Paulani, Leda Brasil Delivery

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Cop)'rigln
lvana Jinkings

Editara

Vlvian Miwa Marsushira

Ana Paula Casrellani João Alexandre Pesch3nski

Mareei lha

Raquel S,lbberry Brião

Guilherme Xavier

l.uciana Soares da Silva

Bibiana Leme

alitor;,,1

Coordmafiio rdilon"f

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PrrplITa(iiO

úspa l'rodufiío

Diagrama(iío

CIP·BRASIL. CATALOGAÇÃO·NA.FONTE SINDICATO NACIONAL DOS eDITORES DE LIVROS . RJ

P349b

I. Título. 11. S.:nr.

Paulani, Leda, 1954Brasil Delivery : servidão fioanceira e estado de emergência econômico I l.eda Mana !':lulan;, . São Paul" : Boieempo, 2008.

Inclui bibliografia

(Emou de sírio)

~\..,rno • 200]·.

CDD: 3.l8 .981 t:DU: 338.2(81)

I. Brasil· PulíliQ econômica, 2. Brasil • Condições econ ômicas.

ISBN 978-85-7559-115-4

.t Brasil· Polhio e 08·1168.

011 reproduzida

sema Cllpt= aurorizaçâo da editora,

Todos os direitos reservados . Nenhuma parte adia obra podcrã

se. utilizada

I' edição. maio de 2008

BOlTEMPO EDITORIAL rii?;:':~-=;.;....,-=.:.r.=:...:...:;::=::::::....".q:ingsEditores Associados Lida . ' ud idcs •Je Andrnde. 27 Perdizes 05030·030 510 Paulo SP ~~~----1f--...:::.:;;.;:::...::::...:::;ç,oL.t2x: (11) 386..,·6947 I 3872-6869 [email protected] r.:::;::,::::::=-:~+=;=:::.;;=:::::.:==:t,'WW.boitcmpordiloríal .com.br

Ap~S(lI'afiio

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Bra.sil Daim)': razões, contradições e limites da polüica

econômica nos primeiros seis meses do governo Lula

internacional (um balanço da polírica econômica

o Brasil como pbt:lrorma de valorizaçâo financeira do primeiro ano do governo Lula)

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Em outubro de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil. Menino migranre, vindo do Nordeste pobre para o Sudeste .# co no emblemático "pau-de-arara", torna-se, como muitos outros de idêntica trajetória, operário do centro industrial do país. Carismático .~ ,de fala fácil, transforma-se naturalmente em líder operário, reconhe. 9.do pelas greves em massa que consegue organizar durante o período $.tatorial. Essa quadratura histórica acaba empurrando a jovem lide~~ça para a lida política e daí para a fundação de um partido de opo,'~i~o ao regime militar, Dados sua origem operária e o momento em ~.V~ se constitui, o Partido dos Trabalhadores (P'T) torna-se rápida~iij:§~te, e malgrado as intenções de seu idealizador, referência e abrigo ~:p~ a esquerda de todo o país. assim, pois, embalado no acaso his:r' ~· · ·;- -,; (( • • :·;itq,~.co , que nasce, quase sem querer, o maior partido de esquerda do t~~do" , como o PT chegou a ser conhecido. O desacerto que os 21 anos ~~i;litadura militar provocaram na sociedade civil, moendo sua capaf.J~~~de de organização e de resistência, fizeram do PT a grande legenda 5.~&ual. findo o governo autoritário, praticamente todo o pensamento ~~~~ista passou a depositar suas esperanças. t.~.%~~e grande equívoco, urdido pelas artimanhas ~~ História, desfez~~iffl~ a ascensão de Lula e do PT ao governo federal. Alcançado o

J"'" 1'(:' :~, maior, o presidente Lula e seu partido adotaram a mais conser: . <~~· das políticas econômicas conservadoras já experimentadas pelo '~~ 9filJ;Longe.de ser ~~~ violação de seus mais ~r~s princípios, adota-

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havia colocado o país numa armadilha - ou permanecer nesse caminho, o partido e seu líder maior não riverarn nenhuma dúvida: dando Vaz30 ao conservadorismo que jazia logo abaixo da aparência contestadora trajada ao longo de mais de duas décadas (c que lhes rendera a vitória nas eleições), escolheram a continuidade. Dado o inusitado da situação, podemos dizer, parafraseando Marxo qual assimse expressou em relação às crises monetáriasque de quando em quando se abatem sobre o capitalismo-, que ao susto teórico (e hisrórico) aliou-se o pânico prático, pois, vindo de quem vinha, era evidente que essa escolha implicava o abandono da perspectiva do desenvolvimento, a desistência do alcance de uma soberania que ainda estava por ser construída e a total entrega do país a interesses alheios aos da imensa maioria de sua população. Esse pânico prático, é evidente, não acometeu a rodos indistintamente - tomou de assalto, em especial, aqueles que estiveram envolvidos intelectual e politicamente com a construção daquela suposta opção. Sendo esse o caso da autora destas linhas, tornou-se inevitável a busca de explicações e de uma maior compreensão sobre o que estava de fato se passando. A origem deste livro deve muito a essa procura de informações, de interpretação histórica, de aprimoramento do diagnóstico. Escritos entre março de 2003 e novembro de 200S (com exceção do posfácio, elaborado em novembro de 2007, a partir de artigo redigido em fevereiro de 2007), os artigosaqui reunidos procuraram, a cada momento, dar coma da situação criada com a eleiçãode Lula e com as escolhas feitas por ele para governar o país. Mas, como o trabalho intelectual é altamente socializado, estecompêndio não existiria se, mesmo com o susto hisrórico, o pânico prático e a profunda indignação, não houvesse também um forte estímulo intelectuale demandas de origem váriaque me instaram a pôr no papel e, portanto, a organizar tudo aquilo que vinha atabalhoadamente percebendo e considerando. Assim, minha divida maior é com Paulo Arantes, que, desde nossas primeirasconversas depois da ascensão de Lula, convocava-me a escrever as observações que lhe fazia, em especial aquelas sobre a política econômica do novo governo. Essaconvocação tomou a forma concreta de um convire para escrever um pequeno artigo para a revista Reportagem - excelente publicação mensal paulistana dirigida pelo jornalista Raimundo Rodrigues Pereira e na qual Paulo Arantes organizava um caderno especial de opinião. Um convire para participar de um semi~_ -':.

Apresentação' 9

~~ ..: . ivas de nosso desenvolvimento, e convidou-me a participar

.j;jf.as e ideológicas as mais variadas sobre o governo de Lula e as

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nária em Belo Horizonte, em abril de 2003, organizado pelos professoresJoão Antonio de Paula e Marco Aurélio Crocco, havia me obrigado a minimamente organizar, para preparar a intervenção ~u~ ~i faria, meus argumentos a respeito do caráter do governo que se iruciava, Tendo aceitado o convite de Raimundo e Paulo, retomei aquelas idéias e produzi o artigo encomendado. Ao escrevê-lo deparei com a expressão que cncima este livro e que me pareceu, e ainda me parece. resumir com inequívocaclarezao resultado mais nefasto da opção pela continuidade que Lula e o PT patrocinaram. É mister lembrar que foi um prócer do primeiro escalão desse governo quem afirmou ser delivery a palavra da moda, O que fiz foi juntar numa expressão única, contraditória por definição,asduas metadesdesseprojeto nacional inconcluso chamado Brasil. . Mas "Brasil Delivery" não era propriamente um artigo acadêmico, dado o veículo para o qual havia sido escrito. O professorJoão Anronio de Paulaentra novamente em cena, com a proposta de transformar em livro os calorosos debates ocorridos no seminário de Belo Horizonte, Alongueientão o artiguete que já existia,aprofundei-lhe as considerações de natureza mais teóricae terminei assim, em julho de 2003, ·:(;i,artigo que abre a coletânea. j:;~. No início de 2004, findo o primeiro ano do governo de Lula- com ~t~tados desastrosos no que se refere a crescimento econômico e gez~~o de emprego -, urgia a necessidade de aprofundar a discussão e ·:~ªrnecê-la de considerações teóricas mais robustas. Um convite para ~~frever um artigo para a revistaalemã Prokla, uma amiga dívida com '~1?eriódico brasileiro Critica Marxista e a quarta edição do seminário , ;~Macx internacional", que ocorreria em Paris em setembro daquele f > .. __ .;... ~~:§:9.) combinaram-se para formar conjuntamente o álibi de que eu neJ~~tava para pôr em marcha esseprojeto. É nesse segundo ~rti?o que .if~-m.~ a tomar forma aquilo que já estava em germe no pnmelro , ou . ;&'~~l%t"?- tese de que o Brasil vem se transformando a passoslargos numa ;~P.YitMorma de valorização financeira internacional. }';f~~ agosto de 2004 mais uma demanda, dessa vez formulada pelo ;T.~~!8~or João Sicsü, permitiu-me prolongar a reflexão. Sicsú organi~ri:~~~tão um livro no qual planejava justapor leituras econômicas, p~;-::-'- '

;"t~l,'!me. Sob o pretexto de realizar um balanço do primeiro ano e f~·~~,

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10 • Brasil Oaivay

meio desse governo, regresso aos argumentos anteriores, tomo de empréstimo uma instigante tese de Paulo Arantes, aprofundo a questão teórica da dívida pública e de seu papel na valorização financeira, e está pronto o terceiro artigo. Entrementes eu tocava também, além da atividade acadêmica usual, a presidência da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), entidade à qual me filiei desde seu início em 1996 e da qual fui diretora (l996~ 1998) e vice-presidente (I998-2000). Eleita em junho de 2004 para gerir a entidade no biênio 2004-2006, destaquei em minha proposta de trabalho a necessidade de que a SEr, sem descuidar de seu papel acadêmico de fortalecer o pensamento heterodoxo vis-à-vis a dura investida da ortodoxia, aprofundasse seu papei político. Uma das medidas concretas que [Ornei com esse intuito, junto com a diretoria que comigo se elegeu, foi inscrever a SEP na quinra edição do Fórum Social Mundial, que ocorreria em Porto Alegre, em janeiro de 2005. Entre as atividades que ali propusemos e realizamos houve uma mesa sobre a questão dos novos governos latino-americanos (particularmente o de Lula no Brasil, O de Kirchner na Argentina e o de Tabaré no Uruguai) e sobre até que ponto eles poderiam ser considerados alternativas ao neoliberalismo no continente. Particularmente no caso do Brasil, o aprofundamento dessa discussão mostrava-se de fundamental impor. tância, dada a equivocada interpretação corrente, mesmo entre inrelectuais de esquerda, de que Lula fazia O enfrenrarnenro que era possível à doutrina e aos interesses dominantes, rendendo-se a eles apenas quando não havia outra alternativa. Era essa, portanto, a oportunidade que faltava para colocar no papel a rese de que o governo Lula não só não constituía alternativa, em qualquer aspecto considerado, ao neoliberalismo, como era sua mais completa encarnação. Foi ai que comecei a juntar duas áreas de discussão nas quais vinha militando há algum tempo, quais sejam: a análise do desenvolvimento capitalista no Brasil, de um lado, e a história do neoliberalismo como doutrina e coleção de práticas de política econômica, de outro. O quarto artigo é o resultado primeiro dessa junção e da organização dessa discussão. Seu resultado mais bem acabado está no último artigo (o sexto), escrito. dessa vez, por encomenda da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. entidade pertencente à Fundação Oswaldo Cruz. Em comemoração aos vinte anos de existência da escola, seus gestores houveram por bem realizar um seminário em que se discutisse não só

da Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política.

Apresentação • I 1

educação, não só formação de profissionais para atuar na saúde püblica, mas também o pano de fundo em que essa atividade se ·desenvolve. Convidaram-me, então, por volta de julho de 2005, a escrever um artigo , que deveria estar prontO ao fim de outubro, sobre a dinâmica e os impasses do ncoliberalismo no Brasil. Não poderia haver melhor oportunidade para aprofundar a discussão que eu iniciara na intervençâo feita no V Fórum Social Mundial e que foi publicada no número 16

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Tive aí tarn bém a oportunidade de dar maior curso a outra tese que já havia delineado anteriormente. Mais uma vez instada por Paulo Arantes, fiz uma intervenção, numa atividade promovida pela revista Margem Esq/lerda, na mesma quinta edição do Fórum Social Mundial, a fim de mostrar que Lula fazia uso de um instrumento singular para levar adiante sua política hiperconservadora: a decretação de um estado de emergência econômico. A idéia, então apenas esboçada. enconrrou no artigo escrito para a Escola Politécnica a oportunidade de se desenvolver. Mas, antes disso, uma nova solicitação do professor João Antonio de Paula revelou-se providencial. Preparando, em abril de 2005, uma ·uQY'a edição do seminário ocorrido em Belo Horizonte dois anos ant~ie1e me convidou a escrever sobre a questão dos investimentos no .. . . . . ~~. Atulhada de compromiSSOS, como sempre, aceitei a ernpreua~1inas propus ao professor Chriscy Pato, amigo, interlocutor e secre;~ da SEP, que se associasse a mim nesse projeto. Estimulada pelo _~;~a que me havia sido encomendado e pelo enquadramento geral do ~io, denominado agora "A economia política do desenvolvimen/~J!(o anterior denominara-se "A economia política da mudança"), -i;~'~.~ei um pouco o foco do momento corrente para pensar o curso tt~_ _comecimencos num escopo temporal mais largo. Já que a tese da .~~~~~~o do Brasil como plataforma de valorização financeira interna,:~~~P estava na minha cabeça, pensei de imediato numa primeira se~~ig:ue colocasse lado a lado mais de meio século de informações ?""-;<-., ~~~ formação bruta de capital fixo e sobre as despesas com rendas ~;:~ança de serviços do balanço brasileiro de pagamentos. Intuí tarn,~ (jue seria necessário repensar a questão da "dependência", que em -::,".pio caracterizaria ainda nosso processo de desenvolvimento. O "~:pr Chriscy, hábil em números e computadores e competente no Hàleoria da dependência (defendera em 2004, no Departamento

t2 • Brasil DdilJ
menta: fi opção do governo Lula.

de Ciência Política da FFLCH/USP, brilhante dissertação de mestrado sobre a matéria), era o sócio ideal para levar adiante tais pretensões. Trabalhando juntos, compilamos informações para confirmar a tese da plataforma de valorização financeira, ousamos propor a troca do termo "dependência" pelo termo "servidão" (no caso, servidão financeira) e, como subproduto, numa analogia à descoberta anterior de Caio Prado, deparamos com o sentido da industrialização no Brasil. Esse. portamo, é o conteúdo do quinto artigo, o qual foi publicado no livro organizado pelo professor João Antonio de Paula, com as contribuições do seminário, e que veio a público em outubro de 2005. Contudo, contrariamente ao esperado, o volume não trouxe como rítulo o nome do evento que lhe deu origem (liA economia política do desenvolvimento"), mas o expressivo, e sintomático, Adeus ao desenuoluiFoi mais uma vez Paulo Arantes, que tenho o privilégio de ter como leitor, quem considerou que esses artigos rodos que vim escrevendo desde a posse de Lula em janeiro de 2003 poderiam ser publicados conjuntamente, num único volume. Ponderou que sua publicação na coleção Estado de SItio, por ele dirigida na Boiternpo, viria a calhar. Assim, em meados de 2006, teve início a edição do volume que agora vem a público. Nesse meio rempo Lula se reelegeu, a economia mundial tornou-se ainda mais ambígua - crescendo de modo sistemático como não crescia há pelo menos trinta anos, mas ao mesmo tempo sendo assombrada pelo fantasma de uma crise financeira a ser detonada pelo mercado imobiliário norte-americano - e a economia brasileira experimentou um crescimento menos tímido que, no encanrovern nada alterou o diagnóstico anteriormente feito. Em razão disso, um posfácio tornou-se necessário; este foi elaborado tomando por base um artigo escrito com o professor Rodrigo Alves Teixeira a propósito do lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e publicado na Folha de SPaulo em 10 de fevereiro de 2007 . A generosidade da editora Autêntica, da editora Manole, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da CrItica Marxista e da Revista tÚ1 SEP. que permitiram a republicaçâo dos textos, rornou possíve1 a concretização da idéia de reuni-los todos. A despeito do caráter conjuntural de muitas das observações aqui encontradas, o que predomina são as proposições de caráter estrutural. Por essa razão, e também porque as considerações empurradas pela conjuntura dão conta das

evitar repetições.

Apresentação' 13

São Paulo, dezembro de 2007

circunstâncias em que os artigos foram escritos, eles foram aqui republícados tal como se encontram em suas edições originais. As diferenças eventualmente encontradas devem-se a cortes efetuados para

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BRASIL DEL/IDfr razões. contradições e limites, da política econômica nos primeiros seis meses do governo Lula

11.

Carta Capital de 25/6/2003)

"José Dirceu pronunciou um discurso que nem o Pedro Malan faria..." (Olavo Setúbal, presidente do Conselho de Administração do ltaú, em entrevista

1. A morte da macroeconomia

Desde seu início. em janeiro de 2003, o governo Lula vem praticando uma política econômica de inclinação inequivocamente liberal, confirmando o que muitos esperavam, alguns com angústia. outros ,tom alívio, Teses e argumentos incansavelmente defendidos ao longo ' a os oitos anos de governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), sempJ:e criticados pelo Partido dos Trabaihadores, são age ta afirmados pelo 'g~~no deste último com desconcertante naturalidade. :_;1fM.t~reditam alguns que a gestão Lula será ainda mais liberal que a de :j~~~r~ntecesso r, pois conseguirá levar a cabo uma série de transforma{;~ com as quais FHC apenas sonhou. Angcli, em charge na Folha de ,~~~~Jo de 26 de abril de 2003, traduz à perfeição essa expecrariva: ~~sre~ando sobre o retrato presidencial, o primeiro indivíduo toma ~:;~~:por um sósia de FHC; o segundo, em dúvida, argumenta que , .'l<.•, .:s.rj}.,~~)~ mais gordinho"; ao que e terceiro retruca: "que nada , este é o *~§~'yerdadeiro" . '1?-f.~~~W~da que não seja uma completa surpresa - para alguns, essa mano.~~'i~\~~ca1 já estava em germe no início de 2002 e, para OUtros, antes '~Ili~~~~~disso -, o cenário impõe reflexão: quais as rnzões de tamanha i-;~=f;~ }~qu ais os limites dessa políricai , -'. }hecemos pelas razões, A primeira alegada razão é sobejamente cJ4a. Mesmo o mais distraído observador da cena nacional a ! )lont a da língua. Trata-se da famosa "Tina" (" There is no . )~~"). na qual estivemos submersos nos últimos oito anos e da !#tos acreditaram que sairíamos, ou, ao menos, ergueríamos ,~ a cabeça. ~. ;

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Brasil Dtlivuy

o primeiro elo da cadeia argumcntariva que Sustenta a força da TIna ~ o de que existe só uma macroeconomia. Repetido hoje de A a Z, ou seja, por economistas das mais variadas filiações ideológicas, o argumento reza q~e não há política econômica de direita, de esquerda ou de centro. Existe a política cerra, tecnicamente (sic) fundamentada neutr~; c existe a política errada, irresponsável, utópica, ingênua: p~pUIIS[a. Por,tanto, todo e qualquer ajuste só pode se dar na esfera rnicroeconômica: o spreadbandrio é alro? - mexa-se na Lei de Falências; a renda é mal distribu ída! - basta "focar" os programas sociais e aumentar sua eficiência; e assim por diante. São intocáveis o ajuste fiscal "duro", o juro real elevado, a polüica monetária conrracionista o câmbio flutuante, a livre movimentação dos capitais. ' Portamo, se só há uma política macroeconômica cientificamente ~mp~vada, um governo responsável, qualquer que seja sua filiação Ideológ~ca, deverá ,adotá-la. O matiz ideológico fica assim relegado à condução de políticas de enfoque microeconômico: mais ativamente "pró-social" para os governos de esquerda (políticas compensatórias erc.), menos preocupadas com o "social" para os de direita I, Não é demais lembrar que essa poltrica macroeconômica, considerada,a única correta porque a única verdadeiramente científica, implica, partlcularm~nte no caso de economias como a brasileira, a extinção do espaço em SI da política econômica: a polüica monetária fica atrelada às metas inflacionárias; a fiscal, aos superãvirs, e a cambial é comanda. da pelo pró~rio mercado. Nesse contexto, aliás, não há rigorosamente nenhuma diferença entre a independência do Banco Central e sua "autonomia operacional" ,

I

Não é preciso dizer o quanto há de ideológico nessa forma de colocar as coisas. Reconhecer a existência do "problema do social" - expressão que vem se consagrando nos últimos anos - implica tomar espuriamente o todo como se fOS5e só Uma parte. e certamente não a mais importante, da questão nacional. Evidente~e~te essa expressão c OUtras que lhe são correlatas não estão desvinculadas da idéia de que 56 há uma macrocconomia. Pelo contrário, das reafirmam a tese de que a economia. macroc:eonomicameme falando. deve ser trarada pelos governos -s:paradamenl<:M do "restante" dos problemas. O conteúdo desse discurso _ que nao P~c ser plenamente descortinado. sob pena de comprometimento de seus pro~SI(OS - é que economia e sociedade devem ser cons ideradas como dois mundos que não Se conectam,

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2. A lógica da credibilidade

Brasil D~/iwry • 17

de abril retirou o viés de alta da taxa básica. mantendo-a, porém. nos

Numa economia como a nossa, ceder aos apelos do crescimento e do aumento do emprego mexendo em qualquer dos dogmas da polüica econômica cientificamente comprovada implica pôr em risco a "credibilidade", segundo elo da cadeia argurneritativa que sustenta a Tina. A necessidade de recuperar a "credibilidade" do país foi e é utilizada como justificativa número 1 para a manutenção e mesmo a exacerbação, neste início de governo, da política econômica operada pelo governo FHC. Mas, colocada dessa forma, ela gera a expectativa de um espaço para a alteração dessa política, uma vez recuperada a dita credibilidade. A queda acelerada do risco-país, a recuperação do preço dos C-Bonds (títulos brasileiros negociados nos mercados internacionais) e a tão festejada valorização do real começaram a apontar para ~o pelo menos desde o início de abril de 2003. Os jornais passaram a .~r que "o Brasil virou moda em \'V'all Srreer" c que, para os investidores estrangeiros, "Lula é um bom negócio". " Teria chegado ~om isso, finalmente, a hora e a VC2 da política eco':~~mica indurora do crescimento e do emprego? Lcdo engano. Além tomar nenhuma medida sinalizadora de uma tal política nas ;~~.ais áreas (como, por exemplo, a fiscal), no que tange à sua face mais )~YMlyel. a área monetária. também nada mudou. O Comitê de Política .#M çp.etária (Capam), desde então, manteve praticamente inalterada a :~'Yt.~ásica da economia em torno dos 26% ao ano", uma elevação de :::ffi.~:~ tos percentuais ern'relação à taxa vigente em julho e de 4 pontos ;,~.~_~~ntuais em relação à vigente em dezembro de 2002. ~~~~IQ equivoco, porém, não é de quem manteve a política monetária, j.:~~-~~~ara não dar margem a dúvidas, impôs, em fevereiro, mediante o . i$to do compulsório dos bancos, um cone de liquides que atin;'[; m_ ~~~ase 10% dos meios de pagamento da economia. O engano é de :~!:~~~i~~acredi{QU ou acredita que a rendição do governo petista ao can:_;d~~.reia ~o discurso lib~~~l é apen~ tem~orári~ : estratégica, n:'~}'-?:~~~'':f'~,,: para fazer a travessia c garantir uma rransrçao sem traumas .

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i'i!quc: VigoraV;lm desde fevereiro. A reunião de maio não mudou nada nessa -,~. : e a reunião de j unho cortou irrisório 0.5%,

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18 • Brasil Drlivt'ry

As autoridades econômicas deixaram muito claro. desde o início da gestão Lula, que seria esse o modelo a ser seguido e que, porcanto, a recuperação da economia do país, a retomada do crescimento e a redução do desemprego teriam de se encaixar dentro dessas regras ou então não se efetivariam. Em texto recente". o professor João Machado Borges Neto mostra, com profusão de detalhes, o passo a passo da conversão perista aos ditames da política liberal. Numa acurada análise do discurso de posse proferido pelo ministro Antonio Palocci em 2 de janeiro de 2003, Borges Neto indica que há uma confusão no que se vem entendendo por "transição". O mandatário número 1 do ministério mais importante da área econômica deixou claro ali que a tão esperada transição se refere à superação das dificuldades de CUrtO prazo, dentro do mesmo modelo, que, segundo o ministro, é aquele que respeita os "princípios básicos da política econômica". Não se vislumbra, portanto, no horizonte da atual gesrão. nenhuma mudança de modelo". Posição coerente, sem dúvida, visco que qualquer sinalização, por tênue que fosse, na direção de uma efetiva mudança, invertendo prioridades e dando primazia à recuperação do crescimento e do emprego, poria por terra essa tal "credibilidade". De fato, a lógica segundo a qual ela opera não permite calviolação. Uma vez. conquistada, a "credibilidade" cobra um preço alto pela fidelidade: a manutenção de rodos os mimos que permitiram sua conquista, a saber: a política monetária contracionista, o juro real elevado, o ajuste fiscal duro etc. Portanto, equivocou-se quem esperava por uma mudança efetiva. Crescimento econômico e redução do desemprego serão aqueles que o modelo permitir. Nesses marcos, eles nunca poderão ter primazia, ou seja, nunca passarão a ser o objetivo número 1 da política econômica, simplesmente porque isso é incompatível com os "princípios básicos" do modelo adotado. Em poucas palavras, se for possível obter também esses J MUm governo contraditório", &visla tÚz Sociedade Bmsileira dt' Economia Politica. n. 12, jun. 2003. • O secretário de política econ ômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa. afirmou em uma entrevista esperar que o Brasil cresça em 2003 mais do que "vem crescendo recentemente", "Mas, no caso de o Brasil não voltar a crescer, o governo rem um plano B?", pergunta o repórter. "Não rem plano B. Isso faz parte de especulações naturais que sempre ocorrem", foi a resposta de: Marcos Lisboa. C( "Brasil esrá menos dependente. crê Lisboa" (entrevista concedida a Guilherme Barros). Folha dt' S.Pnulo. 17/3/2003. p. B6.

Brasil Delillt'ry • 19

3. Brasil Deliuery, ou para que serve a credibijidade

resultados, por pífios que sejam, ótimo. Se não ... paciência, Mas, sendo assim, de que serve a mo buscada c defendida credibilidade?

__

Se não é para permitir prioritariamente a retornada do crescimento econômico e do emprego, de que serve a conquista dessa tal credibilidade? Perguntemos, em primeiro lugar, por suas conseqüências. A mais badalada delas foi a súbita engorda da balança de capitais nos primeiros meses de 2003, o que explica, como se sabe, a acelerada queda de valor da moeda norte-americana que se seguiu. Mas que dólar é esse? "País atrai capital volátil; dólar produtivo seca", diz a rnanchete do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo de 25 de abril. Ao contrário do ocorrido com o capital de curto prazo, cujas entradas cresceram mais de 1.300% no primeiro trimestre de 2003 comparado a-igual período de 2002, a entrada de capital resultante de inves~i~e~. tOS diretos estrangeiros, no mesmo período e comparada a base idênri_.ca, caiu quase 58% . Tal assimetria explica-se, de um lado, pela inevitável _:;átbitragem operada pelos mercados em condições de risco reduzido e :~~X3 real de juros elevada e. de outro, pelo esgotamento da fonte que \ pToduziu, em anos anteriores, os polpudos recursos oriundos de inves~f_tj.~entos estrangeiros diretos (não há mais quase nada para ser 1?iii~rizado, e o capital privado de bom potencial e preços irrisórios já :~~bpracicamente rodo negociado)". --1- ' " I . ,:j~~:.~,Ressalve-se , porém, que, mesmo que os recursos em te a tivessem se ~~ê~ginado da banda saudável da balança de capitais, as conseqüências,

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_} )~~=-1Nleforma da Previdência, na forma como estâ sendo proposta, com a insistência __~~!"'::"':f~q::rcgime único ou assemelhado e com a insistência na fixação de um teto basran_ a;'~ ~~~Fu:tid o para os benefícios a serem pagos pelo E.sta~o. deverá. rcdund.ar num ,. :-~t:"i;- - ._ . 1~~ de abertura à exploração por pane do selar privado nacional e Interna~~~ ' ~iifald c um mercado previdenciário substantivo, então "monopólio" do Esta;e~-..:: ~~~goatudo . não se rraea al de uma privatiução :10 estilo convencional, mas da ':J' -,~tuição, pata o setor privado, de uma espécie de reserva de mercado. na qual :Jóg~.nunidadcs de ganho podem ser bastante promissoras, já que são cerca de lá~õcs de servidores públicos no pais. A criação de fundos de pensão com~t:U'es para servidores públicos. geridos pela iniciativa privada, alids, é mP~misso que f.u pute do acordo do Brasil com FMI assinado em agosto _"~O{j~ e que foi tranq üilamente acatado pelo governo do PT na revisão feita ·~ . .. .. de 2003 .

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do ponto de vista da performance futura das comas externas, seriam praticamente as mesmas, a saber: valorização da moeda doméstica e piora nos resultados da balança comercial e da balança de serviços não-fatores. Daí à decisão de financiar com recursos provenientes da movimentação de estoques o pesado déficit em transações correntesportanto, déficit de fluxo - do balanço de pagamentos é só um pulinho. Não há espírito que resista a tamanha tentação . ainda mais se junto com ela vem o brinde da moeda doméstica revalorizada, que sustenta a ilusão de que um pais como o Brasil possa ter uma moeda de verdade, ou seja. incondicionalmente conversível. O ideário vigente nunca associa responsabilidade fiscal e "macroeconômica" (sic) à responsabilidade cambial. Que os recursos que têm feito a festa do governo c da mídia. sobretudo a televisiva, venham não do lado saudável, mas do lado cigano, volátil. especulativo da balança de capitais. só agrava a situação. Caído em tentação, o país descuidará, mais uma vez, da divisa boa, que cria demanda efetiva e impulsiona crescimento e emprego, e estará definitivamente nas mãos do mercado, inteiramente refém de seus caprichos, Além de tudo, a tão decantada credibilidade pode ir à lona subitamente se. por uma razão qualquer, fundamentada ou não. verdadeira ou forjada, os mercados, hoje tão bern-humorados com o país, resolverem mudar de humor. Já vimos esse filme antes, por sinal muito recentemente, e sabemos que triste fim ele tem. Mas por que não intervir? Não detém o Banco Central os instrumentos que lhe permitem enfrentar tanto quedas quanto elevações exacerbadas do valor da moeda doméstica? Aliás, não age ele sempre assim e quase automaticamente quando o movimento se dá no sentido inverso? Interlocutores de peso têm feito tal pregação. mas mesmo assim as autoridades econômicas não se dispuseram ainda a operar a reclamada intervenção. Parece-lhes uma heresia impedir a valorização da moeda nacional, mesmo que ela ocorra por obra e graça de capitais ariscos, pouco confiáveis e dispostos a dar no pé ao primeiro sinal de perigo. Não é demais, diante disso. relembrar o lamento de Celso Furtado em entrevista concedida ao jornal Vawr em junho de 2000: "Ago~ ra, o Brasil chegou ao extremo [...]. O triste é imaginar que um país em construção seja entregue ao mercado". Mais triste ainda, podemos completar agora, se essa entrega for patrocinada pelo governo de um partido que nasceu, cresceu e fortale-

BrasiI D~li lia, • 2 I

ceu-se na luta pela construção de uma nação soberana. capaz de tratar com dignidade todos os seus cidadãos", A "credibilidade", em cujo nome são exigidos tão pesados sacrifícios, é necessária para manter a vulnerabilidade do país, não sua estabilidade e a susrentabilidade de seu crescimento, incansavelmente reivindicadas pelo PT ao longo dos oito anos do reinado de FHC. É claramente falacioso, pois, o argumenta da credibilidade, assim como falaciosa é a tese de que só há uma macroeconomia. Esta última só se sustenta, se é a manutenção desse cipo de credibilidade o que está no horizonte. E a credibilidadel vulnerabilidade de economias como a brasileira é necessária para a valorização dos capitais especulativos que hoje dominam o processo de acumulação, como necessários são as crises, as turbulências, os súbicos movimentos de preços das moedas fracas, as elevadas taxas reais de juros etc. t. precisamente isso que produz a engorda do capital especulativo no mundo e o torna cada vez mais poderoso. .' A afirmação perem prória de que existe uma única macroeconomia, independentemente da intenção com que é feita, esconde, atrás de sua . - ~'~parente recnicidade e neutralidade, o beneficio de interesses muito <~ed6cos, que estão em linha com a virada pró-acumulação financei ·r 'raido capitalismo mundial que começa no fim dos anos 1970 , devasta ~i.;~'América Latina nos anos 1990 e ainda está por aqui, firme e forte. A

.-j'SitqVtica econômica do governo do PT fortalece esse ide ário, visto que :ift:r~.Habraçada e é defendida e a~licada pelo maio~ parti~o de esquerda .~!j-~~~;tnundo no governo do rnaror país da América Latina, ganhando :~%~~~ um inestimável reforço em sua imagem de política cienrifica;~91~te comprovada.

";k~.ji!,ãlve7. fosse possível argumentar que. independentemente da .

'~~~~p.g~o impôs-se como necessidade, dada a "herança. maldita" que o

.*~~ejJI:~ dcita vontade do partido e do presidente eleito. a adoção desse

,.~4~'~~}'Jt.,~ 0 anterior deixara. E como uma vez que se embarque nesse b~n­ H~~~:~~~~ é possível dele saltar sem provocar um tumulto talvez maror ~~~~1§~~~B~~ o que se tentou evitar, o governo Lula teria decidido de uma

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~~.l!.o Otaviano Canuto, secretário de Relações Internacionais do Ministério ...)lnda: "A palavra-chave é deliverv, como bem empregou um analista de Wall -<••' )1 ... ;"';: tA gente está prometendo e a geme está entregando" (eirado por Paulo ~t1l Batista Jr. em "Paciência!", Folha ck S.PallfD. 10f4/2003, p. 84).

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22 • Brasil Delivay

firmemente, por mais que reconhecesse que de não é o ideal para isso, encaixar aí seus verdadeiros objetivos (crescimento econômico, recuperação dos níveis de emprego, disrribuição de renda etc.). Se comprovada, a tese traria pelo menos um alento: a escolha, pelo governo do PT, do modelo anticrescirnenro poderia ser considerada uma irônica fatalidade. É esse, como se sabe, o tipo de argumento que tem sido utilizado pelo governo: já que o país se desfazia como gelatina em janeiro de 2003 , tomar qualquer medida que jogasse mais lenha na fogueira da desconfiança seria uma temeridade que poderia colocar em risco a própria governabilidade. A queda do risco-país, a revalorização do real etc. seriam a comprovação do acerto da escolha. Mas serão verdadeiras as premissas desse argumento? Já se demonstrou de maneira inequívoca que o país estava à beira do precipício no início da gestão Lula? Veremos que não. E não se provoca com isso nenhuma rninimização dos descalabros cometidos pela gestão anterior. As perversas conseqüências para o país da política adorada pelo governo FHC são de natureza estrutural, enquamo o argumento com o qual se justifica a ortodoxia do início do governo Lula é de natureza indiscutivelmente conjuntural. Vejamos. 4. Dezembro de 2002: o Brasil à beira do precipício? Que problemas podem se agravar num país como o Brasil a ponto de se dizer que ele está à beira do precipício e que por isso se requer a adoção de medidas drásticas para reverter o quadro? O primeiro pro~ blerna, sem dúvida nenhuma, é o risco da inadimplência externa, o famoso tÚfau/t, que o jargão econornês houve por bem consagrar. Outro é o descontrole inflacionário, capaz de desorganizar o sistema produtivo e parar o país. Vejamos cada um deles. A piora estrutural das COntas externas do Brasil é certamente uma das mais perversas heranças legadas pelo governo FHC. A abertura externa estabanada, além de elevar a dependência do pais em setores estratégicos como os de insumos básicos e bens de capital, produziu um substantivo estoque de capital privado nacional bom e bararo que foi parar nas mãos do capiral estrangeiro. O processo de privatíza çâo das estatais produroras de serviços industriais de utilidade pública impôs a elas o mesmo destino. Como resultado, a balança de serviços é hoje muito mais pesada, por coma do aumento do déficit na balança de

Brasil Delivay • 23

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rendas, resultado inescapável da duplicação do passivo externo líquido do pais. Além disso, agora muito mais do que antes, o crescimento do , produto depende das imponações. . O déficit da balança de rendas (lucros, dividendos e juros), que .girou em torno de US$ 11 bilhões ao longo dos anos 1980 e 1990, at.é : 1996, salta para a esfera dos US$ 15 bilhões em 1997 e para US$ 19 bi·lhões a partir de então. Esse estrago estrutural teve um componente \:adicionaL. de natureza conjuntural e de enorme peso, com os quatro :;:''anos e meio de moeda nacional artificialmente valorizada. Daí os f;.inegadéficits em transaç ões correntes que passaram a ser produzidos", -;rOcomponente conjuntural foi resolvido com a desvalorização do cârn:~;6io em janeiro de 1999. O estrutural permanece e só com mudanças ::~:êstruturais (redução da dependência, diminuição do passivo externo) ';:,:pp de ser minorado. }~\ Evidentemente, dada a piora estrutural das contas externas, nossa i :7:k lnerab ilid ad e também cresceu e, na presença de componentes :f.n~njunturais também adversos, pode de fato produzir crises que colo:.: "'em o país à beira do precipfcio. Depois de janeiro de 1999, o Brasil 'iJi:i :':;>"~de recorrer ainda mais duas vezes ao FMI, ameaçado que estava de .: ~~ honrar seus compromissos externos. A primeira delas foi em ju'~ '~de 2001, quando o governo FHC, vendo cair por terra suas ex"'. tivas quanro ao volume de recursos de investimentos externos os que o país receberia, decidiu preventivamente recorrer ao Funbtendo US$ 15 bilhões . A segunda vez foi precisamente em agos":2002, quando a turbul ência eleitoral provocada pela liderança de . pelo terrorismo que se fez em torno disso fez. subir risco-país, orizou os títulos brasileiros no mercado externa e, em conseqüêntraiu a entrada de recursos na balança de capitais . Foram então

~[!? Fundo de vaiares referentes a empréstimos anteriores.

..ps US$ 30 bilhões, entre saques e postergação de pagamento ao

1n.armos a sornaréria do saldo em transações correntes do Brasil no período '~ 9 3 , chegaremos a um déficit total de US$ 1.3 bilhão no período. Se -.. o mesmo exercício para a década seguinte. ou seja. para o período 1994· , ndo para 2003 o mesmo déficit verificado em 2002 (US$ 7,7 bilhões). . o é um déficir total de US$ 196 bilhões. isto é. um resultado 150,8 vezes ue nos dez. anos anteriores.

