Dicionario.filosofico

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A Posteriori / A Priori A Posteriori. Aquilo que é estabelecido e afirmado em virtude da experiência. (1) A priori. Expressão latina: anterior à experiência. 1. Que é logicamente anterior à experiência e dela independe. 2. Em Kant, são a priori, quer dizer, universais e necessárias, as formas ou intuições puras da sensibilidade (espaço e tempo), as categorias do entendimento e as ideias da razão. 3. Ideia a priori: ideia preconcebida (e preconceituosa) ou hipótese anterior a toda e qualquer verificação experimental: “É uma ideia que se apresenta sob a forma de uma hipótese cujas consequências devem ser submetidas ao critério experimental”. (Claude Bernard) 4. Arbitrário, gratuito, não fundado em nada de positivo. (2) Apriorismo. Doutrina ou princípio que atribui papel central a experiências ou raciocínios a priori (2)

(1) REZENDE, A. (Org.). Curso de Filosofia: para Professores e Alunos dos Cursos de Segundo Grau e de Graduação. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Absoluto, Absolutismo Absoluto. Do latim absolutum, solto de, desligado de. O que não comporta nenhuma limitação, restrição ou dependência. O contrário de relativo.

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É o ser que não depende de outro, que se basta a si mesmo. É o ser completamente livre de relações reais, que tem em si a própria razão de ser, o ser por essência, o ipsum esse dos escolásticos, Deus. Ver ipseidade (1) Absolutismo. Do latim absolutus, de absolvere, destacar, separar de. Regime político no qual o soberano (encarnando a autoridade do Estado) detém um poder sem limites. (2)

(1) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Abstração/Abstrato Abstração. É uma operação pela qual o espírito, depois de haver distinguido os diferentes caracteres de um objeto, separa dos outros um desses caracteres e o considera isoladamente como uma coisa. (1) Abstrato. Do latim abstractus. 1. Diz-se daquilo que é considerado como separado, independente de suas determinações concretas e acidentais. Uma ideia abstrata é aquela que se aplica à essência considerada em si mesma e que é retirada, por abstração, dos diversos sujeitos que a possuem. Ex.: a brancura, a sabedoria, o orgulho etc. Ela é tanto mais abstrata quanto maior for sua extensão: o vivente é mais abstrato que o animal, pois compreende também o vegetal. 2. Produto da abstração que consiste em analisar o real mas considerando separadamente aquilo que não é separado ou separável. Oposto a concreto. (2)

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Absurdo Absurdo. Do latim absurdus, discordante, incongruente. Aquilo que viola as leis da lógica por ser totalmente contraditório. É distinto de falso, que pode não ser contraditório. Ex.: a existência do movimento perpétuo. A demonstração por absurdo é aquela que demonstra uma proposição tentando provar que sua contraditória conduz a uma consequência manifestante falsa; ora, de duas proposições contraditórias, se uma é verdadeira, a outra será necessariamente falsa, e vice-versa. Ver Zenão de Eleia. (1)

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No sentido estrito, qualifica o que é contrário à lógica. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993

A Ação A ação

O ser humano não tem apenas uma dimensão contemplativa, por meio da qual busca o conhecimento teórico do Universo e da própria sociedade. Tem também uma dimensão prática que o leva a agir no mundo, a realizar diversos tipos de ações.

Ação é a maneira específica da atividade humana, resultado de sua condição de ser livre — e nisso é diferente dos demais seres vivos, que nascem programados por sua herança genética. O animal responde ao seu mundo de acordo com esse programa genético; o ser humano age, e dessa maneira transforma o seu mundo, mas sobretudo o cria e inventa.

Elementos da ação O processo de uma ação A racionalidade da ação

Caixa: O saber sobre a ação

Aristóteles distinguiu dois tipos de saber na Ética a Nicômaco. Um deles é o teórico, próprio da razão contemplativa ou científica, cujo objeto são os seres que não podem ser de outra maneira; desse tipo de saber, fazem parte a metafísica, as matemáticas e a física. O outro tipo de saber é mais prático, próprio da razão deliberativa e seu objeto são os seres que podem ser de outra maneira; seu objeto é, portanto, a ação.

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Aristóteles distingue ainda dois tipos de saber prático: o ético, que corresponde à ação propriamente dita (práxis); e o técnico, que tem por objeto um tipo de ação denominada produção (poiésis). Esses dois tipos de ação se distinguem fundamentalmente porque o fim da produção é algo diferente dela mesma, mas o fim da práxis é a própria práxis. Ou seja, a produção acaba numa obra, mas a prática acaba em si mesma.

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A ação moral

O filósofo alemão Immanuel Kant formulou em três perguntas tudo o que constitui o horizonte de preocupações e interesses vitais do ser humano: O que posso conhecer? O que devo fazer? O que tenho direito de esperar? A segunda delas se refere à ação humana em seu sentido mais restrito, mas ao mesmo tempo mais específico: a ação moral.

Como seres livres, todos os seres humanos enfrentam continuamente inevitável de ter de agir, de ter de escolher entre várias possibilidades — de ter de decidir a respeito do bom e do ruim. Dessa maneira, vamos construindo nossa própria vida, e dando-lhe um sentido.

Certamente, os conceitos de "bom" e "ruim" são problemáticos, porque admitem várias maneiras de serem entendidos. Por isso a filosofia fez deles um objeto constante de sua reflexão.

Moral e ética Embora os termos moral e ética tenham procedências diferentes (a palavra "moral" provém do vocábulo latino mos, e "ética" do grego ethos), os dois compartilham o mesmo significado — o que faz com que às vezes seja utilizados de forma indiferenciada. Seu significado apresenta dois aspectos: de um lado, "hábito" e "costume"; de outro, "modo de ser" ou "caráter". Os dois aspectos se complementam e permitem caracterizar a ética e a moral como essa maneira de ser que vai sendo adquirida na prática por meio de uma série de hábitos e costumes. A prática desses hábitos e costumes permite dar forma e figura à própria existência; com elas, vamos forjando o caráter, até fazer dele uma segunda natureza, superposta à primeira, que é

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aquela com que nascemos (por exemplo, uma determinada constituição física ou psíquica, ou um determinado temperamento). Essa segunda natureza tem todo o valor daquilo que é adquirido por nós mesmos, graças à nossa vontade e nossa determinação. Não nascemos de posse de vícios e virtudes; não nascemos justos ou injustos. Assim, a vida de cada ser humano pode ser concebida como uma obra de arte, na medida em que é a criação de cada um. Nesse ponto, estão de acordo filósofos tão afastados no tempo como o estoico Sêneca e o existencialismo de Sartre. Apesar desse significado compartilhado, e possível distinguiu entre ética e moral. Numa primeira abordagem, pode-se entender por "moral" o conjunto de normas e comportamentos que nós, seres humanos, aceitamos como válidos do ponto de vista do que é bom, e por "ética" a reflexão sobre por que aceitamos como válidas tais normas de comportamento. A ética é, por isso, uma parte da filosofia — e, como tal, reflete sobre o que é moralmente valioso, sobre o que é bom. Analisa, examina e a avalia diferentes normas ou princípios morais, procurando sua justificação e legitimação racional. A moral ocorre no plano da conduta prática; a ética, no plano da teoria.

A dimensão moral do ser humana Valores e normas

A consciência moral

A norma moral impõe uma conduta obrigatória: o sujeito da ação moral se vê obrigado a comportar-se de acordo com uma regra ou norma de ação, e a excluir ou a evitar os atos proibidos por ela. A obrigatoriedade moral impõe, portanto, deveres ao sujeito. Toda norma funda um dever.

A conduta moral é ao mesmo tempo livre e obrigatória. A liberdade é a condição da moral: o sujeito goza, normalmente, de liberdade para aceitar ou não a norma moral que lhe dita o que deve fazer. A aceitação, racional e livre, é responsabilidade do sujeito. Mas, ao mesmo tempo, o sujeito o assume como uma obrigação, que tem caráter moral precisamente porque foi fixada pelo próprio, e não determinada pela necessidade. Quando alguém se vê determinado a agir, seja por coação externa ou por impulso interno, não tem sentido perguntar se agiu bem ou agiu mal, porque não agiu livremente, mas por necessidade. Somente quando se age por escolha existe verdadeira obrigatoriedade moral, porque o sujeito se decidiu e assumiu sua ação. A obrigação moral pressupõe, portanto, necessariamente, uma livre escolha.

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O problema da obrigatoriedade moral se relaciona estritamente com o da natureza e da função da consciência. É a consciência moral que estabelece a obrigatoriedade das normas, é ela que adere intimamente às normas e as torna suas.

O termo "consciência" pode ser utilizado em dois sentidos: um geral, o da consciência propriamente dita, e outro específico, o da consciência moral. No sentido geral, "consciência" "dar-se conta de alguma coisa". Por exemplo: "Pedro não tinha consciência de que a coisa era grave." O segundo sentido do termo, o de consciência moral, diz respeito a expressões como "minha consciência me diz" ou "a voz da consciência".

A consciência moral pressupõe a consciência no primeiro sentido: é uma forma específica daquela. Traz implícita a compreensão de nossos atos, mas a partir de um ponto de vista moral; implica, além disso, uma valoração e julgamento de nossa conduta de acordo com determinadas normas que ele conhece e reconhece como obrigatórias. As normas morais sempre são gerais: valem para um conjunto de atos; as ações, pelo contrário, sempre são singulares. É a consciência quem toma as decisões adequadas em relação a essas normas e, interiormente, julga seus próprios atos. A consciência é o "supremo tribunal" que nos diz se agimos bem ou mal, ou se devemos agir ou não.

A consciência parece ser o critério último da ação moral (não dispomos de outro): quem age de acordo com que a consciência lhe dita age corretamente, ainda que mais tarde se veja obrigado a reconhecer que avaliou mal e que sua conduta deveria ter sido outra. Mas o fato (e a opinião é de Kant) é que estamos obrigados a cultivar a própria consciência moral — a fazer todo o possível para que a consciência seja "reta".

Caixa: Moral e propriedade

"Passemos à propriedade, grande ocasião das ruínas humanas; porque, se fazemos a comparação das outras coisas que nos afligem, como a morte, as doenças, os temores, os desejos e o padecimento de dores e trabalhos, com os outros danos que o dinheiro nos causa, verás que a propriedade é o que nos pesa mais; por isso devemos ponderar sobre o fato de como não tê-la é uma das mais leve do que a das de perdê-la depois de possuída. E com isso sabemos que, enquanto a pobreza, é matéria de menos aflição, também o é matéria de dano: porque te enganas se achas que os ricos sofrem suas perdas mais animosamente. A dor das feridas é igual para os pigmeus e os gigantes. Estava certo quem disse com elegância que os calvos e os cabeludos sentiam a mesma dor quando lhes arrancavam algum cabelo. Deves entender o mesmo a respeito dos pobres e dos ricos que sentiam uma mesma aflição: porque, estando tanto uns quanto os outros presos ao dinheiro, não se pode arrancá-lo sem dor. Mas, como venho dizendo, é

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mais tolerável não ganhar do que perder; assim, verás que vivem mais contentes aqueles em que a fortuna jamais pôs os olhos do que aqueles de quem ela se separou. Diógenes, varão de grande espírito, conheceu bem essa verdade e se dispôs a não possuir coisa alguma que lhe pudesse ser tirada. A isto, que eu chamo de tranquilidade, tu chamas pobreza, necessidade ou miséria, ou ponhas o nome ignominioso que quiseres: quando achares alguém livre de traições, julgarei que Diógenes não foi feliz. Porque, ou eu me engano, ou só o reino da pobreza não pode ser ofendido pelos avarentos, enganadores, ladrões e gatunos. E, se alguém duvida da felicidade de Diógenes, poderá também duvidar da dos deuses imortais, parecendo-lhe que não vivem felizes porque não têm jardins enfeitados nem quintas preciosas cultivadas por caseiros, e porque não têm grandes juros nos erários." Lúcio Aneu Sêneca, Tratados morais

Caixa: Diferenças entre moral, direito e religião

Caixa: Morais autônomas e morais heterônomas

A diferença de concepção sobre a origem da norma moral dá lugar às chamadas morais autônomas e morais heterônomas. As morais autônomas, cujo representante mais notável é Kant, afirmam que o ser humano não só interioriza a norma, mas a encontra em si mesmo: a razão humana dá a si mesma (autos, em grego) as normas (nomos, em grego) que regulam seu comportamento. As morais heterônomas, ao contrário, consideram que a norma moral, ainda que o ser humano a encontre em sua razão ou consciência, provém em última instância de uma fonte externa a ele, diferente dele (heteros, em grego), na qual tem sua base e seu fundamento: a natureza, a religião, os códigos sociais etc.

Caixa: O sentimento de culpa

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A liberdade O ser humano não pode negar em si mesmo a experiência imediata da liberdade: ele desfruta da capacidade de querer ou não querer, de fazer ou não fazer algo. No entanto, há ocasiões em que, quando procura refletir sobre os motivos que o levaram a agir de determinada maneira, essa suposta liberdade não aparece com tanta clareza: surge a

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dúvida de alguma possível coação da qual não se está consciente, a intervenção de algum impulso descontrolado. A liberdade pessoal também se choca frequentemente com a estrutura social, política ou econômica em que vivemos — e ela parece, se não a impedir totalmente (o que às vezes sem dúvida ocorre), ao menos dificultá-lo. Outro problema em relação à liberdade é o que fazer com ela. Por isso, em certas ocasiões, ela pode ser vivida como uma condenação à qual procuramos escapar.

Tipos de liberdade Concepção de liberdade na história O determinismo Caixa: Proclamação sobre a liberdade dos escravos Caixa: Liberdade e responsabilidade moral Caixa: Sociedade e moral Caixa: A liberdade de crer &&&& Sobre a probabilidade de critérios morais universais A constatação das diferenças que existem entre os códigos morais — de acordo com as épocas, as culturas e os grupos sociais ou de acordo com os próprios indivíduos — levou o ser humano a refletir sobre a possibilidade ou não de alguns critérios universais, para além das indubitáveis diferenças de fato. O relativismo moral sustenta que todas as normas morais são igualmente justificáveis e válidas, mesmo aquelas que são opostas. O universalismo, pelo contrário, nega isto. O problema é especialmente agudo na época contemporânea, em que o encontro e a convivência de culturas diferentes obrigam a uma contínua e profunda reflexão que vai muito além do simples interesse especulativo, já que tem a ver com atitudes ou crenças com as quais nos deparamos habitualmente. A existência de fatos morais objetivos também está sujeita a controvérsia. As duas concepções antiéticas recebem os nomes de subjetivismo e objetivismo moral. O relativismo moral O tema do relativismo moral foi levantado pela primeira vez no século V a.C., na Grécia. O contato com outras culturas por meio do comércio manifestou a evidência de práticas morais totalmente diferentes. Os sofistas lhe deram formulação técnica e defenderam que não era possível falar de uma moral universal, que as normas morais

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eram relativas a cada povo ou comunidade e até a cada indivíduo ou a cada situação em que ele se encontre. A réplica ficou a cargo de Sócrates, Platão e Aristóteles, que viam assim colocados em risco não apenas a virtude e o bem individuais, mas também a virtude e a ordem sociais. O tema reaparece no século XVIII com o iluminismo: junto com a descoberta da dependência social dos princípios e regras morais, formulou-se — e Kant foi seu artífice — a exigência da universalidade como característica fundamental de uma ética racional. Na época atual, o problema deve ser demarcado pela aceitação por parte da maioria dos antropólogos do relativismo cultural: não existem práticas culturais universais, nem é possível considerar que umas sejam superiores a outras. No plano estritamente moral, o relativismo sustenta que as crenças morais (o que é bom ou ruim, o justo e o injusto) sempre são relativistas ao sujeito que as afirma — seja um indivíduo, um grupo ou uma cultura. ... O universalismo moral Diferentemente do relativismo, o universalismo moral afirma que existem princípios morais universais aos quais qualquer reflexão racional pode chegar inequivocamente e aos quais de forma alguma o ser humano deve renunciar, já que é sua conquista mais elevada. O universalismo não é incompatível com a aceitação de normas morais diferentes, pois o que tem estatuto de universalidade são os princípios que fundamentam essas normas. Por exemplo: o amor e o respeito aos idosos pode ser um desses princípios fundamentais, embora a forma como cada cultura acredita que eles devam ser praticados possa ser diferente. Somente com a aceitação de tais princípios é possível condenar atos como o genocídio, a tortura, a escravidão, a discriminação racial etc. Sem eles, a própria Declaração universal dos direitos humanos ficaria sem fundamento e seria uma declaração puramente convencional. O subjetivismo moral A ideia central do subjetivismo é que as questões morais, à diferença das científicas, são subjetivas e expressam sentimentos e desejos. Os juízos da ciência descrevem fatos, e por meio de experiências é possível verificar esses juízos — o que faz com que o conhecimento científico seja objetivo. No caso dos juízos morais, não existe nenhuma possibilidade de verificação e, portanto, não é possível o acordo por meio de razões. Os subjetivistas não negam a existência de fatos objetivos: o que eles negam é a existência de fatos morais objetivos. Por exemplo: "Pedro ajudou seu amigo" é um juízo que expressa um fato, que pode ser verificado e pode promover o acordo universal. Mas o juízo "É bom ajudar os amigos" só expressa a atitude do sujeito que avalia, ou seja, do sujeito que atribui a certo ato humano uma propriedade que considera valiosa. ... As pessoas costumam relacionar o subjetivismo ao relativismo. Em todo o caso, eles coincidem na impossibilidade de aplicar alguns critérios universais à conduta moral. Da mesma maneira, o universalismo está ligado ao objetivismo, concepção contrária ao subjetivismo.

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O objetivismo afirma que, se o emotivismo fosse uma teoria verdadeira, seria impossível argumentar moralmente e que, quando avaliamos como perversa a atitude de um torturador, estamos expressando algo mais do que nosso aborrecimento ou raiva subjetivos: achamos que nos estamos referindo a algo que pode refutar de pleno direito comportamentos semelhantes. Caixa: Os direitos humanos &&&& Teorias éticas A ética é a reflexão sobre a moral. Isto significa que a moral é anterior à ética, e que a reflexão é posterior à existência de normas e ações morais. O filósofo não cria normas morais — apenas justifica e fundamenta as normas morais do comportamento efetivo. O que é de fato verdade é que algumas teorias éticas propõem e recomendam algum princípio concreto como preferível, depois de analisá-lo e justificá-lo criticamente. Por outro lado, as doutrinas éticas fundamentais surgem e se desenvolvem em diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos criados pelas relações entre os homens e, em particular, por seu comportamento moral. Existe, por isso, uma estreita ligação entre os conceitos morais e a realidade social e histórica a que pertencem. Ética e história O nascimento e desenvolvimento do pensamento e da prática da ética ocidental surgem na Grécia, em ligação estreita com a democratização da vida política. Em geral, a ética parece subordinada à gestão dos assuntos coletivos (quer dizer, à política) e requer a discussão racional entre iguais. As ideias de Sócrates, Platão e Aristóteles estão orientadas nesse sentido. Com a desintegração das cidades democráticas (polis), apareceram escolas éticas (por exemplo, o epicurismo e o estoicismo), centrados quase exclusivamente na preocupação consigo mesmo e à margem da vida política. Na época medieval, tanto a moral concreta quanto a reflexão ética se acham impregnadas de um caráter religioso, presente também em todas as outras facetas da vida medieval (política, arte etc.). A ética cristã parte de um conjunto de verdades reveladas que estabelecem o que o fiel deve aceitar a respeito de Deus, da relação do homem com o seu criador e do modo prático de vida que deve seguir para alcançar a salvação no outro mundo. Deus, criador do mundo e do homem, é concebido como um ser pessoal bom, onisciente e todo-poderoso. Por todas essas razões, constitui o bem supremo do ser humano, de quem exige obediência e submissão a seus mandamentos, que têm para ele o caráter de imperativos supremos. Assim, portanto, na religião cristã, o que o ser humano é e o comportamento que deve seguir são definidos, não em relação a uma comunidade humana (como era a polis para a ética grega), mas, acima de tudo, em relação a Deus; o amor humano fica subordinado ao divino; a ordem sobrenatural tem prioridade sobre a ordem natural e humana. O cristianismo introduziu uma ideia que teve grande transcendência na ética e na moral ocidentais: a da igualdade de todos os homens. Todos os homens são iguais perante Deus e são chamados a alcançar a perfeição e a justiça no mundo sobrenatural. Num

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mundo em que reina uma profunda desigualdade social, oferece-se pela primeira vez o ideal e a esperança da igualdade a todos os homens, inclusive aos mais oprimidos e explorados, ainda que seja num futuro. Na ética moderna, e como expressão das profundas transformações ocorridas, o ser humano passa a ser o outro do mundo, em substituição a Deus. O ser humano adquire valor próprio, não apenas como ser espiritual, mas também como ser corpóreo, e não apenas como ente da razão, mas também de vontade. Apoia-se com grande força o ideal da ação, e não apenas o da contemplação, tal como tinha ocorrido ao longo de toda a Idade Média. O ser humano vê a si mesmo como o criador ou legislador em diferentes domínios, entre eles o da moral. A Idade Moderna tem na formulação cartesiana do sujeito uma meta que trará importantes implicações práticas, e cujo apogeu é, sem dúvida, a ética de Kant. A ética contemporânea reflete as contradições de um mundo em que se perdeu a confiança e o otimismo do período anterior — no qual o ser humano valorizava acima de tudo as possibilidades da razão para instaurar uma realidade moral e política melhor. A reflexão ética contemporânea assume uma tripla tarefa: a reação contra o formalismo e universalismo absoluto, sobretudo o da ética kantiana, em favor do homem concreto (o indivíduo, para Kierkegaard e o existencialismo atual; o homem social, para Marx); a reação contra o racionalismo absoluto em favor do reconhecimento do irracional no comportamento humano (Kierkegaard, o existencialismo, o pragmatismo e a psicanálise); e a crítica da fundamentação transcendente da ética, em favor da fundamentação no próprio ser humano. Éticas materiais Tornou-se clássica na filosofia moderna, a diferença entre dois tipos de ética — éticas materiais e éticas formais —, embora, certamente, sejam possíveis outras classificações. As éticas materiais acreditam que a tarefa da ética é fornecer conteúdos morais a respeito do que é o "bem" como o objetivo para o qual o ser humano se inclina em suas ações. Essas teorias atendem, portanto, ao conteúdo ou "matéria" da norma. O termo "material" aplicado à ética não tem nada a ver com o que habitualmente se entende por essa palavra; também não se deve confundir uma ética material com uma ética materialista. De acordo com essas éticas, trata-se de propor determinadas normas de comportamento para a obtenção do que se tenha estimado como bem (seja o prazer, a felicidade, a utilidade etc.), sendo moral a ação que esteja de acordo com esse bem — quer dizer, a ação que nos aproxime da obtenção de tal bem supremo oferecem um ideal de vida boa e a sabedoria consiste na sua conquista. Em geral, as éticas materiais se relacionam com o antigo mundo greco-romano (com exceção do chamado utilitarismo) e todas elas possuem uma característica comum: aspiram à felicidade. Sábio é quem sabe ser feliz, e para a conquista desse estado é indispensável treinar e cultivar um conjunto de virtudes, das quais a mais importante é a prudência. Prudente é quem sabe agir de acordo com o que lhe convém — mas não o que lhe convém num momento pontual, e sim no conjunto de sua vida. As diferenças entre as éticas materiais provêm das diversas maneiras de entender o que é o bem do ser humano. As mais importantes são o eudemonismo, o hedonismo e o utilitarismo.

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As éticas eudemonistas O termo "eudemonismo" tem origem numa das palavras que em grego significam "felicidade" (eudaimonia). Num sentido amplo, são eudemonistas os sistemas filosóficos que resumem o bem na felicidade; num sentido mais restrito, são eudemonistas os sistemas que fazem com que a felicidade consista em algo diferente do mero prazer. A ética aristotélica é a mais representativa desse tipo de ética. Aristóteles define a felicidade como "atividade da alma conforme a virtude perfeita". Sendo o ser humano um animal racional, a felicidade consistirá na perfeição daquilo que especificamente o constitui, isto é, a inteligência ou razão. A atividade contemplativa é, portanto, a forma mais perfeita de felicidade. Para que seja boa,a atividade deve estar adequada à virtude: um hábito que nos permite adquirir como segunda natureza uma disposição permanente para escolher o mais adequado, em cada caso, à nossa felicidade. Por outro lado, nem toda a nossa felicidade depende exclusivamente de nós mesmos. Daí que Aristóteles considere também o papel da sorte e a importância de outros bens para a obtenção da felicidade — tais como a saúde do corpo ou certos bens econômicos. As éticas hedonistas situam o bem supremo dos homens, e com isso a felicidade, no prazer (hedoné, em grego). A teoria hedonista mais importante é o epicurismo. Quando Epicuro fala de prazer está se referindo sem dúvida aos prazeres do corpo, mas não exclusiva nem indiscriminadamente: é preciso escolher, dentre a pluralidade de prazeres aqueles que permitam viver de acordo com a natureza, e os prazeres da alma — a amizade, por exemplo — são uma forma permanente de satisfação. O utilitarismo As teorias do prazer, que haviam desaparecido da filosofia ocidental durante muitos séculos, reapareceram com os filósofos ingleses do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX: o fundador do utilitarismo é Jeremias Bentham (1748-1832), mas seu principal representante é John Stuart Mill (1773-1836). O utilitarismo defende que o bom é o útil para a felicidade: bom é tudo aquilo que aumenta o bem-estar da humanidade em geral — a máxima felicidade possível para o maior número possível de pessoas. O utilitarismo tem, portanto, um acentuado sentido universalista e não é de estranhar sua influência no chamado "estado de bem-estar". Éticas formais Diferentemente das éticas materiais, as éticas formais prescindem do conteúdo e se ocupam exclusivamente da forma de nossas ações ou de nossas normas morais. Segundo ela, é moral a ação que tiver determinada estrutura, independentemente de qual seja seu conteúdo. Todas as éticas formais são típicas da época moderna e a mais importante de todas é a ética kantiana. Segundo Kant, as normas morais devem ter validade universal, quer dizer, devem ser válidas para todo ser racional. As éticas materiais só têm validade subjetiva e particular: valem exclusivamente para o sujeito que aceita esse determinado bem supremo, mas não para quem conceba que o bem seja outra coisa. Kant não recusa a busca da felicidade: o que ele afirma é que essa busca não pode ser o fundamento das normas universais. As éticas materiais são, além disso, heterônomas: o sujeito recebe a lei de fora, de alguma coisa diferente dele mesmo. Nelas, a norma é determinada pela

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inclinação ou pelo desejo e, portanto, não se trata apenas de que esses sejam subjetivos, mas que, além disso, a vontade não é livre — não é autônoma. A ética só pode estabelecer como deve ser a vontade — não o que se deve querer. A ética formal, em resumo, não estabelece o que devemos fazer: limita-se a apontar como devemos agir sempre, qualquer que seja a ação concreta. Kant confessava seu espanto diante de dois fenômenos: o céu repleto de uma infinidade de estrelas e a moral gravada no coração dos homens. Ele sustenta, como bom iluminista, que a lei moral não chega ao ser humano de fora, mas se encontra na própria razão, e por isso cumpre a exigência de universalidade. Todo ser racional deveria aceitar a validade da lei que afirma : "Aja somente segundo uma regra que você possa querer ao mesmo tempo que se transforme em lei universal." Kant chama essa lei de imperativo categórico e sua formulação mostra claramente seu caráter formal. De fato, esse imperativo não estabelece nenhuma norma concreta, mas a forma que qualquer norma concreta precisa ter. Em resumo, o formalismo kantiano não é uma ética da felicidade, mas do dever: as ações devem ser executadas por puro respeito ao dever, quer dizer, ao imperativo que todo ser racional traz gravado na alma.

O existencialismo de Sartre também pode ser enquadrado dentro das éticas formais. A tese fundamental é a de que o ser humano é um ser livre. Sartre expressa isso dizendo que a existência precede a essência: o ser humano não tem essência, e seu comportamento não está prefixado por nada — ele se faz, em sua existência. Seu ateísmo radical o leva a afirmar que não existe um modelo de comportamento, sancionado por Deus, ao qual o ser humano deva se guiar: ele está condenado a ser livre e não lhe resta nenhuma outra fonte de justificação de suas ações além de sua própria vontade. Suas ações são únicas e irrepetíveis, uma vez que não segue nenhum padrão ou imperativo. Ser moral é ser livre: ele deve criar seus próprios valores, que não são bons em função de nenhum conteúdo prévio, mas pelo exercício da liberdade formal da ética existencialista. Caixa: A felicidade Caixa: O primeiro passo do existencialismo &&&& Alguns problemas éticos atuais As mudanças desencadeadas pelo grande desenvolvimento científico e tecnológico dos últimos cinquenta anos criaram novos problemas que exigem uma nova reflexão ética, ainda que já observada durante as últimas décadas. Pensamentos como o de Heidegger e da escola de Frankfurt — em particular o de Horkheimer e Marcuse — insistem em que o homem tecnicizado e unidimensional da sociedade de consumo é, não dono e senhor, mas escravo daquilo que havia criado como instrumento a seu serviço.

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Nem as legislações nem as diversas éticas estavam preparadas para legislar e orientar nesse novo cenário. Por tudo isso, é inadiável a reflexão moral sobre essa situação. Os novos cenários Problemas ecológicos Problemas derivados da medicina e da biologia Outros problemas Caixa: O genoma humano &&&& O trabalho O trabalho é uma ação produtiva (a poiesis grega) cuja finalidade é a obtenção de uma obra destinada a satisfazer necessidades humanas. Com frequência, no entanto, associamos a ideia de trabalho a uma atividade realizada com esforço e fadiga, que implica, portanto, uma carga pesada para quem a realiza. Com a industrialização, o trabalho sofreu transformações radicais e, pela primeira vez na história dos modos de produção, passou a ser visto como valor e não como um mal a ser evitado. Natureza do trabalho O trabalho é uma atividade produtiva destinada à satisfação de necessidades, tanto das naturais (como comer ou se proteger das inclemências do tempo), que o ser humano compartilha com os outros animais, quanto das estritamente humanas, "inventadas" por ele e destinadas a lhe permitir não apenas sobreviver, como no caso dos animais, mas viver bem. O trabalho consiste na ação dos seres humanos sobre a matéria para transformá-la e criar um produto, que é o que permite a satisfação de suas necessidades. Na atividade do trabalho, o ser humano estabelece relações — com a natureza e com os demais seres humanos. Com a natureza, o ser humano entra numa relação que Marx qualifica de dialética: com sua ação produtiva, transforma a natureza e com isso a humaniza; mas também humaniza a si mesmo, porque ele "é" o que conseguiu por meio de seu trabalho. Mas, por meio do trabalho, também se estabelecem relações entre os seres humanos como sujeitos produtivos: em primeiro lugar, o trabalho precisa produzir algo socialmente útil, e não útil apenas para a própria pessoa; em segundo lugar, a organização do trabalho determina de forma decisiva a estrutura da sociedade. Ele se estratifica em torno dos processos de produção, quer dizer, os seres humanos se situam em diferentes posições em função da produção e da distribuição de bens e serviços. Concepção do trabalho ao longo da história O trabalho nas sociedades industrializadas Caixa: O conceito profissional

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&&&& A tecnologia Hoje em dia, não se concebe a ciência sem sua aplicação prática. A ciência moderna não corresponde à concepção antiga, que entende o conhecimento como uma atividade contemplativa. Ela persegue uma finalidade prática: encontrar explicações que permitem predizer os acontecimentos, mas também ampliar a capacidade prática de transformar a natureza. A técnica, como produtora de instrumentos e procedimentos para intervir na transformação da natureza, também não corresponde à concepção artesanal (ars mechanica) de épocas anteriores. A relação estabelecida entre a ciência e a técnica, a produção de novos instrumentos técnicos baseados não mais na experiência, mas no conhecimento científico, são o que se entende como "tecnologia". Nesse sentido, a tecnologia seria a ciência da técnica. Técnica e ciência Ciência e tecnologia Tecnologia e sociedade Caixa: O homem e a técnica

Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 16)

Pela ação, o homem atualiza as próprias capacidades, relaciona-se com os outros e com eles transforma o Mundo e cria história, moldando progressivamente a própria figura definitiva face ao Absoluto. (v. práxis) Com os clássicos gregos podemos, numa primeira aproximação, distinguir três tipos fundamentais de ações humanas: fazer (poiein), agir (práttein) e conhecer (theôrein). Enquanto o agir e o conhecer se desenrolam no interior do sujeito agente, pelo fazer o homem influi na realidade exterior, modificando-a; é por isso denominada ação transitiva, enquanto as outras duas recebem a designação de imanentes (v. imanência). (2)

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(2) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. Mais informações em: http://www.sergiobiagigregorio.com.br/palestra/acao-ereacao.htm http://www.sergiobiagigregorio.com.br/palestra/que-fazeis-de-especial.htm

Acidente Acidente. Tradução de um termo aristotélico, muito utilizado pela escolástica, que designa o que pode, indiferentemente, estar presente ou desaparecer sem modificar o sujeito ao qual pertence. Por exemplo, é por acidente que um homem dorme ou um tecido é verde (o primeiro permanece homem quando não está dormindo, o segundo, tingido de vermelho, continua sendo tecido). (V. essência) (1)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Adiáfora / Indiferença Adiáfora. Cínicos (v. cinismo) e estoicos (v. estoicismo) chamam de adiáfora, isto é, de indiferentes, todas as coisas que não contribuem nem para a virtude e nem para a maldade. Por exemplo, a riqueza, a saúde podem ser utilizadas tanto para o bem quanto para o mal; são, portanto, indiferentes para a felicidade dos homens, não porque deixam os homens indiferentes (na realidade suscitam o seu desejo), mas porque a felicidade consiste somente no comportamento racional, isto é, na virtude. (Dióg. L. VII, 103-104) (1)

Indiferença. Neutralidade afetiva que se opera por negação da preferência por supressão da hierarquia dos valores. As diferenças podem ser percebidas, mas são desprovidas de significado, de modo que a indiferença está para o valor o ceticismo está para o conhecimento. Ora, como ela abrange o domínio do vivido, pode conduzir ao tédio ou até - no limite - tirar o sentido da vida e de nós mesmos. Daí a profundidade metafísica (eventual) da indiferença quando ela se torna patológica por carência do desejo. Porém quando se consegue superar o desejo, a indiferença aparece então como o resultado de uma ascese quando é cultivada com o intuito de se chegar à sabedoria, como é o caso da adiáfora - ou indiferença estoica - que consiste em se desprender voluntariamente de tudo o que não depende de nós. No plano religioso, citemos o

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budismo, que busca o repouso no Nirvana pela extinção do desejo. Quanto à "Santa indiferença", preconizada por São Francisco de Sales (1567-1622) - que renova a espiritualidade cristã - traduz-se pelo abandono a vontade de Deus após se ter renunciado a qualquer desejo, mesmo ao desejo da salvação. (2)

Indiferentismo. Rel. O termo (usado sobretudo no século XIX) implica a adoção mais ou menos sistemática da indiferença no campo religioso. Será indiferentismo prático ou teórico, segundo a indiferença revestir predominantemente a forma de atitude ou se afirmar em doutrina. 1) O indiferentismo prático consiste num desinteresse, insensibilidade ou preguiça perante as realidades religiosas; nem sempre implica a adoção do indiferentismo teórico, mas facilmente levará a este, se se prolongar ("quem não vive conforme pensa, acaba por pensar conforme vive", P. Bourget). 2) O indiferentismo teórico ou doutrinal pode ser radical ou relativista. Ambos têm de comum a nota expressa pela etimologia do termo, a saber: afirmam a não diferença entre todas as formas religiosas. Distinguem-se um do outro em que o indiferentismo radical coloca esta não diferença no fato de nenhuma religião ter valor, ao passo que o indiferentismo relativista afirma que todas têm fundamentalmente o mesmo valor. O indiferentismo radical equivale ao agnosticismo, o ateísmo e constitui atitude típica do Deísmo. O indiferentismo relativista leva facilmente ao sincretismo religioso. (3)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura.

Admiração Admiração. Do latim admiratio, espanto, surpresa. Para Aristóteles, a filosofia começa com a admiração. Para Descartes, a admiração "é a primeira de todas as paixões", dando força a quase todas as coisas: ela "é uma súbita surpresa da alma levando-a a considerar com atenção os objetos que lhe parecem raros e extraordinários"; ela "não possui o bem ou o mal por objeto, mas somente o conhecimento da coisa que admiramos". (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Adquirido / Inato Adquirido/Inato. Na linguagem filosófica, o inato e o adquirido se restringem estritamente ao domínio da teoria do conhecimento, nada tendo a ver com uma diferença qualquer entre homens. Assim, as ideias inatas, defendidas por Descartes, são as ideias de nosso espírito que não nos advêm pela experiência. Ex.: as ideias de Deus, de causa, de pensamento. As ideias adquiridas, ao contrário, são as que são apreendidas pela experiência: as ideias de cor, de consistência, de sabor etc. Trata-se de uma distinção essencialmente lógica, não cronológica. Em termos modernos, psicólogos e e biólogos preferem falar de disposições inatas; p. ex., o homem, a faculdade de falar. (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Agatonismo Agatonismo. Filosofia moral segundo a qual devemos buscar o bem para nós mesmos e para os outros. Postulado máximo: “Desfrute a vida e ajude a viver uma vida desfrutável”. Este princípio combina egoísmo e altruísmo. O agatonismo coloca ainda que direitos e meios vêm aos pares; que as ações devem ser moralmente justificadas; e que princípios morais deveriam ser avaliados por suas consequências. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Agnosticismo Agnosticismo. a. Epistemologia. Negação da possibilidade de conhecer fatos tais como eles realmente são ou mesmo se existem fatos fora do conhecedor. Uma versão do ceticismo. Sexto Empírico, Francisco Sanchez, Hume, Kant, Mill e Spencer eram epistemológicos agnósticos. b. Filosofia da religião – suspensão de toda crença religiosa. Um agnóstico é provavelmente um ateu envergonhado com medo de estar enganado, de ser acusado de dogmático, ou discriminado. O agnosticismo é parte do ceticismo radical (ou epistemológico). É, em geral, defendido com base em um ou em todos os pontos de vista seguintes: 1) qualquer coisa é possível; 2) a hipótese da existência do sobrenatural não pode ser provada nem refutada por meios empíricos, precisamente porque o sobrenatural é inacessível aos sentidos; 3) bons cientistas jamais devem fazer afirmações categóricas: o máximo que podem afirmar de modo responsável é que a hipótese em questão é, ou extremamente plausível, ou não plausível; 4) o agnosticismo não faz diferença para a pesquisa científica, ao passo que o ateísmo estreita seu alcance. (1)

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(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Algoritmo Algoritmo. Derivado do nome do matemático islâmico Al-Khowarizmi. Um conjunto de regras ou instruções que resultarão na solução de um problema. Um algoritmo oferece um processo de decisão, ou um método computável para resolver um problema. Apesar de um algoritmo solucionar um problema, pode não o fazer eficientemente; na teoria da computação é possível avaliar a eficiência e o comportamento dos algoritmos em várias circunstâncias, como, por exemplo, nos casos típicos e nos casos desfavoráveis. (1)

(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Alienação Alienação. Do latim alienatio,onis. 1. Ato ou efeito de alienar(-se); alheamento. 2. Dir. Transferência a outrem de posse ou direito: alienação de bens. 3. Estado causado por privação de qualquer direito. 4. P.ext. indiferença a problemas sociais, políticos etc. (1) Alienação. Conceito fundamental nas obras filosóficas de Hegel, Feuerbach e Marx, e também nos textos posteriores das tradições idealista e marxista. A alienação (do alemão Entfremdung, também pode ser traduzido por afastamento) exprime sobretudo a ideia de algo que está separado de outra coisa ou que é estranho a essa coisa: estou alienado de mim na medida em que não posso compreender ou aceitar a mim mesmo; o pensamento está alienado da realidade, pois a reflete de forma inadequada; estou alienado de meus desejos uma vez que eles não são autenticamente meus, sendo antes impostos a mim do exterior; estou alienado dos resultados dos meus trabalhos porque estes se tornam mercadorias; e posso estar alienado de minha sociedade pois em vez de fazer parte de uma unidade social que a constrói, me sinto controlado por ela. Em Hegel, o progresso para o absoluto (ver idealismo absoluto) consiste num crescimento da autoconsciência, que é um processo de "desalienação" por meio do qual aquilo que está separado e falsamente objetivado recupera sua unidade através da autocriação e da autoconsciência (embora as mentes finitas, agentes desse crescimento, alienem-se de si mesmas na atividade e na "objetivação" de seus produtos materiais e sociais). Em Feuerbach, pelo contrário, abandonam-se os aparatos absolutistas da alienação hegeliana e o conceito é substituído pelo de autoalienação, uma condição a ser superada pela autoconsciência que, por sua vez, é o resultado da relação apropriada com nossos produtos e atividades. No uso que Marx dá ao conceito, separa-se por vezes o seu primeiro período, hegeliano, do período dos textos posteriores, mas não restam grandes

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dúvidas sobre sua adesão permanente à ideia de que a natureza humana será sempre auto-alienada, a menos que haja uma transformação comunista da sociedade. Ver também anomia; autenticidade; Dasein; falsa consciência. (2) Alienação. Em Marx, a alienação é radicalmente econômica e social: é porque o proletariado só tem como bem sua força de trabalho que seu labor cai sob o domínio do outro; então ele é separado do seu produto e "o trabalho alienado (...) é mortificação". Religião, moral e política não passarão de repetição dessa alienação fundamental que só poderia desaparecer pela supressão da economia capitalista, se for verdade que "para nós, em nossa sociedade, com as formas de intercâmbio e a divisão social nela reinam, não existe relação social - relação com o outro - sem uma certa alienação" (H. Lefebvre). (3)

Alienação Mental. 1. Psicop. Perda da razão em virtude de perturbações psíquicas. 2. Psiq. Sintoma clínico em que situações ou pessoas conhecidas se tornam estranhas. (1)

(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Ambiguidade Ambiguidade. Do latim ambiguitas, duplo sentido. Duplo sentido de uma palavra ou de uma expressão. Não deixar claro o sentido de uma palavra ou de uma frase que podem ser interpretadas pelo menos de duas maneiras diferentes. Uma expressão é ambígua, quando se encontra associada a mais de um significado. A ambiguidade é, por conseguinte, o tipo de relação entre forma e significado recíproca da relação de SINONÍMIA. Os seguintes exemplos ilustram diferentes tipos de ambiguidade respectivamente, ambiguidade lexical, estrutural e de âmbito. 1) “O Pedro escolheu o canto”; 2) “O Pedro viu a Maria com os binóculos”; 3) “Todas as pessoas são amadas por alguém. No exemplo 1 a ambiguidade resulta de a palavra “canto” poder ser interpretada como designadora ou de determinado lugar em um espaço interior ou de certa atividade musical: a frase 1 pode ser usada, p.ex., para informar acerca do lugar que o Pedro escolheu para

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se sentar, pode informar acerca da demonstração de perícia que o Pedro escolheu em um concurso televisivo. Em 2 a ambiguidade resulta da posição relativa em que o sintagma “com binóculos” ocorre na frase. Essa frase pode ser interpretada como se descrevesse a situação em que Pedro usou os binóculos para ver a Maria ou como descrevendo a situação em que a Maria levava os binóculos quando o Pedro a viu. Repare-se que, colocando o referido sintagma em outra posição relativa, no início da frase, p. ex., a frase resultante deixa de apresentar essa ambiguidade: “Com os binóculos, o Pedro viu a Maria”, descreve apenas a primeira das duas situações referidas. O exemplo 3 ilustra um caso de ambiguidade que resulta da co-ocorrência na mesma frase de mais de um determinante quantificacional. A frase 3 pode ser interpretada como se descrevesse a situação em que cada pessoa é amada pelo seu amante, ou como descrevendo a situação em que existe um amante universal que ama todas as pessoas. (1)

(1) BRANQUINHO, João; MURCHO, Desidério; GOMES, Nélson Gonçalves. Enciclopédia de Termos Lógico-filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Análise Análise. Desligar, decompor um todo em suas partes. Divisão ou decomposição de um todo ou de um objeto em suas partes, seja materialmente (análise química de um corpo), seja mentalmente (análise de conceitos). Opõe-se a síntese, ato de composição que consiste em unir em um todo diversos elementos dados separadamente. (1)

(1) JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

Analogia Analogia. Do grego analogia, proporção matemática, correspondência. 1. Paralelo entre coisas diferentes levando-se em conta o seu aspecto geral. 2. Identidade de relação unindo dois a dois os termos de vários pares. É o caso da proporção matemática A, B e C, D, que se escreve: “A:B::C:D” e se enuncia: “A está para B como C está para D”. Donde a igualdade proporcional A/B = C/D. 3. Identidade de relações entre seres e fenômenos (analogia entre queda e gravitação, entre o boi e a baleia).

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4. Raciocínio por Analogia é uma inferência fundada na definição de características comuns. Assim, um corpo que sofre na água o chamado impulso de Arquimedes deve sofrer o mesmo impulso no ar, pois as características comuns à água (líquido) e ao ar (gás) definem o fluido. As descobertas científicas frequentemente consistem na percepção de uma analogia, ou seja, de uma identidade entre dois fenômenos sob a diversidade de suas aparências. Ex.: a analogia do raio e da centelha elétrica descoberta por Franklin. (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Anamnese Anamnese. Do grego anmnésis, ação de lembrar-se. Na filosofia platônica, a anamnese consiste no esforço progressivo pelo qual a consciência individual remonta, da experiência sensível, para o mundo das ideias. Ver reminiscência. (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Anarquismo Anarquismo. Em epistemologia, a visão cética radical segundo a qual todas as hipóteses, teorias e disciplinas são equivalentes no sentido de que nenhuma delas tem pretensões mais legítimas à verdade do que suas rivais. Assim, o criacionismo seria tão legítimo quanto a biologia evolucionista, e a cura pela fé tanto quanto a medicina. A doutrina simula tolerância mas efetivamente denigre a ciência e tolera a preguiça intelectual e a impostura. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Anfibologia Anfibologia. Etimologicamente, "dicção ambígua". O mesmo que ambiguidade. É o que apresenta duas faces, dois sentidos. Emprega-se em gramática para designar os equívocos de sentido provenientes de construção defeituosa da frase ou do uso de

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termos impróprios. Aristóteles cita anfibologia como um dos seis vícios que podem produzir a falsa aparência de um argumento. (1)

Anfibologia (amphibologie). Ambiguidade faltosa (porque poderia e deveria ser evitada) ou engraçada (se for deliberada e picante) no discurso. Por exemplo, neste diálogo imaginário, que nos divertia em criança: "- Papai, não gosto de vovó! - Fique quieto e coma o que está no seu prato!" Kant chama de "anfibologia transcendental" o erro de raciocínio que consiste em confundir o objeto puro do entendimento (o númeno) com o objeto da sensibilidade (o fenômeno). É o erro comum e simétrico de Leibniz, que "intelectualiza os fenômenos", e de Locke, que "sensualizara todos os conceitos de entendimento". Era confundir a sensibilidade e o entendimento, em vez de utilizá-los juntos - o que supõe distingui-los no conhecimento. A anfibologia é portanto uma ambiguidade erudita, ou o nome erudito de uma ambiguidade. Duas razões para evitar, salvo para dar boas risadas, a palavra e a coisa. (2)

Anfibolia. Do grego amphibolos, fala incerta. Uma frase cuja estrutura gramatical permite diferentes interpretações, e.g., "Ela o viu com binóculos" (era ele que estava com binóculos? Ou foi ela que usou binóculos para o ver?). Para Kant a confusão entre um objeto do entendimento puro e a aparência é uma anfibolia transcendental. (3)

(1) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011. (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Angústia Angústia. Do latim angustia 1. Estreiteza, espaço reduzido. 2. Carência, falta. 3. FILOS. Sentimento que paralisa a vida psíquica racional e consciente, diferente do temor e do medo a algo real e concreto, procedente de uma sensação difusa de insegurança. 4. PSICOL. Afeto desagradável de intensidade variável acompanhado de

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manifestações somáticas de índole diversificada. Produz-se como reação a estímulos externos ou internos, perante os quais o sujeito se sente indefeso e sem recursos. 5. Estenose. 6. Aflição, sofrimento. PSICOL. Distingue da ansiedade pela presença conspícua de sintomas somáticos. Estes implicam constrição esofágica, taquicardia, tremores, pré-cordialgias, dispnéia ou hipersudoração, e podem levar até a sensação de destruição iminente ou, nas crises agudas mais graves, a uma dissipação da consciência. A angústia encontra-se presente em inúmeros quadros clínicos. Em psicanálise distinguem-se duas formas de angústia: a angústia face a um perigo real (angústia real) e a angústia perante uma pulsão interna vivida como ameaçadora (angústia pulsional). (1) É o medo sem objeto: sua fonte é imaginária, desconhecida, inconsciente, vem de dentro de nós. Do ponto de vista psíquico, caracterizam a angústia a desagradável sensação de tensa expectativa e o estreitamento da consciência: a palavra latina angústia significa estreiteza. Isso quer dizer: a consciência é absorvida pelos temas e fenômenos ansiosos, tornando-se cada vez menos capaz de perceber, elaborar ou atuar fora do que não esteja direta e imediatamente relacionado com esses temas e fenômenos. Nas reações mais violentas - o pânico -, a consciência turva-se e desintegra-se, as manifestações psicomotoras tornam-se desordenadas ou automáticas (v. automatismo) (2) Na filosofia existencialista, a palavra "angústia" tomou sentido de "inquietação metafísica" em meio aos tormentos pessoais do homem. Seu uso parece ter surgido com Kierkegaard, que em 1844 escreveu um trabalho sobre a Ideia de Angústia. Pela angústia o ser humano toma consciência, ao mesmo tempo, do nada de onde ele veio e do porvir no qual se engaja. A ambiguidade fundamental da existência humana, entre o ser e o nada, apresenta-se então juntamente com a irracionalidade de sua situação metafísica e o absurdo da vida. Para os existencialistas, a angústia não é lamentável nem condenável, porém simbólica, bastando-se por vezes a si mesma, o que explica o aspecto pessimista de muitas dessas correntes filosóficas, bem como a sua reputação de filosofias puramente negativas e niilistas. O sentimento original do homem, para as filosofias existencialistas, é o de falta, em Kiekergaard; o de insegurança, em Heidegger; o do absurdo, em Camus; o da liberdade em Sartre. (3)

Angústia ética. Um sentimento de desespero originado pela necessidade de tomar decisões éticas ou morais. A angústia ética é um atributo necessário à formação do caráter moral na sociedade ética. Sören Kierkegaard afirmava que a angústia era uma das marcas da verdadeira liberdade de escolha. (4)

Angústia existencial: "Temos de fazer escolha, mas não temos certeza de seus resultados. A única certeza é a vida de culpa e de ansiedade". (Heidegger) Do latim angor, passagem estreita e difícil e, por extensão: "situação crítica". Fenômeno afetivo constituído de uma viva inquietação e de temor sem objeto determinado - ao contrário do medo, que se refere sempre a um objeto mais ou menos preciso - e acompanhado de modificações neurovegetativas, como sensações de opressão ou sufocamento, transpiração, problemas digestivos. Essas perturbações fisiológicas não

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existem, em compensação, na ansiedade - sentimento menos forte que a angústia -, onde o pensamento intervém mais. A psicanálise observa na angústia uma ambivalência feita ao mesmo tempo de desejo e temor. A filosofia existencial, desde Kierkegaard, nela vê um sentimento ontológico capaz de nos revelar não apenas nossa liberdade, mas também a insegurança diante do nada e o caráter absurdo da vida. (5)

(1) Enciclopédia Barsa Universal. (2) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (3) GRANDE ENCICLOPÉDIA DELTA LAROUSSE. Rio de Janeiro: Delta, 1979. (4) GRENZ, Stanley J. e SMITH, Jay T. Dicionário de Ética: Mais de 300 Termos Definidos de Forma Clara e Concisa. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Vida, 2005. (5) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Antinomia Antinomia. Contradição que se manifesta entre dois princípios ou leis quando se pretende aplicá-los a um caso particular. (1)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Antropocentrismo Antropocentrismo. Do grego anthropos, homem, e do latim centrum, centro. Concepção que situa e explica o homem como o centro do universo e, ao mesmo tempo, como o fim segundo o qual tudo o mais deve estar ordenado e a ele subordinado: "O homem é a medida de todas as coisas" (Protágoras). (1) Antropocentrismo (anthropocentrisme). É colocar o homem no centro, não dos valores, como faz o humanismo, mas dos seres: porque o universo teria sido criado só para nós ou giraria em torno de nós. É uma noção tão fácil de compreender, de um ponto de vista psicológico (é como um narcisismo da espécie), quanto é difícil, de um ponto de vista racional, de aceitar. Por que esse privilégio exorbitante da humanidade? Ele requer o socorro da religião, que é um antropocentrismo paradoxal (o verdadeiro

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centro continua sendo Deus), ou do criticismo, que é um antropocentrismo gnoseológico. A "revolução copernicana" que Kant nos propõe, na verdade é uma contra-revolução: trata-se de trazer o homem de volta ao centro, de onde os progressos das ciências o haviam banido. No centro dos seus conhecimentos, claro, pelo transcendental; mas também no centro da criação (como seu objetivo final), pela liberdade. Era aceitar as luzes sem renunciar à fé. A questão "o que é homem", dizia Kant, é a questão central da filosofia, à qual todas as outras se reduzem. Vejo nisso um antropocentrismo filosófico e uma forte razão para não ser kantiano. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Antropologia Antropologia. Do grego anthropos, homem, e logos, teoria, ciência. 1. Ciência do homem ou conjunto das disciplinas que estudam o homem. 2. Antropologia física: conjunto das ciências naturais que estudam o homem enquanto animal. 3. Antropologia cultural: ciência humana que tem objeto de estudo as diferentes culturas e que investiga mais especialmente as camadas sociedades primitivas. 4. Antropologia filosófica: “Conhecimento pragmático daquilo que o homem, enquanto ser dotado de livre-arbítrio, faz, pode ou deve fazer dele mesmo” (Kant). (1)

PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO A antropologia, que foi definida tradicionalmente como o estudo da natureza do homem, é o último dos domínios importantes da filosofia que se torna ciência. O objeto de estudo da antropologia, como saber positivo e, portanto, sob uma metodologia científica, é o Homem (do grego anthropos, homem) e suas características anatômicas, biológicas, culturais e sociais. Conforme se destaque uma ou outra dimensão, costuma-se fazer a distinção entre antropologia cultural e social, que estuda o homem e os hominídeos, atendendo a todas as variações biológicas que eles experimentam no tempo e no espaço. A constituição da antropologia como ciência é recente. Ainda no fim do século XIX, suas fontes dependiam em boa parte do testemunho de viajante, missionários e comerciantes. Essas fontes, embora imprecisas ou pouco

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rigorosas, permitiram no entanto organizar um material informativo de primeira mão sobre povos e culturas muito afastados do mundo ocidental e sobre esse material a ciência antropológica pôde paulatinamente edificar-se. A origem da antropologia como disciplina científica No século XIX, unem-se dois fatos que permitem o estudo do homem – que até esse momento era próprio da filosofia, separe-se dela como disciplina independente. Em primeiro lugar, as descobertas arqueológicas e paleontológicas realizadas ao longo do século XIX vieram confirmar a antiguidade do homem como espécie e as teorias da evolução. Isso fez com que aumentasse o interesse natural que o ser humano sempre teve para estudar a si mesmo e sua evolução desde épocas passadas, e a curiosidade de conhecer os costumes, formas de vida e de linguagem dos povos e das culturas diferentes da sua. Em segundo lugar, a hegemonia da ciência, e, portanto, da aplicação de metodologias de investigações próprias das ciências da natureza no âmbito do social e do cultural. Estes dois fatores contribuíram para o desenvolvimento de disciplinas que configurariam o que é a antropologia: a arqueologia, a paleontologia, a etnografia, a linguística histórica e a primatologia, entre outras. A antropologia pretende, portanto, responder às perguntas sobre a origem, o desenvolvimento e a estrutura das sociedades humanas. Mas a antropologia se distingue pela aplicação de uma metodologia própria, pelo trabalho de campo – que consiste na observação e registro da vida de uma comunidade, com a imersão do próprio investigador nela – e pelo método comparativo – que permite generalizar as regularidades do humano e explicar a diversidade. Os precursores Em seu primeiro período, a antropologia é ainda uma ciência erudita, em que não se realizam trabalhos de campo e em que predominam estudiosos de gabinete. O mais conhecido de todos eles é James Frazer (1854-1941), autor de uma vasta compilação sobre o folclore universal e as religiões primitivas publicada entre 1890 e 1915 com o nome de O ramo de ouro. Ao mesmo tempo, no entanto, já aparecem autênticos antropólogos, como o etnógrafo norte-americano Lewis H. Morgan (1818-1881), que estuda de perto a cultura dos índios iroqueses. Os trabalhos de Morgan, junto com os do britânico Edward B. Tylor (1832-1917) – autor de uma obra pioneira A cultura primitiva (1865) – e outros investigadores, fazem com que a antropologia, em sua orientação inicial, estabeleça-se como ciência comparada da cultura, que se desenvolve no quadro do evolucionismo predominante na segunda metade do século XIX, insistindo na condição racional de cultura humana. Morgan é o primeiro a estabelecer uma teoria geral da evolução cultural, definindo três etapas: o estado selvagem, o estado bárbaro (no qual o homem já tem uma atividade agrária e domesticou certos animais) e o estado de civilização (no qual o homem inventou o alfabeto). Sua obra Sistemas de consanguinidade e afinidade da família humana (1871) é a primeira tentativa de classificação de um sistema de parentesco e sua relação com as diversas formas de organização social. Tylor, além de sua contribuição na definição e classificação do termo cultura e da elaboração de uma teoria da evolução baseada nas origens da religião e do animismo das sociedades

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primitivas, ressalta a importância do método comparativo na explicação dos dados etnográficos. Esse evolucionismo dos pioneiros dá lugar muito rápido a um difusionismo que explica formação das culturas baseada na propagação de ideias, técnica, instituições, formas de vida etc., a partir de alguns centros de civilização denominados “círculos culturais”. Apesar da importância de evolucionistas e difusionistas, a formação da antropologia científica, no entanto, dependeu mais de um enfoque a-historicista, como o do funcionalismo e do estruturalismo. Os antropólogos americanos O magistério de Franz Boas (1858-1942) está na base da antropologia cultural norteamericana. Boas entende a antropologia de acordo com sua orientação original de ciência comparada da cultura e ressalta a importância do trabalho de campo, insistindo na necessidade de investigações empíricas e descritivas, desconfiando de sistematizações e classificações arbitrárias. Afirma a importância do estudo das culturas individuais a partir de todos os seus aspectos (religião, arte, história, língua, características físicas da população etc.) e diz que a melhor maneira de explicar uma fato cultural é encontrar seus antecedentes históricos. Esta orientação historicista faz com que essa corrente seja conhecida pelo nome de escola de história cultural, ou particularismo histórico. Os enfoques que caracterizam essa escola são: a ênfase sobre o conceito de cultura e a análise antropológica baseada na interação entre cultura e personalidade. Nas palavras de Ralph Linton, "a cultura, em tudo que seja algo mais do que uma abstração criada pelo investigador, existe apenas nas mentes dos indivíduos que compõem uma sociedade". Dado esse ponto de vista, a antropologia estabeleceu relações firmes com a psicologia e a psicanálise. Edward Sapir (1884-1939), Ruth Fulton Benedict (1887-1948), Alfred Louis Kroeber (1876-1960) e Margaret Mead (1901-1978) são outros antropólogos americanos que se destacam. O funcionalismo de Malinowski antropólogo de origem polonesa fixado no Reino Unido, Bronislaw Malinowski (18841942) estabelece um marco importante no processo de formação da moderna ciência antropológica por seus trabalhos de campo exemplares no arquipélago melanésio das ilhas Trobriand, onde viveu por um longo tempo aprendendo os costumes e a língua de seus habitantes - já que Malinowski achava que as organizações humanas deviam ser estudadas no seio de seu ambiente cultural. Influenciado pela sociologia de Durkheim, Malinowski inaugura o funcionalismo antropológico e teoriza sobre suas bases metodológicas em Uma teoria científica da cultura (1944). A tese central desse antropólogo é a de que o estudo de uma cultura primitiva deve ser feito dentro de um objetivo totalizador e sincrônico. A cultura é um todo funcional cujos elementos não precisamos de nenhuma reconstrução histórica. A origem e a difusão de tais elementos não importam, já que, segundo Malinowski, numa cultura não existem

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"relíquias", isto é, traços culturais que sobrevivam do passado. Todo elemento cultural tem uma função, é útil e possui um significado (que o antropólogo deve saber extrair); se não fosse assim, teria desaparecido. Uma vez que "na verdadeira ciência", diz Malinowski, "o fato é a relação, desde que esta seja realmente determinada, universal e cientificamente definível". O que importa, portanto, é investigar a ligação orgânica de todas as partes que integram uma cultura. Assim, por exemplo, o sistema de parentesco de uma cultura não pode ser estudado se, ao mesmo tempo, não se inter-relaciona com as bases econômicas dessa cultura, com sua organização política e com suas instituições sociais. Ao mesmo tempo, todos esses dados deixariam de ser compreendidos se não se investigasse a estrutura jurídica que sustenta aquelas instituições, a religião que lhes dá coesão etc. Radcliffe-Brown e a antropologia social Outro entre os grandes antropólogos do século XX é o britânico Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955), cujas expedições etnológicas às ilhas Andaman (1906); à Austrália Ocidental (1910), às ilhas Tonga (1916) e à África do Sul (1920) dão lugar a importantes trabalhos como Os ilhéus andamaneses (1922), A organização social das tribos australianas (1931) e Sistemas africanos de parentesco e casamento (1948). É muito esclarecedora a diferenciação que Radcliffe-Brown estabeleceu entre as diversas ciências antropológicas (pois a "antropologia" na atualidade já é um termo genérico que abarca diferentes disciplinas). Assim, a reconstrução histórica do passado dos povos primitivos é algo que compete à etnologia, que vai além da simples descrição de que a etnografia se ocupa, e que se apoia em dois ramos: a arqueologia pré-histórica e a linguística. As outras duas ciências: antropologia física e antropologia social - a primeira pertence, de fato, ao âmbito das ciências biológicas; a segunda se enquadra no padrão da sociologia comparada. Radcliffe-Brown define a antropologia social como "a investigação da natureza da sociedade humana por meio da comparação sistemática de sociedades de tipo diverso, prestando atenção particular às formas mais simples das sociedades dos povos primitivos, selvagens ou sem alfabeto". Lévi-Strauss e a antropologia estrutural O funcionalismo de Durkheim, que está na base da metodologia de Malinowski e de Radcliffe-Brown, constitui também o ponto de partida do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (n.1908), que incorpora, além disso, conceitos desenvolvidos por Marcel Mauss (1872-1950), membro proeminente de sociologia durkheimiana. O mais importante é analisar primariamente os fenômenos e inventariar suas determinações internas, mais do que perguntar sobre sua natureza e origem. As investigações, portanto, devem desenvolver-se numa plano sincrônico com o objetivo de abordar a estrutura ou forma como os indivíduos e os grupos estão ligados no interior do corpo social.

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Acontece, no entanto, que essa estrutura não pertence à ordem dos fatos, quer dizer, não pode ser obtida empiricamente por meio da observação de uma sociedade dada e de sua posterior comparação com outros modelos de sociedade. Uma estrutura na verdade não é "visível", já que se mantém sempre além das relações sociais suscetíveis de observação empírica e só pode chegar a ser descoberta por meio de um trabalho teórico de formalização. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) Temática Barsa - Filosofia.

Antropomorfismo Antropomorfismo. Indica-se com este nome a tendência a interpretar todo tipo ou espécie de realidade em termos de comportamento humano ou por semelhança e analogia com esse comportamento. Uma crítica desse antropomorfismo já foi feita por Xenófanes de Colofonte: "Os homens", disse ele, "creem que os deuses tiveram nascimento e que têm voz e corpo semelhantes aos deles". (1) Antropomorfismo. Atribuição a Deus das características e formas humanas. A fraseologia bíblica é, às vezes, antropomórfica e se refere, por exemplo, à mão, aos dedos de Deus etc. (2) Antropomorfismo. Atribuição de características humanas a algo que não é humano por exemplo, a Deus ou ao clima. (3)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) SCHLESINGER, Dr. Hugo e PORTO, Humberto (Pe). As Religiões Ontem e Hoje. São Paulo: Paulinas, 1982. (3) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

Aparência Aparência. Do latim apparentia. 1. Aspecto exterior de alguma coisa. 2. Coisa que parece mas não é; ficção, mostra enganosa. 3. Verosimilhança, probabilidade. 4. Filos. Conhecimento imediato de uma coisa através do que nos chega pelos sentidos, a que atribuímos apenas um valor aproximado. (1)

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1. O que aparece na superfície das coisas, por oposição ao que reside na profundidade. 2. Aspecto satisfatório ou agradável de se ver: só se preocupa com a aparência. 3. Pej. Indício enganoso: só tinha olhos para a aparência dos fatos. 4. Engano, ilusão: seu amor pela irmã era pura aparência. SALVAR AS APARÊNCIAS. Loc. Disfarçar ações equivocadas ou suspeitas. (2) O que se depara à primeira vista, o que aparece exteriormente, o que fere os sentidos. O que o espírito imagina, sem que nem sempre lhe corresponda a realidade. Aparentava trinta anos, mas tinha cinquenta. Disfarce: sob a aparência de mendigo, conseguiu entrar na cidade sitiada. O casal estava desavindo, mas na sociedade salvam as aparências. (3) Na história da filosofia, esse termo teve dois significados diametralmente opostos. 1.o ocultação da realidade; 2.o manifestação ou revelação da realidade. No 1.o significado a aparência vela ou obscurece a realidade das coisas, de tal modo que esta só pode ser conhecida quando se transpõe a aparência e se prescinde dela; no 2.o significado, ela se mostra. No 1.o significado conhecer significa libertar-se das aparências; pelo 2.o significado conhecer significa confiar na aparência, deixá-la aparecer. No primeiro caso, a relação entre aparência e verdade é de contradição, oposição; no segundo, é de semelhança ou identidade. Esses dois significados intrincam-se ao longo da história da filosofia. (4) Do ponto de vista ontológico, a denúncia das aparências como enganadoras remonta a Sócrates e Platão, e ulteriormente colocou-se à ciência a questão de saber se existe de fato um "afastamento" entre o que nos parece real e esse próprio real. Ao propor a denominação de fenômeno ao que se manifesta do mundo para nós, Kant fez cair em desuso o emprego metafórico do termo aparência - que conserva hoje em dia a apresentação de um objeto admitido como diferente do que o último é na realidade. Cf. ilusão. (5)

(1) Enciclopédia Barsa Universal. (2) Dicionário Enciclopédico Ilustrado Larousse. (3) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (4) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (5) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Apodítica Apodítica. Do latim apodictica. Parte da lógica que tem por objeto a demonstração. Esse nome foi usado por alguns lógicos do século XVII, como por exemplo Jungius. (1)

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Apodítico. Do grego apodeiktikós, demonstrativo. Modalidade do juízo que é necessário de direito, exprimindo uma necessidade lógica, não um simples fato. "Os juízos são problemáticos quando admitimos a afirmação ou a negação como simplesmente possíveis (arbitrárias); são assertóricos quando os consideramos como reais (verdadeiros); e apodíticos quando os consideramos como necessários" (Kant). Assim, um juízo apodítico representa a característica de universalidade e de necessidade. Ex.: um círculo é uma curva fechada de que todos os pontos são equidistantes do centro. (2) Apodítico (apodictique). Designa uma necessidade lógica, tal como encontramos nas demonstrações (a palavra vem do grego apodeiktikós, demonstrativo). Também é uma das modalidades do juízo: uma proposição qualquer pode ser assertórica (se enuncia um fato). problemática ou hipotética (se enuncia uma possibilidade), enfim apodítica (se enuncia uma necessidade). É importante distinguir esses dois sentidos, porque o primeiro vale como certeza, e o segundo, de forma alguma. A certeza de uma proposição não depende da modalidade do juízo que ela anuncia, mas da validade da sua demonstração. Uma proposição assertórica ("Deus existe"), problemática ("Pode ser que Deus exista") ou apodítica ("Deus existe necessariamente") só será certa se sua demonstração for apodítica - em outras palavras, se for verdadeiramente uma demonstração. É o que explica que seja possível duvidar de uma necessidade ou de um fato, e ter certeza de uma possibilidade. (3)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Apologia Apologia. Obra literária, que contém a defesa quer de uma pessoa quer de um sistema filosófico ou religioso. A obra-prima desse gênero foi a Apologia de Sócrates, escrita por Platão pouco depois da condenação à morte do seu mestre (399 a.C.), pelo tribunal de Atenas. O autor imagina o mestre expondo a sua defesa perante os juízes. Com simplicidade e dignidade e com o seu admirável método dialético. flexível e inexorável, Sócrates repele as acusações que lhe haviam movido, de corromper a juventude, de não crer nos deuses e de lhes substituir novas divindades. (1) Apologia. É um discurso para justificar, defender ou louvar alguém ou alguma coisa. Na bibliografia clássica é célebre a Apologia de Sócrates, obra de Platão composta por este filósofo muitos anos depois da morte de seu mestre. É um discurso que o autor atribui a Sócrates defendendo-o das acusações de Meletos, que o arguia de corromper a mocidade e introduzir divindades estrangeiras. Esse discurso divide-se em três partes: na 1.ª Sócrates refuta os seus acusadores; na 2.ª reconhecido culpado, estabelece a

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penalidade em que julga deve ser condenado; na 3.ª condenado à morte, entrega os seus juízes ao julgamento da posteridade. Há ainda uma Apologia de Sócrates atribuída a Xerofonte. (2)

(1) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. (2) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987.

Aporia Aporia. É uma contradição insolúvel, ou uma dificuldade impossível, para o pensamento. Por exemplo, a questão da origem do ser é uma aporia: porque toda origem supõe o ser, e portanto, não poderia ser explicada. A aporia é uma espécie de enigma, mas considerado de um ponto de vista mais lógico do que mágico ou espiritual. É um problema que renunciamos a resolver, pelo menos provisoriamente, ou um mistério que nos recusamos a adorar. (1)

(1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Arbítrio Arbítrio. Do latim arbitrium. O princípio da ação nos animais e no homem. Arbítrio é, por isso, termo mais geral do que vontade, que só pode ser atribuída ao homem. (1)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Aretê Aretê (gr., a perfeição ou excelência de uma coisa). Perfeição ou virtude de uma pessoa. No pensamento de Platão e Aristóteles, a virtude está relacionada com a realização de uma função (ergon), exatamente da mesma maneira que um olho é perfeito se realiza a função que lhe é própria, a visão. Este é seu telos ou finalidade. A aretê é então identificada com aquilo que permite uma pessoa viver bem ou de modo bem-sucedido, embora seja controverso se a virtude é portanto apenas um meio para uma vida bem-

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sucedida ou uma parte essencial da atividade de viver bem. De acordo com Aristóteles, as várias virtudes consistem em saber como alcançar um meio-termo entre vícios opostos do excesso do defeito. O pensamento grego também abriu caminho para o ideal cristão segundo o qual o desenvolvimento pleno do aretê nos seres humanos consiste numa vida autossuficiente feita de contemplação e sabedoria. A palavra em sânscrito, kusala, é usada no budismo para representar a mesma associação entre a perfeição e a arte de ser um bom ser humano. (1)

(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Argumento, Argumentação Argumento. Raciocínio mais ou menos desenvolvido que tende a provar ou refutar uma proposição ou uma tese. Chama-se mais precisamente argumento em forma aquele que é conforme as regras da lógica formal, e argumento ad hominem o que incrimina o indivíduo e não suas ideias. (1) O argumento é ou um raciocínio destinado a provar ou a refutar uma proposição, ou uma razão isolada apresentada a favor ou contra uma tese. Aargumentação é ao mesmo tempo a maneira de expor uma série de argumentos e a série que decorre da exposição. Contrariamente à demonstração, que é uma dedução de que se segue racionalmente uma conclusão, enquanto conseqüência necessária, a partir do simples enunciado de premissas abstratamente dadas, a argumentação quer convencer e persuadir recorrendo a múltiplos argumentos que não são independentes do contexto em que se utilizam. Enquanto uma demonstração apresenta provas necessitantes, uma argumentação apresenta raciocínios a favor ou contra uma afirmação; não é, pois, uma prova que produza racionalmente a adesão, é um conjunto de técnicas suscitando razoavelmente a convicção. Em Aristóteles, às demonstrações correspondem as provas analíticas, que estabelecem como de premissas verdadeiras decorre necessariamente uma conclusão verdadeira; às argumentações correspondem as provas dialéticas, que intervêm nos discursos destinados a persuadir um auditório mais ou menos extenso agindo sobre ele, e que ele estudou na sua Retórica, nas suas Refutações Sofísticas e nos seus Tópicos. (2)

Argumentum ad... A classificação tradicional das falácias do raciocínio descreve muitas delas como envolvendo um "argumentum ad...". Entre outras: a. ad ignorantiam: argumentar que uma proposição é verdadeira porque não se mostrou que é falsa, ou vice-versa; a. ad baculum (literalmente,argumentar com porrete): defender uma conclusão destacando as terríveis consequências de não acreditar nela (supostamente uma falácia, mas o pragmatismo insiste que considerações similares subjazem todos os processos de formação de crenças); a. ad hominem: atacar uma pessoa para tentar refutar o que ela defende (ou, menos comum, elogiar uma pessoa para apoiar o que ela defende), ou, em geral, argumentar contra a posição particular de uma pessoa de uma

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maneira que pode ou não ser convincente, mas que nada adianta para aqueles que não têm a mesma combinação específica de crenças que a pessoa visada; a. ad misericordiam (apelo à compaixão): um argumento que apela à comiseração das pessoas; a. ad populum: que recorre aos preconceitos das pessoas; a. ad verecundiam: valer-se de uma autoridade fora de sua área legítima; apelar ilicitamente à reverência e ao respeito. Apesar de os processos de argumentação poderem cair nestes e em outros erros, é difícil separar os usos adequados e inadequados de argumentos que podem ser descritos dessas formas. Por exemplo, o apelo à compaixão, às crenças populares ou à autoridade podem, em certas circunstâncias, ter bastante legitimidade. Com exceção do argumentum ad hominem, esses termos não costumam ser usados. (3)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) THINES, G., LEMPEREUR, A. Dicionário Geral das Ciências Humanas. Lisboa: Edições 70, 1984. (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Argumento: Mãos Sujas, Desígnio, Montão... Argumento das Mãos Sujas. Justificativa usada com frequência para ações incorretas, segundo a qual se não formos nós a fazê-las, alguém a fará (e ficará com a recompensa). Por exemplo, se não vendermos armas a um regime perverso, ganhando a vida assim, alguém o fará; portanto, é melhor que nós mesmos o façamos. (1)

Argumento do desígnio. Argumento segundo o qual o mundo (onde "mundo" significa todo o universo) se assemelha o bastante a uma máquina ou a uma obra de arte ou de arquitetura, para ser razoável supor a existência de um arquiteto cujo intelecto é responsável por sua ordem e complexidade. Este é declaradamente um argumento por analogia: sustenta-se que, já que o universo é semelhante em alguns aspectos a um relógio, por exemplo, então o universo provavelmente também é, tal como o relógio, o produto de um desígnio. O argumento foi usado pelos estoicos e teve uma grande aceitação no século XVIII, mas foi atacado de forma esmagadora por Hume, nos Diálogos sobre a religião natural, e por Kant, na Crítica da razão pura. O argumento nos convida explicitamente a fazer uma regressão ao infinito, já que o universo e um arquiteto parece ser um exemplo de organização ainda mais maravilhoso, o que deve nos levar a postular um arquiteto de arquitetos. Se considerarmos natural que um arquiteto possa "existir por si" (ver perseidade), devemos nos questionar por que o universo também não pode "existir por si". O argumento do desígnio também suscita

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problemas morais: já que a natureza da divindade é evidenciada pela sua criação, não podemos atribuir a Deus mais interesse na bondade ou na justiça do que a que encontramos no curso normal das coisas (ver também problema do mal). A teoria da evolução pela seleção natural veio destruir a eficácia de um dos principais exemplos, frequentemente apresentado, de desígnio da natureza: o da adaptação dos órgãos e capacidades animais ao seio meio ambiente. (1) Argumento de Montão. Com este nome faz-se referência a duas argumentações, uma de Zenão de Eléia, outra de Eubúlides de Megera. O argumento de Zenão de Eléia dirige-se contra a fidedignidade do conhecimento sensível e, em particular, do ouvido: se um alqueire de trigo faz barulho ao cair, cada grão e cada partícula de grão deveria produzir um som ao cair, o que não ocorre. O argumento de Eubúlides consiste em perguntar quantos grãos de trigo são necessários para formar um monte; bastaria só um grão? Bastariam dois? etc. Como é impossível determinar em que ponto começa um monte, aduz-se esse argumento contra a pluralidade das coisas. Argumentos da Ilusão. Os argumentos da ilusão tomam como premissa tanto a existência, como a possibilidade das ilusões, e indicam a possibilidade da ilusão total, ou então o ceticismo quanto ao próprio conhecimento. Assim, os sentidos às vezes nos enganam e podem fazê-lo em todas as ocasiões; logo, argumenta-se, talvez os sentidos nos enganem sempre ou, em qualquer caso, nunca devemos confiar implicitamente neles. Em algumas de suas formas, os argumentos são sem dúvida inválidos: assim, mesmo que os sentidos possam nos enganar em qualquer ocasião, não se segue que possam nos enganar em todas as ocasiões. Qualquer moeda pode estar viciada, mas daqui não podemos deduzir que é possível que todas as moedas estejam viciadas, uma vez que a existência de moedas viciadas supõe a existência de moedas não-viciadas. (1) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

Aristocracia Aristocracia. Do grego aristos (melhor) e kratos (poder), "governo dos melhores". A aristocracia — pelo menos em Platão — não implica a princípio a ideia de transmissão hereditária de privilégios sociais que prevaleceu em seguida. Regime político no qual o poder é exercido por uma minoria que se pretende a elite da sociedade, a aristocracia baseava-se numa classe ou casta sacerdotal (com base na religião) ou militar (nascimento). Na nossa época, desapareceu como forma de governo; convém então falar de oligarquias (pequeno número de pessoas) que detêm o poder em virtude do seu poder financeiro. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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Arquétipo Arquétipo. Do grego arché (começo) e typo (modelo) significa modelo ideal, na filosofia idealista (V.idealismo). (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Arte Arte. "A arte", diz Bacon, "é o homem acrescido à natureza", ou seja, qualquer procedimento - fruto da liberdade e da razão humanas - utilizado tendo em vista uma produção que testemunha a habilidade do artesão ou mais especialmente do artista quando, nesse último caso, as técnicas utilizadas visam satisfazer o sentimento estético ou artístico. A etimologia confirma essa noção de habilidade. O latim ars e o grego teknê estão na origem do termo moderno. Esses termos designavam todas as atividades que resultam de uma aptidão não inata, mas adquirida por um aprendizado apropriado de uma ciência, de uma técnica ou de uma profissão.

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(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993

Árvore de Porfírio Árvore de Porfírio. É uma representação sob a forma de uma árvore, feita pelo filósofo grego Porfírio, destinada a ilustrar a subordinação dos conceitos, a partir do conceito mais geral, que é o de substância, até chegar ao conceito homem, o de menor extensão, mas o de maior compreensão.

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Ascese Ascese. Do grego askesis, exercício. É o esforço para renunciar aos prazeres sensíveis tendo em vista o aperfeiçoamento moral ou espiritual, ou ainda a realização de uma obra que exija o domínio da vontade. Os estóicos submetiam-se a essa disciplina para escapar ao domínio dos sentidos e da afetividade; os ascetas cristãos aplicavam-na a fim de se desapegarem do mundo e aproximarem-se de Deus. P. Ext., chamamos de ascese o

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método perseverante, gerador de sacrifícios, que o pesquisador, erudito ou filósofo, se inflige (por exemplo, Descartes, quando duvida). (1)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Associação de Ideias Associação de ideias. É o fato de uma ideia ou imagem evocar imediatamente outra. É o fenômeno psíquico do arrebatamento espontâneo de uma representação por outras. O associacionismo pretendeu construir toda a psicologia a partir dessa propriedade. Ao considerar a associação livre como um meio de acesso ao inconsciente, a psicanálise mostrou que esse fenômeno vale tanto para o psiquismo inconsciente quanto para as representações conscientes: quando o psicanalista propõe ao paciente uma série de termos indutores e pede-lhe para enunciar como resposta imediata, sem controle ou omissão, aquilo no que eles lhe fazem pensar, está lidando precisamente com a rede complexa de associações inconscientes por meio da qual se revelam os desejos profundos do indivíduo.(1)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Ataraxia Ataraxia. Do grego ataraxia (ausência de perturbações). Introduzido por Demócrito e empregado principalmente pelos epicuristas (v. epicurismo) e pelos estoicos (v. estoicismo) o termo significa tranqüilidade da alma. Designando o ideal do sábio para a maioria dos filósofos da Antiguidade, a ataraxia é identificada pelos estoicos à apatia, ou seja, ao estado da alma que se tornou alheia à desordem da paixão e insensível à dor. (1) Ataraxia (ataraxie). A ausência de perturbação: a paz na alma. é o nome grego (especialmente em Epicuro e nos estoicos da serenidade. É um estado puramente negativo, como se costuma acreditar? De maneira nenhuma. Porque, nessa ausência de perturbação, o que se oferece é a presença do corpo, da vida, de tudo, e essa é a única possibilidade que vale. O a privativo não deve nos enganar: a ataraxia não é privação mas plenitude. É o prazer em repouso da alma (Epicuro) ou a felicidade em ato (Epicteto). É também uma experiência de eternidade: "Porque não parece em nada um ser mortal o homem que vive em bens imortais", escreve Epicuro (Carta a Meneceu,

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135). Daí que a ataraxia, como experiência espiritual, é o equivalente da beatitude, em Espinosa, ou do nirvana, no budismo. (2)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Ateísmo Ateísmo. Do gr. "sem Deus". Doutrina que nega a existência de Deus, ou mais exatamente, que é contrária ao teísmo, é tão variada quanto as concepções de Deus a que opõe. Por exemplo, o pensador que nega a existência de um Deus pessoal, mas admite uma energia original, é ateu para quem confere a esta energia os atributos de uma pessoa, e teísta para quem rechaça toda a ideia de transcendência. As religiões que não reconhecem como Deus mais do que a um princípio impessoal, podem parecer ateias aos olhos das outras. (1) Ateísmo. Do gr. "sem Deus", significa literalmente, por oposição a teísmo, negação ou ignorância de Deus. Em Filosofia, compreende todas as doutrinas que direta ou indiretamente negam a existência ou cognoscibilidade de um ser absoluto, transcendente e pessoal. Negam diretamente a existência de Deus, além do materialismo ontológico, todas as doutrinas ou sistemas que não reconhecem valor real e objetivo à ideia de Deus, considerando-a contraditória em si mesma (A. lógico), uma simples ilusão da consciência individual ou coletiva (A. psicológico), uma palavra sem sentido (A. semântico), um obstáculo à liberdade e responsabilidade humanas (A. moral, A. postulatório, ou humanismo ateu), etc. Negam indiretamente a existência de Deus todas as doutrinas que não reconhecem capacidade à inteligência para afirmar a verdade em geral (ceticismo, relativismo etc.), ou, em particular, para afirmar a existência de um ser absoluto e infinito (Agnosticismo). O ateísmo filosófico serve de justificação doutrinal a certos comportamentos assumidos sem qualquer inferência à ideia de Deus (A. prático). Não faltam na Antiguidade greco-romana exemplos de A. teórico. Certos sofistas, por exemplo, afirmam que os deuses são uma invenção do espírito humano, a isso levado pela necessidade de garantir a observância das leis e a prática da justiça (A. psicológico). Outros, pelo contrário, perante uma distribuição aparentemente cega e arbitrária de bens e males entre os mortais, concluem que os deuses são ignorantes e injustos (A. moral). Trata-se, no entanto, de expressões mais ou menos isoladas onde a crença constitui a opinião geral. Como fenômeno cultural de amplas repercussões sociais, o A. moderno e contemporâneo surge na viragem do século XVII no desenvolvimento lógico de certos postulados libertários e emancipalistas do Renascimento. Apesar da extrema complexidade das suas múltiplas e sucessivas variações, podemos dizer que ele se inscreve, com a filosofia moderna, no esquema

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geral da luta da subjetividade contra objetividade, da imanência contra a transcendência. O Tractatus Theologico-politicus de Spinoza é paradigmático a este propósito enquanto elimina da sua concepção de Deus atributos essenciais. Inicialmente vivido como uma mentalidade, como um critério de apreciação de atitudes e ideias, o princípio de libertação e de autonomia é posteriormente levado à prática pelo iluminismo francês, o qual, na sua vontade indômita de radical extenuação da alteridade, o vai estender a todas as esferas da vida moral, social, politica e religiosa. O vazio aberto no coração da História e na consciência dos homens pela eliminação da Igreja e da divindade de Cristo vai ser preenchido pela razão iluminista, deste modo erigida em critério supremo de moralidade e de religião não é ainda o A., mas é já o deísmo na versão kantiana da religião nos limites da simples razão. Mas bem depressa o racionalismo iluminista irá convergir com os ideais libertários da Revolução Francesa na configuração dos diversos ateísmo políticos que desde então não mais cessam de proliferar. Os grande mentores da Revolução cedo identificaram na família e, dentro da família, na figura do pai, o obstáculo maior dos seus desígnios de emancipação e libertação. Por isso mesmo, a república saída da Revolução terá de ser uma sociedade de seres iguais, i.é, uma fraternidade sem pai. Por sua vez, uma fraternidade sem pai é também necessariamente uma fraternidade sem Deus. O deicídio é a conclusão lógica do regicídio (Marques de Sade). Esta associação da morte de Deus à morte do rei não é estranha, por um lado, ao temor do adulto, resultante de certas experiências dolorosas perante uma autoridade excessiva ou excessivamente prolongada e, por outro, ao direito dos reis proclamado pelos teóricos da monarquia absoluta ao qual Deus servia de caução ideológica. Neste contexto não admira que a revolta contra o pai e o rei arrastam-se consigo a revolta contra Deus (A. político). Estes temas e atitudes de forte incidência afetiva terão a sua expressão mais radical e decidida nos ateísmos revolucionários e políticos do séc. XIX. (2) Ateísmo. Descrença em divindades. Não deve ser confundido com o agnosticismo, que é uma simples supressão de crença. O ateísmo não pode ser provado, salvo indiretamente. Entretanto, ele não demanda prova. Sem dúvida, o ônus da prova da existência de qualquer X compete àqueles que pretendem que X existe. Todavia, a refutação de qualquer versão de deísmo ou teísmo constitui uma prova indireta parcial do ateísmo. Indireta porque, na lógica comum, refutar uma proposição p importa provar não-p. E a refutação é parcial porque se refere apenas a uma espécie particular de deísmo ou teísmo de cada vez. Por isso uma refutação dos princípios de uma religião cristã não refuta os do hinduísmo ou inversamente. A refutação de qualquer crença em divindades de uma certa espécie pode proceder de duas maneiras: empiricamente e racionalmente. A primeira consiste em apontar para (a) a falta de evidência positiva quanto à religião e (b) abundância de evidência contrária às predições dos fanáticos — i.é, aquele raio atingira o blasfemo. O método racional consiste em notar contradições entre os dogmas religiosos. Por exemplo, se Deus é ao mesmo tempo onipotente e bom, por que tolera o câncer e a guerra? Se Deus é ao mesmo tempo onipotente e misericordioso, por que criou espécies condenadas à extinção? O ateísmo é sustentado pela ciência e tecnologia modernas de vários modos. Sem dúvida, a ciência moderna e a tecnologia não envolvem entidades sobrenaturais e negam a possibilidade de milagres. Como consequência, a pesquisa científica, que é, em larga medida, a busca de padrões objetivos, é estorvada pelo deísmo e teísmo. Exemplos de pesquisa de problemas ativamente desencorajados pela religião organizada: origens da vida, mente e religião. (3)

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(1) NOIRAY, André (Org.). La Filosofia: Las Ideas, Las Obras, Los Hombres. Bilbao: Mensajero, 1974. (2) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990. (3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Atenção Atenção. O Espírito possui a capacidade de escolher, de selecionar os fatos que lhe interessam, aplicando-se aos mesmos, com maior ou menor intensidade. Essa capacidade chama-se atenção; não constitui uma função especial e sim uma maneira geral de exercício de vida psicológica. (1) Estado de vigilância do espírito. A atividade mental concentra-se sobre determinado objeto. "O valor intelectual de um homem mede-se pela intensidade e continuidade de sua atenção". (2) Atenção (attention). É a presença do espírito à presença de outra coisa (atenção transitiva) ou de si mesmo (atenção reflexiva). A segunda atitude, menos natural, é mais cansativa e talvez impossível de se manter absolutamente. A introspecção nos ensina menos sobre nós mesmos do que a ação ou a contemplação. "A atenção absolutamente pura é prece", escreve Simone Weil. É que ela é pura presença à presença, pura disponibilidade, pura acolhida. Quando veio passar alguns meses na França, Svami Prajnanpad teve a oportunidade de encontrar a superiora de um convento. "Não é verdade que é preciso orar sem cessar?", ela lhe pergunta. E Svami responde responde: "Sim, claro. Mas o que isso significa?Orar é permanecer presente ao que é." Atenção silenciosa, em vez de tagarela ou suplicante. A atenção absolutamente impura, acrescentarei, é voyeurismo: fascinação pelo obsceno ou pelo obscuro. São os dois extremos da atenção, seu auge e seu abismo, ambos aliás deleitáveis e, para a alma, como que duas maneiras de se esquecer. (3)

(1) SANTOS, T. M. Manual de Filosofia - Introdução à Filosofia Geral - História da Filosofia - Dicionário de Filosofia. 10. ed. São Paulo: Nacional, 1958. (2) GAUQUELIN, M., GAUQUELIN, F. Dicionário de Psicologia. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1987.

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(3) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Ato Ato. Do latim actum, fato realizado. 1. Todo exercício voluntário de poder material, ou espiritual, por parte do homem. Ex.: ato de coragem, ato de violência etc. 2. Um ser em ato é um ser plenamente realizado, por oposição a um ser em potência de devir ou em potencialidade (Aristóteles). Ex.: a planta é o ato da semente, que permanece em potência enquanto não for plantada. 3. Ato puro é o Ser que não comporta nenhuma potencialidade e que se subtrai a todo e qualquer devir: Deus. 4. Na linguagem filosófica, ato se distingue da ação: ação designa um processo que pode comportar vários atos. "Passar ao ato" é fazer algo preciso. "Passar à ação" é empreender algo mais amplo. Por sua vez, ato e ação se opõem a pensamento ou palavra: pensar e falar não podem ter efeito sobre a matéria, ao passo que agir tem um efeito. Claro que nas relações entre os homens, pensar e falar são modos de agir. Finalmente, ato se opõe a potência: o ato designa aquilo que existe efetivamente; a potência designa aquilo que pode ser ou que deve ser. (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Atomismo Atomismo. Doutrina filosófica elaborada por Leucipo e desenvolvida por Demócrito e Epicuro, retomada depois pelo poeta latino Lucrécio, segundo a qual a matéria é composta de átomos, isto é, de partículas elementares indivisíveis e tão pequenas que não podem ser percebidas a olho nu. Os átomos são eternos e possuem todos a mesma natureza, embora difiram por sua forma. (1) As coisas podem ser entendidas quando são desmembradas por meio de análise em componentes distintos e independentes. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

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Aufkärung Aufklärung. Os filósofos do séc. XVIII se concebiam a si mesmos como inimigos das "trevas" da ignorância, da superstição e do despotismo. Por isso, procuravam situar-se no registro das Luzes ou Razão (do Enlightenment, em inglês, da Lumières, em francês). Kant define as Luzes ou Iluminismo dizendo que elas são aquilo que permite ao homem sair de sua minoridade, ensinando-lhe a pensar por si mesmo e a não depender de decisões do outro. "Sapere aude! tenha a coragem de usar a sua própria inteligência. Eis a divisa das Luzes." Ver Iluminismo (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Autenticidade Autenticidade. A vida é autêntica quando tem sentido e é emocionalmente apropriada. A autenticidade é contrastada, sobretudo em Heidegger, com a inautencidade: um estado em que a vida, destituída de objetivos e de responsabilidade, é despersonalizada e desumanizada. Ver também alienação. (1)

(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Autoconsciência Autoconsciência. Esse termo tem significado e história diferente de consciência. Na realidade não significa "consciência de si", no sentido de cognição (intuição, percepção etc.) que o homem tenha de seus atos ou de suas manifestações, percepções, ideias etc., tampouco significando retorno à realidade "interior", de natureza privilegiada; é a consciência que tem de si um Princípio infinito, condição de toda realidade. Esse termo também nada tem a ver com conhecimento de si, que designa o conhecimento mediato que o homem tem de si como um ente finito entre outros. (1)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

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Autodidata Autodidata. Do gr. autos, por si mesmo e didaktikós, de didaskô, ensinar. É o que se instrui e educa a si mesmo, por si mesmo. A autodidática é uma arte, que tem tido um papel muito relevante no desenvolvimento da humanidade. Quase sempre, na juventude, os homens não sabem escolher a suas profissões, carreiras liberais etc., por essa razão, na fase adulta, vão dedicar-se ao conhecimento de ciências mais de acordo com suas tendências e propensões. O autodidata encontra dificuldades a vencer, e por dispor apenas de suas forças, aquelas se apresentam como obstáculos, que desafiam a sua vontade. E as pessoas de vontade e de decisão, quando desafiadas, aumentam o ímpeto da sua resposta, realizando muito mais do que por meio normais poderiam fazer. (1)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

Axioma Axioma. Do grego axioma, consideração, estima, opinião, dogma. Diz-se das verdades gerais, aceitas sem discussão ou consideradas evidentes por si próprias, como na Filosofia e na Matemática. Filos. Proposição necessária e evidente por si mesma que exprime uma relação geral e constante entre grandezas indeterminadas e serve para demonstrar outras proposições das ciências matemáticas. O axioma é uma proposição necessária porque o espírito é incapaz de conceber a proposição contrária, e evidenteporquanto desde se enuncia, se concebe como verdadeira. Exemplo: "duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si". Esta proposição, além de necessária e evidente, enuncia uma relação geral e constante entre grandezas indeterminadas. (1) Um outro exemplo de axioma, válido ainda hoje e remontado a Aristóteles, é o princípio da contradição, segundo o qual uma coisa não pode, a um só tempo, ser e não ser.

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]

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Bárbaro, Barbárie Bárbaro, barbárie. A origem grega do termo (barbaros) refere-se à falta de humanidade daquele que só usa uma linguagem de pássaro. Tradicionalmente, o bárbaro é aquele que permanece alheio à civilização greco-romana e depois à cultura europeia — e é por isso que tanto Platão quanto Aristóteles admitem que a escravidão é um destino que lhe é favorável. Esses termos testemunharam por muito tempo o etnocentrismo europeu e a segurança com a qual a mentalidade ocidental considerava sua cultura como a única autêntica. Nessa ética, a barbárie se oporia ao humanismo. Porém, a história moderna provou amplamente que o Ocidente era capaz de comportamentos "desumanos" e portanto "bárbaros" (campos de extermínio, genocídios etc.), no próprio mundo em que a etnologia demonstrava a legitimidade de outras culturas. (1)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Behaviorismo Behaviorismo. Do inglês behaviourism. Psic. Método de observação que tem por objetivo o estudo das relações entre os estímulos e as respostas do sujeito. Encicl. Surgido no começo do século XX nos E.U.A. (J. B. Watson), o behaviorismo permitiu que a psicologia fosse elevada ao nível de ciência objetiva, institucionalizando-se como disciplina universitária autônoma, graças principalmente a Clark Hull, Edward Tolman e Burrhus Skinner. (1) Behaviorismo. Do inglês behaviour, comportamento. Em psicologia, o behaviorismo, associado a Watson e a pesquisadores como Ivan Pavlov (1849-1936), começou por ser uma perspectiva metodológica que recomendava que se evitassem a introspecção e a subjetividade (ver subjetivismo/objetivismo) em favor da medição científica do comportamento e suas causas. Mais tarde, particularmente com B. F. Skinner (1904-90), passou-se a identificar essa perspectiva com uma visão simplista das causas da ação humana e com a tentativa de controlar a ação através da manipulação relativamente simples de estímulos e padrões de reforço que atuam sobre os agentes. A ideia de Skinner de que seria pouco científico explicar o comportamento através dos desejos,

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crenças e intenções, e de que esse seria o domínio dos "mentalistas", tem perdido terreno perante o avanço das ciências cognitivas. Em termos filosóficos, a doutrina behaviorista defende que os estados mentais são construções lógicas a partir de disposições comportamentais ou, em outras palavras, que descrever os aspectos mentais de alguém é uma abreviatura de uma descrição das várias disposições comportamentais que a pessoa possui. A obra mais influente a defender essa perspectiva foi The Concept of Mind (1949), de Ryle, que apresentava o behaviorismo como a melhor resposta ao mito cartesiano do "fantasma na máquina". É discutível até que ponto Wittgenstein pretendia defender uma doutrina behaviorista com suas Investigações Filosóficas, escritas na mesma época. Tal como outras doutrinas reducionistas, o behaviorismo não conseguiu oferecer análises úteis, nomeadamente devido ao holismo do mental, isto é, devido ao fato de o modo como uma pessoa se comporta não ser uma função de uma crença ou de um desejo, mas antes de todo um conjunto ou rede de crenças e de desejos. A modificação operada para dar conta desses aspectos transforma o behaviorismo no seu sucessor moderno mais popular, o funcionalismo. (2) (1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Belo Belo. Do latim bellus, bonito. 1. Diz-se de tudo aquilo que, como tal, suscita o prazer desinteressado (uma emoção estética) produzido pela contemplação e pela admiração de um objeto ou de um ser. Ex.: um belo castelo, uma mulher bela. 2. Diz-se de tudo aquilo que apresenta um valor moral digno de admiração. Ex.: uma bela ação. 3. Conceito normativo fundamental da estética que se aplica ao juízo de apreciação sobre as coisas ou sobre os seres que provocam a emoção ou o sentimento estético, seja em seu estado natural (uma bela paisagem), seja como produto da arte (pintura, música, arquitetura etc.) (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Bem Bem. Designa, em geral, o acordo do que uma coisa é com aquilo que ela deve ser. Quando uma mesa, uma árvore, um animal realizam a sua própria essência, dizemos que são coisas boas. Quando, pelo contrário, lhes falta alguma propriedade da sua essência e, assim, a não realizam plenamente, dizemos que são más. (1) Bem. No sentido moral ou ético designa o conjunto das virtudes. É o oposto de mal, ou, pelo menos, assim nos parece à primeira vista. Sem muita cogitação metafísica, pode-se dizer que o "bem" é o que produz a ausência do sofrimento, mas uma ausência constante. No vício, não raro a pessoa acha um bem, porque se sente feliz; mas esta felicidade não é constante: o aprofundamento do hábito nocivo acaba levando ao sofrimento; mas no reverso deste ainda é o bem: não há mal que sempre dure, e ao final deste está o bem. Então só existe o bem? Só. O mal é a ignorância, é o bem incompreendido. Deus, que é o Sumo bem, não poderia ter criado o mal. À medida que se desenvolve nossa razão, dilata-se-nos o percebimento; o mal cessa à medida que este se amplia. (2)

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= = =>> *. Mais informações abaixo: [Palestra sobre o bem e o mal]

Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Origem do Bem e do Mal: 4.1. O Mal não Pode Ter Origem em Deus; 4.2. A Causa do Mal; 4.3. O Princípio do Bem e do Mal. 5. Necessidades Humanas: 5.1. O Que é uma Necessidade?; 5.2. Vícios; 5.3. Dor. 6. Bem versus Mal: 6.1. Estender o Bem; 6.2. Desertor do Bem; 6.3. Resistir ao Mal. 7. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO O que é o bem? E o mal? O mal é ausência do bem? Onde está a origem do mal? Em Deus? Nos Homens? Utilizamos essas perguntas para a introdução deste tema, que se subdividirá em: a origem do mal, as necessidades humanas e o bem versus o mal. 2. CONCEITO Bem – Designa, em geral, o acordo entre o que uma coisa é com o que ela deve ser. É a atualização das virtualidades inscritas na natureza do ser. Relaciona-se com perfeito e com perfectibilidade. Segundo o Espiritismo, tudo o que está de acordo com a lei de Deus. Mal – Para a moral, é o contrário de bem. Aceita-se, também, como mal, tudo o que constitui obstáculo ou contradição à perfeição que o homem é capaz de conceber, e, muitas vezes, de desejar. Divide-se em: mal metafísico (imperfeição); mal físico (sofrimento); mal moral ("pecado"). Segundo o Espiritismo, tudo o que não está de acordo com a lei de Deus. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A questão das mudanças de nossas avaliações é um dos pontos centrais para o entendimento do bem e do mal. Malinovsky, etnólogo polonês, estudando a moral sexual dos selvagens australianos, chegou à conclusão de que tudo o que entre nós é considerado válido e até santo, lá é considerado mal. Embora haja uma moral objetiva, traçada pelas leis divinas, só captamos o que nossa visão interior consegue abarcar. O valor das coisas está constantemente alterando-se, principalmente devido à educação cultural dos diversos povos. O valor, por sua vez, pode ser entendido como: valor moral (refere-se à ação); valor estético (refere-se ao dever-ser); valor religioso (refere-se ao sentimento de temor ou de confiança na divindade). Sendo assim, um fato pode ser analisado, respectivamente, como proveniente de uma ação má, feia ou "pecaminosa". De acordo com a Doutrina Espírita, o problema do bem e do mal está relacionado com as leis de Deus e o progresso alcançado pelo Espírito ao longo de suas várias encarnações. É o que veremos a seguir. 4. ORIGEM DO BEM E DO MAL 4.1. O MAL NÃO PODE TER ORIGEM EM DEUS Muitos pensam que Deus, que é o criador do mundo e de tudo o que existe, também é o criador do mal. Para tanto, as religiões dogmáticas elaboraram uma série de raciocínios sobre a demonologia, ou seja, o tratado sobre o diabo. Baseando-nos nessas imagens, seríamos forçados a crer que existem dois deuses, digladiando-se reciprocamente. A lógica e os ensinamentos espíritas apontam-nos, porém, para a existência de um único Deus, que é a inteligência

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suprema, causa primária de todas as coisas. Como um de seus atributos é ser infinitamente bom, Ele não poderia conter a mais insignificante parcela do mal. Assim, Dele não pode provir a origem do mal. Mas o mal existe e deve ter uma origem. Onde estaria? (Kardec, 1975, cap. III) 4.2. A CAUSA DO MAL O mal existe e tem uma causa. Há, porém, males físicos e morais. Há os que não se pode evitar (flagelos) e os que se podem evitar (vícios.) Porém, os males mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em tudo. No que tange aos flagelos naturais, o homem recebeu a inteligência e com ela consegue amenizar muito desses problemas. No sentido moral, o mal só pode estar assentado numa determinação humana, que se fundamenta no livre-arbítrio. Enquanto o livre-arbítrio não existia, o homem não cometia o mal, porque não tinha responsabilidades pelas suas ações. Conforme os amigos espirituais foram nos facultando tal liberdade, tivemos que fazer escolhas e com isso errar e conseqüentemente praticar o mal. 4.3. O PRINCÍPIO DO BEM E DO MAL O bem e o mal como princípios podem ser encontrados no livro da natureza. O conhecimento deles requer experiência. Tomemos as figuras de Adão e Eva. Eles comeram o fruto proibido, instigados pela serpente. Para conhecerem o bem e o mal, tiveram de prová-los. Mas Adão pode ter pensado: não vou ligar para isso, pois foram a serpente e a Eva que me tentaram. Porém, nesse momento, Deus passa-lhe a noção de responsabilidade. A "consciência moral" começa com a responsabilidade. Quando começarmos a dar valor à moral, nosso progresso começa a se fundamentar. O Espírito André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos, psicografado por Francisco Cândido Xavier, traça-nos a trajetória do princípio inteligente através dos vários reinos da natureza. O princípio inteligente é conduzido pelos "Operários Espirituais". A repetição dos atos cria a herança e o automatismo. Ao adentrar na fase hominal, ele adquire o pensamento contínuo, o livre-arbítrio e a razão. Aos poucos esses operários espirituais vão entregando o aprendizado ao livre-arbítrio, sob a própria responsabilidade. 5. NECESSIDADES HUMANAS 5.1. O QUE É UMA NECESSIDADE? Necessidade é a consciência de que nos falta algo. Por que nos falta algo? Porque a necessidade, sendo um estado de espírito e um atributo do homem subjetivo, impõe ao homem este ou aquele desejo. As necessidades podem ser: a) prioritárias: comer, beber, dormir etc.; b) secundárias: vestir-se bem, passear, cinema etc. Em termos espirituais, as necessidades vão se depurando conforme vamos galgando novos degraus de evolução espiritual. Há, assim, muita sabedoria no provérbio: "Deus, livra-me das minhas necessidades". Deveríamos deixar de lado os apetites da carne e nos direcionarmos para os anseios do Espírito. 5.2. VÍCIOS Os vícios são as ações que tendem para mal. Allan Kardec diz: "Se o homem se conformasse rigorosamente com as leis divinas, não há duvidar de que se pouparia aos mais agudos males e viveria ditoso na Terra". O animal, por exemplo, só come para preservar a sua vida; o homem, dotado de inteligência, come mais com os olhos do que com a boca. O vício surge não pelo fato de

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atender a necessidades, mas no excesso que com que se atende a necessidades. Há um ditado que diz: "devemos comer para viver e não viver para comer". Nesse sentido, a pessoa que se alimenta em demasia acaba se tornando glutão, o que lhe impede de estar bem com o seu físico. O mesmo se diz daquele que se excede nas bebidas alcoólicas, na sexualidade etc. É preciso, pois, relembrar que todos sofreremos as conseqüências de nossas ações, quer sejam boas ou más. (Kardec, 1975, cap. III) 5.3. DOR A dor é teleológica e leva consigo um destino. É um alerta da natureza, que anuncia algum mal que está nos atingindo e que precisamos enfrentar. Se não fosse a dor, sucumbiríamos a muitas doenças sem sequer nos dar conta do perigo. Por ela podemos saber o que fomos e, também, o que tencionamos ser. Ela é sempre positiva; no sofrimento, estamos purgando algo ou preparandonos para o futuro. De acordo com Allan Kardec, "A dor é o aguilhão que impele o Espírito para frente, na senda do progresso". Se o Espírito nada tivesse a temer, nenhuma necessidade o induziria a procurar o melhor; ficaria inativo, como entorpecido. Reportando-nos à alimentação, poder-se-ia dizer que ao ingerirmos alimentos em excesso, teríamos um mal-estar físico, uma espécie de sentinela do equilíbrio. 6. BEM VERSUS MAL 6.1. ESTENDER O BEM "Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem". — Paulo. (Romanos, 12, 21) O Espírito Emmanuel lembra-nos de que a natureza é pródiga em nos oferecer exemplos vivos para a nossa mudança comportamental. Depois de um temporal (mal), em que parece ter destruído a paisagem, novas forças congregam-se para a obra de refazimento: "O sol envia luz sobre o lamaçal, curando as chagas do chão, o vento acaricia o arvoredo e enxuga lhe os ramos, o cântico das aves substitui a voz do trovão... A árvore de frondes quebradas ou feridas regenera-se, em silêncio, a fim de produzir novas flores e novos frutos". Incita-nos, com isso, a aprender com a natureza, ou seja, mesmo sofrendo os maiores dos males, deveríamos nos concentrar no bem, estendendo-o ao infinito, porque o mal é passageiro e fruto da ignorância humana. (Xavier, sdp, cap. 35) 6.2. DESERTOR DO BEM Se soubéssemos, de antemão, o tributo de dor que a vida nos cobrará, evitaríamos o homicídio, a calúnia, a ingratidão e o egoísmo. O mesmo sucede com aquele que se esquiva do bem. O Espírito Emmanuel diz: "Se o desertor do bem conseguisse enxergar as perigosas ciladas com que as trevas lhe furtarão o contentamento de viver, deter-se-ia feliz, sob as algemas santificantes dos mais pesados deveres". Lembremo-nos de que viemos a este mundo para cumprir uma missão, um dever. Nesse sentido, a esposa de Heidegger dizia que Deus tinha condenado o seu marido a ser filósofo. Para nós outros, que nos compenetramos da necessidade de praticar o bem, poderíamos dizer que Deus nos condenou a ser benevolente. (Xavier, sdp, cap. 38) 6.3. RESISTIR AO MAL Jesus dizia que o joio deveria crescer junto com o trigo. Contudo, no momento aprazado separaria um do outro. O trigo representa o bem; o joio, o mal. Os dois devem crescer juntos, ou seja, não há dualismo entre um e outro, pois o

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mal é sempre visualizado como a ausência do bem. Ele só surge quando o bem não se fez presente. É como o ladrão que rouba. Ele só rouba porque não houve antes uma prevenção. Resistir ao mal significa suportar pacientemente a sua presença, mas sem perder de vista o bem. Haverá tentações, desânimo, mal-entendidos e incompreensões alheias. Nada disso deve tirar o ensejo de continuarmos firmes em nossa jornada evolutiva, pois "a seu tempo ceifaremos se não houvermos desfalecidos". 7. CONCLUSÃO Não nos detenhamos apenas em praticar atos de caridade; sejamos também caridosos. Auxiliemos o próximo, não por uma espécie de convenção social, mas como um arroubo que parte do íntimo de nosso coração. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975.XAVIER, F. C. Fonte Viva, pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro: FEB, [s.d.p.] São Paulo, maio de 2005

<< = = = (1) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990. (2) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987.

Bem Comum Bem comum. O bem comum busca a felicidade natural, sendo, portanto, o valor político por excelência, sempre, porém, subordinado à moral. O bem comum se distingue do bem individual e do bem público. Enquanto o bem público é um bem de todos por estarem unidos, o bem comum é dos indivíduos por serem membros de um Estado; trata-se de um valor comum que os indivíduos podem perseguir somente em conjunto, na concórdia. Além disso, com relação ao bem individual, o Bem Comum não é um simples somatório destes bens; não é tampouco a negação deles; ele coloca-se unicamente como sua própria verdade ou síntese harmoniosa, tendo como ponto de partida a distinção entre indivíduo, subordinado à comunidade, e a pessoa que permanece o verdadeiro e último fim. (1) (1) BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. 2. ed. Brasília: UNB, 1986.

Bom Senso Bom Senso. Qualidade de nosso espírito que nos permite distinguir o verdadeiro do falso, o certo do errado. "O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída"

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(Descartes). Às vezes Descartes denomina o bom senso de "luz natural". Na maioria dos casos, chama-o simplesmente de razão, instrumento geral do conhecimento que é capaz de "julgar e distinguir bem o verdadeiro do falso". Essa faculdade da razão é natural e comum em todos os homens. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Budismo Budismo. Doutrina religiosa e filosófica que se originou dos ensinamentos de Gautama Buda (563-480 a.C.) e que foi depois desenvolvida em grande número de diferentes tendências na Índia, na China e no Japão. O B. é o maior exemplo da religião perfeitamente ateia. Sua doutrina fundamental resume-se nas quatro verdades nobres: 1.ª a vida é dor; 2.ª a causa da dor é o desejo; 3.ª obtém-se a cessação da dor com a cessação do desejo; 4.ª existe um caminho óctuplo que conduz à cessação da dor. O caminho óctuplo consiste: 1.º na justa visão; 2.º na justa resolução; 3.º na justa linguagem; 4.º na justa conduta; 5.º no justo viver; 6.º no justo esforço; 7.º na justa mentalidade; 8.º na justa concentração. Segundo o B., o homem está sujeito à lei do incessante fluir da vida (dharma), que o leva de desejo em desejo, de dor em dor, de encarnação em encarnação. Enquanto o homem não se libertar do desejo, estará submetido ao ciclo de renascimento (samsara). A libertação do desejo, obtida por meio das regras morais acima e da disciplina ascética (que o B. compartilhava com o bramanismo e com a prática ioga), obtém-se somente com a dissolução de ilusão produzida pelo desejo (e que é o karma), com a eliminação do próprio desejo e a destruição do apego à vida, que é o nirvana. (1)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

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Cadeia Causal Cadeia Causal. A sequência de acontecimentos que conduz a um certo efeito final, onde cada membro da sequência causa a ocorrência do membro seguinte. Embora a noção se aplique a casos identificáveis (o empurrão causa a queda, que causa a fratura, que causa a ida ao hospital), não é claro que a causalidade, em geral, possa ser analisada através de cadeias lineares de acontecimentos distintos. O tempo é um dos problemas clássicos: se o acontecimento anterior precede o posterior, como pode ser causalmente eficaz após ter deixado de existir? Mas se os dois acontecimentos forem simultaneamente, como a cadeia pode se prolongar em direção ao passado? (1)

(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

Caos Caos. Do grego káos, do verbo khainen, abrir-se, entreabrir-se. 1. Termo utilizado aparentemente pela primeira vez na Teogonia de Hesíodo (séc. VIII a.C.), designando o vazio causado pela separação entre a Terra e o Céu a partir do momento de emergência do Cosmo. Designa também para os gregos o estado inicial da matéria indiferenciada, antes da imposição da ordem dos elementos. 2. Na física moderna, designa a imprevisibilidade de sistemas complexos, isto é, a existência de fenômenos em relação aos quais não é possível fazer previsões ou cálculos precisos dadas alterações, mesmo que pequenas, nas condições iniciais. (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Caráter Caráter. Etimologicamente, caráter quer dizer coisa gravada; do grego "charactér" de "charássein" = gravar. O termo pode ter dois sentidos diversos: 1.º) caráter, como conjunto de disposições psicológicas e comportamentos habituais de uma pessoa, isto é, a personalidade concreta; 2.º) caráter relacionado à vontade, e nesse caso conota as ideias de energia, honestidade e coerência; é nessa acepção que falamos, em homem de caráter. (1) Caráter. É em primeiro lugar um cunho (kharactér, em grego, é o gravador de medalhas ou de moeda), uma marca indelével, um sinal permanente ou distintivo. A palavra designa por isso o conjunto das disposições permanentes ou habituais de um indivíduo (seu éthos), em outras palavras, sua maneira de sentir e de se ressentir, de agir e de reagir – sua maneira particular de ser si. “É o que a natureza gravou em nós”, dizia Voltaire. Eu não iria tão longe. O caráter me parece mais individualizado e evolutivo do que o temperamento, e menos do que a personalidade. Eu diria: o temperamento de um indivíduo é o que a natureza fez dele: seu caráter é o que a história fez do seu temperamento; sua responsabilidade é o que ele fez, e não cessa de fazer, com o que a história da natureza fizeram dele. O caráter remete ao passado, logo a tudo o que, em nós, já não depende de nós. Temos de conviver com isso, como se diz, e é por isso que, de acordo com uma fórmula célebre de Heráclito, “o caráter de um homem é seu demônio” ou seu destino: porque ele é aquilo que nele escolhe, e que ele não escolhe. (2)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Carma / Karman Carma / Karman. Termo sânscrito (literalmente, "ação") que na especulação hinduísta alude ao conjunto das ações humanas e dos efeitos que delas decorrem necessariamente no curso das sucessivas reencarnações (v. Samsara). Para o budismo e o jainismo , o C. brota do desejo. Por isso, extinguindo-se este, extingue-se também o K. e o Samsara (v. Budismo e Nirvana) Samsara. Termo sânscrito (literalmente, "corrente, migração" que no hinduísmo e no budismo indica o fluir incessante das coisas e o ciclo das reencarnações. (v. Budismo) (1)

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Karman. Filos. Significa ação. Nos tempos védicos as ações que recebiam consideração especial eram ações sacrificiais e rituais pelas quais um fruto especial (phala) é supostamente obtido. No Satapatha-Brãhmana e no Brhad-AranyakaUpanishad, a relação ação-fruto estende-se a todas as espécies de ação e estabelece-se a regra de que "um homem transforma-se naquilo que faz, no modo como se comporta; sejam quais forem as obras que fizerem colherão o fruto delas; do outro mundo em que vive, regressa a este mundo de obras e de trabalho". A lei do K. é depois tornada radical por Buda, que proclama que todas as predisposições dos seres têm origem na sua falta de começo K., sendo, portanto, K. o princípio da essência. Portanto, não aceita nenhum atman e reduz a existência a um simples fluxo cuja única continuidade é a relação entre K. e phala. A concepção de Jaina é ainda mais primitiva: concebe K. como uma mancha de tinta que enfeita a alma (jiva ou atman)... A crença em K. mantém-se muito espalhada na Índia, muito frequentemente com aspecto de fatalidade, e continua a acreditar no princípio da reencarnação. É considerada como lei última de natureza que não deixa abertura a acidente ou acaso e confina a liberdade dentro dos seus limites. O único meio de escapar a este domínio é deixar de agir (nivrtti) e refugiar-se na inação, o conhecimento puro, tal como Vedanta propõe, ou abandonarmo-nos ao amor de Deus e confiar na sua graça como propõem os mestres de bhakti. (2) Karma. O termo karma significa "ação" ou "feito". Na filosofia hindu e budista, é o princípio de causalidade universal, que afirma que toda ação é causada por uma ação anterior e por sua vez provoca ações posteriores. Tudo acontece agora porque alguma outra coisa foi feita antes e a sucessão de resultante de feitos criativos é karma. Conceitos como oportunidade e sorte são incompatíveis com o karma, pois tudo é determinado pela inflexível lei de causa e efeito. No sentido mais geral, o karma se refere especificamente à ação individual e ao modo como dessa ação surgem reações que determinam o destino de uma pessoa, senão nesta vida, então na próxima encarnação. O bem e o mal que acontecem ao homem são o que ele mereceu por feitos anteriores, suas ações constituem os elos na corrente que o agrilhoa à roda de samsara, o ciclo sempre repetido de nascimento-morte-renascimento. Algumas vezes se fala de karma como uma mácula, que a alma adquire na Terra, uma mácula que tem de ser erradicada por feitos contrabalançantes na região terrena. A Terra, ou o ambiente material em que vivemos, é portanto, conhecido como karmabhumi, a esfera-karma. Cumprimos nosso destino na Terra e temos de retornar a ela para acertar nossas contas. Se tivermos sido bons, somos aquinhoados com uma alta posição na vida e muitas vantagens físicas, intelectuais e sociais, e se fomos maus, nascemos em baixa posição, e na crença hindu às vezes até em forma de animal. Portanto, nosso karma, soma total de nossas atividades, determina, diretamente, como e em que circunstâncias renascemos a cada vez. A doutrina do karma foi submetida a muitas interpretações, para tentar-se definir a natureza precisa da ação. A rígida opinião de que toda atividade física e mental gera karma teve de ser suavizada e restringida até certo ponto, do contrário seria praticamente impossível a alguém romper o inexorável círculo que o traz repetidas vezes à esfera terrena. Analisando-se, pode-se resumir todas as ações em três partes: o motivo da ação, a própria ação, e as consequências da ação. Os que enfatizam o motivo

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da ação como portador da mácula do karma sugerem que, já que motivo é conhecido na mente, a ação está como que realizada, seja ela realizada ou não. Segundo essa opinião, são os motivos que determinam o karma. Outros acentuam a verdadeira execução da ação, sejam quais forem seus motivos ou consequências. A terceira e última opinião é a de que as consequências determinam a ação, e todas as ações têm de ser julgadas por seus frutos. Certas ações, no entanto, podem ser consideradas neutras, sem qualquer fruto. Pode-se pensar que ficar sentado, por exemplo, sem fazer nada que interfira com as vidas dos outros, não incorre no perigo de um karma adverso. Mas até isso traz o contágio, pois a simples existência tem seu alcance de repercussões, e mesmo quando inativos deixamos a impressão de nossa presença no ambiente. (3)

Karma. O termo karma significa "ação" em sânscrito e se refere à ideia de que toda ação tem um conjunto específico de causas e efeitos. Eticamente, karma é um registro metafísico do valor moral de uma pessoa. Quando alguém comete um ato mau, adquire karma; quando alguém faz o bem, adquire mérito, que anula o karma. Karma está vinculado ao samsara (o ciclo da reencarnação), pois, quando as pessoas morrem, o seu karma determina o tipo de renascimento que terão na vida seguinte. No hinduísmo, está mais vinculado com o sistema varna (de castas): uma vida virtuosa erradica o karma e garante o renascimento em uma casta mais alta que tem mais possibilidade de atingir moksha, um estado de união entre o atman (eu verdadeiro) da pessoa e Brahma (a realidade última). No budismo, a vida é caracterizada por sofrimentos; a meta do cultivo espiritual é erradicar o karma e alcançar o nirvana, um estado no qual todo o karma é anulado e uma pessoa pode sair do ciclo de renascimento. No jainismo, eliminar o karma leva a moksha, um bem-aventurado de liberação do samsara. No hinduísmo e no budismo, as pessoas recebem karma apenas por atos intencionais, enquanto no jainismo até mesmo atos não intencionais podem gerar karma. (4)

Karma. Entre as noções de religiões e filosofias orientais, a ideia do karma talvez seja a que mais tenha encontrado resposta no mundo ocidental. O termo tem origem no sânscrito karman e foi adotado pela filosofia hindu e budista para explicar a relação entre a causa e o efeito de uma determinada ação sobre o sujeito que a pratica. Dessa forma, chega-se à conclusão de que nada ocorre por acaso. Uma ação é provocada por outra anterior e, por sua vez, provoca uma reação consequente. A sucessão de acontecimentos, segundo esse pensamento, forma o karma. A noção pressupõe um antecedente, que é a crença nas sucessivas existências da alma, ou a reencarnação, de modo que a série de acontecimentos que um sujeito experimenta em sua vida surge como consequência de atos e ações de sua vida anterior. Da mesma forma, as ações nessa vida irão determinar o andamento da próxima vida do indivíduo. A noção do karma coloca o ser humano, portanto, como o centro da ação, em relação direta com o divino, é verdade, mas como o único responsável pelo que ocorre em sua vida. Ele tem o poder de escolha. A Terra é chamada de karma-bhumi, a "esfera do karma", para onde as pessoas retornam após a morte e onde irão viver melhor ou pior, de acordo com a forma pela qual viveram antes.

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Os atos dos seres humanos se tornam responsabilidade deles próprios e a existência deixa de ser o resultado de uma concessão divina, de sacrifícios ou rituais mágicos e religiosos. Existem diferentes interpretações quanto à relação entre karma e a ação humana ou, em outras palavras, como se define o karma e a consequente vida do ser na Terra. Dessa forma, alguns dizem que o simples ato de pensar já implica a realização. Se um determinado ato surge no espírito da pessoa, é como se ele já estivesse cumprido, mesmo que a pessoa não venha a torná-lo real. É o que se costuma chamar de "maus pensamentos" ou a situação definida pela expressão "o que vale é a intenção". Essa forma implica a necessidade do domínio espiritual e mental para se manter na conduta correta, e é justamente por isso que outras pessoas entendem que é absolutamente necessário o cumprimento do ato. Os pensamentos podem ser maus, mas podem não ser transformados em atos ruins, o que significa que a pessoa, afinal, conseguiu se dominar e evitou a ação má. Outra linha de pensamento entende que um ato só pode ser julgado bom ou ruim a partir de suas consequências, independentemente da intenção da pessoa no momento da ação, o que não deixa de ser estranho. Uma pessoa pode realizar uma ação má, com intenções más, e os resultados podem não ser ruins, devido a uma série de fatores que fogem ao seu controle. (5) (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (3) CAVENDISH, Ricardo (org.). Enciclopédia do Sobrenatural. Tradução de Alda Porto e Marcos Santarrita. Porto Alegre: L&PM, 1993. (4) ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014. (5) SCHOEREDER, Gilberto. Dicionário do Mundo Misterioso: Esoterismo, Ocultismo, Paranormalidade e Ufologia. Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 2002.

Carpe Diem Carpe Diem (colha o dia, aproveite o instante). Expressão latina encontrada num verso do poeta romano Horácio (65-8 a.C.) para celebrar o gozo do instante e resumir a moral do prazer individual ou hedonismo. (1) É uma fórmula de Horácio, em latim, que poderíamos traduzir por "colha o dia". Nossa época hedonista e veleidosa vê nela o sumo da sabedoria. Deveríamos viver o instante, aproveitar o momento presente, desfrutar dos prazeres conforme vão aparecendo... Claro não contesto que existe nela como que uma sabedoria mínima. Mas daí a crer que o farniente e a gastronomia poderiam fazer as vezes da filosofia há, apesar de tudo, um passo que é melhor não dar. Epicurismo? De fato, há ecos dele em Horácio, nem sempre tão sorridentes como se imagina, mas voltados, quase inevitavelmente, para os prazeres

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mais próximos, mais fáceis e mais materiais. Viver no instante? Não é possível. Viver no presente? É o único caminho, já que não há outro. Mas o presente não é um instante; é uma duração, que não se pode habitar, mostrava Epicuro, sem uma ação deliberada com o passado e o futuro. Gozar? O máximo possível. Mas isso não nos diz o que fazer da nossa vida quando ela não é agradável, quando a dor ou a angústia nos vencem; quando o prazer é diferido ou impossível... Colha o dia, portanto, mas não renuncie por isso à ação, nem à duração, nem a esses prazeres espirituais que Epicuro, no fim da Carta a Meneceu, chamava de "bens imortais". é que eles concernem ao verdadeiro, que não morre. Carpe aeternitatem. (2) Muitas vezes acrescida de carpe horam. Carpe diem/carpe horam (aproveite este dia, aproveite esta hora).

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Casuística Casuística. Análise e classificação dos "casos de consciência", isto é, dos problemas que nascem da aplicação das normas morais ou religiosas à vida humana. Na antiguidade, os cínicos (v. cínismo) e os estóicos (v. estoicismo) tiveram uma casuística. Houve e há uma casuística cristã, que, a partir de Pascal, muitas vezes foi acusada de moralidade relaxada e comodista. (1)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Alegoria da Caverna Alegoria da Caverna. Também chamada de mito da caverna, é uma parábola escrita pelo filósofo Platão, e encontra-se na obra intitulada A República (livro VII). Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade. Alguns ainda a chamam de Os prisioneiros da caverna ou menos comumente de A parábola da caverna. (1) Segundo J. Ferguson, Platão teria em mente uma caverna real. Homens sentados e virados para a parede do fundo, acorrentados nos pescoços e nos braços e pernas, de modo a nem se moverem ou saírem de sua estátua postura, apenas podendo ver impressões sensíveis naquele fundo e ouvir a ressonância de vozes o que aconteceria se

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um dos escravos fosse libertado das cadeias e pudesse "virar a cabeça para trás" - essa torção ou "conversão" há de indicar a essência da educação (como metanóia). [República, VII, 518d] (2)

= = = >>

(1) A parábola da caverna: A alegoria da caverna, também conhecido como parábola da caverna, mito da caverna ou prisioneiros da caverna, é uma alegoria de intenção filósofo-pedagógica, escrita pelo filósofo grego Platão. Encontra-se na obra intitulada A República (Livro VII), e pretende exemplificar como nós podemos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade, em que Platão discute sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação do Estado ideal.

Mito da caverna No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, sem poder ver uns aos outros ou a si próprios. Atrás dos prisioneiros há uma fogueira, separada deles por uma parede baixa, por detrás da qual passam pessoas carregando objetos que representam "homens e outras coisas viventes". As pessoas caminham por detrás da parede de modo que os seus corpos não projetam sombras, mas sim os objetos que carregam. Os prisioneiros não podem ver o que se passa atrás deles e veem apenas as sombras que são projetadas na parede em frente a eles. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade. Imagine que um dos prisioneiros seja libertado e forçado a olhar o fogo e os objetos que faziam as sombras (uma nova realidade, um conhecimento novo). A luz iria ferir os seus olhos e ele não poderia ver bem. Se lhe disserem que o presente era real e que as imagens que anteriormente via não o eram, ele não acreditaria. Na sua confusão, o prisioneiro tentaria voltar para a caverna, para aquilo a que estava acostumado e podia ver.

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Caso ele decida voltar à caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situação extremamente enganosa em que se encontram, os seus olhos, agora acostumados à luz, ficariam cegos devido à escuridão, assim como tinham ficado cegos com a luz. Os outros prisioneiros, ao ver isto, concluiriam que sair da caverna tinha causado graves danos ao companheiro e, por isso, não deveriam sair dali nunca. Se o pudessem fazer, matariam quem tentasse tirá-los da caverna. Platão não buscava as verdadeiras essências na simples Phýsis, como buscavam Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de Sócrates, ele buscava a essência das coisas para além do mundo sensível. E o personagem da caverna, que por acaso se liberte corre, como Sócrates, o risco de ser morto por expressar seu pensamento e querer mostrar um mundo totalmente diferente. Transpondo para a nossa realidade, é como se você acreditasse, desde que nasceu, que o mundo é de determinado modo e, então. Vem alguém e diz que quase tudo aquilo é falso, é parcial, e tenta lhe mostrar novos conceitos, totalmente diferentes. Foi justamente por razões como essa que Sócrates foi morto pelos cidadãos de Atenas, inspirando Platão à escrita da Alegoria da Caverna pela qual Platão nos convida a imaginar que as coisas se passassem, na existência humana, comparavelmente à situação da caverna: ilusoriamente, com os homens acorrentados a falsas crenças, preconceitos, ideias enganosas e, por isso tudo, inertes em suas poucas possibilidades. A partir da leitura do Mito da Caverna, é possível fazer uma reflexão extremamente proveitosa e resgatar valores de extrema importância para a Filosofia. Além disso, ajuda na formulação do senso crítico e é um ótimo exercício de interpretação de texto.

O diálogo de Sócrates e Glauco Trata-se de um diálogo metafórico em que as falas na primeira pessoa são de Sócrates e seus interlocutores, Glauco e Adimanto são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade. Sócrates – Agora, imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os

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apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas. Glauco– Estou vendo. Sócrates– Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio. Glauco- Um quadro estranho e estranhos prisioneiros. Sócrates — Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte? Glauco — Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida? Sócrates — E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo? Glauco — Sem dúvida. Sócrates — Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam? Glauco — É bem possível. Sócrates — E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles? Glauco — Sim, por Zeus! Sócrates — Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados? Glauco — Assim terá de ser. Sócrates — Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

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Glauco - Muito mais verdadeiras. Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram? Glauco - Com toda a certeza. Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras? Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início. Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz. Glauco - Sem dúvida. Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é. Glauco - Concordo. Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna. Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão. Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram? Glauco - Sim, com certeza, Sócrates. Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou

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virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia? Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.: Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol? Glauco - Por certo que sim. Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo? Glauco - Sem nenhuma dúvida. Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Zeus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública. Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la. (Platão. A República. Livro VII)

Interpretação da alegoria O mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de

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superação da ignorância, isto é, a passagem gradativa do senso comum enquanto visão de mundo e explicação da realidade para o conhecimento filosófico, que é racional, sistemático e organizado, que busca as respostas não no acaso, mas na causalidade. Segundo a metáfora de Platão, o processo para a obtenção da consciência, isto é, do conhecimento abrange dois domínios: o domínio das coisas sensíveis (eikasia e pístis) e o domínio das ideias (diánoia e nóesis). Para o filósofo, a realidade está no mundo das ideias - um mundo real e verdadeiro - e a maioria da humanidade vive na condição da ignorância, no mundo das coisas sensíveis - este mundo -, no grau da apreensão de imagens (eikasia), as quais são mutáveis, não são perfeitas como as coisas no mundo das ideias e, por isso, não são objetos suficientemente bons para gerar conhecimento perfeitos. Inclusive, em 2016, neurocientistas chegaram a mesma conclusão de Platão relativo a percepção humana. Exemplos Este tema - realidade ou aparência - foi retomado ao longo da história da cultura ocidental por muitos filósofos e alguns escritores, embora com perspectivas distintas. Um deles foi Calderón de la Barca na obra A vida é um sonho. Exemplos mais modernos podem ser a série Persons Unknown, o livro Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley, 1932), o filme Matrix (Irmãs Wachowski, 1999) e também o livro A Ilha (Aldous Huxley), dirigido no cinema por Michael Bay de 2005. Outro autor que utilizou, parodicamente, essa parábola platônica foi o autor José Saramago, em seu livro A Caverna. O filme O Show de Truman também utiliza a parábola platônica em seu enredo. Referências João Francisco P. Cabral. «Mito da caverna de Platão». R7. Brasil Escola. Consultado em 30 de novembro de 2012 2300 years later, Plato’s theory of consciousness is being backed up by neuroscience

Bibliografia CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Editora Ática, 2003; SPINELLI, Miguel. Questões Fundamentais da Filosofia Grega. São Paulo. Loyola, 2006, p. 278ss. << = = = (2) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

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Certeza / Dúvida Certeza/Dúvida. A certeza é o estado da mente ou o processo mental que não envolve vacilação. Como a dúvida, é uma categoria psicológica e não epistemológica: toda certeza é certeza de alguém sobre alguma coisa. De fato, um sujeito pode estar certo acerca da falsidade e incerto sobre a verdade. A certeza surge em graus. Entretanto, a tentativa de igualar grau de certeza com probabilidade é desencaminhadora, porque variações na certeza não são conhecidas como acontecimentos eventuais: a maioria deles resulta do aprendizado. (1)

(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Ceticismo Ceticismo. Do grego skeptikós, aquele que investiga. 1. As doutrinas dos antigos céticos gregos. 2. A doutrina filosófica em que a verdade de todo o conhecimento deve ser sempre posta em questão e que a investigação deve ser um processo de duvidar. 3. Atitude de dúvida ou cética ou estado de espírito. 4. Dúvida sobre as doutrinas religiosas fundamentais. Concepção segundo a qual o conhecimento do real é impossível à razão humana. Portanto, o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma dúvida constante. Oposto a dogmatismo. Ver relativismo. (1) A família das doutrinas segundo as quais algum ou todo conhecimento é duvidoso ou mesmo falso. Há duas variedades: sistemático e metódico. O ceticismo sistemático, total ou radical, é o duvidar de tudo. O ceticismo metódico ou moderado utiliza a dúvida como um modo de aferir ou propor novas ideias. O ceticismo sistemático, tal como o de Sexto Empírico ou Francisco Sánches, é impossível porque toda ideia é avaliada ou conferida contra outras ideias. O ceticismo metódico devia ser a norma em todas as buscas racionais: a gente dúvida somente quando há alguma razão para duvidar. (2) (Ver paradoxo do cético)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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Cibernética Cibernética. A ciência do controle e da comunicação do modo como se relaciona com os mecanismos, indivíduos e sociedades. Ela deriva do termo grego kybernetes, que significa “timoneiro”. A cibernética inclui os vários tipos de processos que dependem da troca e do fluxo de informações. Um recurso cibernético é um mecanismo ou sistema que processa informações, tais como um computador ou o sistema de telecomunicações. O estudo da cibernética levanta um sem-número de questões éticas das quais a primeira é o desenvolvimento da inteligência artificial e suas implicações para o que ela considera um ser vivo. (1) Cibernética. O estudo de sistemas dotados de dispositivos de controle (feedback negativo, retroalimentação), quer natural ou artificial. A cibernética é do interesse da filosofia pelas seguintes razões. Primeiro, proporciona uma explicação naturalista do comportamento dirigido para uma meta, que era antes visto como prova de forças espirituais. Segundo, a retroalimentação negativa explica a estabilidade (estado estacionário) de certos sistemas ao passo que a posterioalimentação (feedforward) explica o início da instabilidade em outros. Terceiro, uma vez que ela trata unicamente de aspectos estruturais, a cibernética é em substrato neutra: aplica-se a sistemas físicos, organismos, organizações e artefatos. Entretanto, o projeto, a construção ou a manutenção de sistemas cibernéticos particulares requer um conhecimento do modo de comportar-se dos materiais particulares de que os sistemas são constituídos.(2)

(1) GRENZ, Stanley J. e SMITH, Jay T. Dicionário de Ética: Mais de 300 Termos Definidos de Forma Clara e Concisa. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Vida, 2005. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Cientismo Cientismo. A concepção de que a pesquisa científica é o melhor caminho para assegurar conhecimento fatual acurado. É uma componente tanto do positivismo lógico como do realismo científico. O cientismo tem estado atrás de toda tentativa de transformar um capítulo das humanidades em um ramo da ciência: relembrar, isto é, as origens da antropologia contemporânea, a psicologia, a linguística e as ciências sociais. O termo foi usado pejorativamente por F. Hayek e outros a fim de designar as tentativas de arremedar a ciência natural nos estudos sociais. Ele e outros membros do campo “humanístico” (de gabinete) nas ciências sociais veem no cientismo, mais do que uma anticiência ou uma pseudociência, seu principal inimigo. (1)

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(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Cinismo Cinismo. Do latim cynicus, do grego kynikós, como um cão. 1. Escola filosófica de Antístenes (444-365 a.C.), discípulo de Sócrates, assim chamada porque ele ensinava no Cynosarge (mausoléu do cão) e se considerava a si mesmo um cão. Sua doutrina foi retomada por Diógenes, que também se considerava um cão, em função de seu estilo de vida: desprezava todas as convenções sociais e as leis existentes, sua filosofia pregando um retorno à vida simples conforme à natureza. 2. Em seu sentido moral, o cinismo é uma atitude individual que consiste no desprezo, por palavras e atos, das convenções, das conveniências, da opinião pública, da moral admitida, ironizando todos aqueles que a elas se submetem e adotando, em relação a eles, um certo amoralismo mais ou menos agressivo, mais ou menos debochado. (1) O termo passou à posteridade como adjetivação pejorativa de pessoas sem pudor, indiferentes ao sofrimento alheio. Os cínicos afirmavam que o homem dispunha de tudo que necessitava para viver, independente dos bens materiais. A isto chamavam de Autarcia (ou a variante, porém com outra acepção mais difundida, Autarquia) - condição de auto-suficiência do sábio, a quem basta ser virtuoso para ser feliz. O termo grego original é autárkeia - significando auto-suficiência. Além dos cínicos, foi uma proposição também defendida pelos estoicos. Sua filosofia partia do princípio de que a felicidade não depende de nada externo à própria pessoa, ou seja, coisas materiais, reconhecimento alheio e mesmo a preocupação com a saúde, o sofrimento e a morte, nada disso pode trazer a felicidade. Segundo os Cínicos, é justamente a libertação de todas essas coisas que pode trazer a felicidade que, uma vez obtida, nunca mais poderia ser perdida. Os cínicos, assim como Sócrates, nada de escrito deixaram. O que se sabe sobre eles foi narrado por outros, em geral críticos de suas idéias. (2) Cinismo. Doutrina de uma das escolas socráticas, mais precisamente da que foi criada por Antístenes de Atenas (séc. IV a.C.) no Ginásio Cinosargos. É provável que o nome da doutrina derive do nome do Ginásio, ou então, como dizem outros, do seu ideal de vida nos moldes da simplicidade (e do descaramento) da vida canina. A tese fundamental do cinismo é que o único fim do homem é a felicidade e a felicidade consiste na virtude. Fora da virtude não existem bens, de modo que foi característica dos cínicos o desprezo pela comodidade, pelas riquezas, pelos prazeres, bem como o mais radical desprezo pelas convenções humanas e, em geral, por tudo o que afasta o homem da simplicidade natural de que os animais dão exemplo. A palavra "cinismo" permaneceu na linguagem comum para designar um certo descaramento. (3)

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(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinismo = = = >>

(2) Wikipédia / Cinismo: O cinismo (em grego antigo: κυνισμός kynismós, em latim cinicus) foi uma corrente filosófica fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates e como tal praticada pelos cínicos (em grego antigo: Κυνικοί, latim: Cynici). Para os cínicos, o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a natureza. O primeiro filósofo a definir o cinismo foi Antístenes, ex-aluno de Sócrates no final do século V a.C. Ele foi seguido por Diógenes de Sinope que levou o cinismo aos seus extremos lógicos e passou a ser visto como o arquétipo de filósofo cínico, sua autarkeia (auto-suficiência) e a apatheia perante as vicissitudes da vida eram os ideais do cinismo. O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império Romano no século I quase se tornando um movimento de massa, e assim, os cínicos eram encontrados pedindo e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmam que o cristianismo primitivo adotou muitas de suas ideias ascéticas e retóricas. [nota 1] Por volta do século XIX, a ênfase sobre os aspectos negativos da filosofia cínica levou ao entendimento moderno de cinismo a significar uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações humanas[5] e como caraterização de pessoas que desprezam as convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados pela civilização e convenções, os cínicos empreenderam uma cruzada de escárnio anti-social e assim mostrar as frivolidades da vida social. Origem do termo O nome "cínico" (em grego antigo: κυνικός kynikos, igual a um cão, κύων (kyôn)|cão (genitivo: kynos). Uma explicação existente em tempos antigos de porque os cínicos eram chamados de cães era porque o primeiro cínico, Antístenes, ensinava no ginásio Cinosargo, um ginásio e templo para nothoi atenienses. "Nothoi" é um termo que designa aquele que não possui a cidadania ateniense por ter nascido de uma escrava,

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estrangeira, prostituta, de pais cidadãos, mas não legalmente casados, ou ainda, bastardos de mulheres hilotas. A palavra Cynosarges significa ou pode significar ainda "alimento de cão", "cão branco", ou "cão rápido". Parece certo, contudo, que a palavra "cão" também foi lançada aos primeiros cínicos como um insulto por sua rejeição descarada quanto às convenções sociais e sua decisão de viver nas ruas. Diógenes de Sinope, em particular, foi referido como o cão, ao ter afirmado que "os outros cães mordem seus inimigos, eu mordo meus amigos para salvá-los". Mais tarde, os cínicos também buscaram transformar a palavra a seu favor, como um comentarista explicou: Há quatro razões de por que os "cínicos" são assim chamados. Primeiro por causa da indiferença de seu modo de vida, pois fazem um culto à indiferença e, assim como os cães, comem e fazem amor em público, andam descalços e dormem em barris nas encruzilhadas. A segunda razão é que o cão é um animal sem pudor, e os cínicos fazem um culto à falta de pudor, não como sendo falta de modéstia, mas como sendo superior a ela. A terceira razão é que o cão é um bom guarda e eles guardam os princípios de sua filosofia. A quarta razão é que o cão é um animal exigente que pode distinguir entre os seus amigos e inimigos. Portanto, eles reconhecem como amigos aqueles que são adequados à filosofia, e os recebem gentilmente, enquanto os inaptos são afugentados por ele, como os cães fazem, ladrando contra eles.

História Os cínicos gregos e romanos clássicos consideravam a virtude como a única necessidade para a eudaimonia (felicidade) e viam a virtude como inteiramente suficiente para alcançar a felicidade. Os cínicos clássicos seguiram esta filosofia a ponto de negligenciarem tudo que não promovesse a perfeição da virtude e alcance da felicidade, assim, o título cínico, deriva da palavra em grego κύων (significando "cão") porque supostamente negligenciavam a sociedade, a higiene, a família, o dinheiro, etc, de uma forma que lembra os cães. Eles procuraram libertar-se de convenções; tornando-se autossuficientes - possuindo autarquia - e vivendo apenas de acordo com a natureza. Eles rejeitavam todas as noções convencionais de felicidade que envolvessem dinheiro, poder, ou fama a fim de viverem de forma virtuosa e, portanto, feliz. Os cínicos antigos rejeitavam os valores sociais convencionais e criticavam alguns tipos de comportamentos, como a ganância, que era vista como causadora de sofrimento. Uma maior ênfase sobre este aspecto de seus ensinamentos levou, ao final do século

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18 e início do 19, à compreensão moderna de cinismo como "uma atitude de desdém negativo ou cansado, especialmente uma desconfiança geral quanto à integridade ou motivos professos dos outros." Esta definição moderna de cinismo está em contraste marcante com a filosofia antiga, que destacou "a virtude e a liberdade moral na libertação do desejo."

Filosofia O cinismo é uma das filosofias mais marcantes de toda a filosofia helenística. O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma: O objetivo da vida é a eudaimonia (felicidade) e clareza ou lucidez (ἁτυφια) libertação da τύφος (nebulosidade) que significava ignorância, inconsciência, insensatez e presunção. A eudaimonia é alcançada ao se viver de acordo com a Physis (a natureza) como entendida pelo Logos do ser humano. τύφος (a arrogância) é causada por falsos julgamentos de valor, que causam emoções negativas, desejos não naturais e um caráter vicioso. A eudaimonia ou o desenvolvimento humano, dependem de auto-suficiência (αὐτάρκεια), apatheia, arete, filantropia, paresia e indiferença para com as vicissitudes da vida (ἁδιαφορία). Evolui-se através de práticas ascéticas (ἄσκησις) que ajudam o indivíduo a tornar-se livre de influências - tais como riqueza, fama ou poder - que não têm valor na natureza. Exemplos incluem Diógenes de Sínope que vivia em um barril e andava descalço no inverno. Um cínico pratica o descaramento ou a desfaçatez (Αναιδεια) e desfigura o nomos da sociedade; as leis, os costumes e convenções sociais que as pessoas aceitam como o correto. A sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar. Assim, um cínico não tinha bens e rejeitava todos os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou reputação. Viver de acordo com a natureza requer apenas as necessidades básicas para a existência e qualquer um pode tornar-se livre ao libertarse de todas as necessidades resultadas da convenção. Os cínicos adotaram Héracles

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como seu herói e epítome do cínico ideal. De acordo com Luciano de Samósata, Cérbero e o cínico certamente estão relacionados através do cão. O modo de vida cínico exigia formação contínua, não apenas no exercício de julgamentos e das impressões mentais, mas também treinamento físico: [nota 2] Ele costumava afirmar que o treinamento era de dois tipos, mental e corporal: o último dizendo que com o exercício constante, as percepções são formadas, tal como assegura a liberdade para as ações virtuosas; e metade deste treinamento é incompleto sem o outro, boa saúde e força estão entre as coisas essenciais, seja para o corpo ou para a alma. E ele apresentava provas irrefutáveis para mostrar facilmente que com a prática de ginástica chega-se até a virtude. Nos trabalhos manuais e outras artes se pode ver que os artesãos desenvolvem habilidade manual extraordinária através da prática. Mais uma vez, o caso dos tocadores de flauta e dos atletas: que habilidade eles adquirem por sua própria labuta incessante; e, se eles tivessem transferido seus esforços para o treinamento da mente, como em seus trabalhos não teriam sido em vão ou ineficaz. Nada disso significava que o cínico se afastava da sociedade. Os cínicos viviam sob o olhar público e eram completamente indiferentes em face de qualquer insulto que possam resultar de seu comportamento pouco convencional. Os cínicos dizem ter inventado a ideia do cosmopolita: quando lhe foi perguntado de onde veio, Diógenes respondeu que era "um cidadão do mundo", (kosmopolitês).[nota 3] O ideal cínico era evangelizar; como o cão de guarda da humanidade, era seu trabalho perseguir as pessoas sobre o erro de suas maneiras. O exemplo de vida do cínico (e o uso da sátira mordaz cínica) expunha as pretensões que se colocam na raiz das convenções cotidianas. Embora o cinismo concentrou-se exclusivamente em ética, a filosofia cínica, teve um grande impacto no mundo helenístico. Em última análise, tornou-se uma importante influência para o estoicismo. O estoico Apolodoro de Selêucia escrevendo no século II a.C., afirmou que o cinismo é o caminho curto para a virtude. Influências Vários filósofos, como os pitagóricos, defenderam a ideia de vida simples nos séculos anteriores aos cínicos. No início do sexto século a.C., Anacársis, um sábio cito exortou o modo de vida simples dos Citas enquanto fez críticas aos costumes gregos a uma maneira que se tornaria o padrão entre os cínicos. [Nota 4] Talvez de importância foram contos de filósofos da Índia que eram conhecidos por gregos posteriores como os gimnosofistas, que adotaram um asceticismo rigoroso juntamente com um desrespeito às leis e costumes estabelecidos. [Nota 5] Por volta do século 5 a.C., os

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sofistas tinham começado um processo de questionamento sobre muitos aspectos da sociedade grega, como a religião, a lei e a ética. No entanto, a influência mais imediata para a escola cínica foi de Sócrates. Embora não fosse um asceta, ele professou amor pela Virtude, indiferença para com a riqueza, e um desdém pela opinião geral.

O Cinismo foi grande influenciador do estoicismo.

A virtude moral - autarquia

Ao contrário da acepção moderna e vulgar da palavra para o cinismo, o objetivo essencial da vida era a conquista da virtude moral, que somente seria obtida eliminando-se da vontade de todo o supérfluo, tudo aquilo que fosse exterior. Defendiam um retorno à vida da natureza, errante e instintiva, como a dos cães. Afirmavam que dispunha o homem de tudo que necessitava para viver, independente dos bens materiais. A isto chamavam de autarcia (ou a variante, porém com outra acepção mais difundida, autarquia) - condição de auto-suficiência do sábio, a quem basta ser virtuoso para ser feliz. O termo grego original é autárkeia - significando autossuficiência. Além dos cínicos, foi uma proposição também defendida pelos estoicos. Desacreditavam as conquistas da civilização e suas estruturas jurídicas, religiosas e sociais - elas não trariam qualquer benefício ao homem. Sendo autossuficiente, tudo aquilo que naturalmente não é dado ao homem pelo nascimento (como o instinto) não pode servir de base para a conceituação da ética. Este pensamento pode ser encontrado no mito do bom selvagem, de Rousseau. Pensamento Sua filosofia partia do princípio de que a felicidade não depende de nada externo à própria pessoa, ou seja, coisas materiais, reconhecimento alheio e mesmo a preocupação com a saúde, o sofrimento e a morte, nada disso pode trazer a felicidade. Segundo os cínicos, é justamente a libertação de todas essas coisas que pode trazer a felicidade que, uma vez obtida, nunca mais poderia ser perdida. Aliado ao discurso, também o modo de vida do cínico deveria ser conforme as ideias defendidas. Para eles a virtude reside, sobretudo, na conduta moral do homem, naquilo que lhe é intrínseco - e não nas conquistas materiais, na aparência exterior.

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Os cínicos, assim como Sócrates, nada de escrito deixaram. O que se sabe sobre eles foi narrado por outros, em geral, críticos de suas ideias. O mais importante representante dessa corrente foi um discípulo de Antístenes chamado Diógenes. Ele vivia dentro de um barril e possuía apenas sua túnica, um cajado e um embornal de pão. Conta-se que um dia Alexandre Magno parou em frente ao filósofo e ofereceu-lhe, como uma prova do respeito que nutria por ele, a realização de um desejo, qualquer que fosse, caso tivesse algum. Diógenes respondeu: Desejo apenas que te afastes do meu Sol. Essa resposta ilustra bem o pensamento cínico: Diógenes não desejava nada a mais do que tinha e estava feliz assim (apenas, no momento, gostaria que seu sol fosse desbloqueado). O Sol também pode ser entendido como a Sabedoria ou a fonte do Conhecimento. Platão usou a metáfora do sol em seu mito da caverna, significando a presença do Conhecimento e da Verdade que ilumina. Assim, Diógenes, quando pede para Alexandre Magno não se interpor entre ele e o Sol, aponta para o fato de que o filósofo não necessita de nenhum poder situado entre ele e o Conhecimento. Assim como a preocupação com o próprio sofrimento, a saúde, a morte e o sofrimento dos outros também era algo do qual os cínicos desejavam libertar-se. Por isso que a palavra cinismo adquiriu a conotação que tem hoje em dia, de indiferença e insensibilidade ao sentir e ao sofrer dos outros. Notas (...) o cinismo tem sido um elemento importante no cristianismo desde os primeiros dias. Os estoicos aprovaram o ideal cínico de fortalecer o corpo: uma boa pessoa aceita treinar seu corpo, a fim de torná-lo forte. Os cínicos aumentavam sua resistência ao se exercitarem fisicamente e adotando um estilo de vida ascético. Perguntado de onde ele veio, Diógenes de Sínope: Eu sou um cidadão do mundo. Várias cartas de Anacársis elogiam a vida austera dos citos (...) o elogio à vida simples está limitado apenas aos cínicos na antiguidade, De Estrabão apredemos que estes "sofistas da Índia" eram bem parecidos com os cínicos: eles vestiam pouca ou nenhuma roupa, recusavam todas as formas de luxo e colocavam a natureza cima de todas as leis dos homens.

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<< = = = (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Círculo de Viena Círculo de Viena. Associação fundada na década de 20 por um grupo de lógicos e filósofos da ciência, tendo por objetivo fundamental chegar a uma unificação do saber científico pela eliminação dos conceitos vazios de sentido e dos pseudoproblemas da metafísica e pelo emprego do famoso critério da verificabilidade que distingue a ciência (cujas proposições são verificáveis) da metafísica (cujas proposições inverificáveis devem ser supressas). Ao recusar a introdução dos elementos sintéticos a priori no conhecimento, o Círculo, liderado por Rudolf Carnap, visando eliminar definitivamente a metafísica, prega que todos os enunciados científicos devem ser sempre a posteriori, pois não são outra coisa senão simples constatações, ou seja, enunciados protocolares, só tendo significado pelo conjunto lógico, isto é, pelo sistema de transformações analíticas no qual se integram. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Civilização Civilização. civilis, cidadão, civil. Etimologicamente o termo significa ação de civilizar, de transmitir padrões de vida, reputados civis, por oposição a bárbaros, selvagens. O termo passou, em seguida, a significar o conjunto de características das sociedades julgadas mais evoluídas, pela superioridade de seu desenvolvimento científico e tecnológico, e pelo caráter supostamente mais racional de sua organização social, política e econômica. (1) Civilização. Para o pensamento clássico, é fundamentalmente o conjunto de fenômenos religiosos, intelectuais, políticos etc. e dos valores que a ele correspondem, caracterizando as populações que participam da herança grego-romana e do

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cristianismo. A civilização então se opõe, de maneira muito etnocêntrica, ao selvagem ou à barbárie. O pensamento moderno a princípio generalizou o conceito para aplicá-lo a todas as sociedades. Fala-se a partir de então de "civilização amazônica" ou chinesa, assim como de "civilização espanhola"; porém, sob a influência da antropologia anglo-saxônica o termo é substituído neste sentido, na maioria dos casos, por cultura. (2)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Clareza Clareza. Aquilo que tem significado preciso, que é minimamente vago ou difuso. Para uma ideia ser clara basta ser bem definida, tanto explicitamente como por meio de um conjunto de postulados. A clareza é o primeiro requisito do discurso racional e uma condição necessária para o diálogo civilizado e fecundo. Algumas ideias como as da Sagrada Trindade, absoluto, contradição dialética, id e Dasein (estar-aí, existir), são intrinsecamente não claras (obscuras). Outras são de início um tanto não claras, mas gradualmente são elucidadas por meio de exemplificação, análise ou incorporação a uma teoria. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Coerência Coerência. Do latim cohaerere, estar junto, estar unido. Compatibilidade entre elementos de um sistema, constituindo um todo integrado. A teoria da verdade como coerência, ou teoria coerentista da verdade, sustenta que uma crença, proposição ou juízos são verdadeiros enquanto pertencem a um sistema de crenças, proposições, juízos, compatíveis entre si, preservando, portanto, a consistência e integridade do sistema. (1) Qualidade de um raciocínio ou de um texto no qual não se pode descobrir contradição. (2) Ordem, conexão, harmonia de um sistema de conhecimentos. Nesse sentido, Kant atribuía aos conhecimentos a priori a função de dar ordem e coerência às representações

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sensíveis... implica não só a ausência de contradição, mas a presença de conexões positivas que estabeleçam harmonia entre os elementos do sistema. (3)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Cogito Cogito. Do latim cogitare, cogitar, pensar; cogito, penso. 1. Para Descartes, o cogito ergo sum ("penso, logo existo") é o primeiro princípio da filosofia, inaugurando uma revolução que consiste em partir da presença do pensamento e não da presença do mundo. (1)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Coisa Coisa. Tanto no discurso comum quanto no filosófico, esse termo tem dois significados fundamentais: 1.º genérico, designando qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou físico etc., de que, de um modo qualquer, se possa tratar; 2.º específico, denotando os objetos naturais enquanto tais. 1) No primeiro significado, a palavra é um dos termos mais frequentes da linguagem comum e também é amplamente empregada pelos filósofos. Coisa pode ser o termo de um ato de pensamento ou de conhecimento, de imaginação ou de vontade, de construção etc. Pode-se falar de uma coisa que existe na realidade como também de uma coisa que está na imaginação, no coração, nos sentidos etc. Assim, pode-se dizer que, nesta acepção, coisa significa um termo qualquer de um ato humano qualquer ou, mais exatamente, qualquer objeto com que, de qualquer modo, se deva tratar. É o significado contido na palavra grega pragma. 2) No seu significado mais restrito, a coisa é o objeto natural também chamado de "corpo" ou "substância corpórea". O uso do termo nesse segundo significado é até certo ponto recente. (1)

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*. Esquema gráfico (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Compreensão Compreensão. Do latim comprehensio, de comprehendere, entender, perceber. 1. Na lógica clássica, a compreensão de um conceito é o conjunto dos caracteres que permitem sua definição. Ex.: homem, animal racional. A compreensão de um conceito varia na razão inversa de sua extensão. Quanto mais numerosos forem os caracteres da definição, mais reduzida será a classe dos fenômenos. 2. Com a fenomenologia, a compreensão passa a ser definida como um mundo de conhecimento predominantemente interpretativo, por oposição ao modo propriamente científico, que é o da explicação. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Computacionalismo Computacionalismo. A tese que considera a mente uma coleção de programas de computador. De maneira equivalente: a tese segundo a qual todas as operações mentais são computações de conformidade com algoritmos. Esta tese escora o entusiasmo acrítico em favor da inteligência artificial. Justamente por isso ela empobreceu a psicologia e desorientou a filosofia da mente. De fato, levou a negligenciar processos não-algorítmicos, tais como os da colocação de novos problemas e formação de novos conceitos, hipóteses e regras (como os algoritmos). Além disso, reforçou o mito idealista de que o estofo da mente é neutro, de forma que pode ser estudada de um modo isolado tanto da neurociência quanto da psicologia social. Finalmente, ela cortou de maneira artificial os liames entre inteligência e emoção — a despeito do fato bem conhecido de que os órgãos correspondentes estão anatomicamente ligados. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Conceito Conceito. A simples apreensão, que é a primeira operação do espírito, é o ato pelo qual se capta, noeticamente, alguma coisa. E o que mente capta (de capio, ceptum, daí cum ceptum) é o conteúdo do conceito, que é construído na mente e expresso pela mente. (1) Conceito. A definição de conceito como apreensão ou representação intelectual e abstrata da quidade (essência) de um objeto. Pelo seu caráter representativo e abstrato, o conceito opõe-se à percepção ou intuição imediata; enquanto intelectual, distingue-se de toda a representação, meramente sensível. Por outro lado, limitando-se à simples apreensão de uma essência, sem nada afirmar ou negar, constitui a forma mais simples e elementar do pensamento. É frequente a identificação do conceito com ideia, empregando-se indiscriminadamente um termo pelo outro. No entanto, ideia possui originariamente o sentido mais determinado de forma exemplar, por vezes intuitiva, na mente do artista. Outras expressões condenadas sinônimas têm sido utilizadas, como: noção, intenção, verbo mental, espécie expressa, termo mental, mas todas elas se revelam mais ou menos inadequadas por acentuam de preferência um ou outro aspecto do conceito. Relativamente ao termo, o conceito é aquilo que confere sentido a um vocábulo ou conjunto de vocábulos. Chama-se compreensão do conceito ao conjunto de caracteres ou notas representativas nele expressas. Extensão do conceito é o maior ou menor número de objetos ou realidades a que o conceito se pode aplicar. Da comparação entre extensão e compreensão vale o princípio: quanto maior a compreensão, menor é a extensão, e inversamente. Ajuntando, por exemplo, à compreensão animal a nota doméstica, aumenta a compreensão, mas diminui, por isso mesmo, a extensão, pois é menor o número de animais domésticos do que o número de animais simplesmente. (4) *. (30). Esquema Gráfico:

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Conceitualismo. Existem conceitos abstratos, mas apenas na mente. (4) (1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Concepção Concepção. Do latim conceptio. 1. Operação pela qual o sujeito forma, a partir de uma experiência física, moral, psicológica ou social, a representação de um objeto de pensamento ou conceito. O resultado dessa operação também é chamado de concepção, praticamente sinônimo de teoria (ex.: concepção platônica do Estado, concepção liberal da economia etc.). 2. Operação intelectual pela qual o entendimento forma um conceito (ex.: o conceito de triângulo). (1) Concepção. Em sentido genérico, designa um conjunto de conceitos ou ideias abstratas organizadas logicamente num corpo doutrinal (concepção do mundo, do homem ou da vida etc.). Em sentido rigoroso, significa a operação abstrativa, mediante a qual se elaboram os conceitos. Dentro do esquema Aristotélico-Escolástico, a inteligência ativa (intellectus agens) ilumina a imagem sensível do objeto de modo que a inteligência

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passiva (intellectus possibilis) nela aprenda a quidade ou essência e, isolando-a do todo conceito em que se encontra, a eleve a conceito. (2)

Concepcionismo. Doutrina que considera como objeto imediato da percepção, não o mundo sensível em si mesmo, mas a sua concepção ou representação intelectual. (2)

Conceptualismo. É uma das soluções clássicas do problema dos universais. Sob a designação genérica de conceptualismo, entendem-se todas as concepções antigas e modernas que, embora admitindo a existência de conceitos universais, negam ou comprometem o valor objetivo dos mesmos. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia.

Conformismo Conformismo. Adesão, sem verdadeiro exame, a valores ou princípios admitidos pela maioria. É do ponto de vista moral que essa atitude é mais criticável, e já Sócrates indica os seus limites. Operando uma distinção nítida entre o ato feito "por dever" e o ato simplesmente "conforme ao dever", Kant mostrou definitivamente que o indivíduo só tem acesso à existência moral autêntica renunciando à facilidade do conformismo. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

O Conhecimento Em que consiste o conhecimento O ser humano tem necessidade de conhecer. Há uma exigência "física" de conhecimento, derivada do fato de viver: é preciso conhecer a realidade, para se orientar, decidir e agir. Mas existe também no ser humano uma exigência que já não é meramente de sobrevivência, e que podemos qualificar de "exigência de verdade". Segundo Aristóteles, "todos os homens, por natureza, desejam saber". Essa é sua dimensão teórica (teoriaquer dizer "contemplação"), que o leva não apenas a conhecer, mas também a refletir sobre o próprio conhecimento: sua origem, seus limites ou os critérios sobre nossas certezas. A

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parte da filosofia que aborda o problema do conhecimento recebeu ao longo da história diferentes nomes: teoria do conhecimento, gnosiologia, epistemologia etc. A teoria do conhecimento é dividida em duas partes: uma que trata do conhecimento em geral e outra que trata do conhecimento científico em particular. Nosso conhecimento a respeito do mundo tem seu ponto de partida na informação que nos chega por meio dos órgãos sensoriais. Mas o sujeito não se limita a receber passivamente as sensações. A mente humana é ativa: processa, interpreta e coordena, e o resultado dessa atividade é o conhecimento.

Conhecimento racional A primeira forma histórica de explicação da realidade foi o mito. A esta sucedeu a forma racional, que explica as coisas por elas mesmas, procurando as causas e as leis e expressando-as por meio de conceitos. Há um tipo de conhecimento, o comum ou vulgar, cujos conteúdos são superficiais, desconexos, dificilmente generalizáveis, e que não podem explicar por que as coisas acontecem como acontecem. Esse tipo de conhecimento não pode justificar seus conteúdos, mas tem a vantagem de que pode ser o ponto de partida para outras formas de conhecer mais rigorosas - como, por exemplo, a ciência. Conhecer é uma atividade mental por meio da qual o ser humano se apropria do mundo ao seu redor. Essa apropriação consiste numa captação intelectual. O filósofo Xabier Zubiri atribui três funções ao conhecimento: discernir o que é daquilo que não é, distinguir a essência da aparência, o real do ilusório; definir, determinar e especificar o que são as coisas, captando suas diferenças em relação às outras; e entender por que as coisas são como são.

Conhecer, saber, pensar A palavra "conhecer" é usada em dois sentidos diferentes: para se referir ao conhecimento direto ou imediato (experiência direta das coisas ou fatos) e para se referir ao conhecimento indireto ou mediato (conhecimento de juízos e proposições). Para esse último tipo de conhecimento, costuma-se utilizar a palavra "saber", que implica dispor de algumas razões que justifiquem o que se sabe. Por exemplo: dizemos "conheço Paris", se estivemos fisicamente lá, mas podemos dizer "sei que Paris é a capital da França", embora nunca tenhamos estado nela. Há casos em que os dois termos podem ser usados indistintamente: assim, podemos dizer "conheço a fórmula química da água". É preciso distinguir também entre conhecimento e pensamento. "Pensar" é examinar as ideias na mente; é possível, portanto, pensar em algo sem conhecê-lo. No século XVIII, Kant distinguiu entre "pensar" e "conhecer": "conhecemos" quando aplicamos um conceito a uma intuição ocorrida na experiência; "pensamos" quando temos o conceito, mas não a intuição sensível correspondente. Ou seja, o pensamento carece de objeto empírico. Poder distinguir entre "conhecimento" e "pensamento" não implica que esse último não tenha valor. O pensamento tem a função de permitir o avanço do conhecimento, guiá-lo

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e abrir para ele novos campos de investigação. Mas é totalmente imprescindível saber em que casos existe verdadeiro conhecimento (que não é necessariamente conhecimento verdadeiro), para diferenciá-lo do que sejam suas hipóteses ou expectativas. Objeto e sujeito do conhecimento O conhecimento é uma forma de relação entre um sujeito e um objeto: nele, sempre existe um objeto conhecido ou por conhecer, e um sujeito que conhece ou quer conhecer. No conhecimento, o objeto se encontra presente de alguma forma no sujeito, mas não se trata de uma presença direta e sim de uma representação: um determinado conteúdo mental (pode ser percepção, conceito etc.) representa o objeto na mente do sujeito. A representação é, portanto, imaterial, embora o objeto conhecido seja material. Quando nós conhecemos as coisas, nós as possuímos de forma imaterial, não sensível. A representação é sempre a representação que tem um sujeito. É ele que realiza toda a atividade cognoscitiva, mas o representado é o objeto. O conhecimento é intencional: refere-se a um objeto exterior à própria representação e ao sujeito que a tem. O objeto do conhecimento são as próprias coisas, e não sua representação, mas conhecemos coisas tal como as representamos. Na simples formulação dos dois fatores que intervêm em todo conhecimento - objeto e sujeito -, já estão implícitos grandes problemas. Por exemplo: como o material-sensível chega a ser possuído mentalmente de forma imaterial-não sensível? Ou: em que medida as representações que o sujeito tem sobre as coisas se ajustam ao que as coisas realmente são?

Temática Barsa - Filosofia (cópia) a

O Conhecimento

Em que consiste o conhecimento O ser humano tem necessidade de conhecer. Há uma exigência "física" de conhecimento, derivada do fato de viver: é preciso conhecer a realidade, para se orientar, decidir e agir. Mas existe também no ser humano uma exigência que já não é meramente de sobrevivência, e que podemos qualificar de "exigência de verdade". Segundo Aristóteles, "todos os homens, por natureza, desejam saber". Essa é sua dimensão teórica (teoriaquer dizer "contemplação"), que o leva não apenas a conhecer, mas também a refletir sobre o próprio conhecimento: sua origem, seus limites ou os critérios sobre nossas certezas. A parte da filosofia que aborda o problema do conhecimento recebeu ao longo da história diferentes nomes: teoria do conhecimento, gnosiologia, epistemologia etc. A teoria do conhecimento é dividida em duas partes: uma que trata do conhecimento em geral e outra que trata do conhecimento científico em particular. Nosso conhecimento a respeito do mundo tem seu ponto de partida na informação que nos chega por meio dos órgãos sensoriais. Mas o sujeito não se limita a receber passivamente as sensações. A mente humana é ativa: processa, interpreta e coordena, e o resultado dessa atividade é o conhecimento.

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Conhecimento racional A primeira forma histórica de explicação da realidade foi o mito. A esta sucedeu a forma racional, que explica as coisas por elas mesmas, procurando as causas e as leis e expressando-as por meio de conceitos. Há um tipo de conhecimento, o comum ou vulgar, cujos conteúdos são superficiais, desconexos, dificilmente generalizáveis, e que não podem explicar por que as coisas acontecem como acontecem. Esse tipo de conhecimento não pode justificar seus conteúdos, mas tem a vantagem de que pode ser o ponto de partida para outras formas de conhecer mais rigorosas - como, por exemplo, a ciência. Conhecer é uma atividade mental por meio da qual o ser humano se apropria do mundo ao seu redor. Essa apropriação consiste numa captação intelectual. O filósofo Xabier Zubiri atribui três funções ao conhecimento: discernir o que é daquilo que não é, distinguir a essência da aparência, o real do ilusório; definir, determinar e especificar o que são as coisas, captando suas diferenças em relação às outras; e entender por que as coisas são como são.

Conhecer, saber, pensar A palavra "conhecer" é usada em dois sentidos diferentes: para se referir ao conhecimento direto ou imediato (experiência direta das coisas ou fatos) e para se referir ao conhecimento indireto ou mediato (conhecimento de juízos e proposições). Para esse último tipo de conhecimento, costuma-se utilizar a palavra "saber", que implica dispor de algumas razões que justifiquem o que se sabe. Por exemplo: dizemos "conheço Paris", se estivemos fisicamente lá, mas podemos dizer "sei que Paris é a capital da França", embora nunca tenhamos estado nela. Há casos em que os dois termos podem ser usados indistintamente: assim, podemos dizer "conheço a fórmula química da água". É preciso distinguir também entre conhecimento e pensamento. "Pensar" é examinar as ideias na mente; é possível, portanto, pensar em algo sem conhecê-lo. No século XVIII, Kant distinguiu entre "pensar" e "conhecer": "conhecemos" quando aplicamos um conceito a uma intuição ocorrida na experiência; "pensamos" quando temos o conceito, mas não a intuição sensível correspondente. Ou seja, o pensamento carece de objeto empírico. Poder distinguir entre "conhecimento" e "pensamento" não implica que esse último não tenha valor. O pensamento tem a função de permitir o avanço do conhecimento, guiá-lo e abrir para ele novos campos de investigação. Mas é totalmente imprescindível saber em que casos existe verdadeiro conhecimento (que não é necessariamente conhecimento verdadeiro), para diferenciá-lo do que sejam sua hipóteses ou expectativas.

Objeto e sujeito do conhecimento O conhecimento é uma forma de relação entre um sujeito e um objeto: nele, sempre existe um objeto conhecido ou por conhecer, e um sujeito que conhece ou quer conhecer. No conhecimento, o objeto se encontra presente de alguma forma no sujeito, mas não se trata

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de uma presença direta e sim de uma representação: um determinado conteúdo mental (pode ser percepção, conceito etc.) representa o objeto na mente do sujeito. A representação é, portanto, imaterial, embora o objeto conhecido seja material. Quando nós conhecemos as coisas, nós as possuímos de forma imaterial, não sensível. A representação é sempre a representação que tem um sujeito. É ele que realiza toda a atividade cognoscitiva, mas o representado é o objeto. O conhecimento é intencional: refere-se a um objeto exterior à própria representação e ao sujeito que a tem. O objeto do conhecimento são as próprias coisas, e não sua representação, mas conhecemos coisas tal como as representamos. Na simples formulação dos dois fatores que intervêm em todo conhecimento - objeto e sujeito -, já estão implícitos grandes problemas. Por exemplo: como o material-sensível chega a ser possuído mentalmente de forma imaterial-não sensível? Ou: em que medida as representações que o sujeito tem sobre as coisas se ajustam ao que as coisas realmente são? A experiência sensível - aquilo que captamos das coisas por meio dos nossos sentidos é o que está na origem de nossos conhecimentos. Nas palavras de Kant, "não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência". Mas, como o próprio Kant acrescenta a seguir, "ainda que nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso ele procede inteiramente da experiência". Conhecer algo não consiste simplesmente em "vê-lo", captá-lo pelos sentidos. Só conhecemos quando o identificamos como determinado objeto ou como determinado outro (como um "cão" ou um "pôr-do-sol"). Essa identificação é possível graças ao conceito, que é o resultado de outro tipo de operação, já não meramente sensível, mas intelectível. Esse tipo de conhecimento se chama conhecimento empírico ou experiência. O termo "experiência" deriva do latim experientia ("ensaio", "prova") e é o equivalente do grego empeiria. A psicologia atual prefere usar o termo "percepção". &&&&&& Os Processos do Conhecimento A experiência sensível - aquilo que captamos das coisas por meio dos nossos sentidos é o que está na origem de nossos conhecimentos. Nas palavras de Kant, "não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência". Mas, como o próprio Kant acrescenta a seguir, "ainda que nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso ele procede inteiramente da experiência". Conhecer algo não consiste simplesmente em "vê-lo", captá-lo pelos sentidos. Só conhecemos quando o identificamos como determinado objeto ou como determinado outro (como um "cão" ou um "pôr-do-sol"). Essa identificação é possível graças ao conceito, que é o resultado de outro tipo de operação, já não meramente sensível, mas intelectível. Esse tipo de conhecimento se chama conhecimento empírico ou experiência. O termo "experiência" deriva do latim experientia ("ensaio", "prova") e é o equivalente do grego empeiria. A psicologia atual prefere usar o termo "percepção". A sensação

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Por intermédio de nossos órgãos dos sentidos, recebemos informação do mundo que nos rodeia. Os estímulos que nos chegam do exterior incidem sobre os nossos sentidos e provocam determinadas alterações de caráter físico ou químico. Os sentidos transmitem uma corrente nervosa ao cérebro e provocam nela uma reação. O resultado são as sensações, a captação de determinadas qualidades sensíveis ou dados sensoriais. Os objetos físicos ou sensíveis vão sendo "transformados" em qualidades psíquicas, que já não são físicas, pelo próprio sujeito que as recebe. Em virtude desse processo, vemos cores, ouvimos sons, captamos diversos cheiros, sentimos frio ou calor, suavidade ou dureza etc. Cada espécie animal possui alguns órgãos constituídos de tal maneira que podem captar determinadas qualidades sensíveis, enquanto permanecem totalmente insensíveis a outras. A retina do olho só pode captar impressões luminosas cujo comprimento de onda esteja numa determinada faixa, que no caso dos humanos representa 1/70 do total do espectro da luz solar. Assim, não vemos os raios infravermelhos nem podemos ter uma ideia de como representaríamos o mundo físico caso pudéssemos vê-los. Os morcegos são capazes de perceber certos sons que para os ouvidos humanos são inaudíveis. Cada espécie animal percebe um mundo diferente, do qual capta o necessário para sobreviver. O mundo dos humanos é um deles. Tradicionalmente, diferenciam-se cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. De todos, o tato mé o mais complexo, porque por ele recebemos as impressões de peso, de pressão, de frio-calor, de dor etc. Mas o sentido mais considerado, devido a sua possibilidades cognitivas, é a visão: sempre se supôs que ela é o sentido que permite obter uma informação mais completa do objeto. Termos como, por exemplo, "teoria" (contemplação) derivam do privilégio concedido à visão, ou à "ideia" platônica (em grego eidos: o visível aos olhos da alma).

Percepção As sensações constituem o material básico de nossa experiência dos objetos, mas é um fato indubitável que não captamos qualidades isoladas. Quando pegamos uma maçã de uma fruteira, não captamos apenas uma mancha de cores vermelha ou verde, um determinado cheiro, e uma certa textura ou dureza. Captamos um objeto único: uma maçã. É a isso que se chama propriamente de percepção. O que os órgãos sensoriais captam é a sensação, enquanto que a percepção é uma atividade pela qual o sujeito capta totalidades que têm um significado para ele. A percepção não é uma simples soma de sensações. É o resultado de uma complexa operação pela qual recebemos as sensações, selecionamos delas as que nos parecem mais significativas, reunimos-las num conjunto, relacionamo-las com outras percepções armazenadas em nossa memória, identificamo-las como formas perceptuais determinadas e, finalmente, atribuímos-lhes um nome. O resultado desse processo é um determinado conhecimento do mundo - como pode ser, por exemplo, o de que existe uma maçã sobre a mesa. Na percepção não intervêm, portanto, apenas os sentidos (o que já não é verdade nem sequer nas sensações), nem tampouco se explica pela intervenção do sistema nervoso.

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Trata-se de uma operação ativa, na qual o sujeito não se limita a registrar passivamente os dados sensoriais. O sujeito "constrói" o objeto quando seleciona, organiza ou interpreta os dados sensoriais. Isto ocorre em todos os casos, mas é mais evidente quando somos capazes de identificar um objeto percebendo simplesmente um traço pequeno e característico. A percepção é, portanto, uma atividade construtiva. É preciso destacar algumas características da percepção. Por exemplo: — A percepção é uma atividade mediatizada. Não percebemos as coisas diretamente, mas mediatizadas por nosso aparelho sensorial e por nossas experiências anteriores. — A percepção é uma atividade classificatória. Ao perceber uma maçã, nós a percebemos como pertencente à classe das maçãs e a distinguimos de outros objetos que pertencem a outras classes. — A percepção é seletiva. Habitualmente, recebemos múltiplos estímulos, mas nem todos solicitam nossa atenção da mesma forma. A atenção faz com que determinados estímulos se destaquem sobre os demais, que ficam relegados a um segundo plano sem chegar a se constituir em objetos de percepção. A atenção é, portanto, seletiva. O que determina a atenção é, fundamentalmente, o interesse do sujeito. No caso dos animais, trata-se de interesses puramente biológicos; mas no caso do homem trata-se, além disso, de interesses culturais. Os interesses individuais fazem com que o sujeito da percepção repare em determinados detalhes que para outro sujeito podem passar despercebidos. Por exemplo, um amante dos cavalos percebe mais detalhes de um cavalo do que a maioria das pessoas. As diferenças entre culturas distintas trazem às vezes consigo diferenças de interesses que também influenciam na maneira de perceber os objetos. Os esquimós, por exemplo, percebem muitos matizes de branco, o que obedece evidentemente a um interesse de sobrevivência na neve.

A percepção e o conceito A percepção implica a identificação, o reconhecimento de um conjunto de sensações como algo determinado:como uma maçã, como uma árvore etc. "Maçã" e "árvore" são conceitos. Na percepção intervêm, portanto, conceitos, mas isso não significa que sejam a mesma coisa. O conhecimento completo requer tanto a percepção quanto o conceito. A percepção capta objetos singulares: esse cavalo, aquela maçã, com as características particulares que as diferenciam de outros cavalos e outras maçãs. No entanto, quando dizemos de cada um deles que é um cavalo ou uma maçã, estamos expressando algo que vale para todo cavalo e toda maçã. O conteúdo do conceito é, portanto, uma representação universal, aplicável a todos os objetos que possuam determinadas características. Os objetos singulares que percebemos são um caso particular daquilo representado no conceito.

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Compreensão e extensão do conceito Em todo conceito, podem-se distinguir dois aspectos: a compreensão (também chamada de "conotação" ou "intenção"), que é o conjunto de indivíduos aos quais o conceito é aplicável. Por exemplo, a compreensão do conceito "ser humano" seria "animal racional"; a extensão seria o conjunto dos seres humanos. Nem todos os conceitos têm a mesma extensão: existem os mais extensos e os menos extensos. O conceito "animal" é mais extenso do que o conceito "ser humano", já que, além de se aplicar aos homens, aplica-se a outros indivíduos. Entre compreensão e extensão, ocorre uma regra de relação inversa: quanto maior é a extensão, menor é a compreensão. Se aos elementos que constituem o conceito "animal" acrescentamos um traço, o de "ser racional", a compreensão terá aumentado (até chegar ao conceito de ser humano), mas a extensão terá diminuído, uma vez que o novo conceito já não será aplicável a todos os animais, mas somente aos animais racionais. Ao suprimir elementos de um conceito, sua extensão se amplia; ao lhe acrescentar novos elementos, sua extensão se reduz. Quanto mais extenso é um conceito, mais indeterminado; quanto menos extenso, menos indeterminado. De acordo com essa lei, é possível organizar hierarquicamente os conceitos dentro de um gênero. Podemos pensar que, se um conceito tivesse extensão igual a 1, quer dizer, se o conceito só fosse aplicável a um indivíduo, a compreensão seria infinita. Isso quer dizer que, para definir o conceito de um indivíduo, em sua total singularidade, deveríamos dar infinitos elementos sobre ele, quer dizer, a compreensão do conceito deveria incluir todas as características desse indivíduo — o que é de fato impossível. Isso coloca o problema da relação entre o singular (o objeto concreto) e o universal (o conceito): embora o que exista sejam indivíduos totalmente singulares, esses só podem ser conhecidos como particularidades do universal, mas não podem ser conhecidos em sua plena singularidade.

As palavras e os conceitos Os conceitos se expressam na linguagem, nas palavras que compõem o vocabulário de uma língua. As palavras, como já vimos, são signos linguísticos, e representam a união de um significante e um significado. Por meio deste, a palavra remete a um referente. Por outro lado, sabemos que os conceitos têm compreensão e extensão. Pois bem: o significado da palavra corresponde à compreensão, enquanto o referente corresponde à extensão do conceito.

Utilização dos conceitos Os conceitos permitem, em primeiro lugar e fundamentalmente, a compreensão da realidade, e com isso a capacidade de se orientar nela. Os conceitos nos permitem classificar os objetos, enquadrando-os em nossa experiência anterior do mundo. Graças

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aos conceitos, podemos reconhecer os objetos que percebemos como uma coisa determinada - como uma árvore, uma maçã etc. Por outro lado, a natureza inteligível dos conceitos permite um conhecimento mais amplo e mais complexo do que o recebido pelos sentidos. Por isso, é possível fazer ciência, já que os conceitos permitem abordar a realidade com um elevado grau de abstração, e não simplesmente com o caráter concreto com que ela se apresenta na percepção. O conhecimento conceitual da realidade nos permite ter expectativas sobre ela, na medida em que a compreendemos. Dessa maneira, as coisas já não são algo que escapa totalmente a nosso controle: é possível estabelecer estratégias de comportamento. &&&&& Origens e limites do conhecimento Como a questão é conhecer a realidade, parece que só a experiência pode nos permitir chegar até ela. Segundo essa concepção, conhecida como "empirismo", a origem de nosso conhecimento é a experiência. No entanto, esse conceito fundamental tão irrefutável e próximo do senso comum foi muito discutido ao longo da história da filosofia. O "racionalismo", a concepção oposta a esta, considera que a experiência por si só não pode nos proporcionar algo de natureza tão complexa e diferente da simples sensação como é o conhecimento racional. O problema da origem do conhecimento está profundamente ligado ao problema de seus limites, e é também a experiência que articula todas as respostas — não importa se nossos conhecimentos procedem ou não dela. Será possível conhecer para além da experiência?

Empirismo Os empiristas acham que a mente do ser humano, quando ele nasce, é como uma lousa onde não há nada escrito. Tudo aquilo que o ser humano for conhecendo será proporcionado pela experiência. Essa é a formulação básica de toda concepção empirista, e foi assinalada por numerosos filósofos ao longo da história (os sofistas, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino etc.). Porém a formulação mais radical fica por conta do empirismo dos séculos XVII e XVIII: o conhecimento não só procede da experiência, mas está limitada a ela. Não podemos ir além do que a experiência nos mostra, e ficam fora dela realidades como Deus, mas também nosso próprio eu e o princípio de causalidade, sobre o qual se apoia toda a ciência empírica. Nem sequer podemos afirmar com total segurança que existam fora de nossa mente os objetos que produzem nossas sensações; só temos experiência de nossas sensações (a chamada "experiência exterior") ou de nosso próprios atos metais — como, por exemplo, duvidar, pensar, desejar, temer, odiar etc. ("experiência interior"). Os empiristas defendem uma teoria conhecida como nominalismo. Segundo essa teoria— que já tinha sido defendida por filósofos medievais, como Guilherme de Occam — todas as nossas ideias ou conceitos são apenas percepções ou imagens singulares. O único Universal são as palavras, os nomes (nomina, em latim, de onde

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provém "nominalismo"), e representam na mente um conjunto de percepções ou imagens particulares semelhantes. Por razões de economia, a mente acaba dispensando as imagens singulares e por isso utilizam simplesmente a palavra que as designa.

Racionalismo A formulação clássica do racionalismo é a dos filósofos do século XVII — sobretudo Descartes e Leibniz —, embora Parmênides e Platão também possam ser considerados racionalistas. O racionalismo não nega que a experiência proporcione um conhecimento muito útil para a vida prática, mas denuncia a insuficiência e a ineficácia dos sentidos para nos proporcionar um conhecimento autêntico, "científico". Por isso, a única origem possível do conhecimento é a razão, não a experiência. Para o racionalismo, a realidade é percebida confusamente na experiência, e, no entanto, quando a compreendemos intelectualmente, temos então um conhecimento "claro e distinto" segundo as palavras de Descartes. Além disso, os sentidos podem nos enganar, proporcionando-nos um conhecimento meramente ilusório. Por outro lado, as sensações e as percepções só proporcionam um conhecimento particular e contingente: dizem-nos o que de fato ocorre para os casos particulares de que tivemos a experiência, mas não nos dizem que não pode ser de outra maneira, que necessariamente tem de ser assim para todos os casos. O conhecimento autêntico deve ter validade universal e necessária, e isto somente a razão proporciona. A razão é dotada de ideias inatas, alguns princípios evidentes não adquiridos que server de fundamento para o resto dos conhecimentos. O inatismo dos conceitos é a forma de justificar a possibilidade do conhecimento: se os sentidos não nos permitem conhecer, a possibilidade do conhecimento deve estar no próprio sujeito, na medida em que esse possua esses conceitos de forma inata. Todo o conhecimento da realidade consiste num desdobramento dos conteúdos da própria razão, e se isso é possível é porque o racionalismo pressupõe que a estrutura da razão é também a estrutura da própria realidade. O racionalismo não reconhece limites para a razão. Esta pode ir mais além da experiência — embora, certamente, seu poder não seja ilimitado, uma vez que o ser humano é algo finito.

Apriorismo Segundo Kant, filósofo alemão do século XVIII, a quem se deve essa concepção, o conhecimento não pode prescindir da experiência. Ela lhe proporciona a "matéria": as sensações. O conhecimento começa com a experiência, mas nem todo o conhecimento provém dela: a razão, estimulada pelas impressões sensíveis, acrescenta algo, dá a "forma" do conhecimento. O conhecimento é a união de matéria (proporcionada pela experiência) e forma (trazida pela sensibilidade e pelo entendimento, as duas faculdades que intervêm no processo cognoscitivo). A matéria é a posteriori e a forma é a priori. O conhecimento é sempre construção, já que a razão organiza os dados da experiência.

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O apriorismo não é inatismo, uma vez que a razão é a forma organizadora do conteúdo que a experiência lhe proporciona, mas ela por si mesma não proporciona conhecimento. Por outro lado, a ação dos elementos a priori é o que outorga ao conhecimento seu caráter universal necessário, que a experiência por si só é incapaz de proporcionar. Existe, portanto, uma conciliação das teses empiristas e racionalistas. Assim, reconhece um papel fundamental à razão, tal como o racionalismo sustentava; mas esta só tem valor cognoscitivo em relação àquilo que a experiência lhe proporciona. No que diz respeito aos limites do conhecimento, para Kant é evidente que ele não pode ir além da experiência, e com isso todo o conhecimento metafísico fica sem fundamento e sem validade. (1) &&&&& Verdade e certeza O interesse da filosofia não se concentra apenas no processo de conhecimento e no papel que a percepção e o conceito desempenham nele. Um dos temas que mais a preocupam é o de como podemos estar seguros de que conhecemos. Perguntas como "O que é a verdade?", "É possível alcançar um conhecimento verdadeiro?", "Existe a realidade à margem daquilo que conhecemos sobre ela?", "É possível conhecer algo?" tem sido objeto de reflexão, mas não foi possível chegar a nenhuma resposta definitiva. Verdade e certeza são dois conceitos-chave nesse contexto de problemas. A partir da perspectiva do objeto que se pretende conhecer, falamos da verdade (de conhecimento verdadeiro ou falso); a partir da perspectiva do sujeito que conhece, falamos dos diferentes graus de certeza ou segurança que acompanham esse conhecimento.

Aparência e realidade Uma das primeiras perguntas que a filosofia se faz é se as coisas são exatamente como parecem. Perguntar-se sobre isto equivale a se perguntar se o aspecto das coisas corresponde ao que elas efetivamente são. Essa formulação pressupõe a existência de uma dualidade: a aparência das coisas e sua verdadeira realidade. A palavra "aparência" está relacionada etimologicamente com o verbo aparecer, mas também é usada para indicar que algo não é o que parece - nesse casso, a palavra "aparência" está relacionada com o verbo "parecer". Nesse último sentido, pressupõe-se a existência de um engano da aparência, de uma ocultação da realidade por trás da aparência. Frequentemente, os dois sentidos da palavra se superpõem: o aparecer das coisas é percebido como enganoso e procura-se descobrir sua verdadeira realidade. Nossa própria experiência comum - e não exclusivamente a filosófica ou científica - conduz-nos a essa reflexão: o bastão na água "parece" torto, o Sol "parece" bastante pequeno, a água e o gelo "parecem" coisas diferentes etc. Em qualquer dos casos, falar de aparência implica sempre remeter a algo diferente dela mesma - a realidade, aquilo de que é a aparência, algo com o qual mantém uma relação que é preciso elucidar. Uma forma de abordar essa relação é a partir do ponto de vista epistemológico (do grego episteme, "conhecimento": a epistemologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é o conhecimento), e a esse respeito o problema seria sobretudo o do valor cognoscitivo da percepção. A aparência é o aspecto das coisas quando as percebemos. Se supomos que

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mais além da aparência existe a autêntica realidade, esta não poderá ser captada pelos sentidos, mas conhecida apenas pelo entendimento ou pela razão. Justo com a diferença entre aparência e realidade, surge portanto uma distinção entre duas maneiras de conhecer: a sensível e a inteligível. Existe outra maneira de abordar o problema que não é estritamente epistemológico, mas também ontológico (do grego on, ontos, "aquilo que é": a ontologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é o ser, a realidade). Aqui a questão é saber se o que aparece (a aparência) é a própria realidade ou se, pelo contrário, a realidade se oculta por trás dessa aparência - sendo necessário, portanto, outro tipo de conhecimento. Os dois problemas o ontológico e o epistemológico - estão, portanto, estreitamente ligados.

A verdade O problema da relação entre aparência e realidade traz atrelado um outro problema: o da verdade. Distinguimos entre aparência e realidade porque pretendemos conhecer o que as coisas efetivamente são, mais além de sua aparência; pretendemos, por isso mesmo, que nosso conhecimento seja verdadeiro. Existe, portanto, uma verdade ontológica, referente às próprias coisas, e uma verdade epistemológica, referente a nosso conhecimento sobre elas. Os primeiros filósofos conceberam o acesso à verdadeira realidade (verdade ontológica) como um modo de "descobri-la": trata-se de tirar o véu das aparências para deixar que a verdade emerja por si mesma. Isso é justamente o que significa a palavra grega alethéia - verdade -, que provém de uma forma do verbo lanthano, que significa "permanecer oculto", mais a partícula a de negação. "Verdade" quer dizer, portanto, "desocultação", "desvelamento". No sentido ontológico, a verdade é entendida como autenticidade, e seu contrário - inautenticidade - é a aparência. No entanto, o significado mais habitual da palavra "verdade" é o que se refere a nosso conhecimento: já que todo conhecimento se expressa em proposições, falar de "verdade" é falar da verdade das proposições.

A verdade formal e a verdade fáctica Uma proposição é uma ideia ou pensamento que afirma ou nega alguma coisa. Dependendo dos tipos de proposições, podemos distinguir entre dois tipos de verdade: a fáctica e a formal. As verdades formais (Leibniz as chama de "verdades de razão" e Kant de "juízos analíticos a priori") são proposições analíticas: necessariamente verdadeiras (é impossível que sejam falsas) em virtude do significado outorgado a seus termos. É contraditório, e não simplesmente falso negar uma proposição analítica verdadeira. A verdade dessas proposições não depende da experiência. Sua estrutura é "A é A", ou então podem ser deduzidas logicamente de proposições que têm essa estrutura. Um exemplo desse tipo de proposição é: "O triângulo é uma figura que tem três lados". São

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desse tipo as proposições da lógica e das matemáticas, as chamadas ciências formais. E também proposições puramente verbais, como "todo solteiro é um não-casado". As verdades de fato (Leibniz as chama de "verdades de fato" e Kant de "juízos sintéticos a posteriori") são proposições sintéticas: são informativas, mas não necessariamente verdadeiras e sua negação não implica uma contradição, já que a relação entre sujeito e predicado não é necessária. Ou seja, analisando o sujeito não obtemos necessariamente o predicado. Por exemplo: "os planetas giram ao redor do Sol". A verdade dessas proposições depende da experiência, dos fatos - daí o seu nome de fáticas. Uma vez que as verdades formais são necessariamente verdadeiras ou contraditórias, o problema da verdade se coloca em relação às verdades fácticas: como podemos saber se uma proposição é verdadeira?

Teorias sobre a verdade: a verdade como correspondência A teoria clássica sobre a verdade é a teoria da correspondência: uma proposição é verdadeira se corresponde ou se adapta à realidade — quer dizer, quando descreve um estado de coisas que ocorre na realidade. A proposição "A neve é branca" é verdadeira porque corresponde aos fatos; por outro lado, a proposição "A Lua não gira ao redor da Terra" é falsa porque não corresponde aos fatos. A teoria da correspondência parece ser uma exigência do senso comum, mas formula problemas importantes. A proposição expressa um juízo ou conteúdo mental sobre a realidade. Conforme vimos anteriormente, trata-se de uma representação sobre a realidade — não sendo, portanto, a própria realidade. Para saber se o que está em nossa mente "corresponde" ao que está fora dela, deveríamos sair de nós mesmos e comparar nossa representação da coisa com a própria coisa, o que é totalmente impossível. Dadas as dificuldades que essa teoria apresenta, criaram-se outras concepções sobre a verdade. No entanto, na maioria dos casos, essas concepções alternativas não questionam que a verdade consiste na correspondência com a realidade: o que elas questionam de fato é o critério para se decidir quando uma proposição é verdadeira.

A verdade como coerência Essa teoria sustenta que uma proposição é verdadeira se é coerente (ou consistente) com o resto das proposições de que faz parte. "Coerência" significa que a proposição em questão não se contradiz com o conjunto de proposições, quer dizer, que é logicamente compatível com o sistema a que pertence. A verdade é o resultado de uma relação entre proposições, e não de uma relação entre duas coisas de naturezas diferentes: as proposições e a realidade. Essa concepção da verdade pode ser aplicada tanto às proposições fácticas quanto às proposições das ciências formais. Por exemplo: a afirmação "os duendes da floresta cantam pela manhã", que na aparência se refere a fatos observáveis, não é coerente com o resto das proposições científicas — e, portanto, podemos afirmar que é falso. A

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proposição "dois mais dois são quatro", que é a expressão de uma operação matemática, é verdadeira, pois faz parte do cálculo dos números naturais. Um dos problemas que apresenta essa teoria é que ela permite saber se uma proposição é verdadeira — se é coerente com o conjunto —, mas não permite decidir se o conjunto a que pertence é verdadeiro ou não.

A verdade como evidência A palavra "evidência" provém do latim evidentia, ae, que significa clareza, transparência, visibilidade. Evidente, portanto, é aquilo que se vê claramente. Quando alguma coisa nos parece evidente, nós a aceitamos como verdadeira. A evidência exige a presença imediata do objeto, que pode ser uma coisa: "A evidência é a presença para a consciência do objeto em pessoa. Uma evidência é uma presença", nas palavras de Sartre. Mas também pode ser uma ideia — essa é, por exemplo, a concepção de Descartes. Para esse pensador, as ideias evidentes, quer dizer, as ideias que minha razão vê com clareza, as ideias que estão fora de qualquer dúvida, são ideias verdadeiras: a evidência das ideias que provêm dos sentidos não tem o mesmo valor cognoscitivo.

A verdade como utilidade Segundo essa teoria, uma proposição é verdadeira se é útil ou eficaz na prática. Essa teoria não está em desacordo com a verdade como correspondência, mas entende a adequação, não como a adequação entre a cópia ou representação e a realidade, mas como adequação a um objetivo: uma proposição é verdadeira se é útil ou eficaz com vista à obtenção de algum fim. Os defensores dessa teoria são os pragmatistas principalmente William James (1842-1910) e Charles S. Peirce (1839-1914). No fundo dessa concepção, está presente a ideia de que o ser humano é um ser que age e que, portanto, tem fins e objetivos e meios ou métodos para poder atingi-los. Os filósofos pragmatistas não querem afirmar que qualquer proposição que nos seja benéfica é verdadeira — só o será caso se ajuste aos acontecimentos. A utilidade pode apenas decidir sobre a verdade provisória de uma proposição; se, no futuro, encontra-se uma explicação mais satisfatória, a proposição anterior terá deixado de ser útil e, portanto, verdadeiro. Por outro lado, segundo essa teoria da utilidade, só podemos estabelecer a verdade de uma proposição se verificarmos efetivamente os fatos, exigência que não ocorre na teoria da correspondência, em que uma proposição pode ser verdadeira ainda que não a tenhamos comprovado.

A verdade como consenso Esta teoria sustenta que é verdadeira aquela proposição que reflete o consenso, o acordo a que chegaram determinados interlocutores. Essa teoria é fundada sobre a reflexão de que a verdade não pode ser um fato privado do sujeito que chegou a ela, mas que

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precisa ser comunicada e compartilhada por todos — quer dizer, intersubjetiva. No caso dos problemas da ciência, o consenso deve ser atingido pela comunidade científica. Atualmente, a concepção da verdade como consenso é defendida por K. O. Appel e J. Habermas, para quem o acordo a que os interlocutores devem chegar tem de ser produzido em algumas condições ideais de diálogo: que cada um se expresse em igualdade de condições com os outros, e com a mesma liberdade e independência de critério. As objeções que podem ser feitas à teoria da verdade como consenso são as de que, por um lado, existem condições ideais; e, por outro lado, que a verdade acaba sendo uma questão de acordo e, portanto, convencional.

A crença e o saber O resultado da atividade de conhecer pode ser a crença ou o saber. A crença é o assentimento ou aceitação de uma proposição considerada verdadeira. O objeto de uma crença é sempre uma proposição, quer dizer, a crença tem a seguinte fórmula lógica: "Creio que 'p', onde 'p' é uma proposição". O problema é, certamente, em quais casos se justifica a crença em determinada ideia ou proposição. Justificar uma crença é poder estabelecer suas razões, o que a transforma numa crença racional. A crença irracional é, pelo contrário, a crença não fundamentada em razões ou fundamentada em razões não pertinentes, quer dizer, que não vêm ao caso. Ainda assim, o fato de que a crença seja racional não significa que seja verdadeira — daí podermos considerar que, embora o racional seja atribuir razões a nossas crenças, também é racional aceitar que talvez só possamos aspirar a crenças prováveis, até muito prováveis, mas não a crenças infalíveis. A crença só se constitui em saber se estiver justificada e for verdadeira. Assim, podemos dizer que sabemos que os planetas do sistema solar são nove, ou que a soma dos ângulos de um triângulo é 180 graus. Essa modalidade de saber — que as denomina "saber o que" — não admite graus (ou se sabe ou não se sabe) e pode ser aprendida. Existe outra modalidade de saber — "saber como" — que se refere às estratégias e instrumentos necessários para fazer coisas ou atingir um objetivo. Consiste, portanto, em dominar certas habilidades: é um saber prático que se pode aprender e aprimorar e que, além disso, admite graus.

A certeza O saber é uma crença verdadeira a que podemos atribuir razões. Ele vem acompanhado de um sentimento de segurança sobre a verdade daquilo em que cremos. Esse sentimento de segurança é a certeza, que não é uma propriedade das ideias, mas um estado do sujeito; nesse sentido, dizemos que a crença é subjetiva. A certeza é causada normalmente pela evidência: esta outorga tamanha força à ideia que faz com que nosso sentimento de segurança seja praticamente inevitável. Quando

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alguma coisa nos parece evidente, não podemos deixar de concordar: estamos certos e seguros de que hoje o Sol saiu ou de que dois mais dois são quatro. O contrário de certeza é a dúvida. Nesse caso, flutuamos entre duas proposições, sem sabermos por qual decidirmos — seja porque carecemos de razões para dar nosso assentimento, seja porque as razões que apoiam as duas proposições estão equilibradas. Em alguns casos a dúvida é uma atitude deliberada, um ato da vontade com a intenção de ganhar, justamente por meio dela, alguma certeza racional. Esse é o caso de Descartes, que faz da dúvida metódica a via de acesso à ideia da qual não é possível duvidar: que sou uma coisa que pensa (cogito, ergo, sum). (1) &&&&& A estrutura lógica do conhecimento Com a linguagem emitimos juízos, que são os atos da mente pelos quais afirmamos ou negamos algo. Emitimos juízos por meio de um tipo de frase ou oração a que chamamos de "enunciado", ou "proposição". O encadeamento articulado de proposições constitui o discurso. A lógica é a disciplina que estuda a forma do discurso argumentativo: o raciocínio. O raciocínio é a passagem de algumas proposições (premissas) a outras (conclusão) Podemos dizer das proposições que são verdadeiras ou falsas, caso aquilo que afirmem seja ou não uma realidade. A verdade se aplica às proposições e se refere a seu conteúdo. A validade se aplica ao raciocínio e se refere a sua forma, ou estrutura abstrata. Com a ajuda de uma linguagem formal, a lógica pretende captar os mecanismos que fazem com que um raciocínio seja válido.

A lógica enquanto ciência formal A lógica é uma das ciências que estudam os conhecimentos, ainda que de maneira diferente da de outras disciplinas, como a epistemologia ou a psicologia. A lógica se interessa pelo estudo das normas ou regras do pensamento que devem ser seguidos para se efetuar um raciocínio correto, um raciocínio que nos proporcione um conhecimento válido. O campo da lógica é a validade dos raciocínios - sua estrutura formal -, não a verdade das proposições que os formam. A verdade faz referência ao conteúdo dos enunciados, e cabe às ciências empíricas se ocuparem dela. Como sinônimo de raciocinar, usa-se habitualmente a palavra "discorrer", aludindo com isso ao caráter de movimento do raciocínio. O raciocínio é um "discurso", um movimento que avança a partir de um lugar para chegar a outro. Raciocinar é apoiar ou fundamentar uma afirmação - que, chamamos de conclusão - em outras - que chamamos de premissas. Raciocinar é o "discurso" das premissas até a conclusão, como o curso (discurso) de um rio, de suas fontes até o mar.

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Esse avanço, no entanto, deve ser feito de maneira correta, com a garantia de que a conclusão se deriva necessariamente das premissas. Raciocinamos sempre na e por meio da linguagem. A lógica se interessa pelos enunciados emitidos por meio da linguagem, mas apenas no aspecto de que da verdade ou falsidade de uns pode se derivar da verdade ou falsidade de outros, de acordo com sua própria estrutura. A lógica se interessa pela forma dos enunciados, não por seu conteúdo, por isso a lógica é uma ciência formal (assim como as matemáticas): não leva em conta os conteúdos, apenas a forma do raciocínio. A lógica é uma ferramenta fundamental para a ciência, pois lhe permite analisar, explicar e organizar as verdades já conhecidas. A partir da verdade de alguns enunciados científicos, a lógica pode assegurar outras verdades que estão ligadas logicamente às primeiras. Esse caráter instrumental já se manifesta desde os primeiros tratados de lógica, escritos por Aristóteles, que receberam o nome de Organon (instrumento).

A linguagem artificial da lógica As linguagens naturais (as línguas faladas, criadas, recriadas e transmitidas pelos homens ao longo de sua história) não são linguagens exatas. Sua lenta construção ao longo de muitos anos, fruto da relação do homem com o mundo, torna-as muito ricas e cheias de matizes, mas também vagas e cheias de ambiguidades e confusões. Os pontos de vista a partir dos quais uma linguagem natural pode ser estudada são três: o sintático, que analisa as relações das palavras entre si; o semântico, que investiga o significado das palavras; e o pragmático, que se ocupa do uso feito pelos falantes da língua. As ciências optam pelo uso de linguagens especializadas com o objetivo de evitar ao máximo possível os equívocos e mal-entendidos. O rigor científico exige uma linguagem formal clara, precisa, unívoca e objetiva. A lógica, embora pretenda determinar a estrutura do raciocínio expressa nas linguagens naturais, mas com o objetivo de evitar problemas, emprega uma linguagem artificial, desligada de conteúdos concretos, capaz de formular com mais precisão, e em toda a sua nudez, a sintaxe do raciocínio: sua forma. A esse tipo de linguagem dá-se o nome de linguagem formal, construída com símbolos que eliminam qualquer consideração semântica ou pragmática. No entanto, essa linguagem artificial construída com símbolos permitirá depois interpretações semânticas, quando esses signos forem substituídos por expressões linguísticas com significado. Dessa maneira, uma mesma fórmula simbólica pode ser traduzida numa série indefinida de expressões semânticas. Uma linguagem totalmente formalizada, reduzida a símbolos e a sua dimensão sintática, é uma linguagem reduzida a um conjunto de regras que permitem operar com símbolos, da mesma forma que um cálculo aritmético ou algébrico. Chamamos de cálculo aquela estrutura composta dos seguintes elementos:

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a) um conjunto de símbolos elementares, determinado de tal forma que podemos dizer sem ambiguidade se um símbolo pertence ou não a ele. b) um conjunto de regras de formação ou construção que estabeleça com clareza quais são as combinações corretas entre esses símbolos elementares, de tal forma que possamos dizer sem ambiguidade se uma expressão, ou construção de símbolos, é uma "expressão bem construída do cálculo". c) um conjunto de regras de transformação, que permita transformar uma expressão bem construída em outra igualmente bem construída. A lógica formal, simbólica ou matemática adota a estrutura de diferentes cálculos, segundo o tipo de análise que faça das proposições: A lógica de enunciados, ou proposicional é aquela que se ocupa das proposições enquanto tais, e do modo como elas se relacionam entre si, prescindindo de sua estrutura interna. A lógica de predicados é a que se ocupa da validade do raciocínio, levando em conta a estrutura interna das proposições - a relação entre o sujeito e o predicado. A lógica de classes é aquela que se ocupa dos conjuntos de realidades individuais designadas por um predicado (classes), e as relações entre indivíduos e classes.

Princípios lógicos elementares Os princípios lógicos básicos sobre os quais se sustentam todas as operações lógicas são: - Princípio de identidade: se uma proposição é verdadeira, então é verdadeira. Toda proposição se deduz logicamente de si mesma. - Princípio de não-contradição: se uma proposição é verdadeira, não pode ser falsa ao mesmo tempo. - Princípio do terceiro excluído: dada uma proposição, ou ela é verdadeira ou sua negação o é. Não pode haver outra possibilidade. A escritura é essencial para divulgar o saber científico. Assim como os símbolos e as regras são necessários para se calcular, compreender e explicar todos os tipos de fenômenos físicos, químicos e matemáticos, a lógica também se serve de uma linguagem que permite enunciar proposições que expliquem as normas do pensamento para efetuar um raciocínio que nos proporcione o conhecimento. (1) &&&&& O Raciocínio e suas variantes

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O raciocínio dedutivo é o tipo de raciocínio analisado pela lógica formal. Nele, as conclusões derivam necessariamente das premissas. É um raciocínio forte. Existem, no entanto, outros tipos de raciocínios nos quais a verdade não é necessária, mas apenas provável. Esses tipos de raciocínio mais fracos são a generalização indutiva e a analogia. O raciocínio tem também suas armadilhas. Existem ocasiões em que raciocínios que parecem corretos na verdade não são. São as falácias.

Raciocínio dedutivo O tipo de raciocínio capaz de ser analisado pela lógica é o raciocínio dedutivo. O raciocínio dedutivo é aquele em que a conclusão deriva necessariamente das premissas: se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser necessariamente verdadeira. As premissas implicam logicamente conclusão, e a conclusão é uma consequência lógica das premissas. É um raciocínio forte ou sólido, que proporciona a máxima segurança, por ser independente da experiência e inferido exclusivamente pelo raciocínio, desde que haja os dois requisitos seguintes: que as premissas sejam verdadeiras (enquanto de conteúdo real ou conteúdo de verdade) e que esse esquema de raciocínio seja válido (requisito de conteúdo formal ou esquema válido). No raciocínio dedutivo, conclusão já está contida nas premissas, explicitamente, de modo que se poderia dizer que a conclusão não agrega novas informações ou novos conhecimentos. Basta derivar por meio das leis da lógica a informação apresentada pelas premissas para se chegar à conclusão. Embora isto não seja correto, de alguma forma as novas proposições, derivadas das premissas parecem apresentar informação nova, já que a capacidade de enxergar a conclusão só com as premissas não é instantânea: depende, em muitos casos, da própria complexidade do raciocínio. O raciocínio dedutivo, portanto, é uma das formas mais seguras de ampliar os conhecimentos, e é empregado pela matemática e pela lógica. A validade de um raciocínio dedutivo é independente da verdade ou falsidade das proposições que o integram. A verdade ou falsidade é uma propriedade das proposições, enquanto que a validade depende da relação lógica entre as premissas e a conclusão. Num raciocínio válido, se as premissas são verdadeiras a conclusão também é; mas, se as premissas são falsas, a verdade da conclusão é indeterminada (pode ser verdadeira em alguns casos e não em outros). A correção ou incorreção de um raciocínio dedutivo depende, portanto, da forma. Demonstrar a validade é tornar explícitos todos e cada um dos passos que permitem deduzir de forma correta ou legítima (com o uso das leis ou regras de inferência da lógica) a conclusão a partir das premissas. Num raciocínio não válido, a conclusão é indiferente à verdade das premissas.

Raciocínio indutivo

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O raciocínio indutivo é aquele por meio do qual, a partir do exame de um número elevado de casos particulares (premissas), generalizam-se todos os indivíduos do conjunto (conclusão). A conclusão, no raciocínio indutivo, é apenas provável - não se depreende necessariamente das premissas. Não oferece segurança absoluta, já que a verdade das premissas não assegura a verdade da conclusão: sempre poderia aparecer um indivíduo (um novo caso) que não cumprisse a promessa ou propriedade. No entanto, a generalização é aceita, já que o costume nos faz pensar que a natureza e as coisas têm comportamentos regulares - que aquilo que aconteceu muita outras vezes voltará a se repetir se as circunstâncias forem semelhantes - ou que, definitivamente, existe um princípio de regularidade da natureza: o Sol sai a cada dia; se deixo um objeto solto, ele cai no chão etc. O raciocínio indutivo permite aumentar o conhecimento, mas sempre sob a condição de que se admita a sua fragilidade. A conclusão não está implícita nas premissas, apoia-se nelas, mas elas não a contêm. Produz-se o chamado salto indutivo: a partir de casos conhecidos, generaliza-se todo o conjunto. Aplica-se a todo o conjunto a verdade observada apenas numa parte dele. Quanto maior o número de observações, maior é a probabilidade de que a conclusão seja verdadeira, mas sem a total segurança. Quanto maior a perspicácia analítica de quem elabora o raciocínio, será possível concluir aquilo que tem a maior probabilidade de ocorrer. Esse tipo de raciocínio não é empregado pelas ciências experimentais. A validade de um raciocínio indutivo não depende da forma como as premissas e a conclusão se relacionam. Um raciocínio indutivo é válido se, e somente se, as premissas apoiam suficientemente a conclusão, se a verdade das premissas torna provável (mais provável do que menos) a verdade da conclusão. Num raciocínio indutivo válido, podemos conhecer a verdade das premissas e nos equivocarmos na conclusão. A conclusão nunca será necessariamente verdadeira, ainda que as premissas o sejam (raciocínio dedutivo). Podemos afirmar as premissas e negar a conclusão sem entrar em contradição. Diferentemente do raciocínio dedutivo, não há incoerência se as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa. A indução pode ser completa ou incompleta. Ela é completa quando se pode enunciar a propriedade de cada um dos elementos que formam o conjunto, podendo-se ter a enumeração completa. Serve apenas para conjuntos fechados e não é útil para conjuntos mais abertos. O problema se coloca, quando no âmbito da realidade fica difícil de enumerar - se não impossível - todos os casos particulares. A indução completa é a usada habitualmente nas ciências.

Raciocínio analógico A base do raciocínio analógico consiste em relacionar duas ou mais coisas nas quais estabelecemos algum traço em comum e, em função da semelhança (analogia ou similitude) entre essas características ou situações conhecidas, concluir que outra característica que uma tenha a outra também terá.

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O raciocínio analógico não tem o caráter necessário do raciocínio dedutivo, nem o caráter provável do indutivo: seus resultados são apenas aproximados. A validade se baseia na plausibilidade das razões que se oferecem para estabelecer tal analogia: quanto mais características os âmbitos comparados tenham em comum, quanto menos diferenças, quanto mais relevantes sejam as semelhanças, mais credibilidade o raciocínio analógico inspirará. A confiabilidade desse tipo de raciocínio é relativa e pode induzir a erros, mas é útil para sugerir relações e encontrar soluções para diversos problemas, apesar de não proporcionar uma credibilidade absoluta. Implica um elemento criador: é uma construção que, de um lado joga com os limites dos elementos a serem relacionados, mas por outro joga com a liberdade imaginativa de quem o produz. É usado nas ciências empíricas, como a medicina, por exemplo - quando se espera que um medicamento se comporte da mesma forma num ser humano depois de ter sido experimentado em animais de laboratório.

Os raciocínios enganosos A palavra falácia provém do verbo latino fallor, que significa "enganar-se". Uma falácia é um raciocínio que aparenta ser válido, mas não o é, já que esconde algum erro, seja por sua forma ou estrutura lógica (falácias formais), seja porque a informação que as premissas proporcionam não é pertinente (confusa, escassa, errônea ou ambígua) para a formação da conclusão (falácias não formais ou materiais). O estudo das falacias é antigo, e por isso muitas delas são conhecidas por seu nome latino. Entre as mais habituais, destacam: Falácias formais - Afirmação do consequente - Negação do antecedente - Falso silogismo disjuntivo Falácias não formais - Ad hominem (contra o homem) - Ad verecundiam (ao respeito ou apelação à autoridade) - Ad populum (às pessoas) - ex populo (das pessoas) - Tu quoque (você também) - Generalização precipitada (1)

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&&&&& Conhecimento científico Fazer ciência não é a mesma coisa que dizer o que a ciência faz. Essa última tarefa pertence à filosofia. A filosofia da ciência pretende refletir sobre a forma de conhecimento considerada científica e sobre seus conteúdos, os diferentes problemas que ela enfrenta de acordo com o âmbito de cada ciência e suas metalologias específicas. A ciência (do latim scientia, "saber") seria a forma de conhecimento que aspira a formular, por meio de linguagens rigorosas e apropriadas, as leis que regem os fenômenos. Mas não existe uma única ciência, e sim um conjunto de saberes considerados científicos, conforme a parcela ou âmbito dos fenômenos que seja objeto de seu estudo. O objeto condiciona, por sua vez, o método próprio de cada uma das ciências. A reflexão sobre o método científico coloca o problema da demarcação entre o conhecimento científico e o pseudocientífico. Por sua vez, a reivindicação do estatuto científico das ciências sociais (com suas metodologias diferentes do método experimental das ciências da natureza, considerado como paradigma metodológico) coloca o problema da compreensão dos fenômenos diante da explicação.

O saber científico Alguns traços especificamente humanos são a ciência do saber e a vontade de dominação sobre a natureza: compreendê-la para transformá-la segundo seu interesse, embora a transformação corresponda a outro campo da atividade humana: o da técnica. A ciência procura o conhecimento: é teoria. A técnica é a aplicação prática desse conhecimento. Não existe unanimidade na definição do que seja a ciência - há até quem defenda que não é possível estabelecer essa definição (Chalmers). O que existe, sim, é uma série de disciplinas cujos saberes consideramos científicos, e uma série de atividades de algumas pessoas (os cientistas) que enunciam "teorias" que pretendem explicar o mundo da experiência. Com a palavra "ciência", designamos tanto a atividade cognoscitiva voltada para a aquisição de saberes quanto o produto dessa atividade, como corpo sistemático e organizado de conhecimentos. Para que possa haver conhecimento científico (descoberta e formulação de leis naturais), deve-se pressupor o princípio de regularidade da natureza dos fenômenos naturais, e no fato de que tais fenômenos estejam relacionados entre si de maneira determinada e estável.

A classificação das ciências A classificação das ciências comumente aceita é a que estabelece como critérios sua ligação com os fatos. De acordo com esse critério, as ciências se dividem em dois

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grandes grupos, claramente diferenciados: ciências não empíricas, ou formais, e ciências empíricas, também chamadas de ciências fácticas. As ciências formais são aquelas cujas proposições não afirmam nem negam nada sobre os fatos que ocorrem no mundo - apenas "contêm fórmulas analíticas" (M. Bunge). Seu objeto de conhecimento são entes ideais, com existência exclusiva na mente humana: são formas suscetíveis de receber múltiplos conteúdos. O método das ciências formais é a demonstração ou a prova: todo o seu conhecimento fica delimitado pelo conjunto do sistema que formam, sendo sistemas autônomos, fechados sobre si mesmo, cujas proposições são verdadeiras caso sejam deduzidas corretamente de outras proposições já aceitas pelo sistema. A demonstração é uma operação exclusivamente racional, totalmente alheia à confrontação com a experiência. Existem apenas duas ciências formais: as matemáticas e a lógica. As ciências empíricas, ou fácticas, são aquelas cujas proposições afirmam ou negam algo sobre os fatos que ocorrem no mundo. A verdade de suas proposições depende da confrontação com a realidade, por meio da experiência. As ciências experimentais corroboram ou verificam: a partir de dados da observação ou da experiência, procuram estabelecer leis e teorias que permitam predizer o futuro. Pretendem "explorar, descrever, aplicar e predizer os acontecimentos que ocorrem no mundo em que vivemos" (C. Hempel), o que determina seu campo de ação. As ciências empíricas, por sua vez, são divididas, tradicionalmente, em ciências naturais e ciências sociais. As ciências naturais são as que encontram seu objeto de estudo no âmbito natural. São ciências naturais: a física, a química, a biologia e a geologia. As ciências sociais ou humanas são as que concentram seu objeto de estudo no âmbito social ou nos resultados das ações humanas. São ciências sociais ou humanas a sociologia, a política, a antropologia, a economia e a história. O critério dessa divisão é menos claro, e há autores que introduzem uma zona limítrofe para algumas das ciências chamando-as de ciências socionaturais. Entre elas estariam situadas a psicologia e a geografia.

Características das ciências fácticas A forma de conhecimento própria da ciência aprofunda e amplia o conhecimento ordinário que temos das coisas. Os cientistas vão mais além do que a simples experiência (entendida aqui como o conhecimento que nos chega através dos sentidos) nos mostra: relacionam os fatos mais relevantes e os observam por meio de um instrumental adequado (por exemplo, o microscópio). O conhecimento científico vai além da experiência sobretudo em outro sentido: não se limita a descrever a experiência, mas pretende uma explicação dos fenômenos observados, mediante a formulação de hipóteses, leis e sistemas de leis (teorias), que são produtos da razão, e não mero reflexo da experiência. A atividade científica consiste em boa parte na invenção de conceitos (como os de átomo, massa, energia, adaptação, seleção, classe social etc.), e esses não

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correspondem a algo diretamente observável, ainda que possamos inferi-los a partir de fatos experimentais. O conhecimento científico é claro e preciso, frente ao conhecimento comum, que é vago, impreciso e superficial. A precisão é alcançada por meio da definição dos conceitos que utiliza e por meio da criação de linguagens artificiais, quer dizer, linguagens específicas de cada ciência nas quais se fixa exatamente tanto o significado dos símbolos que as constituem quanto as regras de combinação desses símbolos. A matematização dos fenômenos também contribui notavelmente para a precisão e a exatidão buscadas. O conhecimento científico é verificável, o que quer dizer que todo o conhecimento que se pretenda científico deve ser submetido à experiência. Esse é um dos requisitos fundamentais da ciência. As técnicas de verificação são muito diversificadas, mas sempre consistem em pôr à prova consequências particulares de hipóteses gerais, uma vez que as hipóteses gerais não podem ser verificadas diretamente. A verificação acontece mediante experiências. As experiências são experimentações controladas e baseadas numa teoria. Esta é justamente a diferença entre a experimentação e a experiência comum. A experiência comum não obedece a nenhum plano teórico e, portanto, não sabe o que olhar, nem o que buscar: falta-lhe um projeto que a oriente e lhe dê sentido. O conhecimento científico é sistemático. A ciência é um sistema de ideias (teoria) ligadas logicamente entre si. O fundamento de uma determinada teoria não é um conjunto de fatos, e sim, mais exatamente, um conjunto de hipóteses com certo grau de generalidade. Dessas hipóteses se extraem as conclusões, que recebem o nome de teoremas. O conhecimento científico pretende a enunciação de leis gerais. A ciência só pode ser conhecimento geral: o fato singular só é cognoscível na medida em que é membro de uma classe ou caso de uma lei, o que pressupõe que todo fato é classificável. As leis gerais nos proporcionam uma explicação dos fatos. a explicação não é simplesmente uma descrição dos fatos, já que nos diz não só como elas ocorrem, mas sobretudo por que ocorrem. As leis científicas permitem, além de explicar os fatos, predizê-los. A ciência é predicativa. Na medida em que são gerais, as leis não só se aplicam a fatos passados, mas descrevem futuros estados de coisas a partir de condições iniciais que se conhecem. A ciência é metódica. O método é necessário para garantir a certeza e evitar que se admita como verdadeiro algo que corresponda unicamente à apreciação subjetiva do cientista. O método permite distinguir com clareza a verdade da mera opinião. Finalmente, um dos traços mais notáveis do conhecimento científico é que ele é aberto. De um lado, por que não reconhece barreiras a priori que limitem o conhecimento; de outro, porque não é um sistema dogmático. A atitude verdadeiramente científica sabe que toda teoria é refutável, e que, portanto, a ciência é capaz de progredir, não quanto ao domínio técnico da natureza, mas no que se refere à superação das teorias científicas por outras que expliquem os fatos de uma forma mais completa.

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Métodos científicos No contexto da descoberta, as estratégias dos cientistas são múltiplas e variadas — desde o caso em que os dados empíricos são tão claros que facilmente permitem elaborar uma hipótese, até o caso das hipóteses sobre a estrutura do átomo de Bohr, sugerida por uma analogia com o sistema planetário). Na descoberta científica, influem fatores como a intuição, a sagacidade do cientista e até a sorte ou casualidade. No contexto da justificação, o método estabelece como será provada, validada ou justificada uma teoria. Aqui, a questão acaba sendo muito mais complicada, porque o cientista, além de provar a verdade da hipótese, deve justificar a validade de seu método perante a comunidade científica. A questão é importante porque nem todos os métodos permitem validar todas as hipóteses e, portanto, deve-se justificar o método escolhido. Mário Bunge enuncia aquilo que talvez seja "a única regra de ouro para os cientistas: audácia ao conjecturar, prudência ao submeter as conjecturas e confrontações".

O método dedutivo O método dedutivo é o método utilizado pelas ciências formais. Consiste em mostrar a verdade de uma proposição (a conclusão) a partir do conhecimento de outras proposições (premissas), em virtude de sua forma lógica. Uma dedução só é válida quando as premissas forem verdadeiras e a conclusão também o for necessariamente. O método dedutivo exige a construção de um sistema axiomático, quer dizer, um sistema formado por: axiomas, ou princípios fundamentais do sistema que não são demonstráveis dentro dele; regras de formação e transformação, que permitem deduzir novos enunciados válidos dentro do sistema; e teoremas, ou enunciados obtidos dedutivamente a partir dos axiomas, seguindo-se as regras de transformação. Um sistema axiomático bem construído precisa: ser consistente, sem contradições internas, de modo que seja impossível a dedução de um teorema e de sua negação; ser solucionável, incluindo um procedimento efetivo por meio do qual se possa estabelecer se uma expressão bem formada é um teorema; ser completo, isto é, permitir que todas as possíveis proposições verdadeiras sejam deduzidas a partir dos axiomas. E, finalmente, todos os seus axiomas devem ser independentes, isto é, não podem ser deduzidos de outros axiomas.

O método indutivo O método indutivo consiste em extrair leis ou conclusões universalmente válidas a partir da observação de casos particulares, tirados da experiência. Por conta disso, é um método usado pelas ciências experimentais.

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As etapas ou fases do método indutivo são: - Observação e registro dos fatos significativos. - Comparação e classificação. Generalização. Formação de leis. - Dedução de consequências das leis. Predição. O método indutivo traz numerosos problemas. Em primeiro lugar, seu valor científico é discutível, já que as verdades que propõe são prováveis, baseadas num raciocínio frágil, ainda que tanto mais prováveis quanto maior o número de casos particulares que a avalizem. Existe um problema ainda maior em relação à validade do método indutivo — problema que já foi colocado no século XVIII pelo empirista David Hume. Toda generalização pretende ser válida não apenas para fatos já passados, mas também para fatos futuros, e por isso a generalização só é possível se pressupomos a regularidade da natureza. O método indutivo se fundamenta, portanto, no princípio de regularidade da natureza, mas a própria fundamentação desse princípio é impossível, dado que a regularidade da natureza só pode ser afirmada pelo princípio da indução, quer dizer, por meio de uma generalização a partir de fatos já passados. O argumento que pretende justificar é um argumento circular, isto é, dá por demonstrado exatamente aquilo que o argumento deveria provar. A regularidade dos fenômenos naturais só pode ser postulado, quer dizer, estabelecido como crença, e tem valor pelo fato de ser útil, já que permite avançar na formulação de hipóteses. Por último, a observação e o registro dos fatos significativos são feitos sempre a partir de uma teoria prévia, que não foi obtida por indução. Ou seja, os fatos só são significativos na medida em que temos um padrão de referência a partir do qual eles cobram significação. O método hipotético-dedutivo O método hipotético-dedutivo, ou método geral da ciência, segundo M. Bunge, é o modelo metodológico seguido pelas ciências experimentais em geral, mas sobretudo pelas ciências da natureza. Para Galileu Galilei (1564-1642), que o chamou de método de resolução e composição, a física devia partir da observação resolvendo a natureza de suas propriedades essenciais e primárias, expressas matematicamente, para compor uma hipótese (literalmente, "suposição"), unindo as propriedades essenciais escolhidas e expressas em linguagem matemática. Basicamente, consiste na dedução — a partir de uma hipótese prévia — de uma série de consequências confrontáveis por meio de uma experiência promovida para confirmá-la. São muitas as diferentes enumerações que já foram feitas das fases ou etapas desse método. Enumeremos aqui as que M. Bunge chama de "pauta de investigação científica":

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a) Colocação do problema: reconhecimento, classificação e seleção de fatos relevantes; descoberta do problema (lacuna ou incoerência no corpo do saber já existente); formulação do problema (redução do problema a seu núcleo significativo. b) Construção do modelo teórico: seleção dos fatores pertinentes; invenção das hipóteses (enunciados de lei que se espera possam se adequar aos fatos observados); tradução matemática, na medida do possível. c) Dedução das consequências particulares: já verificadas no mesmo campo ou em campos próximos; e/ou elaboração de previsões empíricas que possam ser verificadas. d) Prova das hipóteses: esboço e execução da prova; elaboração e interpretação dos dados da experimentação, à luz do modelo teórico. e) Introdução das conclusões na teoria: comparação das conclusões com as previsões para confirmar o modelo (confrontação). As conclusões da ciência sempre são consideradas provisórias. Esse método não tem a segurança do método dedutivo, mas é progressivo, já que se autocorrige: os resultados são as fontes de novas perguntas. O maior problema do método hipotético-dedutivo se enraíza na confrontação das hipóteses. Sendo as hipóteses enunciados universais, nunca podem ser confrontadas com todos os casos possíveis . A comprovação é feita pela dedução do hipótese de fatos que possam ser observados por meio da experimentação — o que permite confirmar a hipótese.

A falseabilidade As deficiências do critério de verificação para confirmar uma hipótese (nunca é possível uma verificação concludente, já que não se pode realizar uma verificação completa de todos os casos possíveis) levaram Karl Popper (1902-1994) a propor em A lógica da investigação científica (1934) uma reformulação do método hipotético-dedutivo. Tratase, não de buscar fatos que confirmem as consequências da hipótese, mas de buscar fatos que as refutem, ou falseiam. O cientista deve fazer todo o possível para refutá-las, arriscando-se a fazer previsões a partir de suas hipóteses, sob o risco de elas acabarem por se mostrar falsas. O método proposto por Popper é o conhecido como falseabilidade. A falseabilidade se baseia na impossibilidade de uma inferência lógica que permite passar de enunciados particulares a enunciados universais — porque a confrontação por confirmação nunca corrobora suficientemente em enunciado universal, ao passo que um único enunciado particular pode contradizer um enunciado geral e obrigar a abandonálo, já que esse enunciado particular se baseia numa inferência lógica correta ou válida (modus tollens). Tal como no método hipotético-dedutivo, para a falseabilidade toda a hipótese é considerada válida provisoriamente, enquanto não aparecer um caso que a refute ou

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contradiga. Uma hipótese — e em consequência uma lei — nunca poderá ser considerada definitivamente verdadeira. A questão sobre a diferenciação entre os enunciados científicos e os não científicos — resolvida pelos positivistas com o critério de verificabilidade e pela falseabilidade com o critério de falsificação — é o conhecido como o problema da demarcação.

Os métodos das ciências humanas e sociais As ciências humanas e sociais têm características próprias que fazem com que seu modelo metodológico não seja o das ciências naturais. — A complexidade do ser humano como objeto de investigação, tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista social; a dificuldade de captar o comportamento humano devido à sua grande variedade, às motivações individuais e às circunstâncias em que são produzidas; a variável "liberdade" que impede que se fale de acontecimentos constantes — tudo isso dificulta enormemente a formulação de leis gerais e enfraquece a capacidade de fazer previsões. — A dificuldade de se utilizar métodos experimentais, razão pela qual se dever buscar a confrontação das hipóteses por outras vias, como observação, a estatística ou a análise de documentos — O fato de que o próprio pesquisador é um ser humano: isto coloca o problema da relação entre objeto de investigação e o sujeito que a realiza — o sujeito faz parte do objeto de estudo. — Não existe neutralidade valorativa: o pesquisador não se comporta com imparcialidade, já que inconscientemente existe uma carga afetiva e algumas ideias prévias (preconceitos, valores, tradições etc.) que não estão presentes quando o objeto de estudo não é humano. A tradição empirista ou positivista, que persegue a unidade da ciência, exige que se aplique o método das ciências naturais às ciências sociais: eles devem explicar os fenômenos. O desenvolvimento cada vez mais sofisticado dos métodos quantitativos (estatísticos) é seu instrumento de análise da realidade social, sem que por conta disso tenham alcançado a capacidade preditiva das ciências naturais. A tradição hermenêutica fala de compreensão científica, além de explicação. A explicação de um fenômeno é a elucidação de suas causas. A compreensão é a capacidade de captar o sentido do acontecimento, sua singularidade, sua complexidade e seu contexto: os fenômenos devem ser compreendidos, além de explicados e por isso deve-se adotar uma metodologia própria. As técnicas qualitativas (entrevistas, grupos, histórias de vida etc.) não buscam a generalização, mas a compreensão de casos concretos baseando-se num conhecimento prévio da realidade, que se pretende compreender. O círculo hermenêutico se baseia em duas reflexões específicas: que toda a compreensão do ser humano é feita a partir de uma pré-compreensão, do ponto de

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vista da cultura atual; e que, quando se compreende, atribui-se sentido àqueles dados que estão sendo analisados. Para a teoria crítica (a escola de Frankfurt), além disso, as ciências sociais não devem apenas compreender os fenômenos sociais, mas criticá-los: não existem teorias neutras, pois todas estão guiadas por algum interesse. As ciências sociais devem se orientar pelo interesse emancipatório, buscando com critério a partir do qual efetuarão a crítica de nossa sociedade naquilo em que ela é contrária a tal interesse.

Teoria e realidade Um dos problemas epistemológicos mais interessantes é o da relação entre as teorias científicas e o modo ao qual se pretende aplicá-las. As teorias científicas são construções humanas, produto da razão humana; ao longo da história, estão sujeitas a mudanças e, em muitas ocasiões, são até abandonadas em favor de outras teorias mais potentes do ponto de vista da explicação que proporcionam. Essa evidência levanta uma questão: qual a relação entre teoria e realidade. Uma postura possível é a do realismo, que defende que as teorias científicas são representações reais de como é a natureza. A concepção alternativa, o instrumentalismo, considera as teorias científicas exclusivamente como instrumentos úteis para a compreensão da realidade, mas sem a pretensão de serem expressão da própria realidade. (1) &&&&&& Análise Lógica Para determinar quais são os raciocínios corretos ou válidos, a lógica utiliza uma linguagem artificial, formalizada, alheia às ambiguidades das linguagens naturais. Essa linguagem formal, sem conteúdo semântico, poderá ser interpretada mais tarde pelas proposições da linguagem natural. A lógica, entretanto, efetua a análise das proposições da linguagem natural de diferentes maneiras, levando ou não em conta sua estrutura interna. Por isso, deve-se entender a lógica como um conjunto de cálculos (ou linguagens formalizadas), cada um deles apropriado para aplicação no âmbito específico dos problemas formulados. Os mais elementares, mas que constituem a base da resolução de problemas lógicos de maior envergadura, são os da lógica de enunciados, ou proposicional, e a lógica de classes. Lógica proposiocional Simbologia da lógica proposicional Regras de formação Verdade e falsidade

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Raciocínio e regras de inferência Lógica de predicados Lógica de classes Simbologia da lógica de classes Diagramas de Venn Leis da lógica de classes (1)

Conhecimento Científico Fazer ciência não é a mesma coisa que dizer o que a ciência faz. Essa última tarefa pertence à filosofia. A filosofia da ciência pretende refletir sobre a forma de conhecimento considerada científica e sobre seus conteúdos, os diferentes problemas que ela enfrenta de acordo com o âmbito de cada ciência e suas metalologias específicas. A ciência (do latim scientia, "saber") seria a forma de conhecimento que aspira a formular, por meio de linguagens rigorosas e apropriadas, as leis que regem os fenômenos. Mas não existe uma única ciência, e sim um conjunto de saberes considerados científicos, conforme a parcela ou âmbito dos fenômenos que seja objeto de seu estudo. O objeto condiciona, por sua vez, o método próprio de cada uma das ciências. A reflexão sobre o método científico coloca o problema da demarcação entre o conhecimento científico e o pseudocientífico. Por sua vez, a reivindicação do estatuto científico das ciências sociais (com suas metodologias diferentes do método experimental das ciências da natureza, considerado como paradigma metodológico) coloca o problema da compreensão dos fenômenos diante da explicação.

O saber científico Alguns traços especificamente humanos são a ciência do saber e a vontade de dominação sobre a natureza: compreendê-la para transformá-la segundo seu interesse, embora a transformação corresponda a outro campo da atividade humana: o da técnica. A ciência procura o conhecimento: é teoria. A técnica é a aplicação prática desse conhecimento. Não existe unanimidade na definição do que seja a ciência - há até quem defenda que não é possível estabelecer essa definição (Chalmers). O que existe, sim, é uma série de disciplinas cujos saberes consideramos científicos, e uma série de atividades de algumas pessoas (os cientistas) que enunciam "teorias" que pretendem explicar o mundo da experiência. Com a palavra "ciência", designamos tanto a atividade cognoscitiva voltada

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para a aquisição de saberes quanto o produto dessa atividade, como corpo sistemático e organizado de conhecimentos. Para que possa haver conhecimento científico (descoberta e formulação de leis naturais), deve-se pressupor o princípio de regularidade da natureza dos fenômenos naturais, e no fato de que tais fenômenos estejam relacionados entre si de maneira determinada e estável.

A classificação das ciências A classificação das ciências comumente aceita é a que estabelece como critérios sua ligação com os fatos. De acordo com esse critério, as ciências se dividem em dois grandes grupos, claramente diferenciados: ciências não empíricas, ou formais, e ciências empíricas, também chamadas de ciências fácticas. As ciências formais são aquelas cujas proposições não afirmam nem negam nada sobre os fatos que ocorrem no mundo - apenas "contêm fórmulas analíticas" (M. Bunge). Seu objeto de conhecimento são entes ideais, com existência exclusiva na mente humana: são formas suscetíveis de receber múltiplos conteúdos. O método das ciências formais é a demonstração ou a prova: todo o seu conhecimento fica delimitado pelo conjunto do sistema que formam, sendo sistemas autônomos, fechados sobre si mesmo, cujas proposições são verdadeiras caso sejam deduzidas corretamente de outras proposições já aceitas pelo sistema. A demonstração é uma operação exclusivamente racional, totalmente alheia à confrontação com a experiência. Existem apenas duas ciências formais: as matemáticas e a lógica. As ciências empíricas, ou fácticas, são aquelas cujas proposições afirmam ou negam algo sobre os fatos que ocorrem no mundo. A verdade de suas proposições depende da confrontação com a realidade, por meio da experiência. As ciências experimentais corroboram ou verificam: a partir de dados da observação ou da experiência, procuram estabelecer leis e teorias que permitam predizer o futuro. Pretendem "explorar, descrever, aplicar e predizer os acontecimentos que ocorrem no mundo em que vivemos" (C. Hempel), o que determina seu campo de ação. As ciências empíricas, por sua vez, são divididas, tradicionalmente, em ciências naturais e ciências sociais. As ciências naturais são as que encontram seu objeto de estudo no âmbito natural. São ciências naturais: a física, a química, a biologia e a geologia. As ciências sociais ou humanas são as que concentram seu objeto de estudo no âmbito social ou nos resultados das ações humanas. São ciências sociais ou humanas a sociologia, a política, a antropologia, a economia e a história. O critério dessa divisão é menos claro, e há autores que introduzem uma zona limítrofe para algumas das ciências chamando-as de ciências socionaturais. Entre elas estariam situadas a psicologia e a geografia.

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Características das ciências fácticas A forma de conhecimento própria da ciência aprofunda e amplia o conhecimento ordinário que temos das coisas. Os cientistas vão mais além do que a simples experiência (entendida aqui como o conhecimento que nos chega através dos sentidos) nos mostra: relacionam os fatos mais relevantes e os observam por meio de um instrumental adequado (por exemplo, o microscópio). O conhecimento científico vai além da experiência sobretudo em outro sentido: não se limita a descrever a experiência, mas pretende uma explicação dos fenômenos observados, mediante a formulação de hipóteses, leis e sistemas de leis (teorias), que são produtos da razão, e não mero reflexo da experiência. A atividade científica consiste em boa parte na invenção de conceitos (como os de átomo, massa, energia, adaptação, seleção, classe social etc.), e esses não correspondem a algo diretamente observável, ainda que possamos inferi-los a partir de fatos experimentais. O conhecimento científico é claro e preciso, frente ao conhecimento comum, que é vago, impreciso e superficial. A precisão é alcançada por meio da definição dos conceitos que utiliza e por meio da criação de linguagens artificiais, quer dizer, linguagens específicas de cada ciência nas quais se fixa exatamente tanto o significado dos símbolos que as constituem quanto as regras de combinação desses símbolos. A matematização dos fenômenos também contribui notavelmente para a precisão e a exatidão buscadas. O conhecimento científico é verificável, o que quer dizer que todo o conhecimento que se pretenda científico deve ser submetido à experiência. Esse é um dos requisitos fundamentais da ciência. As técnicas de verificação são muito diversificadas, mas sempre consistem em pôr à prova consequências particulares de hipóteses gerais, uma vez que as hipóteses gerais não podem ser verificadas diretamente. A verificação acontece mediante experiências. As experiências são experimentações controladas e baseadas numa teoria. Esta é justamente a diferença entre a experimentação e a experiência comum. A experiência comum não obedece a nenhum plano teórico e, portanto, não sabe o que olhar, nem o que buscar: falta-lhe um projeto que a oriente e lhe dê sentido. O conhecimento científico é sistemático. A ciência é um sistema de ideias (teoria) ligadas logicamente entre si. O fundamento de uma determinada teoria não é um conjunto de fatos, e sim, mais exatamente, um conjunto de hipóteses com certo grau de generalidade. Dessas hipóteses se extraem as conclusões, que recebem o nome de teoremas. O conhecimento científico pretende a enunciação de leis gerais. A ciência só pode ser conhecimento geral: o fato singular só é cognoscível na medida em que é membro de uma classe ou caso de uma lei, o que pressupõe que todo fato é classificável. As leis gerais nos proporcionam uma explicação dos fatos. a explicação não é simplesmente uma descrição dos fatos, já que nos diz não só como elas ocorrem, mas sobretudo por que ocorrem.

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As leis científicas permitem, além de explicar os fatos, predizê-los. A ciência é predicativa. Na medida em que são gerais, as leis não só se aplicam a fatos passados, mas descrevem futuros estados de coisas a partir de condições iniciais que se conhecem. A ciência é metódica. O método é necessário para garantir a certeza e evitar que se admita como verdadeiro algo que corresponda unicamente à apreciação subjetiva do cientista. O método permite distinguir com clareza a verdade da mera opinião. Finalmente, um dos traços mais notáveis do conhecimento científico é que ele é aberto. De um lado, por que não reconhece barreiras a priori que limitem o conhecimento; de outro, porque não é um sistema dogmático. A atitude verdadeiramente científica sabe que toda teoria é refutável, e que, portanto, a ciência é capaz de progredir, não quanto ao domínio técnico da natureza, mas no que se refere à superação das teorias científicas por outras que expliquem os fatos de uma forma mais completa.

Métodos científicos No contexto da descoberta, as estratégias dos cientistas são múltiplas e variadas — desde o caso em que os dados empíricos são tão claros que facilmente permitem elaborar uma hipótese, até o caso das hipóteses sobre a estrutura do átomo de Bohr, sugerida por uma analogia com o sistema planetário). Na descoberta científica, influem fatores como a intuição, a sagacidade do cientista e até a sorte ou casualidade. No contexto da justificação, o método estabelece como será provada, validada ou justificada uma teoria. Aqui, a questão acaba sendo muito mais complicada, porque o cientista, além de provar a verdade da hipótese, deve justificar a validade de seu método perante a comunidade científica. A questão é importante porque nem todos os métodos permitem validar todas as hipóteses e, portanto, deve-se justificar o método escolhido. Mário Bunge enuncia aquilo que talvez seja "a única regra de ouro para os cientistas: audácia ao conjecturar, prudência ao submeter as conjecturas e confrontações".

O método dedutivo O método dedutivo é o método utilizado pelas ciências formais. Consiste em mostrar a verdade de uma proposição (a conclusão) a partir do conhecimento de outras proposições (premissas), em virtude de sua forma lógica. Uma dedução só é válida quando as premissas forem verdadeiras e a conclusão também o for necessariamente. O método dedutivo exige a construção de um sistema axiomático, quer dizer, um sistema formado por: axiomas, ou princípios fundamentais do sistema que não são demonstráveis dentro dele; regras de formação e transformação, que permitem deduzir novos enunciados válidos dentro do sistema; e teoremas, ou enunciados obtidos dedutivamente a partir dos axiomas, seguindo-se as regras de transformação.

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Um sistema axiomático bem construído precisa: ser consistente, sem contradições internas, de modo que seja impossível a dedução de um teorema e de sua negação; ser solucionável, incluindo um procedimento efetivo por meio do qual se possa estabelecer se uma expressão bem formada é um teorema; ser completo, isto é, permitir que todas as possíveis proposições verdadeiras sejam deduzidas a partir dos axiomas. E, finalmente, todos os seus axiomas devem ser independentes, isto é, não podem ser deduzidos de outros axiomas.

O método indutivo O método indutivo consiste em extrair leis ou conclusões universalmente válidas a partir da observação de casos particulares, tirados da experiência. Por conta disso, é um método usado pelas ciências experimentais. As etapas ou fases do método indutivo são: - Observação e registro dos fatos significativos. - Comparação e classificação. Generalização. Formação de leis. - Dedução de consequências das leis. Predição. O método indutivo traz numerosos problemas. Em primeiro lugar, seu valor científico é discutível, já que as verdades que propõe são prováveis, baseadas num raciocínio frágil, ainda que tanto mais prováveis quanto maior o número de casos particulares que a avalizem. Existe um problema ainda maior em relação à validade do método indutivo — problema que já foi colocado no século XVIII pelo empirista David Hume. Toda generalização pretende ser válida não apenas para fatos já passados, mas também para fatos futuros, e por isso a generalização só é possível se pressupomos a regularidade da natureza. O método indutivo se fundamenta, portanto, no princípio de regularidade da natureza, mas a própria fundamentação desse princípio é impossível, dado que a regularidade da natureza só pode ser afirmada pelo princípio da indução, quer dizer, por meio de uma generalização a partir de fatos já passados. O argumento que pretende justificar é um argumento circular, isto é, dá por demonstrado exatamente aquilo que o argumento deveria provar. A regularidade dos fenômenos naturais só pode ser postulado, quer dizer, estabelecido como crença, e tem valor pelo fato de ser útil, já que permite avançar na formulação de hipóteses. Por último, a observação e o registro dos fatos significativos são feitos sempre a partir de uma teoria prévia, que não foi obtida por indução. Ou seja, os fatos só são significativos na medida em que temos um padrão de referência a partir do qual eles cobram significação. O método hipotético-dedutivo

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O método hipotético-dedutivo, ou método geral da ciência, segundo M. Bunge, é o modelo metodológico seguido pelas ciências experimentais em geral, mas sobretudo pelas ciências da natureza. Para Galileu Galilei (1564-1642), que o chamou de método de resolução e composição, a física devia partir da observação resolvendo a natureza de suas propriedades essenciais e primárias, expressas matematicamente, para compor uma hipótese (literalmente, "suposição"), unindo as propriedades essenciais escolhidas e expressas em linguagem matemática. Basicamente, consiste na dedução — a partir de uma hipótese prévia — de uma série de consequências confrontáveis por meio de uma experiência promovida para confirmá-la. São muitas as diferentes enumerações que já foram feitas das fases ou etapas desse método. Enumeremos aqui as que M. Bunge chama de "pauta de investigação científica": a) Colocação do problema: reconhecimento, classificação e seleção de fatos relevantes; descoberta do problema (lacuna ou incoerência no corpo do saber já existente); formulação do problema (redução do problema a seu núcleo significativo. b) Construção do modelo teórico: seleção dos fatores pertinentes; invenção das hipóteses (enunciados de lei que se espera possam se adequar aos fatos observados); tradução matemática, na medida do possível. c) Dedução das consequências particulares: já verificadas no mesmo campo ou em campos próximos; e/ou elaboração de previsões empíricas que possam ser verificadas. d) Prova das hipóteses: esboço e execução da prova; elaboração e interpretação dos dados da experimentação, à luz do modelo teórico. e) Introdução das conclusões na teoria: comparação das conclusões com as previsões para confirmar o modelo (confrontação). As conclusões da ciência sempre são consideradas provisórias. Esse método não tem a segurança do método dedutivo, mas é progressivo, já que se autocorrige: os resultados são as fontes de novas perguntas. O maior problema do método hipotético-dedutivo se enraíza na confrontação das hipóteses. Sendo as hipóteses enunciados universais, nunca podem ser confrontadas com todos os casos possíveis . A comprovação é feita pela dedução do hipótese de fatos que possam ser observados por meio da experimentação — o que permite confirmar a hipótese.

A falseabilidade As deficiências do critério de verificação para confirmar uma hipótese (nunca é possível uma verificação concludente, já que não se pode realizar uma verificação completa de todos os casos possíveis) levaram Karl Popper (1902-1994) a propor em A lógica da

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investigação científica (1934) uma reformulação do método hipotético-dedutivo. Tratase, não de buscar fatos que confirmem as consequências da hipótese, mas de buscar fatos que as refutem, ou falseiam. O cientista deve fazer todo o possível para refutá-las, arriscando-se a fazer previsões a partir de suas hipóteses, sob o risco de elas acabarem por se mostrar falsas. O método proposto por Popper é o conhecido como falseabilidade. A falseabilidade se baseia na impossibilidade de uma inferência lógica que permite passar de enunciados particulares a enunciados universais — porque a confrontação por confirmação nunca corrobora suficientemente em enunciado universal, ao passo que um único enunciado particular pode contradizer um enunciado geral e obrigar a abandonálo, já que esse enunciado particular se baseia numa inferência lógica correta ou válida (modus tollens). Tal como no método hipotético-dedutivo, para a falseabilidade toda a hipótese é considerada válida provisoriamente, enquanto não aparecer um caso que a refute ou contradiga. Uma hipótese — e em consequência uma lei — nunca poderá ser considerada definitivamente verdadeira. A questão sobre a diferenciação entre os enunciados científicos e os não científicos — resolvida pelos positivistas com o critério de verificabilidade e pela falseabilidade com o critério de falsificação — é o conhecido como o problema da demarcação.

Os métodos das ciências humanas e sociais As ciências humanas e sociais têm características próprias que fazem com que seu modelo metodológico não seja o das ciências naturais. — A complexidade do ser humano como objeto de investigação, tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista social; a dificuldade de captar o comportamento humano devido à sua grande variedade, às motivações individuais e às circunstâncias em que são produzidas; a variável "liberdade" que impede que se fale de acontecimentos constantes — tudo isso dificulta enormemente a formulação de leis gerais e enfraquece a capacidade de fazer previsões. — A dificuldade de se utilizar métodos experimentais, razão pela qual se dever buscar a confrontação das hipóteses por outras vias, como observação, a estatística ou a análise de documentos — O fato de que o próprio pesquisador é um ser humano: isto coloca o problema da relação entre objeto de investigação e o sujeito que a realiza — o sujeito faz parte do objeto de estudo. — Não existe neutralidade valorativa: o pesquisador não se comporta com imparcialidade, já que inconscientemente existe uma carga afetiva e algumas ideias prévias (preconceitos, valores, tradições etc.) que não estão presentes quando o objeto de estudo não é humano.

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A tradição empirista ou positivista, que persegue a unidade da ciência, exige que se aplique o método das ciências naturais às ciências sociais: eles devem explicar os fenômenos. O desenvolvimento cada vez mais sofisticado dos métodos quantitativos (estatísticos) é seu instrumento de análise da realidade social, sem que por conta disso tenham alcançado a capacidade preditiva das ciências naturais. A tradição hermenêutica fala de compreensão científica, além de explicação. A explicação de um fenômeno é a elucidação de suas causas. A compreensão é a capacidade de captar o sentido do acontecimento, sua singularidade, sua complexidade e seu contexto: os fenômenos devem ser compreendidos, além de explicados e por isso deve-se adotar uma metodologia própria. As técnicas qualitativas (entrevistas, grupos, histórias de vida etc.) não buscam a generalização, mas a compreensão de casos concretos baseando-se num conhecimento prévio da realidade, que se pretende compreender. O círculo hermenêutico se baseia em duas reflexões específicas: que toda a compreensão do ser humano é feita a partir de uma pré-compreensão, do ponto de vista da cultura atual; e que, quando se compreende, atribui-se sentido àqueles dados que estão sendo analisados. Para a teoria crítica (a escola de Frankfurt), além disso, as ciências sociais não devem apenas compreender os fenômenos sociais, mas criticá-los: não existem teorias neutras, pois todas estão guiadas por algum interesse. As ciências sociais devem se orientar pelo interesse emancipatório, buscando com critério a partir do qual efetuarão a crítica de nossa sociedade naquilo em que ela é contrária a tal interesse.

Teoria e realidade Um dos problemas epistemológicos mais interessantes é o da relação entre as teorias científicas e o modo ao qual se pretende aplicá-las. As teorias científicas são construções humanas, produto da razão humana; ao longo da história, estão sujeitas a mudanças e, em muitas ocasiões, são até abandonadas em favor de outras teorias mais potentes do ponto de vista da explicação que proporcionam. Essa evidência levanta uma questão: qual a relação entre teoria e realidade. Uma postura possível é a do realismo, que defende que as teorias científicas são representações reais de como é a natureza. A concepção alternativa, o instrumentalismo, considera as teorias científicas exclusivamente como instrumentos úteis para a compreensão da realidade, mas sem a pretensão de serem expressão da própria realidade. (1)

Estrutura Lógica do Conhecimento Com a linguagem emitimos juízos, que são os atos da mente pelos quais afirmamos ou negamos algo. Emitimos juízos por meio de um tipo de frase ou oração a que chamamos de "enunciado", ou "proposição".

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O encadeamento articulado de proposições constitui o discurso. A lógica é a disciplina que estuda a forma do discurso argumentativo: o raciocínio. O raciocínio é a passagem de algumas proposições (premissas) a outras (conclusão) Podemos dizer das proposições que são verdadeiras ou falsas, caso aquilo que afirmem seja ou não uma realidade. A verdade se aplica às proposições e se refere a seu conteúdo. A validade se aplica ao raciocínio e se refere a sua forma, ou estrutura abstrata. Com a ajuda de uma linguagem formal, a lógica pretende captar os mecanismos que fazem com que um raciocínio seja válido.

A lógica enquanto ciência formal A lógica é uma das ciências que estudam os conhecimentos, ainda que de maneira diferente da de outras disciplinas, como a epistemologia ou a psicologia. A lógica se interessa pelo estudo das normas ou regras do pensamento que devem ser seguidos para se efetuar um raciocínio correto, um raciocínio que nos proporcione um conhecimento válido. O campo da lógica é a validade dos raciocínios - sua estrutura formal -, não a verdade das proposições que os formam. A verdade faz referência aos conteúdos dos enunciados, e cabe às ciências empíricas se ocuparem dela. Como sinônimo de raciocinar, usa-se habitualmente a palavra "discorrer", aludindo com isso ao caráter de movimento do raciocínio. O raciocínio é um "discurso", um movimento que avança a partir de um lugar para chegar a outro. Raciocinar é apoiar ou fundamentar uma afirmação - que, chamamos de conclusão - em outras - que chamamos de premissas. Raciocinar é o "discurso" das premissas até a conclusão, como o curso (discurso) de um rio, de suas fontes até o mar. Esse avanço, no entanto, deve ser feitos de maneira correta, com a garantia de que a conclusão se deriva necessariamente das premissas. Raciocinamos sempre na e por meio da linguagem. A lógica se interessa pelos enunciados emitidos por meio da linguagem, mas apenas no aspecto de que da verdade ou falsidade de uns pode se derivar da verdade ou falsidade de outros, de acordo com sua própria estrutura. A lógica se interessa pela forma dos enunciados, não por seu conteúdo, por isso a lógica é uma ciência formal (assim como as matemáticas): não leva em conta os conteúdos, apenas a forma do raciocínio. A lógica é uma ferramenta fundamental para a ciência, pois lhe permite analisar, explicar e organizar as verdades já conhecidas. A partir da verdade de alguns enunciados científicos, a lógica pode assegurar outras verdades que estão ligadas logicamente às primeiras. Esse caráter instrumental já se manifesta desde os primeiros tratados de lógica, escritos por Aristóteles, que receberam o nome de Organon (instrumento).

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A linguagem artificial da lógica As linguagens naturais (as línguas faladas, criadas, recriadas e transmitidas pelos homens ao longo de sua história) não são linguagens exatas. Sua lenta construção ao longo de muitos anos, fruto da relação do homem com o mundo, torna-as muito ricas e cheias de matizes, mas também vagas e cheias de ambiguidades e confusões. Os pontos de vista a partir dos quais uma linguagem natural pode ser estudada são três: o sintático, que analisa as relações das palavras entre si; o semântico, que investiga o significado das palavras; e o pragmático, que se ocupa do uso feito pelos falantes da língua. As ciências optam pelo uso de linguagens especializadas com o objetivo de evitar ao máximo possível os equívocos e mal-entendidos. O rigor científico exige uma linguagem formal clara, precisa, unívoca e objetiva. A lógica, embora pretenda determinar a estrutura do raciocínio expressa nas linguagens naturais, mas com o objetivo de evitar problemas, emprega uma linguagem artificial, desligada de conteúdos concretos, capaz de formular com mais precisão, e em toda a sua nudez, a sintaxe do raciocínio: sua forma. A esse tipo de linguagem dá-se o nome de linguagem formal, construída com símbolos que eliminam qualquer consideração semântica ou pragmática. No entanto, essa linguagem artificial construída com símbolos permitirá depois interpretações semânticas, quando esse signos forem substituídos por expressões linguísticas com significado. Dessa maneira, uma mesma fórmula simbólica pode ser traduzida numa série indefinida de expressões semânticas. Uma linguagem totalmente formalizada, reduzida a símbolos e a sua dimensão sintática, é uma linguagem reduzida a um conjunto de regras que permitem operar com símbolos, da mesma forma que um cálculo aritmético ou algébrico. Chamamos de cálculo aquela estrutura composta dos seguintes elementos: a) um conjunto de símbolos elementares, determinado de tal forma que podemos dizer sem ambiguidade se um símbolo pertence ou não a ele. b) um conjunto de regras de formação ou construção que estabeleça com clareza quais são as combinações corretas entre esses símbolos elementares, de tal forma que possamos dizer sem ambiguidade se uma expressão, ou construção de símbolos, é uma "expressão bem construída do cálculo". c) um conjunto de regras de transformação, que permita transformar uma expressão bem construída em outra igualmente bem construída. A lógica formal, simbólica ou matemática adota a estrutura de diferentes cálculos, segundo o tipo de análise que faça das proposições: A lógica de enunciados, ou proposicional é aquela que se ocupa das proposições enquanto tais, e do modo como elas se relacionam entre si, prescindindo de sua estrutura interna. A lógica de predicados é a que se ocupa da validade do raciocínio, levando em conta a estrutura interna das proposições - a relação entre o sujeito e o predicado.

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A lógica de classes é aquela que se ocupa dos conjuntos de realidades individuais designadas por um predicado (classes), e as relações entre indivíduos e classes.

Princípios lógicos elementares Os princípios lógicos básicos sobre os quais se sustentam todas as operações lógicas são: - Princípio de identidade: se uma proposição é verdadeira, então é verdadeira. Toda proposição se deduz logicamente de si mesma. - Princípio de não-contradição: se uma proposição é verdadeira, não pode ser falsa ao mesmo tempo. - Princípio do terceiro excluído: dada uma proposição, ou ela é verdadeira ou sua negação o é. Não pode haver outra possibilidade. A escritura é essencial para divulgar o saber científico. Assim como os símbolos e as regras são necessários para se calcular, compreender e explicar todos os tipos de fenômenos físicos, químicos e matemáticos, a lógica também se serve de uma linguagem que permite enunciar proposições que expliquem as normas do pensamento para efetuar um raciocínio que nos proporcione o conhecimento. (1)

Origens e Limites do Conhecimento Como a questão é conhecer a realidade, parece que só a experiência pode nos permitir chegar até ela. Segundo essa concepção, conhecida como "empirismo", a origem de nosso conhecimento é a experiência. No entanto, esse conceito fundamental tão irrefutável e próximo do senso comum foi muito discutido ao longo da história da filosofia. O "racionalismo", a concepção oposta a esta, considera que a experiência por si só não pode nos proporcionar algo de natureza tão complexa e diferente da simples sensação como é o conhecimento racional. O problema da origem do conhecimento está profundamente ligado ao problema de seus limites, e é também a experiência que articula todas as respostas — não importa se nossos conhecimentos procedem ou não dela. Será possível conhecer para além da experiência?

Empirismo Os empiristas acham que a mente do ser humano, quando ele nasce, é como uma lousa onde não há nada escrito. Tudo aquilo que o ser humano for conhecendo será

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proporcionado pela experiência. Essa é a formulação básica de toda concepção empirista, e foi assinalada por numerosos filósofos ao longo da história (os sofistas, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino etc.). Porém a formulação mais radical fica por conta do empirismo dos séculos XVII e XVIII: o conhecimento não só procede da experiência, mas está limitada a ela. Não podemos ir além do que a experiência nos mostra, e ficam fora dela realidades como Deus, mas também nosso próprio eu e o princípio de causalidade, sobre o qual se apoia toda a ciência empírica. Nem sequer podemos afirmar com total segurança que existam fora de nossa mente os objetos que produzem nossas sensações; só temos experiência de nossas sensações (a chamada "experiência exterior") ou de nosso próprios atos metais — como, por exemplo, duvidar, pensar, desejar, temer, odiar etc. ("experiência interior"). Os empiristas defendem uma teoria conhecida como nominalismo. Segundo essa teoria— que já tinha sido defendida por filósofos medievais, como Guilherme de Occam — todas as nossas ideias ou conceitos são apenas percepções ou imagens singulares. O único Universal são as palavras, os nomes (nomina, em latim, de onde provém "nominalismo"), e representam na mente um conjunto de percepções ou imagens particulares semelhantes. Por razões de economia, a mente acaba dispensando as imagens singulares e por isso utilizam simplesmente a palavra que as designa.

Racionalismo A formulação clássica do racionalismo é a dos filósofos do século XVII — sobretudo Descartes e Leibniz —, embora Parmênides e Platão também possam ser considerados racionalistas. O racionalismo não nega que a experiência proporcione um conhecimento muito útil para a vida prática, mas denuncia a insuficiência e a ineficácia dos sentidos para nos proporcionar um conhecimento autêntico, "científico". Por isso, a única origem possível do conhecimento é a razão, não a experiência. Para o racionalismo, a realidade é percebida confusamente na experiência, e, no entanto, quando a compreendemos intelectualmente, temos então um conhecimento "claro e distinto" segundo as palavras de Descartes. Além disso, os sentidos podem nos enganar, proporcionando-nos um conhecimento meramente ilusório. Por outro lado, as sensações e as percepções só proporcionam um conhecimento particular e contingente: dizem-nos o que de fato ocorre para os casos particulares de que tivemos a experiência, mas não nos dizem que não pode ser de outra maneira, que necessariamente tem de ser assim para todos os casos. O conhecimento autêntico deve ter validade universal e necessária, e isto somente a razão proporciona. A razão é dotada de ideias inatas, alguns princípios evidentes não adquiridos que server de fundamento para o resto dos conhecimentos. O inatismo dos conceitos é a forma de justificar a possibilidade do conhecimento: se os sentidos não nos permitem conhecer, a possibilidade do conhecimento deve estar no próprio sujeito, na medida em que esse possua esses conceitos de forma inata. Todo o conhecimento da realidade consiste num desdobramento dos conteúdos da própria razão, e se isso é possível é porque o racionalismo pressupõe que a estrutura da razão é também a estrutura da própria realidade.

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O racionalismo não reconhece limites para a razão. Esta pode ir mais além da experiência — embora, certamente, seu poder não seja ilimitado, uma vez que o ser humano é algo finito.

Apriorismo Segundo Kant, filósofo alemão do século XVIII, a quem se deve essa concepção, o conhecimento não pode prescindir da experiência. Ela lhe proporciona a "matéria": as sensações. O conhecimento começa com a experiência, mas nem todo o conhecimento provém dela: a razão, estimulada pelas impressões sensíveis, acrescenta algo, dá a "forma" do conhecimento. O conhecimento é a união de matéria (proporcionada pela experiência) e forma (trazida pela sensibilidade e pelo entendimento, as duas faculdades que intervêm no processo cognoscitivo). A matéria é a posteriori e a forma é a priori. O conhecimento é sempre construção, já que a razão organiza os dados da experiência. O apriorismo não é inatismo, uma vez que a razão é a forma organizadora do conteúdo que a experiência lhe proporciona, mas ela por si mesma não proporciona conhecimento. Por outro lado, a ação dos elementos a priori é o que outorga ao conhecimento seu caráter universal necessário, que a experiência por si só é incapaz de proporcionar. Existe, portanto, uma conciliação das teses empiristas e racionalistas. Assim, reconhece um papel fundamental à razão, tal como o racionalismo sustentava; mas esta só tem valor cognoscitivo em relação àquilo que a experiência lhe proporciona. No que diz respeito aos limites do conhecimento, para Kant é evidente que ele não pode ir além da experiência, e com isso todo o conhecimento metafísico fica sem fundamento e sem validade. (1)

Processos do Conhecimento A experiência sensível - aquilo que captamos das coisas por meio dos nossos sentidos é o que está na origem de nossos conhecimentos. Nas palavras de Kant, "não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência". Mas, como o próprio Kant acrescenta a seguir, "ainda que nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso ele procede inteiramente da experiência". Conhecer algo não consiste simplesmente em "vê-lo", captá-lo pelos sentidos. Só conhecemos quando o identificamos como determinado objeto ou como determinado outro (como um "cão" ou um "pôr-do-sol"). Essa identificação é possível graças ao conceito, que é o resultado de outro tipo de operação, já não meramente sensível, mas intelectível. Esse tipo de conhecimento se chama conhecimento empírico ou experiência. O termo "experiência" deriva do latim experientia ("ensaio", "prova") e é o equivalente do grego empeiria. A psicologia atual prefere usar o termo "percepção".

