História Da Música Portuguesa - João De Freitas Branco.pdf

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história da música _portuguesa _joão de _freitas _branco _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/95 __isbn 972-1-04012-6 _este livro é uma admirável síntese historiográfica dos reflexos musicais da realidade sociocultural portuguesa ao longo dos tempos. "_reflexos que não são, nem exclusiva nem principalmente, obras cujos autores tenham querido fazer delas imagens musicais, directas e explícitas, de sucessos pontuais dessa realidade, como o aniversário de algum rei, uma vitória militar decisiva para a independência nacional, a comemoração do nascimento ou da morte de um grande português", á.do _prefácio/ú. _o período abrangido é vastíssimo: desde a influência muçulmana, antes da fundação da _monarquia, passando pela música trovadoresca e pelo _renascimento e _polifonia, até ao apogeu da ópera em _portugal, no século __xviii, com compositores como _sousa _carvalho ou intérpretes como _luísa _todi. _a actualidade, suas tendências

e compositores não são descurados em todas as suas implicações, concluindo o autor que, apesar de todas as dificuldades, "o presente não parece indigno do passado e eleva-se de algum modo acima do que, em média e em função das diferentes épocas, foi a vida musical portuguesa durante a maior parte dos oito séculos de história". _a presente edição foi acrescentada com as anotações e melhoramentos que o autor fez à 1.a edição e inclui prefácio, introdução e notas organizativas da autoria de seu filho, _joão _maria de _freitas _branco. _para a _maria _amélia, minha mulher PREFÁCIO Se nos situarmos na óptica da filosofia da história ou, talvez mais correctamente, na da epistemologia da história, é possível que nos ocorra levantar radicais questões, antepondo-as a um projecto como o de fazer a história da música de uma nação. Terá isso alguma utilidade? Valerá a pena esse remexer na *res gestae* quando o que de forma directa nos afecta é a realidade actual? Para que serve afinal a história, seja ela a que incide sobre um tipo particular de actividade -como neste caso -- ou a que procura abarcar a generalidade dos aconteceres? Será que faz sentido escrever a história de qualquer coisa que é, na sua estrutural essência, parte de um todo, e por isso mesmo ininteligível fora da relação com essa totalidade? O mais correcto não seria tratar do particular no quadro do inquérito geral; ou seja, no âmbito da historiografia do País, da focagem geral da história da nação lusa? A verdade é que se consultarmos as histórias gerais de Portugal, dos clássicos Herculano ou Oliveira Martins aos contemporâneos José Mattoso ou Oliveira Marques, não nos será difícil divisar a desatenção ao viver musical da nação tomada como objecto de estudo. Quem, por exemplo, se der ao trabalho de consultar o índice onomástico da popular *_História de Portugal* dirigida por José Mattoso terá a surpresa de aí não encontrar qualquer referência a músicos tão notabilizados como Rodrigues Coelho, Vicente Lusitano, Duarte Lobo, Joly Braga Santos ou Lopes Graça -- sendo o facto de não pertencerem todos eles a uma mesma época histórica concludente prova da dimensão geral do ólvido, que de outro modo ainda se poderia supor ser causa de pontual deficiência relativa ao tratamento de determinada fase da nossa história. Nobre excepção a esta regra foi o recente *_Portugal contemporâneo*, orientado por António Reis. Só por si, esta inconsideração parece já justificar o enfoque parcelar. Mas como em todos os domínios do saber, é a extensão do objecto de estudo que institui o imperativo do tratamento especializado, se bem que as diversas áreas de estudo não se devam entender como compartimentos fechados sobre si. É isto, hoje, um dado adquirido no plano da actividade da investigação científica. Mas subsiste a dúvida radical do interesse efectivo do afã historiográfico. Dizia António Sérgio que fazer história era a forma de nos libertarmos de erros pretéritos e de anteriores limitações. Neste sentido, a história, incluindo a da nossa criação musical, é não apenas útil como até mesmo necessária. Mas há mais. Foram precisos cerca de cento e vinte anos para começarmos a assumir a consciência da pertinência e profundidade de uma breve asserção contida nas primeiras páginas das *_Deutsche Ideologie* que :, muitos consideraram tão completamente estapafúrdia que entenderam ser saudável ignorá-la. Reza assim o texto redigido nos recuados anos 40 da passada centúria: "*_Wir kennen nur eine einzige Wissenschaft, die Wissenschaft der Geschichte*" -- "Conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da história" (1).

Uma recente teoria científica de aparência ainda mais estapafúrdia e portando a exótica denominação de *_Big Bang* veio reforçar a ideia de valer a pena reconsiderar o significado da tão velha quanto esquecida frase agora citada. O nosso admirável berço helénico empurrou-nos para o desatendimento de uma essencial dimensão da realidade, essa a que o físico Ilya Prigogine significativamente chamou *the forgotten dimension*, a saber: o tempo. Se a asserção da *_Deutsche Ideologie* é verdadeira, então isso significa que a suposição da inutilidade da história implica reconhecer-se a improficuidade de todo o inquérito cognitivo; logo, o próprio estatuto utilitário da ciência. Mesmo considerando a actual vaga de misologia, não creio que no ocaso do século de Einstein e da mecânica quântica haja algum espírito são disposto a declarar a nulidade do trabalho científico. Estamos então *condenados a fazer história*. Para além de tudo isto, sabe se hoje, por rigoroso legado da psicologia, que não se pode viver bem na ausência de referências pretéritas. O extremo caso patológico da amnésia é disso prova. Boas razões tinha Sócrates, esse "herói da humanidade", no dizer de Hegel, para insistir na ideia que o oráculo lhe inspirava da urgência do autoconhecimento. No imperativo do "conhece-te a ti próprio", e numa perspectiva racional que já se aparta do primado da essência fixa, caro ao filósofo ateniense, está contida a necessidade de conhecer o nosso próprio passado, porque o que se é está condicionado pelo que se foi. De igual modo, o *fazer* actual ou futuro é necessário efeito do sujeito que age; ou seja, do homem que se é. Daí o ter razão R. G. Collingwood ao afirmar, precisamente num contexto de problematização do valor da história, que "conhecer-se a si mesmo significa saber o que se pode fazer. E como ninguém sabe o que pode fazer antes de tentar, a única indicação para aquilo que o homem pode fazer é aquilo que já fez. O valor da história está então em ensinar-nos o que o homem tem feito e, deste modo, o que o homem é" (2). Interessante neste contexto é também a relação que por exemplo um Karl Lõwith estabelece entre as noções de *sentido* e *objectivo*. Segundo ele, "a história só tem sentido se se indicar um objectivo transcendente" (3) -- transcendente por estar para além dos factos. Sendo assim, a análise de um determinado momento, encarado como efeito de outros passados, fornece-nos a possibilidade de determinar o sentido global de um acontecimento anterior. E preciso revelar o *telos* para se poder opinar sobre o sentido de um determinado momento hist6rico. Ao invés do sugerido pela tradição do pensamento atomista/positivista, o facto histórico não é entendível como fenómeno isolado mas sim como fazendo parte de um processo. Estas considerações sobre a história em geral aplicam-se naturalmente ao caso particular de uma história da música nacional. Se a história serve o nosso autoconhecimento, pode então supor-se que algo ficaria a faltar ao :, conhecimento da personalidade colectiva do português se não se desenvolvesse a investigação da nossa criatividade musical. E que, aplicando por analogia um célebre dito de Fichte, talvez a música que se faz (na dupla vertente composição/execução) dependa do homem que se é; e nesse caso, a observação da obra realizada concorre para a compreensão do nosso eu colectivo. Sendo assim, só conheceremos a história do país se nela formos capazes de também integrar informação sobre o nosso passado musical. Uma das premissas em que se estriba todo o trabalho historiográfico de João de Freitas Branco consiste em admitir que as composições musicais, os conceitos, noções ou preconceitos, os hábitos musicais, ou ainda as atitudes assumidas na esfera da criação, da execução e da audição são necessariamente *reflexos* de uma realidade extra-musical de natureza sociocultural. Daí que logo na introdução se possa ler o seguinte sobre o teor do presente volume: "O que se tenta [...] é uma relacionação historiográfica de *reflexos musicais* da realidade sociocultural portuguesa" (sublinhado meu). Há apenas que acrescentar, e era essa também a expressa convicção de João de Freitas Branco, que a relacionação historiográfica é,

também ela, reflexo da realidade histórica a partir da qual o musicólogo historiador opina, espelhando de igual modo a sua subjectividade enquanto protagonista do devir. O Autor exclui assim à partida a possibilidade de se alcançar uma relacionação historiográfica que se possa rotular de absolutamente objectiva. Outra questão que de aqui se pode levantar é a da efectiva existência ao longo do tempo de uma música portuguesa. Em vários períodos a música que por cá se fez não teve carácter inequivocamente nacional. Por isso João de Freitas Branco fala de períodos em que foi marcadamente hispânica e de outros em que se viu inundada de influências externas a ponto de se esbater o perfil nacional. No entanto, o Autor não chega a problematizar o tema, mas parece justo reconhecer-se que, mesmo em fases de enfraquecimento do perfil lusitano, nunca deixaram de se manifestar traços de portuguesismo. Seja como for, João de Freitas Branco dá resposta a esta questão logo através da forma de titular o seu trabalho: não história da música *em Portugal* senão que *história da música portuguesa*. Passemos agora à consideração da génese do presente volume. A ideia de dar à estampa uma história geral da música portuguesa não partiu de João de Freitas Branco, se bem que para tal não lhe faltasse a motivação nem a necessária competência musicológica. Coube ao Editor, Francisco Lyon de Castro, que mantinha à custa de abnegado esforço, grande dinamismo e reconhecido talento na condução do negócio editorial uma ainda jovem Europa-_América -- fundada no fim da segunda Grande Guerra, nessa vaga de optimismo onde se avivava a ingénua esperança de ver, também nesta extremidade peninsular, desmoronarem-se as ditaduras fascistas -- a iniciativa de apresentar a João de Freitas Branco a proposta de publicação de uma história da nossa música. Decorria então o ano de 1958. Aos olhos do observador coetâneo semelhante proposta editorial afigura-se por certo algo de perfeitamente natural e até mesmo lógico. Para mais se a ela adicionarmos a circunstancia de neste particular caso terem existido entre Editor e Autor sólidos sentimentos de mútua amizade que :, guindavam a convivência e o diálogo muito para além do plano da simples relação profissional. No final dos anos 50, quem senão esse João de Freitas Branco que Vitorino de Almeida ainda há bem pouco tempo referiu como lídimo exemplo de protagonista da transcendente "missão da verdadeira musicologia", citando-o de parceria com um Alfred Einstein, um Theodor Adorno, um Willi Reich (4), quem senão esse podia ser chamado ao cumprimento da nobre mas espinhosa tarefa de redigir obra exigente de tão vasto e profundo saber musicológico? A decisão tomada pelo Editor parece-nos hoje fácil. Mas tê-lo-ia sido? Recorde-se, antes de mais, que por esse então o Autor da presente *_História* era ainda relativamente novo (com os seus 36 anos de idade) e estava longe de alcançar a notoriedade científico-intelectual que anos mais tarde lhe viria a ser unanimemente reconhecida, se bem que fosse já pessoa respeitada no meio musical português. Vinha também longe a grande popularidade depois granjeada por efeito da sua incomparável acção de divulgador da arte dos sons junto da massa do nosso povo (nomeadamente através da televisão logo a partir do início das emissões da R_T_P nesse mesmo final dos anos 50). Em 1958, e já desde 1948, por trágico efeito do clima salazarento então reinante no lusitano torrão, o musicólogo via-se obrigado a trabalhar no Automóvel Club de Portugal, ocupando um relativamente modesto lugar de secretário-geral adjunto. Boa parte do seu tempo quotidiano era assim dispendida com a organização de provas automobilísticas ou com medíocres tarefismos relacionados com carros. A actividade no domínio da música, essa que de facto o apaixonava, era desenvolvida em forçado regime de *part-time* (5). Como ele próprio escreveu num apontamento autobiográfico elaborado em 1984, essa indesejada situação era causada "pela insuficiência das

remunerações das suas actividades musicais, muitas delas inteiramente gratuitas". No entanto, a verdadeira e primeira causa de tal despautério era de outra natureza tratava-se de razão política. Desde os seus tempos de estudante que João de Freitas Branco desenvolvia, no seio de vários movimentos de oposição democrática e por directa influência de alguns dos seus mestres preferidos, como Rui Luís Gomes (a cujo grupo de investigação matemática pertenceu), Bento de Jesus Caraça (amigo predilecto de seu pai) ou Aniceto Monteiro, permanente acção contra o regime salazarista, à qual não era estranha uma componente de militância politicopartidária que poucos conhecem. Por isso, e só por isso, foi, como muitos outros, durante tantos anos marginalizado e impedido de ocupar certos lugares de responsabilidade para que estava inequivocamente vocacionado. Pelas razões agora expostas, podemos verificar até que ponto não era afinal fácil para um editor a decisão de publicar textos subscritos por *persona non grata*. Primeiro risco implicado era o de ver a obra apreendida no próprio dia do lançamento -- uma das requintadas maldades do aparelho censório que protelava para o fim o seu veredicto, de modo a acarretar prejuízos máximos às editoras conotadas com a oposição democrática. Felizmente foi bem diverso o destino da *_História da música portuguesa* que conheceu imediato sucesso de vendas, tendo esgotado em pouco tempo. Mas isto não pode apagar da memória o gesto de coragem editorial que está na origem da :, obra que hoje é um clássico da historiografia musicológica portuguesa. Gesto que aqui não posso deixar de homenagear. O que levou Francisco Lyon de Castro à ideia de publicar uma história da música portuguesa foi a sua própria condição de melómano ouvinte da então Emissora Nacional onde já nessa altura era todas as semanas radiodifundido o programa *_O gosto pela música*, da autoria de João de Freitas Branco Dois anos de emissões regulares deste bem conhecido programa radiofónico de divulgação musical tinham permitido a acumulação de muitos apontamentos sobre compositores e obras da nossa cultura musical. Por outro lado, João de Freitas Branco realizava nessa altura frequentes conferências destinadas a divulgar a nossa melhor música, nomeadamente no âmbito da actividade de algumas associações musicais a cuja direcção pertencia e de onde cumpre destacar a Juventude Musical Portuguesa. Havia, portanto, toda uma investigação musicológica já realizada ao longo de alguns anos e materializada em múltiplos apontamentos dispersos. Ao tomar conhecimento do interesse do Editor, João de Freitas Branco logo fez saber que possuía todo esse material, sob a forma de apontamentos, e que isso lhe permitia assegurar uma rápida confecção. Coisa que vinha ao encontro dos interesses da Europa-_América. E de facto assim foi. Em menos de um ano a obra estava redigida e pronta para dar entrada na tipografia. A esta brevidade não é por certo estranha a generosa dedicação de Maria Amélia de Freitas Branco, companheira de toda uma vida, a quem a obra e tão naturalmente dedicada. Foi ela quem se encarregou de dactilografar grande parte do manuscrito e intensamente colaborou na revisão do texto, bem como na organização dos índices. A celeridade atesta bem do empenhamento e do entusiasmo postos pelo Autor na produção do texto. Era essa uma maneira de compensar o desgosto de se ver quotidianamente coagido a desperdiçar a sua generosa inteligência em actividades menores e de se sentir mais útil. Mas ficar pelo enunciado destas motivações seria ocultar alguma verdade. A pressurosa conclusão do trabalho teve outra causa que nem pela sua menor nobreza deixa de frequentes vezes aparecer associada a sublimes produções artísticas. Não foi Chaplin quem, interrogado sobre as motivações profundas do seu trabalho de actor-realizador, respondeu com duro realismo: "Ganhar dinheiro"? Pois foi. E também no caso vertente, foi esse um imperativo que bastante pesou na aludia celeridade do processo. Ontem como hoje, viver do trabalho intelectual não era coisa fácil por ser bem pouco aliciante a recompensa material. Mas que tipo de obra era essa *_História* encomendada em 1958 e publicada no final do ano seguinte? Se voltarmos a considerar o papel que *_O gosto pela música* teve

na sua génese, não será difícil reconhecer no melhor sentido do termo "divulgação" o propósito primevo do livro. A sua própria inserção numa colecção que declaradamente pretendia assumir-se como réplica portuguesa da celebrada "Que saisje?" das Presses Universitaires de France não deixa dúvidas quanto ao público destinatário pretendido. Todo o livro tinha de ser concebido pensando no leitor não iniciado; privilegiando o grande público em detrimento do leitor erudito, da população académica ou do especialista. Daí que desde logo tivessem sido fixados certos limites :, formais, não só em relação ao quantitativo de páginas como também no que se refere ao aparato de notas, índices e referências bibliográficas. No esquecido Portugal de então não havia público para uma obra mais exigente do ponto de vista científico. A comunidade de especialistas era tão ridiculamente insignificante que jamais alguma casa editora gerida pelo bom senso se podia lembrar de pôr em circulação um livro dispendioso que não encontraria nas livrarias mais de meia dúzia de leitores capazes de o consumir com total fruição. Lembro-me ainda de ouvir a D. Catarina, antiga gerente da Livraria Buchholz (à data, a única de dimensão internacional), contar que de certas obras só mandava vir dois ou três exemplares, pois já sabia quem eram e quantos eram os leitores possíveis; mas os títulos em questão podiam ser tão obrigatórios como *_Die Musik in Geschichte und Gegenwart*, a correspondência de Richard Wagner ou os ensaios de um Theodor Adorno. Era essa a realidade cultural do país que centúrias antes tinha exibido perante o mundo invejável escol. Porém, a circunstância de ter sido alguém de grande estatura intelectual a assumir a alfarja de efectuar a síntese da história da nossa vida musical fez de um livro que se pretendia divulgador uma obra de presença obrigatória em todos os centros universitários, conservatórios ou escolas superiores em que a música fosse objecto de ensino e de investigação. Para maior espanto, durante mais de trinta anos esse pequeno livro, entretanto esgotado, permaneceu nas estantes das escolas de música ou dos centros de investigação como único texto onde se oferecia uma panorâmica geral da evolução da arte musical portuguesa desde a Idade Média até os tempos contemporâneos. Divulgação não era neste caso sinónimo de superficialidade na abordagem temática, nem significava menor exactidão ou falta de acerbidade no tratamento da informação. O rigor e a objectividade próprios do espírito científico perfilhado por autor de formação matemática garantia que a acessibilidade não descambasse em ligeireza. O demorado vazio é tanto mais de estranhar se tivermos em consideração o facto de a ele não corresponder total paralisia da investigação musicológica. Desde meados dos anos 70, não só por efeito directo da Revolução dos Cravos senão que também em consequência da reforma do Conservatório ocorrida no tempo do ministro Veiga Simão, o volume da actividade musical foi crescendo na dupla vertente do ensino e da investigação. Bastante se fez no domínio da edição impressa e fonográfica. A colecção "Portugaliae Musica", da responsabilidade da Fundação Calouste Gulbenkian, e as gravações da Portugalsom, a etiqueta discográfica da Secretaria de Estado da Cultura dedicada à divulgação da música portuguesa, são dois notáveis marcos na alteração do panorama musical português. Outro assinalável salto qualitativo foi a criação (no início da década de 80) de licenciaturas em ciências musicais, fazendo surgir pólos de investigação universitária e dilatando a população de especialistas. Todos estes factores evolutivos concorreram para propiciar melhores condições à reflexão bem como ao trabalho de investigação sistemática da nossa história da arte musical. Já na década de 90, nova geração de musicólogos atreveu-se a interromper o quase monopólio de João de Freitas Branco (quase, porque em 1965, Maria Antonieta de Lima Cruz também fez :, publicar uma pequena história geral da música portuguesa, que veio a cair no esquecimento, talvez ofuscada pela edição da Europa_América). Mas não deixa de ser curioso verificar que as duas obras recentemente publicadas,

em 1991 a primeira e em 1992 a segunda (esta numa edição limitada, destinada a uso interno no âmbito do projecto da Universidade Aberta) se mantêm no terreno da divulgação. A primeira, assinada por Paulo Ferreira de Castro e Rui Nery, e tão sentidamente dedicada à memória de João de Freitas Branco, surgiu no âmbito da Europália, integrada numa colecção significativamente intitulada "Sínteses da cultura portuguesa"; ou seja, com o objectivo expresso da ampla divulgação da cultura portuguesa no espaço comunitário europeu. A característica de síntese divulgadora marca de igual modo, a segunda obra, da autoria de Manuel Carlos de Brito e Luísa Cymbron, não obstante a sua origem universitária. Esta insistência em não sair do nível da divulgação é algo sobre o qual importa aqui reflectir por guardar directa relação com o presente volume. Por certo muitos se interrogam acerca da razão ou razões justificativas da não reedição da obra de João de Freitas Branco, para mais se se considerar o facto de ter esgotado cedo e ter circulado durante longos anos como raridade de alfarrabistas, espécie de objecto *introuvable*. É esta uma questão importante, pois nesta interrogativa e na procura de resposta para ela vamos encontrar as causas profundas da génese da actual segunda edição. A responsabilidade do não aparecimento, logo nos anos 60, de nova edição da *_História da música portuguesa* deve atribuir-se por inteiro ao Autor, e de modo algum ao Editor, que veemente e repetidamente a solicitou ao longo de anos. Que aconteceu então? Que razão pôde levar o Autor a não querer ver reeditada a sua própria obra? Ao contrário do que se pode supor, desde sempre houve da parte de João de Freitas Branco interesse na *reedição* da obra, mas não na sua *reimpressão*. Coisas diversas que entre nós quase sempre se confundem. Ou seja, indesejada era apenas uma nova tiragem do mesmíssimo texto. Aquilo que: os ingleses têm sempre o cuidado de anotar utilizando as expressões *reprinted*, seguida do respectivo ano, ou *impression* antecedida do adequado ordinal. Em Portugal confunde-se a *impression* com a *edition*. O que portanto João de Freitas Branco não desejava era a simples reprodução da primeira edição. O próprio sucesso de vendas alcançado pelo livro activou a vontade de desenvolver o texto primitivo. Não se tratava propriamente de *alterar*, em parte ou no todo o já redigido, mas sim de *acrescentar* texto contendo novos dados e mais ampla informação historiográfica. Emergia assim a ideia de realizar obra de outro fôlego. O perfil de texto de divulgação ia sendo preterido em favor de um muito mais ambicioso projecto: o de dar à estampa uma primeira grande história da música portuguesa de denso conteúdo descritivo, bem como problematizante, e que respeitasse todas as exigências formais do trabalho de investigação científica ao mais alto nível de erudição. As já aludidas condições de sobrevivência do intelectual Freitas Branco num país despoticamente governado por um -asceta provinciano de Santa Comba Dão impuseram sucessivos adiamentos à realização do tão :, aguardado projecto. Por outro lado, o musicólogo cedo se foi apercebendo das fortes limitações que o regime então vigente impunha ao seu trabalho. Já pondo de parte opções metodológicas assentes na noção materialista-histórica da determinação infra-estrutural da criatividade musical, havia todo um conjunto de reflexões e apreciações críticas relacionadas, por exemplo, com o magistério das ordens religiosas e com a globalidade da acção cultural da Igreja, com os efeitos da censura, os reflexos das contradições ou conflitos de classe, as políticas culturais da monarquia e os malefícios dos excessos absolutistas, o longo decadentismo alimentado pelas classes dominantes, a mediocridade auto-regenerada das elites da Nação e, por último, também, claro está, os aspectos relacionados com a denúncia do obscurantismo do Estado Novo, esse mesmo que encarcerava Lopes Graça e expulsava Maurice Bejar. O saber até que ponto este conjunto de apreciações, e outras mais, teria que ser autocensurado sob pena de ver

a censura oficial encarregar-se disso, contribuiu de facto para uma crescente desmotivação. Passou assim mais de uma década sem que o projecto da nova edição tivesse sido concretizado. Mas quando finalmente a situação se alterou em Abril de 1974, logo renasceu em João de Freitas Branco o antigo desejo de avançar com o novo livro. Mais do que nunca, estava determinado a levar por diante um trabalho de aprofundamento musicológico em detrimento da divulgação. Os principais acrescentos não deixam dúvidas quanto ao nível de abordagem pretendido. Os primeiros tempos do novo Portugal trouxeram-lhe responsabilidades governamentais inconciliáveis com as exigências da investigação científica. Mas logo a partir do ano de 1977/78 João de Freitas Branco elegeu a tarefa da reedição da sua *_História* como primeira prioridade na sua actividade intelectual. Trabalhou intensamente no projecto até o início dos anos 80, altura em que concluiu não estar em condições de terminar essa empreitada. Razões de saúde, entre outras do foro íntimo, impediam-no de trabalhar ao ritmo exigido pelos objectivos a que se propusera. Por outro lado, as modestas mas habituais ajudas prestadas por quem aqui assume as funções de prefaciador foram sendo dificultadas em virtude de acrescidas responsabilidades profissionais. Mas, para além destas razões, pesou de igual modo o facto de por volta dos 60 anos de idade João de Freitas Branco ter sentido nítidos sintomas do cansaço provocado por uma longa caminhada como autor de textos sobre temática musical. Faltava-lhe motivação para a rotina da investigação, para as tarefas mecânicas impostas pelo formalismo científico -- a confirmação de datas, o retocar de uma referência bibliográfica, a adição de mais uma nota de rodapé, o amealhar de informações factuais, o "ratar" em bibliotecas e arquivos eram tudo tarefas para as quais lhe ia faltando o indispensável animo. Sentia ser outra a sua vocação. Todo o seu afã se concentrava cada vez mais na pura reflexão em torno dos temas centrais do desenvolvimento da nossa vida musical, assim como na tentativa de os problematizar com profundidade e rigor intelectual. A consciência assumida destes novos condicionalismos levou-o a encarar a hipótese de constituição de uma equipa de trabalho. O então recentemente criado Departamento de Ciências Musicais da Universidade Nova :, de Lisboa, onde exercia a actividade de docência, era potencial terreno de recrutamento. Porém, essa ideia não veio a concretizar-se por motivos vários, nomeadamente de ordem familiar. E nessa altura (início dos anos 80) desistiu em definitivo de levar a cabo o trabalho de reedição da *_História da música portuguesa*. Foi tal o abandono que, quando faleceu, em Novembro de 1989, já nem sequer sabia onde se encontravam os defectivos manuscritos, fruto principal do período de mais intensa dedicação ao projecto -- 1978/79, época em que resolvera reduzir ao mínimo a sua colaboração regular na imprensa diária, incluindo o desempenho da função de crítico musical que mantinha desde o final da adolescência, de modo a poder dedicar-se o mais possível a esse empreendimento maior. Recordo com imensíssima saudade os longos serões em que por esse tempo João de Freitas Branco lia em voz alta o que tinha acabado de redigir e, com a desprentensiosa modéstia que o distinguia, solicitava apreciações críticas sobre o conteúdo ou a forma do discurso. Foi também nessa época que, por solicitação da Academia das Ciências de Lisboa, se lançou com crescente paixão no original estudo da presença da música na poesia camoniana, de onde resultou um dos seus mais notáveis legados musicológicos e culturais, consubstanciado em dois livros a que não tem sido dada justa atenção. Tratava-se, neste particular caso, de trabalho extra que, no entanto, não deixava de sintonizar com a investigação historiográfica em curso. Portanto, foi durante esses anos finais da década de 70 e o início da seguinte que João de Freitas Branco escreveu todo o novo texto, tendo em vista a introdução de alterações e acrescentos ao volume publicado vinte anos antes, no fecho dos anos 50. Só que, como já ficou dito, o trabalho quedou-se a meio e os textos tinham-se

perdido, em virtude do convencimento de que tais escritos jamais iriam chegar a ser publicados. Felizmente, foi-me possível descobrir no meio de velha papelada o precioso manuscrito entretanto perdido (e, diga-se, bastante mal tratado). A longa e permanente colaboração com o Autor, para já não referir o facto de uma vida passada debaixo do mesmo tecto, dava-me a vantagem de saber exactamente o que procurava e onde procurar. E se a memória não me prega monumental partida, julgo estar hoje em condições de poder garantir terem sido encontrados todos os escritos existentes. João de Freitas Branco nunca revelou, para fora do pequeno círculo familiar dos que com ele coabitavam, a extensão do novo texto. Daí que o próprio Editor estivesse convencido de que ele nunca tinha chegado a redigir uma única linha para a nova edição. Foi com surpresa que Francisco Lyon de Castro acolheu a notícia da existência de considerável material inédito. Mas logo que lhe transmiti a informação, ainda muitos antes de detectar o paradeiro do manuscrito, pude contar com uma cumplicidade amiga e um sentido empenhamento, sem o que teria sido quase impossível levar por diante a hercúlea faina de dar acabamento final à desarrumada escrita e aos vários rascunhos. A dupla questão fundamental que aqui importa considerar é, por um lado, a incompletude da obra agora dada à estampa, e, por outro, a efectiva relação do novo volume com o antigo. :, Será que tendo em consideração a radical mudança de perfil da obra faz algum sentido falar de reedição? Será que se trata de uma segunda edição ou antes de um novo livro? Não foi a finalidade da *divulgação* suplantada pelo desejo de aprofundamento musicológico? Mas por outro lado, se o trabalho de reelaboração do texto ficou longe de ter sido concluído, até que ponto se poderá considerar corresponder o presente livro aos objectivos fixados *ab initio*? As alterações introduzidas são o bastante para que se atribua à obra a dimensão de erudito estudo ou que a rotulemos de "grande história"? Procuremos esclarecer estas dúvidas. Antes de mais, importa revelar o teor dos acrescentos e das alterações, apurando ao mesmo tempo o seu peso quantitativo. O que o Autor nos deixou foram seis cadernos de acrescentos, em formato A5 e correspondendo a um total de mais de quinhentas páginas de texto manuscrito. Este volume de escrita, considerado apenas no seu aspecto quantitativo, equivale *grosso modo* ao texto da primeira edição. Portanto, a quantidade de texto duplicou. Para além dos citados cadernos, onde se consubstancia o fundamental da nova versão, há a considerar toda uma série de pequenas alterações ou correcções do texto antigo, bem como uma lista de referências bibliográficas, quase sempre incompletas, que se destinavam a posterior inclusão em notas de pé-de-página. Como se, sabe, a primeira edição não continha notas intercaladas no texto, mas não deixava de apresentar em anexo no fim do volume, cerca de duas centenas de notas contendo referências bibliográficas. Como o próprio autor explicava, "sendo a *_História da Música Portuguesa* fundamentalmente um livro de divulgação, não se intercalaram no texto quaisquer chamadas de atenção para notas, que muitas vezes se tornam desagradáveis ao leitor genérico. O estudioso terá porventura interesse em consultar as referências [...]", e seguia-se a lista de notas (6). Em contraste com esta disposição, para o novo volume estava prevista a inclusão de todo um vasto aparato de notas que a primazia agora atribuída ao "leitor estudioso" em detrimento do "leitor genérico" plenamente justificava. No entanto, nenhuma chegou a ser definitivamente redigida. Em face desta ausência e do conhecimento das intenções optei por incluir notas de dois tipos, a saber: umas da inteira responsabilidade do autor; outras elaboradas por mim e tendo no fundamental a

tripla finalidade de *a*) revelar , fontes utilizadas e propósitos não concretizados, *b*) actualizar, na medida do possível, as referências bibliográficas, acrescentando também alguma informação discográfica, *c*) dar conta das opções tomadas no que se refere à organização do volume e à fixação do texto (7). Infelizmente, razões de ordem técnica, relacionadas com a paginação, impediram que estas notas fossem intercaladas no texto, de modo a facilitar a consulta. Face a esta indesejada opção, importa talvez sublinhar a importância de algumas destas notas como complemento de uma obra inacabada. Por motivo desta incompletude, é neste caso particularmente importante que o leitor saiba vencer a tradicional preguiça de ler as notas remetidas para o fim do volume. (A impressão noutro tipo de letra das notas que contêm mais informação complementar parece-me concorrer para facilitar o exercício de leitura e minorar o incómodo da busca.) :, No grupo de notas do Autor resolvi integrar sem qualquer alteração -- respeitando portanto a antiga convenção -- a quase totalidade das já citadas pistas bibliográficas que, na primeira edição, apareciam no fim do livro. Esta opção corresponde por inteiro ao meu desejo de preservar *como documento* algumas partes da edição de 1959. A consciência assumida de que esse livro constitui inegável monumento da nossa historiografia musical esteve na base de várias preferências, de entre as quais cumpre realçar, neste particular contexto, a de ter mantido a bibliografia original adicionando-lhe apenas as cerca de duas dezenas de referências anotadas pelo Autor no seu exemplar de trabalho, e que me limitei a transcrever. A actualizacão bibliográfica foi remetida para as notas de rodapé de minha lavra, assim como também para a bibliografia suplementar incluída no fim do volume. Do que agora ficou dito há duas fundamentais conclusões a extrair. A primeira consiste em dar como provada a intenção de não modificar muito o texto primitivo. As alterações expressamente anotadas pelo Autor são, como acima se indicou, de carácter pontual; a demonstrar que assim é está o facto de todas elas aparecerem indicadas à margem das páginas do exemplar de trabalho. E certo também aí encontrarmos assinalada, por vezes, a intenção de modificar, mas sem que apareça dito o quê e o como. Nesses casos teve de funcionar a memória em conjugação com o íntimo conhecimento que neste caso o organizador tem do pensamento, hábitos e métodos do Autor, seu pai. Retenham-se aqui dois exemplos: na página 25 da primeira edição pode ler-se: "Já aqui entra o factor geográfico, tão negativamente influente na historia da música portuguesa." Na margem do exemplar de trabalho do Autor lá encontramos uma sinalética que sei indicar a vontade de modificar algo neste período. Como também sei que a opinião de João de Freitas Branco sobre a negatividade da influência do factor geográfico se alterou no sentido de não o considerar de modo tão pejorativo, decidi riscar o "tão negativamente". O outro exemplo, bem significativo no contexto de anteriores declarações, encontrase nas primeiras linhas do capítulo II. Lê-se na primeira edição, pág. 15: "Este é propriamente o ponto de inicio da nossa breve história da música portuguesa." Aqui, a intenção é mais clara. Para além do sinal alertando para a necessidade de alterar algo, a palavra "breve" aparece sublinhada. Optou-se por banir o adjectivo. Mas se outra prova fosse preciso amealhar do propósito de alterar a dimensão da obra, ela aqui estava. Outros casos têm a ver com meras questões de estilo. Do que não podem restar dúvidas é da intenção de, no fundamental, manter o texto antigo. Sintetizando, pode então dizer-se que o objectivo era manter o antigo adicionando-lhe o novo. Única excepção, que acaba por também confirmar esta regra, seria o capitulo VIII dedicado à "actualidade" e eventualmente o subponto sobre o compositor Luís de Freitas Branco, pelas razões adiante expostas (8). Em ambos os

casos nem sequer chegou a ser esboçada nova versão. Seja como for, a nítida opção central de *acrescentar*, em vez de *alterar*, parece-me justificar o falar-se de segunda edição e não de novo livro. Regressaremos ainda à consideração do bicudo caso do capitulo VIII. :, A segunda conclusão importante consiste no reconhecimento da incompletude da obra e dos efeitos dela decorrentes. Em momento algum nos podemos esquecer ser este um livro que ficou a meio caminho entre a divulgação e a erudição, entre a "breve história" e a "grande história". Tanto no plano do conteúdo como no plano formal encontramos desequilíbrios. Neste último, é notório o desrespeito de alguns princípios metodológicos do trabalho científico, como por exemplo no caso das citações, em que na esmagadora maioria dos casos não se faculta ao leitor a indicação precisa da fonte -- referencia-se o autor e/ou a obra, mas não a edição e o respectivo número de página. Quanto ao conteúdo, a extensão e densidade do capítulo V contrasta com a brevidade na abordagem de certos temas nos dois últimos capítulos; assim como, p. e., o detalhe posto na descrição da vida musical dos séculos XVII ou XVIII acaba por desaprovar a menor minúcia no tratamento de alguns temas do séc. X1X. No trabalho de preparação desta segunda edição da *_História da música portuguesa* João de Freitas Branco respeitou a ordem cronológica dos assuntos. Significa isto terem sido os capítulos relativos às épocas mais recuadas aqueles que vieram a ficar mais acabados, ocorrendo o inverso com os outros. Até o período que Freitas Branco designa como sendo o da "invasão italiana" (capítulo VI), quase estaria tentado a afirmar que, se ignorarmos ó caso das notas, o trabalho foi efectivamente terminado. Acrescentos como o título de "Música litúrgica", "O ensino da música", "Instrumentos e execução instrumental" ou ainda as partes dedicadas aos testemunhos de W. Beckford e do embaixador Bombelles são reveladores de acentuado grau de acabamento final. Porém, a parte mais nitidamente terminada é a notável "Introdução" onde se tocam com sintética profundidade temas tão relevantes, mas entre nós tão pouco considerados, como o da noção de obra musical, a ideia de mensagem musical, o fenómeno de auto-regulação (ou, como hoje também se diz, de retroacção) o binómio forma/conteúdo (9), os critérios de valoração, a relação classe social/criação musical, o peso do conhecimento biográfico na fruição, a difícil questão da verdade artística ou do significado do termo "verdade" em arte. Trata-se, em minha por certo suspeita opinião, de uma tão notável quanto rara prosa de epistemologia da música ou, se se preferir, de filosofia da arte dos sons. Se mais não houvesse, estou em crer que bastariam estas novas páginas introdutórias para fazer desta segunda edição da *_História da música portuguesa* um acontecimento cultural de relevo (10). De forma algo paradoxal, foram os períodos históricos sobre os quais à partida João de Freitas Branco se sentia mais à vontade -- nomeadamente a época contemporânea que ele próprio tinha protaganizado -- os que acabaram por não ser desenvolvidos. Tal é o caso do já citado capítulo VIII que deve merecer-nos mais alguma atenção. O que era actualidade em 1959 deixou de o ser em 1995 e, como já então se previa, "os nomes citados nestas últimas páginas [...] não ficarão todos eles para a futura historiografia da música portuguesa" (11). No novo capítulo que projectara escrever João de Freitas Branco pretendia acima de tudo analisar os efeitos da emergência do Portugal democrático na cultura musical do país, lançando do mesmo passo um olhar crítico às várias :, concepções de política cultural que se confrontaram nos anos imediatamente posteriores à Revolução dos Cravos. A ter sido concretizado, o texto constituiria valioso depoimento de alguém que protagonizou, inclusive a nível governamental, esse aceso debate intelectual do período do PREC (Processo Revolucionário em Curso). Para além desta análise global dos programas de política cultural aplicados à esfera da música, estava também projectado dar justo relevo às personalidades musicais que acabaram por se destacar como principais criadores

musicais, mas que trinta e seis anos antes era impossível avaliar com objectividade, em virtude desde logo da falta de distanciação histórica para tal sempre requerida, e também do estado inacabado da obra de músicos como um Lopes Graça ou um Joly Braga Santos cujo percurso artístico mal tinha chegado a meio, tendo nessa altura o mais novo cerca de 35 anos de idade -- se bem que em matéria de criação musical se saiba ser tempo de vida suficiente para às vezes se fazer "tudo" (mesmo pondo de parte o prodígio de Salzburg, bastariam os casos Schubert, Chopin, Rossini ou Bellini para sobejamente o demonstrar). Como por certo se compreenderá, o facto de o novo capítulo previsto, dedicado às últimas décadas da nossa história da música, nunca ter chegado a ser escrito nem sequer esboçado constitui uma dificuldade para o organizador de uma edição póstuma. Promover a actualização do texto da primeira edição, para além de ser opção muito discutível, era coisa irrealizável tal o número e a profundidade das alterações exigidas. Optar por banir o capítulo "A actualidade" em nome da sua acentuada *inactualidade* era inaceitável amputação, desde logo por deixar desatendidos muitos acontecimentos relevantes, assim como também pela injustificável omissão das referências à actividade criativa de compositores da craveira de um Cláudio Carneiro, um Lopes Graça ou um Joly Braga Santos. Uma só solução se me afigurou legítima, se bem que não deixe de reconhecer envolver ela necessárias contradições eventualmente chocantes para alguns leitores: manter o capítulo na sua forma original (introduzindo apenas algumas alterações pontuais) de modo a apresentá-lo como documento da nossa historiografia musicológica. Falta aludir aos problemas relativos à fixação do texto. O problema maior que se perfilava diante do organizador não era, como facilmente se pode supor, a decifração da caligrafia, se bem que também a esse nível tenham surgido dificuldades em passagens mais rascunhadas ou em casos onde se verificou haver falta de texto. A grande dificuldade consistia em resolver o *puzzle* dos acrescentos; isto é, determinar onde é que o autor pretendia introduzir o novo texto. Nalguns casos, encontraram-se indicações muito precisas (sendo ainda assim necessária alguma familiaridade com os códigos tão do agrado do Autor); mas em outros casos só figurava uma vaga indicação geral, e num dos mais importantes acrescentos não se encontrou nenhuma especificação. Neste caso, nem o próprio título chegou a ser redigido. Pode supor-se que houvesse intenção de alterar a própria arrumação dos capítulos e, muito provavelmente, o título de alguns deles. Mas uma vez que nenhuma indicação nesse sentido foi encontrada, optei por manter o mesmo número de capítulos e respectivos títulos. Os índices, por sua vez, foram completamente refeitos, tanto mais que o :, índice onomástico da 1.a edição era bastante incompleto, pois acolhia apenas as "referências principais". A concluir este prefácio, afigura-se-me útil prestar um esclarecimento suplementar sobre a minha pessoal responsabilidade em toda a organização deste volume. A minha condição de filho do Autor pode levar a supor ser esse o motivo determinante da minha presença como organizador da obra. Se assim fosse, o menos que se podia dizer é que se tratava de um péssimo critério de escolha. Porém, é outra a razão que determinou a minha presença. Era eu a única pessoa viva que tinha colaborado directamente com o Autor no trabalho de preparação da nova edição da *_História* e dele tinha recebido preciosas indicações sobre a forma de concluir o ambicioso projecto. Sem o conhecimento dos métodos de trabalho de João de Freitas Branco, sem conhecer quais eram as suas intenções, sem se estar familiarizado com a caligrafia, com as suas inclinações, personalidade e pensamento, teria sido complicado senão mesmo impossível levar a cabo a difícil tarefa dá fixação do texto, resolvendo o já referido *puzzle* dos acrescentos.

Mesmo assim, a consciência de não ser eu musicólogo de profissão levou-me a propor ao editor a contratação de alguém com essa competência para comigo colaborar no campo da actualização bibliográfica. Sugeri na circunstância o nome da Dr.a Manuela Toscano, docente do Departamento de Ciências Musicais da Universidade Nova de Lisboa, por se tratar de alguém que reunia duas condições a meu ver essenciais para a prossecução de trabalho deste tipo: uma inquestionável competência científica e um sentido afecto pela pessoa do Autor, seu antigo mestre. Porque, acredite-se, este afã pressupõe *carinho* e *amor* pela pessoa que se viu impedida de concluir a sua obra. Sem esses sentimentos, ninguém se dispõe ao sacrifício de gastar muitíssimas horas na realização de trabalho alheio. Infelizmente, por razões profissionais e também de saúde, Manuela Toscano não pôde prestar a colaboração para a qual desde logo tinha manifestado generosa disponibilidade que muito me sensibilizou e não quero deixar de agradecer. A necessidade de não atrasar mais a publicação do volume levou-me a assumir por inteiro a responsabilidade de efectuar uma investigação bibliográfica tendo em vista a actualização das referências, assim como a organização de uma nova bibliografia a que resolvi chamar "Bibliografia suplementar", pois que a finalidade é exactamente juntar mais informação ao livro, para assim o completar. A experiência de investigação científica em outro domínio disciplinar facilitou o cumprimento da espinhosa faina. De qualquer modo, espera-se que uma próxima edição possa contar com bem mais competente prestação. Mas não ficou por aqui o atrevimento do organizador. Foi outra, ainda, a ousadia maior, que por isso mesmo se entende dever assinalar. Na página 66 do seu exemplar de trabalho, da primeira edição, João de Freitas Branco anotou a intenção aliás fácil de adivinhar, de introduzir um acrescento dedicado a Camões e à sua relação com a arte dos sons. Na margem da referida página pode ler-se, escrito a lápis, pelo punho do Autor, o seguinte: "*_Camões* (ver trabalho meu)"; segue-se uma seta indicando o local onde pretendia intercalar o novo texto. O "trabalho meu" é, claro está, :, o livro que entretanto tinha escrito (paralelamente à *_História*), por solicitação da Academia das Ciências de Lisboa, e que nessa altura se encontrava no prelo. Acontece, porém, que este desejado acrescento foi um dos vários que não chegou a ser redigido. Mais uma vez ficava por fazer o que teria sido mais fácil de realizar. Perante esta situação, e também por saber o tanto que João de Freitas Branco estimava a poesia do nosso Vate, entendi por bem redigir eu próprio o acrescento, limitando-me para isso a fazer uma síntese das principais teses contidas no livro *_Camões e a música*, assim como no ensaio que lhe sucedeu (na cronologia da escrita que não na da publicação) editado pelo Instituto de Cultura Portuguesa com o título *_A música na obra de Camões* (12). Há fortes razões para acreditar que viesse a ser este o procedimento do Autor. Uma vez que se tratava de uma investigação acabada de concluir é muito improvável que houvesse a intenção de ir para além da mera transposição das principais conclusões enunciadas naqueles outros livros de sua autoria. Não tenho por isso quaisquer dúvidas quanto à legitimidade do meu atrevimento. Mas se tivesse sido o Autor a redigir o acrescento, julgo poder garantir que a extensão do texto seria bem mais dilatada -- coisa digna de registo neste contexto historiográfico. Se não erro o juízo, estou em crer que esta segunda edição da *_História da música portuguesa* constitui um marco na historiografia musicológica portuguesa -independentemente dos desequilíbrios e do inacabamento que a contaminam -- por ser a primeira obra oferecendo uma visão de conjunto da nossa vida musical (do período medieval aos anos 50 do século XX) em que a divulgação cede lugar ao aprofundamento e à reflexão problematizante; em que a ideia de "síntese" e de "brevidade" se vê substituída pela de desenvolvimento crítico. Cabe agora ao leitor o juízo final.

*_João Maria de Freitas Branco* Caxias, 23 de Maio de 1995 INTRODUÇAO Duma história da música dita clássica portuguesa pode esperar-se, em primeira aproximação, uma sequência de descrições de obras de autores da mesma nacionalidade, com atribuição a cada uma delas de valores estéticos aferidos por uma escala única, absoluta, estabelecida de uma vez por todas, sem se saber quando, onde nem por quem. Sequência ordenada no tempo, desde os afonsinos até a soleira da actualidade. Um pouco mais de reflexão obriga, no entanto, a pensar de outra maneira. O conceito de *obra* tem muito que se lhe diga. Que se entende hoje por uma obra, peça ou composição musical? Um trecho concebido e passado a escrito por alguém (o compositor), com princípio meio e fim, para ser dado a ouvir por determinados meios acústicos. As suas realizações sonoras devem ser quanto possível fiéis ao que o compositor exarou na partitura, tanto no que respeita a fontes vibratórias (vozes cantantes, instrumentos, meios electroacústicos) como também às sucessões e sobreposições de valores das variáveis altura, tempo (andamento e duração), intensidade e colocação espacial. Acontece, porém, que a maioríssima parte da música surgida desde o século XII até hoje, em Portugal como em qualquer outro ponto da Terra, não obedece a estes requisitos. Pensemos na música popular tradicional não passada a escrito e de autoria colectiva não identificável. Ou em tanta música ligeira nascida da intuição melódica de alguém que nada sabe de música, enformada depois por outra pessoa e finalmente metamorfoseada em diversos arranjos.; Mas não é preciso sair tão fora do nosso campo de incidência. Muitíssima da música dita clássica tão-pouco satisfaz aquelas condições. Sem falar já da que nunca foi anotada (entre a qual a que era feita de improvisações contrapontísticas, até pelo menos ao fim do século XVI), há que considerar os trechos que, embora grafados, não o foram porém com qualquer fixidez real, porquanto sofriam contínuas mudanças. E não esqueçamos que, até o limiar do Barroco, música tida por verdadeiramente séria era a religiosa, mormente a litúrgica que, essa sim, devia ser fixada e executada com rigor. Acresce que, também até muito tarde, não era costume indicar nas pautas manuscritas ou impressas os instrumentos ou vozes que deviam servir à realização auditiva. Na verdade admitia-se tacitamente a possibilidade de distribuir as notas escritas por diferentes formações e combinações vocais e/ou instrumentais, consoante as circunstancias ou disponibilidades. E foi ainda mais tarde, pode dizer-se que já em pleno século XIX, que se generalizou a regra de consignar nas partituras os andamentos e :, intensidades com as suas graduações, a que se foram acrescentando prescrições de outra ordem (matizes tímbricos, acentuações expressivas, etc.). Mesmo no caso da mais minuciosamente informativa das partituras, será ela, como objecto físico, sólido e bem palpável, que constitui a *obra*? Não pertencerá ao essencial desta o só se consumar como sucessão no tempo de vibrações sonoras? Se assim é, ocorre ainda perguntar qual das execuções perfeitamente a realiza, entre as infinitas sempre possíveis, sem desrespeito objectivo daquilo que o compositor escreveu. Bastam estas resumidas cogitações para se tornar claro que a obra musical não é uma *coisa* mas sim um conjunto de acontecimentos. Conjunto não rígido e de elementos variáveis. Uma sinfonia de Haydn não é a partitura autógrafa ou a sua cópia mais fidedigna; nem esta ou aquela sua realização por alguma orquestra de primeiríssima ordem, ainda que dirigida por um Bruno Walter. É um feixe mais ou menos

coerentemente organizado de experiências individuais, nunca definitivamente objectivável, que varia não só de sujeito para sujeito mas até no conceito da mesma pessoa. Foi precisamente no manuscrito autógrafo duma sinfonia de Haydn que Arturo Toscanini supôs encontrar um erro, devido à presumível distracção do autor. O Maestro gravou a mesma sinfonia em disco comercial, com a "emenda". Mais tarde, porém, repensou a questão e concluiu ser ele, Toscanini, quem se enganara. A partir daí, tratou de comprar todos os discos ainda existentes no mercado, para os destruir. Exemplos ainda mais elucidativos são os de um Beethoven a fornecer diferentes dados metronómicos para a execução das suas próprias obras e de um Stravinsky -- com todo o culto do rigor de que se orgulhava -- a gravar fonograficamente composições também suas com nítida alteração de normas por ele estabelecidas no pentagrama. Importa compreender que se torna impossível isolar a obra duma cadeia da qual ela mesma constitui parte imprescindível. Uma cadeia que tem muito a ver com teoria da informação. As outras partes integrantes, já todas referidas, são o compositor, o ou os intérpretes e o ou os ouvintes. Temos pois uma *mensagem* codificada pelo seu *emissor* e descodificada por um ou mais *mensageiros* que a transmitem a também um ou mais *receptores*. Em terminologia musical, o emissor é o compositor, a mensagem codificada a partitura escrita, os mensageiros são os executantes ou intérpretes e os receptores os ouvintes. O código consiste nas inúmeras convenções da grafia musical (notas, figurações, pausas, sinais relativos a andamento e dinâmica, etc.). Note-se que, em rigor, entra também em jogo um outro código, relativo à música entendida como linguagem. Um código usado desde logo pelo compositor e que deverá ser decifrado não só pelo executante mas também pelo ouvinte. É uma espécie de dicionário por meio do qual se torna possível "traduzir" a linguagem musical na das ideias e dos sentimentos humanos, dos objectos materiais e dos acontecimentos do mundo exterior. São exemplos bem conhecidos o da correspondência do modo maior e do movimento rápido a sentimentos alegres e ambiências desanuviadas, de escalas ascendentes a subidas, de certas sequências muito modulantes a estados de agitação psíquica. Muitas vezes são imitações directas de fenómenos :, auditivos (trinados de pássaros arremedados por trilos, o ribombar do trovão por percussões nos tímbales, algum ambiente militar por toques de trompete). Não é menos sabido que muitos compositores elaboraram "dicionários" privativos de determinadas obras. O caso mais célebre é o de Wagner, com os seus *_Leitmotive*. Tornemos ao primeiro código. Já vimos que a mensagem codificada (a partitura escrita) pode não existir. Atentemos agora que a cadeia é susceptível de se reduzir muito mais. Na verdade, quando se trate, por exemplo, de um compositor-pianista improvisando para si mesmo, sozinho dentro de quatro paredes, ele é comulativamente emissor, mensageiro (executante) e receptor (ouvinte). Quanto a certa música laboratorial (electrónica, concreta, etc.), pode dizer-se que o intérprete é suprimido de todo, ou substituído por um operador electroacústico. Mas não é situação tão particular a que mais interessa aqui, se não aquela em que todos os elos da cadeia se diferenciam. Compositores, executantes e ouvintes são entes sociais. É claro que agem como indivíduos. Mas até nos casos mais obstinadamente ensimesmados -- o compositor e o intérprete que *dizem* escrever, tanger ou cantar para eles mesmos, o ouvinte que se isola para se extasiar diante de um gira-discos -- entram fortemente em jogo vectores condicionantes que provem da sociedade a que os indivíduos pertencem. Só que estes raro têm plena consciência deles. Quer queira quer não, o compositor dirige-se a alguém. A sua mensagem tem um

destinatário, geralmente colectivo. E são ainda vectores de ordem social, com as suas componentes econ6micas, políticas e culturais, os que mais influem no grau de identificação bem definida do destinatário. Foram eles que, por exemplo, fizeram músicos de corte dirigirem-se a auditórios completamente identificados, indivíduo por indivíduo, ao passo que, mais tarde, os compositores destinaram as suas mensagens a públicos anónimos. Sem falar daqueles que, sem clientela coetânea, escreveram (ou escrevem ainda) para a posteridade. Convém no entanto sublinhar que também esta atitude, de um intelectualismo orgulhoso marcadamente burguês, só se tornou possível em determinados contextos sociais. Importantíssimos são os fenómenos de auto-regulação (*feedback*) que se dão no seio da cadeia da informação musical. A actuação dum intérprete ao longo dum espectáculo depende muito das palmas, ou das pateadas, com que o público o for contemplando. Tomás Alcaide costumava dizer que os frequentadores da ópera não sabem o que perdem ao negarem uma boa ovação, ainda que generosa, quando o tenor acaba de cantar a *_Recondita armonia*, logo no princípio da *_Tosca*. Fenómenos do mesmo tipo dão-se também entre receptor e emissor, e ainda entre mensageiro e emissor. A ópera volta a oferecer exemplos: elucidativos. Bastam os de um Verdi e de um Puccini, que reviram partituras desfavoravelmente recebidas pelo público e que, por outro lado, amoldaram determinados papéis às especialidades vocais e cénicas de maior efeito, entretanto patenteadas pelos respectivos intérpretes. A mira não é porém sempre o êxito junto de toda a gente, se não que pode cingir-se a certos sectores. Desde que começou a manifestar-se o culto do vanguardismo :, musical, circunscrito a diminutos auditórios de intelectuais, tem havido compositores para quem a entusiástica adesão do grande público seria o mais indesejado dos fracassos. A auto-regulação não vem de curta data. Não começou a verificar-se só no século XIX. Os jograis medievos levavam às cortes e aos burgos músicas e letras que as suas próprias experiências lhes haviam provado agradarem aos senhores, aos mercadores e ao povo. Em muitas circunstancias histórico-sociais, o *feedback* no sentido destinatário-emissor foi reforçado da maneira mais imperativa, ou seja, pura e simplesmente, por ordens. Tal aconteceu em muita música posta ao serviço da Contra-_Reforma, sujeita a normas impostas pela autoridade eclesiástica aos compositores e executantes que dela dependiam, em função do efeito pretendido junto das populações. Isto, com diferenciação segundo os destinatários. A acção não era a mesma nas igrejas e colégios de grandes cidades europeias e nos das missões que trabalhavam pela evangelização dos índios do Brasil. Já desde algumas das manifestações medievais (mormente as jogralescas), mas sobretudo a partir da liberalização moderna da profissão de músico, os mecanismos que estamos analisando têm apresentado afinidades evidentes com os da produção e do consumo, regidos pela lei da oferta e da procura e activados pela publicidade. A obra musical não pode no entanto ser assimilada simplistamente ao produto industrial lançado no comércio. Apesar da muitas vezes lamentável aplicação dos métodos capitalistas da promoção de vendas aos nomes de compositores, obras e intérpretes -métodos típicos da sociedade de consumo --, a música "séria" tem sido consideravelmente defendida da massificação, no pior sentido da palavra (o do nivelamento por baixo), que é negação duma verdadeira democratização da cultura. Defendida por quem? Fundamentalmente por um sistema complexo de factores éticoculturais em grande parte herdado duma longa tradição. A diferença essencial para os sectores da indústria e do comércio de produtos não artísticos reside na noção de *valor*. Uma noção que, na esfera daquelas artes que superiormente reflectem a realidade exterior e revelam a interioridade humana, enriquecendo-a do mesmo passo, envolve potenciais psicofísicos, conhecimentos adquiridos, experiências vividas, relações por assim dizer interdisciplinares e hábitos de pensamento e acção, dentro

duma polaridade ética não maniqueísta. Algo de preponderantemente cultural que, como não podia deixar de ser, reflecte estruturas por camadas, grupos e classes sociais. O valor dum compositor, de uma obra ou de um intérprete é atribuído, no plano individual, como resultado, geralmente não definitivo, dum complicado processo mental. A nossa análise pode incidir centralmente sobre a obra, sem no entanto a isolar dos outros elos da cadeia. Na valoração de obras musicais têm sido demarcados três critérios ordenadores principais, designados um tanto discutivelmente. São eles o critério da *expressão*, o da *enformação* e o do *uso*. O primeiro aplica-se em grande parte àquele código acima referido, por meio do qual o compositor e o intérprete tornam a música uma linguagem. A obra é pois entendida como um agente de transmissão de imagens musicais de sentimentos, de estados :, de espírito, de conceitos, ideias ou ideais, de entes vivos ou objectos inertes, de actos e acontecimentos mais ou menos integrados num argumento e afectados de intenção ética. O que sugere imediatamente a atribuição do maior peso valorativo ao *conteúdo* da composição como obra de arte. A palavra *expressão* é aqui usada está apenas em causa a transmissão do compositor. Por outro lado, uma difundida de *conteúdo* tem de nos confusões.

incorrectamente, porquanto pode levar a crer que de imagens musicais da interioridade subjectiva noção simplista e, ainda hoje, lamentavelmente merecer atenção desde já, para evitar graves

É muito frequente conceber o conteúdo de uma obra de arte como tudo aquilo que o autor por ela transmite. Para tanto, o autor precisa, no entanto, de meter essa matéria em formas, ou moldes. Nesta óptica, o conteúdo da abertura *_Egmont* consistiria numa síntese do entrecho do drama de Goethe. Para o transmitir ao auditório, em termos artísticos, Beethoven tê-lo-ia amoldado a um esquema formal que, nas suas grandes linhas, era o da abertura clássica francesa. *_Conteúdo* e *forma* apresentam-se assim completamente destacáveis um do outro. O simplismo vai ao ponto de definir arte "abstracta" como aquela que não tem qualquer conteúdo! Esta enormidade resulta da confusão do conteúdo estético com o *assunto* que a obra de arte pode eventualmente focar. Só que duas obras de arte envolventes do mesmo assunto podem ter conteúdos diversos. Pense-se nas incontáveis versões pictóricas dos mesmos temas religiosos ou das mesmas paisagens, versões que até podem ser dum mesmo artista (por exemplo, Cézanne). Não é este o momento de aprofundar a questão. Mas convém acrescentar que nenhuma estética digna deste nome admite hoje a dissociabilidade do binómio forma-conteúdo. Prol lemática muito complexa, com implicações de diferentes ordens -- desde a psicofísica, onde o cérebro humano ocupa o lugar central e o mais difícil de investigar, até a sociologia --, ela tem-se mostrado tão resistente aos esforços de desemaranhamento de algum modo simplificante, que os mais argutos estetas desistiram de procurar definições rigorosas de forma e de conteúdo. O que no entanto os não impede de continuarem a empregar ambos os vocábulos, com as devidas precauções. Voltemos ao critério valorativo da *expressão*. Compreende-se que nele assumem a máxima importância o conteúdo e o assunto da obra. O valor será tanto mais elevado quanto mais e melhor ela transmitir algo. Note-se que esta afirmação tem implícitas questões, por um lado, de forma, e por outro, de conveniência sociocultural daquilo que é transmitido. O critério da expressão tem muitas vezes vigorado preponderantemente ao longo da história. Por exemplo, a valorização da transmissão de determinados assuntos e de

conteúdos psíquicos por meio da música, com o objectivo de tornar os ouvintes "melhores" ou mais adequadamente integrados, segundo certos padrões morais e políticos, é evidente em muitas orientações eclesiásticas de diferentes credos, ou maçónicas, ou revolucionárias também de diversos carizes. Ou, ainda, nas de governantes empenhados em pôr a música ao serviço dos processos de consolidação e desenvolvimento dos respectivos regimes. Escusado seria dizer que o critério da expressão encontrou ambiente favorável onde quer que se cultivou a exteriorização de :, afectos através da música, fosse no serão de trovadores do fim da Idade Média fosse nos encontros de humanistas do Renascimento ou nos salões burgueses da era romântica. O critério da *enformação* é o que mais se centra na obra. Põe em foco a esquematização formal desta, a sua construção, as suas solidez e coerência por assim dizer arquitectónicas. Tende muitas vezes para um idealismo metafísico e para uma como que historicidade metida entre parêntesis, cingida a sucessões diacrónicas de formas. Deste ângulo, a obra apresenta-se-nos como entidade de certo modo independente, à qual é possível atribuir um valor absoluto e portanto eterno. Convém no entanto observar que a atribuição de valores "eternos" a obras musicais também se verifica sob o critério da expressão, nomeadamente quando este se filia numa estética idealista. No aspecto histórico, a evolução das formas musicais também é tida por autónoma. Como se as sucessivas formas do motete, ou do madrigal, ou da sonata, ou da sinfonia tivessem ido surgindo por força duma lei interna dum sistema abstracto e fechado, e não por acções individuais e colectivas (sociais), vindas do mundo concreto e envolvendo um sem-número de factores de vária ordem. Nos seus aspectos mais idealistas apriorísticos, o pendor do critério da enformação para os valores "eternos" parece justificado pelo bem conhecido fenómeno da perduração da validade estética das obras de arte. Não será que continuamos hoje a atribuir altos valores estéticos à música de um Machault, de um Josquin, de um Monteverdi? Fora dos domínios da arte dos sons encontram-se exemplos ainda mais frisantes, como os de arquitectura e escultura da Antiguidade, a epopeia e o teatro gregos e latinos, etc. Só que não parece crível ser a atitude perante uma obra de arte sempre a mesma, ao longo do tempo, independentemente dos condicionalismos históricos e socioculturais de quem a toma. E não só ao longo do tempo. A valoração das artes também sincronicamente se apresenta diversificada. Um bom exemplo é o da alta apreciação estética, por ouvintes sem qualquer crença religiosa, e até aguerridamente anticlericais, de obras como a *_Missa em si menor* ou as *_Paixões* de Bach, as *_Missas* de Mozart, de Beethoven ou de Schubert, o *_Te Deum* de Bruckner ou os *_Vingt Regards sur l'_Enfant-_Jésus* de Messiaen, entre tantas outras. Ainda mais de salientar é o facto de música marcadamente originária duma determinada classe social poder ser tida em grande conta por auditório representativo de outra ou outras, o que parece consequência de motivações também não coincidentes. A argumentação deste tipo respondem os defensores dos dogmas autonomistas sustentando que nem por isso deixam as obras de ter os seus valores estéticos absolutos, apenas acontecendo que só alguns fruidores são capazes de se aperceberem deles com plena consciência. Compreende-se que, segundo este critério, o conhecimento da biografia do compositor, das circunstâncias que rodearam a criação e a ulterior carreira da obra etc. seja irrelevante para a valoração desta, para não dizer que se torna indesejável. De tal ponto de vista, o saber-se da cegueira de um Cabezón e da sua condição de servidor do rei da Espanha, ou dos prodígios de um Mozart menino e mais tarde *maçon*, ou da surdez e do liberalismo de :, um Beethoven, ou da ligação de um Eisler a Bertolt Brecht nada adianta para a valoração das obras desses

compositores. Como também não o conhecimento dos primeiros destinatários das composições, dos intérpretes que as condicionaram e de outras circunstancias influentes na sua génese. Em geral, este critério reflecte a aceitação da dualidade essência-aparência, cujo primeiro termo (o da autêntica "realidade") é aquele a que verdadeiramente pertencem as formas das obras de arte, com os seus valores eternos. O que aqui mais importa é, no entanto, observar que o critério da *enformação* também se tem apresentado com diferentes feições, ao longo da história. Pode dizer-se que pertenceram à sua esfera as concepções matemáticas da música sapiente medieval, de que ainda são prolongamento os construtivismos polifónicos do século XV. Mas foi sobretudo a partir de meados do séc. XIX que, na esteira da filosofia idealista alemã, ele marcou muito o pensamento musical europeu até hoje. Em muitos casos, a sua adopção prende-se a um certo elitismo esotérico, negador de que as massas populacionais possam ter acesso àqueles "verdadeiros" valores, tidos por absolutos. Finalmente, o critério do *uso* é o que mais pode chocar o espiritualismo de muitos músicos e amadores de música ainda muito influenciados por concepções românticas. No entanto, afigura-se difícil, se não impossível, negar-lhe uma importância enorme na maior parte dos períodos da história da música europeia em que surgiram as composições hoje tidas por obras-primas. Através desse prisma utilitário, avantajam-se valores que dependem não só da função prática que motivou a criação da obra, mas também, e principalmente, da medida, para não dizer do êxito, com que a mesma função foi realmente exercida. É bem sabido que, por motivos de subsistência e de prestígio, praticamente todos os músicos profissionais do passado, que viviam do seu trabalho, tiveram que nortearse pela mira do êxito junto dos seus destinatários. O que, ao contrário do que muitas vezes se diz, pode ter funcionado como estímulo, mais do que como convite a uma espécie de prostituição. Aqui, há evidentemente que distinguir diferentes graus de poder criador e de observância duma ética artística. Mesmo depois de se libertar da condição de assalariado, como uma das inúmeras consequências da subida da burguesia ao poder, o compositor que não dispusesse de fortuna pessoal teve, em última análise, de reger-se pelo mesmo estatuto utilitário, com a diferença de o sufrágio pretentido ser o de outros auditórios. (Aliás, essa liberalização profissional vinha a processar-se desde, pelo menos, que o espectáculo público de ópera e a *tournée* solística se tornaram rentáveis.) O facto de certos compositores, como um Schumann um Liszt, um Wagner, não terem, neste aspecto, escrito nada de equivalente ao que se lê na correspondência de Mozart não significa que lhes pudesse ser indiferente o aplauso dos seus públicos, mas tão-só que disso os impediam os cânones idealistas das suas mentalidades de artistas-intelectuais. Já vimos que, no mesmo período romântico, e até mais tarde, mas em contexto sociocultural muito diferente, outra foi a sinceridade de grandes compositores italianos. Dos três critérios de valoração, este último parece ser o único susceptível de bastante objectividade no ajuizar de composições musicais, como obras de :, arte. Quanto maior o êxito, medido em números de audições, de chamadas ao palco, de espectadores, de gravações fonográficas ou de transmissões, tanto mais alto o valor da obra. Mas é uma objectividade muito relativa, como facilmente se vê. O êxito somado até hoje pode ser desfeiteado por fracassos de sucessivos amanhãs. Mas não é só, mais uma vez, uma acção do tempo. Há também uma dependência do espaço, incluindo desde logo o sociocultural. Para grande irritação de Beethoven, muitos dos seus admiradores -- talvez a maior parte -- gabavam-lhe o *_Septimino op.20* como a sua melhor obra. Quanto aos últimos quartetos de cordas, ainda hoje ficariam mal classificados se o critério fosse o da quantidade de execuções, de ouvintes e de salvas de palmas.

O critério do uso tem mais que se lhe diga, e agora em seu abono. Por um lado, ele pode ser correctamente aplicado sobre diferentes planos, de algum modo independentes entre si. Planos que se diferem por parâmetros culturais dos utentes. Mais uma vez desempenha um papel decisivo a questão de saber *a quem* a música se dirige. Em boa verdade, o critério utilitário é o que tem prevalecido em cada um destes planos. Por outras palavras, e recorrendo de novo ao mesmo exemplo: para uma camada cultural esclarecidamente afecta à música de câmara é, ao fim e ao cabo, do critério utilitário que resulta o prestígio superlativo dos últimos quartetos de Beethoven, no plano desses mesmos ouvintes. O que não implica que entre estes, individualmente, não haja quem se guie por outro estatuto valorativo. Levando a exemplificação mais longe, parece legítimo afirmar que é também o critério do uso que prevalece quando, num plano cultural muito diferente, se verifica que o intermédio da *_Cavalleria Rusticana* assume cotação incomparavelmente superior à daquelas páginas de Beethoven. Nalguma coisa que se disse no parágrafo anterior a palavra *prestígio* assume particular importância. Ela tem que ver com a distinção entre *saber do* valor estético e *consciência desse valor*. Muitas pessoas sabem do valor de música de Bartók, ou de arquitectura de Gropius, ou de escultura de Moore, ou de cinematografia de Wells, inteiramente à margem de relações directas, imediatas, com obras desses autores, mercê das quais pudessem formar um juízo confirmativo ou não, do seu prestígio. Ocorre lembrar o caso da visitante de um museu que chamou as amigas, para que viessem ver aquele Picasso. Quando uma delas observou não ser Picasso o nome que lá estava escrito, mas sim Pissarro, o bando logo se afastou, divertido com o engano. As moças já *sabiam* do valor do mestre espanhol. O que contribui para desperdiçarem um ensejo para ganhar consciência do daquela provavelmente preciosa tela do francês. O critério do uso impõe-se necessariamente a qualquer responsável por uma política de cultura. Isto, não só, e não tanto pelo que concerne a estimulação exercida no sentido dirigente-artista-auditório, como também, e principalmente, entrando em linha de conta com o já referido fenómeno de *feedback*, actuante no sentido oposto. Neste processo, o factor demagogia não deixa de poder produzir efeitos culturalmente nefastos. :, Estranhar-se-á talvez que, em tão estreita conexão com a estética, não tenha ainda sido aflorado, nesta introdução, o conceito de beleza. Note-se, porém, que nos temos ocupado de *critérios* de valoração e não de *categorias* estéticas, como as que opõem o belo ao feio, o sublime ao inferior, o trágico ao cómico. A análise das categorias levar-nos-ia longe de mais. No entanto, convém fazer notar a variação do vocabulário dominante respectivo, ao longo da história da música. Não foi por acaso que, depois dos louvores medievais e renascentistas do *suave*, do *doce* e do *harmonioso*, tenham vindo os encómios barrocos e galantes ao *bizarro* e ao *sensível*. Nem que depois dos cultos romântico e realista do *expressivo*, do *sentimental* e do *fantástico*, no primeiro caso, e do *verdadeiro* no segundo, um Iannis Xenakis afirme que o que hoje se pede a uma obra é que ela seja *interessante*. Em relação à actualidade, note-se também a insistência no substantivo *rigor*, tanto na área da música como nas das outras artes. Entre os muitos conceitos categoriais estéticos, o de *belo* parece o mais estável, se bem que muito mais explicitado nuns períodos do que noutros. Mas não nos deixemos iludir demasiado pela permanência do vocábulo. O *belo* de um determinado conjunto social, com o seu próprio momento histórico, não coincide com o de outros. Bastam os nomes de um Bosch e de um Goya, de um Monteverdi e de um Gluck para se verificar que a tendência para considerar o *feio* já não como oposto do *belo* mas como uma sua possível assunção não é propriamente da véspera do nosso tempo.

Por outro lado, aquilo que era feio pode vir a ser considerado belo, assim como algo de sublime pode tornar-se reles e a mais trágica das tragédias resultar, não muito tempo volvido, imensamente cómica. Isto, dentro do mesmo conjunto social e, até, no consenso dos mesmos indivíduos. Outra prova reside na atribuição à beleza estética de conteúdos filosóficos divergentes, desde os mais idealistas aos radicalmente materialistas, com bastantes matizes nos dois extremos e um sem-número de diferenciações intermédias. Um exemplo menos genérico está no facto de a propensão para assimilar o *belo* ao *bom*, numa abertura do estético ao moral, se ter manifestado em medidas diversas, também ao correr da história. Este aspecto tem evidente relacionação com o critério do uso. Posto isto, compreende-se que uma história da música (dita clássica) portuguesa, ou de qualquer outro país, só possa seguir a rota das *obras* respectivas sob determinadas condições. Em primeiro lugar, a condição de entender por *obra* algo de processual e não uma "coisa" fixa, definitiva, afectada dum valor estético igualmente objectivo e constante, para todo o sempre. Entidades processuais, portanto, em cuja valoração influem o conhecimento que tenha o destinatário (imediato ou mediato) não só da mensagem e do seu código mas também do emissor, do mensageiro e dos seus contextos socioculturais, incluindo aquele a que o mesmo destinatário pertence. Pressupõe isto a solicitação de que o leitor, se o não fez já, procure ganhar contacto auditivo directo com as obras de que aqui se trata, não se contentando com ficar a *saber de* certos valores da música portuguesa, antes diligenciando por deles ajuizar em consciência. Ao mesmo tempo, torna-se :, evidente a obrigação de fornecer dados relativos a biografias de um mínimo de individualidades representativas ou influentes, bem como a acontecimentos marcantes ou de certo modo significativos, instituições que desempenharam papéis na evolução da cultura musical portuguesa, parâmetros socioeconómicos, políticos e culturais de sucessivos englobantes nacionais da música e dos músicos, influxos vindos de fora do país e suas mais ou menos conseguidas assimilações. E também um mínimo de informação sobre as próprias obras, entendidas aqui no sentido estrito de mensagens codificadas, ainda que na maior parte dos casos em ligação com vivências auditivas de realizações suas. Isto, sem pôr inteiramente de parte aquelas já aludidas entidades musicais que têm sido genericamente designadas por não-obras e que, em qualquer país do mundo, sobre o poderem ser de enorme interesse cultural, excedem esmagadoramente, em quantidade, o património nacional de *obras*, por muito abundante que ele seja. Não se torna possível realizar este projecto com absoluta objectividade. Já a escolha das incidências introduz inevitavelmente um índice de refracção subjectivante com o qual o leitor deverá entrar em linha de conta. Acresce que o autor recusa eximir-se de marcar a sua posição, na certeza, porém, de que esta é discutível em muitos casos, se não em todos. Quando se trate de valoração estética, tornar-se-á porventura interessante para o leitor identificar o critério adoptado. As mais das vezes, não será nenhum dos atrás referidos, mas antes uma não idealista conjunção deles. Mais do que este apuramento, importa que o livro mostre em alguma medida os critérios da valoração estética vigentes em diversos momentos da história da cultura musical portuguesa. Neste aspecto, pede-se particular atenção para os consideravelmente longos passos do livro que dão relatos e comentários (por vezes poéticos) de práticas e fruições, feitos por coetâneos que as presenciaram, ou nelas participaram; bem como excertos de tratados ou compêndios teóricos pelos quais se orientaram aprendizes de música portuguesa, em diferentes períodos. A escolha dessas fontes recaiu de preferência sobre momentos históricos especialmente significativos, como sejam os das transições da Idade Média para a Moderna e do Absolutismo para o Liberalismo. O largo discurso à transcrição visa a que o leitor

fique habilitado a tirar conclusões suas. Ainda em relação aos critérios valorativos, convém atentar no vocabulário usado, sobretudo na adjectivação qualificativa de autores, obras ou intérpretes musicais. No que respeita ao peso das circunstancias condicionantes da cultura musical portuguesa, será sistemática, ainda que nem sempre declaradamente considerada a divisão por classes sociais, bem como a acção dinamizadora da história exercida pela luta delas, em função de diferentes correlações de forças. Não se espere, no entanto, uma sequência de "explicações" tão simplistas como a que pretendeu reduzir o canto gregoriano a um narcótico sorrateiramente metido pelas orelhas das classes oprimidas a dentro; ou como a que arrumou toda e qualquer peça de música dodecafónica na secção elitária do arsenal de armas burguesas antiproletariado; ou, ainda, como as que quase chegaram a afirmar que, onde quer que os comandos da estrutura económica e o poder político mudem das mãos duma classe social para as doutra, uma semana depois surge um novo estilo :, musical, caracterizadamente representativo da classe vitoriosa (que se assume como nova classe dominante). A relação entre classe social e música respectiva é fundamentalíssima e dela faz parte, sem dúvida, o prestar-se a arte dos sons a ser usada como arma. Só que não é uma relação simples, linear e operante sempre num único sentido. Torna-se fácil dar exemplos, a traço largo. Comparando uma abertura de Lully com um poema sinfónico de Strauss, transparece logo de uma banda uma aristocracia pomposamente absolutista e da outra uma burguesia endinheirada e não menos senhora de si, porém de outra maneira. Tudo se complica, no entanto, numa análise mais fina, que se não contente com opor casos tão macroscopicamente contrastados. Há diferenciações dentro duma mesma classe, que se manifestam em termos de recepção solicitante, consumidora e reguladora, bem como de emissão e de transmissão da mensagem musical. Diferenciações por grupos (etnias, ligames culturais, religiosos, regionais, profissionais, associativos e outros) e por camadas definidas, nomeadamente, pelo grau de instrução e nível de mentalidade. Resultam assim, dentro de cada classe, emaranhados que podem tornar-se muito complexos e abundantes em contradições. De maneira geral pode dizer-se que a complexidade e a incongruência se mostram tanto maiores quanto mais numerosos e actuantes forem os meios de comunicação no interior da classe social. Não só no interior. Porque a comunicação através (ou a respeito) das artes também se processa entre diferentes classes, mesmo que estejam em conflito. Expressões artísticas duma classe podem ser fruidas e assimiladas por outra ou outras. Pode até acontecer que sejam concebidas e modificadas em consciente aproveitamento deste fenómeno. Mais uma vez encontramos elucidativos exemplos na esfera religiosa. É evidente que a arquitectura, a escultura, a pintura e a música eclesiásticas não se destinaram no passado, como não se destinam hoje, a uma só classe. A fruição e a assimilação diferem, em função das classes, grupos e camadas sociais. A assimilação deve aqui entender-se num sentido orgânico. É um apropriar-se de algo, tornando-o semelhante ao organismo receptor. Na relação do objecto artístico com o sujeito fruidor -- que pode tornar-se emissor e mensageiro --, não só o sujeito se alimenta como também o objecto se modifica, adquirindo muitas vezes novos potenciais, e perdendo outros. Casos concretos da história da música são, entre muitos outros, os da assimilação por grupos da classe trabalhadora rural de práticas musicais religiosas, dando como resultado tipos de canto que pode dizer-se autenticamente popular, ou a assimilação por compositores ao serviço da classe média e da nobreza, de canções e danças do povo (processo de uma influência decisiva na ascenção social da música sapiente profana a partir do Renascimento, bem como na evolução da música religiosa cristã) ou, ainda, a apropriação de elementos do *jazz* por compositores das primeiras

décadas do século XX cujas primeiras clientelas pertenciam à burguesia europeia, sem falar das incontáveis e não menos burguesas estilizações de folclore empreendidas por expoentes musicais de vários nacionalismos também :, vinculados a classes médias (Glinka, Dargomijsky, "os cinco", Smetana, Dvorák, Pedrell, Albéniz, Granados). Seria interessante analisar em profundidade a música portuguesa de diversas zonas de acção e de diferentes períodos, desde a fundação da nacionalidade até as imediações dos nossos dias, em função das respectivas classes, grupos e camadas sociais. Não se torna porém legítimo prometer tanto, nem nada que se lhe compare. Faltam, quase completamente, estudos de apoio, feitos por sociólogos da música. A lacuna torna-se especialmente lamentável em relação a determinados aspectos da constituição populacional portuguesa. Por exemplo, a faceta musical dos grupos de muçulmanos, ou de escravos africanos e asiáticos (cujas habilidades musicais podem ter sido mais assimiladas pelos donos portugueses do que hoje se supõe), ou ainda, e sobretudo, dos judeus e cristãos-novos, tantos dos quais se distinguiram nos domínios do saber. A carência de informação biográfica também levanta dificuldades. É certo que as teses monologal e coisificante ainda encontram defensores de coturno, para os quais o artista se dirige a si mesmo e a mais ninguém, e a obra constitui um objecto não afectado por nada que lhe seja exterior. Nesta óptica, a evolução da música processa-se autonomamente, dentro dum sistema diacrónico isolado cujos únicos motores são uma espécie de lógica interna do mesmo sistema e, em coerência com ela, as inovações marcantes de sucessivos génios criadores. Porém, mesmo de um tal ponto de vista, é impossível dispensar todo e qualquer conhecimento do que foi o artista, como homem ou mulher de carne e osso, como membro duma determinada sociedade em que muito ou pouco se integrou, contra a qual pode ter tido de lutar mas de cujos caracteres, em qualquer caso, se tornou expoente, em sentido afirmativo, tão-só conformadamente acomodatício ou declaradamente contestatário. Não pode ignorar-se hoje a importância da psicologia das profundidades para a investigação científica das manifestações artísticas, nomeadamente no seu aspecto criativo. Mas não só o biógrafo, o historiador e o crítico de arte de formação psicanalítica necessitam de dados pessoais fidedignos. Estes tornam-se também indispensáveis em investigações diferentemente orientadas, desde as que partem de vivências por assim dizer impressionistas das obras às que incidem, antes e acima de tudo, sobre estruturas e superestruturas económicas e socioculturais, passando pelas que sobrevalorizam o exame puramente técnico-musical e sem excluir as que derivam para o mais esterilizado dos esteticismos. Na vivência musical, como nas das outras artes, é preciso considerar o fenómeno da empatia. Grande parte daquilo que o ouvinte recebe da obra foi "antes projectado nesta por ele mesmo, ouvinte. Espécie de radar pelo qual o sujeito fruidor, muitas vezes sem se dar conta do processo, localiza o objecto artístico num espaço de representações psicoculturais, a empatia influi enormemente nos valores estéticos e históricos atribuídos à música. Só que, no caso do radar propriamente dito, a localização é objectiva, enquanto que no da empatia ela se define em termos duma subjectividade variável de indivíduo para indivíduo e até de audição para audição. :, Ninguém deixará de reconhecer que os conhecimentos biográficos relativos a compositores podem afectar poderosamente a fruição das suas obras. A medida em que tal acontece é sem dúvida muito diferente, inclusive em relação a composições da mesma autoria. E os dados biográficos influentes até podem ser irrelevantes, duvidosos ou mesmo falsos. O caso de Beethoven é particularmente elucidativo. O conhecerem-se bastante bem e terem sido muito divulgadas as suas tendências ideológicas e os seus tormentos

físicos e sentimentais -- tendências e tormentos que foram ao encontro de solicitações dos períodos subsequentes da história da música europeia -- contribuiu imensamente para que a sua genialidade tenha sido objecto do mais amplo e vivo interesse. E contribuiu não só junto de massas de ouvintes superficiais, em cuja fruição o fenómeno empático se dá sempre de maneira algo primária, como também entre os intelectuais e artistas cultural e tecnicamente habilitados à emissão de juízos de valor. No plano das ciências musicais, não se trata, evidentemente, de qualquer encarecimento duma relação directa entre causa biográfica e efeito artístico. A Constança do *_Rapto do Serralho* não pode ser reduzida à Constança namorada e depois mulher de Mozart. Muito menos pode o beethoveniano "Muss es sein?" do *_Quarteto op. 135* tocar mais fundo o ouvinte esclarecido, por este empaticamente o entender em termos de pagamento da renda da casa. É bem sabido que entre a realidade circunstancial ou o estado de espírito do artista, no momento da criação da obra, e os caracteres desta é possível haver flagrante divergência. O que, em vez de restringir o interesse do conhecimento da personalidade e da vida do autor, muito pelo contrário o aumenta, se mostrar mais complexa e profunda a mensagem, tornando-a ainda mais enriquecedora de quem a recebe. Se o homem e a sua circunstancia ajudam à posse da obra pelo ouvinte, não é menos verdade que, assim apropriada, a mesma obra pode tornar-se depois muito mais profundamente reveladora da personalidade individual e social que a produziu. Obra e biografia pertencem-se mutuamente. Por tudo isto, a música portuguesa seria muito menos ignorada, a sua história poderia ser escrita com um apoio e vivencialidade muito maiores, se houvesse outra informação acerca das suas figuras representativas. Por motivos que, eles mesmos, pertencem à história da nossa cultura, a escassez de dados e de estudos a tal respeito é, na maior parte dos casos, confrangedora. Há compositores, teóricos e intérpretes musicais portugueses de quem quase nada sabemos como entes humanos pensantes, sensíveis e actuantes no seio duma sociedade. A sensação é de não estarmos lidando com homens, mas sim com fichas. Fichas em branco, as mais das vezes. Mesmo em certos casos de que temos notícias menos exíguas, faltam-nos provas de tomadas de posição caracterizantes duma individualidade, duma linha de pensamento, duma norma de conduta; ou da ausência de tal. Veja-se o exemplo de Vicente Lusitano. Será suficiente conhecermos o teor da confrontação com Nicola Vicentino -- com patriótico júbilo pela vitória judicial do nosso conterrâneo -- e suspeitarmos da sua heterodoxia religiosa? Vicentino ficou na história como um dos mais combativos, ainda que nem sempre dos mais correctos propugnadores do modernismo do seu tempo, já :, pela libertação de peias escolásticas obsoletas, já pela valorização poético-musical dos vernáculos. Podemos inferir da polémica que Vicente Lusitano discordava do antagonista em tudo e era, portanto, um homem e um músico cem por cento conservador, mais virado para o passado que para o futuro? A ser verdadeiro o seu pendor luterano, em que medida se reflectiu ele nas suas opções musicais? Teriam pesado mais certos problemas de ordem pessoal do que autênticas convicções? Como adiante veremos, não estamos habilitados a responder cabalmente a tais interrogações, apesar de Vicente Lusitano ser um dos raros músicos portugueses estudados com persistente e consequente idoneidade musicológica. Outro exemplo frisante é o de Damião de Góis, a respeito do qual sabemos no entanto mais, como homem e como pensador, do que de Vicente Lusitano. Que significa a prestigiante colaboração no *_Dodecachordon*? Estaria Góis inteiramente de acordo com o compromisso de Glareanus entre novas e velhas concepções? E que música seria aquela que o humanista português gostava de fazer soar dentro das quatro paredes da sua casa, sem saber que ela despertava uma perigosa estranheza em ouvidos

indiscretos? Qual a sua sincera opinião sobre a atitude do Concílio de Trento para com a arte dos sons? Não são apenas músicos de tempos recuados. Tão-pouco sabemos o suficiente acerca do tipo e profundidade da cultura de músicos portugueses de primordial importância, menos afastados do nosso tempo; bem como de motivações positivas ou negativas a que terão respondido de maneira evidenciadora das suas constantes morais, intelectuais e afectivas. Isto, mesmo em relação a alguns que, como um Carlos Seixas, uma Luísa Todi, um Marcos Portugal ou um João Domingos Bomtempo, têm sido objecto de estudos musicológicos sérios. Por outro lado, há que ter em atenção os prejuízos inerentes a certos sectores da investigação e divulgação. No âmbito da música religiosa -- e até de alguma profana, guardada em arquivos eclesiásticos --, os mais dos investigadores foram, ou são, eles mesmos clérigos ou fiéis praticantes do catolicismo. Em todos os casos, o acesso às fontes muitas vezes únicas, imprescindíveis e insubstituíveis para a prossecução dos seus trabalhos depende da Igreja. A circunstancia pode ter relação com valorações monocordicamente laudatórias de música e músicos da esfera eclesiástica, bem como da orientação a que estes se submeteram. Neste aspecto, o mais grave tem sido a omissão de dados exigentes dum outro sentido crítico e duma visão menos parcial, junta a uma declarada hostilidade em relação a figuras da história da cultura portuguesa com as quais a Igreja tenha tido algum contencioso. Investigadores que, em deter 4minadas matérias, prestaram contribuições importantíssimas, jamais escreveram uma palavra reconhecedora da incontestavelmente grande responsabilidade da Igreja pelos atrasos das teorias e das práticas musicais verificadas em Portugal durante centenas de anos. Um desses estudiosos ocupou-se da música europeia dos séculos XVI e XVII, em contexto onde a portuguesa dos mesmos períodos era tema central, sem uma única referência, por mínima que fosse, à música protestante. Outro, além de se desinteressar de um João Domingos Bontempo, só por sabê-lo :, "malhado", levou o fanatismo ao ponto de escrever, em letra de forma, que com o enforcamento de António José da Silva não se perdeu grande coisa, porque "o Judeu" não devia ser boa peça! Estes e outros *abusos de zelo* não parecem próprios de bons servidores da Igreja. Em coerência com a sua própria ética, a mesma Igreja também nos domínios da música deve exigir a verdade, só a verdade e toda a verdade. Ainda no mesmo aspecto, há mais cautelas a ter, mas de sinal contrário. O anticlericalismo e, de maneira geral, o sectarismo esquerdo têm induzido em tentações não menos pecaminosas, como a de calar sistematicamente o papel fundamental da Igreja em muito do que de melhor, ao longo de séculos, se realizou em Portugal, em termos de música. Parece no entanto justo registar que têm vindo destes sectores algumas correcções críticas necessárias (mas insuficientes) da parcialidade musicológica antagónica. Convém tornar ao vocábulo *verdade*. Porque, em arte, ele ganha uma conotação que o liberta do seu significado no plano da investigação, guiada que esta deve ser por métodos lógico-científicos. Em todas as diferentes artes, e portanto na música, há falsidades "verdadeiras". E não só falsidades que, no momento histórico em causa, foram erradamente tidas por mesmo verdadeiras, se não que também outras já então provadas como tais. O desconcerto entre verdade científica e verdade artística é notório em diversos períodos da história da música. O importante reside no facto de verdades artísticas cientificamente falsas não resultarem menos verdadeiras, dentro do seu mundo estético-cultural.

Os exemplos são incontáveis. O mais divulgado de todos consiste no erro daqueles humanistas italianos que supuseram estar fazendo renascer a música da Antiguidade clássica, quando estavam a criar a ópera. Erro fecundo, falsidade científica tornada artisticamente verdadeira pelos seus potenciais estéticos e a adequação destes ao momento histórico-cultural. Outro exemplo está na convicção setecentista, influenciada sobretudo pela física matemática newtoniana, de que toda a arte musical devia basear-se no estudo científico de fenómenos acústicos. Estudo que se desejou conduzisse à formulação duma lei universal da música, independentemente dos processos psicofísicos da percepção auditiva e da sua complexa integração mental, ainda muito menos satisfatoriamente conhecidos então do que o são hoje. A maior parte das vezes, porém, as "verdades" artísticas mais próximas do nosso tempo, mormente as oitocentistas, não foram apresentadas e aplicadas com pretenso apoio da ciência. "Verdades" musicais foram *inventadas* por um Weber, um Wagner, um Liszt, um Debussy, com assimilação de ideias vindas mormente da filosofia, da literatura e da pintura. *_Inventar a verdade*, como Verdi gostava de dizer em contexto mais limitado, eis a expressão que porventura define mais sugestivamente essa maneira de criar lógicas estéticas válidas. E válidas, por também elas corresponderem ao momento histórico-cultural. Não admira, pois, que as mais frutuosas doutrinas musicais se tenham baseado em postulados contraditórios, muitas vezes enunciados simultaneamente. Por aquele corresponder ao momento histórico não implica a :, ausência de oposições dialécticas. Por postulados devem entender-se aqui proposições como estas: õo *_Toda a música consiste numa harmonia de números*. õo *_Toda a música é expressão e transmissão de sentimentos*. õo *_A música é pura emanação dum espírito individual*. õo *_A música é um fenómeno eminentemente social, de raiz popular*. õo *_A música deve transfigurar a realidade em Beleza*. õo *_A música deve ser uma imagem realista da vida*. õo *_A função da música consiste em dar acesso ao transcendente*. õo *_A função da música consiste apenas no prazer auditivo*. õo *_Na música, a forma deve preponderar sobre o conteúdo*. õo *_Na música, o conteúdo deve preponderar sobre a forma*. Seria fácil, mas não vale a pena dar mais exemplos. Antes, porém, de voltarmos à área da história da música portuguesa, talvez revista interesse observar que, apesar de tudo, há uma certa analogia entre a demanda da verdade científica e a da verdade artística. Porque também aquela nunca é definitiva, se não temporária. E em ambos os planos as verdades passam a falsidades sempre que a experiência as contradiz. Nenhum artista músico persiste lucidamente em postulados cuja aplicação prática seja repudiada pelos destinatários da sua mensagem e pela sua própria experiência de ouvinte. Só que, nas ciências, a correcção por via experimental adquire validade universal, ainda que de novo temporária; enquanto que nas artes, também transitoriamente, ela só vale em determinados grupos socioculturais de maior ou menor extensão, mas nunca no conjunto de todos os fruidores de música existentes no planeta.

Os músicos portugueses do passado hão-de ter precisado também dessas lógicas específicas, geradoras de mecanismos criativos. É portanto legítimo que o leitor procure nas páginas deste livro sucessivas sínteses de tais corpos de proposições, na expectativa, sobretudo, de que alguns destes tenham sido produção nacional. Veremos que, à luz do conhecimento actual, semelhantes casos foram muito raros e não tiveram grande projecção. As mais das vezes, as normas da concepção e realização composicionais parecem ter sido importadas do estrangeiro. E aconteceu serem expostas com maior desenvoltura por quem era tão pouco músico, propriamente dito, como um Rodrigo Ferreira da Costa. Neste aspecto, e como também se verá, é no entanto preciso distinguir entre os períodos em que a música portuguesa teve um carácter marcadamente hispânico, não obstante os seus traços nacionais, e aqueles que se lhes seguiram, em que a tradicional osmose cultural adentro da Península foi submergida por influxos vindos de além-_Pirenéus. Por outro lado, encontraremos no sector, já não da composição mas sim da interpretação musical, casos notáveis que podem ter tido larga projecção em centros culturais europeus ou de feição europeia. O que o leitor não pode de maneira alguma esperar é qualquer proposta de indução generalizante de tais casos particulares, da qual se conclua que os portugueses são, ou não, especialmente dotados para a criação de :, doutrinas e ideologias musicais, com novas "verdades" de significados e consequências marcantes para a história. Como também veremos, os músicos portugueses têm sofrido condicionamentos que quase sempre lhes limitaram demasiado esse tipo de iniciativa. Quanto aos rasgos de génio, esses até nos países que conheceram condições mais favoráveis não são em número suficiente para tais generalizações. Em suma, o que se tenta nos subsequentes capítulos deste livro é uma relacionação historiográfica de reflexos musicais da realidade sociocultural portuguesa. Reflexos que não são, nem exclusiva nem principalmente, obras cujos autores tenham querido fazer delas imagens musicais, directas e explícitas, de sucessos pontuais dessa realidade, como o aniversário de algum rei, uma vitória militar decisiva para a independência nacional, a comemoração do nascimento ou da morte de um grande português. A menos programática das sonatas pode reflectir algo de importante da mesma realidade, se tiver sido concebida em função desta, com o objectivo de responder a determinadas solicitações da vida cultural. E não apenas obras, composições, partituras, porque também conceitos e preconceitos, usos e costumes, atitudes individuais ou colectivas que tivessem que ver, em Portugal, com as mais ou menos cultivadas artes de *criar, executar* e *ouvir* música. Além do mais, são informações desta ordem que legitimam muitas das extrapolações necessárias à conexão historiográfica. Relacionação de certo pessoal, de onde muito limitada e discutível também ela há-de reflectir, ao menos, uma fase da cultura musical portuguesa. A fase actual, que ainda não é história. _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes

_s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _segundo _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/95 __isbn 972-1-04012-6 Seria interessante analisar em profundidade a música portuguesa de diversas zonas de acção e de diferentes períodos, desde a fundação da nacionalidade até as

imediações dos nossos dias, em função das respectivas classes, grupos e camadas sociais. Não se torna porém legítimo prometer tanto, nem nada que se lhe compare. Faltam, quase completamente, estudos de apoio, feitos por sociólogos da música. A lacuna torna-se especialmente lamentável em relação a determinados aspectos da constituição populacional portuguesa. Por exemplo, a faceta musical dos grupos de muçulmanos, ou de escravos africanos e asiáticos (cujas habilidades musicais podem ter sido mais assimiladas pelos donos portugueses do que hoje se supõe), ou ainda, e sobretudo, dos judeus e cristãos-novos, tantos dos quais se distinguiram nos domínios do saber. A carência de informação biográfica também levanta dificuldades. É certo que as teses monologal e coisificante ainda encontram defensores de coturno, para os quais o artista se dirige a si mesmo e a mais ninguém, e a obra constitui um objecto não afectado por nada que lhe seja exterior. Nesta óptica, a evolução da música processa-se autonomamente, dentro dum sistema diacrónico isolado cujos únicos motores são uma espécie de lógica interna do mesmo sistema e, em coerência com ela, as inovações marcantes de sucessivos génios criadores. Porém, mesmo de um tal ponto de vista, é impossível dispensar todo e qualquer conhecimento do que foi o artista, como homem ou mulher de carne e osso, como membro duma determinada sociedade em que muito ou pouco se integrou, contra a qual pode ter tido de lutar mas de cujos caracteres, em qualquer caso, se tornou expoente, em sentido afirmativo, tão-só conformadamente acomodatício ou declaradamente contestatário. Não pode ignorar-se hoje a importância da psicologia das profundidades para a investigação científica das manifestações artísticas, nomeadamente no seu aspecto criativo. Mas não só o biógrafo, o historiador e o crítico de arte de formação psicanalítica necessitam de dados pessoais fidedignos. Estes tornam-se também indispensáveis em investigações diferentemente orientadas, desde as que partem de vivências por assim dizer impressionistas das obras às que incidem, antes e acima de tudo, sobre estruturas e superestruturas económicas e socioculturais, passando pelas que sobrevalorizam o exame puramente técnico-musical e sem excluir as que derivam para o mais esterilizado dos esteticismos. Na vivência musical, como nas das outras artes, é preciso considerar o fenómeno da empatia. Grande parte daquilo que o ouvinte recebe da obra foi "antes projectado nesta por ele mesmo, ouvinte. Espécie de radar pelo qual o sujeito fruidor, muitas vezes sem se dar conta do processo, localiza o objecto artístico num espaço de representações psicoculturais, a empatia influi enormemente nos valores estéticos e históricos atribuídos à música. Só que, no caso do radar propriamente dito, a localização é objectiva, enquanto que no da empatia ela se define em termos duma subjectividade variável de indivíduo para indivíduo e até de audição para audição. :, Ninguém deixará de reconhecer que os conhecimentos biográficos relativos a compositores podem afectar poderosamente a fruição das suas obras. A medida em que tal acontece é sem dúvida muito diferente, inclusive em relação a composições da mesma autoria. E os dados biográficos influentes até podem ser irrelevantes, duvidosos ou mesmo falsos. O caso de Beethoven é particularmente elucidativo. O conhecerem-se bastante bem e terem sido muito divulgadas as suas tendências ideológicas e os seus tormentos físicos e sentimentais -- tendências e tormentos que foram ao encontro de solicitações dos períodos subsequentes da história da música europeia -- contribuiu imensamente para que a sua genialidade tenha sido objecto do mais amplo e vivo interesse. E contribuiu não só junto de massas de ouvintes superficiais, em cuja fruição o fenómeno empático se dá sempre de maneira algo primária, como também entre os intelectuais e artistas cultural e tecnicamente habilitados à emissão de juízos de valor.

No plano das ciências musicais, não se trata, evidentemente, de qualquer encarecimento duma relação directa entre causa biográfica e efeito artístico. A Constança do *_Rapto do Serralho* não pode ser reduzida à Constança namorada e depois mulher de Mozart. Muito menos pode o beethoveniano "Muss es sein?" do *_Quarteto op. 135* tocar mais fundo o ouvinte esclarecido, por este empaticamente o entender em termos de pagamento da renda da casa. É bem sabido que entre a realidade circunstancial ou o estado de espírito do artista, no momento da criação da obra, e os caracteres desta é possível haver flagrante divergência. O que, em vez de restringir o interesse do conhecimento da personalidade e da vida do autor, muito pelo contrário o aumenta, se mostrar mais complexa e profunda a mensagem, tornando-a ainda mais enriquecedora de quem a recebe. Se o homem e a sua circunstancia ajudam à posse da obra pelo ouvinte, não é menos verdade que, assim apropriada, a mesma obra pode tornar-se depois muito mais profundamente reveladora da personalidade individual e social que a produziu. Obra e biografia pertencem-se mutuamente. Por tudo isto, a música portuguesa seria muito menos ignorada, a sua história poderia ser escrita com um apoio e vivencialidade muito maiores, se houvesse outra informação acerca das suas figuras representativas. Por motivos que, eles mesmos, pertencem à história da nossa cultura, a escassez de dados e de estudos a tal respeito é, na maior parte dos casos, confrangedora. Há compositores, teóricos e intérpretes musicais portugueses de quem quase nada sabemos como entes humanos pensantes, sensíveis e actuantes no seio duma sociedade. A sensação é de não estarmos lidando com homens, mas sim com fichas. Fichas em branco, as mais das vezes. Mesmo em certos casos de que temos notícias menos exíguas, faltam-nos provas de tomadas de posição caracterizantes duma individualidade, duma linha de pensamento, duma norma de conduta; ou da ausência de tal. Veja-se o exemplo de Vicente Lusitano. Será suficiente conhecermos o teor da confrontação com Nicola Vicentino -- com patriótico júbilo pela vitória judicial do nosso conterrâneo -- e suspeitarmos da sua heterodoxia religiosa? Vicentino ficou na história como um dos mais combativos, ainda que nem sempre dos mais correctos propugnadores do modernismo do seu tempo, já :, pela libertação de peias escolásticas obsoletas, já pela valorização poético-musical dos vernáculos. Podemos inferir da polémica que Vicente Lusitano discordava do antagonista em tudo e era, portanto, um homem e um músico cem por cento conservador, mais virado para o passado que para o futuro? A ser verdadeiro o seu pendor luterano, em que medida se reflectiu ele nas suas opções musicais? Teriam pesado mais certos problemas de ordem pessoal do que autênticas convicções? Como adiante veremos, não estamos habilitados a responder cabalmente a tais interrogações, apesar de Vicente Lusitano ser um dos raros músicos portugueses estudados com persistente e consequente idoneidade musicológica. Outro exemplo frisante é o de Damião de Góis, a respeito do qual sabemos no entanto mais, como homem e como pensador, do que de Vicente Lusitano. Que significa a prestigiante colaboração no *_Dodecachordon*? Estaria Góis inteiramente de acordo com o compromisso de Glareanus entre novas e velhas concepções? E que música seria aquela que o humanista português gostava de fazer soar dentro das quatro paredes da sua casa, sem saber que ela despertava uma perigosa estranheza em ouvidos indiscretos? Qual a sua sincera opinião sobre a atitude do Concílio de Trento para com a arte dos sons? Não são apenas músicos de tempos recuados. Tão-pouco sabemos o suficiente acerca do tipo e profundidade da cultura de músicos portugueses de primordial importância, menos afastados do nosso tempo; bem como de motivações positivas ou negativas a que terão respondido de maneira evidenciadora das suas constantes morais, intelectuais e afectivas. Isto, mesmo em relação a alguns que, como um Carlos Seixas, uma Luísa

Todi, um Marcos Portugal ou um João Domingos Bomtempo, têm sido objecto de estudos musicológicos sérios. Por outro lado, há que ter em atenção os prejuízos inerentes a certos sectores da investigação e divulgação. No âmbito da música religiosa -- e até de alguma profana, guardada em arquivos eclesiásticos --, os mais dos investigadores foram, ou são, eles mesmos clérigos ou fiéis praticantes do catolicismo. Em todos os casos, o acesso às fontes muitas vezes únicas, imprescindíveis e insubstituíveis para a prossecução dos seus trabalhos depende da Igreja. A circunstancia pode ter relação com valorações monocordicamente laudatórias de música e músicos da esfera eclesiástica, bem como da orientação a que estes se submeteram. Neste aspecto, o mais grave tem sido a omissão de dados exigentes dum outro sentido crítico e duma visão menos parcial, junta a uma declarada hostilidade em relação a figuras da história da cultura portuguesa com as quais a Igreja tenha tido algum contencioso. Investigadores que, em deter 4minadas matérias, prestaram contribuições importantíssimas, jamais escreveram uma palavra reconhecedora da incontestavelmente grande responsabilidade da Igreja pelos atrasos das teorias e das práticas musicais verificadas em Portugal durante centenas de anos. Um desses estudiosos ocupou-se da música europeia dos séculos XVI e XVII, em contexto onde a portuguesa dos mesmos períodos era tema central, sem uma única referência, por mínima que fosse, à música protestante. Outro, além de se desinteressar de um João Domingos Bomtempo, só por sabê-lo :, "malhado", levou o fanatismo ao ponto de escrever, em letra de forma, que com o enforcamento de António José da Silva não se perdeu grande coisa, porque "o Judeu" não devia ser boa peça! Estes e outros *abusos de zelo* não parecem próprios de bons servidores da Igreja. Em coerência com a sua própria ética, a mesma Igreja também nos domínios da música deve exigir a verdade, só a verdade e toda a verdade. Ainda no mesmo aspecto, há mais cautelas a ter, mas de sinal contrário. O anticlericalismo e, de maneira geral, o sectarismo esquerdo têm induzido em tentações não menos pecaminosas, como a de calar sistematicamente o papel fundamental da Igreja em muito do que de melhor, ao longo de séculos, se realizou em Portugal, em termos de música. Parece no entanto justo registar que têm vindo destes sectores algumas correcções críticas necessárias (mas insuficientes) da parcialidade musicológica antagónica. Convém tornar ao vocábulo *verdade*. Porque, em arte, ele ganha uma conotação que o liberta do seu significado no plano da investigação, guiada que esta deve ser por métodos lógico-científicos. Em todas as diferentes artes, e portanto na música, há falsidades "verdadeiras". E não só falsidades que, no momento histórico em causa, foram erradamente tidas por mesmo verdadeiras, se não que também outras já então provadas como tais. O desconcerto entre verdade científica e verdade artística é notório em diversos períodos da história da música. O importante reside no facto de verdades artísticas cientificamente falsas não resultarem menos verdadeiras, dentro do seu mundo estético-cultural. Os exemplos são incontáveis. O mais divulgado de todos consiste no erro daqueles humanistas italianos que supuseram estar fazendo renascer a música da Antiguidade clássica, quando estavam a criar a ópera. Erro fecundo, falsidade científica tornada artisticamente verdadeira pelos seus potenciais estéticos e a adequação destes ao momento histórico-cultural. Outro exemplo está na convicção setecentista, influenciada sobretudo pela física matemática newtoniana, de que toda a arte musical devia basear-se no estudo

científico de fenómenos acústicos. Estudo que se desejou conduzisse à formulação duma lei universal da música, independentemente dos processos psicofísicos da percepção auditiva e da sua complexa integração mental, ainda muito menos satisfatoriamente conhecidos então do que o são hoje. A maior parte das vezes, porém, as "verdades" artísticas mais próximas do nosso tempo, mormente as oitocentistas, não foram apresentadas e aplicadas com pretenso apoio da ciência. "Verdades" musicais foram *inventadas* por um Weber, um Wagner, um Liszt, um Debussy, com assimilação de ideias vindas mormente da filosofia, da literatura e da pintura. *_Inventar a verdade*, como Verdi gostava de dizer em contexto mais limitado, eis a expressão que porventura define mais sugestivamente essa maneira de criar lógicas estéticas válidas. E válidas, por também elas corresponderem ao momento histórico-cultural. Não admira, pois, que as mais frutuosas doutrinas musicais se tenham baseado em postulados contraditórios, muitas vezes enunciados simultaneamente. Por aquele corresponder ao momento histórico não implica a :, ausência de oposições dialécticas. Por postulados devem entender-se aqui proposições como estas: õo *_Toda a música consiste numa harmonia de números*. õo *_Toda a música é expressão e transmissão de sentimentos*. õo *_A música é pura emanação dum espírito individual*. õo *_A música é um fenómeno eminentemente social, de raiz popular*. õo *_A música deve transfigurar a realidade em Beleza*. õo *_A música deve ser uma imagem realista da vida*. õo *_A função da música consiste em dar acesso ao transcendente*. õo *_A função da música consiste apenas no prazer auditivo*. õo *_Na música, a forma deve preponderar sobre o conteúdo*. õo *_Na música, o conteúdo deve preponderar sobre a forma*. Seria fácil, mas não vale a pena dar mais exemplos. Antes, porém, de voltarmos à área da história da música portuguesa, talvez revista interesse observar que, apesar de tudo, há uma certa analogia entre a demanda da verdade científica e a da verdade artística. Porque também aquela nunca é definitiva, se não temporária. E em ambos os planos as verdades passam a falsidades sempre que a experiência as contradiz. Nenhum artista músico persiste lucidamente em postulados cuja aplicação prática seja repudiada pelos destinatários da sua mensagem e pela sua própria experiência de ouvinte. Só que, nas ciências, a correcção por via experimental adquire validade universal, ainda que de novo temporária; enquanto que nas artes, também transitoriamente, ela só vale em determinados grupos socioculturais de maior ou menor extensão, mas nunca no conjunto de todos os fruidores de música existentes no planeta. Os músicos portugueses do passado hão-de ter precisado também dessas lógicas específicas, geradoras de mecanismos criativos. É portanto legítimo que o leitor procure nas páginas deste livro sucessivas sínteses de tais corpos de proposições, na expectativa, sobretudo, de que alguns destes tenham sido produção nacional. Veremos que, à luz do conhecimento actual, semelhantes casos foram muito raros e não tiveram grande projecção. As mais das vezes, as normas da concepção e

realização composicionais parecem ter sido importadas do estrangeiro. E aconteceu serem expostas com maior desenvoltura por quem era tão pouco músico, propriamente dito, como um Rodrigo Ferreira da Costa. Neste aspecto, e como também se verá, é no entanto preciso distinguir entre os períodos em que a música portuguesa teve um carácter marcadamente hispânico, não obstante os seus traços nacionais, e aqueles que se lhes seguiram, em que a tradicional osmose cultural adentro da Península foi submergida por influxos vindos de além-_Pirenéus. Por outro lado, encontraremos no sector, já não da composição mas sim da interpretação musical, casos notáveis que podem ter tido larga projecção em centros culturais europeus ou de feição europeia. O que o leitor não pode de maneira alguma esperar é qualquer proposta de indução generalizante de tais casos particulares, da qual se conclua que os portugueses são, ou não, especialmente dotados para a criação de :, doutrinas e ideologias musicais, com novas "verdades" de significados e consequências marcantes para a história. Como também veremos, os músicos portugueses têm sofrido condicionamentos que quase sempre lhes limitaram demasiado esse tipo de iniciativa. Quanto aos rasgos de génio, esses até nos países que conheceram condições mais favoráveis não são em número suficiente para tais generalizações. Em suma, o que se tenta nos subsequentes capítulos deste livro é uma relacionação historiográfica de reflexos musicais da realidade sociocultural portuguesa. Reflexos que não são, nem exclusiva nem principalmente, obras cujos autores tenham querido fazer delas imagens musicais, directas e explícitas, de sucessos pontuais dessa realidade, como o aniversário de algum rei, uma vitória militar decisiva para a independência nacional, a comemoração do nascimento ou da morte de um grande português. A menos programática das sonatas pode reflectir algo de importante da mesma realidade, se tiver sido concebida em função desta, com o objectivo de responder a determinadas solicitações da vida cultural. E não apenas obras, composições, partituras, porque também conceitos e preconceitos, usos e costumes, atitudes individuais ou colectivas que tivessem que ver, em Portugal, com as mais ou menos cultivadas artes de *criar, executar* e *ouvir* música. Além do mais, são informações desta ordem que legitimam muitas das extrapolações necessárias à conexão historiográfica. Relacionação de certo pessoal, de onde muito limitada e discutível também ela há-de reflectir, ao menos, uma fase da cultura musical portuguesa. A fase actual, que ainda não é história. CAPíTULO I ANTES DA FUNdAÇÃO DA MONARQUIA Costumes e ritos musicais primitivos Muito antes de fundada a monarquia portuguesa já a população do seu território, e de outros peninsulares que vieram ou não a integrar-se nela, se entregava a práticas musicais profanas e religiosas. "Entre as libações" afirma Estrabão (c. 63 a. C.-20 d. C.), "dançam ao som da tíbia e, em rodas, ao da trombeta. De vez em quando saltam e, flectindo os joelhos, deixam-se cair com os corpos direitos." E, referindo-se à Bastetânia (litoral da cordilheira bética), acrescenta que "isto mesmo fazem as mulheres, dando-se as mãos". É também Estrabão quem nos fala das leis em verso dos Turdetanos (na actual Andaluzia), que seriam entoadas com sentido musical (13, 14). Outras notícias chegaram até nós através de autores latinos. Um fragmento de

Salústio (86-34 a. C.) fala do costume hispânico de entoar cantos sobre feitos guerreiros dos antepassados. Segundo Tito Lívio (59 a. C.-17 d. C.), durante o funeral de Tibério Semprónio Graco, no ano de 133 a. C., houve danças de armas hispânicas. Sílio Itálico (c. 26-c. 101) narra que, no fim da batalha de Canas (216 a. C.), o cônsul romano arremeteu contra um inimigo que estava a cantar à maneira bárbara dos hispanos. E Marcial (c. 43-c. 104) não deixou dúvidas quanto ao muito que os entretenimentos musicais romanos ficaram a dever às gaditanas, dançarinas e tangedoras de instrumentos parecidos com as actuais castanholas, naturais da região de Cádis. Existiriam na Roma de então escolas onde se ensinavam os movimentos lascivos dessas danças (15). Se déssemos crédito a lendas que se contavam ainda nos tempos dos nossos primeiros reis, teríamos de admitir a importação pelo próprio Baco, 1340 anos antes do nascimento de Cristo, de "música e folias" que se teriam apossado da Hispânia. Em todo o caso, é uma indicação do barbarismo dionisíaco desses nossos antepassados, quando entregues a divertimentos que lhes deviam ser dos mais gratos. Havia também manifestações de outra ordem, como aquela, de que nos chegou notícia, do canto lúgubre dos soldados de Viriato em torno da fogueira ateada sobre os restos mortais do capitão lusitano. O cristianismo trouxe consigo elementos musicais de evidente importância, uma vez que serviam ao rito religioso. É possível que o primeiro, ou um dos primeiros papas que contribuíram decididamente para o desenvolvimento :, do canto litúrgico romano, Dâmaso I (366-384), tenha nascido na região de Guimarães. Não sabemos se o interessou especialmente o problema do culto religioso na Península. Parece, todavia, provável que, no início da expansão cristã, o canto litúrgico fosse aqui idêntico (na medida em que era possível) ao que se praticava em Roma. As novidades ocorridas sob Leão Magno (440-467), Gelásio I (492-496), Gregório I (590-604) devem, porém, ter exercido pouca ou nenhuma influência imediata no Oeste da Península. Vemos, a partir do século V, o papado atento ao que se passa nestas terras longínquas, desejando proteger o bispado hispânico contra infiltrações gregas que já no século anterior provavelmente se haviam concretizado. Práticas arianas também ameaçavam propagar-se pela gente nativa, sob o domínio visigodo (16). Em 538 o pontificado dota a igreja da Galiza de uma cópia do missal romano, vinte e três anos depois adoptado pelo concílio de Braga que sancionou a conversão dos Suevos. Nesse concílio de 561, como no que cem anos depois (666) se realizou em Mérida, capital da Lusitânia, foi nítido o propósito de unificar o rito. No que respeita a música, a Igreja desde cedo teve que impor, ou, pelo menos, tentar impor, normas que evitassem audições nos templos julgadas impróprias. Já no concílio de Laodiceia (343-381) um cânone estabelecera que, "além dos cantores nomeados para subirem ao ambo e cantarem lendo no livro, nenhuns outros cantarão na igreja". Noutro cânone, o concílio proibia os *psalmi idiotici*, hinos de origem não bíblica ou ainda não aceites. A ideia era banir da igreja cantos e danças populares pagãos, por vezes acompanhados de bater de palmas (17). Em Braga, foi proibido na igreja todo o canto em verso, com excepção dos salmos e versos bíblicos. Neste caso parece ter estado em causa os sectários priscilianos. Como a heresia estivesse dominada por alturas do 4.9 concílio de Toledo (633), este deu mais larga margem à música nas igrejas, o que o 8.o concílio (652) veio a confirmar. Nas ocasiões mais solenes, durante o sepultar dos mortos deveriam ouvirse salmos. A dignidade eclesiástica era recusada a quem desconhecesse o livro dos salmos e o uso dos cantos e hinos da Igreja. Problemas da igreja relacionados com a música Estes factos interessam-nos hoje pouco em si mesmos. No entanto, encerram significados esclarecedores, que ajudam a compreender melhor o que seriam as

manifestações musicais dentro e fora das igrejas. Demonstram que também na Península Ibérica os poderes eclesiásticos se apercebiam do risco de profanação dos templos por via musical. Confirmam, portanto, não só a heresia sectária mas também a existência de costumes musicais no povo, decerto muito marcados ainda de barbarismo. Por outro lado, acusam um programa de formação espiritual em que a música se reconhecia como agente eficaz, cujo emprego deveria condicionar-se com cautela. :, Importante é também compreender a necessidade que a Igreja tinha de unificar, na medida do possível, os ritos em todo o vasto território a que se estendia a sua influência. Ainda hoje essa unificação é demandada por todas as organizações de largo âmbito, religiosas ou não. Só conseguindo-a se evita uma diferenciação que é primeiro passo para as independências locais e para o desmembramento (18). Construía-se então uma ordem social na Europa, entre os pólos do poder temporal e do espiritual, o primeiro exercido por reis e outros senhores da nobreza, o outro pela Igreja. Ambas as partes tinham razões para se aliarem: os chefes temporais necessitavam de quem lhes outorgasse a autoridade sobre os seus súbditos, por uma faculdade que todos reconhecessem como tendo sido conferida por poder divino. Além disso, em tempos tão pouco seguros, em que os riscos de morte eram constantes (sem esquecermos o de doença e epidemia, que hoje mal podemos fazer ideia do que foi para os nossos antepassados), a crença numa força sobrenatural como a que pregavam os cristãos adequava-se inclusivamente aos próprios reis, para mais que eram, no geral, pessoas de intelecto não cultivado, terreno sempre propício à superstição. Quanto à Igreja, a sua tarefa já se tornava grande e difícil no domínio espiritual. Seria talvez impossível se houvesse também ela própria que garantir o mínimo de segurança física necessário em todo o território que abarcava. Era-lhe extremamente útil a organização político-militar dos senhores temporais, desde que se não voltasse contra ela, o que algumas vezes sucedeu, como é sabido. O poder temporal e o espiritual nem sempre se distinguiram nitidamente um do outro, ambições e interesses transpuseram-lhes amiúde as fronteiras, em ambos os sentidos. Antecedentes da música litúrgica romana A música que se praticou nas igrejas peninsulares, pondo de parte as incursões do folclore, deve ter-se assemelhado bastante à que se ouvia em Roma. Esta proposição não esclarece todavia o suficiente, porque são ainda diminutos os conhecimentos musicológicos sobre os primitivos cantos da igreja romana. O que pode considerar-se certo é que as principais influências foram gregas e hebraicas. E, dado que estamos tratando de reconstituir, ainda que muito resumidamente, a fertilização e sementeira que vieram a dar a cultura musical portuguesa, vale a pena demorarmo-nos um pouco a colher alguma informação sobre o que essas duas influências representaram para a música eclesiástica romana (19). Da cultura grega provieram os tons e os meio-tons, que ainda hoje são elementos melódicos de praticamente toda a música europeia, a sua organização em tetracórdios e destes em modos (dórico, frígio, lídio...), restos nítidos preservados no canto gregoriano, apesar de, neste, as palavras modo, dórico, frígio, etc. não terem significados idênticos aos que lhe atribuíam os antigos. Contribuição importantíssima, portanto, que está na base de toda a nossa gramática musical. Note-se ainda que os dois modos vulgarizados :, nos séculos XVII a XIX, ainda hoje os mais usados pelos compositores ocidentais -- o modo *maior* e o *menor* --, descendem da organização de tons e meios-tons transmitida pela cultura grega à latina. De influência grega deve também ter sido o canto monódico, em que todas as vozes cantam a mesma linha melódica, ou linhas paralelas à distância de oitava, formando a mais perfeita das consonâncias. Ao canto em oitavas chamaram os Gregos *antifonal*, o que não deve confundir-se com as antífonas da igreja romana, como adiante veremos. A comprovar a (no entanto discutida) influência helénica, está o facto de o grego ter sido a língua oficial da Igreja nos primeiros três séculos da

sua história (20). Da sinagoga parece ter a música romana herdado o uso das cadências, a prática do canto congregacional em antífonas e responsórios (ou seja, opondo a congregação a um grupo de cantores, ou a um só, respectivamente), um sentido livre do ritmo, não condicionado pela métrica das palavras como no canto grego, e o melodismo floreado (melismático), dilatando uma só vogal ao longo de extensos vocalizos. Esta arte ornamental é a das aleluias, de nítida e comprovada ascendência hebraica. Conquanto os mais antigos documentos de música israelita sejam tardios, a moderna musicologia autoriza que apontemos como seus exemplos pouco alterados os trechos que actualmente se ouvem ainda em algumas colónias judaicas, como sejam as georgianas e iranianas. Outra importante tradição romana, a distinção nítida entre música religiosa e secular, proveio também de antecedentes hebraicos. A liturgia hispânica Antes de os Visigodos se instalarem e organizarem na Península (séculos V e VI) já a liturgia local diferia da de Roma. Por isso a denominação de *liturgia hispânica* parece preferível à de *visigótica* ou, com mais forte razão, à de *liturgia moçárabe*, por que se tornou conhecida. O facto de ser, com a romana, a ambrosiana (ou milanesa) e a gálica, uma das quatro principais liturgias do Ocidente sugere a existência na Península de caracterizados e pertinazes elementos musicais próprios. Com efeito, aceita-se hoje a tese de serem as diferentes liturgias como que dialectos de um mesmo idioma (de origem greco-judaica, como vimos), diferenciados por acção dos folclores locais. Existem em Madrid manuscritos do século IX ou X contendo lamentações pela morte de reis visigodos do século VII. Os textos são latinos e a música tem sido atribuída a St.o Eugénio, sem razões evidentes para o admitirmos. O longo período da liturgia hispânica não foi isento de contactos directos com o ramo oriental da Igreja. S. Leandro (m. 599), arcebispo de Sevilha que teve fama de autor de "muitas peças de som doce", foi enviado, quando arcediago, a Constantinopla como embaixador, e ali consta que, na companhia de S. Gregório, assistiu a muitas das esplendorosas manifestações musicais anteriormente instituída; por Justiniano. St.o Isidoro (m. 636) era :, irmão de S. Leandro e sucedeu-lhe como arcebispo. À parte musical dos seus vastos trabalhos de enciclopedismo sistematizante atribui-se importância paralela, dentro da liturgia hispânica, à da contribuição de S. Gregório para a romana. Não admira portanto que a liturgia hispânica apresente semelhanças com o rito bizantino. Mas também foi possível apontá-las em relação ao gálico e, mais nitidamente, ao milanês, que era menos complicado do que o romano. Todas estas conclusões da musicologia se fundamentam em documentos pouco satisfatórios. A mais antiga colecção ambrosiana que se conhece é do século XII (contendo, como particularidade interessante, rimas musicais) e a maior parte da primitiva liturgia hispânica não pôde ainda decifrar-se. Um dos livros contém várias páginas em que um escriba do século XII passou a notação aquitana dezasseis melodias originalmente exaradas em neumas hispânicos. Todas essas peças pertencem ao ofício dos mortos e, com mais cinco, formam o único conjunto de autênticas monódias hispânicas de que temos conhecimento. Todas elas podem considerar-se modais no sentido gregoriano (21). Existem fragmentos de liturgia hispânica, do século XI, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e no Paço Arquiepiscopal de Lamego. Robert Stevenson cita o investigador espanhol Perez de Urbel, que considera ser originária de Beja e datada de 806 a fonte manuscrita original do antifonário de León (22).