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24 • Brasil Ddivay

Assim, se houve algum momento em que se pôde considerar que o país escava à beira do precipfcio (leia-se: à beira da insolvência externa), ~res[es a reduzir suas reservas abaixo do mfnimo exigido pelos orgarusrnos internacionais, esse momento foi em meados do ano, ou seja, julho e agOStO, culminando com a assinatura do terceiro acordo com.o FMI no exíguo período de três anos. Poder-se-ia argumentar que ISSO não teria sido suficiente para tirar o pafs dessa situação, uma vez que o valor em reais do dólar norte-americano continuou a subir, enquanto o risco-pais não cedeu. Mas serão esses bons indicadores para o que se está querendo medir? A verificaçãodo cornporrarnenro do nível de reservas não produzirá uma indicação mais concreta? Quando Se observa essa variável, porém, o que se nota é que ela apresenta um comportamento surpreendentemente estável ao longo de 2002, com níveis muito semelhantes aos verificados durante 200 i. As reservas começam o ano em cerca de US$ 36 bilhões (a média de 200 I foi de US$ 36,3 bilhões) , oscilam para US$ 33 bilhões em abril e maio, alcançam a faixa dos US$ 40 bilhões em junho e julho , ficam na esfera dos US$ 38 bilhões em agosto e setembro e dos US$ 36 bilhões no bimestre segui me, fechando o ano com US$ 37,8 bilhões. Notese, além do mais, que fez parte do acordo com o FMI a redução de US$ 10 bilhões no nível mínimo de reservas exigido (que cai enrão para US$ 5 bilhões), uma cautela adicional que, como se vê, o Brasil não precisou utilizar. Em dezembro de 2002. portanto, do pomo de vista das condições necessárias para honrar os compromissos externos, a situação eslava equacionada. Além disso, e este talvez seja um elemento ainda mais importante, a balança comercial vinha apresentando resultados absoIU.tamente su~r:endentes, sup~rando em cerca de 50% as previsões fCitas pelo propno governo. Assim, do ponto de vista da performance finura das contas externas, em dezembro de 2002 as expectativas eram muito melhores do que as existentes, por exemplo, um ano antes, quando se esperava um resultado positivo nessa área, porém não na magnitude do eferivamenre obtido. Em outras palavras, isso significa que, com o acerto do câmbio, as conras do comércio exterior começavam a caminhar na direção certa. ~ bem verdade que a redução no ritmo do crescimento econômico em 2002 deu uma mãozinha para a obtenção de resultados tão favoráveis, visto que reduziu o dispêndio previsto com as importações. Po-

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Brasil DajlJ~ry • 25

rérn, analisando os dados dctalhadamente, percebe-se que o resultado mais expressivo paI
fevereiro.

,~" ~~,- ",-k:-ais substantivamente elevados teria se imposto como necessida"' ":_~em como a elevação do compulsório dos bancos implementada

f;f "" ~'Wdade da gestão. Assim, a manutenção dos juros básicos em nftg- '

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I~~de o início, vendeu-se o argumento de que as taxas de juro só ,,~~ baixar quando a inflação cedesse. Por trás dele, encontra-se ~~~rvado r diagnóstico de que o súbito su rto de elevação de pre~~ o país experimentava era decorrente de inflação de demanda, ,~i:s~ nesse caso é que uma taxa real de juros elevada pode ter ~~~pel para resolver o problema, uma vez que inibe os investi-

;J~ pode COnter o consumo, o mesmo podendo ser dito do corte :' ez, S6 nessas condições, aliás, é que poderiam ser constituí-

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26 • Brasil Dai,,", ~os novamente mecanismos informais de indexação que voltassem a Jogar para a frente a inflação passada, reinaugurando um movimento muito conhecido da economia brasileira. Mas como defender um tão ímplausível diagnóstico com a economia estagnada e o desemprego batendo recordes atrás de recordes? De onde poderia estar vindo tamanha pressão por reajustes de preços, de modo que comprometesse a estabilidade monetária do país? . Evidentemente o problema não era esse. Como é sabido, por conta Justam.ente da turbulência provocada pelo processo eleitoral. o preço e~ re:als da moeda norte-americana disparou a partir de junho de 2002. atl.ngmdo quase R$ 4 em setembro. Com a defasagem que sempre existe nesses :asos, os índices de preços passaram a incorporar esse choque a parnr de outubro/novembro. Acrescente-se aqui que, na cesta de ~ens que dá a base para esses índices - e, portanto, também para o Indice de Preçosao Consumidor Amplo (I PCA) do IBGE, que é o índice acompanhado para efeitos de controle das metas inflacionárias -, têm peso muito substantivo as tarifas de serviços industriais de utilidade pública, bem como os chamados preços administrados. como combusrfvel, gás etc. Nessas circunstâncias. era evidente que a absorção total do choque provocado pela elevação súbita do câmbio, mesmo com sua. redução posterior (ele fecha o ano na faixa dos R$ 3,50), demo~at1a alguns meses, visto que a assincronia existente no processo de reajuste de preços tornaria impossível que todo ele fosse absorvido de ~ma só vez: Portamo, fosse qual fosse a condução da política rnonetária, pelo menos quatro ou cinco meses de índices elevados existiriam como mera conseqüência da elevação do preço do dólar entre junho e setembro de 2002. . Nã~ existia. pois, nenhum indicador de que o processo inflacionáno esnvesse fora de controle. Evidentemente essa elevação súbita de um dos pr~ços mais importantes da economia teria conseqüências do p~nto de vista do comportamento dos índices de preço, mas era perfeitamente possível saber a extensão do estrago. Ele estava limitado a uma reconfiguração da estrutura de preços relativos. que. ao fim e ao c:-bo, não é de todo ruim para a economia brasileira - ao contrário -. VISto que tende a reduzir os vazamentos e engrossar as injeções de de~~~ na economia doméstica. Não existia, por absoluta falta de oXIgemo na economia. nenhuma possibilidade de essa reconfiguração de preços se transmutar num descontrole monetário e/ou desencadear

Brasil Dtlivtry • 27

mecanismos informais de indexação que ressuscitassem a inflação inercial. Na ausência do câmbio. a âncora do sistema de preços estava

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e está na taxa de salário", A correção desse diagnóstico prova·se pela mera verificação da trajetória dos indicadores de preços entre o fim de 2002 e o primeiro semestre de 2003. Todos eles. independentemente da cesta de bens .que lhes serve de base, descreveram o mesmo movimento: elevação a 'partir de agosto/setembro, atingindo pico em novembro. e queda ~acentuada a partir de dez.embro/janeiro. O IPCA do IBGE, por exern,;::plo, que chegou a apresentar um crescimen~o d~ 3,02% e~ novem';bro. caiu para 2.1 % e 2.2% em dezembro e janeiro, respe.c[l~amente. :'.,teduzindo-se de modo sustentado a partir de então. para anngir 0.22% ·de crescimento em maio. O fndice Geral de Preços - disponibilidade :·!l ;.:interna (lGP d.i.), que assustara a todos com seus 4,21 % de cresci) f;Úinento em outubro e 5,84% em novembro, já havia caído parn 2,70% ;$&~m dezembro, experimentando uma trajetória acentuadamente "'~';!Etieclinante a partir de então. a ponto de indicar uma deflação de 0.67% !it~thm maio. Ratificando essa intetpretação, diz a economista Eulina :~~unes'. da.equipe de índices de preços do IBGE, ao comentar a redu~~o no ritmo de aceleração dos preços no início do ano: "A inflação do ano passado foi eminentemente de ' ;!;.tV '::'"..,<"'·' , "10 j;' 7" '~ os. provoca da pe Ia al ta do dói ar.

.~4~~AA9 caiu por acaso. A inflação

de que o

ca~ter

drástico das políticas monetária e fiscal se

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}f!f!.dd .Paulo, 15/312003, Dinhdro. p. .<\. c d • ~o com todas essas indicações e com a intensa queda verific;ula, o chefe a "'.~~o do FMI no Brasil, Jorge Marque:t-Ruarte. foi capaz de drzer, em abril, que ,:_-tinha de ~agir de forma mais agressiva para conlrolar a inflação", dand~ a -:~er que em preciso elevar os juros e cortar ainda mais a liquidez da eccnomia-

~:~ por Chico Santos, ~lBGE rambérn diz que a inflaçáo caiu em fc:vereiro~.

=~::.~uasc: 50% deles.

.' sendo feitos entre t(';l.balnadores e emprega ores, a in açâo ate os saianos

'.0$ jornais têm mostrado que, quando se analdisa o conteflúdo dbos acord.~~~q.ue

': :Ílterruptament e desde [aneiro de 2002. Em abril de 2003. esse valor foi, em ~trnos reais, 7,5% menor do que o valor verificado em abril de 2002. Finalrnen-

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::~~~ ""Wortant O, também nesse caso soa írnplausível o discurso governa-

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--:cio de taxas de ju ros desnecessariamente elevadas. enormes transferências de

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·2~~tual política teria de ser reprovada, dada a irresponsabilidade flagrante. com

-:~~do. mesmo cons iderando dessa forma estreita o conceito de responsabilida-

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~~f!a de S.Pauw, em meados de 1996, que o modelo não era mes-

l~i~nte FHC chegou a dizer, numa longa entrevistaao c~.dcrno Mais!,

impôs como necessidade para "afastar o país do precipício", "estancar A defesadesses interesses, porém, vem sempre embalada na retório processo de dcrre(Ímenro da economia" etc. Mas defender essa interca do respeito no trato da coisa pública, da necessidade de transparênpreração foi funcional para o governo em vários sentidos. Em primeicia austeridade e gestão fiscal responsável, bandeiras extremamente ro lugar, permitiu demonstrar à opinião pública a "correção" e a sedutoras para a esquerda, que sempre as defendeu por aqui em função "responsabilidade" da política adorada ("Viram como a elevação dos da folha corrida de corrupção e desmandos que caracteriza a história juros era necessária?", "Viram como eram necessários os cortes orçade nossa direita no poder. Quem em sã consciência pode ser contra a mentários?". "Esrã ar. Os índices inflacionárioscederam!"). Em seguncransparência e a gestão responsável dos recurs~s públicos,.ainda ~ais do lugar,permitiu também criar um espaçopara a manutenção da taxa ,no Brasil? Mas, como os argumentos são vendidos em conjunto, le-se real de juros em um nível tão elevado quanto estava quando o país . facilmente, por cxernpio. a críticaà política mo nerária por sua demasiamudou de mãos. Com todo o fetiche criado em torno do nível da taxa :' da austeridade como uma defesa da irresponsabilidade na gestão do básica de juros e com o argumento incansavelmente repetido de que : ,:dinheiro público. Confunde-se deliberadamenteo papelda União como ela s6 cairiaquando a inflaçãocedesse, abriu-se um espaço para a redu': -ente da federação - que, enquanto tal, devegerirde maneiraresponsável ção nominal da taxa com a manutenção ou mesmo a elevação de seu , ;:0 5 recursos orçamentários de que dispõe - com o papel do governo nível real. Por exemplo, a reunião do Capam de 18 de junho Cortou .~ ;.Jederal- na qualidade de planejador, de autoridade monetária e produem m~io ?ont~ per~ent~al a taxa Selic, mas, considerando que a ex._-':-tor de moeda e liquida, de gestor do crédito, de guardiãode reservas, de pectanva inflacionãria caru da esfera dos 12% para alguma coisa abaiI~;1ina1izador e promotor dos caminhos que a economia deve trilhar. xo de 8% em 2003, é evidente que a taxa real é agora (meados de ;';~;.~1:;:::· Graças a uma confusão de mesma natureza, assada-se também de junho) muito mais elevada do que no infcio do ano. :i~;~iforma imediata política econômica liberal à estabilidade monetária, Mas se o perigo não vinha do fronr externo nem do descontrole i~~~0~mo se a paiItica econômica não ortodoxa fosse .neceSsariamente C01tmonetário interno, que mais poderia ser alegado? Certamente o risco:li:-'- tfa a estabilidade - cúmplice, portanto, de medidas que, ao fim e ao país elevado, o dólar supcrvaJorizado e o preço reduzido dos rftulos -:1;~-'~ o, levam o país à hiperinflação, Assim, qualquer governo que busbmsileir~s no exterior. Como vimos, porém, a redução do risco-pats e ~~!ili~- uma alternativa será irresponsável, visto que govern? "re~.ponsá­ a revaIonzação da moeda doméstica são antes perversas do que benéfi-:L;~i;'}:~)l:é justamente aquele que evita essa rata, fazendo, para ISSO, tudo o " 'i'! "'~-' '1''-;·. c á . n 11 ~ ao país, Elas podem aprofundar o verdadeiro precipício que é so":i.~f!ji·HIM,.~:lo r necess no . cial e no qual o Brasil está metido há pelo menos uma década, preso _t~~,i: {~Mas essas confusões sãõ, mais do que nunca, funcionais. O gover.\ ,.. >~ ~ •• p que esrã nas armadilhas de um modelo no qual crescimento e emprego :c ::?J.?'t~no';'{àllterior não enfrentava grandes problemas nem entrava em contranão são prioridade. L~f~~~ ao defender e praticar uma polftica econômica de cor~e liberal. q.i~}i~~·,~~unca pretendeu ser de esquerda nem se preocupou efetivamente do país, provocado pela desigua~dad~. que se e "í'i!Unda de modo inescapáve1 com a adoção da política liberal. O

5. A sedução do discurso: a identificação espúria entre gestão responsável e política econômica liberal

Retomando um POnto já anteriormente discutido, a defesa desse ,:,~deIo, que se mostra de validade universal por se apresentar como o urucoverdadeiramente científico, encobre na realidade interesses muito específicos que estão em linha com a primazia assumida pela valorização financeira diante da valorização produtiva desde o início dos anos 1980. Esse padrão de acumulação. do pomo de vista de seus resultados sociais, se é ruim para os países do centro do sistema, par:l países como o Brasil é simplesmente nefasto.

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30 • Brasil D~liwry

qüil ame nte sob re qua l seria O númo para os excluldos e dissertou tran a que se beneficiasse da ~ero.ddes_(18, ~6: 30 milhões?)u. Assim. aindvel e polírica eco nôm ica l~ent1fiC1ça~ esp~na corre gestão fiscal responsá necessária ao gov erno tuca no. liberal, essa ldenClficação não era de faro ado res, Com as limi taMas num governo do Par tido dos Tra balh pate nte a con trad ição gera da ções que sua hist ória lhe imp õe, é tão neo emb aral ham ento se torn a uma com a ado ção dessa pclnica que estendê-lo, prol ong á-lo . As auto ricessidade. ~a~s aind a, é prec iso usar o jarg ão ante rior e falar em dad es eco n ôrmcas com eçar am por falar em resp ons abiJ idad e responsabiJ~da?e fiscal; passaram dep ois a do o dete rmi naç ão vind a do Palácio mac roec ono mlc a; e agora, seg und

soci rnéstica, tudo em nom e da "jus tiça

e zero, Cortes orçarnenPJ~alro, s6,se falará em "justiça social": fom ais, meg assu perá vits , refo rma rãrios, :o:alJ~aç~o dos prog ram as soci ção artificial da moe da do. da P~vldencla, Juro real elevado , valoriza al",

Lula: lim ites e alte rna tiva s 6. Política eco nôm ica no gov ern o

preside~te

a pos tura deve enfr enta r limi tes Evi den tem ente a man Ute nção dess inegável cari sma do pres iden te con tant o sociais q~to poltricos. O con tinu ar a defe nde r esse mod elo. cede -lhe um precIOSO espaço para as . Ten do em vista a prom essa , tant Con tud o, m~s mo isso é limi rado de coral, de criação de 10 milh ões vezes defe ndId a na cam pan ha elei ano e mei o com o dese mpr ego cres emp rego s, passado um ano ou um do o pos itiva do pres iden te Lul a e cen do em vez de cair", a avaliaçã iulaç ão pod e não resistir, A con tinu gov erno do PT por part e da pop ento do núm ero absoluto de rnisedad e do fosso social, com o cres cim

11

I, ~ ~n~úências

em 1995 . segu ndo dado s FHC equivocou-se nos números, J;l O entã o de pobreza brasileiros vivendo abaixo da linha do PNUD, havl a,38 milh ,ões de pobr eza de: m ilhões vive ndo abaixo da linha de de US$ I per capua por dia e 70 ente o quer dizer , com o lemb rou rece ntem US$ 2 per apit a por dia. (O que não so do logo acima da linha . viva-se no paraJ profcssor Francisco de: Oliveira. que, cons umo ...) elo j;l se têm feito sent ir nos perversas da exacerbação desse mod sent a uma . O PIB no prim eiro trim estre j;l apre IndiCldores de prod ueo e emprego cres dme nto previsto pelo próq~e:c1a de:0, 1%. evide:mememe com prom eten do o e hoje estim ado em 2.2%, caiu para 2% PTJO governo para 2003 . que: com eçou os indic ador es são os maiores Do pom o de vísta do dese mpre go, to para o Seade/Dieese:. es e 1994 , tanto para o IBGE quan

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des apro fun dará a viol ênci a nos gran rávcis J4 e a falra de perspectivas, seja m os esforços env idad os na área cencros urba nos . por mai ores que indú stria do narc orrã fico , únic o da segu ranç a púb lica . e esti mul ará a stan tiva da pop ulaç ão, vem se mos . "set or" que , para uma parc ela sub vista do "emprego". Esse últim o e1emen,:. uan do "promissor" do pon to de as desgraça tam bém com as. cha mad ~.Lto pod erá fazer o gov erno cair em as ecer que setores sub stan tivo s dess ;:"~'d asses médias. Não se pod e esqu a refo rma da Prev idên cia. .I~dass es serão dire tam ente afet ado s com início estr atég ia já são sen tido s desd e o ':::. :: Os limi tes polí tico s dess a hab ilid ade s do min istr o-chefe gov erno . Por mai ores que seja m ficará te do Par tido dos Tra balh ado res, '.;H â a Cas a Civ il e do pres iden o de que a opo siçã o aos pro vez mai s diflcil ven der a inte rpre taçã de~~is ~ar~i.~os de esquer~a se ~;ttJ ~os do governo den tro do PT e dos os princítrês ou qua tro radicais , Dad os '[Ã\~têstri nge a um grupelho de a vida do part ido e a hist ória ~~~JtP..!os e os valores que sem pre pon tuar am sop rar afir maç ão, se o ven to com eçar a .pt~jto rios a de seu cres cim ento e mui to rapi dam ente ficar em rnilado con trár io o gov erno pod erá do a gue a aco ntec er, a opo siçã o vind .~~~,~iiljria. Mes mo que isso não che vez e a ficar cad a vez mai or e cada ;:~~ ili.jerio r do pró prio part ido tend s~~7.,~h1'íüs difícíl de con torn ar. ser. sufites sociais e polí tico s pod erão não - . ;(~~~[~ claro que esses limi , na Intercrise inst ituc iona l. Uma vez que . . t~~ª eÍítes para defl agra r uma a ven ceu as eleiçôes

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orga niza dos . ~~~&.apoio que perd er nos setores mais

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eira ", Lul l·· '::~~i1p:@ação do professor Francisco de Oliv ovid a pepela desa rrum ação das classes prom {.' ·: ·~~~i~6;:.yácuo social deix ado and•a com m que s não se sabe mai A. • F<;-J~J&i'Ó ito ano s de FHC, de mo do que ias, mai s ta o quê . fica, nessas circ uns ranc J'~~~i~:9,('qt;ê nem que m repr esen nto natu ral de "falar direra~enre ~E}:f··;~:f,4.~para o pres iden te exercer seu tale men os orga niza dos da socieda-

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a com ~---ma pequ ena redução possa.ser obtid '; :: mo que em lerm os relativos algu iouco é fácil, o núm ero absoluto cont ~as com o o Fom e Zero . o que tamp no to da população despeja a cada ano ~$á a crescer, uma vez que o crescimende não enco ntrar ão onde enas de milhares brasileiros que - .-e:~ do de traba lho cent orend a mon etãri a regular. Não disp sua mão -de- obra em troca de: uma ~ ços que o "oficial" de acessar os bens e servi --: ;por isso, de: nenh uma form a na TV. ..' do cons umo apre sent a rodo dia a conc edida a Fern ando Had dad man ter o estad o de rebeldia" (entrevist . Paulani), &porragmr, n . 41 , fev. 2003 " ' 50

32 • Brasil

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Evidentemente não estão também afastados os riscos de uma crise stricto J~TlJU econômica, antes o contrário. Como demonstramos, o modelo estabilidade/credibilidade é na realidade muito instável. Qualquer mudança. de humor do mercado financeiro mundial com relação ao Brasil - variável, aliás, sobre a qual temos um poder de arbítrio muitíssimo lirnirado - pode desencadear um processo que, ao fim e ao cabo, leve de fato o país ao tão temido defiltllt. Desnecessário dizer que, nessas circunstâncias, em meio ao agravamento da questão social, a crise política será inevirãvel. É bem verdade que, num caso como esse, o Grande Irmão do Norte poderá comparecer com sua ajuda. O atual presidente do Brasil, conforme ~gi tam algu~s~está sendo guindado, com sintomático apoio norte-americano, à pOSlça.O de "líder mundial" - um convite difícil de recusar -, e o Brasil. por conseguinte, sendo apresentado como uma espécie de vitrina das maravilhas da nova ordem mundial. Apesar do e1e~do preço a pagar, essa circunstância nos coloca numa situação multo ~Iferent~ ~a que tem sido experimentada, por exemplo, pela Argentina nos ultimas anos , tornando-nos, de certa forma. imunes a crises. Se a hipótese estiver correta. os constrangimentos enfrentados pelo governo Lula paro efetivar as prometidas mudanças - que implicam a.hera~o no ~od~lo econômico - são muito maiores do que se pode Imagmar à pnmelra vista. Finalmente, é preciso frisar que, mesmo que tudo corra exatamente como previsto, ou seja, que não ocorram crises sociais nem políticas. nem econômicas, e que tudo dê certo, o que teremos, ao fim da gestão Lula, mantido o atual modelo, será um crescimento medíocrc, com muito boa sorte um pouquinho superior aos 2% ao ano obtidos na última gestão de FHC 6 • Se a "credibilidade" continuar n en~ordar a balança de capitais, auxiliada pela manutenção de uma das mais elevadas taxas reais de juro do mundo, a revalorizaçâo da moeda doméstica prosseguirá e desmontará o que necessitou de uma violenta crise (janeiro de 1999) e mais um ano e tanto para ser montado. junto com isso, redução de direitos, asfixia do debate, império do

16

ao ano.

A JU ' Igar pelo que: deve ocorrer neste ano, para que essa média anual de 2% se: efetive, o crescimento no período 2004·2006 te:r;! de:ser, no mínimo, de: 2.7%

Brasil Drlivrry • 33

discurso único - em urna palavra, um totalitarismo de mercado que

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ficou apenas nos sonhos de FHC. . Mas qual seria então a alternativa? Ela existe, afinal? Como espera~ s ter demonstrado, a idéia de que não há alternatÍva s6 se sustenta se . ':~bjetÍvo maior for manter o país nos marcosdo tipo de "credibilidade" _: que aqui se descreveu. Se outros forem os objeti~o~, outra dev~rá ser a ':' lítica econômica, e ela existe. A pretensão ongmal do Partido dos .' po I " H . .) j-1 iabalhadores era comandar um governo"democrático e popu ar. OJe ce claro que temos de nos conformar. com algo bem men,os pre~ J:';~,:tensioso. Mas, mesmo para um governo Simplesmente r~for~llsta :- o :~J~> que não seria pouco, conside~ada a atual,q.uadratura da ~Istóna c~plta~ :-é~lista _. muitas mudanças senam necessaflas no que hoje se pratica. A '~;tltomeçar. é evidente, pelo nível excessivamente elevado da taxa f:al de 't~'Juros, o que é indicado de modo ,c~ro t~nto p~e1o cupom cambial da ~{:\~M &F quanto pelo mero sornarono da I~flaçao :sperada com a~ taxa ;~~ilé juros nane-americana engordada pelo rísco-pars- E ~ma redução da :';*:,cl:xa de juros não produziria apenas os inequívocos efeitos no nível de ,~Up~dução e emprego. Ela seria capaz também de es~~nc:'r o ~roce~o :;.§}ª e apreciação desmesurada 'do real. Do ponto de ~lsta mflaclonárlo. :~f:~iAclusive. e se é para se levar em conta as expectativas, melhor será a 1:~'@lU1utenção da subvalorização do que da sobrevalorização da moe~a ,.fu1\~AAméstica. já que a primeira aponta perspectivamenre para a redução ,. 5g{\i'áô':va!or em reais da moeda norte~americana. à política carqbial propriamente dita. além da evidente de o Banco Central atuar como regulador do mercado.

'~~!Iifcessidade

t. ''ft~11.~:.Quanto

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~;Q~jmesmo sentido,

'~i,j~ft~?edindo bruscas oscilações, ~er~se-ia pensar n~ taxação do ~pital ~~~~~~fUrto prazo ou na estab~le~lmentode a1gu~ tipO de. carência, em ~';;~~V~, pensar em regular, mlOlmamente que seja. o movimento. ~esses ~;{,~ ' ··'·~pJtais. E já que se trata de gestão responsável , a res~onsablbd~de """"bial é o melhor antídoto contra a tentação do popuhsmo cambial. atrelar a queda da relação dívida-:pIB ~ sobn:-

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:fi.-: -';'. 5~t.il.ô'mação da moeda (em função da substantiva parcela da díVida cUJa :'}j,-.< ~~~fização está atrelada ao comportamento do câmbio) é trocar uma

4-~ora ilusória agora por uma piora potenciada no fu.turo, quando ..~o se combinará o déficit fiscal que esfola com o déficit externo que ':~.. Por uma questão de aritmética elementar, a queda sustentada

_.1léhominador e reduzindo a do numerador. Como subproduto dessa

,':;~~lelação só será possível aumentando a velocidade de crescimento

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~f~~ éÂMAPJ\ DOS DEPUTADOS· CEDI- BIBLlOTEC~

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.14 • Brasil J)(/illn')'

José Luis Fiori, "Mirem-se na Espanha", Carta Capital. 16/4/2003. p. 50-2.

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queda, também reduzida seria a necessidade de superãvits fiscais, abrindo-se espaço para atuação efetiva da polfrica econômica no sentido da indução do crescimento do produto e do emprego. É pequena a :ogência, com~ se vê. Para falar nos termos que são do agrado d~ auton~ades econ ômicas , nada de invencionices, de mágicas. de ex~edlentes mirabolantes. Apenas reformismo. Mas não implicaria tud~ lS~o uma mudança de rota, uma sinalização de que a acumulação capu:alma em nosso pais voltará a ser pautada pela produção e não mais pelo mero rentismo? Evidentemente! E, para operar essa mudança de rota, o ~verno ?o ~ido dos Trabalhadores tinha, logo em seu início, um capital político inestimável, que talvez já tenha sido rifado. Hoje, para ?perá.la, se~o necessárias, mais do que antes, coragem, vontade política e determinação. Mas não se diga que não há alternativa, Persistir na atual polüica condenará o governo do PT ao mesmo destino do governo "socialista" de Felipe Gonzãlez na Espanha da dé:a&a.de I ~8~. ~omo afirma José Luis fiori em artigo de advertência: J-:loJe, a distância e o tempo já permitem um balanço mais fiel do que foi ~ e~ Gonzâlez. E não há dúvida de que sua gestão 'socialista' do capitalismo .espanhol acabou ficando indiscernível da gestão conservador: e neohbe.raI do gov~rno Thatcher"!". Assim, a continuar o que esta aí, por maiores que sejam os contorcionismos retóricos das autoridades, não se poderá dizer outra coisa do governo Lula senão que vai ficando mais e mais parecido com um capitulo adicional da era FHC o mais melancólico decerto.

17

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o BRASIL COMO PLATAFORMA





DE VALORIZAÇÃO FINANCEIRA E\TERNACIO?\AL (um balanço da política econômica do primeiro ano do governo Lula)

:!$Onõmlca que

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a toruca dos

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anos antenores, sob Fernando

~.ntrara~ aí o áli~i pa~ ~ontinua.r e aprofunda~ a prática da.polhi-

~"tdezembro

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~J~}:" A vitória do Partido dos Trabalhadores (P'T) nas eleições presiden~Jili8ais de 2002 criou expectativas diferenciadas: tenebrosas para alguns, 1ç~fJ:vissarei ras para a grande maioria. A idéia de que o povo começaria a ;..t.: . ;.~~:0,~tiansformar o Brasil numa nação tornou·se muno presente e parecia -%l~~~fffialmen[e estar ao alcance da mão. Forjado nos duros anos de luta a ditadura militar que se iniciara em 1964, nascido de baixo ~~t.~~'&'~ cima _ dos movimentos operários do ABC paulista - e tendo c~::~~a liderança da qualidade de Luiz Inácio Lula da Silva, o PT parecia -~~ado para comandar a dura tarefa de retirar o Brasil de sua sec~lar L)}~l~a e das disparidades e desigualdades sem par que ela p~trocma. i~:-{ ~ão foi dessa vez, porém . A esperada refundação da SOCIedade fiU~~; - ~'para depois. Ancorados num diagnóstico catastrofista, de que o ~~; :~!estaria à beira do prêcipício econômico no per íodo pós.eleições, de 2002, os que tomaram posse em janeiro de 2003 k~~.

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"':'que Cardoso (FHC). :\ ;'.oje, maio de 20,?4, .fie; mais claro do que nunca que n5.o se tr~ta,~ absoluto, de rática - como apregoavam -, de tapar o nanz e t ,!um , a ~o1ftica amarga, odiosa, mas ne~essária para "salvar o pa[s~. ~Ç9ntráno. tratou-se de uma escolha dehb~rada, de manter o Brasil 1'"._:." o na mesma armadilha externa, desde que isso não colocasse .:~ o projeto de poder do PT. No que se.se~e, buscaremos recu~~ modo detalhado os argumentos que Justificaram essa escolha, :~_ar sobre qual é de faro a natureza do "modelo" escolhido e fazer -" . ço de seus resultados.

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me:iros meses do governo Lula",

Esta seção e: a seguinte reprisarn, de modo resumido , argumen tos do capitulo seis pri"Brasil D~/jwry : razões. contradi ções c limites da polüica econ ômica nos

o Brasil corno plataform a de valorizaçâo financeira inrernac ional

-z:~~::,i:r ;aá~~:c~op::~:~ance

próprio governo (de FHC), ultra~ass~ndo em mai~ d~ 50% o valor esperad o para seu superávir. MaIS ainda, a tendên cia era de uma par:' ~: performance futura ainda melhor, visto que o ajuste do câmbio a do ;.':~ : rir de janeiro de 1999 parecia estar finalmente colocando as contas

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37

das reservas, a variável con:~.:J/ ereta que deve de fato ser averiguada para se avaliar a questão da sol;~5'. vência externa. mostra um resultado surpreendente: diferencernenre '~~~t do período entre setembro de 1998 e janeiro de 1999, em que fo~~ d,VI· ~~i drenados para fora do país mais de US$ 40 bilhões, o estoque de :>1:'-sas de posse do governo central manteve, ao longo de 2002, um com:~(~ ponam ento absolut amente esrãve!', Não que não existissem problemas pelo lado das contas externas. : ;'~:~~.'·Exjstiam e continu am a existir. Mas são de natureza estrutural (au~:fift mento da dependência de importados, elevação do passivo externo com ·~lDt.Jlqujdo por conta da inrernacionalização do capital produti vo longe. :':~;;-con seqüent e elevação perman ente das despesas em dólar etc.), ~to ao ~~~j~~portanto, do agrava mento conjun tural que serviu de argume viesse a '}i;&;~~Ovo governo. E, mesmo que esse agravamento conjun tural cusro para a .:::·;;:.-~t;'~correr, o acordo com o FMl, com todo o seu pesado ~*~~4~ci edade, já estava fechado (fora assinado em agosto), permiti ndo que . , ~TIí..lfalquer tempestade inesperada fosse enfrentada. .: ar a ~ e::~::.;.,~~Iffi A outra razão amiúde levantada pelas autoridades para Justific i~illl~d ução que de início deram à política eco~ômica era ~ risco -: p~ra iminen te - de um descontrole monetário. Nessas circunstancias, '-' - ,~ .

~liás. de~;n~es~rada ~esvaloriI:lção

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a com relação a essa questão. ldg real jogava a favor. VISIO que. do ponco de vista ao comercio exrenor, há um s que de três a seis meses) entre a oscilação sübira do pre:ço da divisa e .os_ resultado - c . _ . ~a se podem colher. :. começam o ano em USS 36 bilh~es (a n;édia J~ 200\ fOIYS$ 36.3 bllhocs~. 40 bi~ lam para US$ 33 bilhões em abril e rnaio, alcançam a faIxa dos USS e: setembr o ~ões em junho e: julho. ficam na esfera dos USS 38 bilhões em agosto 37.8 bi'hõc~. "' ~e US5 36 bilhões no bimestre: seguinte , fechando o ano em USS a s:mgTl:l números f:llam por si: n30 tinha havido nem estava havendo nenhum o real tada, nada que: pudesse: se assemelh ar :I um ataque especula tivo contra ocorrera , tanre do brutal enfraque cimento da posição externa do país (como .," sctembro de: I 'J'J8 e: janeiro de I 'J'J'J). ~~ .

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38 • Brasil Dt/ivtTy

fossem, para reduzir o ímpeto desse processo. Proceder de outra forma seria como assinar logo de cara um atestado de incomp etência e coma promet er a viabilidade da gestão que se iniciava. Justificava-se por aí manute nção da elevada taxa real de juros e o estrang ulamen to da liquidez da econom ia (o aumen to do compu lsório dos bancos, em fevereiro, retirou da economia, de uma hora para a outra, cerca de 10% de seus meios de pagame nto). Mas qual era a principal razão desse compo rtamen to adverso dos índices de preços? O principal problem a era a própria desvalorização do real a partir de julho de 2002, provocada pelo tumult o eleitoral. Com a defasagem que sempre existe nesses casos, os índices de preços o/ começaram a demon strar o impact o do choque a partir de outubr novembro. Masa assincronia existente no processo de reajuste de pre· ços e o peso que neles têm as tarifas públicas e os chamad os preços administrados (combustível, gás erc.) tornava m impossível que todo ele fosse absorvido de uma só vez. Assim, com ou sem polfrica monetária conrracionista, os índices de preços continu ariam a subir até que todo o choque tivesse sido incorpo rado, passando a declina r a partir daí, empurr ados também pelo declíni o do câmbio (que foi exatam ente a trajetória por eles descrita). Nenhu m descon trole inflacionário à visde ta, portant o. E como ele poderia existir com a econom ia andand o lado, pratica mente estagnada há tanto tempo? Tampo uco existiam como continu am a não existir - na econom ia brasileira mecanismos capazes de começar por aí a girar a roda da inflação inercial, como ue sugeriu inadver tidame nte o preside nte do Banco Centra l, Henriq Meirelles, em agosto de 2003. Portant o. a tese do precipício ainda está por ser demon strada. Os a dados existentes sobre reservas e um mínimo de conhec imento sobre formação e o compo rtamen to dos índices de preços não nos aurorizam a confirm ar sua verdade . O govern o alega também que tinham ásido cortadas as linhas de crédito para o país e que era preciso recuper las rapidam ente. Mas, até hoje. não mostro u quais foram esses financia mentos e em quanto foram cortado s.

2. A falácia do estágio de curto prazo na ortodo xia Fizemos o retrospecto desses elemen tos porque a justificativa go' vernam ental para tamanh o grau de ortodo xia passou sempre pe1:l afirmação da necessária recuper ação da "credibilidade" . Seria preciso

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• 39 O Brasil como plataforma de valorizaç ão financeira internacional

o ajuste ...• recuperá-ia para não compro meter as contas externas, pois ·i;·· efetivo do balanço de pagame ntos do país ainda estava em curso. O idaBdc edra justame~t: a dqueda ddo creddibilC .~._,__: :__.-~": ~:'";: ' sinal da recuPleração ddessa a risco-país, a e evação o preço o - 00 e a apreClaçao a rnoe . drastic amente os ::; ~ domést ica. Para conseg uir isso era preciso reduzir remédios da ~"'~" , índices de inflação e fazer uma sólida profissão de fé nos ::~i-: contraçâo da liquides e da restrição monetá ria e fiscal. Em poucas ica", e ela foi .~;::.- : palavras. era preciso "beijar a cruz" da ortodox ia econôm '_:_:_: ' beijada com devoção. Mas esse discurso, de que o novo governo usou e abusou ame o ::{. da enorme espanto gerado pelas medidas com que iniciava sua gestão econom ia, tinha um lado dúbio, pois sugeria que, uma vez recuperada f~;:--- a "credibilidade", uma vez feita a dolorosa travessia , chegaria finalmente a hora de colocar a retoma da do desenv olvime nto como o obje;::f~::l tivo prioritário da política econômica. O estágio na política ortodox a ~ Qg>'era, sugeria -se. de curto prazo, necessário para viabilizar a transição \ -..- : : !. -,~ ->~:" sem trauma s. Quem conhecia, porém, a forma de funcion amento do modelo ão era .2~~}1econôm ico abraçad o pelo governo do PT sabia que tal suposiç per~r-i~ihnais uma falácia. A "lógica da credibilidade" simple smente não ~~~&iite tal mudan ça de rumo. Esse tipo de credibilidade só se mantém se ~scal impla;_- :;~lg$rmane cerem inalteráveis na p,o~í[ica econ?~ica o aju~te iorusta ,etc. Der; :~~i ii1.~;;1~vel, o juro real elevado. a política moneta na contrac sentido con:;:~~}~~P9is que se entra nesse j~go, qualqu er movim entação no d I, .. ~ ''lH' "'-' junto com ~;J?,i~.; ~io leva de roldão a "conquista" tão durame nte obri a e, K;~~~~j.S1~ as supostas c?ndiçõ es de "estabilida~e" necessárias para o crescili::-}Ei •. , ':fl1~nto. Poder-se-Ia então supor que o nudeo duro do novo governo fª~ se deu coora dessa impossibilidade e julgou que seria capaz de t:~:i1f~j~r inicialmente o "jogo do adversário" para obter, a partir daí, as conI;_ ~;~~~~es necessárias para implem entar sua própria política econômica, P;'~'.:.;:f~~~ela que recuperaria o crescimento e geraria os 10 milhões d.e emprocesso eleitoral. mesmo essa hipótes e parece hoje difícil de ser conside rada.