A sensação

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Por intermédio de nossos órgãos dos sentidos, recebemos informação do mundo que nos rodeia. Os estímulos que nos chegam do exterior incidem sobre os nossos sentidos e provocam determinadas alterações de caráter físico ou químico. Os sentidos transmitem uma corrente nervosa ao cérebro e provocam nela uma reação. O resultado são as sensações, a captação de determinadas qualidades sensíveis ou dados sensoriais. Os objetos físicos ou sensíveis vão sendo "transformados" em qualidades psíquicas, que já não são físicas, pelo próprio sujeito que as recebe. Em virtude desse processo, vemos cores, ouvimos sons, captamos diversos cheiros, sentimos frio ou calor, suavidade ou dureza etc. Cada espécie animal possui alguns órgãos constituídos de tal maneira que podem captar determinadas qualidades sensíveis, enquanto permanecem totalmente insensíveis a outras. A retina do olho só pode captar impressões luminosas cujo comprimento de onda esteja numa determinada faixa, que no caso dos humanos representa 1/70 do total do espectro da luz solar. Assim, não vemos os raios infravermelhos nem podemos ter uma ideia de como representaríamos o mundo físico caso pudéssemos vê-los. Os morcegos são capazes de perceber certos sons que para os ouvidos humanos são inaudíveis. Cada espécie animal percebe um mundo diferente, do qual capta o necessário para sobreviver. O mundo dos humanos é um deles. Tradicionalmente, diferenciam-se cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. De todos, o tato mé o mais complexo, porque por ele recebemos as impressões de peso, de pressão, de frio-calor, de dor etc. Mas o sentido mais considerado, devido a sua possibilidades cognitivas, é a visão: sempre se supôs que ela é o sentido que permite obter uma informação mais completa do objeto. Termos como, por exemplo, "teoria" (contemplação) derivam do privilégio concedido à visão, ou à "ideia" platônica (em grego eidos: o visível aos olhos da alma).

Percepção As sensações constituem o material básico de nossa experiência dos objetos, mas é um fato indubitável que não captamos qualidades isoladas. Quando pegamos uma maçã de uma fruteira, não captamos apenas uma mancha de cores vermelha ou verde, um determinado cheiro, e uma certa textura ou dureza. Captamos um objeto único: uma maçã. É a isso que se chama propriamente de percepção. O que os órgãos sensoriais captam é a sensação, enquanto que a percepção é uma atividade pela qual o sujeito capta totalidades que têm um significado para ele. A percepção não é uma simples soma de sensações. É o resultado de uma complexa operação pela qual recebemos as sensações, selecionamos delas as que nos parecem mais significativas, reunimos-las num conjunto, relacionamo-las com outras percepções armazenadas em nossa memória, identificamo-las como formas perceptuais determinadas e, finalmente, atribuímos-lhes um nome. O resultado desse processo é um determinado conhecimento do mundo - como pode ser, por exemplo, o de que existe uma maçã sobre a mesa. Na percepção não intervêm, portanto, apenas os sentidos (o que já não é verdade nem sequer nas sensações), nem tampouco se explica pela intervenção do sistema nervoso.

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Trata-se de uma operação ativa, na qual o sujeito não se limita a registrar passivamente os dados sensoriais. O sujeito "constrói" o objeto quando seleciona, organiza ou interpreta os dados sensoriais. Isto ocorre em todos os casos, mas é mais evidente quando somos capazes de identificar um objeto percebendo simplesmente um traço pequeno e característico. A percepção é, portanto, uma atividade construtiva. É preciso destacar algumas características da percepção. Por exemplo: — A percepção é uma atividade mediatizada. Não percebemos as coisas diretamente, mas mediatizadas por nosso aparelho sensorial e por nossas experiências anteriores. — A percepção é uma atividade classificatória. Ao perceber uma maçã, nós a percebemos como pertencente à classe das maçãs e a distinguimos de outros objetos que pertencem a outras classes. — A percepção é seletiva. Habitualmente, recebemos múltiplos estímulos, mas nem todos solicitam nossa atenção da mesma forma. A atenção faz com que determinados estímulos se destaquem sobre os demais, que ficam relegados a um segundo plano sem chegar a se constituir em objetos de percepção. A atenção é, portanto, seletiva. O que determina a atenção é, fundamentalmente, o interesse do sujeito. No caso dos animais, trata-se de interesses puramente biológicos; mas no caso do homem trata-se, além disso, de interesses culturais. Os interesses individuais fazem com que o sujeito da percepção repare em determinados detalhes que para outro sujeito podem passar despercebidos. Por exemplo, um amante dos cavalos percebe mais detalhes de um cavalo do que a maioria das pessoas. As diferenças entre culturas distintas trazem às vezes consigo diferenças de interesses que também influenciam na maneira de perceber os objetos. Os esquimós, por exemplo, percebem muitos matizes de branco, o que obedece evidentemente a um interesse de sobrevivência na neve.

A percepção e o conceito A percepção implica a identificação, o reconhecimento de um conjunto de sensações como algo determinado:como uma maçã, como uma árvore etc. "Maçã" e "árvore" são conceitos. Na percepção intervêm, portanto, conceitos, mas isso não significa que sejam a mesma coisa. O conhecimento completo requer tanto a percepção quanto o conceito. A percepção capta objetos singulares: esse cavalo, aquela maçã, com as características particulares que as diferenciam de outros cavalos e outras maçãs. No entanto, quando dizemos de cada um deles que é um cavalo ou uma maçã, estamos expressando algo que vale para todo cavalo e toda maçã. O conteúdo do conceito é, portanto, uma representação universal, aplicável a todos os objetos que possuam determinadas características. Os objetos singulares que percebemos são um caso particular daquilo representado no conceito.

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Compreensão e extensão do conceito Em todo conceito, podem-se distinguir dois aspectos: a compreensão (também chamada de "conotação" ou "intenção"), que é o conjunto de indivíduos aos quais o conceito é aplicável. Por exemplo, a compreensão do conceito "ser humano" seria "animal racional"; a extensão seria o conjunto dos seres humanos. Nem todos os conceitos têm a mesma extensão: existem os mais extensos e os menos extensos. O conceito "animal" é mais extenso do que o conceito "ser humano", já que, além de se aplicar aos homens, aplica-se a outros indivíduos. Entre compreensão e extensão, ocorre uma regra de relação inversa: quanto maior é a extensão, menor é a compreensão. Se aos elementos que constituem o conceito "animal" acrescentamos um traço, o de "ser racional", a compreensão terá aumentado (até chegar ao conceito de ser humano), mas a extensão terá diminuído, uma vez que o novo conceito já não será aplicável a todos os animais, mas somente aos animais racionais. Ao suprimir elementos de um conceito, sua extensão se amplia; ao lhe acrescentar novos elementos, sua extensão se reduz. Quanto mais extenso é um conceito, mais indeterminado; quanto menos extenso, menos indeterminado. De acordo com essa lei, é possível organizar hierarquicamente os conceitos dentro de um gênero. Podemos pensar que, se um conceito tivesse extensão igual a 1, quer dizer, se o conceito só fosse aplicável a um indivíduo, a compreensão seria infinita. Isso quer dizer que, para definir o conceito de um indivíduo, em sua total singularidade, deveríamos dar infinitos elementos sobre ele, quer dizer, a compreensão do conceito deveria incluir todas as características desse indivíduo — o que é de fato impossível. Isso coloca o problema da relação entre o singular (o objeto concreto) e o universal (o conceito): embora o que exista sejam indivíduos totalmente singulares, esses só podem ser conhecidos como particularidades do universal, mas não podem ser conhecidos em sua plena singularidade.

As palavras e os conceitos Os conceitos se expressam na linguagem, nas palavras que compõem o vocabulário de uma língua. As palavras, como já vimos, são signos linguísticos, e representam a união de um significante e um significado. Por meio deste, a palavra remete a um referente. Por outro lado, sabemos que os conceitos têm compreensão e extensão. Pois bem: o significado da palavra corresponde à compreensão, enquanto o referente corresponde à extensão do conceito.

Utilização dos conceitos Os conceitos permitem, em primeiro lugar e fundamentalmente, a compreensão da realidade, e com isso a capacidade de se orientar nela. Os conceitos nos permitem classificar os objetos, enquadrando-os em nossa experiência anterior do mundo. Graças

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aos conceitos, podemos reconhecer os objetos que percebemos como uma coisa determinada - como uma árvore, uma maçã etc. Por outro lado, a natureza inteligível dos conceitos permite um conhecimento mais amplo e mais complexo do que o recebido pelos sentidos. Por isso, é possível fazer ciência, já que os conceitos permitem abordar a realidade com um elevado grau de abstração, e não simplesmente com o caráter concreto com que ela se apresenta na percepção. O conhecimento conceitual da realidade nos permite ter expectativas sobre ela, na medida em que a compreendemos. Dessa maneira, as coisas já não são algo que escapa totalmente a nosso controle: é possível estabelecer estratégias de comportamento.

Conceito, proposição e raciocínio Os conceitos são fruto de nosso entendimento ou razão, mas a atividade da razão não se limita a produzir conceitos. A razão também os relaciona em proposições: combinando, relacionando ou contrastando conceitos, formamos proposições. Uma proposição é um pensamento que afirma ou nega alguma coisa: tanto o que se afirma ou se nega como aquele ou aquilo de quem se afirma ou se nega são conceitos. Por exemplo: "Todos os cães são mamíferos". O conceito de "cão" foi posto em relação com o conceito de "mamífero". A razão, além disso, combina proposições e dessa maneira produz raciocínios. Neles, a razão relaciona proposições de modo que umas derivam de outras e com essa atividade nossos conhecimentos se fundamentam. Raciocinar consiste em acrescentar as razões que justifiquem nossos conhecimentos, ou seja, em dizer por que conhecemos ou sabemos algo. (1)

O conceito de maçã não é a mesma coisa que a percepção de uma maçã. O primeiro pode referir-se a qualquer maçã ou à ideia mental que alguém faz dessa fruta ao nomeála. Pelo contrário, a percepção se refere a uma determinada maçã concreta: vermelha, amarela, lisa, encarquilhada etc.

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As palavras são signos com os quais nos referimos a um conceito. Um clube de futebol cria em seus torcedores expectativas que ultrapassam o conceito de um mero grupo de jogadores.

Os morcegos possuem o sentido de audição muito desenvolvido, de maneira que podem perceber sons que o homem é incapaz de ouvir. Essa capacidade lhes permite orientarem-se no escuro, mas eles não têm a faculdade de registrar ativamente as sensações para construir um objeto concreto, relacioná-lo, classificá-lo e identificá-lo ou seja: não possuem a aptidão para conhecer o que percebem. (1) Temática Barsa - Filosofia (cópia)

Conhecimento: o Raciocínio e suas Variantes O raciocínio dedutivo é o tipo de raciocínio analisado pela lógica formal. Nele, as conclusões derivam necessariamente das premissas. É um raciocínio forte. Existem, no entanto, outros tipos de raciocínios nos quais a verdade não é necessária, mas apenas provável. Esses tipos de raciocínio mais fracos são a generalização indutiva e a analogia. O raciocínio tem também suas armadilhas. Existem ocasiões em que raciocínios que parecem corretos na verdade não são. São as falácias.

Raciocínio dedutivo

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O tipo de raciocínio capaz de ser analisado pela lógica é o raciocínio dedutivo. O raciocínio dedutivo é aquele em que a conclusão deriva necessariamente das premissas: se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser necessariamente verdadeira. As premissas implicam logicamente conclusão, e a conclusão é uma consequência lógica das premissas. É um raciocínio forte ou sólido, que proporciona a máxima segurança, por ser independente da experiência e inferido exclusivamente pelo raciocínio, desde que haja os dois requisitos seguintes: que as premissas sejam verdadeiras (enquanto de conteúdo real ou conteúdo de verdade) e que esse esquema de raciocínio seja válido (requisito de conteúdo formal ou esquema válido). No raciocínio dedutivo, conclusão já está contida nas premissas, explicitamente, de modo que se poderia dizer que a conclusão não agrega novas informações ou novos conhecimentos. Basta derivar por meio das leis da lógica a informação apresentada pelas premissas para se chegar à conclusão. Embora isto não seja correto, de alguma forma as novas proposições, derivadas das premissas parecem apresentar informação nova, já que a capacidade de enxergar a conclusão só com as premissas não é instantânea: depende, em muitos casos, da própria complexidade do raciocínio. O raciocínio dedutivo, portanto, é uma das formas mais seguras de ampliar os conhecimentos, e é empregado pela matemática e pela lógica. A validade de um raciocínio dedutivo é independente da verdade ou falsidade das proposições que o integram. A verdade ou falsidade é uma propriedade das proposições, enquanto que a validade depende da relação lógica entre as premissas e a conclusão. Num raciocínio válido, se as premissas são verdadeiras a conclusão também é; mas, se as premissas são falsas, a verdade da conclusão é indeterminada (pode ser verdadeira em alguns casos e não em outros). A correção ou incorreção de um raciocínio dedutivo depende, portanto, da forma. Demonstrar a validade é tornar explícitos todos e cada um dos passos que permitem deduzir de forma correta ou legítima (com o uso das leis ou regras de inferência da lógica) a conclusão a partir das premissas. Num raciocínio não válido, a conclusão é indiferente à verdade das premissas.

Raciocínio indutivo O raciocínio indutivo é aquele por meio do qual, a partir do exame de um número elevado de casos particulares (premissas), generalizam-se todos os indivíduos do conjunto (conclusão). A conclusão, no raciocínio indutivo, é apenas provável - não se depreende necessariamente das premissas. Não oferece segurança absoluta, já que a verdade das premissas não assegura a verdade da conclusão: sempre poderia aparecer um indivíduo (um novo caso) que não cumprisse a promessa ou propriedade. No entanto, a generalização é aceita, já que o costume nos faz pensar que a natureza e as coisas têm comportamentos regulares - que aquilo que aconteceu muitas outras vezes voltará a se repetir se as circunstâncias forem semelhantes - ou que, definitivamente, existe um princípio de regularidade da natureza: o Sol sai a cada dia; se deixo um objeto solto, ele cai no chão etc. O raciocínio indutivo permite aumentar o conhecimento, mas sempre sob a condição de que se admita a sua fragilidade. A conclusão não está implícita nas premissas, apoia-se

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nelas, mas elas não a contêm. Produz-se o chamado salto indutivo: a partir de casos conhecidos, generaliza-se todo o conjunto. Aplica-se a todo o conjunto a verdade observada apenas numa parte dele. Quanto maior o número de observações, maior é a probabilidade de que a conclusão seja verdadeira, mas sem a total segurança. Quanto maior a perspicácia analítica de quem elabora o raciocínio, será possível concluir aquilo que tem a maior probabilidade de ocorrer. Esse tipo de raciocínio não é empregado pelas ciências experimentais. A validade de um raciocínio indutivo não depende da forma como as premissas e a conclusão se relacionam. Um raciocínio indutivo é válido se, e somente se, as premissas apoiam suficientemente a conclusão, se a verdade das premissas torna provável (mais provável do que menos) a verdade da conclusão. Num raciocínio indutivo válido, podemos conhecer a verdade das premissas e nos equivocarmos na conclusão. A conclusão nunca será necessariamente verdadeira, ainda que as premissas o sejam (raciocínio dedutivo). Podemos afirmar as premissas e negar a conclusão sem entrar em contradição. Diferentemente do raciocínio dedutivo, não há incoerência se as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa. A indução pode ser completa ou incompleta. Ela é completa quando se pode enunciar a propriedade de cada um dos elementos que formam o conjunto, podendo-se ter a enumeração completa. Serve apenas para conjuntos fechados e não é útil para conjuntos mais abertos. O problema se coloca, quando no âmbito da realidade fica difícil de enumerar - se não impossível - todos os casos particulares. A indução completa é a usada habitualmente nas ciências.

Raciocínio analógico A base do raciocínio analógico consiste em relacionar duas ou mais coisas nas quais estabelecemos algum traço em comum e, em função da semelhança (analogia ou similitude) entre essas características ou situações conhecidas, concluir que outra característica que uma tenha a outra também terá. O raciocínio analógico não tem o caráter necessário do raciocínio dedutivo, nem o caráter provável do indutivo: seus resultados são apenas aproximados. A validade se baseia na plausibilidade das razões que se oferecem para estabelecer tal analogia: quanto mais características os âmbitos comparados tenham em comum, quanto menos diferenças, quanto mais relevantes sejam as semelhanças, mais credibilidade o raciocínio analógico inspirará. A confiabilidade desse tipo de raciocínio é relativa e pode induzir a erros, mas é útil para sugerir relações e encontrar soluções para diversos problemas, apesar de não proporcionar uma credibilidade absoluta. Implica um elemento criador: é uma construção que, de um lado joga com os limites dos elementos a serem relacionados, mas por outro joga com a liberdade imaginativa de quem o produz. É usado nas ciências empíricas, como a medicina, por exemplo - quando se espera que um medicamento se comporte da mesma forma num ser humano depois de ter sido experimentado em animais de laboratório.

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Os raciocínios enganosos A palavra falácia provém do verbo latino fallor, que significa "enganar-se". Uma falácia é um raciocínio que aparenta ser válido mas não o é, já que esconde algum erro, seja por sua forma ou estrutura lógica (falácias formais), seja porque a informação que as premissas proporcionam não é pertinente (confusa, escassa, errônea ou ambígua) para a formação da conclusão (falácias não formais ou materiais). O estudo das falacias é antigo, e por isso muitas delas são conhecidas por seu nome latino. Entre as mais habituais, destacam: Falácias formais - Afirmação do consequente - Negação do antecedente - Falso silogismo disjuntivo Falácias não formais - Ad hominem (contra o homem) - Ad verecundiam (ao respeito ou apelação à autoridade) - Ad populum (às pessoas) - ex populo (das pessoas) - Tu quoque (você também) - Generalização precipitada (1)

(1) Temática Barsa - Filosofia (cópia)

Conhecimento: Certeza e Verdade Verdade e certeza O interesse da filosofia não se concentra apenas no processo de conhecimento e no papel que a percepção e o conceito desempenham nele. Um dos temas que mais a preocupam é o de como podemos estar seguros de que conhecemos. Perguntas como "O que é a verdade?", "É possível alcançar um conhecimento verdadeiro?", "Existe a realidade à margem daquilo que conhecemos sobre ela?", "É possível conhecer algo?"

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tem sido objeto de reflexão, mas não foi possível chegar a nenhuma resposta definitiva. Verdade e certeza são dois conceitos-chave nesse contexto de problemas. A partir da perspectiva do objeto que se pretende conhecer, falamos da verdade (de conhecimento verdadeiro ou falso); a partir da perspectiva do sujeito que conhece, falamos dos diferentes graus de certeza ou segurança que acompanham esse conhecimento.

Aparência e realidade Uma das primeiras perguntas que a filosofia se faz é se as coisas são exatamente como parecem. Perguntar-se sobre isto equivale a se perguntar se o aspecto das coisas corresponde ao que elas efetivamente são. Essa formulação pressupõe a existência de uma dualidade: a aparência das coisas e sua verdadeira realidade. A palavra "aparência" está relacionada etimologicamente com o verbo aparecer, mas também é usada para indicar que algo não é o que parece - nesse casso, a palavra "aparência" está relacionada com o verbo "parecer". Nesse último sentido, pressupõe-se a existência de um engano da aparência, de uma ocultação da realidade por trás da aparência. Frequentemente, os dois sentidos da palavra se superpõem: o aparecer das coisas é percebido como enganoso e procura-se descobrir sua verdadeira realidade. Nossa própria experiência comum - e não exclusivamente a filosófica ou científica - conduz-nos a essa reflexão: o bastão na água "parece" torto, o Sol "parece" bastante pequeno, a água e o gelo "parecem" coisas diferentes etc. Em qualquer dos casos, falar de aparência implica sempre remeter a algo diferente dela mesma - a realidade, aquilo de que é a aparência, algo com o qual mantém uma relação que é preciso elucidar. Uma forma de abordar essa relação é a partir do ponto de vista epistemológico (do grego episteme, "conhecimento": a epistemologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é o conhecimento), e a esse respeito o problema seria sobretudo o do valor cognoscitivo da percepção. A aparência é o aspecto das coisas quando as percebemos. Se supomos que mais além da aparência existe a autêntica realidade, esta não poderá ser captada pelos sentidos, mas conhecida apenas pelo entendimento ou pela razão. Justo com a diferença entre aparência e realidade, surge portanto uma distinção entre duas maneiras de conhecer: a sensível e a inteligível. Existe outra maneira de abordar o problema que não é estritamente epistemológico, mas também ontológico (do grego on, ontos, "aquilo que é": a ontologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é o ser, a realidade). Aqui a questão é saber se o que aparece (a aparência) é a própria realidade ou se, pelo contrário, a realidade se oculta por trás dessa aparência - sendo necessário, portanto, outro tipo de conhecimento. Os dois problemas o ontológico e o epistemológico - estão, portanto, estreitamente ligados.

A verdade O problema da relação entre aparência e realidade traz atrelado um outro problema: o da verdade. Distinguimos entre aparência e realidade porque pretendemos conhecer o que as coisas efetivamente são, mais além de sua aparência; pretendemos, por isso mesmo, que nosso conhecimento seja verdadeiro. Existe, portanto, uma verdade ontológica,

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referente às próprias coisas, e uma verdade epistemológica, referente a nosso conhecimento sobre elas. Os primeiros filósofos conceberam o acesso à verdadeira realidade (verdade ontológica) como um modo de "descobri-la": trata-se de tirar o véu das aparências para deixar que a verdade emerja por si mesma. Isso é justamente o que significa a palavra grega alethéia - verdade -, que provém de uma forma do verbo lanthano, que significa "permanecer oculto", mais a partícula a de negação. "Verdade" quer dizer, portanto, "desocultação", "desvelamento". No sentido ontológico, a verdade é entendida como autenticidade, e seu contrário - inautenticidade - é a aparência. No entanto, o significado mais habitual da palavra "verdade" é o que se refere a nosso conhecimento: já que todo conhecimento se expressa em proposições, falar de "verdade" é falar da verdade das proposições.

A verdade formal e a verdade fáctica Uma proposição é uma ideia ou pensamento que afirma ou nega alguma coisa. Dependendo dos tipos de proposições, podemos distinguir entre dois tipos de verdade: a fáctica e a formal. As verdades formais (Leibniz as chama de "verdades de razão" e Kant de "juízos analíticos a priori") são proposições analíticas: necessariamente verdadeiras (é impossível que sejam falsas) em virtude do significado outorgado a seus termos. É contraditório, e não simplesmente falso negar uma proposição analítica verdadeira. A verdade dessas proposições não depende da experiência. Sua estrutura é "A é A", ou então podem ser deduzidas logicamente de proposições que têm essa estrutura. Um exemplo desse tipo de proposição é: "O triângulo é uma figura que tem três lados". São desse tipo as proposições da lógica e das matemáticas, as chamadas ciências formais. E também proposições puramente verbais, como "todo solteiro é um não-casado". As verdades de fato (Leibniz as chama de "verdades de fato" e Kant de "juízos sintéticos a posteriori") são proposições sintéticas: são informativas, mas não necessariamente verdadeiras e sua negação não implica uma contradição, já que a relação entre sujeito e predicado não é necessária. Ou seja, analisando o sujeito não obtemos necessariamente o predicado. Por exemplo: "os planetas giram ao redor do Sol". A verdade dessas proposições depende da experiência, dos fatos - daí o seu nome de fáticas. Uma vez que as verdades formais são necessariamente verdadeiras ou contraditórias, o problema da verdade se coloca em relação às verdades fácticas: como podemos saber se uma proposição é verdadeira?

Teorias sobre a verdade: a verdade como correspondência A teoria clássica sobre a verdade é a teoria da correspondência: uma proposição é verdadeira se corresponde ou se adapta à realidade — quer dizer, quando descreve um estado de coisas que ocorre na realidade. A proposição "A neve é branca" é verdadeira

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porque corresponde aos fatos; por outro lado, a proposição "A Lua não gira ao redor da Terra" é falsa porque não corresponde aos fatos. A teoria da correspondência parece ser uma exigência do senso comum, mas formula problemas importantes. A proposição expressa um juízo ou conteúdo mental sobre a realidade. Conforme vimos anteriormente, trata-se de uma representação sobre a realidade — não sendo, portanto, a própria realidade. Para saber se o que está em nossa mente "corresponde" ao que está fora dela, deveríamos sair de nós mesmos e comparar nossa representação da coisa com a própria coisa, o que é totalmente impossível. Dadas as dificuldades que essa teoria apresenta, criaram-se outras concepções sobre a verdade. No entanto, na maioria dos casos, essas concepções alternativas não questionam que a verdade consiste na correspondência com a realidade: o que elas questionam de fato é o critério para se decidir quando uma proposição é verdadeira.

A verdade como coerência Essa teoria sustenta que uma proposição é verdadeira se é coerente (ou consistente) com o resto das proposições de que faz parte. "Coerência" significa que a proposição em questão não se contradiz com o conjunto de proposições, quer dizer, que é logicamente compatível com o sistema a que pertence. A verdade é o resultado de uma relação entre proposições, e não de uma relação entre duas coisas de naturezas diferentes: as proposições e a realidade. Essa concepção da verdade pode ser aplicada tanto às proposições fácticas quanto às proposições das ciências formais. Por exemplo: a afirmação "os duendes da floresta cantam pela manhã", que na aparência se refere a fatos observáveis, não é coerente com o resto das proposições científicas — e, portanto, podemos afirmar que é falso. A proposição "dois mais dois são quatro", que é a expressão de uma operação matemática, é verdadeira, pois faz parte do cálculo dos números naturais. Um dos problemas que apresenta essa teoria é que ela permite saber se uma proposição é verdadeira — se é coerente com o conjunto —, mas não permite decidir se o conjunto a que pertence é verdadeiro ou não.

A verdade como evidência A palavra "evidência" provém do latim evidentia, ae, que significa clareza, transparência, visibilidade. Evidente, portanto, é aquilo que se vê claramente. Quando alguma coisa nos parece evidente, nós a aceitamos como verdadeira. A evidência exige a presença imediata do objeto, que pode ser uma coisa: "A evidência é a presença para a consciência do objeto em pessoa. Uma evidência é uma presença", nas palavras de Sartre. Mas também pode ser uma ideia — essa é, por exemplo, a concepção de Descartes. Para esse pensador, as ideias evidentes, quer dizer, as ideias que minha razão vê com clareza, as ideias que estão fora de qualquer dúvida, são ideias verdadeiras: a evidência das ideias que provêm dos sentidos não tem o mesmo valor cognoscitivo.

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A verdade como utilidade Segundo essa teoria, uma proposição é verdadeira se é útil ou eficaz na prática. Essa teoria não está em desacordo com a verdade como correspondência, mas entende a adequação, não como a adequação entre a cópia ou representação e a realidade, mas como adequação a um objetivo: uma proposição é verdadeira se é útil ou eficaz com vista à obtenção de algum fim. Os defensores dessa teoria são os pragmatistas principalmente William James (1842-1910) e Charles S. Peirce (1839-1914). No fundo dessa concepção, está presente a ideia de que o ser humano é um ser que age e que, portanto, tem fins e objetivos e meios ou métodos para poder atingi-los. Os filósofos pragmatistas não querem afirmar que qualquer proposição que nos seja benéfica é verdadeira — só o será caso se ajuste aos acontecimentos. A utilidade pode apenas decidir sobre a verdade provisória de uma proposição; se, no futuro, encontra-se uma explicação mais satisfatória, a proposição anterior terá deixado de ser útil e, portanto, verdadeiro. Por outro lado, segundo essa teoria da utilidade, só podemos estabelecer a verdade de uma proposição se verificarmos efetivamente os fatos, exigência que não ocorre na teoria da correspondência, em que uma proposição pode ser verdadeira ainda que não a tenhamos comprovado.

A verdade como consenso Esta teoria sustenta que é verdadeira aquela proposição que reflete o consenso, o acordo a que chegaram determinados interlocutores. Essa teoria é fundada sobre a reflexão de que a verdade não pode ser um fato privado do sujeito que chegou a ela, mas que precisa ser comunicada e compartilhada por todos — quer dizer, intersubjetiva. No caso dos problemas da ciência, o consenso deve ser atingido pela comunidade científica. Atualmente, a concepção da verdade como consenso é defendida por K. O. Appel e J. Habermas, para quem o acordo a que os interlocutores devem chegar tem de ser produzido em algumas condições ideais de diálogo: que cada um se expresse em igualdade de condições com os outros, e com a mesma liberdade e independência de critério. As objeções que podem ser feitas à teoria da verdade como consenso são as de que, por um lado, existem condições ideais; e, por outro lado, que a verdade acaba sendo uma questão de acordo e, portanto, convencional.

A crença e o saber O resultado da atividade de conhecer pode ser a crença ou o saber. A crença é o assentimento ou aceitação de uma proposição considerada verdadeira. O objeto de uma crença é sempre uma proposição, quer dizer, a crença tem a seguinte fórmula lógica: "Creio que 'p', onde 'p' é uma proposição". O problema é, certamente, em quais casos se justifica a crença em determinada ideia ou proposição.

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Justificar uma crença é poder estabelecer suas razões, o que a transforma numa crença racional. A crença irracional é, pelo contrário, a crença não fundamentada em razões ou fundamentada em razões não pertinentes, quer dizer, que não vêm ao caso. Ainda assim, o fato de que a crença seja racional não significa que seja verdadeira — daí podermos considerar que, embora o racional seja atribuir razões a nossas crenças, também é racional aceitar que talvez só possamos aspirar a crenças prováveis, até muito prováveis, mas não a crenças infalíveis. A crença só se constitui em saber se estiver justificada e for verdadeira. Assim, podemos dizer que sabemos que os planetas do sistema solar são nove, ou que a soma dos ângulos de um triângulo é 180 graus. Essa modalidade de saber — que as denomina "saber o que" — não admite graus (ou se sabe ou não se sabe) e pode ser aprendida. Existe outra modalidade de saber — "saber como" — que se refere às estratégias e instrumentos necessários para fazer coisas ou atingir um objetivo. Consiste, portanto, em dominar certas habilidades: é um saber prático que se pode aprender e aprimorar e que, além disso, admite graus.

A certeza O saber é uma crença verdadeira a que podemos atribuir razões. Ele vem acompanhado de um sentimento de segurança sobre a verdade daquilo em que cremos. Esse sentimento de segurança é a certeza, que não é uma propriedade das ideias, mas um estado do sujeito; nesse sentido, dizemos que a crença é subjetiva. A certeza é causada normalmente pela evidência: esta outorga tamanha força à ideia que faz com que nosso sentimento de segurança seja praticamente inevitável. Quando alguma coisa nos parece evidente, não podemos deixar de concordar: estamos certos e seguros de que hoje o Sol saiu ou de que dois mais dois são quatro. O contrário de certeza é a dúvida. Nesse caso, flutuamos entre duas proposições, sem sabermos por qual decidirmos — seja porque carecemos de razões para dar nosso assentimento, seja porque as razões que apoiam as duas proposições estão equilibradas. Em alguns casos a dúvida é uma atitude deliberada, um ato da vontade com a intenção de ganhar, justamente por meio dela, alguma certeza racional. Esse é o caso de Descartes, que faz da dúvida metódica a via de acesso à ideia da qual não é possível duvidar: que sou uma coisa que pensa (cogito, ergo, sum). (1)

(1) Temática Barsa Filosofia (cópia)

Conhecimento: Análise Lógica Análise Lógica

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Para determinar quais são os raciocínios corretos ou válidos, a lógica utiliza uma linguagem artificial, formalizada, alheia às ambiguidades das linguagens naturais. Essa linguagem formal, sem conteúdo semântico, poderá ser interpretada mais tarde pelas proposições da linguagem natural. A lógica, entretanto, efetua a análise das proposições da linguagem natural de diferentes maneiras, levando ou não em conta sua estrutura interna. Por isso, deve-se entender a lógica como um conjunto de cálculos (ou linguagens formalizadas), cada um deles apropriado para aplicação no âmbito específico dos problemas formulados. Os mais elementares, mas que constituem a base da resolução de problemas lógicos de maior envergadura, são os da lógica de enunciados, ou proposicional, e a lógica de classes. Lógica proposiocional Simbologia da lógica proposicional Regras de formação Verdade e falsidade Raciocínio e regras de inferência Lógica de predicados Lógica de classes Simbologia da lógica de classes Diagramas de Venn Leis da lógica de classes (1) (1) Temática Barsa Filosofia (cópia)

Consciência Consciência. Etimologicamente, um saber testemunhado ou concomitante. Simplesmente definida, a consciência é a função pela qual conhecemos a nossa vida interior (v. inconsciência). (1) Consciência. Do latim conscientia, conhecimento de algo partilhado com alguém. 1. A percepção imediata mais ou menos clara, pelo sujeito, daquilo que se passa nele mesmo ou fora dele (sinônimo de consciência psicológica). A consciência espontânea é a impressão primeira que o sujeito tem de seus estados psíquicos. Difere da consciência reflexiva, ou seja, do retorno do sujeito a sua impressão primeira, permitindo-lhe distinguir o seu Eu de seus estados psíquicos. Campo de consciência é o conjunto dos fatos psíquicos presentes na consciência do indivíduo.

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2. Do ponto de vista moral, a consciência é o juízo prático pelos quais nós, como sujeitos, podemos distinguir o bem e o mal e apreciar moralmente nossos atos e os atos dos outros. Nesse sentido, falamos de consciência moral. Quando dizemos que alguém tem boa consciência, queremos significar que possui um sentimento, fundado ou não, de ser irrepreensível nesse ou naquele ato de sua conduta geral. A expressão má consciência é utilizada para designar o sentimento de mal-estar ou de culpa moral, de arrependimento ou de remorso, de um indivíduo que não conseguiu realizar bem, como queria, ou não conseguiu realizar completamente o seu dever, aquilo pelo que se julgava responsável. (2)

Consciência (moral). Em sentido amplo, entende-se por "consciência" a capacidade de perceber as realidades internas e externas. É o fluxo interior em constante movimento, que constitui nosso campo de conhecimentos, sensações, afetos e emoções. O que nos interessa aqui é a consciência em seu sentido moral, isto é, como capacidade do homem de avaliar interiormente o que há de bom ou de mau em suas ações. O sentido de "consciência" não é o mesmo que o de "lei". A lei sempre expressa as normas gerais de conduta. A consciência, ao contrário, é a luz concreta que ilumina o homem em seu "aqui e agora" sobre o que há de bom ou de mau em uma ação. Costuma acompanhar-se de uma deliberação, através da qual se estabelece um imperativo: "faça isto" ou "não o faça". Também se entende por "consciência" o ditame posterior à ação, que aprova o fato com complacência interior ou o reprova com intranquilidade e tristeza. A consciência reveste-se de uma importância fundamental para toda a vida moral e para o livre desenvolvimento do homem até o seu fim. A consciência possui uma dimensão inata à medida que a luz da razão tende a apontar as normas da ação, e impele-nos para o bem e afasta-nos do mal. Mas a educação também exerce influência decisiva na criação dos modelos concretos de bem e no desenvolvimento dos sentimentos de aprovação ou rejeição que acompanham nossas

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ações. A educação interioriza no jovem uma imagem social que se torna normativa para ele e que se faz acompanhar de sentimentos gratificantes quando sua conduta adapta-se ao modelo. A influência do pai e da mãe nessa tarefa também é fundamental, mesmo quando o indivíduo se torna capaz de formar-se e aperfeiçoar a própria consciência por meio da sua ação livre. Uma tendência excessivamente racionalista acredita na possibilidade da formação da consciência exclusivamente por meio das ideias, claras e nobres. Mas a realidade nos mostra que se trata de um processo vital, no qual os sentimentos e modelos seguidos exercem uma influência decisiva. A reta formação da consciência constitui uma tarefa fundamental para a família e para a escola cristãs. Na Bíblia, a consciência costuma ser designada como "coração". Ou seja, trata-se da dimensão exterior da lei ou das realizações externas. No mito do paraíso já se revela o drama da consciência humana, através da qual se realiza a liberdade. Adão e Eva deliberam sobre a sua conduta futura. Por um lado, sentem a atração da fruta e o anseio da autonomia que lhes é sugerido pela serpente. E agem livremente, mesmo contra aquilo que sua consciência lhes aponta como justo. A presença posterior de Deus e as acusações contra a conduta adotada constituem a encenação da voz da consciência, que os acusa pela ação cometida (Gn. 3). O relato de Caim e Abel também também dramatiza a deliberação e o sentimento da consciência intranquila após o crime: "Por que estás irritado e por que o teu rosto está abatido? Se estás bem disposto, não levantarias a cabeça? Os profetas constituem uma consciência social viva na história de Israel. Diante da falta de desenvolvimento da consciência interior do povo, a Lei se havia tornado a expressão primeira da vontade de Deus, à qual todos tinham de se adaptar em cada situação concreta. Mas a Lei era letra morta e, além disso, exterior. Assim, com sua palavra ardorosa e eficaz, os profetas despertam a consciência dos homens, ricos e pobres, sacerdotes e leigos, tendo em vista uma justa conduta aos olhos de Deus. Antes da vinda de Cristo, os fariseus procuraram realizar a santidade da Lei através de uma exatidão escrupulosa. Mas, desprezando a voz interior da consciência, que se adapta à realidade concreta, aplicando o bem ou o mal às circunstâncias concretas, quiseram ater-se à Lei de forma objetiva e calculada. O resultado foi a desumanização da santidade e o abandono dos bens supremos do amor pelas insignificâncias mais meticulosas da antiga Lei (Mt 12,1ss; 23, 13, 27-28*). Já Cristo combate a moral exterior e codificada nos preceitos, e revela o valor íntimo da consciência aberta para o olhar de Deus. Paulo desenvolveu grandemente a doutrina sobre a consciência. A moralidade não pode estar ligada à Lei, que é exterior e não é conhecida pelos gentios. Dentro do homem está a sua consciência que lhe serve como lei. Em virtude da normatividade da consciência, destaca-se a importância da reta formação da consciência desde a infância. Ela deve ser colocada em harmonia com Deus e a sociedade. Há, porém, algumas deficiências na formação da consciência: utilizar o medo e o sentimento de culpa para inculcar uma moralidade que deixa de ser adulta à medida que está condicionada pelo medo. O individualismo é outra deficiência na formação da consciência cristã. Partindo-se do sujeito, pretende-se orientá-lo para a sua própria perfeição e santidade. Mas a

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consciência cristã só pode ter como norma o amor, preferencialmente pelos mais abandonados. Deve-se evitar a crescente influência no mundo moderno no sentido de desprezar os valores morais. Sem uma atitude enérgica de moral nenhum povo poderá superar a mediocridade nem o subdesenvolvimento. O Cristianismo pretende chegar a uma moralidade adulta e consciente. Não deve se manter pelo medo ou pela imposição, mas sim pela convicção pessoal do bem, amado no fundo do coração. Conflito. Pode-se operar males reais e objetivos com boas intenções, assim como se pode realizar boas obras com más intenções. Trata-se do conflito entre o pessoal e o social, entre a realidade e o nosso modo de conhecê-la. Hoje, insiste-se em que é necessário superar o casuísmo moral tendo em vista a formação da consciência. O casuísmo se resume na exposição de casos diversos e na adequada atitude que se deveria tomar diante deles. A solução de casos estereotipados acaba por desprezar a pessoa. Hoje, insiste-se na necessidade de uma dimensão comunitária para a solução dos problemas morais graves. A tentativa de solucioná-los a partir de um enfoque simplesmente particular e individualista implica sempre o risco de cair em uma solução unilateral e falsa. Dimensão espiritual de cada problema moral. A consciência moral deve formar-se na relação direta com Deus e com a participação das luzes do espírito. Paulo diz que o homem espiritual tem uma possibilidade nova de julgar todas as coisas com a força de Deus (1 Cor 1, 14-16). Problema referente ao Poder do Estado - Respeito à liberdade de consciência. A consciência constitui um santuário pessoal, em que cada pessoa se expande, sem coação nem repressão. O homem tem direito de ver sua consciência respeitada, mesmo quando erra. Pode-se chamá-lo a abandonar essa atitude ou opinião. (4)

Mais informações:

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Consciência e Conhecimento Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Sobre a Consciência: 4.1. Como Ato Vivencial; 4.2. Consciência Mítica; 4.3. Consciência Racional. 5. Sobre o Conhecimento: 5.1. Relação Sujeito e Objeto; 5.2. Funções do Conhecimento; 5.3. Conhecimento e Consciência. 6. Consciência, Conhecimento e Espiritismo: 6.1. A Trajetória do Princípio Inteligente; 6.2. Remorso e Satisfação; 6.3. Mais Instruções dos Espíritos. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

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No que consiste o conhecimento? Pode-se distinguir o conhecimento da opinião? O que significa consciência? Há relação entre consciência e conhecimento? Que tipo de subsídios o Espiritismo pode nos oferecer para uma melhor compreensão do tema? 2. CONCEITO Consciência significa etimologicamente um saber testemunhado ou concomitante. Concomitante. Diz-se de coisa que acompanha outra sendo esta principal que se produz ao mesmo tempo; simultâneo. Por analogia, dualidade ou multiplicidade de saberes ou de aspectos num mesmo e único ato de conhecimento. (Polis) Conhecimento. Conhecer é uma atividade mental por meio da qual o ser humano se apropria do mundo ao seu redor. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este par de termos consciência e conhecimento acompanha o ser humano desde longa data. Observe a proposta socrática do conhece-te a ti mesmo, em que o indivíduo é convidado a tomar consciência de si mesmo, do seu próprio conhecimento, da sua ignorância. Ao longo do tempo, não foram poucos os problemas levantados pelos diversos filósofos. Situemos alguns deles: o que pode ser conhecido? É possível um conhecimento absoluto? Como é possível o conhecimento, se Sócrates disse que sabia que nada sabia? Por que os homens desejam conhecer? Até onde pode chegar o conhecimento humano? Pode-se analisar Deus em termos racionais? Sensação e conhecimento implicam sempre consciência? Todo conhecimento provém da experiência? Há conhecimento inato? 4. SOBRE A CONSCIÊNCIA 4.1. COMO ATO VIVENCIAL A consciência deve ser compreendida como um ato vivencial. O ser humano é um ser consciente em que o sujeito se opõe ao objeto. Há, assim, uma posição dialética com relação ao objeto de conhecimento e assim faz-se a sua história. Num primeiro instante, há uma abertura para a realidade. Em virtude da relação dialética, ao mesmo tempo em que o sujeito afirma a consciência-dealgo, afirma também a consciência de si. Como na dialética, pressupõe-se uma síntese, esta é obtida pela confluência das duas posições: a do sujeito e a do objeto. (Perine, 2007, cap. 2) 4.2. CONSCIÊNCIA MÍTICA O ser humano, como indivíduo em face do mundo, começou o seu grau evolutivo pelo conhecimento do mito. A filosofia, desde o seu aparecimento, estabeleceu uma relação de amizade e de confronto com o mito. O mito, antes de tudo, é uma palavra, ou melhor, uma das formas do discurso humano. O mito assumia a palavra com caráter de sagrado. No mito, temos a metáfora, que é a transferência de sentido. O logos filosófico não punha por terra o mito, mas tentava dar-lhe uma forma demonstrativa, um fundamento baseado na razão, daí a consciência racional. (Perine, 2007, cap. 2) 4.3. CONSCIÊNCIA RACIONAL A consciência racional caracteriza-se pelo uso da razão na obtenção de conhecimento e da oposição do sujeito ao universal. Na consciência mítica, há uma oposição do sujeito com relação ao mundo; aqui, uma oposição com o universal. A abstração dos conhecimentos está calcada no princípio da liberdade, em que a luz do bem unifica a consciência. O bem dá liberdade ao

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individuo de fazer as suas escolhas. Ao fazer as escolhas, torna-se, também, responsável pelos seus próprios atos. (Perine, 2007, cap. 2) 5. SOBRE O CONHECIMENTO 5.1. RELAÇÃO SUJEITO E OBJETO O conhecimento é a relação que existe entre o "observador" e a "coisa observada". A realidade é o que é. Ela não é falsa nem verdadeira. Verdadeiros ou falsos são os nossos juízos acerca da mesma. Se a imagem que fazemos de um objeto coincide com o que ele é, estamos de posse da verdade; se, ao contrário, houve um viés, estamos em erro. Assim sendo, é muito mais importante a imagem que fazemos do objeto do que ele próprio. 5.2. FUNÇÕES DO CONHECIMENTO O filósofo Xavier Zubiri atribui três funções ao conhecimento: 1) distinguir o que é daquilo que não é, distinguir a essência da aparência, o real do ilusório; definir, 2) determinar e especificar o que são as coisas, captando suas diferenças em relação às outras; 3) entender por que as coisas são como são. (Temática Barsa) 5.3. CONHECIMENTO E CONSCIÊNCIA Conhecimento é um fenômeno consciente. Conhecer é ter consciência de alguma coisa "ter consciência de qualquer coisa, ser dela consciente e conhecê-la é identicamente a mesma coisa". Em todo ato de conhecimento, por mais simples e elementar, é presente, ao menos implicitamente, a reflexão (consciência do eu), que opõe um sujeito a um objeto. O sujeito deve transcender no objeto mas não se perder a si mesmo. Adesão não desaparecimento. 6. CONSCIÊNCIA, CONHECIMENTO E ESPIRITISMO 6.1. A TRAJETÓRIA DO PRINCÍPIO INTELIGENTE O princípio inteligente, estagiando no reino mineral, adquiriu a atração; no reino vegetal, a sensação; no reino animal, o instinto; no reino hominal, o livrearbítrio, o pensamento contínuo e a razão. Nosso passado histórico propiciounos a automatização de hábitos e atitudes. Afirma-se que quanto mais desligado da matéria for o sujeito (Espírito), tanto mais perfeito será o seu conhecimento. A lei do progresso exige que o princípio inteligente vá-se despojando dos liames da matéria. Para que tenhamos um olhar crítico, devemos libertar-nos da obscuridade da matéria, consubstanciada no egoísmo, no orgulho e no interesse próprio. 6.2. REMORSO E SATISFAÇÃO Na página 245, da Revista Espírita de 1867, de Allan Kardec, os Espíritos superiores instruem-nos acerca do remorso e da satisfação interior. Diz-nos que o homem tem consciência que o adverte quando fez o bem ou fez o mal. Quer abafá-la pelo esquecimento, mas nunca é completamente abafada. O remorso, que penetra e tortura quando se praticou uma ação reprovada por Deus, pelos homens, pela honra e pelo senso moral, é como uma serpente de mil voltas, que exige reparação à pessoa a quem se fez o mal. Para pôr fim às suas torturas, seu orgulho se dobra e ele confessa os seus crimes. O remorso é um desenvolvimento do senso moral. Ele não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. Suponha que queiramos romper união qualquer: pai e filho, marido e mulher. Os Espíritos de luz advertem-nos de que devemos consultar a nossa consciência. Caso permaneça alguma rusga, alguma nevoa, devemos esperar um pouco mais.

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6.3. MAIS INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS "Deus criou todos os Espíritos iguais, simples, inocentes, sem vícios, e sem virtudes, mas com o livre arbítrio de regular suas ações segundo um instinto que se chama consciência, e que lhes dá o poder de distinguir o bem e o mal. Cada Espírito está destinado à mais alta perfeição junto a Deus e do Cristo; para ali chegar, deve adquirir todos os conhecimentos pelo estudo de todas as ciências, se iniciar em todas as verdades, se depurar pela prática de todas as virtudes; ora, como essas qualidades superiores não podem ser obtidas em uma única vida, todos devem percorrer várias existências para adquirir os diferentes graus de saber". (Kardec, 1862, p. 84) 7. CONCLUSÃO Quanto mais conhecimento, mais consciência, mais responsabilidade e mais liberdade. O conhecimento livra-nos da cegueira do coração e lança-nos à imensidão do desconhecido, mas com a certeza de desvendá-lo pouco a pouco. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Kardec, Allan. Revista Espírita de 1862. Kardec, Allan. Revista Espírita de 1867. PERINE, Marcelo. Ensaio de Iniciação ao Filosofar. São Paulo: Loyola, 2007. POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. TEMÁTICA BARSA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005. São Paulo, dezembro de 2009 = = =>>

Lei e Consciência Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Histórico. 3. Lei e Lei Natural: 3.1. Definição de Lei; 3.2. Considerações sobre a Lei: 3.2.1. Lei Física; 3.2.2. Lei Moral; 3.2.3. Lei Natural; 3.3. Conhecimento da Lei Natural; 3.4. Divisão da Lei Natural. 4. Consciência: 4.1. Definição de Consciência; 4.2. Graus da Consciência; 4.3. Consciência e Inconsciência; 4.4. A Casa Mental. 5. Bíblia, Jesus e Espiritismo: 5.1. Bíblia; 5.2. Jesus Cristo; 5.3. Espiritismo. 6. Conclusão. 7. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é mostrar a relevância da Lei Natural em todos os nossos comportamentos: em casa, no escritório ou na sociedade. Os tópicos para o desenvolvimento do tema são: pequeno escorço histórico, análise da Lei em seus vários aspectos, a consciência (moral): o bem e o mal, o Velho e o Novo Testamento, a aplicação prática da Lei e o Espiritismo. 2. HISTÓRICO As Leis Naturais existem desde sempre: elas são tão velhas quanto o próprio Deus. Na Antigüidade, embora os grandes filósofos não a expressassem textualmente, podemos lê-las nas entrelinhas dos seus discursos. Sócrates e Platão falavam que o homem devia agir de acordo com a sua consciência, ou seja, praticar as virtudes que nada mais é do que escolher com justiça o bem e se apartar do mal. No campo político, Platão falava de um estado ideal, em que os mais sábios deviam governar por serem os mais conhecedores dessas leis da natureza. A defesa textual desta lei natural começa a tomar corpo, principalmente no campo político, a partir de 1500. Commins no livro The Political Philosophers

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faz uma síntese das obras políticas de vários autores. Entre tais pensadores, citamos: Thomas Hobbes (1588-1679) — A República, de acordo o próprio autor, nada mais é do que a aplicação da lei natural, conhecida como lei áurea: "Não fazermos aos outros o que não gostaríamos que fosse feito a nós". Em essência é o contrato celebrado por todos os participantes, em que uns delegam poderes aos outros, considerados mais sábios, a fim de poderem administrar a coisa pública. As pessoas investidas de poder devem visar não os seus interesses particulares, mas os da maioria, ou seja, da república constituída. John Locke (1632-1704) — Sobre o Governo Civil. Começa o seu discurso reportando-se ao estado natural, em que viviam Adão e Eva. Naquela época, a Lei Natural e a Razão eram os elementos necessários para direcionar os atos de cada um. É, pois, sobre a hipótese da existência de uma lei natural, que traça o roteiro do seu livro. Significa dizer que o objetivo central do ser humano é conhecer melhor a Lei Divina, a qual o norteará no relacionamento consigo mesmo e com os demais. A função do um governo civil é por em prática essa lei, auxiliando cada membro a compreendê-la melhor. John Stuart Mill (1806-1873) — O mais eminente do grupo de filósofos britânicos do século XIX, propôs e desenvolveu a doutrina do utilitarismo. Ele foi um reformador social, um defensor da liberdade tanto política quanto pessoal e um filósofo e lógico de considerável importância. Seu trabalho On Liberty, publicado em 1859, discute os sistemas legais e governamentais. Na introdução do seu ensaio dizia que a única liberdade que merece o nome de liberdade é aquela em que cada um procurando o seu próprio interesse não prejudica o próximo a conquistar o dele. Acha ele que as pessoas devem ser livres, mas muitas vezes acontece que os governos são constituídos de forma arbitrária. É a partir daí que discute todo o problema envolvido entre a autoridade e a liberdade. Adam Smith (1723-1790) — A Riqueza das Nações não foi uma obra original na acepção da palavra. Na verdade é o esforço que Adam Smith empreendera para juntar num todo as teorias que os outros seus contemporâneos pinçavam aqui e ali. Queria dar uma resposta mais coerente às indagações levantadas na sua Teoria sobre os Sentimentos Morais, ou seja, como o interesse próprio pode gerar o bem-estar da sociedade. Tenta, também, partindo de uma confusão inicial visualizar o todo harmônico. O nosso propósito é tratar mais especificamente da Lei e da consciência e não do conteúdo político social. 3. LEI E LEI NATURAL 3.1. DEFINIÇÃO DE LEI Lei — Aurélio, no seu Dicionário, anota vários sentidos, entre os quais: norma, preceito, princípio, regra; obrigação imposta pela consciência e pela sociedade. 3.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 3.2.1. LEI FÍSICA Há vários fenômenos que a ciência deve buscar respostas, pois tudo gira em torno de pressupostos que emanam da mente humana. Assim, ao longo do tempo, muitas ciências apareceram para dar respostas às mais diversas indagações. Aos fenômenos físicos surgiu a física, aos astronômicos, a astronomia, aos psicológicos, a psicologia e assim por diante.

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Alguns pensadores, como Hume, mostraram que essa lei surge com o COSTUME. Pergunta-se: Por que a construção da ponte de um jeito fica de pé e de outro cai? 3.2.2. LEI MORAL Paralelamente à lei física, que cabe às ciências particulares buscar as explicações, temos as leis morais. Estas pertencem à alma e concernem às noções do bem e do mal. Cabe ao Espiritismo desvendá-las. 3.2.3. LEI NATURAL Refere-se tanto à lei física quanto à lei moral. Ela regula todos os acontecimentos no universo. São leis eternas, imutáveis, não estão sujeitas ao tempo, nem à circunstância, embora tenham em si o elemento do progresso. Mas como o homem faz para conhecê-la? Há dois elementos básicos: unidade e universalidade. A lei matemática em que dois mais dois são quatro existe em todo o lugar do universo. Independe de tempo e espaço. 3.3. CONHECIMENTO DA LEI NATURAL Na pergunta 621 de O Livro dos Espíritos - Onde está escrita a lei de Deus? Os Espíritos respondem que está escrita na consciência do ser. E em seguida dizem que há necessidade de sermos lembrados porque havíamos esquecidos. Como entender que a lei está escrita em nossa consciência? De acordo com os princípios doutrinários, codificados por Allan Kardec, fomos criados simples e ignorantes, sujeitos ao progresso. Nesse sentido, o Espírito André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos, explica-nos que no reino mineral recebemos a atração; no reino vegetal a sensação; no reino animal o instinto; no reino hominal o pensamento contínuo, o livre-arbítrio e a razão. São os pródomos da lei moral, cujo objetivo é transformar os homens em "anjos", "arcanjos" e "querubins". É a potencialização das virtualidades de cada ser. 3.4. DIVISÃO DA LEI NATURAL PILASTRA_DC — Sigla para lembrarmos das dez Leis Naturais. P da Lei do Progresso, I da Lei de Igualdade, L da Lei de Liberdade, A da Lei de Adoração, S da Lei de Sociedade, T da Lei do Trabalho, R da Lei de Reprodução, A da Lei de Justiça, Amor e Caridade, D da Lei de Destruição e C da Lei de Conservação. Na pergunta 648 de O Livro dos Espíritos — Que pensais da divisão da lei natural em dez partes? — "Essa divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés e pode abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial. Podes segui-la, sem que ela tenha entretanto nada de absoluto, como não o têm os demais sistemas de classificação, que dependem sempre do ponto de vista sob o qual se considera um assunto. A Lei de Justiça, Amor e Caridade é a mais importante; é por ela que o homem pode avançar mais na vida espiritual, porque resume todas as outras". 4. CONSCIÊNCIA 4.1. DEFINIÇÃO DE CONSCIÊNCIA Consciência - do lat. conscientia significa etimologicamente um saber testemunhado ou concomitante. Por analogia, dualidade ou multiplicidade de saberes ou de aspectos num mesmo e único ato de conhecimento. Em sentido amplo, entende-se por "consciência" a capacidade de perceber as realidades internas e externas. Na teologia e ética, o termo refere-se ao senso interior do certo e do errado quando de uma escolha moral. É o seu sentido moral.

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Escreve A. Montalvão: "Em qualquer ato de conhecimento há sempre um indivíduo que pretende conhecer, que é o "sujeito do conhecimento", e um assunto que deve ficar conhecido, que é o "objeto do conhecimento". O sentido de "consciência" não é o mesmo que o de "lei". A lei sempre expressa as normas gerais de conduta. A consciência, ao contrário, é a luz concreta que ilumina o homem em seu "aqui e agora" sobre o que há de bom ou de mal em uma ação. (Santos, 1965) 4.2. GRAUS DA CONSCIÊNCIA Na psicologia clássica, distinguem-se dois modos ou graus de consciência: Consciência espontânea - é a consciência direta, imediata, primitiva, isto é, não separada do objeto. Consciência reflexiva (do latim reflexu + ivo = voltado para trás) - é a consciência mediata, é o retorno do espírito sobre as idéias. Ela é dirigida para as idéias. As pessoas emotivas têm o campo da consciência mais estreito do que as não emotivas. (Santos, 1965) 4.3. CONSCIÊNCIA E INCONSCIÊNCIA Apesar de sua base etimológica precisa e clara, enquanto negação da consciência, torna-se contudo extremamente difícil definir o inconsciente. Podese, também, definir a inconsciência com relação ao ser: que não possui qualquer consciência (átomo); que é pouco ou nada capaz de debruçar sobre si próprio, e (relativamente) que não tem consciência de tal fato particular: "uma alma inconsciente das suas verdadeiras crenças". Muitos são os psicólogos que negam a existência de fenômenos psicológicos inconscientes, pois alegam que, sendo a consciência própria do pensamento, o que não é consciência, deixa de ser psicológico. Crítica - Uma análise dos fatos da vida mostra-nos, patentemente, o quanto o inconsciente penetra e intervém no que fazemos. O pianista, ao executar um trecho da música não é consciente de todos os seus movimentos; o mesmo acontece com o operário ou o artista. Mozart declara ter ouvido todo um acorde, antes de compor uma melodia — o consciente, nesse caso, estaria ligado ao trabalho de coordenação. (Santos, 1965) 4.4. A CASA MENTAL O Espírito André Luiz, no livro No Mundo Maior, explica-nos que não podemos dizer que possuímos três cérebros simultaneamente. Temos apenas um que se divide em três regiões distintas. Tomemo-lo como se fosse um castelo de três andares: subconsciente: 1º andar, onde situamos a residência de nossos impulsos automáticos, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados - hábitos e automatismos; consciente: 2º andar, localizamos o "domínio das conquistas atuais", onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando esforço e vontade; superconsciente: 3º andar, temos a "casa das noções superiores", indicando as iminências que nos cumpre atingir - ideal e meta superiores. (Xavier, No Mundo Maior, 1977, p. 47) 5. BÍBLIA, JESUS E ESPIRITISMO 5.1. BÍBLIA Na Bíblia, a consciência costuma ser designada como "coração". Ou seja, trata-se da dimensão interior do homem, em contraposição com a dimensão

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exterior da lei ou das realizações externas. No mito do paraíso já se revela o drama da consciência humana, através da qual se realiza a liberdade. Adão e Eva deliberam sobre a sua conduta futura. Por um lado, sentem o peso da ordem divina, mas, por outro lado, sentem a atração da fruta e o anseio da autonomia que lhes é sugerido pela serpente. E agem livremente, mesmo contra aquilo que sua consciência lhes aponta como justo. Os profetas constituem uma consciência social viva na história de Israel. Diante da falta de desenvolvimento de consciência interior do povo, a Lei se havia tornado a expressão primeira da vontade de Deus, à qual todos tinham de se adaptar em cada situação concreta. Mas a Lei era letra morta e, além disso, exterior. Assim, com a sua palavra ardorosa e eficaz, os profetas despertam a consciência dos homens, ricos e pobres, sacerdotes e leigos, tendo em vista uma justa conduta aos olhos de Deus. (Idígoras, 1983) 5.2. JESUS CRISTO Antes da vinda de Cristo, os fariseus procuraram realizar a santidade da Lei através de uma exatidão escrupulosa. Desprezando a voz interior da consciência, o resultado foi a desumanização da santidade e o abandono dos bens supremos do amor pelas insignificâncias mais meticulosas da antiga Lei. Já Cristo combate a moral exterior (codificada nos preceitos), e revela o valor íntimo da consciência aberta para o olhar de Deus. É Deus quem julga as intenções ocultas. Para Cristo, a lâmpada do corpo é o olho da intenção. Se esse olho for puro, o será também todo o corpo. Mas, se a luz do homem tornar-se trevas, ele só poderá caminhar rumo à perdição Paulo, o apóstolo dos gentios, desenvolveu grandemente a doutrina sobre a consciência. A moralidade não pode estar ligada à Lei, que é exterior e não é conhecida pelos gentios. Dentro do homem está a sua consciência, que lhe serve como lei. Quer dizer, se os gentios desconhecem a Lei, mas agem de acordo com a lei, eles mesmos são a Lei. (Idígoras, 1983) 5.3. ESPIRITISMO Lembremo-nos de que Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, nada inventou. Apenas que, com a ajuda dos Espíritos superiores, fornece-nos subsídios para melhor entender essa lei, que segundo os próprios Espíritos, está escrita em nossa consciência. É meditando sobre as questões de número 614 até 892 de O Livro dos Espíritos, que realmente alicerçaremos a nossa mente nos verdadeiros preceitos divinos sobre a nossa conduta interior e exterior. Em síntese: a Lei está no livro da natureza. 6. CONCLUSÃO Tomar consciência da Lei Natural é o melhor caminho que devemos seguir na vida. Saber ouvir, saber falar e principalmente saber refletir, a fim de não desprezarmos os deveres da consciência impostos por nós mesmos no íntimo de nosso coração. 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA COMMINS, S. e LINSCOTT, R. N. The World’s Great Thinkers - Man and the State: the Political Philosophers. New York, EUA, Random House, 1947. IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz, 4. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977. XAVIER, F. C. No Mundo Maior, pelo Espírito André Luiz. 7. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.

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São Paulo, setembro de 1997.

= = =>> CONCEITO DE CONSCIÊNCIA Consciência (do latim conscientia) significa etimologicamente um saber testemunhado ou concomitante. Por analogia, dualidade ou multiplicidade de saberes ou de aspectos num mesmo e único ato de conhecimento (1). Definida de forma simples, é através da consciência que conhecemos a nossa vida interior. Escreve A. Montalvão: “Em qualquer ato de conhecimento há sempre um indivíduo que pretende conhecer, que é o “sujeito do conhecimento”, e um assunto que deve ficar conhecido, que é o “objeto do conhecimento” (2).  GRAUS DE CONSCIÊNCIA Na psicologia clássica, distinguem-se dois modos ou graus de consciência: Consciência espontânea - é a consciência direta, imediata, primitiva, isto é, não separada do objeto. Consciência reflexiva (do latim reflexu + ivo = voltado para trás) - é a consciência mediata, é o retorno do espírito sobre as ideias. Ela é dirigida para as ideias. As pessoas emotivas têm o campo da consciência mais estreito do que as não emotivas (3). DESCARTES E KANT Sob a influência de Descartes, o pensamento moderno surge profundamente marcado pela problemática da Consciência, devido ao seu caráter de evidência da verdade. Dentro desse clima espiritual, situa-se a concepção kantiana da Consciência em geral como condição transcendental da possibilidade do conhecimento (1).  TIPOS DE CONSCIÊNCIA Liberdade de consciência, consciência religiosa, consciência infeliz, exame de consciência, comunicação da consciência, lei de tomada de consciência, consciência moral, boa consciência, má consciência, voz da consciência e campo da consciência.  CONCEITO DE INCONSCIÊNCIA Apesar de sua base etimológica precisa e clara, enquanto negação da consciência, torna-se contudo extremamente difícil definir o inconsciente.

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Pode-se, também, definir a inconsciência com relação ao ser: que não possui qualquer consciência (átomo); que é pouco ou nada capaz de debruçar sobre si próprio, e (relativamente) que não tem consciência de tal fato particular: “uma alma inconsciente das suas verdadeiras crenças” (4).  NEGAÇÃO DA INCONSCIÊNCIA Muitos são os psicólogos que negam a existência de fenômenos psicológicos inconscientes, pois alegam que, sendo a consciência própria do pensamento, o que não é consciência, deixa de ser psicológico. Crítica - Uma análise dos fatos da vida mostra-nos, patentemente, o quanto o inconsciente penetra e intervém no que fazemos. O pianista, ao executar um trecho da música não é consciente de todos os seus movimentos; o mesmo acontece com o operário ou o artista. Mozart declara ter ouvido todo um acorde, antes de compor uma melodia - o consciente, nesse caso, estaria ligado ao trabalho de coordenação (3).

<< = = = (1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.

Consenso Consenso. Do latim consensus, acordo, juízo unânime. Acordo estabelecido, entre indivíduos ou grupos, sobre seus sentimentos, opiniões, vontades etc., como condição para que haja uma concórdia social. Há consenso geral quando todos aderem a um princípio, a uma asserção, a uma crença ou a uma tomada de decisão como critério do melhor e do mais verdadeiro, a unanimidade sendo considerada como atitude mais razoável para a realização de determinado objetivo. (1)

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Consenso "geral". Redundância. Consenso assim se define: 1. Opinião ou posição tomada por um grupo como um todo ou por desejo da maioria; unanimidade de opinião; opinião geral; voz comum: O consenso dos eleitores era que as reformas poderiam ser implementadas. 2. Acordo geral: Nenhum governo obtém consenso da população. Nem mesmo Jesus Cristo obteve o consenso. 3. Modo de pensar da maioria; senso comum: A redução do número de sindicatos é consenso na reforma sindical. O nazismo era consenso na Alemanha, em 1941. 4. Autorização; consentimento; anuência: O diretor da escola deu seu consenso para fazer as reformas na escola. Ninguém esperava o consenso dos pais da moça nesse casamento. (2) Consenso Universal. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles diz explicitamente: "Aquilo em que todos consentem, dizemos que assim é, já que rejeitar semelhante crença significa renunciar ao que é mais digno de fé". (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) SACONNI, Luiz Antonio. Corrija-se de A a Z. 2. ed., São Paulo: Nova Geração, 2011.

Conservadorismo Conservadorismo. Conjunto de correntes doutrinárias e de movimentos políticos que assenta na consideração do caráter orgânico e natural da sociedade política, cujos valores se devem apreender e determinar pela consagração da História e da experiência, resultado essencialmente da descoberta e da organização e não da invenção e inovação. O que caracteriza o conservador (do vocábulo latino conservare, guardar) é a defesa de um mínimo ético de valores sociais estáveis, cuja vigência substancial deve ser preservada através das modificações históricas, mesmo sacrificando aspectos formais da sua consagração jurídico-institucional. Os valores do conservadorismo só encontram respostas através da determinação e análise histórica dos diversos "conservadorismos", já que o pensamento conservador, por princípio, rejeita a universalidade e uniformização dos modelos político-sociais. O pensamento conservador autodefine-se como "realista", por ser uma filosofia e um pensamento do que é, baseado na observação, na indução e na experiência, que contrapõe ao idealismo e utopismo dos seus adversários progressistas, ou reacionários. Para o conservador, a mudança não é movimento ou lei histórica necessários e, sobretudo, um pressuposto obrigatório de aperfeiçoamento dos indivíduos e da sociedade, já que a força, a riqueza e a independência individual e coletiva não estão ligadas a qualquer modelo racionalmente construído e intelectualmente predeterminado, mas resultam do jogo equilibrado das próprias forças sociais, segundo as regras provocadas pela experiência e pela tradição. A filosofia conservadora não busca um ótimo político-social, mas sim um equilíbrio e um modus vivendi sem rupturas nem conflitos agônicos no interior da comunidade.

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O conservador encara a tradição não como um repositório estático e inalterável de verdades definitivas, mas como uma súmula do que foi permanecendo através da mudança. Assim, para o conservador a religião, a pátria, a família, a propriedade são valores a defender e manter, mas cuja representação e realização são históricas, logo sujeitas à mudança nas suas manifestações externas e formais. A pluralidade de ideias e correntes em conflito numa sociedade não é uma conquista da idade contemporânea, mas surge como uma característica de qualquer sociedade. Exemplo: Em Roma, a "revolução dos Gracos". O conservadorismo aparecerá mais como um estilo, uma forma, um modelo de encarar a realidade social, do que com um conteúdo objetivo no plano dos valores, já que este conteúdo variará em função da época e do lugar. O conservadorismo nos países anglo-saxônicos — Inglaterra, EUA — é visto de forma diferente do praticado no continente europeu. Um representante típico do conservadorismo Continental é Alexis de Tocqueville (1805-1959), que se proclama defensor de "liberdade moderada, regular, limitada pelas crenças, os costumes e as leis" e confessa: "Sinto pelas instituições democráticas un goût de tête, mas sou aristocrata por instinto, i. é, desprezo e temo a multidão. Amo com paixão a liberdade, a legalidade, o respeito dos direitos, mas não a democracia." Para Tocqueville as condições de defesa e preservação desta liberdade ordeira são a descentralização e as liberdades locais, a proliferação de associações do Estadoadministração e a "paixão do bem público" como espírito dominante na classe política. Estes temas e princípios do liberalismo antidemocrático — a denúncia da "democracia totalitária" do Terror, a exaltação do modelo parlamentar inglês, a defesa do sufrágio restrito, da propriedade, da ordem e lei — serão comuns aos conservadores europeus, em modelos mais ou menos mitigados do constitucionalismo autoritário, ao longo de todo o século XIX. Este mesmo tema, da democracia como inimiga da liberdade através da tirania da maioria, é caro ao conservadorismo liberal anglo-saxônico, onde se expressa em autores como Stuart Mill, Hume e Burke, que mostram no campo da organização política a preocupação de modelos legais de proteção da minoria, e que está mais modernamente presente em Sir Henry Maine, que se alarma com o fato de cada vez maior número de homens preferir a segurança à liberdade e na "ala direita" dos Founding Fathers americanos. (1) (1) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. Un goût de tête. Tradução literal: um gosto de cabeça.

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Controvérsia Filosófica Controvérsia Filosófica. Trata-se de argumento acerca da adequação de diferentes abordagens, princípios ou métodos. As controvérsias filosóficas são copiosas na ciência, bem como na filosofia. Exemplos: idealismo contra o materialismo, o racionalismo contra o empirismo, o subjetivismo contra o realismo, o individualismo contra o coletivismo, o criacionismo contra o evolucionismo e o keynesianismo contra o neoliberalismo, nas suas polêmicas. Ocorrem controvérsias em todo campo de pesquisa. Se algumas cessam, ao menos por algum tempo, outras, novas, surgirão. Um domínio sem controvérsia é aquele onde nenhum novo grande problema está sendo atacado, e nenhuma nova abordagem está sendo tentada. (1)

(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Convenção Convenção. Do latim "conventio", do verbo "convenire", designando a ação pela qual muitos, de pontos diferentes, convergem para o mesmo ponto. Significa, em primeiro lugar, a assembléia dos membros de uma determinada organização ou de representantes de organizações congêneres, reunidos para deliberar sobre assuntos de interesse comum. Nunca se deve confundir convenções sociais e imperativos morais, os quais são exigências permanentes que decorrem da própria natureza humana. Não roubar, não matar são imperativos que nunca poderão ser reduzidos a meras convenções sociais. O grande risco de nossa época é precisamente este: numa revisão radical das convenções sociais, arrastar de roldão os imutáveis princípios morais, sem os quais a vida humana em sociedade acaba por se tornar impossível. (1) Convenção. Acordo explícito ou tácito para assumir, usar ou fazer algo. Exemplos: contratos, convenções lingüísticas e regras de etiqueta. As convenções não são naturais ou legais, no entanto, regulam o raciocínio e a ação. Além do mais, nem todas são arbitrárias: alguma são adotadas por conveniência, e outras são respaldadas por postulados. Por exemplo, o sistema métrico decimal é adotado quase universalmente por conveniência. (2) Convenção. Independemente de suas conotações às vezes pejorativas esse termo designa qualquer acordo entre diversas pessoas ou grupos. É utilizado mais particularmente por alguns teóricos do direito ou da moral (Hobbes, Rousseau) para evocar os princípios deliberadamente escolhidos pela coletividade a fim de instituir uma ordem que permita a coexistência humana. No mesmo sentido é possível sublinhar o aspecto convencional da linguagem.

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Em epistemologia, Henri Poincaré emprega o termo para designar princípios científicos que não se baseiam nem na experiência, nem em a priori racionais: assim seriam os axiomas matemáticos. (3) Convencionalismo. O convencionalismo é uma concepção da ciência, elaborada por alguns matemáticos, segundo a qual os princípios de nossos conhecimentos (em matemática) não passam de puras convenções das quais podemos deduzir enunciados (leis) que descrevem o mais economicamente possível a realidade. O importante é que a teoria permitia “salvar os fenômenos”. Opondo-se ao empirismo, que faz de uma teoria um simples elo lógico estabelecido entre fatos de observação ou de experiência, sem que a teoria contenha nada mais do que os próprios fatos, o convencionalismo reduz a teoria a uma simples construção útil e arbitrária da razão. Ver convenção. (4) (1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Corrupção Corrupção. Do latim corruptione. 1. Ação ou efeito de corromper; podridão, putrefação, decomposição. 2. Devassidão, depravação, perversão. 3. Modificação, mudança, alteração, adulteração. (1) Na ordem psicológica e moral, a corrupção denota um estado desordenado e patológico da consciência que leva o sujeito livre a exercer o mal ou pecado. Opõe-se à ordem da perfeição e da graça. Na ordem física, a corrupção é um fenômeno de involução dos entes materiais que possuem uma estrutura complexa e perfeita... Daí, o célebre adágio de Aristóteles e dos escolásticos: "A geração de uma coisa é a corrupção de outra". (2) Na filosofia de Aristóteles, contrariamente à geração, que é uma criação, a corrupção designa a destruição ou degradação da substância. "A corrupção", diz Aristóteles, "é uma mudança que vai de algo ao não-ser desse algo; é absoluta quando vai da substância ao não-ser da substância, específica quando vai para a especificação oposta" (Fís., V, 225 a 17). (3) O sentido Metafórico é mais amplo do que o sentido restrito. Refere-se normalmente ao afastamento de uma matriz tida por modelo de perfeição. Em termos políticos, é a falta

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de honestidade que acompanha o desempenho de determinadas funções administrativas. (4) Há três tipos de corrupção: 1) a prática da peita ou uso da recompensa escondida para mudar a seu favor o sentir de um funcionário público; 2) o nepotismo, ou concessão de empregos ou contratos públicos baseada não no mérito, mas nas relações de parentela; 3) o peculato por desvio ou apropriação e destinação de fundos públicos ao uso privado. A corrupção é considerada em termos de legalidade e ilegalidade e não de moralidade e imoralidade. (5) (1) Enciclopédia Barsa Universal. (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]. (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (4) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. (5) BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. 2. ed. Brasília: UNB, 1986.

Cosmo, Cosmologia, Cosmogonia, Cosmovisão Cosmo. Do grego kosmos. 1. Palavra grega que significa “ordem”, “universo”, “beleza” e “harmonia” e que designa, em sua origem, o céu estrelado enquanto podemos nele detectar certa ordem: as constelações astrais e a esfera das estrelas fixas. Por extensão, designa, na linguagem filosófica, o mundo enquanto é ordenado e se opõe ao caos. 2. Na física aristotélica, domina o modelo de um cosmo finito, bem ordenado. Tanto a concepção aristotélica quanto a escolástica do mundo valorizam o mundo “supralunar” cujos objetos incorruptíveis (planetas, Sol e estrelas fixas) são organizados numa ordem eterna e perfeita, por oposição ao nosso mundo “sublunar” desordenado, submetido à corrupção e ao “fluxo do devir”. Os movimentos dos objetos do mundo supralunar são uniformes, circulares (o círculo é a figura perfeita) e eternos. Mas os objetos do mundo sublunar traduzem uma “intenção de ordem”, pois uma pedra lançada ao ar, por um movimento “violento”, busca seu lugar “natural”. 3. Com a revolução científica e mecanicista do séc. XVII, já anunciada por Copérnico, altera-se totalmente a imagem aristotélico-ptolomaica de um mundo fechado, eterno e finito, que é substituída pela concepção de uma causalidade cega num espaço geometrizado. Doravante, não é mais a Terra, mas o Sol, que se encontra no centro do mundo.(1)

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Cosmogonia. Teoria sobre a origem do universo geralmente fundada em lendas ou em mitos e ligada a uma metafísica. Como não houve testemunhas, as teorias da formação do mundo assentam-se na fé (cosmogonias religiosas) ou no cálculo (cosmogonias astronômicas). (2)

Cosmologia. Do grego kosmos, mundo, e logos, ciência, teoria. Conjunto das teorias científicas que tratam das leis ou das propriedades da matéria em geral ou do universo. Toda cosmologia supõe a possibilidade de um conhecimento do mundo como sistema e de sua expressão num discurso. Por isso, a imagem do sistema do mundo é determinante para toda filosofia que se pretende sistemática. O postulado de uma totalização do mundo, pelo saber, revela-se indispensável a uma eventual totalização do próprio saber. (1)

Cosmo – do grego kosmos significa ordem, oposto ao Caos (kaos), desordem. Cosmovisão (Visão Geral de Mundo). Da soma geral dos conhecimentos, os filósofos organizaram, sistematicamente ou não, uma espécie de panorama geral de todo o conhecimento, formando uma totalidade de visão, uma coordenação de opiniões entrelaçadas entre si. Com essa sistematização lhes é possível formular, não só uma opinião geral de todo o acontecer, mas também compreender e relacionar um fato individual com a visão geral formulada do todo. (3) “Cosmovisão, além de significar uma visão ou concepção de mundo, expressa também uma atitude frente ao mesmo. Portanto, não é uma mera abstração, já que a imagem que o homem forma do mundo possui um fator de orientação e uma qualidade modeladora e transformadora da própria conduta humana. Implícito em toda cosmovisão há um caminho de ação e realização”. (4) O Materialismo, o Espiritualismo e o Idealismo são cosmovisões. O que caracteriza essas diversas cosmovisões? Primeiro, um anelo de saber integral; segundo, a apreensão da totalidade; terceiro, a solução de problemas do sentido do mundo e da vida. Além das cosmovisões fornecidas pela ciência e pela filosofia, podemos também enumerar as determinadas pela psicologia, pela raça, pela classe social, pela cultura histórica, bem como as fornecidas pela biologia, pela matemática, pela física. (3) = = = >>

Cosmovisão e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Inversão Cósmica. 5. Missão do Espiritismo. 6. A Parte, o Todo e o Espiritismo: 6.1. Fé e Razão; 6.2. Fé, Razão e Matéria; 6.3. Absolutização do Relativo; 6.4. O Indivíduo e a Sociedade. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

156 O objetivo deste estudo é mostrar a influência que a Doutrina Espírita pode exercer na formação da Visão Geral de Mundo. Para que possamos desenvolver nossas idéias, elaboramos um pequeno roteiro: conceito de cosmovisão, histórico, inversão cósmica e visão comparada do Espiritismo. 2. CONCEITO Cosmo – do grego kosmos significa ordem, oposto ao Caos (kaos), desordem. Cosmovisão (Visão Geral de Mundo). Da soma geral dos conhecimentos, os filósofos organizaram, sistematicamente ou não, uma espécie de panorama geral de todo o conhecimento, formando uma totalidade de visão, uma coordenação de opiniões entrelaçadas entre si. Com essa sistematização lhes é possível formular, não só uma opinião geral de todo o acontecer, mas também compreender e relacionar um fato individual com a visão geral formulada do todo. (Santos, 1955, p. 123) “Cosmovisão, além de significar uma visão ou concepção de mundo, expressa também uma atitude frente ao mesmo. Portanto, não é uma mera abstração, já que a imagem que o homem forma do mundo possui um fator de orientação e uma qualidade modeladora e transformadora da própria conduta humana. Implícito em toda cosmovisão há um caminho de ação e realização”. (Crema, 1989, p. 17) O Materialismo, o Espiritualismo e o Idealismo são cosmovisões. O que caracteriza essas diversas cosmovisões? Primeiro, um anelo de saber integral; segundo, a apreensão da totalidade; terceiro, a solução de problemas do sentido do mundo e da vida. Além das cosmovisões fornecidas pela ciência e pela filosofia, podemos também enumerar as determinadas pela psicologia, pela raça, pela classe social, pela cultura histórica, bem como as fornecidas pela biologia, pela matemática, pela física. (Santos, 1955, p. 124) 3. HISTÓRICO J. Torres, em Totalidade e Sociologia, resume a visão geral de mundo nos seguintes termos: 1.ª FASE – ESPIRITUALISMO (a Fé) Antigüidade: Caos Oriental – Grego – Romano. Fim da Antigüidade: Empirismo Latino-Politéico. Idade Média: Teologia Monoteísta (Escolástica). Síntese: PAPAS (Cruz)  CATOLICISMO Triunfante (Tomismo). 2.ª FASE – RACIONALISMO (a Razão) Fim da Idade Média: Humanismo Renascentista – Filosofia Herética (repúdio da Fé, repúdio da Escolástica)  REFORMA. Início da Idade Moderna: Naturalismo Ateológico – Filosofia da dúvida (Cartesianismo). Idade Moderna: Ideologias Relativistas – Filosofia da Observação (empirismo), Filosofia Política (Democratismo)  REVOLUÇÃO.

157 Síntese: REIS (Espada)  e capitalismo começante).

DEMOCRATISMO

Triunfante

(Catolicismo

decadente

3ª FASE – MATERIALISMO (a Matéria) Início da Contemporaneidade: Racionalismo Filosófico – Filosofia Transcendente (Panteísmo, Criticismo). Idade Contemporânea: Cientificismo Positivo – Filosofia Científica (Positivismo), Filosofia dos Fatos (Pragmatismo)  GUERRA Atualidade: Materialismo Cultural – Marxismo, Filosofia da Violência (Comunismo, Facismo etc.) Síntese: POLÍTICOS (a Palavra)  CAPITALISMO Triunfante (Democracismo Vacilante e Catolicismo Expirante). (1956, p. 270 e 271) 4. INVERSÃO CÓSMICA A marcha excêntrica da degradação histórico-filosófica ocidental foi esta: Fé, Razão, Matéria. A marcha normal dessa evolução teria sido: Fé, Raciocínio (nada de endeusamento da razão, nada de racionalismo), Consciência. Da Fé ainda primitiva, do estado ainda caótico (geocêntrico) da sociedade, atingiríamos um estado empírico normal (heliocêntrico), de reflexão madura, o qual teria conduzido à noção sistemática (cosmocêntrica) do Todo, à Consciência da Totalidade, à Verdade Cósmica. Em suma, no lugar hoje ocupado pela Matéria estaria simplesmente Deus – isto é, a Causa. Mas, com a inversão de tudo, está a antítese, isto é, o Efeito (a Matéria). E que é isto tudo, toda essa inversão arbitrária de coisas e valores? Demência – caracterizada demência cultural e histórico-filosófica da Humanidade. Por isso, ao invés da Consciência, temos a Violência. A humanidade está filosoficamente invertida! Raciocinou às avessas. Em vez de atingir a Causa, atingiu o Efeito; em vez de chegar à Verdade, chegou à Ilusão; em vez de se cosmocentralizar regeocentralizou-se. Devendo aproximar-se do Criador, enroscou-se em si mesma e permaneceu egocêntrica, antiteocêntrica. (Torres, 1956, p. 272 e 273) Esta é a situação do mundo na atualidade. Urge reinverter a ordem. Os postulados espíritas auxiliar-nos-ão eficazmente. 5. MISSÃO DO ESPIRITISMO Para a concepção de mundo idealista, o Espírito é o motor do Universo; para a concepção de mundo materialista, o motor do Universo é a matéria. Cada qual defendendo o seu ponto de vista, torna difícil e quase impossível a compreensão do Todo. O Espiritismo veio no momento certo: reorganizar o edifício da FÉ, abalado pelo culto da RAZÃO e da MATERIALIDADE. Procedendo à síntese das várias concepções de mundo, encaminha o nosso pensamento para a Unidade do Todo. Por isso, dizemos que o Espiritismo é Ciência, Filosofia e Religião, ou seja, temos material suficiente para sintetizar Deus, Espírito e Matéria, sem pender para nenhum dos lados, mas analisando-os como uma trilogia inseparável. Emmanuel no livro Roteiro diz-nos que a missão do Espiritismo, tanto quanto o ministério do Cristianismo, não será destruir as escolas da fé, até agora existentes. A Doutrina dos Espíritos apoia os princípios superiores de todos os sistemas religiosos. O Espiritismo não vem para censurar esta ou aquela forma de crer em Deus. O Espiritismo é, acima de tudo, o processo libertador de nossas consciências, a fim de que a visão do homem alcance horizontes mais altos. (Xavier, 1980, cap. 38)

158 6. A PARTE, O TODO E O ESPIRITISMO 6.1. FÉ E RAZÃO A Fé, sendo um sentimento inato de cada ser, pode manifestar-se de forma racional (razão) ou dogmática (cega). Allan Kardec no capítulo XIX de O Evangelho Segundo o Espiritismo trata do assunto com muita clareza, inclusive, acrescentando que a fé pode ser também humana e divina. É nesse ponto que podemos fazer uma ligação da parte com o todo. Assim, a Fé, sendo inata, liga-se a Deus (causa). A denominação humana — indivíduo — é a parte que deve estar relacionada com o Todo (Deus). 6.2. FÉ, RAZÃO E MATÉRIA Em O Livro dos Espíritos, Kardec fala-nos da ação dos Espíritos sobre a Matéria. Mas o que está em jogo aqui, é a unidade que se pode intuir dessa relação: Fé (Deus), Razão (homem) e Matéria (natureza). Transformar a natureza para o progresso. Porém, se fizermos de acordo com a vontade de Deus, é possível que não estejamos destruindo o nosso planeta e nem criando necessidades superficiais. 6.3. ABSOLUTIZAÇÃO DO RELATIVO Tendo conhecimento da parte, queremos generalizar para o Todo. É preciso tomar cuidado, pois podemos estar raciocinando em erro. Observe a leitura de um romance mediúnico. Somos facilmente levados a generalizar o caso relatado, quando, ao contrário, deveríamos verificar se o caso relatado se enquadra dentro da Lei Natural, da Lei Geral, da Lei de Causa e Efeito. Um exemplo: quando um país está em guerra, logo imaginamos que o país inteiro está em guerra. Às vezes é pequena porção deste. 6.4. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE Aristóteles, na Antiguidade, já nos dizia que o homem é um animal, devendo viver em sociedade. Será que todo ato que praticamos, pensamos no todo? Senão, vejamos: quando viajamos, o lixo produzido dentro do carro é jogado na rua. Deixamos limpo o bem privado, mas poluímos o bem público (todo); famílias que moram no alto impermeabilizam o solo. Consequência: quando chove, alaga-se em baixo; ligamos o nosso som no último volume sem nos importarmos se estamos prejudicando o nosso vizinho. Estando em sociedade, é bom verificar que a intenção boa vê os interesses particulares; a boa intenção, o interesse geral, com pena de sacrificar os próprios; que a tristeza, desânimo, desespero do discípulo do Mestre equivale a bloquear o ânimo, as virtudes na almas que nos compartilham a existência; que sempre precisamos de alguém menor do que nós; que a espiga de milho quando sofre a trituração não tem consciência da “farinha” que irá se tornar; que na semente minúscula reside o germe do tronco benfeitor; que educando transformaremos a irracionalidade em inteligência, a inteligência em humanidade e a humanidade em angelitude. 7. CONCLUSÃO O Espiritismo é, ao mesmo tempo, Filosofia, Ciência e Religião. Ele é a unidade sintética de todo o conhecimento. A conscientização desse fato faz-nos observar melhor o mundo que nos rodeia. Observando melhor, teremos a nossa visão acurada. Com nossa visão acurada, teremos mais

159 condições de compreender o nosso próximo. Compreendendo melhor o nosso próximo, poderemos amá-lo, respeitá-lo e fazer-lhe tudo o que gostaríamos fosse feito a nós mesmos.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CREMA, R. Introdução à Visão Holística. São Paulo, Summus, 1989. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão (Introdução à Filosofia e Visão Geral de Mundo). 2. ed., São Paulo, Logos, 1955. TORRES, J. Totalidade e Sociologia (Introdução. Exposição Geral e Sumária de Cosmonomia. Cosmovisão Geral). Rio de Janeiro, s. e., 1953-1956. XAVIER, F. C. Roteiro, pelo Espírito Emmanuel. 5.ed., Rio de Janeiro, FEB, 1980.

São Paulo, abril de 1996.

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(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (3) SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão (Introdução à Filosofia e Visão Geral de Mundo). 2. ed., São Paulo, Logos, 1955, p. 123. (4) CREMA, Roberto. Introdução à Visão Holística: Breve Relato de Viagem do Velho ao Novo Paradigma. 2.ed., São Paulo: Summus, 1989, p. 17.

Crise Crise. Do grego krisis, do mesmo étimo do verbo krino, separar, depurar, como se faz com o ouro, do grego krysos, onde está presente a raiz do sânscrito kri ou kir, limpar, cujos indícios estão também em crisol e acrisolar. O Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes dá também os significados de momento decisivo, separação e julgamento. Há consenso entre diversos outros pesquisadores de que a crise leva à ruptura com o estado anterior. O novo rumo pode ser de melhora ou piora, tanto em medicina como em sociologia, onde o vocábulo é muito usado. (1) Crise. O primeiro sentido oferecido pela etimologia grega (krisis) corresponde à fase decisiva de uma doença. Mais geralmente, um momento de desequilíbrio sensível. Quer se trate na história de uma ciência do questionamento de noções ou princípios que parecem bem estabelecidos (assim falou-se de uma “crise do determinismo”), quer, nos campos psicológico ou moral, um indivíduo ou um grupo constate que os valores admitidos precisam ser modificados, ou, mais globalmente, o conjunto de uma cultura ou de uma civilização questione sua história e seu futuro (evoca-se com frequência, sob esse aspecto, uma “crise do Ocidente” no século XX).

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Em Economia, pode ocorrer uma crise por insuficiência da produção ou, ao contrário, por superprodução (crise de 1929). Marx admitia que o capitalismo seria por natureza gerador de crises que acabariam por lhe ser fatais. Porém, a história recente também pode ser interpretada no sentido contrário: para o capitalismo, a crise seria então “uma condição de sua possibilidade de funcionamento” (Lyotard). (2) Crise. Do grego krisis, significa "juízo", como decisão final sobre um processo e ainda, generalizando, decisão de um acontecer num sentido ou noutro. Em medicina e em ciência militar, crise exprime aquele momento de viragem, dificilmente situável, em que tem lugar a decisão sobre a vida ou a morte, sobre a vitória ou sobre a derrota. De um modo geral, crise designa uma fase ou uma situação perigosa, da qual pode resultar algo benéfico ou algo pernicioso para o indivíduo ou para a comunidade que por ele passa um estado transitório de incerteza e dificuldades, mas também cheio de possibilidades de renovação. De múltiplas maneiras se pode manifestar a crise e, do ponto de vista filosófico e sociológico, é particularmente importante a crise histórica, que se pode traduzir em crise na vida espiritual de um povo, quando as formas de arte, literatura, filosofia, moralidade etc entram em declínio, devido ao enfraquecimento das crenças em que repousam e despontam novas formas correspondentes a aspirações e necessidades que começam a fazer-se sentir. A noção de crise encontra-se atualmente muito difundida nas linguagens filosófica e sociológica e mesmo na linguagem comum. A sua origem parece remontar segundo alguns estudiosos a Saint-Simon, que, em L'introduction aux travaux scientifiques du XIXe siècle (1807), distingue entre épocas orgânicas e épocas críticas. As primeiras repousam num sistema de crenças bem estabelecidas e desenvolvem-se de acordo com esse sistema. Acontece, porém, que para além das variações particulares de crenças dentro do contexto da crença fundamental organizadora de uma época orgânica, o progresso desta última leva à alteração dessa crença central em que se apoia, determinando o início de uma época crítica. A Reforma, por exemplo, e a nova ciência da natureza puseram em crise a época medieval, dando início à época moderna, época preponderantemente crítica. Essa ideia de épocas orgânicas e épocas críticas foi recolhida por Augusto Comte (o estado metafísico como estado crítico e não orgânico, transição do estado teológico para o positivo) e por outros positivistas que admitem não ter ainda a época moderna alcançado a organização definitiva em torno de um princípio extraído da ciência positiva, mas encontrando-se inevitavelmente em vias de a alcançar. A crise renascentista é a passagem da época medieval para a época moderna. A ideia de época orgânica transforma-se, por vezes, um ideal, num mito, numa espécie de Idade de Ouro, onde as incertezas, as tensões, as injustiças serão eliminadas numa utopia em que inevitavelmente se crê venha a se transformar em eutopia e que podendo acompanhar a diagnose da crise, origina as mais variadas ideologias. (3) Crise. Falamos de "crise" em relação a sujeitos, a uma vida ou a uma forma de vida, a um sistema ou uma "esfera" de ação. As crises decidem se uma coisa perdura ou não. O caso paradigmático de crise é a crise de vida, na qual, se levada ao extremo, está se tratando de vida ou morte. Em toda crise os envolvidos confrontam-se com a questão hamletiana: ser ou não ser. (4)

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(1) SILVA, Deonísio da. De Onde Vêm as Palavras: Origens e Curiosidades da Língua Portuguesa. 16.ed. rev. e ampl. Osasco, SP:Novo Século, 2009. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990. (4) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996. "eutopia", Espaço exterior materializado, percepcionado como suscetível de realizar os valores e aspirações locais.

O Advento do Cristianismo O cristianismo e a concepção grega do mundo A civilização ocidental é o resultado de uma dupla herança constituída, por um lado, pelo pensamento grego e, por outro, pelo cristianismo. É importante compreender a dimensão que o advento do cristianismo assumiu, perceber que nosso pensamento não seria o mesmo sem essa herança, e que a civilização europeia se debateu e ainda se debate nos limites estabelecidos por essa religião — mesmo quando, já na modernidade, o tema da morte de Deus se tornou recorrente. A relação do cristianismo com a cultura grega clássica inclui várias facetas: desde a oposição, devido à sua natureza diferente — uma verdade revelada perante uma verdade racional —, até sua aliança diante da necessidade de repensar a realidade no contexto do pensamento cristão, sem esquecer as diferenças nunca superadas em sua concepção de mundo ou da divindade.

Fé e razão Religião e filosofia são duas formas diferentes, se não opostas, de se propor a compreensão do mundo. O cristianismo é uma religião e, como tal, é um conjunto de crenças reveladas que aceitamos por fé, por motivos extra-racionais. A filosofia, ao contrário, tenta uma compreensão da realidade dentro dos limites da razão. As ideias aceitas não são crenças, são pensamentos argumentados, raciocinados; quer dizer, ideias para as quais podemos dar razões. Os âmbitos de cada uma delas, fé e razão, também são diferentes: o da fé é o sobrenatural; o da razão, o natural. Mas, embora de natureza diferente, razão e fé mantêm, desde os inícios do cristianismo, uma profunda ligação, ainda que com muitas tensões. Desde o primeiro momento, uma minoria de cristãos cultos tentou não apenas crer, o que já faziam na condição de cristãos, mas também compreender o que tinha sido revelado pela fé.

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Imagem de Deus O cristianismo, como se sabe, baseia-se na interpretação dos textos canônicos do Antigo e do Novo Testamento: a Bíblia. Incorpora, portanto, elementos centrais de uma tradição religiosa, a do judaísmo, criada ao longo de dois milênios (desde 1850 a.C., aproximadamente). O resultado pressupõe uma concepção de mundo distanciada da grega em aspectos fundamentais. A cultura grega é uma cultura politeísta — a crença em múltiplos deuses; o cristianismo, pelo contrário — e a herança judaica se faz novamente notar — é monoteísta — a crença em um único deus. É verdade que na filosofia grega existem certas tendências monoteístas, como por exemplo nas concepções de Platão e Aristóteles, mas elas convivem com o politeísmo. A imagem de Deus no cristianismo é a de um único Deus, criador, onipotente, transcendente (está fora do mundo); um deus concebido como possuidor de qualidades que expressam sua perfeição absoluta. Por sua perfeição e transcendência, o divino forma uma realidade totalmente distinta da da criatura, e infinitamente superior. Os antropomórficos deuses gregos não aspiravam a nada semelhante: eles fazem parte do mundo, não estão fora dele, e embora constituam uma raça que desconhece as imperfeições que caracterizam as criaturas mortais — fraqueza, cansaço, sofrimento, doença, morte —, não encarnam o absoluto nem o infinito.

Uma nova experiência do tempo Talvez a novidade mais importante seja a de uma nova experiência do tempo, que tem, por sua vez, implicações na concepção sobre a origem da realidade e na concepção da história. Para os gregos, o tempo é circular, o que supõe, entre outras coisas, a eternidade do que existe e a negação da criação do mundo. O cristianismo, por meio da herança do Antigo Testamento, apresenta uma concepção linear do tempo, uma concepção que até hoje é a nossa. Deus, ser onipotente, criou o mundo, e o criou a partir do nada, ex nihilo. Esse princípio fundamental é profundamente alheio à maneira grega de pensar a origem do nosso mundo. Para o pensamento grego, do nada, nada sai. Esse é um princípio racional inquestionável. O mundo é um cosmos, um universo imutável e ordenado, de movimento regular, no qual tudo se repete eternamente — concepção do eterno retorno. Os dias e as estações do ano passam, mas depois voltam; a primavera sucede ao inverno; o que morre torna a nascer. Platão defende que o tempo, determinado pela rotação das esferas celestes, é circular porque apenas imita a eternidade imóvel. O movimento e o devir são níveis inferiores de uma realidade que no fundo é permanente. O ser autêntico é eterno e imutável. No cristianismo, pelo contrário, não existe o cosmos, como estrutura eterna e imutável. O que é é porque está no tempo. Deus cria o mundo e com ele o tempo. A natureza da coisa criada é a de ser puro devir e contingência, cada acontecimento é único, nada se

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repete, o que faz do tempo história no sentido estrito da palavra: um processo linear, aberto; com um princípio (a criação), um final (o advento do reino de Deus) e um acontecimento singular que lhe dá seu sentido pleno: a encarnação do filho de Deus. &&&&& Gnosticismo e neoplatonismo Nos primeiros séculos de nossa era, coincidindo com o apogeu e declínio do Império Romano, o pensamento filosófico tenta solucionar, seja dentro ou fora do cristianismo, o problema do Bem e do Mal, que se polariza na antítese Deus e Mundo e que divide a consciência do ser humano em opostos inconciliáveis. O Mal, que se identifica com a matéria de que o mundo é formado, provém da experiência da dor, da doença e da morte. Não se trata, portanto, de uma categoria exclusivamente moral, mas de um mal metafísico, próprio da condição finita e contingente do ser humano, e do qual derivam os outros males. Frente a esse problema, alinham-se duas correntes de pensamento. Uma está ligada à tradição das religiões orientais, aos mistérios órficos-pitagóricos e a conhecimento hermético: é o agnosticismo. A outra reformula o pensamento de Platão com o objetivo de salvar esse profundo dualismo aberto no espírito humano: é o neoplatonismo.

O Gnosticismo O nome dessa corrente de pensamento, que surgiu a partir do século II de nossa era, deriva do grego gnosis, que significa "conhecimento". Não se trata, porém, de um conhecimento conceitual, mas antes de um saber absoluto adquirido pela via de uma iluminação intuitiva, reservada unicamente a alguns iniciados. O gnosticismo seria apenas mais uma heresia entre tantas que o cristianismo precisou enfrentar em seus primeiros tempos, se não se tivesse conectado com uma força única ao universo inconsciente e arquétipo do homem. Esse universo não se expressa por meio de conceitos, mas de imagens simbólicas. A arte e a poesia sempre se alimentam delas, assim como todas as tradições esotéricas. Do ponto de vista filosófico, o que importa destacar é a dualidade com que se confronta a consciência dessa época. A unidade grega entre o cosmos e Deus se rompeu, e o Bem e o Mal se polarizaram em opostos inconciliáveis. De um lado, Deus, o Bem supremo; do ouro, o Mundo que abriga a matéria, fonte de todo o Mal. E, no meio dessa dualidade, o Homem. Todo o esforço dos gnósticos está voltado para preencher esse abismo que separa o homem de Deus. A gnose é justamente o conhecimento capaz de iluminar o caminho que leva à união desses dois extremos separados pela matéria. Uma vez que Deus, o Bem supremo, não poderia ter criado o mundo em que existe o Mal, os gnósticos tratam de encontrar um princípio supremo diferente de Deus que dê conta da imperfeição e do mal que existem no mundo.

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Basílides, um gnóstico que pregou em Alexandria entre os anos 120-140, oferece uma resposta a esse extremo dualismo estabelecendo os princípios da luz, causa do Bem, e das trevas, origem do Mal. As trevas não foram absorvidas pela luz, mas de seu contato nasceu uma luz aparente que é a do mundo, mistura do bem e do mal. Para Valentino, outro gnóstico do século II, o mundo é a consequência de um esforço incompleto, porque não é obra de Deus — o princípio supremo ou Pleroma —, mas de algumas das emanações produzidas pela divindade e que presidiram as sucessivas transformações do Universo.

A doutrina das emanações: Plotino A emanação é um dos conceitos-chave do começo da era cristã. Além dos gnósticos, que também o emprega é Plotino (205-270), um pensador cuja obra, As Enéadas, figura como a expressão mais elevada do neoplatonismo. Uma flor emana perfume, um corpo luminoso emana luz. A emanação é, portanto, um processo pelo qual uma coisa é causada por outra, que a determina ou a contém como princípio. Plotino explica assim a criação do mundo, por meio de uma série de emanações de um princípio supremo, o Um ou Deus, que exclui qualquer multiplicidade. O Mundo se divide em Mundo inteligível e Mundo corpóreo. O primeiro é formado pelo Um. Do Um emana o intelecto (nous) e, numa segunda emanação, do intelecto emana a alma do mundo (anima mundi). O intelecto (que equivale ao Demiurgo platônico), ao ser pensamento, apresenta uma cisão entre sujeito e objeto; abriga, portanto, o germe da multiplicidade. Mas essa se encontra plenamente desenvolvida na mundo corpóreo formado pela matéria. O Mal (ou seja, a privação de ser que origina o devir) reside aí. No entanto, a anima mundi intervém também no mundo corpóreo como princípio de unidade e indivisibilidade. A existência do homem, portanto, é um corpo de batalha entre esse princípio unitário, que tende para o Bem (a união com o Um) e a multiplicidade da matéria, que encaminha para o Mal (privação de ser). Retomando às teses sobre o amor que Platão havia formulado no Fedro, Plotino aponta um caminho interior, um retorno à mesmice, como via de ascensão da multiplicidade presente na matéria à unidade que Deus encarna. É um caminho de êxtases místicos que conduzem à fusão com o Um e que só é concedido aos eleitos. Essa experiência interior, entretanto, na qual se abandonam a percepção sensível e o pensamento discursivo, aparecerá com muito mais força em Santo Agostinho. Caixa: O neoplatonismo de Plotino

Caixa: A tradição oculta No início da era cristã, o aparecimento do gnosticismo é o resultado de um encontro entre a alma oriental e a alma ocidental. Depois, essa se separará para seguir o seu próprio curso, revestida pelo cristianismo e pelo pensamento racional (herança grega). No entanto, no decorrer da história, nem todo o pensamento perambulou na Europa

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pelas sendas do cristianismo e do racionalismo. Existe também uma tradição oculta cujo ponto de partida deve se fixar justamente na gnose dos séculos II-III de nossa era. Nesta tradição confluem, num primeiro momento, as doutrinas enigmáticas do Orfismo (de Orfeu, poeta mítico do século VI a.C.), com sua crença nas transmigrações sucessivas das almas. Ou na corrente esotérica do hermetismo (do deus Hermes Trismegisto, que, por sua vez, provém de Tot, divindade lunar entre os egípcios), que está relacionada com a astrologia e a alquimia. Trata-se de formas ocultas, esotéricas, com um fundo que historicamente bebeu das religiões orientais. No Ocidente, essas formas reaparecem ao longo da Idade Média, e inclusive da Idade Moderna, incluídas no Corpus hermeticus dos alquimistas. Estão presentes ainda no Renascimento, na medicina astrológica de Paracelso e podem ser rastreadas em grandes obras literárias, como no Fausto, de Goethe. Já em nossa época, aparecem nos domínios da teosofia, ou foram objeto de uma profunda exploração por parte da psicologia analítica de C. G. Jung. Nessa tradição oculta, de raiz mística, buscase sempre o encontro com Deus, com o Um, de forma íntima - seja na solidão das retortas alquímicas, onde se opera a transmutação dos metais, seja no contato com uma seita ou grupo do qual se é adepto ou iniciado. &&&&& A patrística Um dos fatos de maior transcendência ocorrido na história do pensamento ocidental é a adoção que o cristianismo faz da filosofia grega, durante os primeiros séculos de nossa era. Nossa cultura ocidental não poderia ser entendida sem essa síntese laboriosa que os padres da igreja realizaram ao longo de setecentos anos. O resultado dessa obra, quer dizer, a elaboração doutrinal que estabelece uma continuidade com o mundo antigo pela via da razão e com o mundo cristão pela via da revelação é conhecida pelo nome de patrística.

A helenização do cristianismo Historicamente, o cristianismo, desde o seu aparecimento na Palestina, expandiu-se de forma gradual pelo Mediterrâneo. Foi constatado que a queda de Jerusalém nas mãos dos romanos (ano 70) deu maior peso àquelas regiões da Grécia e da Anatólia que haviam sido evangelizadas por São Paulo. Mas esses fatos, apesar de importantes, não explicam totalmente a envergadura do processo de helenização experimentado pelo cristianismo desde suas origens. A passagem sucessiva de Jerusalém a Atenas, e depois Roma como centros de expansão cristã é fomentado, desde logo, por uma série de vicissitudes históricas, mas dá conta, também, de uma espiritualização cada vez maior dos conteúdos cristãos. Pouco a pouco, vão-se abandonando as concepções apocalípticas, mais típicas do judaísmo, que viam a salvação como algo imediato, e passa-se a interpretá-la como uma forma de salvação espiritual. Não se espera, portanto, uma redenção imediata do sofrimento e da morte, existe, em lugar disso, uma necessidade de aprofundar os conteúdos da verdade revelada, para manter viva aquela esperança originária da salvação.

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É quando aparece no cristianismo, a necessidade de adotar os instrumentos conceituais forjados na cultura grega, e assim tem início aquela elaboração doutrinal dos padres da igreja conhecida como "patrística".

Tertuliano e Orígenes Há nesta época (séculos I-III) dois pensadores cristãos de grande relevo que, com sua obra, já indicam as possibilidades resultantes de uma síntese entre cristianismo e filosofia. Nascido por volta de 155 em Cartago, Tertuliano é o expoente de um cristianismo baseado na fé, no fundo racional da alma, isto é, no puro sentimento, e que, justamente por isso, quer prescindir da filosofia. Expressa, portanto, uma tendência contrária à da patrística, e será posto à margem pela igreja, apesar de haver criado o latim eclesiástico e haver combatido o gnosticismo. A atitude de Tertuliano, contudo, é precursora de um cristianismo místico e vivencial que encontrará sua máxima expressão na síntese agostiniana de razão e fé. Um caso diferente é o de Orígenes, que nasceu por volta do ano 185 em Alexandria. Autor de uma vasta obra composta de escólios, homílias e comentários, Orígenes é o primeiro grande sistematizador da teologia cristã e, por isso mesmo, o primeiro criador de um sistema filosófico cristão, ao qual incorpora elementos neoplatônicos e até gnósticos. É ele quem define a orientação filosófica que os padres da igreja vão seguir, e sua influência chega até a escolástica medieval, embora com muitas tensões. No século VI, os partidários desse pensador, que alimentam a corrente do origenismo, serão condenados pela igreja ao defenderem a crença na eternidade do mundo e na doutrina da preexistência da alma.

A patrística Com esses precedentes (progressiva helenização do cristianismo e os primeiros esforços para conciliá-lo com a filosofia), a patrística surge a partir do século II, com são Justino. Como doutrina dos padres da Igreja, procurou unir o pensamento grego (especialmente o platônico e o neoplatônico) às Sagradas Escrituras. Ao mesmo tempo, a patrística é uma doutrina que se forja na luta contra o paganismo e na depuração teorética exigida pelo esforço de diferenciar-se de heresias como o gnosticismo, o arianismo, o maniqueísmo, o monofisismo. As questões que mais preocupam os padres da igreja são as mais importantes levantadas pelo dogma. A criação, a revelação de Deus com o mundo, o mal, a alma, o destino da existência e o sentido da redenção são problemas fundamentais da patrística. E também questões estritamente teológicas, como as que se referem à essência de Deus, à trindade das pessoas divinas etc. Por último, problemas morais que vão conduzir ao estabelecimento de uma nova ética que, embora utiliza conceitos helênicos, se

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fundamenta, na graça e na relação do homem com seu criador, e culmina na ideia da salvação, estranha ao pensamento grego. A patrística chega ao seu auge com o pensamento agostiniano. Clemente de Alexandria, são Gregório Nazianzeno, são Basílio, são João Crisóstomo e são Jerônimo trouxeram contribuições da máxima importância a essa corrente de pensamento que perdurará (ainda que com menor força após a morte de santo Agostinho) até o século VIII.

O pensamento de Tertuliano Para Tertuliano, Atenas e Jerusalém nada têm em comum: fé em Cristo e Sabedoria humana se contradizem (daqui sua célebre afirmação: credo quia absurdum). Na verdade, a alma é naturaliter christiana e é a cultura filosófica que a afasta da verdade. Tertuliano assumiu, talvez de Sêneca, uma concepção corpórea da realidade e do próprio Deus. Tertuliano contrapõe os filósofos aos cristãos do seguinte modo: "Em seu conjunto, que semelhança pode-se perceber entre o filósofo e o cristão, entre o discípulo da Grécia e o candidato ao céu, entre o traficante de fama terrena e aquele que faz questão de vida, entre o vendedor de palavras e o realizador de obras, entre quem constrói sobre a rocha e quem destrói, entre quem altera e quem tutela a verdade, entre o ladrão e o guardião da verdade?"

Platonismo e cristianismo O platonismo é o sistema que proporciona ao cristianismo o esquema conceitual básico. De um lado, a corrente platônica — definitivamente impulsionada pelo neoplatonismo — era na época a mais vigorosa e dominante; além disso, era a que oferecia mais pontos de contato com a doutrina cristão. Os aspectos da concepção platônica que ofereciam mais possibilidades para a formulação das ideias cristãs são os seguintes. Em primeiro lugar, a existência de dois mundos, um sensível e imperfeito e outro inteligível e perfeito. O cristianismo situa as ideias na mente de Deus: o mundo perfeito é o divino. Da mesma forma como para o platonismo o mundo sensível foi feito à imagem e semelhança das ideias, para o cristianismo a criação leva também a marca das ideias do Criador. Mas, apesar dessa presença de Deus na criação, os filósofos cristãos não deixam de sublinhar a contingência da coisa criada (a coisa criada é, mas pode não ser: não possui o ser por si mesmo, mas o recebe de Deus) e, com a contingência, a dependência de seu ser em relação ao Criador. Por outro lado, os cristãos acreditaram encontrar a própria ideia de criação prefigurada no Demiurgo platônico. Por último, tanto Platão quanto o neoplatonismo, ao situarem a ideia do Bem no topo da hierarquia, abriram grandes possibilidades ao cristianismo para expressar o monoteísmo. &&&&&

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Santo Agostinho Nos primeiros anos do século V, no momento em que Roma cai nas mãos dos bárbaros de Alarico (410), santo Agostinho, um dos maiores pensadores de todos os tempos, ainda não havia concluído sua vasta obra filosófica, teológica e exegética. O declínio e extinção do Império Romano contrastam com o pensamento agostiniano, que aponta para uma nova época. O mérito de santo Agostinho consiste na viva incorporação que faz do platonismo e na criação de um pensamento próprio e original, de raiz mística, que permitirá à igreja enfrentar a "noite escura" que aconteceu na Europa a partir do século V com as sucessivas invasões bárbaras. A busca incessante de Deus A incerteza A iluminação agostiniana Razão e fé O ser temporal A Cidade de Deus Caixa: Vida e obras de Santo Agostinho &&&&& A mentalidade romana: o direito e o ecletismo As contribuições dos romanos à história do pensamento ocidental são bem mais escassas, se as considerarmos de um ponto de vista teorético. Roma, nesse sentido, deve ser vista como uma transmissora do pensamento grego, e sua máxima contribuição consiste na adaptação das ideias gregas ao mundo latino. Nesse papel de transmissão e adaptação, os romanos são ecléticos. O ecletismo, cujo representante mais ilustre é Cícero, é apenas uma seleção de verdades correspondentes a diferentes sistemas filosóficos, tendo como critério o senso comum. Não é nesse aspecto que se deve procurar a originalidade das contribuições romanas. Estas se encontram no desenvolvimento peculiar do estoicismo de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio e, especialmente, no direito romano.

O ecletismo: Cícero A figura de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) é fundamental para se compreender o jogo mental característico dos romanos. Nessa mentalidade, o interesse se concentra nas

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conclusões, mais do que nas premissas, e nas soluções práticas dos problemas, mais do que em sua elucubração puramente teorética e abstrata. A pedra angular do pensamento ciceroniano se baseia no consensus gentium, que dizer, em um consenso da maioria para aquelas questões metafísicas que suscitam sérias dúvidas. Se não existe esse consenso, é prudente abster-se (quer dizer, limitar deliberadamente o voo do pensamento; o homem romano é prático e o que importa de forma prioritária é a ação). O que dizem — pergunta-se Cícero em sua obra Sobre a natureza dos deuses — epicuristas e estoicos sobre a existência de Deus e a imortalidade da alma? Que as duas coisas são indubitavelmente certas. E o comum dos mortais, o que pensa a respeito? A mesma coisa. Logo, é correto. E sobre a natureza da divindade, o que sabemos? Nisto existe discrepância em saber "se os deuses estão completamente ociosos e inativos, sem tomar parte alguma na direção e nos governo do mundo, ou se, pelo contrário, todas as coisas foram criadas e ordenadas por eles em um começo, e são controladas e conservadas em movimento por eles ao longo de toda a eternidade". Assim, não podemos julgar nesse terreno.

A linguagem filosófica A contribuição mais importante de Cícero e da maioria dos pensadores romanos é a criação de uma linguagem filosófica que constitui uma adaptação dos termos filosóficos usados pelos gregos. Essa "versão romana" da filosofia grega assumiu tamanha importância que, durante muitos séculos (praticamente até o renascimento e mesmo depois), o pensamento do Ocidente a usou como fonte direta (o que suscitará, na época contemporânea, a crítica de Heidegger, por entender que com isso se perdeu o substrato original da experiência grega).

O estoicismo romano Dentro do ecletismo geral da época, a filosofia estoica teve um especial destaque em Roma. Os nomes de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, o imperador filosófico, estão associados a uma forma de estoicismo de caráter ético que revaloriza mais uma vez o ideal do sábio. O cordovês Lúcio Aneu Sêneca (3-65), por exemplo, propõe a figura do sábio como homem forte, imune às variações da sorte e que luta mesmo quando foi derrubado: um código ético para as classes dirigentes do Império Romano, formulado por um filósofo que durante o mandato de Nero assumiu as mais altas responsabilidades políticas e acabou por suicidar-se. O espiritualismo de Sêneca, no entanto, com seu canto à virtude e seu desprezo pelas vaidades terrenas, teve uma profunda influência sobre o catolicismo espanhol, a ponto de um historiador, Américo Castro, defender que suas raízes têm parentesco direto com a idiossincrasia espanhola.

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O epicurismo A tradição materialista de Epicuro é recolhida em Roma por Lucrécio (94-55 a.C.), autor de uma vasto poema, Sobre a natureza das coisas (De rerum natura), em que procura dar uma explicação científica para os enigmas do Universo. Pensador isolado, que na época da revolução científica (século XVII) será revalorizado por seu caráter precursor, Lucrécio defende que a alma é material e o Universo nem é criado nem destruído, já que sua matéria é infinita. É notável também sua teoria do conhecimento, que se baseia nas sensações, assim como sua afirmação de que a religião é contrária à ciência.

O direito romano Aquilo que importa na mentalidade romana é, antes de mais nada, a organização da vida social mediante regras e preceitos. No início, essas regras jurídicas se confundem com as próprias tradições religiosas dos romanos. Depois (e trata-se de uma evolução que abarca mais de mil anos, já que se inicia com a fundação de Roma, no século VIII a.C. e termina nos séculos V-VI de nossa era), os plebeus conseguem que os princípios jurídicos fundamentais recolhidos na lei das Doze Tábuas sejam declarados publicamente. Isto estabelece um grande passo para a igualdade política. É nessa época que aparecem os juristas e se abre um processo de secularização do direito (quer dizer, uma emancipação do direito em relação aos preceitos puramente religiosos). Nessa etapa a figura fundamental é a do pater familias. A expansão de Roma para além dos confins da península Itálica e o contato com a cultura grega ampliam os horizontes de um direito ainda comprimido nos limites de uma estrutura social determinada pela existência de pequenos proprietários rurais. Em primeiro lugar, assegura-se um direito baseado no costume: é o fundamento do direito civil (jus civile); depois, estabelecem-se as bases de um direito internacional com o jus gentium, o direito dos povos, que se aplica aos cidadãos. Um novo passo nessa evolução diferenciadora das normas ocorre quando o direito civil e o direito dos povos se reúnem no âmbito do jus publicum (direito público que se refere às relações com o estado) e se distinguem do direito privado (jus privatum). A história jurídica de Roma termina no século VI, quando o imperador de Bizâncio, Justiniano I, compila as leis romanas no Corpus juris civiles. Então começa outra história: a da aplicação do direito romano a todos os povos romanizados da Europa. Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005 (Cópia de capítulo 3).

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Crítica Crítica. No sentido antigo, é a parte da lógica que trata do julgamento. Hoje, exame de um fato, de uma obra de arte, de um comportamento com o intento de fazer um julgamento de apreciação, que pode ser lógico, estético, moral etc. Num sentido mais restrito, o termo implica um julgamento desfavorável. O adjetivo apresenta o mesmo sentido duplo: se é aconselhável exercer o seu espírito crítico (mesmo que seja apenas para filosofar...) a fim de nada admitir sem exame, não é aconselhável desenvolvê-lo no sentido de uma sensibilidade exclusiva aos defeitos. Mas qualifica também o que constitui uma crise ou se refere a ela (estar num estado crítico. (1) Crítica. Análise e avaliação desencadeadas por defeitos de alguma espécie. A crítica é uma parte normal da pesquisa em todos os campos. Mas seu papel não deveria ser exagerado, pois não é criativa: ela pode apenas melhorar ou eliminar. De fato, antes que um item seja submetido a uma análise crítica é preciso que tenha sido trazido à existência. E, se julgado defeituoso, deve ser reparado ou substituído em vez de ser protegido por inverificáveis. (2) (Ver hipótese ad hoc) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Cultura Cultura. “Conjunto de estilos, de métodos, de valores materiais que juntamente com os valores morais caracterizam um povo ou sociedade”. (1) Cultura. Tendo-se tornado praticamente sinônimo de civilização, o termo designa o conjunto das tradições, técnicas e instituições que caracterizam um grupo humano: a cultura compreendida dessa maneira é normativa e adquirida pelo indivíduo, desde a infância, pelos processos de aculturação. (2)

Aculturação. Numa acepção neutra, designa o aprendizado graças ao qual um indivíduo adquire gradualmente desde o nascimento os elementos constitutivos da cultura de seu grupo. A aculturação, que propõe ao sujeito uma cultura como a única legítima, senão "natural", encontra-se dessa forma na origem de um etnocentrismo normal. Numa ótica diferente, chama-se também aculturação o desequilíbrio sofrido por um indivíduo ou por um grupo obrigado a modificar sua cultura ou a adotar uma nova como consequência de uma imigração (africanos transferidos para os Estados Unidos) ou de uma mudança de classe, ou ainda o advento a uma nova condição (caso das ex-colônias europeias). (2)

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(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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Daimon Daimon. 1. A crença em espíritos sobrenaturais um pouco menos antropomorfizados do que os Olímpicos é uma característica muito recuada da religião popular grega; um certo daimon está ligado a uma pessoa ao nascer e determina, para o bem ou para o mal, o seu destino (confrontar a palavra grega para felicidade, eudaimonia, que tem um bom daimon). Heráclito protestou contra esta crença, mas sem grande feito. Na concepção xamanística da psyche, daimon é um outro nome para a alma, refletindo provavelmente as suas origens divinas e poderes extraordinários. Sócrates está, pelo menos parcialmente, dentro da tradição religiosa arcaica quando fala do seu "algo divino" (daimonion ti) que o aconselha a evitar certas ações; a sua operação é consideravelmente mais vasta no relato de Xenofonte nas Mem. I, 1,4; notável é o uso constante que Sócrates faz da forma impessoal da palavra ou do sinônimo "sinal divino", talvez a ligeira correção do racionalista daquilo que era uma crença popular contemporânea na adivinhação, mensagens de sonhos divinos, profecias etc., uma crença que Sócrates compartilhava. É provavelmente um erro pensar que Sócrates ou os seus contemporâneos distinguissem com muito cuidado daimon de theion, visto que a defesa socrática contra o ateísmo no Apol. 27d, assenta num argumento de que acreditar nos daimones é acreditar nos deuses. 2. A ideia do daimon como uma espécie de "anjo da guarda" ainda é visível em Platão (Rep. 620d), embora uma tentativa de fuga ao fatalismo implícito na crença popular pelo fato das almas individuais escolherem já o seu próprio daimon (Rep. 617e). Se este daimon individual está ou não dentro de nós foi muito discutido na filosofia posterior. 3. Mas uma outra noção, a do daimon como uma figura intermédia entre os Olímpicos e os mortais, está também presente em Platão. Os verdadeiros deuses habitavam o aither enquanto os daimones menores habitavam o aer inferior e exerciam uma providência direta sobre as ações dos homens. 4. Plutarco tem uma demonologia altamente desenvolvida, e com o seu típico conservantismo religioso ele delineia o culto desses intermediários recuando até às fontes oriental e grega primitiva. (1)

(1) PETERS, F. E. Termos Filosóficos Gregos: Um Léxico Histórico. Tradução Beatriz Rodrigues Barbosa. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouse Gulbenkian, 1983.

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Dasein Dasein. Alemão: existência, ser-aí. Termo heideggeriano que significa realidade humana, ente humano, a quem somente o ser pode abrir-se. Mas como é ambíguo, correndo o risco de abrir uma brecha para o humanismo, Heidegger prefere usar o termo ser-aí. Na linguagem corrente, Dasein quer dizer existência humana. Mas Heidegger procura pensar o que separa o homem dos outros entes. Enquanto os entes são fechados em seu universo circundante, o homem é, graças à linguagem, aí onde vem o ser. Assim, o Dasein é o ser do existente humano enquanto existência singular e concreta: “A essência do ser-aí (Dasein) reside em sua existência (Existenz), isto é, no fato de ultrapassar, de transcender, de ser originariamente ser-no-mundo.” (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Dataísmo Dataísmo. Doutrina empirista radical, segundo a qual todo conhecimento genuíno é ou um dado (datum) empírico ou uma generalização indutiva a partir de dados (data). A maior parte dos cientistas experimentais professa o dataísmo, ainda que eles raramente o confessem. O dataísmo influencia o ensino da ciência experimental quando enfatiza a técnica às expensas das ideias e a meticulosidade às expensas do entendimento. Ver empirismo. Lembrete: o plural de 'datum' é 'data'. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Definição Definição. Consiste em determinar a compreensão que caracteriza um conceito. Segundo Aristóteles, a essência de uma coisa compõe-se do gênero e das diferenças. De onde a regra escolástica segundo a qual a definição se faz "per genus proximum et differentiam specificam” (pelo gênero próximo e diferença específica). Assim, Definir, segundo a lógica formal, é dizer o que a coisa é, com base no gênero próximo e na diferença específica. (1) Uma definição não pode conter nada mais e nada menos do que deseja conceituar ou significar. Sabemos se peca pelo excesso ou por deficiência quando a convertemos (na inversão dos termos). Suponha uma pergunta sobre a definição do ser humano. E que definíssemos assim: o homem é um animal mortal. Ora, isso é verdade, mas nem por isso deverá ser aceito nestes termos. Basta acrescentar a palavra todo e fazer a conversão para verificar se é verdadeira definição do ser humano. Todo o animal mortal é homem - isso não é verdadeiro. A definição deverá ser

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repelida por incluir algo estranho ao ser humano, pois nem somente o homem é animal mortal, todo animal irracional também é. Completa-se a definição, acrescentando a palavra racional. Todo homem é animal mortal racional. Da mesma forma, todo animal mortal racional é homem. (2) (1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (2) AGOSTINHO, Santo. Sobre a Potencialidade da Alma (De Quantitate Animae). Tradução de Aloysio Jansen de Faria. 2.ed., Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

Demiurgo Demiurgo. Nome que Platão e seus discípulos davam ao criador e ordenador do mundo, diferente de Deus, pura Inteligência. Fil. Demiurgo é o termo pelo qual Platão, no Timeu, designou o deus fabricante do Universo. Já a mesma palavra fora tomada como termo de comparação por Sócrates ao falar da fabricação dos seres mortais. Plotino emprega o vocábulo ao falar da Alma do Mundo. Os gnósticos deram o nome de demiurgo ao criador do Mundo dos sentidos, concebendo-o de variadas maneiras, e chegando alguns a considerar o seu ato como um erro. Em geral, foi por eles imaginado como o chefe dos espíritos inferiores. Quando criou o homem, o Demiurgo só pode conceder-lhe o seu princípio mais fraco, quer dizer, a alma sensitiva, ou psique, sendo o Deus Supremo quem lhe conferiu a alma racional, ou pneuma. Porém, o poder do mal no corpo material, e a influência hostil do Demiurgo, meramente sensitivo, puseram obstáculo ao desenvolvimento desse fator mais elevado, não podendo o Demiurgo levar as criaturas ao conhecimento da verdadeira divindade. (1) Demiurgo. Assume na cultura helênica três conteúdos diversos: 1) o de operários públicos, de condição livre, entre os quais já Homero cita os metalurgistas, os ceramistas, os pedreiros, os adivinhos, os médicos; 2) pode ser também um magistrado de tipo colegial: "aquele que trata das coisas do povo"; 3) Segundo uma terceira significação muito mais importante do ponto de vista históricocultural, demiurgo designa "o artífice", "o pai", o "arquiteto do Universo". Essa concepção, célebre principalmente na sua formulação platônica, no Timeu (28 e ss.), tem raízes nas cosmogonias e antropogonias órficas, mais antigas, assim como nas tentativas de espiritualização na explicação das relações entre a divindade e a gênese do mundo, elaboradas por Xenófones de Cólofon e Anaxágoras de Clazômenas. O autor do Timeu conclui um esforço de "transposição" de velhos mitos, esforço que vinha de longe. Recorrendo, por sua vez, ao mito. Sentindo que a razão é impotente para atingir o insondável das origens do homem e do Universo, a constituição dos elementos e as leis que governam o todo, Platão procura, através de uma narrativa, carregado do máximo de verossimilhança, insinuar, visar, atingir, se possível, a verdadeira realidade. Por isso, o seu demiurgo se situa no limite os dois mundos: o intelectual e o sensível. O 1.º é

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eterno, imutável, in-engendrado; o 2.º, pelo contrário, é temporal e mutável, nasce e transforma-se. Ora, aquilo que se transforma tem, necessariamente, um autor dessa transformação. Esse autor é o demiurgo, "o mais belo dos autores, a melhor das causas" (Timeu, 29a). Fez o mundo porque era bom; fez o mundo introduzindo a ordem na desordem inicial. Para tudo isto, o demiurgo sempre de olhos no inteligível, procedeu a sapientíssimas misturas. Por isso "pela providência do deus" (ibid., 29b), o mundo saiu das suas mãos tão perfeito, animado, inteligente, esférico (para melhor encerrar em si todas as figuras e todos os seres vivos), movendo-se circularmente a fim de imitar o movimento do próprio intelecto. (2)

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

Democracia Democracia. Do grego demos, "povo" e kratia, "poder", "autoridade", define-se, segundo uma norma ideal, como "a organização social em que o controle político é exercido pelo povo, o qual delega poderes e representantes periodicamente eleitos. (1) Democracia. Na sua acepção mais vulgarizada forma de governo em que a soberania deriva do povo e é exercida por ele: a democracia de Atenas. Encicl. Tem-se dado à palavra "democracia" uma vasta e imprecisa significação, compreendendo concepções tão diversas (se bem que relacionadas) como as seguintes: a) uma sociedade fundada na igualdade; b) um Estado em que o poder de governar reside no povo; c) uma forma de organização governativa em que o Estado é diretamente administrado pelo povo ou por seus representantes eleitos. Em sentido rigoroso, só merecerá o qualificativo de democrática a sociedade em que foi abolido todo privilégio derivado do nascimento, da riqueza ou da função pública, e onde se estabeleceu uma igualdade substancial de direitos e obrigações legais, bem como de possibilidades sociais para todos os membros. A existência de castas, hereditárias ou intelectuais, ou de classes econômico-sociais (capitalistas e não-capitalistas) é incompatível com uma organização verdadeiramente democrática, a qual é ameaçada pela acumulação da riqueza nas mãos de alguns indivíduos e pela pobreza extrema em outros. A democracia como princípio social baseia-se na doutrina da igualdade essencial dos homens e de seu igual valor, - ideia derivada de concepção cristã da igualdade de todos os homens perante Deus, mas que deve a sua transferência da religião para a política principalmente ao influxo exercido pelos escritos de Rousseau. (2) Democracia. O uso do termo "democracia", poder do povo, adquiriu hoje uma dimensão que ultrapassa o significado específico de "forma de governo" ("governo do povo, pelo povo e para o povo") para indicar um modo de ser e de pensar. (3)

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Democracia. Etimologicamente o termo designa assim um governo do povo. Entretanto, na Grécia antiga onde o termo se origina, conota mais uma reivindicação política, do que propriamente uma forma determinada de organização do Estado. A reivindicação se orientava contra o fato da concentração do poder nas mãos de algumas famílias aristocratas. A cidade grega pode mesmo, em certo sentido, realizar uma democracia direta, com participação do povo nas decisões políticas, levando-se, porém, em conta que do povo grego eram excluídos, dentre outros, os escravos e mesmo, os estrangeiros residentes. Esta ideia democrática passou a Roma, onde conseguiu se firmar após a queda da monarquia etrusca; reaparece nas cidades medievais onde os interesses mercantis conseguiram afrontar as pretensões dos senhores feudais. Entretanto, conquanto se chamassem de democracias urbanas, eram de fato dominadas pelos burgueses mais poderosos, e a interferência do povo no poder era de fato pouco expressiva. A ideia, porém, tinha a força irresistível da justiça. Foi repensada pelos chamados filósofos do século XVIII, e mais tarde elaborada em termos de sistema político. O que a caracteriza, dada a impossibilidade concreta das democracias diretas num país de alto potencial demográfico, é o direito do povo de designar os seus governantes e de controlar o modo pelo qual exercem o poder que lhes é delegado. Assim, numa definição mais compreensiva, a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Para que ele possa designar os seus representantes no poder, foram elaborados mecanismos eleitorais, a princípio ainda restritivos, limitando tanto o número e as qualificações dos elegíveis, como dos eleitores. Em alguns países, por exemplo, eram excluídas as mulheres do direito do voto; em outros, eram excluídos os que não possuíam bens imóveis, ou não pagavam um determinado montante de impostos anuais. Pouco a pouco, as limitações foram caindo, para se chegar ao chamado sufrágio universal, do qual são excluídos os incapazes por idade, com menos de 21, em alguns países, ou de 18 anos, em outros, ou aqueles que não têm condições para votar com conhecimento de causa, como os analfabetos (hoje, quase inexistente). Para o controle do exercício do poder, foram também excogitados mecanismos diversos, como as eleições para um determinado período de tempo, com possibilidade de reeleição ou sem, e o exercício do mandato dentro de regras fixadas por uma Constituição elaborada também por representantes do povo. É evidente que tais mecanismos só podem ter eficácia na hipótese da existência de vários candidatos entre os quais escolher, apresentados por vários partidos, que defendam programas dotados de um conteúdo próprio. É assim difícil de imaginar a compatibilidade da democracia com regimes de partido único, como nos sistemas totalitários. Por outro lado, o funcionamento eficaz dos mecanismos democráticos é inseparável do respeito de direito e de fato aos direitos fundamentais da pessoa, como liberdade de pensamento, liberdade de expressão, de imprensa e de outros meios de comunicação, liberdade de associação, de locomoção. O reto exercício da democracia não é simples, nem fácil. É, muitas vezes, dificultado por uma série de interesses opostos que lhe criam obstáculos: a exploração da ignorância dos eleitores, o suborno, as fraudes eleitorais, as pressões políticas e econômicas exercidas sobre o eleitorado. (4) Democracia (démocratie). O regime em que o povo é soberano. Isso não significa que ele governe, nem faça lei, mas que ninguém pode governar nem legislar sem seu consentimento ou fora do seu controle. Opõe-se à monarquia (soberania de um só), à aristocracia (soberania de alguns), enfim à anarquia ou ao ultraliberalismo (ausência de soberano).

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Não confundir a democracia com o respeito das liberdades individuais ou coletivas. Se o povo é soberano, ele pode estabelecer soberanamente limites a essa ou aquela liberdade, e o faz necessariamente, porém mais ou menos. É o que dá sentido à expressão "democracia liberal" - porque nem todas o são. Não confundir tampouco a democracia com a república, que seria sua forma pura ou absoluta - una e indivisível, laica e mesmo igualitária, nacional e universalista... "A Democracia é o que resta da República quando se apagam as Luzes", escreve Régis Debray. Digamos que a democracia é um modo de funcionamento; a república, um ideal. Isso confirma que a democracia, mesmo impura, é a condição de qualquer república. (5) (1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (4) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (5) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Desvelamento (Desvendamento) Desvelamento. 1. Em Platão, a verdade (aletheia) significa desvelamento do ser, isto é, descobrimento daquilo que estava oculto, retirada do véu. 2. Na metafísica de Heidegger, o desvelamento significa a ideia segundo a qual o ser da coisa se desvela, manifesta-se nas condições mesmas de seu aparecer, de seu "fenômeno", a verdade nada mais sendo que a manifestação do ente, enquanto ele deixa de ser ocultado pelas preocupações da vida cotidiana, e do caráter aberto do ser. (1) Desvendamento. Na origem, em Platão – segundo a etimologia grega aletheia – descoberta do ser primitivamente oculto. Na filosofia de Heidegger, o desvendamento do ser é a manifestação da verdade do ente que consegue se desprender das preocupações do cotidiano. (cf. revelação) (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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Determinismo Determinismo. 1. Como princípio segundo o qual os fenômenos da natureza são regidos por leis, o determinismo é a condição de possibilidade da ciência: “A definição do determinismo pela previsão rigorosa dos fenômenos parece a única que a física pode aceitar, por ser a única realmente verificável (Louis de Broglie) 2. Doutrina filosófica que implica a negação do livre-arbítrio e segundo a qual tudo, no universo, inclusive a vontade humana, está submetido à necessidade. Com Descartes, a natureza é matemática em sua essência: uma natureza que não fosse matemática contradiria a ideia de perfeição divina. Para Spinoza, “não há na alma nenhuma vontade absoluta ou livre”. Em Kant, o determinismo deixa de ser metafísico para fazer parte da legislação que o espírito impõe às coisas para conhecê-las. Não há oposição entre determinismo e a liberdade, porque ele pertence à ordem dos fenômenos, enquanto a liberdade pertence à ordem numenal. (1) Determinismo. Todos os eventos e as ações são determinados no final das contas por causas alheias à vontade. (2) Determinismo. A visão de que nada pode acontecer exceto o que realmente acontece, porque todo evento é o resultado necessário das causas que precedem - e elas próprias foram o resultado necessário das causas que as precederam. (cf. indeterminismo) (3) Determinismo. a) A doutrina ontológica de que tudo ocorre segundo leis ou por desígnio. O determinismo tradicional admitia apenas determinação causa, teleológica (dirigida para meta), e divina. O determinismo científico contemporâneo é em alguns aspectos mais amplo e, em outros, mas estreito: é idêntico ao princípio da legalidade, juntamente com o princípio ex nihilo nihil fit. b) Determinismo causal - Todo evento tem uma causa. Isto é somente em parte verdade, porque há processos espontâneos, como a desintegração radioativa espontânea e a descarga neurônica, bem como as leis probabilísticas. c) Determinismo genético - Nós somos o que os nossos genomas prescrevem. Isto é apenas parcialmente verdade, porque os fatores ambientais são tão importantes quanto os dons genéticos e porque a criatividade (criação) é inegável. (4)

Princípio de legalidade (legitimidade). A hipótese de que todos os fatos estão sob a égide de leis e, portanto, são legítimos. Esta hipótese ontológica corrobora a pesquisa científica. (4) Ex nihilo nihil fit. Do nada nada vem e no nada nada entra. Este princípio, devido a Epicuro e Lucrécio, é a mais antiga e a mais geral enunciação do princípio de conservação da matéria. (4) Ex falso sequitur quodlibet - Da falsidade segue-se qualquer coisa. Princípio da explosão. Prova: se p ==> q for verdade, e p for falso, então o arbitrário q será verdadeiro porque p ==> q = df p v q. Moral: A falsidade não é apenas má em si

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mesma, mas também porque gera arbitrariamente muitas proposições, verdadeiras ou falsas, pertinentes ou irrelevantes. (4)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (3) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011. (4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Deus Deus. Um dos mais potentes e sábios dos seres sobrenaturais inventados por algumas religiões. Há pelo menos tantas deidades quanto são as religiões. Algumas são imaginadas como sendo materiais e perceptíveis, enquanto outras se afiguram não serem nem uma coisa nem outra; algumas são postuladas como imortais ou mesmo eternas, outras não; algumas são prestimosas e misericordiosas, outras não prestam nenhuma ajuda e são cruéis; algumas são solteiras, outras possuem famílias e corte. A possibilidade de existência de divindade coloca interessantes problemas filosóficos, tais como os da evidência para a crença religiosa, o alcance da liberdade humana, a fonte última do bem e do mal, e a possibilidade do livre-arbítrio e da responsabilidade. Por exemplo, se Deus é onipotente, então o homem não pode ter livre-arbítrio, e ele peca apenas por procuração, portanto ele não deveria ser punido. Se, por outro lado, o homem possui livre-arbítrio, então ele pode pecar, e assim Deus, seu criador, é indiferente ou mesmo perverso. (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Devir Devir. Do latim devenire, chegar. 1. Vir a ser; tornar-se, transformar-se. 2. Fil. Movimento permanente e progressivo pelo qual as coisas se transforma. (1) Na filosofia aristotélico-escolástica, o devir nada mais é do que a passagem – por geração, por destruição, por alteração, pelo aumento ou pelo movimento local – da

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potência ao ato. Em Hegel, o devir constitui a síntese dialética do ser e do não ser, pois tudo o que existe é contraditório estando, por isso mesmo, sujeito a desaparecer (o que constitui um elemento constante de renovação). (2) Devir. Coloca-se o problema do devir em filosofia desde os pré-socráticos. Enquanto para Parmênides a existência do ser é incompatível com a mudança própria do devir que não passa de ilusão -, para Heráclito, em compensação, nada é estável, "tudo foge" e encontra-se sujeito a um devir feito da metamorfose perpétua das coisas que evoluem, aliás, não de modo linear, mas de acordo com um ciclo que realiza a coincidência dos contrários. Entre os filósofos que reivindicam Heráclito, como Hegel que, encontrando no devir o fundamento da História (e da do Ser em particular), o concebe como a síntese dialética "que ultrapassará" as contradições. (3) (1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Dialética Dialética. A dialética é, propriamente falando, a arte de discutir. A arte do diálogo. Como, porém, não discutimos só com os outros, mas também conosco próprios, ela acaba sendo considerada o método filosófico por excelência. Entre os gregos, chamavase ainda dialética à arte de separar, distinguir as coisas em gêneros e espécies, classificar idéias para poder discuti-las melhor (cf. Platão, Sofística, 253c) Para Platão, dialética seria o processo que, partindo do diálogo de opiniões contrárias, iria separando a opinião (dóxa) do conhecimento ou ciência (epistéme), possibilitando à alma se elevar do mundo sensível ao mundo das ideias. (1) Com o passar do tempo o termo evolui para um sentido mais preciso, designando "uma discussão de algum modo institucionalizada, organizando-se habitualmente em presença de um público que acompanha o debate – como uma espécie de concurso entre dois interlocutores que defendem duas teses contraditórias. A dialética eleva-se, então, ao nível de uma arte, arte de triunfar sobre o adversário, de refutar as suas afirmações ou de o convencer" (2)

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Dialética. a. Na filosofia antiga e medieval é um sinônimo da lógica ou da arte de argumentação. A dialética, no hegelianismo e no marxismo, é algumas vezes encarada como um método e em outras, como uma filosofia. A primeira interpretação é equivocada, porque nem Hegel nem Marx nem seus seguidores propuseram qualquer método propriamente dito (ou procedimento padronizado) com gosto de dialética. A dialética é uma filosofia e, mais precisamente, uma ontologia. A ética e a epistemologia dialética não existem. b. Lógica dialética — Ela tem sido vendida como uma generalização da lógica formal. Esta última seria uma espécie de aproximação em câmara lenta da primeira: teria validade apenas para certas extensões, enquanto a lógica dialética cobriria processos em sua inteireza. Para melhor ou para pior, a lógica dialética permaneceu em estágio de projeto. De fato, ninguém jamais propôs quaisquer regras dialéticas de formação ou de referência. Além disso, a ideia toda de uma lógica dialética parece ser um mal-entendido proveniente da identificação feita por Hegel entre a lógica e a ontologia — uma equação que tem sentido apenas dentro de seu próprio sistema idealista. c. Ontologia dialética — Esta concentra as assim chamadas três leis da dialética, estabelecidas por Hegel e reformuladas por Engels e Lênine. Elas são: (1) cada coisa seria a união de opostos; (2) cada mudança origina-se em oposição (ou "contradição"); (3) qualidade e quantidade mudam uma na outra. As partículas elementais — os tijolos que constituem o mundo — são os contra-exemplos da primeira "lei". Cada caso de cooperação na natureza ou na sociedade arruína a segunda. A terceira "lei" é ininteligível na forma como se apresenta, mas pode ser caridosamente reformulada assim: Em cada processo qualitativo, ocorrem (podem ocorrer) mudanças e, uma vez realizadas, novos modos de crescimento ou declínio começam. É esta a única "lei dialética" clara e verdadeira, mas ela não envolve o conceito de contradição,

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que é marca registrada da dialética. Não é de surpreender que, ante uma doutrina tão nebulosa, a dialética nunca tenha sido formalizada. (4)

Dialética. Originalmente, a "arte de conversação", mas foi usado por Platão para designar o método filosófico correto. Na antiguidade, Zenão de Eleia foi considerado o fundador da dialética, em virtude de suas provas indiretas de, por exemplo, a impossibilidade de movimento, inferindo absurdos ou contradições da suposição de que o movimento ocorre. A dialética de Sócrates, conforme retratada nos primeiros diálogos de Platão, tende a assumir uma forma destrutiva: Sócrates interroga alguém sobre a definição de algum conceito que empregou (por exemplo, "virtude") e extrai contradições das sucessivas resposta dadas. Mas em diálogos posteriores, que devem muito mais ao próprio Platão do que a Sócrates, a dialética é um método positivo, formulado para produzir o conhecimento das FORMAS ou IDEIAS e das relações entre elas. Nesses diálogos, a forma dialogal tende a tornar-se relativamente pouco importante e a dialética perde o seu vínculo com a conversação (exceto na medida em que pensar é tido como um diálogo da pessoa consigo própria). Para Hegel, a dialética não envolve um diálogo entre dois pensadores ou entre um pensador e o seu objeto de estudo. É concebida como a autocrítica autônoma e o autodesenvolvimento do objeto de estudo, de, por exemplo, uma forma de CONSCIÊNCIA ou um conceito. A "dialética" também adquiriu um sentido pejorativo em consequência de sua associação com os chamados "sofistas" ou "professores profissionais de sabedoria" que, embora combatidos por Sócrates, usavam frequentemente métodos parecidos com os de Sócrates. Lato sensu, a dialética de Hegel envolve três etapas: (1) Um ou mais conceitos ou categorias são considerados fixos, nitidamente definidos e distintos dos outros. Esta é a etapa do entendimento. (2) Quando refletimos sobre tais categorias, uma ou mais contradições emergem nelas. Esta é a etapa propriamente dialética, ou da razão dialética ou negativa. (3) O resultado dessa dialética é uma nova categoria superior, que engloba as categorias anteriores e resolve as contradições nelas envolvidos. Esta é a etapa de ESPECULAÇÃO ou razão positiva (Enc. I, && 79-82). Hegel sugere que essa nova categoria é uma "unidade de OPOSTOS", que se ajusta ao DEVIR. (5) Dialética. Esse termo, que deriva de diálogo, não foi empregado, na história da filosofia, com significado unívoco, que possa ser determinado e esclarecido uma vez por todas; recebeu significados diferentes, com diversas inter-relações, não sendo redutíveis uns aos outros ou a um significado comum. Todavia, é possível distinguir quatro significados fundamentais: 1.º D. como método da divisão; 2.º D. como lógica do provável; 3.º D. como lógica; 4.º D. como síntese dos opostos. Referem-se, respectivamente, à D. platônica, à D. aristotélica, à D. estoica e à D. hegeliana. Pode-se dizer, por exemplo, que a D. é o processo em que há um adversário a ser combatido ou uma tese a ser refutada, e que supõe, portanto, dois protagonistas ou duas teses em conflito; ou então que é um processo resultante do conflito ou da oposição entre dois princípios, dois momentos ou duas atividades quaisquer. (6)

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= = = >>

Dialética Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Platão e Hegel: 4.1. A Dialética Platônica; 4.2. A Dialética Hegeliana; 4.3. Platão Versus Hegel. 5. A Elaboração do Pensamento: 5.1. As Perguntas do Filósofo; 5.2. Explicar É Desdobrar; 5.3. Postura Científica. 6. O Diálogo: 6.1. Crítica e Oposição; 6.2. A verdadeira Dialética Inclui a Tolerância; 6.3. Uns Complementam os Outros. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é refletir sobre a arte de discutir no sentido de melhorar a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. 2. CONCEITO A dialética é, propriamente falando, a arte de discutir. A arte do diálogo. Como, porém, não discutimos só com os outros, mas também conosco próprios, ela acaba sendo considerada o método filosófico por excelência. Entre os gregos, chamava-se ainda dialética à arte de separar, distinguir as coisas em gêneros e espécies, classificar idéias para poder discuti-las melhor (cf. Platão, Sofística, 253c) Com o passar do tempo o termo evolui para um sentido mais preciso, designando "uma discussão de algum modo institucionalizada, organizando-se habitualmente em presença de um público que acompanha o debate – como uma espécie de concurso entre dois interlocutores que defendem duas teses contraditórias. A dialética eleva-se, então, ao nível de uma arte, arte de triunfar sobre o adversário, de refutar as suas afirmações ou de o convencer" (Blanché, 1985). 3. HISTÓRICO O primeiro sentido da dialética pode ser encontrado em Zeno de Eléia, com os argumentos dialogados, para afirmar a doutrina parmediciana da mobilidade do Ser e das idéias, contra a doutrina do movimento e das experiências sensíveis, assinalada desde os jônios. Sócrates inaugura uma nova dialética, que compreende duas partes: a ironia e a maiêutica. Na ironia ou refutação da pseudociência, Sócrates procurava confundir o interlocutor acerca do conhecimento que este tinha das coisas. Posteriormente, fazia-o penetrar em novas idéias. Dizia que seu método consistia em parir idéias, à semelhança de sua mãe, que paria crianças. Para Platão, a dialética é o movimento do espírito que marcha para a verdade, movimento cujo símbolo ele deu na célebre alegoria da caverna. Na classificação de Aristóteles, "a dialética pertence às ciências poéticas e não à lógica". Para os estóicos, faz parte da lógica: "ciência do verdadeiro e do falso ou nem de um nem de outro". Na Idade Média, a dialética constitui com a gramática e a retórica, o Trivium. O Renascimento depreciou a dialética. O sentido depreciativo permanece em Kant: lógica das aparências, reguladora das idéias que não podem ser explanadas por via científica. Foi primeiro com Hegel, depois com Marx e Engels, que a dialética apareceu com função essencial na teoria do conhecimento. Para o marxismo, a filosofia consiste em reconstruir, com a dialética da razão, a dialética da realidade. (Soares, 1952)

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4. PLATÃO E HEGEL Em termos filosóficos, a comparação desses dois grandes pensadores da humanidade dá-nos a dimensão do seja a dialética. 4.1. A DIALÉTICA PLATÔNICA Platão, discípulo de Sócrates, desenvolve as suas idéias através do mito. O mito da caverna ou da reminiscência das idéias dá embasamento à sua dialética. Nesta alegoria, Platão coloca alguns homens voltados para o fundo da caverna, de modo que só vêem suas próprias sombras. Depois, aponta para um deles (chamando-o de filósofo), que se vira e vai ao encontro da luz, que é o símbolo do conhecimento, da idéia. Esta simbologia mostra que o indivíduo deve resistir à sugestão do sensível, para buscar as puras relações inteligíveis (leis ou idéias) que se mantêm invariáveis através da variabilidade do sensível. É essa a dialética ascendente. A dialética descendente consiste em descer dos princípios, ou idéias, encontradas pela dialética ascendente, para a intelecção dos fenômenos particulares. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) 4.2. A DIALÉTICA HEGELIANA O ponto central da filosofia de Hegel (1770-1831) encontra-se na dialética da idéia. Herda, para a construção de sua teoria, os pensamentos de Heráclito, Aristóteles, Descartes, Kant, Espinosa, Fichte e Schelling. Parte da Tese - Ser, pura potencialidade, o qual deve se manifestar na realidade através da Antítese - Não-Ser. Na contradição entre tese e antítese surge a Síntese Vir-a-Ser. Esse raciocínio é aplicado tanto à aquisição de conhecimento quanto à explicação dos processos históricos e políticos. Para ele, a verdadeira ciência do pensamento coincide com a ciência do ser. 4.3. PLATÃO VERSUS HEGEL Enquanto Platão nos fazia desviar os olhos do mundo das sombras para concentrá-los na contemplação do invisível, Hegel nos ensinava a suportar a morte, a separação. Dizia: "o espírito só conquista a sua verdade encontrando a si próprio e na dilaceração absoluta". "Para Platão, quando o homem compreende que o mundo das sombras não é ou é falso, procura desviar-se deste mundo e colocar-se na via certa, orientar seus olhos para a visão da idéia; ao passo que em Hegel não se trata simplesmente de substituir um desvio pela via certa, e sim de suportar o desvio, porque só então se alcança aquele ‘certo’ em toda a sua plenitude". (Bornheim, 1977) 5. A ELABORAÇÃO DO PENSAMENTO 5.1. AS PERGUNTAS DO FILÓSOFO O filósofo, para se dizer filósofo, tem que se valer da pergunta. Toda pergunta exige uma resposta. E a própria resposta dá origem a uma nova pergunta. Mas a pergunta do filósofo não é qualquer pergunta. É uma pergunta que visa à descoberta da verdade. Por isso, não se contenta com os pré-conceitos. Ele busca o conceito, retirando o verniz que esconde a realidade das coisas. Se perder este ímpeto, esta condição ou esta postura deixará de ser filósofo, para se apassivar aos acontecimentos. Nesse sentido, ele não deve querer saber muito, estar a par de tudo o que acontece, mas adquirir o poder de se concentrar num dado problema e tirar dele todo o conhecimento que for possível. 5.2. EXPLICAR É DESDOBRAR Plica em latim significa dobra. Ex-plicare significa desdobrar, ou seja, abrir as dobras. Toda explicação nada mais é do que o desdobramento de alguma coisa; é o encadeamento das idéias no discurso falado ou escrito. A árvore veio

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da semente; muitos animais vieram do ovo. Disto resulta que na semente ou no ovo está contido todo o desenvolver daquela espécie de árvore ou de animal. Dar uma explicação das coisas é reconstituir todo esse processo de desdobramento. Nesse mister, uma explicação mais profunda, denominada filosófica, exige uma explicação desde o começo: explicatio ab ovo (explicação desde o primeiro ovo). (Cirne-Lima, 1997) 5.3. POSTURA CIENTÍFICA O cientista, acostumado a elaborar o seu pensamento através de hipóteses, provas e conclusões, está sempre fortalecendo o argumento fraco, a fim de descobrir e formular uma nova teoria em sua ciência particular. Utiliza-se da contra-indução, que é o processo de rejeitar aquilo que já foi provado. Nesse sentido, destaca aqueles pontos em que não houve adequação exata entre a realidade e a teoria. Estuda-os com o devido cuidado, a fim de chegar ao verdadeiro conhecimento que os fatos revelam. A defesa das causas perdidas é outra postura que auxilia o poder de argumentação do cientista. Empenhando-se denodadamente na perquirição dos fatos adversos, ele consegue penetrar no âmago da pureza científica. 6. O DIÁLOGO Toda a vida do homem é um diálogo ininterrupto. Organicamente, somos frutos do diálogo biológico dos nossos pais terrestres. Ninguém consegue aprender sem o diálogo com os outros. E, mesmo calados, estamos dialogando conosco mesmos. 6.1. CRÍTICA E OPOSIÇÃO O verdadeiro diálogo inclui crítica e oposição. São os elementos diversos e contraditórios que deverão convergir para uma síntese. Note-se o diálogo numa reunião, em que as pessoas pensam de forma diferente. A função do coordenador é ouvir atentamente cada uma delas, para depois tomar a sua decisão. Esta decisão engloba uma síntese do discutido e do não discutido, ou seja, daquilo que ficou dito nas entrelinhas dos discursos. 6.2. A VERDADEIRA DIALÉTICA INCLUI A TOLERÂNCIA A dialética tem um pressuposto fundamental: a tolerância. É por ela que nos exercitamos a ouvir a fala do nosso próximo. Somos tão limitados, que sempre julgamos ter razão. Esforçando-nos em ouvir o outro, vamos educando os nossos ouvidos para a contradição, pois sempre que há uma dicção, há, em contrapartida, a contradição. Lembremo-nos da famosa frase de Voltaire: "Não concordo com nada do que você diz, mas defenderei o seu direito de dizê-lo até o fim". 6.3. UNS COMPLEMENTAM OS OUTROS Ninguém é uma ilha. A civilização obriga-nos a nos relacionarmos uns com os outros. Por isso, a Lei de Sociedade prescreve que cada indivíduo deve complementar o seu próximo: ao forte cabe o amparo do fraco; ao inteligente, a instrução do ignorante; ao rico, o auxílio do pobre. Todos viemos a este mundo para desempenhar uma missão, grande ou pequena, mas que pesa na soma geral. O desprezo que os grandes sentem para com os pequenos é muito mais um reflexo do orgulho e da ignorância, pois estão sempre os utilizando para os serviços grosseiros, no sentido de manter a ordem da vida social. 7. CONCLUSÃO Estejamos abertos ao debate, seja de que tipo for. Se soubermos tirar proveito das discussões, não haverá um único momento em que não possamos

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acrescentar valores morais ao nosso patrimônio espiritual, enriquecendo-o ainda mais. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BLANCHÉ, R. História da Lógica de Aristóteles a Bertrand Russel. Lisboa: Edições 70, 1985) CIRNE-LIMA, C. Dialética para Principiantes. 2.ed., Porto Alegre: Edipucrs, 1979 GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] SOARES, Órris. Dicionário de Filosofia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, INL, 1952. São Paulo, junho de 2004

<< = = = (1) BRAGA, M. (e outros). Breve História da Ciência Moderna. 3. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (Volume 1 Convergência de Saberes) (2) BLANCHÉ, R. História da Lógica de Aristóteles a Bertrand Russel. Lisboa: Edições 70, 1985) (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (5) INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (6) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Diálogo Diálogo. Para grande parte do pensamento antigo e até Aristóteles, o diálogo não é somente uma das formas pelas quais se pode exprimir o discurso filosófico, mas a sua forma própria e privilegiada, porque esse discurso não é feito pelo filósofo a si mesmo e não o encerra em si mesmo, mas é um conversar, um discutir, um perguntar e responder entre pessoas associadas pelo interesse comum da pesquisa. (1) Diálogo. O fato de dois ou muitos falarem entre si para buscar uma mesma verdade. É portanto um gênero de conversa, porém voltada mais o universal do que para o singular (como na confidência) ou o particular (como na discussão). Considera-se, geralmente, que o diálogo, pelo menos desde Sócrates, é uma das origens da filosofia. Muitos falarem entre si, se for para buscar o verdadeiro, supõe em todos uma razão comum e a insuficiência, em cada um, dessa razão. Todo diálogo supõe o espírito universal e nossa incapacidade de nos instalar nele. Daí a troca de argumentos e, às vezes, a tentação do silêncio. (2)

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(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Dilema de Eutífron Dilema de Eutífron. Dilema examinado no Eutífron, um dos diálogos de Platão. As coisas piedosas são piedosas porque os deuses as amam, ou os deuses as amam porque são piedosas? O dilema suscita a questão da possibilidade de conceber os valores como resultado da escolha de uma mente qualquer, mesmo que essa mente seja divina. Na primeira opção, aquilo que é bom e tem valor é criado pela escolha dos deuses. Mesmo que isso seja inteligível, parece tornar impossível o ato de louvar os deuses, já que assim é vagamente verdadeiro que eles escolhem o que é bom. A segunda opção nos obriga a supor uma fonte de valores situada aquém ou além da própria vontade dos deuses, pela qual estes possam ser avaliados. A elegante solução de Tomás de Aquino consiste em afirmar que o modelo do bem é a natureza de Deus, sendo por isso distinto de sua vontade, embora não distinto de si mesmo. O dilema surge seja qual for a fonte de autoridade que se aceite. Preocupamo-nos com o que é bom porque é bom, ou nos limitamos a chamar de boas aquelas coisas com que nos preocupamos? O dilema também pode generalizar-se de forma a afetar nossa compreensão da autoridade de outras coisas, como a matemática, por exemplo, ou as verdades necessárias. Essas verdades são necessárias porque decidimos que elas o são, ou decidimos que elas o são porque são necessárias? (1) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Direito e Justiça Direito. Faculdade legal, convencional, geralmente aceita, de fazer alguma coisa, de a pretender, de a exigir. Podemos considerar o direito como regra ou norma, isto é, objetivamente; como atribuição, poder ou faculdade, isto é, subjetivamente; como ciência, filosofia, disciplina, arte e técnica; e como justiça. (1) Um direito é aquilo que é conforme a uma regra precisa ou o que é permitido (nessa acepção, o termo pode ser empregado no plural). No primeiro caso, abre para o indivíduo a possibilidade de reivindicá-lo ou exigi-lo (direito de resposta, por exemplo). No segundo, é autorizado por leis mais ou menos explícitas ou, no sentido mais forte, é conforme ao dever moral.(2)

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O direito Em toda sociedade, existe um conjunto de normas que regulam o comportamento de seus membros. Um dos tipos de normas é o das normas morais, que determinam o comportamento correto em relação ao que é considerado bom ou ruim. As normas morais - ainda que em boa parte variem de acordo com as épocas e as sociedades, e por isso não se pode subestimar seu componente social - devem ser interiorizadas por cada indivíduo, e seu descumprimento não implica sanção externa do grupo social. Outro tipo de normas é o dos usos, convencionalismos relacionados com a boa educação - por exemplo, as regras de vestuário, as normas de cortesia etc. Sua observância indica a integração do indivíduo na sociedade, e - embora exista sem dúvida certa pressão social - trata-se de normas que não têm caráter obrigatório nem coativo. Existe também outro tipo de normas: as normas jurídicas, cujo conjunto constitui o direito. São normas de caráter geral e de cumprimento obrigatório. Foram estabelecidas pelo estado, que gera, além disso, as instituições necessárias para seu cumprimento diante das quais deve responder no caso de tais normas serem transgredidas. O direito é, portanto, a organização jurídica do estado.

Justiça Nossa concepção de justiça provém do grego diké, que significa "ajustamento das partes ao todo". Na Grécia antiga, falava-se de uma "justiça cósmica universal", em virtude das quais todas as coisas cumpriam sua função e, como resultado disso, o próprio conjunto estava em equilíbrio e harmonia. Nesse sentido, justiça equivale a "cumprimento da lei que governa todas as coisas".

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Essa noção de ajustamento entre as partes se mantém de uma forma ou de outra, nos três pontos de vista possíveis sobre a justiça: a justiça como moral individual, a justiça como reguladora das relações sociais e a justiça em seu aspecto jurídico.

A justiça como virtude moral A justiça como virtude moral individual se refere a um traço do caráter da pessoa que se manifesta em suas ações. Na maioria dos casos, a justiça tem um componente social, na medida em que acontece nas relações do ser humano com os outros seres humanos. No caso de Platão, a justiça como virtude moral significa o ajustamento entre as três partes da alma: a racional, a irascível e a concupiscível. O homem justo é aquele que consegue a harmonia entre razão, força e apetites; ser justo equivale a ser dono de si mesmo, dominando as paixões e orientando racionalmente o comportamento. Essa virtude moral se projeta nas relações que o indivíduo tem em sociedade: existe justiça na sociedade quando se atinge a harmonia das partes, que nesse caso são os tipos de cidadãos. Esse aspecto se refere à justiça nas relações sociais. Aristóteles entende a justiça sobretudo nesse sentido: nas relações que o indivíduo estabelece com os outros.

A justiça como reguladora da sociedade Sob essa perspectiva, a justiça é uma qualidade da ordem social, destinada a tornar possível e facilitar a convivência entre os seres humanos. Como virtude social, a justiça consiste fundamentalmente em dar a cada um o que lhe corresponde, mas o que corresponde a cada um pode ser estabelecido de acordo com dois critérios possíveis, cada um deles deferindo um tipo de justiça. A justiça comutativa governa as relações entre iguais segundo um critério de igualdade que exige que se dê a uma pessoa uma valor igual ao que ela oferece; é a justiça das relações entre indivíduos como pessoas privadas. A justiça distributiva é regida pelo critério da proposição geométrica, baseada nas diferenças de categoria, mérito, funções etc.

A justiça como cumprimento da lei e da organização jurídica Esse terceiro aspecto da justiça consiste naquilo que Aristóteles chamava de justiça legal. O cumprimento da lei tem como objetivo o bem comum. Aqui, justiça significa legalidade: o justo é aquilo que é legal, isto é, conforme à lei. Essa justiça depende dos poderes públicos, que tratam de regular a ordem política por meio de algumas leis que obriguem a todos, por igual.

Justiça e Direito Para além da equivalência da justiça com o cumprimento da legalidade vigente, a justiça pode ser entendida também em termos de legitimidade, que contempla a justiça em sua

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função de princípio gerador do direito de um estado. O direito aparece, assim, como a realização da justiça, e ela é o critério último a partir do qual se pode avaliar uma organização jurídica concreta.

Os direitos humanos Por direitos humanos, entendem-se aqueles direitos que que todo ser humano possui pelo simples fato de existir, independentemente do fato de que sejam reconhecidos ou não pelo direito positivo. Podem-se distinguir três fases ou "gerações" no reconhecimento dos direitos. Os direitos de primeira geração. São direitos basicamente políticos: a própria vida, liberdade, igualdade... Os direitos de segunda geração. São direitos econômicos, sociais e culturais: educação, saúde, moradia, trabalho... Os direitos da terceira geração: ecologia, pacifismo, feminismo, liberdade sexual... (3) (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) Temática Barsa - Filosofia.

Dissonância Cognitiva Dissonância Cognitiva. Termo introduzido pelo psicólogo americano Leon Festinger (1919-), cuja obra Theory of Cognitive Dissonance (1957) chamou a atenção para o modo pelo qual o impulso para reduzir a "dissonância", ou a sensação de que algo está errado num sistema de crenças, pode conduzir a estratégias inesperadas de formação ou retenção de crenças. (1) Dissonância. Termo de Festinger (A Theory of Cognitve Dissonance) para a inconsistência entre as atitudes e o comportamento de uma mesma pessoa. (2) Dissonância Cognitiva. Incoerência entre certas experiências, ideias, atitudes ou sentimentos. Segundo a teoria da dissonância, ela cria um estado desagradável, que as pessoas tentam reduzir interpretando uma parte das suas experiências para torná-las mais coerentes com as outras. (3)

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A teoria da dissonância cognitiva. Festinger e Carlsmith pediram para os sujeitos da sua pesquisa fazerem coisas extremamente entediantes, como arrumar carreteis em uma bandeja e depois desarrumá-los ou girar uma maçaneta após outra em um quarto de volta. Quando terminavam, os sujeitos eram induzidos a dizer ao próximo sujeito que as tarefas eram muito interessantes. A metade dos participantes foi paga generosamente para mentir dessa forma (receberam 20 dólares), e os outros receberam apenas 1 dólar para mentir. Posteriormente, todos os participantes deveriam dizer se as tarefas eram realmente agradáveis. Os bem-remunerados e que sabiam muito bem que tinham mentido para os outros participantes disseram que a tarefa era chata, mas os sujeitos mal-remunerados disseram que as tarefas triviais e monótonas eram razoavelmente interessante e, portanto, indicavam que, de fato, haviam dito a verdade aos outros sujeitos. O que gera esse padrão estranho? Segundo Festinger, os mentirosos bem-pagos sabiam por que haviam falado de sentimentos que não sentiam: 20 dólares era a razão suficiente. Contudo, os mentirosos mal-pagos haviam experimentado uma dissonância cognitiva, graças ao fato de que haviam enganado outras pessoas sem uma boa razão para tal. Em outras palavras, eles tinham justificativa insuficiente para seu ato e, se analisados literalmente, isso os fazia parecer mentirosos eventuais e sem princípios, uma visão que conflitava com a maneira como queriam se enxergar. Como, então, poderiam conciliar seu comportamento com a sua autoimagem? Uma solução plausível era reavaliar as tarefas chatas. Se pudessem mudar de ideia quanto às tarefas e decidir que não eram tão ruins, não haveria mentira e não haveria dissonância. Um exemplo: Atitude de Lisa: O custo de nossa escola é alto demais. Comportamento de Lisa: Apoie a equipe! A escola precisa de dinheiro. Dissonância cognitiva: (Consciência de que a postura e o comportamento são incongruentes). Resolução da dissonância: Talvez a escola esteja certa. (3) Resultados bastante semelhantes emergem de estudos com pessoas que devem fazer sacrifícios consideráveis para alcançar um objetivo. Isso ajuda-nos a explicar por que muitas organizações têm requisitos difíceis ou desagradáveis de seleção. Mesmo assim, embora os rituais de seleção sejam objetáveis, eles têm uma função: levam os novos membros da fraternidade a valorizar mais a sua participação do que fariam de outra forma. Eles sabem que sofreram o suficiente para poderem participar, e acreditar que sofreram sem razão criaria uma dissonância para eles. Porém, essa dissonância é eliminada se eles se convencerem de que a sua participação realmente tem valor. Nesse caso, seu sofrimento, segundo sua visão, "valeu a pena". A dissonância cognitiva é um dos fenômenos mais estudados na psicologia social, e supostamente apresenta um padrão universal para a nova espécie, em outras palavras, todos os humanos consideram a dissonância desagradável e, assim, todos fazem o possível para reduzi-la. Mas será que isso está certo? Estudos recentes sugerem que sim

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mas com um senão, pois os fatores que produzem dissonância variam amplamente de cultura para cultura. (3) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. (2) DORIN, E. Dicionário de Psicologia. (3) GLEITMAN, Henry, REISBERG, Daniel e GROSS, James. Psicologia. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. 7 ed., Porto Alegra: Artmed, 2009.

Dogma / Dogmatismo Dogma. Rigorosamente considerado, fora da Igreja Católica, o dogma não existe. Em filosofia, doutrina ou opinião filosófica transmitida de modo impositivo e sem contestação por uma escola ou corrente filosófica. Em religião, doutrina religiosa fundada numa verdade revelada e que exige o acatamento e a aceitação dos fiéis. No catolicismo, o dogma possui duas fontes: as Escrituras e a autoridade da Igreja. (1) Dogma. Uma crença que é tida como inexpugnável ao argumento e à experiência. Exemplo: as assim chamadas verdades reveladas da religião. Diferença entre dogma e tautologia: as tautologias são passivas de prova. Diferença entre dogma e postulado: os postulados são passiveis de verificação por meio de suas consequências. Se estas forem falsas, os postulados que as implicam logicamente ficam refutados. (2)

Dogmatismo. Doutrina dos que pretendem basear seus postulados apenas na autoridade, sem admitir crítica nem discussão. (1) Dogmatismo. 1. Toda doutrina ou toda atitude que professa a capacidade do homem atingir a certeza absoluta; filosoficamente, por oposição ao ceticismo, o dogmatismo é a atitude que consiste em admitir a possibilidade, para a razão humana, de chegar a verdades absolutamente certas e seguras. 2. No sentido vulgar, atitude que consiste em afirmar alguma coisa, de modo intransigente e contundente, sem provas nem fundamento. (3) Dogmatismo. No sentido corrente: um pendor para os dogmas, uma incapacidade de duvidar daquilo em que acredita. É gostar mais da certeza do que da verdade, a ponto de dar por certo tudo o que se julga verdadeiro. No sentido filosófico: toda doutrina que afirma a existência de conhecimentos certos. É o contrário de ceticismo. Os grandes filósofos, em sua maioria, são dogmáticos (o ceticismo é a exceção), e têm boas razões para tal, a começar pela própria razão. Quem pode duvidar da sua própria existência, da verdade de um teorema matemático (se compreende a sua demonstração). Cumpre notar, porém, que uma incapacidade de

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duvidar não prova nada. A certeza de que nada é certo seria tão duvidosa quanto as outras, ou antes, seria mais – já que se contradiz. (4)

Mais informação: = = = >>

Dogmatismo e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Dogmas da Religião Católica. 4. Comportamento Dogmático. 5. Filosofia da Negação. 6. Dogmatismo e Espiritismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O dogmatismo está presente em muitos atos de nossa vida. Nosso propósito é refletir sobre o significado e a ocorrência do comportamento dogmático, a fim de nos afastarmos do erro, e conduzirmos o nosso pensamento para uma atitude crítica da realidade em que estivermos inseridos. 2. CONCEITO Dogma – do grego dokein – significa opinião certa, decreto, axioma. Dogma (religião) – É ponto fundamental e indiscutível de uma doutrina religiosa. No Cristianismo, chamam-se dogmas as verdades reveladas, propostas pela suprema autoridade da Igreja como artigos de fé, que devem ser aceitos por todos os seus membros. (Santos, 1965) Dogma (pejorativamente) – Chamam-se dogmas todas e quaisquer afirmações que apenas expressam opinião, sem os necessários fundamentos, mas que são proclamados como verdades indiscutíveis. (Santos, 1965) Dogmatismo – Atitude do espírito que consiste em pensar e em se exprimir em função de dogmas, ou seja, de verdades consideradas definitivas, e que não podem ser sujeitas a discussão. (Legrand, 1982). Entre os gregos era a posição filosófica que se opunha ao ceticismo (exame, dúvida). Dogmática – Parte da teologia que tem por objeto a exposição dos dogmas. 3. DOGMAS DA RELIGIÃO CATÓLICA O Concílio Ecumênico, Assembléia de Bispos e principais dignitários da Igreja, sob a presidência papal, tem por objeto a formulação dos artigos de fé e moral (dogmas) com o caráter de infalibilidade. O Dogma da Infalibilidade Papal, o Dogma da Imaculada Conceição, o Dogma das Penas Eternas, o Dogma do Pecado Original etc. são alguns desses dogmas. Dentre tais dogmas, o Dogma da Santíssima Trindade merece destaque especial. Segundo este dogma, há três pessoas em Deus: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. São distintas, iguais, e por conseqüência coeternas, isto é, igualmente eternas e consubstanciadas numa só e indivisível natureza. Cada uma destas três pessoas é realmente Deus. O Pai não tem princípio; o Filho é originado pelo Pai desde toda a eternidade; procede assim dele por geração, ou, como se dizia outrora, por gênese; o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como de um só princípio. Entre

195 estas três pessoas existe ordem de origem, mas não há nem subordinação nem dependência, nem prioridade de tempo ou de excelência. A palavra Trindade não se encontra no Novo Testamento, nem nos escritos dos padres apostólicos. Contudo, segundo os teólogos, o mistério estava arraigado na primitiva comunidade cristã, “como o demonstra a fórmula do Batismo”. Mais tarde, para combater a doutrina de Ário, que impugnava a divindade de Cristo, a Igreja declarou a consubstancialidade do Pai e do Filho no Concílio de Nicéia (325) e a divindade do Espírito Santo no Concílio de Constantinopla (381). (EDIPE, 1987) Observação: não importa se a razão não consegue entender já que é um princípio aceito pela fé – e seu fundamento é a revelação divina. 4. COMPORTAMENTO DOGMÁTICO Bornheim, em Introdução ao Filosofar, estuda o comportamento dogmático. Quer saber como o homem passa de um estado pré-crítico para uma atitude crítica. O problema do autor consiste em analisar o que Husserl chama de “postura natural”, isto é, a concepção da realidade própria a este viver natural, metafisicamente ingênuo, desprovido de um sentido mais profundo de problematização. Husserl chama esta compreensão implícita do mundo de Generalthesis, de “tese geral”. Dentro da postura dogmática esta “tese geral” nunca é posta em dúvida, e é exatamente por esta razão que pode ser denominada de dogmática. Nesse sentido, todas as atividades humanas, com exceção da filosófica, partem de uma tese geral, que deve ser aceita como premissa. Podemos por em dúvida alguns aspectos desta “tese geral” mas não a tese em si. De acordo com Husserl, mesmo a atividade científica, seja da natureza ou do espírito, se processa dentro do horizonte fundamentalmente ingênuo e dogmático da tese geral. O cientista pode duvidar de um ou outro ponto de sua ciência, contudo nunca põe em dúvida a totalidade do real, razão pela qual nenhuma ciência pode, com os seus próprios meios, justificar-se como ciência, e no momento em que o fizer assume uma tarefa própria da filosofia. Esta tese geral gera segurança, porque não se lhe abre a perspectiva de problematizar. Por isso, a explosão da fé, em que basta apenas crer, sem saber muito porque se crê. É esta crença que torna o homem dogmático, esquecido de que terá de edificar a sua própria existência. Essa mesma crença gera também o preconceito e a falsa aparência da realidade. (1986, cap. III). 5. FILOSOFIA DA NEGAÇÃO Como abandona o homem a postura dogmática para assumir a filosófica? Como passa de uma posição não crítica para uma atitude crítica? O Mito da Caverna de Platão auxilia a nossa explicação. Nesse mito, Platão coloca alguns homens voltados para o fundo da caverna, de modo que só podem ver as suas próprias sombras. Eles estão como que acorrentados. Esse mundo das sombras seria o comportamento dogmático, ou seja, o mundo da aparente segurança, pois nada além daquilo pode vir a perturbar os pensamentos do ser humano. Acontece que por forças das circunstâncias, o homem é obrigado a buscar a luz (conhecimento). Mas buscar a luz não é tarefa fácil, pois terá de abandonar o mundo das sombras — que acarreta dor e risco: a dor por abandonar o bem preferido; o risco por se introduzir na incerteza. Essa nova postura é entendida como um comportamento não dogmático. Mas, o que caracteriza essa mudança? Podemos vê-la sob dois ângulos: 1.º) mudança espontânea, pelo fato das crenças tradicionais se chocarem com as antagônicas e o indivíduo ser obrigado a fazer nova

196 escolha; 2.º) mudança provocada, pelo fato do indivíduo procurar conscientemente um novo paradigma para a realidade em que está inserido. (Borheim, 1986, cap. IV e V) 6. DOGMATISMO E ESPIRITISMO Nossa vivência, na maioria das vezes, é apoiada em crenças dogmáticas. Entrar no Espiritismo não significa dizer que nos despojamos de todos os nossos automatismos formados ao longo de inúmeras existências. Na veiculação da idéia espírita, observamos a transferência dessas imagens, dando-se a impressão de que o Espiritismo é dogmático. Lembremo-nos de que é um erro de nossa interpretação e não expressão verdadeira dos princípios codificados por Allan Kardec. Ilustremos esta temática com alguns exemplos: O médium não deve comer carne no dia do trabalho. Allan Kardec, na pergunta 723 de O Livro dos Espíritos – A alimentação animal, para o homem, é contrária à lei natural?, obteve dos Espíritos, a seguinte resposta: - “Na vossa constituição física, a carne nutre a carne, pois do contrário o homem perece. A lei de conservação impõe ao homem o dever de conservar as suas energias e a sua saúde, para poder cumprir a lei do trabalho. Ele deve alimentar-se, portanto, segundo o exige a sua organização”. A “proibição” da ingestão de carne no dia do trabalho não estaria ligada à reminiscência do pecado original? Ou seja, comendo carne iríamos conspurcados, manchados à sessão mediúnica. O mentor falou, acatemos. Em muitos Centros Espíritas, os dirigentes obedecem cegamente às diretrizes traçadas pelos seus mentores. Sem uma crítica serena, podem aceitar determinações incongruentes com relação aos princípios codificados por Allan Kardec. Sigo a orientação de Kardec. Muitos espíritas, para defenderem os seus pontos de vistas, dizem: eu sigo a orientação de Kardec. Esquecem-se de que toda a palavra escrita deve ser processada, atualizada e melhorada pelas constantes avaliações de nosso espírito crítico. Leio somente romances espíritas. Alguns espíritas, que não estão dispostos a um aprofundamento da Doutrina, acabam ficando apenas com a visão dos romances. Esta visão parcial do fato espírita pode ocasionar raciocínio parciais e criar atitudes dogmáticas dentro do movimento espírita. 7. CONCLUSÃO “O Espiritismo é uma questão de fundo e não de forma”, diz J. Herculano Pires. Tenhamos coragem e despendamos esforços para penetrar no âmago de suas questões. Somente assim conseguiremos aprender os fundamentos da doutrina, evitar o preconceito e descobrir a verdade que nos liberta. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BORNHEIM, G. A. Introdução ao Filosofar - O Pensamento em Bases Existenciais. 7. ed., Rio de Janeiro, Globo, 1986. EDIPE - Enciclopédia Didática de Informação e Pesquisa Educacional. 3. ed., São Paulo, Iracema, 1987. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Lisboa, Edições 70, 1982. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.

São Paulo, maio de 1994

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(1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (4) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Doutrina, Doutrinário Doutrina. O sentido mais antigo é o que deriva da sua etimologia latina doctrina que, por sua vez, vem de doceo, "ensino". O sentido mais antigo, portanto, é de ensino ou aprendizado do saber em geral, ou do ensino de uma disciplina particular. Ao longo do tempo perdeu-se o sentido original e o termo firmou-se como o indicador de um conjunto de teorias, noções e princípios coordenados entre eles organicamente que constituem o fundamento de uma ciência, de uma filosofia, de uma religião etc. (1) Doutrina. Ato de ensinar um conjunto de ideias ou teses. Daí deriva o sentido de conteúdo desse ensino, aproximando-se do termo disciplina, que significa o mesmo conteúdo visto do lado de quem recebe. Para Kant, D. seria a transmissão cultural puramente positiva, enquanto a disciplina designaria o estudo negativo ou destrutivo. D. emprega-se a propósito de filosofia, religião, política e várias ciências, excluindo as exatas. Não indica, per si, um conjunto sistematizado (a D. de Cristo, p. ex.). Usa-se, às vezes, na acepção de ensinamento prático, de orientação para a vida; outras, ao invés, como acesso à prática (mormente o adjetivo "doutrinário"). A existência de qualquer D. supõe o dogmatismo filosófico e a possibilidade de comunicação ou transmissão do saber, o que é negado pelo ceticismo. (2) Doutrina. Coleção de proposições ensinadas como verdadeiras por algumas escolas. As doutrinas são menos bem organizadas do que as teorias, e não dispõem necessariamente de suporte empírico. Podem ser seculares ou religiosas. (4) Doutrina. Conceito. o vocábulo grego didáskalos, "professor, mestre", foi empregado no Novo Testamento não só para designar os doutores (lat. doctors) do Templo (Lc 2,46), mas também, João Batista (Lc 3,12) e Jesus (ao longos dos Evangelhos), assim como os cristãos que se dedicavam ao magistério eclesiástico (I Cor 12,28). Didáskalos é cognato do gr. didaskalia, "ensino, lição, doutrina", e do gr. didakhê, "ensino, instrução, aprendizagem" (doctrina, na Vulgata), forma esta aportuguesada por influência dos seminários em didaquê. Ao lado desse termo convém observar katekhesis, "instrução oral, doutrinação, catequese" (Lc 1,4, At 18,25), intimamente relacionado com a didakhê. Significava principalmente o processo de doutrinação oral destinado a preparar os recémconvertidos à iniciação sacramental. Apesar de ser empregado apenas duas vezes por

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São Paulo (I Cor 14,19 e Gal 6,6), exerceu forte influência na linguagem posterior da Igreja. No Novo Testamento são as epístolas pastorais as que oferecem exemplos abundantes do uso da expressão didakhê e seus cognatos. Essas cartas apostólicas representam o esforço da Igreja nascente para alimentar na fé as congregações que se iam formando como resultado do intenso labor missionário. Nos capítulos 4 e 5 de 1 Tim aparecem diversas vezes as diferentes formas do vocábulo. Encontra-se aí o conceito de boa doutrina em oposição à heresia. A boa doutrina deveria ser cultivada através da leitura, da meditação e da vigilância. O amor pelo ensino verdadeiro é considerado dever imprescindível do verdadeiro missionário (5,17). A doutrina que Jesus ensinava diferia dos sistemas religiosos e filosóficos de sua época, na medida em que era secundária e serva em relação à sua pessoa e à sua vida. É por isso que, na elaboração dos primeiros sistemas doutrinários cristãos, as palavras atribuídas a Jesus nos Evangelhos ocupam lugar bastante reduzido. A doutrina cristã desenvolveu-se principalmente em torno da pessoa de Jesus e não tanto de suas palavras. Houve, ao longo do tempo, discussão e contradição entre kerygma (doutrina) e didakhê (pregação). Entre muitos círculos cristãos modernos começa a surgir certa dúvida a respeito da importância da fixação doutrinária. Em lugar de conceitos a respeito de Jesus, o Cristo, busca-se uma nova vivência com ele. O cristianismo passa a ser encarado não tanto como um sistema doutrinário, mas principalmente como um modo de vida. (5)

Doutrinário – O termo indica, em geral, quem obedece rigidamente aos princípios da própria doutrina, prestando atenção à teoria no seu sentido abstrato, mais do que no prático. Doutrinário. Preso a uma doutrina de maneira extrema e dogmática. Exemplos: fundamentalismos religiosos, microeconomia neoclássica, marxismo, neoliberalismo. Ant. ter uma atitude crítica ou uma mente aberta. (4)

Doutrina Política. O conceito de doutrina, a nível do político, encontra-se em íntima relação com os da ideia e ideologia. Ideias são representações simplificadas. Ideologia são essas representações que ganham peso social. Como se prende com ideia e ideologia, a doutrina conecta-se também com a noção de teoria. De acordo com Marcel Prélot, "Cientificamente, ideia, teoria e doutrina não são vocábulos equivalentes. Ideia e pensamento são termos neutros e gerais; inversamente, doutrina e teoria são noções que, na terminologia dos economistas franceses, adquiriram o sentido preciso. Sob a influência de um professor eminente da Faculdade de Direito de Paris, a sua definição cristalizou-se na época decorrente entre as duas guerras: a doutrina comporta um juízo de valor sobre os fatos e contém projetos de reforma daí derivados; a

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teoria corresponde à sistematização objetiva das observações, à sua interpretação e, na medida do possível, à sua explicação e generalização". Ideia é mais vaga que a doutrina; a doutrina mais coerente e estruturada. O sentido da doutrina, porém, irá cada vez mais se restringir à noção de teoria e prenderse aos autores. No decorrer do tempo, os dicionaristas disseram que a doutrina assume, inter alia, as acepções de teoria de qualquer ciência e de opinião particular dos autores. Cândido de Figueiredo, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa (I, Lisboa, 1899), refere a doutrina como "conjunto de princípios, em que se baseia um sistema religioso, político ou filosófico". (3)

Doutrina do Direito Natural. A concepção segundo a qual a moralidade e a lei são antes naturais do que artificiais. Há duas versões principais: a secular e a religiosa. A primeira é a concepção de que o homem nasceu bom, mas se tornou mau devido à sociedade. A variante religiosa é a de que a vontade divina está incorporada na ordem natural das coisas, com as quais as leis feitas pelo homem devem casar. (4)

(1) BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. 2. ed. Brasília: UNB, 1986. (2) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990. (3) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986 (4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (5) ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987.

Doutrina das Emanações Doutrina das Emanações: Plotino. A emanação é um dos conceitos-chave do começo da era cristã. Além dos gnósticos, que também o emprega é Plotino (205-270), um pensador cuja obra, As Enéadas, figura como a expressão mais elevada do neoplatonismo. Uma flor emana perfume, um corpo luminoso emana luz. A emanação é, portanto, um processo pelo qual uma coisa é causada por outra, que a determina ou a contém como princípio. Plotino explica assim a criação do mundo, por meio de uma

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série de emanações de um princípio supremo, o Um ou Deus, que exclui qualquer multiplicidade. O Mundo se divide em Mundo inteligível e Mundo corpóreo. O primeiro é formado pelo Um. Do Um emana o intelecto (nous) e, numa segunda emanação, do intelecto emana a alma do mundo (anima mundi). O intelecto (que equivale ao Demiurgo platônico), ao ser pensamento, apresenta uma cisão entre sujeito e objeto; abriga, portanto, o germe da multiplicidade. Mas essa se encontra plenamente desenvolvida na mundo corpóreo formado pela matéria. O Mal (ou seja, a privação de ser que origina o devir) reside aí. No entanto, a anima mundi intervém também no mundo corpóreo como princípio de unidade e indivisibilidade. A existência do homem, portanto, é um corpo de batalha entre esse princípio unitário, que tende para o Bem (a união com o Um) e a multiplicidade da matéria, que encaminha para o Mal (privação de ser). Retomando às teses sobre o amor que Platão havia formulado no Fedro, Plotino aponta um caminho interior, um retorno à mesmice, como via de ascensão da multiplicidade presente na matéria à unidade que Deus encarna. É um caminho de êxtases místicos que conduzem à fusão com o Um e que só é concedido aos eleitos. Essa experiência interior, entretanto, na qual se abandonam a percepção sensível e o pensamento discursivo, aparecerá com muito mais força em Santo Agostinho. (1) (1) TEMÁTICA Barsa - Filosofia.

Duração Duração (durée). Durar é continuar a ser. Assim, em Espinosa: "A duração é uma continuação indefinida da existência", escreve ele na Ética (II, def. 5). Assim em Bérgson: "O universo dura", e não haveria tempo se assim não fosse; "a duração imanente ao todo do universo" deve existir primeiro, como nós nela, para que possamos, recortando-a abstratamente, falar de tempo (A evolução criadora, I). Note-se que toda duração efetiva é presente (pois que o passado já não é, pois que o futuro ainda não é) e, portanto, indivisível (como dividir o presente?). A duração se distingue, nisso: - do tempo abstrato, que seria a soma, indefinidamente divisível, de um passado e de um futuro; - do tempo vivido ou da temporalidade, que supõem a memória e a antecipação; - enfim, do instante, que seria um presente descontínuo e sem duração. A duração é o próprio presente, na media em que continua. Ela é a perpétua apresentação da natureza. É portanto o tempo real: o tempo do ser em via de ser, o tempo do ente - o que chamo de ser-tempo. (1)

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Duração. Do latim medieval duratio. 1. Em seu sentido genérico, parte finita do tempo: duração de um raciocínio. Em filosofia, distinguimos o tempo e a duração. O tempo é a medida da duração, diz Descartes. Por sua vez, Leibniz opõe o tempo à duração como o espaço à extensão, a duração sendo a ordem de sucesso entre as percepções reais. 2. Bérgson opõe a duração (durée) ao tempo. Para ele, o tempo é a ideia matemática que fazemos da duração para raciocinar. A duração só pode ser apreendida por intuição, ao passo que tempo é apreendido pela inteligência que divide e quantifica; válida para aquilo que é da ordem da quantidade, a inteligência fracassa em apreender o qualificativo (a duração): o tempo matematizado de nossos relógios não passa de uma falsa representação (espacial) da duração real e concreta, que escapa à quantificação. Portanto, a duração é uma realidade concreta, a trama mesma do devir da consciência, que só pode existir como tal caso se lembre de seu passado, mas inventando a cada instante para adaptar-se ao presente. (2) (1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Dúvida Dúvida. É um estado de indeterminação da inteligência. Consiste na suspensão do julgamento, dada a ausência de razões para a afirmação ou negação, ou em virtude de um equilíbrio de razões. (1) Dúvida. Estado da mente ou processo mental que consiste no fato de uma pessoa ser incapaz ou não ter vontade de asseverar ou negar uma proposição (ou um conjunto de proposições) por ignorar se ela é verdadeira ou falsa. A dúvida é a marca registrada do ceticismo. Todavia, enquanto os céticos radicais duvidam de tudo, os moderados duvidam apenas diante da evidência incompleta ou contraditória. É típico o fato de que cientistas e tecnólogos, quando em trabalho, sejam céticos moderados. Mas até eles são por vezes ingênuos ao se extraviarem em outros campos. (2) Dúvida (doute). O contrário de certeza. Duvidar é pensar, mas sem tem certeza da verdade do que se pensa. Os céticos fazem dela o estado último do pensamento. Os dogmáticos, quase sempre, uma passagem obrigatória. Assim, em Descartes: sua dúvida metódica e hiperbólica (isto é, exagerada: tem por falso tudo o que sabe ser duvidoso) é apenas um momento provisório na busca da certeza. Descartes sai dele por meio do cogito, que não é duvidoso, e de Deus, que não é enganoso. Mas seu Deus é duvidoso, não obstante o que ele diga, e nada exclui que o cogito seja enganoso. Assim, a dúvida renasce sempre. Dela só se sai pelo sono ou pela ação. (3) Dúvida. É um estado de incerteza que, se opondo ao assentimento, se traduz por uma recusa de afirmar ou negar. Explica-se em princípio pela ausência de conhecimentos adequados.

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A dúvida científica, inseparável da busca da verdade, é atitude do cientista que apresenta suas hipóteses à prova submetendo-as ao controle experimental. A dúvida cética, atribuída a certos filósofos gregos (Pirro) pretende-se definitiva e radical e conclui a impossibilidade de se alcançar a menor verdade. Em patologia, finalmente, a loucura da dúvida, de natureza obsessiva, manifesta-se por um sentimento penoso de incerteza com relação aos fatos e gestos da vida cotidiana e por fim pela incapacidade de se tomar uma decisão. Inspirando-se em uma atitude que remonta a Platão, Descartes instaura a reflexão filosófica fundamentando-a numa dúvida primordial, a dúvida metódica, procedimento que consiste em duvidar de tudo o que se admitiu anteriormente com o intuito de estabelecer a verdade em bases inabaláveis graças ao critério da evidência. Essa dúvida metafísica, radical - embora provisória - é uma dúvida hiperbólica e que, em virtude de sua etimologia grega, parece ultrapassar a medida; a higiene do pensamento, portanto, exige que seja conscientemente considerado falso o que é apenas duvidoso e que seja rejeitado como sempre enganador aquilo pelo qual se foi enganado às vezes. (4) Dúvida. A dúvida é um estado de ânimo que caracteriza a indecisão entre duas ou mais responsabilidades. É um estado de incerteza que impede que se permaneça com segurança verdade para a qual nosso espírito tende dinamicamente. A dúvida pode ser de dois tipos: a dúvida teórica, que é a indecisão diante dos acontecimentos ou diante da verdade especulativa; a dúvida existencial, que é a impossibilidade de nos ligarmos com confiança a uma pessoa. Embora as duas dúvidas estejam relacionadas, é a segunda que afeta mais profundamente o homem e o deixa mais desamparado. Acontece que a dúvida teórica impede a certeza, mas a existencial impede a fé, através da qual nos relacionamos vivencialmente com os homens e com Deus e alcançamos o sentido mais profundo da vida. Pode-se dizer que a história do pensamento moderno é a história da dúvida. O pensamento antigo confiava mais nas evidências imediatas que nos são oferecidas pelos sentidos ou pela razão. A filosofia antiga começava a pensar a partir de sua admiração diante de um cosmos harmônico. A filosofia moderna começa a partir da dúvida, que leva em suas entranhas, uma suspeita sobre a verdade que nos é oferecida por nossos meios de conhecimento. Por isso, o homem antigo tinha mais confiança e vivia mais seguro de si mesmo. Apesar de seus grandes avanços, a ciência moderna é filha da dúvida, que cria problemas, ao passo que na Antiguidade os dados eram aceitos com uma ingênua confiança. Acontece que a dúvida apresenta um duplo aspecto, negativo e positivo: negativo, à medida que deixa a alma em dúvida e indecisão, gerando desse modo inseguranças e angústia; positiva, à medida que é o ponto de partida para todo avanço científico ou filosófico. A dúvida é a perfuradora que rompe a evidência natural e nos faz penetrar na mina de um saber recôndito. Sem a dúvida, o homem permaneceria como uma criança ingênua, que aceita todas as coisas sem crítica. E o método que é impulsionado pela dúvida constante chama-se precisamente método crítico. Foi Descartes quem inaugurou a filosofia moderna com sua dúvida metódica, que o levava a colocar entre parênteses todo o seu saber, inclusive a sua fé cristã até encontrar bases sólidas sobre as quais assentá-lo. Em princípio, ele desconfiava de todas as evidências imediatas e suspeitava de qualquer possível engano. Na mesma linha Kant

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chegou a desconfiar de que nosso conhecimento seja capaz de captar a realidade como ela é. Na dúvida, chegou a concluir que não conhecemos o mundo, a não ser à medida que o representamos no computador de nossa mente que elabora os dados empíricos. Mas nada conseguimos saber de Deus, da alma, do mundo como totalidade. Teoricamente, ficamos condenados a um eterno duvidar ou não saber. Dando continuidade à tarefa de suspeitar de nossos conhecimentos, Marx colocou em dúvida o valor das ideologias dominantes nas diversas épocas. Disse ele que, embora elas habitualmente sejam tomadas como verdades, outra coisa não são do que manipulações mais ou menos conscientes para a conservação de privilégios sócioeconômicos. Em muitos casos, as leis, as normas, mitos e costumes representam apenas a imposição das conveniências de uma classe social, que as faz passar como verdades. Nietzsche também suspeitava radicalmente das chamadas "verdades morais". Segundo ele, por detrás de uma evidência, muitas vezes se esconde medo da vida, a inveja diante dos mais sábios e poderosos, a impotência para competir com os mais corajosos. Na mesma linha, Freud fez ver que muitas das verdades que a consciência nos apresenta escondem outras motivações subconscientes, mais verídicas. Aquilo que considerávamos como verdade interior muitas vezes não passava de um disfarce com que nossos impulsos libidinosos apresentavam-se decorosamente em nossa consciência. A verdade, porém, é a que está subjacente e se oculta. Toda essa elaboração crítica rompeu com a segurança e a certeza em que se apoia o homem simples da rua... Muitos homens, porém, não são capazes de viver nessa corrente de crítica e dúvida. Por isso preferem basear-se em evidências fornecidas pelo bom senso ou pelos hábitos culturais. A dúvida rouba-lhes o sossego e o amor à realidade. Quando não é doentia, a dúvida constitui a base de toda a verdadeira ciência e de todo o progresso. A dúvida existencial, porém, nos interessa mais de perto. E isso porque, como dissemos, ela se opõe à fé, que é a raiz de toda a posição cristã. A desconfiança é a dúvida sobre a veracidade de uma pessoa. Nesse aspecto, também podemos dizer que o mundo moderno é muito mais desconfiado do que o antigo. As relações humanas modernas, que se dão nas grandes cidades, levam ao anonimato, à independência, à falta de solidariedade com os outros. Cada qual confia no seu próprio dinheiro, na previdência social, em suas próprias forças. Mais do que amizade ou confiança, o que se procura nos outros é encontrar aliados para negócios e empreendimentos. Em vez de se desenvolver em profundidade, as relações se desenvolvem de acordo as forças motrizes do lucro ou do poder. Nesse clima frio que faz murchar a fé, é muito difícil desenvolver-se a vivência cristã que se centra na fé nos homens e, através deles, na fé em Deus. Sendo a história de fé dos homens, a Bíblia também é, ao mesmo tempo, a história da sua desconfiança. Já nos primórdios da humanidade, o pecado original nos é apresentado como fruto da desconfiança dos homens em relação a Deus. Mais do que o amigo, Adão e Eva começam a ver em Deus um rival. Duvidam que seus preceitos tenham sido estabelecidos com boa intenção, suspeitando que oculta algum logro. É dessa dúvida existencial que brota o pecado (Gn 3,3-6). Do mesmo modo, o pecado contra os homens surge da dúvida e da desconfiança. Caim duvida de seu irmão, desconfia de sua amizade com Deus e vê nela um perigo...

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O encontro dos apóstolos com Cristo também foi marcado por períodos de dúvida. Inicialmente, surge neles uma dúvida positiva, que abre seus corações para buscar em Cristo algo mais daquilo que aparentemente viam nele, um homem. Diante de suas obras maravilhosas, não podem deixar de duvidar: "Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?" (Mt 8,27). Mas, depois que a fé cristã já havia nascido neles, quando ouvem o anúncio da cruz, novamente são assaltados pela dúvida e sentem-se perturbados. Pedro duvida da palavra de Jesus e o convida a mudar de caminho (Mc 8,31-33). Mas o momento em que a dúvida os assalta de modo especial é na hora da paixão e da cruz. Já na última ceia, duvidaram de que um deles seria um traidor (Mc 14,18-21). Depois, duvidaram ao ver a agonia de Jesus no horto e ao vê-lo aprisionado pelos guardas. Por isso, fugiram daquele que era seu líder e a quem haviam prometido seguir (Mc 14,50)... A fé cristã sempre foi uma luta incessante contra a dúvida que brota do coração. E é natural que a dúvida nos assalte. Primeiro, porque Deus é mistério, que ninguém viu nem pode ver. Depois, porque sua revelação é misteriosa e se realiza através de mensagens que são por vezes obscuras, distantes e difíceis. Ter fé não é deixar de ter dúvidas, mas sim ter a força suficiente para superá-las. Para aquele que está unido amorosamente ao Senhor, mil dúvidas não fazem uma negação, assim como, para aquele que está afastado afetivamente, mil razões não fazem uma adesão. Um anseio desesperado de certeza da fé trará uma profunda insegurança. Lutero sentiase atormentado por mil dúvidas. Precisamente por isso, chegou a afirmar que era necessário ter uma fé fiducial em Deus, mesmo acima dos próprios pecados e acima das evidências contrárias que a razão nos mostrasse. A insegurança o levava a uma confiança absoluta e cega, na qual ele buscava a paz. A fé em qualquer pessoa se move sempre em um clima de risco, pois a amizade não depende somente de nós, mas também da outra pessoa. Em geral, podemos dizer que a fé se reanima pelo contato vivo e comprometido com a pessoa amada. A força do meio é muito poderosa. O pragmatismo da sociedade, vivido como lei suprema, afasta muitas pessoas de uma mensagem generosa e altruísta. Há também a frieza e os maus exemplos de muitos cristãos que torna duvidosa para muitos a verdade que o cristianismo anuncia. (5) (1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (3) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011. (4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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(5) IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.

Elã Vital Elã Vital. A expressão francesa élan vital (em português, "elã vital") é utilizada por Bérgson para designar um impulso original de criação de onde provém a vida e que, no desenrolar do processo evolutivo, inventa formas de complexidade crescente até chegar, no animal, ao instinto e, no homem, à intuição, que é o próprio instinto tomando consciência de si mesmo e de seu devir criador. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Emoção Emoção. As emoções são sentimentos de pouca duração, reações afetivas, perturbações violentas e passageiras da afetividade humana. (1) Em geral, entende-se por esse nome qualquer estado, movimento ou condição que provoque no animal ou no homem, a percepção do valor (alcance ou importância) que determinada situação tem para sua vida, suas necessidades, seus interesses. Nesse sentido, no dizer de Aristóteles (Et. Nic., II, 4 1105 b 21), a emoção é toda afeição da alma, acompanhada pelo prazer ou pela dor: sendo o prazer e a dor a percepção do valor que o fato ou a situação a que se refere a afeição tem para a vida ou para as necessidades do animal. (2) Emoção. Psic. Qualquer fato psíquico é constituído por dois elementos integrantes: o intelectual e o afetivo. O 1.º dá-nos o conhecimento das situações; o 2.º exprime o valor que essas situações significam, afetivamente para nós. A nossa reação às situações depende, por conseguinte, desta valorização afetiva. Mas, se uma situação muda

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bruscamente, provoca em nós uma reação emotiva. Se esta reação é intensa, com repercussão forte nas funções orgânicas e psíquicas, vem repentinamente e desaparece também rapidamente, chama E. Se esta reação se transforma num estado prolongado diz-se sentimento. As principais manifestações da E. são a dor, a alegria, a tristeza, o medo, o pavor, a cólera, o amor, o desgosto, a inquietação, a surpresa, a excitação da vitória, a vergonha, etc. Existem várias teorias para explicar a natureza da E.: a 1.ª, intelectualista (Herbart), pretende reduzir a E. à consciência. A E. seria a consciência de acordo, ou desacordo do indivíduo com a situação estranha que se apresenta. Consequentemente, o exercício mental seria sempre acompanhado de maior ou menor repercussão emocional; a 2.ª, chamada fisiológica ou periférica (defendida por Descartes, Lange, James), diz que a E. representa apenas a consciência das alterações fisiológicas. Os fenômenos orgânicos não são efeitos mas causas das E. Não choramos porque estamos tristes mas estamos tristes porque choramos. Finalmente, a biologia, menos racionalista que as teorias anteriores, põe o caráter fundamental da E. no instinto. A E. é tanto mais emoção quanto mais primitiva e instintiva. A E. não passaria de um sinal da atuação do instinto. Trabalhos recentes de fisiopatologia sobre o diencéfalo parecem confirmar estas ideias. (3) Emocional. Psic. Termo de difícil delimitação e de sentido mal definido. (3) Emotivismo. Juízos de valor, em especial juízos éticos, expressam emoções em vez de representar fatos. (4) = = = >>

Emoção e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Emoção: 4.1. Emotividade; 4.2. Alguns Tipos de Emoção; 4.3. Tensão entre Sentir e Expressar. 5. Emoção, Paixão e Razão: 5.1. Origem da paixão; 5.2. Paixão: Boa ou Má?; 5.3. Emoção versus Razão. 6. Emoção e Doutrina Espírita: 6.1. A Excitação Cerebral; 6.2. Cuidar do Corpo e do Espírito; 6.3. Ferramentas Espíritas. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO Um estado de desequilíbrio emocional poderá nos trazer dificuldades para a harmonia familiar, a convivência no emprego e o relacionamento com o próximo. Pergunta-se: o que se entende por emoção? Qual a sua natureza? Quais são os tipos de emoção? As emoções são boas ou más? Que influência o Espiritismo exerce sobre as emoções? 2. CONCEITO Emoção – Designa, na psicologia moderna, um estado da mesma natureza com o sentimento, mas muito mais forte que ele, pois surge de improviso e, durante certo período de tempo, impõe-se ao espírito, paralisando a associação livre e natural das representações. Canus acrescenta: “Creio que a emoção deve ser distinguida do sentimento pela sua maior complexidade, no sentido que, enquanto no sentimento o homem é excitado por uma simples percepção sensorial, na emoção é excitado por um complexo ideológico”. (Monaco, 1967, p. 34) É o reverbero cortical do fenômeno perceptivo que ocorre na subcorticalidade, em nível subliminar, e só posteriormente se delineia na consciência – no córtex – assumindo a forma de conhecimento propriamente dito. (Equipe da Feb, 1995) Paixão – Do grego pathos, pena. Significa a disposição para receber alterações ou comoções mais ou menos vivas e com elas corresponder. São reações às emoções,

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produzidas por causas externas e internas. Inicialmente passiva, torna-se ativa quando espontaneamente a elas adere e quase coopera com elas. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS As emoções são os determinantes de nossas ações, tanto para o bem quanto para o mal. Às vezes elas nos incitam a produzir muito e outras vezes inibem todos os nossos campos da vontade. Hoje, costuma-se apelar muito para os sentimentos emocionais das pessoas, principalmente para a compra deste ou daquele produto. A emoção faz parte do indivíduo, mas é fortemente influenciada pela sociedade, por suas regras e seus costumes. Observe que muitos governos querem ditar normas de conduta aos seus cidadãos. Há também aquilo que sentimos particularmente, mas que não podemos expressá-lo em público, pois morreríamos de vergonha. Caso não tenhamos força de vontade, acabamos nos desviando do nosso projeto de vida, porque não soubemos controlar os nossos estados emotivos. O que dá prazer nem sempre é o que deve ser seguido. O importante para o consumo pode ser um péssimo negócio para o nosso crescimento moral e espiritual. 4. EMOÇÃO 4.1. EMOTIVIDADE Emotividade é a reação excessiva diante de um acontecimento, idéia ou sensação. Podemos distingui-la: sentimento, emoção e paixão. No sentimento, nossas reações permanecem organizadas, reguladas e controladas; Na emoção, há descontrole; não conseguimos organizá-las ou regulá-las; Na paixão, temos um sentimento superdesenvolvido a expensas de outros, exaltado, que nos pode conduzir ou a grandes realizações ou a grandes quedas, segundo seu teor. (Curti, 1980, p. 44) 4.2. ALGUNS TIPOS DE EMOÇÃO Raiva – Sentimento violento de ódio ou de rancor. Quando alguém se sente enraivecido toma atitudes violentas. Por exemplo, atirar em alguém. Termos correlatos: fúria, revolta, ressentimento, exasperação, indignação vexame, animosidade, aborrecimento, irritabilidade e hostilidade. Medo – Fenômeno psicológico marcado pela consciência de um perigo ou objeto ameaçador determinado e identificável. Nessa situação, o sangue corre para todos os músculos mais rapidamente permitindo a fuga e movimentos rápidos. Termos correlatos: ansiedade, apreensão, nervosismo, preocupação, consternação, cautela, escrúpulo, inquietação, pavor, susto, terror e, como psicopatologia, fobia e pânico. Amor – É a totalidade dos sentimentos e desejos que estruturam o pensamento para a liberação de energia e de forças que guiam a ação na produção do bem e possibilitam a aquisição de qualidades, constituintes do crescimento do Espírito. Provoca um estado geral de calma e satisfação, facilitando a cooperação entre os seres humanos. Termos correlatos: aceitação, amizade, confiança, afinidade, dedicação, adoração, paixão, ágape (caridade). Felicidade – Em geral, é um estado de satisfação devido à própria situação do mundo. Inibe o aparecimento de sentimentos negativos e favorece o aumento da energia existente. Termos correlatos: alegria, alívio, contentamento, deleite, diversão, orgulho, prazer sensual, emoção, arrebatamento, gratificação, satisfação, bom humor, euforia, êxtase e, no extremo, mania. Tristeza – Estado afetivo duradouro em que a consciência se vê invadida por um doloroso sentimento de insatisfação, sendo acompanhada de uma ideia de desvalorização da existência e do real. A tristeza acarreta uma perda de energia e de entusiasmo pelas

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atividades da vida, em particular por diversões e prazeres. Quando a tristeza é profunda aproxima-se de depressão. Termos correlatos: sofrimento, mágoa, desânimo, desalento, melancolia, autopiedade, solidão, desamparo, desespero e, quando patológica, severa depressão. 4.3. TENSÃO ENTRE SENTIR E EXPRESSAR Há, no indivíduo, uma acepção interna e particular, que se distingue da sua apresentação pública. Suponha a corrupção: internamente, o sujeito é contra, pois o seu valor moral a reprime veemente. Na vida pública, é obrigado a conviver com ela, o que lhe causa uma grande tensão entre os seus sentimentos de pureza, de honestidade, de ético, com aqueles que é obrigado a enfrentar no seu dia a dia. 5. EMOÇÃO, PAIXÃO E RAZÃO 5.1. ORIGEM DA PAIXÃO As paixões têm origem na emoção. Pode-se dizer que a paixão é um sentimento mais duradouro do que a própria emoção. É um movimento da alma que nos arrasta pra fora do nosso estado normal, provocado ou pela atração de um bem que se ama, ou pela repulsa de um mal do qual se foge. Paixão é um desejo que não permite outros. Rousseau dizia: “Todas as nossas paixões são boas quando nos tornam senhores; todas são más quando nos tornam escravos”. Descuret acrescenta: “necessidades desregradas que geralmente começam por nos seduzir para acabar tiranizando-nos”. (Mônaco, 1967, p. 39) 5.2. PAIXÃO: BOA OU MÁ? A paixão, se não for guiada para o bem, pode se descambar para mal. Os atos e os movimentos das paixões são sempre acompanhados por um distúrbio físico no organismo. A emoção é, inicialmente, orgânica, porque é a resposta a uma sensação. No caso da paixão, é aquele ímpeto do nosso ser para realizar alguma coisa, que geralmente emprestamos um valor extraordinário. 5.3. EMOÇÃO VERSUS RAZÃO Agimos mais em função da emoção do que da razão. Observe um torcedor de futebol. Mesmo que seu time seja mais fraco do que o do adversário, ele tem que ganhar de qualquer jeito. Caso seu time não vença, o torcedor acaba xingando o juiz, correndo atrás dos jogadores e punindo-os com as próprias mãos. A fé é um sentimento do coração, portanto emocional. Ele precisa ser melhorado, trabalhado segundo a razão, para que não se transforme em fé cega, que pode gerar o fanatismo. Não é sem razão que Allan Kardec escreveu no início de O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da humanidade”. 6. EMOÇÃO E DOUTRINA ESPÍRITA 6.1. A EXCITAÇÃO CEREBRAL As decepções, os infortúnios e as afeições contrariadas excitam sobremaneira o nosso cérebro, sendo as causas mais freqüentes de suicídio. “Ora, o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista tão elevado; elas lhe parecem tão pequenas, tão mesquinhas, a par do futuro que o aguarda; a vida se lhe mostra tão curta, tão fugaz, que, aos seus olhos, as tribulações não passam de incidentes desagradáveis, no curso de uma viagem. O que, em outro, produziria violenta emoção, mediocremente o afeta”. (Kardec, 1995, Introdução, item 15) 6.2. CUIDAR DO CORPO E DO ESPÍRITO Devemos cuidar do corpo e do Espírito. Os dois estão de tal modo inter-relacionados que não podemos nos dar ao luxo das fortes emoções sem as respectivas consequências para o nosso estado espiritual. Observe a obsessão. Ela acontece porque nos desregramos com

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alimentação, os prazeres e outras excitações da carne, com coisas que nos trazem a influência desses Espíritos menos felizes. 6.3. FERRAMENTAS ESPÍRITAS A Doutrina Espírita oferece-nos as ferramentas racionais para enfrentarmos qualquer tipo de problema, inclusive os de cunho emocional, que nos fazem entrar em contato com Espíritos inferiores. Estes se aproveitam de nossa fraqueza momentânea para nos incutir o remorso, o medo, a raiva e outros tipos de emoções, que devemos defender com a prece e os pensamentos voltados para o bem. 7. CONCLUSÃO Saibamos dosar emoção, paixão e razão. Caso estejamos em dúvida, conclamemos a presença dos benfeitores do espaço, para nos guiar no caminho do bem e da verdade. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CURTI, R. Espiritismo e Evolução. São Paulo: Feesp, 1980. EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: Feesp, 1995. MONACO, Nicola. As Paixões e os Caracteres. Tradução de Miguel Zaupa. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1967. (Psicologia Maior) São Paulo, janeiro de 2011. << = = = (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Empirismo Empirismo. Diz-se de qualquer doutrina ou ciência que assenta as suas conclusões na experiência, sem olhar ao raciocínio e à teoria. FILOS. Poder-se-ia definir empirismo pela tendência a crer que o conhecimento se forma no nosso espírito em condições de passividade para o mesmo espírito, não admitindo que este tenha uma atividade espontânea regida por leis próprias. O empirista espera da experiência sensorial, da percepção pelo tato, pela vista, pelo ouvido e pelos outros sentidos - percepção que ele concebe como a recepção passiva de impressões - o conhecimento da realidade. (1) O adjetivo empírico aplica-se ao que tem origem na experiência (por oposição ao conhecimento racional ou a priori): como tal, sinônimo do a posteriorikantiano. Qualifica igualmente qualquer conhecimento ou pessoa não sistemáticas, que confiam na experiência imediata e até no pragmatismo.

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O empirismo qualifica qualquer doutrina filosófica que admite que o conhecimento humano deduz tanto seus princípios quanto seus objetos ou conteúdos, da experiência. (2) Corrente filosófica para o qual a experiência é critério ou norma de verdade, considerando-se a palavra “experiência” no significado 2º. Em geral, essa corrente caracteriza-se pelo seguinte: 1º) negação do caráter absoluto da verdade ou, ao menos da verdade acessível ao homem; 2º) reconhecimento de que toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. Portanto, o empirismo não se opõe à razão a não a cega, a não ser quando a razão pretende estabelecer verdades necessárias, que valham em absoluto, de tal forma que seria inútil ou contraditório submetê-la a controle. (3) Todo conhecimento é baseado na experiência que provém dos sentidos. (4)

Mais informação: http://www.sergiobiagigregorio.com.br/palestra/empirismo-eespiritismo.htm

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993 (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Empirismo, extraído da Temática Barsa Filosofia

Locke O empirismo é uma filosofia característica das ilhas britânicas que tem sua primeira formulação na obra de John Locke, mas sua origem é bem anterior. Já antes do Renascimento, o nominalismo de Occam e o experimentalismo de Roger Bacon preparam seu caminho. Depois, Francis Bacon e Thomas Hobbes constroem uma filosofia que em muitos aspectos já é empirista. O que é característico na Europa do século XVII é que o empirismo se afirma como uma tendência britânica, enquanto no continente prevalece o racionalismo de origem cartesiana. Mais tarde, na época do Iluminismo, o empirismo se radicalizará na filosofia de Berkeley e Hume, e acabará por confluir com o racionalismo na filosofia kantiana.

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Empirismo versus racionalismo Um novo estilo de pensamento A origem de nossas ideias Classificação das ideias Qualidades primárias e secundárias As ideias complexas O conceito de substância Sobre a linguagem O realismo gnosiológico O pensamento político de Locke Contra a monarquia absoluta O direito à propriedade Religião e pedagogia Caixa: Das ideias verdadeiras e das falsas Caixa: A tolerância de Locke Caixa: Dos objetivos da sociedade política e do governo

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O empirismo britânico do século XVIII: Berkeley e Hume A filosofia empirista de John Locke continua na época do Iluminismo com as obras de Geoge Berkeley e David Hume, dois pensadores que também partem da experiência como fonte de todo o conhecimento, mas que radicalizam as posições do empirismo clássico enveredando por caminhos diferentes. Para Berkeley, o conhecimento empírico não permite assegurar que fora de nossas percepções exista uma realidade material. Os objetos existem na medida em que os percebemos, mas não possuem qualidades independentes dessa percepção. O empirismo de Berkeley é assim idealista e se baseia numa filosofia do imaterialismo.

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Hume vai ainda mais longe, ao criticar o caráter objetivo das relações de causa e efeito. Essas relações derivam do costume e o conhecimento empírico não pode garantir no fundo a existência do mundo exterior, embora estejamos obrigados a acreditar nele. Dessa maneira, o empirismo de Hume acaba por se aproximar do ceticismo.

O idealismo de Berkeley O empirismo radical de Hume Impressões e ideias Os princípios associativos Tipos de conhecimento Crítica do princípio de causalidade O ceticismo de Hume Caixa: As ideias abstratas não são necessárias para nossa comunicação Caixa: Dúvidas céticas sobre as operações do entendimento Caixa: Sobre o sentimento moral Caixa: A natureza humana Caixa: A moral da simpatia

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O materialismo de Hobbes A filosofia europeia do século XVII tem uma dupla orientação. De um lado, a corrente do racionalismo, que se baseia nos grandes sistemas metafísicos de Descartes, Spinoza e Leibniz; de outro, o pensamento empírico. A ideia de que o conhecimento tem sua verdadeira fonte na experiência é manifesta no pensamento de Thomas Hobbes. Sua teoria a respeito da origem do estado, embora monárquico, fundamenta-se num contrato social e não no direito divino, exerceria profunda influência no pensamento posterior de Rousseau, Kant e dos enciclopedistas, e contribuiu assim para preparar, no campo das ideias, o advento da revolução francesa.

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A herança de Bacon e Galileu Thomas Hobbes (1588-1679) passou à história como o autor de Leviatã, uma das teorias políticas mais importantes e influentes da Idade Moderna e que justifica o poder absoluto do estado moderno. Seguindo os passos de Maquiavel, Hobbes defende a necessidade de que o estado impere com poder absoluto sobre a igreja e sobre a totalidade dos indivíduos. Seu pensamento, entretanto, não é apenas político; tem também uma vertente lógica e gnosiológica que contribuirá para assegurar as características da ciência moderna. Hobbes é um herdeiro da filosofia de Francis Bacon, de quem foi colaborador, e da metodologia científica de Galileu. Sobre essas bases, constrói uma filosofia que se caracteriza por seu nominalismo e seu materialismo mecanicista.

O nominalismo de Hobbes O materialismo mecanicista Caixa: Sobre a condição natural do gênero humano

Caixa: Leviatã A filosofia política de Hobbes tem sua expressão máxima na obra Leviatã, ou a matéria, a forma e o poder de um estado eclesiástico e civil (1651). Na Bíblia, o Leviatã é um monstro que convém não despertar. Na obra de Hobbes, o Leviatã é o estado, o "deus mortal" que evita a guerra civil. Da mesma forma que Maquiavel, de quem é um continuador, Hobbes parte de uma avaliação pessimista da natureza humana. "A inclinação geral da humanidade inteira — diz — é uma incessante ânsia do poder, que só cessa com a morte." Os apetites dos indivíduos desencadeiam um mundo de paixões que engendra a guerra e a anarquia "O homem é o lobo do homem." O egoísmo pessoal vem acompanhado pelo medo: medo da violência, que está nas origens do estado. Hobbes pensa que no primitivo estado da natureza o homem vivia no caos e no terror da guerra, e que o Leviatã surgiu justamente como uma superação de tudo isso. Os homens então alienaram seus direitos individuais em favor do estado e por meio dessa renúncia obtiveram em troca a garantia de sua autopreservação. O poder do Leviatã se justifica, portanto, como um fiador da paz, como a instância que em última análise obriga a que as leis que preservam a ordem social sejam compridas por todos. Essas leis, segundo Hobbes, não são divinas; são leis civis, projetadas pelos homens. O estado tem uma origem humana, não divina. A forma ideal do Leviatã é a monarquia absolutista, que constitui a primeira e moderna estruturação do estado moderno. Mas o conceito central que Hobbes manipula em seu tratado é o do caráter absoluto da soberania. A soberania pode estar nas mãos de um monarca ou de uma assembleia será sempre a soberania absoluta do Leviatã.

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Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 8)

Enigma Enigma. Um problema que não é possível resolver, não porque ele excede nossos meios de conhecimento (não é um mistério), nem por razões unicamente lógicas (não é uma aporia), mas porque está mal colocado. É por isso que “o enigma não existe”, como dizia Wittgenstein, ou existe apenas para os que se deixam enganar por ele: não é senão um jogo ou uma ilusão. (1) Enigmas. Na literatura filosófica dos últimos decênios do século XIX deu-se o nome de enigmas do mundo aos problemas que, não tendo sido resolvidos pela ciência, eram considerados insolúveis. Em 1880, o fisiologista alemão E. Du Bois-Reymond enumerava Sete enigmas do mundo: 1.º origem da matéria e da força; 2.º origem do movimento; 3.º surgimento da vida; 4.º ordem finalista da natureza; 5.º surgimento da sensibilidade e da consciência; 6.º origem do pensamento racional e da linguagem; 7.º liberdade da vontade. Diante desses enigmas, Du Bois-Reymond achava ser preciso dizer não só ignoramus [ignoramos], mas também ignorabimus [ignoraremos]. Alguns anos depois, o biólogo Ernst Haeckel, numa obra de enorme difusão, intitulada Os Enigmas do Mundo (1899), proclamava que aqueles enigmas tinham sido resolvidos pelo materialismo evolucionista. Embora essa palavra até hoje seja empregada com fins retóricos, tornou-se imprópria para exprimir a atitude do homem moderno em face das limitações ou da imperfeição do seu conhecimento do mundo. Enigmas significa propriamente "adivinhação", e a expressão enigmas do mundo parece indicar que o mundo, como um gigantesco jogo de adivinha, só tem uma solução que, uma vez encontrada, eliminaria todos os problemas. O que, por certo, é uma visão bastante pueril, pois o mundo não tem enigmas, nem no plural nem no singular, mas só problemas para os quais existem soluções mais ou menos adequadas, nunca definitivas e sempre sujeitas a revisões. (2) (1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Epicurismo Epicurismo. Doutrina de Epicuro e de seus seguidores segundo a qual, na moral o bem é o prazer, isto é, a satisfação de nossos desejos e impulsos de forma moderada, levando assim à tranquilidade. Por extensão, e de forma imprópria, este termo passou a aplicarse a todo aquele que faz do prazer ou do gozo o objetivo da vida, o assim denominado "epicurista". Segundo Epicuro, o prazer é o começo e o fim da vida feliz e constitui o Bem supremo, cujo modelo perfeito nos é fornecido pela vida de delícias levada pelos

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deuses. Mas trata-se de um prazer obtido apenas no término de um discernimento refletido. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Episteme, Epistemologia Episteme: 1. conhecimento verdadeiro e científico (oposto a doxa). 2. Um corpo organizado de conhecimento, uma ciência. 3. Conhecimento teorético (oposto a praktike e poietike). Latim: scientia. (1)

Epistemologia. Quer dizer, etimologicamente, "discurso sobre a ciência". Ainda que usado para significar "teoria do conhecimento", "gnoseologia", o termo emprega-se hoje, frequentemente, para designar o estudo crítico das ciências naturais e matemáticas. As ciências podem ser estudadas segundo o conteúdo ou segundo a forma, entendendose por conteúdo a matéria ou objeto que a ciência trata e por forma a estrutura racional que confere o caráter científico. A epistemologia é o estudo crítico da forma (e não do conteúdo) da ciência. Ao longo da história da filosofia, a epistemologia tem-se traduzido num critério de avaliação da autonomia das várias ciências em relação à filosofia e num critério de distinção dos vários ramos do saber. Para Platão, o saber rigorosamente científico é concebido univocamente como filosofia; todas as outras formas de conhecimento se lhe devem conformar, para serem válidas, pois só a filosofia e a matemática (preparação para a filosofia) se reportam à esfera do invisível, à "contemplação da natureza dos números", dos números em si e não dos números nas coisas. Aristóteles, porém, defende que há verdadeira ciência de entes físicos e materiais, não apenas dos imateriais, derivando a sua tese da crítica ao dualismo platônico, da imanência da "ideia" como forma e ratio na coisa. A ciência ou filosofia articula-se, pois, em si mesma, como física, matemática, metafísica (Metaphysica, VI-I). Mas Aristóteles não despreza o rigor racional de Platão e faz do silogismo o instrumento único da ciência: a imperfeição desta depende da imperfeição da demonstração e a demonstração perfeita respeita sempre a ordem ontológica, que é a priori, i. é, procede da causa para o efeito. Na Idade Média, São Tomás viria a estabelecer uma classificação das ciências baseando-se na concepção unívoca do Estagirita, com a doutrina dos três graus de abstração (Summa Teologiae, I, q. 85, a. 1 ad 2). Estava-se ainda longe do moderno conceito de ciência, pois que o conceito unívoco do saber — a filosofia — não se abria ao conhecimento experimental. Galileu havia de conseguir a síntese necessária. Mas já se esboçara uma primeira tentativa, desde a alta Idade Média, ao considerar-se a natureza como símbolo de realidades espirituais ou sobrenaturais, o que significava uma ciência alegorizante ou misticizante: ao valor científico da experiência sobrepunha-se uma interpretação simbólica da mesma. Eis o que pode entender-se em Santo Agostinho

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(De ordine; De musica); mais tarde, em Rábano Mauro (De universo); e, no séc. XIII, em São Boaventura (Reductio artium ad theologiam). No mesmo séc. XIII, alguns pensadores começaram a desfazer a ilusória síntese e a libertar o elemento experimental: Santo Alberto Magno, com ressonâncias aristotélicas, R. Bacon e R. Grossatesta, com ressonâncias augustinianas... Nos sécs. XV e XVI, o saber científico parece ainda empecilhado nas pseudociências de Paracelso, Agripa, Cardano: tentaram eles uma nova síntese em que a experiência tem um significado demasiado sumário e pouco definido, numa visão animista da natureza... Todo este entusiasmo e o esforço de séculos levam a Galileu, que definiu claramente a ciência na sua autonomia em relação à filosofia. A ciência confina-se no campo dos fenômenos, não busca o porquê nem a essência nem a natureza íntima; tão-só as leis. O método científico é o método experimental, de que Galileu assinalou os momentos essenciais: observação, hipótese, verificação. Nesta formulação abre-se a nova era da epistemologia, já prenunciada nas teorias de Francis Bacon. Nos sécs. XVII e XVIII, o conceito de ciência oscila perante o equilíbrio de experiência e razão. Descartes concebia a Física como um ramo da filosofia, como dedução da res extensa em que resumia a realidade dos cosmos físico, e Mersenne escrevia que "toda a minha física não é mais do que geometria". Era a ameaça do aspecto experimental da ciência pela valorização do aspecto matemático... Caberia aos cientistas e não aos filósofos seguir e valorizar a síntese de Galileu. É, entre outros, o caso de Newton, que reforça a sua posição epistemológica com indiscutível prestígio científico. Kant parece ter recuperado, de algum modo, o equilíbrio de Galileu: autonomia da ciência em relação à filosofia, síntese de experiência e razão, racionalização da experiência. Apegados à tese da univocidade do saber, os positivistas veem a filosofia como momento do saber autêntico — quer dizer o saber científico entendido como experimental, a posteriori. Neste caso, a epistemologia não passa do corolário da tese gnosiológica que limita o cognoscível ao dado, ao fato, ao "positivo". Condenada como investigação a priori e abstrata, a filosofia salva-se enquanto síntese das ciências e sua metodologia; segundo afirmação de Spencer, "a ciência é o saber parcialmente unificado, a filosofia o saber completamente unificado". O empiriocriticismo (de E. March e R. Avenarius) desmascarou, no mecanicismo determinista, a subestrutura metafísica da ciência positivista; Mach toma posição, afirmando: "a ciência forma-se por um contínuo processo de adaptação do pensamento a um determinado campo de experiências". O século XX tem sido fecundo em reflexão epistemológica de várias tendências. Se Bergson reconhece ainda o conhecimento científico do mundo factual como pura materialidade, Le Roy diz que o mesmo fato ou dado não passa de criação arbitrária do cientista. Duhem apresenta a ciência como um simbolismo matemático convencional e econômico e Poincaré opta por um convencionalismo moderado, com distinção entre leis (verificáveis) e princípios (não verificáveis). O mundo anglo-americano tem uma concepção pragmática da ciência, que desenvolve em sistema filosófico...

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Numa apreciação sumária das várias epistemologias contemporâneas, é legítimo afirmar que, de um modo geral, elas convergem em alguns pontos: a) reconhecimento mais amplo e aprofundado da iniciativa do sujeito na construção da ciência; b) discernimento mais cuidado da diferente natureza dos vários elementos de qualquer sistematização científica (metódicos, simbólicos, sistemáticos, ontológicos etc.); c) mais clara consciência da peculiaridade do conhecimento científico; d) maior exigência crítica e esforço mais lúcido para uma ciência inteiramente "científica". No fundo, continua-se a aprofundar a conquista fundamental da epistemologia (glória de Galileu) — autonomia da ciência pela sua demarcação clara da filosofia. (2) Epistemologia. O estudo da cognição e do conhecimento. Teoria do conhecimento. a. Científica — Psicologia cognitiva. A investigação dos processos cognitivos da percepção à formação do conceito, conjecturas e inferir. Quando leva em conta o cérebro e a sociedade, pode-se dizer que a psicologia cognitiva tem como efeito naturalizar e socializar a epistemologia. b. Filosofia — o estudo de processos cognitivos — particularmente a investigação — e seu produto (conhecimento) em termos gerais. Amostra das problemáticas: relação entre conhecimento, verdade e crença; conhecimento ordinário, científico e tecnológico; papel e limites da indução; estímulos filosóficos, e os obstáculos à pesquisa; relações entre epistemologia, semântica e as ciências sociais do conhecimento; relações entre teologia e ciência. A investigação de alguns problemas epistemológicas exige matemática avançada, conhecimento científico ou tecnológico. Exemplos: O que são objetos matemáticos e como é que existem? Qual das interpretações de probabilidade é correta? Como pode a matemática, que é a priori, desempenhar algum papel na ciência factual? Como são operacionalizadas as teorias, isto é, preparadas para o confronto com os dados empíricos? (3)

Revolução Epistêmica. Diz-se de uma ruptura epistemológica (G. Bachelard) ou de uma revolução científica (T. S. Kuhn) que efetua uma ruptura nítida com o conhecimento existente. Tanto assim que a nova teoria pretende-se, seria incomensurável (incomparável) com a velha. Essa ideia contém um grão de verdade: uma descoberta radical e original ou invenção não tem antecedentes. Exemplos: física dos campos, biologia molecular, economia matemática, filosofia exata. Entretanto, mesmo tais rupturas têm raízes. Por exemplo, a física dos campos aprofundou e estendeu teorias de ação à distância, e a biologia molecular foi o fruto das bioquímica e da genética. Além disso, se uma ideia radicalmente nova é admitida, ela o é porque prova ser mais verdadeira do que as anteriores acerca dos mesmos temas, ou porque inicia um novo e fértil campo, como foram os casos da física dos campos e da física nuclear. Mais ainda, a tradição é amiúde uma pedra de tropeço para a novidade epistêmica. Isso vale em particular para os instrumentos formais empregados na ciência e na tecnologia. Assim, a Revolução Científica foi consideravelmente auxiliada pelos legados da matemática grega e da lógica medieval. Discutivelmente diz-se que houve apenas duas revoluções científicas: o nascimento da ciência na Antiguidade, e seu renascimento no século XVII. Em conclusão, as maiores novidades epistêmicas tiveram mais o caráter de rupturas do que de revoluções. (3) Ruptura. Uma descoberta ou invenção radicalmente novas. Exemplos: as invenções das hipóteses atômicas e das provas matemáticas. Uma revolução epistêmica, como a

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revolução científica do século XVII, é um feixe (sistema) de rupturas epistêmicas num certo número de campos de pesquisa - nunca em todos. (3) (1) PETERS, F. E. Termos Filosóficos Gregos: Um Léxico Histórico. Tradução Beatriz Rodrigues Barbosa. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouse Gulbenkian, 1983. (2) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990. (3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Erro Erro. É o ato pelo qual o espírito julga verdadeiro o que é falso, e reciprocamente. O problema da natureza do erro participa assim de todas as dificuldades da natureza da verdade. Pergunta-se: quando conhecemos as coisas tão bem quanto o espírito humano pode conhecê-las, as conhecemos tais como são na realidade? Uma coisa é perguntarmos como podem saber se um juízo é falso ou verdadeiro, e outra é perguntarmos que significa essa pergunta - a de se é falso ou verdadeiro um certo juízo. Muitas vezes se fala em "erros dos sentidos". Mas essa maneira de dizer é defeituosa. Os sentidos limitam-se a dar-nos aparências, e as aparências em si não são verdadeiras nem falsas: simplesmenteexistem; o que pode ser verdadeiro ou falso é o juízo que elas nos levaram a afirmar. (1)

= = = >>

Empirismo e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. O Empirismo em Locke: 4.1. Metafísica Cartesiana; 4.2. Locke Concentra-se no Conhecimento; 4.3. Ideias Inatas. 5. O Empirismo no Espiritismo: 5.1. Método Experimental; 5.2. A Prova da Existência dos Espíritos; 5.3. Um Exemplo. 6. Empirismo e espiritismo: 6.1. Reencarnação; 6.2. Corpo Espiritual; 6.3. Imortalidade da Alma. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO Nosso objetivo é comparar o empirismo com os pressupostos desenvolvidos por Allan Kardec. O ponto de partida é a filosofia empirista de John Locke. Em seguida, alguns comentários sobre a ciência espírita e os princípios da reencarnação e da imortalidade da alma. 2. CONCEITO O adjetivo empírico aplica-se ao que tem origem na experiência (por oposição ao conhecimento racional ou a priori): como tal, sinônimo do a posteriori kantiano. Qualifica igualmente qualquer conhecimento ou pessoa não

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sistemáticas, que confiam na experiência imediata e até no pragmatismo. O empirismo qualifica qualquer doutrina filosófica que admite que o conhecimento humano deduz tanto seus princípios quanto seus objetos ou conteúdos, da experiência. (Durozoi, 1993) Corrente filosófica para o qual a experiência é critério ou norma de verdade, considerando-se a palavra “experiência” no significado 2º. Em geral, essa corrente caracteriza-se pelo seguinte: 1º) negação do caráter absoluto da verdade ou, ao menos da verdade acessível ao homem; 2º) reconhecimento de que toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. Portanto, o empirismo não se opõe à razão a não a cega, a não ser quando a razão pretende estabelecer verdades necessárias, que valham em absoluto, de tal forma que seria inútil ou contraditório submetê-la a controle. (Abbagnano, 1970.) 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Pensar o empirismo e o seu oposto (racionalismo, intelectualismo e intuicionismo) é pensar na forma de obter conhecimento. O problema da obtenção do conhecimento — pelos sentidos ou pelo espírito — não é dos nossos dias; na antiguidade clássica grega ele era motivo de debate entre os filósofos, principalmente Platão e Aristóteles. O empirismo diz respeito à experiência. A experiência tem ligação com o sensível. Por isso, a ciência física procura estudar as leis da matéria, utilizando a percepção sensorial. No Espiritismo devemos fazer uso da percepção extra-sensorial. O Espiritismo, sendo o delta convergente de todo o estoque de conhecimento, auxilia-nos sobremaneira a ampliar e aprofundar a nossa visão de mundo, física, mental e espiritual. Os princípios de reencarnação, perispírito e imortalidade da alma, expostos pela Doutrina Espírita, facilitam a busca e a compreensão desses conhecimentos. 4. O EMPIRISMO EM LOCKE 4.1. METAFÍSICA CARTESIANA O empirismo inglês inicia-se com Locke. Em seu tempo, a filosofia predominante é a cartesiana, cujo problema metafísico é resolvido pela teoria substancialista de Descartes. Descartes expõe o seu pensamento da seguinte forma: eu descubro o meu “eu” pelo exercício da razão. Ao descobrir o “eu”, vejo a limitação em que me encontro. Contudo, nessa limitação, vislumbro a ideia de Deus, que é infinita. Se o finito chega ao infinito, não foi pelo próprio finito, mas pela influência infinita de Deus. Daí, as três substâncias: a substância pensante (alma), a substância extensa (o corpo) e Deus, a substância infinita criadora. (Garcia Morente, 1970, p. 178) 4.2. LOCKE CONCENTRA-SE NO CONHECIMENTO John Locke se depara com a triplicidade das substâncias cartesianas. A sua metafísica, porém, concentra-se no conhecimento. Para isso, faz as seguintes perguntas: qual é a essência, qual é a origem, qual é

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o alcance do conhecimento humano? De acordo com o seu pensamento, o conhecimento é composto de ideias. A partir daí começa a definir o termo ideia, cujo significado nunca houve antes e nem depois dele na filosofia. Para ele, cogitatio significa ideia. Para descartes, porém, cogitatio é pensée, pensamento, e pensamento é todo o fenômeno psíquico em geral. Nesse caso, uma sensação é cogitatio; uma afirmação ou negação da vontade também o é. Em suma: toda a vivência psíquica é chamada de cogitatio por Descartes. (Garcia Morente, 1970, p. 178) 4.3. IDEIAS INATAS Locke parte da filosofia de Descartes. Descartes falava de três tipos de ideias: adventícias, fictícias e inatas. As ideias adventistas são as que sobrevêm em nós postas pela presença da realidade externa; as ideias fictícias são aquelas que por nós mesmos formamos em nossa alma; as ideias inatas são as que constituem o acervo próprio do espírito, da mente e da alma; são as que estão na alma sem que as tenha posto nenhuma coisa real nem tenham sido formadas por nossa imaginação. Seu ponto de partida foi negar essas ideias inatas. Depois, tentou explicar como as restantes ideias se originam na mente. Supôs, assim, que a alma fosse um papel em branco (tabula rasa) onde tudo o mais deveria ser escrito pelas sensações da experiência. A explicação de Locke funda-se essencialmente no psicologismo. Para tanto, inclui a sensação e a reflexão. Locke entende por sensação o estímulo mínimo para a modificação de algo na mente; por reflexão, o perceber a alma aquilo que nela própria acontece. (Garcia Morente, 1970, p. 179-180) Observação: Berkeley e Hume dão prosseguimento às ideias sobre o empirismo. Hume, por exemplo, dizia que toda idéia que não tiver um correlacionado na existência real é falsa. 5. O EMPIRISMO NO ESPIRITISMO 5.1. MÉTODO EXPERIMENTAL Allan Kardec, no capítulo I (Caráter da Revelação Espírita), de A Gênese, discorre sobre a maneira de o Espiritismo obter conhecimentos. Ele nos diz: “Fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os rege: depois, deduz-lhes as consequências e busca as aplicações úteis”. É o procedimento das ciências naturais. A diferença: em vez de utilizar a percepção sensorial, usa a percepção extra-sensorial. (Kardec, 1975, cap. I, item 14) 5.2. A PROVA DA EXISTÊNCIA DOS ESPÍRITOS O Espiritismo não teve uma teoria preconcebida sobre a existência e comunicação dos espíritos. Foi pela observação, análise e estudo rigoroso dos fatos que se construiu o edifício espírita. Veja o fenômeno das mesas falantes: Qual foi a atitude de Allan Kardec?

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Perguntou: como é que um objeto, que não tem cérebro, fala? Onde está a causa da fala? É a aplicação da dúvida cartesiana. Somente depois de muitas observações a esse respeito, pode elaborar uma teoria sobre as mesas girantes. (Kardec, 1975, cap. I, item 14) 5.3. UM EXEMPLO Passa-se no mundo dos Espíritos um fato singular: o de haver Espíritos que se não consideram mortos. Os Espíritos superiores, que conhecem esse fato, não vieram dizer antecipadamente: “Há espíritos que julgam viver ainda a vida terrestre, que conservam seus gostos, costumes e instintos”. Provocaram a manifestação de Espíritos dessa categoria para que os observássemos. Estudando as diversas manifestações desses Espíritos, pode-se deduzir uma regra. (Kardec, 1975, cap. I, item 15) 6. EMPIRISMO E ESPIRITISMO 6.1. REENCARNAÇÃO A lei de reencarnação, embora não seja criação espírita, é totalmente aceita por Allan Kardec. Ela mostra-nos que o Espírito, eventualmente num corpo carnal, já teve outras experiências, outras vivências. Daí ser possível fazer ilações, que vão além daquelas feitas pelo empirismo, que só aceita o aqui e o agora da experiência. Com a reencarnação penetramos em outras memórias, as memórias espirituais, o que nos dá ensejo de enfatizar a existência de ideias inatas, negadas pelo empirismo. 6.2. CORPO ESPIRITUAL No conhecimento do perispírito está a solução para inúmeros problemas de nossa vida. Por quê? Porque o perispírito é o elo de ligação entre o corpo físico e o Espírito propriamente dito. Ainda mais: encarnado e desencarnado, ele sempre acompanha o Espírito. O problema da obtenção do conhecimento — pelos sentidos ou pelo espírito — tem aqui o seu esclarecimento: o Espírito é um todo, pois engloba o espírito propriamente dito, o perispírito e o corpo físico. 6.3. IMORTALIDADE DA ALMA O Espírito, criado simples e ignorante, teve um começo, mas não terá fim. Assim, a expectativa da vida futura se resume em nos prepararmos bem, no sentido de atingirmos a perfeição requerida. A certeza de que há vida além da vida faz-nos ampliar o conceito de um determinado fato (ele é presente, mas tem conexões com as vidas passadas e as futuras). Presentemente, estamos passando por uma experiência. Ela não está isolada, porque é reflexo de uma ação passada, englobando as existências passadas. Pode ser também um projétil para o futuro, e influenciando nossas futuras encarnações. 7. CONCLUSÃO O Espiritismo, sendo a síntese do processo do conhecimento filosófico, não só elucida o problema da origem das ideias, como

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também nos fornece subsídios para entendermos a mecanismo das ideias inatas, negado pelo empirismo. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares. 4. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1970. KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975. São Paulo, agosto de 2010. << = = = (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]

Escolasticismo Escolasticismo. Comentário sobre alguns textos, sagrados ou profanos, importantes ou insignificantes, antigos ou modernos, do qual não se espera a solução de qualquer problema significativo, afora da manutenção de um emprego acadêmico — quer medieval ou contemporâneo — estudará o que o autor X diz acerca dos pensamentos da autoridade Y sobre o tema Z, em vez de dirigir-se diretamente a Z. O escolasticismo, que supostamente feneceu com a emergência da filosofia moderna, domina a cena filosófica contemporânea. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Esotérico, Exotérico Esotérico e Exotérico. De esô, em grego dentro, daí esotérico significar o que pertence a um círculo íntimo ou a iniciados. Nas antigas religiões e nas antigas seitas, fala-se em conhecimentos esotéricos, que são os pertencentes apenas aos iniciados. E conhecimentos exotéricos, que são proclamados em público. A Filosofia, na Grécia, é exotérica, tendendo a se tornar pública. A imprensa facilitou, entre nós, que se tornasse o conhecimento cada vez mais exotérico, e a característica da nossa cultura está em grande parte nesse tornar público o conhecimento, isto é, em seu exoterismo, em oposição à característica do saber egípcio e do grego, em seus primórdios que eram acentuadamente esotéricos. (1)

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Esotérico é o que é reservado aos iniciados ou especialistas. A palavra, tomada em si, não é pejorativa. Mas passa a ser, legitimamente, se a iniciação mesma for reservada a alguns, especialmente se supõe uma fé previa. É submeter o universal ao particular, a escola à seita e o espírito ao guru. (2)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Essência Essência. No pensamento antigo, a essência define o fundo de uma coisa, ou seja, a sua substância, conforme declarou Aristóteles e opunha-se a acidente, já que a essência era imutável na identificação de um ser. Já o acidente poderia variar, conservando-se a essência. (1) Essência de algo é aquilo que lhe é característico e o torna o que é. Por exemplo, a essência de um unicórnio é que ele é um cavalo com um único chifre na cabeça. Unicórnios não existem, obviamente; então, essência não implica existência. Essa distinção é importante na filosofia. (2) (1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (2) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

Teoria dos Três Estados Estados, Teoria dos Três. Teoria formulada por Augusto Comte (ele a chama de “lei”), segundo a qual a humanidade teria passado, em seu processo histórico de desenvolvimento, de uma etapa teológica (caracterizada por uma crença em poderes sobrenaturais organizadores do universo) ao estado metafísico (no qual a crença teológica teria sido substituída pela confiança em princípios abstratos, apreendidos racional e aprioristicamente) para atingir, finalmente, o estado positivo ou científico, no qual o conhecimento outra coisa não é senão a dedução da experiência. (1) A lei dos três estados, estabelecida por Augusto Comte para explicar a evolução do conhecimento humano, abarca três momentos:

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1) no estado teológico, o ser humano explica os fenômenos por meio da intervenção externa: deuses, raio, trovão... Daí o milagre, que implica o capricho dos deuses; 2) no estado metafisico, os fenômenos são explicados pelas forças abstratas da natureza; 3) no estado positivo, os fenômenos são explicados pela experimentação científica. Na metafísica, utilizávamos o "por quê", que nos levava à busca das causas primeiras. Na positiva, o "por quê" é substituído pelo "como", que permite constantes relações e portanto estabelecer leis. O estado teológico é a infância da humanidade, o estado metafisico e a adolescência e o estado positivo é a maturidade.

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Estoicismo Estoicismo. Apregoava a vida contemplativa acima das ocupações, das preocupações e das emoções da vida comum. seu ideal, portanto, é de ataraxia ou apatia. Corrente filosófica predominante na Antiguidade clássica durante mais de cinco séculos (300 a.C. - 200 d.C.) e que sobreviveu, de vários modos, na cultura ocidental até aos nossos dias. O nome deriva da Stoa paikile (pórtico ornado com as pinturas de Polignoto) de Atenas, local em que Zenão, seu fundador, começou a ensinar. (1) A doutrina estoica que retém do cinismo a ideia de que a felicidade reside na independência com relação a qualquer circunstância exterior, é uma criação coletiva. O antigo estoicismo tem origem com Zenão de Citium (325 - 264 a.C.), cipriota que veio a Atenas, onde, após ter sido aluno de um filósofo cínico, ensinava sob um pórtico, daí o nome de estoicismo ou Filosofia do pórtico. Vivendo em harmonia com a razão, ou seja, com a natureza, o sábio estoico irá encontrar a paz da alma (ataraxia) afastando dele tudo o que poderia perturbá-lo, essencialmente as paixões consideradas como movimentos antinaturais, doenças da alma. A verdade - que repousa precisamente na ausência de paixão, ou apatia - implica um domínio comum da vontade e do julgamento para aceitar o destino mostrando-se desapegado com relação às coisas e aos homem, como afirmou com presteza os estoicos romanos. A sabedoria estoica teve uma imensa influência através dos séculos: os temas saídos do estoicismo inspiraram, além de grandes escritores - Montaigne, Corneille, A. de Vigny, Maeterlinck -, filósofos entre os quais Descartes, Kant. Observemos finalmente que a

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moral estoica teve uma repercussão considerável na ética cristã, inclinando-a, às vezes, no sentido da severidade principalmente em matéria de sexualidade. (2) Pórtico. Seita filosófica dos estoicos, cujo chefe, Zenão, ensinava debaixo de um pórtico de Atenas. (Do lat. portico, fem. Mudou de gênero por causa da terminação). (3)

Estoicismo. Doutrina que aconselha a indiferença e o desprezo pelos males físicos e morais, bem assim a insensibilidade perante as paixões. Para os estoicos, o mais importante é o encontro da tranquilidade espiritual. "O primeiro imperativo ético é viver de acordo com a natureza, isto é, conforme a razão, pois o natural é racional. A felicidade consiste na aceitação do destino e no combate contra as forças da paixão, que produzem intranquilidade. Resignando-se ao destino, o homem resigna-se também à justiça, pois o mundo, sendo racional, é também justo. Mas, apesar da teoria da resignação, muitos estoicos exerceram severa crítica social e política." (4) (1) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993 (3) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (4) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987.

Estruturalismo Estruturalismo. O conhecimento humano, o comportamento, a cultura etc. podem ser analisados por meio dos contrastes entre elementos inter-relacionados num sistema conceitual. (1) Na década de 1960, aparece uma corrente conhecida como "estruturalismo". Os autores pertencentes a ela, mais do que propriamente compor uma escola, compartilham de um mesmo enfoque metodológico em relação às ciências humanas" (linguística, etnologia, história etc.). Mas isso tem também implicações filosóficas. O modelo do estruturalismo é a linguística estrutural de Ferdinand de Saussure, que se difundiu sobretudo na França: Claude Lévi-Strauss, que aplicou o método à antropologia social; Jacques Lacan, à psicanálise; Louis Althusser, ao marxismo; Roland Barthes, à crítica literária; finalmente, Michel Foucault, com interesses mais especificamente filosóficos. A partir dessa visão estruturalista da linguagem, foi tomando corpo a ideia de que todas as ciências giram em torno da linguística, visto que tudo o que constitui o propriamente

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humano ocorre dentro dos limites da linguagem. O estruturalismo se insere, portanto, na consciência linguística que caracteriza o pensamento contemporâneo.

O conceito de estrutura O estruturalismo realiza uma aplicação de princípios gerais da linguística, tal como Ferdinand de Saussure (1857-1913) os tinha formulado. Ele distinguia entre língua e fala. A fala se refere ao uso concreto que cada falante faz da língua. A língua é o sistema de signos impessoal, anterior à fala e do qual ela constitui uma determinada realização. O sistema de signos da língua forma uma estrutura: os elementos do sistema só adquirem sentido pelas relações que mantêm entre si - não pelo que são em si mesmos, mas pela posição que ocupam em relação ao conjunto. O conceito de "estrutura" se aplica à totalidade do conjunto de elementos e de suas relações, de maneira que a mudança de qualquer um deles introduz uma transformação em todos os outros. A estrutura não é uma realidade empiricamente observável, mas um modelo teórico-explicativo, aplicável onde exista um conjunto, e que atende fundamentalmente às relações das partes dentro do todo, uma vez que são elas que o determinam.

Implicações filosóficas do estruturalismo Embora se trata sobretudo de um método, o estruturalismo estabelece uma mudança em certas concepções filosóficas vigentes na ocasião de seu aparecimento. Em primeiro lugar, seu anti-humanismo epistemológico que, nas palavras de Foucault e numa alusão à nietzschiana "morte de Deus", podemos expressar como "a morte do homem". Esta ocorre diante da descoberta da prioridade universal (estrutura) sobre o individual (o homem) Em segundo lugar, o desaparecimento do sujeito. As regras que determinam a estrutura são supra-individuais e inconscientes: não são regras do sujeito, regras que partam dele ou nele se fixem, mas são regras nas quais os sujeitos se inserem. O sujeito humano acaba dissolvido em favor de algumas estruturas, que são as que realmente explicam os fenômenos culturais e sociais. Essas estruturas têm caráter linguístico, entendendo-se por "linguagem" o código de comunicação. No estruturalismo, rompe-se, portanto, com a tradição ocidental que Descartes inaugura em seu cogito: a tradição do sujeito, entendido aqui como ponto de referência último. Finalmente, seu anti-historicismo. As estruturas são a-históricas, sem sujeito, sentido ou finalidade. Não existem mudanças nelas, mas a substituição de umas por outras num processo descontínuo. O estruturalismo estuda mais o estado do sistema (perspectiva sincrônica) do que as mudanças que nele se dão (perspectiva diacrônica).

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O estruturalismo psicanalítico de Lacan Lacan (1901-1981) aplica o método estruturalista à psicanálise com a intenção de dotála de um estatuto científico. Sua tese fundamental é a de que o inconsciente está estruturado como uma linguagem: a psicanálise deve analisar o inconsciente de acordo com o modelo da linguística estrutural. Lacan assume a famosa diferenciação saussuriana entre significado (o conceito) e significante (sua imagem fonética), mas a reformula de uma nova maneira. Para Saussure, significante e significado se correspondem, são duas faces da mesma moeda. Em Lacan, e no estruturalismo em geral, o significante precede o significado: o código precede a mensagem e a condiciona. Não existe linguagem para expressá-la: é a linguagem que determina algumas possibilidades e demarca alguns limites para a expressão da experiência . Não existe um sujeito ou um eu que se revele na linguagem, que seja a origem absoluta do sentido daquilo que expressa. O sujeito, segundo Lacan, encontra-se dividido em dois níveis: o consciente (a cultura) e o inconsciente (o desejo). Cada um deles está organizado como uma linguagem, e mantêm também entre si relações estruturais. O sujeito não se identifica simplesmente com a consciência, pois o inconsciente também é sujeito: essa é a cisão ou descentramento do sujeito. Na linha dos outros estruturalistas, isto representa um claro ataque às velhas formas de subjetividade.

Foucault A atividade filosófica de Foucault (1926-1984) pode ser considerada mais precisamente como pós-estruturalista. Ao longo de sua obra, Foucault foi mudando o objeto de seu interesse: primeiro foi o saber, mais tarde o poder e, por último, as formas de subjetivação. Em relação ao saber, ele afirma que em cada época aparecem algumas estruturas epistêmicas (epistemes) que determinam, de forma oculta, o que pode ser pensado e o que pode ser dito. A arqueologia do saber mostra uma sucessão descritiva de epistemes. Nesses quadro, Foucault analisou diferentes discursos científicos de uma época para descobrir neles as condições epistêmicas que os tornam possíveis. Em relação ao poder, Foucault não se interessa por sua forma jurídica ou institucional, quer dizer, não vê o poder como uma entidade que rejeita ou proíbe, mas como uma rede de relações nas quais o homem se acha inserido. Na verdade, o poder funciona nas múltiplas instâncias que articulam a sociedade: onde existe relação, existe poder. Mas as formas de exercer o poder variam nas diferentes épocas. O tema que o ocupou no fim da vida foi o do modo pelo qual nos constituímos como sujeitos: que mecanismos intervêm na produção dos sujeitos. O sujeito não é algo dado, mas o resultado de uma relação de forças. (2)

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(1) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (2) TEMÁTICA BARSA - FILOSOFIA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005.

Eternidade Eternidade. Define-se naturalmente a eternidade como a duração indefinida, um tempo linear ou às vezes cíclico (Eterno Retorno) sem começo nem fim. Ora, essa definição que se refere à "sempiternidade" do Universo, opõe-se àquela, mais filosófica, que assimila a eternidade à intemporalidade, ao que é subtraído do devir. Nesse sentido, Platão diz que o tempo não passa da "imagem móvel da eternidade imóvel" (Timeu). Não existe experiência humana diante da eternidade, embora o sábio spinozista pretenda nele experimentá-lo pela razão. A fenomenologia contemporânea tenta reencontrar a imagem da eternidade pelo tempo vivido num "eterno presente" (Lavelle) cujas três modalidades para a consciência seriam o "presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro". O estruturalismo, por sua vez, aborda a eternidade à sua maneira privilegiando a sincronia ao invés da diacronia. (1) Eternidade. a. Teologia - Intemporal, fora do tempo. b. Ciência e ontologia - Duração indefinida. Um dos velhos problemas da cosmologia é averiguar se o universo é eterno ou teve um começo e terá um fim. A física moderna, da qual a cosmologia é apenas um capítulo, aponta para a eternidade do universo, se não por outro motivo, ao menos por causa das muitas leis de conservação. (2)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Eterno Retorno Eterno Retorno. Espécie de mito introduzido na filosofia por Nietzsche que descrevera a "condição humana", revigorando uma ideia esboçada por certos pitagóricos, admitida pelos estoicos e certos neoplatônicos, sob uma forma astrológica, para designar a doutrina no movimento cíclico absoluto e infinitamente repetido de todas as coisas. Em Assim Falou Zaratustra (1883-85), ele retoma a ideia de Heráclito do devir, segundo a qual tudo flui, tudo muda, tudo retorna, e declara: tudo passa e tudo retorna, eternamente gira a roda do ser. Em Ecce Homo (1888), tem sua primeira intuição, quase mística, do eterno retorno: se o tempo não é linear, não faz sentido a distinção entre o

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"antes" e o "depois". Se tudo retorna eternamente, o futuro já é um passado; e o presente é tão passado quanto o futuro. (1) Teoria pitagórica e estoica segundo a qual as coisas voltam exatamente semelhantes ao que foram após um período de vários milhares de anos (o Grande Ano). Essa periodicidade do estado do Mundo será admitida ulteriormente a título de mito poético por vários autores, mas é com Nietzsche que encontra um novo vigor, principalmente por sua dimensão moral e porque constituirá o equivalente de um salto na eternidade ou na imortalidade compatível com, simultaneamente, o pessimismo com relação ao mundo contemporâneo e a espera do super-homem. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Ética Ética. Do gr. ethos significa originalmente morada, seja o habitat dos animais, seja a morada do homem, lugar onde ele se sente acolhido e abrigado. O segundo sentido, proveniente deste, é costume, modo ou estilo habitual de ser. A morada, vista metaforicamente, indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (1)

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Ética e Responsabilidade Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico: 3.1. Antigüidade; 3.2. Idade Média; 3.3. Idade Moderna. 4. Ética e Moral. 5. Autodeterminação e Responsabilidade. 6. Comportamento Ético. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é refletir sobre a ética e a responsabilidade, no sentido de motivar as nossas ações para a prática do bem. Assim, analisaremos o problema do comportamento ético-moral e a autodeterminação do indivíduo dentro da sociedade. 2. CONCEITO Ética - do gr. ethos significa originalmente morada, seja o habitat dos animais, seja a morada do homem, lugar onde ele se sente acolhido e abrigado. O segundo sentido, proveniente deste, é costume, modo ou estilo habitual de ser. A morada, vista

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metaforicamente, indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (Nogueira, 1989) Responsabilidade - do lat. responsabilitas, de respondere = responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações. De direito, todo o homem é responsável. Toda a sociedade é organizada numa hierarquia de autoridade, na qual cada um é responsável perante uma autoridade superior. Quando o homem infringe uma de suas responsabilidades cívicas, deve responder pelo seu ato perante a justiça. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo) Responsabilidade moral. Filos. 1. Situação de um agente consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente. 2. Obrigação de reparar o mal que se causou aos outros. (Dicionário Aurélio) 3. HISTÓRICO 3.1. ANTIGUIDADE Desde que o homem teve de viver em conjunto com outros homens, as normas de comportamento moral têm sido necessárias para o bem estar do grupo. Muitas destas normas eram extraídas das religiões existentes, que cheias de dogmas e tabus impunham uma dose de irracionalidade ao valor moral. Mesmo entre os chineses, que não possuíam uma religião organizada, havia muitas normas esotéricas de comportamento ético. A especulação exotérica começa somente com o pensamento grego. Sócrates, Platão e Aristóteles são os seus principais representantes. Sócrates dizia que a virtude é conhecimento; e o vício, é o resultado da ignorância. Então, de acordo com Sócrates, somente a educação pode tornar o homem moralizado. Platão estabelece que a vida ética é gradativamente mais elevada pela adequação desta às idéias (eide) superiores, análogas à forma do bem. Aristóteles deu à ética bases seguras. Dizia que o fim do homem é a felicidade temporal da vida de conformidade com a razão, e que a virtude é o caminho dessa felicidade, e esta implica, fundamentalmente, a liberdade. 3.2. IDADE MÉDIA Na Idade Média, os valores éticos são condicionados pela religião cristã, especificamente o Catolicismo. A Patrística e a Escolástica são os seus representantes. Nesse período, dá-se ênfase à revelação dos livros sagrados. O Pai, o Filho e o Espírito Santo determinam as normas de conduta. Jesus, que é filho e Deus ao mesmo tempo, torna-se o grande arauto de uma nova ética, a ética do amor ao próximo. Porém, essa ética é conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que distorcem a pureza do cristianismo primitivo. As exortações católicas mantiveram-se por longos anos. Contudo, no século XVI começou a sofrer a pressão do Protestantismo, ou seja, a reação de algumas Igrejas às determinações da Igreja de Roma. Para os protestantes, a ética não é baseada na revelação, mas nos valores éticos, examinados e procurados de per si. A revelação

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religiosa pertence à religião. O filósofo ético deve procurar os fundamentos ontológicos dessa disciplina, tão longe quanto lhe seja possível alcançar. 3.3. IDADE MODERNA Kant, o quebra tudo, surge nesse contexto. Para Kant a Ética é autônoma e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela própria consciência moral e não por qualquer instância alheia ao Eu. Como vemos, Kant dá prosseguimento à construção da própria moral. Não espera algo de fora. Aquilo que o homem procura está dentro dele mesmo. Muitos são os filósofos que seguiram Kant. Depois destes, surgem Scheller (1874-1928) , Müller, Ortega y Gasset etc., que penetram na ética axiológica, ou seja, estuda a ética do ângulo dos valores. (Santos, 1965) 4. ÉTICA E MORAL Ética - do grego ethos significa comportamento; Moral - do latim mores, costumes. Embora utilizamos os dois termos para expressarmos as noções do bem e do mal, convém fazermos uma distinção: a Moral é normativa, enquanto a Ética é especulativa. A Moral, referindo-se aos costumes dos povos nas diversas épocas, é mais abrangente; a Ética, procurando o nexo entre os meios e os fins dos referidos costumes, é mais específica. Pode-se dizer, que a Ética é a ciência da Moral. Ética e Moral distinguem-se, essencialmente, pela especulação da Lei. A Ética, refere-se à norma invariante; a Moral, à variante. Contudo, há uma relação entre ambas, pois a sistematização da segunda tem íntima relação com a primeira. O caráter invariante da Lei possibilita-nos questionar: de onde veio? Quem a ditou? Por que? Com que fim? A resposta dos transcendentalistas é que ela é heterônoma, isto é, veio de fora do "eu". Deus seria o autor da norma. Liga-se, assim, Filosofia e Religião. Para os cristãos, as normas éticas estão centradas nos Dez Mandamentos; a resposta dos imanentistas é que ela é autônoma, isto é, surge das tensões das circunstâncias. (Santos, 1965) 5. AUTODETERMINAÇÃO E RESPONSABILIDADE A autodeterminação expressa a essência do ser. É o poder que temos de atualizar nossas virtualidades. O pensamento científico auxilia, mas são os aspectos psicológicos, ideológicos, religiosos e filosóficos que emprestam o maior peso à nossa deliberação na vida. As virtualidades podem ser ativas e passivas. Se ativas, já estão determinadas de uma forma; se inativas, sabemos que estão em ato sob uma forma, mas que podem ser assumidas de outra forma, isto é, que são especificamente diferentes do que podem ser. A ação humana, embora restrita à responsabilidade pessoal, tem como objetivo o interesse público. A vivência, semelhante à do eremita no deserto, é uma exceção. A questão ética diz respeito ao auxílio que cada um possa exercer na transcendência do outro. Em realidade, é a criação de condições para que o outro realize plenamente o seu projeto de vida ao qual foi destinado. O princípio da autodeterminação moral é a base do comportamento ético adulto. Deixarse guiar-se pelas máximas alheias é perder o eu em si mesmo. Segundo Sócrates, o

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ethos verdadeiro é agir de acordo com a razão, que se eleva acima do consenso da opinião da multidão, para atingir o nível da objetividade própria do saber demonstrativo. A autonomia, assim, não se realiza na solidão, mas se consolida pelo contato entre os seres humanos. A lei é o farol da ética. Sua origem etimológica encontra-se no termo nomos de que o vocábulo lei (lex) é a tradução latina. Nomos vem do verbo nemo que significa dividir, repartir com outro, sugerindo a idéia de justiça. Dessa forma, as ações individuais no cumprimento dos deveres, devem salvaguardar a liberdade própria e a do outro. Por isso, Voltaire afirma com veemência: "Não concordo com o que você diz, mas defenderei o direito de você dizê-lo até o fim". (Nogueira, 1989) 6. COMPORTAMENTO ÉTICO A reflexão sobre o ethos leva-nos à prática do amor. O verdadeiro exercício do amor longe está das proibições e interdições de que a moral propõe. É uma autodeterminação que envolve a autonomia da vontade na busca da atualização do ser. Assim, não é agir de qualquer jeito, mas de forma ordenada, generosa, que promova a pessoa e os direitos do outro, sobretudo quando esses direitos são espezinhados. O comportamento ético não consiste exclusivamente em fazer o bem a outrem, mas em exemplificar em si mesmo o aprendizado recebido. É o exercício da paciência em todos os momentos da vida, a tolerância para com as faltas alheias, a obediência aos superiores em uma hierarquia, o silêncio ante uma ofensa recebida. 7. CONCLUSÃO A Ética, a Moral e a Responsabilidade determinam a perfeição do ser. Acostumados a confundir os meios com os fins, não conseguimos visualizar claramente o fim último da existência humana. Por isso, o erro crasso de conceber a Moral como um mero e fastidioso catálogo de proibições. O fim do homem é, pois, o de realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. Implica, muitas vezes, a obediência à vontade de Deus, contrariando a própria, se assim delimitar, o dever, imposto pela sua consciência. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro, M.E.C., 1967. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d/p. NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, SP, Papirus, 1989. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. São Paulo, maio de 1999

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Ética analítica. É o ramo da ética filosófica ou geral que explora a natureza da moralidade em si. (2) Ética cristã. Estudo de como os homens devem viver do modo como foi informado pela Bíblia, pela tradição cristã e pelas convicções religiosas. (2)

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Ética da Reforma. Na fundação da ética da Reforma se acha o ensinamento de que os homens são incapazes de agradar a Deus a não ser pela graça divina concedida em Cristo, e de que a vida ética aflora do trabalho de regeneração do Espírito Santo. (2) Ética deontológica. O método de raciocínio moral que afirma que a propriedade moral de um ato reside tão-somente no ato, estando de algum modo ligado ao que é intrínseco ao próprio ato, e não depende da intenção nem do motivo do que age. (2) Ética dialética. Qualquer filosofia ética cujos princípios para a interpretação da vida moral indicam os elementos conflitantes que devem ser mantidos em tensão. O núcleo da ética dialética jaz no paradoxo entre a afirmação e a contra-afirmação. Exemplo: determinismo e livre-arbítrio. (2) Ética do Antigo Testamento. Ética do fazer. Ética do Novo Testamento. Ética do ser. Ética do trabalho. Ética evangélica. Ética existencialista. Ética feminista. Reflexão ou teorização ética que situa suas suposições básicas no pensamento feminista contemporâneo. (2) Ética institucional. Exploração da compreensão normativa de como as instituições são estruturas e dirigentes. (2) Ética na informática. Ética na propaganda. Ética psicológica. O estudo de como as capacidades morais se desenvolvem na pessoa e de como o conhecimento científico a respeito da psique humana informa juízos sobre o correto e o bem. (2) Ética tecnológica. O estudo das implicações da tecnologia em geral ou das tecnologias específicas para o comportamento moral, bem como a aplicação dos princípios morais ao uso da tecnologia. (2) Ética teleológica. Uma abordagem do raciocínio moral, algumas vezes conhecido como consequencialismo, que afirma que a correção ou a impropriedade de um ato é determinada por seu resultado, isto é, pela qualidade de bem que produz ou pelo mal que evita. Assim em qualquer situação o agente moral deve perguntar qual ação produzirá o melhor equilíbrio possível do bem sobre o mal. (2)

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Ética do Meio Ambiente. Em geral, a ética lida com os problemas suscitados pelos desejos e necessidades humanos: a obtenção de felicidade ou a distribuição de bens. Quando se pensa especificamente acerca do meio ambiente, o problema central consiste na atribuição de valor independente a coisas como a preservação das espécies ou a proteção da vida selvagem. Essa proteção pode ser defendida como um meio para garantir as necessidades humanas básicas, encarando os animais, por exemplo, como uma fonte futura de medicamentos ou de outros benefícios. No entanto, muitos filósofos desejariam reivindicar um valor absoluto e não utilitarista para a existência de locais e seres selvagens; seu valor é precisamente sua independência em relação à vida humana: "eles nos reduzem à nossa importância relativa". Não conseguir apreciar isso não é apenas uma incapacidade estética, mas também uma falta de humildade e respeito: é uma incapacidade moral. O problema consiste em conseguir exprimir esse valor e usá-lo contra os argumentos utilitaristas que defendem a urbanização de áreas naturais e a exterminação das espécies de forma um tanto arbitrária. (3)

(1) NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, SP, Papirus, 1989. (2) GRENZ, Stanley J. e Smith, Jay T. Dicionário de Ética: mais de 300 Termos e Ideias Definidos de Forma Clara e Concisa. Tradução de Alípio Correio de Franca Neto, Glasfira Antas, Sandra Maia Franca. São Paulo: Editora Vida, 2005 (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Eudemonismo Eudemonismo. Do grego eudaimonia, felicidade. Doutrina moral segundo a qual o fim das ações humanas (individuais e coletivas) consiste na busca da felicidade através do exercício da virtude, a única a nos conduzir ao soberano bem, por conseguinte, à felicidade. É essa identificação do soberano bem com a felicidade que faz da moral de Aristóteles um eudemonismo; também a moral provisória de Descartes pode ser entendida como um eudemonismo (que não se deve confundir com hedonismo). (1) Eudemonismo. Qualquer doutrina que assuma a felicidade como princípio e fundamento da vida moral. São eudemonistas, nesse sentido, a ética de Aristóteles, a ética dos estoicos e dos neoplatônicos, a ética do empirismo inglês e do iluminismo. Kant acredita que o eudemonismo seja o ponto de vista do egoísmo moral, ou seja, da doutrina "de quem restringe todos os fins a si mesmo e nada vê de útil fora do que lhe interessa" (Antr., I, § 2). Mas esse conceito de eudemonismo é demasiado restrito, pois

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o mundo moderno, a partir de Hume, a noção de felicidade tem significado social, não coincidindo portanto com egoísmo ou egocentrismo. (2) Eudemonismo. Literalmente, 'eudemonismo' significa "posse de um bom demônio", ou seja, gozo ou fruição de um modo de ser mediante o qual se alcançará a prosperidade e a felicidade. Filosoficamente, entende-se por 'eudemonismo' toda tendência ética segundo a qual a felicidade é o sumo bem. A felicidade pode ser entendida de muitas maneiras: pode consistir em "bem-estar", em "prazer", em "atividade contemplativa" etc. Em todo caso, trata-se de um "bem" e frequentemente também de uma "finalidade". É costume, desde Kant, chamar esse tipo de ética de "ética material", por oposição à "ética formal, elaborada e defendida por Kant. Na medida em que identifica o bem com a felicidade ou, melhor, na medida em que se considera o bem almejado, pode-se dizer que todas as éticas materiais são eudemonistas. Em vista disso podem ser considerados eudemonistas todos os "princípios materiais" práticos a que se refere Kant na Critica da razão prática. Esses princípios são de duas causas: subjetivos e objetivos. Os princípios subjetivos podem ser externos (da educação, como em Montaigne; da constituição civil, como em Bernard de Mandeville), ou internos (do sentimento de caráter físico, como em Epicuro; do sentimento moral, como em Hutcheson). Os princípios objetivos também podem ser externos (da vontade de Deus, como em Crusius e outras morais teológicas) ou internos (da perfeição, como em Wolff e nos estoicos). Característico do eudemonismo é considerar que não pode haver incompatibilidade entre a felicidade e o bem. Os que se opõem ao eudemonismo, em contrapartida, admitem que a felicidade e o bem podem coincidir, mas não coincidem necessariamente. Para o eudemonismo, a felicidade é o prêmio da virtude e, em geral, da ação moral. Para o antieudemonismo, por outro lado, a virtude vale por si mesma, independentemente da felicidade que pode produzir. (3) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004.

