num intervalo curto de tempo. Como então a natureza equipou os homens para resolver o problema adaptativo de outros homens engravidando suas parceiras sexuais? A resposta, segundo Gallup, é que seus pênis foram esculpidos de tal maneira que o órgão iria efetivamente desalojar o sêmen de competidores da vagina de sua parceira, um efeito bem sincronizado facilitado pelo “sorvo” do empurrão dos quadris durante o intercurso. Especificamente, a saliência coronal oferece um serviço especial de remoção ao eliminar esperma estranho. Segundo essa análise, o efeito do empurrão dos quadris seria puxar o esperma de outros homens para fora do colo do útero e trazê-lo de volta em torno da glande, recolhendo assim o sêmen depositado por um rival sexual. Você poderia pensar que tudo isso é muito bonito, mas não é possível provar uma coisa dessas. Mas, nesse caso, estaria subestimando Gallup, que vem a ser um pesquisador experimental muito talentoso (entre outras coisas, ele é também muito conhecido por desenvolver, no início dos anos 1970, o famoso teste do autorreconhecimento no espelho para ser usado com chimpanzés). Numa série de estudos publicados na revista Evolution and Human Behavior, Gallup e uma equipe de alunos seus puseram a hipótese do desalojamento do sêmen à prova usando genitálias humanas artificiais de diferentes formatos e tamanhos. Chegaram até a preparar várias fornadas de fluido seminal realístico. Os achados do estudo podem não ter “provado” a hipótese do desalojamento do sêmen, mas sem dúvida confirmaram seus pontos principais. Aqui está como o plano básico do estudo funcionou. (E talvez eu deva me antecipar ao refrão usual observando que sim, Gallup e seus colaboradores receberam plena aprovação ética de sua universidade para conduzir esse estudo.) Os pesquisadores selecionaram vários conjuntos de genitais protéticos de lojas de novidades eróticas, inclusive uma realística vagina de látex, vendida como companheira de masturbação para homens heterossexuais solitários e amarrada numa ponta para impedir vazamento, e três falos artificiais. O primeiro falo de látex tinha 15,5cm de comprimento e 3,3cm de diâmetro, com uma aresta coronal que se estendia por cerca de cinco milímetros a partir da haste. O segundo era do mesmo comprimento, mas sua aresta coronal estendia-se por apenas 1,2 milímetro a partir da haste. Por fim, o terceiro igualava-se aos outros dois no comprimento, mas era inteiramente desprovido de aresta coronal. Em outras palavras, enquanto os dois primeiros falos assemelhavam-se bastante ao pênis humano real, o terceiro (o falo de controle) era o cavaleiro sem graça e acéfalo do bando. Em seguida, os pesquisadores usaram uma receita de sêmen simulado emprestada de outro psicólogo evolucionário de ideias parecidas, Todd Shackelford, e prepararam várias fornadas de fluido seminal. A receita “consistia em 0,08 xícara de farinha crua, branca e peneirada misturada com 1,06 xícara de água. Essa mistura era posta no fogo até levantar fervura, cozida em fogo brando por 15 minutos, sendo mexida ao mesmo tempo, e depois posta para esfriar”. Numa série

controlada de “ensaios de desalojamento”, a vagina era carregada com esse sêmen falso, e os falos eram inseridos em diferentes profundidades (para simular o empurrão dos quadris) e removidos, e depois disso o orifício de borracha era examinado para determinar quanto sêmen havia sido desalojado dele. Como fora previsto, os dois falos com as arestas coronais desalojaram significativamente mais sêmen da vagina (cada um removeu 91%) que o controle “sem cabeça” (35,3%). Adicionalmente, quanto mais os falos eram inseridos – isto é, quanto mais profunda era a inserção –, mais sêmen era desalojado. Quando inserido até três quartos da extensão da vagina, o falo com a aresta coronal mais impressionante removeu somente um terço do sêmen, ao passo que, quando inserido completamente, removeu quase todo o sêmen. A inserção rasa, simulada pelos pesquisadores inserindo o falo artificial até a metade ou menos da extensão da vagina artificial, não desalojou nenhum sêmen. Portanto se você quer um conselho que o ajudará a ter mais sucesso na corrida armamentista evolucionária, não hesite – vá fundo. Para a segunda parte do estudo, Gallup administrou um questionário a estudantes universitários sobre sua história sexual. Tomadas de estudos anteriores que mostravam como o ciúme sexual inspira respostas previsíveis (e biologicamente adaptativas) de “proteção da companheira” em machos humanos, essas questões destinavam-se a determinar se certo “comportamento peniano” (a expressão é minha, não deles) podia ser esperado com base na suspeita, pelos homens, de infidelidade em suas parceiras. No primeiro desses questionários anônimos, homens e mulheres relataram que na esteira de alegações de traição da mulher, os homens inserem seus pênis mais profunda e rapidamente. Resultados de um segundo questionário revelaram que ao se reencontrarem sexualmente pela primeira vez após algum tempo separados, os casais se envolviam num sexo mais vigoroso – isto é, comparado com a atividade sexual de linha de base, quando os casais se encontram mais regularmente, o intercurso vaginal após períodos de separação envolvia empurrões mais rápidos e profundos dos quadris. Espero que você esteja pensando como um psicólogo evolucionário neste ponto e possa inferir o que esses dados de levantamento significam: usando seus pênis de maneira mais proficiente como um dispositivo de desalojamento, os homens estão subconscientemente (em alguns casos conscientemente) combatendo a possibilidade de que suas parceiras tenham feito sexo com outro em sua ausência. Duvida desta interpretação? O que há de realmente bonito na psicologia evolucionária – ou de mais frustrante, se você for um de seus muitos críticos – é que você não precisa acreditar que é verdade para que isso funcione precisamente dessa maneira. A seleção natural não se importa muito caso você prefira uma explicação alternativa para a razão por que você fica tão excitado ao se reencontrar com sua parceira. Seu pênis executará sua tarefa de desalojar esperma da mesma maneira. Muitas outras hipóteses relacionadas baseiam-se na lógica central da teoria do desalojamento do sêmen. Em sua obra de 2004, Evolutionary Psychology, por exemplo, Gallup e Burch expõem várias ideias fascinantes derivadas dela num artigo de acompanhamento de seu trabalho anterior sobre a história natural do pênis. Por exemplo, uma crítica óbvia à teoria é que os homens iriam essencialmente prejudicar seu próprio sucesso reprodutivo ao remover o próprio esperma da parceira sexual. No entanto, em sua própria vida sexual você terá provavelmente notado o “período refratário” que se segue imediatamente à ejaculação, durante o qual os homens perdem sua tumescência de maneira quase instantânea (a ereção esvazia-se para metade de seu tamanho pleno dentro de um minuto após a ejaculação), seus pênis se tornam hipersensíveis e continuar

empurrando os quadris torna-se até um pouco doloroso. Na verdade, por algo entre trinta minutos e 24 horas, a maioria dos homens fica temporariamente impotente após a ejaculação. Segundo Gallup e Burch, essas características pós-ejaculatórias, além do efeito de “sedação” comum do orgasmo, podem ser adaptações ao problema do “desalojamento do próprio sêmen”, significando que as chances de remover seu próprio esperma são consideravelmente reduzidas quando seu pênis está dolorido e flácido ou enquanto você dorme profundamente. Gallup e Burch também nos deixam com uma questão hipotética muito intrigante em seu artigo. “É possível (salvo por inseminação artificial)”, perguntam eles, “que uma mulher engravide de um homem com quem nunca fez sexo? Pensamos que a resposta é ‘sim’.” É uma ideia difícil de entender, mas basicamente Gallup e Burch dizem que a teoria do desalojamento prevê que algo como o exemplo seguinte seria possível (observe que fiz alterações a partir do artigo original para seu prazer de leitura; observe também como a situação é especialmente relevante para homens não circuncidados): se “Josh” fosse fazer sexo com “Kate”, que recentemente fez sexo com “Mike”, no processo de Josh empurrar seu pênis para a frente e para trás na vagina, parte do sêmen de Mike seria impelido para baixo do frênulo de Josh, se acumularia atrás de sua aresta coronal e seria desalojado da área mais próxima ao colo do útero. Depois que Josh ejacula e substitui o sêmen de outro macho pelo seu, quando ele se retira da vagina, parte do sêmen de Mike ainda estará presente na haste de seu pênis e atrás de sua aresta coronal. Quando sua ereção cede, a glande se recolhe sob o prepúcio, levantando a possibilidade de que parte do sêmen de Mike tenha sido capturada sob o prepúcio e atrás da aresta coronal nesse processo. Se Josh fosse então fazer sexo com “Amy”, várias horas depois, é possível que parte do sêmen desalojado de Mike ainda estivesse presente sob seu prepúcio, podendo assim ser inadvertidamente transmitido a Amy, que por sua vez poderia então ser fecundada pelo esperma de Mike. Esta não é exatamente uma imaculada conceição. Mas imagine só os gritos sufocados da plateia de um programa de auditório. As pessoas têm alguns sentimentos bastante fortes em relação a pênis. As reações iniciais ao ensaio que você acaba de ler foram de incrédulas (“Está sugerindo seriamente que chimpanzés não são promíscuos?”) a bastante irritadas (“Mais um pensamento idiota e tendencioso de um ‘psicólogo evolucionário’”), passando pelas imaginosas (“Pênis! Eles são tão fofinhos, a gente tem vontade de beliscar suas bochechas e lhes dar um doce”). Por isso decidi conversar diretamente com Gordon Gallup, cuja controversa teoria do desalojamento do sêmen, afinal, foi o que provocou toda a comoção em torno do funcionamento adaptativo desse órgão enigmático. Talvez ele pudesse nos oferecer mais alguns detalhes elucidativos sobre a teoria. Peguei algumas das questões essenciais e pedi a Gordon que respondesse. PERGUNTA:

A genitália de borracha não foi lá muito convincente porque os modelos eram circuncidados, e na vida real o prepúcio iria interferir com as funções de desalojamento do sêmen da aresta coronal. O prepúcio representa portanto um problema para a teoria do desalojamento do sêmen? GALLUP : O tamanho do prepúcio é uma das características mais variáveis do pênis humano. Quando a maioria dos homens não circundados obtém uma ereção, ela empurra o prepúcio para trás sobre a glande e para baixo sobre a haste do pênis, permitindo à aresta coronal fazer seu trabalho e recolher o sêmen dos machos rivais do colo do útero da mulher. Como a circuncisão reduz o diâmetro da haste imediatamente atrás da glande e acentua a aresta coronal,

especulamos que a prática da circuncisão pode ter modificado inadvertidamente o pênis de maneiras que lhes permitem funcionar como um dispositivo mais eficiente de desalojamento de sêmen. Especulação de poltrona? Não. Seria possível testar a ideia comparando a incidência de não paternidade entre homens circuncidados e intactos. Minha previsão seria de que entre homens circuncidados a incidência de cornos deve ser menor. PERGUNTA: Então por que os pênis humanos evoluíram para ter algum prepúcio? GALLUP : A evolução não ocorre segundo um plano. A melhor maneira de pensar sobre a maioria das adaptações é em termos de razões de custo/benefício. Suspeito que o prepúcio proporcionava uma proteção à glande e o que vemos é o resultado de uma espécie de solução de compromisso estatística. PERGUNTA: Se os pênis realmente evoluíram para desalojar sêmen, por que outras espécies primatas promíscuas, isto é, os chimpanzés, não teriam desenvolvido pênis de design semelhante, com a aresta coronal? GALLUP : Novamente, a evolução não obedece a um plano. Ela ocorre por seleção, e a matéria-prima para essa seleção consiste tão somente em acidentes genéticos aleatórios (mutações). A história evolucionária do design genital humano encerrou algumas mutações do formato do pênis, não presentes em outras espécies, que levaram a um dispositivo que podia ser usado na competição com outros homens pela paternidade. Outros primatas promíscuos, como os chimpanzés, resolveram o problema por meio da competição do esperma. Os chimpanzés machos têm testículos três vezes maiores que os humanos, e as diferenças na contagem de espermatozoides são da mesma ordem de magnitude. Os chimpanzés competem uns com os outros pela paternidade deixando o maior e mais potente volume de sêmen no aparelho reprodutivo feminino. Quando se trata de seleção baseada em acidentes genéticos, há várias maneiras de esfolar o gato adaptativo. Bering falando. E por falar em gatos, e pênis, talvez seja útil refletir, ao terminar, sobre os pênis dos gatos. Como os machos humanos, os gatos machos possuem pênis extraordinariamente especializados. Eles vêm equipados com uma faixa de cerca de 150 espinhos apontados para trás que raspam, como um ancinho, as paredes da vagina da gata (daí o uivo ensurdecedor que muitas vezes acompanha o sexo felino). Isso provoca ao mesmo tempo a ovulação e desaloja o esperma de machos anteriores que possam ter cruzado com ela recentemente. Deveríamos ser gratos – e digo isso como um homem gay, e portanto não sem algum interesse em toda essa penosa questão – pelo fato de a evolução ter seguido um curso mais suave em nossa espécie.

Não tão depressa… O que há de tão “precoce” na ejaculação precoce?

OCORREU-ME POUCO TEMPO ATRÁS , em condições que deixo para sua ampla e provavelmente sórdida imaginação (como você se atreve?), que o próprio conceito de ejaculação precoce em machos humanos é estranho, ao menos de uma perspectiva teórica evolucionária. Afinal, a função da ejaculação não é realmente uma ocorrência biológica misteriosa; ela é um mecanismo projetado pela natureza para lançar sêmen, e portanto células de espermatozoides, o mais longe possível no abismo escuro e labiríntico do aparelho reprodutor feminino. E quando um desses gametas masculinos impetuosamente arremessados, numa vigorosa corrida contra milhões de outras células com uma única tarefa, encontra um óvulo fértil e o penetra, e – milagre dos milagres – a concepção bem-sucedida ocorre, quer dizer, a seleção natural pode congratular a si mesma por um trabalho bem-feito. Assim, dados estes fatos biológicos básicos – e supondo que a ejaculação não seja tão precoce que ocorra antes da intromissão e os espermatozoides se vejam embaraçosamente fora do aparelho reprodutivo de uma mulher, agitando-se de um lado para outro como peixes fora d’água –, o que, exatamente, há de tão “precoce” na ejaculação precoce? Na verdade, tudo o mais sendo igual, no passado ancestral, não teria havido provavelmente algumas vantagens reprodutivas em ejacular o mais depressa possível durante o intercurso intravaginal – tal como inseminar o maior número possível de mulheres no menor intervalo de tempo possível? Ou permitir a nossos ancestrais concentrarem-se em outros comportamentos adaptativos além do sexo? Ou talvez, sob condições subreptícias de acasalamento, praticar o ato de maneira pronta e rápida sem provocar uma grande cena? Como tantas outras coisas, ocorre que esse meu insight estava na verdade várias décadas atrasado, porque em 1984, quando eu ainda não passava de um ejaculador precoce, um sociólogo chamado Lawrence Hong publicou um artigo extremamente especulativo, mas muito original, nessas mesmas linhas, de que vale a pena nos ocuparmos aqui. Ele é apropriadamente intitulado “Survival of the Fastest: On the Origin of Premature Ejaculation”. Nesse artigo, Hong – cujo trabalho mais recente, até onde pude apurar, foi sobre a transgeneridade de cabaré – propõe que durante o longo curso da história evolucionária, “um parceiro despachado, que montasse rapidamente, ejaculasse de imediato e desmontasse sem demora poderia [ter sido] o melhor para a fêmea”. O fator empírico mais importante para que Hong chegasse a essa conclusão é o fato de que, em média, os machos humanos alcançam o orgasmo ejaculando apenas dois minutos após a penetração vaginal, ao passo que as donas dessas vaginas levam, em média, duas vezes mais tempo para fazer o mesmo depois que um pênis se introduz nela – isto é, quando chegam a ter um orgasmo em algum momento. Esse óbvio desencontro entre latências de orgasmo só pode ser compreendido, raciocina Hong, se reconhecermos que o sexo evoluiu, pelo menos de início, para fins puramente

reprodutivos. Não se deve esquecer, lembra-nos ele, que o sexo heterossexual recreativo só foi permitido por inovações tecnológicas relativamente recentes, como os dispositivos contraceptivos. Hong compara os hábitos de acasalamento dos seres humanos com os de outros ejaculadores rápidos – e não tão rápidos – na família primata, observando que quanto mais rápida uma espécie primata é na esfera do coito, menos agressiva é quando se trata de comportamentos relacionados ao acasalamento. Ele chama isso de “hipótese da baixa velocidade/agressividade elevada”. Por exemplo, os resos frequentemente se envolvem em longas e árduas sessões de coito, em que o sexo com uma fêmea pode se estender por mais de uma hora de cada vez (incluindo muitos intervalos, e portanto sem inserção contínua). Isso pode parecer ótimo, mas antropomorfizadores libidinosos advertem: o sexo entre esses macacos é uma atividade caótica e violenta, em grande parte porque a duração do ato muitas vezes atrai atenção hostil de outros machos competitivos. Em contraste, espécies primatas cujos machos evoluíram para ejacular rapidamente teriam evitado em grande parte essa violência mortífera, ou pelo menos a teriam minimizado num grau considerável. Essencial para a análise de Hong é a ideia de que latências na ejaculação intravaginal em machos são hereditárias; havia inicialmente variações de nível dentro da população em nossos ancestrais machos, conjectura ele, mas ao longo do tempo “a linhagem de Homo sapiens tornou-se superpovoada por ejaculadores rápidos”. Segundo Hong, isso aconteceu porque machos jovens em idade reprodutiva que ejaculavam mais rapidamente (isto é, tinham pênis mais sensíveis) evitavam ferimentos, viviam mais tempo e por isso tinham maior chance de alcançar um status elevado e adquirir as fêmeas mais desejáveis. O raciocínio de Hong sobre esses elementos de hereditariedade de fato recebeu apoio recente. Talvez você tenha deixado isto escapar em sua leitura mensal de periódicos, mas em 2009, num artigo publicado no International Journal of Impotence Research, uma equipe de psicólogos finlandeses liderada por Patrick Jern relatou evidências de um amplo estudo de gêmeos mostrando que a ejaculação precoce é significativamente determinada por fatores genéticos. Milhares de pares de gêmeos do sexo masculino – fraternos e idênticos – responderam a um questionário sobre quanto tempo demoravam para chegar ao orgasmo; e os tempos de gêmeos idênticos eram mais estreitamente assemelhados entre si que os de gêmeos fraternos. Portanto, tal como Hong supôs muitos anos atrás, este é realmente um traço herdado; se vocês duvidam, vão em frente, rapazes, e tenham aquela embaraçosa conversa com seus pais. Na verdade, uma vez que descobriram que a ejaculação retardada – o outro extremo do contínuo da latência da ejaculação – não revelava essas contribuições genéticas, Jern e colegas concordam em geral com Hong, postulando que a ejaculação “precoce” pode ser um produto da seleção natural, ao passo que a ejaculação retardada “seria completamente disfuncional”. Os ejaculadores retardados são consideravelmente mais raros, com uma taxa de prevalência de apenas 0,15% na população masculina, comparados aos nada menos que 30% de ejaculadores precoces; e sua condição na maior parte é devida a enfermidades crônicas ou ao uso recente de antiadrenérgicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina, neurolépticos ou outros medicamentos dos nossos dias que estão muitas vezes associados com anorgasmia como um deplorável efeito colateral. Conferindo maior credibilidade ao modelo evolucionário há um conjunto separado de dados fornecidos pelos próprios sujeitos publicados no Journal of Sexual Medicine, em que Jern e colegas demonstraram que as latências de ejaculação eram significativamente menores quando homens chegavam ao orgasmo através de penetração vaginal do que quando o faziam no curso de

outras atividades, como sexo anal, oral ou manual. De fato, à luz dessas latências diferenciais de ejaculação, os autores sustentam que desmembrar o próprio construto desse “timing” orgásmico em comportamentos sexuais discretos seria melhor do que tratá-lo como um fenômeno clínico geral. E oferecem vários acrônimos úteis para esses subtipos de latência de ejaculação, também, como “Tleo”, para “tempo de latência da ejaculação oral”, e “Tlem” para “tempo de latência da ejaculação na masturbação”. Estou com a incômoda sensação de que deixamos alguma coisa de fora da equação evolucionária com relação à variação nas latências masculinas de ejaculação. Hum… Mas o que poderia ser? Oh, é claro, é a satisfação sexual das mulheres. Na realidade, Hong não deixou os orgasmos femininos inteiramente fora desta viscosa análise; ele apenas não os considerou centrais para pressões seletivas. Presumivelmente, como outros teóricos daquela época que escreveram sobre as razões biológicas para orgasmos femininos (como Stephen Jay Gould, que pensava que orgasmos femininos eram algo muito parecido com mamilos masculinos, um feliz resquício do Bauplan, ou projeto embriológico humano), ele via o prazer das mulheres como uma característica agradável, mas irrelevante, do sexo humano que a natureza tinha jogado na mistura. Hong reconhece – com grande humildade e humor, de fato – que suas ideias sobre as origens evolucionárias da ejaculação precoce em machos humanos são sobretudo conjecturas. E elas foram criticadas pelo psicólogo Ray Bixler. Entre as muitas falhas que Bixler encontra na teoria da “sobrevivência dos mais rápidos” de Hong está a de que sua lógica básica simplesmente não se coaduna com a óbvia busca de intercurso sexual por parte da fêmea. Em chimpanzés, por exemplo – uma espécie para a qual as latências de ejaculação do macho são medidas em segundos, não em minutos –, com frequência são as fêmeas que iniciam comportamentos de acasalamento. Além disso há o fator “ui!” de ter uma parceira fêmea não excitada, cujos genitais secos não são nada convidativos. Se o modelo de Hong estivesse correto, diz Bixler, “haveria pouca ou nenhuma causa proximal, afora a coerção, para a cooperação da fêmea – e deveria estar muito claro que ela teria de cooperar caso o acasalamento voluntário devesse ser rápido! Se ela não estivesse lubrificada, ele teria de introduzir o pênis raspando-o, uma experiência penosa para a mulher e… ‘não prazerosa’ para ele também”. De maneira decepcionante, o pensamento evolucionário sobre esse assunto se detém mais ou menos por aqui. Ao que parece, nenhum outro teórico – pelo menos nenhum outro teórico evolucionário de inclinação experimental – seguiu o exemplo de Hong na tentativa de desemaranhar argumentos adaptacionistas concorrentes com relação às latências de ejaculação masculinas. Suspeito que peças do quebra-cabeça flutuam por aí, como a pesquisa finlandesa que mostra que o sexo vaginal conduz a ejaculações mais rápidas comparado a outros comportamentos sexuais. Mas o artigo de Hong apareceu antes de seu tempo – ele próprio precoce, à luz da biologia evolucionária mais informada de hoje, que está pronta agora para construir um modelo empírico com mais nuances sobre esse legado evolucionário que está por trás do fato de tantos de nós terminarmos depressa. Uma outra grande peça do quebra-cabeça talvez esteja ligada às habilidades cognitivas sociais singularmente evoluídas de nossa espécie. É possível que apenas dezenas de milhares de anos atrás, uma ínfima lasquinha de tempo no longo curso de nossa história primata, os ancestrais humanos tenham se tornado a única espécie capaz de experimentar empatia com seus parceiros sexuais durante o intercurso. Os homens puderam então pensar em satisfazer suas parceiras durante

o sexo, e não apenas a si mesmos, prolongando assim, deliberadamente, o ato do coito para retardar seu próprio orgasmo em benefício delas. Antes disso, nossos ancestrais mais distantes talvez fossem mais semelhantes aos chimpanzés, vendo o corpo de outrem como carne sem sentimentos. Dado o desagradável estigma associado à ejaculação precoce, uma abordagem evolucionária do “problema” poderia influenciar enormemente os tratamentos clínicos, uma área terapêutica que (não surpreendentemente) gera muito dinheiro e em que não faltam trabalhos sendo feitos. De todo modo, as ideias seminais de Hong deveriam fazer com que todos nós parássemos de rotular qualquer ejaculação intravaginal particular de “precoce” e refletíssemos. É bem possível que a Mãe Natureza, que afinal de contas talvez seja o único amante que realmente importa, tivesse uma predileção especial por nossos ancestrais de um minuto.

Ode às muitas virtudes evolutivas do sêmen humano

DEPAREI COM UM TESOURO SECRETO , uma profusão de fatos até agora desconhecidos, apenas recentemente revelados por uma equipe de psicólogos evolucionários. Uma advertência vital, porém: embora os dados e informações que estou prestes a compartilhar exalem a promessa de melhorar de maneira espetacular praticamente todos os aspectos de seu bem-estar, eles também podem ter consequências trágicas – até fatais – se abusados. De fato, isso tanto é verdade que pesei os méritos de divulgar esse material e o faço aqui apenas com grande prudência e cautela. Portanto, por favor, sejam sensatos ao digerir este conhecimento relacionado ao sêmen, e mais sensatos ainda ao aplicá-lo às suas próprias vidas sexuais. Como ocorre com as origens de tantas grandes descobertas científicas, esta história começa com uma feliz cadeia de eventos casuais. “Nosso interesse pelas propriedades psicológicas do sêmen surgiu como um subproduto de um interesse inicial pela sincronia menstrual”, explicam os codescobridores Gordon Gallup e Rebecca Burch, escrevendo sobre o sêmen humano. Em particular, Gallup e Burch toparam com um conjunto de dados curiosos de meados dos anos 1990 mostrando que, diferentemente de mulheres heterossexualmente ativas que moram juntas, casais de lésbicas que compartilham uma residência não exibiam o conhecido “efeito McClintock”, em que ciclos menstruais de mulheres que coabitam (bem como os de fêmeas de muitas outras espécies) são sincronizados. Como se sabe que sinais olfativos sutis (chamados feromônios) medeiam a sincronia menstrual, escrevem os autores, “isso nos pareceu muito peculiar… porque era de se esperar que lésbicas estivessem em contato diário mais próximo, mais íntimo, uma com a outra que outras mulheres que moram juntas. O que há em mulheres heterossexuais que promove a sincronia menstrual, ou inversamente, o que há nas lésbicas que impede a sincronia menstrual? Ocorreu-nos que um traço que distingue mulheres heterossexuais de lésbicas é a presença ou ausência de sêmen no aparelho reprodutivo feminino. As lésbicas fazem sexo livre de sêmen”. Talvez você já esteja vendo onde isso vai levar. Gallup e Burch raciocinaram que, através da absorção vaginal, certas substâncias químicas presentes no sêmen humano afetam a biologia feminina de tal maneira que mulheres que fazem sexo sem preservativo começam literalmente a cheirar diferente daquelas – lésbicas ou não – que não o fazem. Pelo menos, os corpos das primeiras emitem feromônios que “arrastam consigo” ciclos menstruais entre mulheres que coabitam. (Esse pressentimento foi na verdade confirmado quando eles reviram a literatura existente sobre sincronia menstrual.) Mas essa descoberta casual das lésbicas assincrônicas foi apenas a ponta do iceberg do sêmen para Gallup e Burch, que logo descobriram que, embora muito se soubesse entre os biólogos sobre a química básica do sêmen, praticamente não se sabia nada sobre a maneira precisa como essas substâncias químicas podiam influenciar a biologia, o comportamento e a psicologia feminina. E essa é, na realidade, uma omissão bastante estranha na literatura biológica, uma vez que poucas coisas poderiam ser mais óbvias em termos darwinianos que o fato de que o sêmen é, quase

por definição, naturalmente projetado para penetrar na quimicamente absortiva vagina. Tenha em mente que, embora sejam muitas vezes confundidos no linguajar cotidiano, junto com muitos outros termos menos científicos, sêmen não é a mesma coisa que espermatozoide. De fato, talvez você se surpreenda ao saber que só cerca de 1 a 5% da ejaculação humana habitual consiste em espermatozoides. O resto dela, depois de drenada desses gametas famosamente flagelados, é chamado de “plasma seminal”. Assim, quando se discute a composição química do sêmen, é o próprio plasma, não os espermatozoides, que está em questão. Ora, há muito tempo os médicos sabem que a vagina é uma rota ideal para a administração de medicamentos. A razão disso é que ela é cercada por uma rede vascular impressionante. Artérias, vasos sanguíneos e vasos linfáticos abundam, e – diferentemente de algumas outras rotas de administração – os medicamentos absorvidos pelas paredes vaginais têm uma linha quase direta para o sistema circulatório periférico do corpo. Portanto, faz infinito sentido, argumentam Gallup e Burch, que, como qualquer substância química artificialmente derivada inserida na vagina por meio de um supositório vaginal, o sêmen possa também ter certas propriedades químicas que ajustam a biologia feminina. Ocorre que esse insight, tão óbvio a ponto de ser quase invisível, foi uma mina de ouro teórica para esse arguto par de pensadores voltados para a adaptação. Mas antes de saltar em seu rico tonel de teoria seminal, vamos dar uma rápida olhada em alguns dos ingredientes essenciais do sêmen humano. Na verdade, o sêmen tem um perfil químico muito complicado, contendo mais de cinquenta compostos diferentes (incluindo hormônios, neurotransmissores, endorfinas e imunossupressores), cada um com uma função especial e ocorrendo em diferentes concentrações dentro do plasma seminal. Talvez o mais surpreendente desses compostos seja o feixe de substâncias que melhoram o humor no sêmen. Essa gosma faz bem. Tais substâncias químicas incluem cortisol (conhecido por aumentar a afeição), estrona (que melhora o humor), prolactina (um antidepressivo natural), oxitocina (também melhora o humor), hormônio liberador da tireotropina (um outro antidepressivo), melatonina (agente indutor do sono) e até serotonina (talvez o neurotransmissor antidepressivo mais conhecido). Dados esses ingredientes – e esta é apenas uma pequena amostra das “drogas” psicoativas encontradas no sêmen humano –, Gallup e Burch, juntamente com o psicólogo Steven Platek, formularam, de maneira bastante ousada, a hipótese de que mulheres que faziam sexo desprotegido deviam ser menos deprimidas que participantes adequadas de um grupo de controle. Para investigar se o sêmen tem efeitos antidepressivos, os autores reuniram 293 estudantes do sexo feminino do campus da Suny (State University of New York), em Albany, que concordaram em preencher um questionário anônimo sobre vários aspectos de suas vidas sexuais. Atividade sexual recente sem preservativo foi usada como uma medida indireta de plasma seminal circulando no corpo da mulher. Cada participante completou também o Inventário Beck de Depressão, uma medida comumente usada de sintomas depressivos. Os achados mais significativos desse estudo, publicado de maneira criminosamente discreta na Archives of Sexual Behavior, foram estes: mesmo após ajustar a frequência do intercurso sexual, mulheres que praticavam sexo e “nunca” usavam preservativos mostravam um número significativamente menor de sintomas de depressão do que aquelas que “em geral” ou “sempre” usavam preservativos. É importante ressaltar que essas mulheres sexualmente ativas que rejeitavam cronicamente o preservativo também evidenciavam menos sintomas depressivos do que aquelas

que se abstinham de sexo por completo. Em contraposição, mulheres heterossexuais sexualmente ativas, mesmo realmente promíscuas, que usavam preservativos eram tão deprimidas quanto as que praticavam a abstinência total. Em outras palavras, não é apenas que mulheres que fazem sexo são simplesmente mais felizes, mas a felicidade parece ser uma função do fluido seminal ambiente que pulsa através das veias de uma pessoa. Relaxe, sossegue, respire fundo – sei o que você está pensando. Este é um estudo de correlação, e há muitas outras possíveis causas e explicações, tanto aquelas que os autores previram e controlaram no projeto desse estudo (não deixe de ler o trabalho original para mais detalhes, mas note que essas diferenças na depressão entre grupos se manifestaram mesmo depois que os seguintes fatores foram controlados: o uso de contraceptivos orais, o número de dias desde o último sexo, a frequência do sexo e a duração da relação com o parceiro do sexo masculino) quanto, provavelmente, algumas que você mesmo pode sugerir. Até os autores recomendam certo grau de ceticismo: “É importante reconhecer que esses dados são de natureza preliminar e correlativa, e, como tais, apenas sugestivos. Evidências mais definitivas de efeitos antidepressivos do sêmen exigiriam mais manipulação direta da presença de sêmen no aparelho reprodutivo e, idealmente, a medida dos componentes seminais no sangue da pessoa recipiente.” Bem, estou tergiversando aqui, mas uma coisa que de fato quero mencionar, com o prestimoso consentimento dos autores desse estudo, é que os efeitos antidepressivos do plasma seminal talvez não se limitem à absorção vaginal de suas propriedades químicas animadoras do humor. “Seria interessante investigar”, escrevem Gallup e seus colaboradores, “os possíveis efeitos antidepressivos da ingestão oral de sêmen, ou sêmen aplicado através do intercurso anal (ou ambos) em casais tanto heterossexuais quanto de homens homossexuais.” Assim, em minha sondagem da literatura empírica em busca de estudos sobre sexo anal não protegido entre gays do sexo masculino, conhecido em inglês como barebacking, deparei com grande quantidade de pesquisas exatamente sobre esse tópico. Grande parte desse trabalho, de maneira compreensível, está na literatura sobre a prevenção do HIV. Um estudo particularmente revelador, porém, vem de um relato publicado em 2005 na revista Nursing Inquiry, em que os investigadores canadenses Dave Holmes e Dan Warner entrevistaram gays do sexo masculino que praticavam sexo anal sem proteção – não enquanto estavam envolvidos no ato, mas através de introspecção posterior – sobre suas motivações para preferir se abster do uso de preservativos no sexo anal à luz dos óbvios perigos de infecção. O resultado mais intrigante que emergiu desse estudo – no contexto da perspectiva teórica global de Gallup e Burch com relação à psicobiologia do sêmen – foi o número de sujeitos entrevistados que viam a troca de sêmen através do sexo anal desprotegido como lhes proporcionando um sentimento palpável de “ligação” com seus parceiros do mesmo sexo, um sentimento que só acontecia com a ejaculação internamente desimpedida. Infelizmente, em vez de investigar os possíveis efeitos psicobiológicos da troca de sêmen nessa dinâmica, Holmes e Warner lançam mão de uma lente pós-modernista bastante típica para explorar a natureza simbólica da troca de sêmen entre gays que praticam sexo anal desprotegido. Agora eu lhes pergunto qual é o paradigma mais informativo para compreender por que homens gays praticariam intercurso anal desprotegido: uma explicação biológica evolucionária que leve em consideração a composição química do plasma seminal e seus possíveis efeitos sobre o afeto entre homens gays, ou uma perspectiva simbólica, pós-modernista, como a que se segue, proposta por Holmes e Warner (com toda imparcialidade, isto é só um trechinho, mas dá uma prova de sua

abordagem)? O corpo se torna o local de lutas intermináveis, um campo de batalha carnal. A rota de escape (linhas de fuga) é intrínseca à desterritorialização do Corpo-sem-Órgãos através do qual a pessoa se torna uma outra. No entanto, as linhas de fuga poderiam ter efeitos paradoxais. De fato, elas podem ser avenidas de potencial criativo ou, inversamente, caminhos de grande perigo. Contudo, é “sempre numa linha de fuga que criamos” … “que devemos continuar a experimentar com essas linhas”. Linhas de fuga (núcleos de resistência de ressingularização e heterogênese) permitem que a liberdade aumente repentinamente através de um processo de transformação criativa e metamorfose. Acredite, mesmo no contexto essa passagem dá a impressão de que os autores estavam compondo uma sentença em braile usando a distribuição aleatória da acne nas costas de alguém. Lamento se estou soando um pouquinho irascível, mas embora essa retórica pós-modernista melosa ainda possa ter lugar em certos círculos acadêmicos, quando se está tratando de algo tão clinicamente importante quanto sexo desprotegido entre populações vulneráveis, uma compreensão científica das motivações dessas pessoas é essencial antes que qualquer intervenção em seus comportamentos de alto risco possa sequer começar a ocorrer. Talvez você esteja também começando a compreender os perigos a que aludi no início deste ensaio. Tanto para homens quanto para mulheres, heterossexuais e homossexuais, saber que o pênis é capaz de distribuir uma espécie de Prozac natural – quer seja obtido por via vaginal, anal ou oral – sem também considerar a corrida armamentista viral envolvendo doenças sexualmente transmissíveis pode levar a decisões de fato muito trágicas e a muitos “experimentos” privados, não documentados e de alto risco com sêmen em quartos de dormir. Mas aqui está apenas uma razão para pôr freios em planos desse tipo: o vírus do HIV, que se desenvolveu muito depois desses fatores antidepressivos adaptativos, parece ter surgido para piratear o sêmen humano, de tal modo que certos fatores de proteína presentes no plasma seminal, em particular uma proteína chamada fosfatase ácida prostática, tornam o HIV até 100 mil vezes mais potente do que é fora do plasma. De qualquer maneira, o modelo de Gallup e Burch também me fez lembrar aquelas tribos tantas vezes citadas da Papua Nova Guiné, como os sâmbias, e seus rituais de ingestão de sêmen envolvendo meninos. Aparentemente, temos aqui uma situação intrigante: essas culturas têm longo histórico de envolvimento em guerras violentas, e por isso tendem a atribuir um valor extraordinariamente alto à masculinidade expressa. No entanto, práticas homoeróticas ritualizadas envolvendo a felação de homens mais velhos por garotos no intuito de ingerir seu sêmen são comuns. Num número da Archives of Sexual Behavior, Gilbert Herdt, antropólogo social que estudou os sâmbias, juntamente com Martha McClintock (cujo nome batizou a sincronia do ciclo menstrual discutida anteriormente), descreve como, "por volta dos 11-12 anos, os meninos [sâmbias] tornaram-se agressivos praticantes da felação, que saem ativamente ao encalço de sêmen para masculinizar seus corpos”. No passado, antropólogos culturais como Herdt conceitualizaram esse ritual do sêmen principalmente em termos simbólicos. Contudo, uma vez que a testosterona do plasma seminal poderia penetrar a mucosa oral, juntamente com uma quantidade excessiva de outros hormônios e

substâncias com possíveis efeitos secundários sobre o comportamento masculino, não me parece inconcebível que a ingestão de sêmen por esses jovens produza consequências psicobiológicas genuínas não inteiramente em desacordo com as próprias crenças folclóricas dos sâmbias. Este pode não ser um tema que você queira desenvolver ao lado do seu pastor local ou trazer à baila na próxima reunião da Associação de Pais e Mestres, porém você captou a ideia. Mas voltemos à ingestão de sêmen de todos os dias. (Talvez não de todos os dias, acho que você sabe o que estou querendo dizer.) Além de seu modelo do sêmen como antidepressivo, Gallup e Burch desenvolveram muitos outros argumentos intricados e persuasivos sobre como as várias substâncias químicas no corpo humano exerceram – e continuam a exercer – funções biologicamente adaptativas para ambos os sexos. Por exemplo, entre os mais curiosos ingredientes do sêmen humano estão o hormônio folículo-estimulante (HFE) e o hormônio luteinizante (HL). Isso é curioso, salientam Gallup e Burch, porque estes são hormônios caracteristicamente femininos. O que fazem hormônios femininos no sêmen humano? Os autores conjecturam que a presença do HFE e do HL no sêmen humano está relacionada com a ovulação oculta em fêmeas humanas. Diferentemente de outras espécies primatas, as mulheres não têm padrões de procriação governados por estações ou ciclos determinados, e não há sinais óbvios – como um inchado traseiro vermelho-carro-de-bombeiro – revelando em que momento de seu período estão. Assim, para um ingênuo macho humano, engravidar uma mulher em consequência de intercurso sexual é algo muito mais parecido com lançar um dado do que para os machos de outras espécies em seus rituais de acasalamento. No entanto, como para qualquer outra espécie, escolher o momento certo de modo que a liberação de sêmen coincida com a liberação de óvulos é decisivo. E, como uma contradefesa contra a ovulação oculta das mulheres, a evolução masculina tinha uma carta na manga, que era a capacidade de manipular o momento da ovulação de uma mulher segundo a conveniência da própria tabela de inseminação; isto é, a química do sêmen dá a óvulos prematuros uma gentil cotovelada. Daí a evidente presença de HFE (que faz um óvulo amadurecer no ovário) e HL (que provoca a ovulação, com a liberação desse óvulo). Em apoio a esta afirmação teórica sobre a química do sêmen e a ovulação oculta em fêmeas humanas, considere que o HFE está inteiramente ausente do sêmen dos chimpanzés e a presença do HL é bastante insignificante. E isso faz sentido, é claro, uma vez que os chimpanzés são procriadores cíclicos e as fêmeas que estão ovulando exibem seus próprios sinais estilo casa-daluz-vermelha na forma de regiões anogenitais inchadas e multicoloridas. “Parece portanto”, raciocinam Gallup e Burch, “que a química do sêmen humano foi selecionada para imitar as condições hormonais que controlam a ovulação, e como tal pode explicar casos de ovulação induzida (ovulação provocada pela copulação em momentos do ciclo menstrual nos quais, em outras circunstâncias, ela seria improvável).” Acredite ou não, apenas arranhei a superfície da literatura sobre as características evolutivas do sêmen. Aqui está um instantâneo de outros achados recentes do laboratório de Gallup – a maioria, lembre-se, requerendo maior investigação antes que possamos extrair quaisquer conclusões definitivas: mulheres expostas a sêmen têm melhor desempenho em tarefas cognitivas e de concentração; corpos de mulheres são capazes de detectar sêmen “estranho”, que difere do sêmen característico de seu parceiro antigo ou recorrente (um sistema adquirido por evolução que, segundo Gallup acredita, conduz com frequência a gestações malsucedidas – por via do maior risco de pré-eclâmpsia –, porque indica um parceiro masculino descompromissado, que provavelmente

não proverá a subsistência da prole); mulheres que faziam sexo desprotegido com seus parceiros – e portanto eram regularmente inseminadas por eles – experimentavam depressão mais intensa ao romper com esses homens do que aquelas não tão regularmente expostas ao sêmen de um exparceiro (além disso, encetavam um novo relacionamento mais rapidamente, na busca de novos parceiros sexuais, o que presumivelmente as ajudaria a sanar sua depressão por privação de sêmen). E a lista prossegue. Antes que eu me despeça, senhoras, por favor aceitem, com toda sinceridade, minhas mais humildes desculpas pelo que provavelmente é uma torrente de observações descabidas, feitas por homens que estão dizendo: “Não sou médico, mas meus testículos são fornecedores farmacêuticos autorizados.” Sou apenas o alegre mensageiro.

PARTE II

Corpos generosos

O pelo lá de baixo: o que o pelo pubiano humano tem em comum com o pelo dos gorilas

COMO MUITA GENTE, indago-me a todo instante sobre alguns dos maiores mistérios da vida. Por que estamos aqui? Qual é o sentido da vida? Por que temos esses pelinhos estranhamente esparsos e crespos crescendo em volta de nossos genitais – um pelo que é singularmente diferente de todos os outros pelos e cabelos em nossos corpos? Felizmente, cientistas foram capazes de me tranquilizar ao menos quanto a uma dessas inquietantes questões existenciais. Nos últimos anos, ao que parece, pesquisadores fizeram alguns avanços espetaculares no estudo do pelo pubiano. Assim, vamos começar pelo que já sabemos sobre o pelo pubiano. É uma marca da maturidade sexual, brotando em volta de nossas virilhas em algum momento no início da adolescência. Se ele aparece no corpo de uma pessoa algum tempo antes disso no desenvolvimento (digamos, antes dos nove anos de idade), claramente há algo errado. Algumas coisas simplesmente não andam juntas neste mundo – bebês e pelo pubiano são sem sombra de dúvida duas delas. Puberdade precoce não é motivo para risos, é claro, porque crianças que começam a desenvolver características sexuais excepcionalmente cedo em seu desenvolvimento podem de fato ter um grave problema de saúde subjacente, como uma lesão do sistema nervoso central que ativa prematuramente o hipotálamo. Mas para um jovem casal no Alabama a expressão “puberdade precoce” mal faz justiça ao que observavam em seu bebê alguns anos atrás. Imagine estar trocando a fralda de seu filho de seis meses e notar o que parece ser um tufo de pelo pubiano de cor clara em sua virilha. Durante os dez meses seguintes, esse pelo se tornaria pouco a pouco mais escuro e parecido com o pelo adulto, o que – acompanhado por um pênis estranhamente grande para um bebê de dezesseis meses e, ahã, frequentes ereções – foi por fim suficiente para incitar esse casal a buscar conselho médico. Esse foi o pano de fundo do caso, tal como apresentado a um grupo de médicos que finalmente o relataram em Clinical Pediatrics. Ao examinar a criança, Samar Bhowmick e colegas notaram, para seu espanto, que “o pelo pubiano era [o de um adolescente], mais concentrado na base do falo, escuro e crespo”. Uma inspeção mais completa revelou um bebê saudável e vigoroso – completamente de acordo com a idade em todos os outros aspectos –, mas os resultados de laboratório indicaram um nível de testosterona anormalmente elevado. Por fim, os médicos decifraram o caso. Revelou-se que o pai do menino vinha espalhando um gel de testosterona duas vezes por dia sobre os ombros, costas e peito, num tratamento prescrito por seu médico para uma libido baixa ocasionada por depressão. Como o garotinho dormia na mesma cama que os pais, com o pai acarinhando-o e abraçando-o logo após aplicar o gel, o contato entre as peles nuas estava levando a criança a se tornar um homem muito mais cedo do que a natureza pretendia. (Uma consulta posterior de acompanhamento revelou, felizmente, que o pelo pubiano havia quase desaparecido depois que o pai fora informado desse efeito de seu uso do gel, e os médicos

acreditavam que a criança não teria nenhuma complicação de longo prazo decorrente da exposição à testosterona.) Este caso peculiar do bebê com pelo pubiano é tão impressionante, claro, porque esse tipo característico de pelagem na virilha tende a coincidir com a maturação sexual, não com o estágio do desenvolvimento em que você mal acaba de aprender a andar. O caso também realça a esquisitice do pelo pubiano humano de maneira mais geral. Afinal, parece que somos a única espécie de primata (talvez a única espécie, tout court) que exibe esse estranho tipo de pelo em torno dos genitais. Robin Weiss, pesquisador na Divisão de Infecção e Imunologia no University College London, viu-se debaixo do chuveiro um dia, olhando para baixo e fazendo-se exatamente essa pergunta: Embora macacos nus [seres humanos] tenham pelos pubianos, nossos primos peludos não os têm, não é? Como eu poderia testar minha hipótese? Eu sabia que havia um chimpanzé empalhado no Grant Zoological Museum no University College London e fiz-lhe uma visita a caminho do meu laboratório. Infelizmente ele era um jovenzinho, o que deixou minha questão em aberto. Uma enérgica caminhada através do Regent’s Park para inspecionar os gorilas adultos em seu esplêndido novo pavilhão no Jardim Zoológico de Londres reforçou minha suspeita, que pude confirmar mais tarde com uma visita aos chimpanzés no Whipsnade Zoo, no norte de Londres. De fato, todas as espécies de símios, macacos do Velho Mundo e macacos do Novo Mundo, parecem ser menos peludas na região pubiana que no resto do corpo; o pelo está presente, mas é curto e fino. Weiss especula que uma das principais razões para que o homem tenha sido o único a desenvolver um “denso matagal de cabelo crespo” em torno de suas regiões genitais seja indicar visualmente a maturação sexual. (Provavelmente ele também serve para capturar odor e ajuda no transporte de feromônios humanos.) Assim, o pelo pubiano age como um anúncio peludo, indicando para possíveis parceiros sexuais que o acasalamento com esse indivíduo poderia ser, potencialmente, um exercício frutífero de perpetuidade genética. Weiss acredita que exibir nossa fecundidade dessa maneira sugere que o pelo pubiano só deve ter aparecido depois que nos tornamos “macacos nus”, para destacar-se vividamente contra o pano de fundo de um corpo desprovido de pelos em outras partes. Igualmente fascinantes no pelo pubiano são sua textura e composição incomuns se o comparamos ao resto do pelo e ao cabelo em nossos corpos e cabeça. Não chega a ser possível usá-lo como fio dental (acredite em mim), mas o pelo pubiano é consideravelmente mais grosso que o pelo das axilas e o que cresce em nossas pernas, peitos (para alguns, costas) e o cabelo de nossas cabeças. Provavelmente não sou o único que estremece ao pensar numa via alternativa de seleção natural, em que o cabelo de nossas cabeças tivesse se desenvolvido para ter proporções pubianas – considere apenas qual seria o aspecto do piso de uma barbearia comum no fim do dia. Não está de todo claro por que o pelo pubiano é tão grosso, curto e, em geral, crespo, mas a bióloga Anne Clark da Suny (State University of New York) de Binghamton de fato me mostrou (enquanto caminhávamos pela ilha Kapiti na Nova Zelândia) que qualquer outra coisa teria sido bastante pouco prática. Ter cachos longos, fluidos e atraentes crescendo lá embaixo não seria lá muito conveniente, em especial dada a logística do intercurso sexual.

Mas, como Weiss salienta, embora o pelo pubiano tenha suas vantagens como sinalização, ele também teve um preço. E o nome desse preço é Phthirus pubis – mais comumente conhecido como chato. O chato tem uma história evolucionária extraordinária, que Weiss relata num número do Journal of Biology. Se alguma vez você se maravilhou com a semelhança entre o pelo pubiano humano e a textura áspera do pelo do gorila (e vamos encarar: quem não o fez?), já está na pista certa. Com base na morfologia, o Phthirus pubis humano está estreitamente relacionado ao piolho de gorila, Phthirus gorillae … A filogenia molecular indica que os piolhos pubianos humanos divergiram dos piolhos de gorila há apenas 3,3 milhões de anos, ao passo que a linhagem hospedeira humano-chimpanzé separou-se da linhagem dos gorilas há pelo menos 7 milhões de anos. Parece claro, portanto, que os seres humanos adquiriram piolhos pubianos de maneira horizontal, possivelmente na época da divisão da espécie Phthirus e, ao que tudo indica, direto dos gorilas. Já estando adaptados ao áspero pelo corporal do gorila, os chatos teriam encontrado um nicho conveniente no pelo pubiano humano. Certo. Adquirimos chatos dos gorilas. Mas pare de pensar indecências. Weiss especula que nossos ancestrais adquiriram esses esfaimados parasitas não através de sexo interespecífico, mas em consequência do hábito de seres humanos antigos de abater e comer gorilas. Esse estreito contato com carcaças de gorila teria permitido ao piolho de gorila (Phthirus gorillae) saltar de um hospedeiro para outro e mutar em conformidade com a evolução final do pelo pubiano humano – que lhe deve ter parecido um ambiente aconchegante e familiar – para se tornar a espécie Phthirus pubis que hoje conhecemos e detestamos (mais ou menos como práticas de abater chimpanzés permitiram que retrovírus provenientes deles invadissem seres humanos mais recentemente). Seja como for que tenham chegado lá, os chatos infelizmente tornaram-se parte integrante do púbis de nossa espécie. Contudo, de maneira intrigante inovações comportamentais recentes na evolução cultural de nossa espécie – em particular hábitos modernos de limpeza e a estilização estética de nossas regiões de pelo pubiano – começaram a nos libertar do domínio dessas criaturas irritantes. Algumas clínicas de saúde notaram uma queda significativa na ocorrência de piolhos pubianos, em especial entre pacientes que raspam todo o seu pelo pubiano ou parte dele. (E mesmo que somente seus parceiros sexuais raspem suas virilhas, os próprios pacientes correriam um risco de adquirir piolhos substancialmente menor do que aqueles que se acasalam com parceiros cujos genitais estão escondidos no tipo de mato cerrado em que os chatos se deliciam.) Esse não é um fenômeno inteiramente novo. Nos tempos medievais, as prostitutas frequentemente usavam perucas pubianas (chamadas “merkins”) após raspar suas genitálias para ajudar a controlar seus piolhos pubianos. Mas antes que você marque sua próxima depilação completa, considere que o pelo pubiano parece na verdade oferecer algum grau de proteção contra infecções virais e bacterianas ainda mais asquerosas. Embora o diagnóstico de piolho pubiano pareça ter despencado como um resultado direto da vaidade humana em ambos os sexos, casos de gonorreia e clamídia aumentaram no mesmo período, correlação que talvez não seja puramente casual. Raspando ou não, você se dana. Apesar disso, a “norma depilada” está ganhando muita força, em particular em países ocidentais. Vários estudos recentes revelam como raspar as próprias regiões inferiores tornou-se

de fato comum. Num número da Sex Roles, as psicólogas Marika Tiggemann e Suzanna Hodgson, da Universidade Flinders, na Austrália, revelam que 76% de uma amostra de 235 mulheres alunas de graduação da Austrália relataram ter removido seu pelo pubiano em algum momento da vida. Em 61%, ele estava raspado naquele momento, e metade da amostra disse que removia rotineiramente todos os seus vestígios. A tendência atual para homens não parece ser diferente. Num outro estudo feito no mesmo ano com as colegas Yolanda Martins e Libby Churchett, Tiggemann relatou na revista Body Image que de 106 homens gays, 82% haviam removido seu pelo pubiano ao menos uma vez. E para que você não pense que isso é um artefato da cultura gay masculina, homens heterossexuais não ficaram muito atrás nessa medida. De uma amostra de 228 homens heterossexuais, 66% relataram fazer o mesmo. Independentemente da orientação sexual ou do gênero, os investigadores descobriram que a principal motivação para a depilação do pelo pubiano está relacionada a preocupações com a própria aparência (em contraste com motivações relacionadas à saúde). Convém também não esquecer que muitos indivíduos repelem a ideia de cunilíngua ou felação por causa daqueles irritantes pelos pubianos que podem se alojar inadvertidamente em suas gratificantes gargantas. De fato, esse foi o tema de um episódio da série cômica de televisão Segura a onda, em que Larry David tinha de explicar constrangedoramente seu importuno comichão para um médico seriíssimo. Mas agora este texto está se transformando numa história completamente diferente. Seja como for, o penteado do pelo pubiano não é um jogo de zero a zero. Ao digitar “estilos de pelo pubiano” no Google, no momento em que escrevo, obtive 467 mil ocorrências, em nenhuma das quais me atrevi a clicar – até chegar em casa, de volta da biblioteca pública, é claro.

A história natural do canibalismo

QUANDO EU PERAMBULAVA, não muito tempo atrás, por uma das mal iluminadas salas dos fundos de uma ala das National Galleries da Escócia, meus olhos interiores ainda ardendo com milhares de pós-imagens impressionistas – rechonchudos querubins rubenescos e quadrângulos góticos –, uma pintura irreverente saltou-me aos olhos de uma maneira muito contemporânea. Ela era parte de um tríptico do início do século XVI mostrando o que parecia ser um sacerdote solene, de meia-idade, em vestes eclesiásticas douradas, dando ordens a três meninos adolescentes nus diante dele numa banheira. Bem, devo confessar que meu primeiro pensamento ao ver essa imagem lasciva foi que a Igreja católica vem sendo um refúgio para efebófilos há muito mais tempo do que qualquer pessoa jamais se deu conta. Mas meu constrangimento foi abrandado quando me inclinei para ler a legenda, que declarava que o pintor holandês Gerard David, prolífico iconógrafo religioso que vivia em Bruges, na Bélgica, estava apenas pintando uma cena de canibalismo por fome. Ufa! Que alívio – então era apenas um inocente caso de antropofagia (a ingestão de carne humana por seres humanos) e nada mais sinistro que isso. Os meninos haviam sido abatidos por um açougueiro, é claro, e suas carcaças estavam salgando num tonel improvisado, à espera de ser ingeridas pela gente esfaimada da cidade. Felizmente, calhou que ninguém menos que aquele notório amante das crianças, são Nicolau – o clérigo de meia-idade –, estava passando por ali, descobriu o escândalo dos meninos servindo de repasto e ressuscitou-os na banheira. De qualquer maneira, o tempo que passei em Edimburgo deu-me muito o que pensar sobre o assunto da carne humana. Da galeria de arte, meu companheiro, Juan, e eu rumamos para o Surgeon’s Hall Museum, onde vagamos por alas abarrotadas do piso ao teto com conservas de pés gangrenados, braços peludos amputados de mulheres idosas da era industrial, cabeças trepanadas e diversos genitais enfermiços. Estava também em exibição uma elegante caderneta de couro, composta de uma substância semelhante a couro de vaca, mas na verdade feita com a pele do famoso assassino e fornecedor de cadáveres William Burke. E tudo isso me levou a pensar sobre a logística do canibalismo. A hábil comercialização da indústria alimentícia mudou as coisas enormemente, mas houve, no passado, condições relativamente frequentes – safras perdidas, escassez de moradias, fome – em que o canibalismo teria tido uma utilidade adaptativa vital para nossa espécie. Um par de antropólogos, por exemplo, realmente fez os cálculos, concluindo que um adulto humano médio fornece trinta quilos de carne comestível, incluindo gordura, tecido conectivo, músculo, órgãos, sangue e pele. Coágulos de sangue ricos em proteína e medula são considerados (pelos raros connaisseurs) iguarias especiais. Pelo menos um eminente teórico evolucionário, Lewis Petrinovich, afirmou que o canibalismo é uma genuína adaptação biológica comum a todos os seres humanos – inclusive aqueles de vocês que estão agarrando o assento da privada enquanto leem isto. A antropofagia emerge rotineiramente, diz Petrinovich, sob previsíveis condições de fome, e

pelo menos durante o início de nossa evolução o canibalismo humano não era tão raro quanto você poderia pensar. Hoje o termo “canibalismo” evoca histórias sensacionalistas de desastres de avião em remotas regiões montanhosas nos Andes, serial killers ou expedições fracassadas ao Ártico no século XIX. Mas nossa história mais longínqua sugere que ele não deve ter sido uma ocorrência de todo incomum. “O importante é que o canibalismo está no repertório comportamental humano”, escreve Petrinovich em The Cannibal Within, “e provavelmente é exibido por várias razões – uma delas, comum, a privação nutricional crônica e severa. Um comportamento poderia ser exibido apenas em circunstâncias extremas e ainda assim fazer parte de nossa herança biológica, e o fato de seu curso seguir um padrão sistemático refuta a hipótese de que ele é de caráter psicótico.” Petrinovich abre caminho através de uma história humana apinhada dos ossos roídos de nossos ancestrais canibalizados, revelando – em oposição a críticos que afirmam que a ingestão de carne humana é um mito fabricado por ocidentais para demonizar os “primitivos” – que nós estivemos realmente nos devorando uns aos outros durante um tempo muito, muito longo. Nós somos apenas uma das 1.300 espécies em que a predação intraespecífica foi observada. Entre primatas, o canibalismo pode em geral ser explicado por estresse nutricional e ambiental, ou aparece como uma estratégia reprodutiva em que babuínos, por exemplo, consomem bebês doentios para abrir caminho para crias mais viáveis. Apontar com precisão os fatores específicos que causam o canibalismo é uma tarefa bastante difícil no laboratório, principalmente por causa daqueles irritantes conselhos de ética universitários. Apesar disso, um intrépido pesquisador japonês ignorou essas considerações e induziu canibalismo entre uma população cativa de macacos-esquilo, fornecendo a fêmeas grávidas uma dieta de baixa proteína. Isso levou a uma taxa elevada de abortos espontâneos, tendo os fetos sido devorados pelas mães – uma dose de proteína muito necessária. Agora imagine fazer esse mesmo estudo com seres humanos sob condições controladas de laboratório similares. Bastante assustador, eu diria, mas isso não significa que os achados não poderiam ser generalizados para nossa própria espécie. E não me leve a falar sobre as várias maneiras como mamães mamíferas se banqueteiam com as placentas e membranas fetais expelidas do útero após o parto. Algumas das nossas preferem-nas com uma pitada de páprica, outras na forma de um prato de espaguete com almôndegas. Mas o fato de o canibalismo em primatas, inclusive seres humanos, ser motivado pela fome é precisamente o argumento que Petrinovich está defendendo. Onde ele difere de outros teóricos evolucionários, porém, é em sua afirmação de que a antropofagia representa uma verdadeira adaptação em nossa espécie, assim como o canibalismo para outros animais. Ela não é simplesmente um comportamento anômalo encontrado num punhado de indivíduos depravados. Essas pessoas existem, sem dúvida – como aquele homem que estava tão curioso para saber que gosto tinha sua própria carne que… bem, vou deixar que o psiquiatra clínico que o examinou lhe conte com suas próprias palavras: Depois de cortar o primeiro dedo do pé, ele se apressou em mostrá-lo para seus companheiros de apartamento, antes de comê-lo cru enquanto andava pela rua. Mastigou o osso tanto quanto possível e em seguida o cuspiu fora. Lembra-se de ter comido o dedo “pela experiência” e que foi “uma oportunidade de comer carne humana como não se tem duas vezes na vida”. Estava alvoroçado com o valor de choque desse comportamento. Antes de comer o segundo dedo do

pé, assou-o num forno. Entre cortar um dedo do pé e outro, continuou trabalhando na reforma de casas. Hoje esse homem está presumivelmente usando sapatos ortopédicos. Mais uma vez, porém, embora o canibalismo possa por certo ser desviante, em outros casos é até um tanto rotineiro. Nossos primos próximos, os neandertais, eram essencialmente predadores carnívoros e foram impelidos para o canibalismo no final do último glacial máximo em face dos números minguantes de grandes animais de caça. Pesquisa osteoarqueológica numa caverna no sul da França encontrou um feixe de ossos neandertais assados de cerca de seis indivíduos, ossos descartados ao acaso que haviam sido deliberadamente descarnados e desarticulados e cuja medula fora extraída. Quanto à nossa própria espécie, os astecas eram notórios por seus sacrifícios sangrentos e rituais de canibalismo. Esses eram sobretudo eventos religiosos simbólicos, mas alguns estudiosos sugeriram que as sobras de gordura das vítimas dos sacrifícios astecas podem também ter sido um suplemento nutricional de alto valor energético para a elite opulenta, que tinha prioridade no recebimento desse chamado “milho humano”. Na verdade, os que não praticavam o canibalismo talvez fossem os atípicos, tanto histórica quanto transculturalmente falando. Pesquisadores documentaram evidências de antropofagia ritual nas mais diversas sociedades na África (entre os azandes, em Serra Leoa, no Congo belga), na América do Sul (leste do Brasil, Equador, oeste da Colômbia, Paraguai), na Oceania (Fiji, Papua Nova Guiné, Vanuatu, região montanhosa do leste de Nova Guiné) e entre os nativos da América do Norte. Apareceu em sociedades industrializadas, também, inclusive na China acometida pela fome durante o Grande Salto Adiante (1958-62) e na Rússia na era soviética. O ponto-chave, diz Petrinovich, é que quando você está realmente faminto, e quando todas as outras fontes de alimento – inclusive coisas “incomíveis” que você preferiria não engolir, como sapatos, cordões de sapatos, animais domésticos, volantes, alforjes de couro cru ou miolos de asno congelados – foram esgotadas e as expectativas são suficientemente baixas, até o moralista mais recalcitrante entre nós deixaria de lado o tabu do canibalismo e saborearia a carne doce de um homem… ou de uma mulher, menino ou menina. É isso ou morrer, e entre as duas opções apenas uma é biologicamente adaptativa. Um comportamento pode ser adaptativo sem ser uma adaptação biológica herdada, é claro. Mas considerando a regularidade com que a fome ocorreu em nosso passado ancestral, considerando que a mente faminta relaxa previsivelmente suas proscrições canibalísticas, considerando que comer outras pessoas restaura energia e sustenta vidas, e considerando que o comportamento é universal e procede de maneira algorítmica (comemos primeiro estranhos mortos, depois parentes mortos, depois escravos vivos, depois estrangeiros vivos, e assim por diante, descendo a escada rumo aos amigos e parentes), há razão para acreditar – ao menos aos olhos de Petrinovich – que a antropofagia é um comportamento resultante da evolução. O tabu contra o canibalismo é útil em tempos de saúde e prosperidade; grupos não sobreviveriam por muito tempo se os membros estivessem comendo uns aos outros. No entanto, a fome tem uma maneira de liberar o canibal dentro de nós. De fato, alguns cientistas sugeriram que o canibalismo provocado pela fome pode ter sido tão prevalente no passado ancestral que literalmente mudou nosso DNA. As populações humanas modernas parecem conter adaptações genéticas destinadas especificamente a combater vírus

canibalísticos. Tipicamente, quando uma espécie predadora consome uma espécie-presa, produzem-se diferenças substantivas nos sistemas imunes entre as duas, com diferentes variedades de patógenos. Mas quanto mais similares forem o comedor e o comido, mais vulnerável fica o primeiro a doenças debilitantes transmitidas por alimentos. Isto ocorre porque os organismos só podem ser comprometidos por parasitas que se adaptaram ao ambiente particular da espécie hospedeira; eles requerem um substrato genético reconhecível para florescer. Segundo o microbiólogo Carleton Gajdusek, ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1976 por sua pesquisa epidemiológica sobre o canibalismo, foi isso, quase certamente, o que aconteceu com o povo fore da Nova Guiné no caso do kuru, uma doença neurodegenerativa que devastou essa população na primeira metade do século passado. Gajdusek atribuiu a origem da doença ao canibalismo mortuário; mulheres e crianças estavam comendo os cérebros dos que haviam acabado de morrer como parte dos ritos funerários locais. (O consumo de cérebros era um ato ritual, mas sua frequência aumentava subitamente – talvez não por coincidência – sempre que a carne de porco escasseava, de modo que cérebros humanos também forneciam uma dose de proteína.) O interessante é que o kuru é uma variante da doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) e é provável que tenha resultado, originalmente, de um único caso de canibalismo entre os fores de um indivíduo com cérebro afetado por DCJ, tendo depois o kuru evoluído em seu próprio curso. Em um número da Current Biology, o geneticista John Brookfield especulou que ao longo dos últimos 500 mil anos, os seres humanos desenvolveram uma crescente variação no gene para a proteína príon humana. Os que eram heterozigotos para esse gene, salienta ele, estavam protegidos contra a DCJ através do canibalismo. “Essa vantagem heterozigótica sustentada [foi possivelmente] criada por um estilo de vida de canibalismo habitual, sugerindo uma nova visão dos estilos de vida de nossos ancestrais.” Como vimos, nem todos os casos de canibalismo se devem a necessidades nutricionais. Indivíduos sociopáticos, como Jeffrey Dahmer, Armin Meiwes e Issei Sagawa, viviam em ambientes urbanos salpicados com restaurantes fast-food e supermercados abarrotados, e ainda assim comiam gente no jantar. No livro SuperSense, o psicólogo Bruce Hood sustenta que esses casos refletem crenças essencialistas, a ideia de que as “essências” ocultas ou atributos de personalidade das vítimas são adquiridos por ingestão física. É também interessante que muitos desses casos tenham um componente sexual. Como Margaret St. Clair escreveu provocadoramente no prefácio a To Serve Man: A Cookbook for People : “Não há nenhuma forma de conhecimento carnal tão completa quanto saber o gosto que uma pessoa tem.” Suspeito que haja alguma verdade nessa piada indigesta. Crenças essencialistas também podem explicar a peculiar história de canibalismo médico de nossa espécie. Sabe-se que os conquistadores e seus herdeiros no Novo Mundo usavam gordura humana de nativos ágeis para lubrificar suas juntas artríticas. Muito tempo antes que Armin Meiwes sonhasse em nascer, mulheres grávidas do povo aché do Paraguai mordiscavam pênis cozidos na esperança de que isso lhes trouxesse filhos. Assim, com todas essas cenas girando na minha cabeça, e pragmatista como sou, vi-me perguntando a mim mesmo por que, exatamente, o consumo de corpos humanos já mortos é tamanho tabu, em especial para sociedades em que se considera em geral que a alma levanta voo rapidamente no momento da morte como um balão de hélio invisível. Afinal, se você aceita essas noções dualísticas, o corpo é apenas uma casca vazia, de que o espírito agora liberado não mais precisa. Mesmo os ressurreicionistas poderiam alegremente alimentar os pobres com sua carne, a

fim de não permitir, Deus nos livre, que tamanha prodigalidade de carne comestível seja destinada a apodrecer. Todas essas mercadorias desperdiçadas, queimadas até se reduzirem a pó seco e empedrado em crematórios, guardadas por trás de câmaras mortuárias ornamentadas, extravagantemente fornecidas como alimento a organismos subterrâneos intumescidos! Caso você prefira não comer carne de pessoas mortas idosas ou possivelmente doentes, e se preocupe com a dignidade do indivíduo, seria bastante fácil reproduzir e depois criar industrialmente em laboratório seres humanos com morte cerebral ou anencéfalos, tratando-os humanamente, é claro, mas aplicando padrões de segurança alimentar para controlar quaisquer surtos. Afinal, não nos esqueçamos das pessoas famintas deste mundo, cercadas – como juram alguns epicuristas – pela carne mais suculenta do planeta.