As súplicas (preces) que se cantavam nas igrejas peninsulares deviam ser simples, a ajuizar pela reduzida documentação de que dispomos. Outra razão para o admitirmos era o participar nelas a própria congregação, que as cantava (em latim?) como uma espécie de refrão ou estribilho, em dias de penitência. Supôs-se que essas práticas reflectiam alguma influência vinda da França, mas o antifonário de León atribui duas preces a Juliano de Toledo (século VII), o que deixa admitir a hipótese de uma acção exercida no sentido oposto. A invasão muçulmana No século VIII, deu-se a invasão árabe. Parte da população fugiu para as montanhas do Norte, outra submeteu-se ao domínio sarraceno. Aos que, beneficiando da tolerância dos invasores, continuaram professando a religião cristã cabe a denominação de *moçárabes*. A probabilidade de influência musical, relativamente à vinda e à longa permanência dos árabes, não deve, em teoria, ser entendida só no sentido dos invasores para os invadidos, se não que também no sentido oposto. Sem ligação directa com a música popular, muito mais antiga, a música erudita árabe resultou em grande parte de contribuições de escravos das mais diferentes proveniências. Essa música, dita *clássica*, deve ter-se formado :, principalmente nos grandes centros urbanos do Islão, um dos quais foi Córdova. Reportando-se a um cronista anterior, o andaluz Ibn Hazm escreveu o seguinte, no século X: "Abu Mundhir Hisham Ibn Al-_Kalbi relata que o canto é de três espécies: *al-_Nasb, al-_Sinad* e *al-_Hazaj. O *_Nasb* é o canto dos Rukban e das escravas. O *_Sinad* é formado por períodos longos e numerosas melodias (melismas). Quanto ao *_Hazaj*, todo ele é ligeireza, é ele que estimula as almas e chega mesmo a excitar o homem doce...". Resta saber em que medida os escravos naturais do futuro Portugal deram contributos musicais comparáveis aos dos persas, helenos, sírios ou alexandrinos. Especialistas na matéria admitem que havia dois tipos de música árabe, um aparentemente reservado a profissionais, o outro com a função de cadenciar ritmicamente as danças que animavam as feiras religiosas ou populares. Terá sido este último o que mais influenciou os nativos da Península Ibérica. A música árabe representou sem dúvida um papel importante no processo histórico, muito complexo, que partiu das músicas da Antiguidade oriental e greco-latina e produziu as modernas músicas ocidentais. Foi sobretudo a prestação de informações de enorme utilidade para a formulação e estruturação de teorias e práticas musicais europeias, na Idade Média. Isto, principalmente através da Península Ibérica, se bem que textos fundamentais tenham sido elaborados noutros pontos do mundo islâmico. Os de Al-_Farabi (c. 870-c. 950), turco por nascimento que se fixou em Alepo, na Síria -- nomeadamente os que constituem o *_Kitab al-musiqi al-kabir (Grande livro sobre a música)*, parte do qual se perdeu --, são considerados a obra mais notável sobre a matéria depois da época áurea da Grécia antiga. Al-_Farabi e outros teóricos islâmicos foram traduzidos em latim e em hebraico. O auge da música "clássica" muçulmana e o seu prolongamento na Península Ibérica conquistada cobrem um período que começou cerca de quatrocentos anos antes da fundação do reino de Portugal e se estendeu até o fim do século XV. Sem esquecer a já apontada influência ao nível popular, a introdução na Península de vários instrumentos -- entre os quais o alaúde (*'ud*) e a rabeca (*'rabab*) -- e a permanência até à Idade Moderna de marcas da proveniência moura no vocabulário português relativo à música e à dança, não deve porém supor-se que a cultura musical árabe tenha determinado o devir da arte dos sons nos primeiros quatro séculos do reino.

Os moçárabes praticaram a liturgia hispânica, a que se haviam habituado, mantendose o latim como seu idioma ritual. Mas é de supor que os elementos pagãos conhecessem então maior liberdade dentro das igrejas, uma vez que pouco tempo antes da invasão as autoridades eclesiásticas se preocupavam com a sua persistência. O 3.o concílio de Toledo (589), por exemplo, tinha condenado as danças nos templos (23). O rito hispânico foi sendo abandonado nos territórios não submetidos aos Árabes. Em 1071, o papado impõe o gregoriano em Aragão e em 1079 em Castela. Interessante é a resistência do povo, demonstrando uma vitalidade não passiva ou anódina. Contavamse milagres operados pela liturgia hispânica: Henrique de Borgonha, pai de D. Afonso Henriques, teria mesmo :, presenciado um, em Toledo. Afonso VI de Castela, quando tratou da adopção oficial do rito gregoriano, em obediência à orientação unificadora de Roma, teve que autorizar a liturgia hispânica em seis das igrejas de Toledo, e restos dela ficaram na Península até os nossos dias (24). De considerar é a música não litúrgica que se cantava nas igrejas. Note-se que toda a música que se aceitasse nos templos, sem pertencer à liturgia, representava de algum modo uma contribuição para o que modernamente entendemos por composição musical. Um dos cantos não litúrgicos da baixa Idade Média chegou até nós. É o canto da Sibila, cuja versão mais antiga hoje conhecida provem do século X. O texto original era grego, mas foi certamente em latim que a profecia de Sibila se cantou em igrejas peninsulares, com representação mímica, parece que já entre moçárabes. Atribui-se hoje marcada influência aos cantos latinos não litúrgicos na arte trovadoresca (25). Mimos e histriões Fora do âmbito eclesiástico, e integrando-se nas manifestações folclóricas, havia os mimos e histriões, que divertiam o povo em espectáculos parece que pouco edificantes. A origem desses personagens jocosos encontra-se no teatro romano, de onde devem ter irradiado para todo o Império. Agradavam aos reis os seus ditos e habilidades. Certo mimo que o rei suevo Mirón, da Galiza (século VI), houve para seu aprazimento sofreu um castigo do Céu -- disso nos assegura um escritor eclesiástico -- por se ter permitido escarnecer de S. Martinho (26)! Como vamos ver, tais diversões vieram a prolongar-se nas dos jograis, no período que foi berço da cultura literário-musical portuguesa. CAPITULO II OS PRIMEIROS TEMPOS DA MONARQUIA Música de igreja Este é propriamente o ponto de início da nossa história da música portuguesa. Os parágrafos precedentes eram todavia indispensáveis para sabermos que, quando Afonso Henriques fundou a Nacionalidade, existia já uma longa cultura musical, mistura mal distrinçável de elementos gregos, hebraicos, romanos, bizantinos, milaneses, gálicos, árabes e peninsulares pagãos, de diferentes e remotas origens. As preocupações político-militares foram demasiado prementes, no primeiro rei de Portugal, para que pudesse gastar muito tempo no culto da música. No entanto, teve o cuidado de proporcionar a instituições religiosas os meios para as suas práticas musicais, dentro da tradição. Alguns conventos existiam desde muito antes, como o de Lorvão, que, provavelmente, foi um dos conformados com a dominação árabe, que lhes autorizava a existência legal.

As tarefas militares devem ter impedido que a influência francesa embora muito marcada (e compreensível, dada a ascendência de Afonso Henriques), se exercesse em toda a sua amplitude. No período da nossa primeira dinastia a França ocupou indiscutível primeiro lugar na música europeia. Sem embargo, não há notícia concludente quanto à implantação entre nós da sua arte polifónica. Um documento de 959 levanta suposições tentadoras quanto ao conhecimento da polifonia, pouco tempo depois dos seus primeiros e hesitantes passos. É o testamento feito ao Mosteiro de Guimarães pela sua fundadora, Mumadona (27). Entre outras menções de livros "de comum utilidade", figura um *organum*. Se se tratava realmente de um livro de polifonia primitiva (o que é duvidoso), esse mosteiro vimaranense estava espantosamente avançado para a época. Nada, na ulterior literatura musical portuguesa, o confirma, nem mesmo a notação, que, até o fim do século XV, se obstina em utilizar uma só linha (28). Devemos voltar dentro em pouco à influência francesa, deixando de parte a polifonia. Antes, porém, observemos que os mosteiros ao sul do Tejo tardaram em relação aos mais antigos do norte, por motivos óbvios. Essas regiões foram as mais indicadas para as ordens militares, que, evidentemente, não tinham entre os seus primeiros objectivos o culto de uma arte :, musical *up to date*. Por outro lado, a austeridade da regra cisterciense não fomentou, na importante parcela da nação portuguesa que directamente afectava, o desenvolvimento da música. Acrescente-se que os estudos na universidade fundada por D. Dinis não igualavam a extensão e profundidade dos das mais destacadas no tempo, e compreender-se-á quanto é provável que a música erudito-religiosa em Portugal fosse insignificante, comparada com as da Escola de Notre-_Dame e da Escola de S. Vítor, ou com a arte polifónica trecentista de um Guillaume de Machault. Os trovadores Do maior interesse se mostram, pelo contrário, as manifestações musicais profanas, aristocráticas e populares. É o florescimento trovadoresco e jogralesco, um dos pontos em que (como mais tarde no teatro de Gil Vicente) as histórias da literatura e da música portuguesas se encontram e interpenetram. A influência francesa (nomeadamente provençal) é insofismável nesse belo período da nossa cultura, mas seria errado vê-lo como simples importação de além-_Pirenéus (29). Parece certo que o verbo "trovar" descende de tropare, ou seja, "realizar tropos": composições literário-musicais que se intercalavam nos textos litúrgicos. Supõe-se que a prática do tropo fora iniciada, na música eclesiástica ocidental (sabemos de precedentes bizantinos), no Convento de St. Gall, no século IX. Era uma porta que se abria do formalismo litúrgico para a liberdade da criação artística, e o *tropo* veio a assumir enorme importância na história da composição musical; e até, na do teatro, através do "drama sacro" medievo. É intuitivo que o vulgo identificasse com a palavra *tropare* toda e qualquer acção de composição musical artística. Trovador seria todo aquele que a praticasse. Como é sabido, os trovadores pertenciam, em regra, à classe nobre. Alguns eram reis, entre eles os portugueses D. Sancho I e D. Dinis. A sua arte é eminentemente lírica, consiste em cantos geralmente acompanhados a instrumentos, sobre versos na língua galaico-portuguesa. A atitude que reflecte, de algum modo surpreendente pela sua delicadeza em tempos tão agitados e marcados ainda de primitivismo, torna-se mais compreensível se atendermos a que já nessa altura os poderes temporais e espirituais da Europa sentiam que lhes era necessário fomentar a cultura, reprimindo embora todas as perigosas heresias. O movimento favoreceu as manifestações trovadorescas, desabafos de sentimentos essencialmente humanos, amorosos e saudosistas. Um movimento que, intensificado por vários factores económico-sociais, inclusivamente pelos Descobrimentos, desaguou no magnífico estuário a que chamamos o Renascimento (30).

Os cancioneiros galaico-portugueses da Ajuda, de Colocci-_Brancuti e da Vaticana privam-nos de informação musical além da que fornecem as iluminuras. :, Segundo Carolina Michªaelis de Vasconcelos (31), é provável que um cancioneiro de amor, um livro dos cantares de amigo e um cancioneiro de burlas constituíssem, cada um de *per si*, um *in-folio* com notação musical. Na falta deles, podemos hoje fazer uma ideia do que eram os cantos dos nossos trovadores através das *_Cantigas de Santa Maria*, de Afonso-o-_Sábio, de Castela (1226-1284), avô de D. Dinis. São 423 "*cantares de loor de Santa Maria*", como o próprio Afonso X lhes chamou no seu testamento de 1284 mandando que todos os respectivos livros passassem ao poder da igreja, onde os seus restos fossem sepultados, e que os fizessem "*cantar en las fiestas de Sancta Maria*". Guardam-se em livros preciosos, com admiráveis iluminuras, que talvez sejam posteriores ao reinado de Afonso X. O musicólogo Mons. Anglès conseguiu decifrar os caracteres musicais das 423 cantigas, prestando relevante serviço à investigação historiográfica (32). Pode parecer estranho que trechos de inspiração religiosa, legados a uma igreja, nos esclareçam quanto à música profana cultivada pelos trovadores portugueses. Note-se, em primeiro lugar, que os textos das cantigas são em língua galaicoportuguesa, talvez por ser a que em Castela se considerava o idioma poético por excelência. Pertencem incontestavelmente à mesma cultura em que nasceu a poesia portuguesa e que Afonso conhecera de contacto directo, enquanto vivera na Galiza. Por outro lado, as cantigas formam uma espécie de compilação enciclopédica, reunindo todos os géneros de que o monarca teve conhecimento, praticados por artistas franceses, castelhanos, lioneses, galaico-portugueses, árabes, judeus e outros. Foram recolhidas por uma equipa de colaboradores, poetas e músicos de nomes hoje desconhecidos, castelhanos ou de diversas origens, decerto os mais competentes que o rei encontrou disponíveis. Um ou outro cantar terá sido recolhido, ou mesmo composto, pelo próprio Afonso X. Na sua maior parte, as cantigas narram os milagres da Virgem, ou tecem-lhe louvores. O que, diga-se de passagem, não é incompatível com o ideal trovadoresco, antes se nos apresenta como interessante e muito castelhana sublimação da dama, objecto das trovas, na pessoa sobre todas venerada da mãe de Cristo. Mas aparecem também outros temas, menos adequados à Igreja. E se os textos literários nos permitem relacioná-los com a arte trovadoresca, o mesmo sucede com a música, que é o mais de tratar no presente livro. São linhas vocais monódicas, dobradas por instrumentos, cujos desenhos derivam umas vezes de maneira nítida do canto gregoriano, outras menos claramente, mas a ele ligadas pelo seu modalismo, outras ainda revelando origem popular, muito tendentes para o modo maior moderno e de marcado sabor castelhano. Todos estes caracteres pertencem à arte trovadoresca, que a moderna musicologia se inclina a admitir como resultado, não exclusivamente dos tropos da Igreja, nem de costumes franceses, nem da influência árabe, mas sim de uma combinação de todos estes movimentos, integrando outros elementos, nomeadamente os folclóricos. O mais difícil na decifração dos caracteres musicais que se contêm nos livros das cantigas (excepto um, em que não existem) foi a exacta reconstituição do ritmo. Neste capítulo subsistem ainda sérias dúvidas. Teóricos medievais codificaram os diferentes padrões rítmicos que se praticavam, geralmente chamados modos rítmicos e que se não devem confundir com os :, modos melódicos. Todos eles são ternários e supõe-se derivarem da métrica da prosódia clássica. Os mais importantes, na música dos trovadores, parecem ser o trocaico (em símbolos musicais uma mínima acentuada, seguida de semínima), o iâmbico (semínima acentuada e mínima) e o dactílico (mínima com ponto, acentuada, semínima acentuada e mínima). Este último, espécie de sobreposição de ternário e binário conciliável com o moderno compasso 6/4, é o que Monsenhor Anglès considerou o mais consentâneo com a música e os textos literários

das cantigas. Outra característica da arte trovadoresca é a variedade formal, associada ao emprego de estribilhos, talvez por influência do zajal árabe e, sem dúvida, relacionado com os virelais e baladas de trovadores e troveiros franceses. *_Ozajal*, ou *zejel*, de que Ibn Kuzman (ou Abén Guzmán, c. 1080-1160) foi um dos cultores, era já caracterizado pela alternância de um refrão e diferentes estrofes. Não tinha, porém, certos paralelismos entre estas e aquele, próprios dos *virelais* e de trechos afins das duas penínsulas que, aliás, também neste aspecto apresentavam uma considerável variedade formal. Transcreve-se a seguir uma das *_Cantigas de Santa Maria ("Rosa das Rosas")*, na versão de Monsenhor Anglès. O modo rítmico é o dactílico, a forma pertence ao tipo da balada e pode assim esquematizar-se: Claramente trovadoresca é a 4.a estrofe desta cantiga: *_Esta Dona que tenno por Sennor et de que quero seer trobador, se en per ren poss'auer seu amor, dou ao demo ou outros amores*. Rosa das rosas et fror das frores, Dona das donas, Sennor das Sennores. :, As mais antigas monódias profanas peninsulares que estão decifradas dizem de algum modo ainda mais respeito à história da música portuguesa do que as *_Cantigas de Santa Maria*. São as *_Siete canciones de amor* atribuídas a Martin Codax, trovador (ou jogral?) da Galiza (33). Conhece-se a música de seis das canções, através de um documento a cujo valor musicológico se puseram reservas. As monódias contêm três elementos, um dos quais servindo de estribilho. Talvez as suas semelhanças aparentes com as preces moçárabes signifiquem uma influência, mais importante do que em geral se admite, da anterior música hispânica sobre a trovadoresca (34). Os jograis Os jograis eram gente de extracção baixa e costumes pouco recomendáveis, que sabiam tanger instrumentos, fazer sortes de malabarismos e outras habilidades, dançar, contar histórias, divertir, em suma, as populações das terras por onde andavam. A sua hierarquia social era inferior à dos nobres trovadores, que os contratavam para os acompanharem em suas trovas tocando algum instrumento dos que vemos nas iluminuras dos cancioneiros: alaúde, guitarra mourisca ou latina, rabé (palavra árabe que denominava um instrumento de arco e que deu o nosso vocábulo *rabeca*), órgão portátil (com o fole comandado pela mão esquerda do executante, enquanto a direita premia os comandos, um de cada vez, sem que mais fossem necessários, visto tratar-se de música monódica), sinfonia (de onde *sanfona*), flauta, trompa, castanholas, tamborete e outros, de corda, sopro ou percussão. Os jograis não podiam divulgar as composições dos trovadores seus patrões sem autorização expressa destes. Como se vê, a ideia dos direitos de autor não é nova (35). Entre os jograis também se definia uma escala hierárquica, que algumas autoridades medievais peninsulares se esforçaram por fixar, em defesa dos bons costumes. Um texto nesse sentido, do século XIII, chama jograis só aos que tangiam instrumentos, remedadores aos especialistas em imitações, *segrieres* (grau intermédio entre trovador e jogral que parece ter sido exclusiva pertença galaico-portuguesa) aos que se apresentavam nas cortes e *cazurros* aos mais falhos de boas-maneiras, que recitavam sem sentido e ganhavam a vida, com pouca honradez, por praças e ruas das povoações. Nenhum destes podia confundir-se com o trovador, que sabia trovar verso e música, fazer danças, coplas e baladas. O verdadeiro trovador, aquele com direito a ser chamado "*don doctor de trobar*", deveria compor versos perfeitos e de bom ensinamento, mostrar os caminhos da honra, da cortesia e do dever, declarando os

casos duvidosos. Os jograis dependiam até certo ponto dos trovadores, que lhes pagavam para os acompanharem e louvarem suas composições. Mas também tinham outras fontes de receita, inclusivamente em festas de igreja em que participavam. Aquela diferenciação entre jograis propriamente ditos, remedadores, segréis, etc., está longe de ser completa. Poderíamos distinguir :, entre jograis cristãos, mouros e judeus, ou entre leigos e religiosos, e lembrar que também mulheres entraram nessas diversões como *jogralezas* ou *soldaderas*. Mais útil é talvez sublinhar que os diferentes tipos de jograis se mesclavam e que as distinções entre eles só eram compartimentos estanques na letra dos que queriam submetê-los a regras. Esse empenho, pressupondo uma certa aversão e, ao mesmo tempo, um não querer (ou não poder) acabar com a joglaria, traduz a sua importantíssima e múltipla função na sociedade medieval. O próprio S. Tomás de Aquino reconheceu a utilidade dos histriões, uma vez que as diversões também são necessárias ao homem. Para não pecar, o histrião deveria no entanto ser discreto, usando moderadamente dos seus jogos e poupando-se a ditos inconvenientes. Os Jograis, além de divertirem reis e senhores, eram portadores de notícias. Traziam-nas e levavam-nas, faziam óptima publicidade, se bem lha pagassem, divulgando os grandes feitos dos monarcas (por isso os chamados *jograis de gesta* foram tidos em muita conta), as belezas dos países, os esplendores dos reinos. Também podiam ser terrivelmente mordazes, principalmente os imitadores e cazurros, que há pouco vimos classificados abaixo dos outros. Mas a esses também couberam lugares nas cortes, como bobos. Os jograis constituíram assim uma espécie de imprensa medieval, desempenhando funções que mais tarde viriam a ser de jornais e revistas, com suas secções políticas, sociais, religiosas, noticiosas, publicitárias e humorísticas. Para que o paralelo seja perfeito, até censura houve (36): uma ordenação real francesa, de 1395, proibiu aos autores de canções "*et a tous autres ménestriers de bouche et recordeurs de ditz*" que, nos seus ditos, rimas e canções, falassem do papa, do rei ou dos senhores de França, relativamente a questões da Igreja. Na corte dos reis medievais portugueses, abundaram trovadores e jograis. Houve-os já na de Afonso Henriques, que decerto aprendera na de seus pais a apreciá-los e tirar deles proveito. Há uma tradição segundo a qual o nosso primeiro rei teria recebido na sua corte o afamado trovador francês Marcabru. Em 1193, D. Sancho I dá um casal aos dois jograis irmãos Bonamis e Acompaniado, que reconhecem num termo escrito: "nos, mimi supra nominati, debemus domino nostro regi pro roborationi unum arremedillum." ("nós, mimos acima mencionados, devemos ao senhor nosso rei um arremedilho para efeito da ratificacão"). Note-se a denominação de mimi (plural de *mimus*), a mesma dos actores ambulantes, que, como vimos, andaram pela Península desde muito tempo antes da época trovadoresca. Nos reinados seguintes, mantêm-se os costumes trovadorescos e jogralescos. Tinha a monarquia portuguesa cerca de um século quando nela se decretaram as primeiras ordenações de que temos conhecimento, limitando o número de jograis que o rei podia sustentar entre a sua criadagem, cujos cantares e execuções em instrumentos se contavam entre os folguedos de que os monarcas necessitavam para alívio "de pesares e de cuidados". No ano de 1258 o regimento da casa real de D. Afonso III estabelece que o monarca mantenha na sua corte três jograis apenas e fixa em cem maravedis o máximo que poderia dar a jogral ou segrel que viesse, a cavalo, de outras terras. Não devia haver nenhuma soldadera permanente no palácio, e as que :, estivessem de passagem não poderiam demorar mais de três dias. Outra disposição, esta de 1261, fazia que, quando uma soldadera fosse convidada a comer em casa do rei, não levasse consigo sua manceba ou criada, nem algum homem que a acompanhasse. Regulamentações curiosas emanaram do concílio de Valhadolide de 1228, que proibiu aos clérigos a companhia de jograis. Embora no nosso reino a orientação das

autoridades eclesiásticas não pudesse ser outra, por certo não conseguiu impor-se completamente, porque um bispo de Silves, cento e poucos anos depois, aponta mimos, jograis, bufões, etc. entre os membros corrompidos da Igreja. Não podemos duvidar de que também em Portugal houvesse clérigos dados à vida jogralesca. Mas esses "escolares vagabundos" ou goliardos não deixaram na Península nenhum traço semelhante aos *_Carmina Burana*. Poderíamos, à míngua de dados musicais, espraiar-nos em aspectos e episódios ligados à arte de trovadores, segréis, jograis, menestréis, bufões, soldaderas, goliardos e todos quantos -- aspectos e episódios muito interessantes e pitorescos, mas incomportáveis no presente trabalho (37). Quanto à música, resta-nos arriscar alguns comentários forçosamente apoiados na muito mais documentada investigação literária. Presumíveis particularidades galaico-portuguesas É de admitir que a arte musical de trovadores e jograis galaico-portugueses fosse mais simples do que a dos seus colegas vizinhos dos Pirenéus. As formas dos seus cantares seriam menos elaboradas do que as dos afamados cultores estrangeiros, que deviam ser solicitados por todas as cortes e haviam de preferir queda -se pela de Castela e outras a aventurar-se em mais longas viagens, eriçadas de perigos e não compensadas pelos pagamentos. Já aqui entra o factor geográfico, influente na história da música portuguesa. Podemos, portanto, presumir uma invenção musical muito chegada ao canto gregoriano, com os seus modos melódicos, cingida aos modos rítmicos ternários mais singelos e, por outro lado, próxima dos cantos e bailes populares. Se assim era, devemos lamentar principalmente a falta de documentos que nos dessem destes últimos exemplos, lançando alguma luz sobre o primitivo folclore musical português. A simplicidade formal não implica todavia desvalor artístico, e nada nos obriga a atribuí-lo aos nossos cantores e tangedores medievos, alguns dos quais, como certo Lourenço amigo de polémicas, se encarregaram de enaltecer os seus próprios méritos. Primeiras manifestações de orgulho e vaidade que não ficarão únicas nos oito séculos e pico de música portuguesa. Eis uma tenção de maldizer em que o jogral Lourenço, ao serviço do trovador galego João Garcia de Guilhade, responde ao ridicularizante menosprezo do patrão, levando este a ameaçá-lo de lhe partir o citolão na cabeça: -- Lourenço jograr, ás mui gram sabor [gosto] de citolares, ar queres cantar dês i ar filhas-te log'a trobar, e té est'ora já por trobador. E por tod'esto üa rem [coisa] ti direi: Deus me cofonda se oj'eu i sei destes mesteres qual fazes melhor. -- Joam Garcia, soo sabedor de meus mesteres sempre deantar e vós andades por mi os desloar, pero nom sodes tam desloador que com verdade possades dizer que meus mesteres nom sei bem fazer. Mais [mas] vós nom sodes i conhocedor. -- Lourenço, vejo-t'agora queixar pola verdade que quero dizer: metes-me já por de mal conhecer,

mais [mas] eu nom quero tigo polejar. E teus mesteres conhecer-tos-ei, e dos mesteres verdade direi: ess'é que foi com os lobos arar. -- Joam Garcia, no vosso trobar acharedes muito que correger, e leixade-mi, que sei bem fazer estes mesteres que fui começar. Ca'[pois que, porque] no vosso trobar, sei-m'eu com'é: i á de correger, por boa fé, mais que nos meus, em que m'ides travar. -- Vês, Lourenç'ora m'assanharei, pois mal i entenças, e todo farei o citolom na cabeça quebrar. Joam Garcia, se Deus mi perdom, mui gram verdade dig'eu na tençom e vós fazed'o que vos semelhar. (38) No último verso, o jogral Lourenço insinua que o ruído da instrumental agressão havia de ser parecido com os sons de que João Garcia de Guilhade fazia a sua arte de trovar. É claro que o verbo *citolar* significava tanger *cítola*, instrumento da família das guitarras, de corpo em forma de pêra e cordas metálicas, dedilhadas ou tocadas com plectro. Dentro da terminologia trovadoresca, *citolom* (citolão) tem sido interpretado como forma pejorativa de cítola. É no entanto possível que o aumentativo correspondesse às dimensões do instrumento e ao maior número de cordas. :, A importância do estado ou classe social não se reflectia só na distinção entre os trovadores e os jograis. Numa cantiga de maldizer, D. João Soares Coelho mostra bem como o saber trovar não bastava ao mesmo João Garcia Guilhade para poder dirigir-se em verso e música a damas de alta condição: Joam Garcia tal se foi loar [gabar] e enfenger que dava sas doas [presentes, dádivas] e que trobava por donas mui boas [de grande categoria social], e oí end'o meirinho queixar, e dizer que fará, se Deus quiser, que nom trobe quem trobar nom dever por ricas donas, nem por infunçoas. Por outro lado, mulheres insuficientemente graúdas não podiam ser objecto da inspiração dos trovadores de coturno. Contra o que as visadas não deixavam de protestar: E oí noutro dia eu queixar üas coteipas [mulheres de baixa condição] e outras cochoas [porcas] e o meirinho lhis disse: -- Varoas, e nom vos queixedes, ca [porque], se eu tornar, eu vos farei que nenhum trobador nom trobe em talho [a preceito, em boa forma], se nom de qual for, nem ar trobe por mais altas pessoas; Trovador e dama tinham, portanto, que ser do mesmo nível social. Deve ter sido principalmente a este que D. João Soares Coelho se referiu ao destacar os "melhores trobadores". O critério da fidalguia medieval, em matéria de hierarquia artística, não se extinguiu entretanto por completo, com o andar do tempo. Ocorre lembrar

aquele aristocrata que definiu Beethoven como "músico de talento, mas *ordinarote*". Ca manda 'l-rei, por que á em despeito que trobem os melhores trobadores polas mais altas donas e melhores, e tem assi por razom com proveito; e o coteife que for trobador trobe, mais [mas] cham'a coteifa senhor, e andaram [andarão] os preitos com dereito. Havia código jurídico aplicável, como se vê. E tão pouco escaparia à pena o vilão que, em trovas, tratasse a mulher por senhora: E o vilão que troubar souber, que trob'e e chame senhor sa molher, e averá cada um seu dereito. :, Está claro que não era só, nem principalmente, nos domínios da poesia e da música que o rei exigia comportamentos individuais conformes às respectivas classes. No princípio do século XIV, cerca de cem anos depois da escritura destes versos, os nobres que, para não morrerem de fome, se dispuseram a trabalhar como se fossem vilãos, viram-se condenados a não ter "honra de filhos de algo" enquanto não fizessem "vida de filhos de algo". Quanto aos vilãos que se atrevessem a fazer vida de fidalgos, para esses, desde longa data havia penas estabelecidas e de efeito mais corporal. Muito interessante seria sabermos se práticas poéticas supostas características da nossa cultura trovadoresca e jogralesca corresponderiam a particularidades musicais. Haveria alguma coisa de específico na música para cantares de amigo, de escárnio e mal-dizer, ou para a maneira sugestiva por que histriões portugueses e galegos chamavam as pessoas do auditório a partilharem de seus sentimentos ("senhores", "varões", "eu vos direi", "amigos, direi-vos mais...")? Teriam essas fórmulas literárias correlações na música (39)? Em Portugal a arte trovadoresca floresceu ainda depois de, em França e algumas regiões espanholas ter entrado em decadência. Basta citar D. Dinis, que viveu os últimos vinte e cinco anos da sua vida já no século XIV. O desfasamento da nossa música em relação às mais actualizadas estrangeiras é outra consequência da posição geográfica que, aliada a diferentes factores, virá a produzir-se reiteradamente até os nossos dias, com exemplos frisantes na polifonia do século XVII, na introdução da ópera e, mais tarde, do estilo clássico vienense, no nacionalismo serôdio de fins de Oitocentos, e no hodierno alheamento do dodecafonismo serial, da música concreta e da electrónica. Nem sempre foi, ou é, um mal de lamentar, mas desfavoreceu por certo muitos possíveis movimentos de interesse e debilitou a vitalidade dos que vingaram (40). Se bem que a arte trovadoresca e jogralesca tenha decaído, nunca de todo se dissolveu a sua tradição ao longo da segunda dinastia. Situam-se na sua linha muitas das mais representativas manifestações poético-musicais renascentistas. CAPÍTULO III ENTRE IDADE MéDIA E RENASCIMENTO Manifestações precoces do espírito renascentista. A música polifónica.

Nenhuma distinção entre períodos contíguos da história pode fazer-se a corte de faca. Não é possível dizer onde acaba a Idade Média, onde começa o Renascimento na história da música portuguesa. E, para compreendermos que se trata de estados culturais diferentes, na sucessão do *continuum* evolutivo, é mister sair um pouco do domínio musical e dos limites geográficos da nossa terra. O alto medievalismo -- os séculos XI a XIV e princípios do seguinte -- não foi uma idade de trevas. Os anos 200, em especial, constituíram uma época brilhante da cultura europeia, com muito da ânsia de conhecimento que virá a ser vincada característica renascentista. Esse florescimento intelectual, que aliás tinha precedentes já no primeiro milénio da nossa era, resultou em grande parte da necessidade de prover a administração pública de pessoal competente, liberto, até certo ponto, da supremacia mental eclesiástica. Por isso assume tanto destaque o estudo do Direito, meio de defesa de uma sociedade em crescimento, onde uma nova classe de burgueses vai tomando vulto. Um dos outros estímulos da curiosidade deram-no as cruzadas, com os consequentes contactos com regiões, povos, culturas, fenómenos, usos e costumes que não os habituais e conhecidos -- um processo que, em mais larga escala e com maiores ecos, havia de reproduzir-se por acção dos descobrimentos marítimos, contribuindo para a alta maré renascentista, de maneira a mais evidente no que toca a Portugal. Nas radiações desse esplendor ainda medieval se enquadraram as primeiras universidades -- radiação que, no domínio da música, teve seu principal foco na França. Uma boa administração presidiu, em geral, aos destinos do reino até D. Afonso IV. Mas as limitações que lhe eram inerentes impediram o progresso de actividades não vitais. Se a música polifónica não conheceu, na nossa primeira dinastia, lustre nem de longe semelhante ao de Notre-_Dame, em Paris, não há por isso que censurar muito os reis portugueses, cujo dever era poupar para suprimento das primeiras necessidades dos seus súbditos. A área produtiva do território era pequena, :, desfavorável a situação geográfica, difíceis os transportes, constantes e graves os problemas político-militares, exíguos os recursos económicos. Na verdade, não conhecemos hoje traço de floração polifónica nesse período. E, se bem que possa admitir-se a prática da polifonia incipiente em Portugal, muito antes dos primeiros documentos insofismavelmente comprovativos (parece que o *organum* era conhecido em mosteiros espanhóis desde o século IX), são dignas de especial atenção as notícias de que D. Dinis fundou em 1299 a Capela Real, D. Afonso IV elevou em 1339 para 10 o número de cantores que deviam cantar-lhe diariamente a Missa na mesma Capela e D. Fernando teve ao seu serviço o polifonista francês Jehean Simon de Haspre (também conhecido por Hasprois), para quem pediu em 1378 ao papa Clemente VII o benefício de S. Martinho de Sintra e ainda a notícia de Azurara de uma cerimónia em Ceuta, em 1415, na qual os infantes reais foram armados cavaleiros e, em certo momento "*começaram todolos clérigos em alta voz Te Deum laudamus* muy bem contraponteado, *em fim de qual fizeram todalas trombetas huma soada [...]*". Motivo do atraso musical pode também ter sido a preponderância da austera Ordem de Cister, contrastante com o gosto ornamental da de Cluny. Atribui-se-lhe a ausência de tropos, sequências, *organa*, dentro das práticas musicais religiosas. No entanto, houve em Espanha o intenso foco cisterciense de Las Huelgas, trazendo à Península a arte polifónica francesa, inclusivamente já a da *_Ars Nova*, de mistura com influências locais, trovadorescas e populares. Em 1217 o capítulo-geral da Ordem detister informa que nas abadias de Dore e Tinter se cantava a três e quatro vozes, segundo uso profano (41). A Universidade Em 1290 D. Dinis oficializou o Estudo Geral de Lisboa, no seguimento de diligências

junto do papa, começadas uns dois anos antes, movidas pelo interesse de algumas comunidades eclesiásticas. Foi o princípio da Universidade, em cuja vocação cabia a música (42). Onde quer que na Europa haviam surgido *estudos gerais*, o anterior ensino da música fora ministrado principalmente em grandes mosteiros. Isto desde muito antes da fundação do reino de Portugal. No século XII, um movimento de retorno ao ideal ascético das ordens de Cluny e de Cister diminuía essa acção pedagógica, reduzindoa a fins práticos. Mesmo depois de as normas de austeridade terem voltado a abrandar, a tendência foi para concentrar os estudos teóricos (*especulativos*), nas escolas catedrais. Portanto, além de manterem a tradição gregoriana de *schola cantorum*, estas asseguraram a formação teórico-musical de clérigos e de leigos nobres, habilitados a, ou interessados em, estudos mais profundos (43). Em Portugal as escolas-catedrais desenvolveram-se tarde e não atingiram brilho comparável ao das mais notáveis congéneres estrangeiras. No princípio do século XIII, as poucas escolas monásticas, as mais importantes :, das quais eram as de Santa Cruz de Coimbra e de Alcobaça, sofriam de atraso e falta de estatura cultural. Perto do fim do mesmo século, aquelas duas comunidades e outras (S. Vicente de Lisboa, Santa Maria de Guimarães) solicitaram autorização de Roma para empregarem parte dos seus rendimentos num *studium generale*. Um dos motivos invocados foi o elevado custo da formação de pessoal eclesiástico longe do reino, acrescido dos inconvenientes de outra ordem. Portanto, também em Portugal o novo Estudo foi criado como instituição onde, pelo menos em princípio se ministrava, com maior abertura a leigos, um ensino musical anteriormente circunscrito à Igreja-_Ensino que não devia ser exclusivamente prático (formação de cantores), visto que as maiores autoridades do saber medieval tinham estabelecido que o conhecimento teórico da música era necessário à compreensão das Escrituras. A divisão da música em *especulativa* e *prática* reveste fundamental importância no plano pedagógico das universidades, no século XIII e seguintes. A música especulativa ligava-se à matemática e à astronomia. Era a mais exigente de conhecimentos e inteligência. Constituía uma das *artes liberais* unidas no *quadrívio*. Aquilo que nela se ensinava provinha de escritos tão longínquos quanto indiscutíveis, designadamente os de Boécio e de Guido d'_Arezzo. É certo que as sete artes liberais (as do *trívio* e as do *quadrívio*) se situavam ao menos elevado nível académico das universidades medievais. Mas, por isso mesmo, a sua importância foi enorme. Todos os estudantes tinham, em regra, que passar por elas. É claro que muitos ficavam pelo caminho. Porém, àqueles que pretendiam formaturas superiores -- em Leis, em Medicina, em Teologia -- exigia-se o bacharelato em Artes. E, em princípio, todos aqueles que passavam do *trívio* ao *quadrívio* tinham que aprender música especulativa. Quanto à música prática, também ela entrou muito na vida universitária de então. Música prática era afinal em poucas palavras, aquela que funcionava mesmo como música. Era a que se cantava, e se tocava e se dançava. Era a que se *ouvia*, na acepção plenamente sensorial do termo. Podia haver música prática nas aulas. Havia-a sobretudo fora delas, em circunstancias especiais. Nas ocasiões solenes e festivas, a começar pela abertura do ano lectivo, eram missas cantadas. E também fanfarras de trombeteiros e outros tanjedores. Podia tratar-se do convite, feito através das ruas, para uma cerimónia de investidura académica. Ou do trajecto dum novo doutor, terminado o acto em que recebeu o título. Dentro do carácter corporativo que as universidades em grande parte tinham, também

acontecia determinado grupo de estudantes contratar músicos para lhe prestarem serviços. Por exemplo, os membros da "*nation*" alemã da Universidade de Paris pagaram a um organista para tocar em missas e vésperas. Menos devota era a tradição de Salamanca, segundo a qual até o mais pobre dos estudantes tinha obrigação de arranjar cantantes e um guitarrista para homenagear com uma serenata a verdade dos seus sonhos. Pela proximidade de Portugal, Salamanca merece-nos maior atenção. Fundada em 1215, a universidade parece ter sido a primeira no mundo a :, instalar a música numa cátedra própria. Segundo rezam os estatutos promulgados por Afonso X em 1254, havia um "*maestro en órgano*", com o vencimento de 50 maravedis (44). Este era o menor de todos, cabendo o maior aos professores de Direito. A palavra *órgano* significava provavelmente ciência da música polifónica. Em 1411 a universidade foi reformada e ampliada. Entre as 25 "*cátedras de propriedad*" figurava uma de música. Segundo um estatudo de doze anos depois, os lentes dessas cátedras tinham que ser doutores ou mestres, exceptuados os de Astrologia, Música, Retórica e Línguas, que podiam ser apenas bacharéis. É modesta a organização docente da universidade portuguesa medieval. O regimento de 1309 fala-nos de cinco professores para outras tantas cadeiras; em 1400 o número de lentes sobe a catorze. Antes, em Paris, já eram mais de cem os que ensinavam as Artes, sem falar das outras disciplinas universitárias. Quanto à Música, o seu ensino na universidade fundada por D. Dinis é possível que tenha sido tardio, muito atrasado em relação a outras, inclusivamente a de Salamanca. Sabe-se que em 1323, trinta e cinco anos depois da fundação, D. Dinis concedeu 65 libras ao professor de Música da Universidade. Note-se que um professor de direito podia receber quase dez vezes mais. Não havia diploma para os alunos formados na cadeira, o que deixa supor a diminuta utilidade prática do curso no meio português de então (45). A universidade, que mudou mais do que uma vez de Lisboa para Coimbra e vice-versa, funcionou em precárias condições de instalação, mormente na cidade de origem. E, apesar de ter constituído um meio de promoção sociocultural, não acabou com as idas de estudiosos para fora do reino. Por um lado, um título académico obtido no estrangeiro deve ter sido considerado mais prestigioso. Por outro lado, havia certamente casos em que se tornava indispensável a aprendizagem noutro país. No campo da música, o Estudo Geral pode no entanto ter revestido maior serventia do que deixam supor os documentos hoje conhecidos. Era costume, no âmbito das universidades medievais, pessoas suficientemente aptas nalgum ramo da teoria e da prática, nomeadamente clérigos, darem lições dessas matérias fora do ensino oficial. As lições eram pagas pelos alunos directamente aos professores, em regime particular. Estes podiam inclusivamente ser estudantes necessitados, que ensinavam colegas menos iniciados na arte dos sons ou pessoas da nobreza e da burguesia interessadas em aprender a cantar ou a tanger algum instrumento. O mais natural é que tais lições incidissem muito pouco sobre música especulativa. Além do mais, nem todas as necessidades da Europa exigiam o estudo exaustivo da música, como disciplina do *quadrívio*. E não se vê razão para um grande rigor a este respeito no Portugal do século XIV. Os últimos reinados da dinastia não foram de molde a fomentar o incremento da arte musical sapiente, isto é: polifónica. Antes pelo contrário. No caso de D. Pedro I, a própria índole do monarca se lhe opunha. Os seus músicos preferidos eram uns tais João Mateus e Lourenço Palos, que tiravam sons estridentes de trombetas de prata. Um visitante inglês, Sir Matthew Gournay, foi banqueteado por D. Pedro e teve a desagradável :, experiência de ouvir os seus barulhentos menestréis. Para o acalmar, o rei convocou dois outros músicos, mais suaves, tangedores de guitarra, segundo consta (46).

Novas aragens da dinastia de Avis É muito verosímil que a ligação de D. João I com a casa inglesa de Lancaster e, depois, o casamento de sua filha, D. Isabel, com o duque de Borgonha tenham dado novos e fecundos impulsos à música em Portugal. Talvez a influência inglesa reflicta já o pormenor, menos insignificante do que parece, de as senhoras terem tido pela primeira vez lugar num banquete por ocasião dos festejos pelo casamento de D. João com D. Filipa. Por essa altura houve grandioso cortejo, indo à frente as pipias (47) e as obrigatórias trombetas, muitos outros instrumentos fazendo por certo uma curiosa algazarra -- "tantos, que se não podiam ouvir" --, e, depois, as fidalgas e burguesas casadas, cantando em conjunto, como era costume das bodas. Depois do banquete nupcial, levantaram-se as mesas e começaram os convidados a dançar ao ritmo de singelas canções que, sentadas num baixo estrado ao redor da sala, as senhoras casadas cantavam. O fim de festa foi o passeio das tochas, dança habitual nas bodas. Cavaleiros e escudeiros, com suas damas e todos levando nas mãos tochas acesas, procuravam apagar as dos outros pares e evitavam que lhes apagassem as suas, entre brincadeiras e risos, ao som de música. Durante os lautos banquetes a música era obrigatória, estando os executantes enquadrados pelas mesas, que, segundo o uso medieval, corriam paralelas às paredes e não longe delas. Os *mets* eram os diferentes pratos da ementa. Aos divertimentos que decorriam nos intervalos chamavam, por isso, entre *mets*, de onde a palavra *entremez* corresponde ao *intermezzo* italiano. As iguarias eram trazidas em grande pompa, com trombetas, atabales e o corpo dos menestréis à frente. Depois, eram os posteiros com as suas maças de prata, seguidos dos passavantes, arautos, etc. Os entremezes podiam representar episódios de inspiração religiosa ou profana, com pantomima dos jograis no meio da sala. O programa também podia incluir sortes de cavalaria, pelos mais destemidos guerreiros, com corcéis e cavaleiros de carne e osso junto dos comensais. Quando do consórcio de D. Isabel com o duque de Borgonha, houve ceia de grande estilo no Paço da Alcáçova, em Lisboa, ordenada por D. João I. E sabemos que "nesta ceia deu o senhor infante primogénito grandes dádivas e larguezas aos frautistas e menestréis, as quais foram trazidas a cavalo, e altamente publicadas por toda a sala; e tocaram mui concertadamente as trombetas e outros instrumentos". Os músicos, que constituíam uma profissão homologada e que, chamando-lhes *tangedores*, D. Duarte mencionará no seu *_Leal conselheiro* entre os "que usam de algumas artes aprovadas e mesteres" -- físicos (médicos), "cellorgiães" (cirurgiões), marchantes, armeiros, ouriços... --, e "aos quais :, convém bem e lealdade e com devida deligência usar de sua boa maneira de viver", os músicos, íamos dizendo, não eram apenas chamados ao serviço do rei. Desde muito antes, outros senhores da nobreza os tiveram permanentemente, como, por exemplo, o conde de Barcelos, filho bastardo de D. Dinis. D. Nuno _álvares Pereira também teve músicos para seu serviço privado: "trazia mui honrada capela e guarnida de ornamentos e vestimentas e bons clérigos e cantores os quais sempre eram prestes." (Fernão Lopes). A música em função da estrutura social Sabendo-se a importância que a burguesia assumiu na resolução da crise da sucessão de D. Fernando, pode parecer estranho o quase total silêncio a que foi votada nos parágrafos acima. Portugal teve, desde cedo, uma classe de comerciantes, mercadores em grande parte ligados ao negócio marítimo. A sua influência aumentou sem dúvida ao longo da dinastia afonsina, mas seria errado admitir que lhe correspondeu, já no princípio da de Avis, uma cultura musical específica. O seu nível intelectual e a sua sensibilidade artística não a diferenciavam ainda do povo propriamente dito.

Por outro lado, entre burgueses e nobres existia uma diferença social. Quando D. João I teve de fazer concessões aos que, possuidores de bens e estando interessados na derrota de Castela, o ajudaram a subir ao trono, o que se deu não foi, nem poderia ser, a emancipação social de toda uma classe, mas sim um processo de alargamento do quadro da nobreza, cujo período de adaptação deve ter tido aspectos cómicos, se não indignantes, aos olhos dos nobres de antiga linhagem. Diz-nos Fernão Lopes: "Parece se levantou outro mundo novo, e nova geração de gentes, porque filhos de homens de baixa condição [...] por seu bom serviço e trabalho neste tempo foram feitos cavaleiros [...] de guiza que por dignidades humanas e ofícios do reino montaram tanto ao diante [...] que hoje em dia [...] são tidos en gran conta." (48) Como íamos dizendo, não obstante o vulto que tinham já as transacções comerciais com outros países (havia habitualmente de 400 a 500 navios no porto de Lisboa, sendo, em grande parte, naus mercantes) e o concomitante progresso da classe média, esta não tinha, e não viria a ter tão cedo, uma expressão musical própria. Sem embargo, os municípios, instituições administrativas que interpretam os interesses dos burgueses (não apenas os comerciantes), tiveram também os seus músicos contratados para as comemorações e folganças. Simplesmente, os sons das trombetas e atabales, das charamelas e cornetas não eram diferentes dos que se destinavam à nobreza. A propósito, convém salientar que até o Renascimento se mantiveram em Portugal pitorescos costumes de contactos sociais característicos da Idade Média. D. João II, quase já no século XVI, ainda comia na presença de quem quisesse entrar na porta franca da sala. Segundo o testemunho de um visitante alemão, quando não havia convidados à mesa, o nosso "Príncipe Perfeito" não se servia de facas se não dos dentes, e partia "com as mãos o pão, como faria el-rei de Polónia, ainda que tivesse faca junto de si". Estes :, e outros sinais que nos chegam, de atrasos em relação a outras cortes, são coerentes com a preponderância permanente, na música portuguesa da transição para o Renascimento, das estrepitosas soadas de trombetas, tambores, sacabuxas, etc. *_Nobreza* (incluindo a corte régia) *_Música profana* Arte trovadoresca e arte jogralesca (resíduos do passado). Fanfarras de pompa e circunstância (trombetas, sacabuxas, charamelas, atabales, tamborins e outros instrumentos). Música de câmara, vocal-instrumental, provavelmente de carácter polifónico e com o emprego, além de instrumentos de corda, de manicórdios ou talvez cravos rudimentares. Danças de nobres, ou de plebeus contratados. Mímica. *_Música religiosa* Cantos litúrgicos, ou outros tradicionais. Raramente outra música, talvez polifónica. Em ocasiões solenes. fanfarras. Eventualmente, representações alusivas a episódios como o da Natividade ou da Paixão. *Outras classes sociais* *_música profana* Arte jogralesca, fanfarras, bailes populares em feiras e outras festividades, amiúde promovidas pelos municípios.

*_música religiosa* As mesmas práticas, mas com menor aparato longe dos centros populacionais importantes ou das residências senhoriais. Antes de abandonarmos por um momento essa *música alta*, que nos sugere curiosos quadros da vida medieval, tem interesse notar que ela teve ainda continuação no século XVI e que as *entradas* ou fanfarras altissonantes que serviam de início a alguma cerimónia de relevo talvez tenham sido as verdadeiras precursoras da *tocata* barroca. Alguns musicólogos inclinam-se hoje a aceitar este ponto de vista, que valoriza a comparticipação ibérica para o fulgor da música instrumental italiana. Um dos dados concretos em que esses investigadores se baseiam é a famosa "*_Tocata*" do *_Orfeu*, de Monteverdi, na qual vêem uma descendente das *entradas* hispânicas (49). _à *música alta* contrapunha-se outra, de limitada amplitude sonora. Também esta não era exclusiva da classe nobre, ainda que nela se cultivasse mais, dentro da tradição trovadoresca, mas, possivelmente, já de carácter polifónico. D. João I de Aragão, em 1387, faz citação muito de notar de um "instrumento chamado exaquier", que desejava possuir, talvez primeira relação peninsular com um instrumento de cordas e teclas do tipo do cravo e da espineta. Esse cravo rudimentar era considerado propício a fazer soar nele as estampidas que certo menestrel de órgãos tinha anotadas para comprazimento do rei. O infante D. Fernando aprendeu a tanger harpa. Seu irmão D. Henrique, na carta para o rei seu pai a relatar o casamento de D. Duarte em Coimbra, diz que, no decorrer das festas, a noiva, infanta D. Leonor de Aragão, cantara acompanhando-se ao manicórdio: "e louvo muito o cantar da Sr.a Infante, et o tanger de manicorde." Era este outro instrumento de cordas e teclas, mas precursor do clavicórdio. O próprio rei dito "de boa memória", no *_Livro de montaria*, afirmou que, quando estava cansado, sentia prazer em "ouvir os mui doces tangeres que fazem os instrumentos" ou em "tomar una formosa dona ou donzela pela mão e dançar com ela" (50). Também na dança se distinguia a *baixa* da *alta*, segundo a música que estabelecia o ritmo, elevando-se os pés do chão mais na segunda do que na primeira. Convém esclarecer que a *música alta* era corrente em todas as cortes europeias da época e que também em Portugal ela coexistiu com a música de *instrumentos baixos*, como as flautas, os cromornes ou as cornemusas. A evolução para uma expressão musical mais subtil, mais elegante, mais civilizada fez-se em termos dum progressivo refinamento da escrita, que em teoria não implicava uma redução do volume sonoro dos meios instrumentais. Só que, na prática, a falta de aperfeiçoamentos técnicos, que vieram muito mais tarde, tornava em geral impossível dar aos novos requintes da composição uma amplitude acústica relativamente grande. O órgão, classificável como *instrumento alto*, constituía um caso de excepção, o que provavelmente concorreu para o prestígio ímpar de que usufruiu, abonado pela Igreja. No período a que nos estamos referindo, a paisagem musical portuguesa desenha-se sobre o esquema indicado na página anterior. De notar é que não havia manifestações puramente musicais. A música era elemento ainda não emancipado. Era ornamento indispensável de toda e qualquer festa, mas misturada com outras artes e divertimentos. Também não existia uma diferenciação nítida entre géneros musicais em função dos instrumentos. Assim como o minério impuro precede o metal isolado, fruto do engenho e do progresso, assim também a mistura de artes e sortes antecede a pura poesia, ou a dança, ou o teatro, ou a música, produtos de culturas evoluídas. Pode dizer-se um longo processo de

diminuição de entropia todo o que, na música europeia, se realizou desde a Idade Média até a organizada diferenciação barroca, atravessando a formosa inflorescência renascentista. :, "Ars Nova" em Portugal? Em princípios do século XIV, surgiu no panorama musical europeu uma arte viçosa e diferente da anterior. A *_Ars Nova* -- assim lhe chamou um dos seus teóricos, Philipe de Vitry, bispo de Meaux -- não foi produto de pura invenção, nascida dentro das quatro paredes de um gabinete. A teoria que então se codificou teve funções de ordenadora de práticas já em uso, o que não significa, evidentemente, que a isso se tivesse limitado; houve também a formulação *a priori* e até o cerebralismo excessivo, não sem parecença com o hodierno dodecafonismo serial. Como geralmente sucede, o teórico Vitry não foi, ele próprio, o maior artista na aplicação das suas directrizes modernas (51). Em resumo, a *_Ars Nova* consistiu no emprego de ritmos binários -- a que chamaram *imperfeitos*, contrapondo-os aos ternários, *perfeitos*, que, como vimos, antes se usaram sistematicamente, firmados em vários arrazoados curiosos, entre os quais o da correspondência com a Santíssima Trindade; na cristalização de certas formas profanas, já diferenciadas das trovadorescas, embora aparentadas ainda com elas (o *virelai*, a *balada*, etc.); na aplicação à música profana de progressos polifónicos realizados no âmbito eclesiástico, envolvendo vozes e instrumentos; e na introdução de maior número de acidentes (sustenidos e bemóis), mormente nas cadências, ou finais de frase musical. No domínio da música religiosa, a *_Ars Nova* especula uma técnica de sobreposição de melodias, litúrgicas ou não, em latim ou em vernáculo. Mas a sua essência era profana, corria portanto paralela a uma das linhas de força da cultura coetânea e continha marcas prematuras mas nítidas do Renascimento. Não lhe faltaram sequer o interesse pela Antiguidade e, por outra banda, uma certa permeabilidade ao elemento popular (52). O maior vulto da *_Ars Nova* foi, incontestavelmente, Guillaume de Machault, cónego de Reims, que tinha viajado muito e que, já encanecido, se prendeu de amores por uma jovem, Pérone. Com o seu contemporâneo Petrarca, foi poeta do amor. Enalteceu os encantos femininos, e essa galantaria é o fundo de todas as suas baladas, *virelais*, rondós, canções reais. No entanto, erigiu também o que certamente se impõe como o maior e o mais admirável monumento de toda a música anterior ao Renascimento: a célebre *_Missa* que se supôs ter sido escrita para a coroação de Carlos V de França e que ainda hoje ouvimos com todas as vantagens que são apanágio das grandes obras de arte. Convém acentuar -- por ser lição prenhe de actualidade -- que Machault *não* foi um sectário raivoso da teoria então moderna, se não que aproveitou dela o que houve por bem, desprezando o resto, mantendo do anterior o prestável à sua intuição de artista, deixando espaço, em suma, para a mobilidade da invenção criadora. Fenómeno semelhante se passará mais tarde com Monteverdi, relativamente à doutrina de Vincenzo Galilei. Reflexos da *_Ars Nova*, mais talvez do seu espírito do que dos pormenores técnicos, chegaram sem dúvida a Portugal, mas, provavelmente, tardios. Balda nacional, regra pouco exceptuada ao longo de toda a história da :, música portuguesa. D. João I, no *_Livro de montaria* e referindo-se aos latidos das suas matilhas de caça, diz que o compositor "Guilherme de Machado nom fez tam formosa concordança de melodias". Esse Guilherme de Machado não era outro se não Guillaume de Machault. O primeiro marquês de Santilhana refere-se também, na famosa carta que escreveu a D. Pedro, infante de Portugal e depois rei de Aragão, a Guillaume de Machault, que "escrivio asymesmo un grand libro de baladas, canciones, rondeles,

lays, virolays et asono muchos dello" (53). Portanto, no segundo quartel do século XV, houve conhecimento em Portugal de que Machault fora um grande compositor. E talvez bastante antes, porque tinha decorrido pouco tempo sobre a sua morte (1377) quando a crónica castelhana de Pero Niño revela a expansão que tinham na península as formas poético-musicais da *_Ars Nova*, falando de graciosas cantigas, saborosos dizeres, notáveis motetes, baladas, rondós, *lais, virelais*, etc. E provável também que, em meados de Quatrocentos, os portugueses musicalmente cultos tivessem conhecimento mais moderno do que então era o da *_Ars Nova* (54). Com efeito, Gilles Binchois e Guillaume Dufay não só foram admirados pela aristocracia espanhola como estiveram em contacto com a esplendorosa corte de Borgonha. Em 1469, esteve em Espanha outro compositor de primeiríssima plana, Johannes Ockeghem. Filipe III, o Bom, duque de Borgonha e conde de Flandres, era casado, em terceiras núpcias, com a infanta D. Isabel, filha de D. João I de Portugal, a quem já nos referimos. As relações de família e o facto de a corte de Borgonha ser então a mais brilhante da Europa no aspecto musical (e não só nesse) deixam admitir uma influência benéfica e estimulante na vida musical portuguesa da época. O poema de Martin Franc intitulado *_Le champion des dames* é dedicado a Filipe, o Bom, e, entre os seus cerca de 24 000 versos, há todo um canto consagrado ao fulgor artístico da corte borgonhesa. Filipe tinha mandado vir da Península Ibérica dois tangedores de viola cegos, chamados Jehan Fernandes e Jehan de Cordoval, artistas que o poeta elogia nestes termos superlativos: J'ai veu Binchois avoir vergogne Et soy taire emprez leur rebelle, Et Dufay despite et frongne Qu'il n'a melodie si belle (55) Não está provado que João Fernandes e João Cordoval (ou Cordovil?) fossem portugueses. Mas como Filipe de Borgonha, ao chamá-los à sua corte, deve ter querido ser agradável à duquesa, sua mulher, pode o episódio significar que Isabel cultivara já em Portugal o gosto pela música profana moderna para o seu tempo. A menos que os encomiados tangedores cegos se distinguissem principalmente de mestres Binchois e Dufay no praticarem uma arte antiquada, o que também é possível. De qualquer maneira, devemos dar desconto ao louvor do poeta, desejoso de agradar ao poderoso duque. Apesar da falta de documentação, os indícios do conhecimento e do gosto :, da *_Ars Nova* e da música subsequente levam-nos a aceitá-los como certos em Portugal, no século xv, antes do florescimento já caracterizadamente renascentista do reinado de D. João II. Música de igreja A música de que nos acabámos de ocupar é preponderantemente para voz, ou vozes, com a participação de instrumentos: violas, guitarras, alaúdes, manicórdios e outros. Não se conhece de Guillaume de Machault nenhuma obra puramente instrumental. Quanto à música só para vozes, onde mais se cultivou foi, sem dúvida, na igreja. A este respeito dispomos de valiosa informação no *_Leal conselheiro*, de D. Duarte, que contém dois capítulos de indicações úteis para a organização e funcionamento das capelas senhoriais. Do primeiro desses dois capítulos depreende-se que a disciplina e o escrúpulo não estavam arreigados nos músicos de capela. Com efeito, D. Duarte recomenda normas de pontualidade e respeito, e também que "aquilo que cantarem seja coisa que todos os que a houverem de cantar bem saibam". Não deverá ser consentido o "rir nem escarnecer enquanto durar o ofício a nenhum que seja, e muito menos aos capelães e

a moços da capela, os quais devem estar mais honestamente que puderem", visto que "fazem serviço espiritual a Deus". Lembra ainda o monarca o ser "muito necessário criarem-se moços na capela, e que sejam de idade de sete a oito anos, de boa disposição em vozes, e entender, e subtileza, e de bom assossego", porque são esses os que vêm a ser bons clérigos e bons cantores. Aos que se tiverem distinguido a aprender a cantar, e que o saibam já bem, há vantagem em ensinar-lhes cantigas, "e isto para às vezes cantarem ante o senhor", isto é: na presença do nobre a cujo serviço estão. Porque isto fá-los-á perder o embaraço no cantar, e esforçar a voz, e ganhar melhor jeito e uma arte mais graciosa. Este interessante conselho mostra não só que, como era de esperar, as cantigas profanas requeriam maior elegância no cantar do que a música religiosa mas também que se considerava bom, na execução desta, que as vozes dos cantores se tornassem maleavelmente expressivas. Gosto claramente orientado pelos ideais renascentistas, que dentro de pouco tempo se haviam de realizar plenamente. D. Duarte chega ao pormenor técnico da maneira de bem produzir e emitir a voz, prescrevendo que devem os cantores guardar-se de "cantar de língua" ou "de desvairamento de boca, mas somente cantem de papo, cada um melhor que puder". _o cantar "de papo" era o emprego dum tipo de colocação da voz que, ao contrário da futura empostação operista, hoje conhecida e admirada de todos os amantes da arte lírica, neo tira partido das ressonâncias de cabeça. Embora implique um menor volume de voz, facilita a ornamentação extremamente ligeira que no século XVI deu pelo nome de *garganta*. :, Preocupa-se o leal conselheiro com as desafinações que poderão afligir os ouvidos nobres do seu reino: "que se não consinta nenhum desacordativo à estante, porque uma corda destemperada [desafinada] é bastante para destemperar um instrumento." Compara assim o conjunto de vozes a um instrumento de corda ou, talvez, de corda e tecla, como o manicórdio que a sua mulher tão primorosamente tangia, no testemunho do infante D. Henrique. Têm muito interesse as alusões mais explícitas ao canto polifónico. Os cantores não deverão entoar notas mais agudas do que as que podem com à-vontade: "não tomem os cantos mais altos dos que os folgadamente puderem levar." E isto não só nas passagens que todos houverem de cantar como nas que forem confiadas só a alguns em especial. Ao insistir nesta recomendação, D. Duarte informa-nos de que era comum, nas capelas senhoriais do seu reino, o canto polifónico a três vozes: "que se conheçam as vozes dos capelães, qual é para cantar alto, e qual para contra, e qual para tenor." E o que tiver voz de alto deve cantar sempre de alto, e o de contra sempre de contra, e o tenor sempre de tenor, "para cada um ser mais certo no que cantar". Não se contentando com isto, acrescenta: "que se conheça quais entre si nas vozes são melhor acordados" (os que melhor se combinam). Porque sabia de algumas vozes que, "ainda que sejam boas, entre si não se acordam bem, e outras que ambas juntas fazem grande avantagem". Os que cantavam de alto eram os de voz mais aguda. Da expressão *contra* (contraalto) descende a designação de *contralto*, que ainda hoje se usa. Eram vozes intermédias na tessitura. Quanto ao *tenor*, que, nos conjuntos a que D. Duarte se referia, cantava as notas mais graves, o seu significado não coincide com o de voz masculina aguda que a palavra hoje tem. A sua acepção ligava-se a uma das que tem o verbo latino *tenere*: "aguentar", "manter". Com efeito, o tenor era quem cantava a linha fundamental do conjunto polifónico, que podia ser uma melodia litúrgica. As vozes superiores aguentavam-se sobre essa base, ornamentando o conjunto sonoro com discantes mais ou menos floreados. Na música polifónica da última fase medieval, de transição para o Renascimento, o tenor, muitas vezes, tinha a

incumbência de repetir continuamente a mesma melodia, enquanto as restantes vozes repetiam outras, segundo regras tanto mais complicadas quanto mais díspares fossem as dimensões dessas linhas melódicas. Semelhantes práticas tiveram certamente influência em formas com baixos obstinados, como as chaconas, *passacaglias* ou folias, que, mais tarde, já no barroco, foram muito utilizadas, se bem que se lhes atribua também outra ascendência, ibérica e até caracterizadamente portuguesa, como a seu tempo veremos. O papel do tenor era tão importante que D. Duarte o menciona, com o capelão-mor, o mestre de capela e o mestre de moços, entre as quatro entidades que "são muito necessárias para a capela". Vejamos agora o que D. Duarte queria dizer quando escreveu: "Devem ser avisados que em qualquer coisa que houverem que cantar, ora seja canto feito ou descanto, declarem a letra daquilo que cantarem, salvo se ela for desonesta para se dizer." E mais: "Em qualquer coisa que cantarem, devem declarar a letra vogal segundo é escrita, e isto porque alguns têm de costume pronunciar mais uma letra que outra naquilo que cantam." O que maior :, estranheza pode causar no leitor é o admitir D. Duarte, na igreja, a hipótese de um canto de letra desonesta, ou indecente, como hoje diríamos. O facto é que, na composição musical para igreja, o *motete* se tornara o género mais em voga, caracterizando-o a sobreposição de letras diferentes, inclusivamente em línguas diversas. As letras podiam ser profanas e mesmo escabrosas. Se a peça era a três vozes, estas chamavam-se (entre outras denominações, como a usada por D. Duarte) *tenor, motetus* e *triplum*. A designação da segunda voz deriva do francês *mot* e sublinha a diversidade das palavras do texto. Como esta era a principal característica da forma, passou a ser conhecida por *motetus*, de onde motete. Ao falar de "canto feito", D. Duarte deve referir-se à melodia fundamental, sendo as outras as do "descanto". Estas, ou eram trechos conhecidos, profanos ou não, ou produtos de uma técnica de improvisação ou semi-improvisação sobre o "canto feito". O princípio de bem articular as palavras era importante de focar, porquanto os cantores se permitiam, nesse capítulo, as maiores liberdades. Aliás, na polifonia de igreja da alta Idade Média e do Renascimento, a inteligibilidade das palavras cantadas parece ter sido tão pouco um cuidado dos músicos quão pouco o é modernamente dos compositores de concertantes de ópera. Do cantar ao mesmo tempo em diferentes línguas também temos alguma experiência, de quando ouvimos um *_Boris Godunov*, por exemplo, cantado por uns em russo e outros em italiano, na mesma récita (56). É, em todo o caso, curioso que D. Duarte se empenhasse em que nas capelas senhoriais do seu reino se entendessem as palavras do canto polifónico. E teve também o cuidado de frisar que a expressão da música devia variar segundo as cerimónias da Igreja: "Ou triste, ou ledo, e segundo os tempos em que estiverem." O emprego de instrumentos musicais na igreja Tudo o que se acaba de transcrever diz respeito a vozes, nada a instrumentos de música. D. Duarte preconiza "que os cantores aprendam o salteiro [saltério], que quando lhes à mão vier algum benefício, que o saibam". Porque "não pode ser bom clérigo se não souber o salteiro". Trata-se do instrumento de cordas chamado *saltério* ou do livro de salmos? A segunda hipótese parece a mais provável, já porque a passagem segue imediatamente à que manda saber "cantar as missas que hãode dizer, e lê-las, e registar o livro", já porque o eloquente monarca se diria obstinado em se não referir a instrumentos, talvez para não suscitar alguma discordância da autoridade eclesiástica. A investigação musicológica tem ultimamente aduzido provas sobre provas do emprego de instrumentos na polifonia religiosa pré-barroca, e desde, pode dizer-se, os seus primeiros tempos. Assim, considera-se hoje que instrumentos se associaram às vozes no *organum* e em formas subsequentes, nomeadamente o motete. Existem mesmo

figurações escritas :, impossíveis de bem realizar por uma voz cantante. A parte de tenor de um motete podia ser confiada a um instrumento, e não só ela. Desde o grande Pérotin da Escola de Notre-_Dame, as duas partes mais agudas de uma polifonia a quatro vozes (o *triplum* e o *quadruplum*) podiam ser instrumentais. Isto, a estarem certas as recentes conclusões de alguns musicólogos (57). A confirmar o emprego de instrumentos está toda uma quantidade de obras pictóricas, inclusivamente em Portugal e, com maior abundância, em Espanha. É certo que muitas vezes, e porventura as mais delas, os executantes que vemos nas pinturas são irreais, anjos frequentemente. Mas, se os instrumentos musicais fossem banidos da igreja por indignos, muito mais o seriam de os tangerem personagens celestes. Com razão se tem observado também que as determinações eclesiásticas opostas ao emprego de instrumentos provam, não o costume de os repudiar de facto, mas precisamente o contrário. Aliás, vários autores se votaram a demonstrar o carácter legítimo da utilização de instrumentos na igreja. Entre outros dados concordantes com a tese instrumental, relativos à Península, é de destacar o decreto de Filipe II, em 1572 (portanto antes de ser rei de Portugal), proibindo aos menestréis o acesso à capela real, provavelmente para satisfazer à Contra-_Reforma. Uma passagem da vigésima sexta constituição dum sínodo realizado no Porto, em 1477, põe muito a claro certas inconveniências que andavam e continuariam a andar muito na companhia de instrumentos musicais: "Que os que fazem vigílias nas igrejas não façam jogos, nem cantem, nem bailem. Porque sabemos por certa informação que nas vigílias que algumas pessoas fazem de noite nas igrejas se fazem muitos pecados de luxúria e muitas desonestidades nos jogos, cantos e bailes que com grande desonestidade fazem e mandam fazer os que tais vigílias ordenam, não é de duvidar que por isso incorrem em grande pecado e na ira de Deus, o qual maldiz a tais festas. Porém mandamos e estreitamente defendemos sob pena de excomunhão que assim homens como mulheres, eclesiásticos e seculares que por cumprir sua devoção quiserem ter vigília em alguma igreja ou mosteiro, capela ou ermida, não sejam ousados fazer nem consentir nem dar lugar que se aí façam jogos, momos, cantigas nem bailes nem se vistam os homens em vestiduras de mulheres nem mulheres em vestiduras de homens, nem tanjam sinos nem campanas nem órgãos nem alaúdes, guitarras, violas, pandeiros, nem outro nenhum instrumento, nem façam outras desonestidades pelas quais muitas vezes provocam e fazem vir a ira de Deus sobre a terra." Várias explicações do silêncio de D. Duarte quanto a instrumentos são presumíveis, além da que se já aventou. Talvez os senhores a quem o *_Leal conselheiro* se destinava não tivessem meios de adquirir o instrumento considerado mais conveniente à igreja -- o órgão, de que havia conhecimento na península, mas que só no século XV começou a conhecer maior expansão --, talvez os preceitos expressos por D. Duarte se limitassem à polifonia então vulgar, a que em Espanha davam o velho nome de *fabordón* (*fabordão*, em português), deixando de parte a *solemniter*, de maior variedade :, contrapontística e quiçá mais mesclada de instrumentos, que acaso se não praticava ainda em Portugal. De qualquer maneira, não é de admitir a total ausência de instrumentos na música religiosa deste período. E é bem possível que os infelizmente perdidos "salmos certos por os finados", que D. Duarte atribui a seu real senhor e pai, se destinassem ao canto com acompanhamento instrumental, ao gosto da *_Ars Nova*. _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco

_publicação em 16 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _terceiro _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6

__capítulo __iii (cont.) A música em função da estrutura social Sabendo-se a importância que a burguesia assumiu na resolução da crise da sucessão de D. Fernando, pode parecer estranho o quase total silêncio a que foi votada nos parágrafos acima. Portugal teve, desde cedo, uma classe de comerciantes, mercadores em grande parte ligados ao negócio marítimo. A sua influência aumentou sem dúvida ao longo da dinastia afonsina, mas seria errado admitir que lhe correspondeu, já no princípio da de Avis, uma cultura musical específica. O seu nível intelectual e a sua sensibilidade artística não a diferenciavam ainda do povo propriamente dito. Por outro lado, entre burgueses e nobres existia uma diferença social. Quando D. João I teve de fazer concessões aos que, possuidores de bens e estando interessados na derrota de Castela, o ajudaram a subir ao trono, o que se deu não foi, nem poderia ser, a emancipação social de toda uma classe, mas sim um processo de alargamento do quadro da nobreza, cujo período de adaptação deve ter tido aspectos cómicos, se não indignantes, aos olhos dos nobres de antiga linhagem. Diz-nos Fernão Lopes: "Parece se levantou outro mundo novo, e nova geração de gentes, porque filhos de homens de baixa condição [...] por seu bom serviço e trabalho neste tempo foram feitos cavaleiros [...] de guiza que por dignidades humanas e ofícios do reino montaram tanto ao diante [...] que hoje em dia [...] são tidos en gran conta." (48) Como íamos dizendo, não obstante o vulto que tinham já as transacções comerciais com outros países (havia habitualmente de 400 a 500 navios no porto de Lisboa, sendo, em grande parte, naus mercantes) e o concomitante progresso da classe média, esta não tinha, e não viria a ter tão cedo, uma expressão musical própria. Sem embargo, os municípios, instituições administrativas que interpretam os interesses dos burgueses (não apenas os comerciantes), tiveram também os seus músicos contratados para as comemorações e folganças. Simplesmente, os sons das trombetas e atabales, das charamelas e cornetas não eram diferentes dos que se destinavam à nobreza. A propósito, convém salientar que até o Renascimento se mantiveram em Portugal pitorescos costumes de contactos sociais característicos da Idade Média. D. João II, quase já no século XVI, ainda comia na presença de quem quisesse entrar na porta franca da sala. Segundo o testemunho de um visitante alemão, quando não havia convidados à mesa, o nosso "Príncipe Perfeito" não se servia de facas se não dos dentes, e partia "com as mãos o pão, como faria el-rei de Polónia, ainda que tivesse faca junto de si". Estes :, e outros sinais que nos chegam, de atrasos em relação a outras cortes, são coerentes com a preponderância permanente, na música portuguesa da transição para o Renascimento, das estrepitosas soadas de trombetas, tambores, sacabuxas, etc. *_Nobreza* (incluindo a corte régia) *_Música profana* Arte trovadoresca e arte jogralesca (resíduos do passado). Fanfarras de pompa e circunstância (trombetas, sacabuxas, charamelas, atabales, tamborins e outros instrumentos). Música de câmara, vocal-instrumental, provavelmente de carácter polifónico e com o emprego, além de instrumentos de corda, de manicórdios ou talvez cravos rudimentares. Danças de nobres, ou de plebeus contratados. Mímica. *_Música religiosa*

Cantos litúrgicos, ou outros tradicionais. Raramente outra música, talvez polifónica. Em ocasiões solenes. fanfarras. Eventualmente, representações alusivas a episódios como o da Natividade ou da Paixão. *Outras classes sociais* *_música profana* Arte jogralesca, fanfarras, bailes populares em feiras e outras festividades, amiúde promovidas pelos municípios. *_música religiosa* As mesmas práticas, mas com menor aparato longe dos centros populacionais importantes ou das residências senhoriais. Antes de abandonarmos por um momento essa *música alta*, que nos sugere curiosos quadros da vida medieval, tem interesse notar que ela teve ainda continuação no século XVI e que as *entradas* ou fanfarras altissonantes que serviam de início a alguma cerimónia de relevo talvez tenham sido as verdadeiras precursoras da *tocata* barroca. Alguns musicólogos inclinam-se hoje a aceitar este ponto de vista, que valoriza a comparticipação ibérica para o fulgor da música instrumental italiana. Um dos dados concretos em que esses investigadores se baseiam é a famosa "*_Tocata*" do *_Orfeu*, de Monteverdi, na qual vêem uma descendente das *entradas* hispânicas (49). :, _à *música alta* contrapunha-se outra, de limitada amplitude sonora. Também esta não era exclusiva da classe nobre, ainda que nela se cultivasse mais, dentro da tradição trovadoresca, mas, possivelmente, já de carácter polifónico. D. João I de Aragão, em 1387, faz citação muito de notar de um "instrumento chamado exaquier", que desejava possuir, talvez primeira relação peninsular com um instrumento de cordas e teclas do tipo do cravo e da espineta. Esse cravo rudimentar era considerado propício a fazer soar nele as estampidas que certo menestrel de órgãos tinha anotadas para comprazimento do rei. O infante D. Fernando aprendeu a tanger harpa. Seu irmão D. Henrique, na carta para o rei seu pai a relatar o casamento de D. Duarte em Coimbra, diz que, no decorrer das festas, a noiva, infanta D. Leonor de Aragão, cantara acompanhando-se ao manicórdio: "e louvo muito o cantar da Sr.a Infante, et o tanger de manicorde." Era este outro instrumento de cordas e teclas, mas precursor do clavicórdio. O próprio rei dito "de boa memória", no *_Livro de montaria*, afirmou que, quando estava cansado, sentia prazer em "ouvir os mui doces tangeres que fazem os instrumentos" ou em "tomar una formosa dona ou donzela pela mão e dançar com ela" (50). Também na dança se distinguia a *baixa* da *alta*, segundo a música que estabelecia o ritmo, elevando-se os pés do chão mais na segunda do que na primeira. Convém esclarecer que a *música alta* era corrente em todas as cortes europeias da época e que também em Portugal ela coexistiu com a música de *instrumentos baixos*, como as flautas, os cromornes ou as cornemusas. A evolução para uma expressão musical mais subtil, mais elegante, mais civilizada fez-se em termos dum progressivo refinamento da escrita, que em teoria não implicava uma redução do volume sonoro dos meios instrumentais. Só que, na prática, a falta de aperfeiçoamentos técnicos, que vieram muito mais tarde, tornava em geral impossível

dar aos novos requintes da composição uma amplitude acústica relativamente grande. O órgão, classificável como *instrumento alto*, constituía um caso de excepção, o que provavelmente concorreu para o prestígio ímpar de que usufruiu, abonado pela Igreja. No período a que nos estamos referindo, a paisagem musical portuguesa desenha-se sobre o esquema indicado na página anterior. De notar é que não havia manifestações puramente musicais. A música era elemento ainda não emancipado. Era ornamento indispensável de toda e qualquer festa, mas misturada com outras artes e divertimentos. Também não existia uma diferenciação nítida entre géneros musicais em função dos instrumentos. Assim como o minério impuro precede o metal isolado, fruto do engenho e do progresso, assim também a mistura de artes e sortes antecede a pura poesia, ou a dança, ou o teatro, ou a música, produtos de culturas evoluídas. Pode dizer-se um longo processo de diminuição de entropia todo o que, na música europeia, se realizou desde a Idade Média até a organizada diferenciação barroca, atravessando a formosa inflorescência renascentista. :, "Ars Nova" em Portugal? Em princípios do século XIV, surgiu no panorama musical europeu uma arte viçosa e diferente da anterior. A *_Ars Nova* -- assim lhe chamou um dos seus teóricos, Philipe de Vitry, bispo de Meaux -- não foi produto de pura invenção, nascida dentro das quatro paredes de um gabinete. A teoria que então se codificou teve funções de ordenadora de práticas já em uso, o que não significa, evidentemente, que a isso se tivesse limitado; houve também a formulação *a priori* e até o cerebralismo excessivo, não sem parecença com o hodierno dodecafonismo serial. Como geralmente sucede, o teórico Vitry não foi, ele próprio, o maior artista na aplicação das suas directrizes modernas (51). Em resumo, a *_Ars Nova* consistiu no emprego de ritmos binários -- a que chamaram *imperfeitos*, contrapondo-os aos ternários, *perfeitos*, que, como vimos, antes se usaram sistematicamente, firmados em vários arrazoados curiosos, entre os quais o da correspondência com a Santíssima Trindade; na cristalização de certas formas profanas, já diferenciadas das trovadorescas, embora aparentadas ainda com elas (o *virelai*, a *balada*, etc.); na aplicação à música profana de progressos polifónicos realizados no âmbito eclesiástico, envolvendo vozes e instrumentos; e na introdução de maior número de acidentes (sustenidos e bemóis), mormente nas cadências, ou finais de frase musical. No domínio da música religiosa, a *_Ars Nova* especula uma técnica de sobreposição de melodias, litúrgicas ou não, em latim ou em vernáculo. Mas a sua essência era profana, corria portanto paralela a uma das linhas de força da cultura coetânea e continha marcas prematuras mas nítidas do Renascimento. Não lhe faltaram sequer o interesse pela Antiguidade e, por outra banda, uma certa permeabilidade ao elemento popular (52). O maior vulto da *_Ars Nova* foi, incontestavelmente, Guillaume de Machault, cónego de Reims, que tinha viajado muito e que, já encanecido, se prendeu de amores por uma jovem, Pérone. Com o seu contemporâneo Petrarca, foi poeta do amor. Enalteceu os encantos femininos, e essa galantaria é o fundo de todas as suas baladas, *virelais*, rondós, canções reais. No entanto, erigiu também o que certamente se impõe como o maior e o mais admirável monumento de toda a música anterior ao Renascimento: a célebre *_Missa* que se supôs ter sido escrita para a coroação de Carlos V de França e que ainda hoje ouvimos com todas as vantagens que são apanágio das grandes obras de arte. Convém acentuar -- por ser lição prenhe de actualidade -- que Machault *não* foi um

sectário raivoso da teoria então moderna, se não que aproveitou dela o que houve por bem, desprezando o resto, mantendo do anterior o prestável à sua intuição de artista, deixando espaço, em suma, para a mobilidade da invenção criadora. Fenómeno semelhante se passará mais tarde com Monteverdi, relativamente à doutrina de Vincenzo Galilei. Reflexos da *_Ars Nova*, mais talvez do seu espírito do que dos pormenores técnicos, chegaram sem dúvida a Portugal, mas, provavelmente, tardios. Balda nacional, regra pouco exceptuada ao longo de toda a história da :, música portuguesa. D. João I, no *_Livro de montaria* e referindo-se aos latidos das suas matilhas de caça, diz que o compositor "Guilherme de Machado nom fez tam formosa concordança de melodias". Esse Guilherme de Machado não era outro se não Guillaume de Machault. O primeiro marquês de Santilhana refere-se também, na famosa carta que escreveu a D. Pedro, infante de Portugal e depois rei de Aragão, a Guillaume de Machault, que "escrivio asymesmo un grand libro de baladas, canciones, rondeles, lays, virolays et asono muchos dello" (53). Portanto, no segundo quartel do século XV, houve conhecimento em Portugal de que Machault fora um grande compositor. E talvez bastante antes, porque tinha decorrido pouco tempo sobre a sua morte (1377) quando a crónica castelhana de Pero Niño revela a expansão que tinham na península as formas poético-musicais da *_Ars Nova*, falando de graciosas cantigas, saborosos dizeres, notáveis motetes, baladas, rondós, *lais, virelais*, etc. E provável também que, em meados de Quatrocentos, os portugueses musicalmente cultos tivessem conhecimento mais moderno do que então era o da *_Ars Nova* (54). Com efeito, Gilles Binchois e Guillaume Dufay não só foram admirados pela aristocracia espanhola como estiveram em contacto com a esplendorosa corte de Borgonha. Em 1469, esteve em Espanha outro compositor de primeiríssima plana, Johannes Ockeghem. Filipe III, o Bom, duque de Borgonha e conde de Flandres, era casado, em terceiras núpcias, com a infanta D. Isabel, filha de D. João I de Portugal, a quem já nos referimos. As relações de família e o facto de a corte de Borgonha ser então a mais brilhante da Europa no aspecto musical (e não só nesse) deixam admitir uma influência benéfica e estimulante na vida musical portuguesa da época. O poema de Martin Franc intitulado *_Le champion des dames* é dedicado a Filipe, o Bom, e, entre os seus cerca de 24 000 versos, há todo um canto consagrado ao fulgor artístico da corte borgonhesa. Filipe tinha mandado vir da Península Ibérica dois tangedores de viola cegos, chamados Jehan Fernandes e Jehan de Cordoval, artistas que o poeta elogia nestes termos superlativos: J'ai veu Binchois avoir vergogne Et soy taire emprez leur rebelle, Et Dufay despite et frongne Qu'il n'a melodie si belle (55) Não está provado que João Fernandes e João Cordoval (ou Cordovil?) fossem portugueses. Mas como Filipe de Borgonha, ao chamá-los à sua corte, deve ter querido ser agradável à duquesa, sua mulher, pode o episódio significar que Isabel cultivara já em Portugal o gosto pela música profana moderna para o seu tempo. A menos que os encomiados tangedores cegos se distinguissem principalmente de mestres Binchois e Dufay no praticarem uma arte antiquada, o que também é possível. De qualquer maneira, devemos dar desconto ao louvor do poeta, desejoso de agradar ao poderoso duque. Apesar da falta de documentação, os indícios do conhecimento e do gosto :, da *_Ars Nova* e da música subsequente levam-nos a aceitá-los como certos em Portugal, no século xv, antes do florescimento já caracterizadamente renascentista do reinado de D. João II.

Música de igreja A música de que nos acabámos de ocupar é preponderantemente para voz, ou vozes, com a participação de instrumentos: violas, guitarras, alaúdes, manicórdios e outros. Não se conhece de Guillaume de Machault nenhuma obra puramente instrumental. Quanto à música só para vozes, onde mais se cultivou foi, sem dúvida, na igreja. A este respeito dispomos de valiosa informação no *_Leal conselheiro*, de D. Duarte, que contém dois capítulos de indicações úteis para a organização e funcionamento das capelas senhoriais. Do primeiro desses dois capítulos depreende-se que a disciplina e o escrúpulo não estavam arreigados nos músicos de capela. Com efeito, D. Duarte recomenda normas de pontualidade e respeito, e também que "aquilo que cantarem seja coisa que todos os que a houverem de cantar bem saibam". Não deverá ser consentido o "rir nem escarnecer enquanto durar o ofício a nenhum que seja, e muito menos aos capelães e a moços da capela, os quais devem estar mais honestamente que puderem", visto que "fazem serviço espiritual a Deus". Lembra ainda o monarca o ser "muito necessário criarem-se moços na capela, e que sejam de idade de sete a oito anos, de boa disposição em vozes, e entender, e subtileza, e de bom assossego", porque são esses os que vêm a ser bons clérigos e bons cantores. Aos que se tiverem distinguido a aprender a cantar, e que o saibam já bem, há vantagem em ensinar-lhes cantigas, "e isto para às vezes cantarem ante o senhor", isto é: na presença do nobre a cujo serviço estão. Porque isto fá-los-á perder o embaraço no cantar, e esforçar a voz, e ganhar melhor jeito e uma arte mais graciosa. Este interessante conselho mostra não só que, como era de esperar, as cantigas profanas requeriam maior elegância no cantar do que a música religiosa mas também que se considerava bom, na execução desta, que as vozes dos cantores se tornassem maleavelmente expressivas. Gosto claramente orientado pelos ideais renascentistas, que dentro de pouco tempo se haviam de realizar plenamente. D. Duarte chega ao pormenor técnico da maneira de bem produzir e emitir a voz, prescrevendo que devem os cantores guardar-se de "cantar de língua" ou "de desvairamento de boca, mas somente cantem de papo, cada um melhor que puder". _o cantar "de papo" era o emprego dum tipo de colocação da voz que, ao contrário da futura empostação operista, hoje conhecida e admirada de todos os amantes da arte lírica, neo tira partido das ressonâncias de cabeça. Embora implique um menor volume de voz, facilita a ornamentação extremamente ligeira que no século XVI deu pelo nome de *garganta*. :, Preocupa-se o leal conselheiro com as desafinações que poderão afligir os ouvidos nobres do seu reino: "que se não consinta nenhum desacordativo à estante, porque uma corda destemperada [desafinada] é bastante para destemperar um instrumento." Compara assim o conjunto de vozes a um instrumento de corda ou, talvez, de corda e tecla, como o manicórdio que a sua mulher tão primorosamente tangia, no testemunho do infante D. Henrique. Têm muito interesse as alusões mais explícitas ao canto polifónico. Os cantores não deverão entoar notas mais agudas do que as que podem com à-vontade: "não tomem os cantos mais altos dos que os folgadamente puderem levar." E isto não só nas passagens que todos houverem de cantar como nas que forem confiadas só a alguns em especial. Ao insistir nesta recomendação, D. Duarte informa-nos de que era comum, nas capelas senhoriais do seu reino, o canto polifónico a três vozes: "que se conheçam as vozes dos capelães, qual é para cantar alto, e qual para contra, e qual para tenor." E o que tiver voz de alto deve cantar sempre de alto, e o de contra sempre de contra, e o tenor sempre de tenor, "para cada um ser mais certo no que cantar". Não se contentando com isto, acrescenta: "que se conheça quais entre si

nas vozes são melhor acordados" (os que melhor se combinam). Porque sabia de algumas vozes que, "ainda que sejam boas, entre si não se acordam bem, e outras que ambas juntas fazem grande avantagem". Os que cantavam de alto eram os de voz mais aguda. Da expressão *contra* (contraalto) descende a designação de *contralto*, que ainda hoje se usa. Eram vozes intermédias na tessitura. Quanto ao *tenor*, que, nos conjuntos a que D. Duarte se referia, cantava as notas mais graves, o seu significado não coincide com o de voz masculina aguda que a palavra hoje tem. A sua acepção ligava-se a uma das que tem o verbo latino *tenere*: "aguentar", "manter". Com efeito, o tenor era quem cantava a linha fundamental do conjunto polifónico, que podia ser uma melodia litúrgica. As vozes superiores aguentavam-se sobre essa base, ornamentando o conjunto sonoro com discantes mais ou menos floreados. Na música polifónica da última fase medieval, de transição para o Renascimento, o tenor, muitas vezes, tinha a incumbência de repetir continuamente a mesma melodia, enquanto as restantes vozes repetiam outras, segundo regras tanto mais complicadas quanto mais díspares fossem as dimensões dessas linhas melódicas. Semelhantes práticas tiveram certamente influência em formas com baixos obstinados, como as chaconas, *passacaglias* ou folias, que, mais tarde, já no barroco, foram muito utilizadas, se bem que se lhes atribua também outra ascendência, ibérica e até caracterizadamente portuguesa, como a seu tempo veremos. O papel do tenor era tão importante que D. Duarte o menciona, com o capelão-mor, o mestre de capela e o mestre de moços, entre as quatro entidades que "são muito necessárias para a capela". Vejamos agora o que D. Duarte queria dizer quando escreveu: "Devem ser avisados que em qualquer coisa que houverem que cantar, ora seja canto feito ou descanto, declarem a letra daquilo que cantarem, salvo se ela for desonesta para se dizer." E mais: "Em qualquer coisa que cantarem, devem declarar a letra vogal segundo é escrita, e isto porque alguns têm de costume pronunciar mais uma letra que outra naquilo que cantam." O que maior :, estranheza pode causar no leitor é o admitir D. Duarte, na igreja, a hipótese de um canto de letra desonesta, ou indecente, como hoje diríamos. O facto é que, na composição musical para igreja, o *motete* se tornara o género mais em voga, caracterizando-o a sobreposição de letras diferentes, inclusivamente em línguas diversas. As letras podiam ser profanas e mesmo escabrosas. Se a peça era a três vozes, estas chamavam-se (entre outras denominações, como a usada por D. Duarte) *tenor, motetus* e *triplum*. A designação da segunda voz deriva do francês *mot* e sublinha a diversidade das palavras do texto. Como esta era a principal característica da forma, passou a ser conhecida por *motetus*, de onde motete. Ao falar de "canto feito", D. Duarte deve referir-se à melodia fundamental, sendo as outras as do "descanto". Estas, ou eram trechos conhecidos, profanos ou não, ou produtos de uma técnica de improvisação ou semi-improvisação sobre o "canto feito". O princípio de bem articular as palavras era importante de focar, porquanto os cantores se permitiam, nesse capítulo, as maiores liberdades. Aliás, na polifonia de igreja da alta Idade Média e do Renascimento, a inteligibilidade das palavras cantadas parece ter sido tão pouco um cuidado dos músicos quão pouco o é modernamente dos compositores de concertantes de ópera. Do cantar ao mesmo tempo em diferentes línguas também temos alguma experiência, de quando ouvimos um *_Boris Godunov*, por exemplo, cantado por uns em russo e outros em italiano, na mesma récita (56). É, em todo o caso, curioso que D. Duarte se empenhasse em que nas capelas senhoriais do seu reino se entendessem as palavras do canto polifónico. E teve também o cuidado de frisar que a expressão da música devia variar segundo as cerimónias da Igreja: "Ou triste, ou ledo, e segundo os tempos em que estiverem." O emprego de instrumentos musicais na igreja

Tudo o que se acaba de transcrever diz respeito a vozes, nada a instrumentos de música. D. Duarte preconiza "que os cantores aprendam o salteiro [saltério], que quando lhes à mão vier algum benefício, que o saibam". Porque "não pode ser bom clérigo se não souber o salteiro". Trata-se do instrumento de cordas chamado *saltério* ou do livro de salmos? A segunda hipótese parece a mais provável, já porque a passagem segue imediatamente à que manda saber "cantar as missas que hãode dizer, e lê-las, e registar o livro", já porque o eloquente monarca se diria obstinado em se não referir a instrumentos, talvez para não suscitar alguma discordância da autoridade eclesiástica. A investigação musicológica tem ultimamente aduzido provas sobre provas do emprego de instrumentos na polifonia religiosa pré-barroca, e desde, pode dizer-se, os seus primeiros tempos. Assim, considera-se hoje que instrumentos se associaram às vozes no *organum* e em formas subsequentes, nomeadamente o motete. Existem mesmo figurações escritas :, impossíveis de bem realizar por uma voz cantante. A parte de tenor de um motete podia ser confiada a um instrumento, e não só ela. Desde o grande Pérotin da Escola de Notre-_Dame, as duas partes mais agudas de uma polifonia a quatro vozes (o *triplum* e o *quadruplum*) podiam ser instrumentais. Isto, a estarem certas as recentes conclusões de alguns musicólogos (57). A confirmar o emprego de instrumentos está toda uma quantidade de obras pictóricas, inclusivamente em Portugal e, com maior abundância, em Espanha. É certo que muitas vezes, e porventura as mais delas, os executantes que vemos nas pinturas são irreais, anjos frequentemente. Mas, se os instrumentos musicais fossem banidos da igreja por indignos, muito mais o seriam de os tangerem personagens celestes. Com razão se tem observado também que as determinações eclesiásticas opostas ao emprego de instrumentos provam, não o costume de os repudiar de facto, mas precisamente o contrário. Aliás, vários autores se votaram a demonstrar o carácter legítimo da utilização de instrumentos na igreja. Entre outros dados concordantes com a tese instrumental, relativos à Península, é de destacar o decreto de Filipe II, em 1572 (portanto antes de ser rei de Portugal), proibindo aos menestréis o acesso à capela real, provavelmente para satisfazer à Contra-_Reforma. Uma passagem da vigésima sexta constituição dum sínodo realizado no Porto, em 1477, põe muito a claro certas inconveniências que andavam e continuariam a andar muito na companhia de instrumentos musicais: "Que os que fazem vigílias nas igrejas não façam jogos, nem cantem, nem bailem. Porque sabemos por certa informação que nas vigílias que algumas pessoas fazem de noite nas igrejas se fazem muitos pecados de luxúria e muitas desonestidades nos jogos, cantos e bailes que com grande desonestidade fazem e mandam fazer os que tais vigílias ordenam, não é de duvidar que por isso incorrem em grande pecado e na ira de Deus, o qual maldiz a tais festas. Porém mandamos e estreitamente defendemos sob pena de excomunhão que assim homens como mulheres, eclesiásticos e seculares que por cumprir sua devoção quiserem ter vigília em alguma igreja ou mosteiro, capela ou ermida, não sejam ousados fazer nem consentir nem dar lugar que se aí façam jogos, momos, cantigas nem bailes nem se vistam os homens em vestiduras de mulheres nem mulheres em vestiduras de homens, nem tanjam sinos nem campanas nem órgãos nem alaúdes, guitarras, violas, pandeiros, nem outro nenhum instrumento, nem façam outras desonestidades pelas quais muitas vezes provocam e fazem vir a ira de Deus sobre a terra." Várias explicações do silêncio de D. Duarte quanto a instrumentos são presumíveis, além da que se já aventou. Talvez os senhores a quem o *_Leal conselheiro* se destinava não tivessem meios de adquirir o instrumento considerado mais conveniente à igreja -- o órgão, de que havia conhecimento na península, mas que só no século XV começou a conhecer maior expansão --, talvez os preceitos expressos por D. Duarte se limitassem à polifonia então vulgar, a que em Espanha davam o velho nome de *fabordón* (*fabordão*, em português), deixando de parte a *solemniter*, de

maior variedade :, contrapontística e quiçá mais mesclada de instrumentos, que acaso se não praticava ainda em Portugal. De qualquer maneira, não é de admitir a total ausência de instrumentos na música religiosa deste período. E é bem possível que os infelizmente perdidos "salmos certos por os finados", que D. Duarte atribui a seu real senhor e pai, se destinassem ao canto com acompanhamento instrumental, ao gosto da *_Ars Nova*. CAPITULO IV O RENASCIMENTO PROPRIAMENTE DITO Antecedentes O reinado de D. Afonso V traz consigo progressos musicais importantes. O próprio rei era dado à arte dos sons. Vários factos o atestam, desde a afirmação de Rui de Pina de que "folgou muito de ouvir música, e de seu natural, sem algum artifício [isto é: sem conhecimentos teóricos] teve para ela bom sentimento", e o cargo que deu a mandatários seus, de o informarem da organização da capela de Henrique VI de Inglaterra, à importante mercê que outorgou a um seu tangedor de alaúde, concedendo-lhe, completamente isentas, as azenhas de Alpiarça, "com toda sua terra, entradas e saídas e chãos", e mais coisas e rendas (58). Conhecem-se, do seu tempo, os nomes de vários mestres de capela, entre os quais Tristão da Silva, de quem voltaremos a falar; de maior número de tangedores de órgão, alaúde, cítola e outros instrumentos (um desses músicos aparece como "mestre de órgãos"); para cima de duas dezenas de cantores, quatro charameleiros, um deles com o título em uso de "rei", que "mandaria em todos eles e os ordenaria tanto nas salas reais como nos campos de batalha, ou contra qualquer parte onde se achassem". E havia ainda o rei dos menestréis, um tal Adriam, a quem D. Afonso passou carta de privilégio para poder andar em besta muar (59). Como se vê, continuava (e havia de continuar) a música alta com preponderância de trombetas. Decerto as houve quando se cantou o ofício "com solfa de canto-chão" do licenciado Álvaro, em acção de graças pela conquista de Arzila, em 1471. 0 referido licenciado Álvaro é o mesmo que compôs os *_Vesperae, matutinum et laudes cum antiphonis, et figuris misicis*. Mais precisamente, trata-se de Álvaro Afonso, o mestre da capela real que D. Afonso V enviou em 1454 a Inglaterra, incumbindo-o de trazer para Portugal uma cópia do rito seguido na capela real inglesa. Cumprindo a ordem, Álvaro Afonso foi portador dum manuscrito elaborado por William Say, decano desta capela, com uma descrição integral da liturgia que nela se observava. Este códice encontra-se actualmente na Biblioteca Pública de Évora (60). Na verdade, a música alta permanece obrigatória nas grandes comemorações, mormente se forem de vantajosos feitos. E parece coisa de ponderar pelos historiadores de pintura o não estar ela figurada nos famosos e :, discutidos painéis atribuídos a Nuno Gonçalves. Sinais insofismáveis de uma continuidade em relação aos reinados anteriores encontramo-los na interessante crónica do cavaleiro Jacques de Lalain (de Borgonha), que esteve em Portugal em 1446 e foi recebido em grande pompa na corte de D. Afonso V, que então se encontrava em Évora. Houve caçada real e festa, na qual "grandes presentes foram oferecidos ao hóspede e muitas sortes, como de tochas, círios e brandões de cera. Trombetas, menestréis e muitos sonoros instrumentos tocavam à moda da terra, e por tal arte, que melhor se não podia fazer, se estivera ali o duque de Borgonha. Longo fora contar-vos os manjares e entremezes que então se viram". Mais tarde, começaram as danças. "Rompeu o sarau el-rei, sendo seu par a rainha. Ninguém mais dançou então. Ao depois chamou o soberano o cavaleiro e convidou-o a que dançasse com sua real esposa. Muito grato

se confessou a tal honra messire de Lalain. Seguiram em continente grandes danças por todo o palácio ao som de melodiosos instrumentos que os menestréis tangiam." (61) Os contactos com a Inglaterra e a Borgonha eram, por aquela época, os mais desejáveis do ponto de vista musical e decerto contribuíram para o maior brilho que estava para vir, mais marcado ainda de espírito renascentista. O mencionado Tristão da Silva, que foi elogiado pelo grande teórico espanhol Bartolomeu Ramos de Pareja, parece ter escrito para D. Afonso V canções polifónicas ao gosto franco flamengo, o mais moderno na época. Perdeu-se lamentavelmente o seu livro *_Los amables da la musica*. Tudo indica, no reinado de o Africano, uma elevação do grau de cultura musical acompanhando o refinamento e europeização, digamos assim, dos costumes da aristocracia portuguesa (62). O início do Renascimento Também o sucessor de D. Afonso V se mostrou sensível aos encantos da música. Afirma Garcia de Resende que foi "singular dançador em todalas danças" e conta, não com excessiva modéstia: "Porque eu começava de tanger bem, me mandou ensinar e me ouvia muitas vezes na sesta e à noite na cama, e me gabava tanto e tantas vezes que eu não cuidava em outra coisa senso em servir e aprender." Resende não só tangia como compunha. O *_Cancioneiro geral* contém dois vilancetes seus ("Coração, Coração Triste" e "Minha Vida"), a que também "fez o som". E uma Dona Esperança que lhe inspirou outro ("Que Me Quieres, Esperança") recebeu-o "entoado tam bem por ele". Prossigamos acompanhando um pouco as festanças de corte, introduzindo-nos na louçã sociedade renascentista. Nos grandes folguedos que D. João II ordenou para assinalar o casamento de seu filho, o infante D. Afonso, houve surpreendentes entremezes nos Paços de Évora, mascaradas (ditas *momos*) em que participavam os mais lustrosos senhores do Reino, um cortejo com um gigante, uma grande nau ao natural, o cisne :, deslizando sobre a água, outras tantas imitações de uma esplendorosa festa que fora dada em Lille pelo duque de Borgonha, em 1453. Podemos também imaginar, ainda que mal, os números de dança, para entretenimento dos convidados, pela moirama que D. João mandara procurar expressamente para o certame. Restos, por certo, de costumes medievais que haviam perdurado e que tão cedo se I ao apagaram por completo (63). A designação de momo teve amplitude semântica variável. Num sentido estrito, parece ter querido dizer mascarada, enquanto no mais lato abrangia tudo o que, estático ou em movimento, se via e ouvia numa sequência espectacular com decoração, trajes, endereços, representação, música e dança. Quando havia uma parte integrante episódica com preponderância da declamação, esta chamava-se *entremez*. Enquanto a música de capela se quedava provavelmente próxima da cultivada nos reinados anteriores -- sendo de notar que, além do órgão, nos chega notícia do emprego na igreja de chamarelas e sacabuxas, no tempo do *_Príncipe Perfeito* --, as artes mundanas conhecem um florescimento como nunca o tinham tido em Portugal. Preciosos auxiliares para que as reconstituamos são os cancioneiros. Mas, antes de nos determos neles, é mister procurarmos alguma razão fundamental dos esplendores que rodearam os ceptros de D. João II e seus sucessores. Influência dos Descobrimentos Iam já em adiantamento as grandes expedições marítimas e, com elas realizava-se o incremento rápido e em largas proporções do tráfego comercial. Desnecessário alongar considerações sobre as consequências de toda a ordem que os Descobrimentos tiveram, operando uma metamorfose da vida portuguesa. Mas importa acentuar que manifestações artísticas tais como as que se verificaram então em Portugal só são possíveis em ambiente próspero, quando nos seus beneficiários se instala a

convicção rósea de uma estabilidade e desafogo administrativos duráveis. Não é ainda neste momento que as classes não aristocráticas aparecem a exprimir-se destacadamente por uma arte musical sua, sendo os motivos essencialmente os mesmos que antes enunciámos. Na classe média acumularam-se todavia grandes fortunas; deuse em Portugal um prolongado inchaço de novo-riquismo. Diz-nos Tiago Sobieski, pai de João Sobieski, rei da Polónia, que visitou Lisboa em 1611:"Entre os comerciantes encontram-se fortunas fabulosas. No interior de suas casas surpreendem as riquezas em tapizes e em pratas. Um comerciante português por nome Bento preparou-me um aposento tão precioso, tão alcatifado", etc. As riquezas provenientes dos novos mercados, assim como as que na Flandres, na Inglaterra, nas cidades do Norte da Itália, provieram das intensas transacções comerciais, não se concentraram exclusivamente fora da aristocracia, longe disso. Uma organização fiscal cuidava de extrair desses proventos largas parcelas e, em Portugal, a intervenção da coroa e da :, nobreza nos negócios mercantis foi particularmente desenvolta. Já D. Fernando, muito antes, portanto, da epopeia marítima, tivera barcos comerciais por sua conta. No primeiro quartel do século XVI, D. Manuel mantinha normalmente umas trezentas naus para os negócios da Ásia, África e América. Houve também a preocupação de introduzir fidalgos nos meandros mercantis, passando por cima de preconceitos sociais, de tal sorte eram sedutoras as perspectivas de ganho material. Pedro Eanes, feitor na Flandres em 1441-1442, passou uma carta de quitação em que se mencionam como donos de navios o conde de Vila Real, D. Álvaro de Castro e o duque de Bragança. O infante D. Fernando, irmão de D. Afonso V, possuía um barco que sabemos ter chegado a Lisboa em 1452, vindo da Flandres. Mais tarde, D. João II ordenou que não se nomeassem oficiais mecânicos como corretores e fretadores, dando como razão o exigirem esses cargos um nível de cultura elevado, não podendo ser exercidos por analfabetos, como realmente o foram. Esta determinação é interessante porque mostra à evidência como as novas condições económico-financeiras tendiam a fazer subir a craveira mental através das habilitações indispensáveis ao exercício administrativo (64). Um dos erros que têm sido apontados na orientação dos magnos negócios desses tempos, e que conduziram a resultados calamitosos, foi o de se ter querido canalizar as novas e copiosas fontes de receita para a organização tradicional de feição aristocrática, organização que podemos chamar *feudal*, no mais largo sentido do termo (na acepção mais restrita, não houve praticamente feudalismo entre nós, como é sabido). Com o vértice encastelado no pequeno reino criado a custo nas centúrias anteriores, cresceu vertiginosamente uma pirâmide invertida, cujas faces se desenvolviam sem termo, como que a pretenderem abarcar todas as opulências do universo. O desmoronamento era fatal, mesmo sem a ajuda de desastres como o de Alcácer Quibir ou a perda da independência. Não podemos ir demasiado além dos limites desta abreviada compilação de índole musical. Basta-nos compreender que o nosso Renascimento, nas artes como nas ciências e outras humanidades, não resultou fundamentalmente do despertar espontâneo da curiosidade e do engenho de nossos antepassados, nem somente da influência estrangeira, senão da reviravolta da economia nacional. Se os contactos com culturas de além-fronteiras, e nomeadamente com os Países Baixos (onde a música continuava sendo a mais brilhante da época), se esses contactos influíram grandemente nas actividades musicais, foram eles também, em parte, consequência dos acontecimentos extramusicais a que nos estamos referindo. Os cancioneiros Procuremos agora, nas páginas dos cancioneiros, evocações do que foram os deleites musicais dos fidalgos renascentistas. São quatro os cancioneiros mais importantes

para o estudo da música peninsular profana do :, tempo. _o *_cancioneiro de palácio*, também chamado de *_Barbieri*, contém 463 peças, que são, na maioria, vilancicos com a principal melodia na parte mais aguda. A colecção abre com um vilancico então famoso, *_Nunca fué pena mayor*, do músico flamengo Johannes Wreede (ou Urrede), de Bruges, que esteve ao serviço do duque de Alba. Supõe-se que o cancioneiro reuna as peças em voga na corte do duque e é possível que ele próprio seja o autor da letra dessa obra que serve de abertura à colectânea. Gil Vicente refere-se a este vilancico nas tragicomédias *_As cortes de Júpiter* e *_A frágua de Amor* (65). Os textos literários do *_Cancioneiro de palácio* são, na maior parte, em castelhano, mas há-os também em italiano, latim, português; francês e basco. Dos autores musicais (que podiam ser simultaneamente literários), o mais em destaque é Juan del Encina, nascido em Salamanca em 1468 ou 1469, filho de um sapateiro, homem de grande talento que veio a ser mestre de cerimónias no palácio do duque de Alba. Segundo o próprio Encina, a maioria das suas obras musicais e poéticas é anterior aos seus 25 anos de idade. O tema que prepondera nos versos do *_Cancioneiro de palácio* é o do amor. Quanto à música, as vozes começam, no geral, simultaneamente e movem-se sempre como que em sequência de acordes, isto é, sem floreados contrapontísticos, à maneira polifónica do princípio do Renascimento. Esta característica pode traduzir a importância que se atribuía à inteligibilidade das palavras. Aqui e acolá as vozes imitam-se, desencontradas, inclusive logo no início da peça. A arte imitativa florescerá nos grandes contrapontistas portugueses, de quem adiante falaremos. O título de *vilancico* vinha de outros tempos, e admite-se que a sua origem esteja na denominação de *cantiga de vilão*, usada na lírica primitiva galega. Associamse-lhe diferentes tipos musicais, monofónicos e, mais tarde, polifónicos, sem ou com mímica. Na Idade Média chamou-se assim o equivalente peninsular do *virelai* francês e da *ballata* italiana, talvez todos descendentes do *zajal* árabe. Com efeito, esses trechos para cantar com acompanhamento instrumental tinham normalmente a forma *_A_B ccab _A_B*. As secções indicadas com maiúsculas constituíam o *estribilho*, as outras a *copla*. Dentro desta, 0 grupo *cc* (uma pequena secção, *c*, repetida) era a *mudança*, visto que estabelecia o contraste com o estribilho. As secções *a* e *b* com que terminava a copla eram reduções do estribilho, e por isso se indicam com as mesmas letras, mas minúsculas. Compreendese, portanto, que ao grupo *ab* se chamasse a *volta*. Todavia, estas denominações não eram taxativas (66). As modificações daquele esquema medieval são pouco profundas, o que talvez demonstre o relativo conservantismo da música peninsular, ou o carácter popular que convinha ao vilancico. Por esse tempo, os músicos italianos tinham praticamente abandonado a *ballata*, a favor da *frottola*, talvez sob certa influência hispânica, através da corte aragonesa de Nápoles. Com relação à forma anterior, o vilancico renascentista parece tender a maior concisão formal, talvez ditada por um gosto de elegância artística. 0 novo padrão seria, com possíveis variantes: *_A_B cca _B*. Note-se que o esquema se ia repetindo, com versos diferentes nas coplas e 08 mesmos no estribilho ou refrão. A simplificação formal diminuía a insistência, considerada talvez :, monótona, na música do estribilho. Característico do *vilancico* parece ser o desencontro entre as rimas de texto poético e as repetições da música. Por outras palavras: os reaparecimentos das rimas dos versos não coincidem sempre com os retornos das respectivas melodias. Mais tarde, no decurso do século XVII, a denominação de *vilancico* aplica-se predominantemente a uma forma religiosa relativa ao Natal (*_Vilancicos de Natividade*), tal como sucedeu em Inglaterra com a cerimónia dita "de carols" (67). O *_Cancioneiro da biblioteca colombina*, de Sevilha, não contém textos em português, o que não quer dizer que todas as suas peças tivessem sido ignoradas

entre nós, porquanto ainda por essa altura o castelhano se falava e escrevia muito em Portugal. O repertório é semelhante ao do *_Cancioneiro de Barbieri*, a polifonia realiza-se as mais das vezes a três partes. O *_Cancioneiro de Upsália* (assim chamado em atenção à cidade onde foi descoberto por um investigador moderno) inclui 54 vilancicos, dos quais os 12 primeiros a duas partes, 14 a três, 22 a quatro e os últimos a cinco. Alguns deles são posteriores aos do *_Cancioneiro de palácio* e a colecção foi impressa em Veneza em 1556 (68). Todas as diferenças relativamente aos outros cancioneiros são no sentido de maior elaboração e variedade. A escrita imitativa é muito mais usada, abrangendo frequentemente todas as vozes. O único compositor explicitamente mencionado é Gombert, músico de relevo que esteve em Espanha ao serviço de Carlos V. Mas sabe-se que Encina também está representado nessa importante compilação de cantares, cujos textos poéticos são, na maioria, castelhanos, quatro em catalão e dois em galaicoportuguês, evocando a velha tradição trovadoresca. Merece-nos especial atenção o *_Cancioneiro musical e poético da biblioteca públia hortênsia*, descoberto pelo erudito musicólogo português Manuel Joaquim, em Elvas. Sem quaisquer indicações de autoria, a comparação com o *_Cancioneiro de Barbieri* revela, contudo, que 4 das 65 peças são de Encina, não sendo este o único ponto de contacto entre os dois códices. Os catorze primeiros compassos de uma das composições de Encina derivam de uma das *_Cantigas* de Afonso, *o Sábio*, a que nos referimos, cantiga essa que tem curiosas parecenças com cantares populares que ainda actualmente se ouvem em Trás-os-_Montes (Vila Real e Vinhais) (69). No *_Cancioneiro da Biblioteca Públia Hortênsia*, os trechos são sempre curtos, a polifonia é simples e a três partes em todos os que se conservam completos, que são em número de 62. Infelizmente, faltam as primeiras 39 folhas do manuscrito e uma outra. A segunda parte do livro tem só poesias, sem música. Os textos poéticos estão escritos uns em português, outros em castelhano, mas provavelmente de autoria portuguesa, outros ainda nitidamente espanhóis. Talvez pudessem ser cantados só por uma voz, correspondente à parte mais aguda da polifonia, sendo as outras duas tangidas em instrumentos. Com efeito, à excepção de uma das peças, todas têm a letra sob essa linha mais alta do conjunto musical. Manuel Joaquim, na notável análise que fez do cancioneiro para a edição que dirigiu, admite que um ou dois versos fossem "cantados, à guisa de refrão ou estribilho, por um coro constituído por pessoas que assistiam aos serões poéticomusicais e a quem a poesia e música do *_Cancioneiro* eram familiares", ou que fosse costume tocar em :, instrumentos um "pequeno ritornelo de estrofe para estrofe, o qual teria por fim dar descanso aos cantores e variedade à execução, no caso de os cantores disporem de mais texto poético". A utilização de instrumentos De qualquer maneira, é caso assente que os instrumentos entraram na música do período que estamos tratando, até porque algumas passagens dos cancioneiros não podem conceber-se cantadas. Admite-se que uma boa parte desses tangeres fosse deixada ao sabor das circunstancias e mesmo da improvisação ou semi improvisação dos tocadores, o que explicará, por um lado, a escassez de informação que possuímos em notação musical e, por outro, o brilho que veio a conhecer na Península a arte da variação em instrumentos de corda dedilhada, ou de tecla, que eram utilizados nos conjuntos com vozes -- com preponderância do alaúde e, cada vez mais, da *vihuela*, a que hoje chamam *viola clássica* (e também *guitarra clássica* ou *hispânica*). Os instrumentos não deviam ser especificados, utilizando-se aqueles de que no momento os músicos dispusessem. Já no século XVII, Monteverdi deixou larga liberdade para a realização instrumental da sua música de ópera. A propósito, observe-se que o gosto peninsular da melodia cantada, com acompanhamento instrumental, precede a monódia expressiva italiana propugnada na *camerata

fiorentina (70). Infelizmente, o *_Cancioneiro geral*, de Garcia de Resende, não junta a música às poesias, mas sabemos que elas eram cantadas e que as vozes podiam ser até quatro pelo menos, imitando-se entre si com maior ou menor rigor, que parece chegava a ser o extremo: o cânone. É o que se supõe ter sido o caso das "trovas que fez D. João de Meneses por letra duma compostura que fez de canto de órgão, que se canta todas três vozes por uma só". "Canto de órgão" não implica a intervenção do instrumento assim chamado; era como em Portugal se denominava a música mensurada ou medida, com as durações relativas de cada nota bem definidas, em oposição às durações vagas, não medidas, do cantochão. Também interessantes, do ponto de vista musical, são os versos "a umas pancadas que deu um tipre [cantor de voz aguda] a um tenor e abade em paga doutras que lhe já dera", onde, entre outras alusões irónicas à profissão de músico, figuram estas: Mas o tipre não cantava, nem aguardava compasso, o tenor mais que de passo suas vozes altas dava. _o rifão: a que del rei, a copra: por deus senhor, a torna: moiro de dor, o vilancete não sei. :, Não convém que nos separemos já do *_Cancioneiro geral* que, impresso em 1516, abunda em informações interessantes sobre a vida cultural palaciana durante a segunda metade do século XV e o princípio do XVI. A intenção de Garcia de Resende transparece do seu prólogo, dirigido a D. Manuel I, onde nomeadamente se lê que "muitas cousas de folgar e gentilezas são perdidas sem haver delas notícia". E Resende especifica: "No qual conto entra a arte de trovar, que em todo tempo foi mui estimada, e com ela nosso senhor louvado, como nos hinos e cânticos, que na santa igreja se cantam, se verá. E assi muitos imperadores, reis e pessoas de memória pelos rimances e trovas sabemos suas histórias; e nas cortes dos grandes príncipes é mui necessária na gentileza, amores, justas e momos; e também para os que maus trajes e invenções fazem, por trovas são castigados, e lhe dão suas emendas, como no livro ao diante se verá." A finalizar, Resende tem o cuidado de separar tais divertimentos dos feitos dignos de transgressão à posteridade: "E porque, senhor, as outras cousas são em si tão grandes, que por sua grandeza e meu fraco entender não devo de tocar nelas, nesta, que é assomemos por em alguma parte satisfazer ao desejo que sempre tive de fazer alguma cousa em que vossa alteza fosse servido e tomasse desenfadamento, determinei ajuntar algumas obras, que pude haver dalguns passados e presentes e ordenar este livro: não para por elas mostrar quais foram e são, mas para os que mais sabem se espertarem a folgar de escrever, e trazer à memória os outros grandes feitos, nos quais não sou digno de meter a mão." Dos passos transcritos já se depreende que a arte poético-musical em questão conservava traços da trovadoresca propriamente dita, sua antepassada. Vejamos agora um pouco o que o *_Cancioneiro geral* nos diz acerca dos assuntos bons para os ócios daquela fidalguia mais ou menos parasitária e da medida em que esta praticava a música. Os assuntos dos poemas Os trechos do *_Cancioneiro* podem dividir-se em dois grupos, um de temas sérios, o outro, muito mais numeroso, de carácter alegre, muitas vezes escarninho. O segundo grupo compreende uma subdivisão de manifestações colectivas, com participação de vários versejadores reunidos em divertida sociedade.