Evangelho Evangelho. Do latim eclesiástico evangelium,ii. 1. A boa-nova de Cristo, a doutrina cristã (inicial maiúscula). 2. Cada um ou o conjunto dos quatro livros dos apóstolos Mateus, Marcos, Lucas e João, incluídos no Novo Testamento, que narram especialmente a vida, a doutrina e a morte de Cristo (inicial maiúscula). 3. Cada um dos

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27 livros do Novo Testamento que anunciam o Reino de Deus. 4. Leitura proclamada pelo padre na missa (inicial maiúscula). (1) O uso freqüente de uma palavra pode provocar, com o tempo, a perda do seu significado original. Isto aconteceu com muitos de nós que dizemos e ouvimos pronunciar tantas vezes o termo "Evangelho". De acordo com Battaglia, em Introdução aos Evangelhos, o primeiro significado lembrado pelo som desta palavra é o de um livro, um dos quatro que foram legados pela era apostólica e que contém a vida e a doutrina de Jesus. A palavra "Evangelho" suscita em muitos cristãos uma vaga idéia de respeito e solenidade ligada à liturgia da Missa dominical, quando o som deste termo faz-nos ficar todos de pé para ouvi-lo devota e respeitosamente. Mas normalmente, tudo pára aí. Evangelho é a tradução portuguesa da palavra grega Euangelion que foi notavelmente enriquecida de significados. Para os gregos mais antigos ela indicava a "gorjeta" que era dada a quem trazia uma boa notícia. Mais tarde passou a significar uma "boa-nova", segundo a exata etimologia do termo. Falava-se de "evangelho", nas cidades gregas, quando ecoava a notícia de uma vitória militar, quando os arautos noticiavam o nascimento de um rei ou de um imperador. Ao termo estava unida a ideia de festa com cânticos, luzes e cerimônias festivas. Era, em suma, o anúncio da alegria, porque continha uma certeza de bem-estar, de paz e salvação. (2) Evangelho (évangile). Do grego euaggélion, bom mensageiro, o que traz uma boa nova. Com maiúscula e eventualmente no plural, é o nome dado aos quatro livros que narram a vida e o ensinamento de Jesus Cristo. Voltaire lembra que foram "fabricados cerca de um século depois de Jesus Cristo" e que há vários outros, ditos apócrifos, que mereceriam igual interesse. Isso confirma a singularidade dessa história. Mesmo que não passasse de um romance, o que não creio, e embora às vezes seja um bocado chato, esse romance nem assim deixaria de ser, de todos os livros da humanidade, um dos mais esclarecedores. Porque nos fala de Deus? Não. Porque nos fala de nós mesmos. Por causa da ressurreição do seu personagem principal? Também não. Por sua vida. Se deixarmos de lado a incrível exploração que se fará deles, os Evangelhos são o relato de uma existência e o retrato, ainda que aproximado, de um indivíduo. Seria um erro abandoná-los às Igrejas. Jesus, para mim, não é um profeta - não creio nos profetas -, ainda menos o Messias ou Deus. Era um homem, aliás ele próprio nunca pretendeu ser outra coisa. É por isso que ele me interessa. É por isso que ele me comove. Pela simplicidade. Pela fragilidade. Pela idade nua. Quem pode imaginar, lendo os Evangelhos, que esse homem possa ter se tomado por Deus? Por seu filho? Todos nós somos, já que esse Deus, de acordo com a própria prece que Jesus nos deixou, seria Nosso Pai... Em outras palavras, Jesus, tal como o vejo, tal como creio compreendê-lo ao ler os Evangelhos, nunca foi cristão. Por que seríamos? Era um judeu piedoso. Era um homem cheio de sabedoria e de amor. A única maneira de lhe ver verdadeiramente fiel, para os que não são nem judeus nem crentes, é ser um pouco mais sábios, um pouco mais amantes, um pouco mais humanos e, para tanto, antes de mais nada, respeitar a justiça e a caridade, que são toda a lei. É o que Espinosa chamava de "espirito de Cristo", que é o espírito tout court e a principal mensagem dos Evangelhos. (3)

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Evangelho Eterno. Lat. Evangelium aeternum. Orígenes empregou essa expressão para designar a revelação das verdades superiores que Deus faz aos sábios em todas as épocas do mundo, capaz de integrar e corrigir a revelação contida no Evangelho Histórico. (4)

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Evangelho e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO:1-Introdução. 2-Conceito. 3-Conotações do Termo Evangelho. 4- Contexto Histórico do Evangelho: 4.1-Ambiente Político-Religioso; 4.2-O Judaísmo Palestinense no Tempo de Cristo; 4.3-De Cristo a Kardec. 5- Kardec e o Evangelho Segundo o Espiritismo. 6-Evangelho e Educação. 7-Conclusão. 8-Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo central deste estudo é enaltecer os esforços constantes de evangelização das criaturas. Para que possamos atingir tal desideratum, preparamos o seguinte roteiro: conceito, conotações do termo "Evangelho", Evangelho no contexto histórico, o Evangelho Segundo o Espiritismo e Evangelho e Educação. 2. CONCEITO O uso freqüente de uma palavra pode provocar, com o tempo, a perda do seu significado original. Isto aconteceu com muitos de nós que dizemos e ouvimos pronunciar tantas vezes o termo "Evangelho". De acordo com Battaglia em Introdução aos Evangelhos, o primeiro significado lembrado pelo som desta palavra é o de um livro, um dos quatro que foram legados pela era apostólica e que contém a vida e a doutrina de Jesus. A palavra "Evangelho" suscita em muitos cristãos uma vaga idéia de respeito e solenidade ligada à liturgia da Missa dominical, quando o som deste termo faz-nos ficar todos de pé para ouvi-lo devota e respeitosamente. Mas normalmente, tudo pára aí. Evangelho é a tradução portuguesa da palavra grega Euangelion que foi notavelmente enriquecida de significados. Para os gregos mais antigos ela indicava a "gorjeta" que era dada a quem trazia uma boa notícia. Mais tarde passou a significar uma "boa-nova", segundo a exata etimologia do termo. Falava-se de "evangelho", nas cidades gregas, quando ecoava a notícia de uma vitória militar, quando os arautos noticiavam o nascimento de um rei ou de um imperador. Ao termo estava unida a idéia de festa com cânticos, luzes e cerimônias festivas. Era, em suma, o anúncio da alegria, porque continha uma certeza de bem-estar, de paz e salvação. (1984, p. 19 e 20) 3. CONOTAÇÕES DO TERMO "EVANGELHO" O Evangelho de Jesus - Deus, no Velho Testamento, havia comunicado os seus anúncios de alegria aos patriarcas, a Moisés e aos profetas do seu povo; no Novo

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Testamento, dá o maior dos "anúncios", o anúncio de Jesus. Jesus não é só conteúdo do anúncio, mas é também o primeiro portador e arauto. Ele apresenta a si mesmo e a sua obra como o "Evangelho de Deus", isto é, a "boa-nova" que Deus envia ao mundo que espera. (Battaglia, 1984, p. 21 e 22) O Evangelho dos Apóstolos - Desde o momento da ascensão de Jesus, a palavra "Evangelho" designou a pregação oral dos apóstolos, pregação que tinha como argumento a pessoa e atividade de seu Mestre divino. (Battaglia, 1984, p. 23) Os Quatro Evangelhos - Desde os primeiros anos do cristianismo preferiu-se falar de "Evangelho", no singular, também quando se referia aos livros. isto porque os escritos dos apóstolos traziam todos o mesmo e idêntico "alegre anúncio" proclamado por Jesus e difundido oralmente. Quando se desejou, porém, indicar de maneira específica cada um dos quatro livros, encontrou-se uma fórmula particularmente eficaz e significativa: "Evangelho Segundo Lucas", "Evangelho Segundo Mateus", "Evangelho Segundo Marcos" e "Evangelho Segundo João". Desse momento em diante, o singular e o plural se alternam para indicar, um a identidade do anúncio, o outro a diversidade de forma e redação. Ficará, porém, sempre viva a convicção de que o Evangelho é um só: o alegre anúncio de Jesus. (Battaglia, 1984, p. 25 e 26) O Quinto Evangelho - Os Atos dos Apóstolos e as Cartas Apostólicas dispostos cronologicamente formariam um quinto evangelho. O Nascimento de Jesus, por exemplo, poderia ser encontrado em Gl 4,4; Rm 1,4; At 3, 18-24; At 1,14. Sua atividade missionária em At 10,36; At 2,22; At 1,13; At 1, 21-22; 2 Pd 1, 16-18; 1 Jo 1, 1-3. Este mesmo exercício poderia ser feito com relação às condições de sua vida, o início da vida pública, a última ceia, a traição de Judas etc. (Battaglia, 1984, p. 32 a 36) Evangelhos Apócrifos - Muitas informações acerca de Jesus estão arroladas nos evangelhos apócrifos (escondidos) e nas ágrafas (ensino oral). 4. CONTEXTO HISTÓRICO DO EVANGELHO 4.1. AMBIENTE POLÍTICO-RELIGIOSO O povo judeu, ao qual Jesus e os apóstolos pertenciam fazia parte do grande império romano que estendia as asas das suas águias do Atlântico ao Índico. O jugo romano, porém, pesava de modo especial sobre a Palestina ao contrário dos outros povos. O poder político-religioso na Palestina, naquela época, era exercido pelo procurador romano, pelo sumo sacerdote e pelo senado judeu. O procurador romano era sobretudo um chefe militar, encarregado de vigiar, com 3.000 homens à sua disposição. Competia-lhe cobrar os tributos a serem enviados ao erário imperial. Administrava a justiça só nos casos em que era prevista a pena de morte, pena que o tribunal ordinário do sinédrio, ou os tribunais locais das várias regiões e cidades não podiam executar. Por esse motivo Jesus, embora tivesse sido condenado à morte pelo sinédrio, teve de comparecer diante de Pilatos para responder por delito capital. O sumo sacerdote era assistido, no governo político e religioso da nação, por uma espécie de senado judeu, o sinédrio.

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Pertenciam ao sinédrio três categorias de pessoas: - "príncipes dos sacerdotes" (chefes das famílias e das classes sacerdotais e os sumos sacerdotes depostos do cargo) - "anciãos" (membros das famílias nobres e ricas de Jerusalém). - "escribas" ou "doutores da lei" (mestres judeus peritos na Lei e na tradição). Todos esses membros pertenciam às duas seitas principais do judaísmo: a dos saduceus e a dos fariseus. (Battaglia, 1984, p. 105 a 107) 4.2. O JUDAÍSMO PALESTINENSE NO TEMPO DE CRISTO O ambiente histórico-religioso em que o Evangelho nasceu é o do judaísmo formado e alimentado pelos livros sacros do Antigo Testamento, condicionado pelos acontecimentos históricos, pelas instituições nas quais se encontrou inserido e pelas correntes religiosas que o especificaram. Embora o cristianismo seja uma religião revelada, diferente da judaica, apareceu historicamente como continuação e aperfeiçoamento da revelação dada por Deus ao povo de Israel. Jesus era um judeu, que nasceu e viveu na Palestina. Os apóstolos eram todos da sua gente e da sua religião. Por isso, nos Evangelhos encontramos descrições, alusões e referências a pessoas, instituições, idéias e práticas religiosas do ambiente judaico, frente às quais Jesus e os apóstolos tomaram posição, aceitando-as ou rejeitando-as. (Battaglia, 1984, p. 118) 4.3. DE CRISTO A KARDEC A divulgação do Evangelho, desde as suas primeiras manifestações, não foi tarefa fácil. A começar pela construção desses conhecimentos - realizada sob um clima de opressão -, pois o jugo romano, como vimos anteriormente, pesava de maneira especial sobre a Palestina. As mortes dos primeiros cristãos, nos circos romanos, ainda ecoa de maneira indelével em nossos ouvidos. Além disso, tivemos que assistir à ingerência política em muitas questões de conteúdo estritamente religioso. Fomos desfigurando o Cristianismo do Cristo para aceitarmos o Cristianismo dos vigários, como disse o Padre Alta. A fé, o principal alimento da alma, torna-se dogmática nas mãos de políticos e religiosos inescrupulosos. Para ganhar os céus, tínhamos que confessar as nossas culpas, pagar as indulgências e obedecermos aos inúmeros dogmas criados pela Igreja. É dentro desse quadro de fé dogmática que surge o Espiritismo, dando à fé uma direção racional, no sentido de iluminar a vida espiritual de toda a humanidade. 5. KARDEC E O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO O Evangelho Segundo o Espiritismo é o 3.º Livro da Codificação. O Livro dos Espíritos surgiu em 18/04/1857, seguido pelo O Livro dos Médiuns, em 1861. Somente em 1864 Kardec publicou O Evangelho Segundo o Espiritismo. Isso para não chocar a crença católica das penas eternas. Allan Kardec na Introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo diz que as matérias contidas nos Evangelhos podem ser divididas em cinco partes: os atos comuns da vida de Cristo, os milagres, as profecias, as palavras que serviram para o estabelecimento

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dos dogmas da Igreja e o ensinamento moral. Se as quatro primeiras partes foram objeto de controvérsia, a última manteve-se inatacável. Este é o terreno onde todas as crenças podem se reencontrar, porque não é motivo de disputas, mas sim regras de conduta abrangendo todas as circunstâncias da vida, pública e privada. Kardec, para evitar os inconvenientes da interpretação, reuniu nesta obra os artigos que podem constituir, propriamente falando, um código de moral universal, sem distinção de culto. Nas citações conservou tudo o que era útil ao desenvolvimento do pensamento, não eliminando senão as coisas estranhas ao assunto. Como complemento de cada preceito, ajuntou algumas instruções escolhidas entre as que foram ditadas pelos Espíritos em diversos países, e por intermédio de diferentes médiuns. Cabe lembrar que o Espiritismo não tem nacionalidade, está fora de todos os cultos particulares e não foi imposto por nenhuma classe social, uma vez que cada um pode receber instruções de seus parentes e de seus amigos de além-túmulo. Ele veio dar uma nova luz à moral do Cristo. (1984, p. 8 a 12) 6. EVANGELHO E EDUCAÇÃO No âmbito do Espiritismo, o Evangelho deixou de ser apenas a fonte de meditação e oração para a ligação do homem com um Deus antropomórfico, no insulamento, para transformar-se num instrumento de aperfeiçoamento do indivíduo, de renovação íntima constante e continuada; de adequação, adaptação à vida, no torvelinho de suas modalidades, na incessante variação de suas manifestações. Em síntese, o objetivo do Espiritismo é transformar o Evangelho de crença em conhecimento - conhecimento das leis que governam o Espírito. Com o Evangelho, a idéia de Educação se transforma. Ela continua sendo a transmissão de cultura de uma geração a outra, mas com a finalidade de estimular a criatividade, de adaptar o indivíduo à vida, de conduzi-lo à integração na sociedade, através do trabalho produtivo, das realizações conjuntas, de forma ordenada e pacífica. (Curti, 1983, p. 85 a 87) A vinda do Mestre modificou o cenário do mundo. Emmanuel em Roteiro diz-nos que antes de Cristo, a educação demorava-se em lamentável pobreza, o cativeiro era consagrado por lei, a mulher aviltada qual alimária, os pais podiam vender os filhos etc. Com Jesus, entretanto, começa uma era nova para o sentimento. Iluminados pela Divina influência, os discípulos do Mestre consagram-se ao serviço dos semelhantes; Simão Pedro e os companheiros dedicam-se aos doentes e infortunados; instituem-se casas de socorro para os necessitados e escolas de evangelização para o espírito popular etc. (Xavier, 1980, cap. 21) Emmanuel diz ainda em Emmanuel que "O Evangelho do Divino Mestre ainda encontrará, por algum tempo, a resistência das trevas. A má-fé, a ignorância, a simonia, o império da força conspirarão contra ele, mas tempo virá em que a sua ascendência será reconhecida. Nos dias de flagelo e de provações coletivas, é para a sua luz eterna que a Humanidade se voltará, tomada de esperança". (Xavier, 1981, p. 28) 7. CONCLUSÃO O Evangelho (segundo o Espiritismo) deixa de ser fonte de meditação e oração e passa a

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ser um instrumento de aperfeiçoamento do indivíduo. É um guia insubstituível para a adaptação do homem às crescentes formas de vida. Refletindo sobre os seus conteúdos morais, o homem começa a evangelizar-se, ou seja, começa a criar novos hábitos e atitudes, a tornar operante a sua fé, a exercitar mais e mais vezes a paciência. Adquire, assim, uma nova postura com relação à vida e ao seu próximo, porque aprendeu que o único evangelho vivo é aquele em que os outros o observam. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BATTAGLIA, 0. Introdução aos Evangelhos - Um Estudo Histórico-crítico. Rio de Janeiro, Vozes, 1984. CURTI, R. Espiritismo e Questão Social (Problemas da Atualidade I). São Paulo, FEESP, 1983. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984. XAVIER, F. C. Emmanuel (Dissertações Mediúnicas), pelo Espírito Emmanuel. 9 ed., Rio de Janeiro, FEB, 1981. XAVIER, F. C. Roteiro, pelo Espírito Emmanuel. 5. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1980. São Paulo, 11/06/1995

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Os Quatro Evangelhos Sérgio Biagi Gregório

"Intelligebas heri modicum, intelligis hodie amplius, intelligis cras multo amplius; lúmen ipsum Dei crescit in te". Ontem entendias um pouco, hoje entendes algo mais, amanhã entenderás muito mais. É a própria luz de Deus que cresce em ti. (Santo Agostinho) SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Cada Um dos Quatro Evangelhos: 4.1. O Evangelho segundo Mateus; 4.2. O Evangelho segundo Marcos; 4.3. O Evangelho segundo Lucas; 4.4. O Evangelho segundo João. 5. Os Evangelhos Sinóticos: 5.1. O Evangelho é um Só, o Alegre Anúncio; 5.2. Semelhança de Conteúdo; 5.3. Algumas Estatísticas; 5.4. A Contribuição do Espírito Emmanuel. 6. Convergências e Divergências dos Evangelhos: 6.1. Teoria das Duas Fontes; 6.2. Disposição das Seções; 6.3. Exemplos. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO Quem eram os evangelistas? Há lógica em seus escritos? Como foram compostos esses livros? Com estas questões, introduzimos os quatro Evangelhos – Mateus, Marcos, Lucas e João –, os primeiros livros do Novo Testamento. 2. CONCEITO Evangelho é a tradução portuguesa da palavra grega Euangelion que foi notavelmente enriquecida de significados. Para os gregos mais antigos ela indicava a "gorjeta" que era dada a quem trazia uma boa notícia. Mais tarde passou a significar uma "boa-nova", segundo a exata etimologia do termo. Os Quatro Evangelhos – Desde os primeiros anos do cristianismo preferiu-se falar de "Evangelho", no singular, também quando se referia aos livros. Isto porque os escritos dos apóstolos traziam todos o mesmo e idêntico "alegre anúncio" proclamado por Jesus e difundido oralmente. Quando se desejou, porém, indicar de maneira específica cada um dos quatro livros, encontrou-se uma fórmula particularmente eficaz e significativa: "Evangelho Segundo Lucas", "Evangelho Segundo Mateus", "Evangelho Segundo Marcos" e "Evangelho

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Segundo João". Desse momento em diante, o singular e o plural se alternam para indicar, um a identidade do anúncio, o outro a diversidade de forma e redação. Ficará, porém, sempre viva a convicção de que o Evangelho é um só: o alegre anúncio de Jesus. (Battaglia, 1984, p. 25 e 26) Cânon é a palavra que, nas línguas orientais (dos quais se deriva) e em grego, designa a regra, a medida e, por extensão, o catálogo. Em linguagem bíblica, significa os catálogos dos livros sagrados. Vulgata é o nome dado à tradução latina dos textos bíblicos devida a São Jerônimo (420), o novo texto assim apresentado aos cristãos em breve se tornou de uso comum; donde o nome de vulgata (forma) que tomou. Antes de Jerônimo já existia outra tradução latina, comumente chamada Vetus latim ou pre-jeronimiana. (Bettencourt, 1960) 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Jesus, quando esteve encarnado entre nós, há dois mil anos, traçou-nos os fundamentos morais para a nossa conduta ética. Ele não nos deixou nada escrito. Todos os seus ensinamentos foram transmitidos oralmente. Na época, e mesmo hoje, a palavra oral tinha muito mais força do que a palavra escrita. No discurso oral, usamos gestos, os efeitos sonoros da voz, a repetição persuasiva e muito mais. De certa forma, a escrita é estática, dependendo muito mais do entendimento de quem lê. Nas aulas, os mestres apelavam para a memória de seus discípulos e procuravam facilitar-lhes a tarefa redigindo suas ideias em sentenças ritmadas quase cantantes, aptas a se guardar na mente dos ouvintes. Este método de ensino é denominado de catequese, palavra grega que significa "ressonância". O mestre devia fazer ecoar amplamente as suas sentenças. Catequizado era aquele a quem haviam feito ressoar os termos da doutrina. As prédicas de Jesus foram ouvidas pelos seus seguidores, mas redigidas muito tempo depois de sua morte. Dentre os diversos evangelhos existentes, apenas quatro foram considerados canônicos, ou seja, considerados sagrados e de inspiração divina. Os outros foram classificados como apócrifos. Os quatro Evangelhos são: o Evangelho segundo Mateus, o Evangelho segundo Marcos, o Evangelho segundo Lucas e o Evangelho segundo João. 4. CADA UM DOS QUATRO EVANGELHOS 4.1. O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS Mateus, o publicano ou o cobrador de impostos, recolheu a pregação apostólica palestinense e escreveu para os judeus convertidos ao cristianismo. O Evangelho de Mateus é o primeiro dos quatro. É também o mais estudado e comentado, em vista da catequese global e eclesial que o caracteriza. Esta catequese mostra que o escândalo da morte na cruz fazia parte do plano de Deus para a salvação da humanidade. Mateus traça a vida histórica e cronológica de Jesus, enaltecendo o trabalho de pregação (kerygma) do Reino dos Céus. Dividiu-o em cinco partes: 1) fundação do Reino dos Céus; 2) o Reino dos Céus em ação (os milagres); 3) o mistério do Reino dos Céus (figura velada das parábolas); 4) Reino como comunidade visível e organizada (Pedro é a pedra angular da "Igreja"); 5) aspecto escatológico do Reino dos Céus (implantação deste na terra). (Battaglia, 1984) 4.2. O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS O Evangelho de Marcos vem em segundo lugar, embora haja dados enciclopédicos que o colocam como o primeiro Evangelho. Não teve o mesmo êxito dos outros, porque o seu material estaria mais desenvolvido em Mateus e

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Lucas. Santo Agostinho fala que o Evangelho de Marcos é o resumo do de Mateus. A sua autoridade está fundamentada na narração de Pedro, testemunha ocular dos fatos. (Battaglia, 1984) 4.3. O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS O Evangelho de Lucas é o terceiro Evangelho. Foi o que explicitou a sua intenção: escrever uma histórica de Jesus. É um Evangelho para os helenistas, pois é o único escritor que veio do paganismo. Todos os outros são de origem judaica. Sua cidade de origem é Antioquia e foi nessa cidade que surgiu o termo "cristão" para designar os seguidores de Jesus. Este Evangelho como o de Marcos, é de segundo plano, pois viveu à sombra do apóstolo dos gentios, Paulo. A sua catequese fundamenta-se em Jesus como salvador, as lições da cruz e o poder da ressurreição. (Battaglia, 1984) 4.4. O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO O Evangelho de João, cunhado como o "Evangelho Espiritual", aparece em quarto lugar. Ele queria penetrar na profundidade do verbo de Deus, o verbo que se fez carne, ou seja, o verbo encarnado em Jesus. O apelido "Evangelho Espiritual" deveu-se a Clemente de Alexandria, que disse: "João, o último de todos, vendo que o aspecto material da vida de Jesus fora ilustrado por outros Evangelhos, inspirado pelo Espírito Santo e ajudado pela oração dos seus, compôs um Evangelho Espiritual". (Battaglia, 1984) 5. OS EVANGELHOS SINÓTICOS 5.1. O EVANGELHO É UM SÓ, O ALEGRE ANÚNCIO Em realidade, o Evangelho é um só, o alegre anúncio. Como esse alegre anúncio foi feito por diversas pessoas, para cada uma dessas pessoas torna-se um Evangelho, que reunidos formam os Evangelhos. Entre eles, há alguns que se assemelham (Mateus, Marcos e Lucas) e, por isso, são chamados de sinóticos (do grego sýn, "junto" e opsis, "visão"). O Evangelho de João não segue o padrão desses três. Isto permite que as concordâncias dos três evangelistas sejam impressas em forma de synopsis (sinopse). 5.2. SEMELHANÇA DE CONTEÚDO À diferença de João, os três sinóticos dispõem o currículo da vida pública de Jesus segundo uma esquema muito simples, assim concebido: após o seu batismo, o jejum de quarenta dias e as tentações no deserto, Cristo prega na Galiléia, tendo como centro missionário a cidade de Cafarnaum; decorrido quase um ano de ministério, o Senhor desce à Judéia, passando em Jerusalém a sua última semana, no qual padeceu, morreu e ressuscitou (O Divino Mestre teria pregado durante um ano apenas, conforme os sinóticos) 5.3. ALGUMAS ESTATÍSTICAS O Evangelho de Mateus consta de 1.070 versículos aproximadamente, dos quais 330 lhe são próprios, 170 comuns com Marcos apenas, 230 comuns com Lucas somente e 340 comuns com Marcos e Lucas. Marcos escreveu 667 versículos, dos quais 68 lhe são próprios. Lucas, perto de 1.151 versículos, dos quais 541 são característicos de seu livro. Conclui-se: a) Mateus tem como propriedade sua cerca de uma terça parte do respectivo Evangelho; Marcos cerca de um décimo, Lucas aproximadamente metade. b) dividindo-se o conteúdo dos três sinóticos em seções, verifica-se que Mateus tem de próprio 42% desse material; Marcos, 7% e Lucas, 59%. (Bettencourt, 1960) 5.4. A CONTRIBUIÇÃO DO ESPÍRITO EMMANUEL

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"As peças nas narrações evangélicas identificam-se naturalmente, entre si, como partes indispensáveis de um todo, mas somos compelidos a observar que, se Mateus, Marcos e Lucas receberam a tarefa de apresentar, nos textos sagrados, o Pastor de Israel na sua feição sublime, a João coube a tarefa de revelar o Cristo Divino, na sua sagrada missão universalista". (Xavier, 1977, pergunta 284) 6. CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS DOS EVANGELHOS 6.1. TEORIA DAS DUAS FONTES Houve uma tradição oral, sendo a sua transcrição redigido de acordo com o modo de cada evangelista. Estes parecem ultrapassar as possibilidades da memória. Impõe-se admitir a tradição escrita, que melhor explique a mencionada afinidade. Cada um dos evangelistas deve ter haurido dessa documentação escrita o respectivo material. Por isso a interdependência direta dos sinóticos. A teoria das duas fontes é devida à: 1) um compêndio dos feitos de Jesus, que seria a forma primitiva do Evangelho de Marcos; 2) uma coletânea de frases e sermões de Cristo atribuída a Mateus. (Bettencourt, 1960) 6.2. DISPOSIÇÃO DAS SEÇÕES Existem pequenos blocos literários já forjados anteriormente à redação dos Evangelhos e inseridos como tais sem desmembramento, nas narrativas dos três sinóticos. Verifica-se que os mesmos fatos são, por vezes, narrados com as mesmas palavras nos três sinóticos. 6.3. EXEMPLOS a) Na oração do "Pai Nosso", há 7 petições em Mateus; em Lucas, 5. "Pai nosso que estais no céu, "Pai, Santificado seja o vosso nome, Venha a nos o vosso reino

Santificado seja o vosso nome, Venha a nos o vosso reino

Seja feita a vossa vontade Assim na terra como no céu O pão que nos é necessário, nos daí hoje

O pão nosso de cada dia nos daí hoje

Perdoai-nos as nossas dívidas assim como Nós perdoamos os nosso devedores

Perdoai-nos os nossos pecados, pois nós Mesmos perdoamos a quem nos deve

E não nos deixeis cair em tentação

E não nos deixeis cair em tentação".

Mas livrai-nos do mal (ou do Maligno)" b) Mateus fala em 8 bem-aventuranças; Lucas em quatro. (Bettencourt, 1960) 7. CONCLUSÃO Procuramos fazer uma síntese dos quatro Evangelhos. Resta-nos, por fim dizer, que um estudo mais aprofundado de cada um deles propiciar-nos-á um melhor conhecimento do ministério de Cristo. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BATTAGLIA, Oscar. Introdução aos Evangelhos: um estudo histórico-crítico. Tradução de Carlos A. de Costa Silva. Rio de Janeiro: Vozes, 1984. BETTENCOURT, E. Dom. Para Entender os Evangelhos. Rio de Janeiro: Agir, 1960. XAVIER, F. C. O Consolador, pelo Espírito Emmanuel. 7. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977. São Paulo, maio de 2009

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(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) BATTAGLIA, 0. Introdução aos Evangelhos — Um Estudo Histórico-crítico. Rio de Janeiro: Vozes, 1984, p. 19 e 20. (3) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2011. (4) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Evolução Evolução. Etimologicamente, o termo evolução, significa desenvolvimento, volver para fora o que já está contido em algo. Nesse sentido, evolução seria o desenvolvimento pela atualização das possibilidades, das potências já inclusas virtualmente em algo. Assim, o germe evolui até alcançar o indivíduo acabado. (1) A essência do significado do termo evolução é a de desenvolver, desenrolar, ou desdobrar, designando assim movimento de natureza metódica que gera novas espécies de mudanças. Mais especificamente designa o processo de mudança através do qual algo novo é produzido de tal modo contínuo, que a identidade ou individualidade do objeto original não seja violada. (2) Segundo o Espiritismo, evolução é impositivo da Lei de Deus, incessante, inquestionável. Nessa Lei não existe o repouso, o letargo de forças, a inércia. Por toda parte e sempre o impositivo da evolução, o imperativo do progresso. (3) Evolução (évolution). A transformação, frequentemente lenta e, em todo caso, progressiva, de um ser ou de um sistema: opõe-se à permanência (ausência de mudança) e à revolução (uma mudança brusca e global). O vocábulo deve muito de seu sucesso, a partir do século XIX, às diferentes teorias da evolução (especialmente a de Darwin, ainda que este último utilize o termo com reticência), que visavam explicar a origem e o desenvolvimento das espécies vivas. Esse exemplo privilegiado mostra que uma evolução pode se dar de maneira descontínua e casual (as mutações); ela supõe, no entanto, a continuidade, ainda que relativa e reconstruída posteriormente, de um processo. "Ninguém chamará de etapas evolutivas as transformações observadas num caleidoscópio", observa o Lalande. Não é, porém, que cada um desses movimentos seja irracional ou sem causa; mas é que a série deles parece sem lógica, sem continuidade, sem orientação. Equivale a dizer que as mutações, por si sós, não bastariam para falar de evolução das espécies: são necessárias, além disso, a seleção natural e a aparente finalidade que ela acarreta. Daí que a evolução, que avança rumo a etapas cada vez mais complexas ou diferenciadas, se opõe à involução, que regride para o mais simples, o

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mais homogêneo ou o mais pobre. O crescimento, para o indivíduo, é uma evolução; o envelhecimento, uma involução. (4) Evolução. Designa a ação e o efeito de desenrolar-se, desdobrar-se, desenvolver-se algo. A ideia ou imagem que "evolução" suscita é a do desenrolar, do desenvolvimento de algo que estava enrolado, dobrado ou envolvido. Uma vez desenvolvido ou desenrolado, uma realidade pode reenvolver-se, redobrar-se. Além da citada ideia ou imagem de desenvolvimento do envolvido, encontramos em "evolução" a ideia de um processo ao mesmo tempo gradual e ordenado, diferentemente da revolução, que é um processo de desenrolar súbito e possivelmente violento. O processo em questão pode, em princípio, afetar qualquer realidade. Não são as ideias ou os conceitos que propriamente evoluem: antes evoluem as atitudes e as opiniões sobre tais ideias e conceitos. Uma ideia ou um conceito podem conter certos elementos que se manifestam apenas sucessivamente. Porém é mais adequado dizer que a ideia ou o conceito vão explicitando o que neles se encontrava implícito, e que nessa explicitação o importante não é o processo temporal, mas a passagem do menos específico para o mais específico, dos princípios para as consequências... Para alguns misticos do final da Idade Média e do Renascimento, por exemplo, a palavra explicatio designa a manifestação ou automanifestação de uma realidade: a explicatio Dei (Nicolau de Cusa) é equivalente à teofonia. Por outro lado, alguns autores tomaram o conceito de evolução em um sentido metafísico, como desenvolvimento de uma realidade ou, melhor, da Realidade. Um exemplo dessa tendência é a filosofia de Hegel, para o qual o real é des-envolvimento. (5) Evolução. A evolução é a série de modificações graduais e contínuas suscetíveis de reger o mundo físico (e cosmológico), o dos vivos ou, ainda a sociedade. O princípio da evolução que se baseia - de acordo com as concepções -, quer no acaso, quer numa lei que imprime uma certa direção, não implica necessariamente o julgamento de valor positivo que se encontra na maioria das vezes na noção de progresso. Em virtude de uma "progressão ininterrupta" (d'Holbach), o evolucionismo, ou lei da evolução, que organiza o conjunto dos seres (matéria, espírito, sociedade) é sustentado sobretudo por Spencer no século XIX. Deve, segundo esse autor, inspirar as condutas dos sábios em todas as ciências. Recusando o evolucionismo mecanicista de Spencer, Bérgson o substitui pela tese da evolução criadora e do impulso vital. A doutrina da evolução no plano estritamente biológico procede do transformismo. (6)

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Evolução e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Evolução Biológica: 4.1. Fixismo; 4.2. Transformismo; 4.3. Darwin e a Teoria da Evolução. 5. A Metafísica e a Evolução: 5.1. O Evolucionismo; 5.2. A Evolução Segundo Spencer e Bérgson; 5.3. A Vitória dos Mais Aptos. 6. Espiritismo: 6.1. O Senso Moral; 6.2. Livre-Arbítrio; 6.3. O Progresso. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que se entende por evolução? Evolução e progresso são a mesma coisa? Há alguma diferença entre evolução e evolucionismo? Como ver a evolução sob a ótica do Espiritismo? 2. CONCEITO Etimologicamente, o termo evolução significa desenvolvimento, volver para fora o que já está contido em algo. Nesse sentido, evolução seria o desenvolvimento, pela atualização das possibilidades, das potências já inclusas virtualmente em algo. Deste modo, a evolução seria o processo das atualizações das potências dos seres, e nesse sentido lato, todos estão de pleno acordo. (Santos, 1965) 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

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A teoria da evolução pode ser vista sob dois pontos de vista: a) biológica: b) metafísica. Do ponto de vista biológico, é a transformação das espécies vivas umas nas outras, hipótese básica das ciências biológicas dos últimos tempos. Do ponto de vista metafísico, é o progresso do universo, hipótese de muitas filosofias e doutrinas religiosas. Em termos da sociologia e da antropologia, a evolução está associada ao comportamento dos seres humanos e às mudanças estruturais da sociedade como um todo. Há, também, uma diferença fundamental entre evolução e revolução. A evolução é uma acumulação lenta, gradual, de mudanças quantitativas; a revolução é uma mudança brusca, radical, qualitativa. (Temática Barsa) 4. EVOLUÇÃO BIOLÓGICA 4.1. FIXISMO Baseado na física aristotélica, esta teoria admite que as espécies não sofrem mudanças, ou seja, surgiram sobre a Terra, cada qual já adaptada ao ambiente onde foi criada, pelo que, uma vez que não havia necessidade de mudanças, as espécies permaneciam imutáveis desde o momento em que surgiram. O fixismo pressupõe: a) criacionismo – todos os seres vivos eram obras divinas e, por isso, perfeitos; não precisavam de sofrer alterações; b) geração espontânea – a vida surgia quando havia condições favoráveis para isso; c) catastrofismo – se as catástrofes naturais destruíssem determinados seres vivos, outras espécies existentes iriam povoar esses locais desabitados. 4.2. TRANSFORMISMO Embora o fixismo fosse uma teoria de fácil aceitação, ela não prevaleceu ao longo do tempo. Em seu lugar, surgiu a hipótese do transformismo, ou seja, a ideia de que as espécies não permaneciam imutáveis, mas sofriam modificações, isto é, evoluíam. Esta teoria só foi possível com o desenvolvimento do método teórico-experimental, em que se criava uma sistemática, para o estudo e nomenclatura das espécies atuais. Também valioso foi o estudo dos fósseis, registros das espécies que existiram em tempos antigos. O ápice do evolucionismo deu-se no século XIX, principalmente depois da vinda da nova ciência, aquela que se baseava na observação e coleta de dados, fazendo inferências e tirando as devidas conclusões dos dados analisados. 4.3. DARWIN E A TEORIA DA EVOLUÇÃO Charles Darwin (1809-1882), a bordo do Beagle, conseguiu documentar grande quantidade de observações, que estão expostas em Sobre a Origem das Espécies (1859). A teoria de Darwin mostra-nos que as espécies evoluíram. A transformação, porém, foi gradual, lenta e contínua. Por intermédio de uma seleção natural, os indivíduos sofrem modificações espontâneas, mas sobrevivem apenas as mais aptas. Além disso, são esses indivíduos que podem se reproduzir e transmitir esses caracteres a seus descendentes. Nesse processo, que é literalmente uma "luta pela vida", visto que existem mais seres vivos do que recursos, os organismos vivos menos adaptados desaparecem. A teoria da evolução ganhou um novo impulso com a teoria da herança biológica formulada por Gregor Mendel (1822-1884), depois de suas experiências com ervilhas. (Temática Barsa) 5. A METAFÍSICA E A EVOLUÇÃO 5.1. O EVOLUCIONISMO

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É uma doutrina metafísica que se refere à realidade como um todo e que embora se sirva das hipóteses e dos resultados da teoria biológica da evolução, sua tese vai muito além de tudo o que qualquer possível teoria científica possa legitimamente atestar. Nesse sentido, o evolucionismo foi assumido como esquema fundamental de muitas metafísicas, tanto materialistas quanto espiritualistas. A característica fundamental que essas metafísicas distinguem na evolução é o progresso. Para elas, evolução significa essencialmente progresso. 5.2. A EVOLUÇÃO SEGUNDO SPENCER E BÉRGSON Spencer definia evolução como a passagem do homogêneo indiferenciado para o heterogêneo diferenciado. É toda a trajetória da ameba aos organismos superiores. Segundo Spencer, o sentido geral da evolução é otimista. No caso do homem, só terminará com "a máxima perfeição e a mais completa felicidade". Enquanto a evolução biológica desvinculou a ideia de evolução da de progresso, a evolução materialista e espiritualista têm no progresso a sua característica otimista fundamental. Bérgson, por seu lado, viu na evolução o produto de um elã vital, que é a consciência, liberdade e criação. (Abbagnano, 1970) 5.3. A VITÓRIA DOS MAIS APTOS A teoria da evolução das espécies de Darwin passou a ser empregada nas relações sociais com o termo "luta pela vida" e "vitória dos mais aptos". Esta posição filosófica estimulou a competição desenfreada entre os seres humanos, no sentido de que cada um deve vencer o seu próximo. Hobbes, por exemplo, fala-nos de que o "homem é lobo do homem", em que uma pessoa tem que estar sempre à frente da outra. Observe a ênfase que Maquiavel dá, em O Príncipe, aos "fins justificarem os meios". Esse tipo de visão da evolução levou o ser humano a uma posição dramática: queremos ser mais do que o outro e não nós mesmos. 6. ESPIRITISMO 6.1. O SENSO MORAL Allan Kardec, em A Gênese, André Luiz, em Evolução em Dois Mundos e Emmanuel, em A Caminho da Luz, falam-nos do aparecimento do protoplasma e de toda a cadeia evolutiva descrita pela ciência biológica. O Espiritismo corrobora com a Ciência; a única diferença é que faz intervir a ação dos Espíritos. No processo de evolução do Espírito, o ponto alto é o aparecimento do senso moral. Enquanto o princípio inteligente estagia no reino animal, o senso moral é quase nulo. Somente quando adquire a razão, o pensamento contínuo e o livrearbítrio, na fase humana, é que começa a responder pelos seus atos. Daí, a responsabilidade de cada um pelo seu próprio progresso. 6.2. LIVRE-ARBÍTRIO O Espiritismo mostra-nos que, no inicio da sua caminhada evolutiva, o Espírito não possui o livre-arbítrio, cuja escolha é deixada a cargo dos mensageiros do espaço. Somente quando desenvolveu o senso moral, que é responder pelos seus próprios atos, foi lhe dado a capacidade de escolher e seguir o seu caminho. O ser humano não é fatalmente conduzido ao mal; os atos que pratica não estavam escritos, determinados por uma fatalidade. "Ele pode, como prova ou expiação, escolher uma existência em que se sentirá arrastado para o crime, seja pelo meio em que estiver situado, seja pelas circunstâncias

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supervenientes. Mas será sempre livre de agir como quiser. Assim, o livrearbítrio existe no estado de Espírito, com a escolha da existência e das provas; e no estado corpóreo, com a faculdade de ceder ou resistir aos arrastamentos a que voluntariamente estamos submetidos". (Kardec, 1995, questão 872) 6.3. O PROGRESSO Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, mostra-nos que o progresso intelectual nem sempre anda junto com o progresso moral. No longo prazo, porém, deverão equilibrar-se para que haja maior coerência das ações praticadas pelo ser humano. Nesse sentido, o Espírito Emmanuel adverte-nos que a sabedoria e amor são as duas asas que nos conduzirão ao progresso. Paralelamente, o Espírito André Luiz diz-nos que o ciclo de reencarnações somente terminará quando tivermos sedimentado as nossas ações nas máximas do Evangelho de Jesus. 7. CONCLUSÃO O progresso é inexorável e a lei de causa e efeito é providencial. Assim, tenhamos consciência dos nossos atos diários. Adiando para amanhã a prática do bem, podemos retardar a nossa evolução material e espiritual. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: Feesp, 1995. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. TEMÁTICA BARSA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005. São Paulo, dezembro de 2009 << = = = (1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) Dicionário de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, FGV, 1986. (3) EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. (4) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011. (5) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004. (6) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Existencialismo Existência. O fato de a coisa estar aí, sem necessidade, de modo contingente.

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Existencialismo. Conjunto de doutrinas que se opõem ao racionalismo e ao idealismo e que admitem que o objeto próprio da filosofia é a realidade existencial, isto é, existência concreta e vivida, e que o único meio que possuímos para entrar em contato com ela consiste no sentimento ou emoção. Doutrina que acentua o aspecto existencial do ser, que se baseia nas raízes da existência humana. Iniciado pelo filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), nela se distinguem sobretudo Martin Heidegger, Karl Jaspers e Jean-Paul Sartre. Contrapondose ao aspecto essencial próprio da filosofia tradicionalista, o existencialismo nega qualquer essência abstrata e universal no homem: este é pura existência e, por isso, construtor do seu próprio destino, arquiteto de sua própria vida. (1) Existencialismo. Existência do indivíduo como agente livre e responsável que determina o próprio desenvolvimento por meio de atos da vontade. (2)

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Existencialismo Espírita Existencialismo - Aplica-se esse nome às idéias filosóficas de Heidegger, Kierkegaard, Sartre e outros. Caracteriza-se pela negação do abstracionismo racional de Hegel. Para Kierkegaard, por exemplo, um sistema lógico de idéias não alcança a existência, o individual. Faz abstração deste, tem por objetivo as essências, os possíveis, e não o existente, o indivíduo, que não se explica, não se deduz, nem se demonstra. As concepções de existência e de essência auxiliam-nos a compreender o tema. A existência vem de ex-sistência (estar aí, ex, fora das causas), o que se acha na coisa, in re. Existência é o fato de ser da essência. Difere da essência, pois, a existência consiste no fato de ser da essência. A essência, por outro lado, é o “fundo” do ser, metafisicamente considerado.

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A base do existencialismo está na discussão do possível. Para Sartre: “A existência precede a essência”. É a tese da impossibilidade do possível. Ele retoma a fórmula de Lequier: “Fazer e, ao faze, fazer-se”. É a expressão metafísica da crença na liberdade absoluta segundo a qual o ser vivo e pensante faz a si mesmo tanto quanto lho permitem certas determinações já tomadas. Além do exposto, Abbagnano acrescenta o grupo da necessidade do possível e o grupo da possibilidade do possível. O existencialismo espírita aproxima-se da possibilidade do possível. De acordo com os princípios codificados por Allan Kardec, a essência (possível) é o princípio inteligente (Espírito na fase humana), que se atualiza em cada existência. O elo de ligação é a reencarnação, em que se processa a união da essência ao corpo físico, através do perispírito. O ir-e-vir dá consistência à essência, deixando-a cada vez mais purificada. A mediunidade apresenta-se, também, como ponto de ligação entre a essência e a existência. Por intermédio dela, as essências, fora da existência, podem se comunicar com as essências, na existência. Prova-se, assim, que a essência não só precede a existência, como continua depois de ter estagiado na existência. Nesse sentido, o verdadeiro mundo é o mundo das essências, ou seja, o mundo espiritual. O existencialismo espírita é como um projétil do ser, que passa por esta existência, rumo à perfeição da essência. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) PIRES, J. H. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo, dezembro de 1996 = = =>>

Genealogia do Existencialismo Essência e existência foram, e ainda são, motivos de reflexão dos filósofos. Para Platão, a essência corresponde à "idéia", e para Aristóteles à "forma". A essência corresponde ao universal e a existência ao particular. O ser é o que é na medida em que tem uma essência, ou forma, conjunto de atributos ou de propriedades que o caracterizam e distinguem dos demais seres. Assim, por exemplo, a essência do homem é a humanidade, do animal a animalidade.

O existencialismo é uma antropologia, ou seja, uma reflexão sobre o ser humano enquanto existente. Embora todos os filósofos sejam existencialistas, o termo tomou vulto no sentido de que é a existência que precede a essência, a partir das análises de Sören Kiekegaard, considerado o pai da filosofia existencial. Para que possamos visualizar o existencialismo no tempo e no espaço, convém elaborarmos um pequeno histórico. Sócrates (470-399) pode ser considerado o mais remoto ancestral do existencialismo. A sua tese vivencial do conhece-te a ti mesmo é um exemplo vivo da união entre a teoria e a prática. Santo Agostinho (354430), o último filósofo antigo e o primeiro moderno, assinala em sua obra o advento da interioridade do espírito. Blaise Pascal (1623-1662) inscrevese nesse histórico, empenhando-se em mostrar a "miséria do homem sem Deus". Analisa, através de aforismos e com extraordinária penetração, a

253 duplicidade e as contradições da "natureza humana", que é "nada em relação ao infinito, tudo em relação ao nada, uma ponte entre o tudo e nada". Sören Kiekegaard (1813-1855) inicia, como vimos, o moderno existencialismo ao afirmar que a fórmula cartesiana deve ser invertida: não existo porque penso mas penso porque existo. Karl Jaspers (1833-1969) insere-se nessa genealogia dizendo que o homem só toma consciência de si próprio nas situações limites, tais como a morte, o sofrimento, a luta, a culpa etc. Martin Heidegger (1899) contribui com sua observação de que a essência consiste em existir, e que o Dasein (ser-aí) é sua possibilidade de realização. Jean-Paul Sartre (1905-1981) entende por existencialismo uma doutrina que torna a vida possível e sustenta que a verdade e a ação implicam uma situação e uma objetividade humana. Gabriel Marcel (18891973) desenvolve a afirmação central de que a existência é inesgotável e, a rigor, inefável ou inexplicável. Embora o existencialismo moderno tenha sido marcado pelo desespero, pela angústia e pela falta de perspectiva com relação à vida futura, assim mesmo deu sua contribuição à libertação do homem. Representando um requisitório em favor do indivíduo e de sua autonomia, constituiu-se numa ação positiva à defesa do homem contra as forças impessoais e anônimas que ameaçam absorvê-lo e desfigurá-lo. Paulo, nas suas epístolas, já nos dizia que deveríamos ler de tudo e assimilarmos somente o que fosse útil. Fiquemos, pois, com esses aspectos libertários que o existencialismo sugere. Fonte de Consulta CORBISIER, R. Enciclópédia Filosófica. 2. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1987.

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O Existencialismo Sartreano O francês Jean Paul Sartre (1905-1980) foi um dos filósofos mais populares do século XX. Torna-se célebre depois de 1944, data em que passa a se consagrar por inteiro à sua obra. Líder do existencialismo na França. Recebeu influência da fenomenologia. Tinha afinidade pelas idéias marxistas e pelo ativismo político. Romancista, dramaturgo, crítico literário e filósofo. Em 1964, conquista o prêmio Nobel, mas recusa-o. As suas obras principais são: A Imaginação (1936); A Transcendência do Ego (1938); Esboço de uma Teoria das Emoções (1939); O Imaginário (1940); O Ser e o Nada (1943); O Existencialismo é um Humanismo (1945); Reflexões sobre Questão Judaica (1946); Crítica da Razão Dialética (1960); vários volumes das Situações, entre os quais O Que É Literatura?

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Além do “inferno são os outros” e da “náusea”, o fio condutor da sua filosofia é que o homem está condenado à liberdade. Esta afirmação tornase um paradoxo, ou seja, se o indivíduo está condenado a ter liberdade, ele está preso a ela. Para Sartre, a liberdade está na decisão, na escolha. Todos têm que tomar decisões ao longo do seu dia e da sua vida. E mesmo que não tomem decisão alguma, isso também é decisão. Alguém nos faz uma proposta: se a aceitarmos, tomamos uma decisão; se não a aceitarmos, também. O tema subjetividade ou sujeito concreto está presente em sua filosofia. Para Sartre, o sujeito concreto é o sujeito do dia-a-dia, aquele que está no trabalho, no bar, no lar, na escola. Separa, assim, o sujeito abstrato do sujeito concreto, ou seja, o sujeito conceito do sujeito real, palpável. Desta forma, quando dizemos: "isto é uma árvore", não estamos nos referindo ao conceito árvore, mas a uma árvore específica, aquela que se apresenta diante dos nossos olhos. Deduz-se que o sujeito sartreano está sempre envolto numa experiência. O sujeito concreto é o ser-no-mundo. O mundo concreto não é o "universo", o "planeta", "o cosmos". O ser-no-mundo é a consciência do sujeito projetando-se para diante de si no mundo, para os seus afazeres. É o sujeito que tem um corpo e busca os fins últimos de sua existência. É o sujeito ativo. Não é o sujeito conceito, o sujeito forma, o sujeito abstrato. Pode-se dizer que é o sujeito efetivo. Tudo isso só pode ser realizado dentro de uma experiência, própria de cada sujeito. A existência precede a essência é uma frase muito comentada em sua filosofia. Com essa afirmação, quer nos fazer crer que o sujeito não é um modelo criado por Deus ou por qualquer outra entidade. Esse sujeito nasce como se fosse uma folha em branco, uma tabula rasa. Conforme vai vivendo, vai experimentando, vai também preenchendo essa tábua, ou seja, vai construindo a sua essência. Tese eminentemente materialista, em que pressupõe nada existir antes e nada existir depois que o corpo se for para a tumba. Para Sartre, o homem só vive o momento presente: ele não tem nem passado e nem futuro. O que o sujeito efetivamente percebe? Lembremo-nos de que o sujeito, para Sartre, é aquele que experimenta o aqui e agora. Em outros termos, ele vive de acordo com a sua percepção, a sua subjetividade. A percepção tem, para Sartre, um sentido mais largo do que o simples ato de observar uma cena. Um exemplo: há uma mesa à nossa frente. Nossa visão capta apenas parte dela. Isso não atrapalha a teoria de Sartre, pois, segundo ele, o indivíduo tem capacidade de ultrapassar os aspectos presentemente dados. O sujeito capta não só a forma, mas o fundo também. O existencialismo sartreano chama-nos à atenção para a liberdade do sujeito concreto. A escolha é um imperativo desse sujeito, pois mesmo não

255 escolhendo ele já fez a sua escolha, ou seja, a de não escolher. Fonte de Consulta MOUTINHO, Luiz Damon. Sarte: A Liberdade sem Descupas. In. FIGUEIREDO, Vinicius de. Seis Filósofos em Sala de Aula. São Paulo: Berlendis e Vertecchia, 2006

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A Filosofia Espírita e o Existencialismo Moderno Filosofia é a ciência geral dos princípios e das causas. A Filosofia Espírita é a Filosofia vista sob o ponto de vista dos princípios codificados por Allan Kardec. Em metafísica, é qualificável de existencial tudo o que, por oposição ao essencial ou ao conceitual, concerne à afirmação de uma existência. O existencialismo é qualquer doutrina que admite, por oposição aos filósofos do conceito cujo modelo é o sistema hegeliano, a existência como centro de sua reflexão.

O existencialismo moderno surgiu como decorrência das duas grandes guerras mundiais: a Primeira Guerra (1914-1918); a Segunda Guerra (19391945). Na guerra, um ser humano destrói o outro sem o menor constrangimento. Daí, a percepção do sentido do absurdo juntamente com a do sentimento trágico da vida: desespero, náusea, nada.

Dentre os existencialistas, talvez Sartre seja o mais conhecido. A sua filosofia é a filosofia da consciência. Procura demonstrar que o Ego não está na consciência mas no exterior, no mundo, onde encontra o seu lugar de existência. No mundo, o ego aparece em “perigo”. Para ele, o cogito surge ofuscado pela inquietude da “facticidade”, e pensa: mesmo “estilhaçado”, o cogito se abre à liberdade, pois existir é superar a existência em direção à impossível essência, mas esse movimento é também transcendência.

Para o existencialismo, conforme o ser humano vai vivendo, ele vai formando a sua existência. Assemelha-se à tabula rasa de Locke. A essência é como uma folha em branco, que vai sendo preenchida pelas nossas experiências. No Espiritismo, não é assim que acontece, pois o Espírito, o princípio inteligente do universo (essência), toma um corpo (existência), mas é anterior ao corpo, porque já teve outras vivências passadas.

Segundo o existencialismo, se as pessoas agirem de conformidade com as atitudes inautênticas, ou seja, de modo mecânico e superficial, elas não sentirão nem medo, nem angústia. Quando, porém, optam pelo comportamento autêntico, em que a verdade se desvela, sentirão a angústia,

256 que é a impossibilidade do possível. O Espiritismo não despreza o medo e a angústia, sintomas de nossa ignorância com respeito à lei de Deus. Mas, uma vez compenetrados dos ditames dessa lei, passamos a vê-los como um estado de transição para a perfeição de nosso Espírito imortal.

A sociedade individualista e consumista leva-nos irremediavelmente ao niilismo. Vendem-nos a ideia de que temos que ser ricos, poderosos, famosos. Com isso, todos os nossos recursos pessoais são deslocados para esse fim. A livre busca do saber e os sentimentos profundos da alma são considerados maus e reprimidos. Voltemos os nossos olhos para o saber dos antigos, principalmente o dos gregos.

O desespero, a falta de fé, a dor e sofrimento na atualidade são consequência da falta de valores morais sólidos, os quais têm sido medrados em nosso meio, principalmente no âmbito político. Quando relaxamos os valores morais, outros entram em seu lugar. Necessitamos urgentemente de uma mudança comportamental, para que possamos nos ater ao que é realmente vital para o nosso progresso espiritual.

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(1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Experiência Experiência. Distinguimos na palavra "experiência", um sentido geral (experience, em inglês) e um sentido técnico, próximo de experimentação (experiment, em inglês). 1. Em seu sentido geral, a experiência é um conhecimento espontâneo ou vivido, adquirido pelo indivíduo ao longo da vida. Ela aparece em relação à vida corrente (dizemos: "homem de experiência") ou em relação com a teoria do conhecimento. Para o empirismo, todo o conhecimento deriva da experiência. Para o racionalismo, ao contrário, a experiência nada nos ensina, pois é aquilo que precisa ser explicado, não havendo experiência que não esteja impregnada de teoria.

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2. Em seu sentido técnico, experiência é a ação de observar ou de experimentar com a finalidade de formar ou de controlar uma hipótese. Assim, a experiência (no sentido de experiment) é o fato de provocar, partindo de condições bem determinadas, uma observação tal que o seu resultado seja apto a fazer conhecer a natureza do fenômeno estudado. 3. Conceitos: "A experiência é um princípio que me instrui sobre as diversas conjunções dos objetos no passado" (Hume). "Nenhum conhecimento a priori nos é possível senão o de objetos de uma experiência possível"; "A experiência é um conhecimento empírico, isto é, um conhecimento que determina objetos por percepções" (Kant) (1)

Experiência Religiosa. Qualquer experiência que tenha como conteúdo a presença de algo divino ou transcendente. Os crentes religiosos podem relatar experiências como estar na presença de Deus ou de Cristo, ou em que conseguem compreender a ordem divina, imutável e eterna do universo. Muitas epistemologias têm sido hostis a essas pretensões, argumentando que tais conteúdos têm de ser inferidos a partir de uma experiência, em vez de serem admitidos a partir dela, e que as experiências desse gênero estão pura e simplesmente sendo interpretadas de acordo com os desejos do próprio sujeito; os relatos de experiências religiosas, não tendo qualquer valor cognitivo independente, deveriam antes ser um assunto de análise psicológica ou sociológica. Na filosofia contemporânea existe uma espécie de interesse renovado pela experiência religiosa. Alguns filósofos sustentam que toda experiência é subordinada a teorias, caso em que um relato de uma experiência com um conteúdo religioso pode, apesar de sua natureza sobrenatural, ser tão justificado quanto um relato de qualquer outro tipo. Os filósofos contrários a essa defesa chamam atenção para o fato de que as teorias que surgem com as experiências religiosas parecem não ser passíveis de teste e possuir apenas uma importância emocional duvidosa. (3)

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(1) JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Explicação Explicação. Do latim explicatio. 1. Segundo a tradição empirista, a explicação consiste no conhecimento das leis de coexistência ou de sucessão dos fenômenos, de seu "como": se uma descrição diz o que é um objeto, uma explicação mostra como ele é assim. Um fato particular é explicado quando fornecemos a lei da qual sua produção constitui um caso. 2. Para os racionalistas (v. racionalismo), ao contrário, a explicação consiste na determinação das causas dos fenômenos, de seu "por quê", ou seja, em descobrir o consequente pré-formado em seus antecedentes, em deduzir os fatos à sua causa, a única causalidade causalidade inteligível sendo a adequação da causa ao efeito. 3. O trabalho da explicação, tipicamente uma atividade da ciência, reduz a explicação à descoberta das leis capazes de dar conta dos fenômenos. (1) Explicação (explication). O fato de explicar, isto é, de dar a causa, o sentido ou a razão. O princípio de razão e o princípio de causalidade acarretam que todo fato, qualquer que seja, tem uma explicação: o inexplicável não existe. Note-se que essa explicação não tem, em si, nenhuma pretensão normativa, portanto não poderia valer como aprovação ou como justificação. O fato de ser possível explicar uma doença não a torna menos patológica ou menos grave. O fato de ser possível explicar o nazismo não o torna menos ignóbil, nem menos prenhe de consequências. Li várias vezes que a Shoah era, por natureza, inexplicável, que se devia declará-la assim, que só seria possível tentar explicá-la, sem nenhum proveito aliás, com a condição de negar primeiramente sua irredutível e atroz singularidade. É dar razão ao irracionalismo nazista e à noite contra as Luzes. Por que o nazismo seria inexplicável? E há algo mais explicável do que o racismo se tornar assassino, quando atinge esse grau de fanatismo e de ódio? Racismo de massa: crime de massa. É melhor tentar compreendê-lo, para combatê-lo. Mas quando se compreende, dirão, já não se pode julgar! É um equívoco. Não é a cancerologia que nos diz que o câncer é um mal; mas ele nos ajuda a combatê-lo. A explicação nunca faz as vezes de juízo de valor; nem juízo de valor de explicação. (2)

Explicar é desdobrar. Plica em latim significa dobra. Ex-plicare significa desdobrar, ou seja, abrir as dobras. Toda explicação nada mais é do que o desdobramento de

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alguma coisa; é o encadeamento das ideias no discurso falado ou escrito. A árvore veio da semente; muitos animais vieram do ovo. Disto resulta que na semente ou no ovo está contido todo o desenvolver daquela espécie de árvore ou de animal. Dar uma explicação das coisas é reconstituir todo esse processo de desdobramento. Nesse mister, uma explicação mais profunda, denominada filosófica, exige uma explicação desde o começo: explicatio ab ovo (explicação desde o primeiro ovo). (3) Mais precisamente, explica-se um objeto de conhecimento mostrando que pode ser deduzido de verdades já admitidas ou de princípios evidentes. Se ativermo-nos a essa conduta dedutiva, chegaremos mais ou menos a longo prazo ao “inexplicado”, na medida em que a regressão no pensamento depara com princípios primeiros admitidos sem demonstração. Um exemplo dessa dificuldade é fornecido pelas provas clássicas de Deus: “explica-se” o mundo pela criação divina, mas a última é inexplicável, de certa forma por definição, e tem de ser admitida como “mistério”. Segundo alguns autores (Dilthey, Weber, Jaspers), a explicação seria o método próprio às ciências da natureza, por oposição à compreensão, que caracteriza as ciências humanas.(4) Dado que grande parte de nossa vida, tanto na atividade intelectual como fora dela, está relacionada à procura de explicações, seria desejável possuir um conceito do que deve ser entendido como uma boa explicação e do que distingue esta de uma má explicação. Sob a influência de perspectivas da estrutura da ciência na linha do positivismo lógico, admitiu-se que esse critério deveria ser encontrado numa certa relação lógica entre o explanans (o que dá a explicação) e o explanandum (o que está sendo explicado). Essa perspectiva culminou no modelo da cobertura por leis, segundo o qual um acontecimento é explicado quando está subordinado a uma lei da natureza, ou seja, sua ocorrência é dedutível dessa lei e de um conjunto de condições iniciais. As próprias leis seriam explicadas por serem deduzidas de leis de ordem mais elevada ou mais geral, da mesma maneira que as leis de Kepler do movimento dos planetas são dedutíveis das leis de Newton do movimento. O modelo da lei geral pode ser adaptado para dar conta do conceito de explicação nos casos em que se mostra que algo é provável dada uma lei estatística. Os problemas acerca das leis gerais incluem a questão de saber se as leis são necessárias para a explicação (todos os dias explicamos acontecimentos sem citar de forma explícita qualquer lei); se são suficientes (afirmar que é um exemplo de um tipo de coisa que acontece sempre pode não bastar para explicar um acontecimento); e se uma relação exclusivamente lógica é adequada para captar o que exigimos de uma explicação. Essa exigência pode incluir, por exemplo, que seja possível "intuir" o que está acontecendo, que a explicação se baseie em coisas que nos sejam familiares ou que não nos surpreendam. ou que possamos fornecer um modelo do que está se passando; mas nenhuma dessas noções é captada em termos de uma abordagem exclusivamente lógica. Por conseguinte, a investigação recente tem destacado a importância dos elementos contextuais e pragmáticos numa explicação, de tal forma que o que que pode ser tomado como uma boa explicação num certo conjunto de circunstâncias, pode não ser tomado como tal em outras. O argumento a favor da melhor explicação é o ponto de vista segundo o qual, desde que possamos selecionar a melhor explicação de um acontecimento a partir de um conjunto de explicações alternativas, existe legitimidade para aceitar essa explicação, ou mesmo para acreditar nela. Esse princípio precisa ser ajustado porque às vezes não é sensato ignorar a improbabilidade antecedente de uma hipótese que explique os dados melhor do que outras hipóteses concorrentes: e.g., no caso de uma moeda, a melhor explicação

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para ter saído cara 530 vezes em mil lançamentos pode ser a de que ela estava viciada de modo que a probabilidade de sair cara fosse 0,53, mas pode ser mais sensato supor que não estava viciada, ou que é melhor suspender o juízo. (5)

Explicação Funcional. Explicação de um fenômeno que utiliza como exemplo as propriedades funcionais dos elementos que o constituem, em vez de seus papeis físicos e mecânicos. Uma explicação do comportamento de um computador que cite o suporte lógico (software) que está sendo utilizado é uma explicação funcional. (5)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011. (3) CIRNE-LIMA, C. Dialética para Principiantes. 2.ed., Porto Alegre: Edipucrs, 1979. (4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (5) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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Facticidade Facticidade. Termo introduzido por Fichte para designar o caráter contingente do que é e a responsabilidade de justificarmos por intermédio de uma dedução racional a realidade do mundo. A fenomenologia contemporânea retomou o termo principalmente com Heidegger e Sartre - para exprimir a ideia de que nossa existência é um fato constatável, mas sem fundamento, sem razão e até, a princípio, absurda. A partir disso, Sartre chega à conclusão de que o homem, desvinculado de qualquer obediência a uma necessidade que organizaria sua vida, é soberanamente livre. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Falácia Falácia. Qualquer erro de raciocínio. Um raciocínio pode falhar de muitas maneiras, e uma grande variedade de falácias foram identificadas e nomeadas. A divisão principal é entre falácias formais, nas quais algo pretende ser um raciocínio dedutivamente válido quando não o é, e as falácias informais, nas quais se comete um outro erro qualquer. Tais erros podem incluir a introdução de irrelevâncias, a incapacidade de distinguir termos, a falta de clareza, a precisão mal colocada etc. (1)

Falácia das Várias Perguntas. Falácia dos advogados que consiste em inferir que uma pessoa é culpada se não se conseguir dar uma resposta claramente afirmativa ou negativa, quando, na verdade, a pergunta não permite tal tipo de resposta. O exemplo clássico é “Já parou de bater na sua mulher?”, perante a qual uma pessoa inocente não pode dar uma resposta com uma só palavra (sim ou não). Esta pergunta esconde na verdade duas outras (Alguma vez bateu na sua mulher? Bate hoje em dia na sua mulher?), e a inocência implica responder não a ambas. Infelizmente, uma vez que, em geral, falamos de parar de fazer coisas que fizemos antes, responder apenas “não” à primeira pergunta arrasta uma forte implicatura, segundo a qual a pessoa costumava bater na sua mulher, não tendo agora parado de o fazer. Por isso, a pessoa não deseja dizer (apenas) que não, mas também não dizer “sim”. (1)

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(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

Fato, Fato/Valor e Factual Fato. Ocorrência possível ou efetiva no mundo real. O estado de uma coisa concreta e suas variações de estados são fatos. Exemplos: Queda de chuva (um processo) e o resultado chão molhado (um estado). Advertência 1: Todos os fenômenos (aparências) são fatos, mas o inverso é falso. Advertência 2: “Fato” não deverá ser confundido com “verdade”, o que é frequente na linguagem comum. Assim, corpos que caem sempre foram acelerados, mas foi Galileu quem estabeleceu primeiro a proposição verdadeira, de que corpos em queda são acelerados. Advertência 3: Tampouco o “fato” pode ser confundido com o “dado”: um dado é um relato sobre o um fato. Quando pedimos a alguém que “nos dê fatos”, não queremos os próprios fatos, mas alguns dados acerca deles. Advertência 4: Os fatos investigados pela ciência são amiúde denominados de ‘fatos científicos’. Esta expressão é de algum modo infeliz porque sugere que todos os fatos em questão sejam criações científicas, enquanto, em verdade, apenas alguns o são – isto é, produzidos nos experimentos. (1)

Fato/valor. Uma distinção chave na teoria do valor, na ética e na ciência social. “A maior parte das mulheres é oprimida” é uma declaração fatual, enquanto “A opressão das mulheres é injusta” é um juízo de valor. A distinção e a separação entre fato e valor é justificada por quase todas as teorias do valor e filosofias morais. Ela é tão importante que faz jus a uma denominação especial: apartheid axiológico. A bem-dizer, juízos de valor – em particular, máximas morais – não se seguem logicamente de enunciados fatuais. Todavia, a lacuna fato/valor não é um abismo, pois o transpomos toda vez que conseguimos alterar fatos para adaptá-los às nossas normas. Além disso, nem todas as declarações de valor são subjetivas: algumas podem ser justificadas. Por exemplo, a extrema desigualdade social não é apenas má para o pobre: Também põe em perigo a segurança do rico e estorva o crescimento do mercado. Em suma, fatos e valores são distintos mas não estão separados. (1)

Fatual. Refere-se ao fato (s) que pode (m) ser ou não da experiência, como em “verdade fatual”. Não se deve confundi-lo com “empírico” ou “verdadeiro”, pois uma declaração fatual pode referir-se a fatos inacessíveis à experiência sensorial, ou pode ser falsa. Na perspectiva do realismo científico, a coleção das experiências é um pequeno subconjunto da coleção dos fatos, ou seja, daqueles nos quais algum cognoscente está envolvido. (1)

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(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Felicidade Felicidade. Em geral, é um estado de satisfação devido à própria situação do mundo. Por esta relação com a situação do mundo, a noção de felicidade difere da de beatitude a qual é o ideal de uma satisfação independente da relação do homem com o mundo e por isso limitada à esfera contemplativa ou religiosa. O conceito de felicidade é humano e mundano. (1) Felicidade. No verbete eudemonismo, a felicidade se identifica com o supremo bem. A felicidade consiste na posse desse bem, qualquer que seja ele. Aristóteles declarou que a felicidade foi identificada com bens muito diversos: com a virtude, com a sabedoria prática, com a sabedoria filosófica, ou com todas elas, acompanhadas ou não por prazer, ou com a prosperidade (Eth. Nic., I, 8, 1098b 24-9). A conclusão de Aristóteles é complexa: as melhores atividades são identificáveis com a felicidade. Mas, como se trata de saber quais são essas "melhores atividades", o conceito de felicidade é vazio a menos que se refira aos bens que a produzem. De qualquer maneira, Aristóteles tende a identificar a felicidade com certas atividades de caráter ao mesmo tempo intelectual e moderado (ou, melhor, racional e moderado). Boécio também se deu conta da índole "composta" da felicidade; esta é "o estado em que todos os bens se encontram juntos". A felicidade, portanto, não tem sentido sem os bens que fazem feliz. Mas já a partir de Boécio, tendeu-se a distinguir várias classes de felicidade (beatitudo); pode-se falar de uma "felicidade animal" (que, propriamente não é felicidade, mas, no máximo, "felicidade aparente"), de uma "felicidade eterna" (que é a vida contemplativa), de uma "felicidade final" ou "última" ou "perfeita", que é o que se chamaria de "beatitude". Santo Agostinho falou da felicidade como o fim da sabedoria; a felicidade é a posse do verdadeiro absoluto e, em última análise, a posse (fruitio) de Deus. Todas as demais felicidades são subordinadas a ela. Assim também João Boaventura, para a qual a felicidade é o ponto final da consumação do itinerário que leva a alma a Deus. A felicidade não é então nem voluptuosidade nem poder, mas conhecimento, amor e posse de Deus. Santo Tomás utilizou o termo beatitudo como equivalente ao vocábulo felicitas e o definiu (S. Theol., I, q. LXVII a1) como "um bem perfeito de natureza intelectual". A felicidade não é simplesmente um estado de alma, mas algo que a alma recebe de fora, pois, caso contrário, a felicidade não estaria ligada a um bem verdadeiro. Embora os autores modernos tenham tratado da felicidade de uma forma distante da dos filósofos antigos e medievais, há algo comum a todos eles: a felicidade nunca é apresentada como um bem em si mesmo, já que para saber o que é felicidade deve-se conhecer o bem ou os bens que a produzem. A maior parte das obras sobre problemas éticos e sobre a questão da natureza da bem trata da noção da felicidade. (2)

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(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Fenômeno Fenômeno. Aquilo que se oferece à observação intelectual, isto é, à observação pura.

Fenomenologia. No sentido geral, estudo descritivo de um conjunto de fenômenos. Em filosofia moderna, movimento filosófico inaugurado por Husserl para fundamentar a filosofia como ciência rigorosa, capaz de dar base, por sua vez, às próprias ciências em suas condutas específicas. Trata-se de voltar "às próprias coisas" a fim de captar suas essências ao final da redução eidética. (1) Fenomenologia. Ciência dos fenômenos como distintos da natureza do ser; estudo da consciência e de objetos da experiência direta. (2)

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Fenomenalismo. O conhecimento humano restringe-se às aparências (fenômenos) apresentados aos sentidos, ou as aparências são a base do conhecimento. (2) Fenomenalismo. Doutrina segundo a qual o homem não pode conhecer as coisas em si, somente os fenômenos (no sentido kantiano). Contrariamente ao fenomenismo, não considera as coisas em si ou “númenos” como simples palavras vazias de sentido, mas nelas reconhece uma realidade. A doutrina de Kant é um fenomenalismo. (3) Fenomenismo. Concepção filosófica atribuída sobretudo a Hume, que não admite a existência de nenhuma substância, considerando a realidade como composta exclusivamente de fenômenos e das percepções e ideias que formamos destes. Ver materialismo; objetivismo. Oposto a substancialismo. (1) = = = >>

Fenomenologia e Espiritismo 1. CONCEITO DE FENOMENOLOGIA Designação que remonta ao século XVIII, do estudo das “aparências” ou dos “fenômenos” (em sentido kantiano): o seu emprego específico por Hegel deriva daqui. Nestas obras de dupla leitura, Hegel descreve historicamente e psicologicamente as “aparições” pelas quais o espírito passa da sensação individual até a idéia absoluta encarada pela razão universal. Hoje diz-se apenas do método e do sistema (fenomenologia transcendental) próprias de Husserl e dos seus sucessores. Trata especificamente do problema da redução do “eu transcendental” (1). 2. A REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA O significado autêntico da redução consiste em trazer à luz uma zona do ser onde subjetividade e objetividade se envolvem uma na outra, e onde, no limite, são indissociáveis. Husserl apresenta-a como um simples por entre parêntesis do mundo. Trata-se apenas de reservar o nosso juízo existencial: “o mundo continua a aparecer-me como até então me surgia, mas, na atitude reflexiva que me é própria enquanto filósofo, já não efetuo o ato de crença existencial da experiência natural; deixo de admitir como válida esta crença, ao mesmo tempo, ela se conserve” (2). 3. O ESPÍRITO É aquela Unidade recortada do Princípio Inteligente que, através do processo natural de interação dos dois elementos capitais do Universo, se desencadeia, ganhando individualidade, cada vez mais marcante, e assim, liberto e responsável, transita um tanto consciente, amparado pela Lei da Harmonia Universal, no curso irredutível e inalterável da vida, em manifesta e infinita atualização de suas potencialidades, sob a salvaguarda do Pensamento Criador (3). 4. O PERISPÍRITO

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A Ciência Espírita desentranha da fenomenologia do Espírito a noção de Perispírito e todas as funções características da sua natureza, em intuição plena da razão, e, assim, pode, com extrema realidade, apresentar ao Conhecimento Geral o Homem em sua intrínseca individualidade ternária do Espírito, Perispírito e Corpo Biológico. A Energia Vital - Fluido - é a essência da matéria orgânica. A substância constitutiva do Perispírito tem por fundamento a Energia Vital. Assim, pois, a Vida se manifesta, conseqüentemente, pela interação da substância vital sob a orientação do Princípio Inteligente, já agora manifesto em expressão entelequial, como Espírito, o Ser Racional da Criação, a expressão maior conhecida do homem (3). 5. FENOMENOLOGIA MEDIÚNICA Na paranormalidade e na fenomenologia mediúnica, o Perispírito exerce a função mediadora. É ele que recebe os estímulos volitivos do Espírito comunicante, passando-os, depois, em ordem, à mente do médium que os interpreta e transmite ao exterior, por gestos, palavras ou sinais convencionais. É ele que sai como pessoa de si mesmo ou de outrem, e se manifesta, à distância, pela própria presença tangível ou não, no cumprimento de uma incumbência. Uma participação autêntica, mas nem sempre identificável (3). 6. NOVO SOL FILOSÓFICO Com o advento do Espiritismo, levanta-se, no horizonte, um novo Sol filosófico para renovar a filosofia, mas é preciso que a filosofia o reconheça. Chama-se Filosofia Espírita, cuja idéia se encontra entranhada na tradição a partir da Grécia Antiga, no realismo, passou pelo idealismo e, agora, aparece com uma nova concepção do homem e do Universo: uma cosmovisão que envolve a Cosmossociologia (3). FENOMENOLOGIA E ESPIRITISMO Fenomenologia é definida como “um estado puramente descritivo dos fatos vividos de pensamento e de conhecimento”. Hegel, na sua obra Fenomenologia do Espírito (1807), expõe que o progresso da consciência se realiza de forma dialética até atingir o saber absoluto; Kant, por outro lado, separa os juízos “a priori” (essências) e os juízos “a posteriori”. Somente em Husserl, a fenomenologia toma o sentido corrente e específico: “o fenômeno constitui, pois, a manifestação do que é, aparência real e não aparência ilusória”. A fenomenologia, portanto, para Husserl e seus seguidores, significa uma redução do “eu transcendental”. Nela, supõe-se que os dados da consciência relativos aos fenômenos, não podem estar separados da essência. O grande desafio do ser humano é captar a essência que está embutida na existência. Neste mister, cabe-nos renunciar aos dogmas a aos preconceitos, tala qual fizeram Descartes, Hume e outros. A fenomenologia, dentro da ótica espírita, pode ser visualizada pela análise do Espírito, do Perispírito e da Mediunidade. O Espírito é a essência primeira, o princípio inteligente, que na fase humana adquire o pensamento contínuo, a

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razão e o livre-arbítrio. A cada nova existência, torna-se mais consciente das verdades eternas, o que lhe capacita crescer, eficazmente, em sabedoria e virtude. O Perispírito, formado pelo fluido cósmico de cada globo, é o elo de ligação entre o Espírito e o Corpo Físico. Nele, encontra-se a resolução de muitos problemas da nossa atual existência. O seu campo mental está impregnado, não só de nossas ações passadas, como também de nossas perspectivas futuras. Por isso, embora haja o esquecimento do passado, temos as intuições e as inspirações, que nos orientam acerca das decisões que devemos tomar. A mediunidade, por último, mostra-nos que as essências do mundo espiritual podem se comunicar com as essências do mundo material. O perispírito é o principal intermediário do contato mediúnico. Através dele, nota-se a interposição do Espírito desencarnado com o encarnado, dando-se a errônea impressão, aos videntes, de que um “incorpora” no outro. A reflexão, desprovida de interesses pessoais, faculta-nos analisar qualquer tema sob a ótica espírita. Isto auxilia-nos a melhorar substancialmente a nossa cosmovisão transcendental da vida. QUESTÕES 1) Defina Fenomenologia. 2) O Que se entende por redução fenomenológica? 3) O que é Fenomenologia do Espírito? 4) Que função exerce o perispírito no fenômeno mediúnico? TEMAS PARA DEBATE 1) Redução do “eu transcendental”. 2) Fenomenologia e Espiritismo. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) ENCICLOPÉDIA. (2) BONOMI, A. Fenomenologia e Estruturalismo. (3) SÃO MARCOS, M. P. Filosofia Espírita e seus Temas. São Paulo, dezembro de 1996 << = = =

1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Filosofia Filosofia. Ciência geral dos princípios e das causas. Podemos determinar o campo da filosofia moderna subtraindo ao domínio do que os gregos chamaram filosofia todas aquelas espécies de conhecimento que foram construindo como ciências positivas, isto é, de caráter experimental e com aplicação da matemática. (1) Filosofia é a busca compartilhada da verdade. É a busca do entendimento racional do tipo mais fundamental. Metafilosofia. Teoria sobre a natureza da filosofia. (2) Filosofia é a aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego (3) Filosofia. a. A disciplina que estuda os conceitos mais gerais (tais como os de ser, vir-aser, mente, conhecimento e normas) e as hipóteses mais gerais (tais como as de existência autônoma e a cognoscibilidade do mundo externo). Ramos básicos: lógica (partilhada com a matemática), semântica (parcialmente partilhada com a linguagem e a matemática), ontologia e epistemologia. Ramos aplicados: metodologia, praxiologia, ética e todas as filosofias de antônimos, gnosofobia. b. A filosofia exata é a filosofia construída com a ajuda de ferramentas formais tais como a lógica, a teoria dos conjuntos e a álgebra abstrata. As vantagens da filosofia exata são a clareza e a faculdade de sistematização e dedução. (4) Filosofia. Filosofia é o amor pela sabedoria e pela busca do conhecimento. "Só se pode apreender filosofia filosofando." (Kant) A filosofia nasce quando o homem desafia o insólito, aceita a dúvida, questiona suas certezas e suas crenças ou quando é capaz de ver algo de outra perspectiva. A atitude básica e fundamental para despertar para a filosofia é a curiosidade. A filosofia é mais uma atividade do que um conjunto de saberes. "A filosofia não é nenhuma doutrina, mas sim uma atividade." (Wittgenstein, Tractatus LogicoFilosoficus) (5)

Figura: sinonímia

Mais informação: http://www.sergiobiagigregorio.com.br/palestra/filosofia-eespiritismo.htm http://www.sergiobiagigregorio.com.br/filosofia/filosofia-e-filosofar.htm

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http://www.sergiobiagigregorio.com.br/filosofia/sintese-historia-filosofia.htm http://www.sergiobiagigregorio.com.br/apostila/introducao-filosofiaespirita.htm#CONCEITO%20DE%20FILOSOFIA

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (3) Adaptado de cefetgo.br (4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (5) Enciclopédia Barsa Universal

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Filosofia Analítica. No sentido amplo, a abordagem filosófica que envolve a análise conceitual. Trata-se de uma abordagem e não de uma doutrina. No sentido restrito, o exame do uso de locuções e palavras da linguagem comum bem como de alguns problemas filosóficos à luz da sabedoria popular. Sin. filosofia linguística, filosofia da linguagem comum, filosofia oxfordiana, filosofia wittgensteiniana. (1) Filosofia Barroca. Forma retórica (vazia e enrolada) de filosofar que se especializa em mini problemas e pseudoproblemas. (1) Filosofia da Ciência. O estudo da natureza da ciência, suas diferenças de outros modos de conhecimento, suas pressuposições filosóficas, e os problemas filosóficos que levantam. Exemplos de sua problemática: O que é ciência e como é que ela difere do conhecimento comum? Quais são os elementos comuns e as diferenças entre ciência e tecnologia? Quais são as marcas da pseudociência? Como é que as teorias científicas relacionam a realidade e a experiência? Pode a ciência ir além dos fenômenos e das relações entre eles? É possível descrever as coisas reais nos mínimos detalhes e com perfeita precisão? O que são leis científicas e explicações científicas? Há saídas para os dilemas racionalismo-empirismo e individualismo-coletivismo? Pode a filosofia ter um papel construtivo na pesquisa científica? Está a ciência moralmente comprometida? Há limites para o avanço da ciência? (1)

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Filosofia da Ciência Social. Investigação das problemáticas filosóficas levantadas pela pesquisa social. Amostra: Que tipo de coisa é a sociedade: fictícia ou real, espiritual ou material? Há uma saída para o dilema individualismo-holismo? Ha leis sociais ou apenas tendências temporárias? Quais são os motores da história? A ciência social pode ser moralmente neutra? Qual é a relação entre ciência social e tecnologia social? (1)

Filosofia da Física. O exame filosófico das categorias físicas (tais como as da matéria, energia, espaço, tempo, causação e acaso); o das pressuposições filosóficas, como as de que existem coisas reais atrás das aparências; o dos princípios gerais, como os de que existem coisas básicas ou indecomponíveis; e o dos problemas gerais levantados pelo conhecimento experimental e teórico do mundo físico, tais como se a física quântica é aplicável a entidades microfísicas e perdoa o subjetivismo, e se a relatividade geral substitui os objetos materiais pelos geométricos - ou se todos eles são enxertos filosóficos. (1)

Filosofia da Matemática. É o estudo filosófico da pesquisa matemática e de seus produtos. Exemplos ou suas problemáticas: natureza dos objetos da matemática e verdade matemática; relação entre invenção e descoberta na pesquisa matemática; relações entre matemática pura e aplicada. Ha quatro filosofias fundamentais da matemática: platônica, nominalista, intuicionista e empirista. (1)

Filosofia de Escola. A filosofia de uma escola ou seita dogmática. A receita comprovada para fundar uma filosofia de escola é a seguinte: "Tome uma meia verdade (se for absolutamente necessário, tome até uma verdade plena) e a proclame como sendo a única verdade". Exemplos: A partir do fato de o conhecimento requerer experimento, conclua que toda experiência é o alfa e o ômega do conhecimento; a partir do fato de que o avanço do conhecimento envolve a crítica, conclua que a crítica é o motor do progresso científico; a partir do fato de a pesquisa ser socialmente condicionada, conclua que cada item do conhecimento possui um conteúdo social. Filosofias de escola são difíceis de morrer ou porque encerram um grão de verdade ou porque são alimentadas por movimentos sociais. (1)

Filosofia Perene. Expressão que designa uma concepção da filosofia situando-a acima das contingências humanas, das coerções sociais e das vicissitudes da história, posto que teria por objeto estudar as verdades intemporais da metafísica. Esta concepção se opõe à visão do filósofo engajado com seu tempo e reflexo de sua época. (1)

Filosofia Política. Um dos ramos da tecnologia filosófica. Uma filosofia política pode ser secularista ou teocrática, realista ou utópica, científica ou não científica, justa ou injusta, democrática ou autoritária, popular ou não popular. (1)

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Filosofia Pop. Qualquer coletânea de questões mal colocadas, como "Qual é o significado da vida?", e máximas que são ou triviais (como "Há dois lados para toda questão") ou notoriamente falsas (como aquela segundo a qual "Tudo o que sobe tem de descer"). (1)

Filosofia positiva. Expressão usada por Comte para designar o modo de filosofar não metafísico ou científico, pretendendo fazer a síntese dos fenômenos observados e das leis da ciência positiva. (2)

Filosofia primeira. Em latim, philosophia prima. Expressão que traduz a fórmula aristotélica proté philosophia, encontrada na Metafísica (E,1). Consagrada pela escolástica medieval, considera a problemática do Ser e dos primeiros princípios como questão central da filosofia, da qual todas as demais dependem. Utilizada por vezes como sinônimo da própria metafísica. (2)

Filosofia Probabilista. Emprego do cálculo de probabilidade para exemplificar conceitos filosóficos. Cerca de vinte conceitos filosóficos diferentes incluindo os de causação, verdade, simplicidade e significado, tem sido apresentados como definíveis em termos de probabilidade. (1)

Filosofia Social. O ramo da filosofia que lida com as várias doutrinas sobre a ordem social: seus traços gerais, seu fundamento epistêmico e sua justificação moral. Para ser relevante, uma filosofia social deve estar próxima da ciência social e da tecnologia social. (1)

(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Filósofo. Termo cuja paternidade a tradição atribui a Pitágoras, que, por modéstia, teria renunciado a se dizer "sábio" para se contentar em ser "amigo da sabedoria". Foi insistindo no aspecto moral dessa "amizade" que o próprio Sócrates se declarava filósofo. Até o século XVIII, o termo era sinônimo de erudito no sentido muito geral. No século XVIII, particulariza-se para designar aquele que só reconhece a autoridade da razão. Porém no plural, "os filósofos" são o grupo de escritores (Voltaire, d'Alembert, Diderot etc.) adeptos das luzes e mais ou menos hostis às instituições religiosas (na Idade Média, a mesma expressão designava os alquimistas). Sentido não especializado: aquele que tem paciência com a vida, ou considera a vida pelo lado bom, ou que tem uma vaga ideia "pessoal" da existência. Mais tecnicamente, sinônimo de metafísico, na medida em que este busca as razões primeiras das coisas. Sentido técnico mais frequente: o que pratica a filosofia - e que escreve sobre ela a maior parte do tempo -, exercendo sua reflexão crítica sobre todos os problemas concebíveis. (1)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993

Para futura pesquisa Filosofia americana Filosofia Analítica Filosofia Árabe Filosofia Bizantina Filosofia Científica Filosofia Contemporânea Filosofia da Filosofia Filosofia da Linguagem Filosofia Exata Filosofia Existencial

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Filosofia Greco-Romana Filosofia Grega Filosofia Indiana Filosofia Judaica Filosofia Marxista na União Soviética Filosofia Medieval Filosofia Moderna Filosofia Muçulmana Filosofia Natural Filosofia Oriental Filosofia Política Filosofia Popular Filosofia Prática Filosofia Primeira Filosofia Radical Filosofia Renascentista Filosofia Social (Extraído do Dicionário de Filosofia de JFerrater Mora)

A Filosofia Clássica e o Helenismo Os sofistas O triunfo da democracia em Atenas (século V a.C.), seu esplendor econômico e cultural, juntamente com sua preponderância politica na Grécia, provocaram uma situação inédita que levantou novos problemas e orientou para outros rumos a especulação filosófica: do problema da physis ao problema antropológico. Problemas práticos política, moral, religião, educação, linguagem etc - ocuparam os novos personagens da

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época, os sofistas. Sua atitude relativista em política, em moral, chegando mesmo a questionar a possibilidade de um conhecimento verdadeiro e comum - era expressão do espírito da época. A democracia supõe conceder valor à opinião e, portanto, à diversidade de pontos de vista, o que é incompatível com a defesa de uma verdade absoluta.

O movimento sofista Dá-se o nome de sofistas a um conjunto de pensadores gregos que florescem na segunda metade do século V a.C. e que têm em comum, ao menos, os fatos de terem sido os primeiros educadores profissionais (organizavam cursos completos e cobravam grandes quantias para ensinar) e de que entre seus ensinamentos a retórica e um conjunto de disciplinas humanísticas (política, moral etc.) ocupavam lugar de destaque. O advento da democracia trouxe consigo uma mudança notável na natureza da liderança: a linhagem já não era suficiente, e a liderança política passava pela aceitação popular. Numa sociedade onde a assembleia do povo tomava as decisões e onde a aspiração máxima era a vitória, um político precisava dominar a arte de convencer, a arte de persuadir as massas de que a sua era a melhor proposta. Precisava, além disso, ter certas ideias a respeito da lei, a respeito do justo e do conveniente, e também a respeito do Estado. Eram esses os ensinamentos que os sofistas proporcionavam A palavra "sofista" foi, no princípio, um sinônimo de "sábio" (sophos). Depois, o termo ganhou o sentido pejorativo de hábil enganador. Isso mostra até que ponto os sofistas foram personagens controvertidos em sua própria época. Na atualidade, os sofistas encontraram mais compreensão e estima: são considerados os criadores de um movimento que mereceu o nome de "iluminismo grego".

Atitude comum dos sofistas: relativismo Os sofistas não formaram escola nem defenderam uma doutrina comum, mas apresentam algumas coincidências - fundamentalmente, sua atitude relativista e até cética. Sua vontade pouco dada à especulação abstrata levou-os a aceitar os sentidos como fonte válida do conhecimento, ao contrário do que sustentavam alguns présocráticos, sobretudo a partir de Parmênides. Se os sentidos mostram coisas diferentes a indivíduos diferentes, como decidir qual deles está de posse da verdade? A verdade é relativa a cada um: não há verdade absoluta, cada coisa é o que parecer ser para cada um. Seu relativismo os conduz com frequência ao ceticismo: se cada humano tem sua verdade, faz sentido falar de conhecimento ou de verdade? Mas também nos problemas do homem e da sociedade eles se mostram relativistas: tinham podido comprovar em suas numerosas viagens que não há dois povos que tenham as mesmas leis nem os mesmos costumes.

Convencionalismo da lei

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A constatação de que outros povos têm culturas diferentes - com leis, normas, costumes e valores morais totalmente diferentes das que eles, os gregos, pensavam ser as únicas possíveis - trouxe para o centro da discussão filosófica o tema do convencionalismo das leis (nomos). Até esse momento, as leis eram consideradas como algo inamovível, absoluto e comum - eram por natureza; a partir de agora, as leis são vistas como uma criação convencional, arbitrária e provisória, relativas, portanto, à comunidade ou até ao próprio indivíduo. Os sofistas defendiam o caráter convencional não apenas das instituições políticas, mas também das normas morais: o que se considera bom e mau, justo e injusto, não é universalmente válido e imutável. Alguns sofistas importantes Protágoras (480-410 a.C.) foi o sofista mais destacado do seu tempo. Sustentava que existem tantas verdades quantas opiniões e tantas opiniões quantos homens. O único critério para distinguir o verdadeiro do falso era a utilidade e também a opinião da maioria. Assim, as leis da pólis eram apenas convenções sancionadas por uma opinião majoritária. Pode-se resumir o fundamental de sua filosofia na sentença: "o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são". Também é muito característica de seu pensamento sua teoria dos "raciocínios duplos": "Em toda questão, há dois raciocínios opostos entre si", quer dizer, de cada coisa se pode dar sempre duas versões opostas, já que, se não há verdade, um juízo é tão válido quanto seu contrário. Outro sofista importante, Górgias (484-375 a.C.), sentenciava que tudo o que exite é pura aparência. Chegava a sustentar que, se alguma coisa existisse verdadeiramente, das duas uma: ou não poderíamos conhecê-la bem, ou, se a conhecêssemos, não poderíamos comunicar isso. Seu ceticismo era total. Menos céticos eram Trasímaco e Calicles, que viam no direito do mais forte a expressão de uma lei natural, não convencional. Hípias, em troca, sustentava que a autêntica lei natural se expressa por meio do princípio de igualdade entre os homens. Compreende-se que os sofistas fossem alvo de tantas críticas. Os grandes filósofos gregos, como Sócrates, Platão e Aristóteles os consideravam perigosos e elaboraram parte de suas próprias concepções como respostas destinadas a demonstrar o espírito da sofística, tão arraigado, por outro lado, na época.

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Sócrates Sócrates concebeu a filosofia como uma busca coletiva cujo instrumento é o diálogo e cujo objetivo, a clareza sobre a própria existência, tanto em sua dimensão individual quanto em suas relações com outros membros da comunidade. Sócrates exerceu sua atividade filosófica em Atenas, sempre na rua, pondo os seus interlocutores contra a parede com suas armas dialéticas. Seu propósito era combater os preconceitos, questionar as falsidades, destruir o discurso demagógico dos poderosos, forçar seus

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concidadãos à reflexão permanente. Tornou-se um personagem muito incômodo - ele mesmo se autoqualificava de "mosca" - e foi acusado de haver profanado as crenças religiosas da cidade e de corromper a juventude. Foi condenado á morte, e embora considerasse a sentença uma injustiça, acatou-a com dignidade.

Conhece-te a ti mesmo Ironia e maiêutica A descoberta do conceito Intelectualismo ético Caixa: Sócrates, segundo Platão Caixa: A morte de Sócrates

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Platão A vocação filosófica de Platão acaba por ser determinada a partir do julgamento e condenação à morte de Sócrates. Platão estava destinado, por linhagem, à política, mas renunciou a participar de um sistema que havia sido o causador do assassinato do mais sábio e justo dos homens - e, desiludido, dedicou-se a uma atividade puramente teórica: a filosofa. Nela, tentou encontrar um fundamento objetivo para o interesse do homem pelo conhecimento, assim como para a possibilidade de o alcançar. O conhecimento não tem apenas uma dimensão teórica, mas também uma prática: o conhecimento da verdade permite uma vida justa e eticamente correta, assim como uma organização política que corrija os graves defeitos das já existentes. A teoria das ideias Mundo sensível e mundo inteligível Características das ideias O bem: ideia suprema O demiurgo e o caos originário Conhecimento sensível e conhecimento inteligível Conhecer é recordar: teoria da reminiscência

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A teoria da alma A ética de Platão O Estado utópico A filosofia da arte O Amor platônico Caixa: O mito da caverna Caixa: Imortalidade da alma Caixa: Os ensinamentos filosóficos Caixa: A mulher e o Estado Caixa: Platonismo e a religião judaico-cristã

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Aristóteles Se com Platão chega à maturidade uma constante do espírito ocidental, a idealista, que se baseia sua superioridade na razão, com Aristóteles se afirma outra orientação de igual importância: a que se baseia fundamentalmente na experiência, para construir a partir dela um sistema rigoroso. O gênio de Aristóteles é, acima de tudo, ordenador, lógico, enciclopédico. Uma de suas grandes ideias é a classificação, que permite agrupar os seres de acordo com suas semelhanças ou diferenças. Também se deve a ele a criação da lógica como disciplina própria a filosofia, que no passado Jônico era uma reflexão global sobre a natureza, diferencia-se com Aristóteles em uma série de disciplinas agrupadas por seu caráter teorético (teologia, matemática, física), prático (ética, política) ou produtivo (retórica, poética). A metafísica aristotélica O conceito de substância Concepção hilemórfica do ser Potência e Ato A noção de causa

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Deus: motor imóvel A física O movimento A psicologia aristotélica A lógica As categorias O julgamento O silogismo Os três princípios da lógica A filosofia prática A poética Caixa: A metafísica aristotélica Caixa: Amizade Caixa: A virtude Caixa: A arte poética

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Pensamento helenístico Platão e Aristóteles constituem a tradição dominante do pensamento grego, mas não são a única. Na época helenística, que começa quando Alexandre o Grande chega ao Poder (336 a.C.), surgiu três novas escolas filosóficas que têm um lugar próprio na história do pensamento: o epicurismo, o estoicismo e o ceticismo. O ponto comum às três escolas é a ênfase numa ética de caráter individualista na qual a busca da felicidade se torna prioridade. Isto é consequência do fim da pólis e da formação do poderoso estado alexandrino: o indivíduo perde sua capacidade de intervenção na vida política e se retrai a uma esfera privada, na qual aspira apenas a cultivar a si mesmo.

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O epicurismo: uma filosofia materialista A filosofia de Epicuro (341-270 a.C.), fundador dessa doutrina materialista, situa-se no extremo oposto das teorias de Platão e Aristóteles, e afirma ser continuador do atomismo de Demócrito. Seu materialismo o leva a rechaçar, em primeiro lugar, todo vestígio de transcendência — só existe um mundo, este é totalmente material — e, em segundo lugar, coloca o conhecimento inteligível separado do sensível: a sensação é o fundamento do conhecimento. Tudo o que existe é material inclusive a chamada "alma". A morte de um indivíduo humano é o desaparecimento de corpo e alma. Não existe, portanto, nem imortalidade nem um "mais além": não há outros mundos fora deste. Apesar disso, um dos aspectos mais notáveis da moral epicurista é, precisamente, o ensinamento de que a morte não é algo a se temer. Não se deve ter medo da morte porque, sendo a morte a perda de todas as sensações depois dela não experimentamos nada. Quando estamos vivos a morte não está presente, e quando ela se apresenta nós já não somos — nada pode nos acontecer. Epicuro é um dos primeiros filósofos a afirmar que o medo torna os humanos escravos e que é preciso refletir cuidadosamente sobre o fundamento de nossos temores, com a clara intenção de dissipá-los. A vida é tudo o que temos: é preciso vivê-la. A busca da felicidade é a busca do prazer. Convém não confundir o epicurismo com o hedonismo, que busca o prazer a todo o custo. Às vezes é inevitável certa cota de dor. A cada um cabe refletir sobre o que mais lhe convém, tendo em conta que o ideal da vida é alcançar a ataraxia — a tranquilidade do espírito que evita cair na dor decorrente da carência ou do excesso de prazeres — e a autarquia — auto-suficiência, não depender de nada a não ser de si mesmo, encontrar satisfação com pouco, uma vez que o desejo de abundância nos torna dependentes do objeto. O sábio epicurista sabe que desejar o que está fora de seu alcance é loucura, e também sabe que existem momentos na vida em que a dor se apresenta e o prazer se ausenta. Sabe, portanto, combater a dor sem se queixar, relembrando os momentos felizes; e sabe que os pequenos prazeres, os mais modestos, são os mais exequíveis e, por isso, mais prazerosos.

O estoicismo O estoicismo, cujo fundador foi Zenão de Cicia (335-264 a.C.), exerceu uma enorme influência em épocas posteriores, sobretudo no que se refere à ética. O estoicismo terá grande importância na época romana (com Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio). Nos séculos XVI e XVII, ocorre na Europa um vigoroso renascimento das concepções estoicas, que influenciarão Descartes, Kant e Hegel, entre outros autores. É importante também a contribuição dos estoicos para a lógica aristotélica e o rigor que introduzem na terminologia gramatical. A física estoica concebe o mundo como um todo unitário e harmonioso, regido pela necessidade inflexível de uma lei universal (logos, razão). O homem constitui uma parte deste universo harmonioso e deve se submeter à ordem universal, deve aprender a viver de acordo com a natureza, e isso equivale a viver orientando-se pela razão. A razão nos

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permite conhecer essa ordem, mostra-nos a necessidade presente naquilo que acontece e nos ensina que é uma quimera pretender alterá-lo. A vida de acordo com a razão é a vida do sábio, conforme acabamos de ver, mas também a do virtuoso. Mais uma vez, sabedoria e virtude se identificam. Dada essa lei inexorável, o sábio só pode aspirar à ataraxia, à serenidade do espírito e à imperturbabilidade. Para isso, é preciso não apenas aceitar a ordem do Universo — e o estoicismo dá a isso uma enorme importância — mas também libertar-se das paixões (pathos), pois essas nos escravizam. Nisto consiste a apatia. O sábio não deseja nunca o que está fora de seu alcance e suporta as adversidades sem se alterar, já que, se elas não dependem de nós, nada podemos fazer para evitá-las, a não ser procurar que nos produzam o mínimo de dor possível. Um homem assim há de ser, inevitavelmente, feliz.

O ceticismo O ceticismo vai encontrar essa tranquilidade de espírito, que constitui o ideal dos epicuristas e dos estoicos, não numa doutrina própria, mas na recusa de qualquer doutrina. Pirro de Élida (365-275 a.C.), iniciador dessa corrente que tem os sofistas como predecessores, considera que a razão não pode penetrar na essência das coisas e aconselha a suspensão do julgamento e o hábito da dúvida diante de todas as questões. A partir dessa postura frente ao problema da verdade, Pirro desenvolve uma ética da imperturbabilidade (ataraxia): já que nada sabemos com certeza sobre as coisas do mundo, tudo deve nos deixar em absoluta indiferença — e que nada perturbe nosso espírito. Nas versões modernas do ceticismo, a suspensão do julgamento se transforma em uma atitude de temor em relação à possibilidade de conhecimento, ou na afirmação de que nosso conhecimento é limitado e não chega a aprofundar-se na realidade, ou na convicção de que o conhecimento é apenas provável, sem jamais ter certeza total sobre as coisas. (1)

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Pensamento trágico Depois dos pré-socráticos, e ainda no século V a.C., o pensamento grego concentra sua atenção no homem. Já não se trata de revelar, por meio da razão, os mistérios da natureza, mas de se perguntar diretamente pelo sentido da vida humana, por aquele destino dos homens que, naqueles momentos, aparece ainda nas mãos do destino, quer dizer, governado pelos deuses e sem possibilidade alguma de escapar à sua determinação fatalista.

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Na Atenas desse período surgem os sofistas. Sua filosofia retórica e cética está relacionada com o espírito trágico, uma mentalidade caracteristicamente grega forjada diante da experiência universal da dos humanos. Essa visão trágica do mundo está presente em todo o pensamento grego, mas nessa época ocupa o primeiro plano, devido à cultura filosófica dos sofistas. O espirito da tragédia As raízes da tragédia, considerada como gênero dramático, encontram-se na Grécia arcaica e estão ligadas desde a origem ao culto a Dionísio. Divindade complexa e ambivalente, Dionísio é a expressão da vida como contradição e como agonia (que em seu sentido primitivo significa "luta, combate"). Quando se afirma que os gregos tinham uma mentalidade trágica, aponta-se de imediato para essa ideia de existência como luta entre os opostos (entre a vida e a morte, o prazer e a dor, a evolução e a involução, a unidade e a multiplicidade). A existência humana está cheia de contradição e, o que é mais importante, reproduz-se em virtude delas. O espírito trágico, portanto, não está associado unicamente a um gênero literário específico - a tragédia -, mas impregna a própria raiz do pensamento grego. Pode-se afirmar até que toda a filosofia grega constitui uma resposta a esse sentido trágico da existência.

A experiência da dor O pensamento trágico, no entanto, surge, antes de tudo, diante da experiência da dor, uma dor que é universal. Não que existam indivíduos felizes e outros infelizes, e sim que o sofrimento é o quinhão mais bem repartido da vida humana: atinge a todos, mais cedo ou mais tarde. Ninguém escapa dele. Os gregos começam a descobrir essa experiência na própria natureza: exuberante e fertilíssima, doadora de vida, é também destruidora e mata aquilo que criou. É o destino, seu caráter intelectual, seu fatalismo; é o fado.

A experiência da culpa Na vida trágica, entendida como contradição, é difícil orientar-se. Diante de qualquer conflito, a situação é em si ambígua. Isto sempre fica bem claro nos personagens das tragédias: são culpados e inocentes ao mesmo tempo; agiram mal, mas talvez não pudessem ter agido de outro modo; ou talvez tenham agido com a melhor das intenções e provocaram consequências funestas. Num mundo em que a escolha moral é tão problemática, a culpa está sempre presente em toda ação. Aparece então como castigo dos deuses, como destino inelutável. É revelador o fato de que a noção de causa - fundamental para o desenvolvimento de uma filosofia posterior como a aristotélica - fosse em suas origens um termo jurídico que

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entre os gregos designava precisamente ação de "acusar". Assim, o fundamento ou a origem de algo remete em seus inícios à ideia de culpa.

O espírito trágico na filosofia Na segunda metade do século V a.C., a mentalidade trágica penetra na filosofia por intermédio dos sofistas. O desenvolvimento das trocas comerciais, o aumento da riqueza e a maior participação na vida politica são fatores que agravam o jogo de interesses opostos na vida da pólis. A necessidade de se orientar entre as diferentes opções de vida e de poder distinguir entre o verdadeiro e o falso passa então a ocupar o primeiro plano. Não é por acaso que nessa época florescem os grandes trágicos Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Ainda mais importante, porém, do ponto de vista filosófico, é a resposta que o pensamento dá ao sentido trágico da vida. Os sofistas, ao orientarem os comportamentos públicos por meio da transmissão de conhecimentos sobre como se deve agir, satisfazem uma necessidade mais decisiva: a de arrancar a vida do homem do fatum, da inevitabilidade do destino nas mãos dos deuses. Essa tarefa atingirá o apogeu com Sócrates e permitirá depois o amplo desdobramento do pensamento platônico aristotélico

Caixa: As tragédias de Sófocles Caixa: A tragédia

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A ciência no mundo clássico A aplicação do conhecimento humano para satisfazer às necessidades do homem se confunde com as origens da humanidade. Alguns milênios antes da nossa era, a astronomia e as matemáticas atingiram um desenvolvimento considerável em algumas civilizações do Oriente Médio. O conhecimento científico e técnico vem de muito longe. No entanto, o nascimento da ciência como tal (quer dizer, como conjunto de conhecimentos objetivos e sistemáticos acerca da natureza e do homem) ocorre na Grécia, a partir do ano 600 a.C. e é inseparável das origens e da evolução do próprio pensamento filosófico.

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Filosofia e ciência nascem juntas, formam uma unidade, e só a partir da época helenística é que se pode estudar o conhecimento científico como resultado específico e, até certo ponto, à margem do conhecimento filosófico.

A filosofia e a ciência na Grécia Na época em que nasce o pensamento e científico (isto é, a partir de 600 a.C.), os gregos dominavam um conjunto considerável de conhecimentos técnicos herdados, em parte, de civilizações anteriores. Temos um testemunho direto desse alto nível tecnológico a partir da arquitetura, da escultura e da cerâmica gregas que chegavam até nós. Ao mesmo tempo, aparece documentado que os gregos possuíam amplos conhecimentos nos mais diversos campos, como, por exemplo, a engenharia e a metalurgia, a astronomia e a navegação, a agronomia e a mineralogia ou a anatomia e a fisiologia. Uma característica do espírito grego, no entanto, é a divisão do saber em duas ramificações: de um lado, o pensamento puro; de outro, o conhecimento que leva à transformação da natureza, próprio da ciência aplicada. Para os gregos, o ideal consistia no saber puro, não no fazer, e o bem supremo era compreender por meio de um caminho contemplativo os enigmas do homem e do Universo. Essa distinção talvez explique a ausência do termo "científico" no mundo grego. Naturalmente, havia palavras para diferenciar a atividade dos que se dedicavam à botânica, à medicina ou à arquitetura. No entanto, o que atualmente entendemos por científico é algo que os gregos associavam pura e simplesmente com a condição de filósofo. Da mesma forma, embora dispondo de uma palavra para designar a ciência, a episteme, essa era vista como aquele conhecimento acima de qualquer dúvida, incontroverso, totalizante, que se adquire com a filosofia. De modo que filósofo e cientista, assim como filosofia e ciência, são, no início, uma mesma pessoa e uma mesma coisa. Por isso, quando se fala que a ciência nasce na Grécia, alude-se diretamente a essa capacidade de generalização e objetivação de que o conhecimento puramente aplicado necessita para transformar-se em conhecimento científico. Essa capacidade de abstrair e de formular, de converter em lei objetiva os fenômenos observados na natureza, que é característica da ciência, provém da filosofia. A ciência surge com a filosofia e da filosofia, e por isso se diz que nasce na Grécia, e não nas civilizações do Oriente Médio, apesar do elevado grau de conhecimento técnicocientífico que essas possuíam.

A evolução da ciência no mundo clássico Na época dos pré-socráticos, a identificação entre filosofia e ciência é total. Não é possível separar uma da outra na obra de Tales de Mileto, Pitágoras ou Empédocles. Depois, no período ateniense que vai de 480 a 300 a.C., as atividades científicas começam a se diferenciar de filosofia. Sócrates, por exemplo, qualificava de inferiores as ocupações no campo da medicina ou da astronomia. A grande figura é a do filósofocientista, como Platão. Mas é sintomático que em sua época floresça a atividade

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naturalista e científica da medicina hipocrática, assim como o fato de que a investigação de base empírica seja uma das grandes preocupações de Aristóteles e de sua escola. A ciência, em sua acepção própria, e diferenciada da filosofia, destaca-se plenamente como tal durante o período helenístico. Essa é a época de Euclides, Arquimedes e Hiparco, quer dizer, de homens que já são cientistas em toda a sua plenitude. Sua atividade se desenvolve em Alexandria, que já tinha substituído Atenas como capital científica e cultural do mundo grego e está associada à primeira grande instituição com categoria científica da história: o Museu de Alexandria. A ciência no mundo clássico evolui, por fim, no Império Romano, para uma nova fase que, sem ser original, segue as diretrizes do período anterior e, em alguns casos, aprimora-as. O aperfeiçoamento da técnica é bem característico dessa etapa, em que Roma suplanta Alexandria.

A matemática A astronomia As ciências físicas As ciências naturais A medicina A geografia A técnica Caixa: Os teoremas de Arquimedes Caixa: Os mapas gregos Caixa: O sistema de Aristarco Caixa: O juramento de Hipócrates Caixa: A herança das civilizações orientais Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia - Capítulo 2)

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Filosofia Medieval Filosofia Medieval. Na Idade Média não existia uma Filosofia, mas correntes de opiniões, doutrinas e teorias, denominadas de Escolástica. Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho são seus principais representantes. Buscava-se conciliar fé com razão. O método utilizado é o da disputa: baseando-se no silogismo aristotélico, partiam de uma intuição primária e, através da controvérsia, caminhavam até às últimas conseqüências do tema proposto. A finalidade era o desenvolvimento do raciocínio lógico.

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(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Extraído da Temática Barsa - Filosofia

O pensamento medieval Desde a dissolução do Império Romano, no século V, até a época do renascimento, que tem início no século XV, decorre a "Idade Média" da história ocidental, considerada uma obscura e prolongada etapa de transição em que o pensamento se teria extraviado perdido num fundo de primitivismo. Só o esforço da igreja teria mantido intacto o fio de continuidade com o passado. Hoje, sem se pôr em dúvida a barbárie dos primeiros séculos medievais, valoriza-se a Idade Média como uma época autônoma e original em que se reinterpretou o legado do pensamento antigo a se forjarem respostas para a relação do homem com Deus e com o Universo que a razão técnico-científica ainda não tinha conseguido encontrar.

Razão e fé Um dos grandes problemas da filosofia medieval é o da relação entre razão e fé — ou entre filosofia e teologia — e seu respectivo papel na compreensão do mundo. Por certo, a filosofia é considerada ancilla theologiae ("serva de teologia") e os medievais são mais teólogos do que filósofos, mas se investiu grande esforço para encontrar uma síntese entre as duas. O equilíbrio se rompe no final da Idade Média: fé e razão se separam definitivamente e a filosofia conquista sua autonomia frente à revelação e à teologia.

O problema dos universais A reinterpretação que na Idade Média se faz do pensamento antigo segue a orientação do chamado realismo. Nessa época, não se deve entender realismo no sentido positivista, mas platônico, pois se trata daquele idealismo de Platão que concede realidade às ideias, como arquétipos ou essências preexistentes. Na linguagem medieval, isto é suscitado como discussão dos universais. As ideias, as noções abstratas e gerais que temos das coisas, existem realmente, ou serão apenas nomes que servem para designar os objetos? Há uma corrente de base platônica e agostiniana que defende um realismo extremo (os universais existem e são ante res, anteriores às coisas); outra corrente que se opõe à anterior por meio do seu nominalismo (os universais não são reais e estão post rem, depois das coisas); e finalmente, uma posição intermediária, a do realismo moderado

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(os universais existem, mas apenas como formas das coisas particulares), que está na base da síntese aristotélica-tomista. O realismo foi, no entanto, a atitude geral que impregnou por inteiro o espírito do pensamento medieval. Em qualquer pensador da Idade Média se observa logo uma tendência para a abstração genérica e universalista. Além da apreensão individualizada e concreta das coisas e do estudo de sua inter-relação causal, a mente medieval apresenta uma predisposição para a hierarquização ordenada das grandes ideias e conceitos. Essa tendência para a generalização é produto de uma atitude que outorga verdadeira entidade real a todas as coisas abstratas. O homem medieval outorga existência a tudo aquilo que nomeia como gênero, espécie e qualidade.

A conexão simbólica No fundo, essa orientação realista do pensamento medieval, em que há sem dúvida uma base e neoplatônica, obedece a uma visão de mundo em que todas as coisas estão simbolicamente conectadas. O instrumento do pensamento medieval é o símbolo, ou melhor, a capacidade de estabelecer correspondência entre todas as coisas, desde as mais elevadas até as inferiores, descobrindo a analogia secreta que as une. Uma vez que Deus é auto-revelação, como defende Dionísio Areopagita, também chamado o Pseudo-Dionísio, então todos os objetos, em diferentes graus, constituem manifestações do Criador. Para usar as palavras de João Escoto Erígena, nem a pedra mais humilde pode ser entendida se não se percebe nela a presença de Deus. O pensamento simbólico — que se deve valorizar como uma modalidade do pensamento medieval — estabelece assim uma conexão de sentido sob a aparente multiplicidade do mundo dos fenômenos. O símbolo permite descobrir uma unidade última do ser, o Unus Mundus, em que desaparece a dualidade entre mente e matéria.

Caixa: Dionísio Areopagita e Boécio &&&&&

A escolástica O pensamento medieval se articula em torno da escolástica, movimento religioso e teológico que surge no século IX e dura até o XV. O nome escolástica provém das scolae monásticas e episcopais que nos primeiros séculos da Idade Média se encarregaram de conservar e transmitir cultura. A característica essencial da escolástica é seu método especulativo, que busca conciliação das verdades da fé e da razão, subordinando a filosofia à teologia. Nesse sentido, é uma continuação da patrística — mas, como é menos uma doutrina do que um método, engloba várias correntes do pensamento bem diferenciadas.

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Antecedentes e etapas da escolástica As diferentes correntes escolásticas podem ser agrupadas, na verdade, em duas grandes orientações. A primeira delas tem como antecedente santo Agostinho e corresponde à orientação platônica do pensamento medieval. É uma corrente essencialmente espiritual e mística que se reclama, no início, tributária das doutrinas de Dionísio Areopagita e que impregna de sentido movimento como o cisterciense ou ordens como a dos agostinianos e, mais tarde, a dos franciscanos. Já no outono da Idade Média, essa corrente dará ainda seus frutos na mística germânica. A outra grande corrente é aristotélica. Nos primeiros séculos medievais, essa orientação é muito fraca, devido em parte ao fato de que a obra de Aristóteles é apenas superficialmente conhecida, por meio dos textos de Boécio. A partir do século XII, entretanto, uma vez que o pensamento aristotélico se difunde amplamente em virtude das filosofias muçulmana e judaica, essa orientação alcançará um formidável desenvolvimento. A recepção, portanto, da filosofia da Antiguidade marca em grau notável as diferentes etapas do pensamento escolástico. A filosofia medieval começa propriamente no século IX. O pensamento anterior significou, sobretudo, um trabalho de acumulação e conservação da cultura clássica. Na escolástica, costumam-se distinguir quatro etapas: formação (séculos IX-XI), desenvolvimento (século XII), apogeu (século XIII) e, finalmente, a crise (século XIV).

A pré-escolástica: João Escoto Erígen Santo Anselmo Abelardo Caixa: A escola de Chartres Caixa: A renovatio carolingia

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Santo Tomás de Aquino: o apogeu da escolástica O apogeu da escolástica se situa no século XIII. Essa é a época em que o papado desfruta de maior autoridade política e é também o século em que os efeitos da "revolução comercial" intensificam os circuitos da economia urbana. Nesse contexto, a instituição primordial que transmite o saber já não é o mosteiro, mas a universidade. Nela, a escolástica floresce como método de raciocínio e discussão, e sobre a base de um rico patrimônio conceitual acumulado lentamente nos obscuros séculos precedentes. É então que acontece a penetração do aristotelismo, paradoxalmente transmitido pelo pensamento

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muçulmano e judaico, e que obriga a redefinir a estrutura teológica-filosófica do escolasticismo. O autor dessa complexa operação é santo Tomás de Aquino, e o resultado é o tomismo, que a igreja adotará oficialmente a partir de então.

O averroísmo A controvérsia averroísta A ontologia tomista A questão dos universais A teologia tomista A demonstração da existência de Deus A antropologia tomista Caixa: Os treze artigos de fé de Maimônides Caixa: A alma humana é alguma coisa permanente?

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A escolástica tardia Durante o século XIV — época de crise — o equilíbrio entre doutrinas e crenças se alterou profundamente. O scotismo (sistema filosófico de Duns Scotus) desfaz então as conexões entre razão e fé, dois âmbitos que ficam cindidos depois do nominalismo de Guilherme de Occam. Para Occam e os nominalistas, os universais são simplesmente termos que aludem aos objetos singulares. O domínio da razão está no campo da experiência, o conhecimento das coisas individuais exclui o das verdades da fé que, por serem indemonstráveis, devem ficar relegadas ao âmbito das crenças. Essa atitude de Occam já prefigura o nascimento da ciência moderna e, ao mesmo tempo, assinala o acaso da escolástica e do pensamento medieval.

O scotismo O nominalismo de Occam Caixa: Navalha de Occam

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Caixa: O pensamento político medieval

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Raimundo Lúlio A personalidade de Lúli Os nomes de Deus A cosmologia luliana A Ars magna Os princípios absolutos Princípios relativos e correlativos Outros níveis A combinatória A árvore da ciência A filosofia do amor O lulismo Caixa: A vida de Lúlio Caixa: Algumas obras de Lúlio Caixa: A cabala

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Místicos e visionários Além do racionalismo escolástico, há ao longo da Idade Média uma corrente de pensamento místico que, apesar de suas interrupções e sua configuração variada, pode ser estudada de forma unitária. Essa corrente, herdeira das doutrinas de Dionísio Areopagita, recebe o impulso das ideias platônicas e do pensamento de santo

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Agostinho, e se expressa com frequência, por meio de símbolos e visões. O misticismo medieval é, mais do que a expressão de um pensamento, a confissão de uma experiência religiosa que tem por objetivo limpar o caminho que conduz a Deus, elevando o homem do profano ao sagrado.

O misticismo medieval A mística germânica: Eckhart Caixa: O retiro monástico Caixa: Do caminho real da Santa Cruz

A ciência medieval Durante os dez séculos transcorridos entre a queda do Império Romano e o Renascimento, o pensamento científico se desenvolve com grande lentidão. A ciência medieval, vista em seu conjunto, é mais uma adaptação do modelo helenístico do que uma abertura original para novas formas de investigação e de domínio da natureza. Por outro lado, inserida como está em uma cultura teológica, propõe-se apenas, na melhor das hipóteses, a confirmar experimentalmente as verdades religiosas estabelecidas pela igreja. O surgimento da ciência experimental, emancipada das crenças da fé, é característica do Renascimento. A época medieval, no entanto, prepara esse surgimento, recuperando por meio dos muçulmanos os esquemas científicos da Antiguidade clássica e trazendo um conjunto de técnicas que serão imprescindíveis para o movimento da ciência moderna. As contribuições dos muçulmanos A ciência na Europa medieval A imagem do mundo O pensamento científico A técnica medieval Caixa: O manuscrito voynich Caixa: As rodas do tempo Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 4)

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Filosofia Oriental Filosofia Oriental. Por "filosofia oriental" entende-se, em sentido muito amplo, a filosofia ou, melhor, o "pensamento" — antigo e moderno — de todos os países do Oriente; portanto, o pensamento elaborado em várias regiões da Ásia Menor, na Síria, na Fenícia, no Irã, na Índia, na China, no Japão e em outros países desta vasta zona geográfica. Às vezes também se incluem na filosofia oriental o pensamento egípcio antigo e ainda na filosofia árabe e judaica, embora o mais comum seja excluir estas últimas (assim como a chamada "filosofia síria") por sua estreita vinculação com a história da filosofia ocidental, da qual acabam fazendo parte. Mesmo com essa restrição, a definição ostensiva de "filosofia oriental" apresenta vários inconvenientes. Um dos maiores problemas é que quando se tenta desenvolver seu conteúdo é preciso abandonar frequentemente o tipo de pensamento propriamente filosófico e se referir antes ao pensamento religioso ou até mesmo às formas mais gerais da cultura correspondente. Quando essa referência constitui o horizonte cultural, histórico ou espiritual dentro do qual pode ser inserida a filosofia, a desvantagem a que aludimos não é considerável, mais ainda, tal referência pode ajudar a compreender melhor o pensamento filosófico que se trata de esclarecer. Porém, quando o horizonte em questão substitui a filosofia de modo excessivamente radical corre-se o risco de perdê-la de vista completamente. Para evitar isso, propôs-se um conceito mais restrito de "filosofia oriental". Essa proposta consiste em circunscrevê-la às seguintes manifestações: cosmologia iraniana e diversos elementos religiosos e religioso-filosófico vinculados a ela (particularmente o zoroastrismo); filosofia indiana, filosofia chinesa e filosofia japonesa. De modo mais estrito ainda pode-se restringir o mencionado conceito às maiores dessas filosofias: a indiana e a chinesa. Essa é a posição por nós adotada aqui. Ao contrário do termo "Oriente", que designa um conglomerado mais amplo e variado de elementos culturais e espirituais (como quando dizemos, por exemplo: "Platão e o Oriente"), a expressão "filosofia oriental" ainda designa um conjunto mais amplo, mas mais fácil de observar e perfilar; não apenas geograficamente, mas também intelectualmente. A característica que mais nos interessa é a determinada pelo tipo especial de saber. O saber que se manifesta na filosofia oriental tende a ser um saber de salvação. Os outros saberes — culto e técnico — não são esquecidos de modo algum, mas se desenvolvem e prosperam em função daquele outro saber primário. Essa salvação pode ser entendida, por sua vez, ou como salvação do indivíduo em um todo cósmico, ou como a integração do indivíduo em um todo social: a primeira é típica da filosofia indiana; a segunda, da filosofia chinesa. O individualismo, o intelectualismo e o voluntarismo da filosofia ocidental não são esquecidos, mas reduzidos ao mínimo (abafados) na filosofia oriental. Diferença entre a filosofia indiana e a filosofia chinesa. Enquanto esta última manifesta uma frequente tendência prático-ética e prático-social, a outra tem um caráter mais especulativo e, ao mesmo tempo, mais inclinado a elaborar todas as técnicas filosóficas necessárias para levar seus propósitos especulativos a bom termo. Há, contudo, um elemento comum, a forma humana no qual encarna o saber filosófico: trata-se do "sábio" (não, portanto, do filósofo stricto sensu, do "raciocinador", do "intelectual" ou do "técnico da inteligência"). Comparativamente ao ocidental, enquanto o intelectual do Ocidente o faz por afã de objetividade, o sábio do Oriente o faz com o fim de reintegrarse mais completamente ao que considera ser a Realidade verdadeira. Relação entre filosofia oriental e filosofia ocidental.

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1) a presumida falta de relação entre a filosofia oriental e a filosofia ocidental baseia-se: a) O pensamento oriental tem como bases principais a tradição religiosa, a concepção de mundo, os problemas de comportamento social etc., mas não a pura razão teórica surgida na Grécia. b) O pensamento ocidental tende — salvo em alguns representantes — não tanto para o universal como para o superficial; ele se desenvolve na pura razão raciocinante ou em um puro empirismo circunscrito ao mais imediato, tende para o método e para o aperfeiçoamento das técnicas, com esquecimento crescente dos motivos cósmicos e, sobretudo, da tradição. O pensamento oriental, por outro lado, dirige-se para os últimos motivos. Daí a sua superioridade (Schopenhauer, Deussen, R. Guénon) e até a possibilidade de que somente ele mereça verdadeiramente ser qualificado de filosofia. 2) As diferenças existem. 2a) Somente quando não se concede a devida atenção à comunidade de pressupostos ou 2b) somente quando não se leva em conta o efetivo trabalho filosófico realizado pelos filósofos orientais. 3) Oriente e Ocidente não são nem iguais nem distintos. São como dois jorros procedentes de um manancial único. A máxima diferença entre Oriente e Ocidente foi produzida na época moderna a partir de Galileu e Descartes, mas o futuro pode reduzila. 4) É difícil falar de uma filosofia Oriental e de uma filosofia Ocidental; é mais plausível falar de filosofias orientais e de filosofias ocidentais. Além disso, o que pode ser adequado nas comparações quando se toma como exemplo a Índia, pode não sê-lo ao se tomar a China (ou Japão) (1) (1) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004.

Finito e Infinito Finito e Infinito. Por oposição ao infinito, o finito designa o que tem um limite e pode portanto ser medido, enquanto a finitude caracteriza a condição humana, seja na concepção cristã, por oposição à transcendência e à perfeição divina, seja no existencialismo, como contingência radical e sentimento do dever-morrer. (1) Sob a dupla influência da matemática e do pensamento cristão (no qual Deus é o ser infinito em todos os seus atributos), o infinito vai ser filosoficamente pensado como positivo – por oposição à finitude (humana), que é doravante compreendida como negação (ou carência) do ser. Descartes irá admitir em particular que a noção de infinito está presente no espírito anteriormente à de finito, que só pode ter sentido com relação a seu horizonte – a mesma relação valendo para o perfeito e o imperfeito. (1) No sentido teológico, aquilo que encontra limites ou obstáculos à sua possibilidade de ser, à sua potência. Esse conceito de Finito remonta a Plotino, que foi o primeiro a entender o infinito como não limitação da potência. Para Hegel, o infinito é a própria realidade, enquanto potência ilimitada, de realização, enquanto Absoluto. Finito é aquilo que não tem potência suficiente para realizar-se, o ideal, o dever-ser. Desse ponto de vista, finito é “irreal” e encontra realidade só no infinito e como infinito. (2)

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(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Fins e Meios Fins/Meios. A propriedade distintiva da ação deliberada é que ela procura atingir fins definidos (metas, propósitos) por meios definidos. Enquanto alguma filosofia veem apenas os meios, outras só enxergam as metas. O formalismo, o metodismo e o contratualismo exemplificam o primeiro, ao passo que o pragmatismo e o utilitarismo indicam a última. Em particular, a máxima “os fins justificam os meios” é pragmática. O agatonismo exige que ambos, meios e fins, sejam avaliados tanto moral quanto praticamente. (1) O fim de uma ação é aquilo em função do qual ela é realizada; o meio é a maneira apropriada para atingir o fim. A distinção surge em conexão com diversos princípios morais (não devemos fazer mal em função do bem; quem quer o fim quer os meios; as pessoas devem ser sempre tratadas como fins e nunca unicamente como meios), mas sua aplicação nem sempre é clara. Podemos nós, por exemplo, tratar uma pessoa como um simples meio se esta quiser ser assim tratada, correspondendo assim à sua vontade? Ver também princípio do efeito duplo; raciocínio instrumental. (2)

(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Flecha do Tempo Flecha do Tempo. A ideia errônea de que o tempo “flui” do passado para o futuro. Amiúde sustenta-se que processos irreversíveis, tais como a transferência de calor, a mistura de líquidos, o envelhecimento e a expansão do universo, exibem ou mesmo definem a flecha do tempo. Esta é a uma metáfora infeliz, pois a “flecha” ou direcionabilidade em questão é inerente aos processos irreversíveis, não ao tempo. Tanto assim que nada, exceto a praticidade e a tradição, nos impede de contar o tempo para trás. Se o tempo fluir, terá de mover-se com a velocidade de um segundo por segundo – uma expressão sem sentido. Se o tempo tiver uma flecha, ele será representado, como uma força, por um vector; mas, na realidade, o tempo é uma variável escalar. A verdade é que o intervalo de tempo entre dois eventos, isto é, entre o evento e e o evento e’, quando referido ao mesmo sistema de referência f, muda de sinal

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quando os eventos são permutados. Isto é, T (e, e', f) = –T (e’, e, f). Entretanto, isto não é uma lei, porém uma convenção útil par distinguir o “antes” do “depois”. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Frenologia Frenologia. Teoria do médico alemão F. J. Gall (1758-1828), segundo a qual as funções do cérebro e sua localização poderiam ser estudadas pelo exame das saliências ou protuberâncias do crânio pelas quais elas se traduzem. Hoje abandonada, essa concepção teve uma certa influência – principalmente sobre Auguste Comte, que via na referência das localizações cerebrais uma das únicas vias oferecidas à psicologia (a outra consistia em estudar a influência social sobre o pensamento) para se chegar a uma condição científica. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Fundamentalismo Fundamentalismo. 1. Corrente teológica de origem protestante que, desenvolvida nos E.U.A. durante a Primeira Guerra Mundial, admite apenas o sentido literal das Escrituras. 2. P.ext. Qualquer corrente, movimento ou atitude de caráter integrista que exige obediência rigorosa a um conjunto de princípios básicos; integrismo. Fundamentismo islâmico loc. Movimento religioso muçulmano, do século XX, que defende a volta da obediência estrita às leis do Corão. (1) Fundamentalismo. Teol. Prot. Aceitação e defesa organizada de um certo número de princípios religiosos em que se têm como verdades fundamentais indispensáveis, ou necessárias a uma consciência cristã coletiva. (2) Fundamentalismo. É a concepção epistemológica de que todo conhecimento fatual está ancorado em uma base muito firme ou fundamento. Variedades: intuicionismo (percepção intuitiva), racionalismo (lógico) e empirismo (base experimental). O fundamentalismo pode ser seguido no passado até a confusão entre raiz ou fonte psicológica ou histórica e fundamento propriamente dito. Assim, a fonte histórica da geometria foi o levantamento topográfico (agrimensura), mas toda e qualquer geometria tem um fundamento puramente conceitual, que inclui a lógica. De acordo com o rácio empirismo, não há fundamentos últimos de conhecimento de fatos usuais, pois às vezes a pesquisa parte da observação e outras vezes da teoria, e outras ainda da combinação de hipóteses com dados, ou do questionamento de pressupostos filosóficos. Só quando um corpo de conhecimento foi transformado em teoria (lógico-dedutivo) é que se pode levantar o problema de sua organização ou fundamentos lógicos.(3)

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(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Fundamento Fundamento. Comporta várias significações, tais como: origem, princípio, raiz ou razão de ser, finalidade, sentido etc. (v. fundamentalismo) (1) Princípio em que repousa de fato uma ordem de fenômenos. Princípio em que repousa de direito um sistema de asserções ou de regras, i.é., que as torna legítimas do ponto de vista lógico, moral ou jurídico. (2) Causa no sentido de razão de ser. Aristóteles diz: “Acreditamos conhecer um objeto de maneira absoluta – não acidentalmente ou de modo sofístico – quando acreditamos conhecer a causa por que a coisa é e acreditamos conhecer que ela é causa da coisa e que esta não pode ser de outra maneira”. Nesse sentido, causa é razão, logos, pois não só permite compreender a ocorrência de fato da coisa, mas também o seu “não pode ser de outra maneira”, sua necessidade racional. (3) Termo a princípio utilizado em arquitetura: aquilo sobre o que repousa a construção. Daí, em filosofia, aquilo sobre o que repousa uma certa ordem ou conjunto de conhecimentos. O que dá a algo sua razão de ser: nesse caso, o termo tem um forte valor de aprovação e, por contraste, o que não tem fundamento parece ilegítimo. Proposição mais geral ou mais simples; conjunto de proposições gerais e simples, de onde se pode deduzir um campo de conhecimento. Nesse caso, é sinônimo de princípio: fala-se desse modo em matemática, dos fundamentos ou princípios de um sistema hipotético-dedutivo para nele designar o axiomático. É nesse sentido que se deve igualmente compreender o titulo de Kant: Fundamentos da Metafísica dos Hábitos (1785), esboço da Crítica da Razão Práticaque, partindo de uma observação fenomenológica dos hábitos tais como existem, pretende “buscar e estabelecer exatamente o princípio supremo da moralidade”. (4) Em epistemologia, a fonte, raiz ou base de todo conhecimento. Embora cada projeto de pesquisa comece a partir de algum corpo de conhecimento que não questiona, algumas

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destas proposições podem ser contestadas em diferentes projetos. Assim, há fundamentos, mas não são necessariamente finais. (5)

(1) CORBISIER, R. Enciclopédia Filosófica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987. (2) CUVILLIER, A. Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica. São Paulo: Nacional, 1961. (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (5) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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Gnoseologia Gnoseologia. Do grego gnosis, conhecimento, e logos, teoria, ciência. Teoria do conhecimento que tem por objetivo buscar a origem, a natureza, o valor e os limites da faculdade de conhecer. Por vezes o termo "gnoseologia" é tomado como sinônimo de epistemologia, embora seja mais amplo, pois abrange todo o tipo de conhecimento, estudando o conhecimento em sentido mais genérico. (1) = = = >>

DIVISÃO DA FILOSOFIA

Como ciência que estuda as leis mais gerais do ser, do conhecimento e da ação, podemos distinguir na filosofia três partes fundamentais: 1ª) Ontologia ou teoria do ser: estuda a origem, a essência e a causa primeira do cosmos, da vida e do pensamento; e a relação entre o ser e o pensamento; 2ª) Gnosiologia ou teoria do conhecimento: estuda a origem e a validade do conhecimento; 3ª) Axiologia ou teoria dos valores: estuda a origem, a essência e a evolução dos valores existenciais e indica os princípios da ação (1).

 O CONHECIMENTO

Diante da pergunta como conhecemos, a tradição filosófica mostra duas posições clássicas: a platônica ou socrático-platônica, que envolve a questão da reminiscência, das idéias inatas, e a sofística ou empírica que se refere apenas aos nossos sentidos. Surge a contradição: 1ª) “conhecemos pelo espírito”; 2ª) “conhecemos pelos sentidos”. O primeiro a dar uma resposta conciliatória, ao que nos parece, foi Aristóteles, com sua teoria dos dois espíritos do homem: o formativo e o receptivo. Essa dualidade é resolvida pela Filosofia Espírita (2).

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 ESPÍRITO E CORPO Para a Filosofia Espírita, portanto, a dualidade de espíritos da teoria aristotélica não existe. O homem é essencialmente um espírito. O Espírito é a substância do homem e o corpo seu acidente. A percepção é uma faculdade do espírito e não do corpo. É o escafandrista que vê através dos vidros do escafandro e não este que vê pelos seus vidros. Veja-se o ensaio teórico sobre as sensações dos espíritos, em O Livro dos Espíritos. O Espírito não percebe através dos órgãos, não vê pelos olhos nem ouve pelos ouvidos. Vê e ouve por todo o seu ser (2).

 PERCEPÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA

Há a percepção objetiva que estabelece a relação sujeito-objeto, e a percepção subjetiva, que faz do sujeito o seu próprio objeto. Isso quer dizer, em termos epistemológicos (na teoria das ciências) que há Ciência e há Filosofia. A Ciência investiga os objetos exteriores, a Filosofia investiga a si mesma, é o pensamento debruçado sobre si mesmo. Hoje, temos o mundo dividido em duas partes: numa, se desenvolve o pensamento materialista como ideologia oficial dos Estados; noutra, o pensamento espiritualista na mesma posição (2). A Filosofia Espírita se coloca entre ambas e nos oferece a síntese, mostrando o equívoco desse divisionismo artificial e anunciando o advento global da realidade.

 O PROCESSO GNOSEOLÓGICO

A lei dos três estados da evolução gnoseológica segundo Auguste Comte são: 1º) o estado teológico em que tudo se explica pela intervenção dos deuses; 2º) o estado metafísico das explicações abstratas (o ópio faz dormir porque tem a virtude dormitiva); 3º) o estado positivo em que predominam as Ciências.

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Kardec acrescentou a essa teoria, por sugestão de um leitor da “Revista Espírita”, o estado psicológico iniciado pelo Espiritismo (2).

 HUMANIDADE CÓSMICA A Teoria Espírita do Conhecimento amplia a nossa visão. Não pensamos mais em termos geocêntricos, organocêntricos ou antropocêntricos e, por isso mesmo, não vivemos mais apegados a temores e superstições. O Espiritismo nos confere a emancipação espiritual de cidadãos do Cosmos (2).

CONHECIMENTO E ESPIRITISMO A Filosofia, depois que se desprendeu do tronco geral do conhecimento ficou, na atualidade, dividida em três partes fundamentais: a Ontologia ou teoria do ser, a Gnosiologia ou teoria do conhecimento e a Axiologia ou teoria dos valores. A teoria do conhecimento, objeto de nossa atenção, procura estudar a origem e a validade do conhecimento, inclusive distinguindo a verdade e o erro. O conhecimento é a relação que existe entre o “observador” e a “coisa observada”. A realidade é o que é. Ela não é falsa nem verdadeira. Verdadeiros ou falsos são os nossos juízos acerca da mesma. Se a imagem que fazemos de um objeto coincide com o que ele é, estamos de posse da verdade; se, ao contrário, houve um viés, estamos em erro. Assim sendo, é muito mais importante a imagem que fazemos do objeto do que ele próprio. Como é que o conhecedor conhece? Conhece pelo Espírito? Ou conhece pelo sentido? Embora Aristóteles tenha dado sua contribuição a essa contradição, quando elaborou a teoria dos dois espíritos do homem - formativo e receptivo - , ainda persiste muitas dúvidas. Para os materialistas, conhecemos pelos sentidos; para os idealistas, conhecemos pelo espírito. Para o Espiritismo essa dualidade de Espírito e Matéria não existe. O homem é essencialmente um Espírito. Nesse sentido, o Espírito é a substância do homem e o corpo seu acidente. A percepção é uma faculdade do Espírito e não do corpo físico. O Espírito não percebe através dos órgãos, não vê pelos olhos nem ouve pelos ouvidos. Vê e ouve por todo o seu ser. Como vemos há a percepção objetiva que estabelece a relação sujeito-objeto, e a percepção subjetiva, que faz do sujeito o seu próprio objeto. Isto quer dizer que há ciência e filosofia. Não há, assim, uma separação total entre ciência e Filosofia. É justamente esse viés do pensamento que divide o mundo em duas partes: numa o pensamento materialista como ideologia oficial dos Estados; noutra o pensamento espiritualista na mesma posição. A Filosofia Espírita coloca-se entre ambas e oferecenos a síntese, no sentido de compreender a realidade como um A convicção de que somos um todo formado por Espírito, Perispírito e Corpo Físico, auxilia-nos sobremaneira na construção dos conhecimentos verdadeiros que nem a traça e nem a ferrugem desgastam.

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QUESTÕES 1) Quais as duas posições clássicas diante da pergunta como conhecemos? 2) Como o Espiritismo responde à pergunta como conhecemos? 3) O que é a Filosofia Espírita? 4) Quais são os estados da evolução gnoseológica?

TEMAS PARA DEBATE 1) O Espírito vê e ouve por todo o seu ser? 2) Percepção objetiva, percepção subjetiva e Espiritismo. Comente 3) O Espiritismo nos confere a emancipação espiritual de cidadãos do cosmos?

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) BAZARIAN, J. O Problema da Verdade. (2) PIRES, J. H. Introdução à Filosofia Espírita. << = = =

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Gnosticismo Gnosticismo. Doutrina partilhada por várias seitas que ganhou destaque por volta do século II, na qual se combinam elementos cristãos e pagãos. Atribui-se uma importância central à "gnose", um conhecimento revelado, mas secreto, sobre Deus e sua natureza, que permite que aqueles que o possuem atinjam a salvação. O gnosticismo retira do pensamento pagão o conceito de um demiurgo, ou um deus subordinado, que dirige o mundo diretamente. O mundo material é associado, tal como no maniqueísmo, ao mal, mas em alguns homens existe um elemento espiritual que, através do conhecimento e dos rituais associados, pode ser salvo do mal e atingir um estado espiritual mais elevado. Cristo nunca esteve de fato num corpo, nem morreu, estando em vez disso remotamente relacionado com o que apareceu aos discípulos. No platonismo médio

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estão presentes alguns elementos gnósticos, que ajudaram a alimentar a concepção de que havia uma aurea catena secreta, ou seja, uma cadeia dourada de doutrinas platônicas escondidas, que se estendia da cosmologia positiva de Platão aos iniciados da época. Foram descobertos vários textos gnósticos dos primeiros quatro séculos no Egito, e a crença persistiu, sob várias formas, ao longo da Idade Média. (1) Gnosticismo. Foram assim designadas algumas correntes filosóficas que se difundiram nos primeiros séculos depois de Cristo no Oriente e no Ocidente. A literatura que produziram era rica e variada, mas perdeu-se, à exceção de poucos textos conservados em traduções coptas, chegando até nós somente através dos trechos mencionados e ao mesmo tempo refutados pelos Padres Apologistas. O gnosticismo é uma primeira tentativa de filosofia cristã, feita sem rigor sistemático, com mistura de elementos cristãos míticos, neoplatônicos e orientais. Em geral, para os gnósticos o conhecimento era condição para a salvação; donde esse nome, que foi adotado pela primeira vez ofitas ou Sociedade da Serpente, que mais tarde se dividiram em numerosas seitas. Estas utilizavam textos religiosos atribuídos a personalidades bíblicas, tal como o Evangelho de Judas, mencionado por Irineu. Outros textos dessa espécie foram encontrados em traduções coptas; entre eles, o mais importante é Pistis Sophia (publicado em 1851), que expõe em forma de diálogo entre o Salvador ressuscitado e seus discípulos especialmente Maria Madalena, a queda e a redenção de Pistis Sophia, ser pertencente ao mundo dos Éons, bem como o caminho de purificação do homem por meio da penitência. Os principais gnósticos dos quais temos notícia são: Basílides, Carpócrates, Valentim e Bardesane, cujas doutrinas são conhecidas pelas refutações feitas por Clemente de Alexandria, Irineu e Hipólito. Uma das teorias mais típicas do gnosticismo é o dualismo dos princípios supremos (admitido, por exemplo, por Basílides), ligado a concepções orientais. A tentativas de união entre os dois princípios, bem e mal, tem como resultado o mundo, no qual as trevas e a luz se unem, mas com predomínio das trevas. (2)

Basílides, um gnóstico que pregou em Alexandria entre os anos 120-140, oferece uma resposta a esse extremo dualismo estabelecendo os princípios da luz, causa do Bem, e das trevas, origem do Mal. As trevas não foram absorvidas pela luz, mas de seu contato nasceu uma luz aparente que é a do mundo, mistura do bem e do mal. Para Valentino, outro gnóstico do século II, o mundo é a consequência de um esforço incompleto, porque não é obra de Deus — o princípio supremo ou Pleroma —, mas de algumas das emanações produzidas pela divindade e que presidiram as sucessivas transformações do Universo. (3)

A Tradição Oculta. No início da era cristã, o aparecimento do gnosticismo é o resultado de um encontro entre a alma oriental e a alma ocidental. Depois, essa se separará para seguir o seu próprio curso, revestida pelo cristianismo e pelo pensamento racional (herança grega). No entanto, no decorrer da história, nem todo o pensamento perambulou na Europa pelas sendas do cristianismo e do racionalismo. Existe também uma tradição oculta cujo ponto de partida deve se fixar justamente na gnose dos séculos II-III de nossa era. Nesta tradição confluem, num primeiro momento, as doutrinas enigmáticas do Orfismo (de Orfeu, poeta mítico do século VI a.C.), com sua crença nas

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transmigrações sucessivas das almas. Ou na corrente esotérica do hermetismo (do deus Hermes Trismegisto, que, por sua vez, provém de Tot, divindade lunar entre os egípcios), que está relacionada com a astrologia e a alquimia. Trata-se de formas ocultas, esotéricas, com um fundo que historicamente bebeu das religiões orientais. No Ocidente, essas formas reaparecem ao longo da Idade Média, e inclusive da Idade Moderna, incluídas no Corpus hermeticus dos alquimistas. Estão presentes ainda no Renascimento, na medicina astrológica de Paracelso e podem ser rastreadas em grandes obras literárias, como no Fausto, de Goethe. Já em nossa época, aparecem nos domínios da teosofia, ou foram objeto de uma profunda exploração por parte da psicologia analítica de C. G. Jung. Nessa tradição oculta, de raiz mística, buscase sempre o encontro com Deus, com o Um, de forma íntima - seja na solidão das retortas alquímicas, onde se opera a transmutação dos metais, seja no contato com uma seita ou grupo do qual se é adepto ou iniciado. (3)

(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) TEMÁTICA Barsa - Filosofia.

Gnothi Seauton Gnothi seauton. Do grego, "conhece-te a ti mesmo"; em latim, nosce te ipsum. Dístico colocado na entrada do Templo do Apolo de Delfos, na Grécia antiga. É o principal mandamento da nossa existência. É a pedra angular da filosofia de Sócrates.

Hedonismo Hedonismo. Do grego hedoné, prazer. Nome genérico das diversas doutrinas que situam o prazer como o soberano bem do homem ou que admitem a busca do prazer como o primeiro princípio da moral: a doutrina dos cirenaicos. Num sentido mais estrito, o hedonismo pode ser entendido como um pensamento egocêntrico e egoísta

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(v.egoísmo), preocupado apenas com os prazeres. Não confundi-lo com o epicurismo, para o qual a felicidade consiste na total ausência de perturbação (ataraxia). (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Hermenêutica Hermenêutica. a. interpretação de texto na teologia, filologia e crítica literária. b. filosofia - A doutrina idealista de que os fatos sociais (e talvez naturais, igualmente) são subsolos ou textos a serem interpretados mais do que descritos ou explanados objetivamente. A hermenêutica filosófica opõe-se ao estudo científico da sociedade; ela denota particular desdém pela estatística social e pela modelagem matemática. E, por encarar tudo o que é social como espiritual, subestima os fatores ambientais, biológicos e econômicos, e recusa-se a enfrentar fatos macrossociais, como a pobreza e a guerra. A hermenêutica constitui assim um obstáculo à busca das verdades acerca da sociedade e, portanto, ao embasamento de políticas sociais. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Heurístico Heurístico. Do grego heuriskein, encontrar. 1. Que se refere à descoberta e serve de ideia diretriz numa pesquisa, de enunciação das condições da descoberta científica. 2. Diz-se que um método é heurístico quando leva o aluno a descobrir aquilo que se pretende que ele aprenda: maiêutica socrática é, por excelência, um método heurístico. Não devemos confundir heurística ou hipótese de trabalho com erística, do grego eristikos, que anima a disputa, a controvérsia. A erística é a arte da discussão e de manejar, no debate, sutilezas lógicas. (1) Processo, como o da tentativa e erro, para resolver um problema para o qual não há algoritmo. A heurística de um problema é um método ou regra pra tentar chegar a uma conclusão. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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Hic et Nunc Hic et Nunc (hic et nunc). Aqui e agora em latim. É a situação de todo ser, de todo sujeito, de todo acontecimento: sua ancoragem singular no universal devir. Nem mesmo a memória e a imaginação escapam (lembrar-se de um passado, imaginar um outro lugar ou um porvir, é sempre lembrar-se deles ou imaginá-los aqui e agora). Nossas utopias são dotadas, tanto quanto nossas emoções, e envelhecem pior. (1) (1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Hipóstase Hipóstase. Do grego hypo, sub, debaixo, e stasis, o que está, o sub-posto; o suporte. É o termo que se emprega para indicar a subsistência, a sistência que está sob. É um conceito metafísico, que afirma que a substância é "possuidora de si mesma", cuja presença tem um ubi intrínseco, que é subsistente em seu ser. (1) Para os escolásticos, particularmente Tomás de Aquino, as hipóstases são as substâncias individuais e primeiras: as três pessoas da Trindade são consideradas como substancialmente distintas; a união hipostásica é aquela realizada por essas três pessoas num só Deus. Por extensão, e num sentido bastante pejorativo, a hipóstase passou a designar uma entidade fictícia falsamente considerada como uma realidade que existe fora do pensamento. Exemplo: hipostasiar um conceito. (2) (1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Hipótese, Hipótese Ad Hoc Hipótese. Do grego hypothesis, de hypothenai, supor. Proposição mais ou menos precisa que emitimo tendo em vista deduzir, eventualmente, outras proposições. Em outras palavras, proposição ou conjunto de proposições que constituem o ponto de partida de uma demonstração, ou então, uma explicação provisória de um fenômeno, devendo ser provada pela experimentação. Enquanto os empiristas veem no ciclo experimental uma sequência mecânica de operações, a epistemologia contemporânea estabelece que a hipótese não é concluída a partir da observação, mas inventada. A Rejeição da hipótese, para se ater unicamente aos fenômenos observáveis, foi proclamada por Newton em sua polêmica contra Descartes: "hypothesis non fingo", dizia, "não elaboro hipóteses" imaginárias. Hoje em dia, tanto em seu sentido

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matemático de uma proposição que adotamos a fim de estudar as consequências lógicas que dela devemos tirar quanto em seu sentido de suposição explicativa (nas ciências experimentais), sua verificação permitindo-nos passar da simples percepção de um fenômeno à sua explicação, a hipótese se revela necessária ao trabalho científico e à reflexão filosófica. (1)

Hipótese Ad Hoc. É uma hipótese excogitada quer para “cobrir” um estreito conjunto de dados quer para salvar outra hipótese de uma evidência adversa. Hipóteses ad hoc do primeiro tipo têm um poder explanatório ou profético muito restrito, pois estão ligados a um corpo fixado e pequeno de dados. A distinção entre hipóteses ad hoc e comuns é paralela àquela entre duas espécies de atiradores. O atirador honesto afixa um alvo e depois atira. O desonesto atira primeiro e depois desenha círculos concêntricos em torno do orifício causado pelo projétil. Hipótese ad hoc da segunda espécie, isto é, aquelas que têm em mira proteger outras hipóteses, são, por sua vez, de dois tipos: bona fide e mala fide. Uma hipótese ad hoc de bona fide é testável de forma independente, a de mala fide, por sua vez, não o é. Um exemplo clássico de uma hipótese ad hoc de bona fide é a conjetura de William Harvey sobre a existência de um sistema circulatório vascular visível a olho nu, ligando as artérias às veias. Os pequenos vasos foram finalmente vistos através do microscópio. Um exemplo clássico de uma hipótese ad hoc de mala fide é a hipótese de Sigmund Freud sobre a repressão destinada a proteger o complexo de Édipo e outras fantasias. Por exemplo, se alguém não odeia ostensivamente seu pai, ele unicamente reprimiu o seu ódio. E, se este sonho particular não teve um conteúdo declaradamente sexual, ele deve ter um conteúdo encoberto (“latente”). (2) Hipótese adotada com a única finalidade de salvar uma teoria de dificuldades ou da refutação, sem que haja qualquer motivo racional independente dessa finalidade. (3)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

História da Filosofia Historia da Filosofia. É a recuperação, o repensar, a avaliação e a inserção no contexto do pensamento dos filósofos desde a Antiguidade até o presente. Como em todos os resgates, este está fadado a ser parcial e a ser projetado e reprojetado em termos contemporâneos. Daí por que sua tarefa nunca é completada: não pode haver história

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definitiva da filosofia — ou de qualquer outra coisa. Cada geração concebe seus precursores a partir de uma nova perspectiva. Porém, nem todas as perspectivas são igualmente adequadas e fecundas. Por exemplo, é errôneo fazer com que os présocráticos passem por protoexistencialistas só porque eram sobretudo enigmáticos, ou Aristóteles por um precursor de Wittgenstein só porque ambos estavam interessados nas palavras. A história da filosofia é a história da emergência, submergência e reemergência de problemas filosóficos, e das tentativas de resolvê-los. Alguns destes problemas têm sido efetivamente pseudoproblemas, e muitas das soluções que lhes foram propostas eram errôneas, se não despidas de sentido. Portanto, história da filosofia é um aspecto da história da insensatez, bem como da ingenuidade humanas. Uma história da filosofia liberal-conservadora, whig, isto é, que se restringe a listar sucessos, seria antes insuficiente. Por esta razão, em parte, nem todos os historiadores da filosofia são guardiões escrupulosos da verdade. Alguns deles têm um interesse investido na falsidade, no contra senso ou na ocultação. Daí por que estudantes de filosofia raramente recebem lições acerca das ambiguidades de Aristóteles sobre a alma, da cosmologia materialista de Descartes, dos materialistas do Iluminismo francês, do agnosticismo de Kant, ou do socialismo de Mill. A história da filosofia é algo divertido para ler e necessário para filosofar, mas secundário no tocante ao filosofar original. Sem peixe não haveria pescadores, e muito menos peixeiros. A tarefa dos historiadores da filosofia é pegar e distribuir peixes, não destripá-los e menos ainda cozinhá-los segundo o seu próprio paladar. Fazer história da filosofia implica não apenas familiaridade com a filosofia, mas também domínio das habilidades especiais do historiador — e não ser alérgico à poeira dos arquivos. Ironicamente, os mais altos padrões de estudo filosófico encontram-se em dois extremos do espectro filosófico: lógica e história da filosofia. Os modernos padrões de rigor lógico foram estabelecidos por matemáticos, e os de exatidão histórica por historiadores. As razões situadas entre esses dois extremos, isto é, os campos propriamente filosóficos, têm a característica de serem frouxas nos seus padrões. Em suma, a história da filosofia é necessária, mas não se deveria permitir que se deslocasse a filosofia. Além do mais, não deveria omitir os obstáculos e estímulos sociais, bem como a exploração ideológica e a censura de algumas ideias filosóficas. (1) = = = >>

História da Filosofia: Uma Síntese Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Considerações Iniciais. 3. Filosofia Antiga: 3.1. Pré-Socráticos; . 3.2. Período Clássico ou Grego Romano. 4. Filosofia Medieval. 5. Filosofia Moderna. 6. Filosofia Contemporânea. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é sintetizar a história da filosofia, salientando os aspectos relevantes em cada um de seus períodos: filosofia antiga, filosofia medieval, filosofia moderna e filosofia contemporânea. 2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A filosofia difere da ciência, porque necessita da história. Nenhum filósofo começa do zero, mas acrescenta ao que o filósofo precedente já descobriu. Pode-se dizer que a

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história da filosofia é a soma das contribuições que cada filósofo deu ao quebra-cabeça que é a experiência humana. Vem um filósofo e dá uma solução, e todos aclamam como a melhor; tempo mais tarde, vem outro e dá outra solução para o mesmo problema, e assim sucede no tempo. 3. FILOSOFIA ANTIGA 3.1. PRÉ-SOCRÁTICOS Essência: descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio único (o arché, grego) existente em todos os seres físicos. Representantes: Tales de Mileto (623-546 a.C.), Anaximandro de Mileto (610-547 a.C.), Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.), Pitágoras de Samos (570-490 a.C.), Heráclito de Éfeso (?), Parmênides de Eléia (510-470 a.C.), Zenão de Eléia (488-430 a.C.), Empédocles de Agrigento (490-430 a.C.) e Demócrito de Abdera (460-370 a.C.) Anotações Para Tales de Mileto, considerado o pai da filosofia, a substância primordial era a água; para Anaximandro de Mileto, o apeíron, termo grego que significa o indeterminado, o infinito; para Anaxímenes de Mileto, que tentou uma possível conciliação entre Tales e Anaximandro, o ar; para Pitágoras de Samos, o número, e assim por diante. 3.2. PERÍODO CLÁSSICO OU GREGO ROMANO Essência: interesse no homem e nas suas relações em sociedade, com predominância das questões metafísicas e morais. Representantes: Protágoras de Abdera (480-410 a.C.), Górgias de Leontini (487-380 a.C.), Sócrates de Atenas (469-399 a.C.) Platão de Atenas (427-347 a.C.), Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.), Zenão de Cítio (336-263 a.C.) e Epicuro (342-271 a.C.). Anotações Passada a fase cosmogônica, os filósofos deste período começaram a se interessar pelo próprio ser humano e suas relações na sociedade. Essa nova fase denominou-se sofista. Etimologicamente, o termo sofista significa sábio. Entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de impostor, devido, sobretudo, às críticas de Platão. Os sofistas eram professores ambulantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de Filosofia. A função deles não era o estabelecimento de uma verdade única, mas o poder da argumentação. Por isso, ensinavam aos seus alunos os conhecimentos úteis para o sucesso dos negócios públicos e privados, utilizando o jogo de raciocínios e arte de convencer os seus oponentes, driblando as teses dos adversários. 1) PROTÁGORAS DE ABDERA É considerado o mais importantes dos sofistas, ensinava que o homem é "a medida de todas as coisas". 2) SÓCRATES DE ATENAS É considerado o marco divisório da história da Filosofia grega. Ele era também considerado um sofista, pois o seu estilo de vida muito se assemelhava ao dos sofistas profissionais. Saía de casa cedo e ia às praças públicas discutir com os jovens sobre toda a gama de conhecimentos. A diferença entre ele e os sofistas é que não o fazia pelo recebimento de dinheiro, mas pelo prazer de levar as pessoas a pensarem pela própria cabeça. Para atingir tal finalidade, criou o seu próprio método que, depois, foi denominado de maiêutica e ironia. Na ironia, confundia o saber que as pessoas tinham sobre um determinado assunto; na maiêutica, levava-os a uma nova visão do problema, aprofundando-o sempre, sem, contudo, chegar a uma conclusão definitiva. 3) PLATÃO DE ATENAS Discípulo de Sócrates, concebeu a teoria das idéias, em que procura explicar como se desenvolve o conhecimento. Segundo ele, o conhecimento se desenvolve pela passagem

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do mundo das sombras para o mundo verdadeiro, ou seja, o mundo das essências. Para atingir tal conhecimento, Platão propõe o método da dialética, que consiste na contraposição de uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, no sentido de aprimorar o conhecimento. 4) ARISTÓTELES DE ESTAGIRA Discípulo de Platão, é considerado o pai da lógica, ferramenta básica do raciocínio. Segundo ele, a finalidade primordial das ciências seria desvendar a constituição essencial dos seres, procurando defini-la em termos reais. Conforme Aristóteles, o movimento e a transitoriedade ou mudança das coisas se resume na passagem da potência ao ato. Exemplo: uma semente é potencialmente uma árvore, pois a plantando, podemos com o tempo vê-la crescer e frutificar. 4. FILOSOFIA MEDIEVAL Essência: conciliar fé com razão. Representantes: São Justino (165 d.C.), Tertuliano (nasc. 155 d.C.), Santo Agostinho (354-430), Santo Anselmo (1033-1109), Pedro Abelardo (1079-1142), Santo Tomás de Aquino (1221-1274), John Duns Scot (1270-1308) e Guilherme Ockham (1229-1350), Anotações Na Idade Média não existia uma Filosofia, mas correntes de opiniões, doutrinas e teorias, denominadas de Escolástica. Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho são seus principais representantes. Buscava-se conciliar fé com razão. O método utilizado é o da disputa: baseando-se no silogismo aristotélico, partiam de uma intuição primária e, através da controvérsia, caminhavam até às últimas conseqüências do tema proposto. A finalidade era o desenvolvimento do raciocínio lógico. 1) SANTO AGOSTINHO Santo Agostinho (354-430), influenciado por Platão, é o pensador que mais se destaca nesse período. Deixou formulado indicando o caminho para a sua solução - o problema das relações entre a Razão e Fé, que será o problema fundamental da escolástica medieval. Ao mesmo tempo demonstra claramente sua vocação filosófica na medida em que, ao lado da fé na revelação, deseja ardentemente penetrar e compreender com a razão o conteúdo da mesma. Entretanto, defronta-se com um primeiro obstáculo no caminho da verdade: a dúvida cética, largamente explorada pelos acadêmicos. Como a superação dessa dúvida é condição fundamental para o estabelecimento de bases sólidas para o conhecimento racional, Santo Agostinho, antecipando o cogito cartesiano, apelará para as evidências primeiras do sujeito que existe, vive, pensa e duvida. Em relação ao platonismo, o posicionamento de Santo Agostinho não é meramente passivo, pois o reinterpreta para conciliá-lo com os dogmas do cristianismo, convencido de que a verdade entrevista por Platão é a mesma que se manifesta plenamente na revelação cristã. Assim, apresenta uma nova versão da teoria das idéias, modificando-a em sentido cristão, para explicar a criação do mundo. Deus cria as coisas a partir de modelos imutáveis e eternos, que são as idéias divinas. Essas idéias ou razões não existem em um mundo à parte, como afirmava Platão, mas na própria mente ou sabedoria divina, conforme o testemunho da Bíblia. (Rezende, 1996, p. 77 e 78). 2) SANTO TOMÁS DE AQUINO Santo Tomás de Aquino (1221-1274), influenciado por Aristóteles, é o pensador que mais se destaca na Escolástica. Santo Tomás representa o apogeu da escolástica medieval na medida em que conseguiu estabelecer o perfeito equilíbrio nas relações entre a Fé e a Razão, a teologia e a filosofia, distinguindo-as mas não as separando necessariamente. Ambas, com efeito,

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podem tratar do mesmo objeto: Deus, por exemplo. Contudo, a filosofia utiliza as luzes da razão natural, ao passo que a teologia se vale das luzes da razão divina manifestada na revelação. Há distinção, mas não oposição entre as verdades da razão e as da revelação, pois a razão humana é uma expressão imperfeita da razão divina, estando-lhe subordinada. Por isso o conteúdo das verdades reveladas pode estar acima da capacidade da razão natural, mas nunca pode ser contrário a ela. (Rezende, 1996, p. 81). 5. FILOSOFIA MODERNA Essência: desenvolvimento da mentalidade racionalista, cujos princípios opunham-se à autoridade secular da Igreja. Representantes: Giordano Bruno (1548-1600), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784), d’Alembert (1717-1783), Rousseau (1712-1778) e Adam Smith (1723-1790), George Berkeley (1685-1753), David Hume (1711-1776), Immanuel Kant (1724-1804) Anotações A idade moderna é caracterizada pelo desenvolvimento do método científico. Até então, o conhecimento era dogmático. A partir do século XVI, transforma-se em conhecimento teórico-experimental, ou seja, toda a teoria deve passar pela experiência, no sentido de se aceitar ou rejeitar a hipótese levantada. Tomemos como exemplo o metal. Conhecimento dogmático: o calor dilata o metal; conhecimento teórico-experimental: colocando-se o metal no fogo, ele se dilatará; contudo, somente a experiência (observando o aumento de calor) é que poderemos dizer até que grau de temperatura ele se dilata ou se derrete. 1) CARTESIANISMO René Descartes (1596-1650) surge num período em que, devido à invenção da imprensa, o volume de informações torna o mundo incerto e confuso. O termo cartesianismo vem dele e significa não só o método pelo qual buscava os conhecimentos, como também os seus seguidores. As soluções propostas pelos pensadores da Escolástica, por Francis Bacon e por Montaigne não resolviam o problema íntimo do indivíduo. Descartes rompe esse quadro, faz tábua rasa e propõe o seu método. As regras do seu método são publicadas no livro intitulado Discurso do Método, em 1637, considerado pelos críticos como uma autobiografia espiritual do autor. Suas quatro célebres regras são: 1) Só admitir como verdadeiro o que parece evidente, evitar a precipitação assim como a prevenção; 2) Dividir o problema em tantas partes quantas as possíveis (é o que se chama regra de análise); 3) Recompor a totalidade subindo como que por degraus (regra da síntese); 4) Rever o todo para se Ter a certeza de que não se esqueceu de nada e que, portanto, não há erro. Essas regras auxiliam-nos a adquirir a certeza da verdade. Parte da dúvida metódica e dos princípios incondicionais da matemática. Suas teses influenciaram a maioria dos pensadores filosóficos posteriores. 2) ILUMINISMO O iluminismo é também conhecido como a Filosofia das luzes – movimento filosófico do séc. XIX que se caracterizava pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à tradição e à autoridade e pelo incentivo à liberdade de pensamento. Alguns pensadores iluministas:

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Montesquieu (1689-1755) defendeu em sua obra, O Espírito das Leis, a separação dos poderes do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário, como forma de evitar abusos dos governantes e de proteger as liberdades individuais. Voltaire (1694-1778) destacou-se pelas críticas que fazia ao clero católico, à intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. É famoso pela seguinte frase: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las". Diderot (1713-1784) e d’Alembert (1717-1783) foram os principais organizadores de uma enciclopédia de 33 volumes. Esta enciclopédia exerceu grande influência sobre o pensamento político burguês, pois defendia, em linhas gerais, o racionalismo, a independência do Estado em relação à Igreja e a confiança no progresso humano através das realizações científicas e tecnológicas. Rousseau (1712-1778) em sua obra, O Contrato Social, defende a tese de que o soberano deveria conduzir o Estado segundo a vontade geral de seu povo, sempre tendo em vista o atendimento ao bem comum. Adam Smith (1723-1790) é o principal representante do liberalismo econômico. Em seu Ensaio sobre a Riqueza das Nações criticou a política mercantilista, baseada na intervenção do Estado na vida econômica. Segundo ele, tudo deveria ser feito sem a intervenção do governo, guiado apenas pela "mão invisível", em que cada qual buscando o seu interesse próprio propiciaria a sobrevivência de todos. 3) IMMANUEL KANT O horizonte histórico vivenciado por Kant é marcado pela independência americana e a Revolução Francesa. Sua filosofia está na confluência do racionalismo, do empirismo inglês (Hume) e da ciência físico-matemática de Newton. À Hegel, acrescentam-se o idealismo e criticismo kantiano. A base da filosofia de Kant (1724-1804) está na teoria do conhecimento. Deseja saber, mas sem erro. Para tanto, elabora-a na relação entre os juízos sintéticos "a priori" e os juízos sintéticos "a posteriori". Aos primeiros, chama-os puros, que caberia à matemática desvendá-los; aos segundos, de fenômenos, influenciados pela percepção sensorial. Nesse sentido, o idealismo e o criticismo kantiano nada mais são do que seus próprios esforços para aproximar o fenômeno à "coisa em si". 6. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA Essencial: agrupamento da influência do materialismo, da filosofia de vida, da fenomenologia, do empirismo lógico e da filosofia da existência. Representantes: Augusto Comte (1798-1857), Karl Marx (1818-1883), Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855), William James (1842-1910), Edmund Husserl (1859-1938), Alfred Whitehead (1861-1947), Bertrand Russel (1872-1970), Martin Heidegger (18891976) e Jean-Paul Sartre (1905-1980). Anotações 1) O POSITIVISMO DE COMTE A Sociologia é a ciência da sociedade. Vem de societas (sociedade) e logos (estudo, ciência). É a ciência que estuda as estruturas sociais e as leis de seu desenvolvimento. Implica na análise do "fato social". O fato social são todas as formas de associações e as maneiras de agir, sentir e pensar, padronizadas e socialmente sancionadas. Auguste Comte (1798-1857) criou, em 1839, o vocábulo "Sociologia". Seu objetivo era emprestar ao conhecimento da sociedade um caráter "positivo", desviando-o das concepções teológicas e metafísicas. Utiliza os métodos das ciências naturais e constrói

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comparativamente os fundamentos da Sociologia. Estabelece, assim, as leis invariáveis para a sociedade, da mesma forma que a física ou química. Mostra o que é a sociedade (ciência) e não o que deve ser (filosofia). 2) O MATERIALISMO DIALÉTICO E HISTÓRICO Materialismo - Em filosofia, é a concepção de mundo onde a matéria é o motor do universo e a idéia sua conseqüência. Materialismo histórico - doutrina do marxismo, que afirma que o modo de produção da vida material condiciona o conjunto de todos os processos da vida social, política e espiritual. O materialismo histórico pode ser resumido da seguinte forma: numa sociedade escravagista, os escravos rebelando-se contra os senhores, convertê-la-ia em sociedade feudalista; no Feudalismo, os vassalos insurgindo-se contra os senhores feudais, tornála-ia uma sociedade capitalista; no Capitalismo, os proletariados lutando contra os empresários, tranformá-la-ia em sociedade comunista. O Comunismo seria uma sociedade igualitária onde não haveria a exploração do homem pelo homem. O comunismo, para Marx, seria a sociedade perfeita, a síntese final do processo de evolução dialética dos povos. Mesmo imbuído de boas intenções cometeu vários equívocos: não previu a divisão da propriedade corrigindo acumulação das riquezas, as novas tecnologias que aumentam a produtividade da mão de obra e a força sindical que melhora os salários. Em termos práticos, o comunismo foi implantado na Rússia e China, países pré-capitalistas: fato histórico que nega a suplantação do capitalismo. 3) EXISTENCIALISMO Existencialismo - Aplica-se esse nome às idéias filosóficas de Heidegger, Kierkegaard, Sartre e outros. Caracteriza-se pela negação do abstracionismo racional de Hegel. Para Kierkegaard, por exemplo, um sistema lógico de idéias não alcança a existência, o individual. Faz abstração deste, tem por objetivo as essências, os possíveis, e não o existente, o indivíduo, que não se explica, não se deduz, nem se demonstra. A base do existencialismo está na discussão do possível. Para Sartre: "A existência precede a essência". É a tese da impossibilidade do possível. Ele retoma a fórmula de Lequier: "Fazer e, ao faze, fazer-se". É a expressão metafísica da crença na liberdade absoluta segundo a qual o ser vivo e pensante faz a si mesmo tanto quanto lho permitem certas determinações já tomadas. Além do exposto, Abbagnano acrescenta o grupo da necessidade do possível e o grupo da possibilidade do possível. 4) FENOMENOLOGIA Fenomenologia é definida como "um estado puramente descritivo dos fatos vividos de pensamento e de conhecimento". Hegel, na sua obra Fenomenologia do Espírito (1807), expõe que o progresso da consciência se realiza de forma dialética até atingir o saber absoluto; Kant, por outro lado, separa os juízos "a priori" (essências) e os juízos "a posteriori". Somente em Husserl, a fenomenologia toma o sentido corrente e específico: "o fenômeno constitui, pois, a manifestação do que é, aparência real e não aparência ilusória". A fenomenologia, portanto, para Husserl e seus seguidores, significa uma redução do "eu transcendental". Nela, supõe-se que os dados da consciência relativos aos fenômenos, não podem estar separados da essência. O grande desafio do ser humano é captar a essência que está embutida na existência. Neste mister, cabe-nos renunciar aos dogmas a aos preconceitos, tala qual fizeram Descartes, Hume e outros. 7. CONCLUSÃO Este olhar sintético sobre a história da filosofia possibilitou-nos a tomada de consciência sobre a contribuição de cada um dos filósofos citados. Em cada época, a contribuição é individual e pode entrar em contradição com a dos outros que o precederam, mas a essência da filosofia continua sempre a mesma: na Antiguidade o

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conhecimento de si mesmo; na Idade Média, a conversão agostiniana; na Idade Moderna, o cogito cartesiano. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia para uma Geração Consciente. Elementos da História do Pensamento Ocidental. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. FROST JR., S. E. Ensinamentos Básicos dos Grandes Filósofos. São Paulo: Cultrix, ____ REZENDE, A. (Org.). Curso de Filosofia: para Professores e Alunos dos Cursos de Segundo Grau e de Graduação. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. << = = = (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Homem Homem. Do latim homine significa qualquer indivíduo pertencente à espécie animal que apresenta maior grau de complexidade na escala evolutiva. (1) Antropologia física. Vertebrado, pertencente à classe dos Mamíferos, subclasse dos Placentários, ordem dos Primatas, família dos Hominídeos, gênero Homo, que se encontra representado na atualidade por uma única espécie, o Homo Sapiens Lin, com vários grupos, raças, sub-raças e tipos ou fácies locais. Também se define como o único animal mamífero de posição normal ou vertical, capaz de linguagem articulada, constituindo entidade moral e social. (2) Há no homem três coisas: 1.º – o corpo ou ser material análogo aos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2.º – a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo; 3.º – o laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o espírito". (3)

Homem: concepção bíblica. Enquanto os filósofos definiam o homem como "animal racional", a Bíblia o definia como imagem de Deus. A concepção bíblica coloca-nos diante de uma imagem unitária do homem: alma, carne, coração e espírito são aspectos diferentes de uma única realidade. Expressa a condição de toda a humanidade, unida em um destino comum. Alma e corpo são dois elementos inseparáveis. Por isso, nessa linha da antropologia bíblica, a sobrevivência da alma separada do corpo não coincide com a concepção platônica e neoplatônica da imortalidade da alma, segundo a qual o homem é um espírito (alma) que existia antes de entrar no corpo, que é como uma prisão, e continua existindo ao libertar-se do corpo, o que acontece com a morte. Na concepção bíblica e cristã, a alma humana começa a existir para unir-se ao corpo e sobrevive ao corpo morto sem perder sua relação com ele. E sempre conserva uma exigência natural para se "reincorporar" e recompor seu ser pessoal, o que ocorre na ressurreição. (4) Homem: unidade e contradição. O homem unitário é composto de instâncias antagônicas.

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O homem é um ser social, que se realiza de certa forma em inúmeros indivíduos. Se fosse como os animais, estaria submetido à espécie. O aspecto conflitivo do homem está em que, superando a animalidade, tornou-se pessoa e, como tal, um fim em si mesmo, que não pode subordinar-se à espécie. Mas, ao mesmo tempo, é um ser social que precisa regular sua vida no meio de uma grande quantidade de pessoas, cada uma das quais também é um fim em si mesma, exigindo respeito e veneração. A preferência por um dos elementos dessa antítese leva a soluções unilaterais. Observam-se, por exemplo, tendências do psicologismo, que procuram a causa de todos os problemas humanos nas raízes internas da consciência e do inconsciente. Assim, pretendendo-se salvar a pessoa afetada por problemas interiores, cai-se facilmente na posição de antepô-la aos outros subordinando a ela os interesses dos demais, que, no fundo, são iguais aos da pessoa que se torna centro da problemática psicológica. Na verdade, os outros convertem-se em elementos que não devem impedir a solução dos problemas particulares do sujeito principal. As tendências do sociologismo, ao contrário, preocupam-se essencialmente com a construção de uma sociedade justa e bem organizada, que supere o problema dos abusos individuais e na qual os bens sejam distribuídos equitativamente e sem discriminações entre todos os membros da sociedade. Tomando-se como preferencial o ponto de vista comunitário e sociológico, cai-se facilmente na posição segundo a qual os interesses pessoais deixam de ser um fim em si e se submetem aos interesses da sociedade. No caso anterior, eram os outros que se convertiam em instrumentos; neste caso, é a pessoa que passa a ser um instrumento a serviço da sociedade. Todas as grandes concepções morais, políticas e religiosas sempre procuraram chegar a uma síntese desse duplo aspecto do homem: o pessoal e o psicológico e o social e comunitário. Alguns exemplos: a guerra, que exige a morte de pessoas pelo bem da sociedade; a economia, que exige sacrifícios decisivos em determinada conjuntura em nome de um futuro mais próspero, a ser usufruído pelas gerações vindouras; a repressão da liberdade em benefício da ordem. Trata-se de todo um mundo de conflitos, que limitam diariamente as opções concretas da pessoa, a ponto de obrigá-la a arriscar a sua vida pessoal e única em favor da "sociedade", no fundo, uma multidão desconhecida. Essa contradição se agrava historicamente nas lutas sociais e políticas, principalmente em função das desigualdades sociais. E esses problemas agravaram-se tragicamente em virtude do egoísmo e da ambição humana, que procuram açambarcar desmedidamente os bens e privilégios: daí a guerra e outros desastres. Há ainda outra divisão: trata-se do fato de que o ser humano se nos apresenta em duas manifestações sexualmente diferentes: o homem e a mulher. Suas características psicossomáticas são diferentes em virtude de suas missões na existência. Mas a realidade é que a força converteu-se em lei e a mulher ficou secularmente reduzida à condição de objeto de posse e satisfação do homem. A existência humana, que deveria ser um encontro amoroso especialmente através dos sexos, converteu-se muitas vezes em um conflito sexual escravizador da mulher, com as consequentes deformações masculinas. E a própria condição humana continua pondo um desafio para o homem e a mulher que queiram vivê-la autenticamente.

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Mas as contradições não se apresentam somente entre uma pessoa e as outras. Dentro da própria pessoa também se destacam tensões antagônicas que tornam a vida problemática. Uma das mais importantes é a contradição que ocorre com os anseios mais nobres do espírito. Trata-se de uma contradição dilacerante que converte a vida do homem em uma constante luta consigo mesmo. A vida reclama a maior quantidade de energia psíquica seus imperiosos impulsos. Mas, como o homem é um ser limitado, essa satisfação só pode ser alcançada às custas de outras tendências, mais elevadas e espirituais. O ideal biológico humano não coincide com o espiritual. Muitas vezes, um gênio cultural que contribui decisivamente para a humanidade é um ser doente para a biologia, ao passo que a pessoa sadia e robusta se consome em suas meras satisfações somáticas. Frequentemente, o heroísmo das causas grandiosas exige rupturas vitais, quando não a própria vida. Quanto mais elevada é uma meta, ela costuma ser mais árdua e exigir sacrifícios que só podem realizar-se às custas dos desejos primários, que habitualmente se rebelam. A multiplicidade e o antagonismo das tendências mais íntimas do ser humano o expõem a uma luta, não contra agentes externos, mas no seio de sua própria personalidade. Um aspecto dessa divisão interior é a que costuma se dar entre a razão e o coração. Há uma divergência causadora de conflitos entre a busca fria e abstrata de uma verdade universal que se estende igualitariamente a todos e a calorosa tendência do coração, que se volta para a pessoa concreta e que é capaz de renunciar ao mundo pelo olhar de um amigo. Trata-se de conflitos como os surgidos entre a concepção essencialista da verdade, com a validade para qualquer sujeito, e a captação existencial, na qual o sujeito torna-se o centro e a norma do conhecimento puro, que possa ser válido para qualquer pessoa de qualquer planeta; por outro lado, procura-se a verdade do sujeito, que compromete todo o seu ser e, portanto, é exclusivo. É a dupla dimensão das ciências abstratas e da filosofia existencial, da moral ou da religião. Outro aspecto da divisão humana é o colocado pela contraposição entre teoria e práxis. Também nesse caso nos encontramos diante de duas vertentes necessárias da mesma realidade, que levam forçosamente a uma opção exclusiva ou parcial. Cada homem deve escolher uma dessas facetas para realizar-se ou pelo menos dar preferência a um em detrimento da outra. Uma coisa é o mundo do planejamento racional, e outra é o da dolorosa execução. Uma coisa é o mundo do estudo, das leis e da ciência e outra o mundo do trabalho, dos negócios e das lutas políticas. E viver é dar preferência a um desses campos em detrimento do outro. O tempo também nos coloca diante de novas ambiguidades, que dividem os diversos homens e cada um em particular. Na medida em que a vida não é algo realizado e presente, mas sim um fluir ininterrupto em que o passado morre e o futuro nasce constantemente, sempre nos defrontamos com a possibilidade de uma atitude de defesa do presente que se vai cristalizando no passado e de uma atitude mais revolucionária, que se projeta para o futuro, sempre à espera do novo que destruirá o superado e trará a plenitude. Daí, o conservadorismo e o progressismo, a segurança do passado e a esperança do porvir. É como uma necessidade de cobrir duas frentes diferentes, o que nunca se pode conseguir plenamente. O que obriga a opções que limitam e estruturam a realização humana. A essas limitações, inerentes à própria condição humana, devemos acrescentar as divisões que a cultura especializada moderna impõe propriamente. Diante de homens

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de culturas mais primitivas, que atuam em quase todos os aspectos da realidade, a técnica moderna obriga progressivamente a uma redução do campo de ação. É preciso escolher uma carreira, uma profissão ou um ofício. Dentro dessa primeira restrição deve-se delimitar um campo às vezes insignificante e sem sentido da totalidade para conseguir fazer algo com alguma competência. Assim, o horizonte humano vai-se estreitando, ao passo que se amplia incessantemente o campo das realidades que vão sendo abandonadas. Em consequência disso, surge um conflito entre a extensão dos conhecimentos e da ação e a especialização da capacidade humana: é preciso escolher entre saber pouco de muito ou saber muito de pouco, entre a extensão sem profundidade ou a profundidade sem extensão. (4) Qual o segredo da vida? Saia e compre 18 kg de carbono, fósforo suficiente para fazer dois mil palitos e um pequeno prego de ferro. Depois, procure um farmacêutico camarada, e peça-lhe pequenas quantidades de outros elementos relativamente comuns. Leve-os para casa, misture-os num balde, adicione 50 litros de água e mexa. A mistura resultante é quimicamente similar a uma pessoa. No entanto, não constitui um ser humano e não pode, claro, ganhar vida. Qual, então, o segredo da vida? O que transforma um punhado de produtos químicos em entidade biológica viva e que respira? (5)

(1) FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [s. d. p.] (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (3) KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: Feesp, 1995. (4) IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983. (5) MOSLEY, Micahel e LYNCH, John. Uma História da Ciência: Experiência, Poder e Paixão. Tradução de Ivan Weisz Kuck. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

Humanidade Humanidade. 1. Conjunto dos seres humanos. Sinônimo: gênero humano. ("a história da humanidade"). Esta abstração que serve de suporte a elevado número de princípios morais ("sacrificar-se para o bem da humanidade") não deve confundir-se com o homem em geral, que é simultaneamente objeto de uma definição científica (zoológica) bastante precisa e base de considerações psicológicas ou morais, frequentemente mais intelectuais e mais globais do que as respeitantes à "humanidade". No fim da vida, Augusto Comte encarava a hipótese de fundar uma "Religião da Humanidade", considerada como ser coletivo.

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2. Conjunto das características específicas e particulares ao homem, que o separam dos restantes animais. Num sentido mais específico: bondade natural, indulgência, piedade... atribuídas ao homem ("agir com humanidade"). (1) Humanidade. A. Conjunto de características comuns a todos os homens, inclusive a vida, a animalidade etc. B. Conjunto de características que constituem a diferença específica da espécie humana com relação às espécies vizinhas. C. Conjunto dos homens, considerado algumas vezes, como constituindo um ser coletivo. D. Piedade, simpatia espontânea do homem pelos semelhantes. E. Por oposição quer ao racismo, quer às doutrinas totalitárias, a doutrina que faz da humanidade (do caráter humano, completamente realizado) o fim moral e político por excelência. (2) Humanidade. 1. Como sinônimo de gênero humano, o conceito de "humanidade" designa o conjunto dos seres humanos. Fala-se, assim, da "história da humanidade", do devotamento ou trabalho para "o bem da humanidade" ou da "religião da humanidade" (expressão de Comte, que considera a humanidade um ser coletivo). 2. Conjunto das características específicas do ser humano que o torna diferente dos outros animais. Assim, quando pedimos a alguém para "agir com humanidade", pedimos -lhe que aja com bondade natural, com indulgência, com "humanismo", sem crueldade, com justiça etc. 3. No sentido atual e forte do termo, humanidades designa "as disciplinas que contribuem para a formação (Bildung) do homem, independentemente de qualquer finalidade utilitária imediata, isto é, que não tenham necessariamente como objetivo transmitir um saber científico ou uma competência prática, mas estruturar uma personalidade segundo uma certa paideia, vale dizer, um ideal civilizatório e uma normalidade inscrita na tradição, ou simplesmente proporcionar um prazer lúdico" (S. P. Rouanet, As razões do Iluminismo). (3) Humanidade. Hist. Cult. 1) Termo usado sobretudo em quatro sentidos: a) essência ou natureza humana, isto é, aquilo que faz que um homem seja homem; b) solicitude do homem pelo seu semelhante, ou filantropia em sentido amplo, abrangendo vasta gama de formas; c) processo de formação do homem, de humanização (a paideia dos Gregos); d) gênero humano, ou conjunto de todos os homens. 2) Facilmente se vê como entre si estão relacionados estes vários significados. 3) A consideração do conjunto formado por todos os indivíduos que participam da mesma natureza humana, é de todos os tempos mais que objeto direto de investigação, a questão da natureza e características da humanidade têm sido abordadas ao estudar outros temas, como a natureza da sociedade e das pessoas morais, a universalidade da lei natural, o direito e sociedade internacional, a história, ou no campo religioso, o pecado original, o Corpo Místico, a Igreja (sobretudo enquanto uno e católica) etc. Se houvéssemos de traçar um panorama histórico das principais elaborações teóricas sobre a humanidade, não poderiam faltar, entre outros, os nomes de Agostinho, Confúcio, Dante, Vico, Herder, Comte etc. 4) A problemática implicada é complexa e difícil: a) antes de mais nada, a humanidade é um "dado" — o conjunto dos homens (quer considerados em determinado momento

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histórico quer em toda a extensão do tempo) é uma realidade. b) a humanidade, que é um "dado", é, em grande medida, um dado "potencial" ou virtual. Na sua atualização, que se verifica sob o signo do tempo, entram (de modo semelhante ao que sucede na constituição da sociedade), em percentagens e modalidades diferentes, fatores de determinismo e de liberdade. c) A humanidade é uma "tarefa", em duplo sentido: enquanto ainda não está toda atualizada, mas é, em grande parte, "a-fazer"; e enquanto implica um autêntico "dever-ser", que gera nos homens um verdadeiro "dever-fazer". Esta vocação de construtores da humanidade, em colaboração com outros homens e com Deus, vigora desde o começo da história humana e impende sobre todos e cada um; a modalidade concreta é que varia imensamente, de caso para caso e de tempo para tempo... A ameaça radical reside na tentativa de realizar a humanidade sem ou contra Deus, de alcançar a fraternidade eliminando o pai comum. (4)

(1) LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Tradução por Armindo José Rodrigues e João Gama. Lisboa: Edições 70, 1986. (2) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (3) JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. (4) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

Humanismo Humanismo. Do latim humanistas. Atitude filosófica que faz do homem o valor supremo e que vê nele a medida de todas as coisas. Movimento intelectual que surgiu no renascimento. Lutando contra a esclerose da filosofia escolástica e aproveitando-se de um melhor conhecimento da civilização grego-romana, os humanistas (Erasmo, Tomás Morus etc.) se esforçaram por mostrar a dignidade do espírito humano e inauguraram um movimento de confiança na razão e no espírito crítico. Por uma espécie de deslocamento, o termo "humanismo" tomou dois sentidos particulares: a) na filosofia, designa toda a doutrina que situa o homem no centro de sua reflexão e se propõe por objetivo procurar os meios de sua realização; b) na linguagem universitária, designa a ideia segundo a qual toda formação sólida repousa na cultura clássica (chamada de humanidades). (1) Humanismo. Historicamente, é antes de mais nada uma corrente intelectual do Renascimento (os chamados humanistas: Petrarca, Pico della Mirandola, Erasmo, Budé...), baseada no estudo das humanidades greco-latinas, que desembocou numa certa valorização do indivíduo. Mas a palavra, em filosofia, tem um sentido muito mais amplo: ser humanista é considerar a humanidade um valor, o valor supremo, mesmo. Resta saber se esse valor é um absoluto, que se dá a conhecer, a reconhecer, a contemplar, ou se é relativo à nossa história, a nossos desejos, a certa sociedade ou

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civilização... No primeiro caso, fala-se de humanismo teórico, o qual pode ser metafísico ou transcendental, mas tende sempre a se tornar uma religião do homem; no segundo, de humanismo prático, que não aspira a nenhum absoluto, a nenhuma religião, a nenhuma transcendência: é tão-somente uma moral ou um guia para a ação. O primeiro é uma fé, o segundo, uma fidelidade. O primeiro faz da humanidade um princípio, uma essência ou um absoluto; o segundo vê nela apenas um resultado, uma história, uma exigência. (2) Humanismo. Abordagem filosófica baseada na suposição de que a humanidade é a coisa mais importante que existe e que não pode haver conhecimento de um mundo sobrenatural - caso ele exista. (3) Humanismo. Conceder importância superior ao que é humano e não a questões divinas ou sobrenaturais. (4) Humanismo. Historicamente, é o movimento europeu (a partir do século XIV na Itália, final do século XV e século XVI na França) que redescobriu as obras e os textos da Antiguidade, opondo-se, em decorrência disso, à escolástica da Idade Média. Cristão (para conciliar a Bíblia e a literatura antiga) ou "paganizante" (aproveitando os modelos antigos para colocar em questão os valores do cristianismo), essa corrente principal desenvolve o espírito de crítica, favorece a libertação da filosofia da teologia e lança-se em busca de uma sabedoria (cf. Montaigne) que possa unir o gosto da erudição e o amor da vida (cf. Rabelais) para exaltar a dignidade do homem. Do século XVI ao final do século XVIII na França, o humanismo é o produto do estudo das "ciências humanas" (textos literários e filosóficos) e corresponde a via clássica, recusando qualquer excesso e privilegiando o "bom gosto", assim como as características de civilidade atribuídas ao "gentil -homem". De um modo geral, hoje é possível designar de humanismo qualquer atividade ou teoria que afirma que a dignidade humana é o valor supremo e deve portanto ser tão favorecida quanto defendida dos ataques procedentes dos poderes políticos, econômicos, religiosos (embora se possa falar de um humanismo cristão), etc. Nesse sentido, o humanismo encontra-se em tendências filosóficas muito diversas (personalismo, existencialismo sartreano ...), mas é possível constatar sua ineficácia flagrante na história das sociedades. Além disso, tal concepção parece implicar uma definição preliminar do homem, o que pode acarretar paradoxalmente a exclusão de certos seres humanos da humanidade no sentido nobre. Assim, consegue-se compreender porque o humanismo tradicional foi atacado com violência por filósofos como Marx ou Nietzsche em nome de uma concepção diferente do que pode ou deve ser o homem. Por isso o marxismo, por exemplo (mas também o freudismo, o pensamento de Heidegger, etc.), pode ser indiferente qualificado de anti-humanismo — pelo fato de recusar a situação à qual o homem chega historicamente — e de humanismo — pelo fato de propor um devir mais digno para o ser humano. (5) Humanismo. Uma ampla e secular antropologia filosófica e filosofia social. Rejeita crenças no sobrenatural e convida a seu exame crítico; advoga códigos morais e programas políticos que enfatizam a livre investigação, os direitos e o bem-estar humanos; e promove a separação entre a Igreja e o Estado. A ética humanista afirma que as morais não são dadas por Deus, mas feitas pelo homem, e que a maior obrigação de uma pessoa não é para com divindades imaginárias, mas para com seus semelhantes.

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O humanismo secular tem sido com frequência encarado como u ma doutrina puramente negativa concentrada na negação do sobrenatural. Não é bem assim, como poderá evidenciar qualquer boa amostragem de literatura humanística. De fato, o humanismo secular é uma cosmovisão positiva composta de cinco teses principais. Cosmológica: Tudo o que existe é, ou natural, ou obra manual ou do humano. Epistemológico: É possível e desejável descobrir a verdade acerca do mundo e de nós próprios apenas com a ajuda da experiência, da razão, da imaginação, da crítica e da ação. Moral: Cumprenos sobreviver neste mundo, o único que é real, pelo trabalho mais do que pela prece, e desfrutar a vida, bem como ajudar os outros a viver em vez de condená-los. Social: Liberdade, igualdade e fraternidade. Política: Ao mesmo tempo em que defendemos a liberdade do culto religioso e da fidelidade política, devemos trabalhar para a consecução e a manutenção de um Estado laico e uma ordem social democrática plena. Entretanto, nem todo humanista atribui o mesmo valor a todos os cinco componentes. É típico que, enquanto alguns deles acentuam os componentes intelectuais, outros enfatizam os sociais. O que é igualmente justo, pois prova que, longe de ser uma seita ou um partido, o humanismo secular é um amplo guarda-chuva que abriga tanto os ativistas sociais quanto os livre-pensadores. (6) Humanização. Nascemos homens ou mulher; tornamo-nos humanos. Esse processo, que vale tanto para a espécie como para o indivíduo, é o que podemos chamar de humanização: é o devir humano do homem – o prolongamento cultural da hominização. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (3) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011. (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (5) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (6) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Hybris ou Hubris Hybris. Nome que designa, em grego, toda espécie de desmedida, de exagero ou de excesso no comportamento de uma pessoa: orgulho, insolência, arrebatamento etc. Bastante empregado na filosofia moral, esse termo se opõe a medida, equilíbrio. (1)

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"Hubris". Palavra grega que significa "vaidade" - não vaidade espiritual nem, na verdade, qualquer defeito moral, mas antes uma sensação de vanglória e de despreocupada insolência, "desafiando a Providência". O castigo para isto era dado por Nêmesis, deusa da vingança. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário).

Idealismo Idealismo. Atitude de espírito aberta a um ideal. Idealista é aquele que crê no poder das ideias e na nobreza dos sentimentos, para reformar o homem e a sociedade. Neste sentido, o idealista se opõe tanto ao materialista quanto ao egoísta. (1) Do latim tardio idealis. Em sentido geral, “idealismo” significa dedicação, engajamento, compromisso com um ideal, sem preocupação prática necessariamente, ou sem visar sua concretização imediata. Ex.: o idealismo de fulano. O termo “idealismo” engloba, na história da filosofia, diferentes correntes de pensamento que têm em comum a interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do mundo interior, subjetivo ou espiritual. Do ponto de vista da problemática do conhecimento, o idealismo implica a redução do objeto do conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no sentido ontológico, equivale à redução da matéria ao pensamento ou ao espírito. O idealismo radical acaba por levar ao solipsismo.(2) Nome comum aos sistemas filosóficos que admitem a existência de um princípio não material. Opõe-se, assim, ao materialismo. É opondo idealismo a realismo que se pode determinar com precisão o sentido usual desse termo em filosofia. (3)

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De ideal. Atitude de espírito aberto a um ideal. Idealista é aquele que crê no poder das ideias e na nobreza de sentimentos, para reformar o homem e a sociedade. Neste sentido, o idealista se opõe tanto ao materialista quanto ao egoísta. Opõe-se ao materialista convencido de que são a matéria e os determinismos das leis físicas, biológicas e econômicas que determinam inelutavelmente as ideias e não podem ser por elas orientados. Opõe-se ao egoísmo fechado em seus próprios interesses que julga que só pela provocação calculista dos interesses é possível motivar os indivíduos e os grupos para a ação. Por essa dupla oposição, o idealismo é acusado de irrealista e utópico. No entanto, é certo que é imenso o acervo de realizações que a Humanidade criou por puro idealismo, e neste acervo se incluem as mais altas e perfeitas. Seria incontável o número de obras de promoção humana, de educação, de assistência hospitalar e outras, que haveriam de parar se fossem esvaziadas de sua motivação idealista. O idealismo, aliás, é uma das características mais nobres da juventude. Não ainda comprometida na trama de interesses pessoais ou de grupos, ela encontra no idealismo uma das fontes mais abundantes de sua inspiração e ação. O termo idealismo tem ainda várias acepções em Filosofia, referindo-se principalmente às doutrinas que negam aos fenômenos uma subsistência em si mesmos e os reduzem a meras representações mentais.(4) Designa de maneira geral a tendência filosófica que reconduz qualquer existência ao pensamento - seja na realidade, seja no conhecimento. Aplica-se a partir de então a doutrinas bem diferentes. Em Platão, a existência separada atribuída às ideias com relação ao mundo material é igualmente denominada de "realismo platônico". O idealismo de Berkeley, no qual o mundo exterior só existe pelas percepções e ideias que dele temos, é mais corretamente denominado imaterialismo. Kant denomina de idealismo transcendental dos fenômenos o fato de os últimos constituírem simples representações relativas a nossos meios de conhecimento e não coisas em si. Trata-se portanto de um idealismo crítico, que ele opõe ao idealismo "empírico" (Descartes, Berkeley, Condillac), para o qual a existência dos objetos fora de nosso pensamento é duvidosa ou impossível (observamos todavia que em Descartes esse idealismo é apenas temporário e metódico). A filosofia alemã do século XIX propõe ainda: o idealismo "subjetivo" de Fichte, o idealismo mágico de Novalis, o idealismo "objetivo" de Schelling, antes da afirmação por Hegel, do idealismo absoluto, no qual a ideia garante seu próprio desenvolvimento dialético até sua assimilação ao Espírito Absoluto. Alternadamente oposta ao realismo, ao empirismo ou ao materialismo a tendência idealista aparece desse modo como uma constante na história da filosofia. Notemos contudo que, para o pensamento contemporâneo, o termo sob a influência crítica marxista, pode assumir um sentido pejorativo para designar uma concepção decerto generosa ou ambiciosa mas irrealizável ou utópica. Em moral, mais particularmente, o idealismo significa com frequência uma ignorância das condições concretas da conduta. (5)

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Idealismo. Doutrina filosófica que considera os objetos de percepção como imagens na nossa mente. Segundo o idealismo, as sensações e as ideias na nossa mente são as únicas coisas existentes. O oposto de materialismo. Segundo o idealismo hegeliano, a realidade é a manifestação do espírito absoluto. (6) Idealismo. Concepção de que a realidade consiste essencialmente de algo não material a mente, os conteúdos da mente, espíritos, ou um espírito. (cf. materialismo) (7) Idealismo. Os objetos do conhecimento dependem da atividade mental. (8)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (4) ÁVILA, Fernando Bastos de, SJ. Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Loyola, 1993. (5) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (6) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário). (7) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011. (8) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Idealismo Alemão A filosofia alemã depois de Kant A Aufklärung, que atinge o seu ponto máximo com o criticismo kantiano, produz na Alemanha do final do século XVIII um autêntico renascimento da filosofia. Deve-se ressaltar, entretanto, que esse renascimento toma uma direção que não é exatamente o que Kant havia previsto.

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O idealismo kantiano é ainda um idealismo formal; refere-se às condições em que o sujeito pode conhecer e deixa o absoluto fora dos limites do conhecimento. Contudo, as filosofias que o sucedem - em primeiro lugar as de Fichte e Schelling e depois a de Hegel - criticam esses limites e tratam de superar o divórcio entre o pensamento e a realidade, afirmando a identidade entre sujeito e objeto como momentos do Absoluto que pode e deve ser conhecido.

Pós-kantismo e pré-romantismo A difusão da filosofia kantiana na Alemanha ocorreu de imediato pela obra de Karl Leonhard Reinhold (1758-1823). O centro dessa difusão é a Universidade de Jena, onde se forma e de onde se expande o movimento idealista. Alguns aspectos do kantismo são vivamente criticados por filósofos anteriores ao idealismo: Gottlieb Ernst Schulze (1761-1833), Salomon Maimon (1754-1800) e Friedrich Heinrich Jacobi (1743-1819). Embora a partir de posições diferentes, esses autores se opõem antes de tudo ao conceito kantiano de coisa em si, destacando a contradição: a existência de algo que pode ser pensado mas não conhecido. O kantismo também desperta a oposição de filósofos que valorizam o sentimento mais do que a razão e que denunciam, por isso, o caráter unilateral do racionalismo kantiano: o já citado Jacobi e, muito particularmente, Johann Georg Hamann (1730-1788) e Johann Gottfried Herder (1744-1803). Herder é o inspirador do movimento pre-romântico do Sturm and Drang ("Tempestade e tensão") encabeçado nessa época pelo jovem Goethe. Como um movimento que anuncia o romantismo, o Sturm and Drang é irracionalista e afirma a autoridade do coração e dos sentimentos frente à razão, e trata de salvar o dualismo e espírito e matéria incorporando a filosofia panteísta de Spinoza. O naturalismo de Spinoza terá muita importância no desenvolvimento do idealismo alemão. Não coube exclusivamente a Herder a revalorização da filosofia spinoziana, mas ao fato de havê-la integrado nos moldes de um pensamento que postula a unidade interna do ser humano e que combate os dualismos kantianos de sensibilidade e razão, experiência e conceitos puros, forma e conteúdo. Sua principal obra — Ideias sobre uma filosofia da história da humanidade (1784-1791) — reflete esse enfoque naturalista ao conceber a história como um desdobramento de forças orgânicas que recomeça sempre. Hegel, que é a figura mais importante do idealismo alemão, fará grande uso dessa filosofia da história.

Schiller e a educação estética do homem Os filósofos do romantismo O idealismo como metafísica

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Fichte: o idealismo ético Essa característica é colocada em primeiro plano por Johann Gottlieb Fichte (17621814), discípulo de Kant num primeiro momento e depois sucessor de Reinhold na Universidade de Jena. Em sua obra Fundamentos da teoria total da ciência (1794), ele apresenta a filosofia no sentido grego de episteme, ou "ciência", cujos objetivos são o conhecimento e o saber em si mesmos. Fichte se propõe então a reconstrução da filosofia como ciência que harmonize as condições do conhecimento teórico com a doutrina prática da moral e a teoria do estado. Mas, antes de derivar essas formas éticas, é preciso colocar tudo no pensamento, quer dizer, num "eu". Este "eu" abrange o sujeito e o objeto, o pensamento e o que é pensado, e tem como tarefa capturar sempre algo que se opõe a ele como "não-sei". Ou seja, por um lado Fichte é um idealista que entende que tudo o que chamamos de "ser" é produto da atividade do pensamento, mas por outro lado defende que a coisa em si de Kant, apesar de ser pensada pelo "eu", coloca-se fora desse, contraditória e necessariamente como "não-sei", isto é, como mundo. Dessa contraposição entre "eu" e "não-eu", Fichte extrai o princípio da ação moral, porque o "eu" é acima de tudo autorealização, desdobramento ativo diante do mundo que se opõe a ele: fazer.

Schelling: o absoluto Friedrich Schelling (1795-1854) suprime esse dualismo contraditório da coisa em si que Fichte ainda mantém. O ponto de partida é então o do Absoluto, entendido cmo uma identidade indiferente entre sujeito e objeto que depois, ao produzir a si mesmo, diferencia-se nesses dois momentos que são captados pelo pensamento. O Absoluto é assim, para Schelling, como o Ser de Parmênides ou o Um dos neoplatônicos: algo indiferenciado, carente de determinações. No entanto, o Absoluto não é algo que esteja fora do pensamento: ele mesmo existe em virtude de um movimento de auto-reflexão pelo qual adquire suas próprias determinações como sujeito e objeto, espírito e natureza. A filosofia de Schelling evolui mais tarde para misticismo teológico em que são abandonadas as posições do idealismo absoluto. Esse chegará então à sua plenitude com a filosofia de Hegel.

Caixa: Quem muito pensa pouco faz Caixa: A natureza profanada

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O idealismo absoluto: Hegel O idealismo absoluto, cujos termos haviam sido intuídos, mais do que sistematizados, por Schelling, atinge a sua maturidade com a filosofia de Hegel. É preciso levar em conta, no entanto, que, para além desses antecedentes imediatos, Hegel volta a formular todas as grandes questões da metafísica ocidental. A filosofia hegeliana representa o apogeu de uma longa tradição filosófica que tem seu ponto de partida nos gregos e é como uma grandiosa recompilação de toda a história do pensamento, uma vasta síntese em que, pela primeira e última vez, um filósofo consegue materializar o sonho do saber absoluto. Com Hegel, chega ao fim a filosofia entendida como metafísica que procura construir uma explicação integral do Universo. Ao mesmo tempo, porém, a filosofia hegeliana configurou de maneira decisiva a linguagem e o pensamento de nossa época e está presente em todas aquelas filosofias contemporâneas que não sejam positivas.

Pensar o absoluto A filosofia de Hegel é a filosofia do idealismo absoluto, o que significa que nela se levam às últimas consequências as posições que Fichte e Schelling tinham desenvolvido anteriormente em suas respectivas críticas ao idealismo subjetivo de Kant. Na filosofia kantiana, o mundo aparece dividido em sujeito e objeto, formas a priori e a posteriori, razão e experiência. A coisa em si, que é o conceito-chave que os idealistas alemães pós-kantianos contestam, indica que por baixo daqueles dualismos permanece o absoluto, o ser em si das coisas, como algo que o pensamento não pode conhecer. Só conhecemos, diz Kant, a maneira como as coisas aparecem para nós, isto é, os fenômenos. Para Hegel, em contrapartida, tal como para Schelling, esse divórcio entre o pensamento e a realidade essa cisão do sujeito e objeto são incorretas. O idealismo consequente diz que existe uma identidade entre sujeito e objeto. Nada existe além do pensamento. O ser é o que pode ser pensado. O conhecimento, portanto, não é mero conhecimento fenomênico, mas conhecimento total. O absoluto - que em termos religiosos tem um nome, Deus, e que Descartes definia como uma substância perfeita e independente, que não necessita de nenhuma outra para existir (sendo o eu pensante, o cogito, uma substância relativa) -, segundo Hegel, pode e deve ser conhecido, porque é sujeito. Nessa ideia de que "o absoluto é sujeito", encontra-se resumida toda a filosofia hegeliana. Sugere-se nela, de saída, que essa substância absoluta de Descartes constitui, como Spinoza já tinha destacado, o objeto do pensamento. Ou seja, o pensamento deve ter como conteúdo o absoluto.

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Em suas críticas a Kant, Hegel põe em relevo essa necessidade de pensar o absoluto, afirmando que "a essência oculta do Universo não tem em si força alguma que possa oferecer resistência à ousadia do saber" e que, consequentemente, "tem de se abrir diante dele, colocando-lhe diante da visão, para que as desfrute, suas riqueza e profundidade".

A ideia Hegel parte do originário que é o Absoluto e que ele denomina de Ideia. Há uma semelhança com a Ideia Platônica. Enquanto para Platão o mundo ideal é imutável e transcendente, a Ideia hegeliana é uma Essência absoluta que existe no mundo, é imanente e demonstra sua existência justamente porque sai de si mesma e se desdobra num movimento pelo qual primeiro se converte em natureza (objeto) e depois em espírito (sujeito) - no início, há uma identidade indiferenciada entre sujeito e objeto. A Ideia - que Descartes e Spinoza chamavam de substância absoluta (em linguagem religiosa: Deus) — era essa unidade indiferenciada, mas depois - e é aqui que Hegel intervém — essa unidade indiferenciada se divide, entra em movimento, cindindo-se na dupla polaridade de sujeito e objeto.

Do eu a nós Hegel estuda esse movimento de auto-reflexão da ideia a partir de dois ângulos. Em primeiro lugar, a partir do ângulo do sujeito, na Fenomenologia do espírito (1807); em segundo lugar, de forma inversa a partir do objeto, na Ciência da lógica (1812-1816). Na Fenomenologia, são analisadas todas as formas do saber humano, partindo das formas mais imediatas, que são aquelas que ocorrem na consciência sensível. Essa, num primeiro momento, relaciona-se simplesmente com o "objeto como objeto", mas passa depois por uma série de experiências ou "figuras" que fazem com que ela, mesma se coloque como objeto de seu conhecimento; já se trata então de uma autoconsciência (não apenas sabe, mas além disso sabe que sabe). O pensamento hegeliano é um pensamento dialético, o que significa que considera os conceitos não de maneira fixa e estática, mas por meio do movimento incessante que faz com que as coisas se transforme em seu contrário. Num primeiro momento, a consciência percebe o objeto; esse objeto era exterior a ela, mas depois ela mesma, ao se transformar em autoconsciência, era ao mesmo tempo a consciência que sabe e a coisa sabida. Isso significa que, ao passar ser consciência de si mesma, a consciência se dividiu em sujeito e objeto.

O pensamento dialético Quando Hegel fala de movimento ou desdobramento como a força que faz a Ideia sair de si mesma para se transformar em Natureza ou Espírito, está partindo daquela

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concepção de Heráclito, a partir da qual se afirma que tudo é devir, mudança, processo em que cada coisa se converte em seu contrário. Heráclito sustentava que tudo é uma luta de opostos que no fundo constitui a expressão de uma unidade fundamental do ser. Essa é a forma dialética de pensar que os gregos desenvolveram também como uma arte do diálogo, quer dizer, como um confronto retórico por meio do qual dois contendores chegavam, de seus raciocínios iniciais opostos, a alguma forma de acordo. Platão, por sua vez, concebeu a dialética como um método de elevação do sensível ao inteligível que permitia descobrir os nexos existentes entre o Um e o múltiplo.

A lógica hegeliana O método dialético O sistema hegeliano O espírito é história

O Espírito objetivo A revelação do Absoluto, portanto, produz-se em sua forma mais elevada, que é a do Espírito, por meio da história. Mas o Espírito, por sua vez, desdobra-se dialeticamente de acordo com três momentos, que são os do Espírito subjetivo, do Espírito objetivo e do Espírito absoluto. Hegel trata do Espirito subjetivo em sua primeira obra, isto é, a Fenomenologia; ali, como se viu, percebe a consciência individual e sua elevação até aquele "nós" que é sujeito do saber absoluto e ao qual se chega de forma concomitante depois de se atravessar as figuras separadas da autoconsciência e atingir a razão. Mas o Absoluto se realiza também como Espírito objetivo que se encarna no mundo das instituições sociais e políticas. Estamos aqui nas esferas do direito, da moral e daquilo que Hegel chama de eticidade e que corresponde propriamente ao âmbito da comunidade dos cidadãos; essa esfera comunitária, que é a da vida coletiva, está configurada, por sua vez, pela família, pela sociedade e pelo estado.

O Espírito absoluto Por último, a revelação da Ideia, em sua forma mais elevada, ocorre como realização do Espírito Absoluto, que é infinito e dialeticamente sintetiza os dois momentos anteriores: o do espírito como individuo (consciência) e o da vida espiritual individual. As formas em que o Espírito absoluto se desdobra são a arte, a religião e a filosofia, uma tríade que em sua totalidade configura a autoconsciência vivente da substância divina do Universo.

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O grau mais elevado dessa autoconsciência corresponde à filosofia, que é, segundo Hegel, a autoconsciência absoluta do Espírito. A história da filosofia então, longe de ser uma simples sucessão arbitrária de concepções filosóficas, configura um desenvolvimento orgânico e coerente pelo qual a ideia desdobra dialeticamente suas próprias determinações conceituais. Hegel entende que sua filosofia é a coroação desse longo processo, o fim propriamente dito da história da filosofia, uma vez que nela se materializa o sonho do saber absoluto.

Caixa: Vida e obras de Hegel Caixa: Hegel e o estado Caixa: Hegel e a morte

Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 10)

Ideia: Inata, Préconcebida Ideia. O termo ideia é normalmente empregado como sinônimo de concepção, noção ou representação (a ideia de ciência, de justiça). No plural, designa nesse caso um conjunto, individual ou coletivo, de pensamentos ou opiniões relativas a este ou aquele domínio (as ideias morais de Rousseau, a história das ideias). (1) Ideia. Um termo sob o qual se abrigam as designações como as de um percepto, uma imagem, um conceito, uma proposição, uma classificação, uma doutrina, uma teoria ou de tudo o mais que possa ser pensado. Devido a tal generalidade é difícil conceber o que poderia ser uma única teoria precisa de ideias de todas as espécies. (2)

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Ideia Preconcebida. Falando estritamente trata-se de um oximoro. Caridosamente interpretada, a expressão designa uma ideia não submetida a exame, ou aceita de maneira acrítica. (ver preconceito) (2)

Ideias inatas. Ideia com a qual a gente nasce, que não se aprende. A hipótese de ideias inatas foi mantida por Sócrates e Leibnitz e é sustentada por Chomsky, entre outros. (2) Em Descartes, as ideias inatas são aquelas que se originam da própria mente, independentemente de qualquer experiência anterior, e incluindo as ideias de um Deus Perfeito, da substância pensante e da matéria extensa. (3)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Ideologia Ideologia. É toda a crença usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença, em seu significado mais amplo, como noção de compromisso da conduta, que pode ou não ter validade objetiva... O que transforma uma crença em ideologia não é a sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar os comportamentos em determinada situação. (1) 1. Termo que se origina dos filósofos franceses do final do século XVIII, conhecidos como "ideólogos", para os quais significava o estudo da origem e da formação das ideias. Posteriormente, em um sentido mais amplo, passou a significar um conjunto de ideias, princípios e valores que refletem uma determinada visão de mundo, orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política. Ex.: ideologia fascista, ideologia de esquerda, a ideologia dos românticos etc. 2. Marx e Engels utilizam o termo em A Ideologia Alemã (1845/1846), em um sentido crítico, para designar a concepção idealista de certos filósofos hegelianos (Feuerbach, Bauer, Stirner) que restringem sua análise ao plano das ideias, sem portanto atingir a base material de onde elas se originam, ou seja, as relações sociais e a estrutura econômica da sociedade. 3. O termo "ideologia" é amplamente utilizado, sobretudo por influência do pensamento de Marx, na filosofia e nas ciências humanas e sociais em geral, significando o processo de racionalização - um autêntico mecanismo de defesa - dos interesses de uma classe ou grupo dominante. Tem por objetivo justificar o domínio exercido e manter coesa a sociedade, apresentando o real como homogêneo, a sociedade como indivisa, permitindo com isso evitar os conflitos e exercer a dominação. (2) Ideologia. Sistema de ideias e ideais; conotações negativas na teoria marxista, em que a ideologia dominante é determinada por classes dirigentes. (3) Ideologia. Trata-se de um conceito muito utilizado na época moderna, embora com características bem diversas. Daí a dificuldade de precisar o seu significado. Em primeiro lugar, é digno de nota a ambivalência positiva e negativa da palavra. Ora se acentua o positivo ora o negativo, mas o termo parece incluir sempre algo obscuro, que lhe é essencial. Costuma-se entender por "ideologia" uma visão parcialmente estruturada da realidade, própria de grupos sociais ou nacionais caracterizados, incluindo e predispondo a uma ação em determinada direção. Apresenta um elemento limitativo: o fato de não ser estritamente objetiva e completa. Acontece que a visão científica ou filosófica da realidade se revela muito complicada para grupos numerosos, que são incapazes de dominar vastos e complexos setores do real. Então, a ideologia intervém para simplificar esses dados e, agrupá-los em formas facilmente assimiláveis ao alcance de todos. A ciência ou a filosofia sempre procuram ajustar-se aos dados da realidade antes de mais nada. Por isso mesmo, são menos operativas, embora exijam um esforço muito maior de captação e um constante esforço de revisão e mudança, o que lhes dá certa instabilidade. E os indivíduos não podem ficar esperando por uma síntese completa para

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começarem a agir. Mas é desse mesmo fato que provém o caráter instrumental das ideologias. Marx estudou a ideologia dominante em nossas sociedades, que é a ideologia burguesa: valendo-se dela, as classes dominantes conseguiram manter a "ordem estabelecida" e impedir a mudança social. Para Marx, a base real da mudança se encontra na dimensão econômica da sociedade... A psicologia também pesquisou o campo das ideologias. Muitas das ideias tidas como verdades incontestes na sociedade, na realidade outra coisa não são do que projeções dos desejos inconscientes das pessoas. Não podendo viver na insegurança, os indivíduos produzem esquemas cômodos nos quais passam a se apoiar. O homem tende a crer naquilo que deseja e deixa-se enganar facilmente pelos seus desejos. Essa contraposição entre o mundo das ideologias, instrumentalizado a serviço de causas sociais ou desejos pessoais, e o mundo da realidade cotidiana implica uma divisão no próprio homem, uma espécie de ruptura entre a realidade objetiva e as ideias construídas pelos homem a serviço de interesses sociais ou psicológicos. No mundo antigo, a confiança na razão e a falta de crítica social faziam com que a visão humana fosse mais segura e a aparente coincidência entre o objetivo e o subjetivo mais indiscutível. Hoje, o pluralismo dos grupos e partidos diante de problemas comuns leva a posições mais fanáticas, nas quais o subjetivo se desliza mais apaixonadamente do objetivo. Hoje, o mundo inteiro se apresenta como um confronto de ideologias, que fazem as massas vibrarem com muita paixão. (4) Ideologia. Um sistema de declarações fatuais e juízos de valor que inspira algum movimento social ou alguma política social. Uma ideologia pode ser religiosa ou secular; e pode ser compreensiva, como o tomismo e o socialismo. A ideia admitida é que todos os enunciados ideológicos são falsos e servem de instrumento a algum grupo especialmente interessado, portanto estão desprovidos de futuro numa sociedade tecnológica. Entretanto, é difícil imaginar como qualquer ação em defesa do bem público possa ser impelida sem alguma ideologia. Tampouco é difícil imaginar uma ideologia científica, isto é, uma em que as proposições fatuais sejam juízos de valor cientificamente justificados. Exemplos de proposições ao mesmo tempo científicas e ideológicas: "A pobreza é individualmente degradante e socialmente desestabilizante e, por esta razão, deveria ser erradicada, e "A livre pesquisa é necessária para o avanço da cultura e o aperfeiçoamento do bem-estar, portanto deveria ser protegida e promovida". (5) (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (4) IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983. (5) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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Ignorância Ignorância. Do latim ignorantia, ausência de conhecimento. 1. Em um sentido genérico, a ignorância é a atitude daquele que, não sabendo utilizar as suas capacidades racionais, engana-se quanto à qualidade de seus conhecimentos, tomando por verdade o que não passa de uma opinião falsa ou incerta e expondo-se à ilusão e ao erro. 2. O “só sei que nada sei” socrático exprime a ignorância filosófica, ou seja, a que permite o acesso ao saber, já que se reconhece como ignorância, abrindo o caminho para o conhecimento. É neste sentido que Sócrates afirmava também que “o conhecimento da ignorância é o início da sabedoria”. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Igualdade e Desigualdade Igualdade. Do latim aequalitas. 1. Noção lógica ou matemática, significando a equivalência entre duas grandezas: 3 + 2 = 5, ou entre duas proposições : (a + b)2 = a2 = 2ab + b2. 2. O termo "igualdade" aparece ainda na expressão "igualdade entre os homens" e possui várias acepções: a) a igualdade jurídica ou civil significa que a lei é a mesma para todos; b) a igualdade política significa que todos os cidadãos têm o mesmo acesso a todos os cargos públicos, sendo escolhidos em função de sua competência; c) a igualdade material significa que todos os homens dispõem dos mesmos recursos. As duas primeiras igualdades, igualdades de princípios, constituem a base das democracias. De fato, as desigualdades materiais geram desigualdades políticas e jurídicas: essa situação foi descrita, pelo socialismo do séc. XIX, como "democracia formal". 3. É questionável a expressão "igualdade natural" ou biológica, pois, por natureza, não somos idênticos uns aos outros. (1) Relação entre dois termos, em que um pode substituir o outro. Geralmente, dois termos são considerados iguais quando podem ser substituídos um pelo outro no mesmo contexto, sem que mude o valor do contexto. (2)

Igualdade e Desigualdade. A crença de que as sociedades deveriam tratar seus membros de maneira mais igualitária, no sentido tanto formal quanto material, ocupa uma posição central no pensamento desenvolvido no século XX. A ideia de que os seres humanos são fundamentalmente iguais entre si é, em contrataste, muito antiga. Mas durante séculos essa ideia encontrou expressão basicamente na crença religiosa, na noção de que todos são iguais aos olhos de Deus.

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Por igualdade social entende-se a ideia de que as pessoas devem ser tratadas como iguais em todas as esferas institucionais que afetam as suas oportunidades na vida: na educação, no trabalho, no consumo. (3)

Mais informação: = = =>>

Igualdade e Desigualdade 1. CONCEITO DE IGUALDADE Sentido Geral - é a qualidade do que é igual, do que não tem diferença. Na Matemática - a igualdade é simbolizada pelo sinal =, daí a=b. Na Ética e na Política - o princípio segundo o qual as prescrições, proibições e penas legais são as mesmas para todos os cidadãos, sem acepção de nascimento, situação ou riqueza (igualdade jurídica) (1). 2. ASPIRAÇÃO DEMOCRÁTICA É uma das mais profundas e autênticas aspirações democráticas, mas como tantas outras é também uma das mais exploradas por uma demagogia irresponsável. O fundamento filosófico da igualdade democrática é a identidade essencial de todos os homens (2). 3. PROJETO DA IGUALDADE DEMOCRÁTICA Este projeto realizar-se-á através das seguintes exigências: 1ª) igualdade inicial de oportunidades; 2ª) possibilidades iguais, para todos, de realizar sua dignidade essencial igual: trabalho justamente remunerado; 3ª) possibilidades diferentes, para cada um, de realizar seus talentos diferenciados. Observação: se todos os homens são rigorosamente iguais em sua dignidade essencial, todos são rigorosamente diferentes em suas capacidades e talentos (2). 4. CONCEITO DE DESIGUALDADE Qualidade do que não é igual, do que é diferente. 5. DESIGUALDADE FÍSICA Alguns homens são baixos, outros altos: uns gordos, outros magros; uns feios, outros bonitos; uns bem vestidos, outros mal vestidos etc. 6. DESIGUALDADE INTELECTUAL Comparando-se a condição humana de existência, observamos que uns têm o raciocínio rápido, outros lentos; uns são versados em matemática, outros em português; uns têm aptidão para a física, outros para a biologia etc. 7. DESIGUALDADE SOCIAL

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A divisão da sociedade em classes mostra a desigualdade de renda e caracteriza as pessoas dentro de sua camada social: classe baixa, classe media e classe alta. 8. DESIGUALDADE DA RENDA Os dados abaixo relacionados revelam a disparidade de renda existente no Brasil e no mundo: - o salário no Brasil varia de 1/100; no Japão, de 1/10; - a renda per capita no Brasil é US$ 2.550; na Suíça é US$ 30.270; - 20% dos mais ricos, no Brasil, ganham 26 vezes mais do que os 20% mais pobres; - o Brasil é a 8ª economia em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e 70ª quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano; - os 10% mais ricos, no Leste Europeu, recebem 7 vezes mais do que os 10% mais pobres. 9. IGUALDADE NATURAL Na pergunta 803 de O Livro dos Espíritos - “Todos os homens são iguais perante Deus?” -, os Espíritos informam-nos que todos os Espíritos foram criados simples e ignorantes e que são submetidos às mesmas leis naturais. 10. DESIGUALDADE DE APTIDÕES Fundamenta-se no maior ou menor tempo de vivência, no exercício da vontade e na própria diversidade de aptidões: o que um não é capaz de fazer o outro faz. 11. DESIGUALDADES SOCIAIS A desigualdade das condições sociais é uma lei natural? Não. É criação do homem e desaparecerá quando a humanidade extinguir o orgulho e o egoísmo. Ver pergunta 806 de O Livro dos Espíritos. 12. DESIGUALDADE DAS RIQUEZAS A igualdade absoluta das riquezas é possível e existiu alguma vez? Não, não é possível. A diversidade dos caracteres e das faculdades se opõe a isso. Ver pergunta 811 de O Livro dos Espíritos. 13. A DESIGUALDADE DE MÉRITO O combate ao orgulho e ao egoísmo é fator preponderante para erradicarmos as desigualdades sociais (humanas), permanecendo, apenas, as desigualdades de aptidões e de méritos (naturais). IGUALDADE, DESIGUALDADE E ESPIRITISMO Igualdade é a qualidade do que é igual, do que não tem diferença. Na ética e na política é o princípio segundo o qual as prescrições, proibições e penas legais são as mesmas para todos os cidadãos, sem acepção de nascimento, situação ou riqueza. Desigualdade é a qualidade do que não é igual, do que tem diferença. A igualdade é uma das aspirações mais autênticas e profundas da democracia. O projeto de igualdade democrática baseia-se no princípio de que todos os homens são iguais em sua dignidade essencial, porém, diferentes em suas capacidades e talentos. Quer dizer, todos devemos ter oportunidade de trabalho remunerado, mas de acordo com a característica específica de cada um.

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Os números abaixo relacionados indicam as desigualdades sociais existentes em nosso país: a) a distribuição de renda no Brasil mostra que 20% dos mais ricos ganham 26 vezes mais do que os 20% mais pobres. No Leste Europeu, os 10% mais ricos recebem 7 vezes mais do que os 10% mais pobres; b) aqui, a diferença entre o menor salário e o maior é de 1/100, já no Japão é de 1/10; c) temos uma renda per capita de US$ 2.550 contra US$ 30.270 na Suíça; d) somos a 8.ª economia pelo cálculo do PIB (Produto Interno Bruto) e a 70.ª pelo Índice de Desenvolvimento Humano, que inclui analfabetismo e qualidade de vida. Diante deste quadro, perguntamos: por que uns ganham 50.000 dólares/ano e outros ganham 5.000? A Ciência Econômica procura dar uma resposta baseada na produtividade marginal do trabalho. Mas não nos satisfaz. A explicação deve ser buscada na lei de reencarnação. De acordo com a Doutrina Espírita, a riqueza é distribuída igualmente para todos, mas cada um tem-na a seu turno. Se hoje somos pobres, é possível que já tenhamos sido ricos em encarnações passadas, ou que assim sejamos no futuro. Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, diz-nos que as desigualdades das condições sociais, sendo criação humana, deverão desaparecer quando a humanidade tiver extinto o egoísmo e o orgulho. Nessa situação restará apenas a desigualdade de mérito. Isso não é privilégio, visto todos os Espíritos partirem da mesma origem, submetidos às leis naturais. Como uns se esforçaram mais do que outros, é justo que ocupem posições que exijam maiores responsabilidades. Evitemos a proclamação demagógica da igualdade absoluta. Realizemos plenamente a nossa essência e deixemos que cada um realize a sua. QUESTÕES 1) Qual o conceito de igualdade? 2) Qual o conceito de desigualdade? 3) Como se realiza o projeto de igualdade democrática? 4) Como está distribuída a riqueza material na face da terra? TEMAS PARA DEBATE 1) É possível a igualdade absoluta? 2) A desigualdade das condições sociais é uma lei natural? 3) Aptidão e mérito. 4) Todos são iguais perante Deus? REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. (2) ÁVILA, F. B. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. << = = = (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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(2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996.

Iluminismo Iluminismo. Linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a razão como crítica e guia a todas os campos da experiência humana. Kant escreveu: "O iluminismo é a saída do homem do estado de minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. 'Sapere aude!' Tem coragem de usar o teu intelecto" é o lema do iluminismo. (1)

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Iluminismo e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMARIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Iluminismo: 4.1. Fundamento; 4.2. A Deusa Razão; 4.3. Felicidade e Progresso. 5. Contribuições ao Iluminismo: 5.1. França; 5.2. Alemanha; 5.3. O Desenvolvimento das Ciências. 6. O Aparecimento do

338 Espiritismo: 6.1. Época Certa; 6.2. Allan Kardec; 6.3. Síntese do Conhecimento. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que se entende por iluminismo? Quando surgiu? No que se fundamenta? Há relação entre o iluminismo e o Espiritismo? Qual? 2. CONCEITO O iluminismo, ou filosofia das luzes, é o movimento filosófico do século XIX, que se caracteriza pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à tradição e à autoridade e pelo incentivo à liberdade de pensamento. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O iluminismo não é uma ideia nova. Os compromissos por ele adotados já faziam parte da filosofia antiga: 1.º) extensão da critica a toda e qualquer crença e conhecimento; 2.º) realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, pode ser fonte de uma contínua correção do mesmo; 3.º) uso desses conhecimentos para os fins práticos da vida. O iluminismo moderno, como assim se denominou, nada mais é do que a aplicação desses compromissos ao período que vai da Revolução inglesa de 1688 até à Revolução Francesa de 1789, em que floresceram as mais diversas ideias no campo da filosofia, da ciência e da religião. França e Alemanha foram os principais países a divulgarem essas ideias. (Temática Barsa) 4. ILUMINISMO 4.1. FUNDAMENTO Do ponto de vista filosófico, o iluminismo visa à emancipação do ser humano e de toda a humanidade por meio das luzes da razão. A razão deve comandar toda a ação do indivíduo, principalmente com sua crítica à tradição e à autoridade. A chamada idade da razão tem por objetivo a sua própria autonomia, no sentido de vencer as trevas da superstição, da ignorância, do fanatismo e da intolerância tanto moral quanto religiosa. O sapere aude! (Tem coragem de usar teu intelecto) é a ideia-força, a palavra-chave. 4.2. A DEUSA RAZÃO A Idade Média, dominada pela religião, tinha como base a fé na revelação. O período iluminista tem uma nova divindade, a razão, em que se critica tudo, sem qualquer espécie de preconceito. D’Alembert advoga que o iluminismo é discutir, analisar e mexer em tudo, "das ciências profanas aos fundamentos da revelação, da metafísica às matérias do gosto, da música até à moral, das disputas escolásticas dos teólogos aos objetos de comércio, dos direitos dos príncipes às leis arbitrárias das nações..." 4.3. FELICIDADE E PROGRESSO O iluminismo postula uma religião natural – deísmo ou teísmo –, baseada no conhecimento racional da natureza. Do ponto de vista do conhecimento, interessa-se mais pela forma psicológica do que pela forma metafísica. Do ponto de vista ético, assume os pressupostos hedonistas e utilitaristas, em que a felicidade já não é mais utópica, mas encontra-se atrelada ao progresso material e moral da humanidade. Consequentemente, o seu carro chefe é a revolução industrial e o descobrimento de novas técnicas para transformar os bens naturais em bens úteis. 5. CONTRIBUIÇÕES AO ILUMINISMO 5.1. FRANÇA O iluminismo francês está centrado em Voltaire, Montesquieu e Rousseau, entre outros. Apesar das diferenças de abordagem de cada pensador, há pelo menos dois pontos em comum: confiança na razão e repúdio à religião. Voltaire

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fundamenta a sua tese iluminista nos ideais da tolerância religiosa e da liberdade política. Montesquieu desenvolve o seu pensamento político a partir da constituição inglesa. Jean-Jacques Rousseau expõe o seu pensamento educacional, partindo do pressuposto de que é a criança que deve aprender e não o adulto que deve ensinar. Em sua concepção política, o homem deve se reconciliar com a sociedade e, para isso, necessita de um novo contrato social, baseado na igualdade democrática. 5.2. ALEMANHA Immanuel Kant (1724-1804) é o representante máximo do iluminismo alemão. Para ele, o conhecimento provém, ao mesmo tempo, da razão e da experiência. Segundo o seu pensamento, o que chamamos de realidade é a realidade como é conhecida, já determinada no próprio processo de conhecimento. A realidade tal qual é em si mesma (à margem de nosso conhecimento sobre ela) ainda que sem dúvida exista, é inacessível ao ser humano. O iluminismo kantiano é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. A minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Não é sem razão que o sapere aude! tornou o lema do iluminismo. 5.3. O DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS A razão suspeitava de tudo. Para a comprovação dos fatos, precisava de provas, de fórmulas matemáticas. Daí, o aparecimento das diversas ciências, cujo conhecimento, que se tornava específico, ia cada vez mais se desmembrando do tronco comum da filosofia. O método teórico-experimental, em todos os campos do saber, prepara a revolução industrial. É de se notar que a revolução científica que nasce com o renascimento foi uma revolução do saber; a que nasce com a revolução industrial, é uma revolução da energia. 6. O APARECIMENTO DO ESPIRITISMO 6.1. ÉPOCA CERTA De acordo com os pressupostos espíritas, o Espiritismo surgiu na época certa, quando a ciência já estava desenvolvida e o método teórico-experimental era aplicado em tudo o que se pensava saber. Allan Kardec diz: "Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental. Fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as conseqüências e busca as aplicações úteis..." (Kardec, 1975, item 14, p.20) 6.2. ALLAN KARDEC Allan Kardec era um cientista e, como tal, tinha muito apreço pela relação causa-efeito. Não resta dúvida que recebera influência do iluminismo, principalmente do cartesianismo. Vivia na França e tinha contato com todos esses conhecimentos científicos e filosóficos. O verdadeiro cientista analisa os fatos, formula suas hipóteses e tira as suas conclusões. Nada concebe preconceituosamente. Observe a sua posição em relação aos fenômenos das mesas girantes. Enquanto o seu amigo falava que as mesas se moviam, ele aceitava tranquilamente. Foi só o seu amigo Fortier relatar que, além de se mover as mesas também falam, ele desconfiou e foi procurar a causa da fala, que depois descobriu estar no Espírito comunicante. 6.3. SÍNTESE DO CONHECIMENTO

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O Espiritismo prende-se a todos os ramos da Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e da Moral. É a síntese de todo o processo de conhecimento, desde a filosofia de Sócrates e Platão, considerados os seus precursores. É a mais completa Doutrina de consolo até hoje aparecida na face da terra. Em seu conteúdo doutrinal, toca em todos os pontos centrais de qualquer filosofia ou religião, como é o caso de Deus, do Espírito, da matéria, da sobrevivência da alma após a morte e da comunicação com os Espíritos. É ao mesmo tempo ciência de observação e doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como ciência filosófica, compreende todas as consequências que daí dimanam. 7. CONCLUSÃO Tenhamos em mente a perfeita interligação do conhecimento. O Espiritismo ensina-nos que, além da razão humana, há uma razão divina, que coordena todos os nossos passos, tanto no plano dos encarnados quanto no dos desencarnados. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975. TEMÁTICA BARSA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005. (Filosofia) São Paulo, novembro de 2009 << = = = (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Extraído da Temática Barsa Filosofia

O pensamento iluminista O Iluminismo que é tanto uma filosofia quanto um movimento cultural, tem suas origens na Inglaterra, de onde se expande para França, Alemanha e demais países europeus, dentro de limites cronológicos fixados por convenção entre a revolução inglesa de 1688 e a revolução francesa de 1789. Do ponto de vista filosófico, esse é um período do pensamento iluminista, que aspira à emancipação do homem e de toda a humanidade por meio das luzes da razão. A ruptura que então se estabelece com a tradição metafísica não tem precedente.

A idade da razão O essencial para o pensamento iluminista é a afirmação da autonomia da razão. Essa autonomia é preparada pelo racionalismo e pelo empirismo, mas chega à sua plenitude

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no século XVIII quando se propõe, além disso, como programa de emancipação de toda a humanidade. A razão é a luz e deve iluminar todos os homens. Daí o nome de "iluminismo". O homem estava na escravidão, vivia nas trevas da superstição, da ignorância, do fanatismo e da intolerância; quer dizer, de todas as forças da irracionalidade humana. Os iluministas pensam que essas forças podem ser vencidas porque o homem chegou, como expressa Kant, à sua maioridade. E a idade adulta é a idade da razão.

O livre-pensamento A razão, que para os iluministas é uma nova divindade, exerce-se em primeiro lugar como crítica livre e sem preconceitos, como livre-pensamento que leva, segundo o enciclopedista D'Alembert, destruir, analisar e mexer em tudo, "das ciências profanas aos fundamentos da revelação, da metafísica às matérias do gosto, da música até a moral, das disputas escolásticas dos teólogos aos objetos do comércio, dos direitos dos princípios às leis arbitrárias das nações...". O pensamento iluminista é, por isso, mais do que uma nova filosofia, uma maneira diferente de entender a filosofia, mais rica em conteúdos práticos do que teóricos, mais atenta aos usos concretos da razão do que à metafísica. Sociologicamente, e expressão de uma classe social em ascensão, a burguesia, e é também por isso um pensamento cujos conteúdos ideológicos triunfam na revolução francesa de 1789.

A promessa de felicidade Caixa: Do mundo natural ao mundo histórico

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O iluminismo francês Entre os diferentes pensadores que integram o iluminismo francês, Voltaire e Montesquieu são dois dos mais representativos. Apesar de suas diferenças, os dois têm vários aspectos em comum: sua confiança na razão, seu repúdio à religião e o fato de terem a Inglaterra como ponto de referência. Voltaire baseia seu programa iluminista nos ideais da tolerância religiosa e da liberdade política, tais como se concretizaram na monarquia inglesa, e ao mesmo tempo se encarrega de difundir na França a física newtoniana. Montesquieu desenvolve seu pensamento político a partir do constitucionalismo britânico e traz contribuições de grande peso para a doutrina do liberalismo.

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Voltaire Montesquieu Caixa: Os versos de Voltaire

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O enciclopedismo No iluminismo francês distinguem-se duas gerações: a de Voltaire e Montesquieu de um lado, e a de Diderot e dos enciclopedistas do outro. A primeira geração é deísta e partidária da religião natural; a segunda, com algumas exceções, como Rousseau, considera que a matéria e o movimento são eternos, e que nada existe fora da natureza. Esse naturalismo é defendido, sobretudo, por Diderot e alguns dos mais ativos colaboradores da Enciclopédia francesa, e constitui o chamado enciclopedismo, uma corrente de pensamento em que confluem de forma particular a filosofia sensualista de Condillac e o materialismo de La Mettrie.

O sensualismo de Condillac O materialismo de La Mettrie O Enciclopedismo: Diderot Caixa: Paradoxos de Diderot

Caixa: A enciclopedia Entre 1751 e 1772, foram publicados na França os 28 volumes da Enciclopédia ou Dicionário lógico das ciências, artes e ofícios, cuja direção ficou a cargo de Denis Diderot e, até 1759, de Jean Le Rond D'Alembert (1717-1783). Os dois pensadores transformaram o projeto de um simples dicionário enciclopédico numa obra de combate ideológico. A Enciclopédia contou com a colaboração de Voltaire, Montesquieu, Rousseau e outras figuras de destaque do iluminismo francês. Mas, ao mesmo tempo, foi a expressão de uma corrente especifica de pensamento baseada no sensualismo e no materialismo, e que ficou conhecida, justamente a partir dessa obra, com o nome de enciclopedismo.

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Em consonância com essa filosofia prenunciada por Diderot e D'Alembert, a Enciclopédia refletiu em sua estrutura uma nova sistematização dos conhecimentos humanos que marcou todo um período de cultura europeia. O ponto de partida dessa nova estruturação do saber consistiu na distinção entre as disciplinas derivadas das sensações - e que eram definidas como produto do conhecimento direto - e as que provinham da reflexão. Entre as disciplinas provenientes da sensação, figuravam em primeiro lugar a agricultura e a medicina, as "artes necessárias", segundo expressão de D'Alembert, uma vez que seu objetivo é velar pela sobrevivência do ser humano. Depois vinham a física, a geometria e a mecânica, produto também da observação direta, e suas aplicações ao estudo dos corpos: as ciências físico-matemáticas e a física experimental. Nesse domínio do saber derivado das sensações estavam incluídas também a lógica e a gramática, a história e a geografia. E, como matérias surgidas do conhecimento reflexivo, a filosofia, as artes liberais e as mecânicas.

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Rousseau O pensamento político iluminista tem seu expoente mais radical em Jean-Jacques Rousseau, um pensador que acredita na bondade natural do homem, o qual foi pervertido pela sociedade. A natureza e a cultura se opõem, e o progresso, ao contrário do que defendiam os enciclopedistas, não conduz à felicidade, porque a existência social é baseada na desigualdade. Para que o homem possa se reconciliar com a sociedade, Rousseau luta por um novo contrato social baseado na igualdade democrática, assim como numa nova pedagogia que respeite a natureza livre do ser humano. As ideias políticas de Rousseau produzem em sua época um impacto enorme, e em 1789, ao explodir a revolução francesa, ajudam a inspirar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O Sentimento à frente da Razão Jean-Jacques Rousseau, cidadão de Genebra estabelecido na França e que durante algum tempo se relaciona com Voltaire, Diderot e D'Alembert, ocupa uma posição singular no seio do iluminismo francês. Aquilo que mais diferencia do restante dos pensadores iluministas é a superioridade que ele outorga ao sentimento em relação à razão. Esta superioridade, além disso, está vinculada a outro traço diferenciador: a religiosidade. Para Rousseau, deísta convicto, a religião natural constitui uma ligação profunda que brota da harmonia do Universo e que une o homem a Deus, o Ser supremo.

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O homem é bondoso por natureza mas, submetido como está ao falso parecer da existência social, descobre justamente por meio dessa religiosidade a genuína condição depositada em seu interior.

Natureza e Cultura Essa religião natural, que se expressa antes de tudo como sentimento, e não como razão, constitui o núcleo essencial do pensamento de Rousseau e impulsiona a ideia de que "tudo é perfeito ao sair das mãos do Criador, e tudo degenera nas mãos dos homens". Rousseau se torna, desse modo, o primeiro pensador moderno que observa a oposição radical existente entre o homem e a sociedade, o caráter conflituoso da civilização separada da natureza e a condição opressora da cultura; as ciências e as artes, em lugar de promover as "luzes" da humanidade, fizeram apenas envilecê-las ainda mais. A sociedade é intrinsecamente má porque é baseada na desigualdade - o forte se impõe sobre o fraco - e porque arrancou o homem de seu originário "estado de natureza" em que vivia em harmonia com sua bondade primitiva. Rousseau, no entanto, não sonha com um hipotético retorno a esse bondoso estado originário. Discute se teria havido um estado de guerra de todos contra todos, como sustentava Hobbes, e duvida que o progresso possa remediar a degradada condição humana. A partir desses pressupostos, será que ainda o homem pode construir os alicerces de uma sociedade justa e reconciliada consigo mesma? A resposta de Rousseau é afirmativa num duplo sentido. O "coração" do homem - esse caminho do sentimento que o "religa", à harmonia da natureza - diz que é possível viver livremente numa sociedade igualitária. Mas para isso são necessários um novo "contrato social" que mude as regras que comandam a existência coletiva e uma nova pedagogia que transforme o indivíduo.

A Teoria do Contrato No plano social, o problema é "como encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com a força em comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos os outros, obedeça apenas a si mesmo e permaneça, portanto, tão livre como antes". Para que isso ocorra, é necessário em primeiro lugar um novo contrato social, graças ao qual o indivíduo finalmente recupere tudo o que cedeu à sociedade, já que, "dando-se a todos, cada indivíduo não se dá a ninguém, e como não há um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se cede, ganha-se a equivalência de tudo que se perde, e maior força para conservar o que se tem". O contrato é expressão da vontade geral, que vela pelo interesse comum, e se diferencia do pacto social existente, que é o resultado de uma simples das vontades (privadas) de

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todos. Do exercício dessa vontade geral emana a soberania, que pertence ao povo (e não a um poder autocrático) e que se define como absoluta, indivisível e inalienável. O governo que deve surgir desse novo estado de coisas vem definido como "um corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano para sua mútua comunicação,e a quem corresponde a execução das leis e a manutenção da liberdade tanto civil quanto política". O poder executivo de tal governo é delegado e seus membros poderão ser destituídos pelo povo. Com essas ideias, que Rousseau traduz em 1762 em sua obra O Contrato Social, o pensamento político do iluminismo se encaminha para formas plenamente democráticas (que estão ausentes, por exemplo, das teorias de Montesquieu). A incidência dessas ideias de Rousseau na revolução francesa é indiscutível, a tal ponto que chegarão a inspirar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Mas a igualdade que Rousseau defende vai ainda muito mais longe: é profundamente antiburguesa e aponta para um horizonte em que já aparecem as ideias socialistas do século XIX.

Caixa: A Pedagogia de Rousseau A sociedade livre e igualitária que Rousseau preconiza é inatingível se não se estabelece uma nova pedagogia. O contrato social é, assim, inseparável de Emílio ou Da Educação (1762), romance em que Rousseau expõe seus ideais pedagógicos. Uma vez que o ser humano é originariamente bondoso e sua perversão é produto da sociedade e da cultura, a educação tem de ser em primeiro lugar negativa, evitando a imposição de qualquer conteúdo religioso, moral ou filosófico. A arte do verdadeiro educador, diz Rousseau, não tem outro fim senão o afastamento dos obstáculos que impedem o desenvolvimento das aptidões e impulsos naturais do indivíduo. O ensino deve preparar o homem para o reino da liberdade, fortalecendo-o fisicamente - em contato com a natureza e longe da corrupção do mundo urbano - e lhe devolvendo esse poder que lhe foi arrancado pela sociedade e pela cultura. Consequentemente, é necessário, antes de raciocinar, aprender a sentir, e, antes de memorizar, dispor dos meios que permitam compreender. Os conteúdos intelectuais devem ser introduzidos o mais tarde possível, e de forma limitada, porque não se trata de conhecer tudo, mas apenas aquilo que será útil ao bemestar do indivíduo. Nessa apologia da educação natural que se aloja no Emílio, subjazem ideias que foram extraordinariamente fecundas para o desenvolvimento da moderna pedagogia. Uma das mais importantes é a que se refere ao mundo da infância. Antes de Rousseau, a criança era vista como um pequeno adulto; depois de Rousseau, começouse a compreender que a personalidade infantil tem direitos próprios, e que os primeiros anos de vida constituem uma etapa autônoma e diferenciada, que não pode de maneira alguma ser assimilada às coordenadas da vida adulta.

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O iluminismo alemão

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O iluminismo alemão tem como representante máximo Immanuel Kant (1724-1804), cuja filosofia transcendental sintetiza e supera tanto as posições do racionalismo quanto as do empirismo. Para Kant, o conhecimento provém ao mesmo tempo da razão e da experiência. O que chamamos de realidade é a realidade como é conhecida, já determinada no próprio processo de conhecimento. A realidade tal como é em si mesma (à margem de nosso conhecimento sobre ela), ainda que sem dúvida exista, é inacessível ao ser humano. Isto constitui uma "revolução coperniciana" que altera o sentido de toda a filosofia anterior e que, ao mesmo tempo, afetará profundamente as diretrizes do pensamento contemporâneo.

Os antecedentes de Kant O criticismo kantiano A priori e a posteriori Juízos analíticos e sintéticos A "virada coperniciana" A estética transcendental: espaço e tempo A lógica transcendental: as categorias O eu transcendental Idealismo transcendental Razão prática O imperativo categórico Caixa: O iluminismo, segundo Kant Caixa: A metafísica dos costumes Caixa: As leis públicas Caixa: A finalidade da natureza Caixa: Problema geral da razão pura

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As ideias científicas do iluminismo Na época do Iluminismo, o quadro das ciências modernas acaba praticamente de se configurar em suas linhas básicas, com o nascimento da química racional e o aparecimento da economia científica. O impulso dado às aplicações da ciência, por sua vez, um processo revolucionário, de caráter industrial, que culminará, já no século XIX, com uma profunda transformação das sociedades ocidentais. Ao mesmo tempo, os naturalistas iluministas começam a descobrir que a natureza é regida por algumas leis evolutivas, que distinguem entre uma matéria inerte e uma matéria viva e procuram explicar as propriedades dessa última: a obscura e misteriosa força que governa a vida.

Do saber à energia Durante a época do Iluminismo, os métodos da ciência experimental do século XVII se expandem em todos os terrenos da atividade humana e preparam o caminho para uma nova revolução destinada a transformar radicalmente a estrutura das sociedades ocidentais: a revolução industrial não podemos entrar na explicação desse complexo processo que conduz ao mundo contemporâneo, mas sim ressaltar que a mentalidade científica dos iluministas o estimula diretamente, ao propiciar o caráter aplicado da ciência. A natureza pode e deve ser transformada, já que, como sustentam os philosophes franceses, é eterna, não tem princípio nem fim e está exclusivamente a serviço do homem. Pela mesma razão, entende-se que o processo é indefinido, e é isso o que o matemático e filósofo Condorcet (1473-1794) teoriza explicitamente. A revolução científica iniciada no Renascimento foi uma revolução do saber, enquanto a revolução industrial que se inicia no século XVIII é a revolução da energia. A matemática e a astronomia cedem lugar à química, à térmica e à eletricidade.

A matéria do universo Essa mudança de perspectiva é congruente se se leva em conta que o mecanicismo newtoniano aparece nessa época como um sistema indiscutível... Onde se realiza um avanço prodigioso, no entanto, é na compreensão dos processos físico-químicos da matéria. Na época do Iluminismo, a química se transforma verdadeiramente numa ciência moderna e quantitativa graças a Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794), que em seu Tratado elementar de química (1789) define com rigor o conceito de elemento e apresenta uma tabela dos corpos simples. O próprio Lavoisier se encarrega de derrubar a teoria do flogístico - que havia sido formulada, ainda em 1718, como um imponderável que explicava os processos de oxidação e redução. Além disso, Scheele, Rutherford, Priestley e outros isolam o hidrogênio e o nitrogênio e colaboram para a instauração de uma química racional. É o fim definitivo

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da alquimia e de todas as formas mágicas do animismo, ainda ancoradas na cultura medieval.

De Lineu a Buffon Caixa: As leis de Laplace

Caixa: O nascimento da ciência econômica Durante a época do Iluminismo, a economia se transforma em ciência porque pela primeira vez os iluministas trataram de explicar as causas gerais das quais depende o bem-estar material da sociedade. Antes, a economia era vista como uma técnica destinada a incrementar a riqueza dos estados, sobretudo por meio da acumulação de metais preciosos (mercantilismo). No século XVIII, entretanto, o pensamento iluminista procurou compreender o funcionamento do sistema econômico de forma global. Entre os fundadores da economia moderna, é preciso destacar em primeiro lugar os fisiocratas, cujo representante máximo foi o economista francês François Quesnay (1694-1774). Para os fisiocratas, a atividade econômica deve regular-se de acordo com uma ordem natural, que supunham universal e eterna e que fundamentava, segundo eles, os dois grandes princípios da liberdade e da prosperidade. A riqueza da sociedade era devida aos agricultores e estava, portanto, indissoluvelmente ligada à propriedade agrária. Os fisiocratas preconizavam o livre-câmbio e a necessidade de que o governo interferisse o menos possível na vida econômica (laissez-faire). Esse é um principio básico do liberalismo econômico, e foi defendido também por outro dos fundadores da moderna ciência econômica: o escocês Adam Smith (1723-1790). Em sua Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações (1776), Smith, no entanto, percebeu que a fonte da riqueza de uma sociedade não se baseia unicamente na agricultura, mas no trabalho humano. Também considerou que o interesse pessoal, motor básico da economia, conciliava-se harmonicamente com os interesses coletivos em virtude da oferta e da procura do mercado. Mas essa harmonia, em última instância, só podia ser explicada pela "mão invisível da Providência". Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 9)

Ilusão Ilusão. Do latim illudere (ludere, "jogar" + in, "sobre"), enganar, troçar, escarnecer. Usa-se geralmente o termo "ilusão" para significar um erro ou engano resultante da percepção, levando-nos a tomar uma coisa por outra. Interpretação errônea dos dados sensoriais. (1)

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Ilusão não é a mesma coisa que um erro. É uma representação prisioneira do seu ponto de vista e que resiste até ao conhecimento da própria falsidade: mesmo sabendo que a Terra gira em torno do Sol, vejo o Sol mover-se do leste para o oeste... Se o erro nada mais é do que uma privação do conhecimento, a ilusão seria antes um excesso de crença, de imaginação ou de subjetividade.(2) Do latim illudere, brincar, zombar de. A ilusão é um embuste que parece divertir-se com nossos sentidos, com nosso espírito. Próximo ao erro - na medida em que faz intervir igualmente um juízo errôneo - dele, distingue-se pela presença do desejo que a torna em geral rebelde a qualquer refutação racional. A reflexão filosófica dedica-se a explicar a "raiz indestrutível" da ilusão. É desse modo que Spinoza tenta demonstrar que a ilusão da finalidade é a fonte de todos os outros. Kant, por sua vez, denuncia a ilusão transcendental que nos incita a empregar a razão de forma ilegítima tentando conhecer as coisas em si. Há contudo ilusões vitais. Bérgson, por exemplo, fala da "função fabuladora" com, sobretudo, a religião primitiva que garante a coesão social fazendo um contrapeso à inteligência. (3) A. Todo erro, quer de percepção, quer de juízo ou de raciocínio, contanto que possa ser considerado como natural, na medida em que aquele que o comete se enganou por sua aparência, no sentido B desta palavra. B. Especialmente (oposta a alucinação): falsa apresentação proveniente não dos próprios dados da sensação, mas da maneira pela qual se faz a interpretação perceptiva desta. Ex.: Perceber como quebrada uma vara meio mergulhada na água; tomar um inseto que voa próximo dos nossos olhos por uma grande ave distante, etc. (4) Kant definiu a ilusão como "o jogo que persiste mesmo quando se sabe que o objeto pressuposto não é real" (Antr., § 13)

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(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Imagem Imagem. Do latim imago, de imitari, imitar. Representação mental que retrata um objeto externo percebido pelos sentidos. Há várias controvérsias filosóficas quanto ao papel da imagem na constituição do nosso conhecimento do real, defendido especialmente pelos empiristas. Para alguns filósofos, a ideia é uma imagem mental do objeto externo, isto é, um retrato ou figuração deste que aparece em nossa mente. Outros objetam que nesse caso não seria possível termos imagens de objetos abstratos

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como a virtude, o triângulo (tomado em geral, e não um triângulo de tipo específico) etc., sendo que por esse motivo a representação não deve ser tomada como imagem. Entre os psicólogos, o termo "imagem" designa toda representação sensível (auditiva, tátil etc.). Assim, podemos ter uma imagem de uma melodia em nossa cabeça, ou a imagem de nosso corpo. Essa imagem (objeto do espírito) se distingue desse outro objeto do espírito que é a ideia, na medida em que possui como ponto de partida uma percepção sensorial. A faculdade de produzir imagens mentais constitui a imaginação. (1) Imagem. O termo aplica-se a duas realidades diferentes: a) produto ou resultado de um fenômeno psíquico que consiste na representação das coisas sensíveis, na ausência destas; b) classe de objetos, geralmente de natureza artística, que funcionam como substituto, reprodução, evocação ou recriação de coisas reais ou de realidades espirituais. No sentido de a) uma longa tradição criou a expressão de "imagem mental"; no sentido de b) a corrente fenomenológica fala de objeto-imagem. São exemplos de objetos-imagens estátuas, quadros, gravuras, fotografias etc. Fenomenologicamente, é mais correto falar de imaginação ou de consciência imaginativa e não de imagem mental: a imagem, considerada como representação interna, não existe. Paradoxalmente, a expressão imagem e mesmo imagem mental continua a empregar-se em Psicologia Experimental, e é o termo de imaginação que tende a ser condenado, por recordar a teoria medieval das faculdades. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

Imaginação Imaginação. Faculdade de formar imagens reproduzindo o que foi percebido ou registrado mentalmente o que antes foi objeto de uma percepção (imaginação reprodutora). Mas também a faculdade de combinar imagens provenientes da experiência num novo conjunto: É então a imaginação criadora ou inovadora. (1) Imaginação. Filos. Dados históricos - Na acepção consagrada por longa tradição, a I. designa um ato ou fenômeno psíquico determinado, uma "faculdade" intermédia entre a percepção sensível do individual concreto e a abstração das ideias universais. Na sua extensão máxima e mais profunda, a problemática da I. vem de Platão que introduziu no âmago de sua filos. a afirmação de que uma coisa aparece como imagem de outra e de que remete, graças à semelhança, a uma realidade primitiva, considerada como modelo, paradigma ou arquétipo. No entanto, é a tradição aristotélica que predominou na filos. ocidental, e que as diferentes escolas se sucedem no tempo, vão desenvolvendo ou corrigindo sem a rejeitarem completamente. De acordo com o princípio fundamental de que a sua psicologia, que é a estreita união entre a alma e o corpo, Aristóteles considera a imagem como a representação analógica ou "fantasma", deixada na alma pela sensação, que persiste, e pode renovar-se com uma certa liberdade, após o ato de sensação ter cessado. As imagens, nascidas das sensações, têm pois uma vida própria e

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podem combinar-se, associar-se entre elas, reaparecendo à superfície da consciência. A I. ou "fantasia" está pois estreitamente unida à memória. Os Escolásticos incluem a I. entre as "faculdades" sensíveis internas e definem-na, segundo a tradição aristotélica, como a capacidade de fixar, conservar, reproduzir e combinar as imagens das coisas sensíveis. Pode-se, metaforicamente, compará-la a um reservatório ou tesouro, constituído pelas imagens recebidas pelos sentidos. Este reservatório contudo não é uma "faculdade" puramente passiva. Manifesta-se certa espontaneidade e atividade na maneira como as imagens se combinam e emergem à consciência. Psic. - Atividade psicológica que desempenha um papel intermediário entre a atividade intelectual, essencialmente subordinada ao raciocínio lógico e ao princípio da realidade, e o pensamento autista que depende exclusivamente das leis da afetividade. A atividade imaginativa implica uma transformação dos hábitos do pensamento e dos modelos formais de raciocínio, pode revelar-se consciente ou inconscientemente, ora no domínio da originalidade e da capacidade criadora ora no do sonho e do delírio. (2)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

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Imanência Imanência. É a característica da atividade que encontra no sujeito onde reside, não só, sem dúvida, todo o princípio ou todo o alimento, ou todo o termo do seu desenvolvimento, mas pelo menos um ponto de partida efetivo e um fim real, qualquer que seja, aliás, aquilo que haja entre as extremidades desta expansão e desta reintegração finais. (1) Caráter do que é imanente a um ser ou a um objeto de pensamento. Nesse sentido, opõese à transcendência. É possível por exemplo evocar a imanência da ciência, que explica a natureza sem a intervenção de princípios ou agentes que lhe seriam exteriores. Em metafísica, a imanência designa o fato de o Absoluto (que pode ser Deus) pertencer ao próprio mundo. Desse modo, o "panteísmo" de Spinoza afirma a imanência de Deus na natureza. (2) (1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Imortalidade Imortalidade. Do latim "in" prefixo privativo e "mortalitas" = mortalidade, condição de quem é mortal. Propriedade de um ser não sujeito à morte, ou seja, à desintegração de seus elementos essenciais constitutivos. A ideia de imortalidade esteve presente nas mais antigas culturas pré-cristãs. Não era outro, por exemplo, o sentido do minucioso cuidado e da extraordinária técnica com que os egípcios embalsamavam os seus mortos. (1) Imortalidade. 1) Sob a forma negativa (prefixo negativo – i), o termo exprime a noção essencialmente positiva, de vida-sem-fim, daquilo que não é submetido à morte. Neste sentido geral, a imortalidade compete essencial e absolutamente a Deus, plenitude de Vida. Os seres espirituais criados são imortais por natureza, isto é, não têm nenhum princípio intrínseco de desagregação ou morte, apenas podendo deixar de existir por aniquilação. 2) Em sentido mais estrito, o termo conserva a sua relação com a morte propriamente dita, incluído na etimologia; significa então que a vida-sem-fim implica verdadeira "sobrevivência", é vida para além ou apesar da morte, vida que "supera a morte". É com efeito o iniludível e brutal fato da morte que faz surgir com toda a sua urgência a questão da imortalidade, quer relativamente a cada um quer dos seus semelhantes, sobretudo os mais amados. A imortalidade em sentido estrito só se diz portanto dos seres essencialmente relacionados com a morte, como é o homem, devido à sua essência composta. (2) Imortalidade. Excetuando-se o seu uso metafórico, aplicado por exemplo ao campo da arte ou ao da biologia dos animais monocelulares que se reproduzem por cissiparidade e portanto sem conhecer a morte (vinculada à individualidade do ser), a imortalidade é

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antes de mais nada uma hipótese metafísica – de origem religiosa –, que concerne à alma, sustentada pelo conjunto da filosofia espiritualista desde a antiguidade. (3) Imortalidade. Vida sempiterna. Cabe distinguir três espécies de imortalidade: corpórea, espiritual e vicária. A imortalidade corpórea é impossível: todos os organismos envelhecem e finalmente tornam-se incapazes, a ponto de não aguentar todos os processos fisiológicos que caracterizam a vida. (Em princípio, poderia haver regeneração contínua e auto-restauração. Mas uma armadura inexpugnável contra inputs externos letais restringiria drasticamente, para dizer o mínimo, a liberdade e a comunicação.) A imortalidade espiritual, postulada por algumas religiões, é igualmente impossível, pois todas as funções espirituais (ou mentais) são funções cerebrais: sem cérebro vivo, não há mente. A imortalidade vicária ou indireta pode ser conseguida por meio da progênie, pois uma parte do genoma de cada pessoa passa para seus descendentes. Mas ele é progressivamente "diluído" no curso das gerações, de modo que a imortalidade biológica de caráter vicário é dificilmente significante. (4)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Imparcialidade Imparcialidade. Vocábulo formado do prefixo "in", privativo, + "parcial". É a atitude de quem considera, objetivamente, sem paixões ou preconceitos, um determinado fato na totalidade de seus aspectos. Quem é imparcial não sacrifica a verdade e a justiça à própria conveniência ou à conveniência de outros, para tirar proveito pessoal, nem faz pesar no julgamento fatos anteriores ou informações que possam prejudicá-lo ou favorecê-lo individualmente. A imparcialidade não permite favoritismo, mas deve levar em conta o grau de responsabilidade individual quando se trata de punições (v. castigo) (1) Virtude fundamental associada à justiça e à equidade. Uma distribuição dos benefícios e das obrigações é feita imparcialmente se nenhuma consideração a influencia exceto as que determinam o que é devido a cada indivíduo. Perspectivas diferentes quanto ao merecimento farão essa avaliação de maneira diferente. Uma das dificuldades na aplicação desse conceito é que na vida real as exigências das pessoas com quem está intimamente relacionado, como os amigos e a família, contrariam a imparcialidade estrita, fazendo com que esta pareça mais uma parte da moral pública do que da virtude privada. (2)

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(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

Inconsciência Inconsciência. Apesar de sua base etimológica precisa e clara, enquanto negação da consciência, torna-se contudo extremamente difícil definir o inconsciente. Pode-se, também, definir a inconsciência com relação ao ser: que não possui qualquer consciência (átomo); que é pouco ou nada capaz de debruçar sobre si próprio, e (relativamente) que não tem consciência de tal fato particular: "uma alma inconsciente das suas verdadeiras crenças". Muitos são os psicólogos que negam a existência de fenômenos psicológicos inconscientes, pois alegam que, sendo a consciência própria do pensamento, o que não é consciência, deixa de ser psicológico. Crítica - Uma análise dos fatos da vida mostra-nos, patentemente, o quanto o inconsciente penetra e intervém no que fazemos. O pianista, ao executar um trecho da música não é consciente de todos os seus movimentos; o mesmo acontece com o operário ou o artista. Mozart declara ter ouvido todo um acorde, antes de compor uma melodia — o consciente, nesse caso, estaria ligado ao trabalho de coordenação. (1)

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(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Indeterminismo Indeterminismo. Na mecânica quântica de Heisenberg, impossibilidade de medir de forma precisa a trajetória de uma partícula subatômica, por não se poder determinar com a mesma precisão sua velocidade e sua posição. Este princípio, conhecido como "princípio da incerteza" ou "desigualdade de Heisenberg" levou ao questionamento das noções de espaço e movimento da física clássica. (1) (1) JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

Indução Indução. Do latim "in" + "ducere" = conduzir em determinada direção. É o processo mental pelo qual, de dados concretos, singulares, o espírito atinge níveis sempre mais elevados de abstração e generalização, caracterizadas pelas leis e teorias científicas. No processo indutivo a mente segue um sentido inverso ao da dedução (v. método, ciência) (1) (1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967.