A afecção da pele humana: a acne e o macaco nu

O SERES HUMANOS SÃO ESPINHENTOS. Isso é parte do que nos distingue do resto do reino animal. Embora seja verdade que um tipo de Acne vulgaris afeta outras espécies – ele foi encontrado em alguns cachorros mexicanos sem pelo e induzido experimentalmente em camundongos rhino –, a acne é em boa medida uma aflição exclusiva de nossa amaldiçoada espécie. (Algo entre 85 e 100% dos adolescentes exibem acne; e uma minoria significativa de adultos também.) Por que o animal humano é tão peculiar em sua tendência a formar cravos vulcânicos, pápulas, abscessos nodulares e, em alguns casos severos, cicatrizes duradouras? Segundo os teóricos evolucionários Stephen Kellett e Paul Gilbert, provavelmente devemos essas detestáveis marcas ao fato de termos perdido nosso couro simiesco depressa demais. Embora a pele cada vez mais glabra (sem pelo) tenha evoluído provavelmente para fins adaptativos – talvez ela tenha permitido a nossos ancestrais manterem-se frescos, por exemplo, ao viajar através da savana quente –, o passo firme em que os genes para carne depilada foram selecionados gerou alguns problemas cosméticos. Kellet e Gilbert observam que a evolução das nossas glândulas sebáceas, que estavam acostumadas a lidar com carne coberta por pelo, não acompanhou a mudança na nossa aparência. Em consequência, todo aquele sebo oleoso, normalmente destinado a lubrificar o pelo, não teve muito a lubrificar. E, em vez disso, começou a se acumular e entupir nossos poros. (Uma pessoa que sofra de hipertricose – também conhecida como síndrome do lobisomem – tem que se preocupar com muitos problemas, mas a acne tende a não ser um deles.) De qualquer maneira, melhor esta explicação evolucionária que espinhas cutâneas por desígnio inteligente. Realmente, só um deus muito impiedoso daria corda no relógio para que nossas glândulas sebáceas pudessem exagerar na produção de sebo justo no momento do desenvolvimento humano em que nos tornaríamos mais conscientes de nossa aparência. O fato de que a evolução nos deu um outro traço obviamente humano, que torna qualquer erupção de acne muito mais perturbadora, só piora as coisas. Refiro-me à nossa paralisante sensibilidade a outras mentes. Embora esta afirmação possa gerar alguma controvérsia, parece provável, com base nas evidências disponíveis, que outras espécies não compartilhem nossa facilidade para adotar a perspectiva psicológica de outros. Se for assim, ver a cara de nojo, ou mesmo uma curiosidade mais inocente, refletida em outros olhos humanos quando eles evitam contemplar nossos defeitos provoca em nós um estado de aversão inteiramente original à nossa espécie. Qualquer pessoa que um dia tenha tido uma espinha madura, repugnante, estrategicamente situada na ponta do nariz pelas Parcas epidérmicas já sentiu esse penoso estado interpessoal. Considere uma cena de Entre quatro paredes de Sartre, em que três desconhecidos se dão conta de que acabam de ser lançados no inferno, que, muito estranhamente, é uma sala mobiliada comum. O insidioso embaraço criado pelo Demônio, porém, é que na sala não há janelas, não há espelho e não é permitido dormir. Até as pálpebras dos personagens estão paralisadas, vedandolhes o simples luxo de piscar. A requintada torturazinha a que estão submetidos é ficar por toda a

eternidade sob o olhar implacável um do outro. Inês, uma lésbica sádica, sabe exatamente como pôr o dedo na ferida da outra mulher na sala. “Que é isso?”, ela pergunta, examinando o rosto de Estelle. “Esse asqueroso ponto vermelho na parte inferior da sua bochecha. Uma espinha?” “Uma espinha?”, responde Estelle, a frenética e mimada debutante privada de espelho. “Oh, que horror!” De fato, a alegoria ctônica de Sartre tem uma notável semelhança com o tipo de inferno que muitos sofredores de acne dizem experimentar todos os dias. Para um relato publicado no British Journal of Health Psychology, por exemplo, os psicólogos Craig Murray e Katherine Rhodes entrevistaram cerca de uma dúzia de membros de um grupo de apoio on-line para a acne, os quais haviam sido submetidos a tratamentos com antibióticos ou hormônios para sua afecção e sofriam de acne há pelo menos um ano. “Michelle” descreve com eloquência como é ter um primeiro encontro face a face com uma pessoa: Posso sentir o constrangimento me consumir pouco a pouco enquanto a conversa prossegue. Por fim, não consigo nem manter o fio do meu pensamento e fico muda. Explico. Fico esmagada pelo que os outros podem estar pensando – em geral não suponho o que eles poderiam estar pensando com nenhuma especificidade. Seria um esforço penoso demais. Mas atribuo uma voz generalizada a eles. Reconheço para mim mesma que eles viram a acne e muito provavelmente me depreciam em razão da sua presença. Uma outra mulher, “Laura”, observa: Quando estou falando com pessoas, sempre olho direto em seus olhos para vigiar se suas pupilas vagam para outros lugares de meu rosto onde tenho uma espinha. E em geral isso acontece. Obviamente, a ansiedade provocada pela acne não é apenas um problema feminino. Talvez seja pior ainda para alguns homens. Um deles, “Karl”, explica por quê: A sociedade não permite [aos homens] usar maquiagem, por isso temos de sair no mundo embaraçados. E se dizemos às pessoas que estamos nos sentindo deprimidos ou preocupados com nossa aparência, somos encarados como fracos e patéticos, em especial por outros homens. Por falar em pensar sobre os pensamentos dos outros, sei o que você está pensando: os que são capazes de julgar um livro pela capa ou de rejeitar um pobre companheiro espinhento dessa maneira deveriam ser eles próprios desprezados em público. Concordo integralmente. Mas apesar de nossa simpatia – talvez empatia – pelos que sofrem essas doenças de pele visíveis, até o mais bondoso de nós parece associar os que sofrem de acne com características indesejáveis. Pelo menos esses foram os resultados relatados pela psicóloga Tracey Grandfield e colegas no Journal of Health Psychology. Empregando uma variação do Teste de Associação Implícita – uma medida empírica usada para chegar às atitudes e crenças inconscientes das pessoas –, os autores descobriram que, em contraste com o modo como classificamos pessoas de pele boa, apressamo-

nos a associar coisas desagradáveis (como “brutal”, “mau”, “feio”, “zangado”, “agressivo”, “vômito” e “vil”) com pessoas que sofrem de acne. Esses autores concluem que essa reação injusta, inconsciente e visceral aos que sofrem de acne grave trai nossas origens evolucionárias. Pesquisas indicam que alterações significativas da superfície da pele – exibindo sangue, pus ou descamação – provocam mais nojo e temores de contaminação entre observadores que alterações “mais limpas”, como vitiligo ou hemangiomas. Para muitas pessoas, em especial aquelas com elevada sensibilidade social, a acne não é apenas um inconveniente; na verdade, ela pode se infiltrar de maneira ruinosa no cerne do conceito que o indivíduo tem de si mesmo e levar a graves problemas de saúde mental, gerando um sofrimento que rivaliza até com aquele associado à desfiguração facial resultante de queimaduras ou acidentes. Um terço dos adolescentes da Nova Zelândia que se dizem “sofredores de acne” tinha ideias de suicídio, um quarto exibia níveis clinicamente significativos de depressão e um décimo tinha elevados níveis de ansiedade. Já em 1948, os clínicos Marion Sulzberger e Sadie Zaidens concluíram: “É nossa opinião, após cuidadosa reflexão, que não há uma única doença que cause maior trauma psíquico, mais desajustamentos entre pais e filhos, maior insegurança geral e sentimentos de inferioridade e maiores somas de sofrimento psíquico que a Acne vulgaris.” Isso foi mais de sessenta anos atrás, e é claro que a indústria do tratamento da acne cresceu enormemente desde então. (Assim como o subcampo psiquiátrico da psicodermatologia.) Embora nem sempre sem seus próprios efeitos colaterais desagradáveis, há um jardim farmacêutico sempre florescente de unguentos, cremes e pílulas com que os sofredores de acne dos velhos tempos purulentos poderiam apenas sonhar. Apesar disso, nem todos esses tratamentos estão igualmente disponíveis a todos os que têm acne; há consideráveis diferenças individuais na resposta aos medicamentos, e uma “cura” infalível continua elusiva. De fato, suspeito que, em contraste com gerações anteriores, os que experimentam acne de moderada a severa atualmente se veem ainda mais deprimidos. Assim como pessoas acima do peso que experimentaram todas as dietas sem sucesso muitas vezes relatam sentir-se impotentes em relação à sua afecção, alguém que tenha tentado se livrar da acne sem sucesso com uma ampla variedade de opções de tratamento pode se sentir ainda mais envergonhado que nunca. Não é um grande consolo para essas pobres almas que a condição, como a maioria dos outros traços humanos, seja determinada por uma combinação de genes e ambiente. Como, exatamente, nosso DNA interage com dieta, hábitos de lavagem do rosto, exposição ao sol ou qualquer outro fator permanece pouco compreendido. Apesar disso, assim como alguns membros daquela deplorável raça, os cachorros mexicanos sem pelo, alguns de nós, macacos nus, somos mais propensos à acne que outros. No fim das contas, a acne parece ter menos a ver com nosso modo de viver do que com a família em que nascemos. Curiosamente, e por razões que ainda não são claras, certas populações humanas, como os ilhéus kitavan da Papua Nova Guiné e os achés do Paraguai, são poupadas da praga dos cravos. Embora suas dietas e estilos de vida sejam muito diferentes dos nossos, seus genes também são. Sim, menos é mais no presente caso. Mas poucos de nós têm a sorte de ter a pelagem sedosa de um wookie ou de ter nascido um ilhéu kitavan, e os que passam toda uma existência livres de espinhas são extremamente raros. A melhor coisa que pode acontecer é que sua pele não seja muito workaholic quando se trata da produção de sebo, e assim, como todas as outras pessoas, você obterá apenas uma trégua ocasional aqui e ali. Idealmente, em termos de sua saúde psicológica, as

espinhas ficarão escondidas em algum lugar por aí, em vez de aparecer bem ali naquela marquise lampejante que é o seu rosto, desprotegido dos elementos. Quer sua acne tenha desaparecido na adolescência ou continue com você nos seus quarenta, um dia, eu lhe prometo, suas glândulas sebáceas secarão como um leito de rio antigo. Embora fosse facilmente possível se perder nas gloriosas rugas de minha avó, por exemplo, não me lembro de um único cravo no seu rosto quando aquela sua casca não etérea foi reidratada tranquilamente com formaldeído. Por isso lembrem-se, todos vocês com couros avermelhados escondidos, aqueles em penoso, exsudativo descontentamento, a acne é uma calamidade cosmética passageira. Não há nenhuma vergonha na vergonha, por isso peçam ajuda se precisarem dela. Vocês não estão sozinhos em seu sofrimento, mas poupem alguma preocupação para aquelas rugas lentamente gestadas e bem-merecidas que haverão de chegar. Acima de tudo, sejam bondosos com seu macaco interior, que perdeu seu pelo depressa demais.

PARTE III

Mentes indecorosas

Devassos por natureza: quando um dano cerebral torna pessoas muito, muito despudoradas

SE ESTÁ LENDO ISTO, meu palpite é que você é um materialista imbuído da crença lógica de que o cérebro humano – com todas as suas alvoroçadas complexidades neurais, suas câmaras moles e eletrificadas em arabesco e esconderijos labirínticos – foi esculpido ao longo de inúmeras eras pela mão lenta e firme da seleção natural. Você admitirá, portanto, que regiões cerebrais específicas evoluíram porque geravam comportamentos benéficos para nossos ancestrais. Quando uma parte do cérebro está comprometida – por ferimento, lesão ou algum outro evento lamentável –, a constelação de sintomas que resulta é muitas vezes notavelmente específica. “O cérebro é a manifestação física da personalidade e do senso de identidade pessoal”, escreve o neurocientista Shelley Batts em Behavioral Sciences and the Law, “e o dano focal de áreas do cérebro pode resultar em mudanças focais no comportamento e na personalidade, deixando ao mesmo tempo outros aspectos do self inalterados.” Não quero ficar técnico demais, mas se você teve a má sorte de desenvolver uma lesão que interfere com o funcionamento de seu córtex pré-frontal dorsolateral – uma via especializada de tecido nervoso intricadamente entrelaçada com seu córtex cingulado anterior –, sua memória de trabalho e habilidade de formação de estratégia e planejamento estão fadados a sofrer um grave declínio. De súbito algo tão simples quanto fazer a lista do que comprar no mercado torna-se uma grande façanha. Em geral temos enorme compaixão por aqueles pacientes cujos distúrbios cerebrais interferiram com suas capacidades cognitivas cotidianas. Estamos perfeitamente dispostos a levar em conta suas incapacidades intelectuais, ajudando-os a criar uma nova estratégia mnemônica ou lhes dando um tapinha nas costas e uma palavra de encorajamento quando tentam lembrar o nome de alguém (porque, francamente, quem nunca lutou com essas coisas?). No entanto, quando nacos de substância cinzenta que evoluíram para inibir, digamos, nossos apetites sexuais e outros impulsos orgíacos experimentam uma avaria catastrófica semelhante, somos nós igualmente compreensivos? O que acontece quando essas deteriorações levam suas vítimas a exibir… hum, não sei, vamos chamá-las de incapacidades morais? Casos de sistemas cerebrais libidinais enguiçando levam nosso materialismo bondoso e humanístico a entrar em contato – ou em conflito – com nossa crença no livre-arbítrio e na culpabilidade moral. Embora relativamente rara, a síndrome de Klüver-Bucy é uma das causas neurológicas mais notórias de um completo colapso da capacidade que tem uma pessoa de controlar seus impulsos sexuais. Em 1939, os neuroanatomistas Heinrich Klüver e Paul Bucy removeram as maiores partes tanto dos lobos temporais quanto do rinencéfalo dos cérebros de resos. De início, esses cientistas estavam interessados em estudar como a administração de mescalina produzia crises convulsivas semelhantes aos ataques de lobo temporal em pacientes epilépticos e por isso estavam tentando

isolar os efeitos dessas regiões cerebrais perturbadas pela droga. Entre um grande número de outros efeitos peculiares dessa vivissecção bastante cruel, contudo, os macacos tornaram-se incrivelmente lascivos, exibindo um óbvio e indiscriminado desejo de copular. O primeiro caso documentado de síndrome de Klüver-Bucy plenamente desenvolvida em seres humanos ocorreu em 1955, quando um paciente com epilepsia sofreu uma lobotomia (excisão cirúrgica dos lobos) temporal bilateral e subsequentemente desenvolveu um apetite sexual voraz, entre outras coisas. Com maior frequência, a síndrome aparece em graus menores, precipitada por uma lesão grave no lobo temporal medial. Isso poderia resultar de um caso de encefalite por herpes ou doença de Pick, ou em decorrência de trauma e privação de oxigênio. Mas, note bem, nem todos esses pacientes experimentam hipersexualidade, alguns o fazem. Há outros sintomas, contudo, que também não são muito atraentes; eles incluem hiperoralidade (um desejo compulsivo de pôr coisas na boca), apatia, indiferença emocional e vários distúrbios sensoriais. Estudos de caso dramáticos ilustrando os efeitos devastadores da síndrome de Klüver-Bucy abundam na literatura clínica, e eles suscitam intrigantes questões filosóficas para considerarmos com relação à pura fisicalidade do “livre-arbítrio”. Um estudo de 1998 do neurologista Sunil Pradhan e colegas demonstra que alguns pacientes acometidos pela doença estão dominados por impulsos carnais excessivos, e não simplesmente usando o distúrbio como uma desculpa conveniente para se tornar livremente promíscuos, obscenos e lascivos. No relato de Pradhan, um grupo de meninos entre os dois anos e meio e os seis anos começou a exibir comportamentos hipersexualizados após se recuperar parcialmente de comas induzidos por encefalites por herpes. De um a três meses após emergirem do estado comatoso, “todas as sete crianças”, observam os autores, “demonstraram comportamento sexual anormal na forma de meneio dos quadris (dois pacientes), fricção dos genitais sobre a cama (dois pacientes) e excessiva manipulação dos genitais (todos os sete pacientes)”. Eram essas crianças apenas fantoches indefesos e desafortunados de seus antigos cérebros impelidos pelo prazer? É nisso que os autores acreditam: “Como todos os pacientes [eram extremamente jovens], sem nenhuma possibilidade de aprendizagem ambiental do sexo, é muito provável que esses movimentos representassem atividades reflexas filogeneticamente primitivas.” Pode ser bastante embaraçoso contar a outros pais o motivo por que seu pré-escolar está trepando em tudo que lhe aparece pela frente – tente apenas repetir a descrição da síndrome de Klüver-Bucy para seus amigos na creche –, mas tendemos, como adultos, a ser extremamente indulgentes com as impropriedades de uma criança. Quando esse tipo de hipersexualidade acomete um indivíduo pós-pubescente cuja sexualidade é guiada por desejos propelidos por orgasmos, as coisas se tornam mais interessantes – pelo menos, mais uma vez, num sentido filosófico. Ainda que fosse inteiramente inexato descrever pacientes de Klüver-Bucy como sexomaníacos lunáticos, eles muitas vezes exibem comportamentos que seriam considerados impróprios por padrões convencionais. Um cavalheiro de setenta e poucos anos, por exemplo, abraçou uma paroquiana em sua igreja e beijou-a repetidamente. Segundo o relato do caso clínico, depois ele perguntou à chocada mulher: “Por que não fazemos isso de novo?” Durante os anos seguintes, suas fantasias sexuais intensificaram-se enormemente e sua hiperoralidade tornou-se incontrolável. O relato observa que, segundo a sua esposa, ele “levava qualquer objeto à boca, inclusive comida de cachorro, velas, fitas adesivas e sua aliança de casamento. Seu apetite parecia insaciável … . Ele morreu aos 77 anos de asfixia provocada por várias fitas adesivas”.

Numa carta ao editor da European Psychiatry, dois médicos descrevem o caso de uma estudante de catorze anos (“Srta. A.”) que, antes de desenvolver a síndrome de Klüver-Bucy após sair de um coma causado por encefalite, “era uma menina inteligente e sociável com bom desempenho escolar”. Essa adolescente tranquila e bem-comportada tornou-se um pouco difícil, para dizer o mínimo, após recuperar-se de sua doença. Você pensa que está criando uma adolescente complicada? Considere o que estes pais enfrentaram: A paciente começou … a despir-se na frente de outras pessoas, manipulando seus genitais e fazendo investidas sexuais na direção do pai. Ela lambia qualquer objeto que estivesse pelo chão e, sempre que tinha oportunidade, corria para o banheiro e tentava pôr urina e fezes na boca [urofagia e coprofagia, respectivamente]. Em outro caso, uma mulher epiléptica foi submetida a uma malsucedida lobotomia esquerdotemporal para ajudá-la a se livrar de crises convulsivas debilitantes. Sintomas de Klüver-Bucy, inclusive hipersexualidade, emergiram após a cirurgia. Ela começou a masturbar-se em público e a solicitar sexo de maneira agressiva a outros membros da família e vizinhos. Após ter um outro ataque, foi levada ao serviço de emergência, onde, após meia hora na sala de espera, começou a fazer uma felação num paciente cardíaco idoso. (Este pode ou não ser um dos poucos exemplos em que a síndrome de uma pessoa é o dia de sorte de outra; não está claro tampouco se isso foi uma manifestação de hipersexualidade ou de hiperoralidade, mas talvez seja inevitável que as duas coisas se encontrem ocasionalmente.) Outros epilépticos do lobo temporal também exibiram hipersexualidade no estado “pós-ictal”, que é o período de recuperação após uma crise convulsiva. A neurologista Vanessa Arnedo e colegas apresentaram o caso de um homem de 39 anos que começou a ter crises um tanto frequentes no meio da noite. Após convulsões noturnas, ele dormia por mais dez minutos, acordava e em seguida estuprava a esposa. (No palavreado mais delicado da autora, ele é descrito como “tornando-se sexualmente agressivo em relação à esposa ao forçar o intercurso”.) Digno de nota, porém, é que “o enorme remorso e repugnância pelo que havia feito ao ficar sabendo de suas ações o levaram a buscar uma possível cirurgia principalmente para eliminar esse comportamento pósictal”. Outras pessoas com perfis epilépticos semelhantes também se tornam hipersexualizadas no estado pós-ictal. Para seu horror posterior, um homem acenou para a filha de doze anos, chamandoa para se juntar a ele e à esposa no quarto após uma crise convulsiva noturna. É nestes últimos exemplos, em que a síndrome de Klüver-Bucy se manifesta em comportamento criminoso como estupro ou molestação infantil, que nossas convicções materialistas são realmente postas à prova. Em 2003, os neurologistas Jeffrey Burns e Russell Swerdlow descreveram como um homem de quarenta anos, sob outros aspectos bem-educado, desenvolveu um caso de “pedofilia de início recente” após sofrer o aparecimento de um tumor órbito-frontal direito. O homem negou qualquer interesse preexistente por crianças; tinha de fato uma predileção por pornografia antes do tumor, diz Burns e Swerdlow, mas agora estava baixando pornografia infantil e fazendo avanços sexuais sutis para a enteada pré-púbere. Sua hipersexualidade aplicava-se a mulheres maduras, também – tanto que, de fato, ele não conseguiu se impedir de acariciar enfermeiras e membros do sexo feminino pertencentes à equipe durante um exame neurológico. Para encurtar a história, quando o tumor do homem foi removido, seus comportamentos e interesses obscenos quase

desapareceram, e como ele não era mais considerado uma ameaça para a enteada, voltou para casa. Mas suas dores de cabeça recomeçaram, seu tumor voltou a crescer, e o mesmo aconteceu com seu impulso criminoso. Uma nova remoção cirúrgica do tumor foi feita, o homem tornou-se um bom cidadão novamente e, até onde sabemos, assim continua até hoje. Num caso mais recente copublicado pelo famoso neurocientista Oliver Sacks, um homem de 51 anos sem nenhuma história criminosa teve parte de seu lobo temporal direito removido para evitar crises convulsivas. Depois disso, desenvolveu sinais reveladores de Klüver-Bucy, inclusive hipersexualidade. Esse foi mais um caso de “pedofilia de início recente”, mas, como Sacks lamenta, apesar disso ele foi condenado a vários anos de prisão por baixar arquivos de pornografia infantil da internet. Que mensagem devemos extrair disso? Vou deixá-los fazer o trabalho árduo de refletir sobre suas implicações para nossa crença no livre-arbítrio e sobre como ele pode ou não se aplicar à síndrome de Klüver-Bucy. Mas uma outra questão intrigante emerge, também: se o cérebro de uma pessoa até então “boa” pode ser moralmente incapacitado de repente por um tumor invasivo ou um curto-circuito epiléptico, levando-a em seguida a praticar atos muito maus, não é então um tanto hipócrita supor que uma “má” pessoa sem lesão cerebral – cujo cérebro e funcionamento neural são organizados pela complexa interação entre genes e experiência (e cuja mente é portanto fisicamente coagida em absolutamente todos os seus aspectos fenomênicos) – tem alguma medida maior de livre-arbítrio que o caso neuroclínico? Afinal de contas, as pessoas têm zero controle sobre o cérebro particularmente idiossincrático com que nascem, e muito pouco controle sobre suas primeiras experiências de vida, as quais, por sua vez, só podem trabalhar com o substrato neural congênito que já está lá, seja ele qual for. Talvez seja apenas uma questão de timing: os “bons” nascem com cérebros que podem “ficar ruins”, ao passo que os “maus” estão cerceados por uma arquitetura neural prospectiva moralmente incapacitada desde o início. E embora isso possa ser menos comum, se uma “má” pessoa se comporta de maneira correta, poderia isso ser o resultado de um dano cerebral fortuito ou de uma epilepsia, também? Deveríamos deixar de admirar essa pessoa se ela salva uma criança de um prédio em chamas porque, como o homem que acena para a enteada de doze anos convidando-a para fazer sexo, isso não é realmente ele? Não se trata de fazer pessoas saudáveis aderirem a um “padrão mais elevado” ou de desculpar criminosos, mas simplesmente de reconhecer que o grau de controle que temos – qualquer um de nós – sobre nossas ações tem bases inteiramente neurobiológicas. O livre-arbítrio é físico. E se de fato ele é, em última análise, inteiramente baseado no cérebro, opinião que você provavelmente aceitou no início deste ensaio, isso inclui também a extensão, a sofisticação e os parâmetros pelos quais se pode, até objetivamente, contemplar o livre-arbítrio (tal pensamento é constrangido por capacidades cognitivas baseadas no cérebro, afinal de contas). A verdade chocante é que somos livres apenas na medida em que nossos genes são flexíveis no lodo dos meios em que nos desenvolvemos.

Como o cérebro adquiriu suas nádegas: travessura medieval em neuroanatomia

HÁ TANTA ESPECIALIZAÇÃO dentro da neurociência que nem o cérebro mais arguto tem capacidade suficiente para aprender tudo que há para saber sobre si mesmo. Mas se há um fato sobre o qual a ameixa seca do tamanho de um teacup yorkshire que você tem na cabeça poderia querer refletir é que ela compartilha um passado peculiar com algo consideravelmente inferior em sua anatomia – sua genitália. Não estou querendo dizer que nossos cérebros e órgãos reprodutivos compartilham uma história embriológica ou evolucionária, mas sim que eles estiveram outrora (e, em certa medida, ainda estão) entrelaçados na linguagem do corpo. O que essa estranha história revela é que os anatomistas antigos tinham o pênis na cabeça. Todos nós tínhamos, naquela época. Aliás, segundo a nomenclatura antiga, até as mulheres. O professor de anatomia Régis Olry e o neurobiólogo Duane Haines trouxeram toda a sórdida história à luz num par de artigos intrigantes publicados no Journal of the History of the Neurosciences. Esses historiadores da neuroanatomia (sim, existe tal profissão, e deveríamos ser todos gratos por isso) analisaram uma literatura médica muito antiga, tortuosa, e descobriram que o cérebro humano foi descrito antigamente como compreendendo sua própria vulva, pênis, testículos, nádegas e até ânus. Como não é de surpreender, toda a classificação e rotulação estavam a cargo de homens. De fato, parte do cérebro ainda é denominada em homenagem a prostitutas há muito esquecidas – chego lá daqui a pouco. Em seu primeiro artigo, mais de dez anos atrás, uma eternidade em termos acadêmicos, Olry e Haines revelaram as surpreendentes origens do termo fórnice. Para os ignorantes em neuroanatomia, o fórnice é uma faixa arqueada de fibras nervosas que conecta o hipocampo e o sistema límbico e transpõe certas câmaras cheias de fluido do cérebro conhecidas como ventrículos. Você teria vários problemas muito perceptíveis se seu fórnice não estivesse funcionando a contento, inclusive vários prejuízos da aprendizagem espacial e da orientação espacial global. Alguns fundamentos de etimologia. Embora hoje a palavra fórnice esteja reservada quase exclusivamente para estruturas anatômicas – há também um fórnice das conjuntivas, que conecta as membranas do olho, bem como vários outros fórnices corporais, mas sigamos adiante –, a palavra possuía originalmente uma conotação arquitetônica, vindo da palavra latina para “arco”. Olry e Haines observam que, durante o século I a.C., arquitetos romanos criaram quartos de madeira com tetos abobadados, chamados de fornices. Quando esses quartos eram feitos de tijolos, eram chamados de camarae (há uma história etimológica diferente envolvendo a câmara de nossos dias e esses quartos romanos de tijolos arqueados, mas é o fórnice que nos interessa aqui). Ora, nada disso é terrivelmente impudico, e é muito possível que o primeiro neuroanatomista a usar esse termo, o inglês Thomas Willis, no século XVII, não tivesse um só pensamento sujo na

mente. Mas é fato também que os quartos de madeira abobadados de antanho eram usados expressamente para o exercício de um ofício particular na Roma antiga, a prostituição (daí a palavra “fornicação”). “A real etimologia do termo ‘fórnice’”, concluem Olry e Haines, “está portanto relacionada à forma do teto do terceiro ventrículo, mas também ao intercurso sexual que ocorria nesses quartos, comparados com esse ventrículo.” É apenas uma coincidência irônica que o fórnice, como parte do sistema límbico, ajude a regular o comportamento sexual humano; como os autores ressaltam, o nome foi dado muito antes que qualquer pessoa soubesse dessa função. De qualquer maneira, depois que puseram o fórnice na cama, Olry e Haines esperaram cerca de uma década para revisitar o sexy terceiro ventrículo. Num artigo de acompanhamento, eles expuseram alguns outros elementos com nomes bastante curiosos da mesma parte do cérebro. Quando o anatomista italiano de meados do século XVI Matteo Realdo Colombo examinou o pequeno recesso contíguo às comissuras anteriores e a linha divisória das duas colunas do fórnice, relatam Olry e Haines, viu o que se assemelhava a uma vulva lubrificada – e chamou-o de vulva cerebri. Talvez isso não seja muito surpreendente, uma vez que em geral se considera que Colombo foi o anatomista que primeiro “descobriu” o clitóris (o verdadeiro). Os autores ressaltam que há algum mistério com relação a que buraco Colombo estava cutucando precisamente com sua sonda italiana. Poderia, de fato, ter se tratado da abertura mais posterior identificada no século XVII pelo anatomista holandês Isbrand van Diemerbroeck, que descobriu, no sulco de Colombo, “o ânus inteiro”. O ânus do seu cérebro, diga-se de passagem, é o que chamaríamos hoje de a “abertura posterior comum” do aqueduto do mesencéfalo, que se expande para o terceiro ventrículo. Há tantos trocadilhos com fezes e inteligência que se pode fazer aqui que minha mente está ficando com câimbra, portanto, que merda, vou deixar essa parte para vocês, seus bostas. Ora, Van Diemerbroeck não descobriu apenas pedacinhos da anatomia feminina no cérebro; pelo contrário, ele e seus companheiros anatomistas o encaravam como um órgão essencialmente hermafrodita. Afinal de contas, ele não tinha apenas uma vulva cerebri; possuía também um claramente reconhecível penis cerebri. René Descartes pode ter celebrado a glândula pineal como a “sede da alma”, mas para a mente menos metafísica de Van Diemerbroeck, bem como para um dos contemporâneos de Descartes, o médico dinamarquês Thomas Bartholin, essa estrutura era mais parecida com um pênis. Essa metáfora pode ter suas raízes, explicam Olry e Haines, na posição da glândula acima e entre os colículos, que já haviam sido comparados com testículos. Essa expressão ridícula, penis cerebri, provou-se embaraçosa demais para futuros estudiosos e logo caiu em desuso. O pênis de ontem é hoje a desalmada glândula pineal (uma expressão mais recatada, sem dúvida). Por volta de meados do século XVIII, na França, um anatomista que era um verdadeiro desmancha-prazeres chamado Jacques-Bénigne Winslow já olhava com repulsa as indelicadas classificações de seus antepassados; os antigos, refletia ele, só pensavam em indecências quando se tratava do que havia dentro de suas cabeças. Winslow lançou os fundadores da neurociência em particular descrédito por terem visto nádegas (eminentiae natiformes) e testículos (eminentiae testiformes) nos colículos: “Os nomes que foram dados a esses tubérculos são muito impertinentes, e não têm nenhuma semelhança com as coisas de que foram derivados.” Outros discordaram, e estudiosos continuaram a se referir às nádegas e aos testículos em nossos cérebros por séculos depois que Winslow estrilou por causa disso, mesmo já no século XX. Finalmente, porém, a pudicícia acadêmica eclipsou esses obsoletismos absurdos.

Apesar disso, um brioso remanescente desses tempos passados de devassidão cerebrina não deixou de se infiltrar no vocabulário atual. Segundo Olry e Haines, a origem da porção glandular da expressão “glândula pineal” pode ser atribuída à seu predecessor terminológico bulboso, a glande peniana. Hoje sabemos que a glândula pineal produz melatonina, uma substância química essencial para a regulação de nosso ciclo de sono-vigília. Assim, da próxima vez que você tiver um jet lag, lance a culpa no seu pênis. E se não tratei da história dos corpos mamilares – aqueles pequenos corpos redondos na superfície do cérebro considerados responsáveis por acrescentar olfato à memória de reconhecimento – é porque isso seria fácil demais. Olry e Haines não foram os primeiros a dar tratos à bola com relação a essa rotulação obscena de regiões neuroanatômicas. Fazendo coro com o pudico Winslow em seu desdém, o anatomista francês Joseph Auguste Aristide Fort observou em 1902 que os anatomistas dos séculos anteriores “gostavam de dar nomes indecentes às diferentes partes que cercavam o terceiro ventrículo”. Mas Olry e Haines revelaram exatamente como esses anatomistas medievais lançaram seus olhos libidinosos sobre a substância cinzenta e viram não só o mecanismo cintilante de nossos pensamentos, mas também nossas partes pudendas.

Zumbis lascivos: sexo, sonambulismo, ereções noturnas… e você

PODE LHE PARECER QUE , similarmente aos galos, os órgãos reprodutivos dos homens no mundo inteiro participam de uma irrefletida sincronia de rígidas saudações ao sol nascente. Contudo, esse “tesão matinal”, na verdade, é um resto autonômico de uma série de episódios de tumefação peniana noturna (TPN) que ocorrem pontualmente durante a noite para todos os machos humanos saudáveis – com mais frequência nos períodos de sono marcados por movimentos oculares rápidos (REM, na sigla em inglês) e cheios de sonhos, dos quais somos tantas vezes rudemente despertados de manhã por campainhas, mães ou outras pessoas. Para aqueles com pênis, talvez surpreenda saber com que frequência seu membro se levanta enquanto o resto de seu corpo está reduzido a um estado de catatonia pela paralisia muscular que o impede de pôr seus sonhos em ação. (E dê graças a Deus por isso. Carlos Schenck e colegas do Minnesota Regional Sleep Disorders Center descrevem o caso de um rapaz de dezenove anos com um distúrbio dissociativo relacionado ao sono que certa vez andou de gatinhas pela casa, rosnando e mastigando um pedaço de bacon – ele “sonhava” que era uma jaguatirica, saltando sobre um naco de carne crua que uma tratadora do zoológico segurava.) Cientistas determinaram que o pênis de um homem normal de treze a dezenove anos fica ereto por cerca de noventa minutos a cada noite, ou 20% do tempo total de sono. Com seu cérebro girando entre os quatro estágios do sono, suas “ereções relacionadas ao sono” se produzem a intervalos de 85 minutos, durando em média 25 minutos. (É verdade; eles usaram um cronômetro.) Até onde sei, não há muitas teorias evolucionárias bem desenvolvidas da TPN, nem foi proposta uma “função adaptativa” para ela, mas sabemos que ela não tem relação com a atividade sexual exercida durante o dia, declina com a idade e está positivamente correlacionada com os níveis de testosterona. Embora um número muito menor de estudos tenha examinado a atividade genital noturna de mulheres, elas exibem similarmente lubrificação vaginal durante seus episódios de sono REM, presumivelmente com muitas delas sonhando com pênis eretos. Bem, talvez você não pense que esses enfadonhos detalhes biológicos poderiam ser matéria para dilema moral, mas está subestimando a enorme confusão de nossa espécie quando se trata de compreender como nosso cobiçado livre-arbítrio se conjuga com nossos genitais. Considere o caso do jovem francês cujas ereções relacionadas ao sono foram interpretadas por um outro homem como sinal de interesse sexual, mas o jovem jurou que não se tratava de nada parecido. Como descrito por um um grupo de investigadores na reunião anual da Sociedade Francesa de Pesquisa do Sono em 2001, o homem heterossexual de 24 anos despertou, para seu horror, com dolorosas lesões anais. Embora não tivesse nenhuma lembrança consciente da ocorrência de tal incidente, uma vez que estava completamente embriagado no momento, isso o levou a deduzir que devia ter sido violentado durante a noite. “O exame médico-legal relatou de fato dilaceramentos

visivelmente recentes da margem anal”, confirmaram os pesquisadores. Seguiu-se a busca do culpado. Especialmente inquietante era o fato de que o patrão do homem passara aquela noite na casa dele. Antes os dois relaxaram junto à piscina e assaram juntos na sauna. Não houve absolutamente nenhuma evidência de drogas facilitadoras de estupro, mas o álcool, como acontece tantas vezes no sul da França, fluiu com alegre abandono aquela noite, e por isso o empregado heterossexual, sendo um cavalheiro, havia convidado o chefe para curar o porre dormindo em seu sofá enquanto ele se recolhia ao mezanino. Ao que parece, porém, foi o empregado que dormiu um sono particularmente pesado aquela noite, não o patrão embriagado. O homem mais velho admitiu prontamente que sem dúvida os dois haviam feito sexo durante a noite, e ele só podia supor que a ereção de seu subordinado, combinada com o fato de o mesmo não ter resistido quando montara nele, sugeria ser ele um parceiro consensual. (Você pensava que seu sono era pesado; imagine a potência sonambulística necessária para ressonar durante sua primeira penetração anal.) Enquanto os tribunais tentavam resolver o caso, o suposto estuprador passou dois anos na cadeia, até que finalmente um juiz decidiu que os dois homens estavam mais ou menos certos, e o acusado deveria ser libertado. Mas este é apenas um de muitos exemplos curiosos de entrelaçamento de sexo e lei. O fenômeno relacionado da “sexônia” (sexo durante o sono) despertou interesse público periódico através de uma série de casos muito divulgados, histórias que por sua vez motivaram intrigante pesquisa acadêmica sobre esse assunto pouco conhecido. Nem Alfred Kinsey – o grande arquivista de fatos carnais, que dedicou grande parte de suas discussões à questão dos “sonhos molhados” e das poluções noturnas em ambos os sexos – mencionou como algumas pessoas exibem comportamentos sexuais durante o sono. Diferentemente do caso referido anteriormente, em que o empregado adormecido é o recipiente passivo, imobilizado, do intercurso indesejado, em acessos de sexônia é a pessoa adormecida que provoca o problema. Embora os pesquisadores ainda não tenham uma estimativa exata da frequência dessa parassonia, a maioria dos especialistas acredita que ela é provavelmente bastante comum. Quase todas as pessoas que exibem atos sexuais recorrentes enquanto dormem têm uma história de sonambulismo. De fato, muitos especialistas acreditam que a sexônia nada mais é que uma variante do sonambulismo, que afeta de 1 a 2% dos adultos, e é assim que ela é classificada atualmente no principal manual de diagnósticos, The International Classification of Sleep Disorders, Revised. A maioria das pessoas não busca tratamento clínico, seja em razão de sua ignorância da doença ou de embaraço; ademais, muitas vezes seus “automatismos” sexuais são bastante inócuos – como masturbação, empurrões pélvicos fracos, ou conversas sexualmente excitantes em estado de fuga. (Mais sobre o conceito de automatismo logo adiante.) Num número de 2007 da Brain Research Reviews, porém, a psicobióloga Monica Andersen e colegas investigaram todos os estudos de caso publicados até então na literatura e tentaram reunir alguns denominadores comuns subjacentes à sexônia. Descobriram que os fatores precipitantes mais comuns do sexo durante o sono são privação de sono, estresse, consumo de álcool ou drogas, fadiga excessiva e superatividade física à noite. Ser homem e ter menos de 35 anos é também um fator importante, relataram eles. Além disso, quando mulheres caem nesse estado noturno alterado, suas ações tendem a ser comparativamente inofensivas; elas gemem e se masturbam, em vez de acariciar e agarrar qualquer coisa que tenha a má sorte de estar nas proximidades de sua cama aquela noite, como fazem os homens acometidos de sexônia.

Uma das coisas mais extraordinárias sobre a sexônia é que os comportamentos impróprios da pessoa adormecida são por vezes dirigidos a pessoas que, durante suas vidas despertas, não lhes pareceram particularmente excitantes. Num número de 1996 da Medicine, Science, and the Law, o psiquiatra Peter Fenwick descreve o caso de um cadete supostamente heterossexual que foi levado à corte marcial por agressão homossexual depois que se enfiou na cama de outro soldado e acariciou-lhe as partes pudendas. O caso foi encerrado depois que a corte aceitou que a ausência de ereção no acusado – a sexônia pode ou não envolver ereções – significava ser improvável que o episódio tivesse sido “proposital”, devendo ter sido apenas um bizarro incidente de sonambulismo. Um outro exemplo de homossexualidade atípica na sexônia envolveu um menino de dezesseis anos que entrou no quarto da tia e do tio uma noite e começou a molestar o tio adulto. Ereções, como sugeri anteriormente, complicam as coisas para o sistema judicial. Um caso notório que atraiu atenção da mídia internacional, tal como revisto na Current Psychiatry por um grupo de pesquisadores do sono da Cleveland Clinic, girou em torno de um paisagista de trinta anos chamado Jan Luedecke, que bebeu demais durante um animado coquetel em um jogo de croquet nos subúrbios de Toronto numa noite de 2003 e adormeceu num sofá. “Algum tempo depois”, explicam os autores, “ele se aproximou de uma mulher que dormia num sofá adjacente, pôs um preservativo e iniciou um intercurso sexual com ela.” De sua aterrorizada perspectiva, a mulher acordou para descobrir que sua calcinha fora removida e um Luedecke de olhos vidrados tentava estuprá-la. Ela o empurrou, correu para o banheiro e, ao voltar, encontrou-o parado ali, perplexo. Luedecke, que tinha um histórico estabelecido de sonambulismo, foi absolvido depois que o psiquiatra Colin Shapiro provou, em sua defesa, que ele se encontrava num estado dissociativo quando o incidente ocorreu, não tendo portanto consciência de suas ações. Casos legais difíceis como esses dependem inteiramente da demonstrabilidade (ou pelo menos forte probabilidade) de um automatismo – um crime cometido durante o sono. Fenwick forneceu uma das mais claras definições desse conceito: Um automatismo é um comportamento involuntário sobre o qual um indivíduo não tem controle. O comportamento é em geral inapropriado às circunstâncias e pode ser incongruente com o indivíduo. Pode ser complexo, coordenado e aparentemente deliberado e dirigido, embora desprovido de julgamento. Posteriormente o indivíduo pode não ter nenhuma lembrança ou apenas uma memória parcial e confusa de suas ações. Em outras palavras, as pessoas que sofrem de sexônia são basicamente zumbis lascivos. Não há atualmente nenhuma maneira de determinar com absoluta certeza se o fenômeno, quando invocado como defesa, foi realmente a causa de um comportamento ou está sendo usado como um álibi conveniente. Ainda assim, certos critérios (dados detalhados de padrão de sono fornecidos por uma polissonografia noturna; sonambulismo e sexo relacionado ao sono no passado; fatores desencadeantes conhecidos como embriaguez, fadiga e estresse; linha do tempo do suposto ataque, pois os episódios ocorrem tipicamente dentro de duas horas após o adormecimento durante sono não REM; amnésia com relação ao evento; confusão, em vez de qualquer tentativa de disfarçar ou encobrir o incidente) podem ao menos ajudar um júri a chegar à sua decisão. É tentador, para dizer o mínimo, ser cético em relação à capacidade de um sonâmbulo de agir de maneira tão deliberada a ponto de lidar com sucesso com uma camisinha, estando ao mesmo tempo tão consciente quanto um

ortóptero, mas o pesquisador do sono londrino Irshaad Ebrahim nos lembra de que os comportamentos sonambúlicos são extremamente variáveis e podem ser muito meticulosos, citando pessoas que preparam refeições e comem, dirigem motocicletas e carros e até andam a cavalo, tudo isso durante uma boa noite de sono. Para os que sofrem de sexônia e esta se tornou um problema sério, num sentido legal ou em outro, a boa notícia é que ela responde bem a intervenções farmacêuticas. Apenas uma pequena dose de benzodiazepinas – em especial o clonazepam – antes de ir para a cama parece resolver o problema para a maioria. Se você tiver manifestado uma história de violência sexual durante o sono ou, digamos, se for um sonâmbulo frequente e houver crianças em casa, talvez valha a pena considerar a ideia de discutir isso com seu médico. (Vários casos, de fato, envolveram acusações muito perturbadoras de abuso de crianças sendo feitas a pessoas que supostamente sofreriam de sexônia.) Mas a sexônia pode ser um problema até para os que moram e dormem sozinhos. Após acordar várias noites por semana durante cinco anos com os dedos misteriosamente lambuzados de sêmen, um homem de 27 anos ficou desolado ao se dar conta de que era um masturbador sonambúlico. O pobre homem quebrou dois dedos quando seu alter ego noturno rasgou as amarras que usava para evitar se mover na cama. Há também, eu deveria assinalar, aqueles cujas vidas sexuais foram de fato beneficiadas pela sexônia de seus parceiros. Schenck e colegas reviram vários desses casos, inclusive o de uma mulher que “relatava sexo infrequente e apressado com o marido [acordado], que ela descrevia como distante e relutante na vida desperta”. Essa senhora descobriu que, pelo menos com ele, “o sexo noturno era mais satisfatório, ainda que estivesse por vezes associado a contusões”. Assim, para concluir, como se pode determinar se as bolinações do seu parceiro durante a noite são irrefletidas ou deliberadas? Vou poupá-lo dos detalhes, mas foi exatamente esta pergunta que me estimulou, várias noites atrás, a escrever este ensaio. Ao que parece, roncar durante o comportamento sexual é um bom sinal e algo que os parceiros de muitos dos que padecem de sexônia dizem ocorrer, sem mais nem menos, até durante os mais complicados atos sexuais. Ocorreu-me também que os episódios de tumescência peniana noturna zumbificada podem ser distinguidos da excitação sexual consciente real pela presença ou ausência da, hum, como chamar isso, “sacudidela peniana”. (Este não é um termo técnico, mas como draguei as profundezas da literatura em vão na tentativa de encontrar o termo apropriado para esse movimento voluntário para cima e para baixo do pênis ereto por meio da contração do músculo pubococcígeo – ora, vamos, não finja que não sabe do que estou falando –, por favor, permita-me um pequena licença poética.) Sempre pensei que essas reações de sacudidela do pênis deviam servir para alguma função de sinalização comunicativa em nossa espécie, mas ao que parece ninguém pensou em estudá-las de uma perspectiva adaptativa. Imagine isso. Seja como for, poderia alguém acometido de sexônia usar sua cognição social para comunicar deliberadamente uma mensagem de interesse sexual sacudindo seu pênis para a parceira? Esta provavelmente não é uma pista infalível, mas suspeito que não. E mantenha essa dica útil em mente para quando quer que o apocalipse chegue, pois só Deus sabe que ele chegará com sua porção de zumbis do sexo masculino obcecados por sexo – um bando de gays lascivos também, segundo muitos conservadores cristãos.

Os seres humanos são especiais e únicos: nós nos masturbamos. E muito

DEVE HAVER ALGUMA COISA na água em Lanesboro, Minnesota, porque na noite que passei lá, a caminho de uma conferência, sonhei com um embate com um centauro afro-americano muito musculoso, uma experiência orgíaca com membros embriagados do sexo oposto e então (como se isso não fosse o bastante) sonhei que era solicitado depois por minha anfitriã a vestir um vestido de noiva branco para minha iminente apresentação na abertura da conferência. “Ele não me faz parecer feminino demais?” “De maneira alguma”, ela me garantiu, “é um vestido de homem.” Ora, Freud poderia alçar as sobrancelhas diante de uma cena onírica tão escandalosa, mas se essas imagens representam meus anseios sexuais reprimidos, há um lado de mim que aparentemente ainda estou por descobrir. Duvido que seja esse o caso. Sonhos com conotações eróticas são parecidos com a maioria dos outros sonhos durante o sono REM – trens descarrilados com um condutor incapaz de controlar as direções surrealísticas que eles tomam. Na verdade, se você quiser realmente saber sobre os desejos sexuais ocultos de uma pessoa, descubra o que ela tem na cabeça quando está mais profundamente mergulhada na masturbação. Essa capacidade de criar em nossas mentes cenas fantasiosas que literalmente nos levam ao orgasmo quando convenientemente emparelhadas com nossos destros apêndices é um truque de mágica evolucionário. Ele requer uma capacidade cognitiva chamada representação mental (uma “re-apresentação” interna de uma imagem anteriormente experimentada ou algum outro input sensorial), que muitos teóricos evolucionários acreditam ser uma inovação hominídea relativamente recente. Quando se trata de sexo, fazemos um uso muito bom – ou pelo menos muito frequente – dessa capacidade. Um estudo clássico sobre pornografia pré-internet (chegarei à pornografia na internet num instante) realizado pelos biólogos evolucionários Robin Baker e Mark Bellis constatou que estudantes universitários do sexo masculino masturbam-se até ejacular a cada 72 horas, e “na maioria das ocasiões, sua última masturbação se dá nas 48 horas que se seguem à cópula anterior”. Isto é, se não estiverem tendo intercurso todos os dias, os homens tendem a se dar prazer até à satisfação não mais de dois dias após sexo real pela última vez. A explicação bastante lógica de Baker e Bellis para esse estado de coisas que parece contrariar o senso comum (afinal, não deveriam os homens tentar estocar a maior quantidade de esperma possível nos testículos em vez de derramar suas sementes de maneira tão esbanjadora num pedaço sem dúvida infértil de papel higiênico ou numa meia?) é que os espermatozoides têm um “prazo de validade” – eles permanecem viáveis por apenas cinco a sete dias após a produção – e, como os machos humanos adultos fabricam colossais 3 milhões de espermatozoides por dia, a masturbação é uma estratégia resultante de evolução para se desvencilhar de esperma velho e criar ao mesmo tempo espaço para esperma novo, mais apto. É uma questão de qualidade acima de quantidade.

Aqui está a logística adaptativa, segundo os cientistas: A vantagem para o macho poderia ser que o esperma mais jovem é mais aceitável para a fêmea e/ou mais capaz de alcançar uma posição segura no aparelho feminino. Além disso, uma vez retido no aparelho feminino, o esperma mais jovem poderia ser mais fértil na ausência de competição de espermas [relações sexuais monogâmicas] e/ou mais competitivos na presença de competição de espermas [quando a mulher está tendo sexo com outros homens]. Por fim, se esperma mais jovem vive mais tempo no aparelho feminino, qualquer maior fertilidade e competitividade também durariam mais tempo. Não está convencido? Bem, Baker e Bellis são experimentadores inteligentes. Têm também estômagos de aço. Uma das maneiras pelas quais testaram suas hipóteses foi pedindo a mais de trinta bravos casais heterossexuais que lhes fornecessem algumas amostras bastante concretas de suas vidas sexuais: seus “refluxos” vaginais pós-coitais, isto é, a porção da ejaculação do homem espontaneamente rejeitada pelo corpo da mulher após a cópula. Como Baker e Bellis explicam: “O refluxo emerge de 5 a 120 minutos após a copulação como um evento relativamente discreto durante um período de 1 a 2 minutos na forma de três a oito glóbulos brancos. Com prática, as mulheres podem reconhecer a sensação do início do refluxo e colher o material agachando-se sobre um béquer de vidro de 250 ml. [E aqui vem uma sugestão útil, senhoras…] Quando o refluxo está quase pronto para emergir, é possível acelerá-lo, por exemplo, tossindo.” Como os autores previram, o número de espermatozoides nos refluxos das namoradas aumentava de maneira significativa quanto maior o tempo decorrido desde a última masturbação do namorado – mesmo depois que os pesquisadores tinham controlado o volume relativo da emissão de fluido seminal como uma função de tempo desde a última ejaculação (quanto maior ele tivesse sido, mais sêmen, na média, estava presente). Se pelo menos os pais dos meninos adolescentes tivessem tido acesso a estes dados durante os últimos 100 mil anos de nossa história, pense em toda a ansiedade, culpa e vergonha que poderiam nunca ter existido. De fato, até G. Stanley Hall, o pai da pesquisa em psicologia do adolescente, se viu em maus lençóis quando se tratava do assunto da masturbação. Hall admitia que poluções noturnas espontâneas (isto é, sonhos molhados) em meninos adolescentes eram “naturais”, mas considerava a masturbação um “flagelo da raça humana… destrutiva do que é talvez a coisa mais importante do mundo, o potencial de boa hereditariedade”. Na concepção de Hall, a prole dos masturbadores adolescentes mostraria sinais de “infantilismo persistente ou maturidade excessiva”. Meninos serão meninos, dr. Hall, e – embora lamentavelmente não haja nenhum dado sobre isso – eu ainda apostaria que aqueles adolescentes que negam a si mesmos esse comportamento natural tendem a ter mais problemas que os que não o fazem. Voltemos agora às fantasias e à cognição relacionadas à masturbação, e é aí que as coisas ficam realmente interessantes. A teoria de Baker e Bellis pode ser peculiarmente verdadeira no tocante a seres humanos, porque, ao que tudo indica, em condições naturais, somos a única espécie primata que parece ter tomado os benefícios desses derramamentos de sêmen em suas próprias mãos. Infelizmente, houve um número insignificante de estudos rastreando os comportamentos masturbatórios de primatas não humanos. Embora provavelmente haja alguns dados pertinentes enterrados em alguma montanha de notas de campo, não topei com nenhum estudo direcionado

sobre o assunto em chimpanzés selvagens, e nem a prolífica Jane Goodall parece ter jamais investigado isso. Contudo, a julgar por todos os relatos, e em contraste com os seres humanos, a masturbação até o gozo é um fenômeno extremamente raro em outras espécies com mãos hábeis muito parecidas com as nossas. Como qualquer pessoa que já foi ao jardim zoológico sabe, não há dúvida de que outros primatas brincam com seus genitais (bonobos são notórios por isso); o importante é que esses episódios de manipulação raramente levam a um orgasmo intencional. Não há muita coisa por aí em matéria de pesquisa apropriada sobre a masturbação em símios, mas alguns estudos, aqui e ali, parecem documentar a baixa frequência da masturbação em outros primatas. No início dos anos 1980, cientistas observaram os comportamentos sexuais de vários grupos de macacos Cercocebus albigena selvagens por mais de 22 meses na floresta Kibale, em Uganda ocidental. Houve muito sexo, em particular nos momentos em que as fêmeas estavam mais inchadas. Mas os pesquisadores só depararam com dois incidentes de masturbação masculina levando à ejaculação. Sim, é isso mesmo. Enquanto machos humanos saudáveis parecem não poder prescindir de masturbação por mais de 72 horas, dois casos de Cercocebus se masturbando foram registrados ao longo de um período de quase dois anos. A antropóloga E.D. Starin também não teve muita sorte ao espionar incidentes de masturbação e ntr e Procolobos badius em Gâmbia. Num breve artigo publicado em 2004 em Folia Primatologica, Starin relata que num período de cinco anos e meio de observações acumuladas, totalizando mais de 9.500 horas, ela viu apenas cinco – isso mesmo, cinco – incidentes em sua população de cinco macacos Procolobos badius masturbando-se até a ejaculação, e esses raros incidentes ocorreram enquanto fêmeas próximas e sexualmente receptivas exibiam enfáticos comportamentos de cortejo e copulações com outros machos. Curiosamente, Starin diz que, embora essas fêmeas não estivessem na vizinhança imediata, é possível que ainda pudessem ser vistas ou ouvidas pelo macho que se masturbava quando os incidentes em questão ocorreram. (Em outras palavras, nenhuma representação mental foi necessária.) Na verdade, as descrições que a autora faz desses eventos me dão a impressão de que eles produziram ejaculações acidentais, não deliberadas. Não que não tenham sido acidentes felizes, mas mesmo assim. “Durante cada observação”, escreve Starin, “os machos sentaram-se e friccionaram, esticaram e coçaram o pênis até que ele ficasse ereto, após o que a fricção adicional produziu ejaculação.” Além disso, de catorze macacas cólobos rastreadas durante esse período de tempo, “três fêmeas diferentes foram observadas possivelmente masturbando-se” por autoestimulação de seus genitais – só possivelmente porque nenhum desses episódios culminou nos sinais reveladores do orgasmo entre os cólobos: contrações musculares, expressões faciais ou gritos arrebatados de insuportável prazer. Talvez o relato mais vívido de masturbação primata não humana – ou antes, da assombrosa ausência dela, mesmo em machos subordinados, que não estão conseguindo nenhuma fêmea – venha de um estudo publicado em 1914 no Journal of Animal Behavior por um tipo peculiar chamado Gilbert van Tassel Hamilton. Hamilton aparentemente dirigiu uma espécie de mistura de centro de pesquisas e santuário nos luxuriantes terrenos de sua propriedade em Montecito, Califórnia. Ele foi também, claramente, um sexologista pioneiro, ou pelo menos tinha atitudes especialmente liberais para seu tempo, defendendo a naturalidade do comportamento homossexual no reino animal, entre outras coisas. Ao justificar sua pesquisa, que significava um contato íntimo e pessoal com os genitais de seus macacos, Hamilton opina: “A possibilidade de que os tipos de comportamento

sexual a que o termo ‘pervertido’ é em geral aplicado possam ser de manifestação normal e biologicamente apropriados em algum lugar na escala filética ainda não foi suficientemente explorada.” De fato, ele parece ter esperado masturbação desenfreada em seus animais, mas para sua surpresa apenas um macho (chamado Jocko) envolveu-se em algum momento nesses prazeres manuais. “De todos os meus macacos machos”, escreveu Hamilton, apenas Jocko foi observado masturbando-se. Após alguns dias de confinamento ele se masturbava e comia parte de seu sêmen. Tenho razões para acreditar que viveu em condições antinaturais durante muitos anos antes que eu o adquirisse. Em vista desse fato de nenhum de sete macacos sexualmente maduros ter se masturbado após várias semanas de isolamento em condições que favoreciam uma vida mental e física bastante saudável (estreita proximidade com outros macacos, jaula ampla, clima cálido), inclino-me a crer que a masturbação não é de ocorrência normal entre macacos. Hamilton parece sem dúvida ter sido um pouquinho excêntrico. Um pouco antes em seu artigo, ele relata que uma de suas macacas, chamada Maud, gostava de ser montada (e penetrada) por um cachorro de estimação no quintal, até que um dia a pobre Maud, muito excitada, ofereceu seu traseiro para um vira-lata estranho que logo tratou de lhe arrancar a pata com uma mordida. Mais perturbadora é a descrição que Hamilton fez de um macaco chamado Jimmy que, numa tarde ensolarada, descobriu um bebê humano deitado numa rede. “Jimmy esforçou-se prontamente para copular com o bebê”, observa Hamilton com naturalidade. Não fica claro se esse era ou não filho do próprio pesquisador, nem há menção à expressão no rosto da mãe do referido bebê humano ao ver o que Jimmy estava aprontando. De qualquer maneira, ainda que suas habilidades na supervisão infantil fossem questionáveis, a franqueza com que Hamilton relata as vidas sexuais de seus macacos confere grande crédito às suas histórias. Sendo assim, por que macacos e símios quase não se masturbam se comparados a seres humanos? Esse comportamento é uma raridade, mesmo entre primatas machos e não humanos de baixo status que experimentam frustrante falta de acesso sexual a fêmeas – de fato, os poucos incidentes observados parecem se dar com machos dominantes. E por que uma diferença tão óbvia, com significação potencialmente enorme para a compreensão da evolução da sexualidade humana, não foi percebida por um maior número de pesquisadores? Afinal, faz quase sessenta anos que Alfred Kinsey relatou pela primeira vez que 92% dos americanos estavam envolvidos em masturbação conduzindo ao orgasmo. A explicação para essa diferença interespecífica, estou convencido, reside em nossas habilidades de representação singularmente desenvolvidas: somos os únicos com capacidade para fazer surgir à vontade cenas eróticas, indutoras de orgasmo, nos cinemas pessoais de nossas mentes – fantasias internas, lascivas, completamente desconectadas de nossas realidades externas imediatas. Um dos primeiros pesquisadores sexuais, Wilhelm Stekel, descreveu as fantasias de masturbação como uma espécie de transe ou estado alterado de consciência, “uma espécie de embriaguez ou êxtase, durante o qual o momento atual desaparece e somente a fantasia proibida reina suprema”. Vamos, deixe isto aqui de lado, faça uma pausa de cinco minutos e ponha meu desafio à prova

(se estiver num avião, talvez seja melhor você ir até o toalete): tente se masturbar com sucesso – isto é, até chegar ao orgasmo – sem procurar visualizar uma cena erótica internamente. Em vez disso, limpe por completo a sua mente, ou pense em, não sei, uma enorme tela em branco pendurada numa galeria de arte. E, claro, nenhuma pornografia ou assistentes prestativas nuas são permitidas para essa tarefa. Como se saiu? Se você for como a maioria, viu a impossibilidade disso. Esta é, aliás, uma das razões pelas quais tenho tanta dificuldade em acreditar que as pessoas que se dizem assexuadas e admitem chegar ao orgasmo masturbando-se são real e verdadeiramente assexuadas. Elas têm de estar imaginando alguma coisa, e essa coisa, seja lá o que for, revela sua sexualidade. Apreender empiricamente a fenomenologia das fantasias masturbatórias não é coisa fácil. Alguns intrépidos estudiosos, porém, realmente tentaram fazê-lo. Em 1960, um médico britânico chamado Narcyz Lukianowicz, publicou na Archives of General Psychiatry um dos relatos científicos mais sensacionais que já tive o prazer de ler. Lukianowicz entrevistou pessoalmente 188 indivíduos (126 homens e 62 mulheres) sobre suas fantasias de masturbação. Uma advertência importante: todas essas pessoas eram pacientes psiquiátricos com “várias queixas e diferentes manifestações neuróticas”, de modo que suas fantasias masturbatórias não são necessariamente típicas. Apesar disso, os detalhes fornecidos por esses pacientes sobre suas fantasias eróticas nos dão um extraordinário vislumbre da rica variedade das imagens internas que acompanham a masturbação humana. Considere o relato feito por um funcionário público aposentado, de 71 anos, que estava sendo tratado por sentimentos obsessivos de culpa em razão de sua “masturbação excessiva”: Vejo diante de mim belas mulheres nuas, dançando e fazendo alguns movimentos extremamente excitantes e tentadores. Depois da dança elas se deitam e, mantendo as pernas muito abertas, mostram seus genitais e me convidam para ter intercurso com elas. Parecem tão reais que quase posso tocá-las. Estão no cenário de um harém oriental, numa grande sala oval com divãs e muitas almofadas em torno das paredes. Posso ver claramente as esplêndidas cores e os bonitos padrões da tapeçaria, com extraordinária nitidez e todos os mínimos detalhes. Ou considere o relato que Lukianowicz faz das fantasias de um mestre-escola de 44 anos, que se assemelha a uma cena orgíaca temperada com morfina tirada das páginas de Almoço nu, de William Burroughs: Neles ele “via” meninos adolescentes nus com seus pênis rigidamente eretos, desfilando diante de si. À medida que ele avançava em sua masturbação, os pênis dos meninos cresciam, até que por fim todo o seu campo de visão estava preenchido por um pênis pulsante, ereto, imenso, e em seguida o paciente tinha um orgasmo prolongado. Esse tipo de fantasia masturbatória homossexual começou pouco depois de sua primeira experiência homossexual, que ele teve aos dez anos, e persiste inalterado até agora. Ora, obviamente estes são casos patológicos de masturbação crônica em que ela realmente interfere com o funcionamento dos indivíduos. De fato, não é um problema incomum para muitos

que cuidam de adolescentes e adultos com distúrbios mentais que estes gostem muitas vezes de se masturbar em público, fazendo os circunstantes reclamarem e contorcerem-se em desconforto. (Mais ou menos como alguns primatas cativos alojados em míseras condições, como em laboratórios ou zoológicos de beira de estrada, para os quais a autoestimulação se torna obsessiva.) Uma coisa que clínicos que lidam com esse problema podem querer considerar é que as limitações cognitivas do indivíduo talvez não lhe permitam envolver-se em masturbação privada mais “apropriada” por causa de dificuldades com a representação mental. De fato, há uma correlação positiva entre a frequência de fantasias eróticas e a inteligência. O QI médio da amostra de Lukianowicz era 132. Assim, talvez a masturbação pública, em que outras pessoas estão fisicamente presentes para induzir a excitação sexual, seja a única maneira pela qual muitos com desordens do desenvolvimento conseguem alcançar satisfação sexual. Infelizmente, é claro, a sociedade não é muito condescendente em relação a esse problema particular: entre 1969 e 1989, por exemplo, uma única instituição nos Estados Unidos realizou 656 castrações com o objetivo de impedir homens de se masturbarem. Segundo um estudo clínico, obteve-se algum sucesso na eliminação desse comportamento problemático espremendo suco de limão na boca de um jovem paciente cada vez que ele puxava o pênis para fora em público. De qualquer maneira, Lukianowicz afirma que fantasias eróticas envolvem companheiros imaginários não muito diferentes dos amigos de faz de conta das crianças. Mas admite que diferentemente destes, que têm uma vida mais longa, os primeiros são evocados para uma finalidade única e muito prática: “Assim que o orgasmo é alcançado, o papel do parceiro sexual imaginário se encerra, e ele é simples e rapidamente excluído da mente de seu senhor.” Segundo a maior parte dos achados nessa área, os homens parecem receber mais visitas em suas mentes que as mulheres. Num estudo de 1990 publicado no Journal of Sex Research, os psicólogos evolucionários Bruce Ellis e Donald Symons descobriram que 32% dos homens diziam ter tido encontros sexuais em sua imaginação com mais de mil pessoas diferentes, comparados com somente 8% das mulheres. Os homens também relataram alternar de uma parceira para outra de suas listas imaginárias durante uma única fantasia com mais frequência do que as mulheres. Os psicólogos Harold Leitenberg e Kris Henning resumiram várias diferenças interessantes entre os sexos nessa área. Em sua revisão de achados de pesquisas, esses autores concluíram que, em geral, a porcentagem de homens que relatava fantasiar durante a masturbação era maior que a de mulheres. É importante salientar, contudo, que nem “fantasia” nem “masturbação” foram definidas de maneira invariável pelos diversos estudos resumidos por Leitenberg e Henning, e provavelmente alguns participantes interpretaram “masturbação” como significando simplesmente autoestimulação (em vez de indução de orgasmo) ou tinham uma concepção mais elaborada de “fantasia” do que a que estamos usando aqui, como alguma forma de representação mental básica. Por razões incertas, um estudo duvidoso comparou “negros” e “brancos”, de modo que se trata sem dúvida de um saco de gatos em termos de qualidade empírica. Eles não encontraram muitas diferenças, diga-se de passagem. Uma observação lateral: ambos os sexos afirmaram igualmente ter usado sua imaginação durante intercursos. Basicamente, em algum ponto, todos tendem a imaginar uma outra pessoa – ou uma outra coisa – quando estão fazendo sexo com seus parceiros. Não há nada como a pergunta “Em que você está pensando?” para arruinar a disposição de ânimo durante o sexo apaixonado.