Na primeira categoria encontram-se assuntos como a morte de Inês de Castro e as de D. João II e do seu filho herdeiro, o infante D. Afonso, ou a tomada de Azamor, ou, ainda, as penas amorosas, cantadas em tom elegíaco. Há também traduções de poemas clássicos. Os trechos ligeiros incidem sobre uma grande quantidade de casos propícios à málíngua palaciana, em enorme parte respeitantes a singularidades de traje. Sirva de exemplo este motejo de D. João de Meneses, "em nome das damas", ao conde de Vila_Nova e a Henrique Correa, que, em Agosto, "fizeram carapuças de solia", ou seja, de um tecido de lã: :, Não sei mal que não mereça, quem vos fez tal zombaria, que nos meteu na cabeça carapuça de solia. Se vos enganou Agosto, semos-lh' em obrigação, por fazerdes invenção, de que temos tanto gosto, e de vós não. E mais diz dona Maria, qu'é razão que lh'avorreça a quem metem em cabeça carapuça de solia. A temática tinha bastantes graus de liberdade. Um dos episódios que mais fizeram rir aqueles senhores e damas foi o de "um fidalgo que no serão de el-rei se meteu em uma chaminé e fez seus feitos num braseiro." Entre muitos outros comentários em rima: Se não fora em chaminé, que foi logo pelo vão, pastilhas, lenh'oloé, nem os cheiros de Guiné não bastaram [bastariam] no serão. Porqu'era tão desmedido o grão olor que sa'a, que por fora recendia. A liberdade, em matéria de coisas fúteis, ia muito mais longe podendo tornar-se extremamente brejeira. A um fidalgo que, quando casou, "a primeira noite foi dormir à pousada de João Saldanha": Dom João, depois que ceou potajes, pastes de pote, um rabo de porco achou que, por muito qu'esfregou, não pôde fazer virote. E diz que, por [para] não passar uma vergonha tamanha, que se lançara [lançaria] no mar, se não achara Saldanha. Se bem que o "servir" a damas seja por ventura o mais recorrente dos temas do *_Cancioneiro*, a reputação feminina estava longe de segura, contra toda aquela maledicência. A julgar pelo diploma que Rui Moniz passou, na cantiga em que "aconselha umas senhoras", é de admitir que a vulnerabilidade das donzelas não tardasse muito :, Mas a que o gosta, não lhe pesa nada de ser cavalgada

d'ilharga ou de costa. Passara dos doze, o mais não é cedo, s'amor vos escoze perde-lhe o medo. E, mais adiante: Já se não costuma pedir virgindade, e [ainda] que se presuma, não háhy [a'] verdade. Com mão ou com dedo podeis-vos furar, sem arrecear, nem disso haver medo. De D. João de Meneses, a uma dama que "rafiava" -- isto é, acariciava -- "e beijava Dona Guiomar de Castro: Senhora, eu vos não acho "razão para rafiar e beijar tão sem empacho dona Guiomar, salvante se vós sois macho. Ainda de Fernão da Silveira: Dois gostos podeis levar, senhora, desta meneira, pois acabeis de tudo usar, ser macho para Guiomar, e fêmea para Nogueira. E por isso não vos tacho [censuro], antes vos quero louvar, nos trajos, em que vos acho, podereis vós emprenhar outra mulher como macho. Nem as religiosas escaparam. De Rui Moniz, a três freiras dum mosteiro: Senhoras, vós todas três, porque sois de mui bom tento, por mercê responderes, e isto declarareis em nome desse convento. :, Dizemos cá entre nós, e todos tem por tenção se não é frade: que quem jaz c'uma de vós, que lhe cai arma da mão, se é verdade. Nos últimos versos, o autor usa maliciosamente duma imagem musical: E porque nós não sabemos tão bem arte do cantar como vós, nem n'aprendemos, em grão mercê vos teremos, ensinardes-nos solfar, e mandai tudo num rol, senhoras, por vossa fé, e dizei-nos em be mol, se folgais por mi fásol,

se por ut [dó] ré! Estas transcrições já bastam a demonstrar que a mentalidade e os hábitos das pessoas em causa não eram bem as que dão a entender alguns investigadores e divulgadores tendentes a pintar de azul é oiro tudo o que respeita à aristocracia de outros tempos; e que não correspondiam tão-pouco à impressão de perfeita delicadeza que hoje temos quando ouvimos música palaciana do Renascimento. E não se tome a franqueza destes poucos exemplos, entre os muitos possíveis, como regra geral de comportamento, aplicada a todas as situações. O mesmo *_Cancioneiro Geral* nos elucida a tal respeito, chamando-nos mais de que uma vez à lembrança os "cortigiani, vil razza dannata" da ópera *_Rigoletto*. De Luís da Silveira a D. Nuno Manuel, "estando com el-rei em Sintra e ele em Lisboa". Esperança de proveito faz fingir mil amizades, mui cheias de seu respeito, mui vazias de verdades. _o ódio não aparece, o amor anda de fora: este'é o mundo d'agora; goay[ai] de quem o não conhece! Os rostos andam afeitos a mil dessimulações, tudo são modos e jeitos: só deus sabe os corações. Não háhy [por a'] língua que diga a tenção de seu senhor, da vontade mais i[ni/úniga amostre-ela mais amor. :, Na ajuda que prestou a estas trovas, próprio Garcia de Resende acusou que Todos tiram à barreira d'haver fazenda e dinheiro; ser honrado e cavaleiro não há ninguém que o queira. A maneira mais tentadora de enriquecer era o negócio das especiarias. Estas também forneceram vocabulário aos versejadores. De Afonso Valente, numas trovas que fez a Garcia de Resende: Pareceis mais de setenta cousas posto em gibão, e cais no borizão dum grão fardo de pimenta. E, juntamente com animais cuja menção devia ser excitante, aparecem, numas glosas de Diogo Velho, feitas em 1516, mais mercadorias que não só a pimenta, reflectindo os efeitos das navegações: Ouro, aljifar, pedraria, gomas e especearia toda outra drogaria se recolhe em Portugal. Onças, leões, alifantes, monstros e aves falantes, porcelanas, diamantes, e já tudo mui geral.

Não era só fazenda e dinheiro. Era também a ânsia de honrarias e por parte daqueles que as tinham já em termos de nobreza, a ofensa por tudo o que lhes afectasse os privilégios. É assim que vemos Álvaro de Brito queixar-se ao rei de "três desembargadores que eram juízes d'entre ele e um vilão". Senhor, João, Pero, Luís, três de vossa relação, 0 que deus não quer, nem quis, querem mostrar por razão, querem salvar um vilão, querem condenar a mim, querem fazer por Latim do não sim, e do sim não. Resta saber que razões teria o vilão. Segundo Gregório Afonso, decerto lhe não assistia nenhuma, se porventura estava em causa o seu prestígio social: Arrenego dos vilãos postos em alguma honra. :, O mesmo Gregório Afonso faz figas a mouros e protestantes: Renego também de Fez com toda sua Mourisma. Arrenego desta cisma e revolta do igreja. Os remoques maometanos são muitos, ao longo do *_Cancioneiro*, e não lhes falta a companhia dos que escarnecem de pretos escravos, judeus e cristãos-novos. Por tua grei e na tua lei, morrerás; a Cristo não quitarás, nem no serás, se t'o não mandar el-rei. Roubarás, porás os homens no fio: com dia te trancarás de medo d'algum desvio, e como [quando] achares navio, partirás. Finalmente, deve observar-se que os assuntos das poesias de folgar podem revestir interesses de outra ordem, considerados da nossa perspectiva novecentista. É o caso da longa demanda do *_Cuidar e Suspirar*, exemplo, em forma de pleito judicial, das já referidas manifestações de conjunto, em que activamente participavam muitas das pessoas presentes. É com essa série de perguntas, respostas, acusações, defesas e sentenças que o *_Cancioneiro* começa. A origem esteve em que Nuno Pereira se mostrou muito "cuidoso", enquanto Jorge da Silveira dava muitos suspiros, sendo ambos servidores da senhora dona Lianor da Silva: Vós, senhor Nuno Pereira, por quem és assim cuidando Por quem vós 's suspirando, senhor Jorge da Silveira? Na sua aparente frivolidade, a questão toca num ponto importante da expressão artística em geral, e da musical em particular, relativamente a qualquer época. Qual a expressão que vale mais? A que, retraída, se inibe de desabafos

espectaculares, ou a que se permite os mais ostensivos meios de exteriorização. Quantos compositores, quantos intérpretes podem ser postos de uma e outra banda, como partidários do suspirar e do cuidar. Hãndel e Bach, Verdi e Brahms, Puccini e Debussy, Sarasate e Joachim, Suggia e Casals, Paderewski e Viana da Mota, Titta Ruffo e Fischer-_Dieskau. Uns períodos da história da música têm inclinado mais ao suspirar, outros, nomeadamente o nosso, ao cuidar. Posto que de ambos os lados se :, encontram artistas superlativos, tendemos hoje a considerar a abundância de "suspiros" não só contraproducente como denunciadora da falta de cultura e de bom gosto. Se faz algum sentido aplicar este critério à corte manuelina, é bom sinal que por lá tenha havido quem entendesse que ... da pena, que é cuidar, descanso é suspiros dar, e sa [sua] dor é mais pequena. O papel da música nos entretenimentos palacianos Muitos dos versos do *_Cancioneiro geral* foram com certeza cantados, as mais das vezes, provavelmente, com acompanhamento instrumental. É, porém, igualmente seguro que nem sempre a música se lhe associou. Por exemplo, no *_Cuidar e suspirar*, a seguir a *cantiga*, aparece mais do que uma vez a rúbrica " fala com a dama". Numas trovas em português, Rui Moniz "mete no cabo de todas uma cantiga", em castelhano o que não é caso único no *_Cancioneiro*. Também é possível que os versos de Fernão da Silveira às damas, fingindo-se morto, fossem em parte falados, em parte cantados: ... e canta mui entoada esta letra, que no cós traz cosida: da morte sam [sou] lastimada, porque sempre contra vós fui na vida. Umas trovas de Diogo Marcão, no cabo de cada uma das quais há "uma cantiga, feita por outrém", em português, em castelhano ou numa mistura de ambas as línguas, aparece a expressão *voz erguida*, a marcar provavelmente a passagem da recitação para o canto: ...suspirando com grão pena mui cre[s]cida, mui grave de resistir, comecei em vez erguida: Ó que forte despedida, Ó que pena m'és partir, Ó quam malo es de sofrir, ver enagenar mi vida em poder de quem me olvida! Que a *voz erguida* era própria do canto confirma-o o Fernão da Silveira, nos referidos versos em que se fez morto: :, Quando responso cantar ouvirdes, em voz erguida, ... Um momo que o conde de Vimioso fez "levava por entremês um ando e um diabo, e o anjo *deu* esta cantiga a sua dama". Menos do que transcrever a cantiga, importa dizer que o verbo *dar* se conjugava habitualmente com música por complemento

directo. Não muito mais tarde, Camões confiou-lhe a mesma função. Também essa cantiga, deve, pois, ter sido efectivamente cantada. Outra prova está no "vilancete que fez Pero de Sousa, quando el-rei nosso senhor veio de Santiago, que fez o singular mouro em Santos, o qual vilancete iam cantando diante do entremês e carro em que ia Santiago". O próprio Garcia de Resende se refere assim aos serões de cantigas, numas trovas da corte que lhe pediram: Figueiró é no serão de cantigas, de tenção mais servida que ninguém de três que cantam mui bem: nisto sabereis quem são. É de supor que fossem cantadas, com acompanhamento do pandeiro as glosas de Álvaro Fernandez de Almeida ao vilancete que diz: tango vos, yo, my pandero, tango vos, y penso en al. Acresce que algumas citações poéticas nos indicam, através doutras fontes, a música com que devem ter sido cantadas. É o caso da recorrente "pena maior", sem dúvida alusiva 'at um vilancico com letra do primeiro duque de Alba e música de Johannes Urreda que teve grande voga. A entoação fazia-se em conjunto. Indicam-no um exemplo já apontado e a rubrica duma "cantiga portuguesa" do *_Cuidar e suspirar*, "que cantam todos quatro em favor do cuidado". Além de tudo isto, entram no *_Cancioneiro* autores sobre os quais não há dúvidas de que praticavam a música, entre eles Gil Vicente, o cantor Bastião Costa, que como tal vem mencionado, e, com bastantes referências explícitas, o mesmo Garcia de Resende que, no que respeita à arte dos sons, parece ter sido bom tangedor de instrumentos de corda dedilhada, cantor e compositor. Um dos títulos: "De Garcia de Resende a um propósito em que fez este vilancete, a que também fez o som"; que é como quem diz, cuja música também foi composta por ele. Outro: "Vilancete de Garcia de Resende, a que também fez o som." Ainda outro "Garcia de Resende ao secretário, que lhe disse, porque tangeu e cantou muito bem, que' lhe daria dois pares de perdizes para o papo, e para as mãos dois pares de luvas, e que mandasse a sua casa por tudo; e mandou com esta copla." A Resende, que era muito gordo, se dirigiu D. Francisco de Biveiro nestes termos brincalhões: :, _o redondo de Resende bem m'entende, tange e canta muito bem e debuxará alguém se com isto não se ofende. Na mesma veia lhe trovou Afonso Valente: ... Dizem que tangeis laúd [alaúde],e tocais bem os bê moles [bemoles] e pousais em retrapoles abaixo de gamaúd [gumma-ut] Se tangeis por bê coatrado [bequadro], inflamado como chama, pareceis odre, apojado como mama. ...

"Abaixo de gamaúd" é também expressão irónica. Insinua que Resende descia abaixo da mais grave das notas musicais. Merecem ainda atenção as quarenta e oito trovas que Resende fez por ordem do rei, para tornar mais divertido um jogo de cartas. Em cada uma destas ia escrita uma trova. Os jogadores eram vinte e quatro homens e outras tantas damas. Doze trovas teciam elogios a eles, doze a elas, e as restantes deslouvores, também divididas em partes iguais. Baralhadas as cartas, tirava-se à sorte uma em nome de fulana ou fulano. A trova era lida de alto e a quem acertasse o louvor iria o jogo bem, enquanto no caso contrário se ririam dele, ou dela. Um dos encómios a varões diz assim Eu prezo-me d'escrever e dar conselho nums motos, sei bem cantar e tanger, alguns são em mim devotos. E sam [sou] prezado das damas, estimado dos senhores, e com todos meus favores não lhe[s] tiro suas famas. Auto-retrato? O "sei bem cantar e tanger" convida a supô-lo. Posto isto, há que concluir que a música se juntou muito à poesia nesses passatempos de fidalgos e privilegiados. Mas não como acólita sempre obrigatória. D. Francisco de Biveiro lá teve as suas razões, na resposta a uma troça de Vasco Froes: :, Se se houvera de ensoar ou entoar qualquer graça ou zombaria por vós mesmo eu ousaria entre as outras a gabar. Mas porque as cousas do paço um pedaço às vezes hão-de ir sem som, por isto seria bom tirar-vos dest'embaraço Umas formas poéticas, a começar pelas cantigas, tinham maior afinidade com a música do que outras. Além do que havia por certo quem fosse capaz de versejar, mas não de sofrivelmente cantar ou tanger algum instrumento. Por outro lado, é preciso considerar um aspecto muito importante, sobre o qual o *_Cancioneiro geral* se não mostra informativo: o dos músicos profissionais ao serviço. Porque escusado seria dizer que os nobres se davam às artes em puro amadorismo. De contrário ficariam pelas ruas da amargura. A respeito de cantantes e instrumentistas pagos por D. Manuel para lhe prestarem serviço encontramos algo de elucidativo na crónica de Damião de Góis, segundo o qual o Venturoso foi "mui músico de vontade, tanto que as mais das vezes que estava em despacho, e sempre pela sesta, e depois que se lançava na cama, era com ter música." Góis acrescenta que não só para a música deste tipo, a que chama de câmara, mas também para a sua capela -- ou seja, para o conjunto de executantes

principalmente destinados a música religiosa -- D. Manuel tinha cantores e tangedores de eleição, que lhe vinham de todas as partes da Europa, aos quais oferecia grandes vantagens. Como nomeadamente lhes "dava ordenados com que se mantinham honradamente, e além disto lhes fazia outras mercês", conseguiu ter "uma das melhores capelas de quantos Reis e príncipes então viviam". Note-se que Damião de Góis era ele próprio músico, pelo que este seu depoimento adquire um valor particular. Mais uma razão para que nos interesse o seguimento do relato. Ficamos também sabendo que todos os domingos e dias santos D. Manuel jantava e ceava ao som de música, "de charamelas, sacabuxas, cornetas, harpas, tambores e rabecas e nas festas principais com atabales e trombetas". Enquanto o soberano comia, esses instrumentistas profissionais (ou *mecânicos*, como dantes se dizia) tangiam cada um por seu giro. Além deles, D. Manuel tinha "músicos mouriscos, que cantavam e tangiam com alaúdes e pandeiros". Estes, assim como os tocadores de charamelas, harpas, rabecas e tamboris, forneciam os ritmos para as danças dos "moços fidalgos, durante o jantar e ceia". Mais nos assegura Damião de Góis que o serviço da mesa "era esplêndido, como a Rei pertence". Continuadamente todos os domingos e dias santos, e nalguns dias úteis (que então se diziam dias "de fazer"), enquanto foi casado, D. Manuel "dava serão às damas e galantes, em que todos dançavam e bailavam, e ele algumas vezes". Eram as folganças em que se recitaram e cantaram muitos dos versos reunidos no *_Cancioneiro geral*. :, Com pompa de atabales e trombetas "cavalgava el-rei muitas vezes pela cidade, e quando caminhava". Não faltavam os bobos: "Trazia continuadamente na sua corte chocarreiros castelhanos, com os motes e ditos." Não porque achasse muita graça ao que diziam, mas porque gostava das "dissimuladas repreensões que com jeitos e palavras trocadas davam aos moradores de sua casa, fazendo-lhes conhecer as manhas, vícios e modos que tinham". E parece que as reprimendas surtiam efeito, já que o autor da crónica assevera que muitos dos visados se emendavam, "tomando o que estes truães diziam com graças, por espelho do que haviam de fazer". Muito antes do tempo de Hãndel, o soberano português era dado a música aquática. Quando estava em Lisboa, nos Domingos e dias santos em que não ia à carreira -- ou seja, às correrias a cavalo --, em alguns da semana, "ia folgar em um batel feição de galeota, toldado e embandeirado de seda, levando sempre consigo música". Do cais dos paços de Santos-o-_Velho iam merendas para bordo, com "muitas frutas verdes, conservas e cousas de açúcar, vinho e água", de que também comiam os fidalgos com honras de batel, assim como "toda a mais companhia de músicos moços fidalgos, da câmara, e remeiros". Nas vésperas de Natal havia festa solene, a mais desejada de quantas se faziam na corte ao longo do ano e com a qual se gastava muito. O rei "consoava publicamente em sala com todo estado de porteiros de maça, reis de armas, trombetas, atabales, charamelas, e enquanto consoava davam de consoar a todos os senhores, fidalgos, cavaleiros e escudeiros que estavam na sala". Depois eram contempladas com os manjares as damas da rainha e os "oficiais", e ainda, na casa das arrecadações, os "capelães, cantores, físicos [médicos], ministreis, reposteiros [guardas dos móveis], moços da estribeira e do monte [da caça] e os moços da câmara, que eram os que traziam os pratos à consoada de el-_Rei". O dispêndio seria considerável, mas não de molde a criar preocupação a um monarca "próspero todo o tempo que reinou". Góis afirma ter visto com os seus próprios olhos, "muitas vezes na casa da contratação da _índia, mercadores com sacos cheios de dinheiro de moeda de ouro e prata para fazerem pagamento do que deviam por conta das especiarias que comprava, com o qual dinheiro lhes diziam os oficiais que tornassem em outro dia, porque não havia tempo para o então contarem, que tanta era a soma que se recebia todos os dias".

Na Páscoa também se davam acontecimentos com implicações musicais. Na "mui solene procissão da Ressurreição" entravam o rei e a rainha "com todas suas damas e cortesãos, precedendo ponteiros de maça, reis de armas e todo género de música, e instrumentos que em sua corte havia". Não era só nos serões e outras festas ou solenidades que D. Manuel folgava em ouvir música, ainda que fosse apenas de fundo, como hoje se diz, em linguagem cinematográfica, radiofónica e televisiva. Nos dias em que dava audiência "havia sempre na câmara em que estava música de cravo e cantores." E "nunca ia à caça sem levar músicos, e instrumentos de câmara, com que lhe tangiam, e cantavam, fosse no campo, ou nas casas onde comia, e repousava". Esta evocação através do prisma de Damião de Góis (e do do cardeal-infante D. Henrique por cujo mandado a crónica foi escrita) não visa tanto :, a sublinhar a afeição de D. Manuel I pela arte dos sons como a mostrar que, num período da riqueza material sem precedentes na história do reino, a corte portuguesa conheceu brilhos musicais semelhantes aos de outras da Europa que também dispusessem de meios superabundantes. Essas manifestações, sem dúvida *culturais*, não o eram, porém, num sentido que hoje tem a maior actualidade mas que então seria inconcebível, em função das ideias estabelecidas, das convenções intangíveis e dos condicionamentos económicos, sociais e políticos da época. Não podia passar pela cabeça de ninguém uma acção cultural que levasse os versos e as músicas do paço ou das casas senhorias à generalidade da população portuguesa, nem sequer à sua parcela de classe média que mais estava subindo, por força dos lucros mercantis. Nem tal seria exequível com uma imprensa ainda tão jovem e um ensino tão escasso, sem perspectivas de atacar consideravelmente o analfabetismo quase universal. Por outro lado, tais manifestações não eram, infelizmente, tidas por importantes a ponto de se justificar o seu perdurável registo, para a posteridade. Importantes, sim, os feitos militares, a questão de sucessão nos tronos, as descobertas, assuntos que dominam os textos dos cronistas. Como vimos, Garcia de Resende teve o cuidado de advertir que, ao compliar o *_Cancioneiro geral*, para publicação impressa, não pretendeu mostrar pelas obras "quem foram e são", mas sim estimular outros a exercerem sobre coisas mais relevantes. Passar música profana a escrito, para ficar, era mais raro do que salvar versos do esquecimento. E compreende-se, porque eram ainda muito menos os que sabiam grafar notas na pauta do que os que tinham aprendido a alinhar palavras. Neste aspecto, parece que os músicos portugueses daqueles tempos não tiveram os incentivos ou tão só possibilidades que assistiram a colegas seus de outras cortes europeias. Bastante mais tarde, em meados do século XVII, D. João IV, na sua *_defensa de la musica moderna* (71), ainda observar não ser costume passar a escrito aquilo que qualquer músico canta "à vilhuela, orgão ou outro instrumento", exprimindo o que se lhe oferece, "de estudado ou de repente". Do período a que se refere o *_Cancioneiro geral*, nem de qualquer outro anterior, não se conhece nenhum trecho musical de autoria portuguesa identificada. Não é possível enunciar validamente o quer que seja que de algum modo caracterize a música portuguesa de então. Apenas poderia aventar-se afirmações muito provavelmente verdadeiras, mas igualmente vagas, no sentido da conservação evolutiva de elementos tradicionais galaico-portuguesas, da utilização dos instrumentos musicais mencionados na literatura em prosa e verso e da assimilação de influências exteriores, nomeadamente da Espanha (favorecidas pelos enlaces matrimoniais de reis e infantes), da França e da Flandres sem esquecer: as músicas e danças populares mouriscas. No *_Cancioneiro geral* há indícios a tal respeito. Por exemplo, esta oitava de deslouvor do próprio Resende, para o referido jogo de cartas: :,

Porque vindes ao serão, porque vos meteis na dança pois que para cortesão andais mui longe de França. Sois mui frio e sem sal e sabeis-vos mal vestir; então quereis presumir de galante e dançador. De D. Francisco Biveiro ao deão: Confessou-me o adaião, e isto é chão, que quem sua trova fez, não em França, mas em Fez aprendeu esta invenção. Por seu turno, João Fogaça abre assim uma resposta: Senhor não tenho lembrança de cousa que já fizesse mais do que se faz em França, porque se o eu soubesse di-lo-ia sem tardança. Há inclusivamente, citações francesas. De João Gomez da Ilha a Rui Moniz: Quanto mais dum que me tem le cor de moy travessado, causou-se dum apartado e mui longo querer bem. E na resposta: Por serdes quem pena sente, qual demostra vos'escrito, de confortar-me não quito mom cor em seu mal presente. Os seguintes versos de Álvaro de Brito, interessantes sobretudo por denunciarem o mau caminho que levava o comércio externo, talvez mereçam atenção também neste contexto, no pressuposto de a palavra "antremeses" [entremeses] não ter sido usada em sentido figurado: Assim como [logo que] vão da nau, todos os outros estantes nos depenam: levam ouro, trazem pau; nossos tratos mercadantes desordenam. :, Por Flamengos, Florentin[o/ús mal nos vindo, com seus novos dão-nos trinta vão-se rindo.

Genoveses, e Castelhanos, entremeses mil abanos;

O vocabulário de mais ou menos directa conexão sempre se encontra no *_Cancioneiro* não dá indicações importantes em matéria de influência estrangeira. Não parece no entanto ocioso registar aqui mais alguns termos, além dos que já ocorreram em transcrições. São eles: *acertar* (nomeadamente uma cantiga), *acordar* (por ex., *vozes mui acordadas*), alcancareiro (a qualificar um pandeiro), *alta, atabaqueiro* (tocador de atabaque, espécie de tambor), *atambor, baixa, berimbau, bordão, cantochão, cantor, charamelão, cítara, concertado, contraponto, delgado* (som delgado) *desacordar, descanto, desensoado, diapasão, discorde, estante, forte, griloso* (canto griloso) *harmonia, harpa, jogral, menor, melodia, mesurar, ministrel, oitava, proporção, quádrupla, (cadupra), quarta, romance (cantar romance) sacabuxa, semitom, (ssomitoom), síncopa, supra, tamboril, terceira, tromba, trombeta e vozeiro* ("o tenor mui mais vozeiro/do que soía cantou"). A alusão que acima se fez, à aceitação de música de mouros, em geral escravos, diz principalmente respeito à dança. Há referências várias à muito apreciada *mourisca*, designação que, aliás, não implicava adopção directa de costumes de mouros fixados em Portugal. Por exemplo: Pero [se bem que] tenha jurado de me nunca namorar, por vossa filha balhar [bailar] meu juramento é quebrado. E se não foss'a revolta que disto se seguiria, log'hoje deprenderia a fazer mourisca volta. ... Doce bailo de Mourisca" mil sentidos faz perder, e lá mete uma tal trisca que é mui má de guarecer Numas trovas de Henrique da Mota a Vasco Abul ("porque andando uma moça bailando em Alenquer deu-lhe zombando uma cadeia de ouro, e depois a moça não lha quis tornar, e andaram sobre isso em demanda, e veio Vasco Abul falar sobre isso à rainha"): :, ... Bailava balho vilão, ou mourisca, mas, chamo-lh'eu carraquisca, mais viva que tordião. ... O tordião (grafado *tardyam* e *tordiam* no *_Cancioneiro*) era também uma dança (72). Em Espanha houve um Christoval Sanchez a quem passaram a chamar Christoval Tordión por ser ele quem organizava as sessões dessa dança, de proveniência francesa. Que o tordião, a mourisca e o baile vilão eram particularmente caracterizantes de dotes individuais, confirma-o Resende nas trovas para o jogo de cartas: ... Para vós não é serão, dança, nem baile mourisco; em feia pondes o risco mais altas que quantas são. Em falar sois enxabida e em rir desengraçada,

sois mui pouco entremetida, em responder mui pejada. Sois também desensoada, para dançar tordião, quiçá se foreis vezada [habituada], bailareis bailo vilão. Vem ainda a propósito referir a dança *baixa* e a *alta*, distinção que, à luz da investigação recente, não tinha a ver com o grau de elevação dos passos. De D. João de Menezes "às damas, porque errou uma baixa e elas mandaram-lhe a conta dela à pousada por escrito": [...] Nos singelos e dobrados represas e contenenças e mesuras há passos dissimulados, que fazem mil diferenças de vidas e de venturas. Numa oitava de Nuno Pereira, à menção da *baixa* junta-se não só a da *alta* como também a de outra dança da época: a *mangana*. Se m'a mim não mente Aixa, se me Comba não engana, sei bailar melhor mangana que dançar alta nem baixa. :, O qualificativo de *baixa* pode ter significado que a dança provinha da Baixa Alemanha, ou seja, da Flandres. Dentro desta ordem de ideias, seria de supor que a dança *alta* veio da Alta Alemanha. Por outro lado, o mestre da dança italiano Domenico de Ferrara registou, em meados do século XV, uma *alta espanhola* que comparou a um "*pas de brabant*". Isto reforça a ideia de que a *alta* fosse uma dança de origem não ibérica, provavelmente relacionada com o tordião (73). Há outras referências a estas danças. Merece atenção o seguinte emprego da palavra *mangana* por Garcia de Resende: Galante godomecí [guadamecim, couro pintado/ú e doutra parte badana, pareceis madril [madrilena?] mangana qu'ensina a bailar aqui. Finalmente, há que referir a *dança de espadas* e a *dança de copas*, esta última trazida possivelmente à balha em duplo sentido figurado, envolvendo cartas de jogar e matanças de sede, no pressuposto de que o rotundo Resende não se negava a copos de vinho: Pareceis mui grande ro[l] de grifos mui esfaimados, albarda mulher de prol, muito cheia de bordados. Guia de dança d'espadas, grão mal asfada d'estopas; guia de dança de copas, todas cheias a rasadas. Escusado seria acrescentar que o ensino da dança -- ou, melhor, de certas danças --

era duma importância fundamental para os fidalgos e fidalgas que se prezassem. Não admira que em meados do século XVI, funcionassem em Lisboa catorze escolas públicas de dança, sem contar os mestres que iam ensinar os nobres e, provavelmente, alguns burgueses ricos em suas casas. _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _quarto _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex

__portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo __iv (cont.) A expressividade, um ideal da arte renascentista Convém tornar à distinção entre música medida, em que as durações relativas dos sons eram indicadas com certa precisão, e a música incomparavelmente mais livre, neste aspecto, em que o cantochão consistia. A grande diferença entre uma e outra foi o que, por exemplo, fez Mateus de Aranda separar o seu tratado de canto mensurável, ou canto de órgão (1535), do de "*canto llano*", impresso dois anos antes (74). A medição relativa das durações das notas era, e é, indispensável à música de conjunto, nomeadamente a polifónica, religiosa ou profana. Sem :, ela, o desencontro das diferentes vozes e instrumentos torna-se fatal. Não se julgue' porém, que alguma vez se praticou, ao longo da história da execução musical anterior à electrónica, o mais extremo rigor cronométrico. Os trechos renascentistas mundanos não eram contudo executados com medição matemática dos tempos ou, como hoje dizemos, com rigidez metronómica. Um louvor ao grande músico espanhol Francisco Guerrero, motivado pelas suas *_Canciones y villanescas espirituales*, enaltece em 1589, antes dos sensacionais cometimentos da *camerata fiorentina*, o fazer "concordar con la música el ritmo y el espírito de la Poesia, con lijereza, tardanza, rigor, blandura, estruendo, silencio, dulzura, aspereza, alteración, sosiégo, aplicando al vivo con las figuras del canto la mesma significación de la letra". Note-se que os assuntos versados nos cancioneiros são bastantes diversos, desde os amorosos aos elegíacos, históricos, satíricos e mesmo pornográficos. Podiam aflorar o domínio religioso e alguns dizem respeito a datas especiais da Igreja, nomeadamente o Natal e a Páscoa. A dança associava-se por vezes à música. Os trechos eram geralmente curtos, a menos que os repetissem muito com diferentes coplas. No entanto, o *_Cancioneiro de Upsália* contém uma peça que ocupa oito páginas na edição de Rafel Mitjana, o musicólogo que o descobriu. A sociedade que se espelha nessas páginas poético-musicais devia ser ao mesmo tempo superficial e culta, elegante e ridícula, fidalga e afectada, mesureira e cruelmente mordaz, encantadora e detestável. Podemos agora fazer uma ideia mais aproximada do que seriam os gabados *serões* da corte de D. João II e as festividades palacianas do mais faustoso reinado seguinte. Fidalgos e damas, vestidos com trajes que conhecemos da pintura da época, divertiam-se no culto das artes. Havia recitações, improvisações poéticas, despiques e zombarias; cantavam-se sobre os versos melodias a uma ou mais vozes concertadas com alaúdes, violas, guitarras e outros instrumentos; dançavam-se umas que outras dessas músicas, evocavam-se feitos históricos ou episódios religiosos, organizavam-se mascaradas. Os que mais elegantes; expressivos e sarcásticos se mostravam nessas artes atraíam principais tenções e louvores, mas todos porfiavam em bem as praticar. Porque, como disse Garcia de Resende, era tão indispensável a um fidalgo saber as melhores trovas como o padre-nosso. Não admira que o número de autores poéticos do seu tempo

se medisse por centenas. E alguns deles, como homens da Renascença que eram, cultivavam outras artes. O próprio Resende, além de poeta, músico e cronista, foi desenhador e arquitecto. Inspiração popular É possível que elementos de música popular se tivessem então introduzido na arte palaciana peninsular, estudo que se torna possível, com alguma consistência, graças ao tratado que Francisco Salinas fez imprimir em Salamanca em 1577, que contém uma espécie de antologia de cantares do povo, preciosa, mas, em todo o caso, muito mais pertinente à Espanha do que :, a Portugal (75). Elementos populares foram assimilados pelos géneros italianos de algum modo correspondentes ao *vilancico*: a *frottola* e a *villanella*. Mas, se houve de facto essa penetração também em Portugal, ela não se deu por certo em virtude de um maior contacto directo dos cortesãos com a plebe, no reinado de D. Manuel. Ter-se-á dado provavelmente antes. Estará o leitor acaso pensando no popularismo rústico do teatro de Gil Vicente, e é aonde vamos chegar de seguida. As relações da corte com o povo modificaram-se sensivelmente com D. Manuel. Como vimos, as moradas reais ainda eram muito acessíveis a toda a gente no tempo de D. João II, mantendo-se costumes de feição medieval que hoje nos parecem tão simpáticos quão pitorescamente arcaicos. A mudança operou-se no sentido absolutista, procurava-se o aumento do poder e do prestígio da coroa, objectivos que, aliás, nortearam já a política interna de D. João. Depois, o Venturoso fechou as portas do paço a muitos que dantes as podiam transpor, nomeadamente quando havia refeição ou festa. A música nos autos vicentinos Assim foi que aos autos de Gil Vicente assistiam só, além da família régia, as damas da rainha, os oficiais-mores da casa real e os quantos viviam mais ou menos à custa dela e formavam propriamente a corte. Nem a todas estas personalidades desejaria o monarca ser agradável, dentro da sua política de centralização, mas era-lhe socialmente impossível, sem outro pretexto, banir de seus palácios pessoas da alta aristocracia portuguesa. Outras classes foram sistematicamente afastadas das manifestações do paço, no que a arte palaciana ganhou porventura em requinte (76). É verdade que do teatro de Gil Vicente emana simpatia pela gente humilde e que faíscam nele as críticas aos senhores ricos e poderosos. Mas os textos não podem ser tomados à letra, há toda uma orientação do rei a dirigi-los contra os que o importunavam; os personagens plebeus são um instrumento habilmente usado pelo génio de mestre Gil, mais do que criações à imagem de uma profunda e generosa benquerença régia. No que diz respeito à música, versos de Gil Vicente, no prólogo do *_Triunfo do Inverno*, levaram a supor uma decadência dos costumes musicais do povo na passagem do primeiro para o segundo quartel do século XVI. Em Portugal vi eu já Em cada casa pandeiro E gaita em cada palheiro; E de vinte anos a cá Não há hi gaita nem gaiteiro. :, E adiante: Só em Barcarena havia Tambor em cada moinho E no mais triste ratinho

S'enxergava uma alegria Que agora não tem caminho. Se olhardes as cantigas todas têm som lamentado carregado de fadigas longe do tempo passado. Fosse qual fosse a ideia dessas rimas, é inadmissível a quase anulação no povo da atracção pela música. Aí temos também os casos do sapateiro-profeta de Trancoso, o muito falado Bandarra, e do poeta Chiado, a demonstrarem, por seu turno, que as trovas acompanhadas à guitarra podiam ter muito boa aceitação, e até uma certa projecção, fora da aristocracia e interpretando quiçá o sentir e os interesses de outras classes. Aliás, o próprio teatro vicentino pinta variados costumes musicais fora da corte e da aristocracia. O certo é que Gil Vicente transplantou para o seu teatro música de índole popular, conveniente aos personagens e ao ambiente em que cenicamente vivem. Mas não deixou por isso de aproveitar também os géneros musicais de corte, não só em seguimento do exemplo de Juan del Encina, mas certamente para agrado do rei seu senhor. Conhecemos cerca de uma vintena de trechos cantados no teatro de Gil Vicente porque estão incluídos no *_Cancioneiro de Barbieri*. Um deles é o mencionado vilancico *_Nunca fué pena mayor*, de Wreede, com letra talvez do duque de Alba (77). Antes de subir ao trono, ainda como duque de Beja, D. Manuel possuía já a sua capela de músicos. Várias noticias coincidem no dizerem do seu interesse pela arte dos sons, como seja o cuidado com a manutenção dos órgãos da capela do Paço de Sintra, ou a ordem, dada a um feitor, de contratar quatro bons charamelas na Flandres; ou, mais explícitas e concludentes, as referências do autorizado Damião de Góis à excelência de seus cantores e tangedores, que teriam vindo de todos os pontos da Europa concentrar-se na sua corte e constituir uma das melhores capelas do tempo. Também pela *_Crónica* de Damião de Góis sabemos que o Venturoso apreciava ouvir música, não só enquanto comia, mas também durante os entretenimentos desportivos, nas audiências e ao deitar-se. Dos aposentos via, com prazer, as danças dos fidalgos da sua corte (78). Muito renascentistas eram esses afectos do monarca, e também a onda de intelectualismo humanista que inundou o meio aristocrata, onda em que os varões se não banharam exclusivamente. Cabe aqui a bem-humorada observação de Viana da Mota, numa carta para António Arroio: "[...] o mulherio da Renascença sabia a valer: escreviam em latim, faziam versos, eram espirituosas, conhecedoras em arte." Essa alta feminilidade teve expoentes na infanta D. Maria, filha de D. Manuel, rodeada de sua "academia de consonancias", na ilustre e muito música _ângela Sigea, cantora e :, tangedora, e sua irmã Luísa, versada em literatura da Antiguidade e do Oriente, tão sábia que, além do nome clássico de Aloysia que usava, lhe puseram 0 epíteto de Minerva (79)! D. Luís, irmão da infanta D. Maria, estudou Matemáticas com Pedro Nunes e dizia-se que era hábil no contraponto. A sua capela privada compreendia quarenta e sete músicos, sem contar os oito trombetas. Também sua irmã tinha músicos privativos, entre os quais, como tangedora, Paula Vicente, filha de Gil. Tornemos ao teatro deste, que é o assunto muito de tratar na história da música portuguesa. De certo modo, ele pode considerar-se prolongamento de uma tradição ligada à Igreja. No entanto, e se bem que os estatutos sinodais das dioceses portuguesas da alta Idade Média deixem transparecer representações profanas, estas parece terem sido muito limitadas, talvez pelos mesmos motivos de austeridade que teriam impedido a prática de tropos e sequências. É a atmosfera renascentista que vem favorecer o auto sacramental, e com ele encontramo-nos junto do que "não tem nem ceitil, que faz os aytos a el Rey", esse grande homem da literatura portuguesa

que foi a primeira figura do teatro do seu tempo e, propriamente, o introdutor da arte de Talia em Portugal. O teatro vicentino e a ópera Deve atender-se com alguma reserva a afirmação de que Gil Vicente foi precursor da ópera nacional. A associacão de música e representação não era ideia nova, como vimos. Ademais, o teatro de Gil Vicente não tem aquilo que será essencial à ópera e que a distinguirá da representação *com* música, tornando-a representação *por* música. E que, em Gil Vicente, os cantares e tangeres aparecem quando os personagens, na sua acção em cena, cantam e tocam, como cantariam ou tocariam se a coisa se passasse na vida corrente, fora do tablado. Disse-o muito bem Adolfo Salazar, referindo-se a Encina e sucessores: "A música intervém na comédia como consequência de algum pormenor da acção que pede a actuação de algum cantante, um tangedor ou uma dança." Os trechos musicais não são, porém, sempre pontos de completo estacionamento do fluido psicoteatral. Sirvam de exemplo as palavras de Flerida no *_Dom Duardos*, pedindo às companheiras que cantem e desejando evidentemente com isso encontrar serenidade para o seu espírito perturbado; e, na *_Comédia da Rubena*, o canto de Benita, a distrair a parturiente de seus achaques. Nada de essencialmente análogo, em todo o caso, ao Rigoletto dizendo, a cantar, ."*piangi, piangi*", para consolo de Gilda, que vai cantando, por sua vez, com igual acerto musical; nem ao Hans Sachs a transmitir-nos, por entre as cinco linhas da pauta wagneriana, a sua filosofia da vida e das artes; nem à Electra, a debater-se ao mesmo tempo contra a desvergonha de Clitmnestra e o fragor de toda uma orquestra sinfónica; nem tão-pouco às melodias com :, que Francis Poulenc dota as suas amedrontadas freiras carmelitas. *_Mutatis mutandis*, poderíamos dizer o mesmo das danças vicentinas, em relação ao espectáculo de bailado. Não há querer engrandecer Gil Vicente, fazendo da sua obra degrau para algum trono, alguma inovação futura. Como todas as obras de arte autênticas, os seus autos bastam-se a si próprios, são completos, realizam plenamente a missão que lhes coube, são inconfundíveis e insubstituíveis. Nem as influências que aceitou o diminuem, nem as que exerceu o engrandecem. O que, evidentemente, não quer dizer que seja inútil ou descabido estudá-las. Como em Encina, e na medida em que temos conhecimento da música das representações vicentinas, os trechos polifónicos eram muito menos floreados do que na arte madrigalesca franco-flamenga, movendo-se as vozes em simultaneidade rítmica. Aventou-se que houvesse aí um propósito de inteligibilidade das palavras, essencial ao teatro. A hipótese é de considerar, mas também sabemos que as peças de cancioneiro mais nitidamente portuguesas, ou usadas em Portugal, dão essa simplicidade como regra da nossa música profana, independentemente das exigências do teatro (80). Existem mais pontos de contacto entre Encina e Gil Vicente que de pronto nos interessam. Um deles é o já mencionado pendor para o popular, o rústico, com aspectos deliciosamente pitorescos. Outro consiste num evocar (não sistemático) do classicismo greco-latino, que em Encina é anterior à sua viagem a Itália, em princípios do século XVI. Este traço não se liga directamente à música, mas tem aqui significado porque sublinha o renascentismo da arte de Gil Vicente. A parte que a música toma nos autos é importante, no sentido acima apontado, e, como vimos, a literatura musical palaciana dá-nos alguma ideia do que ela de facto era. Admite-se que o próprio Gil Vicente tivesse composto alguns dos trechos, porque no *_Auto da Sibila Cassandra* há uma cantiga "feita e ensoada pelo autor". Recentemente, Rebelo Bonito ensaiou a reconstituição de um trecho cantado na farsa

*_Quem tem farelos*, baseando-se no texto: "ré mi fá sol lá sol lá" e, depois, "fá lá mi ré ut dó", e nos versos respectivos (81). Merecem também atenção, no teatro vicentino, os trechos puramente instrumentais, menos frequentes do que os para cantar. Entre eles encontram-se exemplos que descendem da *música alta*. São as entradas pomposas, como a de Lisboa, "com grande aparato de música", no princípio da *_Tragicomédia da nau de amores*. A ressurreição de Cristo, no *_Auto da história de Deus*, é assinalada por trombetas e chamarelas. Além destes instrumentos, Gil Vicente pede também gaitas, violas, o rabel e o tamborim. O *vilancico*, na acepção polifónica que explanámos -- também denominado *vilancete* --, aparece com frequência no teatro renascentista a que nos estamos referindo, algumas vezes como número final da peça. Também há referência em Gil Vicente à *canzoneta*, ou *chanzonetta*, ao que parece, importada de França por via espanhola. Em que consistia exactamente a *chacota* não está por ora averiguado. Quando Gil Vicente escreve: "aqui ordenam sua chacota, e a letra da cantiga é a seguinte [...]", ou então: pois não sabemos rezar, façamos-lhe uma chacota, porque toda a alma devota o :, que tem, isto há-de dar", refere-se evidentemente a trechos cantados, talvez dançados também e de sabor popular. Mas aparece igualmente, por exemplo na *_Farsa dos físicos*, a indicação de personagens que entram disfarçados "em chacota". Por seu lado, Carolina Michaªelis suspeitou de que no tempo de Gil Vicente estivesse em uso um instrumento chamado *chacota*. Luís de Freitas Branco associava os trechos deste nome, cantados e dançados nos autos, à significação burlesca que a palavra ainda hoje tem, considerando-os tradicionais desde longa data no país e pertencentes à linha evolutiva da *chacóina*. Possuímos mais elementos que nos informem acerca da *folia*, também representada nos auto de mestre Gil. Como a chacóina e a sarabanda, as *folias* consistem em variações assentes sobre uma melodia, ou simples fragmento de melodia, repetindo-se continuamente, no geral em sons graves. Eram, portanto, antepassados da *_Folia*, de Corelli, da grande *_Passacaglia* em dó ou da célebre *_Chaconne*, de Bach, ou dos últimos andamentos das *_Variações sobre um tema de Haydn e da 4.a Sinfonia* de Brahms. Mas todos estes casos ulteriores são de música puramente instrumental. Ao terminar uma *folia*, Gil Vicente indica a "volta", supõe-se que no sentido de repetição. Muitas vezes, se não sempre, as *folias* davam azo a baile e envolviam execução instrumental de mistura com as vozes. Aceita-se como certa a sua origem portuguesa, afirmada explicitamente por Salinas no importante tratado a que já nos referimos, e também por Gil Vicente quando faz apetecer ao divino Apolo que lhe cantem "en Portuguesa folia la causa de su alegria" (*_Tragicomédia do templo de Apolo*) (82). Aquilo a que hoje chamamos personagens e peças características atraem-nos de maneira especial no teatro vicentino. Dialectos que deviam fazer rir a assistência,: pronúncia peculiar dos negros e outras sortes realistas do géner4 emprestavam ainda maior viveza às representações. A canção final da *_Nau de amores* é sucessivamente cantada pelo velho "coma velho" e pelo negro "após ele coma negro". O notável é ter Gil Vicente compreendido como o efeito podia associarse à música. A "cantiga muito desacordada", isto é, desafinada, que cantam mensageiros celestiais enquanto conduzem certo patife às profundezas do Inferno lembra-nos o *_Musikalischer Spass*, de Mozart, ou a interpretação que Mussorgsky solicitou de quem cante os papéis de Varlaam e Missail embriagados. Outras ideias de relacionação directa e objectiva entre a música e a acção teatral revelam-nos *_A barca do Purgatório*, com o canto dos anjos ao ritmo do movimento dos remos, e *_A frágua de Amor*, onde os ferreiros cantam uma "serrana" a quatro vozes, acompanhando-se a preceito com as pancadas dos martelos, cena que não só sugere um quadro muito conhecido de Velazquez mas também efeitos que Richard Wagner

demandou no *_Anel do nibelungo*. Dos vários géneros em que se dividem os duzentos e tal trechos musicais incluídos nas obras de Gil Vicente, merece também a atenção a *ensalada*, de intenção cómica, miscelânea de métricas e vocabulários sem qualquer regra aparente. A que põe termo ao *_Auto da fé* reúne quatro vozes. Gil Vicente informa que essa salada poéticomusical "veio de França", mas há razões para admitir que a sua origem fosse ibérica ou americana. :, Apesar de a corte se ter tornado num círculo fechado, o teatro de Gil Vicente teve expansão fora dela, desde que correu impresso em edições de cordel. Não sabemos como noutros meios sociais eram realizados trechos de música. É todavia de presumir que, assim como a montagem cénica, a realização musical fosse mais singela nessas diferentes circunstancias. A arte vicentina teve também projecção noutros autores, portugueses e estrangeiros, como Chiado e Diego Sánchez de Badajoz. É de admitir que as representações teatrais quinhentistas conhecessem também certa voga em casas particulares, a ajuizar pelo que nos dizem Chiado e Camões no *_Auto da natural invenção* e no de *_El-rei Seleuco*. Outros escritores que cultivaram a música Os nomes de um Garcia de Resende e de um Gil Vicente não são os únicos da literatura portuguesa renascentista que merecem honras na história da nossa música. Não é possível mencionar aqui todos os poetas que praticaram então a arte dos sons. Mas devemos fazê-lo para com outras figuras de destaque, tal um Sá de Miranda, que, nascido em 1481, era portanto uns dezasseis anos mais novo do que Gil Vicente. Foi muito amador de música e sabia tanger a viola de arco. Essa predilecção, compartilhou-a provavelmente com os seus próximos, porque Jerónimo de Sá, seu filho, tocava habilmente vários instrumentos, e um seu cunhado, de nome Manuel Machado de Azevedo, ganhou reputação de alaudista notável. Sá de Miranda esteve em Itália alguns anos e não pode ter deixado de trazer do pleno Renascimento italiano ideias sobre a música diferentes das que preponderavam em Portugal. "Novo mundo, bom Sá, nos foste abrindo, com tua vida e com teu doce canto", assim escreveu António Ferreira, uma das altas personalidades com quem Sá de Miranda manteve relações depois de se isolar das intrigas da corte, fixando-se no Minho. Outro desses homens ilustres foi Jorge de Montemor, que era neto duma cantora judia e exercera durante a juventude profissão de músico em Espanha e nos Países Baixos. Voltaremos a falar dele a respeito da música instrumental (83). Entretanto, e para que o nosso quadro da importância da música na cultura renascentista fique menos incompleto, citemos ainda, entre os vultos destacados que a reconheceram, João de Barros, Aires Barbosa -- o helenista que foi professor na Universidade de Salamanca e que, na sua *_Epometria* (1515), estudou a produção do som --, André de Resende e Damião de Góis -- de que adiante se falará a propósito da música litúrgica -- e Luís de Camões, em cuja obra a presença da arte dos sons é considerável, se bem que o elogio dos efeitos da música fique porventura aquém dos de um Petrarca e as descrições de actividades musicais não atinja o nível informativo e cognitivo observável nas obras de um Boccaccio ou de um Sá de Miranda, para já não falar do antes citado Jorge de Montemor. Os dados biográficos que hoje possuímos, acrescidos da análise da obra camoniana, :, sugerem a forte probabilidade da inexistência de formação musical teórica ou técnica, em sentido profissional, na pessoa do nosso grande Vate. Conclusão que não afasta a hipótese, essa sim plausível, de ter ele executado, como puro amador, instrumentos de corda dedilhada. Na poesia de Camões a música manifesta-se, antes de mais, aí mesmo; isto é, na própria *musicalidade do verso* em si, na própria estrutura da métrica e das rimas. Repare-se no jogo de intensidades sonoras e de ritmos, bem como na harmonia dos

elementos do fraseado poético presentes nos versos deste soneto: Foi já um tempo doce cousa amar, Enquanto me enganava a esperança; _o coração, com esta confiança, Todo se desfazia em desejar. Oh! vão, caduco e débil esperar! Como se desengana ua mudança! Que, quanto é mor a bem-aventurança, Tanto menos se crê que há-de durar. Quem já se viu contente e prosperado, Vendo-se em breve tempo em pena tanta, Razão, tem de viver bem magoado; Porém, quem tem o mundo experimentado, Não o magoa a pena nem o espanta, Que mal se estranhará o costumado. (Son. 37-281) (84) Mas a presença da música faz-se sentir também de outros múltiplos modos. Por exemplo, na explicita referência a instrumentos: Orfeu com a doce harpa Venceu o reino de Plutão; Vós a mi[m], com perfeição (Red. 101-623) É o som da trombeta que anuncia o inicio da batalha em Aljubarrota: Deu sinal a trombeta Castelhana, Horrendo, fero, ingente e temeroso; Ouviu-o o monte Artabro, e Guadiana Atrás tornou as ondas de medroso. Ouviu o Douro e a terra Transtagana; Correu ao mar o Tejo duvidoso; E as mães que o som terribil escuitaram, Aos peitos os filhinhos apertaram. (*_Lusíadas*, IV, 28-96) Repare-se no peso do efeito sonoro, assim como a atenção posta na caracterização do próprio som: "som terribil". Caracterização porventura :, ainda mais cuidada quando atinente à voz. "Suave", "agreste", "rude", "cansada", "dura", "doce", "horríssona", "branda", etc. são apenas alguns exemplos da adjectivação associada à caracterização do timbre ou da coloração dos sons vocais. Seu doce canto dava Tristes águas ao rio, E o rio triste som ao doce canto. [...] (Egl. 4-398) A análise das menções de instrumentos indicia ter sido o Poeta frequentador pouco assíduo de ambientes palacianos e de cerimónias religiosas, dado serem os instrumentos mais em uso nesses lugares (instrumentos de tecla, órgão) precisamente aqueles que não são referidos pelo autor dos *_Lusíadas*. Os instrumentos que mais povoam o espaço musical camoniano, se bem que também aceites nos paços e nos salões

burgueses, eram de uso em locais frequentados por gente de extratos sociais mais modestos. Também isto sugere a ausência de uma formação musical erudita, sem no entanto excluir a já apontada probabilidade de ter sido Camões tangedor amador de instrumentos de corda dedilhada (85). Música litúrgica Cabem nesta epígrafe os primeiros compositores portugueses de quem hoje se conhece obra. Pero do Porto foi cantor da capela de Isabel de Castela, de 1489 a 1499, e mestre de capela da Catedral de Sevilha antes de 1507, ano da concessão do mesmo cargo a Pero de Escobar. Sabe se que, em 1521, prestava idêntico serviço ao cardeal D. Afonso, filho de D. Manuel, em Évora. Pela mesma altura, Gil Vicente mencionou-o nas *_Cortes de Júpiter*. Irão todolos cantores; Contra altos, carapaos; Os tiples, alcapetores; Enxarrocos os tenores; Contrabaixos, bacalhaos. Com eles Pero do Porto Em figura de çafio, Meio congro deste rio, Cantando mui sem conforto, "Yo me soy Pero Çafio". Pero do Porto vivia ainda em 1535, em Évora. Conhece-se de sua autoria um *_Magnificat*, conservado no arquivo de música da Catedral de Tarragona :, e transcrito por Manuel Joaquim e Robert Stevenson, respectivamente em 1952 e 1978. Outro músico português da mesma época chamou-se Fernão Gomes Correia. Foi referido em 1505 e em 1532 como capelão e cantor do bispo de Coimbra, 1). Jorge de Almeida. Da sua obra de compositor estão hoje identificados uma *_Missa*, conservada num livro de coro da Biblioteca Nacional, e um Ofertório da Missa de Defuntos, *_Hostias et preces*, incluído num livro de coro da Biblioteca, onde o autor é designado por "Lusitanus et optimus in Arte" (86). Os já mencionados André de Resende (1500-1573) (87) e Damião de Góis (1500-1572) foram compositores, e imprimiram-se até obras suas: de André de Resende, um *_Ofício de S. Gonçalo* e uma *_Missa de Santa Isabel*, em Lisboa, no ano de 1551, obras que fez por se não conformar com a maneira como na Sé de _évora se tratavam musicalmente os textos; de Damião de Góis, os motetes *_Ne laeteris*, a três vozes, que teve honras de inclusão no *_Dodecacordon*, de Glareanus (1547), e *_Surge prospera*, a cinco vozes, numa colecção publicada em 1545 por Salminger. Temos notícia de ter sido identificada outra sua composição polifónica, *_In die tribulationis*, a três vozes, numa das edições (*_Tricina*, 1559) da importante firma impressora Montanus e Neuber, de Nuremberga (88). Damião de Góis, que era filho de um fidalgo português e de uma senhora de origem flamenga, foi nomeado em 1523, por D. João III, escrivão da feitoria portuguesa em Antuérpia, por onde se conservou durante anos. A estada no estrangeiro, aproveitoua para se relacionar com muitas das mais eminentes personalidades e instituições culturais do seu tempo, não só nos Países Baixos mas também na Alemanha, Itália e França. O mesmo é dizer que o interessaram ideias suspeitas de heresia. Eoi amigo de Erasmo e colaborou numa diligência no sentido de compatibilizar as doutrinas da Igreja romana e as de Lutero. Fixado em Portugal, foi-lhe impossível amoldar a sua mentalidade universalista, aberta a todos os interesses intelectuais, às limitações

de um meio pequeno, que, embora marcado de renascentismo, se tornava cada vez mais acanhado para espíritos como o seu, mormente pela força que se dava ao clero. Denunciou-o um padre jesuíta em 1545, mas decorreu ainda um quarto de século até que a Inquisição o tomou à sua guarda. E uma das razões de queixa que ela tinha era, precisamente, o seu convívio muito assíduo com artistas músicos, que convidava para sua casa (89). No depoimento dum fidalgo chamado João Carvalho lê-se o seguinte: "E neste mesmo tempo via ele testemunha que entravam alguns estrangeiros em casa do dito Damião de Góis; e diziam que comiam e bebiam e por muitas vezes ouviu ele testemunha cantarem coisas que ele não entendia. Somente ouvia as vozes e durar aquilo muito espaço; e que não eram cantigas que cá costumam cantar. E os que cantavam eram o dito Damião de Góis e o Jacques que faz os óculos e o Adrião Lúcio já defuntos e outros que não conhecia." (90) Sem saber, provavelmente, o que este e outros depoentes tinham dito a seu respeito, Damião de Góis prestou as declarações ao Santo Ofício, talvez não completamente exactas quanto ao género de música que mais se cantava e tangia nas suas recepções privadas: "Perguntado se iam alguns :, estrangeiros, algumas vezes, a sua casa, e quem eram e o que é que lá faziam e praticavam, disse que sua casa era estalagem de estrangeiros, assim dos que vinham de fora a esta cidade, como dos que vivem nela. E os banqueteava e lhes fazia bona xira. E que entre estes dos que ora vivem nesta cidade ia lá um Tibaldo Luís, alemão casado nesta cidade com uma mulher portuguesa, e outro Rombaut Perez, também casado, morador nesta cidade flamengo, e Hans Pelque, solteiro que há muito reside nesta cidade, estralim de nação, e Mestre Jacques, que faz os óculos, francês, músico", etc. Também lá iam "outros estrangeiros, assim músicos como não músicos cujos nomes ora lhe não lembram; e outros também portugueses, e depois de jantar ele e os mais se punham a cantar missas e motetes, compostos em canto de órgão". Desses seus compatriotas, "um deles era um Pero Gil, sacerdote, com o qual certas vezes vinha um seu sobrinho, e outros portugueses cantores desta cidade, por ele réu ser muito músico e folgar de cantar e ser muito dado à música e passar nisto o tempo." Tantos anos depois de o cardeal D. Henrique haver poupado o suspeito de heresia -e tendo-lhe até encomendado entretanto, em 1558, a crónica de seu pai, D. Manuel I --, que motivos o levariam a molestá-lo? O mais determinante pode ter sido algo que se encontra escrito noutros autos da Inquisição e que só desde 1974 se tornou conhecido, graças a investigações do cónego Isaías da Rosa Pereira, com a colaboração de Maria Clara Pereira da Costa, conservadora do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Eis que, a respeito de Damião de Góis, consta do processo de um Manuel Travaços, "cristão velho desta cidade de Lisboa, para instrução dos autos do licenciado _álvaro Fernandez, cristão novo e físico-mor nesta cidade preso no cárcer da santa inquisição" (91): "disse que no mesmo tempo praticando [falando, conversando] ele confessante com _álvaro Fernandez de que tem dito lhe dissera o dito _álvaro Fernandez que lhe dissera Damião de Góis que o Cardeal [Infante D. Henrique, inquiridor-mor e futuro rei] o mandara chamar ou lhe perguntara um dia que quem eram os principais luteranos em Alemanha porque se os tivéramos cá os queimáramos dizendo mais o dito Damião de Góis ao dito _álvaro Fernandez que se os ditos luteranos estiveram cá fizeram do Cardeal o que quisera dando a entender que o fizeram da sua banda e al[mais] não disse." Este depoimento é de Janeiro de 1571. Dez dias volvidos, junta-se-lhe outro, sobre a mesma matéria (92): "E disse mais que no mesmo tempo praticando ele confessante com _álvaro Fernandez de que tem dito ele disse ao dito _álvaro Fernandez que lhe dissera Damião de Góis que o cardeal o mandara chamar ou lhe perguntara um dia que quem eram os principais luteranos em Alemanha porque se os tivéram cá os queimáramos dizendo mais o dito Damião de Góis ao dito _álvaro Fernandez que se os

ditos luteranos estiveram cá fizeram do cardeal o que quiseram dando a entender que o fizeram da sua banda e que ao presente não é lembrado de outra cousa." Aos 19 do mesmo Janeiro de 1571, novas declarações, estas não comprometedoras (93). "Perguntando se era lembrado ouvir dizer a alguma pessoa que lhe perguntara como se chamavam os principais dos luteranos que insinuavam sua seita e que se os cá tiveram que os houveram de queimar todos disse que :, não era lembrado de tal." A resposta não satisfez, pois que o interrogatório se tornou insistente: "Perguntado se era lembrado dizer-lhe alguma pessoa que o Cardeal lhe perguntara pelo sobredito dizendo-lhe mais tal pessoa que se os ditos luteranos quem Sua Alteza lhe perguntara vieram cá ou o tiveram lá lhe presuadiram [o persuadiriam] ou fizeram crer os erros que eles tinham ou outras algumas palavras desta maneira disse que não. Perguntado se iria lembrado ouvir dizer o sobredito Damião de Góis ou a alguma outra pessoa nesta cidade ou em outra alguma parte disse que não é lembrado praticar com ele tal cousa posto que tem muita amizade com ele e nunca lhe ouviu dizer tal cousa senão muitas santidades. Perguntado se era lembrado dizer ele a _álvaro Fernandez alguma pessoa em prática que com ele tivera que ouvira dizer o sobredito ao dito Damião de Góis disse que não é lembrado de tal cousa". Finalmente, a ameaça: "E lhe foi dito que olhasse muito bem o que dizia porque havia informação nos autos porque constava o contrário do que tinha respondido e portanto o admoestavam da parte da Santa Madre Igreja que cuidasse muito bem nisso e viesse dizer a verdade de tudo e senão que seria necessário fazer no caso o que parecesse justiça." O nome do licenciado _álvaro Fernandez abre o rol das testemunhas de Damião de Góis no processo de 1571 (94). Há ainda a "reconciliação" dum tal João de Barros, ataqueiro e cristão novo que trabalhava "junto da tenda de Belchior Fernandez livreiro". A data do documento é de 9 de Abril do mesmo ano e por ele ficamos à saber o que entretanto sucedera a Manuel Travaços: "E disse que este sábado passado fez oito dias que achando-se em uma taverna [...] em companhia de Gaspar Diaz luveiro e de Simão Gonçalvez que foi pasteleiro á....] e depois de terem bebido e comido vieram a falar em Manuel Travaços que foi relaxado por este santo ofício à justiça secular dizendo o dito Simão Gonçalvez que diziam que ele culpara Damião de Góis que neste cárcer está preso dizendo mais o dito Simão Gonçalvez que ouvira dizer isto e que era o dito Damião de Góis homem muito honrado ao que respondeu ele confessante dizendo que já que o queimavam para que acusava estoutro." Temendo, compreensivelmente, o mesmo caminho do Travaços, o depoente apressou-se a atribuir o seu imprudente comentário aos efeitos do álcool: "O que disse estando tomado de vinho sem entender o que dizia." Estas transcrições dão uma ideia do método da Inquisição na averiguação de suspeitas e denúncias. E evidenciam o especial interesse que houve em apurar se era ou não verdade que Damião de Góis ousara proferir aquele dito. Na verdade, afirmar que os maiorais do protestantismo transformariam o infante e inquisidor-mor num luterano era uma enormidade de todo o calibre. E pode ter sido ela que mudou a atitude de D. Henrique, quando a idade do réu pedia clemência maior que a de vinte e seis anos atrás. Por outro lado, a ser verídico o dito de Góis, ele reflecte uma natureza humana e uma formação mental inclinadas à liberdade de expressão, à critica e ao humor, o que joga certo com outras ousadias de língua que lhe foram atribuídas. Havemos de convir em que não era propriamente a maneira de ser mais recomendável numa altura em que por todos os lados espreitavam informadores do Santo Oficio. :, Nos reinados quinhentistas e seiscentistas, até D. João IV, a música manteve esplendor em Portugal, dentro ainda do quadro renascentista. D. João III contratou bons músicos de capela e de câmara, alguns dos quais estrangeiros. O seu mestre de capela, João de Vila Castim, dispôs de cinquenta e dois cantores. Estavam normalmente ao serviço seis tangedores, entre os quais um organista e um harpista;

quinze menestréis (charamelas, sacabuxas, etc.), doze trombetas e nove atabaleiros. A este quadro devemos acrescentar os oito bailadores da *mourisca*, com suas mulheres. D. Sebastião apreciou a arte dos sons, a julgar pelos músicos de câmara que, para seu comprazimento, arrastou para Alcácer Quibir (95). D. Henrique protegeu a instrução musical. O primeiro dos Filipes, entendendo que não existia na capela real de Lisboa quem lhe soubesse tanger os órgãos a contento, mandou vir um organista de Espanha. Pelos estatutos de 1592, sabemos de um mestre de capela, vinte e quatro cantores (seis para cada voz), dois fagotistas, um trompista e dois organistas. Em 1608, o número de cantores foi reduzido para dezassete. Sob o domínio castelhano, prolongando-se pelos primeiros tempos da Restauração, floresceram entre nós a música para *vihuela* e outros instrumentos de corda ou tecla e a polifonia imitativa, atingindo esta o seu máximo brilho. No entanto, a morte de Damião de Góis tem qualquer coisa de simbólico e fatalista para a história da música portuguesa. Dir-se-ia que o seu desaparecimento significava a inviabilidade de uma arte verdadeiramente europeia, no sentido de comparticipar, na evolução geral, no plano das principais personalidades que a operavam. Talvez que, em quaisquer circunstâncias, os condicionamentos atávicos da nação portuguesa fizessem um ingénuo de todo e qualquer que pretendesse realizar tamanho projecto. O certo é que os acontecimentos históricos, os erros e calamidades, as opressões e mesquinhezes o não favoreceram de nenhum modo. Pouco tempo depois do encerramento do Concílio de Trento (1563), a Sagrada Congregação dos Ritos, de Roma, pediu ao doutor espanhol Azpilcueta Navarro um parecer sobre se a polifonia devia ou não integrar-se nas cerimónias litúrgicas. Navarro foi da opinião de que "ouesse musica de canto de órgão na Igreja com condição que se cantasse cõ a perfeição, com que se cantaua no Mosteiro de S. Cruz de Coimbra em Portugal" (96). Mais uma razão para que importe saber quais foram os mais destacados compositores desta instituição religiosa e cultural. D. Heliodoro de Paiva (m. 1552), ao qual voltaremos noutro contexto, escreveu grande número de obras polifónicas que se conservam em manuscritos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. D. Braz (m. 1582) foi autor de quatro Aleluias e de um Hino (*_Salve gemma confessorum*) que igualmente chegaram até nós, enquanto que de D. Bento (m. 1602) se conhece um *_Salve Regina* e um *_Portynam consunmatus est*. Mas tudo indica que maiores honras são devidas a outros dois músicos: D. _francisco de _santa Maria (m. 1597) e D. Pedro de Cristo (m. 1618). O primeiro era o famoso "D. Francisco castelhano", nascido em Ciudad _rodrigo. Exerceu o cargo de mestre de capela do bispo da Guarda, D. João de Portugal, e do bispo de Coimbra, D. João Soares. Professou em Santa Cruz em 1562, sendo já sacerdote. Foi mestre de capela do mosteiro até morrer. :, Há muitas obras litúrgicas suas nos manuscritos musicais da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Tido pelo maior compositor da Escola de Santa Cruz, D. Pedro de Cristo (m. 1618) é também aquele de quem sobrevivem maior número de obras (mais de 250, sobretudo nos códices da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e algumas na Biblioteca Nacional). Nelas predominam os Salmos de Vésperas, os Responsórios da Semana Santa, os *_Magnificat* e as Paixões segundo S. Mateus, S. João e S. Marcos. A notícia respeitante a D. Pedro de Cristo ao obituário de D. Gabriel de Santa Maria informa de que "particularmente tinha graça para chansonetas, e musica alegre e por tal era buscado de todos os mosteiros de freyras e frades". De tais composições profanas só cinco se salvaram, a menos que outras estejam por descobrir. Outro centro importante da música litúrgica da mesma época residiu em Braga. Entre

os vários compositores que aí desenvolveram actividade, distinguiu-se Miguel da Fonseca, que, em 1542 e no ano seguinte, foi mestre da capela do infante D. Duarte, filho de D. João III. Em 1544, encontramo-lo mestre da capela da Sé de Braga. Conhecem-se obras a 4 e a 6 vozes, incluídas num dos livros de coro da mesma Sé. Merecem ainda referência Aires Fernandes (com obras na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, na Biblioteca do Palácio Ducal de Vila-_Viçosa e na Biblioteca Pública de Évora), Vasco Pires e André Moutinho (códices da B. G. U. C.) e João Guedes Pimenta, representado num livro de coro da Biblioteca Nacional. Aspectos especificamente peninsulares O cosmopolitismo de alto coturno não é, todavia, o único meio que se oferece a uma nação para que nela se exerçam actividades artísticas válidas. O cosmopolitismo pode mesmo tornar-se balofo se não tiver uma infraestrutura específica da cultura local. Nesse âmbito mais restrito, pôde medrar na Península uma arte notável que, por natureza, não levantava suspeições nos zeladores da ortodoxia e que, mercê principalmente da influência espanhola na Itália, veio a ser contributo da evolução da música europeia (97). É o caso da música instrumental, que não deve considerar-se independente da para vozes com instrumentos, por isso que foi como que uma sua excrescência de fecunda vitalidade. Não sabemos porquê, a Península, que irradiara o alaúde, de origem árabe, para todos os centros de cultura musical da Europa, preferiu-lhe depois a *vihuela*, instrumento do mesmo género e com a mesma afinação das seis cordas, mas de construção e técnica diferentes. Os historiadores Borges Coelho e Cláudio Torres, aos quais o musicólogo Rui Nery pôs esta questão, sugeriram a possibilidade de ela se relacionar com uma tendência geral, depois da Reconquista, para aproveitar a herança árabe, escondendo-lhe a origem por meio de modificações formais ou onomásticas. Seria o caso da *vihuela*, que apenas difere do alaúde de seis ordens na forma. Não só a afinação se manteve a mesma como também a :, técnica de execução. Parece que era considerada própria dos meios cultivados, enquanto a guitarra de quatro cordas se empregava ao nível popular. Note-se, porém, que a correspondência entre os instrumentos musicais e as suas designações estava longe de ser rigorosa, e muito menos biunívoca. Além de que alguns termos eram genéricos e outros de certo modo específicos. Em Portugal, a *vihuela* e as guitarras de quatro e de cinco ordens compartilhavam da denominação de *viola de mão*, que as distinguia da *de arco*. Estes vários instrumentos de corda serviam às monódias acompanhadas, a que chamavam *vilancicos, sonetos, romances*. Luís de Milán (nascido por volta de 1500), o grande mestre espanhol, esteve em Portugal, foi feito gentil-homem por D. João III e dedicou-lhe o seu importante livro *_El Maestro*, que, além de peças para voz com acompanhamento (entre as quais aparece o idioma português), inclui trechos só para viola, que, consistindo em variações simples, deixam admitir que tivessem origem na arte da improvisação. É curioso que, na terminologia usada por Milán, apareça o vocábulo português *tento*, em vez do *tiento* espanhol. Na arte da *vihuela*, de que Milán é lídimo expoente, existem elementos populares muito interessantes, nomeadamente nos desenhos rítmicomelódicos repetidos nos sons graves, à semelhança das folias. É digno de destaque o facto de Milán e o seu contemporâneo e compatriota Luís de Narvaez, também violista notável, terem sido dos primeiros compositores a indicar o andamento em que a música devia ser tocada. Outro pormenor técnico interessante reside na correlação directa dos sinais convencionais da escrita musical (*tablatura*) com os pontos das cordas onde os dedos do executante deviam premir. Sabemos assim exactamente quais as notas que se tocavam, e, como muitas peças do repertório de viola eram transcrições de trechos vocais que nos chegaram por outras

vias, tornou-se possível o cotejo das diferentes versões, devendo concluir-se ou que os cantores alteravam o que estava escrito muito mais do que o que se tem suposto, subentendendo numerosos acidentes, sustenidos e bemóis, não explicitamente indicados (prática a que se chamava *música ficta*), ou, então, que os violistas ibéricos tinham tendência para introduzir acidentes, os sustenidos mais do que os bemóis, talvez para emprestarem à música maior colorido e outro sabor mundano. De qualquer modo, é seguro que tanto cantores como instrumentistas recorriam à *música ficta*, como o demonstra o cotejo de várias cópias da mesma obra, para utilização vocal. A vantagem das tablaturas dos instrumentos de corda (e também das dos instrumentos de tecla, que não figuram a posição dos dedos) consiste no registo integral daquela semitonia, que na escrita vocal ficava muitas vezes subentendida. No prólogo de *_El Maestro*, Milán elogia a cultura musical portuguesa: "La mar donde he echado este libro es piamente el reyno de Portugal, que es la mar dela musica: pues enel tanto la estiman: y tambien la entienden." Tivemos, sem dúvida, violistas notáveis, como Afonso da Silva, Pêro Vaz, Alexandre de Aguiar ou o franciscano Peixoto da Pena, que causou assombro pela sua técnica na corte do imperador Carlos V, Domingos Madeira (m. 1589), violista dos reis D. Sebastião e D. Henrique, e Luis de Vitória, violista do infante D. Luís. Nos *_Ditos portugueses dignos de memória*, este :, último é referido como "excelente tangedor de viola, o qual compôs um credo e tangeu-o e cantou-o ao infante, a quem pareceu tão bem que lhe fez por isso mercê". Noutro passo, o autor anónimo reforça o elogio, afirmando que Luís de Vitória "no seu tempo foi único tangedor de viola". Infelizmente, não se conhecem hoje quaisquer obras destes compositores (98). A arte de violistas e guitarristas prolongou-se até fins do século XVIII. Foram ainda seus representantes Doizi de Velasco, com obras editadas em Nápoles no ano de 1645, e António de Abreu, na segunda metade de Setecentos, que se fixou em Madrid e escreveu um livro didáctico: *_Escuela para tocar con perfeccion guitarra de cinco y seis ordenes*. Depois decaiu completamente, permanecendo no âmbito da música popular e burguesa, sem grande interesse artístico. Só desde há poucos anos se tem tentado em Portugal a revivescência desse culto, que a invasão da ópera italiana havia impiedosamente ofuscado (99). Música para outros instrumentos Com a música para instrumentos do tipo da viola dedilhada relacionou-se intimamente a que se tocava noutros instrumentos, como o órgão e a harpa e, num grau ainda mal averiguado, o clavicórdio e o cravo. Na Península, os pequenos órgãos portáteis (*portativos*) e os que se apoiavam sobre mesas (*positivos*) tinham os comandos em forma de teclas desde, pelo menos, o século XIV. Poderemos talvez chamar já com propriedade *músico de tecla* a Estêvão Dominguez, que sabemos era mestre dos órgãos em Coimbra em 1337. Mas supõe-se terem existido no século anterior órgãos em Braga, Coimbra é Alcobaça, sem excluirmos a hipótese de estar mais generalizado um instrumento que já então tinha funções importantes na música de igreja. O infante D. Fernando, filho de D. João I, teve ao seu serviço, por volta de 1434, um afamado organista de nome João _álvares, e pelo menos quatro estiveram às ordens de D. Afonso V. Nos séculos XV e XVI foi grande o número de organistas em Portugal, sabendo-se da existência de órgãos em igrejas que hoje os não possuem. Deviam ser instrumentos relativamente pequenos e de reduzidos recursos sonoros. Os órgãos peninsulares, no Renascimento e inclusivamente no século XVII tinham, na sua grande maioria, um só manual, e era exíguo o seu mecanismo de pedaleira, quando existia (100). Em 1551 havia em Lisboa treze escolas de organistas. Executantes e compositores que se distinguiram foram um António Carreira, contemporâneo de Camões, mestre da capela real de quem se conservam obras na Biblioteca da Universidade de Coimbra; Gregório Silvestre de Mesa, da mesma geração, autor do tratado de tablatura *_A

arte de escrever por cifra*, que também foi poeta, amigo de Jorge de Montemor, aureolado de grande fama em Granada, de cuja catedral foi organista; D. Heliodoro de Paiva (m. 1552), cónego regrante que foi professor no Convento de Santa Cruz em Coimbra, versado em latim, grego e hebraico, bom compositor e tangedor de viola de arco e harpa (além do órgão), e ademais elogiado como cantor (101). :, Também relativamente ao órgão, é mister aludir a contactos com o estrangeiro, que foram decerto importantes. A imperatriz Isabel, mulher de Carlos V, era filha de D. Manuel I. Tinha uma capela privada, formada por músicos espanhóis, entre os quais António de Cabezón, o célebre organista cego que ficou, sem contestação, a maior figura da música de tecla do seu tempo. Mestre consumado da variação, deve ter contribuído muito para que essa arte florescesse na literatura de órgão e outros instrumentos de tecla, como nos de corda dedilhada. Cabezón praticou inclusivamente a variação ornamental (*diferencia*), sobre um tema repetido na região dos sons graves, no que provavelmente sofreu influência da música inglesa, que conheceu *in loco*. Neste capítulo, que nos leva já próximo do estilo barroco, o eminente músico espanhol foi muito moderno para a época (102). O hábito de tocar em instrumentos de tecla transcrições variadas de trechos vocais constituía outro meio de contacto com música estrangeira, nomeadamente flamenga, de polifonistas como Gombert, Arcadelt, Willaert ou Josquin. É de notar estoutra relação entre a música de órgão e a de viola dedilhada, que, como vimos, incluía também transcrições de polifonia vocal. Aliás, trechos para instrumentos de tecla adaptavam-se igualmente à *vihuela* e similares. A música de tecla caracterizadamente peninsular era muito afim da dos vihuelistas, mesmo quando se não tratasse de transcrições. Deu-se um caso análogo na música de tecla francesa com relação ao alaúde. Facto curioso e o de se não conhecerem transcrições de polifonistas portugueses, talvez porque já então os compositores nacionais fossem menosprezados no confronto com os estrangeiros. Não sendo de admitir que à arte de António de Cabezón ficasse sem qualquer reflexo coetâneo em Portugal, e não obstante o incremento da música de órgão, com representantes tão notáveis como António Carreira (103), não pode surpreender-nos muito o já mencionado conceito de Filipe I, expresso assim numa carta de 1581 para suas filhas: "Y no sé si havreis sanido que por no aver aqui quien tañese bien los organos en la capilla, hize venir aqui á Cabezón." Este Cabezón não é já o mesmo, que tinha morrido em 1566, mas sim seu filho Fernando, que lhe sucedeu como organista e clavicordista da corte. Por alturas em que o primeiro dos Filipes escrevia aquelas palavras pouco abonatórias da música portuguesa, nasceu em Elvas (talvez em 1583) o que viria a ser o mais ilustre dos nossos compositores de música de tecla e harpa, antes da avassaladora influência italiana. 0 _p.e Manuel Rodrigues Coelho, que foi "capelãotangedor de tecla de sua Magestade" e que teve como colega o organista de origem espanhola Diogo de Alvarado, escreveu uma colectânea chamada *_Flores de música para instrumento de tecla e harpa*, publicada em 1620 em Lisboa. Consiste em vinte e quatro tentos e quatro glosas sobre a canção polifónica *_Suzanne un jour*, de Orlando de Lasso, trecho que então estava muito em moda e foi objecto de diversas transcrições e variações (104). Rodrigues Coelho mereceu a consideração de Francisco Correa de Arauxo, que estudou os seus tentos das *_Flores de musica* e deles aproveitou, Correa de Arauxo, provavelmente espanhol, é "talvez o mais ibérico de :, todos os autores para tecla nos séculos XVI e XVII", na opinião autorizada de Santiago Kastner. A sua obra foi conhecida e estudada em Portugal (105, 106). A denominação de *glosa* que aparece, mas raramente, aplicada à música de viola dedilhada, tornou-se frequente na de tecla. É também uma arte de variação, e praticara-a António de Cabezón com a sua mestria admirável. Incidia geralmente

sobre uma obra polifónica de outro autor (no caso de Rodrigues Coelho a referida canção de Orlando de Lasso), mantendo a sua textura mas elaborando uma ou mais partes da polifonia, frequentemente a mais aguda. Era um outro passo no sentido do estilo barroco, destacando uma linha melódica e fundindo as outras num acompanhamento harmónico. As glosas causaram o desespero de muitos músicos conservadores quinhentistas, que viam nelas um sacrilégio praticado contra a sacrossanta arte da polifonia (107). Conjuntos de instrumentos Depois de breve referência, deixemos em claro o interessante caso de Jorge de Montemor, um dos escritores portugueses que têm lugar na história da literatura mundial, nascido entre 1520 e 1524. Como vimos, foi músico de profissão em terras espanholas e neerlandesas. Desempenhou funções de músico de câmara da infanta D. Maria, irmã de Filipe II de Espanha, e esteve ao serviço de D. Joana, a quem acompanhou a Portugal quando veio casar-se com o príncipe D. João, filho d'o Piedoso. Infelizmente, não se conhecem obras musicais suas, mas tão-só de outra autoria sobre letra do seu punho, escrita em espanhol, como os outros textos que chegaram até nós (108). Do ponto de vista musical, o seu nome associa-se não só à arte vocal com acompanhamento de viola (Montemor é um dos autores das letras insertas no *_Cancioneiro musical da casa de Medinaceli*) mas também à execução simultânea em vários instrumentos. Refere-se Montemor a conjuntos de quatro violas de arco e clavicórdio, de alaúde, harpa e saltério, de flauta e rabel, de três trombetas e sacabuxa. Se estes concertos tiveram lugar na Península, acaso em Portugal, encontravam-se as manifestações ibéricas adiantadas para a época, participando nos alvores da *sonata*. É de notar que Diego Ortiz, que tinha sensivelmente a mesma idade de Montemor, menciona conjuntos de violas; e o seu contemporâneo Venegas de Henestrosa deu à estampa uma "fuga" em quarenta partes, que podiam ser executadas em dez instrumentos. Há também notícia de "bandas de trombetas", cuja música se desconhece mas que deviam descender da *música alta* de tempos anteriores. Recordese que estes tangeres, segundo autorizados musicólogos actuais, foram origem (ou uma das origens) da tocata (109). :, Construção de instrumentos Podemos ter como certa a existência, já na primeira dinastia, de uma pequena indústria de construção de instrumentos musicais. Os violeiros e fabricantes de outros instrumentos tinham seus estabelecimentos nas mesmas ruas, segundo o costume medieval resultante das corporações, da conveniência de os seus membros irem à mesma igreja e, também, para fácil verificação do cumprimento das prescrições atinentes ao ofício (110). Violeiro era, no século XV, Martin Vasques Coelho, e a construção de instrumentos de corda dedilhada teve razão para progredir no Renascimento, dado o papel que violas e guitarras foram chamadas a desempenhar na vida palaciana. Apareceram também os fabricantes de órgãos, fornecendo não só Portugal mas também a Espanha. Um documento quinhentista fala de certo Bento de Solorzano e do "cumprimento de pago de 8500 reaes, que lhe nós mandamos dar por uns órgãos que nos há de fazer". Os organeiros podiam limitar-se ao trabalho de manutenção e reparação, sem se abalançarem a construir todo um instrumento. Em tempos de D. Manuel, três carpinteiros de órgãos exerciam a profissão em Lisboa. No reinado d' 0 Piedoso, o organeiro mestre João, provavelmente estrangeiro, tinha por obrigação conservar "sempre afinados os órgãos" da capela real "e das capelas de Almeirim e de Sintra e os da sala de Santa Maria da Pena e Pera Lomga" (111). Outros instrumentos de tecla foram fabricados em Portugal nesse período, nomeadamente manicórdios, de que havia doze construtores em princípios de

Quinhentos. Também se fizeram entre nós cravos que, desde o princípio do século XVI, se tornaram aqui apreciados, enquanto em Espanha o clavicórdio era preferido. D. João III teve ao seu serviço um neerlandês, Copym de Holanda, como "mestre de fazer os nossos cravos", sendo obrigado a "temperar e encordoar e fazer alguns coregimentos nos nossos estromentos". Mais antiga era por certo a manufactura de instrumentos de sopro e de percussão, que no Renascimento continuaram a ter emprego nas ocasiões aparatosas. Por exemplo, no famoso banquete oferecido pelo duque de Bragança em Vila Viçosa ao cardeallegado, no reinado de D. Sebastião, cada coberta, servida por fidalgos ou cavaleiros, foi assinalada por sonoros toques de trombetas, atabales e adufes. O próprio D. João IV, tão cultivado na melhor música, precisou desses instrumentos estrepitosos, pois tomou um obscuro João Nunes por oficial "de latoeiro de fazer trombetas, bastardas e sacabuxas". A imprensa Já nos referimos a música *impressa*, e não podemos omitir alusão mais explícita a essa novidade renascentista, que, no nosso país, não fez todavia mudança tão radical da expansão da música escrita como noutros, devido à :, pequenez do mercado e ao não valer a pena, nos mais dos casos, empatar dinheiro numa reduzida tiragem. A introdução da imprensa posterior à sua invenção supõe-se que na China) e da Península. Foi Leiria

em Portugal, no reinado de D. Afonso V, não é muito (esqueçamos que havia sido inventada em tempos remotos, parece ter entrado aqui antes de em qualquer outra região a sua primeira sede (112).

Claro que nem em Portugal nem noutros países as primitivas impressões foram de música. Nos anos setenta do século XV a arte então recente foi aplicada a música monódica e, em princípios do século seguinte, também à polifónica. Mas já em 1457 se imprimira em Mainz um livro contendo música: o *_Psalterium* saído da oficina de Johann Fust e Peter Schõffer, colaboradores de Gutenberg. Além do texto, só três linhas da pauta foram impressas, a preto. A quarta linha, encarnada, e as notas acrescentaram-se à mão. Empregavam-se blocos de madeira ou de metal e, parece que com primazia da Itália, tipos móveis (113). A impressão, por este último processo, de música que não de cantochão, constituindo já uma indústria de vulto, vem com o italiano Petrucci, que, por este motivo, é considerado o Gutenberg da música. É de um espanhol -- o já mencionado Ramos de Pareja -- um dos mais antigos incunábulos sobre música, mas foi impresso em Bolonha: a *_Música practica*, publicada em 1482. Com tipos mandados vir de Itália se imprimiu pela primeira vez em Espanha um livro de música para viola, que era o mencionado *_El Maestro*, de Milán (Valência, 1536). No mesmo ano é passado alvará de licença a Gonçalo de Baena, músico da câmara de D. João III, para poder imprimir "uma obra e arte pera tanger", licença que talvez nunca tenha sido aproveitada pelo interessado. Se assim foi, é de admitir que as já mencionadas *_Flores de música*, de Rodrigues Coelho, constituíssem a primeira edição, impressa na importante firma Craesbeeck, de música instrumental. O flamengo Pieter Craesbeeck, discípulo de Plantin, fixara-se em Lisboa em fins do século XVI. Fundou uma notável indústria de impressão continuada por seus descendentes, da qual saíram edições preciosas, inclusivamente de poesias de Camões. Para fazermos uma ideia do que sejam as tiragens naquele tempo, basta-nos saber dos 1500 exemplares contratados em 1552 entre Guillaume Morlaye e o impressor Fezandat de um livro de alaúde destinado principalmente ao mercado francês. Um outro contrato de impressão, das importantes *_Obras de música para tecla, harpa e viola*, de Cabezón (publicadas postumamente em Madrid, em 1578), estabelece 1200 exemplares. Compreende-se que a música polifónica vocal, de igreja, tivesse tiragens muito menores do que a música profana para uso de profissionais e

amadores, inclusivamente em suas casas. De uma colecção de obras de Victória, publicada em 1600, deveu o impressor tirar 200 exemplares e, se quisesse, mais 100, que ele próprio poderia vender decorrido algum tempo. :, CAPÍTULO V O APOGEU DA POLIFONIA Música religiosa e música profana Seria errado supor que os participantes nas festas mundanas renascentistas procurassem nelas alguma vivência musical séria e profunda, como as que hoje demandamos numa sala de concerto onde se vá ouvir o *_Quarteto op. 131*, de Beethoven, ou o prelúdio do *_Tristão e Isolda* ou os *_Kindertotenlieder*, de Mahler, ou a *_Sinfonia dos três rés*, de Honegger. Devemos ver na música profana de então alguma coisa de comum com o género que hoje dizemos *ligeiro*, na medida em que este é caracterizado pelo propósito de mero entretenimento ou divertimento, e sem levarmos longe de mais a comparação, lembrados de que o espírito renascentista ornava esses lazeres de subtilezas artísticas e matizes intelectuais que os hodiernos cultores da música ligeira deliberadamente desprezam. Era na Igreja que a música devia revestir o seu aspecto sério e respeitável, desde logo nos cantos litúrgicos e, também, nas obras expressamente escritas por compositores da época. Tivemos ocasião de falar desse monumento admirável que é a *_Missa* de Guillaume de Machault e poderíamos ter mencionado muitas outras composições polifónicas sobre o mesmo texto litúrgico, com eventuais modificações em função dos ofícios a que se destinavam. Na verdade, a missa foi, por excelência, a forma musical de grande envergadura, e com razão se tem dito que a sinfonia veio a usurpar-lhe o lugar que lhe pertencia no reino da música, do mesmo passo que contribuiu decididamente para a secularização da arte dos sons de índole séria. Este processo não se deu, todavia, de um momento para o outro, com as primeiras sinfonias galantes, que foram ainda peças de entretenimento, mais do que de edificação. Onde se realiza nitidamente é nas últimas sinfonias de Haydn e de Mozart e, não muito depois, nas de Beethoven, que são já intérpretes de uma outra sociedade, marcadamente burguesa. Também nos referimos ao *motete*, que já se cultivava na Idade Média e que nasceu nas primeiras décadas do século XIII como diferenciação das cláusulas, com texto, do *organum*. O motete sofreu uma longa evolução, impossível de aqui descrever. Devemos, no entanto, acentuar que, em todos os seus aspectos, o motete foi polifónico e que, por influência da *_Ars Nova*, se cultivou também no domínio profano. O seu maior esplendor foi atingido no século XVI (e no XVII, em Portugal), tendo-se então abandonado a prática de :, sobreposição de diferentes textos. Na música de igreja, o texto era geralmente bíblico (114). A história da música só em raros pontos pode reduzir-se em distinções precisas e estanques sem que se cometa pecado de simplismo. Assim, a separação entre música religiosa (séria) e profana (ligeira) deve atender-se com alguma reserva, porque também nos círculos mundanos se evocaram temas religiosos, como vimos, e se apreciaram tratamentos poéticos de assuntos tão sérios como a morte de Inês de Castro, cantada por Garcia de Resende (mas note-se que sob o título de "cousas de folgar"), ao mesmo tempo que na Igreja as incursões de música imprópria levavam a medidas repressivas das autoridades eclesiásticas. Acrescente-se ainda que, em toda a música polifónica renascentista, religiosa ou não, o estilo foi essencialmente um só -- a diferenciação marcada veio depois, como obra do barroco. Do movimento musical ligado à Reforma, importantíssimo na história geral da música, não temos aqui que nos ocupar, porquanto não influiu directamente na música portuguesa.

O máximo esplendor da polifonia Pertence mais ao âmbito religioso do que ao profano o apogeu da polifonia portuguesa, já porque os nossos maiores compositores se dedicaram à música eclesiástica, já pelas circunstancias que rodearam esse belo florescimento da segunda metade do século XVI e primeira do seguinte (115). Mencionámos alguns polifonistas destacados. É rigorosamente certo que a opulência polifónica figurava entre os atributos convenientes às grandes ocasiões. Nas solenes festas do Mosteiro de Santa Cruz, de Coimbra, celebradas em 1592, por ocasião do recebimento de novas relíquias, sabemos que junto a uma cruz "iam os cónegos músicos da capela de canto de órgão, cantando uma obra a oito vozes, a que alternadamente respondia um suavíssimo realejo, que levavam quatro irmãos leigos e que, com destreza e saber, tocava o nosso mestre D. João Leite". Não passe inadvertida a alusão a um instrumento, o "suavíssimo realejo", alternando com as oito vozes. Trinta e seis anos antes dessa festividade coimbrã, estivera em Lisboa o insigne polifonista espanhol Francisco Guerrero, para oferecer o seu primeiro livro de missas a D. João III. Não é este o único facto a indicar o convívio da música polifónico-religiosa estrangeira com a que se compunha no país. As importações mais desejadas continuem sendo flamengas, cujo prestígio na Península vinha de longa data, como vimos, e que fora aumentado em 1516 pelo futuro imperador Carlos V, que trouxe então consigo da Flandres toda uma capela. Os mestres polifonistas portugueses aderiram à escola neerlandesa, de tal sorte que se empregou para a sua arte a classificação de "música jusquina". Josquin des Près foi modelo seguido, e não só em Portugal. Mas outras sumidades estrangeiras tiveram o justo preito dos nossos compositores, nomeadamente Palestrina. Mateus de Aranda (m. 1548), que, em :, 1544, ocupou a cátedra de Música em Coimbra e que fora mestre de capela na Sé de _évora, obteve em Itália os seus conhecimentos de música prática. Em meados do século XVI, António Prestes, no *_Auto do mouro encantado*, alude a Josquin e Morales com uma naturalidade de quem pressupõe divulgado conhecimento desses autores estrangeiros. Estudo interessante seria o que averiguasse da existência na literatura polifónica portuguesa entre os traços estilísticos e técnicos de origem estrangeira, de caracteres específicos nacionais (116). Portanto, o estilo dos mestres polifonistas portugueses envolve a escrita imitativa, isto é: a imitação entre diferentes vozes, que sucessivamente vão fazendo ouvir os mesmos desenhos melódicos, mais ou menos modificados, e realizando, no conjunto polifónico, uma espécie de tecido de fios semelhantes mas desencontrados. A forma imitativa mais rigorosa é o *cânone*, em que todas as vozes têm exactamente a mesma melodia e de que é exemplo muito divulgado o *_Frère Jacques*. Supõe-se que Guerrero teve, entre os seus discípulos, António Pinheiro (m. 1617), cujo primeiro livro de missas foi dedicado a D. Sebastião e de quem existiu um motete a cinco vozes na famosa biblioteca de D. João IV. Foi mestre da capela ducal de Vila Viçosa e, depois, da de Évora e parece ter formado escola, se é certo terem sido seus directos continuadores polifonistas como Nunes Pegado, Dias Vilhena, Francisco Baptista (que se fixou em Córdova) e Manuel Pousão, frade agostiniano que teve um *_Liber passionum* de sua autoria publicado em Lião. Na melhor linhagem de polifonistas, que vinha de Mateus de Aranda, encontramos Manuel Mendes (m. 1605) e, antes, seu professor (?) Cosme Delgado, mestre de capela da Sé de Évora, autor de missas, motetes e lamentações e de uma obra teórica. Manuel Mendes também foi mestre de capela da Sé de _évora, depois de ter exercido

idênticas funções em Portalegre. Perdeu-se parte da sua obra, mas conhecem-se duas missas incluídas num códice manuscrito do século XVII. O valor de Manuel Mendes como pedagogo foi reconhecido no seu tempo, como se deduz destas curiosas palavras do calendarista e músico Tomé Alvares, escritas em 1610 numa carta para um amigo que se encontrava na Flandres: "*Este reino não é pobre de habilidades como é de quem as favoreça e de comodidade para se publicarem, com que se sepultam todas a que falta posse para se valerem de reinos estranhos. Lopo Soares de Albergaria, Deão que foi desta capela [real], grande amigo de V. M. e tanto meu que, com sua morte, perdi as esperanças da Terra, tinha tomado a sua conta fazer imprimir uns livros de Missas e Magnificas de Manuel Mendes (que também faleceu) mestre de Duarte Lobo* e de toda boa música deste reino." (117) Vale a pena transcrever um pouco mais da carta, não só pela referência a outro dos maiores -- Filipe de Magalhães -- como pelo mais que nos informa das dificuldades que então, como hoje, os compositores portugueses tinham em publicar suas músicas. Prossegue Tomé _álvares: "*Com a morte do primeiro [Soares de Albergaria] e pouca posse do segundo [Manuel Mendes] nada se efectuou. Estas obras deixou Manuel Mendes a Filipe de Magalhães, capelão de sua Magestade e nesta capela mestre de música, seu discípula primogénito no saber, herdeiro nos benefícios, lagar a espírito, :, o qual também tem trabalhado em muitas, que dão preço as de seu mestre. Folgara, porque sou discípulo de ambos e me criei em o zelo de Lopo Soares, que para honra de Deus, lustre de sua Igreja e crédito da nossa pátria (se nesta matéria o tem perdido) saíssem a lume ocupações tão bem trabalhadas e desejadas de todos." A opinião deste patriota esclarecido (que escrevia sob a dominação espanhola), tão consciente de qual era "a boa música deste reino", merece-nos atenção e confirma o lugar que entre os maiores compositores portugueses do tempo se atribui a Duarte Lobo e Filipe de Magalhães, ambos discípulos de Manuel Mendes. E se a Magalhães chama "seu discípulo primogénito no saber", não emitiu aí parecer que hoje nos repugne perfilhar, instruídos que estamos, embora menos do que ele, na vívida audição de páginas representativas da plêiade dos polifonistas admiráveis que serviram sob os ceptros filipinos e do Restaurador. Grandes nomes da chamada escola de Évora Duarte Lobo e Filipe de Magalhães foram menos vítimas das dificuldades de impressão de obras musicais do que temia _álvares ao escrever ao seu amigo Baltasar Moreto. Ambos tiveram honras de impressão, em Lisboa e Antuérpia, ao que talvez devamos a sorte de nos terem chegado obras suas em número considerável. A análise técnica descobre nelas os motivos do respeito que mereceram dos contemporâneos e a audição faz que as admiremos. São autênticas obras de arte, de perfeita harmonia formal a revestir coerentemente de valor estético o conteúdo religioso. O ilustre musicólogo Manuel Joaquim, que aventara local e data do nascimento de Duarte Lobo, esclareceu posteriormente que o assento de baptismo que descobrira se não refere ao célebre músico mas sim a um seu homónimo e contemporâneo. Na ignorância de onde e quando veio ao mundo um dos maiores compositores portugueses, podemos, no entanto, afirmar que viveu toda a dominação espanhola e conheceu ainda os primeiros seis anos quase completos da dinastia de Bragança. Morreu em Lisboa, aos 24 de Novembro de 1646. Foi em Évora que estudou com Manuel Mendes e ali exerceu funções de mestre do coro da Sé. Depois ocupou sucessivamente os lugares de mestre de capela do Hospital Real e da Sé em Lisboa. A sua música teve projecção além-fronteiras, pois que está representada em bibliotecas estrangeiras, nomeadamente em Viena e Munique. Filipe de Magalhães nasceu em Azeitão, não sabemos em que data. Conheceu também os princípios da Restauração, pois que era vivo em 1648. Foi mestre de capela da Misericórdia, em Lisboa, e, a partir de 1623, da capela real (118). Provavelmente da mesma geração de Duarte Lobo e Filipe de Magalhães, o frade

carmelita Manuel Cardoso (alentejano, natural de Fronteira, que morreu em Lisboa em 1650, com cerca de 84 anos, pois nascera em 1566) é também um dos grandes da música portuguesa, discípulo de Manuel Mendes em Évora, cidade cujo brilho musical nessa época escusamos de :, sublinhar, depois das referências que lhe temos feito. Brilho, aliás, não só musical; basta lembrar que, em 1559, o Colégio da Companhia de Jesus se transformara em Universidade (119). Foi em Lisboa, no Convento do Carmo, que, em 1588, Manuel Cardoso tomou o hábito e professou. No convento exerceu funções de mestre de capela, de subprior e, finalmente, de vigário provincial da ordem. Muito considerado, inclusivamente por D. João IV, que o visitou no convento, Manuel Cardoso teve várias obras impressas. Na sua música tem sido enaltecida, além da perícia técnica, uma austeridade impregnada de misticismo (120). Homenagens que músicos portugueses prestaram ao soberano espanhol, na dinastia dos Filipes, são chocantes à sensibilidade moderna. Filipe de Magalhães dedicou ao terceiro dos seus reais homónimos um livro de missas; Manuel Cardoso foi a Madrid oferecer ao monarca uma *_Missa filipina*, em que palavras litúrgicas são substituídas por *_Philippus quartus*. Por exemplo, no Glória, enquanto três vozes cantam "*qui tollis peccata mundi, miserere nobis*, etc.", outra vai repetindo "Philippus quartus", sendo de presumir que se lhe pedisse destaque mais do que o suficiente para bem se perceberem as duas palavras. Depois da Restauração, o mesmo Manuel Cardoso faz cantar a nove vozes o nome de *_Joannes quartus Portugaliae Rex*. Aliás, dedicara já a D. João, quando era apenas duque de Barcelos, em pleno regime espanhol, o seu primeiro livro de missas impresso em Lisboa, em 1625 (121). Que se não tratava do que hoje chamamos *colaboracionismo*, dizem-nos não apenas as atenções de D. João IV para com Manuel Cardoso, como os costumes e a organização social da época. O respeito completamente submisso a um senhor pertencia tanto à ordem natural das coisas como o que era devido a Deus. E não esqueçamos que a candidatura de D. João se não concretizou como oposição clara e oficial, digamos assim, possibilitando às modestas pessoas daqueles compositores optarem pelo serviço a ele, em vez de Filipe. Devemos considerar que qualquer circunstancia evidentemente propícia a prestar a este -- ao rei conhecido -- uma homenagem explícita e em forma se transformava, *ipso facto*, na quase obrigação de o fazerem (122). Dos nossos polifonistas de primeira plana, Duarte Lobo ficou o mais reputado como professor, e acaso foi na teoria e no ensino que mais se distinguiu, não obstante o alto valor artístico das suas obras que hoje conhecemos. Muitos polifonistas receberam directamente os benefícios do seu vasto saber (123). Aos grandes nomes de que acabamos de nos ocupar é indispensável acrescentar outros. O P.e Francisco Martins (n. 1620?, m. 19 de Março de 1680), compositor notável, entrou para o Seminário de Évora em 1629 e foi mestre de capela da, Sé de Elvas, e é na Biblioteca Municipal desta cidade que se conservam as suas obras (*_Livro da Quaresma*). O eminente musicólogo norte-americano Robert Stevenson, ao conhecer alguns dos responsórios de Francisco Martins, estimou-os iguais em qualidade, se não superiores aos de Ingegneri (124). :, Mencionemos de Viseu de Dias Melgaz *_Escola de

finalmente Estêvão Lopes Morago (n. 1575), que foi mestre de coro na Sé 1599 a 1628 e de quem se conhece um *_Te Deum*, e o alentejano Diogo (1638-1700), geralmente considerado o último representante da chamada _évora* (125, 126).

A polifonia em Vila Viçosa e Coimbra Vila Viçosa foi também cenário de importante florescência polifónica, por ser a sede da Casa de Bragança. O duque D. Jaime conseguira que fosse cancelada a

confiscação de bens da família, o que se supõe ter motivado o início de um culto musical acima do vulgar em casas senhoriais. Continuara a música a ser favorecida pelos sucessores de D. Jaime: D. Teodósio I, que começou a organizar a biblioteca, D. João I (que mandou exarar no testamento: "eu tive muito trabalho e despesa em pôr a minha Capela no estado em que agora está") e D. Teodósio II, que por morte do pai recebeu o título de duque em 1583, já, portanto, sob o domínio filipino (127). D. Teodósio II, pai de D. João II (como duque de Bragança, futuro D. João IV como rei de Portugal), criou o Colégio dos Reis Magos de Vila Viçosa, para formação dos elementos da capela ducal. Foi ele quem impeliu o herdeiro para o estudo da música, ao qual de princípio não era inclinado. Deu-lhe por companheiro de estudos João Lourenço Rebelo, aluno distinto do colégio de Vila Viçosa, a quem D. João veio a dedicar tanta admiração e amizade que lhe fez importantes doações, a ponto de viver de seus rendimentos, sem necessidade de exercer o mister de músico. Rebelo, um dos melhores polifonistas portugueses, teve dezassete volumes de obras suas impressos em Roma, em 1657 (128). Um seu irmão, o P.e Marcos Soares Pereira, foi também polifonista excelente e mestre de escola em Vila Viçosa. Acompanhou D. João quando, já rei) se fixou em Lisboa. Os estudos musicais de D. João IV chegaram decerto a grande adiantamento. Os seus escritos atestam verdadeiro conhecimento de causa, pelo menos no domínio da polifonia, sua arte preferida. Escreveu, em espanhol, a *_Defensa de la musica moderna contra la errada opinion del Obispo Cyrillo Franco*, impressa em Lisboa em 1649 (tradução italiana em Veneza, 1666) e as *_Respuestas a las dadas que se pusieron a la missa Panis quem ego dabo del Palestrina, impressa en el libro quinto de sus missas* (Lisboa, 1654, tradução italiana em Roma, no ano seguinte). E, também, duas obras que, manuscritas, não chegaram até nós: *_Concordância da música e passos dela coligidos dos maiores professores desta arte e Princípios da música, quem foram seus primeiros autores e os progressos que teve* (129). Como compositor, atribuem-se a D. João IV dois motetes, *_Crux fidelis* e *_Adjuva nos Deus*. No entanto,; na opinião autorizada de Luís de Freitas Branco, a comparação entre eles permite "verificar que o estilo do primeiro é muito mais evoluído do que o do segundo, e concluir pela inverosimilhança de haver um compositor que, com todos os descontos dados a diferença de idade e de épocas de produção, escreva em estilos tão díspares (embora :, sempre dentro do género religioso), sendo igualmente inverosímil que quem possa compor de maneira mais difícil e avançada se entretenha a tornar ingénua e primitiva a sua técnica e a sua estética de criador musical". E a sua conclusão final é de que só ao motete *_Adjuva nos*, a quatro vozes mistas, pode com fundamento consignar-se a autoria de D. João IV. O musicólogo Manuel Joaquim descobriu uma *_Paixão segundo S. João*, a quatro vozes, que considera ser provavelmente obra do fundador da dinastia brigantina, ponto de vista apoiado por Luís de Freitas Branco: "Deve ser, como diz o Sr. Capitão Manuel Joaquim [...], uma das *_Paixões* (segundo S. João e segundo S. Mateus) [...] que se cantavam na Sé de Lisboa em tempos antigos e que eram tradicionalmente atribuídas a D. João IV". Coimbra deve também mencionar-se relativamente à música polifónica deste período. Já citámos o cónego do Mosteiro de St.a Cruz, D. Heliodoro de Paiva, que morreu em 1552, autor de missas, motetes e *magnificats*. Mas a figura tida por mais notável na música imitativa coimbrã, D. Pedro de Cristo (m. 1618), cultivou muito a arte profana, além da religiosa com que dotou o Mosteiro de St.a Cruz e, em Lisboa, o de S. Vicente de Fora. Teve fama de tocar primorosamente instrumentos de tecla, harpa, viola e flauta (130). Observemos, a propósito, que a música profana não se distinguiu mais tarde na vida senhorial, mau grado a preferência obstinada de D. João IV pela religiosa. O

*tono*, escrito a duas ou mais partes polifónicas, parece reflectir a influência do madrigal italiano. Marcos Soares Pereira escreveu tonos para versos de D. Francisco Manuel de Melo. Conhece-se pouco a biografia de D. Francisco Castelhano, talvez espanhol, que foi mestre de capela na Igreja de St.a Cruz de Coimbra. Filipe II de Espanha ordenou que se cantassem composições suas na capela real. Sabe-se que, de facto, o foram no Escorial, em 1590. Barroquismos na música portuguesa de estilo renascentista Nota-se em alguma literatura polifónica portuguesa desta época um culto da elaboração e da opulência, gosto que acaso foi mais acentuado entre discípulos de Duarte Lobo, talvez por motivo do extremo apetrechamento técnico na disciplina do contraponto. São os casos das missas de Nicolau da Fonseca e Fr. Miguel Leal, respectivamente para 16 e 36 vozes (em 9 coros). João Lourenço Rebelo presenteou seu amo, D. João, com uma missa a 39 vozes, mas esta com á justificação especial de o monarca perfazer, nesse dia, precisamente outros tantos anos de idade. É possível que, nessas e noutras páginas de estrutura essencialmente renascentista, se espelhasse a época barroca, que então já ia exercendo importante acção evolutiva nas formas musicais em terra estrangeira. Admitiu-se a hipótese da influencia de Orazio Benvoli, que, nascido em 1605, era decerto muito mais novo do que Duarte Lobo. A sua célebre missa :, para 12 coros, envolvendo uma polifonia a 53 partes (vocais e instrumentais), destinou-se à sagração da Catedral de Salzburgo, em 1628, quase vinte anos antes da morte do nosso mestre polifonista. Compôs outras obras para grande número de vozes (12, 16, 24...) e não foi o único estrangeiro do seu tempo a demandar a grandiosidade colossal dentro da arte polifónica, o que se tem atribuído à necessidade de encher de som os vastos espaços das igrejas romanas então modernas. Entre outros, podemos citar António Maria Abbatini, que viveu de 1595 a 1677 (131). Aliás, o emprego de grande número de vozes polifónicas não foi, de forma alguma, absoluta novidade barroca. Basta que nos lembremos do *_Deo gratias* a 36 vozes, de Ockeghem, ou do *_Qui habitat in adjutorio* a 24 vozes, distribuídas por 6 coros, de Josquin des Près. A averiguação de marcas caracteristicamente barrocas na nossa música seiscentista só poderá fazer-se por um estudo analítico e especializado, que, todavia, não conseguirá negar o atraso estilístico em que se encontrava a música portuguesa de então relativamente aos principais centros estrangeiros. Um capítulo desse estudo musicológico deveria consagrar-se à problemática intervenção de instrumentos na polifonia imitativa. Santiago Kastner escreveu a este respeito, aduzindo a seu favor o testemunho de pinturas portuguesas da época: "Nas missas de Duarte Lobo, Fr. Manuel Cardoso e outros poderia admitir-se um acompanhamento instrumental e de órgão, talvez um instrumental rico em harmónicos diminuísse em algo a aparência excessivamente escolástica das obras *a capella* (?) portuguesas." (132) Esta sugestão do ilustre estudioso casa-se perfeitamente com o descrédito que a musicologia hodierna tem lançado sobre a expressão *a capella*, que, na acepção de "música polifónica puramente vocal", é invenção barroca e, portanto, posterior à época renascentista. Manfred Bukofzer deu todo o prestígio do seu nome à asserção de que "voz e instrumentos podiam ser trocados entre si, mesmo na música de igreja" que "a execução *a capella* era apenas uma possibilidade entre outras" e que "qualquer classificação de música renascentista que não considere o dobrar ou substituir de vozes por instrumentos é demasiado estreita". São muitos os casos concretos que confirmam a opinião do malogrado musicólogo; por exemplo, em Inglaterra, as partituras para um órgão de música religiosa isabelina (133).