Inspiração Inspiração. Do latim inspiratio,onis. 1. Fase de respiração na qual o ar atmosférico penetra nos pulmões. 2. Fig. Estado mental ou emocional que se caracteriza por estimular fortemente o ímpeto criador, especialmente entre artistas. (1) Na aspiração, quando o espírito humano, no seu dinamismo, dirige a um valor puro, como liberdade, justiça, a aspiração torna-se inspiração. Fala-se muito na inspiração dos artistas, esse misterioso poder de criação espontâneo, que parece como se uma potência exterior viesse em auxílio daquele. Muitos artistas realizam obras num estado de mínima consciência, apercebendo-se do que fizeram quase no fim ou no término do que encetaram. Alguns chegam a afirmar um caráter de mediunidade, como se o artista

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não passasse de um instrumento dócil às mãos de um ser misterioso que o guiasse na realização de sua obra, como Mozart que ouvia os seus concertos, num só ato, escrevendo-os, depois, por memorização (2).

(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

Inteligência Inteligência. Do lat. intellectus, inter e lec = escolher entre, ou intus e lec = escolher dentro, como preferem outros - é a faculdade que tem o espírito de pensar, conceber, compreender. Psicol. O termo inteligência é ainda usado pelos psicólogos com considerável latitude de sentido. Por vezes emprega-se como sinônimo de cognição (tal como a palavra "entendimento"), isto é, aplica-se a qualquer dos processos pelos quais se constrói o conhecimento; outras vezes é restringido aos processos conceptuais, como distintos dos processos de percepção sensível; e em alguns casos é usado no sentido ainda mais restrito da função de apreender relações, ou, até, especiais formas de relação. Os que se ocupam dos chamados "testes" de inteligência não têm curado muito a determinar com precisão o que seja a inteligência que tais testes se propõem determinar. No uso comum e quotidiano, tende-se a sublinhar o caráter prático da inteligência, como consistindo na capacidade de empregar meios adequados para atingir os vários fins que se tem em vista. Em um sentido restrito, a que convém ater-nos, a inteligência é a função de apreender conexões, incluindo neste último vocábulo as relações causais e as ideacionais, racionais ou lógicas, ou sejam relações de independência causal ou de interdependência ideacional, inteligível. (Nestes sentidos, todas as conexões são relações, mas nem todas as relações são conexões: e assim, por exemplo, as relações mais simples entre as coisas, como a sua semelhança ou dessemelhança, ou as meras relações no espaço e no tempo, como acima e abaixo, antes e depois, são conexões). Psiq. No ponto de vista psiquiátrico, interessam sobretudo os atrasos congênitos ou precocemente adquiridos do desenvolvimento intelectual (Oligofrenia, Idiotia, Imbecilidade, Debilidade mental) e os estados de enfraquecimento das capacidades intelectuais, adquiridos em indivíduos até então normais, em virtude da instalação e desenvolvimento de um processo mórbido encéfalo (Demência). Nas outras doenças mentais não há propriamente alterações da inteligência; assim, por exemplo, a paranoia e certas psicoses paranoides evolucionam com conservação perfeita dos dotes intelectuais. (1) Inteligência. O que penetrado dentro das coisas, capta a sua intimidade ou essência. Daí o designar comumente tanto a ação de compreender como a mesma capacidade de o fazer. Presentemente, há muitos equívocos sobre este termos: às vezes significa ser

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espiritual; outras como sinônimo de entendimento ou de intelecto; outras ainda para designar o conjunto das funções cognoscitivas induzindo as sensoriais; e isto sem falar nos inúmeros sentidos particulares nos diferentes pensadores. Tudo isso levou ao desabafo de Spearman: "Nos sucessivos congressos com o objetivo de se definir a inteligência, discutem-se muitas teorias, ouvem-se brilhantes oradores, mas cada um expõe a sua própria opinião... irreconciliável com as demais." (2)

= = = >> Inteligência e Instinto Inteligência – do lat. intellectus, inter e lec. = escolher entre, ou intus e lec = escolher dentro, como preferem outros - é a faculdade que tem o espírito de pensar, conceber, compreender. Em sentido restrito, é a função de apreender conexões. Instinto - do lat. obsoleto instinguo, de in e stinguo, e do gr. stizô - significa impulso inato, inconsciente, irracional, que leva um ente vivo, um animal, a proceder de tal ou tal forma. Os psicólogos procuram realizar uma tarefa difícil: a de distinguir a inteligência do instinto. Para muitos deles a inteligência é mais flexível, sendo até mesmo a soma das experiências do passado, que nos ajuda a tomar decisões no presente. Por outro lado, o instinto é cego, tal qual se observa no cão, que, mesmo domesticado, pisoteia o lugar em que vai dormir, como se devesse dormir sobre a erva. A observação cuidadosa do comportamento de alguns animais mostra que o conceito comum de instinto, como mero impulso simples, não basta para explicar a complexidade de seus atos. A aranha construirá a teia diferentemente, segundo as circunstâncias e o lugar que disponha. O castor constrói diferentemente, segundo a corrente da água, o nível da mesma ou a presença de homens. Por essa razão, acabam distinguindo o ato instintivo do ato reflexo. O Espírito André Luiz, no cap. IV de Evolução em Dois Mundos, psicografado por F. C. Xavier, diz-nos que, na retaguarda do transformismo do princípio inteligente, o reflexo precede o instinto e o instinto, a atividade refletida, que é a base da inteligência; nas linhas da civilização, a inteligência, no círculo humano, é seguida pela razão e a razão pela responsabilidade. Acrescenta ainda que a herança e o automatismo estruturam o princípio espiritual, desde sua origem, a fim de que este atinja a maturação no campo angélico. Allan Kardec, no cap. III de A Gênese, relaciona instinto, paixão e inteligência. Diz-nos que o instinto é sempre guia seguro e nunca erra. Pode tornar-se inútil, mas nunca prejudicial. Enfraquece-se com a predominância da inteligência. As paixões, por sua vez, são úteis até a eclosão do senso moral, em que o ser passivo transforma-se em ser racional. Depois disso,

359 torna-se nociva, caso não seja disciplinada pela razão. Inteligência e instinto são duas faculdades de nosso espírito. Saibamos ponderá-las eficazmente, a fim de que possamos viver em paz com a nossa consciência. São Paulo, 13/09/1998

<< = = = Intelecção. Ação de entender; compreensão. (1) Intelectismo. O mesmo que intelectualismo. (1) Intelectivo. Que pertence ao intelecto, à inteligência. (1) Intelecto. Faculdade de perceber, conceber, compreender; entendimento, inteligência. (1) Intelecto. Devido à sua raiz etimológica (particípio de intelligere), este vocábulo foi usado durante muitos séculos, sobretudo dentro da Escolástica, para designar a capacidade e atividade cognitiva a que depois se chamou entendimento e inteligência. (2) Intelectófobo. Inimigo da inteligência. (1) Intelectual. Que pertence à inteligência, ao intelecto, que está no entendimento: faculdades intelectuais. (1) Intelectualidade. Caráter do que é intelectual. (1) Intelectualismo. 1. Doutrina filosófica segundo a qual tudo no Universo se pode reduzir a elementos intelectuais, incluindo o sentimento e a vontade, simples resultantes do jogo dos fenômenos intelectuais. 2. Abuso da preponderância dos intelectuais, das teorias da inteligência pura, das doutrinas rígidas e artificiais, em detrimento das realidades práticas. Filos. Aplica-se a designação de intelectualismo a toda tendência a acentuar a importância do pensamento propriamente dito em relação ao sentimento e à volição, ou até em relação à sensação e à intuição sensível; a toda doutrina segundo a qual tudo quanto existe é redutível, pelo menos em princípio, a elementos propriamente intelectuais; a ideias; ou ainda a toda concepção segundo a qual se reduz a elementos intelectuais uma classe de fatos considerados pela maioria dos pensadores como irredutíveis à inteligência. Na segunda acepção, o intelectualismo pode ser entendido de duas maneiras diferentes, a saber: 1.º, a tese de que o ser é distinto da inteligência, mas podendo esta última dar dele uma tradução exata e completa; 2.º, a de que o ser é o pensamento (idealismo). A palavra opõe-se a "voluntarismo" e a "pragmatismo". O voluntarismo, com efeito, afirma a ininteligibilidade radical do mundo real, cuja essência seria falha de fundamento lógico, e estranha, pelo menos em parte, ao princípio de razão suficiente; sustenta ainda a independência, e até a primazia de fato, das funções

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afetivas em relação à inteligência; e crê, enfim, na superioridade da ação e do sentimento sobre o pensamento refletido. Na filosofia moral, o intelectualismo tende a identificar a virtude com o conhecimento, o mal com a ignorância; na teoria do conhecimento, liga mais importância à ideia do que à sensação ou intuição sensível; na ontologia, concebe que a última natureza da realidade é alguma espécie de inteligência, ou, pelo menos, considera o Universo como inteiramente inteligível; em estética, acentua a importância das ideias expressas ou sugeridas pelo objeto da contemplação estética; na esfera da religião, inclina-se a ligar importância suprema à doutrina ou à filosófica religiosa, à custa do sentimento religioso ou da intuição religiosa. (1) Inteligente. 1. Que tem inteligência; que é capaz de conhecer, compreender, raciocinar: o homem é um ser inteligente. 2. Que concebe, compreende, apreende com facilidade: criança pouco inteligente. 3. Que denota inteligência: rosto, fisionomia, testa inteligente. 4. Conhecedor, entendido; hábil. (1) Inteligibilidade. Qualidade do que é inteligível. Filos. A intelecção supõe no objeto a possibilidade de ser apreendido, ou submetido às leis da inteligência. Esta propriedade constitui a inteligibilidade do ser. A insuficiência das razões de um fato torna este ininteligível. A inteligibilidade depende de condições objetivas (a cognoscibilidade do objeto) e de condições subjetivas (a agudeza intelectual do sujeito conhecente). (1) Intelligence Service. Hist. Famoso organismo de polícia secreta britânico que defende a segurança do Estado e controla as relações internacionais, perscrutando as subtilezas da diplomacia e as reações dos vários países. Esta polícia é antiquíssima na Inglaterra e mantém agentes em todos os pontos do Mundo, ainda os mais remotos. (1) Intelectiva (vida). Entendendo por vida a totalidade dos fenômenos manifestativos de um determinado nível de organização estrutural do ser, vida intelectiva (ou racional) designará o conjunto das operações propriamente racionais. E como essas se podem considerar agrupadas em funções, a vida intelectiva integra todas as funções intelectivas, quer estas sejam de ordem cognoscitiva, tendencial ou afetiva. Neste sentido, comum à tradição aristotélico-tomista, a vida intelectiva opõe-se tanto à vida vegetativa como à vida sensitiva, constituindo o plano mais elevado dos três a que se costuma aplicar o conceito analógico de vida, ou seja, aquele nível em que os atos das faculdades são dotadas de mais perfeita imanência. Mas num sentido mais restrito, vida intelectiva ou intelectual significa, nalguns pensadores, o conjunto dos fenômenos representativos ou cognitivos, sobretudo os originados na faculdade intelectiva ou intelecto. O primeiro sentido parece-nos mais válido, por isso o analisaremos a seguir. 1) Fenomenologia da vida intelectiva - As operações intencionais que formam a vida intelectiva podem agrupar-se em três ordens: cognoscitiva, apetitiva e afetiva. a) Na ordem cognoscitiva é possível distinguir ainda outros tantos gêneros de funções: as de "aquisição", com seus atos particulares, tais como formação do conceito universal, percepção intelectual das diversas relações, percepção reflexa das próprias atividades psíquicas e do próprio Eu, formação dos juízos...; as de "representação" ou reprodutivas, tais como a memória e a reminiscência, com seus atos respectivos; as de "invenção" ou produtivas, como a imaginação criadora enquanto implica a intelecção e o raciocínio. Deste modo, as principais operações cognoscitivas da vida racional são: apreensão,

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intelecção, ideias, conceito, comparação, juízo, raciocínio, pensamento, intuição, inspiração. b) Na ordem apetitiva ou tendencial encontramos a vontade, com os seus atos ou volições, irredutíveis tanto ao conhecimento como ao sentimento. c) Finalmente, na ordem afetiva, temos as manifestações espirituais da dor, prazer, alegria e tristeza. Todo esse conjunto de fenômenos conscientes superiores constituem a chamada vida intelectiva. 2) Natureza da vida intelectiva - A vida intelectiva exige no homem uma alma que seja substancial, idêntica consigo mesma, permanente sob as diversas operações psíquicas, simples e espiritual. Numa palavra, toda a vida intelectiva constituída pelo princípio vital intelectivo com suas faculdades e respectivas operações, tem na imaterialidade, a propriedade essencial da sua natureza. 3) Graus da vida intelectiva - Dado que uma alma ou princípio vital superior, segundo a doutrina aristotélico-tomista, contém formal e eminentemente a perfeição das almas inferiores, quando as suas manifestações se encontram no mesmo ser vivo, a alma intelectiva do homem contém a perfeição da vida vegetativa e sensitiva. Daí que pela vida intelectiva tem o homem um parentesco com todo o universo, e, portanto, a possibilidade de descobrir tudo na sua íntima essência sem violentar, partindo de si mesmo. S. Tomás menciona os vários graus da vida intelectiva: vida intelectiva humana (que ocupa o nível inferior), a angélica e a divina (a mais perfeita de todas), relacionadas entre si tanto pela analogia do conceito como pela participação do grau superior que se dá em todos os outros. E também neste sentido o homem se encontra colocado no centro da criação. (2)

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p. (2) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

Inteligência Artificial Inteligência Artificial (IA). A ciência de fazer máquinas que podem realizar o tipo de coisas que os seres humanos fazem. Tópicos de pesquisa nessa área incluem o reconhecimento da fala, o reconhecimento visual e a capacidade de resolver problemas e e jogar jogos. Construir um modelo de um fenômeno psicológico num computador é uma maneira de mostrar como esse fenômeno é possível num mundo físico, e também de revelar as complexidades envolvidas em tarefas aparentemente simples. Um conceito central a grande parte das pesquisas em IA é o da representação, existindo programas projetados para construir, adaptar e ligar representações que intervêm na produção de respostas inteligentes. Essas pesquisas têm sido responsáveis por um abandono considerável do behaviorismo dogmático, segundo o qual a ideia de manipulações mentais era encarada como não-científica, uma vez que é exatamente armazenada e a manipulação de representações do mundo que se exige nos problemas que a IA procura resolver. A IA forte é a tese filosófica de que os computadores programados de forma

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apropriada têm mentes exatamente no mesmo sentido que nós. A IA fraca é a crença metodológica de que a melhor maneira de explorar a mente é proceder como se a tese forte fosse verdadeira, sem comentar o legado dodualismo que conduziu ao desconforto em relação à tese forte. Ver também conexionismo; problema do enquadramento; quarto chinês; teste de Turing. (1) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Introspecção Introspecção. Do latim introspicere, olhar para dentro. Visão interior. Introspecção é o esforço de auto-observação interior, através do qual o indivíduo busca descobrir as causas, a evolução e os efeitos dos fenômenos psicológicos ocorrentes em si mesmo; é um processo inteiramente subjetivo. A extropecção é o estudo objetivo do comportamento de outrem, feita por um ou mais indivíduos. Os dois processos se completam, no exame dos fenômenos psíquicos. (1) Introspecção. 1. Na filosofia da consciência, de tradição cartesiana, é o procedimento pelo qual o sujeito examina o conteúdo da própria consciência. A introspecção, por ser um meio de acesso privilegiado da consciência a si própria, e por seu caráter imediato, teria a validade de suas conclusões garantida. 2. Na psicologia chamada "introspeccionista", é o método de descrição da estrutura e dos conteúdos da consciência, sendo considerada o único meio válido de acesso à realidade psíquica. 3. O caráter imediato e privilegiado da introspecção passou a ser questionada na filosofia contemporânea, que aponta os pressupostos inevitáveis que esse tipo de exame envolveria sobre a própria natureza da consciência e da subjetividade, não tendo portanto o caráter originário pretendido. Além disso, questiona-se a introspecção como base para o método científico devido a seu caráter, por definição, subjetivo e à impossibilidade de generalização de suas conclusões. (2) Introspecção. Auto-observação do espírito. Foi inicialmente a única atitude (mais do que método) da psicologia - antes de seus esforços para constituir o equivalente de abordagens experimentais - e, a esse título, foi criticada com vigor por A. Comte, que expulsa consequentemente a psicologia de sua classificação das ciências. A crítica de Comte à introspecção é por esta não respeitar a condição mínima de qualquer observação científica (distinção entre o observador e o observado), mas também modificar o que pretende registrar (em particular desacelerar o funcionamento mental) e de ser de fato sempre uma retrospecção, ademais impossível de ser generalizada porque submetida à subjetividade daquele que se observa.

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Nem por isso a introspecção deixou de permitir que inúmeros autores, antigos ou clássicos (de Sêneca a Vauvenargues passando por Santo Agostinho, Pascal, Hobbes ou Hume), efetuassem um número importante de observações sobre "o homem em geral", seu pensamento e seus sentimentos. Continua, aliás, a alimentar uma tradição literária que deriva do diário íntimo mais ou menos direto - embora evidentemente fracasse em conhecer o que quer que seja do inconsciente. Deve-se o método de introspecção experimental, que permite definir as noções de intenções e de atitude de consciência, à escola de Würzburg (início do século). (3) Introspecção. Esse termo foi introduzido pela psicologia do século XIX para designar o método psicológico fundamental, considerado insubstituível até o advento do behaviorismo. Contra a introspecção Comte opôs uma objeção de princípio: "O indivíduo pensante não pode dividir-se em dois, em que raciocina e outro que o vê raciocinar. Nesse caso, sendo idênticos o órgão observado e o órgão observador, como poderá ocorrer a observação?" (Cours de phil. positive, 1830, I, seç. 1, § 8). Comte concluíra, por isso, pela impossibilidade da psicologia e a suprimira da sua enciclopédia das ciências. (4) (1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 6ª ed., São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

Intuição Intuição. (do latim intueri, ver.) Esse termo - cujos significados são diversos - designa de uma maneira geral um modo de conhecimento imediato e direto que coloca no mesmo momento o espírito em presença do seu objeto. A intuição empírica, que nos entrega o mundo da experiência, comporta a intuição externa ou sensível (dados dos sentidos) e a intuição interna ou psicológica (fenômenos mentais conscientes relativa a vida interior). A intuição racional percebe as relações e apreende os princípios primeiros que constituem a estrutura da razão. A noção de intuição metafísica aplica-se em contextos filosóficos diferentes. Em Descartes, é a própria intuição racional, a "concepção firme de um espírito puro e

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atento, que nasce apenas da luz da razão; marcada pelo selo da evidência, é o conhecimento das ideias claras e distintas, ou então a visão sintética do espírito que verifica o encadeamento lógico de uma demonstração. A intuição pura, na concepção kantiana, é a das formas a priori da sensibilidade que, aplicando-se a intuição empírica, estrutura o diverso sensível de acordo com o espaço e o tempo. O alcance metafísico da intuição afirma-se com o intuicionismo bergosoniano que, contra a inteligência conceitual aplicável com frutos apenas ao domínio da quantidade e do espaço, coloca a intuição como uma "espécie de simpatia intelectual", que constitui não apenas o estofo da consciência, mas ainda a própria essência de qualquer realidade. A noção também é utilizada para designar na matemática o conhecimento das noções primeiras a partir das quais se constrói todo o edifício matemático. Quanto à intuição mística, aplica-se, na concepção própria ao misticismo, à experiência inefável de Deus. A intuição divinatória, finalmente, é quer um pressentimento, quer um conhecimento global, instantâneo e aparentemente imediato que repousa o espírito de sutileza. "Instrumento da invenção" (Poincaré), permite, por exemplo, descobrir de repente a solução de um problema, depois de, em geral, um longo período de pesquisa. (1) = = = >>

Intuição e Inspiração 1. CONCEITO DE INTUIÇÃO A palavra intuição (do latim in tueri = ver em, contemplar) significa um conhecimento direto, imediato do conjunto de qualidades sensíveis e essenciais dos objetos e de suas relações, sem uso do raciocínio discursivo (1). 2. TIPOS DE INTUIÇÃO Dentre os vários tipos de intuição, destacaremos três: 1º) intuição sensível ou empírica: visão da laranja; 2º) intuição intelectual: o todo é maior que as partes; 3º) intuição metafísica: intuição de Deus. Em filosofia, aceita-se somente a intuição intelectual, porque é a única que se pode provar (1). 3. INTUIÇÃO INTELECTUAL Intuição é um ato simples, por meio do qual captamos a realidade ideal de algo. Intelectual refere-se ao trânsito ou à passagem de uma idéia à outra, àquilo que Aristóteles desenvolve sob a forma de lógica. Assim, intuição e intelectual são termos que se excluem, que se repelem. O essencial no pensamento de Fichte, Schelling e Hegel é considerar a intuição como método da filosofia. E por que consideram a intuição intelectual como método da filosofia? Porque dão à razão humana uma dupla missão: 1ª) penetrar intuitivamente na essência das coisas;

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2ª) partindo dessa intuição intelectual, construir, de modo puramente apriorístico, toda a armação, toda a estrutura do universo e do homem dentro do próprio universo (2). 4. FATORES FAVORÁVEIS À MANIFESTAÇÃO DA INTUIÇÃO 1º) - Desejar imperiosamente solucionar o problema. 2º) - Acumular ricos conhecimentos práticos e teóricos. 3º) - Trabalhar e pensar longa e intensamente. 4º) - Passar rapidamente de uma atividade à outra. 5º) - Ter a mente flexível e aberta ao novo. 5. CONHECIMENTO INTUITIVO E CONHECIMENTO CIENTÍFICO A distinção entre ambos pode ser expressa da seguinte forma: a) enquanto o conhecimento intuitivo se reduz a um ato, simples e individual, o conhecimento científico resulta de um processo complexo de análise e de síntese. b) o conhecimento intuitivo consiste em um ato de experiência sensível ou espiritual, já o conhecimento científico toma a experiência como primeiro passo ou estágio inicial de um longo processo de pesquisa. c) o conhecimento intuitivo é de ordem subjetiva, enquanto o conhecimento científico fundamenta-se na objetividade e na evidência dos fatos, e, porque essa objetividade e evidência são demonstradas lógica ou experimentalmente, o conhecimento científico adquire o caráter objetivo de validade geral e independente de intuições (3). 6. INTUIÇÃO, RAZÃO E ESPIRITISMO O conhecimento vindo através do intelecto nos faz apreender o mundo ambiente, ao passo que a intuição nos dá o discernimento das coisas divinas; O conhecimento intelectual se estriba na razão que mediu, pesou, dividiu, analisou, concluiu; A intuição, porém, se apoia na fé, porque somente crê e confia. O campo da razão vai até onde a inteligência alcança, mas o da intuição não têm limites, porque é o campo da consciência universal. Por isso, às vezes diz “sim”, quando a intuição diz “não”; uma fala “prudência”, a outra ordena “confiança”; uma diz “raciocina primeiro”, mas a outra determina “crê e segue” (4). 7. CONCEITO DE INSPIRAÇÃO Inspiração - do latim inspiratio do verbo aspiro, soprar para dentro. Segundo o Dicionário Aurélio, qualquer estímulo ao pensamento ou à atividade criadora. Na aspiração, quando o espírito humano, no seu dinamismo, dirige a um valor puro, como liberdade, justiça, a aspiração torna-se inspiração. Fala-se muito na inspiração dos artistas, esse misterioso poder de criação espontâneo, que parece como se uma potência exterior viesse em auxílio daquele. Muitos artistas realizam obras num estado de mínima consciência, apercebendo-se do que fizeram quase no fim ou no término do que encetaram. Alguns chegam a afirmar um caráter de mediunidade, como se o artista não passasse de um instrumento dócil às mãos de um ser misterioso que o guiasse

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na realização de sua obra, como Mozart que ouvia os seus concertos, num só ato, escrevendo-os, depois, por memorização (5). 8. MÉDIUNS INTUITIVOS E MÉDIUNS INSPIRADOS Médiuns Intuitivos: o papel desta categoria de médiuns é ser intérprete dos Espíritos. Enquanto o médium mecânico age como uma máquina, o médium intuitivo, para transmitir o pensamento, deve primeiramente compreendê-lo, para depois apropriar-se dele e traduzi-lo fielmente, embora esse pensamento não seja o seu. Médiuns Inspirados: é uma variedade da mediunidade intuitiva, entretanto a intervenção de um poder oculto é ainda bem menos sensível, ou seja, no inspirado é mais difícil distinguir-se o pensamento próprio daquele que lhe é sugerido. O que caracteriza este último é sobretudo a espontaneidade (6). INTUIÇÃO, INSPIRAÇÃO E MEDIUNIDADE Intuição significa um conhecimento direto, imediato do conjunto das qualidades sensíveis e essenciais dos objetos e das suas relações, sem uso do raciocínio discursivo. Inspiração quer dizer soprar para dentro. É o estado de exaltação emotiva, de íntima e misteriosa iluminação, em que, pela intuição estética, o artista apreende o seu objeto de modo impreciso, mas em plenitude. Por essas definições depreende-se que na intuição o indivíduo busca o conhecimento por si mesmo, penetrando-o através de seus próprios esforços. Por outro lado, na inspiração, a descoberta vem espontaneamente, transparecendo em muitos artistas a existência de uma percepção extrasensorial - mediunidade. Muitos realizam suas obras num estado de mínima consciência, como é o caso de Mozart, que depois do êxtase, escrevia seus acordes de cor. Teoricamente não é difícil separar esses dois conceitos. Mas como precisar, com certeza, onde começa um e onde termina o outro? A doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec, fornece-nos uma luz. De acordo com seus postulados, estamos envoltos pela presença de Espíritos, que tanto podem influenciar-nos para o bem quanto para o mal. Neste sentido, o insight de uma descoberta poderia, perfeitamente, provir do sopro de um Espírito amigo. No desenvolvimento desses raciocínios, o homem de gênio poderia ser apontado como o ser exclusivamente intuitivo. Isso não é impossível, visto que ele, em outras encarnações, conquistou, através dos próprios esforços, condições para tal fim. Mesmo assim, não se invalida a influência exercida pelos bons Espíritos. Estes podem utilizar-se da matéria cerebral do gênio e comunicar-lhe as invenções necessárias para a evolução da humanidade. No estudo da psicografia, Kardec usa os termos médium intuitivo e médium inspirado. O médium intuitivo escreve e percebe que as idéias são do Espírito comunicante e com o médium inspirado isto não ocorre. Afirma, ainda, que o segundo é um caso especial do primeiro. Ele considera a intuição

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e a inspiração como mediunidade, ao contrário dos filósofos, que tratam da intuição como sendo uma abstração do próprio sujeito cognoscente. Excluindo-se a terminologia exclusivamente mediúnica de Kardec, podemos dizer que a intuição refere-se ao fenômeno anímico, enquanto a inspiração, ao fenômeno mediúnico. Estejamos atentos para separar um do outro. QUESTÕES 1) Qual o conceito de intuição? 2) Qual o conceito de inspiração? 3) Quais são os fatores favoráveis à manifestação da intuição? 4) Como se distingue o conhecimento intuitivo do conhecimento científico? 5) O que distingue o médium intuitivo do médium inspirado? TEMAS PARA DEBATE 1) A intuição vai além da razão. Ela se apoia na fé? 2) O campo da razão vai até onde a inteligência alcança, mas a intuição não tem limites. Comente. 3) Em termos mediúnicos, é possível separar a intuição da inspiração? Como? REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) BAZARIAN, J . Intuição Heurística. (2) GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia. (3) RUIZ, J. A. Metodologia Científica. (4) ARMOND, E. Mediunidade. (5) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. (6) KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. São Paulo, Agosto de 1996. << = = = (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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Jargão Jargão. Terminologia de especialista, associada a uma profissão ou área de interesse particular. O termo “jargão” é quase sempre usado em sentido pejorativo para sugerir que a linguagem é desnecessariamente obscura; “termo técnico” é o rótulo para palavras de especialistas que são necessárias para uma comunicação efetiva sobre áreas particulares de especialização, mas que não descem ao nível do jargão. As mesmas palavras podem ser jargão em um contexto e termos técnicos em outro. A maioria dos manuais de computador está cheia de jargões, como bytes, disco RAM e hardware flow control template. Os filósofos também têm sua carteira de jargões. exemplo: mutatis mutandis (“fazendo as mudanças adequadas”) e prime facie (“à primeira vista”). Ver novilíngua.(1) (1) WARBURTON, Nigel. Pensamento Crítico de A a Z: Uma Introdução Filosófica. Tradução de Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.

Justiça Justiça. Virtude moral que faz se dê a cada um o que lhe pertence e se respeitem os direitos alheios. (1) A noção de justiça designa por um lado o princípio moral que exige o respeito da norma do direito e, por outro lado, a virtude, que consiste em respeitar os direitos dos outros. (2)

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Justiça, Amor e Caridade Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico: 3.1. Justiça; 3.2. Amor; 3.3. Caridade. 4. A Justiça e as Virtudes: 4.1. Justiça Normativa e Justiça Descritiva; 4.2. Virtudes Cardeais e Virtudes Teologais; 4.3. A Base da Justiça Funda-se na Lei Natural. 5. Amor e Caridade. 6. Relação entre Justiça, Amor e Caridade. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é analisar o inter-relacionamento entre a justiça, o amor e a caridade. Para tanto, iremos definir cada um dos termos, colocá-los dentro de um contexto histórico, elaborar alguns pensamentos sobre as virtudes cardeais e teologais para, por fim, mostrar como é importante a junção desses três termos. 2. CONCEITO Justiça – É a constante e perpétua vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade. É virtude subjetiva, portanto. Amor – É uma força tendente a aproximar e a unir, numa relação particular, dois ou mais seres. Caridade – No vocabulário cristão, o amor que move a vontade à busca efetiva do bem de outrem e procura identificar-se com o amor de Deus. 3. HISTÓRICO 3.1. JUSTIÇA Na história do pensamento filosófico o conceito de justiça apresenta uma interessante evolução. Prescindindo da noção bíblico-teológica de justiça, é mister ascender até a Grécia se quisermos seguir a sobredita evolução na cultura ocidental. a) a palavra dikaiosyne, que nos escritores da idade clássica traduz o conceito de justiça, não aparece nem em Homero, nem em Hesíodo. Neles o conceito mais afim de justiça é expresso por dois vocábulos: Dike e Themis. O 1.º significa "decisão judicial", o 2.º o

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"bom conselho", que inspira a decisão prudente. A partir do séc. VI a. C., começa a divulgar-se a palavra dikaiosyne, mas não tem o sentido jurídico que hoje damos ao termo justiça. Dikaiosyne significava propriamente um "princípio universal de ordem e harmonia" entre o fato e a norma que lhe diz respeito. Este aspecto geral atinge a sua expressão máxima no sistema platônico. Essa noção geral manteve-se firme durante muitos séculos, embora se fosse paralelamente outro aspecto mais restrito. b) Este segundo aspecto começa a ser sistematizado a partir de Aristóteles, utilizando, aliás, elementos já existentes em germe na filosofia pré-socrática e, designadamente pitagórica. Consiste em sublinhar a índole social da justiça frisando que ela é primariamente correspondência entre dois termos contrapostos precisando estabelecer igualdade no que reciprocamente lhes é devido. Deste modo se passa de um princípio universal para uma virtude particular. c) Estas duas concepções coexistiram lado a lado durante séculos e aparecem ainda notadamente em Leibnitz. Mas o aspecto universal foi-se gradualmente esquecido e hoje prevalece ordinariamente a noção de justiça em sentido estrito ou jurídico. A partir do século XIX foi-se divulgando cada vez mais a expressão justiça social, em relação contra os abusos do capitalismo liberal. (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura) 3.2. AMOR A história da cultura ocidental apresenta duas raízes: a grega e a judeo-cristã ou bíblica. A concepção grega está assentada no Eros platônico. Eros começa por ser pobre. Mas, sumamente engenhoso e ativo, ele encontra sempre meio de transcender e de se transcender até atingir o mundo das idéias, designadamente o belo, o verdadeiro e o bem. Ascende “gerando beleza”. Ascende, deixando atrás de si – e abaixo de si – um mundo de troféus e de despojos, de aspirações satisfeitas e de imperfeições superadas, de aparências e de ilusões que foram dando progressivamente lugar a realidades autênticas e a formas e idéias verdadeiras. A concepção grega baseia-se: 1) o mundo é eterno e não criado; 2) que o amar implica em conhecer e o conhecer implica o amar. A concepção judeo-cristã não partirá nem do mundo nem do homem. Partirá de Deus, Transcendência absoluta. Ele próprio relação amorosa, em si, por si e para si, e que, sendo livre, também por Amor cria para fora de si uma realidade – o Mundo. O amor humano, fundado no amor divino, será pluridirecional e pluridimensional, será ativo e será histórico, será concreto e terá na imitação do próprio Deus, designadamente através de Cristo - imitatio Christi - o seu grande motor. Do entrelaçamento das duas concepções – helênica e judeo-cristã – é feita a história do amor no Ocidente até os nossos dias, pelos menos, até aos chamados “tempos modernos”, com o predomínio ora de uma ora de outra segundo as condições sócioculturais das épocas respectivas. (Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado) 3.3. CARIDADE As obras de misericórdia são comuns a todos os povos e a todas as religiões. Os princípios da lei natural impressos no coração do homem manifestam-se mesmo entre algumas tribos selvagens, onde encontram rasgos duma caridade mais ou menos perfeita. Em todos os povos mongólicos é castigada a falta de proteção aos estrangeiros e uma lei regula a beneficência. Os habitantes do norte da África, principalmente em Marrocos, têm o socorro mútuo como principal regulador da vida social, merecendo especial atenção os necessitados: quando uma família mata um boi, o fato torna-se logo público afim de que os pobres e os doentes da localidade acudam em busca de carne. A caridade entre os judeus foi a verdadeira piedade a favor dos pobres e a obediência a Deus. Os ricos eram apenas administradores dos seus bens, visto que Deus era o único proprietário. Para os maometanos, era uma obrigação mútua e limitada entre os fiéis do

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Islã. O motivo da caridade cristã é o amor da alma a Jesus, Salvador do homem. O pobre é um irmão ante Cristo, e a Humanidade, por ele reunida, constitui uma grande família em que o cristãos consideram o resto dos homens, como uma irmandade. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) 4. A JUSTIÇA E AS VIRTUDES 4.1. JUSTIÇA NORMATIVA E JUSTIÇA DESCRITIVA A justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar. A diferença é que a justiça é normativa enquanto os outros são descritivos. O que isto significa? Significa dizer que podemos medir a igualdade através de comparações de rendimento, a liberdade em termos de liberdade de expressão, o bem-estar através do nível de consumo etc. A justiça, de seu lado, implica num juízo de valor. Nesse sentido, o senso de injustiça nada mais é do que o sentimento de que algo está errado, não meramente com referência à nossa condição pessoal, mas com o mundo em geral. Há possibilidade de definirmos a justiça em termos descritivos? Não, pois implica uma contradição, ou seja, se “justo” tiver o mesmo significado de “igual”, isto implica uma norma igualitária. Logicamente seria por isso incoerente para qualquer um considerar injustas tanto as normas igualitárias como as normas não-igualitárias. Evidentemente que estas definições não são aceitáveis. Evidentemente que não podemos ir do “ser” para o “dever ser” e dos fatos para os valores. Contudo, quando a expressamos em termos igualitários, não a estamos definindo, mas comunicando um juízo normativo, sob a capa verbal de definições, tendo como finalidade geral uma eficácia retórica. (BOBBIO, 1986) 4.2. VIRTUDES CARDEAIS E VIRTUDES TEOLOGAIS As Virtudes — potências racionais que inclinam o homem para o bem, quer como indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente, podem ser divididas em: a) Virtudes Cardeais A virtude moral predispõe o indivíduo à prática do bem. Há duas ordens de moralidade, a natural e a infusa. Por isso, temos duas espécies de virtudes: adquiridas e infusas. Entre as virtudes adquiridas, distinguem-se principalmente quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Cognominadas de cardeais (de cardo, gonzo), por ser em redor delas que giram todas as outras, tais como a paciência, a tolerância, a brandura etc. Dentre todas elas a Justiça ocupa lugar de destaque, pois todas as outras giram primariamente sobre esta. (Santos, 1965) b) Virtudes Teologais Entre as virtudes infusas estão a fé, a esperança e a caridade, cognominadas de teologais, porque não são o produto de uma prática, mas um dom infuso de Deus nos seus filhos. (Santos, 1965) 4.3. A BASE DA JUSTIÇA FUNDA-SE NA LEI NATURAL O sentimento de justiça é natural ou resulta de idéias adquiridas? É tão natural que nos revoltamos ante uma injustiça. 0 progresso moral desenvolve a justiça, mas não a cria. Por isso, muitas vezes, entre os homens simples e primitivos encontramos noções mais exatas de justiça do que entre os de muito saber. No que consiste a justiça? A Justiça consiste no respeito aos direitos de cada um. Esses direitos são determinados pela lei humana e pela lei natural. Como os homens fizeram leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas leis estabeleceram direitos que podem variar com o progresso. Fora do direito consagrado pela lei humana, qual a base da justiça fundada sobre a lei natural? O critério da verdadeira justiça é de fato o de se querer para os outros aquilo que

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se quer para si mesmo, e não de querer para si o que se deseja para os outros. Como não é natural que se queira o próprio mal, se tomarmos o desejo pessoal por norma ou ponto de partida, podemos estar certos de jamais desejar para o próximo senão o bem. Desde todos os tempos e em todas as crenças o homem procurou sempre fazer prevalecer o seu direito pessoal. O sublime da religião cristã foi tomar o direito pessoal por base do direito do próximo. (Kardec, 1995, perguntas 873 a 876) 5. AMOR E CARIDADE A palavra amor é polissêmica e presta-se a muitos significados; do mesmo modo a caridade, pode ser identificada com a assistência social ou a esmola. No âmbito da Doutrina Espírita, convém nos atermos ao seu significado puramente espiritual, ou seja, aquele emprestado por Allan Kardec. É nesse sentido que podemos definir o amor como "a totalidade dos sentimentos e desejos que estruturam o pensamento para a liberação de energia e de forças que guiam a ação na produção do bem e possibilitam a aquisição de qualidades, constituintes do crescimento do Espírito". (Curti, 1981, p.81) O amor deve ser visto como uma energia radiante expressa pelo nosso pensamento, alicerçado na vontade e no discernimento. A caridade, de seu lado, é definida pelo Espírito Emmanuel como “o coração no teu gesto”. É preciso ampliar este conceito, modificando nossas atitudes para com tudo aquilo que nos cerca. Assim, devemos ter piedade para aquele que desespera; benevolência, para aquele que erra; tolerância, para quem não nos entende etc. 6. RELAÇÃO ENTRE JUSTIÇA, AMOR E CARIDADE Temos notícias de que habitualmente a justiça é representada com os olhos vendados e com uma balança na mão. Essa imagem significa que a justiça não faz discriminação de pessoas nem tem preferências afetivas, que ela é muito mais racional e, portanto, fria. Ao contrário do amor, que se estabelece em uma dimensão essencialmente pessoal e de preferência afetiva. No entanto, isoladamente, a justiça corre risco de esquecer muitos aspectos pessoais e muitas considerações que só o amor é capaz de descobrir. Allan Kardec diz que "o amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem possível, que desejaríamos que nos fosse feito. Tal é o sentido das palavras de Jesus: "Amai-vos uns aos outros, como irmãos"". (Kardec, 1995, pergunta 886) Vejamos algumas das diversas relações entre Justiça e caridade. 1) A caridade, ou amor ao próximo, já prefigurada na doutrina dos estóicos, mas erguida pelo cristianismo ao seu máximo valor, é uma virtude que, com a justiça, regula o procedimento moral do homem para com os outros seres e, especialmente, para com os outros homens. 2) A justiça, a que correspondem os deveres estritos é a obrigação social e diz respeito à ação, ao passo que a caridade, a que correspondem os deveres largos, é a obediência à obrigação individual e só tem em conta a intenção. 3) A justiça é obrigatória e exigível; a caridade, porém, se é obrigatória em relação a quem a dá, não é exigível em relação a quem recebe. 4) A justiça é estrita e tem como regra o respeito da lei; a caridade não conhece nem limite nem regra e ultrapassa as obrigações estritas da lei. 5) A caridade supõe a justiça e completa-a; antes de exercer a caridade é necessário saber respeitar a liberdade e os direitos alheios. 6) Sem a caridade, a justiça seria demasiado rígida e até iníqua: onde a justiça fica inativa – perante a miséria, por exemplo – a caridade julga-se imperiosamente obrigada a intervir.

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7) A caridade briga muitas vezes com a justiça: a caridade para com umas pessoas gera, amiúde, a injustiça para com outras, como no caso do chefe de família que, por filantropia, dissipa em dádivas a herança dos filhos. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) 8. CONCLUSÃO O senso de injustiça mostra que algo está errado, não meramente conosco, mas com o mundo em geral. Ele mostra o descontentamento entre o ideal imaginado e a situação observada. É nesse momento que entra o sentimento de justiça, que deve ser contrabalançado pelo amor e a caridade, no sentido de atingir o bem comum. 9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BOBBIO, N., MATTEUCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. 2. ed., Brasília, UNB, 1986. CURTI, R. Espiritismo e Reforma Íntima. 3. ed., São Paulo, FEESP, 1981. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa, Verbo, s. d. p. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995. Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa/São Paulo, Verbo, 1986. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. São Paulo, janeiro de 2001

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Lei de Justiça, Amor e Caridade Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico: 3.1. Justiça; 3.2. Amor; 3.3. Caridade. 4. A Justiça e as Virtudes: 4.1. Justiça Normativa e Justiça Descritiva; 4.2. Virtudes Cardeais e Virtudes Teologais; 4.3. A Base da Justiça Funda-se na Lei Natural. 5. Amor e Caridade. 6. Relação entre Justiça, Amor e Caridade. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é analisar o inter-relacionamento entre a justiça, o amor e a caridade. Para tanto, iremos definir cada um dos termos, colocá-los dentro de um contexto histórico, elaborar alguns pensamentos sobre as virtudes cardeais e teologais para, por fim, mostrar como é importante a junção desses três termos. 2. CONCEITO Justiça – É a constante e perpétua vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade. É virtude subjetiva, portanto. Amor – É uma força tendente a aproximar e a unir, numa relação particular, dois ou mais seres. Caridade – No vocabulário cristão, o amor que move a vontade à busca efetiva do bem de outrem e procura identificar-se com o amor de Deus. 3. HISTÓRICO 3.1. JUSTIÇA Na história do pensamento filosófico o conceito de justiça apresenta uma interessante evolução. Prescindindo da noção bíblico-teológica de justiça, é mister ascender até a Grécia se quisermos seguir a sobredita evolução na cultura ocidental. a) a palavra dikaiosyne, que nos escritores da idade clássica traduz o conceito de justiça, não aparece nem em Homero, nem em Hesíodo. Neles o conceito mais afim de justiça é expresso por dois vocábulos: Dike e Themis. O 1.º significa "decisão judicial", o 2.º o "bom conselho", que inspira a decisão prudente. A partir do séc. VI a. C., começa a divulgar-se a palavra dikaiosyne, mas não tem o sentido jurídico que hoje damos ao termo justiça. Dikaiosyne significava propriamente um "princípio universal de ordem e harmonia" entre o fato e a norma que lhe diz respeito. Este aspecto geral atinge a sua expressão máxima no sistema platônico. Essa noção geral manteve-se firme durante muitos séculos, embora se fosse paralelamente outro aspecto mais restrito. b) Este segundo aspecto começa a ser sistematizado a partir de Aristóteles, utilizando, aliás, elementos já existentes em germe na filosofia pré-socrática e, designadamente

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pitagórica. Consiste em sublinhar a índole social da justiça frisando que ela é primariamente correspondência entre dois termos contrapostos precisando estabelecer igualdade no que reciprocamente lhes é devido. Deste modo se passa de um princípio universal para uma virtude particular. c) Estas duas concepções coexistiram lado a lado durante séculos e aparecem ainda notadamente em Leibnitz. Mas o aspecto universal foi-se gradualmente esquecido e hoje prevalece ordinariamente a noção de justiça em sentido estrito ou jurídico. A partir do século XIX foi-se divulgando cada vez mais a expressão justiça social, em relação contra os abusos do capitalismo liberal. (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura) 3.2. AMOR A história da cultura ocidental apresenta duas raízes: a grega e a judeo-cristã ou bíblica. A concepção grega está assentada no Eros platônico. Eros começa por ser pobre. Mas, sumamente engenhoso e ativo, ele encontra sempre meio de transcender e de se transcender até atingir o mundo das idéias, designadamente o belo, o verdadeiro e o bem. Ascende "gerando beleza". Ascende, deixando atrás de si – e abaixo de si – um mundo de troféus e de despojos, de aspirações satisfeitas e de imperfeições superadas, de aparências e de ilusões que foram dando progressivamente lugar a realidades autênticas e a formas e idéias verdadeiras. A concepção grega baseia-se: 1) o mundo é eterno e não criado; 2) que o amar implica em conhecer e o conhecer implica o amar. A concepção judeo-cristã não partirá nem do mundo nem do homem. Partirá de Deus, Transcendência absoluta. Ele próprio relação amorosa, em si, por si e para si, e que, sendo livre, também por Amor cria para fora de si uma realidade – o Mundo. O amor humano, fundado no amor divino, será pluridirecional e pluridimensional, será ativo e será histórico, será concreto e terá na imitação do próprio Deus, designadamente através de Cristo - imitatio Christi - o seu grande motor. Do entrelaçamento das duas concepções – helênica e judeo-cristã – é feita a história do amor no Ocidente até os nossos dias, pelos menos, até aos chamados "tempos modernos", com o predomínio ora de uma ora de outra segundo as condições sócioculturais das épocas respectivas. (Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado) 3.3. CARIDADE As obras de misericórdia são comuns a todos os povos e a todas as religiões. Os princípios da lei natural impressos no coração do homem manifestam-se mesmo entre algumas tribos selvagens, onde encontram rasgos duma caridade mais ou menos perfeita. Em todos os povos mongólicos é castigada a falta de proteção aos estrangeiros e uma lei regula a beneficência. Os habitantes do norte da África, principalmente em Marrocos, têm o socorro mútuo como principal regulador da vida social, merecendo especial atenção os necessitados: quando uma família mata um boi, o fato torna-se logo público afim de que os pobres e os doentes da localidade acudam em busca de carne. A caridade entre os judeus foi a verdadeira piedade a favor dos pobres e a obediência a Deus. Os ricos eram apenas administradores dos seus bens, visto que Deus era o único proprietário. Para os maometanos, era uma obrigação mútua e limitada entre os fiéis do Islã. O motivo da caridade cristã é o amor da alma a Jesus, Salvador do homem. O pobre é um irmão ante Cristo, e a Humanidade, por ele reunida, constitui uma grande família em que o cristãos consideram o resto dos homens, como uma irmandade. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) 4. A JUSTIÇA E AS VIRTUDES 4.1. JUSTIÇA NORMATIVA E JUSTIÇA DESCRITIVA

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A justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar. A diferença é que a justiça é normativa enquanto os outros são descritivos. O que isto significa? Significa dizer que podemos medir a igualdade através de comparações de rendimento, a liberdade em termos de liberdade de expressão, o bem-estar através do nível de consumo etc. A justiça, de seu lado, implica num juízo de valor. Nesse sentido, o senso de injustiça nada mais é do que o sentimento de que algo está errado, não meramente com referência à nossa condição pessoal, mas com o mundo em geral. Há possibilidade de definirmos a justiça em termos descritivos? Não, pois implica uma contradição, ou seja, se "justo" tiver o mesmo significado de "igual", isto implica uma norma igualitária. Logicamente seria por isso incoerente para qualquer um considerar injustas tanto as normas igualitárias como as normas não-igualitárias. Evidentemente que estas definições não são aceitáveis. Evidentemente que não podemos ir do "ser" para o "dever ser" e dos fatos para os valores. Contudo, quando a expressamos em termos igualitários, não a estamos definindo, mas comunicando um juízo normativo, sob a capa verbal de definições, tendo como finalidade geral uma eficácia retórica. (BOBBIO, 1986) 4.2. VIRTUDES CARDEAIS E VIRTUDES TEOLOGAIS As Virtudes — potências racionais que inclinam o homem para o bem, quer como indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente, podem ser divididas em: a) Virtudes Cardeais A virtude moral predispõe o indivíduo à prática do bem. Há duas ordens de moralidade, a natural e a infusa. Por isso, temos duas espécies de virtudes: adquiridas e infusas. Entre as virtudes adquiridas, distinguem-se principalmente quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Cognominadas de cardeais (de cardo, gonzo), por ser em redor delas que giram todas as outras, tais como a paciência, a tolerância, a brandura etc. Dentre todas elas a Justiça ocupa lugar de destaque, pois todas as outras giram primariamente sobre esta. (Santos, 1965) b) Virtudes Teologais Entre as virtudes infusas estão a fé, a esperança e a caridade, cognominadas de teologais, porque não são o produto de uma prática, mas um dom infuso de Deus nos seus filhos. (Santos, 1965) 4.3. A BASE DA JUSTIÇA FUNDA-SE NA LEI NATURAL O sentimento de justiça é natural ou resulta de idéias adquiridas? É tão natural que nos revoltamos ante uma injustiça. 0 progresso moral desenvolve a justiça, mas não a cria. Por isso, muitas vezes, entre os homens simples e primitivos encontramos noções mais exatas de justiça do que entre os de muito saber. No que consiste a justiça? A Justiça consiste no respeito aos direitos de cada um. Esses direitos são determinados pela lei humana e pela lei natural. Como os homens fizeram leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas leis estabeleceram direitos que podem variar com o progresso. Fora do direito consagrado pela lei humana, qual a base da justiça fundada sobre a lei natural? O critério da verdadeira justiça é de fato o de se querer para os outros aquilo que se quer para si mesmo, e não de querer para si o que se deseja para os outros. Como não é natural que se queira o próprio mal, se tomarmos o desejo pessoal por norma ou ponto de partida, podemos estar certos de jamais desejar para o próximo senão o bem. Desde todos os tempos e em todas as crenças o homem procurou sempre fazer prevalecer o seu direito pessoal. O sublime da religião cristã foi tomar o direito pessoal por base do direito do próximo. (Kardec, 1995, perguntas 873 a 876)

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5. AMOR E CARIDADE A palavra amor é polissêmica e presta-se a muitos significados; do mesmo modo a caridade, pode ser identificada com a assistência social ou a esmola. No âmbito da Doutrina Espírita, convém nos atermos ao seu significado puramente espiritual, ou seja, aquele emprestado por Allan Kardec. É nesse sentido que podemos definir o amor como "a totalidade dos sentimentos e desejos que estruturam o pensamento para a liberação de energia e de forças que guiam a ação na produção do bem e possibilitam a aquisição de qualidades, constituintes do crescimento do Espírito". (Curti, 1981, p.81) O amor deve ser visto como uma energia radiante expressa pelo nosso pensamento, alicerçado na vontade e no discernimento. A caridade, de seu lado, é definida pelo Espírito Emmanuel como "o coração no teu gesto". É preciso ampliar este conceito, modificando nossas atitudes para com tudo aquilo que nos cerca. Assim, devemos ter piedade para aquele que desespera; benevolência, para aquele que erra; tolerância, para quem não nos entende etc. 6. RELAÇÃO ENTRE JUSTIÇA, AMOR E CARIDADE Temos notícias de que habitualmente a justiça é representada com os olhos vendados e com uma balança na mão. Essa imagem significa que a justiça não faz discriminação de pessoas nem tem preferências afetivas, que ela é muito mais racional e, portanto, fria. Ao contrário do amor, que se estabelece em uma dimensão essencialmente pessoal e de preferência afetiva. No entanto, isoladamente, a justiça corre risco de esquecer muitos aspectos pessoais e muitas considerações que só o amor é capaz de descobrir. Allan Kardec diz que "o amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem possível, que desejaríamos que nos fosse feito. Tal é o sentido das palavras de Jesus: "Amai-vos uns aos outros, como irmãos"". (Kardec, 1995, pergunta 886) Vejamos algumas das diversas relações entre Justiça e caridade. 1) A caridade, ou amor ao próximo, já prefigurada na doutrina dos estóicos, mas erguida pelo cristianismo ao seu máximo valor, é uma virtude que, com a justiça, regula o procedimento moral do homem para com os outros seres e, especialmente, para com os outros homens. 2) A justiça, a que correspondem os deveres estritos é a obrigação social e diz respeito à ação, ao passo que a caridade, a que correspondem os deveres largos, é a obediência à obrigação individual e só tem em conta a intenção. 3) A justiça é obrigatória e exigível; a caridade, porém, se é obrigatória em relação a quem a dá, não é exigível em relação a quem recebe. 4) A justiça é estrita e tem como regra o respeito da lei; a caridade não conhece nem limite nem regra e ultrapassa as obrigações estritas da lei. 5) A caridade supõe a justiça e completa-a; antes de exercer a caridade é necessário saber respeitar a liberdade e os direitos alheios. 6) Sem a caridade, a justiça seria demasiado rígida e até iníqua: onde a justiça fica inativa – perante a miséria, por exemplo – a caridade julga-se imperiosamente obrigada a intervir. 7) A caridade briga muitas vezes com a justiça: a caridade para com umas pessoas gera, amiúde, a injustiça para com outras, como no caso do chefe de família que, por filantropia, dissipa em dádivas a herança dos filhos. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) 8. CONCLUSÃO O senso de injustiça mostra que algo está errado, não meramente conosco, mas com o mundo em geral. Ele mostra o descontentamento entre o ideal imaginado e a situação

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observada. É nesse momento que entra o sentimento de justiça, que deve ser contrabalançado pelo amor e a caridade, no sentido de atingir o bem comum. 9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BOBBIO, N., MATTEUCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. 2. ed., Brasília, UNB, 1986. CURTI, R. Espiritismo e Reforma Íntima. 3. ed., São Paulo, FEESP, 1981. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa, Verbo, s. d. p. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995. Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa/São Paulo, Verbo, 1986. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.

São Paulo, abril de 2000 = = = >>

Justiça e Verdade Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Justiça: 4. 1. A Justiça em Aristóteles; 4. 2. Justiça Humana; 4.3. Justiça Divina. 5. A Verdade: 5.1. O Problema da Verdade; 5.2. Sujeito e Objeto; 5.3. Cristo e a Verdade. 6. Justiça e Verdade: 6.1. Tudo o que é Justo é Verdadeiro?; 6.2.As Aflições São Justas?; 6.3. Frases sobre a Justiça e a Verdade. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que se entende por justiça? E verdade? Como relacionar justiça e verdade? Tudo o que é justo é verdadeiro? Podemos ocultar a verdade? Ela pode ser refutada? 2. CONCEITO Justiça - No sentido restrito, é a constante e perpétua vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade; no sentido moral, significa o respeito que há em cada um de dar a cada um o que é seu. Verdade - Na acepção mais geral designa uma igualdade ou conformidade entre a inteligência (conhecimento intelectual) e o ser (adaequatio intellectus et rei), e, em sentido mais elevado, uma completa interpenetração de inteligência e ser. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A justiça faz parte da ética. Ela se relaciona com a felicidade (Aristóteles), com a utilidade (Hume), com a liberdade (Kant) e com a paz (Hobbes). Hobbes, por exemplo, disse que é justa a ordenação que garanta a paz, afastando os homens do estado de guerra de todos contra todos, em que vivem no "estado natural". Aqui, tencionamos relacionar justiça com verdade. Este tema é motivo para discursos políticos, religiosos e espirituais. Há homens públicos que falam em verdade, em combater o mal, em ser justo nas suas ações, mas deixam muito a desejar, caindo em muitas contradições e não tendo forças para dizer a verdade diante de um júri, quando instado a fazê-lo. O nosso propósito é refletir sobre a justiça e a verdade dentro do seu aspecto ético. Nesse caso, temos que dirigir os nossos pensamentos para uma perfeita compreensão do que seja a justiça, a verdade e tentar um relacionamento racional entre estes termos. Quando uma pessoa é indagada sobre os valores que os seus pais lhe passaram, elas falam em ética, honestidade, justiça e verdade. Não resta dúvida que são valores essenciais. Por isso, eles devem fazer parte de nossa

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reflexão diária, no sentido de melhorarmos o nosso relacionamento conosco mesmos e com o nosso próximo. 4. JUSTIÇA 4. 1. A JUSTIÇA EM ARISTÓTELES Para Aristóteles, a virtude está no meio termo. Ela não deve pender para os excessos, tanto para mais como para menos. No livro V de Ética a Nicômaco, ele afirma que a justiça é o principal fundamento da ordem do mundo. Ela não está dissociada da polis, da cidade, ou da vida em sociedade. Ele diz: "Uma vez que o transgressor da lei é injusto, enquanto é justo quem se conforma à lei, é evidente que tudo aquilo que se conforma à lei é de alguma forma justo: de fato, as coisas estabelecidas pelo poder legislativo conformam-se à lei e dizemos que cada uma delas é justa" (Et. Nic., V, 1, 1129 b 11). Nesse sentido, segundo Aristóteles, a justiça é a virtude integral e perfeita: perfeita porque quem a possui pode utilizá-la não só em relação a si mesmo, mas também em relação aos outros. (Ibid., 1129 b 30) (Abbagnano, 1970). Para Aristóteles, a justiça não é adquirida nos livros ou mesmo pelo pensamento. Ela tem que ser construída na vida prática, isto é, pela obediência às leis da pólis e pelo bom relacionamento com os cidadãos. 4. 2. JUSTIÇA HUMANA É o conjunto de meios administrativos organizados pelas sociedades humanas para aplicação das leis que estabeleceram, e especialmente para julgar e castigar os delitos contra elas cometidos. A justiça humana procura refrear os atos (ilícitos) que as pessoas cometem em relação às leis estabelecidas por um determinado país. Uma pessoa comete um crime, ou seja, transgride a lei de seu país. Depois de julgada e considerada culpada, é colocada na prisão. Ali fica por 2, 3 10, 20, 40 anos ou mais. Cumpriu a pena humana. Será que está livre da justiça divina? E os culpados que arrumam bons advogados e se livram da prisão? O que acontecerá com eles? Ficarão livres da justiça divina? 4.3. JUSTIÇA DIVINA Justiça divina – é o atributo de Deus segundo o qual Ele regula todas as coisas com igualdade. Assim, a justiça humana pune os crimes factuais; a justiça divina, os de essência. A justiça divina vê o ser na sua totalidade, incluindo as suas diversas encarnações. Suponha o culpado que arrumou um bom advogado e se livrou da prisão. Nada disso fica incólume ante a igualdade divina. Essa pessoa deverá refazer o seu erro. Observe o seguinte: quando uma pessoa inocente é presa, falamos de injustiça. Mas será injustiça com relação à lei de Deus? Não será uma dívida do passado não solucionada e que deve ter o seu encaminhamento nesta atual encarnação? 5. A VERDADE 5.1. O PROBLEMA DA VERDADE Por que a verdade é um problema? É um problema porque está sempre em construção dentro de cada um de nós. A verdade, sendo relativa, deve se aproximar da verdade absoluta. Isto demanda tempo. Não é em uma ou algumas encarnações que conseguimos nos aproximar de uma verdade mais ampla, mais abrangente. Como ela está sempre no fundo das coisas, precisamos cavar muita terra, tirar muita água do poço, para encontrá-la pura e cristalina. 5.2. SUJEITO E OBJETO

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A verdade deve ser vista como uma relação entre o Sujeito (inteligência) e o Objeto (realidade). O Sujeito deve captar a imagem do Objeto e voltar a ele como uma crítica conceituada. Se esta crítica coincidir com a realidade (Objeto), diz-se que o Sujeito está de posse da verdade; se não coincidir, que está em erro. Poder-se-ia colocar também: Conhecimento é o reflexo e a reprodução do objeto em nossa mente. Conhecimento verdadeiro é aquele que reflete corretamente a realidade na mente. Verdade é o reflexo fiel do objeto na mente, adequação do pensamento com a coisa. É verdadeiro todo o juízo que reflete corretamente a realidade. O que existe na realidade não pode ser verdadeiro ou errado. Simplesmente existe. Verdadeiros ou errados só podem ser nossos conhecimentos ou juízos a respeito do objeto. Em outras palavras, verdadeiro ou errado pode ser apenas o reflexo subjetivo da realidade objetiva. (Bazarian, s.d.p., p. 142, 143) 5.3. CRISTO E A VERDADE Cristo disse-nos que deveríamos conhecer a verdade, que ela nos libertaria. Acrescenta que Ele é o caminho, a verdade e a vida. Em seu discurso evangélico, Cristo não nos pede uma racionalização da verdade, mas uma transcendência em Deus, para ficarmos livres do erro, da mentira, do vício. A nossa libertação não será em função dos "aspectos da verdade", ou das "verdades provisórias" de que sejamos possuidores. A verdadeira liberdade fundamenta-se na submissão ao dever fielmente cumprido. O Espírito Emmanuel assim se expressa: "Quem apenas vislumbra a glória ofuscante da realidade, fala muito e age menos. Quem, todavia, lhe penetra a grandeza indefinível, age mais e fala menos". 6. JUSTIÇA E VERDADE 6.1. TUDO O QUE É JUSTO É VERDADEIRO? Em principio, tudo o que é justo deve também ser verdadeiro. Como vimos anteriormente, a principal e mais perfeita das virtudes é a justiça, porque engloba todas as demais. Acontece que o ser humano, vivendo num mundo de provas e expiações, ainda é bastante imperfeito e comete muitas injustiças, pensando que está fazendo justiça. Há, também, grande distância entre a justiça relativa, humana, aquela praticada neste Planeta e a justiça mais ampla, mais próxima do Criador, pertencente a mundos mais evoluídos. Observemos a lei do "olho por olho e dente por dente", na época de Moisés, e a lei do amor ensinada por Jesus: Jesus mandava-nos amar o nosso próximo, estendendo este amor até aos inimigos. 6.2. AS AFLIÇÕES SÃO JUSTAS? Procurando a verdade dos fatos, deparamo-nos com a aflição. Diante dela, perguntamos: as aflições são justas? Dada a limitação do nosso conhecimento, passamos a achar que Deus é injusto, que Ele nos manda uma prova além de nossa força. Tudo isso é puro engano. Cada um de nós está no devido lugar, para a realização do seu progresso material e espiritual. Nada que se nos acontece, acontece por acaso. É preciso, pois, refazer o nosso juízo de valor sobre a divindade. Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. Ele é onipotente, justo e bom. Então, tudo o que está nas suas leis também deve ser justo e bom. 6.3. FRASES SOBRE A JUSTIÇA E A VERDADE

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Pascal disse: "Justiça e verdade são duas pontas tão finas que os nossos instrumentos são demasiadamente obtusos para nelas tocar com exatidão. Quando chegam a aproximar-se, destroem a ponta, e se apoiam em toda a volta, mais sobre o falso do que sobre o verdadeiro". Já, em Pitágoras, temos: "Se sofreres uma injustiça, consola-te, que a verdadeira desgraça é cometê-la". Sêneca acena-nos com o seguinte: "Quem decide um caso sem ouvir a outra parte não pode ser considerado justo, ainda que decida com justiça". Eduardo Girão acrescenta: "A verdade nunca é injusta; pode magoar, mas não deixa ferida". H. L. Longfellow finaliza: "O homem é injusto, mas Deus é justo, e a justiça finalmente, triunfa". 7. CONCLUSÃO A justiça, a verdade e o bem constituem os grandes conceitos da humanidade. Enfatizando esses conceitos, estaremos diminuindo a presença da injustiça, da mentira e do mal. Assim sendo, não resta dúvida que o aperfeiçoamento do ser humano e a prosperidade da sociedade devem estar sempre embasados na justiça, na verdade e no bem. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. BAZARIAN, J. O Problema da Verdade. São Paulo: Círculo do Livro, [s. d. p.] São Paulo, maio de 2010. = = = >> (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Juízo Juízo. Ação, função do espírito, do entendimento, que permite julgar, apreciar, perceber a existência de uma relação entre pessoas, ideias ou coisas, destrinçar os atributos ou predicados existentes em algum sujeito; discernimento; inteligência. (1) Entende-se por juízo qualquer tipo de afirmação ou negação entre duas ideias ou dois conceitos. Ao afirmarmos, por exemplo, que “este livro é de filosofia”, acabamos de formular um juízo. O enunciado verbal de um juízo é denominado proposição ou premissa.

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Juízo Analítico. Juízo em que o predicado ou atributo está incluído na essência ou definição do sujeito. Ex.: Todos os corpos são extensos. (3)

Juízo Sintético. Quando o predicado acrescenta algo à compreensão do sujeito. Ex.: Os corpos são pesados. (3)

A diferença entre juízos analíticos e sintéticos. Os juízos analíticos são típicos da tradição racionalista cartesiana que construía a ciência como explicação dedutiva a partir da algumas verdades evidentes. Os juízos sintéticos, ao contrário, são típicos da tradição empirista, que descrevia o conhecimento inteiro como aprendizado da experiência. Os juízos analíticos possuem o mérito da indiscutibilidade (no fundo, limitando-se a ser afirmações óbvias), mas certamente não podem constituir a base de um processo cognitivo. Por outro lado, também os juízos sintéticos, mesmo fecundos de novos conhecimentos, encontram um limite insuperável por depender de uma experiência concreta. E se se pudesse afirmar a existência de alguma coisa somente depois de ter passado pela sua experiência concreta evidentemente a ciência deveria renunciar a ser preditiva. Trata-se, segundo Kant, de formular uma abordagem cognitiva que una a certeza e a universalidade apriorística dos juízos analíticos à fecundidade cognitiva dos juízos sintéticos. Faz-se necessária, portanto, uma nova abordagem global do conhecimento, ultrapassando as tradições do Racionalismo e do Empirismo. (4)

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Juízo de Valor. Juízo que estabelece uma avaliação qualitativa sobre algo, isto é, sobre a moralidade de um ato, ou a qualidade estética de um objeto, ou ainda sobre a validade de um conhecimento ou teoria. Juízo que estabelece se algo deve ser objeto de elogio, recomendação ou censura. (3) (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (4) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustra

Koan Koan. Pergunta enigmática feita por um mestre "zen", destinada a levar o estudante para além do discurso racional. (1)

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Koan. Em japonês, literalmente, documento oficial ou anúncio público; juízo final da verdade ou falsidade. Os koan são histórias, frequentemente sob a forma de perguntas e respostas, apresentadas na prática do budismo zen como problemas para meditação, embora a sua resolução não deva ser feita por processos lineares ou racionais. O problema mais conhecido é o do barulho que uma só mão faz ao bater palmas. O mukoan é a resposta mu (que significa nada), dada pelo mestre Joshu quando lhe perguntaram se um cão tem a natureza de Buda. Outro koan é esta troca de palavras: "Que é Buda?" - "Um quilo e meio de linho." (2)

(1) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário). (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

H Lei Lei. A noção depende da regra ou da necessidade. No primeiro caso, trata-se da lei no sentido jurídico ou lei positiva, que emana do poder político com vistas a reger a atividade de uma determinada sociedade. No segundo caso, trata-se da lei natural, regra que deriva da natureza das coisas. Da mesma forma, a lei científica ou lei da natureza, definida como uma relação invariável, constante e mensurável entre os fenômenos. (1) De uma forma geral, expressa um dever ser ou ter de ser, isto é, a necessidade de ser ou de agir de determinado modo, segundo as exigências de certa ordem. A lei reflete essas exigências e é modelo, diretriz, medida e ordenação de conduta humana ou de eventos naturais. (2) Em sentido geral, é a expressão de uma relação causal de caráter necessário, que se estabelece entre dois eventos ou fenômenos. “As leis, em seu sentido mais amplo, são relações necessárias, derivadas da natureza das coisas; e, nesse sentido, todos os seres têm suas leis”. (Montesquieu) (3) Classicamente se estabelece uma distinção entre as leis humanas – que regulam as relações entre os homens e têm um caráter convencional, prescritivo, normativo, sendo

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originárias do uso, do costume, das práticas sociais – e as leis naturais, que descrevem os princípios, que regem os processos naturais e são portanto universais e necessárias.(3) Lei científica: aquela que estabelece, entre os fatos, relações mensuráveis universais e necessárias, permitindo que se realizem previsões. As leis científicas têm uma formulação geral, sendo ou uma generalização a partir da experiência (“a água ferve a 100o C”) ou uma formulação mais complexa (“dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço”), frequentemente de caráter dedutivo e expressa em linguagem matemática (“E=mc2”). As leis científicas têm sempre um caráter hipotético; dadas tais condições, tal resultado será obtido.(3) Lei moral: conjunto de princípios ou regras relativos à conduta humana. Lei divina: preceito religioso revelado por Deus aos homens. Exemplo: os Dez Mandamentos da lei de Moisés.

Lei Lei. A noção depende da regra ou da necessidade. No primeiro caso, trata-se da lei no sentido jurídico ou lei positiva, que emana do poder político com vistas a reger a atividade de uma determinada sociedade. No segundo caso, trata-se da lei natural, regra que deriva da natureza das coisas. Da mesma forma, a lei científica ou lei da natureza, definida como uma relação invariável, constante e mensurável entre os fenômenos. (1) De uma forma geral, expressa um dever ser ou ter de ser, isto é, a necessidade de ser ou de agir de determinado modo, segundo as exigências de certa ordem. A lei reflete essas exigências e é modelo, diretriz, medida e ordenação de conduta humana ou de eventos naturais. (2) Em sentido geral, é a expressão de uma relação causal de caráter necessário, que se estabelece entre dois eventos ou fenômenos. “As leis, em seu sentido mais amplo, são relações necessárias, derivadas da natureza das coisas; e, nesse sentido, todos os seres têm suas leis”. (Montesquieu) (3)

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Classicamente se estabelece uma distinção entre as leis humanas – que regulam as relações entre os homens e têm um caráter convencional, prescritivo, normativo, sendo originárias do uso, do costume, das práticas sociais – e as leis naturais, que descrevem os princípios, que regem os processos naturais e são portanto universais e necessárias.(3) Lei científica: aquela que estabelece, entre os fatos, relações mensuráveis universais e necessárias, permitindo que se realizem previsões. As leis científicas têm uma formulação geral, sendo ou uma generalização a partir da experiência (“a água ferve a 100o C”) ou uma formulação mais complexa (“dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço”), frequentemente de caráter dedutivo e expressa em linguagem matemática (“E=mc2”). As leis científicas têm sempre um caráter hipotético; dadas tais condições, tal resultado será obtido.(3) Lei moral: conjunto de princípios ou regras relativos à conduta humana. Lei divina: preceito religioso revelado por Deus aos homens. Exemplo: os Dez Mandamentos da lei de Moisés. = = = >>

Lei e Consciência Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Histórico. 3. Lei e Lei Natural: 3.1. Definição de Lei; 3.2. Considerações sobre a Lei: 3.2.1. Lei Física; 3.2.2. Lei Moral; 3.2.3. Lei Natural; 3.3. Conhecimento da Lei Natural; 3.4. Divisão da Lei Natural. 4. Consciência: 4.1. Definição de Consciência; 4.2. Graus da Consciência; 4.3. Consciência e Inconsciência; 4.4. A Casa Mental. 5. Bíblia, Jesus e Espiritismo: 5.1. Bíblia; 5.2. Jesus Cristo; 5.3. Espiritismo. 6. Conclusão. 7. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é mostrar a relevância da Lei Natural em todos os nossos comportamentos: em casa, no escritório ou na sociedade. Os tópicos para o desenvolvimento do tema são: pequeno escorço histórico, análise da Lei em seus vários aspectos, a consciência (moral): o bem e o mal, o Velho e o Novo Testamento, a aplicação prática da Lei e o Espiritismo. 2. HISTÓRICO As Leis Naturais existem desde sempre: elas são tão velhas quanto o próprio Deus. Na Antigüidade, embora os grandes filósofos não a expressassem textualmente, podemos lê-las nas entrelinhas dos seus discursos. Sócrates e Platão falavam que o homem devia agir de acordo com a sua consciência, ou seja, praticar as virtudes que nada mais é do que escolher com justiça o bem e se apartar do mal. No campo político, Platão falava de um estado ideal, em que os mais sábios deviam governar por serem os mais conhecedores dessas leis da natureza. A defesa textual desta lei natural começa a tomar corpo, principalmente no campo político, a partir de 1500. Commins no livro The Political Philosophers faz uma síntese das obras políticas de vários autores. Entre tais pensadores, citamos: Thomas Hobbes (1588-1679) — A República, de acordo o próprio autor, nada mais é do que a aplicação da lei natural, conhecida como lei áurea: "Não fazermos aos outros o que não gostaríamos que fosse feito a nós". Em

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essência é o contrato celebrado por todos os participantes, em que uns delegam poderes aos outros, considerados mais sábios, a fim de poderem administrar a coisa pública. As pessoas investidas de poder devem visar não os seus interesses particulares, mas os da maioria, ou seja, da república constituída. John Locke (1632-1704) — Sobre o Governo Civil. Começa o seu discurso reportando-se ao estado natural, em que viviam Adão e Eva. Naquela época, a Lei Natural e a Razão eram os elementos necessários para direcionar os atos de cada um. É, pois, sobre a hipótese da existência de uma lei natural, que traça o roteiro do seu livro. Significa dizer que o objetivo central do ser humano é conhecer melhor a Lei Divina, a qual o norteará no relacionamento consigo mesmo e com os demais. A função do um governo civil é por em prática essa lei, auxiliando cada membro a compreendê-la melhor. John Stuart Mill (1806-1873) — O mais eminente do grupo de filósofos britânicos do século XIX, propôs e desenvolveu a doutrina do utilitarismo. Ele foi um reformador social, um defensor da liberdade tanto política quanto pessoal e um filósofo e lógico de considerável importância. Seu trabalho On Liberty, publicado em 1859, discute os sistemas legais e governamentais. Na introdução do seu ensaio dizia que a única liberdade que merece o nome de liberdade é aquela em que cada um procurando o seu próprio interesse não prejudica o próximo a conquistar o dele. Acha ele que as pessoas devem ser livres, mas muitas vezes acontece que os governos são constituídos de forma arbitrária. É a partir daí que discute todo o problema envolvido entre a autoridade e a liberdade. Adam Smith (1723-1790) — A Riqueza das Nações não foi uma obra original na acepção da palavra. Na verdade é o esforço que Adam Smith empreendera para juntar num todo as teorias que os outros seus contemporâneos pinçavam aqui e ali. Queria dar uma resposta mais coerente às indagações levantadas na sua Teoria sobre os Sentimentos Morais, ou seja, como o interesse próprio pode gerar o bem-estar da sociedade. Tenta, também, partindo de uma confusão inicial visualizar o todo harmônico. O nosso propósito é tratar mais especificamente da Lei e da consciência e não do conteúdo político social. 3. LEI E LEI NATURAL 3.1. DEFINIÇÃO DE LEI Lei — Aurélio, no seu Dicionário, anota vários sentidos, entre os quais: norma, preceito, princípio, regra; obrigação imposta pela consciência e pela sociedade. 3.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 3.2.1. LEI FÍSICA Há vários fenômenos que a ciência deve buscar respostas, pois tudo gira em torno de pressupostos que emanam da mente humana. Assim, ao longo do tempo, muitas ciências apareceram para dar respostas às mais diversas indagações. Aos fenômenos físicos surgiu a física, aos astronômicos, a astronomia, aos psicológicos, a psicologia e assim por diante. Alguns pensadores, como Hume, mostraram que essa lei surge com o COSTUME. Pergunta-se: Por que a construção da ponte de um jeito fica de pé e de outro cai? 3.2.2. LEI MORAL

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Paralelamente à lei física, que cabe às ciências particulares buscar as explicações, temos as leis morais. Estas pertencem à alma e concernem às noções do bem e do mal. Cabe ao Espiritismo desvendá-las. 3.2.3. LEI NATURAL Refere-se tanto à lei física quanto à lei moral. Ela regula todos os acontecimentos no universo. São leis eternas, imutáveis, não estão sujeitas ao tempo, nem à circunstância, embora tenham em si o elemento do progresso. Mas como o homem faz para conhecê-la? Há dois elementos básicos: unidade e universalidade. A lei matemática em que dois mais dois são quatro existe em todo o lugar do universo. Independe de tempo e espaço. 3.3. CONHECIMENTO DA LEI NATURAL Na pergunta 621 de O Livro dos Espíritos - Onde está escrita a lei de Deus? Os Espíritos respondem que está escrita na consciência do ser. E em seguida dizem que há necessidade de sermos lembrados porque havíamos esquecidos. Como entender que a lei está escrita em nossa consciência? De acordo com os princípios doutrinários, codificados por Allan Kardec, fomos criados simples e ignorantes, sujeitos ao progresso. Nesse sentido, o Espírito André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos, explica-nos que no reino mineral recebemos a atração; no reino vegetal a sensação; no reino animal o instinto; no reino hominal o pensamento contínuo, o livre-arbítrio e a razão. São os pródomos da lei moral, cujo objetivo é transformar os homens em "anjos", "arcanjos" e "querubins". É a potencialização das virtualidades de cada ser. 3.4. DIVISÃO DA LEI NATURAL PILASTRA_DC — Sigla para lembrarmos das dez Leis Naturais. P da Lei do Progresso, I da Lei de Igualdade, L da Lei de Liberdade, A da Lei de Adoração, S da Lei de Sociedade, T da Lei do Trabalho, R da Lei de Reprodução, A da Lei de Justiça, Amor e Caridade, D da Lei de Destruição e C da Lei de Conservação. Na pergunta 648 de O Livro dos Espíritos — Que pensais da divisão da lei natural em dez partes? — "Essa divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés e pode abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial. Podes segui-la, sem que ela tenha entretanto nada de absoluto, como não o têm os demais sistemas de classificação, que dependem sempre do ponto de vista sob o qual se considera um assunto. A Lei de Justiça, Amor e Caridade é a mais importante; é por ela que o homem pode avançar mais na vida espiritual, porque resume todas as outras". 4. CONSCIÊNCIA 4.1. DEFINIÇÃO DE CONSCIÊNCIA Consciência - do lat. conscientia significa etimologicamente um saber testemunhado ou concomitante. Por analogia, dualidade ou multiplicidade de saberes ou de aspectos num mesmo e único ato de conhecimento. Em sentido amplo, entende-se por "consciência" a capacidade de perceber as realidades internas e externas. Na teologia e ética, o termo refere-se ao senso interior do certo e do errado quando de uma escolha moral. É o seu sentido moral. Escreve A. Montalvão: "Em qualquer ato de conhecimento há sempre um indivíduo que pretende conhecer, que é o "sujeito do conhecimento", e um assunto que deve ficar conhecido, que é o "objeto do conhecimento". O sentido de "consciência" não é o mesmo que o de "lei". A lei sempre expressa as normas gerais de conduta. A consciência, ao contrário, é a luz

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concreta que ilumina o homem em seu "aqui e agora" sobre o que há de bom ou de mal em uma ação. (Santos, 1965) 4.2. GRAUS DA CONSCIÊNCIA Na psicologia clássica, distinguem-se dois modos ou graus de consciência: Consciência espontânea - é a consciência direta, imediata, primitiva, isto é, não separada do objeto. Consciência reflexiva (do latim reflexu + ivo = voltado para trás) - é a consciência mediata, é o retorno do espírito sobre as idéias. Ela é dirigida para as idéias. As pessoas emotivas têm o campo da consciência mais estreito do que as não emotivas. (Santos, 1965) 4.3. CONSCIÊNCIA E INCONSCIÊNCIA Apesar de sua base etimológica precisa e clara, enquanto negação da consciência, torna-se contudo extremamente difícil definir o inconsciente. Podese, também, definir a inconsciência com relação ao ser: que não possui qualquer consciência (átomo); que é pouco ou nada capaz de debruçar sobre si próprio, e (relativamente) que não tem consciência de tal fato particular: "uma alma inconsciente das suas verdadeiras crenças". Muitos são os psicólogos que negam a existência de fenômenos psicológicos inconscientes, pois alegam que, sendo a consciência própria do pensamento, o que não é consciência, deixa de ser psicológico. Crítica - Uma análise dos fatos da vida mostra-nos, patentemente, o quanto o inconsciente penetra e intervém no que fazemos. O pianista, ao executar um trecho da música não é consciente de todos os seus movimentos; o mesmo acontece com o operário ou o artista. Mozart declara ter ouvido todo um acorde, antes de compor uma melodia — o consciente, nesse caso, estaria ligado ao trabalho de coordenação. (Santos, 1965) 4.4. A CASA MENTAL O Espírito André Luiz, no livro No Mundo Maior, explica-nos que não podemos dizer que possuímos três cérebros simultaneamente. Temos apenas um que se divide em três regiões distintas. Tomemo-lo como se fosse um castelo de três andares: subconsciente: 1º andar, onde situamos a residência de nossos impulsos automáticos, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados - hábitos e automatismos; consciente: 2º andar, localizamos o "domínio das conquistas atuais", onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando esforço e vontade; superconsciente: 3º andar, temos a "casa das noções superiores", indicando as iminências que nos cumpre atingir - ideal e meta superiores. (Xavier, No Mundo Maior, 1977, p. 47) 5. BÍBLIA, JESUS E ESPIRITISMO 5.1. BÍBLIA Na Bíblia, a consciência costuma ser designada como "coração". Ou seja, trata-se da dimensão interior do homem, em contraposição com a dimensão exterior da lei ou das realizações externas. No mito do paraíso já se revela o drama da consciência humana, através da qual se realiza a liberdade. Adão e Eva deliberam sobre a sua conduta futura. Por um lado, sentem o peso da ordem divina, mas, por outro lado, sentem a atração da fruta e o anseio da

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autonomia que lhes é sugerido pela serpente. E agem livremente, mesmo contra aquilo que sua consciência lhes aponta como justo. Os profetas constituem uma consciência social viva na história de Israel. Diante da falta de desenvolvimento de consciência interior do povo, a Lei se havia tornado a expressão primeira da vontade de Deus, à qual todos tinham de se adaptar em cada situação concreta. Mas a Lei era letra morta e, além disso, exterior. Assim, com a sua palavra ardorosa e eficaz, os profetas despertam a consciência dos homens, ricos e pobres, sacerdotes e leigos, tendo em vista uma justa conduta aos olhos de Deus. (Idígoras, 1983) 5.2. JESUS CRISTO Antes da vinda de Cristo, os fariseus procuraram realizar a santidade da Lei através de uma exatidão escrupulosa. Desprezando a voz interior da consciência, o resultado foi a desumanização da santidade e o abandono dos bens supremos do amor pelas insignificâncias mais meticulosas da antiga Lei. Já Cristo combate a moral exterior (codificada nos preceitos), e revela o valor íntimo da consciência aberta para o olhar de Deus. É Deus quem julga as intenções ocultas. Para Cristo, a lâmpada do corpo é o olho da intenção. Se esse olho for puro, o será também todo o corpo. Mas, se a luz do homem tornar-se trevas, ele só poderá caminhar rumo à perdição Paulo, o apóstolo dos gentios, desenvolveu grandemente a doutrina sobre a consciência. A moralidade não pode estar ligada à Lei, que é exterior e não é conhecida pelos gentios. Dentro do homem está a sua consciência, que lhe serve como lei. Quer dizer, se os gentios desconhecem a Lei, mas agem de acordo com a lei, eles mesmos são a Lei. (Idígoras, 1983) 5.3. ESPIRITISMO Lembremo-nos de que Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, nada inventou. Apenas que, com a ajuda dos Espíritos superiores, fornece-nos subsídios para melhor entender essa lei, que segundo os próprios Espíritos, está escrita em nossa consciência. É meditando sobre as questões de número 614 até 892 de O Livro dos Espíritos, que realmente alicerçaremos a nossa mente nos verdadeiros preceitos divinos sobre a nossa conduta interior e exterior. Em síntese: a Lei está no livro da natureza. 6. CONCLUSÃO Tomar consciência da Lei Natural é o melhor caminho que devemos seguir na vida. Saber ouvir, saber falar e principalmente saber refletir, a fim de não desprezarmos os deveres da consciência impostos por nós mesmos no íntimo de nosso coração. 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA COMMINS, S. e LINSCOTT, R. N. The World’s Great Thinkers - Man and the State: the Political Philosophers. New York, EUA, Random House, 1947. IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz, 4. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977. XAVIER, F. C. No Mundo Maior, pelo Espírito André Luiz. 7. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.

São Paulo, setembro de 1997. << = = =

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(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. (3) JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

Liberdade Liberdade. Em seu sentido mais geral, o termo liberdade designa o estado de ser livre ou de não estar sob o controle de outrem; de estar desimpedido, de não sofrer restrições nem imposições. Diz-se da faculdade que tem o ser humano de escolher ou de se decidir segundo o seu próprio parecer. A palavra liberdade tem um duplo conteúdo, que a língua inglesa distingue pelas palavras freedon e liberty. Freedon define o aspecto positivo interno da ação independente. É a liberdade moral. Liberty define o aspecto da ausência de coação exterior. (1) Liberdade. Estado do ser que só obedece à sua vontade, independentemente de qualquer coerção externa (o homem livre é o contrário de um escravo). No sentido político, as liberdades referem-se aos diferentes campos (físico, de expressão, de consciência, de pensamento, religioso), nos quais o indivíduo não tem de sofrer o controle do Estado na medida em que respeita as leis. Por oposição à ignorância e às paixões, estado do ser que julga ou age com consciência com relação à verdade ou à razão, reduzindo desse modo por completo o que ele estima corresponder à sua própria natureza. No existencialismo, a liberdade é constituída da realidade humana imediata (segundo a fórmula de Sartre, o homem está "condenado a ser livre"). (2) Hobbes (1588-1679). Em virtude de postulados materialistas, o comportamento do homem - assim como o movimento do mundo - é definido em termos mecanicistas: todas as suas ações procedem de instintos irresistíveis, incompatíveis com a ideia de liberdade. O estado de natureza, que resulta do jogo das forças individuais, é um estado de instabilidade e de miséria: submetido às paixões individuais, o homem, a princípio, não é naturalmente social. É "selvagem", e seu instinto de conservação elementar colocado a serviço de seu interesse imediato - o conduz à rivalidade, à luta contra os outros: "O homem é um lobo para o homem". (2)

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Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Hist. Cult. Divisa do Estado francês, adotada em 1793, e que pretende ser a expressão dos princípios da Revolução. O socialismo não

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deixará, mais tarde, de acentuar o caráter individualista e ambíguo dos termos. Liberdade de quê, e para quê? Em 1814, depois da queda de Napoleão, a divisa deixou de ser adotada, voltou a sê-lo em 1848-1851, para de novo deixar de o ser durante o II Império, e renascer em 1875, sofrendo novo apagamento de 1940 a 1944. (3) (1) BIROU, A. Dicionário de Ciências Sociais. 5. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1982. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

Livre-Arbítrio Livre-Arbítrio. Faculdade que tem o indivíduo de determinar, com base em sua consciência apenas, a sua própria conduta; liberdade de escolha alternativa do indivíduo; liberdade de autodeterminação que consiste numa decisão, independentemente de qualquer constrangimento externo mas de acordo com os motivos e intenções do próprio indivíduo. Desde Santo Agostinho, passando pelos jansenistas e luteranos, o livre-arbítrio tem sido tema de grandes polêmicas em teologia e ética. Oposto a determinismo. Ver jansenismo; liberdade. (1) Libertarismo. Crença no livre-arbítrio em lugar do determinismo. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Lógica Lógica. É a ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-los à pesquisa e à demonstração da verdade. Diz-se que a lógica é uma ciência porque constitui um sistema de conhecimentos certos, baseados em princípios universais. Daí a razão pela qual a lógica filosófica se distingue da lógica espontânea ou empírica, que representa apenas uma aptidão natural do Espírito. (1) Lógica (logique). Seria a ciência da razão (lógos), se tal ciência fosse possível. Não o sendo, é o estudo dos raciocínios e, especialmente, das suas condições formais de validade. Ela aparece, cada vez mais, como uma parte da matemática, o que não autoriza os filósofos a prescindir dela.

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Lógica Difusa/Conjuntos Difusos. A variante da teoria dos conjuntos e da lógica que reconhece graus de aplicabilidade dos predicados. Assim, apesar de a lógica clássica tomar a frase "este quarto está quente" ou como verdadeira ou como falsa, dizer que está bastante perto da verdade, ou que é mais verdadeira que a frase "o quarto está frio", pode representar melhor a maneira como de fato raciocinamos (ou como deveríamos raciocinar). Na lógica difusa, uma proposição e sua negação partilham uma quantidade determinada de mérito (representada por 1): se a frase "o quarto está quente" estiver bastante perto da verdade (e.g., em grau 1-n), a frase "o quarto está frio" está razoavelmente perto de ser falsa (em grau n). A lógica difusa tem muitas aplicações na inteligência artificial e na concepção de sistemas que controlam acontecimentos reais, que precisam ser sensíveis a alterações graduais em características importantes. O primeiro tratamento matemático do assunto foi apresentado no ensaio "Fuzzy Sets", Information and Control, (1965), por L. A. Zadeh. (2)

Lógica Polivalente. Uma lógica que reconhece mais do que os dois valores de verdade clássicos de verdade e falsidade. Valores intermediários podem ser motivados pelas exigências da vagueza, para evitar paradoxos lógicos ou para evitar a ideia de que as proposições futuras contingentes são determinadamente verdadeiras ou falsas, pensando-se por vezes que isto conduz ao fatalismo. O sistema original com três valores de verdade deve-se ao lógico polonês Jan Lukaziewicz. Ver também batalha naval; lógica difusa. (2)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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Maiêutica Maiêutica. Inseparável da teoria platônica da reminiscência, a maiêutica - momento essencial da dialética - é o procedente de Sócrates que, a exemplo de sua mãe que era parteira, lhe permite "parir" os espíritos, ou seja, fazer seus interlocutores (re) descobrirem verdades que carregam em si sem saber, como mostra o interrogatório do jovem escravo em Mênon. O espírito da maiêutica encontra-se não apenas em qualquer pedagogia que insiste no valor insubstituível da reflexão pessoal, mas até na própria psicanálise. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Maquiavelismo Maquiavelismo. Vem de Maquiavel. Tomou, contudo, outro significado, principalmente por causa da máxima que lhe foi atribuída – "os fins justificam os meios" –, em que a eficácia da ação é privilegiada em detrimento da conduta moral. Na linguagem comum, as pessoas cínicas, ardilosas, traiçoeiras, que agem de má-fé para atingir fins inconfessáveis, são chamadas de maquiavélicas. = = = >>

Maquiavelismo e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMARIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações iniciais. 4. Nicolau Maquiavel: 4.1. O Príncipe; 4.2. O Método de Maquiavel; 4.3. A Lógica da Força. 5. Maquiavelismo: 5.1. Maquiavel era Maquiavélico?; 5.2. O Demônio Maquiavélico; 5.3. Extensão do Termo. 6. Maquiavelismo e Espiritismo: 6.1. Moral para o Indivíduo e Moral para o Estado; 6.2. Os Meios e os Fins; 6.3. Frases de Maquiavel diante do Espiritismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é analisar o pensamento e a obra, O Príncipe, de Maquiavel, do qual surgiu o termo maquiavelismo, com repercussões sobre a política, a religião, a administração e as ações dos indivíduos de um modo geral. 2. CONCEITO Maquiavel. Nicolau Maquiavel, Nicollò Machiavelli (1469-1527), foi político, historiador e escritor italiano. Nasceu e morreu em Florença. Foi chanceler e secretário das Relações Exteriores da República de Florença, cargos modestos, apesar dos títulos, limitando-se as funções à redação de documentos oficiais. Maquiavel é mundialmente conhecido pelo livro "O Príncipe". Deixou, porém, outros escritos, tais como, Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, A Mandrágora, História de Florença, além de inúmeros tratados histórico-político, poemas e sua correspondência particular, organizada pelos descendentes. Maquiavelismo. Vem de Maquiavel. Tomou, contudo, outro significado, principalmente por causa da máxima que lhe foi atribuída – "os fins justificam

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os meios" –, em que a eficácia da ação é privilegiada em detrimento da conduta moral. Na linguagem comum, as pessoas cínicas, ardilosas, traiçoeiras, que agem de má-fé para atingir fins inconfessáveis, são chamadas de maquiavélicas. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Para compreendermos O Príncipe, temos que situar a Itália do início do século XVI, submetida a todo o tipo de exações, principalmente as dos franceses e dos espanhóis. O Príncipe deveria restaurar a ordem política vigente, fundamentada no principado. Parte do pressuposto que o poder político é de fato gerado na violência. O realismo político de Maquiavel advém de suas leituras de autores do passado como Lívio, Políbio, Tucídides e Xenofonte. Acha que "todos os escritores que trataram da política concordam em dizer que quem quiser fundar o Estado e proporcionar-lhe leis deve supor de antemão os homens malvados e sempre prontos a mostrar a sua malvadeza todas as vezes que tiverem oportunidade". Daí criar o mito do Príncipe, o qual deveria libertar a Itália do principado e colocá-la no rol da república, em que os seus representantes seriam escolhidos pelo sufrágio universal. 4. NICOLAU MAQUIAVEL 4.1. O PRÍNCIPE Antes de Maquiavel, o governante de um país era comparado ao piloto de um navio, que tinha por objetivo conduzi-lo ao porto, sem que afundasse. Analogamente, o governante de uma República deveria conduzir o povo, sem dispersá-lo, para a prática da virtude. Maquiavel, em O Príncipe, aceita conduzir o povo sem avarias, porém faz silêncio sobre a condução do povo à virtude. Tem dúvidas quanto ao realizar a justiça. O Príncipe retrata o descontentamento do seu autor por ter sido banido da vida pública. O que está por detrás do livro é a aparência do bom e do virtuoso que o condutor do povo deve ter. Não importa se o ser humano é virtuoso, mais vale parecer virtuoso. 4.2. O MÉTODO DE MAQUIAVEL Maquiavel não foi um teórico como Hobbes, em Leviatã, Platão em, A República, e mesmo Kant na sua legitimação do poder. Ele parte das observações práticas. Primeiramente, estuda tudo o que os outros escritores disseram sobre o assunto; depois, reflete sobre a sua própria experiência, inclusive com a sua exclusão da vida política de Florença. Enquanto os outros escritores usavam o método dedutivo, ou seja, do geral para o particular, ele usou o método indutivo, ou seja, do particular para o geral. Em outras palavras, quis transformar em lei as suas observações pessoais. Não é de se estranhar que tenha cometido um viés, que foi ver tudo pelo lado da violência, pelo uso da força, sem levar em conta a conduta moral mais elevada dos indivíduos. 4.3. A LÓGICA DA FORÇA Maquiavel procura entender a lógica da força. Para tanto, inspira-se na paixão do Estado o que faz com que o Príncipe, investido de responsabilidades excepcionais, se encontre situado fora do comum e deva saber entrar na via do mal tão necessário, mas igualmente "não se afastar do bem que pode". Para Maquiavel, o Príncipe, mesmo dando poucos exemplos, será mais benéfico do que o piedoso, que deixa reinar e penetrar a desordem na esfera governamental. 5. MAQUIAVELISMO 5.1. MAQUIAVEL ERA MAQUIAVÉLICO?

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Maquiavel escreveu O Príncipe por volta de 1514, mas foi publicado somente em 1532, cinco anos depois de sua morte, quando, então, o termo maquiavélico ganhou peso, no sentido de uma conduta moral insatisfatória, em que "os fins justificam os meios". Para diferenciar o maquiavelismo de Maquiavel e o que foi perpetrado depois de sua morte, deveríamos ler outras obras de sua autoria, principalmente os Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, escritos em 1517 e publicados em 1531. 5.2. O DEMÔNIO MAQUIAVÉLICO O Príncipe foi publicado em 1532 sob a autorização papal, conforme costume da época. Mas, os ataques foram sendo intensificados de tal modo que obrigou o papa Paulo IV a colocá-lo no livro do Index em 1559. Em 1564, o Concílio de Trento confirmava tal proibição. A partir daí a lenda do maquiavelismo teve seu nome cada vez mais ligado ao do demônio. 5.3. EXTENSÃO DO TERMO O mito do maquiavelismo penetrou profundamente no imaginário coletivo. Ainda hoje há os falsos discípulos de Maquiavel. Eles estão na política, nas funções administrativas e no trato com as mulheres entre outras. Se um candidato usa a fraude para tirar votos do seu adversário, é-lhe emprestada a pecha de maquiavélico, mas não sabe que Maquiavel só aceitava a fraude em função de uma guerra e não na vida cotidiana. Mesmo no caso de "os fins justificarem os meios", Maquiavel só os aceitava quando esse fim visasse o bem da comunidade e não sobre quaisquer fins. 6. MAQUIAVELISMO E ESPIRITISMO 6.1. MORAL PARA O INDIVÍDUO E MORAL PARA O ESTADO Maquiavel distingue uma moral do indivíduo, que visa a obtenção de virtudes, e outra para o estado, que visa obter o bem comum, nem que para isso seja necessário o emprego do constrangimento, da coação e da persuasão. Maquiavel afirma que todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista, consolidação e manutenção do poder. Ele diz: "Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que não ligaram muita importância à fé dada e que souberam cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade". Sob o ponto de vista espírita, Allan Kardec encaminha-nos para outro tipo de reflexão, pois em toda a sua obra ressalta a importância de combater o orgulho e o egoísmo, os dois principais cancros da sociedade. 6.2. OS MEIOS E OS FINS Os fins justificam os meios? Para Maquiavel, sim. Em termos doutrinários espíritas, não. O verdadeiro espírita deve se pautar por um principio único, aquele que propicia a paz de sua consciência. Nesse caso, quer esteja à frente ou na retaguarda de qualquer empreendimento, procurará tratar todos de igual modo, pois assim também deseja ser tratado. Prestemos atenção para não nos deixarmos confundir os meios com os fins específicos de cada uma de nossas ações. 6.3. FRASES DE MAQUIAVEL DIANTE DO ESPIRITISMO "Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, fazê-lo de uma vez só". Os Espíritos superiores nunca nos exortam a praticar o mal. Este geralmente é fruto de nossa ignorância com relação às leis naturais.

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"Creio que seriam desejáveis ambas as coisas, mas, como é difícil reuni-las, é mais seguro ser temido do que amado". A Doutrina Espírita exorta-nos ao cumprimento do dever. Nunca nos instrui para ser amado ou odiado. Quer apenas que cumpramos as leis morais e que isso deixe em paz a nossa consciência. "Todos os profetas armados venceram, e os desarmados foram destruídos". Jesus, o grande artífice do cristianismo, nunca nos sugeriu pegar em armas para que uma ideia fosse aceita. O Espiritismo segue a mesma linha. 7. CONCLUSÃO Embora seja louvável a contribuição de Maquiavel para o pensamento político, os princípios espíritas fundamentam-se em outra ordem de valores, ou seja, nos valores morais trazidos por Jesus Cristo. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ARANHA, M. L. de A. Maquiavel: A Lógica da Força. São Paulo: Moderna, 1993. (Coleção Logos) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993 PINZANI, Alessandro. Maquiavel & O Príncipe. Rio de Janeiro: Zahar, 2004 (Filosofia Passo-a-Passo) São Paulo, outubro de 2009 << = = =

Marxismo Marxismo. Uma sacola misturada, extremamente influente, feita de ciência social, filosofia e ideologia. A filosofia marxista é composta de materialismo dialético e do histórico. O primeiro é uma ontologia. E o segundo é a aplicação deste ao estudo da sociedade. A dialética, quer materialista quer idealista, é extremamente imprecisa e apresenta mais exceções do que exemplos. Em consequência, o materialismo histórico tem uma base sadia e frutífera, ainda que estreita. Imperialismo econômico. Já é mais do que tempo de alguém descobrir o que pode ser salvo do naufrágio intelectual e político do marxismo. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Matéria Matéria. Substância que ocupa lugar no espaço, que afeta os sentidos e tem massa e peso. Dois sentidos fundamentais dominam todo o estudo da Física: o da matéria e o da energia. Toda a Física anterior ao século XIX considerava estas duas entidades como inteiramente distintas.

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Fórmula de Einstein E = c2M, em que E (Energia), M (Matéria) e c2 [velocidade de propagação das radiações luminosas no vácuo (trezentos mil quilômetros por segundo)]. (1)

Materialismo. Contrariamente ao idealismo, o materialismo considera a matéria como dado primário e a consciência, o pensamento como dado secundário. A forma superior do materialismo é o materialismo filosófico marxista, que superou todas as insuficiências e debilidades das doutrinas materialistas anteriores. (2) Materialismo. Tudo o que existe é material ou depende da matéria para existir. (3)

Materialismo dialético. Filosofia do Marxismo, conforme foi desenvolvida pelos seguidores de Marx, especialmente na Alemanha e na antiga União Soviética. Une duas afirmativas centrais: a primeira, de que a consciência humana é o reflexo de processos que ocorrem na natureza; a segunda, de que estes processos seguem um padrão dialético no qual cada força que se desenvolve gera seu oposto, ou "negação", levando a um período de transformação revolucionária, que culmina em uma síntese das duas forças opostas. (4) Materialismo dialético. Visão marxista de que os acontecimentos políticos e históricos resultam do conflito social e deriva das necessidades materiais e podem ser encarados como uma série de contradições e suas resoluções. (3)

Materialismo histórico. A filosofia marxista da história. Segundo ela, os princípios motores da história são a mudança no modo de produção e a luta de classe. Estas hipóteses mostraram ser extremamente frutuosas, em especial por esvaziar o idealismo histórico. E foram confirmadas em muitos casos, porém refutadas em tantos outros. Por exemplo, a sociedade moderna é em grande parte, sem dúvida, um produto da Revolução Industrial, mas também o é da ciência moderna, da tecnologia, e da filosofia, bem como da emancipação política de crescentes setores da população. A semente válida do materialismo histórico frutificou na escola historiográfica dos Annales que é tanto materialista quanto sistêmica. (5) = = = >>

Materialismo Dialético e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Concepção de Mundo: 2.1. Religião; 2.2. Idealismo; 2.3. Materialismo. 3. Dialética: 3.1. Definição; 3.2. Antiguidade; 3.3. Idade Média; 3.4. Idade Moderna. 4. Materialismo Dialético: 4.1. Por Etapas; 4.3. Crítica. 5. Espiritismo: 5.1. Concepção de Deus; 5.2. Dialética Comparada; 5.3. Marxismo e Espiritismo: 5.3.1. Luta de Classes; 5.3.2. Felicidade; 5.3.3. Vida Futura. 6. Conclusão. 7. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem o objetivo de comparar o desenvolvimento das idéias materialistas, que se sucedem no mundo moderno, procurando dar-lhes uma

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interpretação segundo a ótica espírita. Os tópicos abordados são: noção de mundo, dialética e sua inserção na história, a dialética materialista e o Espiritismo. 2. CONCEPÇÃO DE MUNDO A Ciência, ao se defrontar com um novo problema, busca solucioná-lo através de um método: o da experiência. O cientista observa, experimenta, faz hipóteses e tira conclusões. Confirmadas as conclusões, os fatos observados transformam-se em teoria. Por exemplo: há a hipótese de que o calor dilata os corpos. O cientista fará uma série de experiências, a fim de estabelecer os limites de tal hipótese. Depois, transforma-a em lei. Significa dizer que nas mesmas circunstâncias, as conclusões serão sempre as mesmas. O oposto ocorre no campo da filosofia, pois não existe uma concepção de mundo admitida por todos, como existe na Física, na Química, na Biologia etc. 2.1. RELIGIÃO "Com efeito, uma religião é, em certo modo, uma concepção de mundo. Elas são em grande número e cada uma pretende estar na posse exclusiva da verdade. Somente essa mostra aos homens o caminho a seguir na vida e o meio de alcançar outra vida feliz depois da morte".(Thalheimer, 1934, p.13) O caráter fundamental da religião pode ser assim definido: é um produto da fantasia, da inspiração, contrariamente à concepção do mundo moderno, que é um produto da ciência. A diferença entre ciência e religião pode ser visualizada da seguinte forma: suponha o fenômeno chuva. Para as religiões primitivas, havia o Deus da chuva ou o Deus do trovão. Quer dizer, uma força sobrenatural fazia trovejar e chover. A ciência busca as causas: o que faz chover e o que faz trovejar. E o que descobre faz parte das leis naturais. 2.2. IDEALISMO Tendência, atitude ou doutrina que reduz o ser ao pensamento. Considera o Espírito, a consciência, a idéia e a vontade como dados primários para a explicação dos problemas filosóficos. Para o idealismo o que move o universo são as idéias. A matéria surge como uma simples conseqüência, um epifenômeno. 2.3. MATERIALISMO Doutrina que sustenta que a matéria é a única realidade do universo, e que todas as atividades são realmente atividades da matéria. Considera a matéria como o motor do universo. A idéia surge como um epifenômeno. 3. DIALÉTICA 3.1. DEFINIÇÃO 1. Filos. Arte do diálogo ou da discussão, quer num sentido laudativo, como força de argumentação, quer num sentido pejorativo, como excessivo emprego de sutilezas. 2. Filos. Desenvolvimento de processos guiados por oposições que provisoriamente se resolvem em unidades. (Aurélio, 1975) Pode-se definir, também, como a ciência das relações gerais que existem tanto na natureza como na história e no pensamento. Implica em movimento, transformação. (Talheimer, 1934, p. 108) 3.2. ANTIGUIDADE Os filósofos gregos da Antigüidade (principalmente Aristóteles) desenvolveram o ensino das formas e das leis do pensamento, denominado lógica formal.

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A lógica formal ensina como se formam as idéias e a maneira de distingui-las entre si. Trata das diversas espécies de sentenças e das diferentes formas de conclusões. Propõe-se, numa palavra, a ensinar o modo justo de pensar. As leis da lógica formal dividem-se em duas: 1ª) princípio de identidade, que se pode formular do seguinte modo: A é A, isto é, cada objeto é igual a si mesmo. Um homem é um homem. Uma árvore é uma árvore; 2ª) princípio da contradição, ou melhor, o princípio da exclusão de um terceiro, que se pode formular da seguinte maneira: A é A ou não é A. Por exemplo: uma coisa que é preta não pode ser ao mesmo tempo preta e branca. Uma coisa não pode ser e ao mesmo tempo não ser uma coisa. Heráclito, filósofo jônico, introduz na história da filosofia o conceito de sucessão, que se pode formular assim: tudo passa; não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. O rio nunca permanece o mesmo, porque está em constante mudança. Por conseguinte, a fórmula A é A não está certa. Este fato introduz a dialética como forma de conduzir o pensamento, em que contradição e identidade se misturam. As coisas devem ser consideradas em movimento e não em repouso. A diferença entre a lógica formal e a dialética é que a lógica formal considera as coisas em estado de repouso e separados entre si, enquanto a dialética as considera em movimento e em relações recíprocas. (Talheimer, 1934, cap. VI) 3.3. IDADE MÉDIA Na Idade Média, período que se estende de 500 a 1500 anos, caracterizou-se pela monopolização da Igreja. Tanto a filosofia como a ciência não desempenharam nenhum papel independente. A filosofia consagrava-se unicamente a explicar e interpretar os ensinamentos feudais da Igreja. O que prevalecia eram os ensinamentos filosóficos ditados pela Escolástica, da palavra latina scola, que significa escola. É, portanto, a filosofia das escolas superiores eclesiásticas da Idade Média, na qual se formavam os altos dignitários da Igreja. (Talheimer, 1934, p. 73) 3.4. IDADE MODERNA Hegel (1770-1831), filósofo alemão, retorna à dialética, redescobrindo-a como um método eminentemente revolucionário. Ele nos ensina que nada, nem na realidade nem no cérebro humano, permanece tal qual é, mas se transforma sem cessar. Hegel foi o criador do idealismo absoluto, em que a idéia dá origem a tudo o mais. Trabalha com os princípios da dialética, ou seja, penetração dos opostos (contradição) e unidade polar, negação da negação. O seu método resume-se na tese (afirmação), antítese (negação da afirmação) e síntese (negação da negação). Feuerbach (1775-1833), discípulo de Hegel, nega a divindade e inverte a dialética de Hegel. Diz ele: o Espírito Absoluto que, segundo Hegel, rege o Universo não é outra coisa que o Deus do Cristianismo, mas com outra roupagem. Com isso, Feuerbach criava o Materialismo. Porém, ao contrário de Hegel, faltava-lhe a dialética. Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) transformam o materialismo de Feurbach no materialismo dialético, que depois aplicado à história, transformase em materialismo histórico. A base do materialismo dialético de Marx era: - Filosofia de Hegel e Feuerbach;

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- Luta de classes na Inglaterra (Revolução Industrial); - Revolução Francesa e Contrato Social. (Talheimer, 1934, cap. VII e VIII) 4. MATERIALISMO DIALÉTICO Pode ser analisado dentro de uma perspectiva global ou por etapas do desenvolvimento da história. 4.1. POR ETAPAS Tese: classe dos senhores Antítese: contra eles a classe dos escravos Síntese: feudalismo Tese: classe dos barões Antítese: contra eles a classe dos servos Síntese: capitalismo Tese: capitalistas burgueses Antítese: contra eles os proletariados Síntese: sociedade comunista (Sousa, 1965) 4.2. GLOBAL Tese: comunismo primitivo (posse em comum dos principais meios de produção por um pequeno grupo de homens). Antítese: propriedade privada, economia escravista, produção feudal, produção de mercadorias, produção capitalista. Síntese: comunismo num grau superior: restabelecimento da propriedade privada e da produção coletivas, sem negar ou abandonar a técnica do capitalismo. 4.3. CRÍTICA Implantação numa sociedade pré-capitalista (China e Rússia). 5. ESPIRITISMO A função do Espiritismo é fazer uma síntese das filosofias existentes. Nesse sentido, ele não segue o idealismo de Hegel, nem tampouco o materialismo dialético de Marx e Enges. Pode-se dizer que o "método kardequiano baseia-se na dialética palingenésica do progresso e da evolução". (Mariotti, 1983, p. 58) 5.1. CONCEPÇÃO DE DEUS Para a Doutrina dos Espíritos, Deus é a causa primária de todas as coisas. De Deus vertem-se dois outros princípios, ou seja, o princípio espiritual e o princípio material, que individualizados denominam-se Espírito e Matéria. Entre o Espírito e a matéria há um elemento semi-material — o Perispírito —, que faz a ligação entre um e outro. 5.2. DIALÉTICA COMPARADA Idealista: o movimento das coisas é o resultado das contradições que existem nas idéias. Materialista: o movimento das coisas constitui o elemento primário e as contradições que se produzem nas idéias são apenas o reflexo do movimento real. Espiritismo: o movimento das coisas está sujeito ao dois princípios fundamentais, ou seja, o Espírito e a Matéria. O homem, por exemplo, é um ser completo composto de Espírito, Perispírito e Corpo Físico. Faz a síntese, afirmando que um influencia o outro. 5.3. MARXISMO E ESPIRITISMO 5.3.1. LUTA DE CLASSES Marxismo: o socialismo será implantado pela luta de classes. Espiritismo: o socialismo será implantado pelas classes de luta.

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5.3.2. FELICIDADE Marxismo: a felicidade do indivíduo estaria presa aos proventos materiais do trabalho (salários). Espiritismo: a felicidade do indivíduo iria além dos proventos materiais do trabalho (salários), pois implica em evolução espiritual. São os bônus-hora de que nos fala o Espírito André Luiz, no livro Nosso Lar. 5.3.3. VIDA FUTURA Marxismo: como é uma doutrina existencialista, o que temos é o niilismo, portanto sem vinculação palingenésica com o processo histórico. Espiritismo: é também existencialista, porém tem como princípio a pluralidade e individualidade da alma após o desencarne. Há uma vinculação com o processo histórico. Ontem estivemos encarnados, hoje estamos e amanhã poderemos voltar. 6. CONCLUSÃO Quer queiramos ou não somos influenciados pelas idéias que os nossos ancestrais nos passam. O marxismo teve uma influência muito grande no desenvolvimento do sentimento materialista, quando quis que tudo fosse ou tivesse origem no econômico. É uma visão unilateral do homem, como foi a de Freud, ao analisar o indivíduo somente pelo lado psicológico. A Doutrina Espírita traz-nos uma idéia mais ampla: quando faz a síntese da ciência, da filosofia e da religião, ele conduz-nos também a uma práxis, ou seja, nossas idéias têm que ser aplicadas no seio da sociedade. Significa dizer que o espírita deve participar do desenvolvimento econômico, político e social. Por fim, a Doutrina traz-nos a solução para uma série de problemas desencadeados pelo materialismo: temos de vencer o orgulho e o egoísmo. 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1975. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo, FEESP, 1995. MARIOTTI, H. Parapsicologia e Materialismo Histórico. São Paulo, Edicel, 1983. SOUSA, J. P. G. Capitalismo, Socialismo e Comunismo. São Paulo, Instituto Cultural do Trabalho, 1965. TALHEIMER, A. Introdução ao Materialismo Dialético (Fundamento das Theorias Marxistas). São Paulo, Livraria Cultura Brasileira, 1934. São Paulo, julho de 1992

CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES: O APEGO À MATÉRIA Em nosso estudo sobre Materialismo Dialético e Espiritismo procuramos fazer uma comparação entre o materialismo dialético (Feuerbach) e o materialismo histórico (Marx-Engels) com os princípios elaborados pelo Espiritismo. Para uma melhor compreensão do problema, não devemos confundir o materialismo, tratado filosoficamente, com o materialista, pessoa apegada à matéria. O materialismo, filosoficamente considerado, concebe a matéria como essência e o Espírito como epifenômeno, ou seja, o Espírito depende da matéria. Não necessariamente ele é materialista (apegado à matéria). Para o Idealismo (Hegel), o Espírito é a essência e a matéria um epifenômeno. Marx, por exemplo, dizia que os aspectos econômicos sobreporiam os aspectos filosóficos e religiosos. Por isso, a sua repulsa pela religião, considerando-a o ópio do povo. O grande perigo da tese materialista é que, dando importância à matéria em detrimento do Espírito, ela pode nos motivar a ser materialistas, ou seja, apegados à matéria. Daí, a nossa corrida para os gozos do corpo, para as diversões, para os prazeres, para o consumo desenfreado de bens materiais.

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Se a vida termina com a morte, por que nos preocuparmos com a vida futura? É melhor gozar no dia de hoje. A sociedade, tendo que atender primeiramente as necessidades materiais, direciona suas atividades para o que é útil, o que dá produtividade, o que dá lucro. As atividades voltadas para o amor ao próximo, ensinada por Jesus, ficam para um segundo plano. Observe a revolução científico-tecnológica da atualidade, bem contrária de quando a ciência foi criada no século XVI e XVII. Naquela época, optava-se pela ênfase cognitiva, onde um único cientista ficava vários anos pesquisando no intuito de alcançar uma grande descoberta. Hoje, fala-se em "ciência tecnológica", em que várias equipes de cientistas trabalham num único projeto, financiado tanto pela iniciativa privada quanto pelo Estado. O cientista que quer fazer ciência pelo amor à ciência, acaba sendo marginalizado, pois não dá lucro. Vejamos, contudo, do ponto de vista espiritual. O ser humano produz por produzir. Mas saberá ele para que fim? Os meios (produção) ficam acima do fim (evolução do ser). Em se tratando de uma vida além desta, o que levaremos para lá? Levaremos as nossas riquezas materiais, os nossos títulos acadêmicos, as nossas posses? Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, ao tratar do problema da riqueza, diz-nos que a verdadeira propriedade não é nada daquilo que é para o uso corpo, mas tudo o que para o uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Esclarece-nos que somos apenas usufrutuários dos bens materiais dispostos por Deus. Acrescenta que é na caridade que está a salvação da alma. Um agravante: a morte não muda o nosso estado interior, apenas nos muda de plano. Quer dizer, sendo apegados à matéria, continuaremos do lado de lá. Nesse mister, há muitas passagens espíritas que relatam a situação de sofrimento desses Espíritos nessas condições. Importante: o desprendimento dos bens terrenos não significa esbanjamento, pois teremos de prestar contas dos bens colocados à nossa disposição para o auxílio do próximo. São Paulo, abril de 2004 << = = = (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (2) ROSENTHAL, M. e IUDIN, P. Pequeno Dicionário Filosófico. São Paulo: Exposição do Livro, s.d.p. (3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (4) NOVA ENCICLOPÉDIA ILUSTRADA FOLHA. São Paulo: Folha, 1996. (5) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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Mecanicismo / Mecanismo Mecanicismo/mecanismo. Do latim tardio mechanisma, invenção engenhosa, máquina. 1. No pensamento moderno, principalmente com Galileu, Descartes, Newton, dá-se a substituição das teorias organicistas de Aristóteles e da escolástica por uma concepção de espaço geometrizado, no interior do qual as relações entre os objetos são governadas deterministicamente por uma causalidade cega. A natureza passa a ser considerada como uma “máquina”, um mecanismo em funcionamento. Os fenômenos físicos seriam assim explicados pelas leis do movimento. 2. O próprio corpo humano, na concepção dualista de Descartes, é visto como uma máquina, animada pela alma: “Suponho que o corpo não é senão uma estátua ou máquina... Todas as funções que atribuo a essa máquina... seguem-se naturalmente da pura disposição de seus órgãos, da mesma forma como ocorre... com os movimentos de um relógio” (Descartes). Oposto a vitalismo. 3. Em um sentido estrito, o mecanicismo é a filosofia que se explicitou no início do século XVII, postulando que todos os fenômenos naturais deveriam ser explicáveis, em última instância, por referência à matéria em movimento. Em seu sentido metafísico, o mecanicismo sustenta que o movimento da matéria exige, para se conservar, não somente uma garantia de sua duração, mas um princípio de sua emergência; nesse sentido, não é incompatível com uma teologia, por admitir a figura de um Deus criado. (1)

Conceito de mecanicismo. Em sentido estritamente cartesiano, é a teoria filosófica segundo a qual todos os corpos se explicam através e somente através de dois princípios: a matéria homogênea e o movimento local. Concebida a matéria como inerte, um dos problemas da teoria é o de explicar como nela se instala o movimento. A questão conduz necessariamente ao tema da causalidade. Em seu exame, desde logo se revela certa incompatibilidade entre a perspectiva mecanicista e a ideia de causas finais, não obstante os esforços de conciliação realizados por Leibniz ou por Bérgson. De qualquer modo, revela-se o conceito de causalidade eficiente como o que lhe proporciona fundamentação mais aceitável. Daí os dois grandes problemas do mecanicismo: (1) determinar o modo de operação das causas eficientes; (2) precisar as leis do movimento.

O mecanicismo em biologia. Fixado o sentido da doutrina, convém que se proceda à sua análise no domínio da biologia. Nessa área, a perspectiva opõe-se às diversas formas assumidas pelo vitalismo, neovitalismo, organicismo, emergentismo etc. A tese central é a de que o organismo se assemelha à máquina, ainda quando de grau bem mais elevado de complexidade. Não haveria, então, princípio novo como recurso utilizado para a explicação do funcionamento dos seres vivos. Permanece válida a ideia de que tudo se explica em termos de pura extensão e simples movimento local. Para Descartes, a biologia reduz-se a um simples capítulo da mecânica. Mas, admitida no homem uma composição dualista, Descartes não atingiu posição radical. Tal

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radicalização foi possível através de um silogismo histórico, em que a premissa maior se emitiu com Descartes (todos os animais são autômatos), a menor com Darwin (o homem é um animal) e a conclusão com Watson (todos os homens são autômatos). Tanto a biologia contemporânea quanto a psicologia derivada do movimento behaviorista revelam-se preponderantemente estruturadas em bases mecanicistas. Críticas. Bérgson, em A evolução criadora, objeta a lógica do mecanicismo. Ele demonstra a incompatibilidade entre os processos biológicos e a simples redução deles a atividades físico-químicas. Ernest Nagel, entre os críticos da ciência, apresenta razões válidas a seu favor, embora admitindo que a redução dos processos biológicos a fenômenos físico-químicos não constitui condição necessária e única para sua adequada investigação. Há restrições no campo da psicologia. Em verdade, o mecanicismo clássico, sob qualquer de suas formas, que procura explicar os fenômenos naturais segundo um modelo mecânico, entrou em crise, senão em agonia. As modernas noções de "estrutura", de "campo", de "função", demonstram a insuficiência das explicações baseadas na noção de uma causalidade linear. Nada impede que sejam validas as interpretações mecânicas dos fenômenos, sem o simplicismo da concepção mecanicista radical que só vê na natureza corpos em movimento. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987.

Meditação Meditação. Do latim mediatio, reflexão. 1. Exercício religioso de reconhecimento interior pelo qual alguém se abstrai (se ausenta) do mundo exterior e, fazendo silêncio, concentra seu pensamento em Deus e nas coisas espirituais. 2. Para Descartes, atividade reflexiva do sujeito pensante permitindo-lhe desembaraçarse das falsas opiniões para melhor atingir uma verdade. Quer dizer: retiro filosófico tendo por objetivo pôr em questão "todas as suas opiniões para estabelecer algo de firme e certo nas ciências"; Kant diz: "Por meditar, entendo refletir ou pensar metodicamente". (1) Por analogia, é utilizado em filosofia (sobretudo desde as Meditações Metafísicas de Descartes) para evocar uma reflexão específica, e durável, cujo objetivo é alcançar uma verdade livre das opiniões comuns. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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(2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993

Medo Medo. Temor, surto violento, grande inquietação em presença do perigo real ou imaginário. Psicologia. Existe um receio legítimo e razoável que fortifica ou dita a prudência e que se manifesta em presença ou perante a ideia do perigo. Quando, porém, falamos do medo, referimo-nos habitualmente a um sentimento despropositado, que se aplica, quer a um perigo imaginário, a escuridão, os fantasmas, por exemplo, quer a um perigo possível, mas improvável e exagerado. (1) Medo. Fenômeno psicológico de forte caráter afetivo, marcado pela consciência de um perigo ou objeto ameaçador determinado e identificável. Difere da angústia, onde o objeto ameaçador não é identificado. Ver temor. (2) Medo. Uma forte emoção que inibe um filosofar original. Alguns filósofos esposaram o irracionalismo por medo da ciência, o nominalismo por medo do idealismo, o idealismo por medo quer dar religião quer do marxismo, o holismo por medo da individualidade, o individualismo por medo do holismo, e assim por diante. (3) Medo. Psic. Perturbação angustiosa causada pela presença ou perspectiva de uma situação em que se arrisca a segurança presente ou futura, é uma das principais manifestações da emoção. Na criança, inicialmente, o M. tem sua origem na falta de apoio ou é provocado por ruídos fortes. A sensação do M. tem repercussões no organismo que fica em estado de alerta: altera-se o ritmo da digestão, aumentam na corrente sanguínea as reservas de energia, sobe a pressão arterial. Se estas modificações fisiológicas se repetem com demasiada frequência, o organismo poderá sofrer consequências mais ou menos graves de caráter permanente. Dir. Can. O M. que perturba totalmente o uso da razão torna os atos nulos, por não serem atos humanos. Dir. Crim. e Dir. Civ. O M. insuperável de um mal maior, iminente ou em começo de execução, exclui a culpa. (4) Medo. Do latim metu, medo, causador de cuidados, vocábulo que está na raiz de palavras aparentemente dissociadas, como médico, remédio, remediar, irremediável. Nada parece infundir mais medo do que o terrorismo. Para combater desafetos, os terroristas já não alvejam diretamente os seus inimigos ou inimigos de quem lhes financia as ações. Ao contrário, estão empenhados ema atacar inocentes com o fim de prejudicar terceiros. (5)

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

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(2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (4) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (5) SILVA, Deonísio da. De Onde Vêm as Palavras. São Paulo: A Girafa, 2004. (Coleção o mundo são palavras)

Meio-Termo Meio-Termo. Em muitos sistemas éticos o caminho correto é apresentado como aquele que alcança um meio-termo feliz. Não se desvia para um lado nem para o outro, representando antes a moderação, a harmonia, o equilíbrio e a capacidade de evitar os pontos fracos de ambos. A doutrina aristotélica do meio-termo representa todas as virtudes como um equilíbrio entre os vícios do excesso e os do defeito. O homem que tudo teme é um covarde, mas o homem que nada teme é precipitado. O homem que se permite todos os prazeres é autocomplacente, mas o homem que não se permite nenhum é um bárbaro. Uma ideia parecida estava já presente no Filebo de Platão e deriva de Pitágoras. A doutrina é além disso muito importante para o confucionismo. Nos Analetos, Confúcio descreve a vida harmoniosa como uma vida que evita os excessos e as faltas, e na qual a sabedoria é obtida tanto por idosos como por jovens, assim como por pessoas de todas as condições. K'ung Chi, o neto de Confúcio, escreveu uma obra intitulada Chung Yung, ou o meio do equilíbrio e da harmonia. A obra anônima A doutrina do meio-termo foi o texto básico para os exames da função pública na China, de 1313 a 1905. Na obra budista Sistema da via intermediária, o princípio repudia tanto o ascetismo exagerado como o hedonismo fácil. A expressão "áurea mediania" vem do poeta latino Horácio, cuja aurea mediocritas é descrita nas Odes 2.10.5. (1)

(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Melancolia Melancolia. Estado mental caracterizado por grande tristeza e depressão mórbida acompanhada de ideias delirantes, de alucinações e de tendências para o suicídio.Psiq. Designação clássica dos estados de tristeza, depressão e abatimento. Conhecida e assim denominada já por Hipócrates, que a caracterizava pelo medo e pela tristeza. Como mostra a etimologia, era atribuída a alteração da bile, noção que ainda persiste hoje no vulgo.A tristeza é vivida não só no plano espiritual (anímico) mas também no plano

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vital, projetada sobre o próprio corpo, como sentimento penosíssimo de mal-estar, fadiga, tensão, aflição, dor, “angústia”, dando lugar aos mais variados juízos sobre a existência de doenças (hipocondria) que o doente valoriza no sentido pessimista como perigosas e incuráveis.(1) Melancolia. Do grego melancholia, bile negra. 1. No sentido corrente, estado de abatimento ou prostração acompanhado de atitudes de devaneio. 2. Estado patológico caracterizado por uma profunda tristeza, depressão, ansiedade, desgosto pela vida e uma generalizada atitude de mau humor e pessimismo, levando o indivíduo à inação ou ao estado de torpor. (2) Melancolia. Aflição mental muito frequente, caracterizada por depressão relativamente acentuada sentimento de incapacidade, falta de interesse pela vida, desgosto de viver. Este estado pode chegar até a inclinações para o suicídio, podendo também manifestarse através da ansiedade, insônia e, às vezes, ideias delirantes de auto-acusação, indignidade etc. A melancolia pode surgir sem causa aparente, ligada a uma psicose maníaco-depressiva. Pode também surgir após um choque afetivo, ou em decorrência da involução pré-senil. Por apresentar-se como causa frequente de suicídio, e mesmo de homicídio, a melancolia é considerada afecção muito perigosa. Frequentemente as perturbações passam do plano espiritual para o físico, resultando além das alterações somáticas, tendências para o mal-estar, cansaço, tensão e dor, o que relaciona com um estado de hipocondria. Por aparecer ocasionalmente, em consequência de trauma emocional, muitos acreditam que a melancolia ocorre com mais frequência no sexo feminino.(3)

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) SOUZA, Irene Sales de. (org.). Dicionário de Psicologia Prática. Rio de Janeiro: Esparsa, s.d.p.

Memória Memória. Simplesmente definida, a memória é a capacidade de fixar, reter, evocar e reconhecer impressões ou acontecimentos passados. "Em geral, todas as pessoas têm capacidade igual de reminiscência e de conservar na memória este ou aquele fato", escreve Samuel Johnson. Pode-se comparar a memória a uma máquina fotográfica: os olhos são as lentes através dos quais se obtém a imagem. O cérebro é o filme que, sensibilizado, fixa e retém a imagem. A memória propriamente dita é o papel fotográfico sensibilizado, no qual se imprime a imagem, de modo que a possamos ter na ocasião em que a desejarmos. (1)

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Memória. O poder da mente de pensar sobre o passado, que já não existe, suscita problemas psicológicos (empíricos) e também problemas filosóficos mais abstratos. O cientista quer saber o modo como o cérebro armazena as memórias, e se esse mecanismo é semelhante para os diferentes tipos de memória (por exemplo, a memória de curto prazo e de longo prazo). O filósofo fica particularmente intrigado com o poder representativo da memória: quando evoco a memória de um acontecimento, como consigo interpretá-la como uma representação do passado e não como um mero exercício da imaginação? Será que existe um "sentimento específico do passado"? Mas, se existir, não poderei então ter esse sentimento sem que consiga interpretá-lo como um sentimento do passado? Ou seja, será que há sempre uma representação presente, ou será a memória uma forma direta de relação com o passado? Se assim fosse, teríamos pelo menos uma justificação para a confiança que depositamos na memória. Mas não será possível, pelo menos logicamente, a hipótese cética de Russell, segundo a qual a Terra poderia ter aparecido há cinco minutos, com uma população que se "lembra" de um passado completamente irreal? Se essa hipótese for plausível em termos lógicos, parece não ser possível resolver o problema de saber que não foi isso que de fato aconteceu. (2) Podemos definir a memória como uma espécie de lugar no cérebro onde retemos informações importantes. Ela guarda experiência na forma de imagens, sons ou de outras formas de lembranças, que são reavivadas através de um estímulo. O termo memória vem do latim mnemo, que significa a capacidade de guardar ou adquirir ideias, imagens e conhecimentos. A memória é a base da aprendizagem, pois só podemos nos desenvolver intelectualmente através do conhecimento de um conceito sobre o outro, como se fosse uma parede de tijolos. Se a base estiver firme, os que forem colocados em cima também estarão firmes. A aprendizagem passa pelo mesmo processo, pois se o conhecimento primário estiver bem consolidado na nossa memória, conseguiremos adquirir conhecimentos mais complexos posteriormente. (3)

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(1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (2) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Mentalidade Romana: Direito e Ecletismo As contribuições dos romanos à história do pensamento ocidental são bem mais escassas, se as considerarmos de um ponto de vista teorético. Roma, nesse sentido, deve ser vista como uma transmissora do pensamento grego, e sua máxima contribuição consiste na adaptação das ideias gregas ao mundo latino. Nesse papel de transmissão e adaptação, os romanos são ecléticos. O ecletismo, cujo representante mais ilustre é Cícero, é apenas uma seleção de verdades correspondentes a diferentes sistemas filosóficos, tendo como critério o senso comum. Não é nesse aspecto que se deve procurar a originalidade das contribuições romanas. Estas se encontram no desenvolvimento peculiar do estoicismo de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio e, especialmente, no direito romano.

O ecletismo: Cícero A figura de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) é fundamental para se compreender o jogo mental característico dos romanos. Nessa mentalidade, o interesse se concentra nas conclusões, mais do que nas premissas, e nas soluções práticas dos problemas, mais do que em sua elucubração puramente teorética e abstrata. A pedra angular do pensamento ciceroniano se baseia no consensus gentium, que dizer, em um consenso da maioria para aquelas questões metafísicas que suscitam sérias dúvidas. Se não existe esse consenso, é prudente abster-se (quer dizer, limitar deliberadamente o voo do pensamento; o homem romano é prático e o que importa de forma prioritária é a ação). O que dizem — pergunta-se Cícero em sua obra Sobre a natureza dos deuses — epicuristas e estoicos sobre a existência de Deus e a imortalidade da alma? Que as duas coisas são indubitavelmente certas. E o comum dos mortais, o que pensa a respeito? A mesma coisa. Logo, é correto. E sobre a natureza da divindade, o que sabemos? Nisto existe discrepância em saber "se os deuses estão completamente ociosos e inativos, sem tomar parte alguma na direção e nos governo do mundo, ou se, pelo contrário, todas as coisas foram criadas e ordenadas por eles em um começo, e são controladas e

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conservadas em movimento por eles ao longo de toda a eternidade". Assim, não podemos julgar nesse terreno.

A linguagem filosófica A contribuição mais importante de Cícero e da maioria dos pensadores romanos é a criação de uma linguagem filosófica que constitui uma adaptação dos termos filosóficos usados pelos gregos. Essa "versão romana" da filosofia grega assumiu tamanha importância que, durante muitos séculos (praticamente até o renascimento e mesmo depois), o pensamento do Ocidente a usou como fonte direta (o que suscitará, na época contemporânea, a crítica de Heidegger, por entender que com isso se perdeu o substrato original da experiência grega).

O estoicismo romano Dentro do ecletismo geral da época, a filosofia estoica teve um especial destaque em Roma. Os nomes de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, o imperador filosófico, estão associados a uma forma de estoicismo de caráter ético que revaloriza mais uma vez o ideal do sábio. O cordovês Lúcio Aneu Sêneca (3-65), por exemplo, propõe a figura do sábio como homem forte, imune às variações da sorte e que luta mesmo quando foi derrubado: um código ético para as classes dirigentes do Império Romano, formulado por um filósofo que durante o mandato de Nero assumiu as mais altas responsabilidades políticas e acabou por suicidar-se. O espiritualismo de Sêneca, no entanto, com seu canto à virtude e seu desprezo pelas vaidades terrenas, teve uma profunda influência sobre o catolicismo espanhol, a ponto de um historiador, Américo Castro, defender que suas raízes têm parentesco direto com a idiossincrasia espanhola.

O epicurismo A tradição materialista de Epicuro é recolhida em Roma por Lucrécio (94-55 a.C.), autor de uma vasto poema, Sobre a natureza das coisas (De rerum natura), em que procura dar uma explicação científica para os enigmas do Universo. Pensador isolado, que na época da revolução científica (século XVII) será revalorizado por seu caráter precursor, Lucrécio defende que a alma é material e o Universo nem é criado nem destruído, já que sua matéria é infinita. É notável também sua teoria do conhecimento, que se baseia nas sensações, assim como sua afirmação de que a religião é contrária à ciência.

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O direito romano Aquilo que importa na mentalidade romana é, antes de mais nada, a organização da vida social mediante regras e preceitos. No início, essas regras jurídicas se confundem com as próprias tradições religiosas dos romanos. Depois (e trata-se de uma evolução que abarca mais de mil anos, já que se inicia com a fundação de Roma, no século VIII a.C. e termina nos séculos V-VI de nossa era), os plebeus conseguem que os princípios jurídicos fundamentais recolhidos na lei das Doze Tábuas sejam declarados publicamente. Isto estabelece um grande passo para a igualdade política. É nessa época que aparecem os juristas e se abre um processo de secularização do direito (quer dizer, uma emancipação do direito em relação aos preceitos puramente religiosos). Nessa etapa a figura fundamental é a do pater familias. A expansão de Roma para além dos confins da península Itálica e o contato com a cultura grega ampliam os horizontes de um direito ainda comprimido nos limites de uma estrutura social determinada pela existência de pequenos proprietários rurais. Em primeiro lugar, assegura-se um direito baseado no costume: é o fundamento do direito civil (jus civile); depois, estabelecem-se as bases de um direito internacional com o jus gentium, o direito dos povos, que se aplica aos cidadãos. Um novo passo nessa evolução diferenciadora das normas ocorre quando o direito civil e o direito dos povos se reúnem no âmbito do jus publicum (direito público que se refere às relações com o estado) e se distinguem do direito privado (jus privatum). A história jurídica de Roma termina no século VI, quando o imperador de Bizâncio, Justiniano I, compila as leis romanas no Corpus juris civiles. Então começa outra história: a da aplicação do direito romano a todos os povos romanizados da Europa. (1) (1) Temática Barsa -Filosofia (cópia)

Messianismo Messianismo. Teoria da expectação ou da esperança num Messias salvador e redentor da Humanidade, considerada em estado ou de degradação ou de queda ou de perdição, após cuja vinda essa mesma Humanidade recupera, regenera, restaura ou redescobre o estado de felicidade. Há várias acepções de messianismo. Em todas elas, porém, o messianismo manifesta o conhecimento de antinomias existenciais - o que está mal e o que é o bem, pelo que, em todas as variantes, o messianismo é a proposta do remédio, da cura, da solução. A perspectiva messiânica envolve a reconquista da felicidade original (Paraíso Perdido), a restauração dos bens destruídos (Idade de Ouro), a instauração da paz (Paz Perpétua) e, noutra instância, a assunção do homem à dignidade essencial (Reino de Deus). (1) Do aramaico meschîkha, ungido ou escolhido. 1. Na religião judaica, crença no Messias, o enviado de Deus, que teria como missão a libertação do povo judeu do domínio estrangeiro, sua condução à Terra Prometida e à vida em paz. Para os judeus, o Messias ainda não chegou; para os cristãos, já esteve entre nós na pessoa de Jesus e voltará novamente no fim dos tempos.

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2. Em um sentido genérico, crença em um líder carismático que seria capaz de "salvar" seu povo e conduzi-lo à felicidade e à glória. Em nossos dias, o messianismo designa a tendência coletiva de esperar "tudo" da atividade de um único homem dotado de poderes carismáticos e considerado como capaz de trazer a "salvação" ou de mudar os rumos da história. (2)

(1) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Metafísica Metafísica. A sabedoria, para Aristóteles, consiste na metafísica, isto é, não apenas no conhecimento ou ciência das causas, mas no conhecimento das causas primeiras e mais universais. A filosofia primeira é o saber fundamental, que se trata de caracterizar, cujo objeto é o estudo da substância invariável ou primeira. Estudando-a, a metafísica estuda o ser enquanto ser. Ciência que se procura, ou busca, quer dizer ciência ainda não feita, ou constituída, mas por fazer, e até então definida apenas por suas exigências. Ao designar a metafísica como a “teoria da verdade”, Aristóteles refere-se à aletheia, desvelamento das coisas como verdadeiramente são, em seu fundamento ou princípio, arqué. (1) A metafísica como foi entendida e projetada por Aristóteles, é a ciência primeira no sentido de fornecer a todas as outras o fundamento comum, ou seja, o objeto a que todas elas se referem e os princípios dos quais todas dependem. A metafísica implica, assim, uma enciclopédia das ciências, um inventário completo e exaustivo de todas as ciências, em suas relações de coordenação e subordinação, nas tarefas e nos limites atribuídos a cada uma, de modo definitivo. Historicamente, a metafísica compreende: a) teologia; b) ontologia; c) gnosiologia. A caracterização hoje corrente da metafísica como “ciência daquilo que está além da experiência” pode referir-se apenas à primeira dessas formas históricas, ou seja, a metafísica teológica; trata-se também de uma caracterização imperfeita, porquanto leva em conta uma característica subordinada, por isso, inconstante, dessa metafísica. (2) Metafísica. Ramo da filosofia que se interessa pelos princípios primeiros das coisas, incluindo conceitos abstratos como ser e conhecer. (3) = = = >>

Metafísica Sérgio Biagi Gregório

414 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Metafísica: 4.1. Origem do Termo; 4.2. Divisão da Metafísica; 4.3. Além da Matéria. 5. Depreciando e Reverenciando a Metafísica: 5.1. Sinônimo de Sobrenatural; 5.2. Depreciação do Termo; 5.3. Reverenciando a Metafísica. 6. A Metafísica Espírita: 6.1. Teoria Espírita do Conhecimento; 6.2. Ontologia Espírita; 6.3. Deus. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que se entende por metafísica? É tudo aquilo que está além da física? Como surgiu este termo? Como você explicaria a metafísica espírita? 2. CONCEITO Ciência dos entes espirituais ou incorpóreos, das coisas abstratas, intelectuais. Doutrina da essência das coisas. Conhecimento das coisas primárias e dos primeiros princípios. Ciência primeira, por ter como objeto o objeto de todas as outras ciências, e como princípio um princípio que condiciona a validade de todos os outros. 3. HISTÓRICO Em termos históricos, Tales de Mileto é o primeiro dos metafísicos, pois ele quis achar a substância primeira, a physis, de onde tudo se originava. Pensou que este elemento primordial fosse a água, porque esta poderia se transformar em gelo (matéria sólida) pelo esfriamento e em ar (matéria gasosa) pelo aquecimento. Estava dada a partida para a busca da origem, do arqué, do princípio das coisas. Sócrates e Platão não trataram diretamente da metafísica, mas forneceram subsídios úteis (Teoria das Idéias) à compreensão do tema. Para Aristóteles, a Metafísica é a ciência que estuda todas as causas, todos os princípios, todas as substâncias. Para Aristóteles, a Metafísica é a ciência primeira no sentido de fornecer a todas as outras o fundamento comum, ou seja, o objeto a que todas elas se referem e os princípios dos quais todas dependem. Na Idade Média, a Metafísica permanece por longo tempo no campo da religião. Descartes, por sua vez, retoma o sentido filosófico, e afirma que o conhecimento de Deus e da alma é alcançado "pela razão natural". Depois de Descartes apareceram outros racionalistas. Kant, por exemplo, achava que o conhecimento depende apenas da razão, independentemente das experiências. Hegel, na sua dialética idealista e Marx, na sua dialética materialista, dão também as suas contribuições para a compreensão do tema. 4. METAFÍSICA 4.1. ORIGEM DO TERMO Foi por acidente livresco que se deu o nome de Metafísica à filosofia primeira, isto é, ao estudo sistemático dos problemas fundamentais relativos à natureza última da realidade e do conhecimento humano. Isso deveu a Andrônico de Rodes que, no século I de nossa era, classificou a obra de Aristóteles, colocando os livros da filosofia primeira depois dos de física e se referiu a eles como "os que estão atrás da física" (tà metà tà physikà). Desde essa época, a metafísica é a parte da filosofia que se ocupa do que está mais além do ser físico enquanto tal. 4.2. DIVISÃO DA METAFÍSICA A metafísica pode ser dividida em três partes: 1) ontologia (teoria do ser); 2) gnosiologia (teoria do conhecimento); 3) teoria do primeiro princípio do conhecimento e do ser (absoluto, Deus). O fato de esta palavra referir-se tanto à ontologia, como à gnosiologia, e mesmo a Deus, dificulta a definição rigorosa da mesma. 4.3. ALÉM DA MATÉRIA

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A metafísica, no sentido de "tudo o que está além da matéria", coincide com o próprio desenrolar da filosofia. Observe que a filosofia surgiu como uma tentativa de explicar o mundo e sua origem a partir da razão e não por intermédio do oráculo, do mito. No mito a verdade é revelada pelos deuses; na metafísica ela deve ser buscada, achada com o recurso da razão, com o esforço do ser humano. 5. DEPRECIANDO E REVERENCIANDO A METAFÍSICA 5.1. SINÔNIMO DE SOBRENATURAL Algumas pessoas entendem o termo "metafísico" como sinônimo de "sobrenatural". Daí, a preferência pelo uso de "filosofia" e "filosófico" em lugar de "metafísica" e "metafísico". 5.2. DEPRECIAÇÃO DO TERMO Atribui-se a Charles Bowen, juiz britânico do século XIX, a definição de metafísico como "um homem cego num quarto escuro, que procura um gato preto que não está ali". Há também um complemento desta frase: "teólogo é a pessoa que acha o gato". Augusto Comte, o fundador do positivismo na França, deslocou o absoluto para a região das fantasias. Bem antes dele, porém, Hume, em seu Ensaio sobre o Espírito Humano, dissera: "Quando, convictos da doutrina aqui ensinada, penetramos numa biblioteca, que destruição devemos causar? Tomemos o livro de teologia ou de metafísica e perguntemos: contém investigações sobre grandeza e números? Não. Contém o resultado de experiências acerca de fatos e realidades existentes? Não. Jogue-se então o livro ao fogo, porque não poderá conter nada além de sofisticarias e mistificações". (Barreto, 1977, p.188) 5.3. REVERENCIANDO A METAFÍSICA O filósofo americano Hilary Putman diz: "Se eu tivesse a coragem de ser um metafísico, então acho que criaria um sistema no qual não haveria nada além de deveres. A metafísica, na imagem que eu criaria, seria definir o que deveríamos fazer". Para fundamentar o seu pensamento, afirma que todos os "fatos" se dissolveriam em "valores". 6. A METAFÍSICA ESPÍRITA Perscrutando O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, podemos construir o edifício metafísico do Espiritismo, porque ali vamos encontrar explicações sobre Deus, Espírito e Matéria, entre outros. 6.1. TEORIA ESPÍRITA DO CONHECIMENTO A maneira pela qual se adquire o conhecimento é de vital importância não só para a Filosofia como para todos nós. De acordo com a tradição filosófica, há duas formas de se apreender o conhecimento: 1ª) a platônica ou socráticoplatônica, que envolve a questão da reminiscência das idéias (conhecemos pelo Espírito); 2ª) a sofística ou empírica, que se refere apenas aos nossos sentidos (conhecemos pelos sentidos). Daí, a pergunta: conhecemos pelo corpo ou pelo Espírito? Para o Espiritismo, o homem é essencialmente um Espírito. O Espírito é a substância do homem e o corpo o seu acidente. Nesse caso, a percepção é uma faculdade do Espírito e não do corpo. É uma faculdade geral do Espírito que abrange todo o seu ser. 6.2. ONTOLOGIA ESPÍRITA Ontologia é a parte da filosofia que trata do ser enquanto ser. Na Filosofia Espírita, cada criatura humana é um ser espiritual, mas é também um ser físico

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ou um ser corporal. A ligação entre o ser espiritual e o ser físico é feita através do perispírito (corpo perispiritual). Desta forma, o ser não é apenas o Espírito, é também o perispírito e o corpo vital. 6.3. DEUS No que tange ao conhecimento do Ser Supremo (Deus), a Doutrina Espírita afirma que quando o nosso Espírito não estiver mais obscurecido pela matéria, teremos condições de penetrar no mistério da divindade. Por enquanto devemos nos contentar com o conhecimento de seus atributos, ou seja, Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo poderoso, e soberanamente justo e bom. 7. CONCLUSÃO A metafísica é a ciência das causas primeiras. A Doutrina Espírita fornece-nos subsídios valiosos para a compreensão deste tema. Basta consultarmos as obras básicas da Codificação, principalmente O Livro dos Espíritos 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BARRETO, Tobias. Estudos de Filosofia. 2. ed., São Paulo, Grijalbo; Brasília, INL, 1977. DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993 ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987. GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. PIRES, J. H. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo: Paidéia, 1983. São Paulo, novembro de 2009. << = = = 1) ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Metáfora Metáfora. Do latim metaphora, ae, transporte. É a mudança do sentido comum de uma palavra por outro sentido possível que, a partir de uma comparação subentendida, tal palavra possa sugerir. Costuma-se distinguir a metáfora pura da metáfora impura. Metáfora impura: aquela em que os dois termos de comparação vêm expressos. Metáfora pura: aquela em que não está presente nenhum termo de comparação. Esquematizando: Essa mulher é perigosa qual uma cascavel = comparação.

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Essa mulher é uma cascavel = metáfora impura. Convivo com uma cascavel = metáfora pura. (1) Aristóteles (Poética) cunhou a fórmula universal: "a metáfora é o aporte de um outro nome... segundo a analogia". Isto se aplica ao ato de falar que "aporta" em sentido figurado mental um nome para denominar alguma coisa. Aristóteles descreve o poder de fazer metáforas de modo supreendente: "isto não pode ser aprendido dos outros"; é o sinal da "vocação de detectar a semelhança (na diferença)". Aqui o grego se encontra com "a capacidade inata do gênio" de Kant. (2) Figura retórica pela qual se faz uma comparação, utilizando-se uma palavra que denota uma coisa para representar uma qualidade definidora de outra. Segundo a definição de Aristóteles, a metáfora é uma "palavra usada com um sentido alterado". Ex.: uma raposa política; uma flor de pessoa; um mar de lama no palácio". (3)

Mais explicação: metáfora significa transporte, ou seja, uma comparação abreviada. Quando dizemos que fulano de tal é valente como um leão, temos uma comparação. Ao dizermos, porém, que fulano de tal é um leão, retirando valente como, temos a metáfora. Ainda: ao usarmos as palavras estradas, encruzilhadas, caminhos tortuosos, estamos nos referindo à metáfora de percurso. A mais importante figura de estilo, em que um assunto (por vezes chamado teor) é referido por um termo ou frase (veículo) que não o descreve literalmente: o cogumelo nuclear, a luz da fé etc. Os problemas filosóficos relativos à metáfora incluem a questão de saber como se deve estabelecer a divisão entre o significado literal e o significado metafórico (Nietzsche, por exemplo, considerava que a verdade literal não era mais do que uma metáfora morta ou fossilizada); como conseguimos interpretar as metáforas com a rapidez e a certeza com que frequentemente conseguimos fazê-lo, e se as metáforas podem por si mesmas ser veículos de compreensão, ou se devem apenas ser vistas como meros remetentes para verdades e falsidades literais acerca do assunto em questão. (4)

(1) OLIVEIRA, Ana Tereza Pinto de. Minimanual Compacto de Redação e Estilo: Teoria e prática. São Paulo: Rideel, 1999. (2) LURKER, Manfred. Dicionário de Simbologia. Tradução Mário Krauss e Vera Barkow. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003. (3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (4) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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Método Método. Derivado do grego méthodos, formado pelo prefixo metá, "além de", "através de", "para", e o radical odós, "caminho". Poder-se-ia, então, traduzir a palavra por "caminho para" ou, então, "prosseguimento", "pesquisa". O método é um processo intelectual de abordagem de qualquer problema mediante a análise prévia e sistemática de todas a as vias possíveis de acesso à solução. Opõe-se, pois, a um modo de trabalhar confiado exclusivamente na improvisação ou na inspiração repentina. O método é apenas uma disciplina mental, e não pode, por si, suprir o talento nem muito menos a genialidade. Entretanto, um talento, mesmo modesto, trabalhando metodicamente, pode conseguir resultados maiores e mais duradouros, do que um grande gênio habituado à boêmia intelectual. (1) Método. 1. Um procedimento regular e bem especificado para fazer alguma coisa: uma sequência ordenada de operações dirigida a um objetivo. Cada ramo da matemática, da ciência e da tecnologia tem seus próprios métodos especiais: para calcular, obter amostras, efetuar preparados, observar, mudar etc. Ademais, todas as ciências usam o método científico e algumas empregam igualmente o método experimental. 2. Método experimental. A montagem planejada de um dispositivo para empreender observações ou mensurações sobre particulares de tipos definidos, distribuídos de maneira mais ou menos igual entre dois grupos: o grupo experimental, onde o estímulo está presente, e o de controle, onde ele não está. 3. Método científico. A sequência: levantamento de um corpo de conhecimento ==> escolha do problema neste corpo de conhecimento ==> formulação ou reformulação do problema ==> aplicação ou invenção de uma abordagem para tratar do problema ==> solução tentativa (hipótese, teoria, projeto experimental, instrumento de medida etc.) ==> aferir a solução tentativa ==> avaliar a solução tentativa à luz do teste e do conhecimento básico ==> revisão ou repetição de quaisquer dos passos prévios ==> estimativa do impacto sobre o conhecimento básico ==> avaliação final (até nova informação).(2) = = = >> O MÉTODO E OS PROBLEMAS

Método - do grego methodos significa caminho para chegar a um fim. Todo método, seja na filosofia ou em qualquer outro campo, tem por finalidade formular ou tentar afirmações, previsões e explicações, e, no caso específico da filosofia, descobrir meios de chegar a uma reflexão mais precisa e eficaz sobre o eu, o outro e o mundo da natureza. Entretanto, os métodos úteis para solucionar um certo conjunto de problemas podem ser totalmente ineficazes para solucionar outros conjuntos. Lembremo-nos, porém, de que ainda há problemas para os quais não se conseguiu nenhum método capaz de proporcionar uma solução (1).

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 DIALÉTICA

Sócrates inaugura o método quando institui a maiêutica, ou seja, a arte de perguntar. Platão aperfeiçoa a maiêutica de Sócrates e a transforma no que ele chama dialética. A dialética platônica conserva a idéia de que o método filosófico é uma contraposição, não de opiniões distintas, mas de uma opinião e a crítica da mesma. Conserva pois, a idéia de que é preciso partir de uma hipótese primeira e depois ir melhorando, à força das críticas que se lhe fizerem. Em Hegel, abrange três momentos: 1º) o positivo, da unidade; 2º) o negativo, da divisão; 3º) o da nova unidade. Este processo renova-se constantemente. Exemplo: posição - botão; divisão - flor; nova unidade - fruto (2).

 A LÓGICA E A DISPUTA

Aristóteles atenta para este movimento da razão intuitiva que passa, por meio da contraposição de opiniões, de uma afirmação à seguinte e desta à seguinte. Esforça-se para encontrar a lei em virtude da qual, de uma afirmação passamos à seguinte. As leis do silogismo, suas formas, suas figuras, são, pois, o desenvolvimento que Aristóteles faz da dialética. Esta concepção da lógica como método da filosofia é herdada de Aristóteles pelos filósofos da Idade Média, os quais a aplicam com um rigor extraordinário. O método que seguem os filósofos da Idade Média não é somente, como em Aristóteles, a dedução, a intuição racional, mas também a contraposição de opiniões divergentes. Por isso, a disputa (2).

 DÚVIDA HIPERBÓLICA Paradoxalmente, é o caminho da dúvida que leva Descartes ao método que nos conduz ao conhecimento de todas as coisas. Descartes parte da seguinte idéia: aquilo que nos enganou, mesmo uma só vez, nunca mais merece a nossa confiança, tornando-se duvidoso. Aquilo que é duvidoso deve ser

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considerado como falso, pois a realidade só comporta dois valores: o verdadeiro ou falso. Duvida de tudo. A dúvida, no caso, será sistemática e geral, mas não cética, pois o projeto de Descartes não visa a fechar-se dentro da dúvida, mas antes utilizá-la como instrumento para superar a própria dúvida (1).

 A FENOMENOLOGIA COMO MÉTODO

O método fenomenológico, que encontra a sua primeira formulação em Edmund Husserl, tem por intuito primeiro elaborar uma descrição rigorosa da realidade. A essa realidade Husserl chama fenômeno, aquilo que se oferece à minha observação intelectual, isto é, à observação pura. Para poder chegar a essa observação pura é necessário deixar de lado todas as idéias preconcebidas, todos os preconceitos, tudo aquilo que ouvimos dizer, tudo aquilo que lemos a respeito (1).

O MÉTODO Método - do grego methodos significa caminho para se chegar a um fim. Todo método, seja em Filosofia ou em qualquer outro campo, tem por finalidade formular e tentar afirmações, explicações e previsões, com o intuito de descobrir a verdade, contrapondose ao erro. Na ciência, utilizamos o método positivo; em filosofia, o método especulativo. Qual o alcance dessa diferença metodológica? A intuição mística é, muitas vezes, cogitada na especulação filosófica. Não podemos desprezá-la de todo pois o sentimento com relação ao Ser Supremo pode perfeitamente conter parte da verdade. A dificuldade em aceitá-la como método filosófico está no fato de que essa faculdade extra-racional e extra-empírica oferece pouca ou nenhuma garantia de rigor e precisão que o referido método filosófico exige. A dialética hegeliana, o transcendentalismo de Kant e a fenomenologia descritiva de Husserl constituem os três mais importantes métodos para superar o método filosófico clássico, baseado no empirismo e no racionalismo. Partem de um conhecimento a priori, puro. Eles, porém, não explicam com clareza como chegam a essa pureza do conhecimento. Por isso, os críticos alimentam sérias dúvidas quanto ao êxito desses ensaios, preferindo a opinião de que não passam de formas disfarçadas do método empírico e do método racionalista. A axiomática hilbertiana possibilitou nova dimensão à técnica reflexiva da filosofia. Segundo as próprias palavras de Hilbert, tudo que pode ser motivo do pensamento científico recai, desde que se integre na estrutura de uma teoria, sob o domínio da axiomática e, portanto, da matemática. É que toda a teoria, segundo ele, é edificada sobre os indemonstráveis (axiomas). Por isso, a suspeita com relação à garantia do conhecimento a priori.

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A criação do sistema especulativo, entretanto, é uma atividade puramente estética que não se submete a preceitos racionais. Nada disso porém deverá impedir-nos de reter, apenas os axiomas arbitrariamente escolhidos dos que se mostram mais fecundos no curso do pensamento e do raciocínio abstrato. Desta forma, são a experiência e razão (não o empirismo ou o racionalismo) que devem constituir o critério para o julgamento crítico do valor de nossas proposições. A especulação filosófica, como vimos, exige o exercício do bom senso. Urge estarmos sempre alerta para não cairmos na mitificação do conhecimento.

QUESTÕES 1) Qual o significado de método? 2) Qual o conceito de dialética? 3) Como Platão aperfeiçoa a maiêutica socrática? 4) No que consiste o método da disputa? 5) Como você explica a dúvida hiperbólica? 6) O que é fenomenologia como método?

TEMAS PARA DEBATE 1) A intuição mística é aceitável como método da filosofia? 2) A tese do conhecimento a priori, defendida por Kant, Husserl e Hegel supera o método baseado no empirismo e no racionalismo? 3) Experiência e razão (não o empirismo ou o racionalismo) devem constituir o critério para o julgamento crítico do valor de nossas proposições. Comente.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) GILES, T. R. O que é Filosofar? (2) GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia. << = = =

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O Método O método, em sentido amplo, significa o processo que permite conhecer determinada realidade, produzir certo objeto, ou desempenhar este ou aquele tipo de comportamento. Confundindo-se com a noção de meio para se obter determinado fim, coincide, também, com a noção de técnica, de saber fazer. Quer se refira ao conhecimento do real, à produção de objetos belos ou úteis, ou à disciplina de conduta, o método é sempre o meio ou a técnica que se emprega para alcançar um objetivo previamente estabelecido A noção de método acha-se ligada à noção de trabalho. Desde a antiguidade até os nossos dias a humanidade procura técnicas adequadas para a aquisição e a transmissão do conhecimento. O pescador só é pescador porque "sabe" , ou seja, domina a técnica de jogar a rede e levar o peixe ao mercado. Da mesma forma é o agricultor que "sabe" arar, semear e colher no momento certo. Observe que no próprio método está implícito a racionalização da técnica, visando, sempre, um aumento de produtividade. A elaboração do método não pode ser anterior ao descobrimento do objeto. Geralmente, partimos do conhecido para o desconhecido, porque temos antecipadamente uma ideia do que pretendemos descobrir. A invenção do microscópio e do telescópio, por exemplo, só foi possível depois de se estabelecerem as hipóteses da existência de elementos muito pequenos ou muito grandes, e que não podiam ser vistos a olho nu. As ciências particulares distinguem-se uma das outras em função do objeto analisado e do método empregado. O objeto corresponde ao setor da realidade a cujo estudo se dedicam e o método ao processo, ou conjunto de processos, que empregam na realização desse estudo. Nesse sentido, a física é uma ciência particular porque estuda uma parcela da realidade, ou seja, o conjunto dos fenômenos que não alteram a constituição íntima dos corpos. Distingue-se, ainda, das outras ciências não só pelo objeto, os fenômenos físicos, mas também pelo método, a observação e a experiência. A filosofia acrescenta ao método e objeto próprios da ciência a noção de totalidade, ou seja, a busca das causas primeiras e dos fins últimos do objeto considerado. Além disso, emprega o método da reflexão, que nada mais é do que uma meditação profunda sobre os postulados que a ciência aceita sem discutir. Dessa forma, o postulado do movimento que a física aceita sem discutir, por ser evidente aos sentidos, é motivo de problematização para a filosofia. Assim, mover-se é estar e não estar ao mesmo tempo no mesmo lugar, o que foi e é, ainda, motivo de contradição para os filósofos. Sejamos disciplinados em nosso método de trabalho. A constância forma uma segunda natureza que nos põe a salvo nos momentos críticos de nossa existência.

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Fonte de Consulta CORBISIER, R. Enciclopédia Filosófica. 2. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1987.

= = = >> O Método da Filosofia Método - do grego methodos significa caminho para se chegar a um fim. Todo método, seja em Filosofia ou em qualquer outro campo, tem por finalidade formular e tentar afirmações, explicações e previsões, com o intuito de descobrir a verdade, contrapondo-se ao erro. Na ciência, utilizamos o método positivo; em filosofia, o método especulativo. Qual o alcance dessa diferença metodológica?

A intuição mística é, muitas vezes, cogitada na especulação filosófica. Não podemos desprezá-la de todo pois o sentimento com relação ao Ser Supremo pode perfeitamente conter parte da verdade. A dificuldade em aceitá-la como método filosófico está no fato de que essa faculdade extraracional e extra-empírica oferece pouca ou nenhuma garantia de rigor e precisão que o referido método filosófico exige.

A dialética hegeliana, o transcendentalismo de Kant e a fenomenologia descritiva de Husserl constituem os três mais importantes métodos para superar o método filosófico clássico, baseado no empirismo e no racionalismo. Partem de um conhecimento a priori, puro. Eles, porém, não explicam com clareza como chegam a essa pureza do conhecimento. Por isso, os críticos alimentam sérias dúvidas quanto ao êxito desses ensaios, preferindo a opinião de que não passam de formas disfarçadas do método empírico e do método racionalista.

A axiomática hilbertiana possibilitou nova dimensão à técnica reflexiva da filosofia. Segundo as próprias palavras de Hilbert, tudo que pode ser motivo do pensamento científico recai, desde que se integre na estrutura de uma teoria, sob o domínio da axiomática e, portanto, da matemática. É que toda a teoria, segundo ele, é edificada sobre os indemonstráveis (axiomas). Por isso, a suspeita com relação à garantia do conhecimento a priori.

A criação do sistema especulativo, entretanto, é uma atividade puramente estética que não se submete a preceitos racionais. Nada disso porém deverá impedir-nos de reter, apenas os axiomas arbitrariamente escolhidos dos que se mostram mais fecundos no curso do pensamento e do raciocínio abstrato. Desta forma, são a experiência e razão (não o empirismo ou o

424 racionalismo) que devem constituir o critério para o julgamento crítico do valor de nossas proposições.

A especulação filosófica, como vimos, exige o exercício do bom senso. Urge estarmos sempre alerta para não cairmos na mitificação do conhecimento.

Fonte de Consulta CANABRAVA, E. Elementos de Metodologia Filosófica. São Paulo, Editora Nacional, 1956. São Paulo, 18/02/1996

= = = >> O Método e o Ensino de Filosofia A função da escola é "passar" o saber, o que requer continuidade. O assunto de hoje deve estar ligado ao de ontem, o de amanhã ao de hoje, e assim por diante. Depois de um dado período de tempo, temos o resultado, que é o acréscimo de conhecimento ao estoque inicial que o aluno possuía. Para que um conteúdo seja transmitido, fala-se em método de ensino. Contudo, não existe um único método de ensino; há, sim, pluralidade de métodos. Um método eficaz, numa determinada situação, pode ser um anti-método em outra. O círculo, considerado como o mais democrático dos métodos de ensino de filosofia, pode ser objeto de controle muito mais acentuado do que a aula magistral. Depende muito mais das pessoas que o usam do que dele propriamente dito. Suponha que o professor facilitador esteja imbuído de ideologias, de planos velados de controle. Quem poderá afirmar que, usando o círculo, será mais democrático? Há que se distinguir entre o que o professor é e o método que ele usa. Ensinar filosofia pressupõe estabelecer limites entre o que se sabe e o que não se sabe, que em Sócrates é a tomada de consciência de nossa ignorância. Assim sendo, o que mais conta é o diálogo. É na perspectiva de olhar o outro como igual a nós mesmos que poderemos estabelecer uma relação contínua de ensino e aprendizagem. Respeitando o aluno, o professor poderá "passar" a sua matéria, porque poderá criar um círculo de amizade e amor. E, se hoje, assistimos aos mais variados tipos de violência nas escolas é porque a relação entre professor e aluno não está embasada no amor e no respeito. Krishnamurti já nos dizia que se o mundo é violento é porque todos nós o somos individualmente. Observe que o controle da navegação

425 das crianças na Internet é uma forma velada de violência. Não podendo convencer pelo diálogo, os responsáveis partem para a força, para o desamor. No ensino, há necessidade de um mestre. O mestre insere-nos numa doutrina; depois, nos tornamos mestres e inserimos outros discípulos, e assim sucessivamente. Isso não deve ser uma mera repetição, pois cada um, além de receber ensinamentos do seu mestre deve se fazer mestre de si mesmo. Observe o procedimento num Centro Espírita conceituado. Chegando ao mesmo, somos instruídos por aqueles que chegaram antes. Entramos em contato com eles e seguimos as suas orientações. Depois de algum tempo, somos nós a encaminhar outros frequentadores. A função do mestre não é somente ensinar, mas criar condições para que o educando potencialize as suas virtualidades. Para isso, precisa despertar-lhe o interesse pelas coisas novas, a fim de adquirir uma nova visão de mundo.

= = = >> O Método Socrático-Agostiniano Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona, escreveu diversas obras. Confissões (400) e A Cidade de Deus (426) são as mais citadas. O livro Sobre a Potencialidade da Alma (De Quantitate Animae) foi escrito em 388, na cidade de Roma. Trata-se de um diálogo entre o professor Agostinho e o aluno Evódio, ambos batizados quase ao mesmo tempo por Santo Ambrósio. A conversa entre os dois mostra a confiança que Santo Agostinho depositou em seu aluno Evódio que, na época, era ainda incipiente na arte de argumentar. Sobre a Potencialidade da Alma é uma tentativa de Santo Agostinho responder às cinco perguntas formuladas por Evódio: De onde se origina a alma? O que ela é (qualis sit)? Como ela é (quanta sit)? Como se une ao corpo? Como procede unida ao corpo, e quando separada dele? Ao longo das perguntas e respostas, Santo Agostinho vai paulatinamente construindo um vasto conhecimento sobre a relação entre a alma e a matéria. No momento, interessa-nos muito mais o método adotado por Santo Agostinho do que os ensinamentos veiculados acerca da alma e da matéria. O método utilizado por Santo Agostinho é o mesmo de Sócrates, ou seja, de perguntas e respostas. Sua intenção é desenvolver a capacidade intelectual de Evódio. Em uma dessas conversas, Santo Agostinho diz a Evódio: "Não seja escravo da autoridade alheia, principalmente a minha que não vale nada. Oriente-se pela racionalidade, jamais pelo medo". Para exemplificar o conteúdo doutrinal dessa frase, ele cita o poeta Horácio, que diz: "Atreva-se a saber". Em outras palavras, ele incentiva o aluno a não ficar preso à autoridade alheia, mas à autoridade da razão. É um verdadeiro treino retórico, chamado por Santo Agostinho de circuitum

426 nostrum (círculos concêntricos), uma série de perguntas e respostas acerca de um determinado tema. Há a tese, a antítese, o jogo de oposições ou de contrários e o uso de figuras geométricas. Quer com isso levar o aluno a utilizar a indução e a dedução, cujo fim último é a busca da verdade. Para ele, o melhor método é aquele que faz o aluno pensar, que o obriga a andar com os próprios pés e que o incentiva a usar o raciocínio lógico. Para atingir tal objetivo, ele exige a total atenção do seu discípulo. O livro se desenvolve neste emaranhado de perguntas e respostas. No final, contudo, mostra-se o grande pensador que é, concluindo-o de forma magistral, em que não há nem aluno e nem professor, mas um discurso profundo sobre os vários graus da ascese da alma humana. Isso foi bastante produtivo porque Evódio, mais tarde, faria parte da comunidade monacal fundada por Agostinho em Tagaste, sendo, também, nomeado e ordenado bispo de Uzala, na Numídia, em 396. Aproveitemos o momento presente para acrescentarmos novos conhecimentos ao nosso passivo espiritual. Não os deixemos para amanhã, pois o tempo perdido não se recuperará jamais. Fonte de Consulta AGOSTINHO, Santo. Sobre a Potencialidade da Alma (De Quantitate Animae). Tradução de Aloysio Jansen de Faria. 2.ed., Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

= = = >> Método Hipotético-Dedutivo. Método associado sobretudo à filosofia da ciência e enfatiza os méritos da falsificação. Na sua forma mais simples, propõe-se uma hipótese e deduzem-se dela certas consequências, que depois são testadas pelo confronto com a experiência. Se a hipótese for falsificada, aprendemos com a tentativa e ficamos em condições de produzir uma hipótese melhor... (3)

Método Maiêutico. Do grego maieutikos, o que age como parteira. O método maiêutico consiste extrair ideias por meio de perguntas; a imagem é a de que as ideias já existem na mente “grávida” do sujeito, mas precisam de um “parto” para se tornarem manifestas. (3) Método Socrático. Maneira de ensinar questionando e analisando mais do que transmitindo informações. O ensino efetivo combina ambos os métodos. O método socrático pode ser adequado para esvaziar por punção o know-how de artesões. Imagine o que um Sócrates poderia aprender acerca dos pormenores dos processos industriais se ele trabalhasse como engenheiro ou administrador de nível médio numa fábrica moderna. (2)

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Método Socrático (Sócrates c. 450 a.C.). Método de ensino que consiste em perguntas contínuas. Ao contrário dos grandes oradores sofistas de sua época e dos posteriores professores aristotélicos e acadêmicos, que disseminavam informação por meio de palestras cuidadosamente planejadas, Sócrates (470-399 a.C.) conversava com seu público individualmente e num nível pessoal, com uma série de perguntas. Essas perguntas eram projetadas para criar uma perspectiva reflexiva e principalmente cética em relação a diversas ideias filosóficas, políticas e religiosas. Em um caso bem conhecido — retirado do diálogo de Platão Mênon (380 a.C.) —, Sócrates usou seu método para "ensinar" a um garoto escravo não educado uma série de postulados euclidianos, incluindo o teorema de Pitágoras. A suposição central subjacente à abordagem de Sócrates era que o conhecimento é inato — nós não adquirimos novas informações; o que ocorre é que a educação nos faz lembrar daquilo que já sabemos. O método socrático foi relegado na Idade Média pela popularidade de oradores clássicos como Aristóteles e Cícero o que levou a uma pedagogia cada vez mais centrada em palestras conhecida como "modelo acadêmico" (também chamada "educação bancária", visto que pressupõe que o conhecimento pode ser "depositado" no aluno assim como o dinheiro no banco). Outro revés se deu no século XVII com a ascensão do empirismo, a visão de que viemos ao mundo como "tabulas rasas" e devemos obter conhecimento por meio da experiência. O empirismo implica que o inatismo não existe e, portanto, desafia a pedagogia baseada no conceito. A questão da eficácia do método socrático ainda recebe atenção de pesquisadores da área da educação. Alguns afirmam que o método restringe o aprendizado e gera agressão. Outros respondem que, assim como todos os métodos de ensino, o socrático pode ser abusado, mas quando bem usado pode ser eficaz. O método socrático ainda é usado com frequência em escolas de direito, costume muito bem retratado no filme O homem que eu escolhi (1973). (4)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. (4) ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.

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Metodologia Metodologia. O estudo geral do método nos diversos domínios particulares de investigação: ciência, história, matemática, psicologia, filosofia, ética Obviamente, qualquer um desses domínios pode ser abordado com maior ou menor êxito, e de uma maneira mais ou menos inteligente. Assim, é tentador considerar que se existe uma maneira de investigar que conduz à verdade, então existe uma maneira correta de investigar, que conduz à verdade de um modo logicamente seguro. A tarefa do filósofo de uma disciplina seria, assim, a de revelar seu método correto e a de desmascarar suas imitações. Embora esta crença esteja por detrás de muita da filosofia positivista da ciência, hoje são poucos os filósofos que a defendem; ela deposita demasiada confiança na possibilidade de uma "filosofia primeira" puramente a priori, ou seja, de um ponto de vista que está além do ponto de vista daqueles que trabalham nas disciplinas particulares em causa, e a partir do qual os seus melhores resultados possam ser avaliados como bons ou maus. Esse ponto de vista apresenta-se hoje a muitos filósofos como uma fantasia. Uma tarefa mais modesta para a metodologia é investigar os métodos que de fato foram adotados em áreas diferentes nas diversas fases históricas da investigação, com o objetivo não tanto de criticar, mas de sistematizar os pressupostos de um domínio de investigação particular numa determinada época (ver também epistemologia naturalizada). Existe ainda um papel para as disputas metodológicas locais, que decorrem numa comunidade de investigadores de um fenômeno: uma das abordagens em disputa acusa a outra de não ser correta ou científica; mas, segundo a concepção moderna, a lógica e a filosofia não proporcionam um arsenal independente de armas para essas batalhas, que na verdade chegam mais a parecer tentativas políticas de se ascender numa disciplina. (1) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Dúvida Metódica ou Hiperbólica Metódica (ou Hiperbólica), Dúvida. Do grego hyperbolé, exagero, excesso. Qualificação dada por Descartes à dúvida radical, também chamada de metafísica e “fingida”, geral e universal, pela qual, uma vez em sua vida, de modo teórico e provisório, o homem precisa desfazer-se de todas as suas opiniões anteriores a fim de ter condições de “estabelecer algo de firme e de certo nas ciências”. Descartes a chama de “hiperbólica” porque trata como absolutamente falso tudo aquilo que é duvidoso e porque rejeita universalmente, como sempre enganador, aquilo pelo qual ele foi algumas vezes enganado. Os graus dessa dúvida vão do conhecimento sensível às matemáticas, ao sonho e, enfim, à ação do gênio maligno. (1) Este é o método usado por Descartes nas duas primeiras Meditações, para investigar o alcance do conhecimento e o seu fundamento na razão ou na experiência. O método procura colocar o conhecimento sobre um fundamento seguro e, para esse efeito, somos convidados a suspender os nossos juízos sobre qualquer proposição cuja verdade possa ser questionada, ainda que unicamente como uma possibilidade remota. Os critérios

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para o que pode ser aceito tornaram-se aos poucos mais instintivos, à medida que somos convidados a duvidar do que nos é dado pela memória, pelos sentidos e até pela razão, porque tudo isso pode nos enganar. Esse processo acaba sendo dramatizado pela figura do gênio maligno, ou malin génie, cujo objetivo é nos enganar, de tal modo que nossos sentidos, lembranças e raciocínios nos conduzem sempre ao erro. O propósito, então, é encontrar um ponto de certeza que esteja a salvo do gênio maligno, o que Descartes formulou no famoso “Cogito ergo sum”: “Penso, logo existo.” É a partir dessa estreita base que o uso correto das nossas faculdades deve ser restabelecido, mas parece que, desse modo, Descartes não fica com qualquer material com que possa reconstruir o edifício do conhecimento. Descartes tem uma base, mas não tem como construir seja o que for sobre ela sem invocar princípios que não estejam a salvo do gênio maligno, e que por isso não satisfazem os critérios que, aparentemente, impôs a si mesmo. É possível afirmar que Descartes usa as “ideias claras e distintas” para demonstrar a existência de Deus, cuja benevolência justifica depois o nosso uso das ideias claras e distintas (“Deus não é enganador”): Este é o célebre círculo cartesiano. A atitude do próprio Descartes perante esse problema não é muito clara: por vezes, parece estar mais interessado em construir um corpo estável de conhecimento que as nossas faculdades naturais apoiarão, e não um corpo de conhecimento que obedeça aos critérios mais severos com que começou. No segundo conjunto da Respostas, por exemplo, Descartes rejeita a possibilidade da “falsidade absoluta” do nosso sistema natural de crenças, defendendo o nosso direito de reter “qualquer convicção tão firme que seja incapaz de ser destruída”. A necessidade de adicionar uma crença natural como esta a seja o que for que a razão assevere acabou se tornando o fundamento da filosofia de Hume, e está na base de muitas das reações à dúvida metódica do século XX. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

Milagre Milagre. Do latim miraculum, prodígio, maravilha; de mirari, admirar-se. 1. Fato extraordinário, inesperado e inexplicável pelas leis naturais. Fenômeno excepcional que ocorre por força da ação direta de Deus e, por esse motivo, possui um significado religioso especial. "As coisas feitas por Deus, fora das causas por nós conhecidas, são chamada milagres" (Tomás de Aquino). 2. Tradicionalmente, a discussão filosófica acerca da ocorrência de milagres envolve dois problemas inter-relacionados: a) se Deus continua a intervir diretamente no mundo após a sua criação; b) se o caráter necessário das leis naturais se aplica também a Deus, ou se Este pode alterá-las. Segundo Hume, é impossível justificar racionalmente os milagres, uma vez que a crença em sua ocorrência depende exclusivamente da fé. (1)

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Acontecimento extraordinário, direta ou indiretamente realizado por Deus, com a intenção de despertar a atenção do homem a respeito da ordem sobrenatural da salvação. (2) Milagre. Um evento que elude (evita) todas as leis, conhecidas e desconhecidas, sendo realizado por um ser sobrenatural ou com ajuda de um ente assim. Os milagres são impossíveis, segundo o princípio de legalidade, que é subjacente a toda ciência fatual e tecnologia. Daí a regra metodológica: Se um fato parece miraculoso, investigue-o até desvendar a lei subjacente ou o mecanismo social. Por exemplo, procure artifícios ocultos em estátuas que choram ou sangram, e por processos fisiológicos pouco conhecidos em curas milagrosas e nos feitos de iogues.(3) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Mistério Mistério. a) O que é inexplicado, mas que nos deixa perplexo e incita à investigação ou à fuga. Há, no mistério, sempre um matiz de emotividade, do contrário seria sinônimo de desconhecido, inexplicável, o que não é. b) Na linguagem popular, indica tudo o que é ocultado, e que só é conhecido de um ou poucos, que guardam segredo. c) Nas religiões antigas, era o conjunto de práticas, dos ritos e das doutrinas secretas que se davam à parte do culto popular e legal, reservado apenas aos iniciados. d) Diz-se, ainda, de tudo quanto está oculto por um símbolo, que o aponta, mas também o encobre; aponta-o aos iniciados e encobre-o aos profanos. e) Também se emprega para significar tudo quanto é de difícil solução. Diz-se, também, do que está além da mente humana, do conhecimento humano. Os sete mistérios, os sete véus de Ísis, os sete arcanos, as sete fundamentais aporias da filosofia etc. (1) Mistério. 1. Na religião grega, certas cerimônias rituais que eram mantidas em segredo em relação a toda a gente, menos os devidamente iniciados. 2. A missa, nas igrejas católica e ortodoxa. 3. Na teologia cristã, artigo de fé para além da compreensão humana, como, por exemplo, a Trindade. (2) Mistério. Em geral, tudo o que é humanamente incompreensível ou de que não temos conhecimento, adequado ou perfeito. Derivado do grego ____ (fechar os olhos e a

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boca), o termo mistério significava originalmente uma realidade oculta e secreta da qual não era permitido falar. No helenismo antigo, utilizado no plural, designava propriamente o culto e os ritos de certas religiões reservados aos iniciados (____ de iniciar nos mistérios): estão neste caso os mistérios órficos, os mistérios de Dioniso, de Elêusis, de Serapis, de Adônis, de Mitra etc. Em seguida, certamente por virtude das imagens e dos termos próprios das técnicas de iniciação, ____ passou a designar metaforicamente toda a realidade, religiosa ou não, de conhecimento difícil ou mesmo impossível. Evidentes analogias frequentemente observadas entre práticas religiosas e a meditação filosófica levaram Platão a introduzir na sua filosofia concepções e fórmulas mistéricas, como p. ex., quando compara a subida para a contemplação do ser real e da resplandecente beleza do ser divino (Fedro, 249-250b) a um autêntico rito de iniciação. Por este e outros lugares vê-se claramente que os mistérios já não são ritos sagrados, mas ideias e doutrinas cuja verdade, escondida embora, pode ser compreendida por aqueles que não se poupam à disciplina e aos esforços por ela exigidos. Aqui a iniciação é o caminho que tem de percorrer a inteligência humana para chegar à plenitude da contemplação. Este entendimento do mistério como sabedoria ou doutrina da união da alma com o divino, iniciado por Platão, irá conhecer uma longa história, através de Fílon de Alexandria e do neoplatonismo, o há-de levar até aos grandes místicos da Idade Média. De natureza ritual e cultural que antes era, o conceito de mistério assume cada vez mais forma e caráter ontológico a indicar não já o que não convém proclamar mas aquilo que por sua mesma natureza é inefável ou indizível. E mais tarde estender-se-ia do domínio religioso e filosófico para o domínio profano, a significar até, por analogia, segredos de ordem pessoal e familiar. Desde muito cedo que mistério faz parte do vocabulário cristão, a significar inicialmente os acontecimentos fundamentais da vida de Jesus, particularmente o seu nascimento e morte, bem como as figuras e os acontecimentos do Antigo Testamento que, num sentido alegórico, prefiguram "mistérios do Logos" (São Justino, Apologia, I, 13; Diálogo, 74, 91). Logo que o conceito grego de mistério se alterou, a partir, sobretudo, da teologia alexandrina e do neoplatonismo, foram entendidas como mistérios todas as grandes verdades da religião cristã. Conduzida por Cristo, na sua função de mistagogo, o gnóstico cristão terá de passar por iniciação nos pequenos mistérios (como por exemplo a doutrina sobre a criação do mundo) antes de chegar à iniciação nos grandes mistérios da comunhão com o Logos celeste e do conhecimento da Trindade (Cl. de Alexandria, Strómata, 4,3,1). Daqui o aproveitamento analógico da terminologia dos mistérios pagãos, p. ex., nas Catequeses mistagógicas de São Cirilo de Jerusalém, a propósito, designadamente, do Batismo e da confirmação, e, mais tarde na Mistagogia de São Máximo, o Confessor, meditação doutrinal sobre a liturgia eucarística. Mas a noção de mistério cristão, tal como foi introduzido e descrito pelos Padres da Igreja tem a sua origem não nos mistérios da religiões pagãs, mas em São Paulo, que, por sua vez, a recolheu da Bíblia e, mais propriamente, dos Livros da Sabedoria e do Apocalipse. Com efeito, o mistério paulino é o segredo da sabedoria de Deus, o seu desígnio de salvação universal, inacessível à inteligência humana, e que Ele revela quando e a quem lhe apraz. A epístola dos Efésios aprofunda esta noção, mostrando na Igreja o cumprimento do "mistério da vontade divina", a "economia do mistério oculto

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em Deus desde toda a eternidade", no qual se revelam todas as dimensões da caridade divina num conhecimento que excede toda a humana capacidade (3, 9-19). Enquanto os mistérios do paganismo não passam de uma simples projeção da fecundidade da vida cósmica que sem cessar morre e renasce, do mesmo modo que os deuses não passam de uma personificação mítica dos poderes da terra e do céu, os mistérios cristãos celebram os desígnios do amor criador e salvífico de um Deus que se fez homem para salvar todos os homens, comunicando-lhes a sua própria vida imortal. O mistério apresenta-se, deste modo, como o além de todos os problemas: o que nele se dá é o absolutamente Insolúvel, a Luz inacessível na qual se encerram e esclarecem todos os problemas. Inteligíveis em si mesmos e para a inteligência divina, os mistérios cristãos podem sernos comunicados por revelação. E, uma vez revelados, é possível demonstrar que não são absurdos e que o seu sentido pode ser apreendido ainda que por simples analogia e de uma maneira muito imperfeita. Como observa Blondel, existem no mistério, mesmo antes da fé, aspectos que não deixam a razão indiferente ou totalmente cega; e na fé existem aspectos que a meditação e a experiência esclarecem parcialmente. De resto, as verdades reveladas dirigem-se à inteligência a solicitar a sua adesão não de um modo cego ou irracional, mas por um ato de fé razoável, enquanto apoiado em motivos de credibilidade que revelam e garantem extrinsecamente a sua verdade. Em termos estritamente filosóficos, G. Marcel estabelece uma antinomia entre problema e mistério: o problema é de natureza impessoal e objetivo, capaz de obter solução que o suprime como total; o mistério, pelo contrário, é pessoal e não objetivável, na medida em que o próprio sujeito nele se encontra necessariamente comprometido de tal modo que só existe a alternativa de o rejeitar ou aceitar (cf. G. Marcel). O mistério não só não limita a razão, mas constitui, por assim dizer, o seu horizonte último enquanto base de nossa existência espiritual. Sem se deixar reduzir ou absorver pela razão - essencialmente capacidade de abertura e de acolhimento -, o mistério aparece à experiência transcendental que o espírito tem de si mesmo como o termo indizível e jamais atingido do seu próprio dinamismo. (3)

Mistagogia. Do grego ____, iniciação ou interpretação dos mistérios. Pertence ao vocabulário das religiões mistéricas clássicas e, nesse sentido, pode encontrar-se em Plutarco, Jâmblico, Proclo. Passa para os textos do Cristianismo primitivo, que tenta expressar a Revelação cristã em termos de uma cultura pagã, aplicando por vezes terminologias oriundas dos cultos e dos ritos do paganismo, embora com sutis e inevitáveis alterações de sentido. No Cristianismo, acentua-se o caráter mistérico das verdades reveladas, já que ultrapassam as capacidades da razão para as estabelecer só por si. Daí a ligação intrínseca de mistagogia, mistério e mística, traçando a ideia da comunicação voluntária e amorosa de Deus ao homem e, paralelamente, a exigência de uma iniciação. A dualidade escondido/revelado aparece como essencial ao mistério e à própria mistagogia. A ele se liga a noção de transcendência divina, que, acentuando a limitação do espírito e do agir humanos, salvaguarda sempre o essencial do mistério - inatingível na sua totalidade, apesar das sucessivas e diversas revelações - e revela a precariedade e a relatividade de todas as mitagogias.

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Tratada abundantemente por São Paulo, a ideia de mistério e a da sua iniciação centrase em Cristo - mediador e revelador -, cumpre-se na Igreja e nos seus membros, e implica uma mística que origina uma iluminação especial, que envolve e ultrapassa o cristão desencadeando um movimento de aperfeiçoamento e transformação espiritual... Se a finalidade do mistério para o homem é o de ser revelado, apreendido mediante uma iniciação no plano do conhecimento, do agir e do amor, implica sempre não só a disposição do homem, mas a comunicação, como dom do divino, na inacessibilidade. Daí a gradação de toda a mistagogia desde o conhecimento pela fé à experiência mística. A iniciação do crente no mistério de Deus, como o acentuam todos os grandes autores de Justino a Orígenes, Gregório de Nissa, Agostinho, escapa assim a toda e qualquer técnica de ordem psicológica ou ascética. (3) (1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário). (3) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

Mística Mística. Do grego mystica, de myo, "eu fecho" os olhos, para me ensimesmar no meu íntimo. Ao contrário do conhecimento objetivante, base da ciência empírica (v. empirismo) e racional, as vivências místicas são uma forma de experiência psicológica, puramente subjetiva, por intuição ou "vidência espiritual", de natureza afetiva-extática, irracional. O místico vive o "numinoso", o contato e fusão do próprio Eu com o Ser absoluto, o Todo, o Cósmico, Deus. O estado de êxtase acompanha-se de um estreitamento da consciência com eliminação e desinteresse por todos os estímulos e pelo mundo exterior real. A vivência do Alter ego, pela sua origem extra-consciente afigura-se como estranha ao próprio, vinda de fora, sobrenatural, divina. Na Teologia Católica, as palavras misticismo, mística e mistério evocam a idéia de alguma coisa de secreto, que escapa mais ou menos à razão clara e não pode ser claramente divulgado ou expresso. S. Tomás define-o como "uma vista simples e afetuosa de Deus ou da coisas divinas". (1) = = = >>

Misticismo, Algumas Anotações Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Misticismo. 3. O Retiro do Mundo. 4. A Mística dos Grandes Pensadores. 5. A Mística Marxista e a Mística Cristã. 6. As Doutrinas Espiritualistas. 7. O Modelo Místico e o Espiritismo. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada

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1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é analisar alguns aspectos do misticismo. Para tanto verificaremos seu conceito, a mística dos grandes pensadores, o retiro do mundo e um pequeno comentário à luz dos princípios codificados por Allan Kardec. 2. CONCEITO DE MISTICISMO Etimologicamente provém de mística - do grego mystica, de myo, "eu fecho" os olhos, para me ensimesmar no meu íntimo. Ao contrário do conhecimento objetivante, base da ciência empírica e racional, as vivências místicas são uma forma de experiência psicológica, puramente subjetiva, por intuição ou "vidência espiritual", de natureza afetiva-extática, irracional. O místico vive o "numinoso", o contato e fusão do próprio Eu com o Ser absoluto, o Todo, o Cósmico, Deus. O estado de êxtase acompanha-se de um estreitamento da consciência com eliminação e desinteresse por todos os estímulos e pelo mundo exterior real. A vivência do Alter ego, pela sua origem extra-consciente afigura-se como estranha ao próprio, vinda de fora, sobrenatural, divina. Na Teologia Católica, as palavras misticismo, mística e mistério evocam a idéia de alguma coisa de secreto, que escapa mais ou menos à razão clara e não pode ser claramente divulgado ou expresso. S. Tomás define-o como "uma vista simples e afetuosa de Deus ou da coisas divinas". (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) 3. O RETIRO DO MUNDO O retiro do mundo marca o modo e vida dos religiosos. Hugo de São Vitor distinguia cinco graus ascéticos: primeiro, lectio ou doutrina; segundo, a santa meditação; terceiro, a oração; quarto, a operação; quinto, a contemplação. Em França, no século XVII, fundase o Oratório, uma instituição religiosa, cujo objetivo era não uma Doutrina Comum mas uma tendência comum para a vida interior e mística, concedendo aos seus adeptos a liberdade mais completa de reverenciar Deus. (Mendonça, 1975) 4. A MÍSTICA DOS GRANDES PENSADORES A iluminação súbita pode ser verificada pesquisando a biografia dos grandes pensadores. O filósofo Sócrates que viveu no século V a. C. teve seu insight depois de uma visita que fizera ao Oráculo de Delfos, quando, a partir daí, passou a ensinar o conteúdo da autoconsciência do homem. René Descartes (1596-1650) teve sonhos que lhe indicaram sua missão divina: construir o método para a nova ciência. O íntimo da maioria dos grandes pensadores mostra essa relação com o divino. 5. A MÍSTICA MARXISTA E A MÍSTICA CRISTÃ Pode-se dizer que a tônica fundamental da mística marxista é construída pela meta da justiça plena e igualitária entre todos os homens, tendo por instrumento a luta de classes, que deve superar a trágica situação presente. E os cristãos, que a adotam, pretendem fazer coincidir essa tônica com a mística cristã, na medida em que esta também implica uma rejeição deste mundo submerso no pecado, um compromisso com os pobre abandonados e um sacrifício generoso pela justiça e o amor entre os homens. Acontece que elas não se sustentam por muito tempo, pois a vivência de dois absolutos revela-se impossível no longo prazo. Não se pode servir a dois senhores. Isto porque a vivência mística, que não se reduz a idéias, implica em sentimentos e atitudes que dificilmente podem ser conciliados, a não ser em casos mais extremos de obsessão e fanatismo. A coincidência entre a mística marxista e a mística cristã pode ser vista na opção em favor dos pobres diante dos opressores, a opção pelos que nada têm contra os que têm tudo em abundância. A divergência, no entanto, é grande. A mística cristã enfatiza o desapego em relação aos bens; a mística marxista centra toda a marcha da história no fator econômico. A mística

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cristã organiza a luta da pessoa consigo mesma; a marxista a organiza contra os inimigos. A mística cristã chega até à loucura do perdão aos inimigos; a marxista não só não perdoa, como também excita as paixões belicosas, para poder exterminar o adversário. (Idígoras, 1983) 6. AS DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS Basicamente existem duas Tradições Místicas, quais sejam, a Tradição Oriental e a Tradição Ocidental, representadas pela AMORC - Antiga e Mística Ordem Rosacruz e a S.T. - Sociedade do Brasil (Internacional), onde ambas afirmam as mesmas coisas e o que as distingue são apenas as "perfumarias" próprias de cada uma. (Milhomens, 1997, p. 91) Deolindo Amorim em O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas compara os pontos afins e os convergentes entre todas elas, inclusive, reportando-se à Umbanda e outras formas de manifestação mediúnica. Transcrevamos alguns trechos deste livro: "O Espiritismo não adotou a reencarnação simplesmente porque esta crença já existia no Oriente; e tanto isto é exato, que o Espiritismo não aceitou certos dogmas reencarnacionistas admitidos em grupos orientais. Um deles, como se sabe, é o da transmigração da alma através de corpo animal". (1989, p. 33) "A doutrina Rosacruz, que é uma doutrina secreta, das mais recuadas na história do Espiritualismo, tem os seus símbolos, as suas cerimônias, os seus conceitos, a sua maneira, enfim, de explicar o infinito imanifesto, os sete planos da consciência, a alma do mundo, e assim por diante... A doutrina secreta dos Rosacruzes utiliza o simbolismo para explicar os problemas atinentes à alma e à reencarnação, enquanto o Espiritismo, aproximando-se mais da mentalidade ocidental, procura sempre desvendar os mistérios do Espírito humano. Seus ensinos, por isso mesmo, não têm simbolismo". (1989, p. 33 e 34) Utiliza-se do método teórico experimental "Para o perispírito, por exemplo, que é um elemento de muita significação na Doutrina Espírita, elemento já demonstrado objetivamente, a Teosofia tem uma classificação complexa, com divisões entre corpo astral, corpo mental e corpo causal". (1989, p. 36) "A linguagem da Cabala, que é outra grande fonte das doutrinas secretas, também não coincide com os termos espíritas. A concepção cabalística, em consonância com o pensamento de outras escolas ocultistas, admite a existência de espíritos elementais, isto é, uma categoria diferente, porque formada de espíritos que habitam os chamados quatro elementos: fogo, ar, terra e água". (1989, p. 40) 7. O MODELO MÍSTICO E O ESPIRITISMO Como interpretar o modelo do pensamento místico à luz do Espiritismo? No capítulo I de A Gênese, Allan Kardec trata do problema da revelação divina. Diz-nos que a revelação direta de Deus não é impossível, porém faz-nos entender que a revelação é feita através da mediunidade, ou seja, pelos Espíritos mais próximos de Deus que pela perfeição se imbuem do seu pensamento e podem transmiti-lo. O codificador do Espiritismo pretende, ao analisar o caráter da revelação espírita, desmistificar a facilidade da obtenção do conhecimento divino. Diz-nos que a revelação espírita é de origem divina e da iniciativa dos Espíritos, sendo sua elaboração fruto do trabalho científico do homem. Procede da mesma forma que as ciências naturais: observa, formula hipóteses e tira conclusões. 8. CONCLUSÃO Como a maioria dos "ismos" torna-se um termo pejorativo, é preciso optar pelo misticismo verdadeiro, pois este sempre parte do princípio de que não podemos desenvolver fora de Deus o ser que Dele recebemos. 9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA AMORIM, D. O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas. 4. ed., Rio de Janeiro, Léon Denis, 1989. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d. p. IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983.

436 KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1976. MENDONÇA, E. P. O Socratismo Cristão e as Origens da Metafísica Moderna. São Paulo, Convívio, 1975. MILHOMENS, N. O Misticismo à Luz da Ciência. São Paulo, IBRASA, 1997.

São Paulo, junho de 2000 << = = = Mística e Espiritismo A mística - do grego mystica, de myo, eu calo, é o termo utilizado para retratar a atividade que produz o contato da alma individual com o princípio divino. O modelo do pensamento místico é baseado no retiro de mundo, ou no desligamento das coisas do mundo e no da união com Deus para receber suas luzes. A iluminação súbita pode ser verificada pesquisando a biografia dos grandes pensadores. O filósofo Sócrates que viveu no século V a. C. teve seu insight depois de uma visita que fizera ao Oráculo de Delfos, quando, a partir daí, passou a ensinar o conteúdo da autoconsciência do homem. René Descartes (1596-1650) teve sonhos que lhe indicaram sua missão divina: construir o método para a nova ciência. O íntimo da maioria dos grandes pensadores mostra essa relação com o divino. O retiro do mundo marca o modo e vida dos religiosos. Hugo de São Vitor distinguia cinco graus ascéticos: primeiro, lectio ou doutrina; segundo, a santa meditação; terceiro, a oração; quarto, a operação; quinto, a contemplação. Em França, no século XVII, funda-se o Oratório, uma instituição religiosa, cujo objetivo era não uma Doutrina Comum mas uma tendência comum para a vida interior e mística, concedendo aos seus adeptos a liberdade mais completa de reverenciar Deus. Como interpretar o modelo do pensamento místico à luz do Espiritismo? No capítulo I de A Gênese, Allan Kardec trata do problema da revelação divina. Diz-nos que a revelação direta de Deus não é impossível, porém faz-nos entender que a revelação é feita através da mediunidade, ou seja, pelos Espíritos mais próximos de Deus que pela perfeição se imbuem do seu pensamento e podem transmiti-lo. O codificador do Espiritismo pretende, ao analisar o caráter da revelação espírita, desmistificar a facilidade da obtenção do conhecimento divino. Diz-nos que a revelação espírita é de origem divina e da iniciativa dos Espíritos, sendo sua elaboração fruto do trabalho científico do homem. Procede da mesma forma que as ciências naturais: observa, formula hipóteses e tira conclusões. Algumas seitas pregam a vida de isolamento e o voto de silêncio. Os Espíritos superiores, referindo-se à Lei de Sociedade, advertem-nos o seguinte: se o indivíduo se isola com a finalidade de melhorar a sociedade em que vive, é meritório; se , ao contrário, é para fugir do contato humano, é condenável, pois implica na satisfação do egoísmo.

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A missão do Espiritismo é libertar a consciência do indivíduo, projetando-lhe a luz da razão. O Espírita necessita do isolamento, do silêncio e da reflexão, contudo, deve certificar-se de que esse estado de espírito esteja sendo encaminhado para a melhoria de si mesmo e do meio em que habita. São Paulo, 15/10/1993

= = = >> (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]

Mito Mito. Do grego mythos significa discurso, narrativa, boato, legenda, fábula, apólogo. A palavra "mito" possui diversas acepções. Entre nós, é frequentemente utilizada com o sentido pejorativo: uma narração fabulosa e fictícia, contrária à verdade. Nesse sentido, "mito" equivale a engano, falsidade. Essa interpretação corresponde a uma mentalidade racionalista, para qual somente a razão é capaz de expressar a verdade. Hoje, no entanto, essa visão simplista está inteiramente superada, pois sabemos que muitos dos conhecimentos mais profundos e misteriosos são de tipo inconsciente e simbólico. Em sentido mais profundo, entende-se por "mitos" as descrições religiosas antigas, que expressam os modelos, os arquétipos da ação humana através dos atos originários dos "deuses" nos diversos campos. Nesse sentido, os mitos são narrações sagradas primitivas, dotadas de grande autoridade e normatividade para a vida humana. (1) = = = >>

Mito-Logos SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. O Mito: 4.1. “Mitos com Criação” e “Mitos sem Criação”; 4.2. O Sentido Figurado do Mito; 4.3. Mito e Subconsciente. 5. A Razão: 5.1. Enquanto Faculdade; 5.2. Enquanto Objeto de Conhecimento; 5.3. A Razão não Cria. 6. O Mito e o Logos: 6.1. Evolução Linear do Mito à Razão; 6.2. Fronteira entre o Mito e o Logos; 6.3. O Mito-Logos do Cristianismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O tema mito-logos sugere-nos algumas questões: qual o significado de mito? E de logos? Logos é sinônimo de razão? Como relacionar mito e logos (razão)? O racionalista age sempre pela razão? Qual a influência do emocional, do fantasioso e do quimérico em nossas atuações diárias? 2. CONCEITO Mito. A palavra mito tem um sentido próprio e um sentido vulgar. Vulgarmente, a sua noção está associada à idéia de alucinação, delírio, fantasia difícil de se realizar. Propriamente falando, a dimensão mítica do ser humano está vinculada à construção de sentido, sentido este que procura uma explicação para as suas necessidades vitais. Uma dessas necessidades refere-se à criação do mundo e dos seres humanos.

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Logos. Nome atribuído a Jesus Cristo, peculiar ao Evangelho de João. Deus considerado como razão, a fonte das ideias na filosofia antiga, e em particular entre os estóicos, como criador que penetra todas as coisas. Verbo divino. Para os propósitos de nosso estudo, logos significa simplesmente razão. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os mitos nascem pelo medo ao desconhecido. O ser humano, não sabendo explicar a origem da vida e do mundo, cria o mito. Este lhe dá tranqüilidade à desordem interna. O mito foi a primeira forma de acesso ao conhecimento. Somente depois é que veio a razão. Pode-se dizer que o mito fundamenta-se na imaginação; a razão, na explicação racional. Há dois mil anos na Grécia antiga, o ser humano começou a questionar o mundo externo, não pela via mítica, mas pela via da razão, pela explicação racional das coisas. Na antiguidade, o nascimento da filosofia – que dava ênfase ao logos – tinha por objetivo desconstruir a visão mítica – fantasiosa – do mundo. O dualismo se fez presente. Assim sendo, o mito é atraso, a filosofia traz o progresso; o mito é treva, a filosofia é luz; o mito é obscuro, a filosofia é clara; o mito é a ignorância, a filosofia o saber; o mito é imobilismo, a filosofia representa o progresso histórico; o mito é simbologia, a filosofia constrói argumentos. A verdade, porém, é que há uma (co) implicação mito-logos. O ser humano é um misto de fé e de razão, de imaginário e de racional. Se dermos muita atenção ao sentimento, prejudicaremos a razão; se dermos muita atenção à razão, poderemos cair na mesma armadilha em que caiu Descartes, ao afirmar que é pela razão que conhecemos a Deus. O pensamento correto seria: somente depois de sentirmos Deus dentro de nós é que teremos condições de analisá-Lo à luz da razão, e não o contrário. Antes de ser racional, o ser humano é afetivo. 4. O MITO 4.1. “MITOS COM CRIAÇÃO” E “MITOS SEM CRIAÇÃO” Os mitos podem ser divididos em “mitos com Criação” e “mitos sem Criação”. Nos “mitos com Criação”, admite-se o surgimento do Universo num tempo zero. Nesse caso, o Universo pode ter sido criado por Deus, emergido do Vazio absoluto, ou surgido da tensão entre a Ordem e o Caos. Exemplo: a criação bíblica, descrita em Gênesis, 1, 1 a 5. Nos “mitos sem Criação”, não se admite um tempo zero. Nesse caso, o Universo existe e existirá para toda a eternidade ou o Universo será continuamente criado e destruído, em um ciclo que se repete para sempre. Exemplo: o Universo pulsante do hinduísmo, no qual a Criação surge e ressurge ciclicamente através da dança do deus Xiva. 4.2. O SENTIDO FIGURADO DO MITO O mito adquiriu ao longo do tempo e, mais precisamente na vida hodierna, um sentido figurado, ou seja, evoca a narração fabulosa e fictícia, contrária à verdade. Equivale a engano, falsidade. Essa interpretação corresponde a uma mentalidade racionalista, para qual somente a razão é capaz de expressar a verdade. Alguns exemplos: o mito do progresso ininterrupto, o mito marxista da vitória dos oprimidos, o mito do socialismo da cidade ideal, o mito do super-homem com a sua vitória sobre o espaço e o tempo, o mito da raça pura etc. 4.3. MITO E SUBCONSCIENTE Os mitos estão de tal forma arraigados em nosso subconsciente que, qualquer esforço para expulsá-los, acaba incorrendo em novas formas míticas. Atraímos para nós o que combatemos. Façamos uma analogia com o professor de português, que comete os mesmos erros que combate nos outros. Embora haja enormes dificuldades para suplantar o mito, o trabalho – passar do mito à razão – iniciado pelos gregos, há 2.500 anos, deve ser enfatizado. Estejamos sempre atentos neste empreendimento.

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5. A RAZÃO 5.1. ENQUANTO FACULDADE A razão é uma faculdade de raciocinar discursivamente, de combinar conceitos e proposições. Para Descartes, é a faculdade de “bem julgar”, ou seja, de discernir o bem do mal, o verdadeiro do falso. Conhecimento natural enquanto oposto ao conhecimento revelado, objeto da fé. Sistema de princípios a priori cuja verdade não depende da experiência. Faculdade de conhecer diretamente o real e o absoluto, por oposição àquilo que é aparente ou acidental. (Lalande, 1993) 5.2. ENQUANTO OBJETO DE CONHECIMENTO Princípio de explicação, o que dá conta de um efeito. É a relação entre causa e efeito, o porquê dessa ligação. Seu sentido original está ligado à expressão “livro da razão”, em que se registram de um lado as receitas e do outro as despesas, para depois dar conta. Razão é aquilo que permite dar conta. Em sentido mais amplo, razão seria a atividade do espírito, que se fundamenta: na especulação, na sistematização do conhecimento e na ordem prática, a sistematização da conduta. (Lalande, 1993) 5.3. A RAZÃO NÃO CRIA Fundada na intuição intelectual generalizadora, a razão de per si não cria; ela é sintetizadora. Falta-lhe, assim, o papel poiético, o papel criador. Nesse sentido, é vicioso o pensamento racionalista que parte de um conhecimento racional aceito prioristicamente. Por outro lado, é fundamental o papel da razão que atua a posteriori, classificando, ordenando, condensando os dados da realidade. (Santos, 1966) 6. O MITO E O LOGOS 6.1. EVOLUÇÃO LINEAR DO MITO À RAZÃO A tese da evolução linear do mito à razão não só é historicamente inexata como também não consegue explicar certos fenômenos culturais complexos. No caso extremo, o mito é rebaixado a uma fábula sem valor. É preciso ponderar sobre a dialética mytho/logos, pois já se afirmou que o homem é um ser mítico. Quer dizer, trazemos jungidos ao nosso psiquismo os condicionamentos das diversas narrativas fantasiosas e dos feitos das divindades do politeísmo. 6.2. FRONTEIRA ENTRE O MITO E O LOGOS A fronteira entre o mytho e o logos não é percebida com facilidade. Nesse sentido, a astrologia e as demais pseudociências do universo acabaram caindo no mito que combatiam. Vindas para desmoronar o sacrifício das religiões oficiais, terminam criando o cosmo como um grande Anthropos, um homem cuja inteligência reside no movimento eterno e harmônico das esferas celestes, cujos olhos correspondem ao Sol e à Lua e a cujos pés jaz a matéria, num jogo sutil de correspondências regido por um único tema que varia até o infinito. (Enciclopédia Einaudi) 6.3. O MITO-LOGOS DO CRISTIANISMO O mytho/logos do cristianismo primitivo apresenta uma novidade: o logos se divinizou e ao mesmo tempo se personalizou a ponto de coincidir com a própria pessoa do fundador. Observe que o mito da Trindade provindo das grandes religiões da Antigüidade – como vemos na trindade egípcia formada por Osíris, Ísis e Horus – deu à Igreja a possibilidade de incluir o Cristo na Mitologia Cristã como a segunda pessoa de Deus, de maneira que a Igreja, fundada pelo Cristo segundo a interpretação católico-romana, podia se apresentar como instituição divina do próprio Deus em pessoa. (Enciclopédia Einaudi) 7. CONCLUSÃO Transformemos a simbologia do mito em uma explicação racional. Vejamos o mito da criação bíblica, em que Deus, do pó da terra, fez o primeiro homem, Adão. Depois de moldá-lo, soprou-lhes a narina e deu-lhe vida. Explicação: o húmus da terra recebeu o sopro divino e se tornou homo. Em outros termos, a matéria (húmus) necessita do sopro

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(Espírito) para ter vida. A Doutrina Espírita acrescenta o Perispírito, elemento semimaterial próprio para a união entre Espírito e Matéria. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA GIL, F. (Editor). Enciclopedia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1985-1991. LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. = = = >> O Mito e a Desmitologização Mito - do gr. Mythos - discurso, narrativa, boato, legenda, fábula, apólogo. Originariamente, o termo significava uma narrativa fantasiosa da genealogia e dos feitos das divindades do politeísmo registrados nas teogonias. Aos poucos, o termo se foi carregando de novos sentidos. Sociologicamente, é a narrativa imaginária de origem popular: "os mitos cosmogônicos". Historicamente, é a exposição de uma doutrina sob a forma de narrativa alegórica: "os mitos platônicos". Vulgarmente, é a dramatização das grandes aspirações frustradas do grupo : "mito da greve geral". Dado o caráter soteriológico e escatológico do mito, muitas vezes acabamos confundindo-o com a utopia. A utopia é uma condição da mente que especula inteligentemente sobre o futuro. Platão e Tomas More fazemno ao discorrerem sobre o estado ideal de uma sociedade. O mito, por outro lado, exprime o instinto profundo de uma classe inferiorizada. É nesse sentido, que o "mito da greve geral", acima citado, é defendido pelos socialistas revolucionários e sindicalistas com o intuito de instaurar a revolução social. A Bíblia, no sentido estrito do termo, não contem mitos, pois as teogonias (origem dos deuses) ou teomaquias (luta dos deuses) estão superadas pela presença do Deus criador único. No entanto, num sentido menos estrito, podemos falar dos mitos contidos na Bíblia: sobretudo os onze primeiros capítulos do "Gênesis" utilizaram esse gênero literário para descrever a condição humana, a origem do pecado e a rebelião dos homens contra Deus. Nesses capítulos, vemos Deus criando Adão do barro, falando com os animais e emprestando aos frutos o poder mágico da tentação. O poder do mito é tão intenso que todo o esforço de desmitolização acaba incorrendo em novas formas míticas. É o mito do progresso ininterrupto, o mito marxista da vitória dos oprimidos, o mito do socialismo da cidade ideal, o mito do super-homem com a sua vitória sobre o espaço e o tempo etc. Os mitos expressam a vivência humana em um nível de profundidade que o pensamento lógico é incapaz de refletir. Por essa razão, a psicologia recorre ao mito para descrever situações básicas da condição humana. Como exemplo, temos o estudo do complexo de Édipo, o narcisismo, a

441 oposição entre eros e tanatos etc. A desmitologização é uma necessidade para a vivência religiosa moderna. Contudo, deve ser empreendida de modo ponderado, a fim de se buscar, por detrás da narração mitológica de caráter cosmogônico, o seu autêntico significado existencial. Aquilo que nos mitos ocorre no espaço e no tempo, não é outra coisa do que a expressão da vivência profunda do ser humano em suas camadas mais profundas e do sentido último de sua existência. Ponderemos ingenuamente sobre o mito. Exercitando-nos dessa forma, vamos compreendendo o psiquismo humano e descobrindo os verdadeiros matizes de uma vivência religiosamente profunda. Fonte de Consulta IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983. São Paulo, 22/12/1996.

= = = >> O Mytho e o Logos A tese da evolução linear do mito à razão não só é historicamente inexata como também não consegue explicar certos fenômenos culturais complexos. No caso extremo, o mito é rebaixado a uma fábula sem valor. É preciso ponderar sobre a dialética mytho/logos, pois já se afirmou que o homem é um ser mítico. Quer dizer, trazemos jungidos ao nosso psiquismo os condicionamentos das diversas narrativas fantasiosas e dos feitos das divindades do politeísmo. Platão, na Antiguidade, parte da narrativa mítica para fundamentar o seu logos filosófico. Criava uma situação utópica, principalmente nas suas teses políticas, a fim de explicar uma realidade efetiva. Aristóteles, por outro lado, exclui a narração mitológica, enfatizando que a razão do filósofo, o logos, manifesta-se através das suas próprias estruturas discursivas: a argumentação, o raciocínio, a ordem lógica da demonstração. A fronteira entre o mytho e o logos não é percebida com facilidade. Nesse sentido, a astrologia e as demais pseudociências do universo acabaram caindo no mito que combatiam. Vindas para desmoronar o sacrifício das religiões oficiais, terminam criando o cosmo como um grande Anthropos, um homem cuja inteligência reside no movimento eterno e harmônico das esferas celestes, cujos olhos correspondem ao Sol e à Lua e a cujos pés jaz a matéria, num jogo sutil de correspondências regido por um único tema que varia até o infinito. O mytho/logos do cristianismo primitivo apresenta uma novidade: o logos se divinizou e ao mesmo tempo se personalizou a ponto de coincidir com a própria pessoa do fundador. Observe que o mito da Trindade provindo das grandes religiões da Antigüidade - como vemos na trindade egípcia formada por Osíris, Ísis e Horus - deu à

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Igreja a possibilidade de incluir o Cristo na Mitologia Cristã como a segunda pessoa de Deus, de maneira que a Igreja, fundada pelo Cristo segundo a interpretação católicaromana, podia se apresentar como instituição divina do próprio Deus em pessoa. A ciência e o mito se degladiam, mas nem sempre com muita razão. A ciência pelo seu próprio objeto, que é baseado nos fatos e nas comprovações estatísticas, acaba desmitificando o mito. Acontece que a ciência elabora apenas com o sensível. Ignora que a narração, o mito, é um instrumento de expressão certamente diferente da argumentação lógica do logos, mas no fim o mito não é menos lógico, não é menos racional, nem está menos ligado a uma exigência e a um projeto de conhecimento. A ambígua conexão do mito com uma dimensão temporal não pode nos tirar o ensejo de penetrar-lhe na sua profundidade. Vejamo-lo sem preconceitos e poderemos lançar-nos no campo mais vasto de nossa compreensão espiritual.

Fonte: GIL, F. (Editor). Enciclopedia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional, 1985-1991. São Paulo, 30/4/1998

Complemento (julho de 2009): Mythologein

No livro, A República, a articulação entre o mythos e o logos é tamanha, que Platão usa o verbo mythologein para expressar essa junção. Há, assim, o mito propriamente dito, como é o caso do mito do anel de Giges, e formulações míticas completamente misturadas com o discurso argumentativo, como é o caso do mito da caverna. Mythologein é verbo intraduzível. Todas as figuras emanadas deste verbo servem para um aprofundamento do pensamento, pois tudo o que aí é dito dirige-se à inteligência no seu nível mais elevado.

O livro I, de A República, desdobra-se na intenção de responder à questão: “o que é justo?”. Tem como objetivo, no meio de toda a mistura do mythos/lógos obter a unidade. Céfalo, o anfitrião da conversa filosófica, sabe perfeitamente o que é justo. Achava-se leve e preparado para a morte. Mas esse sentimento de leveza diante da morte é como se fosse um mito: diante da morte não importa parecer justo, mas sê-lo. Eis o um: ser e não parece ser. Mas o que é o um? O que é o ser? O que é o parecer ser? Depois da confusão, este questionamento requer um esclarecimento, que Platão dará em forma de uma demonstração do bem.

Platão parte de uma analogia entre o bem e o Sol. É a descrição do mito da caverna. Não o faz para facilitar o tema, mas para aprofundá-lo. Há dificuldade de se entender os homens presos no fundo da caverna. Sua compreensão requer uma reconstrução da visão do ser humano: é o próprio ser humano que tem que se ver como homem livre ou como escravo. Contudo, o ser humano deverá fazer um esforço de se deslocar do lugar que está para um nível de mais compreensão, para o Sol.

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Para Platão, a transformação da criança em adulto não é tarefa fácil. Por isso, em cada etapa do caminho há a confusão entre o ser e o parecer ser. É por isso que tomamos os sonhos pela realidade. Vemos como crianças, quando deveríamos ver como homens maduros. Mas, para vermos como homens maduros devemos aprender, pois para os gregos o logismós, o discernimento, é o primeiro estado do aprender e é quando e onde começa a vir a ser homem. Suportar a clareza do Sol é que mostra a diferença entre o ser e o parecer ser. Os gregos tinham a convicção de que só quem aprende é que pode ensinar. Por isso, eles acreditavam que somente os filósofos, que percorreram o rude caminho da aprendizagem até o Sol, eram os seres capacitados a ensinar.

BOCAYUVA, Izabela. Para uma Nova Interpretação do Relacionamento entre Mito e Logos na Origem da Filosofia. In: MEES, Leonardo, PIZZOLANTE, Romulo (Orgs.). O Presente do Filósofo: Homenagem a Gilvan Fogel. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.

= = = >> Mito, Mística e Espiritismo Em sentido próprio, o mito significa uma fábula arquitetada pela fantasia humana para personificar entidades do espírito ou da natureza; a mística, a união do homem com Deus. Em sentido figurado, o mito é a atribuição de um valor absoluto a uma entidade relativa; a mística, representa uma dedicação passional a essa entidade.

Hodiernamente, os mitos e a mística são tomados no sentido figurado. Para bem entender a sutileza desta significação, devemos situar os mitos entre a realidade objetiva e a fantasia. A realidade objetiva mostra o que a coisa é independentemente da observação do sujeito; a fantasia, sendo uma criação mental, distancia-se da realidade. Em outras palavras, os mitos atribuem um valor à realidade: eles não são como a verdade, que descobre valores.

Em termos filosóficos e políticos, há que se considerar o existencialismo, o marxismo e o liberalismo. O existencialismo, por exemplo, atribui um valor absoluto à existência atual, negligenciando as vidas passadas; o marxismo convida-nos a conquistar a justiça e a igualdade através da luta de classes; esquecem-se de que somos desiguais e por isso precisamos de níveis diferentes de renda; o liberalismo apoiando-se na espontaneidade deixa que cada um aja de acordo com a subjetividade de sua consciência; esquecem-se de que devemos agir de acordo com a consciência bem formada.

444 Em termos práticos, temos o enriquecimento, a tecnologia, o sexo, cultura e a religião. Somos impelidos a enriquecer e ter posição de destaque; caso não consigamos, somos desprezados pelos que o conseguiram. A tecnologia possibilitou ao homem o domínio da natureza; trouxe, porém o inconveniente de colocar a técnica acima de Deus. O sexualismo foi uma reação contra o puritanismo; descambou, contudo, para o sexo descontrolado. A cultura desenvolveu a inteligência humana; deslocou, entretanto, os atributos da inteligência e da potência divina, para a criação humana. A religião desenvolveu a crença em Deus; criou, contudo, uma idolatria que deturpou os sentimentos mais nobres da verdadeira mística.

O Espiritismo não contém mitos, pois foi estruturado através do método teórico-experimental. Contudo nós, os espíritas, criamos muitos deles, entre os quais citamos: 1) o mito do mentor - quando aceitamos passivamente as determinações dos nossos mentores sem o cuidado de analisar racionalmente a mensagem transmitida; 2) o mito do trabalho forte quando nos deixamos governar pela ilusão, aceitando que um trabalho espiritual, por exemplo, o de desobsessão é infinitamente superior ao trabalho de palestra evangélica; 3) o mito da pureza doutrinária - quando só consultamos os livros da codificação, negligenciando os ensinamentos trazidos pelos diversos médiuns espalhados pelo mundo todo.

Disponhamo-nos a ver o Espiritismo como ele é e não como gostaríamos que fosse. Se deixarmos de lado o nosso ponto de vista, não só nos libertaremos dos mitos como também adquiriremos uma vasta cultura espiritual.

Fonte de Consulta LIMA, A. A. O Existencialismo e Outros Mitos do Nosso Tempo. 2. ed., Rio de Janeiro, Agir, 1956 (Obras Completas XVIII) São Paulo, 21/01/2001

= = = >> Mito e Ritualismo Moderno

O mito pode ser visto no seu sentido próprio e no seu sentido figurado. Em seu sentido próprio, representa o esforço do homem para compreender o mundo e a si mesmo. São as descrições religiosas antigas, que expressam os modelos, os arquétipos da ação humana através dos atos originários dos "deuses" nos diversos campos. Em seu sentido figurado, evoca a narração

445 fabulosa e fictícia, contrária à verdade. Nesse sentido, "mito" equivale a engano, falsidade. Essa interpretação corresponde a uma mentalidade racionalista, para qual somente a razão é capaz de expressar a verdade.

Dizemo-nos racionais e, muitas vezes, não percebemos o quanto de religioso, de mitológico e de ritual há em nossas ações mais triviais. Observe a nomenclatura dos dias da semana: todos os nomes foram retirados da mitologia. O domingo vem de Sol; segunda-feira, da Lua; terça-feira, de Marte; quarta-feira, de Mercúrio; quinta-feira, de Júpiter; sexta-feira, de Vênus; sábado, de Saturno. Além do mais, para cada um dos dias há uma simbologia ligada ao sistema planetário em questão.

A explicação científica dos mitos começa com o antropólogo inglês Friedrich Max Müller (1823-1900) que considera os mitos como descrição poética de fatos da natureza (tempestades, terremotos etc.). A Antropologia moderna prefere a teoria da Claude Lévi-Strauss, que reconhece nos mitos o reflexo de determinadas estruturas sociais dos povos primitivos. Na Renascença, Voltaire escreveu o seu Édipo (1718) para denunciar, por alusão, o poder do clero na França. No século XX, registra-se surpreendente ressurreição dos enredos e personagens mitológicas gregas. O complexo de electra, por exemplo, é retratado nas obras de Hugo von Hofmannsthal (1903) e Robinson Jeffers.

O fundamentalismo expressa não só o ritualismo como também o fanatismo. Mas o que é o fundamentalismo? Toda e qualquer doutrina ou prática social que busca seguir determinados "fundamentos" tradicionais geralmente baseados em algum livro sagrado ou práticas costumeiras. Todo o fundamentalismo tende a uma absolutização do "eu" em detrimento do "outro". Observe a globalização americana: se os povos não a aceitarem "tecnicamente", os americanos apelam para o combate armado. Lembremonos da caça ao Osama Bin Laden e Saddan Hussein.

A religião do individualismo é outro ponto a ser levantado. Esta religião está bem conectada com o capitalismo. A pessoa busca a satisfação do seu "eu", mesmo que para isso seja necessário pisar o seu próximo. Temos que ter riqueza e desfrutar do progresso econômico. A enorme discrepância na distribuição de renda pouco nos importa. Há também a agravante do ritualismo da descrença, ou seja, além de não respeitarmos a crença dos outros, acabamos não tendo crença alguma, caindo no materialismo exacerbado, tão prejudicial ao relacionamento entre as pessoas.

446 Procuremos usar a razão, mas sem sufocar os ímpetos da emoção e da intuição. É nas raízes da inspiração divina que obtemos a força moral para continuarmos a nossa tarefa neste mundo de provas e expiações. São Paulo, 23/04/2004

<< = = = Mitologia. Do grego fábula, lenda significa conjunto de mitos. Originariamente era o estudo sistemático dos mitos, que significavam uma narrativa fantasiosa da genealogia e dos feitos das divindades do politeísmo registrados nas teogonias. Como narrações imaginosas, distinguiam-se dos escritos propriamente históricos, pelo fato de não se enquadrarem dentro das coordenadas do espaço e do tempo histórico. Aos poucos, o termo se foi carregando de novos sentidos, entre os quais notamos os mais importantes: 1.º) explicações populares, espontâneas, isto é, não racionais, nem científicas dos fenômenos do mundo físico e social. Por exemplo: os raios são dardos flamejantes com que o deus do céu, Júpiter Tonante, descarrega a sua ira sobre a Terra; 2.º) a projeção, muitas vezes dramatizada, das grandes aspirações do grupo. Assim, um povo oprimido pela fome, cria mitos sobre uma era dourada de fartura e de paz. (2)

Mitomania. 1. Psicop. Tendência a elaborar mentiras extraordinárias como sendo verdadeiras. 2. Hábito de mentir ou fantasiar frequentemente. (3) Do grego mythos, relato, fábula, e mania, loucura. Tendência consciente, frequentemente constitucional, que um indivíduo possui de mentir, fabular ou simular de um modo mais ou menos vaidoso, maligno e perverso: “A mitomania é o resultado da persistência, no adulto, da atividade mítica infantil” (Dupré). (4)

Mito da Linha. Alegoria dos estados de compreensão exposta na República de Platão (VI, 509-11), imediatamente antes da famosa Alegoria da caverna. Ao fundo está o mundo das imagens, conhecido apenas pela eikasia. Os objetos dos sentidos são conhecidos pela pistis ou opinião; os objetos matemáticos e científicos pela dianoia ou raciocínio; e, no topo, as formas são conhecidas pela noêsis. (5) Mito. Uma história ou modo de ver sabidamente falsa, mesmo que tenham sido na origem inventados de boa-fé para explicar alguma coisa. Exemplos: os mitos da origem do mundo e da moralidade, da superioridade de certas raças e dos benefícios universais da ditadura comunista ou do capitalismo desenfreado. Os inimigos da democracia, desde Platão e Nietzsche até Mussolini e Hitler, têm sustentado que o homem comum necessita de mitos ou "mentiras nobres" para viver. Os humanistas promovem o estudo científico, portanto não mítico, dos mitos, quer novos quer antigos, para remover não só obstáculos à pesquisa como para defender a democracia. (6)

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(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (2) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (3) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (4) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (5) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. (6) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Mônada Mônada. Do latim tardio, monas, do grego monás, unidade. 1. Termo de origem provavelmente pitagórica, usado na filosofia antiga para designar os elementos simples de que o universo é composto. Platão aplica o termo mônada às ideias ou formas. 2. Este conceito é retomado ao início do pensamento moderno (Nicolau de Cusa, Giordano Bruno), vindo a ter um papel central na metafísica de Leibniz. Para Leibniz, “a mônada é uma substância simples que faz parte das compostas; simples quer dizer sem partes (...) ora, onde não há partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade possível. E as mônadas são os verdadeiros átomos da natureza, em uma palavra, os elementos de todas as coisas.” (1) Monalologia ou monadismo. Teoria das mônadas, ou teoria que adota o conceito de mônada como conceito central. Erdmann adota esse termo como título da obra de Leibniz escrita em 1714, e por ele publicada em 1840. O termo era, entretanto, empregado já desde o séc. XVIII para designar a teoria das mônadas de Leibniz. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Monismo Monismo. Doutrina segundo a qual o Ser - que apresenta apenas uma multiplicidade aparente - procede de um único principio, é reconduzido a uma única realidade: a matéria ou principalmente o espírito. Citemos, por exemplo, o monismo mecanicista

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dos materialistas do século XVIII ou o monismo espiritualista e dialético de Hegel (a tese e a antítese superam-se numa síntese superior), ou ainda o panteísmo de Spinoza. (1) Filos. Designa-se pela palavra monismo todo o sistema filosófico que considera o conjunto das coisas como substância, quer do ponto de vista das leis (ou lógicas, ou físicas), pelas quais são regidas, quer, finalmente, no ponto ponto de vista moral. (2) O monismo vê um onde o dualismo vê dois. O fisicalismo é a doutrina que defende que tudo o que existe é físico, e é um monismo aquilo que contrasta com o dualismo mentecorpo; o idealismo absoluto é a doutrina que sustenta que a única realidade consiste em modificações do Absoluto. Parmênides e Espinosa acreditavam que havia razões filosóficas para supor que só poderia existir um gênero de coisa real e autossuficiente. Ver também monismo neutro. (3) Monismo. Existe apenas uma substância ou um mundo, e a realidade é unica (cf. dualismo). (4)

Monismo Neutro. Doutrina proposta por James no ensaio "Does Consciousness Exist?" (1904, reedita em Essays in Radical Empiricism, 1912), segundo a qual a natureza é constituída por um certo tipo de substância indeterminada, que em si mesma não é física nem mental, mas que pode ter aspectos ou atributos físicos e mentais. Russel adotou essa doutrina por um breve período. (3)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Morte Morte. s.f. Ato de morrer. ADAG. "Contra a morte não há remédio". BIOL. e FISIOL. A morte apresenta-se como um estado terminal inexorável da evolução de toda a matéria viva. TEOSOF. Segundo as doutrinas teosóficas, a estadia no plano astral dos mortos vulgares pode durar apenas algumas horas ou atingir anos ou mesmo séculos, conforme o grau de evolução espiritual atingido durante a sua existência no mundo

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físico, o gênero de vida que levaram na Terra, os desejos que acalentaram e a espécie de matéria que atraíram para si. (1) Do lat. mortem. A morte é, antes de tudo, um fenômeno bio-fisiológico que, portanto, afeta todos os seres vivos corpóreos, e consiste na cessação da vida. Esta cessação manifesta-se pela extinção das atividades vitais: crescimento, assimilação e reprodução no domínio vegetativo; consciência e apetite sensoriais, juntamente com o movimento destes resultante, no domínio sensitivo. (2) No âmbito da Doutrina Espírita, é o desprendimento total do Espírito do corpo físico em conseqüência da ruptura do laço fluídico, que prende ou liga um ao outro, quando então há o falecimento.

= = = >>

Vida e Morte Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito: 2.1. Vida; 2.2. Morte. 3. Aspectos Históricos da Morte. 4. Caráter da Vida. 5. A Morte: Cultura e Religião. 6. O Binômino Vida Morte. 7. Expectativa da Vida Além da Morte. 8. O Temor da Morte. 9. Conclusões. 10. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O tema vida e morte comporta algumas questões: de onde viemos? Para aonde vamos? O que estamos fazendo aqui? Qual a essência da vida? Por

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que temos de morrer? Qual a causa dos sofrimentos? Tudo acaba com a morte? Ser ou não ser? 2. CONCEITO 2.1. VIDA Para Legrand, em seu Dicionário de Filosofia, não existe atualmente uma definição suficiente para totalizar os fenômenos (assimilação, crescimento e possibilidade de reprodução) que a experiência corrente classifique com o nome de vida. O problema da origem da vida ainda hoje continua a ser um tema ingrato assim como o da própria vida. À teoria religiosa da criação, o materialismo contradiz no século XX a idéia (não verificável) de uma "célula primordial", e outras diversas hipóteses (por exemplo, a panspérmia), segundo a qual "gérmens de vida" flutuariam permanentemente no Universo e chegariam à terra vindo de outros astros. (Legrand, 1982) Para Lalande, em seu Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia, a vida é um conjunto de fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e reprodução) que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou da produção do germe) até a morte. 2.2. MORTE Do lat. mortem - é a cessação da vida e manifesta-se pela extinção das atividades vitais: crescimento, assimilação e reprodução no domínio vegetativo; apetites sensoriais no domínio sensitivo. Sempre foi vista como mistério, superstição e fascinação pelo homem. No âmbito da Doutrina Espírita, é o desprendimento total do Espírito do corpo físico em conseqüência da ruptura do laço fluídico, que prende ou liga um ao outro, quando então há o falecimento. 3. ASPECTOS HISTÓRICOS DA MORTE Na Antigüidade prevalecia o sentimento natural e duradouro de familiaridade com a morte. Sócrates, por exemplo, ensinava-nos que a filosofia nada mais era do que uma preparação para a morte. Nas sociedades tribais, o problema da morte não existia porque o indivíduo tinha um peso muito diminuto com relação à coletividade. Deixando de viver, a pessoa imediatamente fazia parte da "sociedade dos mortos", inclusive, com a possibilidade de se comunicar com os vivos. Durante a Idade Média, marcada pela forte influência da religião, a população era educada no sentido de aceitar a morte como um destino inexorável dos deuses. Dentro desse contexto, cada qual esperava passivamente a sua passagem deste para o outro mundo. Além disso, esse período caracterizavase também pelo sentimento de respeito ao morto, inclusive com as cerimônias religiosas, a observância do tempo de luto, as visitas ao cemitério etc. Como as pessoas morriam em casa, as crianças podiam passar e brincar junto ao féretro, que geralmente ocupava o lugar mais destacado da casa. Na Idade Moderna, depois de Revolução Industrial, e com o desenvolvimento do consumismo, vemos que a morte começa a ser interdita, ou seja proibida. Como não temos mais tempo de cuidar dos velhos e dos doentes, deixamos essa incumbência para os hospitais, que estão preparados para salvar vidas e não cultuar a morte. Em certo sentido, a morte é um fracasso da medicina. Depois de morto, o defunto é encaminhado ao necrotério, onde se faz o velório. Tudo isso longe das crianças. Para elas diz-se que teve um sono duradouro e

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está descansando nos jardins do Éden. A sofisticação chega ao ponto de se criar o "Funeral Home", casa de embelezamento de cadáveres. (Aries, 1977) 4. CARÁTER DA VIDA Segundo Garcia Morente em Fundamentos da Filosofia, o primeiro caráter que encontramos na vida é o da ocupação. Viver é ocupar-se; viver é fazer; viver é praticar. É um por e tirar das coisa, é um mover-se daqui para ali. Porém, se olharmos com mais atenção, a ocupação com as coisas não é propriamente ocupação, mas preocupação. Preocupamo-nos, primeiramente, com o futuro, que não existe, para depois acabar sendo uma ocupação no presente que existe. Pelo fato de escolhermos, de termos um propósito, tanto vil como altruísta, nossa vida é não-indiferença. O animal, a pedra e o vegetal estão no mundo, mas são indiferentes. O ser humano não, ele tem que vivenciar a sua vida. A vida se interessa: primeiro, com ser, e segundo, com ser isto ou aquilo; interessa com existir e consistir. O movimentar-se refere-se ao tempo. Que é o tempo? Santo Agostinho já nos dizia que se não lhe perguntassem saberia o que era, mas quando lhe perguntam já não o sabia mais. Por isso, há que se considerar o tempo cronológico e tempo psicológico. Em se tratando da vida, temos de considerar o tempo psicológico, ou seja, considerar o presente como um "futuro sido". No tempo astronômico, o presente é o resultado do passado. O passado é germe do presente, mas o tempo vital, o tempo existencial em que consiste a vida, é um tempo no qual aquilo que vai ser está antes daquilo que é, aquilo que vai ser traz aquilo que é. O presente é um "sido" do futuro; é um "futuro sido". (1970, p. 308 a 311). 5. A MORTE: CULTURA E RELIGIÃO O Dr. Frank Mahoney, professor de Antropologia da Universidade do Havaí, mostrou a diferença entre a cultura americana e a da sociedade Micronésia, a dos Trukeses. Os americanos negam a morte e o envelhecimento; os habitantes das ilhas Truk (Pacífico) ratificam-na. Para estes a vida termina aos 40 anos de idade e a partir daí começa a morte. As religiões têm exercido poderosa influência nas "atitudes" dos indivíduos com relação ao passamento. No Catolicismo, há a imagem do fogo eterno queimando nossas entranhas; nas Doutrinas Orientais, a volta do Espírito em um corpo animal. Além da questão religiosa, há os erros de abordagem: tudo termina com a morte; imersão no desconhecido; excesso de preparação para o desenlace; dúvidas com relação à imortalidade e ilusão de sermos indispensáveis à família. 6. O BINÔMINO VIDA MORTE Sentido físico: ter um corpo e desaparecer com o corpo Sentido psicológico: a cada nova idade morre uma fase e nasce outra. O próprio nascimento já é uma morte, porque o bebê separou-se do ventre materno. Sentido filosófico: pensar criticamente está vivo; pensar dogmaticamente morto. Sentido religioso: a noção da vida eterna. Morrer para nascer de novo. Para que haja vida, temos de vivenciá-la integralmente. Será que estamos inteiros naquilo que estamos fazendo? 7. EXPECTATIVA DA VIDA ALÉM DA MORTE

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Os pensadores da humanidade desenvolveram, ao longo do tempo, três concepções de mundo: Materialista, Idealista e Religiosa. De acordo com essas concepções, construíram as diversas doutrinas. As mais importantes para o propósito de nossos estudos dizem respeito ao Niilismo, ao Panteísmo, ao Dogmatismo Religioso e ao Espiritismo. Para o Niilismo, a matéria sendo a única fonte do ser, a morte é considerada o fim de tudo. Para o Panteísmo, o Espírito, ao encarnar, é extraído do todo universal; individualiza-se em cada ser durante a vida e volta, por efeito da morte, à massa comum. Para o Dogmatismo Religioso, a alma, independente da matéria, é criada por ocasião do nascimento do ser; sobrevive e conserva a individualidade após a morte. A sua sorte já está determinada: os que morreram em "pecado" irão para o fogo eterno; os justos, para o céu, gozar as delícias do paraíso. Para o Espiritismo, o Espírito, independente da matéria, foi criado simples e ignorante. Todos partiram do mesmo ponto, sujeitos à lei do progresso. Aqueles que praticam o bem, evoluem mais rapidamente e fazem parte da legião dos "anjos", dos "arcanjos" e dos "querubins". Os que praticam o mal, recebem novas oportunidades de melhoria, através das inúmeras encarnações. (Kardec, 1975 p. 193 a 200) 8. O TEMOR DA MORTE Allan Kardec, no livro O Céu e o Inferno, trata exaustivamente do problema da morte. Diz-nos que o temor da morte decorre da noção insuficiente da vida futura, embora denote também a necessidade de viver e o receio da destruição total. Segundo o seu ponto de vista, o espírita não teme a morte, porque a vida deixa de ser uma hipótese para ser realidade. Ou seja, continuamos individualizados e sujeitos ao progresso, mesmo na ausência da vestimenta física. 9. CONCLUSÕES Não sejamos como espectadores de vitrine. Observemos, pensemos e tiremos as nossas conclusões: quem sabe não estamos agindo como se estivéssemos mortos diante da abertura espiritual que a vida nos concede a cada instante? 10. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ARIES, P. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos Dias. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977. GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares. 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970. KARDEC, A. O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. 22 ed., Rio de Janeiro, FEB, 1975. KARDEC, A. Obras Póstumas. 15. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1975. LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. [tradução de Fátima Sá Correia ... et al.]. São Paulo, Martins Fontes, 1993. LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. [Trad. de Armindo José Rodrigues e João Gama]. Lisboa, Edições 70, 1986.

São Paulo, julho de 2000. << = = = (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) BRUGGER, W. Dicionário de Filosofia. 3. ed. São Paulo: EPU, 1977.

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(3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Multiculturalismo, Preconceito e Discriminação Multiculturalismo. O multiculturalismo é um movimento que ocorre principalmente nos Estados Unidos e que tem como objetivo a elevação e valorização de meios formativos étnicos diferentes. Podemos observar esse movimento em currículos escolares que incluem as contribuições de pessoas não-brancas à história; no uso de várias línguas na vida pública (como nas cédulas eleitorais e em anúncios públicos); e em programas empresariais destinados a treinar gerentes para trabalharem mais eficientemente com trabalhadores de meios formativos variados. O multiculturalismo tem sido promovido como parte da solução a uma antiga opressão étnica e racial. Mas vem sendo criticado por conservadores como desvalorização do que consideram o núcleo fundamental dos padrões e da sabedoria atribuídos à civilização branca ocidental. Outros argumentam que, na verdade, constitui apenas uma maneria de desviar a atenção da desigualdade básica de riqueza e poder que o multiculturalismo pode disfarçar, mas pouco fazer para remediar. (1)

Contato cultural. Contato cultural é o que ocorre quando duas ou mais culturas entram em contato uma com a outra através de imagens na mídia, comércio exterior, imigração ou conquista, de modo que podem influenciar-se de várias maneiras. Com o processo de assimilação (conhecido também com aculturação), um grupo dominante pode impor com tanta eficiência sua cultura a grupos subordinados que estes se tornam virtualmente indistinguíveis da cultura dominante. Uma forma menor de assimilação ocorre quando recém-chegados a uma sociedade conformam-se externamente aos valores e normas vigentes como maneira de se adaptar à nova situação. É mais fácil para imigrante ter sucesso em seu país de adoção caso se conformem e aceitem a nova língua, usem a nova moeda e obedeçam às normas. Não renunciando inteiramente à cultura de origem, esses grupos formam a base do pluralismo cultural, através do qual culturas diferentes coexistem e mantêm certo grau de identidade separada. Além disso, a assimilação raramente é uma rua de mão única e a cultura de grupos dominantes também é afetada. O amálgama ocorre quando duas ou mais culturas fundem em uma única nova cultura que contém elementos de ambos, bem como alguns elementos inteiramente novos que representam a síntese das duas. O México, por exemplo, é um amálgama de culturas espanhola e americana nativa. (1)

Preconceito e discriminação. Em termos gerais, preconceito é a teoria da desigualdade racial, entre outras formas, e discriminação é a sua prática. Preconceito é uma atitude cultural positiva ou negativa dirigida a membros de um grupo ou categoria social. Como uma atitude, combina crença e juízos de valor com predisposições emocionais positivas ou negativas. Por exemplo, o racismo que brancos dirigem a negros e outras pessoas de cor inclui crenças estereotipadas sobre diferenças raciais em áreas como inteligência,

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motivação, caráter moral e habilidades diversas. Essas diferenças são então julgadas segundo valores culturais em detrimento das pessoas de cor e do status elevado dos brancos. Finalmente, elementos emocionais como hostilidade, desprezo e ternura completam a atitude, criando predisposição entre brancos para tratar negros de maneira opressora e para perceber sua própria categoria racial como socialmente superior. Considerando que pessoas de cor na Europa e nos Estados Unidos vivem na mesma cultura que brancos, o preconceito racial irá, de certa maneira, afetar o modo como eles percebem e avaliam a si próprios. Se julgarmos a importância de um preconceito por suas consequências sociais, então o preconceito acerca da raça ou gênero, o de etnia e outras minorias, é sociologicamente mais interessante. Tecnicamente, por exemplo, qualquer preconceito com base racial constitui racismo, assim como qualquer preconceito baseado no sexo é sexismo e qualquer preconceito baseado na etnia é etnicismo. Isso significa que o preconceito dirigido contra homens é sexista, assim como o preconceito dirigido por negros contra brancos é racista. Uma objeção a essa visão é a de que consequências do preconceito dirigido a minorias são bastante diferentes daquelas de preconceitos dirigidos a grupos dominantes pelas minorias, em geral como auto-defesa. O primeiro sustenta e perpetua a opressão social. O último, contudo, tem consequências relativamente triviais para membros de grupos dominantes uma vez que estes têm acesso à informação. Além disso, têm a prerrogativa, em função de sua condição como membros do grupo racialmente dominante, de pleitear garantias. Por essa razão, alguns sociólogos argumentam que assim como minorias podem sofrer preconceitos do mesmo modo como aqueles que as dominam, conceito como racismo e sexismo deveriam ser reservados para preconceitos cuja função ideológica fosse justificar a opressão social. O preconceito é sociologicamente importante porque fundamenta a discriminação, o tratamento desigual de indivíduos que pertencem a um grupo ou categoria particular. Quando o tratamento desigual toma forma de abuso, exploração e injustiça sistemáticos, então torna-se opressão social. Porém, nem toda discriminação baseia-se no preconceito. Nos Estados Unidos, por exemplo, ação afirmativa é uma política governamental segundo a qual grupos como negros e mulheres que carregam uma longa história de preconceitos e discriminação são ativamente sondados como candidatos a empregos, contratos governamentais e admissão nas universidades. Embora esse tipo de discriminação positiva venha provocando bastante controvérsia, geralmente tem tido pouco efeito na distribuição total de homens, mulheres, negros e brancos entre as ocupações. (1) (1) JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: Guia Prático da Linguagem Sociológica. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Mundo Mundo. A noção filosófica articula-se em torno de dois sentidos fundamentais. Por um lado, designa o conjunto das realidades materiais que constitui o cosmos ou o universo e, num sentido mais restrito, o sistema planetário terrestre (daí a expressão: pluralidade dos mundos). Por outro lado, aplicada ao homem, a noção remete aos fenômenos da

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consciência como na expressão o mundo interior, por oposição ao mundo exterior dos objetos perceptíveis pelos sentidos. (1) Do latim mundus. 1. Na concepção clássica, o mundo é o sistema harmônico composto pela Terra e os astros, podendo esta noção ser generalizada para outros sistemas análogos que se suponham existentes. Em uma acepção geográfica, mais restrita, o mundo é a Terra, incluindo suas diferentes partes, o “velho mundo”, o “novo mundo”; ou também pode caracterizar um período histórico, o “mundo antigo”. Em sentido mais amplo, o mundo é tudo aquilo que existe, o próprio universo; ou ainda a Criação, o mundo como criado por Deus. Por extensão, o termo pode ser aplicado a um domínio específico do real. Ex.: o mundo físico, o mundo humano etc. Ver cosmo 2. Mundo sensível. Realidade material, constituída pelos objetos da percepção sensorial; mundo da experiência. Especialmente em Platão, o mundo sensível opõe-se ao mundo inteligível, do qual é copia. Ver dualismo. 3. Mundo inteligível. Mundo das ideias ou formas, em Platão entendido como tendo uma realidade autônoma, tanto em relação ao mundo sensível, do qual constitui o modelo perfeito, quanto ao pensamento humano, que no entanto o atinge pela dialética. 4. Mundo interior. No pensamento moderno, principalmente no racionalismo cartesiano, a consciência, a subjetividade, o pensamento, a mente, com suas ideias e representações, aquilo que pertence ao sujeito pensante, em oposição ao mundo exterior. 5. Mundo exterior, ou externo. A realidade material, objeto da percepção sensorial, considerada em oposição ao mundo interior. 6. Tanto em Platão quanto em Descartes, a doutrina da existência do mundo sensível, ou do mundo interior em oposição ao mundo exterior, consiste em uma concepção dualista, que supõe a realidade como constituída por duas naturezas distintas radicalmente, opostas e irredutíveis. A principal dessas doutrinas será explicar a relação entre essas duas naturezas. (2) Bibl. Na linguagem bíblica, emprega-se a palavra mundo para designar a Terra ou em sentido mais geral, o conjunto da criação. Filos. Pela palavra Mundo entende-se o conjunto, a totalidade das coisas existentes, ou seja, tudo o que é ou pode ser revelado à nossa experiência; e por isso mesmo ocorre que com o aumento dos nossos conhecimentos a palavra Mundo, do significado restrito que tinha nos remotos tempos indicativo do conjunto de todas as coisas visíveis com referência particular à Terra, assumiu uma acepção cada vez mais vasta de maneira a compreender também todos os objetos celeste cuja existência é revelada por qualquer modo. (3)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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(2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

Natural / Artificial Natural/Artificial. As coisas naturais, ao contrário das artificiais e feitas, vêm à existência e persistem independentemente dos humanos. Os próprios seres humanos são em parte naturais e em parte artificiais, pois são feitos e feitos por si quer biológica quer socialmente. Daí a severa limitação do naturalismo no sentido estrito. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Natureza Natureza. 1. Mundo físico, especialmente aquele em que o ser humano habita e que existe sem sua intervenção. 2. Conjunto de elementos (mares, montanhas etc.) que

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constituem o mundo natural. 3. Paisagem formada por esses elementos. 4. Conjunto das características originais de um indivíduo, animal ou coisa: natureza felina. 5. Conjunto de tendências ou instintos que orientam a conduta a conduta e constituem a essência de algo: natureza agressiva de um povo. 6. Conjunto de características peculiares que definem um elemento num grupo ou um grupo entre outros; caráter, tipo, espécie: problemas de naturezas diversas.7. Condição do que é selvagem, primitivo. 8. A genitália masculina ou feminina. (1) Natureza. 1. Aquilo que possui em si mesmo um princípio de movimento e de fixidez (Aristóteles). 2. Sinônimo de essência: conjunto das propriedades que definem uma coisa. Ex.: "a essência ou a natureza da alma é a de pensar" (Descartes). 3. Tudo aquilo que, num ser, é inato e espontâneo. 4. Conjunto do reino mineral, vegetal e animal considerado como um todo submetido a leis. (2) Natureza. Conjunto de todos os seres de que se compõe o Universo e dos fenômenos que nele se produzem. (3)

Estado de Natureza. Referindo em geral a um primeiro estado da humanidade, a expressão tem um sentido teológico ou filosófico. Em teologia, estado da humanidade que não teria sido elevado ao estado sobrenatural, em oposição ao estado de graça (natureza corrompida pelo pecado), ou às vezes, de maneira diferente, a natureza do homem antes da queda. Em Filosofia, a fórmula que se opõe à estado civil designa a situação fictícia do homem antes do surgimento da sociedade, e é então utilizada como ferramenta crítica por certos filósofos (Hobbes, Locke, Rousseau), que se apresentam com censores da sociedade moderna. (4) Figura Ilustrativa (4)

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Sinonímia:

(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) REZENDE, A. (Org.). Curso de Filosofia: para Professores e Alunos dos Cursos de Segundo Grau e de Graduação. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. (3) Enciclopédia Barsa Universal (4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

A Navalha de Occam Navalha de Ockham (ou Occam). A expressão é mais conhecida do que o próprio nome Guilherme de Ockham (ou Occam, em latim). A ideia é usar uma navalha para cortar fora partes desnecessárias de um argumento, de modo a chegar ao que é essencial

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- na verdade, seria mais fácil pensar em um descascador de batatas.... Assim, quando você se deparar com argumentos conflitantes que parecem igualmente válidos, escolha aquele que se baseia no menor número de premissas e pode ser reduzido ao máximo. O princípio também é conhecido como Lei da Parcimônia, embora talvez fosse melhor substituir "parcimônia" por "concisão", pois a ideia pode ser resumida da seguinte forma: em geral, a melhor solução é a mais simples. (1) (1) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Neo-X Neo-X. Uma doutrina inspiradora X. Exemplos: neoplatonismo, neopitagorismo, neotomismo, neokantismo, neo-hegelianismo, neomarxismo, neopositivismo. Uma característica de todos os neo-ismos é que cada um deles está constituído por escolas rivais que pretendem ser as herdeiras legítimas da doutrina inicial. Muitas dessas pretensões concorrentes são plausíveis devido às ambiguidades existentes nos escritos originais, e por ser a fidelidade aos textos o único critério de exatidão utilizado — mais do que, digamos, a compatibilidade com a ciência da época. Todo neo-ismo tem sido uma tentativa de superar algumas das dificuldades que perseguem o ismo original sem, entretanto, corrigir suas falhas principais — pois, se o fizesse, não poderia ser qualificado como legítimo herdeiro. Esta é a razão pela qual todos os neo-ismos fracassaram. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

New Age New Age. O fenômeno New Age originou-se nos Estados Unidos, identificada como a passagem do Sol da constelação de Peixes para a de Aquário. Em linhas gerais, o movimento New Age, iniciada por Marilyn Ferguson, com o seu livro Conspiração Aquariana, em 1989, tinha por objetivo juntar grupos díspares, tais como, a homeopatia, a gnose, a medicina alternativa, o esoterismo e as técnicas de meditação oriental. Com isso, criou-se uma ideologia, a ideologia da nova geração. Foi observado que é impossível descrever a new age como a soma de elementos simples: nela confluem tendências totalmente distintas entre si, de forma que o movimento resulta multiforme e indefinido. Na realidade, a new age nasce da mistura de elementos vindos do esoterismo, das contraculturas juvenis e das várias formas da espiritualidade oriental, sem esquecer o mundo das terapias alternativas; além disso, caracteriza-se por um baixo perfil teórico e intelectual e pela ausência de uma rígida normativa moral, fatores que, obviamente, facilitaram a sua difusão social. Nela existe uma tendência para anular a percepção da oposição e do conflito: apresenta uma

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imagem do mundo na qual os contrastes são superáveis pela experiência individual na pacificação e na calma. (1, página 26) Nova era ou época (New Age). É um chapéu velho. Uma indústria multibilionária que vende superstição e pseudociências de todas as espécies. Parte da cultura comercial. (2) (1) PERNIOLA, Mario. Contra a Comunicação. Tradução de Luisa Raboline. Rio Grande do Sul: Unisinos, 2006. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Nihil Est in Intellectu Quod Prius non Fuerit in Sense Nihil Est in Intellectu Quod Prius non Fuerit in Sense. Não há nada no intelecto que não estivesse primeiro nos sentidos. O princípio do sensacionismo. Contra-exemplos: Os conceitos de 0, consequência lógica, tempo, relação causal, conhecimento, evolução, passado remoto e divindade. (1)

(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Niilismo Niilismo. Palavra cunhada do latim nihil, que significa "nada". É para Nietzsche um mecanismo de negação deste mundo e desta vida em nome de algo que está além dela, em nome de "nada": nesse sentido, temos o niilismo passivo. Para ilustrar, tome-se esta passagem de O Anticristo, § 7: "Mas não se diz 'nada': diz-se 'além'; ou 'Deus'; ou 'a verdadeira vida'; ou nirvana, salvação, bem-aventurança..." (Nietzsche, O Anticristo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia da Letras, 2007, p. 14). Para Nietzsche o cristianismo seria um exemplo de postura niilista, na medida em que atribui um valor maior a algo (o paraíso, a vida eterna) que não é esta vida e, nesta medida, estaria negando-a. (1) No espírito do vulgo a palavra niilismo andou associada às ideias de assassínio e de revolução, já que os niilistas procuravam derrubar as instituições imperiais por meio da força. Niilismo - atitude crítica para com as convenções sociais e as tradições. (Nesse sentido, qualificado por Nietzsche como destruidor de todos dos valores.)

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Encicl. Nome dado na Rússia, por volta de 1860 a 1870, ao movimento de escritores e pensadores revolucionários ou pré-revolucionários denunciados por tentarem a destruição de tudo para começar de novo, do nihil (nada). (2) Nihil difficile amanti - nada é difícil a quem ama. Nihil diu occultum - nada (se conserva) oculto por muito tempo. Nihil dulcius quam omnia scire - não há coisa mais agradável que saber tudo. Nihil est aliud falsitas nisi veritatis imitatio - a falsidade não é mais que a imitação da verdade. Nihil medium est - não há meio; isto é, não há meio termo. Nihil obstat - nada obsta. Velha fórmula, especialmente usada pela autoridade eclesiástica, para indicar o consentimento dado a alguma coisa, publicação etc. Precede o imprimatur, "imprima-se". Niilismo (Do latim nihil, nada). Doutrina segundo a qual o absoluto não existe, como já afirmaram na Antiguidade o sofista Górgias e, de maneira geral, os céticos gregos. No século XIX, o niilismo constitui a princípio uma corrente de pensamento - professada principalmente por intelectuais russos por volta de 1860-1870 (Dobroliubov, Tchernychewski, Pisarev) - caracterizada pelo pessimismo metafísico do prolongamento do positivismo de Comte, e, pelo ceticismo com relação aos valores tradicionais (morais, teológicos, estéticos), o todo acompanhado pelo projeto de se construir a sociedade sobre bases científicas. Próximo da fórmula de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido" e tirando as consequências disso, o niilismo confunde-se mais tarde com o individualismo anarquista que visa a destruição do Estado. Em Nietzsche, o niilismo designa em primeiro lugar a ausência de fins determináveis "faltam fins" - que permitiriam a priori dar um sentido à vida humana: "o futuro não tem objetivo", ainda mais porque "Deus está morto". Corresponde ademais à "decadência" e à "regressão da força espiritual" que o autor acredita observar no Ocidente. A esse niilismo passivo, Nietzsche opõe um niilismo ativo que, por destruição e transmutação dos valores tradicionais essencialmente cristãos, criará um mundo novo em que o "poder aumentado do espírito" irá se afirmar. Em Heidegger, o niilismo corresponde à última etapa do esquecimento do ser (o século XX): a partir do momento em que não existe mais nada do ser e da verdade, o homem se obnubila no ente e destrói a natureza. (3) Niilismo. 1. Redução a nada. 2. Descrença absoluta. 3. FILOS. Termo que designa geralmente qualquer atitude de negação de um ou mais aspectos da realidade. 4. HIST. Doutrina de certos revolucionários russos na segunda parte do século XIX, para lutar contra o absolutismo tsarista. Filos. Inicialmente, o termo foi utilizado pelos românticos alemães para se referirem às doutrinas que propugnam a ausência de convenções verdadeiras. No sentido negativo, foi utilizado, de forma polêmica por Hamilton contra Hume, que negava a realidade

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substancial. Em Nietzsche adquiriu um significado positivo ao indicar a intervenção ativa para destruir os velhos valores e as crenças tradicionais, qualidade dos espíritos fortes. (4) Niilismo. O niilismo não é uma doutrina filosófica, mas o movimento histórico próprio da cultura ocidental, que produziu o que nela existe de mais significativo. Nietzsche chama de niilismo a atitude de negação da vida. O niilismo passou por vários momentos, e dois dos mais significativos são o platonismo e o cristianismo. Platão é quem instaura o que Nietzsche qualifica como o grande erro, com sua invenção do mundo das ideias, um mundo transcendente ordenado; um mundo onde tudo é o que é e nada "vem a ser", e que, por isso mesmo, é perfeito. São bem patente a negação e o desprezo do mundo sensível, o nosso mundo. O cristianismo faz do platonismo a filosofia triunfante ao adotá-lo e espalhá-lo pelo Ocidente. As ideias platônicas são para o cristianismo os pensamentos de Deus, a partir dos quais criou um mundo. Na diferença entre o criador, Onipotente e perfeito, e a criatura, limitada e imperfeita, manifesta-se o mesmo desprezo pela vida. O niilismo se torna mais evidente e atinge seu ponto de inflexão com esse acontecimento definitivo na história do Ocidente que é a morte de Deus. Com o passar do tempo, os homens deixaram de acreditar em Deus, o espírito científico e positivista acabou por se impor, mas nem por isso o esquema fundamental mudou: o desprezo e a negação da vida. Nietzsche percebe na Europa de seu tempo, a segunda metade do século XIX, a decadência do homem moderno. Este cansado e doentio, substituiu a antiga segurança que a filosofia e a religião lhe proporcionavam por uma nova forma de racionalidade: a derivada do conhecimento técnico-científico por meio da qual continua se protegendo da vida. A técnica veio assim substituir a velha metafisica. A morte de Deus estabelece para o ser humano a perda de todo ponto de referência: a vida deixa de ter sentido e nada mais tem valor. "Se Deus está morto, tudo é permitido" (Dostoiévski). Antes, o valor de tudo estava localizado no transmundo; a partir da morte de Deus, esse valor desapareceu definitivamente. Esse momento de máximo desespero, no entanto, pode se converter no momento em que tudo comece a mudar: é preciso passar pela negação absoluta para poder começar a criar algo novo, a arrancada de uma nova antropologia, de uma nova moral, de uma nova concepção da realidade e da verdade. (5, p. 153 e 154) (1) FIGUEIREDO. Vinicius de (Org.). Filósofos na Sala de Aula. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2007. (Vol. II) (2) Grande Enciclopédia Delta Larousse (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) Enciclopédia Barsa Universal.

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(5) Temática Barsa - Filosofia

Nota de Pé de Página ou de Rodapé Nota de Pé de Página ou de Rodapé. A marca do saber acadêmico – no mínimo segundo a definição de um scholar como alguém que se especializa no transporte de ossos entre cemitérios intelectuais. (Daí a expressão ‘enterrado num pé de página‘.) Quanto melhor um acadêmico moderno, maior a razão notas de pé de página/texto em seus escritos. Se esta razão for igual a 0, temos a ver com um não acadêmico ou com um acadêmico pré-moderno ou então um pensador original; se a razão for igual a ½ ela será um indicador de um acadêmico universitário médio; se for igual a 1 indicará um acadêmico de boa qualidade; se for maior do que 1, isto será a prova de um excelente acadêmico. O scholar eminente fará notas de rodapé para notas de rodapé, e assim por diante – tantas quantas a sua impressora aguentar. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Nous Nous. 1. Termo grego que pode ser traduzido por "mente", "espírito" ou "inteligência", e do qual se derivam os termos "noese" e "noema". Em Platão (República, V), designa a parte racional da alma, e em Aristóteles (Tratado da Alma, III, 6; Ética a Nicômaco, VI, 6) refere-se à razão intuitiva, capaz de captar de modo direto os primeiros princípios. Sobretudo no neoplatonismo, esta noção adquire um papel central no desenvolvimento de uma filosofia espiritualista. Em Plotino, o Nous ou Intelecto é a segunda emanação (hipóstase), originária do Uno, que dá origem à Alma do Mundo (Enéades, V) 2. Opõe-se geralmente ao conceito de nous, razão intuitiva, capacidade de acesso direto, imediato ao real, o de dianoia, razão discursiva, que procede por meio de definições e demonstrações. (1) Noético. Intuitivo, apreendido prediscursivamente, diretamente. Na fenomenologia, o noético é infalível e oposto ao hilético ou material. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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A Nova Ciência Começo da revolução científica: Copérnico Com o Renascimento, começa a revolução científica, longo e complexo processo de mudança pelo qual uma nova imagem do mundo se impõe às velhas ideias científicas da Antiguidade e da Idade Média. Esse processo percorre suas primeiras fases nos séculos XV e XVI e culmina no século XVII com a mecânica celeste de Newton: seu ponto central está situado na revolucionária teoria astronômica de Copérnico, que afirma, pela primeira vez, que a Terra não é o centro do Universo. Junto com a astronomia, a nova ciência escavou o chão sob os fundamentos e princípios básicos da física de Aristóteles: a finitude do Universo, a heterogeneidade das substâncias terrestres e celestes (incorruptíveis e inalteráveis), a interpretação finalista do movimento, a uniformidade e a circularidade do movimento dos corpos celestes, a distinção entre movimentos naturais e movimentos violentos ou antinaturais. A essa mudança na imagem do mundo se acrescentou — pela tradução e conhecimento dos cientistas gregos — a concepção platônico-pitagórica de que o real tem uma estrutura matemática. Todos esses fatores determinaram uma nova interpretação da razão, assim como um novo método científico.

A ciência no Renascimento No período que compreende os séculos XV e XVII, a atitude humanista se traduz no campo científico em uma exploração sistemática de todos os âmbitos da natureza. As inovações técnicas do final da Idade Média, e particularmente a imprensa, aparecem então como meios a serviço de uma vontade de exploração do mundo. O que se pretende, sobretudo, é descobrir os segredos da natureza e utilizar essas descobertas em proveito do homem. A figura do humanista, assim, aparece duplicada pela do engenheiro, cujo protótipo renascentista é Leonardo da Vinci. Os conhecimentos da revolução científica do Renascimento estabelecem os inícios da ciência experimental, que antes de Galileu é, sobretudo, uma ciência descritiva. Esse caráter descritivo é, por outro lado, particularmente benéfico no campo das ciências naturais, que adquirem amplitude graças aos grandes descobrimentos geográficos dessa época. A observação e experimentação direta estabelecem uma nova ciência médica — descobre-se o corpo humano — que avança notavelmente nas descrições anatômicas, fisiológicas e patológicas. A mais completa descrição anatômica é proporcionada por Andreas Vesalius (1514-1564) em Sete livros sobre a estrutura do corpo humano (1543), obra que na época representou uma verdadeira revolução. Vesalius é fruto de uma atitude científica que combate a tradição da medicina clássica de Galeno e Avicena, e que submete os órgãos do corpo a uma dissecação e exploração sistemáticas. Teofrasto Paracelso (1493-1541), vinculando à tradição alquimista e astrológica, entende que "o médico deve formar-se a partir das coisas exteriores", pois só essas "oferecem o conhecimento do interior". A medicina paracelsista se sustenta na doutrina do "astrum in corpore", quer dizer, do homem como microcosmos relacionado com o

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macrocosmos. A medicina iatroquímica de Paracelso, baseada no uso de agentes quimioterápicos, contribuirá de modo importante para a fundação da química moderna.

A revolução coperniciana Os inícios da revolução científica tem seu marco essencial na teoria de Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo de origem polonesa, exposta em seu livro Sobre a revolução dos orbes celestes (1543). O sistema geocêntrico de Ptolomeu, que tinha perdurado ao longo da Idade Média como imagem inapelável do mundo, é então substituído por um sistema heliocêntrico. O centro do Universo já não é a Terra, mas o Sol; aquela tem um duplo movimento, de rotação sobre o seu eixo e de translação em torno do Sol, da mesma forma que os outros planetas do sistema solar. O aperfeiçoamento da corajosa teoria coperniciana será obra de Johannes Kepler (15711630). Graças às observações precisas do astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (15461601), Kepler, que foi seu aluno, estabelece matematicamente as leis que regem as órbitas dos planetas. Em 1610, o sistema de Copérnico foi confirmado cientificamente por Galileu, ao observar as fases de Vênus com seu telescópio. Nessa época, já se tinha iniciado uma nova batalha: a da igreja e dos defensores da velha concepção geocêntrica do Universo contra os cientistas e filósofos que aceitavam o que a ciência apresentava de forma evidente.

Caixa: Leonardo da Vinci

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A nova ciência: Bacon No curso da revolução científica ocorrida na Europa dos séculos XVI-XVII, um dos pensadores que capta melhor os efeitos radicalmente transformadores da nova ciência é o inglês Francis Bacon. Seguindo o exemplo de Telésio, Bacon critica o aristotelismo por considerá-lo inoperante e propõe uma nova lógica experimental e indutiva, um novo instrumento capaz de descobrir as causas dos fenômenos, porque a verdadeira ciência é sobretudo uma ciência das causas. Dessa maneira, Bacon abandona explicitamente a metafísica, que, tal como Montaigne, considera presunçosa, e propõe uma filosofia experimental, baseada nos fatos e construída como uma metodologia científica. A natureza, mais do que ser compreendida, deve ser dominada, posta a serviço do homem e de sua vontade de dominação.