Aqui estão alguns outros achados interessantes. Os homens relatam ter fantasias sexuais mais cedo em seu desenvolvimento (idade média de início: 11,5 anos) que as mulheres (idade média de início: 12,9 anos). As mulheres são mais propensas a dizer que suas primeiras fantasias sexuais foram desencadeadas por um relacionamento, ao passo que os homens relatam que as suas foram desencadeadas por um estímulo visual. Tanto para homens quanto para mulheres, hétero ou homossexuais, as fantasias masturbatórias mais comuns envolvem reviver uma experiência sexual excitante, imaginar fazer sexo com o parceiro atual e imaginar fazer sexo com um novo parceiro. As coisas ficam mais interessantes, é claro, quando examinamos os dados um pouco mais de perto. Num estudo com 141 mulheres casadas, as fantasias mais frequentemente relatadas incluíam “ser dominada ou obrigada a ceder” e “fingir que estou fazendo alguma coisa depravada ou proibida”. Um outro estudo com 3.030 mulheres revelou que “sexo com uma celebridade”, “seduzir um homem mais jovem ou menino” e “sexo com um homem mais velho” foram alguns dos temas mais comuns. As fantasias dos homens contêm mais detalhes visuais e anatômicos explícitos (lembra-se do pênis gigantesco, pulsante, do estudo de Lukianowicz?), ao passo que as das mulheres envolvem mais enredo, emoções, afeição, compromisso e romance. As fantasias sexuais de homens gays com frequência incluem, entre outras coisas, “encontros sexuais idílicos com homens desconhecidos”, “observar atividade sexual de grupo” e – que choque – imagens de pênis e nádegas. Segundo um estudo, as cinco principais fantasias lésbicas são “encontro sexual forçado”, “encontro idílico com parceiros estabelecidos”, “encontros sexuais com homens”, “encontros sexuais gratificantes passados” e – ui! – “imagens sádicas dirigidas para genitais tanto de homens quanto de mulheres”. Uma das conclusões mais intrigantes de Leitenberg e Henning é que, contrariando a crença comum (e a freudiana), fantasias sexuais não são simplesmente o resultado de desejos insatisfeitos ou privação erótica: Como pessoas privadas de alimento tendem a ter devaneios mais frequentes sobre comida, poderíamos esperar que a privação sexual tivesse o mesmo efeito sobre os pensamentos sexuais. As poucas evidências que existem, no entanto, sugerem outra coisa. As pessoas com vidas sexuais mais ativas parecem ter mais fantasias sexuais, e não o contrário. Vários estudos mostraram que a frequência da fantasia está positivamente correlacionada com frequência de masturbação, frequência de intercurso, número de parceiros sexuais durante a vida e impulso sexual avaliado pela própria pessoa. Os autores fornecem também uma fascinante discussão sobre a relação entre fantasia sexual e criminalidade, incluindo um estudo clínico em que fantasias masturbatórias desviantes foram emparelhadas com o odor fétido de ácido valérico ou tecido em putrefação. Bem, eu diria que isso é o suficiente para tolher a libido de qualquer um. Mas o artigo de Leitenberg e Henning foi escrito em 1995, resumindo pesquisas ainda mais antigas. Isso é importante porque foi observado muito antes do domínio atual da cena pornográfica da internet, em que zero é deixado para a imaginação. E assim vejo-me perguntando a mim mesmo: num mundo em que a fantasia sexual na forma da representação mental tornou-se obsoleta, em que imagens alucinatórias de genitálias dançantes, lésbicas vigorosas e estranhos sadomasoquistas foram substituídas por um verdadeiro serviço de bufê de pessoas de carne e osso fazendo coisas que nossos avós não poderiam ter evocado nem

mesmo em seus sonhos mais molhados, em que adolescentes excitados não mais fecham os olhos e se perdem no esquecimento e na beatitude, mas abrem seus laptops e fazem aparecer uma atriz pornográfica real, quais são, num sentido geral, as consequências da extinção de nossas habilidades de representação para a sexualidade de nossa espécie? Estará a próxima geração fadada a ser tão intelectualmente preguiçosa em suas fantasias sexuais que sua criatividade em outros domínios será também afetada? Irão seus casamentos ter mais chance de terminar porque lhes falta a experiência de representação e o treino em fantasia masturbatória para imaginar seus maridos e mulheres durante o intercurso como a pessoa ou coisa que realmente desejam? Não estou dizendo que pornografia não é progresso, mas no decorrer do tempo ela poderia vir a provocar uma mudança real no jogo evolucionário.

PARTE IV

Estranhos companheiros de cama

Sobre pedófilos, hebéfilos e efebófilos: orientação erótica de idade

MICHAEL JACKSON, o falecido “Rei do Pop”, provavelmente não era um pedófilo – pelo menos não no sentido estrito, biológico, da palavra. Esse é um termo moralmente carregado que se tornou sinônimo dos mais sórdidos dos males. (Na verdade, é difícil até pronunciá-lo em voz alta sem se encolher, não é?) Mas segundo pesquisadores do sexo, esse é também um termo excessivamente mal empregado. Se Jackson de fato se afastava da norma em sua “orientação erótica de idade” – e talvez nunca venhamos a saber se o fazia –, ele era quase certamente o que se chama de hebéfilo, uma classificação diagnóstica recentemente proposta em que adultos maduros exibem uma preferência sexual por crianças no auge da puberdade, entre as idades aproximadas de nove e catorze anos. Os pedófilos, em contraposição, mostram uma preferência sexual por crianças claramente pré-púberes. Há também efebófilos (de ephebos, que significa “aquele que chegou à puberdade” em grego), que são atraídos sobretudo por jovens de quinze a dezesseis anos; teleiófilos (de teleios, que significa “plenamente desenvolvido” em grego), que preferem os que têm dezessete anos ou mais; e até os muito raros gerontófilos (de gerontos, que significa “idoso” em grego), alguém que sempre se sentiu excitado principalmente pelos idosos (em geral definidos, pelo menos para esses propósitos, como os que têm mais de 65 anos). Portanto, embora os que agridem sexualmente crianças sejam muitas vezes amontoados na classificação única de pedófilos, biologicamente falando esse é um assunto bastante complexo. Alguns até propuseram uma subcategoria adicional da pedofilia, “infantofilia”, para distinguir os indivíduos mais intensamente atraídos por crianças com menos de seis anos de idade. Com base neste esquema classificatório das orientações eróticas de idade, até o “pedófilo” fictício mais conhecido do mundo, Humbert Humbert, da obra-prima de Nabokov, Lolita, seria mais propriamente considerado um hebéfilo. (Assim também o protagonista de Morte em Veneza , de Thomas Mann, obra que sempre vi como uma espécie de “Lolita gay”.) Considere a reveladora descrição que Humbert faz de uma “ninfeta”. Após uma breve introdução àquelas “pálidas meninas púberes com pestanas foscas”, Humbert explica: Entre os limites de idade de nove e catorze ocorrem donzelas que, para certos viajantes enfeitiçados, duas ou muitas vezes mais velhos que elas, revelam sua verdadeira natureza, que não é humana, mas ninfeia (isto é, demoníaca); e são essas criaturas escolhidas que proponho chamar de “ninfetas”. Embora Michael Jackson possa ter caído em desgraça por causa de sua orientação hebefílica, e seu nome vá ficar para sempre emaranhado com o sinistro termo “garotinhos”, ele não foi a

primeira celebridade ou figura famosa que pôde ser vista caindo nessa categoria hebefílica. De fato, ironicamente, a primeira mulher de Michael Jackson, Lisa Marie Presley, é o produto de uma atração hebefílica. Afinal, não nos esqueçamos que Priscilla atraiu o olhar muito adulto de Elvis quando não tinha mais que catorze anos, sendo apenas um ou dois anos mais velha que os meninos que Michael Jackson foi acusado de molestar sexualmente. Depois houve, é claro, o escandaloso incidente Jerry Lee Lewis, em que o cantor de 22 anos de “Great Balls of Fire” se casou com uma prima em primeiro grau de treze anos. Na comunidade psiquiátrica, houve recentemente intenso debate em torno da questão da adequação de considerar a hebefilia um distúrbio médico, como a pedofilia, ou, em vez disso, vêla simplesmente como uma variante normal da orientação sexual e não indicativa de patologia cerebral. O acréscimo da hebefilia à lista das doenças mentais tem importantes implicações políticas, uma vez que isso pode permitir a pessoas que abusam sexualmente de púberes invocar uma doença mental em sua defesa. Por um lado, essa defesa daria aos perpetradores uma desculpa médica para seus comportamentos criminosos. Na maior parte das sociedades ocidentais, a maioria das pessoas não se sente inteiramente confortável com isso, não só porque elas desejam que o indivíduo seja considerado responsável por suas ações criminais, mas porque uma defesa com base em doença mental pode também traduzir-se no acesso, pelo ofensor, às comodidades de uma internação hospitalar, em vez do encarceramento em prisões menos acolhedoras. Por outro lado, se a hebefilia fosse encarada como uma legítima doença mental, seria mais fácil manter esses indivíduos indefinidamente longe de crianças, uma vez que suas liberdades civis seriam, de fato, absorvidas pelo Estado e eles poderiam portanto ser mantidos em instituições após cumprir suas sentenças iniciais. Assim, um homem que violenta uma criança de dez anos poderia mais facilmente evitar a prisão porque é visto como tendo um distúrbio mental “certificável”, reconhecido pela Associação Psiquiátrica Americana, mas a longo prazo é mais provável que isso signifique que ele nunca mais poderá reingressar na sociedade como um cidadão livre que “cumpriu sua pena”. Um pesquisador que argumentou veementemente em favor da classificação da hebefilia como distúrbio mental foi o psicólogo Ray Blanchard. Num número da Archives of Sexual Behavior, Blanchard e colegas fornecem novas evidências de que muitas pessoas diagnosticadas sob o rótulo tradicional de pedofilia estão de fato interessadas não em crianças pré-púberes, mas em préadolescentes. Para distinguir essas diferenças de orientação erótica de idade, Blanchard e colegas estudaram 881 homens (heterossexuais e gays recrutados na população geral) em seu laboratório usando testes falométricos (também conhecidos como pletismografia peniana) enquanto lhes mostravam imagens de modelos nus de diferentes idades. Por medir mudanças de volume sanguíneo no pênis, essa técnica é vista como um índice bastante objetivo de excitação sexual diante dos modelos que estão sendo mostrados na tela – pelos quais, para aqueles atraídos por crianças e préadolescentes, o participante poderia negar verbalmente sentir-se atraído. Em outras palavras, o pênis não sabe mentir muito bem. Assim, por exemplo, a imagem de uma menina nua de doze anos (nada lasciva, mais parecendo um sujeito num livro didático de medicina) era acompanhada pela seguinte narrativa gravada em fita magnética: “Você está vendo um filme na TV tarde da noite com a filha de doze anos de seus vizinhos. Seu braço está em volta dos ombros dela, e seus dedos roçam-lhe o peito. Você percebe que os seios dela começaram a se desenvolver…” Blanchard e seus coautores descobriram que os homens em sua amostra caíam em categorias um tanto discretas de orientação erótica de idade: alguns tiveram a resposta peniana mais forte para as

crianças pré-púberes (os pedófilos), outros para as crianças púberes (os hebéfilos) e os demais para os adultos mostrados na tela (os teleiófilos). Essas categorias não eram mutuamente exclusivas. Por exemplo, alguns teleiófilos mostraram alguma excitação por crianças púberes, alguns hebéfilos mostraram alguma atração por crianças pré-púberes, e assim por diante. Mas os autores constataram que é possível distinguir empiricamente um verdadeiro pedófilo de um hebéfilo usando essa técnica, em termos das faixas de idade para as quais os homens exibiam sua excitação mais forte. Com base nos achados desse estudo, eles concluem que a hebefilia “é relativamente comum comparada com outras formas de interesse erótico por crianças”. Blanchard e colegas afirmam também que a hebefilia deveria ser acrescentada à próxima versão do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, atualmente sob revisão) como um genuíno distúrbio mental parafílico – distinto da pedofilia. Mas nem todos os colegas de Blanchard que trabalham na área concordam com essa abordagem patologizante. A maioria, de fato, opõe-se fortemente à conceituação da hebefilia como um distúrbio mental. Sua recalcitrância tem origem nas razões políticas mencionadas antes (nós as exploraremos em algum detalhe mais adiante), mas também em preocupações logísticas muito básicas. O psicólogo Thomas Zander salienta que, como a idade cronológica nem sempre corresponde perfeitamente à idade física, incluir essas gradações sutis de preferências eróticas de idade seria problemático de uma perspectiva diagnóstica: “Imagine a inviabilidade de exigir que avaliadores forenses determinem a existência de pedofilia com base no estágio de adolescência da vítima. Tais determinações poderiam degenerar literalmente numa cisão de pelos pubianos.” Há também importantes razões teóricas para se questionar a recomendação de Blanchard. Homens que se veem atraídos em especial por pré-adolescentes ou adolescentes de “meia-idade” são párias sociais, tamanho o estigma social em que isso incorre, mas em termos históricos (e evolucionários) esse não foi necessariamente o caso. De fato, hebéfilos – ou pelo menos efebófilos – podem ter uma vantagem significativa sobre seus competidores. Psicólogos constataram de forma repetida que marcadores de juventude têm alta correlação, atual e historicamente, com percepções de beleza e atratividade. Para homens heterossexuais, isso faz sentido, pois o potencial reprodutivo de uma mulher (e portanto seu “valor”, de uma fria perspectiva evolucionária) declina de modo progressivo após os vinte anos, mais ou menos. É óbvio que fazer sexo com uma criança prépúbere seria infrutífero – literalmente. Mas, quer gostemos disso ou não, o mesmo não pode ser dito em relação a uma adolescente recém-chegada à maturidade, que é viável em termos reprodutivos e cujo estado de fertilidade novo em folha pode mais ou menos assegurar a paternidade (portanto, ser atraído por meninas representa uma poderosa estratégia anticorneação) para o macho. Esses motivos evolutivos foram inadvertidamente retratados em muitos livros e filmes, inclusive o controverso Pretty Baby – menina bonita. Nele, uma jovem Brooke Shields fez o papel de Violet, a filha de doze anos de uma prostituta na Nova Orleans de 1917, cuja cobiçada virgindade vai a leilão. Compreender a atração de homens adultos por meninos ou adolescentes do sexo masculino é um enigma evolucionário mais complicado; afinal, a corneação ou os anos reprodutivos que restam não são uma questão aqui. Mas a “teoria da formação de aliança” do psicólogo Frank Muscarella tenta desemaranhar essa orientação de idade homossexual. Segundo ele, no passado, casos homoeróticos entre homens mais velhos, de alto status, e adolescentes serviam aos últimos como uma maneira de

galgar categorias superiores, uma espécie de ficha de barganha expressa em capacidade de sexo. O exemplo mais óbvio desse tipo de dinâmica homossexual era encontrado na Grécia antiga, mas algumas tribos na Nova Guiné também exibem essas tendências. E, claro, aquele desejo que inspirou o malicioso Davi de Donatello ainda floresce, para dizer o mínimo, no mundo hoje. Apenas digite a palavra twink (um termo de gíria derivado de “hostess twinkie” – um bolinho dourado, recheado de creme, de formato fálico – que descreve um jovenzinho gay “de constituição esguia, ectomorfo, com pouco ou nenhum pelo corporal e nenhum pelo facial”) na barra de pesquisa de imagens do seu Google e veja o que (ou melhor, quem) aparece. Se você é tímido demais para isso, não faltam artigos sobre esse tipo de apadrinhamento homossexual escandaloso acontecendo no Congresso que podem ser pesquisados com mais segurança. De qualquer maneira, aposto que Oscar Wilde teria endossado a perspectiva teórica de Muscarella. Afinal, seu famoso “amor que não ousava dizer seu nome” não era a homossexualidade per se, mas sim uma “grande afeição de um homem mais velho por um mais jovem”, como houve entre Davi e Jônatas, como aquela que Platão transformou na própria base de sua filosofia, e como aquela que encontramos nos sonetos de Michelangelo e Shakespeare. É essa afeição espiritual profunda que é tão pura quanto perfeita. Ela dita e impregna grandes obras de arte como as de Shakespeare e Michelangelo … . Ela é bela, é excelente, é a mais nobre forma de afeição. Não há nela nada de antinatural. Ela é intelectual, e existe reiteradamente entre um homem mais velho e um mais jovem, quando o mais velho tem intelecto, e o mais jovem tem toda a alegria, esperança e encantamento da vida diante de si. Que deva ser assim, o mundo não compreende. O mundo zomba dela e por vezes leva alguém ao pelourinho por causa dela. Na minha opinião, porém, a teoria de Muscarella não se sustenta inteiramente. Ela trata dos interesses eróticos do homem adulto na relação, sem dúvida, mas não se aplica muito bem aos padrões de excitação de meninos adolescentes. Dinheiro, prestígio e status podem tornar esses casos fisicamente possíveis, e até simbióticos, como o autor sugere. Mas, via de regra, meninos adolescentes gays sentem-se mais excitados por outros meninos adolescentes que por homens de meia-idade. Assim como seus análogos heterossexuais do sexo masculino crescem mas continuam desejando parceiras jovens, meninos gays simplesmente se transformam em homens gays de meiaidade; sua preferência erótica por parceiros jovens também não muda ou desaparece. E, embora haja exceções, tal como na Grécia antiga, homens jovens na maioria das culturas nunca pareceram terrivelmente interessados em tomar essa rota particular para o sucesso. De fato, e posso estar errado a este respeito, uma vez que esse não é o tipo de coisa com que fazemos experimentos hoje em dia, penso que a maioria iria preferir esfregar banheiros pelo resto da vida ou vender rosquinhas num shopping center a se tornar o brinquedo sexual de um cavalheiro mais velho. Seja como for, dadas as verdades biológicas (até adaptativas) da atração de adultos por adolescentes, a maioria dos especialistas nessa área considera completamente ilógico que Blanchard recomende o acréscimo da hebefilia ao DSM (em especial dado que outras parafilias, mais claramente inadaptadas, como a gerontofilia, em que homens se sentem atraídos por mulheres que passaram da menopausa, hoje não estão incluídas). A pressão para patologizar a hebefilia, afirma a psicóloga forense Karen Franklin, parece ser motivada por uma “florescente indústria

caseira” na psicologia forense, associada não por coincidência com uma “era punitiva de pânico moral”. Como a “incapacitação civil” (em linhas gerais, a capacidade do governo de privar uma pessoa de seus direitos civis no interesse da segurança pública) requer que a pessoa esteja sofrendo de um distúrbio mental diagnosticável, Franklin chama a proposta de Blanchard de “um exemplo de manual de valores subjetivos mascarados como ciência”. Outras críticas sustentam que quaisquer dessas classificações médicas baseadas em orientações eróticas de idade estão enraizadas em distinções arbitrárias ditadas por padrões culturais. Uma questão inexplorada, inseparável do caso para-raios que foram os julgamentos de Michael Jackson por molestações, é se tendemos a ser mais benevolentes com os deslizes de uma pessoa quando consideramos que ela possui alguns talentos inestimáveis ou culturalmente insubstituíveis. Por exemplo, considere uma história verdadeira, que vou expor primeiro nos seguintes termos gerais: Houve certa feita um homem que gostava de jovenzinhos. Como as leis eram mais frouxas em outras nações, esse homem decidiu viajar para um país estrangeiro, deixando a mulher e a filha para trás. Lá conheceu um outro ocidental que compartilhava suas predileções pela pederastia, e os dois passaram suas férias felizes, esquadrinhando o andrajoso submundo desse país à procura de cáftens e alugando meninos para fazer sexo. Se você é como a maioria das pessoas, provavelmente está experimentando um arrepio de repugnância e uma centelha de raiva. Talvez sinta até que esses homens deveriam ter seus testículos puxados e rasgados em quatro (pela metade?) por éguas selvagens, ser arremessados a um grupo truculento de estupradores, castrados com tesouras de jardim, ou, se você for do tipo pragmático, receber o tratamento que seria dado a qualquer outro animal doente no rebanho, com uma humana bala na têmpora ou talvez uma rápida e segura corrente de cloreto de potássio injetada na veia. Observe, porém, a sutil mudança em suas percepções quando lhe digo que esses eventos são da autobiografia de André Gide, que em 1947 – muito tempo depois de ter divulgado estes mesmíssimos detalhes – ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Gide está de fato expurgando o tempo que passou em Argel com ninguém menos que aquele grande espírito dublinense, Oscar Wilde. Aqui está o relato do escritor: Wilde tirou uma chave do bolso e introduziu-me num minúsculo apartamento de dois cômodos … . Os meninos o seguiram, cada qual enrolado num albornoz que lhes escondia o rosto. Em seguida o guia nos deixou e Wilde mandou-me para o quarto do fundo com o pequeno Mohammed e trancou-se no outro com o [outro menino]. Desde então, todas as vezes que saí em busca de prazer, foi a lembrança dessa noite que persegui. Não é que julguemos perfeitamente aceitável que Gide e Wilde fizessem sexo com menores, ou mesmo que não deveriam ter sido punidos. (Na verdade, Wilde foi condenado em Londres a dois anos de trabalhos árduos por crimes relacionados não muito tempo depois dessa excursão ao Magreb com Gide e morreu em mísera ignomínia.) Mas de alguma maneira, como no caso dos sentimentos mistos de muitas pessoas por Michael Jackson (“o maior artista de todos os tempos”)

ou talvez até pelo diretor Roman Polanski, o fato de que esses homens eram tesouros nacionais pode diluir nossa ira moralista. Por exemplo, você teria realmente desejado que Oscar Wilde fosse sacrificado como um animal estropiado por gostar de meninos? Deveria André Gide – que o New York Times aclamou em seu obituário como um homem “considerado o maior escritor francês deste século pelos connaisseurs literários” – ter sido privado de sua pena, retalhado em pedaços por assassinos analfabetos? (Há também a amada obra Aventuras de Alice no País das Maravilhas, que teria, ao que se diz, sido inspirada pela devoção hebefílica do autor a uma menina de onze anos chamada Alice Liddell, para não mencionar as representações notoriamente homoeróticas que o pintor italiano Caravaggio fez de “meninos roliços, de lábios carnudos, langorosos”, nas palavras de um crítico.) É complicado. E embora em princípio saibamos que todos os homens são iguais perante a lei, exatamente como fizemos em relação a Michael Jackson durante seus bizarros affaires legais, tenho o palpite de que muitas outras pessoas também tendem a sentir (ainda que com desconforto) um pouco de simpatia pelo Diabo nessas circunstâncias. Sejam quais forem seus sentimentos nessa questão candente, um dos desafios mais significativos no estudo da orientação erótica de idade das pessoas, a partir de qualquer perspectiva teórica, é o fato de tantos cientistas reconhecidos terem receio de comentar essa área de assuntos ou de se envolver com a pesquisa que abrange os limitados dados disponíveis. Uma vez que a esmagadora maioria dos casos de abuso sexual de crianças envolve perpetradores do sexo masculino, tenderíamos a prever outra coisa, mas ainda não sabemos, por exemplo, se medidas da excitação sexual feminina mostrariam taxas equivalentes de pedofilia, hebefilia e efebofilia em mulheres recrutadas na população geral. Minha suposição é que o desconforto acadêmico se deve em boa parte ao temor dentro da comunidade científica, uma vez que o simples tratamento da questão de uma perspectiva amoral pode ser visto por alguns segmentos ultrajados da sociedade como apologia da pedofilia. Francamente, penso que essas reações morais alimentadas pelo sistema límbico são não apenas ingênuas, mas míopes. Afinal, não podemos considerar adequadamente ou mudar aquilo que não compreendemos. Tenho também uma suspeita de que toda a nossa fúria em relação a esse assunto revela algo bastante significativo sobre nossa sexualidade. Se há uma coisa que aprendi sobre a natureza humana, é que sempre que a sociedade esbraveja sobre um demônio ou outro, ela provavelmente acabou de surpreender uma visão especialmente alarmante de si mesma no espelho. E embora nem todos os homens e mulheres se sintam atraídos por adolescentes, essa é uma coisa muito mais comum do que gostaríamos de admitir. O ponto decisivo é este: a menos que você esteja praticando ginásticas mentais da variedade que exploramos naquele ensaio anterior sobre masturbação, as pessoas não têm absolutamente nenhum controle sobre aquilo a que seus genitais reagem. Mas elas têm realmente um controle consideravelmente maior sobre exatamente o que fazem com esses genitais. E, pelo menos em meu livro, essas são coisas completamente diferentes.

Amantes de animais: zoófilos levam cientistas a repensar a sexualidade humana

FORA DE CONTEXTO , alguns de nossos comportamentos – se limitados à mera camada superficial da simples descrição – fariam muitas sobrancelhas se arquearem. A mais inocente das coisas pode soar indecorosa e estranha quando certos fatos e detalhes são omitidos. Aqui está um exemplo perfeito: pouco tempo atrás, mordi acidentalmente a língua de meu cachorro Gulliver. Ora, você pode estar se perguntando, para início de conversa, o que eu fazia com a língua dele dentro da minha boca. Mas vou sugerir que seria mais adequado fazer essa pergunta a Gulliver, uma vez que foi ele que violou minha boca ocupada em mastigar enfiando aquele seu músculo longo e fino, como se fatiado em delicatéssen, enquanto eu estava simplesmente apreciando um pedaço de rosquinha muito banal. Chocado com a sensação de dentes humanos mordendo-lhe a língua, ele ganiu, e em seguida tratou de fugir. Felizmente Gulliver não mostrou nenhum sinal de trauma duradouro, e não precisei explicar ao veterinário em que circunstâncias eu arrancara fora a língua de meu cachorro; mas por vários dias após o “incidente” Gulliver manteve seu precioso bem encerrado atrás da abóbada de seus próprios maxilares trancados. Isso deu a meu parceiro, Juan, e a mim pelo menos uma trégua temporária do uso em geral superindulgente que Gulliver faz desse órgão particular nos nossos rostos. A história foi estranha o bastante para que eu a compartilhasse com amigos, e esse caso particular de um homem que morde um cachorro desencadeou a previsível torrente de insinuações jocosas de bestialismo. E é aí, senhoras e senhores, que começa a verdadeira história. Esses comentários sarcásticos de meus confidentes me lembraram um e-mail bastante peculiar que eu havia recebido meses antes, escrito por um leitor incomumente erudito de minha coluna. Esse indivíduo dizia ser um “zoófilo” (grego para “amante de animais”) com uma particular afinidade romântica por cavalos, e esperava que eu viesse a escrever sobre esse tópico negligenciado e muito caluniado de amor interespecífico proibido. “A política do reconhecimento da zoofilia como uma orientação sexual ‘legítima’”, afirmava esse leitor, “significa muitas vezes que zoófilos são ou ignorados como classe ou submetidos ao que só pode ser descrito como os mais viciosos, constantes e odiosos ataques pela sociedade convencional.” Tenho meus próprios preconceitos irracionais, visceralmente baseados, e – confesso – após uma primeira leitura dessa mensagem, arquivei-a prontamente na intocável categoria Eca!… da minha mente. Mas a língua de Gulliver, combinada com minha simpatia por perdedores humanos, inspirou-me a voltar atrás e relê-la, e vi uma questão científica bastante intrigante escondida ali. Será realmente possível para uma pessoa normal, saudável sob os demais aspectos, desenvolver uma preferência sexual genuína por uma espécie não humana? É claro que não há nada de novo sob o sol com relação a bestialismo como comportamento. Representações pré-históricas de bestialismo foram encontradas na Sibéria, Itália, França, Fezzan

(na Líbia moderna) e Suécia. Consta que os gregos, os egípcios, os hebreus e os romanos antigos compartilhavam dessas atividades sexuais também. Diz-se que mulheres romanas inseriam cobras em suas vaginas e as treinavam para lhes sugar os mamilos. Mulheres permitiam que bodes as penetrassem como parte de alguns rituais religiosos no Egito antigo. Macacos eram outrora comumente treinados para acariciar os genitais de homens nos vales do Nilo e do Indo. Mas o ato de fazer sexo com um animal é uma coisa; ficar mais excitado com animais do que com outros seres humanos é outra completamente diferente. Afinal, o fato de que eu poderia, em princípio, fazer sexo com uma mulher – se me entupissem de álcool o suficiente e ela tivesse um quê de rapaz, capaz de criar uma conveniente ilusão modificadora de gênero – não faz de mim exatamente um heterossexual. Assim é com, digamos, um fogoso rapaz do campo, que se vê um dia com seu falo alojado curiosamente dentro de um bode, seus olhos fechados e seu cérebro repassando cenas daquela líder de torcida namoradeira da aula de química. O ato apenas não faria dele essencialmente um zoófilo. Por décadas, o estudo científico das relações sexuais de seres humanos com (outros) animais concentrou-se quase inteiramente no ato declarado de bestialismo, vendo tal comportamento como um substituto do sexo entre seres humanos. Em consequência dessa abordagem, os pesquisadores negligenciaram até muito recentemente a possibilidade de que algumas pessoas poderiam realmente preferir um caso amoroso com um cavalo (ou cachorro, cordeiro, vaca, porca ou qualquer outra espécie escolhida) à ideia de enredar-se nessas impensáveis relações carnais com outra pessoa. A origem dessa ênfase no bestialismo como um comportamento e não como uma possível orientação sexual pode ser encontrada já na obra de Alfred Kinsey. No clássico Comportamento sexual no macho humano, Kinsey relatou que 50% da população americana de “homens criados em fazendas” afirmavam ter tido “contato sexual” – como ele não aprofunda a questão, só Deus sabe em que comportamentos esses homens criados em fazendas se envolviam, exatamente – com várias outras espécies, em geral animais com cascos. Muitas dessas pessoas, disse Kinsey, envergonhavam-se de sua experimentação sexual precoce com animais (a maior parte desses encontros pueris ocorria quando os meninos tinham entre dez e doze anos de idade), e por isso ele aconselhava os médicos clínicos a assegurar a esses homens agora adultos de que tudo isso fazia parte da criação num ambiente rural, onde as mulheres eram escassas e as relações pré-maritais estritamente proibidas. “Em considerável medida”, escreveu Kinsey, “contatos com animais são substitutos para relações heterossexuais com fêmeas humanas.” Mas o retrato estereotipado do zoófilo como um homem pouco instruído, privado de mulheres e vivendo nos confins de uma fazenda está sendo contestado por alguns achados contemporâneos. O mais fascinante deles, na minha opinião, é um conjunto de dois casos publicado pelos psicólogos Christopher Earls e Martin Lalumière. O primeiro estudo de caso documentou a história de um sentenciado de 55 anos, antissocial e de baixo QI que tinha forte interesse por cavalos. De fato, era por isso que ele estava na prisão pela quarta vez por crimes relacionados; no último incidente, ele havia matado cruelmente uma égua por ciúmes porque pensava que ela estava dando bola para um certo garanhão. (E você pensava que tinha problemas.) O interesse que o próprio homem relatava ter por éguas foi na verdade verificado por um estudo falométrico controlado. Quando ele consentiu em ser conectado a um pletismógrafo peniano na prisão e lhe mostraram fotografias dos seres humanos mais variados e de todas as idades despidos, o homem permaneceu decididamente flácido. Nada aconteceu lá embaixo, tampouco, quando ele olhou para slides de gatos, cachorros,

ovelhas, galinhas ou vacas. Mas certamente não era impotente, como os pesquisadores observaram claramente quando lhe foram mostradas imagens de cavalos. Esse caso e evidências anedóticas afins relatadas pelos autores (inclusive um estudo de 1950 de um “imbecil” de dezesseis anos que preferia sexualmente coelhos a mulheres) foram importantes na época porque sugeriam que a zoofilia podia ser um tipo de orientação sexual extraordinariamente raro – mas real. Isto é, para algumas pessoas, ter sexo com seus “amantes” animais pode representar mais do que meramente substituir sexo humano pela melhor coisa à mão. Para elas, a melhor coisa é o sexo com animais não humanos. Logo após seu estudo em 2002, Earls e Lalumière relatam ter recebido muitas cartas e e-mails de pessoas que também se identificavam como zoófilos (ou “zoos”, como muitos desses indivíduos se referem a si mesmos na internet, o que serviu para conectá-los de maneira sem precedentes e atrair chusmas de pesquisadores curiosos). E muitos desses missivistas afirmavam com veemência não se encaixar no estereótipo do homem rural e mentalmente deficiente refletido pela análise de Kinsey. Alguns eram, de fato, profissionais com elevado nível de instrução. Mas o que mais preocupava essas pessoas era a ideia errônea da sociedade de que eles estavam prejudicando os animais de alguma maneira ao serem amorosos com eles. A maioria dos zoófilos zombava da noção de que eles eram abusivos para com os animais de qualquer maneira que fosse – longe disso, diziam. Muitos até se consideravam, além de zoófilos, defensores do bem-estar animal. Em seguida, num esforço para deslindar o mito da realidade, Earls e Lalumière publicaram um novo estudo de caso focalizando o relato na primeira pessoa de um homem de 47 anos, inteligente (doutor em medicina aos 28 anos) e aparentemente bem-ajustado, que tivera, segundo todos os indícios, uma criação urbana sem nada de extraordinário com pais afetuosos e nenhuma lembrança de maus-tratos ou negligência. Apesar disso, desde tenra idade esse homem havia lutado para combater suas tendências zoofílicas. Mais uma vez, cavalos serviam como o principal alvo erótico: Quando entrei na adolescência, minha ideação sexual era diferente do que deveria ser. Eu olhava para cavalos do mesmo jeito que outros meninos olhavam para meninas. Eu assistia a filmes de cowboy para ver cavalos. Olhava furtivamente fotografias de cavalos na biblioteca. Isso foi antes da internet, e eu me sentia totalmente isolado. Era um menino da cidade. Nunca tinha visto um cavalo de perto, nunca tinha tocado ou cheirado um cavalo. Ninguém em minha família tinha qualquer contato com cavalos, mas sobre mim eles exerciam uma atração forte, maravilhosa e até – bem, sobretudo – sexual. Eu não tinha nenhuma ideia de que havia outros como eu no mundo. Tentava ser normal. Tentava me interessar por meninas, mas para mim elas eram sempre estranhas, desagradáveis e repulsivas. Umas duas explorações sexuais adolescentes precoces … foram mecânicas, forçadas e malogradas. Aos catorze anos, o menino conseguira por fim encontrar a estrebaria mais próxima, que passou a visitar com frequência – em segredo – de bicicleta. Imagine-o ali, um menino escondendo-se no campo, apoiado contra uma cerca no prado, talvez sob o céu rosa pálido do início do outono, ansiando por estar perto dessas enormes e misteriosas criaturas que geravam aqueles estranhos rebuliços em seu púbis. Por fim, eles chegaram perto o bastante para que ele os tocasse e cheirasse, um odor que descreveria mais de trinta anos mais tarde como “surpreendentemente maravilhoso”. Longe de ser uma imitação da célebre peça de teatro Equus (na verdade, o episódio se passou anos

antes do suposto caso britânico de bestialismo em que a peça se baseou frouxamente), esta foi de fato uma real experiência de desenvolvimento para um ser humano normal sob os demais aspectos. Três anos depois, o adolescente comprou sua própria égua, tomando lições de equitação, e iniciou um “longo namoro” com o cavalo-fêmea até que, finalmente, o casal consumou sua relação: Quando aquela égua preta finalmente ficou ali parada enquanto eu a abraçava e acariciava, quando levantou a cauda e afastou-a para o lado quando dei batidinhas em sua raiz, e quando a deixou ali, e permaneceu imóvel enquanto eu subia num balde e depois, ofegante, eletrizado e excitado, introduzia-me dentro dela, foi um momento de pura paz e harmonia, parecia tão certo, e foi uma epifania. Esse estudo de caso revela, mais uma vez, que não são apenas trabalhadores agrícolas mentalmente deficientes que fazem sexo com animais. E tampouco, ao que parece, apenas homens sem atrativos, repulsivos, que não podem encontrar parceiras sexuais dispostas de sua própria espécie. Na verdade, pouco depois de obter seu diploma de médico, esse homem em particular casou-se com uma mulher (humana) e teve dois filhos com ela. Mas a vida sexual de ambos baseava-se na imaginação, por parte dele, de que ela era uma égua, e – como talvez não seja de surpreender – o casamento não durou. Como disse minha irmã quando lhe contei essa fofoca: “Posso imaginar como isso devia ser complicado.” Uma outra pesquisadora pioneira em zoofilia, Hani Miletski, sexologista baseada em Maryland, descobriu que mais da metade dos 93 zoófilos autodeclarados com quem conversou (82 homens e onze mulheres com idade média de 38 anos) dizia sentir-se mais atraída por animais que por pessoas. E assim como o amante de éguas do estudo de Earls e Lalumière, a maioria (71%) considerava-se bem ajustada às suas vidas atuais, e 92% não viam razão para parar de ter sexo com seus parceiros animais. Este é um ponto importante, porque a versão atual do DSM-IV da American Psychological Association classifica a zoofilia como uma desordem apenas se a atração sexual de uma pessoa por animais não humanos for causa de sofrimento para ela. O bestialismo continua sendo ilegal na maioria dos estados, mas raramente é levado a julgamento, sobretudo porque é um considerável desafio fazer o flagrante de uma união coital interespecífica. Como talvez você possa imaginar, porém, o assunto da zoofilia é muito controverso, atraindo a ira dos grupos que defendem os direitos dos animais, como o People for the Ethical Treatment of Animals, e provocando uma reação moralística reflexa em nós outros, amantes platônicos dos animais. De maneira irônica, o tema pôs um eminente defensor dos direitos dos animais, o filósofo de Princeton e escritor Peter Singer, em maus lençóis. Num ensaio para a revista Nerve intitulado “Heavy Petting”, ele foi solicitado a fazer uma crítica do livro Dearest Pet, do biólogo holandês Midas Dekkers. Mas Singer fez mais que apenas resenhar o livro; ele também pediu aos leitores para reconsiderar se a prática de sexo mutuamente prazeroso, não abusivo, com outros animais por parte de seres humanos é tão inerentemente errada como fomos levados a crer por nossos costumes tradicionais judaico-cristãos (vá em frente, cite o Levítico). Assim, ele observou: “A veemência com que essa proibição [contra sexo com outras espécies] continua a ser mantida, sua persistência enquanto outros atos sexuais não reprodutivos tornaram-se aceitáveis, sugere que há [uma] poderosa força em ação: nosso desejo de nos diferenciar, eroticamente e de todas as outras maneiras, dos animais.”

Singer me disse que não estava defendendo sexo com animais, apenas questionando por que ele nos parece tão censurável. Desde então, o artigo foi usado contra ele por seus opositores, a maioria dos quais empenhada em desacreditar suas ideias polêmicas sobre eutanásia e aborto humano. “Como podemos levar a sério alguma coisa que esse sujeito diz quando ele quer que façamos sexo com animais?”, argumentam muitos dos críticos do filósofo. Mas a maioria dos zoófilos, é claro, tende a concordar com a avaliação geral de Singer de que o “especismo” humano se oculta sob a tênue justificativa da proteção aos animais. Afinal de contas, somos todos animais. Num capítulo publicado em Transgressive Sex: Subversion and Control in Erotic Encounters , a antropóloga Rebecca Cassidy oferece um relato particularmente triste de como esse pressuposto religiosamente carregado de que seres humanos são “mais do que animais” manifestou-se em 1601 num tribunal em Rognon, na França. Era ali que uma menina de dezesseis anos chamada Claudine de Culam estava sendo julgada por bestialismo com seu cachorro de estimação: Duvidando, ao que parece, de que semelhante ato fosse anatomicamente possível, o juiz designou certo número de assistentes do sexo feminino para pôr a menina à prova. Quando as mulheres despiram Claudine, o cachorro saltou sobre ela. Com base nesta evidência, o cachorro e a jovem foram ambos estrangulados, seus corpos queimados e as cinzas espalhadas aos quatro ventos, “para que restasse tão pouco vestígio quanto possível para lembrar à humanidade seus monstruosos atos”. Como parte de um estudo especialmente provocativo publicado na Archives of Sexual Behavior, os sociólogos Colin Williams e Martin Weinberg assistiram a uma reunião de zoófilos numa fazenda, onde um grupo de homens em sua maioria jovens – quase todos com educação universitária – demonstrou ter “genuína afeição” pelos animais com que faziam sexo. Muitos zoófilos consideram os “zoossádicos” anátemas, e têm se esforçado sinceramente para se distanciar daqueles que obtêm prazer machucando animais. Apesar disso, alguns estudiosos, como o criminologista Piers Beirne, sustentam que os zoófilos se enganam ao supor que animais são capazes de consentir em fazer sexo com eles, e portanto relações sexuais humanas com animais de qualquer espécie deveriam ser consideradas “agressão sexual interespecífica”. Ao examinar com cuidado minha própria posição nesse assunto delicado, vejo-me emocionalmente atraído pela posição de “tolerância zero” de Beirne. Se algum zoófilo inescrupuloso seduzisse minha amada cadela Uma com uma tira de bacon na traseira de sua caminhonete… Mas isso é apenas, em grande parte, uma reação reflexa do moralizador em mim. Palavras como pervertido e antinatural têm toda a profundidade teórica de um dedal. Racionalmente, Singer está certo ao questionar nossa aversão visceral ao sexo interespecífico. E tendo visto uma chimpanzé no cio pressionar com força sua região anogenital inchada contra minha seção do meio (“Querida”, eu disse, “você não só é da espécie errada, mas do sexo errado”) e mais cachorros do que posso contar treparem em minha perna, sei que não são apenas seres humanos que correm o risco de perceber erroneamente interesse sexual em outra espécie. O garanhão árabe que impalou um homem de Seattle com seu pênis ereto em 2005, perfurando fatalmente o cólon do homem, nos leva a perguntar quem foi de fato a vítima. E se a zoofilia ocorre entre certos membros de nossa própria espécie, poderiam membros de outras espécies sentir-se atraídos principalmente por seres humanos? No livro de Maurice

Temerlin Lucy: Growing Up Human, o autor afirma que assim que a “filha” de sua chimpanzé alcançou a maturidade sexual, passou a se interessar unicamente por machos humanos. Temerlin, um psicoterapeuta, chegou a comprar para Lucy um número da revista Playgirl e encontrou-a friccionando os genitais diante da foto em página dupla de um homem nu. Seja como for, deixando de lado questões filosóficas, parece-me estarrecedor – e incrivelmente fascinante de uma perspectiva evolucionária – que tantas pessoas (nada menos que 1% da população geral) sejam zoófilos “certificáveis”. E os pesquisadores científicos parecem estar admitindo pouco a pouco que a zoofilia pode ser uma genuína orientação sexual humana. Apesar disso, tenho, como você provavelmente também, uma grande quantidade de perguntas que ainda estão por ser consideradas empiricamente. O que faz de algumas espécies domésticas – como cavalos e cachorros – alvos eróticos mais comuns para zoófilos que outras como, digamos, gatos, lhamas ou porcos? (Gatos com garras seriam um problema.) Acaso os zoófilos acham membros particulares de sua espécie preferida mais “atraentes” que outros indivíduos dessas espécies, e, se for assim, sentem-se eles seduzidos por índices de beleza comuns, como simetria facial, em cavalos? Qual é a porcentagem de zoófilos homossexuais (aqueles que preferem parceiros animais do mesmo sexo) em relação a zoófilos heterossexuais? Afora as marcas de casco em suas testas, como zoófilos distinguem entre um parceiro animal anuente e um que “não está a fim”? Por que homens têm mais propensão a ser zoófilos que mulheres? São os zoófilos atraídos apenas por animais sexualmente maduros? Se não, isso faz deles “zoopedófilos”? Que dizer sobre diferenças transculturais? A tendência a tornar-se zoófilo é hereditária? Temos de esperar um pouco mais para que algum intrépido sexologista investigue estas e outras questões científicas não respondidas sobre zoofilia, talvez a mais rara de todas as parafilias sexuais. Enquanto isso, devo confessar que estou com uma pontinha de inveja de vocês, zoófilos afetuosos espalhados por aí. Como deve ser bom poder ficar livre de todos esses estorvos emocionais que a atração por outros membros da espécie humana acarreta. Se ao menos eu pudesse me estabelecer discretamente com uma cadelinha atrevida – uma adulta anuente, é claro –, talvez a vida fosse muito mais fácil.

Assexuados entre nós

OS GAYS OUVEM MUITAS VEZES uma pergunta de heterossexuais curiosos: “Quando você se deu conta pela primeira vez de que era gay?” Em meu caso, lembro-me de tirar a roupa de meu boneco do Super-Homem – e ficar terrivelmente desapontado com o resultado –, bem como de me sentir motivado a fazer amizade com os meninos mais atraentes na terceira série. Hormonalmente falando, porém, foi só quando eu tinha cerca de catorze anos que olhei pela primeira vez no espelho e pensei: Ah, sem dúvida é isso que eu sou, agora tudo faz pleno sentido. Não era um mistério tão grande. Afinal, desejo sexual não é exatamente uma coisa sutil. Naquela época, trocar carícias com minha “namorada” me dava tanto prazer quanto raspar a placa dos dentes do meu cachorro. Em contraste, roçar minha perna na de um menino por quem eu tinha uma paixonite produzia um êxtase elétrico, inefável. No vestiário após a aula de ginástica no curso secundário, eu me obrigava a visualizar mentalmente meninas nuas (em particular minha namorada) como uma espécie de chuveiro frio cognitivo, um choque preventivo contra uma reação física que de outro modo poderia ser embaraçosa. Eu conseguia seguir em frente, mas você entendeu: quer gostemos ou não do que somos, escondamos isso ou aceitemos, nossas verdadeiras identidades – gay, heterossexual, bissexual – afloram conscientemente em cada um de nós em algum ponto de nossas vidas, em geral na adolescência. Todos nós temos uma “orientação” natural para o contato sexual com outros, e o mais das vezes somos apenas peões impotentes, observadores incapazes, dos desejos de nossos corpos. Pelo menos é isso que a maioria das pessoas tende a pensar. Alguns cientistas, porém, acreditam que pode haver uma outra orientação sexual em nossa espécie, caracterizada pela ausência de desejo e nenhum interesse sexual por homens ou mulheres, apenas uma lacuna completa e vitalícia de atração sexual por todo e qualquer ser humano (ou não humano). Essas pessoas são consideradas assexuadas. Diferentemente dos bissexuais, que são atraídos tanto por homens quanto por mulheres, os assexuados são igualmente indiferentes e desinteressados em fazer sexo com ambos os gêneros. Assim, imagine que você é um adolescente à espera de que sua identidade sexual se expresse, aguardando com paciência que um jorro de lascívia embriagadora o torne tão apatetadamente carnal quanto seus pares, e isso simplesmente não acontece. Esses indivíduos não são apenas celibatários, o que é uma escolha de estilo de vida. Para eles, o sexo é simplesmente tão… enfadonho. Num estudo de 2007, foi perguntado a um grupo de adultos que se descreviam como assexuados como eles haviam ganhado consciência de que eram diferentes. Uma mulher respondeu: Eu diria que nunca tive um sonho ou uma fantasia, uma fantasia sexual, por exemplo, sobre estar com outra mulher. Portanto posso muito bem dizer que não tenho nenhum tipo de tendência lésbica. Você poderia pensar que na minha idade eu teria alguma fantasia ou sonho ou alguma coisa, não é? … Mas nunca tive um sonho ou uma fantasia sexual sobre estar fazendo sexo com

um homem também. Nunca, nunca, ao que me lembre. Num outro estudo, uma mulher de dezoito anos colocou a questão assim: Simplesmente não sinto atração sexual pelas pessoas. Amo a forma humana e posso contemplar indivíduos como obras de arte e achar pessoas esteticamente agradáveis, mas nunca sinto desejo de entrar em contato sexual nem mesmo com as mais belas das pessoas. Segundo o psicólogo Anthony Bogaert, deve haver mais assexuados genuínos por aí do que nos damos conta. Em 2004, ele analisou dados de um levantamento feito com mais de 18 mil residentes na Grã-Bretanha e descobriu que o número de pessoas (185, ou cerca de 1%) que se descreviam como “nunca tendo sentido atração sexual por ninguém” era apenas ligeiramente mais baixo que o dos que se identificavam como atraídos por pessoas do mesmo sexo (3%). Desde essa descoberta, um punhado de pesquisadores acadêmicos vem tentando determinar se a assexualidade é um verdadeiro fenômeno biológico ou, alternativamente, um falso rótulo social que, por várias razões, algumas pessoas podem preferir adotar e abraçar. O desejo sexual pode aumentar e diminuir no curso de uma vida ou – como muitas pessoas que tomam antidepressivos experimentaram – tornar-se praticamente inexistente por causa de medicação ou doença. Há também anormalidades cromossomiais, como a síndrome de Turner, muitas vezes associada a uma ausência de desejo sexual. Eventos traumáticos na infância, como abuso sexual, podem contribuir para uma aversão ao sexo também. Mas se ela existe como uma orientação distinta, a verdadeira assexualidade não se deveria nem à anomalia genética nem à agressão ambiental. E de fato, embora pouco se saiba sobre sua etiologia (Bogaert acredita que ela pode ser atribuída a alterações pré-natais do hipotálamo), os assexuados são em sua maioria adultos normais, saudáveis, hormonalmente equilibrados e sexualmente maduros. Por razões ainda incertas, o sexo simplesmente sempre lhes pareceu um grande e insípido bocejo. Portanto, a assexualidade seria semelhante a outras orientações sexuais no sentido de não ser “adquirida” ou “situacional”, mas sim uma parte essencial da constituição biológica de uma pessoa. Assim como um homem hererossexual ou uma lésbica não podem acordar um dia e decidir passar a sentir atração por homens, uma pessoa não poderia tampouco – pelo menos em princípio – “tornar-se” assexuada. Disfunções sexuais como o distúrbio do desejo sexual hipoativo podem também ser excluídas se uma “preferência” por um gênero não for despertada em resposta a uma intervenção clínica, por exemplo um tratamento hormonal. Como Bogaert observa, mesmo aqueles que têm fetichismos ou parafilias em geral exibem uma atração baseada em gênero, como homens que têm uma queda por sapatos de mulher ou necrófilos que fazem sexo com cadáveres de mulheres (mas não de homens). Mas a história da assexualidade é muito complicada. Por exemplo, como a discussão nos fóruns do website da Aven (Asexual Visibility and Education Network) demonstra, há enorme variação nas inclinações sexuais dos que se consideram assexuados. Alguns se masturbam; outros não. Alguns têm interesse por relações românticas, não sexuais (inclusive abraços e beijos, mas sem contato genital), ao passo que outros não. Alguns se consideram “hétero-assexuados” (tendo uma preferência estética ou romântica não sexual pelas pessoas do sexo oposto), enquanto outros se veem como “homo-” ou “bi-assexuados”. Há até um website de promoção de encontros para o

amor assexuado chamado Asexual Pals. Apesar disso, muitos assexuados mostram-se também perfeitamente dispostos a fazer sexo caso isso satisfaça seus parceiros sexuais; isso não é constrangedor ou penoso para eles, mas sim algo como fazer uma torrada ou limpar o cinzeiro – simplesmente eles mesmos não obtêm nenhum prazer com o ato. Como os pesquisadores Nicole Prause e Cynthia Graham descobriram em suas entrevistas com pessoas que se identificam como assexuados: “Eles não eram particularmente receosos de sexo … tinham um impulso excitatório mais baixo.” Outros insistem em manter relacionamentos completamente assexuados, de preferência com outros assexuados. Assim, embora muitos assexuados sejam virgens, outros são ironicamente até mais experientes que seus amigos sexuados da maneira tradicional. Alguns desejam filhos por meios artificiais, como fertilização in vitro; outros estão dispostos a tê-los da maneira antiquada ou não querem filhos de maneira alguma. Assim, por um lado, parece haver um problema sociológico de pessoas de identidade sexual marginalizada que vem ganhando força e começa a formar uma comunidade identificável (e, no processo, atraindo significativa atenção da mídia, inclusive cobertura em The Montel Williams Show e The View e uma reportagem de destaque na New Scientist). Por outro lado, resta – para mim – a questão biológica mais intrigante do essencialismo assexuado: é de fato possível desenvolver-se “normalmente” sem ter jamais experimentado desejo sexual, nem mesmo um ínfimo sinal intermitente no radar da excitabilidade, em relação a nenhum ser humano na face da Terra? Tenho pouca dúvida de que há assexuados autoidentificados que não corresponderiam a esse critério essencialista, mas se houver na comunidade assexuada mesmo uma fina fatia que realmente nunca experimentou excitação, isso apresentaria questões fascinantes para nossa compreensão da sexualidade humana e dos processos evolucionários. Os cientistas apenas arranharam a superfície no estudo da assexualidade humana. Podemos contar o número de estudos sobre o assunto nos dedos de uma só mão. Portanto questões permanecem. Possui a assexualidade, como a homossexualidade, componentes hereditários? Sem dúvida isso é plausível. Afinal, historicamente, pelo menos assexuados do sexo feminino, que não precisariam ter orgasmo para conceber, devem provavelmente ter tido filhos com seus parceiros sexuais do sexo masculino, assegurando assim a continuidade das bases genéticas da assexualidade. (Embora os achados originais de Bogaert sugerissem que a assexualidade era um tanto mais comum entre mulheres, pesquisa mais recente de Prause e Graham não encontrou essa diferença de gênero em sua amostra de idade universitária de assexuados autodeclarados.) Se alguns assexuados se masturbam na ausência de fantasia sexual ou pornografia, o que é exatamente que os deixa fisicamente excitados? (E como pode alguém chegar ao orgasmo – como alguns assexuados parecem fazer – sem experimentar prazer?) Além disso, se você está teoricamente de acordo com a psicologia evolucionária, quase toda a cognição e o comportamento social humano reduzem-se em última análise à competição sexual. Nesse caso, como o psicólogo evolucionário explicaria a assexualidade? Se o sexo é a artimanha de bem-estar para fazer nossos genes chegarem lá, haverá de fato uma categoria natural de pessoas imune ao maior truque da evolução? Devo dizer que a única boa maneira de solucionar o enigma é também um pouco repugnante. Mas, a menos que os cientistas psicológicos reúnam um dia um grupo de voluntários assexuados autoidentificados e, sistematicamente e sob condições controladas, os submetam a uma série de estímulos eróticos enquanto medem seu grau de excitação física (ereção peniana ou lubrificação vaginal), a verdade sobre a matéria ficará para sempre escondida dentro das calças dos

assexuados.