_a _música. (a) _bandolim. oõ _vários instrumentos antigos. oõ _pormenor do tecto da _sala de _música do _palácio de _vila _viçosa. oõ _coro e órgão da _igreja de _santa _catarina, em _lisboa. oõ _órgão do século XVIII da _igreja de _n.a _sr.a do _carmo. oõ _festa num jardim. oõ _o músico da aldeia. oõ _cenário da ópera "_ilndo de la _luna", de _avondano. oõ _estudo para o cenário de uma comédia de _c. ni (1707-1793), intitulada "cadia in _brenta" e posta em cena no _teatro de _salvaterra no ano de 1764. oõ _estudo cenográfico referente à Segunda cena da ópera "_l'_amor _contadino", que foi representada no _teatro de _salvaterra no ano de 1764. oõ "_la _bohème". oõ _ruínas da _ópera do _tejo. oõ "_tosca". oõ _teatro de _são _carlos. oõ _interior do _teatro de _são _carlos. oõ O atraso português em relação ao estrangeiro Algumas datas comparadas: Vincenzo Galilei, paladino da *camerata fiorentina* (pai do célebre astrónomo Galileo Galilei), nasceu por volta de 1520 e era, portanto, muito mais velho do que Duarte Lobo. Este seria um adolescente quando se publicou, em 1581, o *_Dialogo della musica antica e della moderna*. A obra de Jacopo Peri, que passa por ser a primeira ópera em absoluto -- a *_Dafne*, da qual o musicólogo Federico Ghisi descobriu dois fragmentos na Biblioteca Nacional de Florença -- foi representada em 1594, o mesmo ano em que morreram Palestrina e Orlando de Lasso. Manuel :, Cardoso havia tomado hábito seis anos antes; D. João IV não era ainda nascido (134). Monteverdi, o primeiro grande compositor de operas, foi contemporâneo de Duarte Lobo. O seu *_Orfeu* representou-se em Mântua trinta e um anos antes de Diogo Melgaz ver a luz do dia. E quando este serôdio polifonista português fechou para sempre os olhos, Purcell havia-lhe já tomado a dianteira (m. 1685), Alessandro Scarlatti era já mestre de capela da corte de Nápoles e seu filho Domenico andava pelos 15 anos, como Hãndel e Bach, o primeiro já muito interessado na composição, o segundo tentando ganhar a vida como cantor. Nada é preciso acrescentar a estes dados para nos compenetrarmos do muito que se distanciou da nossa música de então a linha da vanguarda, que nascera em terra italiana e se ramificara depois para bandas do Norte. Na verdade, Portugal não conheceu em devido tempo as inovações que é costume considerar princípio do barroco musical, e já a ópera estava dominadora de praticamente toda a Europa quando aqui

entrou pela primeira vez. Esse conservandorismo deve ter tido várias causas, como fossem as eternas dificuldades provenientes da posição geográfica, a influência da Inquisição, especialmente poderosa na Península, e a mentalidade dos reis. No caso de D. João IV, pode parecer estranha a obstinação em manter-se fiel a um estilo já ultrapassado, tanto mais que na sua estupenda biblioteca de música, por ele próprio dotada de muitas preciosidades, incluía obras de Caccini, publicadas em 1614 (*_Nuove musiche e nuova maniera di scriverle*). Porém, uma coisa era a música representada na sua livraria e outra a que o monarca desejava fosse cantada em seu reino. E a sua *_Defesa da música moderna*, contra a "errada" opinião expressa uns cem anos antes pelo bispo Cirilo Franco, não defende nada a música verdadeiramente moderna do seu tempo, se não que rebate o elogio do prelado à música da Antiguidade Clássica, usando de argumentação pouco avançada. E se menciona Monteverdi entre os autores de obras que confirmavam o seu ponto de vista, não é por ter composto o *_Orfeu* e a *_Ariana*, mas porque o modernismo destas obras não significa que o mesmo Monteverdi deixasse de ser cultor exímio da arte polifónica imitativa (135). O conteúdo da livraria de D. João IV não é prova única do conhecimento que portugueses tiveram da nova arte musical italiana. Houve nomeadamente um organista, Fr. João Leite Pereira, que esteve ao serviço dos Gonzagas, em Mântua, quando Monteverdi ali desempenhava o cargo de mestre de capela. Das três cartas que se conhecem de Leite Pereira para Vincenzo Gonzaga, duque de Mântua (todas de 1605, pouco anteriores portanto ao *_Orfeu*), depreende-se que o nosso compatriota era organista de raro mérito, sem o que não teria sido tão solicitada a sua presença na faustosa corte mantuana (136). Os maiores polifonistas portugueses têm tido a sua reputação bastante prejudicada pelo confronto com a arte dos seus contemporâneos modernistas para a época. De certo modo, é o mesmo prejuízo de que sofrem os nomes dos conservadores Brahms, Rachmaninov ou Sibelius, por terem nascido depois de um Wagner, de um Tchaikowski, de um Debussy. Gustave Reose, no seu :, livro fundamental sobre a música no Renascimento, termina o parágrafo dedicado à polifonia portuguesa com estas palavras tingidas de um tom de desprezo: "A influência de Palestrina exerceu-se nestes músicos portugueses tardios -- que nos meados do século XVII ainda escreviam no estilo do século XVI --, como antes se exercera sobre o maior dos compositores ibéricos do Renascimento, Victória." Aliás, o caso português não foi único. Em Inglaterra, por exemplo, a maior parte dos madrigais e canções acompanhadas ao alaúde foi publicada já em pleno século XVII e o novo estilo italiano só penetrou a música religiosa por volta de 1660 (137). Se Duarte Lobo, Filipe de Magalhães e Manuel Cardoso tivessem nascido cem anos antes, e houvessem composto as mesmas obras, estas seriam apontadas pelos musicólogos em termos superlativos, e por certo, com toda a razão. Mas, dado que o conhecimento musicológico não deve condicionar a vivência artística -- embora possa subsidiá-la desejavelmente, por um processo como que de catálise --, convém insistir em que as obras desses e outros polifonistas portugueses, nascidos cedo ou tarde, não importa, são música de admirável qualidade artística, portadoras de uma beleza que não perde actualidade ante os nossos ouvidos veneradores de Igor Strawinsky e Béla Bartók. Os teóricos Neste período em que nos temos demorado houve teóricos portugueses dignos de menção, como Fr. João Rodrigues, vigário da Igreja de St.a Maria, em Marvão, autor de *_Uma arte de música de reformação e perfeição do cantochão e de toda a música cantada e tangida (1560), que chegou a ser revista por Palestrina; Fr. Agostinho da Cruz, nascido em fins do século XVI, cónego regular de St.a Cruz, de Coimbra, mais tarde mestre de coro em S. Vicente de Fora, em Lisboa, compositor e executante que,

entre outras obras didácticas, escreveu o tratado *_Lira de arco, ou arte de tanger rabeca*, impresso em Lisboa em 1639, sem dúvida um dos mais antigos livros de que há noticia sobre a técnica do instrumento; Pedro Thalésio, talvez espanhol, lente de Música na Universidade de Coimbra, onde, em 1618, deu à estampa uma *_Arte de canto chão*; e António Fernandes, que dedicou a Duarte Lobo, seu mestre, a zarliniana *_Arte de música, de canto de órgão e de cantochão e proporções de música divididas harmonicamente*, impressa pela tipografia dos Craesbesck em 1626. O mesmo António Fernandes foi autor de uma *_Teoria do manicórdio e a sua explicação*, obra que infelizmente se perdeu. Escrita por um discípulo de Duarte Lobo, sugere que o ilustre polifonista fosse também notável tangedor de tecla. Mencione-se ainda André de Escobar (talvez de origem espanhola), não tanto por ter sido autor de uma *_Arte música para tanger o instrumento da charamelinha*, mas porque, tendo esse tangedor emigrado para a Índia, nos dá ensejo de observar, a talho de foice, que músicos e instrumentos foram da metrópole para as longínquas possessões portuguesas. :, Aliás, sabe-se que houve representações a bordo das da música. Na viagem de 1583, os que seguiam dentro da _índia, interpretaram uns, e outros assistiram à Baptista*, com presumível reconstituição, por algum exibição de Salomé para o tetrarca (138).

naus, decerto com participação da nau S. Francisco, a caminho *_Vida e morte de S. João marinheiro bailador, da

_é interessante o caso do jesuíta Tomás Pereira (1645-1708), astrónomo, matemático e músico, a quem se atribui a construção do órgão da igreja dos missionários de Pequim e a autoria de um *_Tratado de música prática e especulativa*, em chinês, que o imperador da China mandou traduzir em tártaro. Mas não cabe no âmbito do presente livro o desenvolvimento deste assunto, que, aliás, seria muito interessante investigar. O teórico português que alcançou maior fama no mundo da música foi, porém, Vicente Lusitano. Durante muito tempo, escreveram-se a seu respeito comentários imprecisos e erróneos que só agora se torna possível rectificar, depois de pertinazes, minuciosas e musicologicamente exemplares investigações e publicações de Maria Augusta Barbosa (139). Vicente Lusitano Não se descobriram provas documentais que definitivamente confirmem ter Vicente Lusitano nascido em Olivença, ser mestiço ("pardo") e haver exercido o ensino de música em Roma, Viterbo e Pádua. Mas as notícias que o afirmam, redigidas nos séculos XVII e XVIII não são tão-pouco desmentidas por quaisquer seguros dados biográficos. Parece portanto de admitir que o futuro compositor e teórico tenha, pelo menos, recebido a sua instrução musical em Olivença, então portuguesa e sede da diocese de Ceuta. Desde 1535, ou talvez antes, funcionaram na vila uma cadeira de Gramática e Poesia e outra de Cantochão e Canto Mensurável (*cantus planus* e *cantus figuratus*), esta última regida pelo provavelmente flamengo Pero Brugel. Nada se sabe ao certo da trajectória de Vicente Lusitano até 1551. O primeiro acontecimento da sua vida de que temos bem alicerçado conhecimento é já aquele que lhe granjeará renome. _é, com efeito, no princípio de Junho desse ano que entra em discussão com Nicola Vicentino, durante uma recepção musical em casa do banqueiro florentino Bernardo Acciaioli, em Roma, por causa duma composição sobre o canto gregoriano da antígona *_Regina Coeli* que lá se ouviu. O diferendo girou em torno dos géneros a que pertenciam (ou não) as composições musicais do tempo. O problema tinha bastante de especioso. Do nosso ângulo novecentista poderá até

apresentar-se como uma questão de lana caprina, no sentido de a solução ou soluções não terem o mínimo valor prático. Mas não esqueçamos que, para a intelectualidade daquele tempo, o que mais galões dava a um músico era a especulação. Tratava-se, mais precisamente, de aparar se a distinção entre os géneros diatónico, cromático e enarmónico era ou não respeitada, na prática, pelos :, _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _quinto _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda.

_apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo _v (cont.) O atraso português em relação ao estrangeiro Algumas datas comparadas: Vincenzo Galilei, paladino da *camerata fiorentina* (pai do célebre astrónomo Galileo Galilei), nasceu por volta de 1520 e era, portanto, muito mais velho do que Duarte Lobo. Este seria um adolescente quando se publicou, em 1581, o *_Dialogo della musica antica e della moderna*. A obra de Jacopo Peri, que passa por ser a primeira ópera em absoluto -- a *_Dafne*, da qual o musicólogo Federico Ghisi descobriu dois fragmentos na Biblioteca Nacional de Florença -- foi representada em 1594, o mesmo ano em que morreram Palestrina e Orlando de Lasso. Manuel :, Cardoso havia tomado hábito seis anos antes; D. João IV não era ainda nascido (134). Monteverdi, o primeiro grande compositor de operas, foi contemporâneo de Duarte Lobo. O seu *_Orfeu* representou-se em Mântua trinta e um anos antes de Diogo Melgaz ver a luz do dia. E quando este serôdio polifonista português fechou para sempre os olhos, Purcell havia-lhe já tomado a dianteira (m. 1685), Alessandro Scarlatti era já mestre de capela da corte de Nápoles e seu filho Domenico andava pelos 15 anos, como Hãndel e Bach, o primeiro já muito interessado na composição, o segundo tentando ganhar a vida como cantor. Nada é preciso acrescentar a estes dados para nos compenetrarmos do muito que se distanciou da nossa música de então a linha da vanguarda, que nascera em terra italiana e se ramificara depois para bandas do Norte. Na verdade, Portugal não conheceu em devido tempo as inovações que é costume considerar princípio do barroco musical, e já a ópera estava dominadora de praticamente toda a Europa quando aqui entrou pela primeira vez. Esse conservandorismo deve ter tido várias causas, como fossem as eternas dificuldades provenientes da posição geográfica, a influência da Inquisição, especialmente poderosa na Península, e a mentalidade dos reis. No caso de D. João IV, pode parecer estranha a obstinação em manter-se fiel a um estilo já ultrapassado, tanto mais que na sua estupenda biblioteca de música, por ele próprio dotada de muitas preciosidades, incluía obras de Caccini, publicadas em 1614 (*_Nuove musiche e nuova maniera di scriverle*). Porém, uma coisa era a música representada na sua livraria e outra a que o monarca desejava fosse cantada em seu reino. E a sua *_Defesa da música moderna*, contra a "errada" opinião expressa uns cem anos antes pelo bispo Cirilo Franco, não defende nada a música verdadeiramente moderna do seu tempo, se não que rebate o elogio do prelado à música da Antiguidade Clássica, usando de argumentação pouco avançada. E se menciona Monteverdi entre os autores de obras que confirmavam o seu ponto de vista, não é por ter composto o *_Orfeu* e a *_Ariana*, mas porque o modernismo destas obras não significa que o

mesmo Monteverdi deixasse de ser cultor exímio da arte polifónica imitativa (135). O conteúdo da livraria de D. João IV não é prova única do conhecimento que portugueses tiveram da nova arte musical italiana. Houve nomeadamente um organista, Fr. João Leite Pereira, que esteve ao serviço dos Gonzagas, em Mântua, quando Monteverdi ali desempenhava o cargo de mestre de capela. Das três cartas que se conhecem de Leite Pereira para Vincenzo Gonzaga, duque de Mântua (todas de 1605, pouco anteriores portanto ao *_Orfeu*), depreende-se que o nosso compatriota era organista de raro mérito, sem o que não teria sido tão solicitada a sua presença na faustosa corte mantuana (136). Os maiores polifonistas portugueses têm tido a sua reputação bastante prejudicada pelo confronto com a arte dos seus contemporâneos modernistas para a época. De certo modo, é o mesmo prejuízo de que sofrem os nomes dos conservadores Brahms, Rachmaninov ou Sibelius, por terem nascido depois de um Wagner, de um Tchaikowski, de um Debussy. Gustave Reose, no seu :, livro fundamental sobre a música no Renascimento, termina o parágrafo dedicado à polifonia portuguesa com estas palavras tingidas de um tom de desprezo: "A influência de Palestrina exerceu-se nestes músicos portugueses tardios -- que nos meados do século XVII ainda escreviam no estilo do século XVI --, como antes se exercera sobre o maior dos compositores ibéricos do Renascimento, Victória." Aliás, o caso português não foi único. Em Inglaterra, por exemplo, a maior parte dos madrigais e canções acompanhadas ao alaúde foi publicada já em pleno século XVII e o novo estilo italiano só penetrou a música religiosa por volta de 1660 (137). Se Duarte Lobo, Filipe de Magalhães e Manuel Cardoso tivessem nascido cem anos antes, e houvessem composto as mesmas obras, estas seriam apontadas pelos musicólogos em termos superlativos, e por certo, com toda a razão. Mas, dado que o conhecimento musicológico não deve condicionar a vivência artística -- embora possa subsidiá-la desejavelmente, por um processo como que de catálise --, convém insistir em que as obras desses e outros polifonistas portugueses, nascidos cedo ou tarde, não importa, são música de admirável qualidade artística, portadoras de uma beleza que não perde actualidade ante os nossos ouvidos veneradores de Igor Strawinsky e Béla Bartók. Os teóricos Neste período em que nos temos demorado houve teóricos portugueses dignos de menção, como Fr. João Rodrigues, vigário da Igreja de St.a Maria, em Marvão, autor de *_Uma arte de música de reformação e perfeição do cantochão e de toda a música cantada e tangida* (1560), que chegou a ser revista por Palestrina; Fr. Agostinho da Cruz, nascido em fins do século XVI, cónego regular de St.a Cruz, de Coimbra, mais tarde mestre de coro em S. Vicente de Fora, em Lisboa, compositor e executante que, entre outras obras didácticas, escreveu o tratado *_Lira de arco, ou arte de tanger rabeca*, impresso em Lisboa em 1639, sem dúvida um dos mais antigos livros de que há noticia sobre a técnica do instrumento; Pedro Thalésio, talvez espanhol, lente de Música na Universidade de Coimbra, onde, em 1618, deu à estampa uma *_Arte de canto chão*; e António Fernandes, que dedicou a Duarte Lobo, seu mestre, a zarliniana *_Arte de música, de canto de órgão e de cantochão e proporções de música divididas harmonicamente*, impressa pela tipografia dos Craesbesck em 1626. O mesmo António Fernandes foi autor de uma *_Teoria do manicórdio e a sua explicação*, obra que infelizmente se perdeu. Escrita por um discípulo de Duarte Lobo, sugere que o ilustre polifonista fosse também notável tangedor de tecla. Mencione-se ainda André de Escobar (talvez de origem espanhola), não tanto por ter sido autor de uma *_Arte música para tanger o instrumento da charamelinha*, mas porque, tendo esse tangedor emigrado para a Índia, nos dá ensejo de observar, a talho de foice, que músicos e instrumentos foram da metrópole para as longínquas possessões portuguesas. :,

Aliás, sabe-se que houve representações a bordo das da música. Na viagem de 1583, os que seguiam dentro da _índia, interpretaram uns, e outros assistiram à Baptista*, com presumível reconstituição, por algum exibição de Salomé para o tetrarca (138).

naus, decerto com participação da nau S. Francisco, a caminho *_Vida e morte de S. João marinheiro bailador, da

_é interessante o caso do jesuíta Tomás Pereira (1645-1708), astrónomo, matemático e músico, a quem se atribui a construção do órgão da igreja dos missionários de Pequim e a autoria de um *_Tratado de música prática e especulativa*, em chinês, que o imperador da China mandou traduzir em tártaro. Mas não cabe no âmbito do presente livro o desenvolvimento deste assunto, que, aliás, seria muito interessante investigar. O teórico português que alcançou maior fama no mundo da música foi, porém, Vicente Lusitano. Durante muito tempo, escreveram-se a seu respeito comentários imprecisos e erróneos que só agora se torna possível rectificar, depois de pertinazes, minuciosas e musicologicamente exemplares investigações e publicações de Maria Augusta Barbosa (139). Vicente Lusitano Não se descobriram provas documentais que definitivamente confirmem ter Vicente Lusitano nascido em Olivença, ser mestiço ("pardo") e haver exercido o ensino de música em Roma, Viterbo e Pádua. Mas as notícias que o afirmam, redigidas nos séculos XVII e XVIII não são tão-pouco desmentidas por quaisquer seguros dados biográficos. Parece portanto de admitir que o futuro compositor e teórico tenha, pelo menos, recebido a sua instrução musical em Olivença, então portuguesa e sede da diocese de Ceuta. Desde 1535, ou talvez antes, funcionaram na vila uma cadeira de Gramática e Poesia e outra de Cantochão e Canto Mensurável (*cantus planus* e *cantus figuratus*), esta última regida pelo provavelmente flamengo Pero Brugel. Nada se sabe ao certo da trajectória de Vicente Lusitano até 1551. O primeiro acontecimento da sua vida de que temos bem alicerçado conhecimento é já aquele que lhe granjeará renome. _é, com efeito, no princípio de Junho desse ano que entra em discussão com Nicola Vicentino, durante uma recepção musical em casa do banqueiro florentino Bernardo Acciaioli, em Roma, por causa duma composição sobre o canto gregoriano da antígona *_Regina Coeli* que lá se ouviu. O diferendo girou em torno dos géneros a que pertenciam (ou não) as composições musicais do tempo. O problema tinha bastante de especioso. Do nosso ângulo novecentista poderá até apresentar-se como uma questão de lana caprina, no sentido de a solução ou soluções não terem o mínimo valor prático. Mas não esqueçamos que, para a intelectualidade daquele tempo, o que mais galões dava a um músico era a especulação. Tratava-se, mais precisamente, de aparar se a distinção entre os géneros diatónico, cromático e enarmónico era ou não respeitada, na prática, pelos :, compositores. Ou, por outras palavras, se se tornava possível arrumar as composições em cada um daqueles géneros. Ora o diatónico, o cromático e o enarmónico vinham da Grécia antiga, onde foram estabelecidos como padrões de quatro notas (*tetracórdios*), definidos segundo os diferentes intervalos entre estas. A nomenclatura mantivera-se, em grande parte devido ao prestígio da cultura clássica e ao conservadorismo inerente à "*autoritas*" medieval. Mas, ao longo dos séculos, a observância dos géneros foi-se tornando obsoleta, no plano prático.

Tem interesse ver o que Fr. Juan Bermudo nos diz a tal respeito, na sua *_Declaración de instrumentos musicales*, publicada em 1555, pouco depois da discussão em Roma. Feitas umas primeiras referências aos antigos diatónico e cromático, Bermudo observa que "os que o semitom em duas partes dividiram e em dois movimentos subiam ou abaixavam o dito semitom, inventaram o género enarmónico". E logo acrescenta: "Por ser este género dificultoso de cantar em todos os intervalos, perdem-se [se ha perdido]." (140) Mais adiante -- cingindo-se ao clavicórdio (*monacórdio* ou *manicórdio*), mas com incidência sem dúvida extensiva a outros instrumentos e até à prática vocal -Bermudo informa que, "dos três géneros de música que antigamente se usavam, puseram-se no monacórdio que agora [*en este tiempo*/ú se usa dois, a saber, o diatónico e o cromático". Ao que junta as declarações que mais interessam no nosso contexto: "Destes dois géneros compuseram os músicos do nosso tempo [*tienen los musicos de nuestro tiempo compuesto*] um género novo. Nenhum dos géneros se tange inteiramente. Para tanger a preceito [*complidamente*] o diatónico, não se havia de tocar em tecla negra, tangendo cada modo na sua final." Vale a pena levar mais longe as transcrições de Bermudo, antes de voltarmos a Vicente Lusitano. Ainda no mesmo capítulo, está escrito que "o género diatónico no cantochão vida tem, mas tão enferma que um dia há-de expirar." Muito judicioso o comentário ao que se passava no domínio da música mensurável: "Na composição de canto de órgão [o género diatónico] perdido vai, o que se prova assim. Na geração de alguma coisa, corrupção há-de haver de outra." Verdade esta que Bermudo considera tão clara, "que não há necessidade de prová-la". Posto o que afirma, a respeito do que chama o "novo género", que na composição deste entram parte do diatónico e parte do cromático. E conclui que "as partes de que se engendra (relativamente aos géneros de onde são tomadas) se corrompem e perdem". Se bem que tenha louvado muito o que supõe fosse a música dos antigos, Bermudo mostra-se optimista quanto à evolução futura. Confia, nomeadamente, em que "no género novo que se usa agora (o qual se poderia chamar semicromático) hão-de fazerse grandes primores". E continua: "Por estar este género em tão excelentes mãos", está certo de que dará grandes progressos. Mas não deixa de advertir que, "se não puserem este novo género em arte, ele há-de viciar-se com as largas licenças dos bárbaros tangedores, de tal maneira que não sei se bastarão as grandes habilidades de Espanha a purificá-lo". Bermudo volta ao assunto noutros capítulos do seu tratado. Num deles põe à designação de *género semicromático* a alternativa de *quase cromático imperfeito*. Num passo em que especificamente se refere a música vocal, :, acentua que, no seu tempo, só o género diatónico os cantantes eram capazes de aplicar como devia ser. E, relativamente ao cromático, insurge-se contra os que têm por incantável um dos respectivos intervalos -- o chamado *semítono maior* estabelecido pelas regras antigas. Estas achegas do franciscano espanhol ajudam a compreender o que opôs Vicente Lusitano a Nicola Vicentino(1511-1576), italiano que estudara com Willaert em Veneza, e aí se ordenara padre. Desde meados dos anos 30, pelos menos, que se empenhava no estudo e na aplicação prática dos géneros cromático e enarmónico. Quando se deu a controvérsia, em 1551, estava ao serviço de Ippolito II d'_Este, cardial de Ferrara, como seu capelão. Como, na recepção onde os dois músicos se trocavam de razões, não houve acordo possível, organizou-se uma espécie de exame, aposta ou concurso, com dois juízes de cuja sentença não havia apelação. Só no caso de empate entraria um terceiro julgador, cuja voz seria determinante. Ainda no regulamento que os contendores se comprometeram a observar, o vencido pagaria ao vencedor dois escudos de ouro. O processo foi organizado com grande rigor. Os dois primeiros juízes, Ghiselin

Danckerts e Bartolomeo Escobedo, ambos cantores da Capela Sistina, tiveram nomeadamente o cuidado de obrigar um e outro apostadores a passarem a escrito as suas argumentações. Eles bem sabiam que "*verba volant, scripta manent*". Vejamos agora, resumidamente, o que eram as teses em confrontação. Nicola Vicentino sustentava que a música que então comummente se cantava não era diatónica. Porque, no género diatónico, tinha que se cantar exclusivamente por sucessões melódicas de um tom, um tom e um semítono (meio tom). Ora, no canto que então se praticava, era público e notório ["cosa publica al mondo"] que se davam passos de dítono incomposto (terceira maior), como por exemplo de *dó* a *mi*, e tri-hemítono (terceira menor), como de *ré* a *fá* e de *mi* a *sol*. Isto, sem quebra de tais intervalos pela inserção duma nota intermédia que os desdobrasse em dois tons sucessivos, ou um tom seguido de um semítono. Por exemplo, um *mi* entre o *ré* e o *fá*. Só com tais inserções o género poderia ser diatónico. Daqueles intervalos -- insiste Nicola Vicentino -- o da terceira menor pertence ao género cromático e o de terceira maior ao enarmónico. Daí a sua conclusão de que "a música que hoje em dia se canta é composta e mista de todos os três géneros." Conclusão que se não dispensa de escorar na autoridade indiscutível de Boécio. Vicente Lusitano invoca o mesmo Boécio logo no princípio do seu texto. As transcrições que faz bastam-lhe para ter por claramente demonstrado "que as composições que os músicos compositores compõem" estão no género diatónico. Mas não deixa por isso de tecer mais considerações. Por um lado, acentua que esses "cantos procedem em muitos tetracórdios por semitono, tom e tom", enquanto, relativamente ao género cromático e ao enarmónico, não se encontra um só caso de progressão pelos respectivos tetracórdios, completos. Por outro lado, e relativamente à questão dos dítonos e semidítonos, levantada pelo seu opositor, Vicente Lusitano objecta que tais intervalos não ocorrem dentro dum tetracórdio. Além do que falta a verdadeira marca do género cromático, ou seja, "a progressão por semítono e semítono"; bem como :, a do enarmónico, que é a progressão por quartos de tom. Vicente Lusitano vai ao ponto de afirmar que os intervalos melódicos de dítono e semidítono "mais estão no género diatónico do que em qualquer dos outros", para o que cita mais uma vez o remoto mas ainda prestigiosíssimo Boécio. Os dois juízes não tiveram que chamar o terceiro para desempatar. Com efeito, ambos deram razão ao compositor português. Como um deles, Ghiselin Danckerts, ainda escreveu bastante sobre a polémica, depois de proferida a sentença, torna-se possível trazer aqui um raciocínio que parece ter pesado no seu voto a favor de Vicente Lusitano. Antes disso, convém no entanto prestar um esclarecimento talvez útil ao leitor cuja iniciação em teoria musical se cinja ao sistema de afinação hoje universalmente adoptado (*temperamento igual*). Naquele tempo, os semítonos, ou meios tons, não eram todos iguais. Havia o *semítono maior* e o *semítono menor*. Este era um intervalo formado por dois dieses, ou quatro comas. O semítono maior tinha cinco comas. A soma de um semitono maior e um menor era igual a um tom, este portanto constituído por nove comas. Danckerts sublinhou que não só as terceiras como também os intervalos de quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, nona e décima, e outros analogamente incompostos, consonantes ou dissonantes, "são formados pelos intervalos do género diatónico (tom e semitom menor)". E deu depois uma explicação extremamente importante de ordem prática, fazendo ver que nenhuma teoria musical conseguia dominar por completo as solicitações do ouvido e do gosto estético, ao longo da evolução dos tempos. Assim, com toda a razão, observou que, "sem a interposição de tais intervalos incompostos ou de alguns deles, os cantos seriam deselegantes [*goffi*/ú, desconcertados e sem beleza ou gentileza de variação alguma, senão que sempre feitos duma progressão de

três intervalos" (dois de um tom cada e um de semítono menor) "nos seus tetracórdios permanentes". Havemos de convir em que a estrita observância desta regra, que Vicentino considerava obrigatória para que um trecho de música pudesse dizer-se diatónico, tinha por força que redundar numa insípida monotonia, para ouvidos renascentistas, ávidos de "beleza ou gentileza de variação". Não se encontrando em nenhuma das composições em causa o "intervalo dum díes (que é parte própria, ou intervalo do tetracórdio do só género enarmónico e não de outro)" -- escreveu ainda Ghiselin Danckerts no mesmo texto -- "nem tão-pouco dum semítono maior (o qual é intervalo próprio do tetracórdio do só género cromático)", e dado que sem os ditos díes e semitono maior não se reconhecem os mesmos géneros enarmónico e cromático, "não pode dizer-se (razoavelmente falando) que os cantos da música mencionada, ou [sequer] alguns deles, sejam mistos de alguns desses dois géneros, isto é, o cromático ou o enarmónico". O que pode, sim, afirmar-se, é que pertencem "realmente e propriamente", ao só género diatónico. Danckerts mostrou-se homem de perfeita dignidade moral ante a reacção de Vicentino, que tinha mau perder. Este, uma vez derrotado, não só difamou os juizes como passou um diploma de ignorância, pelo menos na matéria de géneros, a todos os músicos da capela papal. Vangloriou-se de só ele saber exactamente em que consistiam os géneros diatónicos, cromático :, e enarmónico. Algumas pessoas a quem desta sorte se gabou pediram-lhe que lhes revelasse música escrita concretamente quanto a género, em especial os géneros caídos em desuso, ou seja, o cromático e o enarmónico. Até porque Vicentino punha nos píncaros trechos verdadeiramente cromáticos e enarmónicos que afirmava conhecer, dizendo-os (a fazer fé no relato de Danckerts) "melhor, mais belos e de muito longe mais graciosos, e *até mais suaves*, do que os cantos compostos no género diatónico, que comummente usamos". Ao que Vicentino terá respondido que, enquanto não obtivesse um lugar digno dele, por exemplo à testa da capela do papa, como recompensa dos quinze anos que consumiu para adquirir toda aquela sabedoria, não queria ensiná-la a ninguém, nem tão-pouco mostrar exemplo algum. Isto, para que lhe não fosse subtraído "por outros o fruto e ganho de tantas vigílias, suores, dificuldades e fadigas". Pondo de lado estas alegadas presunções e ambições, pode talvez admitir-se que ambas as partes litigantes tivessem de algum modo razão. Era inegável que nenhum compositor observava correctamente as condições do puro género diatónico, tal como Boécio as ensinara mil anos antes. Mas aquilo que se praticava tinha, por assim dizer, muito mais genes diatónicos do que enarmónicos e cromáticos. No decorrer desse milénio, na música cristã ocidental, o diatónico foi ganhando vantagem, em grande parte pela maior dificuldade de cantar afinadamente os intervalos caracterizantes do cromático e do enarmónico. Este motivo deve ter-se tornado cada vez mais imperioso, à medida que a polifonia se foi afirmando e depois crescendo em número de vozes. Quanto à progressiva utilização de outros passos de movimento melódico que não exclusivamente o tom e o semitono, ela correspondeu à necessidade de evitar monotonias tornadas obsoletas com a evolução do gosto, como Danckerts muito bem sintetizou. Aliás não foi só quanto a géneros que o ensinamento antigo foi sendo infringido. Por exemplo, quanto a métrica, a supremacia do ternário teve que ceder à pressão do agrado que o binário exerceu. E um conjunto de factores, ainda não completamente identificado pela musicologia, foi reduzindo os modos melódicos a apenas dois, e por sinal que diferentes de todos os sancionados pelos teóricos da Idade Média: o modo *maior* e o modo *menor*. Tudo somado, quem mais razão teve foi Juan Bermudo que, como vimos, pôs o nome de *semicromático* ao género que os compositores de então efectivamente cultivavam. Porque, ao fim e ao cabo, o problema que tanto barulho fizera em Roma, poucos anos antes, consistira apenas em saber como poderia correctamente chamar-se essa maneira de compor.

Alguns estudiosos têm admirado a corajosa isenção dos dois cantores da capela papal que serviram de juízes, ousando sentenciar no sentido que, presumivelmente, mais poderia irritar o mencionado cardeal Ippolito, a cujo serviço Nicola Vicentino estava. Note-se porém -- e isto sem de maneira alguma pôr em dúvida a honestidade dos árbitros -- que mais arriscado seria, em pleno Concílio de Trento, dar razão a quem acusava os compositores coetâneos, inclusive os maiores polifonistas que serviam a Igreja, de constantemente atropelarem regras milenárias. Não poderia uma tal sentença encorajar os que tendiam a restringir o papel da música nas igrejas? :, Por certo que os maiores abusos contra os quais esses se insurgiram eram de outra ordem e que não há prova de que, no âmbito tridentino, algum papa se tenha proposto banir totalmente a música do serviço religioso. Mas não há dúvida de que, na Roma de 1551, o próprio prestigio da arte dos sons estava um tanto inseguro. Onze anos depois, numa sessão tridentina, foi excluída das igrejas toda a música instrumental ou vocal na qual se misturassem elementos lascivos ou impuros (141). Depois da prestigiante vitória, seria de esperar que Vicente Lusitano tirasse dela os maiores rendimentos possíveis, na mesma Itália ou em Portugal. E é crível que a primeira destas alternativas lhe tenha servido por algum tempo. Em 1551 ou 1555, foi publicada em Roma a sua colecção de motetes *_Liber primus epigramatum*, vulgo *motetta dicuntur*, dedicada ao embaixador português na cidade eterna. E em 1553 a *_Introdutione facilissima*, também em Roma, com dedicatória para Marc'_António Colonna, o mesmo membro da poderosa família patrícia romana a quem mais tarde coube capitanear a frota papal na batalha de Lepanto (142). Em 1558 e 1561 aparecem as segunda e terceira edições da *_Introdutione*, ambas em Veneza. Se estas publicações correspondem ou não a um lugar invejável de Vicente Lusitano em Itália é questão que continua em aberto. Não se sabe tão-pouco se o seu ulterior comportamento obedeceu principalmente a um imperativo de consciência ou a tentações de honrarias e vantagens materiais. O certo é que em 1561, o músico português procurou em Württemberg o ex-bispo de Capo d'_Istria -- o italiano Petrus Paulu Vergerius --, que tinha aderido ao protestantismo e estava ao serviço do duque Christoph como seu conselheiro, desde 1553. Quem recomendou Vicente Lusitano foi o conde Jiulio a Thiene, que se salientou como um dos mais combativos propugnadores do protestantismo no Norte de Itália. A seu pedido, Vergerius diligenciou pela nomeação de Vicente Lusitano para um lugar na capela da corte de Württemberg. O duque prometeu deferimento e chegou a mandar chamar o interessado. Mas, ao fim e ao cabo, não o proveu em nenhum cargo, ainda que lhe tenha pago algum trabalho de compositor. O mais interessante destas relações com a corte de Württemberg é, porém, o que se infere duma carta de Vergerius para o duque, datada de 30 de Maio de 1561: que Vicente Lusitano se tinha convertido ao protestantismo, o que o obrigava a refugiar-se no estrangeiro. Na mesma carta, o peticionário é apresentado como "peritíssimo em Música" e como "homem cristão, e não indouto [*non indoctus*] de nacionalidade portuguesa que tem mulher consigo mas não tem filhos [*habet secum uxorem sine liberis tamen]". Como o recomendado era padre, talvez esteja na palavra "*uxor*" um dos motivos da mudança de credo. Não se conhece hoje nenhuma bem fundamentada notícia da vida de Vicente Lusitano para cá de 1561. Maria Augusta Barbosa admite que o eclipse aparentemente definitivo possa ser consequência duma mudança de nome, para evitar perseguições. O facto de o único madrigal de sua autoria que chegou até nós ter sido publicado no ano seguinte, em Veneza, nada adianta a tal respeito. Maria Augusta Barbosa admite que o *_Tratado de canto e órgão*, manuscrito, que se encontra na Biblioteca Nacional de Paris, :, possa ser obra de Vicente Lusitano, o que a leva à conjectura da fixação definitiva em França, depois do malogro de Württemberg.

Em qualquer hipótese, o triunfador da polémica de Roma nunca mais deve ter regressado à pátria. Só um louco se arriscaria às consequências que o seu protestantismo com certeza lhe acarretaria em Portugal. O ensino da música Desde a fundação do reino até bem dentro do século XVIII, o ensino da música foi principalmente ministrado na esfera da Igreja. Mesmo a arte profana dos trovadores obedecia a preceitos, nomeadamente modais, que vinham da ciência musical eclesiástica. Vimos que a música teve logo cabimento nas universidades medievais, e não apenas como disciplina do quadrívio. Mas não esqueçamos que os mestres eram geralmente clérigos e que toda a matéria era sancionada pela Igreja. O ensino foi deficiente desde o princípio da nacionalidade, e assim se foi mantendo. Segundo Silva Dias, "a Universidade, no seu primeiro século de existência, teve também, em grande parte, uma vida simplesmente vegetativa, sem conseguir organizar o ensino da teologia nem estruturar e desenvolver o da filosofia e de certas artes liberais". Deram-se progressos no século XV. Dentro do escopo deste livro, oferece-se salientar a regularização do ciclo completo das artes. O documento que estabelece a doação de novas instalações escolares à universidade, concedidas pelo infante D. Henrique em 1431, refere aulas das "sete artes liberais", ou seja, Gramática, Lógica, Retórica, Aritmética, Música, Geometria e Astrologia. No entanto, quase cem anos depois, em 1520, o humanista Pedro Margalho lá terá as suas razões para, na dedicatória dos *_Logices scholia* ao duque de Bragança, recordar que sempre lamentou "que, enquanto o nosso Portugal dá para as outras escolas da Europa perceptores e mestres doutíssimos de quase todas as disciplinas, a Universidade de Lisboa mal tenha um professor competente". Não admira que tenha continuado a ser necessário fazer estudo fora do país, inclusive na qualidade de bolseiro do rei. O que entretanto se passou, no tocante à música, talvez tenha tido menos que ver com a competência dos que foram chamados a ensinar do que com o programa julgado suficiente. Na maior parte do tempo, desde a fundação do Estudo Geral, esse mínimo "suficiente" deve ter-se reduzido a zero. E quando apareceu um lente de música da categoria de Mateus de Aranda -- que, como vimos, foi nomeado em 1544 --, houve a infelicidade de lhe restarem poucos anos de vida. Poucos e maus, visto que o mestre espanhol parece ter sido vítima das intrigas e malfeitorias que timbravam as relações entre os seus colegas portugueses e estrangeiros (143). Margalho também preconizara, na referida dedicatória, que as ciências das belasartes fossem "trazidas de Salamanca para Portugal, tal como :, outrora, segundo lemos, foram levadas da nobre Toledo de Espanha para Salamanca". E excelente coisa teria sido, no que tange à música. Entre outros títulos de glória, a Universidade de Salamanca teve a de contar entre os seus professores de música homens que não só puderam reger eficientemente a sua cátedra como souberam influir na história das ideias e das práticas musicais. O caso de Bartolomé Ramos de Pareja é paradigmático, infelizmente sem paralelo nas crónicas das universidades portuguesas. Na sua *_Musica practica* (Bolonha, 1482), Ramos de Pareja propôs uma teoria avançada para a época, relativamente a problemas acústicos. Tão avançada que desencadeou aguerrida controvérsia. Ramos foi ao ponto de se permitir discordar de Guido d'._arezzo. Abandonou o sistema dos hexacórdios e apresentou uma outra solmização, baseada na oitava. E, ao estabelecer os intervalos da sua escala, abriu caminho ao temperamento igual, cujas vantagens J. S. Bach viria a ilustrar, muito mais tarde, no *_Cravo bem temperado*. Entretanto, a sua doutrina ajudou Zarlino a lançar as bases do sistema harmónico moderno.

A importância do ensino da música na Universidade de Salamanca e o seu proejar ao futuro não resultaram só da docência de Ramos de Pareja, iniciada em 1452. Os estatutos de 1538 autorizaram que a disciplina de Música, tal como as de Astrologia e "Gramática de menores", fosse dada, não em latim, mas em castelhano, o que pode ter sido oficialização duma prática em uso desde muito antes. Mulheres podiam assistir às aulas. E o provimento de vagas de professores era feito por eleição, dependendo assim dos votos dos estudantes. Este regime democrático não foi caso único na Península Ibérica. Ainda que não a nível universitário, merece atenção um outro que se verificou na então portuguesa Olivença. Com efeito, lê-se o seguinte num decreto da quarta década do século XVI, emanado do bispo a cuja diocese Olivença pertencia: "E ordenamos que a dita cadeira de Canto vague cada dois anos e seja provida por eleição e voto dos cantores que aprendem. E eles serão obrigados em suas consciências a eleger sem afeição alguma o mais idóneo e suficiente que acharem. E a dita eleição confirmará o Bispo, sendo presente, ou em sua ausência o seu vigário." O prelado explica depois o motivo da periodicidade bienal: "Isto se ordenará assim, porque vagando a cadeira cada dois anos haverá aí muitos que trabalharão de aprender e de saber pela levarem. E os que a servirem fá-lo-ão melhor por lha não tirarem, e desta maneira tantos votos aprovarão até que acertem pessoa tão idónea e suficiente que faça muito proveito." Este bispo, Fr. Diogo da Silva, obedeceu sem dúvidas à convicção de que prestava um bom serviço, e tanto melhor quanto mais tempo se prolongasse. Prova-o o cuidado de obter uma confirmação duradoira: "E porque não sabemos se pelos tempos em diante algum suceder [sucessor] nosso revogará o sobredito e não quererá que se cumpra, pedimos por mercê ao senhor núncio Jerónimo Ricenos que haja por bem de confirmar todo o sobredito para que fique perpétuo e que se guarde e cumpra pelos tempos em diante perpetuamente." :, O núncio confirmou. E não decorreu muito tempo sobre a morte de Fr. Diogo da Silva sem que os seus receios ficassem plenamente justificados pelos factos. Vale a pena transcrever da exposição do seu sucessor para D. João III, datada de 1543, uma parte suficiente para evidenciar dois aspectos interessantes da celeuma que então se levantou em Olivença. Primeiro, que deve ter estado em jogo a aspiração da burguesia local a uma libertação progressiva da dominação do clero. E segundo, que as normas de Fr. Diogo talvez fossem ainda mais "democráticas", ou antes liberais, do que as que vigoravam em Salamanca e em Paris. Leia-se, pois, o que o novo bispo escreveu ao rei: "Senhor: Acertou-se que, visitando eu nesta vila de Olivença, vagou a prebenda da gramática. E para se prover de regente me quis informar do modo, forma e regimento que no tomar das vozes e provisão dela se soía ter e fazer. E achei que a eleição se fazia por um regimento do bispo meu antecessor Frei Diogo da Silva. E por o achar minguado e dar causa a muitos inconvenientes, ódios e discórdias, não somente entre os moços que haviam de votar, mas ainda entre os pais deles, por cada um presumir fazer regente à sua vontade, donde claramente se seguiam muitos perjúrios e escândalos, seguindo a forma do dito regimento. E por ver isto tocar a minha consciência e dignidade, e por [para] evitar os sobreditos inconvenientes [...] foi necessário logo revogar inteiramente o dito regimento, como fiz a algumas constituições por ele feitas [...] E na sustância das probendas que o mesmo Frei Diogo da Silva criou e são confirmadas pelo núncio Hieronimo Ricenas não toquei cousa alguma, antes quanto em mim for, as farei mais perpétuas que o núncio pretendeu. Porque para as eu perpetuar basta haver-mas vossa alteza encomendado quando me fez mercê deste bispado. Pelo qual, depois dos opoentes lerem, fiz o

escrutínio na forma que me pareceu ser costumado assim em Salamanca como em Paris, por evitar subornos e outras coisas como disse. Onde regulei e examinei os votantes cursos e votos pessoais e qualidades deles, o que fiz com meu vigário e escrivão do meu auditório." Note-se que esta operação parece não ter sido feita na presença de nenhum delegado dos votantes nem dos candidatos. Vejamos a que conduziu: "E foi por mim provida a prebenda de gramática canonicamente a um clérigo natural desta vila, cristão velho e de letras de humanidade assás convenientes, com grande excesso de votos dos que quiseram vir votar, porque alguns poucos deixaram de ir, inda que os eu mandei chamar por rol, por serem induzidos por seus pais e parentes, por terem por certo que eu não havia de consentir que indevidamente e com subornos e conluios houvessem de votar. E um outro opoente dos que eram ficou reprovado pelos votantes, por muito menos saber e por :, ter uma raça má de curar, a quem muitos idiotas com subornos e cartas de fora quiseram favorecer, se me eu nisso não intrometera como Deus querendo direi a vossa alteza." Devia tratar-se de algum cristão-novo. Sem duvidar da boa-fé do expositor, oferecese observar que não eram, em regra, cristãos-novos os letrados de "menos saber". Continuando: "E não contentes o juiz e alguns vereadores por não caírem na razão de meu motivo com os pais de alguns estudantes que de subornados não quiseram ir votar, esforçando-se no regimento do bispo Frei Diogo que eu já tinha revogado ordenaram fazer outra eleição sem mim, já muito fora do termo e tempo. No que é muito contra direito por eu já ter revogado o dito regimento por que eles soíam prover a dita cadeira de gramática, e a provisão de direito comum pertence a mim. Pelo qual beijarei as mãos a vossa alteza mandá-los por sua carta desenganar por não terem a que se pegar, pois eu revoguei o dito regimento. No que pude e devia mui bem fazer de direito, como acima disse. Quanto mais saber mui bem vossa alteza que a maior parte destas prebendas saem de minhas rendas. E a câmara nem o povo não paga um ceitil. E vossa alteza lhes deve dar alguma culpa, por não quererem mais confiar em mim por ter experiência descontínua destas cousas, que em si mesmos, pelo maior número deles serem idiotas e pessoas ocupadas em suas lavoiras, criação e trabalhos." A crítica do bispo não poupa a memória do seu falecido antecessor: "Sem esta culpa não está o arcebispo Frei Diogo, por no seu regimento confiar mais em idiotas que com em seus sucessores [...] Não lhe lembrando que os prelados haviam de ser por vossa alteza providos, dos quais se devia mais confiar que de seculares neste caso, especialmente vista a qualidade da terra." Não se sabe como terminou o diferendo, se é que propriamente terminou por essa altura. Sabe-se, sim, que em 1620 voltou a haver sério desentendimento por causa da escolha de professores, entre a autoridade eclesiástica e os estudantes de Olivença, estes de novo apoiados pela administração secular local. Como seria de esperar, a vitória acabou por pertencer à Igreja, três anos depois. Ao prescindir de direitos eclesiásticos no ensino de matérias que não tocavam na liturgia nem na essência do cristianismo, Fr. Diogo da Silva -- que, no fim da vida, ainda foi arcebispo de Braga e aí continuou a fomentar a educação, em benefício desse número de estudantes que devia ser da ordem dos duzentos -- como que teve uma antevisão do que ia acontecer num futuro ainda distante, em relação ao papel pedagógico da Igreja fora do âmbito religioso. Por seu lado, os alunos e os representantes da burguesia municipal de Olivença, não lhes deve ter faltado a intuição de que, apesar de tudo, a sua força tendia a aumentar. Mesmo assim, tiveram que fundamentar :, a sua argumentação num decreto episcopal, confirmado

pelo núncio apostólico. Ao fim e ao cabo, e com a perspectiva que hoje temos, só pode concluir-se que a evolução histórica, com as suas variáveis socioculturais, económicas e políticas, estava ainda longe de possibilitar uma solução democrática estável. A centralização do poder diminuía o grau de autonomia da universidade, o que já se reflectia na reforma ordenada por D. Manuel. A Inquisição veio depois actuar no mesmo sentido. Nos domínios da música, atentas as condições reais do Portugal de então e a diminuta cotação que a disciplina quase sempre teve na universidade, a Igreja continuava, e continuaria, a ser a única instituição capaz de assegurar uma educação sistematizada e de algum modo eficaz. E tal capacidade produziu os seus frutos. Entre os mais importantes, conta-se o surgimento, no século XVI, em várias igrejas, nomeadamente nas sés, de organizações do ensino musical, abrangendo a polifonia. A este respeito, recomenda-se a leitura do livro que José Augusto Alegria consagrou à Escola de Música da Sé de Évora, no qual substancialmente se baseiam os parágrafos seguintes (144). O principal motivo pelo qual este movimento começou tão tarde, depois de uma quase exclusividade da música monofónica, parece ter sido de ordem económica porque a prática da polifonia exigia despesas que, anteriormente, só a capela real e a dos infantes podiam permitir-se. Aliás, a casa real não deixou de contribuir para esse desenvolvimento da cultura musical nas igrejas. No primeiro quartel do século, D. Manuel faz saber ao bispo de Évora a sua vontade de que a sé da sua diocese tenha músicos cantores que nela sirvam nos dias solenes e festas do ano. Em 1530 D. João III manda pagar um subsídio para cobertura das despesas com um mestre de gramática latina e um mestre de capela para ensinar a cantar. Doze anos mais tarde, o mestre de capela da Sé do Porto tem obrigação regulamentar de ensinar os moços do coro e os cantores postos sob sua orientação, incluindo o organista. É de crer que as sés de Viseu e Elvas tiveram ensino regular de música polifónica e que esta também foi praticada pelo conjunto de cantores da de Portalegre. Em 1595 o arcebispo de Braga nomeia um mestre de canto de órgão para o Colégio de S. Pedro do Seminário. Destas e doutras igrejas onde, em Quinhentos, a música recebe um novo impulso, a que mais vem a distinguir-se é a Sé de Évora. Já o indicam os nomes de alguns dos mestres da capela e (ou) mestres da claustra, como sejam Mateus de Aranda (em funções de 1528 a 1544), Manuel Mendes (1578-1589), Filipe de Magalhães (1589-1604) e Diogo Dias Melgás (1663- 1700). Já em 1450 o mestre-escola fora obrigado a sustentar quatro moços de coro, além de os ensinar. Em 1469 estavam ao serviço da sé nada menos de treze capelões cantores. Um documento relativo a 1497 fala dum "doctor tenorista" que cantou dez missas nas capelas do cabido. Só há que concordar com José Augusto Alegria, ao inferir destes dados que a música polifónica foi cultivada na Sé de _évora na parte final do século XV. :, No início do seu serviço em Évora, em 1528, Mateus de Aranda dispôs do mesmo número de quatro moços do coro que vinha do século anterior e se mostrava insuficiente. O quantitativo duplicou. Não muito mais tarde, em 1537, a primeira visita à sé feita pelo infante D. Afonso, irmão de D. João III, na sua então recente qualidade de bispo de Évora, deu resultados notáveis quanto ao ensino da música e seu útil aproveitamento.

O prelado compreendeu que, depois de aprenderem cantochão e canto polifónico, os oito moços de cada fornada deixaram de ter cabimento na sé. Isto porque, admitidos quando tinham 9 ou 10 anos, só lhes restavam uns quatro até a mudança da voz. Assim, "por não terem de que se sustentar", saíam da sé "depois de ensinados", perdiam o que tinham aprendido e tomavam "ofícios mecânicos". O bispo-infante não se contentou com deduzir os inconvenientes, que advinham para a Igreja. Mostrou-se inteligente no encontrar solução e decidido no pô-la em prática: "E a Igreja não fica provida de pessoas que em cantochão, e canto de órgão e no [que] mais há saibam servir. E querendo Nós a isto prover nesta Visitação ordenamos para os oito Moços do Coro que pelo tempo forem oito porções [pagamentos] para aprenderem gramática depois que assim acabarem o dito tempo na Sé." Qual era a primeira utilidade da medida episcopal, do ponto de vista da Igreja? Terminados os quatro anos de estudo da gramática, alguns desses adolescentes, quando não todos, entravam nas ordens ou (e) voltavam a cantar, então já com as vozes definitivamente timbradas e com uma formação técnico-musical muito sólida, iniciada na melhor idade e cimentada pela prática. Do ponto de vista dos moços ou ex-moços, e dos seus familiares, na óptica socioeconómica da época, tal futuro era muito desejável. Quanto aos que acabavam por ter de ganhar a vida fora da Igreja, no exercício de "ofícios mecânico", oferece-nos hoje perguntar em que medida eles terão contribuído para o carácter coral da música popular alentejana. O sistema estabelecido por D. Afonso era perfeitamente racional e a sua funcionalidade excedeu os interesses da diocese. Dele resultaram muitos músicos competentes que vieram a actuar noutros pontos do país, nomeadamente como mestres de capela. Há notícia de alguns terem ido para Espanha. Entre os progressos ulteriores avulta o da passagem da escola, em 1552, a um regime de internato, mudança facilitada por uma doação de Pedro Margalho, cuja primeira ideia não tinha aliás sido essa. Entretanto D. Henrique, também filho de D. Manuel e futuro rei, por morte de D. Sebastião, sucedera a seu irmão D. Afonso, com o que Évora ascendeu a arcebispado. O número dos moços do coro foi aumentando. No tempo de D. Henrique passou a ser de dezasseis. Mais tarde atingiu a vintena. Relevante para a história do ensino da música em Portugal é o facto de os moços não terem aprendido apenas música vocal, senão que também a execução nalguns instrumentos, incluindo, naturalmente, o órgão. O primeiro regimento da capela da Sé de Évora (1565) não deixa dúvidas quanto :, à possibilidade de o chantre ou presidente do coro mandar "algum cantor ou moço do coro ou outra pessoa de fora ao órgão ou às frautas quando se tangerem". A designação não devia ter aqui significação específica, mas sim genérica, abrangendo diferentes instrumentos de sopro. Importante é também saber que houve o cuidado de evitar não só uma estagnação rotineira do reportório mas até uma falta de pluralismo estilístico. D. Henrique ordenou ao mestre da capela que fizesse "cantar na estante obras de diversos autores daqueles que são mais para isso, ora de um ora de outro, para os cantores estarem exercitados em todos e não haverem por desusada qualquer mina ou obra que se lhes oferecer na estante". Quanto às matérias musicais que foram ensinadas na escola de Évora e noutras igrejas espalhadas pelo país, elas eram certamente as mesmas de toda a pedagogia da época, na Europa católica romana. Partiam da teoria pitagórica da divisão do monocórdio e respeitavam escolasticamente as autoridades da arte música, com preponderância de Boécio e Guido de Arezzo. De maneira geral, o que os moços tinham que aprender era muito mais complicado do

que aquilo que há pouco tempo dava pelo nome de *solfejo* e hoje se chama *educação musical*. Como o reino do temperamento igual ainda estava para vir, era impossível definir todo e qualquer intervalo entre duas notas em função dum único intervalo elementar, de semítono. Apesar de, como vimos a propósito da polémica entre Vicente Lusitano e Nicola Vicentino, a velha classificação dos géneros diatónico, cromático e enarmónico tender a tornar-se obsoleta, na prática da música polifónica, os moços tinham com certeza que aprendê-la. Antes disso, era a fixação ordenada de todos os sons usados em música, com a ajuda duma regra empírica, aplicada à mão esquerda, que vinha do tempo de Guido de Arezzo. Depois, era a aprendizagem na teoria das *mutanças* e da sua aplicação prática, que obrigava a infindáveis repetições, até se atingir o automatismo. O sistema das mutanças resultara da organização hexacordal das notas, estabelecida por Guido para evitar o intervalo de trítono (fá-si). Das sete notas da escala, *dó, ré, mi, fá, sol, lá, si*, esta última não tinha nome, no sistema aretino. Quando era preciso exceder o hexacórdio de *dó* a *lá*, procedia-se como se a nota *si* fosse um *mi*, aproveitando o facto de o intervalo de meio tom *mi-fá* ser igual ao que separa o *si* do *dó* subsequente (oitava acima do dó inicial). O sistema era engenhoso, e tinha a virtude de definir implicitamente as escalas mais próximas daquela que hoje designamos por *dó maior*, vinculada à que então se chamava *propriedade de natura*. Ou seja, as escalas de *sol maior (propriedade de b quadrado*, ou *b quadro)* e de *fá maior (propriedade de b mol)*. O grande inconveniente estava, no entanto, em que sons de alturas diferentes, e não separados pelo intervalo de oitava, podiam ser tratados pelo mesmo nome. E o mesmo som podia receber nomes diferentes, como, por exemplo, *lá, mi, ré*. (Vem a propósito observar que alguns métodos pedagógicos modernos se servem desse princípio análogo, mas com aplicação prática simplificada pelo temperamento igual.) Acresce que os *modos* relativos às alturas das notas não eram apenas os dois (*maior* e *menor*) a que vieram a reduzir-se a teoria e a prática musicais :, nos séculos XVIII e XIX e que ainda hoje continuam a imperar na maioria das escolas de música europeias ou de feição europeia. Eram nada menos de oito, dentro da tradição eclesiástica herdada dos gregos. Para a música polifónica (*canto de órgão*), era indispensável os moços industriarem-se ainda nas convenções e regras relativas à duração das notas. Também neste aspecto a iniciação era mais complicada do que hoje. E o programa não ficava por aqui. Abrangia o necessário e suficiente para os finalistas vencerem a disciplina do Contraponto. Este consistia na arte de improvisação de uma ou mais linhas melódicas, em simultaneidade com determinada monódia, geralmente de cantochão. Improvisação que não era inteiramente livre, longe disso, visto que muito condicionada pela monódia e por regras atinentes aos intervalos e ao movimento das vozes. A Escola da Sé de Évora estava meticulosamente organizada, como transparece do regimento de 1617, transcrito integralmente no referido livro de José Augusto Alegria. Nele se estabelece que o colégio tenha um reitor, "clérigo de Missa" que "procurará quanto puder que os moços se criem, e se exercitem em todas as virtudes morais e justamente com a música as aprendam, ensinando com obras e palavras para que nas religiões e igreja para onde se criam possam dar exemplo aos mais, e honrar, e acreditar o Colégio onde se criaram". Segue-se uma recomendação que só não mantém plena actualidade por estar hoje o "paternalismo" assaz mal visto: "E para este efeito os tratará com muita brandura como de pai." Mais desactualizado está, porém, o quesito de não faltar "a seu tempo o castigo necessário", sobretudo porque o "castigo necessário" podia ser corporal, o que, naqueles tempos, era meio cuja adequação nem sequer se punha em dúvida: "Mandamos que os colegiais e moços do coro serão mui obedientes ao Reitor e lhe

guardem o respeito devido e merecendo algum deles castigo depois de o admoestar da palavra lhe dará como lhe parecer e merecerem suas culpas e ele açoitará e sendo revel [rebelde] lhe acrescentará o castigo e, não se emendando, com isso no-lo fará saber, para nisso provermos." O regulamento é minucioso em extremo. Desde a aceitação dos moços e, "antes que se deite opa vermelha", a "diligência se tem raça de judeu ou mouro, ou de outra infâmia notável", até ao compromisso de mandar "dar um vestido bom de pano tozado" aos que em definitivo voltassem "pera sua terra", tudo está previsto com o ínfimo pormenor. Os colegiais não podiam ter nem trazer consigo armas, e muito menos alguma com que lograssem "ferir o Reitor", só "canivetes pequenos, para aparar as penas e tesouras para cortar papel". Não era permitido que dormissem "dois juntos na mesma cama". Não podiam "estar dois moços do coro ou colegiais sós em uma casa com porta fechada ou às escuras", sob pena de açoites. E todo aquele que fosse surpreendido "em vícios de sensualidade" seria "repreendido pelo Reitor e castigado com açoites, principalmente sendo vício em que dê escândalo a outro". O trato com pessoas do sexo feminino também mereceu todo o cuidado: "Havendo de servir mulher no dito colégio de cozinheira, por parecer assim mais conveniente para a cura dos doentes, será velha e de boa fama e viver, e o Reitor, primeiro que a aceite, no-lo fará saber, e não dormirá de noite no :, Colégio, e mandamos, sob pena de excomunhão *ipso facto incurrenda*, que não entre nenhuma mulher no dito colégio, se não for *ratione medicirae*, porém a lavadeira poderá entrar até o alpendre que está no pátio e mais não, sob a dita pena." As normas respeitantes a comedorias demonstram bom tratamento. Não esqueceu assegurar o recreio indispensável a gente tão nova: "Depois do jantar", que era às 10 ou 11 horas da manhã, consoante a época do ano, "poderão ter recreação de jogo de laranjinha, ou de qualquer outro que seja honesto por espaço de uma hora, contanto que não seja de cartas, nem de dados, nem a dinheiro, nem tendo pelejas e porfias." Além dessa hora, o reitor poderia dar-lhes, a seu critério, mais tempo "para se recrearem". Quanto aos que adoecessem, a regra a cumprir era a de os tratarem "com muita caridade", acudindo-se-lhes "com todo o necessário e com médico e botica por conta da fábrica [administração], o que encomendamos muito ao Reitor". A Escola de Música da Sé de Évora impõe-se-nos pois como caso notável e exemplar. Nas coordenadas histórico-culturais do Portugal anterior a D. João V, talvez não fosse possível melhor organização do ensino musical do que ela foi, nos seus períodos mais brilhantes. Já sabemos que a formação de músicos não resultou exclusivamente da iniciativa de bispos e arcebispos. Nem, na esfera secular, da dos reis. Desde pelo menos o tempo de D. Duarte que a coroa e a Igreja em matéria de música parece que sempre concordantes ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, consideraram desejável que as casas da grande nobreza organizassem as suas capelas privadas. E vimos como a dos duques de Bragança foi alimentada pelo Colégio dos Reis Magos, instituído por D. Teodósio II, pai do futuro rei restaurador. Devemos no entanto voltar aos domínios da Igreja para atentarmos o que foi uma acção mais importante, desenvolvida por ordens religiosas, e em especial, pela Companhia de Jesus. Acção esta que se nos apresenta menos como ensino *da música* do que como propaganda didáctica e militante *através da música*, não isoladamente mas sim em conjunto com as demais artes de espectáculo. Fundada por Inácio de Loyola em 1534 e reconhecida pelo papa Paulo III seis anos depois, a Companhia de Jesus teve entre as suas principais funções combater a Reforma. O seu primeiro estabelecimento em Portugal data de 1542. O mais eficiente meio de luta, não só na acção imediata mas também quanto a perdurabilidade ao longo de sucessivas gerações, era o ensino.

Os colégios dos jesuítas foram-se tornando cada vez mais numerosos, espalhados por diferentes países. Em 1556 excediam já a centena, em doze divisões territoriais (*províncias*). No princípio do século seguinte ultrapassavam os quatrocentos, em 1720 o milhar, respectivamente em vinte e sete e trinta e sete províncias. Outra das vocações da nova ordem religiosa, porém, estritamente ligada à do ensino, era a missionação junto dos nativos de terras descobertas e (ou) postas sob o jugo de reinos cristãos. As primeiras viagens de missionários jesuítas deram-se em 1543, rumo à Índia. Seguiram-se o Japão (a partir de :, 1549), o Brasil (1550), o México (1572), a China (1582), o Chile (1593) e a América do Norte (1611) (145). Desde o início que os membros da Companhia se submeteram a uma rigorosa disciplina, fazendo o quádruplo voto de pobreza, castidade, obediência aos seus superiores, na hierarquia da ordem, e, sujeição ao papa. Implicando uma mística e tocando as raias do fanatismo, essa atitude perante a vida e a obrigação de guiar consciências humanas assumiu enorme importância na perseguição dos fins em vista. Tal como outras ordens -- nomeadamente as agostiniana, beneditina, dominicana e franciscana -- a Companhia de Jesus cultivou as artes e as ciências. No entanto, a sua posição inicial em relação à música, incluindo o canto litúrgico, foi bastante reticente. Numa carta de 1554, Inácio de Loyola disse gostar do canto litúrgico mas não querer introduzi-lo na ordem, por entender que não era vontade de Deus (*quoniam intelligo non esse Dei voluntatem*). Dois anos depois, noutra carta, precisou que Deus encarregara a Companhia de outras missões. O regulamento de 1558 proibia a guarda de quaisquer objectos e utensílios não pertinentes ao serviço da ordem, em cujo número se contava os instrumentos musicais. Igualmente proíbe aos discípulos da ordem que cantem em coro na missa e horas canónicas. Numa carta de 1562, o vigário geral Hieronymus Nadal preceitua que os membros da Companhia não podem ser autorizados a ensinar música. No ano seguinte, faz saber ao reitor do colégio de Viena que é inconveniente usar órgãos (ou quaisquer instrumentos musicais?) alugados (*moneantur nostri, ne utantur organis condutcticiis*). Em 1578, outro geral da Companhia, Eberhard Mercurian, proíbe os noviços de cantarem, porque, em sua opinião, isso só serve para os distrair. Doze anos depois, o seu sucessor Claudius Aquaviva interdiz a utilização do órgão no culto e opõe-se também ao cantar em coro na missa e nas horas canónicas. Estas determinações nem sempre eram fáceis de cumprir. Por isso se foram abrindo excepções, merecendo particular atenção as que representaram alguma cedência a costumes locais. Por exemplo, o referido Nadal, apesar de tão contrário à prática da música dentro da Companhia, autorizou que, naqueles colégios onde o canto litúrgico já tinha sido introduzido para conciliação com o rito local, houvesse canto aos domingos e dias santos nas missas e vésperas, bem como no oficio da semana santa. Por maioria de razão, a música polifónica também só a título excepcional foi permitida. A evolução ulterior deu-se no sentido duma participação cada vez maior da música nas manifestações culturais dos jesuítas. A este respeito, dois aspectos devem ser focados. O primeiro é o das canções ou cantigas de conteúdo religioso imediatamente acessíveis a toda a gente. A questão da acessibilidade assumiu uma importância fundamental na Contra-_Reforma. Vem a propósito referir que, na *_Defensa de la musica moderna*, D. João IV, depois de apontar a vantagem que os antigos tinham de entenderem a letra do que se cantava (*porque era en su misma lengua*), observa que, no seu tempo, acontece estarem quinhentas ou mais pessoas reunidas numa igreja e não haver entre elas vinte ou trinta "*que entiendan el Latin que se canta". :,

Os sectores protestantes que inteligentemente se serviram da música, em especial os luteranos, obviaram àquele inconveniente fazendo cantar em vernáculo dentro das igrejas e do rito. Agentes da Contra-_Reforma, os jesuítas não podiam ficar indiferentes a um meio que tão bem estava servindo aqueles contra os quais lutavam. Assim, mereceram-lhes muita atenção as virtualidades da cantiga religiosa com letra na língua materna dos fiéis e educandos. E foram promovendo a publicação de numerosíssimas colecções desses trechos. O caso do _p.e Cristóvão Valente (15661627) é especialmente interessante, porque escreveu poemas na língua tupi, que ensinou na Baía. Essas *_Cantigas na língoa para os minimos da santa Doctrina* foram impressas em 1618, em Lisboa, com o *_Catecismo na língua brasílica* do _p.e António de Araújo. É evidente que a qualidade técnica e estética da música associada às letras não era considerada problema de maior. Não entrava em jogo a mesma exigência de rigor na observância da teoria e das regras práticas da música que vigorava nas escolas de cantochão e de polifonia. Entre uma melodia aprovável pelos mestres da música, mas que pouco ou nada dizia aos leigos, e outra cheia de atropelos, mas que logo agradasse e se fixasse aos ouvidos, devia ser esta a preferida. É natural que, em muitos casos, se não na maior parte deles, se aproveitasse música popular ou popularizada da região, associando-lhe as letras convenientes. O segundo aspecto da utilização crescente da música pela Companhia de Jesus é o do teatro escolar. Essas representações devem ter reflectido de maneira bem nítida o propósito contra-reformador de atrair o mais que fosse possível pelo espectacular, o surpreendente, o efeito visual e auditivo imediato, em ligação com entretenimentos edificantes. As récitas efectuavam-se em aulas dos colégios ou em teatros alugados, por vezes ao ar livre, com adaptação a edifícios arquitectónicos ou utilização de palanques, coretos e outros praticáveis. Eram actores, exclusivamente, educandos da Companhia, com preponderância de alunos de retórica. Os papéis e a representação teatral eram estudados e ensaiados meticulosamente, sob a orientação de professores. Os papéis de mulher e moca estavam confiados a rapazes, que apareciam em cena com trajes femininos. O sexo fraco também era, em regra, banido da assistência. Os espectáculos mais curtos andavam pelas duas horas, os longos rondavam as sete. Diferentes peças teatrais integravam muitas vezes ciclos cuja representação podia estender-se por dias consecutivos. Era, por exemplo, o caso dos espectáculos outonais (*ludi autumnales*). E é claro que as efemérides da Igreja davam óptimos ensejos para essas jornadas ou festivais. O arranjo cénico era conseguido e realizado nos termos do que veio a ser o teatro barroco italiano. Empenhos de encenação avultavam entre os apetrechos de cena mais úteis para a produção de efeitos que assombrassem os espectadores. Havia, designadamente, máquinas geradoras de vento e de trovões, e também as que causavam a ilusão de voos e levitações. Não admira, pois, que o teatro dos jesuítas tivesse muitos espectadores não só da nobreza (e mesmo :, realeza) e do clero como também da burguesia. E, entrando em linha de conta com os grandes ajuntamentos de ar livre, em circunstancias especialmente festivas, e com o trabalho missionário, deve acrescentar-se que ele também maravilhou gente dos ínfimos estratos económico-sociais, servidores "livres" ou escravos, onde abundavam nativos da África, da Ásia ou da América. Se bem que, para estes, havia manifestações mais adequadas, nomeadamente procissões. A questão da assistência reconduz-nos à questão da comunicabilidade e, portanto, da língua. Este ramo da acção propagandística e pedagógica da Companhia de Jesus começou por se inspirar no teatro humanista. Daí, em grande parte (mas não

exclusivamente), a norma de os actores se exprimirem em latim. Um dos outros motivos pode ter sido a cláusula, frequentemente referida em textos do século XVI e relativos a diferentes ordens, de os alunos, dentro dos colégios, não usarem o vulgar, mas sim, e sempre, a língua de Cícero. No entanto, e pela mesma razão de acessibilidade aos leigos apontada a propósito das cantigas, os vernáculos dos países ou regiões onde os espectáculos se davam foram sendo autorizados. Essas trocas do latim pelo vulgar eram mormente solicitadas pelas cenas de cariz popular, com figuração de camponeses, mendigos e outros indigentes, que deviam ter certa analogia com o teatro vicentino e cujo realismo algumas vezes suscitou reprimendas de instancias superiores da Companhia. Voltaremos ao assunto quando nos ocuparmos especificamente do caso português. Desde o fim do século XVI que se tornou habitual imprimir sinopses, ou seja, uma espécie de programas das récitas. Elas constituem hoje a principal fonte de informação de local, data, assunto e número de participantes das representações. Os entrechos saíam preferencialmente da Bíblia, das vidas dos santos e da história geral. Davam ensejos a uma como que apresentação da Bíblia em imagens. Podiam ser inteiramente profanos, como a da *declamatio* com três actos *_Dares et Entellus*, de Pedro de Vasconcelos, representada em Coimbra em 1629. Tanto os das peças principais como os dos pequenos intermédios de variação e divertimento pediam muitas vezes música, inclusive para dançar. E tinham-na, de facto. Só que, infelizmente, pouquíssimo a conhecemos hoje. Segundo parece, raro era passada a escrito. Por um lado, devia aproveitar-se música já conhecida. Por outro, ensinavase oralmente a que o não fosse, o que talvez signifique a não utilização, em regra, dos mesmos trechos musicais em diferentes países ou regiões. De qualquer modo, há notícias de composições musicais, feitas expressamente. Por exemplo, para a tragédia *_Sedecias*, de Luís da Cruz, representada em 1570 no Colégio das Artes, em Coimbra, na presença de D. Sebastião, que tinha então 16 anos, e de seu tio, o cardeal-infante D. Henrique. Algumas peças incluíam partes corais ou introduções e interlúdios instrumentais de extensões consideráveis. Para sua correcta execução podiam eventualmente ser contratados músicos das capelas ou das administrações seculares locais. Também em Portugal houve teatro escolar de inspiração humanista anterior ao dos jesuítas e sem a desenvoltura que estes depois lhe deram. :, Segundo Silva Dias, "a pedagogia conimbrinsense da época de 1535 a 1547 serviu-se j á, na verdade, do teatro escolar como meio de formação humana", se bem que, ao que parece, "timoratamente e sem continuidade" (146). Um alvará de 1538 levantou aos estudantes dos colégios de Santa Cruz (dos Cónegos Regrantes de St.o Agostinho) a proibição do uso de trajes de seda e de objectos de ouro, sempre que tivessem de representar "algumas comédias ou tragédias". Sabe-se que não só em Coimbra os encenadores recorreram a nobres e burgueses ricos da terra para o empréstimo de roupas, jóias, loiças e outros adereços. Duma carta do helenista Vicente Fabrício ressalta um projecto de representação que compreendia uma tragédia de Isócrates, uma epístola de S. Basílio e até extratos da *_Bíblia* em grego! Não pode dizer-se que, neste caso, o objectivo fosse uma larga comunicação imediata, já que, mesmo no auge do humanismo, raros foram os portugueses que dominaram a língua de Platão. Antes de voltarmos aos jesuítas, tem interesse registar que um alvará de 1546 preceituou que cada um dos lentes da terceira e quarta regras de latinidade devia ensaiar e fazer representar uma comédia. A distribuição dos espectáculos pelas festas do ano era da competência do reitor. Por *regras de latinidade* deve entender-se uma ordenação progressiva do ensino da língua e da cultura latinas. A terceira e quarta regras -- as últimas -- "combinavam a análise filológica dos

textos com a abordagem ideológica da poesia, da história, da geografia e da ética, introduzindo, sucessivamente, a juventude, no domínio da frase latina e da erudição e da cultura romana" (Silva Dias). Se o humanismo tivesse conhecido em Portugal um desenvolvimento com aderências musicais comparáveis às da Itália, talvez a ópera tivesse nascido neste extremo da Europa. Como vimos e veremos, o teatro dos jesuítas, mais movido por um espírito de luta bem actual do que pelo culto intelectual da Antiguidade Clássica, não andou longe desse título de glória músico-dramática e soube depois aproveitar-se de potenciais da ópera propriamente dita. Não há dúvida de que também no império das artes todos os caminhos podem ir dar a Roma. Em Portugal, não faltou ao teatro escolar da Companhia aquilo que o estava caracterizando mais notoriamente noutros pontos do mundo: o impacte da encenação. E compreende-se. Para quaisquer entes humanos, o sentido da vista era, e é, o melhor condutor do fluxo de conceitos, de símbolos, de alegorias, de imitações bizarramente estilizadas com que se buscava o máximo efeito psicológico possível. Poderá dizer-se que tal cariz estético era próprio do maneirismo e do barroco. Mas talvez seja mais substancial a afirmação de que a militância cultural dos jesuítas, ao serviço da Contra-_Reforma, contribuiu muitíssimo para a afirmação e a desenvoltura de caracteres magnificentes ou empolados do estilo barroco, não raro tendentes à excentricidade. Portugal deve ter-se prestado especialmente bem à exploração da receptividade dos espectadores por via de encenações de espanto. Porque as representações histriónicas, com música e dança, faziam parte das suas tradições culturais, a todos os níveis. Acontecia até que um dos seus maiores expoentes literários fora genial homem de teatro e, muito provavelmente, :, óptimo regista: Gil Vicente. Como vimos, a acomodação a usos e costumes locais foi uma das directrizes da acção cultural da Companhia. O leitor interessado em descrições dos aspectos visuais do teatro escolar dos jesuítas encontrá-las-á nas excelentes sínteses de Claude-_Henry Fréches (147) e de José Sasportes (148). No que respeita à música, embora nos faltem as próprias notas que se ouviram durante os numerosíssimos espectáculos efectuados em Portugal e em terras sob sua dominação, é possível dar como certas e habituais as suas aplicações e, até, a sua boa qualidade. Chegaram até nós vários elogios das componentes musicais. Numa écloga representada no Colégio de Santo Antão, em Lisboa, no primeiro dia do ano de 1557, a música foi, até, o que mais encantou a assistência. Talvez tenha sido ela que mais fez o rei desejar uma repetição no paço. Teria muito interesse saber, em termos de generalidade, em que medida a arte dos sons intensificou a vivência dos espectadores. Esta atingiu grandes comoções, até às lágrimas. Vivência não só dos que assistiam. Os que representavam também rompiam em choros, no auge de cenas lancinantes. Teatro essencialmente expressivo e patético nesses contextos, é natural que a respectiva música assumisse feições análogas em si mesma e através de interpretações enfáticas. A música podia ser vocal, vocal-instrumental ou puramente instrumental. Esta última devia servir as mais das vezes para marcar o ritmo de danças, entre as quais se encontravam as que já haviam servido a Gil Vicente, como a folia e a chacota. Os instrumentos foram decerto os mais variados: o órgão, guitarras e violas de arco ou dedilhadas, o alaúde e seus parentes, a harpa, instrumentos de sopro de diversos timbres e tecituras, desde os pífaros e flautas, às trombetas, baixões, tambores, pandeiros e outros instrumentos de percussão, idiofones, talvez mais raramente cordofones de tecla. Um dos instrumentos mais usados foi a flauta. Encontramo-la integrada em conjuntos que acompanhavam o coro, polifónico ou monofónico. E a marcar ritmos de dança. E

como atributo de personagens. Na écloga *_Marsyas*, de João da Rocha, representada por volta de 1616, o sátiro fazia valer o instrumento que lhe dera fama entre os pastores. Segundo parece, agrupamentos de flautas foram muito apreciados pelos espectadores. Um deles compassou a marcha fúnebre de quatro soldados, transportadores de caixão. Um outro assinala o princípio duma refeição. Outro, ainda, preludia o *_Canto de Apolo*. A doçaína (dulçaína) e a *cheremya* (cherimia) aparecem associadas à flauta, para acompanhamento do coro. Trombetas juntam-se a outros sopros, a instrumentos de corda (entre os quais a harpa), a tambores e címbalos (pratos). Mas a trombeta também podia soar isoladamente, para convocar algum personagem, acentuar a solenidade duma situação ou, como diria Camões, para, em paz, imagem fazer da guerra. No que respeita a cordofones, torna-se impossível definir com alguma exactidão as espécies mais representadas no instrumental do teatro escolar, compreendidas na designação genérica de *lyra*. Provavelmente eram guitarras, violas, alaúdes e harpas de diferentes dimensões e características. Alguns deles eram tangidos com plectro. Finalmente, as referências ao sistro merecem :, atenção, na medida em que ajudam a fazer uma ideia dos variegados complexos tímbricos que animavam as representações. Na maior parte dos casos, o sistra devia misturar-se com outros instrumentos, de sopro, de corda e percussão. Mas também podia individualizar-se. Na tragicomédia *_Manasses restitutus*, de Luís da Cruz, é empunhado por um demónio. Pouco provável é qualquer insistência em música polifónica tocada em instrumentos, pelo só prazer da audição. Sobre não ser eficaz para obtenção do sempre desejado êxito, música desse tipo tinha de ser escrita. Se ocorrem habitualmente, alguma havia de ter chegado até nós. O mesmo cabe dizer da música polifónica vocal, se bem que esta deve ter sido mais praticada. Pela mesma razão acima apontada, eram de evitar polifonias propriamente ditas, ou seja, com sobreposições complexas de desenhos melódicos. O que convinha era ou pura e simplesmente o canto monódico (por um ou mais cantantes, em uníssonos e oitavas) ou então um canto de vozes diferenciadas que se moviam em paralelismos feitos de outros intervalos, não difíceis de entoar de ouvido, nomeadamente terceiras e sextas, maiores e menores, e quinta perfeita. O canto apoiava-se com frequência em acompanhamentos instrumentais simples. Tomemos alguns exemplos concretos. Em 1559 foi representada em Coimbra a tragédia do jesuíta Miguel Venegas *_Saul Gelboens*. Uma testemunha do acontecimento relatou que "havia em cada acto um coro de letra muito devota, e muito bem composto em ponto de canto de órgão", elogiando a maneira como cantaram os "oito ou nove músicos". Nas celebrações inaugurais da Universidade de Évora, no mesmo ano, representou-se a tragédia *_De obitu Saulis et Jonathae*, do professor de retórica Simão Vieira. O espectáculo, cuja duração andou pelas três horas, envolveu um coro que cantou a quatro vozes. A ornamentação polifónica continuou a ser desejada e, portanto, realizada sempre que possível, até bem dentro do século XVIII. No drama em cinco actos *_Ludovicus et Stanislaus*, de Pedro Serra, estreado em Évora em 1727, a acção era interrompida por solos e cantos a várias vozes, para realentar os espectadores. O coro podia subdividir-se. Na tragicomédia *_Josephus*, de Luís da Cruz, dada em Coimbra, provavelmente entre 1572 e 1577, o grupo de anjos cantantes, a certa altura do entrecho, cindia-se em dois. Esta diferenciação cénico-musical era frequente. O mesmo professor Luís da Cruz, para quem a música era indispensável ao teatro feito para agradar (*sine harmonia theatrum non delectat*), metia quanto possível os membros do coro na acção, chegando a fazê-los mudar de vestes e até dançar. Segundo ele, os portugueses eram mestres na valorização teatral dos coralistas.

Para exemplo de solos vocais sirva uma cena da tragédia *_Absalon*, de Venegas, representada em Coimbra em 1562. No quinto e último acto, uma admoestação aos que desprezam a velhice dá ensejo a que um rapaz cantor ("*puer cantor*") exorte à veneração dos pais. O personagem moralista retoma depois a palavra, ensinando aos pais que devem amar os filhos, mesmo os ímpios. E logo a voz do moço retoma o solo melódico, para recomendar que os erros dos filhos sejam perdoados. :, Como também em Portugal o teatro escolar era normalmente representado em latim, latinas terão sido por igual as letras que se cantaram, na sua maior parte. Porém não necessária nem preponderantemente letras extraídas dos textos litúrgicos. Além do que o vernáculo foi autorizado aqui e acolá, tanto para a declamação como para o canto. Estes e outros meios, directa ou indirectamente musicais, dependiam muito das circunstancias. Em princípio, seriam tanto mais ricos e conducentes à variedade de espectáculo quanto maior peso tivesse a motivação deste. E o peso era enorme, quando se tratava, por exemplo, da canonização de algum membro da Companhia ou da visita duma cabeça altamente coroada. A vinda de Filipe III de Espanha (II de Portugal), em 1619, é ilustrativa de quanto a sumptuosidade das manifestações podia estender-se a todos os seus aspectos. Quanto a meios de locomoção, o programa antecipou-se ao famoso passeio pelo Tamisa, para o qual Hãndel, cem anos mais tarde, escreverá a *_Water music*. O rei teve espampanante cortejo de barcos, com música e bailes, entre Belém e o Terreiro do Paço. Até o número de línguas usadas no festival organizado pelo Colégio de St.o Antão foi grandioso. Nada menos de quatro: latim, português, castelhano e tupi. Quarteto que, aliás, não traduz mera ostentação. Tinha uma perfeita lógica. Latim, porque também neste contexto ele era a base; português porque as festas se davam em Portugal; castelhano, porque o homenageado era Filipe; e tupi porque a tragicomédia enaltecia descobertas e conquistas do tempo de D. Manuel, focando-as através do habitual prisma da dilatação da fé e do império. O acontecimento ajuda a compreender que aqueles músicos portugueses do tempo da dominação filipina que, sem qualquer resistência, serviram e preitearam o rei espanhol, não cometeram actos de traição e antipatriotismo, no grave sentido pertinente a atitudes aparentemente iguais, tomadas quando a burguesia detinha o poder ou já o controlava em grande medida, em nações oprimidas por jugos estrangeiros. Que desde muito antes existia um sentimento patriótico português é coisa demasiado evidente, à luz da história, para que se torne necessário sublinhá-la. E a escolha do assunto da tragicomédia, sem dúvida sancionada pelo monarca visitante, prova que este contava com tal sentimento, por parte de muitos lisboetas. Porém, a transigência de Filipe III diminuiu-o muito menos do que hoje pode parecer. A figura evocada na tragicomédia, D. Manuel I, não era, para Filipe, simplesmente a de um rei de Portugal, coberto de glória por feitos concebidos e realizados em competição com a coroa espanhola. Na verdade, tratava-se de homenagem à memória de um antepassado em linha directa, porquanto D. Manuel era seu bisavô. À divisão vertical dos povos, por fronteiras de nações, sobrepunha-se outra, horizontal, por linhagens. No topo desta, a realeza constituía uma espécie de organização multinacional ou, melhor, supranacional, internamente ligada por muitos laços de família. A prevalência da primeira daquelas divisões, em defesa da independência do reino, correspondia geralmente a interesses vitais da burguesia. Deve ter sido no seio desta que o festival em honra de Filipe causou maior descontentamento. Entre nobres e clérigos, que mais facilmente podiam obter mercês do rei ou viver à sua sombra,

quer ele fosse português quer não, :, a tendência era para respeitar a hierarquia supranacional. Para mais, os fidalgos sabiam muito bem quantos problemas a burguesia criara aos seus antepassados por ter ajudado o Mestre de Avis, em 13831385, a assegurar a independência. Como já foi salientado, o teatro escolar visou uma educação através das artes, entre as quais a música. Não se suponha, porém, que a Companhia de Jesus se mantivesse alheia ao ensino da música propriamente dito. A partir dos começos do século XVII, as lições de música foram-se tornando normais. Muitas crónicas de colégios falam de organizações para educandos com vocação musical e de seminários que se estavam a distinguir no cultivo da arte dos sons. Entre 1630 e 1650 foi autorizada a execução do órgão no serviço religioso, nomeadamente por educandos. Com o andar do tempo aumentou o número de músicos membros da Companhia, com uma diversificação que se estendeu à investigação teórica, à composição e ao fabrico de instrumentos. Neste último aspecto, merece explicação o interesse por mecanismos de relojoaria aplicados à música. A Companhia de Jesus tinha que nos merecer a maior atenção, pelo papel fundamental que desempenhou na educação e no ensino desde a sua implantação no país. Foi ela que estabeleceu o modelo do homem bem-educado, nobre ou cidadão. Foi ela que desenvolveu a mais interessante acção de pedagogia musical missionária. Foi ela que habilmente aproveitou na catequese, nas procissões e nas representações teatrais à disposição dos índios do Brasil para a música e para a dança, adaptando-se quanto possível às suas tradições de canto, de execução instrumental e de movimento coreico. No Maranhão e no Grão-_Pará, pelo menos desde 1615 que missionários jesuítas juntavam as suas vozes às de educandos locais que simultaneamente cantavam, dançavam e percutiam tambores. A terceira jornada da *_Real tragicomédia de D. Manuel conquistador da Índia* terminava com danças e cantos nativos de Tapuias e Aimorés (149). Mas, tal como j á se deu a entender, outras ordens religiosas contribuíram para que a um número considerável de portugueses fosse dado aprender música. Nos períodos em referência, onde quer que, num aglomerado populacional, vivesse alguém capaz de transmitir ensinamentos úteis, logo em seu torno se juntavam pessoas desejosas de os receber, estivesse ou não institucionalizada uma classe de alunos. Ora também no que respeita à música eram clérigos ou indivíduos estritamente ligados à Igreja muitos dos que estavam em tais condições. Chegamos assim, finalmente, a uma modalidade que decerto teve grande importância: o ensino particular. Quando se tratava de nobres ou de burgueses ricos, este costumava ser ministrado nas suas residências. O sistema deve ter sido bem visto pela coroa, a julgar pelo favor humanista que mereceu a leccionação privada do latim, do grego e do hebraico. Num alvará de 1538, D. João III ordenou que estas línguas não fossem ensinadas em escola alguma de Coimbra, fora dos colégios de St.a Cruz, sem sua licença, "assim nos estudos gerais como em qualquer outra parte da cidade, ora seja pelos lentes catedráticos dos ditos estudos, ora por quaisquer outras pessoas, posto que catedráticos não sejam". Mas, abrindo logo excepções, o :, monarca meteu nestas as pessoas que, "particularmente, em suas casas", quisessem "ouvir ou mandar ensinar as ditas línguas ou cada uma delas". Como veremos, o ensino da música só no reinado de D. João V veio a sofrer alterações importantes, sob a dominação do gosto operático italiano (150). Instrumentos e execução instrumental (151) A importância que revestiu a execução instrumental nos séculos XVI, XVII e XVIII obriga a referências um pouco mais desenvolvidas. Importância resultante de múltiplos factores, alguns dos quais vindos de fora, a começar pelo apuramento na

construção de instrumentos musicais que se verificou em muitos centros europeus do Renascimento. A base da formação musical continuou a ser o canto. Sobre ela se iniciavam os jovens aprendizes, nomeadamente os rapazes que, depois ou mesmo antes da mudança da voz, não mostravam aptidões de cantar. O trânsito para os domínios instrumentais fazia-se normalmente pelo clavicórdio, ou manicórdio, como então era costume chamar-lhe (152). Isto, sobretudo quando -- e era sempre o caso nas esferas eclesiásticas -- interessava sobremaneira formar organistas. Antes do mais, o clavicórdio servia de degrau para o órgão, instrumento-rei (153). Com o órgão e o clavicórdio, o virginal ou cravo de um só teclado foi o instrumento de tecla mais difundido na Península Ibérica de Quinhentos e Seiscentos. Há notícia segura de que se construíram clavicórdios na Península desde pelo menos o século XV, com matérias-primas locais (por exemplo, madeiras do Norte de Portugal ou da Serra da Estrela). Do além-mar sul-americano e oriental vieram madeiras de suprema qualidade, de aplicação restrita por causa do seu custo, mais para fabrico de cravos. De muito menores pretensões, os clavicórdios eram instrumentos baratos, cuja importação do estrangeiro nunca se tornou necessária em Espanha e em Portugal, nem mesmo nas piores crises económicas do século XVII, porque não faltava quem os soubesse fabricar, sem necessidade tão-pouco de mandar vir de longe qualquer dos materiais essenciais. Os clavicórdios portugueses eram geralmente modestos no tamanho, no faltarem-lhe dispositivos que se encontram em congéneres seus fabricados noutros pontos da Europa coetânea, ou no dispensarem pinturas figurativas ou vistosamente ornamentais. Eram instrumentos ligados, ou seja, duas, três ou mais teclas faziam accionar o mecanismo sobre a mesma corda ou par de cordas. Segundo parece, não só em Portugal como em Espanha os clavicórdios totalmente desligados, em relação biunívoca de teclas e cordas (ou pares de cordas produzindo sons idênticos) foram relativamente raros, já por motivos de preço e poder de compra, já para redução de volume e vantagens de portabilidade. A preparação técnica de organistas não era utilidade única do clavicórdio, longe disso. As sonoridades e cambiantes do brando instrumento eram idealmente propícias a recreios músicos da mais recolhida intimidade. Não :, admira que os clavicórdios portugueses fossem feitos de modo a produzir vibrações suavíssimas e delicadamente diferenciáveis, para toda a valorização da música expressiva a que se destinavam. A preponderância sociológica do clavicórdio veio a ser afectada pela ascensão do cravo e, mais tarde, pela do piano. A última construção dum clavicórdio em Portugal de que há notícia é, porém, tardia. Remete-nos para Braga, ano de 1841. Por sua própria natureza, o órgão é um instrumento mais complexo e de potenciais incomparavelmente maiores. Documentada a sua existência na Península desde o século VII (154), o desenvolvimento, em Portugal, do seu papel em cerimónias religiosas começou por se dar em dioceses de vulto, como as de Braga, Coimbra e Évora, bem como noutros focos de cultura eclesiástica portuguesa, como a abadia de Alcobaça, onde parece ter sido facto desde o século XIII. Relativamente a Coimbra, conhece-se referência a um mestre dos órgãos, em função no ano de 1337. No Quatrocentos, as alusões a órgãos e organistas tornam-se menos escassas. Não chegou até nós exemplar algum de órgãos portugueses desses tempos. O mais provável é que se tratasse de positivos ou portativos, aqueles para serem postos aqui ou acolá, com facilidade de transferência de uma para outra superfície de apoio, estes ainda mais transportáveis especialmente úteis para procissões e outras festividades deambulantes, religiosas ou profanas (155). No século XVI cresceu o número de igrejas de pequenas cidades e vilas dotadas de órgão. O construtor e executante podia ser uma e a mesma pessoa, como foi por

exemplo o caso dum Lopo Gonçalves em Castelo de Vide, no primeiro quartel do século. São, porém, da segunda metade deste os mais antigos órgãos instalados em terras portuguesas que sobreviveram até hoje. Podem ser vistos e, na medida em que tiverem sido bem restaurados, ouvidos na Sé de Évora e na antiga igreja conventual de Santa Cruz de Coimbra. A autoria do primeiro não se conhece, presumindo-se que a caixa e, parcelarmente, os tubos datem de 1562; a dos dois órgãos quinhentistas de Santa Cruz, um dos quais sofreu muito menos alterações do que o outro, é de Heitor Lobo. As gravíssimas crises económicas que o país sofreu no século XVII fizeram declinar a construção e, provavelmente, até a reparação de órgãos. Vem a propósito observar que, mesmo em períodos de menor penúria, era frequente que instrumentos velhos, ou parte deles ("canos", "fábrica") servissem de moeda para pagamento de organeiros adjudicatários de novas encomendas. Estas voltaram a ser numerosas no século XVIII. O auge da construção portuguesa de órgãos tem a marca do barroco, não lhe faltando o efeito visual espectacular, ainda que sem atingir as dimensões dos mais opulentos exemplares espanhóis de estilo afim, nem as dos grandes órgãos da Europa setentrional. Este aspecto óptico, relacionável com certas particularidades acústicas também de implicação estilística, envolve uma plêiade quantitativa e qualitativamente notável de artistas e artífices activos em diferentes regiões do país, alguns dos quais autênticos virtuosos da entalhadura. Esta veio a propiciar um ornamentalismo ainda mais impressivo em termos de :, rococó, até que, já na transição para Oitocentos, este foi cedendo lugar a sobriedades neoclássicas (156). Os caracteres acústicos merecem aqui particular atenção, não tanto para que consigamos imaginar a realidade sonora das execuções, tal como ecoaram naqueles tempos, como para nos irmos dando conta de inevitáveis influências na composição musical organística. Em Portugal, a regra foi nem mesmo os órgãos maiores compreenderem um positivo colocado em galeria, atrás do organista, como era uso noutros países. Como excepções apontam-se exemplares de Santa Cruz de Coimbra e da Sé de Braga. Note-se que o que muitas vezes acontecia era a adjunção dum positivo falso, isto é, mudo, pois que instrumento musical só tinha a aparência visível. Isto não significa que os órgãos positivos não conhecessem um considerável desenvolvimento em Portugal, sem vinculação obrigada a um órgão maior, fixo, ainda que também sempre, ou quase sempre, ao serviço da Igreja. Positivos de excelente qualidade, com cheios de considerável efeito sonoro, foram construídos para igrejas sem capacidade de encomenda dum grande órgão. Em desvantajoso contraste com os seus colegas contemporâneos de além-_Pirenéus, os organistas portugueses e espanhóis dos períodos em referência tiveram que dar conta dos seus recados mediante instrumentos de um só manual e sem pedaleira. Em boa verdade, limitação análoga pôs-se temporariamente noutras regiões europeias, designadamente em Itália. Mas também neste importante capítulo a regra teve excepções, em ambas as penínsulas. É evidente que a disposição de um só manual e a inexistência de pedaleira tornavam mais difícil a diferenciação de linhas polifónicas, do mesmo passo que faziam falta ao processo de evolução para texturas de melodias com acompanhamento harmónico. A primeira menção dum pedal, em França, parece ter sido a feita na Catedral de Troyes, em 1432. Mas só há a certeza de efectivo uso de pedaleira em música de órgão a partir de uns prelúdios do frade Adam Ileborgh, reitor de Sthendal em 1448. O teclado não obedecia normalmente a nenhum padrão universal. Já sem falar de largura e calado das teclas, era variável o número destas e podia haver lacunas tão voluntárias quanto funcionais entre elas. Era o caso da *oitava curta*, solução engenhosa de um problema de espaço e de custo, resultante da conveniência prática de introduzir no teclado do órgão ou de outros instrumentos notas abaixo da tradicionalmente mais grave, sem absoluta necessidade (também de ordem prática) de

meter de permeio todas as notas intermédias. Nesse sistema, por exemplo, a tecla adjacente, à esquerda, da do *fá* mais grave podia ser não o *mi*, senão que o *dó* uma quarta perfeita abaixo. Seria errado inferir um atraso permanente em relação ao estrangeiro, no que respeita quer à construção quer à execução musical. Segundo Gerhard Doderer (157), os três referidos instrumentos quinhentistas de Coimbra e Évora atestam que órgãos e música organística estavam então a um alto nível, ombreando com o de outros países. Que dos executantes se exigia toda a competência indica-o o facto de em diversas terras portuguesas a nomeação de candidatos haver dependido de exame por algum organista da corte régia. :, Relevantíssima, não só para a execução como para a dimensionalidade da composição, era a questão dos registos disponíveis. Isto é, dos caracteres tímbricos efectivamente definíveis em cada instrumento, e das suas combinações possíveis. Diz-nos a investigação especializada que, durante grande parte do espaço de tempo em referência, catorze a quinze registos deveriam constituir o máximo, mesmo assim bastante acima duma normalidade de seis a dez, da família principal, como vimos sem pedaleira nem nada que se parecesse. Também até relativamente tarde, parece não ter havido dispositivos divisores do teclado em função de diferentes registos. Talvez por isto mesmo se não conhecem hoje peças portuguesas ou que tenham certamente sido executadas em Portugal antes de meados do século XVII, para meio-registo. Antes de voltarmos a este assunto, registamos que, provavelmente pelo muito que na Península se apreciou a execução de instrumentos de sopro, as imitações destes vieram a informar acentuadamente a registação organística hispânica. Tudo indica ter sido no século XVII que se deu a fixação, com certa latitude, de um tipo de órgão ibérico, que se projecta no século XVIII. Características são as baterias de trombetas. Em Portugal não devem ter sido menos apreciadas do que no país vizinho. De um documento de 1721, relativo ao órgão da Igreja da Misericórdia de Viana do Castelo: "Em quanto a registos de palhetaria, por outro nome, trombetas, são muito boas e estrondosas e para ornato da vista, e não há dificuldade alguma o fazerem-se até 8 variedades delas, porém, não tenho visto nestes órgãos modernos que sustente afinação, e nem todos os organistas têm capacidade para as afinar; antes pelo contrário estes que agora se usam armados como artilharia desafinam-se mais por estarem ao ar." Não será de mais insistir na grande medida em que os parâmetros da construção de órgãos estimularam e condicionaram a composição criativa. Santiago Kastner sublinhou que já a simples duração das peças era função dos instrumentos (158). Só em começos do século XVII, portanto com um Rodrigues Coelho na força da vida, com o aumento da virtuosidade a coincidir com o fabrico de órgãos mais opulentos de jogos e dotados dum sistema de foles menos cansativo, a extensão do tento se dilatou significativamente. Convém todavia não menosprezar a relação em sentido oposto. A produção propriamente musical, isto é, compositiva, também estimulou o mister de organeiro, a ponto de legitimar por certo a afirmação da escola de órgão nortenha da segunda metade do século XVII, de que Pedro de Araújo foi figura central, ter exercido acção decisiva para a composição organística e construção de órgãos em Portugal. A relação de causa-efeito é estrutural, entre os dois termos. Ela não se processou num só sentido, senão em ambos, possivelmente em simultaneidade. Estruturais foram também por certo os jogos entre o espiritual e o material, num e noutro termo do dialéctico binómio. Para melhor ilustração da temática, tornemos ao meio-registo e relacionemo-lo com as famosas *batalhas*. Já aqui foi dado a entender que, provavelmente lançado

algures dentro dos últimos trinta anos de Quinhentos, o meio-registo tem a ver com uma espécie de fractura do teclado em duas :, metades (com a fronteira geralmente entre o dó central e o dó sustenido adjacente), metades que podiam pôr em acção registos nitidamente diferentes entre si. Os *meios-registos* eram composições musicais de um novo tipo, marcado por aquela fractura tímbrica da escala dos sons correspondentes a todas as teclas do instrumento. A primeira notícia que hoje se conhece de um órgão com tal artifício localiza-o na Igreja de Santa Cruz, de Saragoça, em 1567. O curioso é que, num manuscrito musical relativo a Santa Cruz de Coimbra, elaborado uns sete ou oito anos antes, existe um documento com a primeira designação de *meio-registo* da história da música organística ibérica. Trata-se de um curto fragmento, vinte e um compassos apenas, de um "*_Tento de meyo registo, outavo tom natural", a três vozes, de Dom Gabriel da Anunciação (m. 1603). Parece assim que, nas margens do Mondego, uma dúzia de anos antes da publicação de *_Os Lusíadas*, se praticava já essa modalidade recentíssima, se é que não ali mesmo concebida pela primeira vez, no seio dos crúzios, a menos que se trate de apontamento ulterior, só mais tarde inserido no manuscrito. E estranho que se não conheça qualquer meio-registo português da primeira metade do século XVIII, inclusive das *_Flores de música*, de Rodrigues Coelho. Tanto mais que o registo partido com certeza deu brado enquanto novidade. O sevilhano Arauxo referiu-se-lhe como "*célebre invencion y muy versada en los Reynos de Castilha*". Quanto a partições tímbricas dos teclados praticados no século XVI e XVII na França, Alemanha, Países Baixos, Itália, não se lhes atribui importância comparável à das hispano-portuguesas, das quais provavelmente derivaram. No presente contexto, interessa sobretudo salientar que esse dispositivo veio ao encontro de problemas práticos de execução musical da época e de grandes vectores do momento histórico. Dispor de quem tangesse instrumentos ou individualmente cantasse, para solos com acompanhamento de órgão, podia tornar-se difícil ou mesmo impossível. Executar os trechos só ao órgão, em registos inteiros, não produzia o mesmo efeito de aprazível diferenciação. O registo partido viabilizou a obtenção de efeitos muito parecidos, quantas vezes de maior impacto pelo que então tinha de surpreendente e produzidos pela só pessoa do organista. O correspondente ao solo podia ser a linha melódica mais aguda (tiple), tocada na metade direita do teclado (metade do discante), sendo então o acompanhamento, de feição mais ou menos acórdica, executado na outra metade (metade do baixo). O solo podia também situarse na metade esquerda, como baixo, sendo então o acompanhamento feito na direita. Note-se, porém, que o carácter solístico podia eventualmente transitar de uma metade para a outra, na mesma peça; e que podia diferenciar-se mais do que um solo, simultaneamente. Tem sido observado que os organistas portugueses preferiram talvez o meio-registo com duas partes solistas, em vez de uma, por um certo conservadorismo, que os terá mantido de algum modo fiéis à grande tradição polifónica. Por outro lado, e não só com relação a compositores barrocos portugueses porque também no que respeita a espanhóis, falar de um carácter acórdico de acompanhamento não deve induzir no erro de supor que este deixou de ser estruturalmente constituído por sobreposições de :, linhas melódicas, na maior parte dos casos duas ou três. Neste contexto, a passagem do polifónico ao harmónico não se fez aos saltos. De qualquer modo, a tendência concretizou-se paralelamente à história da música europeia, em função, como não podia deixar de ser, da concreta realidade sociocultural e política da Península Ibérica. Portanto, não só o referido pendor para texturas de melodia com acompanhamento harmónico, mas também para o virtuosístico, ornamental, o contrastado, o espectacular. A tudo isto veio a servir a brilhante evolução peninsular do meio-registo ao longo do século XVII e um pouco ainda pelo XVIII adentro. E, com alardes de maior sensacionalismo ainda, o género

que dá pelo nome de *batalha*. As imagens musicais de pelejas não devem ter tido origem ibérica. Uma das mais antigas é *_A la bataglia*, de Heinrich Isaac, do ano de 1487. Em França, Janequin será quem maior êxito alcança, provocando uma febre de imitações também noutros países. Nessas fases essencialmente vocais -- onde não faltam os meios puramente fonéticos, as onamatopeias, as incisões rítmicas de notas repetidas -- parece terem sido raros os passos em que as vozes se calassem para se ouvirem só instrumentos. O descritivismo bélico transmitiu-se à Península Ibérica. A sua assimilação na esfera da música de órgão espanhola deu-se provavelmente com mediação das ensaladas, que floresceram no século XVI como miscelâneas vocais ou vocalinstrumentais muito adequadas a representações histriónicas (recorde-se Gil Vicente). As ensaladas foram, em grande parte, concebidas como música de natividade e como fantasias em torno da ideia da luta do Bem contra o Mal. Como se sabe, era típica, por certo que especialmente apreciada, a mistura das mais diferentes línguas ou dialectos. Não podia no entanto ser este um traço dominante da adaptação das ensaladas à arte organística peninsular. Adaptação para a qual vêm a contribuir muito eficazmente o meio-registo e a trombetaria horizontal (registos de palheta ditos "*en chamade*" ou, em terminologia alemã, de "*spanische Trompete*") A *batalha* organística ibérica surgiu provavelmente na transição do século XVI para o XVII. Entre as mais antigas obras com elementos constitutivos de batalha organística, apontam-se duas composições de Arauxo e uma ensalada de Aguilera de Heredia. E entre os autores portugueses que cultivaram o género, Pedro de Araújo, António Correa Braga e Diogo da Conceição. Gerhard Doderer distingue uma *_Batalha de 6.o Tom* do grande Pedro de Araújo, quanto a conteúdo musical, ponderação das proporções e impressão sonora, como a mais notável peça do género, de autoria portuguesa. Nesta batalha há citações da *chanson* de Janequim, *_La guerre*. Como trechos de contraste e de sonoroso efeito por excelência, as batalhas causavam no ouvinte genérico, não particularmente sabedor de artes e especulações musicais, um agrado feito de excitação e espanto que não podia merecer o incondicional apoio da Igreja. O contraste não era obtido apenas em termos de intensidade acústica. Em regra, os menores graus desta associam-se a uma escrita polifónica imitativa, muitas vezes fugada, em movimentos não incisivos. Tais secções, executadas com registos principais, alternam com outras, as mais caracterizantes, de um verticalismo homófono e um volume sonoro tendentes ao estrepitoso, com o indispensável concurso :, de acentuações rítmicas e dos já referidos registos da trombetaria horizontal. Entre as várias tomadas de posição eclesiásticas contra as práticas musicais que causavam alarido nos templos, algumas houve em sessões do Concílio de Trento. Mas na Península Ibérica e pelo menos no que respeita às ensaladas e às batalhas, a adesão tornou-se demasiada por parte da maioria dos fiéis, e até de figuras graúdas do clero e da nobreza, para que tais vivências acabassem de facto, antes do que poderá chamar-se a sua morte natural, no dealbar do italianizante século XVIII. Para essa vitalidade concorreu sem dúvida a adequação do tipo de órgãos característico do Seiscentos peninsular. Ainda dentro do capítulo dos instrumentos de tecla, há finalmente que considerar o cravo, cuja expansão quantitativa, em Portugal, não sofre comparação com a do clavicórdio, não chegando por outro lado o seu maior prestígio sociocultural a ombrear com o do órgão. Pelo seu elevado custo resultante já dos mecanismos indispensáveis, já dos materiais de construção, nomeadamente as madeiras, que se queriam das melhores, inclusive as mais preciosas vindas do ultramar, o cravo, ao contrário do económico clavicórdio, serviu a bem dizer só à corte e à aristocracia.