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da dizer que é preciso erguer uma estátua a Pedro Malan (mi-

~â?ois de ouvirm os o secretário de Política Econôm ica do Ministé rio

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40 • Brasil DtJiv"J'

nisrro da Fazenda ao longo dos oito anos de governo de FHC), depois de assistir ao ministr o da Fazenda, respon dendo às acusações de continuísmo, dizer, na presença de FHC, que "sendo igual, mas correra, ele continu aria a praticar a mesma política econômica por mais dez. anos", fica difícil imaginar que o continu ísmo foi obra de algum movimenro tático. A única hipótese que sobra é que houve uma escolha deliberada por esse tipo de modelo. com plena e total consciência dos responsáveis por ela. Mesmo calçados em 55 milhões de votos e rnonrados num capital político inédito na história do país, os novos donos do poder não quiseram arriscar um milíme tro e se decidiram pela linha de menor resistência. Escolheram o caminho "mais seguro", que não afrontava interesses constituídos, incemos e externos, que impunh a de o vez o rentisrno como marca de nossa economia, que consagrava para Estado o papel paternalista e "focado " de "cuidar dos pobres", que não , questionava as disparidades regionais e pessoais de renda e riqueza que não ameaçava sequer arranha r a iníqua estrutura patrimonial do país, que o mantin ha, enfim, submisso aos imperativos da acumulação financeira que domina a cena mundia l do capitalismo desde meados dos anos 1970. 3. A verdad e do model o escolh ido Em meados de 1996. Gustavo Franco, então diretor da área exrerna do Banco Centra l (e, pouco depois, seu presidente), escreveu um artigo, que circulou muito entre os economistas, denom inado "Inserção externa e desenvolvimento", sobre o qual o presidente FHC disse tratar-se da "revolução copernicana na economia". Embala da no idolatrado invólucro da formalização, não passava de uma apologia das prescrições do Consenso de Washingcon, que o governo de Fernan do Henriq ue já estava utilizando no país, quais sejam: redução do tamanho do Estado (privarização), abertur a comercial, políticas monetá ria e fiscal rígidas, raxas reais de juros elevadas. Alegava Gustavo Franco que, mistura ndo bem tudo isso, depois de certo tempo o país estaria preparado para pegar o bonde da história. O choque de concorrência implementado pela abertura promoveria um processo de reestruturação produtiva que nos faria ganhar um lugar no admirável mundo novo globalizado e garantiria as condições para o crescimento com estabili dade. O Estado mínimo e as polüicas fiscais e monetárias "sólidas" Com juros reais elevados, além de constit uírem antídot os naturai s con-

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o Brasil como plataforma de valorização financeira inrernacioncl

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s tra a inflação, assegurariam a credibilidade dos investidores externo ,~=~ e resolveriam os problemas do balanço de pagamentos. 'Para completar f;'tIreceita, a reestruturação produti va fària elevar os salários graças ao a aumen to na produtividade. constit uindo assim instrum ento inestimável para a redução das desigualdades distributivas. Uma década depois de aplicadas . essas medidas geraram estagna-. ção econômica, desemprego recorde, enorme aumen to da vulnerabilidade externa, o retorno do país à posição de econom ia primárioexporta dora e a perman ência do mesmo padrão distribu tivo, com e inevitável crescimento da pobreza absoluta. da violência e da barbãri nos grandes centros urbanos do país. Pouco tempo ames do surgimento do texto de Gusravo Franco, a diretoria por ele coman dada no Banco Centra l tratava de tomar as medidas necessárias para garanti r a inserção que de fato import ava: a admissão do Brasil no circuito internacional de valorização financeira. A renegociação da dívida externa, bem como sua securitização, e a criação dos títulos da dívida brasileira cotados em mercados internacionais já tinham se encarregado de pane das tarefas. Simult aneame nte, a mesma diretoria se encarregava, na surdina, de outra parte, também fundamental: a desregu lament ação do mercado financeiro. Utilizando um expediente criado por uma lei de 1962 - as chamadas contas CCS, contas exclusivas para não-residentes, que permitem '''J~~'' '' ;·~:·}{5~ livre disposição de recursos em divisas -, o Banco Centra l promoveu 1~g~~~:tr a l,ff{PRd: a abertura financeira do país. Operaram-se duas grandes mudanças . ')~*.~~i Em primeiro lugar, alargou-se o conceito de "não-residente", incluinem ~~it do-se aí não apenas as pessoas físicas ou jurídicas que estivessem finan:~;_~;~~1i.· trânsito pelo país, mas também as comas livres de instituições ~:~~i~~ ceiras do exterior (instituições financeiras estrangeiras não autorizadas remeter ~~.:~;.a funcionar no país)". Além disso, as CCS passaram a poder ica ~j~~~i;~ livremente para o exterior não apenas os saldos em moeda domést nâo-resi;~:~:,?~;resul rantes da conversão da moeda estrangeira com a qual os

na gestão de Na realidade. essa primeira. mudança foi impleme ntada j:i em 1992. como diretor Francisco Gros como presiden te do Banco Central e Arrnlnio Fraga novembr o de da área externa, mas o mercado permane ceu incrédul o até que. em foi 1993. já na gestão de Gustavo Franco na área externa do Banco Central. que eles estavam _.. publicad a uma "cartilha" que escancar ou para os agentes aquilo no mercado como .-:' vendo sem acreditar. Não por acaso, tal cartilha ficou conhecid a ;. "Cartilh a da sacanagem cambiar .

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42 • Brasil J)tlivtry

dentes ti....essem entrado no país, mas todos e quaisqu er saldos- Abriude se com isso a possibilidade de qualqu er agente, indepe ndente mente ser ou não residente, enviar sem restrições recursos ao exterior. basrando. para tanta. deposit ar moeda domést ica na conta de uma institui ção financeira não-residenre", Essas mudanças produz iram a forma e a substân cia da inserção do Brasil nas finanças de mercad o internacionalizadas. Os títulos da dívino da brasileira lançados e cotados no exterior confirm aram o país finan.•papel de emissor de capital fictício, que viabiliza a valorização do ceira e garante a posteriori a transferência de parcelas da renda real e capital real para a esfera financeira. A liberalização financeira vem ~~ ranrir o livre trânsito dos capitais interna cionais , que podem assim de maxim izar o aprove itamen to das políticas monetá rias restritivas e o, juros reais elevados. Sem o destrav amento do mercad o, por exempl os mais de US$ 40 bilhões que saíram do país entre setemb ro de 1998 e janeiro de 1999, atemor izados com a iminen te desvalo rização do real, não teriam podido fazê-lo e teriam amarga do duras perdas. Mas o traje desse novo papel do país não estava comple to, Por mais que tenha tentado , FHC não conseg uiu implem entar, na questão pre~ se videnciária, todas as mudanç as para que sua conform ação se adaptas ao novo figurino. A reforma da Previdência foi justam ente o primeir o projeto de fôlego em que se empen hou o governo Lula. Logo nos primeir os meses de gestão, o novo govern o manda ao Congre sso um projeto de lei que o propõe várias aiteraçôe s nessa área, mas que afeta fundam entalm en te funcionalismo público , já que, no setor privado . a reform a fora im•

haAs procuradoras da República Valqulría Nunes e Raquel Branqui nho encamin em que peram 111 Justiça Federal. em dezembr o de 2003. uma peça de acusação dema condenação. por crime de improbid ade administrativa. de quinze executivos essa transligados ao Banco Central e ao Banco do Brasil. Elas argumen tam que não pode ser formação das CC5 foi (c:iGl de modo irregular, pois uma lei feder..u OUtras paregulamentada por um órgão de hierarqu ia constituc ional inferior. Em foi fdra Iav~, o Congresso teria de ser ouvido sobre isso. e não foi. A mudança carta circusingelamente, mediante uma "carta circular- do Banco Central. Uma er" norma.' c lar é um documen to que tem o papel exclusivo e resrriro de "esclarec a esse respeiregulamentos editados pelo Conselh o Monetár io Naciona l. (Veja-se, matéria de Raimund o Rodrigues Pereira, "Urna manipulação extraordin~riaM. publicad a na revista &portagtm. n, 53. fcv. 2004.)

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o Brasil como plataforma de valorização

financeira lnrernac ional • 43

plantad a pelo govern o anterior. Seu sentido básico foi alterar o funcio. namen to do sistema previde nciário dessa faixa de trabalh adores o Pretext ando déficits insustentáveis e que se agravariam com o tempo, governo propôs mudan ças no sistema de previdência do funcionalismo que, concret amente , implica m a transição para um regime de "capitalização", em substitu ição ao regime de "repart ição simples" até então avigente. A exemplo do que FHC fizera com a previdência dos trabalh to dores do setor privado da econom ia, o principal instrum ento propOS ios, para operar essa mudan ça foi a imposi ção de tetos para os benefíc tetos que obrigar ão os servidores a particip ar de fundos comple mentadisres de previdência. Mas, diferen tement e de FHC, que não ousou PT pensar as "regras de transição", a propos ta origina l do govern o do das foi ao parlam ento sem elas, cabend o aos congressistas a introdu ção mudan ças que tornara m "menos radical" a reform a proposta", Assim, tendo o Fome Zero como a principal estratégia de marketing, mas sem conferi r efetiva mente a essa meta grande import ância nem lhe propor cionar recursos subsranrivos", o govern o esforçou-se mesmo, logo de início, foi para comple tar as mudan ças iniciadas por FHC que na área previdenciária. Que o govern o tenha começa do por aí, ão tenha empen hado todo o seu peso político e seus cargos na aprovaç dade. Na verdade , . y _!."- o.i.: de tal reforma , pode ser tudo, menos uma casuali F .'" j §l~·!i:;,~ esse infcio é sinal inequívoco do caminh o escolhido pelo novo govermais plauslvel a ~ . ~~*?: no e da doutrin a por ele abraçad a, (Ornan do ainda o h~~:-'Vf' · hipó[es e de que houvç uma escolha conscie nte, e não uma situaçã ar e o'} inescap ável que teria empur rado o govern o Lula a confirm <:: 'b.!-1!i" j '" aprofun dar o mesmo modelo. '-;lW ' ·-xt . .i.r Ao comple tar a transfo rmação idealizada por FHC, màtarar n-sc 0,_, ' '?"~_"';-~ ..t · final"';v:irios coelhos de uma s ó cajadada. Em primeir o lugar, criou-se ·ment e o grande mercad o de previdê ncia complementar. que havia mais . ..."

~~. . {~de duas décadas vinha despert ando a cobiça do setor financeiro privado :

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ir. Não CUSI3 buiçâo aos inativos - a qual FHC renrara inúmera s vezes sem consegu

Mais uma ousadia (à direita, sempre) do novo governo foi a imposição de contri-

~S}:taciona1 e in rernacional. Cabe ressaltar que, nesse sentido, a viabilização ;~

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s foi a ~~~. lembrar que o ~tor b:isico do insucesso de FHC em todas essas Tentativa ~~, oposição feroz feit2 justamen te pelo Partido dos Trabalhadores.

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44 • Brasil Dflivery

da reforma no setor público representa a abertura de perspectivas de acumulação que não estão presentes quando se considera o mercado previdenciário oriund o do setor privado da economia. Apesar de substantivamente maior do que o número de trabalhadores do setor público, o mercado consrirufdo pelos empregados do setor privado possui a renda média menor e enfrenta a ameaça do desemprego. A abertur desse novo c suculento espaço de valorização foi, portant o, o primeiro a dos grandes tenros (à direita. sempre) marcados pelo novo governo com uições. da ~ aprovação da reforma. Além disso, com a elevação das contrib idade e do tempo de trabalho para a obtenção do benefício, bem como no ~ com a taxação dos inativos . o govern o contou pontOS também intocável objetivo do "ajuste fiscal". Pôde, ainda. por meio de um bem pensado programa de defesa publicitária dessa iniciativa. colocar os funcionários públicos como os grandes vilões do descalabro social do pais? e vender a idéia de que o intuito da reforma era simplesmente o de fazer "justiça social". E.last but not least, um sistema previdenciário com predom ínio do regime de repartição e sob o monop ólio do Esta, do era algo que não combinava em nada com um país que buscava desde o início da década de 1990, afirmar-se como um das plataformas mundiais da valorização Iinancelra. A reforma patrocinada pelo PT veio contrib uir de forma decisiva para o alcance desse objetivo. Ocorre que o regime de capitalização é por definição "renrista" (interessam-lhe juros reais elevados e ativos fixos, de preferência papéis o públicos, já que seus gestores têm de "garantir", no longo prazo, retomo individual das contribuições nos valores contratados), enquan to o regime de repartição é "produtivisra" (interessam-lhe emprego, renda e capital produtivo, visto que quem trabalha "paga" a renda de quem não trabalha). Sendo assim, essa transformação, além de, em muitos casos, ter violado direitos adquiridos, gerou mais um import ante elemento para tornar mais profun das as crises experimentadas pelo país'". Mas isso certamente passou por detalhe na cúpula governamental, diante da "modernização" institucional do capitalismo brasileiro trazida pela , ro

de Fernand o Recuperando. sintomat icamente . uma das bandeiras de campanh a Collor. a maré é favoPior do que pré-c íclico, o regime de: caplralizaçâo é neutro quando a economi a rável, mas joga complet amente contra quando os ventos empurra m dos ativos ladeira abaixo, E isso é tanto mais verdadeiro quanto maior for o peso carregados pelos fundos de pensão.

o Brasil como plat aform a de valorização financeira

internaci onal' 45

S.P",tlo. A expressão, felicfssima, é de João Sayad (cf "Taxa de juros", Falha dI' 24(412000).

âo de Uma das conseq üências benéficas muitas vezes aventada para a msrauraç da "taxa de regimes de capitalização é que eles. em geral. forçam uma elevação em econopoupança" da economi a, o que seria um efeito salutar, particula rmente s de poumias como as nossas. que, segundo o discurso convenc ional, são "carente mesmo pança", Organizadas dessa forma, porém, as finanças não se prestam nem para a conform ação do círculo virtuoso defendid o pelo mainstream econômi co va que (poupan ça-inves timento- renda). visto que a poupanç a financeira substanti de garantir a sociedade acaba por gerar não se objetiva em invesrim entos capazes torna -se um no futuro um fluxo aumenta do de bens e serviços. Ao contrário , ela renda sem a element o adiciona l a pression ar a economia para a geração de intermed iação da produção material.

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reforma. além dos inegáveis "ganhos de credibilidade" que ela angariou 11. Não é demais lembra r que, em troca de seu apoio é do financia mento a projetos sociais, o Banco Mundi al "sugeriu" ao novo governo, a ainda antes de sua posse, que ele justam ente concluísse a reform previdenciária (além de realizar a reforma tributá ria e a universitária). Conclu ída, ponam o, essa etapa, fica quase pronto o país para intcgrar, trajado a rigor, o circuito interna cional da valorizaçâo financeira. a Mais alguns detalhes. como a aprovação da nova Lei de Falências e autono mia do Banco Centrai, expedientes vistos como necessários para garanti r a "renda mínima do capital "!', e nada mais faltará. E esse já momen to glorioso não tardará a chegar, visto que o governo Lula tomou todas as providências para que mais essas reformas rnodernizantes sejam implementadas o quamo antes. A toilette estará então completa. A autono mia do Banco Centra l faz ver aos "mercados", de uma vez por todas. que o Estado brasileiro não abrirá mão de seu papel de perman enteme nte retirar, pela via dos tributos, parcelas da renda real da sociedade a fim de transferi-Ias para a esfera da valoriza ) ção finance ira", assegurando rendim ento do capital ficncio (rítulos que produz": Ao mesmo tempo, esse Estado transforma a moeda do país em objeto de tráfico e de agenciamento, sujeitando-a a operações de arbitragem que farão seu valor flutuar ao sabor dos interesses e das aplicações de cada momen to. Ora como objeto de especulação. ora

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~' Il izaçâa ";.j.'> Ver sobre essa questão François Chesnais, " Int rodução geral", em A mundial tj: ~~ fi nat1ctira: gintl<', CUltO! .. roca! (São Paulo. Xamã, 1998) . e• real . .;lt , Pod er-se-ia argumen tar que o eleito riqueza produzid o pela garantia de renda ~~::.• e o inves_:;" que a maquina ria financeira gera teria o papel de incentiva r o consumo " ; 'lo,

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como pretexto para a manutenção de desmesuradas taxas reais de juros, a moeda doméstica põe-se sempre como um caminh o promissor para a obtenção de excepcionais ganhos em moeda fone. A abertur a financeira garante a efetividade desses ganhos, concedendo a seus ativos de origem a liberdade necessária para maximizar, em dólar, sua estada no pais. Os fundos de pensão (que serão agora ainda mais numerosos e volumosos) funcionam como braço auxiliar da dívida pública, no papel de retirar da esfera da acumulação produtiva parcelas substantivas de renda real que poderiam, de outro modo, transformar-se em capital produtivo. Farão assim, indireta mente, pela via voluntária d,s contribuições previdenciárias. aquilo que o Estado faz diretam ente pela via imposiriva dos tributos. O governo do maior partido de esquerda (!?) do mundo . no maior pais da América Latina, terá então prestado aos interesses do capital rentista e a seu ideário um serviço inestimável. Terá demon strado de modo irretorquível a {esc de que não há ourra alternativa, de que não há outro caminh o, pois que ninguém duvida das intenções progressisras do Partido dos Trabalhadores e de seu mais import ante líder. Estará ao mesmo tempo desemp enhand o papel de inegável import ância na consolidação do sistema monetário internacional vigente, no qual uma • moeda purame nte fiduciária funciona como "lastro" da arquite tura financeira mundia l. A manutenção desse sistema, porém, é precisamente o que mantém a dominâ ncia financeira da valorização!", pois que o emissor do lastro internacional, ao expand ir livreme nte sua moeda. gera uma plerora de capitais que se defendem, por meio da

II

retira timenro, devolvendo à esferada acumulação produtiva com uma mão o que caso do dela COm a outra. Ainda que isso possaeventualmente ser verdadeiro no ndo sob consumo, no caso do investimento é urna esperança vã, já que, continua os imperativosdo gasto público minguado e do juro real desmesurado, as expectativasderivadas de aplicações produtivas permanecerão deprimidas. o do ~Dominancia financeira da valorização" afigura-se um termo mais adequad a que "dominância da valorização financeira". pois enquanto o último refere-se se momemos ou f.1Ses na história do capitalismo em que a valorização renrisra no lonClt:l.ccrba e se sobrepõe !l. valorização produtiva de um modo insustentável imporgo praeo,o primeiro diz respeito !l. etapa correnre do capitalismo, na qual a peculiar til.nda e a dimensão dos capitaise da valorizaçâo financeira, combinados 11. valoformaassumida pelo sistema monetário Internacional, fazem que a lógicada modo rização financeira contamine também a esfera produtiva, gerando um novo s operade regulação adequado ao regime de acumulação financeira. As mudança

o Brasilcomo plataforma de valorização financeira internacional.

valorização financeira, de crises clássicas que poderiam reduzi-los a pó. e Se, por um lado, o papel dos Estados nacionais e dos fundos mútuos de pensão como instrum entos de extração de renda real para a alimentação do capital financeiro cigano minora a dimens ão fictícia desses capitais, por outro vai acirrando as contradições inerentes a um sistema que vê diminu ir o capital produti vo (que gera renda real) enquan e incha to engord a o capital financeiro (que extrai renda real do sistema ficticiamente nos mercados secundários, exigindo ainda mais renda), É esse enfim o modelo adotad o por Lula e pelo governo do Partido dos Trabalhadores para promov er o desenvolvimento do Brasil. A retórica convencional continu a garanti ndo que é a persistência na polío tica da austeridade fiscal com contração monetá ria o único caminh seguro, certo e "científico" para se alcançar o "crescimento com estabilidade". Com esse tamanh o de dívida, alegam, o pais precisa "economizar" para reduzir seu peso com relação ao PIa e ter permissão para voltar a crescer. Nunca se lembra m de dizer que o crescimento da divia da, que a fez ganhar a dimens ão atual. não foi resultado de nenhum "irresponsável" gásrança governamental, mas da própria receita ortol doxa que prescreveu juros elevados para Sustentar a apreciação cambia que vigorou de 1995 a 1999. Nunca se lembra m também de dizer que o pagamento desses juros tão polpudos é o grande responsável pelos déficirs nominais que fazem crescer cada vez mais a própria dívida pública, mesmo com os serviços públicos esfolados e com o desemprego em níveis insupor táveis. Finalmente, esquecem ainda de dizer que a dívida não é para deixar de existir, não é uma anomalia, um pecado que o país tem de purgar para ganhar a recompensa do crescimento. Ao contrár io, ela faz parte, . como sempre fez. do capitalismo. Ela deriva das relações entre Estado

", por das pelo royotismo vão nessadireção. A chamada ~flexibiJização do trabalho da força exemplo, permite, entre outros: utilizar mais imensamente o valor de uso próprio de trabalho; repartir com o trabalho os riscos do capital, flexibilizando o o custo capiral;em conjunto com a custornizaçâo da produção, reduzir ao mCnimo (que se de carregamento de estoques de matérias-primas e bens imermedi~rios itivas e torna um desperdfcio irnperdoãvel num contexto de taxasde juros reaispos deve elevadas), Todas essas mudanças têm que ver com o contexto no qual hoje zisra da se dar a valorização produtiva, qual seja: o contexto rentisra e curto-pra o no .'.• valorização financeira. Ver a esse respeito Andrés V. Fronrana, O capitalism skulo XX (Tese de Doutorado em Economia. Universidade de São Paulo. ~.:Institu ro de Pesquisas Econômicas, 2000). 1. fim tÚJ ='

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e dinh eiro , e se, noutros tempos, e acumulação privada, entre pod er ntia do "salário social", cheganserviu como braço auxiliar para a gara a de trabalho e criando o espaço do do a desfetichizar a mercadoria forç do valor e do capital, imp edin do a antivalor l6 , hoje ela afirma o espaço ndo-lhe uma renda mínima. queima de capital excedente e assegura mai or a responsabilidade do A últi ma observação torn a aind a idad e do desastre brasileiro, que governo Lula por patrocinar a con tinu con trár io do que pode parecer à já dura mais de duas décadas. Ao tal pro duti vo e capital financeiro primeira vista, o "conflito" entre capi gado, no qual fica evidente a irrasó aparece com vigor no plano agre ento eco nôm ico na extração de cionalidade de asse ntar o cres cim ção. No plano dos capitais inrenda real, mais do que em sua gera qua ndo se trat a do grande capital dividuais, porém, particularmente arena mun dial , com bina r gan hos internacionalizado que opera na pró prio da lógica de seu funciorenrisras com ganhos produtivos é nen hum outr o objetivo que não namenro, que é míope e não enxerga ho monetário. Logo, se o rnornenseja a expansão ampliada de seu gan pelos Estados nacionais da periro é de juro real elevado patrocinado cion ame nto da produção a essa feria do capitalismo, ajusta-se o fun imize monetariamente a com bicircunstância, de modo que se max ho financeiro, Assim, mais do que nação entre ganho produtivo e gan seus negócios, as críticas em unísum problema efetivo enfrentado por grande capital entoam con tra os sono que os empresários ligados ao de cena de quem tem a obrigação juros elevados fazem parte do jogo os milhões de desempregados . As política de se dizer preocupado com pro duti vo e financeiro, de um lado, relações que ligam o grande capital de capital fict kio, de OUtro, mose o Estado na posição de emissor o não existe, a não ser para os tram, no enta nto, que esse incô mod quin s e os proprietários de fabrimicroempresários, os donos de bote ados à "economia de mercado" c queras de fun do de quintal, conden palavras, as lógicas pro duti va e à geração de renda realI? Em outr as gado, conflituosas, não os capitais fictício-financeira é que são, no agre que delas se beneficiam. Chic o de Oliv eira. Veja a esse mo a lese bast ante conh ecid a de: 16 Tomo de emp résti erda). is. Vozes, 1998, Coleção Zero à Esqu respeito OI direitos do antlualor (Petrópol cará ter de do del c: insp irada em Fern and Brau I ~ A lemb ranç a - muit o a prop ósito ativo é de: utiv o e capi tal finan ceiro -esp ecul ficção do conf liro entre capi tal prod

o Brasil com o plata form a de valorização finalKcira i

s do que nunca de uma Ora, tudo isso indica que se trata mai por essa "sociedade natural" lha do Estado a direção a ser seguida r do lado da ali(mação do renrisrno; de tem com o capital. Ele ode ·o al, mas a solu tam ente familiar e '\ , que é perverso do ponco de vista soci ulação rivada, ou pod e afro ntar benéfico do POnto de vist
4. A verdade dos resulrados

Clau dia Antu nes, ãrio inrer naci oexro atua l de um siste ma mon er Cum pre acre scen tar que. no conr tes e os juros d ívidas públ icas dos países eme rgen nal flduc iãrio , :I secu ruiza ção das bio flucâm o os ganh os de arbil rage m que o positivos que das paga m, bem com dom ésriença de força entre as diversas mo edas tuan te prop orcio na graças à difer al financeiro para gara ntir o rend imen to do capit cas, s50 acessórios impr escin d íveis a forn ecer próp rias raz ões, não está disp osto quan do o país hegern ônico, por suas ' essa garancia. dos maiores das são da Folha ik S.Paulo. um Toda s as man chet es aqui repro duzi as entre jane iro e maio de 2004 . jorna is do pafs, c furam publ icad

FoUJa tk SPau!«, 9/512004).

conc edid a a lta socia l' será cresc ente ", entre vista jos é LuCs Flori (MPar3 Fior i, 'revo

primeiro ano do governo Lula, A part ir do início de 200 4, findo o eçam a estampar as man che tes" : estatísticas fechando, os jornais com s em 200 3"; "Brasileiro com pra menos alimento há dez anos, fica estagnado "Co nsu mo doméstico, que crescia em 2003";

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"Com Lula, renda cai e desemprego cresce"; "Indúst ria tem o pior desemp enho desde 1999"; "Tora! de subocu pados cresce 42,5% em 2003"; "Econo mia encolhe no primeir o ano de Lula"; "PIB tem a primeira queda desde 92"; "Consu mo de famílias tem queda recorde"; " vestime nta sobe em ritmo de conta-g otas": "Gasto social não a~menta com Lula"; -........ "Desemprego em ão au o vo ta a neve recorde"; "Região Metrop olitana de São Paulo tem 2 milhões de

50 • Brasil Dtlillc'l

,. desern pregados". Por outro lado: "Apeno fiscal supera meta com o FMI"; "Gasto com juros é recorde"; "Brasil é o 4s' colocado em gasto com juros"; "Brasil tem juros mais altos entre os emergentes"; "Carga tributária aumen ta na gestão Lula"; "Lula fãz maior aperto fiscal da história": "País investe pouco e tem aperto fiscal recorde" . Apesar disso: "País ainda é vulnerável, diz FMI"; "Investimento externo direto é o menor desde 1995"; "Superávit não paga nem metade dos encargos da divida do país"; "Risco-país volta a ficar acima de 500 pontos"; "Stand ard & Poor's vê vulnerabilidade no Brasil"; "Brasil sofre com temor de juros maior nos Estados Unidos"; "JP Morgan rebaixa Brasil e risco-pais sobe"; "Risco-Brasil tem a maior alta em 17 meses"; "Econo mia brasileira segue frágil. diz. BIO".

Em compensação: "Instituições financeiras obtêm resultado 6.7% maior em 2003"; "Sete maiores bancos lucram R$ 13,4 bilhões"; "Tarifas bancárias sobem mais que inflação"; "Spread brasileiro é o maior do mundo ";

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"Invest idor ganhou com ortodox ia do PT" j "Tesouro cede, resgata rüulos e ajuda fundos" .

Portant o: "Palocci anunci a que ajuste fiscal vai continu ar neste e nos próxim os anos"; "Polític a monetá ria não muda, diz Palocci":

"Política econôm ica não mudará . diz Lula",

"Presid ente do BC descarta mudan ça de rumo"; "Juro atual não barra expansão, diz. BC";

Não é à toa. então, que, em apenas um ano de governo Lula, já se cogitem outras formas de luta e mobilização da esquerda: novo partido (que alguns querem apenas parlamentarista) , federação de movimentes sociais, organização do conrrap oder popular. difusão de núcleos de reflexão e ação socialista etc.