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O método indutivo Francis Bacon (1561-1626), barão de Verulam e grande chanceler da Inglaterra durante o reinado de Jacob I, embora tenha desdenhado o valor das matemáticas e não se tinha percebido da sua importância fundamental no desenvolvimento da ciência moderna, soube compreender que a física e a lógica aristotélicas haviam ficado definitivamente inutilizadas desde o início da revolução científica. Compreendeu como ninguém os efeitos práticos da ciência. Sua grande preocupação foi, portanto, metodológica; seu objetivo final, formular um novo método científico capaz de estabelecer as leis rigorosas da observação empírica. Na lógica aristotélica, o caminho é sempre dedutivo. Não que não haja uma observação empírica dos fatos. Acontece, porém, que essa lógica parte "das sensações e dos fatos particulares para elevar-se rapidamente às proposições mais gerais e, baseando-se nesses princípios, cuja verdade se supõe imutável, descobre as proposições intermediárias". Bacon afirma que esse é o caminho frequentemente seguido para atingir a verdade. Mas na ciência essa descida do geral ao particular não está autorizada. A experiência não a avaliza. Partindo do caráter experimental de todo conhecimento verdadeiramente científico, o método que convém seguir é contrário ao procedimento aristotélico. Bacon propõe então um novo método indutivo, por meio do qual se vá subindo gradualmente do particular ao geral até chegar à máxima generalização possível, que são as leis ou princípios. Essa nova lógica indutiva e experimental está desenvolvida no Novum organum (1620), obra fundamental de Bacon que devia fazer parte da Instauratio magna (A grande instauração), um grande tratado geral das ciências que jamais foi concluído. O Novum organum tem a pretensão de substituir o organum, que é como se chamava tradicionalmente a velha lógica aristotélica.

As regras da experimentação No método indutivo, estabelece-se uma série de passos com o objetivo de que a observação empírica seja a mais rigorosa possível. Em primeiro lugar, é essencial confrontar os fatos observados mediante o uso de algumas "tabelas". No Novum organum, distinguem-se várias categorias. As mais importantes são as "tabelas de presença" — onde se registram os casos em que se verifica um determinado fenômeno —, as "tabelas de ausência" — que registram os casos em que, ao contrário do que se esperava, o fenômeno não ocorre — e as "tabelas de grau" — nas quais se assinala o aumento ou a diminuição do fenômeno. Os dados registrados nas diferentes tabelas são depois comparados atentamente, com o objetivo de estabelecer uma primeira hipótese. Essa primeira hipótese tem somente o valor de prova e deve-se verificá-la empiricamente. Com a verificação, surgem novos erros e, em consequência, formulamse novas hipóteses, mais próximas da verdade. O método indutivo de experimentação se baseia num aperfeiçoamento sucessivo das hipóteses. A verdade vai surgindo por

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aproximação, à medida que se descartam os erros. Então, e de forma escalonada, formulam-se alguns axiomas intermediários e, finalmente, alguns princípios mais gerais.

A teoria dos idola O Novum organum estabelece uma crítica sobre os erros e preconceitos que obstaculizam o conhecimento da verdade. Tais obstáculos são interpostos pelo intelecto humano à maneira de deformação que impedem a percepção correta dos fatos. Bacon os denomina idola, isto é, "ídolos", e distingue entre eles quatro tipos fundamentais.

Os "ídolos da tribo" Os "ídolos da caverna" Os "ídolos do mercado" Os "ídolos do teatro"

Caixa: Um profeta da era industrial

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A nova ciência: Galileu O Universo está escrito em linguagem matemática e a mera observação empírica dos fatos não basta para fundamentar um verdadeiro método científico. À indução preconizada por Francis Bacon cabe unir a dedução efetuada a partir de alguns axiomas e teoremas matemáticos. Essa combinação do matemático com o empírico, do dedutivo com o indutivo, que tem por objetivo tornar mensuráveis os fenômenos da natureza, constitui a característica mais importante método experimental. Seu autor é Galileu Galilei, um dos maiores cientistas da Europa moderna.

O método experimental, antes de mais nada, uma nova maneira de "perguntar" à natureza.

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A linguagem matemática A ciência é quantitativa O método hipotético-dedutivo Caixa: As novas ciências Caixa: As descobertas de Galileu

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O apogeu da revolução científica A ciência moderna, que tem suas origens no Renascimento, atinge a maturidade em fins do século XVII, quando Isaac Newton elabora a sua teoria da gravitação universal. O mundo fica mais unificado sob rigorosas leis mecânicas, e física destitui definitivamente a teologia e se converte num ponto de referência obrigatório de qualquer reflexão filosófica. Trata-se de uma virada de grande envergadura na história do pensamento ocidental, e constitui por isso uma das mais importantes consequências da revolução científica.

Rumo a uma nova imagem do mundo As diretrizes metodológicas O vácuo dos átomos Experiências no vácuo O telescópio e o microscópio O universo newtoniano Um sistema do mundo unificado Espaço e tempo absolutos Da teologia à física

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Caixa: O epicurismo de Gassendi Caixa: O método Newton

Caixa: Regras para raciocinar em filosofia "1) Não devemos admitir mais causas de coisas do que as que são verdadeiras e suficientes para explicar suas aparências. "2) Portanto, aos mesmos efeitos naturais devemos atribuir, até onde seja possível, as mesmas causas. "3) Aquelas propriedades dos corpos que não se possam aumentar ou diminuir gradualmente, e que existam em todos os corpos que possamos examinar, serão considerados como propriedades universais da totalidade dos corpos. "4) Na filosofia experimental devemos aceitar as proposições derivadas por indução geral dos fenômenos como exatas ou muito provavelmente corretas, apesar das hipóteses contrárias que se pudessem imaginar, até o tempo em que ocorram outros fenômenos, com os quais possam tornar-se mais exatas ou aceitar exceções." Isaac Newton. Princípios matemáticos da filosofia natural

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Giordano Bruno: o Universo infinito No século XVI a filosofia renascentista se articula firmemente. O misticismo teosófico dos primeiros humanistas, como Pico della Mirandola, é superado na Itália do Renascimento pela filosofia natural de Telésio, Bruno e Campanella. É típico desses pensadores opor-se a qualquer princípio sobrenatural ou transcendente para explicar a natureza, quer dizer, o conjunto da realidade existente. Dessa maneira, investigando as leis naturais e explicando a realidade por meio delas, rompem definitivamente com a Idade Média e levam o humanismo à sua expressão máxima. Importância particular reveste a filosofia de Giordano Bruno, que elabora uma nova imagem do mundo, partindo dos pressupostos da astronomia de Copérnico. O Universo é infinito e Deus está incorporado a ele a partir de uma visão panteísta que influenciará de modo notável a filosofia posterior de Spinoza e Leibniz.

A filosofia natural italiana

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Giordano Bruno O Universo infinito A metafísica de Bruno

Caixa: Giordano Bruno e seus carrascos "Dizer: qual foi o meu crime? Nem ao menos suspeitais? E me acusais, sabendo que nunca agi fora da lei? Queimai-me, que amanhã onde acendeis a fogueira A história erguerá uma estátua para mim. [...] Mas sois sempre os mesmos, os velhos fariseus. Os quer rezam e se prostram onde podem ser vistos. Fingindo fé, sois falsos, invocando a Deus, ateus; [...] Prefiro mil vezes minha sorte à vossa; Morrer como eu morro não é morte; Morrer assim é a vida; vosso viver, sim, é a morte. [...] Covardes! O que vos detém? Temeis o futuro? Ah! Tremeis. É porque vos falta o que sobra em mim. Olhai, eu não tremo. E sou eu quem vai morrer!"

Caixa: Uma vida heroica

Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 6)

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Novo Espírito Científico, O. (Le Nouveau Esprit Scientifique). Obra de Gaston Bachelard (1934), na qual funda seu “novo racionalismo”, instaurando uma ruptura entre o conhecimento comum e o conhecimento científico: “Ao candidatar-se à cultura científica, o espírito nunca é jovem. É até mesmo bastante velho, pois tem idade de seus preconceitos. Ter acesso à ciência é rejuvenescer-se espiritualmente, é aceitar uma mutação brusca que deve contradizer um passado... Para um espírito científico, todo conhecimento é uma resposta a uma questão. Se não houver questão, não pode haver conhecimento científico. Nada é óbvio, nada é dado. Tudo é construído.” É nesta obra, que terá grande influência no desenvolvimento da epistemologia e de estudos de história da ciência no pensamento contemporâneo, que Bachelard introduz o conceito de corte epistemológico.(1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Novas Disciplinas do Século XX A psicologia científica Costuma-se aceitar como data do nascimento da psicologia como saber científico o ano de 1879, quando Wilhelm Wundt organiza o primeiro laboratório de psicologia experimental em Leipzig. O pioneiro da nova ciência, Wundt a define como o conhecimento positivo que investiga os fatos da consciência apreendidos mediante a observação e que podem ser verificados experimentalmente. A criação da psicologia científica está ligada, portanto, ao abandono da metafísica ocorrido no século XX e ao consequente projeto de aplicar ao estudo da vida mental do homem os métodos experimentais das ciências da natureza. A partir de então, e até nossos dias, a psicologia foi-se configurando nos moldes de uma pluralidade de tendências metodológicas que experimentalmente se diferenciam assim: as que entendem a aprendizagem como processo psicológico subjacente ao comportamento e as que entendem a cognição como a base do comportamento. As origens Wilhelm Wundt (1832-1920), fisiologista e filósofo alemão, autor dos Princípios de psicologia fisiológica (1874), sendo professor na Universidade de Leipzig funda, o primeiro laboratório de psicologia experimental. Conhecedor da tradição empirista britânica, sua psicologia se fundamenta na concepção de que toda a atividade mental opera sobre conteúdos sensoriais: todo o conhecimento

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humano provém da experiência, e os conteúdos da mente são apenas sensações elementares que se associam entre si para dar lugar à experiência psicológica. O método experimental utilizado é a introspecção, o relato da própria experiência pessoal. O trabalho do psicólogo consiste em estabelecer as leis que regem as associações entre os elementos sensoriais, proporcionando experiências sensitivas aos sujeitos de estudo em condições experimentais. Embora logo se vissem as limitações dessa concepção e desse método, o mérito de Wundt consiste em assentar o pressuposto de que a mente e o comportamento humanos podem ser estudados segundo os métodos da ciência.

A escola reflexológica: Pavlov No início do século XX surge na Rússia a escola reflexológica de Ivan P. Pavlov (18491936). Com o termo “reflexologia”, quer-se indicar aquela psicologia objetiva que associa os fenômenos psíquicos a reflexos condicionados, e que explica o comportamento humano e animal como o resultado complexo dos reflexos incondicionados (isto é, reflexos que são instintivos ou primários) e dos reflexos condicionados. Os reflexos incondicionados são respostas inatas de tipo muscular ou glandular, que o organismo emite em face dos estímulos provenientes do meio (seja interno ou externo). Os reflexos condicionados são respostas às variações do meio (quer dizer, condicionados por essas variações), que se estabelecem no nível cortical sobre a base das anteriores, e que permitem a adaptação a ele. Lembremo-nos das experiências feitas com os cães.

O behaviorismo Assim como Pavlov e seus seguidores, a escola behaviorista norte-americana também responde à crise da psicologia wundtiana eliminando a consciência da investigação psicológica e reduzindo-a ao estudo do comportamento ou à conduta observável. John B. Watson (1878-1958), fundador dessa escola norte-americana, declara em sua obra, A psicologia do ponto de vista de um behaviorista (1913), que o grande erro que impede a formação de um saber verdadeiramente científico sobre o homem tem sido o empenho reiterado de investigar o psiquismo a partir de seu interior. Portanto, ele defende que a psicologia deve investigar o comportamento, entendido como o conjunto de respostas dadas por um organismo diante de determinados estímulos do meio, e que deve prescindir de qualquer pretensão de estudar os chamados fatos de consciência. O comportamento são “fatos observáveis”, e a tarefa do psicólogo é pelo método experimental, observar e medir a resposta (comportamento) a partir de manipulações do estímulo, para poder com isso estabelecer um sistema psicológico capaz de definir os mecanismos de adaptação e a previsão do comportamento.

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O neobehaviorismo: as contribuições de Skinner As teses behavioristas de Watson são ampliadas posteriormente por Burrhus F. Skinner (1904-1990). Para Skinner, a tradicional dualidade corpo e mente deve ser, mais do que superada, deslocada no sentido de que o psicólogo científico “só está descrevendo a metade do Universo e posterga para outro mundo a mente ou a consciência, que supõe requerer outro tipo de investigação”. A psicologia, portanto, pode apenas estudar o comportamento, as associações estímulo-resposta e as leis que as governam, por meio da experiência. A contribuição mais original de Skinner consiste em mostrar a existência de um novo tipo de condicionamento, denominado “operante” ou “instrumental”. No esquema pavloviano, o comportamento é uma resposta a um estímulo específico. Mas acontece, afirma Skinner, que a maioria dos comportamentos observáveis não responde ao mero esquema estímulo-resposta. Na verdade, o comportamento é “operante”; o ato opera sobre o ambiente para obter estímulos compensatórios ou punitivos. Inverte-se a relação E-R, realizando-se um ato (resposta) ao qual se segue um estímulo de reforço. O reforço é aquilo que faz aumentar a frequência de determinado comportamento – seja porque apresente um estímulo positivo ou prazeroso, seja porque reduza ou elimine um estímulo negativo ou desagradável.

A psicologia da forma A resposta européia ao associacionismo wundtiano é a que vem da chamada “psicologia da forma”, que traduz o termo alemão Gestalt. Seus representantes mais notáveis são o psicólogo Max Wertheimer (1880-1943), que a funda em 1912, Kurt Koffka (18861941), autor de Princípios de psicologia gestáltica (1935), e Wofgang Kohler (18871967). Diferentemente da resposta behaviorista americana, pragmática e funcionalista, eles pretendem explicar a consciência humana como Wundt, porém entendendo-a não como uma soma de atividades ou elementos separados, mas como conjuntos unificados e significativos, embora recusando o elementarismo da consciência são constituídos por formas que obedecem a uma peculiar e diferenciada atividade estruturadora da vida psíquica, que é percebida pelo psiquismo humano segundo determinados princípios – como o da contiguidade e do contraste que existe entre as partes de um todo, o da identidade e o da totalidade etc. – que em hipótese alguma podem ser decompostos em elementos mais simples, porque sua significação surge justamente do caráter independente que os liga a um conjunto mais vasto, apreendido como um todo.

O estudo etológico do comportamento humano Nas últimas décadas do século XX, os trabalhos de Konrad Lorenz (1903-1989) – Sobre a agressão (1963) e Considerações sobre os comportamentos animal e humano (1965)

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– ajudaram nos estudos sobre a natureza do comportamento com as contribuições da etologia. Lorenz demonstrou a diferença que existe entre comportamento inato e comportamento adquirido. Convém levar em conta que tanto a escola reflexológica de Pavlov quanto os behavioristas de Watson e Skinner basearam seus estudos sobre o comportamento a partir da hipótese de que ele era adquirido. Mas Lorenz, em seus trabalhos, aponta que a adaptação do animal ao seu meio ambiente ocorre por meio de um duplo caminho. De um lado, por meio do instinto, herdado filogeneticamente; de outro, por meio da aprendizagem, sujeita à experiência individual e, portanto, não hereditária. Os comportamentos que se transmitem de geração a geração são hereditários porque ao longo de sua história evolutiva uma espécie foi armazenando informações graças aos mecanismos de mutação, seleção e intercâmbio genético. Por conta disso, um comportamento inato não é algo imutável (como sustentava Pavlov em sua teoria do reflexo incondicionado), e sim o resultado de alguns mecanismos de adaptação transmitidos hereditariamente. Lorenz sustenta que é possível diferenciar, em todo o comportamento, o que existe de nato e de aprendido. Isso se deve à impressão, um processo especial de aprendizagem que no animal aparece pré-formado a partir de sua bagagem hereditária específica. Por meio da impressão, o animal aprende alguns comportamentos que já estão “programados”, mas extensivos a todos os indivíduos de uma mesma espécie. Algumas observações referentes ao comportamento animal foram estendidas ao comportamento humano para explicar a agressividade. Lorenz insiste em que não se deve perder de vista o fato de que a cultura humana está alicerçada de modo determinante pela impressão, quer dizer, por essas formas de comportamento inato que pertencem à espécie.

O cognitivismo Nos anos 1950, após a crise do neobehaviorismo e do positivismo lógico, e sua incapacidade de se proporem como uma teoria global do comportamento, um grupo de psicólogos da Universidade de Harvard, encabeçados por Jerome S. Bruner e George Miller, reivindicam o estudo da mente humana e da construção de significados. A psicologia supera o âmbito dos estudos sobre o comportamento para colocar a ênfase na cognição. O significado, o sentido, passa a ser o conceito fundamental da psicologia, no campo comum das ciências sociais, para explicar o ser humano em sua especificidade. Essa corrente permite analisar o papel desempenhado nos processos de aprendizagem por aspectos como a memória, a percepção, o reconhecimento de modelos e a linguagem. Precursor dessa corrente é Lev S. Vigostky (1896-1934), que afirma que o específico do ser humano como espécie é a consciência, e que para explicar o comportamento humano é preciso explicar como ela regula, controla e planifica esse comportamento. É, no entanto, sobre a proposta de Alan Mathison Turing, matemático britânico (19121954), de que era possível simular qualquer comportamento, simples ou complexo, com a ajuda de uma máquina, que determinados psicólogos cognitivistas fundam seus

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trabalhos a partir da hipótese de que o psiquismo humano pode ser considerado como uma máquina de tratamento de informação, análoga ao computador – e, por isso, os processos mentais mais complexos, como a conceitualização ou a resolução de problemas, são analisados por meio de metáforas da tecnologia da informática e das teorias da informação. Z. V. Pylyshyn introduz no ano de 1980 o termo arquitetura funcional para definir a organização funcional do sistema cognitivo; J. A. Fodor, em 1983 publica A modularidade da mente, onde afirma a existência de diferentes sistemas cognitivos, os módulos (especializados num determinado domínio) e os processos centrais, contra a crença no funcionamento do cérebro como um todo, como uma só unidade central, como as consequências das lesões cerebrais demonstram. Outro enfoque é o que costuma ser chamado de sociocognitivo de Albert Bandura, que propõe, em 1986, uma concepção mais dinâmica da personalidade como um conjunto de fatores externos e internos, sociais e cognitivos: “O comportamento, os fatores pessoais internos e as influências ambientais atuam como determinantes relacionados uns com os outros.”

A psicologia genética de Jean Piaget: o construtivismo Jean Piaget (1896-1980), psicólogo suíço, não é estritamente um cognitivista, já que não utiliza o computador como modelo da mente. Seu interesse é pelo pensamento dos adultos, e para isso se dedica a investigar como ele vai sendo construído, passo a passo, desde a infância. Assim, portanto, o estudo do desenvolvimento intelectual da criança a partir de bases rigorosamente experimentais, constitui o objeto de sua psicologia genética, cujas investigações começaram a ganhar destaque nos anos 1930, após a publicação de obras como O nascimento da inteligência na criança (1937) e A construção do real na criança (1937). Desenvolvendo um método experimental próprio, Piaget demonstrou que a inteligência infantil se configura gradativamente por meio de uma série de adaptações sucessivas que estão registradas em dois mecanismos indissociáveis: “a assimilação e a acomodação”. Do mesmo modo como um organismo conserva sua estrutura assimilando o meio (incorporando, por exemplo, o alimento), ao mesmo tempo em que acomoda aquela a este, também a inteligência funciona assim: assimilando os dados da experiência e os acomodando às circunstâncias mutantes que decorrem de uma realidade concreta. Piaget viu que a criança parte de uma absoluta carência como sujeito – carência que se manifesta em seu não-reconhecimento da realidade objetiva. Mas, a partir desse estado caótico inicial, a criança começa a se desenvolver buscando, como todo organismo vivo, um equilíbrio entre a acomodação à realidade externa e sua assimilação. No decorrer desse processo evolutivo, o pensamento infantil atravessa uma série de estados ligados a três grandes fases. A primeira dessas fases é a da inteligência sensório-motriz; a segunda, a da inteligência operatória concreta; finalmente, a terceira, que já conduz ao pensamento adulto, é a da inteligência operatória formal. A análise dessas três grandes fases evolutivas permitiu a Piaget investigar a gênese e o desenvolvimento de noções

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como as de realidade, causalidade, qualidade, classe ou relação, e conceitos físicos como os de tempo, velocidade, movimento etc. Com isso, ele destacou as implicações epistemológicas do pensamento infantil e a maneira como aqueles conceitos foram construídos historicamente pelo pensamento científico. (1) &&&&& O pensamento sociológico Durante o século XIX, no princípio das mudanças sociais provocadas pela revolução francesa e pela revolução industrial, cresce o interesse pelo estudo dos temas relacionados com o homem a partir de uma perspectiva inédita: cotidianidade, aquilo aparentemente sem transcendência, considerado normal e corrente. As perguntas que os pensadores dessa época se fazem — o que é a natureza humana? por que a sociedade é estruturada de uma determinada maneira? como e por que as sociedades mudam? — são as mesmas dos sociólogos contemporâneos. Para responder a isso, o sociólogo se propõe a conhecer as relações que estruturam a existência de todo o coletivo social — não só dos ricos e poderosos, mas do homem comum, seus ambientes e suas instituições cotidianas.

Um breve esboço A sociologia clássica, que tem sua origem nas formulações dos sistemas gerais de interpretação da história de Comte (positivismo) e Marx (materialismo histórico), prossegue seu trabalho de fundamentação com as importantes contribuições de Durkheim e Weber. Com eles, a sociologia ganha o perfil de uma ciência acabada e aberta, portanto, a novos desenvolvimentos. Desde o começo do século XX se produz uma paulatina institucionalização dessa nova disciplina, ao mesmo tempo que uma fragmentação em diferentes perspectivas teóricas e especializações. Embora seja na América do Norte que se observam, durante as primeiras décadas do século, um interesse público e universitário por essa nova ciência e pela fixação dos métodos e técnicas próprias de investigação, será na Europa, ao terminar a segunda guerra mundial, que se realizarão as primeiras reformulações críticas da disciplina. Nas últimas décadas do século XX, ocorrem uma desagregação e a especialização de temas de interesse entre os diferentes sociólogos. Nesse sentido, falamos de sociologia cultural, de sociologia política etc.

A sociologia francesa: Durkheim A herança de Comte é respeitada na França por Émile Durkheim (1858-1917), para quem a sociologia é essa ciência positiva que investiga os "fatos sociais", mas de acordo com uma metodologia de que ainda não dispõe e que, portanto, convém desenvolver. Coerente com esse projeto, depois de publicar sua primeira obra importante — Da divisão do trabalho social (1893) —, Durkheim lança As regras do método sociológico (1895), onde expõe a necessidade de que as investigações em sociologia tenham por

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objeto a descrição dos fenômenos sociais, assim como o estudo das causas que os produzem; mas com uma obrigatoriedade: a de que essas investigações sejam feitas a partir de um exaustivo trabalho empírico que para isso deve contar com alguns instrumentos especificamente desenvolvidos pelas próprias exigências do material investigado. Durkheim pondera sobre a utilização de dois grandes instrumentos, o direito e a estatística, como auxiliares altamente valiosos. O primeiro, como manifestação de algumas regras que surgem da consciência coletiva, constitui uma fonte imprescindível para a análise dos fatos sociais. A estatística por sua vez — e convém ressaltar que em sua obra O suicídio (1897), Durkheim é o pioneiro na utilização de dados estatísticos — , garante a objetividade da análise sociológica, ao mesmo tempo que permite uma compreensão dos fenômenos sociais enquanto tais, quer dizer, para além das motivações psicológicas que dão conta do comportamento individual. Para Durkheim, os fatos sociais não podem ser explicados em termos individuais. A sociedade é algo além da simples soma dos indivíduos que dela fazem parte, e a sociologia, ao estudar os fatos sociais, investiga modalidades de ação, de pensamento e de sentimento externas ao indivíduo e, ao mesmo tempo, dotadas de tal força de coerção que se impõem necessariamente à consciência individual. A sociologia, portanto, busca a explicação dos fenômenos sociais na própria estrutura da sociedade — e o caráter autônomo dessa estrutura social já se manifesta no próprio fato de que o indivíduo carece de poder de transformá-la sozinho.

O conceito de anomia e o conceito de função Anomia. Amplamente utilizado na sociologia contemporânea, o conceito de anomia descreve uma característica essencial das modernas sociedades industrializadas: nestas, como consequência da transformação radical que experimentaram desde a época da revolução industrial, a consciência coletiva se enfraqueceu e as normas sociais, cuja internalização é necessária para a saúde do corpo social, não se recompuseram com o objetivo de possibilitar novos caminhos de integração. Durkheim sustenta, portanto, um conceito orgânico da sociedade; Esta é uma totalidade que se manifesta para a consciência individual por meio de uma série de representações coletivas, que são compartilhadas pelos intérpretes de uma comunidade. Resta, no entanto, explicar por que razão aparece um fenômeno social e não outro, quer dizer, o "como" e o "porquê" do aparecimento de um determinado fato social. Durkheim evita a análise historicista e se inclina para uma análise funcional que terá grande influência na sociologia e na antropologia contemporâneas. O que importa no momento em que se deve dar conta de um fato social, é a função que ele cumpre. "Empregamos a palavra função em vez de fim ou objeto — diz — justamente porque os fatos sociais, em geral, não existem pelos resultados úteis que produzem. O que se deve determinar é se existe correspondência entre o fato considerado e as necessidades gerais do organismo, sem nos preocuparmos se foi intencional ou não."

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A sociologia alemã: Weber Muito diferente é a concepção que Max Weber (1864-1920) tem da sociologia, entre outras razões porque sua obra surge no contexto cultural alemão do historicismo e do neokantismo e expressa uma grande preocupação com a fundamentação epistemológica das ciências sociais. Já de saída, é muito forte em Weber o lastro da filosofia kantiana, e essa impõe limites muito precisos a respeito do que se pode conhecer. "Todo conhecimento conceitual da realidade por parte do espírito humano finito — esclarece esse sociólogo alemão — apoia-se de fato sobre o pressuposto tanto de que apenas uma parte finita dessa realidade forma o objeto da investigação científica." O conhecimento da realidade social impõe, além disso, outras limitações. Partindo da diferenciação feita por Dilthey entre ciências da natureza e ciências do espírito, Weber se pergunta sobre as condições de objetividade das ciências sociais. Enquanto as ciências da natureza explicam fenômenos em termos de leis, as ciências sociais (que entram na categoria diltheyana das ciências do espírito) não podem se fundamentar cientificamente da mesma maneira, uma vez que o conhecimento que buscam é um conhecimento individual dos fenômenos. As ciências sociais explicam acontecimentos isolados que aparecem sempre relacionados com ideias de valor. A metodologia das ciências sociais, portanto, deve ter por princípio a "neutralidade valorativa", já que "não existe nenhuma análise científica puramente objetiva da vida cultural ou dos fenômenos sociais, independente dos pontos de vista específicos e unilaterais, segundo os quais aqueles fenômenos — expressa ou tacitamente, consciente ou inconscientemente — são selecionados como objetos de investigações, analisados e organizados por meio da expressão". De modo que, por um lado, o objeto de investigação da sociologia (como uma ciência social) é constituído por acontecimentos isolados, que são significativos na medida em que são finalistas, quer dizer, em que aparecem ligados a valores ou categorias destrutivas do agir humanos. Mas, por outro lado, o estudo de tais acontecimentos deve ser feito a partir de uma posição neutra do investigador.

Multicausalidade Essa "neutralidade valorativa", típica da metodologia weberiana, apoia-se em outro elemento igualmente característico desse cientista: a multicausalidade. Weber destaca essa multicausalidade no mais célebre de seus trabalhos A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-1905). Trata-se de uma investigação sobre as origens do capitalismo europeu em que se demonstra o caráter unilateral das teses de Marx (que analisa essas mesmas origens em termos de causas econômicas e sociais). Caráter unilateral não quer dizer caráter falso, mas apenas monocausal. E o que Weber quer demonstrar é que as origens do capitalismo na Europa podem ser explicadas tanto do ponto de vista escolhido por Marx quanto do que ele mesmo propõe e que é o da religião.

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Na obra que comentamos, a análise weberiana ressalta de forma inapelável a profunda ligação que existiu entre o processo de formação do capitalismo europeu e a presença de formas religiosas ascéticas, particularmente do calvinismo e do puritanismo. Estas confissões religiosas, nas quais a predestinação é uma ideia central, exaltaram eticamente o trabalho, opuseram-se ao "gozo despreocupado da riqueza" e, ao fazerem isso, criaram, diz Weber, "a mais poderosa alavanca de expansão da concepção de vida que chamamos de espírito de capitalismo.

A burocratização do sociedade A sociologia de Max Weber, sólida em seus fundamentos epistemológicos e extraordinariamente rica na pluralidade de seus enfoques (os trabalhos mais importantes desse autor, além do mencionado anteriormente, encontram-se reunidos em Economia e sociedade, obra publicada postumamente em 1921-1922), utiliza duas importantes categorias de análise de um lado, a categoria de racionalização; de outro, a de força carismática. A dinâmica da história, pela ótica weberiana, consiste num processo de racionalização de forças que são em si mesmas irracionais. A força carismática, da qual um dirigente político pode estar dotado, tem suas raízes nessas forças irracionais, e é por essa razão que desperta o entusiasmo das pessoas, acima de suas diferenças de classe e de status social. O que prevalece, entretanto, na história do Ocidente é a racionalização trazida pelo capitalismo, valendo-se de um cálculo cada vez mais preciso dos meios encaminhados para a obtenção de certos fins. Para Weber, esse processo de racionalização cada vez mais eficaz é o que explica a crescente burocratização das sociedades contemporâneas e a consequente despersonalização da vida individual.

A sociologia europeia depois de Weber A influência de Durkheim e Weber está presente em maior ou menor grau nas principais correntes da sociologia contemporânea. Assim, por exemplo, destacou-se a influência weberiana na chamada sociologia do conhecimento, cujo principal teórico é o sociólogo alemão Karl Mannheim (1891-1947), que apanha as contribuições da fenomenologia, da psicanálise e do marxismo. Os trabalhos de manheim se concentram nas questões estruturais da ordem social na formação das ideologias em sua ligação com determinadas condições sociais. Num sentido amplo, a sociologia do conhecimento se ocupa "dos diversos modos como a realidade se revela ao sujeito em consequência das diferentes posições sociais em que encontra". Raymond Aron (1905-1983) descobre a sociologia também por meio de Weber, e contribui para que esse autor se torne conhecido na França. Filósofo e escritor político crítico, ele exerceu influência sobre as gerações posteriores de analistas e políticos franceses. Aron se interessa sobretudo pelas relações que se estabelecem entre a estrutura social e os regimes políticos na sociedade industrial. Em seus trabalhos,

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desmascara as concepções pseudodemocráticas dos regimes do Leste, a partir de uma posição crítica, e refletindo sobre a bipolaridade do mundo contemporâneo - LesteOeste.

A sociologia americana: o funcionalismo A influência de Durkheim, em contrapartida, já determinante no que concerne ao funcionalismo, corrente estabelecida primordialmente nos Estados Unidos e que tem como representantes máximos Talcott Parsons (1902-1979) e Robert K. Merton (n. 1910). Estes sociólogos concebem a sociedade como uma unidade funcional que integra de forma coerente a relação entre todos os seus componentes. Parsons, professor da Universidade de Harvard, é um dos principais teóricos da sociologia e o que chegou mais longe na elaboração de uma teoria geral da sociologia. Sua perspectiva teórica se impôs como hegemônica nos Estados Unidos, depois da publicação em 1937 de A estrutura da ação social, e dado, por extensão, no mundo inteiro, diante da ausência da estrutura de ligação da disciplina na Europa. Sua teoria geral, muito abstrata, conhecida como funcionalismo ou funcionalismo estrutural, baseia-se no princípio de que a análise de qualquer instituição social deve ser feito em função do que ela traz para o funcionamento e manutenção da sociedade como um todo. No fundo, o funcionalismo é uma adaptação à sociologia do mecanismo de explicação da teoria darwiniana da seleção natural. Um traço ou uma instituição particular de uma sociedade se explica por esse mecanismo, por sua contribuição para a sobrevivência de tal sociedade. Merton, discípulo de Parsons, desenvolve um funcionalismo menos abstrato e mais preocupado com a investigação empírica.

As vozes críticas contra o funcionalismo Oposta a essa sociologia funcionalista e à sua formalização excessiva está a sociologia crítica - uma de suas orientações mais importantes é constituída pelos trabalhos da escola de Frankfurt. Os principais sociólogos de tal escola como Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse, incorporam à sua análise marxista da sociedade elementos procedentes da psicanálise freudiana e em alguns casos, também da sociologia de Max Weber. Segundo Adorno, "não existe conhecimento que não seja simultaneamente crítico, em virtude do discernimento, inerente a ele, entre verdadeiro e falso". O tema central do pensamento de Jürgen Habermas (n. 1929) é o da racionalidade, termo que significa para ele "a forma como os sujeitos capazes de linguagem e ação fazem uso do conhecimento". Há também os trabalhos de Pierre Bourdieu (1930-2002) que mostram como a burguesia se reproduz por meio do ensino. Para Bourdieu, a sociologia, ao pôr em evidência os determinismos sociais, coloca em dúvida os pressupostos de liberdade e

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autonomia inerentes ao individualismo moderno, ao mesmo tempo em que é o instrumento para nos ajudar na tomada de consciência das próprias determinações, por meio da reflexividade. (1) &&&& O pensamento antropológico A antropologia, que foi definida tradicionalmente como o estudo da natureza do homem, é o último dos domínios importantes da filosofia que se torna ciência. O objeto de estudo da antropologia, como saber positivo e, portanto, sob uma metodologia científica, é o Homem (do grego anthropos, homem) e suas características anatômicas, biológicas, culturais e sociais. Conforme se destaque uma ou outra dimensão, costuma-se fazer a distinção entre antropologia cultural e social, que estuda o homem e os hominídeos, atendendo a todas as variações biológicas que eles experimentam no tempo e no espaço. A constituição da antropologia como ciência é recente. Ainda no fim do século XIX, suas fontes dependiam em boa parte do testemunho de viajante, missionários e comerciantes. Essas fontes, embora imprecisas ou pouco rigorosas, permitiram no entanto organizar um material informativo de primeira mão sobre povos e culturas muito afastados do mundo ocidental e sobre esse material a ciência antropológica pôde paulatinamente edificar-se. A origem da antropologia como disciplina científica No século XIX, unem-se dois fatos que permitem o estudo do homem – que até esse momento era próprio da filosofia, separe-se dela como disciplina independente. Em primeiro lugar, as descobertas arqueológicas e paleontológicas realizadas ao longo do século XIX vieram confirmar a antiguidade do homem como espécie e as teorias da evolução. Isso fez com que aumentasse o interesse natural que o ser humano sempre teve para estudar a si mesmo e sua evolução desde épocas passadas, e a curiosidade de conhecer os costumes, formas de vida e de linguagem dos povos e das culturas diferentes da sua. Em segundo lugar, a hegemonia da ciência, e, portanto, da aplicação de metodologias de investigações próprias das ciências da natureza no âmbito do social e do cultural. Estes dois fatores contribuíram para o desenvolvimento de disciplinas que configurariam o que é a antropologia: a arqueologia, a paleontologia, a etnografia, a linguística histórica e a primatologia, entre outras. A antropologia pretende, portanto, responder às perguntas sobre a origem, o desenvolvimento e a estrutura das sociedades humanas. Mas a antropologia se distingue pela aplicação de uma metodologia própria, pelo trabalho de campo – que consiste na observação e registro da vida de uma comunidade, com a imersão do próprio investigador nela – e pelo método comparativo – que permite generalizar as regularidades do humano e explicar a diversidade. Os precursores

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Em seu primeiro período, a antropologia é ainda uma ciência erudita, em que não se realizam trabalhos de campo e em que predominam estudiosos de gabinete. O mais conhecido de todos eles é James Frazer (1854-1941), autor de uma vasta compilação sobre o folclore universal e as religiões primitivas publicada entre 1890 e 1915 com o nome de O ramo de ouro. Ao mesmo tempo, no entanto, já aparecem autênticos antropólogos, como o etnógrafo norte-americano Lewis H. Morgan (1818-1881), que estuda de perto a cultura dos índios iroqueses. Os trabalhos de Morgan, junto com os do britânico Edward B. Tylor (1832-1917) – autor de uma obra pioneira A cultura primitiva (1865) – e outros investigadores, fazem com que a antropologia, em sua orientação inicial, estabeleça-se como ciência comparada da cultura, que se desenvolve no quadro do evolucionismo predominante na segunda metade do século XIX, insistindo na condição racional de cultura humana. Morgan é o primeiro a estabelecer uma teoria geral da evolução cultural, definindo três etapas: o estado selvagem, o estado bárbaro (no qual o homem já tem uma atividade agrária e domesticou certos animais) e o estado de civilização (no qual o homem inventou o alfabeto). Sua obra Sistemas de consanguinidade e afinidade da família humana (1871) é a primeira tentativa de classificação de um sistema de parentesco e sua relação com as diversas formas de organização social. Tylor, além de sua contribuição na definição e classificação do termo cultura e da elaboração de uma teoria da evolução baseada nas origens da religião e do animismo das sociedades primitivas, ressalta a importância do método comparativo na explicação dos dados etnográficos. Esse evolucionismo dos pioneiros dá lugar muito rápido a um difusionismo que explica formação das culturas baseada na propagação de ideias, técnica, instituições, formas de vida etc., a partir de alguns centros de civilização denominados “círculos culturais”. Apesar da importância de evolucionistas e difusionistas, a formação da antropologia científica, no entanto, dependeu mais de um enfoque a-historicista, como o do funcionalismo e do estruturalismo. Os antropólogos americanos O magistério de Franz Boas (1858-1942) está na base da antropologia cultural norteamericana. Boas entende a antropologia de acordo com sua orientação original de ciência comparada da cultura e ressalta a importância do trabalho de campo, insistindo na necessidade de investigações empíricas e descritivas, desconfiando de sistematizações e classificações arbitrárias. Afirma a importância do estudo das culturas individuais a partir de todos os seus aspectos (religião, arte, história, língua, características físicas da população etc.) e diz que a melhor maneira de explicar uma fato cultural é encontrar seus antecedentes históricos. Esta orientação historicista faz com que essa corrente seja conhecida pelo nome de escola de história cultural, ou particularismo histórico. Os enfoques que caracterizam essa escola são: a ênfase sobre o conceito de cultura e a análise antropológica baseada na interação entre cultura e personalidade. Nas palavras de Ralph Linton, "a cultura, em tudo que seja algo mais do que uma abstração criada pelo investigador, existe apenas nas mentes dos indivíduos que compõem uma

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sociedade". Dado esse ponto de vista, a antropologia estabeleceu relações firmes com a psicologia e a psicanálise. Edward Sapir (1884-1939), Ruth Fulton Benedict (1887-1948), Alfred Louis Kroeber (1876-1960) e Margaret Mead (1901-1978) são outros antropólogos americanos que se destacam. O funcionalismo de Malinowski antropólogo de origem polonesa fixado no Reino Unido, Bronislaw Malinowski (18841942) estabelece um marco importante no processo de formação da moderna ciência antropológica por seus trabalhos de campo exemplares no arquipélago melanésio das ilhas Trobriand, onde viveu por um longo tempo aprendendo os costumes e a língua de seus habitantes - já que Malinowski achava que as organizações humanas deviam ser estudadas no seio de seu ambiente cultural. Influenciado pela sociologia de Durkheim, Malinowski inaugura o funcionalismo antropológico e teoriza sobre suas bases metodológicas em Uma teoria científica da cultura (1944). A tese central desse antropólogo é a de que o estudo de uma cultura primitiva deve ser feito dentro de um objetivo totalizador e sincrônico. A cultura é um todo funcional cujos elementos não precisamos de nenhuma reconstrução histórica. A origem e a difusão de tais elementos não importam, já que, segundo Malinowski, numa cultura não existem "relíquias", isto é, traços culturais que sobrevivam do passado. Todo elemento cultural tem uma função, é útil e possui um significado (que o antropólogo deve saber extrair); se não fosse assim, teria desaparecido. Uma vez que "na verdadeira ciência", diz Malinowski, "o fato é a relação, desde que esta seja realmente determinada, universal e cientificamente definível". O que importa, portanto, é investigar a ligação orgânica de todas as partes que integram uma cultura. Assim, por exemplo, o sistema de parentesco de uma cultura não pode ser estudado se, ao mesmo tempo, não se inter-relaciona com as bases econômicas dessa cultura, com sua organização política e com suas instituições sociais. Ao mesmo tempo, todos esses dados deixariam de ser compreendidos se não se investigasse a estrutura jurídica que sustenta aquelas instituições, a religião que lhes dá coesão etc. Radcliffe-Brown e a antropologia social Outro entre os grandes antropólogos do século XX é o britânico Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955), cujas expedições etnológicas às ilhas Andaman (1906); à Austrália Ocidental (1910), às ilhas Tonga (1916) e à África do Sul (1920) dão lugar a importantes trabalhos como Os ilhéus andamaneses (1922), A organização social das tribos australianas (1931) e Sistemas africanos de parentesco e casamento (1948). É muito esclarecedora a diferenciação que Radcliffe-Brown estabeleceu entre as diversas ciências antropológicas (pois a "antropologia" na atualidade já é um termo genérico que abarca diferentes disciplinas). Assim, a reconstrução histórica do passado dos povos primitivos é algo que compete à etnologia, que vai além da simples descrição de que a etnografia se ocupa, e que se apoia em dois ramos: a arqueologia pré-histórica e a linguística.

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As outras duas ciências: antropologia física e antropologia social - a primeira pertence, de fato, ao âmbito das ciências biológicas; a segunda se enquadra no padrão da sociologia comparada. Radcliffe-Brown define a antropologia social como "a investigação da natureza da sociedade humana por meio da comparação sistemática de sociedades de tipo diverso, prestando atenção particular às formas mais simples das sociedades dos povos primitivos, selvagens ou sem alfabeto". Lévi-Strauss e a antropologia estrutural O funcionalismo de Durkheim, que está na base da metodologia de Malinowski e de Radcliffe-Brown, constitui também o ponto de partida do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (n.1908), que incorpora, além disso, conceitos desenvolvidos por Marcel Mauss (1872-1950), membro proeminente de sociologia durkheimiana. O mais importante é analisar primariamente os fenômenos e inventariar suas determinações internas, mais do que perguntar sobre sua natureza e origem. As investigações, portanto, devem desenvolver-se numa plano sincrônico com o objetivo de abordar a estrutura ou forma como os indivíduos e os grupos estão ligados no interior do corpo social. Acontece, no entanto, que essa estrutura não pertence à ordem dos fatos, quer dizer, não pode ser obtida empiricamente por meio da observação de uma sociedade dada e de sua posterior comparação com outros modelos de sociedade. Uma estrutura na verdade não é "visível", já que se mantém sempre além das relações sociais suscetíveis de observação empírica e só pode chegar a ser descoberta por meio de um trabalho teórico de formalização. (1) (1) Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo...)

Novum Organum Novum Organum. Obra de Francis Bacon (1627), cujo título já representa seus objetivos, fundamentação de um novo método científico e defesa da lógica indutiva, uma vez que se contrapõe ao Órganon, o conjunto de tratados de lógica e método científico de Aristóteles. Bacon procura mostrar que a verdade, na ciência, surge da união da experiência e da razão, segundo um processo que constitui o ponto de partida do método experimental. Precisamos antes de tudo libertar-nos de nossos preconceitos ou ídolos. Estes elementos perturbadores do conhecimento serão eliminados graças ao método indutivo. O interesse da ciência não é somente especulativo ou contemplativo. Importa, antes de tudo, estender o poder do homem sobre a natureza através da aplicação do saber científico na técnica. Para tanto, o homem precisa conhecer as leis que regem o universo, pois “só vencemos a natureza obedecendo-lhe”. Esta obra teve grande influência no desenvolvimento da concepção empirista de ciência experimental e

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foi um dos pontos de partida de discussão do problema do método científico no pensamento moderno.(1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Númeno Númeno. Realidade inteligível, objeto da razão (nous) por oposição à realidade sensível. Para Kant, o númeno é o aspecto pelo qual a coisa em si escapa à nossa percepção sensível cujas possibilidades não vão além do fenômeno, que é, portanto, o único cognoscível. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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O que é Número: Um número é um conceito matemático para a representação de medida, ordem ou quantidade. Os números de ordem (primeiro, segundo, terceiro...) são designados por ordinais e os de quantidade (1, 2,3...) são designados por cardinais. Números de medida ou quantidade são expressos na base decimal pelos algarismos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, podendo ter uma parte inteira (antes da vírgula) e uma parte decimal (após a vírgula). Por exemplo o número 2,37 tem 2 como parte inteira e 0,37 como parte decimal. Em Matemática, os números são classificados como naturais (1, 2,3,...), inteiros (...-2, 1, 0, 1, 2,...), racionais (contêm os inteiros e as suas frações ou razões), reais (contêm os racionais e outros que não podem ser expressos através de uma fração, como por exemplo √2 ou π) e ainda, os números complexos (contêm os números reais e raízes negativas). O matemático e filósofo grego Pitágoras considerava os números como a essência e o princípio de todas as coisas. A numerologia é uma pseudociência que tem por objetivo o estudo do significado oculto dos números. De acordo com os estudiosos, os números exercem influência no presente e no futuro das pessoas, alterando traços da personalidade e comportamento ao longo da vida. << = = =

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Numinoso Numinoso. Qualquer coisa considerada misteriosa e espantosa, trazendo indicações externas ao campo natural. Não confundir com numêmico - ver númeno. (1) (1) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

Objeto Objeto. Do latim objectus, de objicere, lançar, jogar para frente. 1. Em um sentido genérico, uma coisa, uma realidade material, externa, aquilo que se apreende pela percepção ou pelo pensamento. 2. A noção de objeto se caracteriza por oposição ao sujeito, ou seja, designa tudo aquilo que constitui a base de uma experiência efetiva ou possível, tudo aquilo que pode ser pensado ou representado distintamente do próprio ato de pensar. Nesse sentido, o objeto se constitui sempre em uma relação com o sujeito, sendo um conceito tipicamente epistemológico. (1) Objetividade. Característica daquilo que existe Independentemente do pensamento. Opõe-se a subjetividade. (1) Objetivismo. 1. Em teoria do conhecimento e filosofia da ciência, concepção característica sobretudo do positivismo, que valoriza na relação de conhecimento o lado do objeto, em detrimento do sujeito. Oposto a subjetivismo.

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2. Doutrina que supõe que a mente pode obter um acesso direto, pela percepção, à realidade tal qual ela é. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Observação Observação. Momento fundamental do raciocínio experimental que registra os fenômenos a fim de suscitar uma hipótese ou de enunciar diretamente uma lei, nos casos das ditas ciências de observação, em que a experimentação é impossível. (astronomia) Distingue-se a observação empírica, que é inteiramente passiva diante do desenrolar dos fatos, da observação científica, cuja complexidade Claude Barnard sublinhou: mesmo livre de ideias preconcebidas, deve ter condições de dar origem a um raciocínio hipotético. A observação provocada (sinônimo de experiência) verifica a lei. (1) Observação. Percepção deliberada, como no ouvir e ver por contraste com escutar e olhar respectivamente. Não deve ser confundida com o experimento, que é observação planejada dos efeitos da intervenção ativa do conhecedor na situação concernente.(2) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Ocultismo Ocultismo. Do latim occultus. Doutrina que se baseia na crença da existência de forças ocultas sobrenaturais governando o real, e que procura conhecê-las e controlá-las através de rituais mágicos. Designa, por extensão, diversas correntes de pensamento que admitem a existência de entidades suprasensíveis e extrarracionais que intervêm na vida humana. As chamadas "ciências ocultas" constituem um agrupamento de atividades bastante heterodoxas: alquimia, astrologia e certas doutrinas secretas. Ver cabala, hermetismo, magia, misticismo, teosofia. (1) O Ocultismo apresenta-se como um sistema filosófico-científico absolutamente distinto, com suas teorias, os seus métodos, suas formas de ensino e difusão completamente diferente da ciência contemporânea. Enquanto a ciência contemporânea difunde por intermédio da Imprensa e experiências ou conferências públicas as suas descobertas e práticas, o ocultismo resultante do estudo da ciência oculta divide as suas investigações em duas categorias: 1.ª parte pode ser publicada para auxílio do progresso e evolução da

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humanidade; 2.ª uma parte que somente é reservada a um grupo de adeptos selecionados através das mais severas provas morais e tendo definitivamente provado que jamais desejarão exercer ou praticar no sentido do mal os conhecimentos que lhes foram ministrados, mantendo oculta do vulgo, a experiência das forças que estão habilitados a manobrar. Tal o motivo por que o ocultismo apresenta os seus conhecimentos e escritos sob uma forma obscura, baseada num simbolismo próprio cuja significação é conhecida apenas pelos seus iniciados. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

Ontologia Ontologia. Teoria do ser em geral, da essência do real. O termo "ontologia" aparece no vocabulário filosófico por vezes como sinônimo de metafísica. (1) Ontologia - do grego onto mais logia significa parte da Filosofia que especula sobre "o ser enquanto ser". É o estudo do conhecimento do que são as coisas em si mesmas, enquanto substâncias no sentido cartesiano e leibniziano da palavra, por oposição ao estudo das aparências ou dos seus atributos. (2) Ontologia. Ramo da filosofia que indaga o que realmente existe, enquanto distinto da natureza do nosso conhecimento sobre ele - essa natureza é investigada pelo ramo da epistemologia. Ontologia e epistemologia, conjuntamente, constituem a tradição central da filosofia. (3) = = = >>

Ontologia Espírita 1. O SER HISTÓRICO O problema do ser empolga toda a História da Filosofia e podemos considerálo como o elo que mantém a união do pensamento religioso com o filosófico. O início da cogitação filosófica encontra-se em Pitágoras, quando o representa pelo número um. Para Sartre, criador do Existencialismo Ateu, o Ser é uma espécie desses ovóides de que nos falam os livros de André Luiz. No marxismo e no neopositivismo, é o ser humano o que importa.

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E o que é o ser humano, senão a projeção pitagórica do Ser único e a projeção sartreana do mistério limboso? Assim, o Ser é sempre, em qualquer sistema ou concepção, o mistério do Um e do Múltiplo (1). 2. REVELAÇÃO E COGITAÇÃO Na Filosofia Espírita esse mistério se aclara através da revelação e da cogitação. A revelação, como vimos, pode ser humana e divina. No caso, é divina, pois reservamos para o campo humano a expressão clássica da técnica filosófica: a cogitação. Os Espíritos revelaram a existência do Ser pela comunicação mediúnica (e a provaram pela fenomenologia mediúnica), mas os homens confirmaram essa existência pela cogitação, pela pesquisa mental do problema. Kardec não repetiu Descartes - cogito ergo sum - mas ampliou o conceito da presença de Deus no homem. Podemos interpretar assim a posição de Kardec: sinto Deus em mim, logo existo (1). 3. O SER HUMANO Para Aristóteles, o Ser é “aquilo que é”. Na Bíblia é Deus quem fala, embora figuradamente, e se explica: “Eu sou o que é”. Deus é e se afirma na intuição cartesiana de Um Ser supremo, como se afirma no sentimento intuitivo kardeciano. Na Filosofia Espírita o conceito de Ser abrange todas as categorias daquilo que é, concordando portanto com o pensamento filosófico antigo e moderno. A definição do Ser supremo, por exemplo, nos é dada no item 1º de O Livro dos Espíritos da seguinte forma: “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas” ( 1). 4. ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA Os seres têm essência e essa essência se desenvolve através da evolução: é o princípio inteligente. Essa essência se reveste de formas diversas no processo evolutivo, isto é, toma determinada forma e se reveste de matéria. No ser humano, essa realidade se apresenta no complexo Espírito, Perispírito e Matéria. Entre os dois últimos existe ainda o fluido vital.

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Toda essa complexidade, entretanto, é simplesmente a expressão pluralista de um monismo fundamental. A essência é que tudo domina. Ela é a realidade última. Mas só através da existência conseguimos atingi-la. Temos de penetrar as capas existenciais do Ser para encontrá-lo na sua realidade essencial (1). 5. VISÃO DIALÉTICA DAS COISAS E DOS SERES Aprendemos que a realidade aparente é ilusória mas que também é necessária para chegarmos à realidade verdadeira. O ser humano está no ápice da escala evolutiva existencial. Acima dele, os que superaram o domínio da matéria e que as religiões chamam anjos, devas, arcanjos e assim por diante. Esses Espíritos conservam sua individualidade após a morte do corpo e a conservam através da evolução nos mundos superiores. Só a parte formal é perecível: o corpo e o perispírito. A essência do Espírito é indestrutível, pois representa a atualização das potencialidades do princípio inteligente, uma criação de Deus para fins que ainda desconhecemos (1). 6. ESCALA ESPÍRITA O Livro dos Espíritos, a partir do n.º 100, oferece-nos um esquema ontológico da evolução do homem. Não é um esquema rígido, mas uma orientação aos estudiosos (1). ONTOLOGIA E ESPIRITISMO Ontologia - do grego onto mais logia significa parte da Filosofia que trata do ser enquanto ser, ou seja, do ser concebido na sua totalidade e na sua universalidade. A Ontologia seria, então, a ciência do noumeno. A ela caberia o papel especial de estudar o que permanece atrás dos fenômenos, de explicálos, enquanto os fenômenos, propriamente ditos, caberiam às ciências particulares. Essência e existência são os elementos básicos do ser. À pergunta: que é o ser, temos uma infinidade de respostas, dependendo, é claro, do ponto de vista considerado. Se materialista, a essência estaria na matéria; se idealista, no

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espírito; se religioso dogmático, em Deus. Essa aparente contradição de pontos de vista é aclarada pelo Espiritismo, que faz a síntese de todas as correntes filosóficas. Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, define o Ser, com s maiúsculo, como sendo Deus, a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas. A prova da existência de Deus não se dá Nele mesmo, mas nos efeitos que Dele provém. Dessa forma, se o efeito é inteligente deduz-se que a causa também o seja. Embora ainda nos falte um sentido para compreender o mistério da Divindade, chegará um dia que o compreenderemos, principalmente quando os nossos espíritos não estiverem mais obscurecidos pela matéria. O Ser maiúsculo é Deus, o ser minúsculo é o homem. O ser minúsculo provém do Ser maiúsculo, ou seja, no ser minúsculo existe uma essência criada pelo Ser maiúsculo, cujo processo de criação ainda nos é infenso. Sabemos apenas que fomos criados simples e ignorantes, o que já é suficiente para entendermos o ser no seu tríplice aspecto: Espírito, Perispírito e Corpo Vital. Essa é a grande diferença que o Espiritismo nos proporciona com relação às diversas filosofias existentes. É por esse conhecimento que fazemos a síntese dessas filosofias. O Espiritismo é uma doutrina com recursos extraordinários para desvendarmos os mistérios que se ocultam atrás do ser. Mas, mesmo assim, há muitos conhecimentos que não nos são revelados, porque não temos condições de absorvê-los. À medida, porém, que evoluímos através do nosso esforço e da nossa perseverança, vamos adentrando, também, em níveis mais elevados do conhecimento superior. Estejamos sempre alertas a fim de sermos dignos de captar o conteúdo da revelação que os Espíritos superiores nos proporcionam. Os bons Espíritos desejam apenas a constância do nosso progresso espiritual. QUESTÕES 1) Qual o conceito de Ontologia? 2) Como o Ser é visto no processo histórico? 3) Como o mistério do Um e do Múltiplo se aclara no Espiritismo? 4) O que é o Ser supremo para o Espiritismo? 5) O que distingue a essência da existência? TEMAS PARA DEBATE

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1) O homem, no processo evolutivo, é o último estádio de evolução do Espírito? 2) No que se transforma o ser após a morte física? 3) Essência, existência e Espiritismo. Comente. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) PIRES, J. H. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo, dezembro de 1996. << = = =

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (3) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

Oposição Oposição. Designação genérica da relação entre ideias ou seres que mutuamente se determinam ou excluem. Tornou-se clássica a partir de Aristóteles (Cat. X, 11b, 15 e ss.; Met., IV, 10. 1018a, 20-22) a divisão da oposição em: relativa, entre termos que reciprocamente se exigem e completam (dobro e metade, por exemplo); contrária, entre termos que se excluem dentro de uma mesma classe ou gênero (virtude e vício); privativa, entre a presença e a ausência de uma qualidade ou perfeição própria de determinado órgão ou faculdade (cegueira e visão); contraditória, entre o ser e o não ser, ou seja, entre a afirmação e a negação de uma mesma ideia ou realidade (estar e não estar sentado). Em lógica, as relações de oposição entre proposições categóricas que divergem entre si apenas pela qualidade (contrárias e subcontrárias) ou pela quantidade (subalternas) ou pelas duas conjuntamente (contraditórias) são definidas pelas seguintes leis deduzidas do princípio de contradição: duas proposições contrárias não podem ser simultaneamente verdadeiras ou falsas (se uma é verdadeira, a outra é necessariamente falsa e inversamente); as contrárias não podem ser simultaneamente verdadeiras, mas falsas (a verdade de uma implica a falsidade da outra, mas não inversamente); as subcontrárias não podem ser simultaneamente falsas (se uma é falsa, a outra é verdadeira, mas não inversamente); as subalternas são simultaneamente verdadeiras se a universal é verdadeira (o que vale do todo vale também da parte) e são simultaneamente falsas se a particular for falsa (o que é falso da parte é falso do todo). (1)

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(1) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

Origens da Filosofia Do Mito à Razão A história do pensamento ocidental tem início quando o homem distingue nitidamente duas formas de acesso ao conhecimento da realidade. A primeira dela está representada pelo mito, que se sustenta por meio da imaginação. A segunda se baseia no uso da razão, isto é, na explicação racional das coisas. O uso da razão é inseparável de uma linguagem que se manifesta mediante conceitos e está profundamente conectada com a experiência que se tem das coisas. Na realidade, razão e experiência são pólos que se determinam reciprocamente. Há dois mil anos o homem, por essa via racional, começou a questionar isto que se encontra fora dele e que chamamos de "mundo", mas com o objetivo de compreendê-lo tal como ele é, e não como parece ser (via mítica, imaginária). Por meio da razão e da experiência o homem quis que as coisas falassem por si mesmas, e com essa abertura mental fez nascer o pensamento filosófico e científico.

Grécia, berço da filosofia Essa revolução intelectual que estabeleceu a passagem do conhecimento mítico ao conhecimento racional das coisas ocorreu nos inícios do século VI a.C. na Grécia. Mais exatamente, nas colonias gregas localizadas na Jônia, na costa da Anatólia. Pouco depois, aquela revolução se reproduziu, como parte de um mesmo processo, na Sicília e no sul da Itália, isto é, nos territórios da Magna Grécia, que também haviam sido colonizados pelos gregos. E finalmente chegou a Atenas. Em algumas cidades da costa da Anatólia, como Mileto e Éfeso, produziu-se uma verdadeira transferência de conhecimentos astronômicos e matemáticos; os gregos, como se disse, assimilaram das civilizações orientais um espírito de geometrização que estimulou a investigação direta dos mistérios do Universo.

O mito Desde o começo de sua história o ser humano sentiu necessidade de compreender tanto a realidade em que vive quanto a sua própria realidade. O desconhecimento das coisas deixa o ser humano à mercê delas, perturba-o, na medida em que ele não sabe o que esperar, não sabe como reagir diante do que lhe ocorre, e isso gera medo e ansiedade. Foi a necessidade de superar esse estado de incerteza que levou a humanidade a buscar

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explicações que transformassem essa desordem com que o mundo se apresenta em uma ordem que permitisse algum domínio e controle da situação e, com isso, alguma tranquilidade. Isso significa, em suma, conhecer. O mito constitui a primeira tentativa da humanidade de interpretar os mistérios do Universo. Ele tem a forma de uma narrativa e se refere sempre a uma criação, conta a forma como alguma coisa começou a existir. Seus protagonistas são seres sobrenaturais, com um poder muito superior ao dos humanos, razão pela qual nunca são plenamente compreendidos em suas ações. Aquilo que se explica no mito ocorreu em um tempo não humano, "pré-humano", pois é o relato da criação do mundo e nesse tempo a humanidade ainda não existia. No entanto, o que ocorreu nesse tempo permite compreender o humano e o mundo presente, e proporciona uma referência de atuação nesse mundo e um certo domínio sobre ele. Ainda é possível rastrear-se o pensamento mítico, em toda a sua plenitude, nas sociedades primitivas da África, da América e da Oceania. Mas ele também sobrevive em nós, embora de forma menos estruturada. Com efeito, tudo aquilo que escapa a nosso conhecimento racional e que lutas por encontrar uma explicação se enquadra nas formas do pensamento mítico. O sonho, a fantasia e o vasto mundo do desejo que mora no interior das pessoas se orientam com frequência por formas não racionais.

O mito na Grécia Para compreender melhor a transformação mental que estabeleceu a passagem do mito à razão, convém analisar rapidamente duas grandes manifestações do pensamento mítico grego. A primeira é constituída pela obra de Homero que data do século X a.C.; a segunda, pela de Hesíodo, autor da Teogonia, datada do século VIII a.C. Trata-se de duas expressões que, apesar de suas diferenças, pertencem ao mundo mítico que antecede o nascimento da razão grega. Uma característica da concepção homérica é apresentar um Universo governado por deuses, isto é, por forças ao mesmo tempo luminosas e obscuras, que criaram o mundo e controlam o destino dos humanos. Quando a razão entrar em cena, exigirá a dissolução daquele Universo sobre-humano, a fim de que o homem possa encontrar a verdade e ser dono do seu destino. A obra de Hesíodo, por sua vez, narra as origens do mundo e se enquadra, por isso, no ciclo das cosmogonias míticas. Cosmogonia é uma história da criação do mundo. "No começo era o Caos", diz Hesíodo. O caos é pura extensão, sem consistência orgânica; um vazio sobre o qual se assenta Gaia, a Terra, "base segura de tudo que é".

O nascimento do pensamento racional O pensamento racional se torna possível quando aparece na Grécia uma nova forma de organização social: a pólis. As novas condições de vida tornam necessária uma nova maneira de explicar as coisas, uma nova maneira de pensar. Já não é suficiente a

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narrativa de deuses cuja conduta nunca logramos compreender plenamente e em geral é arbitrário, irracional e imprevisível. São três os traços que marcam a diferença entre o pensamento mítico e o novo tipo de pensamento, o racional. Em primeiro lugar, o pensamento racional dispensa agentes e forças sobrenaturais: deve-se buscar as causas do mundo natural dentro dos próprios limites do mundo. Pressupõe, além disso, que o mundo visível oculta uma ordem necessária, não arbitrária, previsível, o que o torna algo racional e plenamente inteligível, compreensível para a razão humana. E é isso que constitui a terceira característica do pensamento: a razão humana é o instrumento único e suficiente para a investigação. Contudo, em suas primeiras manifestações o pensamento racional não estabelece uma ruptura total com o pensamento mítico. Não apenas porque ambos são tentativas de compreensão da realidade, mas porque o esquema explicativo é, no fundamental, o mesmo: a formação do mundo ordenado a partir de um caos originário do qual os pares de opostos foram se separando - o quente do frio, o seco do úmido, a noite do dia etc. Os pré-socráticos Tales, Anaximandro e Anaxímenes se perguntam em primeiro lugar como foi possível que, de uma desordem inicial (caos), tenha surgido um Universo ordenado (cosmos). Não investigam, como faz a ciência moderna, as leis da natureza: o que lhes interessa é compreender essa transição do caos ao cosmos, e é exatamente isso o que fazem as cosmogonias míticas.

A physis Nesse empenho de explicar como se produz a transformação do caos em cosmos, o pensamento racional é ainda devedor do mito. Mas há uma verdadeira emancipação do modelo mítico, já que os primeiros filósofos, ou seja, os pré-socráticos, procuravam um princípio racional (suscetível de ser entendido a partir da razão) que abrigue a totalidade das coisas. Para eles, esse princípio de onde tudo surge e que explica tudo o que existe (homem e mundo) é a physis, ou natureza. O conceito grego de natureza não corresponde ponto por ponto ao conceito desenvolvido a partir da ciência modema, embora mantenham aspectos comuns. Assim a physis é entendida em duplo sentido: como totalidade do Universo, exceto as coisas produzidas pelo homem, e também como a forma permanente das coisas, como quando se fala da natureza disso ou daquilo. A physis é uma realidade ordenada em que cada um dos seus elementos ocupa um lugar ou cumpre uma função. Essa ordem é dinâmica, e não estática: ao contrário, o movimento é precisamente o que constituí a natureza da physis. Perguntar-se pela natureza e perguntar-se a respeito do que as coisas são e, a partir daí, explicar seus movimentos e processos. É também perguntar-se a respeito do que determina a ordem dos acontecimentos, aparentemente caóticos. É perguntar-se, em suma, a respeito do princípio que torna inteligível a realidade. O conhecimento filosófico Essa investigação da natureza que os pré-socráticos iniciam não é, contudo, uma investigação experimental. Os pensadores gregos desejam unicamente compreender o mundo. Por isso o pensamento nasce na Grécia como filosofia e não como ciência (no sentido que essa palavra tem para nós).

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A filosofia é antes de mais nada uma aspiração a uma certeza indiscutível. A Physis dos primeiros pensadores é um principio que, por abranger tudo o que existe, também exclui tudo o que não existe. Não há nada fora da physis. Mas também não há nada fora desse conhecimento que chega por meio da filosofia. Esta, desde seus inícios, constrói-se como um saber, ou episteme (que para os gregos quer dizer "ciência"), baseado na ideia da totalidade, um saber fundamentado que é capaz de excluir todas as outras formas de saber como sendo enganosas, meramente ilusórias ou apenas aparentes. Esse movimento rumo ao saber autêntico, (sofia) se produz por meio do amor (philia, philo); daí que o filósofo seja o amante da sabedoria, aquele que aspira chegar à certeza que lhe advém de um saber incontroverso, indubitável. E o mecanismo pelo qual se adquire esse saber indiscutível é a razão, o logos, que capta as coisas tais como elas são, tais como se revelam (em grego, a verdade é chamada de aletheia, que significa "revelar algo que estava oculto"). Etapas do pensamento antigo Com essa transformação mental revolucionária que conduz das crenças míticas ao saber filosófico, tem início a história do pensamento na Antiguidade. Nesse histórico, podemse distinguir três grandes etapas. Na primeira, que vai até Sócrates, os gregos procuravam acima de tudo uma explicação para o devir, isto é, para o fato de que as coisas surgem do nada para retornar a ele. Essa característica, que está na própria origem da filosofia, produz ao mesmo tempo maravilha e espanto, admiração e estupor. Numa segunda etapa, essas duas polarizações confluem para os grandes sistemas metafísico de Platão e Aristóteles. Neles se busca a conciliação da experiência do devir com a exigência racional de que, por trás de toda a mudança, existe um fundamento imutável das coisas (esse é o sentido da palavra metafísica). A última das grandes etapas do pensamento antigo está configurada pelo advento do cristianismo, que, em certo sentido - já que é uma crença baseada na fé -, estabelece um retorno ao mito. Apesar disso, os pensadores cristãos contribuem, como se verá, com poderosas razões filosóficas para a compreensão do sentido do devir e, ao mesmo tempo, introduzem dimensões desconhecidas no pensamento filosófico que nasce entre os gregos.

Caixa: A ciência grega

Caixa: O Universo ordenado da pólis O aparecimento do pensamento racional está intimamente ligado à pólis, instituição essencial da Antiguidade grega. A pólis, ou cidade-estado, é um agrupamento humano que conta com um número limitado de habitantes. Em seu aspecto característico, é constituída por uma cidadela, ou acrópole, a cujos pés se estende a cidade baixa (asty). A pólis é, portanto, um universo ordenado, um cosmos que goza de uma estrutura social homogênea e de configuração política de caráter democrático em que a palavra é

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veículo de ações que dizem respeito a todas as partes integrantes da cidade. Essa ordem e essa transparência estão em íntima conexão com o aparecimento de um pensamento que se desvincula do mito e da religião para transferir para a natureza uma investigação que já é do tipo racional. A razão grega é filha da cidade, de suas leis jurídicas, de seu funcionamento igualitário e democrático e de sua prática retórica. A razão nos gregos é filha também da política - palavra que, não à toa, deriva de pólis.

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Os pré-socráticos: a escola de Mileto e a escola pitagórica Costuma-se reunir os filósofos jônios, pitagóricos, eleáticos e pluralistas sob a denominação de "pré-socráticos". Isso ocorre porque são anteriores a Sócrates, embora nem todos. O critério, mais do que cronológico é temático. A filosofia dos présocráticos se ocupa da natureza e busca um princípio universal que explique a evidência da mudança e daquilo que permanece por debaixo dela. Por isso eles são reunidos. Outra razão para reuni-los é a tendência comum de seu pensamento. Apesar de suas diferenças, todos eles propõem um modelo cosmológico que é racional (está afastado, portanto, do mito) e que tem, ao mesmo tempo, um caráter totalizador. O ser, aquilo que é, encontra-se dentro desse modelo e para além dele nada mais é: o que há é o não-ser, ou seja, o nada. A escola de Mileto A primeira escola filosófica é a escola de Mileto, que se desenvolve entre os séculos VI e V a.C. Os filósofos jônios (também chamados assim por ser essa a região a que pertencia Mileto) são, por ordem, cronológica, Tales, Anaximandro e Anaxímenes. A ocorrência da mudança constitui o ponto de partida dos milésios. As coisas nascem e crescem, mas também se decompõem e morrem. Como filósofos que são, contemplam de forma desinteressada esse fato (esse ver desinteressado, que se distingue dos que veem as coisas num sentido prático porque fazem parte dela, denomina-se em grego orao, termo do qual deriva theoria). Tratam de encontrar um princípio, um elemento primário que permanece para além do devir das coisas, do seu nascimento e morte. Os milésios chamam esse princípio de arké. O arké é a origem a partir da qual os seres do Universo são gerados; é, portanto, princípio de tudo o que existe. É um princípio material que dá unidade a toda a diversidade com que a realidade se apresenta, o princípio que subjaz a tudo e o torna compreensível.

Tales, Anaximandro, Anaxímenes

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A escola pitagórica Contemporânea dos milésios é a escola pitagórica, fundada na Itália meridional por volta de 530 a.C., por Pitágoras (570-479 a.C.). Os pitagóricos foram, acima de tudo, matemáticos ("os primeiros que fizeram as matemáticas progredirem", diz Aristóteles) e sua dedicação a essa matéria influi decididamente em sua explicação acerca da natureza do real. Observaram, de fato, como múltiplas propriedades e comportamentos dos seres reais podem ser formuladas matematicamente, e estabeleceram que todos os seres do Universo - o que são e sua forma de se comportar - são matematicamente formuláveis. Afirmaram que os números constituem a natureza do Universo e que são o princípio de todas as coisas que conhecemos têm número, e que sem esse nada poderíamos conhecer. Os números procedem de dois elementos: o par e o ímpar. Na natureza encontramos a mesma oposição, a mesma dualidade: par-ímpar, limitado-ilimitado, bom-mau, luzescuridão etc. - o que são apenas concreções dos dois princípios originais propostos. A unidade, contudo, engloba os dois: é par e ímpar ao mesmo tempo. Os pitagóricos identificam a mais alta expressão dessa harmonia na música, nas leis numéricas que governam os sons. A música é, por isso, a expressão de uma harmonia cósmica, já que o cosmos, para os pitagóricos, é uma estrutura ordenada que podemos conhecer justamente em virtude das relações numéricas que o governam. A escola pitagórica tem também uma dimensão religiosa e mística. Seus membros viviam em comunidade e suas doutrinas eram secretas, e só podiam ser conhecidas pelos adeptos. Assim como os seguidores do orfismo, os pitagóricos acreditavam na transmigração das almas (metempsicosis) e consideravam o conhecimento como um meio de purificação espiritual inseparável de outras práticas ascéticas e que tinha como objetivo interromper a perambulação da alma pelo ciclo das reencarnações.

Caixa: Os milésios

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Os pré-socráticos: Heráclito e Parmênides Com Heráclito, em quem culmina a especulação da escola jônia, e com Parmênides, que é o pensador mais importante da escola eleática, enfrentam-se duas maneiras antitéticas de pensar. O primeiro sustenta que o que é está mudando incessantemente; o segundo, ao contrário, afirma que a mudança é um conceito ilusório: o que é sempre existiu e não pode se transformar (não pode estar sujeito à passagem do não-ser ao ser do ser ao nãoser). A influência de Parmênides foi enorme na história do pensamento ocidental. Representa o polo da razão, que exige o caráter permanente e imutável do ser. Heráclito, por sua

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vez, representa o polo da experiência, que diz que as coisas são mutáveis, que nascem e morrem. Heráclito de Éfeso

Parmênides de Eleia

Caixa: A escola eleática

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Os pré-socráticos: os filósofos pluralistas Os conceitos de Parmênides e dos eleáticos, que põem em primeiro plano as dificuldades para se explicar a mudança, abrem uma ruptura entre razão e experiência que os filósofos pluralistas tentarão preencher mais adiante. Tanto Empédocles como Anaxágoras renunciam à ideia de um princípio único que dê conta de todas as coisas em favor de uma pluralidade de princípios. Com esse salto do monismo ao pluralismo, tentam conciliar o caráter imutável e eterno do ser exigido pela razão com a evidência empírica do devir incessante das coisas. Alinhados com os pluralistas encontram-se os filósofos atomistas Leucipo e Demócrito. Existe uma profunda afinidade entre pluralistas e atomistas, mas o atomismo se destaca originalmente por sustentar uma concepção materialista do Universo na qual se introduz o vazio (o não-ser) como elemento necessário.

Empédocles de Agrigento

Anáxagoras

O atomismo

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Caixa: A época dos pré-socráticos

625 a.C. Nascimento de Tales de Mileto

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462 a.C. Governo de Péricles em Atenas.

TEMÁTICA BARSA - FILOSOFIA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 1)

TEMÁTICA BARSA – FILOSOFIA (Ordem dos capítulos) 1) Origens da filosofia 2) Filosofia clássica e o helenismo 3) O advento do cristianismo 4) Filosofia medieval 5) Renascimento 6) Nova ciência 7) Racionalismo 8) Empirismo 9) Iluminismo 10) Idealismo alemão 11) Século XIX 12) Século XX

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13) Novas disciplinas do século XX 14) O ser humano 15) O conhecimento 16) A ação 17) Sociedade e Política 18) Pensamento e religião &&&&& Pré-socráticos. Termo que designa, na história da filosofia, os primeiros filósofos gregos anteriores a Sócrates (sécs. VI-V a.C.), também denominados fisiólogos por se ocuparem com o conhecimento do mundo natural (physis). Tales de Mileto (640-c.548 a.C.) é considerado, já por Aristóteles, como o “primeiro filósofo”, devido à sua busca de um primeiro princípio natural que explicasse a origem de todas as coisas. Tales é tido como o fundador da escola jônica, que inclui seu discípulo Anaximandro. As principais escolas filosóficas pré-socráticas, além da escola jônica, são: a atomista, incluído Leucipo (450-420 a.C.) e Demócrito (c.460-c370 a.C.); a pitagórica, fundada por Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.); a eleata, de Xenófanes (séc. VI a.C.) e Parmênides (c.510 a.C.) e seu discípulo Zenão; a mobilista, de Heráclito (c.480 a.C.). Com Sócrates e os sofistas, a filosofia grega toma novo rumo, sendo que a preocupação cosmológica deixa de ser predominante, dando lugar a uma preocupação maior com a experiência humana, o domínio dos valores e o problema do conhecimento.

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(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Otimismo Otimismo. De ótimo; do latim "optimus" = que possue muitas "opes" = riquezas, dons, recursos. Passou a ser empregado como superlativo de "bonus" = bom. É uma atitude fundamental que leva o indivíduo a visualizar sempre as pessoas, as coisas, as situações, sob os seus aspectos bons, agradáveis, positivos. Da mesma forma o pessimismo é uma atitude fundamental, a qual, porém, leva a supervalorizar os aspectos negativos e sombrios. O otimista e o pessimista veem a mesma coisa, sob ângulos diferentes; por isso reagem de modo diferente. Numa prova que deve durar 2 horas, quando se anuncia que passou uma, a reação do pessimista é: "Que horror! Já passou uma hora!" A reação do otimista é: "Que bom! Ainda tenho uma hora!" Tanto o otimista quanto o pessimista precisam ser realistas, ou seja, ver as coisas como realmente são. Por isso, uma educação esclarecida pode influir num sentido otimista, mas uma vida atribulada por decepções sucessivas, pode marcar profundamente uma pessoa, tornando-a pessimista. O pessimismo funciona, em geral, como inibidor da ação, mas propicia o desenvolvimento do senso crítico; o otimismo é um estimulante, mas quando sucumbe à

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ingenuidade, pode levar a desilusões e irresponsabilidade. Toda educação deve procurar ser realista, mas envolvida num clima de otimismo, que permita um desenvolvimento que não atrofie a confiança e a alegria de viver. (1) Otimismo (optimisme). Um otimista encontra um pessimista. "Tudo vai mal", exclama este último. "Não poderia estar pior!" E o otimista lhe responde: "Que nada, que nada..." Qual otimismo não dá razão, no fim das contas, ao pessimismo? Optimus, em latim, é o superlativo de bonus. A palavra significa "o melhor", e essa etimologia quase poderia servir de definição suficiente. Ser otimista, no sentido filosófico do termo, é pensar com Leibniz, que tudo vai no melhor dos mundos possíveis (Teodiceia, I; ver também III, 413 ss.). Doutrina irrefutável (já que esse mundo é o único conhecido) e, no entanto, incrível (a tal ponto o mal é evidente nele). Voltaire, no Cândido, disse a esse respeito quase tudo o que era necessário. Mas não deixa de nos espantar que um gênio como Leibniz, talvez o maior gênio que já existiu, possa ter caído numa tolice dessas. É que ele levava a religião a sério e que a religião, inevitavelmente, é otimista. Se Deus existe, o melhor existe: toda religião é um otimismo metafísico. No sentido corrente, a palavra otimista designa menos uma doutrina que uma atitude ou uma propensão: ser otimista é encarar as coisas pelo seu lado bom, ou pensar, quando elas são decididamente dolorosas, que elas vão se arranjar. E afinal de contas, por que não? Todavia a morte e a velhice constituem fortes motivos para não acreditar totalmente nisso. "O pessimismo é de humor, o otimismo é de vontade", dizia Alain; "todo o homem que se dá por vencido é triste". Não sei. Que é melhor reerguer-se do que ficar caído, visar à alegria do que à tristeza, enfim, governar-se do que se entregar, concordo, é claro. Mas desde que não se sacrifique, com isso, um só grama de lucidez. A verdade, para um filósofo, vale mais do que a felicidade. Prefiro a fórmula de Gramsci: "Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade." Ver as coisas como são, depois dar-se os meios de transformá-las. Considerar o pior, depois agir para evitá-lo Mesmo assim morreremos? Mesmo assim envelheceremos? Claro. Mas teremos vivido mais. (2) (1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Outro Outro. Do latim alter. 1. Em Platão, o outro é, por oposição ao mesmo, o diverso, o múltiplo. 2. Em Sartre: "Para obter uma verdade qualquer sobre mim, devo passar pelo

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outro. O outro é indispensável à minha existência, tanto quanto à consciência que tenho de mim". (1) O outro significa diverso do primeiro, diferente de pessoa ou coisa especificada. A qualidade das relações que o homem trava com o outro depende não apenas da simpatia de que é investida, mas também, do conhecimento recíproco dos protagonistas.

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O Outro Sérgio Biagi Gregório

1. INTRODUÇÃO A finalidade deste estudo é refletir sobre o relacionamento entre o nosso "eu" e os "eus" de outras pessoas. Pergunta-se: quem é o outro? Como distinguir o meu "eu" do "eu" dos outros? Que tipo de "outro" estamos sendo para os "outros"? 2. CONCEITO Outro – Do latim alteru (outro entre dois) significa diverso do primeiro, diferente de pessoa ou coisa especificada. Para Sartre, "o outro é o eu que não sou eu". A qualidade das relações que o homem trava com o outro depende não apenas da simpatia de que é investida, mas também, do conhecimento recíproco dos protagonistas. 3. PALAVRAS INICIAIS Desde o início da filosofia o problema do outro e do diverso esteve em destaque. O pensamento de Parmênides era o pensamento do Mesmo (identificado com o Ser), o de Heráclito parece ter sido o do Outro. Platão

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introduziu o Não-ser sob a forma de o Outro. Na filosofia moderna e contemporânea, o problema do outro indica o problema da existência de outros eus (espíritos ou pessoas), independentes do eu que formula o problema. Presentemente, as Universidades e escolas de ensino médio dos EUA incluem em seus currículos uma disciplina que ensina os alunos a se relacionarem melhor, especificamente o relacionamento entre casais. Em termos científicos, há comprovação de que o sofrimento de pessoas queridas pode realmente nos atingir. Para isso, a University College London, na Inglaterra, avaliou 16 casais, utilizando uma máquina de ressonância magnética e eletrodos. 4. ALGUMAS POSIÇÕES FILOSÓFICAS 4.1. LEVINAS É FILÓSOFO DA "ALTERIDADE" Reflete em torno do "Outro". Para ele, o Outro não é o distante, o estranho, e muito menos o impessoal. O Outro é universo epifânico e dialogal. O milagre consiste em que um homem possa ter sentido para outro homem. E valoriza a presença do Outro. Levinas estabelece a relação entre ética e ontologia. "SerOutro é mandamento, é apelo à responsabilidade. É minha responsabilidade perante a face que me olha". (Arduini, 2002, cap. VIII) 4.2. A CONSPIRAÇÃO DE TEILHARD DE CHARDIN Conspirar é aspirar com os outros. É formar constelação de agentes em torno de uma causa. Teilhard de Chardin salienta que "conspiração é a aptidão de diversas consciências que se juntam para construir um Todo, onde cada pessoa tem consciência de sua participação como todos os outros... Conspiração de unidades pensantes. É imperioso tecer a rede de solidariedade mundializada. (Arduini, 2002, cap. VIII) 4.3. FICHTE E O DEVER Fichte, em Doutrina Moral (1798), afirma o caráter originário da idéia do dever, da qual deriva o reconhecimento dos outros eus. A idéia do dever é a autodeterminação originaria do eu, mas ela não poderia ser realizada se não existissem outros eus, outros sujeitos em face dos quais, somente, a idéia do dever pode ter a sua determinação e, portanto, possibilidade de realização. 5. SOLIDARIEDADE 5.1. QUEM É O OUTRO? O outro retrata a Humanidade, no que ela tem de bom ou de ruim. Aspectos negativos: o "outro" ocluso é hermético, o "outro" desconhecido é distante, o "outro" ameaçador inspira desconfiança, o "outro" prepotente esmaga os subalternos, o "outro" violento é agressivo, o "outro" egocêntrico encastela-se em seus próprios interesses, o "outro" constrangedor coage a liberdade e bloqueia a comunicação, o "outro" rejeitado é discriminado, o "outro" insensível não se abala com a pobreza alheia, o "outro" traiçoeiro derruba parceiros, o "outro" cínico engana a sociedade. Aspectos positivos: o "outro" diferente revitaliza a sociedade, o "outro" companheiro caminha conosco por estradas planas e esburacadas, o "outro" solidário é pessoa com quem se pode contar nas horas de alegria e de tristeza, o "outro" aliado assume as causas legítimas da justiça, o "outro" movido pela esperança avança sempre, o "outro" audacioso suscita coragem, o "outro" honesto não se vende por bagatelas, o "outro" autêntico é reserva de humanismo, o "outro" fraterno é habitado pela caridade transparente. (Arduini, 2002, cap. VIII) 5.2. NARCISISMO

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Narciso vem do grego "Nárkissos". Indica torpor, é "Narco". Daí o "narcótico". Conta o mito que Narciso era filho do rio Cesifo e da ninfa Liríope. Narciso não correspondeu ao amor de Eco. Por isso, Afrodite condena-o a mirar-se nas águas. Debruça-se sobre o rio e fica encantado com sua beleza refletida na água. Acaba enamorando-se de si mesmo. Narciso amava a si mesmo e desprezava o amor dos outros. Narciso sobrevive na mentalidade e nas atitudes das sociedades. Há setores que estimulam o individualismo psicológico, econômico e social. (Arduini, 2002, cap. VIII) 5.3. A RESPONSABILIDADE Cada pessoa tem a responsabilidade de ser caminho para os outros. É injusto excluir outros do caminho. Pergunta-se: estamos criando condições de potencializar o nosso próximo? Predispomo-nos a ouvi-lo com atenção? E se for um homem iletrado? Temos para com ele o respeito de um ser humano? A responsabilidade não diz respeito somente ao ser humano, mas também em relação ao meio ambiente. Hoje, são muitas as empresas que se preocupam com o que produzem, com o tipo de lixo que estão descartando, com as condições de trabalho de seus funcionários etc. 6. REFLEXÃO EM TORNO DO EVANGELHO 6.1. PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO É um paradigma para o estudo da caridade. Nela, um homem que descia de Jerusalém para Jericó, caiu nas mãos de ladrões que o despojaram, cobriramno de feridas e se foram, deixando-o semimorto. Passaram pelo mesmo caminho um sacerdote, um levita e um Samaritano. Os dois primeiros desviaram-se do homem enfermo; o Samaritano, porém, foi tocado de compaixão, pensou-lhes as feridas e o conduziu a uma hospedaria. Nesta passagem, Jesus quis nos mostrar que a prática da caridade não está atrelada a religião, mas pertence ao íntimo do ser, pois o Samaritano, que era considerado herege mostrou-se mais caridoso do que aqueles que tinham o conhecimento da religião organizada. 6.2. FAZER AO OUTRO O QUE GOSTARÍAMOS QUE NOS FIZESSE Esta frase tem cunho de uma ordem. Ela está ligada a uma outra que diz: "Amai ao próximo como a si mesmo". Quer dizer, o outro é o nosso próximo e o próximo mais próximo é o nosso familiar, aquele que convive conosco, sob o nosso teto. Caso vivamos sozinhos, o nosso próximo passa a ser o que convive conosco no trabalho, na empresa, ou na igreja que freqüentamos. De modo que em toda a ocasião de nos relacionarmos com o próximo, podemos por em pratica esses ensinamentos. É preciso, pois, penetrar na sua profundidade, ou seja, dar ao outro o que ele precisa e não aquilo que nos sobra, que está nos atrapalhando. É o caso de desfazermos de alguns bens para o auxilio ao próximo. Damos coisas sujas, roupas que não terão mais uso, roupas que deverão ir para o lixo. 6.3. O PROBLEMA DIFÍCIL O mais intricado problema do mundo é o de cada homem cuidar dos próprios negócios, sem intrometer-se nas atividades alheias. Para ilustrar esta tese, o Espírito Néio Lúcio conta a história de um sábio e as ordens dadas aos seus três filhos, em razão da discussão sobre o problema mais difícil para alcançar o progresso espiritual. O pai, para tornar prático o ensinamento, propõe-lhes a tarefa de levar algumas dádivas ao palácio do príncipe governante: o primeiro seria o portador de rico vaso de argila preciosa;

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o segundo levaria uma corça rara; o terceiro transportaria um bolo primoroso da família. No caminho, cada irmão ficou preocupado com a tarefa do outro. Assim, O que carregava a corça, preocupado com o condutor do vaso, descuida da própria tarefa e tenta ajudar a posição do vaso. Com isso, o vaso cai e quebra-se. Com o choque, o condutor da corça perde o controle do animal, que foge espantado. O carregador de bolo avança para sustar-lhe a fuga, internando-se no mato e o bolo espatifa-se no chão. Desapontados, voltam à casa materna sem terem cumprido a obrigação. O sábio disse-lhes: se cada um de vocês estivesse vigilante na própria tarefa, não colheriam as sombras do fracasso. (Xavier, 1966, cap. 36) 7. CONCLUSÃO O eu não existe sem o outro. Tudo o que fazemos, por mais insignificante que seja, é sempre direcionado ao outro. Mesmo o maior dos egoístas, quando desencarna a sua riqueza a sua herança vai para as mãos de seus descendentes. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ARDUINI, Juvenal. Antropologia: Ousar para Reinventar a Humanidade. São Paulo: Paulus, 2002. (Coleção estudos antropológicos) XAVIER, F. C. Jesus no Lar, pelo Espírito Néio Lúcio. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1966. << = = = (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Paideia Paidéia. – Do grego paidos (criança) significava inicialmente “criação de meninos”. É por isso que Werner Jaeger, grande estudioso da cultura grega, diz-nos: "Não se pode utilizar a história da palavra paidéia como fio condutor para estudar a origem da

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educação grega, porque esta palavra só aparece no século V". Dessa forma, a palavra paidéia tomou outro rumo, ou seja, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão. A paidéia grega ou a humanitas latina dizem respeito à formação da pessoa humana individual, a qual se fundamentava nas “boas artes”, ou seja, na poesia, na eloquência, na filosofia etc. A República de Platão é a expressão máxima da estreita ligação que os gregos estabeleciam entre a formação dos indivíduos e a vida da comunidade. A afirmação de Aristóteles de que o homem é um animal político, devendo viver em sociedade, tem o mesmo significado. (1) (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Paixão Paixão. Em seu sentido atual, paixão é uma inclinação predominante, fixada num hábito. Assemelha-se à inclinação, não sendo, porém, idêntica, pois, enquanto a inclinação tem algo de instintivo e inato, a paixão adquire sua intensidade através do comportamento do indivíduo e do caráter passageiro de uma crise. (1) No sentido primitivo, uma das dez categorias de Aristóteles, que designa o fato de sofrer a ação de um agente exterior. No século XVII, as "paixões da alma" reúnem todos os estados em que a alma passa por modificações - determinadas segundo os cartesianos pelos "espíritos animais" (prazer, dor, etc.): boas na medida em que dispõe a alma a querer o que é bom para ela, só pode se tornar ruins se as acompanharmos com excesso. A condenação da paixão, de origem cristã (os moralistas gregos querem mais avaliar seus efeitos do que suprimi-los), e particularmente nítida em Kant, que nela vê uma vitória do puro sensível sobre o racional. Ao contrário, o romantismo, por intermédio de sua diversidade, vai exaltá-la de forma durável: é o móvel da atividade de Fourier, a vontade de poder de Nietzsche ou antes deles, a "malícia da razão" para Hegel. Do ponto de vista psicológico, distingue-se a paixão da simples emoção por sua duração, sua amplitude e sua capacidade de dominar a vida intelectual a ponto de ser percebida como um elemento do destino. Cf. Ataraxia (2) Psic. Do grego pathos, sofrer, suportar. Significa o estado “passivo” do sujeito em geral (e do humano, em particular), contraposto aos fenômenos de “atividade”. Daí que em Aristóteles que a paixão seja uma categoria oposta à ação, e na filosofia escolástica signifique a passividade, o ato de sofrer. Contudo nesta última escola já apareça a P. como “movimento do apetite sensível” (um sentimento ou emoção qualquer), acepção que tomará em Descartes, Malebranche e outros, com particularidades bem definidas. Por influência sobretudo dos moralistas (que a caracterizaram com sendo uma inclinação tornada de tal modo predominante que chega a quebrar o equilíbrio da vida psicológica), os modernos psicólogos definem a P. como “movimento impetuoso da alma, exaltado pela imaginação, e transformado em hábito, que a impele para um objeto ou dele a afasta, segundo encontre nele uma fonte de gozo ou de dor”. No entanto, todos estão de acordo em conservar a significação de passividade como elemento essencial.

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1) Natureza e classificação — Trata-se de um fenômeno psicológico complexo, que só poderá caracterizar adequadamente por comparação com a inclinação e como o sentimento. Com efeito, por um lado, trata-se de uma inclinação predominante (ou desenvolvimento máximo da inclinação), embora se distinga desta em ser adquirida, precisa e especial, crise mais ou menos passageira e periódica, exclusiva e absorvente, enquanto a inclinação é primitiva e inata, permanente, mais ou menos vaga e geral, e se desenvolve harmonicamente, formando um sistema de elementos coordenados. Por outro lado, trata-se de um sentimento (enquanto fixação de uma tendência sobre o objeto) mas tornado tirânico e exclusivo. Sendo essencialmente egoísta, a P. é a polarização do psiquismo sobre um objeto, implicando indiferença com relação a tudo mais. São muitas (segundo vários autores) as classificações das P., mas, dada a íntima ligação destas com as inclinações, parece melhor classificá-las (como elas) em inferiores ou sensíveis (tais como: P. de beber e comer, P. sexual, P. de excelência) e superiores ou racionais (tais como: P. da busca do verdadeiro, P. da produção do belo, P. do progresso do bem e da justiça). 2) Origem e causa — Embora se trate de uma obra do homem (os animais não têm paixões), a P. tem uma base biológica (uma vez que se enxerta sobre as tendências e necessidades), a qual se não pode reduzir à mecânica fisiológica, uma base psicológica (que só a Psicanálise pode analisar suficientemente, com exploração do Inconsciente), e até uma base social. Temos pois como causas fisiológicas da P. o temperamento físico e a hereditariedade (disposições físicas e morais recebidas que não criam normalmente nenhuma fatalidade); como causas psicológicas, temos a imaginação (que dá ao objeto elementos sensíveis que ele não tem), a razão e a vontade (com sua cumplicidade na formação de hábitos passionais, ao abdicar do seu papel de orientadora). Como causas sociais mencionaremos: a educaçao recebida, os exemplos, os costumes, o meio freqüentado, que ajudam a desenvolver as predisposições hereditárias. No seu desenvolvimento, a P. tanto se forma lentamente, por “cristalização progressiva”, como por “desencadeamento fulminante”. 3) Efeitos — A P. afeta praticamente o homem todo, o seu organismo e o seu psiquismo. Reage sobre o corpo e seus órgãos, onde cada P. provoca determinadas modificações bem características. Mas afeta sobretudo o psiquismo, transformando o apaixonado numa espécie de “possesso”, vítima de uma força fatal que se desencadeia sobre ele. A P., ao se concentrar todas as atividades da alma sobre o objeto da P., suspendendo ao mesmo tempo toda a forma de atividade que não seja estritamente requerida pelos fins passionais, produz uma espécie de unificação da alma, mas empobrecendo-a, ao esvaziá-la de tudo o que ultrapassa a ordem sensível e não é o objeto da P. O apaixonado passa a girar no círculo estreito das imagens que o obsidiam, como se delirasse. Por outro lado, a P. produz uma verdadeira ativação da inteligência, levando-a frequentemente a autênticos prodígios de engenhosidade, com a concentração da atenção e uma perseverança que não recua diante de qualquer obstáculo. Mas a inteligência, assim superativada, acaba por escapar ao controle da razão, segundo uma lógica (a “lógica passional”) que não passa de uma submissão passiva a um determinismo psicológico. Quanto à afetividade, o estado de P. implica um enriquecimento (ao levar o sujeito a vibrar intensamente perante o objeto da P.), mas por outro lado seca a mesma afetividade, levando-a a ficar indiferente perante tudo o mais. Há por isso quem defina tal processo como “cristalização”, já que o apaixonado projeta sobre o objeto da P. as suas recordações e sonhos, enriquecendo-o por justaposição de elementos vindos de fora. Daí que o efeito mais saliente da P. seja o

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“fora de si”, incapaz de atenção e reflexão: a inteligência obscurece-se, os juízos falseiam-se e as percepções deixam de ser fieis; a vontade é paralisada, submetendo-se passivamente à violência impetuosa do desejo e perdendo a integridade da sua liberdade. São ainda dignos de nota os efeitos sociais da P. onde aparece sobretudo a grande rapidez com que esta se comunica (a qual é sempre proporcional à sua violência ou intensidade), e outros aspectos estudados na psicologia das multidões. 4. Função e valor — Embora certos psicólogos falem do papel da P. como reforço dos instintos e das inclinações, no entanto torna-se difícil aceitar tal função, dado que os animais (onde não há P.) têm os instintos melhor regulados, e não se vê bem como é que a natureza pode “querer” os excessos e perversões de tantas P. Por isso, parece melhor distinguir entre as P. inferiores (sensíveis) e as P. superiores (racionais). Enquanto estas últimas são boas e fecundas, por si mesmas (ao exaltar o que há de melhor entre nós e manifestarem a aspiração do homem a ultrapassar-se sem cessar), as primeiras aparecem mais como desregramento da afetividade (enquanto esta escapa ao controle da Razão), e, embora possam ter certa função biológica, será mais exato considerá-la como estados de declínio e vertigem, nefastas pelo desequilíbrio profundo que causam. Assim se explica a divisão de opiniões que provocam entre os pensadores. Exaltada pelos Românticos e outros (que veem nela algo capaz de quebrar a monotonia da vida cotidiana, dar valor à existência, aliviar a alma e inspirar-lhe os grandes desígnios — “nada de grande se faz sem P.” —, condenada por muitos (sobretudo moralistas), entre os quais Kant (que via na P. “uma verdadeira doença da alma”), a P., sendo essencialmente um meio não é boa ou má em si mesma, mas será uma coisa ou outra segundo o uso que dela fizermos. É força, impulso, útil ou funesto, conforme a direção que lhe imprimimos. Será precioso auxiliar quando a sujeitarmos, mas conduzir-nos-á ao abismo quando dominar sobre nós. (3)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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(3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

Palingenesia Palingenesia. Etimologicamente, renascimento, regeneração. O termo foi empregado em contextos diferentes. Por exemplo, no estoicismo de Marco Aurélio, designa a eternidade cíclica no decorrer da qual reaparecem periodicamente os mesmos eventos. Na época moderna, o termo significa seja a regeneração cíclica dos seres vivos, segundo certos autores, seja o ritmo cíclico que caracterizaria o devir histórico das civilizações. (1) A palavra palin significa "novamente", "outra vez", "de volta". Palingenesia é o suposto regresso à vida, depois da morte real ou aparente. A palingenesia – não é apenas reencarnação –, pois não se aplica somente à vida orgânica. = = = >>

Reencarnação Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Reencarnação e Ressurreição. 4.Finalidade da Encarnação. 5. Justiça da Reencarnação. 6. Limites da Reencarnação. 7. Enfoque Científico. 8. Outros Tópicos. 9. Conclusão. 10. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é mostrar que a alma é imortal e ao corpo físico retorna quantas vezes for necessário. 2. CONCEITO Reencarnação significa a volta do Espírito à vida corpórea, mas num outro corpo, sem qualquer espécie de ligação com o antigo. Usa-se também o termo Palingenesia, proveniente de duas palavras gregas — Palin, de novo; genesis, nascimento. Metempsicose - do grego metempsykhosis, embora empregada no mesmo sentido da reencarnação, tem um significado diferente, pois supõe ser possível a transmigração das almas, após a morte, de um corpo para outro, sem ser obrigatoriamente dentro da mesma espécie. Ou seja, a alma que atingiu a fase humana poderia reencarnar em um animal. Plotino (205-270 a. C.) sugeriu que se substituísse por metensomatose, uma vez que haveria na realidade, mudança de corpo (soma) e não de alma (psykhe) (Andrade, 1984, p. 194 e 195) Ressurreição - do lat. ressurrectione - significa ato ou efeito de ressurgir, ressuscitar. Segundo o Catolicismo e o Protestantismo, retorno à vida num mesmo corpo. 3. REENCARNAÇÃO E RESSURREIÇÃO A confusão entre o conceito de ressurreição e o de reencarnação é porque os judeus tinham noções vagas e incompletas sobre a alma e sua ligação com o corpo. Por isso, a reencarnação fazia parte dos dogmas judaicos sob o nome de ressurreição. Eles acreditavam que um homem que viveu podia reviver,

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sem se inteirarem com precisão da maneira pela qual o fato podia ocorrer. Eles designavam por ressurreição o que o Espiritismo, mais judiciosamente chama reencarnação. A ressurreição segundo a idéia vulgar é rejeitada pela Ciência. Se os despojos do corpo humano permanecessem homogêneos, embora dispersados e reduzidos a pó, ainda se conceberia a sua reunião em determinado tempo; mas as coisas não se passam assim, uma vez que os elementos desses corpos já estão dispersos e consumidos. Não se pode, portanto, racionalmente admitir a ressurreição, senão como figura simbolizando o fenômeno da reencarnação. O princípio da reencarnação funda-se, a seu turno, sobre a justiça divina e a revelação. Dessa forma, a lei de reencarnação elucida todas as anomalias e faz-nos compreender que Deus deixa sempre uma porta aberta ao arrependimento. E para isso, Deus, na sua infinita bondade, permite-nos encarnar tantas vezes quantas forem necessárias ao nosso aperfeiçoamento espiritual, utilizando-se deste e de outros orbes disseminados no espaço. (Kardec, 1984, cap. IV, it. 4, p. 59) 4. FINALIDADE DA ENCARNAÇÃO 1) Expiação — Expiar significa remir, resgatar, pagar. A expiação, em sentido restrito consiste em o homem sofrer aquilo que fez os outros sofrerem, abrangendo sofrimentos físicos e morais, seja na vida corporal, seja na vida espiritual. 2) Prova — Em sentido amplo, cada nova existência corporal é uma prova para o Espírito. A prova, às vezes, confunde-se com a expiação, mas nem todo sofrimento é indício de uma determinada falta. Trata-se freqüentemente de simples provas escolhidas pelo espírito para acabar a sua purificação e acelerar o seu adiantamento. Assim, a expiação serve sempre de prova mas a prova nem sempre é uma expiação. 3) Missão — A missão é uma tarefa a ser cumprida pelo Espírito encarnado. Em sentido particular, cada Espírito desempenha tarefas especiais numa ou noutra encarnação, neste ou naquele mundo. Há, assim, a missão dos pais, dos filhos, dos políticos etc. 4) Cooperação na Obra do Criador — Através do trabalho, os homens colaboram com os demais Espíritos na obra da criação. 5) Ajudar a Desenvolver a Inteligência — a necessidade de progresso impele o Espírito às pesquisas científicas. Com isso a sua inteligência se desenvolve, sua moral se depura. É assim que o homem passa da selvageria à civilização. A encarnação ou reencarnação tem outras finalidades específicas para este ou aquele Espírito. Citam-se, por exemplo, o restabelecimento do equilíbrio mental e o refazimento do corpo espiritual. (FEESP, 1991, 7.ª Aula, p. 73 a 76) 5. JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO A doutrina da reencarnação, que consiste em admitir para o homem muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à idéia da justiça de Deus com respeito aos homens de condição moral inferior; a única que pode explicar o nosso futuro e fundamentar as nossas esperanças, pois oferece-nos o meio de resgatarmos os nossos erros através de novas provas. A razão assim nos diz, e é o que os Espíritos ensinam. (Kardec, 1995, pergunta 171) 6. LIMITES DA ENCARNAÇÃO A encarnação não tem, propriamente falando, limites nitidamente traçados, se se entende por isso o envoltório que constitui o corpo do Espírito, já que a materialidade desse envoltório diminui à medida que o Espírito se purifica.

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Nesse sentido, o limite máximo seria a completa depuração do Espírito, quando o perispírito estaria totalmente diáfano. Mas mesmo assim, há trabalho a realizar, pois podem vir em missões para ajudar os outros a progredirem. (Kardec, 1984, cap. IV, it. 24, p. 67 e 68) 7. ENFOQUE CIENTÍFICO O Dr. Ian Stevenson, Diretor do Departamento de Psiquiatria e Neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos da América, conseguiu catalogar cerca de 2000 casos, tendo publicado cinco livros versando sobre esses relatos. Em um de seus livros, o 20 Casos Sugestivos de Reencarnação, reúne 7 casos na Índia, 3 no Ceilão, 2 no Brasil, 7 no Alasca e 1 no Líbano. O Método empregado pelo Dr. Ian Stevenson consiste em descobrir pessoas, principalmente crianças, que espontaneamente manifestem recordações. Na maioria dos casos espontâneos, os principais acontecimentos já ocorreram quando o investigador entra em cena. Possíveis ocorrência erros: 1) tradução; 2) os registros no ato da transcrição das testemunhas; 3) as observações quanto ao comportamento do entrevistado; 4) falhas de memória por parte das testemunhas 5) Além disso, embora acreditem na reencarnação, as pessoas envolvidas adotam atitudes bem diferentes. Existe uma crença generalizada de que a lembrança de vidas pretéritas condena à morte prematura, e muitas vezes os pais usam de medidas enérgicas e mesmo cruéis, para evitar que uma criança fale sobre uma vida anterior. Stevenson, em suas observações conclusivas, não opta com firmeza por nenhuma teoria como explanatória de todos os casos. Diz ele que alguns casos podem ser explicados melhor como sendo devido à fraude, à criptomnésia ou à percepção extra sensorial com personificação (talvez com misto de telepatia e retrocognição). Complementando diz: "Na medida em que nos preocupamos com a evidência da sobrevivência, não nos sentimos obrigados a supor que todo caso sugestivo de renascimento deve ser explicado como um caso de reencarnação. Nosso problema é antes, saber se há algum caso (ou mesmo somente um) em que nenhuma outra explicação pareça melhor do que a reencarnação, na explanação de todos os fatos. (Stevenson, 1971, p. 506) 8. OUTROS TÓPICOS O tema reencarnação, por ser amplo, comportaria vários outros tópicos, ou seja: planejamento da reencarnação, mapas cromossômicos, reencarnação na Bíblia, encarnação nos diferentes mundos etc. 9. CONCLUSÃO A reencarnação fundamenta todo o nosso desenvolvimento moral e intelectual. Sem ela, a existência física perderia a perspectiva de uma vida futura, o que nos levaria ao materialismo; com ela, todo o sofrimento encontra a sua explicação lógica, reacendendo, assim, a esperança num futuro mais promissor. 10. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ANDRADE, H. G. Espírito, Perispírito e Alma: Ensaio sobre o Modelo Organizador Biológico. São Paulo, Pensamento, 1984. AUTORES DIVERSOS. Curso Básico de Espiritismo (1.º Ano). 3. ed., São Paulo, FEESP, 1991.

514 KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995. STEVENSON, I. 20 Casos Sugestivos de Reencarnação. São Paulo, Difusora Cultural, 1971. São Paulo, julho de 1999

<< = = = (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Panteísmo Panteísmo. Concepção segundo a qual tudo o que existe deve sua existência a Deus, e em última análise se identifica com Deus. Deus é assim um ser imanente no mundo, à natureza, e não um ser exterior e transcendente. Na filosofia clássica, os estoicos defenderam uma posição na qual Deus se confundia com a Alma do Mundo. No pensamento moderno, Spinoza é o principal representante do panteísmo, afirmando que Deus é a única substância infinita e eterna, da qual todas as coisas existentes são apenas modos. Ver teísmo; ateísmo. (1) Doutrina filosófica que identifica Deus e o Mundo, o Criador e a criação, Isto é, considera Deus como a universidade dos seres ou conjunto de tudo quanto existe. (2) A concepção de que Deus está em tudo, ou de que Deus e o universo são um. O mais conhecido sistema panteísta da filosofia moderna é o de Spinoza, embora a retórica panteísta tenha florescido no século XIX, na obra de Emerson, por exemplo. (3) A característica do panteísmo pode ser expressa dizendo-se que ele não estabelece nenhuma diferença entre causalidade divina e causalidade natural. No interior do panteísmo, podem-se distinguir três modos principais de vincular mundo e Deus, quais sejam: 1.° o mundo é a emanação de Deus; 2.° o mundo é a manifestação ou revelação de Deus; 3.° o mundo é a realização de Deus. O primeiro e o segundo desses modos unem-se em geral, e o mesmo ocorre com o segundo e o terceiro; não se acham, porém, explicitamente vinculados o primeiro e o terceiro (extraído da palavra Deus, item Deus como Natureza do Mundo). (4) Crítica de Schopenhauer. Contra o panteísmo eu apenas sustento que ele não diz nada. Chamar o mundo de Deus não significa explicá-lo, mas apenas enriquecer a língua com um sinônimo supérfluo da palavra mundo. O panteísmo pressupõe o teísmo como seu antecedente. Não se parte imparcialmente do mundo como aquilo que deve ser explicado, mas de Deus, como aquilo que é dado. (5) Panenteísmo. Deus é maior do que o universo, incluindo-o e fundindo-se a ele. (6) Panteísmo. Deus coincide com o universo, e o universo é uma manifestação de Deus, o que faz com que Deus e a natureza sejam uma coisa só. (6)

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(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. (4) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (5) SCHOPENHAUER, A. Sobre a Filosofia e seu Método. Organização e tradução de Flamarion Caldeira Ramos. São Paulo: Hedra, 2010, pág. 145 e 146. (6) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Paradigma Paradigma. Modelo ou exemplo. Platão empregou esta palavra no primeiro sentido, ao considerar como paradigma o mundo dos seres eternos, do qual o mundo sensível é imagem. (1) Paradigma. Um termo polissêmico que designa "modelo a ser imitado", "abordagem padrão", "orientação teórica", "estilo de pensamento" e outras coisas mais. Exemplo: até o nascimento da física dos campos e a biologia evolucionária, a mecânica era considerada como paradigma de todas as ciências. Hoje em dia, cada ciência tem vários paradigmas. Definição: Um paradigma é um corpo B de conhecimento básico juntamente com um conjunto H de específicas hipóteses substantivas, uma problemática P, uma meta A e uma metódica M: P = . Uma generalização do conceito de abordagem. Um deslocamento de paradigma, ou mudança de perspectiva, acontece quando uma mudança radical ocorre nas hipóteses específicas, na problemática, ou em ambas. Exemplos: platonismo --> aristotelismo, ética kantiana --> utilitarismo, economia clássica --> economia neoclássica, modernidade --> pósmodernidade. (2) Paradigma. Conforme usado por Thomas Kuhn em The Structure of Scientific Revolutions (1962), um conjunto de crenças científicas e metafísicas que constituem um quadro de referência teórica dentro do qual podem ser testadas, avaliadas e, se necessário, revistas teorias científicas. A tese principal de Kuhn, na qual a noção de um paradigma exerce um papel central, estrutura-se em torno de um argumento contra a ideia da lógica empirista de mudança de teorias científicas. Os empiristas concebiam a mudança de teoria como um processo contínuo regular e cumulativo, no qual fatos empíricos, descobertos através da observação ou experimentação impõem revisões em nossas teorias e assim aumentam o nosso conhecimento cada vez mais do mundo.

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Dizíamos que, em combinação com esse processo de revisão, há um processo de redução interteórico que nos permite entender o macro em termos do micro, e que em última instância visa à unidade da ciência. Kuhn sustenta que essa ideia é incompatível com o que de fato acontece, caso após caso, na história da ciência. A mudança científica ocorre por "revoluções", nas quais um paradigma mais antigo é derrubado e substituído por um quadro de referência incompatível ou até incomensurável com tal paradigma. Consequentemente os "fatos" empíricos alegados em apoio da teoria mais antiga tornam-se irrelevantes para a nova. As questões levantadas e respondidas no novo quadro de referência transcendem as do antigo. Efetivamente os vocabulários dos dois quadros de referência constituem linguagens diferentes, que não são fáceis de intertraduzir. Esses episódios de revolução são separados por longos períodos de "ciência normal", durante os quais as teorias de determinado paradigma são polidas, refinadas e elaboradas. Às vezes tais períodos são chamados de períodos de "solução de quebra-cabeças", pois as mudanças devem ser entendidas mais como um brincar com detalhes das teorias para "salvar os fenômenos" que como passos que nos aproximam mais da verdade. Diversos filósofos queixaram-se de que a concepção do paradigma de Kuhn é demasiado impreciso para realizar a tarefa para a qual ele a previu. (3)

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (3) AUDI, Robert (Organizador). Dicionário de Filosofia de Cambridge. Tradução de João Paixão Netto, Edwino Aloysius Royer et all. São Paulo: Paulus, 2006.

Paradoxo Paradoxo. Do grego para e doxa, opinião. Estado de coisas (ou declaração que se faça sobre elas), que aparentemente implica alguma contradição, pois uma análise mais profunda faz desvanecê-la. Paradoxo. Um pensamento que vai contra a opinião ou contra o pensamento. Temos, assim, dois sentidos diferentes. Ir contra a opinião (dóxa) não tem nada de condenável. Isso, é claro, não prova que tenhamos razão (um paradoxo pode ser verdadeiro ou falso), mas pelo menos sugere que não nos contentemos com repetir o que se diz. Por exemplo, quando Oscar Wilde escreve que “A natureza imita a arte”: é um paradoxo já que a maioria das pessoas acredita que a arte imita a natureza, mas pode ser esclarecedor (ele nos dá a entender que nossa visão da natureza é influenciada pela dos artistas: “Vocês notaram como a natureza, de uns tempos para cá, se parece com uma pintura impressionista?”, perguntava Oscar Wilde). Ou quando Talleyrand aconselhava: “Cuidado com o primeiro movimento: é o correto.” É um paradoxo (por que tomar cuidado com o que é correto?), mas que nos faz refletir: se o primeiro

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movimento é o correto, no sentido moral do termo, ele pode se revelar incorretíssimo num outro registro (por exemplo, político ou diplomático). Note-se que a maioria dos paradoxos provém de um duplo sentido atribuído a pelo menos uma das palavras utilizadas: a fórmula, que parece absurda de acordo com um dos sentidos, pode se revelar profunda de acordo com outro. No entanto, há paradoxos verdadeiros, que vão verdadeiramente contra a opinião dominante e não jogam com nenhum duplo sentido. Por exemplo, quando Spinoza escreve que não é porque uma coisa é boa que nós a desejamos; ao contrário, é porque a desejamos que a consideramos boa (Ética, III, 9, escólio). Todos nós temos a sensação do contrário. Isso não prova que Spinoza esteja errado, nem que tenha razão. Mas a palavra paradoxo também tem um sentido puramente lógico: é um pensamento que vai contra o pensamento, dizia eu. Em outras palavras, é uma contradição ou uma antinomia. (1) Paradoxo. Contradição ou assunção contra-intuitiva ou achado. Os paradoxos de primeira espécie são de duas classes: lógicos e semânticos. Os primeiros foram encontrados na lógica e na teoria dos conjuntos no começo do século XX, e seu estudo estimulou importantes avanços, como a teoria do tipo e a teoria axiomática dos conjuntos, que se situam para além do escopo da presente obra. Alguns dos paradoxos semânticos eram conhecidos e têm sido investigados há séculos. O mais famoso é o paradoxo do mentiroso, que pode ser tratado por meio da distinção linguagemmetalinguagem. Quanto aos paradoxos do segundo tipo – resultados contra-intuitivos – a física quântica está carregada delas. Basta lembrar o EPR* e os experimentos mentais de Schrödinger, gato de. O primeiro foi resolvido, mas os outros continuam sendo água para o moinho da indústria acadêmica. A "lógica" indutiva também se apresenta marcada pelos paradoxos: o paradoxo do corvo e o paradoxo do verzul. (2)

* Iniciais de Einstein, Podolsky e Rosen, autores de um artigo publicado em 1935, que aceita ser a mecânica quântica correta, mas não completa (N. do T.)

(1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Paradoxo: Verzul, Corvo, Mentiroso, Perdão, Socrático Paradoxo do Verzul. Um engraçado mini problema acadêmico destinado a irritar qualquer cientista. Suponha que esmeraldas pudessem manter-se verdes até uma certa data futura T, tornando-se a partir de então azuis. Se fosse o caso, poderíamos chamálas de ‘verzul’ ou ‘azerde’. Podem existir esmeraldas assim? De acordo com os

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empiristas, sim, porque, até o ano T, o mesmo corpo de evidência empírica sustenta as generalizações alternativas: H1: Todas as esmeraldas são verdes. H2: Todas as esmeraldas são verzuis. (1)

Paradoxo do Corvo. Um paradoxo da lógica indutiva proposto por C. G. Hempel. A generalização empírica “Todos os corvos são pretos” é formalmente equivalente à proposição que reza: Todas as coisas não-pretas são não-corvos. Portanto, encontrar uma loira pareceria confirmar a dada generalização, que é paradoxal, para não dizer tola. Esse paradoxo dissolve-se à observação de que qualquer interessado em corvos começaria por confinar seu universo de discurso aos pássaros, de modo que consideraria irrelevante para o seu objetivo encontrar uma loira. Em outras palavras, como a classe de máxima referência de “Todos os corvos são pretos” é a classe dos pássaros, apenas dados acerca dos pássaros seriam relevantes para a hipótese em questão. Qualquer teoria razoável de referência, que seguisse o modo como os cientistas lidam efetivamente com os predicados, poderia ter evitado a enchente de publicações gerada por esse quebracabeça. (1)

Paradoxo do Cético. O cético radical duvida de tudo igualmente. Em particular, ele coloca todas as hipóteses, científicas ou não científicas, no mesmo nível. Por exemplo, é provável que ele classifique no mesmo grau a psicocinética (o movimento de objetos materiais provocados pela mente) junto com o princípio de conservação de energia. Como consequência, ele pede tolerância ou até apoio para especulações ou experimentos concernentes à psicocinética. Assim, na prática, o ceticismo radical pode encorajar a credulidade. (Ver ceticismo, mente aberta) (1)

Paradoxo do Mentiroso. Nome dado ao clássico sofisma "Eu minto", por referência ao lendário Epimênides (séc. IV a.C.), que diz: "Todos os cretenses mentem sempre; ora, ele é cretense; logo, mente. Conclusão: os cretenses não mentem. No entanto, se Epimênides diz a verdade, os cretenses mentem" etc. Logo, se Epimênides diz a verdade, está mentindo, e se mente diz a verdade. Fora da verdadeira conclusão lógica que se impõe e impede essa falsa regressão ao infinito ("não é verdade que os cretenses mentem sempre"), esse tipo de paradoxo é útil para distinguir a linguagem da metalinguagem, o que se diz e o fato de dizê-lo. (2)

Paradoxo do Perdão. Se só as pessoas que merecem perdão devem ser perdoadas, então o perdão ou é injustificado, no caso de a pessoa não o merecer, ou é irrelevante, uma vez que se a pessoa merece perdão não há nada a perdoar. Logo, é impossível justificar o perdão para verdadeiros transgressores. No entanto, o perdão dos

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transgressores é frequentemente pedido e concedido e em alguns sistemas éticos chega a ser exigido que perdoemos os transgressores. (3)

Paradoxo Socrático. Mais do que um paradoxo, no sentido estrito, a expressão se refere a uma de duas conclusões surpreendentes e inaceitáveis, traçadas a partir dos diálogos socráticos de Platão: (I) a espantosa consequência da associação que Sócrates estabelece entre conhecimento e virtude, segundo a qual ninguém age mal sabendo que está agindo mal; (II) o ponto de vista de que ninguém conhece o significado de um termo quando o usa, a não ser que possa oferecer uma definição explícita. Embora às vezes se chame esse ponto de vista de falácia socrática, pode-se defender que essa interpretação viola o princípio de caridade, pois Sócrates não se preocupava unicamente com o significado, mas com noções como as de justiça ou de razão, para as quais a nossa incapacidade de oferecer princípios pode muito bem refletir ignorância e confusão. Sobre o primeiro ponto, ver acrasia. (3) Paradoxo Sorites. Um grão de areia não é um monte. E, para qualquer número n, se n grãos de areia não são um monte, então a adição de mais um grão não faz deles um monte. Mas nesse caso nunca poderemos obter um monte, visto que cada grão que acrescentarmos é tão suscetível de dar origem a um monte quanto o anterior. Esse é um paradoxo importante porque revela a existência de uma tensão entre lógica clássica e o raciocínio matemático, por um lado, e os predicados "vagos" da linguagem natural, por outro. A tentativa de abandonar a segunda premissa (a indutiva), a introdução de "graus de verdade " e a substituição da lógica clássica pela lógica difusa são algumas das soluções apresentadas. (3) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Parapsicologia Parapsicologia. É uma atividade de pesquisa concernente à zona fronteiriça, ainda desconhecida ou mal conhecida, que separa os estados psicológicos, considerados como habituais ou normais, dos estados excepcionais ou patológicos. (1) Parapsicologia. O estudo de supostas habilidades paranormais (extra-sensoriais) e processos, tais como telepatia, precognição e psicocinese. A única pseudociência que usa estatística e realiza experimentos – que, infelizmente, mostraram ser todos eles defeituosos. Os empiristas pretendem que tais estudos deveriam continuar a ser aperfeiçoados, pois não se pode excluir a priori a realidade de semelhantes fenômenos.

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Os realistas científicos argumentam que isto constitui perda de tempo, porque os processos mentais não podem ser separados do cérebro, assim como as pedras não podem ser levadas a sorrir ou os sorrisos não podem ser separados dos músculos faciais. Neste modo de ver, a mente desencarnada postulada pela parapsicologia assemelha-se ao sorriso do gato de Cheshire*. (2) (1) CURSIO, Michele. A Parapsicologia de A a Z: Os Poderes Inacreditáveis da Ciência Secreta. Tradução de Luiz Roberto Seabra Malta e Margareth Fiorini. São Paulo: Rideel, 1993. (Coleção Novo Milênio) (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) *Como o gato em Alice no País das Maravilhas, que está sempre arreganhado, sem outro motivo, e que deu origem a essa expressão popular inglesa.

Passado e Futuro Passado e Futuro. Eventos passados são aqueles que ocorreram e não mais ocorrem agora, e eventos futuros ainda não ocorreram. Portanto, nem o passado nem o futuro são reais, e nenhum deles pode atuar sobre o presente. O que pode influenciar o presente são alguns dos traços deixados pelas ocorrências passadas, e algumas das previsões que fazemos. De acordo com a física relativista, a distinção passado-futuro, embora real, não é absoluta, porém relativa a um sistema de referência. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Patrística Um dos fatos de maior transcendência ocorrido na história do pensamento ocidental é a adoção que o cristianismo faz da filosofia grega, durante os primeiros séculos de nossa era. Nossa cultura ocidental não poderia ser entendida sem essa síntese laboriosa que os padres da igreja realizaram ao longo de setecentos anos. O resultado dessa obra, quer dizer, a elaboração doutrinal que estabelece uma continuidade com o mundo antigo pela via da razão e com o mundo cristão pela via da revelação é conhecida pelo nome de patrística.

A helenização do cristianismo Historicamente, o cristianismo, desde o seu aparecimento na Palestina, expandiu-se de forma gradual pelo Mediterrâneo. Foi constatado que a queda de Jerusalém nas mãos dos romanos (ano 70) deu maior peso àquelas regiões da Grécia e da Anatólia que

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haviam sido evangelizadas por São Paulo. Mas esses fatos, apesar de importantes, não explicam totalmente a envergadura do processo de helenização experimentado pelo cristianismo desde suas origens. A passagem sucessiva de Jerusalém a Atenas, e depois Roma como centros de expansão cristã é fomentado, desde logo, por uma série de vicissitudes históricas, mas dá conta, também, de uma espiritualização cada vez maior dos conteúdos cristãos. Pouco a pouco, vão-se abandonando as concepções apocalípticas, mais típicas do judaísmo, que viam a salvação como algo imediato, e passa-se a interpretá-la como uma forma de salvação espiritual. Não se espera, portanto, uma redenção imediata do sofrimento e da morte, existe, em lugar disso, uma necessidade de aprofundar os conteúdos da verdade revelada, para manter viva aquela esperança originária da salvação. É quando aparece no cristianismo, a necessidade de adotar os instrumentos conceituais forjados na cultura grega, e assim tem início aquela elaboração doutrinal dos padres da igreja conhecida como "patrística".

Tertuliano e Orígenes Há nesta época (séculos I-III) dois pensadores cristãos de grande relevo que, com sua obra, já indicam as possibilidades resultantes de uma síntese entre cristianismo e filosofia. Nascido por volta de 155 em Cartago, Tertuliano é o expoente de um cristianismo baseado na fé, no fundo racional da alma, isto é, no puro sentimento, e que, justamente por isso, quer prescindir da filosofia. Expressa, portanto, uma tendência contrária à da patrística, e será posto à margem pela igreja, apesar de haver criado o latim eclesiástico e haver combatido o gnosticismo. A atitude de Tertuliano, contudo, é precursora de um cristianismo místico e vivencial que encontrará sua máxima expressão na síntese agostiniana de razão e fé. Um caso diferente é o de Orígenes, que nasceu por volta do ano 185 em Alexandria. Autor de uma vasta obra composta de escólios, homílias e comentários, Orígenes é o primeiro grande sistematizador da teologia cristã e, por isso mesmo, o primeiro criador de um sistema filosófico cristão, ao qual incorpora elementos neoplatônicos e até gnósticos. É ele quem define a orientação filosófica que os padres da igreja vão seguir, e sua influência chega até a escolástica medieval, embora com muitas tensões. No século VI, os partidários desse pensador, que alimentam a corrente do origenismo, serão condenados pela igreja ao defenderem a crença na eternidade do mundo e na doutrina da preexistência da alma.

A patrística

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Com esses precedentes (progressiva helenização do cristianismo e os primeiros esforços para conciliá-lo com a filosofia), a patrística surge a partir do século II, com são Justino. Como doutrina dos padres da Igreja, procurou unir o pensamento grego (especialmente o platônico e o neoplatônico) às Sagradas Escrituras. Ao mesmo tempo, a patrística é uma doutrina que se forja na luta contra o paganismo e na depuração teorética exigida pelo esforço de diferenciar-se de heresias como o gnosticismo, o arianismo, o maniqueísmo, o monofisismo. As questões que mais preocupam os padres da igreja são as mais importantes levantadas pelo dogma. A criação, a revelação de Deus com o mundo, o mal, a alma, o destino da existência e o sentido da redenção são problemas fundamentais da patrística. E também questões estritamente teológicas, como as que se referem à essência de Deus, à trindade das pessoas divinas etc. Por último, problemas morais que vão conduzir ao estabelecimento de uma nova ética que, embora utiliza conceitos helênicos, se fundamenta, na graça e na relação do homem com seu criador, e culmina na ideia da salvação, estranha ao pensamento grego. A patrística chega ao seu auge com o pensamento agostiniano. Clemente de Alexandria, são Gregório Nazianzeno, são Basílio, são João Crisóstomo e são Jerônimo trouxeram contribuições da máxima importância a essa corrente de pensamento que perdurará (ainda que com menor força após a morte de santo Agostinho) até o século VIII.

Platonismo e cristianismo O platonismo é o sistema que proporciona ao cristianismo o esquema conceitual básico. De um lado, a corrente platônica — definitivamente impulsionada pelo neoplatonismo — era na época a mais vigorosa e dominante; além disso, era a que oferecia mais pontos de contato com a doutrina cristão. Os aspectos da concepção platônica que ofereciam mais possibilidades para a formulação das ideias cristãs são os seguintes. Em primeiro lugar, a existência de dois mundos, um sensível e imperfeito e outro inteligível e perfeito. O cristianismo situa as ideias na mente de Deus: o mundo perfeito é o divino. Da mesma forma como para o platonismo o mundo sensível foi feito à imagem e semelhança das ideias, para o cristianismo a criação leva também a marca das ideias do Criador. Mas, apesar dessa presença de Deus na criação, os filósofos cristãos não deixam de sublinhar a contingência da coisa criada (a coisa criada é, mas pode não ser: não possui o ser por si mesmo, mas o recebe de Deus) e, com a contingência, a dependência de seu ser em relação ao Criador. Por outro lado, os cristãos acreditaram encontrar a própria ideia de criação prefigurada no Demiurgo platônico. Por último, tanto Platão quanto o neoplatonismo, ao situarem a ideia do Bem no topo da hierarquia, abriram grandes possibilidades ao cristianismo para expressar o monoteísmo. (1)

O pensamento de Tertuliano

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Para Tertuliano, Atenas e Jerusalém nada têm em comum: fé em Cristo e Sabedoria humana se contradizem (daqui sua célebre afirmação: credo quia absurdum). Na verdade, a alma é naturaliter christiana e é a cultura filosófica que a afasta da verdade. Tertuliano assumiu, talvez de Sêneca, uma concepção corpórea da realidade e do próprio Deus. Tertuliano contrapõe os filósofos aos cristãos do seguinte modo: "Em seu conjunto, que semelhança pode-se perceber entre o filósofo e o cristão, entre o discípulo da Grécia e o candidato ao céu, entre o traficante de fama terrena e aquele que faz questão de vida, entre o vendedor de palavras e o realizador de obras, entre quem constrói sobre a rocha e quem destrói, entre quem altera e quem tutela a verdade, entre o ladrão e o guardião da verdade?" (2) (1) Temática Barsa - Filosofia (2) REALE, G. e ANTISERI, D. História da Filosofia: História Pagã Antiga, v. 1. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.

Pensamento Pensamento. FILOS. No sentido mais lato, designa-se por pensamento toda a atividade psíquica; numa acepção mais estreita, só o conjunto de todos os fenômenos cognitivos, e excluindo, portanto, os sentimentos e as volições; mais estritamente ainda, pensamento é sinônimo de "intelecto", enquanto permite compreender - ou inteligir - a matéria do conhecimento e na medida em que realiza um grau de síntese mais elevado que a percepção, a memória e a imaginação. (1) “O supremo paradoxo de todo o pensamento é tentar descobrir algo que o pensamento não pode pensar”. (Kierkegaard) = = = >>

Pensamento e Fisiologia do Pensamento SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. O Pensamento: 4.1. A Dificuldade da Descrição do Pensamento; 4.2. A Origem do Pensamento; 4.3. Senso Crítico. 5. Mente-Cérebro: 5.1. Estrutura da Mente; 5.2. Monismo e Dualismo; 5.3. Cérebro, Mente e Computador. 6. O Pensamento Segundo a Ótica Espírita: 6.1. Duas Formas de Concepção; 6.2. Fotografia do Pensamento; 6.3. Pensamento e Matéria Mental. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que se entende por pensamento? O pensamento é matéria? Como distinguir o pensamento como informação do pensamento como matéria? Em vez do termo fisiologia do pensamento, não seria mais apropriado usarmos fisiologia do pensar? 2. CONCEITO

524 Pensamento. Dada a dificuldade de conceituá-lo, podemos vê-lo sob quatro pontos de vista: 1º qualquer atividade mental ou espiritual; 2º atividade do intelecto ou da razão, em oposição aos sentimentos e volições, 3º atividade discursiva; 4º atividade intuitiva. (Abbagnano, 1970) Fisiologia. Ciência que trata dos fenômenos vitais e das funções pelas quais se manifesta a vida. Parte da biologia cujo objeto é o estudo das funções dos organismos vivos, vegetais e animais. Fisiognomonia. Baseia-se no princípio de que é o pensamento que põe em jogo os órgãos, que imprime aos músculos certos movimentos, daí se seguindo que, estudando-se as relações entre os movimentos aparentes e o pensamento, daqueles se pode deduzir o pensamento que não vemos. (Equipe da Feb) Fisiologia do pensar. Diz respeito às relações matéria-espírito, corpo-alma, corpo-mente, matéria-consciência, físico-químico e, atualmente, mente-cérebro. Para Kant, a fisiologia do pensar resume-se em passar da sensação (estímulo desorganizado), para a percepção (sensação organizada), para concepção (percepção organizada) e para a ciência (conhecimento organizado). 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Para os gregos, o que caracteriza o ser humano é a razão. Sentimentos e desejos fazem parte da natureza humana, mas devem ser modulados pela razão. O objetivo principal dos gregos era, através da razão, atingir a virtude, o termo médio entre dois extremos. Em termos sociais, a justiça era a virtude por excelência; no terreno pessoal, a prudência. Daí, as duas frases de Aristóteles: “O homem é um animal político” e “O homem é um animal racional”. Na Idade Média, síntese da cultura grego-latina e cristianismo, o mundo foi criado para o homem, este imagem e semelhança de Deus. O objetivo central é a salvação da alma em detrimento de tudo o mais que existe na terra. Com o renascimento, as ideias evoluíram para uma crítica à ascendência da religião na vida de todos. A razão começou novamente a ter acesso sobre os acontecimentos. Ganhou-se aqui uma posição centrada no próprio ser humano, pois tudo é relativo a ele. O afã pelo conhecimento, o endeusamento da razão e os desdobramentos da ciência (teóricoexperimental) levam-nos a outros enfoques sobre o pensar, relacionando-o com a mente e o cérebro. 4. O PENSAMENTO 4.1. A DIFICULDADE DA DESCRIÇÃO DO PENSAMENTO Se nos solicitarem para descrevermos o pensamento, teremos dificuldade. Sabemos o que é um pensamento, mas não conseguimos expressá-lo em palavras. Observe as relações entre a filosofia e o pensamento: elas não são tão simples quanto à primeira vista parecem. Fala-se, por exemplo, dos pensamentos (e não dos filósofos) chinês e hindu, que não são interrogativos e têm o condão de privilegiar o poético-noemático ao discurso estritamente racional. Nesse caso, o poético-noemático não é superficial, mas estritamente essencial para a própria constituição do pensável. (Temática Barsa, 2005, P. 214-217) 4.2. A ORIGEM DO PENSAMENTO Na falta de uma explicação mais consistente, fala-se em:

525 1.ª) estímulo — um problema que o desperta, podendo ser uma dúvida, incerteza, inquietação ou qualquer outra coisa; 2.ª) pesquisa — procura de documentação capaz de esclarecer o problema, através de uma atividade nervosa e psíquica que se desencadeia; 3.ª) hipótese — fase crucial e a mais importante do processo do pensamento, em que os dados obtidos são elaborados; 4.ª) solução — abandono da dúvida em vista da força dos elementos colhidos; 5.ª) crítica — fase final de análise do caminho seguido. (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura) 4.3. SENSO CRÍTICO As informações nos chegam através das percepções sensoriais e das percepções extrasensoriais. Elas passam pelo nosso corpo físico e o nosso corpo perispiritual e vão até o Espírito propriamente dito. O Espírito, o princípio inteligente, sintetiza o que lhe chega e manda de volta como uma crítica conceituada. Se esta crítica conceituada coincidir com a informação apresentada, diz-se que o sujeito está com a verdade; não coincidindo, que está em erro. Para facilitar o nosso raciocínio, vejamos o mecanismo do estímulo-resposta para o comportamento humano. Evento 1: um estímulo incide sobre um organismo. Evento 2: este estímulo ativa um receptor para desencadear um impulso nervoso. Evento 3: os impulsos nervosos são conduzidos do receptor para o cérebro. Evento 4: passando pelo cérebro, os impulsos nervosos ativam um efetor. Evento 5: o efetor gera uma resposta. 5. MENTE-CÉREBRO 5.1. ESTRUTURA DA MENTE A mente, sendo um substantivo, deveria ser tratada como uma entidade. Concebemo-la, contudo, como uma atividade ou processos mentais, em que estão presentes a consciência, a intencionalidade, a subjetividade e o caráter representacional. Como esses processos mentais estão estruturados? Há várias teorias. A teoria das faculdades, em que há hierarquia de poderes, ou seja, a inteligência e a vontade são superiores à imaginação, por exemplo. Nas teorias atuais existem duas posturas: construtivismo e inatismo. No construtivismo, todas as estruturas mentais são construídas pelo sujeito com relação ao seu meio ambiente. No inatismo, a mente possui estruturas inatas que são ativadas em contato com o meio ambiente. (Temática Barsa, 2005, p. 214-217) 5.2. MONISMO E DUALISMO Ao longo da história da filosofia e da ciência, a mente foi concebida como uma relação matériaespírito, corpo-alma, corpo-mente, matéria-consciência etc. As respostas obtidas podem ser expressas de duas formas: monistas e dualistas. O monismo sustenta que existe apenas uma realidade; o dualismo, que há separação entre o espírito e a matéria. Por muito tempo, o monismo foi materialista, ou seja, só existe a matéria. Recentemente, fala-se em monismo espiritual. Para o dualismo, há dois tipos de substâncias: o mental e o físico são dois tipos de realidade. Segundo Descartes, o atributo essencial da alma é

526 o pensamento (entendendo-se por pensamento todo o tipo de atividade mental); o atributo fundamental do corpo, a extensão. A grande dificuldade dos dualistas: como é possível que a alma não sendo material se liga ao corpo físico? (Temática Barsa, 2005, p. 214-217) 5.3. CÉREBRO, MENTE E COMPUTADOR O modelo atual da mente humana fundamenta-se nos computadores. No computador, há a máquina física (hardware), os programas (softwares) que processam a informação e a própria informação. O cérebro é o hardware; os processos mentais, o software. Para um bom aproveitamento das informações, temos de saber como funciona o cérebro. As últimas pesquisas oferecem duas teorias: modularidade e conexionismo. Na modularidade, o cérebro funciona por “módulos independentes” e pelos “sistemas centrais”. Para ilustração, imaginemos um computador central e vários computadores independentes, em que os computadores independentes estão constantemente mandando informações para o computador central. O conexionismo é a interpretação mais recente do funcionamento do cérebro. De acordo com esta teoria, o cérebro não processa a sua informação em série (uma operação depois da outra), mas simultaneamente, em paralelo. (Temática Barsa, 2005, p. 214-217) 6. O PENSAMENTO SEGUNDO A ÓTICA ESPÍRITA 6.1. DUAS FORMAS DE CONCEPÇÃO Quando Allan Kardec trata do Espírito, como sendo um princípio inteligente, em que o pensamento é simplesmente um atributo do Espírito, ele está usando o termo pensamento como informação, como inteligência. Nesse caso, o pensamento não é matéria. Quando, porém, trata dos processos mentais, como é o caso da fotografia do pensamento, está usando o pensamento como matéria. 6.2. FOTOGRAFIA DO PENSAMENTO Sendo o Pensamento criador de imagens fluídicas, reflete-se no Perispírito como num espelho, tomando corpo e, aí, fotografando-se. Se um homem, por exemplo, tiver a idéia de matar alguém, embora seu corpo material se conserve impassível, seu corpo fluídico é acionado por essa idéia e a reproduz com todos os matizes. Ele executa fluidicamente o gesto, o ato que o indivíduo premeditou. Seu pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira se desenha, como num quadro, tal qual lhe está na mente. É assim que os mais secretos movimentos da alma repercutem no invólucro fluídico. É assim que uma alma pode ler na outra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos corporais. (Kardec, 1975, p. 115) 6.3. PENSAMENTO E MATÉRIA MENTAL O Espírito André Luiz trata o pensamento como matéria. Vejamos: Pela mente, os Espíritos absorvem o fluido cósmico, transmudando-o em um subproduto, a matéria mental vibrátil, um fluido vivo e multiforme, estuante e inestancável, em processo vitalista semelhante à respiração, cujas vibrações são as impressas pela mente que a emitiu, cuja ação influencia, a partir de si mesma e sob a própria responsabilidade, a Criação.

527 A matéria mental tem natureza corpuscular, atômica e também resulta da associação de formas positivas e negativas. Utiliza-se denominar tais princípios de “núcleos, prótons, nêutrons, posítrons, elétrons ou fótons mentais”, em vista da ausência de terminologia analógica para estruturação mais segura de nossos apontamentos. (Xavier, 1977, cap. 4) 7. CONCLUSÃO O pensamento, como inteligência, raciocínio e informação não é matéria. É simplesmente um atributo do Espírito, que é imaterial ou composto de alguma matéria ainda desconhecida por nós. Os processos mentais, que ocorrem no cérebro, possibilitam-nos o uso do termo fisiologia do pensamento, em que são considerados as vibrações, as radiações, os passes, a fotografia do pensamento e as emanações fluídicas. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. KARDEC, A. Obras Póstumas. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975. TEMÁTICA BARSA (FILOSOFIA). Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005. XAVIER, F. C. Mecanismos da Mediunidade, pelo Espírito André Luiz. 8. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977. São Paulo, maio de 2010

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O Pensamento Ocidental e o Taoísmo Sérgio Biagi Gregório “Se alguém sabe como cessar os pensamentos, então há concentração; concentrando-se se pode ‘chegar à tranqüilidade’; por meio da tranqüilidade, pode-se obter a paz; com a paz se alcança a sabedoria; e com a sabedoria pode-se ter o Tao”.

Lao-Tsé SUMÁRIO: 1. Definição de Tao. 2. Origem da Palavra. 3. O Tao É uma Ordem Universal. 4. A Arte Ocidental e a Arte Chinesa. 5. Causalidade e Sincronicidade. 6. Dialética Hegeliana. 7. Pressupostos acerca do Homem. 8. O Mar e a Montanha. 9. Busca da Verdade. 10. A Metáfora da Água e o Repouso do Sábio. 11. Bibliografia Consultada.

1. DEFINIÇÃO DE TAO O Tao não pode ser definido. E se for definido não é o Tao. O que isto significa? Significa que o Tao está acima e além da compreensão humana comum. A linguagem não possui palavras nem símbolos que o definam. É mais ou menos o que acontece quando queremos definir Deus. Podemos dizer que Deus é isso, aquilo, mas sempre será uma definição incompleta, pois não temos condições de penetrar na intimidade do Criador. Ele também não é uma religião. Em

528 realidade, Tao quer dizer como; como as coisas acontecem, como elas funcionam. É o princípio único que está subjacente a todos os acontecimentos. 2. ORIGEM DA PALAVRA A palavra Tao vem do livro de Lao-Tsé, intitulado, o Tao Te Ching. Este livro, constituído de 81 versos ou lições, surgiu há 2.600. E tudo isto começou quando ele, funcionário em uma corte depravada e corrupta, resolveu abandonar o país em busca de lugares mais serenos, onde pudesse repousar sua cabeça cansada. Consta que Lao-Tsé, ao deixar o país com as roupas do corpo e montado no lombo de um boi, dirigiu-se à fronteira. Lá chegando, encontrou um guarda que o reconheceu e pediu que este lhe ensinasse tudo o que sabia. Lao-Tsé aceitou a tarefa e em uma só noite escreveu o pequeno livro. Diz-se que Lao-Tsé estava mais do que inspirado, ele estava iluminado. 3. O TAO É UMA ORDEM UNIVERSAL Ordem aqui tem um sentido de Lei. Só que não é uma Lei comum. É uma Lei de cuja origem não se tem notícia, mas que vem funcionando antes que o mundo fosse mundo, ou que o Universo fosse Universo. Ela não é uma lei natural física como, por exemplo, a Lei da Gravidade, presente em todo o Universo. No entanto, a gravidade não se aplica a certas coisas mais sutis, como por exemplo, o pensamento. Não temos conhecimento de uma balança que marque o peso de uma idéia. Uma Ordem tem outra conotação: ela se aplica a tudo o que existe, gente, animais, pensamentos e estrelas. Ninguém a pode desconhecer, porque ela está acima de qualquer coisa. Ela não manda, nem os outros a obedecem. Uma Ordem não é uma Lei. Por ser universal, ela deve ser aplicada em qualquer lugar do Universo. Por isso, é também cósmica. 4. A ARTE OCIDENTAL E A ARTE CHINESA A arte ocidental, como outros aspectos de nossa cultura, inclinou-se para os mecanismos do sistema econômico materialista, em que a eficácia e o funcionamento prevalecem sobre a beleza e a qualidade. Ela não pode desempenhar a função social que é tornar consciente o subconsciente, abrir as portas à percepção. A arte chinesa inclinou-se para a sondagem dos mistérios da mente. Quase toda a pintura chinesa é paisagista. Não há retratos, porque não se fomenta a personalidade. No ocidente, a arte, concentrando-se mais no homem, busca a sua personalidade, a sua individualidade. 5. CAUSALIDADE E SINCRONICIDADE Para explicar os fenômenos da natureza, a cultura ocidental aceita o principio de causalidade; a cultura chinesa, o princípio da sincronicidade. Sincronicidade significa que existe uma correspondência entre os estados simultâneos dos sistemas dos fenômenos. A conexão dos fenômenos não é de causa e efeito, mas de homologia entre os fenômenos que ocorrem ao mesmo tempo. Para eles não há dualidade. A destruição é construção; A construção é destruição. Não há destruição e construção: Ambas são só um e o mesmo. 6. DIALÉTICA HEGELIANA

529 Hegel conhecia o I Ching e o Tao Te Ching. Ele dava aula sobre as matérias contidas nesses livros. A dialética hegeliana é a tradução ocidental da concepção chinesa de evolução pela ação dos opostos. Ying-yang, masculino e feminino e bem e mal não são dualidades – coisas separadas – mas polaridades ou estados extremos de uma mesma coisa, como as pontas de um bastão. 7. PRESSUPOSTOS ACERCA DO HOMEM No ocidente há o pressuposto de que o homem é mal. Por isso a frase: “Homo homini lupus”, que traduzido quer dizer: “O homem é lobo do próprio homem”. O confucionismo, por exemplo, parte da tese de que o homem é bom. Quando as relações humanas se constroem pensando que o homem é mal, o homem acaba o sendo. Ashley Montagu disse que na natureza são mais importantes e numerosas as relações de simbiose e cooperação do que as de depredação. 8. O MAR E A MONTANHA O mar propicia uma atitude argumentativa; a montanha; uma atitude de contemplação. Os filósofos gregos construíram as suas academias junto ao Mar Mediterrâneo; o taoísmo foi sempre situado nas montanhas. 9. BUSCA DA VERDADE A filosofia ocidental pergunta o que é a verdade; o taoísmo, o modo de atuar. Para buscar a verdade, a nossa filosofia observa, argumenta, analisa e deduz, quer dizer, atua para conhecer. O taoísmo conhece para atuar e não chega ao conhecimento por uma ação prévia, mas sim por uma não-ação. Se observar e argumentar são as ferramentas da filosofia ocidental, a naturalidade e a espontaneidade são os meios de atuar dos taoístas. Esta atitude está contida nos dois conceitos básicos do taoísmo, que são: Wu-wei = nada fazer e Tzu-jan = nada conhecer. A não-ação criativa do wu-wei é a pura naturalidade. O não conhecer do tzu-jan é a pura espontaneidade. Resumindo: Wu-wei quer dizer: 1) seguir a linha da menor resistência; 2) esperar o momento do retorno. Tzu-jan quer dizer: 1) a mente em branco ou não mente; 2) o reflexo. 10. A METÁFORA DA ÁGUA E O REPOUSO DO SÁBIO O repouso do sábio não é o que o mundo chama de inação. Seu repouso é o resultado de sua atividade mental: toda a criação não poderia alterar seu equilíbrio; daí o seu repouso. Quando a água está quieta, é como um espelho, dá precisão ao nível e o filósofo a toma como modelo. E se água deriva a sua lucidez de sua quietude, quanto mais as faculdades da mente. A mente do sábio, por estar em repouso, deve espelhar o universo, espéculo de toda a criação. Repouso, tranqüilidade, quietude, naturalidade são os níveis do universo, a perfeição última do Tao. “Se nada em seu interior está rígido As coisas exteriores se abrirão por si mesmas Em movimento, assim como a água; Quando quieto, como um espelho.

530 Responde como um eco”. OBSERVAÇÃO: Chuang-tzu está para Lao-Tsé como Paulo está para Cristo. BIBLIOGRAFIA RACIONERO, Luis. Textos de Estetica Taoista. Madrid: Alianza, 1983. = = = >>

Que é Pensar? Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Princípios de Aprendizagem: 4.1. Do Conhecido para o Desconhecido; 4.2. Do Geral para o Particular; 4.3. Aprende-se Melhor Fazendo. 5. Ferramentas Utilizadas para Bem Pensar: 5.1. Pergunta; 5.2. Problema; 5.3. Análise. 6. Pensar por Si Mesmo: 6.1. Ordenação; 6.2. Reflexão; 6.3. Libertação pelo Conhecimento. 7. conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que se entende por bem pensar? Será que sabemos pensar? Há alguma diferença entre pensar e ruminar pensamentos? É possível melhorar o nosso pensamento? Existe alguma técnica? Com essas perguntas introdutórias, damos início à nossa análise do tema. Nele verificaremos os princípios de aprendizagem, ferramentas utilizadas para o bem pensar e algumas anotações sobre o pensar por nós mesmos. 2. CONCEITO Pensar, na significação etimológica do termo, quer dizer sopesar, pôr na balança para avaliar o peso de alguma coisa, ponderar. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Tomando a Natureza como ponto de partida, observamos que as pedras e as árvores existem, mas não pensam; os animais, por sua vez, têm lampejos de pensamento; somente o homem tem a capacidade de construir pensamentos através da palavra escrita e falada e, com isso, transmitir conhecimentos. Contudo, ainda estamos longe de bem utilizar o nosso cérebro, no sentido de bem pensar. Não é sem razão que muitos dizem que usamos uma parcela muito diminuta dele. É que não somos habituados a pensar com profundidade naquilo que estamos pensando. Anotemos as notícias veiculadas num jornal televisivo: há uma série de informações, muitas vezes desconexas, cuja análise fica para segundo plano. Além disso, preferimos aquilo que diverte, aquilo que mexe com as nossas emoções. De qualquer modo, todos somos obrigados a pensar melhor porque a vida, com as suas dificuldades, coloca-nos, muitas vezes, num beco sem saída. Aí não temos escolha, a não ser debruçar o pensamento sobre nós mesmos. 4. PRINCÍPIOS DE APRENDIZAGEM 4.1. DO CONHECIDO PARA O DESCONHECIDO Qual a razão de estarmos passando do simples para o composto, do conhecido para o desconhecido? É a lei de toda a exploração. Para entrarmos numa terra desconhecida, primeiramente temos que sair da conhecida, na qual nos encontramos. Para ensinarmos eficazmente matemática a uma criança, primeiro, temos que lhe transmitir a noção de número. Claude Bernard dizia: "Assim como o homem não pode avançar a não se colocando um pé diante do outro, o espírito naturalmente deve colocar um pé diante do outro. Além disso, o pé tem como ponto de apoio o chão; assim também a inteligência apóia-se num conhecimento do qual ela tem certeza." (Ide, 2000, p. 3)

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O professor ou conferencista deve constantemente cuidar para engatar o vagão do seu pensamento ao de seus ouvintes, sob pena de, como se diz familiarmente, "passar por cima da cabeça deles" 4.2. DO GERAL PARA O PARTICULAR Aristóteles dizia: "A marcha natural do intelecto é ir das coisas mais conhecíveis e mais claras para nós às que são mais claras em si e mais conhecíveis. (...) Ora, o que para nós é primeiramente manifesto e claro são os conjuntos mais misturados; é só depois que, dessa indistinção, os elementos e os princípios se destacam por meio da análise." (Ide, 2000, p. 6) Como decorrência do princípio anterior, as idéias são apreendidas, primeiramente, em sua generalidade, inclusive de forma nebulosa; somente depois é que elas vão se assentando em nosso cérebro. É como uma pessoa caminhando, que vê um vulto se deslocar. Pensa: deve ser um animal; chegando, porém, mais perto, percebe que é um ser humano como ele mesmo. Um outro exemplo: pense numa montanha. A imagem dela preenche todo o nosso ser. Contudo, para conhecê-la melhor temos que galgá-la ou analisá-la de cima a baixo. Disto resulta que, quanto mais particular é o dado analisado, mais conhecimento se tem a seu respeito. Lembremo-nos das especializações da ciência, que cada vez mais vão se distanciando do todo para tratar de algum fato particular. A definição filosófica do homem obedece a este raciocínio. Falase, primeiramente, que é um animal; depois, acrescenta-se o termo racional, ou seja, o homem é um animal racional. 4.3. APRENDE-SE MELHOR FAZENDO Este princípio tem relação com as frases inglesas: "learn by doing" (aprender fazendo) e "try and error" (tentativa e erro). É pensando que aprendemos a pensar; é raciocinando que aprendemos a raciocinar. Muitas vezes somos bafejados por um bom intelecto, mas o usamos para o mal. Isso mostra que devemos pôr em pratica aquilo que aprendemos na teoria. Qual a utilidade de sabermos a Bíblia de cor, se não temos condições de pôr em prática nenhum de seus versículos? 5. FERRAMENTAS UTILIZADAS PARA BEM PENSAR 5.1. PERGUNTA A primeira das preocupações para o bem pensar é a pergunta. Saber perguntar é uma arte. Diz-nos a psicologia social que o homem deveria ser avaliado não pelas respostas que dá, mas pelas perguntas que faz. Nesse mister, a filosofia se baseia muito mais na pergunta do que na resposta, pois estamos sempre em busca de respostas. Diz-se também que não há pergunta sem prévios conceitos, pois quem pergunta já sabe algo da pergunta. Saber responder também é uma arte. As nossas respostas, na maioria das vezes, não atendem ao que foi perguntado, mas reflete muito mais o que lemos ou ouvimos: o nosso trabalho de reflexão acaba sendo efetuado, não no nível da pergunta, mas no da resposta. É preciso cercar a pergunta por todos os lados. 5.2. PROBLEMA O que é um problema? O problema pode se descrito como uma situação de tensão sentida pela matéria viva, cada vez que um de seus afetos não encontra meio de extinção imediato ou manifesto. Diante deste conceito, os seres inanimados não teriam problema, pois não sentem este tipo de tensão. Na acepção corrente, podemos dizer que o problema é um incômodo, uma contrariedade, um mal-estar, uma oposição ao nosso pensar.

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Filosoficamente considerado, o problema é o nexo ainda não manifestado entre conceitos que se comparam na reflexão. Ele não é um cálculo matemático; ele deve resumir uma pergunta, com fundamento gramatical. Assim, antes de estudarmos Kant, Hegel e Leibniz, deveríamos descobrir o que eles estavam procurando, ou seja, que tipo de resposta eles queriam dar às suas perguntas. Nesse sentido, o conteúdo filosófico é muito mais importante do que a descrição histórica, do que contar história. Para detectar um problema, podemos nos servir de um exemplo plástico. Suponha que à nossa frente encontra-se um muro. Ele é um problema? Não? Quando ele se torna um problema? Quando o quisermos transpor. Aí, teremos que pensar, racionar e ver a melhor maneira do o fazer. (Pauli, 1964) 5.3. ANÁLISE A apropriação de um conhecimento requer o exercício da análise filosófica. O que entende por analisar? Analisar é decompor e discernir as diferentes partes de um todo, mas também reconhecer as diferentes relações que elas mantêm, quer entre si, quer com o todo. Analisar é ousar enfrentar a dificuldade, a complexidade que o conhecimento requer. É desatar os nós que impedem a clara distinção do conhecimento. Nesse sentido, não se deve ser precipitado, nem impaciente, pois tanto uma atitude quanto a outra impede que nos façamos "engenheiro do sentido". (Arondel-Rohaut, 2000, p.2) 6. PENSAR POR SI MESMO 6.1. ORDENAÇÃO Os dados estão na realidade, como os frutos na vitrine. Eles estão dispersos. Como somos o centro da percepção, temos que exercitar a ordenação dos mesmos. E ordenar não é tarefa fácil, pois nos obriga a juntar, a amontoar, coisa que temos um pouco de preguiça, principalmente a preguiça mental. De que serve assistir durante meia hora a um jornal na TV, ler artigos durante uma hora, se não retivermos quase nada? É preciso alocar a nossa energia mental para aquilo que estivermos fazendo. Estamos dispostos a nos distrair ou informar-nos? O preparo de uma palestra ilumina o nosso pensamento. Quando falamos em público, não deveríamos falar o que nos vêem à mente, mas aquilo que foi planejado, digerido, ou seja, aquilo que não aparece publicamente. É como a suavidade do gesto do dançarino, fruto visível de um trabalho invisível e quase infatigável de preparação. 6.2. REFLEXÃO O elemento chave para o bem pensar ou pensar por nós mesmos é a reflexão. É uma volta sobre si mesmo. A reflexão seria mais perfeita se fosse somente sobre o próprio pensamento, sem a intervenção dos sentidos; mas, como o pensamento e os sentidos são inseparáveis, de qualquer forma é uma reflexão. Depois de tudo assimilado, depois de tudo associado, temos que parar e voltarmo-nos para o nosso interior, propondo, inclusive, uma mudança comportamental. Santo Agostinho, um dos expoentes da Escolástica, sugere que façamos o que ele fazia todas as noites, antes de dormir: "repassava mentalmente o que fizera durante dia, indagando como fora em palavras, pensamentos e atos". 6.3. LIBERTAÇÃO PELO CONHECIMENTO Presentemente, há um estoque ilimitado de informações: são mais de 25 séculos de estudo e aprendizado. Os pensadores que passaram por este Planeta trouxeram coisas boas e ruins; alguns acabaram enveredando pelo seu

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didatismo e acabaram se distanciando da verdade. Nesse mister, o apóstolo Paulo recomenda que leiamos de tudo, mas que fiquemos com aquilo que for bom. Kant, por exemplo, é elogiado por muitos filósofos modernos, mas também muito criticado por ter desviado a filosofia da razão e a encaminhado para a emoção. Qualquer conhecimento, sem o aval do Criador, é um conhecimento parcial que não nos liberta. A própria palavra a-teu significa esquecido de Deus, abandonado. Nesse sentido, a libertação pelo conhecimento será somente aquela que provier da Divindade, pois é aí que se encontra a verdade. Por isso, Cristo nos dizia: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". 7. CONCLUSÃO Direcionemos os nossos raciocínios pela senda do bem pensar. Não nos preocupemos com as possíveis dificuldades iniciais; ao contrário, vislumbremos os frutos sazonados nos exercitados por ele. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA IDE, Pascal. A Arte de Pensar. Tradução de Paulo Neves. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000 (Ferramentas) ARONDEL-ROHAUT, Madeleine. Exercícios Filosóficos. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. PAULI, E. Que é Pensar (Teoria Fundamental do Conhecimento). Florianópolis: Biblioteca Superior de Cultura, 1964.

São Paulo, maio de 2005 << = = = (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

Pensamento Cristão No século XX, o reencontro entre cristianismo e filosofia produz uma renovação do pensamento escolástico baseado na metafísica de santo Tomás. Esse neo-escolasticismo, no entanto, coexiste com outras correntes de pensamento cristão de orientação não tomista, como é o caso do personalismo, que tem o francês Emmanuel Mounier seu representante mais notável. Mas, além dessa relação entre filosofia e religião, é preciso colocar em primeiro plano a obra de Teilhard de Chardin, um cientista católico cuja teoria evolucionista traz uma visão inédita do homem e do Universo, ao mesmo tempo em que reformula as relações muito mais complexas entre ciência e religião.

Cristianismo e filosofia Desde o final do século XIX, toma corpo um movimento de renovação da escolástica que, contando com os auspícios da igreja, se expande por diferentes centros católicos europeus como Louvaine, Freiburg, Milão, Roma e Paris. A partir de um tomismo depurado e atualizado, alguns pensadores desse movimento, como o jesuíta belga Joseph Marechal (1878-1944) ou os franceses Jacques Maritain (1882-1973) e Etienne Gilson (1884-1978), reformulam alguns dos grandes problemas filosóficos de nosso

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tempo. Em outros casos, no entanto — e deixando de lado as contribuições ocorridas no século XX nos âmbitos da filosofia, da religião e da teologia —, o pensamento cristão contemporâneo se enriquece a partir da perspectiva de diferentes orientações, como a existencialista, do francês Gabriel Marcel (1889-1973) ou a personalista. Uma das aberturas mais ousadas do pensamento cristão contemporâneo contudo, foi a protagonizada pelo jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955). Pesquisador nos campos da geologia, da paleontologia e da antropologia, filósofo e teólogo, Teilhard defende que a ciência deve superar seus limites atuais incorporando a fé, e propõe uma nova fenomenologia de base científico-religiosa na qual o homem e a natureza são interpretados à luz da moderna teoria da evolução.

O fenômeno humano As teses centrais do pensamento teilhardiano, expostas na obra O fenômeno humano (escrita entre 1938-1940, embora publicada postumamente em 1955), partem da lei de evolução, entendendo-a não como um simples transformismo (à maneira, por exemplo, dos darwinistas do século XIX), mas como uma condição geral extensiva à totalidade do Universo e à qual se deve render qualquer teoria científica ou filosófica que atualmente aspire a ter alguma validade. Teilhard assinala que a chave explicativa dessa evolução global do Universo se encontra no homem. Outrora centro do mundo, classificado depois como espécie a mais no vasto conjunto dos vertebrados, o homem possui uma grandeza sem par porque ele é a seta ascendente da evolução, a própria consciência de uma gigantesca cosmogênese e cujas implicações hoje apenas começamos a conhecer.

As grandes fases da evolução Em O fenômeno humano são apresentados os grandes momentos dessa cosmogênese, que começa na "pré-vida" ou estado elementar da matéria, para dar lugar ao aparecimento da vida e mais tarde à formação do pensamento. Trata-se de três grandes fases ou camadas que foram envolvendo a Terra: primeiro a camada material daHilosfera, depois o envoltório vivo da Biosfera e, superpondo-se às duas, a Noosfera, a camada espiritual da reflexão e da consciência. Não há na cosmovisão teilhardiana nenhuma cisão dualista. O que aparece nela, ao contrário, é a unidade sintética de matéria e espírito, natureza e homem, que é explicada pela "lei de complexidade — consciência". A matéria também está sujeita à evolução e ela mesma tende para estados cada vez mais complexos e centrados. A vida supõe a "pré-vida", e matéria e espírito constituem simplesmente as duas faces de um mesmo fenômeno.

O "amor-energia"

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Unindo essas diferentes fases evolutivas existe uma energia cósmica que no plano biológico já se expressa como amor, quer dizer, como afinidade do ser com o ser e que atinge sua plenitude com o homem. Esse "amor-energia" é a força que aponta para um novo estágio evolutivo em que a humanidade deverá edificar um autêntico "Espírito da Terra", uma unidade respeitadora das diferenças dos indivíduos e dos povos. A evolução impulsionada pelo amor-energia e sempre tendendo a uma maior amplitude de consciência que conduzirá a esse novo Espírito da Terra, converge na verdade para o ponto "Ômega", centro real, atualizado de forma permanente por Cristo e motivo de "sobrevida" ou imortalidade. Em seu itinerário final, Teilhard de Chardin situa Deus, "o grande Estável", fora da série evolutiva (como "Alfa" e "Ômega" da evolução), e numa ascensão para cima, para o "ultra-sintético" em que o fenômeno humano encontrará sua completude.

O personalismo cristão A afirmação da dignidade da pessoa humana, a ideia de que ela, como Kant sustentava, é um fim em si mesma e não um meio, e até a reflexão metafísica da dimensão pessoal, no sentido de tal dimensão desfruta de uma primazia absoluta no conjunto da realidade, são traços que distinguem as diversas filosofias personalistas de nosso século e, particularmente, o personalismo cristão que se desenvolveu na França a partir dos anos 1930. Para o mais notável representante desse personalismo cristão, o francês Emmanuel Mounier (1905-1950), a pessoa — como se lê no Manifesto a serviço do personalismo (1936) — é "um ser espiritual constituído como tal por uma forma de substância e de independência esse seu ser; mantém essa substância por meio de sua adesão a uma hierarquia de valores levemente adotados, assimilados e vividos num compromisso responsável e numa constante conversão; unifica assim toda a sua atividade na liberdade e desenvolve, por acréscimo, por impulsos de atos criadores, a singularidade de sua vocação". As raízes do pensamento de Mounier se encontram de forma direta na filosofia neokantiana de Charles Renouvier (1815-1903), o primeiro que utilizou o termo "personalismo" num sentido metafísico e moral. Mas, na verdade, tais raízes vêm de muito longe: fazem parte da própria ideia de pessoa que surgiu com o cristianismo e que foi elaborada nas discussões teológicas em torno do mistério das pessoas divinas da Trindade. Nessas discussões, formou-se o conceito de pessoa como substância individualizada contraposta à natureza e que, por sua condição irredutível, está paradoxalmente aberta a uma existência inter-relacionada com a dos outros. (1) (1) Temática Barsa - Filosofia (Cópia)

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Pensamento e Religião O fenômeno religioso Não foi apenas o pensamento racional que procurou dar respostas a certas preocupações humanas. As religiões também tentaram explicar temas como a origem do mundo e dos homens, seu destino após a morte e a melhor maneira de se comportar com os outros e consigo mesmo. Grande parte da história do pensamento racional transcorreu em paralelo ou se confundiu com a história das religiões. Apesar da rápida secularização de alguns países ocidentais, uma grande parte da humanidade continua a explicar o mundo e a orientar seu comportamento a partir de pressupostos religiosos.

Traços comuns Certamente é difícil estabelecer uma definição que sirva para todas as variantes religiosas que existem no mundo. O que se quer dizer quando se usa o termo “religião”? Se formos procurar termos similares num dicionário de latim, encontraremos palavras como religare (atar, prender, amarrar) ou religo (consciência escrupulosa, sentimentos religiosos, práticas religiosas, culto). Aqui já apareceriam algumas das poucas coisas comuns às diversas religiões: todas elas reúnem comunidades de fiéis em torno de sistemas (conjuntos coerentes) de crenças e de práticas rituais (cerimônias, cultos) que ocorrem em geral em lugares sagrados. Mas nessas mesmas características comuns já começam a surgir as diferenças.

As crenças As crenças de algumas religiões se concentram em seres pessoais, superiores aos homens, que vivem em outros planos ou mundos diferentes da nossa realidade sensível. Geralmente esses seres foram os criadores do Universo e da humanidade à qual transmitiram uma explicação da realidade e determinadas normas de comportamento, que dão sentido e procuram organizar a vida individual e coletiva. Outras religiões, no entanto, não separam esses seres superiores da realidade em que vivem: confundem-se com o mundo, com as forças da natureza, ou se manifestam em nossos sentimentos ou na ação dos antepassados. Finalmente, existem religiões em que os seres superiores cedem terreno diante da orientação prática que procura a estabilidade individual e social. Nelas, o modo de vida é mais importante do que a explicação do mundo e de alguns deuses não necessariamente amistosos ou dependentes dos homens. Algumas dessas religiões carecem propriamente de deuses. Também são muito diferentes as maneiras de compreender o ser humano. Embora quase todas as religiões dividam o homem em dois planos – um material (o corpo) e outro imaterial (a alma, o espírito) –, nem todas acreditam na imortalidade da parte imaterial. Alguns consideram sua extinção como um prêmio, outras prometem uma eternidade de felicidade ou de dor de acordo com sua atuação nessa vida, e outras a encadeiam a um ciclo de reencarnações em todos os tipos de seres vivos do qual é difícil escapar.

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Geralmente, considera-se a pessoa responsável por seus atos e por seu destino, mas algumas vezes se insiste em sua capacidade de intervir no mundo, sendo recompensado ou castigado pelos resultados.

Os rituais e a comunidade de fiéis Embora algumas religiões deem grande importância à experiência individual, a maior parte utiliza as cerimônias e rituais para afirmar sua institucionalização e o sentido de solidariedade de seus fiéis. Os ritos de algumas religiões, como o judaísmo e o cristianismo, atualizam os acontecimentos decisivos da história das relações de Deus com seus fiéis e renovam sua espiritualidade. Outras, como o confucionismo, insistem explicitamente na importância dos rituais para a harmonia social. Calendários de festas, leitura pública de textos sagrados, símbolos e preces são elementos aparentemente comuns a todas as religiões, mas também nisto existem diferenças: dentro de uma religião, como a cristã, a sofisticada liturgia católica é celebrada em igrejas repletas de imagens, e a dos protestantes em templos onde a austeridade e a nudez são a norma. Também é diferente a valorização da palavra, desde o sermão cristão até o silêncio do budismo zen, no qual os rituais e as técnicas são às vezes mais importantes do que as crenças.

Algumas teorias sobre a religião A partir da segunda metade do século XIX, começou a se desenvolver o que poderíamos chamar de estudo “científico” da religião. A partir de disciplinas como a psicologia, a antropologia ou a sociologia, iniciou-se um modo de descrever e interpretar o fenômeno religioso desde seus fatos, tratando-o como mais uma produção cultural e superado o enfoque puramente abstrato da teologia ou da filosofia. Entre os primeiros trabalhos relevantes, encontram-se os de M. Muller, E. Tylor e J. G. Frazer. Esses autores investigaram as origens da religião, interpretando-a como uma resposta a realidades naturais fora do controle humano, que teriam sido sacralizadas, dando lugar às religiões animistas primitivas. Mais influentes foram as teorias de E. Durkheim e M. Weber. Para o primeiro, a religião é um fenômeno social que se define pela oposição entre o sagrado e o profano. O sagrado, separado da experiência cotidiana, é na verdade expressão das necessidades e dos valores essenciais da comunidade. Na verdade, a própria sociedade se transforma, por meio da religião, em seu próprio objeto de adoração. Durkheim insistiu em que as cerimônias e os rituais regulares eram mais importantes para a coesão social do que as próprias crenças religiosas. Weber, ao contrário de Durkheim, – que concentrou seus estudos em religiões mais simples –, ocupou-se das mais desenvolvidas, aquilo que ele chamava de as religiões mundiais. Suas investigações se centraram especialmente na relação entre as religiões e a mudança social e econômica. As religiões orientais tinham-se transformado num freio para o desenvolvimento do capitalismo ao pregar a inibição do indivíduo frente à organização do mundo. O protestantismo calvinista, ao contrário, teve um componente

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revolucionário e transformador graças à sua defesa do trabalho e do dever moral estrito como único modo de se manter na graça divina. A partir de uma análise diferente, Mircea Eliade aprofundou o sentido do comportamento religioso. O sagrado tem um efeito mediador entre a realidade transcendente e o homem religioso e expressa, num espaço e num tempo diferentes, uma realidade sobrenatural e plena. Eliade estudou também a sobrevivência, nas sociedades secularizadas, de hábitos que tiveram origem na religião.

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Judaísmo, cristianismo e islamismo As três religiões monoteístas se caracterizam por sua insistência num Deus único de natureza espiritual, diferente do mundo natural — e não imanente, mas transcendente, exterior ao mundo. Também afirmam que Deus criou o mundo do nada e cuida dele (Providência), ao mesmo tempo que se apresentam como reveladas, pois suas doutrinas essenciais foram transmitidas pela divindade aos escribas de seus textos sagrados. Caracteriza-se também por uma concepção linear do tempo, progressivo e marcado por acontecimentos históricos que se renovam nas festas e no culto, e dotam a pessoa de responsabilidade ativa na salvação de sua alma. Juntas, elas reúnem mais da metade dos fiéis do mundo.

O judaísmo Preceitos e textos sagrados judaicos O cristianismo O indivíduo Os textos sagrados O islamismo Preceitos e textos sagrados Caixa: Os mandamentos (Êxodo, 20,1)

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Hinduísmo e budismo O hinduísmo e o budismo são também duas propostas metafísicas para explicar a realidade cósmica, o lugar que o homem ocupa no mundo e o sentido de sua existência. Não são religiões sobrenaturais, nem defendem outra realidade exterior ao Universo — embora sustentem que a realidade autêntica está oculta por um véu de aparências que o homem precisa superar para escapar ao sofrimento das sucessivas reencarnações. O fiel é responsável por sua salvação, pois sua atitude e seu comportamento são mais importantes do que sua relação com os deuses na hora de conseguir sua liberação definitiva.

O hinduísmo O indivíduo Os textos sagrados O budismo O indivíduo Os textos sagrados

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Confucionismo e taoísmo Trata-se de duas religiões sem deuses, tanto pelas raras referências a seres pessoais sobrenaturais quanto pela importância atribuída às próprias forças do homem para sua salvação ou felicidade. O modo de agir e de perseverar numa determinada linha de conduta é muito mais importante do que a ação de deuses que não ajudam as pessoas. O objetivo da vida humana não é a plenitude, mas antes uma dissolução individual, seja na harmonia social, seja na harmonia do Universo.

O confucionismo Os indivíduos e os textos sagrados O taoísmo Os textos sagrados

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Outras religiões O xintoísmo e as religiões tradicionais africanas assumem a utilidade social das cerimônias, as tradições e a veneração aos antepassados. Suas doutrinas são vagamente elaboradas, o que lhes permite conviver e às vezes confundir-se com outras religiões. A tradição é mantida graças à presença atenta de deuses próximos e de ancestrais que povoam a natureza, dotada assim de um sentido muito diferente do de outras religiões.

O xintoísmo O indivíduo e os textos sagrados As religiões tradicionais africanas O indivíduo e os textos sagrados Caixa: Uma oração dos dualas de Camarão

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Atitudes filosóficas diante da religião A filosofia ocidental caminhou tempo demais ao lado das religiões da Bíblia para poder entender a religião sem um Deus pessoal e protetor. A partir dessa concepção teísta, desenvolveu sua relação com as doutrinas religiosas. Até o século XVIII, Deus e o mundo recebiam uma mesma explicação. O desenvolvimento científico posterior separou definitivamente a investigação natural da teológica, animando a filosofia a uma investigação crítica — isto é, esclarecedora dos conteúdos religiosos — e a requerer justificativa para explicações até então consideradas como verdades absolutas.

Alguns problemas filosóficos com a religião A filosofia nasceu ao mesmo tempo que algumas das filosofias orientais: Lao-tzu, Confúcio, Buda e Zaratustra (o fundador da religião persa) são contemporâneos de pensadores como Tales, Anaximandro, Pitágoras e Heráclito. Mas não foram essas as religiões que interessaram amplamente aos filósofos. Apesar de alguns episódios

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panteístas, que identificaram Deus com o mundo (como as filosofias de Hegel e Spinoza), a visão religiosa predominante foi a de um Deus transcendente, provedor, único, racional e justo. Com o passar do tempo, essa figura começou a despertar interrogações que a tradição filosófica costuma chamar de problemas. Estes são alguns deles: — A existência de Deus. O enunciado "Deus existe" coloca o problema de sua justificação central junto com a natureza de Deus. Como demonstrar a sua existência? Como é Deus? — Sua ligação com esse mundo sensível. Deus criou o mundo? Ele é transcendente (exterior) ou imanente (interior) ao Universo? Cuida do mundo ou se limita a concebêlo e colocá-lo em movimento? Controla os homens ou os deixa entregues à sua livre vontade? — O problema do mal (ligado ao anterior): Se Deus é onipotente, por que existe o mal? — A relação entre moral e religião. Será possível uma moral sem religião? Existem princípios morais comuns a todas as religiões? — As relações entre a alma e o corpo. Existe a alma? Ela é imortal? Que função desempenha? Como coexiste com o corpo? Depois da morte, ela voltará a se reunir com a ele?

Algumas atitudes filosóficas diante da religião Todas essas perguntas foram respondidas ao longo de 2.600 anos de maneira bem diferenciadas. Estas são algumas das respostas. Os pré-socráticos, os primeiros filósofos gregos, aceitavam os deuses como parte de seu ambiente, embora em geral não o utilizaram em suas explicações da natureza. Embora alguns sofistas reconhecessem a utilidade social dos deuses, não os consideravam tão evidentes, como o povo o fazia. É famoso o agnosticismo de Protágoras: "Sobre os deuses, não posso saber se existem ou não, pois há dois obstáculos: a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana". Platão, por sua vez, afirmava a ideia do Divino, como concentração do racional, do bem e do belo. A ideia do Bem representa essa fusão. Em seu diálogo Timeu, descreve a construção do mundo por um artesão divino, o Demiurgo, intermediário entre os dois mundos. O deus de Aristóteles é um Deus ocioso, que pensa a si mesmo, sem interferir no mundo. É o primeiro motor do Universo, atraído inexoravelmente para Ele. Com Epicuro, surgiu um agnosticismo prático, que permitia defender uma ética de origem exclusivamente humana. Ainda que denunciasse a falsa religiosidade popular,

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negou a intervenção divina no mundo: a felicidade auto-suficiente dos deuses descartava o seu interesse em interferir em nosso mundo. Os estoicos, defenderam que o próprio mundo é o Deus racional, submetido à lógica de seu pensamento. Esse panteísmo racionalista exigia a sujeição da mente e da vontade humanas à mente cósmica. Durante a Idade Média, filosofia e teologia caminham juntas, com a primeira reduzida a um instrumento de fé. O estabelecimento dos principais conceitos da teologia católica absorveu a maior parte da especulação racional do Ocidente cristão. A cultura muçulmana conseguiu demarcar com mais clareza as áreas da ciência e da religião, e obteve resultados práticos em algumas ciências. A revolução científica dos séculos XVI e XVII não pôs em dúvida imediatamente a existência de Deus, mas deu uma nova imagem do divino. Deus é o criador de uma máquina perfeita, que Ele se limita a vigiar depois de tê-la posto em marcha. Voltaire, como Rousseau, foi deísta. Seu Deus foi o de Newton, entendido como arquiteto do Universo, mas que não interfere no destino dos homens. Reconheceu a necessidade social da crença num Ser Superior — é famosa sua frase "Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo" —, mas foi implacável com o fanatismo e a ignorância que atribuía à Igreja Católica. No século XVIII, posições materialistas e ateias já puderam se manifestar com relativa liberdade, negando abertamente a existência de Deus. No próprio século XVIII, e coerente com seu ceticismo metódico, Hume faz sérias objeções à possibilidade de se demonstrar a existência de Deus fosse de forma racional ou de forma experimental. Kant defendeu um agnosticismo teórico (é impossível o conhecimento racional de Deus), e destruiu os argumentos tradicionais que procuravam demonstrar sua existência, mas condicionou a possibilidade da moral a tal existência. De certa forma, substituiu a teologia especulativa por outra, de tipo moral. Hegel, por sua vez, formulou um panteísmo dinâmico e as três etapas da realidade — ideia, natureza e espírito — poderiam confundir-se com as de uma divindade nãotranscendente ao mundo. Especialmente importante é a terceira etapa, em que Deus toma consciência de si mesmo por meio das criações superiores ao homem. O homem devia se transformar em deus para o próprio homem. Essa era a afirmação de Feuerbach, que explicou que a essência da religião, especialmente a cristã, era a projeção das aspirações humanas na figura de um ser supremo. Para ele, a religião era uma alienação, um desvio dos esforços do homem na direção errada. Marx analisou o fenômeno religioso em várias ocasiões, embora para ele tivesse um interesse secundário. A religião era apenas uma produção ideológica que desapareceria quando desaparecessem as condições sociais que tornavam necessário seu consolo. Na verdade, existiria enquanto existisse "um mundo necessitado de ilusões".

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Nietzsche formulou um dos enunciados mais contundentes: anunciou a morte de Deus na cultura ocidental. A morte da metafísica tinha provocado a morte de um deus que moralmente tinha representado o triunfo do ressentimento dos fracos contra a vitalidade e a excelência — uma traição a esse mundo, em favor de um outro mundo imaginário. Finalmente, a ideia religiosa entra em contato com as teorias psicanalíticas pelas mãos de Freud, que definiu a religião como uma neurose obsessiva da coletividade humana, e se referiu a uma coincidência muito suspeita: "Seria muito agradável que Deus existisse, e que houvesse criado o mundo, e que sua providência fosse benevolente. Seria excelente que existisse como ordem moral no Universo, e que existisse uma vida futura, mas é muito surpreendente que tudo isso coincida com o que todos nós somos obrigados a desejar que exista." Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 18)

Pensamento Ilógico Origens do Pensamento Ilógico

Atitudes e pontos de vista que devem ser evitados, pois podem inibir o nosso raciocínio lógico. Ceticismo O ceticismo como uma atitude permanente deve ser evitado. Em seu lugar, deve-se usar o ceticismo seletivo, ou seja, aquele que procede de uma reação apropriada. Agnosticismo evasivo Agnóstico é o indivíduo que diz não ter elementos suficientes para um julgamento preciso. Há uma diferença entre o cético e o agnóstico. O cético nega a existência da verdade; o agnóstico diz não ter elementos suficientes para proclamar a verdade. O agnosticismo evasivo é a atitude que tenta tratar a ignorância superável como se ela fosse insuperável. Uma coisa é dizer "Eu não sei" depois de uma longa e assídua pesquisa em relação a um determinada assunto, outra é dizer "Eu não sei' quando nem mesmo se importou em investigar sobre o assunto. Cinismo e otimismo ingênuo Cínico é uma pessoa que faz enfaticamente uma proposição negativa sem evidência suficiente. Um otimista ingênuo é alguém que faz enfaticamente uma estimativa positiva sem evidência suficiente. Ambos representam posições ilógicas, que levam ao preconceito. Em vez de ver as coisas como são, eles as veem de acordo com sua predisposição.

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Mentalidade estreita Afirma-se que o objetivo da lógica, do raciocínio bem fundado. é descobrir a verdade. A mentalidade estreita é claramente enfraquecedora em seus efeitos, mas existe um tipo de mentalidade aberta que é ainda mais enfraquecedora. G. K. Chesterton aponta que uma mente aberta, como uma boca aberta, deve eventualmente se fechar para alguma coisa. Uma abertura de mente saudável não significa uma abertura indiscriminada. Emoção e julgamento Quanto mais intenso é o emocional, mais difícil se torna pensar claramente e comportarse com moderação. Há um método empírico simples a ser seguido: Nunca apele diretamente para as emoções das pessoas. Raciocinar com a razão Usar raciocínio para qualquer objetivo que não seja o de alcançar a verdade é fazer mau uso dele. Argumentar não é disputar Argumento é uma conversação racional: seu objetivo é chegar à verdade. O objetivo da disputa é atingir outras pessoas. Os limites da sinceridade Sinceridade é uma condição necessária ao raciocínio lógico, mas não é suficiente. (1)

Formas do Pensamento Ilógico

Os vários padrões do mau raciocínio são chamados de "falácias", que podem ser formais ou informais. Negar o antecedente Se Louise está correndo, então está se movimentando. Louise não está correndo. Portanto, não está se movimentando. O fato de Louise não estar correndo não significa que não esteja se movimentando. Afirmar o consequente Se Louise está correndo, então está se movimentando.

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Louise está se movimentando. Portanto, ela está correndo. O fato de Louise estar se movimentando não significa que esteja correndo. O termo médio não-distributivo Diversos nazistas eram membros do Clube Kaiser. Hans era um membro do Clube Kaiser. Portanto, Hans era nazista. O fato de Hans pertencer a um clube que tinha membros nazistas não significa que seja nazista. Falsas suposições Supor que alguma coisa seja verdadeira é aceitá-la como verdadeira sem estar certo disso. Falácia do homem de palha Esta falácia consiste em deturpar e enfraquecer um argumento quando reagimos a ele. Usar e abusar da tradição "As coisas sempre foram feitas desse jeito" não é razão para que continuem sendo feitas daquele jeito. Falácia democrática É a suposição de que, pelo simples fato de a maioria das pessoas acreditar que a proposição X seja verdadeira, isto seria evidência suficiente para nos permitir concluir que a proposição X é verdadeira. A falácia ad hominem Na argumentação, devemos reagir ao argumento não à pessoa que está por trás do argumento. (Ad hominem, em latim, significa "contra a pessoa"). Esta regra é quebrada quando o argumento é esquecido para se atacar a pessoa que proferiu o argumento. A falácia da coerção As pessoas podem ser forçadas a fazer o que não querem fazer, mas não podem ser forçadas a pensar o que não querem pensar. Elas não podem ser coagidas a aceitar uma verdade. Abusos da autoridade

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Na defesa de um argumento, muitas vezes somos obrigados a recorrer à opinião de um especialista. Não há nada de errado. Contudo, o argumento deve vir antes da palavra do especialista. Reducionismo Essa falácia é cometida quando, seletivamente, nos focamos apenas em algumas partes de um todo composto. Exemplo: prestar atenção aos aspectos negativos de uma pessoa. Má classificação A má classificação das coisas - tomar uma maçã por uma laranja, por exemplo - pode causar sérias consequências. Um livro mal catalogado numa grande livraria pode ficar efetivamente perdido por anos. Falácia red herring A falácia red herring insere uma informação emocionalmente volátil que é deliberadamente calculada para agitar determinada audiência. 1) É um apelo direto à emoção, não à razão. 2) A informação trazida não tem absolutamente nada a ver com o assunto discutido no argumento. Sorrir como tática diversiva Caímos nessa falácia quando, incapazes de reagir racionalmente ao argumento, tentamos nos esquivar fingindo que não vale a pena levá-lo a sério. Chorar como tática diversiva A falácia aqui envolve o obscurecimento proposital de assuntos por meio da cínica manipulação da emoção. A incapacidade de invalidar nada prova O fato de não haver prova concreta contra uma posição não se constitui em um argumento em favor da posição. O falso dilema A palavra "dilema" vem do grego e pode ser traduzida aproximadamente por "duas possibilidades". Cometo a falácia do falso dilema quando, numa situação que possui diversas possibilidades, tento persuadi-lo de que existem apenas duas. Falácia post hoc ergo proper hoc Post hoc ergo proper hoc ("depois disso, portanto, por causa disso"). Exemplo: uma pessoa percebe que o canto dos pássaros precede o nascer do Sol. Com base nessa evidência, ele conclui que é o canto dos pássaros que faz o Sol nascer. Defesa especial

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A "falácia da defesa especial" é cometida quando, seletivamente, omitimos uma informação significante porque esta iria pesar contra a posição que estamos defendendo. A falácia da conveniência A "falácia da conveniência" é cometida quando ignoramos todos os aspectos de um método e nos atemos apenas à sua capacidade de chegar a um fim desejado. Evitar conclusões Uma coisa é reconhecer que existem determinados problemas insolúveis. Outra coisa é adotar o princípio de que os problemas são insolúveis e as conclusões são inalcançáveis. Raciocínio simplista Não diga a uma audiência o que ela quer ouvir; diga-lhe o que é a verdade. (1) (1) MCLNERNY, D. Q. Use a Lógica: Um Guia para o Pensamento Eficaz. Tradução de Fernanda Pantoja. 3. ed., Rio de Janeiro: BestSeller, 2009.

Perdão Perdoar - do lat. med. perdonare significa “desculpar”, “absolver”, “evitar”. É o estado de ânimo, em que se encontra alguém, agravado por outrem, seu agressor, e sente-se desagravado. O pecado, na Religião, é um agravo a Deus, e o perdão consiste em não considerar-se Deus agravado; ou seja, desagravado.(1) Perdoar alguém é renunciar ao sentimento, à ira ou a outras reações justificadas por algo que essa pessoa tenha feito. Isso levanta um problema filosófico: essa pessoa é tratada de forma melhor do que ela merece, mas como pode exigir-se, ou mesmo como permitir-se, tratar alguém de uma maneira que não merece? Agostinho aconselhava-nos a detestar o pecado, mas não o pecador, o que também indica uma atitude objetiva ou impessoal para com o pecador, como se o caráter do agente estivesse apenas acidentalmente ligado ao caráter detestável de suas ações; mas argumentou-se, nomeadamente Strawson, que esta posição objetiva é inconsistente com o reconhecimento total dos outros, como pessoas. (2) O conceito de perdão, segundo o Espiritismo, é idêntico ao do Evangelho, que lhe é fundamento: concessão, indefinida, de oportunidades para que o ofensor se arrependa, o pecador se recomponha, o criminoso se libere do mal e se erga, redimido, para a ascensão luminosa. (3) = = = >>

Perdão e Reconciliação Sérgio Biagi Gregório

548 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico: 3.1. Antigüidade; 3.2. Velho Testamento; 3.3. Novo Testamento; 3.4. Atualidade. 4. O Problema da Ofensa: 4.1. Caracterização da Ofensa; 4.2. Mahatma Ghandi nunca foi Ofendido; 4.3. O Perdão das Ofensas. 5. Reconciliação com os Adversários: 5.1. O Texto Evangélico; 5.2. Reconciliação como Experiência de Vida Cristã; 5.3. A Morte não nos Livra dos Inimigos. 6. Lei de Deus: A Não-Resistência. 6.1. A Lei de Deus está Escrita na Consciência do Ser; 6.2. O Evangelho e a Regra da Não-Resistência; 6.3. As Razões Lógicas para o Exercício do Perdão. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é mostrar que a purificação de uma alma está atrelada ao esquecimento da ofensa. Para tanto analisaremos o problema da ofensa, a reconciliação com os adversários e as implicações suscitadas pela obediência à Lei de Deus. 2. CONCEITO Perdoar - do lat. med. perdonare significa “desculpar”, “absolver”, “evitar”. É o estado de ânimo, em que se encontra alguém, agravado por outrem, seu agressor, e sente-se desagravado. O pecado, na Religião, é um agravo a Deus, e o perdão consiste em não considerar-se Deus agravado; ou seja, desagravado. (Santos, 1965) O conceito de perdão, segundo o Espiritismo, é idêntico ao do Evangelho, que lhe é fundamento: concessão, indefinida, de oportunidades para que o ofensor se arrependa, o pecador se recomponha, o criminoso se libere do mal e se erga, redimido, para a ascensão luminosa. (Equipe da FEB, 1995) Reconciliação – do lat. reconciliato, de reconciliare, constituído por re = prefixo iterativo + conciliare = conciliar, trazer a um acordo significa restabelecimento de relações ou de acordo entre duas pessoas que se haviam desentendido. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo) 3. HISTÓRICO 3.1. ANTIGÜIDADE Na Antigüidade clássica grega pouco se escreveu acerca do perdão. Entende-se que esses filósofos estavam mais preocupados com a questão do conhecimento racional e da prática de conduta. Contudo, nas entrelinhas das filosofias de Sócrates e de Platão, considerados os precursores do Cristianismo e das idéias espíritas, encontramos muitas acepções sobre as virtudes, a questão do bem e do mal, a justiça e a injustiça etc. “Não é preciso jamais retribuir injustiça por injustiça, nem fazer o mal a ninguém, qualquer mal que se nos tenha feito. Poucas pessoas, entretanto, admitirão este princípio, e as pessoas que estão divididas não devem senão se desprezar umas às outras”. “Não está aí o princípio da caridade, que nos ensina a não retribuir o mal com o mal, e de perdoar aos inimigos?” (Kardec, 1984, p. 29) 3.2. VELHO TESTAMENTO O Deus do Antigo Testamento é o Deus do perdão. O pecador é um devedor a quem Deus, com seu perdão, perdoa a dívida; o perdão é tão eficaz que Deus já não vê o pecado, o que é como que jogado para trás, tirado, expiado, destruído. A apostasia que se segue após a Aliança e que mereceria a destruição do povo é a ocasião para Deus se proclamar “Deus de ternura e de

549 piedade, lento para se irar, rico em graça e fidelidade... que tolera falta, transgressão, pecado, mas nada deixará impune...” O coração de Deus, longe de querer a morte do pecador deseja a sua conversão para lhe prodigalizar seu perdão. Deus perdoa ao pecador que se acusa; longe de querer perdê-lo, longe de desprezá-lo, reconforta-o, purificando e acumulando de alegria seu coração contrito e humilhado. (Léon-Dufour, 1972) 3.3. NOVO TESTAMENTO O perdão de Deus no Novo Testamento vem através de Cristo. João Batista pregava o Batismo do arrependimento para a remissão dos pecados. Dizia: “Fazei penitência, senão aquele que virá vos há de batizar no fogo”; para ele este fogo é o da ira e do juízo, aquele que consome a palha depois de separado o trigo. Jesus, porém, não foi enviado pelo Pai como juiz, mas como Salvador. Chama à conversão todos os que dela necessitam e suscita essa conversão revelando que Deus é um Pai cuja alegria consiste em perdoar e cuja vontade é que ninguém se perca. Jesus não só anuncia esse perdão como reivindicava e exercia o poder de perdoar pecados. O perdão da pecadora é um exemplo clássico. O Cristão conhece a salvação através do perdão dos pecados. A diferença entre o VT e NT é que neste último o perdão vem através do Cristo. (LéonDufour, 1972) 3.4. ATUALIDADE Huberto Rohden, Pietro Ubaldi, krishnamurti e outros pensadores modernos dão-nos, cada qual na sua maneira de ver o problema, a dimensão do perdão na atualidade. Pietro Ubaldi, por exemplo, faz um relacionamento lógico entre o perdão e a Lei de Deus, mostrando-nos o valor científico de esquecer os ultrajes do nosso próximo. Em termos práticos, não resta dúvida que Allan Kardec, no capítulo X de O Evangelho Segundo o Espiritismo, retrata diversas maneiras de conceber o perdão das ofensas se realmente quisermos ser perdoados por Deus. 4. O PROBLEMA DA OFENSA 4.1. CARACTERIZAÇÃO DA OFENSA Ofensa significa injúria, agravo, ultraje, afronta, lesão, dano. Causar mal físico a; ferir suscetibilidades. Ela depende do grau evolutivo tanto do ofendido quanto do ofensor, pois o ser espiritualizado não se envolve com picuinhas. Há que se considerar ainda a semântica das palavras, pois muitos agravos vêm da má compreensão ou da má interpretação daquilo que se disse. Considerar-se injuriado depende também de nosso estado emotivo, de nossa situação financeira, no nosso estresse. Uma pessoa desempregada pode se sentir ofendido simplesmente porque a outra lhe manda trabalhar. 4.2. MAHATMA GHANDI NUNCA FOI OFENDIDO Mahatma Ghandi, grande líder indiano da não-violência, no fim de sua vida, pôde responder à pergunta se perdoou todas as ofensas recebidas com a declaração sincera: “Nada tenho que perdoar a ninguém, porque nunca ninguém me ofendeu”.

550 De acordo com as explicações de Rohden, o Ego é ofensor e ofendido, mas quando o ego humano é substituído pelo Eu divino, não pode mais haver ofensor nem ofendido. A ofensa é objetiva, considerar-se ofendido ou não subjetivo. Ghandi simplesmente não considerou a ofensa como ofensa. (ROHDEN, 1982, p. 159-161) 4.3. O PERDÃO DAS OFENSAS Já no Antigo Testamento, a Lei não só estabelece um limite à vingança pela lei de talião, mas ainda proíbe o ódio ao irmão, a vingança e rancor contra o próximo. No Novo Testamento Jesus completa esse pensamento dizendo que Deus não pode perdoar a quem não perdoa. Por isso reitera que deveríamos perdoar não sete, mas setenta vezes sete vezes, ou seja, indefinidamente. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo vamos encontrar diversos pensamentos acerca do perdão das ofensas. O principal de tudo isso é não guardar rancor no coração, de espécie alguma. 5. RECONCILIAÇÃO COM OS ADVERSÁRIOS 5.1. O TEXTO EVANGÉLICO “Reconciliai-vos, o mais depressa, com vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, a fim de que vosso adversário não vos entregue ao juiz, e que o juiz não vos entregue ao ministro da justiça, e que não sejais aprisionado. Eu vos digo, em verdade, que não saireis de lá, enquanto não houverdes pago até o último ceitil”. (Mateus, cap. V., 25,26) 5.2. RECONCILIAÇÃO COMO EXPERIÊNCIA DE VIDA CRISTÃ O Cristianismo centra-se na experiência do amor entre os homens como fato fundamental de aproximação a Deus. Entretanto o ser humano é ser egoísta por natureza e se encontra submerso na estrutura da injustiça e opressão que o cercam e o impulsionam para o mal. Há assim contradição entre o ensinamento de Jesus e o seu interior. Nesse sentido, a reconciliação ou perdão mútuo entre os irmãos deve ser uma tarefa constante tendo em vista a realização do amor. Lembremo-nos de que toda a Bíblia é uma história de reconciliação. Os próprios mitos dos primeiros capítulos do Gênesis pretendem mostrar que ao dar as costas para Deus, Adão e Eva também romperam com a própria harmonia da Lei, a qual deve ser retomada novamente. (Idígoras, 1983) 5.3. A MORTE NÃO NOS LIVRA DOS INIMIGOS De acordo com os pressupostos espíritas, a morte não nos livra dos nossos inimigos, pois eles continuam vivos além-túmulos. Acontece que a ausência da vestimenta física é um elemento de maior facilidade para o ataque mental, isto é, através das interferências em nossos mais secretos pensamentos. Observe que as obsessões surgem deste funesto sentimento de vingança e de ódio de quem se foi para outra vida. Descuidando-nos da oração e da vigilância, seremos vítimas fáceis do assédio deles. 6. LEI DE DEUS: A NÃO-RESISTÊNCIA 6.1. A LEI DE DEUS ESTÁ ESCRITA NA CONSCIÊNCIA DO SER

551 Allan Kardec, na questão 621 de O Livro dos Espíritos, diz-nos que a Lei de Deus está escrita na consciência do ser. O que significa? Significa que é uma idéia inata que cada um de nós traz no seu bojo desde o nascimento. A revelação da mesma tem origem no esquecimento e no desprezo que lhe imputamos. Para isso, Deus, na sua infinita bondade, deu a alguns Espíritos superiores a missão de revelar a sua Lei, no sentido de fazer progredir a humanidade. Disto resulta que tudo o que fizermos devemos prestar contas à Lei. Ela é o móvel que dispões todas as nossas atividades neste planeta, tanto as de ordem material quanto as de ordem espiritual. É a ela que devemos obedecer e não aos homens que a malbaratam por interesse ou ignorância. Na resposta à pergunta 617A do mesmo livro, os Espíritos afirmam: “Entre as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações da matéria bruta: são as leis físicas; seu estudo pertence ao domínio da Ciência. As outras concernem especialmente ao homem e às suas relações com Deus e com os seus semelhantes. Compreendem as regras da vida do corpo e as da vida da alma: são as leis morais”. 6.2. O EVANGELHO E A REGRA DA NÃO-RESISTÊNCIA Recebida uma ofensa temos duas soluções: a do mundo e a do Evangelho. A solução do mundo prende-se à superfície do problema, pois induz-nos a cometer um mal para reparar o mal que nos tenha sido feito. Isto acaba gerando um ciclo vicioso do mal que nunca terá fim, pois um mal estimula a cometer outro mal e assim sucessivamente. A solução evangélica é mais profunda, porque vai à essência do problema, da questão, porque estimula-nos a não revidar o mal com o mal, mas com o bem, ou seja, o perdão das ofensas. (Ubaldi, 1982, p. 188195) 6.3. AS RAZÕES LÓGICAS PARA O EXERCÍCIO DO PERDÃO Em virtude de uma ofensa, lembremo-nos: 1) a reação é um direito que não pertence ao homem, mas só à Lei de Deus; 2) se desejamos justiça, estejamos certos: a reação da Lei é muito mais poderosa que as nossas. 3) com nossa reação humana não afastamos e nem apagamos o mal, a não ser na aparência e provisoriamente, porque não eliminada a sua causa ele voltará para nós. O correto seria agir da seguinte forma: 1) renunciar à vingança; 2) perdoar a ofensa; 3) esquecer de exigir justiça. Se esquecermos de exigir justiça para o nosso caso particular, ele acabará pertencendo à Lei e ficaremos livres de qualquer dívida. (Ubaldi, 1982, p. 196-204) 7. CONCLUSÃO Humilhemo-nos, renunciemos à nossa personalidade, culpemo-nos antes de culparmos o próximo e suportemos as injunções do destino, sem reclamações. Estes são os verdadeiros exercícios do perdão incondicional, os que realmente fortalecem a nossa alma para a subida pedregosa nos horizontes da perfeição do ser.

552 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M. E. C., 1967. EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983. KARDEC, A.. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo: IDE, 1984. KARDEC, A.. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo: FEESP, 1995. LEON-DUFOUR, X. e OUTROS. Vocabulário de Teologia Bíblica. Rio de Janeiro: Vozes, 1972. ROHDEN, H. Mahatma Gandhi - Idéias e Ideais de um Político Místico. 6. ed., São Paulo: Alvorada, 1982. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo: Matese, 1965. UBALDI, P. A Lei de Deus. 2. ed., Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1982.

São Paulo, janeiro de 2001 << = = =

Perfectibilidade Perfectibilidade. Não é o poder de se tornar perfeito, mas de se aperfeiçoar. Portanto, somente o imperfeito é perfectível, mas só o é contanto que possa mudar, e se mudar. Rousseau via nela o próprio da humanidade: além da liberdade, explica ele, “há outra qualidade muito específica que distingue o homem do animal, e acerca da qual não pode haver contestação: é a faculdade de se aperfeiçoar, faculdade que, com a ajuda das circunstâncias, desenvolveu sucessivamente todas as outras e reside entre nós, tanto na espécie como no indivíduo; ao passo que um animal, ao cabo de alguns meses, é o que será o resto da vida, e sua espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro ano desses mil anos” (Discurso sobre a Origem da Desigualdade, I: mesma ideia em Pascal, mas sem a palavra perfectibilidade, em seu Préface au Traité du Vide [Prefácio ao Tratado do Vazio]. (1) A ideia de perfectibilidade do homem surge no século XVIII, com a atenuação das barreiras teológicas que reservavam tal propriedade a Deus. Para autores Iluministas como Condorcet e Godwin, a perfectibilidade torna-se uma tendência suscetível de ser de fato realizada na história humana. Antes de Kant, tanto Rousseau como o pensador escocês Lord Monboddo (1714-99) anteviram a perfectibilidade como capacidade para o progresso moral e para a autolegislação humana. O século XIX representou o apogeu da crença na perfectibilidade, sob a influência de Saint-Simon e, depois de Kant, Hegel, Comte e Marx. Com a teoria da evolução foi possível ver a história econômica e cultural como um progresso, uma adaptação crescente desde os estados primitivos e nãodesenvolvidos até o ideal potencial, associado à liberdade e à auto-realização da humanidade. Este otimismo, frequentemente aliado a uma confiança ilimitada na melhoria da condição humana mediante o avanço da ciência, não sobreviveu ao desgaste do século XX. (2) (1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

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Pessoa Pessoa. Do latim persona, ae 1. Ser humano, sem distinção de sexo; indivíduo. 2. Indivíduo considerado por si mesmo. 3. Indivíduo considerado enquanto ser particular, físico e moral. (1) Pessoa. Do latim persona, máscara de teatro, daí personagem, ou seja, papel que se desempenha na sociedade. Contudo, pessoa não se confunde com o personagem, pois não se apreende de fora: o personagem que o outro vê em mim é eventualmente (segundo Sartre) um objeto mais ou menos modificado, mas jamais coincide com o que eu adivinho em mim como movimento de autocriação e personalização. (2) Pessoa. A palavra "pessoa" ao contrário dos indivíduos das espécies animais, que se encontram essencialmente subordinados ao bem geral do grupo, o ser humano possui uma característica peculiar, que faz com que ele seja ao mesmo tempo — e um tanto conflitivamente — um exemplo da espécie e um fim em si mesmo, que nunca pode ser reduzido a meio. Com efeito, como indivíduo, o homem é um dos inúmeros exemplares da espécie humana, sendo, consequentemente, limitado, contingente e efêmero. Assim ele se apresenta subordinado ao bem e aos interesses da sociedade, mais vasta e abrangente. No entanto, apesar desse condicionamento, o homem nunca pode ser tomado como um número, uma peça da totalidade. O elemento característico do indivíduo humano, que o faz pessoa, está em que ele é sempre um fim em si, que vive para si e possui um destino próprio e intransferível. É a unidade constituída por um ser pequeno, mortal e frágil e por valores espirituais do eterno, do universal e do infinito. (3)

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(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.

Pneumatologia Pneumatologia. Leibniz introduziu o termo pneumatologia para indicar "o conhecimento de Deus, das almas e das substâncias simples em geral". Este termo pretendia significar "ciência dos espíritos" e foi retomado por Wolff para indicar o conjunto da psicologia e da teologia natural. Crusius adotava o termo pneumatologia para indicar "a ciência da essência necessária de um espírito e das distinções e qualidades que podem ser atribuídas a priori". Rosmini excluía da pneumatologia a consideração de Deus e a restringia ao estudo dos "espíritos criados", isto é, da alma humana e dos anjos. D'Alembert restringia o termo à significação "da primeira parte da ciência do homem", que é "o conhecimento especulativo da alma humana", que ele

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indicava também com o nome de metafísica particular. Para D'Alembert, o conhecimento das operações da alma constituía o objeto da lógica e da moral. Kant observava a respeito que a psicologia racional nunca poderá tornar-se pneumatologia, ou seja, ciência propriamente dita, da mesma maneira como a teologia não pode tornarse teosofia. Esse termo hoje já está em completo desuso. (1) (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Poder Poder. v.t. Ter a faculdade ou a possibilidade de. ADAG. "Em casa do Gonçalo mais pode a galinha que o galo". DIR. A palavra poder tem sentidos diversos em Direito Civil e em Direito Político. Em Direito Civil, chama-se poder a faculdade que o indivíduo tem não só de se determinar, mas também de exigir a outrem o que este lhe deve. Em Direito Político, o poder é o exercício da soberania do Estado, ou seja, da ordem jurídica que dimana da Constituição do Estado ou da sociedade humana politicamente organizada. (1) Poder (social). O poder de um indivíduo ou instituição é a capacidade de este conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou influência. O poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas para obter um certo resultado, e pode ser medido pela probabilidade de esse resultado ser obtido em face dos diversos tipos de obstáculos ou oposição enfrentados. Não é essencial à sua definição que o resultado seja conscientemente procurado pelo agente: o poder pode ser exercido na ignorância de sua existência ou efeitos, embora, claro, seja frequentemente exercido de forma deliberada. Contudo, de acordo com o ponto de vista de alguns autores, dentre os quais se destaca Foucault, todas as relações sociais são sistemas de poder: o poder fundamental não é exercido por indivíduos, encontrando-se antes disperso, como um aspecto impessoal da sociedade, e manifesta-se em particular sob a forma de vigilância, regulação ou disciplina, que adaptam os seres humanos à estrutura social envolvente. O poder da sociedade não se encontra limitado à sua capacidade de impedir as pessoas de fazerem coisas; inclui o controle da autodefinição e da forma da vida preferida dos seus membros. Uma das principais preocupações da teoria política é determinar quando o exercício do poder é legítimo, o que é frequentemente colocado em termos do problema da distinção entre autoridade e poder. Ver também exploração; opressão. (2)

Poder político é a força que o estado detém para controlar o comportamento de uma coletividade humana, a fim de garantir determinadas relações sociais.

Figura Ilustrativa (3)

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Mais informação: http://www.sergiobiagigregorio.com.br/apostila/introducao-filosofiaespirita.htm#PODER%20POL%C3%8DTICO%20E%20ESPIRITISMO

Poder. Pode ser visto: I) aspectos políticos; II) aspectos éticos

I - Aspectos políticos 1. Introdução O poder é quase unanimemente considerado o objeto central da política e a generalidade dos autores vê nesse conceito a base da justificação da própria autonomia da Ciência Política, a qual, segundo esse entendimento, consistiria precisamente no estudo do poder e de noções próximas (influência, autoridade, governo, Estado, etc.) A definição de poder é polissêmica, pois este termo é ambíguo e, por isso mesmo, difícil de captar numa fórmula ou numa proposição. 2. O poder como fenômeno de interação Enquanto fenômeno de interação, definiremos P. como a capacidade de impor direta ou indiretamente determinados interesses numa dada situação social. Nesta perspectiva, fica afastada a concepção de P. como propriedade ou atributo, para passar a vê-lo como relação. O P. releva efetivamente das relações interpessoais. Se bem que nele exista uma forte componente psicológica, a verdade é que, como salienta Lasswell: "Power is an interpessoal situation" e no P. estão sempre em jogo, de forma imediata ou mediata, relações entre pessoas. Como refere o mesmo autor, o P. não é um tijolo que se desloca de um lugar para o outro, mas um processo que desaparece quando cessam as respostas que o apoiam. Seguindo Weber, muitos outros autores definem P. em termos probabilísticos. Nesta perspectiva, não é visto apenas como o lado ativo de uma relação de imposição - como seríamos conduzidos a pensar numa pura representação formal da relação de poder -, mas sobretudo em termos de probabilidade que tem um ator implicado numa dada relação social de obter aquilo que vida, apesar das resistências com que eventualmente depare. Hobbes fala de P. como resultado de "forças reunidas". 3. O poder como meta-relação Além da imposição e de todas as noções conexas, o P. diz também respeito àquilo a que poderíamos chamar uma meta-relação, isto é, uma relação sobre relações de domínio, um controle sobre as próprias situações sociais. Numa primeira aproximação, esta exceção tem a ver com aquilo a que poderíamos chamar "obliquidade do poder". Com efeito, e pelo menos na sua dimensão social, o P. exerce-se através da procura de outros objetivos.

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4. O caráter ambíguo do poder Questão: como é que se explica que o P. seja ao mesmo tempo o produto da competição e o meio de limitar essa competição? Isso acontece porque passamos de um plano de interação simples ao da relação dos indivíduos como organizações ou estruturas que, por seu turno, condicionam os resultados previsíveis. Se ele encontra a sua origem na competição, a verdade é que, a partir de um determinado nível (que só histórica e concretamente se define), existe a necessidade de uma certa estabilização, a qual toma normalmente a forma de institucionalização. II - Aspectos éticos Além do que foi dito acerca da autoridade e no que precede são ainda de considerar algumas questões: 1. O poder é um direito ou uma função? O P. foi visto ao longo da história ora como só direito, ora como só função. Resumindo: P. é primariamente uma função, um dever, um serviço (ministerium), que confere aos seus legítimos detentores o direito de governar. 2. Origem - Sendo o P. essencial à sociedade, tem origem "natural", como a mesma sociedade política: é exigido pela própria natureza social do homem e não deixando totalmente ao seu arbítrio. 3. Titular - Na sequência do que precede, quais são as condições do legítimo detentor do P.? A determinação - que se trate de pura designação ou de delegação - dos legítimos governantes poderá verificar-se de dois modos: só pelas circunstâncias, quando apenas haja um sujeito apto para assumir o Governo (caso que raramente se verificará; segundo Leclerc, ter-se-ia dado em 1799 como Bonaparte e em 1945 com De Gaulle) ou por escolha da sociedade (o modo mais normal, seja qual for o processo adotado). Serão governantes ilegítimos: os que, sem que as circunstâncias o exijam, se impõem contra a vontade popular; os incapazes, de incapacidade comprovada, permanente, irremediável; os que abusam do P. de forma grave, generalizada e continuada (os "tiranos" na terminologia antiga). Problema delicado, sobretudo no campo prático, é o da legitimação por prescrição de governantes inicialmente ilegítimos; não parece poder negar-se esta possibilidade, sendo até de pensar que inúmeras vezes se tem tornado realidade. 4. Poder política mundial - O bem comum universal põe nos nossos dias problemas de dimensão mundial, que apontam para a necessidade de uma autoridade política cujo poder, constituição e meios de ação assumam dimensões igualmente mundial. Sobre esta difícil questão, tanto prática como teoricamente, remetemos para o dito em humanidade (sobretudo nn. 6 e ss.) (4) (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

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(2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986.

Política Política. s.f. Ciência ou arte de governar os povos ou nações. ENCICL. Costuma-se dar o nome de política, ou ciência política, ao ramo das ciências sociais que trata da organização e da vida do Estado. (1) Derivativo do grego politikós (polis), que significa tudo o que se refere à cidade, portanto, citadino, público, social. A progressiva autonomia (Ciência política, entendida como ciência do Estado, Direito constitucional ou na acepção contemporânea) do estudo "científico" e "lógico-racional" da política e da reflexão ético-valorativa sobre aos valores, pontos de partida (filosofia política) e fins da política, deixam que a política fique aqui metodologicamente, restringida à ação política. aqui podemos defini-la, liminarmente, como a ação humana que, no quadro da relação amigo/inimigo tem por fim a conquista, a conservação e o exercício do poder comunitário ou se traduz na resistência a tal ação. (2) Política. Trata-se de uma palavra ambígua, que suscita reações diversas em diferentes pessoas. Em sentido próprio, "política" é administração do poder público. Nesse sentido, exercem política os ministros e chefes de Estado, bem como seus subordinados nos mais diversos níveis ou instâncias. Também exercem a política nesse sentido os partidos políticos, que se organizam visando a tomada e o exercício do poder. Nesse sentido, a política é uma tarefa sublime, pois quem tem a suprema responsabilidade na sociedade é quem tem mais possibilidades para realizar o bem e contribuir para o desenvolvimento dos cidadãos em todos os aspectos. Trata-se de uma missão que tende para o universal, pois se preocupa essencialmente com o bem comum. No entanto, a realidade nos mostra que a política, nesse sentido, também se reveste em muitos lugares de um sentido pejorativo. Ocorre que, como o dinheiro, o poder também costuma corromper os que o detêm. Às vezes, os cristãos mostram um grande desprezo pelos que detêm e acumulam poderes, da mesma forma que desprezam os que detêm e acumulam dinheiro. E preferem se afastar de realidades tão perigosas que chegam a tornar o homem escravo dessas paixões violentas. No entanto, a realidade é que nem a política nem o dinheiro são maus: mau é o uso que se faz deles. Por isso, é preciso incentivar os cristãos a aproximarem-se da política, atuando politicamente, tendo em vista uma contribuição positiva e eficaz para o bem comum.

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Em um sentido mais amplo, entende-se às vezes por política tudo o que se refere à vida social e às relações e cooperação entre os cidadãos, como organização, sindicatos, associações etc., bem como à constante interação dos homens em tarefas comuns. Por fim, também se poder designar como política a forma de realizar uma tarefa com precaução, sagacidade e táticas visando alcançar determinado objetivo. Esse costuma ser o método próprio dos que exercem a política. Nesse sentido, chamar alguém de "político" também costuma equivaler a chamá-lo de astuto, fingido ou insincero. E, no entanto, nas relações entre os homens sempre se necessita de um pouco dessa tática, sobretudo em dimensões mais amplas, onde não cabe a intimidade sincera própria de um grupo de amigos. (3) Racionalismo politico. A consideração de que a esfera típica do poder é passível de ser submetida às leis da razão, como aliás todas as outras esferas da realidade, consubstancia uma posição filosófica de implicações diversas, em termos de politologia. No plano das doutrinas e ideologias fundamenta princípios abstratos e utopias racionais, onde sociedades imaginarias se seguem por leis lógicas, deduzidas diretamente de imperativos induzidos pelo exercício do pensamento sobre a realidade pessoal. Estão nesse caso a ideia da paz perpétua de Kant e as sociedades de parte nenhuma, idealizadas e descritas com pormenores por Thomas Morus, Campanella e Karl Marx. O pressuposto indemonstrável dos racionalistas é a plasticidade do comportamento humano, que seria passível de se adaptar infinitamente aos modelos tidos por ótimos pela razão lógico-indutiva, que os constrói e lhes dá coerência. Uma segunda atitude reflete-se na análise política, sobretudo no estudo das relações internacionais, onde a política externa aparece como fator primordial. Nesse caso, os fatores conflitivos são resolvidos pela teoria dos jogos, jogos com soma zero ou soma fixa e jogos de soma variável. Uma política baseada nesses pressupostos pode ser uma política racional, mas, como insinuou Raymond Aron, nem sempre razoável. De fato, o comportamento humano e a vida política contêm elementos emotivos, irracionais, que não é possível incluir e prever no modela da ação e as atitudes como ensina a psicologia social, são largamente marcadas pelo elemento afetivo, que anda longe de obedecer a imperativos racionais, sendo antes estes os que mais vezes se dobram para justificar as atitudes emotivas e as inclinações irracionais, promovendo a sua posterior racionalização. Se Sorel salientou os elementos emocionais no comportamento político, Raymond Aron considerou, com grande cautela, o desenvolvimento de uma política racional, pois também entendeu que embora sendo passível de tratamento racional, a esfera do político não o é inteiramente. (2) = = = >>

Política e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Política: 2.1. Significado de Política; 2.2. Natureza Política; 2.3. Necessidade da Política. 3. Resumo Histórico: 3.1. Antigüidade; 3.2. Idade Média; 3.3. Idade Moderna e

560 Contemporânea. 4. Ação Política: 4.1. Teoria e Práxis; 4.2. Filosofia e Política Marxista. 5. Ação Política e Espiritismo: 5.1. Mudança Comportamental; 5.2. Tese Marxista e Espiritismo: 5.2.1. Luta de Classes; 5.2.2. A Felicidade; 5.3. Riqueza e Poder; 5.4. Aristocracia Intelecto-Moral. 6. Conclusão. 7. Bibliografia Consultada

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é mostrar a contribuição que o Espiritismo pode oferecer aos homens públicos, no sentido de auxiliar-lhes a tomada de decisões. Para o fim proposto, faremos um resumo histórico das doutrinas políticas e analisaremos os problemas da ação política sob a ótica espírita. 2. CONCEITO DE POLÍTICA 2.1. SIGNIFICADO DE POLÍTICA Derivativo do grego politikós (polis), que significa tudo o que se refere à cidade, portanto, citadino, público, social. Na Idade Moderna o termo perdeu o seu significado original tendo sido substituído por expressões tais como “ciência do Estado”, ciência política”, “doutrina do Estado” e “Filosofia Política”. “O conceito de Política, entendido como forma de atividade ou de praxe humana, está intimamente ligado com o de poder. O poder foi definido tradicionalmente como algo que se “se baseia nos meios para obter uma vantagem” (Hobbes) ou analogamente como “o conjunto de meios que permitem obter efeitos desejados” (Russel). Um destes meios é o domínio sobre os outros homens”. (Bobbio, 1988, p. 21-36) 2.2. NATUREZA POLÍTICA A Política é, em certo sentido, a tomada de decisões através de meios públicos, em contraste com a tomada de decisões pessoais, adotadas particularmente pelo indivíduo, e com as decisões econômicas, geradas como resposta a influências impessoais, tais como o dinheiro, condições do mercado e escassez de recursos. Platão e Aristóteles fazem uma analogia com o “navio” para explicar a ação política. O timoneiro deveria cuidar do leme, do peso, da rota e dos tripulantes para que o mesmo não encalhe, não afunde e chegue ao seu destino. O mesmo se dá com o governante à frente de um Estado, isto é, deve conduzir homens aos ideais propostos. Observe que o Third New International Dictionary, de Webster, menciona que a palavra “govern” vem do frances antigo governer, derivada do latim gubernare (guiar, pilotar, governar) que por sua vez vem do grego kybernan. (Deutsch, 1988, p. 15-20) 2.3. NECESSIDADE DA POLÍTICA A política não é apenas uma atividade das instituições sociais, senão que se origina na própria essência da sociedade, independentemente de sua institucionalização. O bem comum, por sua vez, é a concepção milenar da função da Política dentro da sociedade, e a expressão clássica desta concepção está em Santo Tomás de Aquino, que, na sua Suma Teológica, escreve “Finis politica est urbanum bonum” — “A finalidade da política é o bem comum”. Não é religioso ou filosófico, mas social. (Franco, 1988, p. 9-14) Mas que é esse bem comum?

561 Quem melhor o definiu foi o Papa João XXIII, nos seguintes dizeres: “O Bem comum consiste no conjunto de todas as condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. 3. RESUMO HISTÓRICO 3.1. ANTIGÜIDADE Nas Antigas civilizações orientais não houve verdadeira doutrina política; os grandes impérios asiáticos e o Egito não admitiam que aí pudesse haver forma de governo diferente da monarquia absoluta, exercida em nome do deus protetor da Nação. O que existia era a arte de governar, transmitida pelos reis aos seus escolhidos. Os escritos do Taoísmo, na China, servem como exemplo, quando diziam que governar é como fritar peixes pequeninos. (Mosca, 1987, cap. IV) A origem da Política como doutrina e forma de governo está relacionada com as idéias desenvolvidas por Platão (427-344 a. C.) e Aristóteles (384-322 a. C.). Platão descreve no livro República o estado ideal e indica as causas da decadência que fazem com que da cidade ideal, possa-se gradualmente chagar à tirania, isto é, à pior das formas de governo. Aristóteles começa por afirmar que o homem é um animal naturalmente social. Segundo ele, os dons que a natureza deus aos indivíduos só podem desabrochar através do contato social. (Mosca, 1987, cap. VII) 3.2. IDADE MÉDIA Período que vai de 476 (queda do Império Romano) até 1453 (tomada de Constantinopla pelos turcos). “A principal característica da Idade Média, do ponto de vista político, é a confusão do direito privado e do direito público, do que resulta a que o proprietário ou o possuidor de um trato de terra acreditava-se investido de direitos soberanos sobre os habitantes dessa região”. (Mosca, 1987, p. 74) No campo intelectual havia ausência de espírito crítico e de senso histórico, inexistência do espírito de observação e respeito excessivo ao princípio de autoridade (Bíblia e Aristóteles). A ruptura desse modelo de pensamento político se dá com o aparecimento da obra de Maquiavel, o Príncipe, onde diz o que é a realidade (mostrando as falcatruas dos dirigentes) e não como ela deveria ser. (Mosca, cap. XI) 3.3. IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA Período que se estende de 1453 aos nossos dias. A Idade Moderna representa a transição do Feudalismo ao Capitalismo Industrial. A instituição do Parlamentarismo na Inglaterra, a Revolução Francesa, o aparecimento do nacionalismo e do imperialismo são alguns dentre os muitos aspectos que caracterizam essa fase. Atualmente nota-se uma tendência à democracia na maioria dos países liberais. “Na pesquisa sobre liberdade no mundo de 1992, a organização Freedom House, de Nova Iorque, verificou que, pela primeira vez na História, a maioria dos países da Terra são democráticos. Das 171 nações pesquisadas, 89 eram democracias declaradas e 32 se encontravam em transição para a democracia”. (Jornal do Brasil, 1992) 4. AÇÃO POLÍTICA 4.1. TEORIA E PRÁXIS

562 A questão da relação entre a Teoria e a Práxis, que por assim dizer foi fundada por Platão; foi ele talvez quem primeiro teve a consciência do problema. A questão aparece em Platão no livro A República, e justamente no famoso Livro VII da República, que é o livro em que existe uma famosa alegoria, o chamado “Mito da Caverna”. Ele propõe a seguinte questão: como podemos fundar a relação entre governantes e governados? Existe uma relação de obediência. Como justificar essa obediência? Onde encontrar elementos teóricos para legitimar uma relação de obediência? Na alegoria do “Mito da Caverna”, Platão coloca alguns homens numa caverna, de costas para a entrada, de modo que só conseguem ver as próprias sombras projetadas no fundo da mesma. Dentre esses homens, um deles (o filósofo) se vira e sai à procura da luz (conhecimento). Inteira-se dele e por, dever de consciência, obriga-se a passá-lo aos demais que lá ficaram. Acontece que se ele disser a verdade, será ridicularizado. Portanto, para evitar esse contratempo, cria o “mito”, a fim de que seja ouvido e obedecido. O filósofo, que é amante da verdade, tem de mentir e transforma-se mais em rei do que filósofo. A relação entre o real e o ideal é um problema por resolver e Platão joga-o para os séculos seguintes. (Ferraz, 1988, p. 39-48) 4.2. FILOSOFIA E POLÍTICA MARXISTA Tanto os pensadores da Antigüidade quanto do da Idade Média davam ênfase ao Estado ideal e não ao Estado real. Karl Marx (1818-1883), filósofo materialista e criador do materialismo histórico diz que até aquela época os filósofos idealizaram o mundo, mas que chegara o momento de transformá-lo através da ação. Como procedeu Marx? Estudou a dialética idealista de Hegel (1770-1831) e a dialética materialista de Feuerbach (1775-1833). Observou a luta de classes na Inglaterra e o processo da Revolução Francesa. As conclusões levaram-no a criar o termo materialismo histórico, ou seja, a matéria é origem de tudo e o modo de produção é que determina a religião, a arte, a forma familiar etc. O materialismo histórico ou dialético pode ser resumido da seguinte forma: a luta de classes — escravos lutando contra os senhores numa sociedade escravagista levaria esta à sociedade feudalista; a luta dos vassalos contra os senhores feudais, levaria esta sociedade ao capitalismo; o proletariado, nesta sociedade, lutando contra os capitalistas levaria ao comunismo. O comunismo seria uma sociedade igualitária, onde não haveria a exploração do homem pelo homem. Em termos práticos, vimos a instituição do comunismo na Rússia e na China, países pré-capitalistas. 5. AÇÃO POLÍTICA E ESPIRITISMO 5.1. MUDANÇA COMPORTAMENTAL Na alegoria do “Mito da Caverna”, Platão não consegue fazer com que o filósofo mudasse o comportamento dos homens que ficaram dentro da caverna. No Espiritismo, Kardec descortina-nos vários horizontes para a mudança do nosso comportamento, pois os ensinamentos contidos em O Livro dos Espíritos e O Evangelho Segundo o Espiritismo são um convite constante à melhoria de nossa conduta. Hábitos calcados nos automatismos negativos são estimulados a se transformarem em atitudes centradas na moral evangélica.

563 5.2. TESE MARXISTA E ESPIRITISMO 5.2.1. LUTA DE CLASSES O enfoque marxista da ação humana “induziria” o povo a pegar nas armas para conseguir uma situação mais igualitária da renda. No Espiritismo, vemos que a sociedade caminha para uma situação de maior igualdade de riqueza, quando trata dessa questão não pela “luta de classes”, mas por “classes de luta”, isto é, cada um dentro de sua classe tenta suplantar a si mesmo e auxiliar o próximo. 5.2.2. A FELICIDADE “Para os marxistas a felicidade se encontra nos produtos materiais do trabalho da Terra, enquanto para os espíritas, além dos proventos da Terra, o trabalho proporciona também os de evolução espiritual. Por isso não basta dar trabalho ao homem, sendo também necessário dar-lhe educação moral, ou seja, orientação espiritual para que ele possa tirar do trabalho todos os proventos que este lhe possa dar”. (Kardec, 1995, p.267) 5.3. RIQUEZA E PODER A maioria de nós gosta de possuir muitos bens e ter domínio sobre os demais homens. Mas de acordo com as instruções dos Espíritos “A autoridade, da mesma forma que a fortuna, é uma delegação da qual serão pedidas contas àquele que dela se acha investido; não creiais que lhe seja dada para lhe proporcionar o vão prazer de comandar, nem, assim como crêem falsamente a maioria dos poderosos da Terra, como um direito, uma propriedade”. (Kardec, 1984, p. 229) Deus as dá como prova ou missão e as retira quando lhe apraz. 5.4. ARISTOCRACIA INTELECTO-MORAL As sociedades em tempo algum prescindem de chefes para se organizarem. Daí a necessidade da autoridade. Esta autoridade vem se modificando ao longo do tempo. No início tínhamos a força bruta, depois a do exército. Na idade Média, a autoridade de Nascença. Segue-se-lhe a influência do dinheiro e da inteligência, na época atual. Será o fim? Não. Segundo Allan Kardec, em Obras Póstumas, há que se implantar a aristocracia intelecto-moral. Aristocracia, vem do grego aristos, melhor, e kratos, poder. Poder dos melhores. Quando isso efetivamente se der, os homens que detêm o poder saberão que estão investidos de uma missão e que serão cobrados pelo bom ou mal uso que fizerem de tal mister. 6. CONCLUSÃO Os princípios codificados por Allan Kardec nos auxiliarão eficazmente nas resoluções de ordem política, porque substituirá os impulsos antigos automatizados no egoísmo pelos novos que serão automatizados na fraternidade universal, dando uma nova força à inteligência, porque a “moral do Cristo”, indicará o rumo certo que a inteligência deverá seguir, quando o nosso planeta adquirir o equilíbrio entre o fator moral e o intelectual. Acreditamos que os governantes, quando a moral for o fator mais importante em todas as resoluções, não mais irão buscar os seus interesses mesquinhos, mas, acima de tudo, deverão aplicar amplamente a noção de “bem comum” propiciando sob todos os meios possíveis a felicidade da maioria. 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

564 BOBBIO, N. O Significado da Política. In O Que é Política. Curso: A Necessidade da Política I. Brasília, Instituto Tancredo Neves, 1988. DEUTSCH, K. A Natureza da Política. In O Que é Política. Curso: A Necessidade da Política I. Brasília, Instituto Tancredo Neves, 1988. FERRAZ JR. T. S. Política e Ciência Política. In O Que é Política. Curso: A Necessidade da Política I. Brasília, Instituto Tancredo Neves, 1988. FRANCO, A. A. de M. A Necessidade da Política. In O Que é Política. Curso: A Necessidade da Política I. Brasília, Instituto Tancredo Neves, 1988. Jornal do Brasil, 27/02/92 KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972 KARDEC, A. Obras Póstumas. 15. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1975. MOSCA, G. História das Doutrinas Políticas - Desde a Antigüidade, completada por Gaston Bouthoul...; trad. de Marco Aurélio de Moura Bastos. 6. ed., Rio de Janeiro, Guanabara, 1987.

São Paulo, dezembro de 1989 << = = = (1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (2) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. (3) IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.

Positivismo Positivismo. 1. Sistema filosófico formulado por Augusto Comte, tendo como núcleo a teoria dos três estados, segundo a qual o espírito humano, ou seja, a sociedade, a cultura, passa por três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. As chamadas ciências positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira etapa, sua maioridade, rompendo com as anteriores. Para Comte, as ciências se ordenam hierarquicamente da seguinte forma: matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia; cada uma tomando por base a anterior e atingindo um nível mais elevado de complexidade. A finalidade última do sistema é política: organizar a sociedade cientificamente com base nos princípios estabelecidos pelas ciências positivas. 2. Em um sentido mais amplo, um tanto vago, o termo “positivismo” designa várias doutrinas filosóficas do séc. XIX, como as de Stuart Mill, Spencer, Mach e outros, que se caracterizam pela valorização de um método empirista e quantitativo, pela defesa da experiência sensível como fonte principal do conhecimento, pela hostilidade em relação

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ao idealismo, e pela consideração das ciências empírico-formais como paradigmas de cientificidade e modelos para as demais ciências. Contemporaneamente muitas doutrinas filosóficas e científicas são consideradas “positivistas” por possuírem algumas dessas características, tendo esse termo adquirido uma conotação negativa nesta aplicação. (1) Positivismo. A família das doutrinas nas quais se exige que somente os fatos “positivos” (experiências) sejam levados em conta, e em que se afirma que as teorias apenas sumariam dados e nos poupam pensamentos. Embora os positivistas preguem o cientismo, eles defendem uma epistemologia centrada no sujeito e cortam as asas da pesquisa científica ao exigir que ela deveria aferrar-se aos dados. Pretendem também evitar a metafísica, mas efetivamente endossam o fenomenalismo, que é uma metafísica subjetivista. Principais expoentes: Ptolomeu, d’Alembert, Comte, Mill, Spencer, Mach e os positivistas lógicos. Surrar o positivismo é atualmente de bom tom, em parte porque o positivismo se opõe ao obscurantismo, e em parte porque muitas vezes é confundido com o realismo e o materialismo. Entretanto, a verdade é que não restam positivistas na comunidade filosófica. Os únicos positivistas praticantes encontram-se nos ramos atrasados das ciências social e natural, onde a principal ocupação ainda é a caça e a coleta de dados. Ver dataísmo. (2) Positivismo. Sistema que reconhece apenas o que pode ser cientificamente verificado ou o que é passível de prova lógica ou matemática. (3) Como doutrina que só se atém aos fatos e às relações entre os fatos, o positivismo, fundado pelo francês Augusto Comte, constitui uma reação a mais contra a filosofia tradicional, especialmente contra a metafísica. Para Comte, a filosofia tem de ser "positiva", e isto significa que deve se restringir aos resultados das ciências naturais e se converter numa teoria do saber científico. A partir dessas bases, Comte estabelece sistematicamente os fundamentos da sociologia, ciência da sociedade que ele classifica como o saber superior e de maior transcendência futura para a humanidade. A influência do positivismo é tão grande no século XIX que ele rapidamente é adotado em outros países e desenvolvido de forma consequente por pensadores como o britânico John Stuart Mill.

A filosofia do positivismo Nascido na localidade francesa de Montpellier, Auguste Comte (1798-1857) é inicialmente um discípulo do conde de Saint-Simon que encontra seus antecedentes na filosofia dos iluministas franceses. Assim como Condorcet, pensa que a humanidade avança em um caminho ininterrupto de progresso e, seguindo os passos de Montesquieu, quer descobrir as leis que regulam os fenômenos sociais. Comte é também um continuador do projeto iluminista no que diz respeito a seu agnosticismo: a coisa em si kantiana é incognoscível, e o sujeito só tem acesso ao conhecimento dos fenômenos.

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O positivismo, portanto, tal como Comte o formula, é uma filosofia dos fatos: dos fenômenos, das coisas na maneira como elas nos são dadas. Só os fatos são suscetíveis de comprovação por meio da experiência, e a única experiência, por sua vez, é a que provém dos dados dos sentidos. Do ponto de vista negativo, a filosofia de Comte se caracteriza pelo desprezo frontal pela metafísica: "A única máxima absoluta que existe é que não existe nada absoluto". Do ponto de vista do positivismo, em contrapartida, a filosofia comtiana se define como um saber que investiga os fatos e suas relações tal como são concebidos pelas ciências, e é nesse sentido uma filosofia da ciência; mas, por outro lado, propõe-se construir a ciência da sociedade, partindo desses critérios e como coroação lógica e coerente da própria evolução científica, com o que dá lugar à sociologia. Essa, segundo Comte, é uma ciência "positiva" que tem por objeto a investigação dos fatos sociais, assim como a formulação das leis que os governam. Na célebre classificação comtiana das ciências, que se baseia numa ordem de interdependência e complexidade progressivas, a sociologia ocupa, portanto, a classe superior.

A lei dos três estados Comte, cujas obras fundamentais são o Curso de filosofia positiva (1830-1842) e o Sistema de política positiva (1852-1854), justifica sua doutrina formulando a lei dos três estados, que explica a evolução das sociedades ocidentais de acordo com a maneira como abordaram a explicação do mundo dos fenômenos. No primeiro estado, o teológico, a mente humana explica os fenômenos de maneira fictícia, apelando para causas sobrenaturais: em lugar de se perguntar pelo "como" das coisas, indaga "por quê" e "para quê". No segundo estado, que é o metafísico, essa indagação das causas já é feita no terreno da natureza, mas de forma abstrata. Finalmente, no terceiro estado, que é o científico, abandona-se o saber causal e a mente se limita a observar os fatos e a estabelecer leis positivas a partir deles. O positivismo, em consequência, é a filosofia que corresponde ao estado científico da humanidade, já que sucede de forma lógica à velha metafísica. Ao mesmo tempo, para Comte o positivismo é também uma religião, já que herda, como ciência social, aquela força coesiva do coletivo que se encontra nas religiões tradicionais.

Stuart Mill O positivismo é introduzido no Reino Unido por John Stuart Mill (1806-1873), ainda que numa nova versão que acaba por se adaptar ao utilitarismo e ao liberalismo político típicos da época vitoriana. Partindo de uma tradição como a empirista e tendo formalizado um sistema de lógica puramente indutiva (1843), Stuart Mill estava em condições insuperáveis para realizar essa adaptação do positivismo comtiano. Também no empirismo o que importa são os fatos, e a lógica indutiva se situa por definição no extremo oposto de qualquer forma de apriorismo.

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Mas Mill é um utilitarista e um liberal, e com isso seu positivismo sociológico acaba impregnado de conteúdos éticos e políticos bem específicos. Herdeiro da escola utilitarista de Jeremy Bentham (1748-1832), que equipara o bem ao prazer e o mal à dor, Mill aspira a que o bem-estar esteja disponível ao maior número possível de indivíduos e, a partir de sua ótica liberal, questiona que esse fato seja exequível por meio da síntese do coletivo e do individual que Comte proclama. O positivismo de Stuart Mill é antes de mais nada pragmático, quer dizer, vagamente doutrinário, e esse é um traço que caracterizará futuramente o desenvolvimento das ciências sociais no mundo anglo-saxão.

Comte e a sociologia O estudo da sociedade se converteu no século XIX em ciência graças às contribuições de pensadores como Marx e Comte. Esse último foi o criador da palavra "sociologia", e quem formalizou seu conteúdo. Uma vez que em toda sociedade se distinguem dois momentos, o de equilíbrio e o de movimento, o de "ordem" e o de "progresso", Comte entendeu que a sociologia era na verdade uma "física social" e, portanto, dividiu-a em duas partes: a estática social e a dinâmica social. O objeto da estática social é o estudo das condições em que se produz a "ordem" coletiva, e se concretiza na investigação das estruturas que tornam possível no tempo a coesão da própria sociedade. A partir desse ponto de vistas, Comte estudou o papel da família e ressaltou que toda comunidade implica uma "separação de tarefas" (quer dizer, uma divisão do trabalho) e uma ou outra forma de autoridade, porque "não existe sociedade sem governo nem governo sem sociedade". A dinâmica social, por sua vez, investiga as leis de transformação que determinam o movimento, ou "progresso", de uma sociedade. A partir dela, Comte estabeleceu que a evolução social ocorreu de acordo com a lei dos três estados (o teológico, o metafísico e o científico). Do ângulo da dinâmica, a sociologia tem de antecipar, além disso, as transformações futuras que conduzirão ao advento de uma nova humanidade. Este último aspecto está relacionado com a dimensão ética que Comte atribuiu à sociologia, como ciência que deveria permitir uma melhor organização da sociedade, determinando os objetivos pelos quais se deve guiar o comportamento humano. Auguste Comte compreendeu que a filosofia é um saber estéril se não é vinculado de forma reflexiva ao conhecimento científico. (4)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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(3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (4) Temática Barsa - Filosofia

Potência Potência. A noção comporta diversas acepções correntes e é com frequência sinônimo, de acordo com o contexto, de faculdade, de possibilidade, poder ou de força. Em metafísica, em Aristóteles, a potência opõe-se ao ato e designa o ser em devir ou no estado virtual: potência ativa do ser que se desenvolve como o vivo, por exemplo, que passa da infância à idade adulta; potência passiva que designa a possibilidade - entre outras - que se oferece ao devir de um ser (por exemplo, a de um bloco de mármore se tornar determinada estátua). Ademais a noção significa força ativa, causalidade eficaz, poder de agir. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Prazer Prazer. Estado afetivo agradável de ordem física no sentido estrito e, nesse sentido, sinônimo de gozo ou de volúpia. Por extensão, satisfação moral em que predominam elementos de ordem intelectual ou espiritual sobre os elementos sensíveis ou fisiológicos. O prazer - físico ou moral - é inseparável do exercício de uma tendência e como tal é vinculado à satisfação de uma necessidade e depois de um desejo. Para alguns é concebido negativamente: desse modo em Platão, ele é sempre mais ou menos associado à dor ("hidra bicéfala do prazer e da dor") enquanto o pessimismo de Schopenhauer o recusa afirmando que o sofrimento é o companheiro da vida. Na verdade, se excetuarmos o epicurismo, são bem raras as que fazem do prazer - pelo menos físico - a busca exclusiva e o supremo bem. (1) Prazer. Júbilo, alegria, contentamento. Sentimento ou sensação agradável; deleite, satisfação, delícia; distração, divertimento, entretenimento. Psicol. Chama-se prazer a um dos dois tipos da afecção, impossível de definir, já que o conceito é o de um estado psíquico sui generis, irredutível a qualquer outro, estado de que podemos, tão só, procurar as condições mentais ou fisiológicas. O outro tipo da afecção, que se contrapõe ao prazer, é designado em todos os tratados pela palavra dor. Antonio Sérgio, na sua tese, sobre A Natureza da Afecção (1911), manifestou a sua discordância com essa orientação universalmente seguida. Em seu juízo, o contraponto do prazer (a que também chama "agrado") é o "desprazer" (a que também chama

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"desagrado"), e não a dor, alegando que esta é (ao contrário do prazer e do desprazer) localizável neste ou naquele ponto do corpo, e que há dores que são agradáveis, que dão prazer (como a de coçar uma ferida, por exemplo, ou como as que experimentam os masoquistas). Abstraindo dessa opinião do ensaista, e adotando a orientação comum, diremos que se têm apresentado várias teorias sobre o prazer e a dor. Naquelas a que poderemos dar o nome de monistas, o prazer e a dor são ligados a uma mesma função, e, em suma, derivados de uma mesma origem, reduzidos à forma ora positiva, ora negativa, de um só e mesmo estado. Tal estado fundamental é para certos autores, a que é lícito chamar pessimistas, o da dor (Platão, Epicuro, Kant, Schopenhauer e vários psicólogos contemporâneos sob formas mais científicas) e o prazer é tido, nesse caso, como uma ausência de dor. Para outros autores igualmente monistas, o estado positivo e constitutivo de afecção é o prazer, de que a dor seria a forma negativa. O prazer seria a expressão normal de uma atividade, cujas formas anormais - isto é; quer incompletas, quer imoderadas e sucessivas - dão a dor. (Aristóteles, Paulhan, Ribot). A estes dois pontos de vista monistas opõe-se o ponto de vista dualista - de um dualismo pelo menos de fato e de método, se não de princípio e de intenção, que surgiu com o estudo das condições anatômicas da sensação, que se inaugurou no fim do século passado. Sob esse ponto de vista anatômico, e independentemente de qualquer teoria, era inevitável que a dor aparecesse como nitidamente distinta do prazer pela evidência do seu determinismo externo. Por alguns autores, o prazer foi ligado ao determinismo exclusivamente interno das necessidades e a dor ao determinismo exclusivamente externo das defesas. Segundo tal maneira de ver, há entre o prazer e a dor heterogeneidade funcional, assim como heterogeneidade funcional entre a afecção (tanto de prazer como de dor) e a sensação. (2) Prazer (Princípio do). Parcialmente adivinhado por Fechner com o nome de "princípio do prazer da ação", e, a princípio denominado por Freud de princípio do desprazer, trata-se para a teoria psicanalítica de um dos dois princípios fundamentais que regem o funcionamento psíquico, tendo por finalidade evitar o desprazer e proporcionar o prazer por redução das quantidades de excitação. (1) Prazer. 1. O prazer pode descrever-se como a reação do apetite assinalando a presença percebida de um certo bem. É portanto resultante de uma atividade que atinge um bem e da qual constitui como que o "acabamento". Por essa razão, o prazer não há-de buscarse só por si mesmo, sob pena de se autodestruir, mas sim dependentemente daquilo de que resulta: numa comparação frequentemente usada pelos autores, é como a sombra, que se afasta de quem a persegue mas não abandona quem a origina. 2. No sentido mais usual, de satisfação do apetite sensível, o P. contradistingue-se da felicidade e da beatitude; tomado porém numa acepção mais ampla que abarca "toda a espécie de satisfação de um desejo humano, qualquer que seja o nível e a maneira de a viver, quer se chame felicidade, alegria, gozo, júbilo, beatitude, consolo, segurança, bem-estar, conforto, alívio de uma dor ou angústia" (A. Plé) - o que cobre todo o campo da afetividade, desde a mais "animal" à mais "espiritual" - o P. é algo de fundamental na existência humana. O bem e o P. que ele origina fazem um na ordem da finalidade: "é a mesma coisa desejar o bem e desejar a deleição (P.), a qual não é outra coisa senão o repouso no bem" (Summa Theologica 1-2, 2,6, ad 1um). O desejo e o P., sua satisfação, conduzem a um objeto que especifica o ato e o prazer que ele produz. Por esta razão, o P. será moralmente bom ou mau conforme for a atividade de que resulta. Entre os extremos inadmissíveis das morais do P. (hedonismos antigos e modernos), que

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afirmam ser o P. a norma do agir humano, e dos rigorismos que excluem o P. da vida moral (estoicismo, neopitagorismo, gnosticismo, Kant) deve afirmar-se ser legítima e mesmo virtuosa e necessária (cf. Tomás In II, Corint., 1, 13, lectio 5) a busca do P. sensível, segundo a medida que a virtude de temperança ajuda a encontrar. Em sentido mais amplo, é justificado defender a concepção moral do eudemonismo racional, da busca do P. segundo o "desejo refletido" (Aristóteles), que retifica os desejos irracionais (privados de logos) graças à exigência de verdade do intelecto prático, que permite conhecer e desejar uma realidade porque se apresente como boa e não considerá-la boa porque a desejamos (Aristóteles, Metafísica, 1072 a 29-30). 3. Na história do pensamento ocidental, os dois autores que mais ampla e profundamente trataram o tema do P. foram Aristóteles (Etica Nicomaqueia, livro 7 e sobretudo 10) e São Tomás de Aquino (Summa Theologica 1-2, 31-34), que retoma, retifica e amplia a doutrina do Estagirita. Face à concepção claramente positiva desses dois autores, perfilhada no presente artigo, há a assinalar o pessimismo da maioria dos autores clássicos gregos e latinos, pessimismo esse que, sobretudo por influência do estoicismo, marcou muitos dos autores cristãos, nomeadamente Santo Agostinho, o qual, por sua vez, muito influenciou os autores dos séculos seguintes. Nos tempos modernos, Freud trouxe novas e importantes aportações, em grande parte afins à linha aristotélica-tomista. (3) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

Preconceito Preconceito. Do latim prejudicium, julgamento prévio. 1. Julgamento, favorável ou não, formado de antemão, a partir de certas circunstâncias, fatos, aparências. 2. Ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado sem exame crítico, ponderação ou razão. (1) Designa um julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo. As conotações básicas incluem inclinação, parcialidade, predisposição, prevenção. No uso moderno, o termo veicula muitos significados variantes. Comuns à maioria deles, contudo, são as noções de julgamento prévio desfavorável efetuado antes de uma exame ponderado e completo, e mantido rigidamente mesmo em face de provas que o contradizem. (2) O que foi concebido antes. Antes do quê? Antes de ter pensado verdadeira e adequadamente no assunto. É o nome clássico e pejorativo da opinião, especialmente

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em Descartes, na medida em que esta é preconcebida. A força dos preconceitos se deve ao fato de que “todos nós fomos crianças antes de sermos homens” e começamos a pensar muito antes de saber raciocinar (se é que sabemos). O remédio, segundo Descartes, é a dúvida e o método mas forçoso é constatar que o cartesianismo dará razão, no fim das contas, à maioria dos preconceitos de sua época. Não é por ser homem, e mesmo um grande homem, que se deixa de ser criança. (3) Opinião ou crença admitida sem ser discutida ou examinada, internalizada pelos indivíduos sem se darem conta disso, e influenciando o seu modo de agir e de considerar as coisas. O preconceito é constituído assim por uma visão de mundo ingênua que se transmite culturalmente e reflete crenças, valores e interesses de uma sociedade ou grupo social. O termo possui um sentido eminentemente pejorativo, designando o caráter irrefletido e frequentemente dogmático dessas crenças, que se revestem de uma certeza injustificada. Ex.: “o preconceito racial”. Entretanto, é preciso admitir que nosso pensamento inevitavelmente inclui sempre preconceitos, originários de sua própria formação, sendo tarefa da reflexão crítica precisamente desmascarar os preconceitos e revelar sua falsidade. (4) = = = >>

Preconceito Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Caracterizando o Preconceito: 4.1. Estigma; 4.2. Crenças e Opiniões; 4.3. Entrave ao Princípio Único. 5. Rompendo com os Preconceitos: 5.1. Advertência de Descartes; 5.2. Dispor os Dados à Critica da Universalidade; 5.3. Pensar Criticamente. 6. Mudança Comportamental e Espiritismo: 6.1. Do Cérebro Velho ao Cérebro Novo; 6.2. Distância entre Fato e Reação; 6.3. Subsídios Espíritas. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que é preconceito? Quais dos nossos atos cotidianos revelam preconceito? O Espiritismo tem preconceitos? E os Espíritas? Refletir sobre os princípios doutrinários, codificados por Allan Kardec, livra-nos dos preconceitos? 2. CONCEITO

Preconceito. Designa um julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo. As conotações básicas incluem inclinação, parcialidade, predisposição, prevenção. No uso moderno, o termo veicula muitos significados variantes. Comuns à maioria deles, contudo, são as noções de julgamento prévio desfavorável efetuado antes de um exame ponderado e completo, e mantido rigidamente mesmo em face de provas que o contradizem. (Outhwaite, 1996) 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O preconceito é um tema sempre atual. Pensar e refletir sobre o seu significado e as situações em que possa emergir é de vital importância para nosso aprendizado na vida. Há necessidade de verificarmos se o combate ao preconceito não está criando novos preconceitos.

572 Descartes, por exemplo, querendo combater o preconceito, criou outro. Ele dizia que a força dos preconceitos se deve ao fato de que “todos nós fomos crianças antes de sermos homens” e começamos a pensar muito antes de saber raciocinar (se é que sabemos). O remédio, segundo Descartes, é a dúvida e o método. Onde está o preconceito aqui? Não é por ser homem, e mesmo um grande homem, que se deixa de ser criança. (Comte-Sponville, 2003)

Tenhamos em mente que a descoberta da verdade é impedida, muito mais pelo preconceito, do que pela falsa aparência que as coisas apresentam, e que podem induzir-nos ao erro. O preconceito é aquela erva daninha que obscurece o curso de nosso raciocínio e impede-nos de ter uma visão mais clara da realidade. 4. CARACTERIZANDO O PRECONCEITO 4.1. ESTIGMA Estigma é cicatriz, marca, sinal. As nossas concepções ingênuas, geralmente provenientes da tradição e dos costumes, forjaram “ideologias” e estigmatizaram “povos”. Não paramos para pensar se as atitudes de alguns indivíduos referem-se ou não à totalidade das pessoas. Com uma ideia pré-definida vamos marcando as pessoas, tais como, o judeu é ganancioso, o negro é indolente, os americanos são superficiais, e assim por diante.

4.2. CRENÇAS E OPINIÕES As crenças e opiniões são transmitidas sem exame e sem crítica. Muitos as internalizam sem se darem conta disso, acabando por influenciar o seu modo de agir e de considerar as coisas. Há crenças e crenças, como, por exemplo, as de caráter científico, tal qual a de que a Terra gira ao redor do Sol. Porém, a maioria delas, é o resultado da tradição e da autoridade. Ao atendermos cegamente os ditames da autoridade e da tradição, estaremos perpetuando muitos preconceitos, sem imaginarmos que os são. (Japiassu, 2008) 4.3. ENTRAVE AO PRINCÍPIO ÚNICO O preconceito é um entrave à percepção do princípio único. Por quê? O preconceituoso é um indivíduo que forma antecipadamente um sistema de valores e atua segundo ele. Como o faz previamente, quer que tudo se ajuste ao seu modo de pensar. Acontece que as coisas são o que são; não podemos mudá-las a nosso bel-prazer. A verdade não pode ser contestada; ela deve ser intuída. Não exijamos, assim, que as coisas aconteçam deste ou daquele jeito, mas mantenhamos a nossa mente aberta para o que estiver acontecendo, quer seja agradável, quer não. 5. ROMPENDO COM OS PRECONCEITOS 5.1. ADVERTÊNCIA DE DESCARTES

Descartes advertiu que o preconceito e a precipitação, dois vícios comuns da humanidade, prejudicam o juízo e impedem a descoberta da verdade. O preconceito, ideia formada antecipadamente, não nos deixa ver as coisas como elas realmente as são. A precipitação, por seu turno, faz-nos opinar sobre um acontecimento sem dele ter a necessária informação, para uma avaliação mais justa e correta. 5.2. DISPOR OS DADOS À CRITICA DA UNIVERSALIDADE

573 Ver a parte dentro do todo. A verdade à luz de uma vela não é a mesma à luz do Sol. Para explicitar este ponto, façamos uma comparação entre ser religioso e ter uma religião. O religioso está aberto a qualquer tipo de experiência; o que tem uma religião, apenas aos seus dogmas. Pensar – fora dos parâmetros estabelecidos – exige a postura do pensamento que está sempre à procura da verdade, esteja ela onde estiver. A verdade não é monopólio de uma religião, de uma instituição. Ela pertence ao patrimônio comum das inteligências. 5.3. PENSAR CRITICAMENTE

Construímos, ao longo do tempo, conceitos que, sem a devida problematização, tornaram-se dogmáticos e superficiais. A crítica consiste “num discernimento, num esforço de separar o que pode ser reconhecido como válido daquilo que não o é, a fim de reencontrar as orientações autênticas das intencionalidades constitutivas”. Precisamos sair das particularidades para ver os fatos dentro de uma perspectiva mais ampla, mais de acordo com espírito crítico e não o espírito de crítica. 6. MUDANÇA COMPORTAMENTAL E ESPIRITISMO 6.1. DO CÉREBRO VELHO AO CÉREBRO NOVO O cérebro velho está acostumado com um tipo de resposta, com um tipo de comportamento. O novo causa-lhe incômodo. Quando propomos ao cérebro outro tipo de resposta, fazemo-lo agir em nosso benefício. Por isso, devemos estar sempre testando e propondo novos caminhos ao nosso cérebro. O desafio, embora lhe causando estranheza, com o tempo, torna-se um hábito, um hábito que o incentiva a se modificar. 6.2. DISTÂNCIA ENTRE FATO E REAÇÃO De acordo com Krishnamurti, em O Mistério da Compreensão, o cérebro se torna novo quando há uma distância entre um fato e a reação do sujeito em relação a este mesmo fato. Quando reagimos imediatamente, estamos apenas confirmando o nosso ponto de vista, as nossas opiniões, o nosso preconceito, a nossa superficialidade. Para que um cérebro se torne novo, devemos concederlhe um tempo para refletir, para pensar, para sopesar, para meditar. 6.3. SUBSÍDIOS ESPÍRITAS Os princípios doutrinários, codificados por Allan Kardec, fornecem-nos elementos substanciais para a nossa transformação moral, intelectual e espiritual. Valendo-nos dos ensinamentos, veiculados em suas obras básicas e complementares, conseguiremos alicerçar a nossa fé na razão, podendo, a partir daí, analisar qualquer fato dentro da lógica, que nos leva a rejeitar tudo o que não estiver de acordo com a verdade. Nesse caso, os preconceitos são reduzidos ao mínimo possível. Permanecerão somente aqueles próprios da nossa ignorância e os da nossa recusa em aceitar os fundamentos doutrinários. 7. CONCLUSÃO O preconceito é uma erva daninha. Muitas vezes, fica enrustido em nosso subconsciente, mascarando os fatos à nossa frente. Ouvir os outros e achar que podemos estar errados são fundamentais para erradicá-lo de nossa mente. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996. COMTE-SPONVILLE, André, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. São Paulo, novembro de 2011 << = = = Preconceito e Verdade Preconceito - do latim prae + conceptum = concebido antes. É a fixação de um juízo anterior à análise objetiva da realidade, atingindo, desfavoravelmente, pessoas, idéias, instituições ou objetos. Entre os preconceitos mais censuráveis se encontram os que concernem à raça e à religião. Os preconceitos são característicos dos indivíduos de mentalidade estreita, incapazes de uma análise serena e desapaixonada da realidade. Vivemos envoltos com inúmeras crenças. Algumas de caráter científico, tal qual a de que a Terra gira ao redor do Sol. Porém, a maioria delas, é o resultado da tradição e da autoridade. Neste sentido, o filósofo Husserl falanos de uma "tese geral', ou seja, de uma compreensão implícita do mundo, que caracteriza o comportamento dogmático das criaturas. São atitudes humanas voltadas para a ação e o fazer técnico. É o mundo das sombras expresso por Platão na alegoria do "Mito da Caverna". O progresso é uma lei natural. Cedo ou tarde teremos de romper com as posições cristalizadas do nosso comportamento. A transformação pode se dar: a) de forma natural, quando nos defrontarmos com as crenças antagônicas e tivermos que tomar nova decisão; b) pelo próprio esforço, quando tomarmos consciência da necessidade de nossa modificação interior. É o princípio da problematização fornecendo as diretrizes para a aquisição do conhecimento. A descoberta da verdade é impedida, muito mais pelo preconceito, do que pela falsa aparência que as coisas apresentam, e que podem induzir-nos ao erro. O preconceito é aquela erva daninha que obscurece o curso de nosso raciocínio e impede-nos de te uma visão mais clara da realidade. É como um pseudo, a priori, que barra a caminho da verdade e empurra-nos para as sombras da ignorância. A busca da verdade deve ser um exercício constante de nossa mente, caso queiramos eliminar os erros do preconceito. Construímos, ao longo do tempo, conceitos que, sem a devida problematização, tornaram-se dogmáticos e superficiais. Contudo, desde que nos apliquemos eficazmente, poderemos modificar a estrutura básica do nosso proceder e concomitantemente obter bom êxito na apreensão mais profunda da realidade que nos absorve. "Atitudes repetidas" convertem-se em "hábitos". O hábito é um sexto sentido. Dessa forma, o que a princípio parecia difícil torna-se, pelo esforço constante, fácil. A verdade se nos apresenta de modo intuitivo e direto sem as peripécias do raciocínio discursivo.

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Fonte

de

Consulta

BORNHEIM, G. A. Introdução ao Filosofar - O Pensamento em Bases Existenciais. 7. ed., Rio de Janeiro, Globo, 1986. GOMES, L. C. Antologia Filosófica. São Paulo, Livros Horizontes, 1983. São Paulo, 28/04/1994

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(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996. (3) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (4) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Prima Facie Prima Facie (retidão, obrigação). Do latim, à primeira vista. Segundo o emprego do termo por David Ross (1877-1940), são obrigações genuínas que podem, no entanto, entrar em conflito com outras e, por vezes, serem suplantadas por elas. Uma obrigação de comparecer a um encontro marcado pode ceder perante a obrigação de dar conta de uma emergência, caso em que prima facie era correto comparecer ao encontro, mas já não após a consideração de todos os fatores envolvidos. A escolha de Ross é talvez infeliz, ao sugerir uma preocupação meramente epistemológica, como se numa segunda observação ou reconsideração a obrigação se mostrasse ilusória, enquanto ele próprio acreditava que ambas as obrigações conflitantes são reais, mesmo quando se tem de escolher uma em detrimento da outra. Segundo a prática mais moderna, a designação "obrigação pro tanto" é preferível: uma obrigação dado este ou aquele aspecto da situação mas, uma vez mais, suspendendo o veredicto geral. Em qualquer dos casos, a dificuldade de uma ética deontológica consiste em explicar como as obrigações estão hierarquizadas, sem envolver considerações desnecessárias de utilidade. (1) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

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Princípio Princípio. Do latim principium. 1. Primeira fase da existência de algo, de uma ação ou processo; início. 2. O que é causa primeira, a base de algo; raiz. 3. Valor de ordem moral; preceito, regra (frequentemente usado no plural). 4. Conceito, ideia fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos ou sobre a qual se apoia um raciocínio. A ou no princípio loc. na fase inicial; inicialmente. Em princípio loc. antes de qualquer consideração, avaliação; de forma geral. (1) Ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. “Ponto de partida” e “fundamento” ou “causa” estão intimamente ligados. (2) Em filosofia, a palavra princípio é usada de forma metafórica, referindo-se a uma ordem ideal, e não a uma sucessão real. (3)

Princípio da Caridade. Princípio destacado sobretudo por Davidson como algo que rege a interpretação dos outros. Em várias das suas versões, o princípio impõe ao intérprete uma maximização da verdade ou a racionalidade daquilo que o sujeito diz. Para Davidson, segue-se que não faz sentido conceber sistemas de pensamento em que a maior parte das proposições são falsas, pelo que o princípio acaba surpreendentemente por constituir uma defesa contra o ceticismo. Ver também princípio da humanidade. (4)

Princípio da humanidade. Um princípio com a mesma função do princípio de caridade, mas que sugere que regulemos nossos processos de interpretação pela maximização do âmbito no qual vemos o sujeito como humanamente razoável, em vez do âmbito no qual o vemos como estando certo. (4)

Princípio do Efeito Duplo. Princípio que tenta definir as condições com que uma ação com bons e maus resultados é moralmente permissível. Numa das versões, uma tal ação é permissível se (I) não é em si mesma errada; (ii) a má consequência não é a que se pretende; (III) a boa consequência não é por si um resultado da má e (IV) as duas consequências têm impactos semelhantes. Assim, por exemplo, posso bombardear uma fábrica inimiga justificadamente apesar de prever a morte de civis nas suas proximidades, pois não tenho a intenção de provocá-los - ao passo que o bombardeamento intencional de civis não seria permissível. O princípio tem suas razões na filosofia moral tomista (ver Thomas de Aquino). A aceitabilidade de provocar um aborto (matando o feto, em consequência) para evitar a morte da mãe é uma das suas aplicações. Todas as cláusulas da definição são altamente controversas, mas é sobretudo a segunda que dá origem a profundos problemas no que diz respeito à relação entre ação, consequência e intenção. (4)

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Princípio de Economia. É o nome como é mais conhecido o famoso princípio de William Ockam, franciscano: "entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem" (os entes não devem ser multiplicados, salvo necessariamente). Aplicado à demonstração, pode ser enunciado deste modo: entre duas explanações, ambas de igual valor, deve ser preferida a que invoca o menor número de princípios ou suposições, por ser mais verdadeira, e, em suma, por ser cientificamente preferida. (5) Princípio de legalidade (legitimidade). A hipótese de que todos os fatos estão sob a égide de leis e, portanto, são legítimos. Esta hipótese ontológica corrobora a pesquisa científica.(6) (1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (4) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. (5) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (6) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Problema Problema. Do gr. problema significa tarefa proposta, ou dificuldade a ser resolvida. a) formulação de uma situação, na qual certos elementos, fatores ou condições são conhecidos e outros desconhecidos, e em que se impõem descobrir os desconhecidos. b) Diz-se, também, de toda questão de ordem especulativa, pois há em todas, uma serie de dificuldades, que exigem ser resolvidas. (1) 1. Em um sentido genérico, dificuldade, tarefa prática ou teórica de difícil solução. No sentido originário da matemática, trata-se de uma questão envolvendo relações entre elementos matemáticos com números, figuras etc. Ex.: traçar um círculo passando por três pontos que não estão em linha reta. 2. Em um sentido mais amplo, filosófico e, em geral, teórico, toda questão crítica, de natureza especulativa ou prática, examinando o fundamento, a justificativa e o valor de

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um determinado tipo de conhecimento em forma de ação. Ex.: o problema da indução, o problema do livre-arbítrio etc. (2) (1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Problema do: Mal, Trem Problema do Mal. O problema de reconciliar a imperfeição do mundo com a bondade de Deus. O problema tem duas formas. Numa delas é preciso determinar se é consistente afirmar que um criador onipotente, onisciente e perfeito possa ter feito um mundo onde a dor e o mal constituem uma parte proeminente da vida e, talvez, da vida depois da morte (ver inferno). Este é um problema puramente lógico, ao qual se responde com frequência - mas com alguma insensibilidade - apontando-se as coisas boas adicionais que a existência do mal torna possível (ver também defesa do livrearbítrio). Na segunda forma, a versão mais rígida do problema, aceitam-se as hipóteses que salvam a posição teísta e pergunta-se se poderá ser razoável encarar a própria criação imperfeita como um indício da capacidade divina, isto é, perfeita, de criar. O segundo argumento , especialmente eficaz contra o argumento do desígnio, foi desenvolvido por Hume nos seus Diálogos sobre a religião natural: "Aqui", diz Fílon, o cético, "eu triunfo". (1)

Problema do Trem. Problema de ética apresentado pela filósofa inglesa Philippa Foot em seu artigo “The Problem of Abortion and the Doctrine of the Double Effect” (Oxford Review, 1967). Um vagão ou um trem desgovernado aproxima-se de uma bifurcação da linha. Num dos ramais está uma pessoa trabalhando e no outro estão cinco; o trem matará, com certeza, quem estiver no ramal que percorrer. Para a maior parte das pessoas, o maquinista deverá virar para o ramal que tem menos gente. Mas agora suponha-se que, entregue a si mesmo, o trem entrará pelo ramal que tem cinco pessoas e que o leitor, que estava passando pelo local, pode interferir, direcionando os vagões de modo que ele entre pelo outro ramal. É certo, obrigatório ou sequer admissível que o leitor faça isso, sendo então aparentemente responsável pela morte da pessoa que estava no outro ramal? Afinal, quem teria o leitor lesado se tivesse deixado o trem seguir seu curso normal? Esta situação é estruturalmente semelhante a outras nas quais um raciocínio utilitarista parece levar à prática de um certo ato, ao passo que a integridade ou os princípios de uma pessoa podem contradizê-los. Ver também doutrina dos atos/omissões; principio do efeito duplo. (1)

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(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

Problemático Problemático/Problemática. Do latim vulgar problematicus. É problemático tudo aquilo que é duvidoso, que não tem prova conclusiva, cuja aceitação é discutível. 1. Em seu sentido lógico, característica do juízo ou proposição que expressa uma simples possibilidade, podendo ser verdadeiro, porém sem que se tenha certeza disso. 2. Em seu sentido epistemológico, uma problemática é um conjunto de problemas elaborados por uma teoria científica determinada que delimita assim o seu campo específico. Trata-se, portanto, de um conjunto de problemas mais gerais que definem as preocupações básicas e o procedimento investigativo de uma corrente teórica. A problemática se constitui a partir do estado atual de uma questão ou questões teóricas em um momento histórico determinada e está relacionada a práticas teóricas e científicas de uma época, bem como ao contexto social em que se insere. (1) Problemática. O adjetivo qualifica em lógica um enunciado que pode ser verdadeiro, mas que não se afirma explicitamente como tal. O substantivo designa quer o conjunto dos problemas que especificam o domínio de uma pesquisa científica ou de um sistema filosófico, quer a maneira como se apresentam os problemas determinados por uma questão. (2) Problemático (a) (problématique). Como adjetivo, qualifica o que não é nem real (ou, em se tratando de um juízo, assertórico), nem necessário (ou apodítico). "Os juízos são problemáticos", escreve Kant, "quando se admite a afirmação ou a negação como simplesmente possíveis (há opção), assertóricos quando se as considera reais (verdadeiras), apodíticos quando se as vê como necessárias" (C. r. pura, Analítica dos conceitos, I, 2, § 9). Como substantivo, a palavra designa a elaboração de um problema. Construir uma problemática é explicar como um problema se formula ou como se decidiu formulá-lo, a fim de se ter uma chance, quem sabe, de resolvê-lo. Numa dissertação filosófica, a problemática deve idealmente aparecer desde o fim da introdução; ela assume geralmente a forma de um sistema ordenado de questões. (3) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011

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Profundidade Profundidade. Do latim profunditas, atis. 1. Caráter do que é profundo. 2. Distância do fundo à borda, à superfície; altura. 3. Lugar profundo. 4. Fig. Caráter do que não é superficial, vai ao fundo, à essência. 5. Fig. Característica do que tem boa base, fundamento; solidez. 6. Íntimo da alma ou do pensamento; âmago. 7. Fig. Caráter ou qualidade do que é difícil de entender; complexidade. 8. Efeito visual que cria a ilusão de um espaço em três dimensões num quadro ou gravura. Sin: profundez. (1) Em filosofia, é sobretudo uma metáfora para indicar a quantidade de pensamento que um discurso pode conter ou suscitar. Mesmo Nietzsche, tão apaixonado pela superfície e pela bela aparência, via legitimamente na profundidade uma bela virtude intelectual. É que a superficialidade só tem sentido a serviço da profundidade. (2) [Ver Pseudoprofundidade] Um objeto é mais profundo do que outro se e somente se o segundo depender do primeiro, mas não inversamente. Cumpre distinguir a profundidade conceitual da ontologia. a. Conceitual - Um construto é mais profundo do que um outro se e somente se o segundo depender do primeiro, mas não inversamente. Em particular (a) em uma definição, o definiens é mais profundo do que o definiendum; (b) em uma teoria, os axiomas são mais profundos do que os teoremas; (c) em uma família de teorias logicamente relacionadas, as teorias redutoras são mais profundas que as teorias reduzidas. Em geral, quanto mais baixo mais profundo. Entretanto, assim como a definibilidade e a derivabilidade são contextuais do mesmo modo é a profundidade conceitual. Advertência 1: A obscuridade não deve ser tomada erroneamente como profundidade. Advertência 2: Não existe uma linha de fundo conceitual, visto que, em princípio, qualquer construto pode ser substituído por outro mais profundo. Tal fato se contrapõe agudamente à profundidade ontológica, que não possui um chão. b. Ontológico - Um item fatual fica em nível mais profundo do que outro item fatual se e somente se o segundo depender do primeiro, mas não inversamente. Em particular, (a) uma coisa fica em nível mais profundo do que outra se e somente se a segunda for uma parte própria (e.g. uma componente) da primeira; (b) um propriedade está em nível mais profundo do que outra se e somente se a primeira determina a segunda, mas não inversamente; (c) um evento ou processo está em nível mais profundo do que outro se e somente se o primeiro for a causa do segundo, mas não inversamente. (3) (1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Progresso Progresso. Do latim "pro" = para frente + " gressus" = passo. O termo se aplica, em seu sentido mais amplo, a todo o processo que resulta na passagem do estado menos

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perfeito a um estado mais perfeito. O ser humano progride biológica e psicologicamente, enquanto se aproxima do mais pleno desdobramento de suas potencialidades. O mesmo se diga da humanidade como um todo. Progredir significa avançar, e todo avanço é uma síntese entre os elementos já adquiridos e elementos novos. (1) Marcha ou movimento para diante: "Comparado com o passado, tudo isso marcou um progresso..." (2) Progresso. Do latim progressus, ação de avançar, crescimento. Independentemente de qualquer juízo de valor, trata-se — falando-se deslocamento de um móvel — da diminuição da distância que separa esse móvel de um ponto para o qual ele se dirige; o progresso nesse caso se reduz a uma progressão; nesse sentido, falar-se-á, por exemplo, de um exército que progride num território. Por extensão é qualquer desenvolvimento ou crescimento qualitativo (por exemplo, o progresso de determinada doença). Porém, na maioria das vezes, a noção se estende em virtude de uma escala de valores, o desenvolvimento efetivando-se de uma maneira positiva no sentido de uma melhora, quer o processo se faça ou não segundo etapas determinadas, quer vise ou não um fim preciso. A noção aplica-se então ao campo do conhecimento, da moral, da política, das artes etc. No absoluto, o progresso designa o movimento para frente da civilização ligado ao progresso das ciências e das técnicas. A crença no Progresso, que muitas vezes assume o aspecto de um mito, corre constantemente o risco de ser desmentida — mesmo quando se baseia numa filosofia da história —, na medida em que não é observada qualquer ligação necessária entre o progresso intelectual e técnico, por um lado, e o progresso moral e político, por outro. (3) Sinonímia:

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(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Pseudo: Ciência, Fato, Problema... Pseudociência. Doutrina ou prática despida de fundamento científico, mas vendida como científica. Exemplos: grafologia, homeopatia, caracterologia, parapsicologia, psicanálise, psicohistória, ciência criacionista e microeconomia neoclássica. As pseudociências são excelentes testes para qualquer filosofia da ciência. Diga-me quantas pseudociências você compra e dir-lhe-ei quanto vale a sua filosofia da ciência.(1) Pseudofato. Um fato inexistente tomado erroneamente por um fato. Exemplos: visões de anjos, bruxas voadoras. A crença nos pseudofatos é muitas vezes promovida pela superstição ou pela ideologia. Pode ser sugerida também, ocasionalmente, pela teoria científica. Mas nesse caso, se for interessante, excitará a curiosidade dos outros que tentarão reproduzi-lo, e assim ficará demonstrado, finalmente, que o alegado fato não é

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um fato. A distinção entre fatos genuínos e pseudofatos é alheia aos anti-realistas, em particular aos construtivistas, pois, segundo eles todos os fatos são artefatos.(1) Pseudoproblema. Um problema relativo a um pseudofato ou suscitado por uma ideia difusa, ou por uma lacuna de conhecimento. Exemplos do primeiro tipo: Como funciona a levitação? Como o universo veio a existir? Exemplos do segundo tipo: O que faz o tempo? Por que existe algo em vez de não existir nada? Exemplos do terceiro tipo: o paradoxo do corvo e o paradoxo do verzul. Os positivistas lógicos dispensaram a metafísica acusando-a de lidar apenas com os pseudoproblemas ou de ser mal formulada ou de não ser solúvel com a ajuda dos dados empíricos. Sem dúvida, tal é o caso da maior parte da metafísica – inclusive o fenomenalismo sustentado pelos próprios positivistas. Entretanto, é possível formular alguns problemas metafísicos de uma forma exata, e investigá-los à luz do conhecimento científico ou tecnológico. Ver ontologia. (1) = = =>>

(1). O que é Ontologia: Ontologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza do ser, da existência e da própria realidade. A Ontologia é classificada na filosofia como o ramo geral da metafísica (diferente da cosmologia, psicologia e teologia, que são ramos específicos), pois se ocupa dos temas mais abrangentes e abstratos da área. Por esse motivo, é comum que os termos ontologia e metafísica sejam utilizados como sinônimos, embora o primeiro esteja inserido no segundo.