Segundo parece, os cravos ibéricos do barroco eram, em grande parte, cópias de modelos estrangeiros, quando não exemplares importados. As cópias deixavam muitas vezes a desejar, mormente pelo insatisfatório dos registos. Mesmo assim, as maiores virtualidades em relação ao clavicórdio, quanto a riqueza, amplitude e brilho das sonoridades, desenvolvimento da virtuosidade mecânica e partido estéticoestilístico da ornamentação, permitiam a assimilação, e até valorização específica, da maior parte da música principalmente destinada ao órgão. Aquelas limitações de ordem sociológica e de tendência bem elitista, num país onde, no período em referência, nem a aristocracia nem a burguesia mais endinheirada se mostrou muito propensa a cultivar a melhor música nas suas residências, tornam improvável uma influência decisiva do cravo na caracterização da composição musical portuguesa. Inversamente, e também em relação aos séculos XVI, XVII e princípio do XVIII, não terão sido estimulações criativas, da parte dos compositores, que terão levado a aperfeiçoamentos dos mecanismos de cravos locais. Nada disto impede que ao longo de Setecentos, em Portugal como em todos os centros culturais europeus ou de feição europeia, o cravo se tenha tornado soberano entre os instrumentos musicais para uso mundano, até vir a ser desfeiteado pelo pianoforte. A propósito, seja permitido antecipar que já em 1760, foi fabricado em Lisboa um piano de martelos, com a mecânica de Stein. Nessa e nas subsequentes décadas do século produziram-se muitos mais instrumentos semelhantes ou afins. Passando aos instrumentos de corda dedilhada, cabe acentuar a importância que a harpa revestiu em Portugal, onde não foram raras as referências a músicos da era barroca que se distinguiram como seus executantes ("Fr. Francisco de Santa Maria, compositor engenhoso, insigne cantor e harpista, Fr. Jacinto do Sacramento [...] não é menos venerado pelos :, instrumentos da harpa e órgão, em que é destríssimo tangedor, _p.es Fr. Manuel do Sacramento [...] e Fr. António da Estrela [...], por serem dos maiores homens que viu Portugal no instrumento da harpa, Fr. André da Costa [...], singular na música, insigne à harpa, capelão e harpista da Capela Real", etc.) (159). Bastaria a referência explícita à harpa como um dos instrumentos em que podiam ser tangidos trechos das *_Flores de música*, de Manuel Rodrigues Coelho, para ter que se admitir como certa alguma estimulante influência de caracteres e técnicas de execução específicas, exercida na criação de música da melhor de todos os tempos, de autoria portuguesa. Não pode levar-se longe de mais este relacionamento, já que se não tratava tanto de corresponder a solicitações precisas desses caracteres e técnicas como de utilitariamente viabilizar um meio que era provável encontrar-se à mão dos consumidores da colectânea. Entendeu-se que, de contrário, podia ser substituído por outro. Registe-se que uma das funções da harpa, ainda que não exclusivamente dela, a que então se chamava de *guião*, era a de baixo contínuo (ou, pelo menos, *seguente*), que, por toda a parte, tanto marcou, relacionando-as entre si, diversas manifestações musicais de estilo barroco. Do que, a este respeito, faz de *vihuela* um caso diferente, falam sobretudo os livros peninsulares que lhe foram principalmente dedicados -- no século XVI nada menos do que sete. Do ponto de vista português, e até por não o ser nenhum dos responsáveis por esses livros nem por quaisquer outros congéneres chegados até nós, têm que ser significativos os factos de um deles, Luis Milán, ter escrito para D. João III a dedicatória do seu *_El maestro*, com as conhecidas eloquentes referências à musicalidade lusa, e de outro deles, Miguel de Fuenllana, autor da *_Orphenica lyra*, ter estado, uns vinte anos depois da publicação desta, ao serviço de D. Sebastião. Só que, infelizmente, nem essas publicações nos fornecem provas palpáveis -- isto é, peças musicais legíveis, audíveis e de autoria bem identificada -- do que terá sido a efectiva parte portuguesa na contribuição da literatura vihuelística para o

património musical europeu. Contribuição que pode ter sido considerável a títulos tão importantes e ricos de implicações históricas como, desde logo, a valorização de potenciais técnicos e expressivos do instrumento, a caracterização e tendência evolutiva de formas como as fantasias e tento dedilhados, da pavana e da galharda, da glosa e da diferença; e ainda, não menos relevante, o significado de muitas das obras vihuelísticas com canto, como precoces exemplos de já bem definida melodia acompanhada. Algo do que ficou dito é aplicável, *mutatis mutantis*, a outros instrumentos de corda dedilhada que, na terminologia portuguesa do tempo, também eram compreendidas na designação genérica de *violas de mão*. Quanto a instrumentos de arco, os que importa aqui trazer são as violas de gamba e as violas de braço. Em Portugal, as primeiras foram muito praticadas, para fins religiosos e profanos. A música nelas tocada, por profissionais ou amadores, podia ser de carácter solístico, estruturada como melodia acompanhada, ou então marcadamente polifónica, mais ou menos imitativa, consistindo muitas vezes em transcrições para um conjunto de instrumentos da mesma família, mas de tessituras diferentes, correspondendo :, às das vozes humanas cantantes, de composições originalmente vocais. Segundo parece, a viola de braço era considerada menos conveniente ao destaque solístico. As suas funções normais devem ter sido de integração em agrupamentos. Note-se que o violino não descende propriamente deste instrumento, não obstante as parecenças físicas. Embora já fosse provavelmente conhecido no Portugal de fins de Quinhentos, ele não pode ter ganho tão cedo o direito de ser contado no instrumento representativo das tradições musicais do país. A notoriedade que hoje tem como instrumento de eleição, quer solista quer de conjunto, resultou de um processo evolutivo relativamente longo, cujos impulsos decisivos se deram mais tarde, nos séculos XVIII e XIX. Tão-pouco neste capítulo dos arcos se torna possível documentar plenamente, mediante uma amostragem válida, o que foi a respectiva música portuguesa, composta nos períodos maneirista e barroco. Em boa verdade, não dispomos de amostragem alguma, posta a condição de só valer música especificamente destinada à execução em violas de gamba ou de braço. Mais uma vez, convém insistir em que, nesses tempos, tais especificidades não eram da regra, salvo em caso de destino a determinados instrumentos de características complexas e refinadamente individuais, nomeadamente grandes órgãos e cravos. Quanto a instrumentos de sopro, desde cedo, em plena Idade Média, que eles entraram na música instrumental peninsular. A partir do início do século XVI, pode mesmo dizer-se que se verificou em Espanha e Portugal uma espécie de culto tímbrico da música de sopro, envolvendo tanto instrumentos de metal como de madeira. Em meados do século deu-se ainda um incremento dessas práticas em todas as catedrais espanholas. Esse movimento de interesse, que chegou a pontos de hegemonia, alastrou a praticamente toda a Península e não se limitou, de forma alguma a sés, capelas reais e conventos, pois que se desenvolveu também em ambientes profanos, fosse na corte fosse em residências da nobreza ou de burgueses mais abastados, fosse ainda ao nível da representação municipal. Música que podia soar com estrépito, como costumava ser a de trombetas cornetos, de charamelas, de sacabuxas; ou com a brandura própria das flautas doces, de bisel, ou das cornemusas, com seus sombreados de palheta dupla, ou de muitos outros instrumentos cuja variedade causa espanto. Por outro lado, a execução podia ser de conjunto ou marcadamente solística, não raro atingindo foros de virtuosidade individual. Este aspecto tem curiosamente que ver com o que acima se disse, sobre o meio-registo. Os tão apreciados solos com acompanhamento de órgão e eventualmente de outros instrumentos vieram, com efeito, a ser afectados pelo referido artifício da quebra do teclado do órgão em duas metades, timbricamente bem diferenciadas, artifício que, como vimos, propiciava a ilusão de se estar ouvindo solos,

nomeadamente de sopro, com acompanhamento. Instrumentistas peninsulares dessas últimas décadas do século XVI e princípios de XVII devem ter-se sentido prejudicados com tais progressos técnicos, um pouco como os seus colegas novecentistas, confrontados com o surgimento do disco e com o fim do cinema mudo. :, _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _sexto _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8

2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo _v (cont.) Instrumentos e execução instrumental (151) A importância que revestiu a execução instrumental nos séculos XVI, XVII e XVIII obriga a referências um pouco mais desenvolvidas. Importância resultante de múltiplos factores, alguns dos quais vindos de fora, a começar pelo apuramento na construção de instrumentos musicais que se verificou em muitos centros europeus do Renascimento. A base da formação musical continuou a ser o canto. Sobre ela se iniciavam os jovens aprendizes, nomeadamente os rapazes que, depois ou mesmo antes da mudança da voz, não mostravam aptidões de cantar. O trânsito para os domínios instrumentais fazia-se normalmente pelo clavicórdio, ou manicórdio, como então era costume chamar-lhe (152). Isto, sobretudo quando -- e era sempre o caso nas esferas eclesiásticas -- interessava sobremaneira formar organistas. Antes do mais, o clavicórdio servia de degrau para o órgão, instrumento-rei (153). Com o órgão e o clavicórdio, o virginal ou cravo de um só teclado foi o instrumento de tecla mais difundido na Península Ibérica de Quinhentos e Seiscentos. Há notícia segura de que se construíram clavicórdios na Península desde pelo menos o século XV, com matérias-primas locais (por exemplo, madeiras do Norte de Portugal ou da Serra da Estrela). Do além-mar sul-americano e oriental vieram madeiras de suprema qualidade, de aplicação restrita por causa do seu custo, mais para fabrico de cravos. De muito menores pretensões, os clavicórdios eram instrumentos baratos, cuja importação do estrangeiro nunca se tornou necessária em Espanha e em Portugal, nem mesmo nas piores crises económicas do século XVII, porque não faltava quem os soubesse fabricar, sem necessidade tão-pouco de mandar vir de longe qualquer dos materiais essenciais. Os clavicórdios portugueses eram geralmente modestos no tamanho, no faltarem-lhe dispositivos que se encontram em congéneres seus fabricados noutros pontos da Europa coetânea, ou no dispensarem pinturas figurativas ou vistosamente ornamentais. Eram instrumentos ligados, ou seja, duas, três ou mais teclas faziam accionar o mecanismo sobre a mesma corda ou par de cordas. Segundo parece, não só em Portugal como em Espanha os clavicórdios totalmente desligados, em relação biunívoca de teclas e cordas (ou pares de cordas produzindo sons idênticos) foram relativamente raros, já por motivos de preço e poder de compra, já para redução de volume e vantagens de portabilidade. A preparação técnica de organistas não era utilidade única do clavicórdio, longe disso. As sonoridades e cambiantes do brando instrumento eram idealmente propícias a recreios músicos da mais recolhida intimidade. Não :, admira que os clavicórdios portugueses fossem feitos de modo a produzir vibrações suavíssimas e delicadamente

diferenciáveis, para toda a valorização da música expressiva a que se destinavam. A preponderância sociológica do clavicórdio veio a ser afectada pela ascensão do cravo e, mais tarde, pela do piano. A última construção dum clavicórdio em Portugal de que há notícia é, porém, tardia. Remete-nos para Braga, ano de 1841. Por sua própria natureza, o órgão é um instrumento mais complexo e de potenciais incomparavelmente maiores. Documentada a sua existência na Península desde o século VII (154), o desenvolvimento, em Portugal, do seu papel em cerimónias religiosas começou por se dar em dioceses de vulto, como as de Braga, Coimbra e Évora, bem como noutros focos de cultura eclesiástica portuguesa, como a abadia de Alcobaça, onde parece ter sido facto desde o século XIII. Relativamente a Coimbra, conhece-se referência a um mestre dos órgãos, em função no ano de 1337. No Quatrocentos, as alusões a órgãos e organistas tornam-se menos escassas. Não chegou até nós exemplar algum de órgãos portugueses desses tempos. O mais provável é que se tratasse de positivos ou portativos, aqueles para serem postos aqui ou acolá, com facilidade de transferência de uma para outra superfície de apoio, estes ainda mais transportáveis especialmente úteis para procissões e outras festividades deambulantes, religiosas ou profanas (155). No século XVI cresceu o número de igrejas de pequenas cidades e vilas dotadas de órgão. O construtor e executante podia ser uma e a mesma pessoa, como foi por exemplo o caso dum Lopo Gonçalves em Castelo de Vide, no primeiro quartel do século. São, porém, da segunda metade deste os mais antigos órgãos instalados em terras portuguesas que sobreviveram até hoje. Podem ser vistos e, na medida em que tiverem sido bem restaurados, ouvidos na Sé de Évora e na antiga igreja conventual de Santa Cruz de Coimbra. A autoria do primeiro não se conhece, presumindo-se que a caixa e, parcelarmente, os tubos datem de 1562; a dos dois órgãos quinhentistas de Santa Cruz, um dos quais sofreu muito menos alterações do que o outro, é de Heitor Lobo. As gravíssimas crises económicas que o país sofreu no século XVII fizeram declinar a construção e, provavelmente, até a reparação de órgãos. Vem a propósito observar que, mesmo em períodos de menor penúria, era frequente que instrumentos velhos, ou parte deles ("canos", "fábrica") servissem de moeda para pagamento de organeiros adjudicatários de novas encomendas. Estas voltaram a ser numerosas no século XVIII. O auge da construção portuguesa de órgãos tem a marca do barroco, não lhe faltando o efeito visual espectacular, ainda que sem atingir as dimensões dos mais opulentos exemplares espanhóis de estilo afim, nem as dos grandes órgãos da Europa setentrional. Este aspecto óptico, relacionável com certas particularidades acústicas também de implicação estilística, envolve uma plêiade quantitativa e qualitativamente notável de artistas e artífices activos em diferentes regiões do país, alguns dos quais autênticos virtuosos da entalhadura. Esta veio a propiciar um ornamentalismo ainda mais impressivo em termos de :, rococó, até que, já na transição para Oitocentos, este foi cedendo lugar a sobriedades neoclássicas (156). Os caracteres acústicos merecem aqui particular atenção, não tanto para que consigamos imaginar a realidade sonora das execuções, tal como ecoaram naqueles tempos, como para nos irmos dando conta de inevitáveis influências na composição musical organística. Em Portugal, a regra foi nem mesmo os órgãos maiores compreenderem um positivo colocado em galeria, atrás do organista, como era uso noutros países. Como excepções apontam-se exemplares de Santa Cruz de Coimbra e da Sé de Braga. Note-se que o que muitas vezes acontecia era a adjunção dum positivo falso, isto é, mudo, pois que instrumento musical só tinha a aparência visível. Isto não significa que os órgãos positivos não conhecessem um considerável desenvolvimento em Portugal, sem vinculação obrigada a um órgão maior, fixo, ainda que também sempre, ou quase sempre, ao serviço da Igreja. Positivos de excelente

qualidade, com cheios de considerável efeito sonoro, foram construídos para igrejas sem capacidade de encomenda dum grande órgão. Em desvantajoso contraste com os seus colegas contemporâneos de além-_Pirenéus, os organistas portugueses e espanhóis dos períodos em referência tiveram que dar conta dos seus recados mediante instrumentos de um só manual e sem pedaleira. Em boa verdade, limitação análoga pôs-se temporariamente noutras regiões europeias, designadamente em Itália. Mas também neste importante capítulo a regra teve excepções, em ambas as penínsulas. É evidente que a disposição de um só manual e a inexistência de pedaleira tornavam mais difícil a diferenciação de linhas polifónicas, do mesmo passo que faziam falta ao processo de evolução para texturas de melodias com acompanhamento harmónico. A primeira menção dum pedal, em França, parece ter sido a feita na Catedral de Troyes, em 1432. Mas só há a certeza de efectivo uso de pedaleira em música de órgão a partir de uns prelúdios do frade Adam Ileborgh, reitor de Sthendal em 1448. O teclado não obedecia normalmente a nenhum padrão universal. Já sem falar de largura e calado das teclas, era variável o número destas e podia haver lacunas tão voluntárias quanto funcionais entre elas. Era o caso da *oitava curta*, solução engenhosa de um problema de espaço e de custo, resultante da conveniência prática de introduzir no teclado do órgão ou de outros instrumentos notas abaixo da tradicionalmente mais grave, sem absoluta necessidade (também de ordem prática) de meter de permeio todas as notas intermédias. Nesse sistema, por exemplo, a tecla adjacente, à esquerda, da do *fá* mais grave podia ser não o *mi*, senão que o *dó* uma quarta perfeita abaixo. Seria errado inferir um atraso permanente em relação ao estrangeiro, no que respeita quer à construção quer à execução musical. Segundo Gerhard Doderer (157), os três referidos instrumentos quinhentistas de Coimbra e Évora atestam que órgãos e música organística estavam então a um alto nível, ombreando com o de outros países. Que dos executantes se exigia toda a competência indica-o o facto de em diversas terras portuguesas a nomeação de candidatos haver dependido de exame por algum organista da corte régia. :, Relevantíssima, não só para a execução como para a dimensionalidade da composição, era a questão dos registos disponíveis. Isto é, dos caracteres tímbricos efectivamente definíveis em cada instrumento, e das suas combinações possíveis. Diz-nos a investigação especializada que, durante grande parte do espaço de tempo em referência, catorze a quinze registos deveriam constituir o máximo, mesmo assim bastante acima duma normalidade de seis a dez, da família principal, como vimos sem pedaleira nem nada que se parecesse. Também até relativamente tarde, parece não ter havido dispositivos divisores do teclado em função de diferentes registos. Talvez por isto mesmo se não conhecem hoje peças portuguesas ou que tenham certamente sido executadas em Portugal antes de meados do século XVII, para meio-registo. Antes de voltarmos a este assunto, registamos que, provavelmente pelo muito que na Península se apreciou a execução de instrumentos de sopro, as imitações destes vieram a informar acentuadamente a registação organística hispânica. Tudo indica ter sido no século XVII que se deu a fixação, com certa latitude, de um tipo de órgão ibérico, que se projecta no século XVIII. Características são as baterias de trombetas. Em Portugal não devem ter sido menos apreciadas do que no país vizinho. De um documento de 1721, relativo ao órgão da Igreja da Misericórdia de Viana do Castelo: "Em quanto a registos de palhetaria, por outro nome, trombetas, são muito boas e estrondosas e para ornato da vista, e não há dificuldade alguma o fazerem-se até 8 variedades delas, porém, não tenho visto nestes órgãos modernos que sustente afinação, e nem todos os organistas têm capacidade para as afinar; antes pelo contrário estes que agora se usam armados

como artilharia desafinam-se mais por estarem ao ar." Não será de mais insistir na grande medida em que os parâmetros da construção de órgãos estimularam e condicionaram a composição criativa. Santiago Kastner sublinhou que já a simples duração das peças era função dos instrumentos (158). Só em começos do século XVII, portanto com um Rodrigues Coelho na força da vida, com o aumento da virtuosidade a coincidir com o fabrico de órgãos mais opulentos de jogos e dotados dum sistema de foles menos cansativo, a extensão do tento se dilatou significativamente. Convém todavia não menosprezar a relação em sentido oposto. A produção propriamente musical, isto é, compositiva, também estimulou o mister de organeiro, a ponto de legitimar por certo a afirmação da escola de órgão nortenha da segunda metade do século XVII, de que Pedro de Araújo foi figura central, ter exercido acção decisiva para a composição organística e construção de órgãos em Portugal. A relação de causa-efeito é estrutural, entre os dois termos. Ela não se processou num só sentido, senão em ambos, possivelmente em simultaneidade. Estruturais foram também por certo os jogos entre o espiritual e o material, num e noutro termo do dialéctico binómio. Para melhor ilustração da temática, tornemos ao meio-registo e relacionemo-lo com as famosas *batalhas*. Já aqui foi dado a entender que, provavelmente lançado algures dentro dos últimos trinta anos de Quinhentos, o meio-registo tem a ver com uma espécie de fractura do teclado em duas :, metades (com a fronteira geralmente entre o dó central e o dó sustenido adjacente), metades que podiam pôr em acção registos nitidamente diferentes entre si. Os *meios-registos* eram composições musicais de um novo tipo, marcado por aquela fractura tímbrica da escala dos sons correspondentes a todas as teclas do instrumento. A primeira notícia que hoje se conhece de um órgão com tal artifício localiza-o na Igreja de Santa Cruz, de Saragoça, em 1567. O curioso é que, num manuscrito musical relativo a Santa Cruz de Coimbra, elaborado uns sete ou oito anos antes, existe um documento com a primeira designação de *meio-registo* da história da música organística ibérica. Trata-se de um curto fragmento, vinte e um compassos apenas, de um "*_Tento de meyo registo, outavo tom natural", a três vozes, de Dom Gabriel da Anunciação (m. 1603). Parece assim que, nas margens do Mondego, uma dúzia de anos antes da publicação de *_Os Lusíadas*, se praticava já essa modalidade recentíssima, se é que não ali mesmo concebida pela primeira vez, no seio dos crúzios, a menos que se trate de apontamento ulterior, só mais tarde inserido no manuscrito. E estranho que se não conheça qualquer meio-registo português da primeira metade do século XVIII, inclusive das *_Flores de música*, de Rodrigues Coelho. Tanto mais que o registo partido com certeza deu brado enquanto novidade. O sevilhano Arauxo referiu-se-lhe como "*célebre invencion y muy versada en los Reynos de Castilha*". Quanto a partições tímbricas dos teclados praticados no século XVI e XVII na França, Alemanha, Países Baixos, Itália, não se lhes atribui importância comparável à das hispano-portuguesas, das quais provavelmente derivaram. No presente contexto, interessa sobretudo salientar que esse dispositivo veio ao encontro de problemas práticos de execução musical da época e de grandes vectores do momento histórico. Dispor de quem tangesse instrumentos ou individualmente cantasse, para solos com acompanhamento de órgão, podia tornar-se difícil ou mesmo impossível. Executar os trechos só ao órgão, em registos inteiros, não produzia o mesmo efeito de aprazível diferenciação. O registo partido viabilizou a obtenção de efeitos muito parecidos, quantas vezes de maior impacto pelo que então tinha de surpreendente e produzidos pela só pessoa do organista. O correspondente ao solo podia ser a linha melódica mais aguda (tiple), tocada na metade direita do teclado (metade do discante), sendo então o acompanhamento, de feição mais ou menos

acórdica, executado na outra metade (metade do baixo). O solo podia também situarse na metade esquerda, como baixo, sendo então o acompanhamento feito na direita. Note-se, porém, que o carácter solístico podia eventualmente transitar de uma metade para a outra, na mesma peça; e que podia diferenciar-se mais do que um solo, simultaneamente. Tem sido observado que os organistas portugueses preferiram talvez o meio-registo com duas partes solistas, em vez de uma, por um certo conservadorismo, que os terá mantido de algum modo fiéis à grande tradição polifónica. Por outro lado, e não só com relação a compositores barrocos portugueses porque também no que respeita a espanhóis, falar de um carácter acórdico de acompanhamento não deve induzir no erro de supor que este deixou de ser estruturalmente constituído por sobreposições de :, linhas melódicas, na maior parte dos casos duas ou três. Neste contexto, a passagem do polifónico ao harmónico não se fez aos saltos. De qualquer modo, a tendência concretizou-se paralelamente à história da música europeia, em função, como não podia deixar de ser, da concreta realidade sociocultural e política da Península Ibérica. Portanto, não só o referido pendor para texturas de melodia com acompanhamento harmónico, mas também para o virtuosístico, ornamental, o contrastado, o espectacular. A tudo isto veio a servir a brilhante evolução peninsular do meio-registo ao longo do século XVII e um pouco ainda pelo XVIII adentro. E, com alardes de maior sensacionalismo ainda, o género que dá pelo nome de *batalha*. As imagens musicais de pelejas não devem ter tido origem ibérica. Uma das mais antigas é *_A la bataglia*, de Heinrich Isaac, do ano de 1487. Em França, Janequin será quem maior êxito alcança, provocando uma febre de imitações também noutros países. Nessas fases essencialmente vocais -- onde não faltam os meios puramente fonéticos, as onamatopeias, as incisões rítmicas de notas repetidas -- parece terem sido raros os passos em que as vozes se calassem para se ouvirem só instrumentos. O descritivismo bélico transmitiu-se à Península Ibérica. A sua assimilação na esfera da música de órgão espanhola deu-se provavelmente com mediação das ensaladas, que floresceram no século XVI como miscelâneas vocais ou vocalinstrumentais muito adequadas a representações histriónicas (recorde-se Gil Vicente). As ensaladas foram, em grande parte, concebidas como música de natividade e como fantasias em torno da ideia da luta do Bem contra o Mal. Como se sabe, era típica, por certo que especialmente apreciada, a mistura das mais diferentes línguas ou dialectos. Não podia no entanto ser este um traço dominante da adaptação das ensaladas à arte organística peninsular. Adaptação para a qual vêm a contribuir muito eficazmente o meio-registo e a trombetaria horizontal (registos de palheta ditos "*en chamade*" ou, em terminologia alemã, de "*spanische Trompete*") A *batalha* organística ibérica surgiu provavelmente na transição do século XVI para o XVII. Entre as mais antigas obras com elementos constitutivos de batalha organística, apontam-se duas composições de Arauxo e uma ensalada de Aguilera de Heredia. E entre os autores portugueses que cultivaram o género, Pedro de Araújo, António Correa Braga e Diogo da Conceição. Gerhard Doderer distingue uma *_Batalha de 6.o Tom* do grande Pedro de Araújo, quanto a conteúdo musical, ponderação das proporções e impressão sonora, como a mais notável peça do género, de autoria portuguesa. Nesta batalha há citações da *chanson* de Janequim, *_La guerre*. Como trechos de contraste e de sonoroso efeito por excelência, as batalhas causavam no ouvinte genérico, não particularmente sabedor de artes e especulações musicais, um agrado feito de excitação e espanto que não podia merecer o incondicional apoio da Igreja. O contraste não era obtido apenas em termos de intensidade acústica. Em regra, os menores graus desta associam-se a uma escrita polifónica imitativa, muitas vezes fugada, em movimentos não incisivos. Tais secções, executadas com

registos principais, alternam com outras, as mais caracterizantes, de um verticalismo homófono e um volume sonoro tendentes ao estrepitoso, com o indispensável concurso :, de acentuações rítmicas e dos já referidos registos da trombetaria horizontal. Entre as várias tomadas de posição eclesiásticas contra as práticas musicais que causavam alarido nos templos, algumas houve em sessões do Concílio de Trento. Mas na Península Ibérica e pelo menos no que respeita às ensaladas e às batalhas, a adesão tornou-se demasiada por parte da maioria dos fiéis, e até de figuras graúdas do clero e da nobreza, para que tais vivências acabassem de facto, antes do que poderá chamar-se a sua morte natural, no dealbar do italianizante século XVIII. Para essa vitalidade concorreu sem dúvida a adequação do tipo de órgãos característico do Seiscentos peninsular. Ainda dentro do capítulo dos instrumentos de tecla, há finalmente que considerar o cravo, cuja expansão quantitativa, em Portugal, não sofre comparação com a do clavicórdio, não chegando por outro lado o seu maior prestígio sociocultural a ombrear com o do órgão. Pelo seu elevado custo resultante já dos mecanismos indispensáveis, já dos materiais de construção, nomeadamente as madeiras, que se queriam das melhores, inclusive as mais preciosas vindas do ultramar, o cravo, ao contrário do económico clavicórdio, serviu a bem dizer só à corte e à aristocracia. Segundo parece, os cravos ibéricos do barroco eram, em grande parte, cópias de modelos estrangeiros, quando não exemplares importados. As cópias deixavam muitas vezes a desejar, mormente pelo insatisfatório dos registos. Mesmo assim, as maiores virtualidades em relação ao clavicórdio, quanto a riqueza, amplitude e brilho das sonoridades, desenvolvimento da virtuosidade mecânica e partido estéticoestilístico da ornamentação, permitiam a assimilação, e até valorização específica, da maior parte da música principalmente destinada ao órgão. Aquelas limitações de ordem sociológica e de tendência bem elitista, num país onde, no período em referência, nem a aristocracia nem a burguesia mais endinheirada se mostrou muito propensa a cultivar a melhor música nas suas residências, tornam improvável uma influência decisiva do cravo na caracterização da composição musical portuguesa. Inversamente, e também em relação aos séculos XVI, XVII e princípio do XVIII, não terão sido estimulações criativas, da parte dos compositores, que terão levado a aperfeiçoamentos dos mecanismos de cravos locais. Nada disto impede que ao longo de Setecentos, em Portugal como em todos os centros culturais europeus ou de feição europeia, o cravo se tenha tornado soberano entre os instrumentos musicais para uso mundano, até vir a ser desfeiteado pelo pianoforte. A propósito, seja permitido antecipar que já em 1760, foi fabricado em Lisboa um piano de martelos, com a mecânica de Stein. Nessa e nas subsequentes décadas do século produziram-se muitos mais instrumentos semelhantes ou afins. Passando aos instrumentos de corda dedilhada, cabe acentuar a importância que a harpa revestiu em Portugal, onde não foram raras as referências a músicos da era barroca que se distinguiram como seus executantes ("Fr. Francisco de Santa Maria, compositor engenhoso, insigne cantor e harpista, Fr. Jacinto do Sacramento [...] não é menos venerado pelos :, instrumentos da harpa e órgão, em que é destríssimo tangedor, _p.es Fr. Manuel do Sacramento [...] e Fr. António da Estrela [...], por serem dos maiores homens que viu Portugal no instrumento da harpa, Fr. André da Costa [...], singular na música, insigne à harpa, capelão e harpista da Capela Real", etc.) (159). Bastaria a referência explícita à harpa como um dos tangidos trechos das *_Flores de música*, de Manuel se admitir como certa alguma estimulante influência execução específicas, exercida na criação de música

instrumentos em que podiam ser Rodrigues Coelho, para ter que de caracteres e técnicas de da melhor de todos os tempos,

de autoria portuguesa. Não pode levar-se longe de mais este relacionamento, já que se não tratava tanto de corresponder a solicitações precisas desses caracteres e técnicas como de utilitariamente viabilizar um meio que era provável encontrar-se à mão dos consumidores da colectânea. Entendeu-se que, de contrário, podia ser substituído por outro. Registe-se que uma das funções da harpa, ainda que não exclusivamente dela, a que então se chamava de *guião*, era a de baixo contínuo (ou, pelo menos, *seguente*), que, por toda a parte, tanto marcou, relacionando-as entre si, diversas manifestações musicais de estilo barroco. Do que, a este respeito, faz de *vihuela* um caso diferente, falam sobretudo os livros peninsulares que lhe foram principalmente dedicados -- no século XVI nada menos do que sete. Do ponto de vista português, e até por não o ser nenhum dos responsáveis por esses livros nem por quaisquer outros congéneres chegados até nós, têm que ser significativos os factos de um deles, Luis Milán, ter escrito para D. João III a dedicatória do seu *_El maestro*, com as conhecidas eloquentes referências à musicalidade lusa, e de outro deles, Miguel de Fuenllana, autor da *_Orphenica lyra*, ter estado, uns vinte anos depois da publicação desta, ao serviço de D. Sebastião. Só que, infelizmente, nem essas publicações nos fornecem provas palpáveis -- isto é, peças musicais legíveis, audíveis e de autoria bem identificada -- do que terá sido a efectiva parte portuguesa na contribuição da literatura vihuelística para o património musical europeu. Contribuição que pode ter sido considerável a títulos tão importantes e ricos de implicações históricas como, desde logo, a valorização de potenciais técnicos e expressivos do instrumento, a caracterização e tendência evolutiva de formas como as fantasias e tento dedilhados, da pavana e da galharda, da glosa e da diferença; e ainda, não menos relevante, o significado de muitas das obras vihuelísticas com canto, como precoces exemplos de já bem definida melodia acompanhada. Algo do que ficou dito é aplicável, *mutatis mutantis*, a outros instrumentos de corda dedilhada que, na terminologia portuguesa do tempo, também eram compreendidas na designação genérica de *violas de mão*. Quanto a instrumentos de arco, os que importa aqui trazer são as violas de gamba e as violas de braço. Em Portugal, as primeiras foram muito praticadas, para fins religiosos e profanos. A música nelas tocada, por profissionais ou amadores, podia ser de carácter solístico, estruturada como melodia acompanhada, ou então marcadamente polifónica, mais ou menos imitativa, consistindo muitas vezes em transcrições para um conjunto de instrumentos da mesma família, mas de tessituras diferentes, correspondendo :, às das vozes humanas cantantes, de composições originalmente vocais. Segundo parece, a viola de braço era considerada menos conveniente ao destaque solístico. As suas funções normais devem ter sido de integração em agrupamentos. Note-se que o violino não descende propriamente deste instrumento, não obstante as parecenças físicas. Embora já fosse provavelmente conhecido no Portugal de fins de Quinhentos, ele não pode ter ganho tão cedo o direito de ser contado no instrumento representativo das tradições musicais do país. A notoriedade que hoje tem como instrumento de eleição, quer solista quer de conjunto, resultou de um processo evolutivo relativamente longo, cujos impulsos decisivos se deram mais tarde, nos séculos XVIII e XIX. Tão-pouco neste capítulo dos arcos se torna possível documentar plenamente, mediante uma amostragem válida, o que foi a respectiva música portuguesa, composta nos períodos maneirista e barroco. Em boa verdade, não dispomos de amostragem alguma, posta a condição de só valer música especificamente destinada à execução em violas de gamba ou de braço. Mais uma vez, convém insistir em que, nesses tempos, tais especificidades não eram da regra, salvo em caso de destino a determinados instrumentos de características complexas e refinadamente individuais, nomeadamente grandes órgãos e cravos.

Quanto a instrumentos de sopro, desde cedo, em plena Idade Média, que eles entraram na música instrumental peninsular. A partir do início do século XVI, pode mesmo dizer-se que se verificou em Espanha e Portugal uma espécie de culto tímbrico da música de sopro, envolvendo tanto instrumentos de metal como de madeira. Em meados do século deu-se ainda um incremento dessas práticas em todas as catedrais espanholas. Esse movimento de interesse, que chegou a pontos de hegemonia, alastrou a praticamente toda a Península e não se limitou, de forma alguma a sés, capelas reais e conventos, pois que se desenvolveu também em ambientes profanos, fosse na corte fosse em residências da nobreza ou de burgueses mais abastados, fosse ainda ao nível da representação municipal. Música que podia soar com estrépito, como costumava ser a de trombetas cornetos, de charamelas, de sacabuxas; ou com a brandura própria das flautas doces, de bisel, ou das cornemusas, com seus sombreados de palheta dupla, ou de muitos outros instrumentos cuja variedade causa espanto. Por outro lado, a execução podia ser de conjunto ou marcadamente solística, não raro atingindo foros de virtuosidade individual. Este aspecto tem curiosamente que ver com o que acima se disse, sobre o meio-registo. Os tão apreciados solos com acompanhamento de órgão e eventualmente de outros instrumentos vieram, com efeito, a ser afectados pelo referido artifício da quebra do teclado do órgão em duas metades, timbricamente bem diferenciadas, artifício que, como vimos, propiciava a ilusão de se estar ouvindo solos, nomeadamente de sopro, com acompanhamento. Instrumentistas peninsulares dessas últimas décadas do século XVI e princípios de XVII devem ter-se sentido prejudicados com tais progressos técnicos, um pouco como os seus colegas novecentistas, confrontados com o surgimento do disco e com o fim do cinema mudo. :, Torna a ser de lamentar a ausência de música portuguesa passada a escrito, que seguramente houvesse sido tocada por esses solistas e conjuntos. Ausência total que não deixa de ter explicação plausível e muito abonatória da competência dos tangedores, ao mesmo tempo que assimila práticas de então a algumas das da modernidade actual, mais do que à fixidez gráfica, por de mais passiva e determinista que entretanto dominou os protocolos da execução musical europeia. Ao tocarem música originalmente destinada a vozes cantantes ou a teclas, aqueles solistas e instrumentistas de conjunto não precisavam de que eles mesmos ou outros por eles tivessem previamente feito a papinha toda, isto é, a transcrição adequada aos instrumentos respectivos. Bastavam-lhes aplicar os seus próprios conhecimentos e destreza prática para, inclusivamente, fazer ouvir contrapontos, improvisações e variações que nunca chegavam a ser escritos. O que não deixa de ser grande pena, evidentemente. Antes de tirar ilações desta síntese, observemos um pouco a maneira como o instrumental de tecla, de corda e de sopro, sem exclusão por certo de alguma percussão, funcionava em sociedade, nas grandes ocasiões. As citações seguintes, vertidas em ortografia de hoje, são o relato que um padre da comitiva de D. Sebastião fez do encontro deste com Filipe II de Espanha no mosteiro de Guadalupe, no Natal de 1576. "Em 19 de Dezembro, à mesa houve dois músicos, com suas guitarras castelhanas, cantaram muito bem, os quais iam em nossa companhia, havia flautas. Sua Alteza não quis que as tangessem à missa. S. A. esteve a ela, no princípio tangeram charamelas e à oferta corneta, e ao levantar a Deus flautas e violas de arco e tangeram bem, eram de Trujillo. Em 20: aqui houve à mesa de S. A. dois castelhanos graciosos com guitarras muito bem tratadas, e muito grandes oficiais do seu oficio, e cantaram, e tangeram muito bem.

Em 23 [...] e houve mais, convém a saber Afonso da Silva que tangia o cravo, Manuel de Victória, e Alexandre de Aguiar as violas, e cantava Domingos Madeira, Egas Parlimpo e Pero Vaz e Alexandre de Aguiar os contrabaixos, e cantaram por grande espaço, e muito bem, e muitos modos de vilancicos e chacotas; e isto era na casa onde S. A. comia. E à ponta da câmara onde S. A. estava com o Duque de Alba, estava a porta aberta que ia para a sala com muita gente a ouvir a música mas com porteiros castelhanos que a tinham [...]. Em 24: Vésperas de Natal estiveram os Reis ambos às vésperas, e estiveram no coro: as vésperas foram de canto de órgão dos frades que havia muitos e destros: o Mestre da Capela que dizem que sabe muito, e outros frades contrabaixos e capados; de Toledo veio o capado afamado, e uma corneta estremada, e o tangedor Penhalonga. E de Plasencia vieram 3 capados, e um clérigo tenor bom, e o primeiro salmo salmearam à estante os frades, o segundo cantou o capado nos órgãos com o corneta e tangia o órgão Penhalonga e cantou muito bem. O 3.o salmo cantaram os frades de cantochão sem órgão muito baixo e sem canto de órgão; o 4.o e o 5.o tangeu António da Silva, cantou :, Domingos Madeira alguns versos, e outros com Alexandre de Aguiar o Corneta, e pasmaram estes senhores castelhanos e ficavam perdidos pela música portuguesa e disseram grandes coisas dela, de maneira que D. Diogo de Cordova se ia aos órgãos; a Magnificat foi muito bem cantada, houve dois ou três ternos dos capados muito bem ditos. E no órgão também houve versos para ouvir, a corneta disse um só [solo] com o órgão, Domingos Madeira outro, Alexandre de Aguiar e a Corneta outro bem dito. [...] Esta noite foram Suas Altezas às matinas que se começaram às 8 horas; em as matinas houve chançonetas entre cada lição e acabado cada nocturno houve uma comédia, ou farsa cada diferente em que entravam os capados, uns como pastores e no fim de cada um uma música, isto houve no fim de cada nocturno, e no fim dos nocturnos veio um moço com uma guitarra e cantou muitos versos em louvor dos Reis que vieram adorar dizendo que eram 3 em quantidade, mas estes eram dois maiores em qualidade, e riqueza, e que Nossa Senhora os trouxera a sua casa, e os ajuntara para nela consultar coisas para seu serviço. A missa foi cantada de canto de órgão com muitas chançonetas, e os Reis estiveram com muito gosto, e prazeres e risos a todas as horas.[...] e logo começaram a missa de canto de órgão no caro, e os órgãos e cantou-se muito contraponto: algum de alguns capados, um frade contrabaixo e o corneta; ao levantar a Deus houve uma graciosa chançoneta, etc. Em 25: Ao dia de Natal foram os Reis ouvir vésperas de S. Estevão, e foram muito bem cantadas; cantou Domingos Madeira e Alexandre de Aguiar, tangia António da Silva e a corneta da Sé de Toledo, houve singelos e Magnificat, ternos tudo muito bom. Em 26: [...] cantou-se a missa pelos mesmos frades, e cantores de Plasencia e Toledo, houve uma Aleluia, a saber o capado de Toledo o frade mestre da Capela, e outro frade contrabaixo, Alexandre de Aguiar, e foi muito bem dita, a levantar a Deus cantou Domingos Madeira a *_Ave Maria* muito bem cantada, tangeu-lhe Afonso da Sylva, etc. Em 30: [...] Ao Domingo ouviram os Reis missa ambos cantada, houve motete nos órgãos com corneta [...] Em 31: [...] Neste mesmo dia ouviram os Reis ambos vésperas solenes, e estiveram no coro: houve versos nos órgãos singelos, o capado de Toledo, e Domingos Madeira e a corneta que tangia tudo muito bem dito. Em 1 de Janeiro: Ao dia de ano bom, ouviram os Reis ambos missa na Capela mor na quartina acostumada; foi também a missa dos frades, como das outras vozes; cantou o capado de Toledo, ao órgão e tangeu a corneta que ornava muito bem e cantou a *_Ave Maria*. " (160)

Do que anteriormente vimos, conclui-se que só uma via se nos oferece para ganharmos algum conhecimento, ainda que muito parcelar e não construído por qualquer experiência vivencial autêntica, do que seria, no aspecto instrumental que aqui nos ocupa, essa "música portuguesa" pela :, qual os "senhores Castelhanos ficavam perdidos", a ponto de não poderem deixar de dizer "grandes coisas dela". Ou seja, a via da música de tecla, por ser a única suficientemente documentada por composições que chegaram até nós. Mas note-se que, pelo apontado motivo de obras dessas, bem como outras, originalmente vocais, serem comummente adaptadas a outros instrumentos, esse conhecimento não deixa de lançar alguma luz sobre execuções instrumentais que não só de tecla. Por exemplo, meios-registos e trombetarias horizontais decerto acusam parecenças com o que se ouvia quando solistas de sopro mostravam as suas habilidades. Com a importância fundamental do órgão, o papel central que este representava na música de igreja, considerando também a abundância dos clavicórdios, espalhados por onde quer que se cultivasse a arte dos sons, e sem esquecer a quota-parte do cravo, é natural que tenha surgido na Península um modelo formal de composição para tecla, com os traços do momento histórico europeu e também os da realidade hispânica a que directamente dizia respeito. Modelo, portanto, integrador de princípios de estruturação polifónica imitativa abrangendo técnicas fugadas, bem como de bases de exploração de homofonias acórdicas e de melodias acompanhadas, com abertura para desenvolvimentos virtuosístico-ornamentais e para uma grande variedade de esquemas combinatórios de semelhanças e contrastes, ou seja, de formas, em sentido estrito do termo. Um modelo não rígido, com espaço para toda uma evolução histórica em continuidade, que em Portugal deu pelo nome de *tento* e em Espanha pelo de *tiento*. Evolução que se processou efectivamente e com especial significado para a historiografia musical portuguesa. Assinalam-na, em períodos sucessivos de Quinhentos e Seiscentos, três dos nossos maiores compositores: António Carreira, Manuel Rodrigues Coelho e Pedro de Araújo. Em relação à música instrumental portuguesa, não há ocorrência comparável em qualquer outra época, até hoje. Os casos mais recentes de sucessões de compositores também notáveis não sofreu comparação por não subjazer um corpo cultural comum à assimilação de influências estrangeiras descontínuas. Mesmo que originalmente a palavra *tento* tenha de facto tido a ver com o simples acto de *tentar*, ou experimentar o instrumento (de tecla ou de corda dedilhada), preludiando a execução propriamente dita, não é de forma alguma legítimo reduzir a tão pouco o significado genérico que o vocábulo ganhou, em termo de história da música. Na verdade, ele não ficou a designar uma prática desse tipo, nem propriamente uma forma, senão que um género, como já acima se deu a entender. Por isso se tem estabelecido um certo paralelismo entre o tento e o motete vocal. Aliás, na sua primeira fase, o tento teclista parece ter consistido na assimilação ao órgão ou ao clavicórdio de motetes. Numa primeira aproximação, o tento pode dizer-se equivalente hispano-português do *ricercar* italiano, com a sua escrita polifónica imitativa aplicada a um só ou a mais temas. Este tipo de música -- que, no que respeita a instrumentos de tecla, também se designou por *fantasia* -- deve ter nascido mais ou menos simultaneamente, por volta de 1530, em Itália, Espanha :, e Portugal, com algo parecido a ocorrer também em França, talvez pela mesma altura. Na crónica do *ricercar* e do tento apontam-se duas tendências estéticas e técnicas. A primeira tem a marca renascentista, quer-se bem vinculada a modos antigos ou tidos como tal, demanda ideais clássicos humanistas, o que não deixa de o fazer correr o risco de cair em academismos. Teve expoentes tão qualificados como

um Willaert, um Andrea Gabrieli, um Frescobaldi. Mas nem por isso encontrou condições de florescimento na Península Ibérica. Para o facto têm sido propostas explicações de diferentes ordens, desde as que invocam idiossincrasias nacionais às que propendem a valorizar as personalidades e a vontade criativa de cada compositor. Parece muito de considerar, de um outro angulo de visão, a influência da Contra-_Reforma, com o cariz não favorável ao renascentismo, senão ao maneirismo e ao barroco, que assumiu e acentuou na Península Ibérica. Coerentemente, a mesma Península Ibérica mostrou-se terreno fecundo para a segunda tendência, esta caracterizada pela intensificação expressiva, a exaltação emocional, a ornamentação, o impacto individualista sobre o ouvinte. Diga-se desde já que a referência à Contra-_Reforma não implica que o tento se ativesse a conteúdos e funções religiosos. A execução-audição de tentos inseria-se, pode dizer-se que indiferentemente, na esfera cultural e na profana. Isto sem esquecer os tentos que consistiam em contrafacções de motetes ou missas vocais. É bem sabido que o *ricercar* e, portanto, o tento se contam entre os mais importantes percussores da fuga plenamente barroca. Porém, aquela busca do impressivo, para não dizer sensacional, associada ao processo de desenvolvimento técnico da execução, levou a um afastamento da linearidade essencialmente polifónica e dos caracteres fugados, a favor de jogos cada vez mais homófonos e acórdicos decorativos e virtuosísticos em que o tema ou temas são confrontados com figurações rítmicas contrastantes, quando não repetidas a partir de graus diferentes da escala (*sequências*). Precisamente as sequências afectaram muito a evolução do tento, ainda que talvez muito mais em Espanha do que em Portugal, no aspecto esteticamente negativo. Não só elas se prestaram a tirar partido de efeitos de meio-registo como incitaram a praticar mais a modulação, dentro do que se tornava possível antes da adopção do temperamento igual. Nada disto era mau em si mesmo, o enriquecimento modulatório constituiu até uma das contribuições importantes do tento para a história da composição musical europeia. Só que mesmo os meios perfeitamente avalizados pelos parâmetros históricos se prestam, e talvez por maioria de razão, a abusos corrosivos dos mais sólidos valores. Como seria de esperar, não faltaram as designações *tento de meio-registo* e de *tento de batalha* entre as muitas que, provavelmente mais em Espanha do que em Portugal, salientaram características especiais das diferentes peças, correspondendo a esse exibicionismo tardio (*tiento de contras, tiento de falsas, tientos coreados de ecos, tientos en tercio a modo de Italia, tientos al vuelo en compás ternario, tientos sin passo*, etc.). Não é difícil encontrar analogias em períodos menos recuados da história da música. Por exemplo, os aperfeiçoamentos de construção e de execução :, relativos ao piano e ao violino, em jogo com auditórios de classe média bem tenros para a mastigação virtuosística, ao mesmo tempo que estimularam os mais oportunos desenvolvimentos da arte de compor, levaram a excessos bem conhecidos, não só de falsa bravura e acrobacia circense como também de descritivismos de mau gosto, sem sombra de verdadeira poesia. Voltando ao tento, convém advertir que a complexidade do assunto obriga o leitor interessado a consultar a literatura musicológica dos especialistas além da sempre fundamental audição da própria música, hoje muito mais acessível e ampla do que há pouco tempo, mercê das gravações fonográficas bem como de concertos e recitais ao vivo. Complexidade que transparece já do simples facto de, na Península Ibérica, se não ter feito distinção nítida não só entre *ricercar, fantasia* e *tento* para instrumento de tecla mas também entre esta designação genérica e as de *obra, canção, prelúdio, tocata, intonação* e outras. Acresce que, além de se ter bifurcado num tipo organístico preludiante, da genealogia da *intonazione* e da *toecata* italianas, e noutro tipo, mais imitativo, a descender do motete e a

apontar para a fuga, o nome de tento veio a servir praticamente para todo e qualquer trecho de música de tecla ibérica, até ao ponto de, já no século XVIII, ainda cobrir uma que outra peça da esfera da sonata bipartida barroca que associamos a um Domenico Scarlatti, um António Soler, um Carlos Seixas. No entanto, devem focar-se ainda aqui alguns aspectos, entre os que assumem comprovada importância em relação ao tento português. Um deles é o da extensão. Do que ficou dito, poderia depreender-se que, quanto a número de compassos e longura da execução auditiva, o tento teria crescido monotonicamente, desde o princípio até ao fim da sua carreira. Não foi assim. Basta dizer que, em Portugal, já no tempo de António Carreira houve tentos de grande extensão. O que, aliás, tem perfeita lógica, atenta a relação entre o tento teclista, mormente a do princípio, e o motete vocal. Este era muitas vezes extenso, dentro de limites largos, para não dizer elásticos, dependentes da longura dos textos verbais que os cantores tinham de debitar. Por isso, e porque as palavras não entravam explicitamente nos tentos enquanto transcrições de motetes, considerava-se permissível que tais adaptações se fizessem de maneira concentrada ou abreviada. Além do mais, era preciso um mínimo de consideração pela resistência física de quem estava aos foles. Por outro lado, já para o fim da crónica do tento, no que poderia chamar-se o reinado de Cabanilles, há peças que excedem os quatrocentos compassos, a par de outras bem curtas ou intermédias. Também neste particular se torna impossível definir muito precisamente o tento, nem relativamente à sua globalidade histórica nem sequer para alguma das suas fases evolutivas. O mesmo caberia dizer de outros géneros musicais de magna importância. Nos domínios da sonata, note-se, por exemplo, quão variáveis são as extensões das trinta e duas de Beethoven, para piano solo. O segundo aspecto é o da edificação por secções, um dos vectores que afastaram o tento do motete, a caminho de concepções formais sonáticas e sinfónicas barrocas, galantes e clássicas. Em poucas palavras, ou melhor, letras, entende-se aqui por edificação de uma peça musical em secções a que :, permite representar-lhe o esquema formal por, digamos A -- B, ou A - B -- A, etc. Um exemplo clássico de esquema A - B -- A é o do minuete, com a primeira secção repetida (geralmente encurtada) no fim, e uma secção contrastante de permeio (trio). Note-se que nem toda a música, ainda que envolvendo elementos bem distintos, se presta a ser representada segundo esta convenção. Um trecho pode consistir essencialmente na elaboração de temas em continuidade de simultaneidades, sem compartimentações que tornem adequada e sugestiva a representação esquemática por sucessões de letras. Recordem-se os emaranhados motívicos e a contínua instabilidade tonal em tantas páginas de Wagner. _àquilo que, na crónica de tento, se nos apresenta mais próximo do motete, portanto mais essencialmente polifónico, ritmicamente disseminado e disposto a variar por continuidade, vem a opor-se a tendência para a melodia com acompanhamento harmónico, para um vincar de ritmos capazes de provocar a impressão de dança e, do mesmo passo, para um variar descontínuo, por mudança abrupta, inclusive de compasso. É nesta zona que se oferece falar de compartimentação de secções, e em particular das de métrica ternária que parece terem conhecido grande aceitação no norte do Portugal seiscentista, onde a música de tecla foi tão notavelmente cultivada. Há razões para admitir que essas secções pudessem eventualmente ser destacadas do todo, servindo de peças independentes. Reside talvez aqui uma ligação entre música portuguesa da era do tento, cujo último grande expoente foi Pedro de Araújo, e da que se lhe seguiu, a da sonata, dominada pela figura de Seixas. Outro aspecto reporta-nos à Igreja. A afirmação de que o tento também exerceu funções profanas pode induzir em dois erros. Primeiro, o de diminuir as efectivamente assumidas nos templos, que foram sem dúvida de importância central,

podendo dizer-se que a órbita das profanas se desenhou sempre em seu redor, já como, por assim dizer, lugar comum dos pontos leves, de distensão, alternativos com os de aderência ao ritual litúrgico, já como irradiação, não propriamente centrífuga, do interior de conventos e igrejas para os de palácios e casas burguesas. O segundo erro seria o de supor possível distinguir rigorosamente obras destinadas a cada uma dessas funções. Se bem que em muitos casos tenha havido uma intencionalidade de conteúdo, entre os pólos do sagrado e do declaradamente profano, a regra deve ter sido uma polivalência bastante pragmática, possibilitando o aproveitamento ou fácil adaptação de cada trecho a circunstancias muito diferentes. Este aspecto tem muito a ver com o facto de praticamente todos os músicos em questão pertencerem à esfera da Igreja, o que revestiu ainda outros significados importantíssimos, de que o musicófilo de hoje se dá ainda menos conta. Ser membro de uma determinada ordem religiosa garantia ao mestre de capela, ao organista, a qualquer simples cantor ou tangedor um apoio não apenas espiritual e local, porquanto muitas vezes cifrado numa permanente assistência de oficina e numa estrutura diaspórica de relações tão normais quanto fraternais com outros focos de actividade e devoção da mesma ordem (ou eventualmente de outras) existentes no país ou no estrangeiro. Apoio, portanto, que ia desde a mecânica separação ou a :, indispensável afinação dos instrumentos até a obtenção de obras musicais manuscritas ou impressas cuja utilização se tornasse oportuna. Ainda um erro a desfazer seria o de sobrestimar a degradação estética e de algum modo ética do tento a que foi feita referência. O tópico dá óptimo ensejo de pôr em jogo conceitos fundamentais das actuais teorias de qualquer arte, que não apenas a música. São eles os conceitos de forma, conteúdo e assunto, impondo-se como de primordial importância as condições de não confundir os dois últimos e de entender, uma vez por todas, que os dois primeiros são ambos essenciais a qualquer obra de arte, tornando-se tanto menos isoláveis um do outro quanto maior for o valor estético da mesma obra de arte. Bastariam as batalhas para demonstrar que o assunto, ou entrecho, ou argumento programático, entrou na genética do tento português e espanhol, a ponto de poder falar-se de descritivismo, e até de uma espécie de encenação teatral. Como sempre, não é todavia por esta banda que o esteta da música pode tornar-se mais incondicionável admirador de obras concretas deste reportório. O valor artístico do tento português ficaria tão pouco diminuído pela perda das suas páginas mais retintamente descritivas como a literatura sinfónica do classicismo alemão se dela desaparecesse *_A batalha da vitória*. Não poderá dizer-se o mesmo de certas páginas justificativas da aplicação, que tem sido feita, do adjectivo *caleidoscópio* a uma das facetas do tento. Faceta que tem ainda a ver com o conceito estético de assunto, porém muito mais com o de forma e, concomitantemente, com o de conteúdo. Deste ângulo, o tento apresenta-se-nos capaz, ainda mais que do espectacular superficialmente associado a algum entrecho, de o oposto disso, ou seja, configurações de sons e silêncios cuja autonomia formal, por paradoxal que pareça, é o que mais pode originar uma grande riqueza e profundidade de conteúdo. Dentro ainda do mesmo contexto da trindade forma-conteúdo-assento oferece-se perguntar em que medida a composição musical portuguesa dos períodos em referência teria sido afectada por aquela espécie de mania do enigmático, do cripto-charadismo tantas vezes implicante de riscos consideráveis, que recentes investigações têm desvendado, nos domínios das letras e da representação gráfica. Depreende-se que, em termos práticos da vida musical de hoje, o tento constitui um reportório cheio de potencialidades, onde o só significativo à luz da musicologia e o apenas curioso, para sorrir e esquecer, são sobrepujados por obras de arte de uma grandeza, uma seriedade, uma profundidade actuais, porque actuantes. Reportório que, ainda que a Igreja o não tenha hoje por tão funcional como no tempo em que

tentos eram normalmente tocados durante a missa, com ou sem interrupção e talvez com maior densidade desde o fim do *_Sanctus* até a *_Communio*, e possivelmente combinados com versos das *_Horas*, por certo tem todo o cabimento tanto nos templos como nas salas de concerto e nos estúdios de rádio ou de televisão, e cada vez mais à medida que a generalidade dos ouvintes se for compenetrando de que o ser uma composição musical anterior ao Setecentos não implica menor valor artístico e incapacidade daquela alta tensão que dá as grandes vivências estético-emocionais. Por motivos óbvios, recomenda-se a utilização de adequados órgãos, cravos ou clavicórdios. Convém no entanto :, lembrar que a idónea transcrição para piano ou para conjuntos de instrumentos pode mostrar-se tão aceitável como a de tantas partituras de um Couperin, um Rameau, um Hãndel, um Bach. Finalmente, observe-se que a insistência no carácter ibérico do tento e a quase só relacionação exterior com o *ricercar* não deva ser interpretada nem como impermeabilidade a exemplos estrangeiros nem exclusividade da influência estrangeira. Inverosímil seria que tal acontecesse em períodos durante os quais os mais poderosos dos reinos ibéricos tiveram tão actualizado e fruidor conhecimento do que de notável se passava noutros pontos da Europa onde a música florescia. Por exemplo, desde pelo menos o tempo da maturidade de Manuel Rodrigues Coelho que marcas da tocata, de proveniência provavelmente inglesa e neerlandesa, se integraram no tento teclista português. A referência ao Mestre das *_Flores de música* adverte ser tempo de incidir sobre os compositores teclistas cujas obras constituem a música de que nos temos estado a ocupar. Ao fim e ao cabo, caracteres individuais dos mais notáveis entre eles não podem ter deixado de marcar a fisionomia dessa música, na pluridade das diversas composições enquanto obras de arte e na sua globalidade, como bem patrimonial colectivo da cultura portuguesa. É por exemplo ao nível das personalidades individuais que, em última análise, pode encontrar-se explicação para o facto incontroverso de não existir na música portuguesa dos períodos em referência uma componente impregnada de misticismo, como existe, e de que maneira, na música espanhola coetânea. Mas não é menos verdade que, com o escassíssimo conhecimento que temos dos traços humanos, psicológicos e morais, da maior parte dos nossos compositores, não são estes que em geral explicam seja o que for da sua música, se não esta que lhes ilumina a personalidade, aos olhos do nosso nem por isso menos falível entendimento. E não será um pouco assim, em relação a todos os artistas grandes, mesmo que se saiba muito da sua interioridade anímica e do seu comportamento na vida? Os nomes a reter como principais marcos da trajectória do tento peninsular são os de António de Cabezón, António Carreira (161), Manuel Rodrigues Coelho, Aguilera de Heredia, Correa de Arauxo (162), Pedro de Araújo e Joan Cabanilles. Destes, são portugueses Carreira, Coelho e Araújo. Com eles ficaremos agora, sem que fique excluído o trato com algum dos seus colegas e compatriotas (163). Entretanto, recorde-se que continua em foco um género de composição para instrumento de tecla ou harpa afim do *ricercar* e preponderantemente caracterizado pelo politematismo e pela aceitação de genes da tocata e da variação, incluindo nesta a lida de melodias de canção e de ritmos de dança. Conhece-se uma única fonte de música de tecla portuguesa do século XVI, constituída por uma colecção que hoje se encontra na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (manuscrito musical n.o 242). Nela estão obras de António Carreira e de outros compositores portugueses, como Heliodoro de Paiva (m. 1552) e António Macedo (activo na segunda metade do século). Não se conhecem ao certo os anos do nascimento e da morte do provavelmente lisboeta António Carreira, mas não devem estar longe de 1525 e 1590, talvez mais tarde, até

1597. Era, portanto, uns quinze anos mais novo do que :, António de Cabezón (15101566), a quem sobreviveu para cima de vinte. O cargo principal que o grande músico exerceu foi o de mestre da capela real, em Lisboa, para o qual foi nomeado em fins dos anos 60, no início do reinado de D. Sebastião. Mas Carreira já pertencia à capela, primeiro como um dos moços que ali eram ensinados, depois como cantor e presumivelmente como organista, coadjuvando talvez Bartolomeu Trosylho (ou mais à portuguesa, Torzelho), que outrossim terá sido quem principalmente orientou a sua formação de teclista. Com o referido cargo, Carreira acumulou os serviços do magistério. D. Sebastião devia tê-lo em alta conta, visto que o encarregou do projecto de reforma da capela. Esta só veio porém a ser remodelada sob o ceptro de Filipe. Entretanto deu-se Alcácer Quibir, para onde D. Sebastião, como se sabe, arrastou bastantes músicos, mas não, por fortuna, António Carreira. Este foi mantido mestre da capela régia depois da perda da independência o que, conhecido o entendimento de Filipe II em matéria de música, é mais um testemunho de excelência profissional, sem nada significar de desabonatório, em termos de uma deontologia implacavelmente marcada de classismo aristocrático, em regime de monarquia absoluta. Aliás, não só para com aqueles dois monarcas António Carreira se deve ter comportado como súbdito cumpridor. Por acréscimo ao pagamento-base que lhe era devido, também D. João III e D. Henrique o distinguiram com mercês. Muito pouco se sabe da vida privada de António Carreira. Foi casado, deve ter enviuvado cedo, tinha um filho (164). A exiguidade das notícias convida a trazer aqui uma referência aos *_Ditos portugueses dignos de memória*, que levanta ligeiramente o véu sobre as suas actividades de música fora dos locais de trabalho permanente: "Rogando uma dama da rainha a um cantor de el-rei, chamado António Carreira (que depois foi mestre da capela), que com outros cantores de Sua Alteza lhe quisesse oficiar as vésperas e missa de um santo, concedeu-lhe ele; e indo ao tempo e a dama não vendo entre eles um capado de el-rei, do qual tinha entendido que folgava de olhar para ela, perguntou a António Carreira por que não levara consigo aquele seu amigo e ele respondeu-lhe: -- Senhora, porque, vindo ele, não me escusavam a mim e eu posso escusar a ele." Como compositor, Carreira tem sido chamado "o Cabezón português", o que deve ser interpretado sobretudo como equiparação a um nível de superior qualidade artística, e não como identidade de concepções formais e processos técnicos. E no entanto indubitável que o mestre português conheceu obras do colega espanhol mais velho, e talvez desde muito antes da vinda do filho deste, Hernando de Cabezón, a Lisboa, em 1581-1682. Há também razões para admitir o conhecimento e legítimo aproveitamento assimilador de composições de outros autores estrangeiros, ibéricos ou não. As principais diferenças em relação a António de Cabezón dizem respeito ao número de temas, à articulação das partes do contraponto e ao emprego de dissonâncias. No primeiro aspecto, e sem esquecer que muitas obras de :, Carreira se perderam, talvez para sempre (nomeadamente todas as que constam do catálogo da livraria de D. João IV), tem sido apontada a predilecção de Carreira pelo monotematismo, em contraste com o de Cabezón pelo politematismo. Nesta óptica, o português avantajase como admirável propulsionador da evolução geradora da fuga de um só tema, no que se separa dos ideais de bensonância vocal jusquina, ainda demandados por um Bermudo e um Tomás de Santa Maria, alinhando assim com um Andrea Gabrieli, um Jacques Buus e um Rocco Rodio. Do mesmo passo, e no âmbito ibérico, António Carreira deu um impulso decisivo para as grandes fantasias monotemáticas de Rodrigues Coelho e de Correa de Arauxo. Não deve no entanto minimizar-se o António Carreira autor de textos politemáticos,

que o foi também de coturno e, diga-se desde já, ainda nessas páginas contribui para a fixação de formas fugadas, neste caso fugas com dois ou mais sujeitos que atingirão o máximo esplendor em pleno barroco setecentista. Se é certo que os seus tentos politemáticos são menos abundantes, não é menos verdade que, numa mesma obra, os temas ou sujeitos chegam a atingir o número cinco. E, o que mais é, verifica-se uma elaboração motívica de notável organicidade. Percorrendo pode dizer-se que toda a composição, um motivo funciona como agente de unificação interna da construção do edifício sonoro, acabando por se tornar preponderante na como que coroação final. E também relevante o facto de Carreira, nos tentos politemáticos, derivar eventualmente material motívico do tema primordial, ainda que o não tenha feito tanto como Cabezón. No que respeita à articulação das partes ou "vozes" do contraponto, as principais diferenças em relação a Cabezón consistiram no muito menor emprego de artifícios dialogantes, imitativos e emparelhadores. Quanto ao emprego das dissonâncias, a comparação resulta de sentido inverso, pois neste particular, não só a frequência como a intensidade do efeito é maior na música do português que na do espanhol. Como Santiago Kastner também salientou, se Carreira se mostrou menos inclinado a tirar partido do cromatismo dentro dos condicionamentos dos vetustos modos eclesiásticos, compensou-o pelas mais frequentes junções de modos diferentes na mesma obra e sobretudo pela força das modulações e das dissonâncias, nomeadamente as colisões de segundas e sétimas, inclusive em tempos ritmicamente pesados dos compassos, produzindo efeitos poderosos até as raias do dramático, sem resvalar para o tão-só aparatoso, sem conteúdo. Quanto a riqueza expressiva, a gama percorrida em diferentes obras é de molde a inviabilizar qualquer acusação de formalismo, sendo até perfeitamente possível, embora não esteja provado, que algumas páginas mais pungentes reflictam, de maneira bem propositada, acontecimentos reais. Com a sua incontestável autoridade, foi ainda o professor Kastner (165) quem sentiu ecos amargos do desastre de Alcácer-_Quibir em música de Carreira. Deve mencionar-se o emprego de notas repetidas e um tipo de glosa de temas e contratemas tido por menos próximo da prática espanhola de então do que das veneziana e inglesa. Os desenhos de notas repetidas não só eram já muito propícios a êxitos da execução teclista (e também da harpista e guitarrista) como tinham ganho foros maiores nos domínios da *chanson* :, franco-neerlandesa. Estava-lhe reservado ainda um futuro brilhante, na ulterior evolução do tento e, depois, na da tocata barroca. No que respeita às glosas, aponta-se em Carreira uma arte original de *diminuir* os temas (isto é, quebrar-lhes as notas em figuras de menores durações) sem lhes afectar os significados e funções próprias, mas não deixando por isso de os sujeitar a subtis mudanças de adorno. Porém, na medida em que é legítimo extrapolar dos manuscritos que chegaram até nós, Carreira parece ter querido deixar à iniciativa e ao gosto dos tangedores o acrescento de ornatos às glosas propriamente ditas. Finalmente, é importante que António Carreira tenha mostrado assumir uma atitude moderna, precursora de Frescobaldi (1583-1643), para com o problema dos instrumentos em que as obras *poderiam* ser executadas. Em poucas palavras, essa atitude consiste na troca de *poderiam* por *deveriam*. Há com efeito razões de ordem técnica que indicam ter Carreira concebido a composição para instrumentos de tecla e corda, não obstante ser sempre possível a adaptação ao órgão. Felizmente, os músicos de hoje têm a possibilidade de conhecer as obras instrumentais de António Carreira sobreviventes. Todas elas estão publicadas. Quanto a gravações fonográficas de qualidade que se encontram no mercado e/ou se oiçam com frequência em programas radiofónicos, os progressos recentes também têm sido grandes, sem a mesma integralidade embora.

Seria impensável que António Carreira não tivesse composto obras polifónicas vocais. Acresce que duas delas existem de facto na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (manuscritos musicais n.os 34 e 53). Algumas das peças de Carreira inseridas no referido manuscrito 242 eram provavelmente vocais na origem o que, como vimos, nada tinha de anormal na época. Mal comparado, apenas como primeira aproximação, digamos que a passagem de Cabezón e Carreira para Rodrigues Coelho e Correa de Arauxo é um pouco como a de Ésquilo para Sófocles. Progresso nos meios de execução e no conhecimento de obras e circunstancias, mais do que revelação de valores irrefutavelmente maiores. Forçando ainda mais a sugestão, ir-se-ia ao extremo de assimilar Cabanilles a Eurípedes. Não nos deixemos porém transportar pela fantasia, quando o que aqui se impõe é falar com a possível exactidão de um nosso grande mestre da fantasia. Entre as máximas figuras da música portuguesa do passado, Manuel Rodrigues Coelho é caso raro de sabermos hoje consideravelmente mais do que nada, sobre a vida e a individualidade moral (166). Desta nos dizem muito as linhas, as entrelinhas e, no que tange à sóbria dedicatória para Filipe III (II de Portugal), as linhas não escritas para as *_Flores de música*. "Dedicatória a S. C. R. Magestade El-Rei Dom Filipe Terceiro Das Espanhas Na Capela Real de vossa Majestade tenho há dezassete anos o lugar de capelão e tangedor de tecla, senão com os merecimentos que convém, ao menos com satisfação de todos os que desta arte têm :, conhecimento. As horas que me ficaram livres da obrigação de meu ofício, exercitei nas matérias dele, dando nesta compostura demonstração de meu talento e vista de meu trabalho que agora ofereço a V. Majestade, para que nenhum tempo me ficasse ocioso, acudindo a ele com a presença e não faltando com a curiosidade. Tem V. Majestade obrigação de pôr os olhos em uma e outra cousa, e fazer delas merecimento para com sua grandeza autorizar esta obra e honrar este capelão, que encomenda sempre a Deus a Católica e Real pessoa de V. Majestade, que ele guarde por largos anos, [...]. Capelão e Tangedor de tecla de V. Majestade Manoel Rodrigues Coelho." Em vez de averiguar a medida em que Sua Majestade cumpriu de facto e em real consciência a sua obrigação atentemos em certos passos de outro dos referidos textos, impresso sob o título de *_Prólogo da obra aos tangedores e professores do instrumento de tecla, o mínimo de todos Manoel Rodrigues Coelho*. O princípio reafirma a noção de dotes próprios, sem falsa modéstia de os diminuir para que outros os amplificassem: "Não se me pode (com razão) imputar culpa de atrevido em sair agora à luz com estas *_Flores de música*, confiando que os curiosos de tecla e harpa delas se aproveitem e possam colher fruto. Pois é cousa notória que com esta Arte e talento (de que Deus por sua imensa bondade foi servido dotar-me) tenho frutificado, e com minhas lições aproveitado a muitos discípulos em várias partes deste Reino em que fui bem recebido, não somente em a Sé d'_Elvas, minha igreja primitiva e natural, aonde me criei, e de idade de oito anos já nisto estudava. E assim mesmo na Sé de Lisboa, da qual vim ao serviço de S. Majestade, donde há dezassete anos que sirvo com a satisfação que todos sabem, tendo passado pelo rigoroso exame que na sua Real Capela se me fez, estando a ele presente no coro o muito reverendo Prelado dela com todos os capelães e cantores." Não restam dúvidas quanto a consciência de méritos próprios, quer os de inato engenho quer os de arte adquirida. Isto, o que conhecemos da obra do compositor, sem qualquer pecado de exageração vaidosa, nada invulgar entre colegas e compatriotas de diferentes épocas, até a presente. O que não deixa de ter ligação com outra peculiaridade, esta declaradamente referida mais adiante: "[...] minha

principal intenção nesta matéria e em trabalhos tão certos não foi cobiça de honra bem incerta, que por ser Portugal Pátria minha, mal poderei ser nunca profeta nela; mas pois é de bom cidadão, e natural, não fazer fim em atentar pelo bem da Pátria e com um proveito, e desejando eu que todos estudem, saibam e atendam com mais vontade ao estudo e exercício desta arte, com que possam em seus instrumentos com facilidade e maior perfeição louvar a Deus nosso Senhor, a quem toda a glória se deve." A um servidor português da capela real filipina de Lisboa, ainda que com o monarca sempre ausente do reino, nas condições inerentes à época e ao regime, impossível manifestar publicamente de maneira mais clara e digna sentimentos de patriotismo. :, Depois de anunciar as peças incluídas, Rodrigues Coelho sublinha que não foi movido por "presunção" nem "vaidade alguma", senão que "totalmente" pelo "zelo do bem comum"; e que se trata do primeiro livro "de música para tecla e harpa que nestes nossos Reinos tem saído", pelo que confia "que não será mal recebido. E advirto", acrescenta "que algumas cousas andarão por fora" -- isto é, abusivamente copiadas e debitadas antes da publicação impressa --, "que não faltaria quem mas levasse, ou em lições aprendesse, as quais eu não conheço por minhas, pois não são revistas, por mim, nem reconhecidas e examinadas pelo Reverendo, padre frei Manuel Cardoso, religioso de nossa Senhora do monte do Carmo, cujo parecer nesta matéria deve só bastar por muitos por sua singular erudição." As *_Flores de música* podem ter sido não só a primeira impressão de música portuguesa para tecla e harpa, mas também a primeira de música instrumental. Não devemos porém esquecer que quase noventa anos antes, em 1536, tinha sido concedido a Gonçalo de Baena alvará de licença de impressão de "uma obra e arte para tanger". Esta pode no entanto nunca ter chegado a ser dada à estampa. Não se conhece nenhum exemplar, nem impresso nem manuscrito. Além disto, não há a certeza de que, a começar por Baena, os autores dos trechos fossem portugueses (167). O depoimento não atesta menos a autoridade prestigiosa de quem o assina do que a idoneidade do abonado e do seu livro. Note-se que este era mais velho do que aquele, que tinha então 51 anos incompletos. As virtudes composicionais salientadas no parecer mostram que Manuel Cardoso atribuía especial importância a uma diferenciação contrastante, a evitar a excessiva uniformidade e monotonia; à qualidade não só técnica mas também expressiva, "airosa", da arte de glosar o material temático; e à ordenação correcta, não arbitrária nem deixada ao sabor da imaginação, dos efeitos de entrada em determinadas harmonias de notas pertencentes a outras, adjacentes. As investigações de Santiago Kastner levaram à conclusão de que Manuel Rodrigues Coelho deve ter nascido cerca de 1555, seguramente em Elvas. Terá sido por volta de 1563 que começou os estudos de música na Sé da terra natal, onde desde algures nos anos 80 até 1602, veio a ser organista. Entretanto, de 1573 a 1577, exercerá funções também de organista, mas interinamente, na catedral de Badajós, sem ter acabado os estudos em Elvas, e sem ordens menores. Isto, aceitando, como parece legítimo, que o jovem elvense e um Manuel Rodriguez mencionado como organista substituto na cidade vizinha foram uma e a mesma pessoa. Houve problemas com o cabido da catedral de Badajoz, por pagamento inferior a outros e por alegado mau comportamento. Rodrigues Coelho terá sido rapaz irrequieto, menos cumpridor do que o que se lhe exigia, a ponto de vir a ser demitido. Foi provavelmente nessa situação que voltou para Elvas, onde terá terminado os estudos e recebido ordens. Tem-se como seguro que na terra natal se encontrou com Hernando de Cabezón, que é de supor lhe tenha mostrado ou mesmo oferecido obras suas e do pai. Desde um não indicado dia de 1598 até 5 de Março de 1600, Rodrigues Coelho faltou ao serviço em Elvas. A sua rebeldia a regulamentos disciplinares, talvez movida por forças de profundidade psicológica e pela ambição :, de subir mais alto na carreira, como de facto ia suceder, levou a mais faltas no ano de 1602, ano em que foi substituído e, segundo tudo indica, se fixou definitivamente junto ao delta do

Tejo. Com efeito, vemo-lo em 1602 e no ano seguinte organista da Sé de Lisboa, e a partir de Fevereiro de 1604 capelão e organista da capela real, até a aposentação, em 1633, andaria então pelos 78 anos de idade. Ignoramos em que medida a capela real e a capela da Sé de Lisboa andariam ligadas nesses tempos anteriores à sua fusão. De qualquer modo, parece que, pelo menos temporariamente, as funções oficiais de Rodrigues Coelho disseram sobretudo respeito a cerimónias numa igreja anexa ao palácio real. O que, associado à permanente ausência de Filipe III, pode ter contribuído para que o capelão organista dispusesse de bastante tempo para a composição, o ensino e a execução de emérito teclista e harpista em diferentes igrejas e residências, tudo para acréscimo dos proventos normais que recebia em dinheiro e espécie. Vem a propósito registar que as habilitações de tangedor de tecla também serviram ao exercício das funções na capela real. À excelência da sua execução na harpa não consta que tenha correspondido a na vihuela ou em qualquer outro instrumento congénere. Foi dentro desse longo período, em 1617, que obteve as necessárias licenças de impressão das *_Flores de música*, impressão que se verificou em 1620. Como Gerhard Doderer observou, é verosímil que um _p.e Manuel Rodrigues, mencionado várias vezes a partir de 1639, em contexto da capela de Vila Viçosa, como velho capelão aposentado, com muitos e bons serviços prestados, fosse o mesmo Manuel Rodrigues Coelho. A valer esta hipótese, a sua morte teria ocorrido não antes de 1647. A cronologia deixa espaços em branco que seria do maior interesse preencher. Como terá Rodrigues Coelho aproveitado as gazetas que fez ao serviço eclesiástico elvense, nos últimos anos do século XVI e primeiros meses do XVII? A investigação especializada tem considerado a hipótese de estadas em Évora e Vila Viçosa, talvez mesmo em Lisboa onde, apesar da diferença de idades, poderia ter recebido lições do já doutíssimo Manuel Cardoso. A ter estado em Lisboa, é muito possível que tratasse de diligências necessárias, talvez suficientes para a futura mudança de poiso. Também ocorre que a sua ausência de Elvas tenha sido mais itinerante, qual Hans Sachs noutros tempos e a partir de outra latitude. Admite-se inclusivamente que o músico elvense, então um homem de mais de 40 anos, tenha andado pelo estrangeiro, até o Norte da Europa, com passagem pelos Países Baixos. Em Manuel Rodrigues Coelho o compositor, têm sido salientados um pendor processualmente mais secularizante em comparação com António Carreira (não obstante, até onde hoje se sabe, os contextos de todas as suas composições sejam religiosos e da edificação moral); o construtivismo temático, de grande coerência interna quer entre em jogo um só sujeito, quer dois ou mais; uma arquitectura por adjunção de secções contrastantes, inclusive quanto a métrica; e um certo comedimento no emprego da dissonância, aspecto harmónico este em que Rodrigues Coelho não pode dizer-se um continuador de Carreira. No primeiro aspecto, a par da apropriação de expressividades mundanas de além_Pirenéus, assume papel de relevo a desenvoltura virtuosística, :, moderna para a época, muito maior nas exigências mecânicas e nos efeitos sonoros de que em Cabezón, em Carreira e mesmo em Aguilera de Heredia, que foi da mesma geração de Coelho, talvez meia dúzia de anos mais novo. Admite-se como certa a influência de teclistas ingleses e neerlandeses, associada à que veio de Itália -- John Bull, William Byrd, Sweelinck, Frescobaldi e outros. Os passos de virtuosismo que, dentro da relatividade estilístico-epocal, podem dizer-se de bravura, pertencem em geral ao mundo da tocata. Note-se, porém, que Rodrigues Coelho não aceitou (ou não conheceu), que se saiba, algumas das modernidades ou modas italianas e nórdicas. Por exemplo, guardou-se dos abusos exibicionistas dos mestres do virginal de além-_Mancha. Pode ser significativo, de um resto de pudor do demasiado espectacular o facto de os tento,

de Coelho terminarem sempre em clima relativamente moderado. Por outro lado, é preciso não esquecer que Rodrigues Coelho, fosse qual fosse a extensão e a profundidade das influências vindas de fora da Península, é um dos elos principais da cadeia evolutiva ibérica e por maioria de razão do seu sub-conjunto português. Com tudo o que o distinguiu de António Carreira é no entanto correcto falar-se de uma continuidade, como também de assimilações do cronologicamente mais afastado António de Cabezón. Mais superficial terá sido a influência do filho deste, Hernando, se realmente as *_Suzannes* do músico português de algum modo se apoiaram nas do colega espanhol. Finalmente, e voltando ainda à virtuosidade, cabe dizer que o impulso dado por Coelho ao que Santiago Kastner chamou progressiva mecanização da técnica teve consequências notórias na Península, desde logo através de Correa de Arauxo e até Cabanilles. No segundo aspecto, o do construtivismo temático, releve-se a arte de bem trabalhar motivos melódicos principais ou secundários de maneira generativa, com notável consequência e organicidade, e até com possível relacionação entre dois temas. Terá talvez sido um comprazimento especial na consistente e unificante ligação entre sujeitos e contra-sujeitos, o que, sem menosprezo das grandes páginas pluritemáticas, fez de Rodrigues Coelho um expoente magistral de monotematismo, no contexto do tento ibérico. Ao contrário do que poderá levar a supor a habitual, por vezes excessiva, importância atribuída ao bitematismo da ulterior sonata barroca, o ser um tento monotemático não implicava tratar-se de música antiquada. A questão da modernidade da música também no que respeita à literatura de tecla maneirista e barroca é demasiado complexa para que se torne lícita a unidimensional redução ao número de temas. Um mesmo material motívico entra na construção de peças diferentes. Nomeadamente o segmento melódico sol-sol-sol-fá-mi-fá-mi-ré-mi aparece, com variado tratamento, em quase todos os tentos do elvense e em muitas das suas composições litúrgicas, o que, não obstante haver também descoberto que ele já se encontra nalgum tento de Carreira, levou Santiago Kastner a baptizá-lo de "motivo Coelho". Por seu turno, Gerhard Doderer observou que este motivo também aparece repetidamente em Pedro de Araújo e em autores anónimos do manuscrito 964 da Biblioteca Pública de Braga. Oferece-se perguntar se àquela sucessão de notas não assistiria :, qualquer significado conhecido pelo menos entre os músicos, fosse de ordem simbólica, religiosa ou não, fosse de natureza teórico-pedagógica. Tão-pouco estaria certo um critério de modernidade que sobrestimasse a utilização de dispositivos instrumentais recentes ou em voga. Prende-se isto com o facto de nenhum dos tentos de Rodrigues Coelho que chegaram até nós ser de meio-registo. Facto que tem a ver com o interesse de vender o mais possível os exemplares impressos das *_Flores de música*? Evitar a exigência de meios técnicos inacessíveis a quem só dispusesse de instrumentos de tecla modestos, ou então de harpas? Sem dúvida poderoso é o argumento de que também não se conhecem meiosregistos de nenhum dos organistas espanhóis que prestaram serviço antes ou ao mesmo tempo de Manuel Rodrigues Coelho. Facto que é coerente com a suposição de o meioregisto ter vingado muito mais em Espanha do que em Portugal. Quanto à edificação por secções sucessivas, os contrastes entre estas são obtidos por oposições de caracteres dominantes. Por exemplo oposição do marcado contrapontismo duma secção contra o carácter de tocata acórdica numa secção adjacente, em geral com a melodia na mão direita e o acompanhamento na esquerda; ou duma grande flexibilidade de movimento, sem qualquer cadenciação coreica, contra acentuações rítmicas com todo o ar de dança. Os mais interessantes casos destas encontram-se nas secções de metro ternário, com os seus *parlandi* de canções instrumentais italianas, não só pelo evidente propósito de diferença para o binário paredes meias, como também pela possibilidade de essas secções bailantes, a que não falta um certo sabor popular, se prestarem a ser tocadas em separado, como peças independentes. Foi precisamente o que se fez num dos mais notáveis centros de

cultura musical portugueses, o mosteiro de Bouro, nas imediações de Braga. Num livro de órgão para uso da congregação encontram-se transcritas secções dessas, desgarradas dos tentos respectivos, em que Coelho a integrara. Terão servido para representações didáctico-recreativas com alguma componente coreográfica? O último aspecto acima enunciado, o da relativa parcimónia no emprego da dissonância, tem alguma coisa a ver com modos e com cromatismo. Vem tocar de novo ideias erróneas de modernidade e, o que pior é, de progresso artístico qualitativo. A música aqui em referência, nem qualquer outra, não é necessariamente tanto mais moderna e tanto melhor quanto menos modal for e menos afastada parecer da semitonia do *_Tristão e Isolda* e da dissonância do *_Sacre du Printemps*. Não se tirem, pois, ilações tão simplistas do facto de Rodrigues Coelho não ter rodado 180" completos ante os velhos modos eclesiásticos e de -- sem esquecer, em todo o caso, o matiz no seu uso individual de acidentes -- não ter trazido ainda mais novidades à arte de almagamar e encadear harmonias, arte na qual tanto veio a salientar-se o espanhol Correa de Arauxo. Note-se, a propósito, que este reconheceu publicamente haver recebido influência do mestre elvense. O que hoje se sabe de Manuel Rodrigues Coelho assume também importância quanto a adequada execução nos instrumentos de tecla e na harpa. O seu sentido didáctico e o desejo de o pôr ao serviço do maior número possível de interessados levou-o a fazer imprimir considerações importantes a tal respeito no seu referido livro, feito provavelmente por conta :, própria, com intuitos comerciais, na oficina de Pedro Craesbeeck, em Lisboa, em 1620, como já vimos. Antes de as trazermos aqui, vejamos porém qual o recheio dessas *_Flores de música pera o instrumento de tecla ç harpa*. São vinte e quatro tentos equitativamente distribuídos pelos oito modos eclesiásticos, à razão de três para cada um destes. Mais quatro *_Suzannes* glosadas, ou seja, tentos parafraseados a partir da *chanson* vocal de Orlando di Lasso *_Suzanne un jour*. E ainda composições sobre temas litúrgicos, incluindo bastantes versos para se cantarem com acompanhamento instrumental. A canção de Orlando di Lasso era celebérrima. Em Portugal e em Espanha houve mais quem dela se servisse para demonstração da arte de glosar. As quatro peças de Rodrigues Coelho, bem diferentes entre si apesar da comunidade temática de base, contam-se entre as páginas do autor decididamente viradas para o barroco, em especial pela opulência da figuração. Também são bons exemplos de concepção compositiva com, por assim dizer, destino marcado. A escrita indica muitas vezes a adequação específica a instrumentos de corda e tecla, ou à harpa. Nomeadamente certas repetições de notas pedem algum destes instrumentos, muito mais de que um órgão. As quatro *_Suzannes* das *_Flores de música* não constituem exemplo único de transcrição fantasiada de música vocal, na obra de Rodrigues Coelho. Merece relevo o seu aproveitamento do vilancico *_Con qué la lavaré, la tez de la mi cara*, no qual frequentemente se inspiraram, para variações, vihuelistas hispânicos. Parece ter sido rara, mesmo em Espanha, a escolha, por glosadores de tecla, de trechos vocais espanhóis, em vez dos costumados motes, profanos ou religiosos, de origem franco-neerlandesa ou italiana. Nas composições litúrgicas, Rodrigues Coelho seguiu uma prática peninsular de que fora expoente António de Cabezón, sujeitando as monódias gregorianas que lhe serviram de "*cantus firmus*" a recortes rítmicos próprios de música mensural e envolvendo-as em opulências harmónicas sem comprometimento de sentido religioso. Nessa parte das *_Flores de música*, o mais interessante, como singular ilustração de um tipo de "*concertato*" do princípio do Barroco que não veio a ter continuidade histórica, está nos trechos em que às quatro vozes do edifício polifónico, para serem executadas ao órgão, se junta uma quinta voz, para ser mesmo

cantada, com letra, em geral versos de *_Magnificat*. O cantor solista deveria normalmente ser algum castrado ou menino de coro, a julgar pelo agudo da tessitura. Admite-se o órgão pudesse ser substituído pela harpa e a voz cantante por instrumento adequado por exemplo uma corneta. O curioso é que, nas transcrições existentes no manuscrito 964 da Biblioteca Pública de Braga, só dois destes versos da lavra de Rodrigues Coelho têm a voz cantante anotada. Talvez que ao solista bastasse o conhecimento da letra e das respectivas fórmulas de recitação. Nas *_Advertências particulares para se tangerem estas obras com perfeição*, que Rodrigues Coelho fez imprimir também nas suas *_Flores de música*, lê-se logo no princípio uma confirmação de que se exigia dos executantes aquilo que hoje entendemos por elegância e expressividade interpretativa e que -- note-se bem -tal arte devia ser aprendida o mais cedo possível: "Não :, é minha intenção querer neste capítulo [...] dar razões e documentos para principiantes, ensinando-lhe(s) como se deve tanger, com que dedos e com que ar. A causa é, porque quem procurar haver este livro pelo menos deve ser não principiante, mas arrazoado tangedor, que aos principiantes logo se lhe(s) pratica o ar, e graça no tanger com o modo que devem ter no pôr dos dedos." Entre os vários tecnicismos subsequentes, convém trazer aqui as recomendações que nos mostram haver já então executantes musicais dados a excessos de velocidade, a abusos de personalidade e liberdade interpretativa, a amputações desfigurantes: "[...] o que se houver de tanger, se tanja algum tanto de vagar, e não com pressa, mas muito a compasso, assim de glosa como de outra solfa, porque desta maneira o que se tirar parecerá melhor. [...] que se tirem as obras de maneira que estão compostas e com o ar que elas em si têm. E advirto que até que se não acabe de tirar o tento, e se tanja a compasso, que não parecerá bem, e sendo de todo tirado mostrará o que é e parecerá muito melhor." Depois, quando sente a obrigação de justificar umas tantas quintas seguidas, não fossem os detractores chamá-lo ignorante ou inábil, Coelho não se limita a invocar precedentes generalizados. Repare-se em que, em tão poucas palavras, ele toca no ponto da influência dos objectivos de conteúdo estético e em certos meios de os atingir, neste caso o abrir excepção a uma regra formal, excepção que, apesar da consagração prática, podia ainda ser considerada discutível. "Acharão às vezes duas quintas, porém são as que todos os autores admitem e usam, por serem uma maior e outra menor. E as mais das vezes se deixam ir por razão do passo, ou ar." O último parágrafo, com especificar utilidades para alunos e executantes já feitos, vai arrumando como más-línguas as que tentarem opor-se a uma perenidade que o compositor não deseja para sua própria honra. Confessar o contrário seria infracção a uma regra formal de humildade cristã menos flexível que a das quintas seguidas na condução das vozes polifónicas. "E sendo assim com diligência exercitadas estas *_Flores*, que para discípulos e tangedores benévolos desde a Primavera de meus anos cultivei, juntamente com voto e parecer de Músicos insignes que, nelas como brandos zéfiros aspirando, as fizeram crescer e multiplicar, de tal maneira frutificaram que por mais que o vendaval dos maldizentes se reforce e levante contra elas, nunca se murcharão, mas em seu vigor permanecerão, para mor louvor e glória de nosso Senhor Jesus Cristo e de sua santíssima mãe. _ámen." Estaria o bom padre Manuel em plena consciência convencido de que as suas flores iam vicejar ainda aos mais de 360 anos de idade? Se de facto o esteve, não se enganou. Só que entretanto, na maior parte desse tempo tanto, as suas *_Flores* e o seu próprio nome andaram universalmente esquecidos. A começar, está bem de ver, pelo pátrio Portugal (168). Nenhum dos nossos compositores musicais do passado conheceu sorte muito diferente, a não ser no manterem-se os mais deles ainda hoje praticamente desconhecidos de toda a gente. O outro grande nome da plêiade de compositores organistas portugueses dos séculos XVI e XVII é Pedro de Araújo. Sabe-se muito menos quem era e o que fez, além de

escrever as obras sobreviventes, do que em relação a Manuel :, Rodrigues Coelho e mesmo a António Carreira. Desconhecem-se local e data de nascimento. Há no entanto razão para supor que este tenha ocorrido entre 1610 e 1620. Assim Pedro de Araújo terá sido de idade não muito diferente das de um Samuel Butler, um La Fontaine, um Molière ou um Pascal. De 1662 a 1668 exerceu funções de mestre de Canto e professor de Música no Seminário Conciliar de Braga. É possível que tenha tangido ocasionalmente os órgãos da Sé bracarense mas não existe notícia de o haver feito, nem no exercício de algum cargo nem de qualquer outro modo. Tão-pouco se sabe onde e quando morreu. Tudo indica que um Pedro de Araújo falecido em Braga aos 9 de Dezembro de 1684 era outra pessoa. Ao certo sabemos, sim, que Pedro de Araújo foi um grande compositor, não só dentro da relatividade da história da música portuguesa, se bem que um dos seus significados sem dúvida consiste em ser ele o máximo continuador da admirável tradição te lista feita por António Correia, Manuel Rodrigues Coelho e outros. Note-se desde já que os seus dois mais ilustres antecessores exerceram as suas actividades principais em Lisboa, enquanto Araújo nos aparece como figura cimeira de um notável centro de cultura artística religiosa do norte de Portugal, muito votado a música de tecla. As composições de Araújo de que hoje dispomos encontram-se em dois códices manuscritos do século XVII, hoje pertencentes a bibliotecas públicas, e ainda um outro manuscrito de colecção particular. Aqueles dois códices são designados por *_Livro de obras de órgão de Fr. Roque da Conceição* e *_Livro de órgão do Mosteiro do Bouro* (respectivamente manuscrito 1607 da Biblioteca Municipal do Porto e manuscrito 964 da Biblioteca Pública de Braga, já antes mencionado). Tem sido admitida a hipótese de o mesmo Pedro de Araújo ter ajudado na feitura do segundo destes manuscritos, por volta de 1695, no óbvio pressuposto de ser ainda vivo. Quer isto dizer que, tal como em relação aos outros mestres teclistas portugueses dos séculos XVI e XVII, não temos a certeza de que, pelo menos em parte, os manuscritos sejam autógrafos. Ainda com relação aos tão rarefeitos dados biográficos, tem sido posta a questão de saber se Araújo terá estado em Itália. O alvitre baseia-se principalmente na análise da obra, na qual se encontram, no panorama da música teclista portuguesa, para não dizer na ibérica, as primeiras marcas extensas e profundas de barroco italiano de uma fase já avançada (Frescobaldi, Pasquini). A influência sobretudo de modelos de Roma e de Nápoles parece ter tomado o lugar das que, como vimos, tinham sido importadas de Inglaterra e dos Países Baixos. Eventuais assimilações de contributos específicos dos alaudistas franceses não terão assumido importância de maior. Em qualquer tentativa de caracterização da música de Araújo é fundamental apontar, em comparação com Manuel Rodrigues Coelho, um cromatismo bastante mais livre, o maior afastamento das escalas modais de referência e, do mesmo passo, um outro grau de atracção para os então ainda novos climas de maior-menor. No segundo destes aspectos, deve observar-se que Araújo não deixou de se apoiar ainda nos oito modos da Igreja, como aliás outros compositores mais novos, entre os quais Cabanilles. E vem a propósito advertir que, segundo parece, com a única excepção do espanhol :, Correa de Arauxo, nenhum dos grandes teclistas ibéricos aderiu ao sistema renascentista de doze modos que ficara ligado ao nome de Glareanus e, em alguma medida, ao de Damião de Góis, colaborador do *_Dodecachordon*. Quanto a formas designáveis, nem sempre de maneira bem definida, por terminologia da época, Pedro de Araújo combinou várias delas, nomeadamente o *ricercar*, a *canzone* e a *diferença*, chegando próximo da livre fantasia que ficou a dar pelo nome internacionalizado de *capriccio*. No que respeita à batalha, Araújo

apresenta-se-nos como expoente principal do florescimento desse género no Norte do país. Florescimento que, pelo que implica de meios de execução disponíveis, convida a admitir que, como Gerhard Doderer aventou, aí existissem instrumentos mais aperfeiçoados do que hoje se supõe, em centros de cultura musical tão activos como os conventos cistercienses ou beneditinos das imediações do Porto. Considerando não só as batalhas, mas a globalidade das composições de Araújo que se conhecem, pode dizer-se que uma parte relativamente grande se mostra tão adequada à execução ao cravo e ao clavicórdio como ao órgão, se bem que este tenha sido em regra o primeiro destinatário. Como seria de esperar, a escrita, desenvolvida sobre a base estrutural da polifonia geralmente a quatro vozes, pressupõe certos progressos da técnica instrumental do século XVII. É de salientar a abundância e variedade das glosas nos tentos de Pedro de Araújo, bem como o papel chamado a representar por elementos de escalas. Não pode no entanto levar-se tal elaboração à conta de mera exteriorização ornamental ou virtuosística, a ocultar faltas de verdadeira expressividade anímica. Esta observação envolve o aspecto harmónico, na sua riqueza de colorido e dissonância, aspecto que é um dos que apontam maiores afinidades com teclistas coetâneos espanhóis e italianos meridionais. Na construção interna dos tentos, muitos dos quais são politemáticos, entra por vezes em jogo uma inter-relação unificadora. Por exemplo, nalguns deles o primeiro contra-sujeito é uma variante, com diminuição de figurações rítmicas, do sujeito antes exposto. O alto grau de complexidade que objectivamente pode atingir o politematismo de Araújo deve ser aqui referido. Mas tão-pouco se torna lícito sobrevalorizar esses traços exteriores. Na verdade, eles são i~ dissociáveis daquilo que faz de Pedro de Araújo um representante superlativo da música teclista da Península e, por maioria de razão, de Portugal, dentro da grande tradição do tento. Ou seja, o grande valor artístico das suas páginas representativas, onde, num contexto histórico-cultural tão favorável a artificialismos de exibição, domina uma expressão profundamente séria, a cujo serviço estão arquitecturas sonoras magistralmente edificadas, por igual reveladoras de uma insigne personalidade criadora. Do nosso ponto de vista, condicionado pela informação de que hoje dispomos, António Carreira, Manuel Rodrigues Coelho e Pedro de Araújo são indiscutivelmente os compositores portugueses marcantes, no capítulo teclista em referência, cingido aos séculos XVI e XVII. É porém indispensável acentuar agora, por um lado, que não foram casos desgarrados de uma realidade sociocultural portuguesa, senão que crescimentos individuais :, acima do valor médio de muitos outros músicos portugueses da mesma tradição, em actividade a diferentes níveis hierárquicos e ao serviço de diversas instituições sempre da esfera da Igreja; e, por outro lado, que a impossibilidade de tratar no mesmo plano mais alguns desses outros compositores, pode dever-se apenas à ignorância em que ainda estamos da quase totalidade das suas composições, não bastando as pouquíssimas restantes para lhes prestar toda a justiça, considerando embora a superior qualidade destas. Heliodoro de Paiva é exemplo desta situação. Nascido provavelmente em Lisboa no princípio do século XVI, uns vinte e poucos anos mais velho que António Carreira e com aproximadamente os mesmos de Damião de Góis, ele é o mais antigo compositor português de quem hoje conhecemos obras de autoria identificada. Era filho de Bartolomeu de Paiva, guarda-roupa régio e vedor das obras do reino, e de Filipa de Abreu, ama-de-leite de D. João III. Era, portanto, irmão-de-leite d'o Piedoso. Como cónego regrante de St.o Agostinho, Dom Heliodoro de Paiva passou parte da sua vida em Coimbra, no mosteiro de St.a Cruz. Na cidade do Mondego veio a falecer, a 20 de Dezembro de 1552. Se a origem nobre lhe facilitou a vida, ela não bastaria no entanto para que aos seus méritos artísticos e à sua cultura de homem do

Renascimento se prestassem homenagens tão declaradas como a que se lê na *_Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Patriarca St.o Agostinho* (1668), de Dom Nicolau de Santa Maria. "Foi também grande escrivão de todas as letras, iluminava e pintava excelentemente. Era cantor e músico mui destro, e contrapontista; compôs muitas missas e magníficas de canto de órgão, e motetes mui suaves; tangia órgão, craviórgão com notável arte e graça; tangia viola de arco e tocava harpa, e cantava a ela com tanta suavidade que enlevava os ouvintes. E com ter tantas partes juntas, era muito humilde e nunca usou delas com soberba ou vanglória, mas com muita modéstia e mansidão." Este elogio está em consonância com o exarado no assento de óbito segundo o qual Dom Heliodoro tinha sido "muito bom teólogo, muito bom hebraico, grego, latino, filósofo músico, muito perfeito universal em toda a música, em compor muitas e boas obras que cada dia se podem ver suas ss. missas, magníficas, motetes, muito bom tangedor, e contrapontista, escrivão perfeito e tanto que todas as línguas escrevia muito perfeitamente como ele melhor vira, escritas, chamava-lhe o bispo reformador [Fr. Brás de Braga] pedaço de toda a cousa porque de tudo sabia". A não ter havido exagero de maior, dificilmente se encontrará entre todos os compositores portugueses, até hoje, quem exceda ou sequer iguale o humanista crúzio na acumulação de conhecimentos e capacidades várias com a de criar obras musicais de primeira ordem. Da música instrumental de Heliodoro de Paiva apenas se conhecem hoje três tentos a quatro partes, incluídos no manuscrito musical 242 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Como seria de esperar de um :, compositor da primeira metade de Quinhentos, estes provem, numa relação ainda bastante directa, de música vocal polifónica. Todos são música excelente, de carácter politemático, chegando a cinco o número de motivos diferentes. Dois dos tentos não têm divisórias abruptas entre as secções, processando-se portanto em continuidade polifónica a passagem de uma para outra. O tema inicial de um destes (o do 4.o tom) tem parentesco com a melodia do soneto "*_Qué llantos son aquestos*", de Alonso Mudarra. Como o soneto é uma lamentação da morte, em 1545, da infanta D. Maria, filha de D. João III e primeira mulher do futuro Filipe II, Santiago Kastner admitiu a hipótese de a composição do português ter o mesmo significado. E até de ser sua a melodia usada por Mudarra. Na peça restante (a de 5.o tom), as secções, em número de três, estão nitidamente delimitadas por fórmulas cadenciais. Este esquema formal é frequente em Cabezón. Nem neste nem nos dois outros tentos há interlúdios ou segmentos homófonos, para contraste com a polifonia imitativa própria do *ricercar*. Não obstante a indispensável filiação modal, não deixa de se sentir algo da tendência geral para a tonalidade, que já então se manifestava na música europeia. Outro compositor quinhentista português de quem se conhece muito pouca música é António de Macedo, nascido talvez em Lisboa e falecido possivelmente em Madrid, no princípio do século XVII. Há notícia de que em 1587 "lhe fez el-rei mercê de três moios de trigo. Pela sua boa voz, de certo, foi chamado à corte de Madrid. Ali D. Filipe, por alvará de 20 de Outubro de 1589, lhe fez mercê de 500 cruzados de bens confiscados aos comprometidos na rebelião de D. António, Prior do Crato, a fim de ele poder meter freiras duas irmãs". Tais mercês, ainda que de senhores tão absolutos, podiam levar muito tempo a concretizar-se, quando se não diluíam na eternidade. António de Macedo não teve de esperar tanto como isso. "Em satisfação daquele alvará lhe foram dadas, em 23 de Novembro de 1591, umas casas no valor de 300 cruzados, sitas na Rua Direita de Santana, pertencentes a Luiz _álvares de Lemos. Só passados anos, em 1600, é que lhe foram pagas." Ignora-se o que entretanto sucedeu às duas senhoras.

De Macedo existem *obras* ou *tentos* no referido manuscrito 242 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Aí se encontra também uma importante elaboração ornamentada de um *ricercar* do italiano Giulio Segné da Modena que pode muito bem ser de sua lavra. Santiago Kastner salientou 0 que, numa daquelas três composições, faz supor que António de Macedo fosse artista experimentado nos domínios da canção profana a várias vozes. Porque, em possível relação com o excelente cantor que com certeza foi, a escrita vertical e a articulação melódica de canção secular preponderam sobre os traços propriamente de polifonia imitativa. O partido expressivo, através de subtis diferenciações, que pode tirar-se do jogo de repetição de frases sugere que se torne desejável a execução no clavicórdio. As outras duas peças estão muito mais perto da polifonia vocal religiosa. Uma delas, cuja extensão de 387 compassos excede o normal de composições especificamente teclistas da época, pode mesmo ser aproveitamento ao pé da letra de música vocal da esfera do motete. É no fim desta obra que Macedo :, ganha maior desenvoltura por via de sequências e saltos de tessitura propícios a efeitos espectaculares ao gosto maneirista. Finalmente, a restante peça apresenta particularidades de outro modo interessantes. Depois de várias secções em metro binário, vem uma ternária que assume carácter de dança e põe termo à composição. Esta prática parece ter sido pouco frequente na música organística portuguesa do século XVI, sendo-o porém bastante na espanhola. Recorde-se que mais tarde, as secções ternárias em ar de dança vieram a ser muito apreciadas em Portugal. O curioso é que Macedo empregou nesse epílogo material de outro tento seu, o primeiro acima referido. Advirta-se que a autoria destas composições não está indiscutivelmente identificada. No manuscrito, ao cimo da primeira, lê-se o apelido Macedo (169). A segunda e terceira não trazem indicação de autor. Nem a referida transcrição do *ricercar* de Giulio Segni, incluído na colecção impressa *_Musica nova* (Veneza, 1540). Se a atribuição a António de Macedo é correcta, o seu trabalho comprova notável arte de amoldar o vocal ao instrumental de tecla, com relevo para a glosa. Em compensação de tais incertezas, é seguro, como o provou Ernesto Gonçalves de Pinho (170), que o pagamento de um *tento de meio registo* incluído no manuscrito musical 48 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra é do crúzio Dom Gabriel da Anunciação, falecido em Coimbra aos 14 de Junho de 1603, com "mais de cinquenta anos de hábito". O seu "talento na Religião era ser bom mestre de canto e governar muito bem um coro". Além do que "tangia os órgãos arrazoadamente". Recorde-se que aquele fragmento constitui o intrigante caso, já aludido, de primeira designação de "meio registo" hoje conhecida, em toda a história da música organística ibérica. Outro crúzio tem sido incomparavelmente mais mencionado. Não, porém, como autor da música de tecla -- que de facto foi -- se não que do tratado, oxalá que um dia reaparecido, *_Lira de arco* ou *_Arte de tanger rabeca*. O mesmo Dom Agostinho da Cruz compilou um *_Prado musical para órgão* e "duas Artes, uma de cantochão por estilo novo, outra de órgão com figuras muito curiosas compostas no ano de 1632", ambas dedicadas a D. João IV, obras que tão-pouco chegaram até nós. Na cronologia dos músicos de tecla portugueses, Agostinho da Cruz situa-se entre Manuel Rodrigues Coelho e Pedro de Araújo. Nasceu por volta de 1590, em Braga, e morreu provavelmente em Coimbra, aos 19 de Junho de 1633. Uma vida inteira sob a dominação espanhola. Cónego regular de St.a Cruz de Coimbra, aí recebeu o hábito em 1609. Mais tarde foi mestre de coro no mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa. Agostinho da Cruz ganhou reputação de excelente executante de órgão e viola. Como compositor de tecla, apenas se conhecem um tento e um verso, o primeiro incluído no

manuscrito 1607 da Biblioteca Municipal do Porto, o segundo na colecção de Manuel Joaquim (171). A concepção e a escrita indicam afinidades, com os grandes expoentes do tento para tecla seiscentista. No mesmo manuscrito do Porto, e também no 964 da Biblioteca Pública de Braga, encontra-se a única obra identificada como da autoria de Fr. João de Cristo. Este monge cisterciense fixado em Lisboa e, a partir de 1614, no :, convento de St.a Maria de Alcobaça, teve elevada reputação de organista e mestre de musica. Sabe-se que produziu muito mais composições, nomeadamente paixões a quatro vozes. Morreu em 1654. Caso bastante diverso de todos os que têm vindo a ser aqui focados, mas não menos interessante, até pelo que tem de enigmático, é o de Gaspar dos Reis. Não se sabe quando nasceu este músico formado por Duarte Lobo em Lisboa. Nos anos 30 do Seiscentos foi mestre de capela da Igreja de S. Julião. Em 1639, o duque de Bragança, pouco depois rei de Portugal D. João IV, concedeu-lhe uma mercê de 10.000 réis. As funções de mestre de capela da Sé de Braga deve-as Gaspar dos Reis ter começado a exercer na qualidade de substituto, só a partir da morte do titular Manuel Cabreira, em 1645, se tornando definitivas. O cargo pertenceu-lhe até a morte, ocorrida em 8 de Outubro de 1674. No catálogo da Livraria de D. João IV, Gaspar dos Reis aparece como autor de vilancicos. Mas não é todavia este aspecto o que no presente contexto instrumental nos interessa, senão que o directamente ligado ao manuscrito 1576 da Biblioteca Municipal do Porto, intitulado *_Tenção de João da Costa de Lisboa*. Não se trata, porém, de uma colecção de tentos e composições afins, como poderia esperar-se dum seguimento da nossa temática teclista. A música incluída no extenso manuscrito deve ter sido composta nos anos 30. A sua grande maioria parece ser de Gaspar dos Reis, respeitosamente designado por Mestre Reis. Entre as epígrafes das muitas peças que lhe são atribuídas sirvam de exemplo as fugas "sobre o canto chão às avessas", os "concertados sobre canto chão de Ave Maris Stella", concerto "sobre o sol, lá, si, dó, ré, mi a 3 com dois lás", concerto "para só um tiple e canto chão", "tento a 4 com oitava", ou "lições a uma voz sobre o canto chão". A *_Tenção* tem todo o aspecto de tratado de contraponto para fins práticos de ensino e exercício. A religiosidade que domina o conjunto de trechos musicais reforça a suposição de ela se ter destinado a uma catedral provavelmente a Sé de Braga. Quanto ao vocábulo *tenção*, é duvidoso o sentido que se lhe deve atribuir. Pode ter significado qualquer coisa como tema, padrão, modelo; ou acentuado algum carácter de exercício competitivo, incidindo obrigatoriamente sobre determinada entidade musical como fosse um módulo melódico ou uma sucessão hexacórdica. No princípio do manuscrito encontra-se um esclarecimento não muito informativo: "Mandou esta *_Tenção* de Castela a Portugal um insigne Maestro Compositor para sobre ela se fazerem várias couzas como fizeram João da Costa, Fr. André e o Mestre Gaspar dos Reis e outros." Estas palavras podem ser de quem muito mais tarde, já no fim do século, fez as cópias de que resultaram o manuscrito que hoje conhecemos. O que uns sessenta anos antes pode ter sucedido é que o mencionado João da Costa (de Lisboa), de quem nada se sabe ao certo, tenha sido quem entregou a "tenção" a Mestre Reis, da parte de Mateo Romero "Capitán". Isto, talvez com magna influência do duque de Bragança D. João, ainda não guindado ao trono real. O "insigne Maestro Compositor" seria então Mathieu Rosmarin, nascido por volta de 1575 em Lüttich (172) e fixado desde muito novo em Madrid. :,

Em Espanha veio a ser conhecido por Mateo Romero, Mestre Capitán, ou simplesmente Capitán. Foi mestre da Capela Flamenga que Filipe II criara em Madrid, bem como inspector superior da música. D. João IV teve-o na conta de grande autoridade em matéria musical. Por um exemplar do seu tratado *_El porque de la musica*, ofereceu o monarca português o espantoso pagamento de cem mil réis. O ordenado anual do mestre da capela real era de aproximadamente oitenta mil reis. Quanto ao também referido Fr. André, considera-se muito provável que se trate de Fr. André da Costa, falecido em 1685, que pertenceu à capela real nos tempos de D. Afonso VI e D. Pedro II e se distinguiu como harpista notável. De qualquer modo, e ainda que o seu recheio não tenha aplicação de maior como reportório actual de concertistas, a *_Tenção* constitui uma interessante e muito importante confirmação de que no Portugal de meados de Seiscentos continuava a cultivar-se em alto nível a ciência da composição musical, bem como da execução. O conteúdo do manuscrito reflecte o muito rigor na aquisição de conhecimentos teóricos e de aptidões práticas das mais difíceis. A insistência em matéria essencialmente polifónica, num período em que os vectores histórico-musicais se norteavam já tanto pelo pólo da harmonia acórdica, não implica de forma alguma um atraso obsoleto. Por um lado, não esqueçamos que quando Gaspar dos Reis morrer, em 1674, faltarão ainda mais de dez anos para que nasça Johann Sebastian Bach. Por outro lado, não faltam na *_Tenção* aspectos harmónicos actualizados para a época. Antes de prosseguirmos, convém atentar um pouco nalgumas designações do mesmo manuscrito. O termo *fuga* deve aí ser entendido como processo imitativo, canónico, da entrada das "vozes" ou partes da polifonia, que podem ser em número de três, quatro, cinco e seis. São trechos sempre muito curtos, não excedendo os sete compassos, firmados sempre no mesmo cantochão de sol sustenido ou natural, si, lá, ré, que assim constitui um módulo melódico. Sob o título geral de *_Tenção*, dezasseis dos trechos da colectânea têm a mesma designação, um deles com a indicação de se tratar de *_La sola de mi querida* e com a menção autoral de Mateo Romero, todos os outros presumivelmente de Gaspar dos Reis. Neste sector, o módulo melódico mantém-se o mesmo, alternando como vimos, com sucessões hexacórdicas. As *cláusulas* são cadências polifónicas, os *concertos* consistem em poucos compassos baseados em hexacórdios e com um característico dialogar das vozes da polifonia. As *lições* a uma voz com *cantus firmus* fomentam a arte de glosar sobre cantochão, enquanto os *concertados* e os últimos concertos da colecção, também provavelmente de Gaspar dos Reis, são exemplos de construções elaboradas, com o carácter da sapiente organização, ou unificação, de algo de diverso. É muito possível que vários trechos tenham sido concebidos para execução não exclusivamente ao órgão, senão que por um conjunto de instrumentos. Quando hoje passamos ao teclado pecas da *_Tenção*, torna-se fácil aceitar que, pelo menos em parte, elas se tenham destinado a fins funcionais, em cerimónias religiosas, além dos didácticos. Por exemplo, muitos dos curtos *exercícios* podem ter sido úteis para efectivos apoios e encadeamentos do cantochão. :, O que acima se disse quanto à inadequação para reportórios de concertistas actuais não recusa outras possibilidades de recuperação prática. Ao mesmo tempo que fornece bom material de estudo para principiantes de instrumentos de tecla -- tantas vezes massacrados com ginásticas e paciências sem o mínimo valor estético -- a *_Tenção* poderia inclusivamente ser aproveitada no plano da criação, num momento histórico tão marcado por aberturas formais, citações, colagens e outras modalidades de apropriação, em geral menos atraídas por música do século XIX, e mesmo XVIII, do que pelas de períodos anteriores. Retomando a amostragem comprovativa de que o florescimento teclista português foi obra colectiva que envolveu muito mais músicos do que os que se tornaram célebres, acrescentemos ainda os nomes de Fr. Hilário da Cruz, Fr. Francisco de St.o António,

António Correa Braga, Fr. Diogo da Conceição, José Leite da Costa, Fr. Luís Coutinho, Fr. Carlos de S. José e Fr. Pedro de S. Bernardino. O primeiro, falecido em 1665, foi dado como consumado filósofo e teólogo, "admirável pregador, destríssimo músico, compositor famoso de solfa, destríssimo tangedor de órgão" e, como se tanto não bastasse, "primoroso poeta latino". Fr. Francisco de St.o António nasceu um Moura, por volta de 1632, mas teve em Lisboa as principais actividades. Na sua ordem houve quem não hesitasse elogiá-lo como "um dos mais insignes mestres e compositores de órgãos e cravos que no seu tempo viu Portugal", com o interessante pormenor de ter sido "igualmente douto em os tocar e afinar". Por afinar os órgãos da capela real, "tinha todos os anos ordenado de Sua Majestade, e o mesmo tinha na Santa Sé de Lisboa por afinar e reformar os seus órgãos". Fabricou, entre outros, um órgão grande que acabou por ser instalado em Vila Viçosa, sendo "dos melhores que tem toda a província do Alentejo". Morreu em Lisboa em 1702. António Correa Braga, de quem se conhece uma batalha, terminou os seus dias em 1704. Supõe-se que fosse ele o agostinho do Mosteiro de St.a Cruz de Coimbra, identificado como professor de música e regente do coro do Seminário Conciliar de Braga. De Fr. Diogo da Conceição nada se sabe, além do ter escrito uma batalha, um meio-registo e alguns versos que escaparam aos extravios e destruições do tempo. O mesmo cabe dizer de José Leite da Costa, Fr. Luís Coutinho e Fr. Carlos de S. José, com a diferença de só termos hoje conhecimento de uma obra de cada um destes. Quanto ao alentejano de Campo Maior Fr. Pedro de S. Bernardino, que nasceu cerca de 1665 e morreu já bem dentro do século XVIII, aos 26 de Janeiro de 1723, o elogio póstumo que lhe foi feito atesta não só quanto se apreciava o talento da execução ou, como hoje dizemos, interpretação em instrumentos de tecla, mas também a relativamente frequente acumulação desses dotes com os de organeiro, dentro duma concepção oficinal que não distinguia totalmente uma função da outra. Foi "discípulo do grande mestre António Marques Lésbio, com cuja doutrina se fez insigne compositor; além desta prenda, teve a de ser maravilhoso tangedor de cravo e órgão, cujos instrumentos sabia fazer com grande primor." Tem interesse também a confirmação, bem explícita e individuada, de ser normal que senhoras da mais alta nobreza se industriassem nos manuseamentos de cravos e órgãos, para que os mestres indicados eram, a todos os :, títulos, os clérigos músicos especializados na matéria. Nos mesmos instrumentos foi Fr. Pedro "mestre da Ex.ma Sr.a Duquesa de Lafoens, mulher do Sereníssimo Sr. D. Miguel filho do Sr. Rei D. Pedro II". Ficamos ademais sabendo que "no convento de Nossa Sr.a do Espinheiro da Ordem de São Jerónimo extramuros da Cidade de Évora fez o órgão de que hoje usa, e assim mais outros para alguns da nossa Ordem" [de S. Paulo, primeiro eremita da Congregação da Serra d'_Ossa]; que "compôs várias obras de Lamentações para os ofícios da Semana Santa, e para os de defuntos os seus responsórios, e algumas Lições e muitos vilancicos"; e que "teve muitos anos com licença da Ordem a ocupação de Organista da Santa Sé de _évora, na qual deixou bons discípulos, que lhe sucederam no mesmo ministério". Observe-se que assim como acontecia músicos eclesiásticos especialmente gabados como instrumentistas comporem, e bem, obras vocais, assim também os mais afamados mestres da polifonia cantada muitas vezes se distinguiram também nos domínios instrumentais. Sirva de exemplo Fr. Manuel Cardoso. Além de, como vimos, ser sua uma abonação impressa nas *_Flores de música* de Manuel Rodrigues Coelho, sabe-se que foi organista emérito, a julgar pelo que se lê nas *_Memórias históricas* de Fr. Manuel de Sá: "Foi tão raro na humildade, que nunca quis usar dos privilégios que lhe eram concedidos aos seus anos e às suas ocupações, e entrava a semanas a tocar órgão (no qual foi também insigne) e nunca se quis eximir de o fazer na semana que lhe tocava por turno." Não se conhece, porém, nenhuma obra

especificamente instrumental identificada como sua. Finalmente, convém advertir que o brilho da música tangida em instrumentos no Portugal maneirista e barroco se deveu também, em parte, a músicos estrangeiros notáveis aqui fixados. Neste aspecto, oferece-se-nos como exemplo o basco Diego (ou Diogo) de Alvarado, nascido cerca de 1580 e falecido em 1643, em Lisboa. Alvarado foi organista da capela real desde 1600 até morrer. A partir de 1604, aí teve a Manuel Rodrigues Coelho por colega. Conhecem-se duas composições de sua autoria, uma das quais é, na autorizada opinião de Santiago Kastner, "obra de antologia e um dos cumes entre toda a produção de tentos" (*_Pange língua more hispano*). O outro tento é, em parte, contrafacção de uma fantasia de António Carreira. Considerações finais (173) Chegados ao fim deste resumo da música portuguesa renascentista, vemos que sobressaem dele vultos notáveis como Manuel Mendes, Filipe de Magalhães, Duarte Lobo, Francisco Martins e Manuel Cardoso; como António Carreira e Manuel Rodrigues Coelho; como Vicente Lusitano, Damião de Góis e, embora não a título propriamente musical, Gil Vicente, um génio do teatro. :, Vemos também -- e este não é ponto de realçar menos -- que o brilho musical desse período medido entre a segunda metade de Quatrocentos e a de Seiscentos não foi feito pela só grandeza desses e outros casos individuais, mas antes por todo um movimento da sociedade portuguesa, incrementado pelos Descobrimentos e a consequente expansão do comércio, e envolvendo naturalmente um culto das artes, letras e ciências que nunca houvera em semelhante escala. Ponderando todos os atributos desses duzentos anos de música, e sem embargo de não conhecermos grande parte dela, dificilmente poderemos negar-lhes o direito de marcarem a época mais esplendorosa em toda a história da música portuguesa, como na da outra nação ibérica. Durante sessenta anos estiveram Portugal e Espanha sob a mesma Coroa, mas foi-lhes comum um tronco de cultura literário-musical durante todo o Renascimento, como o fora sempre; porventura pela analogia e relacionação dos problemas e dos feitos determinantes da história, mais do que por uma identidade atávica dos dois povos peninsulares. _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _sétimo _volume

_joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo _v (cont.) _instrumentos e execução instrumental (cont.) O outro grande nome da plêiade de compositores organistas portugueses dos séculos XVI e XVII é Pedro de Araújo. Sabe-se muito menos quem era e o que fez, além de escrever as obras sobreviventes, do que em relação a Manuel :, Rodrigues Coelho e mesmo a António Carreira. Desconhecem-se local e data de nascimento. Há no entanto razão para supor que este tenha ocorrido entre 1610 e 1620. Assim Pedro de Araújo terá sido de idade não muito diferente das de um Samuel Butler, um La Fontaine, um Molière ou um Pascal. De 1662 a 1668 exerceu funções de mestre de Canto e professor de Música no