Brincando com os pés: podofilia para pudicos

JÁ DISCUTIMOS PEDOFILIA, mas vamos falar sobre podofilia, o amor aos pés e, por extensão, aos sapatos. De fato, como há uma parcela de podófilos pedófilos, vale a pena assinalar que as duas coisas não são mutuamente exclusivas. Mas, seja como for, sob o risco de me desviar desde já para um fetiche de tipo inteiramente diferente (a acrotomofilia, que é o amor pelos amputados ou, mais especificamente, desejo sexual por seus membros cortados), permita-me começar dizendo que de certa forma sempre achei pés – aquelas mãos terrestres, compridas, malcheirosas e cheias de nós – extremamente repelentes. Não que eu preferiria que os de meus parceiros fossem cortados fora, mas você entende o que quero dizer. Na verdade, minha própria aversão por pés torna a podofilia ainda mais intrigante para mim, porque, entre outras coisas, ela mostra o quanto nossas papilas gustativas podem ser de fato receptivas à aprendizagem ao contribuir para o que se torna deleitável mais tarde. Talvez tenha faltado a meus genitais apenas um misterioso encontro com os pés de outras pessoas durante um período crítico de meu desenvolvimento sexual. Muitas pessoas que derivam sua principal satisfação sexual de carícias com os pés podem encontrar as origens de seu gosto por pés em episódios específicos seja em sua infância ou durante a puberdade. Um dos tratamentos históricos mais importantes e detalhados do assunto do fetichismo de pé (e de sapato) foi o realizado em 1927 pelo sexologista britânico Havelock Ellis. “Numa minoria pequena, mas não insignificante de pessoas”, escreve Ellis, “o pé ou a bota torna-se a parte mais atraente de uma mulher, e em alguns casos mórbidos a própria mulher é vista com um apêndice comparativamente sem importância.” Ellis descreve o caso de Rétif de la Bretonne, um romancista francês do século XVII cujas irreverentes obras literárias estavam cheias de referências a seus gostos pessoais. (De fato, a palavra inglesa epônima, retifism, é um termo enigmático para fetichismo de pé.) Na autobiografia muito franca de Rétif, Monsieur Nicolas, o escritor, então com sessenta anos, recorda ter se enamorado pelos pés de uma menina quando tinha apenas quatro anos de idade. A teoria de Rétif sobre as origens de seu fetichismo de pé era que, sendo a pureza e o frescor femininos tão valorizados em seu tempo, aquelas damas que conseguiam manter essa parte de seu corpo que entrava em contato direto com a sujeira tão delicada e intacta eram as mais atraentes de todas. “Esse gosto pela beleza dos pés”, reflete Rétif em relação à sua criação na região francesa da Borgonha, “era tão forte em mim que infalivelmente despertava desejo … . Quando eu entrava numa casa e via as botinas arrumadas numa fileira, como é o costume, tremia de prazer; ficava corado e baixava os olhos como se estivesse na presença das próprias moças.” O que era especialmente excitante para Rétif, explica Ellis, era seu conhecimento de que esses objetos haviam absorvido a essência dos pés que tanto desejava. “Ele beijava com fúria e arrebatamento qualquer coisa que tivesse entrado em contato com a mulher que adorava.” Na realidade, desejava desesperadamente ser enterrado com os “chinelos verdes com saltos cor-de-rosa e debruns” de

uma mulher mais velha por quem se apaixonara na adolescência. Trabalho mais recente confirmou o palpite de Ellis de que o fetichismo de sapato não é simplesmente uma atração peculiar por esses objetos inanimados e que a excitação sexual está relacionada com a íntima conexão entre determinados sapatos e os pés de seu dono. Por exemplo, numa série de relatos sobre fetichismo de pé em homossexuais do sexo masculino, o sociólogo Martin Weinberg e colegas perguntaram a membros da Foot Fraternity o que lhes parecia especialmente atraente em sapatos. A maioria desses 262 homens expressou completo desinteresse por sapatos novos, nunca usados. Ao contrário, tinham clara preferência por calçados que haviam sido muito usados por uma pessoa atraente. Comprar sapatos em brechós era uma dádiva de Deus para muitos desses fetichistas, pois isso lhes permitia fazer fantasias sobre o dono original, em vez de encarar a feiura de uma criatura esteticamente prejudicada. E assim como a podofilia heterossexual tem um elemento simbólico, com connaisseurs heterossexuais exibindo gostos muito particulares por certos estilos de calçados e polainas femininas, podófilos gays associam tipos de sapato com homens idealizados. Um homem, por exemplo, explicou aos investigadores como uma rica tapeçaria de sentidos havia se vinculado a associações estereotipadas com diferentes tipos de calçado masculino: “os odores e as imagens correspondentes; docksides e mauricinhos, tênis e jovens rebeldes, botas e homens dominadores.” Outros fetichistas de pé gays do sexo masculino repetiram esse tema simbólico em seus gostos e aversões: “Botas representam poder e força … . Elas exemplificam a essência da virilidade, um exagero da masculinidade.” “Sapatos de couro tipificam um homem de negócios bem-sucedido.” “Tênis estiveram em contato com um belo e jovem garanhão.” “Mocassins são usados por universitários mauricinhos.” Num artigo subsequente no Journal of Sex Research, Weinberg e colegas retornaram à sua base de fãs de sapatos (a Foot Fraternity dizia ter mais de mil membros em 1995, a vasta maioria sendo homens brancos instruídos com empregos de colarinho-branco) e pediram a esses indivíduos para refletir por escrito sobre as origens de seu amor por pés masculinos. “Perguntamos especificamente a idade em que os sujeitos primeiro se interessaram por pés/calçados”, explicam os autores, “e, para tirar proveito do efeito reforçador da masturbação, suas experiências com fantasias sobre pés/calçados quando eles se masturbavam durante a adolescência.” Segundo os fetichistas, foi com a idade média de doze anos que ficaram pela primeira vez (de maneira consciente) excitados sexualmente por pés, e quase todos eles se masturbavam regularmente fantasiando objetos relacionados a pés (como sapatos, meias ou fotografias de pés), ou imagens de ardorosos encontros podiátricos. Em termos de contexto de desenvolvimento, muitos dos 204 sujeitos não puderam se lembrar de um incidente específico de seus passados a que pudessem atribuir esse aspecto agora concretizado de sua identidade sexual adulta. No entanto, 89 foram capazes de fazer relatos detalhados do que

supunham ter sido os primeiros gatilhos relacionados ao pé. E para vocês pais que andam por aí balançando promiscuamente seus dedos dos pés à vista de seus impressionáveis filhos pequenos, as respostas que deram podem fazê-los parar para refletir. “Dormir às avessas com meus pais”, reflete um homem adulto sobre sua primeira infância e seu costume de aconchegar-se inocentemente a eles debaixo das cobertas, “e encontrar os pés de meu pai em meu rosto.” “Eu costumava fazer cócegas nos pés de meu pai”, lembra um outro. “Eu gostava muito de seu riso … . Ele costumava fingir que se divertia como parte da brincadeira.” Uma outra reminiscência: “Por volta dos cinco ou seis anos, tirar os sapatos de meu pai e massagear seus pés quentes … . Os pés macios, mornos, e o prazer que ele parecia experimentar – em geral ao ir para a cama – e eu podia beijar e lamber seus pés.” Outros sujeitos tinham tido experiências semelhantes, mas não relacionadas com os pés dos pais. Ter o pé de um irmão mais velho cultuado como um herói pendendo diante do próprio rosto quando ele estava deitado na cama de cima de um beliche, por exemplo, ou lutar de brincadeira com amigos ou vizinhos e encontrar um pé enterrado, e não desagradavelmente, na própria entreperna. Como no caso da análise de podófilos heterossexuais feita por Ellis, Weinberg e colegas observaram que as origens dessa podofilia homossexual podia quase sempre ser encontrada nessas experiências positivas durante o desenvolvimento, não em experiências negativas ou abusivas. Esta é uma observação importante, de fato, porque muitas vezes se supõe que esse fetiche representa o desejo masoquista da pessoa de ser chutada ou violentamente pisoteada. Embora isso seja verdade em certos casos, Ellis adverte que não devemos concluir de maneira tão apressada que o amante de pé comum alimenta um desejo secreto de ser subserviente a uma figura dominante. “Supor que uma admiração fetichista de um amante pelo pé de sua amada decorre de um desejo latente de ser chutado por ela”, proclama ele, “é tão descabido quanto supor que uma admiração fetichista pela mão dessa mulher indica um desejo latente de levar um tapão na orelha.” Ellis estava convencido de que as crianças mais inteligentes e precoces com frequência são particularmente “sujeitas a se tornar presas de um simbolismo casual” em seu desenvolvimento sexual, o qual molda para sempre suas orientações adultas. Um exemplo especialmente vívido de uma criança assim, nesse caso uma muito perturbada, está exposto no American Journal of Psychotherapy num artigo intitulado “The Treatment of a Child Foot Fetishist”. Uma equipe de médicos liderada por Jules Bemporad tratou do caso. O menino, que os psiquiatras chamaram de “Kurt”, apresentou-se pela primeira vez ao pediatra aos oito anos. Seu resultado em testes completos de QI, de 129, situava-o na faixa superior, mas em algum ponto ao longo do caminho ele havia adquirido o estranho hábito de se aproximar sorrateiramente da mãe, tirar-lhe os sapatos e lamber-lhe os pés com grande excitação. “Enquanto lambia os pés”, escrevem os psiquiatras, “ele tinha regularmente uma ereção e brincava com seu pênis.” Uma investigação um pouco mais profunda do passado do menino trouxe à tona a seguinte história: A preocupação do menino com os pés da mãe começou no primeiro ano de vida; a mãe se lembra de que ele “gostava de brincar com os meus pés” e ela o estimulava, considerando aquilo bonitinho. Ela costumava se deitar na cama enquanto Kurt lhe fazia uma massagem nos pés – uma experiência agradável para ela e uma fonte de conforto para ele. Pouco a pouco, a fricção passou a ser acompanhada por toques com a boca e lambidas, e a mãe passou a dar recompensas monetárias ao filho por suas “massagens”. Quando ele tinha cinco ou seis anos, o

ato havia se tornado sexualmente excitante, conduzindo a gritos arrebatados e manipulação genital. Foi nesse estágio que a mãe alega ter começado a proibi-lo de entrar em contanto com seus pés. Nesse estágio, é claro, era tarde demais. Os autores acompanharam Kurt até os dezesseis anos. Embora ele continuasse a se sobressair na escola e conseguisse ganhar controle sobre seus sintomas óbvios em relação aos dedos do pé da mãe, sua obsessão por pés continuou praticamente intacta, e a permissividade brincalhona da mãe deixou-lhe problemas sexuais para toda a vida. Havia outros fatores envolvidos também, que compunham um pesadelo freudiano. O pai judeu distante e anal-retentivo do menino supostamente lhe teria contado um dia, quando passavam por uma delicatéssen, que os salames pendurados na vitrine eram os pênis cortados de cadáveres. (Em retaliação, Kurt começou a decorar seu quarto com adornos cristãos.) E a mãe admitiu que brincava com o pênis do filhinho durante os banhos, chamando-o de “lindinho”. Cerca de uma década mais tarde, a psicoterapeuta infantil britânica Juliet Hopkins descreveria o caso de uma menina pequena de comportamento muito masculinizado que também tinha um problemático interesse erotizado por pés. A interpretação de Hopkins das origens do fetiche de pé da menina é que tudo começou na banheira. O pai costumava dar banho na filha mantendo-a sentada em seu colo na banheira. Da perspectiva da criança, diz Hopkins, ver os dois pares de pés juntos, com sua aparência semelhante, lhe parecia confortador e encorajador, porque contrabalançava a diferença mais óbvia – e ameaçadora – na anatomia genital. Apesar disso, embora seja fácil topar com histórias sensacionais, é só para uma exígua minoria que essa queda erótica por pés se torna sinistra ou criminosa. A maioria dos psiquiatras acredita que, a menos que ela interfira com o ajustamento do indivíduo à sociedade ou seu bem-estar mental, fetiches não deveriam ser tratados como um “problema” a requerer intervenção clínica. De fato, 80% da amostra homossexual de Weinberg relatou manter um relacionamento com um companheiro compreensivo, disposto a aceitar seu fetiche não compartilhado incorporando as carícias com os pés nas rotinas sexuais normais do casal. (De fato, olhando para trás, desconfio que, dado seu extraordinário interesse em praticar felação com meus dedos dos pés, um dos primeiros homens com quem estive tinha um fetiche de pé secreto. Sinceramente, eu não teria me importado muito; só o enxotei para seu próprio bem, pois eu estava sofrendo um caso grave de pé de atleta naquele verão.) Em relação ao apoio do parceiro, os pesquisadores também descobriram que ter acesso a grupos como o Foot Fraternity reduz significativamente a confusão e o descontentamento, permitindo que indivíduos de gostos semelhantes saiam do armário – ou da caixa de sapatos – e explorem seus interesses comuns em aberto conforto dentro de uma comunidade não estigmatizante. Essa abordagem de viva e deixe viver não foi certamente, contudo, aquela adotada pelo terapeuta Joseph Cautela em 1986. Cautela apresentou a transcrição real de um caso ao Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry detalhando sua primeira sessão com um fetichista de 31 anos muito solitário que, desde que participara de brincadeiras turbulentas com outros meninos quando era adolescente, e ficara excitado por todos aqueles pés no ar, viu-se fantasiando sobre pés de meninos de doze a catorze anos. É importante ressaltar que o homem nunca se deixara levar por esses sentimentos; queria ser “normal” e por isso procurou tratamento. Cautela tentou reorientar o paciente, esforçando-se por desviá-lo não só de pés de meninos, mas do sexo masculino de maneira geral. Claro que poucos pais ficariam muito satisfeitos de ver esse sujeito

trabalhando numa loja de calçados infantis, mas a julgar pelo relato do caso, ele pelo menos parecia ser bastante inofensivo, de modo que seu tratamento é uma evidência muito triste daquele tempo. Mas cabe a você julgar. Vamos ouvir o que se passou em sua primeira sessão de terapia: TERAPEUTA:

É muito importante que você saiba que cada vez que se fantasia e se masturba em torno de lutas com meninos, está agravando seu fetiche. É como fazer isso na realidade. Você fortalece o hábito. PACIENTE: Suponho que você está certo, mas isso foge ao meu controle. TERAPEUTA: Bem, vou ajudá-lo a ganhar controle sobre o hábito. PACIENTE: Você pode? TERAPEUTA: Bem, temos uma boa chance, se você cooperar. Posso lhe ensinar relaxamento, ensinar-lhe a tríade de autocontrole para você se livrar de seus pensamentos negativos e passar a imaginar que algo terrível ou repugnante está acontecendo se iniciar uma fantasia sexual inadequada. PACIENTE: É só isso? TERAPEUTA: Não. Há outros mecanismos de enfrentamento que podemos usar. Além disso, podemos tentar fazê-lo sentir-se excitado por mulheres. PACIENTE: Mas isso não é pecado? TERAPEUTA: Bem, o que é mais pecaminoso: ter um fetiche de pé que pode arruinar sua vida ou aprender a ser excitado por mulheres? PACIENTE: Bem, se você põe as coisas nesses termos. TERAPEUTA: Estou apenas dizendo que, em minha experiência no tratamento de fetiches, é necessário desenvolver relações e excitação heterossexuais. Depende de você querer mudar. Essa é a minha abordagem. PACIENTE: Certo. Isso faz sentido. É bastante difícil explicar a existência de heterossexuais podófilos de uma perspectiva evolucionária. Sob certas condições no passado ancestral, esses fetichistas de pé do sexo masculino (talvez entre outros fetichistas) podem ter tido, muito estranhamente, uma vantagem sobre aqueles cujos padrões de excitação eram menos discriminativos. Sabe-se que a maioria dos fetichistas tem gostos muito específicos, por isso parceiros que correspondam a seus desejos e se disponham a aceitá-los – ou, neste caso, que possuam pés que os façam ruborizar – são difíceis de encontrar. Apesar disso, em alguns casos, ter menos parceiros reprodutivos e fazer sexo apenas com mulheres muito particulares pode ser a chave para o sucesso. Esta é a teoria intrigante, ainda que especulativa, sugerida pelo pesquisador James Giannini e colegas na revista Psychological Reports. Parece que, historicamente, a erotização cultural do pé feminino coincidiu com a ocorrência de epidemias sexualmente transmissíveis nessas culturas. Gostos podofílicos ampliaram-se e declinaram à medida que doenças seguiram seu curso, e os autores ilustram como o amor ao pé se manifestou, depois declinou, durante as epidemias de gonorreia no século XIII, de sífilis no século XVI e XIX e de Aids no século atual. Na Espanha do século XVI, por exemplo, os pintores começaram a se especializar, pela primeira vez na história, em retratos do pé feminino, e sapatos que mostravam um pedacinho provocante da “divisão entre os dedos” faziam o maior sucesso. Mais uma vez, as ideias de Giannini aqui são extremamente

especulativas, mas essa é uma hipótese promissora à espera de ser corroborada por mais dados populacionais sobre comportamentos sexuais e fetichismo. Se o sapato servir, como se costuma dizer.

A história de um amante da borracha

EM 6 DE JUNHO DE 1969, na zona sul de Michigan, um detetive, aparentemente percebendo alguma significação para a ciência no inusitado relato que tinha diante de si, sentou-se à sua mesa e datilografou uma prosaica carta de encaminhamento para um conhecido no Kinsey Institute for Sex Research. O detetive estava escrevendo a respeito de um paciente do sexo masculino que fora mantido voluntariamente numa enfermaria psiquiátrica em Kalamazoo – um polido e confesso “borrachófilo” que, nos recônditos mais sombrios de sua própria profunda vergonha e mortificação, ao som do estival zumbido elétrico das cigarras, do som estridente de rodas enferrujadas de carrinhos de hospital e dos gemidos dos demais pacientes como uma orquestra para seus pensamentos, havia passado várias longas semanas sentado em seu leito, encurvado, tentando furiosamente expurgar seus demônios sexuais através de sua pena. “Este relato é minha alma e irá salvar minha vida”, escreveu o paciente. E foi esse relato que acabou pousando pouco depois sobre a mesa do detetive e foi olhado de esguelha, enfiado num envelope, despachado por via aérea para Bloomington e por fim discretamente engavetado junto com dezenas de milhares de outros relatos semelhantes nos arquivos inéditos do Kinsey Institute. Quarenta anos depois, sob o brilho suave da iluminação fluorescente da biblioteca do instituto, deparei por acaso com a autobiografia sexual manuscrita desse fetichista – juntamente com a austera nota de encaminhamento do detetive – quando trabalhava num livro, e devo dizer que a apresentação que esse homem fazia de sua condição era um bem formulado e surpreendente autoexorcismo. Num documento ainda efervescente de medo, que se expandia por cerca de cinquenta páginas de prosa lúcida, densamente comprimida, ilustrada com passagens bíblicas, esse “amante da borracha” – que havia sido preso por vários crimes relacionados a borracha, o menor deles tendo sido o ato de fazer milhares de ligações telefônicas indecentes para vendedoras de lojas de departamentos, perguntando sobre biquínis de borracha para sua esposa imaginária enquanto acariciava anúncios plastificados de modelos com trajes de elástico com uma das mãos e a si mesmo com a outra – fazia um esforço febril para compreender as origens de seu próprio desejo insaciável por borracha e carne. Pelo que lhe era dado saber, tudo começara quando, aos sete anos, deparara com o cintilante maiô branco de borracha da mãe pendurado numa corda na varanda dos fundos, um evento excitante que coincidiu com sua primeira tomada de consciência dessa estranha excitação em seu baixoventre. O que começou como um hábito juvenil bastante inocente, porém, iria acabar criando chifres e se transformando numa identidade sexual adulta extremamente fetichista – e criminosa. “Ele datilografava num cartão 8 × 13 que gostava de esguichar esperma em toucas e cintas de borracha”, escreveu o detetive, que num típico desleixo administrativo deixou a característica mancha de uma caneca de café no memorando da delegacia. “Depois [ele] punha os cartões na caixa de correspondência das vítimas e por vezes sob o limpador de para-brisa de seus carros.” Você pode pensar que este amante patológico da borracha é um caso extremo de sexualidade

que desandou, e talvez realmente seja. Mas mediante o estudo dos sexualmente anormais, os pesquisadores podem adquirir uma compreensão única dos mecanismos nuançados e de outro modo ocultos do desenvolvimento sexual humano e da psicossexualidade normal. A exposição do borrachófilo ao maiô da mãe na infância, uma peça incrivelmente branca de tecido, ainda rebrilhando com a água do lago e fragrante com seu suor, talvez tenha simplesmente coincidido com uma ereção casual. Essa química foi contudo tão poderosa que, depois que ele massageou aquele elástico entre seu pequeno polegar e o indicador, tudo ficou perdido para sempre. Esse sistema básico de desenvolvimento, em que certos eventos salientes de nossa infância deixam uma marca permanente em nossas sexualidades em desenvolvimento, talvez não seja extremamente raro. De fato, que nossas primeiras experiências de infância moldam nossas preferências sexuais adultas – em especial, o que nos acende e apaga, por mais sutis ou mesmo inconscientes que essas tendências particulares possam ser – poderia até ser banal. E assim como o amante da borracha institucionalizado, os mais carnalmente triviais entre nós poderíamos também dever nossas preferências secretas no quarto de dormir ao fato de nos termos sentido excitados, em algum momento no passado distante, por nossos próprios pais, parentes ou amigos de infância. Considere o caso de uma mulher de 29 anos, relatado num velho artigo da Archives of General Psychiatry, que percebeu, para sua consternação, que não era avessa a um pouquinho de sadomasoquismo e a olhar fixamente o pênis quando fazia sexo com homens. Ao explicar esses estranhos gatilhos eróticos, a mulher lembrou: Quando eu tinha quatro anos, meu pai me pegou uma vez me masturbando. Ele me pôs de joelhos e me deu palmadas no traseiro. Estava de pijama, e a abertura na frente de suas calças abriu-se largamente, deixando-me ver seu grande pênis e o escroto escuro movendo-se bem perto de minha boca cada vez que ele levantava a mão … . Desde então, associei subconscientemente batidas em meu traseiro com a visão de seu pênis e minha primeira excitação sexual. O problema, claro, é que experiências sexuais de infância, e em particular sua relação causal com a sexualidade humana adulta, são um tópico elusivo, difícil de estudar, pelo menos em um sentido rigorosamente controlado. Trata-se também de uma área de pesquisa de que uma sociedade pudica – ou pelo menos que concebe a sexualidade de um indivíduo como surgindo do nada junto com as primeiras descargas de hormônios (ou, alternativamente, como se revelando num sentido extremamente inato, programado, impenetrável à experiência, por exemplo, “o gene gay”) – prefere desviar os olhos, apesar de sua centralidade para a experiência humana. Diferentemente de, digamos, estudar a aquisição de linguagem em crianças, examinar as vias de desenvolvimento precisas que conduzem à sexualidade adulta é mais ou menos impossível. Não por ser empiricamente impossível, mas porque a sexualidade infantil é um daqueles assuntos intocáveis que são exterminados pelas cercas elétricas dos conselhos de ética das universidades, e por isso corre o risco de permanecer mal compreendida para sempre. Assim, por mais intrigantes que relatos pessoais retrospectivos como os que vimos acima possam ser, infelizmente eles são pouco mais que anedotas. Nunca subestime, porém, a engenhosidade de um bom experimentalista. Embora o exame dos vínculos causais precisos entre a exposição precoce a estímulos específicos e a sexualidade adulta

não se preste exatamente à manipulação de laboratório, ainda pode haver maneiras de explorar os mistérios do desenvolvimento geral usando métodos controlados. Por exemplo, para muitos propósitos investigativos, crianças podem ser muito facilmente substituídas por ratos, e foi isso mesmo que os pesquisadores Thomas Fillion e Elliott Blass fizeram num estudo hoje clássico, mostrando como experiências precoces podem ser importantes para moldar o comportamento sexual adulto. Como relatam no estudo que publicaram na Science em 1986, Fillion e Blass pegaram três ratas que haviam acabado de dar à luz ninhadas de filhotes e alteraram experimentalmente os odores dessas mães de diferentes maneiras. Uma das mães-ratas teve os mamilos e a vagina revestidos com um perfume semelhante ao de limão chamado citral; outra mãerata teve apenas seu dorso revestido com o mesmo perfume citral; e por fim, na terceira mãe-rata, nenhum perfume de limão foi aplicado – em vez disso, seus mamilos e vagina foram pincelados com uma solução salina isotônica inodora. Assim, depois que as mães foram reunidas com seus filhotes, as três ninhadas diferiram uma da outra com relação ao odor particular – ou pelo menos a localização desse odor – que emanava de suas mães enquanto ela as amamentava. Depois de desmamados, os ratinhos foram afastados permanentemente de suas mães, e se dedicaram a fazer as coisas que os ratos jovens fazem. Mais tarde, quando tinham cerca de cem dias de idade, os ratos machos sexualmente maduros dessas ninhadas iniciais foram introduzidos, individualmente, a uma de duas ratas receptivas. Mas aqui está o truque. Antes de introduzir os machos a essas novas ratas, Fillion e Blass haviam revestido uma delas perivaginalmente com um odor citral, deixando a outra com sua vagina cheirando au naturel. Embora os genitais com odor de citral fizessem pouca diferença para machos das duas outras ninhadas – eles ficavam felizes por fazer sexo com ambas as fêmeas –, aqueles machos que, quando filhotes, haviam mamado numa mãe cujos mamilos e vagina cheiravam a limão ejaculavam significativamente mais depressa quando eram agora acasalados como adultos com uma parceira sexual fêmea com cheiro de limão. De fato, os investigadores relataram que esses machos tinham até dificuldade em chegar ao orgasmo quando se acasalavam com as fêmeas inodoras (ou pelo menos tão inodoras quanto vaginas de ratas podem ser). Mas podemos generalizar esses achados sobre o Édipo entre os roedores para o desenvolvimento da sexualidade humana? Pelo que sei, estudos similares não foram feitos com nossa própria espécie – embora seja interessante especular a respeito dos possíveis efeitos da amamentação humana sobre as preferências e tendências sexuais de homens adultos. Por mais presos que estejamos à ideia de que as crianças são assexuadas, contudo, é improvável que algum dia saibamos ao certo se esses dados têm algum análogo na sexualidade humana; além disso, imagino que seria um verdadeiro desafio encontrar mães dispostas a bulir com o desenvolvimento de seu filho nesse domínio. Transformar o próprio filho num fetichista com uma atração doentia por órgãos reprodutivos com cheiro de Ajax Fresh Lemon pode ser ir muito além do que a ciência exige de nós, mesmo que isso seja feito por razões louváveis. Se pelo menos aquele borrachófilo há muito esquecido de Michigan tivesse tido conhecimento desses curiosos mecanismos de marca sexual, poderia ter encontrado algum conforto na ciência em vez de ser implacavelmente acossado por sentimentos religiosos de culpa. Que desgraça ser igual a todas as outras pessoas em princípio, de maneira subjacente, mas, em decorrência de algo que foge em grande parte ao nosso controle, tão diferente na expressão técnica. Na verdade, talvez não seja tarde demais para ele, afinal de contas. Em sua carta o detetive

escreveu que nosso amante da borracha estava na enfermaria psiquiátrica, “onde ele espera passar o resto de seus dias e viver até chegar realmente à velhice”. Segundo meus cálculos, ele deveria estar com cerca de 85 anos agora. Se o pessoal do hospital soube lidar com computadores e foi liberal o bastante para permitir aos pacientes navegar on-line, espero sinceramente que ele tenha vivido o suficiente para experimentar o renascimento sexual propiciado pela internet… Ele teria encontrado dezenas de milhares de outros como ele que teriam satisfeito com prazer suas fantasias, poupando-o de recorrer a atividades criminosas. E talvez, apenas talvez, ele esteja lendo este livro neste exato momento, pensando afetuosamente em sua mãe envolta em borracha branca.

PARTE V

A noite das damas

Ejaculação feminina: uma estrada científica menos explorada

A DESPEITO DAS MINHAS PRÓPRIAS inclinações sexuais, que tentarei impedir que saturem nossas discussões, a ejaculação feminina é um assunto imensamente fascinante que em grande parte escapou à investigação científica séria, particularmente de uma perspectiva evolucionária. Isso é ainda mais intrigante quando se sabe que a ejaculação feminina, definida em geral como a expulsão de uma quantidade significativa de fluido por volta do momento do orgasmo – as estimativas variam, em média, de três a cinquenta mililitros (cerca de dez colheres de chá) –, é um tópico que foi descrito pela primeira vez por estudiosos cerca de dois mil anos atrás. Não estamos falando aqui da lubrificação vaginal normal, que acompanha a excitação feminina, mas de algo mais semelhante às copiosas emissões seminais que ocorrem com os orgasmos masculinos. Num extraordinário artigo publicado em 2010 no Journal of Sexual Medicine, a urologista Joanna Korda e colegas esquadrinharam os textos traduzidos das literaturas oriental e ocidental antigas e colheram múltiplas referências que pareciam distinguir entre lubrificação vaginal comum durante o intercurso e a mais rara ejaculação externa de fluidos sexuais. O texto taoista do século I V Instruções secretas concernentes à câmara de jade, por exemplo, escrito para o homem audacioso sobre a arte de satisfazer uma mulher na cama, sugeria que ele decifrasse os “cinco sinais” de excitação feminina da seguinte maneira: 1. rosto avermelhado = ela quer fazer amor com você 2. peitos duros e perspiração no nariz = ela quer que você insira seu pênis 3. garganta seca e saliva obstruída = ela está muito estimulada e excitada 4. vagina escorregadia = ela quer ter seu orgasmo em breve 5. os genitais transmitem fluido = ela já ficou satisfeita Eu não recomendaria que você pusesse em prática estas instruções secretas hoje em dia; a menção da segunda em sua defesa, alegando, digamos, que uma mulher com nariz suado queria que você inserisse seu pênis nela, provavelmente não se sustentaria num tribunal. Mas o fato de esse texto antigo distinguir entre “vagina escorregadia” e “os genitais transmitem fluido”, raciocinam Korda e seus coautores, significa que esta segunda coisa pode “claramente ser interpretada como ejaculação feminina [no] orgasmo”. Na Índia antiga, o Kama Sutra, que data de 200-400 d.C., fala de “sêmen feminino” que “cai continuamente”. E no Ocidente, até Aristóteles teve algo a dizer sobre a descarga feminina durante o intercurso sexual, a qual, ressaltou ele, “excede de muito” a emissão seminal do homem. Ele observou também – e é muito tentador especular sobre como exatamente teria chegado a essa conclusão – que as ejaculações femininas tendem a ser “encontradas em geral naquelas que têm pele clara e são de um tipo feminino, mas não naquelas

escuras e de aparência masculina”. Só na segunda metade do século XVII, contudo, seria apresentado o primeiro relato verdadeiramente científico da ejaculação feminina: o ginecologista holandês Reinier de Graaf distinguiu precisamente entre a lubrificação vaginal, que acompanha a excitação e facilita o intercurso, e a ejaculação feminina, que é equivalente à emissão seminal. “Esse líquido claramente não foi destinado pela Natureza a umedecer a uretra (como pensam alguns)”, escreveu de Graaf, descrevendo o “suco pituitoso” por vezes excretado por volta do momento do orgasmo feminino. “Os dutos [de que eles se originam] são situados de tal modo na saída da uretra que o líquido não toca nela ao escapar.” Dando um salto no tempo para 1952, deixamos para trás as hordas históricas de mulheres ejaculando em confusão coletiva e chegamos ao consultório do ginecologista de origem alemã Ernst Gräfenberg (curioso como havia tantos homens nessa profissão), a quem, enquanto as contribuições de de Graaf e outros são negligenciadas, é atribuída a “descoberta” de uma zona erótica na parede anterior da vagina, correndo ao longo do curso da uretra. Ernst, em outras palavras, foi quem batizou o “ponto G” com seu artigo “The Role of Urethra in Female Orgasm”. Ao rever essa descoberta, Korda e colegas contam como Gräfenberg observou mulheres se masturbando (presumivelmente em seu consultório) e expelindo fluidos de sua uretra “em jorros” com o orgasmo. Como isso nunca ocorria no início da estimulação sexual, mas apenas no clímax do orgasmo, o médico concluiu que sua finalidade era mais o prazer que a lubrificação. “Nos casos observados”, escreveu Gräfenberg, “o fluido foi examinado e não tinha nenhum caráter urinário. Inclino-me a acreditar que a ‘urina’ relatada como sendo expelida durante o orgasmo feminino não é urina, mas apenas secreções das glândulas intrauretrais correlacionadas com aquela zona erógena ao longo da uretra na parede vaginal anterior.” Na verdade, a ejaculação feminina só foi analisada em termos de suas propriedades químicas em 1982. Se não é urina e não é sêmen, o que ela é exatamente? Afinal, segundo um estudo publicado por Amy Gilliland, a maior parte das ejaculadoras relata a liberação de quantidades “copiosas” de fluido em torno do momento do orgasmo, o bastante para “ensopar a cama” ou “borrifar a parede”. É bastante estranho, portanto, que ainda não tenhamos um nome para essa substância que pelo menos 40% das mulheres produzem liberalmente pelo menos uma vez em suas vidas. Quase todos os estudos mostraram uma dissimilaridade química entre a urina e a ejaculação feminina – de fato, ela tem características em comum com o fluido seminal. Talvez você se lembre, da nossa discussão anterior sobre o sêmen masculino, que apenas uma pequena porção daquele fluido contém espermatozoides; o resto é uma mistura de psicotrópicos. Para muitas mulheres, no entanto, a urina não está tampouco inteiramente ausente da emissão. A maioria das ejaculadoras femininas, por si mesmas, e sem acesso a informação científica, descreve suas próprias explorações do misterioso material. Algumas o descrevem como grosso e viscoso, ou salgado, outras como aquoso e inodoro. “Nenhuma pesquisa foi feita nessa área por mais de vinte anos”, lamenta Gilliland, “e ainda não temos uma resposta que satisfaça à maioria dos sexologistas sobre o que é o fluido ejaculado por mulheres ou onde ele é fabricado.” Parte do problema na investigação do fenômeno sob condições devidamente controladas, porém, é o fato de que ele não se presta muito a pesquisas de laboratório. Segundo a maioria das mulheres, elas precisam estar intensamente excitadas, bem como bastante relaxadas, para ejacular.

Assim, embora a imagem mais clara do que está acontecendo lá embaixo só possa ser obtida mediante estudos rigorosos, o problema é que sujeitar as ejaculadoras femininas autodeclaradas a um bombardeio de técnicas laboratoriais eletromiográficas destinadas a estimular seus clitóris e provocar ejaculação de certo modo destrói sua disposição. Isso foi algo que uma equipe de pesquisadores egípcios aprendeu da maneira difícil. Após afixar múltiplos eletrodos nos genitais de 38 jovens mulheres saudáveis, além de usar balões vaginais e uterinos para medir pressão, eles estimularam as mulheres ao orgasmo com o uso de eletrovibração; não encontraram, porém, uma só gota de ejaculação, apenas lubrificação vaginal. A única conjectura que puderam fazer é que preliminares talvez tivessem surtido o efeito desejado. Em contraposição, embora o estudo envolvesse uma outra amostra de tamanho muito pequeno, uma equipe de tchecos conseguiu provocar “expulsões uretrais femininas” em dez mulheres em condições de laboratório em 1988. Mas essas mulheres, diferentemente daquelas no estudo egípcio, relatavam uma história de ejaculações frequentes. De muitas maneiras, portanto, nossa melhor compreensão da ejaculação feminina até hoje vem dos relatos das próprias ejaculadoras. Mas sabemos pelos ensaios químicos pelo menos isto: embora possa ter traços de ureia, a ejaculação feminina obviamente não é urina. Muitas das mulheres entrevistadas por Gilliland contaram que, após vários episódios humilhantes diante desse inesperado jorro de fluido, haviam passado a esvaziar a bexiga antes de fazer sexo, mas ainda assim ejaculavam prodigiosamente. De fato, seis das treze mulheres que participaram do estudo nunca tinham ouvido falar de ejaculação feminina antes de ler a descrição feita no estudo; elas simplesmente supunham ser “anormais”. Para a maioria das ejaculadoras, o fenômeno não acontece todas as vezes que ocorre um orgasmo. Mas isto está em nítido contraste com uma dúbia afirmação feita por William Masters e Virginia Johnson, em 1966, de que a ejaculação feminina não passa de lenda urbana. Embora algumas mulheres tivessem tido a sorte de encontrar parceiros que apreciavam suas ejaculações – os parceiros estariam certos ao supor, afinal, que eram amantes triunfantes se realmente conseguiam levar uma mulher a ejacular –, a maioria tinha, pelo menos a princípio, sentido profunda vergonha. Em alguns casos, isso se traduziu em celibato autoimposto e, como não é de surpreender, tensão no relacionamento. A educação pode transformar vidas, e até salvar casamentos. Uma participante no estudo de Gilliland descreveu a transformação ocorrida no marido depois que ele compreendeu que sua ejaculação era sinal de sua extraordinária excitação sexual: “Antes ele dizia: ‘Não quero xixi em mim’, ou ‘Você não pode ir ao banheiro antes de fazer sexo?’ Agora ele acha isso atraente e diz: ‘Esguiche em mim!’” A boa notícia é que muitas mulheres percebem que estão conceituando suas ejaculações de maneiras cada vez mais positivas e fortalecedoras ao longo de suas vidas. Vejo com muita simpatia a posição de Gilliland quando ela conclui que, “em geral, é o efeito da ignorância com relação à ejaculação feminina que deveria nos estimular à ação, não apenas a curiosidade científica”. Não penso que tenha sido um jogo de palavras intencional da parte dela, aliás, mas você vê como por vezes é difícil evitá-los. Apesar disso, e por favor não me tache de insensível, continuo enormemente curioso com relação à ciência. Por que somente algumas mulheres ejaculam e não outras? Qual foi o papel da ejaculação feminina na evolução humana, se é que ela teve algum? E por que – olhe simplesmente para você mesmo agora – esse é um assunto tão provocador de risinhos, tão fetichístico para alguns? A ciência tem realmente pela frente um longo, molhado e

escorregadio desafio.

O estranho caso das fag hags: mulheres que gostam de homens que gostam de homens

COMO FÃ HÁ VÁRIAS DÉCADAS do seriado As supergatas, fiquei triste ao saber da morte de Rue McClanahan em junho de 2010. De fato, creio que derramei uma lágrima palpável, detectável, algo que não me lembro de ter feito pela morte de qualquer outra celebridade, com exceção talvez de Bea Arthur e Estelle Getty. Soa como um clichê homossexual, eu sei, mas meu companheiro, Juan, e eu adquirimos o hábito de assistir a um episódio de As supergatas toda noite antes de dormir. E junto com as outras “gatas”, como as chamamos, a personagem de McClanahan, Blanche Devereaux – a petulante beldade sulista com insaciável apetite por cheesecake gorduroso e homens ricos –, tornou-se uma espécie de amiga imaginária, indutora de sorrisos, em nossa casa. Felizmente, o espírito carnal de Blanche está gravado para sempre em nossos DVDs. Sim, eu sei, sou tão gay. A notícia da morte de McClanahan inspirou-me a ler mais sobre ela na vida real – bem, pelo menos a gastar energia suficiente para passar os olhos em seu verbete na Wikipédia. Eu sabia que ela havia sido uma sincera defensora dos gays e das lésbicas, bem como dos animais, mas não havia observado que seu apoio aos primeiros remontava aos idos de 1971. Apenas dois curtos anos após os distúrbios de Stonewall, ela coestrelou um filme ambientado num bar gay do Greenwich chamado Some of My Best Friends Are… a e por acaso ela fazia o papel de uma “fag hag depravada”. E em seguida meu pensamento tomou um outro rumo, deixando a inimitável Rue e a questão dos direitos humanos de lado para em vez disso focalizar essa expressão, fag hag.b Ora, nunca vi a mim mesmo como um fag – embora tenha certeza de que muitas outras pessoas me veem assim, e infelizmente como nada além disso –, mas, o que é mais importante, certamente nunca encarei minhas muitas grandes amigas como “hags”. Por isso eu estava curioso para aprender mais sobre os estereótipos não lisonjeiros situados na raiz etimológica dessa designação, que descreve mulheres heterossexuais que tendem a gravitar em torno de homens gays. Aqui entram a psicóloga Nancy Bartlett e colegas, que publicaram o primeiro estudo quantitativo sobre “fag hags” na Body Image. Essas pesquisadoras também achavam a expressão intrigante. Na língua inglesa, há muitas outras expressões coloridas que captam esse grupo distinto da população de maneira muito vívida, algumas menos insultantes que outras, como por exemplo “fruit fly” [mosca-da-fruta], “queen bee” [abelha-rainha], “fagnet” [ímã de bicha] e “fairy princess” [princesa das fadas]. Mas é fag hag que encontra ressonância na consciência do público. Os pesquisadores observam que, tanto na mídia popular quanto na linguagem cotidiana, a expressão suscita nas mentes da maioria das pessoas a imagem de uma mulher sem atrativos, acima do peso e desesperada que busca a companhia de homens gays para compensar a falta de atenção romântica por parte de homens heterossexuais, de que se ressente. Examinando anedotas relatadas em

pesquisas anteriores, na televisão e em romances baratos, os autores constatam que outros estereótipos comuns pintam a fag hag como sendo notoriamente afetada, excessivamente emotiva, instável, carente de atenção (pense na Karen Walker interpretada por Megan Mullally em Will & Grace). Especialmente fascinante é a observação dos autores de que essa categoria social de mulheres que gostam de homens que gostam de homens pode ser “transculturalmente robusta”: os franceses, observam eles, referem-se a essas mulheres como soeurettes (irmãzinhas), os alemães as rotulam de Schwulenmuttis (mamães de gays) e os mexicanos as conhecem como joteras (jota é comumente usado para “fag”, ou bicha). No Japão, essas mulheres são chamadas de okoge, cuja tradução literal é “o arroz queimado que gruda no fundo da panela”. Segundo os investigadores, o componente “hag” é essencialmente a crença comum de que essas mulheres “não se sentem bem com seus corpos, e, em consequência, refugiam-se no ‘mundo gay’ para evitar o julgamento mais severo e a ênfase na atratividade física feminina inerente à cena social heterossexual”. A comediante Margaret Cho, uma conhecida e autoproclamada “ fag hag”, declara: “O homem gay na sua vida não está interessado em sua juventude e beleza. Ele quer conhecer a sua alma. Ele gosta de você por sua coragem e intelecto. Quer seja linda ou feia, você é bonita para ele por essas qualidades – e muitas mais.” Na qualidade de “o homem gay” nas vidas de muitas mulheres, não estou convencido de que Cho esteja de todo certa a nosso respeito; ela parece estar idealizando os homens gays. Sem dúvida não faltam homens gays estúpidos e superficiais por aí. Ela parece também nunca ter ouvido falar da hipótese evolucionária do “sacana furtivo” do biólogo John Maynard Smith para a homossexualidade masculina, que postula que, no passado ancestral, homens gays tinham um acesso singular ao nicho reprodutivo porque as mulheres baixavam suas guardas na proximidade deles e outros homens não os viam como competidores sexuais. Afinal de contas, não somos estéreis, só gays. E coisas mais estranhas aconteceram – em especial ao se jogar um pouco de gim na mistura. Mas o que interessava em especial a Bartlett e colaboradores era saber se há alguma verdade nos estereótipos negativos que envolvem as fag hags. Assim, eles convidaram 154 mulheres heterossexuais para participar de um levantamento baseado na internet sobre fag-haggery (a expressão é minha, não delas). Essas mulheres tinham entre dezessete e 65 anos de idade (28 anos em média) e uma história variada de relacionamentos românticos. Algumas eram casadas, algumas solteiras, outras divorciadas, viúvas, namorando no momento, e assim por diante, e a maioria tinha um nível de instrução razoável, tendo pelo menos alguma formação universitária. Cada mulher foi solicitada a fornecer certas informações quantificáveis que permitiriam aos autores testar várias hipóteses fundamentais sobre mitos que envolvem a fag hag. Primeiro, as mulheres simplesmente deram os números totais dos amigos gays, heterossexuais e do sexo feminino que tinham. Além disso, entre esses amigos, foram solicitadas a classificar seu grau de “proximidade” com seu melhor amigo gay, hétero e do sexo feminino. Em seguida, as mulheres completaram um instrumento comumente usado, chamado “Escala de estima corporal”, um questionário de 24 itens que mede a atratividade sexual que uma mulher atribui a si mesma e suas preocupações com o peso. Por fim, cada uma das participantes forneceu informações sobre sua história romântica nos dois últimos anos, indicando, entre outras coisas, se havia abandonado o parceiro ou fora abandonada por ele em relações fracassadas recentes. Os resultados foram analisados para testar a suposição comum de que mulheres fazem amizade com homens gays porque têm baixa estima por seu próprio corpo e se sentem pouco atraentes para

homens héteros. Se isso fosse verdade, raciocinaram os autores, haveria uma associação estatística significativa entre o número de amigos gays de uma mulher, sua autoestima corporal e seu sucesso em relacionamentos; em outras palavras, quanto mais patética fosse a vida romântica de uma mulher e mais ela se visse como indesejável para homens heterossexuais, mais ela procuraria homens gays como amigos. Mas os dados revelaram outra coisa. De fato, pelo menos com essa amostra, não houve absolutamente nenhum vínculo entre o status de relacionamento de uma mulher, o número de vezes em que ela estivera na ponta receptora de um rompimento ou sua autoestima corporal e o número de amigos gays em sua vida. O desmascaramento de suposições comuns não é novidade na ciência, e isso se aplica igualmente ao mito da fag hag. Mas esse estudo fez também alguns achados inesperados. Por exemplo, quanto mais amigos gays uma mulher tinha, mais sexualmente atraente ela se achava. Ora, obviamente isso é uma correlação, de modo que podemos apenas especular sobre a causalidade. Seria possível – como os autores sugerem – que as mulheres com mais amigos gays sejam na realidade mais atraentes fisicamente que aquelas com menos amigos gays. Talvez estar na proximidade de homens gays ofereça a essas mulheres uma trégua do constante assédio de homens heterossexuais. (Como o estudo de Bartlett mediu apenas a atratividade que as próprias mulheres julgavam ter, não seu grau de atratividade na avaliação de outros, esta é uma questão em aberto.) Alternativamente, é possível que estar cercada por homens gays lisonjeadores eleve a autoestima da fag hag, e como essa atenção vem de homens, talvez seja especialmente eficaz nesse sentido. É interessante notar, no entanto, que quanto mais longa era a duração da amizade de uma mulher com seu amigo gay mais próximo, mais baixa era a atratividade sexual que ela se atribuía. Interpretando esse achado inesperado, os autores sugerem que ele pode refletir na realidade uma verdade essencial mas nuançada do estereótipo da “fag hag”: “Talvez mulheres que se consideram menos sexualmente atraentes desenvolvam relações mais estreitas com homens gays.” Outras apenas buscam ligações superficiais, menos duradouras, com eles. Para minha própria “princesa das fadas” favorita, Ginger: Isto é para você. Eu te amo. Para todas as outras, aqui está uma reflexão final para fazê-las quebrar a cabeça um pouco. Enquanto eu escrevia este ensaio, ocorreu-me que a categoria social dos homens heterossexuais que gostam de conviver com lésbicas é espantosamente vazia em nossa sociedade. Sem dúvida você pode ouvir falar sobre um ou outro “dyke tyke” ou “lesbro” casual (dois termos que, diferentemente de “fag hag”, estão longe de fazer parte do vocabulário de gíria popular e que de fato só descobri pesquisando no Google)c, mas a existência deles é claramente mínima. Sua suposição é tão boa quanto a minha quando se trata de explicar por que há tamanha discrepância em frequência na amizade entre heterossexuais dos dois gêneros e homossexuais. a

Exibido na TV a cabo no Brasil com o título Gay Bar. (N.T.) Fag é um termo depreciativo para o homem gay, algo como veado, bicha, e hag é uma bruxa, uma velha megera. A expressão fag hag designa a mulher que se associa sobretudo ou exclusivamente a homens gays ou bissexuais, ou tem homens gays ou bissexuais como amigos íntimos. (N.T.) c Termo depreciativo para a mulher gay, dyke é algo como sapatão, e tyke significa tanto garotinho quanto cão vira-lata. Lesbro é uma junção entre lesbian, lésbica, e brother, irmão, mas também colega ou amigo em sentido mais coloquial, como aqui. (N.T.) b

O Teatro de Darwin apresenta… O misterioso caso do orgasmo feminino

DEDIQUEI BASTANTE TEMPO a escrever sobre a curiosa evolução do sistema reprodutivo masculino em nossa espécie, de modo que é justo dedicar algum tempo às origens naturais de um mecanismo biológico que não envolve o cromossomo Y. (Bem, pelo menos não necessariamente.) Não preciso dizer que o assunto dos orgasmos femininos não é exatamente o meu preferido. Sendo um homem gay, sempre pensei neles como algo bastante exótico e estranho, mais ou menos como a urdidura de cestos decorativos numa pequena aldeia africana. Posso estar errado, mas, até onde sei, nunca estive sequer no mesmo aposento que uma mulher tendo um orgasmo, muito menos propiciei um a alguma. Assim, com isso em mente, vamos dar uma olhada no que acontece com aquelas cuja beatitude orgásmica não é neurologicamente fundada em algo que se projeta dezoito centímetros (mais ou menos) além do resto de seus corpos. Felizmente, um punhado de pesquisadores dedicados despendeu muito mais tempo com essa questão do que eu. É justo dizer, contudo, que mesmo esses cientistas ainda dão tratos à bola a propósito da evolução do orgasmo feminino. Antes de entrarmos no âmago da questão, vamos nos assegurar de que estamos todos na mesma página com relação ao que um orgasmo feminino realmente é. Uma boa definição operacional pode ser encontrada na Annual Review of Sex Research. Segundo a psicóloga Cindy Meston e colegas: O orgasmo feminino é uma sensação máxima variável e transiente de intenso prazer, que cria um estado alterado de consciência, em geral com uma iniciação acompanhada por contrações rítmicas e involuntárias da musculatura circunvaginal estriada pélvica, muitas vezes com contrações uterinas e anais concomitantes e miotonia que reduz a vasocongestão sexualmente induzida (por vezes só parcialmente), em geral com uma indução de bem-estar e contentamento. Na verdade, à luz dessa descrição e com exceção dos detalhes femininos, talvez isso não seja, afinal de contas, inteiramente estranho para mim. De fato, em termos de função evolucionária, mulheres tendo orgasmos com homens é quase tão intrigante quanto homens tendo orgasmos com homens. Talvez nunca venhamos a saber quantos de nós seres humanos fomos concebidos depois que nossas mães tiveram orgasmos, mas o mesmo mistério não envolve os orgasmos de nossos pais naquele dia. Diferentemente dos homens, as mulheres não precisam ter um orgasmo para propagar seus genes. Assim, de uma perspectiva biológica, a “função adaptativa” do orgasmo feminino ainda é veementemente contestada. Alguns teóricos, entre os quais o falecido e legendário Stephen Jay Gould, afirmaram que ele não serve a absolutamente nenhuma finalidade, sendo apenas um subproduto um tanto esquisito e não funcional da resposta ejaculatória em homens. Em um de seus

ensaios mais provocativos, “Male Nipples and Clitoral Ripples”, Gould desenvolveu um antigo argumento apresentado pelo antropólogo Donald Symons. Em 1979, Symons observou que no início do desenvolvimento embriológico, homens e mulheres compartilham um mesmo plano corporal básico. Numa feliz consequência casual da seleção para a ejaculação masculina (que em homens heterossexuais serve a óbvias finalidades reprodutivas), alguns dos tecidos conectivos e vias do sistema nervoso compartilhados foram “acidentalmente” moldados para o prazer pela evolução nas mulheres também, levando felizmente ao orgasmo ocasional em mulheres sexualmente maduras. O clitóris é essencialmente a versão feminina do pênis, uma vez que ambos derivam do mesmo substrato embriológico. Isso também explica por que os orgasmos femininos são alcançados mais por estimulação clitoridiana que vaginal. Para que você não pense que a hipótese do subproduto foi propagandística, preparada numa bolorenta sala de professores por misóginos isolados numa torre de marfim, observe que durante anos a principal defensora dessa posição foi a filósofa da biologia Elisabeth Lloyd. De fato, foi Lloyd quem inicialmente introduziu Gould ao pensamento de Symons sobre o assunto, e mais tarde ela escreveria um livro endossando fortemente a hipótese do subproduto intitulado The Case of the Female Orgasm. O livro de Lloyd foi acerbamente criticado por muitos pensadores evolucionários em razão das sugestões feministas não muito sutis do texto; basicamente, ela afirma que a beatitude carnal feminina foi libertada das feias realidades da biologia reprodutiva. Sua posição? Senhoras, saiam – ou fiquem sozinhas em casa, como queiram – e divirtam-se, sua sexualidade não é uma mera questão de produzir bebês. Com o correr dos anos, porém, outros detetives de inclinação empírica estiveram trabalhando no caso, e muitos começaram a questionar a explicação do subproduto, afirmando que é para uma possível função adaptativa do orgasmo feminino que as evidências de fato apontam. Para ajudá-lo a continuar colaborando no papel de detetive orgásmico, aqui estão algumas pistas sugestivas que pesquisadores nessa área vêm tentando reunir numa história evolucionária plausível: 1ª pista: Evidências baseadas em gêmeos mostram que a frequência do orgasmo tem um modesto componente hereditário. Por mais desconfortável que seja pensar em sua avó de rosto afogueado, gemendo em êxtase, há uma clara contribuição genética para o orgasmo feminino. Mas os fatores hereditários explicam apenas um terço da variância na população. 2ª pista: A maioria das mulheres relata que tem maior probabilidade de experimentar um orgasmo ao se masturbar do que durante o intercurso sexual com um parceiro masculino, e, o que é importante, esses orgasmos masturbatórios nem sempre dependem da simulação de sexo penianovaginal. No entanto, como o psicólogo evolucionário David Barash observa, “o simples fato de algo (i.e., orgasmo feminino) poder ser alcançado de diversas maneiras (i.e., masturbação) não desmente que ele tenha evoluído por ser particularmente adaptativo num contexto diferente, específico (i.e., intercurso heterossexual)”. 3ª pista: Mulheres instruídas são mais propensas a relatar orgasmos masturbatórios – mas não mais propensas a experimentar orgasmos durante o coito – que mulheres menos instruídas. A religiosidade é um outro mediador social: mulheres religiosas tendem a ter orgasmos menos frequentes que mulheres não religiosas (ou pelo menos relatam isso). 4ª pista: Usando dados de relatos pessoais colhidos de mulheres americanas em idade universitária, pesquisadores como o psicólogo Todd Shackelford e o biólogo Randy Thornhill

descobriram uma correlação positiva entre a frequência de orgasmos e a atratividade física de parceiros masculinos, com a atratividade sendo medida por classificações subjetivas e índices de simetria facial. Lembre-se de que em termos de “aptidão genética”, a atratividade tende a se correlacionar positivamente com saúde e valor genético global. 5ª pista: Há alguma evidência fisiológica de que o orgasmo feminino leva à retenção de mais esperma, ou esperma de melhor qualidade, em meio a uma única ejaculação. Creio que não posso expressar isso melhor que os psicólogos Danielle Cohen e Jay Belsky: “Durante o orgasmo copulativo feminino, o colo do útero mergulha ritmicamente na poça de sêmen, aumentando com isso a retenção de espermatozoides (em cerca de 5%) em relação ao intercurso sem orgasmo, juntamente com a probabilidade de concepção.” Mas, como Lloyd ressalta, a maior parte das referências a esses “dados” clássicos sobre as propriedades de “sucção uterina” do orgasmo feminino deriva de uma única participante e foi parte de um velho estudo realizado em 1970. Apesar disso, de maneira reveladora, o “desejo de conceber” de uma mulher leva a orgasmos autorrelatados mais frequentes durante o sexo, e os orgasmos femininos são também mais propensos a ocorrer durante o período mais fértil do ciclo menstrual. 6ª pista: Num provocativo estudo feito pelos psicólogos Thomas Pollet e Daniel Nettle, mulheres chinesas que namoravam ou estavam casadas com parceiros ricos relatavam ter orgasmos com mais frequência que mulheres cujos parceiros ganhavam menos dinheiro. Isto é, a renda do parceiro do sexo masculino tinha forte correlação positiva com a frequência do orgasmo feminino, e esse efeito da renda manifestou-se mesmo depois que os autores controlaram (excluíram) um grande número de variáveis estranhas, inclusive saúde, felicidade, educação, renda pessoal da mulher e grau de “ocidentalização”. De qualquer maneira, se aplicássemos a teoria de Pollet e Nettle a outras espécies, talvez constatássemos que as mulheres não são as únicas fêmeas no reino animal cujos orgasmos estão vinculados ao status e à riqueza de seus parceiros sexuais machos. Entre os macacos-japoneses, as fêmeas exibem a reação de estreitamento de “tipo orgásmico” com mais frequência quando estão se acasalando com machos de status elevado. Ainda não há dados que nos indiquem se elas também mordem ou não seus lábios inferiores no processo. Juntos, esses achados parecem dar razão a Barash, um veemente crítico de Lloyd que, de fato, tem afirmado que o orgasmo feminino “é um sinal pelo qual o corpo de uma fêmea diz a seu cérebro que ela está sexualmente envolvida com um indivíduo [socialmente dominante]”. Pollet e Nettle especulam que o orgasmo feminino pode estar associado à renda do homem porque dinheiro (recursos) é um indicador confiável do investimento a longo prazo do macho na prole e pode também refletir características genéticas subjacentes desejáveis. Sob essa luz, o orgasmo feminino pode ter um papel de vinculação emocional, motivando o comportamento sexual – e portanto a concepção – com machos de status elevado. Esta é uma maneira de interpretar os dados, é claro, mas talvez você tenha suas próprias ideias a respeito. A autoestima dos homens de status elevado tipicamente é maior que a dos demais, por exemplo, o que possivelmente lhes permite ser amantes melhores, mais seguros, no boudoir. Em outras palavras, é possível que o comportamento real dos homens no quarto de dormir importe mais do que seu capital social ou seu valor líquido. Como você pode ver, as origens naturais do orgasmo feminino permanecem um tanto misteriosas. Alguns dos achados e a lógica falam em favor da hipótese do subproduto, ao passo que dados recentes sobre a qualidade do macho e a frequência do orgasmo feminino lançam razoável dúvida sobre as explicações segundo as quais ele não tem função. Mais ainda, o orgasmo feminino

é uma dessas questões que não se prestam facilmente à experimentação controlada no laboratório. Não podemos, é claro, instruir mulheres a ter sexo com homens com diferentes status e graus de atratividade para ver se elas chegam ao clímax ou não. Há muitas outras avenidas importantes a explorar, inclusive se orgasmos em lésbicas, por exemplo, estão associados a atributos da parceira semelhantes aos apontados acima, ou se obedecem a um padrão completamente diferente. Eu gostaria muito que esta história tivesse um clímax e que eu pudesse deixar você satisfeito, mas infelizmente ela não tem um final feliz. Como vimos, algumas das maiores mentes na biologia evolucionária moderna debruçaram-se sobre as partes pudendas tomadas pelo prazer com um sucesso (ou pelo menos concordância) assombrosamente pequeno. Assim, no fim das contas, creio que tenho de deixar para vocês, queridos leitores, a tarefa de compilar um conto de fadas sobre o orgasmo feminino dando especial atenção às pistas que lhes foram oferecidas.

A megera evoluída: por que as adolescentes são tão cruéis umas com as outras?

NÃO MUITO TEMPO ATRÁS , fui convidado a fazer uma breve palestra para a turma da primeira série de meu sobrinho Gianni. Nada muito profundo, claro, apenas contar como foi viver num lugar estrangeiro como Belfast. O ponto alto de minha apresentação foi a gargalhada que arranquei ao mencionar que as pessoas daquele lado do Atlântico chamam fraldas de “nappies” e não de “diapers” e biscoitos de “biscuits” e não de “cookies”. Mas é preciso agradar à plateia. Ora, minha irmã mora numa cidadezinha no centro de Ohio, de modo que talvez haja algo no Meio-Oeste que gera crianças de seis anos especialmente cativantes e afetuosas. Mas eu deveria ser perdoado por tomar o partido de Rousseau por um momento naquela tarde com relação à sua ideia excessivamente simplista de que a sociedade corrompe e transforma esses anjinhos ingênuos, inocentes, em adultos monstruosos. Para dar um exemplo, uma menininha acenou para mim de uma maneira tão gentil que tive a impressão, naquele instante, de estar em presença de uma espécie melhor de ser humano, para o qual as outras pessoas aparecem como benévolas curiosidades, e para o qual os artifícios da etiqueta social não embaçaram e subjugaram brutalmente as emoções genuínas. O que estilhaçou essa minha rósea ilusão foi ter consciência de que essas diminutas pessoinhas que riam, sentadas de pernas cruzadas no tapete diante de mim, podiam também ser vistas como incubando adolescentes. Talvez seja coisa minha, mas eu seria capaz de jurar que o mundo não conhece uma alma mais sádica que a de uma adolescente intoxicada por hormônios, irritada e dominada pela angústia. E dentro de poucos anos essa garotinha de tranças pode se transformar numa aluna da nona série, que revira os olhos, fofoca, rejeita, faz sarcasmos, repudia e forma panelinhas, enredada no clássico comportamento maldoso que as adolescentes exibem nas cantinas das escolas. Se isso lhe parece uma expressão de misoginia, esteja certo de que é apenas uma afirmação empírica. (Fique certo, também, que temo ter muito em comum com esse estilo tático, e tenho grande respeito por maquiavélicos mais refinados, de modo que não estou jogando pedras aqui.) De fato, ao longo das últimas décadas, estudiosos de várias disciplinas – inclusive psicologia do desenvolvimento, biologia evolucionária e antropologia cultural – observaram uma surpreendente diferença nos padrões usuais de agressão entre homens e mulheres em idade reprodutiva. Embora os meninos adolescentes e adultos jovens sejam mais propensos a se envolver em agressão física direta, inclusive golpes, socos e chutes, as meninas, em comparação, exibem pronunciada agressividade social. Aqui está um exemplo prototípico, tomado de um estudo publicado no International Journal of Adolescence and Youth:

Jo é uma menina de quinze anos. É uma aluna mediana em sua escola secundária, onde pratica tênis no verão e netball no inverno. No passado, era bem-aceita, tendo um grupo unido de amigas e dando-se bem com a maioria dos colegas. Após faltar ao colégio um dia por doença, porém, ela volta para descobrir que as coisas mudaram. Aproxima-se de seu grupo usual, mas quando tenta conversar com qualquer das meninas, estas lhe dão respostas abruptas e hostis. Tenta trocar um olhar com a amiga, Brooke, mas esta desvia os olhos. Na primeira aula, sentase em seu lugar habitual, só para descobrir que Brooke está sentada com outra pessoa. No intervalo, junta-se ao grupo com atraso, mas a tempo de ouvir uma das meninas falando mal dela. Em grupos de discussão com meninas adolescentes no sul da Austrália, pesquisadores descobriram que a situação de Jo é incrivelmente comum. Lamentável, em especial, é que figuras adultas de autoridade como professores e pais muitas vezes não percebam esses atos devastadores de violência social por serem tão sutis e ocorrerem muitas vezes “em contexto” – isto é, por serem menos visíveis que as altercações físicas dos meninos. Permitam-me tentar evitar as críticas óbvias observando que não quero dizer com isto, é claro, que todas as adolescentes são felinas – será que preciso ressaltar o óbvio, dizendo que muitas são, é claro, pessoas maravilhosas, atenciosas e maduras? Não quero dizer tampouco que os meninos adolescentes nunca são socialmente agressivos ou que as meninas não manifestam violência física. Mas os achados culturalmente recorrentes de agressão social feminina, e a distribuição de idade em boa medida invariante em que tais comportamentos e atitudes são especialmente proeminentes (surgindo de maneira súbita entre as idades de onze e dezessete anos nas meninas), sugerem a presença, no belo sexo, de uma forte inclinação psicológica que conduz “naturalmente” a esses tipos de manifestação. Os antropólogos Nicole Hess e Edward Hagen investigaram o caráter inato ou não da agressividade social feminina. Eles reuniram 255 alunos de graduação – homens e mulheres com idades entre os dezoito e 25 anos – e pediram-lhes para ler e refletir sobre a situação social que passo a resumir. Digamos que você está numa festa no campus e com o canto do olho nota um de seus colegas de classe (do sexo masculino para os participantes homens e do sexo feminino para as participantes mulheres) conversando com o monitor de uma disciplina que você faz junto com esse outro estudante. Você o ouve dizer mentiras bastante graves a seu respeito; em particular, ele ou ela diz ao monitor que você não tem trabalhado num projeto comum para a matéria. Em vez disso, tem sido negligente, chegando à aula de ressaca e aloprando num carro incrementado. O monitor lança um olhar sobre você, com sua cerveja na mão, e desvia os olhos depressa, como se enojado. Em seguida seu colega dissimulado aproxima-se de você e diz inocentemente: “Olá! Como vão as coisas? Tem feito um tempo ótimo estes dias, não?” Depois de lerem esta pequena história, os participantes completavam um questionário dizendo como teriam gostado de responder a esse colega mexeriqueiro. Numa escala de 1 a 10, com 1 sendo “discordo fortemente” e 10 sendo “concordo fortemente”, eles eram solicitados a classificar afirmações como “Gostaria de dar um soco nessa pessoa agora mesmo”, “Tenho vontade de dizer a todo mundo na festa que essa pessoa é ignorante e vomita comentários inúteis durante as aulas”, e “Sinto vontade de dizer: ‘É mesmo, tem feito um ótimo tempo’”. Enquanto os dois primeiros itens

são medidas de agressão direta e indireta, respectivamente, o último item presumivelmente explorava a disposição dos participantes a virar a outra face, por assim dizer. É importante destacar que Hess e Hagen pediam também aos participantes para indicar o grau de adequação de vários atos de violência contra o colega traiçoeiro. Seus achados indicaram uma clara diferença entre os sexos nas respostas agressivas, com as mulheres sendo esmagadoramente compelidas a retaliar atacando a reputação do ofensor, sobretudo por meio de mexericos. Esse efeito de gênero apareceu mesmo depois que a avaliação da adequação desses atos pelos participantes foi controlada. Em outras palavras, embora as mulheres compreendessem que mexericos maldosos não eram socialmente apropriados, esse era seu primeiro ponto de ataque preferido. Os homens, por outro lado, dividiam-se mais uniformemente em sua resposta, mas não mostravam a mesma inclinação preferencial por atos de “guerra de informação” contra o colega desagradável. Embora a maioria dos pesquisadores reconheça a natureza especulativa dos argumentos evolucionários nessa área, a agressão social entre fêmeas reprodutivamente viáveis é interpretada em geral como uma forma de competição pelo macho. Hess e Hagen, por exemplo, sugerem que as diferenças entre os sexos reveladas em seu estudo tenderiam a ser ainda mais pronunciadas num grupo de participantes mais jovens. Evolucionária, histórica e transculturalmente, salientam eles, meninas na faixa etária dos quinze aos dezenove anos estariam competindo mais ativamente por parceiros. Assim, tudo que poderia sabotar a imagem de outra mulher como parceira reprodutiva desejável, como comentários sobre sua promiscuidade, aparência física ou quaisquer outros traços aberrantes ou esquisitos, tende a ser matéria de intensos mexericos. Além disso, o grau de agressividade obedeceria a uma espécie de curva em forma de sino ao longo da vida da mulher. À primeira vista, isso parece extremamente verdadeiro. Em minha experiência, não posso pensar numa única mulher na pós-menopausa que pareça firmemente decidida a solapar a vida de namoros de uma outra – a menos, talvez, que isso envolva espalhar rumores sobre a rival sexual de sua filha fértil, em quem ela tem um interesse adaptativo pessoal. Nesse caso posso realmente citar nomes. O trabalho da psicóloga Anne Campbell sobre diferenças entre os sexos e agressão foi capaz de deslindar cuidadosamente os muitos fios complexos da transmissão cultural e de mediadores hormonais na violência feminina. Campbell demonstrou que grande parte das diferenças entre os sexos na agressão pode ser compreendida em termos da “teoria parental do investimento”. Essa teoria foi desenvolvida no início dos anos 1970 pelo biólogo Robert Trivers. Uma de suas implicações básicas é que como as mães humanas dão uma contribuição desproporcionalmente maior que os pais humanos para a sobrevivência da prole, e fazem um investimento físico maior nela, as mulheres evoluíram de modo a serem em geral mais reservadas que os homens nas estratégias de acasalamento. A violência física masculina, sustenta Campbell, é em grande parte uma forma de competição sexual ostentosa entre os homens pelo acesso reprodutivo às mulheres mais desejáveis. O tipo de agressão social que acabamos de observar em mulheres também parece ser uma forma de competição intrassexual pelo homem mais desejável, mas evita o custo comparativamente mais alto de causar dano físico aos corpos precariamente férteis das mulheres. Nenhum pai ou mãe quer pensar que está criando uma filha socialmente insensível. Lembre-se, porém, que a ciência psicológica é uma disciplina baseada em diferenças estatisticamente significativas, agregadas, entre grupos que são comparados. No presente caso, há diferenças

observadas nos estilos agressivo-retaliatórios entre os sexos – diferenças que continuam a aparecer mesmo depois que se estabelecem controles para normas sociais. Mas há também, é claro, variações individuais bastante surpreendentes. Quanto mais compreendemos sobre as pressões evolutivas subjacentes aos nossos comportamentos, mais podemos compreender como lidar com elas e avaliar nossos próprios motivos. Uma de minhas pensadoras favoritas, a construtivista cultural feminista Simone de Beauvoir, escreveu uma frase famosa: “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” Embora seja verdade que a cultura exerce fortes pressões, moldando expressões de disparidades de gênero, ela também ajuda a conhecer o molde biológico com que a sociedade tem de se haver.