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Lula, dezoit o meses depois

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o govern o

A ascensão do Partido dos TrabaJhadores ao governo federal com a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 reacendeu as esperanças de uma refundação da sociedade. A trajetória de resistência do PT e a história singular de Sua formação, cevada na luta dos trabalhadores nos duros anos da ditadura militar, pareciam credenciá-lo para - ....~ ...~~ ~ enfrentar a difícil tarefa. Sabemos hoje que essa esperança se frustrou. ~~~~~ Para surpresa geral. o governo Lula não só continuou como aprofundou :.~ . _~ a política econômica ortodoxa. que prevaleceu no governo FHC. ,~j~~,J Foi tamanho o pasmo que inúmeras hipéreses foram aventadas para ~~{~ explicar a insólita situação: ausência de projeto próprio, "endireitat~~ ';1:mente" progressivo do P'T, ameaça à governabilidade, traição oportu :~j~;nista, medo etc. Uma das hipóteses mais aceitas foi a de que, sem ~ 1:~tern ativa no mamem o inicial, dados
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ralvez tenha sido a mais equivocada X~er no, é possível afirmar que 'essa .

~~~_g-to das as hip6reses 2•

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t~~~obre a falácia do argurnen to de: que o Brasil estava 11 bei ra do precipício no infcio

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·~os por FHC a Lula. ver o primeiro capítulo deste livro , "Brasil Delizwy;

is lc~'~:~e 2003, sem prcjufzo da constatação da gravidade dos problemas estruturarazões .

diçõcs e limites da polltica econômica nos seis primeiros meses do .gOVCl;JIO ···:~ntra ;Ji.}1la~ .

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:,} m do mais, quem conhece minimamente: a "lógica da credibili dade" abraçada aceirã-ls tempora ria. .0 governo do PT sabe perreitam enre que não <' possível

54 • Brasil DtlitJ~ry

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A perman ência do mesmo modelo não foi uma estratégia para construir o espaço necessário para que o novo govern o colocasse em prãrica perseu próprio projeto . Tampo uco foi uma decisão determ inada pela o cepção de alguma catástrofe iminen te e da necessidade de "salvar de país". Ao contrár io, tratou-s e de uma opção deliber ada e conscie nte Se manter o Brasil enredad o na mesma armadi lha externa em que de encontr ava. Confro ntados com aquilo que parecia ser uma escolha táentre um projeto de nação e um projeto de poder, os novos manda lhes rios preferir am ficar com o último , optand o pelo caminh o que pareceu, desse ponto de vista, menos arriscado. Neste texto, procuraremos: 1) descrever que armadi lha é essa e quais são os indício s de que se tratou de uma escolha conscie nte; 2) especular sobre tipo de discurso que permit e que um govern o suposta mendo te de esquerd a defenda e apresen te como legítima essa opção, renegan posturas, valores e objetiv os anterio res; e 3) fazer um balanço dessa escolha, depois de dezoito meses de governo.

1. Da armad ilha extern a e de como o Brasil perma neceu nela É fato sabido que o Brasil nasceu sob a égide da expans ão dos Esta dos nacionais originários, tendo funcion ado, por mais de três séculos, como simples reserva patrimo nial, base comerc ial e terreno de operação de força de trabalho compul sória. Com tal certidão de nascimento, não há por que estranh ar o faro de sua história e evoluçã o terem sido sempre marcad as pela questão externa . Perman ecendo até o início do século XX como uma econom ia primári o-expo rtadora , o Brasil, ica" não por acaso, inaugur a sua, por assim dizer, "maior idade econôm o com o chamad o modelo de substit uição de importa ções, ou seja, que centro dinâmi co era agora interno , mas os movim entos externo s é cônrinuavarn a lhe ditar o compas so. I Celso Furtado foi quem percebe u que o pafs podia acabar de ser constru ído e deixar de uma vez por todas que sua evoluçã o fosse, direta ou indireta mente, coman dada de fora. O territór io digno de conrinnente, a generosa fertilidade do solo, as riquezas naturai s incorne falO uma mente e abandoná-la tão logo seja conveniente. Assim, fosse essa de veremos. estratégia, ela estaria fadada ao fracasso. Mas não foi esse o caso, como

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Sem esperança de ser país

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, surãvei s e o imenso mercad o interno potenci al estavam .ali mesmo , colocan do essa constru ção ao alcance da mão. Alertou , no entanto soque, para isso, seria preciso deixar de lado as idéias conven cionais to bre vantage ns compar ativas, adorar o planeja mento como elemen primor dial do Estado e reforça r as institui ções da socieda de civiP. Depois de várias rodadas do mesmo modelo subsciruidor de im o portaçõ es - a última perpetr ada pelo govern o militar de Geisel sob uma impact o do primeir o choque do petróle o -, o Brasil dispun ha de matriz interind usrrial pratica mente comple ta. Foram preench idas, com atraso de quase três década s, as casclas estratégicas dos insumo s básicos goe dos bens de capital, que Vargas, em sua segund a passagem pelo para verno federal, tinha perceb ido como de fundam ental import ância ordena r o crescim ento econôm ico do país. Mas o Brasil foi atropel ado pelo segund o choque do petróle o, pela e guinad a moneta risra de Reagan e Tharch er no fim dos anos 1970 pela conseq üente crise das dívidas, que pôs a Améric a Latina de quanto tro . As possibilidades que então se abriam de um desenv olvime s menos embara çado por gargalos reais e menos depend ente de recurso externo s oriundo s da balança de capitais (empré stimos, investi mentos diretos e capitais de curto prazo) esboroavarn-se em função da financeirizaçâo do mundo e da "d itad ura dos credores" que então se inicia4 do va • Interna mente, a econom ia brasileira mergul hava nas lagru ras processo de alta inflação, resultad o da combin ação da crise do perré'a /le ô e da dívida com nosso singula r processo de indexaç ão' e com redemo cratizaç ão do país. Entrem en.tes, iniciav am-se os anos 1990 e, COm eles, a seduçã o dó "e discurs o ríeolibe ral, que encobr ia, sob a promes sa da «modernização do maravi lhoso mundo novo da globalização, os interesses das altas finança s e a lógica finance ira da acumul ação, que já domina vam a cena nadas i capitalista. Ao mesmo tempo em que eram pesada mente pressio

Bresser Leda Paulani, "A utopia da nação: esperança ' e desalento", em Luis C. Editora 34, Pereira e José M. Rego, Agmmk esperança rol Quo FI/nado (São Paulo, 2001). izaç ão finan- . Vide a respeito François Chesnais, "Introdu ção geral", em A mundial ceira (São Paulo, Xamã, 1998) . na história da -) Leda Paulani, "Teoria da inflação inercial: um episódio singular d~ ci ência ciência econômica no Brasil]", em Maria Rita Loureiro (OIg.). 50 anos lis, Vozes, 1997). ~~n6mica no Brasil: pensamento, instituiç ões e depoimenm, (Perrópo

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56 • 6rasil DrliIIr ry

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" Vide det:llhes do modelo proposto por Gustavo Franco no artigo anterior desta coletânea.

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Sem espe rança de ser pafs

entrevistas e debates, creditava o arraso do país aos cinqüenta anos de burrice dos pó/icy makert anteriores e às idéias antigas e resistentes de fazer do Brasil uma autarquia econômica. Conquistada a estabilidade monetária, a nova polírica-redirniria o país de tantos equ ívocos. conseguiria o crescimento sustentado, o equilibrio externo duradouro c a redução da crônica desigualdade, 'ESsas medidas, como se sabe , geraram a estagnação econômica, O i:Iesemprego recorde, o enorme aumento da vulnerabilidade externa, O' retorno do país à posição de uma economia primário-exportadora e a permanência do mesmo padrão distributivo, com inevirãvel crescimento'

no ~OC::~i~:;::,:~:~:ep:o::~;U~;~:lC:~:iss,o haviam

sido

e inicio dos anos 1990, é hoje o 15 u do mundo. De outro lado, porém, conseguiu-se a inserção que de fato importava: a admissão do Brasil

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r:""''''''''vc~ sileira lançados e corados no exterior confirmaram o pats no papel de

:livre trânsito de capitais que ela produz, permite, para

esses capitais

t~':,emissor de 'Capital ficacio. A abertura financeira, com o conseqüente

~ciganos, o máximo aproveitamento das políticas monerãriasresrririvas :"~ de juros reais elevados. Para se ter uma idéia do impacto dessas mudan['&..;~, basta lembrar que o controle do fluxo inrernacional de capitais teria,

'7 ':;:'wor exemplo, impedido a saída abrupta do país dos mais de US$ 40 bi-

~~ontados com a iminente desvalorização do real. .

:nJhões que se evadiram entre setembro de 1998 e janeiro de 1999, ameli;:

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"fu·O f.uo de o Brasil deter um nada honroso quinro lugar no mnking mundial de

-\~}rosa siruação.

~i.:~inaros de jovens (I S a 24 anos) e de a taxa de homicídios nessa faixa ter ~;\~crcsddo 88,6% entre 1993 e 2002 é só um dos inúmeros indicadores dessa teneftlgOanterior desta coletânea,

~P:r: detalhes sobre a forma, o conteúdo e as conseqüências dessa mudança, vide o

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58 • Brasil Dt/iu"]

l! dentro desse contexto que deve ser considerado o próprio Plano Real. Se for verdade que o processo inflacionário produzia internamente profundas e indesejáveis conseqüências (desestruturaçâo das cadeias produtivas, elevado imposto inflacionário, que prejudicava principalmente as classes de renda mais baixa, deterioração da capacidade fiscal do Estado etc.) e que se tratava, portanto, de uma necessidade para o país que o problema se resolvesse, não é menos verdade que, com uma taxa de inflação tão pouco civilizada e, por conta disso, ca,paz de produzir oscilações abruptas no comportamento do nível geral 'de preços e de suas variações, inviabilizava-se o,cálculo financeiro, a arbitragem com moedas e a especulação visando a ganhos em moeda .fone. Mesmo com a abertura financeira já tendo sido formalmente operada, ela permaneceria letra morta, do pOntO de vista de suas potencialidades de atração de capitais externos de curto prazo, se o processo inflacionário não tivesse sido domado. É no mesmo contexto que deve ser analisada a edição, em maio de 2000, da Lei Complementar na 101 (Lei de Responsabilidade Fiscal LRF). Com a implementação da LRF, negociada por FHC com o FMI no calor da crise que levou à desvalorização do real em janeiro de 1999, a preocupação central do administrador público passa a ser a preservação das garantias dos detentores de ativos financeiros emitidos pelo Estado. O propósito da LRF era e é estabelecer urna hierarquia nos gastos públicos que coloca em primeiríssimo e indisputável lugar o credor financeiro, em detrimento da alocação de recursos com fins distributivos (políticas de renda e políticas públicas de modo geral) e da viabilização de investimentos públicos. Por outro lado, a "austeridade fiscal" da LRF, que exige de prefeitos e governadores esse [temendo aperto e a redução impiedosa dos gastos na área social, não impõe nenhum controle ou sanção aos que decidem a política de juros e elevam a dfvida pública do pais em favor dos credores nacionais e internacionais. Além de tudo isso, os oito anos de FHC produziram uma série de beneficios legais aos credores do Estado e ao capital em geral, que não deixam dúvidas quanto à seriedade de suas (boas) intenções para com esses interesses. Em cana ao FMI de setembro de 200 I, o governo brasileiro reafirma sua disposição para estudar meios de evitar ou reduzir o impacto negativo da ÇPMF nos mercados de capitais. Em dezembro do ano seguinte, aprova-se a emenda constitucional nO37 .

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Sem esperança de ser país

que isenta da incidência desses tributos os valores aplicados. em bolsas de valores..Também passou a ser isenta de imposto de renda a disrric US

buição de dluclcOS de empresas a sb sócios brasileiros ou estrangeiros e a remessa e ucros ao exterior, em como a serperrnirida a dedução, como despesa, dos "juros sobre o capital prõprio'". Mas o traje desse novo papel do país ainda não estava completo. Por mais que tenha tentado, FHC não conseguiu implementar, na questão previdenciária, todas as mudanças requeridas.fA reforma da Previdência foi, por isso, o primeiro projeto em que se empenhou o governo Lula. Estendendo para os funcionários do setor público o mesmo tipo de mudança que FHC promoveu no que concerne aos trabalhadores do setor privado, Lula dá o mais importante passo para a transformação do sistema previdenciário do país. Antes dessas reformas, o regime previdenciário predominante era o de repartição simples que, em função da forma de seu funcionamento, é de vocação produtivísta (é tanto mais equilibrado financeira e atuarialmente quanto maiores forem o emprego e a renda média dos trabalhadores). Depois

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", .~_ quanto maiores forem os juros e a cotação das ações das empresas que fazem políticas de doumsizing). Com a reforma que promove no setor público - a qual afirma ser seu primeiro grande pro,'ero - t Lula , além 1: ~~ - =," t]~'fP;f~ de torn:u o país mais adequado aos tempos de predomínio do capital l :~~f[;[,*~i: financeiro, garante ao setor privado um novo e promissor terreno de 'l~~~~~, valorização e ganha POntOS na meta de redução de gastos públicos 10. f~~~ Conclufda, portanto, essa etapa. fica quase pronto o país para integrar W""''''i~i: o circuito internacio~al da valoriza~o fin~nc~i~. Mais alguns ~eta­ P!c . lhes, como a aprovaçao da nova lei de Falenclas ' l e a autonomia do ~~~':;";''f:-~fBanco Central, e nada mais faltará. O restante da agenda de reformas

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~ lU informações foram retiradas de Maria Lúcia Fattorelli, ~A grande sangria", &. :3;,-i, poHagrm, n, 57, jun. 2004. ;~"~ ~ Cln~ide:rações mais aprofundadas sobre a natureza, as conseqüências e a impor. " "! ~j t<1ncla da reforma previdenciãria patrocinada por Lula podem ser encontradas no ;2': artigo anterior desta coletânea. Que entre outras mud anças, aigumas d as quais . .importantes, propõe, por exem~~ . plD , tetos para o pagamento de dividas trabalhistas. 'JJ;"'

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isso evidente qUe Q tov de Lula vai rodo nessa dlceção. Fica Com resses conniruidos, e"" lh c do PT, sem co'agem de af'on"" os ime <S"'va em cU"o c, en,,"!la ::; ,,,nema>,,o da lógica petvers: que já peivada. Vejamos de que.re; " do Brasil às exigências da acumulação mente essa escolha. nhas ele se vale para legitimar politica

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PT beijar a cruz 2. Da necessidade de o governo do escolha c os'ldeais, pri ' Para cof 'en t" a co",radlção entre essa o os pelo PT, o govemo re", . pias c valores 'hi" o' i"'meo,e defendid em" s. A p"m eha , já b"'",ure disco, 'WI d;,p<>sição duas "m as pod elo COmo sendo a úoka alrer;" ,,,. da, re", que ver COm a defesa d", ,, mod a fom "" a gacantla do cres,""" nadva vcrdadcirameme comprovada a' 'ias que amiúde se Ià"'m cimemo 'u're ntad o. As analogi", espú ca encarregam_se de jogar por:~ macroeconomia e a economia doméSti que dem onm am p'cc l""' eor e terra o, Im'mems exemplos concreros pm du, vu1ne",bilidade pe'ma- ;§i o coonácio, ou soja, que esse modelo ento SUstencado e que países que ~~. nenre e impossibilidade de crescim Consenso de Washingron t êm vêm igoocando as recomendações do cimenco, sem grandes - ::lt ido, s.inversamente, substantivo cres seguíbrio cOnqUil dese de que "ninguém pode dar o As idéias pauradas pelo senso comum m pode gastar mais do que passo maior que a perna", de que "oingué das antes de pensar em aumenganha", de que "é preciso pagar as dívi para poder investir" etc. _ todas tar a casa", de que "é preciso poupar o dom éstico, mas falaciosas elas absolUtamente verdadeiras no plan m, repetidas à exaUStão, a perno plano macroeconômico - assegura tecnicamente correta, a única cepção dessa pO/ltiea como a única cornprovadamen te cien tífica. qualquer que seja sua ideoSendo assim, um governo responsável, por obrigação adotá-Ia inconlogia (esquerda. centro, direita), tem de consideraçãoque se esconde dicionalmente. .t justamente nesse tipo ral! A dde " dos inrecesses Ii~. • ,eguoa, e decisiva " m, governamen que a adoção desse mode' dos à exacerbação valoriução financeira, alada na reró,lca do respe;,o /o de furo pmmovc, Vem s<mpce emb e de transparência, de austeno craco da coisa pública, da necessidad bandeiras exrremamente seduridade. de gestáo fiscal responsável eu por aqui em razão para a esquerda, que sempre as deFend

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invariavelmenre caracterizaram dos desmandos e da corr upç ão que

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Sem esperança de ser pais • 61

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aduzida é. extrema Imp ' ente osea0-sros públicos,A'queage "em m assim pr ~5 '.ll!U.! . .deo logi carn enre ,

ue a VOtação da Lei

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, Rcsp onsabilir o' 101/2000 (uid exern lo cont unde nte desse feno: a pnsa hilid ade do com bate um as fis. enel a d a rc:spo .1

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. da etc. I m d . ""f": J::'".--d valo r da moe ela que perm ite, I É. .o p : ~ 10% do PIB com o serv iço a e -~l~~m- suce dida . Just ame nte duo de qua~e. fi cal "responsável"d c pro o ~:~ ,,~- cio maior: o gast, l a polírica IS os sites o gov ern ~.Mêtlli ue . ve. nsa spo irre o and orn t ' . _ d : ; ~'fr';;' ência por mais q e stao a c ~. ansparente as, comas d o governo. A que pleta intr i:{itn <".,.,-_. . di . a com liqu em perto icarn pub ~

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62 • Brasil Dtlitmy

dívida pública e a forma como ela é tratada pelo discurso governamental constitui, por isso, um dos melhores exemplos da parafernália ideológica aqui tratada. Cabe, portanto, explorá-la um pouco mais. Nesta era de domínio das exigências e da linguagem dos "rnercados", difunde-se pela mídia uma noção mistificadora dadívida l'ública, Ela é mistificadora porque 'passa a idéia - muito razoável para o senso comum, mas absolutamente inaoequada,à realidade da acumulação capitalista - de Hue dívida é algo condenãvel; resultado de imprevidência passada, do mau costume de se viver além das próprias possi''bilidades, de dar o passo maior que a perna etc. É essa a noção que está por trás das afirmações sobre o "esforço" do governo para "sanear" as .contas públicas, da necessidade de "apertar o cinto", e assim por diante, Essa sorte de puritanismo econômico, que apresenta o crescimento como uma espécie de prêmio pelo bom comportamento do país, é extremamente funcional~ Ela faz mais do que ~ncobri r a verdadeir;a nê!'úreia da dívida pública na economia capitalisiã.-Afirmando e reperindo reiteradamente o inverso, ela funciona por isso de modo muito mais eficaz para impedir que a dívida pública deixe de ter a importância que hoje tem no processo de acumulação de capital e na dominância financeira desse processo. Cabe em primeiro lugar desmistificar a dívida em seu plano mais geral, o das relações privadas de produção. Em vez. de ser sinônimo de desleixo e irnprevisâo,o e ridividarnento é sina!de dinamismo}Ao endividar-se. uma empresa privada demonstra que conseguiu crédito no mercado, ou seja, que está autorizada a aplicar capitalisramente o dinheiro de outrem. Em outras palavras, dívida c-sinônimo de investimento, e i riv~timento é sinônimo de reprodução -ampliada do capital e de ala~ vânéagem do processo-de acumulação. Mais do que isso, segundo algumas teorias. como a do economista austríaco joseph Schurnpeter, o crédito, e, ponanto, o endividamento de alguns agentes, é condição sine qua 1'101'1 para que se rompa a inércia estacionária do processo de acumulação - por ele chamada de "fluxo circular". Ou seja, sem crédito e sem dívida, o desenvolvimento não aparece. Nada mais distante da realidade do capitalismo do que a idéia da dívida como um "mau passo" que deve ser reparado e cuja repetição deve ser evitada a qualquer preço. A receita barata, com cara de sermão dominical, que os discursos convencionais não se cansam de repetir, aplica-se. quando muito, aos assalariados (que se endividam para consumir ou conseguir o teto que

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e dinheiro. E foi assim desde o inicio da história capitalista. Segundo, ::-'-:'::,;,_' Marx, a dívida pública converteu-se numa das maiores alavancas da 'acumulação primitiva que marcou o início dcsistemâ' Nesses proces~ sos originários, como se sabe, promoveu-se, por meios nada civilizados - roubo, pilhagem colonial, coerção etc. -, o acúmulo de grandes massas de capital monetário, que financiariam a acumulação produtiva na fase madurado sistema. A dívida pública funcionou como um dos instrumentos mais eficazes para transformar rapidamente em capital parcelas cada vez maiores ~~1~ da riqueza social. Segundo Marx, foi o sistema colonial, com seu cornér~. ' -~''"':::i" cio marítimo e suas guerras comerciais, que lhe serviu de estufa, fazendo ; f"'.5 · .' " - que a alienação do Estado - seja ele despótico, constitucional ou republi; - cano - deixasse sua marca na história capitalista. Como se fosse por um ~, toque de mágica, continua Marx. ~ dívida pública transforma em pro.. '- .~-?i= fltuo o dinheiro imp~~~ucivo, sem que para isso ele tenha que se expor, r~~-{i em pessoa, aos riscos do investimento industrial e do empréstimo a ~, jur~s. Em seus pri~eiros tempos, por exemplo, o .Ban~o da Inglaterra, .'. ;g~ entao um banco privado, começou a emprestar dinheiro ao governo à ~\taxa. de j ur~s de 8% ao ano. Recebeu e~ ~ro~ ti ruios d:dívida pú blica :l fOl autorizado pelo Parlamento a emitir bilhetes de banco com base f nesse "capital", Pouco mais tarde, os bilhetes de banco, já transformados moeda. puderam ser novamente emprestados ao Estado. "Não basta-

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flesmo recebendo, continuava sendo um credor perpétuo da nação"!',

zra que dessecom uma mão para recebermais com a ourra", ironiza Marx;

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Essas considerações estão no capkulo XXIV (~A assim chamada acumulação pri-: miriva"] do Livro I de O capital. Cf. Karl Marx, O capital: critica da economia

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64 • Btasil [k/iwry

Passados quinhentos anos. a dívida pública conrinua a ocupar lur de destaque no movimento da acumulação. Em outras palavras, ~rmanece a sociedade entre capital e Estado , por mais que o discurso ~con6mico neoliberal demonstre ojeriza ao Estado e dê a entender que este e o mercado opõem-se polarmente. Mas a dança que eles compartilham não é sempre a mesma - e dado o caráter formalmente público do Estado é a ele que cabe decidir seu ritmo e compasso. Entre o pós-guerra e meados dos anos 1970, a direção que os Estados predominantemente deram a essa sociedade natural foi a da ge ~a-=•-?o de renda real c expansão da capacidade p~oduri:~: No ce~t:o do sistema. o movimento ganhou uma característica adicional, ongman•do aquilo que Francisco de Oliveira chamou de "anrivalo r", ou seja, um locus no qual um volume cada ve: mais expressivo de mercadorias deixava de ter seus valores determinados pelo mercado e pela acumulação privada 14, pondo como questão política a determinação do valor da força de trabalho, da saúde, da educação etc. Era, portanto. uma necessidade desse arranjo que a geração de renda tivesse absoluta primazia. A prárica do rentisrno (extração de parcelas da renda pelos proprietários de capital monetário e/ou de ativos territoriais) era, nessa época, instrumento para alavancar a produção de renda real, de um lado, e para expandir c aprofundar o espaço do antivalor, de outro, A partir de meados dos anos 1970, essa sociedade começa a mudar de feição. Se nos "trinta anos dourados" ela chegou a criar o espaço do anrivalor, agora afirma cegamente o espaço do valor e do capital. Essa nova feição é muito mais marcada e dura nas periferias do sistema. Nos países ditos emergentes, transformados em plataformas de valorização financeira internacional. o Estado não só produz volumes substantivos desse "capital caído do céu", para usar os termos de Marx, como garante, pela imposição de metas elevadíssimas de superávit primário. a extração da renda real necessária para "honrar" o serviço desse capital ficrício, cujo preço ele mesmo fixa. A arquitetura financeira internacional, baseada numa moeda puramente fiduciária. politiCQ (Livro I, trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, São Paulo, Abril Culru1"11.1, 1983, Coleção Os Eccnomisras}, . " Veja-se a esse respeito.de Franciscode Oliveira, Os direito: do antioalor (Petrópolis, Vozes, 1998, Coleção Zero 11 Esquerda).

Sem esperança de ser país

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sanciona mundo afora a valorização fictlcia desses capitais- fictícios,

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Isso posto. a colocação da dívida pública como um problema gerado pela impaciêncdia da sociedade (que quer andar mais rápido do que permitem as COn ições concretas) e os sermões sobre as virtudes da abstinência que essa formulação suscita constituem uma inversão total

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cado original" e aceitar as penitências que lhe são impostas para conseguir a remissão dos pecados e alcançar a recompensa dos céus. Cria-se com tudo isso um ambiente em que o quesrionamenro dos rumos da política econômica toma ares de crime de lesa-pãrria, de coisa de irresponsáveis - por mais que esses rumos sejam nefastos para a imensa maioria da população. Opera-se assim um fechamemo das possibilidades que a democracia e os governos democráticos deveriam propiciar; fechamemo, aliás, muito mais incisivo do que o fechamento político propriamente dito, visto que este último: precisamente por se mostrar como o que é, desperta de imediato o repúdio e escancará a

~,~~~k- necessidade da mudança.

r:!T"~f:; O mais surpreendente. porém, é fazermos considerações desta orL' • ) ;r. dem sobre um governo, em principio, democrático, progressista, de f~.,,__.~~~- esquerda e que teria vindo para mudar. E para que não nos contente~~t- mos com as tão fáceis quanio vaziasanálises de cunho moralista da trans-t~~.i.?~}~:: -mutação que.assistimos ~ traição, safadeza. arrivis~o puro etc..', Arantes f~~l:-; sugere uma mrerpreração que parece fazer sentido. Resumidamente, ~i~j;~f;de afirma que nossos governantes atuais agem como os consumidores k~:fiiJ~de objetos de marca: eles sabem. no fundo. que as grifes e os logotipos ~~t:-p~da significam - afinal, o que importa é a qualidade do objeto consu:;?:~'>'.. '~!'i!~lIdo -. mas agem como se não soubessem. Assim estariam se com·~ip..~rtando os atuais donos do poder: eles sabem perfeirarnenre como as j:~isas são. como é que funciona a armadilha, que interesses estão senprivilegiados, mas continuam a agir como se não soubessem. As -?7J>rias contrárias à sua prática atual, que compuseram seus discursos ~.~*

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é que seria responsável por tamanha surpresa, a qual

}~~: longo de duas décadas, teriam sido suplantadas pelo hábito capaz .:::~~. fornecer as provas em que eles verdadeiramente acreditam. Tal ' ~~~omatismo, que teria arrastado consigo a mente crfrica dessas prári-

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66 • Brasil Dt/illd}

. alguma coisa do tipo: "se os sujeitos não acreditam, as coiexpressaria . . lh di les' . ~ A ssirn como o consumidor anônimo se ajoe a sa5acre atam por e .. das aT':1 ndes marcas e cotidianamente beija a cruz, os governan tes diante ".di fa do Bras il de tanto agir como se acre uassem no quefu • . . d e esque rda .... nscormaram a aposta na ortodoxia em fé de oflcio, o que nzern, t ....... 1. • da " di . . b diga-se de passagem, do pomo de vista a cre lClOna muito em, . . bitidade" que o governo procura desesperadamente irradiar.

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Pata saber se os novos governos da América Latina - e especificamente o governo de Lula e do PT - são alternativas ao neoliberalisrno será conveniente, de antemão, recuperar um pouco da história do neoliberalismo, Ela nos ajudará a defini-lo de forma mais precisa, o que nos permitirá responder apropriadamente à questão proposta. O neolibcralismo é uma doutrina c uma coleção de práticas de política econôrni ôâ Em comparação com o liberalismo clássico, é: ~t;~,;" 1) mais estreito, pois se restringe ao aspecto econômico da vida huma, na em sociedade; e 2) m enos "iluminista", porque depende mais de ,r--..Ji:J.:~ crença do que de razão. Vejamos como se chegou a isso. ;~~ifj? Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, numa reunião ~~~ convocada por Friedrich Hayek, um grupo de intelectuais conservajI4S dores (entre eles Karl Popper, Milton Friedman, Ludwig von Mises, .~ ':::'~ Lionel Robbins etc.), percebendo a avalanche keynesiana que.se apro~ :~F~!:~mava, da qual o New Deal, de forma involuntária. tinha sido uma .::.~~,~~tboa amostra, resolve partir para a ofensiva, visto que o ambiente que, ~~5"~,a largos passos, ia se desenhando no mundo ocidemal era completa;~~t--f~ ~ente hostil (na visão deles) ao desenvolvimento de uma sociedade ~ ~~~tciramente organizada pelo mercado. . ~ .~~~~ É nessas circunstâncias que nasce o neoliberalisrno, Seu objetivo era ~, ~ ..~,:.êOmbatcr o keynesianisrno e o 'solidarismo reinantes., fazendo que o " W $i "~~undo voltasse a ser pautado por um capitalismo duro e livre de regras.

,,~~,interessante, porém, é que não se traçou ali nenhum plano de peso -,ff~ para que fosse academicamente robustecido o paradigma neoclássico. ~ntrariamente ao keynesianismo, q ue criava um capitalismo tolhido .:~;

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o governo Lula é alrernativa ao neclibcralismo]

qualquer modo, é só em meados dos anos 1970 que todas essas idéias vão encontrar uma base objetiva que permita sua germinação. A grave crise enfrentada pelo capitalismo no fim dos anos 1960, agravada pela crise do petróleo e dos insumos básicos, desemboca em recessão aberta em meados dos anos 1970. Como o mundo já se encontrava num sistema monetário in ternacional puramente fiduciário, a investida da valorização financeira sobre a valorização produtiva. natural em momentos de crise como esse, pôde se desenvolver sem amarras - e. com ela, a grita geraJ pela desrcgulamentação dos mercados, em particular dos mercados financeiros. Nesse movimento. a outra face da moeda foi a ofensiva contra o Estado, em especial no que tange à aferra de bens públicos e aos dire itos dos trabalhadores, A crise e, por fim. a débâcle completa do chamado socialismo real vão completar o quadro em que viceja a pregação da doutrina nc:oliberal. No atual quadro - assumindo o governo federal um partido de esquerda. num país periférico como o Brasil, no infcio do século XXI-. ·quais seriam as alternativas ao neoliberalismo? A adoção de policicas que tivessem por meta a reversãodo processo de fragmentação social que está em curso há quase duas décadas. graças justamente à ascensão das práticas neoliberais e do espírito neoliberal que as acompanha, espírito do cada um por si. do individualismo exacerbado, da demonização do Estado e dos movimentos sociais. da esterilização da força polícica dos sindicatos e assim por diante, espírito que a política econômica objeriva em transformações COncretas c a mídia se encarrega de difundi-lo r,. como se fosse uma coisa absolutamente natural. Em suma, para enfrentar esse movimento avassalador seria preciso investir em políticas ~-Et;.':f:~::. que buscassem resultados objetivos. por exemplo, na redução da abissal ~~~;} desigualdade do país; mas que fizessem isso trazendo consigo uma re0:?..'iC"':::; . volução cultural e de valores que proscrevesse como indignos e inacci" )i.:~ táveis os valores individualistas e puramente rnercantistas. ~~{ E o que faz o governo Lula? Todas as providências que toma vão ~:'~ ~UStameme no sentido contrário. E. nesse contexto, o que tem menos ~~ unportância é a política econômica em si mesma, ou seja, se amanhã · ~;:ou depois o boarddo Banco Central resolver que é necessário baixar os &j uros reais básicos e/ou a equipe do Ministério da Fazenda decidir que superávit primário do governo pode ser menor do que 4.25% do ~~

p lB, nem por isso ele poderá ser considerado não-neolibcral, Muito ~rrais do que pela ortodoxia na condução da política macroeconômica,

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'0 • Brasil DelivfTJ

o governo Lula é neoliberal principalmente por três razões que estão interligadas, mas que analisaremos separadamente. A primeira razão que faz do governo Lula um governo afinado com o neoliberalismo é justamente sua -adesão sem peias ao pr~ces~o de tfansformaçáo ao país em plataforma de valo rização financeira m~e~~ nacional- A polírica ortodoxa escolhida pelo governo tem na credibilidade com os mercados internacionais de capitais sua mais importante justificativa. Some-se a isso a elevada taxa real de juros.que prevalece em nossa economia, a maior do mundo (a segunda maior é a da Turguia, que é menor do que a ~etade da nossa).~ somem~~e t~bém as mudanças no mercado cambial com a consequeme facilitação do envio de recursos ao exterior; some-se igualmente a nova Lei de Falências, que dá primazia aos créditos financeiros em relação aos créditos trabalhistaS; e some-se por fim o projeto, que ainda não foi abandonado, muito ao contrário, de autonomia operacional do Banco Central, e perceber-se-á do que estamos falando. A segunda razão que faz do governo Lula um governo neoliberal decorre de seu discurso de que fi'ó há 'uma política macroeconômica co' reta e cientificament e co m provada: a polírica de matiz ortodoxo levada à frente por sua equipe econômica desde o inicio do governo. Como do POntO de vista macro (leia-se de manipulação das v~riáveis da demanda agregada) não há escolha, sustenta-se que o crescimento virá do rearranjo das condições de oferta (leia-se da política rnicroeconômica), que consiste em «melhorar o ambiente de negócios". Essa melhora não passa apenas pela defesa dos direitos dos credores, que a nova Lei de Falências consagra (e que a Lei de Responsabilidade Fiscal já apontava como inescapãvel), e pela desregulamentação do mercado de trabalho (leia-se perda de direitos), que a nova lei trabalhista deve provocar; passa também pela abertura de novas e promissoras oporrunidades de negócios, como aquelas que serão trazidas pelas PPPs (parcerias público-privadas) e pela privatização do Instituto de Resseguros do Brasil e aquelas já trazidas pelo crescimento do mercado privado de aposentadorias e pensões decorrente da reforma da Previdência isso tudo sem contar a pressão para que o setor financeiro privado possa, também ele, negociar com a parte gorda do mercado de créditos dirigidos. A terceira mas não menos importante razão pela qual o governo Lula deve ser tachado de neoliberal encontra-se na chamada "polítiCl

o governo

Lula é alternativa

30

neoliberalismo! • 71

social", que tem nas "políticas compensatórias de renda" seu principal esteio. Deixando de lado questões menos importantes, relativas a uma competência maior ou menor em sua condução, o faro é que, ao contrário do que imagina inclusive parte da própria esquerda, tais políticas sancionam as fraturas sociais em vez de promover a tão falada "inclusão" (não por acaso, o criador e maior defensor da idéia da renda mínima é justamente Milton Friedman). Fazer de projetos como o Fome Zero a base e o fundamento da política social do governo é uma espécie de admissão de que, naquilo que importa, ou seja, na condução efetiva da vida material do país, a questão social está em último lugar (a política agrária, por exemplo, é pouco mais que uma farsa, não tendo até agora, ao contrário do que se esperava, enfrentado os grandes interesses latifundiários). Como correm hoje OUtros tempos que não permitem mais que o primeiro mandatário do país diga, como pôde tranqüilamente dizer Fernando Henrique, que o modelo "não é para os excluídos", o governo Lula faz o Fome Zero, enquanto desmantela os direitos dos trabalhadores para facilitar os negócios, e anda na contramão do soli darismo e da universalização dos bens públicos para rornar o país um inuestment grtUÚ. Assim, consideradas em seu conjunto, as três razões acima não só nos impedem de afirmar que o governo Lula promova qualquer tipo de enfrentamenro, por diminuto que seja, ao neoliberalismo, como nos obrigam a perceber o caráter completamente neoliberal de seu governo.

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INVESTli\lENTOS E SERVIDÃO FINANCEIRA

o Brasil do último quarto de século I

1. De máquinas e dólares

Um dos sinais mais contundentes do declínio sofrido pela economia brasileira nos últimos 25 anos é a trajetória claramente descendente da formação bruta de capital fixo~ medida como proporção do PIB (FBKF/PIB)J , Tendo alcançado cifras da ordem de 25% em meados dos anos. 1970, essa razão agora mal chega a 14% (Gráfico 1). Observar o comportamento dessa variável é também ilustrativo para desfazer alguns mitos, como o de que a década de 1980 teria sido a década perdida. Ao longo dos anos 1980, a FBKF/PIB da economia brasileira foi, em média, de 18.55%. Ainda que muito inferior se comparada à performance da década de 1970 (média de 23,1%), essa taxa é muito mais substantiva do que a observada na década de 1990 (15,05%). Depois da dlbâcle do real fone (1999), essa razão caiu ainda mais: a média do período 2000-2004, incluindo este ülrimo ano,

E, se tomarmos o período 1995-2004, que poderíamos chamar de "a

'. cai para 14,07%; e a média do último triênio (2002~2004), para 13,6%.

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Anigo escrito ern conjunto com Christy G. G. Pato. Aos não-economistas ralvezcaiba esclarecerque formaçáo bruta de capital fixoé o valor total dos investimentos brutos (sem deduzir o uso devido à depredação c à obsolescêncía) em capital fixo (maquinas e: equipamentos. estruturas e edificações, rebanhose culturas permanentes) realizados pelas empresas públicas e privadas no ano. .Q valor indica o aumento bruto da capacidade: prod üriva 1.10 país. Os dados aqui utilizados derivam das séries históricas de PIB e FBKF trazidos a preços constantes de \ 980 pelo dcfhtor implíciro do PIB. t~1 como se encontra em <wwwipeadaea.gov.br».

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74 • Brasil Daiv"y

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Fontes de dados primários: laGE!SOI e lpeaDala. • Apreços constantes de 1960.

mais neoliberal das décadas", o resultado é 14,8%. O mesmo período dividido entre seus di ferentes reinados produz o seguinte: 15,72% para o primeiro governo de FHC, 14,55% para o segundo e 13.47% sob a batuta de Lula-Palocci (Gráfico 2).

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fontes dedados primários: 1aGEISOI e Ipe aDala. • ApreçOHonslanles de 1960. •• Para osanos 2000./oram (ompuladas apenas as médias de 2000 a 2004.

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Investimentos e: servidão financeira • 7S

Não é também demais notar que, ao longo dos confusos anos 1%0 (inflação em disparada, renúncia presidencial, recessão, crise polírica, golpe militar), essa mesma variável atingiu a média de 17,81% e que mesmo excluindo dessa década o começo do milagre econômico' e considerando, portanto, apenas seus conturbados cinco primeiros anos (l960~ 1964), essa média é, ainda assim, maior (16,21 %) do que a observada na década neoliberaI (quando, em principio, estaríamos obtendo nosso passaporte para o admirável mundo novo da globalização) e do que a dos primeiros anos deste novo século (quando estaríamos, sob o comando do governo do PT, consolidando os "fundamentos" de nossa economia).

- PIB - varorealanual (% a.a.) - PIB per capíta - varo real anual (% a.a) Fontes de dados prim ários: IBGé ISCNe lpea Da la.

Gráfico 3 - Varia~ão real anual do PIS e do PIS per(apita {% a.a.} - 1948.2004

A anêmica formação de estoque de riqueza na economia brasileira. principalmente a partir dos anos 1990, tem como uma de suas canse. qüências funestas a incapacidade de crescimento do país. urna vez que não são criadas, a cada ano, as condiç ões para a produção de um fluxo futuro aumentado de bens e serviços. Daí o declínio do PIB e do PIB per capim perceb.ido ao longo do mesmo perfodo" (Gráfico 3). A exemplo do que ocorre Com os dados da FBKF/PIB, também aqui os dados por década desmentem a idéia de que teriam sido os

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dados a partir dos quais foram ge:rados os gráficos e: cuja fonte: original ;~ o IBGE (IBGE/SCN) estão disponíveis em <www.lpeadara.gov.br s e ·~,~. ibgc:.gov. b r> .

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Tabela 1 - Crescimento feal acumulado do PIB PIB crescimento acumulado aolongo da dé
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1990

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anos 1980 aqueles que protagonizaram a "década perdida" . Se tornarmos o crescimento real acumulado do PIB ao longo de cada década, teremos os resultados apresentados na Tabela 1 e no Gráfico 4.

76 • Brasil D~li l'
. fonte5 de dadM prirn.irios: IBGEISCN e l~aDala .

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- PIS - O'e1ÓmentO leal atumulado - PI Bper
Como se pode observar, os anos 1980 saem-se muito melhor do qU~ os dez anos seguimes, no que diz respeita ao crescimento tanto do PIB quanto do PIB per capita, No caso deste último, aliás. o resultado é . da po Irnca . econ ôrni rruca conscrealmente assombroso: os mandatários

Investimentos c servidão financeira • 77

guiram a proeza de fazer o país crescer, ao longo detoda uma década. irrisório 1,57% per capita. Com a escolha do caminho neoliberal, os quinze anos que vão de 1990 a 2004 acumularam um crescimento per capim do PIB de 7,33%, ou seja, em quinze anos o país cresceu menos do que nos dez anos da «década perdida". Mas tomemos agora outra série de dados. Entre o início de 1975 e o fim de 2004, as despesas anuais do país com serviços de fatores de produção (lucros e dividendos de investimentos diretos e juros de empréstimos intercompanhia; lucros , dividendos e juros de investimentes em carreira; e juros de empréstimos convencionais) cresceram 1.085% (passaram de US$ 2 bilhões para US$ 23,7 bilhões), enquantO, no mesmo período, o PIB cresceu 129% e o PIS per capira 42%. Assim, ao mesmo tempo em que o envio de renda ao exterior cresceu 10,9 vezes, o PIS cresceu 1,3 vez e o PIB per capita apenas 0,4 vez. Observando mais detalhadarnenre esses dados, percebemos que. do ponto de vista de sua composição, essa despesa se altera com o passar do tempo., Os juros de empréstimos convencionais marcam os anos 1980.e são os responsáveis pelo surgimento da chamada "crise da dívida". A partir de meados dos anos 1990, outro componente começa a ganhar importância: as despesas provenientes de investimentos diretos, basicamente JUCtOs e dividendos decorrentes da internacionalização dos ativos produtivos derivada das privatizações. Nestes primeiros anos do século XXI, graças à crescente internacionalização do mercado fi, nanceiro e ao au-mento de importância do mercado de bônus (títulos ;' da dívida pública brasileira cocadas nos mercados internacionais), vêm -se elevando as despesas decorrentes de investimentos' em carteira, as : quais constituem hoje a parcela mais importante desses gastos. ',,_ Independentemente de sua composição, o faro é que o crescimento ~ dessas despesas assusta pela velocidade e pela magnitude já assumida, .corno mostram os Gráficos 5 e 6 - este último, aliás, destaca como ~~ despesas vão "saltando" de patamar. De 1947 até o fim dos anos

:lI.970. elas ficam na faixa de US$ 0,5 bilhão a US$ 5 bilhões. Nos l ois últimos anos dessa década transitam pela faixa de US$ 5 bilhões a si)JS$ 10 bilhões e alcançam, em 1981, a faixa de US$ 10 bilhões a ~lpS$ 15 bilhões, na qual permanecem nos quinze anos seguintes. En..:~ 1995 e 1996, transitam pela faixa de US$ 15 bilhões a US$ 20 bi~l&~cs c, desde 1997, encontram -se na faixa de US$ 20 bilhões a IS$ 25 bilhões. .i:

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fonte de dados plírnàrios: BacenlB P.

Rendas de outros investimento ljUIOS}- despesas (USS mi1hões)

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Grãfico 6 - Rendas de investimentos - Despesas (USS milhões) - 1947·2004 15.000

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Fonle de dadolprimários: Bace n/BP.

Os dados constantes nos gclficos mostram de forma mais organizada aquilo que já é conhecido há aJgum tempo: a partir dos anos 1980, as economias hoje ditas emergentes passaram de importadoras a exportadoras Ifquidas de capital. No caso do Brasil. temos, de um lado.

lnvesrimenros e servidão financeira • 79

2. De dependência e servidão

o declínio indiscutível da capacidade da economia brasileira de formar capital (dificuldade que começa no início dos anos 1980 c não pára de crescer desde então) e, de outro, temos, no mesmo perfodo, um cresci. menta também indiscutívd e bastante acelerado das despesascom rendas de investimento (ou pagamento de serviços de fatores de produção). Exporta-se capital de modo crescente, enquanto cada vez menos capital é produzido internamente. E. antes que se diga que estamos comparando bananas com laranjas (máquinas e construção civil com dólares), é preciso lembrar que, no caso de uma economia sem moeda forte como a brasileira, as divisas funcionam tão-somente como capital, já que não constituem correntemente medida de valor e padrão de preços nem funcionam internamente como meio de troca. De modo concreto, isso significa que a importação de máquinas e equipamentos mais sofisricados e/ou de tecnologia (ambos elementos indispensáveis na periferia do sistema capitalista para uma formação bruta de capital fixo mais vigorosa) é potencialmente tanto maior quanto menores fo~em as despesas com pagamentos de renda a proprietários de fatores não-residentes. Isso rudo parece indicar que se altera em alguma medida a natureza da relação que prende o capitalismo periférico brasileiro (e talvez o latino-americano) ao centro do sistema. Retomemos, então, essa questão.

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, c,' Embora a natureza da relação cenrro-pcriferia de fato tenha sofrido transformações substanciais ao longo do tempo, o signo da depen~~t-,dência ainda é, em verdade, a imagem recorrente em toda ~ história ~:~)acino-americana. No caso específico do Brasil, Paul Singer fez algu. ':}:~as provocações a respeito dessa linhagem submissa, dentro da qual i;~nunca terfamos saído da condição de dependência. Em sua acepção. .'{:'..nossa linhagem dependente apenas teria mudado de.forma, passando t~i,~e uma inicial tÚprodincia consentidA para uma rkpendincia tolerada e,

'-':1m seguida, para a atual dependência deujada~.

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• ."-;~~ fOVoaçõcs feitas em um deb ate promovido pelo Instituto de Estudos Avançados .J~. , da USP sobre :l Teoria da Dependência: ver Paul Singer, "De dependência em !~:tdtpendência : co nsentida, tol erada e desejada", Estudos Aval/fados, São Pauto. ....;.. .

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·\8v. 12, n, 33, maio/ago. 1998. p. 119·30_

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80 • Brasit Ddivn]

Aquela por Singer denominada fase de de~end~n.cia consentid.a (1822-1~14) compreenderia o período no qual rnexisnu qualquer dinâmica interna capaz de impulsionar o desenvolvimento. Um período no qual, mesmo nos momentos em que o Brasil entravA:!. e~ ~onf~onto direto com os países adiantados, a relação de dependência jamais era questionada. Aos olhos de então não havia alternativas ao desenvol.vimente senão pela crescente inserção subordinada no mercado mundial. "A dependência não era sentida nem ressentida como uma forma de subordinação, mas como um estágio pelo qual rodos os retardatários .. tinham que passar'", essa visão, graças a figuras como Wah Ros lOW7 , perdurou em boa parte do século xx. . Já no período marcado, segundo Singer, pela dependência tolerada (I 914-1973), nós - e rodos os demais chamados países em desenvolvimento - passáramos a depender dos países centrais para a obtenção de equipamentos, tecnologia, componentes e recursos de capital em larga escala. Assistindo à entrada de fatores que propiciavam uma dinamização interna da economia, a subordinação em questão era vista pela nova classe dominante como essencialmente provisória. algo que poderia ser superado tão logo a industrialização nos emparelhasse com os países mais adiantados. E, finalmente, de 1973 até hoje, viveríamos sob a chamada dependência desejada, na qual os governos de todos os países , sem exceção, passaram a depender crescentemente do fluxo de capitais financeiros. Um período no qual a América Latina. ao longo da década de 1980. assistiu ao abandono do desenvolvirnentismo, à abertura do mercado interno para as importações e à entrada incondicional dos capitais estrangeiros. Em suma, estaríamos assistindo, em outra clave. a um retorno à dependência consentida, pois mais uma vez teria se insraurado o consenso de que o processo em curso é inexorável e de que rodos devem a ele se adaptar se quiserem desfrutar das possibilidades de desenvolvimento. uI: como se os trinca anos de 'deglobalização'

(.

Paul Singer, "De depend ência em dependência". cit.• p. 120. Walt Whitman Rosrow, que antecedeu Henry Kissinger. Colin Powdl e Condoleo::ua Rlce como conselheiro nacional de Segurança dos Estados Unidos. continuou ativo academicamente até pouco antes de sua morte. em 2003. I:JGItOS 43 anos após o barulho produzido por seu Th« I/aga oferonomicgrow/IJ: 11 "011Communiss fIIaniftsro (Carnbridge, Cambridgc Universiry Press, 1960).

1nvesri rnenros e servidão financeira • 81

[1914-1945 J. somados aos trinta anos dourados [194 5~ 1973 J, não passassem de Um parêntese que a restauração da normalidade, na forma de hegemonia do grande capiral privado sobre a economia capitalista, poderia fechar, "8 •

É claro que tal classificação é muito mais uma provocação do que fruto de um processo rigoroso de análise. Mas nem por isso a idéia central dessa digressão faz menos sentido. Afinal, que estrutura de relação interestatal é essa em que todos aquiescem ao mesmo receituário econômico, ainda que continuem não recebendo as prometidas benessesê Que estrutura é essa em que mesmo as mais promissoras estatísticas da década de 1970 jamais entregaram o que prometeram? E, de faro, por um bom tempo acreditou-se na promessa desses números. Éramos dependentes, sim, subordinados. por certo, mas assistíamos a taxas de crescimento jamais vistas na história da economia do país. Daí a crença numa espécie de novo círculo virtuoso da acumulação capitalista, no qual, mesmo dependentes, poderíamos. se aplicadas as políticas correras , assistir ao desenvolvimento da periferia rumo a um patamar no qual, dentro em breve, não haveria mais disrinções, pois todos teríamos lugar garantido no "Novo Renascirnenro'", Tal era, de faro, o cerne do desdobramento lógico do modelo de desenvolvimento dependente e associado, formulado por Fernando Henrique '.' Cardoso e Enzo Faleno - e radicalizado pelo primeiro 10. Contra o ~F diagnóstico corrente das teorias do imperialismo e da acumulação cacapital

~~~ pitalisra, Cardoso derrronsrrou que a nova fase de expansão do

.