A palavra ontologia é formada do grego ontos (ser) e logia (estudos), e engloba as questões gerais relacionadas ao significado do ser e da existência. Este termo foi

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popularizado graças ao filósofo alemão Christian Wolff, que definiu a ontologia como philosophia prima (filosofia primeira) ou ciência do ser enquanto ser. No século XIX, a ontologia foi transformada por neoescolásticos na primeira ciência racional que abordava os gêneros supremos do ser. A corrente filosófica conhecida como idealismo alemão, de Hegel, partiu da ideia de autoconsciência para recuperar a ontologia como "lógica do ser". No século XX, a ligação entre ontologia e metafísica geral deu lugar a novos conceitos, como o de Husserl, que vê a ontologia como ciência formal e material das essências. Para Heidegger, a ontologia fundamental é o primeiro passo para a metafísica da existência. Algumas das perguntas fundamentais desta área são:    

O que pode ser considerado existente? O que significa ser? Quais entidades existem e por quê? Quais são os vários modos de existência?

Ao longo do tempo, inúmeros filósofos utilizaram metodologias e classificações diferentes para responder a essas e outras perguntas.

Dicotomias da ontologia Através das diferentes posições filosóficas que abordam as questões acima, a ciência ontológica organiza-se em diversas dicotomias (divisões), tais como: Monismo e Dualismo A ontologia monista (monismo ontológico) entende que a realidade é composta por apenas um elemento, o universo. Para esta teoria, todas as demais coisas são diferentes formas de o universo se estruturar. A ontologia dualista (dualismo ontológico) defende que a realidade é formada por dois planos: um material (corpo) e outro espiritual (alma). Os principais defensores desta corrente foram Platão e Descartes. Determinismo e Indeterminismo O determinismo ontológico é a teoria que entende a natureza como um sistema no qual tudo está interligado e, por isso, não existe livre arbítrio. Para esta corrente, todas as escolhas são, na verdade, resultados de eventos que já aconteceram. O indeterminismo ontológico afasta a rígida ligação de causa e efeito típica do determinismo e fundamenta o livre arbítrio em questões antropológicas, não defendendo, portanto, que todas as escolhas são feitas por acaso.

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Materialismo e Idealismo A ontologia materialista (materialismo ontológico) defende a ideia de que para alguma coisa ser real, é necessário que ela seja material. Para a ontologia idealista (idealismo ontológico), a realidade é, na verdade, espiritual, e toda a matéria é uma representação ilusória da verdade.

Prova ontológica O “argumento ontológico” ou “prova ontológica” é o argumento que utiliza a ontologia para defender a existência de Deus. O primeiro e mais famoso argumento ontológico é atribuído ao teólogo Anselmo de Cantuária, que refletiu que, se a ideia de um Deus perfeito está presente mesmo na mente das pessoas que não acreditam na sua existência, então Deus deve existir também na realidade.

Ontologia jurídica Ontologia, no âmbito jurídico, é a parte da Filosofia do Direito que estuda a essência e a razão de ser de uma lei, doutrina ou jurisprudência.

Ontologia na ciência da computação Nas Ciências e Tecnologias de Informação, as ontologias são classificações usadas para categorizar ou agrupar as informações em classes. As ontologias também são aplicadas em Web Semântica e em Inteligência Artificial para assimilar e codificar o conhecimento, definindo as relações existentes entre os conceitos de determinado domínio (uma área do conhecimento).

<< = = = Pseudotautologia. Uma expressão que tem a forma linguística de uma tautologia, mas não sua forma lógica. Exemplo: “Basta é basta”. Essa sentença se parece com a tautologia “a = a”, mas efetivamente é uma abreviatura de “Você disse (ou fez) muito até agora. Agora para”. Esse exemplo seria suficiente para expor a superficialidade da análise linguística. (1) Pseudoprofundidade. É fazer declarações que parecem profundas, mas não são. Um dos meios mais fáceis de gerar declarações pseudoprofundas é falar ou escrever em aparentes paradoxos. Exemplos: 1) Conhecimento é só mais um tipo de ignorância; 2) superficialidade é um tipo importante de profundidade; 3) ao nascer, somos todos crianças; 4) Será que todo mundo sofre de insegurança? (2) [Ver Profundidade] (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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(2) WARBURTON, Nigel. Pensamento Crítico de A a Z: Uma Introdução Filosófica. Tradução de Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.

Psicologia, Psicologia Científica e Psicologismo Psicologia. Ciência que estuda as ideias, sentimentos e determinações cujo conjunto constitui o espírito humano; ciência dos fatos da consciência e das suas leis: "Hoje todos estão de acordo em considerar a Psicologia como uma ciência natural, como uma ciência puramente experimental, não tendo por objeto senão os fenômenos do pensamento, suas leis e causas imediatas". (1)

Psicologia Científica. Costuma-se aceitar como data do nascimento da psicologia como saber científico o ano de 1879, quando Wilhelm Wundt organiza o primeiro laboratório de psicologia experimental em Leipzig. O pioneiro da nova ciência, Wundt a define como o conhecimento positivo que investiga os fatos da consciência apreendidos mediante a observação e que podem ser verificados experimentalmente. A criação da psicologia científica está ligada, portanto, ao abandono da metafísica ocorrido no século XX e ao consequente projeto de aplicar ao estudo da vida mental do homem os métodos experimentais das ciências da natureza. A partir de então, e até nossos dias, a psicologia foi-se configurando nos moldes de uma pluralidade de tendências metodológicas que experimentalmente se diferenciam assim: as que entendem a aprendizagem como processo psicológico subjacente ao comportamento e as que entendem a cognição como a base do comportamento.

As origens Wilhelm Wundt (1832-1920), fisiologista e filósofo alemão, autor dos Princípios de psicologia fisiológica (1874), sendo professor na Universidade de Leipzig funda, o primeiro laboratório de psicologia experimental. Conhecedor da tradição empirista britânica, sua psicologia se fundamenta na concepção de que toda a atividade mental opera sobre conteúdos sensoriais: todo o conhecimento humano provém da experiência, e os conteúdos da mente são apenas sensações elementares que se associam entre si para dar lugar à experiência psicológica. O método experimental utilizado é a introspecção, o relato da própria experiência pessoal. O trabalho do psicólogo consiste em estabelecer as leis que regem as associações entre os elementos sensoriais, proporcionando experiências sensitivas aos sujeitos de estudo em condições experimentais. Embora logo se vissem as limitações dessa concepção e desse método, o mérito de Wundt consiste em assentar o pressuposto de que a mente e o comportamento humanos podem ser estudados segundo os métodos da ciência.

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A escola reflexológica: Pavlov No início do século XX surge na Rússia a escola reflexológica de Ivan P. Pavlov (18491936). Com o termo “reflexologia”, quer-se indicar aquela psicologia objetiva que associa os fenômenos psíquicos a reflexos condicionados, e que explica o comportamento humano e animal como o resultado complexo dos reflexos incondicionados (isto é, reflexos que são instintivos ou primários) e dos reflexos condicionados. Os reflexos incondicionados são respostas inatas de tipo muscular ou glandular, que o organismo emite em face dos estímulos provenientes do meio (seja interno ou externo). Os reflexos condicionados são respostas às variações do meio (quer dizer, condicionados por essas variações), que se estabelecem no nível cortical sobre a base das anteriores, e que permitem a adaptação a ele. Lembremo-nos das experiências feitas com os cães.

O behaviorismo Assim como Pavlov e seus seguidores, a escola behaviorista norte-americana também responde à crise da psicologia wundtiana eliminando a consciência da investigação psicológica e reduzindo-a ao estudo do comportamento ou à conduta observável. John B. Watson (1878-1958), fundador dessa escola norte-americana, declara em sua obra, A psicologia do ponto de vista de um behaviorista (1913), que o grande erro que impede a formação de um saber verdadeiramente científico sobre o homem tem sido o empenho reiterado de investigar o psiquismo a partir de seu interior. Portanto, ele defende que a psicologia deve investigar o comportamento, entendido como o conjunto de respostas dadas por um organismo diante de determinados estímulos do meio, e que deve prescindir de qualquer pretensão de estudar os chamados fatos de consciência. O comportamento são “fatos observáveis”, e a tarefa do psicólogo é pelo método experimental, observar e medir a resposta (comportamento) a partir de manipulações do estímulo, para poder com isso estabelecer um sistema psicológico capaz de definir os mecanismos de adaptação e a previsão do comportamento.

O neobehaviorismo: as contribuições de Skinner As teses behavioristas de Watson são ampliadas posteriormente por Burrhus F. Skinner (1904-1990). Para Skinner, a tradicional dualidade corpo e mente deve ser, mais do que superada, deslocada no sentido de que o psicólogo científico “só está descrevendo a metade do Universo e posterga para outro mundo a mente ou a consciência, que supõe requerer outro tipo de investigação”. A psicologia, portanto, pode apenas estudar o comportamento, as associações estímulo-resposta e as leis que as governam, por meio da experiência.

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A contribuição mais original de Skinner consiste em mostrar a existência de um novo tipo de condicionamento, denominado “operante” ou “instrumental”. No esquema pavloviano, o comportamento é uma resposta a um estímulo específico. Mas acontece, afirma Skinner, que a maioria dos comportamentos observáveis não responde ao mero esquema estímulo-resposta. Na verdade, o comportamento é “operante”; o ato opera sobre o ambiente para obter estímulos compensatórios ou punitivos. Inverte-se a relação E-R, realizando-se um ato (resposta) ao qual se segue um estímulo de reforço. O reforço é aquilo que faz aumentar a frequência de determinado comportamento – seja porque apresente um estímulo positivo ou prazeroso, seja porque reduza ou elimine um estímulo negativo ou desagradável.

A psicologia da forma A resposta européia ao associacionismo wundtiano é a que vem da chamada “psicologia da forma”, que traduz o termo alemão Gestalt. Seus representantes mais notáveis são o psicólogo Max Wertheimer (1880-1943), que a funda em 1912, Kurt Koffka (18861941), autor de Princípios de psicologia gestáltica (1935), e Wofgang Kohler (18871967). Diferentemente da resposta behaviorista americana, pragmática e funcionalista, eles pretendem explicar a consciência humana como Wundt, porém entendendo-a não como uma soma de atividades ou elementos separados, mas como conjuntos unificados e significativos, embora recusando o elementarismo da consciência são constituídos por formas que obedecem a uma peculiar e diferenciada atividade estruturadora da vida psíquica, que é percebida pelo psiquismo humano segundo determinados princípios – como o da contiguidade e do contraste que existe entre as partes de um todo, o da identidade e o da totalidade etc. – que em hipótese alguma podem ser decompostos em elementos mais simples, porque sua significação surge justamente do caráter independente que os liga a um conjunto mais vasto, apreendido como um todo.

O estudo etológico do comportamento humano Nas últimas décadas do século XX, os trabalhos de Konrad Lorenz (1903-1989) – Sobre a agressão (1963) e Considerações sobre os comportamentos animal e humano (1965) – ajudaram nos estudos sobre a natureza do comportamento com as contribuições da etologia. Lorenz demonstrou a diferença que existe entre comportamento inato e comportamento adquirido. Convém levar em conta que tanto a escola reflexológica de Pavlov quanto os behavioristas de Watson e Skinner basearam seus estudos sobre o comportamento a partir da hipótese de que ele era adquirido. Mas Lorenz, em seus trabalhos, aponta que a adaptação do animal ao seu meio ambiente ocorre por meio de um duplo caminho. De um lado, por meio do instinto, herdado filogeneticamente; de outro, por meio da aprendizagem, sujeita à experiência individual e, portanto, não hereditária. Os comportamentos que se transmitem de geração a geração são hereditários porque ao longo de sua história evolutiva uma espécie foi armazenando informações graças aos

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mecanismos de mutação, seleção e intercâmbio genético. Por conta disso, um comportamento inato não é algo imutável (como sustentava Pavlov em sua teoria do reflexo incondicionado), e sim o resultado de alguns mecanismos de adaptação transmitidos hereditariamente. Lorenz sustenta que é possível diferenciar, em todo o comportamento, o que existe de nato e de aprendido. Isso se deve à impressão, um processo especial de aprendizagem que no animal aparece pré-formado a partir de sua bagagem hereditária específica. Por meio da impressão, o animal aprende alguns comportamentos que já estão “programados”, mas extensivos a todos os indivíduos de uma mesma espécie. Algumas observações referentes ao comportamento animal foram estendidas ao comportamento humano para explicar a agressividade. Lorenz insiste em que não se deve perder de vista o fato de que a cultura humana está alicerçada de modo determinante pela impressão, quer dizer, por essas formas de comportamento inato que pertencem à espécie.

O cognitivismo Nos anos 1950, após a crise do neobehaviorismo e do positivismo lógico, e sua incapacidade de se proporem como uma teoria global do comportamento, um grupo de psicólogos da Universidade de Harvard, encabeçados por Jerome S. Bruner e George Miller, reivindicam o estudo da mente humana e da construção de significados. A psicologia supera o âmbito dos estudos sobre o comportamento para colocar a ênfase na cognição. O significado, o sentido, passa a ser o conceito fundamental da psicologia, no campo comum das ciências sociais, para explicar o ser humano em sua especificidade. Essa corrente permite analisar o papel desempenhado nos processos de aprendizagem por aspectos como a memória, a percepção, o reconhecimento de modelos e a linguagem. Precursor dessa corrente é Lev S. Vigostky (1896-1934), que afirma que o específico do ser humano como espécie é a consciência, e que para explicar o comportamento humano é preciso explicar como ela regula, controla e planifica esse comportamento. É, no entanto, sobre a proposta de Alan Mathison Turing, matemático britânico (19121954), de que era possível simular qualquer comportamento, simples ou complexo, com a ajuda de uma máquina, que determinados psicólogos cognitivistas fundam seus trabalhos a partir da hipótese de que o psiquismo humano pode ser considerado como uma máquina de tratamento de informação, análoga ao computador – e, por isso, os processos mentais mais complexos, como a conceitualização ou a resolução de problemas, são analisados por meio de metáforas da tecnologia da informática e das teorias da informação. Z. V. Pylyshyn introduz no ano de 1980 o termo arquitetura funcional para definir a organização funcional do sistema cognitivo; J. A. Fodor, em 1983 publica A modularidade da mente, onde afirma a existência de diferentes sistemas cognitivos, os módulos (especializados num determinado domínio) e os processos centrais, contra a crença no funcionamento do cérebro como um todo, como uma só unidade central, como as consequências das lesões cerebrais demonstram.

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Outro enfoque é o que costuma ser chamado de sociocognitivo de Albert Bandura, que propõe, em 1986, uma concepção mais dinâmica da personalidade como um conjunto de fatores externos e internos, sociais e cognitivos: “O comportamento, os fatores pessoais internos e as influências ambientais atuam como determinantes relacionados uns com os outros.”

A psicologia genética de Jean Piaget: o construtivismo Jean Piaget (1896-1980), psicólogo suíço, não é estritamente um cognitivista, já que não utiliza o computador como modelo da mente. Seu interesse é pelo pensamento dos adultos, e para isso se dedica a investigar como ele vai sendo construído, passo a passo, desde a infância. Assim, portanto, o estudo do desenvolvimento intelectual da criança a partir de bases rigorosamente experimentais, constitui o objeto de sua psicologia genética, cujas investigações começaram a ganhar destaque nos anos 1930, após a publicação de obras como O nascimento da inteligência na criança (1937) e A construção do real na criança (1937). Desenvolvendo um método experimental próprio, Piaget demonstrou que a inteligência infantil se configura gradativamente por meio de uma série de adaptações sucessivas que estão registradas em dois mecanismos indissociáveis: “a assimilação e a acomodação”. Do mesmo modo como um organismo conserva sua estrutura assimilando o meio (incorporando, por exemplo, o alimento), ao mesmo tempo em que acomoda aquela a este, também a inteligência funciona assim: assimilando os dados da experiência e os acomodando às circunstâncias mutantes que decorrem de uma realidade concreta. Piaget viu que a criança parte de uma absoluta carência como sujeito – carência que se manifesta em seu não-reconhecimento da realidade objetiva. Mas, a partir desse estado caótico inicial, a criança começa a se desenvolver buscando, como todo organismo vivo, um equilíbrio entre a acomodação à realidade externa e sua assimilação. No decorrer desse processo evolutivo, o pensamento infantil atravessa uma série de estados ligados a três grandes fases. A primeira dessas fases é a da inteligência sensório-motriz; a segunda, a da inteligência operatória concreta; finalmente, a terceira, que já conduz ao pensamento adulto, é a da inteligência operatória formal. A análise dessas três grandes fases evolutivas permitiu a Piaget investigar a gênese e o desenvolvimento de noções como as de realidade, causalidade, qualidade, classe ou relação, e conceitos físicos como os de tempo, velocidade, movimento etc. Com isso, ele destacou as implicações epistemológicas do pensamento infantil e a maneira como aqueles conceitos foram construídos historicamente pelo pensamento científico. (2)

Psicologismo. Concepção filosófica que atribui à psicologia um lugar central, colocando-a como base de todas as ciências, já que estas se constituem através de processos cognitivos que são em última análise explicáveis pela psicologia. O psicologismo é um reducionismo na medida em que busca explicar todos os elementos da experiência humana a partir da dimensão psicológica dessa experiência. Assim, a

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própria lógica, ou a metafísica ou a experiência estética, poderiam ser reduzidas a formas do pensamento humano, a modos de operar da mente. Ver empirismo. (3) (1) Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (2) TEMÁTICA BARSA - Filosofia (3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

HQuadrado da Oposição Quadrado da Oposição. Na lógica tradicional, o quadrado da oposição resume as relações lógicas que ocorrem entre as quatro formas de proposições da forma sujeitopredicado, conhecidas por A, E, I, O: todos os X são Y; nenhum X é Y; alguns X são Y; alguns X não são Y.

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No diagrama, são contraditórias as proposições que não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. São contrárias as que não podem ser ambas verdadeiras, mas que podem ser ambas falsas. Uma proposição é subalterna de outra quando é implicada por ela, mas não a implica. As subcontrárias podem ser ambas verdadeiras, mas não podem ser ambas falsas. As relações, tal como foram indicadas, dependem da atribuição da implicação existencial a, por exemplo, "todos os X são Y". Na teoria moderna da quantificação, a generalização não implica que existam coisas que sejam X e, de fato, a proposição tem de ser verdadeira quando não existem quaisquer X. (1) (1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Quântico Quântico. Fis. Relativo à teoria dos quanta. Encicl. A teoria dos quanta tem tríplice origem: o estudo de Planck (1900) sobre a “radiação do corpo negro”, baseado na hipótese da quantificação da energia luminosa; o artigo de Einstein (1905) sobre o efeito fotoelétrico que, retomando a hipótese de Planck, inventa o conceito de “grão” de luz; e o modelo de átomo de Bohr (1913) que explica o espectro de raias dos átomos, supondo que a energia dos elétrons no átomo é quantizada. Sublinhando o surgimento de um novo tipo de “objeto”, o quantum, o artigo de Einstein marca o início da teoria quântica. Assim, o “grão” de luz, chamado fóton em 1924, não se reduz a nenhum dos dois “objetos” (onda ou partícula) da física clássica. A descontinuidade entre as teorias clássica e quântica inscreve-se na relação de definição da teoria quântica proposta por Planck: E=hv (um conceito de natureza corpuscular, a energia E, encontra-se ligado a um conceito ondulatório – a frequência v via h, a constante de Planck, cujo valor numérico delimita o domínio quântico). (1) Teoria Quântica. Teoria da física moderna que tem em consideração as discretas intensidades da radiação atômica. Em termos mais genéricos, a teoria quântica procura explicar todos os fenômenos em termos de pequenos passos, em contraste com as teorias que assentam na noção de continuidade. (2) (1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário).

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Raça / Racismo Raça. Denomina-se raça o conjunto das características hereditárias comuns (morfológicas, anatômicas) que, dentro de uma espécie, distinguem uma variedade particular. A noção é cientificamente menos aplicável ao homem do que às outras espécies animais. Decerto, a partir de certos critérios (cor da pele, tipo de cabelo, distribuição dos grupos sanguíneos), é possível distinguir três raças principais que dão lugar a raças locais devido ao isolamento geográfico prolongado, mas a noção de raça pura é ilusória em virtude dos cruzamentos. A noção cultural de etnia é mais conveniente para designar as características diferenciais cuja origem deve ser buscada no meio físico e no meio social. Racismo. O racismo repousa na crença de uma desigualdade das raças humanas, raças sendo em geral confundida aqui com a noção de etnia ou de comunidade de cultura, e numa perversidade moral vinculada à inferioridade racial. As ideias racistas procuram uma causa científica no século XIX, sobretudo com Gobineau, escritor francês. Porém, é principalmente na Alemanha que encontraram um terreno propício, sob o regime nazista. Longe de exprimir uma verdade objetiva, o racismo se baseia em diferenças biológicas tanto mais ilusórias quanto o conceito de raça se aplica mal aos homens. As racionalizações que acompanham a atitude racista mascaram de fato motivações pouco confessáveis e não passam da justificativa de uma agressividade incoercível associada na maioria das vezes ao medo do Outro. (1) Racismo. Doutrina ou crença preconceituosa admitindo e afirmando a desigualdade das raças humanas (consideradas independentemente dos cruzamentos, pois a identifica com etnia ou comunidade de cultura) e que, na prática, não só defende a existência de raças superiores “puras”, mas se manifesta por atitudes ou comportamentos estereotipados de xenofobia individual e coletiva. Ao pregar a inferioridade racial, constitui uma perversidade moral. No séc. XIX, as ideias racistas buscaram uma fundamentação científica (Gobineau). Encontraram um terreno favorável sob o regime nazista. Longe de exprimirem uma verdade científica, apoiam-se em ilusórias diferenças biológicas. Ver apartheid. (2) Raças Raízes. Segundo Madame Blavatsky, são sete raças sucessivas de vida na Terra; a Polar (ou adâmica), a Hiperbórea, a Lemúria, a Atlântida, a Ariana, e duas que ainda estão para surgir. "A primeira raça raiz vivia perto do Polo Norte, e seus membros eram invisíveis, feitos de névoa de fogo; a segunda, que viveu no Norte da Ásia, era apenas visível - incentivaram a relação sexual; a terceira raça raiz eram os gigantes simiescos de Lemúria, que se comunicavam telepaticamente e não conseguiam raciocinar em nenhum sentido; a quarta eram os atlantianos, destruídos por magia negra; nós somos a quinta...; a sexta raiz evoluirá da atual raça humana e viverá em Lemúria (no Pacífico)

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de novo; após a sétima raça raiz, a vida abandonará nossa terra e recomeçará em Mercúrio". (3) Lemúria. Renomados cientistas apoiaram a causa da Lemúria. O evolucionista T. H. Huxley acreditava num continente que existia no Oceano Índico, na era miocena. O naturalista Alfred Russell Wallace considerava a Lemúria de Sclater, "sem dúvida uma suposição autêntica e altamente provável". E Ernest Haeckel, que popularizou as teorias de Darwin na Alemanha, concordava. Foi Haeckel quem sugeriu que a Lemúria tinha uma vida mais ilustre que a dos lêmures que lhe deram nome. Julgava-a o "provável berço da raça humana, que com toda probabilidade, ali se desenvolveu a partir de macacos antropoides". Foi uma ideia que logo atraiu vários grupos de opinião. Cientistas em busca do "elo perdido", antropólogos argumentando que a humanidade teria se espalhado pelo globo a partir de um ponto central, religiosos angustiados pela ideia darwiniana de que teriam evoluído de macacos e em busca de um local físico do Jardim do Éden, todos encontravam na Lemúria - quanto a Atlântida, há mais tempo estabelecida não os satisfazia - a solução para seus problemas. (3) Lemúria ou apenas Mu. O nome veio dos animais conhecidos como lêmures e da distribuição de suas colônias. Eles são parentes do macaco e encontrados em grande número em Madagascar e na Índia. As hipóteses foram levantadas entre 1860 e 1870, e tiveram boa acolhida nos meios científicos, ainda que, hoje em dia, as coisas não sejam bem assim. (4) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) CAVENDISH, Ricardo (org.). Enciclopédia do Sobrenatural. Tradução de Alda Porto e Marcos Santarrita. Porto Alegre: L&PM, 1993. (4) SCHOEREDER, Gilberto. Dicionário do Mundo Misterioso: Esoterismo, Ocultismo, Paranormalidade e Ufologia. Rio de Janeiro: Record Nova Era, 2002.

Raciocínio Raciocínio. Do latim "ratiocinium". Raciocínio é o ato pelo qual se chega a uma nova verdade, partindo de verdades já conhecidas. O processo do raciocínio inclui cinco fases que, embora não apareçam todas de modo claro em cada ato de raciocínio, estão sempre nele implícitas. 1.ª) Inicialmente, algum problema teórico ou prático surge diante do indivíduo, exigindo uma solução. 2.ª) Diante do problema, o indivíduo reage, procurando limitá-lo e defini-lo claramente - esta é a fase do diagnóstico. 3.ª) Uma vez delimitado o problema, o indivíduo busca uma solução entre as diversas alternativas possíveis, isto é, elabora uma hipótese. 4.ª) O exame das hipóteses será feito através da dedução e da indução. 5.ª) Finalmente, a hipótese escolhida é aplicada à realidade. (1)

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Raciocínio Instrumental. Raciocínio que procura adaptar meios a fins; é uma função característica da razão. A afirmação controversa a este respeito, associada a Hume e a Weber, é a de que essa razão instrumental ou técnica esgota o papel da razão no domínio prático. Nesta perspectiva, as questões dos fins não estão sujeitas à razão, mas, pelo contrário, são questões não racionais de emoção ou de desejo. A razão não pode, portanto, decidir entre fins incompatíveis, mas apenas dizer-nos como atingi-los. Para muitos, a identificação da razão com o raciocínio instrumental é um sintoma das sociedades industriais e técnicas. Ver também desencantamento, direito natural, teoria do. (2) (1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Racionalismo Racionalismo. 1. Doutrina que privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas, considerando-a como fundamento de todo conhecimento possível. O racionalismo considera que o real é em última análise racional e que a razão é portanto capaz de conhecer o real e de chegar à verdade sobre a natureza das coisas. Segundo Hegel: "Aquilo que é racional é real, e o que é real é racional" (Filosofia do Direito, Prefácio). Oposto a ceticismo, misticismo. Ver empirismo. 2. Racionalismo crítico: doutrina kantiana dos limites internos da razão em sua aplicação no conhecimento do real. 3. Contrariamente ao empirismo (valorizando a experiência) e ao fideísmo (valorizando a revelação religiosa), o racionalismo designa doutrinas bastante variadas suscetíveis de submeter à razão todas as formas de conhecimento. Em seu sentido filosófico, ele tanto pode ser uma visão do mundo que afirma o perfeito acordo entre o racional e a realidade do universo quanto uma ética que afirma que as ações e as sociedades humanas são racionais em seu princípio, em sua conduta e em sua finalidade. 4. O racionalismo muda de figura segundo se opõe a outras filosofias. Ele se opõe ao pensamento arcaico por seu estilo argumentativo e crítico. Opõe-se ao empirismo fazendo-se metódico, recorrendo à lógica e à matemática (p. ex., em Leibiniz). Opõe-se ao fideismo, fazendo-se sistemático; ao misticismo, fazendo-se positivo e crítico. Pode ainda limitar-se a um domínio ou aspecto da experiência humana: racionalismo moral, racionalismo religioso (Feuerbach), racionalismo político (Montesquieu) etc. (1) Racionalismo. A razão e não a experiência é que serve de base para as certezas do conhecimento. (2)

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(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Extraído da Temática Barsa - Filosofia

Descartes No século XVII tem início com Descartes (1596-1650) o que se conhece pelo nome de "racionalismo", e que será desenvolvido até as últimas consequências por Spinoza e Leibniz. O racionalismo deve ser entendido de duas maneiras: como oposição epistemológica, a partir da qual se afirma que a razão é a única fonte de conhecimento: e como oposição metafísica, na qual se sustenta que o real é racional. Dessa maneira, o racionalismo configura uma orientação diferente da do empirismo, que põe ênfase no conhecimento a partir da experiência. As duas orientações, a racionalista e a empirista, convergirão mais tarde na filosofia de Kant. Partindo desses pressupostos, Descartes elabora o primeiro grande sistema filosófico da Idade Moderna; um sistema para o qual confluem sinteticamente as conquistas do humanismo renascentista e os avanços produzidos na ciência moderna, para desembocar numa nova metafisica que influenciará decisivamente a evolução posterior do pensamento ocidental. a filosofia cartesiana cria imediatamente uma escola no continente europeu. Um de seus desenvolvimentos mais notáveis é constituído pelo ocasionismo de Malebranche.

O conhecimento a partir da razão Do ponto de vista epistemológico, são duas as afirmações fundamentais do racionalismo: em primeiro lugar, que nosso conhecimento da realidade pode ser construído dedutivamente a partir de certas ideias e princípios evidentes (segundo o ideal dedutivo da ciência moderna); e, em segundo lugar, que essas ideias e princípios são inatos à razão, que os possui em si mesma, à margem de toda experiência possível. A razão, portanto, é plenamente auto-suficiente na obtenção do conhecimento sobre a realidade. É verdade que os sentidos nos fornecem informação, mas essa é confusa e geralmente incerta. Entretanto, uma vez que o ser humano pode contar com a razão para conhecer o mundo, é preciso assegurar-se de que a razão funciona corretamente, se queremos ter garantias sobre o que consideramos verdadeiro e, portanto, real.

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As matemáticas como modelo O ponto de vista de Descartes é formado pelas matemáticas, que ele toma como modelo ou paradigma de suas investigações filosóficas e do conhecimento em geral. Para o racionalismo, as diferentes ciências são apenas manifestações de um saber único: a razão humana é única e tem um único modo de proceder, embora se aplique a objetos diferentes. É nas matemáticas que a razão encontra um campo próprio, um terreno em que não se deve submeter a nada além de sua própria lei, sua maneira própria e natural de proceder. Em primeiro lugar, na ciência matemática a razão, com todo o direito, é plenamente auto-suficiente. As proposições matemáticas não dependem da experiência, são "verdades da razão", e isto quer dizer que possuem uma validade universal e absoluta. Um triângulo, por exemplo, sempre terá três lados, e isto, em nenhum momento poderá ser desmentido pela experiência. Devido a essa auto-suficiência, a razão nas matemáticas só aceita como verdadeiro o que se apresenta a ela com clareza. A clareza e a simplicidade das matemáticas se convertem naquilo a que aspiram todas as outras ciências. Finalmente, as matemáticas mostram que a razão procede dedutivamente, deriva novas ideias a partir de primeiros princípios evidentes. É preciso tornar explícito como a razão procede nas matemáticas e extrair daí um método que as outras ciências possam seguir com facilidade, e alcançar assim o verdadeiro conhecimento em seu campo correspondente. A intuição e a dedução Descartes distingue duas operações básicas da razão: a intuição e a dedução. A intuição é definida como "a concepção de um espírito puro e atento, tão fácil e tão diferenciada que não resta nenhuma dúvida sobre o que compreendemos". Por meio da intuição captamos de forma simples e imediata evidências como a de que pensamos (aqui tem origem o cogito), ou a de que o triângulo tem três lados. Essas evidências são as chamadas naturezas simples, os primeiros princípios a partir dos quais se desdobra o resto do conhecimento. A dedução "é a operação por meio da qual se infere uma coisa de outra", e é, na verdade, uma intuição continuada (que não necessita de uma evidência presente), porquanto é a "conclusão necessária de outras conhecidas com certeza, obtida por meio de um movimento contínuo e sem interrupção do pensamento, que tem uma intuição clara de cada coisa". De fato, entre umas naturezas simples e outras aparecem ligações que a razão descobre e percorre por meio da dedução. As regras do método Uma vez conhecida a dinâmica específica da razão é possível fixar as regras do método. Descartes assegura que segundo tais regras, qualquer mente medíocre pode chegar tão longe quanto seja possível no conhecimento das coisas, tamanhos são seu otimismo e sua confiança no poder da razão.

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As regras do método como ele as expõe em seu Discurso do Método (1637), são: 1) Julgar sempre de acordo com a evidência. A evidência se dá unicamente na intuição e essa se manifesta com os sinais do claro e do diferenciado. Só devemos aceitar como verdadeiras aquelas ideias que se apresentam de tal maneira à razão que essa tem de aceitá-las como verdadeiras. Ao formular essa primeira regra, Descartes introduz um novo conceito de verdade: ela já não consiste na adequação do pensamento à realidade (conceito escolástico de verdade), mas é propriedade das ideias em si mesmas. 2) Análise, que consiste em "dividir cada uma das dificuldades que se examinem em tantas partes quantas forem possíveis e em quantas exigir uma melhor solução". Trata-se de chegar às naturezas simples, já que só no simples é possível verificar se se cumpre o requisito da evidência. 3) Síntese, que é a reconstrução dedutiva do complexo a partir do simples. Começar "pelos objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer, para ir-se elevando pouco a pouco, como que por gradações, até o conhecimento dos mais compostos". O conhecimento do complexo assim obtido tem garantia de ser verdadeiro, na medida em que houve uma cadeia de intuições - portanto, de evidências -, que é aquilo em que a dedução propriamente consiste. 4) Enumeração. Para garantir a conexão global do processo, é preciso "fazer em tudo enumerações tão complexas e revisões tão gerais que estaremos seguros de não omitir nada". Descartes exige que se façam verificações frequentes da análise e revisões do processo sintético, de tal modo que se possa abarcar todo o conjunto de um só golpe de vista (as cadeias dedutivas podem ser muito longas) e se possa ter dele uma completa evidência intuitiva. A dúvida metódica A dúvida, tal como Descartes a concebe, traz consigo a exigência de encontrar um ponto de partida absoluto: uma ideia, a mais simples de todas, uma ideia absolutamente indubitável e, por isso, absolutamente certa, sobre a qual fundamentar todo o edifício do saber. Na busca dessa ideia, Descartes escolhe o caminho da dúvida: duvidar de tudo para ver se resta algo que resista a toda dúvida, algo absolutamente indubitável. Descartes não é um cético em nenhum momento, simplesmente, se serve da dúvida como procedimento para atingir a verdade. Por isso sua dúvida é apenas uma dúvida metódica. A dúvida metódica se aplica a todas as crenças, a todo conhecimento considerado verdadeiro. Não devemos aceitar nada que nossa razão não tenha considerado por si mesma para além de toda tradição ou autoridade, e toda aquela ideia sobre a qual exista um mínimo motivo de dúvida será como falsa. A dúvida segue alguns passos. Em primeiro lugar, a informação que se origina nos sentidos. Esses oferecem os motivos mais óbvios para se duvidar: os sentidos já enganaram a todos nós em alguma ocasião. Não é preciso supor que os sentidos nos enganem sempre: basta que o tenham feito uma vez para que não possamos fundamentar sobre eles nosso conhecimento.

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Em segundo lugar, também é possível duvidar tanto da existência do mundo quanto de nossa própria existência corporal, diante da impossibilidade de distinguir com certeza a vigília do sonho. Alguma vez já nos aconteceu de considerar real aquilo que depois mostrou ser apenas um sonho. A impossibilidade de distinguir a vigília do sonho, no entanto - e esse é o terceiro momento da dúvida -, não parece afetar determinadas verdades, como as matemáticas: adormecidos ou acordados, dois mais três sempre são cinco e os três lados de um triângulo sempre somam 180 graus. Descartes introduz nesse ponto o mais radical motivo da dúvida: talvez exista um gênio maligno que me faça crer em verdades que não o são realmente. O que ele está abordando com isso é a dúvida sobre a possibilidade de que a razão se converta no critério suficiente para estabelecer a verdade: talvez a razão seja de tal natureza que se equivoca necessariamente quando pensa conhecer a verdade. "Penso, logo, existo" A dúvida metódica parece nos aproximar de um ceticismo radical: se não posso encontrar certeza nas ideias que se originam nos sentidos, nem tampouco, e mais dramaticamente, nas ideias que se originam na razão, talvez a única certeza possível seja a de que não existe certeza no conhecimento. Descartes nos faz ver que existe, sim, uma verdade absoluta, uma ideia da qual não é possível duvidar, e que não é uma certeza negativa: a existência do próprio sujeito que pensa e duvida. Em todo esse processo de dúvida, existe algo de que não cabe duvidar, e é o fato de que estou duvidando. Se duvido, é porque penso, e se penso é porque sou. Descartes expressa isso com o seu célebre Penso, logo existo (Cogito, ergo sum). Se eu penso que o mundo existe, talvez me equivoque quanto à existência do mundo, mas não cabe erro possível quanto ao fato de que eu penso isso. A certeza absolutamente indubitável para cada sujeito é a de que ele pensa e, portanto, tem ideias, ainda que suas ideias talvez sejam falsas. A primeira verdade não repousa nos objetos, chamam-se esta matéria ou mundo, mas no ato mesmo de pensá-los. Minha existência como sujeito pensante não é somente a primeira verdade e a primeira certeza: é também o protótipo de toda verdade e de toda certeza. Tudo quanto eu perceber com a mesma evidência com que percebi que sou um sujeito pensante será verdadeira e, portanto, poderei afirmá-lo com certeza inquestionável. As ideias Deus, ou a ideia inata do perfeito As três substâncias O mecanicismo de Descartes Caixa: A época de Descartes Caixa: As coisas que se podem pôr em dúvida Caixa: O método de Descartes

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Caixa: Da natureza do espírito humano Caixa: O cartesianismo O cartesianismo - de Cartesius, nome latinizado de Descartes - encontrou de imediato numerosos seguidores, a ponto de se impor na Europa continental frente ao empirismo dos britânicos. Um dos mais importantes desenvolvimentos das ideias cartesianas se encontra no ocasionalismo, cujo o mais destacado representante é o francês Nicolau de Malebranche (1638-1715). O ocasionalismo pretende superar as dificuldades que o dualismo cartesiano coloca, quer dizer, a relação entre substância pensante e substância extensa, entre alma e corpo. Trata-se de uma relação recíproca? Ou, para dizer em termos atuais, como se explica a unidade psicofísica do ser humano? Malebranche afirma que a relação entre alma e corpo não é recíproca, mas ocasional, no sentido de que é uma relação que dá à causa eficiente (Deus) a ocasião de atuar. Pretende superar o dualismo de seu mestre, afirmando que o conteúdo do pensamento, ou seja, das ideias claras e diferenciadas, é Deus. O que o homem conhece não é o mundo, mas o mundo refletido em Deus. Tudo o que é objeto do pensamento - a substância extensa - pertence de fato à realidade divina. Mas essa é uma tese que será desenvolvida vigorosamente por Spinoza até chegar a um monismo panteísta como superação do dualismo cartesiano. &&&& Spinoza O dualismo da mente e da matéria introduzido pela filosofa cartesiana tem como uma de suas consequências a formulação de um panteísmo pelo qual se postula uma única ordem racional, uma identificação entre o ser de Deus e o ser do mundo. O autor dessa doutrina em que se concebe Deus imanente, todo razão, é Baruch de Spinoza (16321677). Os ecos de Giordano Bruno são bem patentes na filosofia desse pensador judeu, e até se poderia dizer que nela tem continuidade a grande tradição neoplatônica medieval e renascentista. Não se deve, entretanto, perder de vista a linha que tem origem em Descartes, já que a filosofia de Spinoza é uma derivação consequente da problemática introduzida pelo grande pensador francês. O panteísmo spinoziano: Deus ou Natureza A ordem racional do Universo O conhecimento racional A moral spinoziana Caixa: Spinoza e a Universidade

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&&&& Leibniz Com Leibniz, o pensamento alemão passa a ocupar o primeiro plano na filosofia europeia, e o faz por meio de esquemas formulados por Descartes. Como este e como Spinoza, Leibniz vê Deus como a pedra angular que unifica o pensamento e a realidade exterior. O pensador alemão, no entanto, é um crítico do mecanicismo e do dualismo cartesianos, e está longe de se adaptar às formulações panteístas de Spinoza. A substância não tem extensão. é formada por mônadas, que se estendem como unidades indivisíveis por todas as ordens da criação. Não há dualismo da mente e da matéria, mas antes uma escala (quase evolutiva) entre os seres da natureza, coroada por Deus, mônada das mônadas, no padrão de uma harmonia preestabelecida. Vivemos assim no melhor dos mundos possíveis. As coisas têm uma razão de ser, ainda que não compreendamos isso, e o mal se deve à nossa imperfeição. Deus está plenamente justificado (teodiceia).

O conhecimento A monadologia A harmonia preestabelecida Caixa: Um gênio alemão

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Pascal No século XVI, o racionalismo cartesiano convive na França com as tendências religiosas jansenistas, movimento espiritual e místico de origem agostiniana que tinha se infiltrado, sobretudo, na abadia de Port-Royal. Desse clima surge Pascal, eminente físico e matemático, mas também um espírito profundo e um homem apaixonadamente religioso. Pascal contesta as pretensões da razão filosófica e científica de alcançar uma certeza total, resumindo a sua atitude com a seguinte frase: "Dois excessos: excluir a razão, não admitir mais do que a razão". Assim como santo Agostinho e tantas outras correntes místicas que confirmam a tradição do cristianismo ocidental (e que na época são impulsionadas pela espiritualidade protestante), Pascal responde que o anseio de uma certeza total só procede da fé, de "um deus sensível ao coração, não à razão". Dessa maneira, o pensamento pascalino se situa no extremo oposto do racionalismo, em uma direção surpreendentemente contrária ao espírito da época, e será preciso esperar até o

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século XIX, e mesmo até o nosso tempo, para que a obra de Pascal, isolada pelo Iluminismo, seja revalorizada. As limitações da razão O Deus da fé A antropologia pascalina A aposta de Pascal Caixa: Os aforismos de Pascal Caixa: As contribuições de um grande cientista Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 7)

Razão Razão. Em seu sentido original, parece ser aquele que a velha expressão “livro da razão” sugere, e que significa registro discursivo de todo o movimento de uma casa: despesas, receitas, reformas, óbitos, nascimentos etc. Liga-se a ratus, particípio de reor (crer, pensar), e parece ter sobretudo como significado cálculo e relação, antes da época clássica. Enquanto faculdade, diz-se da faculdade "de bem julgar", de raciocinar discursivamente: conhecimento natural enquanto oposto ao conhecimento revelado, objeto da fé.(1) = = = >>

Fé e Razão Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. A Fé: 4.1. Fé Religiosa; 4.2. A Fé Humana; 4.3. Fé Divina. 5. Razão: 5.1. Inversão de Valores; 5.2. Iluminismo; 5.3. Razão e Ciência. 6. Fé e Razão: 6.1. Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino; 6.2. Fides et Ratio; 6.3. Razão, Fé e Espiritismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

Da antiguidade, passando pela Idade Média e alcançando a Idade Contemporânea, a fé e a razão é um tema bastante controverso. Por quê? Mas o que é a fé? E a razão? Podemos conciliar fé e razão? Como? 2. CONCEITO

603 Fé. Do latim fides. O termo é empregado em muitas acepções que poderiam ser divididas em profanas e religiosas. No sentido profano, significa dar crédito na existência do fato, fazer bom juízo sobre alguém, expressar sinceridade no modo de agir etc. Quando o testemunho no qual se baseia a confiança absoluta é a revelação divina, fala-se de Fé no seu sentido religioso. A Fé, neste sentido, não é um ato irracional. Com efeito, o espírito humano só pode aderir incondicionalmente a um objeto quando possui a certeza de que é verdadeiro. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo) Razão significa a faculdade de "bem julgar". Tem relação com o raciocínio discursivo. É conhecimento natural enquanto oposto ao conhecimento revelado, objeto da fé. 3. HISTÓRICO Há duas correntes de pensamento que se cruzam: cristianismo e filosofia grega. Na antiguidade clássica grega prevalecia a filosofia e o pensamento, calcado na razão. Na Idade Média prevaleceu a teologia, que é a fé na revelação. A filosofia era considerada a ancilla theologiae (“serva da teologia”). Embora os medievais fossem mais teólogos do que filósofos, eles se esforçaram muito para encontrar uma síntese entre a fé e a razão. No final da Idade Média, este equilíbrio se rompe e a filosofia torna-se independente da fé e da revelação. É o aparecimento do iluminismo, em que tudo deveria ser explicado à luz da razão. É nessa época que surgem as ciências e o método teórico-experimental. Pascal, mesmo sendo homem de ciência, se rebelara contra a suprema autonomia da ciência. Para ele, embora a ciência tenha um poder extraordinário, ela não é capaz de explicar a origem do Espírito e do Universo. 4. A FÉ 4.1. FÉ RELIGIOSA Fé religiosa é a crença nos dogmas das diversas religiões. A fé católica é a crença nos dogmas estabelecidos pela Igreja católica. Nesse caso, a fé pode ser cega ou raciocinada. Há um dogma, por exemplo, o da “Santíssima Trindade”. Podemos crer cegamente, ou raciocinar em cima dele. A fé cega, não examinando nada, aceita tanto o falso quanto o verdadeiro. Como a maioria das religiões pretende estar de posse da verdade, convém verificar se os seus dogmas tendem para a verdade ou para o erro. Paulo resumiu as características fundamentais da fé religiosa nos seguintes termos: “Fé é a garantia das coisas esperadas e a prova das que não se veem” (Hebr., II, 1) 4.2. A FÉ HUMANA De acordo com a teologia, a fé é um assentimento da inteligência, motivado na autoridade alheia: se essa autoridade é humana, a fé chama-se humana. De acordo com o Espiritismo, a fé humana é caracterizada pela aplicação de nossas faculdades às necessidades terrestres. Um exemplo: o homem de gênio que persegue a realização de alguma grande empresa triunfa se tem fé, porque sente em si que pode e deve alcançar, e essa certeza lhe dá uma força imensa. 4.3. A FÉ DIVINA A fé é divina quando aplicamos as nossas faculdades às aspirações celestes e futuras. Ela diz respeito à crença, à adoração de um ente superior. Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, explica-nos que embora queiramos separar didaticamente a fé humana da fé divina,

604 ela é ao mesmo tempo humana e divina, pois a nossa confiança em algo não está separada da confiança em Deus. Isto simplesmente porque a fé, em primeiro lugar, é inata. Somente depois é que se torna humana, cega, raciocinada, religiosa. (1984, cap. XIX, item 12) 5. RAZÃO 5.1. INVERSÃO DE VALORES Na antiguidade, a razão estava aliada ao raciocínio, à dialética, no sentido de se buscar a verdade das coisas. Se ela tivesse seguido o seu curso normal, teríamos o ser humano voltado para Deus e não para matéria, como vemos hoje. Endeusamos a razão e não o raciocínio, a inteligência, a consciência, o autoconhecimento. A razão humana deveria ser aplicada para formar o homem integral, o homem cósmico e não o homem-máquina, o homem-técnica, desprovido de valores morais superiores. 5.2. ILUMINISMO O iluminismo francês está centrado em Voltaire, Montesquieu e Rousseau, entre outros. Apesar das diferenças de abordagem de cada pensador, há pelo menos dois pontos em comum: confiança na razão e repúdio à religião. Immanuel Kant (1724-1804) é o representante máximo do iluminismo alemão. O iluminismo kantiano é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. A minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. O sapere aude! kantiano tornouse o lema do iluminismo. 5.3. RAZÃO E CIÊNCIA A razão suspeitava de tudo. Para a comprovação dos fatos, precisava de provas, de fórmulas matemáticas. Daí, o aparecimento das diversas ciências, cujo conhecimento, que se tornava específico, ia cada vez mais se desmembrando do tronco comum da filosofia. O método teórico-experimental, em todos os campos do saber, prepara a revolução industrial. É de se notar que a revolução científica, que nasce com o renascimento, foi uma revolução do saber; a que nasce com a revolução industrial, é uma revolução da energia. 6. FÉ E RAZÃO 6.1. SANTO AGOSTINHO E SANTO TOMÁS DE AQUINO Fé, Razão e Revelação são os pontos fundamentais de suas teorias. Santo Agostinho demonstra claramente sua vocação filosófica na medida em que, ao lado da fé na revelação, deseja ardentemente penetrar e compreender com a razão o conteúdo da mesma. Santo Tomás consegue, por seu turno, estabelecer o perfeito equilíbrio nas relações entre a Fé e a Razão, a teologia e a filosofia, distinguindo-as mas não as separando necessariamente. Ambas, com efeito, podem tratar do mesmo objeto: Deus, por exemplo. Contudo, a filosofia utiliza as luzes da razão natural, ao passo que a teologia se vale das luzes da razão divina manifestada na revelação. 6.2. FIDES ET RATIO Para o papa João Paulo II, em sua décima segunda Encíclica, Fides et Ratio, de 14 de setembro de 1998, fé e razão constituem as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Segundo o seu ponto de vista, foi Deus quem colocou no coração do ser humano o desejo de conhecer a verdade. Para provar a sua tese, faz uma síntese das interrelações entre filosofia, ciência e religião. Conclui que nem a ciência e nem a razão (filosofia) podem prescindir da fé, sob pena de se desviarem da própria verdade.

605 6.3. RAZÃO, FÉ E ESPIRITISMO Para o Espiritismo, Razão e Fé pertencem à essência da natureza humana. São potências que se atualizam no decurso das existências. Parte do geral indiferenciado (reino mineral) para a diferenciação progressiva (reino vegetal, animal e hominal), buscando, sempre, a perfeição. A Razão e a Fé estão centradas no eixo, que é a Vontade. Esta, por sua vez, assenta-se no LivreArbítrio, princípio de liberdade, sem o qual a Razão de nada serviria e a Fé não teria sentido. (Pires, 1983, p. 47) 7. CONCLUSÃO A fé, direcionada pela razão, encaminha-nos para a atualização do nosso ser. Para a realização de nossas tarefas, creiamos em nossas próprias forças. Não nos esqueçamos, contudo, de pedir humildemente o beneplácito do divino amigo. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984. PIRES, J. H.. Introdução à Filosofia Espírita. 1.ed., São Paulo, Paideia, 1983 São Paulo, maio de 2010.

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Fé e Razão Segundo Alguns Filósofos Para São Tomás de Aquino, Deus não reconhece divergências entre fé e razão. Teologia e filosofia são disciplinas distintas, porém colocadas em escala hierárquica. A filosofia pode perfeitamente ser considerada como uma teologia natural, submetida à teologia da revelação. Dar mais importância à razão é inverter a ordem natural. Nesse caso, o ser humano pode ser vítima da ilusão. Para Lutero, é a fé (e não as obras) que conduz o ser humano à salvação. Para isto, tem que se entregar à vontade de Deus. Não é simplesmente colecionando o maior número de ações boas, o que torna Deus um contabilista, mas entregando-se de corpo e alma à vontade do Criador. Para Galileu, a Bíblia deve ser interpreta. Acha ele que, em princípio, não deveria haver oposição entre os dizeres dos profetas e as descobertas científicas, pois tanto a natureza religiosa quanto a natureza material provêm do mesmo Criador. A oposição existe no sentido de que as palavras da Bíblia devem ser interpretadas, distinguindo-se o sentido real do literal. Como a ciência está no livro de Deus, não é a ciência que deve se adaptar à Bíblia, mas a interpretação da Bíblia é que deve adaptar-se às teorias científicas.

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Para Hegel, há continuidade e superação nas relações entre religião e filosofia. Para ele, a filosofia exprime de forma racional o que a religião prega de forma mítica. Nas duas formas de saber, o conteúdo doutrinal é o mesmo, mas não devidamente explicitado na narrativa religiosa. Assim, o mito da vinda do Cristo pode intuir a autoconsciência humana, principalmente pelos exemplos contados a seu respeito. Para Feuerbach, a religião é uma forma de alienação, pois todo o progresso religioso traz como consequência um abaixamento da humanidade. Ao glorificar Deus o homem se diminui. Nesse caso, o ateísmo torna-se um dever ético para que o homem possa reencontrar a si mesmo. Temos que transformar os homens amigos de Deus em amigos dos próprios homens. Para Soren Kierkegaard, a fé induz ao pavor, porque além de não contar com o apoio da razão, exige que o ser humano vá além dela e caia no absurdo. Fonte de Consulta NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das Origens à Idade Moderna. Tradução de Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005. São Paulo, junho de 2010. = = = >>

Razão Preguiçosa. Raciocínio ou argumento que convence à inércia. Já Platão chamava de preguiçoso o argumento sofista de que é inútil procurar saber por que não se pode procurar saber nem aquilo que se sabe (uma vez que já se sabe) nem aquilo que não se sabe, uma vez que não se sabe o que procurar (Men., 86 b). Mas com o nome de razão preguiçosa chegou até nós especialmente um argumento de provável origem megárica, exposto pelo estoico Crisipo (Plutarco, Morália, II, p. 574 e; cf. Stoicorum fragmenta, II, p. 277), que Cícero assim relatou: "Se for teu destino curar-te dessa doença, vais curar-te recorrendo ou não a um médico. Assim também, se for teu destino não te curares dessa doença, não vais curar-te recorrendo ou não a um médico. Ora, teu destino é uma dessas duas coisas; portanto, de nada te adianta recorrer ao médico" (De Fato, 12, 28). Leibniz faz alusão a esse velho argumento megárico ou estoico (Teod., I, 55). Mais genericamente, Kant chama de razão preguiçosa "todo princípio que leve a considerar como absolutamente cumprida a investigação, de tal modo que a razão se tranquiliza, ao dar por cumprida a sua tarefa" (Crít. R. Pura). É neste sentido mais geral que essa expressão costuma ser usada até nossos dias. (2) Razão, Idade da. Termo geralmente aplicado ao século 18, quando foi aceito com otimismo que todo o conhecimento, abrangendo a totalidade do universo, era possível de uma descoberta, explicação e compreensão racionais. A ideia medieval de que o conhecimento era revelado de forma divina enfraqueceu durante os séculos 16 e 17, através da criação dos métodos empíricos, que levaram à revolução científica na

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astronomia, física, medicina e matemática. Como a fé na revelação divina esmoreceu ante o racionalismo e a lógica do século 18, convicções religiosas, até então inquestionáveis, também cederam lugar à investigação e à procura de provas específicas. Os racionalistas julgavam a religião desnecessária, desencadeando a fúria do clero e do Estado. A crença no poder ilimitado do intelecto humano possibilitou o aumento da autoconfiança, o que levou o indivíduo a privilegiar a busca da felicidade neste mundo, em detrimento da preparação do paraíso após a morte. Estas ideias encontraram expressão no trabalho dos filósofos, em sua grande maioria franceses, e entre os quais os enciclopedistas eram os mais influentes. Seu impacto político é encontrado no Iluminismo. Os assim chamados “déspotas esclarecidos” incluíam Frederico, o Grande,da Prússia, Catarina I, da Rússia, José II, imperador do Sacro Império Romano que, conscientes do Iluminismo, frequentemente estabeleceram com alguns filósofos, como Voltaire e Diderot. Os “déspotas esclarecidos” tentavam incutir algumas ideias iluministas dentro de seus Estados, de forma autoritária. (3) Razões/Causas. Quando agimos por uma razão ela é uma causa de nossa ação? A explicação de uma ação, através da indicação da razão pela qual esta foi realizada é um tipo de explicação causal? A concepção que nega isso aponta a existência de uma relação lógica entre uma ação e sua razão: afirma-se que uma ação não o seria se não adquirisse sua identidade a partir do seu lugar no plano intencional do agente (seria apenas um exemplo de um comportamento, inexplicável por quaisquer razões). Razões e ações não são os acontecimentos "soltos e separados" entre os quais se registram relações causais. Na concepção contrária, apresentada por Davidson no seu influente artigo "Actions, reasons, and causes" (1963), sustenta-se que a existência de uma razão é um acontecimento mental e, a não ser que esse acontecimento esteja causalmente conectado com a ação, não podemos dizer que essa seja a razão pela qual a ação foi realizada. As ações podem ser realizadas por uma razão e não por outra, e a razão que as explica é aquela que foi causalmente eficaz, suscitando a ação. (4) (1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) NOVA ENCICLOPÉDIA ILUSTRADA FOLHA. São Paulo: Folha, 1996. (4) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Real Real. Na hodierna terminologia filosófica, o termo “real” designa, via de regra, o ente, o que existe em oposição tanto ao que é apenas aparente quanto ao que é puramente

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possível. Existe em si independentemente de nossa representação e de nosso pensamento. (1) = = = >>

Real e Irreal 1. CONCEITO DE REAL Na hodierna terminologia filosófica, o termo “real” designa, via de regra, o ente, o que existe em oposição tanto ao que é apenas aparente quanto ao que é puramente possível (1). Existe em si independentemente de nossa representação e de nosso pensamento. 2. VÁRIAS REALIDADES A realidade define-se apenas através de distinções: a realidade seria de preferência o objeto da ciência, e a verdade o da lógica. A realidade opõe-se ao imaginário e ao ilusório, mas sem estes não a concebemos. A própria alucinação é uma realidade para o alucinado (e uma outra realidade para aquele que o ouve e trata-o). A realidade do poeta, a realidade do cientista, a realidade do músico etc. (2). 3. NOÇÃO DE REAL EM DESCARTES Para Descartes o objeto do conhecimento humano é somente a idéia. Desse ponto de vista torna-se imediatamente duvidosa a existência daquela realidade à qual a idéia parece fazer alusão mas não prova, assim como uma pintura não prova a realidade da coisa representada (3). 4. CAIA NA REAL “Caia na Real”, em linguagem popular, é a expressão que usamos para representar a saída do mundo dos sonhos, das utopias, a fim de vivermos o concreto, e o socialmente aceito e padronizado pelos clichês do pensamento. Se nos perguntarem o que é o real, não saberemos explicitá-lo em toda a sua complexidade, porque nos parece óbvio. Todavia, segundo uma asserção que já se tornou popular, o “óbvio é o mais difícil de ser percebido” (4).

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5. CONCEITO DE IRREAL Irreal significa “sem realidade” ou “não real”. A realidade é definível em função do que se considere em cada caso o que é realidade. Assim, se supusermos que a realidade é material, e que só o material é real, então o que não for material será irreal. Não podemos dizer que o irreal seja simplesmente uma negação do real. O irreal é mais “neutro” do que propriamente “irreal” (5). 6. POSITIVO E NEGATIVO, ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA Pode-se definir no sentido negativo (oposto ao ser potencial, aparente, possível ) ou no positivo (é real, eqüivale a “é”, “existe”). Para alguns filósofos somente uma essência que implicasse a sua própria existência é verdadeiramente real e todos os outros entes são formas menos completas ou mais imperfeitas da realidade (5). 7. LINGUAGEM Em Heidegger, a linguagem surge, em primeiro lugar, na forma de falatório, como uma das maneiras em que se manifesta a degradação do homem. Em face desse modo não autêntico, a autenticidade parece não consistir na fala nem mesmo em algum idioma, mas sim no “apelo” à consciência (5). 8. ONDAS E PERCEPÇÕES O espectro eletromagnético varia em extensão de ondas de 10-14 a 108 metros, mas os receptores sensíveis à luz nos olhos são percebidos numa faixa de 1/70 do espectro; os ouvidos captam entre 20 a 20.000 vibrações por segundo.(6) Quantas realidades não existem além das fronteiras de nossa consciência? 9. PERCEPÇÃO SENSORIAL E PERCEPÇÃO EXTRA-SENSORIAL Há o mundo sensível e o extra-sensível. Onde está a realidade? A mediunidade é a faculdade humana que capacita o homem a entrar em contato com o mundo extra-sensorial. Além da matéria não há uma realidade espiritual? Qual é a verdadeira? 10. MONOIDEÍSMO Idéias fixas fazem-nos fugir do “real”. Ficamos dentro de uma redoma.

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Pensamos que estamos de posse da verdade, mas na maioria das vezes somos envolvidos pelos Espíritos menos felizes. 11. A IMAGINAÇÃO É FÉRTIL Emitindo uma idéia, passamos a refletir as que se lhe assemelham. É possível que estejamos criando imagens mentais que não existem na realidade. 12. EMISSÃO E RECEPÇÃO Nossa mente é emissora e receptora de imagens. Se não cuidarmos da fonte geradora, poderemos irradiar “criações mentais” que nada têm a ver com a verdadeira realidade espiritual.

REAL, IRREAL E ESPIRITISMO Real - na terminologia filosófica moderna , o termo "real" designa, via de regra, o ente, o que existe em oposição tanto ao que é apenas aparente quanto ao que é puramente possível. Existe em si independentemente de nossa representação e de nosso pensamento. Irreal - Significa “sem realidade” ou “não é real”. A realidade define-se somente através de distinções. Não há uma, mas várias realidades. A própria alucinação é uma realidade para o alucinado e outra para aquele que o trata. Dessa forma, o termo "caia na real" merece certa consideração: na linguagem popular, caracterizase pela saída do mundo dos sonhos, da utopia, a fim de vivermos o concreto, o cotidiano e o socialmente aceito e padronizado pelos clichês do pensamento. Mas esta é a verdadeira realidade? A verdadeira realidade não é fácil de ser absorvida. Para alguns filósofos, somente uma essência que implicasse a sua própria existência é verdadeiramente real e todos os outros entes são formas menos completas ou mais imperfeitas da realidade. Para Heidegger, a verdadeira realidade não está na linguagem, que é inautêntica, mas no "apelo" à consciência, que é autêntico. O Espírito André Luiz, no livro Mecanismos da Mediunidade, psicografado por Francisco Cândido Xavier, ao tratar das ondas e percepções, descortina-nos novos horizontes para a compreensão da realidade. Do espectro eletromagnético, que varia em extensão de ondas de l0-l4 a l08 metros, os receptores sensíveis à luz nos olhos

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são percebidos numa faixa de l/70 do espectro. Significa dizer que há outras realidades além daquelas percebidas pelos nossos sentidos físicos. A mediunidade - percepção extra-sensorial - é a porta para a compreensão da verdadeira realidade. Através dela notamos que tudo é natural, pois, adentrando num mundo que não é percebido pelas vias sensoriais do encarnado, não implica a sua inexistência. Ao contrário, a percepção da realidade espiritual é fonte geradora de mudança de nossa concepção do "eu", do "outro" e do "mundo" que nos rodeia. O conhecimento alicerça-se na mente. Educando-a, convenientemente, estaremos capacitando-nos à percepção de novas realidades, que muito contribuirá para o nosso progresso material e espiritual. QUESTÕES 1) Qual o conceito de real? 2) Qual o conceito de irreal? 3) Qual a noção de real em Descartes? 4) O que significa idéia fixa? TEMAS PARA DEBATE 1) “Caia na real”. Comente. 2) As ideias fixas fazem-nos fugir do real? 3) Real, irreal e Espiritismo. Comente. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) BRUGGER, W. Dicionário de Filosofia. (2) LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. (4) DUARTE Jr., J. F. O Que é a Realidade. (5) PEQUENO DICIONÁRIO FILOSÓFICO. (6) LUIZ, A. Mecanismos da Mediunidade. São Paulo, dezembro de 1996 << = = =

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Realidade. Do latim medieval realitas. 1. Tudo aquilo que existe, que é real. Conjunto de todas as coisas existentes. 2. Característica ou qualidade daquilo que existe, ex.: a realidade do mundo exterior. Oposto a aparência. 3. Quando certos filósofos realistas se perguntam sobre a realidade do mundo exterior, estão se perguntando se o mundo possui uma existência efetiva exterior a nosso pensamento ou se não passa de um conjunto de representações de nosso pensamento. Quer reconheçamos, quer não, ao mundo exterior uma realidade assim entendida, todos os filósofos estão de acordo em considerar os objetos do pensamento como realidades: a ideia de causa, de igualdade etc. É claro que os objetos matemáticos, p ex., não possuem existência fora do pensamento; não obstante, existe uma realidade do círculo, do ângulo, do número etc. Ver realismo, real. 4. O princípio de realidade, enunciado por Freud, é aquele cuja ação modifica, no funcionamento do psiquismo, a ação do princípio do prazer, regulando a busca das satisfações em conformidade com as exigências do meio social. (2) Na hodierna terminologia filosófica, o termo “real” designa, via de regra, o ente, o que existe em oposição tanto ao que é apenas aparente quanto ao que é puramente possível.

Realismo. 1. Em sentido genérico, a ideia de que, de um ponto de vista prático, deve-se reconhecer a existência dos fatos e agir em conformidade a estes. Ex.: encarar a situação com realismo. 2. Concepção filosófica segundo a qual existe uma realidade exterior, determinada, autônoma, independente do conhecimento que se pode ter sobre ela. O conhecimento verdadeiro, na perspectiva realista, seria então a coincidência ou correspondência entre nossos juízos e essa realidade. As principais dificuldades relacionadas ao realismo dizem respeito precisamente à possibilidade de acesso a essa realidade autônoma e predeterminada e à justificação dessa correspondência entre mente e real. (2) Realismo. Os universais ou conceitos abstratos têm existência objetiva ou absoluta. (2) Realismo crítico. Existe uma verdade última, mas seu escopo é sempre limitado. (3 (1) BRUGGER, W. Dicionário de Filosofia. 3. ed. São Paulo: EPU, 1977. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

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Redução Eidética Redução Eidética. Na Fenomenologia de Husserl, a redução é um dos procedimentos centrais do método fenomenológico, significando que deve se concentrar a atenção nas coisas mesmas e não nas teorias. A redução eidética é o passo seguinte nesse procedimento, fazendo com que se visem as essências e não os objetos concretos. Por fim, a redução transcendental se dá quando a consciência engloba as essências e os objetos considerando-os como fenômenos. Ver epoché (1) Reducionismo. Termo que designa toda atitude teórica que, para explicar um fenômeno complexo, procura reduzi-lo aos elementos simples que o constituem, ou àquilo que é mais imediatamente observável: Ex.: a redução da mente aos processos neurofisiológicos, do comportamento do indivíduo a leis sociológicas, da realidade ao mundo material. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Reflexão Reflexão. Retorno do pensamento sobre si próprio, que toma por objeto um dos seus atos espontâneos ou um grupo dos mesmos. “A reflexão não é outra coisa senão uma atenção ao que está em nós”. Leibniz, Novos Ensaios, prefácio. Sobretudo no uso corrente, suspensão crítica do juízo, quer a fim de analisar e melhor compreender as causas ou as razões de um fato; quer a fim de calcular os efeitos (em particular as vantagens e os inconvenientes) de uma certa maneira de agir. (1) Reflexão (réflexion). No sentido lato: um esforço de pensamento particular. No sentido restrito: uma concentração do pensamento sobre si mesmo, que se toma então por objeto. Este último movimento seria, com a sensação, um dos dois constituintes da experiência, logo uma das duas fontes, como diz Locke, das nossas ideias: sem ela, não teríamos nenhuma ideia do "que se chama perceber, pensar, duvidar, crer, raciocinar, conhecer, querer e todas as diferentes ações da nossa alma" (Ensaio, II, 1, § 4). A reflexão é, portanto, uma espécie de sentido interior, mas intelectual e deliberado: é "o conhecimento que a alma adquire das suas diferentes operações, por cuja via o entendimento vem a formar ideias delas" (ibid.). Movimento necessário, mas que não poderia esgotar-se por si só o campo do pensamento. É preferível filosofar à maneira dos gregos, aconselha Marcel Conche (Présence de la nature, II), a se encerrar, como Descartes ou Husserl, na reflexividade ou no sujeito: é preferível pensar o real (refletir, no sentido lato) a se ver pensar (encerrar-se na reflexividade no sentido estrito). O ela, claro, faz parte do real: pensar o mundo, portanto, também é se pensar. Mas é apenas uma parte ínfima dele: pensar-se nunca bastou para pensar o que é, nem mesmo o que você é (um ser vivo). A lógica e a neurobiologia nos ensinam mais sobre o pensamento do que a reflexão (no sentido estrito). É preferível pensar o pensamento, como diz Alain, a pensar a si mesmo (Cahiers de lorient, I, p. 72). É preferível conhecer e refletir (no sentido lato) no que sabemos ou imaginamos saber a se encerrar na reflexão (no sentido estrito). "O pensamento", dizia ainda Alain, "não deve ter outra casa que não

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seja todo o universo; é somente aí que ele é livre e verdadeiro. Fora de si! Do lado de fora!" (ibid.). A reflexão leva a tudo, contanto que se saia deste. (2) (1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Regra de Ouro Regra de Ouro. A mais famosa das máximas morais. Ela surge, no mínimo, em duas versões. A positiva ou cristã é: “Faça aos outros aquilo que você gostaria que fizessem a você”. A negativa ou confuciana é: “Nunca faça aos outros aquilo que você não gostaria que fizessem a você”. Em cada uma dessas versões a máxima é em geral considerada como o princípio básico que implica todas as prescrições e proscrições necessárias. Entretanto, nenhuma das duas cobre todos os casos possíveis, pois o que uma pessoa deseja fazer a si mesma (e.g., cirurgia) pode não ser agradável a outras, ou inversamente. Além disso, as regras dizem respeito a desejos do eu e de outros, mais do que a necessidades, e passam por cima das aspirações. A máxima agatonista “Desfrute a vida e ajude a viver” não tem esses defeitos e é mais fácil de enunciar, entender e aplicar. (1)

(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Relativo, Relativismo Relativo. Que se refere a um objeto (os debates relativos a graça). Que não é absoluto, portanto, mais particularmente, que não basta a si mesmo e depende de um outro termo ou objeto. (1) "O relativo não é concebível senão por contraste com uma existência em si e por si". Que depende de um parâmetro mais ou menos convencional. (2) Relativismo. Doutrina que considera todo conhecimento relativo como dependente de fatores contextuais, e que varia de acordo com as circunstâncias, sendo impossível estabelecer-se um conhecimento absoluto e uma certeza definitiva. (3) Relativismo. O conhecimento, a verdade e a moral dependem da cultura, da sociedade ou do contexto histórico, não sendo, pois, absolutos. (4)

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Conceituação das relações. A definição do relativismo implica o esclarecimento prévio da ideia de relação, entendida como categoria do pensamento e conexão objetiva entre as coisas. Segundo Aristóteles, são relativas as coisas cujo ser consiste em depender de outras coisas, ou em referir-se, de algum modo, a outras coisas. O maior, por exemplo, só é maior em relação ao menor, e o duplo em relação à metade. Todos os relativos têm seus correlativos, como o escravo, que só é escravo em relação ao senhor, e o senhor que só é senhor em relação ao escravo. A ideia de relação se confunde, pois, com a noção de dependência, definindo-se como relativos os seres que, para ser o que são, dependem de outros. Nesse sentido, são relativos, quer dizer dependentes, os seres criados, cujo ser consiste em seu relacionamento com os demais. Totalmente independente, isto é, autosuficiente, é o absoluto, que corresponde à ideia de Deus. Relativismo pré-socrático. O relativismo é a posição filosófica que salienta o aspecto relativo do conhecimento e sua dependência quanto ao sujeito que conhece. Pressupondo uma reflexão crítica sobre o conhecimento, encontra as suas origens mais remotas no primeiro período da história da filosofia grega. Ao distinguir os dois caminhos, o da opinião (doksa) e o da razão e da ciência (episteme), Parmênides de Eleia critica o conhecimento sensível, que revela apenas a mudança e a multiplicidade, e não permite apreender o ser verdadeiro, uno e imóvel. Demócrito, no séc. V a.C., também critica o conhecimento sensível, que qualifica de "obscuro", em oposição ao conhecimento "legítimo", que é proporcionado pela razão. A relatividade einsteiniana. De Galileu a Newton, a física clássica considerava o movimento como relação determinada por sua referência a parâmetros julgados absolutos, o espaço e o tempo. Para Einstein, ao contrário, o espaço e o tempo se concebem em função do movimento, que se torna, assim, o absoluto. Só há uma realidade, a que é descrita pela ciência física, a partir do ponto de vista em que se encontra o observador e que é relativa, portanto, à sua perspectiva. Única que se pode apreender, essa realidade relativa é, no entanto, a realidade verdadeira ou absoluta. A relatividade einsteiniana distingue-se, assim, nitidamente, do relativismo tradicional, filosófico, para o qual o conhecimento é relativo porque não logra alcançar o absoluto. Significação do relativismo. Válido enquanto crítica do dogmatismo, o relativismo, levado às últimas consequências, se confunde com o ceticismo, isto é, com a posição filosófica que sustenta a impossibilidade do conhecimento. O relativismo é contestado, na prática, pela ciência e pela técnica, cuja eficácia seria inexplicável se o conhecimento não fosse possível e apreendesse apenas os fenômenos que ocorrem na consciência individual. O êxito da ciência e da técnica atesta a coincidência entre a res extensa e a res cogitans, mostrando que, ao conhecer, o sujeito não permanece enclausurado nos próprios limites, mas apreende o mundo objetivo que independe, em sua existência e em sua estrutura, da consciência do sujeito que o percebe. (5) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) CUVILLIER, A. Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica. São Paulo: Nacional, 1961.

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(3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (5) ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987.

Religião Religião. Etimologicamente, o termo derivaria quer do latim relegere (respeitar e, por extensão, dedicar a um culto), quer do verbo religare, que significa religar; a religião constitui então um laço que une o homem a Deus como à fonte de sua existência, principalmente de acordo com a tradição cristã. (1) Faculdade ou sentimento que nos leva a crer na existência de um ente supremo como causa, fim ou lei universal; a religião é amparo e conforto moral dos crentes que sofrem. (2) Expressão de sentimento do homem em relação ao que é santo ou sagrado, que acabou por exprimir através de mitos, rituais, símbolos e filosofia. A religião esteve sempre estreitamente relacionada com os valores morais e a estrutura da sociedade. (3) "Religio". Na ética romana, aceitação de certas formas obrigatórias de comportamento. Em sentido literal, "estado em que se está obrigado". Por extensão, um sentimento de temor em presença de espíritos e deuses. (3) Religião. Sistema de crenças não testáveis existentes para uma ou mais deidades, e as práticas que acompanham, principalmente adoração e sacrifício (de si próprio ou de outros). Alguns sistemas influentes de fé, tal como o budismo original, o janainismo, o taoismo e o confucionismo não são propriamente religiões segundo a definição acima, porque não incluem crenças em divindades. Algumas religiões prometem vida após a morte, outras não; e apenas algumas ameaçam com o inferno. Portanto, a crença na vida após a morte e no eterno retorno ou castigo não são características definidoras de religião. As religiões são seriamente estudadas por psicólogos, sociólogos, historiadores e filósofos. A psicologia da religião estuda os modos como as ideias religiosas são adquiridas e a maneira pela qual mudam como resultado da experiência ou da doença mental. Ela aborda também os papéis da crença religiosa, isto é, lutando com sentimentos de desamparo, imprevisibilidade, medo da morte e culpa. A sociologia da religião estuda as funções e disfunções sociais das crenças religiosas e das religiões comunitárias, bem como suas contribuições à coesão e divisão sociais, e seu uso como instrumento de controle social. A história das religiões estuda sua emergência e transformações em relação com outros aspectos da vida social, como os econômicos e os políticos. A filosofia da religião pode ser um adjunto da teologia ou ser independente dela. No primeiro caso falta-lhe a liberdade intelectual inerente à pesquisa filosófica. Em particular, ela não pode se permitir questionar a existência de Deus (es) ou

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quaisquer outros dogmas essenciais da religião em estudo. Portanto, ela não é filosoficamente autêntica. Uma genuína filosofia da religião há de examinar problemas lógicos, semânticos, epistemológicos, ontológicos e éticos levantados pela hipótese da existência de divindades. Em especial, há de examinar (a) a questão se a religião é compatível com a racionalidade em qualquer sentido do termo; (b) as áreas de pesquisa científica que podem ser afetadas pela religião; e (c) as coerções que a crença religiosa exerce sobre a ética. (4)

Religião 1. Definições "É a crença num Deus vivo,isto é, numa Inteligência ou Vontade divina que regula o universo e mantém relações morais com a humanidade." (J. Martineau) "É o reconhecimento de que todas as coisas são manifestações de um poder que transcende o nosso conhecimento." (H. Spencer) "É a tentativa de exprimir a total realidade da bondade através de todos os aspectos do nosso ser." (Bradley) Nenhuma dessas definições é adequada, pois nenhuma se aplica a todas as religiões. Em vez de procurar o que há de comum nas religiões, podemos indagar antes qual é a essência do fenômeno religioso. "A essência da religião é a crença na persistência de valor no mundo", ou seja, na estrutura axiológica do mundo. (Hoffding) "A essência da religião consiste no sentimento de uma dependência absoluta." (Schleiermacher)

2. Modos de manifestação da religiosidade a) O culto doméstico ou familiar b) A oração pública e privada c) Os lugares d) A oferenda de primícias e) Os sacrifícios f) A grandes festividades

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g) As peregrinações h) O culto aos mortos...

...

4. Divisões, classificações, tipos Segundo W. P. Alston, as notas características da religião podem escalonar-se do seguinte modo: a) crença em entidades sobrenaturais (espíritos, deuses...); b) distinção entre objetos sagrados e profanos; c) ações rituais em torno de objetos sagrados; d) um código moral, que se crê sancionado pelos deuses; e) sentimentos religiosos característicos (temor, sentido do mistério, da culpa, adoração); f) oração e outras formas de comunicação com a divindade... Sendo tão difuso o conceito de religião, como classificar as religiões? Que tipologia usar? Podemos no entanto ter presente, com o fim de tipificar as religiões, esta pergunta sugerida por W. James: "onde é que o divino primariamente se manifesta?, que espécie de resposta religiosa se lhe deve dar?" Segundo este critério, as religiões costumam dividir nesses três grandes grupos: religiões sacramentais, proféticas e místicas. Nas religiões sacramentais, o divino se manifesta nas relíquias, animais, comida, árvores etc. Nas religiões proféticas, o divino se manifesta na história, sociedade humana, mão de Deus, livros sagrados etc. As três religiões proféticas são: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo. O termo-chave não é o sacramento, mas a revelação. A palavra mediatiza a relação com o divino. Nas religiões místicas, o centro é a experiência mística. Nesse tipo de experiência o que conta é o estado de união com o divino - união que pode levar a uma total indistinção ou então à máxima diferenciação ("união da diferença", como lhe chamam alguns místicos cristãos). (5)

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Religião e Vivência Religiosa Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Religião. 3. Ciência, Filosofia e Religião. 4. Religiões Históricas. 5. O Cristianismo. 6. A Religião como Sistema. 7. Visões e Revelações. 8. A Mística. 9. Esotérico e Exotérico. 10. Vivência Religiosa. 11. Conclusão. 12. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é buscar a essência do sentimento religioso, muitas vezes escondido no fundo da ortodoxia das religiões. Analisaremos, assim, o conceito de religião, a sua relação com a ciência e a filosofia, o par exotérico/esotérico etc., no sentido de esclarecer o conteúdo doutrinal de nossa vivência religiosa. 2. CONCEITO DE RELIGIÃO Religião é a crença na existência de uma força superior considerada como criadora do Universo. Trata-se de uma experiência universal da humanidade, através da qual tentase compreender os mistérios que envolve o homem e o seu relacionamento com o Criador. Essa crença, sendo manifestada de diversas formas, torna duvidoso o significado etimológico da palavra "religião". Alguns acham que ela deriva de reler, isto é, a atenta e cuidadosa observância dos rituais; outros acham que vem de reeleger, ou seja, opção básica de vida diante de sua meta última; outros ainda acham que

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procede de religar, ou seja, a vinculação do homem com sua origem e destino. A opção etimológica de religar é a mais usada. Contudo, ainda aí, faz-se confusão. O termo vem do latim "religio" que parece derivar de "re + ligare". Com o prefixo iterativo "re" significaria um sentimento de vinculação, de obrigação para com o Ser Supremo. Não deve ser entendido como uma volta a Deus, porque nunca Dele estivemos separados. 3. CIÊNCIA, FILOSOFIA E RELIGIÃO Na antigüidade grega não havia divergência entre Ciência e Religião, mesmo porque a Ciência não existia nos moldes como a vemos hoje, ou seja, no seu sentido positivo de provas e contraprovas. A luta era entre a Filosofia e a Religião. É que os primeiros filósofos queriam combater a mitologia pelo advento da deusa razão. Contudo, já naquela época surgiram alguns filósofos, tais como, Platão e Aristóteles que tentam conciliar a razão com o mito. Em Platão, o mito da caverna e o mito da reminiscência das idéias. Em Aristóteles, a razão perfeita chamava-se Deus, e de acordo com o seu pensamento, se a razão afastava-se da religião natural era para fundar, sobre o conhecimento da própria natureza, uma religião mais verdadeira. A Idade Média, período que se estendeu por quase mil anos, caracterizou-se pela administração religiosa dos eventos humanos. A Igreja, no topo do poder, ditava as regras; a Filosofia e a Ciência obedeciam-na. Aqueles que contrariavam os dogmas religiosos eram excomungados e, muitos deles, tiveram suas cabeças decepadas. A Escolástica, utilizando-se da lógica aristotélica e todos os seus silogismos, fizeram da simplicidade do Cristo um campo de disputas filosóficas, longe da compreensão dos menos letrados. Aos críticos respondiam com a criação da sua dogmática em que conciliavam fé e razão. Não é de se estranhar que esse processo de se encarar a religião pudesse permanecer eternamente. Renascença, período pós-Idade Média, é o reflorescimento de tudo o que estava incubado. Filosofia e Ciência adquirem vidas próprias. A primeira tratou da condução lógica do pensamento; a segunda, tornou-se teórica-experimental. Nesse sentido, o dogma da Igreja é substituído pelos conhecimentos obtidos através da metodologia científica. A descoberta do telescópio e a invenção da imprensa muito contribuíram para os avanços tecnológicos ocorridos nestes últimos séculos. A autoridade divina é posta em cheque. Por isso, a luta que se travou e ainda se trava entre ciência e religião. 4. RELIGIÕES HISTÓRICAS As idéias religiosas estão presentes em todos os povos e em todos os estádios culturais. Certas religiões recrutam seus adeptos apenas dentro de um grupo determinado, p. ex., uma tribo ou aldeia: são as chamadas religiões tribais e nacionais. Isso deve-se ao fato de que as nações e hábitos religiosos estão estreitamente vinculados a uma forma cultural muito peculiar que não se torna compatível com as vigências em outras partes. Outro motivo pode ser a crença de que os deuses a quem se adora exclusivamente se preocupam com o grupo humano que pratica tal religião. Podem ser classificadas nesse grupo não só as religiões primitivas, como também outras como o confucionismo e o taoísmo, na China, o xintoísmo e suas numerosas seitas no Japão, e o judaísmo. Denominam-se religiões universais as que recrutam seus adeptos por todo o mundo. As

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principais são o cristianismo, o islamismo e o budismo, que, através de missionários, difundiram-se longe de seus países de origem. O hinduísmo constitui um tipo intermediário. Hindu autêntico só se é por nascimento; no entanto, os atuais movimentos reformistas do hinduísmo procuram fazer com que suas verdades sejam conhecidas fora de seus pais. 5. O CRISTIANISMO O Cristianismo surge na confluência do misticismo oriental, do messianismo judeu, do pensamento grego e do Universalismo romano. O núcleo da doutrina cristã é a fé num Deus revelado como Trindade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, crença comum a todas as igrejas. É uma religião monoteísta que coloca em primeiro plano a comunhão com Deus, o Pai, por intermédio de seu filho Jesus Cristo, o Salvador da Humanidade. O Cristianismo, religião dos cristãos, está centrado na vida e obra de Jesus Cristo. À semelhança de Sócrates, Cristo não nos deixou nada escrito. Seus ensinamentos são anotados pelos apóstolos e passam, mais tarde, a constituir os Evangelhos. A palavra Evangelho, no singular, representa a unidade do pensamento de Jesus, ou seja, o alegre anúncio; no plural, a diversidade de interpretação dos evangelistas. Por isso, dizemos o Evangelho segundo Mateus, o Evangelho segundo Lucas, o Evangelho segundo Marcos e o Evangelho segundo João. 6. A RELIGIÃO COMO SISTEMA Alguns autores, como Émile Durkheim, Mircea Eliade e Claude Lévi-Strauss, enfatizaram todos a idéia de que a religião corresponde a certas estruturas profundas. Embora contrários em muitos pontos de vista, o que há de comum principalmente entre Mircea Eliade e Claude Lévi-Strauss é que ambos valorizam as "regras" segundo as quais a religião é construída e, portanto, o seu caráter sistêmico; e ambos ressaltam a autonomia da religião em relação à sociedade. Como traduzir para a prática a noção vaga de que a religião é um sistema? "No caso dos dogmas cristãos, é impossível saber (empiricamente) se Jesus Cristo pertence à mesma categoria de Deus Pai ou se lhe é inferior e, se não for nenhum desses o seu caso, qual é a relação hierárquica exata entre os dois. Mas é perfeitamente possível predizer, se forem conhecidos os dados do sistema (neste caso, que há uma Trindade divina composta por três "pessoas" ou, pelo menos por três membros que têm nomes individuais), todas as soluções possíveis para o problema, as quais, na realidade, não são em absoluto "históricas" (embora tenham sido enunciadas por personalidades distintas em épocas distintas), pois estão sincronicamente presentes no sistema" (Eliade, 1994, p. 18-20) 7. VISÕES E REVELAÇÕES Os fundadores de religiões tinham revelações e visões nas quais o próprio Deus os chamava a atuar. Deus revelou-se a Moisés numa sarça que ardia. Quando Paulo foi chamado por Jesus, no caminho de Damasco, cegou-o um resplendor celestial. Maomé encontrou-se com o arcanjo Gabriel, que o reteve sem soltar, até que ele lhe prometeu seguir o seu mandato de reconhecer a vontade de Alá.

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8. A MÍSTICA A mística do grego mystica, de myo, eu calo é o termo utilizado para retratar a atividade que produz o contato da alma individual com o princípio divino. O modelo do pensamento místico é baseado no retiro de mundo, ou no desligamento das coisas do mundo e no da união com Deus para receber suas luzes. A iluminação súbita pode ser verificada pesquisando a biografia dos grandes pensadores. O filósofo Sócrates que viveu no século V a. C. teve seu insight depois de uma visita que fizera ao Oráculo de Delfos, quando, a partir daí, passou a ensinar o conteúdo da autoconsciência do homem. René Descartes (1596-1650) teve sonhos que lhe indicaram sua missão divina: construir o método para a nova ciência. O íntimo da maioria dos grandes pensadores mostra essa relação com o divino. O retiro do mundo marca o modo e vida dos religiosos. Hugo de São Vitor distinguia cinco graus ascéticos: primeiro, lectio ou doutrina; segundo, a santa meditação; terceiro, a oração; quarto, a operação; quinto, a contemplação. Em França, no século XVII, funda-se o Oratório, uma instituição religiosa, cujo objetivo era não uma Doutrina Comum mas uma tendência comum para a vida interior e mística, concedendo aos seus adeptos a liberdade mais completa de reverenciar Deus. Durante o período da Idade Média, alguns cristãos mais ou menos isolados e, por vezes, suspeitos, foram chamados místicos, porque haviam reivindicado, para a consciência individual, o direito de comunicar diretamente com Deus, pondo de lado intermediários filosóficos e mesmo teológicos. 9. ESOTÉRICO E EXOTÉRICO Esotérico - do grego esotericos significa ensinamento que, em escolas filosóficas da Antigüidade grega, era reservado aos discípulos completamente instruídos. Exotérico do gr. Exotericos, pelo lat. exotericu ensinamento, que nestas mesmas escolas, era transmitido ao público sem restrição, dado o interesse generalizado que suscitava e a forma acessível em que podia ser expresso, por se tratar de ensinamento dialético. O par de termos "esotérico/exotérico", corresponde à oposição entre interno-externo, secreto-público, reservado-profano, privilegiado-popular e semelhantes. Dos dois termos, o esotérico é o mais significativo porque acentua o aspecto positivo da relação, ou seja, o âmbito propriamente reservado e secreto. A antítese evoca essencialmente o privilégio de alguns e a exclusão de outros, um critério de seleção e de discriminação para com uma massa indiferenciada e a favor de poucos eleitos. Desde as sociedades primitivas até os nossos dias, a oposição esotérica/exotérica está presente no seio da sociedade. O clã, ao transformar-se em tribo, é o primeiro característico desta antítese. Na Grécia antiga, os mistérios elêusicos e órficos são fundamentais para a distinção entre o sagrado e o profano. A formação de várias sociedades secretas, tais como a cabala, a rosa-cruz, a maçonaria e a própria teosofia corroboram a tese do hermetismo e sua veiculação somente aos iniciados. 10. VIVÊNCIA RELIGIOSA

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Vivência religiosa é caracterizada pelo sentimento de dependência do crente em relação ao Ser Supremo. Desde a Antigüidade até os nossos dias, manifesta-se sob vários matizes: ora menos racional, ora mais. Contudo, sempre imerso num mundo sobrenatural, estigmatizado pelo amor e pelo temor. Os propagadores das religiões primitivas apoiavam-se nas músicas barulhentas, nas danças e nos rituais para incutir, primeiramente, o medo e depois, o êxtase, aos assistidos. No Cristianismo, o temor é representado pela obediência à Lei de Moisés; o amor, pela crença no Evangelho. Essa dualidade pode ser melhor visualizada pela criação do diabo, contrapondo-se ao Deus de misericórdia e de bondade. A vivência religiosa profunda imprime sua marca às relações do crente com o próximo e a sua própria vida. Quem procura afastar-se do mundo e entregar-se à divindade escolhe uma vida recolhida na meditação e no ascetismo. As religiões que colocam o homem debaixo do amor de Deus acentuam especialmente os deveres para com o próximo e fomentam uma atividade voltada para o mundo exterior. Essa atitude pode ser ilustrada com a parábola evangélica sobre o "bom samaritano". A diferença fundamental entre as diversas crenças reside no caráter da vivência religiosa básica. O budista considera todo o tipo de vida como um sofrimento absoluto. Na essência do cristianismo está o amor de Deus, que nos impõe condições e estende-se inclusive aos pecadores. A palavra árabe "islam" significa submissão. A vontade de Alá marca toda a existência, e o primeiro dever do bom crente é submeter-se a ela inteiramente. Durante as vivências religiosas particularmente profundas, o crente entra em êxtase. Conta-se que o santo italiano Francisco de Assis, depois de uma intensa meditação sobre a paixão de Cristo, recebeu em seu corpo as chagas de Jesus. Essa é a citação mais antiga de uma estigmatização. 11. CONCLUSÃO Do estudo ora encetado, cabe-nos distinguir o ser religioso do ser que tem uma religião. Podemos freqüentar uma Igreja, atender à sua ortodoxia e nem por isso sermos religiosos. O verdadeiro religioso é aquele que pratica a lei da Justiça, do Amor e da Caridade na sua maior pureza. Nesse sentido, estejamos cônscios de que não é o "rótulo" religioso que nos salvará, mas o bem que fizermos ao nosso próximo. Aí está todo o conteúdo doutrinal da religião. Atendamo-lo e teremos paz de consciência, apesar de todas as tribulações de nossa alma inquieta. 12. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Dicionário das Religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1994. Enciclopédia Combi VisualEnciclopedia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional, 19851991. IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983. MENDONÇA, E. P. O Socratismo Cristão e as Origens da Metafísica Moderna. São

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Paulo, Convívio, 1975. São Paulo, julho de 1999 << = = =

O Papel da Religião Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Religião: 2.1. Histórico; 2.2. Etimologia. 3. Concepções Redutivas da Religião. 4. Os Fundamentos da Religião: 4.1. Salvação; 4.2. Revelação; 4.3. Fé. 5. Sentimento Religioso: 5.1. Religião e Religiões; 5.2. Religião como Sistema; 5.3. Meios e Fins; 5.4. Ter Religião e Ser Religioso. 6. Espiritismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada

1. INTRODUÇÃO O papel da religião é o de explicar os conteúdos existenciais do ser humano: de onde viemos, o que estamos fazendo aqui e para aonde vamos depois da morte. Quando indagamos sobre o papel da religião, associamo-lhe a idéia do sentimento religioso, um dos mais complexos sentimentos que fundamentam a essência do ser humano. É um sentimento natural, como se vê claramente na Lei de Adoração. É sempre uma reverência ao Criador, ao Ser Supremo, ao Ser Sobrenatural, ao Desconhecido etc. Ele, em si, independe da razão, da inteligência, da cultura, do estudo. É natural, e por isso mesmo adquire diversas formas. 2. CONCEITO DE RELIGIÃO 2.1. HISTÓRICO O Totemismo, a mais primitiva das religiões, com a idéia de totem, maná e tabu, subordina um grupo de homens chamado clã aos seres considerados sagrados. O totem refere-se a tudo o que os membros de um clã julgam sagrados. Podem ser animais, árvores, pessoas etc. O termo mana designa uma força, material e espiritual, comum aos seres e coisas sagrados. O tabu — proibições — visa, essencialmente, a separar o sagrado do profano. (Challaye, 1981, cap. I) O animismo é a religião que coloca em toda a natureza espíritos mais ou menos análogos ao espírito do homem. O Animismo foi, a princípio, chamado Fetichismo, coisa encantada, dotada de força mágica (Challaye, 1981, cap. II). A Religião do Egito mostra-nos numerosas sobrevivências do Totemismo; um Animismo manifestado especialmente pela importância atribuída à vida futura dos mortos; um Politeísmo que alguns tentaram orientar para o Monoteísmo (Challaye, 1981, p. 44). Diz Emmanuel “Que o destino e a comunicação dos mortos e a pluralidade das existências e dos mundos eram para eles problemas solucionados e conhecidos” (Xavier, 1972, p. 45) As Religiões da Índia apresentam-nos uma mistura de abundantes sobrevivências totêmicas e animistas e de um Politeísmo que se orienta ora para o Monoteísmo, ora para um piedoso Ateísmo (Challaye, 1981, p. 59). O Judaísmo é a religião dos israelitas ou hebreus ou judeus. O documento essencial sobre o Judaísmo é o livro sagrado de Israel, o Antigo Testamento. A palavra testamento foi introduzida pela Igreja Cristã; é má tradução do vocábulo aliança, pois trata-se da aliança entre Deus e a humanidade. O Decálogo que a tradição atribui a Moisés, é uma bela página de literatura religiosa (Challaye, 1981, p. 140-152).

625 O Cristianismo é a religião dos Cristãos. É uma religião monoteísta que coloca em primeiro plano a comunhão com Deus, o Pai, por intermédio de seu filho Jesus Cristo, Salvador da humanidade (Challaye, 1981, p. 202). O Islamismo é termo erudito que designa a religião do Islão (assim chamdo pelos muçulmanos, seus adeptos), fundada pelo profeta Maomé e baseada no Corão (livro que lhe foi revelado por Deus) (Enciclopédia Luso-Brasileira). Historicamente, a religião é a crença em forças, poderes, deuses sobre-humanos; impotência perante esses poderes; desejo de salvação. Fenomenologicamente, a religião está ligada ao sagrado: objeto, lugar, tempo, ritual, palavra etc. 2.2. ETIMOLOGIA A palavra religião é de origem latina (religio). O significado não é claro. Cícero (106-43 a. C.) no De Natura Deorum afirma que a palavra vem da raiz relegere (“considerar cuidadosamente”), oposto de neglere, descuidar. Já Lactâncio, escritor cristão (m. 330 d.C.), diz que vem de religare (“ligar”, “prender”). Para Cícero, a religião é um procedimento consciencioso , mesmo penoso, em relação aos deuses reconhecidos pelo Estado. Para Lactâncio, a religião liga os homens a Deus pela piedade. Um termo de partida e um de chegada, em que princípio e fim são os mesmos. As duas raízes complementam-se. (Enciclopédia Luso-Brasileira) 3. CONCEPÇÕES REDUTIVAS DA RELIGIÃO a) CONCEPÇÃO MÍTICO-MÁGICA: a Religião é uma ilusão ou uma superstição. A Religião ao entrar em conflito com a razão, torna-se dogmática para poder subsistir. b) CONCEPÇÃO GNÓSTICA: a filosofia, filha rebelde da teologia, transforma-se numa religião, ao buscar a salvação através do conhecimento (gnose). c) CONCEPÇÃO MORAL: o objeto da Religião é o mesmo da moral natural. d) CONCEPÇÃO ANTROPOLÓGICA: para D. Hume a experiência do terror é a origem da religião. Augusto Comte ao propor uma religião da humanidade abre uma nova perspectiva religiosa à consideraçào do homem moderno, limitando o âmbito do conceito de transcendência às coordenadas intramundanas. e) CONCEPÇÃO SOCIOLÓGICA: segundo E. Durkheim as concepções religiosas têm por objeto, antes de mais, explicar e exprimir não o que as coisas têm de extraordinário, mas ordinário. f) CONCEPÇÃO IRRACIONALISTA: de acordo com vários filósofos, a religião é um campo autônomo: não é o do conhecer, nem o do fazer, nem o do esperar, mas a contemplação extática do infinito. g) CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA: segundo Freud a religião é uma neurose obsessiva. (Enciclopédia Luso-Brasileira) 4. OS FUNDAMENTOS DA RELIGIÃO 4.1. SALVAÇÃO Muita gente acredita que salvar-se será livrar-se de todos os riscos, na conquista da suprema tranqüilidade. Observe os primeiros cristãos: quanto não foi o sofrimento pelas suas mortes nas

626 arenas romanas? Não são poucos os apodos, os sarcasmos, as zombarias daqueles que empreendem a grande batalha de se unir ao Cristo. Salvar-se, pois, não será subir ao Céu com as alparcas do favoritismo religioso, mas sim converter-se ao trabalho incessante do bem, para que o mal se extinga no mundo. Salvar-se é, portanto, levantar, iluminar, ajudar e enobrecer, e salvar-se é educar-se alguém para educar os outros. É a responsabilidade de se conduzir e melhorar-se. 4.2. REVELAÇÃO Os fundadores de religiões tinham revelações e visões nas quais o próprio Deus os chamava a atuar. Deus revelou-se a Moisés numa sarça que ardia. Quando Paulo foi chamado por Jesus, no caminho de Damasco, cegou-o um resplendor celestial. Maomé encontrou-se com o arcanjo Gabriel, que o reteve sem soltar, até que ele lhe prometeu seguir o seu mandato de reconhecer a vontade de Alá. A Revelação Espírita, por sua natureza, participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. Quer dizer, sua origem é divina e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem. Nesse sentido, o Espiritismo procede da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental, ou seja, faz hipóteses, testa-as e tira as suas conclusões. Por exemplo: à hipótese de que os Espíritos que não se consideram mortos, os Espíritas devem provocar a manifestação de Espíritos dessa categoria e observar (Kardec, A Gênese, p. 19 e 20). 4.3. FÉ A religião identifica-se com a fé. Para a maioria das religiões o que importa não é o que acreditamos mas como acreditamos. No uso popular dizemos isso quando uma pessoa acredita ou faz algo “religiosamente”. Acontece que ter a convicção ou “fé” em certas verdades não nos isenta de estarmos em erro. Por isso Allan Kardec, no capítulo XIX de O Evangelho Segundo o Espiritismo, esclarece-nos sobre os fundamentos da fé. Tenta distinguir a fé cega da fé raciocinada bem como a fé humana da fé divina. Traça-nos as diretrizes para o robustecimento de nossa fé, baseada na razão. 5. SENTIMENTO RELIGIOSO 5.1. RELIGIÃO E RELIGIÕES Do ponto de vista social, as religiões são sistemas de símbolos, dependentes de um fundador, que teve a experiência religiosa original com modalidade própria. Esse sistema organizado de símbolos, ligado à tradição, contribui para que os indivíduos concretos adotem atitude religiosa pessoal. Desde a mais alta Antigüidade a apresentação externa do símbolo vem se modificando, mas, muitas vezes, o conteúdo intrínseco continua o mesmo, ou seja, apenas transferimos os valores que eram próprios do Totemismo, do Fetichismo, e do Animismo para a época moderna: instituímos tabus, adoramos os santos e seguimos cegamente as determinações de um líder religioso. Faz-se preciso, na época atual, estabelecer a diferença entre religião e religiões. “A religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador. As religiões são organizações dos homens, falíveis e imperfeitas como eles próprios; dignas de todo o acatamento pelo sopro de inspiração superior que as faz surgir, são como gotas de orvalho celeste, misturadas com os elementos da terra em que caíram. Muitas delas, porém, estão desviadas do bom caminho pelo interesse

627 criminoso e pela ambição lamentável dos seus expositores; mas, a verdade um dia brilhará para todos, sem necessitar da cooperação de nenhum homem”.(Xavier, 1981, p. 37) 5.2. RELIGIÃO COMO SISTEMA Alguns autores, como Émile Durkheim, Mircea Eliade e Claude Lévi-Strauss, enfatizaram todos a idéia de que a religião corresponde a certas estruturas profundas. Embora contrários em muitos pontos de vista, o que há de comum principalmente entre Mircea Eliade e Claude Lévi-Strauss é que ambos valorizam as “regras” segundo as quais a religião é construída e, portanto, o seu caráter sistêmico; e ambos ressaltam a autonomia da religião em relação à sociedade. Como traduzir para a prática a noção vaga de que a religião é um sistema? “No caso dos dogmas cristãos, é impossível saber (empiricamente) se Jesus Cristo pertence à mesma categoria de Deus Pai ou se lhe é inferior e, se não for nenhum desses o seu caso, qual é a relação hierárquica exata entre os dois. Mas é perfeitamente possível predizer, se forem conhecidos os dados do sistema (neste caso, que há uma Trindade divina composta por três “pessoas” ou, pelo menos por três membros que têm nomes individuais), todas as soluções possíveis para o problema, as quais, na realidade, não são em absoluto “históricas” (embora tenham sido enunciadas por personalidades distintas em épocas distintas), pois estão sincronicamente presentes no sistema”. (Eliade, 1994, p. 18 a 20) 5.3. MEIOS E FINS O fim da religião é a salvação da alma. Contudo, preferimos prender muitas pessoas a nós ou à nossa Igreja, impedindo-as de se salvarem em outra qualquer. Quer dizer, confundimos os meios com os fins. É preciso, pois, muito tato e muita perspicácia para não criarmos uma falsa adoração em todos aqueles que nos ouvem e que por nós tem certa simpatia. 5.4. TER RELIGIÃO E SER RELIGIOSO O filósofo Dewey faz uma distinção entre ter uma religião e ser religioso. Para ele, ter uma religião é pertencer a uma Igreja e obedecer aos dogmas por ela impostos. Ser religioso é encaminhar o pensamento para os aspectos cósmicos da vida, ou seja, para a humildade, a simplicidade e o amor ao próximo. A Parábola do Bom Samaritano, pronunciada por Jesus, é um bom exemplo. Nela, Jesus retrata o Samaritano, considerado herege, fazendo o que os conhecedores da lei e da religião deveriam fazer e não o faziam. 6. ESPIRITISMO É o Espiritismo uma religião? Prende-se ao sentimento religioso? É uma manifestação fortuita? Tornar-se-á uma crença comum? Será uma Religião Universal? Eis algumas perguntas valiosas em nossa reflexão sobre a religião. Muita tinta se gastou para afirmar ou negar que o Espiritismo seja uma religião. De acordo com Allan Kardec, O Espiritismo é chamado a desempenhar imenso papel na terra. Reformará a legislação, retificará os erros da História, restaurará a religião do Cristo, instituirá a verdadeira religião, a religião natural, a que parte do coração e vai direto a Deus, sem se deter nas franjas de uma sotaina, ou nos degraus de um altar. Extinguirá para sempre o ateísmo e o materialismo. (Kardec, Obras Póstumas, p. 299) 7. CONCLUSÃO

628 Se Doutrina Espírita é de libertação, por que ainda nos aprisionamos em algumas atitudes dogmáticas? Os Espíritos amigos sempre nos advertem que cada um terá de fazer a caminhada evolutiva por si mesmo. Mas, acostumados a sermos mandados por outrem, não temos iniciativa própria. Eis uma advertência que deve ser constantemente lembrada. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CHALLAYE, F. As Grandes Religiões. São Paulo, IBRASA, 1981. ELIADE, M. e COULIANO, I, P. Dicionário das Religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1994. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa, Verbo, s. d. p. KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1976. KARDEC, A. Obras Póstumas. 15. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1975. XAVIER, F. C. Emmanuel (Dissertações Mediúnicas), pelo Espírito Emmanuel. 9. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1981.

São Paulo, setembro de 1999 = = = >> 1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (3) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário). (4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (5) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986.

Dicionário de Religião Adivinhação - Emprego de meios mágicos para descobrir informações inacessíveis à indagação normal (a respeito do futuro, de objetos perdidos, traços ocultos do caráter etc.) (Hinnells, 1995) Adonai (Jud) - Um dos nomes de Deus na Bíblia. Significa "Meu Senhor". É plural majestático. Os judeus não o proferiam por respeito à divindade. (Schlesinger, 1982) Adoração - É a expressão a um tempo espontânea e deliberada da reação do homem em face da proximidade de Deus. (Schlesinger, 1982)

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Aiatolá - "Milagroso sinal de Deus", título conferido a altos dignitários da hierarquia religiosa xiita.(Hinnells, 1995) Alquimia - Busca de uma substância (a pedra filosofal ou o elixir) capaz de transformar (transmutar) os metais inferiores em ouro ou conferir imortalidade ao homem, acompanhando ou simbolizando amiúde a procura da perfeição espiritual.(Hinnells, 1995) Anátema (Jud +Crist) - Termo grego aplicado, como o hebr cherem, tanto ao processo de EXCOMUNHÃO como ao objeto sobre o qual recai uma maldição e que é considerada, portanto, intocável. É fórmula de maldição que exprime o juízo de Deus sobre os infiéis. (Schlesinger, 1982) Antigo Testamento - conjunto dos livros dos judeus, ou história dos judeus até Jesus Cristo. Divide-se em três partes: 1.ª) Thora, ou Lei (compreendendo o Gênesis, o Êxodo, o Levítico, os Números e o Deuteronômio); 2.ª) Nebium, ou Profetas (compreendendo Josué, Juízes, Samuel, Reis etc.); 3.ª) Ketubrim, ou hagiógrafos (compreendendo os salmos e os livros históricos). Antropomorfismo - Atribuição a Deus das características e formas humanas. A fraseologia bíblica é, às vezes, antropomórfica e se refere, por exemplo, à mão, aos dedos de Deus etc. (Schlesinger, 1982) Apocalipse - do gr. apokalypsis significa revelação do futuro, principalmente do Fim dos dias e do Dia do Juízo. (Schlesinger, 1982). Apocalipse de João - constitui o fim do Novo Testamento, e consiste da revelação tida por João, o Evangelista, na Ilha de Patmos, acerca dos futuros acontecimentos que envolverão o planeta e a humanidade. Apócrifos - Literatura judaica não canônica, escrita durante o período do segundo Templo e algum tempo após a destruição deste (aproximadamente até a revolta de Bar Kochba, em 132-5 d. C.) (Schlesinger, 1982) Auto-de-fé - Cerimônia em que eram anunciadas às vítimas as sentenças da inquisição. (Schlesinger, 1982) Bem-Aventurança - Termo técnico para indicar uma forma literária que se encontra quer no Antigo quer no Novo Testamento. A Bem-Aventurança é uma declaração de bênção com base em uma virtude ou na boa sorte. A fórmula se inicia com "bemaventurado aquele..." Com Jesus toma a forma de um paradoxo: a bem-aventurança não é proclamada em virtude de uma boa sorte, mas exatamente em virtude de uma má sorte: pobreza, fome, dor, perseguição (Mackenzie, 1984). Bíblia - O termo Bíblia provém do plural grego ta biblia (os livros), que, pelo menos a partir do século XII, é usada para significar o conjunto dos vários escritos do Antigo e do Novo Testamento. O uso de um singular para designar vários livros sagrados tem uma explicação teológica. Não obstante a diversidade dos autores humanos, estes livros constituem uma unidade, um livro, ou o livro por excelência, cujo autor principal é Deus (Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado).

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Calvinismo (Prot) - Sistema teológico da Reforma protestante exposto e defendido por João Calvino (1509-1564). Contesta qualquer cooperação do homem na obra da salvação. Só Deus opera a salvação. (Schlesinger, 1982.) Cânone - A palavra grega kanon significa literalmente "cajado" ou "vara de medir", e em sentido figurativo, norma ou critério de valor. (Schlesinger, 1982.) Caridade - do latim caritas (amor), de carus (caro, de alto valor, digno de apreço, de amor). Identifica-se hoje, freqüentemente, a caridade com um afeto piegas que se traduz por gestos de assistência paternalista. O termo evoca, imediatamente, a idéia de esmola, tanto que a expressão viver de caridade pública, significa viver de esmolas. No entanto, caridade é algo bem mais profundo (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo). Etimologicamente, caridade sugere dom, preciosidade, intimidade. De fato, caridade é oblação, virtude, atitude de comunhão. Mais ainda, é vida. Por isso mesmo, comporta exigências e é objeto de preceito. Refletimo-la em perspectiva cristã, pois de realidade eminentemente cristã se trata. Pode identificar-se com amor se este está despido de ambigüidades. Supera, em objeto e motivação, a filantropia. Relaciona-se proximamente com a justiça enquanto esta é, primeiro que tudo, justificação e inculca ordem na comunhão de caridade, impedindo que esta degenere em confusão. A sua área coincide em grande parte com a graça, pois tanto o ser do homem que esta atinge e sobrenaturaliza como as faculdades e ações que aquela beneficia e dinamiza constituem uma mesma e única realidade pessoal (Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado). Catarse - Concepção de origem órfica e pitagórica, introduzida por Platão em seu ideário, que diz respeito ao processo de purificação das almas dos mortos antes de terem acesso a um nível superior ou de se reencarnarem. (Schlesinger, 1982.) Catecismo (Crist) - Manual de ensino e formação religiosa adotado nas Igrejas e escolas dominicais. Vigorou durante muito tempo sob a forma de perguntas e respostas. (Schlesinger, 1982.) Ceticismo - Um cético religioso é alguém que nega a existência de quaisquer fundamentos numa crença racional em assuntos religiosos. (Hinnells, 1995.) Concílio (Cat) - Assembléia de prelados católicos em que se tratam de assuntos dogmáticos, doutrinários e disciplinares. (Schlesinger, 1982.) Cruzadas - Expedições militares européias que tinham por finalidade reconquistar os lugares santos cristãos na Palestina, em poder do Islã. (Hinnells, 1995.) Demiurgo - Em religião, equivale à criatura intermediária entre a natureza divina e a humana. (Schlesinger, 1982) Deus é um dos conceitos mais antigos e fecundos do patrimônio cultural da humanidade. Deriva do indo-europeu deiwos (resplandecente, luminoso), que designava originariamente os celestes (Sol, Lua, estrelas etc.) por oposição aos humanos, terrestre por natureza. Psicologicamente corresponde ao objeto supremo da experiência religiosa,

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no qual se concentram todos os caracteres do numinoso ou sagrado (Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado). Diáfora (Jud) - A palavra é de origem grega e significa "dispersão". Afirma-se que os judeus do período helenístico empregavam este termo para designar aqueles dos seus correligionários que, tendo-se espalhado por nações estrangeiras desde a queda da primeira comunidade, viviam fora do território de Israel. (Schlesinger, 1982) Discípulo - Aquele que, com um mestre, aprende alguma ciência ou arte, dele recebe os conhecimentos de uma doutrina etc. O que segue, que adotou certos princípios, sentimentos, idéias, e por eles atua, ainda que não conheça o seu autor: seguidor, partidário, sectário: os discípulos de Platão. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira). Discípulos do Senhor - Os Evangelhos chamam discípulos aqueles que seguiam de perto a Cristo: em primeiro lugar, os 12 Apóstolos; depois, os outros 72 que mandava adiante de si aos lugares onde tencionava pregar (Luc., 10). Em sentido geral, também eram chamados discípulos os que acreditavam em Cristo e se propunham seguir sua doutrina, instruídos por ele ou pelos apóstolos e evangelistas (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira). Esperança - Do latim sperare. Sentimento que leva o homem a olhar para o futuro, considerando-o portador de condições melhores que as oferecidas pelo presente, de tal sorte que a luta pela vida e os sofrimentos são enfrentados como contingências passageiras, na marcha para um fim mais alto e de maior valor. Do ponto de vista teológico, a Esperança é uma virtude sobrenatural, que leva o homem a desejar Deus, como bem supremo (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo). Genericamente, a esperança é toda a tendência para um bem futuro e possível, mas incerto. Psicologicamente, tensão própria de quem se sente privado de um bem ardentemente desejado (imperfeições), mas que julga poder alcançar por si mesmo ou por outrem. A esperança diz respeito aos bens árduos e difíceis, porque não dependem apenas da vontade de quem os espera, mas também de circunstâncias ou vontades alheias, e que, por isso, a tornam de algum modo, incerta e falível. Justaposta às esperanças do dia-a-dia, há a grande esperança, ou seja, um vínculo permanente entre a espécie e o seu criador (Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado). Evangelho é a tradução portuguesa da palavra grega Euangelion que foi notavelmente enriquecida de significados. Para os gregos mais antigos ela indicava a “gorjeta” que era dada a quem trazia uma boa notícia. Mais tarde passou a significar uma “boa-nova”, segundo a exata etimologia do termo. Falava-se de “evangelho”, nas cidades gregas, quando ecoava a notícia de uma vitória militar, quando os arautos noticiavam o nascimento de um rei ou de um imperador. Ao termo estava unida a idéia de festa com cânticos, luzes e cerimônias festivas. Era, em suma, o anúncio da alegria, porque continha uma certeza de bem-estar, de paz e salvação. (Battaglia, 1984, p. 19 e 20) Escatologia (bíblica) - A doutrina das "últimas coisas" (em grego, ta eschata) pessoais ou cósmicas. (Hinnells, 1995)

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Evangélico - Palavra derivada do vocabulário grego que também nos deus evangelho (a "boa nova" cristã da salvação), e usada hoje por grupos do Protestantismo que afirmam professá-lo com especial fidelidade. (Hinnells, 1995) Fé - do latim fides. O termo é empregado em muitas acepções que poderiam ser divididas em profanas e religiosas. No sentido profano, significa dar crédito na existência do fato, fazer bom juízo sobre alguém, expressar sinceridade no modo de agir etc. Quando o testemunho no qual se baseia a confiança absoluta é a revelação divina, fala-se de Fé no seu sentido religioso. A Fé, neste sentido, não é um ato irracional. Com efeito, o espírito humano só pode aderir incondicionalmente a um objeto quando possui a certeza de que é verdadeiro (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo). Feiticeiro - Designação geral do xamã, adivinho ou curandeiro entre os ameríndios. (Hinnells, 1995) Gentios - O termo "gentio" é tradução da palavra hebréia "goi" que significa membro de um povo não-judeu. Considerando-se filhos de Abraão, com quem Deus celebrou uma Aliança especial, os judeus fizeram nítida distinção entre eles mesmos e as outras nações. (Hinnells, 1995) Hierofania - Termo grego que significa, literalmente, “algo sagrado está se revelando para nós”. É o que sempre acontece, não importa se o sagrado se manifesta numa pedra, numa árvore ou em Jesus Cristo. (Gaarder, 2005) Inquisição - Tribunal eclesiástico para preservação e defesa da religião católica. (Schlesinger, 1982) Jesus Cristo - (de Jesoûs, forma grega do hebraico Joxuá, contração de Jehoxuá, isto é, "Jeova ajuda ou é salvador", e de Cristo, do grego Christós, corresponde ao hebraico Moxiá, escolhido ou ungido). Karma - É como um capital moral, em crédito e em débito. Mantra - Fórmula ritual sonora, dado pelo Mestre a seu discípulo no hinduísmo e no budismo, cuja recitação tem o poder de pôr em ação a influência espiritual que lhe corresponde. (Chevalier e Gheerbrant, 1998) Pai Nosso – É o mais perfeito modelo de concisão, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade. Com efeito, sob a mais singela forma, ela resume todos dos deveres do homem para com Deus, para consigo mesmo e para com o próximo. Encerra uma profissão de fé, um ato de adoração e de submissão; o pedido das coisas necessárias à vida e o princípio da caridade. (Equipe da FEB, 1995) Parábola - do gr. parabole significa narrativa curta, não raro identificada com o apólogo e a fábula. Vizinha da alegoria, ou seja, consiste num discurso que faz entender outro. Sinteticamente: narração alegórica na qual o conjunto dos elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior.

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Pobres de Espírito - O sentido de "pobres de espírito" ou "pobres em espírito" é muito discutido. Não significa desapego, mas refere-se às classes humildes, cujo espírito é oprimido pela necessidade e pelo abatimento. Ela substitui à maldição da pobreza e a bem-aventurança consiste no reino do céu, que excede toda riqueza. O termo não significa que somente os pobres entram no reino dos céus, mas também os pobres (Mackenzie, 1984). Racionalismo - Palavra um tanto ambígua, empregada às vezes para caracterizar a ênfase dada à razão em detrimento da experiência (e, por esse modo, em detrimento do empirismo), e, em outras ocasiões, para caracterizar a ênfase dada à razão em detrimento das emoções. (Hinnells, 1995) Reencarnação entre os judeus - Em hebraico gilgul, que significa (o) "girar" (da roda). A crença na reencarnação era fundamental para doutrina da CABALA sobre o destino da alma, embora fosse rejeitada por alguns não-místicos com crença sectária alheia ao pensamento judaico. Os cabalistas continuaram a acreditar na ressurreição dos mortos numa idade futura (OLAM-HA-BA), mas viam o homem obrigado a passar por uma série de renascimentos antes disso a fim de executar as suas tarefas na terra. (Hinnells, 1995) Religião Natural - Resposta religiosa espontânea e incontroversa do mundo, ou religiosidade que se desenvolve, sem ser ensinada, na experiência humana. Como tal, é posta em contraste com "as religiões positivas" de tradições específicas, ou sistemas que reivindicam autoridade para as suas doutrinas. (Hinnells, 1995) Sacrifício - Apresentação ritual de um presente. Oferendas sacrificiais (do latim "sacer facere": "fazer santo") existem na maioria das religiões, embora a natureza do presente, o significado da ação e a função do rito variem muitíssimo. O que se dá é apreciado, não raro, como alimento ou como vida (a matança ritual oferece vida). A ação pode ser empreendida para agradar ou adivinhar; para renovar a vida ou continuar um ciclo sazonal ou cósmico; para assegurar um favor ou afastar o mal; para retificar um acordo (Aliança) entre os participantes humanos e sobrenaturais ou expressar a sua comunhão. (Hinnells, 1995) Samadhi - Um dos três elementos principais da "via" ou caminho budista (MARGA), sendo os outros dois o SILA e o panna (PRAJNA). O sentido geral de samadhi é "meditação" ou "concentração", mas também tem um significado especializado, para o qual a tradução mais apropriada é "transe". (Hinnells, 1995) Sermão do Monte - Também chamado Sermão da Montanha ou Sermão das BemAventuranças, foi pronunciado por Jesus na fralda de um de um monte, em Cafarnaum, dirigindo-se a todas as pessoas que o seguiam. Nele Jesus faz uma síntese das leis morais que regem a humanidade. Sociedade Teosófica Mundial - Organização fundada (1875) em Nova York pela clarividente russa Helena Pietróvna Blavátski (1831-91) e pelo coronel H. S. Olcott (1832-1907) a fim de promover a fraternidade universal, o estudo da religião comparada e a investigação "de leis inexplicadas da natureza e dos poderes latentes no homem". Propaga doutrinas baseadas nos escritos ecléticos, visionários, de Blavátski, um material tirado do Hinduísmo e do Budismo. Todas as religiões são vistas como versões de uma verdade "esotérica", a "teosofia". Acredita-se que o o desenvolvimento espiritual do

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indivíduo seja supervisado por uma fraternidade secreta de mestres ou mahatmas, os quais, segundo se crê, residem no Tibete. O universo consiste em sete "planos" que se interpenetram; cada um de nós, por conseguinte, tem sete corpos (o divino, o espiritual, o intuitivo, o mental, o emocional, o etérico e o físico); os três primeiros compreendem o "ego" ou "superego" que se reencarna infinitamente, experimentando o carma (felicidade e sofrimento como resultado de boas ou más ações), evoluindo para a "personalidade", em cooperação consciente com o propósito divino. (Hinnells, 1995) Teosofia - Qualquer sistema de pensamento que se ocupa da relação entre Deus e a criação, especialmente a que tenciona ajudar o homem a lograr a experiência direta do divino. A palavra, que descreve qualquer sistema mítico articulado, tem sido aplicada em particular a CABALA, ao NEOPLATONISMO. Agora se refere, o mais das vezes, aos ensinamentos da Sociedade Teosófica Mundial. (Hinnells, 1995) Testamento - A palavra Testamento tem, na Bíblia, o significado de pacto, de aliança. A figura jurídica do Testamento era desconhecida dos antigos hebreus. A herança entre eles, estava regulada pelo costume e, posteriormente, pela lei (Núm., 27, 8-11), não havendo a hipótese de herdeiros designados pelo testador. Mas nos tempos helenísticos, os rabinos introduziram a instituição jurídica dos gregos relativa ao Testamento e o termo diatheke que a designava. A Vulgata, ao traduzir a Bíblia para o latim, em vez de traduzir diatheke porfoedus usou o termo testamento, que é uma das acepções de diatheke, mas não corresponde ao vocábulo original berit (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura). Tora - Literalmente "ensinamento", o termo mais geral do Judaísmo para indicar o ensinamento divino. No sentido estrito, refere-se ao Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia hebraica: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. A tradução comum que se faz da Tora, chamando-lhe Lei, não representa corretamente o conceito e dá uma conotação legal estreita à idéia judaica - muito mais ampla -, de revelações. (Hinnells, 1995) Bibliografia ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. BATTAGLIA, 0. Introdução aos Evangelhos — Um Estudo Histórico-crítico. Rio de Janeiro: Vozes, 1984. ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. GAARDER, J. et all. O Livro das Religiões. Tradução de Isa Mara Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 2005 GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]

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HINNELLS, John R. (Org.). Dicionário das Religiões. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1995. MACKENZIE, J. L. (S. J.). Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulinas, 1984. POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. SCHLESINGER, Dr. Hugo e PORTO, Humberto (Pe). As Religiões Ontem e Hoje. São Paulo: Paulinas, 1982.

O Renascimento O pensamento renascentista Nos séculos XV e XVI, a cultura e a sociedade europeias experimentaram transformações decisivas que inauguraram uma nova época. O termo renascimento, alude ao "renascer" da Antiguidade clássica, em oposição à Idade Média, embora muitos fenômenos e acontecimentos com que se costuma caracterizar o período tenham sua origem na última etapa da Idade Média. O humanismo — um dos fenômenos mais importantes da nova cultura — significa, no entanto, uma rebelião sem precedentes contra a tradição escolástica tal como era cultivada nas universidades. Um comportamento central do movimento intelectual do Renascimento é a reforma da teologia e da religião cristãs, que se encerrará com a fragmentação da cristandade ocidental. A própria concepção do homem muda substancialmente: é valorizado sobretudo como ser natural, desprezando-se ou subestimando-se a dimensão e o destino sobrenaturais.

O humanismo italiano As origens do humanismo italiano devem ser buscadas na Itália do século XIV. No momento em que a escolástica proclama de novo a separação entre ciência e fé, escritores como Dante, Petrarca e Boccacio descobrem a beleza dos poetas latinos. Francesco Petrarca (1304-1374) é o "pai do iluminismo", porque é o primeiro que erige o conhecimento rigoroso do mundo clássico como um ideal. Isto, por si só, estabelece uma atitude de recusa frontal da escolástica e indiretamente abre caminho para uma emancipação da tutela intelectual exercida pela igreja ao longo da Idade Média. A consecução do ideal petrarquista permite uma virada intelectual em muitos outros campos. O estudo das humanidades (isto é, o conhecimento da literatura e do pensamento greco-latinos baseado em fontes diretas) exige um maior rigor nos métodos de crítica histórica e filológica...

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A partir dessa luz com que se ilumina o mundo antigo, surge uma nova concepção do homem e de sua posição no mundo. No Renascimento, aspira-se a um homem novo, liberado da incultura e da mediocridade. Daí sua importância na educação das capacidades naturais humanas, a primazia concedida aos valores estéticos e ao individualismo. Frente à cultura medieval, que era radicalmente teocêntrica — considerava Deus como ponto de referência absoluto de todo o real e, portanto, também do ser humano —, a cultura renascentista é antropocêntrica: o homem passa a ser o ponto de referência. O ideal dos humanistas exclui o estudo da lógica e da filosofia natural, mas sua abertura para as fontes antigas permite a recuperação de muitas ideias filosóficas da Antiguidade que haviam sido deslocadas pelo aristotelismo medieval. Nesse sentido, a importância do humanismo na história do pensamento é fundamental.

O platonismo renascentista Uma das consequências dessa operação da Antiguidade greco-latina é o retorno de Platão, mas de um Platão reinterpretado de modo muito diferente do da tradição agostiniana e neoplatônica da Idade Média. Nessa tradição, os elementos platônicos estiveram subordinados sempre às concepções do cristianismo, particularmente à antropologia e à filosofia natural desenvolvidas pela escolástica. Os humanistas italianos alteram essa tradição incorporando um platonismo muito mais pagão, de acordo com sua exaltação do homem e com seu escasso entusiasmo pelas formas abstratas do naturalismo aristotélico. A paixão pela filosofia platônica é tamanha que na Florença do século XV é fundada, sob o mecenato dos Medicis, uma academia destinada ao estudo daquela filosofia. Uma figura de destaque dessa academia é Marsilio Ficino (1433-1499), que traduz as obras de Platão (1477) e As Enéadas de Plotino e tenta conciliar essas fontes redescobertas com o cristianismo (Teologia platônica). A conciliação, no entanto, é ambígua. Para o cristianismo, o homem é um ser corrompido que necessita de redenção da graça para se libertar de sua natureza abjeta, e as teses de Ficino e dos humanistas postulam a bondade natural do ser humano. Essa mesma ambiguidade é patente em outro dos acadêmicos florentinos, Giovanni Picco della Mirandola (1463-1494), um grande erudito para quem o cristianismo é o ponto de referência de todas as religiões e crenças. Os platônicos do Renascimento exaltam também a natureza como uma fonte de conhecimento autêntico de Deus. Esse anseio contemplativo, no entanto, está mais próximo do misticismo teosófico do que da filosofia natural ou da ciência da natureza que se desenvolverá posteriormente.

Caixa: Nicolau de Cusa

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O pensamento político renascentista O humanismo, que considera o homem sujeito racional e histórico, faz uma crítica do duplo poder temporal e espiritual do papado (crítica já iniciada em fins da Idade Media por Dante, Marsílio de Pádua e Occam). Alguns humanistas, como Thomas More, ainda estão divididos entre sua lealdade aos ideais medievais da cristandade e uma prática política que já aparece configurado pela realidade dos estados nacionais. Quem melhor compreende e teoriza essa realidade do poder político estatal é Maquiavel. Para esse humanista italiano, o religioso é apenas um aspecto da vida do estado, à qual deve se subordinar. A política adquiriu então uma autonomia como nunca havia tido e se estabelece como uma ciência que deve ser estudada de acordo com uma realidade temporal, que é da própria história.

O fim da teocracia medieval O humanismo renascentista assinala o fim da ordem teocrática da Idade Média. Se no plano individual os humanistas proclamam seu antropocentrismo (o homem como centro da criação), no plano político exigem a demolição do poder temporal da igreja. Essa reflexão está amparada numa realidade histórica: a da emergência dos estados nacionais na França, Espanha e Inglaterra. A força de tais estados tende de fato a tornar a política independente da religião, no limite de alguns objetivos que já não são de forma alguma ultraterrenos. Mas o religioso não se subjuga facilmente ao político. O conflito entre o estado e a igreja constitui desde então uma das formas características da Idade Moderna. Alguns humanistas, como o chanceler Thomas More, proclamam ainda sua adesão aos ideais unitários da cristandade. No entanto, o exercício do poder já aparece vinculado a uma nova força que é a do estado e More, que desempenha as mais altas responsabilidades políticas na monarquia de Henrique VIII, acaba por ser executado depois de defender as posições da Santa Sé. É muito significativo que o pensamento político desse grande humanista, amigo pessoal de Erasmo, se expresse de forma utópica. Isto quer dizer que as soluções de conflito que se abre no Renascimento se projetam para o futuro.

Maquiavel Caixa: A Ilha Utopia

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O humanismo reformado: Erasmo O humanismo, que tem seu berço na Itália, estende-se por toda a Europa do século XVI. O que o distinguirá será sempre a exegese filológica, que é transferida para uma interpretação dos textos bíblicos, já iniciada por Lorenzo Valla no século anterior. Com isso, o magistério da igreja fica interditado, e assim o humanismo se converte num movimento cultural que defende a tolerância e a liberdade individual, no padrão de uma síntese renovada entre a Antiguidade clássica e o cristianismo. A figura máxima do humanismo reformista do século XVI é Erasmo de Rotterdam. Sua doutrina, crítica com uma igreja — a romana —, prepara na realidade a Reforma protestante. Mas Erasmo não é um político, e o humanismo, reduzido ao âmbito cultural, acaba sendo deslocado pelo protestantismo de Lutero e pela Contra-Reforma que nasce no concílio de Trento.

O sonho de uma idade de ouro No ano de 1517, Erasmo de Rotterdam (1469-1536), que nessa época já é o humanista mais prestigioso de toda a Europa, manifesta quanto lhe agradaria voltar a ser jovem porque, assegura, "vejo uma idade de ouro no futuro próximo". Os grandes descobrimentos geográficos e os notáveis avanços técnico-científicos, unidos aos ideais de concórdia e tolerância derivados da concepção do homem como ser autônomo, prometem a realização deste sonho. É uma idade de ouro já preconizado pelo humanismo desde as suas origens e que faz parte do próprio espírito do Renascimento. Erasmo é um "iluminista" do século XVI. Confia tanto na capacidade racional do ser humano que não teme criticar a igreja romana de forma demolidora. No seu Manual do cristão militante (1502) defende a necessidade de uma reforma religiosa, por que "corrige o erro daqueles cuja religião é composta usualmente de cerimônias mais do que judaicas e penitências de ordem material e que descuidam das coisas que conduzem à piedade". No Elogio da Loucura (1511), a igreja é satirizada. O poder romano é um poder temporal, entregue ao beato, rendido ao tráfico de influências. Erasmo reclama em sua sátira que o papa de Roma preste contas a toda a humanidade, e, o que é mais importante, postula uma nova ética para medir os atos dos homens. Pouco a pouco, a crítica erasmiana produz cisões mais profundas. Em 1516 Erasmo, que é o legítimo sucessor de Lorenzo Valla, e a autoridade filológica máxima de todo o continente, publica o texto grego do Novo Testamento acompanhado de uma cuidadosa tradução em latim. Desafia então nada menos do que a Vulgata (quer dizer, a tradução latina das Sagradas Escrituras que são Jerônimo havia realizado e que constituía o texto oficial do magistério da igreja). Tudo isso proclama a liberdade do indivíduo, sua capacidade para estabelecer relações com Deus sem a mediação das instituições eclesiásticas. Dessa maneira, o humanismo de Erasmo prepara o terreno da Reforma protestante e sua doutrina da liberdade interior

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do homem e de sua salvação por meio da fé. Tanto Lutero quanto o cardeal Cisneros tentaram que colaborasse com eles.

A cisão do mundo europeu O sonho de Erasmo então se transmuda realmente num sentido contrário. A idade de ouro tão próxima se traduz nas guerras de religião que assolam o continente durante esse século. A Europa fica dividida ao norte, os países protestantes, com sua religião interior e seu sentido da predestinação que a sociologia contemporânea de Max Weber associou o espírito do capitalismo nascente. Ao sul, os países católicos, sobre os quais a igreja romana desencadeia um movimento de Contra-Reforma e nos quais o cristianismo dogmático e escolástico se renova espiritualmente. No mundo protestante, a reforma de Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (15091564) e Ulrich Zwingli (1484-1531) separa definitivamente os âmbitos da razão e da fé. A razão é "a prostituta diabólica", afirma Lutero. "Sabendo o que é a palavra de Deus e que foi Deus quem a disse, não tenho por que perguntar como pode ser verdade e me dou por satisfeito apenas com a palavra de Deus, sem que me importe como ela pode se conciliar com a razão..." No mundo católico, a Contra-Reforma animada pelo concílio de Trento produz ainda uma última floração da escolástica, que tem no jesuíta espanhol Francisco Suarez (1548-1617) seu mais exímio representante. Mas a Contra-Reforma, assim como a Reforma, é um movimento acima de tudo religioso. Enfrentando-se com esses dois mundos, o humanismo, como programa renascentista, fica deslocado. É verdade que sua herança não se perde e reaparece no iluminismo e em nossa época Contemporânea, formulado com outras roupagens. Mas o fim do sonho de Erasmo indica sua esterilização como movimento cultural. Caixa: Do erasmismo à Contra-Reforma &&&&

Montaigne e os limites do humanismo A exaltação humanista da primeira época do Renascimento aparece compensado na segunda metade do século XVI pela obra de Montaigne. A Europa é um continente doente, dividido em dois blocos: protestantes no Norte, católicos no sul. Montaigne, na França, vê como seus próprios compatriotas sustentam uma guerra interminável por questões religiosas. Dessas amargas experiências surgem as reflexões filosóficas dos Ensaios: o homem, se pretende escapar à sua limitada condição humana, transforma-se numa besta. Tudo é questão de limites: deficiências da vida humana, insuficiências da razão, o homem deveria deixar de ser esse animal presunçoso para se acomodar a uma vida razoável e a uma digna espera da morte.

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O ceticismo de Montaigne se situa deste modo no extremo oposto do otimismo humanista dos primeiros tempos renascentistas e abre um caminho reflexivo por meio do qual se formará a rica tradição dos moralistas franceses dos séculos XVII-XVIII. "O que é que eu sei?" Toda a filosofia de Michel Exquem de Montaigne (1533-1592) está condensada nesse lema que ele mesmo mandou cunhar numa medalha: Que sais-je? ("O que é que eu sei?"). É um lema indubitavelmente socrático, que rende um tributo explícito à figura de Sócrates, a mais nobre e sólida personalidade moral da Antiguidade. Montaigne tem nesse filósofo grego uma de suas referências e, como humanista que é, possui uma visão própria da Antiguidade clássica. Mas é uma visão diferente da dos grandes humanistas do Renascimento, já que nela não estão presentes nem Platão nem Aristóteles, e seus pontos de contato se situam nas escolas helenísticas e sua continuação no mundo romano: o ceticismo de Pirro e de Sexto Empírico, o estoicismo de Sêneca (que constitui outro dos grandes modelos de Montaigne), aos quais é preciso acrescentar por fim certo epicurismo. O lema Que sais-je? explica-se, antes de tudo, pelo ceticismo. Trata-se de um ceticismo moderado que entende a filosofia como um saber presunçoso. "A presunção é nossa doença natural e original", e a filosofia, em seus altos voos metafísicos, é apenas um produto da vaidade humana. A razão, pensa Montaigne, não pode alcançar certeza alguma, mas o homem tem de se acostumar a viver na incerteza, e suportá-la estoicamente. Deve aceitar os limites de sua condição humana, saber que "a grandeza da alma não se exerce na grandeza, mas na mediocridade". A sabedoria, em consequência, pelo socrático Que sais-je?, continua como um dos limites da razão que é antidogmática e antiescolástica e rejeita, por isso mesmo, toda metafísica; aceita estoicamente a incerteza, a impossibilidade de uma certeza total, e olha a morte cara a cara (Montaigne enfatiza reiteradamente esse enfrentamento da morte, esse dever que o homem tem de tê-la sempre presente). Cumpridos todos esses pressupostos que a sabedoria indica, o homem pode então gozar a vida tal como ela lhe foi dada e sem se desprezar, pois "a mais selvagem de nossas doenças" é o desprezo que sentimos por nosso ser e o modo como está configurado. Montaigne como moralista Todo o pensamento de Montaigne se encontra nessa longa, volumosa e única obra que são os Ensaios, escritos a partir de 1572 e sucessivamente reeditadas até chegar à definitiva edição póstuma, que data de 1595. Os Ensaios são uma obra ao mesmo tempo literária e filosófica, e Montaigne, além de um grande escritor, um grande moralista. O motivo que lega essas duas vertentes da personalidade desse humanista tardio é a aspiração a conhecer-se a si mesmo, que tem também uma raiz socrática. Esse conhecer-se a si mesmo, longe de se converter num ensimesmamento nascente, constitui a condição prévia para julgar a própria conduta e, por extensão, a dos outros homens. Já que "cada homem — diz Montaigne — contém a forma integral da condição humana". A introspecção e a autoanálise dos Ensaios propõem-se dessa maneira a prestar um serviço aos outros, como um meio para adquirir normas práticas de conduta que permitam uma vida razoável.

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O poder do costume A reflexão sobre a própria conduta não pode esquecer o poder do costume. Nossos códigos legais e de valores são costumes, inclusive a própria religião. Há uma universalidade de costume, que se torna uma segunda natureza; o que não é universal é o conteúdo desses costumes. Essa redução de nossos sistemas de crenças a meros costumes e opiniões pessoais, sem valor universal, coincide com uma crítica radical do antropocentrismo, quer dizer, da superioridade do homem sobre o resto da criação e de sua ilusão pretensiosa de ser a finalidade da natureza. Influência de Montaigne Com os Ensaios, tem início a rica tradição dos moralistas dos séculos XVII e XVIII, tradição que se situa a meio caminho entre a literatura e a filosofia e que costuma se expressar por meio da arte do aforismo (quer dizer, de uma vontade não sistematizadora, atenta sobretudo ao caráter ambíguo e atomizado do humano). Montaigne inicia uma via reflexiva que irá se ampliando posteriormente com os nomes de Pascal, La Bruyère, Le Rochefoucauld, Voltaire e Vauvenargues. Caixa: A moral de Montaigne Caixa: O humanismo na literatura Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 5)

Responsabilidade Responsabilidade. Do lat. responsabilitas, de respondere = responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações. De direito, todo o homem é responsável. Toda a sociedade é organizada numa hierarquia de autoridade, na qual cada um é responsável perante uma autoridade superior. Quando o homem infringe uma de suas responsabilidades cívicas, deve responder pelo seu ato perante a justiça. (1) A capacidade de assumir responsabilidades e de a elas se obrigar, é um dos traços mais característicos da condição humana, ao menos na sua idade adulta. Esta responsabilidade tem que ver com a liberdade e portanto com a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, levando cada homem a assumir de forma consciente a autoria do seu agir em todas as suas conseqüências. A responsabilidade e a liberdade têm, por sua vez, que ver com a racionalidade do homem, a qual exemplarmente se manifesta não só ao nível do agir como ao nível do dizer. O homem é concomitantemente racional, livre e responsável. (2)

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Ética e Responsabilidade Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico: 3.1. Antigüidade; 3.2. Idade Média; 3.3. Idade Moderna. 4. Ética e Moral. 5. Autodeterminação e Responsabilidade. 6. Comportamento Ético. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é refletir sobre a ética e a responsabilidade, no sentido de motivar as nossas ações para a prática do bem. Assim, analisaremos o problema do comportamento ético-moral e a autodeterminação do indivíduo dentro da sociedade. 2. CONCEITO Ética - do gr. ethos significa originalmente morada, seja o habitat dos animais, seja a morada do homem, lugar onde ele se sente acolhido e abrigado. O segundo sentido, proveniente deste, é costume, modo ou estilo habitual de ser. A morada, vista metaforicamente, indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (Nogueira, 1989) Responsabilidade - do lat. responsabilitas, de respondere = responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações. De direito, todo o homem é responsável. Toda a sociedade é organizada numa hierarquia de autoridade, na qual cada um é responsável perante uma autoridade superior. Quando o homem infringe uma de suas responsabilidades cívicas, deve responder pelo seu ato perante a justiça. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo) Responsabilidade moral. Filos. 1. Situação de um agente consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente. 2. Obrigação de reparar o mal que se causou aos outros. (Dicionário Aurélio) 3. HISTÓRICO 3.1. ANTIGUIDADE Desde que o homem teve de viver em conjunto com outros homens, as normas de comportamento moral têm sido necessárias para o bem estar do grupo. Muitas destas normas eram extraídas das religiões existentes, que cheias de dogmas e tabus impunham uma dose de irracionalidade ao valor moral. Mesmo entre os chineses, que não possuíam uma religião organizada, havia muitas normas esotéricas de comportamento ético. A especulação exotérica começa somente com o pensamento grego. Sócrates, Platão e Aristóteles são os seus principais representantes. Sócrates dizia que a virtude é conhecimento; e o vício, é o resultado da ignorância. Então, de acordo com Sócrates, somente a educação pode tornar o homem moralizado. Platão estabelece que a vida ética é gradativamente mais elevada pela adequação desta às idéias (eide) superiores, análogas à forma do bem. Aristóteles deu à ética bases seguras. Dizia que o fim do

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homem é a felicidade temporal da vida de conformidade com a razão, e que a virtude é o caminho dessa felicidade, e esta implica, fundamentalmente, a liberdade. 3.2. IDADE MÉDIA Na Idade Média, os valores éticos são condicionados pela religião cristã, especificamente o Catolicismo. A Patrística e a Escolástica são os seus representantes. Nesse período, dá-se ênfase à revelação dos livros sagrados. O Pai, o Filho e o Espírito Santo determinam as normas de conduta. Jesus, que é filho e Deus ao mesmo tempo, torna-se o grande arauto de uma nova ética, a ética do amor ao próximo. Porém, essa ética é conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que distorcem a pureza do cristianismo primitivo. As exortações católicas mantiveram-se por longos anos. Contudo, no século XVI começou a sofrer a pressão do Protestantismo, ou seja, a reação de algumas Igrejas às determinações da Igreja de Roma. Para os protestantes, a ética não é baseada na revelação, mas nos valores éticos, examinados e procurados de per si. A revelação religiosa pertence à religião. O filósofo ético deve procurar os fundamentos ontológicos dessa disciplina, tão longe quanto lhe seja possível alcançar. 3.3. IDADE MODERNA Kant, o quebra tudo, surge nesse contexto. Para Kant a Ética é autônoma e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela própria consciência moral e não por qualquer instância alheia ao Eu. Como vemos, Kant dá prosseguimento à construção da própria moral. Não espera algo de fora. Aquilo que o homem procura está dentro dele mesmo. Muitos são os filósofos que seguiram Kant. Depois destes, surgem Scheller (1874-1928) , Müller, Ortega y Gasset etc., que penetram na ética axiológica, ou seja, estuda a ética do ângulo dos valores. (Santos, 1965) 4. ÉTICA E MORAL Ética - do grego ethos significa comportamento; Moral - do latim mores, costumes. Embora utilizamos os dois termos para expressarmos as noções do bem e do mal, convém fazermos uma distinção: a Moral é normativa, enquanto a Ética é especulativa. A Moral, referindo-se aos costumes dos povos nas diversas épocas, é mais abrangente; a Ética, procurando o nexo entre os meios e os fins dos referidos costumes, é mais específica. Pode-se dizer, que a Ética é a ciência da Moral. Ética e Moral distinguem-se, essencialmente, pela especulação da Lei. A Ética, refere-se à norma invariante; a Moral, à variante. Contudo, há uma relação entre ambas, pois a sistematização da segunda tem íntima relação com a primeira. O caráter invariante da Lei possibilita-nos questionar: de onde veio? Quem a ditou? Por que? Com que fim? A resposta dos transcendentalistas é que ela é heterônoma, isto é, veio de fora do "eu". Deus seria o autor da norma. Liga-se, assim, Filosofia e Religião. Para os cristãos, as normas éticas estão centradas nos Dez Mandamentos; a resposta dos imanentistas é que ela é autônoma, isto é, surge das tensões das circunstâncias. (Santos, 1965)

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5. AUTODETERMINAÇÃO E RESPONSABILIDADE A autodeterminação expressa a essência do ser. É o poder que temos de atualizar nossas virtualidades. O pensamento científico auxilia, mas são os aspectos psicológicos, ideológicos, religiosos e filosóficos que emprestam o maior peso à nossa deliberação na vida. As virtualidades podem ser ativas e passivas. Se ativas, já estão determinadas de uma forma; se inativas, sabemos que estão em ato sob uma forma, mas que podem ser assumidas de outra forma, isto é, que são especificamente diferentes do que podem ser. A ação humana, embora restrita à responsabilidade pessoal, tem como objetivo o interesse público. A vivência, semelhante à do eremita no deserto, é uma exceção. A questão ética diz respeito ao auxílio que cada um possa exercer na transcendência do outro. Em realidade, é a criação de condições para que o outro realize plenamente o seu projeto de vida ao qual foi destinado. O princípio da autodeterminação moral é a base do comportamento ético adulto. Deixarse guiar-se pelas máximas alheias é perder o eu em si mesmo. Segundo Sócrates, o ethos verdadeiro é agir de acordo com a razão, que se eleva acima do consenso da opinião da multidão, para atingir o nível da objetividade própria do saber demonstrativo. A autonomia, assim, não se realiza na solidão, mas se consolida pelo contato entre os seres humanos. A lei é o farol da ética. Sua origem etimológica encontra-se no termo nomos de que o vocábulo lei (lex) é a tradução latina. Nomos vem do verbo nemo que significa dividir, repartir com outro, sugerindo a idéia de justiça. Dessa forma, as ações individuais no cumprimento dos deveres, devem salvaguardar a liberdade própria e a do outro. Por isso, Voltaire afirma com veemência: "Não concordo com o que você diz, mas defenderei o direito de você dizê-lo até o fim". (Nogueira, 1989) 6. COMPORTAMENTO ÉTICO A reflexão sobre o ethos leva-nos à prática do amor. O verdadeiro exercício do amor longe está das proibições e interdições de que a moral propõe. É uma autodeterminação que envolve a autonomia da vontade na busca da atualização do ser. Assim, não é agir de qualquer jeito, mas de forma ordenada, generosa, que promova a pessoa e os direitos do outro, sobretudo quando esses direitos são espezinhados. O comportamento ético não consiste exclusivamente em fazer o bem a outrem, mas em exemplificar em si mesmo o aprendizado recebido. É o exercício da paciência em todos os momentos da vida, a tolerância para com as faltas alheias, a obediência aos superiores em uma hierarquia, o silêncio ante uma ofensa recebida. 7. CONCLUSÃO A Ética, a Moral e a Responsabilidade determinam a perfeição do ser. Acostumados a confundir os meios com os fins, não conseguimos visualizar claramente o fim último da existência humana. Por isso, o erro crasso de conceber a Moral como um mero e fastidioso catálogo de proibições. O fim do homem é, pois, o de realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. Implica, muitas vezes, a obediência à vontade de Deus, contrariando a própria, se assim delimitar, o dever, imposto pela sua

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consciência. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro, M.E.C., 1967. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d/p. NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, SP, Papirus, 1989. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. São Paulo, maio de 1999

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Ética e Responsabilidade Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico: 3.1. Antigüidade; 3.2. Idade Média; 3.3. Idade Moderna. 4. Ética e Moral. 5. Autodeterminação e Responsabilidade. 6. Comportamento Ético. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é refletir sobre a ética e a responsabilidade, no sentido de motivar as nossas ações para a prática do bem. Assim, analisaremos o problema do comportamento ético-moral e a autodeterminação do indivíduo dentro da sociedade. 2. CONCEITO Ética - do gr. ethos significa originalmente morada, seja o habitat dos animais, seja a morada do homem, lugar onde ele se sente acolhido e abrigado. O segundo sentido, proveniente deste, é costume, modo ou estilo habitual de ser. A morada, vista metaforicamente, indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (Nogueira, 1989) Responsabilidade - do lat. responsabilitas, de respondere = responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações. De direito, todo o homem é responsável. Toda a sociedade é organizada numa hierarquia de autoridade, na qual cada um é responsável perante uma autoridade superior. Quando o homem infringe uma de suas responsabilidades cívicas, deve responder pelo seu ato perante a justiça. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo) Responsabilidade moral. Filos. 1. Situação de um agente consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente. 2. Obrigação de reparar o mal que se causou aos outros. (Dicionário Aurélio) 3. HISTÓRICO 3.1. ANTIGUIDADE Desde que o homem teve de viver em conjunto com outros homens, as normas de

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comportamento moral têm sido necessárias para o bem estar do grupo. Muitas destas normas eram extraídas das religiões existentes, que cheias de dogmas e tabus impunham uma dose de irracionalidade ao valor moral. Mesmo entre os chineses, que não possuíam uma religião organizada, havia muitas normas esotéricas de comportamento ético. A especulação exotérica começa somente com o pensamento grego. Sócrates, Platão e Aristóteles são os seus principais representantes. Sócrates dizia que a virtude é conhecimento; e o vício, é o resultado da ignorância. Então, de acordo com Sócrates, somente a educação pode tornar o homem moralizado. Platão estabelece que a vida ética é gradativamente mais elevada pela adequação desta às idéias (eide) superiores, análogas à forma do bem. Aristóteles deu à ética bases seguras. Dizia que o fim do homem é a felicidade temporal da vida de conformidade com a razão, e que a virtude é o caminho dessa felicidade, e esta implica, fundamentalmente, a liberdade. 3.2. IDADE MÉDIA Na Idade Média, os valores éticos são condicionados pela religião cristã, especificamente o Catolicismo. A Patrística e a Escolástica são os seus representantes. Nesse período, dá-se ênfase à revelação dos livros sagrados. O Pai, o Filho e o Espírito Santo determinam as normas de conduta. Jesus, que é filho e Deus ao mesmo tempo, torna-se o grande arauto de uma nova ética, a ética do amor ao próximo. Porém, essa ética é conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que distorcem a pureza do cristianismo primitivo. As exortações católicas mantiveram-se por longos anos. Contudo, no século XVI começou a sofrer a pressão do Protestantismo, ou seja, a reação de algumas Igrejas às determinações da Igreja de Roma. Para os protestantes, a ética não é baseada na revelação, mas nos valores éticos, examinados e procurados de per si. A revelação religiosa pertence à religião. O filósofo ético deve procurar os fundamentos ontológicos dessa disciplina, tão longe quanto lhe seja possível alcançar. 3.3. IDADE MODERNA Kant, o quebra tudo, surge nesse contexto. Para Kant a Ética é autônoma e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela própria consciência moral e não por qualquer instância alheia ao Eu. Como vemos, Kant dá prosseguimento à construção da própria moral. Não espera algo de fora. Aquilo que o homem procura está dentro dele mesmo. Muitos são os filósofos que seguiram Kant. Depois destes, surgem Scheller (1874-1928) , Müller, Ortega y Gasset etc., que penetram na ética axiológica, ou seja, estuda a ética do ângulo dos valores. (Santos, 1965) 4. ÉTICA E MORAL Ética - do grego ethos significa comportamento; Moral - do latim mores, costumes. Embora utilizamos os dois termos para expressarmos as noções do bem e do mal, convém fazermos uma distinção: a Moral é normativa, enquanto a Ética é especulativa. A Moral, referindo-se aos costumes dos povos nas diversas épocas, é mais abrangente; a Ética, procurando o nexo entre os meios e os fins dos referidos costumes, é mais específica. Pode-se dizer, que a Ética é a ciência da Moral.

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Ética e Moral distinguem-se, essencialmente, pela especulação da Lei. A Ética, refere-se à norma invariante; a Moral, à variante. Contudo, há uma relação entre ambas, pois a sistematização da segunda tem íntima relação com a primeira. O caráter invariante da Lei possibilita-nos questionar: de onde veio? Quem a ditou? Por que? Com que fim? A resposta dos transcendentalistas é que ela é heterônoma, isto é, veio de fora do "eu". Deus seria o autor da norma. Liga-se, assim, Filosofia e Religião. Para os cristãos, as normas éticas estão centradas nos Dez Mandamentos; a resposta dos imanentistas é que ela é autônoma, isto é, surge das tensões das circunstâncias. (Santos, 1965) 5. AUTODETERMINAÇÃO E RESPONSABILIDADE A autodeterminação expressa a essência do ser. É o poder que temos de atualizar nossas virtualidades. O pensamento científico auxilia, mas são os aspectos psicológicos, ideológicos, religiosos e filosóficos que emprestam o maior peso à nossa deliberação na vida. As virtualidades podem ser ativas e passivas. Se ativas, já estão determinadas de uma forma; se inativas, sabemos que estão em ato sob uma forma, mas que podem ser assumidas de outra forma, isto é, que são especificamente diferentes do que podem ser. A ação humana, embora restrita à responsabilidade pessoal, tem como objetivo o interesse público. A vivência, semelhante à do eremita no deserto, é uma exceção. A questão ética diz respeito ao auxílio que cada um possa exercer na transcendência do outro. Em realidade, é a criação de condições para que o outro realize plenamente o seu projeto de vida ao qual foi destinado. O princípio da autodeterminação moral é a base do comportamento ético adulto. Deixarse guiar-se pelas máximas alheias é perder o eu em si mesmo. Segundo Sócrates, o ethos verdadeiro é agir de acordo com a razão, que se eleva acima do consenso da opinião da multidão, para atingir o nível da objetividade própria do saber demonstrativo. A autonomia, assim, não se realiza na solidão, mas se consolida pelo contato entre os seres humanos. A lei é o farol da ética. Sua origem etimológica encontra-se no termo nomos de que o vocábulo lei (lex) é a tradução latina. Nomos vem do verbo nemo que significa dividir, repartir com outro, sugerindo a idéia de justiça. Dessa forma, as ações individuais no cumprimento dos deveres, devem salvaguardar a liberdade própria e a do outro. Por isso, Voltaire afirma com veemência: "Não concordo com o que você diz, mas defenderei o direito de você dizê-lo até o fim". (Nogueira, 1989) 6. COMPORTAMENTO ÉTICO A reflexão sobre o ethos leva-nos à prática do amor. O verdadeiro exercício do amor longe está das proibições e interdições de que a moral propõe. É uma autodeterminação que envolve a autonomia da vontade na busca da atualização do ser. Assim, não é agir de qualquer jeito, mas de forma ordenada, generosa, que promova a pessoa e os direitos do outro, sobretudo quando esses direitos são espezinhados. O comportamento ético não consiste exclusivamente em fazer o bem a outrem, mas em

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exemplificar em si mesmo o aprendizado recebido. É o exercício da paciência em todos os momentos da vida, a tolerância para com as faltas alheias, a obediência aos superiores em uma hierarquia, o silêncio ante uma ofensa recebida. 7. CONCLUSÃO A Ética, a Moral e a Responsabilidade determinam a perfeição do ser. Acostumados a confundir os meios com os fins, não conseguimos visualizar claramente o fim último da existência humana. Por isso, o erro crasso de conceber a Moral como um mero e fastidioso catálogo de proibições. O fim do homem é, pois, o de realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. Implica, muitas vezes, a obediência à vontade de Deus, contrariando a própria, se assim delimitar, o dever, imposto pela sua consciência. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro, M.E.C., 1967. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d/p. NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, SP, Papirus, 1989. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. São Paulo, maio de 1999

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(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986.

Retórica Retórica. Arte de persuadir (v.persuasão) com o uso de instrumentos linguísticos. O objetivo da retórica é "persuadir por meio de discursos ou juízes nos tribunais, os conselheiros no conselho, os membros da assembleia na assembleia e em qualquer outra reunião pública" (Górg., 452e); Portanto, o retórico é hábil "em falar contra todos e sobre qualquer assunto, de tal modo que, para a maioria das pessoas, consegue ser mais persuasivo que qualquer outro com respeito ao que quiser". (Ibid, 457a) Platão opôs a ela a retórica pedagógica ou educativa, que seria "a arte de guiar a alma por meio de raciocínios, não somente nos tribunais e nas assembleias populares, mas também nas conversações particulares" (Fedro, 26 1a); no entanto, a retórica assim entendida identifica-se com a filosofia. Portanto, Platão não atribuiu à retórica uma função específica. Isso, na verdade, foi feito por Aristóteles, que a considerou em íntima relação com a dialética, como se fosse a contrapartida desta (Ret. I, 1354 a.1). Segundo Aristóteles, a retórica é "a faculdade de considerar, em qualquer caso, os meios de persuasão disponíveis" (Ibid, I,2, 1355b 26). (1)

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Retórica. Em vez de dar motivos e apresentar argumentos em apoio a conclusões, quem usa retórica emprega uma bateria de técnicas, como alegação enfática, palavras de convencimento e persuasão e linguagem emotiva, para convencer o ouvinte ou leitor de que o que eles dizem ou sugerem é verdade. Uma técnica retórica preferida por obras de caridade anunciadas em jornais é montar uma falsa dicotomia: “Você pode mandar 50 libras para nossa obra de caridade ou pode ignorar o sofrimento dos outros. “ Este tipo de dicotomia sugere que há apenas duas opções dentre as quais escolher, e uma delas é pouco atraente; assim, você deveria se convencer a dar dinheiro para caridade.(2) Retórica. A arte ou técnica da persuasão sem levar em conta a verdade. Muito apreciada pelos especialistas em marketing e acadêmicos pós-modernos que escrevem sobre o "giro retórico". (3) = = = >>

Persuasão e Retórica Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Persuasão: 4.1. Os Três Gêneros da Persuasão; 4.2. Diretriz Geral da Persuasão; 4.3. As Repetições. 5. Retórica: 5.1. A Premissa Básica da Retórica; 5.2. A Elaboração de um Discurso Pode Ser Dividida em Cinco Partes; 5.3. A Retórica Platônica Evidenciava a Verdade. 6. Forma e Conteúdo: 6.1. O Sentido Pejorativo da Retórica; 6.2. Os Pressupostos Espíritas; 6.3. A Missão do Espiritismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O presente trabalho oferece-nos subsídios para uma análise da nossa capacidade de expressão verbal e a influência que o nosso discurso possa exercer sobre os ouvintes. Os sub-temas são: a persuasão, a retórica e a questão da forma e do conteúdo. 2. CONCEITO Persuasão – Etimologicamente vem de "persuadere", "per + suadere". O prefixo "per" significa de modo completo, "suadere" = aconselhar (não impor). É o emprego de argumentos, legítimos e não legítimos, com o propósito de se conseguir que outros indivíduos adotem certas linhas de conduta, teorias ou crenças. Diz-se também que é a arte de "captar as mentes dos homens através das palavras". (Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado) Retórica – Em sentido amplo, designava a teoria ou ciência da arte de usar a linguagem com vistas a persuadir ou influenciar. Ainda podia significar a própria técnica de persuasão. Em sentido restrito, alude ao emprego ornamental ou eloqüente da linguagem. Do grego rhetor = orador numa assembléia. É a arte de bem falar, mediante o uso de todos os recursos da linguagem para atrair e manter a atenção e o interesse do auditório para informá-lo, instruí-lo e principalmente persuadi-lo das teses ou dos pontos de vista que o orador pretende transmitir. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo) 3. HISTÓRICO A arte da retórica nasceu na Sicília, em meados dos séc. V a.C., quando a política dos tiranos cedeu lugar à democracia. No mundo grego, a oratória veio a ser uma necessidade fundamental do cidadão, que teria de defender seus direitos nas assembléias. Pouco a pouco, começaram a surgir profissionais da retórica – os primeiros advogados (gr. synegoros ou syndikos) –, que ainda não

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representavam seus clientes na tribuna, mas orientavam os seus discursos, quando não os escreviam totalmente, obrigando os clientes a decorá-los, para realizar uma exposição correta e obter ganho de causa. Naturalmente, o ensino da dialética e os trabalhos dos sofistas no uso consciente da linguagem para convencer sempre o opositor de suas idéias prepararam o campo de desenvolvimento da retórica. A arte da retórica foi sistematizada por Aristóteles (384-322 a.C.) no tratado Tekne rhetorike (Arte retórica), em que recomenda como qualidades máximas para o estilo a clareza e a adequação dos meios de expressão ao assunto e ao momento do discurso. Em Roma, houve também muitos estudiosos da arte de falar em público. Citam-se Catão, Cícero e Júlio César. (Enciclopédia Mirador Internacional) Na primeira metade do século XX, em razão do abuso tradicional das regras da Retórica, esta ganhou o sentido pejorativo de arte de falar bem mas sem conteúdo, ou com o intuito escusos. Nos últimos anos, mercê do progresso experimentado pelos estudos lingüísticos, a Retórica voltou à ordem do dia, porém numa nova acepção: a pesquisa do discurso literário, tendo em vista não a arte da eloqüência, senão as leis, normas e "desvios" que regem a expressão do pensamento estético através da palavra escrita. 4. PERSUASÃO 4.1. OS TRÊS GÊNEROS DA PERSUASÃO Persuadir é gênero e compreende três espécies, três modos de persuadir, a saber, convencer, comover, agradar. Cícero chama de "Tria officia". A primeira se diz lógica, a segunda afetiva, a terceira estética. Convencer vem de "cum + vincere" = vencer o opositor com sua participação. E tecnicamente denota persuadir a mente através de provas lógicas: indutivas (exemplos) ou dedutivas (argumentos). Assemelha-se ao docere (ensinar), que é a tentativa de persuasão partidária no domínio intelectual. Comover vem de cum + movere persuadir através do coração. Pela excitação da afetividade, a vontade arrasta o intelecto a aderir ao ponto de vista do orador. Ethos (moral) é usar um grau de intensidade mais suave. Movere (mover) é intensidade mais violenta, correspondendo ao pathos (paixão). Agradar corresponde na terminologia latina a "placere" = agradar. Delectare (deleitar) é a persuasão no domínio afetivo. (Tringale, 1988) 4.2. DIRETRIZ GERAL DA PERSUASÃO O pressuposto básico da persuasão é o amplificatio (amplificação). O nosso discurso deve ampliar-se nas pessoas que nos ouvem. É como "captar as suas mentes" para aquilo que queremos modificar. A veiculação de nossas palavras é uma tentativa de mostrar que temos o conhecimento da verdade e queremos outros partidários. Isto não significa fazer proselitismo, mas simplesmente expor sem impor. Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, aplicava esta técnica quando tinha que dar explicações aos seus contraditores. 4.3. AS REPETIÇÕES De acordo com as teorias de comunicação de massa, a repetição tem a incumbência de estimular o desejo de compra no consumidor. Para tanto, os técnicos em propaganda servem-se da teoria do reflexo condicionado, descoberta por Pavlov. Cria-se um slogan (idéia força) e, repete-se intensivamente, a fim de penetrar na mente do consumidor, no sentido de direcioná-lo para a compra do seu produto.

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O orador, consciente e lúcido, deve evitar essa técnica, conhecida como lavagem cerebral. O correto é termos ligação com a verdade dos fatos, mesmo porque, para haver persuasão, é preciso haver credibilidade, pois a liderança social é essencialmente dinâmica e criadora, sendo condição vital do líder o prestígio, que se alicerça nas qualidades da persuasão. 5. RETÓRICA 5.1. A PREMISSA BÁSICA DA RETÓRICA Para haver persuasão, qualquer que seja o discurso, é preciso haver credibilidade. Deve-se, entretanto, distinguir a credibilidade da matéria em si da credibilidade atingida graças à habilidade do orador. "Tornar crível" vem a ser, portanto, uma tarefa partidária do discurso. 5.2. A ELABORAÇÃO DE UM DISCURSO PODE SER DIVIDIDA EM CINCO PARTES 1. Inventio (invenção) é o ato de encontrar pensamentos adequados à matéria, conforme o interesse do partido representado. 2. Dispositio (disposição) é a escolha e a ordenação dos pensamentos, das formulações lingüísticas e das formas artísticas para o discurso, sempre visando a favorecer a persuasão partidária. Há liberdade, mas não completa arbitrariedade. A dispositio divide-se em: a) a bipartição, que opõe uma parte à outra, acentuando a tensão da totalidade; b) a tripartição, que acentua a linearidade, como estado completo, com princípio, meio e fim. O meio refere-se à matéria propriamente dita. Subdivide-se em: a) numa parte instrutiva, propositio (proposição) ou narratio (narração); b) numa parte probatória, a argumantatio (argumentação). A argumentação pode ser subdividida em: a) numa probatio (provação) em que se prova o ponto de vista partidário; b) numa refutatio (refutação), em que se refuta o ponto de vista do partido adversário. 3. Elocutio (elocução) é a expressão lingüística dos pensamentos encontrados pela inventio. Traz em seu bojo o estilo e a gramática. Puritas refere-se à gramática correta e exige que a sintaxe seja idiomaticamente correta. A hipérbole é a substituição de um verbum proprium por outro que exagere para além dos limites da credibilidade a idéia que se deseja realçar 4. Memoria (memória) é a memorização de um discurso, o que também apresenta uma teoria, para facilitar o trabalho do orador. 5. Pronunciatio (pronunciação) é o ato de enunciação do discurso que engloba, além dos recursos vocais, a métrica necessária. (Enciclopédia Mirador Internacional) 5.3. A RETÓRICA PLATÔNICA EVIDENCIAVA A VERDADE A "verdadeira retórica", para Platão, nada mais é que o modo de levar e de transmitir a verdade aos homens. "Em especial, Platão, no Fedro, quer tirar a retórica do nível das regras do falar com o único objetivo de convencer o interlocutor jogando em ampla medida com a mera opinião (o "considerar verdadeiro") para transformá-la na arte de dizer a verdade. E justamente por isso quer fundamentá-la na dialética, que é o único método capaz de chegar à verdade e exprimi-la de modo adequado.

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A arte dizer, portanto, deve, segundo Platão, basear-se nestes três pontos fundamentais: 1) deve conhecer a verdade acerca do que se deseja falar; 2) deve conhecer a natureza da alma em geral e especialmente das almas às quais se dirige para poder convencê-las de modo adequado; 3) deve ter a consciência da natureza e do alcance dos meios de comunicação, especialmente a diferença entre escrita e oralidade." (Reale, 1999, p. 251) 6. FORMA E CONTEÚDO 6.1. O SENTIDO PEJORATIVO DA RETÓRICA Como vimos anteriormente, na Antiguidade clássica, a palavra retórica era usada exclusivamente para a disseminação da verdade. No decurso do tempo, acabamos exercitando mais a forma do que o conteúdo, o que nos propiciou maior preocupação com o malabarismo da voz e dos gestos do que com o tema em si mesmo. Observe a propaganda política dos nossos dias: promete-se além daquilo que se pode cumprir; enfatiza-se o lado emotivo; cria-se um salvador da pátria. Mas, quando estão no poder, acabam fazendo o que os seus antecessores faziam. 6.2. OS PRESSUPOSTOS ESPÍRITAS O orador espírita deve ter, em primeiro lugar, a preocupação de conhecer o Espiritismo, donde extrairá o conteúdo doutrinal das suas exposições. Muitos oradores tornam-se "falsos profetas", porque se deixaram guiar pela vaidade e pelo orgulho. Querem a todo o momento estar fazendo preleções nos diversos Centros Espíritas, mas sem a devida pesquisa e estudo do tema. Para que tenhamos conteúdo em nossas apresentações, é preciso debruçar o pensamento sobre as obras espíritas, principalmente aquelas trazidas por Allan Kardec. Como transmitir uma doutrina se não a estudamos? Como ter o partido do nosso lado, se não sabemos o que este partido defende? Lembrete: a absorção da Doutrina Espírita não pode ser obra de um dia. É um trabalho árduo que, quando começado, não tem mais volta, pois sempre teremos uma nova maneira de ver e de abordar o mesmo assunto. 6.3. A MISSÃO DO ESPIRITISMO A missão do Espiritismo é consolar, esclarecer, levar esperança aos que sofrem e erram. Não é aguçar o sofrimento de quem já vive em verdadeiro drama de consciência. A maneira (forma) de comunicar a Doutrina Espírita é também sumamente importante, mas não o essencial. Allan Kardec, o bom senso encarnado, tinha o máximo cuidado de não ofender as almas ainda ignorantes do mundo espiritual. Por isso, pregava sempre a liberdade de ação, deixando que o seu interlocutor tomasse a sua própria decisão. 7. CONCLUSÃO Esforcemo-nos por adquirir novas técnicas de comunicação. Contudo, não nos esqueçamos de concentrar as nossas forças e as nossas energias na propagação correta do que seja o Espiritismo. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987. POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: Terapia para os Dias Atuais. Tradução de Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Loyola, 1999.

653 TRINGALE, D. Introdução à Retórica: A Retórica como Crítica Literária. São Paulo: Duas Cidades, 1988. São Paulo, dezembro de 2003

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Ridículo Ridículo. Do latim ridiculus, a, um. 1. Merecedor de escárnio ou zombaria. 2. Que se dispõe à exploração do lado cômico. 3. Que não tem muito valor; insignificante. 4. Indivíduo que tem comportamento, opinião etc. dignos de zombaria. (1) Ridículo (ridicule). “Ninguém prova que deve ser amado expondo ordenadamente as causas do amor; seria ridículo”, escreve Pascal (Pensamentos, 298-283). Pascal nunca explica. Isso faz parte de seu charme. Tentemos portanto compreender. O que é ridículo é confundir ordens diferentes, no caso a ordem do coração e a ordem do espírito ou da razão. Era o início do fragmento: “O coração tem a sua ordem, o espírito tem a dele, que é por princípio e demonstração. O coração tem outra.” Tente demonstrar racionalmente a alguém que ele deve amar você?: o riso ou o desdém dessa pessoa darão a Pascal, e quem sabe ela até o cite: “O coração tem suas razões, que a razão não conhece” (Pensamentos, 423-277; ver também o fragmento 110-282). Mesma coisa para o rei que diz: “Sou forte, logo todos devem me amar.” Seu discurso é falso e tirânico, nota Pascal (Pensamentos, 48-332). Ele confunde a ordem da carne, em que o rei reina e em que a força prevalece, com as ordens do coração e do espírito, em que nem a realiza nem a força são nada. Assim, o ridículo não é apenas o que presta ao riso (nem todo cômico é ridículo): é o que presta ao riso confundindo ordens diferentes, ou por confundi-la. Isso vai ao encontro do seu sentido corrente da palavra. Alguém tropeça e cai: se eu o julgo ridículo por isso, ou se ele teme ter sido, é que ele ou eu confundimos a ordem da carne, em que reina a gravidade, com a do espírito, em que ela não é nada. Daí que toda tirania é ridícula, porque pretende fazer adorar a força ou forçar o pensamento a obedecer; e todo riso, contra os tiranos, libertador.(2) (1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Riqueza Riqueza. É o conjunto de bens, materiais ou imateriais, externos ao homem, que contribuem para o seu bem-estar, individual ou coletivo, direta ou indiretamente, para que é indispensável que sejam possuídos, ou, pelo menos, usados pelo homem. Ao longo do tempo histórico e até o limiar da época moderna, só era tida como riqueza a posse de bens materiais (como casas, terras e certos objetos mais úteis) e de escravos;

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com o incremento da atividade comercial dos princípios da Idade Média, o dinheiro adquiriu, também e definitivamente, o estatuto de riqueza a ponto de se tornar o seu sinônimo para a generalidade das pessoas, passando a sua acumulação a ser um dos principais objetivos das atividades econômicas e que mais caracterizou o fenômeno capitalista. É que o dinheiro ganhou uma autonomia de movimento, produtora de toda a espécie de mais-valias conducentes ao enriquecimento. Em economia, no entanto, nem só o dinheiro e os outros bens materiais são englobados no conceito de riqueza; nela são incluídos, ainda, todos os fatores de produção e os produtos acabados, as reservas acumuladas, os recursos naturais e as infra-estruturas, bem como os serviços produzidos por uma pessoa ou por um grupo e, ainda, todo o conjunto de conhecimentos e de técnicas desde que possuídos e utilizados. (1) Econ. Pol. O termo riqueza foi aplicado pelos primeiros economistas para designar as coisas capazes de satisfazer as nossas necessidades, dando a essa palavra um sentido muito geral. As primeiras escolas econômicas usavam frequentemente a palavra riqueza. Turgot intitulou o seu tratado Reflexões sobre a Formação e a Distribuição das Riquezas; Adam Smith deu à sua célebre obra (1776) a designação de Pesquisa sobre a Natureza e as Causas de Riqueza das Nações. Modernamente, foi-se substituindo o termo riqueza pelo de “bens”. A riqueza depende da quantidade de trabalho empregado e qualidade de tal trabalho. A divisão deste conduz a um aumento de riqueza. Por um lado, eleva a capacidade produtora do homem, por motivos óbvios. Conhece-se o fato que se traduz pelo provérbio “usa, serás mestre” e que o homem que se especializa num particular ofício consegue uma destreza e um coeficiente de produtividade que o não especialista não pode esperar igualar. (2) Há diversos estudos sobre o acúmulo de riqueza: Thorstein Veblen (1857-1929) põe em relevo o "consumo conspícuo" entre os ricos; Marx fala-nos da "mais-valia", excedente de produção que ficava com os empresários; Schumpter examinou os efeitos deletérios da riqueza herdada sobre a capacidade empresarial entre os herdeiros de self-made men; Mills formulou o conceito de "elite do poder" para engoblar a superposição de pessoal entre o grande empresariado, o governo, os militares e outros elementos. (3) = = = >>

Parábola do Mau Rico Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Por que Jesus falava por Parábolas. 4. a anotação de Lucas: 4.1. O texto evangélico; 4.2. Sintetizando o texto evangélico. 5. Analisando o conteúdo doutrinário da Parábola: 5.1. A prova da riqueza é mais difícil do que a da pobreza; 5.2. O desencarne mostra a verdade das coisas; 5.3. As barreiras da comunicação são morais; 5.4. O seio de Abraão simboliza a Providência Divina. 6. Por que uns são ricos e outros pobres: 6.1. Problema insolúvel; 6.2. O princípio da Reencarnação no dá uma pista; 6.3. Orientação espírita: o desprendimento dos bens terrenos. 7. Conclusão. 8. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é mostrar que toda colheita depende da plantação. Assim, daremos uma idéia do que seja parábola, enunciaremos o texto evangélico, analisaremos os seus termos principais e, por fim, colocaremos em questão o problema da riqueza.

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2. CONCEITO Parábola - do gr. parabole significa narrativa curta, não raro identificada com o apólogo e a fábula, em razão da moral, explícita ou implícita, que encerra e da sua estrutura diamétrica. Distingue-se das outras duas formas literárias pelo fato de ser protagonizada por seres humanos. Vizinha da alegoria, a parábola comunica uma lição ética por vias indiretas ou simbólicas: numa prosa altamente metafórica e hermética, veicula um saber apenas acessível aos iniciados. Sinteticamente: narração alegórica na qual o conjunto dos elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior. Mau – Que causa prejuízo. Contrário à razão, à justiça, ao dever, à virtude. Rico – Que possui muitos bens ou coisas de valor; que tem riquezas. 3. POR QUE JESUS FALAVA POR PARÁBOLAS Na época em que Jesus esteve encarnado, ele se valia das parábolas para divulgar os seus conhecimentos evangélicos. As parábolas – didática utilizada para transmitir instruções da época – eram estórias geralmente extraídas da vida cotidiana, como por exemplo, o semeador que saiu a semear, a ovelha desgarrada que deve ser capturada, a dracma que deve ser procurada, que tinham por objetivo passar de um conhecimento concreto para um conhecimento abstrato, de fundo moral, de alcance espiritual. 4. A ANOTAÇÃO DE LUCAS 4.1. O TEXTO EVANGÉLICO “Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e de Holanda, e que todos os dias se banqueteava esplendidamente. Havia também um pobre mendigo, por nome Lázaro, todo coberto de chagas, que estava deitado à sua porta, e que desejava fartar-se das migalhas que caiam da mesa do rico, mas ninguém lhas dava; e os cães vinham lamber-lhes as úlceras. Ora sucedeu morrer este mendigo, que foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. E morreu também o rico, e foi sepultado no inferno. E quando ele estava nos tormentos, levantando os olhos, viu ao longe Abraão e Lázaro no seu seio. E gritando ele, disse: Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda cá Lázaro, para que molhe em água a ponta do seu dedo, a fim de me refrescar a língua, pois sou atormentado nesta chama. E Abraão lhe respondeu: Filho, lembra-te de que recebeste os bens em tua vida, e de que Lázaro não teve senão males;

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por isso está ele agora consolado, e tu em tormentos. E demais, e que entre nós e vós está firmado um grande abismo, de maneira os que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os de lá passar para cá. E disse o rico: pois eu te rogo, Pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, e não suceda eles também venham parar a este lugar de tormentos. E Abraão lhe disse: eles lá têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. Disse pois o rico: não, pai Abraão, mas se for a ele alguns dos mortos, hão de fazer penitência. Abraão, porém, lhe respondeu: se eles não dão ouvidos a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que seja ressuscite algum dos mortos.” (Lucas, cap. XVI, 19,31.) 4.2. SINTETIZANDO O TEXTO EVANGÉLICO Havia um rico (mau) e um pobre (Lázaro), que ficava à porta do rico. O rico não distribuía ao Lázaro nenhuma das migalhas que lhe sobravam. Passou-se o tempo: Lázaro desencarna; o rico também. No mundo espiritual, Lázaro foi acolhido no seio de Abraão; o rico foi para o Hades (Inferno). O rico pedia para Lázaro molhar a sua língua. Abraão diz ser impossível, pois há uma barreira entre ambos. Tenta outro pedido: manda o Lázaro ir lá na Terra avisar os meus familiares sobre esses tormentos. Abraão fala que eles já têm Moisés e os profetas. 5. ANALISANDO O CONTEÚDO DOUTRINÁRIO DA PARÁBOLA 5.1. A PROVA DA RIQUEZA É MAIS DIFÍCIL DO QUE A DA POBREZA Esta parábola põe em evidência os dois extremos da condição humana: a pobreza e a riqueza. O rico simboliza as pessoas apegadas à matéria, ao egoísmo; o pobre, os desprovidos de bens materiais, os sofredores. O rico, por estar mais próximo dos bens materiais, teve um esquecimento temporário dos benefícios que devia prestar ao seu próximo. Não passou pela provação que lhe foi requerida. O pobre, por não ser vítima das facilidades do dinheiro, pode suportar a contento a sua prova. 5.2. O DESENCARNE MOSTRA A VERDADE DAS COISAS

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Na Terra, os pobres convivem com os ricos. Um está próximo do outro. Passando para a outra dimensão da vida, cada qual vai para aonde o peso específico do seu perispírito o enviar. Lázaro foi admitido no seio de Abrão; o rico foi para o Hades (inferno). Quer dizer, Lázaro recebeu a recompensa pelo seu sofrimento, por sua humildade, por viver uma existência sem nada gozar. O rico, pelo contrário, já tinha recebido a sua recompensa na Terra, pois usufruíra os bens materiais. 5.3. AS BARREIRAS DA COMUNICAÇÃO SÃO MORAIS O abismo entre o Lázaro e o rico não é físico, mas moral. No mundo dos Espíritos, há ordem e organização, ou seja, não nos é facultado freqüentar qualquer ambiente, quando as nossas vibrações menos elevadas possam atrapalhar o trabalho de almas mais evoluídas. Por isso, Abraão nega a presença de Lázaro, junto do rico. Não podendo receber o auxílio de Lázaro, o o rico pede a Abrão que mande Lázaro descer na terra e avisar os seus familiares sobre o teor de seus sofrimentos. Abraão nega mais uma vez o seu pedido. Responde: eles já têm Moisés e os profetas. 5.4. O SEIO DE ABRAÃO SIMBOLIZA A PROVIDÊNCIA DIVINA Abraão, patriarca bíblico vindo da Mesopotâmia para as terras de Canaã, no reino de Hamurabi, por volta de 1850 a.C. De acordo com a tradição bíblica, Deus o havia retirado de uma região politeísta, a fim de fazê-lo guardião da revelação e do culto monoteísta. Abraão simboliza o homem escolhido por Deus para preservar o sagrado repositório da fé; o homem abençoado por Deus que lhe prodiga as promessas de numerosas descendências e imensas riquezas. É pai da multidão, o homem de fé. 6. POR QUE UNS SÃO RICOS E OUTROS POBRES 6.1. PROBLEMA INSOLÚVEL Cientistas sociais do mundo inteiro têm se preocupado com esse problema, mas sem solução adequada. Paul Samuelson, em 1976, disse: “Nenhum esclarecimento foi oferecido até hoje para explicar porque os países pobres são pobres e os países ricos são ricos”. Qual o tamanho do abismo entre ricos e pobres? A diferença em termos de renda per capita entre a mais rica nação industrial, a Suíça, e o mais pobre país não-industrial, Moçambique, é de cerca de 400 para 1. Há

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250 anos, esse hiato entre o mais rico e o mais pobre era aproximadamente de 5 para 1. Tenta-se formular hipóteses que envolvam a inteligência, a educação, os recursos naturais, a posição geográfica etc. O que é válido para um país é refutado em outros países. 6.2. O PRINCÍPIO DA REENCARNAÇÃO NOS DÁ UMA PISTA De acordo com os princípios doutrinários, mesmo que se distribuísse a riqueza eqüitativamente, logo ela estaria desigual, porque uns saberiam empregá-la melhor que outros. Os mais talentosos frutificá-la-iam, como é expresso na Parábola dos Talentos. Os temerosos deixá-la-iam enferrujar em suas mãos. O Espiritismo nos mostra também que o Espírito, ao reencarnar, pode escolher a prova da riqueza ou da pobreza. Muitas vezes esta ou aquela provação é sugerida pelos benfeitores espirituais, em função do que o Espírito fez numa reencarnação passada. Nesse sentido, a pobreza é uma prova em que o Espírito iria se conscientizar do que é a falta do necessário para o provento da vida. 6.3. ORIENTAÇÃO ESPÍRITA: O DESPRENDIMENTO DOS BENS TERRENOS. Se todos nos colocássemos como usufrutuários dos bens materiais, teríamos uma vida mais tranqüila, e não invejaríamos a riqueza do próximo, pois cada ser humano está colocado no devido lugar e circunstância para a sua evolução espiritual. Refletindo sobre os ensinamentos espíritas, tomaríamos consciência de que tanto a inteligência quanto o dinheiro e o poder foram colocados em nossas mãos para desenvolver as inteligências menos evoluídas. Isso não deve ser um galardão para as nossas funções, mas uma oportunidade de praticar a lei ensinada por Deus a todos os seus filhos. O desapego, porém, não é dar tudo o que temos, mas saber ter sem se prender ao que se tem. É estar no mundo sem ser do mundo, ou seja, estar pronto para perder tudo o que temos sem nos inquietarmos com isso. 7. CONCLUSÃO Na pobreza exercitemos a paciência; na riqueza, a humildade. Procedendo desta maneira, conquistaremos a verdadeira propriedade, aquela que nenhum ladrão nos roubará, porque representará um patrimônio inalienável de nossas conquistas interiores.

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8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA XAVIER, F. C. Escrínio de Luz, pelo Espírito Emmanuel. Matão: O Clarim, 1973, p. 127. VINICIUS. Nas Pegadas do Mestre. 5. ed., Rio de Janeiro: FEB, 1979, p. 155-157. CALLIGARIS, R. Parábolas Evangélicas à Luz do Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1963. XAVIER, F. C. Lázaro Redivivo, pelo Espírito Irmão X. 6. ed., Rio de Janeiro: FEB, 1978, cap. 16. XAVIER, F. C. Pontos e Contos, pelo Espírito Irmão X. 4. ed., Rio de Janeiro: FEB, 1978, cap. 28. MOISÉS, M. Dicionário de Termos Literários. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1979. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984, cap. XVI. SCHUTEL, C. Parábolas e Ensinos de Jesus. 11.ed., Matão: O Clarim, 1979, p. 104-114. São Paulo, maio de 2005 << = = =

Desigualdade das Riquezas Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Doutrina Comunista e Igualdade de Renda. 5. Estatística sobre a Distribuição de Renda. 6. Desigualdade e Reencarnação. 7. Desigualdade e Diversidade de Aptidões. 8. Prova da Riqueza e da Pobreza. 9. Riqueza para o Céu. 10. Conclusão. 11. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO Por que uns são ricos e outros são pobres? Por que uns ganham 5.000 dólares ao ano enquanto outros 500? Por que a sorte sorri para uns e fecha a cara para os outros? Por que uns nascem em berço de ouro e outros numa choupana? Estas são algumas, das muitas questões, que ainda não encontramos uma resposta satisfatória. Nosso propósito é, pois, refletir sobre estas questões, analisando-as sob a ótica espírita. 2. CONCEITO Riqueza - de rico, que vem da raiz gótica riks. É o conjunto de bens, materiais ou imateriais, exteriores ao homem, que contribuem para o seu bem-estar, individual ou coletivo, direta ou indiretamente, para que é indispensável que sejam possuídos, ou, pelo menos, usados pelo homem. (Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado) Em sentido lato é tudo quanto pode satisfazer uma necessidade ou um desejo. Em sentido restrito, são os bens ou riquezas, que têm um valor econômico, que são, por isso, chamados de bens econômicos. Diz-se mais restritamente a abundância de riquezas. (Santos, 1965) 3. HISTÓRICO

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Ao longo do tempo histórico e até o limiar da época moderna, só era tida como riqueza a posse de bens materiais (como casas, terras e certos objetos mais úteis); com o incremento da atividade comercial dos princípios da Idade Média, o dinheiro adquiriu, também e definitivamente, o estatuto de riqueza a ponto de se tornar o seu sinônimo para a generalidade das pessoas, passando a sua acumulação a ser um dos principais objetivos das atividades econômicas e que mais caracterizou o fenômeno capitalista. É que o dinheiro ganhou uma autonomia de movimento, produtora de toda a espécie de mais-valia, conducentes ao enriquecimento. Em economia, no entanto, nem só o dinheiro e os outros bens materiais são englobados no conceito de riqueza; nela são incluídos, ainda, todos os fatores de produção e o produto acabado, as reservas acumuladas, os recursos naturais, as infra-estruturas etc. (Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado) Os primeiros economistas davam ao termo riqueza um sentido muito geral. Turgot intitulou o seu tratado Reflexões sobre a Formação e a Distribuição de Riquezas; Adam Smith deu à sua célebre obra (1776) a designação de Pesquisa sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. No tempo de Turgot e Adam Smith tinha-se em mente enriquecer o povo e formar estados opulentos; modernamente, foi-se substituindo o termo riqueza pelo de "bens". Assim, o tema a que os antigos economistas chamavam "distribuição de riquezas" é aquilo de que mais tarde se ocuparam os cultores da ciência sob a designação de "distribuição de rendimentos". (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) 4. DOUTRINA COMUNISTA E IGUALDADE DE RENDA Marx, em seu materialismo histórico, prevê o surgimento do comunismo como a síntese perfeita da evolução materialista da sociedade, onde não haverá barreiras de classe, onde não haverá exploração do homem pelo homem, nem mesmo poder estatal sobre o indivíduo; em que os recursos produtivos serão de posse comum; onde a escassez será superada e haverá uma abundância de riqueza material. Em termos do nosso estudo, pressupõe a igualdade da renda. Mas, será possível essa igualdade absoluta? Ela já existiu? Auxiliemo-nos, porém, da utilidade marginal da renda para aclarar nossas idéias. De acordo com essa teoria, a igualdade de utilidade marginal não implica rendas iguais. Importa apenas a maximização da utilidade social. Isso significa que cada um de nós, por sermos diferentes, precisamos de diferentes níveis de renda. Para que quer renda o eremita no deserto? As rendas deveriam ser iguais somente se todos os homens fossem semelhantes. Mas como isso é impossível, precisamos encontrar um grau ótimo de desigualdade, pois à medida que nos afastamos deste ideal imaginário em outra direção, no sentido de maior desigualdade, perdemos a democracia, a fraternidade, o interesse e responsabilidade de todos por todos, que é o que faz a organização tolerável. Em termos monetários, o princípio evangélico "àquele que tem dar-se-lhe-á" deveria ser substituído por "aquele que mais desfruta o que tem, mais se lhe dará". Numa sociedade em que os indivíduos são dessemelhantes em face das inclinações das curvas de sua utilidade marginal, presumindo que as utilidades marginais de indivíduos diferentes sejam mais ou menos as mesmas para níveis de subsistência de renda, então um aumento na renda total da sociedade resultaria em distribuição mais desigual, visto como o aumento de

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rendia iria principalmente para aqueles que mais desfrutarão. (Bouding, 1967, p. 107 a 111) 5. ESTATÍSTICA SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA Os dados abaixo relacionados (referentes ao período de outubro de 1990 a outubro de 1991) revelam a disparidade de renda existente no Brasil e no mundo: - o salário no Brasil varia de 1/100; no Japão, de 1/10; - a renda per capita no Brasil é US$ 2.550; na Suíça é US$ 30.270; - 20% dos mais ricos, no Brasil, ganham 26 vezes mais do que os 20% mais pobres; - o Brasil é a 8ª economia em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e 70ª quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano; - os 10% mais ricos, no Leste Europeu, recebem 7 vezes mais do que os 10% mais pobres. (Estado de São Paulo, 1992, p.12) 6. DESIGUALDADE E REENCARNAÇÃO De que maneira a Doutrina Espírita pode auxiliar-nos na compreensão da desigualdade de renda apontada acima? O princípio da reencarnação, adotado pelo Espiritismo, é um forte argumento, que pode oferecer-nos alguma pista. É possível que os Espíritos que ora estão encarnados neste país já tenham vivido nos outros países mais desenvolvidos. Como não souberam utilizar a riqueza em favor do próximo, foram enviados para esta região para se reequilibrarem na lei do amor, passando pela prova da pobreza. A reencarnação mostra a justiça divina. No que tange à riqueza, todos passaremos por ela, quer seja nesta vida ou em outras. 7. DESIGUALDADE E DIVERSIDADE DE APTIDÕES "A desigualdade das riquezas é um desses problemas que se procura em vão resolver, se não se considera senão a vida atual. A primeira questão que se apresenta é esta: Por que todos os homens não são igualmente ricos? Não o são por uma razão muito simples: é que eles não são igualmente inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir, nem moderados e previdentes para conservar. Aliás, é um ponto matematicamente demonstrado que a fortuna, igualmente repartida, daria a cada qual uma parte mínima e insuficiente; que, supondo-se essa repartição feita, o equilíbrio estaria rompido em pouco tempo, pela diversidade de caracteres e das aptidões.'' (Kardec, 1984, p. 210) 8. PROVA DA RIQUEZA E DA POBREZA Pergunta 815. Qual dessas duas é a mais perigosa para o homem, a da desgraça ou a da riqueza? — Tanto uma quanto a outra. A miséria provoca a lamentação contra a Providência, a riqueza leva a todos os excessos. Pergunta 816. Se o rico sofre mais tentações, não dispõe também de mais meios para fazer o bem? — É justamente o que nem sempre faz; torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável; suas necessidades aumentam com a fortuna e julga não ter o bastante para si mesmo. Comentário de Kardec: "A posição elevada no mundo e a autoridade sobre os semelhantes são provas tão grandes e arriscadas quanto a miséria; porque quanto mais o homem for rico e poderoso mais obrigações tem a cumprir, maiores são os meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela resignação e o rico pelo uso que faz de seus bens e do seu poder. A riqueza e o poder despertam todas as paixões que nos

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prendem à matéria e nos distanciam da perfeição espiritual. Foi por isso que Jesus disse: "Em verdade vos digo, é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do um rico entrar no reino dos céus"". (1995, p. 306) 9. RIQUEZA PARA O CÉU "Quem se aflige indebitamente, ao ver o triunfo e a prosperidade de muitos homens impiedosos e egoístas, no fundo dá mostras de inveja, revolta, ambição e desesperança. É preciso que assim não seja! Afinal, quem pode dizer que retém as vantagens da Terra, com o devido merecimento? Se observarmos homens e mulheres, despojados de qualquer escrúpulo moral, detendo valores transitórios do mundo, tenhamos, ao revés, pena deles. A palavra do Cristo é clara e insofismável. — "Amontoa tesouros no Céu" — disse-nos o Senhor. Isso quer dizer "acumulemos valores íntimos para comungar a glória eterna!" Efêmera será sempre a galeria de evidência carnal. Beleza física, poder temporário, propriedade passageira e fortuna amoedada podem ser simples atributo da máscara humana, que o tempo transforma, infatigável. Amealhemos bondade e cultura, compreensão e simpatia. Sem o tesouro da educação pessoal é inútil a nossa penetração nos céus, porquanto estaríamos órfãos de sintonia para corresponder aos apelos da Vida Superior. Cresçamos na virtude e incorporemos a verdadeira sabedoria, porque amanhã serás visitado pela mão niveladora da morte e possuirás tão somente as qualidades nobres ou aviltantes que houveres instalado em ti mesmo" (Xavier, cap. 177, s.d.p.) 10. CONCLUSÃO Tenhamos cuidado com o excessivo desejo de posse; reflitamos, primeiro, sobre os pressupostos espíritas. Eles foram codificados para auxiliar o pensamento do homem, a fim de que este se liberte das paixões materiais, conduzindo-o à conquista dos bens espirituais, os únicos que poderá levar ao partir para a vida dos Espíritos. 11. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa/São Paulo, Verbo, 1986. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d. p. BOULDING, K. E. Princípios de Política Econômica. São Paulo, Meste Jou, 1967. Jornal o Estado de São Paulo, 18/05/92. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995. XAVIER, F. C. Fonte Viva, pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro, FEB, s.d.p. São Paulo, 08/09/1985

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1) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

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(3) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar,

Rosminianismo Rosminianismo. São designadas com este termo as principais características da filosofia de Antonio Rosmini Serbati (1797-1855), em especial: 1.º tradicionalismo, como preocupação em defender os valores tradicionais e em justificar a tradição como produto ou manifestação de Deus; 2.º ontologismo, tese segundo a qual o espírito humano tem do ser um conhecimento imediato e indubitável, conquanto parcial, sendo tal conhecimento a base de todo saber; 3.º escolasticismo: concepção da filosofia como instrumento para justificar as verdades da religião. (1) (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Sete Sábios Sábios, sete. Esse foi o nome dado a algumas personalidades da Antiguidade grega que expressaram sua sabedoria em sentenças ou expressões brevíssimas; por esta última característica também receberam o nome de gnômicos. Elas foram enumeradas de várias maneiras pelos escritores antigos. Tales, Bias, Pítaco e Sólon estão incluídos em todas as listas. Platão, que foi o primeiro a enumerá-las, acrescentou Cleóbulo, Mísono e Quílon. A Tales atribui-se o ditado "Conhece-te a ti mesmo"; a Bias foram atribuídas as frases "A maioria é malvada" e "Pelo fardo se conhece o homem"; a Pítaco, o ditado "Aproveita o dia de hoje"; a Sólon, a máxima "Leva a sério as coisas importantes" e a expressão "Não mais além"; a Cleóbulo, a máxima "O melhor é a medida"; a Míson, o ditado "Procura as palavras nas coisas, e não as coisas nas palavras"; a Quílon, os ditados "Cuida de ti mesmo" e "Não desejes o impossível". (1) (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Sapere Aude! Sapere Aude!. A Ilustração é a saída do homem de sua autoculpável minoridade. A minoridade significa a incapacidade de servir-se de seu próprio entendimento sem ajuda

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de outro. Um sujeito é culpável desta minoridade quando a causa dela não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e valor para servir-se por si próprio dele sem a ajuda de outro. Sapere aude! Tem valor de servir-se de teu próprio entendimento! Eis aqui o lema da Ilustração. (1) (1) KANT, Emanuel. Respuesta a la Pregunta: Qué es la Ilustración?. In: AA. VV. Qué es Ilustración?. Madrid; Tecnos, 1988, p. 9.

Scholar Scholar. Interpretação ampla: Um especialista bem-formado, por contraste com o de formação estreita. Interpretação estrita: Aquele que sabe disfarçar a obscuridade como profundidade, que sabe citar banalidades numa linguagem morta e pôr em nota de rodapé ideias originais de outras pessoas. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Seita Seita. De acepção muitas vezes pejorativa, a seita é constituída de um grupo de indivíduos que professam uma doutrina diferente da doutrina considerada ortodoxa e majoritária. É o caso por exemplo dos hereges em matéria de religião; porém, quando ela se institucionaliza e adquire amplidão, a seita acaba por constituir uma Igreja: foi esse o destino, principalmente, das Igrejas protestantes. Como mostra Durkheim, o adepto, antes de se vincular à própria doutrina, quer participar a princípio do "sistema de forças coletivas" representadas pela seita. (1) Seita. Grupos minoritários, contestadores das estruturas da Igreja e/ou das religiões estabelecidas. Como foi recentemente salientado, “a seita é o outro”; considera-se diferente, quase estranha à sociedade onde surge, fruto de tensões que conduzem à ruptura, ao afastamento. A raiz do termo “seita” não é clara; etimologicamente vem do verbo latino sequi, “seguir” (um chefe, uma doutrina). Para alguns, provém do verbo secare (“separar”, “romper”), para outros – equivocadamente segundo vários especialistas – advém do vocábulo sequi (já assinalado acima). Na primeira hipótese, a seita é um rompimento; na segunda, mostra novo caminho a trilhar. De qualquer modo, em ambos os casos, caracteriza dissidência. Há um grande número de seitas. Umas centradas sobre a realidade do pecado, pugnam pelo retorno à pureza evangélica, outras acentuam a retidão moral; as gnósticas realçam a importância do conhecimento obtido pela “revelação” que conduzirá o homem à salvação. (2) Seita. Hist. Ecl. Do latim sequi, seguir, designa genericamente um grupo religioso dissidente por cisão de uma comunidade maior e mais antiga. Sob o ponto de vista teológico, a Igreja católica considera S. toda a comunidade cristã, grande ou pequena, que se separou dela por divergência no plano dogmático (ver Heresia) ou por recusa de

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obediência (ver Cisma). Entretanto, S. define-se especificamente, no plano da psic. religiosa como excrescência religiosa, nascida de uma atitude de reação crítica relativamente a um sistema dogmático ou disciplinar bem estruturado. Caracteriza-se por uma vivência entusiástica, às vezes fanática e excêntrica, de alguns elementos escolhidos no sistema religioso rejeitado e aos quais se juntam outros normalmente de índole humanitária. Este fenômeno tem se verificado com particular intensidade no cristianismo (sobretudo no protestantismo, normalmente norte-americano). Isto, porque o cristianismo, mais que qualquer outra religião universal, apresenta fronteiras dogmáticas muito definidas, ou porque se implantou em zonas humanas, onde a cultura é muito marcada pelo subjetivismo e pelo sentido da individualidade. No cristianismo protestante, as S. opõem-se quer às grandes denominações quer às chamadas "igrejas livres". Uma das suas características mais acentuadas é a concepção donatista da Igreja: "grupos de eleitos", que pratica o rigorismo moral e com intensa atividade proselitista. Atualmente, existem nos E.U.A. 256 S. (3) Seita. Na raiz da maioria dos usos do termo "seita" no século XX está a noção de uma coletividade voluntária que se separou da corrente principal de ideias religiosas ou políticas e que ciosamente preserva a sua exclusividade social, cultural e ideológica. (4) Seita. A. Conjunto de homens que professam uma mesma doutrina. "Os dois mais ilustres defensores das duas mais célebres do mundo (Epiteto e Montaigne)." [Pascal] B. Num sentido mais especial, mais usual e sempre pejorativo, diz-se de um grupo de homens que aderem estritamente a uma doutrina muito definida, sendo essa adesão motivo de forte união entre eles, ao mesmo tempo que os separa dos outros espíritos. "Gostaria que você não tivesse escrito apenas para os cartesianos, como você próprio reconhece, porque me parece que qualquer nome de seita deve ser odioso, para um amante da verdade." Leibniz, Carta a Malebranche, 1679. (5) Seita. 1. Doutrina religiosa que se desvia da tradicionalmente aceita. 2. Qualquer grupo unido em torno de uma determinada doutrina ou de um líder. (6) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário Histórico de Religiões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. (3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (4) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996. (5) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (6) SACCONI, Luiz Antonio. Dicionário Essencial da Língua Portuguesa. São Paulo: Atual, 2001.

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Sensacionismo Sensacionismo. Concepção segundo a qual os dados dos sentidos são tudo o que é (sensacionismo ou sensualismo ontológico), ou tudo que podemos conhecer (sensacionismo ou sensualismo epistemológico). Berkeley, Mach e o jovem Carnap foram sensacionistas ontológicos; Ptolomeu, Hobbes, Condillac, Comte e Mill foram sensacionistas epistemológicos. O sensacionismo, uma variedade do empirismo, funde sensação com percepção e subestima o poder da razão. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Senso Comum Senso Comum. Faculdade ou juízo situados entre a especulação desbragada, de um lado, e, de outro, uma asserção bem fundada e uma suposição culta. O senso comum, que envolve tanto o conhecimento ordinário quanto a racionalidade, é um ponto de partida: ciência, tecnologia e filosofia começam quando o senso comum resulta insuficiente. O recurso ao senso comum é uma lâmina de dois gumes: pode desencorajar pesquisas sérias e não menos encorajar pesquisas insensatas. Por exemplo, a filosofia linguística – uma filosofia do senso comum – serviu de antídoto ao idealismo e à fenomenologia e, ao mesmo tempo, de inibidor ao exato e científico filosofar. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Sentido Sentido. 1. Cada uma das funções psicofisiológicas (visão, audição, tato, gosto, olfato) pelas quais um organismo recebe informações sobre elementos do meio externo. 2. Faculdade de sentir ou perceber; senso. 3. O que se pretende alcançar ou obter quando realiza uma ação; alvo, propósito. 4. Ponto de vista: analisou os indícios sob todos os pontos de vista. 5. Lógica, coerência: seu argumento não tinha nenhum sentido. (1) 1. Termo de múltiplas acepções, designa em psicologia e em fisiologia uma função psicofisiológica que, em contato com estímulos específicos, permite sentir as sensações próprias a um órgão receptor. 2. P.ext., significa no plural as necessidades da existência animal, em particular os desejos sexuais. 3. Faculdade de conhecer de maneira imediata (cf. íntimo), geralmente considerada bem orientada (bom senso, ter o sentido do cômico...) e aplicando-se em particular aos problemas práticos da existência. 4. Sentido moral: sinônimo de consciência moral quando ela é admitida inata. 5. Sinônimo de significação. (2)

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(1) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Sentimento Sentimento. Do latim sentire, perceber pelos sentidos. 1. No sentido genérico, tanto pode designar o estado afetivo de alguém tendo por objeto uma pessoa (ex.: sentimento de inveja) quanto a paixão ou emoção superior (ex.: o sentimento estético). 2. Conhecimento imediato (sensação) que não pode ser justificado racionalmente. 3. No sentido moral, inclinação altruísta que leva alguém a cultivar suas disposições intuitivas de ver as pessoas privilegiando a generosidade, a solidariedade e as razões do coração. (1) O conceito de sentimento é marcado, sem dúvida, mais do que outros, pela diversidade de interpretações filosóficas. Frequentemente o sentimento é confundido com a emoção, a sensibilidade, a sensação e, em geral, oposto em bloco à razão. Além disso, o sentimento designa umas vezes o ato de sentir, outras a faculdade deste ato, outras ainda, o resultado do sentir. Claramente, admite-se que o sentimento se opõe, pela sua obscuridade, à clareza da razão. (2) Estado afetivo em geral, por oposição ao conhecimento. De maneira mais estrita, emoção que tem causas morais ou espirituais, mais do que imediatamente orgânicas (sentimento religioso, estético). (Sentido antigo). Sinônimo de consciência, daí: conhecimento imediato ou intuitivo. Opinião ou conselho (meu sentimento é que...); No

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sentido moral, inclinação altruísta. As morais do sentimento postulam desse modo a anterioridade do altruísmo sobre o egoísmo e do conhecimento intuitivo sobre a razão. (3) Sentimento. Fil. Usado na linguagem corrente com inúmeros significados - da simples sensação às mais altas manifestações do espírito - o termo S. tb. não possui, na linguagem científica, significação bem definida e universalmente aceite; muito pelo contrário, a divergência entre os autores vai ate´à rejeição da palavra, como termo técnico. 1) Para além de falta de uniformidade terminológica, verificada em muitos outros domínios - acrescida ainda pela dificuldade em encontrar termos sinônimos, nas diversas línguas -, este fato deve-se às profundas divergências existentes acerca do modo de conceber a vida afetiva. Qualquer definição de S. pressupõe e implica determinada concepção da afetividade e seu lugar na vida do homem. Na impossibilidade de enumerar e apreciar as diferentes concepções, limitamo-nos a uma breve caracterização genérica, na qual concordam, em maior ou menor grau, segundo os casos, bastantes escolares e autores. 2) Enquanto fenômeno afetivo, o S. distingue-se dos cognoscitivos e apetitivos ou conativos, dos quais se pode dizer ser a "ressonância" psicológica. Caracterizado pela subjetividade (por alguns chamadas não intencionalidade, o que não implica necessariamente a falta de objeto próprio) é, antes de mais, um estado de alma, radicado nas tendências, imaginação, temperamento etc., do sujeito; mas é também reação a determinada situação, reação-reguladora, que implica adaptação do sujeito à realidade, ausente ou menos presente na emoção da qual se distingue por ser menos intenso e mais durável. Finalmente - mas neste ponto o acordo é já muito menos amplo que os anteriores - O S. implica, sobretudo no caso dos chamados S. "superiores", como o estético, moral, religioso, etc., um sentido e significação, introduzindo o sujeito no mundo dos valores. 3) Segundo as diferentes teorias, diferente será a relevância reconhecida ao S. Na vida humana, quer quanto a amplidão quer quanto a importância. (4) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) THINES, G., LEMPEREUR, A. Dicionário Geral das Ciências Humanas. Lisboa: Edições 70, 1984. (3) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (4) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]

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Ser Humano, O A natureza cultural do ser humano O ser humano sempre teve necessidade de se perguntar a respeito de si mesmo. Uma das perguntas mais constantes tem sido a de suas origens. Respondendo a ela, pretendeu compreender o que o aproxima e o que o distancia de todos os outros seres do Universo — em suma, procurou encontrar a sua posição no cosmos. Na Antiguidade clássica, o ser humano compreendia a si mesmo em sua relação com dois tipos de seres, que marcavam seus limites superior e inferior: os deuses, imortais e felizes; os animais, selvagens, mas inocentes e integrantes da natureza. A partir da consolidação das teorias da evolução, já no século XIX, a certeza de sua ligação com o resto das espécies animais é completa. Todos os seres vivos se desenvolveram a partir de organismos primitivos e mediante mudanças ocorridas ao longo do tempo. O ser humano é um elo, o mais evoluído, desse longo processo que é a evolução; é um animal que foi capaz de produzir cultura, o que o distanciou de sua natureza animal, mas sem deixar de ser seu resultado. Teoria sintética da evolução A hominização Traços característicos do ser humano Especificidade do ser humano: a cultura Caixa: Uma teoria da história &&&& A cultura O ser humano chegou ao estado evolutivo em que se encontra como resultado de um longo processo de hominização. Mas além disso, ocorreu um processo de humanização, pelo qual, graças à linguagem e à razão, o ser humano foi capaz de dotar de conteúdo e sentido sua própria vida — tanto na esfera individual quanto na social. A humanização só é alcançável pela cultura: ela nos faz humanos. A cultura é esse conjunto de produções do ser humano, feito da complexidade que o tornou livre e que o liga a um mundo que já não é meramente natural. Por sua vez, a cultura introduz a liberdade mediante novas estruturas sociais projetadas pelo homem. Contudo, embora a produção de cultura seja inerente à natureza humana — na medida em que é fruto da falta de determinação biológica —, não cabe falar de uma cultura única, mas de uma diversidade de culturas, de acordo com os lugares e as épocas. Definição de cultura

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Cultura e civilização A artificialidade da cultura A humanização pela cultura A diversidade cultural Caixa: Cooperação sexual e cultura &&&& A função simbólica: linguagem, arte e religião O ser humano descobriu uma nova forma de se adaptar a seu ambiente, genuína e totalmente diferente das demais espécies animais: o símbolo. O animal possui certa imaginação e inteligência, mas trata-se de imaginação e inteligência práticas. Só o homem possui inteligência e imaginação simbólicas. O ser humano não vive apenas num puro universo físico, mas num universo simbólico: sua realidade não é constituída de objetos ou fatos isolados e naturais, mas de objetos simbólicos e culturais. O homem é um animal simbólico, capaz de expressar suas experiências por meio de símbolos. Manifestações desse universo simbólico humano são a linguagem, a arte, o mito, a religião e a ciência. A atividade simbólica A linguagem Características da linguagem Pensamento e linguagem A arte: forma simbólica Teorias sobre a beleza A função simbólica da religião Caixa: Os reis sacerdotes Caixa: O caso de Helen Keller Caixa: O método da etonografia Caixa: A classificação das artes Caixa: Arte e costumes &&&&

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Mente e cérebro O ser humano sempre procurou compreender a si mesmo. Perguntas como o que movimenta o corpo e qual o destino do homem conduziram-no a afirmar a existência de seus dois princípios constitutivos: a alma e o corpo. Atualmente, depois de desprezar como metafísicas todas as perguntas sobre a alma, o problema foi reformulado nos termos da relação entre a mente e o cérebro: a relação entre os nossos processos mentais e os processos físicos do cérebro. Esse problema continua a ser filosófico, mas para sua elucidação devem-se os dados fornecidos pela ciência. As teorias atuais são, em geral, materialistas: os processos mentais são produzidos pelo cérebro e predomina a orientação cognitivista, que consiste em tomar o computador como modelo da mente. O ser humano na história ocidental A mente A estrutura da mente Alma e corpo. Mente e cérebro Computadores: modelo atual da mente humana O cérebro Caixa: Atividades da mente Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 14)

Século XIX A reação ao idealismo: Schopenhauer e Kierkegaard As grandes transformações experimentadas no continente europeu no início da revolução industrial fazem com que a filosofia se constitua, ao longo do século XIX, como uma reação contra o sistema hegeliano e suas pretensões absolutas. A maior parte dos pensadores se agita contra a ideia de que exista um fundamento imutável nas coisas, fazendo desse caráter antimetafísico e antiespeculativo o traço mais diferenciador do pensamento contemporâneo, e a filosofia irá cedendo seu espaço à ciência, ou então tratará de se reconstruir a partir de bases totalmente desconhecidas até então. Depois de Hegel

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As raízes kantianas de Schopenhauer A vontade como "coisa em si" O consolo da arte A ética da compaixão Kierkegaard: o indivíduo existente Liberdade e angústia O pecado como consciência de si Os três estágios da vida Caixa: A metafísica do amor Caixa: Schopenhauer e a sociedade Caixa: O precursor do existencialismo Caixa: Vida e obra de Kierkegaard &&&& Marx Embora de um modo diferente da de Schopenhauer e Kierkegaard, em Marx também ocorre uma ruptura com o sistema hegeliano. O que Marx contesta em Hegel é o caráter especulativo do pensamento filosófico. A filosofia deve se converter em saber científico que analisa as condições materiais em que se desenvolve a existência do homem em sociedade e, nesse sentido, deve verificar seus postulados na prática. Para Marx, esse saber científico tem de ser construído como uma teoria da história e da sociedade cuja principal incumbência, mais do que explicar, deve ser transformar o mundo. Mas então o filósofo e o científico entram na dimensão prática da política, e por isso, certos aspectos do marxismo ultrapassam o âmbito da história do pensamento para entrar plenamente na história dos movimentos sociais e políticos característicos da época contemporânea. Os antecedentes de Marx: Feuerbach A filosofia como transformação do mundo A concepção materialista da história O trabalho Infra-estrutura e superestrutura

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Burgueses e proletários Caixa: A teoria marxista Caixa: Comentários ao programa de Gotha Caixa: Proletariado e luta de classes &&&& Positivismo Como doutrina que só se atém aos fatos e às relações entre os fatos, o positivismo, fundado pelo francês Auguste Comte, constitui uma reação a mais contra a filosofia tradicional, especialmente contra a metafísica. Para Conte, a filosofia tem de ser "positiva", e isto significa que deve se restringir aos resultados das ciências naturais e se converter numa teoria do saber científico. A partir dessas bases, Comte estabelece sistematicamente os fundamentos da sociologia, a ciência da sociedade que ele classifica como o saber superior e de maior transcendência futura para a humanidade. A influência do positivismo é tão grande no século XIX que ele rapidamente é adotado em outros países e desenvolvido de forma consequente por pensadores como o britânico John Stuart Mill. A filosofia do positivismo A lei dos três estados Stuart Mill Caixa: Conte e a sociologia &&&&& Nietzsche: a vontade de poder O século XIX, que começa com as grandes construções sistemáticas do idealismo alemão, termina com Nietzsche, um filósofo para quem a vida está acima de qualquer conceitualização metafísica ou científica e que, por isso, opõe-se a qualquer tentativa de explicação filosófica. Partindo de Schopenhauer, embora se distanciando dele mais tarde, Nietzsche proclama a ruptura de todos os valores tradicionais, por considerá-los contrários à vida, e sustenta que o novo homem do futuro será o homem da "vontade de poder", pois por meio dela concederá um "sim" incondicional à vida, apesar da angústia e da dor que o devir lhe proporcione. Afirmação da vida

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O espírito trágico O niilismo Um novo conceito de verdade: o perspectivismo A "transvalorização" dos valores A vontade de poder O anúncio de Zaratustra Caixa: A razão da filosofia Caixa: A moral Caixa: A luz do meio-dia &&&&& A ciência do século XIX: o evolucionismo No século XIX, no momento em que se constitui as modernas ciências da vida, a ideia da evolução se estende ao conjunto da natureza: não apenas o homem e a matéria, mas todo o Universo aparece marcado pelas categorias do evolucionismo. Toda uma tradição milenar, que abrange desde as hipóteses criacionistas sobre as origens do homem e do mundo até a própria ideia de imutabilidade dos processos naturais, é deslocada em favor da nova concepção evolucionista, a partir da qual a natureza é vista como um processo aberto, em desenvolvimento contínuo. A formação da biologia moderna Fixistas e transformistas Darwin e a teoria da evolução Caixa: O evolucionismo de Spencer Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 11)

Século XX A passagem do século XIX para o XX As tendências antimetafísicas que já se manifestavam no século XIX, principalmente como reação ao idealismo hegeliano, acentuam-se ainda mais no século XX.

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A filosofia já não aspira à posse de nenhum objeto privilegiado — seja Deus, o Ser, a Razão, a História etc. Além disso, renunciou à ideia da totalidade, e com isso não tem pretensões de construir-se como sistema. A filosofia submergiu numa progressiva atomização (separação de temas, métodos, estilos etc.) que, de fato, reflete a própria fragmentação e a complexidade crescentes de nossa sociedade.

O neocriticismo Cassirer e as formas simbólicas A escola de Baden O neo-idealismo: Croce O historicismo O historicismo de Dilthey O pragmatismo O relativismo da verdade segundo James O instrumentalismo de John Dewey Caixa: A história segundo Toynbee

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O intuicionismo de Bérgson Quando o século XX começa, são muitos os pensadores que acham que a filosofia deve se reconstruir à margem do positivismo das ciências, sem ter aquela pretensão absoluta que caracteriza a filosofia tradicional. Um dos pensadores mais destacados nesse trabalho de reconstrução filosófica é o francês Henri Bergson, cujo intuicionismo aspira a se tornar o método (ou caminho) que conduza à verdadeira captação do real. Bergson se vale desse método baseado na intuição para captar a essencialidade do tempo, que ele define como "duração" e que lhe permite contemplar o evolucionismo como fenômeno criador e não simplesmente mecanicista.

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O espiritualismo Crítica da verdade científica Reforma da filosofia O intuicionismo de Bérgson O evolucionismo criador Caixa: Vida e obras de Bérgson Caixa: O tempo como duração &&&& Freud e a psicanálise Nascida como método terapêutico para o tratamento de determinadas doenças mentais, a psicanálise se transforma, nas mãos de seu fundador, Sigmund Freud, numa nova concepção da psique humana. Trata-se de uma teoria que se assenta sobre bases diferentes das utilizadas pela psicologia experimental e que tem uma ligação inegável com as correntes irracionalistas do século XIX, em especial as filosofias de Schopenhauer e Nietzsche. O enfoque freudiano da patologia vai bem além de uma simples visão médica, já que a doença é, para ele, a manifestação de conflitos localizados no psiquismo de todo homem; de modo que todo o trabalho clínico de Freud está orientado não apenas para curar, mas — principalmente — para investigar a respeito do que é específico do homem enquanto tal, isto é, do ser humano supostamente são. A descoberta do inconsciente O método psicanalítico A importância dos sonhos O complexo de Édipo Ego, id, superego A psicanálise depois de Freud Caixa: O sentimento de culpa Caixa: A psicologia analítica de C. G. Jung Caixa: O porquê da guerra

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Caixa: O complexo de Édipo &&&&& Fenomenologia de Husserl A filosofia contemporânea tem como uma de suas principais características a busca de um espaço próprio no qual suas reflexões possam se diferenciar da ciência, sem que isso signifique voltar à velha metafísica. Nessa busca de um terreno específico, uma das contribuições vem da fenomenologia de Husserl. Para esse pensador alemão, cuja influência foi extraordinária, trata-se de reconstruir a filosofia por meio da fenomenologia, ou descrição pura daquilo que se mostra por si mesmo. Nesse mostrar-se por si mesmo, o que aparece na consciência é anterior às considerações do senso comum, à reflexão científica ou à experiência psicológica. Brentano e o conceito de intencionalidade Husserl e a filosofia A fenomenologia O caráter transcendental da consciência Caixa: A intuição em Husserl Caixa: O alcance da fenomenologia &&&& Heidegger e o Existencialismo Sob a denominação de existencialismo, abriga-se uma corrente filosófica que se desenvolve principalmente no continente europeu entre as duas guerras mundiais. O existencialismo é a expressão da desorientação e do desenraizamento radicais produzidos pela profunda crise da cultura e dos valores daquele momento histórico. Essa corrente filosófica afirma que o verdadeiramente originário é a existência humana em sua total singularidade. O termo existência não designa o simples fato de existir, mas exclusivamente a realidade que é o "eu" — não um "eu pensante" ou um "eu transcendental" à maneira de Descartes ou Kant, mas um "eu concreto e mundano". A partir da existência, decidem-se e estabelecem-se o valor e o significado de toda a realidade, e a existência é liberdade: uma liberdade absoluta, quer dizer, sem submissão a nada estranho a ela mesma, e que em seu pleno exercício permite a cada eu "decidirse" e "escolher a si mesmo". Jaspers e a filosofia da existência Heidegger: a temporalidade do ser

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A existência autêntica Jean-Paul Sartre Caixa: O existencialismo de Sartre &&&& O marxismo do século XX O desenvolvimento do pensamento marxista no século XX é determinado pelos fatos políticos da revolução de 1917 na Rússia e da evolução do comunismo soviético. Nos países socialistas e nos partidos de inspiração marxista, ocorre um debate entre a suposta "ortodoxia" e os chamados "revisionistas" ou "reformistas", provocado pela mudança nas condições sociais, econômicas e políticas que tornam pertinente uma reavaliação dos aspectos fundamentais do marxismo. A partir do ponto de vista teórico, é típico dos pensadores marxistas do século XX recorrer novamente às raízes hegelianas de Marx para uma melhor compreensão do genuíno marxismo. Insistiram sobretudo na incidência dos elementos superestruturais (consciência, teoria, utopia) na dinâmica histórica, e negaram o determinismo mecânico da infra-estrutura ou base econômica. Marxismo e filosofia Gramsci: a filosofia da práxis Marxismo e estruturalismo: Althusser Caixa: O marxismo de Althusser &&&& A escola de Frankfurt A expressão escola de Frankfurt designa um grupo de pensadores que se formou na Alemanha da década de 1920 no Instituto de Investigação Social da Universidade de Frankfurt. O instituto foi criado a partir da ideia e da direção de Max Horkheimer (1895-1973). Junto com ele, tiveram destaque Theodor W. Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1980), Walter Benjamin (1892-1944) e Erich Fromm (19001980), que mais tarde se separou do grupo. Em 1934, a perseguição nazista obrigou o instituto a se mudar para a Universidade de Columbia, em Nova Iorque; em 1949, ele retornou a Frankfurt, embora alguns de seus membros (como Marcuse) tenham decidido permanecer nos Estados Unidos. Adorno foi diretor da nova fase de Jürgen Habernas (n.1929), o principal representante da nova geração da escola, incorporou-se a ele em 1956. A escola de Frankfurt se propõe principalmente uma investigação social sobre a sociedade industrializada moderna. Essa investigação constitui uma teoria crítica que, partindo de Marx, incorporou a psicanálise freudiana, assim como diversas categorias

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da sociologia contemporânea. Mas as reflexões dos "frankfurtianos", além de seu característico enfoque sociológico, tiveram uma profunda orientação filosófica. Teoria tradicional e teoria crítica Dialética do iluminismo Caixa: Marxismo e psicanálise: Fromm Caixa: Opinião, loucura e sociedade &&&& A filosofia analítica A concepção analítica da filosofia se expande durante todo o século XX até nossos dias, e tem especial penetração no mundo anglo-saxão. Embora exista diferentes correntes dentro do que se chama filosofia analítica, todas elas apresentam traços em comum: seu acentuado caráter empirista, que remonta do empirismo de Hume; o retorno do positivismo, como recusa da metafísica, uma vez que só a ciência proporciona um conhecimento válido sobre a realidade; sua concepção de que a tarefa da filosofia deve limitar-se à análise lógica da linguagem, seja da linguagem comum ou da científica. Wittgenstein, com sua obra Tractatus logico-philosophicus, e Bertrand Russel marcam o momento inicial da filosofia analítica. O segundo grande momento é representado pelo neopositivismo do Círculo de Viena e, finalmente, Popper e os filósofos da linguagem comum. O atomismo lógico As investigações filosóficas de Wittgenstein O neopositivismo do Círculo de Viena O critério empirista do significado: princípio de verificação O ideal da ciência unificada A falseabilidade de Popper Filosofia analítica da linguagem comum Caixa: Ayer e a linguagem &&&& O estruturalismo

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Na década de 1960, aparece uma corrente como "estruturalismo". Os autores pertencentes a ela, mais do que compor propriamente uma escola, compartilham de um mesmo enfoque metodológico em relação às "ciências humanas" (linguística, etnologia, história etc.). Mas isso tem também implicações filosóficas. O modelo do estruturalismo é a linguística estrutural de Ferdinand de Saussure, que se difundiu sobretudo na França: Claude Lévi-Strauss, que aplicou o método à antropologia social; Jacques Lacan, à psicanálise; Louis Althusser, ao marxismo; Roland Barthes, à crítica literária; finalmente, Michel Foucault, com interesses mais filosóficos. A partir dessa visão estruturalista da linguagem, foi tomando corpo a ideia de que todas as ciências giram em torno da linguística, visto que tudo o que constitui o propriamente humano ocorre dentro dos limites da linguagem. O estruturalismo se insere, portanto, na consciência linguística que caracteriza o pensamento contemporâneo. Implicações filosóficas do estruturalismo O estruturalismo psicanalítico de Lacan Foucault Caixa: A relação entre a Razão e o poder &&&& A crise de mecanicismo de Einstein As concepções de mundo baseadas no modelo mecanicista que tem como ponto de partida a física clássica elaborada por Newton entram em crise na primeira terça parte do século XX. A teoria da relatividade de Einstein, em primeiro lugar, e depois outras contribuições revolucionárias, como a teoria do átomo de Bohr ou a mecânica quântica de Heisenberg, estão na base dessa mudança profunda. Em seguida, e à medida que se vai assimilando essa nova imagem do mundo, todas essas mudanças introduzidas pela física obrigarão a uma reformulação radical dos pressupostos tradicionais do pensamento ocidental. A concepção mecanicista do mundo Einstein e a teoria da relatividade Caixa: As crenças de Einstein Caixa: Teoria da sincronicidade &&&&& O pensamento cristão

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No século XX, o reencontro entre cristianismo e filosofia produz uma renovação do pensamento escolástico baseado na metafísica de santo Tomás. Esse neo-escolasticismo, no entanto, coexiste com outras correntes de pensamento cristão de orientação não tomista, como é o caso do personalismo, que tem o francês Emmanuel Mounier seu representante mais notável. Mas, além dessa relação entre filosofia e religião, é preciso colocar em primeiro plano a obra de Teilhard de Chardin, um cientista católico cuja teoria evolucionista traz uma visão inédita do homem e do Universo, ao mesmo tempo em que reformula as relações muito mais complexas entre ciência e religião. Cristianismo e filosofia O fenômeno humano As grandes fases da evolução O "amor-energia" Caixa: Hino à matéria Caixa: O personalismo cristão Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 12)

Significado Significado. Do latim significare. A teoria do significado, em filosofia da linguagem, examina os vários aspectos de nossa compreensão das palavras e expressões linguísticas e dos signos em geral. Um desses aspectos centrais é a relação de referência, que é um dos elementos constitutivos do significado. A referência é precisamente a relação entre o signo linguístico e o real, o objeto designado pelo signo. Outro aspecto, indicado na distinção proposta por Frege, é o sentido, ou seja, o modo pelo qual a referência é feita. Dois termos sinônimos, p. ex., "Brasília" e "a capital do Brasil", teriam a mesma referência, mas não o mesmo sentido. Outro aspecto da compreensão do significado diz respeito aos tipos de uso que uma expressão pode ter em contextos diferentes e para objetivos diferentes, o que determina uma diferença de significado. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Silogismo Silogismo. Tipo de raciocínio dedutivo (v.dedução) de modo que, de duas proposições iniciais (as premissas), uma terceira (a conclusão) é logicamente tirada na medida em

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que ela estava implícita nas primeiras. O modelo do silogismo é "Todo A é B, ora, C é A, portanto C é B, onde A é o meio-termo, o que serve de intermediário entre B e C. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Síntese Síntese. Contrário de análise: conduta intelectual que, por experiência (por exemplo, em química) ou logicamente, vai das noções ou enunciados mais simples aos mais compostos. A esse título é praticada na maioria das ciências (principalmente em história) ou até, no sentido amplo, nas atividades artísticas, quando o pintor ou escritor organiza num todo estruturado os elementos que selecionou para sua obra. Descartes faz dela a terceira regra de seu método. Na filosofia de Hegel, a síntese designa o terceiro momento da dialética, que une, “ultrapassando”-as, a tese e sua negação. Podemos observar que essa “negação da negação” equivale à afirmação de uma nova tese que deve ser, por sua vez, negada. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Sistema Sistema. Objeto complexo do qual toda parte ou toda componente está relacionada no mínimo com outra componente. Exemplo: um átomo é um sistema físico composto de prótons, nêutrons e elétrons. (1)

Sistema conceitual. Um sistema conceitual é um sistema composto de conceitos. Os mais simples de todos os sistemas conceituais são proposições como "Os seres humanos são sociáveis". Formalizando: "Para todo x, se x é um ser humano, então x é sociável". (1)

Sistema de Conhecimento Humano. À primeira vista, o conhecimento humano é um mosaico sem quaisquer padrões discerníveis. Um olhar mais próximo revela uma unidade subjacente. Essa unidade é efetuada por pontes de, no mínimo, seis diferentes espécies: (a) lógica; (b) uso da matemática; (c) método científico; (d) redução; (e) fusão de disciplinas de início disjuntas; (f) o garimpo e a elaboração de ideias filosóficas envolvidas na ciência e na tecnologia, como as de sistema, emergência, de verdade e

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princípios de realidade, bem como de legalidade, sistematicidade e inteligibilidade do mundo. (1)

Sistema Filosófico. Um sistema (como oposto a um amontoado) de ideias filosóficas. O de Aristóteles foi o mais antigo, o mais compreensivo e o mais influente de todos os sistemas filosóficos. Outros sistemas filosóficos importantes foram os de Santo Tomás de Aquino, Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant, Hegel, e Marx e Engels. O malogro de todos os sistemas filosóficos passados e a facilidade com que se ossificaram e se converteram em obstáculos ao avanço filosófico, serviu de escusas para não se tentar construir quaisquer outros novos sistemas, e para, em vez disso, saltar de um mini problema a outro. Como consequência, grande parte das filosofias contemporâneas são assistemáticas: filosofia de serragem, inconstância filosófica. A razão para edificar-se sistemas filosóficos é que todas as importantes ideias filosóficas vêm em feixes e cruzam as fronteiras disciplinares. Daí não ser auto-suficiente nenhum ramo da filosofia, com a duvidosa exceção da lógica. Todo problema filosófico pertence pelo menos a duas das principais disciplinas filosóficas: lógica, semântica, epistemologia, ontologia e ética. Por exemplo, um pouco de lógica e semântica se fazem necessárias para se lidar com questões epistemológicas, algumas das quais levantam os problemas éticos da utilização do conhecimento para propósitos práticos. (1) Sistema Semiótico. Um sistema concreto que inclui signos que significam alguma coisa para alguém no sistema. (1) Sistema Social. Um sistema social cujos componentes são animais gregários, em especial, mas não exclusivamente seres humanos. Exemplos: formigueiro, rebanho, família, gangue, academia, comunidade religiosa, firma, governo. (1) Sistema Técnico. Um sistema social onde se usa tecnologia avançada de modo proeminente. Exemplo: usinas industriais contemporâneas, exércitos e hospitais (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

Social-Democracia Social-Democracia. As doutrinas e ações políticas cobertas por este termo podem ser esclarecidos se considerarmos o que a social-democracia é e o que não é. Originalmente socialista, sindicalista e anticapitalista, a social-democracia compartilha uma origem comum com outros movimentos da classe trabalhadora no século XIX que lutavam contra diferentes versões da repressão estatal - bismarckiana, militarista, bonapartista, anti-Dreyfusard, clerical (católica e protestante) ou outros (ver marxismo ocidental). Quanto mais êxito obtiveram nas eleições e mais organizados se mostravam como partidos políticos, e na medida em que algumas das mudanças sociais pelas quais se bateram foram realizadas no Estado de bem-estar, mais os sociais-democratas tenderam a se deslocar da esquerda para o centro-esquerda. Tal flexibilidade é, em

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parte, resultado do caráter híbrido da social-democracia como doutrina política. Faltando-lhe um único fundador (um John Locke, um Adam Smith, ou um Karl Marx), a sua linhagem inclui o marxismo, o socialismo utópico e a forma de revisionismo inspirada pela intuição de Engels (na década de 1890), de que a ação política evolucionária, apoiando-se no direito do voto e no parlamentarismo, era mais suscetível de favorecer as lutas da classe trabalhadora do que os meios revolucionários. Os primeiros sociais-democratas participaram de um compromisso comum com o proletariado como a classe do futuro, diferindo de jacobinos e revolucionários mais em função de método do que de princípios. Acreditavam que o proletariado como classe tomaria o poder econômico e político por meios como o sufrágio universal, a democracia parlamentar e o controle sobre o ramo executivo do governo. Uma vez o proletariado no poder, a nacionalização e o planejamento eliminariam o ciclo de alternância de períodos de prosperidade e depressão econômica, a guerra seria abolida e o colonialismo acabaria com algumas variações doutrinárias, os sociais-democratas compartilham uma visão igualitária, secular e científica, uma versão socialmente responsável da tradição do Iluminismo. Os sociais-democratas ainda favorecerem um forte estado democrático em nítido contraste com o minimalismo político dos liberais. Ainda rejeitam o mercado como único árbitro da justiça e continuam situando a esfera pública acima da particular. Mas distanciaram-se do socialismo revolucionário, e virtualmente todos os partidos sociaisdemocratas romperam decisivamente com o comunismo depois de 1919. Desde a Segunda Guerra Mundial muitos deles acabaram aceitando, ou mesmo favorecido, os mercados acima do planejamento, a empresa privada acima da pública e uma política do tipo "cresça primeiro e redistribua depois". Hoje em dia, como principal alternativa do bem-estar social, a social-democracia compartilha com esta crença no pluralismo, cujo modelo poderia ser denominado a política de um "equilíbrio móvel" somada à política de gestão responsável, de controles reguladores, eleições e leis, e o relacionamento interativo entre o público e o particular, mas enfatiza o contínuo reequilíbrio entre o econômico e o político, no âmbito de um duplo mercado. Na teoria social-democrata, o mundo econômico é menos uma questão de propriedade do que de um mecanismo fornecedor de informações com base nas quais consumidores e produtores realizam escolhas e opções acerca de necessidades e carências materiais. Por sua vez, o domínio político funciona para fornecer informações com base nas quais os líderes podem ser selecionados de acordo com prioridades de ação, com decisões, tomadas de acordo com programas e preferências. Como individualmente os cidadãos são, ao mesmo tempo, consumidores e eleitores, o ponto importante de tal modelo é que as desigualdades observadas na primeira esfera podem ser compensadas na segunda, servindo o setor privado para impedir concentrações de poder no setor público e servindo este para evitar concentrações de riqueza naquele. O que distingue os sociais-democratas dos proponentes do estado de bem-estar é uma ênfase maior na igualdade e nas disposições institucionais que facilitam esse objetivo. Para eles, uma deficiência do estado de bem-estar é que ele resulta em combinações ad hoc, de natureza temporária, consistindo em estratégias improvisadas e práticas legislativas de caráter tão contrafeito, tão relutante, que os eu desfecho mais provável é o fracasso. Em suma, os sociais-democratas veem as reformas de bem-estar social como enxertos no estado liberal que objetivam melhorar os piores efeitos das desigualdades

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em vez de eliminar radicalmente as suas causas. Em contrapartida, o programa socialdemocrata propõe-se, em um grau ou em outro, alterar ou reduzir substancialmente as concentrações de riqueza privada, indústria e capital. Com efeito, de acordo com os sociais-democratas, elas são tão poderosas e o papel dos negócios é tão privilegiado que, quando programas compensatórios e de reforma são estabelecidos em um estado de bem-estar, eles impedem que o duplo mercado econômico funcione muito bem. Portanto, os sociais-democratas assumem uma forte posição em favor do igualitarismo e da necessidade de eliminar as causas das desigualdades sociais. Também acreditam que o "equilíbrio" não será obtido sem a intervenção do estado em favor dos que são penalizados ou especialmente desfavorecidos, incluindo minorias (étnicas, religiosas, raciais, linguísticas) e classes. Em anos recentes, porém a experiência mostrou que a intervenção pode burocratizar o estado, tornando-o politicamente mais insensível. Assim, os sociais-democratas passaram a se interessar por experiências com formas múltiplas e pluralistas de representação, democracia no local de trabalho e autogestão, esperando através de tais mecanismos suplantar o conflito entre grupos competitivos e transformá-lo em cooperação. (1)

Social-Democracia 1. Sentido da expressão Social-democracia é a ideologia ou corrente politica que visa a realização da democracia econômica, social e cultural ou do socialismo (tomem-se ou não como sinônimos estas expressões), no âmbito do pluralismo político e das instituições representativas, partindo da compatibilidade possível e necessária entre a democracia (política) e as transformações de estrutura requeridas por esse objetivo. A S.-D. pretende-se social, porque afirma os valores da solidariedade e da igualdade social e propugna uma vida coletiva donde desapareçam os privilégios, as distorções e as formas de opressão e de exploração geradas ou agravadas pelo capitalismo; e pretende-se democrática, porque reconhece o primado da liberdade política e da vontade popular expressa através do sufrágio. A S.-D. dirige-se tanto ao Estado como à sociedade democrática. Não se trata, portanto, de romper com a linha evolutiva vinda do constitucionalismo liberal e democrático, mas de a aproveitar, intensificar e reforçar com mais coerência. E trata-se, até para que a democracia representativa atinja plena autenticidade, de democratizar também a sociedade, a economia e a cultura. Os sociais-democráticas denunciam e criticam tanto as deficiências como os excessos do liberalismo econômico e consideram injusta e desumana uma ordem social assente, na propriedade no lucro e no egoísmo individualismo. Todavia, fiéis ao liberalismo político, sustentam que a ordem capitalista pode ser corrigida, modificada e ultrapassada não apenas pela progressiva consciência de classe dos trabalhadores, pela ação sindical e pelo cooperativismo como também mediante reformas progressivas da empresa da fiscalidade, da economia em geral, do ensino etc., operadas por Parlamentos e Governo saídos de eleições livres. Mais: porque os meios qualificados, os próprios fins, os sociais-democratas só aceitam mudanças feitas no respeito das regras constitucionais e só acreditam em mudanças sujeitos à prova da alternância democrática.

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Neste sentido geral, social-democracia ou tende a coincidir com socialismo democrática (contraposto este ao socialismo autocrático marxista-leninista). 2. Excurso histórico 3. Apreciação crítica A S.-D. até agora, em nenhum país construiu uma economia integralmente não capitalista ou socialista; criou, sim, mecanismos de controle pela coletividade dos setores-chave da economia, dando origem, consoante as perspectivas que se adotam, ou a forma de economia mista (entre o capitalismo e o socialismo de direção) ou a formas de racionalização do sistema capitalista ou, quando muito, a formas de economia pluralista (com concorrência e harmonia de iniciativa econômicas). Para isso, terão concorrido diversos fatores: a necessidade de defesa dos direitos liberdades e garantias contra as tendências totalitárias, tão fortes no séc. XX; o sentido de responsabilidade decorrente da tomada de decisões que afetam todo o país, mormente em épocas de crise, e a própria inclinação natural de quem exerce o poder de refrear os ímpetos revolucionários; a divisão do mundo em blocos antagônicos, a adaptabilidade do capitalismo e a rigidez modo modelo soviético. (2) (1) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996. (2) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986.

Socialismo Socialismo. O Oxford English Dictionary define socialismo como “teoria ou política que defende a posse ou o controle dos meios de produção – capital, terra, propriedade etc. – pela comunidade em conjunto, e a sua administração no interesse de todos”. (1) Socialismo. Concepção política e econômica que, animada por um ideal de justiça e de fraternidade, tende a subordinar o indivíduo à sociedade, que, submetida a uma organização funcional atribuir-se-á como fim o triunfo do bem geral sobre o interesse individual. O socialismo opõe-se ao mesmo tempo ao individualismo e ao liberalismo econômico (capitalismo) por sua recusa da propriedade privada dos meios de produção e da livre concorrência, enquanto a socialização visa a comunização dos meios de produção e a distribuição igualitária dos bens de consumo. A noção estende-se de fato as realidades - e as ideias - muito diversas que muitas vezes se opõem quanto a seus objetivos e meios . Os socialistas associacionistas (Proudhon Saint-Simon ou Fourier) preconizam a apropriação coletiva dos meios de produção sem passar pelo Estado, ao contrário de Marx, no qual o socialismo designa a fase histórica de consolidação definitiva dessa mesma apropriação, enquanto o Estado começa a se tornar supérfluo, preparando a passagem para o comunismo e à sociedade sem classes. Por sua vez, a democracia social pretende chegar ao coletivismo transformando aos poucos o sistema capitalista por intermédio de reformas. (2)

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Socialismo. As ideias socialistas, em várias formas, expressam-se em séculos anteriores, mas o socialismo como doutrina e movimento característicos só apareceu na década de 1830, quando o próprio termo entrou em uso corrente. Logo se propagou rapidamente pela Europa sobretudo depois das revoluções de 1848, e no final do século grandes partidos socialistas já se tinham desenvolvido em numerosos países, mormente na Alemanha e na Áustria ao mesmo tempo em que o pensamento socialista era largamente difundido em todo o mundo. Na Europa continental, o marxismo era o principal alicerce intelectual do socialismo, combinando uma teoria da sociedade que explicava o desenvolvimento do capitalismo moderno, a divisão da sociedade em duas classes principais e o surgimento e crescimento do próprio movimento socialista com uma doutrina sociopolítica a respeito da organização, objetivos e táticas dos partidos socialistas. Em outros lugares, porém, e em especial na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, o marxismo teve menos influência, e concepções alternativas de socialismo foram formuladas, por exemplo, pela Sociedade Fabiana. Não obstante, havia elementos comuns em todas as versões do pensamento socialista: oposição ao individualismo capitalista, consubstanciada na própria palavra "socialista", a qual enfatizam a comunidade e o bem-estar da sociedade como um todo: um compromisso com a igualdade e com a ideia de uma futura "sociedade sem classes"; e uma confirmação do caráter do movimento socialista como continuação do movimento democrático dos séculos XVIII e XIX. Com efeito, todos os partidos europeus estiverem particularmente ativos nas campanhas pelo sufrágio universal, para cuja conquista celebraram de forma decisiva, e alguns deles adotaram o nome "socialdemocrata" a fim de expressar seu propósito de ir além da democracia social para estabelecer a democracia econômica e industrial. No começo do século XX, contudo, com o desenvolvimento contínuo do capitalismo, manifesta-se uma diversidade maior de ideias socialistas em vários países. Nos partidos marxistas europeus, deflagrou-se uma viva controvérsia em torno do revisionismo... Quando o capitalismo se expande, acham necessário uma revisão da teoria de Marx no tocante às crises econômicas, à polarização de classes e à intensidade do conflito de classes, levando especialmente em conta o crescimento das classes médias e a elevação geral do padrão de vida. ... O pensamento socialista atual é assediado, pois, por considerável soma de incertezas. Para alguns pensadores, as antigas ideias socialistas de uma sociedade igualitária, coletivamente planificada e autodirigida são incrivelmente utópicas - um belo sonho, mas ainda e apenas um sonho -, na medida em que ignoram as limitações da natureza humana e realidades como a burocracia, a ânsia de poder e a corrupção. As reais possibilidades do socialismo estão reduzidas, portanto, à implementação de um tipo mais avançado de estado de bem-estar dentro de uma economia basicamente capitalista. Esses pensadores também observam que o crescimento econômico do pós-guerra nos países capitalistas criou mais prósperas sociedades de consumo de massa e uma estrutura de classes muito diferente, na qual os anteriores conflitos e antagonismos de classes diminuíram substancialmente. Contra esses pontos de vista, outros afirmam que os problemas é diferenças fundamentais do capitalismo - o caráter cíclico do desenvolvimento econômico, com fases de expansão seguidas de depressão e desemprego em grande escala, maciças desigualdades de riqueza e renda, instabilidade e

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incertezas e incertezas gerais - ainda persistem e continuarão gerando concepções de uma ordem econômica e social alternativa na qual tudo isso possa ser superado. (3)

Socialismo. Conjunto de doutrinas que visam uma reforma radical da sociedade humana, por meio da supressão das classes sociais, pela coletivização dos meios de produção e do intercâmbio comercial. Os primeiros pensadores socialistas foram gregos, destacando-se Platão, que pregou uma sociedade ideal, a ser criada (República), onde haveria comunidade de bens entre as classes superiores, isto é, a de governantes e de defensores (militares). A classe inferior, dos trabalhadores, poderia ter alguns bens. Na Renascença, o pensamento socialista se manifestou pelas diversas utopias, da qual a mais famosa é a de Thomas More (Utopia). Com a Revolução Industrial e as alterações surgidas na ordem social (urbanização, desemprego em consequência de crises, miséria nos bairros operários etc.), desenvolveu-se o pensamento socialista, que teve na França o seu principal corpo de doutrinas. O principal socialista francês dessa época , que se chamou de socialismo utópico, é de Charles Fourier, que propôs um sistema onde a fantasia e imaginação do autor se fazem presente. O socialismo associacionista de Proudhom e Louis Blanc, o socialismo de Estado de Sismondi, Rodbestres e Lassele e o socialismo cristão de La Mennais tiveram grande importância na ideologia do século XIX, preparando o terreno para o socialismo marxista, ou socialismo científico e para as movimentações de massa como a revolução de 1948. O socialismo marxista surgiu pelos estudos de Karl Marx e Friedrich Engels em torno da filosofia clássica idealista alemã, do pensamento socialista francês e da economia política clássica capitalista inglesa e que desenvolveu a ação que levaria à fundação da primeira sociedade internacional de trabalhadores. O socialismo marxista surgiu dos trabalhos de Karl, bastante extenso, pois contém inúmeras divisões muitas vezes antagônicas e conduziu a ação que levaria diversos países ao regime prescrito por Marx. O marxismo analisa e critica a doutrina e o regime capitalista, propondo por outro lado a ação contra o Estado capitalista, para a conquista do poder, a fim de instalar no Estado que não atuará como árbitro entre as classes mas sim como um instrumento do proletariado (a ditadura do proletariado), levando à sociedade socialista sem classes. Os socialistas chamados revolucionários pretendem o poder por via revolucionária, enquanto os socialistas chamados reformistas pretendem chegar ao socialismo por progressivas reformas, até a instalação quase que automática no poder por via pacifica. (4)

(1) SILVA, B. (Org.) Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996. (4) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987.

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Complemento: Socialismo. Nome comum a diversas doutrinas econômicas, sociais e políticas que condenam a propriedade privada dos meios de produção. Sociabilidade. Qualidade de sociável. Social. Relativo à sociedade: classes sociais. Socialista. Pessoa que é adepta do socialismo. Socialite. Do inglês. Pronuncia-se sochaláit. Pessoa de destaque na sociedade. Socialização. Ato ou efeito de (se) socializar. Socializar. Tornar social, sociável ou socialista. Sociável. O que gosta da companhia de outro (s); social; gregário. Sociedade. Modo de vida próprio ao homem e a certos animais caracterizado por uma associação organizada de indivíduos que visam a um interesse geral. Societário. Que ou aquele que pertence a uma sociedade: sócio; associado. Sócio. Societário, parceiro, companheiro. Sociocultural. Relativo aos fatores sociais e culturais. Socioeconômico. Relativo aos fatores sociais e econômicos. Sociologia. Ciência dos grupos ou sociedades humanas. Sociológico. Relativo à sociologia. Sociólogo. Aquele que é versado em sociologia.

Sociedade e Política A natureza social do ser humano É um fato inegável que nós seres humanos vivemos em sociedade, e não de maneira acidental, mas porque isso faz parte de nossa própria natureza. O ser humano é, por sua natureza, sociável. Na sociedade, aprendemos uma determinada maneira de viver e de ver o mundo: certos valores, certos costumes etc. O mundo humano é um mundo compartilhado, um mundo comum e intersubjetivo no qual estabelecemos relações.

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Como assinalou Husserl, o "sentido da palavra 'homem' implica uma existência recíproca de um para o outro". Todos nós seres humanos estamos submetidos a um processo de socialização pelo qual interiorizamos as normas, valores e modos de vida dessa sociedade concreta. Socializando-nos, nós nos humanizamos, mas também é verdade que em muitos momentos vivemos nossas relações com a sociedade de forma conflitiva: não queremos renunciar à nossa singularidade, não queremos ser um elemento a mais dessa sociedade da qual indiscutivelmente fazemos parte.

A sociabilidade O ser humano é uma das espécies animais que vivem em sociedade, mas possui uma característica que faz dele uma espécie única. O ser humano é um animal incompleto: no momento do seu nascimento, tem um desenvolvimento físico e intelectual que o torna extremamente frágil e vulnerável. Durante esse período, depende inteiramente do grupo humano em geral, e de seus pais em particular. O ser humano é sociável por necessidade, devido à imaturidade com que vem ao mundo. No período de maturação, que é a infância, ocorre a inserção do indivíduo no grupo social a que pertence. O ser humano é, portanto, constitutivamente social. O conceito de "sociabilidade" designa a tendência ou inclinação natural dos humanos para viver em sociedade. Mas, quando se reúne com os seus semelhantes, o ser humano supera sua mera sociabilidade natural. Já não se trata apenas da cooperação para a satisfação de suas necessidades naturais. Aparece um outro aspecto que, segundo Aristóteles, irá definir autenticamente sua humanidade: na convivência com outros seres humanos, que só é possível no exercício de sua razão e de sua palavra (em grego, uma mesma palavra designa as duas coisas: logos), atinge sua humanidade. Somente na relação com outros ele é capaz de criar um mundo verdadeiramente humano e não meramente animal...

Conceito de sociedade Uma sociedade é um agrupamento permanente de pessoas, estruturado segundo normas e com instituições destinadas a garantir o cumprimento de tais normas. Existem vários tipos de normas: leis, costumes e valores morais. As leis determinam os direitos e os deveres legais de cada indivíduo dentro da sociedade. Um direito é tudo aquilo que o indivíduo pode exigir legalmente, quer dizer, aquilo que segundo a lei lhe é devido. Um dever é a obrigação que um indivíduo contrai com o conjunto da sociedade, ou com algum outro indivíduo, pelo fato de viver em sociedade. Os costumes São hábitos sociais e, embora não tenham o mesmo grau de obrigatoriedade das leis, têm muito peso na sociedade. Finalmente, os valores morais são as formas de se atribuir valor às coisas, considerando-as positivas ou negativas, boas ou más.

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A sociedade gera, além disso, e justamente para velar pelo cumprimento de tais normas, uma série de instituições e uma estrutura de poder.

A socialização Por socialização, entende-se o processo de integração de um ser humano na cultura de uma sociedade determinada. É um processo de interiorização pelo qual o indivíduo recém-chegado a essa comunidade torna seus essa maneira de ver o mundo, de valorar as coisas, os padrões de conduta, as normas etc. — em suma, torna seu o modo de viver dessa sociedade. Dessa forma, integra-se na sociedade e em suas instituições, e sua personalidade social é configurada: ele assume não só esse modo de vida concreto, mas sua identidade pessoal. A aquisição da consciência do próprio eu depende sempre das relações com os outros: nós nos vemos sempre através dos olhos com que os outros nos olham, e aprendemos a responder aquilo que se espera de nós. A personalidade social é forjada num jogo sutil entre limitação e coação — jogo do qual normalmente estamos conscientes. Um dos traços que diferenciam radicalmente a sociedade humana do restante das sociedades animais é a existência da cultura. A cultura é produzida e transmitida socialmente: ela é adquirida por meio de um processo de aprendizagem em que ocorre na própria sociedade. Cultura e sociedade estão reciprocamente ligadas: a sociedade é o quadro da produção e transmissão de cultura, e a cultura é o instrumento de socialização. O período mais intenso de socialização ocorre na infância, mas não exclusivamente nela, uma vez que o processo continua ao longo da vida do indivíduo. A socialização ocorre de tal maneira que uma boa parte daquilo que se interioriza é vivida como natural — já que o processo ocorreu de forma inconsciente e involuntária. Na infância, ocorre a socialização primária, pela qual a criança se transforma em membro da sociedade, e na qual a família intervém de maneira decisiva. Mais tarde, acontecem outros processos, que já são de socialização secundária e pelos quais o indivíduo se integra em submundos culturais. Um dos fatores determinantes no processo de socialização é a linguagem. Pelo aprendizado da linguagem, assumimos a cosmovisão própria dessa cultura. Outros fatores socializados são a família, a escola, os meios de comunicação etc. Em suma, é a própria sociedade que, por meio dos grupos e instituições que a compõem, funciona como agente socializador. Os grupos sociais As instituições Ordem e mudança social Caixa: Um animal social Caixa: Sociedade e felicidade

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Caixa: Os sistemas sociais &&&& O poder do estado Todas as sociedades existentes ao longo da história se organizaram politicamente, dando lugar ao estado. O termo estado pode referir-se à sociedade, na medida em que ela está organizada segundo determinadas leis e determinadas instituições encarregadas de seu cumprimento; mas pode referir-se também apenas às instituições. Nesse sentido, o estado é a instância encarregada de exercer o controle sobre os integrantes da sociedade. São muitos os problemas que a existência do estado suscita: a origem e o limite de seu poder, problema que por sua vez implica o de sua legitimidade; as funções que deve cumprir; e a divisão de poderes no seu interior.

A diversas formas de organização social Toda sociedade — da mais simples à mais complexa — está organizada de uma determinada maneira, a partir de uma série de pautas ou regras que definem como devem ser as relações entre seus membros. Ao longo da história, ocorreram diversas formas de organização social. As primeiras sociedades humanas foram caçadoras e coletoras... Normalmente, são sociedades participativas: todos os machos adultos costumam se reunir para tomar as decisões importantes. As principais diferenças são de sexo: os homens se dedicam à caça e dominam as atividades públicas, e as mulheres à colheita de grãos, ao preparo da comida e à criação dos filhos. A essas sociedades, sucederam as sociedades agrícolas e pecuaristas, dedicadas fundamentalmente ao cultivo em pequenas hortas e à criação de animais. A regularidade na obtenção de alimentos e o assentamento estável num determinado território permitiram que os grupos se tornassem mais numerosos... São sociedades governadas por um chefe, que pode chegar a ter um considerável poder pessoal. Por volta do ano 6.000 a.C., surgiram sociedades de grandes dimensões e com uma estrutura bastante complexa. Essas sociedades — chamadas estados ou civilizações tradicionais — existiram até o século XIX, e deram lugar às sociedades modernas... A classe dominante era uma aristocracia que desfrutava de vida cômoda e luxuosa, enquanto para o resto da população as condições de vida eram extremamente duras. A industrialização é o acontecimento que determina o surgimento das sociedades modernas. Esse processo tem início na Inglaterra no século XVIII e estabeleceu uma mudança radical tanto no modo de vida das pessoas quanto na forma de organização política. Em relação ao modo de vida, a imensa maioria da população abandonou a agricultura e passou a trabalhar na indústria, no comércio, na administração. Quanto ao poder político, aparecem os estados nacionais, comunidades políticas separadas por

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fronteiras claramente delimitadas e com instituições que regulam amplos aspectos da vida dos cidadãos. Dois novos fenômenos caracterizam as sociedades atuais: a globalização e o grande desenvolvimento tecnológico. A globalização consiste na interdependência — tanto econômica quanto cultural — de todos os países do mundo. Por sua vez, os avanços tecnológicos provocaram mudanças na forma de conceber e realizar a atividade produtiva, sobretudo com a progressiva diminuição do trabalho manual e a redução do tempo dedicado ao trabalho.

A questão do poder Onde existe convivência e relacionamento entre seres humanos, existem relações de poder: entre indivíduos, entre grupos ou no conjunto da sociedade. Há um uso da palavra "poder" reservado para designar as relações de poder na sociedade: é o poder político. Há um sentido da palavra "poder" (e uma forma de exercê-lo na prática) que consiste na dominação. A dominação é o poder externo exercido sobre os outros, que são submetidos ou reprimidos por ele. Nesse caso, o poder vem associado a certo grau de força ou de violência. A dominação estabelece desigualdade e hierarquia entre os membros de uma sociedade. Há, no entanto, um outro sentido da palavra "poder" que é o de capacidade: poder ser ou poder fazer. Nesse caso, o poder brota de dentro e se refere à capacidade de criação ou desenvolvimento das próprias possibilidades. O problema da dupla acepção do termo "poder" se torna mais patente em relação ao poder político — concretamente, em relação ao poder do estado. Será que o poder político só pode ser compreendido como força ou violência e, portanto, como poder heterônomo, quer dizer, como poder que vem de fora? Ou, pelo contrário, é possível uma sociedade plenamente autônoma, entendendo-se por "autonomia" a capacidade de ter sua própria lei, sem se submeter a ditames externos? Nesse último caso, o poder exclui as hierarquias: seria um poder exercido entre iguais, por meio da palavra. Um poder que é potência de criação e de construção política. O estado moderno

Estrutura e funções do estado As funções que os Estados devem cumprir variam de acordo com as diferentes teorias políticas. Segundo as teorias liberais, nascidas nos séculos XVII e XVIII, os estados deveriam limitar-se à manutenção da ordem e da segurança entre os seus cidadãos. É a concepção do Estado minimo. Trata-se de proteger tanto a segurança interna, dentro da própria comunidade social (os atentados contra os direitos das pessoas ou sua propriedade), quanto a segurança externa (frente à agressão de outros estados). Com

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esse duplo objetivo, o estado, de um lado, promulga leis e estabelece sanções, e, de outro, mantém forças armadas e firma alianças e tratados com os estados estrangeiros. Em relação a todo o resto, trata-se de não limitar em absoluto a livre iniciativa dos indivíduos na busca dos bens desejados por eles. O estado não tem nenhuma outra obrigação com seus cidadãos além das já mencionadas. Essa concepção defende a separação entre as esferas politica e socioeconômica. No outro extremo, encontra-se a concepção do estado protetor de seus cidadãos. Esse modelo foi implantado por consenso na Europa depois da segunda guerra mundial, e é conhecido como o estado do bem-estar. Ele institucionalizou os direitos sociais dos cidadãos e assegura serviços sociais básicos: garantindo um mínimo de bens essenciais, como a saúde e a educação, e subsídios como auxílio-desemprego e pensões de aposentadoria. História da evolução do estado: a Grécia clássica e a Idade Moderna O pensamento político moderno: as teorias do contrato social O pensamento político a partir do século XIX Caixa: Críticas do estado Caixa: A cidade de Agostinho de Hipona Caixa: O exercício do poder &&&& A democracia O estado moderno está associado à democracia. A palavra "democracia" vem do grego demokratia, cujos componentes são demos (povo) e kratos (governo ou poder). Portanto, em seu sentido fundamental, democracia é um sistema político em que o povo governa. Já se tornou clássica a diferenciação de três formas de governo: autocracia (governo de um só), aristocracia (governo dos aristoi, os melhores) e democracia (governo do povo). Há um acordo generalizado em se considerar a democracia a melhor forma de organização politica. O problema é: que conteúdo concreto se deve dar a ela? O primeiro modelo de democracia foi a de Atenas, nos séculos V-IV a.C. Do século III a.C. até o século XIX, a democracia conheceu um período obscuro. A partir do século XIX, a palavra ganhou nova importância — embora a democracia moderna tenha pouco a ver com a antiga.

A democracia direta Historicamente, existiram dois tipos de democracia: a democracia participativa ou direta e a democracia representativa.

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A democracia direta se caracteriza pelo fato de as decisões serem tomadas diretamente pelos membros da comunidade. — Esse tipo de democracia foi o que existiu na antiga Grécia. Os cidadãos (apenas os homens adultos — excluídos os estrangeiros e os escravos) se reuniam em assembleia e ali se debatiam e se aceitavam todos os assuntos de interesse comum. Um dos fatores que tornavam viável essa participação direta de todos os cidadãos era seu número reduzido: calcula-se que a uma reunião da assembleia ateniense deviam comparecer cerca de 6.000 cidadãos, dos quais uns duzentos ou trezentos pediam a palavra. As sociedades coletoras e caçadoras também tomavam suas decisões importantes por meio da participação direta de seus membros, embora essas formas de assembleia tinham pouco a ver com a democracia ateniense, já que nelas não existe um estado no sentido estrito da palavra.