PARTE VI

A gaia ciência, cada vez mais gay: há algo estranho aqui

Nunca pergunte o caminho a um gay

TENHO A IMPRESSÃO DE SER O SUJEITO a quem as pessoas sempre pedem informação sobre o caminho. Isto é, eu, a personalidade antissocial desprovida de senso de direção, cabeça baixa, que evita trocar olhares com qualquer passante. Isso era ainda mais frequente quando eu era um expatriado, vivendo em Belfast. Em geral eu tentava responder qualquer coisa para não parecer completamente estúpido. Mas, por mais que eu tentasse, minha resposta sempre acabava num melancólico dar de ombros e no honesto recuo: “Desculpe-me, mas sou americano. Creio que você perguntou à pessoa errada.” Dado o status de personagem de desenho animado que os Estados Unidos têm em grande parte da Europa, ser um ianque ingênuo e contrito permitia-me escapar de muitos embates sociais inconvenientes no Reino Unido, por isso essa tática funcionava muito bem. (A menos que eu topasse com um tagarela que estivesse sem nenhuma pressa e eu fosse seu primeiro vínculo vivo com o Novo Mundo. Nesse caso eu corria o risco de enfrentar uma longa discussão sobre Obama e a Disneylândia.) Mas a verdade é que eu chamei a Irlanda do Norte de meu país por quase seis anos e deveria ter sido capaz de dar orientações como um nativo. Ademais, as pessoas não me perguntavam como chegar a uma trilha pouco conhecida nas montanhas Mourne; elas queriam saber onde poderiam encontrar uma farmácia ou o caminho mais curto para o centro estudantil na universidade onde eu trabalhava. Não era só dar informações que era difícil para mim. Desde que me entendo por gente, tenho tendência a me perder. Já passei mais tempo de minha vida vagando por estacionamentos, hospitais e campi universitários do que posso calcular. Mapas? Anátema. Para mim é o mesmo que olhar para hieróglifos maias num rolo de casca de árvore. O que torna minha “deficiência” ainda mais irônica é que, segundo a lenda da família, sou descendente do grande navegador dinamarquês Vitus Bering. Bem, ele não era tão fabuloso assim, pois naufragou nas ilhas Commander e perdeu quase metade de sua tripulação antes de morrer de uma doença desconhecida. Mas imagino que teria precisado ao menos saber orientar-se num mapa náutico para ser contratado por Pedro, o Grande, e aclamado como o primeiro europeu a espionar a costa sul do Alasca. Portanto, se provenho dessa cepa genética de espírito tão euclidiano, por que meu próprio cérebro é tão obtuso quando se trata de encontrar meu caminho pela cidade? Segundo as crescentes evidências que vêm sendo colhidas pelo psicólogo Qazi Rahman e colegas, é bem possível que isso tenha alguma relação com o fato de eu ser gay. Veja bem: não é que eu seja desorientado porque sou gay, o que ocorre é que Rahman descobriu uma correlação neural não trivial entre esses dois traços psicológicos. Essa correlação é similar em natureza ao achado de que indivíduos canhotos demonstram uma memória melhor para acontecimentos que os destros em razão do tamanho geralmente maior de seus corpos calosos, um bônus neurológico que facilita a rememoração episódica. Canhotos são melhores para evocar lembranças não por serem canhotos, mas em razão do denominador físico (cerebral) comum subjacente à expressão de ambos os traços.

Em decorrência de influências hormonais atípicas sobre o feto em desenvolvimento durante o crescimento pré-natal, inclusive a quantidade de androgênios em circulação (por exemplo, testosterona) presente no útero da mãe, os homossexuais (tanto homens quanto mulheres) muitas vezes exibem vários marcadores “biodemográficos” reveladores – características físicas residuais que indicam o efeito pré-natal desses fatores hormonais. Por exemplo, talvez você já tenha tomado conhecimento do muito difundido efeito 2D:4D, abreviatura científica para o achado peculiar de que, tanto para mulheres heterossexuais quanto para homens gays, a razão dos comprimentos entre o segundo e o quarto dígitos (dedos) é, em média, maior que em mulheres gays e homens heterossexuais. Como o cérebro é apenas mais um molde físico, há também diferenças entre heterossexuais e gays na estrutura cerebral (notavelmente no hipocampo) e portanto nas habilidades cognitivas. Por exemplo, homens gays e mulheres heterossexuais tendem a ter um desempenho melhor que mulheres gays e homens heterossexuais na maior parte das medidas verbais, ao passo que homens heterossexuais têm desempenho melhor que os outros grupos em medidas da inteligência espacial. Num estudo relatado na Behavioral Neuroscience, Rahman e colegas descobriram que homens gays se parecem mais com mulheres do que com homens heterossexuais no fato de serem mais dependentes, para se orientar, de estratégias baseadas em pontos de referência à direita e à esquerda (por exemplo, “vire à direita na igreja”) do que das estratégias de orientação euclidianas preferidas por homens heterossexuais (por exemplo, “o bar fica oito quilômetros a leste”). E num estudo de acompanhamento publicado na revista Hippocampus, Rahman e sua colaboradora, a psicóloga Johanna Koerting, descobriram que homens héteros são diferentes de homens gays, mulheres héteros e mulheres gays pelo fato de cumprirem de maneira significativamente mais rápida tarefas que requerem a exploração de um terreno novo no intuito de encontrar um alvo de busca escondido. (Observe que os pesquisadores só testaram pessoas que se consideravam exclusivamente heterossexuais ou homossexuais. Bissexuais foram excluídos.) Mas antes que você descubra exceções a estes achados gerais, com seu espírito de contradição, observe que eles se referem a diferenças em nível de população agregada. Embora eu pessoalmente corresponda na perfeição ao que o modelo neurocognitivo para os diferentes sexos de Rahman prevê para cérebros gays, o cérebro de meu companheiro Juan é um instrumento de navegação por satélite que poderia ter sido um sério rival do velho tio Vitus. E Juan, diferentemente de mim, tem uma pronunciada razão 2D:4D. Além disso, em ciência, uma diferença estatisticamente significativa entre grupos de controle pode de fato traduzir-se em diferenças insignificantes no mundo real. Por fim, Rahman se apressa em salientar que não está sugerindo que homens gays simplesmente têm cérebros de mulher, ou que mulheres gays têm cérebros de homem. O que ele aponta é que os cérebros de homossexuais são mais assemelhados a mosaicos neurocognitivos de ambos os sexos. Por exemplo, lésbicas não parecem diferir de mulheres héteros em medidas cognitivas exceto no tocante à fluência verbal, em que seus escores se situam na direção típica dos homens. Uma observação final. Certa vez deparei com um achado indicativo de uma outra diferença fisiológica entre homossexuais e heterossexuais. Além de nossas deficiências no plano da orientação, evidências sugerem que as axilas de gays exalam odores diferentes das dos héteros e que esses odores são detectáveis. Assim, se eu parasse de usar desodorante, é possível que isso dissuadisse as pessoas de me pedirem orientações… bem como quase qualquer outra coisa.

“Homem solteiro, raivoso, hétero… procura semelhantes”: a homofobia como desejo reprimido

EU GOSTARIA DE PODER DIZER que decidi sair do armário com vinte e poucos anos por razões mais admiráveis – como amor ou o princípio da coisa. Mas a verdade é que passar por heterossexual havia se tornado uma tal amolação que não me parecia valer a pena. Desde a terceira série, eu havia despendido muitos recursos cognitivos valiosos inventando esquemas enganosos para encobrir o fato de que eu era gay. Na verdade, minha primeira tática consciente para encobrir minha homossexualidade envolveu ser grotescamente homofóbico. Quando eu tinha oito anos de idade, imaginei que se usasse a palavra “bicha” a torto e a direito e expressasse minha repugnância por gays em todas as ocasiões possíveis, os outros pensariam obviamente que eu era hétero. Embora isso parecesse bom na teoria, eu não era muito hostil por temperamento e tinha dificuldade em canalizar minha indignação fictícia numa prática convincente. Posso ter fracassado como homofóbico, mas muitas pessoas têm êxito. E o que se revela é que podemos ter algo em comum: muitos homens jovens homofóbicos podem alimentar secretamente desejos homossexuais (quer estejam tentando conscientemente enganar o mundo a respeito de si mesmos, como eu, ou não tenham sequer ciência de que eles existem). Uma das linhas de trabalho mais importantes nessa área remonta a um artigo publicado em 1996 no Journal of Abnormal Psychology em que os pesquisadores Henry Adams, Lester Wright Jr. e Bethany Lohr relatam evidências de que homens jovens homofóbicos podem ter secretamente impulsos gays. Nesse estudo, 64 homens que se diziam heterossexuais com idade média de vinte anos foram divididos em dois grupos (“homens não homofóbicos” e “homens homofóbicos”) com base em seus escores num questionário que media a aversão a homens gays. Aqui, a homofobia foi operacionalmente definida como o grau de “pavor” experimentado quando posto em estreita proximidade com um homossexual – basicamente, quão confortável ou desconfortável a pessoa se sentia ao interagir com gays. (Há um debate na literatura clínica sobre a semântica desse termo, com alguns estudiosos introduzindo outros construtos como “homonegativismo” para sublinhar a natureza mais cognitiva da postura antigay de algumas pessoas.) Em seguida cada participante concordava em prender um pletismógrafo peniano a seu, bem, “eu inferior”. Esse aparelho, com que já nos encontramos antes, é “um extensômetro circunferencial de mercúrio em elástico usado para medir respostas eréteis a estímulos sexuais. Quando preso, mudanças na circunferência do pênis causam mudanças na resistência da coluna de mercúrio”. Pesquisas anteriores com esse aparelho (o pletismógrafo, não o pênis – bem, na verdade com ambos) haviam confirmado que mudanças significativas na circunferência ocorrem apenas durante a estimulação sexual e o sono. Em seguida, os participantes foram levados para uma câmara privada onde lhes foram

mostrados três breves segmentos de pornografia gráfica. Os três trechinhos de vídeo representavam pornografia heterossexual (cenas de felação e intercurso vaginal), pornografia lésbica (cenas de cunilíngua ou de “tribadismo”, que é, essencialmente, a fricção das vulvas) e pornografia masculina gay (cenas de felação e intercurso anal). Após cada apresentação aleatoriamente ordenada, cada participante classificou o grau em que se sentira sexualmente excitado e também o grau de sua própria ereção peniana. Continue. Adivinhe os resultados. Ambos os grupos – homens não homofóbicos e homofóbicos – mostraram significativo engurgitamento diante da pornografia hétero e lésbica, e suas classificações subjetivas da própria excitação corresponderam às medidas do pletismógrafo peniano para esses dois tipos de vídeo. No entanto, tal como previsto, somente os homens homofóbicos mostraram um significativo aumento da circunferência peniana em reação à pornografia masculina gay: especificamente, 26% desses homens homofóbicos mostraram “tumescência moderada” (seis a doze milímetros) diante desse vídeo, e 54% mostraram “clara tumescência” (mais de doze milímetros). (Em contraposição, para os homens não homofóbicos, essas porcentagens foram 10% e 24%, respectivamente.) Além disso, os homens homofóbicos subestimaram significativamente seu grau de excitação sexual diante da pornografia masculina gay. A partir destes dados, os pesquisadores concluíram que “indivíduos que tiveram escore elevado no questionário de homofobia e admitiam afeto negativo em relação à homossexualidade demonstram significativa excitação sexual diante de estímulos eróticos homossexuais masculinos”. Evidentemente, não fica claro se essas pessoas estão se autoenganando de maneira inconsciente ou tentando conscientemente esconder dos outros sua atração secreta por membros do mesmo sexo. O mecanismo de defesa de formação reativa freudiano – no qual os desejos reprimidos das pessoas se manifestam por suas ardorosas reações emocionais e comportamentos hostis em relação à própria coisa que desejam – poderia explicar a primeira hipótese. (Shakespeare escreve em Hamlet: “A senhora protesta demais, ao que me parece.”) A segunda sugere um ato de trapaça social deliberada, tal como minha equivocada maquinação aos oito anos. Poderia, é claro, ser um pouco de cada coisa, ou funcionar de maneira diferente para diferentes pessoas. Quem pode dizer se todas aquelas figuras públicas cujo homossexualismo foi inconvenientemente revelado (como os televangelistas Eddie Long e Ted Haggard, o psiquiatra conservador George Rekers e os políticos Mark Foley e Larry Craig) – as próprias encarnações desse fenômeno – estavam se autoenganando ou se sabiam o tempo todo que tinham impulsos homossexuais plenamente desenvolvidos? A interpretação de Adams e colegas para esses achados obtidos por meio do pletismógrafo não passaram incontestes. Num artigo publicado no Journal of Research in Personality, o pesquisador Brian Meier e colegas afirmam que os achados de Adams podem ser mais bem interpretados como uma “aversão defensiva” de homossexuais gays do que como atração secreta. Recorrendo a uma analogia com outras fobias, eles declaram: “Acreditamos ser inexato afirmar que os fóbicos a aranhas têm um desejo secreto por elas, ou que claustrofóbicos gostam secretamente de ser metidos em espaços escuros e apertados.” Esses investigadores raciocinam que a amostra homofóbica de Adams experimentava ereções em resposta à pornografia masculina gay não por excitação sexual, mas em razão da ansiedade que as imagens lhes transmitiam, a qual por sua vez provocava a resposta fisiológica do engurgitamento peniano. Em minha opinião, contudo, essa reinterpretação de Meier da ereção como expressão de “aversão defensiva” é um pouquinho tortuosa. É verdade que foi demonstrado que a ansiedade

ambiente aumenta o grau de excitação sexual em resposta a estímulos que já são sexualmente excitantes, mas não pude encontrar nenhuma evidência de que a ansiedade por si só pode dar uma ereção a um homem. Pelo menos espero que seja assim. Falar em público me deixa ansioso. Se, como se isso não bastasse, eu tivesse de ter medo de ter uma ereção durante minhas palestras, talvez eu devesse simplesmente cancelar minhas apresentações. Da mesma maneira, pela lógica desses investigadores, aracnófobos do sexo masculino deveriam sentir um leve comichão lá embaixo sempre que avistam uma aranha correndo por suas mesas de trabalho. Suponho que seja possível, mas me parece bastante improvável. Se tomarmos os achados de Adams de que homens homofóbicos têm ereções ao assistir à pornografia gay como uma razoável evidência de sua excitação sexual, esses achados assumem enorme importância. Por exemplo, eles podem nos ajudar a compreender algumas das causas psicológicas das agressões físicas violentas a gays. Alguns dos dados mais surpreendentes com que deparei envolvem um levantamento feito em 1998 junto a quinhentos homens heterossexuais na área de São Francisco. Cinquenta por cento desses homens declararam que haviam sido agressivos de alguma maneira contra homossexuais (e estes foram apenas os que admitiram tais atos). E um terço dos que não haviam atacado gays dessa maneira disse que agrediria ou maltrataria um “homossexual que lhes fizesse uma proposta”. Se você não percebeu a ironia, isso foi em São Francisco – presumivelmente um dos lugares mais “amigáveis com gays” no mundo. De fato, um estudo posterior publicado no Journal of Abnormal Psychology por Adams e colegas descobriu que, numa tarefa competitiva, homens homofóbicos se mostravam mais agressivos com homens gays do que com heterossexuais. Nesse estudo, 52 homens que se declaravam heterossexuais com idade média de dezenove anos foram novamente classificados como “homofóbicos” ou “não homofóbicos” com base em suas respostas a vários itens num questionário de homofobia. Em seguida foi dito aos participantes que eles seriam expostos a tipos aleatórios de estímulos sexuais para determinar o efeito da pornografia no tempo de reação. Na realidade, só lhes foi mostrada pornografia masculina gay. Antes e depois de assistir a esse vídeo de dois minutos de um casal de homens envolvendo-se em preliminares, felação e penetração anal, os participantes responderam a várias perguntas que mediam seu estado emocional no momento (por exemplo, se sentiam raiva, ansiedade, tristeza e assim por diante). Em seguida passavam à tarefa competitiva de tempo de reação, em que, em vinte provas diferentes, deviam apertar um botão assim que uma luz vermelha se acendesse no console. Os participantes acreditavam que, nessa tarefa, estavam competindo com um outro jogador numa sala vizinha. Na verdade, não havia nenhum outro jogador, e o jogo estava armado de tal maneira que o participante perderia numa metade aleatoriamente distribuída das provas. A cada “vitória”, o participante era informado de que poderia dar um choque elétrico de grau e intensidade variados no outro jogador (inexistente); alternativamente, ele tinha a opção de não administrar absolutamente nenhum choque nessa outra pessoa. Todos os jogadores “perderam” na primeira prova e experimentaram eles mesmos um choque elétrico brando, presumivelmente administrado pelo outro jogador. A manipulação decisiva nesse estudo foi que metade dos participantes pensava estar competindo com um homem gay, ao passo que a outra metade pensava estar competindo com um homem hétero. Antes da tarefa, e após assistir à pornografia gay, os participantes tinham visto um breve vídeo que lhes apresentava esse outro “jogador”. Numa condição, esse competidor fictício era mostrado como um homossexual com

afetações estereotipadas que dizia ao entrevistador estar numa “relação gay de compromisso com seu parceiro, Steve, há dois anos”. Na outra condição, esse mesmo ator fazia o papel de um heterossexual e dizia-se “envolvido numa relação de compromisso com sua namorada há dois anos”. Embora não tenha havido nenhuma diferença significativa entre os grupos homofóbico e não homofóbico na intensidade e duração do choque administrado ao competidor hétero ao levar a melhor em provas, o grupo homofóbico administrou choques mais intensos e de maior duração quando pensava que a pessoa na outra sala era gay. Nas classificações subjetivas de disposição de ânimo, a maior diferença entre os dois grupos foi na dimensão raiva-hostilidade: os não homofóbicos mostraram um pequeno sinal positivo no radar nessa dimensão, ao passo que os homofóbicos mostraram um enorme aumento na raiva-hostilidade entre a medição da disposição de ânimo anterior ao vídeo e a classificação posterior. Esses dados sugerem que estímulos homoeróticos – como ver dois homens de mãos dadas – poderiam fazer um homofóbico já irritado perder o controle. Embora seja certamente verdade que o mundo hoje “aprova” a homossexualidade mais do que há uma década – muitas vezes a contragosto, em minha opinião –, ainda há elementos sociais perigosos e nefastos sob a superfície impedindo a verdadeira aceitação. O dia em que, estando em público em qualquer cidade dos Estados Unidos, eu puder simplesmente ficar de mãos dadas com a pessoa que amo (algo que a maioria dos casais faz sem pensar duas vezes) sem nos expor, a meu parceiro e a mim, a perigo físico – esse será o dia em que ficarei convencido de que fomos além da retórica com relação a “direitos iguais” e mudamos realmente corações e mentes. Nesse meio-tempo, na próxima vez que você topar com alguém que se revela especialmente hostil ou crítico em relação a gays, olhe-o nos olhos, coce seu queixo e repita comigo: “Humm… muito interessante.”

O modismo do poliamor, o ciúme gay e a evolução de um coração partido

HÁ UM CHEIRO ESTRANHO NO AR , uma espécie de modismo do poliamor em que jornalistas liberais, uma massa agregada de experts antirreligiosos e até os próprios cientistas começaram a encorajar as pessoas a usar a teoria evolucionária para revisitar e rever suas atitudes sexuais e, mais importante, seus comportamentos de modo a melhor ajustá-los às suas libidos animais. Essas tentativas recentes, que incluem muitos best-sellers, exploram como nossa sociedade moderna, oprimida por Deus e puritana, entra em conflito com o desígnio evolucionário de nossa espécie, uma tensão que nos torna patologicamente envergonhados do sexo. Há, é claro, muitas ressalvas importantes, mas a lógica básica é que, como os seres humanos não são naturalmente monógamos, tendo sido de fato explicitamente projetados por seleção natural para buscar “parceiros copulatórios fora do casal” – fazer sexo com alguém que não seja seu companheiro ou cônjuge em benefício da replicação dos próprios genes irracionais –, reprimir esses profundos instintos mamíferos é inútil e, pior ainda, um inevitável anúncio de morte para uma relação honesta e saudável sob outros aspectos. Intelectualmente, posso aceitar isso. Se acreditamos, como acredito, que vivemos num mundo natural, não num mundo sobrenatural, passa a não haver nenhuma razão inerente, de inspiração divina, para sermos sexualmente exclusivos de nossos parceiros. Se você e seu companheiro querem transar com seus vizinhos nas noites de quarta-feira após comer tacos, participar de orgias na praia à luz de fogueiras ou enfiar seu capacete disciplinar de pelica, sem viseira, e ser conduzido por rédea e freio pela estrada até a festa sexual semanal da sua sociedade local de bondage, então você deve sem dúvida fazer isso (e tirar fotografias). Mas a beleza amoral do pensamento darwiniano é que ele não prescreve – ou pelo menos não deveria e não pode prescrever – nenhum comportamento social, sexual ou de qualquer outro tipo como sendo a coisa “certa” a fazer. O certo é irrelevante. Há apenas o que funciona e o que não funciona, dentro de um contexto, em termos biologicamente adaptativos. E assim, ainda que todo cidadão bom e respeitável fosse um libertário sexual bem-informado, Charles Darwin não proporciona maior compreensão de uma realidade moral do que, digamos, a dra. Laura Schlessinger. Numa observação relacionada, é bastante estranho que procuremos orientação sobre a sexualidade humana no resto do reino animal, uma falácia lógica em que o que é “natural” – como comportamento homossexual em outras espécies – é encarado como “aceitável”. É como se o fato de os bonobos, os sapos do deserto e os emus terem ligações ocasionais com parceiros do mesmo sexo tivesse uma relação moral com os direitos dos gays entre seres humanos. Mesmo que fôssemos a única espécie homossexual nesta galáxia sem Deus, mesmo que isso fosse exclusivamente uma “escolha” feita de comum acordo por dois adultos, por que isso tornaria mais razoável discriminar pessoas envolvidas em relações homossexuais?

Além desses problemas filosóficos que envolvem a busca de prescrições sociais numa natureza que é completamente muda com relação ao que deveríamos fazer com nossos pênis e vaginas, contudo, há um obstáculo ainda maior a se levar o modismo do poliamor além dos tabloides, programas de entrevistas e fóruns da internet, transformando-o em prática comum no quarto de dormir. Trata-se do simples fato de que evoluímos de modo a empatizar com o sofrimento das outras pessoas, inclusive o sofrimento das pessoas que trairíamos ao dar a nossos afáveis genitais sua evoluída utilização promíscua. A mágoa profunda é, sob todos os aspectos, uma adaptação psicológica tanto quanto a compulsão de fazer sexo com outros além de nossos parceiros, e ela joga uma monstruosa chaveinglesa no poliamor, prático sob os demais aspectos, dos evolucionistas. De fato, é natural para as pessoas – em especial os homens, dado seu potencial reprodutivo essencialmente ilimitado, ao contrário do das mulheres – buscar variedade sexual. Meu companheiro uma vez comparou isso a fazer a mesma velha refeição muitas e muitas vezes, por anos a fio; você vai acabar sentindo um intenso desejo de comer um prato diferente. Mas lembrei a ele que as pessoas não são equiparáveis a um prato de espaguete. De maneira bastante inconveniente, temos sentimentos. A menos que você tenha a má sorte de estar unido a um psicopata, ou tenha a boa sorte de ser um deles você mesmo, mágoas profundas não são experimentadas com facilidade em nenhuma das pontas, nem podem ser remendadas com facilidade pela razão ou afastadas por toda a lógica evolucionária do mundo. E como fomos destinados por natureza não só a ser moderadamente promíscuos mas também a nos tornar egoístas quando essa promiscuidade natural levanta a cabeça – mais uma vez, naturalmente – em nossos parceiros, “pessoas sensatas” estão longe de ser imunes a feridas causadas pelo sexo aberto e consentido de seus parceiros com terceiros. A monogamia pode não ser natural, mas a indiferença pelas vidas sexuais de nossos parceiros por poliamor tampouco é natural. Na verdade, para muitas pessoas, em especial aquelas que se deixam levar ingenuamente pelo que dizem cientistas e experts, sem refletir com suficiente profundidade sobre essas questões, o poliamor pode ocasionar efeitos devastadores. Um dos melhores relatos da experiência da mágoa humana é um sumário da autoria da antropóloga e escritora Helen Fisher. Recorrendo em grande parte ao trabalho de psiquiatras, Fisher supõe que há dois estágios principais associados a uma relação romântica morta e moribunda, o que está tantas vezes associado às infidelidades de um dos parceiros. Durante o estágio do “protesto” que ocorre logo em seguida à rejeição, “amantes abandonados dedicam-se em geral a reconquistar seus amados. Eles dissecam obsessivamente a relação, tentando estabelecer o que deu errado; e empenham-se obstinadamente na criação de estratégias destinadas a reacender o romance. Amantes desapontados muitas vezes fazem incursões dramáticas, humilhantes ou até perigosas na casa ou no local de trabalho do bem-amado, depois se retiram furiosos, de maneira intempestiva, apenas para voltar e suplicar de novo. Eles visitam lugares que costumavam frequentar e amigos comuns. E telefonam, enviam e-mails e escrevem cartas, suplicando, acusando e/ou tentando seduzir aquele que os abandonou”. No nível neurobiológico, o estágio do protesto é caracterizado por uma atividade excepcionalmente elevada, até frenética, dos receptores de dopamina e norepinefrina no cérebro, o que produz um alerta intenso, similar ao encontrado em filhotes abandonados pelas mães. O estágio do protesto apaixonado – se ele fracassar no restabelecimento da relação romântica – desintegra-se pouco a pouco no segundo estágio da mágoa, a que Fisher se refere como

“resignação/desesperança”, em que o parceiro rejeitado perde toda a esperança de reconquistar o outro. “Narcotizada pelo sofrimento”, escreve Fisher, “a maioria chora, fica na cama, olha para o nada, bebe demais ou se esconde e vê TV.” No nível do cérebro, células produtoras de dopamina, sobrecarregadas, começam a se inativar, causando letargia e depressão. E nos casos mais tristes essa depressão está ligada a ataques cardíacos ou acidentes vasculares cerebrais, de modo que as pessoas podem, muito literalmente, morrer de dor. Portanto, talvez não sejamos “naturalmente monógamos” como espécie, mas tampouco somos naturalmente polígamos de maneira plena. É deprimente até ler sobre isso, compreendo, mas para a maioria das pessoas essas substâncias químicas fundamentais acabam começando a pulsar mais uma vez quando um novo caso de amor se inicia. Deixe-me observar, contudo, que uma das coisas mais fascinantes sobre o estágio da resignação/desesperança é a possibilidade de que ele sirva realmente a uma função adaptativa que pode ajudar a salvar a relação condenada, em especial para uma espécie empática como a nossa. Como mencionei antes, a dor da separação não é facilmente experimentada em nenhuma das pontas, e quando nossas ações produzem uma reação tão triste e lamentável em outra pessoa, quando vemos alguém de quem gostamos (mas por quem não mais sentimos nenhum desejo duradouro ou sexual) sofrer dessa maneira, podemos ter dificuldade em nos desvencilhar por completo de um romance murcho. Se tivesse de adivinhar – sem nenhum estudo para respaldar esta afirmação –, eu diria que um número considerável de genes se replicou em nossa espécie unicamente porque, com nossas execráveis habilidades cognitivas sociais, simplesmente não tivemos coragem de partir os corações de outras pessoas. Mais uma vez, podemos não ser uma espécie sexualmente exclusiva, mas o fato é que formamos ligações românticas profundas, e o andaime emocional sobre o qual essas ligações são construídas é extraordinariamente sensível às indiscrições de nosso parceiro. Digo isto também como um homem gay, que, segundo o pensamento evolucionário convencional, não deveria estar terrivelmente preocupado com a possibilidade de seu parceiro fazer sexo com estranhos. Afinal, não está em jogo o risco de que ele engravide, fazendo de mim o corno que cria o filho de outro homem. Mas se você me desse essa explicação no momento em que eu vociferava insultos contra um de meus parceiros logo após descobrir que ele estava me enganando, enroscado em posição fetal no canto da cozinha e balançando-me em autopiedoso alheamento, ou no momento em que eu vomitava as tripas na privada por quase duas semanas depois disso, eu teria inclinado a cabeça numa concordância darwiniana racional, e continuaria a tremer como um animal ferido. De fato, o ciúme em relações homossexuais, sobretudo masculinas, é um lugar em que o modismo do poliamor encontra alguns problemas teóricos significativos. Um dos achados citados com mais frequência na psicologia evolucionária é o fato de que os homens tendem a sentir mais ciúmes quando suas parceiras fazem sexo com outros homens, ao passo que as mulheres tendem a ficar mais enciumadas quando seus parceiros mostram sinais de “infidelidade emocional” (comportamentos que indicam que o homem pode estar interessado em “mais do que sexo” com uma outra mulher e desenvolveu sentimentos significativos por ela, possivelmente sinalizando planos de longo prazo). Veja bem, não há tipos exclusivos de ciúme; o que eles representam são antes pontos ao longo de um contínuo ou espectro de ciúme – ciúme emocional numa ponta e ciúme sexual na outra. Homens e mulheres simplesmente tendem a cair, em média, em lugares diferentes ao longo do caminho em termos do que desencadeia seus níveis mais elevados de ciúme. Essa diferença geral entre os sexos faz sentido de uma perspectiva evolucionária. Antes da era do teste

de DNA, que foi quando os cérebros humanos evoluíram, os homens estavam extremamente vulneráveis a investir, inadvertidamente, nos genes de um outro sujeito (convenientemente embalados na forma de crianças). Em contraposição, as mulheres, embaraçadas pelas muitas exigências físicas de parir e cuidar de crianças pequenas, teriam evoluído para depender basicamente de seu parceiro permanente para ajudá-las a criar a prole até a idade reprodutiva. Assim sendo, elas teriam corrido o risco de que ele desviasse sua atenção e seus recursos para uma outra mulher e seus filhos. Portanto, em se tratando de relacionamentos homossexuais, escrevem o psicólogo Brad Sagarin e colegas na Evolution and Human Behavior, “uma infidelidade a um parceiro do mesmo sexo não acarreta as ameaças assimétricas de paternidade equivocada e de desvio de recursos para os filhos de outra mulher, sugerindo tanto que os sexos podem ser semelhantes em suas respostas de ciúme quanto que essas respostas podem ser menos intensas que no caso de infidelidades do sexo oposto”. Na verdade, em estudos projetados para testar essa hipótese básica, os pesquisadores constataram de fato que o ciúme era menos intenso quando foi perguntado a participantes heterossexuais como se sentiriam, hipoteticamente, se seus parceiros tivessem uma aventura homossexual em vez de com alguém do sexo oposto. Pessoalmente, creio que os participantes teriam outras coisas com que se preocupar além de ciúme se seus parceiros estivessem tendo relações fortuitas com outros do mesmo sexo, mas esses dados mostram claramente que preocupações associadas à reprodução realmente moderam sentimentos de ciúme em relações românticas humanas. Mas o estudo precedente realça de fato relações bissexuais, já que o hipotético cônjuge traidor tem um relacionamento sexual principal com alguém do sexo oposto. Em contraposição, da perspectiva de um parceiro de mesmo sexo num relacionamento prolongado, a infidelidade homossexual pode provocar um padrão completamente diferente de ciúme. Afinal, como qualquer pessoa gay com um passado sabe, relações homossexuais certamente não estão isentas de sua justa parcela desse tipo de drama. Homens gays podem, de fato, ficar menos aflitos por infidelidade sexual que homens héteros. Mas há diferenças individuais significativas a esse respeito. Ainda assim, disponho-me a especular e dizer isto: a maioria de nós não convive completamente bem com a ideia de nossos parceiros fazerem sexo com quem bem entenderem. Imagino que a maioria das lésbicas tampouco se sente confortável vendo suas parceiras saírem com outras lésbicas e desenvolvendo relações estreitas com elas (isto é, infidelidade emocional). Mas talvez eu esteja em minoria ao me preocupar tanto com os comportamentos de meu parceiro com pessoas do mesmo sexo – pelo menos aqueles que não me incluem. Por exemplo, em 2010, quando um repórter da revista New York lhe perguntou como ele se sentiria se seu marido, Terry, o traísse, o conhecido colunista sexual Dan Savage respondeu que “não daria a mínima” e que homens gays “não são malucos como os héteros” com relação à infidelidade sexual de seus parceiros. Não estou tão certo com relação a isso. Muitas vezes, somos igualmente malucos. Em meu caso, informei ao intruso sexual que teria muito prazer em emasculá-lo com um par de tesouras bem amoladas se ele algum dia voltasse a ter contato com meu parceiro. Esse foi um comportamento classicamente agressivo de “proteção do cônjuge” como visto em homens héteros ameaçando seus rivais sexuais. Enxotar outros homens dessa maneira, acredita a maioria dos teóricos evolucionários, é uma tática preventiva destinada a impedir a corneação. Homens gays, é claro, são incomumente vulneráveis ao HIV, e isso é razão suficiente para ficar

absolutamente furioso com um parceiro que nos engana pelas costas. No entanto, embora muitas vezes se misture com ela, o ciúme é diferente da raiva. Além disso, o flagelo moral que é a Aids não estava presente no passado ancestral, de modo que o medo dessa doença não poderia ter produzido nenhuma defesa psicológica adaptativa especial nos cérebros de homens gays. Então de que outra maneira poderíamos explicar o ciúme sexual entre homens gays? Ele pode de fato ser compreendido por uma espécie de disposição mental de pseudo-heterossexualidade, em que os cérebros dos homens gays são exatamente iguais aos dos homens heterossexuais nesse aspecto – hipervigilantes quanto a ser enganosamente induzidos a criar o filho de um outro homem. O que quero dizer com tudo isto é que reagi como reagi quando meu parceiro me enganou porque, num nível inconsciente, eu não queria que meu benzinho provido de testículos fosse engravidado por um outro homem. Eu não pensava nele conscientemente como uma mulher, entenda; de fato, se o fizesse, não estaria com ele. Mas diga isso para minhas gônadas e minha amígdala. Pergunto-me também, de fato, se essas diferenças podem estar relacionadas ao fato de sermos mais “ativos” ou “passivos”, assunto que examinaremos no próximo ensaio. Assinado, não mais deploravelmente seu, contudo em sofrimento perpetuamente pronto e melodramático, seu ex- e provavelmente futuro amigo gay de coração partido, J.B.

Cientistas bem-dotados vão fundo nas preferências sexuais entre homens gays

TENHO A IMPRESSÃO de que muitos heterossexuais acreditam haver dois tipos de homens gays neste mundo: os que gostam de dar e os que gostam de receber. Não, não estou me referindo à generosidade relativa dos hábitos de presentear dos homossexuais. Não exatamente, pelo menos. Para ser mais preciso, a distinção diz respeito ao papel sexual de homens gays em se tratando do ato de intercurso anal. Mas, como na maioria dos aspectos da sexualidade humana, as coisas não são tão simples assim. Sei perfeitamente que alguns leitores podem pensar que este tipo de discussão não é ciência respeitável. Mas o que a boa ciência tem de excelente é ser amoral e objetiva, e não procurar agradar ao tribunal da opinião pública. Dados não se curvam; pessoas sim. Quer estejamos falando sobre um pênis numa vagina ou um pênis num ânus, trata-se igualmente de comportamento humano. A ubiquidade do comportamento homossexual por si só o torna fascinante. Mais ainda, o estudo de autodesignações em homens gays tem considerável aplicação, assim como sua possível capacidade preditiva no rastreamento de comportamentos sexuais de risco e práticas sexuais seguras. Pessoas que obtêm mais prazer (ou talvez sofram menos ansiedade ou desconforto) atuando como o parceiro “insertivo” são chamadas coloquialmente de ativas, ao passo que aquelas que têm clara preferência por servir como o parceiro receptivo são comumente chamadas de passivas (em inglês, tops e bottoms, respectivamente). Há muitas outras gírias para essa dicotomia gay, várias delas irrepetíveis, pelo menos por um cavalheiro. Na verdade, estudos baseados em levantamentos descobriram que muitos homens gays de fato se autoidentificam como “versáteis”, o que significa que não têm nenhuma preferência acentuada pelo papel insertivo ou o de receptor. Para uma pequena minoria, a distinção nem sequer se aplica, porque alguns homens gays não têm nenhum interesse por sexo anal, preferindo diferentes atividades sexuais. Outros homens ainda se recusam a se rotular como ativos, passivos, versáteis ou mesmo como gays, embora façam frequente sexo anal com homens gays. Esses são os chamados homens que fazem sexo com homens (HSH), que muitas vezes têm relações heterossexuais também e tendem a se ver como héteros e não como bissexuais. Vários anos atrás, uma equipe de cientistas liderada por Trevor Hart nos Centers for Disease Control and Prevention estudou um grupo de 205 participantes gays do sexo masculino. Entre os principais achados do grupo estavam os seguintes: 1. As autodesignações estão significativamente correlacionadas com comportamentos sexuais reais. Isto é, com base em relatos que eles fazem de suas histórias sexuais recentes, aqueles que se identificam como ativos são de fato mais propensos a atuar como o parceiro insertivo, os que se dizem passivos são mais propensos a ser o parceiro receptivo e os versáteis ocupam um

status intermediário no comportamento sexual. 2. Comparados com os passivos, os ativos participam com mais frequência de outros comportamentos sexuais que envolvem inserção (ou pelo menos reconhecem sentir-se atraídos por eles). Por exemplo, os ativos tendem a ser o parceiro insertivo com mais frequência durante o intercurso oral. Na verdade, esse achado sobre o caráter generalizável dos rótulos de ativo/passivo para outros tipos de práticas sexuais foi também revelado num estudo que mostrou que os ativos eram mais propensos a ser o parceiro insertivo em tudo, do jogo com brinquedos sexuais ao jogo de urinação (também conhecido como “esportes aquáticos”), passando pelo abuso verbal. 3. A frequência dos que rejeitavam a identidade gay e tinham feito sexo com mulher nos últimos três meses foi maior entre os ativos que entre os passivos e os versáteis. Eles também manifestavam maior homofobia internalizada – essencialmente, o grau de aversão por si mesmo relacionado a seus desejos homossexuais. 4. Os versáteis tendem a gozar de mais saúde psicológica. Hart e seus colaboradores especulam que isso pode se dever à sua maior busca de sensações sexuais, menor erotofobia (medo de sexo) e maior conforto com uma variedade de papéis e atividades. Um dos principais objetivos desse estudo foi determinar se as autodesignações em homens gays poderiam lançar luz sobre a difusão epidêmica do vírus da Aids. De fato, não se encontrou correlação entre autodesignações e intercurso desprotegido e por isso não foi possível usá-las como um preditor confiável do uso de preservativos. No entanto os autores fazem uma observação excelente, com o potencial de salvar vidas: Embora as autodesignações não estivessem associadas a intercurso desprotegido, os ativos, que se envolviam numa maior proporção de sexo anal insertivo que outros grupos, eram também menos propensos a se identificar como gays. HSH [novamente, homens que fazem sexo com homens] não identificados como gays podem ter menos contato com mensagens de prevenção ao HIV e podem ter menos chances de serem alcançados por programas de prevenção ao HIV se comparados a homens identificados como gays. Os ativos podem ter menos chances de ser recrutados em locais frequentados por homens gays, e sua maior homofobia internalizada pode resultar em maior negação do fato de que por vezes se envolvem em sexo com outros homens. Os ativos também podem ter maiores chances de transmitir HIV a mulheres por causa de sua maior propensão a ser comportamentalmente bissexuais. Além dessas importantes implicações para a saúde, as autodesignações ativo/passivo/versátil têm uma variedade de outros correlatos de personalidade, sociais e físicos. Alguns psicólogos salientam que casais de homens gays poderiam desejar ponderar seriamente essa questão das preferências de papel sexual antes de se comprometer com alguma relação mais duradoura. De um ponto de vista sexual, há problemas logísticos óbvios no estabelecimento de uma relação monogâmica por dois ativos ou dois passivos. Mas como essas preferências de papel sexual tendem a refletir outros traços comportamentais (tais como o fato de ativos serem mais agressivos e assertivos que passivos), “essas relações também poderiam ser mais propensas a experimentar conflitos mais depressa que relações entre autodesignações complementares”.

Um outro estudo intrigante foi relatado na Archives of Sexual Behavior pelo antropólogo Matthew McIntyre. Esse pesquisador pediu a 44 membros gays do sexo masculino do grupo de alunos gays e lésbicas da Universidade Harvard que lhe enviassem um e-mail com fotocópias claras de sua mão direita junto com as respostas a um questionário sobre suas ocupações, papéis sexuais e outras medidas de interesse. Esse procedimento lhe permitiu investigar possíveis correlações entre essas variáveis e o conhecido efeito 2D:4D, que mencionei em meu ensaio sobre homens gays e habilidades de orientação espacial. Um tanto curiosamente, McIntyre descobriu uma correlação negativa pequena, mas estatisticamente significativa, entre 2D:4D e autodesignações sexuais. Isto é, pelo menos nessa pequena amostra de alunos gays de Harvard, aqueles com o perfil 2D:4D mais masculinizado eram de fato mais propensos a relatar estar na ponta receptora do intercurso anal e a demonstrar atitudes mais “femininas” em geral. Muitas questões sobre autodesignações gays e sua relação com desenvolvimento, comportamento social, genes e substratos neurológicos continuam sem resposta; de fato, elas ainda não foram sequer formuladas. O fato de muitos gays darem um passo adiante e usarem designações secundárias como “service top” e “power bottom” (em que o ativo está na verdade submisso ao passivo) revela uma complexidade maior ainda. Para o cientista certo, há uma vida inteira de trabalho árduo esperando ser feito.

Seu filho é um “pré-homossexual”?: a previsão da orientação sexual adulta

EM CERTAS CONDUTAS DE CRIANÇAS transparecem sinais, alguns diriam agouros, que, provavelmente desde que existem crianças, levaram os pais a franzir as sobrancelhas, preocupados, precipitaram conversas forçadas com sogras intrometidas, tensionaram casamentos e introduziram números incalculáveis de pessoas no profundo pacto da negação sexual. Nós todos conhecemos os estereótipos: um ar inusitadamente leve, delicado e efeminado no andar de um menino pequeno, muitas vezes associado ao gosto por leituras solitárias, ou um pulso mole, um interesse por bonecas, maquiagem, princesas, vestidos, e uma forte aversão por brincadeiras abrutalhadas com outros meninos; em meninas pequenas, há a postura exterior de menino, talvez uma queda por ferramentas, um andar pesadão, um queixo quadrado e uma disposição para lutas físicas com meninos, uma aversão a todos os adornos perfumados, delicados e rendados da feminilidade. Vamos ao que interessa. É o que esses comportamentos indicam para os pais sobre a sexualidade incipiente de seu filho que os tornam tão indesejáveis; esses padrões de comportamento são temidos, abominados e muitas vezes tratados diretamente como precursores da homossexualidade. No entanto, foi só há relativamente pouco tempo que cientistas do desenvolvimento conduziram estudos controlados com um claro objetivo em mente: identificar com precisão os sinais precoces e mais confiáveis da homossexualidade adulta. Examinando com atenção as infâncias de adultos gays, pesquisadores estão encontrando uma intrigante série de indicadores comportamentais que os homossexuais parecem ter em comum. E, muito curiosamente, os antiquíssimos temores homofóbicos de muitos pais refletem algum valor preditivo genuíno. Em seus escritos técnicos, os pesquisadores nessa área referem-se simplesmente a gays e lésbicas prospectivos como “pré-homossexuais”. Essa expressão não é perfeita: ela consegue ter ao mesmo tempo uma desconfortável aparência de determinismo biológico e de intervencionismo clínico. Mas, pelo menos, é provavelmente bastante precisa. Embora não tenham sido os primeiros cientistas a investigar os primeiros antecedentes da atração pelo mesmo sexo, o psicólogo J. Michael Bailey e o psiquiatra Kenneth Zucker publicaram na Developmental Psychology, em 1995, um artigo seminal e controverso sobre os marcadores da homossexualidade na infância. O objetivo explícito desse texto, segundo os autores, “foi rever as evidências relacionadas à possível associação entre comportamento típico de sexo na infância e orientação sexual adulta”. Assim, uma coisa a ter em mente é que este trabalho particular não pretende identificar as causas da homossexualidade em si, mas sim indexar os correlatos da atração pelo mesmo gênero na infância. Em outras palavras, ninguém está discutindo os prováveis fatores genéticos subjacentes à homossexualidade adulta ou as bem estabelecidas influências pré-natais. O que se pretende é simplesmente indexar as pistas comportamentais não eróticas que melhor permitem prever que crianças são mais ou menos propensas a ser atraídas, quando adultas, por pessoas do mesmo sexo.

Por “comportamento típico de sexo”, Bailey e Zucker referem-se àquela longa lista, agora cientificamente canônica, de diferenças sexuais inatas nos comportamentos de jovens do sexo masculino versus jovens do sexo feminino. Em inúmeros estudos, cientistas documentaram que essas diferenças entre os sexos são em grande parte impermeáveis à aprendizagem e encontradas em todas as culturas examinadas (até mesmo, acreditam alguns pesquisadores, em filhotes de outras espécies primatas). Agora, antes que essa sua veia contestadora comece a apresentar exceções à regra – obviamente há variância tanto entre crianças quanto em cada uma delas –, apresso-me a acrescentar que é somente ao comparar os dados agregados que as diferenças entre os sexos saltam dentro da estratosfera da significação estatística. As mais salientes entre essas diferenças são observadas no domínio da brincadeira. Meninos envolvem-se no que psicólogos do desenvolvimento chamam de “brincadeiras turbulentas”, ao passo que as meninas preferem a companhia de bonecas a uma joelhada nas costelas. Na verdade, os brinquedos são uma outra diferença fundamental entre os sexos, com os meninos gravitando para metralhadoras e caminhonetes enormes e as meninas se orientando para bonecos bebês e figurinos ultrafeminizados. Crianças pequenas de ambos os sexos gostam de brincadeiras que envolvem fantasia – ou “faz de conta” –, mas os papéis que os dois sexos assumem dentro do contexto da fantasia já são claramente segregados segundo o gênero desde os dois anos de idade, com as meninas representando o papel de, digamos, mamães arrulhantes, bailarinas ou princesas e os meninos preferindo de longe personagens mais masculinos, como soldados e super-heróis. Como não é de surpreender, os meninos escolhem naturalmente outros meninos como companheiros de brincadeira e as meninas preferem de longe brincar com outras meninas. Assim, com base em algumas pesquisas anteriores, mais duvidosas, juntamente com uma boa dose de senso comum, Bailey e Zucker formularam a hipótese de que homossexuais mostrariam um padrão invertido de comportamentos infantis típicos de sexo (meninos pequenos preferindo brincar com meninas e apaixonados pelos estojos de maquiagem das mães; meninas pequenas estranhamente entusiasmadas por hóquei sobre grama ou luta livre profissional… esse tipo de coisa). Empiricamente, explicam os autores, há duas maneiras de investigar a relação entre comportamentos típicos de sexo e orientação sexual posterior. A primeira delas consiste em usar um método prospectivo, em que crianças pequenas exibindo padrões atípicos de sexo são acompanhadas longitudinalmente até durante a adolescência e o início da idade adulta, de tal modo que a orientação sexual do indivíduo na maturidade reprodutiva possa ser avaliada. Em geral isso é feito com o uso de algo como a famosa escala Kinsey, que envolve uma entrevista clínica semiestruturada sobre comportamento sexual e fantasias sexuais para classificar pessoas numa escala de zero (exclusivamente heterossexual) a 6 (exclusivamente homossexual). Sou um firme 6; como Stephen Fry, eu quis sair de uma vagina em um ponto de minha vida, mas desde então nunca tive o mais ligeiro interesse em retornar a uma. Conduzir estudos prospectivos desse tipo não é muito prático, explicam Bailey e Zucker, por várias razões. Primeiro, uma vez que uma proporção relativamente pequena da população total é exclusivamente homossexual, é necessário um número bastante grande de pré-homossexuais para se obter uma amostra de tamanho suficiente, e isso exigiria uma enorme superamostragem de crianças para o caso de um pequeno subconjunto vir a se revelar gay. Segundo, um estudo longitudinal acompanhando a sexualidade de crianças até o final da adolescência demanda tempo – por volta de dezesseis anos –, de modo que a abordagem prospectiva avança de maneira muito lenta. Por fim, e

talvez este seja o maior problema com estudos prospectivos da homossexualidade, não são muitos os pais propensos a permitir que seus filhos sejam estudados. Com ou sem razão, esse é um tópico sensível, e via de regra apenas crianças que apresentam comportamentos atípicos de sexo significativos – como aquelas com distúrbio de identidade de gênero – são levadas a clínicas e têm seus casos postos à disposição de pesquisadores. Por exemplo, a psicóloga Kelley Drummond e colegas entrevistaram 25 mulheres adultas que foram enviadas pelos pais para avaliação numa clínica de saúde mental quando tinham entre três e doze anos de idade. Na época, todas essas meninas receberam diversos diagnósticos indicadores de distúrbio de identidade de gênero. Elas podiam exibir forte preferência por brincar com meninos, insistiam em vestir roupas de menino, preferiam brincadeiras turbulentas a bonecas e se fantasiar de gente grande, declaravam que ainda teriam um pênis ou se recusavam a urinar sentadas. Quando essas meninas se tornaram adultas, porém, apenas 12% delas vieram a manifestar disforia de gênero (a desconfortável sensação de que nosso sexo biológico não corresponde à nossa identidade de gênero). De fato, as histórias de infância dessas mulheres foram muito mais preditivas de sua orientação sexual adulta. Assim, os pesquisadores descobriram que as probabilidades de que essas mulheres relatassem uma orientação bissexual/homossexual chegava a ser 23 vezes maior do que ocorreria normalmente numa amostra geral de jovens mulheres. Nem todas as garotas se tornam lésbicas, é claro, mas esses dados realmente sugerem que as lésbicas muitas vezes têm um histórico de comportamentos típicos do outro sexo. E, segundo Bailey e Zucker, o mesmo pode ser dito em relação a homens gays. Eles revelaram que em estudos retrospectivos (o segundo método usado para examinar a relação entre comportamento infantil e orientação sexual adulta, em que adultos simplesmente respondem a perguntas sobre suas infâncias), 89% de homens gays numa amostra aleatoriamente reunida recordaram ter tido na infância mais comportamentos típicos do outro sexo que o número médio entre os heterossexuais. Alguns críticos questionaram a abordagem retrospectiva geral, argumentando que as lembranças dos participantes (tanto as dos indivíduos gays quanto as dos héteros) podiam estar distorcidas para se ajustar às expectativas e estereótipos sociais com relação a como são gays e heterossexuais quando crianças. Mas num estudo muito engenhoso publicado na Developmental Psychology, evidências tomadas de vídeos caseiros feitos na infância validaram o método retrospectivo, quando pessoas foram solicitadas a codificar às cegas crianças-alvo segundo seus comportamentos típicos de sexo, tal como mostrados na tela. Os pesquisadores descobriram que “aqueles alvos que, quando adultos, se identificaram como homossexuais foram julgados não adequados a seu gênero na infância”. Desde então, numerosos estudos replicaram esse padrão geral de achados, todos revelando um forte vínculo entre desvios das normas de papéis de gênero na infância e orientação sexual adulta. Há também evidências de um “efeito de dosagem”: quanto mais características não conformes ao gênero se manifestam na infância, mais provável é que uma orientação homossexual/bissexual esteja presente na vida adulta. Mas – e talvez você estivesse esperando que eu dissesse isto – há várias ressalvas importantes a fazer a este corpo de trabalho. Embora comportamento atípico de gênero na infância esteja fortemente correlacionado com homossexualidade adulta, trata-se ainda de uma correlação imperfeita. Nem todos os meninos que gostam de usar vestidos serão gays quando crescerem, e nem todas as meninas que desprezam vestidos se tornarão lésbicas. Muitas dessas crianças serão

heterossexuais, e algumas, não esqueçamos, serão transexuais. Falando por mim mesmo, eu era mais propriamente andrógino, exibindo um padrão mosaico de comportamentos típicos de sexo e atípicos de sexo quando criança. Apesar da teoria preferida de meus pais de que fui simplesmente um jovem Casanova, os achados de Zucker e Bailey podem explicar aquela velha Polaroid em que, das treze crianças convidadas para minha sétima festa de aniversário, onze eram menininhas. Mas também não fui uma criança excessivamente efeminada, nunca sofri bullying como “maricas” e, quando tinha dez anos, era indistinguivelmente tão irritante, rude e agitado quanto meus colegas mais chegados. De fato, aos treze anos, eu estava profundamente socializado nas normas masculinas. No caso, comecei a gostar de luta livre no ensino médio como um magricela de 36 quilos da oitava série e, ao fazê-lo, tornei-me por ironia extremamente consciente de minha orientação homossexual. Dados transculturais mostram, de fato, que meninos pré-homossexuais são mais atraídos por esportes solitários como natação, ciclismo e tênis que por esportes de contato mais rudes como futebol americano e futebol; são também menos propensos a ser crianças provocadoras. (Gays prospectivos do sexo masculino que se adaptam de maneira excessivamente rígida às normas de gênero percebidas à medida que ficam mais velhos podem, de fato, tornar-se hipermasculinizados em tal grau que, como já vimos, acabam também perigosamente homofóbicos no processo.) De qualquer maneira, lembro nitidamente de ficar com as meninas nas barras horizontais enquanto os meninos estavam no campo jogando futebol americano, e de olhar para eles e pensar como era estranho que alguém pudesse querer se comportar daquela maneira. Uma outra ressalva é que os pesquisadores nessa área não hesitam em admitir que há provavelmente múltiplas – e sem dúvida muito complicadas – rotas de desenvolvimento para a homossexualidade adulta. Fatores hereditários, biológicos, interagem com experiências ambientais para produzir resultados fenotípicos, e isso não é menos verdadeiro para a orientação sexual que para qualquer outra variável dentro de uma população. No entanto, uma vez que os dados prospectivos e retrospectivos discutidos nos estudos mencionados acima revelam muitas vezes traços emergentes muito precoces em pré-homossexuais, essas crianças que mostram pronunciados comportamentos atípicos de sexo podem ter um maior componente genético em sua homossexualidade, ao passo que adultos gays que foram típicos de sexo quando crianças poderiam dever sua homossexualidade mais diretamente a experiências de infância. Por exemplo, num caso bastante espantoso de ciência que produz resultados que contrariam frontalmente sentimentos populares, politicamente corretos ou emocionalmente atraentes, achados recentes e controversos publicados na Archives of Sexual Behavior indicam que homens – mas não mulheres – que foram vítimas de abusos sexuais quando crianças são significativamente mais propensos que crianças do sexo masculino não vítimas de abuso a ter tido relações homossexuais como adultos. Seja qual for a rota causal, no entanto, nada disso implica, de modo algum, que a orientação sexual é uma escolha. De fato, sugere exatamente o contrário, pois, como sabemos pelo amante da borracha e pelos fetichistas de pés que encontramos antes neste livro, experiências eróticas anteriores à puberdade podem mais tarde se consolidar em orientações e preferências sexuais irreversíveis. Está na moda hoje em dia, em particular no Ocidente, dizer que alguém é um “gay nato”. Compreendo os motivos antidiscriminatórios e acredito firmemente que essa atitude reflete um ethos cada vez mais humanitário em relação às minorias sexuais. Mas se pensarmos sobre isso de maneira mais crítica, é extremamente esquisito, e disparatado, referir-se a um bebê recém-nascido,

ainda pingando líquido amniótico, como sendo um membro da comunidade LGBT. Sim, é necessário um grau prodigioso de estupidez para falar sobre o que faz a genitália de alguém ficar intumescida como uma escolha consciente, mas está longe de ser óbvio que todo mundo é igualmente expelido da vagina da mãe com um gosto já discriminador por pênis e não por vaginas, ou vice-versa. Chegamos então à questão mais importante de todas. Por que os pais se preocupam tanto em saber se seus filhos podem ou não ser gays? Talvez você não seja um desses pais ou mães ansiosos; de fato, talvez você goste de se ver como indiferente à sexualidade de seu filho, contanto que ele ou ela seja feliz. Mais uma vez, tudo mais sendo igual, suspeito que teríamos muita dificuldade para encontrar pais que realmente prefeririam que seus filhos fossem homossexuais e não heterossexuais. Nem é preciso dizer que, evolucionariamente, a homofobia parental é uma obviedade: filhos gays e filhas lésbicas não são propensos a se reproduzir (a menos que sejam criativos). E eu imaginaria, num palpite viável, que, mesmo nas comunidades de mentalidade mais liberal de hoje, sair do armário perante os pais é algo muito mais fácil de fazer para indivíduos gays que têm o luxo de irmãos demonstravelmente heterossexuais que arcam com sua própria carga reprodutiva. Quanto a mim, com um irmão e uma irmã mais velhos reproduzindo-se – não um com o outro, que fique claro – e suas respectivas pequenas ninhadas que são meus fantásticos sobrinhos e sobrinhas, meus pais pelo menos não precisam se preocupar com a possível extinção de seus genes. De qualquer maneira, creio que para os pais é muito melhor reconhecer a fonte de suas inquietações com relação a ter um filho gay como motivada por interesses genéticos inconscientes do que mentir para si mesmos ao dizer que o fato de seu filho ou filha “vir a ser” gay os deixa inteiramente indiferentes. E, tenham isto em mente, pais: também é importante enfatizar que, como o sucesso genético é medido em termos biológicos evolucionários, com base na porcentagem relativa de nossos genes que se transmitem a gerações subsequentes – não com base no simples número de filhos em si –, além da reprodução sexual trivial há outras maneiras, ainda que tipicamente menos lucrativas, pelas quais um filho pode contribuir para o sucesso genético global dos pais. Por exemplo, não sei quanto dinheiro ou fama residual estão sendo distribuídos entre os parentes próximos de, digamos, k.d. lang, Elton John e Rachel Maddow, mas posso apenas imaginar que esses parentes heterossexuais estão em situação muito melhor, em termos de suas próprias oportunidades reprodutivas, do que estariam se não houvesse um homossexual pendurado, de maneira tão magnífica, em suas árvores genealógicas. A própria ideia de fazer amor com um parente consanguíneo de Michelangelo ou Hart Crane, independentemente de qualquer característica dessa pessoa exceto sua herança, deixa-me estranha e instantaneamente excitado, e eu imaginaria que tal pessoa também seria eminentemente desejável para mulheres heterossexualmente fecundas. Assim, esta é minha mensagem: cultive os talentos inatos do seu pequeno pré-homossexual, e é possível que seu ganho genético final seja, curiosamente, até maior com um filho gay muito especial do que seria se dez filhos héteros medíocres brotassem de seu ventre. Há uma observação final a fazer, e ela se refere ao futuro dessa pesquisa e suas aplicações no mundo real. Se os pesquisadores finalmente aperfeiçoarem a previsão da orientação sexual adulta em crianças, quais são as implicações? Deveriam mães liberais descrever despreocupadamente como “bi” seus filhinhos de três anos vestidos com macacõezinhos, ou deveriam pais contar como suas filhas “héteros” começaram a comer alimentos sólidos ou deram seus primeiros passos hoje

no mercado? Terão os pais vontade de saber? Os pais muitas vezes dizem para seus filhos gays, retrospectivamente, “eu sempre soube”. Mas a percepção tardia dos eventos é fácil, e aqui estamos falando da possibilidade de saber realmente, definitivamente, sem nenhuma dúvida, que seu filho será gay desde uma idade muito, muito tenra. Posso dizer, já tendo sido um pequeno e insignificante pré-homossexual, que alguma preparação da parte de outros teria tornado as coisas mais fáceis para mim, evitando que eu tivesse precisado estar sempre com medo da rejeição ou temendo que alguma escorregadela descuidada levasse ao meu “desmascaramento”. Teria ao menos evitado todas aquelas incômodas e incessantes perguntas durante minha adolescência sobre a razão pela qual eu não estava namorando uma linda menina (ou perguntas da linda menina sobre a razão pela qual eu estava saindo com ela e rejeitando seus avanços). E uma outra coisa: deve ser muito difícil olhar nos olhos límpidos de sua filha de três anos, limpar os farelos de biscoito de sua bochecha e jogá-la no olho da rua por ser gay.