Embora os números apresentados na primeira parte deste arrigo já

~. na do sistema.

f{~oderia, sim, levar à industrialização e ao desenvolvimento da perife-

~~'; '

Paul Singer, dependência em depend êncla", cit.. p. 126. Fernando Hennque Cardoso. j;tcomo presidente. em versão ml/polirik (sic) ; ver Fer-

~D.e

?,;década de 1960 Cardoso foi um dos poucos a vislumbrar os funda-

c;.~esmontem, por si sós, o idílio desse diagnóstico, justiça seja feira: na ...'=

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? :.' n~d~ Henrique Cardoso, "Agenda para o século XX!". em A utopia ulduel: lra;'('!:is.' tõriam/dmual tk Fernanda Henriqu«Cardoso (Bra$Clia, Presidência da República.

{.,~~. 1995)

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A mais detalhada desse desdobramento lógico foi desenvolvida por Chrisry ~~\~kn Pato. A for11lJ1 difldl do pmSilr f11I brasileiro: o 11lJ1rxiImo Jmit!Júmo d, :''':),'/Yrn4ru1t rel="nofollow"> Hmriqur CarMSo (Dissertação de Mestrado em Ciência Polftica . Facul__.~~de de Filosofia. Letras e Ciências Humanas. Uni versidade de São Paulo . 2003).

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d mcn ros da nova estrutura de dependência que se forjara e que, de , . modo 'tório propiciaria as estatísticas assombrosamente POS\t1vas a conrradi , 6 11 1 'á década subseqüente. Em sua tese de livre-docênd,a, de 19 3. , ~ e J ra os contornos dessa nova estrutura do sistema capitalista e b esoça "p . d seus arranjos internos peculiares às economias na.clonals. esquisan o a ideologia e a nova face do empresariado brasileiro, percebera que há muito este não se encaixava na estratégia da "marcha para o desenvolvimento", calcada na aliança entre a burguesia nacional, o trabalhador . e o Estado, todos unidos diante do capital internacional. Aprofundando sua teoria em 1971 11, num trabalho publicado logo após o estard.alhaço de sua obra escrita com E01.0 Fa1eno~3 e no qual procurava dcsl.mdar também as caractedsricas do empresanado argentino, Car~oso Já ~~­ via percebido novos padrões de relação entre as empresas Industriais nacionais e o mercado internacional. A esse fenômeno deu o nome de "internacionalização do mercado interno", uma espécie de estrutura básica das "situações de dependência" que antevia, em. muitos aspeclOS, a configuração mundial que surgiria. décadas depois, sob o rótulo

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de globalização. Nessa nova realidade - que parece uma banalidade aos olhos de hoje, mas que, de fato, não era evidente nOS anos 1950 ou ~ 960 - , observava-se que quanto mais rnod ér no era o setor tanto mais. fortes eram seus vínculos com o exterior, Contrariamente, quanto mais atrasado era o setor, tanto mais fracas essas relações. donde se desdobrava outro aparente rruísrno, também comprovado por FHC em suas pesquisas: 'g üanro mais ~i ncu\a(ios ao ex~erior, m.cnoslavoráveis eram os empresários às alianças com o 9peranado , c vice-versa. Dessa forma, Cardoso demonstrara que já não existia, na década de 1970. uma burguesia nacional disposta a. aliar~s.e com os chama~os setores populares, e que os únicos setores ainda ahnha~os a es~e nacronal-populismo seriam os que não haviam se reorganizado diante d~ rransformações em curso. Em outras palavras, por não terem vocaçao II

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1981).

Ver Fernando Henrique Cardoso, EmpTtsário industria! ~ tWlnvolvimento tco// mico /lO Brasil (2. ed., 530 Paulo. Difusão Européia. 1972). . . do as Ver idem. polllÍca r d~smvolvjmmro em sorirJoJes. JtprnJe~us; ,tÚolog/ t) empresariado induurial argmlÍno t brasileiro (I. ed., RIO de janeiro. Zahar. ~ 97 . Ver Fernando Henrique Cardoso e Fa\.eno: Dtpt1lJJllâ~ r tÚsm~IVllnt;~;' naAmmc4 !Atina; ensaios tÚillurpTtla(
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Invesrirnenros e servidão financeira • 83

política hegernônica, as burguesias industriais dos países dependentes não seriam a mola impulsora do processo de emancipação nacional, tal como preconizado por muitos teóricos ansiosos pela f negada das . revoluçõcs burguesas à periferia do sis!cma I4 •

Assim, a análise dos empresários ligados 'o capital externo permitira a conclusão sobre a existência de articulações entre os grupos sociais que, em seu comportamento concreto, ligavam de fato a esfera econômica à política. A chamada dependência mostrava-se assim não apenas

turalmente a vinculação econômica com o exterior. E, no entanto, a nova face desse sistema, a internacionalização do mercado incemo nos países periféricos, abrira a possibilidade estrutural para a compat ibili-

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tÚ1nlVolIJimenTo emsociedada dependenta,

~~ por meio de uma aliança entre empresa nacional e Esrado que enfren'~'~~~." _ casse o poderio do grande capital multi nacional. ~~~~ Cardoso por certo não previu que a ~:fécada de 1970 , no Brasil, . ?:~f;; assistiriâ a uma variação real do PIB de 131.26% e a uma vâriaçâo real Jl~0:. do PIB per capira de 76,1 7%. Tampouco apoiou, por isso, o governo ~:;~g~; militar. Mas identificou 'justamente o surgimento desse novo arranjo, r~{~.J no qual o regime capitalista produzia vinculas entre o capital exterpo e ~;. ~; , a estrutura interna aos países da periferia, conduzindo-os a uma reor\~ ):gan ização administrativa, tecnológica e financeira, que implicava a ~ ';~ reo rdenação das formas de controle social e polírico". Nó' caso espe,d i:~'~':"«;;,*,f1co do Brasil c de alguns paísesda Aiii:erica Latina, a reorganização do ~~·~~~~Estaclo mediante a reorganização do próp-rio regime político deu-se de J;;,.f'!~\<:'forma a permitir uma centralização au toritária, necessária à consolidal ."~~,>,;,,,· ~i:' ~o do modo capitalista de produção nas economias âependemes. As· ~i<: -. ~1?-~.I;ffi. os sedutores números da década de I 970 pareciam confirmar o ~:~agnóstico inicial sobre o surgimento de uma nova etapa de desenvol-

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:~;}~rnando Henrique Cardoso, Politiça "~,,.Ibldem , p. 198-9.

~.Amlrú-Q Latina, cit o, p. 128.

j~.Fernand o Henrique Cardoso e Enzo Faleno, DtpmJJncia ~ tÚ1tnIJoluimtnto na '"

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84 • Brasil DfÜ"":!

Fernando Henrique Cardoso, As id/im r seu lugar: ensaios sabr« asteorias do desc»: voloimento (2. 00., Petrópolis. Vozes, 1995), p. 107 . Soberania ameaçada: a expantã» multinacionai das nnprrslls americanas (São Paulo . Pioneira, 1978), p. 1. Ibidem, p. 23, nota 1.

vimento, na qual se articulavam a economia do setor público, as empresas monopolistas internacionais e o setor capitalista moderno local, naquilo que ele chamou de •tripé do
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Investimentos e servidão I1nanc(i ra • 85

primas. Ressalte-se ainda que no grupo das quinhentas 'maiores empresas, da revista Fortune, 180 eram responsáveis por mais de 2 mil das 2.5 mil subsidiárias estrangeiras de rodo o grupo de empresas da lista. Em 1965. uma pesquisa feita pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos. abrangendo 264 matrizes none-americanas e suas subsidiárias estrangeiras , mostrou que essas empresas foram responsáveis por cerca de metade de todas as exportações norte-americanas de bens manufaturados, e as transações entre matrizes e filiais representavam cerca de um terço desse monranre-",

Diante desses dados, o autor da pesquisa não tinha dúvidas sobre a imporcância das multinadonais para a economia dos Estados Unidos. mas perguntava-se qual seria a importância dos interesses dessas empresas para as economias dos Outros países em que atuavam. E, nesse ~o, a rubrica "OUtros pafses" compreendia não apenas a periferia do ~Istema. mas também o próprio centro. Lembre-se, por exemplo, que na década de 1960 as empresas norte-americanas COntrolavam 100% (ia jndús~ria de rolamentos e a maior parte da iI!d_úst~ia de cquiparnentos elétriCOS pesados na Itália. Controlavam, ainda, mais de 75%

, _,~-,::. da produção de grafita e 40% do ramo de computadores na Grã-

~~'J1.t~ Bretanha, ~ém de responderem por mais de 90% da produção de ;~"';"\~'f\ ~ta, mal~ de 40% da indústria de equipamento telegráfico e teleQ,~$-=! própria França" •

~"""".,)~':' . fômc~ e rnars d~ 35% da produção de tratores e máquinas agrícolas da

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~·;Y. ~ N.ão à roa, a.décadã de 1970 cunhou um novo termo para as reia·;t; ~es incerescarais. A moda de então era o termo '
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:t~mo barato para o mesmo fenômeno que Cardoso antecipara, ernbo"?!'l não de forma cão simplista c idilica lz.

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=.:.~~~ Com efeito: se atenta~mos para os resultados da p,alança de paga:z~~~ entos dos passes envolVidos, veremos que eles pesavam muito mais .~!~ COnta da periferia do que na dos países centrais. Em verdade, de ;~~ fi '

"1~{ ·. Ibid I em.p. 12. , ~+Ibidem, p. 20.

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ao U amsta o ovo Rena.sclmemo" viria somente anos mais tarde elirnido de vez a já inicial f:Uta de negarividade comida na idéia de d~envolvimc:nto ependente.

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86 • Brasil D,lillny

1960 a 1968, aproximadamente US$ 1 bilhão em novos recursos era transferido anualmente às subsidiárias norte-americanas em países menos desenvolvidos. Mas, em contrapartida, US$ 2,5 bilhões eram remetidos anualmente, sob a forma de lucros e dividendos, apenas às matrizes norre-americanas-'. ~o BraSil r'~pondeu, ao longo da década de 1970, por uma remessa anual média de US$ 314 milhões, relativos apenas a deSpesas de lucros e dividendos de investimentos diretos; esse número salrou para médias anuais de US$ 969 milhões, US$ 2.589 milhões e US$ 4.477 milhões nas décadas de 1980 e 1990 e no perío • .. do de 2000 a 2004, respectivamente. Em termos relativos ao .PIB, tais remessas apresentaram, nos mesmos períodos citados (décadas de 1960, . 1970, 1980 e 1990 e primeiros cinco anos de 2000), médias anuais de O~Fi%. 0 ,25%. 0.36%. 0.42% e 0,85%. respecrivamente". E, no entanto. a aparente sinergia que se configurara na relação de dependência apresentada na década de 1970, quando obtivéramos nossos melhores perfis estatfsricos, não acompanhou o aumento desses indicadores de nossa suposta "interdependência" virtuosa. De fato, passado o.' ur-; to ·de industrimização periféri Cã decorrente da internacionalização -da produção calcada na empresa rnultinacional", o processo retoma, na década de 1990, seu curso normal de concentração e centralização na aplicação de recursos produtivos. Vejamos 26: •



De 1986 a 1990, as exportações mundiais cresceram à média anual de 14,3%, e o fluxo de investimento direto estrangeiro cresceu à média de 24.7%. Entre 1991 e 1993. esse crescimento cresceu foi, em média, de 3.8% e 12,7%, respectivamente, enquanto em 1995 foi de 18% e 40%. Em 1995,92% do estoque total de investimento direto estrangeiro, medido pela saída. originou-se dos países desenvolvidos, mas 73% desse mesmo estoque, medido pelo ingresso, também se encontrava nos países desenvolvidos.

II Raymond Vernon, Soberania ameaçada, cir., p. 186·7 . 14 Números calculados a partir do Balanço de Pagamentos do Brasil, dispon ível em <www.bcb.gov.br». n Muhinacional esta que progressivamente assume seu verdadeiro interesse apátrida. tornando-se rransnacional, Os dados a seguir provêm de: Uncrad, WorM Inoestmmt &port (Genebra. Unirc
16





Invesrimenros e servidão financeira • 87

Cerca de 90% das sedes das empresas transnacionaís estavam localizadas em países desenvolvidos, enquanto 40% das subsidiárias se encontravam em países em desenvolvimento. De 1994 a 1995, 90 0IfJ do crescimento do investimento direro estrangeiro observado correspondeu a investimentos em' países desenvolvidos.

• Esrados Unidos, Alemanha. Reino Unido, Japão e França responderam por cerca de dois terços das saldas de investimento direto estrangeiro em 1995 27•

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Ora, se ao fim e ao cabo a tônica continua sendo a da concentração do fluxo de investimentos entre os países centrais - a trfade, como prefere Chesnais" -, onde entramos nós, a periferia, nesse processo? Assim, se nas décadas de 1940 e 1950 Caio Prado Jr. e Celso Furtado se pergun cava~ sobr~ o sentido da colonização. cabe-nos agora indagar sobre o sentido da Industrialização. Havíamos deixado suspe nsa a afirmação de que a industrialização da periferia era absolutamente necessária à' nova plataforma de valorização que começava a s.urgir. Retomemos o fio da meada que leva a essa nova plataforma: a esfera financeira. Ainda que parcela considerável - e crescente - das transações financeiras não tenha nenhuma conrraparrida no nível real da econo" ~ia, à esfera firíãnceirâ alimenta-se da riqu ezã criaaa pelo investirnen-~ to na produção e pela mobilização de nova força de trabalho. O t ··descoJamem o entre ess~ instâncias. a gradativa reconstituição de uma .,~ -massa de capitais que procura se valorizar de forma exclusivamente --,. financeira (oomo capital de cmpréStimô), só pode ser compreendida .d e forem levadas em coma as crescen tes dificuldades de valorização do J próp ri 9 capital investido na produção. Em termos históricos. os lu:1;ClOS não repatriados, mas também não reinvestidos na produção, e ,depositados no setor offshore, em Londres, levaram o mercado de

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~., ~urodólares à sua arrancada antes que o choque do perrõleo o fizesse. .:':.0. :.;.

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náo seja demais lembrar que, das 373 lcgisladvasobservadas em ~:~ \':irIOS países monitorados pela Unctad no perfodo de 1991 a 1994 e relativas aos ....~.. ~gim~s nacionais para investimento estrangeiro. apenas cinco nâo visaram maior :Ji~ hberall2ação e desteguIamenração, A tr{adede que fala Chesnais - e na qual se concentra o /luxo de JED - é formada por. Europa, Escadas Unidos e Japão: ver Françols Chesnais, A mundi4/ÍZilfão do (São Paulo, Xamã, 1996).

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88 • Brasil D~[jv"1

François Chesnais , "Introdu ção geral", em A mundializaçiío finallc~irr l:

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. criaram AsSim, os c re'dt'tos con ced idos aos r-oa íses em desenv olvime nto C" • d . -: iro proc esso no período contem porâneo, de rransre rencra e 'o , . dos i devi '- . prime larga cscala. E as sucessiv as transfer ências os Juros eVI~ 'f1guezas em . d i obtenç ão de cr édiros bancári os dos consórc ios os pa ses cados pc a . . . - fi países fizepica1istaS avançados para as mstUUlçl~des n~ccd'. ras desses . 29 que a esfera financeira se conso J asse am a mais . ramAindustrialização da periferia, portant o, responde ao .mcs~o tem. d pital que buscava novas praças de invesnm ento po aos anseios e um ca . b rodurivo- em razão das crescentes dificuldades de valWl'z açao? ser~adas no centro do sistema, e aos anseios ~e .um~. esfera fin:ncc lfa em vias de expansão c auconomização, que exigia, port~n~o, . nao s~ a expansão dessas praças - afinal, a própria moeda ~duclána cnvolvlda .no fluxo de renda de investimentos diretos é, cm SI, uma forma de capital fictício 30 _, mas, princip alment e, a canalização de seus flu.xos para os mecanismos de valorização que ela própria come~ra a criar. E~ o~­ tras palavras, enquan to a vinda do capital pr..odutl~o para a penfen. a dava uma sobrevida ao processo de acumul açao estrlt~~~te produt i.. d Co" lego ap'ós o 'csgota mento d,as pOSSlblhâades abervo - que per cr a o 11 . . di ~ as pela reconsu~ção do p?s~gue rra -: Já se preparavam as con içoes para a dominâ ncia financeira que advmh a. Na primeir a etapa do advento dessa dominâ ncia, nos anos 1970: a eriferia aparece como a deman da que faltava, num ~mund ? em Crise ;berta depois do choque do petróle o, para cc a absorç ao da abu nda'1 oferta de crédito e liquid a então existe nt e.' Numa segund a eta~a, e!a surge como mercado emergente, no sentido de um locus ~e valoriz ação financeira sempre possível, mas guarne cido agor.a dos ~nstr~memos (ativos cotados em bolsas) e da política econôml.c~ (~rmdplo.s neo: liberais) necessários para maxim izar o ganho, minimi zando rISCOS. evitando susros, como o da onda de moratórias que :ssolou o connnente latino-a merica no nos anos 1980 31• O sistema nao se perpetUOU 19

~ riscos (São Paulo, Xamâ, 1998). p. \ 5-7 . . ' ( ) '" Rob mutações do capltal financeiro", em Fr.mÇOlsChesna1s org.. ~ ert G uttmann , ·A. I"U ~ ....A mundia/WJçiio financeira. cito . li tifl II N~ L . G de M. Belluzzo , em Ensaios sob" o caplta UIIIO . ao por acaso uu on la"" .,. I' d EconOll\la. lkuloXX (São Paulo/Ca mpinas. Editora Unesp/U n1carnpnstttuto e das 2004), denomin a "ditadur a dos credores" a esse n.ov~ moment o de asccnso altas finanças ao comando mundial do sistema Clpuahst a.

Investim entos e servidão financei ra· 89

em sua primei ra etapa porque , a despeit o dos gigante scos lucros auferidos no período . não suporto u o efeito Volcker (aumen to exponencial das taxas de juros norte-a merica nas no fim dos anos 1970), o que levou à crise das dívidas do início da década de 1980 e às primei ras fases de um amplo movim ento de desregu lament ação monetá ria e financeira, que ensejariam a passagem para a segund a etapa. A industrialização, portam o, se insere num movim ento de internacionalização financeira indireta dos sistemas nacionais fechados, a ame-sala daquilo que viria a se consoli dar soment e após a securiti zaçâo da dívida externa dos países da periferia e a formação, nesses países, de mercad os de bônus nacionais interligados aos mercados financeiros dos países do cenrro do sistema".

Eis, pois, nosso palpite inicial sobre o sentido da industr ializaçã o": diversa mente da mera aparência fenomê nica comida no diagnóstico dependentisca sobre a internacionalização dos mercad os interno s - que ~ jogava com a idéia de hornogeneização do capital e, portant o, do espraiam ento das possibilidades de desenv olvime nto, desde que se sou~. besse jogar as regras do jogo -, a interna cionali zação da produç ão foi ; apenas o substra to necessário ao desenv olvime nto ulterior da verda,'i deita cabine de coman do do capitali smo contern porâne o.,a esfcra fi., .~nance i ra, agora finalme nte mundializada".

Se estivermos certos sobre o sentido da industrialização - e lern~brando dos indicad ores decrescentes arrolados na primeir a pane deste ~exto -, a própria naturez a da relação que prende o capitalismo perifé~nco brasileiro ao centro do sistema não pode mais ser definida como "e "dependência", pelo menos não no mesmo sentido em que o termo

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I François Chesnais, "l nrrc duçâo geral", cir.. p. 23-31.

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Usamos o termo "palpite" porque tal hipõrese se insere no contexto de um trabalho .: ainda em desenvo lvimento no grupo de pesquisa sobre Instituiç ões do Capiralis~lmo Financeiro - Cafln, na USP (registrado no CNPq). ·' .Q uan do estuda os ciclos de reproduç ão. muito antes de enfrenta r teoricam ente a .o.i$(;ussão sobre o capiral 3 juros, diz. Marx sobre a verdadei ra natureza do capital: _~{no ciclo global do capital] o processo de produçã o aparc:ec: apenas como do liJeviclvd, como mal necessdrio, tendo em vista fazcr dinheiro . Todas as nações de :~ ução capitalista são. por isso, periodic amente =lt:uu s pela vertigem de quefazer dinheiro sem a mediaçã o do processo de produção "; ver Karl Marx. capital: critica da economia po/{tica (trad. Regis Barbosa e Flávio R. Korhe, São . :lulo, Abril Cultural , 1983, Coleção Os Econom istas), Livro 11, p. 44.

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90 • Brasil Drfiv")'

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foi usado anteriormente. Afinai, ainda que a dependência, como forma de expressão interna do próprio capital, comportasse a assimetria. sua legitimação entre as classes e grupos sociais decorria da comparibilidade estrutural entre dependência política e desenvolvimento econômico (mesmo que mera industrialização). Ou seja, a legitimação do pro· cesso - a inrerversão do econômico no político - se dava pelos acenos da possibilidade de ganhos mútuos, Mas e agora? Qual é o fundamento da legitimação de um processo no qual todos aquiescem ao mesmo receituário econômico, mesmo não recebendo as prometidas benesses? Perguntemo-nos: "que monsrro de vício é esse que ainda não merece o título de covardia, que não encontra um nome feio o bastante, que a natureza nega ter criado e a ICngua se recusa a nomear?"J$. Antes de avançarmos em nosso palpite para a solução desse enig· ma, cabe um peq ueno parên tese. Logo após a publicação, em 1946, de seu Studies in the development capitafÍJm 36, Maurice Dobb iniciaria um longo debate acerca da transição do feudalismo para o capiralismo. Nesse debate - que envolveu figuras como Paul Sweezy, Rodney Hilton. Christopher HilI e H. Kohachiro Takahashi -. uma das gran~ des preocupações dizia respeito a como, afinal, se dava, no mundo feudal. a interversâo do econômico no político. Em outras palavras, qual era o substrato que dava sentido e sustentação às relações de servidão como simultânea expressão política e fundamentação econômica do modo de produção de uma época? Entendida a servidão como uma obrigação imposta ao produtor pela força, independentemente da sua vontade, para satisfazer as exigências econômicas do senhor (overlard) quer tais exigências tomassem a forma de serviços a prestar quer surgissem como taxas a pagar em dinheiro ou em espécie -, Dobb definiu o feudalismo como virtualmente idêntico à própria concepção de servidão-", Ou seja, diante da preocupação em definir o feudalismo

Jl Inevitável rerornar as mesmas indagações de Étienne de La Boétie, feitas há mais de quatrocentos anos, acerca da servidão voluntária; ver Érlenne de: La Bcérie. Discurso do srrvidio J/o/unrdri4 (trad. Layme:rt Garcia dos Santos, 3. ed., São Paulo. Brasiliense, 1986), p. 13. ~ Traduzido no Brasil sob o titulo A rvolu(ã" do capitalismo (2. ed•• São Paulo, Nova Cultural. 1986. Coleção Os Economistas). Ibidem. p. 27. J7

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Investimentos e servidão financeira • 91

como u~ _modo de pcodu~o, Dobb procurou ressaltar aquilo que, em Sua visao, melhor resumia não 56 a relação polirica entre senhor e servo, mas o conteúdo. s~cioeconômico dessa obrigação que os conectava. A palavra servida o lhe caía bem, pois traduzia o feudalismo tanto c?mo m?do de produção da vida material quanto c~mo processo de VIda SOCIal.

Sweezy criticou tal definição. apontando Sua imprecisão e generali. dade, haja vista que "a servidão pode existir em sistemas que nada têm de feudal; e mesmo ~uando relação dominante de produção, a servidão t~m estado, em diferentes épocas e em diversas regiões, associada a diferentes formas de organização econômicat'". Curioso lembrar ainda que o próprio Engels escrevera, numa de suas últimas cartas a Marx que ."a servidão e a dependência não são uma forma peculiarmente medleval-feud~,encontramo-Ias por toda parte ou em quase toda parte onde os conqoísradores possuem a terra cultivada para eles pelos velhos habiranres'P",

Esse longo ~arênrese',que em verdade é um pisar em ovos, presta-se apenas a antecipar ao leitor o caráter potencialmenre controverso de nossa s~lu~o ao enigma e~u~ci~do. Da mesma forma que a palavra dependen.cla se mostrou. nao limitada a COntextos históricos espedfi,?S - servindo para nornmar os períodos de dominação colonial explíCita, mas podendo representar também, como foi o caso na década de 1970: o conteúdo socíoeconâmico de uma relação política moderna-, sus~elt.amos q~e.o caráter do vinculo que prende hoje o capitalismo periférico brasileiro ao centro do sistema só pode ser definido em termos de servidão.

A primeira vista, imagina-se que a servidão só exisra para um pela ~; Vontade de outro. O escravo procedendo do senhor. Mas, nessa f6rmuJa. é obscurecido amiúde o verdadeiro faco a ser interrogado: de "( que. forma canro~ homens, tantas cidades. tantas nações suportam \ mUl(as vezes u~ tirano 56, que não possui nada mais do que o poderio

~, que eles própnos lhe dão? Como entender, portanto, que o senhor ,~ procede do escravo?Como entender que a relação senhor-escravo antes

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rapira/ismo (Lisboa. Dom

' Ser .I:'-de ser a teIação entre dois elementos realmente separados, possa ' I! '~';...:........

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Friedrich Engels apud Paul Sweezy, ibidem, p. 20.

·U~a crítica", em Paul Swe:ezy er al., Dofrudnli.rmo QUIlCOte. 1971). p. 20.

92 • Brasil Ddivny

Nêm do mais. a possibilidade . hoje maior do qu e nunca, de dcsrcrriror ializat riqueza romo u essa posição ai nda mais confotláve1.

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interna ao mesmo sujeito? Em outras palavras, parece-nos que para bem compreender hoje a relação que nos prende ao centro do sistema é preciso entender não o consentimento à dominação - algo muito mais próximo do conteúdo da relação de dependência ral como ela havia sido até agora diagnosticada -, mas a obstinada vontade de produzi-la, algo só apreensívei pelo conceito de servidão, no caso, servidão financeira. E para que não nos acusem de funcionalismo exacerbado. lembremos que essa passagem da dependência à servidão não é nada estranha ao fato de as elites brasileiras nunca terem se importado muito com sua crônica hereronomia. 1:. bem verdade que, por conta de ventos históricos muito particulares, das foram empurradas à aventura do desenvolvimento autônomo e soberano. Mas, superada essa fraqueza momentânea (e cheia de riscos - o Brasil quase foi dominado pelas forças populares no início dos anos 19600, voltaram à sua posição usual: submissa, mas tranqüila". Colocado o problema em outros termos, pode-se dizer que a dependência que FHC, com déficit de negarividade, diagnosticara era pressuposta, uma dependência que se negava na possibilidade de vir a ser superada pelo desenvolvimento do elo dominado da relação. Tratava-se, portanto, de uma espécie de combinação de dependência com modernidade, de relação hierárquica com possibilidade de ascensão. A posição efetiva da dependência, sua configuração como servidão - que implica a vontade do servo na reprodução da relação servil (a dependência desejada) -, só ocorreria mais tarde. Seria preciso a consolidação do regime de acumulação sob dominância financeira e a posição da periferia latino-americana como plataforma de valorização financeira internacional para que a dependência encontrasse uma forma de existência adequada a seu conceito. Há, portamo, certa congruência entre, de um lado, uma dependência que se põe inicialmente como o inverso de si mesma, visto que era percebida como desenvolvimento. e, de outro, o fato de a industrialização da periferia poder ser vista como um dos momentos iniciais do desenvolvimento do regime de acumulação sob dominância da valorização financeira.

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Ol~.ando mai~ concr:tamente para o movimento. ~irlamos que, sem. o desenvolVimento que a relação de dependência produziu por aqui, não estaríamos hoje guarnecidos das condições materiais neces-

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poderem desempenhar esse mesmo papelê) Mas con içoes rnatenais podem não bastar, e não bastavam. A herança do mundo regulado e potencialmenteinflacionário. humanamente condescendenre e esrarizanre da etapa anterior exigia profundas transformações institucionais para que essa condição material se transmucasseem con~i~o(e~etdiva para a posição do Brasil como mercado "emergente", o In CIO os anos 1990, o advento do neoliberalismo como doutrina e coleção de práticas de política econômica veio preencher a lacuna que fal~ava para que essa transformação institucional tivesse lugar. Travestida em pregação pela "modernização" do país, empurrada pelo a~~umento de que esrarfamos perdendo o bonde da história e a possibilidade de adentrar no admirável mundo novo da globalização. a doutrina neoliberal funcionou como discurso de convencimcnro, num país recentemente redemocrarizado e com o movimento de massas se ins~itucion~.izando, para que se operassem as mudanças que nos colo~rJ~ decisivamente no papel de prestamistas (no sentido de prestaCIOOIStas). Tomadas essasprovidências, o delivery·J do paisestaria pronto. Vamos a elas então.

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3. Da era neoliberal e de suas providências

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94 • Brasil Dtlivtry

cessária paca pôr-se a salvo, em caso de turbulência. Portanto, não só os ganhos eram incertos , como não havia segurança de que seriam efetivamente auferidos, na eventualidade de existirem. Outro problema, também provocado pela persistência do fenômeno da alta inflação", era a.dificuldade de controlar os gastos do Estado. No caso do Brasil, cuja história é muito particular no que concerne ao processo de indexação ", a complicação era ainda maior, ensejando a criação de um sem-número de conceitos de déficit para lidar com a situação. A dificuldade em perceber a exata dimensão dos gastos públicos não parecia uma boa credencial pata um pafs disposto a entrar no circuito mundial de valorização financeira. Tendo em vista o caráter rentista desse tipo de acumulação, e considerando que uma de suas bases mais importantes é a dívida pública, a anarquia nos gastOS públicos produzida pela alta inflação era uma complicação e tanto, pois precarizava a extração de renda real que deve valorizar esse "capital caldo do céu", em que se constituem esses papéis". Nessas condições, como poderia o país ser considerado um emergente mercado financeiro? Segundo o discurso neoliberal que começa a ser dominante no início dos anos 1990, o Esrado não dava conta de sua tarefa de preservar a estabilidade monetá~ia e organizar as comas públicas também por conta de seu peso demasiado grande, herança perversa de um tempo em que se imaginara que o desenvolvimento nacional soberano era possível na periferia e que o Estado era o instrumento mais importante para tornar efetiva essa possibilidade. Ora, um Estado com tantas demandas e tantas tarefas não tinha como garantir ganhos reais às aplicações financeiras nem como se "especializar" na administração das finanças e na gestão da moeda, condições imprescindíveis para considerar determinado país como "mercado emergente".

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41 ~AJ(a inflação" foi o lermo encontrado para designar fenômenos inflaçionários como os do Brasil, em que os níveis gera is de preços nem se comportavam de forma "civilizada" nem descambavam para a hiperinflação, permanecendo por longo tempo na casa dos dois dígitos ao mês. ~} A esse: respeito ver LedaPaulani, "Teo ria da inflação inercial: um episódio singular na história da ciência econômica no Brasil?", em Maria Rita Loureiro [org.). 50 anos tk ciência lConômiea no Brasil: pmJammto. instituições ~ drpoímmtoJ (Petrópolis. Vozes. 1997). •• A expressão de Marx. que considera a dtvid ã públic:a como um t ípico exem plar ? c capital fictício; vide o capítulo XXIV do Livro I de O capita], cit.

I nvesrimentos c servidão financcir:t • 9S

O ambiente no qual os negócios aconteciam também não ajudava. Como convencer os capitais da seriedade do país na disposição de impulsionar o ganho financeiro com uma legislação que, em caso de colapso empresarial. punha à frente dos direitos dos credores financeirOS os direitos dos empregados ' (dívidas trabalhistas) e os direitos do -Estado (dívidas tributárias)? Como garantir que os recursos do Estado seriam prioritariamente canalizados para honrar os compromissos financeiros se os governantes não eram submetidos a um rigoroso controle de suas ações? (Na questão previdenciária, havia mais um sério obstáculo para que o pafs se integrasse de imediato na nova etapa da rnundialização financeira. Nosso sistema previdenciário era marcado pelo regime de repartição simples, caracterizado pela solidariedade inrergeracional e pela posição do Estado como seu principal ator, Esse sistema não combinava com os novos tempos, não só por conta do peso inaceitável dessas despesas no orçamento público: como pela-falta, sentida ho setor privado; de um mercado substantivo e promissor, até então praticamente monopolizado pelo Estado. Por fim, a _Constituição de 1988 era absolutamente'Incornpartvel com as pretensões renristas da nova erapa. Com o orçamênto engessado ' por inúmeras vinculações obrigatórias, o Estado tinha pouca liberdade para promover polfricasque, supostamente destinadas a sustentar o equilíbrio das comas públicas, visavam na realidade abrir espaço para sua atuação como lasjreador do pagamento do serviço da dfvida pública. Era evidente, portanto, que, se o Brasil quisesse entrar na nova etapa do jogo financeiro internacional, profundas transformações teriam de ser feiras no quadro institucional em que se movia a economia do país. E elas foram feitas. Como já mencionamos, a difusão cada vez - c. maior do discurso neoliberal produziu, desde o governo Collor, os ~ argumentos necessários para promover, num país recém-democratiza(..._:....~~.. do, com um ativo movimento social e ainda comemorando as "con1?,-quistas" de 1988, esse tipo de mudança. No início do que se pode -}~ chamar de uma 'lera neolibcral" , Collor foi eleito, contra o projeto ~""' popular representado por Lula e o PT, com o discurso do "social-libe{ ralismo"; enfeirádo pela bravata da "caça aos marajás". Desde então

· ···abrir a economia etc. Collor não teve tempo para pôr em marcha esse

,:[- passou a ser voz corrente a inescapãvel necessidade de reduzir o rama~.Ülho do Estado, privatizar empresas estatais, controlar gastos públicos,

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9G • Br:uil Delívery -

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Para maiores detalhes sobre essa operação. vide o segundo artigo desta coletânea.

projeto - a não ser, muito timidamente, o processo de privarízaçâo mas a referida pregação ganhou força inegável e passou a comandar todos os discursos. É no governo Itamar que terão lugar as p'r imeiras mudanças de peso a fim de preparar o país para sua inserção no circuito internacional de valorização financeira. [E m 1992~ a diretoria da área externa do Banco Central. em meio às negociações para; internacionalizar o mercado brasileiro de 't frul õs públicos e sccuritizar a dívida externa. resolvendo 3 pendência que vinha desde 1987, encarregava-se também de promover a desr ég ulam enraçâo do mercado financeiro brasileiro e a abertura ao fluxo internacional de c3p"itaiJ. Por meio de uma alteração no funcionamento das contas CCS feita sem o beneplácito do Congresso (o que implica crime, visto que a mudança altera a lei federal de 1962 que criou essas comas), o Bacen abriu a possibilidade de qualquer agente remeter recursos em moeda forte ao exterior. bastando para tanto depositar recursos em moeda doméstica na conta de uma instituição financeira não-residente". Formalizada a abertura financeira, impunha-se a necessidade de resolver o problema inflacionário. Assim, ainda no governo Itamar, surge oíPlano Real, que catapulta FHC. então ministro da Fazenda, para a Presidência da República. ;\fcnâido como mero plano de estabiJ iza~o~ absolutamente necessário tendo em vista os problemas pro~uzidos pela persistência da alta inflação (desesrruturação das cadelas produtivas, elevado imposto inflacionário, que prejudica principalmente as classes de renda mais baixa, deterioração da capacidade fiscal do Estado erc.), o Plano Real foi em verdade muito mais do que isso. Em primeiro lugar, ele resolveu o problema que impedia pracicamenre o funcionamento do país como plataforma de valorização financeira internacional. Mesmo com a abertura financeira já rendo sido formalmente operada, ela permaneceria letra morta. do ponto de vista de suas potencialidades em termos de atração de capitais externos de curto prazo, se o processo inflacionário não tivesse sido domado. Além disso, o plano abriu espaço para uma série de out~as mud~,nças q~e teriam lugar no governo de FHC. A abert ura na economia, as pravatizações, a manurenção da sobrevalorizaçâo da moeda brasileira. a

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lnvestirnenros c servidão f1nanccil';l, • 97

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elevação in édita da taxa real de juros, tudo passou a ser justificado pela necessidade de preservar a estabilidade monetária conquisrada pelo

que deve analisar a

LRF):bdli.spOSitivo qUI e acabou por estabelecer uma hierarquia nos gastos pu ICOS que co oca em primeirlssimo e indispurável lugar o crc dor financei ro, em detrimento da alocação de recursos com fins distributivos (polüicas de renda e políticas públicas de modo geral) e

contexto <e edição , 2000, da Lei Complementar nl! 101 (lei de Responsabilidade Fiscal _

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Por essas e por OUtras é que se pode dizer que. a partir do Plano Real. há um SCntimento di~o .de ~fm ergência econômica", no sentido.de exceção, que acornpanha a emergenCla do país como promissor mercado financeiro. Tudo se passa como se aos poucos estivesse sendo decretado um estado de exceção econômico que justificasse.qualquer barbaridade em nome da necessidade de salvar o pais, ora d~ ret.orno da Inflação . ora da perda de credibilidade, ora da perda do bonde da hIStÓria. A esse respeito, aliás, tudo indica que o estado de exceção, antes di fuso, tenha sido definitivamente decretado no governo Lula, Pesquisa sobre esse tema

~~illt~ ou sançao aos que CCI em a po inca c Juros e c evarn a dívida püblica do país em favor dos credores nacionais e internacionais. ; F-"~:: Os oiro anos FHC produziram, ainda. uma série de benefícios legais aos credores do EsradÇl e ao cap ital em geral. ' Em dezembro de 200 I. atendendo a uma promessa feita ao FM I, o governo aprovou a Emenda Constitucional nU 37. que isenta da incidência de CPMF 05 valores aplicados em bolsas de valore s. Também passou a ser isenta de imposto de renda a distribuição de lucros de empresas a seus sócios brasileiros ou estrangeiros e a remessa de lucros ao exterior". . ~~; Dentro do espírito de guarnecer o país dos disposirivos institucionais :fS'ig- . necessários para sua inserção na mundialização financeira, o governo {~: FHC promoveu ainda uma mudança substantiva no sisrema previ:~it~~& denciário. Conforme adiantado. o sistema previdenciário brasileiro era ~;~k estruturado predominanremente pelo regime de repartição simples e i'5;~~' constituía praticamente um monopólio do Estado. Argumentando que os déficits previdenciários produzidos pelo sistema previdenciário aca-

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r~l';I,m retiradas de Maria Lúcia Fanorelli, ~A grande sangria", &_ ~~

Jun. 2004.

fi" está sendo implementada por Leda Paulani no Gfin/USP.

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A$ informações ,,~ pOrtllg~ltI, n. 57.