Seminário Conciliar de Braga. É possível que tenha tangido ocasionalmente os órgãos da Sé bracarense mas não existe notícia de o haver feito, nem no exercício de algum cargo nem de qualquer outro modo. Tão-pouco se sabe onde e quando morreu. Tudo indica que um Pedro de Araújo falecido em Braga aos 9 de Dezembro de 1684 era outra pessoa. Ao certo sabemos, sim, que Pedro de Araújo foi um grande compositor, não só dentro da relatividade da história da música portuguesa, se bem que um dos seus significados sem dúvida consiste em ser ele o máximo continuador da admirável tradição te lista feita por António Correia, Manuel Rodrigues Coelho e outros. Note-se desde já que os seus dois mais ilustres antecessores exerceram as suas actividades principais em Lisboa, enquanto Araújo nos aparece como figura cimeira de um notável centro de cultura artística religiosa do norte de Portugal, muito votado a música de tecla. As composições de Araújo de que hoje dispomos encontram-se em dois códices manuscritos do século XVII, hoje pertencentes a bibliotecas públicas, e ainda um outro manuscrito de colecção particular. Aqueles dois códices são designados por *_Livro de obras de órgão de Fr. Roque da Conceição* e *_Livro de órgão do Mosteiro do Bouro* (respectivamente manuscrito 1607 da Biblioteca Municipal do Porto e manuscrito 964 da Biblioteca Pública de Braga, já antes mencionado). Tem sido admitida a hipótese de o mesmo Pedro de Araújo ter ajudado na feitura do segundo destes manuscritos, por volta de 1695, no óbvio pressuposto de ser ainda vivo. Quer isto dizer que, tal como em relação aos outros mestres teclistas portugueses dos séculos XVI e XVII, não temos a certeza de que, pelo menos em parte, os manuscritos sejam autógrafos. Ainda com relação aos tão rarefeitos dados biográficos, tem sido posta a questão de saber se Araújo terá estado em Itália. O alvitre baseia-se principalmente na análise da obra, na qual se encontram, no panorama da música teclista portuguesa, para não dizer na ibérica, as primeiras marcas extensas e profundas de barroco italiano de uma fase já avançada (Frescobaldi, Pasquini). A influência sobretudo de modelos de Roma e de Nápoles parece ter tomado o lugar das que, como vimos, tinham sido importadas de Inglaterra e dos Países Baixos. Eventuais assimilações de contributos específicos dos alaudistas franceses não terão assumido importância de maior. Em qualquer tentativa de caracterização da música de Araújo é fundamental apontar, em comparação com Manuel Rodrigues Coelho, um cromatismo bastante mais livre, o maior afastamento das escalas modais de referência e, do mesmo passo, um outro grau de atracção para os então ainda novos climas de maior-menor. No segundo destes aspectos, deve observar-se que Araújo não deixou de se apoiar ainda nos oito modos da Igreja, como aliás outros compositores mais novos, entre os quais Cabanilles. E vem a propósito advertir que, segundo parece, com a única excepção do espanhol :, Correa de Arauxo, nenhum dos grandes teclistas ibéricos aderiu ao sistema renascentista de doze modos que ficara ligado ao nome de Glareanus e, em alguma medida, ao de Damião de Góis, colaborador do *_Dodecachordon*. Quanto a formas designáveis, nem sempre de maneira bem definida, por terminologia da época, Pedro de Araújo combinou várias delas, nomeadamente o *ricercar*, a *canzone* e a *diferença*, chegando próximo da livre fantasia que ficou a dar pelo nome internacionalizado de *capriccio*. No que respeita à batalha, Araújo apresenta-se-nos como expoente principal do florescimento desse género no Norte do país. Florescimento que, pelo que implica de meios de execução disponíveis, convida a admitir que, como Gerhard Doderer aventou, aí existissem instrumentos mais aperfeiçoados do que hoje se supõe, em centros de cultura musical tão activos como os conventos cistercienses ou beneditinos das imediações do Porto. Considerando não só as batalhas, mas a globalidade das composições de Araújo que se

conhecem, pode dizer-se que uma parte relativamente grande se mostra tão adequada à execução ao cravo e ao clavicórdio como ao órgão, se bem que este tenha sido em regra o primeiro destinatário. Como seria de esperar, a escrita, desenvolvida sobre a base estrutural da polifonia geralmente a quatro vozes, pressupõe certos progressos da técnica instrumental do século XVII. É de salientar a abundância e variedade das glosas nos tentos de Pedro de Araújo, bem como o papel chamado a representar por elementos de escalas. Não pode no entanto levar-se tal elaboração à conta de mera exteriorização ornamental ou virtuosística, a ocultar faltas de verdadeira expressividade anímica. Esta observação envolve o aspecto harmónico, na sua riqueza de colorido e dissonância, aspecto que é um dos que apontam maiores afinidades com teclistas coetâneos espanhóis e italianos meridionais. Na construção interna dos tentos, muitos dos quais são politemáticos, entra por vezes em jogo uma inter-relação unificadora. Por exemplo, nalguns deles o primeiro contra-sujeito é uma variante, com diminuição de figurações rítmicas, do sujeito antes exposto. O alto grau de complexidade que objectivamente pode atingir o politematismo de Araújo deve ser aqui referido. Mas tão-pouco se torna lícito sobrevalorizar esses traços exteriores. Na verdade, eles são i~ dissociáveis daquilo que faz de Pedro de Araújo um representante superlativo da música teclista da Península e, por maioria de razão, de Portugal, dentro da grande tradição do tento. Ou seja, o grande valor artístico das suas páginas representativas, onde, num contexto histórico-cultural tão favorável a artificialismos de exibição, domina uma expressão profundamente séria, a cujo serviço estão arquitecturas sonoras magistralmente edificadas, por igual reveladoras de uma insigne personalidade criadora. Do nosso ponto de vista, condicionado pela informação de que hoje dispomos, António Carreira, Manuel Rodrigues Coelho e Pedro de Araújo são indiscutivelmente os compositores portugueses marcantes, no capítulo teclista em referência, cingido aos séculos XVI e XVII. É porém indispensável acentuar agora, por um lado, que não foram casos desgarrados de uma realidade sociocultural portuguesa, senão que crescimentos individuais :, acima do valor médio de muitos outros músicos portugueses da mesma tradição, em actividade a diferentes níveis hierárquicos e ao serviço de diversas instituições sempre da esfera da Igreja; e, por outro lado, que a impossibilidade de tratar no mesmo plano mais alguns desses outros compositores, pode dever-se apenas à ignorância em que ainda estamos da quase totalidade das suas composições, não bastando as pouquíssimas restantes para lhes prestar toda a justiça, considerando embora a superior qualidade destas. Heliodoro de Paiva é exemplo desta situação. Nascido provavelmente em Lisboa no princípio do século XVI, uns vinte e poucos anos mais velho que António Carreira e com aproximadamente os mesmos de Damião de Góis, ele é o mais antigo compositor português de quem hoje conhecemos obras de autoria identificada. Era filho de Bartolomeu de Paiva, guarda-roupa régio e vedor das obras do reino, e de Filipa de Abreu, ama-de-leite de D. João III. Era, portanto, irmão-de-leite d'o Piedoso. Como cónego regrante de St.o Agostinho, Dom Heliodoro de Paiva passou parte da sua vida em Coimbra, no mosteiro de St.a Cruz. Na cidade do Mondego veio a falecer, a 20 de Dezembro de 1552. Se a origem nobre lhe facilitou a vida, ela não bastaria no entanto para que aos seus méritos artísticos e à sua cultura de homem do Renascimento se prestassem homenagens tão declaradas como a que se lê na *_Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Patriarca St.o Agostinho* (1668), de Dom Nicolau de Santa Maria. "Foi também grande escrivão de todas as letras, iluminava e pintava excelentemente. Era cantor e músico mui destro, e contrapontista; compôs muitas missas e magníficas de canto de órgão, e motetes mui suaves; tangia órgão, craviórgão com notável arte

e graça; tangia viola de arco e tocava harpa, e cantava a ela com tanta suavidade que enlevava os ouvintes. E com ter tantas partes juntas, era muito humilde e nunca usou delas com soberba ou vanglória, mas com muita modéstia e mansidão." Este elogio está em consonância com o exarado no assento de óbito segundo o qual Dom Heliodoro tinha sido "muito bom teólogo, muito bom hebraico, grego, latino, filósofo músico, muito perfeito universal em toda a música, em compor muitas e boas obras que cada dia se podem ver suas ss. missas, magníficas, motetes, muito bom tangedor, e contrapontista, escrivão perfeito e tanto que todas as línguas escrevia muito perfeitamente como ele melhor vira, escritas, chamava-lhe o bispo reformador [Fr. Brás de Braga] pedaço de toda a cousa porque de tudo sabia". A não ter havido exagero de maior, dificilmente se encontrará entre todos os compositores portugueses, até hoje, quem exceda ou sequer iguale o humanista crúzio na acumulação de conhecimentos e capacidades várias com a de criar obras musicais de primeira ordem. Da música instrumental de Heliodoro de Paiva apenas se conhecem hoje três tentos a quatro partes, incluídos no manuscrito musical 242 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Como seria de esperar de um :, compositor da primeira metade de Quinhentos, estes provem, numa relação ainda bastante directa, de música vocal polifónica. Todos são música excelente, de carácter politemático, chegando a cinco o número de motivos diferentes. Dois dos tentos não têm divisórias abruptas entre as secções, processando-se portanto em continuidade polifónica a passagem de uma para outra. O tema inicial de um destes (o do 4.o tom) tem parentesco com a melodia do soneto "*_Qué llantos son aquestos*", de Alonso Mudarra. Como o soneto é uma lamentação da morte, em 1545, da infanta D. Maria, filha de D. João III e primeira mulher do futuro Filipe II, Santiago Kastner admitiu a hipótese de a composição do português ter o mesmo significado. E até de ser sua a melodia usada por Mudarra. Na peça restante (a de 5.o tom), as secções, em número de três, estão nitidamente delimitadas por fórmulas cadenciais. Este esquema formal é frequente em Cabezón. Nem neste nem nos dois outros tentos há interlúdios ou segmentos homófonos, para contraste com a polifonia imitativa própria do *ricercar*. Não obstante a indispensável filiação modal, não deixa de se sentir algo da tendência geral para a tonalidade, que já então se manifestava na música europeia. Outro compositor quinhentista português de quem se conhece muito pouca música é António de Macedo, nascido talvez em Lisboa e falecido possivelmente em Madrid, no princípio do século XVII. Há notícia de que em 1587 "lhe fez el-rei mercê de três moios de trigo. Pela sua boa voz, de certo, foi chamado à corte de Madrid. Ali D. Filipe, por alvará de 20 de Outubro de 1589, lhe fez mercê de 500 cruzados de bens confiscados aos comprometidos na rebelião de D. António, Prior do Crato, a fim de ele poder meter freiras duas irmãs". Tais mercês, ainda que de senhores tão absolutos, podiam levar muito tempo a concretizar-se, quando se não diluíam na eternidade. António de Macedo não teve de esperar tanto como isso. "Em satisfação daquele alvará lhe foram dadas, em 23 de Novembro de 1591, umas casas no valor de 300 cruzados, sitas na Rua Direita de Santana, pertencentes a Luiz _álvares de Lemos. Só passados anos, em 1600, é que lhe foram pagas." Ignora-se o que entretanto sucedeu às duas senhoras. De Macedo existem *obras* ou *tentos* no referido manuscrito 242 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Aí se encontra também uma importante elaboração ornamentada de um *ricercar* do italiano Giulio Segné da Modena que pode muito bem ser de sua lavra. Santiago Kastner salientou 0 que, numa daquelas três composições, faz supor que António de Macedo fosse artista experimentado nos domínios da canção profana a

várias vozes. Porque, em possível relação com o excelente cantor que com certeza foi, a escrita vertical e a articulação melódica de canção secular preponderam sobre os traços propriamente de polifonia imitativa. O partido expressivo, através de subtis diferenciações, que pode tirar-se do jogo de repetição de frases sugere que se torne desejável a execução no clavicórdio. As outras duas peças estão muito mais perto da polifonia vocal religiosa. Uma delas, cuja extensão de 387 compassos excede o normal de composições especificamente teclistas da época, pode mesmo ser aproveitamento ao pé da letra de música vocal da esfera do motete. É no fim desta obra que Macedo :, ganha maior desenvoltura por via de sequências e saltos de tessitura propícios a efeitos espectaculares ao gosto maneirista. Finalmente, a restante peça apresenta particularidades de outro modo interessantes. Depois de várias secções em metro binário, vem uma ternária que assume carácter de dança e põe termo à composição. Esta prática parece ter sido pouco frequente na música organística portuguesa do século XVI, sendo-o porém bastante na espanhola. Recorde-se que mais tarde, as secções ternárias em ar de dança vieram a ser muito apreciadas em Portugal. O curioso é que Macedo empregou nesse epílogo material de outro tento seu, o primeiro acima referido. Advirta-se que a autoria destas composições não está indiscutivelmente identificada. No manuscrito, ao cimo da primeira, lê-se o apelido Macedo (169). A segunda e terceira não trazem indicação de autor. Nem a referida transcrição do *ricercar* de Giulio Segni, incluído na colecção impressa *_Musica nova* (Veneza, 1540). Se a atribuição a António de Macedo é correcta, o seu trabalho comprova notável arte de amoldar o vocal ao instrumental de tecla, com relevo para a glosa. Em compensação de tais incertezas, é seguro, como o provou Ernesto Gonçalves de Pinho (170), que o pagamento de um *tento de meio registo* incluído no manuscrito musical 48 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra é do crúzio Dom Gabriel da Anunciação, falecido em Coimbra aos 14 de Junho de 1603, com "mais de cinquenta anos de hábito". O seu "talento na Religião era ser bom mestre de canto e governar muito bem um coro". Além do que "tangia os órgãos arrazoadamente". Recorde-se que aquele fragmento constitui o intrigante caso, já aludido, de primeira designação de "meio registo" hoje conhecida, em toda a história da música organística ibérica. Outro crúzio tem sido incomparavelmente mais mencionado. Não, porém, como autor da música de tecla -- que de facto foi -- se não que do tratado, oxalá que um dia reaparecido, *_Lira de arco* ou *_Arte de tanger rabeca*. O mesmo Dom Agostinho da Cruz compilou um *_Prado musical para órgão* e "duas Artes, uma de cantochão por estilo novo, outra de órgão com figuras muito curiosas compostas no ano de 1632", ambas dedicadas a D. João IV, obras que tão-pouco chegaram até nós. Na cronologia dos músicos de tecla portugueses, Agostinho da Cruz situa-se entre Manuel Rodrigues Coelho e Pedro de Araújo. Nasceu por volta de 1590, em Braga, e morreu provavelmente em Coimbra, aos 19 de Junho de 1633. Uma vida inteira sob a dominação espanhola. Cónego regular de St.a Cruz de Coimbra, aí recebeu o hábito em 1609. Mais tarde foi mestre de coro no mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa. Agostinho da Cruz ganhou reputação de excelente executante de órgão e viola. Como compositor de tecla, apenas se conhecem um tento e um verso, o primeiro incluído no manuscrito 1607 da Biblioteca Municipal do Porto, o segundo na colecção de Manuel Joaquim (171). A concepção e a escrita indicam afinidades, com os grandes expoentes do tento para tecla seiscentista. No mesmo manuscrito do Porto, e também no 964 da Biblioteca Pública de Braga,

encontra-se a única obra identificada como da autoria de Fr. João de Cristo. Este monge cisterciense fixado em Lisboa e, a partir de 1614, no :, convento de St.a Maria de Alcobaça, teve elevada reputação de organista e mestre de musica. Sabe-se que produziu muito mais composições, nomeadamente paixões a quatro vozes. Morreu em 1654. Caso bastante diverso de todos os que têm vindo a ser aqui focados, mas não menos interessante, até pelo que tem de enigmático, é o de Gaspar dos Reis. Não se sabe quando nasceu este músico formado por Duarte Lobo em Lisboa. Nos anos 30 do Seiscentos foi mestre de capela da Igreja de S. Julião. Em 1639, o duque de Bragança, pouco depois rei de Portugal D. João IV, concedeu-lhe uma mercê de 10.000 réis. As funções de mestre de capela da Sé de Braga deve-as Gaspar dos Reis ter começado a exercer na qualidade de substituto, só a partir da morte do titular Manuel Cabreira, em 1645, se tornando definitivas. O cargo pertenceu-lhe até a morte, ocorrida em 8 de Outubro de 1674. No catálogo da Livraria de D. João IV, Gaspar dos Reis aparece como autor de vilancicos. Mas não é todavia este aspecto o que no presente contexto instrumental nos interessa, senão que o directamente ligado ao manuscrito 1576 da Biblioteca Municipal do Porto, intitulado *_Tenção de João da Costa de Lisboa*. Não se trata, porém, de uma colecção de tentos e composições afins, como poderia esperar-se dum seguimento da nossa temática teclista. A música incluída no extenso manuscrito deve ter sido composta nos anos 30. A sua grande maioria parece ser de Gaspar dos Reis, respeitosamente designado por Mestre Reis. Entre as epígrafes das muitas peças que lhe são atribuídas sirvam de exemplo as fugas "sobre o canto chão às avessas", os "concertados sobre canto chão de Ave Maris Stella", concerto "sobre o sol, lá, si, dó, ré, mi a 3 com dois lás", concerto "para só um tiple e canto chão", "tento a 4 com oitava", ou "lições a uma voz sobre o canto chão". A *_Tenção* tem todo o aspecto de tratado de contraponto para fins práticos de ensino e exercício. A religiosidade que domina o conjunto de trechos musicais reforça a suposição de ela se ter destinado a uma catedral provavelmente a Sé de Braga. Quanto ao vocábulo *tenção*, é duvidoso o sentido que se lhe deve atribuir. Pode ter significado qualquer coisa como tema, padrão, modelo; ou acentuado algum carácter de exercício competitivo, incidindo obrigatoriamente sobre determinada entidade musical como fosse um módulo melódico ou uma sucessão hexacórdica. No princípio do manuscrito encontra-se um esclarecimento não muito informativo: "Mandou esta *_Tenção* de Castela a Portugal um insigne Maestro Compositor para sobre ela se fazerem várias couzas como fizeram João da Costa, Fr. André e o Mestre Gaspar dos Reis e outros." Estas palavras podem ser de quem muito mais tarde, já no fim do século, fez as cópias de que resultaram o manuscrito que hoje conhecemos. O que uns sessenta anos antes pode ter sucedido é que o mencionado João da Costa (de Lisboa), de quem nada se sabe ao certo, tenha sido quem entregou a "tenção" a Mestre Reis, da parte de Mateo Romero "Capitán". Isto, talvez com magna influência do duque de Bragança D. João, ainda não guindado ao trono real. O "insigne Maestro Compositor" seria então Mathieu Rosmarin, nascido por volta de 1575 em Lüttich (172) e fixado desde muito novo em Madrid. :, Em Espanha veio a ser conhecido por Mateo Romero, Mestre Capitán, ou simplesmente Capitán. Foi mestre da Capela Flamenga que Filipe II criara em Madrid, bem como inspector superior da música. D. João IV teve-o na conta de grande autoridade em matéria musical. Por um exemplar do seu tratado *_El porque de la musica*, ofereceu o monarca português o espantoso pagamento de cem mil réis. O ordenado anual do mestre da capela real era de aproximadamente oitenta mil reis. Quanto ao também referido Fr. André, considera-se muito provável que se trate de Fr. André da Costa,

falecido em 1685, que pertenceu à capela real nos tempos de D. Afonso VI e D. Pedro II e se distinguiu como harpista notável. De qualquer modo, e ainda que o seu recheio não tenha aplicação de maior como reportório actual de concertistas, a *_Tenção* constitui uma interessante e muito importante confirmação de que no Portugal de meados de Seiscentos continuava a cultivar-se em alto nível a ciência da composição musical, bem como da execução. O conteúdo do manuscrito reflecte o muito rigor na aquisição de conhecimentos teóricos e de aptidões práticas das mais difíceis. A insistência em matéria essencialmente polifónica, num período em que os vectores histórico-musicais se norteavam já tanto pelo pólo da harmonia acórdica, não implica de forma alguma um atraso obsoleto. Por um lado, não esqueçamos que quando Gaspar dos Reis morrer, em 1674, faltarão ainda mais de dez anos para que nasça Johann Sebastian Bach. Por outro lado, não faltam na *_Tenção* aspectos harmónicos actualizados para a época. Antes de prosseguirmos, convém atentar um pouco nalgumas designações do mesmo manuscrito. O termo *fuga* deve aí ser entendido como processo imitativo, canónico, da entrada das "vozes" ou partes da polifonia, que podem ser em número de três, quatro, cinco e seis. São trechos sempre muito curtos, não excedendo os sete compassos, firmados sempre no mesmo cantochão de sol sustenido ou natural, si, lá, ré, que assim constitui um módulo melódico. Sob o título geral de *_Tenção*, dezasseis dos trechos da colectânea têm a mesma designação, um deles com a indicação de se tratar de *_La sola de mi querida* e com a menção autoral de Mateo Romero, todos os outros presumivelmente de Gaspar dos Reis. Neste sector, o módulo melódico mantém-se o mesmo, alternando como vimos, com sucessões hexacórdicas. As *cláusulas* são cadências polifónicas, os *concertos* consistem em poucos compassos baseados em hexacórdios e com um característico dialogar das vozes da polifonia. As *lições* a uma voz com *cantus firmus* fomentam a arte de glosar sobre cantochão, enquanto os *concertados* e os últimos concertos da colecção, também provavelmente de Gaspar dos Reis, são exemplos de construções elaboradas, com o carácter da sapiente organização, ou unificação, de algo de diverso. É muito possível que vários trechos tenham sido concebidos para execução não exclusivamente ao órgão, senão que por um conjunto de instrumentos. Quando hoje passamos ao teclado pecas da *_Tenção*, torna-se fácil aceitar que, pelo menos em parte, elas se tenham destinado a fins funcionais, em cerimónias religiosas, além dos didácticos. Por exemplo, muitos dos curtos *exercícios* podem ter sido úteis para efectivos apoios e encadeamentos do cantochão. :, O que acima se disse quanto à inadequação para reportórios de concertistas actuais não recusa outras possibilidades de recuperação prática. Ao mesmo tempo que fornece bom material de estudo para principiantes de instrumentos de tecla -- tantas vezes massacrados com ginásticas e paciências sem o mínimo valor estético -- a *_Tenção* poderia inclusivamente ser aproveitada no plano da criação, num momento histórico tão marcado por aberturas formais, citações, colagens e outras modalidades de apropriação, em geral menos atraídas por música do século XIX, e mesmo XVIII, do que pelas de períodos anteriores. Retomando a amostragem comprovativa de que o florescimento teclista português foi obra colectiva que envolveu muito mais músicos do que os que se tornaram célebres, acrescentemos ainda os nomes de Fr. Hilário da Cruz, Fr. Francisco de St.o António, António Correa Braga, Fr. Diogo da Conceição, José Leite da Costa, Fr. Luís Coutinho, Fr. Carlos de S. José e Fr. Pedro de S. Bernardino. O primeiro, falecido em 1665, foi dado como consumado filósofo e teólogo, "admirável pregador, destríssimo músico, compositor famoso de solfa, destríssimo tangedor de órgão" e, como se tanto não bastasse, "primoroso poeta latino". Fr. Francisco de St.o António nasceu um Moura, por volta de 1632, mas teve em Lisboa as principais actividades. Na sua ordem houve quem não hesitasse elogiá-lo como "um dos mais insignes mestres

e compositores de órgãos e cravos que no seu tempo viu Portugal", com o interessante pormenor de ter sido "igualmente douto em os tocar e afinar". Por afinar os órgãos da capela real, "tinha todos os anos ordenado de Sua Majestade, e o mesmo tinha na Santa Sé de Lisboa por afinar e reformar os seus órgãos". Fabricou, entre outros, um órgão grande que acabou por ser instalado em Vila Viçosa, sendo "dos melhores que tem toda a província do Alentejo". Morreu em Lisboa em 1702. António Correa Braga, de quem se conhece uma batalha, terminou os seus dias em 1704. Supõe-se que fosse ele o agostinho do Mosteiro de St.a Cruz de Coimbra, identificado como professor de música e regente do coro do Seminário Conciliar de Braga. De Fr. Diogo da Conceição nada se sabe, além do ter escrito uma batalha, um meio-registo e alguns versos que escaparam aos extravios e destruições do tempo. O mesmo cabe dizer de José Leite da Costa, Fr. Luís Coutinho e Fr. Carlos de S. José, com a diferença de só termos hoje conhecimento de uma obra de cada um destes. Quanto ao alentejano de Campo Maior Fr. Pedro de S. Bernardino, que nasceu cerca de 1665 e morreu já bem dentro do século XVIII, aos 26 de Janeiro de 1723, o elogio póstumo que lhe foi feito atesta não só quanto se apreciava o talento da execução ou, como hoje dizemos, interpretação em instrumentos de tecla, mas também a relativamente frequente acumulação desses dotes com os de organeiro, dentro duma concepção oficinal que não distinguia totalmente uma função da outra. Foi "discípulo do grande mestre António Marques Lésbio, com cuja doutrina se fez insigne compositor; além desta prenda, teve a de ser maravilhoso tangedor de cravo e órgão, cujos instrumentos sabia fazer com grande primor." Tem interesse também a confirmação, bem explícita e individuada, de ser normal que senhoras da mais alta nobreza se industriassem nos manuseamentos de cravos e órgãos, para que os mestres indicados eram, a todos os :, títulos, os clérigos músicos especializados na matéria. Nos mesmos instrumentos foi Fr. Pedro "mestre da Ex.ma Sr.a Duquesa de Lafoens, mulher do Sereníssimo Sr. D. Miguel filho do Sr. Rei D. Pedro II". Ficamos ademais sabendo que "no convento de Nossa Sr.a do Espinheiro da Ordem de São Jerónimo extramuros da Cidade de Évora fez o órgão de que hoje usa, e assim mais outros para alguns da nossa Ordem" [de S. Paulo, primeiro eremita da Congregação da Serra d'_Ossa]; que "compôs várias obras de Lamentações para os ofícios da Semana Santa, e para os de defuntos os seus responsórios, e algumas Lições e muitos vilancicos"; e que "teve muitos anos com licença da Ordem a ocupação de Organista da Santa Sé de _évora, na qual deixou bons discípulos, que lhe sucederam no mesmo ministério". Observe-se que assim como acontecia músicos eclesiásticos especialmente gabados como instrumentistas comporem, e bem, obras vocais, assim também os mais afamados mestres da polifonia cantada muitas vezes se distinguiram também nos domínios instrumentais. Sirva de exemplo Fr. Manuel Cardoso. Além de, como vimos, ser sua uma abonação impressa nas *_Flores de música* de Manuel Rodrigues Coelho, sabe-se que foi organista emérito, a julgar pelo que se lê nas *_Memórias históricas* de Fr. Manuel de Sá: "Foi tão raro na humildade, que nunca quis usar dos privilégios que lhe eram concedidos aos seus anos e às suas ocupações, e entrava a semanas a tocar órgão (no qual foi também insigne) e nunca se quis eximir de o fazer na semana que lhe tocava por turno." Não se conhece, porém, nenhuma obra especificamente instrumental identificada como sua. Finalmente, convém advertir que o brilho da música tangida em instrumentos no Portugal maneirista e barroco se deveu também, em parte, a músicos estrangeiros notáveis aqui fixados. Neste aspecto, oferece-se-nos como exemplo o basco Diego (ou Diogo) de Alvarado, nascido cerca de 1580 e falecido em 1643, em Lisboa.

Alvarado foi organista da capela real desde 1600 até morrer. A partir de 1604, aí teve a Manuel Rodrigues Coelho por colega. Conhecem-se duas composições de sua autoria, uma das quais é, na autorizada opinião de Santiago Kastner, "obra de antologia e um dos cumes entre toda a produção de tentos" (*_Pange língua more hispano*). O outro tento é, em parte, contrafacção de uma fantasia de António Carreira. Considerações finais (173) Chegados ao fim deste resumo da música portuguesa renascentista, vemos que sobressaem dele vultos notáveis como Manuel Mendes, Filipe de Magalhães, Duarte Lobo, Francisco Martins e Manuel Cardoso; como António Carreira e Manuel Rodrigues Coelho; como Vicente Lusitano, Damião de Góis e, embora não a título propriamente musical, Gil Vicente, um génio do teatro. :, Vemos também -- e este não é ponto de realçar menos -- que o brilho musical desse período medido entre a segunda metade de Quatrocentos e a de Seiscentos não foi feito pela só grandeza desses e outros casos individuais, mas antes por todo um movimento da sociedade portuguesa, incrementado pelos Descobrimentos e a consequente expansão do comércio, e envolvendo naturalmente um culto das artes, letras e ciências que nunca houvera em semelhante escala. Ponderando todos os atributos desses duzentos anos de música, e sem embargo de não conhecermos grande parte dela, dificilmente poderemos negar-lhes o direito de marcarem a época mais esplendorosa em toda a história da música portuguesa, como na da outra nação ibérica. Durante sessenta anos estiveram Portugal e Espanha sob a mesma Coroa, mas foi-lhes comum um tronco de cultura literário-musical durante todo o Renascimento, como o fora sempre; porventura pela analogia e relacionação dos problemas e dos feitos determinantes da história, mais do que por uma identidade atávica dos dois povos peninsulares. CAPÍTULO VI A INVASÃO ITALIANA Música de tecla A música de tecla portuguesa a que nos temos referido deve considerar-se integrada na cultura ibérica, ainda que contenha alguns elementos de outras origens. Na transição do século XVII para o XVIII aparece considerável literatura musical deste género, nomeadamente a que consta em dois livros de órgão existentes na Biblioteca Municipal do Porto e num outro que se conserva na Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, todos eles manuscritos (174). Essa literatura organística é ainda de raiz peninsular. Mas, entre obras de músicos portugueses, como o notável Pedro de Araújo, encontra-se (no manuscrito de Braga) música italiana, designadamente de Bernardo Pasquini (1637-1710), figura de grande importância na história da música de tecla pelo muito que contribuiu para a fixação das formas da tocata, da sonata e da *suite*. Obras suas foram largamente divulgadas pela Europa do tempo, e não admira que também em Portugal houvesse conhecimento delas e que aqui exercessem desde logo influencia. É também de notar que existe na Biblioteca da Universidade de Coimbra um livro de órgão, que noutros tempos esteve no Mosteiro de St.a Cruz, com trechos de autores italianos, entre os quais Alessandro Scarlatti (1660-1725). Parece, portanto, que a infiltração italiana, precedente da verdadeira invasão a que vamos assistir dentro em pouco, se manifestou ainda em fins de Seiscentos, afectando compositores da geração de Francisco Vaz, organista durante dezanove anos na Sé de Coimbra. Não conhecemos obra alguma deste músico, mas havia que escrever-

lhe aqui o nome, não excepcional que veio em Coimbra no dia 11 25 de Agosto de 1742

pelo cargo de certo relevo que desempenhou, senão pelo valor a demonstrar seu filho José António Carlos de Seixas, nascido de Junho de 1704 e infelizmente destinado a viver apenas até (175). :,

Carlos Seixas José António Carlos de Seixas, ou simplesmente Carlos Seixas, como é conhecido, deve ter estudado com seu pai, cujas funções desempenhou depois da sua morte. Mas por pouco tempo -- uns dois anos --, pois que em 1720 se fixou em Lisboa. Apesar da sua juventude, Seixas ganhou fama de músico excelente, que parece trazia já de Coimbra e se avolumou na capital. Não tardou a nomeação para organista da Santa Sé Patriarcal, significando, *ipso facto*, que Seixas passava a pertencer à capela régia (176). Ficou notícia de o infante D. António, irmão de D. João V, ter encarregado Domenico Scarlatti de dar lições a Carlos Seixas. Porém, mal este pôs as mãos no teclado, o mestre napolitano teria dito que nada poderia ensinar ao português, antes aprender com ele. E a sua informação ao infante seria de que Seixas era um dos melhores músicos que em toda a sua vida tinha ouvido. Seja ou não verídico o episódio, e mesmo que não demos todo o crédito, por princípio, à reputação que em seu tempo tiveram os artistas, as obras de Carlos Seixas que chegaram aos nossos dias não permitem hesitações em contá-lo entre os maiores compositores portugueses (177). Na maior parte, as peças de Seixas são para órgão e para cravo, geralmente denominadas *tocata* ou *sonata*, termos que, neste caso, são sinónimos. Conservamse poucas obras para orquestra -- uma abertura, uma sinfonia e um concerto para cravo e orquestra de arcos -- e alguns trechos de música vocal religiosa. O estilo reflecte com nitidez a influência italiana e não pode confundir-se com os dos compositores portugueses renascentistas, pois que tem implícito muito do que de novo trouxera o movimento chamado *barroco*, possuindo mesmo já marcas nítidas do gosto galante que lhe sucedeu. Modelos franceses terão porventura servido também ao notável compositor, designadamente na abertura (*_Overture*) acima mencionada. A debatida questão de saber se Carlos Seixas sofreu ou exerceu influência em Domenico Scarlatti, quando da estada deste em Lisboa, é talvez impossível de resolver dentro do são critério. No entanto, desde que parece provada a data avançada das mais representativas obras do napolitano, devemos inclinar-nos à tese do musicólogo Santiago Kastner, segundo a qual Scarlatti aceitou de Seixas ideias fecundas para a sua arte genial. Kastner aponta também, em duas sonatas de Scarlatti, a influência do folclore português: uma canção da Estremadura e um fandango. A comparação entre os dois compositores esbarra com a grande disparidade das suas vidas. Scarlatti morreu aos 72 anos, Seixas aos 38! Pode, todavia, afirmar-se que o italiano demonstra mais sólida preparação técnica, que é mais rica a sua invenção, mais variada e equilibrada a sua planificação formal, mais brilhantes os efeitos que obtém. Em Seixas vale mormente a inspiração melódica de índole lírica, subjectiva, por vezes melancólica, na qual têm sido apontados caracteres essencialmente portugueses, quiçá realçados pela lembrança da poética paisagem coimbrã. Não se conhecem dados biográficos de Fr. Jacinto, mas é de supor que fosse contemporâneo de Carlos Seixas. A pouca música de sua autoria de que temos conhecimento é escrita no mesmo estilo, sem qualquer inovação na :, factura, mas valiosa pela sua qualidade artística. Revela uma perícia técnica talvez superior à de Seixas e, como as sonatas deste, mantém-se hoje actual, com todo o direito a figurar mais amiúde nos programas dos cravistas ou pianistas. Note-se, a propósito, que a música deste estilo resulta bem no moderno pianoforte, se bem que lhe faça

falta a gama dos timbres característicos do cravo (178, 179). Aspectos musicais da corte de D. João V Um acontecimento importante para a história da música em Portugal foi a exploração do oiro do Brasil, que só começou uns duzentos anos depois da viagem de Pedro Álvares Cabral. Novo influxo para as finanças portuguesas, aparente resolução dos magnos problemas da administração e, portanto, realização de meios necessários para se atingirem esplendores artísticos muito ao gosto do tempo e estimulados pelo exemplo de um Luís XIV, que todos os monarcas se empenhavam em imitar (180). Acresce que D. João V casou com uma princesa da sumptuosa Casa de Áustria, D. Mariana, filha do imperador Leopoldo I, que, ele próprio, foi compositor de mérito. Tudo se conjugava para o brilho musical da corte d'o Magnânimo, aspecto particular de uma orientação que tem na elevação de Lisboa a patriarcado e na construção do Convento de Mafra expoentes dos mais elucidativos. Aliás, a música não decaíra de todo nas cortes dos imediatos sucessores de D. João IV. Com efeito, D. Afonso VI restabelecera a música de câmara, sob a direcção de Fr. Filipe da Madre de Deus, afamado compositor de tonos; e D. Pedro II teve como mestre de capela um músico de renome, António Marques Lésbio (1639-1709), que soube corresponder ao gosto barroco escrevendo para avultado número de vozes. Era também poeta, o que lhe permitia escrever não só a música, mas também os versos dos seus vilancicos. Apoiado nas receitas do tesouro, D. João V pagou por bom preço as cópias de livros de coro usados no Vaticano, não olhou tão-pouco a despesas quando se tratou de mandar vir cantores da capela pontifícia e decerto sentiu íntima satisfação quando conseguiu que um artista cuja classe guindara a mestre da Capela de S. Pedro aceitasse o cargo que lhe mandara oferecer em Lisboa (181). Esse músico de justificado destaque era Domenico Scarlatti, de quem, segundo reza a *_Gazeta de Lisboa*, se cantou na Igreja de S. Roque, no último dia do ano de 1721, o hino *_Te Deum Laudamus*, em celebração de agradecimento de todos os benefícios concedidos por Deus Nosso Senhor, durante o ano, a este reino e seus habitantes. A notícia diz-nos também que a igreja estava magnificamente decorada e cheia de infinitas luzes, que os músicos se dispunham em tribunas triangulares especialmente construídas para o efeito, que toda a nobreza esteve presente e que semelhantes solenidades se haviam realizado em anos anteriores (182). Scarlatti chegou provavelmente a Lisboa em Setembro de 1719. É possível que no dia 24 desse mês tivesse já participado na serenata que :, teve lugar no palácio real, cantada pelos músicos que o monarca chamara de Roma. Cerca de um ano depois comemorou-se o aniversário da rainha com a serenata *_Contesa delle stagioni*, com música de Scarlatti, que não foi a única obra de vulto por ele composta para a corte portuguesa. Na capela de D. João V Scarlatti tinha sob as suas ordens trinta a quarenta cantores e aproximadamente outros tantos instrumentistas, na maioria italianos. Os instrumentos que tocavam eram violinos, violas de arco, violoncelos, oboés e outros, sem esquecer o indispensável órgão. Entre os cantores, estava representada a classe dos *castrati*, como em todas as capelas que se prezassem. Muitas crianças do sexo masculino foram desvirilizadas nesses tempos em Itália, com o consentimento, quando não por expressa vontade, das pessoas que deviam olhar por elas. A probabilidade de virem a ser cantores excepcionais era pequena; mas, se tivessem essa sorte (?), fariam a fortuna da família, porque o negócio dos *castrati* tornara-se muito rendoso. Antes dos primeiros espectáculos de ópera, já a igreja de Roma tinha *castrati* entre os seus cantores; em 1562 havia pelo menos um na capela papal. Aliás, a castração foi praticada já na Antiguidade, por exemplo entre os sacerdotes de Cíbele. Na Península, esses cantores mutilados eram conhecidos desde muito antes do reinado de D. João V. A viagem de D: Sebastião por Espanha, em 1576, havia sido amenizada por representações em que participaram

alguns. As ocupações de Domenico Scarlatti dividiam-se entre música religiosa e profana, ambas muito cultivadas então na corte portuguesa. Tinha também funções de professor, cabendo-lhe ensinar a infanta Maria Bárbara, filha de D. João. Em 1729 deu-se, na fronteira do Caia, a famosa troca das infantas -- a espanhola, para casar com o príncipe herdeiro português, D. José; D. Maria Bárbara, para ser futura rainha de Espanha, que realmente foi, não obstante o desgosto que consta ter sentido seu noivo, D. Fernando, quando pela primeira vez a viu. Seguiu-a Scarlatti, e continuou ao seu serviço no país vizinho, fornecendo-lhe muitas das obras-primas da música de tecla de todos os tempos. De Portugal levou o ilustre napolitano o título de cavaleiro da Ordem de Sant'_Iago, que tivera também um artista genial de origem portuguesa: o pintor Velasquez. Como o mesmo grau da mesma Ordem foi concedida nos anos 50 à cantadeira Amália Rodrigues, depreende-se que nos séculos XVII e XVIII constituísse honraria mais significativa do que no XX (183). A introdução da ópera Não faz sentido alongarmo-nos em considerações sobre a música na corte de D. João V antes de tratarmos da introdução do espectáculo de ópera em Portugal. Já tivemos que nos referir demoradamente a representações teatrais com música. Além do caso singularmente importante de Gil Vicente, há a considerar as representações na igreja, cujos assuntos nem sempre foram religiosos. Por isso D. João III decretou, em 1538, a proibição de todo :, e qualquer auto de conteúdo profano nas cerimónias eclesiásticas. Parece, todavia, que esta e outras medidas não tiveram grande eficácia, nem no continente português nem nas ilhas. D. Sebastião folgava em que lhe representassem farsas que terminavam sempre com música. Adaptavam-se-lhes cantos acompanhados à viola, dentro ainda do estilo renascentista. Durante a dominação espanhola, o *vilancico* representado teve grande aceitação, do mesmo passo que perdeu características populares para se adaptar ao gosto da corte absolutista. D. João IV apreciava esses espectáculos, a julgar pelo grande número de textos respectivos na sua biblioteca. Na segunda metade do século XVII a forma normal do *vilancico* parece ter consistido numa série de três *nocturnos*, cada um dos quais formado por dois *vilancetes* separados por um responsório. O *vilancete*, por sua vez, articulava-se em *introdução, romanza, estribilho* e *coplas* (184). Dezenas de músicos portugueses compuseram para estas cerimónias, entre eles Filipe de Magalhães, de quem existiam na biblioteca d'*o Restaurador* obras a sete vozes destinadas ao efeito. _álvares Frovo (1602-1682), discípulo de Duarte Lobo, teórico e bibliotecário do rei, compôs também para *vilancicos*, a quatro e seis vozes, números que se elevam a oito, onze e doze nos *vilancicos* de Marques Lésbio, já no reinado de D. Pedro II. Os textos dos vilancicos, ao que parece, eram na sua maioria, castelhanos. Mas, entre outras línguas ou dialectos, empregou-se também o português, e, com certa frequência, imitaram-se as maneiras de falar de gente exótica, nomeadamente de negros. Também castelhanos são os textos do _p.e Luís Calisto da Costa de Faria (n. 1679, m. depois de 1759), poeta e músico, autor da *_Fábula de Alfeu e Aretusa*, "sesta harmónica com toda a variedade de instrumentos músicos, com que la Reyna nuestra Senhora D. Marianna d'_Austria celebró el Real nombre del nuestro Señor D. Juan V, a 24 de Junho de 1712". Do mesmo autor temos notícia da comédia *_Son triunfo de amor los zelos* (1712), da "fiesta de zarzuela", *_El poder de la harmonia* (1713) e de vários vilancicos que se representaram na Sé de Lisboa e nas festas e matinas de S. Vicente, entre 1719 e 1723. Estas datas levam-nos já a um ponto em que a música de ópera era provavelmente conhecida em Portugal. Mas devemos observar que às representações do tipo do

vilancico, ou mesmo da zarzuela, se aplica o que dissemos a respeito de Gil Vicente. Trata-se de representação *com* música, e não *por* música. A novidade técnica que permitira a passagem de uma coisa a outra pode dizer-se o *recitativo*. Nasceu em Florença, na *camerata* de Bardi, Galilei e outros espíritos cultivados, em fins de Quinhentos, como vimos. É importante sublinhar que essa inovação decisiva para o surgimento da ópera pertence fundamentalmente ao domínio técnico, não consistindo propriamente em revelar a possibilidade da expressão de sentimentos através da música, ideal já anteriormente demandado, e muito, na Península Ibérica (185). Não cabe aqui tratar de saber quem foi o inventor do recitativo, ponto aliás não inteiramente esclarecido. Importa, sim, frisar que o emprego de um meio-termo entre o cantar e o falar possibilitou a expressão por música de textos dramaticamente dinâmicos, isto é: não teatralmente estáticos. :, Imagine-se o que seria um *_Barbeiro de Sevilha* sem recitativos -- como seria possível a música transmitir, só por árias e conjuntos, todos os pormenores da acção? Se bem que, de Peri até Rossini, o recitativo tenha evoluído muito, o exemplo serve para nos darmos conta do que significou esse modernismo sensacional nos alvores do barroco. É interessante notar que, ao contrário do que muitas vezes se afirma, os membros da *camerata* de Florença não se convenceram de que estavam reproduzindo exactamente a maneira do teatro grego. O seu erro foi apenas suporem que este era inteiramente preenchido com música. Jacopo Peri, no prefácio da *_Eurídice*, diz-nos: "apesar de o Senhor Emilio del Cavaliere, antes de qualquer outro de que eu saiba, nos ter proporcionado, com maravilhosa invenção, a audição do nosso género de música em cena, isto tão cedo como 1594, aprouve aos Senhores Jacopo Corsi e Ottavio Rinuccini que eu o empregasse de outro modo e pusesse em música a fábula de *_Dafne*, escrita pelo Senhor Ottavio, para simples experiência do que a música do nosso tempo podia fazer. Vendo que se tratava de poesia dramática e que era portanto necessário imitar a fala no canto (e decerto nunca alguém falou cantando), julguei que os antigos Gregos e Romanos (que, na opinião de muitos, cantavam as suas tragédias de princípio a fim, ao representá-las) tinham usado uma harmonia superior à da fala comum, mas caindo abaixo da melodia do canto de tal sorte que tomava uma forma intermédia." E mais adiante: "[...] assim como me não aventuraria a afirmar que esta é a maneira de cantar usada nas fábulas dos Gregos e Romanos, também chego à conclusão de ser ela a única que a nossa música pode dar-nos, para ser adaptada à nossa fala." (186) Supõe-se ter sido em 1682, cerca de um ano antes de D. Afonso VI morrer no cativeiro de Sintra, que se ouviu pela primeira vez em Portugal música do novo estilo italiano. Quase cinquenta anos tinham decorrido sobre a morte de Peri, quase quarenta sobre a de Monteverdi, e Alessandro Scarlatti era já autor de *_L'onesta nell'amore*. A ópera sofrera uma importante evolução, diferenciando-se em vários géneros e adquirindo grande voga. É portanto de admitir que se referisse a música de ópera o panegirista da princesa D. Isabel Luísa Josefa, filha de D. Pedro II, ao afirmar que se ouviu pela primeira vez "música italiana" em Portugal quando da vinda da comitiva do duque de Sabóia, por motivo do projectado casamento daquela "Sereníssima Senhora" (187). Para mais, a novidade não agradou, e foi até escarnecida. Era natural que acontecesse com pessoas que nunca tinham ouvido cantar dessa maneira. Não tinha acontecido o mesmo nos tempos da *camerata*, cujos membros deveram justificar-se citando Platão e outras autoridades? Não é verdade que Pietro de Bardi (filho de Giovanni), na preciosa carta para Doni, informa que o novo estilo -- o "*stile reppresentativo*" -- era "então considerado quase ridículo" (188)? De qualquer maneira, é impossível que a festa da comitiva do duque de Sabóia compreendesse uma ópera com todos os matadores. Deve ter sido alguma *cantata* de camara ou, como também se dizia, uma *serenata*, com árias, duetos, eventualmente

tercetos, e recitativos, tudo marcado do cunho operista. Este género barroco atingiu o auge com Alessandro Scarlatti, que :, escreveu mais de 600 cantatas. Entre nós, a cantata de câmara, ou *cantata humana*, acabou por se impor como nas cortes estrangeiras. E não só nos palácios reais, visto sabermos que, por volta de 1720, eram frequentes em festas de aniversário e outras, fora dos meandros régios. A ópera propriamente dita ainda tardou a manifestar-se em Portugal, enquanto em Espanha talvez a "écloga pastoral" *_La selva sin amor* (1629), de Lope de Vega, com música de autor desconhecido, possuísse características operistas essenciais, tendo-as certamente a "fiesta" *_Celos aun del aire matan* (1660), de Calderón, com música do harpista da capela real Juan Hidalgo. Esta foi, provavelmente, a primeira ópera espanhola em absoluto. Conhecia-se apenas um fragmento de 255 compassos da sua música, arquivado na livraria do duque de Alba, até que, em 1942, Luís de Freitas Branco descobriu, na Biblioteca de Évora, a obra completa, com suas três jornadas (189). Uma companhia italiana, de que faziam parte as cantoras Helena e Angela Paghetti (conhecidas por "Paquetas"), filhas de um violinista que esteve ao serviço do rei, aparece em 1731 a querer fazer do Pátio das Comédias o primeiro teatro de ópera em Portugal. Parece que a principal dificuldade que se lhe opôs não foi a eclesiástica mas sim a de obter a indispensável licença régia. Resta saber quem aconselhava D. João V a não ceder facilmente à solicitação. Conseguiram os artistas por fim realizar o que pretendiam, marcando um acontecimento histórico na vida musical portuguesa. Por essa altura, no Carnaval de 1733, representa-se, num teatro montado no Paço da Ribeira, *_La pazienza di Socrate*, música de Francisco António de Almeida, sobre libreto italiano de Alexandre de Gusmão, que é a primeira ópera de autor português (190). Pensionistas em Itália O mesmo Francisco António de Almeida, de quem se cantara, em 1722, um "*componimento sacro*" intitulado *_il pentimento di Davide* -- oratória cuja partitura se perdeu (191) --, foi um dos primeiros músicos portugueses enviados por D. João V a Itália como pensionistas. Seguira para Roma poucos anos antes, em 1717, António Teixeira, que, segundo Barbosa Machado, só regressou onze anos depois. O mesmo e reafirmar que D. João V apreciava o espectáculo de ópera e o estilo italiano que dele irradiava para todos os géneros de música. Confirma-o ainda o número de teatros de ópera que entraram a funcionar no seu reinado e a que adiante nos referiremos. Sabendo-se quanto o monarca era zeloso em cumprir a orientação eclesiástica, pode parecer estranho que assim favorecesse manifestações tão profanas, a ponto de mandar músicos portugueses ao estrangeiro para nelas se aperfeiçoarem. Voltaremos também a este assunto. Estes dois pensionistas distinguiram-se entre os músicos portugueses coetâneos, não desmerecendo, portanto, da protecção régia. Mencionaram-se :, já obras importantes de Francisco António de Almeida, que em parte, chegaram até nós. Da *_Pazienza di Socrate* conserva-se, na Biblioteca da Ajuda, a partitura de orquestra autógrafa do 3.o acto, além de todo o libreto impresso. Existe na mesma biblioteca a partitura autógrafa completa de outra ópera sua, em três actos -- *_La Spinalba* --, e há ainda o libreto impresso de *_La finta pazza*, para o qual também compôs a música. De António Teixeira falaremos a propósito de uma das mais interessantes tentativas músico-teatrais que se fizeram em Portugal no século XVIII: o teatro de António José da Silva, *o Judeu*. Entretanto, é mister voltarmos um pouco atrás, para sabermos de algumas atitudes eclesiásticas ante os brilhantes triunfos que, ainda jovem, a ópera ia somando em diferentes pontos da Europa. Os Jesuítas e a ópera

Conhecendo-se as reacções tradicionais da igreja católica, e sendo objecto destes parágrafos uma época em que a Inquisição exerceu actividade tão interferente em tudo, é caso de perguntar o que da ópera pensaram os eclesiásticos influentes. Pode dizer-se que no seio da Igreja houve atitudes diversas e mesmo antagónicas, se bem que, dentro do espírito do Concílio de Trento, concordantes em impedir a entrada nos templos de elementos marcadamente profanos. Vistas as coisas de maneira talvez simplista, mas não fundamentalmente errada, desenham-se duas atitudes: uma, de oposição condicionada apenas pela força irresistível do fluxo histórico e dos concomitantes costumes das gentes; outra, de inteligente e hábil aproveitamento das novas diversões, joeiradas do que tivessem de pernicioso. No primeiro pólo encontramos a dominicana Inquisição, no segundo, a Companhia de Jesus (192). Já nos primeiros tempos da ópera, quando era ainda espectáculo de corte marcadamente renascentista, foi posta a questão de saber se o novo estilo profano poderia servir os objectivos da Contra-_Reforma, que eram, entre outros, de não perder, antes ganhar cada vez mais, adeptos da religião católica. Cavalieri responde afirmativamente, dizendo no prefácio da sua representação cénica *_Anima e corpo* que o estilo então moderno "também pode promover os pios afectos". Essa representação, dada em Roma, foi criada para os Jesuítas. Seguiram-se-lhe várias peças alegóricas com música, como o *_Eumelio*, de Agazzari, em 1606, ou a *_Apoteose de Santo Inácio*, de Kapsberger, e toda uma longa série de espectáculos próprios para escolas católicas, que os Jesuítas fizeram representar primeiro nos seus seminários de Roma e, mais tarde, em diferentes países (193). Em Portugal, também houve festividades desse género em colégios da Companhia, e algumas deram que falar pela sua pompa. Foram, ainda no século XVI, as tragicomédias em colégios de Lisboa, Coimbra, Évora e Braga, das ilhas e do Brasil, inclusivamente. Em 1570 (antes da primeira ópera), :, o jesuíta Luís da Cruz escreveu o texto e a música da tragicomédia *_Sedecias*, publicada trinta e cinco anos depois. O autor diz-nos que nas tragicomédias se empregavam sempre flautas e que as peças terminavam com dilatados números corais. Na tragicomédia real que se representou em 1619 no Colégio de St.o António, em Lisboa, por ocasião da entrada de Filipe III na cidade, participou um coro de 300 vozes. A música era de vários autores, um dos quais o jesuíta José Leite, que, no ano seguinte, compôs a tragicomédia alegórica *_Angola triunfante*. Não sabemos se, pouco depois da criação do drama por música em Florença, e portanto muito antes dos primeiros espectáculos públicos de ópera em Portugal, o estilo representativo teria sido usado nessas festas dos Jesuítas, cujas actividades na Península tiveram amplitude bem conhecida. É possível que tal se tenha dado, mas, à falta de provas, temos de deixar a questão em aberto. Que colégios da Companhia vieram a relacionar-se de algum modo com a arte operática, inclusivamente em terra ultramarina, prova-o o exemplo interessante das operas de Marcos Portugal e de seu irmão, Simão Portugal, inteiramente interpretadas, no Brasil, por negros e mestiços ensinados num conservatório que fora fundado pelos Jesuítas (194). A orientação do Santo Ofício diferia da da Companhia de Jesus, em medidas como as que, em 1564, 1581 e 1597, proibiram grande parte do teatro. A Inquisição também deve ter influído em D. João V quando interditou os vilancicos, que no primeiro quartel do século XVIII ainda foram muito representados, nomeadamente pela Irmandade de Santa Cecília. Essa última fase do vilancico acusa também a influência da ópera italiana, com árias e recitativos. A velha denominação não caiu em completo desuso na Península. Luigi Boccherini (1743-1805), mais conhecido pelas obras instrumentais, que o tornam um dos grandes do período clássico, compôs em Espanha vilancicos de Natal para quatro vozes e orquestra (195). Evolução do espectáculo de ópera

Depois dos princípios palacianos da ópera, o novo espectáculo tornou-se público, em Veneza, em 1637, exemplo que não tardou a ser seguido. Foi uma data importante na história da música, essa das primeiras récitas de ópera a que podia assistir qualquer cidadão munido de dinheiro suficiente para comprar um bilhete. Mas eram espectáculos ainda principalmente dirigidos à aristocracia. Companhias profissionais proporcionavam assim o espectáculo da moda, em bases comerciais, aos nobres sem posses suficientes para o terem em suas residências. Era todavia um passo decisivo para o teatro de ópera destinado à classe média dos burgueses. O interessante é que a essas modalidades corresponderam diferentes géneros de espectáculo. Como sempre, a expressão artística foi função não só da personalidade dos autores, mas também, e profundamente, da classe de pessoas a que se propunha e das condições materiais. Assim, a ópera de corte subentendia os conhecimentos de pessoas cultas e :, obrigava a dispendiosos recursos vocais, instrumentais e cénicos. Na ópera comercial impõem-se necessidades de economia, obrigando à redução dos conjuntos instrumentais e dos coros. E os autores procuram corresponder ao gosto de uma audiência de baixo nível intelectual, explorando o virtuosismo solístico dos cantores e trocando a lentidão dos assuntos mitológicos por acções mais rápidas em cena (196). Relaciona-se com esta evolução a distinção entre ópera séria e ópera cómica (*opera buffa*), diferenciação de um género anterior em que os dois elementos se associavam. O estilo *buffo*, que introduziu no barroco as primeiras tintas do gosto galante, apareceu pela primeira vez nitidamente no *_Patre Calienno, em 1709, do compositor Orefice. Mas só em 1722 surge a que pode considerar-se a mais antiga *opera buffa*, já plenamente desenvolvida: *_Zite'n galera*, de Vinci. O "intermezzo" *_La serva padrona* (1733), de Pergolesi, frequentemente citado como primeira *opera buffa*, ganhou a sua enorme reputação pelo papel sensacional que representou em Paris, na *querelle des bouffons*, verdadeira guerra entre partidários da ópera cómica italiana e da francesa. Compreende-se que o género cómico se tornasse a ópera da classe média, com os personagens mitológicos ou históricos substituídos por burgueses, a aristocracia ridicularizada, algumas vezes com paródia à ópera séria, com suas pompas e dignidades, e alusões irónicas a acontecimentos recentes, sem exclusão da piada política. A ópera cómica setecentista está impregnada do espírito da Revolução Francesa e os seus progressos artísticos correram paralelos à propagação da cultura fora da aristocracia. Vinha, portanto, já muito evoluída a ópera quando, na quarta década do século XVIII, iniciou a conquista do mercado português. Os teatros de ópera no tempo de D. João V Os espectáculos públicos pela companhia das "Paquetas" realizaram-se em instalações improvisadas em casas alugadas para o efeito, em frente do Convento da Trindade. A mesma companhia actuou também noutro local, parece que mais apropriado: uma das casas situadas à Boavista, aonde o público afluía copiosamente. Em 1735 iniciou a Academia de Música da Trindade os seus espectáculos, com uma companhia dirigida por um compositor bolonhês que tinha sido mestre de capela da corte de Darmstadt: Gaetano Schiassi. Em 1738 a concessão do pequeno teatro da Trindade passou às mãos de António Ferreira Carlos, que deslocou a cena para o Pátio dos Condes. Em 1733 iniciam-se espectáculos com certas características de ópera no Teatro do Bairro Alto. Foram as faladas representações d' *o Judeu*, a que devemos fazer mais desenvolvida referência na rubrica seguinte. Por enquanto, limitemo-nos a acentuar

que estas récitas públicas, não obstante as instalações, que eram más, para não dizermos péssimas, vieram ao encontro do interesse de uma população considerável dentro do burgo :, lisboeta. No entanto, o negócio da ópera não deve ter sido dos mais tentadores para um administrador prudente, como, por sua própria natureza, o não foi verdadeiramente em nenhuma cidade da Europa, mesmo nas mais populosas. Em Portugal instituiu-se a "Sociedade para a subsistência dos teatros públicos da corte", que protegeu exclusivamente a arte músico-teatral italiana. Para uso da corte de D. João V funcionaram o já mencionado teatro, a que chamavam "forte", no Paço da Ribeira e outro numa antiga quinta do conde de Aveiras, onde é hoje o Palácio de Belém. O teatro de "o Judeu" É lógico que as audiências burguesas propiciassem a ópera nacional, isto é: a ópera cantada, não numa língua estrangeira -- o italiano --, que o ouvinte compreendia mal, se não no próprio idioma do público. Pertencem a esse movimento nacionalista a *_Ópera dos mendigos* (1728), de John Gay, em Inglaterra, o *vaudeville* e a ópera cómica francesa, ou o *_Singspiel* austríaco, de que *_A flauta mágica* (1791), de Mozart, é o exemplo hoje mais conhecido. Foi um homem notável, o comediógrafo, poeta e advogado António José da Silva (17051739), judeu nascido no Brasil, quem despertou em Lisboa o mesmo sentimento. Mais um nome da história da literatura portuguesa que estreitamente se liga à da música. As suas operas, encenadas no Teatro do Bairro Alto, eram representadas, não por pessoas, mas por fantoches, um pouco como no *_Retablo de Maese Pero*, de Manuel de Falla. Por isso, chamavam ao Teatro do Bairro Alto a "Casa dos Bonecos". Como os espectáculos estrangeiros nos respectivos idiomas nacionais, as palavras dos textos (da autoria de António José da Silva) não eram todas cantadas e, à semelhança do *vaudeville*, os trechos musicais podiam ser populares ou, melhor, popularizados: modinhas e outras pequenas peças que toda a gente trazia no ouvido. Mas também se empregava música operista de conceituada autoria, como veremos. Por isso podemos dizer que as operas d' *o Judeu* associavam a elementos ligeiros do tipo *vaudeville* aspectos propriamente artísticos da *opera buffa* (197). Foi no teatro do Bairro Alto que, em Outubro de 1733, se representou a que, de algum modo, pode dizer-se a primeira ópera em língua portuguesa: *_Vida do grande D. Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança*, -- texto literário em prosa de António José da Silva, música de autor ou autores desconhecidos, que não chegou até nós, constando de abertura orquestral e muitos números de canto com acompanhamento instrumental. Em 1734, nova ópera com libreto de António José estreada em Abril, sobre a vida de Esopo; em Maio de 1735, *_Os encantos de Medeia*, e, um ano depois, *_Anfitrião ou Júpiter de Alcmena*, seguido, em Novembro, do *_Labirinto de Creta*. Não há traço da música utilizada nestas peças d' *o Judeu*. A nossa ignorância sobre este assunto tão importante para a história da música :, portuguesa tornou-se menos completa desde que João de Figueiredo, conservador do museu do Palácio Ducal de Vila Viçosa, descobriu partes de canto e de orquestra da "ópera joco-séria", com texto também de António José, *_As guerras do alecrim e da manjerona*, representada no Carnaval de 1737. A música é de António Teixeira, a quem j á nos referimos como pensionista enviado a Itália por D. João V. Supõe-se que nasceu em 1707 e que foi uma das vítimas do terramoto, pois não há notícia sua depois do fatídico dia 1 de Novembro de 1765. A música d'*_As guerras do alecrim e da manjerona*, para vozes e orquestra de primeiros e segundos-violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, oboés, clarins e o indispensável cravo acompanhador, acusa boa qualidade artística, em estilo italiano e dentro do sistema, então generalizado, do baixo contínuo, o mesmo

podendo dizer-se do dueto de sopranos com acompanhamento de orquestra de arcos e cravo que Luís de Freitas Branco encontrou na Biblioteca de Évora, também de António Teixeira (198). Mais duas óperas de António José da Silva foram representadas no Teatro do Bairro Alto, nomeadamente *_As variedades de Proteu*, em Maio de 1737, de cuja música também João de Figueiredo nos proporcionou alguma informação: fragmentos sem nome do autor, subentendendo uma orquestra semelhante à das *_Guerras*, mas com duas trompas em vez dos clarins. Estes espectáculos agradaram sem dúvida ao público a que se dirigiam, e talvez o serem de fantoches permitisse uma economia que assegurasse longo prosseguimento da empresa. Liquidou-a todavia um acontecimento de outra ordem. Acusado de reincidência no judaísmo, o cristão-novo António José da Silva teve de submeter-se à Inquisição, que o "relaxou à Justiça Secular". Em 1739 foi garrotado e os seus restos queimados em auto-de-fé, no antigo Terreiro da Lã, em Lisboa. Tinha 34 anos de idade. Depois, o Teatro do Bairro Alto serviu a outras tentativas operáticas. Alexandre António de Lima e outros homens de teatro fizeram adaptações de libretos de Metastasio e Zeno, enxertando-lhes, aqui e acolá, notas cómicas de sabor popular lisboeta. Em 1737 Alexandre de Lima publicou a ópera cómica *_Novos encantos do amor*. A loucura da ópera Se no tempo de D. João V a ópera já teve grandes honras em Portugal, foi no reinado de seu filho e sucessor que o entusiasmo por ela tocou as raias da loucura. Pouco depois de subir ao trono, D. José mandou construir, nos Paços da Ribeira, a fabulosa "Ópera do Tejo", um teatro de grande ostentação, cuja plateia tinha uns seiscentos lugares e que, situado à beira do rio, permitia curioso realismo cenográfico nos quadros em que a paisagem aquática viesse a propósito. Foi inaugurado em comemoração do aniversário da rainha, com a ópera *_Alessandro nell'_Indie*, de David Perez. Para fazermos ideia da pompa dessa récita basta dizer que, ao abrir o pano, aparecia no quadro de um :, acampamento de Alexandre da Macedónia todo um corpo de cavalaria, diz-se que de quatrocentos cavalos! Depois vinha um consumado mestre-picador, cavalgando um soberbo corcel e trazendo atrás de si mais vinte e cinco cavaleiros bem montados, cujos ginetes seguiam o compasso da música. Sete meses volvidos a Ópera do Tejo era reduzida a escombros pelo terramoto. A corte refugiou-se na colina da Ajuda (199). Relativamente pouco tempo depois já se tratava da construção do pequeno Teatro da Ajuda, de que restam sinais na meialaranja da Calçada do Galvão. A lotação da sala era pequena, mas grande o palco, adequado às altas cavalarias então ao gosto dos amadores da ópera. Como a família real costumava ir caçar para Salvaterra de Magos, ali mandou D. José edificar um bonito teatro de ópera, onde se deram várias representações entre 1765 e 1791. No Palácio de Queluz também se fizeram espectáculos de ópera, mas foi já no reinado de D. Maria I que se construiu um teatro de madeira para esse efeito. Antes disso as representações haviam tido lugar na sala de música do palácio. Havia também teatros públicos. O do Bairro Alto, no Pátio do Conde de Soure, não era já o mesmo das peças d' *o Judeu*, que o terramoto destruíra. Foi inaugurado em 1761, teve na sua primeira fase espectáculos de ópera de fantoches e, ampliado em 1765, passou a votar-se à ópera italiana. O novo Teatro da Rua dos Condes surge pouco depois, com espectáculos que deram brado. Foi lá que se exibiu a Zamperini, por quem muitos perderam a cabeça, entre os quais o conde de Oeiras, filho do marquês de Pombal e presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O resultado desse escândalo foi não só a expulsão da perigosa cantora mas também a proibição da

participação de mulheres nos espectáculos, medida promovida pelo primeiro-ministro, a quem, ao que parece, haviam assustado os gastos estouvados do filho em proveito da Zamperini. Nos teatros da corte, mais do que nestes, dominou a preocupação do aparato e do brilho, para o que eram solicitados arquitectos, decoradores e maquinistas de nomeada, como Bibiena, Azzolini e Servandoni. Libretos de operas foram esplendidamente ilustrados com gravuras de artistas como Berardi. Mas ainda foi nas somas dispendidas com cantores célebres que mais flagrantemente se espelhou a loucura pela ópera italiana (200). A arte do canto O surgimento da ópera não podia deixar de afectar grandemente a arte do canto. Vimos que o canto solístico das primeiras operas tinha certos precedentes, inclusivamente na Península Ibérica, e a tendência para ornamentar as linhas vocais mais agudas da polifonia (tendência que fora mais de músicos latinos do que dos setentrionais) com desenhos de notas rápidas contribuiu para apurar a técnica dos cantores. Até o Renascimento, e seguindo alguns preceitos que os cantores de hoje ainda observam, o gosto da música vocal cingia-se ao timbre, à naturalidade da emissão, e também :, ao âmbito das vozes, sem desejar as grandes intensidades. Um madrigal de Jacopo da Bononia, cerca de 1350, diz-nos que "per gritar forte non si canta bene; ma con soav' e dolce melodia". É só no século XVI que começa a exigirse de um bom cantor também o considerável volume de voz, além da boniteza do timbre. Se bem que não possamos referir-nos aqui desenvolvidamente à evolução da pedagogia do canto, interessa salientar que muitas das regras actualmente válidas foram preconizadas há muito tempo, inclusivamente a de o estudioso de canto se ouvir quanto possível a si mesmo, o que hoje é fácil por meio da gravação electromagnética. Então, o recurso era o eco, e muitos cantores devem ter procurado locais que assim permitissem escutar as suas próprias vozes, reflectidas em algum muro convenientemente afastado. Os professores de canto conheciam também as vantagens do estudo defronte dum espelho, para evitar as contracções faciais. Relações do canto com a fisiologia foram investigadas por um Vesalius, um Zacconi, um Mersenne, ou seja, nos séculos XVI e XVII. Não admira, portanto, que se conhecessem diferentes maneiras de colocar a voz, o que aliás transpareceu já de uma passagem do *_Leal conselheiro*, de D. Duarte, que transcrevemos num dos capítulos anteriores. Foi muito apreciado o falsete, que no entanto, Caccini, o famoso cantor da *camerata fiorentina*, condenou como "voz fingida", recomendando a "voz plena e natural". A arte do falsete, que parece ter tido bons cultores ibéricos, foi perdendo terreno à medida que os *castrati* o ganhavam. O apogeu destes marca, de algum modo, o máximo esplendor do *bel'canto*, antes das operas de Bellini, Donizetti e outros a que geralmente associamos aquela internacionalizada designação italiana. A operação cirúrgica a que já aludimos, efectuada antes de a vítima ter a muda da voz, motivava o não desenvolvimento da laringe. Os *castrati* conservavam até idade avançada vozes agudas, de soprano ou de contralto, mas não débeis como as das crianças, porque a caixa toráxica e os pulmões tinham o seu crescimento normal. Um bom cantor *castrato* gozava de vantagens apreciáveis sobre os sopranos e contraltos femininos, nomeadamente na igualdade da emissão e na extensão do fôlego, porque, dispondo de energia sensivelmente igual, a aplicava a órgãos atrofiados, que a absorviam menos. Uma das suas especialidades era o som filado: o crescer e diminuir, em graduação lenta e uniforme, a intensidade do som numa só expiração. Vários *castrati* formaram escola, entre os quais Bernacchi, em Bolonha, que ensinou o célebre Farinelli (também *castrato*) e Anton Raaff, tenor de fama que

esteve em Portugal e tomou parte na histórica representação do *_Alessandro nell'_Indie*, na Ópera do Tejo. Este mesmo Raaff ficou para sempre com o seu nome ligado ao de Mozart, desde que cantou em Munique, já de idade avançada, o *_Indomeneo*. Foram seus discípulos dois baixos excepcionais: Ludwig Fischer, para quem Mozart escreveu a parte de Osmin d'*_O rapto do serralho*, e Georg Gern, criador do pequeno papel de eremita no *_Freischütz*, de Weber. É mister reconhecer que os *castrati* tiveram enorme influência na evolução da arte do canto. Foi um extraordinário progresso na técnica, permitindo agilidade incrível nas notas rápidas, efeitos surpreendentes obtidos pelo :, domínio da respiração e a mais doce maleabilidade no desenho melódico. Toda a Europa aclamou esses estranhos entes, aos melhores dos quais aplicavam, talvez sem ironia, a denominação de *primo uomo* -- primeiro homem. Ainda hoje chamamos *prima donna* a uma cantora de principais papéis. Causa espanto saber que esses costumes, agora incompreensíveis para uma mentalidade europeia, existiam há tão pouco tempo. O último *castrato* célebre da Igreja de S. Pedro morreu há pouco mais de setenta anos, em 1924! A arte de canto apreciada no século XVIII, e em especial a dos *castrati*, diferia muito da dos cantores dos nossos dias. Apesar de, desde Quinhentos, haver um ideal de intensidade, não se desejavam vozes fortes no mesmo sentido em que o são as de um Ramon Vinay ou de uma Kirsten Flagstad. Na verdade, um cantor ou cantora daquele tempo, se cá voltasse, nunca poderia satisfazer-nos na interpretação do *_Otelo*, de Verdi, ou no *_Crepúsculo dos Deuses*, de Wagner. A intensidade relativamente grande da voz agradava nos registos grave e médio, enquanto nas notas agudas se evitava o risco do som gritante. Antes de mais, um cantor devia saber dar suavidade e lisura às melodias e executar com um virtuosismo extremo os passos de agilidade produzindo efeitos ornamentais superabundantes, as mais das vezes improvisados, que hoje consideraríamos de péssimo gosto. Os autores setecentistas ficariam surpreendidos perante a sobriedade do que actualmente se aponta como interpretação de bom estilo das suas obras. Outra diferença em relação aos tempos actuais residia na preparação técnica profissional, então muito mais intensa. Bontempi (1624-1705) descreveu assim o trabalho diário de um estudioso de canto: de manhã, uma hora para as passagens difíceis, uma hora de trilos, uma hora de escalas e ornamentos, uma hora de literatura e outra hora de exercícios na presença do mestre; à tarde, uma hora de teoria, uma de exercícios contrapontísticos e ainda uma última de literatura. No resto do dia o aluno tocava algum ou alguns instrumentos, compunha ou ouvia cantores famosos. Só ao fim de oito anos neste regime ele podia considerar-se bem músico e bom cantor. Isto não quer dizer que todos, nem mesmo a maioria dos cantores setecentistas tivessem esta formação, mas dá uma ideia de quanto os professores podiam exigir. Esse virtuosismo extremo, em parte motivado pelo desejo de imitar com a voz a execução em instrumentos (nomeadamente o violino), que nos últimos séculos havia progredido na mesma medida dos aperfeiçoamentos na construção (recordem-se os nomes de Stradivarius, Guarnerius e tantos outros), tornou os cantores em senhores absolutos da cena operista. E, como todos os poderes absolutos, também este conduziu a abusos insuportáveis, contra os quais se insurgiu Gluck e, mais tarde, Rossini. Mas estes acontecimentos são já posteriores ao reinado do nosso D. José I, em que estávamos. :, Cantores célebres em Portugal Muitos cantores famosos foram contratados para Portugal, na maioria *castrati*, tanto mais que não era costume a participação de mulheres nas operas representadas nos teatros da corte. Entre outros, citam-se Gizzielo Caffarelli, Guadagni, Guarducci e o sopranista Manzuoli, que era um cantor de bravura. Eram caríssimos esses divos, e parece que D. José compreendeu ainda, acaso aconselhado por Pombal e

convencido pela diminuição alarmante do ouro do Brasil, que era necessário não gastar tanto dinheiro com esses e outros divertimentos. Persuasão nem sempre fácil num senhor desses tempos de capricho. O duque de Brunswick, para obter dinheiro compensador das despesas com a ópera, não lhe chegando as receitas de engenhosas taxas directas e indirectas, enveredou pelo negócio de escravos vendendo como soldados muitos dos seus súbditos plebeus (201). Mas as vindas de cantores célebres não ficaram por aí; aos nomes mencionados poderíamos acrescentar outros que vieram mais tarde, como o *castrato* Crescentini, em 1798. E é bem sabido que pelo Teatro de S. Carlos passaram numerosas notabilidades, como Tamberlick, Rosina Stoltz, a Castellan, a Alboni, Cotogni, Caruso e tantos outros, tradição que se reavivou no período da 2.a Grande Guerra e no que imediatamente lhe sucedeu, com artistas da craveira de Beniamino Gigli, Maria Caniglia, Tito Gobbi, Boris Christoff, Giulietta Simionato, Ramon Vinay, Renata Tebaldi ou Maria Callas. Os reportórios Se os cantores do século XVIII diferiam dos de hoje, ainda mais as operas que interpretavam. Não são, no geral, as mesmas desse tempo que ainda estão no reportório, porque estas são muito poucas. Voltando ao reinado de D. João V, podemos citar compositores como Gaetano Maria Schiassi, Leonardo Leo, Caldara ou Rinaldo di Capua. Sob o ceptro de D. José foram numerosas as representações de operas de David Perez (1711-1779), o festejado compositor napolitano de ascendência espanhola que se fixou em Lisboa. O rei condecorou-o com a Ordem de Cristo e nomeou-o mestre da capela real. A sua posição era invejável, porquanto, além do muito dinheiro que a coroa lhe pagava, a sua influência era tida por decisiva em matéria musical. Outro compositor muito apreciado foi Piccini (o das lutas entre piccinnistas e gluckistas), e podemos acrescentar os nomes de Jommelli, Paisiello, Galuppi e Guglielmi, para citarmos só alguns. D. José pretendeu chamar Jommelli a Portugal, mas não conseguiu mais do que obter que ele aceitasse um contrato segundo o qual enviaria cópias de todas as suas novas obras. Em vários palcos portugueses se representaram então quase todas as operas que compôs para a corte de Estugarda e outras, nomeadamente *_il trionfo di :, Clelia* (1774), e dois divertimentos (1775) escritos expressamente para a portuguesa. Sabendo-se hoje da importância histórica de Jommelli, seria interessante investigar mais profundamente as suas relações com a cultura musical portuguesa setecentista. Este reportório italiano não era exclusivamente do género sério; compreendeu também operas cómicas, impregnadas do estilo galante, que, entretanto, sucedera ao barroco. O mesmo é dizer que a música se aligeirara, que o baixo contínuo se tornava obsoleto, que à dignidade pesada se preferia cada vez mais a delicadeza graciosa e que o amador de música esperava do compositor "sensibilidade", uma palavra que esteve imensamente em voga nos círculos cultivados da Europa do tempo. O reinado de D. Maria I é de nítida decadência, mas não de completa inactividade músico-teatral. Paisiello e Cimarosa parecem ter sido os compositores italianos mais aplaudidos. Mas há notícia da representação de obras significativas, como *_Axur*, de Salieri, em 1790, no Teatro da Ajuda, e *_Ricardo cor di leone*, de Grètry, no de Salvaterra, dois anos depois. Pouco tempo decorreu até que ficaram prontas as aceleradas obras de edificação do real Teatro de S. Carlos, fomentadas por Pina Manique -- desejoso não só de que Lisboa possuísse um teatro de ópera digno duma capital, mas também de obter novas receitas para a Casa Pia --, financiadas por um grupo de homens ricos, entre os quais o barão de Quintela, e dirigidas pelo arquitecto José da Costa e Silva, que seguira o modelo do antigo Teatro de S. Carlos de Nápoles. Mazoneschi, um italiano, foi encarregado da decoração. As obras importaram em cerca de 10.000 contos de hoje (202, 203).

A inauguração deu-se no dia 30 de Junho de 1793, com *_La ballerina amante*, de Cimarosa, posta por empresários italianos, com a direcção musical confiada ao compositor português Leal Moreira. Em 1797 inaugurou-se a sala de concertos integrada no edifício, com a *_Paixão* de Paisiello. Este e Cimarosa eram tidos pelos maiores compositores coetâneos, apesar de Mozart ter morrido poucos anos antes e Haydn ser ainda vivo. Além de operas suas, o primeiro reportório do S. Carlos incluiu partituras de Sarti, Borghi e outros autores, inclusivamente portugueses. A proibição da entrada de mulheres no palco ainda vigorava, pois só foi levantada em 1799. Os *castrati* eram os elementos dominantes no desempenho. Fez parte de uma companhia do célebre Crescentini o compositor Valentino Fioravanti, de quem foi reposta (e até gravada e radiodifundida pela então Emissora Nacional) a festejada obra-prima *_Le cantatrice villane*. Fioravanti, que chegou a ser apontado como rival de Rossini, ficou algum tempo em Lisboa, no princípio do século, e compôs expressamente para o S. Carlos. As invasões francesas interromperam a carreira normal do teatro, que foi retomada na segunda década de Oitocentos, parece que a um nível menos elevado. Não tardou que começasse também em Portugal a era de Rossini, de quem, só em 1821, se representaram seis operas, entre as quais *_La gazza ladra, La cenerentola* e *_Otello*. Dois anos depois o *_Barbeiro de Sevilha* fazia o seu primeiro aparecimento em terra portuguesa. Entre outros compositores representados na fase rossiniana, foram-no Meyerbeer, Mercadante e Morlacchi. Nova interrupção foi motivada pelas lutas miguelistas. A partir :, de 1835, dá-se um ressurgimento; a categoria dos cantores volta a ser a mais alta. Quanto ao reportório, Bellini e Donizetti tiveram os seus nomes assinalados por grandes êxitos, para depois Giuseppe Verdi chamar a si as principais atenções. Praticamente todas as suas produções vieram cedo ao S. Carlos e ajusta admiração de que foi alvo prejudicou outros compositores então modernos. Operas francesas, ou em estilo francês, nem sempre foram bem recebidas. *_Os Huguenotes*, de Meyerbeer, sofreram mesmo completo fiasco, em 1584, e treze anos depois *_A africana*, cujo principal personagem masculino é Vasco da Gama, ofendeu o patriotismo dos espectadores. Mas em 1866, com a Volpini, o *_Fausto*, de Gounod, obteve estrondoso triunfo (204). O *_D. João*, de Mozart, foi representado algumas vezes em condições indignas da sua estirpe, até que, em 1871, a admirável interpretação do barítono Cotogni o impôs sensacionalmente. Quando a récita agradava, aplaudia-se em S. Carlos como em nenhum outro teatro da Europa. Esta era, pelo menos, a opinião da Alboni, que bem habituada estava a que os públicos se rendessem à sua arte. Sem nos determos aqui na referência a outras operas, que em parte serão mencionadas mais adiante, acentuamos que no século passado, no principio do actual e, depois do silêncio motivado pelo advento da República e prolongado durante uns trinta anos, nestas últimas temporadas (se bem que menos nitidamente) o reportório do S. Carlos tem sido dominado pela ópera italiana, no múltiplo aspecto da autoria, do estilo e da interpretação. Claro que muitos músicos portugueses participaram e continuam a participar nas récitas, mas principalmente como elementos de orquestra. Em 1761, sob a direcção de David Perez (antes portanto da construção do S. Carlos), esta era constituída por 48 músicos. Cem anos depois, no S. Carlos, o número sobe a 54, a que se acrescentavam 24 músicos militares. Os coristas contavam-se por uns 45. Mas nem todos esses executantes eram portugueses. Preponderantemente italiano era também o reportório lírico que veio a popularizarse nos espectáculos do Coliseu, primeiro na Rua Nova da Palma (inauguração em 1887), depois a Santo Antão, onde é hoje. E para o estilo italiano iam igualmente as preferências dos convivas dos saraus por amadores, no Teatro das Laranjeiras -teatro particular do conde de Farrobo, que, ainda como barão de Quintela, mencionámos a propósito da construção do S. Carlos --, nas *_Academias

Filarmónicas* e *_Melpomenense* ou na *_Assembleia Filarmónica*. Já em 1787 existia um outro palco lírico privado, na casa do marquês de Marialva. A evolução da arte do canto Durante este período a arte de cantar ópera evoluiu muito, desde as peculiaridades dos *castrati* ao estilo de Bellini e Donizetti (que ainda conserva bastantes traços da maneira anterior) à violência das operas de Verdi ou Meyerbeer. Vários factores se conjugaram, como as influências mútuas de diferentes escolas, italianas ou não (há que considerar também a :, Alemanha e, mais ainda, a França), o alargamento das dimensões dos teatros de óperas, solicitando vozes potentes e acentuações incisivas, e, noo menos, a evolução geral das ideias e do gosto nos meios cultos europeus, que, depois do racionalismo setecentista e impregnados do espírito da Revolução Francesa, deram o que genericamente se chama a *época romântica*. Se é certo que já no século XVIII se escreveu música de ópera fortemente teatral -por exemplo a ária "Or sai, che l'onore", do *_D. João*, de Mozart --, devemos atribuir a Verdi a revelação, no domínio da ópera italiana, de todo o partido dramático que pode tirar-se da voz, quebrando a tradição da contínua lisura e suavidade da emissão com o emprego de acentuações, *sforzati*, incisões no discurso vocal que, aos mais conservadores, pareceram sacrilégios cometidos contra o *bel'canto*. Verdi foi acusado de barbarismo no tratamento das vozes! Não há dúvida de que em Portugal, como em todos os outros países conquistados pela ópera, essa evolução foi seguida, foi vivida pelo público. Pena que representasse só uma parte do que entretanto se processava na música europeia e que os nossos burgos ficassem quase completamente alheios à produção instrumental austro-alemã, cujo significado se exprime nos conceitos de classicismo e romantismo e em nomes de um Haydn, um Mozart, um Beethoven, um Schubert, um Schumann (205). Compositores portugueses Era indispensável descrever com certo desenvolvimento a carreira da ópera italiana em Portugal para se compreender em que circunstancias os compositores nacionais deviam integrar-se para que a sua arte tivesse aceitação. Referimo-nos a Francisco António de Almeida, o primeiro compositor português autor de operas. No teatrinho da Ajuda apresentaram-se obras de outros portugueses, com libretos italianos, como o "drama giocoso" *_L'amore industrioso*, de Sousa de Carvalho, *_Gioas, ré di Giudá*, de António da Silva, *_Edalide e Cambise*, de João Cordeiro da Silva, *_Erime*, de Luciano Xavier dos Santos, *_Esther*, de Leal Moreira, ou *_La vera costanza*, de Jerónimo Francisco de Lima. No Teatro de Salvaterra também esteve representada música de autores portugueses, mas foi mormente em Queluz que ela se cantou para entretenimento da corte. Nos teatros públicos, como sabemos, os compositores nacionais apresentaram partituras de sua autoria. Por exemplo, no Teatro da Rua dos Condes representou-se, também em italiano, *_il geloso*, de Gomes da Silva. _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes

_s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _oitavo _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo __vi (cont.)

Sousa Carvalho Dos compositores mencionados, o alentejano João de Sousa Carvalho salienta-se como o mais notável, e não só como autor de óperas. Nasceu em Estremoz, em 1745, este pensionista que D. José I mandou aperfeiçoar-se em Itália, como a alguns seus colegas. Sousa Carvalho ensinou depois Contraponto no Seminário Patriarcal e, em 1778, foi nomeado para o cargo de mestre dos príncipes e infantes, que tinha sido exercido por David Perez. Número considerável das suas óperas, serenatas e pastorais chegou até nós. É talvez lícito apontar em Sousa Carvalho o nosso melhor compositor de óperas, não obstante a muito maior projecção que teve o seu discípulo Marcos Portugal (206). O seu nome é ademais importante no domínio da música religiosa (missas, responsórios, etc.) e de tecla, onde praticou também um estilo italiano, com alguns traços que reflectem a transição do cravo para o pianoforte. (Em meados do século havia em Lisboa um construtor de "*clavicembali a martelletti col piano e forte*", de nome Manuel Antunes, que teve como continuador seu neto João Baptista Antunes. A propósito, lembramos o nome importante de António Xavier Machado e Cerveira [17561828], que veio a ser considerado o mais notável construtor de órgãos português.) No aspecto formal, as sonatas de Sousa Carvalho estão atrasadas para a época. São conjuntos de tocatas bipartidas, cada uma constituindo um andamento, em geral com duas ideias temáticas pouco contrastantes e escassamente desenvolvidas. As tocatasandamentos são três em cada sonata, seguindo o esquema rápido-lento-rápido. Na opinião de Santiago Kastner, Sousa Carvalho é "o último dos autores para cravo portugueses que conhecemos, que demonstra, apesar de seus múltiplos italianismos, ainda alguns traços lusitanos". Casado com uma senhora rica, e tendo ele próprio ganho muitos proventos, retirou-se para uma das suas propriedades no Alentejo, onde morreu em 1798 (207, 208). Outros compositores Luciano Xavier dos Santos era mais velho do que Sousa Carvalho, pois que nasceu em 1734, em Lisboa. Mas morreu depois do seu ilustre colega, já entrado no século XIX. Era organista e compositor, escreveu óperas, cantatas, oratórias e serenatas; a sua reputação tornou-se maior dentro do âmbito religioso. Foi músico da câmaras de D. José e do infante D. Pedro, futuro rei como marido de D. Maria I. Trata-se, evidentemente, de mais um caso de enfeudacão ao italianismo. Pedro António Avondano (m. 1782) pode ser contado entre os compositores nacionais, apesar do seu sangue italiano. Além de óperas e trechos religiosos, escreveu música instrumental. :, Aludimos a António Leal Moreira(1758-1819) a propósito do Real Teatro de S. Carlos, de que foi o primeiro maestro-compositor. Eram de sua autoria as primeiras obras ali cantadas em português: a farsa *_A saloia enamorada ou o remédio é casar*, sobre libreto do poeta brasileiro Domingos Caldas Barbosa, e a serenata *_Os voluntários do Tejo*. Das suas óperas em italiano, *_Il desertore francese* estreou-se em 1800 em Turim e foi repetida no ano seguinte no Scala de Milão. Escreveu também música religiosa e puramente instrumental, para orquestra. Leal Moreira casou com uma irmã de Marcos Portugal, de quem foi condiscípulo, porquanto recebeu lições de Sousa Carvalho no Seminário Patriarcal. João José Baldi (1770-1816), outro discípulo de Sousa Carvalho no Seminário, filho de um músico da capela real, foi ele próprio, mestre de capela nas sés da Guarda e de Faro e da capela real da Bemposta, sucedendo a Luciano Xavier dos Santos. Finalmente, mereceu a nomeação de professor no mesmo Seminário onde aprendera. Compôs, além de óperas e trechos para peças representadas em teatros públicos, música religiosa também de estilo italiano. Era sua a música do drama *_Ulisses libertado*, que se representou em 1808 como festa por terem retirado os franceses

da primeira invasão. E, em 1811, o termo da terceira celebrou-se na Sé com um *_Te Deum* também de sua lavra. Marcos Portugal Estes factos traduzem sentimentos patrióticos que nem sempre se manifestaram tão nitidamente. Marcos António da Fonseca Portugal (1762-1830) apresentou em 1808, no Teatro de S. Carlos, nova música de sua autoria sobre um *_Demofoonte* que já anteriormente musicara, não em honra da corte portuguesa, mas sim para os franceses invasores, chefiados por Junot, em comemoração do aniversário natalício de Napoleão. Mas também é verdade que, afastada a tropa estrangeira, colaborou com Leal Moreira na composição do *_Te Deum* da libertação e festejou o dia de anos de D. João VI. Talvez fosse o talento da adaptação às circunstancias que valeu a Marcos Portugal a sua aura de compositor. De tal sorte assimilou o gosto do público pela ópera italiana que na própria Itália se notabilizou como compositor, antes daqueles acontecimentos menos abonatórios do seu verticalismo ideológico (209). Tinha entrado aos 9 anos para o Seminário Patriarcal, onde recebeu os ensinamentos de mestre Sousa Carvalho. Aprendeu não só composição, mas também canto e órgão. Já tinha dado várias provas profissionais, preponderantemente no domínio da música religiosa, quando, aos vinte e poucos anos, assumiu a direcção musical do Teatro do Salitre, onde fez representar a que se supõe ser a sua primeira obra teatral: a farsa *_A casa de pasto*. Seguiram-se-lhe numerosas peças musicadas cómicas e sérias, com textos também em português. A essa actividade no Teatro do Salitre sucedeu, desde 1792, a situação de pensionista régio em Itália. É notável a fama que o seu nome alcança durante os oito anos de permanência na pátria da ópera, :, fama que se traduz nas mais de vinte partituras suas que por lá viram a luz da ribalta. As óperas de Marcos Portugal tiveram muitas representações, transpuseram as fronteiras da Itália e há mesmo notícia de algumas terem sido traduzidas em alemão e russo. Diz-se também que Cimarosa e Paisiello estimaram altamente que nas representações das suas óperas se intercalassem números do colega português. Era então costume fazer dessas miscelânias, com o objectivo de agradar ao volúvel público. Como se hoje se introduzissem no *_Wozzek*, no *_Rake's progress* ou nos *_Diálogos das carmelitas* trechos apetecidos do público, de um Richard Strauss, um Benjamim Britten ou um Menotti! Raiava o século XIX quando Marcos Portugal voltou ao seu país, conhecido já de todos os públicos melómanos da Europa. Foram-lhe logo oferecidos os cargos de regente da capela real e do Teatro de S. Carlos. Aqui tinham sido já postas em cena, com geral agrado, óperas de sua autoria. Compôs expressamente para o real teatro várias óperas sobre libretos italianos, entre os quais *_La morte di Semiramide*, em que se estreou a famosa Angelica Catalani, cujas relações com o festejado compositor parece terem sido muito íntimas. A Catalani participou nas representações de dez óperas de Marcos Portugal, rivalizando, em três delas, com o não menos famoso *castrato* Crescentini. Claro que ao jactante Marcos António era agradável que abundassem no S. Carlos as récitas de óperas suas. No entanto, na sua passagem pelo teatro, preparou umas vinte óperas de diferentes autores, e não só dos mais queridos do auditório. São de sublinhar a apresentação do *_Orfeu*, de Gluck, em 1801, e de *_La clemenza di Tito*, de Mozart, em 1806, com a colaboração da Catalani. Depois dos aludidos e menos agradáveis episódios ligados de perto à primeira invasão francesa, Marcos António decidiu reaproximar-se da corte portuguesa. Para tanto teve que deslocar-se até o Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro em 1811, e o seu orgulho não teve motivo de queixa pelo tratamento que recebeu, porquanto foi nomeado mestre da capela real e director da música da corte. Em 1816 vemo-lo

dirigir os responsórios nas exéquias de D. Maria I. E quando, em 1813, fora inaugurado um teatro de ópera, imitado do S. Carlos de Lisboa -- o Real Teatro de S. João, com lotação para 1600 pessoas, que ardeu em 1824 --, foi a ópera de Marcos Portugal *_O juramento dos Numes* a que se representou na récita de estreia, e a direcção esteve confiada ao músico português. Trabalhos musicológicos de Jean-Paul Sarraute (publicados em 1958) confirmam que Marcos Portugal teve todas as honras no Brasil, junto da corte exilada (210). Os maus tempos vieram depois e foram os últimos da vida do artista outrora célebre. Não acompanhou a família real, em 1821, no regresso à Europa. Os nove anos que lhe restavam foram de sofrimento moral e físico. A sua conduta não fora de molde a multiplicar simpatias e não faltaram certamente as invejas. Morreu em 7 de Fevereiro de 1830 (211). Valor da música de Marcos Portugal Durante mais de cem anos, foi exagerado o prestígio do nome de Marcos Portugal entre os estudiosos da música lusitana. Depreendeu-se da projecção internacional da sua obra (inegavelmente a maior dos compositores portugueses de todos os tempos) um valor artístico superior aos dos seus colegas e compatriotas. Porém, uma coisa não implica a outra. Rossini não foi melhor compositor do que Beethoven, nem as romanzas de Tosti são superiores às canções de Gustav Mahler. Há que considerar, com o talento ou o génio do compositor, o estilo a que ele pertenceu, as ideias que nortearam a sua actividade criadora. No caso de Marcos Portugal -- e não só no domínio da ópera, como no da música religiosa, a que mais se votou no princípio e no fim da carreira -- o talento artístico aplicou-se a algo que declinava na história da música europeia: o estilo galante italiano. Fora já um produto tardio a ópera *_Cosi fan tutte* (1790), de Mozart, mas possuía a vitalidade duma invenção genial. Depois, o triunfo espantoso de Rossini deveu-se mais à excepcional veia do compositor do que à culminância histórica do estilo galante, que, na verdade, tinha passado já. Aliás, o próprio Rossini e também Bellini e Donizetti compreenderam que era mister acompanhar a evolução histórica, que então se inclinava toda para as bandas românticas. Para se aperceber disto, Marcos Portugal, nascido em 1762, era demasiado velho. E o seu brilhante talento não tinha todavia a fibra que deu um *_Barbeiro de Sevilha*, e menos a iluminada graça de que brotaram as páginas de *_Cosi fan tutte*. No entanto, a arte de Marcos Portugal conservou actualidade, como o provaram as récitas dos anos 50, no Teatro de S. Carlos, da ópera *_O ouro não compra amor*, que, na sua versão italiana original (*_L'oro non compra amore*), fora ali representada em 1804, sob a direcção do autor. Assim como em Itália se fizeram reviver páginas de um Fioravanti -- para citarmos apenas um exemplo muito a propósito --, assim também se justifica a reposição entre nós das melhores obras de Marcos Portugal ou do seu mestre Sousa Carvalho ou doutros compositores portugueses arredados dos programas hodiernos. Vida musical no Brasil Só a título excepcional temos tentado avistar das páginas deste livro o que musicalmente se passou em terra ultramarina. O Brasil tem direito especial a uma dessas excepções, que mais não seja porque nele residiu a corte portuguesa durante quase década e meia. Não admira que a actividade musical de feição europeia fosse muito mais intensa nos últimos anos do Brasil colonial do que 0 podia ser noutras possessões, africanas ou asiáticas (212). Como é natural, também o gosto operista italiano dominou a opinião dos musicófilos que rodearam D. João em terra americana. Demonstra-o claramente :, a referida construção de um teatro seguindo o modelo do S. Carlos. Dentro da escola italiana

formaram-se, no Brasil, cantores que alcançaram nomeada, designadamente o mulato João dos Reis, um esplêndido baixo que mereceu o entusiástico aplauso do príncipe (213). A vida musical fluminense não estava, no entanto, totalmente subjugada pelo italianismo. António de Araújo Azevedo, conde da Barca, que fora embaixador de Portugal em Paris, era então ministro do reino e exercia grande influência. A sua orientação era de elevação da cultura; em 1816 chamou de Paris ao Rio a *_Missão Artística*, brilhante conjunto de intelectuais desafectos ao regime da Restauração. Não fazia parte dela músico algum, o que, mais ainda do que uma carta de recomendação do príncipe de Talleyrand, deve ter sido favorável a Siegmund Neukomm (1778-1858) quando se fixou no Brasil. Eis como ele próprio nos relata, nas suas memórias, as palavras de Araújo Azevedo: "Temos a esperança de fundar um novo império no Novo Mundo e tereis todo o interesse em testemunhar 0 desenvolvimento deste país." (214) Este Siegmund Neukomm era conterrâneo de Mozart, pois que nasceu em Salzburg. Fora discípulo de Michael e Joseph Haydn, compusera o *_Te Deum* para a cerimónia da Notre-_Dame, em 1814, por motivo da entrada de Luís XVIII em Paris, e o *_Requiem* por intenção de Luís XVI, cantado na catedral de St.o Estêvão durante o Congresso de Viena. Quando, em 1842, se inaugurou em Salzburg um monumento a Mozart, o discurso oficial, em nome da comissão promotora, foi proferido pelo mesmo Siegmund Neukomm, que, como se vê, era personalidade de muito destaque nos círculos musicais da Europa do tempo. A acção de Neukomm no Brasil deve ter sido importante e, de algum modo um correctivo do demasiado entusiasmo pela ópera em estilo italiano. Claro que as suas relações com Marcos Portugal nem sempre foram fáceis. Fácil foi, sim, entender-se com o muito dotado brasileiro José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), sob cuja proficiente direcção se executou, em 1819, o *_Requiem* de Mozart. Escrevendo à redacção da *_Allgemeine Musik_Zeitung*, de Viena, Neukomm afirma: "A execução da obra-mestra mozartiana nada deixou a desejar; todos os talentos rivalizaram para que o genial estrangeiro Mozart fosse dignamente recebido neste novo Mundo." Há dois outros aspectos em que a diligente acção de Neukomm no Brasil assumiu significado duradoiro. Um deles não é propriamente obra sua, mas reflecte a influência que tinha. Referimo-nos ao primeiro livro sobre música publicado no Brasil (em 1820), que o tradutor dedicou a Neukomm. É a *_Notícia histórica da vida e das obras de Joseph Haydn, doutor em música, [...] lida na Sessão Pública de 6 de Outubro de 1810 por Joaquim Le Breton, Secretário Perpétuo da Classe das Belas Artes, [...] Traduzida em português por um amador, e dedicada ao Senhor Siegmund Neukomm, Cavaleiro da Legião de Honra, Membro da Sociedade Imperial de São Petersburgo, da Academia Real das Ciências de Paris*, etc. Esse tradutor "amador" envolvido em anonimato, era provavelmente José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. O outro aspecto diz respeito à música popular brasileira. É que Neukomm harmonizou algumas das gabadas modinhas do mulato Joaquim Manuel da :, Câmara. Existem na Biblioteca do Conservatório de Paris manuscritos de Neukomm entre os quais Corrêa de Azevedo descobriu quinze dessas harmonizações, com acompanhamento de piano, e mais quatro recolhas da mesma origem, estas sem acompanhamento. Antes de terminarmos esta rápida digressão pelo Brasil colonial, vale salientar que por lá se construíram instrumentos musicais, inclusivamente órgãos. A oficina de Agostinho Leite, em Olinda, forneceu alguns para igrejas locais e para outras da Baía. E não foi essa a única firma construtora de órgãos em terra brasileira antes da independência. Luísa Todi

É tempo de nos determos no domínio da interpretação, que nos tem ocupado menos do que o da criação musical. Isto, principalmente, porque urge falar de Luísa Todi, a cantora mundialmente célebre. Não há dúvida de que foi sob o signo da ópera italiana que músicos portugueses alcançaram maior fama internacional: Marcos Portugal como compositor e Luísa Todi como intérprete (215). Luísa Rosa de Aguiar era setubalense. Nas margens do Sado viu pela primeira vez a luz do dia aos 9 de Janeiro de 1753. Estava-lhe reservada uma longa vida, plena de acontecimentos e coroada de glória. Morreu em Lisboa no primeiro dia de Outubro de 1833. As suas primeiras experiências de palco circunscreveram-se ao teatro de declamação. Pouco depois, em 1770, estreou-se como cantora, na ópera *_il viaggiatore ridicolo*, de Scolari. Casara no ano anterior com o rabequista italiano Saverio Todi, que lhe deu o apelido para a imortalidade (216). Foi seu professor de canto David Perez, a cuja proeminente situação na vida musical portuguesa desse tempo já fizemos referência. Em 1771 Luísa Todi canta o papel principal em *_L'incognita perseguita*, de Piccinni, e no ano seguinte apresenta-se pela primeira vez em Londres, sem êxito, em *_Le due contesse*, de Paisiello. A grande revelação não se dera ainda, porque Luísa Rosa estava a apresentar-se num género cómico, que não era o seu. Só em Junho de 1772 se abalançou ao género sério, cantando no *_Demofoonte, de David Perez. Esse acontecimento deu-se no Porto, no teatrinho do Corpo da Guarda. Como vimos, o escândalo da Zamperini levou o marquês de Pombal a interditar a presença de mulheres nos palcos. Pouco tempo depois, o poder do primeiro-ministro caía verticalmente, mas essa determinação sua não era das que desagradavam a D. Maria I, muito pelo contrário. Para seguir carreira de cantora, Luísa Todi tinha que procurá-la no estrangeiro, e assim fez. Não vamos narrar, nem mesmo resumidamente, o que foi essa órbita triunfal, desde a segunda apresentação em Londres, em 1777, o êxito na *_Olimpiade*, de Paisiello, em Espanha, ou os primeiros aplausos recebidos nos "Concerts Spirituels" parisienses. Há na sua longa trajectória por toda a Europa a idolatria do público, há a rendição de pessoas reais, como a :, imperatriz Catarina II da Rússia, há a rivalidade sensacional, provocando a cisão e a luta entre os que a consideravam a maior cantora do mundo (*todistes*) e os partidários da virtuosística soprano alemã Gertrude Mara (*marasistes*); há mesmo um *anno Todi* em Veneza: o ano de 1791. A Mara possuía uma voz aguda, extraordinariamente ágil, de incrível precisão nos ornamentos e em especial nos trilos. As características de Luísa Todi eram muito diferentes: voz grave, de timbre um tanto velado, agilidade menos exuberante e expressividade intensíssima insuperável na opinião dos seus adeptos. A Todi representava, portanto, mais do que a sua rival, as ideias esclarecidas sobre a arte músico-dramática, ideias que eram contrárias ao virtuosismo como fim e defendiam a tese da verdade dramática na interpretação musical, isto é: a equivalência entre a expressão musical e o sentido das palavras, a situação e o momento psíquico dos personagens. Ideias, portanto, que se conciliam com a doutrina reformadora de Gluck. Quando Luísa Rosa iniciou a série de êxitos no estrangeiro, Gluck, sexagenário, vivia ainda a agitação da rivalidade com Piccinni. A arte imensamente emotiva e comunicativa da Todi exerceu importante influência em cantores do seu tempo, e talvez não seja descabido sugerir que contribuísse indirectamente para a evolução da composição operista do século XIX. No Verão de 1790 a grande cantora esteve em Bona, de passagem, e ficou notícia de que "a nossa briosa cantora Demoiselle Willmann, a mais nova discípula de Righini, depois da partida da Mad. Todi, se animou de extraordinário fervor artístico. Tinha pedido algumas das suas principais árias, estudou-as ininterruptamente, até que, no dia 16 de Dezembro de 1790, no concerto, pôde cantá-las à maneira da Todi, e com a sua expressão. Na manhã seguinte, 0 Sr. Neefe enviou-lhe o seguinte poema [...]" (217).

Tem mais interesse do que conhecermos os dotes da prendada "*_Demoiselle*" e o mau poema de Christian Gottlob Neef o sabermos que o seu autor, organista da corte, foi mestre de Beethoven e talvez a primeira pessoa a ter alguma consciência do que era a natureza excepcional do jovem músico renano. Beethoven escreveu, numa carta para Neef, estas palavras significativas: "Se alguma vez chegar a ser um grande homem, a si pertencerá uma parte do meu crédito." Como Neef era admirador entusiástico da Todi, é provável que entre ele e Beethoven se tivessem trocado palavras apreciativas da festejada intérprete nos últimos tempos em que residiu em Bona o futuro autor da *_Sinfonia pastoral*. Depois da sua gloriosa carreira artística, Luísa Todi veio terminar os seus dias na pátria. Passou transes difíceis aquando da invasão de Soult, fixou-se em Lisboa em 1811 e isolou-se da sociedade, talvez por motivo do seu padecimento da vista. Aos 70 anos, estava completamente cega. O tempo que ainda viveu -- toda uma década -devem tê-lo acalentado as imperecíveis recordações de uma celebridade não excedida por nenhum cantor do mundo. :, Outros intérpretes portugueses O caso da Todi foi excepcional, e sê-lo-ia em qualquer outro país, como o demonstram os seus maiores triunfos, alcançados no estrangeiro. A ilustre setubalense distinguiu-se imensamente dos outros intérpretes portugueses coetâneos. Mas não devemos esquecer estes por completo, para que a Todi nos não pareça puro milagre, qual planta magnífica num deserto. Em 1760 um certo Joaquim de Oliveira foi estudar para Itália, como Sousa Carvalho. Por lá se rodeou de um prestígio como cantor teatral que se confirmou em Lisboa. Casou com Isabel de Aguiar, irmã da Todi. Um tenor da capela real portuguesa, Policarpo da Silva, que entrou em récitas de ópera, mereceu louvores pela intensidade e maleabilidade da sua voz. Beckford, numa das suas cartas, faz-lhe grandes elogios (218). Foi também compositor. Em 1790 estreou-se em Madrid uma cantora portuguesa, Lourença Nunes Correa (n. 1771), cujos clamorosos êxitos se estenderam a Itália (Veneza, Nápoles, Milão). Parece ter agradado menos em Paris (219). De entre os instrumentistas, recorde-se o já mencionado guitarrista António de Abreu, não só pelo seu valor, de que o renome na Península não deixa duvidar, mas também para salientarmos que, no seu tempo -- ou seja, na segunda metade do século XVIII -- um guitarrista português dado à música erudita era uma raridade, ou, pelo menos, era mais raro do que o justificava o passado. Há também notícia da celebridade do guitarrista Rodrigo António de Meneses, a quem, segundo Joaquim de Vasconcelos, "os escritores contemporâneos tecem os maiores elogios e mencionam o sucesso *extraordinário* dos seus concertos na Alemanha, e particularmente na cidade de Leipzig em 1766". Bom tangedor devia também ser João da Mata de Freitas, que compôs, entre outras obras, uma sonata para bandolim (220). Que foi pena os instrumentos da família da viola dedilhada não terem sido mais cultivados, ao nível erudito, no século XV1II, prova-o melhor o caso de Manuel Paixão Ribeiro, autor do tratado *_Nova arte de viola* (Coimbra, 1789), que contém curiosos minuetes e modinhas. Na opinião de Santiago Kastner, "existe mui estreito parentesco entre os minuetes de Seixas, Baptista e os de Ribeiro, pelo que se pode ver que qualquer dos três buscava o material para essas danças e modinhas nas melodias que estavam na moda. Com seus minuetes, os três mencionados autores fizeram uma concessão ao gosto do grande público. As peçazinhas de Ribeiro também podem tocar-se no cravo e não resultariam inferiores às de alguns mais célebres autores portugueses. Acrescentemos que Ribeiro, como era de esperar, não se inspirou tanto nos italianos como em Rousseau e Rameau" (221). Estas considerações estão-nos afastando da interpretação, do mesmo passo que nos

reconduzem aos domínios da composição musical. Antes de outra vez nos embrenharmos nestes, lembremos a curiosíssima figura do abade António da Costa (1714-1780), um portuense que era guitarrista, violinista e compositor e de quem se conservam saborosas cartas escritas de Roma, Veneza e Viena. Reeditadas em 1946 com prefácio de Fernando Lopes Graça, só podemos recomendá-las ao leitor. Em Viena, pertenceu ao círculo intelectual e artístico de D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões e :, então ministro de Portugal, círculo que abrangia personalidades como Gluck, Wagenseil, Hasse, Dittersdorf e Metastasio. Charles Burney deixou-nos do abade António da Costa a memória de "uma espécie de Rousseau, mas ainda mais original" (222). Música de tecla e de corda O compositor Baptista a quem Santiago Kastner se refere, na passagem acima transcrita, é Francisco Xavier Baptista, tangedor de órgão e de cravo que viveu na segunda metade do século XVIII. Mais do que os escassos dados biográficos que dele possuímos, interessa aqui sublinhar que, autor de sonatas ditemáticas, representa uma fase de transição entre o estilo de um Seixas ou de um Fr. Jacinto e o estilo chamado *clássico*, de que foram obreiros um Philipp Emanuel Bach, um Wagenseil, um Haydn. O que acima foi dito da música para instrumentos de corda dedilhada relaciona-se com este caso interessante de Francisco Xavier Baptista. É a questão de saber se estaria mais certo fazer a música de autoria portuguesa inscrever-se na linha de força da evolução musical europeia que estava a deslocar o centro de gravidade da Itália para terra austríaca, ou se, pelo contrário, conviria que ela se alheasse mais dos modelos estrangeiros, italianos ou não. Tem-se lamentado muitas vezes que a trajectória da música portuguesa não tivesse passado pelo classicismo vienense se não tarde e forçadamente. Mas veremos adiante que faltaram em Portugal circunstancias históricas essenciais ao processo que deu um Haydn, um Mozart, um Beethoven. Reconhecer os malefícios da excessiva e não filtrada influência italiana não implica lastimar que em sua vez se não produzisse algo parecido com as obras daqueles mestres, na linha esboçada por Francisco Baptista. É também defensável uma opinião mais agarrada às tradições peninsulares, como seja a de que foi pena os guitarristas portugueses se não terem elevado a um mais alto nível estético, sem deixarem de alimentar a sua invenção em modinhas, lunduns e outros cantares ou bailares em voga. Também a arte dos mestres clássicos centro-europeus tem genes da canção e dança populares, ou popularizadas. Se tal se tivesse dado, se, neste sentido, tivessem surgido *right men in the right place*, o parentesco entre a música de corda dedilhada e a de tecla haveria provavelmente funcionado como produtor dum interessante, valioso e caracterizado reportório português para cravo e piano. Italianismo da música religiosa O italianismo da música portuguesa setecentista estendeu-se aos géneros religiosos, e já desde os tempos de compositores como Fr. Manuel dos :, Santos (m. 1737), discípulo de Marques Lésbio, de João da Silva Morais (n. 1689), que regeu a capela da Casa da Misericórdia e depois a da Sé de Lisboa, e de Pedro da Conceição, que morreu aos 21 anos (em 1711) e foi chorado como artista de dotes excepcionais. Referimo-nos ao italianismo, não de um Palestrina -- que era de raiz franconeerlandesa --, mas sim ao já timbrado pela ópera, cantata e oratória, de que, no entanto, não são de apontar marcas exageradas na música daqueles autores portugueses hoje esquecidos. Foi um pouco mais tarde que a italianização se processou de maneira declarada, significando, no geral, um declínio estético em relação às obras religiosas dos mestres polifonistas de outros tempos, como Filipe

de Magalhães, Duarte Lobo ou Manuel Cardoso. O novo gosto musical deve ter-se reflectido inclusivamente na maneira de cantar o gregoriano, para cujo ensino D. João V fundou uma escola em S. José de Ribamar, confiando a sua direcção a um monge veneziano. Usou-se muito em Setecentos o canto "gregoriano" a várias vozes. Publicaram-se métodos e ofícios para as práticas corais, de que um *_Teatro eclesiástico* (1743), de Fr. Domingos do Rosário, teve oito sucessivas edições. Na segunda metade do século o género religioso mais apreciado parece ter sido a oratória. Cantaram-se muitas de autores portugueses mencionados, como Luciano Xavier dos Santos ou Leal Moreira, e de outros. E também de compositores estrangeiros. Na Ajuda cantou-se a oratória *_Il ritorno di Tobia*, de Haydn, em 1784, ou seja, cerca de dez anos depois da data da composição e com o autor ainda vivo. Aliás, a regra de então era escolherem-se para execução obras de autores contemporâneos. Os compositores trabalhavam com objectivos imediatos; a "criação para a posteridade" veio depois, em parte como consequência das profundas alterações sociais que se operaram na transição de Setecentos para o século romântico. Aquela obra de Haydn -- a sua primeira tentativa no campo da oratória -- está impregnada de italianismo e cheia de árias um tanto formalistas, ao lado de outras, menos numerosas, em que se reflecte a estirpe do autor. O valor artístico da obra reside principalmente nos números corais, quase todos magníficos. Seria interessante conhecermos a opinião da aristocracia portuguesa quando ouviu *_il ritorno di Tobia*, por certo sem consciência de que o nome do compositor era mais para fixar do que o da maior parte dos outros. Convém destacar também a audição de música de Jommelli (a sua *_Paixão*, designadamente), o compositor que soube introduzir na sua arte elementos benéficos de proveniência germânica e tornar o acompanhamento orquestral dos recitativos muito mais plástico e intenso como expressão dramática. Na obra de Jommelli, há também traços nítidos do drama francês. Na verdade, ele conheceu e aplicou, talvez primeiro do que qualquer outro músico de qualidade, as teorias dramatúrgicas despendidas pelos filósofos iluministas. O ensino de música em Coimbra no período a que nos referimos pertence ao âmbito religioso. O organista e compositor José Maurício (1752-1816) -- não confundir com o mencionado músico brasileiro _p.e José Maurício Nunes Garcia --, que vivera em Salamanca e fora mestre de capela da Sé da Guarda, assumiu em 1802 funções de lente de Música da Universidade da :, sua cidade natal, Coimbra. A sua primeira medida pedagógica foi a reforma dos estatutos da cadeira. As lições diárias que ministrava incidiam sobre o canto eclesiástico, a execução no órgão e o contraponto. Em 1806, publicou um *_Método de música*, destinado a orientar os estudos musicais em Coimbra, a que adiante voltaremos. José Maurício ganhou reputação de artista esclarecido e cultivado; ficaram ecos dos serões em sua casa, em que se ouviam obras de Haydn e Mozart. Se é certo que tenha tido consciência do valor desses mestres seus contemporâneos, não podemos todavia alimentar ilusões quanto à medida em que podia impor as suas opiniões numa época que, no tocante ao gosto musical no nosso país, era de decadência. Depois de José Maurício o ensino da música em Coimbra declinou, apesar de não por completo desligado de personalidades de algum modo significativas para a história da música portuguesa, como Francisco Xavier Migone. No último quartel do século XIX já se encontrava reduzido a um curso de cantochão ao nível liceal. Tem-se afirmado que, em fins do século XVIII e princípios de Oitocentos, se diferenciaram duas correntes na música religiosa de autores portugueses. Dentro do italianismo -- que nem sempre deve entender-se em sentido pejorativo --, uns

seguiram modelos como o de Jommelli, outros utilizaram meios por de mais operistas e ao gosto fútil dos menos cultivados amadores de música (223). Um Fr. José Marques (m. 1837), um António José Soares (1783-1865), discípulo de Leal Moreira, um Francisco Xavier Migone (1811-1861) ficaram com fama de menos superficiais. Migone aprendeu com Fr. José Marques no Seminário Patriarcal e parece ter sido por protectora influência do mestre que ascendeu à universidade. Quando o Conservatório se fundou em Lisboa, foi nomeado para o seu corpo docente como professor de piano. Mais tarde sucedeu a Bomtempo na direcção do estabelecimento e assumiu a regência do real Teatro de S. Carlos, onde se representaram óperas de sua autoria: *_Sampiero* e *_Mocanna*. A marca operática italiana talvez tenha afastado mais de sentimentos devotos a música religiosa de outros autores. O talentoso Joaquim Casimiro Júnior (18021862), que recebeu lições de José Marques e que, além de trechos religiosos, compôs música para muitas récitas dos teatros do Salitre, da Rua dos Condes, do Ginásio e de D. Maria, tendo tido a honra de colaborar com Almeida Garrett, foi comprometedoramente apreciado pelo público mais superficial. Apelidaram-no de "Donizetti português", o que, relativamente à música sacra, não podemos hoje ter por grande recomendação. As solicitações vinham inclusivamente de altos dignitários da Igreja. Houve um que exigiu de Casimiro música religiosa semelhante ao rondó da *_Lucia*! Aliás, j á D. João VI manifestara a Marcos Portugal o seu real desejo de que tornasse a sua música sacra mais leve e parecida com a profana -- de ópera, está claro. Para nos darmos conta dos extremos a que podia ir a degradação da música religiosa, basta recordar as matinas que _ângelo Carrero (1826-1867) compôs sobre temas de *_Roberto o Diabo*, do *_Dominó negro*, etc. Esse _ângelo Carrero, filho de espanhóis, pertenceu à Irmandade de Santa Cecília, foi violinista em S. Carlos e professor substituto de rudimentos no Conservatório. Algumas obras suas foram aclamadas nos *_Concertos populares*, na :, Academia Melpomonense e no S. Carlos. Casos como este são provas concludentes de quanto, apesar de tudo, a sensibilidade musical se apurou de há cem anos até hoje, menos por acção do próprio meio português do que pela evolução da cultura europeia. Por mais de uma vez temos feito referência à Irmandade de Santa Cecília. Provavelmente fundada no século XVI (o seu primeiro estatuto foi aprovado oficialmente em 1603), desempenhou papel importante na vida musical portuguesa. Algumas das suas realizações relevam um são critério artístico: na festa anual em honra da padroeira cantou-se reiteradamente o *_Requiem* de Jommelli e também o de Mozart, pouco mais de dez anos depois de ter sido composto. Testemunhos de um visitante singular: William Beckford No seu *_Diário* (224), William Beckford (1760-1844) registou impressões dos festejos da Irmandade em 1787, colhidas em Lisboa. Referindo-se a 21 de Novembro, véspera do dia da padroeira: "Já era escuro quando chegámos [à Igreja dos Mártires]. Como tínhamos vindo muito depressa, afigurou-se-nos encontrarmo-nos, de repente, não numa igreja, mas num esplêndido teatro, cintilante de luzes e de fios de lantejoulas. Todos os altares resplandeciam com as suas velas acesas, todas as tribunas estavam engalanadas com reposteiros do mais vistoso damasco da Índia. Centenas de cantores e de músicos executavam as mais animadas e brilhantes sinfonias." A palavra sinfonia deve entender-se aqui no sentido muito lato de música de conjunto, instrumental e vocal, não vinculada a determinada forma. Continuando a descrição, Beckford alude ao "muito bater de leques, muitos risos abafados e muitos namoricos pela espaçosa nave, confortavelmente atapetada para a acomodação de numerosos grupos de senhoras. A concavidade, em frente da entrada

principal, onde fica o altar-mor, de tal modo me parecia um palco, e era decorada tão à moda das óperas, que eu estava sempre à espera de ver a entrada triunfal do herói ou a descida de qualquer divindade pagã, cercada de Cupidos e de rolas. Toda esta ostentação era em honra de Santa Cecília e custeada pela irmandade dos músicos. Devo confessar que tudo isto me alegrou o espírito e me encheu de ideias pagas." Na manhã seguinte, Beckford voltou à Igreja dos Mártires para assistir à missa cantada. O que depois escreveu no *_Diário* é mais esclarecedor do tipo de música que ouviu. Isto apesar de colocado numa tribuna mesmo por cima do altar, ter ficado tão longe dos executores que mal pôde distinguir as vozes dos cantores. De qualquer modo, a música não lhe agradou muito, porque nada tinha "de solene nem de patético e era feita de fragmentos de *ouvertures*, de começos e cadências de árias de ópera". As *ouvertures* também deviam ser de óperas mas, segundo parece, a orquestra não as tocava na íntegra, senão que lhes isolava andamentos, o que então era corrente, não :, só em Portugal. Decerto não foi por isto que Beckford se sentiu "muito enfadado com a execução", que bocejou "lastimosamente" e todo se regozijou quando a missa cantada chegou ao fim. Os contextos musicais na parte do *_Diário* relativa a Portugal não se limitam a festas da Irmandade de St.a Cecília. Longe disso. E a singular personalidade de Beckford incita a observá-los em diferentes aspectos. Bastaria tratar-se de um homem com a cultura, a sensibilidade e o génio literário do autor de *_Vathek* para que as suas reacções e opiniões merecessem ser conhecidas. Acresce que esse inglês riquíssimo e de péssima fama em círculos puritanos do seu país, escandalizados por uma conduta assaz livre e com claros indícios de homossexualidade, tinha uma rara disposição para a música que o fez cultivá-la não apenas como ouvinte mas também como cantor, tangedor e até compositor. Herdeiro de enorme fortuna de seu pai, proveniente de plantações e negócios de escravos na Jamaica, Beckford deu-se ao luxo de viajar com séquitos principescos que podiam compreender um músico privativo e, por vezes, até uma orquestra. Aqueles que o ouviram fazer música elogiaram-lhe a mestria na execução ao cravo e, sobretudo, o excepcional talento para o canto. O facto de tal personagem ter conhecido directamente coisas da vida musical portuguesa e escrito sobre elas ajuda-nos a formar ideias do que concretamente eram. Comecemos por passos do *_Diário* em que Beckford se apresenta como músico praticante. Interessa-nos saber que não desprezou estudar obras de João de Sousa Carvalho. Em 15 de Julho de 1787: "Apareceu [Gregório] Franchi, que parecia pateta e envergonhado. Tenho os meus receios de que o rapaz experimente mais prazer do que deve, quando me ouve cantar as composições de J. de Sousa." Beckford conhecia música de Sousa Carvalho desde, pelo menos, 10 de Junho, dia em que a cantora Maria Justina de Mendonça Scarlatti o entusiasmara: "Quando cantou algumas árias compostas por [David] Perez e João de Sousa, fiquei deslumbrado. A sua voz modulava com uma singela naturalidade as mais patéticas inflexões e com uma trémula suavidade que vinha do coração". Com conhecimento de causa, Beckford vai mais longe, reportando a arte da Scarlatti à dum *castrato* italiano, contralto da capela real: "Embora tivesse adoptado o estilo magistral e científico de [Ansano] Ferracuti, o primeiro cantor da Rainha", Beckford achou que a Scarlatti interpretou com "uma tal simplicidade de expressão as mais difíceis e laboriosas frases" que mais pareceu "uma jovem romântica no mais profundo recesso duma floresta". Justina Scarlatti casou pouco depois, em 1790, com um alto funcionário do Ministério do Reino. Deve ter sido mais uma decidida vocação musical que se perdeu. A julgar pelas frases subsequentes de Beckford, poderia ter-se tornado uma intérprete profissional de grande carreira: "Nunca mais esquecerei a impressão que esta cantora me produziu. Caí em prostração e sentei-me num recanto escuro,

inconsciente diante de tudo que se passava à volta de mim -- o pasmo e os murmúrios e o bater dos leques da grotesca assembleia." :, Efeitos parecidos causou-os o mesmo Beckford sobre ouvintes portugueses. A propósito dum serão na casa do Ramalhão, perto de Sintra, onde então residia: "Depois do jantar, sentei-me ao piano e toquei quase sem interrupção. Mascarenhas [prelado da Patriarcal], que é doido por música, ficou todo o tempo a ouvir-me, sentado ao lado do meu instrumento. [...] Bastou-me tocar ao de leve no teclado para arrancar-lhe modulações tão lamentosas e patéticas que toda a gente naquela sala se sentia comovida" (30.8.87). Beckford tinha trazido para Portugal pianos provavelmente dos mais aperfeiçoados que então se fabricavam. Não dá porém notícia de terem provocado espanto entre os portugueses que recebeu em casa. O pianoforte já não constituía novidade em Portugal e, quanto a refinamentos técnicos, a ignorância dos marialvas e outros fidalgos com quem Beckford se deu era excessiva em tal matéria. Não nos esqueçamos, porém, de que o milionário inglês também teve muito trato com músicos profissionais, durante as suas estadas em Portugal. Um deles foi Jerónimo Francisco de Lima (1741-1822), a quem já foi feita referência como compositor representado no Teatro da Ajuda. Em 1760 tinha ido para Nápoles aperfeiçoar-se no contraponto, por ordem de D. José I. Ao regressar à pátria foi nomeado professor do Seminário Patriarcal, onde havia estudado. Acumulou aquele cargo com o de cantor da Patriarcal e, em 1798, por morte de Sousa Carvalho, sucedeu-lhe como mestre da capela (225). Vejamos um pouco o que foram os serviços que este qualificado músico português prestou a Beckford: "Lima sentou-se ao piano e eu cantei até a hora do jantar. Nunca na minha vida tinha cantado com mais expressão. Há uma cena numa das óperas de Lima, em que o espectro de Polidoro pede a Eneias [...] que vingue a sua morte matando Polimnestor. A música é de uma melodia e de um patetismo impressionantes. Soltei um grito veemente: *_Vendica i torti miei*, que ficou a ecoar longamente pelos ares. Tão possuído estava por estas comovedoras notas que mal pude comer. Lima ficou encantado com a atenção que eu prestei às composições dele" (8.9.87). Logo se desencantaria, se pudesse antever a desatenção dos seus compatriotas vindouros. Quando acabava de interpretar música a seu próprio contento, Beckford devia ficar numa boa disposição que o tornava mais acessível. Jerónimo Lima parece ter sabido aproveitar esses momentos: "Cantei mais de seis ou sete vezes aquela apaixonada ária de Sacchini, *_Poveri affetti*, com tanta veemência que fiz brilhar lágrimas nos olhos do grão-prior. Lima veio pedir-me que conseguisse um aumento dos seus salários, falando, uma vez mais, ao marquês a seu favor. Detesto pedir favores. A petição que ele me apresentou pesa-me na algibeira" (23.10.87). No dia 6 Novembro o musicófilo inglês deve ter-se sentido em ainda melhor forma. E o que escreveu no *_Diário* mostra o prazer que lhe davam as acrobacias vocais, ao gosto da época; do mesmo passo que atesta a competência de Policarpo José António da Silva, tenor, compositor e instrumentista: "Apesar da minha má disposição, nunca cantei tão bem na minha vida as três claras oitavas caindo a prumo sobre a nota, como um falcão sobre a presa. Policarpo uivava e gritava com infinita execução. É um perfeito mestre da :, sua arte e compõe com saber e discernimento." O certificado vale, já que o Beckford músico também se habilitara à criatividade: "Estou a precisar de qualquer animalzinho novo para me animar o espírito, para correr comigo pelo meio dos limoeiros e para me trazer ramos em flor, me arranjar as minhas gravuras, me transpor as minhas canções e registar as ideias musicais que me vêm à mente nos momentos felizes" (24.9.87). "Fiquei em casa a compor *seguidillas*" (25.11.87).