PARTE VII

Como diz a Bíblia

Bons cristãos (mas só aos domingos)

ESTA É UMA CONFISSÃO DIFÍCIL DE FAZER , porque, à primeira vista, tenho certeza de que ela soa extremamente hipócrita. Mesmo assim aqui vai: tenho mais confiança em pessoas religiosas que em ateus. A parte hipócrita é que acontece que sou um ateu com convicções ímpias inabalavelmente fortes. Em meu livro The Belief Instinct, tentei explicar de maneira bastante detalhada, de fato, por que me sinto assim. Mas para nossas finalidades aqui a única coisa importante é que não tenho um pingo de hesitação agnóstica em minha crença de que não existe um Deus intencional – pelo menos um muito inteligente. Sofro também alguma trepidação diante de pessoas religiosas em geral sempre que se discute algo de substância moral, uma vez que sou há muito da opinião de que Deus é o Grande Ofuscador, complicando desnecessariamente muitos assuntos humanísticos que de outra forma seriam claros. Assim, agora que saí do armário ateístico, inteiramente nu, como posso dizer que confio mais nos que acreditam em Deus do que naqueles que de outro modo eu veria como simpáticos às minhas ideias e de opinião semelhante à minha? Bem, confiança é algo completamente diferente de intelecto, e suponho que sou sempre um pragmatista social em minhas relações com as pessoas. Tomemos, por exemplo, uma situação em que me encontrei anos atrás, na porta de uma estação ferroviária numa cidade de praia irlandesa. Minha bagagem na mão, o céu frio, cinza e ventoso prenunciando chuva, confrontei-me com dois táxis parados à espera de passageiros. Num dos carros um crucifixo pendia do espelho retrovisor e um exemplar da Bíblia com muitas folhas marcadas estava bem visível no console. O outro táxi não mostrava nenhum sinal de qualquer ícone religioso. Ora, tudo mais sendo igual, qual desses táxis você escolheria, considerando-se que está tentando evitar ser cobrado em excesso – prática pela qual essa parte do país é notória – e que ser um americano durante a administração Bush, eu poderia acrescentar, eleva uma pessoa um degrau acima de nosso 43o presidente em respeitabilidade? Ambos os motoristas eram provavelmente católicos devotos – afinal, eu estava na Irlanda. Apesar disso, não havia nenhum meio de saber ao certo. A menos que você esteja tentando defender a ideia de que “os ateus também são boas pessoas”, ou por acaso despreze a Igreja católica, realmente a solução é óbvia: vá com Deus. Por que isso é tão óbvio? Como argumentou o cientista político Dominic Johnson: “Se a punição sobrenatural é sustentada como uma crença, essa ameaça tem um efeito dissuasivo na realidade, de modo que o mecanismo pode funcionar, quer a ameaça seja genuína ou não.” Em outras palavras, de uma perspectiva psicológica, a questão ontológica da real existência de Deus é completamente irrelevante; a única coisa que importa no caso acima é que o motorista de táxi está plenamente convencido de que Deus não gosta que ele engane seus passageiros. Esta suposição teórica de que crentes se comportam melhor porque sentem que Deus os está observando, e presumivelmente comunica Seu desprazer com relação a seus atos pecaminosos na forma de vários infortúnios, é um dos argumentos científicos mais convincentes para a simples

persistência da religião na sociedade hoje. Deus simplesmente não irá embora, e isso em grande parte, segundo essa lógica evolucionária puramente mecanicista, porque a ilusão cognitiva de um Deus punitivo funciona para estancar os comportamentos egoístas dos indivíduos e ajuda a sustentar a harmonia social. Vários estudos ofereceram apoio empírico para essa hipótese do monitoramento sobrenatural. Esta é uma expressão cunhada por Ara Norenzayan, que descobriu em múltiplos estudos que quando participantes são implicitamente instruídos com palavras relacionadas a Deus (“espírito”, “divino”, “sagrado” e assim por diante), tornam-se ao mesmo tempo mais “pró-sociais” e menos antissociais. Em contraste com o que ocorre com palavras não religiosas ou neutras, pessoas que veem essas palavras religiosas, por exemplo, doam mais dinheiro para uma obra filantrópica após completar uma tarefa de palavras embaralhadas em que juntam as palavras em algumas frases coerentes. Embora ele e seu colaborador Azim Shariff tenham favorecido a interpretação de que os participantes se comportavam de maneira mais altruística na condição religiosa porque as palavras religiosas lhes lembravam que Deus os estava observando e portanto julgando, Norenzayan teve também a cautela de não concluir prematuramente que isso era causado apenas por preocupações com a espionagem celeste. É também possível, claro, que essas palavras religiosas tivessem simplesmente ativado conceitos sociais relacionados como “benevolência” e “boas ações”, induzindo a tomada de decisão altruística independentemente do temor dos olhares rabugentos de Deus. Um trabalho mais recente, no entanto, permitiu a Norenzayan tranquilizar-se. Levar as pessoas a pensar em Deus – mesmo inconscientemente, e, de maneira bastante curiosa, até entre não crentes – de fato desencadeia um raciocínio específico sobre estarem eles sendo os alvos da atenção visual de alguém. Norenzayan e Will Gervais descobriram que esse efeito básico de palavras religiosas, de levar pessoas a se sentirem visualmente expostas, produzia-se numa variedade de condições experimentais. Em um estudo, por exemplo, os investigadores usaram o mesmo método implícito de instrução que antes, ao atribuir a crentes e ateus uma tarefa envolvendo palavras embaralhadas, religiosas ou não. Em seguida os participantes completaram algo chamado “Escala de autoconsciência situacional”, e, de maneira notável, independentemente de sua crença ou descrença explícitas em Deus, todos aqueles que haviam sido expostos inconscientemente às palavras religiosas – mas não às palavras neutras – mostraram um súbito aumento em sua autoconsciência pública. Isto é, tornaram-se significativamente mais conscientes e preocupados com a transparência de seus comportamentos sociais do ponto de vista de uma plateia. Além disso, “quando pessoas sentem que seu comportamento está sendo monitorado”, concluem Norenzayan e Gervais num experimento de acompanhamento, “elas tendem a se mostrar sob uma luz positiva”. Isso os levou a formular a hipótese de que lembretes sobre Deus não apenas aumentariam a autoconsciência, mas também estimulariam respostas socialmente desejáveis. As respostas dos participantes a afirmações tais como “Pessoas que me pedem favores por vezes me deixam irritado” e “Não importa com quem eu esteja conversando, sou sempre um bom ouvinte” refletiriam suas crenças sobre o que Deus quer ouvir, não a verdade sobre esses atributos sociais irrealisticamente positivos. Nesse estudo, contudo, as únicas pessoas que produziram respostas socialmente desejáveis às instruções implícitas relacionadas a Deus foram as que realmente acreditavam em Deus. Isso significa que, embora não crentes possam se sentir “expostos” após receberem instruções implícitas relacionadas a Deus, tal como os crentes, esse sentimento não

influencia o modo como eles tendem a se apresentar em público. Para crentes, de fato, evidências adicionais mostram que deixas relacionadas a Deus não só influenciam seu desejo de que os outros os vejam sob uma luz positiva, mas realmente os motivam a praticar boas ações. Uma das melhores corroborações disso é o chamado “efeito do domingo”, identificado pela primeira vez por Deepak Malhotra, da Harvard Business School. A pesquisa de Malhotra revelou também como é o contexto da situação – em particular a presença ou ausência de deixas ostensivamente sagradas – que torna evidentes quaisquer diferenças reais em matéria de altruísmo entre crentes e não crentes. “Essa abordagem nos ajuda a deixar de buscar uma resposta simples para a questão da maior bondade ou não das pessoas religiosas”, argumenta Malhotra na revista Judgment and Decision Making, “e a passar a avaliar quando as pessoas religiosas podem ser mais bondosas, se é que isso ocorre em algum momento.” Malhotra formulou a hipótese de que indivíduos religiosos seriam mais sensíveis a apelos de instituições filantrópicas que os não religiosos, mas somente nos dias em que foram antes à igreja. Para pôr esta predição à prova, o autor colaborou com uma casa de leilões on-line que concordou em alternar sistematicamente seu texto preparado para estimular lances contínuos. Para participantes on-line que tinham sido aleatoriamente destinados à mensagem “focalizada em filantropia”, o estímulo era o seguinte: Esperamos que você continue a apoiar esta obra de caridade não deixando os lances cessarem. Cada dólar extra que você oferece no leilão nos ajuda a realizar nossa tão importante missão. Em contraposição, as pessoas escolhidas para receber a mensagem “competitiva” viam isto: A competição está esquentando! Se você espera vencer, tem de fazer outro lance. Vai encarar o desafio? Um detalhe importante é que Malhotra também contou com uma medida independente da religiosidade dos arrematantes, inclusive seus hábitos de frequência à igreja, que obteve seis semanas depois que eles haviam tomado suas decisões como arrematantes em resposta a um desses dois estímulos. “O tamanho do efeito é impressionante”, explicou ele. “Nos domingos, os apelos à filantropia eram 300% mais eficazes sobre indivíduos religiosos que sobre os não religiosos.” Em contraposição, não havia absolutamente nenhuma diferença entre os arrematantes religiosos e não religiosos no tocante à eficácia dos apelos das obras filantrópicas em qualquer outro dia da semana. Há também um outro interessante “efeito do domingo”, este descoberto por acaso pelo economista Benjamin Edelman, também da Harvard Business School. Analisando os impudicos números referentes à pornografia on-line, Edelman descobriu que a população dos Estados Unidos é significativamente menos propensa a comprar assinaturas de websites pornográficos aos domingos que em qualquer outro dia da semana. Embora grande parte disso possa corresponder ao senso comum, o fato de deixas religiosas óbvias estimularem decisões prestativas e reprimirem transgressões sociais por concentrarem a atenção dos crentes na arguta visão que Deus tem de seus comportamentos é extremamente importante para a compreensão da função adaptativa da religião. E esses efeitos se produzem por toda parte à nossa volta. Em muitos tribunais por todo o mundo ocidental, por exemplo, réus e

testemunhas têm que pôr a mão sobre a Bíblia e aceitar prestar um juramento religioso: “Jura dizer a verdade, toda a verdade, e nada além da verdade, com a ajuda de Deus?” E no mundo hebraico antigo, havia o similar “juramento pela coxa” – em que “coxa” era o termo polido para nossas partes pendentes –, pois se dizia que ao tocar seus órgãos sexuais antes de prestar um testemunho a pessoa invocava os espíritos de sua família (que tinham um interesse pessoal nas sementes nascidas daqueles órgãos reprodutivos particulares), o que assegurava que ela não prestaria falso testemunho. Prefiro este ritual antigo, de fato, pois está mais de acordo com a biologia evolucionária. Mas, em geral, jurar por Deus, não importa como isso é feito, costuma ser eficaz para persuadir os demais de que você está dizendo a verdade. Sabemos por estudos controlados com júris simulados que se uma pessoa jura sobre a Bíblia – ou, melhor ainda, a beija – antes de testemunhar, a percepção de sua confiabilidade pelo júri aumenta de maneira significativa. Afinal, quem em sã consciência iria mentir perante Deus? Bem, como esses achados sugerem, ateus são mais propensos a isso. E essa é a razão – a única razão – pela qual eu escolheria um motorista de táxi católico na Irlanda e não um que, como eu, acha que aquele livrinho no console do outro motorista está cheio de despautérios de proporções papais.

Os coelhinhos de Deus: a taxa de reprodução dos crentes é esmagadoramente maior do que a dos não crentes

COMO ERA MESMO AQUELA frase famosa de Edna St. Vincent Millay? Ah, sim. Agora me lembro: “Eu amo a humanidade; mas detesto pessoas.” Esse sentimento expressa bem meu tipo normal de humanitarismo temperado com uma pitada de misantropia, mas ele vem extremamente a propósito em certas ocasiões. Por exemplo, quando eu estava conversando na pizzaria de uma pequena aldeia na Irlanda do Norte, o assunto recaiu em como eu ganhava a vida. Ora, eu costumava ter muita dificuldade para responder a essa pergunta simples; quando dizia que era professor, inevitavelmente me perguntavam o que ensinava. Quando falava em psicologia, as pessoas diziam alguma coisa sobre seus problemas, entre risadinhas contrafeitas, ou respondiam – como se essa fosse a fala mais original – que eu estava na cidade certa para isso. Quando eu as corrigia dizendo não ser um psicólogo clínico mas um pesquisador, tinha de explicar exatamente o que pesquiso. “Psicologia evolucionária” tende a fazer surgir algumas ideias esquisitas na mente de muitas pessoas. E foi o que aconteceu nessa ocasião, enquanto eu me esforçava para expressar a natureza de minha profissão no salão apinhado de uma pizzaria com cerca de uma dúzia de moradores do lugar tentando ouvir o que eu dizia de outras mesas. De uma maneira ou de outra, como ocorre com frequência em conversas comigo, a homossexualidade veio à baila como um exemplo de comportamento humano complexo que os psicólogos evolucionários ainda estão tentando compreender. Teria sido ótimo ter um notebook em mãos para registrar palavra por palavra os comentários do jovem empregado, de modo a poder lhes fornecer um relato etnográfico apropriado. Mas aqui está, em síntese, o que ele me disse com muita segurança, condimentado com os peculiares floreios de linguagem encontrados naquela parte do mundo: “Sim. Não me entenda mal, não tenho nada contra os gays. Mas o que não entendo é por que eles escolhem ser egoístas e não ter uma família e filhos – pois é para isso que estamos aqui, o sujeito vai contra a evolução não continuando a linhagem porque ele não pode ajudar a espécie se não tiver filhos. Isso me parece meio egoísta.” Respondi que para mim, sendo eu mesmo um homem gay, não se tratava de uma questão de “escolher” não reproduzir; como mulheres são mais ou menos tão excitantes a meus olhos como aquela fatia de pizza com pepperoni pela metade que estava ali sobre a mesa, eu nunca seria capaz de engravidar uma delas. Consigo contudo, continuei, obter uma grande ereção vendo a ereção de outros homens, ali portanto – apontei o dedo para o céu para efeito de ênfase – reside o verdadeiro mistério darwiniano! Em seguida peguei minha pizza e saí. Depressa. E agora estou escrevendo isto em Ohio. De qualquer maneira, porém, a conversa me fez lembrar o que disse o sociólogo alemão Michael Blume sobre reprodução e religiosidade. E ocorreu-me que a homofobia motivada pela religião pode estar, pelo menos em parte, enraizada nessa suposição de que as pessoas gays estão

se furtando às suas obrigações reprodutivas. Detecto um forte cheiro de resíduo religioso nos comentários do empregado sobre homossexualidade, o que, dada a forte presença da Igreja na Irlanda do Norte, provavelmente não foi imaginação minha. Em termos biológicos evolucionários, em que a seleção natural ocorre no nível do gene, não no da espécie, há sérias falhas na conjectura dessa pessoa sobre reprodução da linhagem. Deixando de lado métodos tecnológicos modernos que ajudam gays a ser pais, há muitas maneiras pelas quais indivíduos sem filhos podem, ainda assim, ser geneticamente bem-sucedidos, em alguns casos mais do que sendo pais ou mães biológicos, por exemplo investindo pesadamente em parentes biológicos que compartilham seus genes. (Em linguagem científica, isso é conhecido como seleção de parentesco ou aptidão genética inclusiva.) Tendo dito isto, vou reconhecer que ele também não estava inteiramente errado com relação à principal significação evolucionária da reprodução. As pessoas realmente precisam se reproduzir, direta ou indiretamente, para que a natureza continue operando em seus genes. Esta não é a “razão” ou a “finalidade” de nossa presença aqui, pois isso seria insinuar alguma forma de desígnio inteligente para a existência humana; trata-se antes tão somente de um fato mecânico. Mas tudo isso fica realmente interessante, diz Blume, no ponto em que a ilusão de desígnio inteligente cruza com um imperativo reprodutivo – essencialmente, a ideia lugar-comum de que Deus “quer” ou “pretende” ou “exige” que nós, como membros fiéis de nossas comunidades, tenhamos uma ninhada de filhos igualmente crentes. Você foi abençoado com seus órgãos reprodutivos produtores de prazer por uma razão, diz essa lógica, e ela é casar-se com o sexo oposto e procriar. Por Deus, basta olhar para o Antigo Testamento. “Sede fecundos e multiplicaivos” é exatamente o primeiro dos 661 mandamentos diretos. Deus parece não estar fazendo meramente uma sugestão aqui, mas emitindo uma ordem categórica. Blume descobriu que as religiões que realmente põem essa questão no centro de seus ensinamentos estão – por razões bastante óbvias – em vantagem como grupo seletivo em relação àquelas que não endossam esse implacável mandamento. Ele examina várias religiões que estão ou já extintas ou em vias de desaparição atualmente por terem se afastado demais desse princípio reprodutivo. Os shakers, por exemplo, restringiam e até proibiam a reprodução entre seus próprios seguidores, preferindo enfatizar o trabalho missionário, o proselitismo e a conversão de infiéis. Mas esta se revelou uma estratégia insensata, evolucionariamente falando. “No final das contas”, salienta Blume, “conversões em massa vêm a ser a exceção histórica, não a regra. O mais das vezes, só frações de populações tendem a se converter a partir da mitologia religiosa que lhes foi transmitida verticalmente pelos pais e convertem-se em diferentes direções … . Comunidades em que membros jovens começam a escassear também tendem a perder seu apelo missionário para outros jovens. Por isso os shakers ficaram velhos demais e se deterioraram.” Alguns grupos religiosos cismáticos também brincaram um pouco demais com o imperativo reprodutivo de Deus, chegando até a explorar a eugenia ao tentar “aperfeiçoar” a prole comunal. Mas um plano deliberado de procriação humana como esse pode malograr, caso signifique também impedir as pessoas de se reproduzirem segundo sua vontade pessoal. Esse foi um dos fatores da ruína da Comunidade Oneida, do norte do estado de Nova York, uma comunidade cristã do século XIX que tinha uma visão muito prática – quase prática demais – da sexualidade humana. A reprodução era estritamente regulada por um sistema eugênico conhecido como “estirpicultura”. Ao longo de várias gerações, os médicos da comunidade Oneida acasalaram homens e mulheres

cuidadosamente selecionados por sua saúde genética (vi algumas fichas médicas manuscritas quando examinava os arquivos do Kinsey Institute, e posso lhe assegurar que o sistema de procriação era real e meticuloso). As crianças que nasciam através desse processo de seleção artificial eram criadas comunalmente, e o vínculo materno era desencorajado. Para evitar crianças não planejadas, não produzidas por engenharia, os membros da Comunidade Oneida implementavam uma série de controles, um dos quais consistia em estimular meninos adolescentes a fazer sexo com mulheres já na menopausa. Isso saciava simultaneamente as libidos de ambas as partes e, ao forjar alianças pessoais entre os dois, fornecia aos jovens uma importante tutelagem ecumênica exercida por mulheres mais velhas muito devotas. Homens adultos praticavam a continência masculina, uma “técnica” sexual em que os homens não ejaculam durante o intercurso; uma vez que Oneida admitia também relações poliamorosas, isso era fundamental para os propósitos da estirpicultura. Tudo isto pode soar lógico na teoria, até notavelmente racional em se tratando de religiões, mas as regulações estritas significaram uma morte rápida para a Comunidade Oneida. Após cerca de apenas trinta anos, e tendo chegado a seu apogeu com apenas cerca de duzentos membros, a comuna religiosa dissolveu-se oficialmente em 1881. Seus membros, presumivelmente de boa cepa genética mas escassos em número, passaram a se dedicar ao comércio de prataria; hoje a Comunidade Oneida é conhecida como a companhia extremamente bem-sucedida Oneida Limited. Em contraposição, religiões igualmente isoladas, não proselitistas, que estimulam seus membros a propagar alelos da maneira antiquada – como os judeus ortodoxos, os huteritas e os amish – e além disso enfatizam a fé “nativa” em que os membros do grupo nascem e são doutrinados, estão prosperando. A história dos amish, marcada por uma explosão exponencial em seus números num espaço muito curto de tempo, é particularmente impressionante. Os amish emergiram como um ramo do movimento anabatista na esteira da Reforma Protestante na Europa, e cerca de quatro mil deles fugiram da Alemanha para evitar perseguição e encontraram refúgio nos Estados Unidos e no Canadá durante o século XVIII e início do século XIX. A maioria das pessoas sabe que os amish vivem extremamente isolados, evitando todo contato com o mundo não amish – exceto durante o breve período Rumspringa (ou “pular por aí”), em que jovens amish ainda não batizados flertam com as diabólicas coisas boas do exterior antes de decidir se querem ou não retornar para sua família e sua fé. Para rapazes, um incentivo para retornar à comunidade é que se você quiser fazer sexo (isto é, casar-se) com uma moça amish local, precisa ter sido batizado antes, o que só é possível para os que voltam para casa. Oitenta por cento o fazem. O que você talvez não saiba é que a população amish vem crescendo desde a chegada da seita ao Novo Mundo. Com taxas de crescimento oscilando entre 4% e 6% ao ano, seus números dobram de vinte em vinte anos, aproximadamente. Em 2008 eles eram 231 mil; no ano anterior, 218 mil. Ter filhos é uma bênção do céu, mas também um dever oficial. Com uma média de seis a oito filhos nascidos para cada mulher amish, e com 80% dos jovens retornando ao grupo depois de seu Rumspringa, é fácil compreender essa extraordinária taxa de crescimento. O que é especialmente irônico, salienta Blume, é que o país de origem dos amish, a Alemanha, vem sucumbindo há décadas a acentuados declínios da população: “O fechamento das igrejas foi seguido pelo dos playgrounds, jardins de infância, escolas e aldeias inteiras.” Portanto, pelo menos em termos puramente numéricos, parece que os amish – por muito tempo ridicularizados por seus compatriotas europeus como os “alemães patetas” que não queriam abrir mão de suas tolas crenças arcaicas –

estão rindo por último. De fato, a pesquisa de Blume também mostra muito vividamente que pessoas seculares, não religiosas, estão se reproduzindo em taxas muitíssimo menores que pessoas religiosas de qualquer fé. Através de uma larga faixa de dados demográficos relativos à religiosidade, os devotos estão ganhando força em termos de filhos gerados. Por exemplo, há uma correlação positiva em nível global entre a frequência de comparecimento ao serviço religioso pelos pais e o número de filhos. Os que “nunca” comparecem a serviços religiosos têm, numa média mundial, 1,67 filho durante a vida; entre os que o fazem “uma vez por mês” a média sobe para 2,01 filhos; “mais de uma vez por semana”, 2,5 filhos. Esses números crescem – e rapidamente. Alguns dos dados mais fortes das análises de Blume, no entanto, vêm de um levantamento conduzido pelo Departamento Suíço de Estatísticas em 2000. Esses dados são especialmente valiosos porque quase toda a população da Suíça respondeu a esse questionário – 6.972.244 pessoas, correspondendo a 95,67% da população –, que incluiu uma pergunta sobre filiação religiosa. “Os resultados são extremamente significativos”, escreve Blume. “Mulheres de todas as categorias denominacionais dão à luz muito mais crianças que aquelas sem filiação religiosa. E isto se aplica até àquelas comunidades (judaica e cristã) que combinam quase o dobro de nascimentos com porcentagens maiores de professores universitários e classes de renda mais alta que seus contemporâneos suíços sem filiação religiosa.” Em outras palavras, não se trata apenas de que pessoas “instruídas” ou da “classe alta” têm menos filhos e tendem também a ser menos religiosas; mesmo que essas coisas sejam estatisticamente controladas, a religiosidade, por si só, permite prever o número de filhos que as mães têm. Mesmo em denominações religiosas turbulentas, que põem sua ênfase na conversão de infiéis, como as Testemunhas de Jeová, as mulheres reproduzem mais que as não religiosas. Por outro lado, os hindus (2,79 nascimentos por mulher), muçulmanos (2,44) e judeus (2,06) são prolíficos produtores de seres humanos. Mães suíças não religiosas têm míseros 1,11 filho. Blume reconhece, é claro, que não se pode inferir demais desses dados. Não está inteiramente claro se ser religioso leva as pessoas a ter mais filhos ou se – como é um pouco menos plausível, mas também possível – a ligação segue a direção contrária (com pessoas que têm mais filhos tornando-se mais religiosas). É muito provável que ocorram as duas coisas. Apesar disso, Blume especula sobre intrigantes caminhos causais associados ao fato de pessoas religiosas terem mais filhos. Sabemos por estudos de gêmeos, por exemplo, que os componentes emocionais da religiosidade são hereditários. A palavra “religiosidade” designa a intensidade dos sentimentos associados à religião, não o conteúdo proposicional de crenças particulares. (Em outras palavras, um gêmeo idêntico pode ser um ateu arrebatado enquanto o outro é um pastor evangélico, mas ambos são impetuosos e preocupados com Deus.) Assim, Blume supõe que quaisquer filhos nascidos de pais religiosos são não apenas impregnados de sua fé através de sua cultura, mas também geneticamente mais suscetíveis à doutrinação que filhos de pais não religiosos. Seja como for, a situação em seu conjunto não parece propícia para movimentos secularistas. A biologia evolucionária opera segundo uma lei de números, não de sentimentos racionais. Blume, que não tenta esconder suas próprias crenças religiosas, vê a cruel ironia que existe nisso também: “Alguns naturalistas estão tentando livrar-se de nossas habilidades evolutivas de religiosidade citando a biologia. Mas, de uma perspectiva evolucionária, tanto quanto de uma perspectiva filosófica, pode parecer bastante estranho tentar derrotar a natureza com argumentos naturalísticos.”

Como uma alma ateia gay sem filhos, nascido de um nada rígido casal inter-religioso, suspeito que, talvez felizmente, meus próprios genes têm um futuro muito mortal pela frente. Quanto ao resto de vocês, casais heterossexuais não religiosos que estão lendo isto, joguem fora seus contraceptivos e ocupem-se na cama. É isso, ou percam as esperanças, Deus não vai desaparecer tão cedo.

Criando raízes com minha mãe morta

O DIA DAS MÃES ESTÁ PARA SEMPRE marcado em mim com uma certa tristeza, porque foi o dia em que acompanhei minha mãe, muitos anos atrás, até o cemitério em que ela está enterrada desde então. Bem, isto não é inteiramente verdade. Ela não morreu exatamente naquele dia; a morte ainda demoraria mais seis meses para chegar. Estivemos na agência funerária para comprar um lustroso caixão novo e tomar as providências finais para seu cadáver, um visitante indesejado que não demoraria a chegar, embora nem os médicos pudessem dizer quando isso ocorreria ao certo. Ainda que apenas para sua paz de espírito, ela estava decidida a pôr em ordem as minúcias financeiras e administrativas que vêm com a morte de um ser humano. Afinal, assim que o cordão umbilical é cortado, começamos a nos prender a regras e regulações burocráticas, um cipoal que fica mais denso a cada ano que passa, de modo que ao final morremos emaranhados nele. Não sei por que ela escolheu logo o Dia das Mães, entre todos os outros, para uma tarefa tão lacrimosa quanto essa, mas ela tinha certo ar de atriz trágica – o que, eu poderia acrescentar, era bem merecido, em face de tudo por que passara. Antes de fazer quarenta anos, ela sofrera uma mastectomia em razão de um câncer de mama, junto com várias longas rodadas de quimioterapia. Dentro da mesma década meus pais passariam por um súbito e doloroso divórcio, e poucos meses depois do divórcio, justamente quando “estava conseguindo se reerguer”, minha mãe foi atingida por um outro golpe pesado, sendo diagnosticada com um câncer ovariano em estágio avançado, e teve de se submeter a mais cirurgias e enfrentar mais sete anos de quimioterapia. Ela morreu – relutantemente – com apenas 54 anos. É uma história muito triste, nem é preciso dizer, e infelizmente compartilhada por muitas outras mães amorosas e maravilhosas que não estarão conosco no próximo Dia das Mães. O fato de que eu estava conduzindo uma pesquisa sobre as crenças das pessoas numa vida após a morte quando ela morreu devia-se quase inteiramente às muitas conversas teoricamente inspiradoras e perceptivas que tivemos quando ela tentava imaginar sua própria vida após a morte. (Ela tendia para o materialismo científico, mas não era ateia e tinha uma mente aberta em relação a toda essa questão, creio que é seguro dizer.) Entre os aspectos mais desagradáveis dessa história – tanto para ela na época quanto para meus irmãos e para mim até hoje – foi a logística sombria de organizar seu sepultamento. O que mais ficou gravado na minha mente de todo aquele Dia das Mães de 2000 foi a imagem de minha mãe com seus dedos trêmulos folheando um catálogo, semelhante aos das cadeias de lojas de luxo, que lhe foi entregue pelo agente funerário muito amável, mas insensível. Era um livreto bastante grosso, cheio de imagens lustrosas de todos os últimos modelos de caixões, câmaras mortuárias, urnas, catafalcos, lápides e outros novos produtos então em voga funerária, sendo essa coleção particular especialmente adequada para cadáveres de classe média. Como ela morreu perto de Fort Lauderdale, desejosa de ficar mais próxima de sua própria mãe, encontrava-se numa parte do país

especialmente lucrativa para a indústria da morte, pois a área concentra grande população idosa. Todo o incidente aquele dia deixou um gosto ruim em minha boca. Havia alguma coisa de tão plástico, tão escorregadio, tão “comercial” naquele negócio da morte que ele – mais ou menos como o resto do superdesenvolvido sul da Flórida, em que esse cemitério sem graça, adjacente a uma autoestrada, está situado – me pareceu frio demais. Os cemitérios modernos, com seus lotes sem nenhuma delimitação, suas sebes perfeitamente manicuradas e lápides de aparência idêntica, tornaram-se lugubremente parecidos com os subúrbios; ou talvez os subúrbios tenham se tornado lugubremente parecidos com cemitérios. De uma maneira ou de outra, o que mais me incomoda é que, olhando para trás, isso não precisava ter sido assim. A morte raramente é agradável, é claro, não importa como nos desfaçamos do cadáver. Nos últimos anos, porém, tornei-me cada vez mais interessado em “sepultamento verde”, um termo amplo que designa qualquer prática funerária “alternativa” em que o morto é enterrado num caixão ou mortalha biodegradável, muitas vezes em reservas florestais, e sem conservantes embalsamadores (fluidos que mantêm um cadáver com boa aparência, em geral apenas para que possa ser visto) que retardam e perturbam enormemente o processo de decomposição. Embora isto seja objeto de permanente debate e as implicações reais para a saúde permaneçam obscuras, esses produtos químicos embalsamadores podem se tornar contaminadores à medida que formaldeído e outros agentes potencialmente carcinogênicos forem absorvidos pelo solo e pelo lençol freático. Os defensores do sepultamento verde colocaram a questão quase inteiramente em termos de evitar o tremendo impacto do enterro tradicional. Considere que, a cada ano, os americanos enterram 827.060 galões de fluido embalsamador, 90.272 toneladas de aço (caixões), 2.700 toneladas de cobre e bronze (caixões), 1.663.000 toneladas de concreto reforçado (câmaras mortuárias) e mais de 70.800 metros cúbicos de madeira de lei (grande parte dela tropical; caixões). Além disso há os incontáveis hectares terraplenados para esses indisfarçados aterros sanitários de restos humanos sintéticos. A cremação não constitui um aperfeiçoamento muito grande em relação a essas coisas. A subida na forma de fumaça pode usar menos recursos naturais que o enterro tradicional, mas também consome uma significativa quantidade de combustíveis fósseis. O Trust for Natural Legacies, uma organização sem fins lucrativos de conservação do solo que trabalha para impulsionar o crescimento sustentável de práticas verdes de sepultamento no Meio-Oeste, fez a seguinte declaração: “Seria possível dirigir mais de 7.700 quilômetros com a energia equivalente à usada para cremar uma pessoa – e ir e voltar à Lua 83 vezes com a energia usada em todas as cremações feitas em um ano nos Estados Unidos.” Há também o problema não desprezível do mercúrio que é liberado na atmosfera sempre que uma pessoa com obturações dentais de amálgama é cremada. Essas preocupações ambientais por si sós tornam o enterro verde uma solução óbvia. Mas como psicólogo, e alguém que também teve uma experiência pessoal negativa ao enterrar uma pessoa amada da maneira tradicional, penso que nossa concepção da morte e do sepultamento precisa ser seriamente repensada. Vamos fechar a tampa sobre essas práticas culturais laminadas anônimas, impelidas pelo lucro, com que temos sido todos tão complacentes. Tem de haver uma maneira melhor de lidar com essas coisas do que a que temos adotado todos esses anos. E uma forma específica de enterro verde, que vou resumir em seguida, é benéfica para todos. Embora a ideia de enterros verdes em reservas florestais ou ambientes semelhantes a parques

não seja nova, e constitua provavelmente uma perspectiva desejável para certas futuras almas mortas que prefeririam o esquecimento absoluto, parece-me que isso não atrairá a maioria das pessoas porque nós, seres humanos, tendemos a ter uma premente necessidade de “imortalidade simbólica”. Esta expressão foi cunhada pelo antropólogo cultural Ernest Becker em seu livro A negação da morte, mas desde então vem sendo empiricamente desenvolvida por cientistas que trabalham com a teoria do controle do terror. A ideia básica por trás da imortalidade simbólica é que artefatos culturais que sobrevivem à morte literal do indivíduo, contendo ao mesmo tempo algum lembrete de sua existência especial, podem reduzir de maneira significativa a ansiedade humana perante a morte. A teoria do controle do terror e este construto têm muitas nuances, mas o ponto importante a mencionar aqui é que um sentimento de imortalidade simbólica pode ser obtido por marcadores concretos de prosperidade, qualquer coisa, desde bancos num parque com o nome do falecido gravado em ouro a lápides num cemitério, passando por iniciais entalhadas no tronco de uma árvore ou grafites num vagão de carga. Assim, embora possam ser desnecessariamente sombrios, os cemitérios convencionais pelo menos satisfazem essa necessidade psicológica das pessoas de permanecer implantadas, ainda que apenas simbolicamente, por meio de lápides de granito sem vida, na cultura imortal. Para que a indústria do sepultamento verde decole um dia e comece a atrair mais pessoas, suspeito que essa seja uma questão fundamental – a celebração física – que seus defensores vão precisar enfrentar. Parece-me que uma maneira de resolver esse problema, permanecendo ao mesmo tempo fiel à filosofia central do enterro verde, é enterrar as pessoas debaixo de uma árvore específica – uma arvorezinha nova de sua escolha alimentada por seu corpo em decomposição embaixo dela. Em condições favoráveis de solo, um corpo não embalsamado, com esqueleto e tudo, pode se decompor inteiramente em quinze a 25 anos. Mas muitas espécies de árvores, não esqueçamos, podem viver por muitas centenas de anos (algumas, por milhares). Imagine que um dia, ao tomar as providências finais na agência funerária, você e seus entes queridos pudessem escolher entre uma ampla variedade de espécies de árvores coabitáveis para encontrar exatamente aquela condizente com seu ser fabulosamente inesquecível – isso em vez de folhear um catálogo cheio de caixões, ataúdes e criptas como minha mãe viu-se fazendo. Não só sua morte alimentará uma nova vida, mas você também estará salvando mais uma árvore, aquela que teria sido sacrificada em seu benefício na forma de um caixão produzido em massa, com alças de plástico. Além de proporcionar uma dose saudável de imortalidade simbólica, essa forma de enterro sob uma árvore específica atenderia a um outro aspecto central de nossa psicologia. Nos últimos anos, pesquisadores descobriram que os seres humanos operam com uma forte tendência essencialista. Tendemos a raciocinar implicitamente, e muitas vezes explicitamente, como se a “essência” inobservável de uma pessoa fosse transmitida através do contato físico com ela. Você provavelmente recuaria ante a ideia de usar os óculos de um molestador de crianças, ou a camiseta lavada de um assassino serial, mas tem dificuldade em expressar precisamente por que usar esses objetos lhe causa tanta aversão. De maneira semelhante, você pode ter o anel de casamento de sua falecida avó, ou a camisa usada de seu jogador de futebol favorito enfiada em algum lugar, e tem carinho por esses objetos por estarem estreitamente ligados a essas pessoas adoradas. No presente contexto, digamos que você enterrou seu cachorro querido sob uma roseira em seu jardim. Se você for pelo menos um pouco parecido comigo, terá uma maior afinidade com essa roseira do que com

outras, e lhe seria especialmente desagradável se, digamos, alguém a desenraizasse e sacudisse na sua frente. Agora imagine um cemitério inteiramente novo, um terreno planejado, verdejante, cuidado por arboricultores treinados e cheio não de fileiras de pedras tumulares desinteressantes e desmoronando, mas sim de fileiras de árvores vivas. Cada árvore, selecionada segundo sua compatibilidade com a região e outros fatores de adequabilidade tal como aconselhados pelo staff arboricultor, simbolizaria uma existência humana singular. (Não devemos nos empolgar, mas talvez uma placa ou marcador possa ser acrescentado também, reforçando o elemento simbólico de imortalidade, mas a estética iria, é claro, variar.) Essas não seriam simples árvores plantadas em memória dos mortos, mas híbridos frondosos cujas veias absorveram vidas humanas individuais. Vou me arriscar aqui e dizer que, mesmo que não acreditemos em uma versão etérea ou religiosa da vida após a morte, é bastante difícil escapar à ilusão cognitiva de que a essência inobservável de cada pessoa foi de algum modo transmudada pouco a pouco para sua árvore individual. Duas enormes nogueiras crescendo lado a lado, com galhos entrelaçados, parecem de algum modo mais do que meras árvores quando nos é dito que estão de fato crescendo sobre o que foram outrora um marido e uma mulher que viveram séculos atrás. Não faltam imagens essencialistas idílicas como esta – netos subindo nos braços do avô, crianças que foram enfermiças durante sua vida agora explodindo com as cores flamejantes do outono, vencedoras de concursos de beleza para sempre fragrantes com imaculadas flores de cereja, bebês natimortos agora carvalhos magníficos. Levaria algum tempo, é claro, para que esse arboreto chegasse à plena maturidade. Mas para que pressa? Na verdade, a notória dificuldade de nossa espécie em imaginar sua própria inexistência psicológica é ainda mais um fator cognitivo que torna essa forma particular de enterro verde atraente. Como não temos nenhuma analogia apropriada para o estado de inexistência da morte (não somos capazes de recriar conscientemente em nossas cabeças “como era” quando estávamos sob anestesia geral, ou antes de termos sido concebidos, ou mesmo durante o sono sem sonhos, não REM, da noite passada), o mais perto que conseguimos chegar de apreender mentalmente “como será” estar morto reifica inevitavelmente o nada. Com o sepultamento sob árvores específicas, esse princípio de limitação da simulação da vida após a morte encontra uma saída não religiosa, ou até religiosa. Por exemplo, você poderia não acreditar que foi literalmente reencarnado ou renascido na árvore, mas imaginando o crescimento e o rejuvenescimento dela ano após ano através de todos os séculos de atividades sociais humanas ainda por vir, você terá muita dificuldade em impedir de atribuir algumas de suas próprias emoções a esse caráter vivo da árvore. Eu certamente gostaria de abraçar uma jovem palmeira na Flórida este fim de semana. Claro, teria de me preocupar novamente com a saúde de mamãe, com a possibilidade de ela pegar uma grave infestação por broca ou talvez de ser rudemente partida em dois por um raio. Mas nós teríamos incluído esses “atos de Deus” no contrato, o agente funerário e eu.

PARTE VIII

Rumo às profundezas: trabalho existencial em laboratório

Ser suicida: matar-se é adaptativo? Depende: suicídio em benefício dos próprios genes (Parte I)

A MAIOR PARTE DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA é a ciência de ser e sentir-se como um ser humano, e como há apenas um ser humano que tenho ou terei algum dia a experiência de ser, nem sempre fica claro para mim onde termina minha carreira e começa minha vida pessoal. Isso tem sido especialmente verdadeiro nos últimos tempos, pois, como ocorreu com muitos outros comentadores gays adultos e observadores horrorizados, o grande número de suicídios de adolescentes gays que teve lugar nos últimos anos reacendeu lembranças de minhas próprias batalhas adolescentes com pensamentos suicidas. Há muito a dizer sobre isso, de fato, porque me voltam à mente muitas das teorias e estudos iluminadores sobre suicídio com que deparei e que me ajudaram a compreender – e, mais importante, a superar – aquele desejo horrivelmente embriagador de me livrar prematuramente de um inferno que parecia interminável. Se pelo menos eu pudesse ter estendido a mão e segurado a fralda da camisa de Tyler Clementi da Universidade Rutgers antes que ele saltasse da ponte George Washington, ou enfiado as pontas dos dedos entre a corda e o pescoço de Seth Walsh, de treze anos, antes que ele se pendurasse de uma árvore em seu quintal, eu lhes teria dito que sua orientação sexual os põe na companhia de algumas das maiores figuras e anjos seculares da história criativa – para citar apenas alguns, Michelangelo, Caravaggio, Oscar Wilde, Andy Warhol, Leonardo da Vinci, Marcel Proust, Jean Genet, Hans Christian Andersen e Tchaikovsky. Por fim, eu lhes falaria sobre a pesquisa científica e as ideias que vou compartilhar com você, ideias muito claramente delineadas de estudiosos brilhantes, que poderiam ter penetrado em sua cognição suicida o bastante para lhes permitir respirar com um pouco mais de facilidade através dessas emoções negativas sufocantes. Uma compreensão científica do suicídio é útil não apenas para adolescentes gays vulneráveis, mas para todos aqueles que se encontram em algum momento em condições favoráveis ao suicídio. Digo “favoráveis” ao suicídio porque há trabalhos convincentes – todos inspirados pelas ideias em grande parte esquecidas que Denys deCatanzaro divulgou no início dos anos 1980 – indicando que o suicídio humano é uma estratégia comportamental adaptativa cuja frequência torna-se cada vez maior sempre que há um conjunto perfeito de variáveis sociais, ecológicas, de desenvolvimento e biológicas atuando como fatores numa equação evolucionária. Em suma, deCatanzaro postulou que os cérebros humanos são projetados pela seleção natural de maneira a nos estimular a pôr fim a nossas vidas quando enfrentamos certas condições, porque isso foi melhor para os interesses genéticos globais de nossos ancestrais suicidas. Para humanitários de bom coração, pode soar bastante estranho, talvez até quase insensível, ouvir que o suicídio é “adaptativo”. Mas lembre-se de que, em termos evolucionários, essa palavra significa uma coisa muito diferente do que quando usada em contextos clínicos. Como a seleção natural opera somente em fenótipos, não em valores humanos, até as mais sombrias emoções

humanas podem ser adaptativas se motivarem decisões comportamentais que melhoram os genes. Não que a evolução seja cruel, mas como um mecanismo irracional ela não se preocupa nem deixa de se preocupar com indivíduos particulares; a seleção, afinal, não é conduzida por um cérebro real que alimente quaisquer sentimentos sobre, bem, absolutamente qualquer coisa. Em nenhum caso esse fato sério fica tão em evidência quanto no suicídio adaptativo. Dizer que o suicídio é adaptativo pode também soar estranho de uma perspectiva evolucionária, porque aparentemente isso fere o primeiro princípio geral da evolução, que é sobreviver e reproduzir. No entanto, como o famoso princípio da aptidão inclusiva de William Hamilton elucidou tão claramente, o que importa é a proporção de nosso material genético que sobrevive em gerações futuras; assim, se nossa própria sobrevivência se dá à custa da capacidade de nossa família genética de transmitir seus genes, sacrificar a própria vida por um ganho genético líquido pode ter sido ancestralmente adaptativo. Mas não nos precipitemos. Primeiro, vamos esclarecer o argumento do suicídio como adaptação com alguns exemplos não humanos, que vêm sobretudo dos mundos dos insetos e dos artrópodes. Tome as aranhas-de-dorso-vermelho (Latrodectus hasselti) australianas do sexo masculino, por exemplo, que parecem contentes ao serem canibalizadas durante o sexo pelas fêmeas – para dizer o mínimo – sexualmente agressivas da espécie. Além de estragar um ato de outra forma prazeroso, ser comido vivo durante a copulação pareceria contrariar frontalmente o senso comum de uma perspectiva evolucionária. Mas quando biólogos examinaram com mais atenção esse sexo entre aranhas, perceberam que machos que são canibalizados copulam durante mais tempo e fertilizam mais óvulos que os que não são, e que, de fato, quanto mais canibalesca é uma aranha-de-dorso-vermelho, mais desejável ela parece aos machos, chegando mesmo a rejeitar mais pretendentes machos que suas companheiras menos canibalescas. Um outro exemplo são as mamangabas (Bombus lucorum), uma espécie de abelha que é muitas vezes parasitada por pequenas moscas conopídeas que inserem larvas no seu abdome. Depois de infectada, a abelha morre em cerca de doze dias, e as moscas parasíticas desenvolvem-se em pupas até emergirem no verão seguinte. O que há de interessante nisso, contudo, é que as mamangabas parasitadas partem essencialmente para cometer o suicídio, abandonando sua colônia e passando o resto de seus dias sozinhas em distantes prados floridos. Ao fazê-lo, essas mamangabas infectadas estão levando as moscas para longe de sua família não infectada, e, ao proteger a colônia da infestação, estão aumentando a aptidão inclusiva. A lição decisiva a tirar desses exemplos não humanos é que o organismo suicida não está pesando de maneira consciente os custos de sua própria sobrevivência contra ganhos de aptidão. Aranhas-de-dorso-vermelho e mamangabas não estão fazendo cálculos racionais, sacrificando-se em atos heroicos de altruísmo, ou tecendo considerações filosóficas sobre sua própria mortalidade. Em vez disso, elas são meros fantoches no barbante invisível dos algoritmos comportamentais evolutivos, com sistemas neurais respondendo a gatilhos específicos. E, diz deCatanzaro, o mesmo ocorre com seres humanos suicidas cujas emoções por vezes levam a melhor sobre eles. Voltemos nossa atenção agora para o suicida humano. Para cristalizar sua posição, apresento o “modelo matemático de autopreservação e autodestruição” de deCatanzaro (c.1986): , onde Ψi = o grau ótimo de autopreservação expresso pelo indivíduo i (a capacidade residual de promover aptidão inclusiva); ρi = o potencial reprodutivo restante de i; ρk = o potencial

reprodutivo restante de cada membro da família k; bk = um coeficiente de benefício (valores positivos de bk) ou de custo (valores negativos de bk) para a reprodução de cada k fornecida pela existência continuada de i (−1 ≤ b ≤ 1); rk= o coeficiente de relação genética de cada k com i (irmão, pais, filho = 0,5; avós, neto, sobrinho ou sobrinha, tio ou tia = 0,25; primo em primeiro grau = 0,125 etc.) Para os que não têm pendor para matemática, tudo isso pode ser traduzido da seguinte maneira: as pessoas são mais propensas a cometer suicídio quando suas perspectivas reprodutivas diretas são desencorajadoras e, simultaneamente, sua existência continuada é percebida, correta ou incorretamente, como reduzindo a aptidão inclusiva ao interferir com a produção genética de sua família. É importante destacar que deCatanzaro, bem como outros pesquisadores independentes, apresentou dados em apoio a esse modelo adaptativo. Num estudo publicado em 1995 na Ethology and Sociobiology, por exemplo, deCatanzaro administrou um questionário de 65 itens incluindo questões sobre demografia (como idade, sexo e instrução), número e grau de dependência de filhos, netos, irmãos e filhos de irmãos, “peso percebido para a família”, significação percebida de contribuições para a família e a sociedade, frequência de atividade sexual, homossexualidade, número de amigos, solidão, tratamento recebido dos outros, bem-estar financeiro e saúde física, sentimentos de satisfação, depressão e esperança em relação ao futuro. Os sujeitos foram indagados também sobre seus pensamentos e comportamentos suicidas – por exemplo, se haviam alguma vez pensado em suicídio, se já o haviam tentado alguma vez no passado ou pretendiam tentá-lo alguma vez no futuro. O questionário foi aplicado a uma amostra aleatória da população geral de Ontário, mas também a grupos específicos escolhidos, inclusive moradores de lares para cidadãos idosos, pacientes internados num hospital psiquiátrico, homens presos indefinidamente por crimes antissociais e, por fim, homens e mulheres exclusivamente gays. Muitos achados fascinantes – e bastante tristes – emergiram desse estudo. Por exemplo, os níveis mais altos de ideação suicida recente estavam entre os homossexuais do sexo masculino e os pacientes psiquiátricos, ao passo que a população da prisão mostrou o maior número de tentativas anteriores de suicídio. “As coisas melhoram”, sem dúvida, mas estamos sempre em risco, e esse modelo evolucionariamente informado ajuda indivíduos gays a enfrentar e compreender a lamentável realidade. Mas a importante mensagem a extrair é que o padrão de dados correlacionais mostrou-se de acordo com aqueles previstos pelo modelo evolucionário de deCatanzaro. O autor faz a importante ressalva de que “a natureza observacional deste estudo limita inferências causais fortes”, mas, ainda assim: “O perfil das correlações está de acordo com a noção de que a ideação suicida está relacionada a uma conjunção de más perspectivas reprodutivas e senso de valor para a família diminuído. A concordância dos dados com a hipótese fica clara em relações confiáveis de padrões reprodutivos e produtivos com a ideação suicida.” Algo que vale a pena ressaltar nesses dados é a significativa mudança associada ao desenvolvimento que ocorre no algoritmo motivacional. Enquanto a atividade heterossexual é o melhor preditor inverso de pensamentos suicidas entre amostras mais jovens, isso é em grande parte substituído entre os idosos por preocupações com as finanças, a saúde e, em especial, a sensação de “peso percebido” para a família. Alguns anos depois da publicação desse relato na Ethology and Sociobiology, um estudo de acompanhamento publicado na Suicide and Life-

Threatening Behavior, conduzido por um grupo independente de pesquisadores que buscava submeter o modelo de deCatanzaro a mais provas, replicou as mesmas tendências previstas. Por mais que esse modelo me pareça convincente, ainda tenho uma questão a que a argumentação básica de deCatanzaro não responde, por isso lhe pedi esclarecimento. Basicamente, eu queria saber como os padrões suicidas dos seres humanos contemporâneos se relacionam com os de nossos parentes ancestrais, que presumivelmente enfrentaram as condições em que a adaptação se desenvolveu originalmente, mas que, sob muitos aspectos, viveram num mundo muito diferente do nosso. Afinal, mesmo com armas de fogo, facas e medicamentos à nossa disposição, cometer suicídio não é sempre uma coisa fácil de fazer, em termos práticos. Num artigo publicado na Psychological Review, por exemplo, a psiquiatra Kimberly van Orden e colegas citam o caso de uma suicida particularmente tenaz: “[Ela] era descrita como socialmente isolada quando tentou suicídio com uma quantidade e um tipo desconhecido de analgésico e também cortou suas artérias do pulso. Essa ação levou a certo grau de inconsciência, do qual ela acordou … . Depois ela se jogou diante de um trem, o que foi a causa final de sua morte.” Agora considere os métodos de suicídio que teriam estado disponíveis a nossos antigos parentes num ambiente de escassa tecnologia – talvez um salto de uma grande altura que, mesmo sendo malsucedido, poderia ao menos ocasionar ferimentos suficientes para que ela acabasse morrendo de uma infecção. Fome. Exposição aos elementos. Afogamento. Enforcamento. Oferecerse a um predador faminto. Certo, talvez houvesse mais métodos à disposição de nossos antepassados do que supus. Mas você entende o que quero dizer. Hoje, mover um dedo apenas um milímetro num gatilho é uma rota mais segura para o olvido que qualquer coisa que nossa espécie tenha algum dia conhecido antes; é tão simples atualmente que é como se os donos de armas de fogo tivessem um botão de “desligar”. (Essa é uma das muitas razões por que não tenho um revólver; o algoritmo do suicídio de deCatanzaro é estocástico, o que significa que o número que ele gera para um dado indivíduo está em constante estado de fluxo.) Mas deCatanzaro não vê os avanços técnicos como particularmente problemáticos para seu modelo. Não é fácil encontrar fósseis de australopitecíneos ou de Homo sapiens primitivos suicidas, é claro. Mas, como ele me escreveu: As evidências indicam taxas apreciáveis de suicídio ao longo de toda a história registrada e em quase todas as culturas que foram meticulosamente estudadas. Ao que parece, o suicídio foi muito comum nas civilizações grega e romana. Estudos antropológicos indicam muitos casos em culturas tecnologicamente primitivas tão diversas quanto as ameríndias, inuítes, africanas, polinésias e indonésias, bem como entre tribos menos desenvolvidas da Índia. O autoenforcamento era um dos métodos de suicídio mais comuns nessas culturas. Há também dados de países desenvolvidos comparando taxas de suicídio desde o final do século XIX até o século XX. Esses dados mostram notável constância das taxas nacionais de suicídio ao longo do tempo, apesar de muitas mudanças tecnológicas. Pode-se inferir, portanto, que os dados não mostram realmente um maior aumento do suicídio nos tempos modernos, embora se deva ressalvar que pode ter havido mudanças nas distorções sistemáticas ocorridas no registro dos casos. É interessante notar que os métodos de suicídio mudaram muito mais do que as taxas. Por exemplo, no Japão o enforcamento prevaleceu até 1950, após o que comprimidos e venenos tornaram-se o método mais usado. Na Inglaterra e no País de Gales, enforcamento e afogamento

eram comuns no final do século XIX, mas foram progressivamente substituídos por medicamentos e envenenamento por gás. Talvez os motivos tenham se mantido mais constantes que os meios. A tese de deCatanzaro de que o suicídio é adaptativo me parece ao mesmo tempo convincente e intrigante. Mas creio que ela precisa ser respaldada por mais pesquisas. Por exemplo, a lógica da aptidão inclusiva deveria aplicar-se a absolutamente todas as espécies sociais na face da Terra, então por que há uma diferença tão óbvia entre a frequência de suicídios em seres humanos e outros animais? Cada ano, até 20 milhões de pessoas no mundo todo tentam se suicidar, com cerca de um milhão delas consumando o ato. Essa é uma significativa minoria das mortes – e quase mortes – em nossa espécie. E há razão para se suspeitar que animais não humanos usados como modelos (como mamangabas parasitadas, baleias encalhadas na praia, lemingues saltadores e chimpanzés enlutados) podem não ser bons análogos para o suicídio humano. Em nossa própria espécie, o suicídio significa em geral a tentativa deliberada de pôr fim a nossa existência psicológica – ou ao menos a essa existência psicológica particular. E embora a maior parte dos outros relatos de “autodestruição” no mundo natural pareça envolver algum tipo de predação interespecífica ou manipulação parasítica, os suicídios humanos são mais frequentemente impelidos por avaliações interpessoais negativas feitas por outros membros de nossa própria espécie. De fato, Robert Poulin, o zoólogo que descreveu pela primeira vez o comportamento alterado daquelas mamangabas parasitadas, chega a instar os pesquisadores a terem cautela ao se referirem a esses exemplos como “suicídio”: “A adoção de um estilo de vida mais perigoso por um inseto que está condenado a morrer em breve pode ser adaptativa em termos de aptidão inclusiva, mas não mais suicida que, por exemplo, a conduta de um animal em processo de envelhecimento que corre riscos para se reproduzir na presença de um predador quando sua morte inevitável se aproxima.” Acredito que o suicídio, como a masturbação possibilitada pela fantasia, requer processos sociais cognitivos evolutivos relativamente únicos – neste caso, penosamente únicos – de nossa espécie. Contam-se muitas histórias, é claro, mas não há casos confirmados de suicídio em nenhuma espécie primata não humana. Embora haja certos casos de comportamentos autoinjuriosos, como a autolimpeza excessiva, eles se limitam quase sempre a ambientes sociais tristes ou anormais, como laboratórios biomédicos ou jardins zoológicos. Sim, há notícia de jovens chimpanzés enlutados que se deixam morrer de fome por depressão após a morte de suas mães, mas não há evidência de manifestações letais autoinfligidas em macacos e antropoides. Talvez Jane Goodall possa me corrigir se eu estiver errado a este respeito, mas, pelo que sei, não há casos em que chimpanzés tenham sido observados subindo até o galho mais alto que puderam encontrar… e pulando. Creio que parte da resposta para essa misteriosa diferença entre as espécies pode ser encontrada em um outro modelo de suicídio, este da autoria do psicólogo Roy Baumeister, que sempre vi como o nível “mais próximo” do nível “máximo” de explicação do suicídio de deCatanzaro. Estas não são explicações alternativas do suicídio humano, mas profundamente complementares. Enquanto deCatanzaro explica o suicídio em termos de dinâmica evolucionária, Baumeister dirige sua atenção para os processos psicológicos específicos, a lente subjetiva através da qual uma pessoa suicida vê o mundo. Seu modelo descreve o motor que promove ativamente a resposta adaptativa do suicídio. Devo me apressar em acrescentar que penso que nenhum dos dois

– deCatanzaro ou Baumeister – considera seu modelo complementar ao do outro, não necessariamente e não desta maneira. Não sei sequer se um tem conhecimento do modelo do outro. Mas essa é impressão que as duas abordagens sempre me causaram. A maneira como Baumeister encara o assunto é, com toda franqueza, uma das mais chocantemente argutas que já li, em qualquer literatura de pesquisa. Na parte II de nosso exame da questão do suicídio e psicologia, voltaremos nossa atenção para esse trabalho.

Ser suicida: como é a sensação de querer se matar (Parte II)

UMA DAS CONDIÇÕES PSICÓTICAS mais fascinantes na literatura médica é conhecida como síndrome de Cotard, um distúrbio raro, em geral curável, cujo principal sintoma é um “delírio de negação”. Segundo os pesquisadores David Cohen e Angèle Consoli da Universidade Pierre et Marie Curie, muitos pacientes com a síndrome de Cotard estão absolutamente convencidos, sem sombra de dúvidas, de que já estão mortos. Algumas evidências recentes sugerem que a síndrome pode ocorrer como um efeito colateral neuropsiquiátrico em pacientes que tomam os medicamentos aciclovir ou valaciclovir para herpes e que também sofrem de falência renal. Descrita pela primeira vez pelo neurologista francês Jules Cotard na década de 1880, a síndrome é muitas vezes acompanhada por algum outro problema debilitante, como depressão profunda, esquizofrenia, epilepsia ou paralisia geral – para não mencionar a visão de rostos perturbadores no espelho. Considere o caso de uma jovem descrito por Cohen e Consoli: “O delírio consistia na absoluta convicção da paciente de que já estava morta e esperando para ser enterrada, de que não tinha dentes nem cabelo, e de que seu útero era malformado.” Pobrezinha – essa imagem certamente não podia ser muito boa para sua autoestima. Apesar disso, e você pode me qualificar de estranho, de fato vejo certo encanto na convicção de que uma pessoa, ainda que lúcida quanto ao resto, está todavia já morta. Contanto que não houvesse nenhum sintoma desconfortável de rigor mortis retorcendo-me as mãos, nem demônios ilusórios mordendome os pés, como seria libertador poder escrever como um morto, sem aquele temor importuno e hesitante de ser imperturbavelmente franco. Sabendo que após a publicação eu estaria aconchegado em segurança na minha tumba, eu poderia finalmente dizer o que me passa pela cabeça. É claro que viver a nossa vida como se ela fosse um bilhete suicida encarnado (lembro, contudo, que a vida é precisamente isso, e eu aconselharia qualquer pessoa dotada de reflexão a passear por um cemitério todos os dias, contemplar aqueles campos de pedras tumulares em ruínas cheios de grilos cricrilantes e ponderar, ilogicamente, o que essas pessoas desejariam ter podido dizer ao mundo quando isso ainda lhes era possível) é completamente diferente de sentir o peso esmagador, insuportável, de uma verdadeira mente suicida perigosamente tentada pela promessa de permanente quiescência. Ao considerar as motivações das pessoas para se matarem, precisamos reconhecer que a maioria dos suicidas é movida por um súbito fluxo de emoções fortes, não por pensamentos racionais, filosóficos, em que os prós e os contras são criticamente avaliados. E, como mencionei no capítulo anterior sobre a biologia evolucionária do suicídio, penso que, da perspectiva da ciência psicológica, nenhum estudioso captou a mente suicida melhor que Roy Baumeister no artigo que publicou em 1990 na Psychological Review: “Suicide as Escape from Self”. Repetindo, vejo a rubrica cognitiva de Baumeister como o motor das emoções que movem a tomada de decisão suicida biologicamente adaptativa de deCatanzaro. Há por certo modelos teóricos do suicídio mais

modernos que o de Baumeister, mas nenhum, em minha opinião, constitui um aperfeiçoamento. O autor nos dá um vislumbre singularmente detalhado do estreitamento da visão experimentado por uma pessoa genuinamente suicida. Segundo Baumeister, há seis passos principais na teoria da fuga, culminando num provável suicídio quando todos os critérios são atendidos. Espero realmente que um conhecimento sobre a fenomenologia da sensação de “ser” suicida ajude as pessoas a reconhecer seus próprios possíveis sintomas de ideação suicida e – se isso de fato estiver acontecendo – permita-lhes escapar de alguma maneira, antes que seja tarde. Note que não está claro de maneira alguma que as pessoas em risco de suicídio têm sempre consciência de serem de fato suicidas, pelo menos quando ocorrem as primeiras manifestações cognitivas da ideação suicida. E se esse pensamento prosseguir sem impedimentos, a tentativa de evitar que uma pessoa suicida complete o ato pode ser tão inútil quanto pedir a alguém que está no auge da excitação sexual para fazer o favor de se abster gentilmente de ter um orgasmo, o qual é ele próprio chamado por vezes de la petite mort (a pequena morte). Empreendamos portanto uma viagem dentro da mente suicida, pelo menos tal como ela é vista por Roy Baumeister. Talvez você venha até a descobrir que de fato já pisou nesse escuro espaço psicológico antes, talvez sem o saber na época. Passo 1: Fracasso em atender aos padrões. A maioria das pessoas que se mata viveu, na realidade, vidas melhores que a média. As taxas de suicídio são mais elevadas em nações com padrões de vida mais altos que em nações menos prósperas; mais altas em estados dos Estados Unidos com melhor qualidade de vida; mais altas em sociedades que respeitam as liberdades individuais; mais altas em áreas com clima melhor; em áreas com mudanças sazonais, são mais altas nas estações mais quentes; e são mais altas entre os alunos universitários que têm notas melhores – e pais com expectativas mais elevadas. Baumeister argumenta que essas condições próximas do ideal elevam de fato o risco de suicídio porque criam com frequência padrões exorbitantes para a felicidade pessoal, tornando assim as pessoas emocionalmente mais frágeis em reação a reveses inesperados. Assim, quando as coisas se tornam um pouco complicadas, essas pessoas, muitas das quais parecem ter vivido vidas extremamente privilegiadas, têm maior dificuldade em suportar fracassos. “Um grande corpo de evidências”, escreve o autor, “é compatível com a ideia de que o suicídio é precedido por eventos que ficam aquém de padrões e expectativas elevados, produzidos quer por realizações passadas, circunstâncias cronicamente favoráveis ou exigências externas.” Por exemplo, simplesmente ser pobre não é um fator de risco para o suicídio. Mas a passagem de maneira bastante repentina da relativa prosperidade para a pobreza foi fortemente associada a suicídio. Assim também, ser uma pessoa solteira durante toda a vida não é um fator de risco, mas a transição do casamento para a condição de solteiro põe uma pessoa em risco significativo de suicídio. A maioria dos suicídios registrada em ambientes de prisão e hospital psiquiátricos ocorre no primeiro mês de confinamento, durante o período inicial de ajustamento à perda de liberdade. As taxas de suicídio são mais baixas nas sextas-feiras e mais altas nas segundas-feiras; elas também caem logo antes de feriados importantes, para sofrer acentuadas elevações logo depois deles. Baumeister interpreta esses padrões como compatíveis com a ideia de que as expectativas elevadas das pessoas para fins de semana e feriados se convertem, após o fato, em dolorosos desapontamentos.

Para resumir este primeiro passo na teoria da fuga, Baumeister nos diz que “aparentemente é o tamanho da discrepância entre padrões e a realidade percebida que é decisivo para desencadear o processo suicida”. É a lei proverbial da gravidade social: quanto mais elevada for sua posição original, mais penoso será cair de cara no chão. Passo 2: Atribuições a si mesmo. Não é apenas a queda do estado de graça que o fará entrar num parafuso suicida. É também necessário que você abomine a si mesmo por enfrentar a dificuldade em que se encontra. Nas mais diversas culturas, a “autocensura” ou “autocondenação” manteve-se constante como um denominador comum em suicídios. A teoria de Baumeister dá lugar para esses dados, mas seu modelo enfatiza que o maior fator de risco não é a autoestima cronicamente baixa em si, mas uma demonização relativamente recente de si mesmo em reação ao revés imprevisto ocorrido no passo anterior. Pessoas com baixa autoestima costumam ser misantrópicas, ele observa, uma vez que, embora sejam realmente autocríticas, em geral se mostram igualmente críticas em relação aos outros. Em contraposição, indivíduos suicidas que desenvolvem avaliações negativas de si mesmos parecem estar sob a impressão errônea de que os outros são em sua maioria bons enquanto eles mesmos são maus. Sentimentos de imprestabilidade, vergonha, culpa, inadequação, desmascaramento, humilhação ou rejeição levam pessoas suicidas a desgostar de si mesmas de uma maneira que, essencialmente, as isola de uma humanidade idealizada. A pessoa vê a si mesma como persistentemente indesejável; não há esperança de mudança e o âmago de si mesmo é visto como corrompido. É por isso que adolescentes e adultos com orientações sexuais minoritárias que são gestados num útero social cheio de mensagens – implícitas e explícitas – de que eles são em essência seres humanos inferiores são especialmente vulneráveis ao suicídio. Ainda que possamos rejeitar de maneira consciente essas atribuições pessoais feitas por uma sociedade intolerante, elas se infiltraram em nós. Passo 3: Autoconsciência elevada. A maioria dos estudiosos descreve a emergência da autoconsciência como um avanço fundamental para nossa espécie. Mas com ela vem a esmagadora verdade de nosso valor, como indivíduos, em comparação com os demais. “A essência da autoconsciência é a comparação de si mesmo com padrões”, escreve Baumeister. E segundo sua teoria da fuga, é essa comparação incessante e implacável com um self preferido – talvez um self de um passado mais feliz ou um self ideal que agora, à luz de eventos recentes, parece ser impossível alcançar – que alimenta a ideação suicida. Esses pensamentos implacáveis e incessantes em indivíduos suicidas são de fato mensuráveis, pelo menos indiretamente, mediante a análise da linguagem usada em bilhetes suicidas. Edwin Shneidman, um conhecido “suicidologista”, escreveu certa vez: “Nosso melhor caminho para a compreensão do suicídio não é o estudo da estrutura do cérebro, nem o estudo de estatísticas sociais, nem o estudo de doenças mentais, mas o estudo direto de emoções humanas descritas em linguagem clara, nas palavras do suicida.” Pessoalmente, sinto-me uma espécie de voyeur ao ler os bilhetes suicidas de desconhecidos, mas essa é uma prática antiga na pesquisa psicológica. Só durante as últimas décadas, foram publicados quase trezentos estudos sobre bilhetes suicidas. Eles cobrem uma ampla variedade de questões de pesquisa, mas como tendem a produzir achados incoerentes, também pintaram uma imagem confusa da mente suicida.