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98 • Brasil Defivfry

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batiam por sufocar o Estado", o governo promove uma séri~ de altera.. A conseqüência mais import ante dessa transfo rmação é o auçoe.s. mente da importância da previdência privada, que passa a ser ~ecessarta para complementar a futura aposen~a~or~a. ~omeça assrm a s~r reiconstru ído o mercado privado de previdê ncia, Já há alguns anos vindicado pelo sistema financeiro. . 1 . Ao contrário do que ocorre no regime de reparuçao. simp es_ ' no regime de capitalização, que caracteriza o mercado privado, ~ao há solidariedade inrergeracional. Cada um responde apenas por SI e tem um retorno futuro proporcional à sua capacidade de pagamento co~­ rente. Aosgestores desses fundos cabe administrar os recursos ~eposl­ lados por longo período de tempo, de modo q~e garanta. o ren.dl~ento financeiro necessário parahonrar os compromissos previdenciãrios futuros, Sendo assim. esse regime busca maior liquid a no menor período de tempo e com o menor risco possível, o que torna os tí~ulos de renda fixa. particularmente os rírulos da dívida públi~ •. os ativos por excelência de seus porcfólios. claro que, dada essa .log'ca, os fundos de pensão serão tão mais bem-sucedidos quanto maiores ,forem a~ taxasde juros. Por outro lado, quando aplicam em renda variãvel (ações), eles buscam evidentemente aqueles papéis com maior capacidade de valorização - esses papéis são, hoje, aqueles pertencentes às ~~pr:sas que melhor executam os programas de downs~'Ún~, de t~~ce~nzaçao e de flexibilizaçáo de mão-de-obra. Assim. o I?gu.l1íbno financeiro ~~ss:: fundos-está na dependência de um comportamento das vanavers

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previdenCjár~: .. Cabe registrar que esse tipo dt"cãlculo consider a sempre co.mo g3StO empurra da goc . aquilo que não pode ser remado como tal. A aposenta doria ~ral. ente um gr.:nd: abaixo dos conserva dores pela ConStituição de 19~8. é ef~tlvam esse benefício s program a de renda mínima, talvez o maior do connnen re, Já que nã~ - uma VCl tornou um direito do tr:tbalhad or rural, tenha ele contribu ído ou despend idos com, ,1 que seja - par.1 o sistema prevIid encr':i'no. Ass'rrn, os recUIl o s ~IOS r~I~~'o­ pagamen to desse tipo de bcneflcio. apesar de integrarem o grupo de pre:ldenc'arr~s. nados à:segürid ade social.' não podem ser entendidos como ~toS õrios de ren ;. aproxim ando-se mais dos gastos relativos a program as eornpensar a de rcn J Os especialistas no tema dizem, aliás. que esse o verdadeiro program LulaO~)J mínima do Brasil (cf. Rosa M. Marques c Áquilas Mendes. "O governo 18. n 3. 20 ~~ contra-re forma previdenciãria", São Palllo emPmp«riva. São Paul~. v. j o o me ,0' Retomam os auui argu mentes já desenvol vidos em Leda Paulani, "Quan . . ro ano do gO\'<'rno • econ ôrni mica d o pnmel , a: um balanço da polúica vence a esperanç Lula" . Crftic(/ Marxina, Campina s. n. 19. OUl. 2004.

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serv idão financeira • 99

croeconÔmiC1s.chave 'quê é perverso do ponto de. vista do crescima mento c do emprego, pois joga no sen tido da elevação dos juros básicos. da redução da mão·de-obra formalmente empregada e da queda Ido rendimento médio dos trabalhadores, A perversidade desse comportamento é parte das contradições inerenres a um Sistema que vê diminuir o capital produtivo (que gera renda real) enquanto engorda o capital financeiro (que extrai renda real do sistema e incha ficticiamente nos mercados secundários, exigindo ainda mais renda). Mas a mudança implementada por FHC foi parcial. restrita aos trabalhadores do setor privado. A tenaz oposição feira pelo Partido dos Trabalhadores à sua extensão também para o funcionalismo público impediu que a reforma no sistema previdenciário brasileiro fosse feita de uma racada só. Coube ao governo Lula completá-Ia, estendendo as alterações idealizadas por FHC aos trabalhadores do setor público. Com as novas perspectivas de acumulação abertas pela entrada porencial de um enorme contingente de população assalariada. de renda média razoavelmenre elevada e sem enfrenrar a ameaça do desemprego. foram crióldas as condições para o pleno désenvolvimenm, no Brasil, do mercado previdenciário - cobiçadohá muito tempo pelo sistema financeiro nacional e imernacional. Concluída essa reforma. o país ficou quase pronro para integrar adc-

\:~i quadamente o circuito da valorização financeir:a. Mais alguns detalhes, -;~- com~ a nOVjl-teiâc~Fal ênciaS'(aprovada em fevereiro de 2005'10) , a aU[Q-

-norma do Banco Cerxral (que continua firme e fone na agenda do gover-

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I~~ ~~'~:no Lula"), o aumenro da Desvinculação de Recursos da União (DRU) , f~

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luAs dividas trabalhis tas que ames. sem limitação , cncontrav~-s<: no primeiro m em primeigar da fiI.a para o recebime nto dos recursos da massa falida. continua exceder esse ro lugar, só qUI: agora restringi das pelo limite de RS 39 mil. O que móveis \';li.para o úllimo lugar. As dívidas financeiras garantid as por bens '1 "f. ou IIJlÓ\·Cls. que ocupava m antes o terceiro lugar. passaram a ocupar o segundo 11'" lugar. à frente das dividas tributári as. Não CUSla lembrar que. na carta de inrenem fevereiro de ções ao FMI, assinada por Anconio Palocei e Henriqu e Meireile s o comprom isso de aprovar uma nova Lei de f:.tJénci:rs que gnransetor financeiro. em ...~~ . lJsse ~s direitos dos credores, ou seja. o recebime nto pelo & condIções priviJegiad:LS. das dividas acumula das pc/as empresa s falidas. Uma lei

BNDES , então rninisero do Planejam ento. Guido Manrcga ,

'(; semelha nte foi I'ropOSI.1 pelo mesmo organism o à Argendn a. . () 'jEIll meados do corrente ano. pergUnta do sobre a necessid ade de lal mudança

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b Orno sua prorrogação para além de 2007. e a extensão desse exem c . . . &1 ~! A pediente para 05 níveis estadual e municipal, e nad~ mars ta~ .. autonomia do Banco Central garantirá que a política monet ária seja conduzida sempre de modo que honre o pagamento do serviço da dívida e que premie, com juros reais substantivos, o~ detentores de papéis públicos. Tem em seu auxílio a DRU, que funciona, por outro lado como o instrumento mais afiado para dar cabo dos estorvos promovidos pela Constituição de 1988. A Lei de Responsabili~~deFiscal (que alguns chamam, com JUSteza. de Lei de Irrespo~sab,l~~ade Social) contribui com sua pane, ao assegurar que os papeis emitidos ~or instâncias inferiores do poder executivo também tenham seu serviço honrado, enquanto a nova Lei de Falência trata privilegiadamenre o credor financeiro. em caso de bancarrota privada. Ora, um país cão sério e cônscio da necessidade de cumprir as obrigações financeiras e de premiar com elevado rendimento ~s det~~tores de ativos financeiros merece um lugar de destaque em melo aos emergentes". com direito até a aspirar ao i11l1(sn:Jwt f!i1~e. A .[endênc.ia, portanto, é que a financeirização da economia brasileira se mrernacionallze cada vez. mais - e isso já é revelado claramente pelo Gráfico 5 (que mostra o enorme crescimento das despesas ex.ter~as co"? rendas de investimentos em carreira), apresentado na primeira seçao desce artigo. Com isso. encaminhamo-nos às observações finais deste texto.

4. De indústria c finanças, de capital financeiro e capital fictício: à guisa de conclusão Segundo Marx, capic~l industrial é todo-aquele que. indep en de~te: me nt e do setor em qu e atu e. toma de mo do altern ado a for ma de ~ap ll al monetário, capital proaucivó e ca~ i ral-.m ercadori ~ (tangível oU.lOcan. grv~i). cumpre.ern 'cada uma dessas formas uma função dererrninada e

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respondeu ~~qililamc:nte: que se tratava de uma altc:ra.ção necess ária para pr~ser­ var a sociedade da atuação de presidentes irresponsdveis c: gastadores. que qUI5C" sc:m f.1Zer o país crescer a qualquer custo. . . .. Em 1994 foi criado o Fundo Social de Emergência. denominado depois , mal.' adequadamente, Fundo de Estabilização Fiscal. Esse fundo foi formado com :WUh de todos os impostos c: contribuições federais. !O rnados Iivre.s de vi~culaçõc~. ~ partir de: 2000. ele: foi re:formulado c: passou a se: chamar Desvinculação de R~~Ull 50S da União {DRU). tendo sua prorrogação aprovada pelo Congresso Nacion . até 2007.

lnvc.slimentos e servidão I1nancc:ira • 101

as abandona, para voltar a assumi-las novamente'lJ. Marx afirma também ~ue o capirs] só pode ser industrial (produtivo) 'c se reproduzir am~lla~ame~tese~ do valor excedente de cada etapa, urna pane subsmn.tJva Já estiver dIsponível para a etapa seguinte sob a forma de novos meios de produçã?~4. Em Outras palavras, sem meios de p;oduzir ri,q.ucza, ou com meios que crescem muito lentamente, lento será o cresCimento da própria riqueza, bem como o do consumo c o do bem,estar a ela atrelados.

Nos momento~ d~ c~ise, são pequenos os incentivos para que o exced~ntc tome pnorItanamente a forma de meios de produção, em espe~lal de instrumentos de trabalho. Num país periférico como o Brasil, esse nunca foi um grande problema, porque o déficit de comportament o burguês d âs elit es acabou por cm purrar OI Esrago para at uar permanentemente como o grande investidor da econom ia. Tendo essa atuação por. locomotiva, o incentivo estava garantido e puxava sem nenhuma. dlficul~a~e os vag~es do investimento privado. Na época em q~e a industrialização definitiva da periferia latino-americana pass~u a I?teressar ao centro do sistema, esse processo ganhou em força c dinamIsmo c, pelo menos no Brasil, apontou para a possibilidade de superação de sua condição de país subdesenvolvido, ainda que sob a forma um tanto contraditória da "depcndêncís",

~de o capfrulo I do Livro 1/ ("O cido do capital monetário M) de O cnpírnl. cito

Note-se que, se o problema atual se resumisse ao pagamento dos

~Jinancelra.

, Es.sa ~çmfJu.ência virt uosa aconteceu, no ent ant o, tarde demais, pois :' o cap'talism.o Já entrava na fase term inal da fórmula fordisra c mija. : gr?sa do~ trinta al1os~ dourad õs. Empurrado, por um lado. por uma . cn~e ~ídlca e,. por OUtro. pela desordem provocada no sistema rnone.rãrio mcernacicnsl com a desvinculação do dólar norre~americano e :.do ouro, promovida em 1971 pelo governo Nixon, o sisrem~ ia ingres;san do a. passos largos na fase da acumulação flexível e da dominância De receptor líquido de capitais. o Brasil passou rápida§ m en te a exp.ortador líquido de capitais, primeiro sob a forma de paga. :::men{O ~os J~ros da dívida externa contraída por meio de Contratos . . .nvenClonals de empréstimo, e agora como produtor de ativos finani . Iros de alta rentabilidade. .

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e mals-vaha em capital) de O capiMI. cir,

'~\. d Ide ~5 C1p~tulos XXI e ::;:XII do Livro I ("Rcproduç3o simplesMe MTrans ro rnlõ1çâo ,:%.

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I02 • Bras il Df/hlrT)'

juros dos empréstimos convencionais, ele se resolveria tão logo essas antigas dívidas estivessem amortizadas, Tratar-se-ia apenas de avalizar o rentisrno clássico característico do capital financeiro convencional , entregando a seus proprietários, por determinado período de tempo, uma parcela da renda real produzida pelo capital produtivo que SUa transferência de mãos teria ajudado a construir. Mas a coisa funciona de modo diferente quando o que está em jogo é o capital fictício. O capital que decorre, por exemplo, da transformação do valor de um ativo produtivo em ações comporta um elemento de forre arbitrariedade, já que sua dimensão, em cada momento, não está mais vinculada a esse capital. mas ao jogo das bolsas (como se viu recentemente com a valorização irracional das ações da chamada Nova Economia - informática e telecomunicações). Mas essa duplicara de capital (como é chamada por Marx) reclama, como qualquer Outro capital. seus direitos e ameaça. como um fantasma, com sua cobrança, já que, no mundo real e concreto, a renda real produzida por seus ativos de origem pode não ser nem de longe capaz de dar conta desse recado. Por outro lado, o "capital" que decorre da emissão de títulos da divida pública reclama seus direitos não a um capital real incapaz de atendê-los, como pode acontecer com as ações. mas a um "nãocapital" (o ativo real de origem nâo existe). Por conseguinte. o atendimento desses "direitos" implica a extração de renda real da sociedade como um todo. Tudo se complica ainda mais quando essespapéis cornarn-se objeto de cotação em bolsas, já que sua dimensão passa a fugir do controle de seus próprios produtores. Ora, num mundo tão dominado por esses capitais fictícios e pela vertigem de valorizar o valor sem a rncdia çâõ' da p.roâ uçáo, nada mais interessante do que transformar economias nacionais com alguma capacidade de produção de renda real, mas sem pretensões de soberania. em presracionisras servilmente dispostos a cumprir esse papel e lastrear. ainda que parcialmente, a valorização desses capitais. Eliminados os maiores obstáculos a esse desempenho (a inflação. o descontrole dos gastos públicos, a falta de garantias dos contratos. a ilusão do desenvolvimcnrismo, entre os principais), essaseconomias estão prontas a flln~ cionar como plataformas de valorização financeira internacional. Assegurada a seriedade no tratamento dos direitos do capital financeiro, elas podem funcionar - e. no caso do Brasil, têm funcionado - como meio seguro de obter polpudos ganhos em moeda fone.

. Acrcdirarnox, assim, poder afirmar que não se trata de mera casua~Idade. o fato de as curvas.de FBKF/ PIB.E.ils despesas com rendas de JOveStl"?c:nco se comporrarem de moâo tão col11pletamenre invertido no Brasil nos úlr~mos ~5 anos. Tampouco parece casual que os indicad_ore~ ~e taxa de m.vcsnmcnro e de crescimento da era ncolibcral s~jam tao vlslv~lmente piores do que os da assim chamada "década perd ida", A despeito da confusão inflacionária e da crise da dívida externa , os anos 1980, :enamcnre influenciados pelas esperanças despertadas pela redemocratlzação e pela institucionalização dos movimentos de mas5<1, ai?da guardavam o espírito da "dependência tolerada" de que nos fala Smger. COmo se o verdadeiro desenvolvimento soberano e autônomo ainda estivesse no horizonte .

Ê só nos anos 1990 que se consuma a vitória avassaladora da doutrina necliberal e, com ela, a polírica econômica e as providências ainda.em curs? para transformar o Brasil num locus de valorização financeJ~, partlcul~rmente n~m insrrumeo(Q que, por meios os mais variados, permite substantivos ganhos reais em moeda force, em derrimente de nossa capacidade de aUmentar o estoque de riqueza, de crescer.e de.Comer o aumento da miséria e da barbárie social. Entramos assim na faseda "dependência desejada". como se a servidão financeira f?sse a tábua de salvação ainda capaz de produzir a inclusão do país no SIstema, mesmo que no papel o mais subalterno possfve1. . Que nossas e1i~es tenham , com tranqüilidade, abandonado os pruridos de aUfonoml3;. e soberania e ingressado nessa rota não é algo que ";", .surpreenda, considerando sua origem e evolução", O que é espantoso

-t e atesta a força desse discurso é que o governo de Lula c do Partido

como se fosse sua, a mesma

t:.' dos Trabalhadores, em princfpio popular e de esquerda, 'tenha caído

'.I ness~ armadilha e reproduza agora.

~. da servidão.

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~~~,cantllena. Talvez não haja prova maior de que entramos mesmo na fase

; Vi_de a respeito Paulo Edu ardo Arames, "Nação c rdl ...xâo", em Zero i; (5ao Paulo. Conrad, 2004).

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() PHOJETO :'\EOLlHEHAL PARA A SOCIEDADE BHASII.EIIU. sua dinâmica e seus impasses

IUgar-com:~l:::~:::

Já se tornou a arUAI política econômica :1;1~~O do Brasil de "neoliberal". Mas não é de hoje a popularidade do termo. 1 1"",d1.~, Foi a partir do infcio dos anos 1990 que ele começou a ser mais difun" 'I~'~ > , rt.-~r dido, acabando por adjetivar a política econômica das duas gestões de :,~<-' Fernando Henrique Cardoso. Não por acaso, à época da ascensão de [~~~ Lula ao poder federal, muito se especulou a respeito do caráter neoliberal \ ~~::''. ; ou não de seu governo, tendo em vista ter sido o Partido dos Trabalha'~~~~ dores, por ele liderado, o crítico maior desse tipo de política ao longo ::i;: de toda a era FHC. Contudo, rqais do que ser mero rótulo - de reSTO necessário, dadas '. as profundas alterações processadas, vis-à-vis o momento anterior, na .,~. forma de pilotar câmbio e juros, na forma de gerir o Estado, na forma T de induzir o movimento da economia privada, entre outras -, o :;,neoliberalismo tem uma história intelectual que merece ser lembrada, 'f,ames de nos perguntarmos sobre a natureza do que se poderia chamar {~X~S'pro;eto neoliberal para a sociedade brasileira". Além dessa história ~.-: . ~~jmelectu al , que o constitui como doutrina, o neolíberalisrno possui ;.: ;:.também uma história concreta, que tem que ver com o momento ~~~~t6rico no qual suas prescrições passaram a ser adotadas. A relação . - -'~tre o neoliberalisrno como doutrina e coleção de práticas de política. ~nômica, de um lado, e a fase especifica do desenvolvimento capita-

!~ que se inicia em fins dos anos 1970, de outro, não é casual nem ~vial - ela também precisa ser recuperada para que possamos respon~r corn propriedade não só à indagação acima, como também às per-

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untas mais importa ntes para o paIs neste momen to, quais sejam: :om~ ~e deu a era neolibcral no Brasil? que variant,: de sua .concepçao fOI . . da~ qual é o papel do Brasil na divisão internacIOnal do trabapnon'Za . I ., lho neste "novo capitalismo"? quais são as razões que nos e~ltIm. am_ a considerar como absolut amente neoliberal ~ atual g~ver~o. quais sa~ as perspectivas para o país se esse projeto tiver continU idade e quais -são os maiores impasses que ele apresentará? ' . '\. Para dar conta da tarefa, este texto está dlvldldo_ em qua~o ,~eço.es principais, além desta introdu ção e de uma condus ao. A se~o ~ his• ai do neoiJ'beralismo' o pós-guerra e o neohbe rallsmo t fia •lOte1 ectU . Ó , como doucrina" demon stra como a história intelect ual do ne~hbe ralismo o coloca como doutrin a - muito mais do que como teona ~e como um conjun to de práticas de política econôm ica; a ~e~o liA his-

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tória concre ta do neolibe ralismo : ~ nova fas~ d,? capltal ~sm.o e o neoliberalismo como prática de pol ítica econômICa tra~a ~e indicar as caracte rlsticas da nova fase experim entada pelo capital ismo desde ados dos anos 1970_ marcad a pela dominâ ncia financeira da valome rízação _ e relacioná-la à história concre ta do ~eolib I er JS~O, seja como difusão da doutrin a, seja como aplicação prática das polítlcas que pres: - "O Brasil na nova divisão interna cional do trabalh o creve; a seçao ., . ' - . . I " apel que cabe à econom ia brasilei ra na divisão mternaC lona d Iscute o p . I do trabalh o da nova etapa do capitali smo; a seção "A era neohbe ra no Brasil" abrange desde o govern o de Collor até os di.as atuais ~e Lula e seu contrad itório e perman ente estado de emergê nCia econôm iCO, p:lfa contar a hist6ria da era neolibe ral no Brasil; a concl~ão di,scute as transformaçóes observadas nessa década .e ~:ia de ?e?hbe rahsmo , os impasses que caracterizam tal etapa da histéna braSileira e as perspec ·

tivas que a partir daí se descort inam.

2. A hisrória intelectual do neoliberalismo~ o pós.gu erra e o neoliberalismo como doutrina

particul~rmen~e

A história intelectUal do neolibe ralismo está diretam ente ligad.a à história do econom ista e pensad or austríac o ,Fried rich Hayck" nasctdo em Viena no último ano do século XIX e discípu lo da chamad a "escola austrlaca" de pensam ento econôm ico. A produç ão intelect ual de Hayek até meados dos anos 1930" nos campos d: teoria monetá ria c dos ciclos e da teorta do capital, fOI marcad a por se. apreço à idéia do equilíb rio e à import ância que ele entaO confen 3

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o projeto ncoliberal para a sociedade brasileira

à teoria que o demons trava. Aos não-eco nomist as talvez caiba esclarecer que teoria do "equilíbrio" signific a a análise de 'oferta e deman da (~ua consrit uiçâo e sua dinâmi ca) e a demon stração de que, deixado s a SI mesmos, os agentes econôm icos conseg uem, por meio dos sinais emitido s pelo sistema de preços, chegar a um estado em que não se verifica excesso de deman da em nenhum mercad o (o excesso de aferra é entend ido como um excesso de deman da negativo) e. portant o, a um estado em que todos os planos de venda e de compra são realizad os com sucesso .

A teoria que demon stra esse caráter virtuos o do mercado (já que, ao final, todos estão sempre plenam ente satisfeitos) é aneQc1 ássica,. ta! como desenh ada no início do século XX pelo econom ista inglês Alfred MarshalI. A teoria neoclássica, de caráter dedurivo-nomolôgico, tem por fundam ento o conceit o do Homo economicus (o homem econôm ico racional) e encont ra na teoria do valor-u tilidade a base de seu raciocínio, descartando, portant o, a teoria do valor-trabalho que caracterizara a ciência econôm ica no início (séculos XVIII e XIX), quando ela ainda era conhec ida por "econo mia polídca'". O equilíb rio, no sentido indicado, é o resultad o lógico dessa visão dos agentes e de sua forma de compo rtamen to,

a priori, a teoria neoclássica dá por resolvido aquilo que deveria re-

C!aro .defensor dessa concep ção durante um tempo substan tivo de sua Vida inreiecrual, Hayek, no entanto , muda radical mente de postura em meados dos anos 1930. Num rexro intitula do "Economics .: and knowledge", escrito em 1936 e publica do em 1937, bem como ~ em outros que se· seguira m, Hayek faz uma crítica demoli dora da ~. teoria neoclássica e de sua idéia de indivíd uo. Resum idamen te, ele ;; afirma que, ao tomar o indivíd uo e seu compo rtamen to como dados !j

Tamb~m

aos não-econ omistas vale observar, para demarca r melhor o terreno. que a t.eorla do valor-tra balho aflrma basicam ente que o valor .das mercado rias é deter~mado. de maneira o~jeciv:t. pela q~~ntida ~e de trabalho necessári a para produZI-Ias, enquam o a reona do valor-uti lidade afirma que o valor das mercado rias é deter~in ~do. de maneira subjetiva , pela utilidade que os agentes conferem a elas. No pnmerro bloco estão a economi a política inglesa de Smirh e Ricardo. a teoria de Marx. e as es~olas con~em~r3nc;as (como os neo-rica rdianos) , No segundo bloco esrao a Teoria do Equilfbri o Geral do francês Léon Walras. a teoria neocldssi ca, o monerarisrno e sua variante moderna denomin ada economi a novc-clã ssica e. de modo geral. todo tipo de pensame nto econômi co de viés ortodoxo ,

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solver. O equilíb rio que aparece como resulrndo de seu desenvolvimento está, na realidade, hiposta siado e, com isso, a teoria neoclássica, ue deveria funcion ar como a prova "cientÍfica" de que a socieda de mercad o conseg ue produz ir ótimo social, não conseg ue-cum prir seu papel. ' . . Não é demais lembra r que Hayek fOI. um dos pnncrp ais persona gens de um debate ocorrid o nesses mesmo s anos ~ q.ue ~cou con~eci ~ do na literatu ra como "debate sobre o cálculo sociali sta. Por mero de artigos originais, réplicas e tréplicas que col~caram, de um lado, Hay~k e Ludwig von Mises e, de outro, econom istas defensores do planeja mento central , como O conhec ido Oskar Lange, travou- se um debate em torno da possibilidade ou não de uma econom ia não-org anizada pelo mercad o produz ir uma situaçã o de 6tim~ social., O ~es~lta~od~­ se debate foi trágico para alguém com as amugad as convlcç oes liberais de Hayek. tange não apenas demon strou que o cálculo raciona l em perfeita mente possível numa socieda de não regida pelo mercad o, r:'as, pior que isso, utili1.OU como peça fundam ental em sua argume ntaçao a própria teoria neodás sica. Se. como esta advoga . o co~por tame.n ~o human o é plenam ente previsível no que tange às quescoe s materta rs. ficava provad o, assim racioci nou Lange. que o ótimo. soci~ podia ser conscie ntemen te planeja do, algo que Hayek não podia acenar. . Outra inform ação biográfica import ante é que Hayek, que ensinara em Viena até 1931, foi então co nvidad o a assumi r uma cadeira na já famosa London School af Econom ics, passand o a faz.er parte da comun idade intelect ual inglesa. Tão logo chegou , envolve u-se numa polêmi ca com John Mayna rd Keynes e seus discípu los em Cambr idgc . em torno de A rreatise on money, livro que o já famoso econom ista havia publica do no ano anterio r. A conten da encr: os d?is só fez crescer ao longo dos quinze anos em que Keynes ainda Viveu, mas perman eceu mesmo depois de sua morte. ~a contram áo d~ que pensava Hayek, Keynes desenvolveu uma recria para mostra r ,ustam e~tc que o mercad o, deixado a si mesmo , poderia levar ao péssim o s~clal, ou seja, trabalh ar abaixo do nível de ple~o emp.rego, .produzm~o recessão, desemp rego e miséria por tempo mdefim do, visto que nao tinha condiçõ es de, sozinho , sair desse tipo de armadi lha que seu próprio funcion amento montav a. A enorme c~ise dos anos 19.30, com todas as seqüelas sociais que produz iu, funCionou como aliada poderosa da vitória de Keynes nessa conten da teórica. Mas . para além o

V projeto neoliberal para a sociedade brasilelra • 109

~Ao longo dos ano~ I ~30 .:I academi a inglesa viu Hayek surgir inicialm ente como

da disputa meram ente intelect ual entre os dois', o que estava em jogo nesses tempos era o destino do mundo modern o. . . Termin.ada a Segund a Guerra , Hayek se deu conra de que o capitah.smo. camJnha~a a passos largos para uma era de fegula ções ext ranaclo~als (para :vltar que o mundo fosse assolado novame nte-por conflitos ~éllcos q~e tinham questõ~ econôm icas em sua origem ), de pesada mrcrve nçao esraral : (para evitar crises carasrróficas como a dos anos 1?3.0) e ~eo concessões aos trabalh adores (para enfrent ar a concor rência ideológica operad a pelo então chamad o socialis mo real). O acordo de Bretron Woods.l, o Estado keynes iano regulad or de deman da efetiv.a e o Estado de bem-es tar social foram a consum ação dessas expecta tivas - ~ esse mundo não agradava nem um pouco a Hayek. Por ISSO, em 1947, ele Coma a iniciati va de convoc ar rodos os ex· poente s do pensam ento conser vador de então (Lione l Robbin s, Karl Pop~:r, Ludwig "": Mis~s. Milton Friedrn an, entre outros) para uma reuruao em que se: discutir ia a estratég ia necessária para enfrent ar es~ avalanc he de .~egulaçáo e inrerve ncionis mo que assolava o capiralisrno . Essa reumao ocorreu na Suíça, em Monr-P elerin e tinha po o bicri letlvo "com bater o keynes ianismo e o solldari srno reinant ' es e pre-r parar as _bases para um novo capital ismo no futuro, um capitali smo duro e livre de regras?" . Para esses crédulo s nas insuperáveis virtude s do mercad I oo, o igualita rismo promov ido pelo Estado de bem-estar sO~la c o interve ncionis rno estatal, que impedi a as crises, destruí am a hb~rdade dos cidadão s e a vitalida de da concor rência, da qual dependia a ~rospe~dade d~ todos. Mas a estratég ia de Hayek e seus compan heiros nao passana pelo desenv olvime nto e/ou aprimo rarnen-

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uma estrela ~e pnmerra grandeza na constela ção dos economi stas e, posterior mente, terminar a década cornplerarnenre apagado . ofuscado em gra d díd I I h k . . . ( n e me I a Pc a ava anc e °er nesl:tna Rogério de Andrade "Hayek: ~ J" conrrapo R" . - lib ' .~ siçao I era ,em icardo Carneiro, org .. Osclássicos da economia São Paulo Ár" :I 1997 p. 176). ' . rc

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josé Luis Flori, muito apropria damente , inrerprer a esse acordo como I' d o u' " f t nrco exere CIO c go\Oeman~ g1ob:ll da história capiralisre (cf "Formaç ão. expansão e [imites cl~ poder glob~1 em O podrr a"'.mcil~/(). P~rrópolis. Vozes, 1004, po S'Í). Pc:rf) Anderson, Balanço do necliberallsrno . em Emir Sader e Pabl GOl· (orgs) n ' O aspo I . , r~s-lIfO lIoh eralttmo: cnn I 'itlcas sociais /' o Estado democrático (Rio ode Janeiro, Paz e ferra. 1995) . p. 10.

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. econorruca . ' que pud esse ser usada to de uma teorra . como arma na de. • da supeno . ridade do mercado e da sociedade que. ele forjamonstraçao ' va, A teoria neoclãssica, que seria,dentre todos, o p~radlgma c.om mator vocação para isso, tinha sido destruída metodologicamente justamente por Hayek. d . ~ d .Essa talvez seja a razão maior a explicar o fato e~. re~naçao •o liberalismo ter nascido como doutrina e não co~o clen~la. Se nao havia teoria econômica capaz de cumprir o papel Ideológico que era necessário cumprir, tratava-se simplesmente de ~rmar a, cr~nça no mercado, de reforçar a profissão de fé em suas inigualãveis vlr~ud~s, E para atingir o estágio em que o mercado seria o comandante ~ndls. purado de rodas as instâncias do processo de reprodução ~ateC1al da sociedade era preciso: limitar o tamanho ~o ~tado ~o mínimo nec:ssário para garantir as regras do jogo capitalista. evitando regulações desnecessárias; segurar com mão de ferro os ~tos ~o Es,tado, ~um.en. ndo seu controle e impedindo problemas inflacionãrios, pnvanzar ta . . diInd o o, Estado todas as empresas estatais porventura existentes, Impe de desempenhar o papel de produtor, por mais ~ue se considerasse essencial e/ou estratégico determinado setor; e abrir completamente a economia, produzindo a concorrência necessá~i~ ~ara que os produto. ganhassemem eficiência e cornpetirividade. Com res Internos , _ o passar do tempo. juntaram-se também a esse conjun~o de prescnçoes regr~s de pilotagem de juros. câmbio e finanças púb!l~ que, al,go contraditoriamente transformaram a política econornica neoliberal numa business adl~illistration de Estado), Mas esse último ~asso tem q.ue "" com a história do próprio capitalismo e de sua relação com a história intelectual do neoliberalismo. ~ S undo Harvey, "reunindo recursos oferecid~s por corporaçoes ue eram simpáticas e fundando grupos exclUSIVOS de pensadores, movimento [neoliberal] produziu um fluxo constante, masem - de anãlises textos polêmicas e declarações de poslçao nente expansao, " . I. . nos anos 1960 e 1970. Mas ainda era considerado poIinca . , amp 1d amen ' Ievante e mesmo desdenhado pela corrente prlOclpa e pensate irre

. vez em lrÃeda Pau Iamo. Modmlütui~ r discuno O lermo roi utilizado pela primeira . alBoiternpo . (5-30 Pau Io econômico . . 2005). Mais adiante, _neste texto. retornares gumas das considerações ali elaboradas sobre essa questao.

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projeto ncolibera] paro a sociedade brasileira. J 11

rnenro polírico~econômjco"6, De fato, é s6 a partir do fim da última dessas décadas que passariam a existir as condições para a dominância da doutrina neoliberal e para a aplicação prática de seu receituário de política econômica. A próxima seção explica por quê,

3. A histeria concreta do neoliberalismo: a nova fase do capitalismo e o neoliberalismo como prática de política econômica

eram

O movimento de regulação e de intervenção estatal que marcou o capitalismo depois do término da SegundaGuerra produziu aquilo que ficou conhecido na literatura como "os anos de ouro do capitalismo", ou seja, um período de quase trinta anos em que a economia cresceu aceleradamente no mundo rodo, com desemprego muito baixo (praticamente no nível friccionaI) e inflação reduzida. Em meados dos anos 1970 esse mundo vem abaixo, com as duas crises do petróleo (I 973 e 1979), as crises fiscais dos Esrados centrais e o retorno da inflação. A elevação dos juros nOrte~americanos por Paul Volcker em 1979 é a consumação desse processo, que prepara o capitalismo para ingressar numa nova fase, Esta é marcada pela exacerbação da valorização financeira. pela retomada da força do dólar none-americano como meio internacional de pagamento, pela incensificação, em escala ainda não vista, do processode centralização de capitais e pela eclosão da terceira revolução industrial, com o surgimento da chamada "nova economia". .,. Detalhemos um~ouco mais cada uma dessas caractedstícas. Em meados dos anos 1960, depois de um crescimento elevado e ininterrupto de cerca de Vinte anos - que passara pela r~construção da ". Europa e da Ásiae pela industrialização da América Latina _, complío{; caram-se as perspectivas de continuidade desse processo de acumula',: ~ ção na mesma intensidade. Os capitais multinacionais que operavam ,i na Europa, particularmente os nane-americanos, passaram a buscar . Outras formas de valorização. Foram então se abrigar na dty londrina. -:um espaço offihore em que depósitos bancários em dólares circulavam registrados em bancos situa.fora do território norce~americanoe

Segundo Harvey, o próprio Hayek prc:scienlemCnte viu que Íevaria cerro rempo para que :J.S concepções neolibcrais passassem a ser a corrente principal de pensamenro. Segundo de. leria de correr "pelo menos uma geração" até que iS50 acontecesse (David Harvey, O I/{/IJ(J impt'ril1/ismq. São Paulo . LoyoJa. 2005. p . 130) .

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dos fora dos Estados Unidos". Estimulado pelo recorrente déficit do balanço de pagamentos norte-americano, foi se c.riao_do assim. um volume substantivo de capitais que buscavam valorização excluslv~men~ te financeira. num movimento que se desenvolveu ao desabrigo de qualquer tipo de controle estatal. . . Entrementes, a economia norte-americana crescia aceleradamente. Na realidade, o crescimento narre-americano funcionava como uma locomotiva :1 puxartodo o crescimentomundial. A atmosferade Guer~ Fria e a aceitação das idéias de Keynes empurravam os Estados Umdos. desde o pós-guerra, a essa política de elev~do. crescimento intern~ e de estímulo ao crescimento do mundo capitalista como um todo . Assim. como tinham de manter o poder hegcmônico do país, as autoridades norte-americanas responderam com po)(tiClS expansivas à compressão das margensde lucro e à aceleração da inflação,que começaram a se esboçar na sua economia na segunda metade dos anos 1%0. O duplo papel que os Estados Unidos tinham de desempenhar, ou seja,de um lado, potência hegemônica c, de outro, d~tentor ~o monopólio da produção do meio de pagamento inrernacI~nal: criava um.a situação conflituosa e, no limite, insustentável: n~ pnmel~o ~apcl, tinham de estimular o crescimento incemo e, com ISSO, a Vitalidade do mundo capitalista; no segundo. tinham de frear seu crescimento. para impedir que o dólar se fragilizasse. Em outras palavras, p~gavam u~ preço pela manutenção da hegemonia de sua moeda, pOIS a relação

o Euromarket foi criado no fim da d écada de 1950. Apesar de interessar fundamentalmente à Inglaterra, que buscava recuperar o importante pa~l ~e inrcrrnediária financeira internacional desempenhado aré antes da Primeira Guerra Mundial a iniciativa COntOU com o apoio norte-americano, Na década de 1960. esses deis governos encorajaram seus bancos c suas grandes corporações a fau:r operações nesse mercado: ver José Luís Piori, ~O pod~r gloha~ dos Estados Unidos: forma~o. expansão c: limites", em O poda am~rm11l0. CII:, ~. 92. e :,slh_cr Jdfers. ~A posição da Europa na valcrizaçâc mundial do~ ~pJC:1IS de aph,:,ç.ao. financeira", em Prançois Chesnais (org.), A ftm11lfa mundializada: m/Ui SOCIIIIS , pol/firm. ronfigllrtlfiio. rO!lSeqiitncini (São Paulo. Boirempo, 2005.>. p. 155. . Não por acaso, ao longo desses anos foram muitas veles?s próprios Estados Umdos que. contrariando os princípios de Brercon Woods. aJ~daram a p~m.o.ver dcsvalorizações nas taxas de câmbio de outros países, vlsa,n~o posslblllta.r s.e.u crescimentor ver Franklin Serrano. "Relações de poder e a política macro~co,nom IL.l americana, de Bretron Woods:lo padrão dólar flexível». em José Luís Piorl (org.].

a poda americano, Cil .. P: 186.

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projeto neuliheral para a sociedade brnsileit;l • J 13

nominalmenre fixa entre ouro e dólar norte~amerieano, que consnrura a base do sistema concebido em Bretron Woods (por isso também conhecido por "padrão dólar~ouro") . retirava das auroridades norte-

amer~ca~as preciosos graus de liberdade na condução de SUa polírica

econormca.

A aceleração inflacionária do fim dos anos 1960, nos Estados Unidos, rornou patente a insustemabilidade dessa situação. O crescimento do nível interno de preços em patamares mais elevados. combinado à manutenção da paridade dólar/ouro, valorizava a moeda norte-americana e aumentava a pressão sobre o governo para que fosse promovida uma desvalorização. Mas a perda de competitividade dos setores exp~st?~ à concorrência externa não era o único problema que a irnpossibilidade de desvalorizaro dólar provocava. O problema mais sério é que os déficits comerciais, até então praticamente inexistentes, começavam a se tornar substantivos'). Isso implicava o aumento do passivo externo líquido dos Estados Unidos (crescimento de sua dfvida externa) e a redução das reservas none·americanas em ouro!", Asternacronai, serra minada" 11.

~im, "a i~éi:1 de qu.e o dólar era tIS goodasgoU, que garantia Suaaceitação

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Ao contrário dos déficirs globais do balanço de paganH:niõs, qu~' não ameaçavam as reservas em ou ro dos Estados Unidos (justamen re por causa da posição do dólar co~o moecl~-~have). 05 déficirscomerciais. principalmenrc se recorrenres, tinham e.fcnos delercnos .sobredas: Essa mO~:llidade d~ déficir produzia aumemo do pasSIVo externo líquido do pais e esse lIpOde cbrigaçãe. mesmo se denominada em dólar, era, pelas próprias regras de Brcrron Woods. plcnamente conversível em ouro pe~os bancos centrais dos pafses credores; ver Franklin Serrano. ~RcJações de poder.... cir.. p. 195. Franlclin Serrano, ~RcJaçõe5 de poder...", cir., p. 196.