A democracia representativa Nesse tipo de democracia, que é o das sociedades modernas, as decisões são tomadas pelos representantes eleitos pelos cidadãos. O mecanismo dessas democracias é o sistema representativo, que se sustenta nos seguintes princípios: — Direito ao sufrágio universal, pelo qual cada cidadão representa um voto. O sufrágio se tornou um direito universal após um longo processo de lutas sociais: foi um direito conquistado. No início, só uma minoria de cidadãos do sexo masculino tinha esse direito, que mais tarde se estendeu a todos os grupos sociais e, finalmente, às mulheres. — O voto secreto, que protege a liberdade de decisão dos cidadãos. — A celebração de eleições regulares, em que são escolhidos aqueles candidatos que os eleitores consideram mais idôneos. A regularidade é também uma forma de os representados eleitos anteriormente responderem perante seus eleitores, para que possam ser reeleitos. — A aceitação da regra da maioria. Isto significa que, na democracia, decide-se por maioria, embora seja uma exigência democrática o respeito às minorias, sejam elas religiosas, linguísticas, étnicas ou de qualquer outro tipo. — A existência de liberdades públicas: liberdade de expressão (tanto individual quanto coletiva), liberdade de associação, liberdade de imprensa, liberdade religiosa etc. E, junto com todas essas liberdades, a garantia de educação para toda a população. Separação de poderes O estado de direito As democracias modernas são "estado de direito". Essa expressão indica não que o estado crie e utilize um direito, mas que ele está submetido ao direito — quer dizer, que toda a atividade e todo o poder do estado são regulados e controlados pela lei. Trata-se do império da lei. Nos estados democráticos, existe uma constituição, que consiste num

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conjunto de leis com o objetivo de limitar a arbitrariedade do poder e submetê-lo ao direito. Em todo estado de direito, deve haver além disso, uma separação de poderes (legislativo, executivo e judiciário) e o respeito a alguns direitos e liberdades fundamentais. O estado de direito se opõe, portanto, ao estado absolutista ou totalitário. Dois modelos de democracia Caixa: A democracia na América &&&& Direito e justiça Estado, direito e justiça são três realidades políticas inseparáveis: o estado deve ser "estado de direito" e o direito deve ser "justo". Mas é preciso deixar claro o que sejam a justiça e o direito. O direito estabelece a legalidade de um estado, e o cumprimento das leis é a condição da paz social. Existe uma exigência racional não só de legalidade, mas também, e principalmente, de legitimidade, que nos modernos estados de direito equivale à realização de determinado ideal de justiça. O direito Em toda sociedade, existe um conjunto de normas que regulam o comportamento de seus membros. Um dos tipos de normas é o das normas morais, que determinam o comportamento correto em relação ao que é considerado bom ou ruim. As normas morais — ainda que em boa parte variem de acordo com as épocas e as sociedades, e por isso não se pode subestimar seu componente social — devem ser interiorizadas por cada indivíduo, e seu descumprimento não implica sanção externa do grupo social. Outro tipo de normas é o dos usos, convencionalismos relacionados com a boa educação — por exemplo, as regras do vestuário, as normas de cortesia etc. Sua observância indica integração do indivíduo na sociedade, e — embora exista sem dúvida certa pressão social — trata-se de normas que não têm caráter obrigatório nem coativo. Existe também certo tipo de normas: as normas jurídicas, cujo conjunto constitui o direito. São normas de caráter geral e de cumprimento obrigatório. Foram estabelecidas pelo estado, que gera, além disso, as instituições necessárias para seu cumprimento — diante das quais se deve responder no caso de tais normas serem transgredidas. O direito é, portanto, a organização jurídica do estado. Comparado às normas morais, o mundo do direito tem uma exterioridade e uma objetividade totais: suas normas são exteriores ao sujeito — não sendo preciso que ele as assuma em consciência — e se impõem coativamente, quer dizer, pela força. Mas a força se revela um fator insuficiente no cumprimento das normas — o que coloca o problema da legitimidade do direito e da necessária diferenciação dos conceitos de legalidade e legitimidade. O direito constitui a legalidade de um estado: dizemos que alguma coisa é "legal" quando se ajusta ou está conforme a certa legalidade, a certa organização jurídica. Mas a legitimidade é a justificação desse direito, na medida em que tenha sido estabelecido com base em determinados princípios, e por uma instância que a sociedade considere autorizada para isso. Nos estados tradicionais, a legitimidade

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era dada por seu fundamento divino — quer dizer, aceitava-se que se tratava de leis inspiradas pela divindade. Essa concepção determinava inequivocamente a sujeição diante da lei de todos os membros da comunidade, sem possibilidade alguma de discussão racional. Nas sociedades modernas, a legitimidade do direito provém de seu caráter convencional — quer dizer, da consciência de que são os próprios cidadãos, ou seus representantes, que, por consenso, e de uma forma livre e racional, estabelecem tais leis. A exigência que o direito deve cumprir é a de que seja justo, o que nos leva à reflexão sobre o que é a justiça. O direito cumpre, ou deve cumprir, determinadas funções. Algumas delas são: a obtenção da paz social; a garantia da segurança do cidadão, inclusive frente ao próprio estado e aos abusos de poder; o controle social, tanto sobre os cidadãos quanto sobre as próprias instituições do estado (o que é essencial no estado de direito), a proteção dos direitos fundamentais e das liberdades dos indivíduos que compõem um estado. Para os defensores do estado do bem-estar, esse deve procurar, além disso, uma melhor distribuição da riqueza, garantindo o acesso de todos os cidadãos a certos bens básicos, como educação e saúde. Direito natural e direito positivo A justiça Nossa acepção de justiça provém do grego diké, que significa "ajustamento das partes ao todo". Na Grécia antiga, falava-se de uma "justiça cósmica universal", em virtude da qual todas as coisas cumpriam sua função e, como resultado disso, o próprio conjunto estava em equilíbrio e harmonia. Nesse sentido, justiça equivale a "cumprimento da lei que governa todas as coisas". Essa noção de ajustamento entre as partes se mantém, de uma forma ou de outra, nos três pontos de vista possíveis sobre justiça: a justiça como moral individual, a justiça como reguladora das relações sociais e a justiça em seu aspecto jurídico. A justiça como virtude moral A justiça como reguladora da sociedade A justiça como cumprimento da lei e da organização jurídica Justiça e direito Caixa: O caráter do jusnaturalismo Caixa: Os direitos humanos na América Caixa: Os direitos humanos Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 17)

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Sociologia, Pensamento Sociológico Durante o século XIX, no princípio das mudanças sociais provocadas pela revolução francesa e pela revolução industrial, cresce o interesse pelo estudo dos temas relacionados com o homem a partir de uma perspectiva inédita: cotidianidade, aquilo aparentemente sem transcendência, considerado normal e corrente. As perguntas que os pensadores dessa época se fazem — o que é a natureza humana? por que a sociedade é estruturada de uma determinada maneira? como e por que as sociedades mudam? — são as mesmas dos sociólogos contemporâneos. Para responder a isso, o sociólogo se propõe a conhecer as relações que estruturam a existência de todo o coletivo social — não só dos ricos e poderosos, mas do homem comum, seus ambientes e suas instituições cotidianas.

Um breve esboço A sociologia clássica, que tem sua origem nas formulações dos sistemas gerais de interpretação da história de Comte (positivismo) e Marx (materialismo histórico), prossegue seu trabalho de fundamentação com as importantes contribuições de Durkheim e Weber. Com eles, a sociologia ganha o perfil de uma ciência acabada e aberta, portanto, a novos desenvolvimentos. Desde o começo do século XX se produz uma paulatina institucionalização dessa nova disciplina, ao mesmo tempo que uma fragmentação em diferentes perspectivas teóricas e especializações. Embora seja na América do Norte que se observam, durante as primeiras décadas do século, um interesse público e universitário por essa nova ciência e pela fixação dos métodos e técnicas próprias de investigação, será na Europa, ao terminar a segunda guerra mundial, que se realizarão as primeiras reformulações críticas da disciplina. Nas últimas décadas do século XX, ocorrem uma desagregação e a especialização de temas de interesse entre os diferentes sociólogos. Nesse sentido, falamos de sociologia cultural, de sociologia política etc.

A sociologia francesa: Durkheim A herança de Comte é respeitada na França por Émile Durkheim (1858-1917), para quem a sociologia é essa ciência positiva que investiga os "fatos sociais", mas de acordo com uma metodologia de que ainda não dispõe e que, portanto, convém desenvolver. Coerente com esse projeto, depois de publicar sua primeira obra importante — Da divisão do trabalho social (1893) —, Durkheim lança As regras do método sociológico (1895), onde expõe a necessidade de que as investigações em sociologia tenham por objeto a descrição dos fenômenos sociais, assim como o estudo das causas que os produzem; mas com uma obrigatoriedade: a de que essas investigações sejam feitas a partir de um exaustivo trabalho empírico que para isso deve contar com alguns instrumentos especificamente desenvolvidos pelas próprias exigências do material investigado.

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Durkheim pondera sobre a utilização de dois grandes instrumentos, o direito e a estatística, como auxiliares altamente valiosos. O primeiro, como manifestação de algumas regras que surgem da consciência coletiva, constitui uma fonte imprescindível para a análise dos fatos sociais. A estatística por sua vez — e convém ressaltar que em sua obra O suicídio (1897), Durkheim é o pioneiro na utilização de dados estatísticos — , garante a objetividade da análise sociológica, ao mesmo tempo que permite uma compreensão dos fenômenos sociais enquanto tais, quer dizer, para além das motivações psicológicas que dão conta do comportamento individual. Para Durkheim, os fatos sociais não podem ser explicados em termos individuais. A sociedade é algo além da simples soma dos indivíduos que dela fazem parte, e a sociologia, ao estudar os fatos sociais, investiga modalidades de ação, de pensamento e de sentimento externas ao indivíduo e, ao mesmo tempo, dotadas de tal força de coerção que se impõem necessariamente à consciência individual. A sociologia, portanto, busca a explicação dos fenômenos sociais na própria estrutura da sociedade — e o caráter autônomo dessa estrutura social já se manifesta no próprio fato de que o indivíduo carece de poder de transformá-la sozinho.

O conceito de anomia e o conceito de função Anomia. Amplamente utilizado na sociologia contemporânea, o conceito de anomia descreve uma característica essencial das modernas sociedades industrializadas: nestas, como consequência da transformação radical que experimentaram desde a época da revolução industrial, a consciência coletiva se enfraqueceu e as normas sociais, cuja internalização é necessária para a saúde do corpo social, não se recompuseram com o objetivo de possibilitar novos caminhos de integração. Durkheim sustenta, portanto, um conceito orgânico da sociedade; Esta é uma totalidade que se manifesta para a consciência individual por meio de uma série de representações coletivas, que são compartilhadas pelos intérpretes de uma comunidade. Resta, no entanto, explicar por que razão aparece um fenômeno social e não outro, quer dizer, o "como" e o "porquê" do aparecimento de um determinado fato social. Durkheim evita a análise historicista e se inclina para uma análise funcional que terá grande influência na sociologia e na antropologia contemporâneas. O que importa no momento em que se deve dar conta de um fato social, é a função que ele cumpre. "Empregamos a palavra função em vez de fim ou objeto — diz — justamente porque os fatos sociais, em geral, não existem pelos resultados úteis que produzem. O que se deve determinar é se existe correspondência entre o fato considerado e as necessidades gerais do organismo, sem nos preocuparmos se foi intencional ou não."

A sociologia alemã: Weber Muito diferente é a concepção que Max Weber (1864-1920) tem da sociologia, entre outras razões porque sua obra surge no contexto cultural alemão do historicismo e do

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neokantismo e expressa uma grande preocupação com a fundamentação epistemológica das ciências sociais. Já de saída, é muito forte em Weber o lastro da filosofia kantiana, e essa impõe limites muito precisos a respeito do que se pode conhecer. "Todo conhecimento conceitual da realidade por parte do espírito humano finito — esclarece esse sociólogo alemão — apoia-se de fato sobre o pressuposto tanto de que apenas uma parte finita dessa realidade forma o objeto da investigação científica." O conhecimento da realidade social impõe, além disso, outras limitações. Partindo da diferenciação feita por Dilthey entre ciências da natureza e ciências do espírito, Weber se pergunta sobre as condições de objetividade das ciências sociais. Enquanto as ciências da natureza explicam fenômenos em termos de leis, as ciências sociais (que entram na categoria diltheyana das ciências do espírito) não podem se fundamentar cientificamente da mesma maneira, uma vez que o conhecimento que buscam é um conhecimento individual dos fenômenos. As ciências sociais explicam acontecimentos isolados que aparecem sempre relacionados com ideias de valor. A metodologia das ciências sociais, portanto, deve ter por princípio a "neutralidade valorativa", já que "não existe nenhuma análise científica puramente objetiva da vida cultural ou dos fenômenos sociais, independente dos pontos de vista específicos e unilaterais, segundo os quais aqueles fenômenos — expressa ou tacitamente, consciente ou inconscientemente — são selecionados como objetos de investigações, analisados e organizados por meio da expressão". De modo que, por um lado, o objeto de investigação da sociologia (como uma ciência social) é constituído por acontecimentos isolados, que são significativos na medida em que são finalistas, quer dizer, em que aparecem ligados a valores ou categorias destrutivas do agir humanos. Mas, por outro lado, o estudo de tais acontecimentos deve ser feito a partir de uma posição neutra do investigador.

Multicausalidade Essa "neutralidade valorativa", típica da metodologia weberiana, apoia-se em outro elemento igualmente característico desse cientista: a multicausalidade. Weber destaca essa multicausalidade no mais célebre de seus trabalhos A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-1905). Trata-se de uma investigação sobre as origens do capitalismo europeu em que se demonstra o caráter unilateral das teses de Marx (que analisa essas mesmas origens em termos de causas econômicas e sociais). Caráter unilateral não quer dizer caráter falso, mas apenas monocausal. E o que Weber quer demonstrar é que as origens do capitalismo na Europa podem ser explicadas tanto do ponto de vista escolhido por Marx quanto do que ele mesmo propõe e que é o da religião. Na obra que comentamos, a análise weberiana ressalta de forma inapelável a profunda ligação que existiu entre o processo de formação do capitalismo europeu e a presença de formas religiosas ascéticas, particularmente do calvinismo e do puritanismo. Estas

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confissões religiosas, nas quais a predestinação é uma ideia central, exaltaram eticamente o trabalho, opuseram-se ao "gozo despreocupado da riqueza" e, ao fazerem isso, criaram, diz Weber, "a mais poderosa alavanca de expansão da concepção de vida que chamamos de espírito de capitalismo.

A burocratização do sociedade A sociologia de Max Weber, sólida em seus fundamentos epistemológicos e extraordinariamente rica na pluralidade de seus enfoques (os trabalhos mais importantes desse autor, além do mencionado anteriormente, encontram-se reunidos em Economia e sociedade, obra publicada postumamente em 1921-1922), utiliza duas importantes categorias de análise de um lado, a categoria de racionalização; de outro, a de força carismática. A dinâmica da história, pela ótica weberiana, consiste num processo de racionalização de forças que são em si mesmas irracionais. A força carismática, da qual um dirigente político pode estar dotado, tem suas raízes nessas forças irracionais, e é por essa razão que desperta o entusiasmo das pessoas, acima de suas diferenças de classe e de status social. O que prevalece, entretanto, na história do Ocidente é a racionalização trazida pelo capitalismo, valendo-se de um cálculo cada vez mais preciso dos meios encaminhados para a obtenção de certos fins. Para Weber, esse processo de racionalização cada vez mais eficaz é o que explica a crescente burocratização das sociedades contemporâneas e a consequente despersonalização da vida individual.

A sociologia europeia depois de Weber A influência de Durkheim e Weber está presente em maior ou menor grau nas principais correntes da sociologia contemporânea. Assim, por exemplo, destacou-se a influência weberiana na chamada sociologia do conhecimento, cujo principal teórico é o sociólogo alemão Karl Mannheim (1891-1947), que apanha as contribuições da fenomenologia, da psicanálise e do marxismo. Os trabalhos de manheim se concentram nas questões estruturais da ordem social na formação das ideologias em sua ligação com determinadas condições sociais. Num sentido amplo, a sociologia do conhecimento se ocupa "dos diversos modos como a realidade se revela ao sujeito em consequência das diferentes posições sociais em que encontra". Raymond Aron (1905-1983) descobre a sociologia também por meio de Weber, e contribui para que esse autor se torne conhecido na França. Filósofo e escritor político crítico, ele exerceu influência sobre as gerações posteriores de analistas e políticos franceses. Aron se interessa sobretudo pelas relações que se estabelecem entre a estrutura social e os regimes políticos na sociedade industrial. Em seus trabalhos, desmascara as concepções pseudodemocráticas dos regimes do Leste, a partir de uma posição crítica, e refletindo sobre a bipolaridade do mundo contemporâneo - LesteOeste.

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A sociologia americana: o funcionalismo A influência de Durkheim, em contrapartida, já determinante no que concerne ao funcionalismo, corrente estabelecida primordialmente nos Estados Unidos e que tem como representantes máximos Talcott Parsons (1902-1979) e Robert K. Merton (n. 1910). Estes sociólogos concebem a sociedade como uma unidade funcional que integra de forma coerente a relação entre todos os seus componentes. Parsons, professor da Universidade de Harvard, é um dos principais teóricos da sociologia e o que chegou mais longe na elaboração de uma teoria geral da sociologia. Sua perspectiva teórica se impôs como hegemônica nos Estados Unidos, depois da publicação em 1937 de A estrutura da ação social, e dado, por extensão, no mundo inteiro, diante da ausência da estrutura de ligação da disciplina na Europa. Sua teoria geral, muito abstrata, conhecida como funcionalismo ou funcionalismo estrutural, baseia-se no princípio de que a análise de qualquer instituição social deve ser feito em função do que ela traz para o funcionamento e manutenção da sociedade como um todo. No fundo, o funcionalismo é uma adaptação à sociologia do mecanismo de explicação da teoria darwiniana da seleção natural. Um traço ou uma instituição particular de uma sociedade se explica por esse mecanismo, por sua contribuição para a sobrevivência de tal sociedade. Merton, discípulo de Parsons, desenvolve um funcionalismo menos abstrato e mais preocupado com a investigação empírica. As vozes críticas contra o funcionalismo Oposta a essa sociologia funcionalista e à sua formalização excessiva está a sociologia crítica - uma de suas orientações mais importantes é constituída pelos trabalhos da escola de Frankfurt. Os principais sociólogos de tal escola como Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse, incorporam à sua análise marxista da sociedade elementos procedentes da psicanálise freudiana e em alguns casos, também da sociologia de Max Weber. Segundo Adorno, "não existe conhecimento que não seja simultaneamente crítico, em virtude do discernimento, inerente a ele, entre verdadeiro e falso". O tema central do pensamento de Jürgen Habermas (n. 1929) é o da racionalidade, termo que significa para ele "a forma como os sujeitos capazes de linguagem e ação fazem uso do conhecimento". Há também os trabalhos de Pierre Bourdieu (1930-2002) que mostram como a burguesia se reproduz por meio do ensino. Para Bourdieu, a sociologia, ao pôr em evidência os determinismos sociais, coloca em dúvida os pressupostos de liberdade e autonomia inerentes ao individualismo moderno, ao mesmo tempo em que é o instrumento para nos ajudar na tomada de consciência das próprias determinações, por meio da reflexividade. Temática Barsa - Filosofia (Cópia)

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Demônios de Sócrates Sócrates, Demônio de. Nos diálogos de Platão, Sócrates frequentemente faz alusão a seu demônio (daimon), a um deus ou gênio personificando seu destino e prevenindo-o contra esta ou aquela escolha ou atitude a ser tomada. Intervindo sempre para impedi-lo de cair no erro, esse demônio simboliza ao mesmo tempo a intuição, a presença do divino e a retidão do pensamento. (1) Demônio de Sócrates (démon de Socrate). É um bom demônio, uma espécie de anjo da guarda, mas que só sabe falar e unicamente de forma negativa: ele nunca diz o que se deve fazer, somente o que devemos evitar ou nos proibir (ver por exemplo Platão, Apologia de Sócrates, 31 d e 40 a-c). Os que não creem nem nos demônios nem nos anjos verão nele uma imagem bastante justa da consciência moral. Quanto ao que devemos fazer de positivo, cabe à inteligência, mais do que à moral, decidir. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) COMTE-SPONVILLE, André, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Solidariedade Solidariedade. Do latim solidus, maçiço, que forma bloco. - A) 1. Jur. O fato, com relação aos devedores, de estarem "obrigados a uma mesma coisa, de maneira que cada um possa ser coagido pela totalidade" (C.C., 1200). 2. Fís., Biol., Soc., Psico. Dependência unilateral de parte de um mecanismo com respeito a outro, de um órgão com respeito a outro, de uma geração com respeito às precedentes e ger. do presente com respeito ao passado: "A hereditariedade é uma forma de solidariedade"; "A solidariedade pessoal é dupla: por um lado, conforme a pessoa se tenha determinado no passado, assim quererá determinar-se no futuro; ... por outro lado, a natureza moral adquirida torna-se elemento das determinações da pessoa atual" (Renouvier). 3. Biol., Soc., Psico. Dependência recíproca entre elementos e funções num organismo, numa sociedade etc.: "O ser vivo se define pela solidariedade das funções que liga as partes distintas" (Ch. Gide); "É a repartição contínua dos diferentes trabalhos humanos que constitui a solidariedade social" (Comte). Esp. Soc. Em Durkheim: "solidariedade mecânica", solidariedade que existe nas sociedades pouco diferenciadas e repousa na similitude das unidades que as compõem (conformismo); "solidariedade orgânica", a que é criada pela divisão do trabalho e repousa nas diferenças das funções, tornadas necessárias umas às outras. B) 4. Dever ou virtude resultante, ou da solidariedade de uma geração com respeito às precedentes, para com as quais se reconhece devedora, ou da solidariedade dos indivíduos que tomam consciência de suas obrigações recíprocas como membros do mesmo corpo: a palavra solidariedade tomou, desde alguns anos, novo sentido ... Exprime, então, a noção de um dever a ser observado por todo homem diante de seus semelhantes" (L. Bourgeois); "Ato de solidariedade". (1)

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(1) CUVILLIER, A. Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica. Tradução e Adaptação de Lólio Lourenço de Oliveira e J. B. Damasco Penna. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961.

olipsismo Solipsismo. Do latim solus, só, e ipse, ele mesmo. Termo de sentido negativo, e até mesmo pejorativo, designando o isolamento da consciência individual em si mesma, tanto em relação ao mundo externo quanto em relação a outras consciências; é considerado como consequência do idealismo radical. Pode-se dizer que a certeza do cogito cartesiano leva ao solipsismo, que só é superado apelando-se para a existência de Deus. (1) Solipsismo. A crença de que, além de nós, só existem as nossas experiências. O solipsismo é a consequência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiências anteriores e pessoais, e de não se conseguir encontrar uma ponte pela qual esses estados nos deem a conhecer alguma coisa que esteja além deles. O solipsismo do momento presente estende este ceticismo aos nossos próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o eu presente. Russell conta-nos que conheceu uma mulher que se dizia solipsista e que estava espantada por não existirem mais pessoas como ela. (2) Solipsismo. O eu é tudo o que existe. (3)

Solipsismo Metodológico. A concepção de que no estudo dos processos cognitivos estes devem ser considerados abstraindo-se do ambiente em que o sujeito se encontra. O motivo mais forte para essa sugestão reside na comparação entre o processamento cognitivo e o processo de seguir um programa de computador. Qualquer interpretação que os elementos de um programa possam ter no mundo exterior (como o fato de o símbolo $ corresponder a uma unidade monetária) é irrelevante para a execução do programa. A doutrina também pode ser motivada pela ideia de que os estados psicológicos de uma pessoa têm de ser supervenientes em relação aos estados do seu cérebro e em relação a nada mais. É certo que o ambiente afeta o estado do cérebro, mas depois é apenas esse estado que cria e fixa a psicologia resultante. Essa linha de pensamento tem sido severamente desafiada, especialmente nos debates sobre o conteúdo lato e restrito. (2) (1) JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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(3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Subjetivo, Subjetivismo, Subjetividade Subjetivo. É subjetivo o que pertence a um sujeito: na medida em que ele é consciente (pode-se desse modo denominar de psicologia subjetiva a que procede por introspecção); na medida em que difere dos outros (o termo pode então ser pejorativo). Qualquer tendência ou teoria que privilegie o subjetivo ao objetivo é chamada de subjetivismo. No sentido comum, a subjetividade abrange o conjunto das particularidades psicológicas que só pertencem a um sujeito. Mais filosoficamente, subjetividade é sinônimo de vida consciente, tal como o sujeito pode captá-la nele, e, onde delimita sua singularidade. (1)

Subjetivismo. 1. Tendência viciosa para a subjetividade. 2. Filos. Tendência filosófica que pretende reconduzir qualquer juízo de valor ou da realidade a estados ou atos de consciência dos indivíduos concretos. 3. Teoria de que a necessidade de certas formas lógicas deriva só da contribuição do nosso espírito. 4. Doutrina que considera que o supremo bem apenas depende da experiência subjetiva. (2) Subjetividade. Característica do sujeito; aquilo que é pessoal, individual, que pertence ao sujeito e apenas a ele, sendo portanto, em última análise, inacessível a outrem e incomunicável. Interioridade. Vida interior. A filosofia chama de “subjetivas” as qualidades segundas (o quente, o frio, as cores), pois não constituem propriedades dos objetos, mas “afetações” dos sujeitos que as percebem. Nenhum objeto é quente ou frio, mas cada um possui apenas uma certa temperatura. Toda impressão é subjetiva. Por isso, Kant chama de subjetivos o espaço e o tempo, porque não são propriedades dos objetos, não nos são dados pela experiência, mas pertencem ao sujeito cognoscente: são “formas a priori da sensibilidade”. Assim, a subjetividade caracteriza a teoria do conhecimento de Kant. (3) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) Enciclopédia Barsa Universal (3) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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Substância Substância - Etimologicamente, é “que está debaixo” ou o que permanece debaixo das aparências ou dos fenômenos. Substância é o que tem seu ser, não em outro, mas em si ou por si. O contrário de acidente. Substância (substance). Etimologicamente, é o que está sob. Sob o quê? Sob a aparência, sob a mudança, sob os predicados: a substância é outra palavra para designar a essência, a permanência, o sujeito ou a conjunção dos três. A substância é a essência, isto é, o ser: ousía, em grego, pode ser traduzido, conforme o autor e o contexto, por qualquer uma dessas três palavras. Nesse sentido, somente o ser individual é verdadeiramente substância: só ele é um ser, propriamente dito. É o caso de Sócrates, desta pedra ou de Deus. A humanidade, a mineralidade ou a divindade são apenas abstrações. A substância é o que permanece idêntico a si sob a multiplicidade dos acidentes ou das mudanças. E alguma coisa tem de permanecer, senão qualquer mudança e qualquer acidente seriam ininteligíveis (já que não haveria nada que pudesse mudar, nem a que algo pudesse acontecer). Por exemplo, quando digo que Sócrates envelheceu: isso supõe que ele continua a ser Sócrates. A substância, nesse sentido, é o sujeito da mudança, já que esse sujeito subsiste ou persiste. É também o sujeito de uma proposição: "aquilo de que todo o resto é afirmado, mas que não é afirmado por outra coisa", como diz Aristóteles (Metafísica, Z, 3). O sujeito de todos os predicados, portanto, que não é predicado de nenhum sujeito. Por exemplo, quando digo que Sócrates é justo ou passeia. Nem a justiça nem o passeio são substâncias: são apenas predicados, atribuídos a uma substância (no caso, Sócrates), a qual não poderia ser predicado de nenhuma substância. É essa acepção lógica da palavra que explica por que Aristóteles, a propósito dos termos gerais, às vezes fala de "substâncias segundas": o homem ou a humanidade podem ser o sujeito de uma proposição, que lhe atribui este ou aquele predicado. Mas são substâncias apenas por analogia: somente os indivíduos são "substâncias primeiras", isto é, substâncias propriamente ditas. É aqui que Aristóteles se afasta de Platão, e talvez seja esse o ponto principal dessa noção, hoje envelhecida, de substância. Em Kant, a substância é uma das três categorias da relação. Ela é o que não muda no que muda. Seu esquema é "a permanência do real no tempo". Seu princípio, a "primeira analogia da experiência": "Todos os fenômenos contêm algo permanente (substância) considerado como o próprio objeto, e algo mutável, considerado como uma simples determinação desse objeto, isto é, um modo de sua existência" (C. r. pura, Analítica dos princípios). Ou, na segunda edição francesa: "A substância persiste em toda mudança dos fenômenos, e sua quantidade não aumenta nem diminui na natureza." Faz tempo que, para nossos físicos, essa permanência deixou de ser uma evidência. Se algo conserva, é a energia. Mas não é uma coisa, nem um ser individual, nem um sujeito (a não ser no sentido puramente lógico do termo). Que sentido teria em ver nela uma substância? (1)

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Substancialismo. Doutrina que afirma a existência de uma substância ou realidade autônoma composta de substâncias, independente de nossa percepção ou conhecimento. Oposto a fenomenismo. Ver realismo; objetivismo. (2) (1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011. (2) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Suicídio Suicídio. Do francês suicide, por analogia com homicídio, do latim homicidium, pela formação sui e cidium, de caedere, matar a si mesmo. São muitos os apressados deste mundo que, inconformados com a demora do fim, buscam abreviá-lo, nem sempre com sucesso. Às vezes, é a cultura que sugere o suicídio como gesto que põe fim a problemas para os quais a solução é a morte, como foi o caso da Antiga Roma, repleta de suicidas, e o Japão, que ainda cultiva o suicídio como ultimo gesto de dignidade possível frente a dificuldades tidas como resolvidas apenas com a morte auto-imposta. Países que reprovam o suicídio, entretanto, abrigam suicidas em grande número, como é o caso da Suíça e da Hungria. A depressão costuma ser componente decisivo dos suicidas, mas há alguns casos célebres em que estiveram em jogo outras questões, como foi o caso do duplo suicídio de Adolfo Hitler e Eva Braun, em 30 de abril de 1945. O corpo do famigerado foi queimado para não ser localizado pelas forças soviéticas que tinham tomado Berlim. Alguns suicidas são falsos, como se descobre depois. Em 1975, a morte do jornalista Vladimir Herzog num dos muitos porões da ditadura, em São Paulo, foi dada como suicídio, mas a verdade prevaleceu, ficando provado que ele morreu sob tortura. (1)

Suicídio. Suicidar-se é dar a morte a si próprio: por que se suicidam as pessoas? Diz-se que por desespero, tédio, frustração, vingança, caso, este último, em que o suicida antegoza o impacto, o sofrimento, as complicações que a sua morte vão provocar naqueles que, segundo ele, foram o motivo de seu ato... Excetuando-se os suicídios que se verificam por força da embriaguez e da loucura, e os quais se podem chamar de inconscientes, todos os mais têm por causa primeira a incredulidade, se não só a incredulidade, pelo menos a simples dúvida quanto ao futuro espiritual; numa palavra: "as ideias materialistas são os maiores 'incentivadores do suicídio'": elas produzem a "frouxidão moral", escreve o pensador espiritualista Allan Kardec. "Quando vemos, pois, homens de ciência, que se apoiam na autoridade do seu saber, esforçarem-se para provar aos seus ouvintes, ou aos seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não os vemos tentando convencê-los de que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Ou poderiam dizer para afastá-los dessa ideia? Que compensações poderão oferecer-lhes? Nada além do nada! De onde é forçoso concluir que, se o nada é o único remédio heroico, a única perspectiva possível, mais vale atirarse logo a ele, do que deixar para mais tarde, aumentando assim o sofrimento. A propagação das ideias materialistas é, portanto, o veneno que inocula em muitos a ideia

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do suicídio, e os que se fazem seus apóstolos assumem uma terrível responsabilidade". (2)

Suicídio. O fato do suicídio é estudado por diversas ciências, nomeadamente a psicologia e a sociologia (esta a partir do clássico estudo de E. Durkheim, Le Suicide, 1907) e suas auxiliares, que o procuram descrever o mais exatamente possível, tipificálo, descobrir-lhe as causas e fatores etc. A avaliação ética — não no sentido de avaliar a responsabilidade moral de quem se suicida — está intimamente ligada com questões tão fundamentais como as do sentido da vida, da morte , da autonomia humana — numa palavra, com as radicais e decisivas questões acerca do homem e de Deus. Com razão escreveu A. Camus, em Le Mythe de Sisyphe, que "só existe um problema filosoficamente sério, o suicídio". Trata-se de saber "se a vida merece ou não ser vivida". Para o homem, viver não é um simples fato; se a vida não se apresenta como valor, se fica sem sentido, deixaria de haver razão de viver: em tal circunstância — a verificar-se — a única decisão coerente, para o "ser de sentido" que o homem é, seria a de deixar de viver, pondo termo à vida. Observação: não tem sentido viver sem sentido. O que nos põe inevitavelmente perante a questão fundamental e decisiva: a vida humana, ou pelo menos algumas vidas humanas, poderá ser totalmente carente de sentido? As considerações dos filósofos se concentram em três tópicos. Primeiro, mal que o suicida causa a si mesmo. O fato de grande número dos que foram impedidos ou falharem na sua tentativa de suicídio não se revoltarem ou lamentarem por isso, levanos crer que a vida deve conservar algum sentido. A questão de fundo que o suicídio levanta fica por responder. Segundo, insistem outros nos males e prejuízos de múltipla ordem que o suicida causa a terceiros e à sociedade. A verificar-se a hipótese de que a supressão da vida de alguém faz falta e prejudica a terceiros, isso significa que tal vida tem valor e sentido — pelo menos para esses a quem a supressão afeta. Bastará esse fato para que o próprio pretendente ao suicídio, por alegada falta de sentido da própria vida, esteja moralmente obrigado a conservá-la? Esta leva ao terceiro tipo de argumentação usualmente apresentada contra a licitude do suicídio — o suicida viola o senhorio, supremo e exclusivo, que Deus sobre ela tem. A argumentação comum aos pensadores crentes, particularmente cristãos, mas não só, encontramo-la já formuladas por Sócrates (Fédon, 62b). Suposta a existência do Criador e seu consequente supremo "senhorio", este argumento será indiscutível e universalmente válido se se verificar o pressuposto implícito que nele está incluído, a saber: o senhorio divino sobre a vida humana é absolutamente exclusivo de Deus, pelo que sempre e em todos os casos em que alguém decide pôr termo à vida viola esse senhorio. Ora mesmo entre autores cristãos, sobretudo recentes, não faltam alguns que pensam não haver razões apodíticas que fundamentem este pressuposto; o que o leva a admitir como não destituída de probabilidade a opinião segundo a qual certas ações auto mortais (a autoquiria dos antigos) praticadas em favor de terceiros — p. ex., para salvar

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vidas alheias, ameaçadas pela extorsão de informações que o próprio não tem possibilidade de impedir — constituíram sacrifícios de vida plenamente justificados, nas quais se verifica a palavra evangélica: "ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por quem ama". Tendo em conta a conotação pejorativa que geralmente anda ligada à palavra suicídio, propõem estes autores que assim não se chamem as tais ações auto mortais, mas antes "sacrifícios da vida". E julguem que neles não se viola o supremo senhorio de Deus — supremo, mas não absolutamente exclusivo —, porque, atuando "segundo a razão", as pessoas em causa estariam a agir "segundo Deus", de acordo com sua vontade (e portanto com "sentido") uma vez que atuavam graças à autonomia subordinada própria do sujeito racional, "senhor" de si sem deixar de ter Deus por Senhor. A principal dificuldade em admitir a posição exposta reside talvez no fato de a vida temporal ser condição do relacionamento livre do homem com Deus, da recepção e resposta aos apelos que Ele lhe dirige (e que dão sentido à vida), condição que o suicida elimina. (3)

Suicídio. Ato voluntário por meio do qual a pessoa se dá a morte, o suicídio é decididamente condenado pelo cristianismo e apreciado de maneira diversa pela filosofia, que nele discerne o ponto de encontro onde se entrelaçam no drama a liberdade e o sentido da vida humana. Concebido por Platão como um ato ímpio contrário à vontade dos deuses (Fédon, as Leis), o suicídio é, em compensação considerado favoravelmente pelos estoicos, contanto que a busca da morte não se transforme em paixão: "às vezes é o medo da morte que leva os homens à morte" (Sêneca), enquanto "o sensato não foge da vida, dela sai" (ibid.). O valor moral do suicídio repousa aqui na apreciação dos critérios que o legitimam. Porém, na moral de Kant, o suicídio jamais pode ser admitido, na medida em que o desaparecimento voluntário do sujeito moral equivale a "fazer a própria moralidade desaparecer do mundo". Assinalemos que o surrealismo considera naturalmente o suicídio um ato liberador — como no romantismo — um "impulso mortal" (René Crevel) que ao contrário do impulso vital de Bergson, leva a um além das realidades terrestres, enquanto Camus o condena, pois ele impede a aceitação da vida com lucidez e coragem a exemplo de Sísifo. No século XX, o suicídio foi objeto de uma das primeiras aplicações do método objetivo em sociologia com Durkheim, que o analisa como um fenômeno anômico que traduz o enfraquecimento dos laços sociais. (4)

Suicídio. Ato de se matar. Frequentemente, o suicídio ocorre no contexto de um episódio depressivo maior, mas pode ocorrer também como resultado de um transtorno por uso de substância ou esquizofrenia. (5)

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Suicídio altruísta. Suicídio cometido, ou ações suicidas praticadas, na crença de que isso beneficiará o grupo ou servirá a um bem maior, conforme exemplificado pelas bombas suicidas de terroristas, os ataques kamikaze da Segunda Guerra Mundial ou os suicídios de adultos mais velhos que acreditam ser uma carga para a família. (5) Suicídio estendido. Suicídio-homicídio em que o homicídio quanto o suicídio refletem o processo suicida. O indivíduo primeiro mata aqueles que identifica como parte de sua identidade ou eu estendido e depois comete o suicídio. (5) Suicídio passivo. Comportamento ambíguo que tende a ser autodestrutivo, mas não o é ativamente, e às vezes parece refletir intenções suicidas. Exemplos desse comportamento incluem deixar de se alimentar ou se cuidar de forma rudimental. (5) Suicídio pela polícia. O ato, por uma pessoa que é suicida, de induzir intencionalmente um policial a dar-lhe um tiro. (5) Suicídio psíquico. Pretensa forma de autodestruição na qual o indivíduo decide morrer e na verdade o faz sem apelar para uma ação física. (5) Suicidologia. Disciplina multiprofissional dedicada ao estudo de fenômenos suicidas e sua prevenção. os principais grupos envolvidos são: (a) cientistas (epidemiologistas, sociólogos, estatísticos, demógrafos, e psicólogos sociais); (b) médicos (psicólogos clínicos, psiquiatra, assistentes sociais, voluntários treinados e membros do clero); (c) educadores (educadores de saúde pública e pessoal de escolas e faculdades). (5) Mais: suicídio anômico, suicídio assistido, suicídio assistido pelo médico, suicídio coletivo, suicídio egoísta e suicídio em massa. (5)

Depressão e Suicídio. Devido ao profundo desespero do indivíduo deprimido, não é de surpreender que o suicídio seja um risco bastante real. Eis a descrição de kay Jamison sobre um episódio de depressão: "Todos os dias eu acordava extremamente cansada, um sentimento tão estranho para meu self natural quanto estar entediada ou indiferente à vida. Isso vinha depois. Então, sentia uma preocupação desanimadora e cinzenta com a morte, com morrer, com decair, que tudo nascia apenas para morrer, que era melhor morrer agora para me livrar da dor da espera". (1995, p. 38) Indivíduos com depressão maior e indivíduos na fase depressiva do transtorno bipolar podem se tornar suicidas. Alguns chegam a tentar se suicidar, e vários conseguem. O risco de suicídio é maior entre indivíduos com transtorno bipolar do que entre aqueles com depressão maior. De fato, até 20% dos indivíduos com transtorno bipolar cometem suicídio. O risco de suicídio são licenças de fim de semana do hospital e o período imediatamente após a alta. As mulheres têm probabilidade três vezes maior de tentar o suicídio do que os homens, mas, quando os homens fazem uma tentativa, a probabilidade de conseguirem é maior. De fato, quatro vezes mais homens se matam do que as mulheres. Uma razão para a diferença está na escolha dos métodos. As mulheres têm maior probabilidade do que os homens de cortar os pulsos ou tomar um vidro de pílulas para dormir, métodos para os

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quais existe perspectiva de resgate. Os homens, por outro lado, tendem a usar métodos irreversíveis, como armas de fogo ou saltar do telhado. Muitos indivíduos depressivos acreditam que eles e o mundo não têm jeito e que não prestam. (6) (1) SILVA, Deonísio da. De Onde Vêm as Palavras. São Paulo: A Girafa, 2004. (Coleção o mundo são palavras) (2) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (5) VANDENBOS, Gary R. (Org.). Dicionário de Psicologia APA. Tradução de Daniel Bueno, Maria Adriana Verissimo Veronese, Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artmed, 2010. (6) GLEITMAN, H., REISBERG, D. e GROSS, J. Psicologia. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. 7. ed., Porto Alegre: Artmed, 2009.

Sujeito Sujeito. Do latim subjectus. 1. Em um sentido lógico-linguístico, o sujeito de uma proposição representa aquilo de que se fala, a que se atribui um predicado ou propriedade. Ex.: Na proposição "Sócrates foi o mestre de Platão", "Sócrates" é o sujeito, "mestre de Platão", o predicado. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Summum Bonum Summum Bonum. O sumo bem. Para os cristãos, o summum bonum é a vida eterna; para os utilitaristas, a felicidade; para os egatonistas, o bem-estar da própria pessoa e dos outros. (1) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

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Super-Homem Super-homem. Termo inspirado a Nietzsche por Goethe para designar um tipo superior de homem, forjado pela vontade de poder cujo exercício será tornado possível com a "morte de Deus", ou seja, o fim da mentalidade cristã e a transmutação de todos os valores. "O homem só existe para ser superado": o super-homem, do qual Zaratustra é apenas o arauto, será indiferente a moralidade vulgar, plenamente consciente de sua unidade e de sua liberdade criadora. (1) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Superstição Superstição. Do latim superstitio, observação escrupulosa, medo religioso. 1. No sentido genérico, estado de espírito exprimindo o medo de um poder invisível e permitindo atribuir-nos um poder mágico a certas práticas ou circunstâncias. Ex.: dá azar passar por debaixo de uma escada. 2. Filosófica e teologicamente, culto religioso degenerado ou pervertido baseado numa religião feita de medo e contrária à razão: "A superstição é um culto de religião, falso, mal dirigido, repleto de vãos terrores, contrário à razão e às ideias sadias que podemos ter do ser supremo" (Diderot e d'Alembert). (1) Superstição. Excesso ou aberrações da religião, ou a forma de religião de que não se compartilha. Foi Cícero quem definiu a superstição no primeiro sentido: "Não só os filósofos mas também os nossos antepassados distinguiram a superstição da religião: aqueles que rezavam o dia inteiro e imolavam vítimas para que os filhos sobrevivessem [lat. superstes, superstitis = sobrevivente] foram chamados de supersticiosos, e depois essa palavra ganhou significado mais extenso" (De nat. deor., II, 28, 71-72). Essa definição foi repetida substancialmente por Tomás de Aquino: A superstição é o vício que, por excesso, se opõe à religião, pois se presta culto divino a quem não se deve ou na forma indevida" (S. Th., II, 2, q. 93, a. 1). No segundo sentido, foi definida por Hobbes: "O temor diante dos poderes invisíveis, se estes forem imaginados pelo espírito ou sugeridos por narrativas publicamente admitidas, é religião; se sugeridos por narrativas não admitidas publicamente, é superstição" (Leviath., 1, 6). Obviamente, superstição é um termo polêmico: para o estudo objetivo (antropológico ou sociológico) das crenças, não existem superstições, e sempre que se fala em superstição, está-se tomando como referência determinado sistema religioso, que é considerado o único verdadeiro. Assim, cada religião parece superstição aos seguidores de uma religião diferente, e a única descrição exata do termo é a que se encontra em Hobbes. (2)

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(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 6ª ed., São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

Tabula Rasa Tabula Rasa. Expressão latina tornada célebre por Locke e Leibniz a propósito do debate em torno do inato e do adquirido. Para Locke, o espírito humano é, desde seu nascimento, como uma tabula rasa, adquirindo todos os seus conhecimentos pela experiência. Leibniz, ao contrário, acredita que há no espírito humano certos elementos inatos (como a ideia de causa, de comparação, de número etc.) e que não podem ser retirados da experiência. Ver adquirido/inato (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Talento Talento. Diz-se do grau de aptidão de uma pessoa, que é capaz de adquirir conhecimentos, facilmente, em certos setores do conhecimento, e de se tornar perito nos mesmos e até criador. (1) O sentido metafórico desse termo, derivado da parábola evangélica dos Talentos (Mat. 25, 14-36) é, segundo Kant, o de "uma superioridade da faculdade conhecedora, que não provém do ensino mas da aptidão natural do sujeito" (2)

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Talento mais que um dom, menos que gênio. De uma criança dotada para a matemática ou para o desenho, não se dirá necessariamente que tem talento. E um artista talentoso ou genial, como Cézanne, pode se apenas moderadamente dotado. O dom é uma facilidade para aprender. O talento, uma potência para criar. O dom é dado ao nascer: tem a ver com a genética. O talento se conquista mais durante a infância e a adolescência: ele tem a ver com a história, a psicologia, a aventura de ser ou tornar-se si mesmo. O dom é impessoal. O talento seria, ao contrário, a própria pessoa, quando consegue se expressar de maneira criativa e singular. É sabido que a palavra vem de uma metáfora. Na célebre parábola dos talentos, Jesus compara implicitamente com moedas (os “talentos”) as capacidades que cada um recebeu, e que tem de fazer dar frutos. É menos importante o talento do que o que se faz com ele. Já não se trata de talento, mas de obra ou desperdício. (3) (1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. (2) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (3) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Taoísmo Taoísmo. Doutrina de Lao-Tsé (que viveu na China provavelmente no séc. VI a.C.), a quem se atribui o Tao Te Ching, isto é, o Livro do Conhecimento e da Virtude. Em oposição ao caráter racionalista, terreno e prático do ensinamento de Confúcio, está o caráter místico, religioso e contemplativo do ensinamento de Lao-Tsé. Nele encontramos vestígios do panteísmo metafísico dos Upanishad. Os dois aspectos principais do Taoísmo são: movimento panteísta, segundo o qual o tao, que é o caminho para a salvação, é também o princípio único do universo (todas as outras coisas suas são manifestação); a ética do não fazer, ou seja, entrega à ação imanente do princípio cósmico, é a renúncia a interferir nele ou a obstá-lo. (1) Embora o Tao-te king proclame incessantemente a supremacia do nada sobre o ser, do vazio sobre o pleno, isso não deve ser entendido no termo simplista de uma negação da vida. Ao contrário, o objetivo ultimo do taoísmo é a obtenção da imortalidade. Esse objetivo insere-se numa teoria complexa da economia do corpo cósmico. O ser humano é a imagem do universo, animado por um sopro primordial dividido em yin e yang, feminino e masculino, Terra e Céu. O fenômeno da vida identifica-se com esse sopro oculto por trás de suas manifestações. Há numerosos procedimentos para alimentar o princípio vital: ginástica, técnicas respiratórias e sexuais, absorção de drogas, alquimia interior etc. a meditação é parte integrante do taoísmo e anterior ao budismo. O objetivo da alquimia taoísta é a fabricação do elixir da imortalidade.(2) Taoísmo. O termo tao costuma ser traduzido por caminho, no entanto, na filosofia taoísta representa o significado último do seu pensamento e, por isso, não pode ser

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nomeado. É um processo de transformação da natureza (fan), a sobrevivência dos seres em constante movimento, no qual, chegados ao limite, se transformam no seu contrário, completando um movimento de saída e retorno (fu). Trata-se também da superação do yin e do yang, a dualidade primordial do Universo, das cinco fases (madeira, fogo, terra, metal e água) que estrutura a variedade dos elementos da natureza. É, ainda, a origem de todas as coisas, anterior à matéria primordial (yuan qi) e, tratando-se da última origem dos seres e do ser, (you), é definido como o não ser (wu). Além de qualquer conceitualização, o tao não é nem material, nem espiritual, não se pode identificar com o ser ou com o não ser, pois o tao, que não é nada, é o nada que é tudo. Significa a superação do dualismo, a unidade primordial. (3) = = = >>

O Pensamento Ocidental e o Taoísmo Sérgio Biagi Gregório “Se alguém sabe como cessar os pensamentos, então há concentração; concentrando-se se pode ‘chegar à tranqüilidade’; por meio da tranqüilidade, pode-se obter a paz; com a paz se alcança a sabedoria; e com a sabedoria pode-se ter o Tao”.

Lao-Tsé SUMÁRIO: 1. Definição de Tao. 2. Origem da Palavra. 3. O Tao É uma Ordem Universal. 4. A Arte Ocidental e a Arte Chinesa. 5. Causalidade e Sincronicidade. 6. Dialética Hegeliana. 7. Pressupostos acerca do Homem. 8. O Mar e a Montanha. 9. Busca da Verdade. 10. A Metáfora da Água e o Repouso do Sábio. 11. Bibliografia Consultada.

1. DEFINIÇÃO DE TAO O Tao não pode ser definido. E se for definido não é o Tao. O que isto significa? Significa que o Tao está acima e além da compreensão humana comum. A linguagem não possui palavras nem símbolos que o definam. É mais ou menos o que acontece quando queremos definir Deus. Podemos dizer que Deus é isso, aquilo, mas sempre será uma definição incompleta, pois não temos condições de penetrar na intimidade do Criador. Ele também não é uma religião. Em realidade, Tao quer dizer como; como as coisas acontecem, como elas funcionam. É o princípio único que está subjacente a todos os acontecimentos. 2. ORIGEM DA PALAVRA A palavra Tao vem do livro de Lao-Tsé, intitulado, o Tao Te Ching. Este livro, constituído de 81 versos ou lições, surgiu há 2.600. E tudo isto começou quando ele, funcionário em uma corte depravada e corrupta, resolveu abandonar o país em busca de lugares mais serenos, onde pudesse repousar sua cabeça cansada. Consta que Lao-Tsé, ao deixar o país com as roupas do corpo e montado no lombo de um boi, dirigiu-se à fronteira. Lá chegando, encontrou um guarda que o reconheceu e pediu que este lhe ensinasse tudo o que sabia. Lao-Tsé aceitou a tarefa e em uma só noite escreveu o pequeno livro. Diz-se que Lao-Tsé estava mais do que inspirado, ele estava iluminado. 3. O TAO É UMA ORDEM UNIVERSAL Ordem aqui tem um sentido de Lei. Só que não é uma Lei comum. É uma Lei de cuja origem não se tem notícia, mas que vem funcionando antes que o mundo fosse mundo, ou que o Universo

716 fosse Universo. Ela não é uma lei natural física como, por exemplo, a Lei da Gravidade, presente em todo o Universo. No entanto, a gravidade não se aplica a certas coisas mais sutis, como por exemplo, o pensamento. Não temos conhecimento de uma balança que marque o peso de uma idéia. Uma Ordem tem outra conotação: ela se aplica a tudo o que existe, gente, animais, pensamentos e estrelas. Ninguém a pode desconhecer, porque ela está acima de qualquer coisa. Ela não manda, nem os outros a obedecem. Uma Ordem não é uma Lei. Por ser universal, ela deve ser aplicada em qualquer lugar do Universo. Por isso, é também cósmica. 4. A ARTE OCIDENTAL E A ARTE CHINESA A arte ocidental, como outros aspectos de nossa cultura, inclinou-se para os mecanismos do sistema econômico materialista, em que a eficácia e o funcionamento prevalecem sobre a beleza e a qualidade. Ela não pode desempenhar a função social que é tornar consciente o subconsciente, abrir as portas à percepção. A arte chinesa inclinou-se para a sondagem dos mistérios da mente. Quase toda a pintura chinesa é paisagista. Não há retratos, porque não se fomenta a personalidade. No ocidente, a arte, concentrando-se mais no homem, busca a sua personalidade, a sua individualidade. 5. CAUSALIDADE E SINCRONICIDADE Para explicar os fenômenos da natureza, a cultura ocidental aceita o principio de causalidade; a cultura chinesa, o princípio da sincronicidade. Sincronicidade significa que existe uma correspondência entre os estados simultâneos dos sistemas dos fenômenos. A conexão dos fenômenos não é de causa e efeito, mas de homologia entre os fenômenos que ocorrem ao mesmo tempo. Para eles não há dualidade. A destruição é construção; A construção é destruição. Não há destruição e construção: Ambas são só um e o mesmo. 6. DIALÉTICA HEGELIANA Hegel conhecia o I Ching e o Tao Te Ching. Ele dava aula sobre as matérias contidas nesses livros. A dialética hegeliana é a tradução ocidental da concepção chinesa de evolução pela ação dos opostos. Ying-yang, masculino e feminino e bem e mal não são dualidades – coisas separadas – mas polaridades ou estados extremos de uma mesma coisa, como as pontas de um bastão. 7. PRESSUPOSTOS ACERCA DO HOMEM No ocidente há o pressuposto de que o homem é mal. Por isso a frase: “Homo homini lupus”, que traduzido quer dizer: “O homem é lobo do próprio homem”. O confucionismo, por exemplo, parte da tese de que o homem é bom. Quando as relações humanas se constroem pensando que o homem é mal, o homem acaba o sendo. Ashley Montagu disse que na natureza são mais importantes e numerosas as relações de simbiose e cooperação do que as de depredação. 8. O MAR E A MONTANHA O mar propicia uma atitude argumentativa; a montanha; uma atitude de contemplação.

717 Os filósofos gregos construíram as suas academias junto ao Mar Mediterrâneo; o taoísmo foi sempre situado nas montanhas. 9. BUSCA DA VERDADE A filosofia ocidental pergunta o que é a verdade; o taoísmo, o modo de atuar. Para buscar a verdade, a nossa filosofia observa, argumenta, analisa e deduz, quer dizer, atua para conhecer. O taoísmo conhece para atuar e não chega ao conhecimento por uma ação prévia, mas sim por uma não-ação. Se observar e argumentar são as ferramentas da filosofia ocidental, a naturalidade e a espontaneidade são os meios de atuar dos taoístas. Esta atitude está contida nos dois conceitos básicos do taoísmo, que são: Wu-wei = nada fazer e Tzu-jan = nada conhecer. A não-ação criativa do wu-wei é a pura naturalidade. O não conhecer do tzu-jan é a pura espontaneidade. Resumindo: Wu-wei quer dizer: 1) seguir a linha da menor resistência; 2) esperar o momento do retorno. Tzu-jan quer dizer: 1) a mente em branco ou não mente; 2) o reflexo. 10. A METÁFORA DA ÁGUA E O REPOUSO DO SÁBIO O repouso do sábio não é o que o mundo chama de inação. Seu repouso é o resultado de sua atividade mental: toda a criação não poderia alterar seu equilíbrio; daí o seu repouso. Quando a água está quieta, é como um espelho, dá precisão ao nível e o filósofo a toma como modelo. E se água deriva a sua lucidez de sua quietude, quanto mais as faculdades da mente. A mente do sábio, por estar em repouso, deve espelhar o universo, espéculo de toda a criação. Repouso, tranqüilidade, quietude, naturalidade são os níveis do universo, a perfeição última do Tao. “Se nada em seu interior está rígido As coisas exteriores se abrirão por si mesmas Em movimento, assim como a água; Quando quieto, como um espelho. Responde como um eco”. OBSERVAÇÃO: Chuang-tzu está para Lao-Tsé como Paulo está para Cristo. BIBLIOGRAFIA RACIONERO, Luis. Textos de Estetica Taoista. Madrid: Alianza, 1983.

<< = = = Taoísmo taoísmo é uma doutrina filosófica e religiosa fundada por Lao Tse, que viveu na China provavelmente no séc. VI a.C., a quem se atribui o Tao Te Ching, Isto é, o Livro do Caminho e da Virtude. De acordo com o seu monismo panteísta, o Tao é o caminho para a salvação e o princípio eterno do qual procedem todos os fenômenos. Além desse monismo, sobressai,

718 também, a ética do não-fazer, ou seja, a entrega à ação imanente do princípio cósmico e a renúncia em interferir nele ou obstá-lo.

O taoísmo surgiu como oposição ao caráter racionalista, terreno e prático do ensinamento de Confúcio. Contudo, a partir da chegada do Budismo, o taoísmo passa a sofrer de complexo de inferioridade. Por um lado, o confucionismo obriga-o a renegar as práticas ocultas e os deuses populares. Por outro, o budismo submete-o a uma pressão intelectual à qual ele é incapaz de responder. O taoísmo ultrapassou os limites geográficos da China e chegou no ocidente. Nesse mister, Holmes Welch, em 1957, contava 36 traduções inglesas do Tao Te King, enquanto não existia nenhuma crítica completa sobre o taoísmo.

Embora o Tao Te King proclame a supremacia do nada sobre o ser, do vazio sobre o pleno, isso não pode ser interpretado como uma negação da vida. Em sua doutrina prática, traça como objetivo último a salvação da alma ou a imortalidade do ser. Para tanto, há numerosos procedimentos, desde a alimentação frugal até os exercícios de meditação profunda. Para o taoísmo, a imortalidade refere-se à renúncia aos desejos, à posse, ao dinheiro etc. Os seus adeptos devem seguir o fluxo dos acontecimentos, sem forçar para que as coisas aconteçam dessa ou daquela maneira.

O taoísmo instrui, também, sobre a guerra, em que todo o combatente deve estar sujeito ao princípio único, ou seja, deixar que o efeito se produza por si mesmo. Assim, o general não deve atacar frontalmente o inimigo, mas ir lentamente o isolando até que ele se considere vencido. Quer dizer, ir analisando pormenorizadamente o adversário, verificando o seu ponto fraco, de modo que quando o atacar, a vitória será imediata. Em outra ocasião, fala que o general deve levar os seus comandados para uma situação, sem recuo, tal que: ou lutam ou morrem.

O taoísmo evoca a liderança construtiva. Nesse mister, faz uma alusão à água, pois esta se amolda em qualquer recipiente. Do mesmo modo o líder, ele deve ser flexível e seguir sempre a liderança do grupo, no sentido de beneficiar a tudo e sem querer que as coisas tomem um determinado rumo. O líder deve agir como uma parteira que, depois de ver o nascimento da criança, deixa-a por conta dos seus progenitores. Ele deve auxiliar o processo de crescimento do outro, mas sem se intrometer na sua execução.

O taoísmo é uma filosofia que estimulou muitos escritores ocidentais. Com sua simplicidade e coerência, abre enormes campos de reflexões, em que

719 podemos fazer comparações entre a racionalidade ocidental e o misticismo oriental.

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O Pensamento Ocidental e o Taoísmo "Se alguém sabe como cessar os pensamentos, então há concentração; concentrando-se se pode ‘chegar à tranquilidade’; por meio da tranquilidade, pode-se obter a paz; com a paz se alcança a sabedoria; e com a sabedoria pode-se ter o Tao". (Lao-Tsé)

= = = >>

(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) ELIADE, M. e COULIANO, I. P. Dicionário das Religiões. Trad. de Ivone Castilho Benedetti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. (3) ENCICLOPÉDIA BARSA UNIVERSAL.

Tautologia Tautologia. Designa em lógica uma proposição cujo predicado repete o sujeito - em termos idênticos ou não. Exemplo: o vivo é o que vive. Considera-se então o termo de maneira pejorativa para evocar uma aparência de explicação ou de definição que se contenta em utilizar termos diferentes para dizer a mesma coisa duas vezes - por exemplo: o ópio faz dormir porque tem faculdades dormitivas. (1) Tecnicamente, uma fórmula do cálculo proposicional que é verdadeira qualquer que seja o valor de verdade atribuído às variáveis proposicionais que nela ocorram. (Uma tautologia é, portanto, válida, isto é, verdadeira em todas as interpretações). Em contextos mais informais, considera-se que uma tautologia é uma proposição que "nada diz" ou que meramente repete uma definição. (2) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Teleologia Teleologia. (Do grego telos, fim, e logos, discurso.) Ciência ou estudo da finalidade. Quando é sinônimo de finalismo, o termo se opõe a mecanismo. Segundo Kant, o uso da teleologia é justificado no estudo do ser vivo ou da obra de arte, pois nos dois casos,

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a explicação teleológica, que considera as partes em virtude do todo, é a única esclarecedora. (1) Teleológico. 1. Concernente a teleologia. 2. Fil. Diz-se de explicação, argumento etc. que faz a relação entre um fato e sua causa final. (2) Teleologia. A suposição de que existe uma finalidade ou propósito nos acontecimentos não humanos. Crença, elaborada por Aristóteles, de que a natureza tem um propósito. (3) Teleologia. Explicação dos fenômenos pelo propósito a que servem e não por meio de causas postuladas. (4) (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (3) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário). (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Temática Barsa Filosofia O volume de Filosofia da TEMÁTICA BARSA apresenta um panorama geral da história das ideias e das disciplinas surgidas a partir da aplicação e da análise dos princípios filosóficos e do método científico. Entre elas, merecem destaque especial as ciências sociais dedicadas ao estudo do homem, tais como a ética, a antropologia e a sociologia. Também são analisados aqui os principais sistemas religiosos elaborados pelo ser humano ao longo da história, assim como as atitudes filosóficas que deles derivam. Cada seção abre com o título correspondente e com uma breve introdução, cujo objetivo é situar o leitor apresentando-lhe a matéria em estudo. Após a introdução, vem o texto, articulado por uma série de parágrafos encimados por subtítulos que apresentam a informação e ajudam a localizar os conceitos.

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TEMÁTICA BARSA – FILOSOFIA (Ordem dos capítulos) 1) Origens da filosofia 2) Filosofia clássica e o helenismo 3) O advento do cristianismo 4) Filosofia medieval 5) Renascimento 6) Nova ciência 7) Racionalismo 8) Empirismo 9) Iluminismo 10) Idealismo alemão 11) Século XIX 12) Século XX 13) Novas disciplinas do século XX 14) O ser humano 15) O conhecimento 16) A ação 17) Sociedade e Política 18) Pensamento e religião

Origens da Filosofia Do Mito à Razão A história do pensamento ocidental tem início quando o homem distingue nitidamente duas formas de acesso ao conhecimento da realidade. A primeira dela está representada pelo mito, que se sustenta por meio da imaginação. A segunda se baseia no uso da

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razão, isto é, na explicação racional das coisas. O uso da razão é inseparável de uma linguagem que se manifesta mediante conceitos e está profundamente conectada com a experiência que se tem das coisas. Na realidade, razão e experiência são pólos que se determinam reciprocamente. Há dois mil anos o homem, por essa via racional, começou a questionar isto que se encontra fora dele e que chamamos de "mundo", mas com o objetivo de compreendê-lo tal como ele é, e não como parece ser (via mítica, imaginária). Por meio da razão e da experiência o homem quis que as coisas falassem por si mesmas, e com essa abertura mental fez nascer o pensamento filosófico e científico.

Grécia, berço da filosofia Essa revolução intelectual que estabeleceu a passagem do conhecimento mítico ao conhecimento racional das coisas ocorreu nos inícios do século VI a.C. na Grécia. Mais exatamente, nas colonias gregas localizadas na Jônia, na costa da Anatólia. Pouco depois, aquela revolução se reproduziu, como parte de um mesmo processo, na Sicília e no sul da Itália, isto é, nos territórios da Magna Grécia, que também haviam sido colonizados pelos gregos. E finalmente chegou a Atenas. Em algumas cidades da costa da Anatólia, como Mileto e Éfeso, produziu-se uma verdadeira transferência de conhecimentos astronômicos e matemáticos; os gregos, como se disse, assimilaram das civilizações orientais um espírito de geometrização que estimulou a investigação direta dos mistérios do Universo.

O mito Desde o começo de sua história o ser humano sentiu necessidade de compreender tanto a realidade em que vive quanto a sua própria realidade. O desconhecimento das coisas deixa o ser humano à mercê delas, perturba-o, na medida em que ele não sabe o que esperar, não sabe como reagir diante do que lhe ocorre, e isso gera medo e ansiedade. Foi a necessidade de superar esse estado de incerteza que levou a humanidade a buscar explicações que transformassem essa desordem com que o mundo se apresenta em uma ordem que permitisse algum domínio e controle da situação e, com isso, alguma tranquilidade. Isso significa, em suma, conhecer. O mito constitui a primeira tentativa da humanidade de interpretar os mistérios do Universo. Ele tem a forma de uma narrativa e se refere sempre a uma criação, conta a forma como alguma coisa começou a existir. Seus protagonistas são seres sobrenaturais, com um poder muito superior ao dos humanos, razão pela qual nunca são plenamente compreendidos em suas ações. Aquilo que se explica no mito ocorreu em um tempo não humano, "pré-humano", pois é o relato da criação do mundo e nesse tempo a humanidade ainda não existia. No entanto, o que ocorreu nesse tempo permite compreender o humano e o mundo presente, e proporciona uma referência de atuação nesse mundo e um certo domínio sobre ele.

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Ainda é possível rastrear-se o pensamento mítico, em toda a sua plenitude, nas sociedades primitivas da África, da América e da Oceania. Mas ele também sobrevive em nós, embora de forma menos estruturada. Com efeito, tudo aquilo que escapa a nosso conhecimento racional e que lutas por encontrar uma explicação se enquadra nas formas do pensamento mítico. O sonho, a fantasia e o vasto mundo do desejo que mora no interior das pessoas se orientam com frequência por formas não racionais.

O mito na Grécia Para compreender melhor a transformação mental que estabeleceu a passagem do mito à razão, convém analisar rapidamente duas grandes manifestações do pensamento mítico grego. A primeira é constituída pela obra de Homero que data do século X a.C.; a segunda, pela de Hesíodo, autor da Teogonia, datada do século VIII a.C. Trata-se de duas expressões que, apesar de suas diferenças, pertencem ao mundo mítico que antecede o nascimento da razão grega. Uma característica da concepção homérica é apresentar um Universo governado por deuses, isto é, por forças ao mesmo tempo luminosas e obscuras, que criaram o mundo e controlam o destino dos humanos. Quando a razão entrar em cena, exigirá a dissolução daquele Universo sobre-humano, a fim de que o homem possa encontrar a verdade e ser dono do seu destino. A obra de Hesíodo, por sua vez, narra as origens do mundo e se enquadra, por isso, no ciclo das cosmogonias míticas. Cosmogonia é uma história da criação do mundo. "No começo era o Caos", diz Hesíodo. O caos é pura extensão, sem consistência orgânica; um vazio sobre o qual se assenta Gaia, a Terra, "base segura de tudo que é".

O nascimento do pensamento racional O pensamento racional se torna possível quando aparece na Grécia uma nova forma de organização social: a pólis. As novas condições de vida tornam necessária uma nova maneira de explicar as coisas, uma nova maneira de pensar. Já não é suficiente a narrativa de deuses cuja conduta nunca logramos compreender plenamente e em geral é arbitrário, irracional e imprevisível. São três os traços que marcam a diferença entre o pensamento mítico e o novo tipo de pensamento, o racional. Em primeiro lugar, o pensamento racional dispensa agentes e forças sobrenaturais: deve-se buscar as causas do mundo natural dentro dos próprios limites do mundo. Pressupõe, além disso, que o mundo visível oculta uma ordem necessária, não arbitrária, previsível, o que o torna algo racional e plenamente inteligível, compreensível para a razão humana. E é isso que constitui a terceira característica do pensamento: a razão humana é o instrumento único e suficiente para a investigação. Contudo, em suas primeiras manifestações o pensamento racional não estabelece uma ruptura total com o pensamento mítico. Não apenas porque ambos são tentativas de compreensão da realidade, mas porque o esquema explicativo é, no fundamental, o mesmo: a formação do mundo ordenado a partir de um caos originário do qual os pares

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de opostos foram se separando - o quente do frio, o seco do úmido, a noite do dia etc. Os pré-socráticos Tales, Anaximandro e Anaxímenes se perguntam em primeiro lugar como foi possível que, de uma desordem inicial (caos), tenha surgido um Universo ordenado (cosmos). Não investigam, como faz a ciência moderna, as leis da natureza: o que lhes interessa é compreender essa transição do caos ao cosmos, e é exatamente isso o que fazem as cosmogonias míticas.

A physis Nesse empenho de explicar como se produz a transformação do caos em cosmos, o pensamento racional é ainda devedor do mito. Mas há uma verdadeira emancipação do modelo mítico, já que os primeiros filósofos, ou seja, os pré-socráticos, procuravam um princípio racional (suscetível de ser entendido a partir da razão) que abrigue a totalidade das coisas. Para eles, esse princípio de onde tudo surge e que explica tudo o que existe (homem e mundo) é a physis, ou natureza. O conceito grego de natureza não corresponde ponto por ponto ao conceito desenvolvido a partir da ciência modema, embora mantenham aspectos comuns. Assim a physis é entendida em duplo sentido: como totalidade do Universo, exceto as coisas produzidas pelo homem, e também como a forma permanente das coisas, como quando se fala da natureza disso ou daquilo. A physis é uma realidade ordenada em que cada um dos seus elementos ocupa um lugar ou cumpre uma função. Essa ordem é dinâmica, e não estática: ao contrário, o movimento é precisamente o que constituí a natureza da physis. Perguntar-se pela natureza e perguntar-se a respeito do que as coisas são e, a partir daí, explicar seus movimentos e processos. É também perguntar-se a respeito do que determina a ordem dos acontecimentos, aparentemente caóticos. É perguntar-se, em suma, a respeito do princípio que torna inteligível a realidade. O conhecimento filosófico Essa investigação da natureza que os pré-socráticos iniciam não é, contudo, uma investigação experimental. Os pensadores gregos desejam unicamente compreender o mundo. Por isso o pensamento nasce na Grécia como filosofia e não como ciência (no sentido que essa palavra tem para nós). A filosofia é antes de mais nada uma aspiração a uma certeza indiscutível. A Physis dos primeiros pensadores é um principio que, por abranger tudo o que existe, também exclui tudo o que não existe. Não há nada fora da physis. Mas também não há nada fora desse conhecimento que chega por meio da filosofia. Esta, desde seus inícios, constrói-se como um saber, ou episteme (que para os gregos quer dizer "ciência"), baseado na ideia da totalidade, um saber fundamentado que é capaz de excluir todas as outras formas de saber como sendo enganosas, meramente ilusórias ou apenas aparentes. Esse movimento rumo ao saber autêntico, (sofia) se produz por meio do amor (philia, philo); daí que o filósofo seja o amante da sabedoria, aquele que aspira chegar à certeza que lhe advém de um saber incontroverso, indubitável. E o mecanismo pelo qual se adquire esse saber indiscutível é a razão, o logos, que capta as coisas tais como elas são,

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tais como se revelam (em grego, a verdade é chamada de aletheia, que significa "revelar algo que estava oculto"). Etapas do pensamento antigo Com essa transformação mental revolucionária que conduz das crenças míticas ao saber filosófico, tem início a história do pensamento na Antiguidade. Nesse histórico, podemse distinguir três grandes etapas. Na primeira, que vai até Sócrates, os gregos procuravam acima de tudo uma explicação para o devir, isto é, para o fato de que as coisas surgem do nada para retornar a ele. Essa característica, que está na própria origem da filosofia, produz ao mesmo tempo maravilha e espanto, admiração e estupor. Numa segunda etapa, essas duas polarizações confluem para os grandes sistemas metafísico de Platão e Aristóteles. Neles se busca a conciliação da experiência do devir com a exigência racional de que, por trás de toda a mudança, existe um fundamento imutável das coisas (esse é o sentido da palavra metafísica). A última das grandes etapas do pensamento antigo está configurada pelo advento do cristianismo, que, em certo sentido - já que é uma crença baseada na fé -, estabelece um retorno ao mito. Apesar disso, os pensadores cristãos contribuem, como se verá, com poderosas razões filosóficas para a compreensão do sentido do devir e, ao mesmo tempo, introduzem dimensões desconhecidas no pensamento filosófico que nasce entre os gregos.

Caixa: A ciência grega

Caixa: O Universo ordenado da pólis O aparecimento do pensamento racional está intimamente ligado à pólis, instituição essencial da Antiguidade grega. A pólis, ou cidade-estado, é um agrupamento humano que conta com um número limitado de habitantes. Em seu aspecto característico, é constituída por uma cidadela, ou acrópole, a cujos pés se estende a cidade baixa (asty). A pólis é, portanto, um universo ordenado, um cosmos que goza de uma estrutura social homogênea e de configuração política de caráter democrático em que a palavra é veículo de ações que dizem respeito a todas as partes integrantes da cidade. Essa ordem e essa transparência estão em íntima conexão com o aparecimento de um pensamento que se desvincula do mito e da religião para transferir para a natureza uma investigação que já é do tipo racional. A razão grega é filha da cidade, de suas leis jurídicas, de seu funcionamento igualitário e democrático e de sua prática retórica. A razão nos gregos é filha também da política - palavra que, não à toa, deriva de pólis.

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Os pré-socráticos: a escola de Mileto e a escola pitagórica Costuma-se reunir os filósofos jônios, pitagóricos, eleáticos e pluralistas sob a denominação de "pré-socráticos". Isso ocorre porque são anteriores a Sócrates, embora nem todos. O critério, mais do que cronológico é temático. A filosofia dos présocráticos se ocupa da natureza e busca um princípio universal que explique a evidência da mudança e daquilo que permanece por debaixo dela. Por isso eles são reunidos. Outra razão para reuni-los é a tendência comum de seu pensamento. Apesar de suas diferenças, todos eles propõem um modelo cosmológico que é racional (está afastado, portanto, do mito) e que tem, ao mesmo tempo, um caráter totalizador. O ser, aquilo que é, encontra-se dentro desse modelo e para além dele nada mais é: o que há é o não-ser, ou seja, o nada. A escola de Mileto A primeira escola filosófica é a escola de Mileto, que se desenvolve entre os séculos VI e V a.C. Os filósofos jônios (também chamados assim por ser essa a região a que pertencia Mileto) são, por ordem, cronológica, Tales, Anaximandro e Anaxímenes. A ocorrência da mudança constitui o ponto de partida dos milésios. As coisas nascem e crescem, mas também se decompõem e morrem. Como filósofos que são, contemplam de forma desinteressada esse fato (esse ver desinteressado, que se distingue dos que veem as coisas num sentido prático porque fazem parte dela, denomina-se em grego orao, termo do qual deriva theoria). Tratam de encontrar um princípio, um elemento primário que permanece para além do devir das coisas, do seu nascimento e morte. Os milésios chamam esse princípio de arké. O arké é a origem a partir da qual os seres do Universo são gerados; é, portanto, princípio de tudo o que existe. É um princípio material que dá unidade a toda a diversidade com que a realidade se apresenta, o princípio que subjaz a tudo e o torna compreensível.

Tales, Anaximandro, Anaxímenes

A escola pitagórica Contemporânea dos milésios é a escola pitagórica, fundada na Itália meridional por volta de 530 a.C., por Pitágoras (570-479 a.C.). Os pitagóricos foram, acima de tudo, matemáticos ("os primeiros que fizeram as matemáticas progredirem", diz Aristóteles) e sua dedicação a essa matéria influi decididamente em sua explicação acerca da natureza do real. Observaram, de fato, como múltiplas propriedades e comportamentos dos seres reais podem ser formuladas matematicamente, e estabeleceram que todos os seres do Universo - o que são e sua forma de se comportar - são matematicamente formuláveis. Afirmaram que os números constituem a natureza do Universo e que são o princípio de todas as coisas que conhecemos têm número, e que sem esse nada poderíamos conhecer.

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Os números procedem de dois elementos: o par e o ímpar. Na natureza encontramos a mesma oposição, a mesma dualidade: par-ímpar, limitado-ilimitado, bom-mau, luzescuridão etc. - o que são apenas concreções dos dois princípios originais propostos. A unidade, contudo, engloba os dois: é par e ímpar ao mesmo tempo. Os pitagóricos identificam a mais alta expressão dessa harmonia na música, nas leis numéricas que governam os sons. A música é, por isso, a expressão de uma harmonia cósmica, já que o cosmos, para os pitagóricos, é uma estrutura ordenada que podemos conhecer justamente em virtude das relações numéricas que o governam. A escola pitagórica tem também uma dimensão religiosa e mística. Seus membros viviam em comunidade e suas doutrinas eram secretas, e só podiam ser conhecidas pelos adeptos. Assim como os seguidores do orfismo, os pitagóricos acreditavam na transmigração das almas (metempsicosis) e consideravam o conhecimento como um meio de purificação espiritual inseparável de outras práticas ascéticas e que tinha como objetivo interromper a perambulação da alma pelo ciclo das reencarnações.

Caixa: Os milésios

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Os pré-socráticos: Heráclito e Parmênides Com Heráclito, em quem culmina a especulação da escola jônia, e com Parmênides, que é o pensador mais importante da escola eleática, enfrentam-se duas maneiras antitéticas de pensar. O primeiro sustenta que o que é está mudando incessantemente; o segundo, ao contrário, afirma que a mudança é um conceito ilusório: o que é sempre existiu e não pode se transformar (não pode estar sujeito à passagem do não-ser ao ser do ser ao nãoser). A influência de Parmênides foi enorme na história do pensamento ocidental. Representa o polo da razão, que exige o caráter permanente e imutável do ser. Heráclito, por sua vez, representa o polo da experiência, que diz que as coisas são mutáveis, que nascem e morrem. Heráclito de Éfeso

Parmênides de Eleia

Caixa: A escola eleática

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Os pré-socráticos: os filósofos pluralistas Os conceitos de Parmênides e dos eleáticos, que põem em primeiro plano as dificuldades para se explicar a mudança, abrem uma ruptura entre razão e experiência que os filósofos pluralistas tentarão preencher mais adiante. Tanto Empédocles como Anaxágoras renunciam à ideia de um princípio único que dê conta de todas as coisas em favor de uma pluralidade de princípios. Com esse salto do monismo ao pluralismo, tentam conciliar o caráter imutável e eterno do ser exigido pela razão com a evidência empírica do devir incessante das coisas. Alinhados com os pluralistas encontram-se os filósofos atomistas Leucipo e Demócrito. Existe uma profunda afinidade entre pluralistas e atomistas, mas o atomismo se destaca originalmente por sustentar uma concepção materialista do Universo na qual se introduz o vazio (o não-ser) como elemento necessário.

Empédocles de Agrigento

Anáxagoras

O atomismo

Caixa: A época dos pré-socráticos

625 a.C. Nascimento de Tales de Mileto

...

462 a.C. Governo de Péricles em Atenas.

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TEMÁTICA BARSA - FILOSOFIA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 1)

TEMÁTICA BARSA – FILOSOFIA (Ordem dos capítulos) 1) Origens da filosofia 2) Filosofia clássica e o helenismo 3) O advento do cristianismo 4) Filosofia medieval 5) Renascimento 6) Nova ciência 7) Racionalismo 8) Empirismo 9) Iluminismo 10) Idealismo alemão 11) Século XIX 12) Século XX 13) Novas disciplinas do século XX 14) O ser humano 15) O conhecimento 16) A ação 17) Sociedade e Política 18) Pensamento e religião &&&&&

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Pré-socráticos. Termo que designa, na história da filosofia, os primeiros filósofos gregos anteriores a Sócrates (sécs. VI-V a.C.), também denominados fisiólogos por se ocuparem com o conhecimento do mundo natural (physis). Tales de Mileto (640-c.548 a.C.) é considerado, já por Aristóteles, como o “primeiro filósofo”, devido à sua busca de um primeiro princípio natural que explicasse a origem de todas as coisas. Tales é tido como o fundador da escola jônica, que inclui seu discípulo Anaximandro. As principais escolas filosóficas pré-socráticas, além da escola jônica, são: a atomista, incluído Leucipo (450-420 a.C.) e Demócrito (c.460-c370 a.C.); a pitagórica, fundada por Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.); a eleata, de Xenófanes (séc. VI a.C.) e Parmênides (c.510 a.C.) e seu discípulo Zenão; a mobilista, de Heráclito (c.480 a.C.). Com Sócrates e os sofistas, a filosofia grega toma novo rumo, sendo que a preocupação cosmológica deixa de ser predominante, dando lugar a uma preocupação maior com a experiência humana, o domínio dos valores e o problema do conhecimento.

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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A Filosofia Clássica e o Helenismo Os sofistas O triunfo da democracia em Atenas (século V a.C.), seu esplendor econômico e cultural, juntamente com sua preponderância politica na Grécia, provocaram uma situação inédita que levantou novos problemas e orientou para outros rumos a especulação filosófica: do problema da physis ao problema antropológico. Problemas práticos política, moral, religião, educação, linguagem etc - ocuparam os novos personagens da época, os sofistas. Sua atitude relativista em política, em moral, chegando mesmo a questionar a possibilidade de um conhecimento verdadeiro e comum - era expressão do espírito da época. A democracia supõe conceder valor à opinião e, portanto, à diversidade de pontos de vista, o que é incompatível com a defesa de uma verdade absoluta.

O movimento sofista Dá-se o nome de sofistas a um conjunto de pensadores gregos que florescem na segunda metade do século V a.C. e que têm em comum, ao menos, os fatos de terem sido os primeiros educadores profissionais (organizavam cursos completos e cobravam grandes quantias para ensinar) e de que entre seus ensinamentos a retórica e um conjunto de disciplinas humanísticas (política, moral etc.) ocupavam lugar de destaque. O advento da democracia trouxe consigo uma mudança notável na natureza da liderança: a linhagem já não era suficiente, e a liderança política passava pela aceitação popular. Numa sociedade onde a assembleia do povo tomava as decisões e onde a aspiração máxima era a vitória, um político precisava dominar a arte de convencer, a arte de persuadir as massas de que a sua era a melhor proposta. Precisava, além disso, ter certas ideias a respeito da lei, a respeito do justo e do conveniente, e também a respeito do Estado. Eram esses os ensinamentos que os sofistas proporcionavam A palavra "sofista" foi, no princípio, um sinônimo de "sábio" (sophos). Depois, o termo ganhou o sentido pejorativo de hábil enganador. Isso mostra até que ponto os sofistas foram personagens controvertidos em sua própria época. Na atualidade, os sofistas encontraram mais compreensão e estima: são considerados os criadores de um movimento que mereceu o nome de "iluminismo grego".

Atitude comum dos sofistas: relativismo Os sofistas não formaram escola nem defenderam uma doutrina comum, mas apresentam algumas coincidências - fundamentalmente, sua atitude relativista e até cética. Sua vontade pouco dada à especulação abstrata levou-os a aceitar os sentidos como fonte válida do conhecimento, ao contrário do que sustentavam alguns présocráticos, sobretudo a partir de Parmênides. Se os sentidos mostram coisas diferentes a indivíduos diferentes, como decidir qual deles está de posse da verdade? A verdade é relativa a cada um: não há verdade absoluta, cada coisa é o que parecer ser para cada um. Seu relativismo os conduz com frequência ao ceticismo: se cada humano tem sua

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verdade, faz sentido falar de conhecimento ou de verdade? Mas também nos problemas do homem e da sociedade eles se mostram relativistas: tinham podido comprovar em suas numerosas viagens que não há dois povos que tenham as mesmas leis nem os mesmos costumes.

Convencionalismo da lei A constatação de que outros povos têm culturas diferentes - com leis, normas, costumes e valores morais totalmente diferentes das que eles, os gregos, pensavam ser as únicas possíveis - trouxe para o centro da discussão filosófica o tema do convencionalismo das leis (nomos). Até esse momento, as leis eram consideradas como algo inamovível, absoluto e comum - eram por natureza; a partir de agora, as leis são vistas como uma criação convencional, arbitrária e provisória, relativas, portanto, à comunidade ou até ao próprio indivíduo. Os sofistas defendiam o caráter convencional não apenas das instituições políticas, mas também das normas morais: o que se considera bom e mau, justo e injusto, não é universalmente válido e imutável. Alguns sofistas importantes Protágoras (480-410 a.C.) foi o sofista mais destacado do seu tempo. Sustentava que existem tantas verdades quantas opiniões e tantas opiniões quantos homens. O único critério para distinguir o verdadeiro do falso era a utilidade e também a opinião da maioria. Assim, as leis da pólis eram apenas convenções sancionadas por uma opinião majoritária. Pode-se resumir o fundamental de sua filosofia na sentença: "o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são". Também é muito característica de seu pensamento sua teoria dos "raciocínios duplos": "Em toda questão, há dois raciocínios opostos entre si", quer dizer, de cada coisa se pode dar sempre duas versões opostas, já que, se não há verdade, um juízo é tão válido quanto seu contrário. Outro sofista importante, Górgias (484-375 a.C.), sentenciava que tudo o que exite é pura aparência. Chegava a sustentar que, se alguma coisa existisse verdadeiramente, das duas uma: ou não poderíamos conhecê-la bem, ou, se a conhecêssemos, não poderíamos comunicar isso. Seu ceticismo era total. Menos céticos eram Trasímaco e Calicles, que viam no direito do mais forte a expressão de uma lei natural, não convencional. Hípias, em troca, sustentava que a autêntica lei natural se expressa por meio do princípio de igualdade entre os homens. Compreende-se que os sofistas fossem alvo de tantas críticas. Os grandes filósofos gregos, como Sócrates, Platão e Aristóteles os consideravam perigosos e elaboraram parte de suas próprias concepções como respostas destinadas a demonstrar o espírito da sofística, tão arraigado, por outro lado, na época.

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Sócrates Sócrates concebeu a filosofia como uma busca coletiva cujo instrumento é o diálogo e cujo objetivo, a clareza sobre a própria existência, tanto em sua dimensão individual quanto em suas relações com outros membros da comunidade. Sócrates exerceu sua atividade filosófica em Atenas, sempre na rua, pondo os seus interlocutores contra a parede com suas armas dialéticas. Seu propósito era combater os preconceitos, questionar as falsidades, destruir o discurso demagógico dos poderosos, forçar seus concidadãos à reflexão permanente. Tornou-se um personagem muito incômodo - ele mesmo se autoqualificava de "mosca" - e foi acusado de haver profanado as crenças religiosas da cidade e de corromper a juventude. Foi condenado á morte, e embora considerasse a sentença uma injustiça, acatou-a com dignidade.

Conhece-te a ti mesmo Ironia e maiêutica A descoberta do conceito Intelectualismo ético Caixa: Sócrates, segundo Platão Caixa: A morte de Sócrates

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Platão A vocação filosófica de Platão acaba por ser determinada a partir do julgamento e condenação à morte de Sócrates. Platão estava destinado, por linhagem, à política, mas renunciou a participar de um sistema que havia sido o causador do assassinato do mais sábio e justo dos homens - e, desiludido, dedicou-se a uma atividade puramente teórica: a filosofa. Nela, tentou encontrar um fundamento objetivo para o interesse do homem pelo conhecimento, assim como para a possibilidade de o alcançar. O conhecimento não tem apenas uma dimensão teórica, mas também uma prática: o conhecimento da verdade permite uma vida justa e eticamente correta, assim como uma organização política que corrija os graves defeitos das já existentes. A teoria das ideias Mundo sensível e mundo inteligível Características das ideias

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O bem: ideia suprema O demiurgo e o caos originário Conhecimento sensível e conhecimento inteligível Conhecer é recordar: teoria da reminiscência A teoria da alma A ética de Platão O Estado utópico A filosofia da arte O Amor platônico Caixa: O mito da caverna Caixa: Imortalidade da alma Caixa: Os ensinamentos filosóficos Caixa: A mulher e o Estado Caixa: Platonismo e a religião judaico-cristã

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Aristóteles Se com Platão chega à maturidade uma constante do espírito ocidental, a idealista, que se baseia sua superioridade na razão, com Aristóteles se afirma outra orientação de igual importância: a que se baseia fundamentalmente na experiência, para construir a partir dela um sistema rigoroso. O gênio de Aristóteles é, acima de tudo, ordenador, lógico, enciclopédico. Uma de suas grandes ideias é a classificação, que permite agrupar os seres de acordo com suas semelhanças ou diferenças. Também se deve a ele a criação da lógica como disciplina própria a filosofia, que no passado Jônico era uma reflexão global sobre a natureza, diferencia-se com Aristóteles em uma série de disciplinas agrupadas por seu caráter teorético (teologia, matemática, física), prático (ética, política) ou produtivo (retórica, poética). A metafísica aristotélica

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O conceito de substância Concepção hilemórfica do ser Potência e Ato A noção de causa Deus: motor imóvel A física O movimento A psicologia aristotélica A lógica As categorias O julgamento O silogismo Os três princípios da lógica A filosofia prática A poética Caixa: A metafísica aristotélica Caixa: Amizade Caixa: A virtude Caixa: A arte poética

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Pensamento helenístico

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Platão e Aristóteles constituem a tradição dominante do pensamento grego, mas não são a única. Na época helenística, que começa quando Alexandre o Grande chega ao Poder (336 a.C.), surgiu três novas escolas filosóficas que têm um lugar próprio na história do pensamento: o epicurismo, o estoicismo e o ceticismo. O ponto comum às três escolas é a ênfase numa ética de caráter individualista na qual a busca da felicidade se torna prioridade. Isto é consequência do fim da pólis e da formação do poderoso estado alexandrino: o indivíduo perde sua capacidade de intervenção na vida política e se retrai a uma esfera privada, na qual aspira apenas a cultivar a si mesmo.

O epicurismo: uma filosofia materialista A filosofia de Epicuro (341-270 a.C.), fundador dessa doutrina materialista, situa-se no extremo oposto das teorias de Platão e Aristóteles, e afirma ser continuador do atomismo de Demócrito. Seu materialismo o leva a rechaçar, em primeiro lugar, todo vestígio de transcendência — só existe um mundo, este é totalmente material — e, em segundo lugar, coloca o conhecimento inteligível separado do sensível: a sensação é o fundamento do conhecimento. Tudo o que existe é material inclusive a chamada "alma". A morte de um indivíduo humano é o desaparecimento de corpo e alma. Não existe, portanto, nem imortalidade nem um "mais além": não há outros mundos fora deste. Apesar disso, um dos aspectos mais notáveis da moral epicurista é, precisamente, o ensinamento de que a morte não é algo a se temer. Não se deve ter medo da morte porque, sendo a morte a perda de todas as sensações depois dela não experimentamos nada. Quando estamos vivos a morte não está presente, e quando ela se apresenta nós já não somos — nada pode nos acontecer. Epicuro é um dos primeiros filósofos a afirmar que o medo torna os humanos escravos e que é preciso refletir cuidadosamente sobre o fundamento de nossos temores, com a clara intenção de dissipá-los. A vida é tudo o que temos: é preciso vivê-la. A busca da felicidade é a busca do prazer. Convém não confundir o epicurismo com o hedonismo, que busca o prazer a todo o custo. Às vezes é inevitável certa cota de dor. A cada um cabe refletir sobre o que mais lhe convém, tendo em conta que o ideal da vida é alcançar a ataraxia — a tranquilidade do espírito que evita cair na dor decorrente da carência ou do excesso de prazeres — e a autarquia — auto-suficiência, não depender de nada a não ser de si mesmo, encontrar satisfação com pouco, uma vez que o desejo de abundância nos torna dependentes do objeto. O sábio epicurista sabe que desejar o que está fora de seu alcance é loucura, e também sabe que existem momentos na vida em que a dor se apresenta e o prazer se ausenta. Sabe, portanto, combater a dor sem se queixar, relembrando os momentos felizes; e sabe que os pequenos prazeres, os mais modestos, são os mais exequíveis e, por isso, mais prazerosos.

O estoicismo O estoicismo, cujo fundador foi Zenão de Cicia (335-264 a.C.), exerceu uma enorme influência em épocas posteriores, sobretudo no que se refere à ética. O estoicismo terá grande importância na época romana (com Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio). Nos séculos XVI e XVII, ocorre na Europa um vigoroso renascimento das concepções

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estoicas, que influenciarão Descartes, Kant e Hegel, entre outros autores. É importante também a contribuição dos estoicos para a lógica aristotélica e o rigor que introduzem na terminologia gramatical. A física estoica concebe o mundo como um todo unitário e harmonioso, regido pela necessidade inflexível de uma lei universal (logos, razão). O homem constitui uma parte deste universo harmonioso e deve se submeter à ordem universal, deve aprender a viver de acordo com a natureza, e isso equivale a viver orientando-se pela razão. A razão nos permite conhecer essa ordem, mostra-nos a necessidade presente naquilo que acontece e nos ensina que é uma quimera pretender alterá-lo. A vida de acordo com a razão é a vida do sábio, conforme acabamos de ver, mas também a do virtuoso. Mais uma vez, sabedoria e virtude se identificam. Dada essa lei inexorável, o sábio só pode aspirar à ataraxia, à serenidade do espírito e à imperturbabilidade. Para isso, é preciso não apenas aceitar a ordem do Universo — e o estoicismo dá a isso uma enorme importância — mas também libertar-se das paixões (pathos), pois essas nos escravizam. Nisto consiste a apatia. O sábio não deseja nunca o que está fora de seu alcance e suporta as adversidades sem se alterar, já que, se elas não dependem de nós, nada podemos fazer para evitá-las, a não ser procurar que nos produzam o mínimo de dor possível. Um homem assim há de ser, inevitavelmente, feliz.

O ceticismo O ceticismo vai encontrar essa tranquilidade de espírito, que constitui o ideal dos epicuristas e dos estoicos, não numa doutrina própria, mas na recusa de qualquer doutrina. Pirro de Élida (365-275 a.C.), iniciador dessa corrente que tem os sofistas como predecessores, considera que a razão não pode penetrar na essência das coisas e aconselha a suspensão do julgamento e o hábito da dúvida diante de todas as questões. A partir dessa postura frente ao problema da verdade, Pirro desenvolve uma ética da imperturbabilidade (ataraxia): já que nada sabemos com certeza sobre as coisas do mundo, tudo deve nos deixar em absoluta indiferença — e que nada perturbe nosso espírito. Nas versões modernas do ceticismo, a suspensão do julgamento se transforma em uma atitude de temor em relação à possibilidade de conhecimento, ou na afirmação de que nosso conhecimento é limitado e não chega a aprofundar-se na realidade, ou na convicção de que o conhecimento é apenas provável, sem jamais ter certeza total sobre as coisas. (1)

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Pensamento trágico

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Depois dos pré-socráticos, e ainda no século V a.C., o pensamento grego concentra sua atenção no homem. Já não se trata de revelar, por meio da razão, os mistérios da natureza, mas de se perguntar diretamente pelo sentido da vida humana, por aquele destino dos homens que, naqueles momentos, aparece ainda nas mãos do destino, quer dizer, governado pelos deuses e sem possibilidade alguma de escapar à sua determinação fatalista. Na Atenas desse período surgem os sofistas. Sua filosofia retórica e cética está relacionada com o espírito trágico, uma mentalidade caracteristicamente grega forjada diante da experiência universal da dos humanos. Essa visão trágica do mundo está presente em todo o pensamento grego, mas nessa época ocupa o primeiro plano, devido à cultura filosófica dos sofistas. O espirito da tragédia As raízes da tragédia, considerada como gênero dramático, encontram-se na Grécia arcaica e estão ligadas desde a origem ao culto a Dionísio. Divindade complexa e ambivalente, Dionísio é a expressão da vida como contradição e como agonia (que em seu sentido primitivo significa "luta, combate"). Quando se afirma que os gregos tinham uma mentalidade trágica, aponta-se de imediato para essa ideia de existência como luta entre os opostos (entre a vida e a morte, o prazer e a dor, a evolução e a involução, a unidade e a multiplicidade). A existência humana está cheia de contradição e, o que é mais importante, reproduz-se em virtude delas. O espírito trágico, portanto, não está associado unicamente a um gênero literário específico - a tragédia -, mas impregna a própria raiz do pensamento grego. Pode-se afirmar até que toda a filosofia grega constitui uma resposta a esse sentido trágico da existência.

A experiência da dor O pensamento trágico, no entanto, surge, antes de tudo, diante da experiência da dor, uma dor que é universal. Não que existam indivíduos felizes e outros infelizes, e sim que o sofrimento é o quinhão mais bem repartido da vida humana: atinge a todos, mais cedo ou mais tarde. Ninguém escapa dele. Os gregos começam a descobrir essa experiência na própria natureza: exuberante e fertilíssima, doadora de vida, é também destruidora e mata aquilo que criou. É o destino, seu caráter intelectual, seu fatalismo; é o fado.

A experiência da culpa Na vida trágica, entendida como contradição, é difícil orientar-se. Diante de qualquer conflito, a situação é em si ambígua. Isto sempre fica bem claro nos personagens das tragédias: são culpados e inocentes ao mesmo tempo; agiram mal, mas talvez não

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pudessem ter agido de outro modo; ou talvez tenham agido com a melhor das intenções e provocaram consequências funestas. Num mundo em que a escolha moral é tão problemática, a culpa está sempre presente em toda ação. Aparece então como castigo dos deuses, como destino inelutável. É revelador o fato de que a noção de causa - fundamental para o desenvolvimento de uma filosofia posterior como a aristotélica - fosse em suas origens um termo jurídico que entre os gregos designava precisamente ação de "acusar". Assim, o fundamento ou a origem de algo remete em seus inícios à ideia de culpa.

O espírito trágico na filosofia Na segunda metade do século V a.C., a mentalidade trágica penetra na filosofia por intermédio dos sofistas. O desenvolvimento das trocas comerciais, o aumento da riqueza e a maior participação na vida politica são fatores que agravam o jogo de interesses opostos na vida da pólis. A necessidade de se orientar entre as diferentes opções de vida e de poder distinguir entre o verdadeiro e o falso passa então a ocupar o primeiro plano. Não é por acaso que nessa época florescem os grandes trágicos Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Ainda mais importante, porém, do ponto de vista filosófico, é a resposta que o pensamento dá ao sentido trágico da vida. Os sofistas, ao orientarem os comportamentos públicos por meio da transmissão de conhecimentos sobre como se deve agir, satisfazem uma necessidade mais decisiva: a de arrancar a vida do homem do fatum, da inevitabilidade do destino nas mãos dos deuses. Essa tarefa atingirá o apogeu com Sócrates e permitirá depois o amplo desdobramento do pensamento platônico aristotélico

Caixa: As tragédias de Sófocles Caixa: A tragédia

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A ciência no mundo clássico A aplicação do conhecimento humano para satisfazer às necessidades do homem se confunde com as origens da humanidade. Alguns milênios antes da nossa era, a astronomia e as matemáticas atingiram um desenvolvimento considerável em algumas civilizações do Oriente Médio. O conhecimento científico e técnico vem de muito longe.

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No entanto, o nascimento da ciência como tal (quer dizer, como conjunto de conhecimentos objetivos e sistemáticos acerca da natureza e do homem) ocorre na Grécia, a partir do ano 600 a.C. e é inseparável das origens e da evolução do próprio pensamento filosófico. Filosofia e ciência nascem juntas, formam uma unidade, e só a partir da época helenística é que se pode estudar o conhecimento científico como resultado específico e, até certo ponto, à margem do conhecimento filosófico.

A filosofia e a ciência na Grécia Na época em que nasce o pensamento e científico (isto é, a partir de 600 a.C.), os gregos dominavam um conjunto considerável de conhecimentos técnicos herdados, em parte, de civilizações anteriores. Temos um testemunho direto desse alto nível tecnológico a partir da arquitetura, da escultura e da cerâmica gregas que chegavam até nós. Ao mesmo tempo, aparece documentado que os gregos possuíam amplos conhecimentos nos mais diversos campos, como, por exemplo, a engenharia e a metalurgia, a astronomia e a navegação, a agronomia e a mineralogia ou a anatomia e a fisiologia. Uma característica do espírito grego, no entanto, é a divisão do saber em duas ramificações: de um lado, o pensamento puro; de outro, o conhecimento que leva à transformação da natureza, próprio da ciência aplicada. Para os gregos, o ideal consistia no saber puro, não no fazer, e o bem supremo era compreender por meio de um caminho contemplativo os enigmas do homem e do Universo. Essa distinção talvez explique a ausência do termo "científico" no mundo grego. Naturalmente, havia palavras para diferenciar a atividade dos que se dedicavam à botânica, à medicina ou à arquitetura. No entanto, o que atualmente entendemos por científico é algo que os gregos associavam pura e simplesmente com a condição de filósofo. Da mesma forma, embora dispondo de uma palavra para designar a ciência, a episteme, essa era vista como aquele conhecimento acima de qualquer dúvida, incontroverso, totalizante, que se adquire com a filosofia. De modo que filósofo e cientista, assim como filosofia e ciência, são, no início, uma mesma pessoa e uma mesma coisa. Por isso, quando se fala que a ciência nasce na Grécia, alude-se diretamente a essa capacidade de generalização e objetivação de que o conhecimento puramente aplicado necessita para transformar-se em conhecimento científico. Essa capacidade de abstrair e de formular, de converter em lei objetiva os fenômenos observados na natureza, que é característica da ciência, provém da filosofia. A ciência surge com a filosofia e da filosofia, e por isso se diz que nasce na Grécia, e não nas civilizações do Oriente Médio, apesar do elevado grau de conhecimento técnicocientífico que essas possuíam.

A evolução da ciência no mundo clássico Na época dos pré-socráticos, a identificação entre filosofia e ciência é total. Não é possível separar uma da outra na obra de Tales de Mileto, Pitágoras ou Empédocles.

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Depois, no período ateniense que vai de 480 a 300 a.C., as atividades científicas começam a se diferenciar de filosofia. Sócrates, por exemplo, qualificava de inferiores as ocupações no campo da medicina ou da astronomia. A grande figura é a do filósofocientista, como Platão. Mas é sintomático que em sua época floresça a atividade naturalista e científica da medicina hipocrática, assim como o fato de que a investigação de base empírica seja uma das grandes preocupações de Aristóteles e de sua escola. A ciência, em sua acepção própria, e diferenciada da filosofia, destaca-se plenamente como tal durante o período helenístico. Essa é a época de Euclides, Arquimedes e Hiparco, quer dizer, de homens que já são cientistas em toda a sua plenitude. Sua atividade se desenvolve em Alexandria, que já tinha substituído Atenas como capital científica e cultural do mundo grego e está associada à primeira grande instituição com categoria científica da história: o Museu de Alexandria. A ciência no mundo clássico evolui, por fim, no Império Romano, para uma nova fase que, sem ser original, segue as diretrizes do período anterior e, em alguns casos, aprimora-as. O aperfeiçoamento da técnica é bem característico dessa etapa, em que Roma suplanta Alexandria.

A matemática A astronomia As ciências físicas As ciências naturais A medicina A geografia A técnica Caixa: Os teoremas de Arquimedes Caixa: Os mapas gregos Caixa: O sistema de Aristarco Caixa: O juramento de Hipócrates Caixa: A herança das civilizações orientais Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia - Capítulo 2)

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O Advento do Cristianismo O cristianismo e a concepção grega do mundo A civilização ocidental é o resultado de uma dupla herança constituída, por um lado, pelo pensamento grego e, por outro, pelo cristianismo. É importante compreender a dimensão que o advento do cristianismo assumiu, perceber que nosso pensamento não seria o mesmo sem essa herança, e que a civilização europeia se debateu e ainda se debate nos limites estabelecidos por essa religião — mesmo quando, já na modernidade, o tema da morte de Deus se tornou recorrente. A relação do cristianismo com a cultura grega clássica inclui várias facetas: desde a oposição, devido à sua natureza diferente — uma verdade revelada perante uma verdade racional —, até sua aliança diante da necessidade de repensar a realidade no contexto do pensamento cristão, sem esquecer as diferenças nunca superadas em sua concepção de mundo ou da divindade.

Fé e razão Religião e filosofia são duas formas diferentes, se não opostas, de se propor a compreensão do mundo. O cristianismo é uma religião e, como tal, é um conjunto de crenças reveladas que aceitamos por fé, por motivos extra-racionais. A filosofia, ao contrário, tenta uma compreensão da realidade dentro dos limites da razão. As ideias aceitas não são crenças, são pensamentos argumentados, raciocinados; quer dizer, ideias para as quais podemos dar razões. Os âmbitos de cada uma delas, fé e razão, também são diferentes: o da fé é o sobrenatural; o da razão, o natural. Mas, embora de natureza diferente, razão e fé mantêm, desde os inícios do cristianismo, uma profunda ligação, ainda que com muitas tensões. Desde o primeiro momento, uma minoria de cristãos cultos tentou não apenas crer, o que já faziam na condição de cristãos, mas também compreender o que tinha sido revelado pela fé.

Imagem de Deus O cristianismo, como se sabe, baseia-se na interpretação dos textos canônicos do Antigo e do Novo Testamento: a Bíblia. Incorpora, portanto, elementos centrais de uma tradição religiosa, a do judaísmo, criada ao longo de dois milênios (desde 1850 a.C., aproximadamente). O resultado pressupõe uma concepção de mundo distanciada da grega em aspectos fundamentais. A cultura grega é uma cultura politeísta — a crença em múltiplos deuses; o cristianismo, pelo contrário — e a herança judaica se faz novamente notar — é monoteísta — a crença em um único deus. É verdade que na filosofia grega existem certas tendências monoteístas, como por exemplo nas concepções de Platão e Aristóteles, mas elas convivem com o politeísmo.

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A imagem de Deus no cristianismo é a de um único Deus, criador, onipotente, transcendente (está fora do mundo); um deus concebido como possuidor de qualidades que expressam sua perfeição absoluta. Por sua perfeição e transcendência, o divino forma uma realidade totalmente distinta da da criatura, e infinitamente superior. Os antropomórficos deuses gregos não aspiravam a nada semelhante: eles fazem parte do mundo, não estão fora dele, e embora constituam uma raça que desconhece as imperfeições que caracterizam as criaturas mortais — fraqueza, cansaço, sofrimento, doença, morte —, não encarnam o absoluto nem o infinito.

Uma nova experiência do tempo Talvez a novidade mais importante seja a de uma nova experiência do tempo, que tem, por sua vez, implicações na concepção sobre a origem da realidade e na concepção da história. Para os gregos, o tempo é circular, o que supõe, entre outras coisas, a eternidade do que existe e a negação da criação do mundo. O cristianismo, por meio da herança do Antigo Testamento, apresenta uma concepção linear do tempo, uma concepção que até hoje é a nossa. Deus, ser onipotente, criou o mundo, e o criou a partir do nada, ex nihilo. Esse princípio fundamental é profundamente alheio à maneira grega de pensar a origem do nosso mundo. Para o pensamento grego, do nada, nada sai. Esse é um princípio racional inquestionável. O mundo é um cosmos, um universo imutável e ordenado, de movimento regular, no qual tudo se repete eternamente — concepção do eterno retorno. Os dias e as estações do ano passam, mas depois voltam; a primavera sucede ao inverno; o que morre torna a nascer. Platão defende que o tempo, determinado pela rotação das esferas celestes, é circular porque apenas imita a eternidade imóvel. O movimento e o devir são níveis inferiores de uma realidade que no fundo é permanente. O ser autêntico é eterno e imutável. No cristianismo, pelo contrário, não existe o cosmos, como estrutura eterna e imutável. O que é é porque está no tempo. Deus cria o mundo e com ele o tempo. A natureza da coisa criada é a de ser puro devir e contingência, cada acontecimento é único, nada se repete, o que faz do tempo história no sentido estrito da palavra: um processo linear, aberto; com um princípio (a criação), um final (o advento do reino de Deus) e um acontecimento singular que lhe dá seu sentido pleno: a encarnação do filho de Deus. &&&&& Gnosticismo e neoplatonismo Nos primeiros séculos de nossa era, coincidindo com o apogeu e declínio do Império Romano, o pensamento filosófico tenta solucionar, seja dentro ou fora do cristianismo, o problema do Bem e do Mal, que se polariza na antítese Deus e Mundo e que divide a consciência do ser humano em opostos inconciliáveis. O Mal, que se identifica com a matéria de que o mundo é formado, provém da experiência da dor, da doença e da morte. Não se trata, portanto, de uma categoria exclusivamente moral, mas de um mal metafísico, próprio da condição finita e

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contingente do ser humano, e do qual derivam os outros males. Frente a esse problema, alinham-se duas correntes de pensamento. Uma está ligada à tradição das religiões orientais, aos mistérios órficos-pitagóricos e a conhecimento hermético: é o agnosticismo. A outra reformula o pensamento de Platão com o objetivo de salvar esse profundo dualismo aberto no espírito humano: é o neoplatonismo.

O Gnosticismo O nome dessa corrente de pensamento, que surgiu a partir do século II de nossa era, deriva do grego gnosis, que significa "conhecimento". Não se trata, porém, de um conhecimento conceitual, mas antes de um saber absoluto adquirido pela via de uma iluminação intuitiva, reservada unicamente a alguns iniciados. O gnosticismo seria apenas mais uma heresia entre tantas que o cristianismo precisou enfrentar em seus primeiros tempos, se não se tivesse conectado com uma força única ao universo inconsciente e arquétipo do homem. Esse universo não se expressa por meio de conceitos, mas de imagens simbólicas. A arte e a poesia sempre se alimentam delas, assim como todas as tradições esotéricas. Do ponto de vista filosófico, o que importa destacar é a dualidade com que se confronta a consciência dessa época. A unidade grega entre o cosmos e Deus se rompeu, e o Bem e o Mal se polarizaram em opostos inconciliáveis. De um lado, Deus, o Bem supremo; do ouro, o Mundo que abriga a matéria, fonte de todo o Mal. E, no meio dessa dualidade, o Homem. Todo o esforço dos gnósticos está voltado para preencher esse abismo que separa o homem de Deus. A gnose é justamente o conhecimento capaz de iluminar o caminho que leva à união desses dois extremos separados pela matéria. Uma vez que Deus, o Bem supremo, não poderia ter criado o mundo em que existe o Mal, os gnósticos tratam de encontrar um princípio supremo diferente de Deus que dê conta da imperfeição e do mal que existem no mundo. Basílides, um gnóstico que pregou em Alexandria entre os anos 120-140, oferece uma resposta a esse extremo dualismo estabelecendo os princípios da luz, causa do Bem, e das trevas, origem do Mal. As trevas não foram absorvidas pela luz, mas de seu contato nasceu uma luz aparente que é a do mundo, mistura do bem e do mal. Para Valentino, outro gnóstico do século II, o mundo é a consequência de um esforço incompleto, porque não é obra de Deus — o princípio supremo ou Pleroma —, mas de algumas das emanações produzidas pela divindade e que presidiram as sucessivas transformações do Universo.

A doutrina das emanações: Plotino A emanação é um dos conceitos-chave do começo da era cristã. Além dos gnósticos, que também o emprega é Plotino (205-270), um pensador cuja obra, As Enéadas, figura como a expressão mais elevada do neoplatonismo. Uma flor emana perfume, um corpo luminoso emana luz. A emanação é, portanto, um processo pelo qual uma coisa é

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causada por outra, que a determina ou a contém como princípio. Plotino explica assim a criação do mundo, por meio de uma série de emanações de um princípio supremo, o Um ou Deus, que exclui qualquer multiplicidade. O Mundo se divide em Mundo inteligível e Mundo corpóreo. O primeiro é formado pelo Um. Do Um emana o intelecto (nous) e, numa segunda emanação, do intelecto emana a alma do mundo (anima mundi). O intelecto (que equivale ao Demiurgo platônico), ao ser pensamento, apresenta uma cisão entre sujeito e objeto; abriga, portanto, o germe da multiplicidade. Mas essa se encontra plenamente desenvolvida na mundo corpóreo formado pela matéria. O Mal (ou seja, a privação de ser que origina o devir) reside aí. No entanto, a anima mundi intervém também no mundo corpóreo como princípio de unidade e indivisibilidade. A existência do homem, portanto, é um corpo de batalha entre esse princípio unitário, que tende para o Bem (a união com o Um) e a multiplicidade da matéria, que encaminha para o Mal (privação de ser). Retomando às teses sobre o amor que Platão havia formulado no Fedro, Plotino aponta um caminho interior, um retorno à mesmice, como via de ascensão da multiplicidade presente na matéria à unidade que Deus encarna. É um caminho de êxtases místicos que conduzem à fusão com o Um e que só é concedido aos eleitos. Essa experiência interior, entretanto, na qual se abandonam a percepção sensível e o pensamento discursivo, aparecerá com muito mais força em Santo Agostinho. Caixa: O neoplatonismo de Plotino

Caixa: A tradição oculta No início da era cristã, o aparecimento do gnosticismo é o resultado de um encontro entre a alma oriental e a alma ocidental. Depois, essa se separará para seguir o seu próprio curso, revestida pelo cristianismo e pelo pensamento racional (herança grega). No entanto, no decorrer da história, nem todo o pensamento perambulou na Europa pelas sendas do cristianismo e do racionalismo. Existe também uma tradição oculta cujo ponto de partida deve se fixar justamente na gnose dos séculos II-III de nossa era. Nesta tradição confluem, num primeiro momento, as doutrinas enigmáticas do Orfismo (de Orfeu, poeta mítico do século VI a.C.), com sua crença nas transmigrações sucessivas das almas. Ou na corrente esotérica do hermetismo (do deus Hermes Trismegisto, que, por sua vez, provém de Tot, divindade lunar entre os egípcios), que está relacionada com a astrologia e a alquimia. Trata-se de formas ocultas, esotéricas, com um fundo que historicamente bebeu das religiões orientais. No Ocidente, essas formas reaparecem ao longo da Idade Média, e inclusive da Idade Moderna, incluídas no Corpus hermeticus dos alquimistas. Estão presentes ainda no Renascimento, na medicina astrológica de Paracelso e podem ser rastreadas em grandes obras literárias, como no Fausto, de Goethe. Já em nossa época, aparecem nos domínios da teosofia, ou foram objeto de uma profunda exploração por parte da psicologia analítica de C. G. Jung. Nessa tradição oculta, de raiz mística, buscase sempre o encontro com Deus, com o Um, de forma íntima - seja na solidão das

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retortas alquímicas, onde se opera a transmutação dos metais, seja no contato com uma seita ou grupo do qual se é adepto ou iniciado. &&&&& A patrística Um dos fatos de maior transcendência ocorrido na história do pensamento ocidental é a adoção que o cristianismo faz da filosofia grega, durante os primeiros séculos de nossa era. Nossa cultura ocidental não poderia ser entendida sem essa síntese laboriosa que os padres da igreja realizaram ao longo de setecentos anos. O resultado dessa obra, quer dizer, a elaboração doutrinal que estabelece uma continuidade com o mundo antigo pela via da razão e com o mundo cristão pela via da revelação é conhecida pelo nome de patrística.

A helenização do cristianismo Historicamente, o cristianismo, desde o seu aparecimento na Palestina, expandiu-se de forma gradual pelo Mediterrâneo. Foi constatado que a queda de Jerusalém nas mãos dos romanos (ano 70) deu maior peso àquelas regiões da Grécia e da Anatólia que haviam sido evangelizadas por São Paulo. Mas esses fatos, apesar de importantes, não explicam totalmente a envergadura do processo de helenização experimentado pelo cristianismo desde suas origens. A passagem sucessiva de Jerusalém a Atenas, e depois Roma como centros de expansão cristã é fomentado, desde logo, por uma série de vicissitudes históricas, mas dá conta, também, de uma espiritualização cada vez maior dos conteúdos cristãos. Pouco a pouco, vão-se abandonando as concepções apocalípticas, mais típicas do judaísmo, que viam a salvação como algo imediato, e passa-se a interpretá-la como uma forma de salvação espiritual. Não se espera, portanto, uma redenção imediata do sofrimento e da morte, existe, em lugar disso, uma necessidade de aprofundar os conteúdos da verdade revelada, para manter viva aquela esperança originária da salvação. É quando aparece no cristianismo, a necessidade de adotar os instrumentos conceituais forjados na cultura grega, e assim tem início aquela elaboração doutrinal dos padres da igreja conhecida como "patrística".

Tertuliano e Orígenes Há nesta época (séculos I-III) dois pensadores cristãos de grande relevo que, com sua obra, já indicam as possibilidades resultantes de uma síntese entre cristianismo e filosofia. Nascido por volta de 155 em Cartago, Tertuliano é o expoente de um cristianismo baseado na fé, no fundo racional da alma, isto é, no puro sentimento, e que, justamente por isso, quer prescindir da filosofia. Expressa, portanto, uma tendência contrária à da

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patrística, e será posto à margem pela igreja, apesar de haver criado o latim eclesiástico e haver combatido o gnosticismo. A atitude de Tertuliano, contudo, é precursora de um cristianismo místico e vivencial que encontrará sua máxima expressão na síntese agostiniana de razão e fé. Um caso diferente é o de Orígenes, que nasceu por volta do ano 185 em Alexandria. Autor de uma vasta obra composta de escólios, homílias e comentários, Orígenes é o primeiro grande sistematizador da teologia cristã e, por isso mesmo, o primeiro criador de um sistema filosófico cristão, ao qual incorpora elementos neoplatônicos e até gnósticos. É ele quem define a orientação filosófica que os padres da igreja vão seguir, e sua influência chega até a escolástica medieval, embora com muitas tensões. No século VI, os partidários desse pensador, que alimentam a corrente do origenismo, serão condenados pela igreja ao defenderem a crença na eternidade do mundo e na doutrina da preexistência da alma.

A patrística Com esses precedentes (progressiva helenização do cristianismo e os primeiros esforços para conciliá-lo com a filosofia), a patrística surge a partir do século II, com são Justino. Como doutrina dos padres da Igreja, procurou unir o pensamento grego (especialmente o platônico e o neoplatônico) às Sagradas Escrituras. Ao mesmo tempo, a patrística é uma doutrina que se forja na luta contra o paganismo e na depuração teorética exigida pelo esforço de diferenciar-se de heresias como o gnosticismo, o arianismo, o maniqueísmo, o monofisismo. As questões que mais preocupam os padres da igreja são as mais importantes levantadas pelo dogma. A criação, a revelação de Deus com o mundo, o mal, a alma, o destino da existência e o sentido da redenção são problemas fundamentais da patrística. E também questões estritamente teológicas, como as que se referem à essência de Deus, à trindade das pessoas divinas etc. Por último, problemas morais que vão conduzir ao estabelecimento de uma nova ética que, embora utiliza conceitos helênicos, se fundamenta, na graça e na relação do homem com seu criador, e culmina na ideia da salvação, estranha ao pensamento grego. A patrística chega ao seu auge com o pensamento agostiniano. Clemente de Alexandria, são Gregório Nazianzeno, são Basílio, são João Crisóstomo e são Jerônimo trouxeram contribuições da máxima importância a essa corrente de pensamento que perdurará (ainda que com menor força após a morte de santo Agostinho) até o século VIII.

O pensamento de Tertuliano Para Tertuliano, Atenas e Jerusalém nada têm em comum: fé em Cristo e Sabedoria humana se contradizem (daqui sua célebre afirmação: credo quia absurdum). Na verdade, a alma é naturaliter christiana e é a cultura filosófica que a afasta da verdade.

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Tertuliano assumiu, talvez de Sêneca, uma concepção corpórea da realidade e do próprio Deus. Tertuliano contrapõe os filósofos aos cristãos do seguinte modo: "Em seu conjunto, que semelhança pode-se perceber entre o filósofo e o cristão, entre o discípulo da Grécia e o candidato ao céu, entre o traficante de fama terrena e aquele que faz questão de vida, entre o vendedor de palavras e o realizador de obras, entre quem constrói sobre a rocha e quem destrói, entre quem altera e quem tutela a verdade, entre o ladrão e o guardião da verdade?"

Platonismo e cristianismo O platonismo é o sistema que proporciona ao cristianismo o esquema conceitual básico. De um lado, a corrente platônica — definitivamente impulsionada pelo neoplatonismo — era na época a mais vigorosa e dominante; além disso, era a que oferecia mais pontos de contato com a doutrina cristão. Os aspectos da concepção platônica que ofereciam mais possibilidades para a formulação das ideias cristãs são os seguintes. Em primeiro lugar, a existência de dois mundos, um sensível e imperfeito e outro inteligível e perfeito. O cristianismo situa as ideias na mente de Deus: o mundo perfeito é o divino. Da mesma forma como para o platonismo o mundo sensível foi feito à imagem e semelhança das ideias, para o cristianismo a criação leva também a marca das ideias do Criador. Mas, apesar dessa presença de Deus na criação, os filósofos cristãos não deixam de sublinhar a contingência da coisa criada (a coisa criada é, mas pode não ser: não possui o ser por si mesmo, mas o recebe de Deus) e, com a contingência, a dependência de seu ser em relação ao Criador. Por outro lado, os cristãos acreditaram encontrar a própria ideia de criação prefigurada no Demiurgo platônico. Por último, tanto Platão quanto o neoplatonismo, ao situarem a ideia do Bem no topo da hierarquia, abriram grandes possibilidades ao cristianismo para expressar o monoteísmo. &&&&& Santo Agostinho Nos primeiros anos do século V, no momento em que Roma cai nas mãos dos bárbaros de Alarico (410), santo Agostinho, um dos maiores pensadores de todos os tempos, ainda não havia concluído sua vasta obra filosófica, teológica e exegética. O declínio e extinção do Império Romano contrastam com o pensamento agostiniano, que aponta para uma nova época. O mérito de santo Agostinho consiste na viva incorporação que faz do platonismo e na criação de um pensamento próprio e original, de raiz mística, que permitirá à igreja enfrentar a "noite escura" que aconteceu na Europa a partir do século V com as sucessivas invasões bárbaras. A busca incessante de Deus

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A incerteza A iluminação agostiniana Razão e fé O ser temporal A Cidade de Deus Caixa: Vida e obras de Santo Agostinho &&&&& A mentalidade romana: o direito e o ecletismo As contribuições dos romanos à história do pensamento ocidental são bem mais escassas, se as considerarmos de um ponto de vista teorético. Roma, nesse sentido, deve ser vista como uma transmissora do pensamento grego, e sua máxima contribuição consiste na adaptação das ideias gregas ao mundo latino. Nesse papel de transmissão e adaptação, os romanos são ecléticos. O ecletismo, cujo representante mais ilustre é Cícero, é apenas uma seleção de verdades correspondentes a diferentes sistemas filosóficos, tendo como critério o senso comum. Não é nesse aspecto que se deve procurar a originalidade das contribuições romanas. Estas se encontram no desenvolvimento peculiar do estoicismo de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio e, especialmente, no direito romano.

O ecletismo: Cícero A figura de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) é fundamental para se compreender o jogo mental característico dos romanos. Nessa mentalidade, o interesse se concentra nas conclusões, mais do que nas premissas, e nas soluções práticas dos problemas, mais do que em sua elucubração puramente teorética e abstrata. A pedra angular do pensamento ciceroniano se baseia no consensus gentium, que dizer, em um consenso da maioria para aquelas questões metafísicas que suscitam sérias dúvidas. Se não existe esse consenso, é prudente abster-se (quer dizer, limitar deliberadamente o voo do pensamento; o homem romano é prático e o que importa de forma prioritária é a ação). O que dizem — pergunta-se Cícero em sua obra Sobre a natureza dos deuses — epicuristas e estoicos sobre a existência de Deus e a imortalidade da alma? Que as duas coisas são indubitavelmente certas. E o comum dos mortais, o que pensa a respeito? A mesma coisa. Logo, é correto. E sobre a natureza da divindade, o que sabemos? Nisto existe discrepância em saber "se os deuses estão completamente ociosos e inativos, sem tomar parte alguma na direção e nos governo do mundo, ou se, pelo contrário, todas as

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coisas foram criadas e ordenadas por eles em um começo, e são controladas e conservadas em movimento por eles ao longo de toda a eternidade". Assim, não podemos julgar nesse terreno.

A linguagem filosófica A contribuição mais importante de Cícero e da maioria dos pensadores romanos é a criação de uma linguagem filosófica que constitui uma adaptação dos termos filosóficos usados pelos gregos. Essa "versão romana" da filosofia grega assumiu tamanha importância que, durante muitos séculos (praticamente até o renascimento e mesmo depois), o pensamento do Ocidente a usou como fonte direta (o que suscitará, na época contemporânea, a crítica de Heidegger, por entender que com isso se perdeu o substrato original da experiência grega).

O estoicismo romano Dentro do ecletismo geral da época, a filosofia estoica teve um especial destaque em Roma. Os nomes de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, o imperador filosófico, estão associados a uma forma de estoicismo de caráter ético que revaloriza mais uma vez o ideal do sábio. O cordovês Lúcio Aneu Sêneca (3-65), por exemplo, propõe a figura do sábio como homem forte, imune às variações da sorte e que luta mesmo quando foi derrubado: um código ético para as classes dirigentes do Império Romano, formulado por um filósofo que durante o mandato de Nero assumiu as mais altas responsabilidades políticas e acabou por suicidar-se. O espiritualismo de Sêneca, no entanto, com seu canto à virtude e seu desprezo pelas vaidades terrenas, teve uma profunda influência sobre o catolicismo espanhol, a ponto de um historiador, Américo Castro, defender que suas raízes têm parentesco direto com a idiossincrasia espanhola.

O epicurismo A tradição materialista de Epicuro é recolhida em Roma por Lucrécio (94-55 a.C.), autor de uma vasto poema, Sobre a natureza das coisas (De rerum natura), em que procura dar uma explicação científica para os enigmas do Universo. Pensador isolado, que na época da revolução científica (século XVII) será revalorizado por seu caráter precursor, Lucrécio defende que a alma é material e o Universo nem é criado nem destruído, já que sua matéria é infinita. É notável também sua teoria do conhecimento, que se baseia nas sensações, assim como sua afirmação de que a religião é contrária à ciência.

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O direito romano Aquilo que importa na mentalidade romana é, antes de mais nada, a organização da vida social mediante regras e preceitos. No início, essas regras jurídicas se confundem com as próprias tradições religiosas dos romanos. Depois (e trata-se de uma evolução que abarca mais de mil anos, já que se inicia com a fundação de Roma, no século VIII a.C. e termina nos séculos V-VI de nossa era), os plebeus conseguem que os princípios jurídicos fundamentais recolhidos na lei das Doze Tábuas sejam declarados publicamente. Isto estabelece um grande passo para a igualdade política. É nessa época que aparecem os juristas e se abre um processo de secularização do direito (quer dizer, uma emancipação do direito em relação aos preceitos puramente religiosos). Nessa etapa a figura fundamental é a do pater familias. A expansão de Roma para além dos confins da península Itálica e o contato com a cultura grega ampliam os horizontes de um direito ainda comprimido nos limites de uma estrutura social determinada pela existência de pequenos proprietários rurais. Em primeiro lugar, assegura-se um direito baseado no costume: é o fundamento do direito civil (jus civile); depois, estabelecem-se as bases de um direito internacional com o jus gentium, o direito dos povos, que se aplica aos cidadãos. Um novo passo nessa evolução diferenciadora das normas ocorre quando o direito civil e o direito dos povos se reúnem no âmbito do jus publicum (direito público que se refere às relações com o estado) e se distinguem do direito privado (jus privatum). A história jurídica de Roma termina no século VI, quando o imperador de Bizâncio, Justiniano I, compila as leis romanas no Corpus juris civiles. Então começa outra história: a da aplicação do direito romano a todos os povos romanizados da Europa. Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005 (Cópia de capítulo 3).

Filosofia Medieval Filosofia Medieval. Na Idade Média não existia uma Filosofia, mas correntes de opiniões, doutrinas e teorias, denominadas de Escolástica. Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho são seus principais representantes. Buscava-se conciliar fé com razão. O método utilizado é o da disputa: baseando-se no silogismo aristotélico, partiam de uma intuição primária e, através da controvérsia, caminhavam até às últimas conseqüências do tema proposto. A finalidade era o desenvolvimento do raciocínio lógico.

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(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Extraído da Temática Barsa - Filosofia

O pensamento medieval Desde a dissolução do Império Romano, no século V, até a época do renascimento, que tem início no século XV, decorre a "Idade Média" da história ocidental, considerada

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uma obscura e prolongada etapa de transição em que o pensamento se teria extraviado perdido num fundo de primitivismo. Só o esforço da igreja teria mantido intacto o fio de continuidade com o passado. Hoje, sem se pôr em dúvida a barbárie dos primeiros séculos medievais, valoriza-se a Idade Média como uma época autônoma e original em que se reinterpretou o legado do pensamento antigo a se forjarem respostas para a relação do homem com Deus e com o Universo que a razão técnico-científica ainda não tinha conseguido encontrar.

Razão e fé Um dos grandes problemas da filosofia medieval é o da relação entre razão e fé — ou entre filosofia e teologia — e seu respectivo papel na compreensão do mundo. Por certo, a filosofia é considerada ancilla theologiae ("serva de teologia") e os medievais são mais teólogos do que filósofos, mas se investiu grande esforço para encontrar uma síntese entre as duas. O equilíbrio se rompe no final da Idade Média: fé e razão se separam definitivamente e a filosofia conquista sua autonomia frente à revelação e à teologia.

O problema dos universais A reinterpretação que na Idade Média se faz do pensamento antigo segue a orientação do chamado realismo. Nessa época, não se deve entender realismo no sentido positivista, mas platônico, pois se trata daquele idealismo de Platão que concede realidade às ideias, como arquétipos ou essências preexistentes. Na linguagem medieval, isto é suscitado como discussão dos universais. As ideias, as noções abstratas e gerais que temos das coisas, existem realmente, ou serão apenas nomes que servem para designar os objetos? Há uma corrente de base platônica e agostiniana que defende um realismo extremo (os universais existem e são ante res, anteriores às coisas); outra corrente que se opõe à anterior por meio do seu nominalismo (os universais não são reais e estão post rem, depois das coisas); e finalmente, uma posição intermediária, a do realismo moderado (os universais existem, mas apenas como formas das coisas particulares), que está na base da síntese aristotélica-tomista. O realismo foi, no entanto, a atitude geral que impregnou por inteiro o espírito do pensamento medieval. Em qualquer pensador da Idade Média se observa logo uma tendência para a abstração genérica e universalista. Além da apreensão individualizada e concreta das coisas e do estudo de sua inter-relação causal, a mente medieval apresenta uma predisposição para a hierarquização ordenada das grandes ideias e conceitos. Essa tendência para a generalização é produto de uma atitude que outorga verdadeira entidade real a todas as coisas abstratas. O homem medieval outorga existência a tudo aquilo que nomeia como gênero, espécie e qualidade.

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A conexão simbólica No fundo, essa orientação realista do pensamento medieval, em que há sem dúvida uma base e neoplatônica, obedece a uma visão de mundo em que todas as coisas estão simbolicamente conectadas. O instrumento do pensamento medieval é o símbolo, ou melhor, a capacidade de estabelecer correspondência entre todas as coisas, desde as mais elevadas até as inferiores, descobrindo a analogia secreta que as une. Uma vez que Deus é auto-revelação, como defende Dionísio Areopagita, também chamado o Pseudo-Dionísio, então todos os objetos, em diferentes graus, constituem manifestações do Criador. Para usar as palavras de João Escoto Erígena, nem a pedra mais humilde pode ser entendida se não se percebe nela a presença de Deus. O pensamento simbólico — que se deve valorizar como uma modalidade do pensamento medieval — estabelece assim uma conexão de sentido sob a aparente multiplicidade do mundo dos fenômenos. O símbolo permite descobrir uma unidade última do ser, o Unus Mundus, em que desaparece a dualidade entre mente e matéria.

Caixa: Dionísio Areopagita e Boécio &&&&&

A escolástica O pensamento medieval se articula em torno da escolástica, movimento religioso e teológico que surge no século IX e dura até o XV. O nome escolástica provém das scolae monásticas e episcopais que nos primeiros séculos da Idade Média se encarregaram de conservar e transmitir cultura. A característica essencial da escolástica é seu método especulativo, que busca conciliação das verdades da fé e da razão, subordinando a filosofia à teologia. Nesse sentido, é uma continuação da patrística — mas, como é menos uma doutrina do que um método, engloba várias correntes do pensamento bem diferenciadas.

Antecedentes e etapas da escolástica As diferentes correntes escolásticas podem ser agrupadas, na verdade, em duas grandes orientações. A primeira delas tem como antecedente santo Agostinho e corresponde à orientação platônica do pensamento medieval. É uma corrente essencialmente espiritual e mística que se reclama, no início, tributária das doutrinas de Dionísio Areopagita e que impregna de sentido movimento como o cisterciense ou ordens como a dos agostinianos e, mais tarde, a dos franciscanos. Já no outono da Idade Média, essa corrente dará ainda seus frutos na mística germânica. A outra grande corrente é aristotélica. Nos primeiros séculos medievais, essa orientação é muito fraca, devido em parte ao fato de que a obra de Aristóteles é apenas superficialmente conhecida, por meio dos textos de Boécio. A partir do século XII, entretanto, uma vez que o pensamento

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aristotélico se difunde amplamente em virtude das filosofias muçulmana e judaica, essa orientação alcançará um formidável desenvolvimento. A recepção, portanto, da filosofia da Antiguidade marca em grau notável as diferentes etapas do pensamento escolástico. A filosofia medieval começa propriamente no século IX. O pensamento anterior significou, sobretudo, um trabalho de acumulação e conservação da cultura clássica. Na escolástica, costumam-se distinguir quatro etapas: formação (séculos IX-XI), desenvolvimento (século XII), apogeu (século XIII) e, finalmente, a crise (século XIV).

A pré-escolástica: João Escoto Erígen Santo Anselmo Abelardo Caixa: A escola de Chartres Caixa: A renovatio carolingia

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Santo Tomás de Aquino: o apogeu da escolástica O apogeu da escolástica se situa no século XIII. Essa é a época em que o papado desfruta de maior autoridade política e é também o século em que os efeitos da "revolução comercial" intensificam os circuitos da economia urbana. Nesse contexto, a instituição primordial que transmite o saber já não é o mosteiro, mas a universidade. Nela, a escolástica floresce como método de raciocínio e discussão, e sobre a base de um rico patrimônio conceitual acumulado lentamente nos obscuros séculos precedentes. É então que acontece a penetração do aristotelismo, paradoxalmente transmitido pelo pensamento muçulmano e judaico, e que obriga a redefinir a estrutura teológica-filosófica do escolasticismo. O autor dessa complexa operação é santo Tomás de Aquino, e o resultado é o tomismo, que a igreja adotará oficialmente a partir de então.

O averroísmo A controvérsia averroísta A ontologia tomista A questão dos universais

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A teologia tomista A demonstração da existência de Deus A antropologia tomista Caixa: Os treze artigos de fé de Maimônides Caixa: A alma humana é alguma coisa permanente?

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A escolástica tardia Durante o século XIV — época de crise — o equilíbrio entre doutrinas e crenças se alterou profundamente. O scotismo (sistema filosófico de Duns Scotus) desfaz então as conexões entre razão e fé, dois âmbitos que ficam cindidos depois do nominalismo de Guilherme de Occam. Para Occam e os nominalistas, os universais são simplesmente termos que aludem aos objetos singulares. O domínio da razão está no campo da experiência, o conhecimento das coisas individuais exclui o das verdades da fé que, por serem indemonstráveis, devem ficar relegadas ao âmbito das crenças. Essa atitude de Occam já prefigura o nascimento da ciência moderna e, ao mesmo tempo, assinala o acaso da escolástica e do pensamento medieval.

O scotismo O nominalismo de Occam Caixa: Navalha de Occam Caixa: O pensamento político medieval

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Raimundo Lúlio A personalidade de Lúli Os nomes de Deus

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A cosmologia luliana A Ars magna Os princípios absolutos Princípios relativos e correlativos Outros níveis A combinatória A árvore da ciência A filosofia do amor O lulismo Caixa: A vida de Lúlio Caixa: Algumas obras de Lúlio Caixa: A cabala

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Místicos e visionários Além do racionalismo escolástico, há ao longo da Idade Média uma corrente de pensamento místico que, apesar de suas interrupções e sua configuração variada, pode ser estudada de forma unitária. Essa corrente, herdeira das doutrinas de Dionísio Areopagita, recebe o impulso das ideias platônicas e do pensamento de santo Agostinho, e se expressa com frequência, por meio de símbolos e visões. O misticismo medieval é, mais do que a expressão de um pensamento, a confissão de uma experiência religiosa que tem por objetivo limpar o caminho que conduz a Deus, elevando o homem do profano ao sagrado.

O misticismo medieval A mística germânica: Eckhart Caixa: O retiro monástico Caixa: Do caminho real da Santa Cruz

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A ciência medieval Durante os dez séculos transcorridos entre a queda do Império Romano e o Renascimento, o pensamento científico se desenvolve com grande lentidão. A ciência medieval, vista em seu conjunto, é mais uma adaptação do modelo helenístico do que uma abertura original para novas formas de investigação e de domínio da natureza. Por outro lado, inserida como está em uma cultura teológica, propõe-se apenas, na melhor das hipóteses, a confirmar experimentalmente as verdades religiosas estabelecidas pela igreja. O surgimento da ciência experimental, emancipada das crenças da fé, é característica do Renascimento. A época medieval, no entanto, prepara esse surgimento, recuperando por meio dos muçulmanos os esquemas científicos da Antiguidade clássica e trazendo um conjunto de técnicas que serão imprescindíveis para o movimento da ciência moderna.

As contribuições dos muçulmanos A ciência na Europa medieval A imagem do mundo O pensamento científico A técnica medieval Caixa: O manuscrito voynich Caixa: As rodas do tempo Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 4)

O Renascimento O pensamento renascentista Nos séculos XV e XVI, a cultura e a sociedade europeias experimentaram transformações decisivas que inauguraram uma nova época. O termo renascimento, alude ao "renascer" da Antiguidade clássica, em oposição à Idade Média, embora muitos fenômenos e acontecimentos com que se costuma caracterizar o período tenham sua origem na última etapa da Idade Média. O humanismo — um dos fenômenos mais importantes da nova cultura — significa, no entanto, uma rebelião sem precedentes contra a tradição escolástica tal como era cultivada nas universidades.

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Um comportamento central do movimento intelectual do Renascimento é a reforma da teologia e da religião cristãs, que se encerrará com a fragmentação da cristandade ocidental. A própria concepção do homem muda substancialmente: é valorizado sobretudo como ser natural, desprezando-se ou subestimando-se a dimensão e o destino sobrenaturais.

O humanismo italiano As origens do humanismo italiano devem ser buscadas na Itália do século XIV. No momento em que a escolástica proclama de novo a separação entre ciência e fé, escritores como Dante, Petrarca e Boccacio descobrem a beleza dos poetas latinos. Francesco Petrarca (1304-1374) é o "pai do iluminismo", porque é o primeiro que erige o conhecimento rigoroso do mundo clássico como um ideal. Isto, por si só, estabelece uma atitude de recusa frontal da escolástica e indiretamente abre caminho para uma emancipação da tutela intelectual exercida pela igreja ao longo da Idade Média. A consecução do ideal petrarquista permite uma virada intelectual em muitos outros campos. O estudo das humanidades (isto é, o conhecimento da literatura e do pensamento greco-latinos baseado em fontes diretas) exige um maior rigor nos métodos de crítica histórica e filológica... A partir dessa luz com que se ilumina o mundo antigo, surge uma nova concepção do homem e de sua posição no mundo. No Renascimento, aspira-se a um homem novo, liberado da incultura e da mediocridade. Daí sua importância na educação das capacidades naturais humanas, a primazia concedida aos valores estéticos e ao individualismo. Frente à cultura medieval, que era radicalmente teocêntrica — considerava Deus como ponto de referência absoluto de todo o real e, portanto, também do ser humano —, a cultura renascentista é antropocêntrica: o homem passa a ser o ponto de referência. O ideal dos humanistas exclui o estudo da lógica e da filosofia natural, mas sua abertura para as fontes antigas permite a recuperação de muitas ideias filosóficas da Antiguidade que haviam sido deslocadas pelo aristotelismo medieval. Nesse sentido, a importância do humanismo na história do pensamento é fundamental.

O platonismo renascentista Uma das consequências dessa operação da Antiguidade greco-latina é o retorno de Platão, mas de um Platão reinterpretado de modo muito diferente do da tradição agostiniana e neoplatônica da Idade Média. Nessa tradição, os elementos platônicos estiveram subordinados sempre às concepções do cristianismo, particularmente à antropologia e à filosofia natural desenvolvidas pela escolástica. Os humanistas italianos alteram essa tradição incorporando um platonismo muito mais pagão, de acordo com sua exaltação do homem e com seu escasso entusiasmo pelas

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formas abstratas do naturalismo aristotélico. A paixão pela filosofia platônica é tamanha que na Florença do século XV é fundada, sob o mecenato dos Medicis, uma academia destinada ao estudo daquela filosofia. Uma figura de destaque dessa academia é Marsilio Ficino (1433-1499), que traduz as obras de Platão (1477) e As Enéadas de Plotino e tenta conciliar essas fontes redescobertas com o cristianismo (Teologia platônica). A conciliação, no entanto, é ambígua. Para o cristianismo, o homem é um ser corrompido que necessita de redenção da graça para se libertar de sua natureza abjeta, e as teses de Ficino e dos humanistas postulam a bondade natural do ser humano. Essa mesma ambiguidade é patente em outro dos acadêmicos florentinos, Giovanni Picco della Mirandola (1463-1494), um grande erudito para quem o cristianismo é o ponto de referência de todas as religiões e crenças. Os platônicos do Renascimento exaltam também a natureza como uma fonte de conhecimento autêntico de Deus. Esse anseio contemplativo, no entanto, está mais próximo do misticismo teosófico do que da filosofia natural ou da ciência da natureza que se desenvolverá posteriormente.

Caixa: Nicolau de Cusa

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O pensamento político renascentista O humanismo, que considera o homem sujeito racional e histórico, faz uma crítica do duplo poder temporal e espiritual do papado (crítica já iniciada em fins da Idade Media por Dante, Marsílio de Pádua e Occam). Alguns humanistas, como Thomas More, ainda estão divididos entre sua lealdade aos ideais medievais da cristandade e uma prática política que já aparece configurado pela realidade dos estados nacionais. Quem melhor compreende e teoriza essa realidade do poder político estatal é Maquiavel. Para esse humanista italiano, o religioso é apenas um aspecto da vida do estado, à qual deve se subordinar. A política adquiriu então uma autonomia como nunca havia tido e se estabelece como uma ciência que deve ser estudada de acordo com uma realidade temporal, que é da própria história.

O fim da teocracia medieval O humanismo renascentista assinala o fim da ordem teocrática da Idade Média. Se no plano individual os humanistas proclamam seu antropocentrismo (o homem como centro da criação), no plano político exigem a demolição do poder temporal da igreja.

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Essa reflexão está amparada numa realidade histórica: a da emergência dos estados nacionais na França, Espanha e Inglaterra. A força de tais estados tende de fato a tornar a política independente da religião, no limite de alguns objetivos que já não são de forma alguma ultraterrenos. Mas o religioso não se subjuga facilmente ao político. O conflito entre o estado e a igreja constitui desde então uma das formas características da Idade Moderna. Alguns humanistas, como o chanceler Thomas More, proclamam ainda sua adesão aos ideais unitários da cristandade. No entanto, o exercício do poder já aparece vinculado a uma nova força que é a do estado e More, que desempenha as mais altas responsabilidades políticas na monarquia de Henrique VIII, acaba por ser executado depois de defender as posições da Santa Sé. É muito significativo que o pensamento político desse grande humanista, amigo pessoal de Erasmo, se expresse de forma utópica. Isto quer dizer que as soluções de conflito que se abre no Renascimento se projetam para o futuro.

Maquiavel Caixa: A Ilha Utopia

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O humanismo reformado: Erasmo O humanismo, que tem seu berço na Itália, estende-se por toda a Europa do século XVI. O que o distinguirá será sempre a exegese filológica, que é transferida para uma interpretação dos textos bíblicos, já iniciada por Lorenzo Valla no século anterior. Com isso, o magistério da igreja fica interditado, e assim o humanismo se converte num movimento cultural que defende a tolerância e a liberdade individual, no padrão de uma síntese renovada entre a Antiguidade clássica e o cristianismo. A figura máxima do humanismo reformista do século XVI é Erasmo de Rotterdam. Sua doutrina, crítica com uma igreja — a romana —, prepara na realidade a Reforma protestante. Mas Erasmo não é um político, e o humanismo, reduzido ao âmbito cultural, acaba sendo deslocado pelo protestantismo de Lutero e pela Contra-Reforma que nasce no concílio de Trento.

O sonho de uma idade de ouro No ano de 1517, Erasmo de Rotterdam (1469-1536), que nessa época já é o humanista mais prestigioso de toda a Europa, manifesta quanto lhe agradaria voltar a ser jovem porque, assegura, "vejo uma idade de ouro no futuro próximo". Os grandes

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descobrimentos geográficos e os notáveis avanços técnico-científicos, unidos aos ideais de concórdia e tolerância derivados da concepção do homem como ser autônomo, prometem a realização deste sonho. É uma idade de ouro já preconizado pelo humanismo desde as suas origens e que faz parte do próprio espírito do Renascimento. Erasmo é um "iluminista" do século XVI. Confia tanto na capacidade racional do ser humano que não teme criticar a igreja romana de forma demolidora. No seu Manual do cristão militante (1502) defende a necessidade de uma reforma religiosa, por que "corrige o erro daqueles cuja religião é composta usualmente de cerimônias mais do que judaicas e penitências de ordem material e que descuidam das coisas que conduzem à piedade". No Elogio da Loucura (1511), a igreja é satirizada. O poder romano é um poder temporal, entregue ao beato, rendido ao tráfico de influências. Erasmo reclama em sua sátira que o papa de Roma preste contas a toda a humanidade, e, o que é mais importante, postula uma nova ética para medir os atos dos homens. Pouco a pouco, a crítica erasmiana produz cisões mais profundas. Em 1516 Erasmo, que é o legítimo sucessor de Lorenzo Valla, e a autoridade filológica máxima de todo o continente, publica o texto grego do Novo Testamento acompanhado de uma cuidadosa tradução em latim. Desafia então nada menos do que a Vulgata (quer dizer, a tradução latina das Sagradas Escrituras que são Jerônimo havia realizado e que constituía o texto oficial do magistério da igreja). Tudo isso proclama a liberdade do indivíduo, sua capacidade para estabelecer relações com Deus sem a mediação das instituições eclesiásticas. Dessa maneira, o humanismo de Erasmo prepara o terreno da Reforma protestante e sua doutrina da liberdade interior do homem e de sua salvação por meio da fé. Tanto Lutero quanto o cardeal Cisneros tentaram que colaborasse com eles.

A cisão do mundo europeu O sonho de Erasmo então se transmuda realmente num sentido contrário. A idade de ouro tão próxima se traduz nas guerras de religião que assolam o continente durante esse século. A Europa fica dividida ao norte, os países protestantes, com sua religião interior e seu sentido da predestinação que a sociologia contemporânea de Max Weber associou o espírito do capitalismo nascente. Ao sul, os países católicos, sobre os quais a igreja romana desencadeia um movimento de Contra-Reforma e nos quais o cristianismo dogmático e escolástico se renova espiritualmente. No mundo protestante, a reforma de Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (15091564) e Ulrich Zwingli (1484-1531) separa definitivamente os âmbitos da razão e da fé. A razão é "a prostituta diabólica", afirma Lutero. "Sabendo o que é a palavra de Deus e que foi Deus quem a disse, não tenho por que perguntar como pode ser verdade e me dou por satisfeito apenas com a palavra de Deus, sem que me importe como ela pode se conciliar com a razão..." No mundo católico, a Contra-Reforma animada pelo concílio de Trento produz ainda uma última floração da escolástica, que tem no jesuíta espanhol Francisco Suarez (1548-1617) seu mais exímio representante. Mas a Contra-Reforma, assim como a

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Reforma, é um movimento acima de tudo religioso. Enfrentando-se com esses dois mundos, o humanismo, como programa renascentista, fica deslocado. É verdade que sua herança não se perde e reaparece no iluminismo e em nossa época Contemporânea, formulado com outras roupagens. Mas o fim do sonho de Erasmo indica sua esterilização como movimento cultural.

Caixa: Do erasmismo à Contra-Reforma

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Montaigne e os limites do humanismo A exaltação humanista da primeira época do Renascimento aparece compensado na segunda metade do século XVI pela obra de Montaigne. A Europa é um continente doente, dividido em dois blocos: protestantes no norte, católicos no sul. Montaigne, na França, vê como seus próprios compatriotas sustentam uma guerra interminável por questões religiosas. Dessas amargas experiências surgem as reflexões filosóficas dos Ensaios: o homem, se pretende escapar à sua limitada condição humana, transforma-se numa besta. Tudo é questão de limites: deficiências da vida humana, insuficiências da razão, o homem deveria deixar de ser esse animal presunçoso para se acomodar a uma vida razoável e a uma digna espera da morte. O ceticismo de Montaigne se situa deste modo no extremo oposto do otimismo humanista dos primeiros tempos renascentistas e abre um caminho reflexivo por meio do qual se formará a rica tradição dos moralistas franceses dos séculos XVII-XVIII.

"O que é que eu sei?" Toda a filosofia de Michel Exquem de Montaigne (1533-1592) está condensada nesse lema que ele mesmo mandou cunhar numa medalha: Que sais-je? ("O que é que eu sei?"). É um lema indubitavelmente socrático, que rende um tributo explícito à figura de Sócrates, a mais nobre e sólida personalidade moral da Antiguidade. Montaigne tem nesse filósofo grego uma de suas referências e, como humanista que é, possui uma visão própria da Antiguidade clássica. Mas é uma visão diferente da dos grandes humanistas do Renascimento, já que nela não estão presentes nem Platão nem Aristóteles, e seus pontos de contato se situam nas escolas helenísticas e sua continuação no mundo romano: o ceticismo de Pirro e de Sexto Empírico, o estoicismo de Sêneca (que constitui outro dos grandes modelos de Montaigne), aos quais é preciso acrescentar por fim certo epicurismo. O lema Que sais-je? explica-se, antes de tudo, pelo ceticismo. Trata-se de um ceticismo moderado que entende a filosofia como um saber presunçoso. "A presunção é nossa

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doença natural e original", e a filosofia, em seus altos voos metafísicos, é apenas um produto da vaidade humana. A razão, pensa Montaigne, não pode alcançar certeza alguma, mas o homem tem de se acostumar a viver na incerteza, e suportá-la estoicamente. Deve aceitar os limites de sua condição humana, saber que "a grandeza da alma não se exerce na grandeza, mas na mediocridade". A sabedoria, em consequência, pelo socrático Que sais-je?, continua como um dos limites da razão que é antidogmática e antiescolástica e rejeita, por isso mesmo, toda metafísica; aceita estoicamente a incerteza, a impossibilidade de uma certeza total, e olha a morte cara a cara (Montaigne enfatiza reiteradamente esse enfrentamento da morte, esse dever que o homem tem de tê-la sempre presente). Cumpridos todos esses pressupostos que a sabedoria indica, o homem pode então gozar a vida tal como ela lhe foi dada e sem se desprezar, pois "a mais selvagem de nossas doenças" é o desprezo que sentimos por nosso ser e o modo como está configurado.

Montaigne como moralista Todo o pensamento de Montaigne se encontra nessa longa, volumosa e única obra que são os Ensaios, escritos a partir de 1572 e sucessivamente reeditadas até chegar à definitiva edição póstuma, que data de 1595. Os Ensaios são uma obra ao mesmo tempo literária e filosófica, e Montaigne, além de um grande escritor, um grande moralista. O motivo que lega essas duas vertentes da personalidade desse humanista tardio é a aspiração a conhecer-se a si mesmo, que tem também uma raiz socrática. Esse conhecer-se a si mesmo, longe de se converter num ensimesmamento nascente, constitui a condição prévia para julgar a própria conduta e, por extensão, a dos outros homens. Já que "cada homem — diz Montaigne — contém a forma integral da condição humana". A introspecção e a autoanálise dos Ensaios propõem-se dessa maneira a prestar um serviço aos outros, como um meio para adquirir normas práticas de conduta que permitam uma vida razoável.

O poder do costume A reflexão sobre a própria conduta não pode esquecer o poder do costume. Nossos códigos legais e de valores são costumes, inclusive a própria religião. Há uma universalidade de costume, que se torna uma segunda natureza; o que não é universal é o conteúdo desses costumes. Essa redução de nossos sistemas de crenças a meros costumes e opiniões pessoais, sem valor universal, coincide com uma crítica radical do antropocentrismo, quer dizer, da superioridade do homem sobre o resto da criação e de sua ilusão pretensiosa de ser a finalidade da natureza.

Influência de Montaigne

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Com os Ensaios, tem início a rica tradição dos moralistas dos séculos XVII e XVIII, tradição que se situa a meio caminho entre a literatura e a filosofia e que costuma se expressar por meio da arte do aforismo (quer dizer, de uma vontade não sistematizadora, atenta sobretudo ao caráter ambíguo e atomizado do humano). Montaigne inicia uma via reflexiva que irá se ampliando posteriormente com os nomes de Pascal, La Bruyère, Le Rochefoucauld, Voltaire e Vauvenargues. Caixa: A moral de Montaigne Caixa: O humanismo na literatura Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 5)

A Nova Ciência Começo da revolução científica: Copérnico Com o Renascimento, começa a revolução científica, longo e complexo processo de mudança pelo qual uma nova imagem do mundo se impõe às velhas ideias científicas da Antiguidade e da Idade Média. Esse processo percorre suas primeiras fases nos séculos XV e XVI e culmina no século XVII com a mecânica celeste de Newton: seu ponto central está situado na revolucionária teoria astronômica de Copérnico, que afirma, pela primeira vez, que a Terra não é o centro do Universo. Junto com a astronomia, a nova ciência escavou o chão sob os fundamentos e princípios básicos da física de Aristóteles: a finitude do Universo, a heterogeneidade das substâncias terrestres e celestes (incorruptíveis e inalteráveis), a interpretação finalista do movimento, a uniformidade e a circularidade do movimento dos corpos celestes, a distinção entre movimentos naturais e movimentos violentos ou antinaturais. A essa mudança na imagem do mundo se acrescentou — pela tradução e conhecimento dos cientistas gregos — a concepção platônico-pitagórica de que o real tem uma estrutura matemática. Todos esses fatores determinaram uma nova interpretação da razão, assim como um novo método científico.

A ciência no Renascimento No período que compreende os séculos XV e XVII, a atitude humanista se traduz no campo científico em uma exploração sistemática de todos os âmbitos da natureza. As inovações técnicas do final da Idade Média, e particularmente a imprensa, aparecem então como meios a serviço de uma vontade de exploração do mundo. O que se pretende, sobretudo, é descobrir os segredos da natureza e utilizar essas descobertas em proveito do homem. A figura do humanista, assim, aparece duplicada pela do engenheiro, cujo protótipo renascentista é Leonardo da Vinci.

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Os conhecimentos da revolução científica do Renascimento estabelecem os inícios da ciência experimental, que antes de Galileu é, sobretudo, uma ciência descritiva. Esse caráter descritivo é, por outro lado, particularmente benéfico no campo das ciências naturais, que adquirem amplitude graças aos grandes descobrimentos geográficos dessa época. A observação e experimentação direta estabelecem uma nova ciência médica — descobre-se o corpo humano — que avança notavelmente nas descrições anatômicas, fisiológicas e patológicas. A mais completa descrição anatômica é proporcionada por Andreas Vesalius (1514-1564) em Sete livros sobre a estrutura do corpo humano (1543), obra que na época representou uma verdadeira revolução. Vesalius é fruto de uma atitude científica que combate a tradição da medicina clássica de Galeno e Avicena, e que submete os órgãos do corpo a uma dissecação e exploração sistemáticas. Teofrasto Paracelso (1493-1541), vinculando à tradição alquimista e astrológica, entende que "o médico deve formar-se a partir das coisas exteriores", pois só essas "oferecem o conhecimento do interior". A medicina paracelsista se sustenta na doutrina do "astrum in corpore", quer dizer, do homem como microcosmos relacionado com o macrocosmos. A medicina iatroquímica de Paracelso, baseada no uso de agentes quimioterápicos, contribuirá de modo importante para a fundação da química moderna.

A revolução coperniciana Os inícios da revolução científica tem seu marco essencial na teoria de Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo de origem polonesa, exposta em seu livro Sobre a revolução dos orbes celestes (1543). O sistema geocêntrico de Ptolomeu, que tinha perdurado ao longo da Idade Média como imagem inapelável do mundo, é então substituído por um sistema heliocêntrico. O centro do Universo já não é a Terra, mas o Sol; aquela tem um duplo movimento, de rotação sobre o seu eixo e de translação em torno do Sol, da mesma forma que os outros planetas do sistema solar. O aperfeiçoamento da corajosa teoria coperniciana será obra de Johannes Kepler (15711630). Graças às observações precisas do astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (15461601), Kepler, que foi seu aluno, estabelece matematicamente as leis que regem as órbitas dos planetas. Em 1610, o sistema de Copérnico foi confirmado cientificamente por Galileu, ao observar as fases de Vênus com seu telescópio. Nessa época, já se tinha iniciado uma nova batalha: a da igreja e dos defensores da velha concepção geocêntrica do Universo contra os cientistas e filósofos que aceitavam o que a ciência apresentava de forma evidente.

Caixa: Leonardo da Vinci

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A nova ciência: Bacon No curso da revolução científica ocorrida na Europa dos séculos XVI-XVII, um dos pensadores que capta melhor os efeitos radicalmente transformadores da nova ciência é o inglês Francis Bacon. Seguindo o exemplo de Telésio, Bacon critica o aristotelismo por considerá-lo inoperante e propõe uma nova lógica experimental e indutiva, um novo instrumento capaz de descobrir as causas dos fenômenos, porque a verdadeira ciência é sobretudo uma ciência das causas. Dessa maneira, Bacon abandona explicitamente a metafísica, que, tal como Montaigne, considera presunçosa, e propõe uma filosofia experimental, baseada nos fatos e construída como uma metodologia científica. A natureza, mais do que ser compreendida, deve ser dominada, posta a serviço do homem e de sua vontade de dominação.

O método indutivo Francis Bacon (1561-1626), barão de Verulam e grande chanceler da Inglaterra durante o reinado de Jacob I, embora tenha desdenhado o valor das matemáticas e não se tinha percebido da sua importância fundamental no desenvolvimento da ciência moderna, soube compreender que a física e a lógica aristotélicas haviam ficado definitivamente inutilizadas desde o início da revolução científica. Compreendeu como ninguém os efeitos práticos da ciência. Sua grande preocupação foi, portanto, metodológica; seu objetivo final, formular um novo método científico capaz de estabelecer as leis rigorosas da observação empírica. Na lógica aristotélica, o caminho é sempre dedutivo. Não que não haja uma observação empírica dos fatos. Acontece, porém, que essa lógica parte "das sensações e dos fatos particulares para elevar-se rapidamente às proposições mais gerais e, baseando-se nesses princípios, cuja verdade se supõe imutável, descobre as proposições intermediárias". Bacon afirma que esse é o caminho frequentemente seguido para atingir a verdade. Mas na ciência essa descida do geral ao particular não está autorizada. A experiência não a avaliza. Partindo do caráter experimental de todo conhecimento verdadeiramente científico, o método que convém seguir é contrário ao procedimento aristotélico. Bacon propõe então um novo método indutivo, por meio do qual se vá subindo gradualmente do particular ao geral até chegar à máxima generalização possível, que são as leis ou princípios. Essa nova lógica indutiva e experimental está desenvolvida no Novum organum (1620), obra fundamental de Bacon que devia fazer parte da Instauratio magna (A grande instauração), um grande tratado geral das ciências que jamais foi concluído. O Novum organum tem a pretensão de substituir o organum, que é como se chamava tradicionalmente a velha lógica aristotélica.

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As regras da experimentação No método indutivo, estabelece-se uma série de passos com o objetivo de que a observação empírica seja a mais rigorosa possível. Em primeiro lugar, é essencial confrontar os fatos observados mediante o uso de algumas "tabelas". No Novum organum, distinguem-se várias categorias. As mais importantes são as "tabelas de presença" — onde se registram os casos em que se verifica um determinado fenômeno —, as "tabelas de ausência" — que registram os casos em que, ao contrário do que se esperava, o fenômeno não ocorre — e as "tabelas de grau" — nas quais se assinala o aumento ou a diminuição do fenômeno. Os dados registrados nas diferentes tabelas são depois comparados atentamente, com o objetivo de estabelecer uma primeira hipótese. Essa primeira hipótese tem somente o valor de prova e deve-se verificá-la empiricamente. Com a verificação, surgem novos erros e, em consequência, formulamse novas hipóteses, mais próximas da verdade. O método indutivo de experimentação se baseia num aperfeiçoamento sucessivo das hipóteses. A verdade vai surgindo por aproximação, à medida que se descartam os erros. Então, e de forma escalonada, formulam-se alguns axiomas intermediários e, finalmente, alguns princípios mais gerais.

A teoria dos idola O Novum organum estabelece uma crítica sobre os erros e preconceitos que obstaculizam o conhecimento da verdade. Tais obstáculos são interpostos pelo intelecto humano à maneira de deformação que impedem a percepção correta dos fatos. Bacon os denomina idola, isto é, "ídolos", e distingue entre eles quatro tipos fundamentais.

Os "ídolos da tribo" Os "ídolos da caverna" Os "ídolos do mercado" Os "ídolos do teatro"

Caixa: Um profeta da era industrial

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A nova ciência: Galileu

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O Universo está escrito em linguagem matemática e a mera observação empírica dos fatos não basta para fundamentar um verdadeiro método científico. À indução preconizada por Francis Bacon cabe unir a dedução efetuada a partir de alguns axiomas e teoremas matemáticos. Essa combinação do matemático com o empírico, do dedutivo com o indutivo, que tem por objetivo tornar mensuráveis os fenômenos da natureza, constitui a característica mais importante método experimental. Seu autor é Galileu Galilei, um dos maiores cientistas da Europa moderna.

O método experimental, antes de mais nada, uma nova maneira de "perguntar" à natureza.

A linguagem matemática A ciência é quantitativa O método hipotético-dedutivo Caixa: As novas ciências Caixa: As descobertas de Galileu

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O apogeu da revolução científica A ciência moderna, que tem suas origens no Renascimento, atinge a maturidade em fins do século XVII, quando Isaac Newton elabora a sua teoria da gravitação universal. O mundo fica mais unificado sob rigorosas leis mecânicas, e física destitui definitivamente a teologia e se converte num ponto de referência obrigatório de qualquer reflexão filosófica. Trata-se de uma virada de grande envergadura na história do pensamento ocidental, e constitui por isso uma das mais importantes consequências da revolução científica.

Rumo a uma nova imagem do mundo As diretrizes metodológicas

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O vácuo dos átomos Experiências no vácuo O telescópio e o microscópio O universo newtoniano Um sistema do mundo unificado Espaço e tempo absolutos Da teologia à física Caixa: O epicurismo de Gassendi Caixa: O método Newton

Caixa: Regras para raciocinar em filosofia "1) Não devemos admitir mais causas de coisas do que as que são verdadeiras e suficientes para explicar suas aparências. "2) Portanto, aos mesmos efeitos naturais devemos atribuir, até onde seja possível, as mesmas causas. "3) Aquelas propriedades dos corpos que não se possam aumentar ou diminuir gradualmente, e que existam em todos os corpos que possamos examinar, serão considerados como propriedades universais da totalidade dos corpos. "4) Na filosofia experimental devemos aceitar as proposições derivadas por indução geral dos fenômenos como exatas ou muito provavelmente corretas, apesar das hipóteses contrárias que se pudessem imaginar, até o tempo em que ocorram outros fenômenos, com os quais possam tornar-se mais exatas ou aceitar exceções." Isaac Newton. Princípios matemáticos da filosofia natural

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Giordano Bruno: o Universo infinito No século XVI a filosofia renascentista se articula firmemente. O misticismo teosófico dos primeiros humanistas, como Pico della Mirandola, é superado na Itália do Renascimento pela filosofia natural de Telésio, Bruno e Campanella. É típico desses

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pensadores opor-se a qualquer princípio sobrenatural ou transcendente para explicar a natureza, quer dizer, o conjunto da realidade existente. Dessa maneira, investigando as leis naturais e explicando a realidade por meio delas, rompem definitivamente com a Idade Média e levam o humanismo à sua expressão máxima. Importância particular reveste a filosofia de Giordano Bruno, que elabora uma nova imagem do mundo, partindo dos pressupostos da astronomia de Copérnico. O Universo é infinito e Deus está incorporado a ele a partir de uma visão panteísta que influenciará de modo notável a filosofia posterior de Spinoza e Leibniz.

A filosofia natural italiana Giordano Bruno O Universo infinito A metafísica de Bruno

Caixa: Giordano Bruno e seus carrascos "Dizer: qual foi o meu crime? Nem ao menos suspeitais? E me acusais, sabendo que nunca agi fora da lei? Queimai-me, que amanhã onde acendeis a fogueira A história erguerá uma estátua para mim. [...] Mas sois sempre os mesmos, os velhos fariseus. Os quer rezam e se prostram onde podem ser vistos. Fingindo fé, sois falsos, invocando a Deus, ateus; [...] Prefiro mil vezes minha sorte à vossa; Morrer como eu morro não é morte; Morrer assim é a vida; vosso viver, sim, é a morte. [...]

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Covardes! O que vos detém? Temeis o futuro? Ah! Tremeis. É porque vos falta o que sobra em mim. Olhai, eu não tremo. E sou eu quem vai morrer!" Caixa: Uma vida heroica Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 6) &&&& Novo Espírito Científico, O. (Le Nouveau Esprit Scientifique). Obra de Gaston Bachelard (1934), na qual funda seu “novo racionalismo”, instaurando uma ruptura entre o conhecimento comum e o conhecimento científico: “Ao candidatar-se à cultura científica, o espírito nunca é jovem. É até mesmo bastante velho, pois tem idade de seus preconceitos. Ter acesso à ciência é rejuvenescer-se espiritualmente, é aceitar uma mutação brusca que deve contradizer um passado... Para um espírito científico, todo conhecimento é uma resposta a uma questão. Se não houver questão, não pode haver conhecimento científico. Nada é óbvio, nada é dado. Tudo é construído.” É nesta obra, que terá grande influência no desenvolvimento da epistemologia e de estudos de história da ciência no pensamento contemporâneo, que Bachelard introduz o conceito de corte epistemológico.(1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Racionalismo Racionalismo. 1. Doutrina que privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas, considerando-a como fundamento de todo conhecimento possível. O racionalismo considera que o real é em última análise racional e que a razão é portanto capaz de conhecer o real e de chegar à verdade sobre a natureza das coisas. Segundo Hegel: "Aquilo que é racional é real, e o que é real é racional" (Filosofia do Direito, Prefácio). Oposto a ceticismo, misticismo. Ver empirismo. 2. Racionalismo crítico: doutrina kantiana dos limites internos da razão em sua aplicação no conhecimento do real. 3. Contrariamente ao empirismo (valorizando a experiência) e ao fideísmo (valorizando a revelação religiosa), o racionalismo designa doutrinas bastante variadas suscetíveis de submeter à razão todas as formas de conhecimento. Em seu sentido filosófico, ele tanto pode ser uma visão do mundo que afirma o perfeito acordo entre o racional e a realidade do universo quanto uma ética que afirma que as ações e as sociedades humanas são racionais em seu princípio, em sua conduta e em sua finalidade.

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4. O racionalismo muda de figura segundo se opõe a outras filosofias. Ele se opõe ao pensamento arcaico por seu estilo argumentativo e crítico. Opõe-se ao empirismo fazendo-se metódico, recorrendo à lógica e à matemática (p. ex., em Leibiniz). Opõe-se ao fideismo, fazendo-se sistemático; ao misticismo, fazendo-se positivo e crítico. Pode ainda limitar-se a um domínio ou aspecto da experiência humana: racionalismo moral, racionalismo religioso (Feuerbach), racionalismo político (Montesquieu) etc. (1) Racionalismo. A razão e não a experiência é que serve de base para as certezas do conhecimento. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Extraído da Temática Barsa - Filosofia

Descartes No século XVII tem início com Descartes (1596-1650) o que se conhece pelo nome de "racionalismo", e que será desenvolvido até as últimas consequências por Spinoza e Leibniz. O racionalismo deve ser entendido de duas maneiras: como oposição epistemológica, a partir da qual se afirma que a razão é a única fonte de conhecimento: e como oposição metafísica, na qual se sustenta que o real é racional. Dessa maneira, o racionalismo configura uma orientação diferente da do empirismo, que põe ênfase no conhecimento a partir da experiência. As duas orientações, a racionalista e a empirista, convergirão mais tarde na filosofia de Kant. Partindo desses pressupostos, Descartes elabora o primeiro grande sistema filosófico da Idade Moderna; um sistema para o qual confluem sinteticamente as conquistas do humanismo renascentista e os avanços produzidos na ciência moderna, para desembocar numa nova metafisica que influenciará decisivamente a evolução posterior do pensamento ocidental. a filosofia cartesiana cria imediatamente uma escola no continente europeu. Um de seus desenvolvimentos mais notáveis é constituído pelo ocasionismo de Malebranche.

O conhecimento a partir da razão Do ponto de vista epistemológico, são duas as afirmações fundamentais do racionalismo: em primeiro lugar, que nosso conhecimento da realidade pode ser

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construído dedutivamente a partir de certas ideias e princípios evidentes (segundo o ideal dedutivo da ciência moderna); e, em segundo lugar, que essas ideias e princípios são inatos à razão, que os possui em si mesma, à margem de toda experiência possível. A razão, portanto, é plenamente auto-suficiente na obtenção do conhecimento sobre a realidade. É verdade que os sentidos nos fornecem informação, mas essa é confusa e geralmente incerta. Entretanto, uma vez que o ser humano pode contar com a razão para conhecer o mundo, é preciso assegurar-se de que a razão funciona corretamente, se queremos ter garantias sobre o que consideramos verdadeiro e, portanto, real.

As matemáticas como modelo O ponto de vista de Descartes é formado pelas matemáticas, que ele toma como modelo ou paradigma de suas investigações filosóficas e do conhecimento em geral. Para o racionalismo, as diferentes ciências são apenas manifestações de um saber único: a razão humana é única e tem um único modo de proceder, embora se aplique a objetos diferentes. É nas matemáticas que a razão encontra um campo próprio, um terreno em que não se deve submeter a nada além de sua própria lei, sua maneira própria e natural de proceder. Em primeiro lugar, na ciência matemática a razão, com todo o direito, é plenamente auto-suficiente. As proposições matemáticas não dependem da experiência, são "verdades da razão", e isto quer dizer que possuem uma validade universal e absoluta. Um triângulo, por exemplo, sempre terá três lados, e isto, em nenhum momento poderá ser desmentido pela experiência. Devido a essa auto-suficiência, a razão nas matemáticas só aceita como verdadeiro o que se apresenta a ela com clareza. A clareza e a simplicidade das matemáticas se convertem naquilo a que aspiram todas as outras ciências. Finalmente, as matemáticas mostram que a razão procede dedutivamente, deriva novas ideias a partir de primeiros princípios evidentes. É preciso tornar explícito como a razão procede nas matemáticas e extrair daí um método que as outras ciências possam seguir com facilidade, e alcançar assim o verdadeiro conhecimento em seu campo correspondente.

A intuição e a dedução Descartes distingue duas operações básicas da razão: a intuição e a dedução. A intuição é definida como "a concepção de um espírito puro e atento, tão fácil e tão diferenciada que não resta nenhuma dúvida sobre o que compreendemos". Por meio da intuição captamos de forma simples e imediata evidências como a de que pensamos (aqui tem origem o cogito), ou a de que o triângulo tem três lados. Essas evidências são as chamadas naturezas simples, os primeiros princípios a partir dos quais se desdobra o resto do conhecimento.

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A dedução "é a operação por meio da qual se infere uma coisa de outra", e é, na verdade, uma intuição continuada (que não necessita de uma evidência presente), porquanto é a "conclusão necessária de outras conhecidas com certeza, obtida por meio de um movimento contínuo e sem interrupção do pensamento, que tem uma intuição clara de cada coisa". De fato, entre umas naturezas simples e outras aparecem ligações que a razão descobre e percorre por meio da dedução.

As regras do método Uma vez conhecida a dinâmica específica da razão é possível fixar as regras do método. Descartes assegura que segundo tais regras, qualquer mente medíocre pode chegar tão longe quanto seja possível no conhecimento das coisas, tamanhos são seu otimismo e sua confiança no poder da razão. As regras do método como ele as expõe em seu Discurso do Método (1637), são: 1) Julgar sempre de acordo com a evidência. A evidência se dá unicamente na intuição e essa se manifesta com os sinais do claro e do diferenciado. Só devemos aceitar como verdadeiras aquelas ideias que se apresentam de tal maneira à razão que essa tem de aceitá-las como verdadeiras. Ao formular essa primeira regra, Descartes introduz um novo conceito de verdade: ela já não consiste na adequação do pensamento à realidade (conceito escolástico de verdade), mas é propriedade das ideias em si mesmas. 2) Análise, que consiste em "dividir cada uma das dificuldades que se examinem em tantas partes quantas forem possíveis e em quantas exigir uma melhor solução". Trata-se de chegar às naturezas simples, já que só no simples é possível verificar se se cumpre o requisito da evidência. 3) Síntese, que é a reconstrução dedutiva do complexo a partir do simples. Começar "pelos objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer, para ir-se elevando pouco a pouco, como que por gradações, até o conhecimento dos mais compostos". O conhecimento do complexo assim obtido tem garantia de ser verdadeiro, na medida em que houve uma cadeia de intuições - portanto, de evidências -, que é aquilo em que a dedução propriamente consiste. 4) Enumeração. Para garantir a conexão global do processo, é preciso "fazer em tudo enumerações tão complexas e revisões tão gerais que estaremos seguros de não omitir nada". Descartes exige que se façam verificações frequentes da análise e revisões do processo sintético, de tal modo que se possa abarcar todo o conjunto de um só golpe de vista (as cadeias dedutivas podem ser muito longas) e se possa ter dele uma completa evidência intuitiva.

A dúvida metódica A dúvida, tal como Descartes a concebe, traz consigo a exigência de encontrar um ponto de partida absoluto: uma ideia, a mais simples de todas, uma ideia absolutamente

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indubitável e, por isso, absolutamente certa, sobre a qual fundamentar todo o edifício do saber. Na busca dessa ideia, Descartes escolhe o caminho da dúvida: duvidar de tudo para ver se resta algo que resista a toda dúvida, algo absolutamente indubitável. Descartes não é um cético em nenhum momento, simplesmente, se serve da dúvida como procedimento para atingir a verdade. Por isso sua dúvida é apenas uma dúvida metódica. A dúvida metódica se aplica a todas as crenças, a todo conhecimento considerado verdadeiro. Não devemos aceitar nada que nossa razão não tenha considerado por si mesma para além de toda tradição ou autoridade, e toda aquela ideia sobre a qual exista um mínimo motivo de dúvida será como falsa. A dúvida segue alguns passos. Em primeiro lugar, a informação que se origina nos sentidos. Esses oferecem os motivos mais óbvios para se duvidar: os sentidos já enganaram a todos nós em alguma ocasião. Não é preciso supor que os sentidos nos enganem sempre: basta que o tenham feito uma vez para que não possamos fundamentar sobre eles nosso conhecimento. Em segundo lugar, também é possível duvidar tanto da existência do mundo quanto de nossa própria existência corporal, diante da impossibilidade de distinguir com certeza a vigília do sonho. Alguma vez já nos aconteceu de considerar real aquilo que depois mostrou ser apenas um sonho. A impossibilidade de distinguir a vigília do sonho, no entanto - e esse é o terceiro momento da dúvida -, não parece afetar determinadas verdades, como as matemáticas: adormecidos ou acordados, dois mais três sempre são cinco e os três lados de um triângulo sempre somam 180 graus. Descartes introduz nesse ponto o mais radical motivo da dúvida: talvez exista um gênio maligno que me faça crer em verdades que não o são realmente. O que ele está abordando com isso é a dúvida sobre a possibilidade de que a razão se converta no critério suficiente para estabelecer a verdade: talvez a razão seja de tal natureza que se equivoca necessariamente quando pensa conhecer a verdade.

"Penso, logo, existo" A dúvida metódica parece nos aproximar de um ceticismo radical: se não posso encontrar certeza nas ideias que se originam nos sentidos, nem tampouco, e mais dramaticamente, nas ideias que se originam na razão, talvez a única certeza possível seja a de que não existe certeza no conhecimento. Descartes nos faz ver que existe, sim, uma verdade absoluta, uma ideia da qual não é possível duvidar, e que não é uma certeza negativa: a existência do próprio sujeito que pensa e duvida. Em todo esse processo de dúvida, existe algo de que não cabe duvidar, e é o fato de que estou duvidando. Se duvido, é porque penso, e se penso é porque sou. Descartes expressa isso com o seu célebre Penso, logo existo (Cogito, ergo sum). Se eu penso que o mundo existe, talvez me equivoque quanto à existência do mundo, mas não cabe erro possível quanto ao fato de que eu penso isso. A certeza absolutamente indubitável para cada sujeito é a de que ele pensa e, portanto, tem ideias, ainda que suas ideias talvez sejam falsas. A primeira verdade não repousa nos objetos, chamam-se esta matéria ou mundo, mas no ato mesmo de pensá-los.

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Minha existência como sujeito pensante não é somente a primeira verdade e a primeira certeza: é também o protótipo de toda verdade e de toda certeza. Tudo quanto eu perceber com a mesma evidência com que percebi que sou um sujeito pensante será verdadeira e, portanto, poderei afirmá-lo com certeza inquestionável.

As ideias Deus, ou a ideia inata do perfeito As três substâncias O mecanicismo de Descartes Caixa: A época de Descartes Caixa: As coisas que se podem pôr em dúvida Caixa: O método de Descartes Caixa: Da natureza do espírito humano

Caixa: O cartesianismo O cartesianismo - de Cartesius, nome latinizado de Descartes - encontrou de imediato numerosos seguidores, a ponto de se impor na Europa continental frente ao empirismo dos britânicos. Um dos mais importantes desenvolvimentos das ideias cartesianas se encontra no ocasionalismo, cujo o mais destacado representante é o francês Nicolau de Malebranche (1638-1715). O ocasionalismo pretende superar as dificuldades que o dualismo cartesiano coloca, quer dizer, a relação entre substância pensante e substância extensa, entre alma e corpo. Trata-se de uma relação recíproca? Ou, para dizer em termos atuais, como se explica a unidade psicofísica do ser humano? Malebranche afirma que a relação entre alma e corpo não é recíproca, mas ocasional, no sentido de que é uma relação que dá à causa eficiente (Deus) a ocasião de atuar. Pretende superar o dualismo de seu mestre, afirmando que o conteúdo do pensamento, ou seja, das ideias claras e diferenciadas, é Deus. O que o homem conhece não é o mundo, mas o mundo refletido em Deus. Tudo o que é objeto do pensamento - a substância extensa - pertence de fato à realidade divina. Mas essa é uma tese que será desenvolvida vigorosamente por Spinoza até chegar a um monismo panteísta como superação do dualismo cartesiano.

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Spinoza O dualismo da mente e da matéria introduzido pela filosofa cartesiana tem como uma de suas consequências a formulação de um panteísmo pelo qual se postula uma única ordem racional, uma identificação entre o ser de Deus e o ser do mundo. O autor dessa doutrina em que se concebe Deus imanente, todo razão, é Baruch de Spinoza (16321677). Os ecos de Giordano Bruno são bem patentes na filosofia desse pensador judeu, e até se poderia dizer que nela tem continuidade a grande tradição neoplatônica medieval e renascentista. Não se deve, entretanto, perder de vista a linha que tem origem em Descartes, já que a filosofia de Spinoza é uma derivação consequente da problemática introduzida pelo grande pensador francês.

O panteísmo spinoziano: Deus ou Natureza A ordem racional do Universo O conhecimento racional A moral spinoziana Caixa: Spinoza e a Universidade

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Leibniz Com Leibniz, o pensamento alemão passa a ocupar o primeiro plano na filosofia europeia, e o faz por meio de esquemas formulados por Descartes. Como este e como Spinoza, Leibniz vê Deus como a pedra angular que unifica o pensamento e a realidade exterior. O pensador alemão, no entanto, é um crítico do mecanicismo e do dualismo cartesianos, e está longe de se adaptar às formulações panteístas de Spinoza. A substância não tem extensão. é formada por mônadas, que se estendem como unidades indivisíveis por todas as ordens da criação. Não há dualismo da mente e da matéria, mas antes uma escala (quase evolutiva) entre os seres da natureza, coroada por Deus, mônada das mônadas, no padrão de uma harmonia preestabelecida. Vivemos assim no melhor dos mundos possíveis. As coisas têm uma razão de ser, ainda que não compreendamos isso, e o mal se deve à nossa imperfeição. Deus está plenamente justificado (teodiceia).

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O conhecimento A monadologia A harmonia preestabelecida Caixa: Um gênio alemão

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Pascal No século XVI, o racionalismo cartesiano convive na França com as tendências religiosas jansenistas, movimento espiritual e místico de origem agostiniana que tinha se infiltrado, sobretudo, na abadia de Port-Royal. Desse clima surge Pascal, eminente físico e matemático, mas também um espírito profundo e um homem apaixonadamente religioso. Pascal contesta as pretensões da razão filosófica e científica de alcançar uma certeza total, resumindo a sua atitude com a seguinte frase: "Dois excessos: excluir a razão, não admitir mais do que a razão". Assim como santo Agostinho e tantas outras correntes místicas que confirmam a tradição do cristianismo ocidental (e que na época são impulsionadas pela espiritualidade protestante), Pascal responde que o anseio de uma certeza total só procede da fé, de "um deus sensível ao coração, não à razão". Dessa maneira, o pensamento pascalino se situa no extremo oposto do racionalismo, em uma direção surpreendentemente contrária ao espírito da época, e será preciso esperar até o século XIX, e mesmo até o nosso tempo, para que a obra de Pascal, isolada pelo Iluminismo, seja revalorizada. As limitações da razão O Deus da fé A antropologia pascalina A aposta de Pascal Caixa: Os aforismos de Pascal Caixa: As contribuições de um grande cientista Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 7)

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Empirismo Empirismo. Diz-se de qualquer doutrina ou ciência que assenta as suas conclusões na experiência, sem olhar ao raciocínio e à teoria. FILOS. Poder-se-ia definir empirismo pela tendência a crer que o conhecimento se forma no nosso espírito em condições de passividade para o mesmo espírito, não admitindo que este tenha uma atividade espontânea regida por leis próprias. O empirista espera da experiência sensorial, da percepção pelo tato, pela vista, pelo ouvido e pelos outros sentidos - percepção que ele concebe como a recepção passiva de impressões - o conhecimento da realidade. (1) O adjetivo empírico aplica-se ao que tem origem na experiência (por oposição ao conhecimento racional ou a priori): como tal, sinônimo do a posteriorikantiano. Qualifica igualmente qualquer conhecimento ou pessoa não sistemáticas, que confiam na experiência imediata e até no pragmatismo. O empirismo qualifica qualquer doutrina filosófica que admite que o conhecimento humano deduz tanto seus princípios quanto seus objetos ou conteúdos, da experiência. (2) Corrente filosófica para o qual a experiência é critério ou norma de verdade, considerando-se a palavra “experiência” no significado 2º. Em geral, essa corrente caracteriza-se pelo seguinte: 1º) negação do caráter absoluto da verdade ou, ao menos da verdade acessível ao homem; 2º) reconhecimento de que toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. Portanto, o empirismo não se opõe à razão a não a cega, a não ser quando a razão pretende estabelecer verdades necessárias, que valham em absoluto, de tal forma que seria inútil ou contraditório submetê-la a controle. (3) Todo conhecimento é baseado na experiência que provém dos sentidos. (4)

Mais informação: http://www.sergiobiagigregorio.com.br/palestra/empirismo-eespiritismo.htm

(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993 (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

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Empirismo, extraído da Temática Barsa Filosofia

Locke O empirismo é uma filosofia característica das ilhas britânicas que tem sua primeira formulação na obra de John Locke, mas sua origem é bem anterior. Já antes do Renascimento, o nominalismo de Occam e o experimentalismo de Roger Bacon preparam seu caminho. Depois, Francis Bacon e Thomas Hobbes constroem uma filosofia que em muitos aspectos já é empirista. O que é característico na Europa do século XVII é que o empirismo se afirma como uma tendência britânica, enquanto no continente prevalece o racionalismo de origem cartesiana. Mais tarde, na época do Iluminismo, o empirismo se radicalizará na filosofia de Berkeley e Hume, e acabará por confluir com o racionalismo na filosofia kantiana.

Empirismo versus racionalismo Um novo estilo de pensamento A origem de nossas ideias Classificação das ideias Qualidades primárias e secundárias As ideias complexas O conceito de substância Sobre a linguagem O realismo gnosiológico O pensamento político de Locke Contra a monarquia absoluta O direito à propriedade Religião e pedagogia Caixa: Das ideias verdadeiras e das falsas Caixa: A tolerância de Locke Caixa: Dos objetivos da sociedade política e do governo

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O empirismo britânico do século XVIII: Berkeley e Hume A filosofia empirista de John Locke continua na época do Iluminismo com as obras de Geoge Berkeley e David Hume, dois pensadores que também partem da experiência como fonte de todo o conhecimento, mas que radicalizam as posições do empirismo clássico enveredando por caminhos diferentes. Para Berkeley, o conhecimento empírico não permite assegurar que fora de nossas percepções exista uma realidade material. Os objetos existem na medida em que os percebemos, mas não possuem qualidades independentes dessa percepção. O empirismo de Berkeley é assim idealista e se baseia numa filosofia do imaterialismo. Hume vai ainda mais longe, ao criticar o caráter objetivo das relações de causa e efeito. Essas relações derivam do costume e o conhecimento empírico não pode garantir no fundo a existência do mundo exterior, embora estejamos obrigados a acreditar nele. Dessa maneira, o empirismo de Hume acaba por se aproximar do ceticismo.

O idealismo de Berkeley O empirismo radical de Hume Impressões e ideias Os princípios associativos Tipos de conhecimento Crítica do princípio de causalidade O ceticismo de Hume Caixa: As ideias abstratas não são necessárias para nossa comunicação Caixa: Dúvidas céticas sobre as operações do entendimento Caixa: Sobre o sentimento moral Caixa: A natureza humana Caixa: A moral da simpatia

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O materialismo de Hobbes A filosofia europeia do século XVII tem uma dupla orientação. De um lado, a corrente do racionalismo, que se baseia nos grandes sistemas metafísicos de Descartes, Spinoza e Leibniz; de outro, o pensamento empírico. A ideia de que o conhecimento tem sua verdadeira fonte na experiência é manifesta no pensamento de Thomas Hobbes. Sua teoria a respeito da origem do estado, embora monárquico, fundamenta-se num contrato social e não no direito divino, exerceria profunda influência no pensamento posterior de Rousseau, Kant e dos enciclopedistas, e contribuiu assim para preparar, no campo das ideias, o advento da revolução francesa.

A herança de Bacon e Galileu Thomas Hobbes (1588-1679) passou à história como o autor de Leviatã, uma das teorias políticas mais importantes e influentes da Idade Moderna e que justifica o poder absoluto do estado moderno. Seguindo os passos de Maquiavel, Hobbes defende a necessidade de que o estado impere com poder absoluto sobre a igreja e sobre a totalidade dos indivíduos. Seu pensamento, entretanto, não é apenas político; tem também uma vertente lógica e gnosiológica que contribuirá para assegurar as características da ciência moderna. Hobbes é um herdeiro da filosofia de Francis Bacon, de quem foi colaborador, e da metodologia científica de Galileu. Sobre essas bases, constrói uma filosofia que se caracteriza por seu nominalismo e seu materialismo mecanicista.

O nominalismo de Hobbes O materialismo mecanicista Caixa: Sobre a condição natural do gênero humano

Caixa: Leviatã A filosofia política de Hobbes tem sua expressão máxima na obra Leviatã, ou a matéria, a forma e o poder de um estado eclesiástico e civil (1651). Na Bíblia, o Leviatã é um monstro que convém não despertar. Na obra de Hobbes, o Leviatã é o estado, o "deus mortal" que evita a guerra civil. Da mesma forma que Maquiavel, de quem é um continuador, Hobbes parte de uma avaliação pessimista da natureza humana. "A inclinação geral da humanidade inteira — diz — é uma incessante ânsia do poder, que

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só cessa com a morte." Os apetites dos indivíduos desencadeiam um mundo de paixões que engendra a guerra e a anarquia "O homem é o lobo do homem." O egoísmo pessoal vem acompanhado pelo medo: medo da violência, que está nas origens do estado. Hobbes pensa que no primitivo estado da natureza o homem vivia no caos e no terror da guerra, e que o Leviatã surgiu justamente como uma superação de tudo isso. Os homens então alienaram seus direitos individuais em favor do estado e por meio dessa renúncia obtiveram em troca a garantia de sua autopreservação. O poder do Leviatã se justifica, portanto, como um fiador da paz, como a instância que em última análise obriga a que as leis que preservam a ordem social sejam compridas por todos. Essas leis, segundo Hobbes, não são divinas; são leis civis, projetadas pelos homens. O estado tem uma origem humana, não divina. A forma ideal do Leviatã é a monarquia absolutista, que constitui a primeira e moderna estruturação do estado moderno. Mas o conceito central que Hobbes manipula em seu tratado é o do caráter absoluto da soberania. A soberania pode estar nas mãos de um monarca ou de uma assembleia será sempre a soberania absoluta do Leviatã. Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 8)

Iluminismo Iluminismo. Linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a razão como crítica e guia a todas os campos da experiência humana. Kant escreveu: "O iluminismo é a saída do homem do estado de minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. 'Sapere aude!' Tem coragem de usar o teu intelecto" é o lema do iluminismo. (1)

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Iluminismo e Espiritismo Sérgio Biagi Gregório SUMARIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Iluminismo: 4.1. Fundamento; 4.2. A Deusa Razão; 4.3. Felicidade e Progresso. 5. Contribuições ao Iluminismo: 5.1. França; 5.2. Alemanha; 5.3. O Desenvolvimento das Ciências. 6. O Aparecimento do Espiritismo: 6.1. Época Certa; 6.2. Allan Kardec; 6.3. Síntese do Conhecimento. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O que se entende por iluminismo? Quando surgiu? No que se fundamenta? Há relação entre o iluminismo e o Espiritismo? Qual? 2. CONCEITO O iluminismo, ou filosofia das luzes, é o movimento filosófico do século XIX, que se caracteriza pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à tradição e à autoridade e pelo incentivo à liberdade de pensamento. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O iluminismo não é uma ideia nova. Os compromissos por ele adotados já faziam parte da filosofia antiga: 1.º) extensão da critica a toda e qualquer crença e conhecimento; 2.º) realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, pode ser fonte de uma contínua correção do mesmo; 3.º) uso desses conhecimentos para os fins práticos da vida. O iluminismo moderno, como assim se denominou, nada mais é do que a aplicação desses compromissos ao período que vai da Revolução inglesa de 1688 até à

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Revolução Francesa de 1789, em que floresceram as mais diversas ideias no campo da filosofia, da ciência e da religião. França e Alemanha foram os principais países a divulgarem essas ideias. (Temática Barsa) 4. ILUMINISMO 4.1. FUNDAMENTO Do ponto de vista filosófico, o iluminismo visa à emancipação do ser humano e de toda a humanidade por meio das luzes da razão. A razão deve comandar toda a ação do indivíduo, principalmente com sua crítica à tradição e à autoridade. A chamada idade da razão tem por objetivo a sua própria autonomia, no sentido de vencer as trevas da superstição, da ignorância, do fanatismo e da intolerância tanto moral quanto religiosa. O sapere aude! (Tem coragem de usar teu intelecto) é a ideia-força, a palavra-chave. 4.2. A DEUSA RAZÃO A Idade Média, dominada pela religião, tinha como base a fé na revelação. O período iluminista tem uma nova divindade, a razão, em que se critica tudo, sem qualquer espécie de preconceito. D’Alembert advoga que o iluminismo é discutir, analisar e mexer em tudo, "das ciências profanas aos fundamentos da revelação, da metafísica às matérias do gosto, da música até à moral, das disputas escolásticas dos teólogos aos objetos de comércio, dos direitos dos príncipes às leis arbitrárias das nações..." 4.3. FELICIDADE E PROGRESSO O iluminismo postula uma religião natural – deísmo ou teísmo –, baseada no conhecimento racional da natureza. Do ponto de vista do conhecimento, interessa-se mais pela forma psicológica do que pela forma metafísica. Do ponto de vista ético, assume os pressupostos hedonistas e utilitaristas, em que a felicidade já não é mais utópica, mas encontra-se atrelada ao progresso material e moral da humanidade. Consequentemente, o seu carro chefe é a revolução industrial e o descobrimento de novas técnicas para transformar os bens naturais em bens úteis. 5. CONTRIBUIÇÕES AO ILUMINISMO 5.1. FRANÇA O iluminismo francês está centrado em Voltaire, Montesquieu e Rousseau, entre outros. Apesar das diferenças de abordagem de cada pensador, há pelo menos dois pontos em comum: confiança na razão e repúdio à religião. Voltaire fundamenta a sua tese iluminista nos ideais da tolerância religiosa e da liberdade política. Montesquieu desenvolve o seu pensamento político a partir da constituição inglesa. Jean-Jacques Rousseau expõe o seu pensamento educacional, partindo do pressuposto de que é a criança que deve aprender e não o adulto que deve ensinar. Em sua concepção política, o homem deve se reconciliar com a sociedade e, para isso, necessita de um novo contrato social, baseado na igualdade democrática. 5.2. ALEMANHA Immanuel Kant (1724-1804) é o representante máximo do iluminismo alemão. Para ele, o conhecimento provém, ao mesmo tempo, da razão e da experiência. Segundo o seu pensamento, o que chamamos de realidade é a realidade como é conhecida, já determinada no próprio processo de conhecimento. A realidade tal qual é em si mesma (à margem de nosso conhecimento sobre ela) ainda que sem dúvida exista, é inacessível ao ser humano. O iluminismo kantiano é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. A minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio

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intelecto sem a orientação de outro. Não é sem razão que o sapere aude! tornou o lema do iluminismo. 5.3. O DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS A razão suspeitava de tudo. Para a comprovação dos fatos, precisava de provas, de fórmulas matemáticas. Daí, o aparecimento das diversas ciências, cujo conhecimento, que se tornava específico, ia cada vez mais se desmembrando do tronco comum da filosofia. O método teórico-experimental, em todos os campos do saber, prepara a revolução industrial. É de se notar que a revolução científica que nasce com o renascimento foi uma revolução do saber; a que nasce com a revolução industrial, é uma revolução da energia. 6. O APARECIMENTO DO ESPIRITISMO 6.1. ÉPOCA CERTA De acordo com os pressupostos espíritas, o Espiritismo surgiu na época certa, quando a ciência já estava desenvolvida e o método teórico-experimental era aplicado em tudo o que se pensava saber. Allan Kardec diz: "Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental. Fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as conseqüências e busca as aplicações úteis..." (Kardec, 1975, item 14, p.20) 6.2. ALLAN KARDEC Allan Kardec era um cientista e, como tal, tinha muito apreço pela relação causa-efeito. Não resta dúvida que recebera influência do iluminismo, principalmente do cartesianismo. Vivia na França e tinha contato com todos esses conhecimentos científicos e filosóficos. O verdadeiro cientista analisa os fatos, formula suas hipóteses e tira as suas conclusões. Nada concebe preconceituosamente. Observe a sua posição em relação aos fenômenos das mesas girantes. Enquanto o seu amigo falava que as mesas se moviam, ele aceitava tranquilamente. Foi só o seu amigo Fortier relatar que, além de se mover as mesas também falam, ele desconfiou e foi procurar a causa da fala, que depois descobriu estar no Espírito comunicante. 6.3. SÍNTESE DO CONHECIMENTO O Espiritismo prende-se a todos os ramos da Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e da Moral. É a síntese de todo o processo de conhecimento, desde a filosofia de Sócrates e Platão, considerados os seus precursores. É a mais completa Doutrina de consolo até hoje aparecida na face da terra. Em seu conteúdo doutrinal, toca em todos os pontos centrais de qualquer filosofia ou religião, como é o caso de Deus, do Espírito, da matéria, da sobrevivência da alma após a morte e da comunicação com os Espíritos. É ao mesmo tempo ciência de observação e doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como ciência filosófica, compreende todas as consequências que daí dimanam. 7. CONCLUSÃO Tenhamos em mente a perfeita interligação do conhecimento. O Espiritismo ensina-nos que, além da razão humana, há uma razão divina, que coordena todos os nossos passos, tanto no plano dos encarnados quanto no dos desencarnados. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975. TEMÁTICA BARSA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005. (Filosofia) São Paulo, novembro de 2009 << = = =

Idealismo Alemão A filosofia alemã depois de Kant A Aufklärung, que atinge o seu ponto máximo com o criticismo kantiano, produz na Alemanha do final do século XVIII um autêntico renascimento da filosofia. Deve-se ressaltar, entretanto, que esse renascimento toma uma direção que não é exatamente o que Kant havia previsto. O idealismo kantiano é ainda um idealismo formal; refere-se às condições em que o sujeito pode conhecer e deixa o absoluto fora dos limites do conhecimento. Contudo, as filosofias que o sucedem - em primeiro lugar as de Fichte e Schelling e depois a de Hegel - criticam esses limites e tratam de superar o divórcio entre o pensamento e a realidade, afirmando a identidade entre sujeito e objeto como momentos do Absoluto que pode e deve ser conhecido.

Pós-kantismo e pré-romantismo A difusão da filosofia kantiana na Alemanha ocorreu de imediato pela obra de Karl Leonhard Reinhold (1758-1823). O centro dessa difusão é a Universidade de Jena, onde se forma e de onde se expande o movimento idealista. Alguns aspectos do kantismo são vivamente criticados por filósofos anteriores ao idealismo: Gottlieb Ernst Schulze (1761-1833), Salomon Maimon (1754-1800) e Friedrich Heinrich Jacobi (1743-1819). Embora a partir de posições diferentes, esses autores se opõem antes de tudo ao conceito kantiano de coisa em si, destacando a contradição: a existência de algo que pode ser pensado mas não conhecido. O kantismo também desperta a oposição de filósofos que valorizam o sentimento mais do que a razão e que denunciam, por isso, o caráter unilateral do racionalismo kantiano: o já citado Jacobi e, muito particularmente, Johann Georg Hamann (1730-1788) e Johann Gottfried Herder (1744-1803). Herder é o inspirador do movimento pre-romântico do Sturm and Drang ("Tempestade e tensão") encabeçado nessa época pelo jovem Goethe. Como um movimento que anuncia o romantismo, o Sturm and Drang é irracionalista e afirma a autoridade do coração e dos sentimentos frente à razão, e trata de salvar o dualismo e espírito e matéria incorporando a filosofia panteísta de Spinoza.

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O naturalismo de Spinoza terá muita importância no desenvolvimento do idealismo alemão. Não coube exclusivamente a Herder a revalorização da filosofia spinoziana, mas ao fato de havê-la integrado nos moldes de um pensamento que postula a unidade interna do ser humano e que combate os dualismos kantianos de sensibilidade e razão, experiência e conceitos puros, forma e conteúdo. Sua principal obra — Ideias sobre uma filosofia da história da humanidade (1784-1791) — reflete esse enfoque naturalista ao conceber a história como um desdobramento de forças orgânicas que recomeça sempre. Hegel, que é a figura mais importante do idealismo alemão, fará grande uso dessa filosofia da história.

Schiller e a educação estética do homem Os filósofos do romantismo O idealismo como metafísica

Fichte: o idealismo ético Essa característica é colocada em primeiro plano por Johann Gottlieb Fichte (17621814), discípulo de Kant num primeiro momento e depois sucessor de Reinhold na Universidade de Jena. Em sua obra Fundamentos da teoria total da ciência (1794), ele apresenta a filosofia no sentido grego de episteme, ou "ciência", cujos objetivos são o conhecimento e o saber em si mesmos. Fichte se propõe então a reconstrução da filosofia como ciência que harmonize as condições do conhecimento teórico com a doutrina prática da moral e a teoria do estado. Mas, antes de derivar essas formas éticas, é preciso colocar tudo no pensamento, quer dizer, num "eu". Este "eu" abrange o sujeito e o objeto, o pensamento e o que é pensado, e tem como tarefa capturar sempre algo que se opõe a ele como "não-sei". Ou seja, por um lado Fichte é um idealista que entende que tudo o que chamamos de "ser" é produto da atividade do pensamento, mas por outro lado defende que a coisa em si de Kant, apesar de ser pensada pelo "eu", coloca-se fora desse, contraditória e necessariamente como "não-sei", isto é, como mundo. Dessa contraposição entre "eu" e "não-eu", Fichte extrai o princípio da ação moral, porque o "eu" é acima de tudo autorealização, desdobramento ativo diante do mundo que se opõe a ele: fazer.

Schelling: o absoluto Friedrich Schelling (1795-1854) suprime esse dualismo contraditório da coisa em si que Fichte ainda mantém. O ponto de partida é então o do Absoluto, entendido cmo uma identidade indiferente entre sujeito e objeto que depois, ao produzir a si mesmo, diferencia-se nesses dois momentos que são captados pelo pensamento.

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O Absoluto é assim, para Schelling, como o Ser de Parmênides ou o Um dos neoplatônicos: algo indiferenciado, carente de determinações. No entanto, o Absoluto não é algo que esteja fora do pensamento: ele mesmo existe em virtude de um movimento de auto-reflexão pelo qual adquire suas próprias determinações como sujeito e objeto, espírito e natureza. A filosofia de Schelling evolui mais tarde para misticismo teológico em que são abandonadas as posições do idealismo absoluto. Esse chegará então à sua plenitude com a filosofia de Hegel.

Caixa: Quem muito pensa pouco faz Caixa: A natureza profanada

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O idealismo absoluto: Hegel O idealismo absoluto, cujos termos haviam sido intuídos, mais do que sistematizados, por Schelling, atinge a sua maturidade com a filosofia de Hegel. É preciso levar em conta, no entanto, que, para além desses antecedentes imediatos, Hegel volta a formular todas as grandes questões da metafísica ocidental. A filosofia hegeliana representa o apogeu de uma longa tradição filosófica que tem seu ponto de partida nos gregos e é como uma grandiosa recompilação de toda a história do pensamento, uma vasta síntese em que, pela primeira e última vez, um filósofo consegue materializar o sonho do saber absoluto. Com Hegel, chega ao fim a filosofia entendida como metafísica que procura construir uma explicação integral do Universo. Ao mesmo tempo, porém, a filosofia hegeliana configurou de maneira decisiva a linguagem e o pensamento de nossa época e está presente em todas aquelas filosofias contemporâneas que não sejam positivas.

Pensar o absoluto A filosofia de Hegel é a filosofia do idealismo absoluto, o que significa que nela se levam às últimas consequências as posições que Fichte e Schelling tinham desenvolvido anteriormente em suas respectivas críticas ao idealismo subjetivo de Kant. Na filosofia kantiana, o mundo aparece dividido em sujeito e objeto, formas a priori e a posteriori, razão e experiência. A coisa em si, que é o conceito-chave que os idealistas alemães pós-kantianos contestam, indica que por baixo daqueles dualismos permanece o absoluto, o ser em si das coisas, como algo que o pensamento não pode conhecer. Só

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conhecemos, diz Kant, a maneira como as coisas aparecem para nós, isto é, os fenômenos. Para Hegel, em contrapartida, tal como para Schelling, esse divórcio entre o pensamento e a realidade essa cisão do sujeito e objeto são incorretas. O idealismo consequente diz que existe uma identidade entre sujeito e objeto. Nada existe além do pensamento. O ser é o que pode ser pensado. O conhecimento, portanto, não é mero conhecimento fenomênico, mas conhecimento total. O absoluto - que em termos religiosos tem um nome, Deus, e que Descartes definia como uma substância perfeita e independente, que não necessita de nenhuma outra para existir (sendo o eu pensante, o cogito, uma substância relativa) -, segundo Hegel, pode e deve ser conhecido, porque é sujeito. Nessa ideia de que "o absoluto é sujeito", encontra-se resumida toda a filosofia hegeliana. Sugere-se nela, de saída, que essa substância absoluta de Descartes constitui, como Spinoza já tinha destacado, o objeto do pensamento. Ou seja, o pensamento deve ter como conteúdo o absoluto. Em suas críticas a Kant, Hegel põe em relevo essa necessidade de pensar o absoluto, afirmando que "a essência oculta do Universo não tem em si força alguma que possa oferecer resistência à ousadia do saber" e que, consequentemente, "tem de se abrir diante dele, colocando-lhe diante da visão, para que as desfrute, suas riqueza e profundidade".

A ideia Hegel parte do originário que é o Absoluto e que ele denomina de Ideia. Há uma semelhança com a Ideia Platônica. Enquanto para Platão o mundo ideal é imutável e transcendente, a Ideia hegeliana é uma Essência absoluta que existe no mundo, é imanente e demonstra sua existência justamente porque sai de si mesma e se desdobra num movimento pelo qual primeiro se converte em natureza (objeto) e depois em espírito (sujeito) - no início, há uma identidade indiferenciada entre sujeito e objeto. A Ideia - que Descartes e Spinoza chamavam de substância absoluta (em linguagem religiosa: Deus) — era essa unidade indiferenciada, mas depois - e é aqui que Hegel intervém — essa unidade indiferenciada se divide, entra em movimento, cindindo-se na dupla polaridade de sujeito e objeto.

Do eu a nós Hegel estuda esse movimento de auto-reflexão da ideia a partir de dois ângulos. Em primeiro lugar, a partir do ângulo do sujeito, na Fenomenologia do espírito (1807); em segundo lugar, de forma inversa a partir do objeto, na Ciência da lógica (1812-1816). Na Fenomenologia, são analisadas todas as formas do saber humano, partindo das formas mais imediatas, que são aquelas que ocorrem na consciência sensível. Essa, num

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primeiro momento, relaciona-se simplesmente com o "objeto como objeto", mas passa depois por uma série de experiências ou "figuras" que fazem com que ela, mesma se coloque como objeto de seu conhecimento; já se trata então de uma autoconsciência (não apenas sabe, mas além disso sabe que sabe). O pensamento hegeliano é um pensamento dialético, o que significa que considera os conceitos não de maneira fixa e estática, mas por meio do movimento incessante que faz com que as coisas se transforme em seu contrário. Num primeiro momento, a consciência percebe o objeto; esse objeto era exterior a ela, mas depois ela mesma, ao se transformar em autoconsciência, era ao mesmo tempo a consciência que sabe e a coisa sabida. Isso significa que, ao passar ser consciência de si mesma, a consciência se dividiu em sujeito e objeto.

O pensamento dialético Quando Hegel fala de movimento ou desdobramento como a força que faz a Ideia sair de si mesma para se transformar em Natureza ou Espírito, está partindo daquela concepção de Heráclito, a partir da qual se afirma que tudo é devir, mudança, processo em que cada coisa se converte em seu contrário. Heráclito sustentava que tudo é uma luta de opostos que no fundo constitui a expressão de uma unidade fundamental do ser. Essa é a forma dialética de pensar que os gregos desenvolveram também como uma arte do diálogo, quer dizer, como um confronto retórico por meio do qual dois contendores chegavam, de seus raciocínios iniciais opostos, a alguma forma de acordo. Platão, por sua vez, concebeu a dialética como um método de elevação do sensível ao inteligível que permitia descobrir os nexos existentes entre o Um e o múltiplo.

A lógica hegeliana O método dialético O sistema hegeliano O espírito é história

O Espírito objetivo A revelação do Absoluto, portanto, produz-se em sua forma mais elevada, que é a do Espírito, por meio da história. Mas o Espírito, por sua vez, desdobra-se dialeticamente de acordo com três momentos, que são os do Espírito subjetivo, do Espírito objetivo e do Espírito absoluto. Hegel trata do Espirito subjetivo em sua primeira obra, isto é, a Fenomenologia; ali, como se viu, percebe a consciência individual e sua elevação até aquele "nós" que é

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sujeito do saber absoluto e ao qual se chega de forma concomitante depois de se atravessar as figuras separadas da autoconsciência e atingir a razão. Mas o Absoluto se realiza também como Espírito objetivo que se encarna no mundo das instituições sociais e políticas. Estamos aqui nas esferas do direito, da moral e daquilo que Hegel chama de eticidade e que corresponde propriamente ao âmbito da comunidade dos cidadãos; essa esfera comunitária, que é a da vida coletiva, está configurada, por sua vez, pela família, pela sociedade e pelo estado. O Espírito absoluto Por último, a revelação da Ideia, em sua forma mais elevada, ocorre como realização do Espírito Absoluto, que é infinito e dialeticamente sintetiza os dois momentos anteriores: o do espírito como individuo (consciência) e o da vida espiritual individual. As formas em que o Espírito absoluto se desdobra são a arte, a religião e a filosofia, uma tríade que em sua totalidade configura a autoconsciência vivente da substância divina do Universo. O grau mais elevado dessa autoconsciência corresponde à filosofia, que é, segundo Hegel, a autoconsciência absoluta do Espírito. A história da filosofia então, longe de ser uma simples sucessão arbitrária de concepções filosóficas, configura um desenvolvimento orgânico e coerente pelo qual a ideia desdobra dialeticamente suas próprias determinações conceituais. Hegel entende que sua filosofia é a coroação desse longo processo, o fim propriamente dito da história da filosofia, uma vez que nela se materializa o sonho do saber absoluto. Caixa: Vida e obras de Hegel Caixa: Hegel e o estado Caixa: Hegel e a morte Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 10)

Século XIX A reação ao idealismo: Schopenhauer e Kierkegaard As grandes transformações experimentadas no continente europeu no início da revolução industrial fazem com que a filosofia se constitua, ao longo do século XIX, como uma reação contra o sistema hegeliano e suas pretensões absolutas. A maior parte dos pensadores se agita contra a ideia de que exista um fundamento imutável nas coisas, fazendo desse caráter antimetafísico e antiespeculativo o traço mais diferenciador do pensamento contemporâneo, e a filosofia irá cedendo seu espaço à ciência, ou então tratará de se reconstruir a partir de bases totalmente desconhecidas até então.

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Depois de Hegel As raízes kantianas de Schopenhauer A vontade como "coisa em si" O consolo da arte A ética da compaixão Kierkegaard: o indivíduo existente Liberdade e angústia O pecado como consciência de si Os três estágios da vida Caixa: A metafísica do amor Caixa: Schopenhauer e a sociedade Caixa: O precursor do existencialismo Caixa: Vida e obra de Kierkegaard &&&& Marx Embora de um modo diferente da de Schopenhauer e Kierkegaard, em Marx também ocorre uma ruptura com o sistema hegeliano. O que Marx contesta em Hegel é o caráter especulativo do pensamento filosófico. A filosofia deve se converter em saber científico que analisa as condições materiais em que se desenvolve a existência do homem em sociedade e, nesse sentido, deve verificar seus postulados na prática. Para Marx, esse saber científico tem de ser construído como uma teoria da história e da sociedade cuja principal incumbência, mais do que explicar, deve ser transformar o mundo. Mas então o filósofo e o científico entram na dimensão prática da política, e por isso, certos aspectos do marxismo ultrapassam o âmbito da história do pensamento para entrar plenamente na história dos movimentos sociais e políticos característicos da época contemporânea. Os antecedentes de Marx: Feuerbach A filosofia como transformação do mundo A concepção materialista da história O trabalho

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Infra-estrutura e superestrutura Burgueses e proletários Caixa: A teoria marxista Caixa: Comentários ao programa de Gotha Caixa: Proletariado e luta de classes &&&& Positivismo Como doutrina que só se atém aos fatos e às relações entre os fatos, o positivismo, fundado pelo francês Auguste Comte, constitui uma reação a mais contra a filosofia tradicional, especialmente contra a metafísica. Para Conte, a filosofia tem de ser "positiva", e isto significa que deve se restringir aos resultados das ciências naturais e se converter numa teoria do saber científico. A partir dessas bases, Comte estabelece sistematicamente os fundamentos da sociologia, a ciência da sociedade que ele classifica como o saber superior e de maior transcendência futura para a humanidade. A influência do positivismo é tão grande no século XIX que ele rapidamente é adotado em outros países e desenvolvido de forma consequente por pensadores como o britânico John Stuart Mill. A filosofia do positivismo A lei dos três estados Stuart Mill Caixa: Conte e a sociologia &&&&& Nietzsche: a vontade de poder O século XIX, que começa com as grandes construções sistemáticas do idealismo alemão, termina com Nietzsche, um filósofo para quem a vida está acima de qualquer conceitualização metafísica ou científica e que, por isso, opõe-se a qualquer tentativa de explicação filosófica. Partindo de Schopenhauer, embora se distanciando dele mais tarde, Nietzsche proclama a ruptura de todos os valores tradicionais, por considerá-los contrários à vida, e sustenta que o novo homem do futuro será o homem da "vontade de poder", pois por meio dela concederá um "sim" incondicional à vida, apesar da angústia e da dor que o devir lhe proporcione.

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Afirmação da vida O espírito trágico O niilismo Um novo conceito de verdade: o perspectivismo A "transvalorização" dos valores A vontade de poder O anúncio de Zaratustra Caixa: A razão da filosofia Caixa: A moral Caixa: A luz do meio-dia &&&&& A ciência do século XIX: o evolucionismo No século XIX, no momento em que se constitui as modernas ciências da vida, a ideia da evolução se estende ao conjunto da natureza: não apenas o homem e a matéria, mas todo o Universo aparece marcado pelas categorias do evolucionismo. Toda uma tradição milenar, que abrange desde as hipóteses criacionistas sobre as origens do homem e do mundo até a própria ideia de imutabilidade dos processos naturais, é deslocada em favor da nova concepção evolucionista, a partir da qual a natureza é vista como um processo aberto, em desenvolvimento contínuo. A formação da biologia moderna Fixistas e transformistas Darwin e a teoria da evolução Caixa: O evolucionismo de Spencer Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 11)

Século XX A passagem do século XIX para o XX

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As tendências antimetafísicas que já se manifestavam no século XIX, principalmente como reação ao idealismo hegeliano, acentuam-se ainda mais no século XX. A filosofia já não aspira à posse de nenhum objeto privilegiado — seja Deus, o Ser, a Razão, a História etc. Além disso, renunciou à ideia da totalidade, e com isso não tem pretensões de construir-se como sistema. A filosofia submergiu numa progressiva atomização (separação de temas, métodos, estilos etc.) que, de fato, reflete a própria fragmentação e a complexidade crescentes de nossa sociedade.

O neocriticismo Cassirer e as formas simbólicas A escola de Baden O neo-idealismo: Croce O historicismo O historicismo de Dilthey O pragmatismo O relativismo da verdade segundo James O instrumentalismo de John Dewey Caixa: A história segundo Toynbee

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O intuicionismo de Bérgson Quando o século XX começa, são muitos os pensadores que acham que a filosofia deve se reconstruir à margem do positivismo das ciências, sem ter aquela pretensão absoluta que caracteriza a filosofia tradicional. Um dos pensadores mais destacados nesse trabalho de reconstrução filosófica é o francês Henri Bergson, cujo intuicionismo aspira a se tornar o método (ou caminho) que conduza à verdadeira captação do real. Bergson se vale desse método baseado na intuição para captar a essencialidade do tempo, que ele define como "duração" e que lhe permite contemplar o evolucionismo como fenômeno criador e não simplesmente mecanicista.

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O espiritualismo Crítica da verdade científica Reforma da filosofia O intuicionismo de Bérgson O evolucionismo criador Caixa: Vida e obras de Bérgson Caixa: O tempo como duração &&&& Freud e a psicanálise Nascida como método terapêutico para o tratamento de determinadas doenças mentais, a psicanálise se transforma, nas mãos de seu fundador, Sigmund Freud, numa nova concepção da psique humana. Trata-se de uma teoria que se assenta sobre bases diferentes das utilizadas pela psicologia experimental e que tem uma ligação inegável com as correntes irracionalistas do século XIX, em especial as filosofias de Schopenhauer e Nietzsche. O enfoque freudiano da patologia vai bem além de uma simples visão médica, já que a doença é, para ele, a manifestação de conflitos localizados no psiquismo de todo homem; de modo que todo o trabalho clínico de Freud está orientado não apenas para curar, mas — principalmente — para investigar a respeito do que é específico do homem enquanto tal, isto é, do ser humano supostamente são. A descoberta do inconsciente O método psicanalítico A importância dos sonhos O complexo de Édipo Ego, id, superego A psicanálise depois de Freud Caixa: O sentimento de culpa Caixa: A psicologia analítica de C. G. Jung

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Caixa: O porquê da guerra Caixa: O complexo de Édipo &&&&& Fenomenologia de Husserl A filosofia contemporânea tem como uma de suas principais características a busca de um espaço próprio no qual suas reflexões possam se diferenciar da ciência, sem que isso signifique voltar à velha metafísica. Nessa busca de um terreno específico, uma das contribuições vem da fenomenologia de Husserl. Para esse pensador alemão, cuja influência foi extraordinária, trata-se de reconstruir a filosofia por meio da fenomenologia, ou descrição pura daquilo que se mostra por si mesmo. Nesse mostrar-se por si mesmo, o que aparece na consciência é anterior às considerações do senso comum, à reflexão científica ou à experiência psicológica. Brentano e o conceito de intencionalidade Husserl e a filosofia A fenomenologia O caráter transcendental da consciência Caixa: A intuição em Husserl Caixa: O alcance da fenomenologia &&&& Heidegger e o Existencialismo Sob a denominação de existencialismo, abriga-se uma corrente filosófica que se desenvolve principalmente no continente europeu entre as duas guerras mundiais. O existencialismo é a expressão da desorientação e do desenraizamento radicais produzidos pela profunda crise da cultura e dos valores daquele momento histórico. Essa corrente filosófica afirma que o verdadeiramente originário é a existência humana em sua total singularidade. O termo existência não designa o simples fato de existir, mas exclusivamente a realidade que é o "eu" — não um "eu pensante" ou um "eu transcendental" à maneira de Descartes ou Kant, mas um "eu concreto e mundano". A partir da existência, decidem-se e estabelecem-se o valor e o significado de toda a realidade, e a existência é liberdade: uma liberdade absoluta, quer dizer, sem submissão a nada estranho a ela mesma, e que em seu pleno exercício permite a cada eu "decidirse" e "escolher a si mesmo". Jaspers e a filosofia da existência

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Heidegger: a temporalidade do ser A existência autêntica Jean-Paul Sartre Caixa: O existencialismo de Sartre &&&& O marxismo do século XX O desenvolvimento do pensamento marxista no século XX é determinado pelos fatos políticos da revolução de 1917 na Rússia e da evolução do comunismo soviético. Nos países socialistas e nos partidos de inspiração marxista, ocorre um debate entre a suposta "ortodoxia" e os chamados "revisionistas" ou "reformistas", provocado pela mudança nas condições sociais, econômicas e políticas que tornam pertinente uma reavaliação dos aspectos fundamentais do marxismo. A partir do ponto de vista teórico, é típico dos pensadores marxistas do século XX recorrer novamente às raízes hegelianas de Marx para uma melhor compreensão do genuíno marxismo. Insistiram sobretudo na incidência dos elementos superestruturais (consciência, teoria, utopia) na dinâmica histórica, e negaram o determinismo mecânico da infra-estrutura ou base econômica. Marxismo e filosofia Gramsci: a filosofia da práxis Marxismo e estruturalismo: Althusser Caixa: O marxismo de Althusser &&&& A escola de Frankfurt A expressão escola de Frankfurt designa um grupo de pensadores que se formou na Alemanha da década de 1920 no Instituto de Investigação Social da Universidade de Frankfurt. O instituto foi criado a partir da ideia e da direção de Max Horkheimer (1895-1973). Junto com ele, tiveram destaque Theodor W. Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1980), Walter Benjamin (1892-1944) e Erich Fromm (19001980), que mais tarde se separou do grupo. Em 1934, a perseguição nazista obrigou o instituto a se mudar para a Universidade de Columbia, em Nova Iorque; em 1949, ele retornou a Frankfurt, embora alguns de seus membros (como Marcuse) tenham decidido permanecer nos Estados Unidos. Adorno foi diretor da nova fase de Jürgen Habernas (n.1929), o principal representante da nova geração da escola, incorporou-se a ele em 1956. A escola de Frankfurt se propõe principalmente uma investigação social sobre a sociedade industrializada moderna. Essa investigação constitui uma teoria crítica que,

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partindo de Marx, incorporou a psicanálise freudiana, assim como diversas categorias da sociologia contemporânea. Mas as reflexões dos "frankfurtianos", além de seu característico enfoque sociológico, tiveram uma profunda orientação filosófica. Teoria tradicional e teoria crítica Dialética do iluminismo Caixa: Marxismo e psicanálise: Fromm Caixa: Opinião, loucura e sociedade &&&& A filosofia analítica A concepção analítica da filosofia se expande durante todo o século XX até nossos dias, e tem especial penetração no mundo anglo-saxão. Embora exista diferentes correntes dentro do que se chama filosofia analítica, todas elas apresentam traços em comum: seu acentuado caráter empirista, que remonta do empirismo de Hume; o retorno do positivismo, como recusa da metafísica, uma vez que só a ciência proporciona um conhecimento válido sobre a realidade; sua concepção de que a tarefa da filosofia deve limitar-se à análise lógica da linguagem, seja da linguagem comum ou da científica. Wittgenstein, com sua obra Tractatus logico-philosophicus, e Bertrand Russel marcam o momento inicial da filosofia analítica. O segundo grande momento é representado pelo neopositivismo do Círculo de Viena e, finalmente, Popper e os filósofos da linguagem comum. O atomismo lógico As investigações filosóficas de Wittgenstein O neopositivismo do Círculo de Viena O critério empirista do significado: princípio de verificação O ideal da ciência unificada A falseabilidade de Popper Filosofia analítica da linguagem comum Caixa: Ayer e a linguagem &&&& O estruturalismo

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Na década de 1960, aparece uma corrente como "estruturalismo". Os autores pertencentes a ela, mais do que compor propriamente uma escola, compartilham de um mesmo enfoque metodológico em relação às "ciências humanas" (linguística, etnologia, história etc.). Mas isso tem também implicações filosóficas. O modelo do estruturalismo é a linguística estrutural de Ferdinand de Saussure, que se difundiu sobretudo na França: Claude Lévi-Strauss, que aplicou o método à antropologia social; Jacques Lacan, à psicanálise; Louis Althusser, ao marxismo; Roland Barthes, à crítica literária; finalmente, Michel Foucault, com interesses mais filosóficos. A partir dessa visão estruturalista da linguagem, foi tomando corpo a ideia de que todas as ciências giram em torno da linguística, visto que tudo o que constitui o propriamente humano ocorre dentro dos limites da linguagem. O estruturalismo se insere, portanto, na consciência linguística que caracteriza o pensamento contemporâneo. Implicações filosóficas do estruturalismo O estruturalismo psicanalítico de Lacan Foucault Caixa: A relação entre a Razão e o poder &&&& A crise de mecanicismo de Einstein As concepções de mundo baseadas no modelo mecanicista que tem como ponto de partida a física clássica elaborada por Newton entram em crise na primeira terça parte do século XX. A teoria da relatividade de Einstein, em primeiro lugar, e depois outras contribuições revolucionárias, como a teoria do átomo de Bohr ou a mecânica quântica de Heisenberg, estão na base dessa mudança profunda. Em seguida, e à medida que se vai assimilando essa nova imagem do mundo, todas essas mudanças introduzidas pela física obrigarão a uma reformulação radical dos pressupostos tradicionais do pensamento ocidental. A concepção mecanicista do mundo Einstein e a teoria da relatividade Caixa: As crenças de Einstein Caixa: Teoria da sincronicidade &&&&& O pensamento cristão

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No século XX, o reencontro entre cristianismo e filosofia produz uma renovação do pensamento escolástico baseado na metafísica de santo Tomás. Esse neo-escolasticismo, no entanto, coexiste com outras correntes de pensamento cristão de orientação não tomista, como é o caso do personalismo, que tem o francês Emmanuel Mounier seu representante mais notável. Mas, além dessa relação entre filosofia e religião, é preciso colocar em primeiro plano a obra de Teilhard de Chardin, um cientista católico cuja teoria evolucionista traz uma visão inédita do homem e do Universo, ao mesmo tempo em que reformula as relações muito mais complexas entre ciência e religião. Cristianismo e filosofia O fenômeno humano As grandes fases da evolução O "amor-energia" Caixa: Hino à matéria Caixa: O personalismo cristão Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 12)

Novas Disciplinas do Século XX A psicologia científica Costuma-se aceitar como data do nascimento da psicologia como saber científico o ano de 1879, quando Wilhelm Wundt organiza o primeiro laboratório de psicologia experimental em Leipzig. O pioneiro da nova ciência, Wundt a define como o conhecimento positivo que investiga os fatos da consciência apreendidos mediante a observação e que podem ser verificados experimentalmente. A criação da psicologia científica está ligada, portanto, ao abandono da metafísica ocorrido no século XX e ao consequente projeto de aplicar ao estudo da vida mental do homem os métodos experimentais das ciências da natureza. A partir de então, e até nossos dias, a psicologia foi-se configurando nos moldes de uma pluralidade de tendências metodológicas que experimentalmente se diferenciam assim: as que entendem a aprendizagem como processo psicológico subjacente ao comportamento e as que entendem a cognição como a base do comportamento. As origens Wilhelm Wundt (1832-1920), fisiologista e filósofo alemão, autor dos Princípios de psicologia fisiológica (1874), sendo professor na Universidade de Leipzig funda, o primeiro laboratório de psicologia experimental.

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Conhecedor da tradição empirista britânica, sua psicologia se fundamenta na concepção de que toda a atividade mental opera sobre conteúdos sensoriais: todo o conhecimento humano provém da experiência, e os conteúdos da mente são apenas sensações elementares que se associam entre si para dar lugar à experiência psicológica. O método experimental utilizado é a introspecção, o relato da própria experiência pessoal. O trabalho do psicólogo consiste em estabelecer as leis que regem as associações entre os elementos sensoriais, proporcionando experiências sensitivas aos sujeitos de estudo em condições experimentais. Embora logo se vissem as limitações dessa concepção e desse método, o mérito de Wundt consiste em assentar o pressuposto de que a mente e o comportamento humanos podem ser estudados segundo os métodos da ciência.

A escola reflexológica: Pavlov No início do século XX surge na Rússia a escola reflexológica de Ivan P. Pavlov (18491936). Com o termo “reflexologia”, quer-se indicar aquela psicologia objetiva que associa os fenômenos psíquicos a reflexos condicionados, e que explica o comportamento humano e animal como o resultado complexo dos reflexos incondicionados (isto é, reflexos que são instintivos ou primários) e dos reflexos condicionados. Os reflexos incondicionados são respostas inatas de tipo muscular ou glandular, que o organismo emite em face dos estímulos provenientes do meio (seja interno ou externo). Os reflexos condicionados são respostas às variações do meio (quer dizer, condicionados por essas variações), que se estabelecem no nível cortical sobre a base das anteriores, e que permitem a adaptação a ele. Lembremo-nos das experiências feitas com os cães.

O behaviorismo Assim como Pavlov e seus seguidores, a escola behaviorista norte-americana também responde à crise da psicologia wundtiana eliminando a consciência da investigação psicológica e reduzindo-a ao estudo do comportamento ou à conduta observável. John B. Watson (1878-1958), fundador dessa escola norte-americana, declara em sua obra, A psicologia do ponto de vista de um behaviorista (1913), que o grande erro que impede a formação de um saber verdadeiramente científico sobre o homem tem sido o empenho reiterado de investigar o psiquismo a partir de seu interior. Portanto, ele defende que a psicologia deve investigar o comportamento, entendido como o conjunto de respostas dadas por um organismo diante de determinados estímulos do meio, e que deve prescindir de qualquer pretensão de estudar os chamados fatos de consciência. O comportamento são “fatos observáveis”, e a tarefa do psicólogo é pelo método experimental, observar e medir a resposta (comportamento) a partir de manipulações do

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estímulo, para poder com isso estabelecer um sistema psicológico capaz de definir os mecanismos de adaptação e a previsão do comportamento.

O neobehaviorismo: as contribuições de Skinner As teses behavioristas de Watson são ampliadas posteriormente por Burrhus F. Skinner (1904-1990). Para Skinner, a tradicional dualidade corpo e mente deve ser, mais do que superada, deslocada no sentido de que o psicólogo científico “só está descrevendo a metade do Universo e posterga para outro mundo a mente ou a consciência, que supõe requerer outro tipo de investigação”. A psicologia, portanto, pode apenas estudar o comportamento, as associações estímulo-resposta e as leis que as governam, por meio da experiência. A contribuição mais original de Skinner consiste em mostrar a existência de um novo tipo de condicionamento, denominado “operante” ou “instrumental”. No esquema pavloviano, o comportamento é uma resposta a um estímulo específico. Mas acontece, afirma Skinner, que a maioria dos comportamentos observáveis não responde ao mero esquema estímulo-resposta. Na verdade, o comportamento é “operante”; o ato opera sobre o ambiente para obter estímulos compensatórios ou punitivos. Inverte-se a relação E-R, realizando-se um ato (resposta) ao qual se segue um estímulo de reforço. O reforço é aquilo que faz aumentar a frequência de determinado comportamento – seja porque apresente um estímulo positivo ou prazeroso, seja porque reduza ou elimine um estímulo negativo ou desagradável.

A psicologia da forma A resposta européia ao associacionismo wundtiano é a que vem da chamada “psicologia da forma”, que traduz o termo alemão Gestalt. Seus representantes mais notáveis são o psicólogo Max Wertheimer (1880-1943), que a funda em 1912, Kurt Koffka (18861941), autor de Princípios de psicologia gestáltica (1935), e Wofgang Kohler (18871967). Diferentemente da resposta behaviorista americana, pragmática e funcionalista, eles pretendem explicar a consciência humana como Wundt, porém entendendo-a não como uma soma de atividades ou elementos separados, mas como conjuntos unificados e significativos, embora recusando o elementarismo da consciência são constituídos por formas que obedecem a uma peculiar e diferenciada atividade estruturadora da vida psíquica, que é percebida pelo psiquismo humano segundo determinados princípios – como o da contiguidade e do contraste que existe entre as partes de um todo, o da identidade e o da totalidade etc. – que em hipótese alguma podem ser decompostos em elementos mais simples, porque sua significação surge justamente do caráter independente que os liga a um conjunto mais vasto, apreendido como um todo.

O estudo etológico do comportamento humano

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Nas últimas décadas do século XX, os trabalhos de Konrad Lorenz (1903-1989) – Sobre a agressão (1963) e Considerações sobre os comportamentos animal e humano (1965) – ajudaram nos estudos sobre a natureza do comportamento com as contribuições da etologia. Lorenz demonstrou a diferença que existe entre comportamento inato e comportamento adquirido. Convém levar em conta que tanto a escola reflexológica de Pavlov quanto os behavioristas de Watson e Skinner basearam seus estudos sobre o comportamento a partir da hipótese de que ele era adquirido. Mas Lorenz, em seus trabalhos, aponta que a adaptação do animal ao seu meio ambiente ocorre por meio de um duplo caminho. De um lado, por meio do instinto, herdado filogeneticamente; de outro, por meio da aprendizagem, sujeita à experiência individual e, portanto, não hereditária. Os comportamentos que se transmitem de geração a geração são hereditários porque ao longo de sua história evolutiva uma espécie foi armazenando informações graças aos mecanismos de mutação, seleção e intercâmbio genético. Por conta disso, um comportamento inato não é algo imutável (como sustentava Pavlov em sua teoria do reflexo incondicionado), e sim o resultado de alguns mecanismos de adaptação transmitidos hereditariamente. Lorenz sustenta que é possível diferenciar, em todo o comportamento, o que existe de nato e de aprendido. Isso se deve à impressão, um processo especial de aprendizagem que no animal aparece pré-formado a partir de sua bagagem hereditária específica. Por meio da impressão, o animal aprende alguns comportamentos que já estão “programados”, mas extensivos a todos os indivíduos de uma mesma espécie. Algumas observações referentes ao comportamento animal foram estendidas ao comportamento humano para explicar a agressividade. Lorenz insiste em que não se deve perder de vista o fato de que a cultura humana está alicerçada de modo determinante pela impressão, quer dizer, por essas formas de comportamento inato que pertencem à espécie.

O cognitivismo Nos anos 1950, após a crise do neobehaviorismo e do positivismo lógico, e sua incapacidade de se proporem como uma teoria global do comportamento, um grupo de psicólogos da Universidade de Harvard, encabeçados por Jerome S. Bruner e George Miller, reivindicam o estudo da mente humana e da construção de significados. A psicologia supera o âmbito dos estudos sobre o comportamento para colocar a ênfase na cognição. O significado, o sentido, passa a ser o conceito fundamental da psicologia, no campo comum das ciências sociais, para explicar o ser humano em sua especificidade. Essa corrente permite analisar o papel desempenhado nos processos de aprendizagem por aspectos como a memória, a percepção, o reconhecimento de modelos e a linguagem. Precursor dessa corrente é Lev S. Vigostky (1896-1934), que afirma que o específico do ser humano como espécie é a consciência, e que para explicar o comportamento humano é preciso explicar como ela regula, controla e planifica esse comportamento.

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É, no entanto, sobre a proposta de Alan Mathison Turing, matemático britânico (19121954), de que era possível simular qualquer comportamento, simples ou complexo, com a ajuda de uma máquina, que determinados psicólogos cognitivistas fundam seus trabalhos a partir da hipótese de que o psiquismo humano pode ser considerado como uma máquina de tratamento de informação, análoga ao computador – e, por isso, os processos mentais mais complexos, como a conceitualização ou a resolução de problemas, são analisados por meio de metáforas da tecnologia da informática e das teorias da informação. Z. V. Pylyshyn introduz no ano de 1980 o termo arquitetura funcional para definir a organização funcional do sistema cognitivo; J. A. Fodor, em 1983 publica A modularidade da mente, onde afirma a existência de diferentes sistemas cognitivos, os módulos (especializados num determinado domínio) e os processos centrais, contra a crença no funcionamento do cérebro como um todo, como uma só unidade central, como as consequências das lesões cerebrais demonstram. Outro enfoque é o que costuma ser chamado de sociocognitivo de Albert Bandura, que propõe, em 1986, uma concepção mais dinâmica da personalidade como um conjunto de fatores externos e internos, sociais e cognitivos: “O comportamento, os fatores pessoais internos e as influências ambientais atuam como determinantes relacionados uns com os outros.”

A psicologia genética de Jean Piaget: o construtivismo Jean Piaget (1896-1980), psicólogo suíço, não é estritamente um cognitivista, já que não utiliza o computador como modelo da mente. Seu interesse é pelo pensamento dos adultos, e para isso se dedica a investigar como ele vai sendo construído, passo a passo, desde a infância. Assim, portanto, o estudo do desenvolvimento intelectual da criança a partir de bases rigorosamente experimentais, constitui o objeto de sua psicologia genética, cujas investigações começaram a ganhar destaque nos anos 1930, após a publicação de obras como O nascimento da inteligência na criança (1937) e A construção do real na criança (1937). Desenvolvendo um método experimental próprio, Piaget demonstrou que a inteligência infantil se configura gradativamente por meio de uma série de adaptações sucessivas que estão registradas em dois mecanismos indissociáveis: “a assimilação e a acomodação”. Do mesmo modo como um organismo conserva sua estrutura assimilando o meio (incorporando, por exemplo, o alimento), ao mesmo tempo em que acomoda aquela a este, também a inteligência funciona assim: assimilando os dados da experiência e os acomodando às circunstâncias mutantes que decorrem de uma realidade concreta. Piaget viu que a criança parte de uma absoluta carência como sujeito – carência que se manifesta em seu não-reconhecimento da realidade objetiva. Mas, a partir desse estado caótico inicial, a criança começa a se desenvolver buscando, como todo organismo vivo, um equilíbrio entre a acomodação à realidade externa e sua assimilação. No decorrer desse processo evolutivo, o pensamento infantil atravessa uma série de estados ligados a três grandes fases. A primeira dessas fases é a da inteligência sensório-motriz; a

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segunda, a da inteligência operatória concreta; finalmente, a terceira, que já conduz ao pensamento adulto, é a da inteligência operatória formal. A análise dessas três grandes fases evolutivas permitiu a Piaget investigar a gênese e o desenvolvimento de noções como as de realidade, causalidade, qualidade, classe ou relação, e conceitos físicos como os de tempo, velocidade, movimento etc. Com isso, ele destacou as implicações epistemológicas do pensamento infantil e a maneira como aqueles conceitos foram construídos historicamente pelo pensamento científico. (1) &&&&& O pensamento sociológico Durante o século XIX, no princípio das mudanças sociais provocadas pela revolução francesa e pela revolução industrial, cresce o interesse pelo estudo dos temas relacionados com o homem a partir de uma perspectiva inédita: cotidianidade, aquilo aparentemente sem transcendência, considerado normal e corrente. As perguntas que os pensadores dessa época se fazem — o que é a natureza humana? por que a sociedade é estruturada de uma determinada maneira? como e por que as sociedades mudam? — são as mesmas dos sociólogos contemporâneos. Para responder a isso, o sociólogo se propõe a conhecer as relações que estruturam a existência de todo o coletivo social — não só dos ricos e poderosos, mas do homem comum, seus ambientes e suas instituições cotidianas.

Um breve esboço A sociologia clássica, que tem sua origem nas formulações dos sistemas gerais de interpretação da história de Comte (positivismo) e Marx (materialismo histórico), prossegue seu trabalho de fundamentação com as importantes contribuições de Durkheim e Weber. Com eles, a sociologia ganha o perfil de uma ciência acabada e aberta, portanto, a novos desenvolvimentos. Desde o começo do século XX se produz uma paulatina institucionalização dessa nova disciplina, ao mesmo tempo que uma fragmentação em diferentes perspectivas teóricas e especializações. Embora seja na América do Norte que se observam, durante as primeiras décadas do século, um interesse público e universitário por essa nova ciência e pela fixação dos métodos e técnicas próprias de investigação, será na Europa, ao terminar a segunda guerra mundial, que se realizarão as primeiras reformulações críticas da disciplina. Nas últimas décadas do século XX, ocorrem uma desagregação e a especialização de temas de interesse entre os diferentes sociólogos. Nesse sentido, falamos de sociologia cultural, de sociologia política etc.

A sociologia francesa: Durkheim A herança de Comte é respeitada na França por Émile Durkheim (1858-1917), para quem a sociologia é essa ciência positiva que investiga os "fatos sociais", mas de acordo com uma metodologia de que ainda não dispõe e que, portanto, convém desenvolver.

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Coerente com esse projeto, depois de publicar sua primeira obra importante — Da divisão do trabalho social (1893) —, Durkheim lança As regras do método sociológico (1895), onde expõe a necessidade de que as investigações em sociologia tenham por objeto a descrição dos fenômenos sociais, assim como o estudo das causas que os produzem; mas com uma obrigatoriedade: a de que essas investigações sejam feitas a partir de um exaustivo trabalho empírico que para isso deve contar com alguns instrumentos especificamente desenvolvidos pelas próprias exigências do material investigado. Durkheim pondera sobre a utilização de dois grandes instrumentos, o direito e a estatística, como auxiliares altamente valiosos. O primeiro, como manifestação de algumas regras que surgem da consciência coletiva, constitui uma fonte imprescindível para a análise dos fatos sociais. A estatística por sua vez — e convém ressaltar que em sua obra O suicídio (1897), Durkheim é o pioneiro na utilização de dados estatísticos — , garante a objetividade da análise sociológica, ao mesmo tempo que permite uma compreensão dos fenômenos sociais enquanto tais, quer dizer, para além das motivações psicológicas que dão conta do comportamento individual. Para Durkheim, os fatos sociais não podem ser explicados em termos individuais. A sociedade é algo além da simples soma dos indivíduos que dela fazem parte, e a sociologia, ao estudar os fatos sociais, investiga modalidades de ação, de pensamento e de sentimento externas ao indivíduo e, ao mesmo tempo, dotadas de tal força de coerção que se impõem necessariamente à consciência individual. A sociologia, portanto, busca a explicação dos fenômenos sociais na própria estrutura da sociedade — e o caráter autônomo dessa estrutura social já se manifesta no próprio fato de que o indivíduo carece de poder de transformá-la sozinho.

O conceito de anomia e o conceito de função Anomia. Amplamente utilizado na sociologia contemporânea, o conceito de anomia descreve uma característica essencial das modernas sociedades industrializadas: nestas, como consequência da transformação radical que experimentaram desde a época da revolução industrial, a consciência coletiva se enfraqueceu e as normas sociais, cuja internalização é necessária para a saúde do corpo social, não se recompuseram com o objetivo de possibilitar novos caminhos de integração. Durkheim sustenta, portanto, um conceito orgânico da sociedade; Esta é uma totalidade que se manifesta para a consciência individual por meio de uma série de representações coletivas, que são compartilhadas pelos intérpretes de uma comunidade. Resta, no entanto, explicar por que razão aparece um fenômeno social e não outro, quer dizer, o "como" e o "porquê" do aparecimento de um determinado fato social. Durkheim evita a análise historicista e se inclina para uma análise funcional que terá grande influência na sociologia e na antropologia contemporâneas. O que importa no momento em que se deve dar conta de um fato social, é a função que ele cumpre. "Empregamos a palavra função em vez de fim ou objeto — diz — justamente porque os fatos sociais, em geral, não existem pelos resultados úteis que produzem. O que se deve determinar é

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se existe correspondência entre o fato considerado e as necessidades gerais do organismo, sem nos preocuparmos se foi intencional ou não."

A sociologia alemã: Weber Muito diferente é a concepção que Max Weber (1864-1920) tem da sociologia, entre outras razões porque sua obra surge no contexto cultural alemão do historicismo e do neokantismo e expressa uma grande preocupação com a fundamentação epistemológica das ciências sociais. Já de saída, é muito forte em Weber o lastro da filosofia kantiana, e essa impõe limites muito precisos a respeito do que se pode conhecer. "Todo conhecimento conceitual da realidade por parte do espírito humano finito — esclarece esse sociólogo alemão — apoia-se de fato sobre o pressuposto tanto de que apenas uma parte finita dessa realidade forma o objeto da investigação científica." O conhecimento da realidade social impõe, além disso, outras limitações. Partindo da diferenciação feita por Dilthey entre ciências da natureza e ciências do espírito, Weber se pergunta sobre as condições de objetividade das ciências sociais. Enquanto as ciências da natureza explicam fenômenos em termos de leis, as ciências sociais (que entram na categoria diltheyana das ciências do espírito) não podem se fundamentar cientificamente da mesma maneira, uma vez que o conhecimento que buscam é um conhecimento individual dos fenômenos. As ciências sociais explicam acontecimentos isolados que aparecem sempre relacionados com ideias de valor. A metodologia das ciências sociais, portanto, deve ter por princípio a "neutralidade valorativa", já que "não existe nenhuma análise científica puramente objetiva da vida cultural ou dos fenômenos sociais, independente dos pontos de vista específicos e unilaterais, segundo os quais aqueles fenômenos — expressa ou tacitamente, consciente ou inconscientemente — são selecionados como objetos de investigações, analisados e organizados por meio da expressão". De modo que, por um lado, o objeto de investigação da sociologia (como uma ciência social) é constituído por acontecimentos isolados, que são significativos na medida em que são finalistas, quer dizer, em que aparecem ligados a valores ou categorias destrutivas do agir humanos. Mas, por outro lado, o estudo de tais acontecimentos deve ser feito a partir de uma posição neutra do investigador.

Multicausalidade Essa "neutralidade valorativa", típica da metodologia weberiana, apoia-se em outro elemento igualmente característico desse cientista: a multicausalidade. Weber destaca essa multicausalidade no mais célebre de seus trabalhos A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-1905). Trata-se de uma investigação sobre as origens do capitalismo europeu em que se demonstra o caráter unilateral das teses de

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Marx (que analisa essas mesmas origens em termos de causas econômicas e sociais). Caráter unilateral não quer dizer caráter falso, mas apenas monocausal. E o que Weber quer demonstrar é que as origens do capitalismo na Europa podem ser explicadas tanto do ponto de vista escolhido por Marx quanto do que ele mesmo propõe e que é o da religião. Na obra que comentamos, a análise weberiana ressalta de forma inapelável a profunda ligação que existiu entre o processo de formação do capitalismo europeu e a presença de formas religiosas ascéticas, particularmente do calvinismo e do puritanismo. Estas confissões religiosas, nas quais a predestinação é uma ideia central, exaltaram eticamente o trabalho, opuseram-se ao "gozo despreocupado da riqueza" e, ao fazerem isso, criaram, diz Weber, "a mais poderosa alavanca de expansão da concepção de vida que chamamos de espírito de capitalismo.

A burocratização do sociedade A sociologia de Max Weber, sólida em seus fundamentos epistemológicos e extraordinariamente rica na pluralidade de seus enfoques (os trabalhos mais importantes desse autor, além do mencionado anteriormente, encontram-se reunidos em Economia e sociedade, obra publicada postumamente em 1921-1922), utiliza duas importantes categorias de análise de um lado, a categoria de racionalização; de outro, a de força carismática. A dinâmica da história, pela ótica weberiana, consiste num processo de racionalização de forças que são em si mesmas irracionais. A força carismática, da qual um dirigente político pode estar dotado, tem suas raízes nessas forças irracionais, e é por essa razão que desperta o entusiasmo das pessoas, acima de suas diferenças de classe e de status social. O que prevalece, entretanto, na história do Ocidente é a racionalização trazida pelo capitalismo, valendo-se de um cálculo cada vez mais preciso dos meios encaminhados para a obtenção de certos fins. Para Weber, esse processo de racionalização cada vez mais eficaz é o que explica a crescente burocratização das sociedades contemporâneas e a consequente despersonalização da vida individual.

A sociologia europeia depois de Weber A influência de Durkheim e Weber está presente em maior ou menor grau nas principais correntes da sociologia contemporânea. Assim, por exemplo, destacou-se a influência weberiana na chamada sociologia do conhecimento, cujo principal teórico é o sociólogo alemão Karl Mannheim (1891-1947), que apanha as contribuições da fenomenologia, da psicanálise e do marxismo. Os trabalhos de manheim se concentram nas questões estruturais da ordem social na formação das ideologias em sua ligação com determinadas condições sociais. Num sentido amplo, a sociologia do conhecimento se ocupa "dos diversos modos como a realidade se revela ao sujeito em consequência das diferentes posições sociais em que encontra".

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Raymond Aron (1905-1983) descobre a sociologia também por meio de Weber, e contribui para que esse autor se torne conhecido na França. Filósofo e escritor político crítico, ele exerceu influência sobre as gerações posteriores de analistas e políticos franceses. Aron se interessa sobretudo pelas relações que se estabelecem entre a estrutura social e os regimes políticos na sociedade industrial. Em seus trabalhos, desmascara as concepções pseudodemocráticas dos regimes do Leste, a partir de uma posição crítica, e refletindo sobre a bipolaridade do mundo contemporâneo - LesteOeste.

A sociologia americana: o funcionalismo A influência de Durkheim, em contrapartida, já determinante no que concerne ao funcionalismo, corrente estabelecida primordialmente nos Estados Unidos e que tem como representantes máximos Talcott Parsons (1902-1979) e Robert K. Merton (n. 1910). Estes sociólogos concebem a sociedade como uma unidade funcional que integra de forma coerente a relação entre todos os seus componentes. Parsons, professor da Universidade de Harvard, é um dos principais teóricos da sociologia e o que chegou mais longe na elaboração de uma teoria geral da sociologia. Sua perspectiva teórica se impôs como hegemônica nos Estados Unidos, depois da publicação em 1937 de A estrutura da ação social, e dado, por extensão, no mundo inteiro, diante da ausência da estrutura de ligação da disciplina na Europa. Sua teoria geral, muito abstrata, conhecida como funcionalismo ou funcionalismo estrutural, baseia-se no princípio de que a análise de qualquer instituição social deve ser feito em função do que ela traz para o funcionamento e manutenção da sociedade como um todo. No fundo, o funcionalismo é uma adaptação à sociologia do mecanismo de explicação da teoria darwiniana da seleção natural. Um traço ou uma instituição particular de uma sociedade se explica por esse mecanismo, por sua contribuição para a sobrevivência de tal sociedade. Merton, discípulo de Parsons, desenvolve um funcionalismo menos abstrato e mais preocupado com a investigação empírica.

As vozes críticas contra o funcionalismo Oposta a essa sociologia funcionalista e à sua formalização excessiva está a sociologia crítica - uma de suas orientações mais importantes é constituída pelos trabalhos da escola de Frankfurt. Os principais sociólogos de tal escola como Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse, incorporam à sua análise marxista da sociedade elementos procedentes da psicanálise freudiana e em alguns casos, também da sociologia de Max Weber. Segundo Adorno, "não existe conhecimento que não seja simultaneamente crítico, em virtude do discernimento, inerente a ele, entre verdadeiro e falso".

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O tema central do pensamento de Jürgen Habermas (n. 1929) é o da racionalidade, termo que significa para ele "a forma como os sujeitos capazes de linguagem e ação fazem uso do conhecimento". Há também os trabalhos de Pierre Bourdieu (1930-2002) que mostram como a burguesia se reproduz por meio do ensino. Para Bourdieu, a sociologia, ao pôr em evidência os determinismos sociais, coloca em dúvida os pressupostos de liberdade e autonomia inerentes ao individualismo moderno, ao mesmo tempo em que é o instrumento para nos ajudar na tomada de consciência das próprias determinações, por meio da reflexividade. (1) &&&& O pensamento antropológico A antropologia, que foi definida tradicionalmente como o estudo da natureza do homem, é o último dos domínios importantes da filosofia que se torna ciência. O objeto de estudo da antropologia, como saber positivo e, portanto, sob uma metodologia científica, é o Homem (do grego anthropos, homem) e suas características anatômicas, biológicas, culturais e sociais. Conforme se destaque uma ou outra dimensão, costuma-se fazer a distinção entre antropologia cultural e social, que estuda o homem e os hominídeos, atendendo a todas as variações biológicas que eles experimentam no tempo e no espaço. A constituição da antropologia como ciência é recente. Ainda no fim do século XIX, suas fontes dependiam em boa parte do testemunho de viajante, missionários e comerciantes. Essas fontes, embora imprecisas ou pouco rigorosas, permitiram no entanto organizar um material informativo de primeira mão sobre povos e culturas muito afastados do mundo ocidental e sobre esse material a ciência antropológica pôde paulatinamente edificar-se. A origem da antropologia como disciplina científica No século XIX, unem-se dois fatos que permitem o estudo do homem – que até esse momento era próprio da filosofia, separe-se dela como disciplina independente. Em primeiro lugar, as descobertas arqueológicas e paleontológicas realizadas ao longo do século XIX vieram confirmar a antiguidade do homem como espécie e as teorias da evolução. Isso fez com que aumentasse o interesse natural que o ser humano sempre teve para estudar a si mesmo e sua evolução desde épocas passadas, e a curiosidade de conhecer os costumes, formas de vida e de linguagem dos povos e das culturas diferentes da sua. Em segundo lugar, a hegemonia da ciência, e, portanto, da aplicação de metodologias de investigações próprias das ciências da natureza no âmbito do social e do cultural. Estes dois fatores contribuíram para o desenvolvimento de disciplinas que configurariam o que é a antropologia: a arqueologia, a paleontologia, a etnografia, a linguística histórica e a primatologia, entre outras. A antropologia pretende, portanto, responder às perguntas sobre a origem, o desenvolvimento e a estrutura das sociedades humanas. Mas a antropologia se distingue pela aplicação de uma metodologia própria, pelo trabalho de campo – que consiste na

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observação e registro da vida de uma comunidade, com a imersão do próprio investigador nela – e pelo método comparativo – que permite generalizar as regularidades do humano e explicar a diversidade. Os precursores Em seu primeiro período, a antropologia é ainda uma ciência erudita, em que não se realizam trabalhos de campo e em que predominam estudiosos de gabinete. O mais conhecido de todos eles é James Frazer (1854-1941), autor de uma vasta compilação sobre o folclore universal e as religiões primitivas publicada entre 1890 e 1915 com o nome de O ramo de ouro. Ao mesmo tempo, no entanto, já aparecem autênticos antropólogos, como o etnógrafo norte-americano Lewis H. Morgan (1818-1881), que estuda de perto a cultura dos índios iroqueses. Os trabalhos de Morgan, junto com os do britânico Edward B. Tylor (1832-1917) – autor de uma obra pioneira A cultura primitiva (1865) – e outros investigadores, fazem com que a antropologia, em sua orientação inicial, estabeleça-se como ciência comparada da cultura, que se desenvolve no quadro do evolucionismo predominante na segunda metade do século XIX, insistindo na condição racional de cultura humana. Morgan é o primeiro a estabelecer uma teoria geral da evolução cultural, definindo três etapas: o estado selvagem, o estado bárbaro (no qual o homem já tem uma atividade agrária e domesticou certos animais) e o estado de civilização (no qual o homem inventou o alfabeto). Sua obra Sistemas de consanguinidade e afinidade da família humana (1871) é a primeira tentativa de classificação de um sistema de parentesco e sua relação com as diversas formas de organização social. Tylor, além de sua contribuição na definição e classificação do termo cultura e da elaboração de uma teoria da evolução baseada nas origens da religião e do animismo das sociedades primitivas, ressalta a importância do método comparativo na explicação dos dados etnográficos. Esse evolucionismo dos pioneiros dá lugar muito rápido a um difusionismo que explica formação das culturas baseada na propagação de ideias, técnica, instituições, formas de vida etc., a partir de alguns centros de civilização denominados “círculos culturais”. Apesar da importância de evolucionistas e difusionistas, a formação da antropologia científica, no entanto, dependeu mais de um enfoque a-historicista, como o do funcionalismo e do estruturalismo. Os antropólogos americanos O magistério de Franz Boas (1858-1942) está na base da antropologia cultural norteamericana. Boas entende a antropologia de acordo com sua orientação original de ciência comparada da cultura e ressalta a importância do trabalho de campo, insistindo na necessidade de investigações empíricas e descritivas, desconfiando de sistematizações e classificações arbitrárias. Afirma a importância do estudo das culturas individuais a partir de todos os seus aspectos (religião, arte, história, língua, características físicas da população etc.) e diz que a melhor maneira de explicar uma fato cultural é encontrar seus antecedentes históricos. Esta orientação historicista faz com que essa corrente seja conhecida pelo nome de escola de história cultural, ou particularismo histórico.

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Os enfoques que caracterizam essa escola são: a ênfase sobre o conceito de cultura e a análise antropológica baseada na interação entre cultura e personalidade. Nas palavras de Ralph Linton, "a cultura, em tudo que seja algo mais do que uma abstração criada pelo investigador, existe apenas nas mentes dos indivíduos que compõem uma sociedade". Dado esse ponto de vista, a antropologia estabeleceu relações firmes com a psicologia e a psicanálise. Edward Sapir (1884-1939), Ruth Fulton Benedict (1887-1948), Alfred Louis Kroeber (1876-1960) e Margaret Mead (1901-1978) são outros antropólogos americanos que se destacam. O funcionalismo de Malinowski antropólogo de origem polonesa fixado no Reino Unido, Bronislaw Malinowski (18841942) estabelece um marco importante no processo de formação da moderna ciência antropológica por seus trabalhos de campo exemplares no arquipélago melanésio das ilhas Trobriand, onde viveu por um longo tempo aprendendo os costumes e a língua de seus habitantes - já que Malinowski achava que as organizações humanas deviam ser estudadas no seio de seu ambiente cultural. Influenciado pela sociologia de Durkheim, Malinowski inaugura o funcionalismo antropológico e teoriza sobre suas bases metodológicas em Uma teoria científica da cultura (1944). A tese central desse antropólogo é a de que o estudo de uma cultura primitiva deve ser feito dentro de um objetivo totalizador e sincrônico. A cultura é um todo funcional cujos elementos não precisamos de nenhuma reconstrução histórica. A origem e a difusão de tais elementos não importam, já que, segundo Malinowski, numa cultura não existem "relíquias", isto é, traços culturais que sobrevivam do passado. Todo elemento cultural tem uma função, é útil e possui um significado (que o antropólogo deve saber extrair); se não fosse assim, teria desaparecido. Uma vez que "na verdadeira ciência", diz Malinowski, "o fato é a relação, desde que esta seja realmente determinada, universal e cientificamente definível". O que importa, portanto, é investigar a ligação orgânica de todas as partes que integram uma cultura. Assim, por exemplo, o sistema de parentesco de uma cultura não pode ser estudado se, ao mesmo tempo, não se inter-relaciona com as bases econômicas dessa cultura, com sua organização política e com suas instituições sociais. Ao mesmo tempo, todos esses dados deixariam de ser compreendidos se não se investigasse a estrutura jurídica que sustenta aquelas instituições, a religião que lhes dá coesão etc. Radcliffe-Brown e a antropologia social Outro entre os grandes antropólogos do século XX é o britânico Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955), cujas expedições etnológicas às ilhas Andaman (1906); à Austrália Ocidental (1910), às ilhas Tonga (1916) e à África do Sul (1920) dão lugar a importantes trabalhos como Os ilhéus andamaneses (1922), A organização social das tribos australianas (1931) e Sistemas africanos de parentesco e casamento (1948). É muito esclarecedora a diferenciação que Radcliffe-Brown estabeleceu entre as diversas ciências antropológicas (pois a "antropologia" na atualidade já é um termo genérico que abarca diferentes disciplinas). Assim, a reconstrução histórica do passado

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dos povos primitivos é algo que compete à etnologia, que vai além da simples descrição de que a etnografia se ocupa, e que se apoia em dois ramos: a arqueologia pré-histórica e a linguística. As outras duas ciências: antropologia física e antropologia social - a primeira pertence, de fato, ao âmbito das ciências biológicas; a segunda se enquadra no padrão da sociologia comparada. Radcliffe-Brown define a antropologia social como "a investigação da natureza da sociedade humana por meio da comparação sistemática de sociedades de tipo diverso, prestando atenção particular às formas mais simples das sociedades dos povos primitivos, selvagens ou sem alfabeto". Lévi-Strauss e a antropologia estrutural O funcionalismo de Durkheim, que está na base da metodologia de Malinowski e de Radcliffe-Brown, constitui também o ponto de partida do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (n.1908), que incorpora, além disso, conceitos desenvolvidos por Marcel Mauss (1872-1950), membro proeminente de sociologia durkheimiana. O mais importante é analisar primariamente os fenômenos e inventariar suas determinações internas, mais do que perguntar sobre sua natureza e origem. As investigações, portanto, devem desenvolver-se numa plano sincrônico com o objetivo de abordar a estrutura ou forma como os indivíduos e os grupos estão ligados no interior do corpo social. Acontece, no entanto, que essa estrutura não pertence à ordem dos fatos, quer dizer, não pode ser obtida empiricamente por meio da observação de uma sociedade dada e de sua posterior comparação com outros modelos de sociedade. Uma estrutura na verdade não é "visível", já que se mantém sempre além das relações sociais suscetíveis de observação empírica e só pode chegar a ser descoberta por meio de um trabalho teórico de formalização. (1) (1) Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo...)

Ser Humano, O A natureza cultural do ser humano O ser humano sempre teve necessidade de se perguntar a respeito de si mesmo. Uma das perguntas mais constantes tem sido a de suas origens. Respondendo a ela, pretendeu compreender o que o aproxima e o que o distancia de todos os outros seres do Universo — em suma, procurou encontrar a sua posição no cosmos.

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Na Antiguidade clássica, o ser humano compreendia a si mesmo em sua relação com dois tipos de seres, que marcavam seus limites superior e inferior: os deuses, imortais e felizes; os animais, selvagens, mas inocentes e integrantes da natureza. A partir da consolidação das teorias da evolução, já no século XIX, a certeza de sua ligação com o resto das espécies animais é completa. Todos os seres vivos se desenvolveram a partir de organismos primitivos e mediante mudanças ocorridas ao longo do tempo. O ser humano é um elo, o mais evoluído, desse longo processo que é a evolução; é um animal que foi capaz de produzir cultura, o que o distanciou de sua natureza animal, mas sem deixar de ser seu resultado. Teoria sintética da evolução A hominização Traços característicos do ser humano Especificidade do ser humano: a cultura Caixa: Uma teoria da história &&&& A cultura O ser humano chegou ao estado evolutivo em que se encontra como resultado de um longo processo de hominização. Mas além disso, ocorreu um processo de humanização, pelo qual, graças à linguagem e à razão, o ser humano foi capaz de dotar de conteúdo e sentido sua própria vida — tanto na esfera individual quanto na social. A humanização só é alcançável pela cultura: ela nos faz humanos. A cultura é esse conjunto de produções do ser humano, feito da complexidade que o tornou livre e que o liga a um mundo que já não é meramente natural. Por sua vez, a cultura introduz a liberdade mediante novas estruturas sociais projetadas pelo homem. Contudo, embora a produção de cultura seja inerente à natureza humana — na medida em que é fruto da falta de determinação biológica —, não cabe falar de uma cultura única, mas de uma diversidade de culturas, de acordo com os lugares e as épocas. Definição de cultura Cultura e civilização A artificialidade da cultura A humanização pela cultura A diversidade cultural Caixa: Cooperação sexual e cultura

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&&&& A função simbólica: linguagem, arte e religião O ser humano descobriu uma nova forma de se adaptar a seu ambiente, genuína e totalmente diferente das demais espécies animais: o símbolo. O animal possui certa imaginação e inteligência, mas trata-se de imaginação e inteligência práticas. Só o homem possui inteligência e imaginação simbólicas. O ser humano não vive apenas num puro universo físico, mas num universo simbólico: sua realidade não é constituída de objetos ou fatos isolados e naturais, mas de objetos simbólicos e culturais. O homem é um animal simbólico, capaz de expressar suas experiências por meio de símbolos. Manifestações desse universo simbólico humano são a linguagem, a arte, o mito, a religião e a ciência. A atividade simbólica A linguagem Características da linguagem Pensamento e linguagem A arte: forma simbólica Teorias sobre a beleza A função simbólica da religião Caixa: Os reis sacerdotes Caixa: O caso de Helen Keller Caixa: O método da etonografia Caixa: A classificação das artes Caixa: Arte e costumes &&&& Mente e cérebro O ser humano sempre procurou compreender a si mesmo. Perguntas como o que movimenta o corpo e qual o destino do homem conduziram-no a afirmar a existência de seus dois princípios constitutivos: a alma e o corpo. Atualmente, depois de desprezar como metafísicas todas as perguntas sobre a alma, o problema foi reformulado nos termos da relação entre a mente e o cérebro: a relação entre os nossos processos mentais e os processos físicos do cérebro. Esse problema

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continua a ser filosófico, mas para sua elucidação devem-se os dados fornecidos pela ciência. As teorias atuais são, em geral, materialistas: os processos mentais são produzidos pelo cérebro e predomina a orientação cognitivista, que consiste em tomar o computador como modelo da mente. O ser humano na história ocidental A mente A estrutura da mente Alma e corpo. Mente e cérebro Computadores: modelo atual da mente humana O cérebro Caixa: Atividades da mente Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 14)

O Conhecimento Em que consiste o conhecimento O ser humano tem necessidade de conhecer. Há uma exigência "física" de conhecimento, derivada do fato de viver: é preciso conhecer a realidade, para se orientar, decidir e agir. Mas existe também no ser humano uma exigência que já não é meramente de sobrevivência, e que podemos qualificar de "exigência de verdade". Segundo Aristóteles, "todos os homens, por natureza, desejam saber". Essa é sua dimensão teórica (teoriaquer dizer "contemplação"), que o leva não apenas a conhecer, mas também a refletir sobre o próprio conhecimento: sua origem, seus limites ou os critérios sobre nossas certezas. A parte da filosofia que aborda o problema do conhecimento recebeu ao longo da história diferentes nomes: teoria do conhecimento, gnosiologia, epistemologia etc. A teoria do conhecimento é dividida em duas partes: uma que trata do conhecimento em geral e outra que trata do conhecimento científico em particular. Nosso conhecimento a respeito do mundo tem seu ponto de partida na informação que nos chega por meio dos órgãos sensoriais. Mas o sujeito não se limita a receber passivamente as sensações. A mente humana é ativa: processa, interpreta e coordena, e o resultado dessa atividade é o conhecimento.

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Conhecimento racional A primeira forma histórica de explicação da realidade foi o mito. A esta sucedeu a forma racional, que explica as coisas por elas mesmas, procurando as causas e as leis e expressando-as por meio de conceitos. Há um tipo de conhecimento, o comum ou vulgar, cujos conteúdos são superficiais, desconexos, dificilmente generalizáveis, e que não podem explicar por que as coisas acontecem como acontecem. Esse tipo de conhecimento não pode justificar seus conteúdos, mas tem a vantagem de que pode ser o ponto de partida para outras formas de conhecer mais rigorosas - como, por exemplo, a ciência. Conhecer é uma atividade mental por meio da qual o ser humano se apropria do mundo ao seu redor. Essa apropriação consiste numa captação intelectual. O filósofo Xabier Zubiri atribui três funções ao conhecimento: discernir o que é daquilo que não é, distinguir a essência da aparência, o real do ilusório; definir, determinar e especificar o que são as coisas, captando suas diferenças em relação às outras; e entender por que as coisas são como são.

Conhecer, saber, pensar A palavra "conhecer" é usada em dois sentidos diferentes: para se referir ao conhecimento direto ou imediato (experiência direta das coisas ou fatos) e para se referir ao conhecimento indireto ou mediato (conhecimento de juízos e proposições). Para esse último tipo de conhecimento, costuma-se utilizar a palavra "saber", que implica dispor de algumas razões que justifiquem o que se sabe. Por exemplo: dizemos "conheço Paris", se estivemos fisicamente lá, mas podemos dizer "sei que Paris é a capital da França", embora nunca tenhamos estado nela. Há casos em que os dois termos podem ser usados indistintamente: assim, podemos dizer "conheço a fórmula química da água". É preciso distinguir também entre conhecimento e pensamento. "Pensar" é examinar as ideias na mente; é possível, portanto, pensar em algo sem conhecê-lo. No século XVIII, Kant distinguiu entre "pensar" e "conhecer": "conhecemos" quando aplicamos um conceito a uma intuição ocorrida na experiência; "pensamos" quando temos o conceito, mas não a intuição sensível correspondente. Ou seja, o pensamento carece de objeto empírico. Poder distinguir entre "conhecimento" e "pensamento" não implica que esse último não tenha valor. O pensamento tem a função de permitir o avanço do conhecimento, guiá-lo e abrir para ele novos campos de investigação. Mas é totalmente imprescindível saber em que casos existe verdadeiro conhecimento (que não é necessariamente conhecimento verdadeiro), para diferenciá-lo do que sejam sua hipóteses ou expectativas.

Objeto e sujeito do conhecimento O conhecimento é uma forma de relação entre um sujeito e um objeto: nele, sempre existe um objeto conhecido ou por conhecer, e um sujeito que conhece ou quer conhecer. No conhecimento, o objeto se encontra presente de alguma forma no sujeito, mas não se trata

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de uma presença direta e sim de uma representação: um determinado conteúdo mental (pode ser percepção, conceito etc.) representa o objeto na mente do sujeito. A representação é, portanto, imaterial, embora o objeto conhecido seja material. Quando nós conhecemos as coisas, nós as possuímos de forma imaterial, não sensível. A representação é sempre a representação que tem um sujeito. É ele que realiza toda a atividade cognoscitiva, mas o representado é o objeto. O conhecimento é intencional: refere-se a um objeto exterior à própria representação e ao sujeito que a tem. O objeto do conhecimento são as próprias coisas, e não sua representação, mas conhecemos coisas tal como as representamos. Na simples formulação dos dois fatores que intervêm em todo conhecimento - objeto e sujeito -, já estão implícitos grandes problemas. Por exemplo: como o material-sensível chega a ser possuído mentalmente de forma imaterial-não sensível? Ou: em que medida as representações que o sujeito tem sobre as coisas se ajustam ao que as coisas realmente são? A experiência sensível - aquilo que captamos das coisas por meio dos nossos sentidos é o que está na origem de nossos conhecimentos. Nas palavras de Kant, "não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência". Mas, como o próprio Kant acrescenta a seguir, "ainda que nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso ele procede inteiramente da experiência". Conhecer algo não consiste simplesmente em "vê-lo", captá-lo pelos sentidos. Só conhecemos quando o identificamos como determinado objeto ou como determinado outro (como um "cão" ou um "pôr-do-sol"). Essa identificação é possível graças ao conceito, que é o resultado de outro tipo de operação, já não meramente sensível, mas intelectível. Esse tipo de conhecimento se chama conhecimento empírico ou experiência. O termo "experiência" deriva do latim experientia ("ensaio", "prova") e é o equivalente do grego empeiria. A psicologia atual prefere usar o termo "percepção". &&&&&& Os Processos do Conhecimento A experiência sensível - aquilo que captamos das coisas por meio dos nossos sentidos é o que está na origem de nossos conhecimentos. Nas palavras de Kant, "não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência". Mas, como o próprio Kant acrescenta a seguir, "ainda que nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso ele procede inteiramente da experiência". Conhecer algo não consiste simplesmente em "vê-lo", captá-lo pelos sentidos. Só conhecemos quando o identificamos como determinado objeto ou como determinado outro (como um "cão" ou um "pôr-do-sol"). Essa identificação é possível graças ao conceito, que é o resultado de outro tipo de operação, já não meramente sensível, mas intelectível. Esse tipo de conhecimento se chama conhecimento empírico ou experiência. O termo "experiência" deriva do latim experientia ("ensaio", "prova") e é o equivalente do grego empeiria. A psicologia atual prefere usar o termo "percepção". A sensação

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Por intermédio de nossos órgãos dos sentidos, recebemos informação do mundo que nos rodeia. Os estímulos que nos chegam do exterior incidem sobre os nossos sentidos e provocam determinadas alterações de caráter físico ou químico. Os sentidos transmitem uma corrente nervosa ao cérebro e provocam nela uma reação. O resultado são as sensações, a captação de determinadas qualidades sensíveis ou dados sensoriais. Os objetos físicos ou sensíveis vão sendo "transformados" em qualidades psíquicas, que já não são físicas, pelo próprio sujeito que as recebe. Em virtude desse processo, vemos cores, ouvimos sons, captamos diversos cheiros, sentimos frio ou calor, suavidade ou dureza etc. Cada espécie animal possui alguns órgãos constituídos de tal maneira que podem captar determinadas qualidades sensíveis, enquanto permanecem totalmente insensíveis a outras. A retina do olho só pode captar impressões luminosas cujo comprimento de onda esteja numa determinada faixa, que no caso dos humanos representa 1/70 do total do espectro da luz solar. Assim, não vemos os raios infravermelhos nem podemos ter uma ideia de como representaríamos o mundo físico caso pudéssemos vê-los. Os morcegos são capazes de perceber certos sons que para os ouvidos humanos são inaudíveis. Cada espécie animal percebe um mundo diferente, do qual capta o necessário para sobreviver. O mundo dos humanos é um deles. Tradicionalmente, diferenciam-se cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. De todos, o tato mé o mais complexo, porque por ele recebemos as impressões de peso, de pressão, de frio-calor, de dor etc. Mas o sentido mais considerado, devido a sua possibilidades cognitivas, é a visão: sempre se supôs que ela é o sentido que permite obter uma informação mais completa do objeto. Termos como, por exemplo, "teoria" (contemplação) derivam do privilégio concedido à visão, ou à "ideia" platônica (em grego eidos: o visível aos olhos da alma).