Esse é especialmente o caso quando se tenta revelar as motivações para o ato. Algumas pessoas que cometem suicídio podem nem mesmo ter consciência de suas próprias motivações, ou pelo menos podem não ter sido inteiramente sinceras em suas cartas de despedida ao mundo. Um bom exemplo vem do relato publicado pela socióloga Susanne Langer e colegas num número de 2008 da Sociological Review. Os pesquisadores descrevem como o bilhete suicida escrito por um jovem era bastante banal, mencionando sentimentos de solidão e vazio como causas de seu suicídio, quando, de fato, “seu arquivo continha um memorando que indagava sobre o estado de uma investigação relacionada a crimes sexuais de que o falecido era acusado numa jurisdição vizinha”. Os estudos mais convincentes de bilhetes suicidas, em minha opinião, são aqueles que usam programas de análise de texto que permitem aos investigadores fazer contagens exatas de tipos particulares de palavras. Comparados com bilhetes suicidas imaginários escritos como um exercício e “como se” o autor estivesse prestes a se matar, bilhetes de suicídio reais são notórios por conter pronomes da primeira pessoa do singular, um reflexo de elevada autoconsciência. E, diferentemente de cartas escritas por pessoas que se veem diante de uma morte involuntária, como aquelas prestes a ser executadas, os autores de bilhetes suicidas raramente usam linguagem inclusiva, como o pronome plural nós. Quando mencionam outras pessoas significativas, os suicidas em geral falam delas como estando desligadas, distantes, separadas, como pessoas que não os compreendem ou estão contra eles. Amigos e família, até uma mãe amorosa muito próxima, parecem estar a oceanos de distância. Passo 4: Afeto negativo. Talvez pareça desnecessário dizer que suicídios tendem a ser precedidos por um período de emoções negativas. Porém, mais uma vez, no modelo de fuga de Baumeister, emoções suicidas negativas são experimentadas como um estado agudo, não como um estado prolongado. “Concluir simplesmente que depressão causa suicídio e ficar por aí pode ser inadequado por diversas razões”, escreve ele. “É abundantemente claro que a maioria das pessoas deprimidas não tenta o suicídio e que nem todos os que tentam estão clinicamente deprimidos.” A ansiedade – que pode ser experimentada como culpa, autocensura, ameaça de exclusão social, ostracismo e angústia – parece ser um elemento comum na maioria dos suicídios. É bem possível que sejamos a única espécie para a qual avaliações sociais negativas podem levar a suicídios induzidos pela vergonha. Os dados mais convincentes de estudos com animais não humanos sugerem muito fortemente que somos a única espécie da face da Terra capaz de adotar a perspectiva de um outro organismo ao julgar nossos próprios atributos. Isso decorre de uma inovação evolucionária conhecida como teoria da mente (literalmente, teorizar sobre aquilo que uma outra pessoa está pensando, inclusive aquilo que ela está pensando sobre você mesmo; e, o que talvez seja mais importante nesse caso, até sobre o que você está pensando sobre você), que foi uma bênção e uma maldição. Foi uma bênção porque nos permite sentir orgulho, e foi uma maldição porque também engendra o que julgo ser a emoção singularmente humana e singularmente dolorosa da vergonha. (Você também se lembrará disso da nossa discussão anterior sobre psicodermatologia e acne.) Teóricos psicodinâmicos muitas vezes postulam que a culpa suicida busca punição, sendo o suicídio, portanto, uma espécie de autoexecução. Mas a teoria de Baumeister rejeita em grande parte essa interpretação; em seu modelo, o atrativo do suicídio está antes na perda de consciência, e assim no fim da dor psicológica que está sendo experimentada. E como a terapia cognitiva não é

facilmente disponível – ou vista como alcançável – para a maioria dos suicidas, restam apenas três maneiras para escapar dessa penosa autoconsciência: drogas, sono e morte. E delas, somente a morte, o maior anestésico da natureza, oferece uma solução permanente. Passo 5: Desconstrução cognitiva. O quinto passo na teoria da fuga é talvez o mais intrigante de uma perspectiva psicológica, porque ilustra como a mente suicida é diferente e alarmantemente inacessível a partir daquela de nossa cognição comum. Com a desconstrução cognitiva, conceito proposto originalmente pelos psicólogos sociais Robin Vallacher e Daniel Wegner, o mundo exterior torna-se algo muito mais simples em nossas cabeças – mas em geral não de uma boa maneira. A desconstrução cognitiva é mais ou menos o que parece ser. As coisas são cognitivamente decompostas em elementos cada vez mais básicos e de nível mais baixo. Por exemplo, a perspectiva temporal das pessoas suicidas muda de uma maneira que faz o presente momento parecer interminavelmente longo; isso se dá porque “os suicidas têm uma consciência aversiva ou ansiosa do passado recente (e possivelmente do futuro também), do qual tentam escapar num foco estreito, desprovido de emoção no momento presente”. Num estudo interessante, por exemplo, quando comparados com grupos de controle, participantes suicidas superestimam de maneira significativa, por uma ampla margem, a passagem de intervalos de tempo experimentalmente controlados. Baumeister conjectura: “Por conseguinte, suicidas parecem ser pessoas agudamente entediadas: o presente parece interminável e vagamente desagradável, e sempre que a pessoa olha o relógio, fica surpresa com o pouco tempo que realmente passou.” As evidências também sugerem que indivíduos suicidas têm dificuldade em pensar sobre o futuro – o que mostra, para os que usariam a ameaça do inferno como um argumento dissuasivo, exatamente por que essa estratégia tem pouca chance de ser eficaz. Esse estreitamento temporal, acredita Baumeister, é na realidade um mecanismo defensivo que ajuda a pessoa a se afastar cognitivamente do pensamento sobre fracassos passados e da ansiedade provocada por um futuro intolerável, sem esperança. Um outro aspecto central da desconstrução cognitiva operada pela pessoa suicida, diz Baumeister, é um enorme aumento do pensamento concreto. Como a autoconsciência intrusivamente elevada discutida antes, essa concretude muitas vezes se expressa em bilhetes suicidas. Vários artigos de revisão observaram a relativa escassez, em bilhetes suicidas, de “palavras de pensamento”, isto é, termos abstratos, significativos, de alto nível. Com maior frequência, eles incluem instruções banais e específicas, como “Não se esqueçam de dar comida para o gato” ou “Lembrem-se de tomar cuidado com a conta de luz”. Bilhetes suicidas reais são em geral suspeitamente desprovidos de pensamentos contemplativos ou metafísicos, ao passo que falsos bilhetes suicidas, escritos por participantes de estudos, tendem a incluir termos mais abstratos ou de alto nível (“Um dia vocês entenderão o quanto eu os amei” ou “Sejam sempre felizes”). Um estudo antigo constatou até que bilhetes suicidas genuínos continham mais referências a objetos concretos do ambiente – coisas físicas – que os bilhetes suicidas “falsos” (simulados). O que esse deslocamento cognitivo para o pensamento concreto reflete, sugere Baumeister, é a tentativa do cérebro de mergulhar num trabalho mental inútil, evitando assim os sentimentos sufocantes que descrevemos. Muitos universitários suicidas, por exemplo, exibem um padrão comportamental de se enterrar em trabalhos acadêmicos enfadonhos e rotineiros nas semanas

precedentes, presumivelmente para entrar numa espécie de “entorpecimento emocional” que é “um fim em si mesmo”. Quando fui um adolescente suicida, lembro-me de ler vorazmente; o que eu lia não importava – sobretudo romances vagabundos, na verdade –, uma vez que meu único objetivo era substituir meus pensamentos pelos do escritor. Para o suicida, as palavras de outras pessoas podem ser estendidas sobre suas próprias ruminações exaustivas, como uma luva sem costuras sendo enfiada numa mão perturbadoramente ferida. Até os detalhes sinistros da organização do próprio suicídio podem oferecer uma trégua bemvinda: “Ao se preparar para o suicídio, a pessoa pode por fim cessar de se preocupar com o futuro, pois decidiu efetivamente que não haverá nenhum futuro. O passado, também, deixou de importar, pois está quase acabado e não mais causará sofrimento, inquietação ou ansiedade. E a iminência da morte pode ajudar a concentrar a mente no presente imediato.” Passo 6: Desinibição. Agora já montamos o palco mental, mas evidentemente é o ato final que separa a ideação suicida do suicídio real. Baumeister especula que a desinibição comportamental, exigida para a superação do medo intrínseco de causar dor a si mesmo através da morte, para não mencionar o sofrimento antecipado dos entes queridos, é uma outra consequência da desconstrução cognitiva. Isso ocorre porque ela impede as abstrações de alto nível (a reflexão sobre o caráter inerentemente “errado” do suicídio, sobre os sentimentos dos outros, até preocupações com a autopreservação) que, em condições normais, nos mantêm vivos. Uma análise teórica feita pela psiquiatra Kimberly van Orden e colegas lançou uma luz adicional sobre esse componente de desinibição comportamental. Esses autores salientam que, embora haja um número considerável de pessoas que querem se matar, o suicídio propriamente dito permanece relativamente raro. Isso ocorre em grande parte porque, além do desejo de se suicidar, o indivíduo precisa da “capacidade adquirida para o suicídio”, que envolve tanto um menor medo da morte quanto uma maior tolerância à dor física. O suicídio dói, literalmente. Segundo o modelo desses autores, essa capacidade é adquirida com a exposição a condições relacionadas que habituam sistematicamente o indivíduo à dor física. Por exemplo, um dos melhores preditores do suicídio é uma tentativa anterior, não letal, de suicídio. Mas uma história de outras experiências fisicamente penosas, indutoras de medo, também põe uma pessoa em risco. Violência física ou sexual quando criança, exposição em combate e violência doméstica podem também “preparar” o indivíduo para a dor física associada ao comportamento suicida. Além disso, variantes hereditárias de impulsividade, destemor e maior tolerância à dor física podem ajudar a explicar por que, com frequência, o comportamento suicida se repete em certas famílias. Van Orden e colegas também citam algumas intrigantes evidências de que a habituação à dor não é sempre a mesma para qualquer método antigo de suicídio, e sim, muitas vezes, específica ao método particular que a pessoa usa para pôr fim à própria vida. Por exemplo, um estudo sobre suicídios nos ramos das forças armadas dos Estados Unidos verificou que armas de fogo estavam mais frequentemente associadas aos suicídios de membros do Exército, enforcamentos e nós aos de membros da Marinha e quedas de alturas aos de membros da Aeronáutica. PORTANTO, AÍ ESTÁ . Realmente não é um quadro bonito. Mais uma vez, porém, se algum dia você tiver o infortúnio de experimentar essa dinâmica cognitiva em sua própria mente – e eu, por

exemplo, a experimentei intensamente – ou suspeitar que está vendo em outras pessoas comportamentos indicadores de que esses padrões de pensamento podem estar ocorrendo, espero que esta informação lhe ajude a perfurar metacognitivamente a ideação suicida. Se há uma coisa que aprendi desde aqueles dias muito tenebrosos de meus anos suicidas é que o conhecimento científico transforma perspectivas. E as perspectivas transformam todas as coisas. Todas as coisas. E, como mencionei no início, lembre-se sempre: você vai morrer muito em breve de qualquer maneira; mesmo que isso leve cem anos para acontecer, isso ainda é a piscadela de um olho cósmico. Nesse meio-tempo, viva como um cientista – mesmo um cientista controverso, com apenas um ou dois colegas em todo o mundo – e trate a vida como um experimento grandioso, sangue, suor, lágrimas e tudo mais. Tenha em mente que não existe algo como um experimento fracassado – apenas dados.

“Cientistas dizem que o livre-arbítrio provavelmente não existe, mas recomendam: ‘Não deixem de acreditar nele!’”

SUSPENDA SUA INCREDULIDADE por um momento e imagine que você concordou, na qualidade de agente secreto em uma operação militar confidencial, em viajar para trás no tempo até o ano 1894. Para seu assombro, a viagem é um sucesso! E agora – após esfregar os olhos para tirar a poeira da viagem mágica através do tempo – você se vê nos arredores de uma aldeia bávara, camuflado numa moita de mato, as vozes desencarnadas e distantes de alemães do século XIX mesclando-se com o som inconfundível de sinos de igreja. Você examina rapidamente as adjacências: parece que está bem atrás de um conjunto de velhas casas geminadas; há lençóis brancos pendurados para secar; um pequeno regato murmura atrás de você; janelas foram abertas para deixar entrar o cálido ar de primavera. Curioso. Parece não haver mais ninguém por ali, embora você vislumbre vez por outra um pedestre passando entre os estreitos espaços que separam as casas. E então você o percebe. É um menino silencioso, de ar solene que está ali perto, brincando tranquilamente com alguns brinquedos na terra. Ele parece ter cerca de cinco anos de idade – estaria apenas no jardim de infância, na era moderna. É nesse momento que você se lembra de sua missão: esta é a vila de Passau no sul da Alemanha. E aquele não é um menino comum. Não é outro senão o jovem Adolf Hitler. O que você faria em seguida? Essa situação, muito infelizmente para nós, está no domínio da ficção científica. Mas a maneira como você responde à pergunta hipotética – e a outras semelhantes – é um assunto para cientistas psicológicos, porque, entre outras coisas, revela suas suposições subjacentes sobre se Hitler, bem como as decisões que ele tomou mais tarde na vida, foi simplesmente o produto da ação de seu meio ambiente sobre seus genes ou se ele poderia ter agido de maneira diferente, exercendo seu “livre-arbítrio”. A maioria dos cientistas nessa área não está demasiadamente preocupada em saber se o livre-arbítrio existe ou não; em vez disso, concentra-se na maneira como o pensamento comum das pessoas sobre o livre-arbítrio, em particular no domínio moral, influencia seus comportamentos e atitudes sociais. Já conhecemos um dos principais investigadores nessa área, Roy Baumeister, que desarmou de maneira tão eficaz a psicologia subjacente aos pensamentos suicidas. Aqui está a visão de Baumeister sobre a psicologia do livre-arbítrio: No cerne da questão do livre-arbítrio está um debate sobre as causas psicológicas da ação. Em outras palavras, a pessoa é uma entidade autônoma que escolhe genuinamente como agir entre múltiplas opções possíveis? Ou ela é essencialmente apenas um elo numa cadeia causal, de modo que suas ações não são mais que o produto inevitável de causas legais originadas de eventos anteriores, e nenhuma pessoa poderia jamais ter agido senão exatamente da maneira como de fato agiu? …

Discutir livre-arbítrio em termos de psicologia científica é, portanto, invocar noções de autorregulação, processos controlados, plasticidade comportamental e tomada de decisão consciente. Com esse entendimento do que os psicólogos estudam quando voltam sua atenção para as crenças das pessoas com relação ao livre-arbítrio, retornemos ao exemplo de Hitler acima. No papel desse agente secreto que viaja no tempo a partir do século XX, você foi equipado com as seguintes informações. Primeiro, a tecnologia da viagem no tempo está ainda em sua infância, e os pesquisadores não sabem ao certo se algum dia voltarão a ter sucesso. Segundo, você tem só dez minutos antes de ser despachado de volta para o presente (e dois desses minutos já se passaram desde que você chegou). Terceiro, você foi informado de que sete minutos é exatamente o tempo suficiente para estrangular uma criança de cinco anos com suas mãos nuas e confirmar que ela está sem dúvida morta. Isso significa que só lhe resta um minuto para decidir se vai ou não matar o garotinho. Mas você tem outras opções. Sete minutos é também tempo suficiente, disseram-lhe seus conselheiros, para entrar na residência de Hitler e entregar em mãos a Alois e Klara, o pai desprovido de senso de humor e a bondosa e acanhada mãe de Adolf, um pacote especialmente preparado de documentos históricos relacionados ao Holocausto, inclusive nítidas fotografias de seu filho como um Führer de bigode, e uma visão detalhada do Terceiro Reich quatro décadas depois. Ninguém sabe ao certo que efeito isso teria, mas a maioria dos estudiosos modernos acredita que essa horripilante antevisão da Segunda Guerra Mundial teria alterado de maneira significativa a infância de Adolf. Talvez Klara tivesse finalmente deixado o marido dominador e violento; Alois, infeliz com a ideia de ver seu sobrenome tornar-se sinônimo de tudo que é ruim, poderia mudar sua conduta e transformar-se em um pai mais afável; ou eles poderiam ter se sentado com o jovem Adolf e compartilhado com ele perturbadoras imagens dos campos da morte e testemunhos de sobreviventes do Holocausto, tão chocantes e aterradoras que até o próprio Adolf passaria a desprezar sua tão odiada persona adulta. Mas pode Adolf realmente mudar o curso de sua vida? Ele tem livre-arbítrio? Algum de nós tem? Um dos achados mais impressionantes que emergiram nos últimos tempos na ciência do livrearbítrio é que, quando as pessoas acreditam – ou são levadas a acreditar – que o livre-arbítrio é apenas uma ilusão, elas tendem a se tornar mais antissociais. Voltemos brevemente ao pequeno Adolf. (Qual lhe parece ser a decisão antissocial nesse caso: matar ou não matar o menino Hitler?) Mas antes que você tome sua decisão, dê uma olhada no que diz a ciência. O primeiro estudo que demonstrou diretamente as consequências antissociais de crenças determinísticas foi feito pelos psicólogos Kathleen Vohs e Jonathan Schooler. Eles relatam na Psychological Science ter convidado trinta estudantes de graduação para participar em seu laboratório de um pretenso estudo sobre aritmética mental, no qual os sujeitos foram solicitados a calcular de cabeça as respostas de vinte problemas de matemática (por exemplo, 1 + 8 + 18 − 12 + 19 − 7 + 17 − 2 + 8 − 4 = ?). Mas, como ocorre com frequência em experimentos de psicologia social, testar algo tão trivial quanto as habilidades matemáticas dos estudantes não era o real objetivo do estudo. Antes de fazer o teste matemático, metade do grupo (quinze participantes) foi solicitada a ler a seguinte passagem do livro de Francis Crick, A hipótese espantosa:

“Você”, suas alegrias e suas dores, suas lembranças e suas ambições, seu senso de identidade pessoal e livre-arbítrio não passam de fato do comportamento de uma vasta reunião de células nervosas e suas moléculas associadas. Você não é nada senão um amontoado de neurônios … embora pareçamos ter livre-arbítrio, de fato nossas escolhas já foram predeterminadas para nós e não podemos mudar isso. Em contraposição, os outros quinze participantes leram uma mensagem diferente do mesmo livro, na qual Crick não faz nenhuma menção ao livre-arbítrio. E, muito surpreendentemente, quando lhes foi dada a oportunidade, as pessoas do segundo grupo colaram muito menos no teste de matemática que aquelas que haviam lido a passagem de Crick sobre o livre-arbítrio como ilusão transcrita acima. (O estudo foi engenhosamente montado para medir a cola: os participantes foram levados a acreditar que havia uma “falha” no programa de computador, e que se a resposta aparecesse na tela antes que eles terminassem de resolver o problema, deveriam pressionar a barra de espaço e terminar o teste honestamente. O número de vezes em que a barra de espaço havia sido pressionada durante toda a tarefa, portanto, indicava o grau de honestidade dos sujeitos.) Esses efeitos gerais foram replicados num segundo experimento que usou uma tarefa de alocação de dinheiro. Nele, os participantes que foram aleatoriamente designados para uma condição de determinismo e solicitados a ler declarações como “A crença no livre-arbítrio contradiz o fato conhecido de que o universo é governado por princípios legais da ciência” furtaram essencialmente mais dinheiro do que aqueles aleatoriamente escolhidos para uma condição de livre-arbítrio, que tiveram de ler declarações como “Para evitar a tentação é preciso que eu exerça meu livrearbítrio”, ou para uma condição neutra, em que leram declarações de controle (por exemplo, “A cana-de-açúcar e a beterraba-branca são cultivadas em 112 países”). Os achados de Vohs e Schooler revelam um dilema bastante estranho enfrentado pelos cientistas sociais: se uma compreensão determinística do comportamento humano encoraja o comportamento antissocial, como podemos nós, os cientistas, justificar a comunicação de nossos achados de pesquisa determinísticos? De fato, há uma linha bastante chocante nesse artigo na Psychological Science, que quase me escapou em uma primeira leitura. Vohs e Schooler escrevem: “Se a exposição a mensagens determinísticas aumenta a probabilidade de ações antiéticas, a identificação de abordagens que protejam o público contra esse perigo torna-se imperativa.” Talvez você também não tenha entendido em sua primeira leitura, mas os autores estão fazendo uma sugestão extraordinária. Eles parecem estar afirmando que o público “não sabe como lidar com a verdade”, e que deveríamos de algum modo proteger as pessoas (mentir-lhes?) sobre as verdadeiras causas dos comportamentos sociais humanos. Talvez tenham razão. Considere o seguinte exemplo: Um homem de meia-idade contrata uma prostituta, expondo sua mulher, com conhecimento de causa, a uma infecção sexualmente transmissível e explorando uma viciada em drogas para seu próprio prazer. Deveria ele ser punido de alguma maneira por sua transgressão? Deveríamos considerá-lo responsável? A maioria das pessoas, eu apostaria, não hesitaria em responder sim a ambas as perguntas. Mas e se você pensasse sobre isso nos seguintes termos científicos, ligeiramente diferentes? A decisão do homem de fazer sexo com essa mulher estava em conformidade com sua fisiologia naquele momento, a qual surgira como consequência de suas experiências singulares de

desenvolvimento, que tiveram lugar dentro de um ambiente cultural particular em interação com um genótipo particular, o qual ele herdou de seus pais particulares, que herdaram por sua vez variantes genéticas de traços similares de seus próprios pais particulares, ad infinitum. Até sua capacidade de inibir ou “ignorar” essas forças, ou de compreender seu próprio comportamento, é ela própria produto dessas forças! Mais ainda, o cérebro desse homem agiu sem primeiro consultar sua autoconsciência; em vez disso, seu sistema neurocognitivo encenou algoritmos comportamentais evoluídos que reagiram, normal ou erroneamente, de maneiras que haviam favorecido o sucesso genético no passado ancestral. Dada a combinação desses fatores determinísticos, poderia o homem ter respondido de alguma outra maneira aos estímulos com que se confrontou? Atribuir responsabilidade pessoal a esse tolo torna-se meramente uma convenção social que reflete apenas uma compreensão ingênua das causas de seus comportamentos. Como nós ao julgá-lo, o self desse homem faz meramente o papel de espectador nos assuntos sexuais de seu corpo. Há apenas a corporificação de um homem que é impotente para agir de qualquer maneira que seja contrária à sua natureza particular, que é um derivado de uma natureza mais geral. O self é apenas uma criatura iludida que pensa estar participando de um jogo moral quando de fato nada mais é que um membro emocionalmente envolvido da plateia. Se essa compreensão determinística dos comportamentos do homem o levar a sentir mesmo que uma gota a mais de comiseração do que teria sentido de outro modo, essa reação é precisamente aquilo contra o que Vohs e Schooler nos advertem. Como podemos culpar esse “amontoado de neurônios” – que dirá puni-lo – por agir como sua natureza determina, mesmo se nossa própria natureza nos teria conduzido de outra maneira? Mais ainda, não deveríamos ser mais compreensivos em relação a nossos próprios defeitos morais? Afinal, não podemos tampouco deixar de ser quem somos. Certo? De fato, um estudo publicado no Personality and Social Psychology Bulletin por Baumeister e colegas constatou que a simples exposição de pessoas a afirmações determinísticas, como “Tal como tudo mais no universo, todas as ações humanas decorrem de eventos anteriores e podem ser compreendidas em última análise em termos do movimento de moléculas”, as fazia agir de maneira mais agressiva e egoísta se comparadas àquelas que liam afirmações endossando a ideia do livrearbítrio, como “Demonstro meu livre-arbítrio todos os dias quando tomo decisões”, ou aquelas que simplesmente liam afirmações neutras, como “Os oceanos cobrem 71% da superfície da Terra”. Participantes aleatoriamente designados para a condição determinística, por exemplo, são menos propensos que os dos outros dois grupos a dar dinheiro a um sem-teto ou a permitir que um colega de classe use seu telefone celular. Ao discutir as implicações sociais desses resultados, Baumeister e colegas fazem eco às preocupações de Vohs e Schooler em “proteger o público” contra uma compreensão detalhada das causas dos comportamentos sociais humanos: “Algumas análises filosóficas podem concluir que um determinismo fatalístico é compatível com um comportamento extremamente ético, mas os presentes resultados sugerem que muitos leigos ainda não apreciam essa possibilidade.” Esses achados de laboratório que demonstram as consequências antissociais da visão dos seres humanos individuais como pobres joguetes aprisionados num sistema mecânico – mesmo quando, na verdade, é praticamente isso que somos – são suficientes para me obrigar a fazer uma pausa em meu proselitismo científico. Retornando ao pequeno e inocente Adolf, poderíamos, é claro, jogar

com este exemplo particular para sempre. É um pensamento impalatável, mas e se uma das crianças massacradas em Auschwitz tivesse crescido para ser ainda mais desprezada que Hitler, como um adulto que ordenou as mortes de dez milhões de pessoas? Sua capacidade de tomar uma decisão não é uma questão que envolve fundamentalmente seu próprio livre-arbítrio? Mas o importante não é jogar o jogo “e se Hitler” de maneira infinitamente regressiva, e sim provocar suas intuições sobre o livre-arbítrio sem lhe perguntar diretamente se você acredita nele ou não. Como qualquer bom cientista sabe, as crenças das pessoas nem sempre expressam sua psicologia privada. Neste caso, não é tanto em sua decisão de matar a criança ou entregar o pacote aos pais que os psicólogos pesquisadores estariam interessados. O importante seria, em vez disso, a maneira como você justificaria sua decisão (por exemplo, “Eu o mataria porque [preencha a lacuna aqui]” ou “Eu entregaria o pacote porque [preencha a lacuna]”). Aparentemente, estrangular uma inocente criança de cinco anos parece bastante antissocial, e assim, talvez ouvir uma mensagem determinística antes de responder a esta questão o levasse a matá-la (por exemplo: “Hitler é mau, ele vai crescer para assassinar pessoas, aconteça o que acontecer – ele não tem nenhum livre-arbítrio para fazer outra coisa”). Para algumas pessoas, no entanto, é a decisão de não matar a criança que é antissocial, porque ela pode certamente significar o impensável para mais de seis milhões de seres humanos. Eu, por exemplo, não teria hesitado em estrangular alegremente aquele imbecilzinho nos idos de 1894 em Passau. (O fato de eu ter visitado Auschwitz recentemente pode ter algo a ver com isso.) Não posso deixar de sentir que Hitler poderia ter levantado a mão a qualquer momento e anulado a chamada Solução Final do povo judaico antes mesmo que ela começasse. Essa justificativa parece revelar minha crença oculta no livre-arbítrio: Adolf poderia ter agido de maneira diferente, mas escolheu não o fazer. Isto é, a cadeia de eventos causais que precedeu a ascensão de Hitler ao poder me parece em grande parte irrelevante, ou pelo menos pouco importante. Suas más ações teriam ocorrido independentemente das vicissitudes de seu passado pessoal. Há algo de essencialmente mau nesse indivíduo. E por isso decido matar a criança: provavelmente é o melhor nessa circunstância, pareço estar dizendo, matar a fera enquanto ela ainda está adormecida num garotinho que brinca com soldadinhos de chumbo. Mas você poderia optar por uma maneira menos homicida de passar seu tempo com Adolf. Por exemplo, se você poupa a vida desse menino pálido, infeliz, e decide entregar o pacote a seus pais porque, a seu ver, se os Hitler soubessem o que seria de seu perturbado filho eles o teriam criado de outra maneira, e essa mudança no ambiente durante seus primeiros anos teria quase certamente evitado o genocídio, isso sugere que você é mais adepto do princípio do determinismo causal. Seja como for, seu minuto se esgotou! Portanto, qual será sua decisão – e por quê? Com milhões de vidas futuras em jogo, você assassina o inocente menino de cinco anos num homicídio preventivo? Entrega o pacote a seus pais, na esperança de que a chocante visão do Holocausto leve Adolf – de uma maneira ou de outra – a escolher uma carreira diferente, ou até a estragar sua própria ascensão à fama em decorrência de toda a pressão? Ou, como aqueles que viveram na Alemanha nazista e eram bombardeados com (falsas) mensagens determinísticas sobre os judeus, você simplesmente não interviria de maneira alguma?

O rato que não parava de rir: alegria e hilaridade no reino animal

CERTA VEZ , quando estava num sonolento delírio induzido pela altitude, voando a 10 mil metros sobre algum lugar da Islândia, procurei às apalpadelas a confortável manta azul cuja ponta eu via debaixo de meu assento, só para perceber – para meu inexprimível horror – que estava de fato puxando com força um dedão do pé coberto por uma meia, que tentava se esquivar. Ora, com um temperamento como o meu, a vida tende a ser uma conversa embaraçosa após a outra, assim, quando me virei, sorrindo, para pedir desculpa ao dono do dedo, meus olhos depararam com um homem enorme cujo grunhido sugeria que ele estava tendo alguma dificuldade em ver graça no incidente. Desagradável, sem dúvida, mas agora eu diria que esse foi um evento afortunado. Quando pousei de novo a cabeça contra aquele travesseiro forrado de papel-toalha de companhia aérea, iluminou-se em minha mente, no meio daquele voo, uma lembrança muito mais feliz. Ela envolvia um outro dedão, este pertencente a um animal notavelmente mais bem-humorado que aquele sentado atrás de mim. Esse outro dedão – que era em tudo e por tudo tão sensível quanto seu superestofado equivalente humano, devo acrescentar – estava preso a um gorila-ocidental-das-terras-baixas de mais de duzentos quilos, com gengivas calcificadas, chamado King. Em 1996, quando eu tinha vinte anos e ele 27, passei grande parte do verão com meu desdentado amigo King, ouvindo Frank Sinatra e os Três Tenores, brincando de pega-pega e fazendo cócegas em seus dedos do pé. Ele costumava se recostar em sua casinhola de dormir, esticar um enorme pé acinzentado através das barras da jaula e deixá-lo pendurado ali, cheio de expectativa, irrompendo numa gargalhada gutural que o fazia sacudir os ombros quando eu agarrava um de seus dedos e lhe imprimia gentilmente um palpável apertão. Ele quase não conseguiu se controlar quando, um dia, inclinei-me, como se estivesse prestes a dar uma mordida naquele dedo rechonchudo. Se você nunca viu um gorila tendo um ataque de riso, eu lhe recomendaria procurar ter essa visão antes de ir embora deste mundo. É algo que provocaria dissonância cognitiva até no mais sincero dos criacionistas. Outros animais além dos seres humanos são dotados de humor? Talvez, sob certos aspectos, sim. Sob outros, porém, é provável que emoções como essa tenham propriedades unicamente humanas. Exceto por anedotas, sabemos muito pouco sobre o riso e o humor de primatas não humanos, mas alguns dos achados mais significativos a emergir da ciência comparativa durante a última década envolveram a inesperada descoberta de que ratos – em particular ratos jovens – riem. É isso mesmo: ratos riem. Pelo menos essa é a assertiva resoluta que está sendo feita pelo pesquisador Jaak Panksepp, que publicou um notável, e bastante acalorado, artigo opinativo sobre o assunto na revista Behavioural Brain Research. Em particular, o trabalho de Panksepp concentrou-se na “possibilidade de que os sujeitos animais que usamos mais comumente, os roedores de laboratório, possam ter experiências

semelhantes à alegria social durante suas atividades brincalhonas e que um importante componente comunicativo-afetivo desse processo, que fortalece o envolvimento social, seja uma forma primordial de riso”. Agora, antes que você comece a imaginar uma risada semelhante às de um jovial ratinho Stuart Little (ou ele era um camundongo?), o riso de um rato não tende a soar muito parecido com a variedade humana, que em geral envolve explosões de som pulsantes que começam com uma inalação vocalizada e consiste numa série de trinados curtos e distintos com intervalos de tempo quase isocrônicos. O som estereotípico do riso humano é um h aspirado seguido por uma vogal, em geral a, e, graças sobretudo à nossa laringe, é rico em harmônicos. Em contraposição, o riso do rato assume a forma de gritos ultrassônicos de 50 kHz de alta frequência, ou “chilreios”, distintos de outras emissões vocais em ratos. Aqui está a maneira como Panksepp descreve sua descoberta do fenômeno: Tendo acabado de concluir o que talvez tenha sido a primeira análise etológica formal (i.e., bem controlada) da brincadeira turbulenta na espécie humana no final dos anos 1990, em que o riso foi uma resposta abundante, tive o “insight” (talvez a ilusão) de que nossa resposta de chilreios de 50 kHz em ratos que estão brincando poderia ter alguma relação ancestral com o riso humano. Na manhã seguinte, cheguei ao laboratório e pedi ao aluno de graduação que era meu assistente na época para “vir fazer cócegas em alguns ratos comigo”. Ao longo dos anos seguintes, Panksepp e seus assistentes de pesquisa conduziram sistematicamente estudos sobre o riso do rato, revelando uma impressionante sobreposição entre as características funcionais e expressivas dessa resposta de chilreio em jovens roedores e o riso em crianças humanas de tenra idade. Para provocar riso em seus filhotes de rato, Panksepp usava uma técnica que chamou de “jogos de mão heteroespecíficos”, que é essencialmente apenas jargão para cócegas. “Para que essa manobra funcione bem”, escreve ele, devemos ser competentes no desempenho de formas dinâmicas de interações interespecíficas. Com um modesto treinamento, a maioria dos investigadores pode adquirir rapidamente a habilidade – é bastante similar aos movimentos dinâmicos de mãos e dedos que poderíamos usar ao fazer cócegas em crianças humanas de tenra idade, que podem ser induzidas a acessos de jocosidade e ataques de riso por essa simples manobra. Ao que parece, ratos são particularmente coceguentos na área da nuca, que é também aquela visada pelos jovens em suas próprias atividades brincalhonas como comportamento de imobilização. Panksepp logo descobriu que os ratos mais coceguentos – o que, empiricamente, significa simplesmente aqueles que emitiam os mais frequentes, robustos e confiáveis chilreios de 50 kHz em mãos humanas – eram também os indivíduos mais naturalmente brincalhões entre os sujeitos ratos. E descobriu que a indução de riso em ratos jovens promovia ligação emocional: depois que lhes faziam cócegas, ratos procuravam ativamente mãos humanas específicas que os haviam feito rir anteriormente. Além disso, como se teria esperado em seres humanos, certos estímulos ambientais aversivos reduziam enormemente a ocorrência de riso entre sujeitos roedores. Por exemplo, mesmo quando a estimulação das cócegas era mantida constante, os chilreios diminuíam significativamente quando os filhotes de rato sentiam um sopro de cheiro de gato,

quando estavam com muita fome ou quando eram expostos a luzes fortes desagradáveis enquanto lhes faziam cócegas. Panksepp descobriu também que fêmeas adultas eram mais receptivas a cócegas que machos, mas em geral era difícil induzir cócegas em animais adultos “a não ser que lhes tivessem feito cócegas abundantemente quando eram jovens”. Por fim, quando filhotes de ratos podiam escolher entre dois ratos adultos diferentes – um que ainda chilreava muito espontaneamente e um que não o fazia –, eles passavam um tempo substancialmente maior com o rato adulto aparentemente mais feliz. Como talvez não seja de surpreender, Panksepp encontrou uma lamentável resistência à sua interpretação desse corpo de achados, em especial entre seus colegas cientistas. Mas ele protesta: Tentamos refutar nossa concepção várias vezes, e não conseguimos. Assim, sentimo-nos justificados em propor com cautela e a cultivar empiricamente a possibilidade teórica de que haja algum tipo de relação ancestral entre os chilreios brincalhões de ratos juvenis e riso humano infantil. Essa hipótese causou grande consternação a muitos colegas na comunidade da neurociência comportamental; eles não veem razão para se assumir uma posição ontológica tão arriscada. Vários colegas desencorajaram esse tipo de teorização, sugerindo que é fundamentalmente inapropriado, até embaraçoso, para membros de nossa disciplina falar sobre funções cerebrais animais de maneiras tão flagrantemente antropomórficas. Observe-se, porém, que Panksepp seria o primeiro a reconhecer que seus achados não implicam que ratos têm “senso de humor”, apenas que parece haver contiguidades evolucionárias entre o riso em crianças humanas durante brincadeiras turbulentas e a expressão de vocalizações semelhantes em ratos jovens. O senso de humor – em especial humor adulto – requer mecanismos cognitivos que podem ou não estar presentes em outras espécies. Ele sugere, no entanto, que esta pode ser uma hipótese empiricamente falsificável: “Se um gato … tiver sido um elemento persistentemente perturbador na vida de um rato, poderia esse rato manifestar alguns chilreios felizes se algo de ruim acontecesse com seu adversário? Iria o rato chilrear se o gato caísse uma armadilha, ou fosse levantado no ar pela cauda? Não recomendaríamos a realização desses experimentos maldosos, mas encorajaríamos qualquer pessoa que deseje tomar essa direção a encontrar meios mais benignos de avaliar essas questões.” Diferenças entre “sistemas” de riso entre mamíferos refletem-se em diferenças estruturais em regiões cerebrais, bem como na arquitetura vocal, entre as espécies. No mesmo número da Behavioural Brain Research, o neuropsicólogo Martin Meyer e colegas descrevem essas diferenças com grande riqueza de detalhes. Por exemplo, embora estudos de imagiologia cerebral de participantes humanos vendo desenhos animados engraçados ou ouvindo piadas revelem a ativação de estruturas evolucionariamente antigas como a amígdala e o núcleo accumbens, estruturas de “ordem mais elevada” de evolução mais recente são também ativadas, entre as quais regiões distribuídas do córtex frontal. Assim, embora primatas não humanos riam – de fato, os autores descrevem como, em 1943, uma equipe de vivisseccionistas descobriu que quando eles estimulavam o diencéfalo, a ponte do mesencéfalo e a medula de macacos do gênero Macaca, os animais começavam a rir incontrolavelmente e a exibir faces brincalhonas –, o humor humano parece também envolver redes cognitivas mais especializadas que não são compartilhadas por outras espécies.

O riso em nossa própria espécie, é claro, é desencadeado por uma variedade de estímulos sociais e ocorre sob um amplo guarda-chuva de emoções, nem sempre positivas. Para citar apenas alguns contextos emocionais típicos para o riso, ele pode acompanhar satisfação, afeição, diversão, alegria, surpresa, nervosismo, tristeza, medo, vergonha, agressão, triunfo, escárnio e prazer com o infortúnio alheio. De fato, como fantasias masturbatórias, o riso pode ocorrer até na ausência de quaisquer estímulos sociais. Se você alguma vez já notou alguém andando pela calçada, cabeça baixa, sorrindo, reprimindo um risinho embaraçoso por medo de que ele possa parecer um sintoma de esquizofrenia para um observador ingênuo, essa pessoa está na realidade envolvida numa atividade cognitiva bastante sofisticada, em que está “reapresentando” uma cena cômica aos olhos de sua mente. Tipicamente, porém, o riso serve como um rico sinal social e ocorre na presença de outros. Esse fenômeno levou a psicóloga Diana Szameitat e sua equipe a explorar a possível função adaptativa do riso humano. Publicado na revista Emotion, esse estudo fornece as primeiras evidências experimentais que demonstram que seres humanos possuem uma fantástica capacidade de detectar a intenção psicológica de uma gargalhada apenas pelas qualidades fonéticas de sons de riso. E por vezes, assinalam os autores, o riso indica algumas intenções muito agressivas, um fato que deve – de uma perspectiva evolucionária – motivar respostas comportamentais apropriadas, ou biologicamente adaptativas, da parte do ouvinte. Mas como é difícil, se não impossível, induzir diferentes emoções genuínas sob condições de laboratório, para seu primeiro estudo Szameitat e colegas fizeram a melhor coisa aproximada: contrataram oito atores profissionais (três homens e cinco mulheres) e gravaram suas risadas. Isso não é o ideal, obviamente, e os pesquisadores reconhecem a aplicabilidade limitada do uso de “retratos emocionais” em vez das emoções genuínas. Mas eles usaram técnicas de autoindução, instruindo os atores a entrar por completo no personagem, usando suas imaginações, movimentos corporais e memória emocional. Em outras palavras, “os atores foram instruídos a se concentrar exclusivamente na experiência do estado emocional, mas não, de maneira alguma, na expressão externa do riso”. Aqui estão os quatro tipos básicos de riso que os atores foram solicitados a representar, juntamente com suas descrições e as situações usadas para ajudar os atores a entrar no personagem para seus papéis: 1. Riso de alegria: Encontrar um bom amigo após passar muito tempo sem vê-lo. 2. Riso de escárnio: Rir de um adversário após tê-lo derrotado. O riso reflete a emoção de desprezo escarninho e serve para humilhar o ouvinte. 3. Riso com o infortúnio alheio: Rir de uma outra pessoa que foi vítima de um revés, como escorregar em cocô de cachorro. Diferentemente do riso de escárnio, porém, a pessoa que ri não quer prejudicar seriamente a outra. 4. Riso de cócegas: Riso provocado pelo fato de estar sentindo cócegas, literal e fisicamente. Depois que esses registros foram colhidos, 72 participantes anglófonos foram convidados ao laboratório, receberam fones de ouvido e foram instruídos a identificar as emoções por trás dessas sequências de risos – um total de 429 gravações de risos aleatoriamente entremeadas, cada uma representando um pulso de riso com duração de três a nove segundos, de modo que havia 102-111

risadas por emoção. (Isso lhes tomava cerca de uma hora – um verdadeiro pesadelo, fazendo-me lembrar as séries cômicas que via nos anos 1980, concentrando minha atenção nas peculiares risadas gravadas em segundo plano.) Mas os achados foram impressionantes; os participantes foram capazes de classificar de maneira correta esses risos gravados segundo as emoções muitas vezes sutis que exprimiam com uma taxa de sucesso significativamente maior do que a que poderia ser atribuída ao acaso. Num segundo estudo, o procedimento foi quase idêntico, mas foi feita aos participantes uma diferente série de perguntas relacionada à dinâmica social. Especificamente, para cada riso gravado, foi-lhes perguntado se o “emissor” (isto é, a pessoa que ri) estava num estado fisicamente excitado ou calmo, se ele era dominante ou submisso em relação ao “receptor” (isto é, o objeto do riso), se estava num estado agradável ou desagradável, e se estava sendo amistoso ou agressivo em relação ao receptor. Para este segundo estudo, não havia respostas “corretas” ou “incorretas”, pois a percepção dessas características nos risos gravados envolvia atribuições subjetivas. Ainda assim, como fora previsto, cada categoria de riso (alegria, escárnio, gozo com o infortúnio alheio, cócegas) teve um perfil único nessas quatro dimensões sociais. Isto é, os participantes usaram esses sons para inferir com segurança informação social específica com relação à situação não observada. A alegria, por exemplo, evocou avaliações de baixo grau de excitação, submissão e valência positiva de ambos os lados. O riso de escárnio sobressaiu-se claramente: pareceu muito dominante e foi o único som percebido pelos participantes como tendo uma valência negativa dirigida ao receptor. A percepção que os participantes tiveram do riso de gozo com o infortúnio alheio foi especialmente interessante. Foi ouvido como sendo dominante, mas não tanto quanto o riso de escárnio; os participantes julgaram que seus emissores estavam num estado positivo, mais que os do riso de escárnio, mas menos do que os que riam por sentir cócegas; e o riso por gozo com o infortúnio alheio foi ouvido como não sendo nem agressivo nem amistoso em relação ao receptor, mas neutro. Segundo os autores, cujas interpretações desses dados foram inspiradas pela lógica evolucionária: “O riso de gozo com o infortúnio alheio poderia, portanto, representar uma ferramenta precisa (e socialmente tolerada) para dominar o ouvinte sem segregá-lo ao mesmo tempo do contexto grupal.” Seja como for, eu gostaria de pensar que estava testemunhando a mais pura e genuína alegria em King anos atrás, mas é claro que meu cérebro não foi feito para decifrar estados emocionais distintos em gorilas. Depois disso ele tem rido, ao que parece, de Ellen DeGeneres ao vê-la na televisão de sua jaula; dois é uma amostra pequena, eu percebo, mas talvez seres humanos homossexuais lhe pareçam particularmente cômicos. No entanto me alegra pensar na evolução da alegria. E, preciso dizer, aqueles dados sobre ratos me levaram a considerar seriamente um retorno a meus velhos tempos de vegetariano – não que eu coma ratos no jantar, é claro, mas animais que riem tornam a perspectiva de animais que sofrem extremamente relevante e desconfortável em minha mente. Se pelo menos porcos mortos não fossem tão espetacularmente deliciosos.

Notas

Por que eles ficam pendurados? “Com a possível exceção”: Gordon G. Gallup Jr., Mary M. Finn e Becky Sammis, “On the Origin of Descended Scrotal Testicles: The Activation Hypothesis”, Evolutionary Psychology 7, n.4, 2009, p.519. “Não só a pele”: Ibid, p.519. Segundo um relato publicado em 2009 : Stany W. Lobo et al., “Asymmetric Testicular Levels in the Crotch: A Thermodynamic Perspective”, Medical Hypotheses 72, n.6, 2009, p.759-60. “Em nossa concepção”: Gallup, Finn e Sammis, “On the Origin of Descended Scrotal Testicles”, p.521. “Qualquer explicação de testículos”, Ibid, p.523. Ou, para pensar sobre isso de outra maneira : Isto não quer dizer que tais indivíduos não existam. Existem casos de algolagnia (do grego algos [dor] e lagneia [desejo sexual]), e algumas dessas pessoas derivam sua principal satisfação sexual de agressões a suas zonas erógenas. Mas isso é tão bizarro que muitos pesquisadores contemporâneos acreditam que a algolagnia – em especial quando a pessoa só pode ficar excitada por dor testicular ou dilaceramento da vagina – só pode ser compreendida como sintoma de um perigoso distúrbio neurológico que envolve uma falha da decodificação de estímulos nocivos.

Tão perto e tão longe: a contorcida história da autofelação “uma considerável porção”: Alfred C. Kinsey, Wardell B. Pomeroy e Clyde E. Martin, Sexual Behavior in the Human Male. Filadélfia, W.B. Saunders, 1948, p.510. mandado que lhe tirassem um osso: Grazia D’Annunzio, “The Randy Dandy”, New York Times , disponível em www.nytimes.com/2009/09/13/style/tmagazine/13slijperw.html. um paciente “muito perturbado”: Frances Millican et al., “Oral Autoaggressive Behavior and Oral Fixation”, in Irwin M. Marcus e John J. Francis (orgs.), Masturbation: From Infancy to Senescence. Madison, Conn., International Universities Press, 1975, p.150. soldado solitário de 22 anos: Jesse O. Cavenar, Jean G. Spaulding e Nancy T. Butts, “Autofellatio: A Power and Dependency Conflict”, Journal of Nervous and Mental Disease 165, n.5, 1977, p.356-60. linguagem típica, cheia de jargão : Frank Orland, “Factors in Autofellatio Formation”, International Journal of Psychoanalysis 52, n.3, 1971, p.289-96. O primeiríssimo caso psiquiátrico de autofelação publicado: Eugen Kahn e Ernest G. Lion, “A Clinical Note on a Self-Fellator”, American Journal of Psychiatry 95, n.1, 1938, p.131-3. um tema começando a emergir: William Guy e Michael H. Finn, “A Review of Auto-Fellatio: A Psychological Study of Two New Cases”, Psychoanalytic Review 41, n.4, 1954, p.354-8. O caso envolve um primeiro-sargento : Morris M. Kessler e George E. Poucher, “Auto-Fellatio: Report of a Case”, American Journal of Psychiatry 103, n.1, 1946, p.94-6. paciente do sexo feminino de extrema autossuficiência: Orland, “Factors in Autofellatio Formation”, op.cit.

Por que o pênis tem esse formato?: versão sem cortes “um pênis mais longo seria”: Gordon G. Gallup Jr. e Rebecca L. Burch, “Semen Displacement as a Sperm Competition Strategy in Humans”, Evolutionary Psychology 2, n.1, 2004, p.14. “Exemplos incluem sexo em grupo”: Ibid, p.15. Numa série de estudos: Gordon G. Gallup Jr. et al., “The Human Penis as a Semen Displacement Device”, Evolution and Human

Behavior 24, n.4, 2003, p.277-89. “É possível”: Gallup e Burch, “Semen Displacement as a Sperm Competition Strategy in Humans”, p.16.

Não tão depressa… O que há de tão “precoce” na ejaculação precoce? “um parceiro despachado, que”: Lawrence K. Hong, “Survival of the Fastest: On the Origin of Premature Ejaculation”, Journal of Sex Research 20, n.2, 1984, p.113. “a linhagem de Homo sapiens”: Idem, p.117. mas em 2009, num artigo publicado: Patrick Jern et al., “Evidence for a Genetic Etiology to Ejaculatory Dysfunction”, International Journal of Impotence Research 21, n.1, 2009, p.62-7. Conferindo maior credibilidade: Patrick Jern et al., “Subjectively Measured Ejaculation Latency Time and Its Association with Different Sexual Activities While Controlling for Age and Relationship Length”, Journal of Sexual Medicine 6, n.9, 2009, p.2.56878. “haveria pouca”: Ray Bixler, “Of Apes and Men (Including Females)”, Journal of Sex Research 22, n.2, 1986, p.265.

Ode às muitas virtudes evolutivas do sêmen humano “Nosso interesse pelas”: Rebecca L. Burch e Gordon G. Gallup Jr., “The Psychobiology of Human Semen”, in Steven M. Platek e Todd K. Shackelford (orgs.), Female Infidelity and Paternal Uncertainty: Evolutionary Perspectives on Male Anticuckoldry Tactics. Cambridge, Mass., Cambridge University Press, 2006, p.141. “isso nos pareceu muito peculiar”: Idem, p.141. Os achados mais significativos: Gordon G. Gallup Jr., Rebecca L. Burch e Steven M. Platek, “Does Semen Have Antidepressant Properties?”, Archives of Sexual Behavior 31, n.3, 2002, p.289-93. que pulsa através das veias de uma pessoa: E isso fica ainda melhor. Uma porcentagem menor (4,5%) das mulheres sexualmente ativas que “nunca” tinham usado preservativos tinha menor probabilidade de ter tentado o suicídio que aquelas que “de vez em quando” (7,4%), “usualmente” (28,9%) e “sempre” (13,2%) usavam preservativos. “É importante reconhecer”: Idem, p.291. “O corpo se torna o local”: Dave Holmes e Dan Warner, “The Anatomy of Forbidden Desire: Men, Penetration, and Semen Exchange”, Nursing Inquiry 12, n.1, 2005, p.18. tornam o HIV até: Jan Münch et al., “Semen-Derived Amyloid Fibrils Drastically Enhance HIV Infection”, Cell 131, n.6, 2007, p.1.059-71. “por volta dos 11-12 anos”: Gilbert Herdt e Martha McClintock, “The Magical Age of 10”, Archives of Sexual Behavior 29, n.6, 2000, p.596. O que fazem hormônios femininos: Burch e Gallup Jr., “Psychobiology of Human Semen”, op.cit., p.159. “Parece portanto”: Idem, p.160.

O pelo lá de baixo: o que o pelo pubiano humano tem em comum com o pelo dos gorilas “o pelo pubiano era”: Samar K. Bhowmick, Tracy Ricke e Kenneth R. Retig, “Sexual Precocity in a 16-Month-Old Boy Induced by Indirect Topical Exposure to Testosterone”, Clinical Pediatrics 46, n.6, 2007, p.540-1. “Embora macacos nus [seres humanos]”: Robin A. Weiss, “Apes, Lice, and Prehistory”, Journal of Biology 8, n.2, 2009, p.20. “Com base na morfologia”: Ibid. as psicólogas: Marika Tiggemann e Suzanna Hodgson, “The Hairlessness Norm Extended: Reasons for and Predictors of Women’s Body Hair Removal at Different Body Sites”, Sex Roles, 59, n.11-12, 2008, p.889-97. Num outro estudo : Marika Tiggemann, Yolanda Martins e Libby Churchett, “Hair Today, Gone Tomorrow: A Comparison of Body Hair Removal Practices in Gay and Heterosexual Men”, Body Image 5, n.3, 2008, p.312-6.

A história natural do canibalismo “O importante é que”: Lewis Petrinovich, The Cannibal Within. Piscataway, N.J., Aldine Transaction, 2000, p.107. “Depois de cortar o primeiro dedo do pé”: Gregory M. De Moore e Marcus Clement, “Self-Cannibalism: An Unusual Case of Self-Mutilation”, Australian and New Zealand Journal of Psychiatry 40, n.10, 2006, p.937. Pesquisa osteoarqueológica numa : Alban Defleur et al., “Neanderthal Cannibalism at Moula-Guercy, Ardèche, France”, Science 286, n.5437, 1999, p.128-31. “Essa vantagem heterozigótica sustentada ”: John Brookfield, “Human Evolution: A Legacy of Cannibalism in Our Genes?”, Current Biology 13, n.15, 2003, p.592. esses casos refletem crenças essencialistas: Bruce Hood, SuperSense: Why We Believe in the Unbelievable. Nova York, HarperOne, 2009. “Não há nenhuma forma”: Margaret St. Clair, prefácio para To Serve Man: A Cookbook for People, de Karl Würf. Filadélfia, Owlswick Press, 1976, p.1.

A afecção da pele humana: a acne e o macaco nu lidar com carne coberta por pelo: Stephen Kellett e Paul Gilbert, “Acne: A Biopsychosocial and Evolutionary Perspective with a Focus on Shame”, British Journal of Health Psychology 6, n.1, 2001, p.1-24. Considere uma cena: Jean-Paul Sartre, No Exit: And Three Other Plays, 1946. Nova York, Vintage, 1989, p.21. “Posso sentir o”: Craig Murray e Katherine Rhodes, “The Experience and Meaning of Adult Acne”, British Journal of Health Psychology 10, n.2, 2005, p.193. “Quando estou falando”: Idem, p.192. “A sociedade não permite”: Idem, p.196. esses foram os resultados relatados : Tracey A. Grandfield, Andrew R. Thompson e Graham Turpin, “An Attitudinal Study of Responses to a Range of Dermatological Conditions Using the Implicit Association Test”, Journal of Health Psychology 10, n.6, 2005, p.821-9. Um terço dos adolescentes da: Diana Purvis et al., “Acne, Anxiety, Depression, and Suicide in Teenagers: A Cross-Sectional Survey of New Zealand Secondary School Students”, Journal of Paediatrics and Science Health 42, n.12, 2006, p.793-6. “É nossa opinião, após”: Marion Sulzberger e Sadie Zaidens, “Psychogenic Factors in Dermatologic Disorders”, Medical Clinics of North America 32, 1948, p.684. certas populações humanas: Loren Cordain et al., “Acne Vulgaris: A Disease of Western Civilization”, Archives of Dermatology 138, n.12, 2002, p.1.584-90.

Devassos por natureza: quando um dano cerebral torna pessoas muito, muito despudoradas “O cérebro é a manifestação física ”: Shelley Batts, “Brain Lesions and Their Implications in Criminal Responsibility”, Behavioral Sciences and the Law 27, n.2, 2009, p.267. “todas as sete crianças”: Sunil Pradhan, Madhurendra N. Singh e Nirmal Pandey, “Klüver-Bucy Syndrome in Young Children”, Clinical Neurology and Neurosurgery 100, n.4, 1998, p.256. “Por que não fazemos”: Shawn J. Kile et al., “Alzheimer Abnormalities of the Amygdala with Klüver-Bucy Syndrome Symptoms: An Amygdaloid Variant of Alzheimer Disease”, Archives of Neurology 66, n.1, 2009, p.125. “era uma menina inteligente”: D.N. Mendhekar e Harpreet S. Duggal, “Sertraline for Klüver-Bucy Syndrome in an Adolescent”, European Psychiatry 20, n.4, 2005, p.355. começou a fazer uma felação: John A. Anson e Donald T. Kuhlman, “Post-Ictal Klüver-Bucy Syndrome After Temporal Lobectomy”, Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry 56, n.3, 1993, p.311-3. “tornando-se sexualmente agressivo ”: Vanessa Arnedo, Kimberly Parker-Menzer e Orrin Devinsky, “Forced Spousal Intercourse After Seizures”, Epilepsy and Behavior 16, n.3, 2009, p.563. se juntar a ele e à esposa: Dietrich Blumer, “Hypersexual Episodes in Temporal Lobe Epilepsy”, American Journal of Psychiatry 126, n.8, 1970, p.1.099-106.

Em 2003, os neurologistas: Jeffrey Burns e Russell Swerdlow, “Right Orbitofrontal Tumor with Pedophilia Symptom and Constructional Apraxia Sign”, Archives of Neurology 60, n.3, 2003, p.437-40. Num caso mais recente: Julie Devinsky, Oliver Sacks e Orrin Devinsky, “Klüver-Bucy Syndrome, Hypersexuality, and the Law”, Neurocase: The Neural Basis of Cognition 16, n.2, 2009, p.140-5.

Como o cérebro adquiriu suas nádegas: travessura medieval em neuroanatomia Em seu primeiro artigo : Régis Olry e Duane Haines, “Fornix and Gyrus Fornicatus: Carnal Sins?”, Journal of the History of the Neurosciences 6, n.3, 1997, p.338-9. “A real etimologia do”: Idem, p.338. Num artigo de acompanhamento: Régis Olry e Duane Haines, “The Brain in Its Birthday Suit: No More Reason to Be Ashamed”, Journal of the History of the Neurosciences 17, n.4, 2008, p.461-4.

Zumbis lascivos: sexo, sonambulismo, ereções noturnas… e você E dê graças a Deus: Carlos H. Schenck, Isabelle Arnulf e Mark W. Mahowald, “Sleep and Sex: What Can Go Wrong? A Review of the Literature on Sleep Related Disorders and Abnormal Sexual Behaviors and Experiences”, Sleep 30, n.6, 2007, p.683-702. Considere o caso do: Peter B. Fenwick, “Sleep and Sexual Offending”, Medicine, Science, and the Law 36, n.2, 1996, p.122-34. Num número de 2007: Monica L. Andersen et al., “Sexsomnia: Abnormal Sexual Behavior During Sleep”, Brain Research Reviews 56, n.2, 2007, p.271-82. Num número de 1996: Fenwick, “Sleep and Sexual Offending”, op.cit. “Algum tempo depois”: Mia Zaharna, Kumar Budur e Stephen Noffsinger, “Sexual Behavior During Sleep: Convenient Alibi or Parasomnia”, Current Psychiatry 7, n.7, 2008, p.21. “Um automatismo é um”: Fenwick, “Sleep and Sexual Offending”, op.cit., p.131. o pesquisador do sono londrino: Irshaad Osman Ebrahim, Somnambulistic Sexual Behavior (Sexsomnia)”, Journal of Clinical Forensic Medicine 13, n.4, 2006, p.219-24. Após acordar várias noites: Schenck, Arnulf e Mahowald, “Sleep and Sex”, op.cit.

Os seres humanos são especiais e únicos: nós nos masturbamos. E muito “na maioria das ocasiões”: R. Robin Baker e Mark A. Bellis, “Human Sperm Competition: Ejaculate Adjustment by Males and the Function of Masturbation”, Animal Behavior 46, n.5, 1993, p.871. “A vantagem para o macho”: Idem, p.863. “O refluxo emerge”: Idem, p.864. “flagelo da raça humana”: Jeffrey Jensen Arnett, “G. Stanley Hall’s Adolescence: Brilliance and Nonsense”, History of Psychology 9, n.3, 2006, p.192. No início dos anos 1980: Simon J. Wallis, “Sexual Behavior and Reproduction of Cercocebus albigena johnstonii in Kibale Forest, Western Uganda”, International Journal of Primatology 4, n.2, 1983, p.153-66. “Durante cada observação”: E. D. Starin, “Masturbation Observations in Temminck’s Red Colobus”, Folia Primatologica 75, n.2, 2004, p.115. “A possibilidade de que os tipos”: Gilbert van Tassel Hamilton, “A Study of Sexual Tendencies in Monkeys and Baboons”, Journal of Animal Behavior 4, n.5, 1914, p.296. “De todos os meus macacos machos”: Idem, p.314. “Jimmy esforçou-se prontamente”: Idem, p.315. “uma espécie de embriaguez”: Wilhelm Stekel, Auto-Erotism: A Psychiatric Study of Onanism and Neurosis . Nova York, Grove Press, 1961, p.139. “Vejo diante de mim”: Narcyz Lukianowicz, “Imaginary Sexual Partner: Visual Masturbatory Fantasies”, Archives of General Psychiatry 3, n.4, 1960, p.438.

“Neles ele ‘via’”: Idem, p.441. Num estudo de 1990: Bruce J. Ellis e Donald Symons, “Sex Differences in Sexual Fantasy: An Evolutionary Psychological Approach”, Journal of Sex Research 27, n.4, 1990, p.527-55. Em sua revisão de achados de pesquisa : Harold Leitenberg e Kris Henning, “Sexual Fantasy”, Psychological Bulletin 117, n.3, 1995, p.469-96. “Como pessoas privadas”: Idem, p.477.

Sobre pedófilos, hebéfilos e efebófilos: orientação erótica de idade “Entre os limites de idade”: Vladimir Nabokov, Lolita, 1955. Nova York, Random House, 1997, p.16. “Você está vendo ”: Ray Blanchard et al., “Pedophilia, Hebephilia, and the DSM-V”, Archives of Sexual Behavior 38, n.3, 2009, p.339. “Imagine a inviabilidade”: Thomas K. Zander, “Adult Sexual Attraction to Early-Stage Adolescents: Phallometry Doesn’t Equal Pathology”, Archives of Sexual Behavior 38, n.3, 2008, p.329. “teoria da formação de aliança”: Frank Muscarella, “The Evolution of Homoerotic Behavior in Humans”, Journal of Homosexuality 40, n.1, 2000, p.51-77. “como houve entre Davi e Jônatas”: Oscar Wilde, “The Love That Dare Not Speak Its Name”, disponível em www.phrases.org.uk/meanings/the-love-that-dare-not-speak-its-name.html. A pressão para patologizar: Karen Franklin, “The Public Policy Implications of ‘Hebephilia’: A Response to Blanchard et al.”, Archives of Sexual Behavior 38, n.3, 2008, p.319-20. “um exemplo de manual”: Idem, p.319. “Wilde tirou uma chave”: André Gide, If It Die: An Autobiography. Nova York, Random House, 1935, p.288. “considerado o maior”: “André Gide Is Dead: Noted Novelist, 81”, disponível em www.andregide.org/remembrance/nytgide.html. “meninos roliços, de lábios carnudos, langorosos ”: Posner, Donald. “Caravaggio’s Homo-Erotic Early Works”, Art Quarterly 34, 1971, p.301-24.

Amantes de animais: zoófilos levam cientistas a repensar a sexualidade humana “Em considerável medida”: Alfred C. Kinsey, Wardell B. Pomeroy e Clyde E. Martin, Sexual Behavior in the Human Male. Filadélfia: W. B. Saunders, 1948, p.675-6. O primeiro estudo de caso : Christopher M. Earls e Martin L. Lalumière, “A Case Study of Preferential Bestiality (Zoophilia)”, Sexual Abuse 14, n.1, 2002, p.83-8. “Quando entrei na adolescência”: Christopher M. Earls e Martin L. Lalumière, “A Case Study of Preferential Bestiality”, Archives of Sexual Behavior 38, n.4, 2009, p.606. “Quando aquela égua preta”: Idem, p.606. “Uma outra pesquisadora pioneira”: Hani Miletski, Understanding Bestiality and Zoophilia. Bethesda, Md., publicação própria, 2002. “A veemência com que”: Peter Singer, “Heavy Petting”, Nerve, disponível em www.utilitarian.net/singer/by/2001----.htm. “Duvidando, ao que parece”: Rebecca Cassidy, “Zoosex and Other Relationships with Animals”, in Hastings Donnan e Fiona Magowan (orgs.), Transgressive Sex: Subversion and Control in Erotic Encounters. Nova York, Berghahn Press, 2009, p.95. estudo especialmente provocativo : Colin Williams e Martin Weinberg, “Zoophilia in Men: A Study of Sexual Interest in Animals”, Archives of Sexual Behavior 32, n.6, 2004, p.523-35. No livro de Maurice Temerlin: Maurice Temerlin, Lucy: Growing Up Human. Palo Alto, Science and Behavior Books, 1975.