Apcsar de a balanç;Í comercial norre-americ:ma estar eq uilibrad:l aré enrâo, seu b~lanço de pagamenlOs era deficit~rio por conta do multado da babnça de capit:u.s'. O. papel.de locomotiva do crescJmemo desempenhado pelos Estados Unidos cXlgla JnV('SflmenlOS dircros dcvados e volumosos empréstimos para os demais pa{~es. enquanro seu papel na geopolítica mundial, no contexto da Guerra Fria. obrigava o pais a manter pesados gastos militares no exterior.Tudo isso conrribuía para o resu~ta~o negativo da babnça de capirais: ver Frnnklin .xrr:rno, -Relações de poder,.. , Clt. , p. 195_

Para enfrentar essa situação, cada vez mais insustentável, em 1971 o presidente none-americano Richard Nixon rompe unilateralmen_ te com o sistema de Brerton Woods e desvincuia o dólar do ouro. A

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artir dar inicia-se um período tumultuado no sistema monetário in~ernacional. com um questionamento crescente da capacidade de o dólar norte-americano continuar a funcionar como moeda-chave. Entre outras idéias, começou a se cogitar a criação de uma moeda verdadeiramente internacional, tal como Keynes advogara em Bretron W'oods, utilizando-se. como base para sua criação, os Direitos Especiais de Saque (DES), coras de recurso que cada país possuía no F~ndo Monetário Internacional (FMI) e que podiam ser sacadas sem maiores formalidades. Evidentemente transformações desse tipo não interessavam nem um pouco aos Estados Unidos, visto que perderiam um trunfo poderoso que era dado justamente por sua posiç~o d~ ~rodutores ~o meio de pagamento internacional. Todo o potencial bélico de qu: dl~­ punham poderia não ser suficiente para manter seu pap~1 de porencla hegemônica, se uma perda dessa dimensão viesse efetivamente a se confirmar. Mas esse período de indefinição é resolvido, a favor ~o dólar, com a brutal elevação dos juros norte-americanos promovida por Paul Volcke r, então presidente do Federal Reserve, em \ 979 . Desde ~ntão. o dólar norte-americano tem se colocado como moeda hegemômca de uma forma ainda mais poderosa do que o fora nOS trinta anos gloriosos, visto que, nas circunstâncias do padrão dólar auto-referencia.do, ou padrão dólar-dólar, que acaba por se criar, a moeda norte-americana tem todas as vantagens de que antes gozava, uma vez que m~nt~c sua posição como moeda-chave do sistema, mas agora se bcne6c~a ~IS­ so sem ter de pagar o preço de sua vinculação a um lastro, em ultima instância, que era o papel desempenhado pelo ouro no padrão monetário anterior. Não é sem conseqüências o fato de a resolução daquele período de indc6nição ter se dado dessa forma. Entre outras coisas, além de r:forçara hegemonia norte-americana. o fortalecimento do dólar vem agindo como elemento de fundamental importância na manutenção da dominância financeira da valorização que marca a fase contemporânea do capitalismo, Mas, antes que caracterizemos essa fase, cabe retomar a história de sua constituição, Depois de 1971, combinaram-se a continuidade do crescimento norte-americano e mundial (ainda que a raxas menores do que as observadas no início dos trinta anos gloriosos), a elevação da inflação nos Estados Unidos, as reduzidas taxas de juros nominais e reais em dóla-

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projeto neoliberal para a sociedade brasileira • 11)

res e a crescente capacidade de criar crédito do circuito offshorc de Londres. A conseqüência dessa combinação foi a explosão dos preços em dólar dos principais insumos industriais e. logo a seguir. do petróleo!'. Só com a crise deflagrada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opcp), em 1973, que o crescimento norte-americano é afetado e que em 1974 o mundo cai em recessão aberta. O choque do petróleo e a profundidade da crise que se seguiu contribuíram decisivamente para a engorda geral dos capitais em busca de valorização financeira. Aos eurodólares já acumulados na city de Londres vieram se juntar os perrodólares e uma nova leva de eurodólares, agora com m~is ~otivos para desertar da atividade produtiva, dada a recessão que atingia quase todo o mundo. particularmente o centro do sistema, ou seja, os países desenvolvidos". Os bancos privados internacionais com operações na city londrina se associaram para reciclar esses euros e perrodólares buscando romadores entre os países da periferia do sistema. O~ países latino-americanos estiveram, portamo, entre as primeiras v ítimas da sanha renrisra desses capitais, já que muitos deles resolveram enfrentar, com elevação de seu grau de endividamento, a crise então experimentada 14. Evidentemente, o serviço da dívida pago pelos países em desenvolvimento. pelo menos até o estouro da chama-

11 Ibidem, p, 198. II A importância crescente do circuito olTshotc londrino implicava a mulriplicação automática de eurodõlares pelo jogo de empréstimos em cadeia entre os grandes bancos privados ihternacionais. A crise do petróleo. com o conseqüente aprofundamento da crise recessiva mund ial. fel. engordar ainda maisessesdepósitos - que passaram de USS 7 bilhões, em 1%3, para US$ 160 bilhões dez anos depois e USS .2.3 trilhões vinte anos depois; ver Esther Jeffers. -A posiÇão da Europa na valorização mundial dos capitais de aplicação financeira". cit., p. 156. I. ~be esclarecer que, pelo menos no caso do Brasil. a opção feira pela ditadura militar não s.e ~tringiu à decisão de continuar 3. crescer. ainda que aumentando o gra.u de cn.dl.\'ldam~nto externo da economia brasileira. Na realidade. o gOI'crno Geisel decidiu conrmuar a crescer. a despeito da crise internacional, mas crescer de forma diferenciada. alterando a eserutura produtiva do pafs. O 11 PND, responsável pela manutenção de substantivas raxasde crescimento no período 19741980 (ainda que inferioresàqaelasobservadas no perfodo anterior, o do "milagre"), ~oi p~anejad~ não s~ ~ara iss~. como. principalmente . paro completar a matriz I~tcrmdustrl~l brasileira. CUjas caselas relativas ao chamado Departamento I (Insumos báSICOS e bens de capital) estavam. em sua grande maioria, ainda vazias, BUSC3'r.\-SC com isso reduzir a dependência externa do Brasile tornar nossa economia menos vulnerável a choques de oferta como o choque do petróleo.

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da "crise das dívidas" que assolou a América Latina a partir do fim de 1979, sé fez inchar ainda mais o volume desses capitais. Foi esse acúmu lo de capitais em busca de valorização financeira que levou a uma pressão crescente e a uma grita geral pela liberali zação dos mercados financeiros e pela desregu lamenr açâc dos mercad os de capitais. O modo de regulação 's do capitalismo. que fu~cionara n~ perfodo anterio r (os anos dourad os), não se ad~quava. mais a u~ re~l­ me de acumul ação que funcionava agora sob o império da valorlzaçao financeira. Volátil por natureza, logicam ente descon ectado da produção efetiva de riqueza material da sociedade. cureo-prazista e renrista , ~ o capital financeiro só funciona adequa damen te se tiver liberda de de ir e vir. se não tiver de enfrentar, a cada passo de sua peregrinação à procura de valorização. regulamentos, normas e regras que lim item seus movi.mentos. Além da pressão pela desregulamentação, iniciou-se uma pressão pela elevação, mundo afora. das taxas reais de juros, ou seja, por regras de política monetá ria que favorecessem os interesses dos credores, Assim, a guinad a monerarista dos Estados Unidos , exigida para a defesa da posiçáo hegemônica do dólar e responsável pela enorme elevação d,a taxa de juros norte-a merica na ao fim de 1979 (elevaçã o que se pnnclpia no governo democr ata de Jimmy Carrer, mas alcança os 20% ao " "Modo de regulação~ é um conceito criado pela chamada Escola da Regulaçã o no fim dos anos 1970. Parrindo do conceito marxista de modo de produçã o, os fundadores dessa escola , em sua maior parte: franceses (Michel Agliena. André Orlean, Roberr Boyer erc.). julgaram que o modo de produçã o capi,talis ta. ainda q~e ~o­ vida sempre pela mesma lógiCl (3 de valorizar o valor), funcicn« de _mod~ dISt~~IO em cada etapa histórica , Assim, a reproduç ão do capital como rdaçao SOCial b ásica da sociedad e moderna não acontece da mesma forma nos anos dourado s e na fase posterior :1 eles. As instituições, as regras, os modos de cálculo e os..pro,ce :dimetl(o s se alteram quando se: passa de uma fase a outra, porque muda o .reglme de :1;Umulação", o outro conceito básico dessa escola. Esse par de conceito s (a cada ,regime de acumula ção" há um "modo d~ regul~çãO " que lhe correspo ndc) tem SI~O udlizado por muitos autores que hoje anahs:lm a natureza ~as transfor m~~oes experime ntadas pelo capitalismo em sua fase contemp omnea. Enrrc essas anah~es, damos destaque: aqui àquela elaborad a por François Chesnais , outro economls~~ francês, a qual em pane seguiremos; ver François Chesnais , "Inrrodu ção geral , em A mundializaçãojitumcrint: g;nfU, (IIS/OS r rlscos (São Paulo. Xarnâ, I 998} ,I: ~O capital portador de juros: acumula ção, intemac ionaliuç ão, efcitos econômI cos e políticos ", em A fillllnftl "'"l1áializada: rrduJ sociais r polisiau, configllraftÍo.

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o projeto ncoliberal para a sociedade brasileira

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Esses emprésti mos foram contrata dos, em sua maioria. com taxas de juros flexí· veis, basicame nte a Libor (inglesa) e a Prime (norte-am ericana) , que. nesse momento. se elevaram ui como as demais taxas. Franklin Serrano. "Relaçõe s de poder... cit .. p. 203. David Harvey, O /fOVU imperialismo, cir.. p. )30.

c foi Margarcr Thatche r quem. buscando uma estrutura mais adequad a para atacar os problemas econômicos de sua época, descobr iu politica mente o movime nto [neoliberal] e voltou-se : para seu corpo de pensado res em busca de inspiração e recomendações , depois de eleita em 1979. Em união com Reagan, ela transformou toda a orientação da atividade: do Estado , que abando nou a busca do bem-est ar social e passou a apoiar ativamente as condições "do lado da oferta" da acumulação de capital. O FMI e o Banco Mundia l mudara m quase que da noite para o dia seus parâmetros de polüica, c, em poucos anos, a doutrin a neoliberal fizera uma curta e vitoriosa marcha por sobre as instituições e passara a domina r a política, primeir amente no mundo anglo-saxão, porém, mais tarde. em boa parte da Europa e do mundo. IR

ano no govern o seguinte, do republicano Ronald Reagan), acabou por atender a esses interesses, visto que. no rastro da taxa norte-a merica na, subiram as taxas de juros nos princip ais países do centro do sistema , bem como aquelas segund o as quais se remune ravam os emprés timos conced idos aos países em desenvolvimenro". . Entrem entes. o prolon gamen to da crise recessiv a, juntam ente com a elevação dos juros. levou , em quase todo o mundo desenvolvido, as direções empresariais e os governos a endure cer com a classe trabalh adora. Nos Estados Unidos , esse ataque, que vai ocasion ar uma redução substan tiva dos salários reais, toma a forma da confron tação e do enfraquec imento dos sindica tos. do términ o da política de rendas de Nixon e Carrer e do avanço do processo de desregularnentação industrial. o qual facilita o movim ento de aquisições e fusões, com a conseqüente reestru turação das empres as, as demiss ões numero sas e o abando no de acordos antes acertados com empregados sindicalizados ". Na Europa. onde o Estado de bem-es tar social tinha avançado substantiva mente. essa confron tação vai tomar a forma de um ataque às conqui stas sociais alcançadas pela classe trabalh adora. A virada conserv adora do capitalismo consagra-se de vez: com a descoberta que Ms, Thatch er faz do pensam ento neoliberal:

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tável e inadmissível.

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Como descobre Tharcher, o neoliberalismo constitui o discurso mais congruente com a etapa capitalista que se inicia, já que de~ende e .ustifica as práticas mais adequadas a esse novo momento. O discurso keynesiano do período anterior não servia mais: O à. da agregada garantidor do pleno emprego, que Implicava gastos pu.bh. cos substantivos (com bens públicos e mecanismos de proteção sO~lal~, não podia mais COntinuar, dada a crise que então se vivia e que ~tlngla o próprio equilíbrio fiscal. Controlar o~ gastos do Es~ad.o ~parecla tarnbém como a única saída para driblar a inflação, que rnsisna em perma~ necer em níveis indesejados. Um desdobramento do mesmo mote é a ) pregação pela privatização de empresas estatais, que passam a aparecer como sorvedouros indevidos de dinheiro público. As regras, normas e .. regulamentações de toda ordem que o Estado impu.nha ao fU,ncionamenta do mercado tinham de ser abolidas ou reduzidas o mais possível. para que a concorrência gerasse seus frutos, quais sejam, maior eficiência e recuperação dos lucros. Era preciso restringir o Estado a suas funções mínimas: diligenciar pela manutenção das regras que permitem o jogo capitalista e produzir os bens públicos por excelência, ou seja, justiça e segurança. Finalmente, a crise que comprimia as margens de lucro tinha de ser amenizada com a redução de gastos c~m pessoal e a flexibilização da força de trabalho, uma vez que as ~ranuas sociais conferidas a esta última tornavam-se agora um CUStO msuporGraças a esse resgate dos princípios neoliberais, construiu-se com muita facilidade um discurso que colocava no suposto gigantismo do Estado e em sua excessiva intervenção no andamento da economia as causas maiores da crise então experimentada, além dos privilégios que esse tipo de atuação tinha conferido aos trabalhadores ao longo dos trinta anos gloriosos. Assim, a pregação neoliberal aparece como o único remédio capaz de garantir que o sistema econômico recupere sua saúde. Todas essas medidas promoveriam a libertação do mercado das correntes com que fora amarrado pelo Estado, e os benefícios produzidos pela concorrência e pelos ganhos de eficiência que seriam produzidos logo se fariam sentir. Além disso. com a redução do espaço institucional de atuação do Estado, o setor privado em princípio mais ágil e eficiente que a máquina estatal: p.orque regido pela lógica do mercado - retornaria ao lugar que de direito lhe era devido.

o projeto nC"olíberal para a sociedade brasile] ra

. De um pomo de vista teórico, essa nova orientação substitui a poIrue:.de ~onrrole da deman~a efetiva, típica do períOdo anterior, peja polmca do lado da oferta , que transforma a macroeconomia em microeconomia, já que cuida apenas da manutenção de um ambiente institucional favorável aos negócios (respeito aos contratos, "direiro dos credores c~mado como sagrado, liberdade máxima para o capital, fim d~s ~xped'~ntes ?e regulação e controle), como se a disposição cap~tall~ta de rnvesn r dependesse apenas do anima! spirit 19 empresariaJ e nao tivesse nada que ver com as expeCtativas em torno do comporram~nro da procura agregada, ou seja, das perspectivas de realização daquilo que Marx chamou de "o salto mortal das mercadorias" (venda dos produros).

~abendo, no entanto, que o processo de reprodução ampliada do c~pltal se dá agora sob os imperativos da acumulação financeira, a leitura que se faz desse discurso muda inteiramente. A defesa dos interesses fi.nanceiros implica o Controle obsessivo dos gastos do Estado por várias razões. A primeira delas é que, independentemente de se constituir ou !1 ãO em âncora do sistema de preços, a taxa de juros paga pelo Estado aos papéis públicos transforma-se no piso a partir do qual rodas as ~emais taxas (que diferem em função do tipo de operação. prazo e CISCO) são estabelecidas. Num mundo dominado pelos credores, n~o faz sentido permitir que o Estado, por conta de problemas no manejo da demanda agregada. opere taxas reais de juros muito reduzidas. Ao mesmo temyo. taxas de juros mais elevadas implicam crescimento das despesas do Estado com serviço da dívida e é preciso que sobre espaço em OUtras despesas (gastos sociais, investimentos em infraest~utura) para que :sse crescimento possa ser enfrentado: A segunda razao é que taxas de mflação mais elevadas são sempre "pró-devedor", e,.com.o cabe ao Es,cado Controlar a oferta de moeda, é preciso que ele nao seja constrangido a aumentá-la indevidamente para fazer face a ~tos descon~rolados. A terceira razão é que os papéis públicos são a[~vo.s financeiros p~r excelência. A garantia do controle dos gastos públicos, da taxa de Inflação reduzida e do juro real elevado é ao rnesmo tempo a garantia da remuneração real desse "capital fictício", corno o chama Marx. Uma parte substantiva dos impostos que o Estado " O termo é de: Keynes,

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recolhe com base na geração efetiva de renda pela sociedade em determinado período de tempo é utilizada para enfrentar o serviço da dívida. de modo que os detentores desses ativos recebem uma parcela. da renda real produzida nesse lapso de tempo, mesmo sem terem cido nenhum papel em sua produção. Ora, um Estado com gastos fora de controle induz a elevações da taxa de inflação e isso, combinado ao juro real reduzido, problemariza a efetividade dessa transferênei,a,.. Por todas essas razões, afirmei anteriormente que ao pacote inicial de medidas desenhado pelo movimento neoliberal (redução do Estado ao mínimo, inexistência de proteção ao trabalho, abertura da economia, liberdade para o funcionamento do mercado) acrescentou-se mais recentemente uma forma específica de pilotar câmbio, juros e finanças públicas que coloca a política econômica hoje no .papel de .bt~i~ess administration de Escada. Em outras palavras, brandindo os pnnClplOS neoliberais da eficiência, da rigidez de gastoS e da austeridade, adrninistra-se hoje o Estado "como se fosse um negócio". E é de falO disso que se trata, pois, contrariamente ao que ocorria na fas~ anterior, a atuação do Estado se dá agora visando preservar não os Interesses da sociedade como um todo (emprego. renda. proteção social etc.), mas os interesses de uma parcela específica de agentes cujos negócios dependem fundamentalmente dessa atuação. o fato de o neolibera1is~o ter se tornado prática de governo justamente nessa fase de exa~erb~~o da valorização financeira que explica por que esse elemento fOI adicionado ao pacote neoliberal. Mas há mais no capítulo da gestão do Estado "como se fosse um negócio". Pensadores críticos contemporâneos, como Harvey", têm afirmado a tese de que estaríamos hoje num momento da história capitalista em que os processos típicos da fase da acumulação primitiva.de ~pi~al estariam presentes de modo muito mais intenso do que se imagina". Segundo essa visão, tais processos - que marca~am os ~ri~ó~ios do capitalismo e envolvem fraude, roubo e todo tipo de violência - em realidade nunca saíram completamente de cena, mas se exacerbam quando ocorrem crises de sobreacumulação como a que agora experimenta-

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O nouo imptrinliwlQ, cit. Paulo Arantes fornece outro exemplo de trabalho precioso na mesma linha (çf. MUm retorno à acumulação primitiva: a viagem redonda do capitalismo de: acesso" em &pontlgtm, jul. 2004).

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mos. O resgate de~ses :xpediemes violemos minoraria .as conseqüências da sobreacumulaçao, Visto que desbravaria "territórios" para a acumulação de capital anres fora de seu alcance. Em outras palavras, estariam,os agora numa época de "acumulação por espoliação", em que se aliam o pode: do dinheiro e o poder do Estado. que del~ participa sempre (ou diretamente, ou por conivência, ou por omissão). Vários são os exemplos desse tipo de processo: os ataques especulativos a mo:das ~e ~aíses fracos. o crescimento da importância dos títulos da dívida em países e as privatizações, que se generaliza~m, eSC30 entre os mais Imp?r~anres. Em todos eles, sem a participaç,ao do Estado, sem sua admmlstração em benefício do business. esse tlpO de acumulação primitiva não existiria.

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_:-".: mulação privada suculentos espaços de acumulação, como, em muitos :asos, se fez is~,o com dinheiro público (do BNDES), emprestado aos :.q~1 compradores (e às vezes não pago, como .no conhecido caso da E.I.etropaulo/Enron) juros subsidiados, Além disso, os preços desses ,1 ativos foram subavahados pelo Estado, e o ágio elevado que natural; - ~~ ~ente ~~areceu - dada a concorrência por esses setores, os serviços mdustr,lals de utilidade pública, que são o filé migno n da acumulação no .mundo - está sendo devolvido aos "compradores" por ,

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.,_ é sando o slsc:ma prevldencláno no Brasil. Com a imposição.de retos de '{ valor redu~ldo para os beneficios, primeiro para os trabalhadores F;; do setor pnvado (FHC), depois para os trabalhadores do setor pübli: : ~o (Lula). O,~t~do abriu i.medi~ramente à acumulação privada todo o ~: Imenso rerntono da PrevldêncJa, tendo o governo Lula lhe aferrado ~ o ~reseme mais valioso: os servidores públicos, com salários médios ats }m eleva,dos e praricamenre sem risco de desemprego. " A partir desses dois exemplos", pode-se resumir o fenômeno do :ual estamos trarando. A gestão neoliberal do Estado implica condu-

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Harvey (O novo impaitlliJmo, cír.) apresenta inúmeros OUtros exemplos colhIdos em diferentes panes do planeta. •

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zi-lo como se fosse um negócio, mas o resultado é a inverso do que ocorre quando essa racionalidade é aplicada ao setor privado. Em vez do acúmulo de recursos e da reprodução ampliada do "capital público", temos dilapidação dos recursos do Estado, encolhimento de seu tamanho, atrofiamenro do espaçoeconômico público 13. Em uma palavra: espoliafÍÚJ. Isso não quer dizer, no entanto, como já se [Ornou lugar-comum, que o Estado hojesejafraco. Ao contrário, ele tem de ser extremamente forte, no limite violento, para conduzir os "negócios de Estado" da forma mais adequada possível para preservar e contemplar grupos de interesse específicos. Na seção "A era neoliberal do Brasil", voltaremos a essa questão, diretamente relacionada à constituição de um "escada de emergência econômico,"Antesdisso, porém, é precisoexplicar como as transformações operadas no secar produtivo estão diretamente ligadas à dominação financeira do processo de acumulação. Em primeiro lugar, medidas como a cerceirizaçâo, o contrato por tempo parcial e o trabalho com autônomos buscam não só a redução dos poros da jornada de trabalho, como a repartição, com a força de trabalho, do risco capitalista. Além disso, a difusão do toyotismo como forma de organizar o próprio processoprodutivo é um expediente que acaba por se impor à antiga fórmula taylorista, porque, muito mais racionalmente do que esta, aproveita o valor de uso da força de trabalho em sua totalidade (habilidades físicas e mentais) e, melhor ainda, consegueisso economizando POStoS intermediários de gerência, já que faz os trabalhadores se vigiarem uns aos outros, reduzindo-lhes a disposição de agir como classe". Evidentemente, a ocorrência de todas essas transformações foi facilitada pelo abandono do pleno emprego como meta primeira da política econômica, já que níveis de atividade inferiores a esse fragilizam os trabalhadores,obrigando-os a aceitar qualquer coisa, desde que pre~ l .> Em trabalho de 1998, Francisco de Oliveira denominou esse mesmo espaço de "anrivalor", Os trinta anos dourados foram pródigos em sua criação - c os anos sub~üentes em sua destruição, :. Tanto um como outro caso - formas de n:lação apitai-trabalho alternativas 3 conrratação mnnal, ou ~oom cancira assinada-, como ~ diz no Brasil,e tO)'Qtismo- , enquadram'~ no que Marx chamou de -intensificação da a:ploração~, uma mo· dalidade de aumento do valor excedente náo pago extraído da força de trabalho que nlio passa din:tamcnte nem pelo aumentO tradicional da produtividade (maisvalia rdativa) nem pelo aumento da jornada de trabalho (mais-valia absoluta),

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o projeto ncoJiberaJ para a sociedade brasileira

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~o P3ulo, Loyola, 2000),

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'.,. servado O espaço para a venda d fi .~ circunstanciaJmente que o J e sua orça de,trabaJh.o. Assim, não é só ". p eno e.mpregodeixa de ser atingido. A des;: ' peito das oscil ". . açoes CIC icas naturaiSque a a I '. ~'f; CImenta - e que podem I curou açao capltaJlsta expey . eventua mente fàz.e d ;-:..:' desse nível _ sua busca dei' b d r que o pro uto se aproxime . "'~ , I era a corno If ' d Es' . ~=:r: patível com a atuai fase d . alo po nca e cado é rncom, -; ; duzi o caprr isrno, Todos ess di . 1: . re uzrr os gastos com rnã -d b es expe lentes Visam l~ ao e-o ra e recuperar as d 1 ;:.. ~ COntexto em que as possibilidad d .taxas e ucro, num " ; T' . es e ganho finanCeIro são b ' ~.?J 1:. a mesma circunstância q I' su srannvas, -e-". ue exp rca também o t di :-A~ gerenciamento típico dessa fa u ro expe lente de , ~"" , nova se' os p ~X:( duzir ao mínimo possível o ta h d rocessos que pretendem re'i;" .', duri man o 05 estoque i.{~;:.: UtlVO tem de carregar J.l s que o processo pro" ,~ . , . a que carregamento de 'I' J.E~ , tipO determinadode aplicação d . al estoques irnp ica um t:,;;', tiva, dado esse ambienr c capa - q~e pode não ser a mais lucra.. e -, o setor produtiVO foi b . .: :,'.-: -', .:: varensra, particularmente no s d I uscar no comércIO -~~~ etor e superme rcados, as recm ,. ' .'7..":; . C ' . , . essáTIas para mInimizar ess" " F' cas ne':=:;#~ e CUSto inalrn ;:'''.''. TJ<, abandono da produçã '. ente, ca be Iem brar que o :" ,~,:, " o em massa venficado . .~.'I".. substltulça-o pela ch"~ad " . em multas setores e Sua ~" r ' "''' a cusromlzaçáo" d d.~~ de acordo com a demanda d Ii ) b a pro ~~o (produção feira ~-.(o _I ' o c lente uscam a di - d . 5-0: rausra com os cons'd I visao o nsco capi,· :-i Õ'i., urm ores, a ém de serem b fu·' ~ COntexto em que astanre nClonalS num o' carregamento d e estoques é redUZIdo . a seu mini "";';. ~,, ~;-, Tc d '~.,-..,,' o o esseconJunto de transforma Õ mo. ~l'il.~, ma produtivo, rocuram ,. . ç es, ~ue mudou a face do sisre".H!jr 'b'l'd d P . em úlrima instânCia conferir ao ca . al fi , !'",..r,";; XI I I a e necessárIa para u e ' prr a e,• ' ''''- o!.q aproveire as id d 1};PZf.. onde quer que elas ~ oporrum a es de acumulação #,!j!f}'! . se encontrem (no setor duri , .f1ffi,1 cerro, nos negócios de Esc d ) N I ~ pro um o, no setor finan" - "'~ a o, a regu acao 6 di · ~1;.;.;..f a fase anterior as fiorm . . , r- or ISca que caracterizou o<~ ':ti': , ' as mstltuclonais que v' I ' , ::::~~*"''1' táno e trabalho capital d ' , meu avaro capital mone, ~':;L ~ , ' pro Utlvo e meios de r d , ;;~<>;- xlveJ" - que é Outra f" d fal . rC~lme e acumulação fie· -""",,..~ d rerma e ar do r d ;~:- "'''': ;'. o .• . fi ' . cglme e acumula b " .'.'J; ~.:: fflmanCla nancelra, Já que fi 'bol'd d çao so '. ' . e: 'I'~ ~.~~..:.." COnstitutivas do . CXI I I a e é uma das caraCteflStlcas 't::capn' al fiJnancelfo ',-

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uma situação O abandono do pleno cmp reg como objetivo d gerou . " (às vezes inter' d" do permanente e crise em que há uma espécie e esta. dial como o que observa' os de creSCimento mun I , , é rompido por espasm , )2{' Ora como prevIu Marx, mos nos últimos dOIS ou três anos 'proc~os de centralização do ' ue se acentuam os d justamente nas crises q , dif Id d de engendrar os processos e . e a maior I ICU a e iam ab ' capital, uma vez qu itos pequenos cap itais sejam a sorvrd ~ r da faz que muitos p "d 'I repro uçao amp la " diçâo natural o capua " . junte-se a essa coo dos por capuais maiores. de absoluta desregulação cr num contexto ior processo de conceno fato de tal processo acon~ec , Es d onais e temos o mar por parte dos ta os naci m uma série de setores ecotração de capital da hiStórdi~ c,aplta lS~~ :aior parte dos casos, por não nôrnicos dominados mun la mente, . . d upos ernpresanais. d mais que uma ezena or exemplo. que. no setor de J • m 1994, Chesnais detectava, p . d édi e grana e , , m uradores e Sistemas e m 10 hardware (incluindo rrucroco p •. 53% da produção rarn responsaveis por de porre), quatro empresas e di m por 67%. Se restringird empresas respon la mundial, enquamo ez , d nde porre esses números . dos Sistemas e gra , . mos a analise ao segmento , No setor de automóveis a

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saltam para 76% : 91:0 respondem por 78% da situação não é muito diferente. . empresas respondem por di I N caso de pneus, seis produção mun la.e noo de rnateria . I m édico, sete empresas respondem 85% da produção;

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or 90% da produção. setor de telefonia pública dialrnenre com o O que aconteceu d I id de e da intensidade do processo 80 • . di uva ave oe1 a , . nos anos 19 e 10 ica •. b _o de pequenos capitais d . volve nao so a a sarça de centralização, que en bé os processos de fusão esd b d pane como tarn m por grupos e gran e : . dos por resultados uscases grandes capitais, em murros casos motiva

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nos loriosos, quando a economia dos prin,ciComparado ao período dos rnnta a ,g édias anuais superiores a 5 líl. Pais países indusrrializados (G7) crescia a rax~s ~969.1979 3.6% ; 1979-1990, J d s para a fase posterior. , I lemos os seguintes resu ta o % A esmo tempo, os sa drics rl.':ll~ 3% ; 1990-1995. 2.5%: 1995-~OOO. 1.9 . o ~dia anual de 7,7% no Japão, 60 1973 cresciam a uma taxa m ',' crescem. que entre 19 e . ) 8% nos Estados Urnuos, 5.6% nos onze: principais países 0.5%. 0,6% e 1.10/0. respecl ivaentre 1990 e 2000. a uma taxa médl:l an " , Estado» Unidos na economia glob.d menre, ver Robert Brenner, O boom ~ ,I bolIJII. 01

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(Rio janeiro, Record, r·_ c 93" I (São Paulo, Xamã, 19%). p. 9; , " Fl':lnçois Chesnais, A mundialização o raplta

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prOjClO nc;olibct;l! pua a soeit:dade brasileira • 125

Chesnais~

dos nas corações dos grandes grupos no mercado bu.rsáriI. indica que, em 1982, sere grupos detinham 58,3% desse mercado; em 1987 o percentual era de 70%, porém os sere grandes grupos se reduziram a quarto, dadas as fusões ocorridas entre a nortc-am~ricana ITT e a francesa Alcarcl c entre a narre-americana GTE c a alemã Siemens, além da incorporação da holandesa Phil ips pela gigante narre-ameri_ cana AT&T. Não é demais notar que tudo isso aCOnteceu no exíguo prazo de cinco anos,

norre-ame~

Também no setor de serviços a concentração é expressiva: dezesseis empresas, sendo cinco norre-americanas e cinco alemãs, detinham 54% do mercado mundial de resseguros em 1986; dezesseis empresas, sendo dez no rce-americanas, detinham 61 % do mercado m und ia! de publicidade em 1989: ainda em 1989, seis empre,ças, rodas ricanas, detinham 62% do mercado mundial de consultoria c gestão estratégica ~9.

relaciona~

Completamos. com isso, o diagnóstico e o desenho dessa nOVa fase da história capiralista , além de termos mostrado qual é a relação de sua emergência com o fortalecimento do discurso neoliberal, bem como com a aplicação prárica das medidas por ele prescritas. Faltaria apenas esse quadro com o surgimento da chamada "nova economia", Mas esse elemento esrã diretamente ligado a reflexão que faremos a seguir sobre o papel que cabe às economias periféricas, como a brasileira, dentro dessa nova ordem ,

4. O Brasil nã nova divisão internacional do trabalho

Observamos anreriormente que, impulsionado por uma espécie de _,"perm anente estado de crise" , o movimento de centralização atingiu imensidade inédita na história capitalista, com a constituição de gran".des massas de capital que dominam vários dos setores industriais e de serviços. Observamos rambém que, nos Estados Unidos, o avanço do processo de desregulamenração industrial facilitou· o movimento de -quisiçõcs e fusões, o que resulrou em rçestrururaçâo das empresas, e ões m iss e abandono de acordos com os sindicatos. Por trás desses }O

~ois movimentos está uma transformação substantiva no estado das

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artes da concorrência inrercapitalisra, transformação que foi se constituindo ao longo dos anos 1970 e 1980. . 3D Como mostram alguns autores, com destaque para ~hesna~s ,o processo de aquisições e fusões que se intensificou a p~rtIr ~a c:lse de dos m~ dos dos anos 1970 foi acompanhado da transnacionalização . . grandes grupos de capital, movimento que imp~ica não só mUlt~ mais liberdade para suas decisões, como o esrabelecimento, em varias ~as instâncias do processo de produção e realização do v:l?r e com v~na~ dos graus de profundidade, de terceirizações, fra~c~lsLng, parcenas e acordos de cooperação entre estruturas ernpresanars no plano mundia L Segundo Chesnais, essa rransforrnaçâo foí de tal ordem. que pr?vocou enorme discussão entre os especialistas em organização industrial sobre a natureza desses movimentos: Nos últimos vinte anos, assistiu-se a uma extensão considerável da gama de meios que permitem à grande empresa reduzir seu recurso à in.te?ração diIreta [J .... Essa evolução suscitou muitas discussões em economia induscrial, No caso dos acordos de cooperação tecnológica, por exemplo, as novas formas de relações entre companhias têm sido caracterizadas, por certos autores, como sendo situadas "em algum lugar entre os mercados e

p

as hierarquias" c, por outros, como acarretando um "rcquestiona~ento profundo do principio de internalização". Analogamente, as modalidades recentes de acordos de terccirizaçâo são apresentadas por alguns como "um novo tipo de patronato" c, por outros, como formas de "quasemregraçao ver tical" I..-aa •" •

Essas diferentes modalidades de exrernalização da produção e de reprodução do capital permitem aos grandes grup~s mund~ais a ~on­ solidação de seu poder econômico e de sua ca~actda~e. ~lJgopohsta, num momento em que se exige do capital a maior fle~lb".lda.de poss ível. A enorme gama de procedimentos de que eles hoje dispõem para organizar e reforçar esse poder implica, na maior p~rte dos caso,s, .0 estabelecimento de relações assimétricas perante o universo de caplt:IS que operam no planeta. As exi~ências de u~a ,:tapa da ~cum:,laçao dominada pelos imperativos [(pICOS da valorlzaça~ ~~ance~ra vao ~m­ purrando os grandes grupos de capital não só a dividir o rISCO caplta~ ,\O Ibidem. " Ibidem, P: 104.

o projeto neolibcrai para a sociedade brasileira

lista com os trabalhadores (trabalhadores "autônomos", contratação por projetos erc.) e com os consumidores (customização), mas também com o pequeno capital. São bastante conhecidas a esse respeito as histórias de grupos como a Nike, que detêm o comrole de um enorme número de pequenos produtores domésticos espalhados por todo o planeta, particularmente nos países periféricos, e de outros, como a Benenon, que pura e simplesmente administram uma marca, por trás da quaJ se encontram milhares de unidades produtivas igualmente espaJhadas pelo globo.

A cransnacionaJização do capital, ao fazer que os grandes grupos econômicos considerem "o mundo todo como espaço relevante para suas decisões de produção e invesrirnenro'v-, aparece como o outro lado da moeda da mundialização financeira e constitui um dos traços mais marcantes da configuração do capital produtivo nesta eeapa da história capitalista. São substantivas e pouco alvissareiras as conseqüências dessa reconfiguração para a forma de inserção dos países periféricos no sistema-mundo capiralisrs-', Entre os anos 1950 e 1970, o que as empresas multinacionais pretendiam, porque precisavam disso (buscavam novos mercados), era a internaJização de duplicatas de suas plantas industriais na periferia do capitalismo. Já nos anos 1990, o que marca a estratégia dos grupos cransnacionais é a busca permanente de se livrar dos investimentos de longa duração, ganhando flexibilidade para explorar Oportunidades lucrativas. Isso faz que as grandes corporaçõ~, num movimento desenfreado, operem deslocalizações de suas atividades, inclusive de sua capacidade produtiva, para qualquer lugar do planeta, sempre que isso for visto. como uma possibilidade de redução de CUStos. Com isso, muitas vezes as atividades transferidas são aquelas mais simples e rotineiras, como as operações de montagem, enquanto as etapas mais complexas do processo produtivo (concepção do produro, definição do design, pesquisa e tecnologia, mnrketing) terminam, na maior parte dos casos, não sendo

Seguiremos, nessa questão, a analise de Pochmann (ibidem).

tora Unesp, 2001), p, 251.

Mareio Pochmann, ~Globalj1.aç.ão e emprego", em R. Abramovay, G . Arbix e M. Zilbovícius (orgs.), RnZÕ~1 ~ficr6~s do dnnJllo!lIimmto (São Paulo, Edusp/Edi-

exrernalizadas,

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É evidente que a industrialização periférica que ocorre nesses moldes não pode ter como resultado uma maior homogeneização do espaço econômico mundial- especialmente em termos de geração de renda, como tendia a acontecer na etapa anterior -, visto que a arratividade desses espaços para as grandes corporações está muito mais nos baixos custos do que nas potencialidades dos mercados locais. Do lado dos candidatos a recebedores desses "investimentos", há uma corrida frenérica a fim de oferecer condições o mais satisfatórias possível para atraí-los. Isso implica não apenas forte subsídio estatal direto ou indireto, como principalmente a supressão de direitos trabalhistas, com a desregulamenração e a flexibilização dos mercados de trabalho". Por isso, um dos resultados mais perversos dessa nova divisão internacional do trabalho é a intensificação das possibilidades de extração de mais valor por meio da criação de mais-valia absoluta. Num país como o Brasil, onde tais práticas nunca foram de fato deixadas de lado, a combinação desses elementos tende a transformar o país, do pontO de vista da produção industrial, num grande chão de fábrica nos moldes daqueles do início da industrialização no centro do sistema, ou seja. com precaríssimas condições de trabalho, jornadas sem fim e uma massa de trabalho vivo sem a menor qualificação, no melhor estilo raylorista", Mas, mesmo com todas essas "vantagens" para o capital transnacional, que tem como conseqüência a redução permanente da qualidade dos postos de trabalho gerados pela indústria, o Brasil vem experimentando, desde o início dos anos 1980, um claro retrocesso no perfil de suas atividades e na forma de sua inserção na produção mundial. Não se trata apenas de, no setor industrial, o país produzir cada vez mais bens considerados quase comrnodities (alta escala de produção. baixo preço unitário, simplificação tecnológica e rotinização das tarefas). Trata-se de uma redução acentuada da imporrância do setor industrial brasileiro. como indica o fato de o emprego industrial nacional ter chegado a representar 4,2% do emprego in-

H Mesmo essa submissão roda não garante que o país reccplOr deixe de ser vítima. em curto espaço de tempo, de uma nova "deslocalização", .'1 Não c!' demais lembrar que as regiões periféricas acabam por atrair igualmente aquelas atividades que requerem de modo extensivo o uso de matérias-primas c energia e que são, portanto, não só insalubres, como poluidoras do ambiente.

o projeto neoliberal

para a sociedade brasileira ' 129

dustrial mundial nos anos 1980 e atualmente sua participação ter chegado à casa dos 3,1 %36.