Percepção As sensações constituem o material básico de nossa experiência dos objetos, mas é um fato indubitável que não captamos qualidades isoladas. Quando pegamos uma maçã de uma fruteira, não captamos apenas uma mancha de cores vermelha ou verde, um determinado cheiro, e uma certa textura ou dureza. Captamos um objeto único: uma maçã. É a isso que se chama propriamente de percepção. O que os órgãos sensoriais captam é a sensação, enquanto que a percepção é uma atividade pela qual o sujeito capta totalidades que têm um significado para ele. A percepção não é uma simples soma de sensações. É o resultado de uma complexa operação pela qual recebemos as sensações, selecionamos delas as que nos parecem mais significativas, reunimos-las num conjunto, relacionamo-las com outras percepções armazenadas em nossa memória, identificamo-las como formas perceptuais determinadas e, finalmente, atribuímos-lhes um nome. O resultado desse processo é um determinado conhecimento do mundo - como pode ser, por exemplo, o de que existe uma maçã sobre a mesa. Na percepção não intervêm, portanto, apenas os sentidos (o que já não é verdade nem sequer nas sensações), nem tampouco se explica pela intervenção do sistema nervoso.

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Trata-se de uma operação ativa, na qual o sujeito não se limita a registrar passivamente os dados sensoriais. O sujeito "constrói" o objeto quando seleciona, organiza ou interpreta os dados sensoriais. Isto ocorre em todos os casos, mas é mais evidente quando somos capazes de identificar um objeto percebendo simplesmente um traço pequeno e característico. A percepção é, portanto, uma atividade construtiva. É preciso destacar algumas características da percepção. Por exemplo: — A percepção é uma atividade mediatizada. Não percebemos as coisas diretamente, mas mediatizadas por nosso aparelho sensorial e por nossas experiências anteriores. — A percepção é uma atividade classificatória. Ao perceber uma maçã, nós a percebemos como pertencente à classe das maçãs e a distinguimos de outros objetos que pertencem a outras classes. — A percepção é seletiva. Habitualmente, recebemos múltiplos estímulos, mas nem todos solicitam nossa atenção da mesma forma. A atenção faz com que determinados estímulos se destaquem sobre os demais, que ficam relegados a um segundo plano sem chegar a se constituir em objetos de percepção. A atenção é, portanto, seletiva. O que determina a atenção é, fundamentalmente, o interesse do sujeito. No caso dos animais, trata-se de interesses puramente biológicos; mas no caso do homem trata-se, além disso, de interesses culturais. Os interesses individuais fazem com que o sujeito da percepção repare em determinados detalhes que para outro sujeito podem passar despercebidos. Por exemplo, um amante dos cavalos percebe mais detalhes de um cavalo do que a maioria das pessoas. As diferenças entre culturas distintas trazem às vezes consigo diferenças de interesses que também influenciam na maneira de perceber os objetos. Os esquimós, por exemplo, percebem muitos matizes de branco, o que obedece evidentemente a um interesse de sobrevivência na neve.

A percepção e o conceito A percepção implica a identificação, o reconhecimento de um conjunto de sensações como algo determinado:como uma maçã, como uma árvore etc. "Maçã" e "árvore" são conceitos. Na percepção intervêm, portanto, conceitos, mas isso não significa que sejam a mesma coisa. O conhecimento completo requer tanto a percepção quanto o conceito. A percepção capta objetos singulares: esse cavalo, aquela maçã, com as características particulares que as diferenciam de outros cavalos e outras maçãs. No entanto, quando dizemos de cada um deles que é um cavalo ou uma maçã, estamos expressando algo que vale para todo cavalo e toda maçã. O conteúdo do conceito é, portanto, uma representação universal, aplicável a todos os objetos que possuam determinadas características. Os objetos singulares que percebemos são um caso particular daquilo representado no conceito.

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Compreensão e extensão do conceito Em todo conceito, podem-se distinguir dois aspectos: a compreensão (também chamada de "conotação" ou "intenção"), que é o conjunto de indivíduos aos quais o conceito é aplicável. Por exemplo, a compreensão do conceito "ser humano" seria "animal racional"; a extensão seria o conjunto dos seres humanos. Nem todos os conceitos têm a mesma extensão: existem os mais extensos e os menos extensos. O conceito "animal" é mais extenso do que o conceito "ser humano", já que, além de se aplicar aos homens, aplica-se a outros indivíduos. Entre compreensão e extensão, ocorre uma regra de relação inversa: quanto maior é a extensão, menor é a compreensão. Se aos elementos que constituem o conceito "animal" acrescentamos um traço, o de "ser racional", a compreensão terá aumentado (até chegar ao conceito de ser humano), mas a extensão terá diminuído, uma vez que o novo conceito já não será aplicável a todos os animais, mas somente aos animais racionais. Ao suprimir elementos de um conceito, sua extensão se amplia; ao lhe acrescentar novos elementos, sua extensão se reduz. Quanto mais extenso é um conceito, mais indeterminado; quanto menos extenso, menos indeterminado. De acordo com essa lei, é possível organizar hierarquicamente os conceitos dentro de um gênero. Podemos pensar que, se um conceito tivesse extensão igual a 1, quer dizer, se o conceito só fosse aplicável a um indivíduo, a compreensão seria infinita. Isso quer dizer que, para definir o conceito de um indivíduo, em sua total singularidade, deveríamos dar infinitos elementos sobre ele, quer dizer, a compreensão do conceito deveria incluir todas as características desse indivíduo — o que é de fato impossível. Isso coloca o problema da relação entre o singular (o objeto concreto) e o universal (o conceito): embora o que exista sejam indivíduos totalmente singulares, esses só podem ser conhecidos como particularidades do universal, mas não podem ser conhecidos em sua plena singularidade.

As palavras e os conceitos Os conceitos se expressam na linguagem, nas palavras que compõem o vocabulário de uma língua. As palavras, como já vimos, são signos linguísticos, e representam a união de um significante e um significado. Por meio deste, a palavra remete a um referente. Por outro lado, sabemos que os conceitos têm compreensão e extensão. Pois bem: o significado da palavra corresponde à compreensão, enquanto o referente corresponde à extensão do conceito.

Utilização dos conceitos Os conceitos permitem, em primeiro lugar e fundamentalmente, a compreensão da realidade, e com isso a capacidade de se orientar nela. Os conceitos nos permitem classificar os objetos, enquadrando-os em nossa experiência anterior do mundo. Graças

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aos conceitos, podemos reconhecer os objetos que percebemos como uma coisa determinada - como uma árvore, uma maçã etc. Por outro lado, a natureza inteligível dos conceitos permite um conhecimento mais amplo e mais complexo do que o recebido pelos sentidos. Por isso, é possível fazer ciência, já que os conceitos permitem abordar a realidade com um elevado grau de abstração, e não simplesmente com o caráter concreto com que ela se apresenta na percepção. O conhecimento conceitual da realidade nos permite ter expectativas sobre ela, na medida em que a compreendemos. Dessa maneira, as coisas já não são algo que escapa totalmente a nosso controle: é possível estabelecer estratégias de comportamento. &&&&& Origens e limites do conhecimento Como a questão é conhecer a realidade, parece que só a experiência pode nos permitir chegar até ela. Segundo essa concepção, conhecida como "empirismo", a origem de nosso conhecimento é a experiência. No entanto, esse conceito fundamental tão irrefutável e próximo do senso comum foi muito discutido ao longo da história da filosofia. O "racionalismo", a concepção oposta a esta, considera que a experiência por si só não pode nos proporcionar algo de natureza tão complexa e diferente da simples sensação como é o conhecimento racional. O problema da origem do conhecimento está profundamente ligado ao problema de seus limites, e é também a experiência que articula todas as respostas — não importa se nossos conhecimentos procedem ou não dela. Será possível conhecer para além da experiência?

Empirismo Os empiristas acham que a mente do ser humano, quando ele nasce, é como uma lousa onde não há nada escrito. Tudo aquilo que o ser humano for conhecendo será proporcionado pela experiência. Essa é a formulação básica de toda concepção empirista, e foi assinalada por numerosos filósofos ao longo da história (os sofistas, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino etc.). Porém a formulação mais radical fica por conta do empirismo dos séculos XVII e XVIII: o conhecimento não só procede da experiência, mas está limitada a ela. Não podemos ir além do que a experiência nos mostra, e ficam fora dela realidades como Deus, mas também nosso próprio eu e o princípio de causalidade, sobre o qual se apoia toda a ciência empírica. Nem sequer podemos afirmar com total segurança que existam fora de nossa mente os objetos que produzem nossas sensações; só temos experiência de nossas sensações (a chamada "experiência exterior") ou de nosso próprios atos metais — como, por exemplo, duvidar, pensar, desejar, temer, odiar etc. ("experiência interior"). Os empiristas defendem uma teoria conhecida como nominalismo. Segundo essa teoria— que já tinha sido defendida por filósofos medievais, como Guilherme de Occam — todas as nossas ideias ou conceitos são apenas percepções ou imagens singulares. O único Universal são as palavras, os nomes (nomina, em latim, de onde

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provém "nominalismo"), e representam na mente um conjunto de percepções ou imagens particulares semelhantes. Por razões de economia, a mente acaba dispensando as imagens singulares e por isso utilizam simplesmente a palavra que as designa.

Racionalismo A formulação clássica do racionalismo é a dos filósofos do século XVII — sobretudo Descartes e Leibniz —, embora Parmênides e Platão também possam ser considerados racionalistas. O racionalismo não nega que a experiência proporcione um conhecimento muito útil para a vida prática, mas denuncia a insuficiência e a ineficácia dos sentidos para nos proporcionar um conhecimento autêntico, "científico". Por isso, a única origem possível do conhecimento é a razão, não a experiência. Para o racionalismo, a realidade é percebida confusamente na experiência, e, no entanto, quando a compreendemos intelectualmente, temos então um conhecimento "claro e distinto" segundo as palavras de Descartes. Além disso, os sentidos podem nos enganar, proporcionando-nos um conhecimento meramente ilusório. Por outro lado, as sensações e as percepções só proporcionam um conhecimento particular e contingente: dizem-nos o que de fato ocorre para os casos particulares de que tivemos a experiência, mas não nos dizem que não pode ser de outra maneira, que necessariamente tem de ser assim para todos os casos. O conhecimento autêntico deve ter validade universal e necessária, e isto somente a razão proporciona. A razão é dotada de ideias inatas, alguns princípios evidentes não adquiridos que server de fundamento para o resto dos conhecimentos. O inatismo dos conceitos é a forma de justificar a possibilidade do conhecimento: se os sentidos não nos permitem conhecer, a possibilidade do conhecimento deve estar no próprio sujeito, na medida em que esse possua esses conceitos de forma inata. Todo o conhecimento da realidade consiste num desdobramento dos conteúdos da própria razão, e se isso é possível é porque o racionalismo pressupõe que a estrutura da razão é também a estrutura da própria realidade. O racionalismo não reconhece limites para a razão. Esta pode ir mais além da experiência — embora, certamente, seu poder não seja ilimitado, uma vez que o ser humano é algo finito.

Apriorismo Segundo Kant, filósofo alemão do século XVIII, a quem se deve essa concepção, o conhecimento não pode prescindir da experiência. Ela lhe proporciona a "matéria": as sensações. O conhecimento começa com a experiência, mas nem todo o conhecimento provém dela: a razão, estimulada pelas impressões sensíveis, acrescenta algo, dá a "forma" do conhecimento. O conhecimento é a união de matéria (proporcionada pela experiência) e forma (trazida pela sensibilidade e pelo entendimento, as duas faculdades que intervêm no processo cognoscitivo). A matéria é a posteriori e a forma é a priori. O conhecimento é sempre construção, já que a razão organiza os dados da experiência.

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O apriorismo não é inatismo, uma vez que a razão é a forma organizadora do conteúdo que a experiência lhe proporciona, mas ela por si mesma não proporciona conhecimento. Por outro lado, a ação dos elementos a priori é o que outorga ao conhecimento seu caráter universal necessário, que a experiência por si só é incapaz de proporcionar. Existe, portanto, uma conciliação das teses empiristas e racionalistas. Assim, reconhece um papel fundamental à razão, tal como o racionalismo sustentava; mas esta só tem valor cognoscitivo em relação àquilo que a experiência lhe proporciona. No que diz respeito aos limites do conhecimento, para Kant é evidente que ele não pode ir além da experiência, e com isso todo o conhecimento metafísico fica sem fundamento e sem validade. (1) &&&&& Verdade e certeza O interesse da filosofia não se concentra apenas no processo de conhecimento e no papel que a percepção e o conceito desempenham nele. Um dos temas que mais a preocupam é o de como podemos estar seguros de que conhecemos. Perguntas como "O que é a verdade?", "É possível alcançar um conhecimento verdadeiro?", "Existe a realidade à margem daquilo que conhecemos sobre ela?", "É possível conhecer algo?" tem sido objeto de reflexão, mas não foi possível chegar a nenhuma resposta definitiva. Verdade e certeza são dois conceitos-chave nesse contexto de problemas. A partir da perspectiva do objeto que se pretende conhecer, falamos da verdade (de conhecimento verdadeiro ou falso); a partir da perspectiva do sujeito que conhece, falamos dos diferentes graus de certeza ou segurança que acompanham esse conhecimento.

Aparência e realidade Uma das primeiras perguntas que a filosofia se faz é se as coisas são exatamente como parecem. Perguntar-se sobre isto equivale a se perguntar se o aspecto das coisas corresponde ao que elas efetivamente são. Essa formulação pressupõe a existência de uma dualidade: a aparência das coisas e sua verdadeira realidade. A palavra "aparência" está relacionada etimologicamente com o verbo aparecer, mas também é usada para indicar que algo não é o que parece - nesse casso, a palavra "aparência" está relacionada com o verbo "parecer". Nesse último sentido, pressupõe-se a existência de um engano da aparência, de uma ocultação da realidade por trás da aparência. Frequentemente, os dois sentidos da palavra se superpõem: o aparecer das coisas é percebido como enganoso e procura-se descobrir sua verdadeira realidade. Nossa própria experiência comum - e não exclusivamente a filosófica ou científica - conduz-nos a essa reflexão: o bastão na água "parece" torto, o Sol "parece" bastante pequeno, a água e o gelo "parecem" coisas diferentes etc. Em qualquer dos casos, falar de aparência implica sempre remeter a algo diferente dela mesma - a realidade, aquilo de que é a aparência, algo com o qual mantém uma relação que é preciso elucidar. Uma forma de abordar essa relação é a partir do ponto de vista epistemológico (do grego episteme, "conhecimento": a epistemologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é o conhecimento), e a esse respeito o problema seria sobretudo o do valor cognoscitivo da percepção. A aparência é o aspecto das coisas quando as percebemos. Se supomos que

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mais além da aparência existe a autêntica realidade, esta não poderá ser captada pelos sentidos, mas conhecida apenas pelo entendimento ou pela razão. Justo com a diferença entre aparência e realidade, surge portanto uma distinção entre duas maneiras de conhecer: a sensível e a inteligível. Existe outra maneira de abordar o problema que não é estritamente epistemológico, mas também ontológico (do grego on, ontos, "aquilo que é": a ontologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é o ser, a realidade). Aqui a questão é saber se o que aparece (a aparência) é a própria realidade ou se, pelo contrário, a realidade se oculta por trás dessa aparência - sendo necessário, portanto, outro tipo de conhecimento. Os dois problemas o ontológico e o epistemológico - estão, portanto, estreitamente ligados.

A verdade O problema da relação entre aparência e realidade traz atrelado um outro problema: o da verdade. Distinguimos entre aparência e realidade porque pretendemos conhecer o que as coisas efetivamente são, mais além de sua aparência; pretendemos, por isso mesmo, que nosso conhecimento seja verdadeiro. Existe, portanto, uma verdade ontológica, referente às próprias coisas, e uma verdade epistemológica, referente a nosso conhecimento sobre elas. Os primeiros filósofos conceberam o acesso à verdadeira realidade (verdade ontológica) como um modo de "descobri-la": trata-se de tirar o véu das aparências para deixar que a verdade emerja por si mesma. Isso é justamente o que significa a palavra grega alethéia - verdade -, que provém de uma forma do verbo lanthano, que significa "permanecer oculto", mais a partícula a de negação. "Verdade" quer dizer, portanto, "desocultação", "desvelamento". No sentido ontológico, a verdade é entendida como autenticidade, e seu contrário - inautenticidade - é a aparência. No entanto, o significado mais habitual da palavra "verdade" é o que se refere a nosso conhecimento: já que todo conhecimento se expressa em proposições, falar de "verdade" é falar da verdade das proposições.

A verdade formal e a verdade fáctica Uma proposição é uma ideia ou pensamento que afirma ou nega alguma coisa. Dependendo dos tipos de proposições, podemos distinguir entre dois tipos de verdade: a fáctica e a formal. As verdades formais (Leibniz as chama de "verdades de razão" e Kant de "juízos analíticos a priori") são proposições analíticas: necessariamente verdadeiras (é impossível que sejam falsas) em virtude do significado outorgado a seus termos. É contraditório, e não simplesmente falso negar uma proposição analítica verdadeira. A verdade dessas proposições não depende da experiência. Sua estrutura é "A é A", ou então podem ser deduzidas logicamente de proposições que têm essa estrutura. Um exemplo desse tipo de proposição é: "O triângulo é uma figura que tem três lados". São

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desse tipo as proposições da lógica e das matemáticas, as chamadas ciências formais. E também proposições puramente verbais, como "todo solteiro é um não-casado". As verdades de fato (Leibniz as chama de "verdades de fato" e Kant de "juízos sintéticos a posteriori") são proposições sintéticas: são informativas, mas não necessariamente verdadeiras e sua negação não implica uma contradição, já que a relação entre sujeito e predicado não é necessária. Ou seja, analisando o sujeito não obtemos necessariamente o predicado. Por exemplo: "os planetas giram ao redor do Sol". A verdade dessas proposições depende da experiência, dos fatos - daí o seu nome de fáticas. Uma vez que as verdades formais são necessariamente verdadeiras ou contraditórias, o problema da verdade se coloca em relação às verdades fácticas: como podemos saber se uma proposição é verdadeira?

Teorias sobre a verdade: a verdade como correspondência A teoria clássica sobre a verdade é a teoria da correspondência: uma proposição é verdadeira se corresponde ou se adapta à realidade — quer dizer, quando descreve um estado de coisas que ocorre na realidade. A proposição "A neve é branca" é verdadeira porque corresponde aos fatos; por outro lado, a proposição "A Lua não gira ao redor da Terra" é falsa porque não corresponde aos fatos. A teoria da correspondência parece ser uma exigência do senso comum, mas formula problemas importantes. A proposição expressa um juízo ou conteúdo mental sobre a realidade. Conforme vimos anteriormente, trata-se de uma representação sobre a realidade — não sendo, portanto, a própria realidade. Para saber se o que está em nossa mente "corresponde" ao que está fora dela, deveríamos sair de nós mesmos e comparar nossa representação da coisa com a própria coisa, o que é totalmente impossível. Dadas as dificuldades que essa teoria apresenta, criaram-se outras concepções sobre a verdade. No entanto, na maioria dos casos, essas concepções alternativas não questionam que a verdade consiste na correspondência com a realidade: o que elas questionam de fato é o critério para se decidir quando uma proposição é verdadeira.

A verdade como coerência Essa teoria sustenta que uma proposição é verdadeira se é coerente (ou consistente) com o resto das proposições de que faz parte. "Coerência" significa que a proposição em questão não se contradiz com o conjunto de proposições, quer dizer, que é logicamente compatível com o sistema a que pertence. A verdade é o resultado de uma relação entre proposições, e não de uma relação entre duas coisas de naturezas diferentes: as proposições e a realidade. Essa concepção da verdade pode ser aplicada tanto às proposições fácticas quanto às proposições das ciências formais. Por exemplo: a afirmação "os duendes da floresta cantam pela manhã", que na aparência se refere a fatos observáveis, não é coerente com o resto das proposições científicas — e, portanto, podemos afirmar que é falso. A

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proposição "dois mais dois são quatro", que é a expressão de uma operação matemática, é verdadeira, pois faz parte do cálculo dos números naturais. Um dos problemas que apresenta essa teoria é que ela permite saber se uma proposição é verdadeira — se é coerente com o conjunto —, mas não permite decidir se o conjunto a que pertence é verdadeiro ou não.

A verdade como evidência A palavra "evidência" provém do latim evidentia, ae, que significa clareza, transparência, visibilidade. Evidente, portanto, é aquilo que se vê claramente. Quando alguma coisa nos parece evidente, nós a aceitamos como verdadeira. A evidência exige a presença imediata do objeto, que pode ser uma coisa: "A evidência é a presença para a consciência do objeto em pessoa. Uma evidência é uma presença", nas palavras de Sartre. Mas também pode ser uma ideia — essa é, por exemplo, a concepção de Descartes. Para esse pensador, as ideias evidentes, quer dizer, as ideias que minha razão vê com clareza, as ideias que estão fora de qualquer dúvida, são ideias verdadeiras: a evidência das ideias que provêm dos sentidos não tem o mesmo valor cognoscitivo.

A verdade como utilidade Segundo essa teoria, uma proposição é verdadeira se é útil ou eficaz na prática. Essa teoria não está em desacordo com a verdade como correspondência, mas entende a adequação, não como a adequação entre a cópia ou representação e a realidade, mas como adequação a um objetivo: uma proposição é verdadeira se é útil ou eficaz com vista à obtenção de algum fim. Os defensores dessa teoria são os pragmatistas principalmente William James (1842-1910) e Charles S. Peirce (1839-1914). No fundo dessa concepção, está presente a ideia de que o ser humano é um ser que age e que, portanto, tem fins e objetivos e meios ou métodos para poder atingi-los. Os filósofos pragmatistas não querem afirmar que qualquer proposição que nos seja benéfica é verdadeira — só o será caso se ajuste aos acontecimentos. A utilidade pode apenas decidir sobre a verdade provisória de uma proposição; se, no futuro, encontra-se uma explicação mais satisfatória, a proposição anterior terá deixado de ser útil e, portanto, verdadeiro. Por outro lado, segundo essa teoria da utilidade, só podemos estabelecer a verdade de uma proposição se verificarmos efetivamente os fatos, exigência que não ocorre na teoria da correspondência, em que uma proposição pode ser verdadeira ainda que não a tenhamos comprovado.

A verdade como consenso Esta teoria sustenta que é verdadeira aquela proposição que reflete o consenso, o acordo a que chegaram determinados interlocutores. Essa teoria é fundada sobre a reflexão de que a verdade não pode ser um fato privado do sujeito que chegou a ela, mas que

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precisa ser comunicada e compartilhada por todos — quer dizer, intersubjetiva. No caso dos problemas da ciência, o consenso deve ser atingido pela comunidade científica. Atualmente, a concepção da verdade como consenso é defendida por K. O. Appel e J. Habermas, para quem o acordo a que os interlocutores devem chegar tem de ser produzido em algumas condições ideais de diálogo: que cada um se expresse em igualdade de condições com os outros, e com a mesma liberdade e independência de critério. As objeções que podem ser feitas à teoria da verdade como consenso são as de que, por um lado, existem condições ideais; e, por outro lado, que a verdade acaba sendo uma questão de acordo e, portanto, convencional.

A crença e o saber O resultado da atividade de conhecer pode ser a crença ou o saber. A crença é o assentimento ou aceitação de uma proposição considerada verdadeira. O objeto de uma crença é sempre uma proposição, quer dizer, a crença tem a seguinte fórmula lógica: "Creio que 'p', onde 'p' é uma proposição". O problema é, certamente, em quais casos se justifica a crença em determinada ideia ou proposição. Justificar uma crença é poder estabelecer suas razões, o que a transforma numa crença racional. A crença irracional é, pelo contrário, a crença não fundamentada em razões ou fundamentada em razões não pertinentes, quer dizer, que não vêm ao caso. Ainda assim, o fato de que a crença seja racional não significa que seja verdadeira — daí podermos considerar que, embora o racional seja atribuir razões a nossas crenças, também é racional aceitar que talvez só possamos aspirar a crenças prováveis, até muito prováveis, mas não a crenças infalíveis. A crença só se constitui em saber se estiver justificada e for verdadeira. Assim, podemos dizer que sabemos que os planetas do sistema solar são nove, ou que a soma dos ângulos de um triângulo é 180 graus. Essa modalidade de saber — que as denomina "saber o que" — não admite graus (ou se sabe ou não se sabe) e pode ser aprendida. Existe outra modalidade de saber — "saber como" — que se refere às estratégias e instrumentos necessários para fazer coisas ou atingir um objetivo. Consiste, portanto, em dominar certas habilidades: é um saber prático que se pode aprender e aprimorar e que, além disso, admite graus.

A certeza O saber é uma crença verdadeira a que podemos atribuir razões. Ele vem acompanhado de um sentimento de segurança sobre a verdade daquilo em que cremos. Esse sentimento de segurança é a certeza, que não é uma propriedade das ideias, mas um estado do sujeito; nesse sentido, dizemos que a crença é subjetiva. A certeza é causada normalmente pela evidência: esta outorga tamanha força à ideia que faz com que nosso sentimento de segurança seja praticamente inevitável. Quando

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alguma coisa nos parece evidente, não podemos deixar de concordar: estamos certos e seguros de que hoje o Sol saiu ou de que dois mais dois são quatro. O contrário de certeza é a dúvida. Nesse caso, flutuamos entre duas proposições, sem sabermos por qual decidirmos — seja porque carecemos de razões para dar nosso assentimento, seja porque as razões que apoiam as duas proposições estão equilibradas. Em alguns casos a dúvida é uma atitude deliberada, um ato da vontade com a intenção de ganhar, justamente por meio dela, alguma certeza racional. Esse é o caso de Descartes, que faz da dúvida metódica a via de acesso à ideia da qual não é possível duvidar: que sou uma coisa que pensa (cogito, ergo, sum). (1) &&&&& A estrutura lógica do conhecimento Com a linguagem emitimos juízos, que são os atos da mente pelos quais afirmamos ou negamos algo. Emitimos juízos por meio de um tipo de frase ou oração a que chamamos de "enunciado", ou "proposição". O encadeamento articulado de proposições constitui o discurso. A lógica é a disciplina que estuda a forma do discurso argumentativo: o raciocínio. O raciocínio é a passagem de algumas proposições (premissas) a outras (conclusão) Podemos dizer das proposições que são verdadeiras ou falsas, caso aquilo que afirmem seja ou não uma realidade. A verdade se aplica às proposições e se refere a seu conteúdo. A validade se aplica ao raciocínio e se refere a sua forma, ou estrutura abstrata. Com a ajuda de uma linguagem formal, a lógica pretende captar os mecanismos que fazem com que um raciocínio seja válido.

A lógica enquanto ciência formal A lógica é uma das ciências que estudam os conhecimentos, ainda que de maneira diferente da de outras disciplinas, como a epistemologia ou a psicologia. A lógica se interessa pelo estudo das normas ou regras do pensamento que devem ser seguidos para se efetuar um raciocínio correto, um raciocínio que nos proporcione um conhecimento válido. O campo da lógica é a validade dos raciocínios - sua estrutura formal -, não a verdade das proposições que os formam. A verdade faz referência aos conteúdos dos enunciados, e cabe às ciências empíricas se ocuparem dela. Como sinônimo de raciocinar, usa-se habitualmente a palavra "discorrer", aludindo com isso ao caráter de movimento do raciocínio. O raciocínio é um "discurso", um movimento que avança a partir de um lugar para chegar a outro. Raciocinar é apoiar ou fundamentar uma afirmação - que, chamamos de conclusão - em outras - que chamamos de premissas. Raciocinar é o "discurso" das premissas até a conclusão, como o curso (discurso) de um rio, de suas fontes até o mar.

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Esse avanço, no entanto, deve ser feitos de maneira correta, com a garantia de que a conclusão se deriva necessariamente das premissas. Raciocinamos sempre na e por meio da linguagem. A lógica se interessa pelos enunciados emitidos por meio da linguagem, mas apenas no aspecto de que da verdade ou falsidade de uns pode se derivar da verdade ou falsidade de outros, de acordo com sua própria estrutura. A lógica se interessa pela forma dos enunciados, não por seu conteúdo, por isso a lógica é uma ciência formal (assim como as matemáticas): não leva em conta os conteúdos, apenas a forma do raciocínio. A lógica é uma ferramenta fundamental para a ciência, pois lhe permite analisar, explicar e organizar as verdades já conhecidas. A partir da verdade de alguns enunciados científicos, a lógica pode assegurar outras verdades que estão ligadas logicamente às primeiras. Esse caráter instrumental já se manifesta desde os primeiros tratados de lógica, escritos por Aristóteles, que receberam o nome de Organon (instrumento).

A linguagem artificial da lógica As linguagens naturais (as línguas faladas, criadas, recriadas e transmitidas pelos homens ao longo de sua história) não são linguagens exatas. Sua lenta construção ao longo de muitos anos, fruto da relação do homem com o mundo, torna-as muito ricas e cheias de matizes, mas também vagas e cheias de ambiguidades e confusões. Os pontos de vista a partir dos quais uma linguagem natural pode ser estudada são três: o sintático, que analisa as relações das palavras entre si; o semântico, que investiga o significado das palavras; e o pragmático, que se ocupa do uso feito pelos falantes da língua. As ciências optam pelo uso de linguagens especializadas com o objetivo de evitar ao máximo possível os equívocos e mal-entendidos. O rigor científico exige uma linguagem formal clara, precisa, unívoca e objetiva. A lógica, embora pretenda determinar a estrutura do raciocínio expressa nas linguagens naturais, mas com o objetivo de evitar problemas, emprega uma linguagem artificial, desligada de conteúdos concretos, capaz de formular com mais precisão, e em toda a sua nudez, a sintaxe do raciocínio: sua forma. A esse tipo de linguagem dá-se o nome de linguagem formal, construída com símbolos que eliminam qualquer consideração semântica ou pragmática. No entanto, essa linguagem artificial construída com símbolos permitirá depois interpretações semânticas, quando esse signos forem substituídos por expressões linguísticas com significado. Dessa maneira, uma mesma fórmula simbólica pode ser traduzida numa série indefinida de expressões semânticas. Uma linguagem totalmente formalizada, reduzida a símbolos e a sua dimensão sintática, é uma linguagem reduzida a um conjunto de regras que permitem operar com símbolos, da mesma forma que um cálculo aritmético ou algébrico. Chamamos de cálculo aquela estrutura composta dos seguintes elementos:

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a) um conjunto de símbolos elementares, determinado de tal forma que podemos dizer sem ambiguidade se um símbolo pertence ou não a ele. b) um conjunto de regras de formação ou construção que estabeleça com clareza quais são as combinações corretas entre esses símbolos elementares, de tal forma que possamos dizer sem ambiguidade se uma expressão, ou construção de símbolos, é uma "expressão bem construída do cálculo". c) um conjunto de regras de transformação, que permita transformar uma expressão bem construída em outra igualmente bem construída. A lógica formal, simbólica ou matemática adota a estrutura de diferentes cálculos, segundo o tipo de análise que faça das proposições: A lógica de enunciados, ou proposicional é aquela que se ocupa das proposições enquanto tais, e do modo como elas se relacionam entre si, prescindindo de sua estrutura interna. A lógica de predicados é a que se ocupa da validade do raciocínio, levando em conta a estrutura interna das proposições - a relação entre o sujeito e o predicado. A lógica de classes é aquela que se ocupa dos conjuntos de realidades individuais designadas por um predicado (classes), e as relações entre indivíduos e classes.

Princípios lógicos elementares Os princípios lógicos básicos sobre os quais se sustentam todas as operações lógicas são: - Princípio de identidade: se uma proposição é verdadeira, então é verdadeira. Toda proposição se deduz logicamente de si mesma. - Princípio de não-contradição: se uma proposição é verdadeira, não pode ser falsa ao mesmo tempo. - Princípio do terceiro excluído: dada uma proposição, ou ela é verdadeira ou sua negação o é. Não pode haver outra possibilidade. A escritura é essencial para divulgar o saber científico. Assim como os símbolos e as regras são necessários para se calcular, compreender e explicar todos os tipos de fenômenos físicos, químicos e matemáticos, a lógica também se serve de uma linguagem que permite enunciar proposições que expliquem as normas do pensamento para efetuar um raciocínio que nos proporcione o conhecimento. (1) &&&&& O Raciocínio e suas variantes

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O raciocínio dedutivo é o tipo de raciocínio analisado pela lógica formal. Nele, as conclusões derivam necessariamente das premissas. É um raciocínio forte. Existem, no entanto, outros tipos de raciocínios nos quais a verdade não é necessária, mas apenas provável. Esses tipos de raciocínio mais fracos são a generalização indutiva e a analogia. O raciocínio tem também suas armadilhas. Existem ocasiões em que raciocínios que parecem corretos na verdade não são. São as falácias.

Raciocínio dedutivo O tipo de raciocínio capaz de ser analisado pela lógica é o raciocínio dedutivo. O raciocínio dedutivo é aquele em que a conclusão deriva necessariamente das premissas: se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser necessariamente verdadeira. As premissas implicam logicamente conclusão, e a conclusão é uma consequência lógica das premissas. É um raciocínio forte ou sólido, que proporciona a máxima segurança, por ser independente da experiência e inferido exclusivamente pelo raciocínio, desde que haja os dois requisitos seguintes: que as premissas sejam verdadeiras (enquanto de conteúdo real ou conteúdo de verdade) e que esse esquema de raciocínio seja válido (requisito de conteúdo formal ou esquema válido). No raciocínio dedutivo, conclusão já está contida nas premissas, explicitamente, de modo que se poderia dizer que a conclusão não agrega novas informações ou novos conhecimentos. Basta derivar por meio das leis da lógica a informação apresentada pelas premissas para se chegar à conclusão. Embora isto não seja correto, de alguma forma as novas proposições, derivadas das premissas parecem apresentar informação nova, já que a capacidade de enxergar a conclusão só com as premissas não é instantânea: depende, em muitos casos, da própria complexidade do raciocínio. O raciocínio dedutivo, portanto, é uma das formas mais seguras de ampliar os conhecimentos, e é empregado pela matemática e pela lógica. A validade de um raciocínio dedutivo é independente da verdade ou falsidade das proposições que o integram. A verdade ou falsidade é uma propriedade das proposições, enquanto que a validade depende da relação lógica entre as premissas e a conclusão. Num raciocínio válido, se as premissas são verdadeiras a conclusão também é; mas, se as premissas são falsas, a verdade da conclusão é indeterminada (pode ser verdadeira em alguns casos e não em outros). A correção ou incorreção de um raciocínio dedutivo depende, portanto, da forma. Demonstrar a validade é tornar explícitos todos e cada um dos passos que permitem deduzir de forma correta ou legítima (com o uso das leis ou regras de inferência da lógica) a conclusão a partir das premissas. Num raciocínio não válido, a conclusão é indiferente à verdade das premissas.

Raciocínio indutivo

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O raciocínio indutivo é aquele por meio do qual, a partir do exame de um número elevado de casos particulares (premissas), generalizam-se todos os indivíduos do conjunto (conclusão). A conclusão, no raciocínio indutivo, é apenas provável - não se depreende necessariamente das premissas. Não oferece segurança absoluta, já que a verdade das premissas não assegura a verdade da conclusão: sempre poderia aparecer um indivíduo (um novo caso) que não cumprisse a promessa ou propriedade. No entanto, a generalização é aceita, já que o costume nos faz pensar que a natureza e as coisas têm comportamentos regulares - que aquilo que aconteceu muitas outras vezes voltará a se repetir se as circunstâncias forem semelhantes - ou que, definitivamente, existe um princípio de regularidade da natureza: o Sol sai a cada dia; se deixo um objeto solto, ele cai no chão etc. O raciocínio indutivo permite aumentar o conhecimento, mas sempre sob a condição de que se admita a sua fragilidade. A conclusão não está implícita nas premissas, apoia-se nelas, mas elas não a contêm. Produz-se o chamado salto indutivo: a partir de casos conhecidos, generaliza-se todo o conjunto. Aplica-se a todo o conjunto a verdade observada apenas numa parte dele. Quanto maior o número de observações, maior é a probabilidade de que a conclusão seja verdadeira, mas sem a total segurança. Quanto maior a perspicácia analítica de quem elabora o raciocínio, será possível concluir aquilo que tem a maior probabilidade de ocorrer. Esse tipo de raciocínio não é empregado pelas ciências experimentais. A validade de um raciocínio indutivo não depende da forma como as premissas e a conclusão se relacionam. Um raciocínio indutivo é válido se, e somente se, as premissas apoiam suficientemente a conclusão, se a verdade das premissas torna provável (mais provável do que menos) a verdade da conclusão. Num raciocínio indutivo válido, podemos conhecer a verdade das premissas e nos equivocarmos na conclusão. A conclusão nunca será necessariamente verdadeira, ainda que as premissas o sejam (raciocínio dedutivo). Podemos afirmar as premissas e negar a conclusão sem entrar em contradição. Diferentemente do raciocínio dedutivo, não há incoerência se as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa. A indução pode ser completa ou incompleta. Ela é completa quando se pode enunciar a propriedade de cada um dos elementos que formam o conjunto, podendo-se ter a enumeração completa. Serve apenas para conjuntos fechados e não é útil para conjuntos mais abertos. O problema se coloca, quando no âmbito da realidade fica difícil de enumerar - se não impossível - todos os casos particulares. A indução completa é a usada habitualmente nas ciências.

Raciocínio analógico A base do raciocínio analógico consiste em relacionar duas ou mais coisas nas quais estabelecemos algum traço em comum e, em função da semelhança (analogia ou similitude) entre essas características ou situações conhecidas, concluir que outra característica que uma tenha a outra também terá.

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O raciocínio analógico não tem o caráter necessário do raciocínio dedutivo, nem o caráter provável do indutivo: seus resultados são apenas aproximados. A validade se baseia na plausibilidade das razões que se oferecem para estabelecer tal analogia: quanto mais características os âmbitos comparados tenham em comum, quanto menos diferenças, quanto mais relevantes sejam as semelhanças, mais credibilidade o raciocínio analógico inspirará. A confiabilidade desse tipo de raciocínio é relativa e pode induzir a erros, mas é útil para sugerir relações e encontrar soluções para diversos problemas, apesar de não proporcionar uma credibilidade absoluta. Implica um elemento criador: é uma construção que, de um lado joga com os limites dos elementos a serem relacionados, mas por outro joga com a liberdade imaginativa de quem o produz. É usado nas ciências empíricas, como a medicina, por exemplo - quando se espera que um medicamento se comporte da mesma forma num ser humano depois de ter sido experimentado em animais de laboratório.

Os raciocínios enganosos A palavra falácia provém do verbo latino fallor, que significa "enganar-se". Uma falácia é um raciocínio que aparenta ser válido mas não o é, já que esconde algum erro, seja por sua forma ou estrutura lógica (falácias formais), seja porque a informação que as premissas proporcionam não é pertinente (confusa, escassa, errônea ou ambígua) para a formação da conclusão (falácias não formais ou materiais). O estudo das falacias é antigo, e por isso muitas delas são conhecidas por seu nome latino. Entre as mais habituais, destacam: Falácias formais - Afirmação do consequente - Negação do antecedente - Falso silogismo disjuntivo Falácias não formais - Ad hominem (contra o homem) - Ad verecundiam (ao respeito ou apelação à autoridade) - Ad populum (às pessoas) - ex populo (das pessoas) - Tu quoque (você também) - Generalização precipitada (1)

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&&&&& Conhecimento científico Fazer ciência não é a mesma coisa que dizer o que a ciência faz. Essa última tarefa pertence à filosofia. A filosofia da ciência pretende refletir sobre a forma de conhecimento considerada científica e sobre seus conteúdos, os diferentes problemas que ela enfrenta de acordo com o âmbito de cada ciência e suas metalologias específicas. A ciência (do latim scientia, "saber") seria a forma de conhecimento que aspira a formular, por meio de linguagens rigorosas e apropriadas, as leis que regem os fenômenos. Mas não existe uma única ciência, e sim um conjunto de saberes considerados científicos, conforme a parcela ou âmbito dos fenômenos que seja objeto de seu estudo. O objeto condiciona, por sua vez, o método próprio de cada uma das ciências. A reflexão sobre o método científico coloca o problema da demarcação entre o conhecimento científico e o pseudocientífico. Por sua vez, a reivindicação do estatuto científico das ciências sociais (com suas metodologias diferentes do método experimental das ciências da natureza, considerado como paradigma metodológico) coloca o problema da compreensão dos fenômenos diante da explicação.

O saber científico Alguns traços especificamente humanos são a ciência do saber e a vontade de dominação sobre a natureza: compreendê-la para transformá-la segundo seu interesse, embora a transformação corresponda a outro campo da atividade humana: o da técnica. A ciência procura o conhecimento: é teoria. A técnica é a aplicação prática desse conhecimento. Não existe unanimidade na definição do que seja a ciência - há até quem defenda que não é possível estabelecer essa definição (Chalmers). O que existe, sim, é uma série de disciplinas cujos saberes consideramos científicos, e uma série de atividades de algumas pessoas (os cientistas) que enunciam "teorias" que pretendem explicar o mundo da experiência. Com a palavra "ciência", designamos tanto a atividade cognoscitiva voltada para a aquisição de saberes quanto o produto dessa atividade, como corpo sistemático e organizado de conhecimentos. Para que possa haver conhecimento científico (descoberta e formulação de leis naturais), deve-se pressupor o princípio de regularidade da natureza dos fenômenos naturais, e no fato de que tais fenômenos estejam relacionados entre si de maneira determinada e estável.

A classificação das ciências A classificação das ciências comumente aceita é a que estabelece como critérios sua ligação com os fatos. De acordo com esse critério, as ciências se dividem em dois

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grandes grupos, claramente diferenciados: ciências não empíricas, ou formais, e ciências empíricas, também chamadas de ciências fácticas. As ciências formais são aquelas cujas proposições não afirmam nem negam nada sobre os fatos que ocorrem no mundo - apenas "contêm fórmulas analíticas" (M. Bunge). Seu objeto de conhecimento são entes ideais, com existência exclusiva na mente humana: são formas suscetíveis de receber múltiplos conteúdos. O método das ciências formais é a demonstração ou a prova: todo o seu conhecimento fica delimitado pelo conjunto do sistema que formam, sendo sistemas autônomos, fechados sobre si mesmo, cujas proposições são verdadeiras caso sejam deduzidas corretamente de outras proposições já aceitas pelo sistema. A demonstração é uma operação exclusivamente racional, totalmente alheia à confrontação com a experiência. Existem apenas duas ciências formais: as matemáticas e a lógica. As ciências empíricas, ou fácticas, são aquelas cujas proposições afirmam ou negam algo sobre os fatos que ocorrem no mundo. A verdade de suas proposições depende da confrontação com a realidade, por meio da experiência. As ciências experimentais corroboram ou verificam: a partir de dados da observação ou da experiência, procuram estabelecer leis e teorias que permitam predizer o futuro. Pretendem "explorar, descrever, aplicar e predizer os acontecimentos que ocorrem no mundo em que vivemos" (C. Hempel), o que determina seu campo de ação. As ciências empíricas, por sua vez, são divididas, tradicionalmente, em ciências naturais e ciências sociais. As ciências naturais são as que encontram seu objeto de estudo no âmbito natural. São ciências naturais: a física, a química, a biologia e a geologia. As ciências sociais ou humanas são as que concentram seu objeto de estudo no âmbito social ou nos resultados das ações humanas. São ciências sociais ou humanas a sociologia, a política, a antropologia, a economia e a história. O critério dessa divisão é menos claro, e há autores que introduzem uma zona limítrofe para algumas das ciências chamando-as de ciências socionaturais. Entre elas estariam situadas a psicologia e a geografia.

Características das ciências fácticas A forma de conhecimento própria da ciência aprofunda e amplia o conhecimento ordinário que temos das coisas. Os cientistas vão mais além do que a simples experiência (entendida aqui como o conhecimento que nos chega através dos sentidos) nos mostra: relacionam os fatos mais relevantes e os observam por meio de um instrumental adequado (por exemplo, o microscópio). O conhecimento científico vai além da experiência sobretudo em outro sentido: não se limita a descrever a experiência, mas pretende uma explicação dos fenômenos observados, mediante a formulação de hipóteses, leis e sistemas de leis (teorias), que são produtos da razão, e não mero reflexo da experiência. A atividade científica consiste em boa parte na invenção de conceitos (como os de átomo, massa, energia, adaptação, seleção, classe social etc.), e esses não

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correspondem a algo diretamente observável, ainda que possamos inferi-los a partir de fatos experimentais. O conhecimento científico é claro e preciso, frente ao conhecimento comum, que é vago, impreciso e superficial. A precisão é alcançada por meio da definição dos conceitos que utiliza e por meio da criação de linguagens artificiais, quer dizer, linguagens específicas de cada ciência nas quais se fixa exatamente tanto o significado dos símbolos que as constituem quanto as regras de combinação desses símbolos. A matematização dos fenômenos também contribui notavelmente para a precisão e a exatidão buscadas. O conhecimento científico é verificável, o que quer dizer que todo o conhecimento que se pretenda científico deve ser submetido à experiência. Esse é um dos requisitos fundamentais da ciência. As técnicas de verificação são muito diversificadas, mas sempre consistem em pôr à prova consequências particulares de hipóteses gerais, uma vez que as hipóteses gerais não podem ser verificadas diretamente. A verificação acontece mediante experiências. As experiências são experimentações controladas e baseadas numa teoria. Esta é justamente a diferença entre a experimentação e a experiência comum. A experiência comum não obedece a nenhum plano teórico e, portanto, não sabe o que olhar, nem o que buscar: falta-lhe um projeto que a oriente e lhe dê sentido. O conhecimento científico é sistemático. A ciência é um sistema de ideias (teoria) ligadas logicamente entre si. O fundamento de uma determinada teoria não é um conjunto de fatos, e sim, mais exatamente, um conjunto de hipóteses com certo grau de generalidade. Dessas hipóteses se extraem as conclusões, que recebem o nome de teoremas. O conhecimento científico pretende a enunciação de leis gerais. A ciência só pode ser conhecimento geral: o fato singular só é cognoscível na medida em que é membro de uma classe ou caso de uma lei, o que pressupõe que todo fato é classificável. As leis gerais nos proporcionam uma explicação dos fatos. a explicação não é simplesmente uma descrição dos fatos, já que nos diz não só como elas ocorrem, mas sobretudo por que ocorrem. As leis científicas permitem, além de explicar os fatos, predizê-los. A ciência é predicativa. Na medida em que são gerais, as leis não só se aplicam a fatos passados, mas descrevem futuros estados de coisas a partir de condições iniciais que se conhecem. A ciência é metódica. O método é necessário para garantir a certeza e evitar que se admita como verdadeiro algo que corresponda unicamente à apreciação subjetiva do cientista. O método permite distinguir com clareza a verdade da mera opinião. Finalmente, um dos traços mais notáveis do conhecimento científico é que ele é aberto. De um lado, por que não reconhece barreiras a priori que limitem o conhecimento; de outro, porque não é um sistema dogmático. A atitude verdadeiramente científica sabe que toda teoria é refutável, e que, portanto, a ciência é capaz de progredir, não quanto ao domínio técnico da natureza, mas no que se refere à superação das teorias científicas por outras que expliquem os fatos de uma forma mais completa.

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Métodos científicos No contexto da descoberta, as estratégias dos cientistas são múltiplas e variadas — desde o caso em que os dados empíricos são tão claros que facilmente permitem elaborar uma hipótese, até o caso das hipóteses sobre a estrutura do átomo de Bohr, sugerida por uma analogia com o sistema planetário). Na descoberta científica, influem fatores como a intuição, a sagacidade do cientista e até a sorte ou casualidade. No contexto da justificação, o método estabelece como será provada, validada ou justificada uma teoria. Aqui, a questão acaba sendo muito mais complicada, porque o cientista, além de provar a verdade da hipótese, deve justificar a validade de seu método perante a comunidade científica. A questão é importante porque nem todos os métodos permitem validar todas as hipóteses e, portanto, deve-se justificar o método escolhido. Mário Bunge enuncia aquilo que talvez seja "a única regra de ouro para os cientistas: audácia ao conjecturar, prudência ao submeter as conjecturas e confrontações".

O método dedutivo O método dedutivo é o método utilizado pelas ciências formais. Consiste em mostrar a verdade de uma proposição (a conclusão) a partir do conhecimento de outras proposições (premissas), em virtude de sua forma lógica. Uma dedução só é válida quando as premissas forem verdadeiras e a conclusão também o for necessariamente. O método dedutivo exige a construção de um sistema axiomático, quer dizer, um sistema formado por: axiomas, ou princípios fundamentais do sistema que não são demonstráveis dentro dele; regras de formação e transformação, que permitem deduzir novos enunciados válidos dentro do sistema; e teoremas, ou enunciados obtidos dedutivamente a partir dos axiomas, seguindo-se as regras de transformação. Um sistema axiomático bem construído precisa: ser consistente, sem contradições internas, de modo que seja impossível a dedução de um teorema e de sua negação; ser solucionável, incluindo um procedimento efetivo por meio do qual se possa estabelecer se uma expressão bem formada é um teorema; ser completo, isto é, permitir que todas as possíveis proposições verdadeiras sejam deduzidas a partir dos axiomas. E, finalmente, todos os seus axiomas devem ser independentes, isto é, não podem ser deduzidos de outros axiomas.

O método indutivo O método indutivo consiste em extrair leis ou conclusões universalmente válidas a partir da observação de casos particulares, tirados da experiência. Por conta disso, é um método usado pelas ciências experimentais.

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As etapas ou fases do método indutivo são: - Observação e registro dos fatos significativos. - Comparação e classificação. Generalização. Formação de leis. - Dedução de consequências das leis. Predição. O método indutivo traz numerosos problemas. Em primeiro lugar, seu valor científico é discutível, já que as verdades que propõe são prováveis, baseadas num raciocínio frágil, ainda que tanto mais prováveis quanto maior o número de casos particulares que a avalizem. Existe um problema ainda maior em relação à validade do método indutivo — problema que já foi colocado no século XVIII pelo empirista David Hume. Toda generalização pretende ser válida não apenas para fatos já passados, mas também para fatos futuros, e por isso a generalização só é possível se pressupomos a regularidade da natureza. O método indutivo se fundamenta, portanto, no princípio de regularidade da natureza, mas a própria fundamentação desse princípio é impossível, dado que a regularidade da natureza só pode ser afirmada pelo princípio da indução, quer dizer, por meio de uma generalização a partir de fatos já passados. O argumento que pretende justificar é um argumento circular, isto é, dá por demonstrado exatamente aquilo que o argumento deveria provar. A regularidade dos fenômenos naturais só pode ser postulado, quer dizer, estabelecido como crença, e tem valor pelo fato de ser útil, já que permite avançar na formulação de hipóteses. Por último, a observação e o registro dos fatos significativos são feitos sempre a partir de uma teoria prévia, que não foi obtida por indução. Ou seja, os fatos só são significativos na medida em que temos um padrão de referência a partir do qual eles cobram significação. O método hipotético-dedutivo O método hipotético-dedutivo, ou método geral da ciência, segundo M. Bunge, é o modelo metodológico seguido pelas ciências experimentais em geral, mas sobretudo pelas ciências da natureza. Para Galileu Galilei (1564-1642), que o chamou de método de resolução e composição, a física devia partir da observação resolvendo a natureza de suas propriedades essenciais e primárias, expressas matematicamente, para compor uma hipótese (literalmente, "suposição"), unindo as propriedades essenciais escolhidas e expressas em linguagem matemática. Basicamente, consiste na dedução — a partir de uma hipótese prévia — de uma série de consequências confrontáveis por meio de uma experiência promovida para confirmá-la. São muitas as diferentes enumerações que já foram feitas das fases ou etapas desse método. Enumeremos aqui as que M. Bunge chama de "pauta de investigação científica":

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a) Colocação do problema: reconhecimento, classificação e seleção de fatos relevantes; descoberta do problema (lacuna ou incoerência no corpo do saber já existente); formulação do problema (redução do problema a seu núcleo significativo. b) Construção do modelo teórico: seleção dos fatores pertinentes; invenção das hipóteses (enunciados de lei que se espera possam se adequar aos fatos observados); tradução matemática, na medida do possível. c) Dedução das consequências particulares: já verificadas no mesmo campo ou em campos próximos; e/ou elaboração de previsões empíricas que possam ser verificadas. d) Prova das hipóteses: esboço e execução da prova; elaboração e interpretação dos dados da experimentação, à luz do modelo teórico. e) Introdução das conclusões na teoria: comparação das conclusões com as previsões para confirmar o modelo (confrontação). As conclusões da ciência sempre são consideradas provisórias. Esse método não tem a segurança do método dedutivo, mas é progressivo, já que se autocorrige: os resultados são as fontes de novas perguntas. O maior problema do método hipotético-dedutivo se enraíza na confrontação das hipóteses. Sendo as hipóteses enunciados universais, nunca podem ser confrontadas com todos os casos possíveis . A comprovação é feita pela dedução do hipótese de fatos que possam ser observados por meio da experimentação — o que permite confirmar a hipótese.

A falseabilidade As deficiências do critério de verificação para confirmar uma hipótese (nunca é possível uma verificação concludente, já que não se pode realizar uma verificação completa de todos os casos possíveis) levaram Karl Popper (1902-1994) a propor em A lógica da investigação científica (1934) uma reformulação do método hipotético-dedutivo. Tratase, não de buscar fatos que confirmem as consequências da hipótese, mas de buscar fatos que as refutem, ou falseiam. O cientista deve fazer todo o possível para refutá-las, arriscando-se a fazer previsões a partir de suas hipóteses, sob o risco de elas acabarem por se mostrar falsas. O método proposto por Popper é o conhecido como falseabilidade. A falseabilidade se baseia na impossibilidade de uma inferência lógica que permite passar de enunciados particulares a enunciados universais — porque a confrontação por confirmação nunca corrobora suficientemente em enunciado universal, ao passo que um único enunciado particular pode contradizer um enunciado geral e obrigar a abandonálo, já que esse enunciado particular se baseia numa inferência lógica correta ou válida (modus tollens). Tal como no método hipotético-dedutivo, para a falseabilidade toda a hipótese é considerada válida provisoriamente, enquanto não aparecer um caso que a refute ou

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contradiga. Uma hipótese — e em consequência uma lei — nunca poderá ser considerada definitivamente verdadeira. A questão sobre a diferenciação entre os enunciados científicos e os não científicos — resolvida pelos positivistas com o critério de verificabilidade e pela falseabilidade com o critério de falsificação — é o conhecido como o problema da demarcação.

Os métodos das ciências humanas e sociais As ciências humanas e sociais têm características próprias que fazem com que seu modelo metodológico não seja o das ciências naturais. — A complexidade do ser humano como objeto de investigação, tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista social; a dificuldade de captar o comportamento humano devido à sua grande variedade, às motivações individuais e às circunstâncias em que são produzidas; a variável "liberdade" que impede que se fale de acontecimentos constantes — tudo isso dificulta enormemente a formulação de leis gerais e enfraquece a capacidade de fazer previsões. — A dificuldade de se utilizar métodos experimentais, razão pela qual se dever buscar a confrontação das hipóteses por outras vias, como observação, a estatística ou a análise de documentos — O fato de que o próprio pesquisador é um ser humano: isto coloca o problema da relação entre objeto de investigação e o sujeito que a realiza — o sujeito faz parte do objeto de estudo. — Não existe neutralidade valorativa: o pesquisador não se comporta com imparcialidade, já que inconscientemente existe uma carga afetiva e algumas ideias prévias (preconceitos, valores, tradições etc.) que não estão presentes quando o objeto de estudo não é humano. A tradição empirista ou positivista, que persegue a unidade da ciência, exige que se aplique o método das ciências naturais às ciências sociais: eles devem explicar os fenômenos. O desenvolvimento cada vez mais sofisticado dos métodos quantitativos (estatísticos) é seu instrumento de análise da realidade social, sem que por conta disso tenham alcançado a capacidade preditiva das ciências naturais. A tradição hermenêutica fala de compreensão científica, além de explicação. A explicação de um fenômeno é a elucidação de suas causas. A compreensão é a capacidade de captar o sentido do acontecimento, sua singularidade, sua complexidade e seu contexto: os fenômenos devem ser compreendidos, além de explicados e por isso deve-se adotar uma metodologia própria. As técnicas qualitativas (entrevistas, grupos, histórias de vida etc.) não buscam a generalização, mas a compreensão de casos concretos baseando-se num conhecimento prévio da realidade, que se pretende compreender. O círculo hermenêutico se baseia em duas reflexões específicas: que toda a compreensão do ser humano é feita a partir de uma pré-compreensão, do ponto de

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vista da cultura atual; e que, quando se compreende, atribui-se sentido àqueles dados que estão sendo analisados. Para a teoria crítica (a escola de Frankfurt), além disso, as ciências sociais não devem apenas compreender os fenômenos sociais, mas criticá-los: não existem teorias neutras, pois todas estão guiadas por algum interesse. As ciências sociais devem se orientar pelo interesse emancipatório, buscando com critério a partir do qual efetuarão a crítica de nossa sociedade naquilo em que ela é contrária a tal interesse.

Teoria e realidade Um dos problemas epistemológicos mais interessantes é o da relação entre as teorias científicas e o modo ao qual se pretende aplicá-las. As teorias científicas são construções humanas, produto da razão humana; ao longo da história, estão sujeitas a mudanças e, em muitas ocasiões, são até abandonadas em favor de outras teorias mais potentes do ponto de vista da explicação que proporcionam. Essa evidência levanta uma questão: qual a relação entre teoria e realidade. Uma postura possível é a do realismo, que defende que as teorias científicas são representações reais de como é a natureza. A concepção alternativa, o instrumentalismo, considera as teorias científicas exclusivamente como instrumentos úteis para a compreensão da realidade, mas sem a pretensão de serem expressão da própria realidade. (1) &&&&&& Análise Lógica Para determinar quais são os raciocínios corretos ou válidos, a lógica utiliza uma linguagem artificial, formalizada, alheia às ambiguidades das linguagens naturais. Essa linguagem formal, sem conteúdo semântico, poderá ser interpretada mais tarde pelas proposições da linguagem natural. A lógica, entretanto, efetua a análise das proposições da linguagem natural de diferentes maneiras, levando ou não em conta sua estrutura interna. Por isso, deve-se entender a lógica como um conjunto de cálculos (ou linguagens formalizadas), cada um deles apropriado para aplicação no âmbito específico dos problemas formulados. Os mais elementares, mas que constituem a base da resolução de problemas lógicos de maior envergadura, são os da lógica de enunciados, ou proposicional, e a lógica de classes. Lógica proposiocional Simbologia da lógica proposicional Regras de formação Verdade e falsidade

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Raciocínio e regras de inferência Lógica de predicados Lógica de classes Simbologia da lógica de classes Diagramas de Venn Leis da lógica de classes (1) (1) Temática Barsa - Filosofia (cópia)

A Ação A ação

O ser humano não tem apenas uma dimensão contemplativa, por meio da qual busca o conhecimento teórico do Universo e da própria sociedade. Tem também uma dimensão prática que o leva a agir no mundo, a realizar diversos tipos de ações.

Ação é a maneira específica da atividade humana, resultado de sua condição de ser livre — e nisso é diferente dos demais seres vivos, que nascem programados por sua herança genética. O animal responde ao seu mundo de acordo com esse programa genético; o ser humano age, e dessa maneira transforma o seu mundo, mas sobretudo o cria e inventa.

Elementos da ação O processo de uma ação A racionalidade da ação

Caixa: O saber sobre a ação

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Aristóteles distinguiu dois tipos de saber na Ética a Nicômaco. Um deles é o teórico, próprio da razão contemplativa ou científica, cujo objeto são os seres que não podem ser de outra maneira; desse tipo de saber, fazem parte a metafísica, as matemáticas e a física. O outro tipo de saber é mais prático, próprio da razão deliberativa e seu objeto são os seres que podem ser de outra maneira; seu objeto é, portanto, a ação.

Aristóteles distingue ainda dois tipos de saber prático: o ético, que corresponde à ação propriamente dita (práxis); e o técnico, que tem por objeto um tipo de ação denominada produção (poiésis). Esses dois tipos de ação se distinguem fundamentalmente porque o fim da produção é algo diferente dela mesma, mas o fim da práxis é a própria práxis. Ou seja, a produção acaba numa obra, mas a prática acaba em si mesma.

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A ação moral

O filósofo alemão Immanuel Kant formulou em três perguntas tudo o que constitui o horizonte de preocupações e interesses vitais do ser humano: O que posso conhecer? O que devo fazer? O que tenho direito de esperar? A segunda delas se refere à ação humana em seu sentido mais restrito, mas ao mesmo tempo mais específico: a ação moral.

Como seres livres, todos os seres humanos enfrentam continuamente inevitável de ter de agir, de ter de escolher entre várias possibilidades — de ter de decidir a respeito do bom e do ruim. Dessa maneira, vamos construindo nossa própria vida, e dando-lhe um sentido.

Certamente, os conceitos de "bom" e "ruim" são problemáticos, porque admitem várias maneiras de serem entendidos. Por isso a filosofia fez deles um objeto constante de sua reflexão.

Moral e ética Embora os termos moral e ética tenham procedências diferentes (a palavra "moral" provém do vocábulo latino mos, e "ética" do grego ethos), os dois compartilham o mesmo significado — o que faz com que às vezes seja utilizados de forma

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indiferenciada. Seu significado apresenta dois aspectos: de um lado, "hábito" e "costume"; de outro, "modo de ser" ou "caráter". Os dois aspectos se complementam e permitem caracterizar a ética e a moral como essa maneira de ser que vai sendo adquirida na prática por meio de uma série de hábitos e costumes. A prática desses hábitos e costumes permite dar forma e figura à própria existência; com elas, vamos forjando o caráter, até fazer dele uma segunda natureza, superposta à primeira, que é aquela com que nascemos (por exemplo, uma determinada constituição física ou psíquica, ou um determinado temperamento). Essa segunda natureza tem todo o valor daquilo que é adquirido por nós mesmos, graças à nossa vontade e nossa determinação. Não nascemos de posse de vícios e virtudes; não nascemos justos ou injustos. Assim, a vida de cada ser humano pode ser concebida como uma obra de arte, na medida em que é a criação de cada um. Nesse ponto, estão de acordo filósofos tão afastados no tempo como o estoico Sêneca e o existencialismo de Sartre. Apesar desse significado compartilhado, e possível distinguiu entre ética e moral. Numa primeira abordagem, pode-se entender por "moral" o conjunto de normas e comportamentos que nós, seres humanos, aceitamos como válidos do ponto de vista do que é bom, e por "ética" a reflexão sobre por que aceitamos como válidas tais normas de comportamento. A ética é, por isso, uma parte da filosofia — e, como tal, reflete sobre o que é moralmente valioso, sobre o que é bom. Analisa, examina e a avalia diferentes normas ou princípios morais, procurando sua justificação e legitimação racional. A moral ocorre no plano da conduta prática; a ética, no plano da teoria.

A dimensão moral do ser humana Valores e normas

A consciência moral

A norma moral impõe uma conduta obrigatória: o sujeito da ação moral se vê obrigado a comportar-se de acordo com uma regra ou norma de ação, e a excluir ou a evitar os atos proibidos por ela. A obrigatoriedade moral impõe, portanto, deveres ao sujeito. Toda norma funda um dever.

A conduta moral é ao mesmo tempo livre e obrigatória. A liberdade é a condição da moral: o sujeito goza, normalmente, de liberdade para aceitar ou não a norma moral que lhe dita o que deve fazer. A aceitação, racional e livre, é responsabilidade do sujeito. Mas, ao mesmo tempo, o sujeito o assume como uma obrigação, que tem caráter moral precisamente porque foi fixada pelo próprio, e não determinada pela necessidade. Quando alguém se vê determinado a agir, seja por coação externa ou por impulso interno, não tem sentido perguntar se agiu bem ou agiu mal, porque não agiu livremente, mas por necessidade. Somente quando se age por escolha existe verdadeira

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obrigatoriedade moral, porque o sujeito se decidiu e assumiu sua ação. A obrigação moral pressupõe, portanto, necessariamente, uma livre escolha.

O problema da obrigatoriedade moral se relaciona estritamente com o da natureza e da função da consciência. É a consciência moral que estabelece a obrigatoriedade das normas, é ela que adere intimamente às normas e as torna suas.

O termo "consciência" pode ser utilizado em dois sentidos: um geral, o da consciência propriamente dita, e outro específico, o da consciência moral. No sentido geral, "consciência" "dar-se conta de alguma coisa". Por exemplo: "Pedro não tinha consciência de que a coisa era grave." O segundo sentido do termo, o de consciência moral, diz respeito a expressões como "minha consciência me diz" ou "a voz da consciência".

A consciência moral pressupõe a consciência no primeiro sentido: é uma forma específica daquela. Traz implícita a compreensão de nossos atos, mas a partir de um ponto de vista moral; implica, além disso, uma valoração e julgamento de nossa conduta de acordo com determinadas normas que ele conhece e reconhece como obrigatórias. As normas morais sempre são gerais: valem para um conjunto de atos; as ações, pelo contrário, sempre são singulares. É a consciência quem toma as decisões adequadas em relação a essas normas e, interiormente, julga seus próprios atos. A consciência é o "supremo tribunal" que nos diz se agimos bem ou mal, ou se devemos agir ou não.

A consciência parece ser o critério último da ação moral (não dispomos de outro): quem age de acordo com que a consciência lhe dita age corretamente, ainda que mais tarde se veja obrigado a reconhecer que avaliou mal e que sua conduta deveria ter sido outra. Mas o fato (e a opinião é de Kant) é que estamos obrigados a cultivar a própria consciência moral — a fazer todo o possível para que a consciência seja "reta".

Caixa: Moral e propriedade

"Passemos à propriedade, grande ocasião das ruínas humanas; porque, se fazemos a comparação das outras coisas que nos afligem, como a morte, as doenças, os temores, os desejos e o padecimento de dores e trabalhos, com os outros danos que o dinheiro nos causa, verás que a propriedade é o que nos pesa mais; por isso devemos ponderar sobre o fato de como não tê-la é uma das mais leve do que a das de perdê-la depois de possuída. E com isso sabemos que, enquanto a pobreza, é matéria de menos aflição, também o é matéria de dano: porque te enganas se achas que os ricos sofrem suas

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perdas mais animosamente. A dor das feridas é igual para os pigmeus e os gigantes. Estava certo quem disse com elegância que os calvos e os cabeludos sentiam a mesma dor quando lhes arrancavam algum cabelo. Deves entender o mesmo a respeito dos pobres e dos ricos que sentiam uma mesma aflição: porque, estando tanto uns quanto os outros presos ao dinheiro, não se pode arrancá-lo sem dor. Mas, como venho dizendo, é mais tolerável não ganhar do que perder; assim, verás que vivem mais contentes aqueles em que a fortuna jamais pôs os olhos do que aqueles de quem ela se separou. Diógenes, varão de grande espírito, conheceu bem essa verdade e se dispôs a não possuir coisa alguma que lhe pudesse ser tirada. A isto, que eu chamo de tranquilidade, tu chamas pobreza, necessidade ou miséria, ou ponhas o nome ignominioso que quiseres: quando achares alguém livre de traições, julgarei que Diógenes não foi feliz. Porque, ou eu me engano, ou só o reino da pobreza não pode ser ofendido pelos avarentos, enganadores, ladrões e gatunos. E, se alguém duvida da felicidade de Diógenes, poderá também duvidar da dos deuses imortais, parecendo-lhe que não vivem felizes porque não têm jardins enfeitados nem quintas preciosas cultivadas por caseiros, e porque não têm grandes juros nos erários." Lúcio Aneu Sêneca, Tratados morais

Caixa: Diferenças entre moral, direito e religião

Caixa: Morais autônomas e morais heterônomas

A diferença de concepção sobre a origem da norma moral dá lugar às chamadas morais autônomas e morais heterônomas. As morais autônomas, cujo representante mais notável é Kant, afirmam que o ser humano não só interioriza a norma, mas a encontra em si mesmo: a razão humana dá a si mesma (autos, em grego) as normas (nomos, em grego) que regulam seu comportamento. As morais heterônomas, ao contrário, consideram que a norma moral, ainda que o ser humano a encontre em sua razão ou consciência, provém em última instância de uma fonte externa a ele, diferente dele (heteros, em grego), na qual tem sua base e seu fundamento: a natureza, a religião, os códigos sociais etc.

Caixa: O sentimento de culpa

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A liberdade

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O ser humano não pode negar em si mesmo a experiência imediata da liberdade: ele desfruta da capacidade de querer ou não querer, de fazer ou não fazer algo. No entanto, há ocasiões em que, quando procura refletir sobre os motivos que o levaram a agir de determinada maneira, essa suposta liberdade não aparece com tanta clareza: surge a dúvida de alguma possível coação da qual não se está consciente, a intervenção de algum impulso descontrolado. A liberdade pessoal também se choca frequentemente com a estrutura social, política ou econômica em que vivemos — e ela parece, se não a impedir totalmente (o que às vezes sem dúvida ocorre), ao menos dificultá-lo. Outro problema em relação à liberdade é o que fazer com ela. Por isso, em certas ocasiões, ela pode ser vivida como uma condenação à qual procuramos escapar.

Tipos de liberdade Concepção de liberdade na história O determinismo Caixa: Proclamação sobre a liberdade dos escravos Caixa: Liberdade e responsabilidade moral Caixa: Sociedade e moral Caixa: A liberdade de crer &&&& Sobre a probabilidade de critérios morais universais A constatação das diferenças que existem entre os códigos morais — de acordo com as épocas, as culturas e os grupos sociais ou de acordo com os próprios indivíduos — levou o ser humano a refletir sobre a possibilidade ou não de alguns critérios universais, para além das indubitáveis diferenças de fato. O relativismo moral sustenta que todas as normas morais são igualmente justificáveis e válidas, mesmo aquelas que são opostas. O universalismo, pelo contrário, nega isto. O problema é especialmente agudo na época contemporânea, em que o encontro e a convivência de culturas diferentes obrigam a uma contínua e profunda reflexão que vai muito além do simples interesse especulativo, já que tem a ver com atitudes ou crenças com as quais nos deparamos habitualmente. A existência de fatos morais objetivos também está sujeita a controvérsia. As duas concepções antiéticas recebem os nomes de subjetivismo e objetivismo moral. O relativismo moral

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O tema do relativismo moral foi levantado pela primeira vez no século V a.C., na Grécia. O contato com outras culturas por meio do comércio manifestou a evidência de práticas morais totalmente diferentes. Os sofistas lhe deram formulação técnica e defenderam que não era possível falar de uma moral universal, que as normas morais eram relativas a cada povo ou comunidade e até a cada indivíduo ou a cada situação em que ele se encontre. A réplica ficou a cargo de Sócrates, Platão e Aristóteles, que viam assim colocados em risco não apenas a virtude e o bem individuais, mas também a virtude e a ordem sociais. O tema reaparece no século XVIII com o iluminismo: junto com a descoberta da dependência social dos princípios e regras morais, formulou-se — e Kant foi seu artífice — a exigência da universalidade como característica fundamental de uma ética racional. Na época atual, o problema deve ser demarcado pela aceitação por parte da maioria dos antropólogos do relativismo cultural: não existem práticas culturais universais, nem é possível considerar que umas sejam superiores a outras. No plano estritamente moral, o relativismo sustenta que as crenças morais (o que é bom ou ruim, o justo e o injusto) sempre são relativistas ao sujeito que as afirma — seja um indivíduo, um grupo ou uma cultura. ... O universalismo moral Diferentemente do relativismo, o universalismo moral afirma que existem princípios morais universais aos quais qualquer reflexão racional pode chegar inequivocamente e aos quais de forma alguma o ser humano deve renunciar, já que é sua conquista mais elevada. O universalismo não é incompatível com a aceitação de normas morais diferentes, pois o que tem estatuto de universalidade são os princípios que fundamentam essas normas. Por exemplo: o amor e o respeito aos idosos pode ser um desses princípios fundamentais, embora a forma como cada cultura acredita que eles devam ser praticados possa ser diferente. Somente com a aceitação de tais princípios é possível condenar atos como o genocídio, a tortura, a escravidão, a discriminação racial etc. Sem eles, a própria Declaração universal dos direitos humanos ficaria sem fundamento e seria uma declaração puramente convencional. O subjetivismo moral A ideia central do subjetivismo é que as questões morais, à diferença das científicas, são subjetivas e expressam sentimentos e desejos. Os juízos da ciência descrevem fatos, e por meio de experiências é possível verificar esses juízos — o que faz com que o conhecimento científico seja objetivo. No caso dos juízos morais, não existe nenhuma possibilidade de verificação e, portanto, não é possível o acordo por meio de razões. Os subjetivistas não negam a existência de fatos objetivos: o que eles negam é a existência de fatos morais objetivos. Por exemplo: "Pedro ajudou seu amigo" é um juízo que expressa um fato, que pode ser verificado e pode promover o acordo universal. Mas o juízo "É bom ajudar os amigos" só expressa a atitude do sujeito que avalia, ou seja, do sujeito que atribui a certo ato humano uma propriedade que considera valiosa.

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... As pessoas costumam relacionar o subjetivismo ao relativismo. Em todo o caso, eles coincidem na impossibilidade de aplicar alguns critérios universais à conduta moral. Da mesma maneira, o universalismo está ligado ao objetivismo, concepção contrária ao subjetivismo. O objetivismo afirma que, se o emotivismo fosse uma teoria verdadeira, seria impossível argumentar moralmente e que, quando avaliamos como perversa a atitude de um torturador, estamos expressando algo mais do que nosso aborrecimento ou raiva subjetivos: achamos que nos estamos referindo a algo que pode refutar de pleno direito comportamentos semelhantes. Caixa: Os direitos humanos &&&& Teorias éticas A ética é a reflexão sobre a moral. Isto significa que a moral é anterior à ética, e que a reflexão é posterior à existência de normas e ações morais. O filósofo não cria normas morais — apenas justifica e fundamenta as normas morais do comportamento efetivo. O que é de fato verdade é que algumas teorias éticas propõem e recomendam algum princípio concreto como preferível, depois de analisá-lo e justificá-lo criticamente. Por outro lado, as doutrinas éticas fundamentais surgem e se desenvolvem em diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos criados pelas relações entre os homens e, em particular, por seu comportamento moral. Existe, por isso, uma estreita ligação entre os conceitos morais e a realidade social e histórica a que pertencem. Ética e história O nascimento e desenvolvimento do pensamento e da prática da ética ocidental surgem na Grécia, em ligação estreita com a democratização da vida política. Em geral, a ética parece subordinada à gestão dos assuntos coletivos (quer dizer, à política) e requer a discussão racional entre iguais. As ideias de Sócrates, Platão e Aristóteles estão orientadas nesse sentido. Com a desintegração das cidades democráticas (polis), apareceram escolas éticas (por exemplo, o epicurismo e o estoicismo), centrados quase exclusivamente na preocupação consigo mesmo e à margem da vida política. Na época medieval, tanto a moral concreta quanto a reflexão ética se acham impregnadas de um caráter religioso, presente também em todas as outras facetas da vida medieval (política, arte etc.). A ética cristã parte de um conjunto de verdades reveladas que estabelecem o que o fiel deve aceitar a respeito de Deus, da relação do homem com o seu criador e do modo prático de vida que deve seguir para alcançar a salvação no outro mundo. Deus, criador do mundo e do homem, é concebido como um ser pessoal bom, onisciente e todo-poderoso. Por todas essas razões, constitui o bem supremo do ser humano, de quem exige obediência e submissão a seus mandamentos, que têm para ele o caráter de imperativos supremos. Assim, portanto, na religião cristã, o que o ser humano é e o comportamento que deve seguir são definidos, não em relação a uma comunidade humana (como era a polis para a ética grega), mas, acima de tudo,

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em relação a Deus; o amor humano fica subordinado ao divino; a ordem sobrenatural tem prioridade sobre a ordem natural e humana. O cristianismo introduziu uma ideia que teve grande transcendência na ética e na moral ocidentais: a da igualdade de todos os homens. Todos os homens são iguais perante Deus e são chamados a alcançar a perfeição e a justiça no mundo sobrenatural. Num mundo em que reina uma profunda desigualdade social, oferece-se pela primeira vez o ideal e a esperança da igualdade a todos os homens, inclusive aos mais oprimidos e explorados, ainda que seja num futuro. Na ética moderna, e como expressão das profundas transformações ocorridas, o ser humano passa a ser o outro do mundo, em substituição a Deus. O ser humano adquire valor próprio, não apenas como ser espiritual, mas também como ser corpóreo, e não apenas como ente da razão, mas também de vontade. Apoia-se com grande força o ideal da ação, e não apenas o da contemplação, tal como tinha ocorrido ao longo de toda a Idade Média. O ser humano vê a si mesmo como o criador ou legislador em diferentes domínios, entre eles o da moral. A Idade Moderna tem na formulação cartesiana do sujeito uma meta que trará importantes implicações práticas, e cujo apogeu é, sem dúvida, a ética de Kant. A ética contemporânea reflete as contradições de um mundo em que se perdeu a confiança e o otimismo do período anterior — no qual o ser humano valorizava acima de tudo as possibilidades da razão para instaurar uma realidade moral e política melhor. A reflexão ética contemporânea assume uma tripla tarefa: a reação contra o formalismo e universalismo absoluto, sobretudo o da ética kantiana, em favor do homem concreto (o indivíduo, para Kierkegaard e o existencialismo atual; o homem social, para Marx); a reação contra o racionalismo absoluto em favor do reconhecimento do irracional no comportamento humano (Kierkegaard, o existencialismo, o pragmatismo e a psicanálise); e a crítica da fundamentação transcendente da ética, em favor da fundamentação no próprio ser humano. Éticas materiais Tornou-se clássica na filosofia moderna, a diferença entre dois tipos de ética — éticas materiais e éticas formais —, embora, certamente, sejam possíveis outras classificações. As éticas materiais acreditam que a tarefa da ética é fornecer conteúdos morais a respeito do que é o "bem" como o objetivo para o qual o ser humano se inclina em suas ações. Essas teorias atendem, portanto, ao conteúdo ou "matéria" da norma. O termo "material" aplicado à ética não tem nada a ver com o que habitualmente se entende por essa palavra; também não se deve confundir uma ética material com uma ética materialista. De acordo com essas éticas, trata-se de propor determinadas normas de comportamento para a obtenção do que se tenha estimado como bem (seja o prazer, a felicidade, a utilidade etc.), sendo moral a ação que esteja de acordo com esse bem — quer dizer, a ação que nos aproxime da obtenção de tal bem supremo oferecem um ideal de vida boa e a sabedoria consiste na sua conquista. Em geral, as éticas materiais se relacionam com o antigo mundo greco-romano (com exceção do chamado utilitarismo) e todas elas possuem uma característica comum: aspiram à felicidade. Sábio é quem sabe ser feliz, e para a conquista desse estado é indispensável treinar e cultivar um conjunto de virtudes, das quais a mais importante é a prudência. Prudente é quem sabe

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agir de acordo com o que lhe convém — mas não o que lhe convém num momento pontual, e sim no conjunto de sua vida. As diferenças entre as éticas materiais provêm das diversas maneiras de entender o que é o bem do ser humano. As mais importantes são o eudemonismo, o hedonismo e o utilitarismo. As éticas eudemonistas O termo "eudemonismo" tem origem numa das palavras que em grego significam "felicidade" (eudaimonia). Num sentido amplo, são eudemonistas os sistemas filosóficos que resumem o bem na felicidade; num sentido mais restrito, são eudemonistas os sistemas que fazem com que a felicidade consista em algo diferente do mero prazer. A ética aristotélica é a mais representativa desse tipo de ética. Aristóteles define a felicidade como "atividade da alma conforme a virtude perfeita". Sendo o ser humano um animal racional, a felicidade consistirá na perfeição daquilo que especificamente o constitui, isto é, a inteligência ou razão. A atividade contemplativa é, portanto, a forma mais perfeita de felicidade. Para que seja boa,a atividade deve estar adequada à virtude: um hábito que nos permite adquirir como segunda natureza uma disposição permanente para escolher o mais adequado, em cada caso, à nossa felicidade. Por outro lado, nem toda a nossa felicidade depende exclusivamente de nós mesmos. Daí que Aristóteles considere também o papel da sorte e a importância de outros bens para a obtenção da felicidade — tais como a saúde do corpo ou certos bens econômicos. As éticas hedonistas situam o bem supremo dos homens, e com isso a felicidade, no prazer (hedoné, em grego). A teoria hedonista mais importante é o epicurismo. Quando Epicuro fala de prazer está se referindo sem dúvida aos prazeres do corpo, mas não exclusiva nem indiscriminadamente: é preciso escolher, dentre a pluralidade de prazeres aqueles que permitam viver de acordo com a natureza, e os prazeres da alma — a amizade, por exemplo — são uma forma permanente de satisfação. O utilitarismo As teorias do prazer, que haviam desaparecido da filosofia ocidental durante muitos séculos, reapareceram com os filósofos ingleses do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX: o fundador do utilitarismo é Jeremias Bentham (1748-1832), mas seu principal representante é John Stuart Mill (1773-1836). O utilitarismo defende que o bom é o útil para a felicidade: bom é tudo aquilo que aumenta o bem-estar da humanidade em geral — a máxima felicidade possível para o maior número possível de pessoas. O utilitarismo tem, portanto, um acentuado sentido universalista e não é de estranhar sua influência no chamado "estado de bem-estar". Éticas formais Diferentemente das éticas materiais, as éticas formais prescindem do conteúdo e se ocupam exclusivamente da forma de nossas ações ou de nossas normas morais. Segundo ela, é moral a ação que tiver determinada estrutura, independentemente de qual seja seu conteúdo. Todas as éticas formais são típicas da época moderna e a mais importante de todas é a ética kantiana.

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Segundo Kant, as normas morais devem ter validade universal, quer dizer, devem ser válidas para todo ser racional. As éticas materiais só têm validade subjetiva e particular: valem exclusivamente para o sujeito que aceita esse determinado bem supremo, mas não para quem conceba que o bem seja outra coisa. Kant não recusa a busca da felicidade: o que ele afirma é que essa busca não pode ser o fundamento das normas universais. As éticas materiais são, além disso, heterônomas: o sujeito recebe a lei de fora, de alguma coisa diferente dele mesmo. Nelas, a norma é determinada pela inclinação ou pelo desejo e, portanto, não se trata apenas de que esses sejam subjetivos, mas que, além disso, a vontade não é livre — não é autônoma. A ética só pode estabelecer como deve ser a vontade — não o que se deve querer. A ética formal, em resumo, não estabelece o que devemos fazer: limita-se a apontar como devemos agir sempre, qualquer que seja a ação concreta. Kant confessava seu espanto diante de dois fenômenos: o céu repleto de uma infinidade de estrelas e a moral gravada no coração dos homens. Ele sustenta, como bom iluminista, que a lei moral não chega ao ser humano de fora, mas se encontra na própria razão, e por isso cumpre a exigência de universalidade. Todo ser racional deveria aceitar a validade da lei que afirma : "Aja somente segundo uma regra que você possa querer ao mesmo tempo que se transforme em lei universal." Kant chama essa lei de imperativo categórico e sua formulação mostra claramente seu caráter formal. De fato, esse imperativo não estabelece nenhuma norma concreta, mas a forma que qualquer norma concreta precisa ter. Em resumo, o formalismo kantiano não é uma ética da felicidade, mas do dever: as ações devem ser executadas por puro respeito ao dever, quer dizer, ao imperativo que todo ser racional traz gravado na alma.

O existencialismo de Sartre também pode ser enquadrado dentro das éticas formais. A tese fundamental é a de que o ser humano é um ser livre. Sartre expressa isso dizendo que a existência precede a essência: o ser humano não tem essência, e seu comportamento não está prefixado por nada — ele se faz, em sua existência. Seu ateísmo radical o leva a afirmar que não existe um modelo de comportamento, sancionado por Deus, ao qual o ser humano deva se guiar: ele está condenado a ser livre e não lhe resta nenhuma outra fonte de justificação de suas ações além de sua própria vontade. Suas ações são únicas e irrepetíveis, uma vez que não segue nenhum padrão ou imperativo. Ser moral é ser livre: ele deve criar seus próprios valores, que não são bons em função de nenhum conteúdo prévio, mas pelo exercício da liberdade formal da ética existencialista. Caixa: A felicidade Caixa: O primeiro passo do existencialismo &&&& Alguns problemas éticos atuais As mudanças desencadeadas pelo grande desenvolvimento científico e tecnológico dos últimos cinquenta anos criaram novos problemas que exigem uma nova reflexão ética, ainda que já observada durante as últimas décadas.

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Pensamentos como o de Heidegger e da escola de Frankfurt — em particular o de Horkheimer e Marcuse — insistem em que o homem tecnicizado e unidimensional da sociedade de consumo é, não dono e senhor, mas escravo daquilo que havia criado como instrumento a seu serviço. Nem as legislações nem as diversas éticas estavam preparadas para legislar e orientar nesse novo cenário. Por tudo isso, é inadiável a reflexão moral sobre essa situação. Os novos cenários Problemas ecológicos Problemas derivados da medicina e da biologia Outros problemas Caixa: O genoma humano &&&& O trabalho O trabalho é uma ação produtiva (a poiesis grega) cuja finalidade é a obtenção de uma obra destinada a satisfazer necessidades humanas. Com frequência, no entanto, associamos a ideia de trabalho a uma atividade realizada com esforço e fadiga, que implica, portanto, uma carga pesada para quem a realiza. Com a industrialização, o trabalho sofreu transformações radicais e, pela primeira vez na história dos modos de produção, passou a ser visto como valor e não como um mal a ser evitado. Natureza do trabalho O trabalho é uma atividade produtiva destinada à satisfação de necessidades, tanto das naturais (como comer ou se proteger das inclemências do tempo), que o ser humano compartilha com os outros animais, quanto das estritamente humanas, "inventadas" por ele e destinadas a lhe permitir não apenas sobreviver, como no caso dos animais, mas viver bem. O trabalho consiste na ação dos seres humanos sobre a matéria para transformá-la e criar um produto, que é o que permite a satisfação de suas necessidades. Na atividade do trabalho, o ser humano estabelece relações — com a natureza e com os demais seres humanos. Com a natureza, o ser humano entra numa relação que Marx qualifica de dialética: com sua ação produtiva, transforma a natureza e com isso a humaniza; mas também humaniza a si mesmo, porque ele "é" o que conseguiu por meio de seu trabalho. Mas, por meio do trabalho, também se estabelecem relações entre os seres humanos como sujeitos produtivos: em primeiro lugar, o trabalho precisa produzir algo socialmente útil, e não útil apenas para a própria pessoa; em segundo lugar, a organização do trabalho determina de forma decisiva a estrutura da sociedade. Ele se estratifica em torno dos processos de produção, quer dizer, os seres humanos se situam em diferentes posições em função da produção e da distribuição de bens e serviços. Concepção do trabalho ao longo da história

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O trabalho nas sociedades industrializadas Caixa: O conceito profissional &&&& A tecnologia Hoje em dia, não se concebe a ciência sem sua aplicação prática. A ciência moderna não corresponde à concepção antiga, que entende o conhecimento como uma atividade contemplativa. Ela persegue uma finalidade prática: encontrar explicações que permitem predizer os acontecimentos, mas também ampliar a capacidade prática de transformar a natureza. A técnica, como produtora de instrumentos e procedimentos para intervir na transformação da natureza, também não corresponde à concepção artesanal (ars mechanica) de épocas anteriores. A relação estabelecida entre a ciência e a técnica, a produção de novos instrumentos técnicos baseados não mais na experiência, mas no conhecimento científico, são o que se entende como "tecnologia". Nesse sentido, a tecnologia seria a ciência da técnica. Técnica e ciência Ciência e tecnologia Tecnologia e sociedade Caixa: O homem e a técnica Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 16) Pela ação, o homem atualiza as próprias capacidades, relaciona-se com os outros e com eles transforma o Mundo e cria história, moldando progressivamente a própria figura definitiva face ao Absoluto. (v. práxis) Com os clássicos gregos podemos, numa primeira aproximação, distinguir três tipos fundamentais de ações humanas: fazer (poiein), agir (práttein) e conhecer (theôrein). Enquanto o agir e o conhecer se desenrolam no interior do sujeito agente, pelo fazer o homem influi na realidade exterior, modificando-a; é por isso denominada ação transitiva, enquanto as outras duas recebem a designação de imanentes (v. imanência). (2) (2) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. = = = >>

Ação e Reação

859 Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Aspectos Gerais. 4. Ação: 4.1. Princípio da Ação; 4.2. Os Meios e os Fins de uma Ação; 4.3. Autonomia de uma Ação. 5. Reação: 5.1. Reação não é só Sofrimento; 5.2. Lei de Deus; 5.3. A Inexorabilidade da Lei. 6. A Passagem do Tempo entre a Ação e a Reação: 6.1. Antecedentes e Conseqüentes; 6.2. O Tempo Modifica a Causa; 6.3. Perda do Dedo e não do Braço. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é mostrar que o acaso não existe e que um futuro promissor depende das boas ações praticadas no presente. 2. CONCEITO Ação – ato o efeito de agir. Manifestação de uma força, de uma energia, de um agente. Em termos espirituais, a ação inteligente do homem é um contrapeso que Deus dispôs para estabelecer o equilíbrio entre as forças da Natureza e é ainda isso o que o distingue dos animais, porque ele obra com conhecimento de causa. (Equipe da FEB, 1995) Reação - Ato ou efeito de reagir. Resposta a uma ação qualquer. Comportamento de alguém em face de ameaça, agressão, provocação etc. Em termos espirituais, a reação é a conseqüência que a ação humana acarreta ao ser defrontada com a Lei Natural. 3. ASPECTOS GERAIS Deus, que é inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, estabeleceu leis, chamadas de naturais ou divinas. Elas englobam todas as ações do homem: para consigo mesmo, para com o próximo e para com o meio ambiente. Numa fase mais rudimentar, funciona o determinismo divino; com o desenvolvimento do ser, Deus faculta-lhe o livre-arbítrio, a fim de que sinta responsabilidade pelos atos praticados. Assim, o homem tem uma lei, uma diretriz, um modelo colocado por Deus na sua consciência, no sentido de nortear-lhe os seus atos. A reação nada mais é do que uma resposta da natureza às nossas ações. Reações estas baseadas na lei natural. O raciocínio poderia ser expresso assim: há uma ação que provoca uma reação; a ação da reação provoca uma nova reação; a ação da reação da reação provoca outra ação. A isso poderíamos denominar de cadeias de ação e reação. A filosofia hindu chama essa cadeia de Carma, ou seja, o somatório do mérito e do demérito de todas as ações praticadas pelo indivíduo. A finalidade dessa cadeia de ação e reação é a perfeição do Espírito. 4. AÇÃO 4.1. PRINCÍPIO DA AÇÃO Os movimentos que executamos em nosso dia-a-dia caracterizam as nossas ações. Fazer ou deixar de fazer, escrever ou não escrever, obedecer ou mandar são atitudes corriqueiras em

860 nossa ocupação diária. Ocupar-se provém de um preocupar-se. À preocupação com uma ação futura, denominamos princípio da ação. Um exemplo tornará claro esse pensamento. Barbear-se é uma ação que a maioria dos homens pratica. O barbear-se está ligado a um princípio que o indivíduo forjou para si, ou seja, ele tomou uma decisão de apresentar-se barbeado. Ele deseja estar barbeado e não barbudo, como também poderia escolher ficar com barba. Nesse caso, eliminaria a ação de barbear-se, mas deveria aparar as barbas uma vez por semana. Assistir a ou proferir uma palestra é uma ação. O princípio subjacente a este encontro está calcado tanto na conduta do expositor quanto na do ouvinte. O primeiro tem o dever de preparar o assunto; o segundo, o preparo mental e espiritual para ouvir. 4.2. OS MEIOS E OS FINS DE UMA AÇÃO Estamos sempre confundindo os meios com os fins. Poder-se-ia perguntar: qual o fim de uma palestra? Qual o fim de uma religião? Qual o fim de um sindicato? As respostas poderiam ser: o fim de uma palestra espírita é difundir a verdade; o fim da religião é salvar os seus adeptos; o fim de um sindicato é defender os interesses de seus associados. Pode-se, contudo, confundir os meios com os fins: o expositor pode querer fazer prosélitos à custa da verdade; o Pastor, o Padre ou o mesmo o Espírita embora clamem pela salvação do adepto, acabam proibindo a salvação do mesmo em outra Igreja que não seja a sua; O presidente do sindicato pode promover greves, não para defender os interesses dos seus associados, mas para a sua ascensão política. 4.3. AUTONOMIA DE UMA AÇÃO Temos, por várias razões, dificuldade de agir livremente. 1) A ignorância. Como escolher quando não se conhece? 2) Desenvolvimento determinístico imposta pelo princípio de causalidade. 3) Escassez de recursos naturais. São os terremotos, tempestades, acidentes etc. O que permanece livre dessas amarras constitui o livre-arbítrio. Há uma lenda japonesa que retrata a autonomia da ação. Kussunoki Massashige, famoso guerreiro do antigo Japão, celebérrimo pela sua inteligência e pelos seus lances geniais de estratégia, vivia desde sua infância no meio dos guerreiros. Uma vez, no castelo de seu pai, observava os guerreiros que, reunidos ao redor de um enorme sino, apostavam quem deles conseguiria pô-lo em movimento. Contudo, nenhum deles, mesmo o mais hercúleo conseguiu mover milímetro do sino. O menino assistia a tudo isso com muito interesse. De repente, apresenta-se para mover o sino, desde que tomasse o tempo necessário para tal mister. Ele cola o seu corpo ao sino e começa a fazer esforço para balançar o sino. Depois de várias tentativas o sino começou a mover-se; primeiro lentamente; depois com mais força, formando uma simbiose entre o sino e o peso do garoto. Qual a lição moral deste conto? É que devemos nos amoldar à situação e não o contrário. Observe a chegada de novos companheiros a um Centro Espírita: quantos, numa primeira reunião, não querem mudar tudo. Qual o resultado? Não conseguirão nada, porque não absorveram as atitudes e os comportamentos das pessoas envolvidas com a situação. 5. REAÇÃO 5.1. REAÇÃO NÃO É SÓ SOFRIMENTO

861 Geralmente, a palavra reação vem impregnada de dor e de sofrimento: é como o pecador ardendo no fogo do inferno. No meio espírita, toma-se como sinônimo de carma, que implica em sofrer e resgatar as dívidas do passado. A reação, por seu turno, nada mais é do que uma resposta – boa ou má –, em razão de nossas ações. A reação é simplesmente uma resposta, nada mais. Suponha que estejamos praticando boas ações. Por que aguardar o sofrimento? Não seria melhor confiar na Vontade de Deus, na execução de sua justiça, que nos quer trazer a felicidade? 5.2. LEI DE DEUS Qual o móvel que determina uma reação? É a Lei de Deus. Se a prática de uma ação não for concernente com a Lei de Deus, ou seja, se ela não expressar o bem ao próximo, ela não foi praticada em função da vontade de Deus. Qual será a reação com relação à Lei? Dor e sofrimento. Qual deve ser a nossa atitude para com a dor? Quem gosta de sofrer? Acontece que sem ela não conseguiremos nos amoldar eficazmente à Lei de Deus. Se, por outro lado, interpretássemos a dor e o sofrimento como um ganho, um aprendizado das coisas úteis da vida, quem sabe não viveríamos melhor. 5.3. A INEXORABILIDADE DA LEI A Lei de Deus é justa e sábia. É por isso que dizemos que o acaso não existe. Isso quer dizer que tudo o que se nos acontece deveria nos acontecer. Nesse sentido, Deus não perdoa e nem premia. Faz, simplesmente, cumprir a sua Lei. Como é que deveríamos agir com relação ao sofrimento? Verificar onde erramos. Caso tenhamos cometido algum crime, algum deslize, deveríamos nos arrepender. Basta apenas o arrependimento? Não. É preciso sofrer de forma educada. Ainda mais: temos que reparar o mal que fizemos. Deus se vale das pessoas, mas o nosso problema é com relação a radicalidade de sua Lei. E não adianta adiar porque, mais cedo ou mais tarde, a nossa consciência nos indicará o erro e teremos que refazer o mal praticado. 6. A PASSAGEM DO TEMPO ENTRE A AÇÃO E A REAÇÃO 6.1. ANTECEDENTES E CONSEQÜENTES A causa passada gera uma dor no presente; a causa presente provoca um sofrimento futuro. Um fato social é um evento quantitativo: aconteceu em tal dia, em tal local e em tal hora. A passagem do tempo transforma o fato quantitativo em fato qualitativo. Como se explica? Observe a água: ela é formada da junção de 2 elementos de hidrogênio com 1 de oxigênio. A água, embora contenha dois elementos de hidrogênio e um de oxigênio, é qualitativamente diferente do hidrogênio e do oxigênio. 6.2. O TEMPO MODIFICA QUALITATIVAMENTE A CAUSA Transportemos o exemplo da água para o campo moral. Suponha que há 300 anos houve um assassinato entre duas pessoas que se odiavam. Como conseqüência, criou-se um processo obsessivo entre os dois. O fato real e quantitativo: um assassinato, que produziu um agravo à Lei de Deus e que deverá ser reparado. Os 300 anos transcorridos modificaram tanto aquele que cometeu o crime quanto aquele que o sofreu. E se a vítima já perdoou o seu assassino? E se o assassino vem, ao longo desse tempo, praticando atos caridosos? Será justo aplicar a lei do olho por olho e dente por dente? Aquele que matou deverá ser assassinado? O que acontece?

862 Embora o assassino tenha que reparar o seu erro, pois ninguém fica imune diante da lei, a pena pode ser abrandada, em virtude de seus atos benevolentes. 6.3. PERDA DO DEDO E NÃO DO BRAÇO Esta história foi retratada pelo Espírito Hilário Silva, no capítulo 20 do livro A Vida Escreve, psicografada por F. C. Xavier e Waldo Vieira, no qual descreve o fato de Saturnino Pereira que, ao perder o dedo junto à máquina de que era condutor, se fizera centro das atenções: como Saturnino, sendo espírita e benévolo para com todas as pessoas, pode perder o dedo? Parecia um fato que ia de encontro com a justiça divina. Contudo, à noite, em reunião íntima no Centro Espírita que freqüentava, o orientador espiritual revelou-lhe que numa encarnação passada havia triturado o braço do seu escravo num engenho rústico. O orientador espiritual assim lhe falou: “Por muito tempo, no Plano Espiritual, você andou perturbado, contemplando mentalmente o caldo de cana enrubescido pelo sangue da vítima, cujos gritos lhe ecoavam no coração. Por muito tempo, por muito tempo... E você implorou existência humilde em que viesse a perder no trabalho o braço mais útil. Mas, você, Saturnino, desde a primeira mocidade, ao conhecer a Doutrina Espírita, tem os pés no caminho do bem aos outros. Você tem trabalhado, esmerando-se no dever... Regozije-se, meu amigo! Você está pagando, em amor, seu empenho à justiça...” 7. CONCLUSÃO A prática da caridade tem valor científico, ou seja, ajuda-nos a reparar os danos que causamos à Lei Divina. Assim, se soubermos viver sóbrios e sem muitos agravos à Lei, certamente faremos uma passagem tranqüila ao outro plano de vida. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BOULDING, K. E. Princípios de Política Econômica. São Paulo, Meste Jou, 1967. BUZI, ARCÂNGELO R. A Identidade Humana: Modos de Realização. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002. EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro, FEB, 1995. XAVIER, F. C. Ação e Reação, pelo Espírito André Luiz. 5. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1976. XAVIER, F. C., VIEIRA, W. A Vida Escreve, pelo Espírito Hilário Silva. 3. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1978.

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Sociedade e Política A natureza social do ser humano É um fato inegável que nós seres humanos vivemos em sociedade, e não de maneira acidental, mas porque isso faz parte de nossa própria natureza. O ser humano é, por sua natureza, sociável. Na sociedade, aprendemos uma determinada maneira de viver e de ver o mundo: certos valores, certos costumes etc. O mundo humano é um mundo compartilhado, um mundo comum e intersubjetivo no qual estabelecemos relações. Como assinalou Husserl, o "sentido da palavra 'homem' implica uma existência recíproca de um para o outro". Todos nós seres humanos estamos submetidos a um processo de socialização pelo qual interiorizamos as normas, valores e modos de vida dessa sociedade concreta. Socializando-nos, nós nos humanizamos, mas também é verdade que em muitos

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momentos vivemos nossas relações com a sociedade de forma conflitiva: não queremos renunciar à nossa singularidade, não queremos ser um elemento a mais dessa sociedade da qual indiscutivelmente fazemos parte.

A sociabilidade O ser humano é uma das espécies animais que vivem em sociedade, mas possui uma característica que faz dele uma espécie única. O ser humano é um animal incompleto: no momento do seu nascimento, tem um desenvolvimento físico e intelectual que o torna extremamente frágil e vulnerável. Durante esse período, depende inteiramente do grupo humano em geral, e de seus pais em particular. O ser humano é sociável por necessidade, devido à imaturidade com que vem ao mundo. No período de maturação, que é a infância, ocorre a inserção do indivíduo no grupo social a que pertence. O ser humano é, portanto, constitutivamente social. O conceito de "sociabilidade" designa a tendência ou inclinação natural dos humanos para viver em sociedade. Mas, quando se reúne com os seus semelhantes, o ser humano supera sua mera sociabilidade natural. Já não se trata apenas da cooperação para a satisfação de suas necessidades naturais. Aparece um outro aspecto que, segundo Aristóteles, irá definir autenticamente sua humanidade: na convivência com outros seres humanos, que só é possível no exercício de sua razão e de sua palavra (em grego, uma mesma palavra designa as duas coisas: logos), atinge sua humanidade. Somente na relação com outros ele é capaz de criar um mundo verdadeiramente humano e não meramente animal...

Conceito de sociedade Uma sociedade é um agrupamento permanente de pessoas, estruturado segundo normas e com instituições destinadas a garantir o cumprimento de tais normas. Existem vários tipos de normas: leis, costumes e valores morais. As leis determinam os direitos e os deveres legais de cada indivíduo dentro da sociedade. Um direito é tudo aquilo que o indivíduo pode exigir legalmente, quer dizer, aquilo que segundo a lei lhe é devido. Um dever é a obrigação que um indivíduo contrai com o conjunto da sociedade, ou com algum outro indivíduo, pelo fato de viver em sociedade. Os costumes São hábitos sociais e, embora não tenham o mesmo grau de obrigatoriedade das leis, têm muito peso na sociedade. Finalmente, os valores morais são as formas de se atribuir valor às coisas, considerando-as positivas ou negativas, boas ou más. A sociedade gera, além disso, e justamente para velar pelo cumprimento de tais normas, uma série de instituições e uma estrutura de poder.

A socialização

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Por socialização, entende-se o processo de integração de um ser humano na cultura de uma sociedade determinada. É um processo de interiorização pelo qual o indivíduo recém-chegado a essa comunidade torna seus essa maneira de ver o mundo, de valorar as coisas, os padrões de conduta, as normas etc. — em suma, torna seu o modo de viver dessa sociedade. Dessa forma, integra-se na sociedade e em suas instituições, e sua personalidade social é configurada: ele assume não só esse modo de vida concreto, mas sua identidade pessoal. A aquisição da consciência do próprio eu depende sempre das relações com os outros: nós nos vemos sempre através dos olhos com que os outros nos olham, e aprendemos a responder aquilo que se espera de nós. A personalidade social é forjada num jogo sutil entre limitação e coação — jogo do qual normalmente estamos conscientes. Um dos traços que diferenciam radicalmente a sociedade humana do restante das sociedades animais é a existência da cultura. A cultura é produzida e transmitida socialmente: ela é adquirida por meio de um processo de aprendizagem em que ocorre na própria sociedade. Cultura e sociedade estão reciprocamente ligadas: a sociedade é o quadro da produção e transmissão de cultura, e a cultura é o instrumento de socialização. O período mais intenso de socialização ocorre na infância, mas não exclusivamente nela, uma vez que o processo continua ao longo da vida do indivíduo. A socialização ocorre de tal maneira que uma boa parte daquilo que se interioriza é vivida como natural — já que o processo ocorreu de forma inconsciente e involuntária. Na infância, ocorre a socialização primária, pela qual a criança se transforma em membro da sociedade, e na qual a família intervém de maneira decisiva. Mais tarde, acontecem outros processos, que já são de socialização secundária e pelos quais o indivíduo se integra em submundos culturais. Um dos fatores determinantes no processo de socialização é a linguagem. Pelo aprendizado da linguagem, assumimos a cosmovisão própria dessa cultura. Outros fatores socializados são a família, a escola, os meios de comunicação etc. Em suma, é a própria sociedade que, por meio dos grupos e instituições que a compõem, funciona como agente socializador. Os grupos sociais As instituições Ordem e mudança social Caixa: Um animal social Caixa: Sociedade e felicidade Caixa: Os sistemas sociais &&&& O poder do estado

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Todas as sociedades existentes ao longo da história se organizaram politicamente, dando lugar ao estado. O termo estado pode referir-se à sociedade, na medida em que ela está organizada segundo determinadas leis e determinadas instituições encarregadas de seu cumprimento; mas pode referir-se também apenas às instituições. Nesse sentido, o estado é a instância encarregada de exercer o controle sobre os integrantes da sociedade. São muitos os problemas que a existência do estado suscita: a origem e o limite de seu poder, problema que por sua vez implica o de sua legitimidade; as funções que deve cumprir; e a divisão de poderes no seu interior.

A diversas formas de organização social Toda sociedade — da mais simples à mais complexa — está organizada de uma determinada maneira, a partir de uma série de pautas ou regras que definem como devem ser as relações entre seus membros. Ao longo da história, ocorreram diversas formas de organização social. As primeiras sociedades humanas foram caçadoras e coletoras... Normalmente, são sociedades participativas: todos os machos adultos costumam se reunir para tomar as decisões importantes. As principais diferenças são de sexo: os homens se dedicam à caça e dominam as atividades públicas, e as mulheres à colheita de grãos, ao preparo da comida e à criação dos filhos. A essas sociedades, sucederam as sociedades agrícolas e pecuaristas, dedicadas fundamentalmente ao cultivo em pequenas hortas e à criação de animais. A regularidade na obtenção de alimentos e o assentamento estável num determinado território permitiram que os grupos se tornassem mais numerosos... São sociedades governadas por um chefe, que pode chegar a ter um considerável poder pessoal. Por volta do ano 6.000 a.C., surgiram sociedades de grandes dimensões e com uma estrutura bastante complexa. Essas sociedades — chamadas estados ou civilizações tradicionais — existiram até o século XIX, e deram lugar às sociedades modernas... A classe dominante era uma aristocracia que desfrutava de vida cômoda e luxuosa, enquanto para o resto da população as condições de vida eram extremamente duras. A industrialização é o acontecimento que determina o surgimento das sociedades modernas. Esse processo tem início na Inglaterra no século XVIII e estabeleceu uma mudança radical tanto no modo de vida das pessoas quanto na forma de organização política. Em relação ao modo de vida, a imensa maioria da população abandonou a agricultura e passou a trabalhar na indústria, no comércio, na administração. Quanto ao poder político, aparecem os estados nacionais, comunidades políticas separadas por fronteiras claramente delimitadas e com instituições que regulam amplos aspectos da vida dos cidadãos. Dois novos fenômenos caracterizam as sociedades atuais: a globalização e o grande desenvolvimento tecnológico. A globalização consiste na interdependência — tanto econômica quanto cultural — de todos os países do mundo. Por sua vez, os avanços tecnológicos provocaram mudanças na forma de conceber e realizar a atividade

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produtiva, sobretudo com a progressiva diminuição do trabalho manual e a redução do tempo dedicado ao trabalho.

A questão do poder Onde existe convivência e relacionamento entre seres humanos, existem relações de poder: entre indivíduos, entre grupos ou no conjunto da sociedade. Há um uso da palavra "poder" reservado para designar as relações de poder na sociedade: é o poder político. Há um sentido da palavra "poder" (e uma forma de exercê-lo na prática) que consiste na dominação. A dominação é o poder externo exercido sobre os outros, que são submetidos ou reprimidos por ele. Nesse caso, o poder vem associado a certo grau de força ou de violência. A dominação estabelece desigualdade e hierarquia entre os membros de uma sociedade. Há, no entanto, um outro sentido da palavra "poder" que é o de capacidade: poder ser ou poder fazer. Nesse caso, o poder brota de dentro e se refere à capacidade de criação ou desenvolvimento das próprias possibilidades. O problema da dupla acepção do termo "poder" se torna mais patente em relação ao poder político — concretamente, em relação ao poder do estado. Será que o poder político só pode ser compreendido como força ou violência e, portanto, como poder heterônomo, quer dizer, como poder que vem de fora? Ou, pelo contrário, é possível uma sociedade plenamente autônoma, entendendo-se por "autonomia" a capacidade de ter sua própria lei, sem se submeter a ditames externos? Nesse último caso, o poder exclui as hierarquias: seria um poder exercido entre iguais, por meio da palavra. Um poder que é potência de criação e de construção política. O estado moderno

Estrutura e funções do estado As funções que os Estados devem cumprir variam de acordo com as diferentes teorias políticas. Segundo as teorias liberais, nascidas nos séculos XVII e XVIII, os estados deveriam limitar-se à manutenção da ordem e da segurança entre os seus cidadãos. É a concepção do Estado minimo. Trata-se de proteger tanto a segurança interna, dentro da própria comunidade social (os atentados contra os direitos das pessoas ou sua propriedade), quanto a segurança externa (frente à agressão de outros estados). Com esse duplo objetivo, o estado, de um lado, promulga leis e estabelece sanções, e, de outro, mantém forças armadas e firma alianças e tratados com os estados estrangeiros. Em relação a todo o resto, trata-se de não limitar em absoluto a livre iniciativa dos indivíduos na busca dos bens desejados por eles. O estado não tem nenhuma outra obrigação com seus cidadãos além das já mencionadas. Essa concepção defende a separação entre as esferas politica e socioeconômica.

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No outro extremo, encontra-se a concepção do estado protetor de seus cidadãos. Esse modelo foi implantado por consenso na Europa depois da segunda guerra mundial, e é conhecido como o estado do bem-estar. Ele institucionalizou os direitos sociais dos cidadãos e assegura serviços sociais básicos: garantindo um mínimo de bens essenciais, como a saúde e a educação, e subsídios como auxílio-desemprego e pensões de aposentadoria. História da evolução do estado: a Grécia clássica e a Idade Moderna O pensamento político moderno: as teorias do contrato social O pensamento político a partir do século XIX Caixa: Críticas do estado Caixa: A cidade de Agostinho de Hipona Caixa: O exercício do poder &&&& A democracia O estado moderno está associado à democracia. A palavra "democracia" vem do grego demokratia, cujos componentes são demos (povo) e kratos (governo ou poder). Portanto, em seu sentido fundamental, democracia é um sistema político em que o povo governa. Já se tornou clássica a diferenciação de três formas de governo: autocracia (governo de um só), aristocracia (governo dos aristoi, os melhores) e democracia (governo do povo). Há um acordo generalizado em se considerar a democracia a melhor forma de organização politica. O problema é: que conteúdo concreto se deve dar a ela? O primeiro modelo de democracia foi a de Atenas, nos séculos V-IV a.C. Do século III a.C. até o século XIX, a democracia conheceu um período obscuro. A partir do século XIX, a palavra ganhou nova importância — embora a democracia moderna tenha pouco a ver com a antiga.

A democracia direta Historicamente, existiram dois tipos de democracia: a democracia participativa ou direta e a democracia representativa. A democracia direta se caracteriza pelo fato de as decisões serem tomadas diretamente pelos membros da comunidade. — Esse tipo de democracia foi o que existiu na antiga Grécia. Os cidadãos (apenas os homens adultos — excluídos os estrangeiros e os escravos) se reuniam em assembleia e ali se debatiam e se aceitavam todos os assuntos de interesse comum. Um dos fatores que tornavam viável essa participação direta de todos os cidadãos era seu número reduzido: calcula-se que a uma reunião da assembleia

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ateniense deviam comparecer cerca de 6.000 cidadãos, dos quais uns duzentos ou trezentos pediam a palavra. As sociedades coletoras e caçadoras também tomavam suas decisões importantes por meio da participação direta de seus membros, embora essas formas de assembleia tinham pouco a ver com a democracia ateniense, já que nelas não existe um estado no sentido estrito da palavra.

A democracia representativa Nesse tipo de democracia, que é o das sociedades modernas, as decisões são tomadas pelos representantes eleitos pelos cidadãos. O mecanismo dessas democracias é o sistema representativo, que se sustenta nos seguintes princípios: — Direito ao sufrágio universal, pelo qual cada cidadão representa um voto. O sufrágio se tornou um direito universal após um longo processo de lutas sociais: foi um direito conquistado. No início, só uma minoria de cidadãos do sexo masculino tinha esse direito, que mais tarde se estendeu a todos os grupos sociais e, finalmente, às mulheres. — O voto secreto, que protege a liberdade de decisão dos cidadãos. — A celebração de eleições regulares, em que são escolhidos aqueles candidatos que os eleitores consideram mais idôneos. A regularidade é também uma forma de os representados eleitos anteriormente responderem perante seus eleitores, para que possam ser reeleitos. — A aceitação da regra da maioria. Isto significa que, na democracia, decide-se por maioria, embora seja uma exigência democrática o respeito às minorias, sejam elas religiosas, linguísticas, étnicas ou de qualquer outro tipo. — A existência de liberdades públicas: liberdade de expressão (tanto individual quanto coletiva), liberdade de associação, liberdade de imprensa, liberdade religiosa etc. E, junto com todas essas liberdades, a garantia de educação para toda a população. Separação de poderes

O estado de direito As democracias modernas são "estado de direito". Essa expressão indica não que o estado crie e utilize um direito, mas que ele está submetido ao direito — quer dizer, que toda a atividade e todo o poder do estado são regulados e controlados pela lei. Trata-se do império da lei. Nos estados democráticos, existe uma constituição, que consiste num conjunto de leis com o objetivo de limitar a arbitrariedade do poder e submetê-lo ao direito. Em todo estado de direito, deve haver além disso, uma separação de poderes (legislativo, executivo e judiciário) e o respeito a alguns direitos e liberdades fundamentais. O estado de direito se opõe, portanto, ao estado absolutista ou totalitário.

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Dois modelos de democracia Caixa: A democracia na América &&&& Direito e justiça Estado, direito e justiça são três realidades políticas inseparáveis: o estado deve ser "estado de direito" e o direito deve ser "justo". Mas é preciso deixar claro o que sejam a justiça e o direito. O direito estabelece a legalidade de um estado, e o cumprimento das leis é a condição da paz social. Existe uma exigência racional não só de legalidade, mas também, e principalmente, de legitimidade, que nos modernos estados de direito equivale à realização de determinado ideal de justiça.

O direito Em toda sociedade, existe um conjunto de normas que regulam o comportamento de seus membros. Um dos tipos de normas é o das normas morais, que determinam o comportamento correto em relação ao que é considerado bom ou ruim. As normas morais — ainda que em boa parte variem de acordo com as épocas e as sociedades, e por isso não se pode subestimar seu componente social — devem ser interiorizadas por cada indivíduo, e seu descumprimento não implica sanção externa do grupo social. Outro tipo de normas é o dos usos, convencionalismos relacionados com a boa educação — por exemplo, as regras do vestuário, as normas de cortesia etc. Sua observância indica integração do indivíduo na sociedade, e — embora exista sem dúvida certa pressão social — trata-se de normas que não têm caráter obrigatório nem coativo. Existe também certo tipo de normas: as normas jurídicas, cujo conjunto constitui o direito. São normas de caráter geral e de cumprimento obrigatório. Foram estabelecidas pelo estado, que gera, além disso, as instituições necessárias para seu cumprimento — diante das quais se deve responder no caso de tais normas serem transgredidas. O direito é, portanto, a organização jurídica do estado. Comparado às normas morais, o mundo do direito tem uma exterioridade e uma objetividade totais: suas normas são exteriores ao sujeito — não sendo preciso que ele as assuma em consciência — e se impõem coativamente, quer dizer, pela força. Mas a força se revela um fator insuficiente no cumprimento das normas — o que coloca o problema da legitimidade do direito e da necessária diferenciação dos conceitos de legalidade e legitimidade. O direito constitui a legalidade de um estado: dizemos que alguma coisa é "legal" quando se ajusta ou está conforme a certa legalidade, a certa organização jurídica. Mas a legitimidade é a justificação desse direito, na medida em que tenha sido estabelecido com base em determinados princípios, e por uma instância que a sociedade considere autorizada para isso. Nos estados tradicionais, a legitimidade era dada por seu fundamento divino — quer dizer, aceitava-se que se tratava de leis inspiradas pela divindade. Essa concepção determinava inequivocamente a sujeição diante da lei de todos os membros da comunidade, sem possibilidade alguma de

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discussão racional. Nas sociedades modernas, a legitimidade do direito provém de seu caráter convencional — quer dizer, da consciência de que são os próprios cidadãos, ou seus representantes, que, por consenso, e de uma forma livre e racional, estabelecem tais leis. A exigência que o direito deve cumprir é a de que seja justo, o que nos leva à reflexão sobre o que é a justiça. O direito cumpre, ou deve cumprir, determinadas funções. Algumas delas são: a obtenção da paz social; a garantia da segurança do cidadão, inclusive frente ao próprio estado e aos abusos de poder; o controle social, tanto sobre os cidadãos quanto sobre as próprias instituições do estado (o que é essencial no estado de direito), a proteção dos direitos fundamentais e das liberdades dos indivíduos que compõem um estado. Para os defensores do estado do bem-estar, esse deve procurar, além disso, uma melhor distribuição da riqueza, garantindo o acesso de todos os cidadãos a certos bens básicos, como educação e saúde. Direito natural e direito positivo A justiça Nossa acepção de justiça provém do grego diké, que significa "ajustamento das partes ao todo". Na Grécia antiga, falava-se de uma "justiça cósmica universal", em virtude da qual todas as coisas cumpriam sua função e, como resultado disso, o próprio conjunto estava em equilíbrio e harmonia. Nesse sentido, justiça equivale a "cumprimento da lei que governa todas as coisas". Essa noção de ajustamento entre as partes se mantém, de uma forma ou de outra, nos três pontos de vista possíveis sobre justiça: a justiça como moral individual, a justiça como reguladora das relações sociais e a justiça em seu aspecto jurídico. A justiça como virtude moral A justiça como reguladora da sociedade A justiça como cumprimento da lei e da organização jurídica Justiça e direito Caixa: O caráter do jusnaturalismo Caixa: Os direitos humanos na América Caixa: Os direitos humanos Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 17)

Pensamento e Religião O fenômeno religioso

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Não foi apenas o pensamento racional que procurou dar respostas a certas preocupações humanas. As religiões também tentaram explicar temas como a origem do mundo e dos homens, seu destino após a morte e a melhor maneira de se comportar com os outros e consigo mesmo. Grande parte da história do pensamento racional transcorreu em paralelo ou se confundiu com a história das religiões. Apesar da rápida secularização de alguns países ocidentais, uma grande parte da humanidade continua a explicar o mundo e a orientar seu comportamento a partir de pressupostos religiosos.

Traços comuns Certamente é difícil estabelecer uma definição que sirva para todas as variantes religiosas que existem no mundo. O que se quer dizer quando se usa o termo “religião”? Se formos procurar termos similares num dicionário de latim, encontraremos palavras como religare (atar, prender, amarrar) ou religo (consciência escrupulosa, sentimentos religiosos, práticas religiosas, culto). Aqui já apareceriam algumas das poucas coisas comuns às diversas religiões: todas elas reúnem comunidades de fiéis em torno de sistemas (conjuntos coerentes) de crenças e de práticas rituais (cerimônias, cultos) que ocorrem em geral em lugares sagrados. Mas nessas mesmas características comuns já começam a surgir as diferenças.

As crenças As crenças de algumas religiões se concentram em seres pessoais, superiores aos homens, que vivem em outros planos ou mundos diferentes da nossa realidade sensível. Geralmente esses seres foram os criadores do Universo e da humanidade à qual transmitiram uma explicação da realidade e determinadas normas de comportamento, que dão sentido e procuram organizar a vida individual e coletiva. Outras religiões, no entanto, não separam esses seres superiores da realidade em que vivem: confundem-se com o mundo, com as forças da natureza, ou se manifestam em nossos sentimentos ou na ação dos antepassados. Finalmente, existem religiões em que os seres superiores cedem terreno diante da orientação prática que procura a estabilidade individual e social. Nelas, o modo de vida é mais importante do que a explicação do mundo e de alguns deuses não necessariamente amistosos ou dependentes dos homens. Algumas dessas religiões carecem propriamente de deuses. Também são muito diferentes as maneiras de compreender o ser humano. Embora quase todas as religiões dividam o homem em dois planos – um material (o corpo) e outro imaterial (a alma, o espírito) –, nem todas acreditam na imortalidade da parte imaterial. Alguns consideram sua extinção como um prêmio, outras prometem uma eternidade de felicidade ou de dor de acordo com sua atuação nessa vida, e outras a encadeiam a um ciclo de reencarnações em todos os tipos de seres vivos do qual é difícil escapar. Geralmente, considera-se a pessoa responsável por seus atos e por seu destino, mas algumas vezes se insiste em sua capacidade de intervir no mundo, sendo recompensado ou castigado pelos resultados.

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Os rituais e a comunidade de fiéis Embora algumas religiões deem grande importância à experiência individual, a maior parte utiliza as cerimônias e rituais para afirmar sua institucionalização e o sentido de solidariedade de seus fiéis. Os ritos de algumas religiões, como o judaísmo e o cristianismo, atualizam os acontecimentos decisivos da história das relações de Deus com seus fiéis e renovam sua espiritualidade. Outras, como o confucionismo, insistem explicitamente na importância dos rituais para a harmonia social. Calendários de festas, leitura pública de textos sagrados, símbolos e preces são elementos aparentemente comuns a todas as religiões, mas também nisto existem diferenças: dentro de uma religião, como a cristã, a sofisticada liturgia católica é celebrada em igrejas repletas de imagens, e a dos protestantes em templos onde a austeridade e a nudez são a norma. Também é diferente a valorização da palavra, desde o sermão cristão até o silêncio do budismo zen, no qual os rituais e as técnicas são às vezes mais importantes do que as crenças.

Algumas teorias sobre a religião A partir da segunda metade do século XIX, começou a se desenvolver o que poderíamos chamar de estudo “científico” da religião. A partir de disciplinas como a psicologia, a antropologia ou a sociologia, iniciou-se um modo de descrever e interpretar o fenômeno religioso desde seus fatos, tratando-o como mais uma produção cultural e superado o enfoque puramente abstrato da teologia ou da filosofia. Entre os primeiros trabalhos relevantes, encontram-se os de M. Muller, E. Tylor e J. G. Frazer. Esses autores investigaram as origens da religião, interpretando-a como uma resposta a realidades naturais fora do controle humano, que teriam sido sacralizadas, dando lugar às religiões animistas primitivas. Mais influentes foram as teorias de E. Durkheim e M. Weber. Para o primeiro, a religião é um fenômeno social que se define pela oposição entre o sagrado e o profano. O sagrado, separado da experiência cotidiana, é na verdade expressão das necessidades e dos valores essenciais da comunidade. Na verdade, a própria sociedade se transforma, por meio da religião, em seu próprio objeto de adoração. Durkheim insistiu em que as cerimônias e os rituais regulares eram mais importantes para a coesão social do que as próprias crenças religiosas. Weber, ao contrário de Durkheim, – que concentrou seus estudos em religiões mais simples –, ocupou-se das mais desenvolvidas, aquilo que ele chamava de as religiões mundiais. Suas investigações se centraram especialmente na relação entre as religiões e a mudança social e econômica. As religiões orientais tinham-se transformado num freio para o desenvolvimento do capitalismo ao pregar a inibição do indivíduo frente à organização do mundo. O protestantismo calvinista, ao contrário, teve um componente revolucionário e transformador graças à sua defesa do trabalho e do dever moral estrito como único modo de se manter na graça divina.

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A partir de uma análise diferente, Mircea Eliade aprofundou o sentido do comportamento religioso. O sagrado tem um efeito mediador entre a realidade transcendente e o homem religioso e expressa, num espaço e num tempo diferentes, uma realidade sobrenatural e plena. Eliade estudou também a sobrevivência, nas sociedades secularizadas, de hábitos que tiveram origem na religião.

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Judaísmo, cristianismo e islamismo As três religiões monoteístas se caracterizam por sua insistência num Deus único de natureza espiritual, diferente do mundo natural — e não imanente, mas transcendente, exterior ao mundo. Também afirmam que Deus criou o mundo do nada e cuida dele (Providência), ao mesmo tempo que se apresentam como reveladas, pois suas doutrinas essenciais foram transmitidas pela divindade aos escribas de seus textos sagrados. Caracteriza-se também por uma concepção linear do tempo, progressivo e marcado por acontecimentos históricos que se renovam nas festas e no culto, e dotam a pessoa de responsabilidade ativa na salvação de sua alma. Juntas, elas reúnem mais da metade dos fiéis do mundo.

O judaísmo Preceitos e textos sagrados judaicos O cristianismo O indivíduo Os textos sagrados O islamismo Preceitos e textos sagrados Caixa: Os mandamentos (Êxodo, 20,1)

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Hinduísmo e budismo

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O hinduísmo e o budismo são também duas propostas metafísicas para explicar a realidade cósmica, o lugar que o homem ocupa no mundo e o sentido de sua existência. Não são religiões sobrenaturais, nem defendem outra realidade exterior ao Universo — embora sustentem que a realidade autêntica está oculta por um véu de aparências que o homem precisa superar para escapar ao sofrimento das sucessivas reencarnações. O fiel é responsável por sua salvação, pois sua atitude e seu comportamento são mais importantes do que sua relação com os deuses na hora de conseguir sua liberação definitiva.

O hinduísmo O indivíduo Os textos sagrados O budismo O indivíduo Os textos sagrados

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Confucionismo e taoísmo Trata-se de duas religiões sem deuses, tanto pelas raras referências a seres pessoais sobrenaturais quanto pela importância atribuída às próprias forças do homem para sua salvação ou felicidade. O modo de agir e de perseverar numa determinada linha de conduta é muito mais importante do que a ação de deuses que não ajudam as pessoas. O objetivo da vida humana não é a plenitude, mas antes uma dissolução individual, seja na harmonia social, seja na harmonia do Universo.

O confucionismo Os indivíduos e os textos sagrados O taoísmo Os textos sagrados

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Outras religiões O xintoísmo e as religiões tradicionais africanas assumem a utilidade social das cerimônias, as tradições e a veneração aos antepassados. Suas doutrinas são vagamente elaboradas, o que lhes permite conviver e às vezes confundir-se com outras religiões. A tradição é mantida graças à presença atenta de deuses próximos e de ancestrais que povoam a natureza, dotada assim de um sentido muito diferente do de outras religiões.

O xintoísmo O indivíduo e os textos sagrados As religiões tradicionais africanas O indivíduo e os textos sagrados Caixa: Uma oração dos dualas de Camarão

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Atitudes filosóficas diante da religião A filosofia ocidental caminhou tempo demais ao lado das religiões da Bíblia para poder entender a religião sem um Deus pessoal e protetor. A partir dessa concepção teísta, desenvolveu sua relação com as doutrinas religiosas. Até o século XVIII, Deus e o mundo recebiam uma mesma explicação. O desenvolvimento científico posterior separou definitivamente a investigação natural da teológica, animando a filosofia a uma investigação crítica — isto é, esclarecedora dos conteúdos religiosos — e a requerer justificativa para explicações até então consideradas como verdades absolutas.

Alguns problemas filosóficos com a religião A filosofia nasceu ao mesmo tempo que algumas das filosofias orientais: Lao-tzu, Confúcio, Buda e Zaratustra (o fundador da religião persa) são contemporâneos de pensadores como Tales, Anaximandro, Pitágoras e Heráclito. Mas não foram essas as religiões que interessaram amplamente aos filósofos. Apesar de alguns episódios panteístas, que identificaram Deus com o mundo (como as filosofias de Hegel e Spinoza), a visão religiosa predominante foi a de um Deus transcendente, provedor,

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único, racional e justo. Com o passar do tempo, essa figura começou a despertar interrogações que a tradição filosófica costuma chamar de problemas. Estes são alguns deles: — A existência de Deus. O enunciado "Deus existe" coloca o problema de sua justificação central junto com a natureza de Deus. Como demonstrar a sua existência? Como é Deus? — Sua ligação com esse mundo sensível. Deus criou o mundo? Ele é transcendente (exterior) ou imanente (interior) ao Universo? Cuida do mundo ou se limita a concebêlo e colocá-lo em movimento? Controla os homens ou os deixa entregues à sua livre vontade? — O problema do mal (ligado ao anterior): Se Deus é onipotente, por que existe o mal? — A relação entre moral e religião. Será possível uma moral sem religião? Existem princípios morais comuns a todas as religiões? — As relações entre a alma e o corpo. Existe a alma? Ela é imortal? Que função desempenha? Como coexiste com o corpo? Depois da morte, ela voltará a se reunir com a ele?

Algumas atitudes filosóficas diante da religião Todas essas perguntas foram respondidas ao longo de 2.600 anos de maneira bem diferenciadas. Estas são algumas das respostas. Os pré-socráticos, os primeiros filósofos gregos, aceitavam os deuses como parte de seu ambiente, embora em geral não o utilizaram em suas explicações da natureza. Embora alguns sofistas reconhecessem a utilidade social dos deuses, não os consideravam tão evidentes, como o povo o fazia. É famoso o agnosticismo de Protágoras: "Sobre os deuses, não posso saber se existem ou não, pois há dois obstáculos: a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana". Platão, por sua vez, afirmava a ideia do Divino, como concentração do racional, do bem e do belo. A ideia do Bem representa essa fusão. Em seu diálogo Timeu, descreve a construção do mundo por um artesão divino, o Demiurgo, intermediário entre os dois mundos. O deus de Aristóteles é um Deus ocioso, que pensa a si mesmo, sem interferir no mundo. É o primeiro motor do Universo, atraído inexoravelmente para Ele. Com Epicuro, surgiu um agnosticismo prático, que permitia defender uma ética de origem exclusivamente humana. Ainda que denunciasse a falsa religiosidade popular, negou a intervenção divina no mundo: a felicidade auto-suficiente dos deuses descartava o seu interesse em interferir em nosso mundo.

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Os estoicos, defenderam que o próprio mundo é o Deus racional, submetido à lógica de seu pensamento. Esse panteísmo racionalista exigia a sujeição da mente e da vontade humanas à mente cósmica. Durante a Idade Média, filosofia e teologia caminham juntas, com a primeira reduzida a um instrumento de fé. O estabelecimento dos principais conceitos da teologia católica absorveu a maior parte da especulação racional do Ocidente cristão. A cultura muçulmana conseguiu demarcar com mais clareza as áreas da ciência e da religião, e obteve resultados práticos em algumas ciências. A revolução científica dos séculos XVI e XVII não pôs em dúvida imediatamente a existência de Deus, mas deu uma nova imagem do divino. Deus é o criador de uma máquina perfeita, que Ele se limita a vigiar depois de tê-la posto em marcha. Voltaire, como Rousseau, foi deísta. Seu Deus foi o de Newton, entendido como arquiteto do Universo, mas que não interfere no destino dos homens. Reconheceu a necessidade social da crença num Ser Superior — é famosa sua frase "Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo" —, mas foi implacável com o fanatismo e a ignorância que atribuía à Igreja Católica. No século XVIII, posições materialistas e ateias já puderam se manifestar com relativa liberdade, negando abertamente a existência de Deus. No próprio século XVIII, e coerente com seu ceticismo metódico, Hume faz sérias objeções à possibilidade de se demonstrar a existência de Deus fosse de forma racional ou de forma experimental. Kant defendeu um agnosticismo teórico (é impossível o conhecimento racional de Deus), e destruiu os argumentos tradicionais que procuravam demonstrar sua existência, mas condicionou a possibilidade da moral a tal existência. De certa forma, substituiu a teologia especulativa por outra, de tipo moral. Hegel, por sua vez, formulou um panteísmo dinâmico e as três etapas da realidade — ideia, natureza e espírito — poderiam confundir-se com as de uma divindade nãotranscendente ao mundo. Especialmente importante é a terceira etapa, em que Deus toma consciência de si mesmo por meio das criações superiores ao homem. O homem devia se transformar em deus para o próprio homem. Essa era a afirmação de Feuerbach, que explicou que a essência da religião, especialmente a cristã, era a projeção das aspirações humanas na figura de um ser supremo. Para ele, a religião era uma alienação, um desvio dos esforços do homem na direção errada. Marx analisou o fenômeno religioso em várias ocasiões, embora para ele tivesse um interesse secundário. A religião era apenas uma produção ideológica que desapareceria quando desaparecessem as condições sociais que tornavam necessário seu consolo. Na verdade, existiria enquanto existisse "um mundo necessitado de ilusões". Nietzsche formulou um dos enunciados mais contundentes: anunciou a morte de Deus na cultura ocidental. A morte da metafísica tinha provocado a morte de um deus que moralmente tinha representado o triunfo do ressentimento dos fracos contra a vitalidade e a excelência — uma traição a esse mundo, em favor de um outro mundo imaginário.

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Finalmente, a ideia religiosa entra em contato com as teorias psicanalíticas pelas mãos de Freud, que definiu a religião como uma neurose obsessiva da coletividade humana, e se referiu a uma coincidência muito suspeita: "Seria muito agradável que Deus existisse, e que houvesse criado o mundo, e que sua providência fosse benevolente. Seria excelente que existisse como ordem moral no Universo, e que existisse uma vida futura, mas é muito surpreendente que tudo isso coincida com o que todos nós somos obrigados a desejar que exista." Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. (Cópia do capítulo 18)

Tempo Tempo. Um continuum não-espacial em que os eventos ocorrem numa sucessão aparentemente irreversível de passado, presente e futuro. (1) Um período ou espaço limitado de existência contínua, como o intervalo entre dois eventos sucessivos. (2) Tempo. É, para falar de maneira não rigorosa, o passo da mudança das coisas. (Isto é, o tempo não é absoluto, porém relacional). Distinguem-se dois conceitos de tempo: o físico (ou ontológico) e o perceptual (ou psicológico). O tempo físico é, em geral, encarado como algo objetivo, enquanto o tempo psicológico é, por definição, tempo (ou então duração) percebido por um sujeito.(3) (Ver flecha do tempo)

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Tempo: Anotação e Reflexão

879 Sérgio Biagi Gregório

1. CONCEITO DE TEMPO Tempo - do lat. tempus significa a sucessão de anos, dos dias, das horas etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro: o curso do tempo; o tempo é um meio contínuo e indefinido no qual os acontecimentos parecem suceder-se em momentos irreversíveis. (Dicionário Aurélio) 2. CÁLCULO DO TEMPO Os calendários, da mesma forma que todos os cálculos de tempo, baseiam-se na alternância do dia e da noite, na fases da Lua e no movimento anual do Sol. A Terra leva um ano para percorrer sua órbita ao redor do Sol e um dia para dar uma volta em torno do seu próprio eixo, cujas extremidades são os polos. No calendário gregoriano, o ano coincide aproximadamente com uma volta da Terra ao redor do Sol, e as estações caem sempre nas mesmas datas do ano, perfazendo um total de 365 dias. (Combi Visual) 3. CÔMPUTO DO TEMPO Em cada sociedade a contagem do tempo encontra-se determinada pelas suas tradições religiosas. No mundo cristão, o ponto de partida é o nascimento de Jesus Cristo. No Islão, o cômputo é feito a partir do ano em que Maomé fugiu para Medina. Os judeus iniciam sua contagem com a "criação do Mundo" segundo a Bíblia. Nesse sentido, o ano 2000 dos cristãos eqüivale ao 5760 dos judeus e ao 1420 dos islamitas. (Combi Visual) 4. IRREVERSIBILIDADE DO TEMPO A irreversibilidade do tempo é uma propriedade que caracteriza o curso do tempo, por "curso do tempo" entende-se a sucessiva mudança de acontecimentos no processo da existência. A direção do curso do tempo é a ordem dirigida "antes" e "depois" na sucessão dos acontecimentos. (Askin, 1969, pág. 142) 5. TEMPO ABSOLUTO E TEMPO RELATIVO Em Astronomia, distingue-se o tempo absoluto do tempo relativo pela equação do tempo, porque os dias naturais são desiguais, ainda que os tomemos vulgarmente por uma medida igual de tempo. O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, em si próprio e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com nada de exterior, e com um outro nome é chamado Duração O tempo relativo, aparente e vulgar é uma medida qualquer, sensível e externa da duração pelo movimento (quer ela seja precisa ou imprecisa) de que o vulgo se serve ordinariamente em lugar do tempo verdadeiro: tais como a hora, o dia, o mês, o ano. Sucede o mesmo com o espaço, ou seja, o espaço absoluto, pela sua natureza, e sem relação ao que quer que seja de exterior, mantém-se sempre semelhante, imóvel e infinito. Por outro lado, o espaço relativo mantém-se desigual, móvel e finito. Ex.: alunos e professor numa sala de aula. (Koyré, s.d.p.,157 a 159) 6. CONCEPÇÃO CRISTÃ DO TEMPO

880 A chamada "concepção cristã do tempo" encontra em Santo Agostinho a primeira formulação madura. O tempo é para ele um grande paradoxo: um "agora" que não pode ser detido, um "será" que todavia não é. Diz sobre o tempo: "Quando não me perguntam, eu sei; e quando me perguntam; não sei." (Confissões, IX) (Pequeno Dicionário de Filosofia Hemus) Na perspectiva cristã, o tempo deixa de ser a roda que sempre reconduz ao mesmo lugar, para tornar-se a propedêutica da eternidade. O homem criado por Deus à sua imagem e semelhança, foi precipitado no tempo e na morte em conseqüência do pecado, que é, uma ruptura com Deus. Pelo Cristo porém, que é o mediador, pode restabelecer a ligação com Deus, e fazer de sua vida no tempo uma preparação para a vida eterna. O tempo é apenas um caminho que deve conduzir o homem fora e além do tempo. (Corbisier, 1987) 7. TEMPO E ETERNIDADE O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; a eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos de séculos são menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da vida humana? (Kardec, 1975, pág. 107) 8. TEMPO E REENCARNAÇÃO Espíritos Encarnados (E)

Espíritos Desencarnados (D)

D/E Vida Média Duração no

1952*

2.000.000.000

20.000.000.000

1975

3.000.000.000

1980

Ano

(em anos)

Plano Espiritual (em anos)

10,0

60

600

19.000.000.000

6,3

65

409

4.000.000.000

18.000.000.000

4,5

66

297

1990

5.000.000.000

17.000.000.000

3,4

70

238

2000

6.000.000.000

16.000.000.000

2,7

72

195

* citação de Emmanuel, no livro Roteiro, pág. 43.

9. VIDA ESPÍRITA

Pergunta 223. A alma se reencarna imediatamente após a separação do corpo?

Resposta. — Às vezes, imediatamente, mas, na maioria das vezes, depois de intervalo mais ou menos longos. Nos mundos superiores a Reencarnação é quase sempre imediata. A matéria corpórea sendo menos grosseira, o Espírito encarnado goza de quase todas as faculdades do Espírito. Seu estado normal é o dos vossos sonâmbulos lúcidos. (Kardec, 1995) 10. HOJE E NÓS Comparemos a Providência Divina a estabelecimento de crédito bancário, operando com reservas ilimitadas, em todos os domínios do mundo. Pela Bolsa de Causa e Efeito, cada criatura retém depósito particular, com especificação de débitos e haveres nitidamente diversos, mas, pela Carteira do Tempo, todas as concessões são iguais para todos.

881 Para sábios e ignorantes, felizes ou menos felizes, a hora se constitui do valor matemático e invariável de sessenta minutos. (Xavier e Vieira, 1978, pág. 24)

O TEMPO JULGA TUDO O tempo é um elemento que segundo Santo Agostinho é fácil de saber, mas difícil de explicar. Observe que a própria dimensão do tempo no Cristianismo tem a conotação de eternidade. Deus criou o tempo, quando criou o mundo. Fê-lo a partir do nada, mas enviou o seu filho para restaurar o tempo e levar todos os crentes para além do tempo, ou seja para a eternidade. A questão de que o tempo tudo julga está relacionada com a noção de carma, de ação e reação, da lei de causa efeito, do juízo final etc. Quer dizer, desencadeada uma ação, esta fica registrada no cosmo e, mais tempo ou menos tempo, teremos de responder por ela, seja boa ou má. Por isso, diz-se que o acaso não existe, ou seja, cada um está colocado no devido lugar, colhendo os frutos daquilo que livremente semeou. A distinção entre presente, passado e futuro nem sempre é fácil de ser vista. Hoje podemos estar numa situação desesperadora. Em vista disso, perguntamos: por que me encontro assim? Por que não estou numa situação melhor? O que eu fiz de errado? Depois destas questões, começamos a culpar o presente, e dizemos: Deus não cuida de mim; estou abandonado; tudo que faço dá errado; e assim por diante. Mas o que é o presente? Ele não é a condensação do que fizemos no passado? Ele não é a antecipação do que poderemos ser no futuro? Talvez devêssemos ver os nossos dias com mais atenção. O tempo tudo julga pode ser relacionado com a morte. Por quê? A morte é o término de um estágio no plano da carne, em que somos obrigados a fazer uma reflexão mais acurada da nossa existência. No momento da morte, não nos perguntarão o que lemos, os bens que amontoamos, a riqueza que tínhamos, mas simplesmente o que estamos levando em nossa bagagem espiritual, ou seja, as qualidades morais, os conhecimentos, a prática do bem. Por isso, as advertências do Evangelho são elucidativas, pois não há uma única ação, por mínima que seja, que não será levada em conta no dia do “juízo final”. Além de tudo, o “tempo tudo julga” mostra que a justiça divina tarda mas não falha. No momento do julgamento de nossas ações, seremos recompensados pelo bem que tivermos feito, e repreendidos pelo mal que conscientemente tivermos praticado. Se hoje estamos infringindo a lei divina, prejudicando o nosso próximo, é de se esperar que teremos de sofrer as conseqüências dos nossos atos. Desta forma, é melhor começar a fazer o bem já, preparandonos para uma vida mais saudável, no futuro. Instruamo-nos no bem e na verdade para não termos surpresas ao voltarmos ao nosso verdadeiro mundo, ou seja, o mundo dos Espíritos. TEMAS PARA DEBATE 1) Qual o significado da frase: "Para você o tempo não passou"? 2) O tempo passa ou permanece? 3) "Antes", "agora" e "depois" equivale a "passado", "presente" e "futuro"? 4) O tempo passado não volta mais? BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

882 ASKIN, I. F. O Problema do Tempo - Sua Interpretação Filosófica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969. CORBISIER, R. Enciclopédia Filosófica. 2. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1987. Enciclopédia Combi Visual. Barcelona (Espanha), Ediciones Danae, 1974. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d/p. KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1976. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995. KOYRÉ, A. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Lisboa, Gradiva, s.d.p. Pequeno Dicionário Filosófico. São Paulo, Hemus, 1977. XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Estude e Viva, pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. Rio de Janeiro, FEB, 1978. XAVIER, F. C. Roteiro, pelo Espírito Emmanuel. 5. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1980.

São Paulo, outubro de 1998

<< = = = 1) American Heritage Dictionary (2) The Oxford English Dictionary (3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Teologia Teologia. Estudo religioso da religião. Ele inclui fantasias sobre os objetos do culto religioso, a justificação de práticas religiosas, e a crítica a religiões rivais e heterodoxas, bem como ao ateísmo. Por não haver nesses materiais outros critérios de verdade afora o da compatibilidade com as escrituras canônicas, e como qualquer texto não científico pode ser interpretado de maneiras alternativas, há mais teologias do que religiões. Em especial, as religiões hindu, judaica, cristã e muçulmana têm sido objeto de largo número de teologias rivais, das místicas às racionalistas. Ironicamente, a controvérsia teológica promoveu o estudo da lógica, que finalmente se voltou contra a teologia. A importância da interpretação em tais assuntos levou à hermenêutica até em questões seculares. Toda teologia é uma ideologia, mas o inverso é falso, pois existem ideologias seculares. (1) Teologia. Ciência da religião, das coisas divinas. Rel. A palavra teologia, como tantas outras da linguagem eclesiástica, passou, por simples transposição, do grego e do latim para as línguas modernas. Todavia, só a partir do séc. XII ela se fixou, nas escolas católicas, no sentido que hoje tem: disciplina em que se encontram interpretadas, elaboradas e ordenadas num corpo de conhecimentos, a partir da Revelação e à sua luz, as verdades da religião cristã. Foram os apologistas quem apresentou na Igreja a primeira construção teológica da fé cristã. Santo Agostinho teve extraordinária

883

influência para o desenvolvimento da teologia nas Igrejas do Ocidente. Herança de Platão e Aristóteles. Para S. Tomás (que a entende e pratica), a teologia é uma consideração das verdades, feita de modo racional e científico, tendente a proporcionar ao espírito do homem crente certe inteligência dessas verdades. Tanto para ele, como para seu mestre Alberto Magno, as ciências representam um verdadeiro conhecimento do mundo e da natureza das coisas, conhecimento que vale também para a economia cristã. Por isso se colocam ambos na escola de Aristóteles, procurando nele, não só um mestre de raciocínio, mas também um mestre no conhecimento da natureza das coisas, do mundo e do homem. É verdade que todas as coisas se devem referir a Deus, mas esta referência na ordem do uso não impede o conhecimento especulativo do que são as coisas, obra da sabedoria divina. Os dados oferecidos pela fé numa simples adesão, desenvolve-os a teologia numa linha de conhecimento humanamente construída, procurando a razão dos fatos e elaborando, nas formas de uma ciência humana, esses dados recebidos da ciência de Deus. Esta concepção desperta reações entre os pensadores da linha augustiniana, como S. Boaventura e Alexandre de Hales. No séc. XIV, João Duns Escoto apresenta vistas um tanto diferentes das de S. Tomás, negando que se ache uma certa continuidade entre o nosso conhecimento do mundo e o conhecimento, mesmo sobrenatural, de Deus. As exposições teológicas tornam-se cada vez mais sistemáticas e os teólogos defendem afincadamente as suas escolas, multiplicando os debates e pulverizando as questões. Desde o fim do século XV, não só por influência do humanismo, mas também em virtude da controvérsia protestante, dáse uma espécie de desagregação da síntese medieval e aparecem as especializações. São características da época moderna as três divisões da teologia: escolástica e mística; dogmática e moral; escolástica e positiva. A teologia trata de diversos assuntos: A) Disciplinas auxiliares - Filologia bíblica, hermenêutica, geografia, arqueologia, epigrafia etc. B) Teologia propriamente dita - 1) Apologética, seguida de Introdução à teologia. 2) Teologia histórica, com a história bíblica e da Igreja. 3) Teologia doutrinal: a) Dogmática, b) Moral, c) Ascética e Mística, 4) Teologia prática: a) Direito canônico, b) Teologia pastoral. (2) Teologia. Estudo das questões relativas ao conhecimento de Deus, de seus atributos e relações com o mundo dos homens. Abrange a dogmática que define e demonstra as verdades a crer; a ascética, que descreve as paixões, as virtudes, os vícios e os meios de conformarmos a vida com os preceitos e os conselhos evangélicos; a mística, que estuda as vias por que a alma se une intimamente a Deus e os fenômenos extraordinários que frequentemente acompanham esta união; a positiva, que se consagra principalmente os testemunhos diretos da Escritura dos Padres e dos concílios; a escolástica, que reduz ao sistema rigorosamente científico os dados da fé, aplicando-lhes a razão filosófica; a canônica, que reúne em corpo as leis e os usos da Igreja; a liturgia, que explica as fórmulas de orações e as cerimônias do culto; a parenética, que se ocupa da prédica. A teologia pode ser finalmente apologética, polêmica ou irônica, conforme combata as objeções dos adversários ou exponha as próprias verdades. (3) Teologia. Etimologicamente, discurso ou doutrina sobre Deus. A) Na Antiguidade grega, onde teve origem, veio a assumir três significados: mitológico (discurso — de certo modo entre o mito e o logos — em que se fala dos deuses); filosófico-cosmológico (a partir de Aristóteles: a teologia equivaleria à "filosofia primeira" ou metafísica); cultual público (aquilo que se diz dos deuses no culto oficial). B) Esta origem pagã do termo — ausente da Bíblia e dos primeiros escritores cristãos — explica as reticências, resistências e atraso com que foi adaptado (sobretudo graças a Justino, Clemente e

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Orígenes) no cristianismo. Tornou-se de uso corrente desde o século IV, significando nessa altura a doutrina acerca de Deus Uno e Trino, distinta da oikonomia, doutrina relativa à obra salvadora de Deus. Na Idade Média passou a ter o significado de explicação racional do revelado, que ainda hoje conserva. C) Com o designativo de "filosófica", designa a parte da metafísica também chamada Teodiceia. 2) Noção A) Fides quaerens intellectum. A melhor definição de teologia é talvez ainda a condensada na fórmula (que faz eco a muitas outras, sobretudo de Santo Agostinho, por exemplo. A teologia nasce e vive do esforço do crente por pensar e exprimir a própria fé utilizando todos os recursos da razão. Muitos séculos mais tarde, o Concílio do Vaticano I, na Constituição sobre a fé católica, explicitou a mesma ideia no seguinte texto "clássico": "quando a razão, iluminada pela fé, procura com empenho, piedade e circunspecção, chega, por dom de Deus, a uma certa compreensão (muito fecunda) dos mistérios, quer graças à analogia com as realidades que conhece naturalmente, quer a partir da relações dos mistérios entre si e deles com o último fim do homem. A teologia tem portanto a sua raiz no fato de que Deus se comunicou ao homem na Revelação. A aceitação desta Revelação, por parte do homem, verifica-se pela fé; este "ouvir" da palavra (auditus fidei) implica já uma certa atividade da razão e leva espontaneamente a procurar compreender e penetrar melhor o significado da palavra divina: tal é o intellectus fidei que, na sua modalidade elaborada, constitui a teologia propriamente dita. (4) Teologia filosófica. Também teologia racional ou natural, Ciência de Deus à luz natural da razão ou, mais explicitamente, a parte da metafísica que estuda a existência e os atributos de Deus na sua qualidade de ser Absoluto e Infinito, como Ipsum Esse (São Tomás). Já Platão e Aristóteles construíram um discurso racional sobre Deus. O primeiro, opondo esse discurso ao discurso mítico (Rep. II, 18, 379a) e o segundo, destacando-o como a parte mais nobre e conclusiva da filos. primeira (Metafísica, E, 1, 1026 a 19). (5) (1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang) (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]. (3) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. (4) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (5) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

Termos Filosóficos Gregos Adiaphoron: sem diferença, moralmente indiferente ou estado neutral. (1) Adikia: injustiça. (2)

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Aei: eternamente. Esses termos representam duração ilimitada à frente a atrás: o ser eterno não tem começo e nunca terminará. (2) Aer: ar. (1) Agathon: o que é bem, o bem, um princípio supremo, summum bonum. (1) Agenetos: sem começo. (2) Agnostos: desconhecido, não cognoscível. (1) Agrapha dogmate: doutrinas não escritas. (1) Agraphos nomos: lei não escrita. (1) Aidios: eterno. (2) Aion: período de vida, eternidade. (1) Aísthesis: percepção, sensação. (1) Latim: sensus. Esta palavra tem dois sentidos: faculdade de sentir: sensibilidade; ato de sentir: sensação. Além disso, contém não somente o que chamamos de sensação (conhecimento sensorial de uma qualidade), mas também o que chamamos percepção (conhecimento sensorial de um objeto. (2) Aísthesis koine: senso comum, sensus communis. (1) Aistheton: capaz de ser percepcionado pelos sentidos; objeto dos sentidos, o sensível (oposto de noeton). (1) Aither: éter. (1) Aition (ou aitia): culpabilidade, responsabilidade, causa. (1) Akinetos: imóvel. (2) Akon: involuntariamente, contra a vontade. (2) Akousios: involuntário. (2) Aletheia: verdade. Latim: veritas. (1) Alethes: verdadeiro, veraz. (2) Algos: dor. (1) Allegoria: interpretação alegórica, exegese. (1)

886

Alloiosis: alteração. (2) Analogia: proporção, analogia. (1) Anamnesis: memória, recordação, reminiscência. (1) Ananke: necessidade. Latim: necessitas. (1) Andreia: coragem. Latim: fortitudo. (2) Anthropos: homem. (2) Antikeimenos: oposto. (2) Antiphasis: contradição. (2) Antithesis: oposição, antítese. (2) Aoristos: indeterminado. (2) Apatheia: não afetado, sem pathe. (1) Apeiron: não limitado, indefinido. (1) Aphairesis: separação, abstração. (1) Aphthartos: incorruptível, indestrutível; para a indestrutibilidade da alma, cf. athanatos. Latim: incorruptus. (1) Apódeixis: demonstração. (2) Apóphansis: proposição. (2) Apóphasis: Negaçao. (2) Aporia: sem saída, dificuldade, questão, problema. (1) Arche: começo, ponto de partida, princípio, suprema substância subjacente, princípio supremo indemonstrável. (1) Arete: excelência, virtude. Latim: virtus. (1) Aristokratia: aristocracia. (2) Áriston: Soberano bem. (2) Arithmos: número. Latim: numerus. (1) Arkhé: princípio. Latim: principium. (2)

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Arkhétypos: modelo, arquétipo. (2) Arkhon: governante, arconte. (2) Asómaton: incorpóreo. (2) Asymmetron: incomensurável. (1) Ataraxia: sem perturbação, equilíbrio, tranquilidade da alma. Latim: tranquillitas. (1) Athanasía: imortalidade. Latim: immortalitas. (2) Athánatos: imortal, a incorruptibilidade da psyche. Latim: immortalis. (1) Atomon: “não seccionável”, matéria indivisível, partícula, átomo. Latim: atomus. (1) Autarkeia: auto-suficiência. (1) Automaton: espontaneidade. (1) Autós: si mesmo, em si, próprio. Reflexivo: hautós. (2) Aúxesis: aumento. (2)

Basileia: realeza. (2) Boulé: deliberação. (2) Boúlesis: vontade. (2)

Chronos: tempo. (1)

Daimon ou daimonion: espírito, "demônio", presença ou entidade sobrenatural, algures, entre um deus (theos) e um herói. Latim: daemon, genius. (1) Demiourgós: construtor, artífice, demiurgo. Latim: faber; creator. (1) Demokratia: democracia. (2) Diagramma: proposição geométrica. (2) Diairesis: separação, divisão, distinção. (1) Dialektike: dialética. Latim: dialectica. (1)

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Dianoia: pensamento, entendimento. Latim: intellectus, cogitatio. (1) Diaphorá: diferença, diferença específica. (1) Diathesis: disposição. (1) Dikaiosýne: justiça. Latim: justitia. (2) Dike: compensação, processos legais, justiça. (1) Dógma: doutrina, ensinamento, dogma. (2) Doxa: opinião; juízo. Latim: opinio. (1) Doxographía: doxografia. (2) Doxográphos: doxógrafo. Reunião, transcrição e publicação de textos de autores filosóficos. (2) Dyás: díade. Sentido aritmético: o número dois. Sentido metafísico: entre os pitagóricos, o ser segundo, criado pela Mônada, portanto imperfeito, e causa da matéria. (2) Dynamis: capacidade ativa e passiva, daí potência e potencialidade. Latim: potentia. (1) Dynatón: o possível. (2)

Echein: ter, estar num certo estado. (1) Eidos: aparência, natureza constitutiva, forma, tipo, espécie, ideia. Latim: species, forma, gênero. (1) Eikasia: conjectura. (2) Eikon: imagem, reflexo. Latim: imago, simulacrum, species. (1) Eînai: ser (infinitivo). Latim: esse. (2) Ekstasis: sai de, êxtase, união mística. (1) Elenchos: escrutínio, refutação, interrogação. (1) Eleutheria: liberdade. (2) Empeiria: experiência. (2) Enantios: contrário. (2)

889

Enargeia: claridade, auto-evidência. (1) Endoxon: opinião, opinião geral. (1) Energeia: funcionamento, atividade, ato. Latim: actus. (1) Enkrateia: império sobre si mesmo. Termo especificamente estoico. (2) Ennoia: conceito. (1) Entelekheia: estado de completude ou perfeição, atualidade. Latim: actus. (2) Enthousiasmos: divina habitação interior, possessão. (1) Epagoge: levar a, passar a indução (socrática, aristotélica; para a “indução” platônica. Ver synagoge). (1) Epékeina: adv. e prep.: além. (2) Episteme: 1. conhecimento verdadeiro e científico (oposto a doxa). 2. Um corpo organizado de conhecimento, uma ciência. 3. Conhecimento teorético (oposto a pratike e poietike). Latim: scientia. (1) Epithymia: desejo. Latim: concupiscentia. (1) Epokhé: suspensão. Latim: epoche. (2) Ergon: trabalho, feito, produto, função. (1) Eristikós: erístico. Esta palavra quer dizer: "referente à disputa". A erística, desde o século IV a.C., era uma arte da discussão, para vencer o adversário sem preocupação com a verdade; apenas a habilidade da argumentação era considerada. (2) Eros: desejo, amor. Latim: desiderium, libido, amor, cupiditas. (2) Ethos: caráter, modo de vida intelectual. (1) Etymon: verdadeiro, sentido verdadeiro de uma palavra, etimologia. (1) Eudaimonia: felicidade. Latim: felicitas, beatitudo. Formado por daimon, espírito, e eu, bem, significa estado de contentamento estável no qual se encontra o espírito. (2) Eupatheia: emoção boa ou inocente, afeto. Ver apatheia. (1) Euthymia: bem-estar. (2) Exoterikoi logos: discursos externos, obras populares. (1)

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Genesis: nascimento, passagem ao ser, tornar-se (oposto a ser), processo, passagem a um contrário, mudança substancial. (1) Genos: espécie, gênero. Latim: genus. (2) Gnosis: conhecimento; gnosticismo. (1) Gnôthi sautón: "Conhece-te a ti mesmo." (2)

Harmonia: mistura de opostos, harmonia. Latim: harmonia. (1) Haustos: si mesmo. (2) Hedone: prazer. Latim: voluptas. (1) Hegemonikon: faculdade diretiva da alma; hegemônico. (1) Hekon: voluntariamente. (2) Hekoúsios: voluntário. (2) Hén: o Uno. Latim: Unum. (2) Heteron: o outro, alteridade. Latim: alter. (1) Hexis: estado, característica, hábito. (1) Holon: todo, organismo, universo. Latim: Universum. (1) Homoios: igual, semelhante. (1) Homoiosis: assimilação (a Deus), conformação. Latim: assimilatio. (2) Horme: impulso, apetite. (1) Horos ou horismos: limite, definição. (1) Hyle: material, matéria. Latim: materia. (1) Hyperousia: para além do ser, transcendência (divina). (1) Hypokeimonon: sujeito, substrato. Latim: subjectum, suppositum (sentido lógico). (2) Hypólepsis: opinião. (2) Hypostasis: que está sob, daí, substância; ser real, frequentemente em oposição a aparência. (1)

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Hypothesis: ponto de partida de postulado sugestivo, hipótese. (1)

Idea: ideia. (2) Idion: próprio. (2) Isonomia: Quinhão igual, proporção, equilíbrio. (1)

Kakon: mal. Latim: malum. (1) Kallos: beleza. (1) Kardia: coração. (1) Katalepsis: ação de captar, apreensão, compreensão. (1) Kataphasis: afirmação. (2) Kategórema: predicado. (2) Kategoria: categoria. Plural: kategoriai. Latim: praedicamentum (plural: praedicamenta). (2) Katharsis: purgação, purificação. (1) Kathodos: descida, queda (da alma). (1) Katholou: universal, geral. Latim: universum. (2) Kenon: vazio, vácuo. Latim: vacuum. (2) Khronos: tempo. (2) Kinesis: movimento, mudança. Latim: motus. (2) Kinoun: motor, agente, causa eficiente. Latim: moves. (1) Koinonia: combinação, comunhão. (1) Koinos: comum. Latim: communis. (2) Kosmos: ornamento, ordem, o universo visível, físico. Latim: mundus. (1) Kosmos noetos: universo inteligente. (1) Krisis: juízo, julgamento. (2)

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Kyriotaton: soberano Bem. (2)

Logismos: raciocínio, pensamento discursivo. (1) Logistikon: faculdade racional. (1) Logoi spermatikos: razões seminais, rationes seminales. (1) Logos: discurso, relato, razão, definição, faculdade racional. Latim: ratio. (1) Lype: tristeza. (2)

Makariotes: felicidade, bem-aventurança. (2) Mania: delírio. (2) Mantike: adivinhação. (1) Mathema: saber. (2) Mathematika: números (entidades matemáticas); os objetos das ciências matemáticas. (1) Mathesis: estudo. (2) Megethos: grandeza, extensão. (1) Meson, mesotes: meio. (1) Metabole: mudança. (1) Metaphysiká. Plural neutro de metaphysikos: metafísica. Latim: metaphysica. (2) Metaxy: meio, intermediário. Latim: medium. (2) Metempsychosis: transmigração da alma. Ver palingenesia. (1) Methexis: participação. (1) Mimema: imagem. (2) Mimesis: mímica, imitação, arte (isto é, bela arte; para as ciências aplicadas, ver techne). (1) Mixis: mistura. (1)

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Mneme: memória. (2) Monas: unidade, o uno. (1) Morphé: forma. (2) Mousike: a arte das musas, música. Ver katharsis. (1) Mythos: mito. (1)

Noesis: a operação do nous, pensar (como oposto à sensação), intuição (como oposto ao raciocínio discursivo). Latim: intellectus. (1) Noeton: capaz de ser compreendido pelo intelecto; objeto do intelecto, o inteligível (contrário de aistheton). (1) Nomos: costume, convenção, lei constitucional ou arbitrária. Latim: lex. (1) Nous: inteligência, intelecto, espírito. Latim: spiritus, intellectus. (1) Nun: instante. (2)

Ochema: veículo, carro, corpo astral. (1) Oikeiosis: auto-apropriação; auto-aceitação; auto-amor. (1) Oikonomia: economia doméstica. (2) Oikos: família. (2) Oligarkhia: Oligarquia. (2) On, onta (pl.): ser, seres. (1) Oneiros: sonho. (1) Onoma: nome. (1) Orexis: tendência. (2) Organon: instrumento, órgão, Organon. Ver aisthesis, dialektike, holon. (1) Ouranos: céu. (1) Ousia: substância, ser, essência. Latim: substantia. (2)

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Palingenesia: renascimento, transmigração das almas (metempsychosis é uma palavra muito tardia). (1) Pan: tudo, todas as coisas, o Todo. Latim: omnia. (2) Paradeigma: modelo. Ver mimesis. Latim: exemplar. (1) Paschein: sofrer, ser afetado, paixão. (1) Pathos: acontecimento, experiência, sofrimento, emoção, atributo. (1) Peras: fim, termo, conclusão. (2) Phainomenon: aparência. (2) Phantasia: imaginação, impressão. (1) Philia: amizade. Latim: amicita. (2) Philosophia: amor da sabedoria, filosofia. Latim: philosophia. (1) Philotes: afeição, amor, amizade. (2) Phóbos: medo. (2) Phora: movimento local. (2) Phronesis: sabedoria, sabedoria prática, prudência. (1) Phthisis: diminuição. (2) Phthorá: corrupção. Latim: corruptio. (2) Physis: natureza. Latim: natura. (1) Pistis: fé, crença (estado subjetivo); algo que inspira crença, prova. (1) Pneuma: ar, respiração, espírito, spiritus. (1) Poiein: atuar, ação. (1) Poiesis: fabricação, atividade operatória; poesia. Latim: Ars, operatio. Poesis. (2) Poietike: ciência produtiva, arte; poética. (1) Poion: qualidade. (2) Pólis: cidade-Estado, pólis. (2)

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Politeia: Estado, república, constituição. (2) Ponos: dor. (1) Poson: quantidade, grandeza. (2) Praktike: ciência da ação. Ver práxis. (1) Praxis: ação, atividade. Latim: actio. (1) Proairesis: livre escolha. Latim: liberum arbitrium. (2) Prolepsis: compreensão prévia, antecipação, pré-concepção. (1) Pronoia: premeditação, providência. Latim: providentia. (1) Prophetes: orador, médium, profeta. Ver matike. (1) Pros ti: relação (exatamente: "relativamente a alguma coisa"). (2) Pseudos: erro, falsidade. Ver doxa, noesis. (1) Psykhé: respiração da vida, fantasma, princípio vital, alma, anima. Latim: anima. (1) Pyr: fogo. (1)

Rhetoriké: retórica. (2) Rhoe: ação de fluir, corrente, fluxo. (1)

Schema: aparência, forma. (1) Skeptikós: cético. Latim: scepticus. (2) Skhema: figura. (2) Soma: corpo. Latim: corpus. Plural: somata. Latim: corpora. (2) Sophia: sabedoria, sabedoria teorética. Latim: sapientia. (1) Sophistes: sofista. Latim: sophistes. (2) Sophrosyne: autodomínio, moderação. Latim: temperantia. (1) Spelaion: caverna. Latim: spelunca. (2)

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Sperma: semente. (1) Spoudaios: homem sério. (1) Stasis: repouso. (2) Steresis: privação. Latim: privatio. (2) Stigme: mancha, ponto, ponto jornalístico. (1) Stoikheia: elementos. Latim: elementa. (2) Syllogismós: silogismo. (2) Symbebekós: acidente. Latim: accidents. (2) Symmetria: simetria. (1) Sympatheia: afeição a, simpatia cósmica. (1) Synagoge: coleção. (1) Synkrisis: agregação, associação. (1) Syntheton: algo composto, corpo compósito. (1)

Taxis: ordem, disposição. (1) Tekhne: ofício, habilidade, arte, ciência aplicada. Latim: ars. (1) Telos: completude, fim, finalidade. (1) Thanatos: morte. (2) Theion: divino. (1) Theologia, thelogike: relato sobre deuses, mito; filosofia primeira, metafísica. (1) Theoria: teorização, especulação, contemplação, a vida contemplativa. Latim: contemplatio. (1) Theos: Deus. Latim: deus. (1) Theourgia: o que faz milagres. (1) Thesis: posição, postulação, convenção (em oposição à natureza, physis). (1) Thymos: coração. (2)

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Timokratia: timocracia. (2) Ti esti: o que é? Aquilo que é, essência. (1) Tonos: tensão. (1) Topos: lugar. (1) Tykhe: fortuna. (1) Typosis: imprimir, impressão. (1) Tyrannis: tirania. (2)

Zoe: vida. (1) Zoon: ser vivo, animal. (1)

Rohé. Do tempo de Platão em diante, a posição de Heráclito e seus seguidores, um dos quais, Crátilo, exerceu aparentemente alguma influência em Platão. Esta palavra foi descrita metaforicamente como "fluir" ou "correr" (assim, para Heráclito, Platão, Crát. 402a; para os seus seguidores, Crát. 440c-d e Teet. 179d-181b; a célebre expressão "tudo está num estado de fluxo" [panta rhei] não aparece antes de Simplício, Phys. 1313, 11). Se o próprio Heráclito usou a expressão ou se, na verdade, ela é uma descrição exata da sua visão da mudança pode ser matéria de discussão, mas o que é notável é que esta expressão popular (os heraclíticos contemporâneos de Platão eram na verdade chamados "fluentes": Teet. 181a) nunca foi conceptualizada. Platão rejeita as implicações da metáfora, principalmente porque ela torna impossível o conhecimento, mas quando passa a tratá-la como um problema filosófico ela aparece sobre a rubrica de "devir". No que dizia respeito à linguagem técnica da filosofia, rhoe nunca passou de uma imagem surpreendente. (1) (1) PETERS, F. E. Termos Filosóficos Gregos: Um Léxico Histórico. Tradução Beatriz Rodrigues Barbosa. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouse Gulbenkian, 1983. (2) GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Todo Todo. Do latim totus, todo, inteiro. Conjunto ao qual não falta nenhuma parte e contendo todas as partes enquanto formam uma unidade: "Um todo é o que contém as coisas contidas, de tal modo que formem uma unidade" (Aristóteles). (1)

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= = = >>

A Parte e o Todo Sérgio Biagi Gregório

1. CONCEITO Parte - do lat. parte significa o elemento constituinte de um todo. Há parte onde há um todo. As partes são integrantes quando constituem materialmente o todo, e essenciais, quando constituem-no formalmente. No todo, a parte está em potência, sobretudo quando este é contínuo, e não é distinguida em ato, mas em potência apenas. A parte, que está no todo, não atua, mas sim o todo. A parte não move o todo. Nenhuma parte movida é movida por si mesma. (Santos, 1965) Todo - do lat. totu significa aquilo que, embora tenha partes, ou aspectos distinguíveis, apresenta-se, contudo, como uma unidade, e pode ser tratado sem referir-se às suas partes. O todo é quantitativamente a soma de suas partes, mas é, de qualquer forma, qualitativamente diferente, e, quase sempre, especificamente diferente. No todo, há algo mais que as partes, quer tomadas separadamente, quer como partes-de-um-todo, partes integrais, que o constituem quantitativamente ou partes essenciais, quando componentes da essência ou natureza essencial de alguma coisa. (Santos, 1965) 2. TODO E DIVISÃO Em toda a divisão é mister distinguir: 1) o todo, que é dividido; 2) as partes (membros), nos quais é dividido; 3) o fundamento, a razão pela qual é feita a divisão. Assim: o Corpo Humano pode ser dividido em cabeça, tronco e membros, cujo fundamento é o organismo humano; a Empresa pode ser dividida em diretoria, departamentos e produção, cujo fundamento é o organograma. a Família pode ser dividida em pai, mãe e filhos, cujo fundamento é o parentesco; a Nação pode ser dividida em Federal, Estadual e Municipal, cujo fundamento é o governo. 3. TEXTO BÍBLICO 1) "Porque agora vemos por espelho, em enigma, mas então veremos face a face: agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido". (I Coríntios, 13,12). Explicação: Paulo, muito preocupado com o caráter parcial do conhecimento humano, imaginou o paraíso como um estado no qual alguém podia conhecer totalmente. 2) "Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos." (I Coríntios, 13,,9) Explicação: advertência de Paulo sobre as conclusões inexatas que podemos tirar em virtude de nossa limitação, quando encarnados. (Lerner, 1963) 4. ABSOLUTIZAÇÃO DO RELATIVO Em nosso dia-dia costumamos confundir os meios com os fins, o relativo com o absoluto. Observe a frase: "ninguém ensina ninguém, cada qual aprende por si mesmo". Tomada ao pé da letra, coibiria qualquer esforço no ensino-aprendizagem, pois

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cada um deve aprender por si mesmo. Porém, de acordo com a etimologia da palavra ensino (in + signare), marcar com um sinal, o procedimento deve ser outro. Ora, quando ensinamos, marcamos com um sinal: se estimulante, produtivo; se desestimulante, improdutivo. No meio espírita, vemos a ocorrência deste equívoco, ou seja, absolutizar o relativo. Observe, por exemplo, a leitura de um romance. Ali é relatado um caso particular, verdadeiro. Porém, ao aplicá-lo ao todo, estamos incorrendo em erro, porque o mesmo pode não ser verdadeiro para todos os casos. 5. VISÃO HOLÍSTICA DA VIDA Nos tempos atuais já não se comporta uma visão tacanha e reservada da realidade. Observe que a globalização é uma verdade insofismável. O computador veio para ficar: dizer que não gostamos dele, que é difícil de ser manuseado ou que preferimos a nossa velha máquina de escrever é ser retrógrado, é parar no tempo, é ficar desatualizado. No âmbito das novas descobertas, temos de acompanhar todo o progresso da ciência, da tecnologia. O homem é holístico por natureza, ou seja, tem dentro de si, intuitivamente, a noção do todo e da parte. 6. AQUISIÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA GLOBAL DA REALIDADE O melhor exercício é pensar globalmente, no sentido de transcender o próprio eu. Tomar consciência do que ocorre aqui e agora tem mais valor do que todas as regras e técnicas aprendidas. Assim: Quando, mesmo vilipendiados, ofendidos, desprezados, cedermos de nós mesmos — renunciando o que somos —, a fim de potencializar o outro, estaremos construindo perenemente uma visão mais ampla e verdadeira de nossa realidade.

A PARTE E O TODO "O que é bom para a parte pode não ser bom para o todo"

A relação entre a parte e o todo pode ser analisado sob vários ângulos: das ciências particulares, da religião, da conduta humana etc. No sentido genérico, cada ação, que é individual, tem uma dimensão mais complexa do que podemos imaginar. Observe um indivíduo jogando lixo na rua, poluindo o ambiente. Ele está limpando um bem privado, mas poluindo o bem público, portanto influenciando a vida de outros seres humanos, como também o cosmos que o absorve. Paulo, muito preocupado com o caráter parcial do conhecimento humano, imaginou o paraíso como um estado no qual alguém podia conhecer totalmente: "Porque agora vemos por espelho, em enigma, mas então veremos face a face: agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido" (I Coríntios, 13,12). Paulo advertiu nesta mesma epístola sobre as conclusões inexatas que podemos tirar em virtude de nossa limitação, quando encarnados: "Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos". Esta advertência religiosa não pode desestimular a nossa vontade em buscar um conhecimento global da realidade. Nos estudos da ordem e da desordem, a Física mostra-nos o caráter global desta relação, pois haverá ordem ou desordem sempre em relação a um padrão, nunca somente ao indivíduo isolado. Na Economia, fala-se da indústria e da firma. A indústria seria a totalidade de todas as firmas de um determinado ramo da atividade econômica.

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Por exemplo, a indústria de sapatos congregaria todas as firmas que produzem sapatos. Na linguagem, uma mesma palavra pode ter vários sentidos, dependendo da colocação na frase, e mesmo da maneira como a pronunciamos. No âmbito da política econômica, aprendemos que aquilo que é bom para a parte pode não ser bom para o todo. Explica-se: suponha que os salários de uma certa categoria da sociedade aumente em 10%. Esta categoria teve um ganho em relação aos demais salários da sociedade. Mas, imagine que todos os salários de todas as pessoas tivessem um aumento de 10%. O que aconteceria? O resultado seria nulo, ou seja, ninguém sairia ganhando nada. A reflexão sobre a relação entre a parte e o todo é sumamente valiosa. Precisamos sempre ver pelo prisma do outro. Geralmente, achamos que os outros devem suprir as nossas necessidades de pronto. E se eles não puderem atender-nos? E se Deus, que é causa primária de todas as coisas, acha por bem adiar a súplica? Como fica? Entendemos que a situação deve ser ponderada imparcialmente, a fim de não criarmos um viés entre a vontade divina (total) e a nossa (parte). Nesse mister, pensar que Deus escreve certo por linha tortas, ou que quando o trabalhador estiver pronto o trabalho aparece não deve ser desprezado. Nada há de inútil. O fluxo de energia que jorra de uma usina pode ser interrompido pela falta de uma simples tomada. Sejamos a simples tomada. Façamos a nossa parte e deixemos o resto por conta de Deus. TEMAS PARA DEBATE 1) A soma das partes pode ser maior que o todo? 2) O que é bom para a parte pode não ser bom para o todo. Comente. 3) O Espírito é a parte e Deus é o todo? 4) Desencarnando conheceremos o todo? BIBLIOGRAFIA CONSULTADA LERNER, D. Parts and Wholes (The Hayden Colloquium on Scientific Method and Concept). USA, MIT, 1963. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. << = = = (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Trabalho Trabalho. FILOS. TEOL. O termo trabalho provém do lat. vulgar tripalium, instrumento de tortura composto de três paus ou varas cruzadas, ao qual se prendia o réu. Significa, em geral, qualquer atividade do homem que tem por finalidade um resultado útil e, nessa medida, dotado de valor econômico. (1)

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(1) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Transcendência, Transcendente, Transcendental Transcendência/transcendente. Do latim transcendere, ultrapassar, superar. 1. A noção de transcendência opõe-se à de imanência, designando algo que pertence a outra natureza, que é exterior, que é de ordem superior. Nas concepções teístas, p. ex.: Deus é transcendente ao mundo criado. Ver teísmo. 2. Que está além do conhecimento, além da possibilidade da experiência, que é exterior ao mundo da experiência. (1)

Transcendental. 1. Na escolástica, termo utilizado para designar categorias mais gerais que transcenderiam as categorias aristotélicas. Os transcendentais seriam assim o ser, o verdadeiro, o bem e o belo, caracterizando tudo aquilo que é, sendo no fundo aspectos da mesma coisa, o Ser. 2. Na filosofia kantiana, também caracterizada como filosofia transcendental, trata-se do ponto de vista que considera as condições de possibilidade de todo conhecimento. Nesse sentido, não deve ser confundido com o termo “transcendente”. “Chamo transcendental todo o conhecimento que, em geral, se ocupa menos dos objetos do que de nossos conceitos a priori dos objetos. Um sistema de conceitos desse tipo seria

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denominado filosofia transcendental... Não devemos denominar transcendental todo conhecimento a priori, mas apenas aquele pelo qual sabemos que e como certas representações (intuições e conceitos) são aplicadas ou possíveis simplesmente a priori (“transcendental” quer dizer possibilidade ou uso a priori do conhecimento)” (Kant, Crítica da Razão Pura). (1) Caráter de tudo o que ultrapassa uma média. No sentido estritamente filosófico, a transcendência implica uma natureza absolutamente superior às outras, ou de uma ordem radicalmente diferente. É portanto mais particularmente Deus, com relação ao mundo e aos seres imanentes (o que exclui qualquer concepção panteísta). Em Kant é transcendente o que está além de qualquer experiência possível. Na fenomenologia e, depois, no existencialismo, o transcendente caracteriza o que visa a consciência, ou seja, aquilo em direção ao que ela tende ao mesmo tempo que daí permanece distante. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Técnica Técnica. No sentido antigo, o substantivo técnica designa o conjunto de procedimento de um ofício ou de uma arte, codificados e transmissíveis, que permitem obter um efeito considerado útil. Na filosofia moderna, a técnica evoca antes um conjunto de procedimentos deduzidos de um conhecimento científico e que permite operar suas aplicações. Paralelamente, o adjetivo é aplicado ao que é relativo ao ofício (em particular manual), por oposição ao conhecimento teórico. (1)

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(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993

Universal / Universais Universal/Universais. Do latim universalis. Universal é aquilo que se aplica à totalidade, que é válido em qualquer tempo ou lugar. Essência, qualidade essencial

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existente em todos os indivíduos de uma mesma espécie e definindo-os como tais. Para Platão, universal é a forma ou ideia. (1) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Utilitarismo Utilitarismo. Doutrina ética defendida sobretudo por J. Bentham e J. S. Mill. Na definição de Mill, "as ações são boas quando tendem a promover a felicidade, más quando tendem a promover o oposto da felicidade". As ações, boas ou más, são consideradas assim do ponto de vista de suas consequências, sendo o objetivo de uma boa ação, de acordo com os princípios do utilitarismo, promover em maior grau o bem geral. As críticas ao utilitarismo geralmente apontam para a dificuldade de se estabelecer um critério de bem geral, para o fato de que essa doutrina aceita o sacrifício de uma minoria em nome do bem geral, e para a não consideração das intenções e motivos nos quais a ação se baseia, levando em conta apenas os seus efeitos e consequências. (1) Utilitarismo. Uma ação é boa quando ela é útil ou serve para o benefício da maioria. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Utopia Utopia. 1. Termo criado por Tomás Morus em sua obra Utopia (1516), significando literalmente “lugar comum” (gr. ou: negação, topos: lugar), para designar uma ilha perfeita onde existiria uma sociedade imaginária na qual todos os cidadãos seriam iguais e viveriam em harmonia. A alegoria de Tomás Morus serviu de contraponto através do qual ele criticou a sociedade de sua época, formulando um ideal político-social inspirado nos princípios do humanismo renascentista. 2. Em um sentido mais amplo, designa todo projeto de uma sociedade ideal perfeita. O termo adquire um sentido pejorativo ao se considerar esse ideal como irrealizável e portanto fantasioso. Por outro lado, possui um sentido positivo quando se defende que esse ideal contém o germe do progresso social e da transformação da sociedade. No período moderno são formuladas várias utopias como as de Campanella e Fourier. (1) Utopia. (Do grego ou: não, e topos: lugar). O termo, que significa etimologicamente "nenhum lugar", foi forjado por Thomas More (A Utopia ou Sobre a Melhor Constituição de uma República, 1516) para designar uma cidade "perfeita", mas

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imaginária, cuja descrição - na qual detectamos lembranças de Platão - serve tanto para criticar a monarquia inglesa e francesa contemporânea, quanto para elaborar o quadro, ao contrário, de uma sociedade: até o ouro é desprezado e vive-se de acordo com uma espécie de comunismo feliz. Desde esse primeiro exemplo, é sintomático que a construção utópica só pode ocorrer numa ilha, ou seja, num espaço ao mesmo tempo isolado e preservado. Por extensão, qualquer sociedade quimérica e irrealizável, mas que pode servir de estimulante para o pensamento político (a cidade ideal de Platão, a Cidade do Sol de Campanella, o Falanstério de Fourier, por exemplo. Pode-se distinguir, por um lado, a utopia que visa a um sistema político funcionando a partir do modelo de um mecanismo de relojoaria, mas em detrimento do indivíduo e de sua liberdade, e, por outro, a contra-utopia, que também constrói cidades ideais, mas à base do desejo e devaneio. (2) (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Vaidade Vaidade. Característica daquilo que é vão (sem valor, sem consistência, vazio, ilusório). Coisa vã. "Que vaidade a da pintura, que atrai a admiração pela semelhança com as coisas cujos originais não são admirados!" Pascal, Pensamentos. (1) Vaidade. Ter uma opinião excessivamente boa sobre nossos próprios feitos e qualidades. Tomás de Aquino não faz uma distinção clara entre a vaidade e o orgulho, mas associa ambos ao desejo de distinção e importância. De acordo com Adam Smith, a vaidade é "sempre fundada sobre a crença de que se é objeto de atenção e de

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aprovação". Tanto Tomás de Aquino como Smith consideram a vaidade o principal motivo da busca de riqueza e de fama (Summa Theologiae, IaIIae 84; The Theory of the Moral Sentiments, I. 3. 2.). Ver também Mandeville; Veblen. (2) (1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Valor Valor. Aquilo que uma coisa vale; preço, valia. No sentido corrente, conota a ideia de um alto nível de capacidade atingido por esforço pessoal. Nesta acepção, falamos em um homem de grande valor. Desde a Antiguidade essa palavra foi usada para indicar a utilidade ou o preço dos bens materiais e a dignidade ou o mérito das pessoas. Contudo, esse uso não tem significado filosófico porque não deu origem a problemas filosóficos. O uso filosófico do termo só começou quando seu significado é generalizado para praticar qualquer objeto de preferência ou de escolha, o que aconteceu pela primeira vez com os estoicos, que introduziram o termo no domínio da ética e chamaram de valor os objetos de escolha moral. (1) Com o passar do tempo, surgiu a axiologia, ou teoria dos valores. A teoria geral dos valores requer a consideração dos seguintes problemas: a) qual a natureza dos valores; b) quais são os valores fundamentais e como devem ser classificados? c) como se pode determinar os valores relativos das coisas, e qual é o último critério do valor? d) são os valores meramente subjetivos, satisfazendo meramente subjetivos, ou são objetivos, diferentes dos meros objetos de desejo, e dando ao desejo alguma lei ou norma? e) qual a relação entre o valor e as coisas, ou entre o valor e a existência ou realidade? (2) Segundo Nietsche, é a dificuldade que dá valor às coisas. Adam Smith (1723-1790) distingue, em economia, o valor de uso (value in use) e valor de troca (value in exchange). O primeiro significava uma utilidade objetiva, real da coisa para satisfazer determinada necessidade; o segundo significava a apreciação social

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atribuída a uma coisa, em determinado momento, por determinado grupo, por um preço. (3) Sobre os fatos, damos apenas um epíteto, pois nada podemos acrescentar ou diminuir aos atributos que a coisa tem. Aquilo continua sendo o que é. Dizer que um livro é belo ou feio, nada acrescenta ou tira do livro. Há no valor o aspecto invariante e o aspecto variante. A prudência, como invariante, é uma virtude que faz evitar a tempo, as inconveniências ou perigos. Mas o senhor feudal era prudente quando se armava, o burguês hoje, é prudente quando se cerca de bons documentos etc. Este é o aspecto variante.

Mais sobre o valor: 1. Etimologia. Valor vem de valere, que significa ser forte, ter boa saúde. 2. Em Matemática, valor de uma função, de uma variável. 3. Em Medicina, os vários sintomas colhidos numa observação clínica. 4. Em Economia, o valor de uma mercadoria é medido pela quantidade de outras mercadorias pela qual será ou poderá ser negociada. Distinguem-se o valor de uso (utilidade objetiva de um objeto) e valor de troca (preço que o objeto obtém no mercado). 5. Em Sociologia, o valor social baseia-se nas ideias, conhecimentos... que se solidifica com o tempo. 6. Em Filosofia, recebeu o nome de axiologia, de axios, em grego, o que é precioso, digno de ser estimado. 7. Em Psicologia, tem relação com a atitude e o interesse e significa a medida quantitativa ou numérica de qualquer dado numa escala geral ou em termos de um padrão. Ainda: os valores podem ser classificados como éticos, antiéticos, negativos, positivos etc. O termo valor é ubíquo, ou seja, está inserido em várias áreas do conhecimento. Há também os juízos de valor e juízos de realidade. Os juízos de realidade mostram o que as coisas são objetivamente; os juízos de valor, a interpretação que o sujeito faz do objeto.(4)

Valor. Um valor é sempre uma relação entre um objeto e um padrão utilizado pela consciência que avalia uma ação realizada ou a realizar. No aspecto filosófico, e pela análise de nossas atitudes práticas (não-teoréticas) e pela reflexão sobre as mesmas que conseguimos atingir a consciência do valor na sua essência. A questão sobre a natureza da moralidade, da arte e da religião conduz, por esta perspectiva, à essência dos valores

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éticos, estéticos e religiosos. Nota-se que o primeiro uso técnico da palavra foi em economia política (o valor de uso de um objeto: a importância do objeto para determinado sujeito, conceito distinto da utilidade, segundo Landy). Adam Smith, por seu turno, distingue entre value in use e value in exchange (valor objetivo real, como o da água / valor não em si fundado, como o do diamante). No ponto de vista econômico, o valor designa em geral um caráter das coisas segundo a qual elas se podem trocar por uma quantidade de mercadoria, tomada como unidade (valor de troca). Se a expressão filosófica dos valores, literalmente, se origina na modernidade, na verdade, na linguagem do valor já o socialismo se funda em duas teses destacadas: o valor (virtude) dá-se como tal numa experiência evidente; o valor é objeto de um juízo de verdade, possui caráter universal, sendo o bem de natureza espiritual e não sensível (L. Lavelle). O platonismo, por outro lado, pode interpretar-se como uma filosofia dos valores porque herdou do socratismo a doutrina do conceito, que não podia estender-se do mundo moral ao mundo real sem fazer deste último uma processão do valor (L. Robin). Em Aristóteles, nos epicuristas e nos estoicos bem como em Plotino, há uma ordem ascensional das coisas, por imitação do movimento da alma para o valor. A escolástica aristotélica dá grande relevo às discussões sobre o bonum e sobre a subordinação virtudes práticas à noéticas. (5) = = = >> Valor e Juízo de Valor A palavra valor é polissêmica, ou seja, impregnada de diversos sentidos. Lingüisticamente falando, ela vem de valere, que significa ser forte, ter boa saúde. Toma, também, o sentido de qualidade, de coragem, de virtude. Na matemática, fala-se em valor de uma variável, de uma função, de uma grandeza. Em Economia, estabelece-se a distinção entre valor de uso e valor de troca. Em Economia Política, usa o termo valor nominal para designar as distorções quanto ao poder de compra do consumidor. Em Sociologia, o valor social é definido em termos de idéias, normas e conhecimentos técnicos. O valor, em Filosofia, recebeu o nome de axiologia, de axios, em grego, o que é preciso, digno de ser estimado. Expressa a primazia do querer sobre o inteligir. O valor não pode ser transformado em conhecimento, pois este envolve o raciocínio, a lógica, a teoria. Pode-se dizer que o valor está mais ligado à intuição, ao sentimento, uma espécie de sexto sentido que os grandes homens da humanidade têm ao se relacionar com um fato qualquer. Eles captam a essência num piscar de olhos. Em termos de construção do conhecimento, a Ciência explica como funciona, o que a coisa é, no sentido de buscar as causas mais próximas. À Filosofia cabe explicar o porquê daquele fato. A ciência é o que é; tem o condão de ser positiva, ou seja, estabelecer hipóteses e testá-las. A Filosofia relaciona-se com o que deve ser, emite um juízo de valor. Isto, contudo, não quer dizer que o cientista não filosofa e nem que o filósofo não faz ciência. Não é porque o cientista fez um corte na realidade, para melhor compreendê-la, que ele não vislumbrou o todo.

909 A separação entre juízo de realidade e juízo de valor é outra dificuldade. Diz-se que a realidade é o que é e o juízo aquilo que dela se pensa. Acontece, porém, que tanto a ferramenta científica quanto a ferramenta filosófica estão relacionadas com o mesmo fato observado, e nem sempre é fácil separar uma análise da outra. Observe, por exemplo, a seguinte sentença: o copo de leite está quente. Nele há um juízo de realidade e um juízo de valor. Pode-se entender que o leite está quente, e não deve ser tomado, ou que o leite está quente, não frio, factível de ser tomado. Há diferença entre o observador e a coisa observada? Krishnamurti, filósofo indiano, acha que o observador e a coisa observada é uma e única coisa, pois não podemos separar aquele que olha do objeto visto. Quando reclamamos de nossas ações, dá-se impressão que a ação não foi cometida por nós, mas por um elemento transcendente a nós mesmos. Dentro desse raciocínio, acabamos achando que sempre estamos com a razão e o outro em erro. É ele que nos perturba, e não nós que o aborrecemos. Onde está a verdade? Como vemos, cada vez mais os valores científicos, filosóficos e religiosos se comprimem no sentido de nos fazer aproximar, o mais possível, à verdadeira realidade, aquela realidade que nos liberta do erro. Fonte de Consulta AGATTI, Antonio Paschoal Rodolpho. Os Valores e os Fatos: o Desafio em Ciências Humanas. São Paulo: Ibrasa, 1977. (Biblioteca Psicológica e Educação, 87) São Paulo, 12/9/2003.

<< = = = (1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. (2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] (3) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (4) AGATTI, Antonio Pascoal Rodolfo. Os Valores e os Fatos: O Desafio em Ciências Humanas. São Paulo: Ibrasa, 1977. (Biblioteca Psicologia e Educação, 87) (5) Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura

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Verdade Verdade. Do latim "veritas, veritatis", com o mesmo sentido. Podemos distinguir duas acepções fundamentais do termo. A primeira é a acepção epistemológica, pela qual a verdade é a adequação entre a inteligência e a coisa, e se opõe ao erro. A segunda é a acepção moral, pela qual a verdade é a adequação entre a inteligência e a sua expressão manifestativa e, nesse sentido, se opõe à mentira. (1)

Figura Ilustrativa (2)

Valor de verdade. Na lógica clássica uma proposição pode ser verdadeira ou falsa. No primeiro caso, diz-se que assume o valor de verdade Verdadeiro, no segundo que assume o valor de verdade Falso. A ideia que está por detrás do termo consiste na analogia entre a atribuição de um destes valores a uma variável proposicional (tal como se faz quando se oferece uma interpretação para uma fórmula do cálculo proposicional) e a atribuição de um objeto como o valor de qualquer outra variável. As lógicas com valores de verdade intermediários são chamadas de lógicas polivalentes. (3)

Verdadeiro. Diz-se daquilo que corresponde à verdade, à realidade, ao existente e como tal se impõe à aceitação. Real, evidente. Ex.: juízo verdadeiro. Autêntico, sincero. Ex.: o verdadeiro motivo, o verdadeiro patriota. “Jamais aceitar coisa alguma como verdadeira que não a conhecesse evidentemente como tal” (Descartes, Discurso do Método). Ver verdade. Oposto a falso. (4) Verdades Primeiras. São proposições ou enunciados considerados evidentes e indemonstráveis. Exemplo: "O todo é maior que suas partes". Sinônimo de princípio ou axioma. A "verdade primeira" de alguém ou de algum grupo frequentemente designa uma opinião ou um preconceito que não se submete ao questionamento. (4)

Verdades eternas. Designam, na filosofia escolástica, princípios que constituem as leis absolutas dos seres e da razão, emanadas da vontade divina e que o homem pode descobrir pelo pensamento. Exemplo: numa figura de três lados retos, a soma dos ângulos internos é igual a dois ângulos retos; pouco importando se tal figura existe ou não fora do nosso espírito. (4)

Verdades Eternas. A noção de "verdades eternas", tal como admitida e usada por vários pensadores pode ser remontada a Platão, mas é mais apropriado começar com Filon e, ainda mais propriamente, com Santo Agostinho. Com efeito, podem-se distinguir a noção de "verdades eternas" e outras noções afins como as de "noções comuns", "ideias inatas", "axiomas", "fatos primitivos", princípios evidentes" etc. —

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todas as quais, além disso, se distinguem entre si. Todas estas noções, incluindo portanto a de "verdades eternas" têm em comum pressuporem que existe uma série de proposições, princípios, "verdades" etc., inabaláveis, absolutamente certos, "universais". Mas a noção de "verdades eternas", pelo menos tal como usada e formulada na expressão latina veritates aeternae, tem, além disso, uma conotação que não se encontra, ou na se encontra sempre, nas outras: a de referir-se a proposições ou princípios imutáveis, necessários, e sempre (ou melhor, eternamente) certos não só porque são evidentes por si mesmos, como também, e sobretudo, porque essa verdade é garantida pela Verdade, ou pela fonte de toda a verdade, isto é, Deus. A noção de "verdades eternas" se parece, pois, mais com a de "razões seminais", muito embora nem sempre coincida exatamente com esta última. (5)

Verdade eterna. Todas são. É um pleonasmo, portanto, mas útil pelo que ressalta. O que é verdade hoje continuará a sê-lo amanhã, senão não seria hoje. Há três árvores no campo: verdade eterna. Daqui a dez mil anos, essas árvores já não estarão lá, nem o campo, provavelmente; mas continuará sendo verdade que estiveram. Assim, a eternidade é o que distingue o verdadeiro do real (ou o tempo, o que distingue o real do verdadeiro). Pois o real muda, no tempo: três árvores, um campo; depois mais nenhuma árvore, mais nenhum campo... Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio real. Mas que uma vez nos banhamos, será eternamente verdade. Os homens passam, e os rios, e o real... A verdade não passará. O verdadeiro é, assim, a eternidade do real (é por isso que coincidem no presente ): é o real sub especie aerternitatis. Até dá vontade de dizer: e o real, a imagem móvel do verdadeiro. Mas já seria encerrar-se no platonismo. O que cumpre entender aqui, e que é a grande dificuldade, é que o verdadeiro e o real são, na realidade (na verdade), a mesma coisa: porque o tempo nada mais é que o presente, que é a própria eternidade. (6) (1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (4) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. (5) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004. (6) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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Vida Vida. Não existe atualmente uma definição suficiente para totalizar os fenômenos (assimilação, crescimento e possibilidade de reprodução) que a experiência corrente classifique com o nome de vida. O problema da origem da vida ainda hoje continua a ser um tema ingrato assim como o da própria vida. À teoria religiosa da criação, o materialismo contradiz no século XX a idéia (não verificável) de uma "célula primordial", e outras diversas hipóteses (por exemplo, a panspérmia, segundo a qual "gérmens de vida" flutuariam permanentemente no Universo e chegariam à terra vindo de outros astros). (1) Conjunto de fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e de reprodução) que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou da produção do germe) até a morte. (2) = = = >>

Vida: Essência e Existência Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito: 2.1. Vida; 2.2. Essência; 3.3. Existência. 3. Vida: 3.1. Caráter da Vida; 3.2. Quehacer; 3.3. Eu e a Circunstância. 4. Essência e Existência: 4.1. A Colocação do Problema; 4.2. O Existencialismo Espírita; 4.3. Comunicação da Essência. 5. As Dificuldades de Compreensão da Vida. 6. Conclusão. 7. Bibliografia consultada.

1. INTRODUÇÃO A vida, como problema, afigura-se-nos a cada instante. Perguntamo-nos: de onde viemos? Para onde vamos? O que estamos fazendo aqui? Qual a essência da vida? Por que existe a morte? Tudo acaba com a morte? E as respostas não são tão fáceis quanto perguntar. Assim, para desenvolvermos o tema em epígrafe, veremos: conceito e etimologia dos termos, a vida em si mesma, a essência e a existência, a convivência com as dificuldades e a ótica espírita 2. CONCEITO 2.1. VIDA Para Legrand, em seu Dicionário de Filosofia, não existe atualmente uma definição suficiente para totalizar os fenômenos (assimilação, crescimento e possibilidade de reprodução) que a experiência corrente classifique com o nome de vida. O problema da origem da vida ainda hoje continua a ser um tema ingrato assim como o da própria vida. À teoria religiosa da criação, o materialismo contradiz no século XX a idéia (não verificável) de uma "célula primordial", e outras diversas hipóteses (por exemplo, a panspérmia), segundo a qual "gérmens de vida" flutuariam permanentemente no Universo e chegariam à terra vindo de outros astros. (Legrand, 1982) Para Lalande, em seu Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia, a vida é um conjunto dos fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e reprodução) que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou da produção do germe) até a morte.

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2.2 ESSÊNCIA Para Aristóteles, a essência é a substância enquanto substância primeira (ousia prote), o ser individual, matéria. O indispensável de uma coisa, a substância segunda (ousia deutera), a forma. Assim, a essência é o "fundo" do ser, metafisicamente considerado. Nesse sentido, opõe-se a acidente, elementos constitutivos de um ser por oposição às modificações superficiais, e a existência, o que é uma coisa, sua natureza, independentemente do fato de existir ou por oposição a ele. Os Escolásticos consideram a essência: todos os elementos que, quando dados, põem como dada a coisa, sem que se possa suprimir nenhum deles. Por exemplo, o ser humano (humanitas), é a essência do indivíduo homem, tal qual é. Husserl afirma, como já fazia Duns Scot e Suarez, a inseparabilidade da essência e da existência. Quer evitar assim a forma apriorística, abstrata, vazia. É a generalidade concreta. As ciências eidéticas de que ele fala são as que se fundam nas essências. As ciências factuais são as experimentais. (Santos, 1965) 3.3. EXISTÊNCIA Existência: ex-sistência (estar aí, Ex, fora das causas), o que acha na coisa, in re. Existência é o fato de ser. Difere de essência, pois a existência consiste no fato de ser da essência. Assim como se pergunta: "o que é o ser?" pode perguntar-se: "qual o ser da existência?" Em que consiste a existência, qual a essência da existência, bem como qual a essência da Essência? (Santos, 1965) De acordo com Régis de Moraes em Stress Existencial e o Sentido da Vida, existir é verbo formado da expressão latina ex-sistere, que, em tradução mais livre, pode ser entendida como: pôr-se para fora (de si), exprimir-se, significar. Ora, pomo-nos para fora em direção a outrem que recebe nossa expressão e acolhe nossas significações; e obviamente esse outrem extroverte-se por sua vez, reage a nós e age sobre nós, significa e comunica-se. É, portanto, a existência essa troca de mensagens e comunhão de vidas, sendo — mais profundamente — a experiência de se vivenciar tudo isto. Eis a razão pela qual há árvores, pedras, mares e nuvens, sem que nenhuma destas coisas exista. (1997, p.18) 3. VIDA 3.1. CARÁTER DA VIDA Segundo Garcia Morente em Fundamentos da Filosofia, o primeiro caráter que encontramos na vida é o da ocupação. Viver é ocupar-se; viver é fazer; viver é praticar. É um por e tirar das coisa, é um mover-se daqui para ali. Porém, se olharmos com mais atenção, a ocupação com as coisas não é propriamente ocupação, mas preocupação. Preocupamo-nos, primeiramente, com o futuro, que não existe, para depois acabar sendo uma ocupação no presente que existe. Pelo fato de escolhermos, de termos um propósito, tanto vil como altruísta, nossa vida é não-indiferença. O animal, a pedra e o vegetal estão no mundo, mas são indiferentes. O ser humano não, ele tem que vivenciar a sua vida. A vida se interessa: primeiro, com ser, e segundo, com ser isto ou aquilo; interessa com existir e consistir. O movimentar-se refere-se ao tempo. Que é o tempo? Santo Agostinho já nos dizia que se não lhe perguntassem saberia o que era, mas quando lhe

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perguntam já não o sabia mais. Por isso, há que se considerar o tempo cronológico e tempo psicológico. Em se tratando da vida, temos de considerar o tempo psicológico, ou seja, considerar o presente como um "futuro sido". No tempo astrônomico, o presente é o resultado do passado. O passado é germe do presente, mas o tempo vital, o tempo existencial em que consiste a vida, é um tempo no qual aquilo que vai ser está antes daquilo que é, aquilo que vai ser traz aquilo que é. O presente é um "sido" do futuro; é um "futuro sido". (1970, p. 308 a 311) 3.2. QUEHACER A vida foi nos dada, mas não nos foi dada feita. Ela precisa ser construída. Para que possamos construi-la, temos que lhe dar sentido e valor. A moral reveste-se de transcendental importância, pois irá determinar todos os nossos atos. Por isso, a moral não pode ser um imposição social, mas patrimônio inalienável do espírito. O quehacer é luta, é garra, é movimentar-se. O quehacer, que é individual, não pode perder de vista o fim total. Deve estar envolto com a cosmovisão transcendental da própria vida. Saber não é erudição: saber é saber ater-se. 3.3. EU E A CIRCUNSTÂNCIA Ortega y Gasset diz que o eu não é apenas eu, mas eu e minhas circunstâncias. Para ele a vida não é teoria, mas realidade. A realidade é tudo que se nos oferece tanto aos olhos físicos como aos olhos espirituais. São os nossos sonhos acordados, os nossos devaneios, a comida que ingerimos, a televisão que assistimos etc. A vida é sempre a nossa vida. Embora devamos respeitar a vida dos outros e não que sejamos o mais importante dos mortais, a vida é sempre a nossa vida, porque é através de nossas próprias lentes que conseguimos ver o "eu", o "outro" e o "nós". Assim, faz muita diferença olhar o mundo sem defesas, sem melindres e sem segundas intenções. 4. ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA 4.1. A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA A vida existe, mas pode não ser vivida. É a indiferença. A pedra, o vegetal, o animal existem, mas são indiferentes. O homem, ao contrário, tem que atualizar a essência e o faz na existência. A atualização envolve a construção do seu destino. Por isso, a contradição entre livre-arbítrio e determinismo. A atuação do homem pressupõe escolha. Escolher é selecionar, é buscar alternativas, é construir. Nesse sentido, a formação de princípios éticos muito contribuirá para uma boa escolha de nossas ações. 4.2. O EXISTENCIALISMO ESPÍRITA Para J. P. Sartre, o indivíduo só vê angústia e desespero. A vida acaba com a morte. O ser é um projeto que se aniquila com a morte. Diz ele que a existência precede a essência. O homem é um ser fático e nada mais. Para o Espiritismo, cada um de nós é um ser que extrapola tempo e espaço. O fato social em que nos deparamos tem uma dimensão cósmica. Somos o resultado de todas as nossas pretéritas encarnações. 4.3. COMUNICAÇÃO DA ESSÊNCIA Uma essência pode se comunicar com outra essência. Em se tratando da Doutrina Espírita, podemos comparar analogicamente a essência (da filosofia), com o conceito de Espírito, anotado por Allan Kardec, na pergunta n.º 23 de "O Livro dos Espíritos" - Que é o Espírito? Resposta - Princípio inteligente do Universo. Para alguns filósofos, como Husserl, a essência não pode ser considerada isoladamente. Ela deve estar relacionada com a existência. Para

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o Espiritismo, o Espírito manifesta-se através do perispírito. Na mediunidade temos o exemplo de que uma essência pode se manifestar à outra por intermédio de uma outra . Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, mostra-nos que o Espírito do médium pode comunicar-se através do próprio médium. É a essência transmitindo através da própria essência. 5. AS DIFICULDADES DE COMPREENSÃO DA VIDA Por que uma essência pura se contamina? Por que existe a doença? Por que as dores e os sofrimentos de toda a espécie? Por que as crises? Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, analisando o problema da idiotia e da loucura deixanos claro que tanto uma como a outra são limitações da matéria e não da essência, que mantém a sua pureza intacta. A comunicação mediúnica dos internados das "Casas André Luiz", que abriga portadores de deficiências físicas e mentais, mostrou que por detrás da deficiência orgânica há um Espírito lúcido em sua manifestação. Por aí, vemos que as doenças são limitações do corpo físico e não do Espírito. Não são poucos os Espíritos, uma vez desencarnado, que voltam a ter a sua procedência normal. 6. CONCLUSÃO Diante do exposto, devemos estar inteiros naquilo que estivermos fazendo. Todos os nossos atos, para se tornarem autônomos, devem ter um livre consentimento de nossa vontade e de nossa atividade. A autonomia da vida é seguir os ditames de nossa vocação. Não a vocação das profissões, mas aquela determinação que está dentro de cada um de nós. Em outras palavras, deve haver concordância entre a nossa vontade e a do Criador. 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares. 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. KARDEC, A. O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Doutrinadores. São Paulo, Lake, s. d. p. LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1993. LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Lisboa, Edições 70, 1982. MORAIS, R. Stress Existencial e o Sentido da Vida. São Paulo, Loyola, 1997. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.

São Paulo, janeiro de 2005.

<< = = = CONCEITO DE VIDA

Vida é o conjunto dos fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e de reprodução), que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou produção do germe) até a morte (1). Não existe uma definição suficiente de vida.

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 CIÊNCIA E FILOSOFIA

Qual a essência da vida? A esta pergunta filosófica a ciência ainda não pode responder, senão por hipóteses diversas. Implica outras perguntas: de onde veio a vida? Qual a origem das diversas espécies? Em Platão a alma preexiste ao corpo. Observe que Aristóteles considerou a alma como uma manifestação do logos (=o princípio da inteligibilidade; a razão), e subdividiu-a em alma vegetativa (a alma das plantas), em sensitiva (a dos animais), e em racional (a do homem). A alma racional, pensante para os gregos, é o Nous, o espírito (2).

 CARACTERES DA VIDA

O primeiro caráter da vida é a ocupação - viver é fazer, praticar. Mas a ocupação é, antes de tudo, preocupação (3).

 EROS E THANATOS

Binômino imaginado por Freud na sua última teoria dos “instintos” a partir do nome de duas divindades gregas, Eros (“desejo amoroso”) e Thanatos (“a morte”) (4).

 ASPECTO CULTURAL

O Dr. Frank Mahoney, professor de Antropologia da Universidade do Havaí, mostrou a diferença entre a cultura americana e a da sociedade Micronésia, a dos Trukeses. Os americanos negam a morte e o envelhecimento; os habitantes das ilhas Truk (Pacífico) ratificam-na.

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Para estes a vida termina aos 40 anos de idade e a partir daí começa a morte (5).

 COM RELAÇÃO À EXISTÊNCIA HUMANA

- Como início de um ciclo da vida: a morte refere-se à imortalidade. Observe, em Platão, a separação da alma e do corpo. - Como fim do ciclo: refere-se aos existencialistas. - Como possibilidade existencial: a morte está presente em cada instante de nossa vida (6).

 ENCARNAÇÃO E DESENCARNAÇÃO

Na encarnação há a ligação do Espírito ao princípio vito-material do germe. A vida começa no ato da concepção. Negam-se, por assim dizer, o aborto, o suicídio, as guerras e a pena de morte. A morte é o desligamento do Espírito pelo afrouxamento dos laços que o prendem.

 A EXISTÊNCIA FÍSICA

Passagem por este mundo de provas e expiações com a finalidade de expiar o passado; submeter-se a nova prova para a evolução do Espírito, ou, ainda, em missão redentora da humanidade.

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 DEIXAR OS MORTOS O CUIDADO DE ENTERRAR OS MORTOS

Esta passagem evangélica mostra o nosso cuidado para com a vida espiritual, a verdadeira vida. Há muitos que estão vivos (materialmente) e mortos espiritualmente. É um tema para vasta reflexão em nosso caminho da vida. A vida não se encontra feita, ela tem de ser feita.

 ALTERNATIVAS DA HUMANIDADE COM RELAÇÃO À MORTE

- Niilista

- Panteísta Dogmática - Individualidade da alma Espiritismo

 NOSSA VIVÊNCIA Há que se viver intensamente cada momento de nossa existência, acatando os clamores de nossa consciência, a fim de que a morte encontre-nos ativos na prática do bem e do amor ao próximo.

VIDA, MORTE E ESPIRITISMO A vida é o conjunto dos fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e de reprodução), que, para os seres que têm um grau de organização, se estende do nascimento (ou produção do germe) até a morte. A morte é a cessação da vida e manifesta-se pela extinção das atividades vitais: crescimento, assimilação e reprodução no domínio vegetativo; apetites sensoriais no domínio sensitivo. Qual a essência da vida? A esta pergunta filosófica a Ciência só pode responder através de hipóteses: uma delas é a cadeia evolutiva do germe trazido de outros planetas. A Filosofia tenta penetrar no âmago da questão. Platão, em seu "Mito da Reminiscência das Idéias", informa-nos que a alma preexiste ao corpo. Ela, antes de

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encarnar, pertence ao mundo das essências - o “topus uranus”. Depois de sua passagem aqui na Terra voltaria ao lugar de origem. A morte pode ser vista sob vários ângulos: 1.º) como ciclo de uma nova vida - tese de Platão: a alma, mesmo separada do corpo, continua a sua existência; 2.º) como fim do ciclo - tese existencialista: tudo acaba com a morte física; 3.º) como possibilidade existencial - a morte está presente em todos os instantes de nossa vida. Segundo a Doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec, fazemos parte de uma única população, denominada espiritual. A diferença é que ora estamos encarnados e ora desencarnados. A morte é a mudança do estado de encarnado para o de desencarnado. Contudo, a essência inteligente é indestrutível e continua a existir além-túmulo. Perceber-se vivo é a grande surpresa daqueles que cometem suicídio. As alternativas da humanidade com relação à vida futura variam de acordo com a concepção de vida adotada. Se materialistas, o nada aguarda-nos; se panteístas, a absorção no todo universal; se dogmáticos, a ida para o Céu ou para o Inferno. O Espiritismo fornece-nos uma expectativa racional: somos uma individualidade e continuaremos a sê-la, no mundo dos Espíritos. E lá estaremos, inexoravelmente, sujeitos à lei do progresso. A vida e a morte fazem parte do processo evolutivo do ser. Encaremo-las de forma natural, a fim de vivermos intensamente os instantes de nossa existência. QUESTÕES 1) Qual o conceito de vida? 2) Qual o conceito de morte? 3) Qual o caráter da vida? 4) Quais são as alternativas da humanidade com relação à morte?

TEMAS PARA DEBATE 1) Deixar os mortos o cuidado de enterrar os mortos. Comente 2) Qual a essência da vida? 3) Vida, morte e Espiritismo. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. (2) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. (3) GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia.

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(4) LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. (5) KUBLER-ROSS, E. Morte - Estágio Final da Evolução. (6) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. << = = =

Vida Eterna. Loc. Rel. Felicidade dos bem-aventurados. (3) Qualidade de Vida. A percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. (4) (1) LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Tradução por Armindo José Rodrigues e João Gama. Lisboa: Edições 70, 1986. (2) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (3) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO LAROUSSE. São Paulo: Larousse, 2007. (4) Organização Mundial da Saúde (OMS).

Violência Violência. Vem do latim violentia, que significa violência, caráter violento ou bravio, força. O verbo violare significa trotar com violência, profanar, transgredir. Tais termos devem ser referidos a vis, que quer dizer, força, vigor, potência. Mais profundamente, a palavra vis significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer a sua força e portanto a potência, o valor, a força vital. O sociólogo H. L. Nieburg define a violência como "uma ação direta ou indireta, destinada a limitar, ferir ou destruir as pessoas ou os bens". O Oxford English Dicitonary define a violência como o "uso ilegítimo da força". Violência é o que se exerce com força contra um obstáculo. Daí: comportamento de uma pessoa contra uma outra que ela considera como um obstáculo à realização de seu desejo. A violência levanta um problema para a filosofia na medida em que nega a consciência e portanto o próprio poder de filosofar. Por isso é concebida alternadamente como de origem puramente natural (Hobbes, Nietzsche), ou como proveniente de uma vida social mal organizada (Rousseau, Proudhon, Stirner). Daí igualmente a ambiguidade do ponto de vista moral a seu respeito: é rejeitada como opressão e

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ausência de direito (Rousseau), ou suas virtudes libertadoras são exaltadas quando se a apresenta como uma resposta a uma violência sempre anterior (Marx). Ma atualidade, refere-se à natureza sem regras.(1)

= = = >>

Violência Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Violência Manifesta e Violência Oculta. 5. Raiz da Violência. 6. Injúrias e Violências. 7. Exercício para nos libertarmos da violência: 7.1. Obediência e Resignação; 7.2. Paciência. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é analisar a violência, tanto material quanto moral, e a possibilidade de nos libertarmos desse cancro que se tornou universal. 2. CONCEITO Violência vem do latim violentia, que significa violência, caráter violento ou bravio, força. O verbo violare significa trotar com violência, profanar, transgredir. Tais termos devem ser referidos a vis, que quer dizer, força, vigor, potência. Mais profundamente, a palavra vis significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer a sua força e portanto a potência, o valor, a força vital. O sociólogo H. L. Nieburg define a violência como "uma ação direta ou indireta, destinada a limitar, ferir ou destruir as pessoas ou os bens". (Michaud, 1989) O Oxford English Dicitonary define a violência como o "uso ilegítimo da força". 3. HISTÓRICO Os antigos gregos concebiam o mundo fundamentalmente com ordem, harmonia, cosmos. Cada ser tinha um lugar destinado e tudo se resumia a manter a hierarquia dos valores e a localização de cada um na totalidade. Essa concepção não implica em luta e violência. No entanto, mesmo entre os próprios gregos surgiu a concepção do mundo como luta de contrários. Heráclito proclamou que a guerra é a mãe de todos as coisas. Em vez de

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ordem, trata-se de um mundo por fazer e que se "faz" precisamente no conflito entre as forças contrárias, do qual brota o novo. Foi este segundo esquema que se impôs nos tempos modernos. Hegel concebeu toda a história como uma luta de contrários em constante autosuperação. Darwin colocou como motor da evolução a seleção natural na luta pela vida. E o marxismo aplicou esses esquemas ao progresso social, que, a seu ver, se realiza através da luta de classes, que dinamiza a história. Hobbes formula a idéia dizendo que o "homem é o lobo do próprio homem". Marx estimula a luta de classes, o capitalismo a luta pelo dinheiro e pelo poder. A guerra faz parte da condição do homem frente a natureza. Em termos da Bíblia, o Antigo Testamento destaca uma das raízes fundamentais da violência: o ódio. Esse ódio nos apresentado como fruto do pecado, sendo, por conseguinte, condenado por Deus (Gn. 4, 1). Coloca as pessoas em posição de opressão. Assim, os justos respondem com ódio ao ódio dos opressores. Amar os ímpios significa trair a causa de Iahweh. O Novo Testamento surgiu em mundo sacudido pelo ódio e pela violência. O ideal evangélico pareceu oposto à própria luta pela vida, que, como já vimos, exige a competição e a rivalidade, voltadas para metas sempre difíceis. (Idígoras, 1983) 4. VIOLÊNCIA MANIFESTA E VIOLÊNCIA OCULTA O ato da criação narrado na Bíblia é um ato de violência, embora não seja um ato manifesto. Observe que Adão e Eva são expulsos do paraíso por desobedecerem a Lei de Deus; não houve, por parte do Criador, nenhum perdão. Além do mais, tanto Adão quanto Eva tiveram que provar o mal para conhecer o bem. O ato violento se insinua, freqüentemente, como um ato natural, cuja essência passa despercebida. Perceber um ato como violência demanda do homem um esforço para superar a sua aparência de ato rotineiro, natural e como que inscrito na ordem das coisas. A guerra, por exemplo, é um ato violento, o mais violento de todos. Contudo, dependendo das razões levantadas (defesa da pátria), torna-se um ato heróico. Matar em defesa da honra, qualquer que seja essa honra, em muitas sociedades e grupos sociais, deixa de ser um ato de violência para se converter em ato normal — quando não moral — de preservação de valores que são julgados acima do respeito à vida humana (Odalia, 1991, p. 22 e 23) 5. RAIZ DA VIOLÊNCIA Podemos enumerar vários tipos de violência: violência agressiva, violência do espírito de competição, violência dos que querem tornar-se "importantes", dos que procuram disciplinar-se segundo um padrão para alcançarem "posição", dos que se reprimem, tiranizam e embrutecem a si próprios, a fim de se tornarem "não-violentos". Os santos, por exemplo, são violentos porque querem disciplinar-se a si mesmos. Onde está a fonte, a raiz da violência? Segundo Krishnamurti, "a fonte da violência é o "eu", o "ego", que se expressa de muitos e vários modos — dividindo, lutando para tornar-se ou ser importante etc.; que se divide em "eu" e "não eu", em consciente e inconsciente; que se identifica, ou não, com a família, a comunidade etc. (1976, p. 67) 6. INJÚRIAS E VIOLÊNCIAS "Haveis aprendido o que foi dito aos Antigos: Vós não matareis, e todo aquele que matar merecerá ser condenado pelo julgamento. Mas eu vos digo que todo

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aquele que se encolerizar contra seu irmão merecerá ser condenado pelo julgamento; que aquele que disser a seu irmão Racca, merecerá ser condenado pelo conselho; e que aquele que lhe disser: Vós sois louco, merecerá ser condenado ao fogo do inferno".(Mateus, 21 e 22) "Por essas máximas, Jesus faz da doçura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência uma lei: condena, por conseguinte, a violência, a cólera e mesmo toda expressão descortês com respeito ao semelhante". (Kardec, 1984, p. 125) 7. EXERCÍCIO PARA NOS LIBERTARMOS DA VIOLÊNCIA 7.1. OBEDIÊNCIA E RESIGNAÇÃO A obediência, que é o consentimento da razão, e a resignação, que é o consentimento do coração são bons auxiliares no processo de libertação da violência. Essas duas virtudes são companheiras da doçura e muito ativas, e a maioria dos homens confundem-nas com a inércia. Muito pelo contrário, há que se ter muita força interior para resistir aos desejos, às paixões ou à revolta ante uma ofensa. O verdadeiro resignado chega até a renunciar ao direito de queixa. Religiosamente considerada, a obediência é submetermo-nos primeiramente à vontade de Deus e, depois, à vontade dos homens, desde que postos hierarquicamente por Deus. O "pecado" surge pela desobediência às leis divinas. Nesse sentido, a resignação é a aceitação serena das conseqüências advindas das infrações cometidas com relação a tais leis. Jesus Cristo é o modelo da perfeita obediência. Obedeceu a Deus, aos pais terrestres e aos seus superiores. Contudo, não foi conivente com a corrupção do povo de sua época. Forneceu-nos o exemplo da humildade, da paciência e da renúncia, a fim de atender aos desígnios do Alto. Sua resignação ante o Pai fê-lo morrer na cruz. Ainda aí não arredou o pé, preferindo o martírio, no sentido de enaltecer a verdade e com isso iluminar os nossos corações endurecidos. (Kardec, 1984, p. 128) 7.2. PACIÊNCIA Talvez queiramos guerrear com o nosso vizinho, chamar-lhe a atenção e dizerlhe muitos impropérios. Contudo, se soubermos esperar o momento oportuno para uma observação, um pedido, uma repreensão, o quadro que era de ódio e de rancor modifica-se instantaneamente. Agindo dessa forma, é possível que os outros nos taxem de tolos, de covardes. Não importa; o que conta é termos a consciência tranqüila ante o dever cumprido; só assim conquistaremos a felicidade que sempre dura. Além do mais, o exercício constante da paciência propicia-nos a fortaleza de ânimo. A vida compõe-se de mil nadas que acabam por nos ferir: ofensas, desentendimento e recusa são, dentre muitos, os problemas que temos de enfrentar. Nesse sentido, lembremo-nos de que nossa evolução não se processa através de facilidades, mas pelas dificuldades que tivermos vencido. Paciência é a virtude por excelência, pois sem ela facilmente sucumbiríamos ante as pedras do caminho. Saibamos confiar em Deus, aguardando no trabalho, a realização de sua eterna Vontade. (Kardec, 1984, p. 127) 8. CONCLUSÃO Saibamos ponderar os esforços para a erradicação da violência. Quem sabe não estamos nos violentando a pretexto de eliminar a violência que há dentro de nós? 9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

924 KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984. IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983. KRISHNAMURTI, J. Fora da Violência. São Paulo, Cultrix, 1976. MICHAUD, Y. A Violência. São Paulo, Ática, 1989. ODALIA, N. O Que é a Violência. 6. ed., São Paulo, Brasiliense, 1991 (Coleção Primeiros Passos, n.º 85)

São Paulo, abril de 2000 << = = = Violência e Educação A violência caracteriza-se pelo autoritarismo na educação, pelo monopólio do poder nas esferas governamentais, pela corrupção dos homens de Estado, pela posse de coisas ilícitas, pelos esforços de santidade, pelo egoísmo material, pelo consumismo exacerbado, pelo individualismo etc. O autoritarismo na educação, uma das formas de violência apontada, pode ser observado na conduta de alguns educadores que, tendo o dever de intervir em vidas através de um convite ao conhecimento, acabam por invadi-las através de um diálogo doutrinante. Agindo desta forma, nada mais fazem do que estender suas próprias confusões mentais. A verdadeira educação, por outro lado, tem como paradigma central ensinar o educando a pensar com a própria cabeça, inclusive estimulando-o a contradizer sempre que sentir que os outros não estão expressando a verdade dos fatos. Os meios de comunicação social têm papel relevante na disseminação da violência, uma vez que dá valor ao extraordinário (assalto, brigas, seqüestro) em detrimento do cotidiano (trabalhar, divertir-se, estudar). Observe, por exemplo, o estímulo de compra: a imagem veiculada pode ser a sugestão ao consumo de bebida, sexo, divertimento etc. Suponha que o receptor da mensagem veiculada não tenha recursos para usufruir do referido bem. O que ele fará, uma vez que o imaginário tornou-se, depois de veiculado, uma necessidade real? Muitos que não têm força moral elevada acabam por aderir ao crime, à violência. O individualismo e o consumismo são outras formas de violência. É que na atualidade há um processo de reificação (coisificação), em que os indivíduos estão se transformando em coisas, inclusive em coisas descartáveis quando já não mais produzem. Confundimos o ter com o ser; por isso a ênfase que damos à posse, ao status social, à riqueza, ao utilitarismo. Nesse sentido, o efeito demonstração da economia assume papel relevante no destaque dos atos violentos. Pensamos: se o meu vizinho tem por que eu não posso ter? Se ele sobressaiu-se na vida, por que eu também não posso? As coisas estimulam-nos a ter, preterindo o ser, bom, amável, atencioso, prestimoso. Distingamos razão e emoção. Desde que surgiu Descartes, e com ele o racionalismo, a razão tornou-se um mito, que nos dizeres de Alceu Amoroso

925 Lima, é tomar o absoluto pelo relativo. Foi isso mesmo o que aconteceu com a razão; elevamo-la à condição de deusa, em detrimento da fé, da emoção e do sentimento. O anseio pelo tecnicismo, pela posse, pelo consumo faz-nos esquecer de que o século XXI, que ora se inicia, será um século de luzes espirituais, em que prevalecerão as coisas do espírito e não as da matéria. A violência apresenta-se tanto de forma ostensiva como de forma sutil. Saibamos detectá-las onde quer que se encontrem, procurando o caminho inverso, ou seja, o caminho da paz, da confraternização e da cooperação mútua. Fonte de Consulta MORAIS, R. Violência e Educação. Campinas, SP, Papirus, 1995. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). São Paulo, 27/04/2001

= = = >> (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Virtude Virtude. Do latim, vir, virtus. A noção exprime em primeiro lugar o poder e mais geralmente a força de vontade (Alain observa que não existe virtude fraca). A virtude designa igualmente e por extensão, a eficácia ou aptidão real para agir que pertence propriamente a um objeto: a virtude de um medicamento, por exemplo. A virtude moral é uma disposição adquirida ou inata habitual para realizar o bem, segundo Aristóteles. Inimiga do excesso prejudicial ela situa-se no meio-termo. (1) Potência, Poder: "A virtude de todo ímã não é doutra natureza que a cada uma de suas partes". Em termos morais, força moral, disposição permanente para fazer o bem ou, especialmente, para praticar certos deveres. (2)

Virtudes Cardeais. As quatro virtudes de que fala Platão em República e que estão entre as que Aristóteles chamava de virtudes morais ou éticas, a saber: prudência, justiça, temperança e fortaleza. S. Tomás procurou mostrar a oportunidade desse qualificativo, demonstrando que só as virtudes morais podem ser chamadas de Cardeais, ou principais, pois só elas exigem a disciplina dos desejos (rectitudo appetitus), na qual consiste a virtude perfeita; por isso,

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devem ser assim denominadas as virtudes morais às quais todas as outras se reduzem, isto é, as quatro acima referidas. (S. Th., II, 1, q. 51) (3)

Virtudes teologais. Foram assim chamadas na Idade Média a fé, a esperança e a caridade, virtudes que dependiam de dons divinos e que visaram obter a bemaventurança a que o homem não pode chegar só com as forças da sua natureza. Por esse caráter sobrenatural, as virtudes teologais distinguem-se das éticas e dianótica (v. dianoia). (3) = = = >>

Virtude: Pesquisa Enciclopédica Sérgio Biagi Gregório

1) Virtude – do latim vir, virtus. A noção exprime em primeiro lugar o poder e mais geralmente a força de vontade. Não existe virtude fraca. A virtude designa igualmente e por extensão, a eficácia ou aptidão real para agir que pertence propriamente ao sujeito: a virtude de um medicamento, por exemplo. Para Platão e Aristóteles, existe, aliás, uma virtude de cada coisa quando esta realiza sua natureza de maneira excelente: virtude do cavalo, que é de correr bem, virtude do homem, sobretudo, que é de desabrochar suas faculdades sob a égide da razão. A virtude moral é uma disposição adquirida ou inata habitual para realizar o bem, segundo Aristóteles. O mesmo autor acrescenta que, inimiga do excesso prejudicial, ela se situa no meio-termo. (Durozoi, 1993) &&&&&& 2) Mitologia. A virtude, filha da verdade, era mais do que uma deusa alegórica. Os Romanos levantaram-lhe um templo. Tinham igualmente erigido um à Honra, sendo necessário passar por uma para chegar ao outro, idéia pela qual pretendiam fazer compreender que a Honra não residia senão nas ações virtuosas. A virtude era representada por uma figura de mulher simples e modesta, vestida de branco, e cuja atitude impunha o respeito. Sentava-se sobre bloco de pedra de forma cúbica, usava uma coroa de louro, ou então empunhava um pique ou um cetro. Era por vezes figurada com asas abertas, a fim de significar que, pelos seus esforços generosos, se elevava acima da vulgaridade. A virtude encontra-se ligada à lenda de Hércules e à de Plutão. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) &&&&&& 3) Entendido de modo geral como disposição habitual e firme para o bem agir, a virtude apresenta obviamente algo de grande importância, tanto para os indivíduos como para a convivência social. Atualização do tema: será humanizante a unificação e estabilização que a virtude inegavelmente aporta, pelo menos a nível de comportamentos? Por outras palavras, a virtude personaliza ou "robotiza"? E não custa compreender a razão desta dúvida, tendo em conta a generalizada identificação de virtude com bons hábitos. Ora, a palavra hábito sugere inevitavelmente automatismo, estereotipia, rotina. (Polis) &&&&&&

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4) Debaixo do pensamento romano a virtude perdeu todo o encanto e graça que comportava a sua acepção grega (Arete). A virtude é uma disposição estável em ordem a operar no bem; revela mais que uma simples potencialidade ou uma aptidão para uma determinada ação boa: trata-se de uma verdadeira inclinação. Esta inclinação pode ser muito mais intencional e voluntária do que natural e sensível: um homem pode agir voluntariamente em uma direção oposta a que impulsionam os seus sentidos. Esta é a razão de que, apesar de sua estabilidade e de seu próprio vigor, a virtude seja com freqüência de caráter conflitivo: é uma luta, uma vitória sobre os atrativos de sinal contrário; a consciência do conflito virtual, de uma oposição interna e externa, da mesma tentação, não é um mal. É um aviso. As virtudes teologais são disposições para crer em Deus (fé), esperar Nele (esperança) e obedecê-Lo por amor (caridade). As virtudes cardeais são os eixos de todas as atividades humanas orientadas para o bem: a prudência regula as atividades da inteligência; a justiça, as da vontade; a fortaleza, as do poder de ação; a temperança, as do desejo. A teoria da conexão entre as virtudes afirma que todo ato moralmente bom é fruto de uma convergência de virtudes porque este deve ser sempre prudente, justo, decidido e temperado. (Chevalier, 1976) &&&&&& 5) Virtudes são todos os hábitos constantes que levam o homem para o bem, quer como indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente. É esse o conceito de virtude (de vir, homem). É a potência racional que inclina o homem à prática de operações honestas, tendentes para o bem. Pode-se, assim, falar de virtudes morais e virtudes intelectuais. As que tendem para o bem honesto são morais, as que tendem para a verdade são intelectuais. Caridade é uma virtude moral. A sabedoria e a ciência virtude intelectual. A caridade é a mãe de todas a virtudes. Ela é a raiz de todas as virtudes, porque ela é a bondade suprema para consigo mesmo, para com os outros, para com o Ser Infinito. (Santos, 1965) &&&&&& 6) A virtude é tudo aquilo que faz com que cada coisa seja o que ela é. Transfere-se ao homem. Este caráter está expresso, segundo Aristóteles, pelo justo meio; é-se virtuoso quando permanecemos entre o mais e o menos, na devida proporção ou na moderação prudente. A virtude se refere às atividades humanas e não somente às morais. Santo Agostinho diz que a virtude é uma "boa qualidade da mente, por meio da qual vivemos retamente". A virtude é, como diriam os escolásticos, e em especial São Tomás, um hábito do bem, ao contrário do hábito para o mal ou vício. Como gênero próximo, mostra-se que a virtude é um hábito; como diferença específica, que é um bom hábito. A concepção moderna da virtude se afasta essencialmente das bases estabelecidas na Antiguidade e na Idade Média. Em seu significado mais geralmente aceito continua sendo definida como a disposição ou hábito de agir de acordo com a intenção moral, disposição moral, que não se conserva sem luta contra os obstáculos que se opõem a tal modo de agir, e por isso a virtude é concebida, também, como o ânimo, a coragem de agir bem ou, segundo Kant dizia, como a fortaleza moral no cumprimento do dever. (Pequeno Dicionário Filosófico) Bibliografia Consultada

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CHEVALIER, Jean (dir.). Diccionario de las Religions. Tradução espanhola por José Miguel Yurrita. Bilbao, Spain: Mensajero, 1976. DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993 GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.] PEQUENO DICIONÁRIO FILOSÓFICO. São Paulo: Hemus, 1977. POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. São Paulo, novembro de 2004

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A Virtude e as Virtudes Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Virtude em Aristóteles: 4.1. O Texto Aristotélico; 4.2. Termos Importantes; 4.3. A Virtude é Média e Ápice; 4.4. A Virtude não é Média, ela é a Média Justa. 5. Virtudes Cardeais e Virtudes Teologais: 5.1. Virtudes Cardeais; 5.2. Virtudes Teologais. 6. Virtudes e Vícios: 6.1. Os Vícios mais Comuns; 6.2. Virtudes e Vícios na Visão do Espiritismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO Ao procurar compreender a virtude não são fáceis as perguntas que a razão humana se defronta: existe realmente a virtude? Em que consiste? Como pode o homem fragmentário em seus atos parciais, encontrar a unidade, o todo? A virtude liberta ou robotiza? O que significa dizer que aquela pessoa é uma “boa pessoa”? Tomemos essas questões como ponto de partida para o desenvolvimento de nossa peça oratória.

2. CONCEITO Virtude é uma disposição estável em ordem a praticar o bem; revela mais do que uma simples potencialidade ou uma aptidão para uma determinada ação boa: trata-se de uma verdadeira inclinação. Para o Espírito Emmanuel a virtude é sempre sublime e imorredoura aquisição do Espírito nas estradas da vida, incorporada eternamente aos seus valores, conquistados pelo trabalho no esforço próprio. (Pergunta 253 de O Consolador) Virtudes são todos os hábitos constantes que levam o homem para o bem, quer como indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente. 3. HISTÓRICO Sócrates (470-399 a. C.) - O estudo da virtude se inicia com Sócrates, para quem a virtude é o fim da atividade humana e se identifica com o bem que convém à natureza humana. Na sua conceituação, comete dois erros: 1) confunde a ordem moral com a ordem do conhecimento; 2) exagerado otimismo.

929 Platão (429-347 a. C.) - Desenvolve a doutrina de Sócrates. Apresenta a virtude como meio para atingir a bem-aventurança. Descreve as 4 virtudes cardeais: a sabedoria, a fortaleza, a temperança e a justiça. Aristóteles (384-322 a. C.) - Ao conceito já esboçado como hábito, isto é, de qualidade ou disposição permanente do ânimo para o bem, Aristóteles acrescenta a análise de sua formação e de seus elementos. As virtudes não são hábitos do intelecto como queriam Sócrates e Platão, mas da vontade. Para Aristóteles não existem virtudes inatas, mas todas se adquirem pela repetição dos atos, que gera o costume (mos), donde o nome virtude moral. Os atos, para gerarem as virtudes, não devem desviar-se nem por defeito, nem por excesso, pois a virtude consiste na justa medida, longe dos dois extremos. Cristianismo - A influência da Sagrada Escritura fez com que se acrescentasse às virtudes cardeais, as virtudes teologais. Santo Agostinho diz que "a virtude é uma boa qualidade da mente, por meio da qual vivemos retamente". Santo Tomás de Aquino diz que "a virtude é um hábito do bem, ao contrário do hábito para o mal ou o vício". Kant (1724-1804) - Entre os filósofos não cristãos dos tempos modernos requer especial atenção o sistema kantiano. Kant, em certo sentido, volta às doutrinas estóicas, enquanto procura formular uma ética que seja fim de si mesma, sem leis heterônomas, nem sanções. Mas a Crítica da Razão Prática, que cria a nova moral, não fala de virtude, mas só de moralidade: esta consiste essencialmente no cumprimento do dever, ou seja, dos imperativos categóricos que a razão autônoma dita. Embora por outros caminhos, caiu no mesmo erro dos antigos estóicos, dandonos uma ética vazia, que se destrói a si mesma, negando todo legislador, toda sanção, todo o fim ulterior de nossas ações. Aspecto Prático da Virtude - Além do aspecto teórico da sua conceituação, estritamente conexo com o sistema filosófico no qual se enquadra a Ética, apresenta um aspecto prático de vivo e permanente interesse: como formar e desenvolver a virtude. É o campo da Psicologia Educacional e da Pedagogia. No educador exige antes de tudo o bom exemplo, tão necessário, especialmente no trato com as crianças, incapazes de longos raciocínios e vivamente levadas à imitação. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo) 4. VIRTUDE EM ARISTÓTELES 4.1. O TEXTO ARISTOTÉLICO “A virtude é portanto uma disposição adquirida voluntária, que consiste, em relação a nós, na medida, definida pela razão em conformidade com a conduta de um homem ponderado. Ela ocupa a média entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta. Digamos ainda o seguinte: enquanto, nas paixões e nas ações, o erro consiste ora em manter-se aquém, ora em ir além do que é conveniente, a virtude encontra e adota uma justa medida. Por isso, embora a virtude, segundo sua essência e segundo a razão que fixa sua natureza, consista numa média, em relação ao bem e à perfeição ela se situa no ponto mais elevado”. (Ética a Nicômaco, II, 6) 4.2. TERMOS IMPORTANTES Para entender corretamente o texto filosófico, devemos localizar os termos mais importantes, e suas noções. Assim: Virtude (arétè) designa toda excelência própria de uma coisa, em todas as ordens de realidade e em todos os domínios. Aristóteles a emprega assim, embora lhe acrescente o valor moral.

930 Disposição (héxis) é definida como uma maneira de ser adquirida. O latim traduziu héxis por habitus. A virtude só será habitus se se retirar desse termo o caráter de disposição permanente e costumeira, mecânica, automática. Mediedade (mésotès): este termo remete tanto ao termo médio de um silogismo quanto à média (ou ao meio termo) que caracteriza a virtude. 4.3. A VIRTUDE É MÉDIA E ÁPICE Como, pois, entender que virtude é média e ápice? Aristóteles parte de um conceito geral e delimita-o depois. Diz, primeiramente, que a virtude é agir de forma deliberada; depois, fala em agir em prol do mais alto bem. Ao falar dela como héxis, enfatiza uma capacidade adquirida, constante e duradoura, o que elimina a pretensa qualidade inata. Assim, ao se comportar moralmente, o homem deve também se comportar racionalmente, ou seja, uma razão que já passou pela prova dos fatos; a mediedade, diz ele, é a que o homem prudente determinaria. E determinaria em função dos homens superiores a ele. Por isso é oportuno aconselhá-los a imitarem os melhores. 4.4. A VIRTUDE NÃO É MÉDIA, ELA É A MÉDIA JUSTA A mediedade opõe-se a dois vícios simétricos: o excesso e a falta. Quais são essas práticas que não são virtudes? Os vícios. Explicação: a natureza moral jamais é natural, e sim o resultado de uma maneira de ser adquirida – para mais ou para menos –, o que representa sempre um excesso. Por exemplo, a coragem é virtude delimitada por essa falta que é a covardia e esse excesso que é a temeridade. A virtude revela-se portanto como um meio termo. A virtude não é assim uma média aritmética dos excessos para mais ou para menos, ela é o vértice de eminência, ou seja, é ela quem diz qual é o vício para cima ou para baixo. O óbolo da viúva, de que nos lembra o Evangelho, vem a calhar: a viúva que deu apenas uma moeda, deu mais do que o rico, pois enquanto este deu o que lhe sobrava, para ela a quantia representava uma privação. (FOLSCHEID, 2002, cap. III) 5. VIRTUDES CARDEAIS E VIRTUDES TEOLOGAIS Desde a Antiguidade até os nossos dias, as virtudes foram classificadas em Cardeais e Teologais. As Cardeais são adquiridas pelo esforço; as Teologais como um Dom de Deus. 5.1. VIRTUDES CARDEAIS As virtudes cardeais são aquelas virtudes essenciais na qual todas as outras decorrem. São em número de quatro: prudência, fortaleza, temperança e justiça. Funciona como uma dobradiça, pois todas as outras devem girar ao redor destas. Isto decorre da etimologia da palavra cardeal (cardo = gonzo = dobradiça). Prudência - É aquela virtude que permite ao entendimento reflexionar sobre os meios conducentes a um fim racional. Fortaleza ou valentia - Consiste na disposição para, em conformidade com a razão, isto é, em atenção a bens mais elevados, arrostar perigos, suportar males e não retroceder, nem mesmo

931 ante a morte. A paciência, por exemplo, é uma virtude subordinada à fortaleza, e consiste na capacidade constante de suportar adversidades. Temperança - Consiste em aperfeiçoar constantemente a potência sensitiva, de modo a conter o prazer sensual dentro dos limites estabelecidos pela sã razão. Assim, a moderação é a temperança no comer, a sobriedade no beber, a castidade no prazer sexual. São aparentados com a temperança: a negação ou domínio de si mesmo, isto é, a vontade de não se deixar desviar do bem, nem sequer pelas mais violentas excitações do desejo. Justiça - Consiste ela na atribuição, na equidade, no considerar e respeitar o direito e valor que são devidos a alguém, ou a alguma coisa. (Santos, 1965) 5.2. VIRTUDES TEOLOGAIS Na Ética religiosa a Fé, a Esperança e a Caridade são chamadas teologais, porque não são elas produtos de um hábito, pois o homem não as adquire através de seu próprio esforço. A Fé é o assentimento do intelecto que crê, com constância e certeza, em alguma coisa. A prudência, a fortaleza, a justiça e a moderação podem ser adquiridas. Ninguém gesta dentro de si a Fé; ou a tem, ou não. A Esperança é a expectação de algo de superior e perfeito. A Esperança não é o produto de nossa vontade, mas de uma espontaneidade, cujas raízes nos escapam, porque não é ela genuinamente uma manifestação do homem, mas algo que se manifesta pelo homem, porque não encontramos na estrutura de nossa vida biológica, nem da nossa vida intelectual, uma razão que a explique. A Caridade é a mãe de todas as virtudes como dizem os antigos, e diziam-no com razão: é a raiz de todas as virtudes, porque ela é a bondade suprema para consigo mesmo, para com os outros, para com o Ser Infinito. A caridade, assim, supera a nossa natureza, porque, graças a ela, o homem avança além de si mesmo, além das suas exigências biológicas. Não são o produto de uma prática, porque pode o homem praticar a caridade sem tê-la no coração; pode o homem exibir uma crença firme, sem alentá-la em seu âmago; pode o homem tentar revelar aos outros que é animado pela esperança, sem ressoar ela em sua consciência. (Santos, 1965) 6. VIRTUDES E VÍCIOS 6.1. OS VÍCIOS MAIS COMUNS Ao longo do tempo adquirimos uma série de hábitos negativos. Alguns deles são visíveis como o fumo e o álcool; outros, nem tanto. É que costumamos disfarçá-los ao máximo, para que não se tornem muito evidentes. Nesse sentido, à gula damos o nome de necessidade proteínica; à lascívia chamamos necessidade fisiológica; a ira é embelezada com a expressão paradoxal: “cólera sagrada”; a cobiça é encoberta com a desculpa da previdência; a preguiça disfarçamos com a necessidade de repouso, quando não com a esperteza que faz os outros produzirem por nós. 6.2. VIRTUDES E VÍCIOS NA VISÃO DO ESPIRITISMO Allan Kardec, nas perguntas 893 e 913 de O Livro dos Espíritos , esclarece-nos este assunto com muita propriedade.

932 893. Qual a mais meritória de todas as virtudes? — Todas as virtudes têm seu mérito, porque todas são indícios de progresso no caminho do bem. Há virtude sempre que há resistência voluntária ao arrastamento das tendências; mas a sublimidade da virtude consiste no sacrifício do interesse pessoal para o bem do próximo, sem segunda intenção. A mais meritória é aquela que se baseia na caridade mais desinteressada. 913. Entre os vícios, qual o que podemos considerar mais radical? Já o dissemos muitas vezes; o egoísmo. Dele deriva todo do mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe o egoísmo. Por mais que luteis contra eles não chegareis a extirpálos enquanto não os atacardes pela raiz, enquanto não lhes houverdes destruído a causa. Que todos os vossos esforços tendam para esse fim, porque nele se encontra a verdadeira chaga da sociedade. 7. CONCLUSÃO O movimentar-se diário produz hábitos. Os hábitos maus enraízam de tal sorte em nosso psiquismo que se tornam extremamente difíceis de serem eliminados. Em se tratando do esforço para extingui-lo, parece-nos que cometemos um erro que já se tornou secular, ou seja, combater a causa pelo efeito. Somente quando tomamos consciência do móvel que produz a ação é que podemos ter segurança na eliminação do efeito. Na realidade, não somos nós que deixamos os vícios; são eles que desprovidos da nossa atração, deixam-nos. 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro, M.E.C., 1967. FOLSCHEID, Dominique e WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia Filosófica. Tradução de Paulo Neves. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Ferramentas) KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965. XAVIER, F. C. O Consolador, pelo Espírito Emmanuel. 7. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.

São Paulo, agosto de 2004

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As Virtudes Cardeais Sérgio Biagi Gregório SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Origem Histórica das Virtudes Cardeais. 4. Sabedoria ou Prudência (1ª Virtude Cardeal). 5. Fortaleza ou Coragem (2ª Virtude Cardeal). 6. Temperança (3ª Virtude Cardeal). 7. Justiça (4ª Virtude Cardeal). 8. A Contribuição do Espiritismo. 9. A Paciência, um Exemplo. 10. Conclusão. 11. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO Presentemente, há um esquecimento da palavra virtude. Diz-se que ela sobrevive apenas nos dicionários. E o que dizer das virtudes cardeais? Elas também estão esquecidas? Como reavivá-las? Quais são essas virtudes, ditas cardeais? Por que o termo cardeal? O que ele quer dizer? 2. CONCEITO Virtude é uma disposição estável em ordem a praticar o bem; revela mais do que uma simples potencialidade ou uma aptidão para uma determinada ação boa: trata-se de uma verdadeira inclinação. Os seus significados específicos

933

podem ser reduzidos a três: 1º capacidade ou potência em geral; 2º capacidade ou potência do ser humano; 3º capacidade ou potência moral ser humano. (Abbagnano, 1970) Cardeal. A palavra cardeal vem de gonzo (dobradiça). São as virtudes fundamentais nas quais todas as outras se apoiam. São as virtudes básicas para toda e qualquer ação do ser humano. As virtudes cardeais são quatro, a saber: prudência (sabedoria), fortaleza (coragem), temperança e justiça. 3. ORIGEM HISTÓRICA DAS VIRTUDES CARDEAIS Platão, no seu livro República, ao reportar sobre as qualidades da cidade, descreveu as quatro virtudes que uma cidade devia possuir. Para ele, as virtudes fundamentais eram: Sabedoria, Fortaleza, Temperança e Coragem. Posteriormente, convencionou-se chamar essas virtudes de cardeais, ou seja, fundamentais, em que tudo o mais devia girar. Observação: Platão desenvolveu primeiramente as virtudes na cidade; somente depois é que as vinculou à conduta humana, pois achava que a conduta citadina ou pessoal não tinha diferença alguma. Na cidade boa e reta, cada qual deve participar da felicidade conforme a sua natureza. Daí, o princípio estabelecido por Platão para reger a cidade: cada qual deve cuidar de agir conforme a sua natureza, ou seja, para aquilo pelo qual nasceu, promovendo a unidade da cidade. Em suas lucubrações, caberia ao filósofo, a tarefa de cuidar do governo da cidade. Achava que os filósofos, por serem sábios, teriam mais condições de encaminhar todas as atividades para o bem comum. 4. SABEDORIA OU PRUDÊNCIA (1ª VIRTUDE CARDEAL) Para Sócrates, a cidade é sábia, pois é dotada de certa ciência, ciência esta que pode escolher o que é melhor, ocasionando a boa deliberação. Participar dessa ciência, a única dentre todas as ciências que deve chamar sabedoria. A sabedoria é saber escolher, o deliberar bem, tendo em vista o todo. A sabedoria faz o guardião (no caso o rei-filósofo) a escolher o que é melhor para a cidade. É também saber se comportar consigo mesmo e junto aos demais seres humanos. (Reis, 2009, cap. I) A prudência, assim, refere-se à conduta racional do ser humano, ou seja, à capacidade de bem dirigir os eventos, tanto pessoais quanto públicos. Não é um conhecimento elevado, uma sapiência livresca, mas o conhecimento das atividades humanas e da melhor maneira de conduzi-las. Prudência (sabedoria) é aquela virtude que permite ao entendimento reflexionar sobre os meios conduzentes a um fim racional. Há uma prudência (sapiência) para conduzir a si mesmo e aos outros. A prudência exige: reflexão, capacidade atencional, para examinar os juízos e as ideias, e acuidade, para descobrir os meios mais hábeis. Sabedoria é uma compreensão superior do mundo e da vida, acumulada através da experiência e da meditação. O trabalho do filósofo é uma ação voltada para a busca do saber. Ironizado e desprezado, vivendo em meio à humildade, à pobreza e à castidade, segue a vocação que o destino lhe traçou. Para Platão, a phronesis (sabedoria), mesmo quando dirige a ação, o faz elevando-se acima de si mesma, isto é, na medida em que é um conhecimento transcendente adquirido na contemplação da Idéia do Bem. 5. FORTALEZA OU CORAGEM (2ª VIRTUDE CARDEAL) A cidade será corajosa ou covarde. Ela tem potência capaz de preservar a opinião reta e legitima. Sócrates compara a coragem à preservação da opinião

934

reta. A opinião reta pode sofrer o abalo das vicissitudes: sofrimento, prazeres, apetites etc. Em linhas gerais, Platão define-a como "a opinião reta e conforme à lei sobre o que se deve e sobre o que não se deve temer" (Rep. IV, 430 b). Como virtude que constitui a firmeza de propósitos, a coragem é considerada a principal das virtudes. Ele diz que o prazer, o sofrimento, o temor e os apetites funcionam como "detergentes que são terríveis para tirar a cor" (Rep. IV, 430 a-b) Platão compara essa força ao guerreiro, que tem a força capaz de preservar a opinião reta e legitima, apesar das asperezas das contradições. Firmeza (coragem) é a capacidade de enfrentar obstáculos. A paciência, subordinada à fortaleza, é a capacidade constante de enfrentar as adversidades. 6. TEMPERANÇA (3ª VIRTUDE CARDEAL) Temperança, segundo Sócrates, é uma ordenação e ainda um poder sobre certos prazeres. Nesse caso, a temperança refere-se à contenção dos prazeres sensitivos dentro dos limites estabelecidos pela razão. A moderação é a temperança no comer; a sobriedade é a temperança no beber; a castidade é a temperança no prazer sexual. 7. JUSTIÇA (4ª VIRTUDE CARDEAL) No estabelecimento da cidade, Platão disse que "cada um deve ocupar-se de uma função na cidade, aquela para a qual a sua natureza é mais apta por nascimento" (Rep., V, 433 c). isto equivaleria também à justiça, pois implica "executar a tarefa própria e não fazer a dos outros". (Rep., IV, 433 a) Pode-se dizer, também, que a justiça consiste na atribuição, na equidade, no considerar e respeitar o direito e o valor que são devidos a alguém, ou alguma coisa. Em se tratando das virtudes cardeais, a justiça é considerada a principal delas, pois se não houver justiça, a temperança, a coragem e a prudência podem encaminhar para os seus contrários, que são os vícios. 8. A CONTRIBUIÇÃO DO ESPIRITISMO Compulsando O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos encontraremos subsídios valiosos para uma melhor compreensão das virtudes cardeais e das que lhe são subordinadas, tais como a paciência, a obediência e a resignação. Os Espíritos de luz, com conhecimentos muito mais apurados que os nossos podem, pela mediunidade, transmitir-nos informações mais relevantes sobre a caridade, a amizade e o perdão. 9. A PACIÊNCIA, UM EXEMPLO "A dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos; não vos aflijais, pois, quando sofrerdes; antes, bendizei de Deus onipotente que, pela dor, neste mundo, vos marcou para a glória no céu. Sede pacientes. A paciência também é uma caridade e deveis praticar a lei de caridade ensinada pelo Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil de todas. Outra há, porém, muito mais penosa e, conseguintemente, muito mais meritória: a de perdoarmos aos que Deus colocou em nosso caminho para serem instrumentos do nosso sofrer e para nos porem à prova a paciência. A vida é difícil, bem o sei. Compõe-se de mil nadas, que são outras tantas picadas de alfinetes, mas que acabam por ferir. Se, porém, atentarmos nos deveres que nos são impostos, nas consolações e compensações que, por outro lado, recebemos, havemos de reconhecer que são as bênçãos muito

935

mais numerosas do que as dores. O fardo parece menos pesado, quando se olha para o alto, do que quando se curva para a terra a fronte. Coragem, amigos! Tendes no Cristo o vosso modelo. Mais sofreu ele do que qualquer de vós e nada tinha de que se penitenciar, ao passo que vós tendes de expiar o vosso passado e de vos fortalecer para o futuro. Sede, pois, pacientes, sede cristãos. Essa palavra resume tudo". - Um Espírito amigo. (Havre,1862.) (Kardec, cap. IX, item 7) 10. CONCLUSÃO Hoje, as virtudes cardeais estão esquecidas e têm apenas um valor fiduciário. Este esquecimento é a origem de muitas desordens, tanto na vida pública como na vida privada. Reflitamos sobre elas e solidifiquemos o seu sentido original, que era o da reta razão e o do crescimento espiritual do ser humano. 11. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984. REIS, Maria Dulce. Psicologia, Ética e Política: a Tripartição da Psykhé na República de Platão. São Paulo, Loyola, 2009. São Paulo, maio de 2010. << = = = (1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. (2) CUVILLIER, A. Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica. São Paulo: Nacional, 1961. (3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Vocabulário Latino de Filosofia Absolutus, absoluto. Este particípio passado passivo, adjetivado, do verbo ab-solvere = "desligar de", não tem equivalente em grego. De modo geral, emprega-se para qualificar aquilo que é considerado indiferentemente de outra coisa, e que constitui um todo autônomo, completo, perfeito. Actio, actus, ação, ato. Segundo Ernout Meillet, "o sentido original de agere, 'impelir para diante', pretendia exprimir a atividade em seu exercício contínuo, ao passo que facere exprime a atividade tal como é captada em determinado instante". Desse verbo, derivam dois substantivos: actus e actio. De acordo com o primeiro sentido do verbo, actus significa em primeiro lugar movimento, depois atividade. Também é possível, como santo Tomás, na esteira de Aristóteles, denominar Deus de actus purus, ou seja, princípio eterno e imutável de movimento, potência infinita jamais "em potência", sempre em ato.

936

Activus. "A filosofia é ao mesmo tempo contemplação e activa: ela observa e age em conjunto". Adaequatio, adequação. Neologismo medieval extraído do verbo antigo ad-aequare = tornar igual a, e ilustrado pela célebre definição da verdade como adaequatio rei et intellectus, conformidade da ideia com a coisa representada, mas suscetível de interpretações múltiplas. Aegritudo, sofrimento moral. Este substantivo feminino, derivado do adjetivo aeger = doente, aplica-se com maior frequência à alma, e designa o "sofrimento moral" - noção que, segundo Cícero engloba o abatimento (molestia), a inquietude (sollicitudo), a ansiedade (angor) - doença que "dissolve", por assim dizer, o homem interior. Aeterna veritas, verdade eterna. A expressão aeterna veritas, "verdade eterna", encontra-se pela primeira vez em De natura deorum de Cícero, em que ela designa o fatum. Mas, quando se fala das "verdades eternas", faz-se geralmente referência a santo Agostinho. Ora, contrariamente à ideia recebida, o teólogo de Hipona jamais empregou do mesmo modo a expressão aeternae veritates; apenas o singular, aeterna veritas, e para significar a Verdade hipostasiada em Deus. Por outro lado, para designar o que na época de Descartes eram chamadas "verdades eternas", ou seja, as proposições necessárias, transcendentes no pensamento, que são o princípio de todo conhecimento, por exemplo, 7 + 3 = 10, santo Agostinho empregava fórmulas como verae atque incommutabiles regulae "regras verdadeiras e imutáveis". Connotatio, conotação. Este neologismo assume uma importância particular na lógica de Guilherme de Ockham. Um termo é conotativo e não absoluto se significa uma coisa x pela qual ele "supõe" e outra coisa y pela qual não "supõe". Consensus, conformidade de opiniões. Se ao leitor faltam argumentos para provar a existência dos deuses, ele pode recorrer a um argumento curto: o do consensus omnium; Platão, Aristóteles, os estoicos, o próprio Epicuro não se privaram de empregá-lo. Curioso, dirá um cético, para filósofos propensos a desprezar a opinião comum. Nietzsche declara abertamente: "O consensus gentium e geralmente hominum (= o acordo dos povos... dos homens) só pode servir equitativamente de aval para uma tolice." Cupiditas, desejo. Este substantivo feminino exprime um desejo violento. Agostinho, ao notar que se estabelecera o costume de se usar a palavra apenas num sentido negativo, quando o seu objeto não era indicado, redefiniu cupiditas como "um amor que aspira a possuir um desejo"; paixão ruim, portanto, se o amor é ruim, a vontade perversa; boa, se o amor é bom, a vontade sincera. Cura, cuidado. Termo ambivalente. Tomado no bom sentido, o termo aplica-se ao cuidado que o ser vivo tem naturalmente consigo mesmo, instinto primeiro, ou ao cuidado com que exerce uma atividade nobre. No mau sentido, cura designa o tormento vão que preocupa e transforma a alma, em particular a inquietação amorosa. O filósofo tentará desligar-se dessas curae para alcançar a securitas, a tranquilidade da alma. Decorum, o conveniente. O adjetivo decorus conota, além disso, a beleza.

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Dictio / -um, palavra dita / o que é dito. Dictio significa particularmente a palavra nome ou verbo - enquanto elemento da frase. Dictum designa o que é dito numa proposição. Finis, fim. Este substantivo significa: 1) o limite de um espaço, donde o fim de alguma coisa ou sua definição; 2) o objetivo último de uma ação. Fortuna, fortuna. Os estoicos atribuem o nascer e o morrer aos destinos e, tudo o que está entre os dois, à fortuna; quer dizer, tudo na vida humana é incerto. Mas depende do sábio, de sua virtus própria, tornar-se independente dessa incerteza exterior: ficar insensível a suas seduções e invulnerável a seus golpes. Habitus, maneira de ser. Cícero dizia: "a perfeição constante e definitiva da alma ou do corpo em certo domínio, como a posse de uma virtude ou de uma arte, ou de qualquer ciência, e também certa aptidão corporal que não foi dada pela natureza, mas adquirida pelo esforço e pela aplicação". Essa significação, mudada por santo Agostinho, permanecerá fundamental nos medievais: o habitus, a ayance (tenência), como se dizia outrora, é certa disposição permanente - boa ou má - que se adiciona à substância do homem, a modifica e lhe confere desenvoltura para agir com vistas a um certo fim. Impositio, atribuição de uma significação a um som vocal. Im-positio designa o ato pelo qual são constituídos os sinais vocais convencionais (secundum positionem), ou seja, o ato pelo qual uma pessoa coloca arbitrariamente uma vox, um som vocal, em uma coisa; a vox passa a ser então uma dictio, um termo que significa. Liber, libertas, livre, liberdade. Para um camponês romano, estas palavras definiam, antes de tudo, um status jurídico, o do homem que não é escravo, servus, e que possui a sua própria terra. Mas para o cidadão romano, a libertas era também, no âmbito da res publica, o direito de eleger os magistrados de sua escolha. E, na língua filosófica, o termo conservará esses dois aspectos: não-submissão a uma determinação estranha a si e poder de escolha do indivíduo. Mens, alma pensante, espírito. Nihil, nada. Princípio básico do De rerum natura de Lucrécio: nullam rem e nihilo gigni divinitus umquam, "nenhuma coisa é jamais engendrada do nada por efeito divino" — repetido sob a forma: nil posse creari / de nihilo, "nada pode ser criado do nada". Epicuro dizia: "nada nasce do não-ente". Notio, notitia, noção, conhecimento. Esses dois sinônimos latinos, que não se corre um grande risco se traduzidos por "noção" ou "conhecimento" - no sentido passivo ou ativo - são reempregados pelos filósofos clássicos, notadamente, Descartes e Leibniz, que os usa expressamente como sinônimo de cognitio. Objectum, objeto. Objectum intervém na terminologia filosófica apenas no século XIII para designar a coisa com a qual se relaciona uma potência perceptiva, ou volitiva. Oratio, discurso. Cícero dizia que o vínculo da sociedade humana é a razão e a oração (ratio et oratio)... os animais são sem razão nem oração. Oratio é o discurso que forma uma combinação de palavras ou, mais estritamente, a frase.

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Passio, paixão. Este substantivo feminino, derivado do verbo pati = suportar, sofrer, só aparece no século II com o médio-platônico Apuleio, que designa a passibilidade da alma e, no plural, suas paixões, mas também as perturbações acidentais sofridas pela natureza. Daí em diante, passio designará a afecção acidental suportada pelo corpo ou pela alma, sobretudo as "paixões" da alma. Atenção! O tema não é necessariamente pejorativo. Philosophia, filosofia. Os latinos empregaram muito cedo a palavra grega philosophia, tal qual ou transliterada. Cícero dizia que a filosofia era o studium sapientae: "O studium é uma ocupação assídua da alma que se aplica com ardor a alguma coisa tendo nisso um grande prazer." Sêneca: "A sabedoria, sapientia, é o bem perfeito do espírito humano, a philosophia é o amor e a aspiração à sabedoria." Similitudo, semelhança. Toda imagem é semelhança, observava santo Agostinho, mas nem toda semelhança é imagem: a imago é uma similitudo expressa, uma semelhança que extrai sua origem daquilo de que ela é a imagem, como a similitudo de si mesmo que um homem produz num espelho, ou a que Deus engendra em seu Verbo. Similitudo designa também a "comparação". e a "imagem" de uma coisa no espírito. Verbum, palavra. Tudo o que é proferido por uma voz (vox) articulada com uma significação percute (verberare) no ouvido para ser percebido e é confiado à memória para ser conhecido (nosci). Vis, força. Nome feminino empregado classicamente em três sentidos: 1.º força; 2.º valor, significação de uma palavra; 3.º caráter essencial de uma coisa. Visum, representação. Particípio passado passivo substantivado de videre = "ver". Para Cícero, é a "representação" de um objeto pelos sentidos. Voluptas, prazer. Esta palavra voluptas tinha algo de "mal-afamada, de suspeita". Segundo o uso de todos aqueles que falam latim, há voluptas quando se percebe uma impressão agradável [jucunditas] que põe em movimento alguma sensibilidade. Mesmo que a palavra possa, em princípio, ser transferida para a alma, ela está muito maculada por conotações sensuais e sexuais para que a identidade estabelecida pelos epicuristas summum bonum = cum voluptate vivere não pareça escandalosa. Vox, voz. Este substantivo feminino designa quer a voz, quer a matéria vocal que dá sua forma a uma palavra, quer, como verbum, a própria palavra, até mesmo uma fala composta de palavras. FONTANIER, Jean-Michel. Vocabulário Latino de Filosofia. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Vontade Vontade. Do latim "voluntas", de volo, velle" = querer, consentir. É a faculdade de perseguir o bem conhecido pela razão. A vontade pode ser fortalecida no indivíduo através da educação esclarecedora e, principalmente, através do combate ao capricho e à

939

obediência passiva, bem como pela formação do hábito de propor a si mesmo tarefas difíceis e de trabalhar até conseguir alcançar o objetivo. (1)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967. (2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Weltanschauung Weltanschauung. (Al.: visão de mundo, cosmovisão) 1. Concepção global, de caráter intuitivo e pré-teórico, que um indivíduo ou uma comunidade formam de sua época, de seu mundo, e da vida em geral. 2. Forma de considerar o mundo em seu sentido mais

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geral, pressuposta por uma teoria ou por uma escola de pensamento, artística ou política. (1) (1) JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

Zetética Zetética. Do grego zetetikós, que busca ou gosta de buscar. É outro nome para designar o ceticismo, ou melhor, o método deste, que consiste em buscar sempre a verdade, sem nada afirmar, inclusive pela própria impossibilidade de alcançá-la. Distingue-se com isso do dogmatismo, que crê haver encontrado, mas também da sofística, que renuncia a buscar. — Para que buscar, perguntarão, se não é possível encontrar? É que não podemos saber, de outro modo, se podemos e o que buscamos. — E como dizê-lo, se não o encontramos? Dizendo pelo menos o movimento da busca, sem detê-lo e sem acreditar totalmente nele. (1) (1) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

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