A referência a Policarpo da Silva e a imagem do "animalzinho novo" têm mais que se lhe diga. Beckford abonou mais vezes o conceito que aquele mestre de música fruía no seio de famílias ricas e pintou-o num enquadramento elucidativo de hábitos da alta-roda lisboeta. A cena decorre no palácio do marquês de Marialva em Belém, onde é hoje a Presidência da República: "Nesta dependência encontrei D. Pedro de Marialva [filho do marquês], um adolescente não de todo deselegante, mas desfigurado por um absurdo rabicho. Recebeu-me com muita deferência, objecto que eu era da particular predilecção de seu pai. Policarpo, o primeiro cantor da Capela da Rainha, estava sentado ao cravo, no meio da sala. Através da porta aberta de uma escura dependência vizinha pude vislumbrar D. Henriqueta, irmã de D. Pedro, que ora avançava ora recuava, impaciente por se aproximar e poder examinar a exótica criatura de quem, provavelmente, muito tinha ouvido já falar, mas sem coragem de pôr os pés no salão, na ausência da mãe. Pareceu-me uma linda rapariga com os olhos cheios de juvenil alegria e uma figurinha muito graciosa. Mas que hei-de eu dizer mais? Apenas a vi como num sonho; talvez os seus encantos se desvanecessem à plena luz do dia. A minha imaginação, exaltada por uma aparição tão romântica, deu-me para tocar e cantar de tal forma que fui a surpresa de todo o rebanho de preceptores, clérigos, músicos e mestres de esgrima que rodeava o herdeiro dos Marialvas" (25.5.87). Não se julgue que a "particular predilecção" do marquês provinha do desejo de aproveitar a oportunidade de intercâmbio de ideias e conhecimentos com um estrangeiro de tão refinada cultura. Apesar de se encontrarem artistas na residência dos titulares portugueses, estes, na sua maior parte, não brilhavam pela ilustração e os interesses de ordem estética. Neste caso, o interesse do marquês era pela fabulosa abastança de Beckford, já então viúvo e, portanto, possível marido de D. Henriqueta. Mas o noivado não se realizou. A filha do marquês veio a casar em Janeiro do ano seguinte com o velho duque de Lafões (1719-1806), o mesmo cujo nome ficou ligado à Academia das Ciências e a Gluck. Encontrá-lo-emos ainda nos relatos de Beckford. Entretanto, voltemos a Policarpo da Silva, para uma configuração dos seus méritos profissionais, junta a outras referências informativas. Importa saber que Haydn -já então célebre, embora não estivesse ainda no glorioso troço final da sua carreira, tão ligado à Inglaterra -- tinha música sua a ornamentar o reportório dos salões aristocráticos portugueses. E que o violinista e compositor espanhol Josè Palomino y Quintana, o seu colega Rumi e outros músicos da rainha eram artistas de primeira ordem. E que Beckford também chamou ao Ramalhão o tenor português Joaquim de :, Oliveira (n. 1749), cunhado de Luísa Todi, considerado o melhor dos cantores que então actuavam em Lisboa (226). "Claro que tudo conspirava para fascinar e inflamar uma imaginação juvenil", diznos Beckford, tirando rendimentos literários duma recepção no palácio que habitava. E o autor de *_Vathek* logo salienta "a elegância e o esplendor das instalações, espelhos que sobem do chão, como pórticos de quiméricas mansões, reflectindo flutuantes e ligeiras figuras juvenis, o perfume das rosas e a deliciosa música de Haydn, executada por Rumi, Palomino e mais dois executantes, primeiros músicos de Lisboa e talvez da Europa. Gelati, Joaquim de Oliveira e Policarpo, que acabava de chegar das Caldas, cantavam uma série de árias com uma delicadeza extraordinária. Os meus convidados não começaram a retirar antes das onze, e tenho razões para acreditar que todos eles partiram muito satisfeitos com a noite que passaram" (17.6.87). Quanto ao "animalzinho novo", a comparação foi inspirada simultaneamente pelo já referido Gregório Franchi e pelo pendor homossexual daquele que veio a ser o seu protector de vida inteira. Gregório Filipe Franchi (1770-1828) nascera em Lisboa, duma família italiana, e fora admitido em 1783 no Seminário Patriarcal, onde recebeu a sua formação musical E grande diploma passou Beckford à instituição, se a cegueira afectiva lhe não influiu demasiado na pena, ao escrever numa carta para

Sir William Hamilton que Franchi era "talvez o primeiro cravista da Europa". Depois da primeira visita de Beckford ao Seminário, Policarpo da Silva pediu-lhe que lá voltasse no dia seguinte, "para ouvir um dos rapazes tocar maravilhosamente". O inglês acedeu, provavelmente de muito boa vontade. Apesar de protestante, começou por ajoelhar "junto do altar, com muita devoção". Quem oficiava era o patriarca. "Durante o sermão, escapei-me na companhia de Policarpo e subi o lanço de uma ampla escadaria no topo da qual estava o *menino* que tocava cravo muito bem. Aproveitou a deixa de Policarpo e parecia deleitado com a oportunidade que se lhe oferecia de exibir os seus talentos. Vários rapazes se aproximaram de nós. Só um teve autorização de entrar na sala, bastante asseada, onde estava o instrumento. Os outros espreitavam à vez, enfiando os grandes olhos pela frincha da porta, cautelosamente fechada e aberta por um padre. O *menino* é dotado de surpreendentes habilidades e prestou ampla justiça às admiráveis composições de Haydn que executou." (227) Estoutra referência a Haydn também abona a pedagogia do Seminário Patriarcal. O que lá não devia existir era nenhum instrumento como os que o inglês trouxera consigo. É o que se depreende duma sugestão de Policarpo também anotada no *_Diário*: "Muito desejaria ouvir o *menino* outra vez e espero voltar amanhã, se o Patriarca quiser! Policarpo, em nome do seu discípulo, insinuou que os meus pianos seriam de grande vantagem para fazer sobressair os seus talentos. Suponho que ele deseja que eu o mande chamar. Tudo a seu tempo" (28.5.87). O tempo foi de cerca de um mês. 1 de Julho: "Cheguei a casa ao escurecer. Apareceu Gregório Franchi, o rapaz que tocou cravo admiravelmente na Patriarcal e que tanto honra Lima, Leal [Moreira], Policarpo e todos os seus mestres espirituais e temporais. Os seus olhos pareciam maiores do que :, nunca, e tanto me fitavam que eu não pude deixar de corar. Apanhou o meu estilo de cravista, instantaneamente, e interpretou várias *ouvertures* e sonatas à primeira vista, exactamente à minha maneira." Embora Franchi tivesse ascendência italiana, Beckford atribui-lhe caracteres temperamentais portugueses, aliás não menos próprios dos conterrâneos de Cimarosa. Não fica, porém, claro que se tratasse principalmente de interpretação musical: "Estes jovens portugueses são feitos de matérias mais inflamáveis de que os outros mortais. Pude mantê-lo fascinado a meu lado, horas seguidas, escutando as notas infantis da minha voz, e a dissolver-se como a neve ao Sol." A disciplina do corpo discente do Seminário não era tão rígida que deixassem de transparecer as provavelmente brejeiras reacções dos outros moços aos favores que o colega estava recebendo do magnata estrangeiro: "Ao que parece, os seus condiscípulos da Patriarcal quase lhe furaram os grandes olhos quando ouviram dizer ao Lima e ao Policarpo o bem que eu pensava das habilidades musicais do pobre pequeno. Este maldito mundo é feito de inveja, de malícia e de crueldade de todas as formas e feitios." Poucos dias volvidos, a 7 do mesmo Julho, Beckford acrescenta razões para lamentarmos que o seu protegido não tenha vindo a desempenhar maior papel na vida musical portuguesa. Gaba-lhe o engenho e o estilo de execução, dizendo-os o seu encanto. As referências a Franchi não se desobrigam, porém, de algum sentido crítico: "Gregório esteve comigo das dez até ao meio-dia. Cantei umas árias. Acompanhou-me razoavelmente, mas muitas vezes acelera o ritmo, por causa da impetuosidade do cantor a que está habituado" (10.7.87). A observação lança alguma luz sobre a maneira interpretativa do Policarpo da Silva. Com efeito, dá a entender que, quando se entusiasmava, este tendia a cantar mais depressa. E, provavelmente, mais forte. Alias, não devia ser só ele, nem só cantores. A solidariedade de andamento e dinâmica era e continuaria a ser

instintiva. Ainda hoje todos os bons mestres de interpretação musical têm de ensinar os discípulos a dissociá-la. Entretanto, nem todos os intérpretes célebres aprenderam a tornar as duas variáveis independentes uma da outra. Por exemplo; o mestre Arthur Nikisch (1855-1922) acelerava ou retardava quando a intensidade crescia ou diminuía, respectivamente, mesmo que não houvesse indicação de mudança de andamento. O que Beckford dá a entender é, pois, que o temperamental Policarpo da Silva acentuava ainda mais do que devia ser comum esse processo de frisar a intenção expressiva. Se era só por sua influência que fazia o mesmo, ao teclado, Franchi devia ser de uma musicalidade mais fina e subtil. Musicalidade que percorria, em todo o caso, uma gema considerável de disposições, entre os extremos da interioridade anuviada e da exteriorização de grande efeito. Em mais um dia passado no Ramalhão, depois de ter tocado "adágios de Haydn na veia mais funebremente melancólica", Franchi entregou-se a "variações ao piano, com todo o seu vigor", produzindo música fragorosa (20.8.87). E de supor que as "variações" fossem improvisadas. Convém que voltemos à recepção de 17 de Junho, para darmos atenção a um caso de amadorismo musical aristocrático, equivalente setecentista do :, de frequentadores dos serões do tempo de Garcia de Resende: "O jovem marquês de Penalva toca piano com infinito gosto, por mera intuição do engenho, pois não sabe uma nota de música". O que se lê a seguir é outra generalização de Beckford, induzida das suas vivências musicais em Portugal, evidentemente limitadas a uma pequena parte da realidade social de então: "Os portugueses caem sempre, naturalmente, em modulações de acentuação lamentosa que me vão direitas ao coração." Vale a pena continuar a transcrição, para vermos confirmada a voga do minuete e para entrarmos um pouco mais no ambiente em que aquela sociedade ia preenchendo os seus ócios. Continuando a referir-se ao "jovem marquês de Penalva": "Os seus minuetes são ao mesmo tempo ternos e majestosos. Não posso ouvi-los sem principiar logo a deslizar pela sala e a abandonar-me a atitude teatrais. Acontece o mesmo com D Pedro [o aludido herdeiro do marquês de Marialva], e dançámos juntos até o marquês estar cansado de tocar para nós. O velho *conservador* [João Teles], manhoso armou o seu doce sorriso de admiração e pôs-se a tecer-nos os mais calorosos elogios. Não pude deixar de imaginar quanto teriam rido certos ingleses meus conhecidos se me vissem a mim e a um rapazinho da primeira sociedade, educado com maior severidade do que ninguém em Portugal, ambos requebrados num minuete e de olhos fixados um no outro." Há mais referências a minuetes, e até com indicação de peculiaridades nacionais: "O padre Duarte chupava o dedo a um canto, o general Forbes tinha tido a prudência de se ir embora, e o velho marquês, inspirado por um adágio patético, pôs-se a deslizar repetidamente pela sala, numa espécie de passo de dança que pensei ser o princípio dum *hornpipe*, mas que afinal se revelou um minuete no estilo português, com todos os rapateados e floreios, que Miss Sill, convidada para o chá, foi forçada a dançar contra sua vontade. Nunca eu assistira a uma dança tão nervosa. Mal acabou, pôs-se o médico a dançar, com a sua extensa e deplorável pessoa, um retorcido e anguloso minuete como tão cedo não tornarei a ver" (24.6.87). Como seria de esperar, Beckford também alude a modinhas: "Passei a noite em casa de Mr. Horne [negociante inglês], deliciado a ouvir D. Luísa de Almeida e o seu mestre de música, um fradinho quadrado, de olhos verdes, cantando *modinhas* brasileiras. Trata-se duma espécie original de música, diferente de quanta tenho ouvido, a mais sedutora, a mais voluptuosa que imaginar se possa, a mais calculada para fazer perder a cabeça aos santos e para inspirar delírios profanos." Não admira que o sensível convidado tenha ficado "muito bem-disposto", com ganas de dançar com uma quantidade de senhoras "até as duas da manhã" (7.6.87). Na descrição dum espectáculo teatral: "Dois rapazinhos, um deles vestido de moça,

muito elegante, cantaram uma deliciosa *modinha*. Quem nunca ouviu cantar *modinhas* não conhece as mais voluptuosas e enfeitiçantes melodias que jamais existiram, desde o tempo dos sibaritas. São extensões lânguidas e entrecortadas, como se o fôlego faltasse por excesso de enlevo e a alma ansiasse por despedir-se do corpo, para se unir àquilo a que mais queremos. Infantil e desapercebidamente, conquistou-nos, sorrateiras, a alma, sem nos darem tempo para defendê-la da sua enervante influência. Supomos estar a ingerir leite, mas é veneno o que bebemos. Por :, mim, confesso, sou escravo das *modinhas* e sempre que me lembro delas não suporto a ideia de deixar Portugal. Se eu tivesse alguma esperança de resistir a dois meses de viagem por mar, nada me impediria de me fixar no Brasil, berço das *modinhas*, e lá viver em barracas como as do *_Chevalier* de Parny, descritas no seu pequeno e tão agradável *_Voyage* [de Bourgogne, Paris 1777], baloiçando-me em redes e estiraçando-me em suaves esteiras, na companhia de jovens coroados de jasmins e de moças que a cada gesto derramassem essência de rosas" (15.10.87). No relato do convívio de 24 de Junho há uma curiosa referência a sonatas: "À tarde não dispensei o meu passeio e levei os Penalvas comigo. Voltámos à hora do chá e estavam à minha espera um rabequista e um padre, humildes servidores e parasitas do marquês. Atiraram-se aos murros ao meu pobre piano e tocaram sonatas, quer eu quisesse quer não." _depois de confessar que detesta sonatas, Beckford queixa-se de que os "guinchos cromáticos da rabeca", enquanto o tangedor revirava os olhos, agitando o gorduroso queixo e fingindo entrar em êxtase, lhe revolviam as tripas. "O aspecto purgativo do médico já bastaria para isso, mesmo sem a presença desses parasitas que são o padre e o músico." O termo *sonata* deve ter sido aqui usado para caracterizar, não a forma musical, na sua generalidade, mas sim a sua particularização em termos de instrumento de tecla com violino obrigado. Pelos vistos, apreciava-se em Portugal uma execução violinística bastante espectacular, para não dizer histriónica, que hoje associamos mais a uma época ulterior, marcada de romantismo. Os "murros no pobre piano" tãopouco podem parecer muito próprios do século XVIII. E até que ponto iriam os cromatismos desse rabequista anterior à revolução de Paganini, que era então um menino de 5 anos incompletos? Por outro lado, este passo do *_Diário* volta a mostrar que membros do clero continuavam a desempenhar papéis salientes na vida musical profana, quer como professores particulares quer como intérpretes prontos a animar as reuniões em casas de gente importante. Funções que, como vimos, já tinham um longo passado e que foram sendo desempenhadas em sucessivas adaptações ao gosto musical. Nestes aspectos, os maiores concorrentes dos padres e frades eram os cantores, castrados ou não, e os tangedores ao serviço da coroa ou da Igreja, muitos dos quais estrangeiros que acumulavam o ensino da música com o da sua língua. Beckford deixou-nos um testemunho, a propósito duma visita ao Jardim Botânico, em Belém, "onde habitualmente se encontram uns certos animais de pouca idade, do sexo feminino, chamados, em português, *açafatas*", que são algo entre a criada de quarto e a dama de honor. As "ninfas" que o sensual inglês encontrou no jardim eram "as flores do bando da rainha" (D. Maria I). Entre elas, uma "linda irlandesa de 15 anos, há pouco casada com um oficial português". O marido fora numa peregrinação à Senhora do Cabo e ela aproveitara para se pavonear "na companhia das *açafatas* e dum rancho de sopranos que lhe ensinam a gorjear, a falar italiano, etc.". O aspecto dos *castrati* devia ser bastante ridículo, a julgar pelo complemento do quadro primaveril: "[A irlandesa] tinha qualquer coisa de um ser quimérico, deslizando ao longo das alamedas :, do jardim, deixando para trás os barrigudos sopranos e as desalinhadas *açafatas*, todas extasiadas perante a sua ligeireza" (1.6.87). Quanto a música em cerimónias religiosas, o *_Diário* contém mais informações que nos interessam, além das já citadas. Vejamos como, no decurso do século XVIII, a escolha da música para ser ouvida dentro das igrejas se liberalizara, em comparação

com os rigores de outros tempos. A respeito de uma ida à igreja de Santo António da Sé: "A cerimónia era assaz pomposa. Um principal, acompanhado de considerável destacamento de padres da Patriarcal, oficiava ao som de animadas gigas e de ruidosos minuetes, muito mais próprios para dançar em estabelecimentos termais do que para ordenar os movimentos dum pontífice e dos seus acólitos." Sobre ser muita essa música, vocal e instrumental, soou medíocre e correu "a pleno galope no mais rápido *allegro*" (13.6.87). No mesmo dia de Santo António, o falso beato ainda foi ver passar a procissão, com a sua "imensidade de esfarrapados lapuzes que caminhavam a dois e dois, de velas na mão, seguidos de um bando de rabequitas, com seus sebentos capotes de todos os dias, e atrás deles muitos pretos com uma espécie de mesas aos ombros, espécie de tabuleiros de sobremesa atulhados de vasos e 1magens de cera que representavam santos, anjos e madonas". No dia seguinte, as freiras do convento do Sacramento enviaram os seus músicos a Beckford, "com fogo-de-artifício e pandeiros" em sua honra, além do convite "para uma grande missa na sua igreja, pelo Coração de Jesus". O convite foi aceite e deu ensejo a mais audições. O ser tão desfavorável o respectivo assento no *_Diário* reforça o crédito dos elogios feitos a outras manifestações da vida musical olissiponense: "Todas as frestas [da pequena igreja] estavam tapadas com grossos panos de veludo e colchas de damasco as janelas atulhadas de vasos de flores e o altar-mor flamejante, com vinte filas de velas de cera, umas por cima das outras, não penetrando ali o mais pequeno sopro de ar. A madre-abadessa mandou-me oferecer uma grande cadeira de braços forrada de tapeçaria, onde estive sentado três longas horas, bocejando as tripas e destilando por todos os poros, enquanto dois ou três rapazes cobertos de suor [provavelmente cantores] e meia vintena de rabecas e oboés assassinavam algumas composições admiráveis de João de Sousa [Carvalho]. Não pude escapar-me antes da hora do jantar, tão de perto me espiavam um velho devoto da alta hierarquia e o seu confessor" (15.6.87). A consideração por Jerónimo de Lima fê-lo deslocar-se num domingo, para ouvir música sua, com a fortuna de encontrar na igreja de S. Pedro situada na actual Calçada da Tapada da Ajuda, o contralto italiano Totti Mencarelli em óptima forma vocal: "Fui à nova igreja de S. Pedro de Alcântara e ouvi a Missa do Lima. Nela participavam todos os meus conhecidos musicais -- Rumi, Palomino, Ferracuti, Totti, etc. O Totti cantou admiravelmente e estava bem de voz, coisa que raro lhe acontece. Tive a sorte de ficar na galeria da música" (5.8.87). As vivências ganhas em Mafra começaram ainda antes da entrada no colossal edifício: "Estas torres contêm vários sinos dos maiores que há e um famoso carrilhão que custou muitas centenas de milhares de *cruzados* e que principiou a tocar logo que se anunciou a nossa chegada." A "uma confusa :, matinada de sinos" sucedeu uma complicada melodia, "executada nos carrilhões por um grande *virtuose*". Depois, foram as vésperas, "na vasta igreja do Convento". O abade entrou com os frades, em procissão, e "subiu ao seu trono, tendo aos pés uma fileira de sacristães e à sua direita uma de cónegos, com os seus paramentos bordados a oiro. O ofício divino foi cantado com a mais imponente solenidade, ao som dos órgãos, pois há, pelo menos, seis na igreja, todos de enormes proporções". Não foi o único ensejo de os ouvir. Quando se tratou de assistir a matinas, "os órgãos ressoaram outra vez e o Abade retomou o seu trono, com pompa igual" (27.8.87). Outra referência ao mais eclesiástico dos instrumentos musicais ocorre na descrição duma ida aos Jerónimos: "A maré [de fiéis em procissão] levou-me para dentro da grande igreja, vasta, solene e fantástica, como as gravuras do Templo de Jerusalém das velhas bíblias germânicas. O tremendo ecoar do órgão e do coro vinham dum escuro recesso, lá do mais distante extremo do edifício, um dos maiores que existem em Portugal" (19.11.87). A opinião do ânglico forasteiro sobre o valor de David Perez e da maneira como era

interpretado também nos ajuda a fazer uma ideia da realidade musical lisboeta, junto das classes dominantes: "Fui aos Mártires para ouvir as Matinas de Perez. Música majestosa e comovedora, acima de tudo o que possa descrever-se. A esplêndida decoração da igreja fora substituída por paramentos de luto, o coro forrado de preto, os altares velados, o altar-mor coberto de panejamentos púrpura e oiro e, no meio do coro, um catafalco rodeado de castiçais e altas velas. Sacerdotes paramentados a preto e oiro rodeavam-no. Primeiro um silêncio tremendo, depois o solene ofício de finados. Os músicos até empalidecem quando cantam *_Timor mortis*, etc. Todos se esmeravam. Depois do *_Requiem*, a missa solene de Jommelli, em comemoração dos defuntos. Termina com o *libera me, Domine*. Todo eu tremia, pouco me faltou para que desatasse a chorar" (26.11.87). Convém juntar a esta uma outra versão da mesma experiência, na qual Beckford dá mais pormenores sobre a audição das "famosas Matinas de Perez e a Missa de defuntos de Jommelli, executada por todos os principais músicos da Capela Real". Depois de acentuar que nunca ouvira nem provavelmente tornaria a ouvir "música tão majestosa e comovedora", o sensível e cultivado bretão foi ao ponto de colocar a prática musical religiosa, tal como se mantinha em Portugal, acima das que ele conhecera lá fora: "Porque a chama de ardor religioso está a apagar-se em quase toda a Europa e ameaça extinguir-se por completo dentro de poucos anos. Como ainda arde em Lisboa, consegue produzir a mais impressionante expressão musical, nos nossos dias. Todos os componentes da orquestra parecem compenetrados do espírito das terríveis palavras que Perez e Jommelli puseram em música com tão tremenda sublimidade." Adiante, Beckford confirma o empalidecer dos cantores sobre a palavra *_Timor mortis me conturbat*, precisando agora que Ferracuti e Totti "se saíram admiravelmente, em especial nas patéticas súplicas", para depois tornar mais impressivo o efeito nele causado pelo *_Libera me*. Essa página de Jommelli fazialhe "estremecer todos os nervos do corpo" e, assim interpretada, impressionou-o "tão profundamente" que rompeu a chorar. "Os :, joelhos batiam-me um contra o outro, um suor frio humedecia-me a testa." Beckford já tinha registado no seu *_Diário* emoções despertadas por música da mesma autoria. A respeito duma já referida visita ao Seminário Patriarcal: "A música da missa, vulgar, exceptuados dois sublimes motetes de Jommelli. Valeu a pena arrastar com a canícula para ouvi-los" (27.5.87). Mas, ao que parece, o nível da interpretação variava com as circunstancias. No da seguinte, a música de Jommelli ainda lhe faz ter "as mesmas impressionantes sensações". Mas a 29, outra vez na Patriarcal, acha-se "mal recompensado pelo trabalho" que teve e compreende porquê: "Estando ausente o Patriarca, o ofício da missa foi rezado de forma mais desalinhada e os excelentes motetes de Jommelli foram barbaramente assassinados." Importa destacar também os passos do *_Diário* que atestam a existência de bons tangedores na Lisboa da época e até a possibilidade de os contratar para conjuntos instrumentais privados, sem que, mesmo sendo o patrão fabulosamente rico, eles se mostrassem muito firmes nas suas condições: "Tenho estado a discutir com ele [Jerónimo de Lima] o preço duma orquestra paga por mim para o Ramalhão. Os marotos tiveram o descaramento de começar por me pedir vinte moidores por mês, depois passaram para quinze, e por fim para dez. Ou descem para oito, ou nada feito." Isto, não obstante serem todos "excelentes", como o milionário confessa, distinguindo um deles como "músico de primeira ordem" (5.8.87). As reacções de um Beckford ao que em Lisboa lhe pediram, para pagamento de serviços musicais, parecem acusar ou avareza da sua parte ou um nível de salários para executantes profissionais superior, em Portugal, ao estabelecido em Inglaterra e noutros países ou, ainda, uma oportunista cupidez dos músicos com quem o nababo tratou, a começar por Jerónimo de Lima. Com este parece não ter havido contratação prévia, na suposição, talvez, de que qualquer prenda à despedida o deixaria satisfeito. Teria interesse ouvirmos as duas partes mas temos de nos contentar com

a versão patronal: "[O Lima], com o mais submisso dos sorrisos, apresentou-me, de joelhos, uma leviana conta, de 200 libras esterlinas, mais qualquer coisa, pelos serviços que prestou no Ramalhão. Se este apreciável artista não tivesse passado o tempo a falar contra as extorsões e rapinas de que os estrangeiros eram vítimas, etc., a minha surpresa teria sido menor. Dominei-me admiravelmente e mandei passar um recibo daquela importância. E, em vez de mandar pôr na rua o *_Signor Maestro*, como ele merecia, fi-lo compreender que, a partir de hoje, as suas visitas estão dispensadas. Encolhendo modestamente os ombros, o *_Signor* Lima desceu as escadas, assegurandome que não pedira mais do que aquilo a que estritamente tinha direito e que o meu alto carácter lhe merecia demasiada consideração para me supor capaz de pretender que um pobre artista perdesse comigo o seu precioso tempo" (21.11.87). :, Voltemos àquilo que então podia receber o nome de *orquestra* mas que era quantitativamente bem pouco, para os padrões do nosso tempo [mesmo os das orquestras de câmaras]. Para isso, temos de nos reportar a três meses antes da corrida de Jerónimo de Lima pela escadaria abaixo, com as suas duzentas e tal libras: "Tudo está a entrar em ordem no Ramalhão e espero encontrar-me dentro em pouco razoavelmente instalado. O Lima veio de Lisboa para tratar do caso da orquestra, de que o encarreguei. Resolvi contratar seis músicos a partir do dia 1 de Setembro. Deve ser delicioso ouvir música nas galerias e nos espaçosos terraços do Ramalhão" (17.8.87). A realidade parece ter igualado a expectativa, e logo desde as primeiras actuações dos instrumentistas. A 2 de Setembro: "A noite estava serena e deliciosa, as portas, que comunicavam com as varandas, abertas de par em par, e as harmoniosas sonoridades das trompas e dos oboés subiam do pomar de limoeiros e das laranjeiras. Nem a mais ligeira brisa agitava a clara chama das velas e dos lustres, que lançavam uma luz doce sobre os arbustos dos terraços. Mais tarde, D. Pedro e eu dançámos vários minuetes." No entanto, as delícias musicais também têm os seus reversos: "Sinto vergonha de confessar que passei a manhã inteira sem ler uma frase, sem escrever uma linha ou trocar uma palavra com alguém, embalado que estive pela plangente harmonia dos instrumentos de sopro, suavizada pela distancia. Esses sons penetravam-me furtivamente a alma e enchiam-me o coração de ternas e melancólicas nostalgias. Debalde tentei várias vezes libertar-me daquelas notas e pôr-me eu a compor. Quando penso na saúde do meu espírito, reconheço que devia mandar embora estes músicos. As harmonias que eles produzem despertam milhares de ideias excitantes e voluptuosas dentro de mim. Estendido sobre a minha esteira, olho em meu redor, procurando algum objecto com o qual partilhe os meus sentimentos. Responde-me, calado e triste, o vácuo" (4.9.87). Em momentos destes, a consciência de pertencer a uma classe ociosa, contribuinte primeira duma gritante injustiça social: ao som de música "lenta e melancólica", tocada pela orquestra, "eu, de braços cruzados, fechei os olhos e pus-me a imaginar o Franchi, numa soturna divisão da Patriarcal, completamente abandonada, contando as gotas de chuva que caíam do alto duma cornija desconjuntada" (21.9.87). Situações psicológicas equivalentes ainda hoje são bem possíveis. Só que à orquestra privativa se substitui a aparelhagem fonográfica, com os mais recentes e caros requintes da electrónica. Noutra ocasião, Jerónimo de Lima ensaiava o agrupamento musical, enquanto Beckford errava, "desconsoladamente, pela casa", sem saber usar o tempo que faltava para a ceia (23.9.87). Uma semana depois, em circunstâncias mais divertidas, o trabalho dos seus criados músicos soou-lhe muito melhor. A companhia era de donzelas do paço ao serviço da rainha. "Pedi o meu cavalo e pus-me a cavalgar com elas, pelo meio dos limoeiros e das canas, roçando folhas, frutos e flores. O som dos instrumentos

de sopro, ali, no meio das árvores, tornava-se emocionante." Não fossem as meninas reentrar em fraqueza nos aposentos da soberana, foi-lhes ainda servida :, "uma refeição numa espécie de gruta, junto de um dos terraços enquanto a música se ia ouvindo". Para dançar é que já não houve tempo, se bem que muito lhes apetecesse (30.9.87). Estas amostras bastam a que se veja um tipo de trabalho, inequivocamente marcado pela diferença de classes, a que se sujeitaram músicos profissionais de primeira qualidade. O curioso é que, com todo o seu elitismo aristocrático, Beckford se referiu, com alguma acentuação de censura, à falta de contacto entre diferentes estratos sociais, nas casas da fidalguia lusitana: "o palácio dele [conde de S. Vicente] é talvez o único em Portugal onde a gente das mais baixas classes tem ocasião de dançar, de se divertir e de namoriscar com a da mais alta nobreza" (28.10.87). Por "mais baixas classes" devemos provavelmente entender a média e a pequena-burguesia. Há mais páginas do *_Diário* que nos informam acerca de várias manifestações musicais. A respeito duma "grande festa" em honra do corpo diplomático, na quinta do conde de Pombeiro, em Belas, à qual Beckford não assistiu mas que depois lhe foi contada: "Pela descrição [...], a festa deve ter sido muito romântica e sumptuosa. A casa, bem como os jardins, cobertos de flores, escondem-se no meio duma mata com grandes árvores, laranjais e imensas murtas. Pelas moitas havia orquestras e os brilhantes pavilhões, todos iluminados dentro da escuridão da espessa folhagem, dir-se-iam edifícios feéricos. Quando têm ensejo, os portugueses perdem a cabeça com divertimentos. Os convidados do conde de Pombeiro, cuja festa começou pouco antes do crepúsculo, só se foram embora às seis da manhã l" (5.7.87). Aqui, o que mais nos interessa é a palavra "orquestras", no plural. Em recepções como aquela, de estadão, podia portanto haver mais do que uma orquestra, presumivelmente até mais do que duas ou três. Mas não esqueçamos que se deva o nome de orquestra a qualquer pequeno grupo de instrumentistas, como o que foi contratado para o Ramalhão. Infelizmente, a hostilidade implacável do embaixador de Inglaterra levou de vencida todas as diligências para que Beckford fosse recebido por D. Maria I, com todas as honras que ele desejou. Ficámos assim privados da sua opinião sobre a qualidade da música que se fazia na corte régia. É pena que não tenha ouvido as respectivas formações instrumentais em actuações de palácio ou de capela privada, nem assistido a nenhum espectáculo real de teatro por música, no período desta sua primeira estada em Portugal. Período em que -- vem a propósito dizê-lo -- ardeu o teatro do Palácio da Ajuda, acontecimento a que também há referência no *_Diário*. O palácio não era ainda o actual. Quanto a teatros, Beckford teve que contentar-se com os da Rua dos Condes e do Salitre. O de S. Carlos nem sequer começara a ser construído, mas não faltava muito. O teatro da Rua dos Condes, situado no arruamento que ainda conserva o mesmo nome, esquina da Avenida da Liberdade, era a mais conceituada casa de espectáculos públicos de Lisboa e nele se representavam óperas, não exclusivamente. Veio a ser demolido em 1882. As primeiras impressões de Beckford não foram muito favoráveis. Note-se o efeito que a proibição de mulheres no tablado produziu num cultivado europeu no mesmo ano em que Mozart compôs o *_Don Giovanni*: "_o teatro é baixo e estreito, o palco uma :, pequena galeria e os actores, pois não há actrizes, abaixo de toda a crítica. Sua Majestade-que, claro está, é toda prudência e devoção-correu com as mulheres do palco e mandou que os papéis delas sejam desempenhados por uns franganotes [*calvish young fellows*]." É em relação aos bailados que o *travesti* suscita maiores reparos, devido a "uma corpulenta pastora, em trajes duma brancura virginal" e decerto contrastante com a barba, os "largos ombros (com um presumido chapeuzinho à banda e uma grinalda de rosas)" e o ramalhete que trazia "em mão

capaz de derrubar o gigante Golias. Atrás dela, uma comitiva de leiteiras, seguindo-lhe os grandes passos e fazendo passar as saias por cima da cabeça a cada pulo. Bamboleamentos, trambolhões, abanões e olhares de revés como estes, nunca eu os tinha visto e espero nunca tornar a ver". O outro teatro público acima referido ficava no então extremo leste da Rua do Salitre. Construído em 1782, durou até 1879, ano em que foi demolido para a rasgadura da Avenida da Liberdade. Nele se divertiu Beckford mais do que esperava, "embora a representação tivesse durado para cima de quatro horas e meia". O programa foi variado, pois incluiu "uma bombástica tragédia em prosa, em três actos, intitulada *_Sesostris*" -- peça de Voltaire, traduzida em português --, dois bailados, uma pastoral e uma farsa. Eis um cartaz que reflecte profundas diferenças de padrões culturais e gostos de públicos mais ou menos cultivados, em comparação com os de hoje. Para a época, a qualidade cénica da sequência de espectáculos deve ter sido aceitável, a julgar pelo comentário de Beckford: "As decorações não eram más e os trajes faziam vista." O pior foi o desempenho, afectado pela mesma interdição régia: "Um moço saracoteante e de olhos ramelosos, com um traje de zibelina, guinchava de dor e roncava, alternadamente, no papel de princesa viúva. Um adolescente desajeitado, a cair duns sapatos de salto alto, fazia de Sua Majestade a Rainha do Egipto e garganteava duas árias com toda a doçura enjoativa dum aflautado falsete. A minha vontade foi puxar-lhe as orelhas por me ter sujado tanto os ouvidos." Mesmo assim, o êxito parece não ter sofrido contestação: "Os espectadores eram numerosos e calorosos nos seus aplausos". Do por certo mais esclarecido ponto de vista de Beckford, o melhor estava num dos bailados, que lhe "agradou muito" (11.10.87). Quando voltou à Rua dos Condes, Beckford reagiu menos desfavoravelmente, ganho entretanto o termo de comparação na do Salitre. E torna a merecer atenção o seu testemunho em matéria de cenários e guarda-roupa: "Depois do chá fomos [...] ao teatro da Rua dos Condes, edifício mais tolerável que o do Salitre mas, para falar com franqueza, mesmo assim bastante pobre. Fiquei surpreendido com o cenário, realmente bom, e com os trajes, na verdade esplêndidos e muito bem concebidos. Os actores também não eram tão abomináveis como os da outra casa de espectáculos. A peça era uma tradução da *_Mérope*, de Voltaire. Seguiram-se-lhe bailados e uma farsa. O actor que desempenhava o papel de *_Mérope* estava muito bem caracterizado e não se saiu mal, com a sua saia de anquinhas. No palco, parecia mesmo uma viúva velha, em casa" (15.10.87). Foi neste mesmo espectáculo que Beckford se enamorou da modinha cantada por dois rapazinhos. :, A alusão a outra ida ao teatro da Rua do Salitre indica que, quando D. Maria I assistia a récitas públicas, a afluência de espectadores mudava de escalão: "Excepcionalmente, o teatro estava à cunha, em virtude de lá se encontrarem Sua Majestade e a pequena infanta D. Carlota [Joaquina, que tinha então 12 anos], tão travessa e brincalhona como o Duarte [primo de Pedro Marialva]. O príncipe herdeiro, D. José, que pouco tempo tinha de vida, e o seu irmão, futuro rei D. João VI, não pareceram muito interessados em manifestações teatrais ou, pelo menos, naquela a que estavam também assistindo, só abriram a boca para bocejar" (relativa a 25. 11.87, mas escrito anos depois). Pelos vistos, nenhuma das representações a que Beckford assistiu lhe deu ensejo de opinar sobre a produção operática, propriamente dita, em Portugal. Há sobretudo que lamentar a falta de comentários a montagens de óperas de compositores portugueses. Tudo indica que o insaciável melómano lhes seria receptivo. Como vimos, gostou manifestamente de ouvir e até interpretou de alma e coração trechos de Sousa Carvalho e de Jerónimo de Lima. Quanto a autores de óperas estrangeiros então especialmente admirados em Portugal, há três linhas que jogam certo com a especial predilecção por Domenico Cimarosa (1749-1801), repetidamente apontada por musicólogos: "O Franchi trouxe-me uma admirável ária de Cimarosa, mas não tive nem

voz nem força para a cantar" (18.7.87). Registemos ainda que António Leal Moreira agradou a Beckford como compositor e, é de supor, também como executante -- "estiraçei-me num sofá para ouvir umas deleitosas músicas compostas por António Leal, um dos mestres de capela da igreja Patriarcal, e por ele tocadas ao cravo" (6.6.87) -- para darmos atenção a certas queixas de largo significado não só em relação à história da música, porque atinente à de toda a cultura portuguesa, durante séculos. E porém sobre a arte dos sons que o presente livro mais deve incidir e, antes de mais, cabe aqui advertir que os seguintes desabafos de Beckford, embora confirmem as vantagens potenciais da via marítima para o transporte de valores culturais vindos do estrangeiro, contrariam o ponto de vista defendido por alguns investigadores contemporâneos. Beckford conta como descarregou sobre um tio de Pina Manique o seu descontentamento pela recusa do zeloso intendente, de "deixar passar, sem autorização da rainha, alguns caixotes de livros, etc." que lhe eram destinados e já tinham chegado à alfândega. "Lamentei-me e irritei-me alternadamente, dizendo que não se pode viver em Portugal, que o marquês [de Marialva] entorpeceu e que, bem vistas as coisas, uma pessoa até pode escolher um cepo para seu amigo do coração." Compreende-se que o destinatário estivesse como "morto de poder esquadrinhar o recheio das caixas", visto que supunha virem nelas "gravuras muito valiosas" e, sobretudo, as últimas revistas inglesas, onde esperava ler a recensão de nada menos do que o seu *_Vathek*. Mais ainda nos interessa, porém, desaprovar o marquês, que decerto não entorpecera e, muito pelo contrário, deve ter usado quanto pôde a sua influência para que os caixotes saíssem da alfândega. Porque, se assim foi, o caso mostra claramente que a fiscalização da entrada no país, tanto por mar como por terra, e ainda que temporariamente, de bens culturais, :, possíveis veículos de ideias suspeitas -fiscalização de que já houvera prenúncios na Idade Média, começara a esboçar-se no tempo de D. Manuel I e se tornara implacável com o triunfo do contra-reformismo -continuava a exercer-se sistematicamente, embora sem o fanatismo, sincero ou embusteiro, dos dois séculos anteriores. Quanto à via marítima, já em meados de Quinhentos se estabelecera que, antes da descarga das naus, um delegado do Santo Ofício iria a bordo para inquirir da existência de "livros suspeitos e prejudiciais à religião cristã". Os livros, eis o que deve ter mantido o intendente-geral da polícia do reino na sua obstinação: "O Manique já foi contactado por causa das minhas caixas: mas nada o convence a deixar levantá-las enquanto não vier uma ordem formal de Sua Majestade, e para conseguir este favor é preciso recorrer ao Melo [Martinho de Melo e Castro, ministro e secretário de Estado dos negócios da marinha e domínios ultramarinos]" (21.7.87). Num apêndice não datado: "O Manique já deixou sair o meu piano da alfândega mas retém ainda quatro ou cinco caixas minhas, apesar dos pedidos do marquês [de Marialva]. Ou consigo uma ordem especial da rainha ou nunca mais fico pacificamente em poder dos meus livros e castiçais " A referida tese historiográfica tem, no entanto, a sua razão de ser. Porque nunca as músicas, manuscritas ou impressas, devem ter constituído matéria de cuidados especiais por parte dos cães de fila arreganhados contra os importadores de cultura. É certo que no estrangeiro se avolumaram, desde o século XVI, composições marcadamente protestantes, com letras que qualquer censor português reprovaria ao primeiro lance de olhos. Mas a gente lusa não era forte no alemão nem no francês e não se antevia qualquer facilidade de tradução. Quanto à música propriamente dita, por um lado, não havia solicitação estética dela, em função das suas peculiaridades estilísticas; e, por outro lado, os poucos portugueses que sabiam ler semibreves e mínimas ou pertenciam à Igreja ou estavam de algum modo na sua dependência. Além do que o significado semântico de melodias, acordes e ritmos era tão indefinido que não metia medo a ninguém.

Nada de extraordinário, portanto, no facto de terem chegado às mãos de Beckford muitas peças musicais que ele havia encomendado: "O [Jerónimo de] Lima estava a copiar um grande carregamento de músicas que acabo de receber de Inglaterra" (21.9.87). Bastante diferentes destas deviam ser as "novas melodias do Brasil" que Policarpo da Silva lhe levou, "muito belas e originais" a ponto de o entreterem "até à uma hora da manhã" (8.11.87). A partir do momento em que, já sem esperança de conseguir os seus intentos, Beckford decidiu abandonar Portugal, o seu sentido crítico torna-se talvez mais severo: "nada mais desejo agora do que ver-me, são e salvo, longe desta terra de pobreza e de ignorância" (29.9.87). Porém, esse aceramento não pode dizer-se injusto nem desmentidor duma ligação afectiva ao país, bem patente nestas frases: "Agora, que vou deixá-la, já Lisboa me não parece nem tão estúpida nem tão barulhenta, nem tão desagradável como até aqui. Não posso apartar os olhos da alegre e luminosa superfície do rio. Tenho mil projectos de grandes passeios de barco, e de audições de música, e de merendas à sombra dos caramanchais de parreiras ao longo das suas margens" (15.10.87). :, Assim, não tem de se lançar à conta de azedume ou despeito a descrição duma cena em casa do marquês de Marialva, abrilhantada pela presença de D. Maria: "Ao subir para o gabinete que dá para o pavilhão, vi a rainha e as infantas sentadas, como que formando uma fila de figuras de cera, no meio duma iluminação deslumbrante, enquanto um indivíduo sebento e de mau aspecto ia embalando a sua augusta estupidez com uma sonata tocada ao saltério. Existirá instrumento mais detestável que o saltério? Não conheço nenhum. A espineta, esse instrumento que as meninas dos internatos costumam espancar com teimosa impertinência, não me fere mais desagradavelmente o ouvido. Logo que o insuportável concerto chegou ao fim, começou um bobo a guinchar uma ária duma ópera portuguesa, fazendo tudo o que podia por ter graça. Apesar do destempero da exibição, Sua Majestade e toda a demais audiência estavam divertidíssimas. Só a anã preta, a D. Rosa, encolhia os ombros e deitava a língua de fora ao *virtuoso*. Creio que D. Pedro [Marialva] estava encantado com o bobo. É natural: ele tem um gosto bem português de tudo quanto seja chocarrice grosseira. Depois, dançou um minuete com a irmã, D. Henriqueta, diante da rainha, mantendo sempre a mais glacial compostura" (29.10.87). Uma referência à falta de hábitos literários da família do seu principal protector em Lisboa é tão peremptória quanto extensiva a muitos mais agregados da fidalguia portuguesa: "Em casa dos Marialvas não se vê um livro. Esta gente nunca lê" (23.7.87). Beckford pôs também o dedo numa outra chega lusitana, sintoma, aliás, da mesma enfermidade cultural: "O [conde de] Assumar veio hoje com o marquês [de Marialva]. Pareceu-me menos peralta do que de costume. As gravuras, a música e as decorações do meu salão encantaram-no e foi com a maior sinceridade que me exprimiu a sua admiração. Os portugueses em geral, e os das classes mais elevadas em particular, parecem ter vergonha de admirar seja o que for" (23.9.87). A insuficiência da formação mental da nobreza era velha maleita para a qual se procurava remédio desde centenas de anos antes, nomeadamente pela política cultural de D. João III, cujo seguimento não fora, infelizmente, o do humanismo inspirador das suas primeiras fases. Muito.mais perto da estada de Beckford registada no *_Diário*, Pombal fizera incidir também sobre esse problema uma parte das suas reformas. Porém, e ressalvadas as honrosas excepções de sempre, a impermeabilidade dos fidalgos aos valores literários e artísticos, fruto da instrução e da educação que recebiam, subsistiu pode dizer-se que até os nossos dias. A cultura musical portuguesa sofreu muito da consequente falta de cultivo, apoio e estimulação esclarecida. Se ela se não tivesse verificado, a nobreza poderia ter compensado em alguma medida a debilidade socioeconómica da burguesia, ao mesmo tempo que haveria de influenciar melhor a camada mais alta desta, atraindo-a para outros modelos de conduta cultural cuja componente musical não fosse quase exclusivamente a ópera, como de facto sucedeu. Além do que tal acção teria contribuído para uma

descentralização da vida musical cultivada contrariando o agravamento da convergência em Lisboa dos acontecimentos importantes. É claro que esta observação diz respeito aos membros das famílias brazonadas de maiores senhorios, muito mais do que a reis e infantes, entre os quais muitos houve que fizeram florescer a música nas :, suas capelas, câmaras e teatros, e que mandaram bolseiros aperfeiçoar-se na arte de compor. Retomemos ainda o fio beckfordiano, agora pela ponta deixada por aquela D. Rosa, "a anã preta", que deitava a língua de fora ao bobo. Porque o *_Diário* tem outras alusões a escravos africanos que não deixam de dizer respeito à música. Isto, não só, nem principalmente, pela lembrança do pagem da straussiana marechala de *_o cavaleiro da rosa*: "Um dos criados do marquês chegou, logo depois de nós, com um pretinho, presente [!] do governador de Angola" (11.8.87). Durante uma das representações no Teatro do Salitre, "no camarote de boca" os cabelos e a pele da "afectada condessa de Pombeiro" faziam "curioso contraste com a negra tez de dois pajenzinhos pretos encarrapitados junto dela, um de cada lado" (11.10.87). A já referida embaixada de músicos enviada pelas freiras do convento do Sacramento torna a vir a propósito: "Estávamos a tomar chá quando ouvimos um grande alarido na rua e vimos um súbito fulgor de luzes que nos chamou à janela. Era uma imensa multidão de crianças, de megeras, de esfarrapados, à frente dos quais meia dúzia de pretos tocavam cornetim com uma energia insólita, todos voltados para onde nós estávamos" (14.6.87). Numa corrida tauromáquica, outros africanos apareceram, estes em funções mais desgraçadamente ridículas, ainda que também associadas a música: "Quinze ou dezasseis infelizes touros foram massacrados. Os pretos saltaram para a praça, mascarados de macacos, agitando os rabos no meio do pavoroso chinfrim de não sei quantos horríveis fagotes e rabecas. Outro grupo de pretos, metidos em sacos, tropeçavam e rebolavam diante dos toiros, fazendo-os perder a cabeça." Passou-se isto por ocasião de feira e houve dança a que Beckford assistiu depois: "A barraca era tudo quanto há de menos convidativo". Também aí compareceram os pretos, tocando "uns abomináveis instrumentos e pedindo dinheiro", talvez o único a que as lides lhes davam direito (10.8.87). A terminar esta deambulação pelo *_Diário*, mais quatro apontamentos. O primeiro dá a entender que não era fácil ter em ordem os instrumentos de corda e tecla: "Um português de toscas mãos e horríveis olhos mecânicos está a afinar, ou antes a desafinar os meus pianos. Já outro esteve, há dias, em volta deles. A quantos outros instrumentos acontecerá a mesma coisa?" (1.6.87). O segundo talvez tenha também a ver com afinação, o que, no entanto, não está explícito. Refere-se a uma "banda de música marcial" (25.7.87). E os últimos ajudam a crer que foi o fandango a dança popular que mais se inculcou no espírito do forasteiro como tipicamente portuguesa: "Espera-se que a família real apareça às janelas da Casa do Senado, deve haver fogo de vistas e uma grande fogueira em redor da qual os pescadores e as ninfas do Tejo dançarão o fandango, dando estalos com os dedos" (29.6.87). Já antes, comparando a sorte dos presumivelmente muitos rebentos não perfilhados de D. João V com a dos "meninos de Palhavã", Beckford conjecturara que aqueles, "enquanto os irmãos vão bocejando sob dosséis bolorentos, fazem talvez ressoar as cordas das suas guitarras em desabusadas serenatas ao luar, meneando-se em alegres *fandangos* ou dormindo profundos sonos, e divertindo-se em comesainas campestres na posse de qualquer curato em alguma bonita aldeia" (30.5.87). Sinais de que :, o fandango beneficiava de privilégio da veia folclórica da fidalguia portuguesa ou, pelo menos, daquela que, como os Marialvas, a paixão hípica e taurina lançava nos braços do Ribatejo. Na *_Excursão a Alcobaça e à Batalha (Recollections of an excursion to the monasteries of Alcobaça and Batalha)* Beckford voltou a mencionar o fandango, ao dizer que divertidas danças esperava se seguissem a um opíparo banquete, em vez das quais teve de suportar uma série interminável de decorosos e fastidiosos minuetes, ao som de clarinetes e guitarras cujos executantes envergavam dominós de seda,

"como os fazedores de serenatas nas burletas italianas". Mas, aí, juntou-lhe o bolero e a fofa, apresentando esta, ironicamente, como "dança tão decente como os bailados exibidos para recreio de Muley Liezit, sua exemplaríssima majestade marroquina". Segundo vários outros visitantes estrangeiros que a disseram a dança nacional portuguesa, a fofa era extremamente lúbrica, senão obscena, sem no entanto ser tida por inadmissível diante de virtuosas senhoras. A *_Excursão* vale sobretudo como fascinante obra literária. O grau de confiança que a sua informação merece, a factual como a marcadamente subjectiva, sofre do muito tempo decorrido entre os acontecimentos e a redacção: quarenta anos. Tanto mais que, a acreditar numa advertência do autor, apenas uns apontamentos muito breves ("*very slight notes*") lhe avivaram a memória. Nem por isso deixa de se justificar uma chamada de atenção para certas referências que não devem ser fruto da pura fantasia do escritor. Este reportou-se a Junho de 1794 e, portanto, à sua segunda estada em Portugal (Novembro de 1793 a Outubro de 1795). As sonoridades dos vários órgãos majestosos ("*several stately organs*") que, em Alcobaça, acompanhados pelo coro, proclamaram a adoração da "real Presença" são ditas "plenas" e "harmoniosas" (5.o dia). As "cadências" duma deliciosa brasileira (sinha che [*sic*] vem da Bahia) não qualificadas de excitantes ("*thriling*") (6.o dia). Castanholas vêm mencionadas como instrumentos tangíveis por meninas da sociedade (*ibid.*). Na Batalha, "as vozes dos monges, claras mas graves, elevaramse ressoando por vastos e reverberantes espaços". O canto era austero e simples, mitigado "nalgumas partes pelo soprano de coristas muito jovens". "As doces e inocentes sonoridades encontraram o caminho do meu coração -- trazendo-me à lembrança os belos ofícios das nossas catedrais e chorei!" (7.o dia). Assim reagiria também um Benjamim Britten. O espantoso quadro da representação da tragédia de *_Inês de Castro*, num teatro temporariamente armado no mosteiro de Alcobaça, compreende uma orquestra de "meia dúzia de ásperas rabecas, um rosnante baixo [provavelmente um violoncelo ou instrumento afim], dois bandolins desmedidamente crescidos", ou antes alaúdes, "e um par de flautas". Orquestra que executa uma "abertura antiquada", de tipo singular e original, "cheia de passagens sacudidas, no estilo de *_Les Folies d'_Espagne*", e terminando com uma fuga que é o perfeito "agarre-quem-puder" (*ibid.*). No convento franciscano de St.o António, em Alenquer, é o "venerável hino", como que vindo "de um só coração", consonantemente cantado pela imensa multidão. "_o perfeito uníssono de tantos milhares de vozes :, masculinas, misturadas com os timbres mais claros das crianças e das suas mães, encheu a atmosfera estival com um volume de som mais intelectualmente harmonioso do que qualquer outro que desde sempre me tenha chegado aos ouvidos, proveniente dos esforços artificiais de músicos e coristas" (11.o dia, 13 de Junho, festa de St.o António). Em Cadafais, ao fim da tarde, perfumes de laranjal em flor e de jasmins. Canto de aves. E também música proveniente de Franchi. Acompanham-no à guitarra dois noviços, tocando com alma e coração. Depois, "uma dança de verdadeiro fervor oriental, executada por um grupo escolhido de entre os que tinham entrado na procissão, com trajes mouriscos" (*ibid.*). Preparativos de festa em Queluz, para divertimento de Carlota Joaquina. A "Alcina do local" encontra-se "rodeada de trinta ou quarenta mulheres jovens, qualquer delas muito superior à sua augusta senhora, quanto a encanto do rosto e fascínio do sorriso". Entre as habilidades de Beckford que a infanta capricha em ver confirmadas, a arte de dançar um bolero. "A Antonita há-de ser a parceira, ela que é, de longe, a melhor dançarina que me seguiu desde a Espanha."

Mal a ordem é dada, um coro doce e suave, de vozes femininas, "sem a mínima dissonância, sem a mais leve quebra -- macio, afinado e perfeitamente melodioso -encheu-me o ouvido de um tal encantamento que deslizei num delírio de romântico deleite" (12.o dia, 14 de Junho). Embora narrado de memória, tanto tempo depois, este episódio, condizente com a imagem de Carlota Joaquina que chegou até nós, merece ser contado entre os que melhor serviram a Beckford para filtrar diferentes práticas musicais no Portugal de fins do século XVIII através da sua hipersensibilidade. A versão de um embaixador No mesmo período em que se deram os contactos de Beckford com Portugal, o marquês Marc-_Marie de Bombelles foi embaixador de França em Lisboa. Escreveu um diário abundante em relatos e impressões que, de um angulo diferente, também lançou luz sobre manifestações musicais do absolutismo decadente. Os acontecimentos referidos no *_Journal* ocorreram nos anos de 1786 a 1788 (228). Não admira que o diplomata francês desprezasse o idioma do país onde estava acreditado. Só muito recentemente, com o fortalecimento do anticolonialismo, passaram os representantes das grandes potências a cuidar de se exprimir na língua de Camões, ao dirigirem-se a portugueses. Tem no entanto interesse verificar até que ponto podia ir o complexo de superioridade. A sua tolerância do lado nativo, ao longo de séculos, não deixa de ter relação com aspectos de subalternidade periférico-europeia da cultura musical portuguesa. Dezembro de 1787. Dia dos anos de D. Maria I. _o embaixador da França desloca-se a Belém. M.me de Bombelles, "sempre bem recebida, sempre :, merecedora de o ser, foi mais particularmente acolhida depois de ter tido a atenção de cumprimentar a rainha e as princesas em língua portuguesa. Ela explica-se lindamente ("*très joliment*") neste idioma. [...] Sua Majestade fidelíssima acentuou-me da maneira mais amável a sua sensibilidade à atenção de M.me de Bombelles". Muito bem. Só que "haveria inconveniente em que um embaixador de França acostumasse a corte de Lisboa a ouvilo falar português; em breve se pretenderia que fosse nesta língua que ele dirigisse os seus discursos ao soberano." O marquês entendeu, no entanto, que sua mulher "podia sem consequência, e uma vez ou duas, de passagem, dar a uma nação que é nosso dever reconduzir, essa marca de estima e de respeito por ela." Bombelles achou que, em Portugal, havia poucos fidalgos em condições de "servir sofrivelmente". Distinguindo um deles: "Para um país onde as ciências são em geral muito negligenciadas, pode dizer-se que tem instrução" (25.7.87). Tão-pouco é sem sentido crítico que o diplomata promove Lisboa a "terra mais sensível do que qualquer outra às coisas do aparato" (25.8.87). Joga com esta opinião o quadro da Igreja dos Paulistas, em cerimónia de Sexta_Feira Santa. Como todas as outras, a igreja está numa grande obscuridade no princípio do oficio, mas desde que o *_Gloria in excelsis* é entoado, "espessos 165 reposteiros são tirados, outras cortinas caem, outros mecanismos tombam e todo o templo se torna resplandecente de luzes". Para Bombelles, uma tal expressão, deslocada numa igreja, "acha-se justa e necessária para produzir os efeitos dum espectáculo que faz sobre os Portugueses o mesmo efeito da ópera." E vai ao ponto de acrescentar: "Fala-se dum carnaval da Ascensão em Veneza; pode dizer-se que em Lisboa o verdadeiro carnaval da corte e do povo é o tempo da quaresma e principalmente o da semana santa" (22.3.88). Os modos das senhoras lusas deviam ser-lhe quase insuportáveis. Referindo-se à marquesa de Pombal: "chacoteia como um pato e depois de ter viajado durante três anos em Inglaterra, na Alemanha, em França, tem mais desagradavelmente as maneiras

portuguesas do que as cunhadas que nunca saíram do seu país" (25.1.88). Relações e serviços culturais tão notórios como os do duque de Lafões não lhe boleiam a antipatia. Não hesita em afirmar ter sido pelas "coisas honestas" a seu respeito, ouvidas de manhã, da boca da rainha, que o fundador da Academia Real das Ciências, na tarde do mesmo dia, se apressou a visitá-lo, honra que não lhe prestava havia muito tempo. E a rematar: "é um dos mais baixos cortesãos deste país onde eles excedem o servilismo dos lacaios do favor das outras cortes" (29.3.88). Noutro passo, di-lo um D. Quixote que "depois de ter estado meio maluco não tardará a ficar imbecil de todo". Mas não se contenta com isto: "o mesmo duque de Lafões que, no palácio, corre a visitar todas as criadas de quarto e trata por Excelência a favorita subalterna M.me de Arriaga, volta a casa eriçado de pretensões e com gumes de príncipe de sangue". Durante um jantar "de uma tristeza mortal", tentou animar os comensais com "discursos os mais ridículos, os mais próprios para comprometê-lo desagradavelmente com a corte, se se ligasse qualquer importância àquilo que ele diz" (3.4.88). _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _nono _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a.

_herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo __vi (cont.) _testemunhos de um visitante singular: _william _beckford Retomemos ainda o fio beckfordiano, agora pela ponta deixada por aquela D. Rosa, "a anã preta", que deitava a língua de fora ao bobo. Porque o *_Diário* tem outras alusões a escravos africanos que não deixam de dizer respeito à música. Isto, não só, nem principalmente, pela lembrança do pagem da straussiana marechala de *_o cavaleiro da rosa*: "Um dos criados do marquês chegou, logo depois de nós, com um pretinho, presente [!] do governador de Angola" (11.8.87). Durante uma das representações no Teatro do Salitre, "no camarote de boca" os cabelos e a pele da "afectada condessa de Pombeiro" faziam "curioso contraste com a negra tez de dois pajenzinhos pretos encarrapitados junto dela, um de cada lado" (11.10.87). A já referida embaixada de músicos enviada pelas freiras do convento do Sacramento torna a vir a propósito: "Estávamos a tomar chá quando ouvimos um grande alarido na rua e vimos um súbito fulgor de luzes que nos chamou à janela. Era uma imensa multidão de crianças, de megeras, de esfarrapados, à frente dos quais meia dúzia de pretos tocavam cornetim com uma energia insólita, todos voltados para onde nós estávamos" (14.6.87). Numa corrida tauromáquica, outros africanos apareceram, estes em funções mais desgraçadamente ridículas, ainda que também associadas a música: "Quinze ou dezasseis infelizes touros foram massacrados. Os pretos saltaram para a praça, mascarados de macacos, agitando os rabos no meio do pavoroso chinfrim de não sei quantos horríveis fagotes e rabecas. Outro grupo de pretos, metidos em sacos, tropeçavam e rebolavam diante dos toiros, fazendo-os perder a cabeça." Passou-se isto por ocasião de feira e houve dança a que Beckford assistiu depois: "A barraca era tudo quanto há de menos convidativo". Também aí compareceram os pretos, tocando "uns abomináveis instrumentos e pedindo dinheiro", talvez o único a que as lides lhes davam direito (10.8.87). A terminar esta deambulação pelo *_Diário*, mais quatro apontamentos. O primeiro dá a entender que não era fácil ter em ordem os instrumentos de corda e tecla: "Um português de toscas mãos e horríveis olhos mecânicos está a afinar, ou antes a

desafinar os meus pianos. Já outro esteve, há dias, em volta deles. A quantos outros instrumentos acontecerá a mesma coisa?" (1.6.87). O segundo talvez tenha também a ver com afinação, o que, no entanto, não está explícito. Refere-se a uma "banda de música marcial" (25.7.87). E os últimos ajudam a crer que foi o fandango a dança popular que mais se inculcou no espírito do forasteiro como tipicamente portuguesa: "Espera-se que a família real apareça às janelas da Casa do Senado, deve haver fogo de vistas e uma grande fogueira em redor da qual os pescadores e as ninfas do Tejo dançarão o fandango, dando estalos com os dedos" (29.6.87). Já antes, comparando a sorte dos presumivelmente muitos rebentos não perfilhados de D. João V com a dos "meninos de Palhavã", Beckford conjecturara que aqueles, "enquanto os irmãos vão bocejando sob dosséis bolorentos, fazem talvez ressoar as cordas das suas guitarras em desabusadas serenatas ao luar, meneando-se em alegres *fandangos* ou dormindo profundos sonos, e divertindo-se em comesainas campestres na posse de qualquer curato em alguma bonita aldeia" (30.5.87). Sinais de que :, o fandango beneficiava de privilégio da veia folclórica da fidalguia portuguesa ou, pelo menos, daquela que, como os Marialvas, a paixão hípica e taurina lançava nos braços do Ribatejo. Na *_Excursão a Alcobaça e à Batalha (Recollections of an excursion to the monasteries of Alcobaça and Batalha)* Beckford voltou a mencionar o fandango, ao dizer que divertidas danças esperava se seguissem a um opíparo banquete, em vez das quais teve de suportar uma série interminável de decorosos e fastidiosos minuetes, ao som de clarinetes e guitarras cujos executantes envergavam dominós de seda, "como os fazedores de serenatas nas burletas italianas". Mas, aí, juntou-lhe o bolero e a fofa, apresentando esta, ironicamente, como "dança tão decente como os bailados exibidos para recreio de Muley Liezit, sua exemplaríssima majestade marroquina". Segundo vários outros visitantes estrangeiros que a disseram a dança nacional portuguesa, a fofa era extremamente lúbrica, senão obscena, sem no entanto ser tida por inadmissível diante de virtuosas senhoras. A *_Excursão* vale sobretudo como fascinante obra literária. O grau de confiança que a sua informação merece, a factual como a marcadamente subjectiva, sofre do muito tempo decorrido entre os acontecimentos e a redacção: quarenta anos. Tanto mais que, a acreditar numa advertência do autor, apenas uns apontamentos muito breves ("*very slight notes*") lhe avivaram a memória. Nem por isso deixa de se justificar uma chamada de atenção para certas referências que não devem ser fruto da pura fantasia do escritor. Este reportou-se a Junho de 1794 e, portanto, à sua segunda estada em Portugal (Novembro de 1793 a Outubro de 1795). As sonoridades dos vários órgãos majestosos ("*several stately organs*") que, em Alcobaça, acompanhados pelo coro, proclamaram a adoração da "real Presença" são ditas "plenas" e "harmoniosas" (5.o dia). As "cadências" duma deliciosa brasileira (sinha che [*sic*] vem da Bahia) não qualificadas de excitantes ("*thriling*") (6.o dia). Castanholas vêm mencionadas como instrumentos tangíveis por meninas da sociedade (*ibid.*). Na Batalha, "as vozes dos monges, claras mas graves, elevaramse ressoando por vastos e reverberantes espaços". O canto era austero e simples, mitigado "nalgumas partes pelo soprano de coristas muito jovens". "As doces e inocentes sonoridades encontraram o caminho do meu coração -- trazendo-me à lembrança os belos ofícios das nossas catedrais e chorei!" (7.o dia). Assim reagiria também um Benjamim Britten. O espantoso quadro da representação da tragédia de *_Inês de Castro*, num teatro temporariamente armado no mosteiro de Alcobaça, compreende uma orquestra de "meia dúzia de ásperas rabecas, um rosnante baixo [provavelmente um violoncelo ou instrumento afim], dois bandolins desmedidamente crescidos", ou antes alaúdes, "e um par de flautas". Orquestra que executa uma "abertura antiquada", de tipo singular e original, "cheia de passagens sacudidas, no estilo de *_Les Folies

d'_Espagne*", e terminando com uma fuga que é o perfeito "agarre-quem-puder" (*ibid.*). No convento franciscano de St.o António, em Alenquer, é o "venerável hino", como que vindo "de um só coração", consonantemente cantado pela imensa multidão. "_o perfeito uníssono de tantos milhares de vozes :, masculinas, misturadas com os timbres mais claros das crianças e das suas mães, encheu a atmosfera estival com um volume de som mais intelectualmente harmonioso do que qualquer outro que desde sempre me tenha chegado aos ouvidos, proveniente dos esforços artificiais de músicos e coristas" (11.o dia, 13 de Junho, festa de St.o António). Em Cadafais, ao fim da tarde, perfumes de laranjal em flor e de jasmins. Canto de aves. E também música proveniente de Franchi. Acompanham-no à guitarra dois noviços, tocando com alma e coração. Depois, "uma dança de verdadeiro fervor oriental, executada por um grupo escolhido de entre os que tinham entrado na procissão, com trajes mouriscos" (*ibid.*). Preparativos de festa em Queluz, para divertimento de Carlota Joaquina. A "Alcina do local" encontra-se "rodeada de trinta ou quarenta mulheres jovens, qualquer delas muito superior à sua augusta senhora, quanto a encanto do rosto e fascínio do sorriso". Entre as habilidades de Beckford que a infanta capricha em ver confirmadas, a arte de dançar um bolero. "A Antonita há-de ser a parceira, ela que é, de longe, a melhor dançarina que me seguiu desde a Espanha." Mal a ordem é dada, um coro doce e suave, de vozes femininas, "sem a mínima dissonância, sem a mais leve quebra -- macio, afinado e perfeitamente melodioso -encheu-me o ouvido de um tal encantamento que deslizei num delírio de romântico deleite" (12.o dia, 14 de Junho). Embora narrado de memória, tanto tempo depois, este episódio, condizente com a imagem de Carlota Joaquina que chegou até nós, merece ser contado entre os que melhor serviram a Beckford para filtrar diferentes práticas musicais no Portugal de fins do século XVIII através da sua hipersensibilidade. A versão de um embaixador No mesmo período em que se deram os contactos de Beckford com Portugal, o marquês Marc-_Marie de Bombelles foi embaixador de França em Lisboa. Escreveu um diário abundante em relatos e impressões que, de um angulo diferente, também lançou luz sobre manifestações musicais do absolutismo decadente. Os acontecimentos referidos no *_Journal* ocorreram nos anos de 1786 a 1788 (228). Não admira que o diplomata francês desprezasse o idioma do país onde estava acreditado. Só muito recentemente, com o fortalecimento do anticolonialismo, passaram os representantes das grandes potências a cuidar de se exprimir na língua de Camões, ao dirigirem-se a portugueses. Tem no entanto interesse verificar até que ponto podia ir o complexo de superioridade. A sua tolerância do lado nativo, ao longo de séculos, não deixa de ter relação com aspectos de subalternidade periférico-europeia da cultura musical portuguesa. Dezembro de 1787. Dia dos anos de D. Maria I. _o embaixador da França desloca-se a Belém. M.me de Bombelles, "sempre bem recebida, sempre :, merecedora de o ser, foi mais particularmente acolhida depois de ter tido a atenção de cumprimentar a rainha e as princesas em língua portuguesa. Ela explica-se lindamente ("*très joliment*") neste idioma. [...] Sua Majestade fidelíssima acentuou-me da maneira mais amável a sua sensibilidade à atenção de M.me de Bombelles". Muito bem. Só que "haveria inconveniente em que um embaixador de França acostumasse a corte de Lisboa a ouvilo falar português; em breve se pretenderia que fosse nesta língua que ele dirigisse os seus discursos ao soberano." O marquês entendeu, no entanto, que sua

mulher "podia sem consequência, e uma vez ou duas, de passagem, dar a uma nação que é nosso dever reconduzir, essa marca de estima e de respeito por ela." Bombelles achou que, em Portugal, havia poucos fidalgos em condições de "servir sofrivelmente". Distinguindo um deles: "Para um país onde as ciências são em geral muito negligenciadas, pode dizer-se que tem instrução" (25.7.87). Tão-pouco é sem sentido crítico que o diplomata promove Lisboa a "terra mais sensível do que qualquer outra às coisas do aparato" (25.8.87). Joga com esta opinião o quadro da Igreja dos Paulistas, em cerimónia de Sexta_Feira Santa. Como todas as outras, a igreja está numa grande obscuridade no princípio do oficio, mas desde que o *_Gloria in excelsis* é entoado, "espessos 165 reposteiros são tirados, outras cortinas caem, outros mecanismos tombam e todo o templo se torna resplandecente de luzes". Para Bombelles, uma tal expressão, deslocada numa igreja, "acha-se justa e necessária para produzir os efeitos dum espectáculo que faz sobre os Portugueses o mesmo efeito da ópera." E vai ao ponto de acrescentar: "Fala-se dum carnaval da Ascensão em Veneza; pode dizer-se que em Lisboa o verdadeiro carnaval da corte e do povo é o tempo da quaresma e principalmente o da semana santa" (22.3.88). Os modos das senhoras lusas deviam ser-lhe quase insuportáveis. Referindo-se à marquesa de Pombal: "chacoteia como um pato e depois de ter viajado durante três anos em Inglaterra, na Alemanha, em França, tem mais desagradavelmente as maneiras portuguesas do que as cunhadas que nunca saíram do seu país" (25.1.88). Relações e serviços culturais tão notórios como os do duque de Lafões não lhe boleiam a antipatia. Não hesita em afirmar ter sido pelas "coisas honestas" a seu respeito, ouvidas de manhã, da boca da rainha, que o fundador da Academia Real das Ciências, na tarde do mesmo dia, se apressou a visitá-lo, honra que não lhe prestava havia muito tempo. E a rematar: "é um dos mais baixos cortesãos deste país onde eles excedem o servilismo dos lacaios do favor das outras cortes" (29.3.88). Noutro passo, di-lo um D. Quixote que "depois de ter estado meio maluco não tardará a ficar imbecil de todo". Mas não se contenta com isto: "o mesmo duque de Lafões que, no palácio, corre a visitar todas as criadas de quarto e trata por Excelência a favorita subalterna M.me de Arriaga, volta a casa eriçado de pretensões e com gumes de príncipe de sangue". Durante um jantar "de uma tristeza mortal", tentou animar os comensais com "discursos os mais ridículos, os mais próprios para comprometê-lo desagradavelmente com a corte, se se ligasse qualquer importância àquilo que ele diz" (3.4.88). :, Sem nada de especificamente musical, estas amostras visam sobretudo a afiançar que, nas seguintes alusões à arte dos sons, as apreciações elogiativas não resultam de qualquer tendência do aristocrata francês para encarecer os valores humanos e culturais do país onde se encontrava. O mesmo duque de Lafões vai servir-nos de elo de ligação à música, ainda no contexto do diário de Bombelles. No seguimento de um "medíocre jantar numa soberba baixela", em sua casa, fez-se música (3.1.87). Música talvez de sopro, como a que deu a ouvir à sobremesa de outra refeição. Mas também podiam ser "peças de cravo, as mesmas que o embaixador mais tarde disse ter ouvido todas as vezes que a duquesa teve a condescendência de passear os seus bonitos dedos e os seus olhos inclinados sobre o teclado" (3.4.88). Outra afirmação das práticas musicais em residência da nobreza leva-nos ao palácio do marquês de Penalva. Aí se deu "um muito belo concerto" no qual nada menos de duas condessas e uma marquesa "cantaram muito bem belas áreas italianas". Especial atenção merece o reportório com que a embaixatriz de França abrilhantou ainda mais a festa: "a música de Gluck, de Piccini, de Sacchini e de Grétry cantada por M.me de Bombelles dá grande prazer aos Portugueses; os acompanhadores são excelentes e em parte nenhuma ouvi a música concertante mais bem executada do que em Lisboa".

Depois desta afirmação, que não pode deixar de causar certa surpresa, Bombelles presta-nos uma informação mais objectiva sobre costumes da fidalguia lusa. Em vez de ceia, reunião entre as seis e as sete da tarde. Jogava-se depois, e fazia-se música. Pelas oito vinha o chá, o chocolate, pastelaria e rebuçados, "nos quais os oficiais portugueses são excelentes". Decorrida mais uma hora, limonada, orchata, capilé e algumas vezes ponche. Entre as dez e as onze horas, a sociedade separavase: "ao voltar a casa, cada qual põe-se à vontade e ceia, se lhe apetecer, coisa mais conveniente num país quente do que grandes ceias em que as mulheres se sentem embaraçadas pelos seus adereços e em que raramente nos põem num lugar onde encontremos nos vizinhos o género de conversação ou de divertimento que se deseja" (28.12.86). Relator e coisas relatadas não poderiam reflectir melhor uma verdadeira classe ociosa. O mínimo pretexto servia para recepções, onde a música representava em regra um papel mais mundano do que cultural, em sentido estrito do termo. Dia de anos de um sobrinho do marquês de Pombal? Concerto, baile e -- dessa vez sim -- grande ceia no palácio do tio. Comentário do embaixador Bombelles: "Há aqui uma bonomia que excede muito a que existe em França. Em Lisboa, convidam-se sessenta a oitenta amigos para os fazer ouvir cantar a mulher, as sobrinhas, as primas, e tudo isto, como em nosso detrimento ouvimos esta noite, quanto mais desafinado melhor" (6.1.88). Poucos dias volvidos, o mesmo Pombal, filho do famigerado Sebastião José, comemora a completação de um ano sobre um ridículo acidente de viação, por este não ter tido consequências graves. Bombelles, ainda no diário, regista que, mais do que qualquer outro, Portugal é 0 país dos aniversários. Não deixa por isso de aceitar 0 convite e lá vai até Oeiras, onde "as sobrinhas cantaram mais uma vez as mesmas árias que causavam tédio há um ano e que elas estropiam em 1788 como em 1787". A celebração reteve :, as voluntárias vítimas "até as onze horas da noite, em cadeiras de verga cujo assento acaba por se tornar mais fresco do que mole" (25.1.88). Na alta-roda lisboeta, havia quem desse concertos privados com pendular regularidade. Era o caso de Monsieur de Visme, francês enriquecido em Portugal. Bombelles queixa-se das cerca de cinco horas que durou um dos concertos que o compatriota levava a efeito todos os domingos. Concertos em que tocavam "os piores músicos de Lisboa" (4.2.87). Festa de Verão em casa do conde de Pombeiro. "Numerosa e brilhante sociedade reuniu-se das cinco às sete horas da tarde sob os magníficos freixos de Belas; bandas de músicos distribuíam-se por várias partes do parque". Ao cair da noite, a elegante companhia desloca-se para o interior da casa. "Depois de termos admirado umas belas salas, ficámos naquela onde, depois duma sinfonia, foram dançados intermináveis minuetes. Para salvar das dificuldades de cerimónia, M.me de Bombelles viu-se obrigada a abrir o baile dançando um desses minuetes" (4.7.87). As regras de cerimónia devem ter sofrido infracção chocante, pelo menos para a mentalidade do principal convidado gaulês. "Uma embaixatriz recebe aqui sem dificuldade as honras que lhe são devidas; não tenho portanto qualquer observação a fazer a este respeito, mas parece-me que as mulheres dos ministros de segunda ordem são tratadas ligeiramente de mais pelas grandes damas deste país. Depois de começar os minuetes pelo de M.me de Bombelles, seguiu-se a ordem dos lugares das senhoras, de modo que algumas delas, não titulares, dançaram antes de ter sido proposto a M.me Walpole, mulher do enviado de Inglaterra, que dançasse o seu minuete. Ao menos poderia fazer-se alternar com as mulheres titulares as dos ministros das cabeças coroadas", etc. Para que a ideia do que eram estas manifestações fique menos incompleta, falta-nos ainda uma componente que nos traz à lembrança a *_Ariana em Naxos*, de Richard Strauss: o fogo-de-artifício. Houve-o também na festa estival de Belas, "igualmente longo e frouxo", a seguir ao baile. Depois, instalação num terraço, ao luar.

"Dentro dum pavilhão, uma orquestra executou muito boa música, após o que apareceram, envoltos em suas capas, oito ou dez improvisadores que começaram por recitar sonetos feitos com todo o vagar e que tiveram honra; de grandes *bravos*." Dilatando a deliciosa *suite* de entretenimentos, as damas, lá do alto da galeria, propuseram temas aos poetas. Que temas? Por exemplo, o da superioridade dos olhos verdes sobre os azuis. Descendências setecentistas, em linha recta, dos passatempos apregoados mais de duzentos e cinquenta anos antes por Garcia de Resende. Escusado seria dizer que a música também ornamentava recepções em embaixadas. E até havia embaixadores bons músicos, nomeadamente o da Espanha. Depois do grande banquete com que assinalou o dia dos anos do príncipe das Astúrias, o diplomata "reteve toda a sociedade, acrescida de visitas, para assistir a um belo concerto em que três cantores italianos cantaram negligentemente as mais tristes árias" (12.11.86). Quanto a embaixatrizes, M.me de Bombelles não era a única dotada de prendas artísticas. A mulher do enviado de Inglaterra agradou mais, ao cravo, do que os cantantes italianos. "Esta mulher bastante bonita tem diversos talentos :, agradáveis, dança com todas as graças que possam desejar-se; foi ao vê-la dançar o minuete que o marido se enamorou dela." O que indica ainda maior hegemonia do minuete, nos tempos de D. Maria I, do que a apontada pelos historiadores da dança. O mesmo Bombelles proporcionou música à classe dominante portuguesa. Boa música, segundo diz, ainda que neste depoimento ele tenha sido parte interessada. Como sempre, não era só música, na embaixada de França. A respeito duma dessas recepções: "conduzi a companhia para uma sala disposta de maneira que o ar vinha de três lados e que, independentemente de oitenta pessoas colocadas em bancos, mais cento e cinquenta vissem facilmente um teatro no qual M.me de Bombelles, minha irmã, o príncipe Victor de Rohan, M. de Villeblanche e M. de Garat representaram muito bem e muito alegremente *_Les fausses infidélités*, uma bonita comédia de M. Barthe" (18.7.87). Apesar de ter evitado o excesso de calor, o anfitrião entendeu que a representação duma segunda peça, no mesmo local, seria alongar de mais aquele capítulo do seu programa. Assim, fez passar a amável assembleia para "uma sala vasta e fresca", onde se realizou "um concerto excelente, executado pelos mais hábeis músicos de Lisboa, que não durou mais do que três quartos de hora". O que não quer dizer que Bombelles tenha deixado de propor às senhoras de idade que o fizessem continuar e aos jovens que fossem passear-se pelo jardim. Todas optaram pelo passeio. Por "uma escada provisória mas sólida e ornamentada, foram para esse jardim que dois mil lampiões iluminavam, sem contar as terrinas e as lanternas; um conjunto de sopro fazia ressoar, ao ar livre, os sons dos clarinetes, das trompas e dos fagotes; estava colocada sob um grande caramanchão onde não tardou que se juntasse toda a gente e que a juventude se pusesse a dançar." O que segue dá claramente a entender que, além do mais, aquelas festanças resultavam muitas vezes fastidiosas para os participantes Também o privilégio do divertimento acaba por saturar. Pior seria, no entanto, para aquelas mentalidades rendidas à ostentação e à preguiça, a obrigação de algum trabalho indigno da sua classe. "Ao contrário do que é costume nas grandes festas, a alegria aumentava cada vez mais, mulheres imponentes pela sua posição e pela sua presença juntaram-se às outras dançantes; uns minuetes repousaram de alemandas ou de contradanças vivamente conduzidas." Dessa vez, a festa prolongou-se até mais tarde. Depois da ceia, ainda um baile, com música diferente da que se ouvira antes. "Já tinham soado as quatro horas da manhã quando as mães e as aias começaram a aconselhar a retirada." Mas valeu a pena: "enfim, pelo seu êxito, esta festa compensou-me amplamente dos trabalhos que tive com os preparativos." Examinemos agora um pouco o que se passava em esferas mais oficiais. Para já,

ousemos penetrar nas imediações de Pina Manique. Estamos outra vez no dia dos anos da soberana. No "velho castelo", o intendente da Policia "deu uma festa verdadeiramente brilhante e singular. Começou pelo casamento de trinta e uma órfãs dotadas pelo governo que vão ser enviadas, com os esposos, para uma pequena vila do Algarve para aumentar a população e ali introduzir a indústria. [...]. Depois do casamento e do baptismo duma :, negra e dum negro, depois dum discurso pronunciado em português, passámos para uma imensa galeria onde estava posta uma soberba refeição. Estivemos um quarto de hora à mesa, depois fomos conduzidos a outra sala onde foi executado um bom concerto. Após ter ouvido umas sinfonias e quatro árias, todo o corpo diplomático levantou ferro para ir terminar este demasiado activo dia em casa de M. Kantzow, o agente da Suécia, que dava um baile e uma ceia servida em mesas pequenas" (17.12.86). Bem vistas as coisas, estes diplomatas não levavam uma vida muito diferente das dos seus colegas de hoje. Em todo o caso, as festas onde fulgiam sempre tinham um pouco mais de música, ao vivo. O sindicato dos músicos não existia ainda. Certas manifestações culturais na régia corte ferem o sentido crítico do embaixador. Em relação a um concerto marcado para dois dias depois: "Desde há muito tempo que os ministros se queixam, com mais razão do que consequência e nobreza, de, nestas ocasiões, não só não terem lugares marcados como, afastados da Rainha e da família real, serem deixados de pé, quase confundidos com os cortesãos de todas as classes; por fim deram-lhes uma vez ou duas cadeiras numa sala de concerto que há no palácio da Ajuda" (23.7.87). Como o palácio que D. Maria ocupava então em Lisboa só tinha acomodações provisórias, a rainha fez saber aos diplomatas que deplorava não poder dar-lhes lugares convenientes. Assim, deixava-lhes a opção entre faltarem ao próximo concerto ou aceitarem as suas desculpas, no caso de comparecerem. Os diplomatas decidiram-se pela segunda alternativa, desde que recebessem a garantia de que na Ajuda e noutros locais onde se pudesse mais adequadamente arranjar lugares o problema seria resolvido, e de que o concerto em questão não viria a ser invocado como precedente. É tipicamente elucidativo duma visão dos acontecimentos musicais o facto de Bombelles consagrar tanto espaço do seu diário à questão dos lugares e da sua distancia de Sua Majestade, enquanto os aspectos artísticos lhe merecem pouca atenção. Vejamos o que a este respeito nos diz, relativamente ao concerto em causa. "À noite dirigimo-nos ao palácio, às oito horas. Quando já estávamos na sala do concerto, a Rainha e a família real vieram tomar o seu lugar. Com grande espanto meu, o do corpo diplomático estava separado do de Suas Majestades e Altezas reais por toda a orquestra; enquanto que cinco castrados, de costas viradas para nós, estavam sentados defronte da rainha, nós estávamos de pé, dez passos mais longe" (25.7.87). Seguem-se mais considerações sobre o escândalo protocolar dos lugares. Quanto ao que, mais ou menos eufonicamente se ouviu no concerto, ficamos só a saber que os sons musicais provieram de uma orquestra e das gargantas duns capados. Este exemplo não é único, nas páginas do diário. No entanto, ainda na esfera da corte, Bombelles foi um pouco menos omisso, ocasionalmente, quanto a valores musicais. Isto, sem se desligar das suas preocupações de dignidade e conforto: "fui à capela da Ajuda, onde os marqueses de Marialva e de Pombal nos tinham feito reservar lugares cómodos e decentes, para mim e para os meus oficiais de marinha. Ai ouvimos cantar uns soberbos motetes, terminados por um *_Miserere* de bela composição" (21.3.88). Não deixa de ter interesse saber que, para o embaixador de França, aqueles ofícios eram :, "duma longura verdadeiramente cansativa" (*assommante*), sem que a devoção pudesse ser satisfeita, porque se tratava muito mais de "espectáculos do que de uma junção de orações dirigidas pelos fiéis no templo do Senhor". No entanto, mais nos importaria saber quem tão bem tinha composto os motetes e o *_Miserere* e, sobretudo no caso de autoria portuguesa, os

carácteres essenciais das obras e das execuções. Embora não saiam daquele tipo de informação, vale a pena registar outras alusões a música religiosa. No mosteiro das freiras de Santana havia uma pensionista que cantava as lamentações de Jeremias "de maneira muito agradável". Na Igreja de Nossa Senhora da Pena, que fazia parte do palácio do Infantado, a música régia era "a mesma que, nos dias grandes", formava "a orquestra e os cantos da capela da Bemposta". No mesmo dia, na Bemposta e na presença da rainha, "o *_Miserere* em música foi muito bem executado". Quando, perto das onze da noite, os Bombelles regressaram à embaixada, sentiram-se "bem saciados de música e muito mais fatigados do que edificados" (20.3.88) As referências a música na Igreja dos Mártires são das menos lacónicas. Não contradizem as de Beckford, nomeadamente no que respeita a David Perez, que Bombelles diz português. "O morgado de Oliveira veio buscar-nos à saída da mesa, para irmos à igreja dos Mártires, onde se fez o ofício de Defuntos para os músicos falecidos e membros da irmandade de S.ta Cecília. É preciso ser bom sinfonista ou cantor para aí ser admitido. A música executada nesta cerimónia é a de David Peres (*sic*), célebre compositor português que morreu há poucos anos. Todos os amadores da cidade estiveram nos Mártires e o embaixador da Espanha tinha-nos reservado lugares numa tribuna. Tive grande satisfação com vários trechos, mas tão bela música pediria melhores cantores do que aqueles que mais brilham neste momento em Lisboa" (26.11.86). Exactamente um ano depois, Bombelles volta aos Mártires. Refere-se então a celebrações pelo mesmo motivo fúnebre mas que se realizava noutro dia, com missa cantada, de Jommelli, precedida de "uma das obras-primas de Perez", provavelmente o *_Mattutino de'morti*. Tornando às audições de 26 de Novembro, reafirma que a música era "soberba", mas insiste em que, "como todas as solenidades portuguesas, é duma duração excessivamente longa". O que não impede "as senhoras que ouviram mil vezes esta música de voltarem fielmente a ouvi-la todos os anos, porque em todas as ordens da nação ninguém sabe como matar o tempo". David Perez já havia sido objecto de considerações no diário, mas relativamente a outra circunstancia religiosa. "As matinas de Natal, compostas por David Peres (*sic*), não são menos estimadas que as suas outras obras; há muito tempo que nos tinham recomendado ir ouvir cantá-las na igreja de São Vicente [...]. Há efectivamente um grande mérito de composição nestas matinas de Peres. O serviço divino faz-se com decência mas não tem, nesta primeira igreja do reino de Portugal, nem de longe, a pompa imponente dos ofícios das nossas paróquias de Paris" (24.12.86). Poucos dias depois, no fim do ano, há uma indicação objectiva de despesas com a arte dos sons e uma identificação de intérprete musical, coisas raras no diário. "Estivemos no palácio da Ajuda para assistir ao *_Te Deum* cantado :, em acção de graças pelos favores derramados por Deus sobre o reino de Portugal ao longo do ano de 1786. Podemos entrar em linha de conta com a morte do imbecil do rei, cujas tolas fantasias a Rainha respeitava demasiado." É a seguir a esta ferroada na memória de D. Pedro III que vêm aquelas duas informações. "A música da patriarcal é a mesma que, nas solenidades, executa os motetes na capela da Rainha. Esta música é muito boa mas não é menos verdade que custa mais de cem mil *écus* por ano." Se por estes "*écus*" devem entender-se os franceses da época, então o conjunto régio de executantes musicais importava em avultada soma anual. Bombelles comenta que "por uma soma tão considerável seria com certeza possível ter muito melhor ainda, sobretudo em cantores". E acrescenta que "há um soprano chamado Ferracuti com quem toda a Lisboa anda de cabeça perdida mas que, na opinião dos

estrangeiros acostumados a ouvir bons cantores, é um dos mais tristes miadores que se pode encontrar". O castrado italiano Ansano Ferracuti era o mesmo referido por Beckford. As suas insuficiências vocais eram de algum modo compensadas por notáveis capacidades técnicas e estilísticas. O remoque à ignorância dos portugueses em matéria de canto é tão desdenhoso quanto inexacto. Por certo, entre os frequentadores da corte, havia bastante memória dos cantores prodigiosos que se tinham exibido em Lisboa, não era ainda decorrido muito tempo. A sobranceria de Bombelles deve ter contribuído para o anonimato em que deixou a autoria portuguesa de alguma da música que ouviu. O que é tanto mais de lamentar quanto é certo que entre os compositores omissos se encontravam provavelmente um Sousa Carvalho, um Leal Moreira, um Marcos Portugal. O referido *_Te Deum* é um bom exemplo. Bombelles limita-se a registar que ele "é da composição dum jovem português" e que "o conjunto desta peça, assim como os seus pormenores, honram o talento do autor". Para além do nome deste -- que não será talvez difícil descobrir --, seria interessante saber alguma coisa de quantitativo e qualitativo sobre a sua execução, tanto mais que esta deve ter sido de vulto, a julgar pelo encarecimento da generosidade de quem a pagou: "Este *_Te Deum* e toda a despesa que ele ocasiona são encargo do patriarca, que assim dá o presente de Ano Bom à Rainha." Quando a obra que lhe agrada é de um Pergolesi, o marquês não se esquece de escrever o nome do autor. A informação interessa, já que não nos é hoje indiferente saber que o famoso *_Stabat Mater* podia beneficiar duma realização de categoria na residência dum membro da alta burguesia do tempo de D. Maria I. "Fomos terminar o dia em casa dum negociante português, *_Monsieur* Pessoa, onde nos esperavam o marquês de Pombal e a morgada d'_Oliveira. Logo que nos sentámos começou o mais belo concerto entre todos os que se deram em Lisboa desde que aqui estou. O *_Stabat Mater* de Pergolèse (*sic*) foi executado tanto pelas vozes como pelos instrumentos com uma perfeição rara; uma rapariga brasileira tocou um concerto de flauta com tão surpreendente afinação quanto seguro bom gosto. Outras mulheres da sociedade da dona da casa cantaram árias italianas e deram-me muito mais prazer do que o que sinto no ouvir as cantoras de profissão da corte ou da patriarcal. Mas as melhores coisas devem ter o seu termo e se este :, concerto tivesse demorado só metade do tempo que lhe dedicaram teria sido encantador" (21.2.87). A referência a "*chanteuses de profession de la cour ou de la patriarcale*" soa um tanto estranha. Não seriam "*chanteurs*"? Parece de admitir um erro na leitura do manuscrito original. Outro local onde Bombelles gostou de ouvir música foi a Igreja de S. Luís, por ocasião de vésperas. Com a vantagem de se sentir quase em França. "A música era excelente tanto em *virtuosi* cantores como distintos pelo seu talento para a flauta, o violino e o oboé" (25.8.87). Vem a propósito de instrumentos usados em cerimónias religiosas uma referência ao piano, em ambiente de noite de Natal. "Depois de termos tido o duque de Cadaval e várias pessoas não convidadas para jantar, fechámos a nossa porta para o resto do serão. A meia-noite, o mais ruivo, o mais sujo dos capuchinhos disse-nos as três missas na minha capela, iluminada com requinte. Durante a terceira missa, ouvimos umas encantadoras melodias de Natal tocadas por um bom violino, acompanhado muito agradavelmente ao forte-piano. Esta música doce era executada numa câmara que tem uma janela interior sobre o altar" (24.12.87). Outra alusão vem confirmar a existência de pianos em casas particulares. Foi na da condessa de Vimieiro que "um forte-piano me inspirou também alguns versos postos em canções" (30.3.88). Voltando aos festejos do Natal, observe-se que os então habituais em Lisboa suscitaram alguma estranheza no embaixador de França "Esta terra entregue à superstição oferece contradições bastante bizarras a este respeito. [...] Os teatros estão abertos no dia de Natal e nas maiores festas do ano dão-se, como noutro dia, bailes públicos. Se a noite de Natal não oferece aqui exactamente as mesmas folias que estavam ainda em uso em meados do século passado, se já não se

vêem máscaras grotescas e danças nas igrejas, se o povo já não grita *victor* àquele que melhor canta um *villancico* duma mula que escoucinha, as *trompettes*, os gritos estridentes, os bandolins, os berimbaus celebram ainda nas ruas de Lisboa a vinda do Salvador" (25.12.87). Infelizmente, Bombelles não dá notícia que nos esclareça sobre alguns aspectos ainda obscuros das representações de ópera, privadas e públicas, nas vésperas da construção do Teatro de S. Carlos. Mas não será descabido trazer aqui um pouco das impressões que colheu noutros espectáculos teatrais, que mais não seja para comparação com as de Beckford. Espectáculos, aliás, onde a música também tinha papéis a representar. Apesar de não se encontrar bem de saúde, Bombelles sente-se obrigado a ir ao Teatro do Salitre: "Um acontecimento que surpreende igualmente toda a gente em Lisboa arrancou-me esta tarde do quarto para ir, bem contra vontade, ao espectáculo português que a Rainha honrou com a sua presença. Não se esperava que uma princesa que leva tão longe a sua austeridade, que só com extrema dificuldade cedeu a que fossem reabertos os teatros da sua capital, se tenha de repente deixado conduzir ao mais indecente de todos quantos mereceram a censura da Igreja. Pensando que o meu dever me prescrevia a presença no espectáculo aonde ela ia, tomei um camarote, que só com extrema dificuldade obtive; imaginava eu que todos os outros estavam ocupados pela grande nobreza do país que, ao ser informada da resolução da sua soberana, se tinha apressado a ir ao mesmo local, para :, lhe fazer a sua corte. Assim, fiquei ainda mais surpreendido quando vi, exceptuada a família real, a sua comitiva, o meu camarote e os de MM. de Pavolide e de Pombal, o resto da sala cheio da mais baixa classe de cidadãos." Ao que parece, e apesar de tudo, o absolutismo era menos alérgico às castas "inferiores" em Portugal do que em França. Uma das razões, talvez, pelas quais a Revolução Francesa ia começar menos de dois anos depois. Entretanto, o marquês de Bombelles continuou assim as suas considerações: "O camarote que se chama, em França, o do primeiro gentil-homem apresentava a descoberto e comodamente sentados dois reles e sujos lacaios vestindo a libré da corte. As cenas eram condizentemente sujas; uma mulher há dezoito anos separada do marido apresenta-lhe uma bastardinha que há-de fazer muito agradável sociedade para o bastardinho que, pelo seu lado, o marido teve, durante o tempo de libertinagem. Os bailados correspondem à comédia: homens de barba bem preta, vestidos de mulheres, procuram, à força de indecências, produzir qualquer ilusão sobre o seu sexo, sem conseguirem mais do que representar o asqueroso quadro de horríveis e velhas prostitutas. Depois do primeiro bailado pensei que a minha missão estava suficientemente cumprida; achei-me muito feliz de poder descansar, em casa, de uma tão suja estopada" (2.9.87) As convicções monárquicas de Bombelles não são isentas de sentido crítico. Reafirma-o estoutro passo do diário. "Os soberanos são inexplicáveis nas suas afeições e em muitos outros movimentos da alma. A Rainha que, segundo tudo o que se observa no palácio, não tem nenhuma amiga mais querida do que a superiora do convento votado ao Coração de Jesus, deveria neste momento estar muito afectada pelo perigo em que se encontra a vida dessa religiosa. Diz-se que Sua Majestade está com efeito muito inquieta por causa desta favorita e [no entanto] nunca a vimos de mais bom humor do que esta manhã. Ontem assistiu ao espectáculo, amanhã espera-se que vá a um teatro onde as peças e os actores não são mais dignos dos olhares e da atenção duma soberana, para mais rigorosamente devota, do que o teatro de Nicolet, nestes dias de licença, conviria a um cura de St. Sulpice ou a um arcebispo de Paris" (24.11.87). Nos teatros ambulantes que Jean Baptiste Nicolet dirigia então em Paris representaram-se pantomimas que alcançaram muito êxito. Outro depoimento sobre os teatros públicos de Lisboa: "Decorações bastante

agradáveis, trajes soberbos são utilizados no teatro do Salitre e no dos Condes para representações de que não pode fazer-se uma ideia sem ter assistido: obscenidade de palavras, de gestos, absurdos de todo o género servem de divertimento a uma multidão cuja maior parte é das classes honestas ou distintas desta capital. O *provedor* do arsenal, sentado no camarote ao lado do nosso, mendigava-me elogios de vez em quando. Não podia conceber que eu não sentisse prazer ao ver homens de barba preta, vestidos de mulheres, saltar sem sombra de graça e muitas vezes sem compasso; queria consolar-me da minha falta de gosto convencendo-me de que Portugal tinha adoptado a dança italiana. Não pude deixá-lo neste doce erro: os piores dançarinos de corda da Itália são mais suportáveis do que os bailarinos mais aplaudidos em Lisboa" (30.1.88). :, Meses depois, novo desagrado, apesar de se representar Goldoni. "Tínhamos combinado encontrar-nos, M.me de Bombelles e eu, na Comédia do Salitre; tinham-nos feito pomposo elogio de dançarinos chegados recentemente; e é verdade que foram aplaudidos com tanta razão como a comédia do duque." (O remoque é a uma peça do duque de Lafões, lida em sociedade, no mesmo dia.) "Ah!, como uma nação está ainda longe das primeiras noções do bom-gosto, quando entre todas as ordens dos seus cidadãos reunidos em semelhante espectáculo, cada um admira e encoraja à vontade uns convulsionários cujos saltos e contorções fazem mal ao coração. O mesmo cabe dizer da actuação dos homens vestidos de mulheres. *_As quatro nações*, peça italiana de Goldoni traduzida em português, foi representada por estas barrocas figuras e, exceptuando as truanices de um criado bastante divertido, o resto é verdadeiramente horrível. Espero ter sido a última vez na vida que perdi tão desagradavelmente o meu tempo. Corre-se um risco maior neste teatro, que é o de ser irremediavelmente queimado se houver fogo na sala, pois existe uma só porta, tanto para sair como para entrar" (3.4.88). No palácio de um dos principais fidalgos do reino, Voltaire não foi tratado mais ao gosto de Bombelles do que Goldoni. O acontecimento veio ao encontro do interesse de várias pessoas ligadas às letras e que tinham viajado, no sentido de "ter aqui um espectáculo francês para familiarizar a nação portuguesa com a língua que se generalizou na Europa e para lhe dar a conhecer o teatro mais apurado e mais fino da Europa". Bombelles apadrinhou menos a ideia do que o seu colega espanhol. Com efeito, este tinha franceses ao serviço da embaixada e encorajou-os a representar nada menos do que a Zaïre. "Houve dificuldades quanto ao teatro. Como o tenente achasse mal, e com razão, que o cavaleiro Caamaño, secretário da embaixada de Espanha, assinasse, por ordem do seu embaixador, uma autorização para o seu pessoal representar, o marquês de Pombal socorreu os actores e negociou junto de M. Manique, que permitiu verbalmente o espectáculo, reservando-se a faculdade de o proibir, se ele desse origem a rumores que desagradassem à Rainha. Fiquei em boa posição, não tendo aparecido em nada, em todo este negócio, e limitando-me a permitir que um dos meus criados de quarto representasse. "Hoje, às seis horas da tarde, num teatro pertencente ao marquês de Marialva, deram-nos a primeira representação de *_Zaïre. Exceptuando o actor que fazia o papel de Orosmane e que o deva com pronúncia da Gasconha, o resto era do pior que há. O embaixador de Espanha tinha feito reservar lugares de honra para ele, para mim e para as senhoras do corpo diplomático. Isso desagradou muito, e com razão, às pessoas da primeira nobreza, que tinham sido atra das por tão insatisfeita curiosidade" (4.1.87). É de notar a relativa transigência da autoridade policial entre a perspectiva de representar Voltaire em Portugal. Teria Pina Manique a noção de que se tratava duma crítica à intolerância religiosa? De qualquer modo, vem ao de cima o resultado de uma grande evolução em tal matéria, se compararmos com o que fora a repressão nos séculos XVI e XVII. Quase dois séculos mais tarde, o regime salazarista também ia

tolerar teatro francês, em francês, nas temporadas do S. Luís, deixando representar (mesmo assim com alterações) :, peças que a censura cortaria se se pretendesse dálas em português e para um público de menor confiança. Por outro lado, o episódio não deixa de confirmar que, tal como antes e depois, o teatro era objecto de cuidados especiais, devido ao seu poder de comunicação pela palavra e a acção dramática. Neste aspecto, a música propriamente dita -- entendida como abstracção desligada de palavras cantadas e de movimentos de dança -- sofreu menos os efeitos do enfreamento cultural institucionalizado. Só que essa abstracção se inscreveu, na prática do concreto, em círculos muito diminutos, sobretudo no longo espaço de tempo anterior à emancipação da música puramente instrumental. Note-se ainda que o teatro do marquês de Marialva, ao qual como vimos Beckford também alude, estava em condições de funcionamento, não sendo de excluir que nele se tenham realizado espectáculos de ópera de que hoje nos falte notícia. Finalmente, convém registar que Bombelles fala de manifestações em Lisboa dum tipo de actividade musical que o melómano de hoje conhece do seu quotidiano mas não estava ainda tão desenvolvida na Europa daquele tempo, conquanto já estivesse a entrar em moda nos maiores centros culturais: as apresentações de instrumentistas vindos de fora, que andavam de terra em terra a exibir o seu virtuosismo. Foi esta uma das vias pelas quais veio a acentuar-se a liberalização da profissão de executante musical. Vem isto a propósito da passagem por Lisboa do violinista italiano Antonio Lolli, que andava então pelos 57 anos de idade e gozava da máxima fama. Que foi percursor de Paganini, mostram-no várias referências de contemporâneos, como esta de Cramer, publicada meses antes da vinda a Lisboa: "Na sua inimitável habilidade e presteza consiste todo o mérito de Lolli, que se tornou o maior violinista sem ganhar direito ao nome de músico [*_Tonkünstler*/ú". Entre as suas especialidades figuravam execuções surpreendentes e acrobáticas, possibilitadas pela *scordatura* (afinação das cordas diferente da habitual), a exploração dos sons mais agudos e, para contraste, as variações sobre a quarta corda do violino. Segundo Hanslick, pode com razão datar-se o virtuosismo itinerante propriamente dito a partir de Lolli (*_Geschichte des Concertwesens in Wien*, 1869). Eis o que Bombelles nos conta: "Há muito tempo que o talento de M. Lolli faz grande barulho entre todos os amadores de música. Viajando com autorização da imperatriz da Rússia, que ele serve na qualidade de primeiro violino da sua orquestra, veio aqui para se fazer ouvir e colheu esta noite justos aplausos num concerto por ele dado na sala do *long-room* das nações estrangeiras. Tudo o que a sala pode conter de pessoas lá esteve certamente hoje; apesar dum calor muito desagradável, ninguém se queixou de nada, de tal modo M. Lolli chamou a si a nossa atenção, encantando-a pela sua habilidade e pela escolha da música que tão superiormente executou." Torna-se hoje curioso saber como podia ser o fecho do recital dum violinista celebérrimo. Inconcebível que um Isaac Stern aceitasse um semelhante remate: "O meu filho mais velho teve com este concerto um prazer surpreendente para a sua idade e a satisfação foi completa quando :, pôde figurar nas contradanças inglesas que terminaram um serão muito agradável" (11.1.87). Depois, foi em casa do marquês de Marialva, a seguir a mais um jantar. "Não tardou que Lolli, apoiado por uma grande orquestra, fizesse ouvir todas as maravilhas da sua arte. Após um encantador concerto, vimos soltar um fogo-de-artifício cuja última girândola foi o sinal dum baile muito alegre. A ceia que se lhe seguiu não foi menos bem servida do que o jantar" (25.1.87). Não seria absolutamente exacto dizer hoje extinta esta possibilidade de encontrar grandes virtuosos musicais em recepções privadas. Os frequentadores da casa da marquesa de Cadaval, em Colares, têm beneficiado de convívios com um David Oistrach, um Paul Tortelier, um Jörg

Demus e tantas outras sumidades da interpretação, muitas vezes com ensejo de lhes admirar a mestria. Sem esquecer todo o estado maior que, há umas dezenas de anos, passou pelos serões de Elisa de Sousa Pedroso. Tornemos ao Setecentos. A desolação pela notícia dum grande incêndio não impediu Bombelles de ir ao Teatro do Salitre assistir a um concerto de Lolli, cuja receita revertia a seu favor. Quanto ao conteúdo musical do espectáculo, nada ficamos a saber. Apenas que o consagrado rabequista "recebeu os aplausos das grandes damas portuguesas que enchiam os reles camarotes duma sala que era dantes um feio e demasiado estreito jogo da péla" (28.1.87). Em todo o caso, estes relatos permitem fazer uma ideia da medida em que a música entrava no preenchimento dos ócios da aristocracia e da alta burguesia portuguesas, já perto do fim do antigo regime. É pena que os testemunhos de Beckford e de Bombelles não tenham equivalentes hoje conhecidos, com incidência sobre as práticas musicais nas classes menos favorecidas, não só em Lisboa mas também, e sobretudo, nas diferentes regiões de Portugal. Algumas tentativas de emprego da língua portuguesa A utilização sistemática de determinado idioma na música para canto processa na própria música uma caracterização que a diferencia. E não só na música vocal, senão também, por um fenómeno de contágio, na puramente instrumental. Por exemplo, a abundância de vocábulos alemães com a acentuação tónica na primeira sílaba pode ter sido motivo, ao longo de toda uma evolução, de caracteres que nos fazem reconhecer desde logo o germanismo dum trecho musical. Outro caso é o do idioma francês, que pode ser musicalmente tratado como conjunto de palavras de maior plasticidade, sem acentuação tónica propriamente dita (veja-se, a este respeito, a correspondência entre Romain Rolland e Richard Strauss). No domínio da música séria não se empregou suficientemente a língua portuguesa no longo período da dominação italiana. E, como estamos ainda não muito distantes dele, sentimos os seus efeitos negativos na falta de características musicais inconfundivelmente portuguesas, exceptuadas as :, obras que se socorrem de elementos populares. No entanto, cantou-se em português nos séculos XVIII e XIX. Já focámos alguns exemplos interessantes e havemos de tornar ao assunto noutro capítulo. Simplesmente, a maior parte da música que se cantou em português era em estilo italiano, e às vezes até de autoria italiana, como a partitura (de Spontini) de *_O templo da glória*, apresentada por Fr. Marcelino de Santo António, um músico que, não obstante a sua condição de religioso, dirigiu os espectáculos líricos do Teatro da Rua dos Condes (229). Mais tarde, em 1842, João Guilherme Daddi (1813-1887), que fora convidado pelo conde de Farrobo a dirigir a parte musical do Teatro da Rua dos Condes, tentou representações em português de operas italianas e francesas, como *_O barbeiro de Sevilha, Zampa* e *Fra diavolo*. O próprio Daddi compôs óperas: *_O salteador*, representado em 1845 no Teatro das Laranjeiras (do conde de Farrobo), *_Um passeio pela Europa*, que também ali subiu à cena, em 1851, e *_A feiticeira de Gissoi*, que não chegou a ser estreada. Entre as partituras de autores nacionais cantadas no Teatro de S. Carlos em português até ao fim do século encontram-se obras da autoria de Marcos Portugal, Leal Moreira, António Luís Miró (nomeadamente, *_Os infantes de Ceuta*, sobre libreto de Alexandre Herculano), Manuel Inocêncio dos Santos, Miguel _ângelo Pereira (*_Eurico*) e Freitas Gazul (*_Frei Luís de Sousa*). Entre os compositores que tiveram colaboradores literários ilustres conta-se também um Francisco Santos Pinto (1815-1860). Parte da sua obra destinou-se a números de bailado.

Como compositores de ópera, mencionem-se ainda Francisco de Sá Noronha (1820-1881), autor de *_Beatriz de Portugal, O arco de Santana* e *_Tagir*, e José Augusto Ferreira da Veiga (visconde de Arneiro), cuja ópera *_La Derelitta*, com texto italiano, teve medalha de ouro num concurso em Milão. Ferreira Veiga compôs também a ópera *_D. Bibas*, inspirada no *_Bobo*, de Herculano, que nunca foi representada. Das várias tentativas de ópera em português, no século passado, nenhuma se rodeou do considerável êxito da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, fundada no Brasil em 1857. Na inauguração representou-se, com enorme agrado, uma zarzuela traduzida por José Feliciano de Castilho. Um dos principais intérpretes era português: o barítono Eduardo Medina Ribas. Ao fim de catorze meses de existência, a Imperial Academia tinha levado a efeito 62 espectáculos. O gosto italiano fora do meio lisboeta A influência italiana fez-se sentir não só no domínio da ópera como, pode dizer-se, em todas as manifestações musicais que não fossem o cantar de modinhas ou o acompanhar alguma dança das que estavam em voga. Já em pleno século XIX, praticamente todos os concertos que se davam consistiam numa espécie de espectáculo de variedades com pretensões a arte séria, que em grande parte se preenchia com romanzas de ópera. Se acontecia haver :, algum número de piano solo, ou de violino e piano, o mais provável era que fosse uma fantasia, paráfrase ou série de variações sobre temas de operas conhecidas. Antes de partir para a Alemanha, Viana da Mota ainda compôs obras deste tipo (230). O culto da música italiana era, entre músicos e amadores, a religião oficial; os raros que o não professavam arriscavam-se a ser olhados como hereges num meio que já rodava entre os dois pólos que Jaime Batalha Reis definiu com acidulada ironia: a difamação e a "homenageação". Isto não só em Lisboa. No Porto, a antiga cavalariça do palácio dos condes de Miranda fora transformada em teatro por ordem do governador D. João de Almada e Melo. Nesse improvisado teatro, dito do Corpo da Guarda -- o mesmo onde assistimos às primeiras tentativas da Todi no seu género sério --, teve a população portuense o seu baptismo operático, supõe-se que com uma partitura feita de trechos de várias operas de Pergolesi, sob o título de *_Il trascurato* (231). O acontecimento faz-nos recuar ao ano de 1762 e, portanto, ao reinado de D. José. Durante as temporadas as récitas efectuaram-se duas vezes por semana. Essas temporadas estenderam-se para além da vida do Reformador, até 1788. Entretanto, e sob a égide do mesmo Almada e Melo, construíra-se um teatro de ópera à semelhança do S. Carlos, de que era proprietária uma sociedade por acções. O Teatro de S. João, de que foi arquitecto Vincenzo Mazzoneschi, teve a sua inauguração solene em 1798. No seu palco deram-se acontecimentos artísticos de relevo, nomeadamente a interpretação, em 1816, de *_Cosi fan tutte*, de Mozart, que só cento e quarenta e um anos depois teve a sua primeira representação pública em Lisboa! Ali se apresentaram também obras de autoria portuguesa, como *_I pungegli per ecquivoco eAstuzia delle donne*, ambas em 1807, do compositor António da Silva Leite (17591833), mestre da capela nacional do Porto e mais tarde da Sé da mesma cidade. O Teatro de S. João ardeu completamente em 1908, não muito tempo depois de por lá ter passado Béla Bartók em prometedor início de carreira como pianista. O edifício que hoje existe com o mesmo nome não é reconstituição exacta do de Mazzoneschi (232). No tocante à ópera, depois de temporadas de grande brilho, tais como as que dirigiu o violinista José Edolo por volta de 1820, o S. João veio a transformar-se numa espécie de sucursal um tanto desprezada do S. Carlos. No elogio que tece à memória de Edolo, Joaquim de Vasconcelos, no seu dicionário publicado em 1870, deplora "a decadência a que chegou o nosso segundo teatro lírico pela incúria do governo, pela

*ignorância crassa* de pretendidos *dilettanti* que o frequentam e que vão lá exibir a força de seus tacões e de seus pulsos, e pela indiferença duma burguesia rica mas essencialmente estúpida e avara". O mesmo Edolo era compositor. Entre outras obras, escreveu uma transcrição da abertura do *_Otelo*, de Rossini, e várias modinhas com textos em português e italiano. Em italiano se cantaram as referidas óperas de Silva Leite, autor também de *_Sonatas de guitarra com acompanhamento de rebeca e duas trompas "ad libitum"*, de música religiosa, de um "hino patriótico" pela coroação de D. João VI e de modinhas ao gosto da época, publicadas num jornal de música. Muito mais tarde, em 1867, representou-se, antes da :, apresentação em Lisboa, *_O arco de Santana*, do vianense Francisco de Sá Noronha, com libreto extraído do romance de Garrett. A sua ópera anterior, *_Beatriz de Portugal* também era de inspiração garrettiana (*_Um auto de Gil Vicente*). O seu libreto português, de Carlos Monteiro, foi traduzido em italiano. Subira à cena no S. João em 1862. No ano anterior Sá Noronha fizera meritória tentativa de criação duma companhia de ópera cómica portuguesa no Teatro Baquet, do Porto; mas também dessa vez a ideia não teve realização duradoira. A empresa manteve-se por poucos meses. Sá Noronha, que foi violinista aplaudido em Portugal e no estrangeiro, dera concertos no Teatro de S. João antes da representação do *_Arco de Santana*, com êxitos assinalados. Outras récitas de óperas portuguesas no S. João do Porto foram as da *_Tagir* (1876), também de Sá Noronha, com libreto baseado no romance *_A virgem de Guaraciaba*, de Pinheiro Chagas, e em 1874, a do *_Eurico*, de Miguel Angelo Pereira (1834-1901), que, tendo ido muito novo para o Porto, era considerado um filho da cidade invicta. O *_Eurico*, inspirado no romance de Alexandre Herculano, já tivera a mencionada apresentação em Lisboa, no S. Carlos, com diminuto agrado. Miguel _ângelo Pereira reviu a partitura para a realização no Porto, o que talvez tenha contribuído para o melhor acolhimento do público (233). Sem estarem propriamente deslocados neste capítulo dedicado à dominação italiana, Sá Noronha e M. A. Pereira assumiram todavia significados que, de certo modo, os diferenciam dos que tacitamente aceitavam os modelos de um Cimarosa, um Rossini, um Verdi. O primeiro fez o que pôde pela criação de boa música *portuguesa*. Do segundo basta dizer que foi, com Moreira de Sá, um dos fundadores da Sociedade de Quartetos, que veio a integrar-se no ainda hoje existente Orpheon Portuense. Está, portanto, na origem da obra de elevação da cultura musical realizada no Porto durante os últimos cem anos, adiantando-se por vezes à iniciativa lisboeta. Pode dizer-se que, nos séculos XVIII e XIX, onde quer que, em território português, se produziram manifestações musicais públicas, o selo italiano de feição mais ou menos operista foi regra que admitiu poucas excepções. Como exemplos, além dos aduzidos, sejam os fragmentos dum *_Artaserse* cantados em 1759 na Madeira, ou a companhia que, por. volta de 1814, ali permaneceu a representar óperas de estilo *buffo*; ou as récitas de ópera italiana dirigidas por Martin Roeder entre 1874 e 1877, nos Açores (S. Miguel); ou, ainda, os espectáculos do mesmo género de que ficou notícia realizados em 1867 em Macau (234). _teatro da _rua dos _condes. _salão do _conservatório. _d. _joão __vi. _carlos _seixas. _joão _domingos _bontempo. _marcos _portugal.