O relatório da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o.Desenvolvimento (Unctad) de 2003 classifica os países em desenvo]. vlme~to e~ quatro grupos": os de industrialização madura, como C?réla e Talwan. que apresentam decréscimo no crescimenro industrial p~rque j,á ~eri~ ati~gido um grau elevado de industrialização; os de mdtlStrJafrza.çtlo rd!Jtda, como China e India, que têm logrado e1~~adas ~as de. mvesnmenre doméstico mediante polfricas industriais e de m~enClvo às exportações; os de indtlStrialização de.enclaoe, com.o.o ~baco, que a despeito de terem conseguido aumentar sua ~artlcl~açao na exportação de manufaturados têm tido desempenho msuficlenre em termos de investimento, valor agregado e produtividade t~tal; e os países em viasde desindustrialização cujo r6 cuia é por si só suficienre p~ra entender do que se trata, Neste último grupo encontra~-se vãrios países da América Latina, entre eles a Argentina e o ~rasJ1: Essas econom.i~ caracterizam-se por queda ou estagnação dos mvestl.memo~ e participação da produção m,anufatureira no PIS em dedíOlo: Segundo Belluzzo J8 , as décadas de 1980 e 1990 presenciaram no BrasJlum pro~esso.de desindustrialização relativa, com o rompirnenro dos nexos Intenndusrriais das principais cadeias de produção e com a redução subsramiva do setor de bens de capital, movimento ~se .que. em termos macroeconômicos e de comabilidade nacional, slgmfica uma redução do valor agregado interno sobre o valor bruto da produção. •

, ~im, em tempos de predominância da chamada "nova economia -. ac~leração da difusão das tecnologias de infor~ação e de comuOlcaça~ e retomada do crescimento da produtividade do trabalho -, o Brasil engatou a marcha a ré. Na explicação desse movimento perv: rso há, de um lado, um fatOr estrutural, mas, de OUtro, um fator polírico. Fra~cisco de Oliveira" dá COnta de explicar o primeiro. Para ele, o paradigma molecular-digital, que caracteriza essa nova eco-

;; M~rcio Pochmann. ~Globalização e emprego". cir., p, 261. A!; mformações estão em Luiz Gonzaga Bclluzao. ~Indústria; sinal amarelo" Carra Clpito/, n, 37 I. 2005. p. 38-9. ' Ibidem. p. 40.

CriTica à razão dUa/isll1/0 ornitorrinco (São Paulo. Boirempo, 2003).

nornia'", além de trazer unidas ciência e tecnologia e estar tranca~o nas patentes, não sendo, portanto, unive~saliz.á~el,é descartãvel e efemer~, exigindo um esforço permanente de investimento que ~tá ~empre aCIma das forças internas de acumulação dos países "penférlcos: Nesse contexto, o que resta a esses países a título de desenvolvimento tecnológico" são apenas os bens de consumo, o des~rtável que eles podem (e devem) copiar, O Brasil, por exemp!o,.é hoje um. ~os g~~ des produtores de celulares, mas sua atuação hmna:se às a[lvldad~ l,a rotinizadas de fabricação e monragem, estando muito longe das anvidades de pesquisa e tecnologia responsáveis pela evolução assombrosa de conteúdo tecnológico. . Mas, como adiantamos, na história da regressão experimentada pelo pais no último quarto de século não há a~en~ esse elemen~o, que t:~ que ver com a evolução estrutural do capnahs.mo. Ou~ras areas periféricas, como mostra o relatório da Uncrad, vem se saindo melh~r,na empreitada de engatar suas economias à. econ?mia global e propICiar, ao mesmo tempo, a geração interna de mvesnrnento e empreg~. Nos países dos dois primeiros grupos houve e, há uma preoc_upaçao em estabelecer políticas industriais e de incentivo à.s cxportaçoes, que fomentem o investimento no conteúdo tecnológico das manufaturas e em sua ampliação, permitindo a apropriação do aumento das vendas externas pelo circuito interno de renda" . Para q~e se :o:nplete, portanto, a explicação do retrocesso brasileiro, é preclso .ad~clOnar à ques tão das transformações maiores por que passa o capitalismo um fator

Abase material da chamada "nova economia" (FrançoisChesnais, em K' Nova Economia': uma conjuntura especifica da potência hegemônica no co.ntexl~ .da • do capital" Brasileira mundilaI-ltaÇ'lo ~. Reoist« da Socírdnrk •. . rir Economia Politica, . n. 9. dez. 2001. faz uma avaliação do conteúdo ideológico do [ermo) é. a t:rCC1I'3 - In . dusrrial• que eclodiu nos anos J970 e é marcada pela •d.fusao ~o Iuç:lo _ bem escala industrial da informática e das recnologias avançadasde comu~IClçao: e:m Como pelo aprofundamento e a diversificação de uso da pesquisa biogen ética. A " - ind..srrialcomecou na Inglaterra. na segunda J ~ ~~ • •metade do sécu• primeira revoIuçao lo XVIII. e teve como seuselementos caracrerüriccs o tear rnccamco, a má~uma a ' A segunda. no começo do.século vapor e: o transporte: crerrovi'áTIO. . XX' liderada pelos Estados Unidos. foi marcadapelasindústrias ~UlomobIHsn~ e de eletrodomésticos, pela indúsrria química. pela energia c1é~rJC~. pelo perroleo c: pelo aço. Luiz Gonzaga Belluzzo, "Indústria: sinal amarelo, cn., p. 39.

formas econômicas inclui a política como seu elemento estruturante.

sociopolírico interno, já que, como observou Marx, a articulação das

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o projero nc:oJiberaJ para a sociedade brasileira •

.t preciso inicialmente lembrar, então, <Jue a necessidade de não deixar passar o bonde da história foi o argumento ma'is forte dos arau(Os do neoJiberaJismo para, no Brasil do inIcio de ) 990, advogar as medidas liberaIizanres que nos levariam ao admirável mundo novo da g/obaJização. Tal discurso, que para os olhos mais críticos 'sempre pareceu tão-somente uma desculpa para justificar a submissão incondicional do país a interesses a ele alheios, foi a arma utilizada para convencer uma população recém-saída da ditadura - e com o movimento de massas ainda se estabelecendo e se institucionalizando _ de que o neoliberalismo seria o único caminho para tirar o país da crise em que ingressara nos anos 1980 (esta, como sabemos, foi produzida pela elevação das taxas de juros norre-americanas e pela estagnação do crescimento e acirramento da inflação que se seguiu). Nesse processo, o papel das elites foi de extrema importância. Ainda que não estivessem disso exatamente conscientes, a possibilidade de internacionalizar de vez seu padrão de vida, e com a possibilidade, que ficaria ao alcance da mão, de desterrirorializar Sua riqueza, fez as elites brasileiras, que padecem de crônico sentimento de inferioridade, abraçarem de modo incondicional o discurso neoUberal e o defenderem com unhas e dentes, ainda que, contraditoriamente, acabassem por utilizar os elementos da receita neoliberal, como as privatizações e a necessidade de superávir nas Contas públicas, para hierarquizar e "pessoaliza-" as relações de mercado.

Abraçado o projeto neoliberal, vendeu-se a idéia de que o Brasil pegaria o bonde da história pela via do comércio exterior, A esse respeito, ficou célebre um artigo de Gustavo Franco - "InserrJo externa e desenvolvimento econômico", que circulou informalmente em 1996 _ em que o ex-presidente do Bacen, então seu diretor da área externa, demonstrava, por meio de um modelo, de que maneira as medidas modernizames, com destaque para a abertura econômica, produziriam um choque de produtividade na economia do país,-permiririam a conquista de um lugar ao sol no comércio globalizado e, ainda por cima, distribuiriam renda. Mas o Brasil entrou no bonde da história por outra porta e transformou-se em plataforma de valorização financeira internacional, bem em linha com o espírito renrism e financista dos dias que correm, Esse seu papel , juntamente com sua função de produzir bens de baixo valor agregado c, de preferência, com a utilização de mais-valia absoluta (afinal de COntas, O CUSto irrisório da mão-de-

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132 • Brasil DTtivay

obra é nossa verdadeira "vantagem cornparariva'T), completa a caracrerizaçâo da participação do Brasil na divisão internacional do trabalho do capitalismo contemporâneo. A apresentação em mais detalhes desse último papel será feita na seção a seguir, pois vai ficando visível na própria história da era neoliberal em nosso país.

5. A era neoliberal no Brasil: servidão financeira e estado de emergência econômico O discurso neoliberal no Brasil começou a se afirmar e a fincar raízes nas eleições presidenciais de 1989. Ainda atolado num pro~ blerna inflacionário que parecia insolúvel. mas ao mesmo tempo esperançado com as conquistas expressadas na nova Constituição elaborada um ano ames, o país se dividiu entre o discurso "liberal-social" de Collor e o discurso popular e democrático de Lula e do Partido dos Trabalhadores. Ecoando o arrazoado da desestatização da economia, que nascera no governo Figueiredo por conta das pendengas do capital nacional relacionadas aos arranjos do li Plano Nacional de Desenvolvimenro (lI PND), advogando a necessidade da transparência e da austeridade nos gastos públicos e embrulhando tudo isso na pregação moralista da "caça aos marajás", Collor vence as eleições e dita, para o próximo período, a agenda de transformações que ele pouco concrcrizaria, Passados os tumulruados anos desse primeiro governo civil diretamente eleito - seqüestro de ativos, aproximação da hipcrinflação, impeacbment do presidente -, o então ministro da Fazenda Fernand.o Henrique Cardoso, embalado no sucesso do Plano Real, vence as eleições de 1994 (também contra Lula) e assume o governo federal no início de 1995 com o declarado projeto de "modernizar" o país, mais particularmente suas instituições. Esse princípio básico de seu projeto tomou a forma concreta de um ousado e ambicioso plano de privatizações e de uma abertura substancial da economia. Mas, com essas realizações, uma série de outras providências foram tomadas para transformar o Brasil numa economia financeiramente emergente, a começar da própria estabilização monetária, obtida no ano anterior. Vejamos isso mais de perto. O Brasil do fim dos anos 1980 não estava bem preparado - nem institucional nem concretamente - para desempenhar o papel de economia financeiramente emergente. Em primeiro lugar, as altas taxas

o projeto ncoliberal para a sociedade hrasilcira

de inflação que persistiam por aqui produziam abruptas alterações no nível geraJ ~e preços e em sua variação. Nessas condições, complicava-se sobremaneira o cálculo financeiro que comanda a arbitragem Com moed~s e a especulação visando a ganhos em moeda forte (a taxa de cârnbio real e a taxa real de juros sofrem contínuas oscilações). Além disso, Com o.caráter for.temente centralizado e regulado da poltrica cambial ~e enrao, a valonzação financeira porventura alcançada não tinha a liberdade necessária para pôr-se a salvo, em caso de turbulência.

OUtro problema, também provocado pela persistência do fenômeno da alta i~flação, era a dificuldade de controlar os gastos do Estado. Tendo em Vista o caráter renrista desse tipo de acumulação _ e consi-

derand~ que uma de suas bases mais importantes é a dívida pública _, a con~usao nos ga~tos públicos produzida pela alta inflação proble-

como o denomina Marx!'.

~a~lzava a exrraçao de renda real que deve valorizar esse "capital fictí~

CIO ,

O tamanho e o grau de intervenção do Estado na economia consritu~a um problema extra, problema que avultara com os deveres adicionars que a Constituição de 1988 lhe tinha criado. Um Estado com tant~ d:m~ndas e tanras tarefas constitucionalmente imposras não podia pno~lzar nem garantir ganhos reais às aplicações financeiras. . O ambiente no qual os negócios aconteciam também não ajudava, V1Sto que, em caso de. c~lap50 empresarial, a legislação então vigente punha à frente dos direItos dos credores financeiros os direitos dos e~pr~gados e o~ direitos do Estado. Para os credores do Estado, a snuaçao não era muito diferente, pois não havia nenhum dispositivo capaz ~e exercer um controle mais rigoroso dos governantes, a fim de garantir que os compromissos financeiros fossem hon;ados. Na qu~stão previden~iária.estava mais um sério obstáculo para que ~ pais se Integrasse de imediato à mundialização financeira. Nosso Sistema ~revidcnciárj~ er~ marcado pelo regime de repartição simples, caractenzado pela ~ol~danedade intergeracional s: pela posição do Estado como seu principal aror, Esse sistema não combinava com os nov~s t~mpos - não só por coma do peso dessas despesas no orçamento público, como pela privação, sofrida pelo setor privado, de um mercado substantivo e promissor, até então praticamente monopolizado pelo Estado.

~~ Vide capftulo XXIV do Livro I de O capita],

• 133

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Para maioresdetalhes sobre a forma e o conteúdo dessas alreraçôcsvide o segundo artigo desta coletânea.

Começando no governo Collor. atravessando o de Itamar e as duas gestões de FHC e chegando a Lula, quase todas as transformações necessárias para enfrentar esses obstáculos foram feitas, em conjunto com as privatizações e a abertura comercial. Como já mencionamos. a difusão cada vez maior do discurso neoliberal produziu, desde o governo Collor, os argumentos necessários para promover, num país recémdemocratizado. com um ativo movimento social e ainda comemorando as "co nquistas" de 1988, esse tipo de mudança. Desde a eleição de Collor. passou a ser voz corrente a inescapãvel necessidade de reduzir o tamanho do Estado, privatizar empresas estatais, controlar gastos públicos . abrir a economia etc. Os ganhos prometidos iam do lugar ao sol no mercado global ao desenvolvimento sustentado. da manutenção da estabilidade monetária à distribuição de renda. da evolução tecnológica à modernização do país. Collor não teve tempo para pôr em marcha esse projeto - a não ser, muito timidamente, o processo de privacização -, mas a referida pregação ganhou força inegável e passou a comandar todos os discursos. t. no governo Itamar que têm lugar as primeiras mudanças de peso a fim de preparar o país para sua inserção no circuito internacional de valorização financeira. Logo no inicio de seu governo, no fim de 1992, a diretoria da área externa do Banco Central. sem ouvir, como era exigência no caso, o Parlamento, encarregou-se. por meio de mudança que promoveu nas chamadas contas CCS. das providências para abrir o mercado brasileiro de cap itais, retirando encraves que impediam a livre saída de recursos do país". Também em seu governo foram "resolvidas" as questões pendentes desde a moratória decretada pelo pres~­ dente Sarney em 1987. Essa resolução passou não apenas pela secuntização da dívida externa, como pela abertura do mercado brasileiro de títulos privados e públicos. Ainda no governo Itamar surge o Plano Real. Anunciado como plano de estabilização necessário para domar renitente processo inflacionãrio, o Plano Real foi em verdade muito mais do que isso. Além de resolver a questão inflacionária que impedia a abertura formal da economia de se transformarem abertura real, o plano abriu espaço para uma série de outras mudanças que teriam lugar no governo de FHC. já que 'J

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o projeto neolibcral para a ~cicdade br3.'lilei ta

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a ?~eserva.ção. da estabilidade monetária então conquistada serviu de ãlibi p~ra JUStificar. da a.bcrrura comercial desordenada às privatizações finanCIadas co~ d~n~e~ro público, da inaceitável sobrevalorização da moeda à~ de~açao medita da taxa real de juros, c assim por diance. em ~unçao dl~so que s~ pode dizer que. a partir do Plano Real. há um s~ntlmento difuso de emergência econômica". Trata-se de uma espéCIe de esrado ~e o:ceção econômico que vai sendo paulatinamente decretado e que Justifica qualquer barbaridade em nome da necessidade de salvar o país. Voltaremos a esse tema na análise do mamemo atual. também no COntexto das mudanças institucionais necessárias para ~olocar ~ ~rasi1 com~ emergente mercado financeiro que se deve analisar a edição, em mala de 2000. da Lei Complementar nl1 101 (Lei de Responsa~íJjdade Fiscal - LRF). Essa lei coloca acima de quaisquer Outros os mteresses ?~S credores do Estado e os do capital em geralbem como toda a sene de benefícios legais de que desfrutam _ _ dei d d' id • nao erxan o UVI as quanto à seriedade das boas intenções do governo ~e FHC par~ com. ~I~. Las! but no! least, FHC começou a reforma do SIstema prcvldenclano, que Lula terminarja~~.

Para d maiores detalhes sobre todas essas mudanças vide o segundo c quinto arrigos csra coletânea.

ra:

Além de concluir a reforma previdenciária, o governo Lula completo.u ~utra refonna iniciada no governo FHC. Se na reforma previdenclán3 coube a Lula estender aos trabalhadores do setor público as mesmas ~terações qu~ F.HC impusera aos trabalhadores do setor pri v~do, retIrando-lhes direitos antes existentes, com a nova Lei de Falêneras, ap~ovada em f;vereiro de 2005, Lula produz para os credores do setor privado o mesmo aumento de direitos que a LRF de FHC produzira para os credores do setor público. Vendido COmo pane da " d . - " . mo erOlzaçao • o ?OVO dISpositivo legal dá maior prioridade às dívidas financei, .garan~ldas ~or bens móveis ou imóveis, colocando-as à frente das dIVIdas tnb.utánas e das dEvidas trabalhistas de valor SUperiora R$ 39 mil. Além dISSO, Lula coloca ainda em sua agenda uma série de OUtras mu~anças, co~o a au~onomja do Banco Central, o aumento e a prorrogaçao da Desvmculaçao de Recursos da União (DRU) e a continuidade do processo de abertura financeira da economia. A autonomia do Banco Central garante que a política rnonerãria será conduzida de modo que sempre honre o pagamento do serviço da dívida e premie, com juros .. •<



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reais substantivos, 05 detentores de papéis públicos. aumen to de recursos orçame ntários desvinculados eleva os graus de 1iberda d~ do governo em sua utilização, o que eviden tement e facilita o cumpn mento dos objetiv os relacionados aos superáv its primári os e libera o gove~no dos esrorvos criados pela Consti tuição de 1988. Se isso puder ser feno sem a necessidade de, periodi cament e, buscar a autoriz ação do Congre sso, ranto melhor. Finalm ente a continu idade do processo de abertur a, além de abrir aos não-res identes novas oportun idades de investim entos e conced er-lhes novos benefíc ios fiscais, avança nas chamad as outwar d transac tions, reduzin do a cobertu ra cambia l às exporta ções e baratea ndo e facilitando ainda mais as remessas de recursos ao exterio r. O que o governo de FHC esperou e o de Lula conci~ua a :~perar com rodas essas reformas é um lugar de destaqu e em meio aos emergentes", com direito a investm ent grade, uma espécie de me.dal~a de honra ao mérito que "os mercad os" (leia-se, o capital finance iro internacional) confere m aos países conside rados os mais seguros do ponto de vista dessas aplicações. A tendênc ia, portant o, é que a finance irização da econom ia brasileira se interna cionali ze cada Ve'L mais. Como fica claro, a inserção externa do Brasil não se deu pela via do comérc io exterior, como se alardeo u quando houve a necessi dade de defesa das medida s tomada s. Desse ponto de vista , aliás, não saímos do lug~r:e chegam os a piorar. Nossa panicip ação no bolo total do com~r~ lO mternacio nal mundia l não saiu dos 0,7%. Mas perdem os poslçoes no ranking mundia l de compet itividad c (cafmo ~ .oit? P?siçõe s) e ~iora­ mos também num tipo de c1assificaçáo que e IOdlcatlva da quahda de do que exporta mos em valor agregado: desde 1990, a.partic ipação d~ Brasil no ranking do valor agregado manufa tureiro caiu de 2,?% para 2,7%. Só para se ter uma idéia do que isso significa, a ArgenClOa, com tudo o que passou, mantev e sua particip ação em 0,9%45. Compa re-se essa perform ance com o fato de as despesas co~ pagame nto de rend~s de fatores derivados de investi menros em carteira da balança de serviços brasileira ter crescido 25 vezes nos últimos quinze anos (passou de US$ 432,5 milhõe s em 1990 para US$ 11,2 bilhões em 200.4). Esse tipo de despesa , que inclui lucros e dividen dos de ações ~ Juros de títulos de renda fixa, é típica da interna cionali zação finance lt a na qual vem se inserin do o Brasil com tanta disposição. •~ Unctad apud Luiz Gonzaga Bdluzzo. -, ndústria: sin:!1

o projeto ncolíberal para a sociedade brasileira

. ~im, ~ma pergun ta fi~ no ar: de que ma~eira tudo isso pôde ser feiroi Já adianta mos o papel rrnport ante que o discurso neolibe ral cumpriu, com suas promessas de desenv olvime nto sustent ado e rnodern izaçâo, para conven cer um país recémdemocr atizado e cheio de planos de soberan ia e desenv olvime nto a entrar numa era de austeri dade para com ~s gastos stricto unsu sociais, e, ao mesmo tempo, de concess ão de prêmio s à aplicação financeira e de entrega do patrimô nio nacion al", Já an~te~ip:mos (a~bém que um sentim ento difuso de "emergência econom ica ,no ~ntldo de exceção, vem acompa nhando a emergê ncia do país como_p romIsso r mercad o financeiro. Mas é no govern o Lula que a decreração desse estado de emergê ncia convert e-se em necessidade. Desde o início, para justificar o faro de estar adotan do uma política econôm ica mais ortodox a e conserv adora que a de seu antecessor. o govern o Lula utilizou o argume nto (falacio so)" de que essas medida s eram necessárias para retirar a econom ia brasileira da beira do abismo em que se encontr ava. Em abril de 2003, rodos os indicad ores mais observa dos pelos "merca dos" já haviam revertido: os indicad ores de preço já haviam se reduzid o subsran tivarne nte e, em alguns casos, já estavam se tornand o negativos; o risco-país caíra muito; a taxa de câmbio já engatar a a trajetór ia de queda; e o C -Bond via crescer novam ente seu preço. Mas, uma vez superad o o momen to inicial, as surpree ndentes medida s primeir amente adotad as se perpetu aram, em vez de serem alterad as. •0 ~ovcrno ~eve de fazer a mágica de mostra r que o estado de emerge ncla que guIOU seus primeir os passos era o contrár io de si .mes~o, .quê tinha vindo para ficar, e com ele o regime de ernergência enrao Implan tado. E foi bem-su cedido nisso. Consid eradas as expectativas .da épo~ ~obre o novo govern o, a política ' por ele implementad a seria de diflcil sustent ação sem a decretação branca , porém firme, desse estado de exceção.

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Em meados de 2000. um alto executivo da poderosa corpôraç3o espanhola lberdrola ~nnou que: não entendia que razão pod ia ter o Brasil para vender empresa s estatats be:m ~uutur:tdas e lucrativas. Consid êrando que o per~ona gem em questão f! um execunv o e deve entender do que: fala, seu pronunciamento funciona como com?ro~ ação de qu~ a gestão do Estado "como se fosse um negécio" , sendo contraditóri a por definição. produz. como já observam os, o resultado COntrári o ao observado n~s negocies usuais , a saber - a dilapidaç ão do Estado (c: do pais). Vide:_ a res~eJto Leda Paulani, -Brasil Drlivny. :I. política econômi ca do governo Lula. RnllSta de Economia Polttic«, São Paulo , v. 23. n. 4, out ./dez. 2003.

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Mas o estado de exceção é justamente o oPOSto do estado de direito. Sob seus auspícios, uma espéciede vale-tudo toma o lugar do _espa~ o marcado por regras, normas e direitos. Trata-se da suspe~sao da da suspensão da "racionalidade". São força justificadas peloestado de emergên:ia: pelanecessidade de salvar . d de (nesse casoem que a emergencla se tornou norma, rrara-se " I a sacie a do i de salvara sociedade do eterno perigo da inflação e o lnaceltav~ p~d da perda de credibilidade). A armação do estado de emergencla que presenciamos foi, assim,condição de que nossa relação com o cent~o ~assasse d~A de.pendencl~ tecn~lóglca típica da acumulação industrial a subserviência financeira típica do capitalismo rentisra. No caso da etapa anterior, já. n~s estertor~ do modo fordista de regulação, seu mamemo final exigIU no BArasI! um estado de exceção jurídico. No caso da etapa comemporanea, de dominância financeira, a normalidade jurídica exigeo estado de emergência econômico. Nesse contexto, a ascensão ao governo feder~l de um partido historicamente de csque~d~ e his~oricamente adversário ~o estado de emergência. que se especializara Justam"ente em denun.C1ar suas arbitrariedades, gerou a expectativa de uma volta à norma~lda. de". Tendo o governo adotado o caminho inverso ao esperado, so lhe restou agarrar-sede vezao estado de emergência, decretando sua completa e total normalidade.

6. Os impasses do projeto neoliberal no Brasil: à guisa de conclusão Como vimos, a inserção de nosso país no mundo globalizado pela via de sua transformação num mercado financeiro emergente tem nos reservado um papel melancólico na divisão internacional do t,rabal~o , além dos efeitos deletérios que tem produzido para a economla.naclO~ nal e para sua capacidadede produzir um~ sociedade menos fraclO~ada e barbarizada, A continuidade desse projete só afundará o B~ll no mesmo atoleiro, metendo-o cada vez mais na armadilha que o Impede de crescere de praticar soberanamente políticas que revertam o secular quadro de desigualdade de renda e de descalabro patrimonial que tem marcado nossa história. O governo Lula não contribuiu para criar uma alternativa e inverter essa rota desastrosa. Ao contrário, frustrou-se, mais uma vez, o processo de refundaçâo da sociedade brasileira, cujo início (ao menos)

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projeto neoliberal para a sociedaáe: brasileira • 139

dele se esperava, depois da devascação produzida pelos governos rnilitares, Antes dessa frustração vieram a empolgação com as diretas, a primeira eleição para presidente, o Plano Cruzado, a Constituinte e o Plano Real. Em todas essas oportunidades prevaleceu a idéia de que seria resgatado o processo de construção da nação, interrompido poliricamenteem 1964 e economicamente uma décadadepois. Nesse meiotempo. o capitalismo se transformou, assim como se alterou a relação do centro com a periferia. O alcance do estatuto de nação desenvolvida ficou mais distante - c tão mais distante quanto mais profunda foi se configurando a submissão das elitesdos países periféricos aos irnperacivos da acumulação financeira e aos acenos enganosos do discurso neoliberal.

Crltira à razão dualiJta/O ornitorrinco , cir., p. 119.

No caso do Brasil, essa submissão foi completa; tão completa que mesmo um governo pilotado por um partido operário nascido de baixo para cima, da árdua luta dos trabalhadores, foi incapaz de escapar dela. Trata~se de um impasse histórico para ninguém botar defeito. Para sair dessa situação é preciso. mais do que nunca, força política e disposição de enfrentar interesses secularmente ccnsrirurdos e que foram devidamente vitaminados nesses últimos quinze anos de escancarado e depois envergonhado neolíberalismo. Mas cal força não virá apenas de uma elite governante esclarecida. Sem mobilização social que empurre na direção necessária, nosso destino será a manutenção desse modelo - e, quanto mais o pais persistir nele, tanto mais difícil será retomar o projerp de fazerdo Brasil um lugar condizenceCOm suas condições c porencialidades, uma nação generosa e soberana. Quando escreveu a Critica II razão dl/alista, mais de três décadas atrás, Francisco de Oliveiravaticinou no final: "Nenhum determinismo ideológicopode aventurar-se a prever o futuro, mas parece muito evidente que este está marcado pelos signos oposros do apl1rtheid ou da revolUÇio social"411. Como não sobreveio a revolução social, instalouSe, como ele previu, o apartbeid social que presenciamos. Para parodiãlo, hoje, temos de escrever: nenhum determinismo ideológico pode aVentUtar~se a prever o futuro, mas parece muito evidente que, Se não enfrentarmos o apartbeid social, afundaremos na barbárie que já nos assombra c pereceremos como nação.

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à guisa de posfácio J

o ~IAIS POLfTICO DOS TE.\lAS E( :O,\'ÔMICOS

Tendo vencido as eleições presidenciais de 2006, Lula assumiu COm o discurso da retomada do crescimento (a primeira gesrão teria servido para "arrum ar a casa", "fazer o dever", abrindo-se assim espaço, na segunda gestão,para en&entara questão do crescimento econômico) . Desse modo, logo no fim de janeiro de 2007, lançou-se o Programa de Aceleraçãodo Crescimento (PAC), que seria a peça de resistência dessa "nova" pOSlUra (como a política hiperon odoxa navia sido na primeira gestão). a Foi amblgu a a reação da chamad a opinião pública a essa primeir investida no problem a, Com críricas sucedendo-se à direita e à esquerda. Por trás dessa ambigü idade, determ inada visão sobre a natureza do processode desenvolvimento (esobre o crescimento do produro, ao qual normal mente ele está associado). Desde o inÍcio dos anos 1990, em consonância COm as transformações que ocorriam no plano mundia l, tanto material quanto ideofogi~ camenre, a questão do desenvolvimento econôm ico (oi ganhan do foros ente técnico. Estabilidade macroeconômica (leia-se de tema estritam Z monetá ria mais "ambie nte favorável" aos negócios (leia-se redução do risco dos investimentos e aplicações financeiras) e estaria garantido o crescimemo substan tivo c sustentado.

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Alves Teixeira Texto d3borad o a partir de artigo escrito em conjunro Com Rodrigo 7. e publicado no caderno Dil/hdro da Folha tÚ S.Paulo. em 10/2/200 apregoada, já que a estabilidaRess.1Ite-se carãter contradi tório da em outras de: monetár ia obtida em 1994 gerou vãrios POntos de insrabilidade a brasileira. :frc:as, como no balanço de pag:Jmenros e no aspecto fiscal da economi

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Interessante notar que essa visão recnicista deslanchou a partir do governo de Fernando Henriqu e Cardoso, justamente um dos maiores críticos, nas décadas de 1%0 e 1970, da concepção que tinha a Cepal do processo de desenvolvimento, para ele excessivamente "econornicisra". Ainda em 1995, já Presidente da República, FH C pronunciou uma conferência emWashington com o título "Desenvolvimento: o mais polftico dos temas econômicos'", indicando que, ao menos em teoria, não se alterara sua opiniãosobre O assunto. Na prática, porém, foi justamente sua gestãoque consagrou a inversão na formade encarara questão. Pois foi essa mesma visão que predominou no primeiro governo Lula. O lançamento do PAC, longe de demonstrar uma suposta virada da segunda gestão, demonstrou, ao contrário, a permanênciadessa concepção estreita. Em poucas palavras, o governo garante a "estabilidade macroeconômica", com aautonomiado BancoCentral, atacaalgunsgargalos de infra-estrutura e energia, incentiva o setor privado a investir e... conta com a sorte paraque a situação externanão prejudique os planos', Mas a ortodoxia também não se viu contemplada no PAC. Para os analistas ortodoxos, as medidas deveriamter sido complementadas por apeno fiscal, reforma previdenciáriae reforma tributária (desonerando a produção). As agências de classificação de risco protestaram:a Moodys descartou elevar a classificação do Brasil em razão da divulgação do PAC, e a Merryl Linch declarou que o PAC traz "incerteza fiscal". Essetipo de reação deixaclaro o caráter eminentemente político do desenvolvimento. A sinalização de que o governo iria realizar investi-

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A referida conferência foi publicada posteriormente no caderno Mais! da Folha de S.Paulo e na R~viJtn M Economia Politim. Apesar da suPOSta e tão alardeada redução da vulnerabilidade externa do país. o Brasil parece cada vez mais distante de obter o sonhado passaporte financeiro internacional (o investment grade) . Tendo quase alcançado a honraria em 2007 . o mercado vê agora com pessimismo a possibilidade de obtê-la em 2008. dado o déficit de rransações correntes previsto para esse ano, em função da valorização do real. Outro sinal de que a redução da vulnerabilidade não é efeTiva é que , nos momentos de turbulência nos mercados internacionais. como os que foram expC'rimenrados em 2007, provocados quase todos eles pelos desacertos da economia norte-americana, ocorre um movimento assimétrico segundo o qual a moeda dos Estados Unidos desvaloriza-se ainda mais mundo afora. mas valoriza-se apenas contra o real. Essa assimetria é provocada, em re outros fatores. pela política monetdria desmesurada. pelos imensos volumes de capital de curto prazo que o pais tem atraído e pela total abertura financeira.

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mais pol frico dos temas econôrnl ces • 143

mentos.para esti~ular o crescimento provocou insatisfação nos setores ren[J~tas. ou s:Ja, naquela parcela da sociedadeque vive de rendas, em particular da Imensa transferência que se processa pelo Estado o qual recolhe impostos oriundos da renda gerada pela sociedade roda e como pagamento ~o servi~o da dívida pública, os repassa a poucos. ' ": descomunallOfluêncla que hoje detêm os interesses rentisras está relactonada à atual fase experimentada pelo capitalismo _ a de um movimento ~e acumulação que se processa sob a dominância da valorização finance~ra e que torna atraentes as periferiasdo sistema não mais como alternatlv~s para a expansão industrial, mas como plataformas de ganhos renrísras", O modelo macroeconômico seguido pelo Brasil de L~la espelha essa dominância. É isso o que estána raizda servidão financeira do Estado, traduzida na hiperorrodoxia da política monetária. C,omo se com~inou com um exacerbamenro do ciclo de liquidez e cresctrnenro experimentado pela economia mundial, o lançamento do !:AC acabo~ por ter algum efeito na raxa de crescimento (afinal foi demanda direta na veia da economia", como afirmou. de modo não tão preciso, a ministra Dilma Roussef por ocasião do lançamento do

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, Para que não se diga que se trata aqui de mera retórica oposicionista elou de uma lese que carece de comprovação empírica. os jornais noriciaram fartamente que os ganhos em moeda forle por coma da posse de tfrulos da dívida pública d B ·1 'á ~ o rasu, que J sa~ extr~mameme elevados para os residentes, são ainda maiores (o dobro) p~ra .os nao'reslden~es, De.fevereiro de 2006 a outubro de 2007, a posse de títulos publicas rendeu aos Jnves~ldor~ domésticos um ganho de 42% sobre o valor aplicado. ao passo que os nao-resldentes auferiram um ganho de 89% no mesmo ~erfodo. O ~ue explica isso é em parte o processo de valorização da. moeda dornésnca, produzido, po~ sua ~ez, num movimento aura-referencial. pelo próprio com. portarnenro de.sses mvestldor~, e em parte a isenção do imposto de renda sobre os ganh~s p~ovenlenres desses anvos para investidores estrangeiros, No que concerne ao :nmelro dos fawres responsáveis por esse ganho extra poder-se-ia alegar que o gO\erno ~em .pouco o que fazer, dada a dinâmica dos mercados mundiais c o sistema de cambIo, flutuame que está em vigo r; mas a tese ê~ frágil, uma vez que o gover~o {em felt,otudo que está a seu alcance para justamente manter essa posição de emissor de at!vos allamente demandados no mercado internacional. Mas se há uma des:ulpa . ainda que comestãvel, para a existência do primeiro fator. é evident~ que nao há nenhu ma para a existênçia do segundo. a não ser a deliberada inren~ao de ~azer o país desempenhar, na configuração armada pela no va divisão mTernaclon.a1 ~o trabalho. ~ papel que o jogo patrocinado pelo centro do sistema. em con sonanCI:t co~ elites d0r.nés:icas da periferia . nos impõe, qual seja o de plataforma de valon zaçao financeIra mtcrnacional.

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A afirmaçáo da ministra foi de que o PAC significava "d inheiro público di~eto na veia da economi a", o que constitu i uma aprcciaç áo incorret a do fenamen o macroeconômico par.l o qual ela estava querendo chamar a atenção. Com nCv:1 de atividade inferior ao pleno emprego , a injeção de dinheiro , desde que f~nc'one: cferivamenre como poder de: compra acrescido, tem sempre o mesmo efell~ (~u. rnentar a taxa de crescime nto da economi a). quer provenh a ele do setor publi~o ou do setor privado. O que a ministra quis dizer com sua expressão pouco precl~a ~ que a injeção de dinheiro público patrocin ada pelo PAC rem 100% de garantia de funciona r como demanda efetiva adicional. ~ Vide, por exemplo, Juarez Guimarã es, ~A nova economi a política do governo Lula ,

TtOri4 ~ Dtbau. n. 72. juLlago. 2007.

O mais político dos ternas econômi cos • 145

prática e da defesa incontesres da política ortodox a no plano monetá rio. a dominâ ncia financeira revela-s e também no dia-a-d ia da economia. Nessa conjun tura. também os grande s grupos industr iais se financeirizam. com o aumen to da import ância dos ganhos finance iros em relação aos ganhos operaci onais, o sistema bancári o tem aumen to dos ganhos com operações especulativas de tesoura ria em relação aos ganhos com o forneci mento de crédito . e até mesmo cerras categor ias de trabalh adores, cotistas de fundos de pensão . entram na ciranda financeir a. pois parte import ante de seu estoque de riqueza vê seu cresciment o atrelad o ao recebim ento de rendas financeiras.

O PAC não traz nenhum a medida que seja capaz de minora r a força desse empeci lho estrutu ral ao desenv olvime nto econôm ico. Esse entrave está engasta do na atual configu ração do poder. a qual encont ra num govern o tímido perame o vigor da dominâ ncia finance ira um aliado de extrem a import ância. A manute nção de um modelo econômico em que o país, mesmo nos período s de calmaria, como o atual • cresce menos que os demais", enquan to a reversão está sempre à espreita se os vemos, mudam . é a expressão clara dessa timidez e dessa subserviência a interesses alheios aos da imensa maioria da popula ção. A despeit o da retórica do crescim ento. da margem de manob ra que teria sido conqui stada pelo Estado (como "prêmi o" pelo bom comportam ento nos quatro anos anterio res) e da "nova econom ia política " que estaria em andame nto na segunda gestão, o governo Lula continu a. no fundam ental, ~ desemp enhar o mesmo papel que ames: pratica uma política monetá ria hiperco nservad ora, defend e reformas liberais , patroci na uma abertur a financeira incond icional e mantém sempre pronto , para uso imedia to. o discurs o da emergência? (afinal nunca se sabe se uma casa norte-a merica na não desabará sobre nossa cabeça) .

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Como a imprens a se cansou de noticiar. mesmo estando o continen te latino-am eriamo, pelo menos desde 2002, em pleno surro de crescimento, o Brasil esteve sempre. entre 2003 e 2006, no grupo de países de menor crescime nto. Neste festejado ano de 2007. por exemplo . quando da intensific ação do movimente que ft4 desabare m as bolsas de valores mundo afora (o que ocorreu em meados de agosto) , o ministro da Fazenda , Guido Manrega , lido aliás como "desenvolvimenri sra", apressou -se a dizer que o Brasil estava no olho do furacão e que era impossível sair ileso das turbulên cias, Intencio nalment e. ou não, deu força a um argumen to que ajudou a estancar a queda da tua Selic em outubro ,

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Gurrra t cinema Logútica daperctpriio Paul Virilio

O podtr g~bal e a novagtopoll'ka das nafÕrs José Luís Fiori

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