Assexuados entre nós “Eu diria que nunca”: Nicole Prause e Cynthia A. Graham, “Asexuality: Classification and Characterization”, Archives of Sexual Behavior 36, n.3, 2007, p.344.

“Simplesmente não sinto”: Kristin S. Scherrer, “Coming to an Asexual Identity: Negotiating Identity, Negotiating Desire”, Sexualities 11, n.5, 2008, p.626. Em 2004, ele analisou: Anthony F. Bogaert, “Asexuality: Prevalence and Associated Factors in a National Probability Sample”, Journal of Sex Research 41, n.3, 2004, p.279-87. “Eles não eram particularmente”: Prause e Graham, “Asexuality”, op.cit., p.344.

Brincando com os pés: podofilia para pudicos “Numa minoria pequena, mas não insignificante”: Havelock Ellis, Studies in the Psychology of Sex (online-ebooks.info, 2004), 5, p.12. “relatos sobre fetichismo de pé em homossexuais ”: Martin S. Weinberg, Colin J. Williams e Cassandra Calhan, “Homosexual Foot Fetishism”, Archives of Sexual Behavior 23, n.6, 1994, p.611-26. Num artigo subsequente: Martin S. Weinberg, Colin J. Williams e Cassandra Calhan, “‘If the Shoe Fits…’: Exploring Male Homosexual Foot Fetishism”, Journal of Sex Research 32, n.1, 1995, p.17-27. Ellis adverte que: Ellis, Studies in the Psychology of Sex, 5, op.cit., p.19. Um exemplo especialmente vívido: Jules R. Bemporad, H. Donald Dunton e Frieda H. Spady, “The Treatment of a Child Foot Fetishist”, American Journal of Psychotherapy 30, n.2, 1976, p.303-16. Cerca de uma década mais tarde : Juliet Hopkins, “A Case of Foot and Shoe Fetishism in a 6-Year-Old Girl”, in Trevor Lubbe (org.), The Borderline Psychiatric Child: A Selective Integration. Londres, Routledge, 2000, p.109-29. Essa abordagem de viva e deixe viver: Joseph R. Cautela, “Behavioral Analysis of a Fetish: First Interview”, Journal of Behavioral and Experimental Psychiatry 17, n.3, 1986, p.161-5. Esta é a teoria intrigante: A. James Giannini et al., “Sexualization of the Female Foot as a Response to Sexually Transmitted Epidemics: A Preliminary Study”, Psychological Reports 83, n.2, 1998, p.491-8.

A história de um amante da borracha “Quando eu tinha quatro anos”: Narcyz Lukianowicz, “Imaginary Sexual Partner: Visual Masturbatory Fantasies”, Archives of General Psychiatry 3, n.4, 1960, p.432. Como relatam no estudo : Thomas J. Fillion e Elliott M. Blass, “Infantile Experience with Suckling Odors Determines Adult Sexual Behavior in Male Rats”, Science 231, n.4739, 1986, p.729-31.

Ejaculação feminina: uma estrada científica menos explorada Num extraordinário artigo: Joanna B. Korda, Sue W. Goldstein e Frank Sommer, “The History of Female Ejaculation”, Journal of Sexual Medicine 7, n.5, 2010, p.1.965-75. liberação de quantidades “copiosas”: Amy L. Gilliland, “Women’s Experiences of Female Ejaculation”, Sexuality and Culture 13, n.3, 2009, p.121-34. uma equipe de pesquisadores egípcios: Ahmed Shafik et al., “An Electrophysiologic Study of Female Ejaculation”, Journal of Sex and Marital Therapy 35, n.5, 2009, p.337-46. uma equipe de tchecos: Milan Zaviačič et al., “Female Urethral Expulsions Evoked by Local Digital Stimulation of the G-Spot: Differences in the Response Patterns”, Journal of Sex Research 24, n.1, 1988, p.311-18. dúbia afirmação feita por: William H. Masters e Virginia E. Johnson, Human Sexual Response. Nova York, Little, Brown, 1966. “Antes ele dizia”: Gilliland, “Women’s Experiences of Female Ejaculation”, p.126.

O estranho caso das fag hags: mulheres que gostam de homens que gostam de homens

seu verbete na Wikipédia : Rue McClanahan, disponível em en.wikipedia.org/wiki/Rue_McClanahan (acessado em 14 de junho de 2011). Nancy Bartlett e colegas: Nancy H. Bartlett et al., “The Relation Between Women’s Body Esteem and Friendships with Gay Men”, Body Image 6, n.3, 2009, p.235-41. “O homem gay na sua vida”: Margaret Cho, I’m the One That I Want. Nova York, Ballantine Books, 2002, p.37.

O Teatro de Darwin apresenta… O misterioso caso do orgasmo feminino “O orgasmo feminino é uma sensação ”: Cindy M. Meston et al., “Women’s Orgasm”, Annual Review of Sex Research 15, 2004, p.174. Gould desenvolveu: Stephen Jay Gould, “Male Nipples and Clitoral Ripples”, in Bully for Brontosaurus: Further Reflections in Natural History. Nova York, W.W. Norton, 1992, p.124-38. De fato, foi Lloyd quem: Elisabeth A. Lloyd, The Case of the Female Orgasm. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 2005. Evidências baseadas em gêmeos: Kate M. Dunn, Lynn F. Cherkas e Tim D. Spector, “Genetic Influences on Variation in Female Orgasmic Function: A Twin Study”, Biology Letters 1, n.3, 2005, p.260-3. “o simples fato de algo”: David P. Barash, “Let a Thousand Orgasms Bloom! A Review of The Case of the Female Orgasm by Elisabeth A. Lloyd”, Evolutionary Psychology 3, 2005, p.351. A religiosidade é um outro : Sheryl A. Kingsberg e Jeffrey W. Janata, “Female Sexual Disorders: Assessment, Diagnosis, and Treatment”, Urologic Clinics of North America 34, n.4, 2007, p.497-506. Usando dados de relatos pessoais: Todd K. Shackelford et al., “Female Coital Orgasm and Male Attractiveness”, Human Nature 11, n.3, 2000, p.299-306. orgasmos e a atratividade física : Randy Thornhill et al., “Human Female Orgasm and Mate Fluctuating Asymmetry”, Animal Behaviour 50, n.6, 1995, p.1.601-15. “Durante o orgasmo copulativo ”: Danielle Cohen e Jay Belsky, “Avoidant Romantic Attachment and Female Orgasm: Testing an Emotion-Regulation Hypothesis”, Attachment and Human Development 10, n.1, 2008, p.1. mulheres chinesas que namoravam: Thomas Pollet e Daniel Nettle, “Partner Wealth Predicts Self-Reported Orgasm Frequency in a Sample of Chinese Women”, Evolution and Human Behavior 30, n.2, 2009, p.146-51. “é um sinal pelo qual”: Barash, “Let a Thousand Orgasms Bloom!”, op.cit., p.349.

A megera evoluída: por que as adolescentes são tão cruéis umas com as outras? “Jo é uma menina de quinze anos”: Rosalyn Shute, Laurence Owens e Phillip Slee, “‘You Just Stare at Them and Give Them Daggers’: Nonverbal Expressions of Social Aggression in Teenage Girls”, International Journal of Adolescence 10, n.4, 2002, p.353-72. e refletissem sobre ela : Nicole H. Hess e Edward H. Hagen, “Sex Differences in Indirect Aggression: Psychological Evidence from Young Adults”, Evolution and Human Behavior 27, 2006, p.231-45.

Nunca pergunte o caminho a um gay Num estudo relatado na : Qazi Rahman, Davinia Andersson e Ernest Govier, “A Specific Sexual Orientation-Related Difference in Navigation Strategy”, Behavioral Neuroscience 119, n.1, 2005, p.311-6. num estudo de acompanhamento: Qazi Rahman e Johanna Koerting, “Sexual Orientation-Related Differences in Allocentric Spatial Memory Tasks”, Hippocampus 18, n.1, 2008, p.55-63. axilas de gays exalam: Ivanka Savic et al., “Smelling of Odorous Sex Hormone-Like Compounds Causes Sex-Differentiated Hypothalamic Activations in Humans”, Neuron 31, n.4, 2001, p.661-8.

“Homem solteiro, raivoso, hétero… procura semelhantes”: a homofobia como desejo

reprimido Uma das linhas de trabalho: Henry E. Adams, Lester W. Wright Jr. e Bethany A. Lohr, “Is Homophobia Associated with Homosexual Arousal?”, Journal of Abnormal Psychology 105, n.3, 1996, p.440-5. “um extensômetro circunferencial”: Idem, p.441. “Acreditamos ser inexato ”: Brian P. Meier et al., “A Secret Attraction or Defensive Loathing? Homophobia, Defense, and Implicit Cognition”, Journal of Research in Personality 40, n.4, 2006, p.388. Alguns dos dados mais surpreendentes: Gregory M. Herek, Stigma and Sexual Orientation: Understanding Prejudice Against Lesbians, Gay Men, and Bisexuals. Thousand Oaks, Sage, 1998. um estudo posterior publicado: Jeffrey A. Bernat et al., “Homophobia and Physical Aggression Toward Homosexual and Heterosexual Individuals”, Journal of Abnormal Psychology 110, n.1, 2001, p.179-87.

O modismo do poliamor, o ciúme gay e a evolução de um coração partido “amantes abandonados dedicam-se”: Helen E. Fisher, “Broken Hearts: The Nature and Risks of Romantic Rejection”, in Ann C. Crouter e Alan Booth (orgs.), Romance and Sex in Adolescence and Emerging Adulthood: Risks and Opportunities. Mahwah, N.J.: Lawrence Erlbaum, 2006, p.13. “uma infidelidade a um parceiro ”: Brad J. Sagarin et al., “Sex Differences (and Similarities) in Jealousy: The Moderating Influence of Infidelity Experience and Sexual Orientation of the Infidelity”, Evolution and Human Behavior 24, n.1, 2003, p.18. Por exemplo, em 2010, quando um repórter: Boris Kachka, “The Kid Stays in the Picture”, Nova York, 16 de maio de 2010, disponível em nymag.com/arts/theater/features/66008/.

Cientistas bem-dotados vão fundo nas preferências sexuais entre homens gays Vários anos atrás: Trevor A. Hart et al., “Sexual Behavior Among HIV-Positive Men Who Have Sex with Men: What’s in a Label?”, Journal of Sex Research 40, n.2, 2003, p.179-88. num estudo que mostrou : David A. Moskowitz, Gerulf Rieger e Michael E. Roloff, “Tops, Bottoms, and Versatiles”, Sexual and Relationship Therapy 23, n.3, 2008, p.191-202. “Embora as autodesignações”: Hart et al., “Sexual Behavior Among HIV-Positive Men Who Have Sex with Men”, p.188. “essas relações também”: Moskowitz, Rieger e Roloff, “Tops, Bottoms, and Versatiles”, op.cit., p.199. Um outro estudo intrigante: Matthew H. McIntyre, “Letter to the Editor: Digit Ratios, Childhood Gender Role Behavior, and Erotic Role Preferences of Gay Men”, Archives of Sexual Behavior 32, n.6, 2003, p.495-7.

Seu filho é um “pré-homossexual”?: a previsão da orientação sexual adulta “foi rever as evidências”: J. Michael Bailey e Kenneth J. Zucker, “Childhood Sex-Typed Behavior and Sexual Orientation: A Conceptual Analysis and Quantitative Review”, Developmental Psychology 31, n.1, 1995, p.44. referem-se àquela longa lista: Ibid. entrevistaram 25 mulheres adultas : Kelley D. Drummond et al., “A Follow-Up Study of Girls with Gender Identity Disorder”, Developmental Psychology 44, n.1, 2008, p.34-45. “aqueles alvos que, como adultos”: Gerulf Rieger et al., “Sexual Orientation and Childhood Gender Nonconformity: Evidence from Home Videos”, Developmental Psychology 44, n.1, 2008, p.53. Dados transculturais mostram: Fernando Luiz Cardoso, “Recalled Sex-Typed Behavior in Childhood and Sports’ Preferences in Adulthood of Heterosexual, Bisexual, and Homosexual Men from Brazil, Turkey, and Thailand”, Archives of Sexual Behavior 38, n.5, 2008, p.726-36. num caso bastante espantoso: Helen W. Wilson e Cathy Spatz Wisdom, “Does Physical Abuse, Sexual Abuse, or Neglect in Childhood Increase the Likelihood of Same-Sex Sexual Relationships and Cohabitation? A Prospective 30-Year Follow-Up”, Archives of Sexual Behavior 39, n.1, 2010, p.63-74.

Bons cristãos (mas só aos domingos) Em meu livro The Belief Instinct: Jesse Bering, The Belief Instinct: The Psychology of Souls, Destiny, and the Meaning of Life. Nova York, W.W. Norton, 2011. “Se a punição sobrenatural é sustentada ”: Dominic Johnson e Jesse Bering, “Hand of God, Mind of Man: Punishment and Cognition in the Evolution of Cooperation”, Evolutionary Psychology 4, 2006, p.219-33. Esta é uma expressão cunhada : Azim F. Shariff e Ara Norenzayan, “God Is Watching You: Priming God Concepts Increases Prosocial Behavior in an Anonymous Economic Game”, Psychological Science 18, n.9, 2007, p.803-9. Um trabalho mais recente: Will Gervais e Ara Norenzayan, “Like a Camera in the Sky? Thinking About God Increases Public Selfawareness and Socially Desirable Responding”, Journal of Experimental Social Psychology (no prelo). “Essa abordagem nos ajuda ”: Deepak Malhotra, “(When) Are Religious People Nicer? Religious Salience and the ‘Sunday Effect’ on Pro-Social Behavior”, Judgment and Decision Making 5, n.2, 2010, p.139. Analisando os impudicos: Benjamin Edelman, “Red Light States: Who Buys Online Adult Entertainment?”, Journal of Economic Perspectives 23, n.1, 2009, p.209-20.

Os coelhinhos de Deus: a taxa de reprodução dos crentes é esmagadoramente maior do que a dos não crentes “No final das contas”: Michael Blume, “The Reproductive Benefits of Religious Affiliation”, in E. Voland e W. Schiefenhövel (orgs.), The Biological Evolution of Religious Mind and Behaviour. Berlim, Springer Frontiers Collection, 2009, p.122. “Os resultados são”: Idem, p.119. “Alguns naturalistas estão tentando”: Idem, p.125.

Criando raízes com minha mãe morta Considere que, a cada ano : “Natural burial”, disponível em en.wikipedia.org/wiki/Natural_burial (acessado em 14 de junho de 2011). “Seria possível dirigir mais de”: disponível em www.naturallegacies.org (acessado em 14 de julho de 2011). Esta expressão foi cunhada: Ernest Becker, The Denial of Death. Nova York, Free Press, 1973.

Ser suicida: matar-se é adaptativo? Depende: suicídio em benefício dos próprios genes (Parte I) deCatanzaro postulou que os cérebros humanos : Denys deCatanzaro, Suicide/Self-Damage Behavior, Studies in Archaeological Science. Nova York, Academic Press, 1981. Mas quando biólogos examinaram: Maydianne C.B. Andrade, “Sexual Selection for Male Sacrifice in the Australian Redback Spider”, Science 5, n.5245, 1996, p.70-2. Um outro exemplo são as mamangabas: Robert Poulin, “Altered Behaviour in Parasitized Bumblebees: Parasite Manipulation or Adaptive Suicide?”, Animal Behaviour 44, n.1, 1992, p.176. Para cristalizar sua posição: Denys deCatanzaro, “A Mathematical Model of Evolutionary Pressures Regulating Self-Preservation and Self-Destruction”, Suicide and Life-Threatening Behavior 16, n.2, 1986, p.166-81. Num estudo publicado em 1995: Denys deCatanzaro, “Reproductive Status, Family Interactions, and Suicidal Ideation: Surveys of the General Public and High-Risk Groups”, Ethology and Sociobiology 16, n.5, 1995, p.385-94. “a natureza observacional deste”: Idem, p.391. Alguns anos depois da: R. Michael Brown et al., “Evaluation of an Evolutionary Model of Self-Preservation and Self-Destruction”,

Suicide and Life-Threatening Behavior 29, n.1, 1999, p.58-71. “[Ela] era descrita como”: Kimberly A. van Orden et al., “The Interpersonal Theory of Suicide”, Psychological Review 117, n.2, 2010, p.585. “A adoção de um estilo de vida”: Poulin, “Altered Behaviour in Parasitized Bumblebees: Parasite Manipulation or Adaptive Suicide?”, op.cit.

Ser suicida: como é a sensação de querer se matar (Parte II) Segundo os pesquisadores: David Cohen e Angèle Consoli, “Production of Supernatural Beliefs During Cotard’s Syndrome, a Rare Psychotic Depression”, Behavioral and Brain Sciences 29, n.5, 2006, p.468-70. Algumas evidências recentes sugerem: Anders Helldén et al., “Death Delusion”, British Medical Journal 335, n.7633, 2007, p.1.305. “O delírio consistia na absoluta”: Cohen e Consoli, “Production of Supernatural Beliefs During Cotard’s Syndrome, a Rare Psychotic Depression”, op.cit., p.469. penso que, da perspectiva: Roy F. Baumeister, “Suicide as Escape from Self”, Psychological Review 97, n.1, 1990, p.90-113. “Um grande corpo de evidências”: Idem, p.95. “aparentemente é o tamanho”: Idem, p.95. “A essência da autoconsciência”: Idem, p.98. “Nosso melhor caminho”: Edwin S. Shneidman, The Suicidal Mind. Nova York, Oxford University Press, 1996, p.6. “seu arquivo continha ”: Susanne Langer, Jonathan Scourfield e Ben Fincham, “Documenting the Quick and the Dead: A Study of Suicide Case Files in a Coroner’s Office”, Sociological Review 56, n.2, 2008, p.304. “Concluir simplesmente que depressão”: Baumeister, “Suicide as Escape from Self”, p.90. “Por conseguinte, suicidas parecem”: Idem, p.100. “Ao se preparar para o suicídio”: Idem, p.108. “capacidade adquirida para o suicídio”: Kimberly A. van Orden et al., “The Interpersonal Theory of Suicide”, Psychological Review 117, n.2, 2010, p.585.

“Cientistas dizem que o livre-arbítrio provavelmente não existe, mas recomendam: ‘Não deixem de acreditar nele!’” “No cerne da questão”: Roy F. Baumeister, “Free Will in Scientific Psychology”, Perspectives on Psychological Science 3, n.1, 2008, p.14. O primeiro estudo que demonstrou : Kathleen D. Vohs e Jonathan W. Schooler, “The Value of Believing in Free Will”, Psychological Science 19, n.1, 2008, p.49-54. “‘Você’, suas alegrias e ”: Francis Crick, The Astonishing Hypothesis: The Scientific Search for the Soul. Nova York, Scribner, 1994, p.3. “Se a exposição a mensagens”: Vohs e Schooler, “Value of Believing in Free Will”, op.cit., p.54. “Algumas análises filosóficas”: Roy F. Baumeister, E.J. Masicampo e C. Nathan DeWall, “Prosocial Benefits of Feeling Free: Disbelief in Free Will Increases Aggression and Reduces Helpfulness”, Personality and Social Psychology Bulletin 35, n.2, 2009, p.267.

O rato que não parava de rir: alegria e hilaridade no reino animal “possibilidade de que os sujeitos”: Jaak Panksepp, “Neuroevolutionary Sources of Laughter and Social Joy: Modeling Primal Human Laughter in Laboratory Rats”, Behavioural Brain Research 182, n.2, 2007, n.232. “Tendo acabado de concluir”: Idem, p.235. “devemos ser competentes”: Idem, p.234. “a não ser que lhes tivessem feito cócegas”: Idem, p.235.

“Tentamos refutar”: Idem, p.235. “Se um gato”: Idem, p.241. No mesmo número da : Martin Meyer et al., “How the Brain Laughs: Comparative Evidence from Behavioral, Electrophysiological, and Neuroimaging Studies in Human and Monkey”, Behavioural Brain Research 182, n.2, 2007, p.245-60. as primeiras evidências experimentais: Diana P. Szameitat et al., “Differentiation of Emotions in Laughter at the Behavioral Level”, Emotion 9, n.3, 2009, p.397-405. “os atores foram instruídos”: Idem, p.398. “O riso de gozo com o infortúnio”: Idem, p.403.

Agradecimentos

Muita gente reclamou de coisas que escrevi neste livro. Para grande contrariedade delas, meu parceiro, Juan Quiles, aparece de vez em quando, e sou-lhe muito grato por servir de musa, crítico e, falando de maneira mais geral, o sempre misterioso yin para meu yang. Ele é uma das poucas pessoas que conseguiram me manter continuamente conjecturando (o que significa que introduz um saudável caos de que sempre preciso). Meu agente, Peter Tallack, da Science Factory, foi um fantástico aliado trabalhando incansavelmente nos bastidores. É muita sorte minha tê-lo como meu representante, não só porque o considero um dos melhores agentes em ação no mundo da ciência atualmente – isto dá a ideia de que é um cafetão, minhas profundas desculpas, Peter –, mas também porque ele em geral concorda comigo. Pelo menos é nisso que me faz acreditar. Tenho também a sorte de ter colaborado neste projeto uma equipe maravilhosa de editores e revisores. Em especial, minha editora Amanda Moon, da Farrar, Straus and Giroux, e sua maravilhosa assistente Karen Maine estiveram no leme, organizando esta coletânea. Amanda representa a Pessoa Número Um no processo editorial; como a primeira leitora de meus originais, é ela quem avalia os pontos fortes e, sem dúvida, as muitas debilidades de meus ensaios antes que qualquer outro possa apontá-los para mim. Sinto que deveria incluir uma daquelas ressalvas sobre “as atitudes e opiniões aqui expressas são unicamente do autor e não refletem necessariamente as de seu patrão”. Mas você entende o que quero dizer. Estamos ambos, você e eu, em muito boas mãos com ela. Um outro importante conjunto de editores foi o que surgiu muito antes que este livro se materializasse, quando versões preliminares dos ensaios foram publicadas on-line. Apoiando-me na conceituação e implementação de minha coluna “Bering in Mind” na Scientific American, Karen Schrock foi quem realmente me fez decolar. Não posso lhe agradecer o suficiente por me proporcionar o escape para exercitar meus pensamentos obscenos e lascivos – através da Scientific American, nada menos. Mais recentemente, meu editor na revista Slate, Daniel Engber, também contribuiu de maneira decisiva para que eu pudesse conversar com leitores sobre tantos tópicos gloriosamente impróprios. Dan e eu compartilhamos uma queda pelo absurdo e o científico, duas coisas que se harmonizam muito naturalmente e podem ser uma mistura jubilosa quando as coisas dão certo. Sou enormemente grato por trabalhar ao lado de Dan e aprender com ele, em seu papel como editor mas também como um colega escritor. Que seria de mim sem minha família? Estaria em condições muito piores, na certa. Suponho que durante muito tempo, os membros de minha família não souberam muito bem como responder à pergunta de qual era meu ganha-pão. Obrigado de qualquer maneira, papai, Linda, Stacey(s), Adam, Jodi, Jakob, Gianni, Sydney e aqueles que estão entre os muitos fios próximos mas dispersos dos Bering e Roth. Talvez as pessoas mais importantes a agradecer, contudo, sejam os cientistas e estudiosos que

fizeram o trabalho duro de verdade. Meus resumos aqui são apenas pálidos relatos de sua inventividade e, muitas vezes, gênio. Entre os que eu gostaria de mencionar especificamente por suas contribuições e ajuda ao longo do percurso estão: Gordon Gallup, Becky Burch, Ray Blanchard, Ara Norenzayan, Denys deCatanzaro, Roy Baumeister e Michael Blume. Jonathan Jong foi um assistente engenhoso, que gentilmente me enviou da Nova Zelândia mais de um artigo obscuro. Eu também gostaria de agradecer ao pessoal do Kinsey Institute em Bloomington, Indiana, por me acolher como um estudioso independente. Por fim, permitam-me ao final meditar, com sincera e sorridente gratidão, sobre alguns dos heróis de meu dia a dia, meus melhores amigos não humanos, “Big Tommy”, Gulliver e Uma.

Índice remissivo

Aché, 1 acne, 1-2 ansiedade, 1-2 evolução, 1-2 genética, 1 tratamento, 1 acrotomofilia, 1 Adams, Henry, 1, 2, 3 adolescentes, 1, 2-3 como megeras, 1-2 comportamento típico de sexo, 1-2, 3-4 do sexo feminino, 1, 2-3 do sexo masculino, 1-2 homossexuais, 1-2, 3-4, 5-6 masturbação, 1 sexo com, 1-2 suicídio de adolescentes gays, 1-2, 3-4 África, 1, 2 agressão feminina, 1-2 agressão, 1-2, 3 comportamento de proteção do cônjuge, 1-2 feminina, 1-2 “hipótese da baixa velocidade/agressividade elevada”, 1 homofobia, 1-2 masculina, 1, 2-3 Aids, 1, 2, 3-4, 5-6, 7 álcool, 1, 2, 3 Alemanha, 1, 2-3, 4-5 nazista, 1-2 algolagnia, 1 amamentação, 1 América do Sul, 1, 2 American Journal of Psychiatry, The, 1, 2 American Journal of Psychotherapy, 1

American Psychiatric Association, 1 American Psychological Association, 1-2 americanos nativos, 1 amish, 1-2 amnésia, 1 Andersen, Hans Christian, 1 Andersen, Monica, 1 androgênios, 1 animais ver animais específicos; zoofilia Annual Review of Sex Research, 1 ansiedade, 1, 2 acne, 1-2 ereção e, 1 homofobia, 1-2 morte, 1 suicídio e, 1-2 antiadrenérgicos, 1 antibióticos, 1 antidepressivos, 1, 2 sêmen como, 1-2 antropofagia, 1-2 apatia, 1 aptidão genética inclusiva, 1, 2-3 aranhas-de-dorso-vermelho, 1, 2 Archives of General Psychiatry, 1, 2 Archives of Sexual Behavior, 1, 2, 3, 4, 5 Aristóteles, 1 Arnedo, Vanessa, 1 assexualidade, 1-2 essencialismo, 1-2 genética e, 1 assimetria, 1 testicular, 1-2 astecas, rituais de canibalismo dos, 1 ateísmo, 1-2 Austrália, 1, 2 australopitecíneos, 1-2 autocunilíngua, 1 autofelação, 1-2 homossexualidade e, 1-2

auto-irrumatio, 1, 2 automatismo, 1 Aven, 1 babuínos, 1 canibalismo, 1 Bailey, J. Michael, 1-2 Baker, Robin, 1-2 Barash, David, 1, 2 barebacking, 1-2 Bartholin, Thomas, 1 Bartlett, Nancy, 1, 2 Batts, Shelley, Behavioral Sciences and the Law, 1 Baumeister, Roy, 1, 2-3, 4, 5 teoria da fuga de, 1-2 Beauvoir, Simone de, 1 Becker, Ernest, A negação da morte, 1 Behavioral Neuroscience, 1 Behavioural Brain Research, 1, 2 Beirne, Piers, 1 Belfast, 1 Belief Instinct, The (Bering), 1 Bellis, Mark, 1-2 Belsky, Jay, 1 Bemporad, Jules, 1 benzodiazepínicos, 1 Bering, Vitus, 1 bestialismo, 1-2 Bhowmick, Samar, 1 Bíblia, 1, 2, 3 bissexualidade, 1, 2, 3, 4, 5 Bixler, Ray, 1 Blanchard, Ray, 1-2, 3-4 Blass, Elliott, 1, 2 Blume, Michael, 1, 2, 3, 4 bodes, sexo com, 1 Body Image, 1 Bogaert, Anthony, 1-2, 3 bonobo, 1, 2 “borrachofilia”, 1-2

Brain Research Reviews, 1 Brasil, 1 British Journal of Health Psychology, 1-2 Brookfield, John, 1 Bucy, Paul, 1 Burch, Rebecca, 1, 2, 3, 4-5 Burke, William, 1 Burns, Jeffrey, 1 Burroughs, William, Almoço nu, 1 Butts, Nancy, 1 cachorros, 1 sexo com, 1, 2, 3, 4 Campbell, Anne, 1 câncer, 1-2 canibalismo, 1-2, 3 fome, 1, 2, 3, 4-5 genética e, 1-2 médico, 1 ritual, 1-2, 3 sociopático, 1-2 tabu, 1, 2 caranguejos, 1-2 Caravaggio, 1, 2 Carroll, Lewis, As aventuras de Alice no País das Maravilhas, 1 Cassidy, Rebecca, Transgressive Sex: Subversion and Control in Erotic Encounters, 1 castração, 1-2 Cautela, Joseph, 1 cavalos, sexo com, 1, 2, 3, 4-5, 6-7, 8 Cavenar, Jesse, 1 cemitérios, 1-2, 3-4 Centers for Disease Control and Prevention, 1 Cercocebus albigena, 1 cérebro, 1-2, 3, 4 consumo, 1 dano, 1-2 epiléptico, 1-2 ereções relacionadas ao sono, 1-2 evolução, 1, 2 homossexualidade e, 1-2

livre-arbítrio e, 1-2 masturbação e, 1-2 neuroanatomia, 1-2 pedofilia e, 1-2 regiões, 1 riso e, 1-2 sistemas libidinais e, 1-2 suicídio e, 1-2 cheiro, 1 chimpanzés, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8 masturbação, 1 pênis, 1, 2-3 sêmen, 1-2 sexo com, 1-2 suicídio, 1-2, 3 teste do autorreconhecimento no espelho, 1 China, 1 canibalismo na, 1 Cho, Margaret, 1 chupador de pau (expressão), 1-2 Churchett, Libby, 1 circuncisão, 1-2 teoria do desalojamento do sêmen e, 1-2 ciúme sexual, 1-2 clamídia, 1-2 Clark, Anne, 1 Clementi, Tyler, 1 Clinical Pediatrics, 1 clitóris, 1, 2-3, 4 clonazepam, 1 cobras, sexo com, 1 coelhos, sexo com, 1-2 Cohen, Danielle, 1 Cohen, David, 1 colículos, 1, 2 colo do útero, 1, 2, 3 Colômbia, 1 Colombo, Matteo Realdo, 1 coma, causado por encefalite, 1, 2 Comunidade Oneida, 1-2

concepção, 1 conjuntivas, 1 Consoli, Angèle, 1 continência masculina, 1 contracepção, 1, 2 contraceptivos orais, 1 coprofagia, 1 copulação ver sexo córtex cingulado anterior, 1 córtex pré-frontal dorsolateral, 1 córtex pré-frontal, 1 cortisol, 1 Cotard, Jules, 1 Craig, Larry, 1 Crane, Hart, 1 cremação, 1-2 crenças na vida após a morte, 1, 2 crianças, 1-2 abuso sexual de, 1-2, 3, 4-5 comportamento típico de sexo, 1-2 comportamentos hipersexualizados, 1, 2 desenvolvimento sexual de, 1-2, 3-4 fantasias, 1 fetichismo do pé, 1-2, 3-4 interesse por brinquedos, 1 pré-homossexuais, 1-2 puberdade precoce, 1-2 religião e reprodução, 1-2 Crick, Francis, A hipótese espantosa, 1 criminalidade: fantasia sexual e, 1-2 pedofilia e, 1-2 suicídio e, 1-2 cristianismo, 1-2, 3-4 culturas primitivas, suicídio em, 1-2 cunilíngua, 1, 2-3, 4, 5 autocunilíngua, 1-2, 3-4 pelo pubiano e, 1-2 Current Psychiatry, 1 Current Biology, 1

D’Annunzio, Gabriele, 1 Dahmer, Jeffrey, 1 dano cerebral, 1-2 hipersexualidade e, 1-2 pedofilia e, 1-2 Darwin, Charles, 1, 2, 3 David, Gerard, 1 David, Larry, 1 de Graaf, Reimer, 1-2 deCatanzaro, Denys, 1-2 modelo matemático de autopreservação e autodestruição, 1 sobre suicídio adaptativo, 1-2, 3 deficiências na orientação espacial e homossexualidade, 1-2 Dekkers, Midas, Dearest Pet, 1 Descartes, René, 1 desígnio inteligente, 1 determinismo, 1-2 Developmental Psychology, 1, 2 direitos dos gays, 1 disforia de gênero, 1-2 distúrbio de identidade de gênero, 1-2 distúrbio do desejo sexual hipoativo, 1 DNA, 1, 2 doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), 1 doença de origem alimentar, 1 doença de Pick, 1 doença, e canibalismo, 1 Donatello, 1 dopamina, 1 dor, 1 suicídio, 1-2 testicular, 1, 2-3 drogas, 1, 2-3, 4 administração vaginal, 1-2 facilitadoras do estupro, 1 Drummond, Kelley, 1 DSM, 1, 2-3 Earls, Christopher, 1-2, 3-4 Ebrahim, Irshaad, 1

Edelman, Benjamin, 1 efebofilia, 1, 2, 3-4 efeito 2D: 1, 2 efeito de dosagem, 1-2 “efeito do domingo”, 1-2 “efeito McClintock”, 1, 2 Egito, 1 antigo, 1 ejaculação feminina, 1-2 ejaculação precoce, 1-2 genética e, 1-2 teoria da “sobrevivência do mais rápido”, 1-2 ejaculação, 1, 2-3, 4, 5, 6 ejaculadores retardados, 1-2 feminina, 1-2 genética e, 1-2 masturbação, 1, 2 “período refratário” após, 1-2 precoce, 1, 2 refluxo, 1 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 variação nas latências da ejaculação masculina, 1-2 elefantes, 1 Ellis, Bruce, 1 Ellis, Havelock, 1-2, 3-4 Emotion, 1-2 empatia, 1 acne e, 1 sexo e, 1-2 encefalite por herpes, 1, 2, 3 endorfinas, 1 engenharia reversa, 1, 2 enterro verde, 1-2 epilépticos do lobo temporal, 1-2 epilépticos, 1, 2 hipersexualidade e, 1-2 Equador, 1 Equus ver Shaffer, Peter, Equus ereções, 1, 2, 3-4, 5, 6 homens homofóbicos e, 1-2

relacionadas ao sono, 1-2 erotofobia, 1 Escócia, 1 escroto, 1-2 temperatura, 1, 2-3 testículos descidos, 1-2 Espanha, 1 esperma, 1, 2-3 ejaculação precoce, 1-2 masturbação e, 1, 2 mobilidade, 1-2, 3-4 química do sêmen e, 1-2 retenção e orgasmo feminino, 1 temperatura, 1, 2-3 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 testículos e, 1-2 viabilidade, 1 esportes, 1, 2 de contato versus solitários, 1 trauma testicular, 1 estado “pós-ictal”, 1 estirpicultura, 1 estresse, 1 estrona, 1 estupro, 1, 2 dano cerebral e, 1 de crianças, 1-2 drogas facilitadoras do, 1 sexônia, 1, 2 Ethology and Sociobiology, 1, 2 etimologia, 1 eugenia, 1-2 European Psychiatry, 1 evolução, 1, 2 acne, 1-2 assexualidade e, 1-2 canibalismo, 1-2 cérebro, 1, 2-3 ciúme sexual e, 1-2 ejaculação precoce, 1-2

pelo pubiano, 1-2 pênis, 1-2 química do sêmen, 1-2 religião e, 1-2 suicídio e, 1-2 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 testicular, 1-2 zoofilia e, 1-2 Evolution and Human Behavior, 1, 2 Evolutionary Psychology, 1, 2 exibicionismo, 1 fadiga, 1 fag hags, 1-2 estereótipos negativos, 1-2 na televisão, 1, 2-3 fantasias, 1-2 durante o sexo, 1-2 infância, 1-2 masturbação, 1-2 felação, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8, 9, 10 autofelação, 1-2 pé, 1-2 pelo pubiano e, 1-2 pornografia masculina gay, 1-2 felicidade, 1, 2-3 de primatas não humanos, 1-2 padrões exorbitantes para, 1-2 riso e, 1-2 sêmen e, 1 Fenwick, Peter, 1 ferimentos testiculares, 1, 2-3 feromônios, 1-2 pelo pubiano e, 1 sincronia menstrual e, 1-2 Ferrell, Will, 1 fertilização, 1, 2, 3, 4, 5 fertilização in vitro, 1 fetiche de sapato, 1, 2, 3, 4 fetichismo de pé, 1-2

crianças, 1-2, 3-4 homossexual, 1-2, 3-4, 5 fetichismo ver fetiches específicos fetichismos, 1-2, 3-4, 5 ver também fetiches específicos Fillion, Thomas, 1-2 Finn, Mary, 1 Finn, Michael, 1 Fisher, Helen, 1-2 focas, 1 Foley, Mark, 1 Folia Primatologica, 1 Foot Fraternity, 1, 2, 3-4 forças armadas, 1 autofelação e, 1-2 homossexualidade nas, 1, 2 proscrição dos gays com a política do “Não pergunte, não conte”, 1 sexônia, 1 suicídio, 1-2 fórnice, 1-2 Fort, Joseph Auguste Aristide, 1 fosfatase ácida prostática, 1-2 França, 1, 2, 3, 4, 5, 6 Franklin, Karen, 1 frênulo, 1 Freud, Sigmund, 1, 2, 3, 4, 5 Fry, Stephen, 1 Gajdusek, Carleton, 1 Gallup, Gordon, 1-2, 3-4, 5-6 hipótese da ativação, 1-2 sobre a química do sêmen, 1-2 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 gatos, 1-2, pênis, 1-2 sexo com, 1-2 gêmeos fraternos, 1 gêmeos idênticos, 1-2 gêmeos, 1-2, 3-4 ejaculação, 1-2

fraternos, 1-2, 3-4 idênticos, 1-2 Genet, Jean, 1 genética, 1, 2, 3, 4-5 acne e, 1-2 assexualidade e, 1-2 canibalismo e, 1-2 ejaculação precoce e, 1-2 homossexualidade e, 1-2, 3-4 livre-arbítrio e, 1, 2-3 orgasmo feminino e, 1, 2 religião e, 1-2 suicídio e, 1-2 gerontofilia, 1, 2-3 Gervais, Will, 1 Giannini, James, 1-2 Gide, André, 1-2 Gilbert, Paul, 1 Gilliland, Amy, 1-2 glândula pineal, 1, 2 glândulas sebáceas, 1-2 gônadas, 1-2 gonorreia, 1-2, 3-4 Goodall, Jane, 1, 2 gorilas, 1 pelo, 1-2 pênis, 1 piolhos, 1-2 Gould, Stephen Jay, 1, 2, 3 “Male Nipples and Clitoral Ripples”, 1 Gräfenberg, Ernst, 1 Graham, Cynthia, 1 Grande Salto Adiante, 1 Grandfield, Tracey, 1 gravidez, 1-2 Grécia antiga, 1, 2, 3, 4 suicídio na, 1 grupos de defesa dos direitos dos animais, 1, 2 Guy, William, 1

Hagen, Edward, 1-2 Haggard, Ted, 1 Haines, Duane, 1-2 Hall, G. Staley, 1 Hamilton, Gilbert van Tassel, 1-2 Hamilton, William, 1 Hart, Trevor, 1, 2 Harvard Business School, 1, 2 Harvard University, 1 hebefilia, 1-2 como distúrbio mental, 1-2 homossexualidade e, 1-2 hebreus, 1 hemangiomas, 1 Henning, Kris, 1-2 Herdt, Gilbert, Archives of Sexual Behavior, 1 Hess, Nicole, 1-2 heteroparidade, 1 hindus, 1-2 hiperoralidade, 1-2 hipersexualidade, 1 dano cerebral e, 1-2 epilépticos e, 1-2 hipertricose, 1 hipocampo, 1 hipotálamo, 1 hipótese da ativação, 1-2 “hipótese da baixa velocidade/agressividade elevada”, 1-2 hipótese do monitoramento sobrenatural, 1-2 hipótese do subproduto, 1 Hippocampus, 1 Hitler, Adolf, 1-2, 3-4 HIV, 1, 2, 3, 4, 5 Hodgson, Suzanna, 1 Holmes, Dave, 1, 2 Holocausto, 1, 2, 3, 4 homens: acne, 1 agressão, 1, 2-3 autofelação, 1-2

ejaculação precoce, 1-2 ereções relacionadas ao sono, 1-2 fantasias masturbatórias, 1-2, 3-4 fetichistas de pé, 1-2 formato do pênis, 1-2 homofobia, 1-2 homossexuais, 1-2 orgasmo, 1, 2, 3 poliamor, 1-2 química do sêmen, 1-2 respostas de “proteção da companheira” em, 1-2 remoção do pelo pubiano, 1-2 riqueza dos, e orgasmo feminino, 1-2 sexônia, 1-2 sexo com meninos adolescentes, 1-2 testículos, 1-2 “homens que fazem sexo com homens” (HSH), 1, 2 homofobia, 1-2, 3, 4-5 como desejo reprimido, 1-2 em pais, 1-2 ereção e, 1-2 pornografia gay e, 1-2 religião e, 1 homonegativismo (termo), 1 homossexualidade, 1-2, 3-4, 5, 6-7, 8-9 adolescente, 1-2, 3-4, 5-6 autodesignações ativo/passivo/versátil, 1-2 autofelação e, 1-2 barebacking, 1-2 cérebro e, 1-2 deficiências na orientação espacial, 1-2 fag hags e, 1-2 fetichismo de pé, 1-2, 3, 4-5 genética e, 1, 2-3 homens e meninos adolescentes, 1-2 homofobia como desejo reprimido, 1-2 masturbação, 1-2, 3-4 nas forças armadas, 1-2, 3 poliamor, 1-2 pornografia, 1-2

preferências de papel sexual, 1-2 previsão em crianças, 1-2 sexônia, 1-2, 3 suicídio e, 1-2, 3-4, 5-6 suicídio de adolescentes, 1-2, 3-4 zoofilia, 1-2 Hong, Lawrence, 1-2 teoria da “sobrevivência dos mais rápidos”, 1-2 Hood, Bruce, SuperSense, 1 Hopkins, Juliet, 1 hormônio folículo-estimulante (HFE), 1-2 hormônio liberador da tireotropina, 1 hormônio luteinizante (HL), 1-2 hormônios, 1, 2, 3, 4, 5 acne e, 1 feminino, 1 HFE e HL no sêmen, 1-2 huteritas, 1 Igreja católica, 1, 2 ilhéus kitavan, 1 imortalidade simbólica, 1-2 imunossupressores, 1 Índia, 1, 2 infantofilia, 1-2 infidelidade, 1, 2, 3-4 mesmo sexo, 1-2 ingestão da placenta, 1 Inglaterra, 1 inibidores seletivos da recaptação da serotonina, 1-2 inseminação, 1, 2, 3 Instruções secretas concernentes à câmara de jade, 1 International Classification of Sleep Disorders, Revised, The, 1 International Journal of Adolescence and Youth, 1 International Journal of Impotence Research, The, 1 internet, 1, 2 pornografia, 1, 2-3, 4 Inventário Beck de Depressão, 1 ioga, 1, 2 Irlanda do Norte, 1, 2, 3

Irlanda, 1, 2, 3, 4 Itália, 1 Jackson, Michael, 1, 2, 3-4, 5-6 Japão, 1, 2, 3-4, 5 Jern, Patrick, 1 jogo de urinação, 1 John, Elton, 1 Johnson, Dominic, 1 Johnson, Virginia, 1 Journal of Abnormal Psychology, 1, 2 Journal of Animal Behavior, 1 Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 1 Journal of Biology, 1 Journal of Health Psychology, 1 Journal of Research in Personality, 1 Journal of Sex Research, The, 1, 2 Journal of Sexual Medicine, The, 1, 2 Journal of the History of the Neurosciences, 1 judeus, 1, 2, 3 Holocausto e, 1, 2-3, 4-5 ortodoxos, 1 Kahn, Eugen, 1, 2 Kama Sutra, 1 Kellett, Stephen, 1 Kessler, Morris, 1 Kinsey Institute for Sex Research, 1, 2 Kinsey, Alfred, 1, 2, 3, 4, 5, 6 Comportamento sexual no macho humano, 1, 2 Klüver, Heinrich, 1 Koerting, Johanna, 1 Korda, Joanna, 1, 2, 3 “kuru”, 1 Lalumière, Martin, 1-2, 3-4 lang, k.d., 1 Langer, Susanne, 1 Leitenberg, Harold, 1-2 Leonardo da Vinci, 1

lesbianismo, 1, 2 cérebro e, 1-2 infidelidade, 1 masturbação, 1-2 orgasmo, 1-2 pornografia, 1 previsão em crianças, 1-2 sincronia menstrual e, 1-2 Lewis, Jerry Lee, 1 Lion, Ernest, 1, 2 livre-arbítrio, 1, 2, 3-4 cérebro e, 1-2 como ilusão, 1-2 fatores determinísticos, 1-2 genética e, 1, 2-3 Lloyd, Elisabeth, 1, 2 The Case of the Female Orgasm, 1 lobo temporal, 1 Lobo, Stany, 1 lobotomia, 1, 2 Lohr, Bethany, 1 Long, Eddie, 1 Luedecke, Jan, 1-2 Lukianowicz, Narcyz, 1-2 macacos, 1, 2, 3-4 masturbação, 1-2 riso, 1-2 sexo com, 1 macacos-esquilo, canibalismo em, 1-2 Maddow, Rachel, 1 mágoa profunda, 1, 2 no poliamor homossexual, 1-2 Malhotra, Deepak, 1-2 Judgment and Decision Making, 1 mamangabas, 1, 2, 3-4 Mann, Thomas, Morte em Veneza, 1 Martins, Yolanda, 1 Masters e Johnson, 1 Masters, William, 1

masturbação em Procolobusbadius, 1-2 masturbação, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8, 9, 10, 11-12 em adolescentes, 1 em primatas não humanos, 1-2 fantasias, 1-2 homossexualidade e, 1-2, 3-4 orgasmo feminino, 1-2 pública, 1, 2-3 sexônia, 1-2 McClanahan, Rue, 1 McClintock, Martha, 1 McIntyre, Matthew, 1 Medical Hypotheses, 1 Medicine, Science, and the Law, 1 Meier, Brian, 1, 2 Meiwes, Armin, 1-2 melatonina, 1 memória, 1, 2, 3 meninas adolescentes como megeras, 1-2 menstruação, 1-2 feromônios e, 1-2 sincronia, 1-2 Meston, Cindy, 1 México, 1 Meyer, Martin, 1 Michelangelo, 1, 2, 3 Miletski, Hani, 1 Millay, Edna St. Vincent, 1 Millican, Frances, 1 monogamia, 1 Montel Williams Show, The, 1 morte, 1,-2, 3 ansiedade, 1 imortalidade simbólica, 1-2 indústria, 1 práticas de sepultamento, 1-2 produtos químicos embalsamadores, 1 síndrome de Cotard, 1 suicídio, 1-2 muçulmanos, 1-2

mulheres: acne, 1 agressão, 1-2 assexuadas, 1, 2-3 atividade genital noturna, 1 autocunilíngua, 1-2 efeitos antidepressivos do sêmen, 1-2 ejaculação feminina, 1-2 fag hags, 1-2 fantasias masturbatórias, 1-2 orgasmo, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8-9 química do sêmen e, 1-2 remoção do pelo pubiano, 1-2 saúde pós-menopausa, 1-2 sexônia, 1, 2, 3 sincronia menstrual, 1-2 Mullally, Megan, 1 Murray, Craig, 1 Muscarella, Frank, “teoria da formação de aliança”, 1-2 músculo cremastérico, 1-2 músculo pubococcígeo, 1 Nabokov, Vladimir, Lolita, 1 nádegas, 1 narcisismo, 1-2 National Galleries, Escócia, 1 neandertais, 1 necrofilia, 1-2 Nerve, revista, 1 Nettle, Daniel, 1 neuroanatomia, 1-2 neuroepilépticos, 1 neurotransmissores, 1 New Scientist, 1 New York Times, 1 New York, revista, 1 Nicholas, Saint, 1 Norenzayan, Ara, 1-2 Nova Zelândia, 1, 2 Nursing Inquiry, 1

Oceania, 1 ocorrências noturnas: crises convulsivas, 1 sexo, 1, 2, 3-4 sexônia, 1-2 tumefação peniana noturna (TPN), 1-2 olho, 1 Olry, Régis, 1-2 orangotango, 1-2 pênis, 1-2 orgasmo feminino, 1, 2-3, 4-5, 6-7 genética e, 1, 2 lésbico, 1 masturbatório, 1-2 renda do homem e, 1-2 retenção do esperma e, 1 orgasmo, 1-2, 3, 4, 5 através da penetração vaginal, 1 efeito de “sedação” do, 1-2 falta de, 1 feminino, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8 masculino, 1, 2, 3 masturbação, 1, 2, 3 orientação erótica de idade, 1-2 Orland, Frank, 1 ovários, 1, 2 ovulação, 1-2 induzida, 1 oculta, 1 óvulo: fertilização, 1, 2, 3, 4, 5 liberação, 1-2 oxitocina, 1 pais, homofobia em, 1-2 Panksepp, Jaak, 1-2 Papua Nova Guiné, tribos da, 1, 2, 3-4, 5-6 canibalismo, 1 rituais de ingestão de sêmen, 1-2 Paraguai, 1, 2, 3

Parasitas, 1-2, 3 pares assexuados, 1 paternidade, 1-2, 3 equivocada, 1 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 pedofilia, 1, 2, 3-4 como distúrbio mental, 1-2 dano cerebral e, 1-2 homossexualidade e, 1-2 podofílica, 1 pele, 1 acne, 1-2 pelo pubiano, 1-2 evolução, 1-2 feromônios e, 1 piolhos, 1-2 raspagem, 1-2 textura e composição, 1-2 pênis, 1, 2 aresta coronal, 1, 2, 3-4, 5-6, 7-8 autofelação, 1-2 circuncidado, 1-2 ejaculação precoce, 1-2 ereções, 1, 2, 3-4, 5, 6-7, 8 ereções relacionadas ao sono, 1-2 evolução, 1-2 formato, 1-2 glande, 1, 2, 3-4, 5 haste, 1, 2, 3-4 não circuncidado, 1 pós-ejaculação, 1-2 prepúcio, 1-2 resposta a crianças, 1-2 tamanho, 1 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 testagem do, 1, 2-3 vagina penetrada por, 1-2, 3, 4, 5-6 penis cerebri, 1 People for the Ethical Treatment of Animals, 1 Personality and Social Psychology Bulletin, 1

Petrinovich, Lewis, 1-2 The Cannibal Within, 1 piolhos, 1-2 Platão, 1 Platek, Steven, 1 pletismógrafo peniano, 1, 2 podofilia, 1-2 Polanski, Roman, 1 poliamor, 1-2 Comunidade Oneida, 1 evolução e, 1-2 homossexualidade, 1-2 Pollet, Thomas, 1 poluções noturnas, 1, 2 ponto G, 1 pornografia, 1-2 criança, 1-2 gay do sexo masculino, 1-2 heterossexual, 1 internet, 1, 2-3, 4 lésbica, 1 Poucher, George, 1 Poulin, Robert, 1 Pradhan, Sunil, 1 práticas de sepultamento, 1-2 cremação, 1-2 enterro verde, 1-2 imortalidade simbólica, 1-2 sepultamento sob árvore específica, 1-2 práticas sexuais seguras, 1 Prause, Nicole, 1, 2 predação, 1, 2, 3 pré-eclâmpsia, 1-2 preferências de papel sexual, 1-2 autodesignações ativo/passivo/versátil, 1-2 homossexuais, 1-2 pré-homossexualidade, 1-2 crianças, 1-2 genética e, 1, 2 preservativos, 1, 2

Presley, Elvis, 1 Presley, Lisa Marie, 1 Pretty Baby – Menina bonita, 1 princípio da desvantagem, 1-2 produção de sebo, 1-2, 3-4 prolactina, 1 prostituição, 1, 2, 3, 4-5 piolhos pubianos, 1-2 proteína, feto abortado como fonte de, 1 Proust, Marcel, 1 psiquiatria, 1, 2, 3 autofelação e, 1-2 freudiana, 1, 2, 3 hebefilia e, 1-2 Psychoanalytic Review, 1, 2 Psychological Reports, 1 Psychological Review, 1 Psychological Science, 1, 2 puberdade, 1, 2 precoce, 1-2 Rahman, Qazi, 1, 2 ratos, 1-2 riso, 1-2 refluxo, 1 Reforma Protestante, 1 Rekers, Eddie, 1 religião, 1-2 cristianismo, 1-2 evolução e, 1-2 genética e, 1-2 hipótese do monitoramento sobrenatural, 1-2 homofobia motivada pela, 1 práticas de sepultamento, 1-2 reprodução e, 1-2 reprodução, como imperativo de Deus, 1-2 resos, 1, 2 cérebro, 1 sexo, 1-2 Rétif de la Bretonne, 1

Monsieur Nicolas, 1 retifism, 1 Rhodes, Katherine, 1-2 riqueza e orgasmo feminino, 1-2 riso, 1-2 alegre, 1-2, 3 cérebro e, 1-2 como um sinal social, 1-2 de escárnio, 1, 2 de primatas não humanos, 1-2 do infortúnio alheio, 1-2, 3 humano, 1-2 por cócegas, 1, 2 Roma, antiga, 1 suicídio na, 1-2 Rússia, canibalismo na, 1 Sacks, Oliver, 1 “sacudidela peniana”, 1 Sagarin, Brad, 1 Sagawa, Issei, 1 sâmbias, rituais de ingestão de sêmen dos, 1-2 Sammis, Becky, 1 sangue, 1 vasos, 1 São Francisco, 1 Sartre, Jean-Paul, Entre quatro paredes, 1 Saturday Night Live, 1 Savage, Dan, 1 Schenck, Carlos, 1, 2 Schooler, Jonathan, 1-2 Science, 1 Segunda Guerra Mundial, 1 Segura a onda, 1-2 seios, 1 seleção de parentesco, 1 seleção natural, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8, 9, 10, 11, 12 sêmen, 1-2, 3 efeitos antidepressivos do, 1-2 ejaculação precoce, 1-2

evolução, 1-2 felicidade e, 1 hormônios HFE e HL no, 1-2 ingestão oral de, 1, 2-3 química, 1-2 rituais de ingestão, 1-2 teoria do desalojamento, 1-2 sepultamento sob árvore específica, 1-2 serotonina, 1 Sex Roles, 1 sexo anal, 1-2, 3, 4, 5, 6 barebacking, 1-2 desprotegido, 1-2 pornografia masculina gay, 1-2 preferências de papel sexual, 1-2 sexônia, 1, 2 termos de gíria, 1 sexo interespecífico, 1-2 sexo oral ver cunilíngua; felação sexo, 1, 2-3 ausência de desejo, 1-2 autofelação, 1-2 de grupo, 1-2, 3 ejaculação feminina, 1-2 ejaculação precoce, 1-2 empatia e, 1-2 fantasias durante, 1-2 interespecífico, 1-2 noturno, 1, 2, 3-4 orientação erótica de idade, 1-2 ovulação induzida durante, 1-2 poliamor, 1-2 química do sêmen e, 1-2 relacionado ao sono, 1-2 retração dos testículos durante, 1, 2-3 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 vagina penetrada por pênis, 1-2, 3, 4-5, 6 vigoroso, 1-2 ver também tipos específicos de sexo sexônia, 1-2

estupro, 1, 2 homossexualidade, 1-2, 3 sonambulismo e, 1-2 Shackelford, Todd, 1-2, 3 Shaffer, Peter, Equus, 1 shakers, 1 Shakespeare, William, 1 Hamlet, 1 Shapiro, Colin, 1 Shariff, Azim, 1 Shields, Brooke, 1 Shneidman, Edwin, 1 sífilis, 1-2 síndrome de Cotard, 1 síndrome de Klüver-Bucy, 1-2 síndrome de Turner, 1 Singer, Peter, 1-2, 3 sistema límbico, 1 Smith, John Maynard, 1 Sociedade Francesa de Pesquisa do Sono, 1 Sociological Review, The, 1 sonambulismo, 1 sexônia e, 1-2 sonhos molhados, 1, 2 sono REM, 1, 2, 3, 4 sono, 1-2 ereções durante, 1-2 REM, 1, 2, 3, 4 sexônia, 1-2 Spaulding, Jean, 1 St. Clair, Margaret, To Serve Man: A Cookbook for People, 1 Starin, E.D., 1-2 Stekel, Wilhelm, 1 Suécia, 1 Suíça, 1-2 Suicide and Life-Threatening Behavior, 1-2 suicídio adaptativo, 1-2, 3 suicídio, 1-2 adaptativo, 1-2, 3 afeto negativo e, 1-2

animais não humanos, 1-2, 3-4 autoconsciência elevada e, 1-2 baixa autoestima e, 1-2 cérebro e, 1-2 desinibição comportamental e, 1-2 desconstrução cognitiva e, 1-2 em adolescentes gays, 1-2, 3-4 em culturas primitivas, 1-2 evolução e, 1-2 genética e, 1-2 homossexualidade e, 1-2, 3-4, 5-6 métodos, 1-2 prisão, 1-2 padrões exorbitantes e, 1-2 teoria da fuga, 1-2 Sulzberger, Marion, 1 Supergatas, 1 Swerdlow, Russell, 1 Symons, Donald, 1, 2, 3 Szameitat, Diana, 1 taoismo, 1 teleiofilia, 1, 2-3 televisão, 1, 2 fag hags na, 1, 2-3 Temerlin, Maurice, Lucy: Growing Up Human, 1 temperatura, 1 esperma, 1, 2-3 testículos, 1, 2-3 teoria da formação de aliança, 1-2 teoria de desalojamento do sêmen, 1-2 testagem falométrica, 1-2, 3 Teste de Associação Implícita, 1 teste do autorreconhecimento no espelho, 1-2 Testemunhas de Jeová, 1-2 testículos, 1-2, 3, 4 assimetrias, 1-2 descidos, 1-2 dor, 1, 2-3 evolução, 1-2

ferimentos, 1, 2-3 hipótese da ativação, 1-2 reflexo cremastérico e, 1-2 retração durante excitação sexual, 1, 2-3 temperatura, 1, 2-3 testosterona, 1, 2, 3 Thornhill, Randy, 1 Tiggemann, Marika, 1 “Tlem”, 1 “Tleo”, 1 travestismo, 1-2 Trivers, Robert, 1 trompas de falópio, 1 Trust for Natural Legacies, 1 Universidade Flinders, 1 University College, London, 1-2 urofagia, 1 útero, 1-2 orgasmo feminino e, 1 vagina, 1, 2, 3, 4 administração de drogas via, 1-2 ejaculação feminina, 1-2 lubrificação, 1-2 penetrada por pênis, 1-2, 3-4, 5-6, 7 química do sêmen e, 1-2 teoria do desalojamento do sêmen, 1-2 Vallacher, Robin, 1 van Orden, Kimberly, 1, 2, 3 van Diemerbroeck, Isbrand, 1 ventrículos, 1 View, The, 1 virgindade, 1, 2 vitiligo, 1-2 Vohs, Kathleen, 1-2 voyeurismo, 1 vulva, 1 vulva cerebri, 1

Walsh, Seth, 1 Warhol, Andy, 1 Warner, Dan, 1, 2 Wegner, Daniel, 1 Weinberg, Martin, 1, 2-3, 4 Weiss, Robin, 1, 2-3 Wilde, Oscar, 1-2, 3, 4 Will & Grace, 1 Williams, Colin, 1 Willis, Thomas, 1 Winslow, Jacques-Bénigne, 1-2 Wright, Lester, Jr., 1 Zaidens, Sadie, 1 Zander, Thomas, 1 zoofilia, 1-2 evolução e, 1-2 homossexual, 1-2 Zucker, Kenneth, 1-2

Título original: Why Is the Penis Shaped Like That? (…And Other Reflections on Being Human) Tradução autorizada da primeira edição americana, publicada em 2012 por Scientific American/Farrar, Straus and Giroux, um selo da Farrar, Straus and Giroux, de Nova York, Estados Unidos Copyright © 2012, Jesse Bering Copyright da edição brasileira © 2013: Jorge Zahar Editor Ltda. rua Marquês de S. Vicente 99 – 1º | 22451-041 Rio de Janeiro, RJ tel (21) 2529-4750 | fax (21) 2529-4787 [email protected] | www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa A maioria dos ensaios neste livro apareceu primeiro na Scientific American, como colunas on-line e em versões diferentes. Os ensaios “Tão perto e tão longe: a contorcida história da autofelação”, “A história natural do canibalismo”, “Devassos por natureza:quando um dano cerebral torna pessoas muito, muito despudoradas” e “Como o cérebro adquiriu suas nádegas: travessura medieval em neuroanatomia” foram publicados originalmente na Slate, em versões diferentes. Preparação: Diogo Henriques | Revisão: Eduardo Farias, Clarice Goulart Indexação: Nelly Praça | Capa: Bruna Benvegnù Foto da capa: © Elliott Erwitt/Magnum Photos/Latinstock Edição digital: janeiro 2013 ISBN: 978-85-378-1036-1 Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros

Sumário Dedicatória Sumário Um convite à impropriedade Parte I: Uma visão darwiniana do que pende Por que eles ficam pendurados? Tão perto e tão longe: a contorcida história da autofelação Por que o pênis tem esse formato?: versão sem cortes Não tão depressa… O que há de tão “precoce” na ejaculação precoce? Ode às muitas virtudes evolutivas do sêmen humano

Parte II: Corpos generosos O pelo lá de baixo: o que o pelo pubiano humano tem em comum com o pelo dos gorilas A história natural do canibalismo A afecção da pele humana: a acne e o macaco nu

Parte III: Mentes indecorosas Devassos por natureza: quando um dano cerebral torna pessoas muito, muito despudoradas Como o cérebro adquiriu suas nádegas: travessura medieval em neuroanatomia Zumbis lascivos: sexo, sonambulismo, ereções noturnas… e você Os seres humanos são especiais e únicos: nós nos masturbamos. E muito

Parte IV: Estranhos companheiros de cama Sobre pedófilos, hebéfilos e efebófilos: orientação erótica de idade Amantes de animais: zoófilos levam cientistas repensar a sexualidade humana Assexuados entre nós Brincando com os pés: podofilia para pudicos A história de um amante da borracha

Parte V: A noite das damas Ejaculação feminina: uma estrada científica menos explorada O estranho caso das fag hags: mulheres que gostam e homens que gostam de homens O Teatro de Darwin apresenta… O misterioso caso do orgasmo feminino A megera evoluída: por que as adolescentes são tão cruéis umas com as outras?

Parte VI: A gaia ciência, cada vez mais gay: há algo estranho aqui Nunca pergunte o caminho a um gay “Homem solteiro, raivoso, hétero… procura semelhantes”: a homofobia como desejo reprimido

3 4 7 10 11 16 20 26 30

36 37 41 46

50 51 55 58 62

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97 98 102 105 109

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O modismo do poliamor, o ciúme gay e a evolução de um coração partido Cientistas bem-dotados vão fundo nas preferências sexuais entre homens gays Seu filho é um “pré-homossexual”?: a previsão da orientação sexual adulta

Parte VII Como diz a Bíblia

120 125 128

134

Bons cristãos (mas só aos domingos) 135 Os coelhinhos de Deus: a taxa de reprodução dos crentes é esmagadoramente maior do que 139 a dos não crentes Criando raízes com minha mãe morta 144

Parte VIII: Rumo às profundezas: trabalho existencial em laboratório Ser suicida: matar-se é adaptativo? Depende: suicídio em benefício dos próprios genes (Parte I) Ser suicida: como é a sensação de querer se matar (Parte II) “Cientistas dizem que o livre-arbítrio provavelmente não existe, mas recomendam: ‘Não deixem de acreditar nele!’” O rato que não parava de rir: alegria e hilaridade no reino animal

Notas Agradecimentos Índice remissivo Copyright

148 149 155 162 167

172 183 185 214

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