_o barítono _francisco de _andrade. _alfredo _keil. _guilhermina _suggia. _josé _viana da _mota. _luís de _freitas _branco. _guilhermina _suggia tocando violoncelo com _josé _viana da _mota ao piano. _joão de _freitas _branco. _tomás _alcaide, o mais notabilizado tenor português, durante um recital em _dezembro de 1963, em que foi acompanhado ao piano pelo autor. _a "virar a página" vê-se _maria _amélia de _freitas _branco, a quem esta "história" é dedicada. Teoria musical Dentro de todo o longo período a que este capítulo se refere escreveram-se obras de teoria musical de autoria portuguesa, mas nenhuma de projecção europeia. Além da já citada *_Escuela*, de António de Abreu, não a única obra didáctica sobre a execução de obras de corda dedilhada (António da Silva Leite, por exemplo, elaborou um *_Estudo da guitarra em que se expõe :, o modo mais fácil para aprender este instrumento* -- Porto, 1796), trabalho que não é propriamente teórico; no sentido de propor novos princípios fundamentais e basear neles toda uma teoria coerente, podem mencionar-se a *_Arte mínima, que com semibreve prolação trata em tempo breve os modos da maxima ç longa ciência da música*, do _p.e Manuel Nunes da Silva, a *_Nova instrução ou teórica prática da música rítmica, com a qual se forma e ordena sobre os mais sólidos fundamentos um novo método, e verdadeiro sistema para constituir um inteligente solfista e destríssimo cantor*, etc., de Francisco Inácio Solano, publicada em 1764 (Solano foi *autor* de outros trabalhos que, como este, conheceram grande aceitação, mas depois perderam qualquer actualidade), o *_Método de música* (Coimbra, 1806), de José Maurício, o *_Compêndio de música teórica e prática*, etc. (Porto, 1806), do beneditino vimaranense Varela (Fr. Domingos de S. José), e os *_Princípios de música ou exposição metódica das doutrinas da sua composição e execução*, obra publicada pela Academia das Ciências, do setubalense Rodrigo Ferreira da Costa (1776-1825). Manuel Nunes da Silva nasceu em Lisboa, provavelmente no terceiro quartel do século XVII e com certeza antes de 1667. A sua *_Arte mínima* foi editada pela primeira vez em 1685. A duradoira utilidade da obra é comprovada pelo facto de ter tornado a ser dada à estampa em 1704 e em 1725. No prefácio, Nunes da Silva menciona a *_Arte da música* (1626) de António Fernandes como o único tratado impresso então disponível, sobre a mesma matéria, diminuindo-lhe, no entanto, a utilidade por ser difícil de mais para principiantes. É talvez legítimo concluir que o nível da formação técnica dos músicos portugueses descera entretanto ou, pelo menos, que se dera uma evolução na maneira de expor a teoria musical que tornara pouco acessível a dos mestres de outros tempos. De qualquer modo, parece de admitir que a falta de obras impressas fosse mais um reflexo da crise que o país sofreu no período de luta pela restauração e consolidação da independência nacional. Dos autores mencionados, Francisco Inácio Solano (c. 1720-1800) foi o que ficou com maior reputação. A sua actividade de cantor e organista pode ter contribuído para que o pendor teórico o não afastasse mais da realidade prática. Na *_Nova instrução*, aquilo que Solano entende por "novo método" diz respeito ao solfejo pelo velho sistema das mutanças. Não foi total invenção sua, na medida em que se

baseou em ensinamentos recebidos dum padre italiano conhecido em Portugal por João Jorge, seu mestre na escola de música de Santa Catarina de Ribamar. De qualquer modo, o método não pode dizer-se nem luminosamente simples nem propriamente moderno para a época, uma vez que, nos centros mais avançados da Europa, o velho sistema das mutanças estava a ser abandonado. A *_Nova instrução* tem um aditamento em que Solano se ocupa resumidamente da notação usada até princípios do século XVIII apoiando-se na *_Arte mínima*, de Nunes da Silva. Em 1779, apareceu impresso o *_Novo tratado da música métrica e rítmica, 0 qual ensina a acompanhar no cravo, órgão, ou outro qualquer instrumento, em que se possam regular todas as espécies, de que se compõe a harmonia da mesma música*. :, À sua maneira enfática, Solano realça ainda que na obra se demonstra "este assunto, prática e teoricamente", e que também se tratam "algumas coisas parciais do Contraponto e da Composição." O principal interesse deste tratado reside naquilo que refle te o desenvolvimento da concepção harmónica do discurso musical -- tão própria do estilo barroco --, inclusive no que respeita à arte da fuga. Segundo Ernesto Vieira, Solano seguiu por vezes muito de perto *_L'armonéco pratico al cimbalo*, de Francesco Gasparini (1668-1727). Esta obra aparecera em Veneza em 1708, e a sua larga aceitação, como o mais apreciado livro italiano sobre o acompanhamento harmónico, estendeu-se até ao princípio do século XIX. A sua sexta edição é de 1802. Deve ainda mencionar-se uma outra obra de Solano, impressa em 1790, de título não menos pomposo e auto-elogiativo: *_Exame instrutivo sobre a música multiforme, métrica e rítmica, no qual se pergunta e dá resposta de muitas coisas interessantes para o solfejo, contraponto e composição; seus termos privativos, regras e preceitos, segundo a melhor prática, e verdadeira teórica*. A favor do seu mérito depõe o ter sido traduzido em castelhano por um mestre do colégio real de meninos cantores de Madrid, versão que aí saiu impressa em 1818. O *_Método de música* de José Maurício apresenta-se-nos digno de atenção a vários títulos. Por debaixo do nome do autor, está a informação importante de que ele é "lente proprietário da cadeira de Música da Universidade, mestre da real Capela da mesma e mestre da Capela da Catedral de Coimbra"; e de que o livro é "destinado para as lições da aula da dita cadeira". Assim, a obra fornece-nos indicações preciosas sobre o que no princípio do século XIX se esperava que um estudante universitário aprendesse na cadeira de Música. Esse ensino fora reformado pouco antes, como logo decorre das palavras dirigidas ao príncipe regente D. João: "Senhor. A graça que Vossa Alteza Real foi Servido fazerme de me nomear Professor e Lente Proprietário da Cadeira de Música da Universidade de Coimbra, que Vossa Alteza Real foi Servido reformar pela Sua Carta Régia de 18 de Março de 1802, oferecendo-a à Mocidade Portuguesa como uma parte essencial da Educação pública, exige de mim um um tributo eterno de reconhecimento." Depois, na introdução, José Maurício trata de explicar a orientação da reforma. Na certeza de que "um ouvido de pau supõe um coração de pedra", observa que "se os Filósofos modernos julgam que a Música é não somente útil, mas necessária, é porque uma longa experiência tem mostrado que ela faz os homens sociáveis, civis, afáveis, humanos, e os dispõe para todas as virtudes; inspira aos que a cultivam aquela aptidão, confiança e desambaraço tão necessário nas funções públicas, restaura as forças do espírito cansado pela aplicação às coisas sérias, principalmente ao estudo das Ciências, ocupando aquelas horas chamadas de descanso ou recreação, que muitas vezes correria risco de se empregarem na dissipação; de sorte que pode dizer-se que os homens de Letras e todos aqueles que se destinam ao estudo das Ciências têm necessidade da Música para prosseguirem nas suas fadigas com energia e fruto". O autor assegura-nos que foi "debaixo deste :, ponto de vista e neste espírito" que o príncipe regente reformou a antiga Aula de Música da Universidade e

o escolheu para lente. É de notar que José Maurício pôs a tónica em benefícios de ordem sociocultural que a boa música podia proporcionar a portugueses não músicos profissionais. É evidente que os beneficiários do ensino universitário ministrado em Coimbra haviam de ser muito poucos. O objectivo não era, nem podia ser, aquilo que hoje se entende pela democratização da cultura musical. No entanto, estamos sem dúvida em face duma atitude progressista, para a época. O mestre dá a entender um grande interesse do corpo discente e justifica a decisão de escrever o livro. "A avidez com que a Mocidade Portuguesa lançou mão do ensino público desta Aula reformada, desde a sua abertura, que foi a 10 de Maio de 1802; o extraordinário número de Ouvintes, para cujas lições não tem chegado o espaço de hora e meia (que tinha parecido muito suficiente), pois quase sempre tem excedido o de duas horas, e algumas vezes tem chegado a três, apesar da simplicidade e brevidade do método; os grandes e inesperados progressos que se têm feito constantemente; tudo isto são factos tão públicos que não precisam de provas e que excedem tudo quanto racionavelmente se podia esperar. Eu mesmo o não esperava, tendo a experiência que se pode adquirir em doze anos, em que ensinei Música na Aula pública do Paço Episcopal de Coimbra. É por isso que me parecia que, ordenando algumas teorias em pequenos manuscritos, que girassem de mão em mão, e reservando outras para as repetir verbalmente na Aula, o que assim tenho feito até aqui, poderia evitar (não por fugir ao trabalho) a composição de um livro. Mas acho-me presentemente convencido do contrário; pois os ditos manuscritos, além de me serem bastante incómodos, são talvez insuficientes ao grande número de Ouvintes, e o tempo é mais necessário para as Lições de solfejar do que para repetir teorias, que se podem ler em toda a sua extensão em um Livro Clássico. Eis aqui pois o Livro tal e qual meu fraco talento foi capaz de produzir." Pode causar hoje estranheza que, numa cadeira universitária de música, o solfejo ocupasse tanto espaço. Na verdade, à luz do conceito do nosso tempo, o nível do ensino era bem pouco universitário. Depois de definir a música como "Arte de combinar os sons de um modo agradável ao ouvido", o autor comenta que, considerada em todo este âmbito, ela exige não só "um perfeito conhecimento e exercício de exprimir os caracteres, mas também a ciência das leis da Harmonia, do Contraponto" e de tudo o mais que pode contribuir para uma perfeita composição. Mas José Maurício não ambiciona ensinar tanta coisa aos seus numerosos discípulos. No seu "pequeno volume", limita-se a tratar "da produção actual dos sons pela Voz Humana, ou pelos Instrumentos, que se chama vulgarmente *_Solfa* e, mais propriamente, *_Execução*". Reconhece que esta parte da música é "puramente mecânica e operativa", supondo "a faculdade de entrar ou afinar os *_Intervalos*, de fixar as *_Durações* no *_Tempo* e de dar aos *_Sons* o lugar prescrito no *_Tom* [tonalidade]", sem exigir "rigorosamente mais do que o conhecimento dos caracteres e a destreza de os exprimir". E remata o parágrafo afirmando ser só este o objecto principal do livro. :, No fim do seu discurso preliminar, José Maurício salienta que pôs na obra os frutos da sua própria experiência e das suas reflexões, fazendo todo o possível para "simplificar e ligar sistematicamente todas as teorias", juntando só as ideias que lhe pareceram "as mais necessárias e relativas ao objectivo principal". E confirma que eram admitidos na cadeira alunos que não sabiam praticamente nada de música: "No capítulo último resumi a teoria de solfejar para maior facilidade de alguns principiantes, desejando como membro da Sociedade, e como Músico, a utilidade pública e o progresso de uma Arte que amei sempre apaixonadamente." É curioso observar que a velha tradição de ligação da música à matemática ainda se manifestava de algum modo, em Coimbra. Aliás, o autor lembra que a arte dos sons "fazia uma parte essencial do estudo dos antigos sectários de Pitágoras". Era matemático José Monteiro da Rocha, a quem José Maurício se refere como "Mestre dos

Sereníssimos Senhores Príncipe da Beira e Infantes", como "Sábio Português que a Providência nos deu para honra das Letras e Glória da Nação" e como possuidor do melhor gosto e dos mais profundos conhecimentos na música, tanto teórica como prática. "Eu devo a este Homem raro um tributo de reconhecimento pelas muitas luzes e instruções que ele teve a bondade de me comunicar no decurso de muitos anos." Não era só Monteiro da Rocha. "Os Lentes actuais de Matemática da Universidade são, pela maior parte, não somente bons conhecedores e amadores da música, mas também muito peritos nesta Arte." A seguir a esta informação vem outra que, se não peca demasiado por optimismo, leva a supor uma disseminação da cultura musical que, infelizmente, não veio a dar aquela verdadeira descentralização que ainda hoje ambicionamos: "Não é só na Corte e nas Cidades principais das Províncias que a cultura desta Arte é quási geral; pode dizer-se que não há Vila, e ainda mesmo Aldeia, em que não haja um tal ou qual Mestre de Música, ou ao menos um curioso ou amador." Antes de focar alguns brilhos musicais portugueses ao longo dos tempos, José Maurício faz menção de ilustres personalidades estrangeiras, entre as quais significativamente inclui "o cavalheiro Gluck" (*sic*), "M.r Rousseau, M.r D'_Alembert" e "M.r Blainville". Quanto ao "apreço que em Portugal se tem feito desta Arte", desde os primeiros séculos da monarquia, a aula de música da universidade é apresentada como "um monumento o mais autêntico". Nem por isso deixa a mesma aula de, "apesar do aumento das luzes, e da polícia deste século", poder "parecer inútil ou estranha a alguns menos instruídos ou prevenidos." Então como hoje, *mutatis mutandis*. Deve ter sido principalmente para combater tal incompreensão que o autor lembra ser a aula "tão antiga como a mesma Universidade", acrescentando pormenores que pouca gente conhecia: "O Senhor Rei D. Dinis foi quem estabeleceu o primeiro Ordenado de 2$340 por ano para o Lente de Música. Este ordenado e outros que este Monarca estabeleceu para os Lentes de Cânones, Leis etc. eram neste tempo tão consideráveis, que eles foram capazes de atrair os Estrangeiros convidados para a criação da Universidade. Bem se deixa ver que os nossos Instituidores antigos estiveram sempre tão persuadidos da influência da Música sobre os costumes, que eles a :, consideravam como uma parte essencial da Educação pública. Não podem ser outras as razões da conservação desta Aula desde a sua criação até o presente, e do aumento que em diversas épocas se tem feito ao seu primeiro Ordenado." Infelizmente, houve muito de exagero nestas asserções. É muito duvidoso que, na menor parte da sua existência, a cadeira de música da universidade tenha realmente correspondido a algo de "essencial da Educação pública". E muito menos fora por via sua que D. João IV se tornara "tão perito em Música, que até foi um excelente Compositor do seu tempo". Ou que D. João V se mostrara "um grande conhecedor e amador da Música, principalmente da Eclesiástica". Os elogios da veia musical dos Braganças não ficam por aqui. "O Senhor Rei D. José o I, este Monarca que a providência deu a Portugal para Restaurador das Ciências, das Artes, do Comércio e da Agricultura, era peritíssimo nesta Arte: o seu ouvido fino e gosto delicadíssimo excediam a tudo quanto se pode imaginar", etc. Isto, para chegar ao príncipe regente, a cujo serviço José Maurício diz encontrar-se "magnífica Orquestra, composta de Professores da primeira ordem", bem como uma "excelente Capella dos melhores Cantores". O parágrafo seguinte merece também atenção, na medida em que reflecte o facto de a Igreja ter continuado a desempenhar um papel importante no ensino da música, de maneira geograficamente descentralizada. "O Ex.mo Sr. Bispo Conde, segunda vez Reformador Reitor da Universidade, cujo gosto e amor pelas Ciências e Artes será sempre memorável, querendo prover de Músicos novos a Capela da sua Catedral, e pôla no estado em que presentemente se acha, criou no seu Paço Episcopal uma Aula

pública de Música." É a mesma, já referida, que José Maurício regera durante uma dúzia de anos. "Nela se habilitou não somente a maior parte dos Professores de que hoje se compõe a dita Capela, mas também um grande número de outros, que se acham empregados em diversas partes. Entre outros Ex.mos Srs. Bispos deste Reino, que seguindo o exemplo do Ex.mo Sr. Bispo Conde, criaram Escolas de Música para o mesmo fim, distinguiram-se notavelmente o Ex.mo Sr. Bispo da Guarda, falecido há poucos anos, e o Ex.mo Sr. Bispo actual de Castelo Branco." Alguns passos já transcritos indicam um interesse pelo progresso das ciências. Falta ainda referir os mais significativos de uma evolução própria da época que, mais tarde ou mais cedo, não podia deixar de se manifestar também entre músicos portugueses. Foi provavelmente neste período -- ou seja, na transição do século XVIII para o XIX -- que começou a manifestar-se uma atitude "científica" de base experimental perante a música, atitude conducente ao positivismo que viria a ditar leis cento e tal anos mais tarde. Tornemos às palavras de José Maurício: "A ignorância e o modo de pensar de alguns acreditados por sábios tem sido tão miserável que ainda não são passados muitos anos havia quem reputasse a Física Experimental e a Química como Artes de fazer peloticas; a História Natural como uma curiosidade vã; as Ciências matemáticas como fúteis ou perigosas; e a Botânica e Agricultura como própria somente dos Abegões que, incapazes de instrução, fazem mais caso de uma experiência tão cega como ignorante, do :, que das teorias as mais bem fundadas." Como razão comenta José Maurício que "se assim se pensava de todas estas Ciências, de cujas extensíssimas utilidades o homem mais ignorante do vulgo não pode duvidar, como se pensaria das belas Artes, que exigem génio, talentos, gosto e uma certa ordem de ideias?" Num *_Discurso preliminar* em que a música é dita "filha da Natureza", "tão antiga como o mesmo mundo", o autor escusa-se a fazer um resumo histórico. Tem especial interesse saber qual a autoridade que ele invoca. "A história da Música acha-se escrita em muitos lugares. O *_Dicionário das Ciências* e o de *_Música* de M.r Rousseau apresentam ao Leitor uma narração circunstanciada dos progressos desta Arte, que aqui se omite para não aumentar volume." Depois de umas considerações sobre intérpretes e apreciações de ouvintes, José Maurício critica os artistas em regime de *tournée* que, como vimos a propósito de Lolli, tinham começado a ser moda umas dezenas de anos antes. "Há Músicos atrevidos, que em duas ou três peças mostram toda a sua capacidade; de sorte que, ouvidos uma vez até duas, não há mais que ouvir. A esta classe pertence uma grande parte dos Músicos volantes, que giram de terra em terra, fazendo benefícios com algumas pecas estudadas e repetidas milhares de vezes." E, com uma ironia cortante: "Eles à primeira vista podem impor; mas se se demoram onde se vejam obrigados a empregarem-se em outro género de Música, mostram logo a sua insuficiência." Também aqui José Maurício pinta algo que ia desenvolver-se por mais de cem anos, até os nossos dias. A sua crítica antecipa-se à que tantas vezes virá a ser formulada no círculo da sociedade Sonata, em meados do século XX. O objecto dos reparos passa a ser não só a interpretação mas também a composição. A consciência de que muita coisa ia mal reflecte-se nesta interrogação: "Mas porventura todos os que fazem Profissão da Música são verdadeiros Músicos, ou sábios nesta Arte, e livres de paixões ou prejuízos?" Que diria o bom lente de música da Universidade de Coimbra se conhecesse certos indivíduos que fazem hoje "profissão da Música"? É numa posição racionalista que José Maurício tenta abarcar a questão do ajuizar musical. "Para formar pois um juízo conforme à razão, e à equidade sobre uma peca de Música, parece que seria conveniente (depois de haver a ciência e qualidade necessárias) atender principalmente a quatro coisas: à peça em si mesma, a quem a executa, aos ouvintes e ao lugar em que se executa."

Ao desenvolvimento desta inteligente afirmação, a parte relativa à execução interessa-nos especialmente, porque lança luz sobre aspectos importantes da realidade musical portuguesa de então. "Uma grande parte dos que se destinam à Profissão da Música por necessidade ou modo de vida [...] são indivíduos que, devendo talvez aprender um ofício mecânico para subsistirem, se aplicam desde a sua infância a esta Arte, sem outra educação ou princípios mais do que saber apenas ler e escrever; e em chegando a executar sofrivelmente pelas notas um papel de Música, dão por acabados os seus estudos, e se constituem Professores, reservando talvez suprir a inabilidade, que lhes resta, com o apoio de um Protector poderoso, ou com uma intriga manejada destramente, para quando se tratar de prover :, um lugar vago, o que se costuma fazer quase sempre sem exame, nem público, nem particular, e menos pelo merecimento do que pelas outras razões." Ficamos depois a saber que muitos cantores interpretavam a maior parte das peças estupidamente, sem que se lhes entendessem mais do que algumas sílabas truncadas, principalmente se são latinas ou italianas. "Mas como poderão eles exprimir bem os afectos de uma língua que não entendem, e talvez não sabem pronunciar, e que muitas vezes está errada na escrita pela ignorância dos Copistas? Eis aqui porque há também Músicos que, manejando algumas notas gerais da Harmonia sobre um teclado, sem mais princípios nem estudos, se dão por Compositores, metendo em Música palavras cuja significação talvez ignoram; como se a Arte de compor Música vocal consistisse em acomodar a cada sílaba um ou mais sons indiferentemente, com tanto que se observem certas regras. E que progresso se pode esperar desta carta de Autores? Daqui nasce acharem-se os afectos mal exprimidos ou trocados, e outros muitos disparates." Muito de notar é também a alusão ao pender para o virtuosismo de velocidade pura. Era uma das linhas de força da história da música europeia, de que já havia expoentes notáveis. Porém, Paganini ainda estava longe da máxima celebridade, enquanto Liszt e Chopin nem sequer tinham nascido. A virtuosidade estava na que pode chamar-se a fase de Clemente, que hoje nos soa quase infantil. Mas é claro que José Maurício não se refere a nenhum Clemente quando acusa os defeitos de certos instrumentistas que, "sacrificando todos os seus exercícios à destreza de uma execução rápida a fim de admirar ou aturdir os ou ridos, despregam ou desconhecem inteiramente a parte expressiva, que toca o coração". Tornando à incultura de muitos músicos, com novo apoio no autor do *_Emile*, José Maurício volta a adiantar-se na formulação dum dos principais problemas a cuja solução iam visar os reformadores do futuro Conservatório, mais de cento e dez anos depois. "M.r Rousseau diz, no Prefácio do seu *_Dicionário de Música*, que os Músicos lêem pouco; e contudo ele conhece poucas Artes em que a leitura e a reflexão sejam mais necessárias. Com efeito, se o verdadeiro espírito da Música não se limita somente a lisonjear o ouvido, mas principalmente a imitar a Natureza, exprimir as paixões e mover o coração, que reflexões, que estudos e que conhecimentos não são necessários a todos os Músicos, não somente aos Compositores, mas ainda aos símplices Executores?" Entre os obstáculos ao bom desenvolvimento do ensino da música é ainda apontada, como "não pouco considerável", a falta de método. E isto não só em Portugal, porque em todos os países onde a música se cultivava. Por toda a parte "a mesma falta de método, ainda que em alguns acompanhada talvez de meios capazes de a poder vencer". A explicação subsequente acentua a atitude anti-rotineira. Todo esse mal provinha "da pouca filosofia com que os músicos olham para as teorias da sua Arte". E não por desrespeito dos ensinamentos que receberam, senão que por sua lamentável observância. Esses músicos estavam persuadidos de que a perfeição da arte dos sons

consistia "no antigo caminho que lhes mostraram seus Mestres, os quais pensavam o mesmo". :, É claro que são distinguidos "os filósofos franceses", mas não sem que se lhes juntem "outros, de diferentes Nações", que também "têm trabalhado há muito tempo, não sem fruto, para remediar este obstáculo". Mas o objectivo não era complicar a matéria de ensino. Muito pelo contrário, esses filósofos simplificaram as teorias e reduziram-nas "a sistemas pouco conhecidos pela maior parte dos Músicos". O mesmo pretendeu fazer o autor do livro. As simplificações dos filósofos estrangeiros são um pouco explicitadas. E são ainda as velhas mutanças que servem de principal exemplo, não, evidentemente, no sentido de as reabilitar, mas sim no de acabar para sempre com elas. Vem, pois, a informação de que "os Franceses" inventaram "a sétima sílaba *_Si*, para de uma vez desterrarem as *_Mutanças*" e de que "diminuíram o número de *_Deduções*". Outros foram mais longe e "aboliram de todo a nomenclatura *dos Signos* e com ela todas as *_Deduções* e *_Propriedades*, nomeando os signos unicamente pelas Letras A, B, C, D, E, F, G e aplicando a cada um uma *_Sílaba* _ut a C, Ré a D, Mi a E, Fá a F, Sol a G, Lá a A, Si a B. Esta *_Seita* dividiu-se em dois sistemas um de *_solfejar ao Natural* e outro de *_Solfejar por Transposição*." Embora o "Solfejar ao Natural" fosse o sistema "mais comum em França", José Maurício, consciente de que "ele não deixa de ser defeituoso", prefere o "Solfejar por Transposição", no qual se muda, ou transporta, "a *_Escala das sílabas*, Ut, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, de uns *_Signos* para outros, conforme o número dos Acidentes assinados na *_Clave*, ou ocorrentes no meio da peça, a fim de que conservem sempre, ou quanto for possível, a mesma relação de *_Intervalos*". No nosso tempo, muitas pessoas iniciadas em música acharão este jogo de notas e nomes (ou sílabas) tudo menos estranho, por terem aprendido a aplicar praticamente o mesmo princípio de transposição, adoptado, sem diferenças essenciais, por alguns dos modernos métodos de educação musical. Diferenças introduziu-as já o lente proprietário da cadeira de música da universidade, baseado, como vimos, na sua própria experiência pedagógica e tendo em vista uma simplificação ainda maior do que a já conseguida do lado de lá dos Pirenéus. No contexto do presente livro, os capítulos e artigos em que se divide o *_Método de música* propriamente dito têm menos cabimento do que a sua introdução e discurso preliminar, com as significativas tomadas de posição que acabamos de ver. Na verdade, para o musicófilo genérico de hoje, essas definições e regras não oferecem interesse de maior, apenas merecendo atenção alguns pormenores elucidativos de práticas da época. O instrumento musical padrão é ainda o cravo. Referindo-se às classes de alturas em que se dividiam os signos, José Maurício explica que é para se conformar com o teclado do cravo que se limita a falar de seis. É curioso que, a seguir à designação das quatro vozes usadas na música -- "*_Basso, Tenor, Alto* ou *_Contralto, Soprano* ou *_Tiple*" --, se leia que "os Antigos aumentavam o catálogo destas vozes, metendo entre *_Basso* e *_Tenor* uma voz intermediária, a que chamavam *_Barítono*, e entre *_Alto* e *_Soprano* outra voz, a que chamavam *_Meio Soprano*". Curioso, porque ambos os nomes dessas vozes intermédias vieram a tornar-se correntes, até hoje. :, Apesar do seu desígnio de simplificação e de, em coerência também com o seu tempo, aceitar como o mais prático o sistema da afinação igual, José Maurício ainda queria que os seus alunos universitários distinguissem, teoricamente, os dois meios-tons dos tratados medievos. Com efeito, considera não ser "inútil anotar aqui que um

*_Tom* é composto de 9 *comas*, ou 9 partes iguais", esclarecendo logo que o meiotom maior "consta de 5 *comas* e o menor de 4". Que esta diferença era (e continua hoje a ser) mais teórica do que prática é o que dizem artigos subsequentes, em especial os que voltam ao teclado do cravo. Neste, vê-se que "entre todas as teclas *naturais*, ou brancas, que fazem entre si um Tom, há uma tecla *acidental*, ou preta, que divide este Tom em dois Demitons" (meios-tons) "e serve de Sustenido à branca inferior e de Bemol à superior. Por isto, e por outras razões que se passam em silêncio, é que todos os Demitons se reputam praticamente iguais". O *_Método* dá a entender a fundamental adopção do solfejo cantado. "Ainda que o solfejar seja um meio, e não fim, contudo, qualquer pessoa que estiver destra em entoar os Intervalos regularmente e sem alteração, pouco trabalho terá em entoá-los alterados." E note-se que, se não fosse assim, outro passo do livro não faria sentido, pelo menos em relação aos alunos que pretendessem ser não cantores mas instrumentistas: "Quando uma pessoa aprende a solfejar, é ordinariamente pela Clave daquela voz que lhe é própria; v. g. se tem voz de Tiple, aprende pela Clave de C na 1.a linha." De onde parece poder concluir-se que a antimusical praga do solfejo "rezado", que mais tarde alastrou no ensino musical português e que, bem dentro do nosso século, ainda foi preciso combater com unhas e dentes, não passava no tempo de sua alteza real o príncipe regente D. João. Finalmente, no que respeita à prática da execução ou interpretação, José Maurício é muito mais lacónico do que seria de desejar. Alude, por exemplo, a alguma liberdade permitida na adopção de andamento-base e às diferenciações dinâmicas, incluindo o "crescendo" e o "diminuindo". É porém omisso em matéria de mudanças agógicas. Seria de especial interesse qualquer esclarecimento sobre o "rubato". Há no entanto referências a andamentos que não deixam de indicar, ainda que vagamente, preceitos interpretativos. Numa delas aparece o adjectivo *galante*, próprio dum estilo bem representativo do século anterior, estilo que associamos a um Haydn, um Mozart, um Sousa Carvalho: "*_Grazioso* indica um *_Movimento* como *_Andante* ou *_Andantino* e uma execução alegre e galante." Ainda em matéria de andamento, já vimos que José Maurício se insurgiu contra os excessos de velocidade, que deviam ser bem modestos em comparação com os que se praticam hoje. Ficamos ainda cientes de que também em Portugal a cadência solística mais ou menos improvisada continuava em moda, mas que poucos amadores se arriscavam a tanto: "A *_Cadência de suspensão* é muitas vezes assinada com *_Pojaturas ligadas*, ou *_Portamentos*; o que o Autor da peça faz, ou para subsídio daqueles que têm alguma dificuldade em produzir uma fantasia sua, como a maior parte dos curiosos, ou para dar aos Professores uma ideia do estilo em que ele quer que esta Cadência seja feita; deixando contudo a fantasia à vontade de quem executa." :, Vale a pena trazer ainda aqui umas considerações sobre õ trilo ("trinado"), não tanto pelo elogio que lhe é feito como para nos darmos conta de que, mesmo num período em que se cometeram os maiores abusos em matéria de ornamentação "interpretativa", havia em Portugal quem defendesse o rigor. Depois de dizer o trinado um dos melhores ornamentos da execução, José Maurício explica que ele não se emprega somente na cadência final. E acrescenta: "A aplicação que dele se faz é assaz extensa, como se vê ao primeiro golpe de vista que se lança sobre uma peça de Música, principalmente instrumental. É claro que o *_Trinado* deve ser executado exactamente assim como tudo o mais que se acha escrito; mas ele pode ser algumas vezes aplicado arbitrariamente: é porém necessário ter um grande fundo de discernimento e um gosto muito seguro para não abusar da liberdade de o empregar." A explicitação da música instrumental não deve ter querido dizer que, na prática da execução, os trilos fossem menos frequentes na vocal. Por toda a parte os cantores daquele tempo abusaram das ornamentações, metendo-as a torto e a direito onde os compositores as não tinham escrito. A recomendação do "fundo de discernimento"

justificava-se ainda mais relativamente aos garganteadores do que aos dedilhadores de instrumentos. O princípio da execução exacta, que hoje nos soa bem actual, pode causar alguma estranheza na pena de alguém que escrevia tão perto do romantismo. Não esqueçamos porém que José Maurício se referiu à "parte expressiva" como a "que toca o coração". Nem a sua observação de que, se todos os intérpretes executassem "com igual agilidade e no mesmo gosto, perder-se-ia, por falta de diversidade, a maior parte do prazer da Música", admitindo que seguir "cada um o seu próprio sentimento" fosse "talvez mais seguro". No que aliás o tratadista se manteve fiel a uma velha tradição da execução musical peninsular. Se, não só nestes aspectos interpretativos, a cultura musical portuguesa tivesse conhecido um considerável desenvolvimento, conforme à orientação do lente de Coimbra, ter-se-iam tornado muito prováveis reflexos artísticos importantes, nos domínios da criação, da reprodução e da recepção, com a ajuda do efeito de *feedback* proveniente de auditórios burgueses. Mas os tempos que estavam para vir eram de nova, longa e profunda crise nacional. A partir do ano seguinte ao da publicação do *_Método*, e até 1810, foram as invasões francesas. Em 1808 a corte transplantou-se para o Brasil. Dois anos antes, começara o Bloqueio continental. Em 1822, independência do Brasil. Entretanto deram-se acontecimentos que poderiam ter aquelas boas consequências culturais (não deixando de ter algumas). Em 1820 foi a revolução do Porto, em 1822 a primeira Constituição. Mas logo veio a reacção absolutista e, escassos dois anos volvidos sobre a outorga da Carta Constitucional, D. Miguel restaurou o absolutismo. O período da legislação de Mouzinho da Silveira representa novos alentos para as forças progressistas. Mas não tarda a guerra civil, que vai de 1832 a 1834. A revolução de Setembro dá-se em 1836. Estes factos pertencem já ao capítulo seguinte. Não convém focar já acontecimentos musicais importantes do segundo quartel do século. Por ora, :, acrescente-se apenas que, em 1846 e no ano imediato, se deram a revolta da Maria da Fonte e a guerra civil da Patuleia. D. Maria II pediu apoio estrangeiro e o país foi penetrado por tropa espanhola e francesa ao mesmo tempo que a marinha inglesa tomava conta de pontos estratégicos da costa. O golpe de Estado veio a terminar na convenção de Gramido, em 1847. Semelhante instabilidade, propiciando sucessivas agitações conflituosas que a não superavam definitivamente, num sentido ou noutro, não podiam favorecer qualquer processo contínuo de melhoria do ensino da música, sector que as efémeras governações, mormente as mais reaccionárias, haviam de considerar de mínima importância. E é precisamente junto da mesma cadeira de música da universidade de Coimbra, regida com tanta iluminação por José Maurício no principio do século, que vamos encontrar confirmação dessa falta de continuidade progressista. Foi em 1849 que apareceram impressos os *_Princípios elementares da música, destinados para as lições da aula da cadeira de música da Universidade de Coimbra*, de António Florêncio Sarmento que, entre outras distinções, averbava a de ser professor da mesma cadeira, desde cerca de dez anos antes. Talvez para desde logo se mostrar bem estribado e actualizado, o autor consagra a página à esquerda da da dedicatória a uma transcrição, em francês, de Fétis, cuja importante *_Biographie universelle des musiciens et bibliographie générale de la musique* acabara de se publicar cinco anos antes. Essa transcrição adverte que cada arte tem os seus princípios e que é preciso estudá-los para que o prazer do ouvinte se torne maior, ao mesmo tempo que o seu gosto se for formando. E que a música tem princípios mais complicados do que a pintura, pelo que é, simultaneamente, uma arte e uma ciência. Dir-se-ia um aviso ao leitor-estudante de que ia topar, nas páginas subsequentes do

livro, com osso, dos mais difíceis de roer, só vulneráveis a dentes tão penetrantes de matéria quer artística quer científica como os de um d'_Alembert, ou pouco menos. Mas não. O que segue é ainda muito mais elementar e mais simplificado do que o recheio do *_Método* de José Maurício. _é pena que Sarmento não explique quais eram as "circunstâncias especiais" que acompanhavam os alunos da aula de música, exigindo que o estudo se lhes facilitasse "por um método claro e conciso". Maneira delicada de dar a entender o analfabetismo musical da maior parte dos estudantes? De qualquer modo, o autor -- que parece agradado com a precisão do metrónomo de Mälzel, "máquina com que hoje se regulam os andamentos com toda a exactidão" -- podia ter conciliado a elementaridade da matéria com o rigor do seu ensino. Poucos exemplos bastam a demonstrar que não o conseguiu, apesar da advertência de Fétis. "Escala *enharmónica* é aquela em que duas *notas* parecem ser um intervalo, mas na realidade e praticamente são o mesmo *som*; e se alguma diferença há, esta é tão pouco sensível que só se pode achar em um instrumento cujos *sons* não sejam fixos." Os alunos não devem ter ficado mais elucidados acerca de certos "termos que se ajuntam ao *movimento*": "*_Cantabile*, com gosto, com graça. *_Tempo di minuetto*, tempo de dança. *_Tempo di polka*, movimento animado. *_Tempo di bolero*, movimento de bolero. *_Con moto*, com calor"! Que terá pensado Fétis de semelhante "ciência", se acaso :, teve conhecimento dela? Saiu anos depois em Portugal uma versão dum seu dicionário de termos musicais. Vejamos, para comparação, o que aí se diz sobre *cantabile* e *bolero*: "*_Cantabile* -Adjectivo Italiano que se emprega substantivamente e designa em geral toda a melodia própria para ser facilmente executada pela voz humana. O que sobretudo o caracteriza é um canto claro, simples, que está em oposição com o canto irregular, duro e pouco natural. O seu Andamento é vagaroso." -- "*_Bolero* -- Ária Espanhola que serve ao mesmo tempo para cantar e dançar. As mais das vezes, esta ária é um tom menor e o seu ritmo em compasso ternário. Acompanha-se com violão. Em Espanha, há uma multidão de *_Boleros*" (*_Dicionário das palavras que habitualmente se adoptam em música*. Escrito em francês por F. J. Fétis, traduzido e acrescentado por José Ernesto d'_Almeida, Porto 1858). Como José Maurício, António Sarmento considera preferível o solfejo por transposição. Mas as regras das cantorias são reduzidas ao mínimo dos mínimos. Quanto aos modos, por igual se mantêm o simplismo e a imprecisão: "*_Modo* é a maneira por que se estabelecem os *tons*. São *maiores* ou *menores. Modo maior* é quando da *tónica* ou 1.a à 3.a há o *intervalo* de dois *tons*, e da *tónica* à 6.a o *intervalo* de quatro *tons* e um *semitom. Modo menor* é quando da *tónica* ou 1.a à 3.a há o *intervalo* de um *tom* e de um *semitom*." A este respeito, os alunos pouquíssimo mais ficavam a saber. É verdade que toda a música europeia tinha evoluído para a bipolarização. Mesmo na esfera da Igreja, os aprendizes da arte dos sons já não tinham de aprender as muito mais complexas teoria e prática dos modos que, até o século XVII, todo o verdadeiro músico tinha de dominar, além de muitas outras coisas. Mas também neste capítulo se exigia demasiado pouco dos alunos da Universidade de Coimbra. Poderá objectar-se que os *_Princípios elementares* eram tão-só um compêndio-base, sobre o qual o mestre ministrava um ensino oral de nível superior. Não é porém isso o que indica a informação de que eles serviam "para a melhor inteligência da sua teoria, reservando para a aula alguns exercícios e perguntas, que verbalmente farei em todas as lições". Assim não parece que a total falta, no texto, de considerações de ordem estética e histórica, tendentes a elevar a mentalidade dos alunos e a formar-lhes o gosto (de que encontrámos estimáveis exemplos em José Maurício) fosse de algum modo preenchida por aquilo que o professor dizia na aula. _é certo que a disciplina universitária não constituía o único meio de aprender música em Portugal. Longe disso, felizmente. Admite-se até que uma parte

considerável dos estudantes não pretendesse vir a exercer profissão de músico, limitando-se a procurar um complemento artístico para a sua formação universitária de fundo. A Igreja continuava a propiciar muito ensino de música espalhado pelo país, ainda que sem o brilho dos grandes focos de outros tempos. Mas o acontecimento histórico recente, nos domínios da pedagogia musical, fora a fundação do Conservatório, da qual nos ocuparemos no capítulo seguinte. No que respeita ainda ao ensino de música na universidade, parece lícito concluir que, com António Florêncio Sarmento, estava mais de meio caminho andado para o seu total apagamento. Como, de facto, veio a suceder. :, Falta dizer mais alguma coisa sobre dois dos autores mencionados: Fr. Domingos de S. José, mais conhecido por Varela, e Rodrigo Ferreira da Costa. Já se deu a entender que o compêndio de Varela tem um título mais longo do que o indicado. Na verdade, ele fala duma "breve instrução para tirar música", de "lições de acompanhamentos em órgão, cravo, guitarra ou qualquer outro instrumento em que se pode obter regular harmonia"; de "medidas para regular os braços das violas, guitarra, etc. e para a canaria do órgão"; dos "melhores métodos de afinar o órgão, cravo, etc."; do "modo de tirar os sons harmónicos ou flautados" e de "várias e novas experiências interessantes ao *_Contraponto, Composição* e à *_Física*". Tudo isto, na edição de 1806, à qual, vinte anos depois o autor juntou um suplemento sobre nomenclatura e o modo de construir instrumentos curiosos: "Nova harmónica tocada com arco de rabeca, harmónicas de metal ou pau tocadas com arco de rabeca, harmónicas de campainhas de vidro, ou de metal com arcos de rabeca movidos por teclado." O conteúdo do *_Compêndio* oferece bastantes motivos de interesse Por exemplo, em matéria de dedilhação de instrumentos de tecla, ele reflecte, ao mesmo tempo, o atraso do ensino e o não conservantismo do autor: "Alguns Mestres proíbem tocar *_Tecla* acidental com o dedo polegar, exceptuando em 8.as; proíbem executar com o dedo mínimo por ter pouca força; ora o dedo anelar é de sua natureza o mais estúpido e, por consequência, de cinco dedos só restam dois ou três para executar a *_Música*, se seguirmos semelhantes Mestres." Varela não hesita em recomendar a infracção de tais regras, que hoje fazem rir qualquer principiante. "Do bom jogo dos dedos nasce toda a facilidade que se pode obter, ainda na mais dificultosa execução; portanto em qualquer passo dificultoso se deve estudar, combinando muitas vezes os dedos até que se ache uma combinação mais fácil, ainda que vá o dedo polegar à *_Tecla* acidental e se cometam erros na opinião dos Mestres vulgares." O capítulo do acompanhamento, centrado, como seria de esperar, no baixo cifrado, é muito resumido. Depreende-se que era matéria de aprender muito mais pela prática do que por preceitos teóricos. Aliás, é o manter-se junto da prática que torna Fr. Domingos de S. José um caso de singular interesse na musicografia pedagógica portuguesa. Isto, mormente no que respeita a concepção, construção e afinação de instrumentos que ele mesmo sabia executar. E pena desconhecermos hoje o piano que ele disse ter inventado. Como construtor de órgãos, os seus mais importantes trabalhos entre muitos, destinaram-se aos mosteiros de S. Bento, no Porto, e dos Paulistas, em Lisboa. Varela abriu-se às novidades de teor musical que, desde as últimas décadas do século anterior, vinham do estrangeiro, especialmente de França. Para epígrafe do *_Compêndio* escolheu um passo dos *_éléments de musique théorique et practique, suivant des principes de M. Rameau*, de D'_Alembert (1752). No texto do livro há citações da *_Encyclopédie méthodique*, que a livraria Panckoucke lançara a partir de 1781. :, Quanto a Ferreira da Costa, bacharel em leis e matemática que foi deputado às

Cortes Constituintes e professor de matemática da Academia Real da Marinha, era pessoa de elevada mentalidade, senhor de uma cultura vasta e de um género raro em musicógrafos portugueses. Os seus mencionados *_Princípios de música ou exposição metódica das doutrinas da sua composição e execução* foram publicados, o primeiro tomo em 1820 e o segundo em 1824, pela Academia Real das Ciências, da qual era sócio. Conhecidos os parâmetros socioculturais de Ferreira da Costa, e depois do que vimos em obras anteriores, também de autoria portuguesa e editadas em Portugal, não admira que os *_Princípios* se apoiem em conhecimentos, interpretações e teorias então modernas, recebidas mormente da França, mesmo quando não se trate de autores franceses. Logo na primeira página do prólogo, aparecem os nomes de Euler, d'_Alembert, Rousseau, Iriarte, sem discriminar por enquanto "muitos outros engenhos vastos e profundos cujas obras preciosas recreiam o mundo erudito". Também era de esperar que Ferreira da Costa tenha considerado "os escritos do Solano incompreensíveis até aos Professores por indigestos, confusos e enunciados na linguagem da rançosa solfa das mutanças; e os mais, que há em português, expressos na mesma linguagem; ou incompleto; ou sem método, razões, nem dedução". É evidente que se encontram aqui implicitamente compreendidos os trabalhos de José Maurício e de Varela. A maior admiração de Ferreira da Costa vai parar para os enciclopedistas, com relevo para vários celebradores da já referida *_Encyclopédie méthodique*. Esta adesão tem a ver com a tomada de posição contra o princípio do baixo fundamental de Rameau, um dos autores mais vezes mencionados mas quase sempre para o dizer em erro. No princípio do segundo tomo, o autor alegra-se por ter finalmente aparecido "o complemento da Parte da *_Música* da Enciclopédia metódica", parte que adverte não ser "tratado elementar". Nem por isso deixará o "músico de espírito filosófico" de achar "princípios fecundíssimos, e intuitos originais, que possam ampliar o seu saber, aguçar o engenho e dirigir os voos da atrevida fantasia". Pouco adiante: "E ousamos prever que a Enciclopédia será o tesouro dos estudiosos da Ciência harmónica e fixará os destinos da Arte para os séculos vindouros." Aqui a escolha do século como unidade de tempo foi demasiado imprudente para um homem de ciência. Escusado seria dizer que Ferreira da Costa quer científico um dos seus dois principais ângulos de visão. "Como Ciência", a música "supõe cadeia de princípios e preceitos travados entre si, e todos conducentes para um fim". Mas há também o outro angulo. "Estudar Música é analisar os sons, e o coração." Se Ferreira da Costa vivesse hoje, haviam de fasciná-lo as primeiras revelações da psicofísica da música que estamos tendo, sem falar do que poderia ser para ele a nova luz há mais tempo lançada pela psicanálise no "coração" de compositores, intérpretes e simples melómanos. O livro propriamente dito começa assim: "Os primeiros princípios das Ciências físicas, estes factos capitais, donde extraímos pelo raciocínio a cadeia das verdades que constituem o corpo das mesmas Ciências, mais ou menos amplo segundo os progressos que alcançam de acasos e esforços do :, entendimento, são ministrados pela experiência e demonstrados pelo testemunho dos sentidos." No parágrafo seguinte: "recorrer aos sentidos, a fim de lançar os fundamentos da Ciência em experiências radicais, é processo inicial, de que não podia eximir-se *a Música*, cuja prática entende imediatamente com a sensibilidade física por meio do ouvido." O autor desengana os que porventura estivessem na expectativa de um "tratado apodíctico", como se fosse obra sobre geometria, com as suas conclusões todas derivadas de "axiomas, definições e hipóteses"; mas também aqueles que não quisessem mais que uma "colecção de regras soltas e sem ordem, qual se encontra nos

rudimentos que temos desta Arte". O que ele promete é "um tratado resumido nos princípios e metódico na dedução". E esclarece: "Embora consultemos várias vezes as decisões do ouvido e tomemos resultados da experiência por base de raciocínios, ver-se-á contudo que, nos ramos da ciência menos sujeitos aos domínios do gosto do que aos da razão, me esmerei em sustentar o método geométrico, quanto era possível: 1.o tirando da observação os princípios que me pareceram indispensáveis para arreigar as teorias; 2.o chamando de outras Ciências os que julguei necessários para demonstração e esclarecimentos; 3.o deduzindo ordenadamente de uns e outros as consequências e doutrinas que produzo." Ferreira da Costa conta entre os "princípios de experiência" os "limites dos andamentos, a infinidade dos sons, o estabelecimento do semítono por unidades de intervalos afinados, o prazer da série diatónica, a quase identidade das oitavas, a composição do som, a série dos harmónicos, etc.". Os "princípios estranhos" vai colhê-los na geometria, álgebra e acústica, introduzindo-os "em lemas sem demonstração, pois se acham nos Elementos destas Ciências". Assim tem por firmados os "preceitos invariáveis da arte". Reconhece que "ficam menos sólidas as leis do gosto", que na música "tem grande império". Mas está em que esses preceitos não deixarão de se achar "acompanhados de razões suficientes para autorizarem a sua prática". Como não podia deixar de ser, muitos dos dados objectivos em que Ferreira da Costa se apoia estão errados, à luz de conhecimentos actuais. Por exemplo, em relação ao campo de audibilidade humana, em função da frequência vibratória: "Procurando os Geómetras fixar os *limites dos sons*, acharam que o mais grave apreciável faz por segundo 30 vibrações, e o mais agudo 7552." Hoje, em resultado de medições muito mais precisas, o espaço da audibilidade humana, no que respeita à dimensão altura, é colocado pelos cientistas entre, números redondos, 20 e 16.000 hz (235). Erro de outra ordem e em que, por sinal, continuam a incorrer pessoas de considerável formação matemática, é o que Ferreira da Costa comete quando, referindo-se a razões de números pequenos (1/2, 2/3, 3/4 etc., ainda em relação a frequências) depois de afirmar acertadamente que "as conclusões deduzidas da razão geométrica destes números não podem ter lugar no sistema do *temperamento* [igual] pelo qual afinamos os instrumentos", porque nele os números das oscilações dos sons da escala diatónica e da cromática "deixam de ter com a tónica as razões precedentes", acentua que as razões temperadas "até são irracionais". Como bacharel em matemática, Ferreira da Costa devia ter-se dado conta da incorrecção desta maneira de :, dizer. A menos que não soubesse que, em qualquer vizinhança de qualquer som de frequência definida por um número racional, há infinitos sons de frequências irracionais, cuja altura o ouvido humano é incapaz de distinguir da do primeiro. Em rigor, nem os mais precisos meios de medição actual permitem afirmar que a frequência de qualquer som concreto está em razão racional ou irracional com a de outro. O mais que pode afirmar-se é a proximidade de determinada razão, abaixo do limiar diferencial das alturas. Note-se que Ferreira da Costa se mostra consciente da condicionante influência do aparelho auditivo e do sistema nervoso central. "Como, mudada a fábrica dos sentidos, se alteram as relações dos objectos connosco e transtorna o efeito da sua impressão, segue-se que as sensações não podem ser avaliadas por princípio algum abstracto, e independente da prova dos sentidos; e que as relações dos objectos connosco hão-de ser determinadas por experiências sensuais." Consequentemente, aqueles que recorrem só "às qualidades físicas dos corpos sonoros para dar razão dos prazeres da *_Música*" são acusados de se esquecerem "de que os órgãos dos sentidos são os primeiros agentes das afeições da alma e, recebendo as impressões dos objectos externos, lhes conferem a tintura e qualidades com que estas se transmitem à câmara do cérebro, onde o espírito exercita raciocínios e sentimentos". Neste ponto, o leitor é remetido para outra obra do autor, intitulada

*_Teoria das faculdades e operações intelectuais e morais*. Sem poder chegar ainda ao grau de generalização das concepções do nosso tempo, mantendo-se fiel às do seu, muito centradas no momento histórico-musical europeu, Ferreira da Costa vai, porém, mais longe, a título conjectural exemplificativo: "Com outra organização auricular, talvez os sons do sistema humano não devessem distar de *semítono*; os pontos que, no *monocordo*, marcam sons afinados devessem ficar mais ou menos largos; as oitavas não fizessem impressões quase idênticas; a série de sons gratos não fosse periódica; ou os períodos constassem de mais ou menos de 7 sons, com intervalos maiores ou menores do que o semítono, e espalhados nesta ou naquela sequência. Assim, a escala actual e os modelos gerais do canto e da harmonia foram estabelecidos experimentalmente pela organização auricular da espécie humana; e o juízo do *_Ouvido* é supremo sobre a impressão dos sons." Tudo isto tem de se entender através de um prisma imensamente marcado do século da razão, que foi também o de Rousseau. Sob a epígrafe *_Do caminho para a invenção em música*: "ainda que o Ouvido determine o que é ou não conforme com a nossa organização, fica contudo a Música sujeita ao império da razão: 1.o porque a esta é submisso o bom método de estudos, e o nexo de noções teóricas e abstractas; 2.o por ser o verdadeiro guia que pode conduzir-nos no exame das combinações possíveis de sons, a que em harmonia damos extensa consideração. Tal é a base do tratado filosófico de Música que apresentamos." Tratado *filosófico*, repare-se bem. Que filosofia se propôs o autor representar? Não a define explicitamente, mas há pelo menos um passo em que mostra não ser ateu o seu racionalismo escorado na ciência experimental. É onde se lê o seguinte: "*_Rousseau* requer neste [ou seja, no compositor completo], além da perícia e jogo das regras da :, Harmonia, ouvido fino e culto, engenho fecundo e ardente, gosto puro e delicado e inspiração divina. De todas estas qualidades, umas adquirem-se da Arte e do Mestre, outras do hábito e frequência dos bons concertos e orquestras; porém outras só o Criador e a Natureza podem dá-las." Não será aventurar muito dizer que os conceitos de Criador e de Natureza que aqui entram devem ter andado muito perto das ideias maçónicas a que aderiram tantos músicos de todos os pontos da Europa, nos séculos XVIII e XIX. O racionalismo de Ferreira da Costa foi ao ponto de se bater por certos aspectos da elevação mental do músico dos quais muitas vezes se tem dito que só foram propugnados, em Portugal, já em pleno Novecentos. É o caso da sua insistência numa análise metódica das composições musicais, baseada não só na morfologia tonal harmónica (escalas e seus graus, acordes e sua arrumação) mas também em articulações do discurso musical (verso, frase, período, peça). Em seu entender, "a autoridade e decisão dos ouvidos cultos" é "alcançada pela análise das Obras dos grandes Compositores". E esclarece que essa análise "tem florescido especialmente do meado do século XVIII por diante". Noutro passo do livro, ao escrever o que parece ter pensado em termos da química, acentua que "as obras puras dos Mestres da Arte oferecem a composição ordenada dos seus símplices elementos: e é preciso saber analisá-los. Os tratados elementares da Ciência expõem os princípios na sua nudez; e cumpre saber combiná-los, para se obterem os produtos regulares na perfeição do estado composto." Naquilo a que Ferreira da Costa chama a "lógica dos sons" entra uma noção de *motivo* que, embora não seja idêntica à de futuros analistas musicais, merece atenção: "Combina-se pois multidão de *motivos* com a unidade da peça por meio do fio lógico, que ata as diversas ideias. E posto que hajam indícios externos, pelos quais cheguemos a reconhecer este laço, contudo as mais das vezes é metafísico, e só o espírito e o sentimento podem percebê-lo. Se o Compositor não possui a Lógica dos sons, mal poderá encadear as suas ideias." Pensar que cem anos depois ainda foi necessário lutar em Portugal contra a concepção de um compor música todo feito de inspiração de momento!

O seguimento do mesmo parágrafo continua a revestir interesse, até pelo que demonstra de atraso em relação ao que havia muito tempo já tinha sido praticado por grandes compositores, nomeadamente os que Ferreira da Costa mais admirava (Haydn, Mozart): "Cada frase de uma peça deve ser deduzida estreitamente das que lhe precedem; e jamais motivo novo, posto que muitas possam vir a sê-lo, passando da classe de ideias acessórias à de principais. Por maior interesse que o Compositor dê aos períodos diferentes do inicial, há este de ocupá-lo sempre como primário; e se os Ouvintes lhe negam a maior consideração, é culpa dele." A "modernidade" de Ferreira da Costa reflecte uma emancipação social do músico que, escusado seria dizê-lo, se verificou incomparavelmente mais em países do centro da Europa, e em Inglaterra, do que em Portugal. Aspecto bem representativo do fenómeno é o da elevação do nível cultural do músico, muito por via livresca. Ao longo do século XIX assistir-se-á a uma como que consolidação prestigiosa do conceito de *cultura geral*, feita de conhecimentos -- mais em superfície do que em profundidade - que :, noutros tempos os senhores tinham por desnecessários aos seus músicos-criados. Note-se, porém, que o devir histórico, também neste aspecto, tem contradições. Em termos genéricos, pode talvez dizer-se que o que o músico ganhou de cultura geral, naquele período de transição histórica, foi perdendo na banda dos conhecimentos e aptidões especializados. Vejamos o comentário de Ferreira da Costa ao que o velho Zarlino exigira do músico perfeito: "posto não sejam indispensáveis ao *_Compositor de Música* tantos conhecimentos, contudo será mais completo o que reunir a tintura de todos eles; ajuntando com *Guinguené*, que deverá ainda ter luzes de todos os instrumentos, a fim de evitar escrever para algum deles passos de execução impossível." Foi precisamente isto o que veio a acontecer a ninguém menos do que Robert Schumann. Estribando-se embora tanto em autores publicados no estrangeiro, Ferreira da Costa diligenciou por imprimir no texto a marca da sua própria personalidade. A formação de matemático reflecte-se em lemas, teoremas, problemas. Formação de músico propriamente dito é que parece não ter tido, a julgar pelo que adverte no prólogo: "eis aqui o fruto de assíduas meditações empreendidas e continuadas por impulsos da alma sem sementes de escola ou mestre algum, nem auxílios alheios." Dá a entender que depreendeu independentemente conclusões importantes. "Chegando-me à mão o complemento da parte da Música da Enciclopédia Metódica (aparecido em Lisboa em Fevereiro de 1819) muito depois de ter escrito e entregue este 1.Q Tomo, acho nele com bastante satisfação opiniões de *_Mr. de Momigny* mui conformes com as que sigo." Não hesita em manifestar-se discordante, não só de Rameau, como vimos, senão que também, em questões pontuais, de um Rousseau e um d'_Alembert ou de investigadores e mestres ainda vivos, designadamente o ilustre Jérôme-_Joseph de Momigny (1762-1842), considerado o fundador da teoria do fraseado musical, e Charles-_Simon Catel (1773-1830), que tinha nos seus pergaminhos as qualidades de professor e inspector do Conservatório de Paris e de membro do Instituto. Como seria de esperar, adere ao metrónomo de Mälzel. Mas com um sentido crítico que lhe estimula a veia de inventor. Depois de dar notícia de que os primeiros aparelhos apareceram em Lisboa em Agosto de 1818 -- parece que juntamente com "algumas músicas francesas com os andamentos indicados pelos *sinais metronómicos*" faz considerações curiosas, cuja pertinência não viria a ser plenamente comprovada pela prática da execução musical. Por meio do "metronómio" ou "cronómetro", diz-nos o autor, veremos agora, finalmente, "os Compositores e Executores de Música seguirem os mesmos rumos e derrotas, como segue o Piloto a da sua viagem perdendo a terra de vista, depois que o inventor da agulha lha deu para o conduzir pelo meio das ondas entre os Ceos e o Mar. Só desejaríamos que o metronómio, por um registo, se torne sonoro ou surdo". E isto para quê? A explicação não pode deixar de hoje causar um certo espanto: "para que, surdo, sirva de governo ao Corifeu no concerto de sala, sem perturbar os mais

Executores, que devem regular-se sempre por este." O registo sonoro deveria servir só :, "nas escolas de Música e estudos particulares para dirigir pelo ouvido os exercícios do Discípulo, mormente na ausência do Mestre". Passemos por cima da descrição do pêndulo concebido pelo académico português, com a vantagem, segundo ele, não só da surdez (ou, mais exactamente, mudez) mas também de uma isocronia mais igual que a do mecanismo de Mälzel. O interessante é observar que a utilidade de qualquer metrónomo tinha que verificar-se no plano do estudo, mas não no da execução em público. Neste capítulo, toda a tendência do momento histórico pouco antes do auge do fervor romântico, era para a flutuação de andamento e de ritmo, o mais possível ao sabor do sentimento, da fantasia, do impulso quase improvisador. Numa palavra, para o *não* metronómico. Ferreira da Costa dá como suas outras ideias, estas ditadas por um propósito de racional simplificação. A primeira é a de reduzir todas as claves a uma só. Esta seria basilarmente escrita assim: significando que a terceira linha corresponde ao dó central. O problema das diferenças de tessitura seria resolvido pelo acrescento de pares de pontos à direita e à esquerda, significando saltos de outras tantas oitavas, para cima ou para baixo, respectivamente. Se por exemplo conviesse um salto para duas oitavas acima, escrever-se-ia enquanto que indicaria uma descida de duas oitavas. Não custa admitir que esta radical simplificação poderia ter feito brilhante carreira internacional se, entre os músicos práticos de todos os países, não tivesse continuado tão poderosa a força do hábito, ou da rotina. :, Músico prático, eis o que Ferreira da Costa não era com certeza. Outra ideia que defende prova-o bem. Nada menos do que reduzir todos os compassos ao binário! E como? Vejamos, por exemplo, como se reduziria o ternário. "Por dois modos", explica o autor. O primeiro consistiria em "repartir cada compasso ternário em três binários, com a competente mudança das figuras"; isto, no caso de andamento vagaroso. Se, porém, este fosse rápido, haveria que "reunir cada dois ternários em um só de 6/8", com ou sem mudança de figuras. Qualquer executante musical, de hoje como de então, reage imediatamente a este esquema, pelo que ele denuncia de desconhecimento da interrelação prática de compasso e ritmo. Outro contexto em que Ferreira da Costa se inculca original é o da ainda hoje controversa explicação "científica" dos privilégios do acorde perfeito maior e, sobretudo, do menor. Temos no entanto que concluir que a argumentação dificilmente poderia ser menos científica: "Supondo nulos na ressonância o *incomensurável 7* (onde é já sensível a divergência entre as linhas da filiação harmónica, e do temperamento) e todos os harmónicos mais agudos e pianos do que ele, e simplificados os intervalos compostos, teremos uma colecção de três únicos sons distintos, que são 1.a, 3.a e 5.a. Com pequena alteração na 3.a para cima, e na 5.a para baixo, torna-se esta em acorde de 1.a, 3.a maior e 5.a exacta. E com a mesma alteração na 5.a, e outra um pouco maior na 3.a para baixo, torna-se em acorde de 1.a, 3.a menor e 5.a exacta." Se malabarismos destes fossem correctos, facílimo se tornaria prestigiar cientificamente qualquer acorde. Ferreira da Costa ainda tem um certo escrúpulo ao observar que a sua fundamentação do acorde perfeito menor envolve um processo menos "explícito" e também menos "aproximado" que o apontado para o acorde maior. No entanto, poucas páginas adiante, logo depois de acusar Rameau de delírio, ousa afirmar que "ninguém até agora extraiu" do fenómeno da ressonância do corpo sonoro "os acordes principais do tom maior ou menor com tanta simplicidade como nós".

Noutros passos do livro, o sentido crítico do autor exerce-se de modo a prestar-nos informações interessantes sobre certas práticas musicais do seu tempo. Ficamos, por exemplo, a saber que a marcação do compasso se fazia de maneiras diferentes nas manifestações musicais profanas e nas eclesiásticas: "Adquirido o hábito de acertar as demoras das figuras pelo compasso, é preciso perder o de batê-lo de rijo. Sendo o compasso (como o *ponto* nos teatros) necessário para a certeza dos executores, estraga o efeito das peças, se deixa perceber-se pelo auditório. As pancadas do compasso perturbam a doçura do canto e depravam a expressão dos *acentos*, e mais belezas, de que o ouvido deve apossar-se, independente do anúncio das batutas. Nos concertos de sala não se bate compasso: apenas marca o Regente os primeiros quatro tempos nas mudanças de andamento, ou quando algum dos executores se desencaminha. Nos teatros também se não bate compasso, salvo no mesmo caso." Que flexibilidade, que diferenciação, que dinamismo poderia obter-se desta maneira? Como soaria um divertimento em estilo galante, quanta graça perderia a música de qualquer ópera cómica, ainda que fosse de Mozart? Mas Ferreira da Costa queixa-se de que nas músicas de igreja era ainda muito pior, onde se mantinha o "abuso" de marcar sempre o compasso, :, com ruído. Às vezes, o ouvinte não podia impedir-se "de ver com ludíbrio o empenho do *_Corifeu*", que, para se mostrar superior, conduzia "com rijas pancadas a marcha da música". Isto, mesmo que ninguém estivesse fora de tempo. E até acontecia ser ele, corifeu, quem "mil vezes" desordenava o discurso musical, "pelo seus estrondos". Quanto a andamentos, o segundo é proposto como "a medida mais natural e filosófica" adoptável como "unidade do tempo". Mais elucidativo se torna o acrescento de que convém fixar nele (segundo), "por uma vez, o ponto médio do *_Andante*, e da escala dos andamentos". Note-se, porém, que este critério era o observado trinta anos antes, "quando os grandes executores, fazendo menos ostentação de dificuldades, conduziam os concertos de Música com maior gravidade e doçura". Parece lícito inferir que, em Portugal como nos países europeus mais evoluídos, a execução musical acelerou consideravelmente desde o tempo em que Mozart fazia as suas derradeiras apresentações públicas, como pianista, e aquele em que o jovem Liszt se aventurava nas primeiras. Também neste aspecto Ferreira da Costa não se deu conta da necessidade histórica de um vector evolutivo, dirigido no sentido crescente da virtuosidade. O seu conservadorismo a tal respeito manifesta-se, por exemplo, quando fala dos "allegros e rondós desregrados, em que os Compositores modernos de torto engenho acumulam exércitos de notas sem coerência nem ligação". Falta-nos saber a que autores se referia. Mas, de qualquer modo, volta aqui a expressar-se uma atitude contrária à tendência para apressar os movimentos. Não deixa, aliás, de ter a noção de que estava na indústria da construção de instrumentos um dos mais decisivos factores dessa evolução. Na mesma página reconhece que "o invento e perfeição dos pianos-fortes" tornaram estes "muito mais aptos do que o cravo para a ligeireza e voo dos cantos". Precisamente os pianos estavam em vias de importantes melhorias, como aliás muito outros instrumentos, incluindo arcos e sopros. Até os violinos, cuja indústria de fabrico tantos pergaminhos tinha, estava sofrendo alterações. Pode dizer-se que todas estas se orientaram pelo aumento da virtuosidade e da intensidade sonora, indispensável ao alargamento dos auditórios, pressionado por motivos socioeconómicos. Com tudo o que tem de imensamente parcial, a crítica do contraponto tem outra validade histórica. Está em consonância com as ideias então "modernas". Ferreira da Costa não deixa de dizer que, "apesar do desprezo que hoje se tem pelo *_Contraponto*", entende "necessário ao Compositor que o possua". E, já perto do fim do livro, vai mais longe: "Mas por que meio chegará o Compositor a achar dois cantos que, suposto diferentes, não quebrem a unidade de melodia, e possam ser transpostos a diversos tons e modos, sem sair no dueto vocal do diapasão das vozes? Estudando com cuidado o Contraponto duplicado, as imitações e mesmo a fuga livre."

Em todo o caso, a atitude do autor é avessa a construtivismos. "É sábia puerilidade tornar a tarefa de imitações retrógradas ou em movimento contrário. Tudo o que não se sente torna-se nulo. Os trabalhos difíceis têm por certo seu merecimento; mas não é esse o verdadeiro fim das belas Artes." Fazendo-se eco de Rousseau, diz que, "em geral, as fugas tornam a música mais estrondosa do que aprazível, e portanto convém antes nos coros do que :, noutra parte". Que, "sendo sempre medíocre o prazer movido por este género de música, pode dizer-se que uma bela fuga é o ingrato primor de um bom harmonista". Que "as *_Contrapugus, duplas fugas* e outras combinações ridículas e pueris, que o ouvido não pode sofrer nem a razão justificar, são visivelmente restos da barbaridade e do mau gosto, que como as fachadas dos templos agóticas, só subsistem para vergonha dos que tiveram a paciência de fazê-las". Que, com "Cânones inversos, retrógrados e de duas caras" os "antigos Mestres" definhavam-se "só pelo gosto de atormentarem os Leitores, e com o fruto de fazerem bocejar todo o Auditório, quando chegavam a decifrá-los". E que, depois dum tão cansativo "fazer música para a vista", passou a compor-se só "para o ouvido e para o coração". Vale ainda a pena observar que Ferreira da Costa discrimina o emprego do contraponto em função dos fins a que a música se destinava, dando-o como máximo (relativo) na esfera eclesiástica e mínimo, para não dizer nulo, na teatral e na puramente instrumental: "veio a chamar-se *_Contraponto* em geral toda a música combinada segundo as leis do Contraponto ligado ao Cantochão; e hoje mesmo, que estas se têm relaxado em grande parte, chama-se muitas vezes *_Contraponto* a toda a Música sábia e rigorosa, para distinção da teatral ou instrumental, muito mais florida e variada." Depois de acentuar que as regras dadas pelos Contrapontistas antigos ainda eram observadas "na música de Igreja a vozes, ou com acompanhamento de órgão", acrescenta que, "na harmonia dos modernos", as mais delas eram desprezadas, "e felizmente a miúdo". As últimas transcrições já indicam outra faceta relevante dos *_Princípios de música: o desígnio de historicidade. Incomparavelmente mais do que qualquer tratadista musical português, Ferreira da Costa esforça-se por traçar o presente como o segmento final de um longo passado, no curso do qual a arte dos sons evoluíra mais ou menos continuamente. Também neste aspecto se mostra moderno. Como não podia deixar de ser, os seus conhecimentos de história da música enfermam de erros, à luz da musicologia de hoje. Por igual se compreende que a sua exposição não contenha praticamente nada de análise económico-sociológica. E que a evolução histórica da música seja pintada como um contínuo progresso artístico, sem aquele sentido de relatividade, implicando diferentes sistemas de coordenadas, que o entendedor de arte hoje tem. A este respeito, o exemplo mais elucidativo é porventura o do menosprezo do cantochão: "Eram bem escassos os efeitos da Música, quando os sons lisonjeando o ouvido somente por serem afinados, produziam pela igualdade de suas durações insípida monotonia, como sucede no cantochão." Noutro passo, lê-se que o cantochão só pode "lisonjear o ouvido" se se lhe juntarem a "plenitude e riqueza da harmonia" de sucessivos acordes. Esta incompreensão foi muito partilhada na época, inclusive no seio da Igreja. Só nos tempos de Mussorgsky e de Debussy vieram os antigos cantos monódicos cristãos a readquirir o seu prestígio de formas musicais esteticamente superiores, junto da intelectualidade afecta à música. A redução dos modos eclesiásticos ao maior e ao menor não é relatada como empobrecimento de algum modo lamentável. "Nascido o *_Contraponto* debaixo do império do *_Cantochão*, não teve por muito tempo outros *modos* :, senão os dos antigos, que não eram verdadeiros modos de escala e tom completo, mas diversas formas de tetracórdios; noo teve outros *tons* senão os da Igreja, que não passavam de combinações parciais de diferentes tons sem unidade harmónica." Isto joga com outras afirmações igualmente simplistas e marcadas pela época. "Reconheceu-se que

em toda a Melodia e Harmonia há somente duas *escalas* e dois *tons*, um do *modo maior* e outro do *menor*, ambos estabelecidos pela natureza com caracteres distintivos e formando duas famílias de heptacórdios com diverso predomínio de cada som. E sentiu-se que todos os mais tons e escalas vêm a ser exactamente transposições, ou transporte dos dois modelos a outras cordas do *sistema dodecafónico* (ou temperado)." Está claro que o compasso é tido na mais alta conta. Nada menos do que "a vida da Música". E também a harmonia funcional, com rasgados elogios às potencialidades do baixo e de determinados acordes, como os de sétima da dominante e de sétima diminuta. "A *_Harmonia* é hoje reconhecida pela parte mais bela da *_Música*, mais susceptível de novas e variadas combinações, mais sujeita ao império da razão e enfim mais própria na sua união com a *_Melodia* e o *_Ritmo* para os grandes efeitos da expressão. Ela contribui por si principalmente a representar ao Ouvido os maiores quadros da natureza e da fantasia, e arrebatar o coração com os seus divinos encantos." A asserção de que, então, o melhor modelo de harmonia era "o estilo Alemão", e o de melodia e canto "o gosto Italiano" quase parece uma antecipação daquele crítico musical (?) que, há poucos anos, pasmava de ninguém ter tido a ideia de encarregar Puccini de compor novas melodias para as harmonias de Wagner. Se o compasso é a vida da música e a harmonia a sua parte mais bela, o baixo é a sua alma, "e a *bússola* do Compositor". Quanto aos acordes, é claro que; mesmo que não explicitamente, são apresentados através do prisma do baixo cifrado. Dos seus encadeamentos, Ferreira da Costa realça os que, com bom gosto e perícia técnica, envolvem mudança de tonalidade. Note-se que não lhes chama modulações, mas sim transições. Na sua nomenclatura, modulação é todo o progresso de melodia ou harmonia, com ou sem mudança de tom. Compreende-se assim o que quis dizer no seguinte passo: "As transições do género enarmónico exigem mão de mestre na sua preparação e resolução; mas, sendo poupadas e bem feitas, transportam a alma e produzem os efeitos mais sublimes da Música." É evidente que se trata de enarmonia reduzida ao sistema da afinação igual. Sobre instrumentação e orquestração, o livro nada oferece merecedor de atenção. Apesar das importantíssimas contribuições de Gluck e outros, o culto do colorido instrumental ainda estava para vir, com Berlioz, Liszt, Wagner, os russos. Mas há várias referências a instrumentos, por vezes com informação sobre funções que desempenhavam. Ficamos por exemplo cientes de que o cravo não só estava ainda em uso nos anos 20 do Oitocentos como continuava a ser o normal instrumento acompanhador. Aliás, cravista era a designação genericamente aplicada aos executantes de tecla. Mas, além das vantagens do piano já referidas, é salientada a sua melhor aptidão "para os variados matizes da expressão". Noutra alusão, o piano é dito "uma orquestra em pequeno". Por outro lado, não é só a cantores, :, mas também a instrumentistas que o autor se reporta, ao falar de "*cadências* e prelúdios *ad libitum* no fecho dos *concertos* e *solos*", cadências que "até se executam em *dueto*", parecendo, no entanto, apenas "próprias de peças de execução e alardo". Que é como quem diz, de virtuosidade. É de sublinhar o espaço dedicado a formas musicais. Um capítulo incide sobre "dueto, terceto, quarteto, etc.". Nele se lê que o terceto, vocal ou instrumental, "é conceituado a mais excelente espécie de composição e deve ser também a mais regular". Mais ainda do que este, o capítulo sobre a sonata, o concerto e a sinfonia trai um grande atraso em relação às últimas inovações ou elaborações dos clássicos de Viena. Por exemplo, ao esquematizar uma forma-padrão da sinfonia, Ferreira da Costa não dá ainda o *scherzo* como, pelo menos, alternativa do minuete. E leva depois a supor que o último andamento -- não só da sinfonia como também da sonata e do quarteto -- tinha de consistir num rondó com duas coplas.

Isto, publicado na terceira década do século XIX! Mesmo assim, é estimável, porque significativo para a história da musicografia didáctica portuguesa, que aquelas formas musicais tenham merecido a atenção do autor, dum ponto de vista analítico. Significativo também é o desinteresse de Ferreira da Costa pelas formas especificamente operistas. Dir-se-ia, até, que evita a palavra ópera. Na verdade, emprega-a muito pouco, substituindo-a às vezes por teatro. Lidas as cerca de 470 páginas dos dois tomos dos *_Princípios de música*, não resta a mínima dúvida de que Ferreira da Costa não era afecto à ópera, no que parece legítimo ver uma atitude do sector da intelectualidade portuguesa que, não apenas no que tangia à música, se considerava a si mesmo o mais esclarecido. Enquanto Ferreira da Costa aprontava o seu livro, representava-se em Lisboa, entre outras de diferentes autorias, qualquer coisa como uma dezena e meia de óperas de Rossini, incluindo *_La Cenerentola, O barbeiro de Sevilha, La gazza ladra, Otelo, Il turco in Italia, Tancredo* e *_Mosè in Egitto*. Quanto a produção indígena, contentemo-nos com assinalar pelo menos duas óperas de Marcos Portugal, que ainda era vivo: *_Demofoonte* e *_Mérope*. Ferreira da Costa passa no entanto em claro o então mais festejado compositor de ópera do mundo e o seu colega português de maior reputação. Não podem dizer-se compensatórias as inclusões de certos outros compositores, como Angelo Maria Benincori, gabado em termos de "compositor elegantíssimo, cheio de imaginação, gosto e ciência da arte, e interesse a todas as partes da harmonia". Note-se que, tirando o êxito póstumo da sua revisão e completação do *_Aladino*, de Isouard, o mesmo Benincori tinha fracassado na ópera. Os compositores mencionados por Ferreira da Costa a título elogiativo confirmam o seu anti-operismo. Ainda quando se trata de alguns de importância capital na crónica do teatro por música, não é como tal que são enaltecidos. O facto de essa hostilidade não ser manifestada explicitamente pode talvez explicar-se pelo receio de ofender a opinião melómana, a ponto de afectar seriamente a venda do livro. Em contrapartida, há informações importantes relativas à música de concerto. Por exemplo, a que toca a escola de Mannheim, nomeadamente através da referência aos Stamitz. Mas não estão suficientemente actualizadas. :, Para o provar, bastam os casos de Schubert, completamente omisso, e sobretudo o de Beethoven, que em 1824 já tinha criado quase todas as suas obras capitais, incluindo a *9.a Sinfonia*, cuja estreia se deu nesse mesmo ano. É claro que não podia exigir-se de Ferreira da Costa o seu conhecimento; e ainda menos o de partituras não terminadas, como os quartetos de corda op. 131, 132, 133 (*_Grande fuga*) e 135. Mas isto não é razão para que o autor da *_Sonata apassionata* e da *_Sinfonia pastoral* tenha sido tratado como vamos ver. A respeito da sonata então moderna: "E que diremos de *_Steibelt*, de *_Beethoven, Kozeluch, Clemente* [sic], *_Cramer, Pleyel, Bomtempo* e tantos outros, cujas composições e execuções, portentosas e admiráveis por diversos estilos e qualidades, enchem hoje de encantos as sociedades filarmónicas? Acaso têm eles já concluído a sua brilhante carreira? Vendo-os caminhar pela árdua vereda da glória para o templo das Musas, só nos cabe apreciar seus méritos relevantes; que julgálos compete à posteridade. Direi contudo que a sonata, nas mãos destes criadores, tem recebido em si por várias formas os mais belos períodos da eloquência, as descrições e transportes da poesia, a viveza e coloridos da pintura e a acção animada do teatro." Aqui, o que mais choca hoje é ver Beethoven metido num saco com um Daniel Steibelt -- que fora uma espécie de compositor da moda -- um Leopold Kozeluch, um Johann Baptist Cramer, um Ignaz Pleyel. A outra menção reporta-se à sinfonia e, por tabela, à música de câmara. Reza assim: "*_Beethowen* [sic] mostra-se grande músico na sinfonia, como no quarteto e na

sonata: mas falta-lhe às vezes a naturalidade e o sólido saber que exalta os verdadeiros modelos." E pronto. O autor passa logo, no mesmo parágrafo, a Méhul, André (provavelmente Johann Anton, n. 1775, o mesmo que adquirira o espólio de Mozart) -- de quem diz que "maneja na grande orquestra efeitos prodigiosos e harmonia canora mui rica e sábia" -- e outra vez Pleyel, para terminar com outra interrogação: "Mas podemos nós avaliar o quilate de merecimento de tantos engenhos que dedicam hoje à sinfonia seus trabalhos e invenções?" Ao longo do livro, Ferreira da Costa ignora quase totalmente os compositores e intérpretes musicais seus compatriotas. A referência a Bomtempo, acima transcrita, é excepcional. O seu nome nem sequer é dado com os João e Domingos que mais precisamente o identificariam. Contudo, Bomtempo já entretanto conquistara e firmara fama em Paris e em Londres, como compositor e pianista. Parcimónia tanto mais de estranhar, quanto é certo que as inclinações musicais de Ferreira da Costa não parecem divergir essencialmente das de Bomtempo. Teria havido política de permeio? Recearia o musicógrafo arranhar susceptibilidades miguelistas? Do que não cabe duvidar é de que a máxima admiração de Ferreira da Costa vai para Haydn e Mozart; com o que não pode dizer-se que fique mal colocado. São aduzidos vários casos exemplares dos dois mestres, logo desde o princípio do livro. Até que perto do fim, a respeito das grandes formas instrumentais, se lhes atribui a maior contribuição para que o Setecentos tivesse ganho jus ao "título de século das luzes no império das Musas e de Apolo". Porque "do seu saber e força de invenção alcançou a :, harmonia e a arte das transições progressos espantosos e efeitos até então desconhecidos". Em relação à sonata, lêem-se considerações bastante judiciosas: "*_Mozart*, igual a *_Haydn* na composição, porém mais hábil pianista, mostra quanto importa esta qualidade para achar debaixo dos dedos o que se oculta sem o seu socorro. As sonatas de *_Mozart* produzem maior efeito no piano do que as de *_Haydn*; porque têm mais graus de força relativamente ao jogo do instrumento. Para ser perfeitíssimo na música de piano, cumpria juntar ao sabor e engenho de *_Haydn* e *_Mozart* a habilidade dos grandes pianistas modernos. Então teríamos na sonata a união do novo e admirável com o sólido e brilhante." Mais adiante, Ferreira da Costa acaba por fazer discreta alusão ao teatro, cuja falta, pelo menos em relação a Wolfgang Amadeus, tocaria as raias do escandaloso. Parte da sinfonia, dizendo que "chegou ao máximo da perfeição" no fim do século XVIII. Isto, "pelas últimas 12 sinfonias de *_Haydn*, que reúnem toda a frescura da primavera aos ardores do verão e à madureza do outono. *_Haydn* é o engenho que melhor concebeu o tipo da sinfonia; e vê-se com admiração que tanto mais ele se adiantava em anos mais verniz de mocidade reluz nas suas obras. A sinfonia de *_Mozart*, igualmente férvida e vigorosa, posto que às vezes menos castigada, ocupa o lugar imediato à testa deste género de composição. A orquestra é um instrumento complicado, que estes dois mestres tocam perfeitamente, movendo-o com as notas de música pintadas no papel. Recheado o entendimento de espécies e efeitos sonoros, sem consultarem o ouvido (que contudo lhes forneceu os elementos da arte), ordenam sobre a banca e com a pena na mão prodígios de harmonia; e daí expedem acabadas as grandes composições para inumerável instrumental, que hão-de encher o auditório de prazer e admiração no Templo e no Teatro. Eis aqui pois a verdadeira ciência da música." O conceito de evolução histórica da música como uma sucessão de progressos não só na extensão dos meios e das incidências mas também nos valores estéticos, aferidos por uma escala absoluta, deveria levar Ferreira da Costa a considerar o seu próprio tempo o de supremo nível. Parece, no entanto, haver-se-lhe sobreposto a tendência geral, manifestada possivelmente em todas as gerações desde há milénios, para colocar as realizações dum recente passado acima das do presente, acusando estas de decadência ou degeneração. Para o que decerto contribuiu a falta de conhecimento

directo, vivencial, das mais representativas manifestações da modernidade musical de então. Tudo somado, com o seu amadorismo teorizante, a sua autodidaxia livresca, a sua falta de informação e vivência musical *up to date*, o seu alheamento da história da cultura portuguesa e do que esta então concretamente era, os *_Princípios de música* apresentam-se-nos afectados de sinal positivo. Isto em grande medida, e por paradoxal que pareça, em virtude dessa mesma realidade concreta nacional que, nos domínios da arte dos sons, enfermava de um nível mental médio muito abaixo daquele que o livro reflecte. As mais das linhas-mestras do pensamento de Ferreira da Costa -- um cientismo de base experimental não primariamente mecanicista, um desígnio de conciliar a razão com o prazer do ouvido e com os afectos :, traduzíveis por música; a propugnação do melódico acórdico em detrimento do construtivo contrapontístico, do instrumental na esteira do classicismo vienense contra o vocal operista infectado de superficialidade; e até um incitamento, posto que tímido, à exploração das virtualidades cromáticas da harmonia -- apontavam no sentido do momento histórico europeu, ou seja do romantismo, cujas mais representativas, brilhantes e inovadoras manifestações iam dar-se nas décadas subsequentes. É evidente que não podemos exigir de Ferreira da Costa uma beethoveniana antevisão de que a expressividade subjectiva teria que vir a ser superada por um novo construtivismo objectivante. Ante o desconhecimento das teorias da música que então reinava em Portugal, Ferreira da Costa propôs-se escrever obra "capaz de dirigir os estudos da mocidade e as aplicações de tantos curiosos que desejam penetrar os mistérios da harmonia e contraponto". O capítulo seguinte focará condições histórico-sociais, iniciativas individuais ou colectivas, oficiais ou particulares, êxitos e fracassos que algumas vezes vieram a saldar-se a favor daquelas solicitações da "mocidade" e dos "curiosos" de 1820, mas que não puderam elevar tanto o nível da cultura musical portuguesa quanto o bacharel Rodrigo Ferreira da Costa decerto desejou. CAPÍTULO VII ANTECEDENTES DA ÉPOCA ACTUAL Aspectos sociais e económicos A dominação da nossa cultura musical pela de um país estrangeiro, *_Leitmotiv* do último capítulo, apresentou-nos um panorama português muito diferente do actual. Hoje é impossível apontar o equivalente do italianismo de então, porque, na verdade, ele não existe. As maiores demonstrações de apreço distribuem-se agora, pode dizer-se que igualmente, por obras e intérpretes representativos da música alemã, da francesa, da espanhola, da italiana. A portuguesa, essa continua a receber tratamento de favor, e é até de algum modo menos cotada do que nos tempos de Sousa Carvalho, Marcos Portugal e Leal Moreira. Essa diferença entre passado e presente só pode compreender-se tendo em atenção toda uma transformação social e económica, muito mais intensa e profunda noutros países, mas que se operou também no nosso, com o habitual atraso. Uma transformação que, a pouco e pouco, foi opondo solicitações colectivas à opinião e vontade dos senhores absolutos -- opinião e vontade individuais que se impunham a grupos sociais delas dependentes (236). No campo das artes tais solicitações colectivas só podiam ganhar expressão na medida em que uma quantidade considerável de indivíduos se libertasse do poder senhorial e dispusesse de meios de sobrevivência. E não só isto: também na medida em que pudesse elevar-se intelectualmente, em consequência do seu levantamento

económico-social. Estas condições realizaram-se por um longo processo histórico, foram uma das causas da Revolução Francesa e, depois, uma das suas consequências. Nesse movimento histórico se integra o racionalismo de Setecentos, de que a reforma de Gluck é um reflexo musical. Portanto, uma das censuras feitas ao italianismo então mais apreciado radicou-se numa substrutura social, económica e cultural de que recebeu o seu suco vivificante. Vimos como Gluck frequentou círculos intelectuais a que pertenciam individualidades portuguesas, como António da Costa ou o notável D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões, a quem é dedicada a ópera *_Paride ed Elena* ( 1770) (237). Gluck inicia assim a extensa alocução: "Alteza! No dedicar a Vossa Alteza este novo trabalho, dirijo-me menos a um protector do que a um juiz. Um :, _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 16 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _décimo _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _bran-

co, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo __vi (cont.) _teoria musical (cont.) Foi em 1849 que apareceram impressos os *_Princípios elementares da música, destinados para as lições da aula da cadeira de música da Universidade de Coimbra*, de António Florêncio Sarmento que, entre outras distinções, averbava a de ser professor da mesma cadeira, desde cerca de dez anos antes. Talvez para desde logo se mostrar bem estribado e actualizado, o autor consagra a página à esquerda da da dedicatória a uma transcrição, em francês, de Fétis, cuja importante *_Biographie universelle des musiciens et bibliographie générale de la musique* acabara de se publicar cinco anos antes. Essa transcrição adverte que cada arte tem os seus princípios e que é preciso estudá-los para que o prazer do ouvinte se torne maior, ao mesmo tempo que o seu gosto se for formando. E que a música tem princípios mais complicados do que a pintura, pelo que é, simultaneamente, uma arte e uma ciência. Dir-se-ia um aviso ao leitor-estudante de que ia topar, nas páginas subsequentes do livro, com osso, dos mais difíceis de roer, só vulneráveis a dentes tão penetrantes de matéria quer artística quer científica como os de um d'_Alembert, ou pouco menos. Mas não. O que segue é ainda muito mais elementar e mais simplificado do que o recheio do *_Método* de José Maurício. _é pena que Sarmento não explique quais eram as "circunstâncias especiais" que acompanhavam os alunos da aula de música, exigindo que o estudo se lhes facilitasse "por um método claro e conciso". Maneira delicada de dar a entender o analfabetismo musical da maior parte dos estudantes? De qualquer modo, o autor -- que parece agradado com a precisão do metrónomo de Mälzel, "máquina com que hoje se regulam os andamentos com toda a exactidão" -- podia ter conciliado a elementaridade da matéria com o rigor do seu ensino. Poucos exemplos bastam a demonstrar que não o conseguiu, apesar da advertência de Fétis. "Escala *enharmónica* é aquela em que duas *notas* parecem ser um intervalo, mas na realidade e praticamente são o mesmo *som*; e se alguma diferença há, esta é tão pouco sensível que só se pode achar em um instrumento cujos *sons* não sejam fixos." Os alunos não devem ter ficado mais elucidados acerca de certos "termos que se ajuntam ao *movimento*": "*_Cantabile*, com gosto, com graça. *_Tempo di

minuetto*, tempo de dança. *_Tempo di polka*, movimento animado. *_Tempo di bolero*, movimento de bolero. *_Con moto*, com calor"! Que terá pensado Fétis de semelhante "ciência", se acaso :, teve conhecimento dela? Saiu anos depois em Portugal uma versão dum seu dicionário de termos musicais. Vejamos, para comparação, o que aí se diz sobre *cantabile* e *bolero*: "*_Cantabile* -Adjectivo Italiano que se emprega substantivamente e designa em geral toda a melodia própria para ser facilmente executada pela voz humana. O que sobretudo o caracteriza é um canto claro, simples, que está em oposição com o canto irregular, duro e pouco natural. O seu Andamento é vagaroso." -- "*_Bolero* -- Ária Espanhola que serve ao mesmo tempo para cantar e dançar. As mais das vezes, esta ária é um tom menor e o seu ritmo em compasso ternário. Acompanha-se com violão. Em Espanha, há uma multidão de *_Boleros*" (*_Dicionário das palavras que habitualmente se adoptam em música*. Escrito em francês por F. J. Fétis, traduzido e acrescentado por José Ernesto d'_Almeida, Porto 1858). Como José Maurício, António Sarmento considera preferível o solfejo por transposição. Mas as regras das cantorias são reduzidas ao mínimo dos mínimos. Quanto aos modos, por igual se mantêm o simplismo e a imprecisão: "*_Modo* é a maneira por que se estabelecem os *tons*. São *maiores* ou *menores. Modo maior* é quando da *tónica* ou 1.a à 3.a há o *intervalo* de dois *tons*, e da *tónica* à 6.a o *intervalo* de quatro *tons* e um *semitom. Modo menor* é quando da *tónica* ou 1.a à 3.a há o *intervalo* de um *tom* e de um *semitom*." A este respeito, os alunos pouquíssimo mais ficavam a saber. É verdade que toda a música europeia tinha evoluído para a bipolarização. Mesmo na esfera da Igreja, os aprendizes da arte dos sons já não tinham de aprender as muito mais complexas teoria e prática dos modos que, até o século XVII, todo o verdadeiro músico tinha de dominar, além de muitas outras coisas. Mas também neste capítulo se exigia demasiado pouco dos alunos da Universidade de Coimbra. Poderá objectar-se que os *_Princípios elementares* eram tão-só um compêndio-base, sobre o qual o mestre ministrava um ensino oral de nível superior. Não é porém isso o que indica a informação de que eles serviam "para a melhor inteligência da sua teoria, reservando para a aula alguns exercícios e perguntas, que verbalmente farei em todas as lições". Assim não parece que a total falta, no texto, de considerações de ordem estética e histórica, tendentes a elevar a mentalidade dos alunos e a formar-lhes o gosto (de que encontrámos estimáveis exemplos em José Maurício) fosse de algum modo preenchida por aquilo que o professor dizia na aula. _é certo que a disciplina universitária não constituía o único meio de aprender música em Portugal. Longe disso, felizmente. Admite-se até que uma parte considerável dos estudantes não pretendesse vir a exercer profissão de músico, limitando-se a procurar um complemento artístico para a sua formação universitária de fundo. A Igreja continuava a propiciar muito ensino de música espalhado pelo país, ainda que sem o brilho dos grandes focos de outros tempos. Mas o acontecimento histórico recente, nos domínios da pedagogia musical, fora a fundação do Conservatório, da qual nos ocuparemos no capítulo seguinte. No que respeita ainda ao ensino de música na universidade, parece lícito concluir que, com António Florêncio Sarmento, estava mais de meio caminho andado para o seu total apagamento. Como, de facto, veio a suceder. :, Falta dizer mais alguma coisa sobre dois dos autores mencionados: Fr. Domingos de S. José, mais conhecido por Varela, e Rodrigo Ferreira da Costa. Já se deu a entender que o compêndio de Varela tem um título mais longo do que o indicado. Na verdade, ele fala duma "breve instrução para tirar música", de "lições de acompanhamentos em órgão, cravo, guitarra ou qualquer outro instrumento em que se pode obter regular harmonia"; de "medidas para regular os braços das violas, guitarra, etc. e para a canaria do órgão"; dos "melhores métodos de afinar o órgão, cravo, etc."; do "modo de tirar os sons harmónicos ou flautados" e de "várias e

novas experiências interessantes ao *_Contraponto, Composição* e à *_Física*". Tudo isto, na edição de 1806, à qual, vinte anos depois o autor juntou um suplemento sobre nomenclatura e o modo de construir instrumentos curiosos: "Nova harmónica tocada com arco de rabeca, harmónicas de metal ou pau tocadas com arco de rabeca, harmónicas de campainhas de vidro, ou de metal com arcos de rabeca movidos por teclado." O conteúdo do *_Compêndio* oferece bastantes motivos de interesse Por exemplo, em matéria de dedilhação de instrumentos de tecla, ele reflecte, ao mesmo tempo, o atraso do ensino e o não conservantismo do autor: "Alguns Mestres proíbem tocar *_Tecla* acidental com o dedo polegar, exceptuando em 8.as; proíbem executar com o dedo mínimo por ter pouca força; ora o dedo anelar é de sua natureza o mais estúpido e, por consequência, de cinco dedos só restam dois ou três para executar a *_Música*, se seguirmos semelhantes Mestres." Varela não hesita em recomendar a infracção de tais regras, que hoje fazem rir qualquer principiante. "Do bom jogo dos dedos nasce toda a facilidade que se pode obter, ainda na mais dificultosa execução; portanto em qualquer passo dificultoso se deve estudar, combinando muitas vezes os dedos até que se ache uma combinação mais fácil, ainda que vá o dedo polegar à *_Tecla* acidental e se cometam erros na opinião dos Mestres vulgares." O capítulo do acompanhamento, centrado, como seria de esperar, no baixo cifrado, é muito resumido. Depreende-se que era matéria de aprender muito mais pela prática do que por preceitos teóricos. Aliás, é o manter-se junto da prática que torna Fr. Domingos de S. José um caso de singular interesse na musicografia pedagógica portuguesa. Isto, mormente no que respeita a concepção, construção e afinação de instrumentos que ele mesmo sabia executar. E pena desconhecermos hoje o piano que ele disse ter inventado. Como construtor de órgãos, os seus mais importantes trabalhos entre muitos, destinaram-se aos mosteiros de S. Bento, no Porto, e dos Paulistas, em Lisboa. Varela abriu-se às novidades de teor musical que, desde as últimas décadas do século anterior, vinham do estrangeiro, especialmente de França. Para epígrafe do *_Compêndio* escolheu um passo dos *_éléments de musique théorique et practique, suivant des principes de M. Rameau*, de D'_Alembert (1752). No texto do livro há citações da *_Encyclopédie méthodique*, que a livraria Panckoucke lançara a partir de 1781. :, Quanto a Ferreira da Costa, bacharel em leis e matemática que foi deputado às Cortes Constituintes e professor de matemática da Academia Real da Marinha, era pessoa de elevada mentalidade, senhor de uma cultura vasta e de um género raro em musicógrafos portugueses. Os seus mencionados *_Princípios de música ou exposição metódica das doutrinas da sua composição e execução* foram publicados, o primeiro tomo em 1820 e o segundo em 1824, pela Academia Real das Ciências, da qual era sócio. Conhecidos os parâmetros socioculturais de Ferreira da Costa, e depois do que vimos em obras anteriores, também de autoria portuguesa e editadas em Portugal, não admira que os *_Princípios* se apoiem em conhecimentos, interpretações e teorias então modernas, recebidas mormente da França, mesmo quando não se trate de autores franceses. Logo na primeira página do prólogo, aparecem os nomes de Euler, d'_Alembert, Rousseau, Iriarte, sem discriminar por enquanto "muitos outros engenhos vastos e profundos cujas obras preciosas recreiam o mundo erudito". Também era de esperar que Ferreira da Costa tenha considerado "os escritos do Solano incompreensíveis até aos Professores por indigestos, confusos e enunciados na linguagem da rançosa solfa das mutanças; e os mais, que há em português,

expressos na mesma linguagem; ou incompleto; ou sem método, razões, nem dedução". É evidente que se encontram aqui implicitamente compreendidos os trabalhos de José Maurício e de Varela. A maior admiração de Ferreira da Costa vai parar para os enciclopedistas, com relevo para vários celebradores da já referida *_Encyclopédie méthodique*. Esta adesão tem a ver com a tomada de posição contra o princípio do baixo fundamental de Rameau, um dos autores mais vezes mencionados mas quase sempre para o dizer em erro. No princípio do segundo tomo, o autor alegra-se por ter finalmente aparecido "o complemento da Parte da *_Música* da Enciclopédia metódica", parte que adverte não ser "tratado elementar". Nem por isso deixará o "músico de espírito filosófico" de achar "princípios fecundíssimos, e intuitos originais, que possam ampliar o seu saber, aguçar o engenho e dirigir os voos da atrevida fantasia". Pouco adiante: "E ousamos prever que a Enciclopédia será o tesouro dos estudiosos da Ciência harmónica e fixará os destinos da Arte para os séculos vindouros." Aqui a escolha do século como unidade de tempo foi demasiado imprudente para um homem de ciência. Escusado seria dizer que Ferreira da Costa quer científico um dos seus dois principais ângulos de visão. "Como Ciência", a música "supõe cadeia de princípios e preceitos travados entre si, e todos conducentes para um fim". Mas há também o outro angulo. "Estudar Música é analisar os sons, e o coração." Se Ferreira da Costa vivesse hoje, haviam de fasciná-lo as primeiras revelações da psicofísica da música que estamos tendo, sem falar do que poderia ser para ele a nova luz há mais tempo lançada pela psicanálise no "coração" de compositores, intérpretes e simples melómanos. O livro propriamente dito começa assim: "Os primeiros princípios das Ciências físicas, estes factos capitais, donde extraímos pelo raciocínio a cadeia das verdades que constituem o corpo das mesmas Ciências, mais ou menos amplo segundo os progressos que alcançam de acasos e esforços do :, entendimento, são ministrados pela experiência e demonstrados pelo testemunho dos sentidos." No parágrafo seguinte: "recorrer aos sentidos, a fim de lançar os fundamentos da Ciência em experiências radicais, é processo inicial, de que não podia eximir-se *a Música*, cuja prática entende imediatamente com a sensibilidade física por meio do ouvido." O autor desengana os que porventura estivessem na expectativa de um "tratado apodíctico", como se fosse obra sobre geometria, com as suas conclusões todas derivadas de "axiomas, definições e hipóteses"; mas também aqueles que não quisessem mais que uma "colecção de regras soltas e sem ordem, qual se encontra nos rudimentos que temos desta Arte". O que ele promete é "um tratado resumido nos princípios e metódico na dedução". E esclarece: "Embora consultemos várias vezes as decisões do ouvido e tomemos resultados da experiência por base de raciocínios, ver-se-á contudo que, nos ramos da ciência menos sujeitos aos domínios do gosto do que aos da razão, me esmerei em sustentar o método geométrico, quanto era possível: 1.o tirando da observação os princípios que me pareceram indispensáveis para arreigar as teorias; 2.o chamando de outras Ciências os que julguei necessários para demonstração e esclarecimentos; 3.o deduzindo ordenadamente de uns e outros as consequências e doutrinas que produzo." Ferreira da Costa conta entre os "princípios de experiência" os "limites dos andamentos, a infinidade dos sons, o estabelecimento do semítono por unidades de intervalos afinados, o prazer da série diatónica, a quase identidade das oitavas, a composição do som, a série dos harmónicos, etc.". Os "princípios estranhos" vai colhê-los na geometria, álgebra e acústica, introduzindo-os "em lemas sem demonstração, pois se acham nos Elementos destas Ciências". Assim tem por firmados os "preceitos invariáveis da arte". Reconhece que "ficam menos sólidas as leis do gosto", que na música "tem grande império". Mas está em que esses preceitos não

deixarão de se achar "acompanhados de razões suficientes para autorizarem a sua prática". Como não podia deixar de ser, muitos dos dados objectivos em que Ferreira da Costa se apoia estão errados, à luz de conhecimentos actuais. Por exemplo, em relação ao campo de audibilidade humana, em função da frequência vibratória: "Procurando os Geómetras fixar os *limites dos sons*, acharam que o mais grave apreciável faz por segundo 30 vibrações, e o mais agudo 7552." Hoje, em resultado de medições muito mais precisas, o espaço da audibilidade humana, no que respeita à dimensão altura, é colocado pelos cientistas entre, números redondos, 20 e 16.000 hz (235). Erro de outra ordem e em que, por sinal, continuam a incorrer pessoas de considerável formação matemática, é o que Ferreira da Costa comete quando, referindo-se a razões de números pequenos (1/2, 2/3, 3/4 etc., ainda em relação a frequências) depois de afirmar acertadamente que "as conclusões deduzidas da razão geométrica destes números não podem ter lugar no sistema do *temperamento* [igual] pelo qual afinamos os instrumentos", porque nele os números das oscilações dos sons da escala diatónica e da cromática "deixam de ter com a tónica as razões precedentes", acentua que as razões temperadas "até são irracionais". Como bacharel em matemática, Ferreira da Costa devia ter-se dado conta da incorrecção desta maneira de :, dizer. A menos que não soubesse que, em qualquer vizinhança de qualquer som de frequência definida por um número racional, há infinitos sons de frequências irracionais, cuja altura o ouvido humano é incapaz de distinguir da do primeiro. Em rigor, nem os mais precisos meios de medição actual permitem afirmar que a frequência de qualquer som concreto está em razão racional ou irracional com a de outro. O mais que pode afirmar-se é a proximidade de determinada razão, abaixo do limiar diferencial das alturas. Note-se que Ferreira da Costa se mostra consciente da condicionante influência do aparelho auditivo e do sistema nervoso central. "Como, mudada a fábrica dos sentidos, se alteram as relações dos objectos connosco e transtorna o efeito da sua impressão, segue-se que as sensações não podem ser avaliadas por princípio algum abstracto, e independente da prova dos sentidos; e que as relações dos objectos connosco hão-de ser determinadas por experiências sensuais." Consequentemente, aqueles que recorrem só "às qualidades físicas dos corpos sonoros para dar razão dos prazeres da *_Música*" são acusados de se esquecerem "de que os órgãos dos sentidos são os primeiros agentes das afeições da alma e, recebendo as impressões dos objectos externos, lhes conferem a tintura e qualidades com que estas se transmitem à câmara do cérebro, onde o espírito exercita raciocínios e sentimentos". Neste ponto, o leitor é remetido para outra obra do autor, intitulada *_Teoria das faculdades e operações intelectuais e morais*. Sem poder chegar ainda ao grau de generalização das concepções do nosso tempo, mantendo-se fiel às do seu, muito centradas no momento histórico-musical europeu, Ferreira da Costa vai, porém, mais longe, a título conjectural exemplificativo: "Com outra organização auricular, talvez os sons do sistema humano não devessem distar de *semítono*; os pontos que, no *monocordo*, marcam sons afinados devessem ficar mais ou menos largos; as oitavas não fizessem impressões quase idênticas; a série de sons gratos não fosse periódica; ou os períodos constassem de mais ou menos de 7 sons, com intervalos maiores ou menores do que o semítono, e espalhados nesta ou naquela sequência. Assim, a escala actual e os modelos gerais do canto e da harmonia foram estabelecidos experimentalmente pela organização auricular da espécie humana; e o juízo do *_Ouvido* é supremo sobre a impressão dos sons." Tudo isto tem de se entender através de um prisma imensamente marcado do século da razão, que foi também o de Rousseau. Sob a epígrafe *_Do caminho para a invenção em música*: "ainda que o Ouvido determine o que é ou não conforme com a nossa organização, fica contudo a Música sujeita ao império da razão: 1.o porque a esta é

submisso o bom método de estudos, e o nexo de noções teóricas e abstractas; 2.o por ser o verdadeiro guia que pode conduzir-nos no exame das combinações possíveis de sons, a que em harmonia damos extensa consideração. Tal é a base do tratado filosófico de Música que apresentamos." Tratado *filosófico*, repare-se bem. Que filosofia se propôs o autor representar? Não a define explicitamente, mas há pelo menos um passo em que mostra não ser ateu o seu racionalismo escorado na ciência experimental. É onde se lê o seguinte: "*_Rousseau* requer neste [ou seja, no compositor completo], além da perícia e jogo das regras da :, Harmonia, ouvido fino e culto, engenho fecundo e ardente, gosto puro e delicado e inspiração divina. De todas estas qualidades, umas adquirem-se da Arte e do Mestre, outras do hábito e frequência dos bons concertos e orquestras; porém outras só o Criador e a Natureza podem dá-las." Não será aventurar muito dizer que os conceitos de Criador e de Natureza que aqui entram devem ter andado muito perto das ideias maçónicas a que aderiram tantos músicos de todos os pontos da Europa, nos séculos XVIII e XIX. O racionalismo de Ferreira da Costa foi ao ponto de se bater por certos aspectos da elevação mental do músico dos quais muitas vezes se tem dito que só foram propugnados, em Portugal, já em pleno Novecentos. É o caso da sua insistência numa análise metódica das composições musicais, baseada não só na morfologia tonal harmónica (escalas e seus graus, acordes e sua arrumação) mas também em articulações do discurso musical (verso, frase, período, peça). Em seu entender, "a autoridade e decisão dos ouvidos cultos" é "alcançada pela análise das Obras dos grandes Compositores". E esclarece que essa análise "tem florescido especialmente do meado do século XVIII por diante". Noutro passo do livro, ao escrever o que parece ter pensado em termos da química, acentua que "as obras puras dos Mestres da Arte oferecem a composição ordenada dos seus símplices elementos: e é preciso saber analisá-los. Os tratados elementares da Ciência expõem os princípios na sua nudez; e cumpre saber combiná-los, para se obterem os produtos regulares na perfeição do estado composto." Naquilo a que Ferreira da Costa chama a "lógica dos sons" entra uma noção de *motivo* que, embora não seja idêntica à de futuros analistas musicais, merece atenção: "Combina-se pois multidão de *motivos* com a unidade da peça por meio do fio lógico, que ata as diversas ideias. E posto que hajam indícios externos, pelos quais cheguemos a reconhecer este laço, contudo as mais das vezes é metafísico, e só o espírito e o sentimento podem percebê-lo. Se o Compositor não possui a Lógica dos sons, mal poderá encadear as suas ideias." Pensar que cem anos depois ainda foi necessário lutar em Portugal contra a concepção de um compor música todo feito de inspiração de momento! O seguimento do mesmo parágrafo continua a revestir interesse, até pelo que demonstra de atraso em relação ao que havia muito tempo já tinha sido praticado por grandes compositores, nomeadamente os que Ferreira da Costa mais admirava (Haydn, Mozart): "Cada frase de uma peça deve ser deduzida estreitamente das que lhe precedem; e jamais motivo novo, posto que muitas possam vir a sê-lo, passando da classe de ideias acessórias à de principais. Por maior interesse que o Compositor dê aos períodos diferentes do inicial, há este de ocupá-lo sempre como primário; e se os Ouvintes lhe negam a maior consideração, é culpa dele." A "modernidade" de Ferreira da Costa reflecte uma emancipação social do músico que, escusado seria dizê-lo, se verificou incomparavelmente mais em países do centro da Europa, e em Inglaterra, do que em Portugal. Aspecto bem representativo do fenómeno é o da elevação do nível cultural do músico, muito por via livresca. Ao longo do século XIX assistir-se-á a uma como que consolidação prestigiosa do conceito de *cultura geral*, feita de conhecimentos -- mais em superfície do que em profundidade - que :, noutros tempos os senhores tinham por desnecessários aos seus músicos-criados. Note-se, porém, que o devir histórico, também neste aspecto, tem contradições. Em termos genéricos, pode talvez dizer-se que o que o músico ganhou

de cultura geral, naquele período de transição histórica, foi perdendo na banda dos conhecimentos e aptidões especializados. Vejamos o comentário de Ferreira da Costa ao que o velho Zarlino exigira do músico perfeito: "posto não sejam indispensáveis ao *_Compositor de Música* tantos conhecimentos, contudo será mais completo o que reunir a tintura de todos eles; ajuntando com *Guinguené*, que deverá ainda ter luzes de todos os instrumentos, a fim de evitar escrever para algum deles passos de execução impossível." Foi precisamente isto o que veio a acontecer a ninguém menos do que Robert Schumann. Estribando-se embora tanto em autores publicados no estrangeiro, Ferreira da Costa diligenciou por imprimir no texto a marca da sua própria personalidade. A formação de matemático reflecte-se em lemas, teoremas, problemas. Formação de músico propriamente dito é que parece não ter tido, a julgar pelo que adverte no prólogo: "eis aqui o fruto de assíduas meditações empreendidas e continuadas por impulsos da alma sem sementes de escola ou mestre algum, nem auxílios alheios." Dá a entender que depreendeu independentemente conclusões importantes. "Chegando-me à mão o complemento da parte da Música da Enciclopédia Metódica (aparecido em Lisboa em Fevereiro de 1819) muito depois de ter escrito e entregue este 1.Q Tomo, acho nele com bastante satisfação opiniões de *_Mr. de Momigny* mui conformes com as que sigo." Não hesita em manifestar-se discordante, não só de Rameau, como vimos, senão que também, em questões pontuais, de um Rousseau e um d'_Alembert ou de investigadores e mestres ainda vivos, designadamente o ilustre Jérôme-_Joseph de Momigny (1762-1842), considerado o fundador da teoria do fraseado musical, e Charles-_Simon Catel (1773-1830), que tinha nos seus pergaminhos as qualidades de professor e inspector do Conservatório de Paris e de membro do Instituto. Como seria de esperar, adere ao metrónomo de Mälzel. Mas com um sentido crítico que lhe estimula a veia de inventor. Depois de dar notícia de que os primeiros aparelhos apareceram em Lisboa em Agosto de 1818 -- parece que juntamente com "algumas músicas francesas com os andamentos indicados pelos *sinais metronómicos*" faz considerações curiosas, cuja pertinência não viria a ser plenamente comprovada pela prática da execução musical. Por meio do "metronómio" ou "cronómetro", diz-nos o autor, veremos agora, finalmente, "os Compositores e Executores de Música seguirem os mesmos rumos e derrotas, como segue o Piloto a da sua viagem perdendo a terra de vista, depois que o inventor da agulha lha deu para o conduzir pelo meio das ondas entre os Ceos e o Mar. Só desejaríamos que o metronómio, por um registo, se torne sonoro ou surdo". E isto para quê? A explicação não pode deixar de hoje causar um certo espanto: "para que, surdo, sirva de governo ao Corifeu no concerto de sala, sem perturbar os mais Executores, que devem regular-se sempre por este." O registo sonoro deveria servir só :, "nas escolas de Música e estudos particulares para dirigir pelo ouvido os exercícios do Discípulo, mormente na ausência do Mestre". Passemos por cima da descrição do pêndulo concebido pelo académico português, com a vantagem, segundo ele, não só da surdez (ou, mais exactamente, mudez) mas também de uma isocronia mais igual que a do mecanismo de Mälzel. O interessante é observar que a utilidade de qualquer metrónomo tinha que verificar-se no plano do estudo, mas não no da execução em público. Neste capítulo, toda a tendência do momento histórico pouco antes do auge do fervor romântico, era para a flutuação de andamento e de ritmo, o mais possível ao sabor do sentimento, da fantasia, do impulso quase improvisador. Numa palavra, para o *não* metronómico. Ferreira da Costa dá como suas outras ideias, estas ditadas por um propósito de racional simplificação. A primeira é a de reduzir todas as claves a uma só. Esta seria basilarmente escrita assim: significando que a terceira linha corresponde ao dó central. O problema das

diferenças de tessitura seria resolvido pelo acrescento de pares de pontos à direita e à esquerda, significando saltos de outras tantas oitavas, para cima ou para baixo, respectivamente. Se por exemplo conviesse um salto para duas oitavas acima, escrever-se-ia enquanto que indicaria uma descida de duas oitavas. Não custa admitir que esta radical simplificação poderia ter feito brilhante carreira internacional se, entre os músicos práticos de todos os países, não tivesse continuado tão poderosa a força do hábito, ou da rotina. :, Músico prático, eis o que Ferreira da Costa não era com certeza. Outra ideia que defende prova-o bem. Nada menos do que reduzir todos os compassos ao binário! E como? Vejamos, por exemplo, como se reduziria o ternário. "Por dois modos", explica o autor. O primeiro consistiria em "repartir cada compasso ternário em três binários, com a competente mudança das figuras"; isto, no caso de andamento vagaroso. Se, porém, este fosse rápido, haveria que "reunir cada dois ternários em um só de 6/8", com ou sem mudança de figuras. Qualquer executante musical, de hoje como de então, reage imediatamente a este esquema, pelo que ele denuncia de desconhecimento da interrelação prática de compasso e ritmo. Outro contexto em que Ferreira da Costa se inculca original é o da ainda hoje controversa explicação "científica" dos privilégios do acorde perfeito maior e, sobretudo, do menor. Temos no entanto que concluir que a argumentação dificilmente poderia ser menos científica: "Supondo nulos na ressonância o *incomensurável 7* (onde é já sensível a divergência entre as linhas da filiação harmónica, e do temperamento) e todos os harmónicos mais agudos e pianos do que ele, e simplificados os intervalos compostos, teremos uma colecção de três únicos sons distintos, que são 1.a, 3.a e 5.a. Com pequena alteração na 3.a para cima, e na 5.a para baixo, torna-se esta em acorde de 1.a, 3.a maior e 5.a exacta. E com a mesma alteração na 5.a, e outra um pouco maior na 3.a para baixo, torna-se em acorde de 1.a, 3.a menor e 5.a exacta." Se malabarismos destes fossem correctos, facílimo se tornaria prestigiar cientificamente qualquer acorde. Ferreira da Costa ainda tem um certo escrúpulo ao observar que a sua fundamentação do acorde perfeito menor envolve um processo menos "explícito" e também menos "aproximado" que o apontado para o acorde maior. No entanto, poucas páginas adiante, logo depois de acusar Rameau de delírio, ousa afirmar que "ninguém até agora extraiu" do fenómeno da ressonância do corpo sonoro "os acordes principais do tom maior ou menor com tanta simplicidade como nós". Noutros passos do livro, o sentido crítico do autor exerce-se de modo a prestar-nos informações interessantes sobre certas práticas musicais do seu tempo. Ficamos, por exemplo, a saber que a marcação do compasso se fazia de maneiras diferentes nas manifestações musicais profanas e nas eclesiásticas: "Adquirido o hábito de acertar as demoras das figuras pelo compasso, é preciso perder o de batê-lo de rijo. Sendo o compasso (como o *ponto* nos teatros) necessário para a certeza dos executores, estraga o efeito das peças, se deixa perceber-se pelo auditório. As pancadas do compasso perturbam a doçura do canto e depravam a expressão dos *acentos*, e mais belezas, de que o ouvido deve apossar-se, independente do anúncio das batutas. Nos concertos de sala não se bate compasso: apenas marca o Regente os primeiros quatro tempos nas mudanças de andamento, ou quando algum dos executores se desencaminha. Nos teatros também se não bate compasso, salvo no mesmo caso." Que flexibilidade, que diferenciação, que dinamismo poderia obter-se desta maneira? Como soaria um divertimento em estilo galante, quanta graça perderia a música de qualquer ópera cómica, ainda que fosse de Mozart? Mas Ferreira da Costa queixa-se de que nas músicas de igreja era ainda muito pior, onde se mantinha o "abuso" de

marcar sempre o compasso, :, com ruído. Às vezes, o ouvinte não podia impedir-se "de ver com ludíbrio o empenho do *_Corifeu*", que, para se mostrar superior, conduzia "com rijas pancadas a marcha da música". Isto, mesmo que ninguém estivesse fora de tempo. E até acontecia ser ele, corifeu, quem "mil vezes" desordenava o discurso musical, "pelo seus estrondos". Quanto a andamentos, o segundo é proposto como "a medida mais natural e filosófica" adoptável como "unidade do tempo". Mais elucidativo se torna o acrescento de que convém fixar nele (segundo), "por uma vez, o ponto médio do *_Andante*, e da escala dos andamentos". Note-se, porém, que este critério era o observado trinta anos antes, "quando os grandes executores, fazendo menos ostentação de dificuldades, conduziam os concertos de Música com maior gravidade e doçura". Parece lícito inferir que, em Portugal como nos países europeus mais evoluídos, a execução musical acelerou consideravelmente desde o tempo em que Mozart fazia as suas derradeiras apresentações públicas, como pianista, e aquele em que o jovem Liszt se aventurava nas primeiras. Também neste aspecto Ferreira da Costa não se deu conta da necessidade histórica de um vector evolutivo, dirigido no sentido crescente da virtuosidade. O seu conservadorismo a tal respeito manifesta-se, por exemplo, quando fala dos "allegros e rondós desregrados, em que os Compositores modernos de torto engenho acumulam exércitos de notas sem coerência nem ligação". Falta-nos saber a que autores se referia. Mas, de qualquer modo, volta aqui a expressar-se uma atitude contrária à tendência para apressar os movimentos. Não deixa, aliás, de ter a noção de que estava na indústria da construção de instrumentos um dos mais decisivos factores dessa evolução. Na mesma página reconhece que "o invento e perfeição dos pianos-fortes" tornaram estes "muito mais aptos do que o cravo para a ligeireza e voo dos cantos". Precisamente os pianos estavam em vias de importantes melhorias, como aliás muito outros instrumentos, incluindo arcos e sopros. Até os violinos, cuja indústria de fabrico tantos pergaminhos tinha, estava sofrendo alterações. Pode dizer-se que todas estas se orientaram pelo aumento da virtuosidade e da intensidade sonora, indispensável ao alargamento dos auditórios, pressionado por motivos socioeconómicos. Com tudo o que tem de imensamente parcial, a crítica do contraponto tem outra validade histórica. Está em consonância com as ideias então "modernas". Ferreira da Costa não deixa de dizer que, "apesar do desprezo que hoje se tem pelo *_Contraponto*", entende "necessário ao Compositor que o possua". E, já perto do fim do livro, vai mais longe: "Mas por que meio chegará o Compositor a achar dois cantos que, suposto diferentes, não quebrem a unidade de melodia, e possam ser transpostos a diversos tons e modos, sem sair no dueto vocal do diapasão das vozes? Estudando com cuidado o Contraponto duplicado, as imitações e mesmo a fuga livre." Em todo o caso, a atitude do autor é avessa a construtivismos. "É sábia puerilidade tornar a tarefa de imitações retrógradas ou em movimento contrário. Tudo o que não se sente torna-se nulo. Os trabalhos difíceis têm por certo seu merecimento; mas não é esse o verdadeiro fim das belas Artes." Fazendo-se eco de Rousseau, diz que, "em geral, as fugas tornam a música mais estrondosa do que aprazível, e portanto convém antes nos coros do que :, noutra parte". Que, "sendo sempre medíocre o prazer movido por este género de música, pode dizer-se que uma bela fuga é o ingrato primor de um bom harmonista". Que "as *_Contrapugus, duplas fugas* e outras combinações ridículas e pueris, que o ouvido não pode sofrer nem a razão justificar, são visivelmente restos da barbaridade e do mau gosto, que como as fachadas dos templos agóticas, só subsistem para vergonha dos que tiveram a paciência de fazê-las". Que, com "Cânones inversos, retrógrados e de duas caras" os "antigos Mestres" definhavam-se "só pelo gosto de atormentarem os Leitores, e com o fruto de fazerem bocejar todo o Auditório, quando chegavam a decifrá-los". E que, depois dum tão cansativo "fazer música para a vista", passou a compor-se só "para o ouvido e para o coração".

Vale ainda a pena observar que Ferreira da Costa discrimina o emprego do contraponto em função dos fins a que a música se destinava, dando-o como máximo (relativo) na esfera eclesiástica e mínimo, para não dizer nulo, na teatral e na puramente instrumental: "veio a chamar-se *_Contraponto* em geral toda a música combinada segundo as leis do Contraponto ligado ao Cantochão; e hoje mesmo, que estas se têm relaxado em grande parte, chama-se muitas vezes *_Contraponto* a toda a Música sábia e rigorosa, para distinção da teatral ou instrumental, muito mais florida e variada." Depois de acentuar que as regras dadas pelos Contrapontistas antigos ainda eram observadas "na música de Igreja a vozes, ou com acompanhamento de órgão", acrescenta que, "na harmonia dos modernos", as mais delas eram desprezadas, "e felizmente a miúdo". As últimas transcrições já indicam outra faceta relevante dos *_Princípios de música: o desígnio de historicidade. Incomparavelmente mais do que qualquer tratadista musical português, Ferreira da Costa esforça-se por traçar o presente como o segmento final de um longo passado, no curso do qual a arte dos sons evoluíra mais ou menos continuamente. Também neste aspecto se mostra moderno. Como não podia deixar de ser, os seus conhecimentos de história da música enfermam de erros, à luz da musicologia de hoje. Por igual se compreende que a sua exposição não contenha praticamente nada de análise económico-sociológica. E que a evolução histórica da música seja pintada como um contínuo progresso artístico, sem aquele sentido de relatividade, implicando diferentes sistemas de coordenadas, que o entendedor de arte hoje tem. A este respeito, o exemplo mais elucidativo é porventura o do menosprezo do cantochão: "Eram bem escassos os efeitos da Música, quando os sons lisonjeando o ouvido somente por serem afinados, produziam pela igualdade de suas durações insípida monotonia, como sucede no cantochão." Noutro passo, lê-se que o cantochão só pode "lisonjear o ouvido" se se lhe juntarem a "plenitude e riqueza da harmonia" de sucessivos acordes. Esta incompreensão foi muito partilhada na época, inclusive no seio da Igreja. Só nos tempos de Mussorgsky e de Debussy vieram os antigos cantos monódicos cristãos a readquirir o seu prestígio de formas musicais esteticamente superiores, junto da intelectualidade afecta à música. A redução dos modos eclesiásticos ao maior e ao menor não é relatada como empobrecimento de algum modo lamentável. "Nascido o *_Contraponto* debaixo do império do *_Cantochão*, não teve por muito tempo outros *modos* :, senão os dos antigos, que não eram verdadeiros modos de escala e tom completo, mas diversas formas de tetracórdios; noo teve outros *tons* senão os da Igreja, que não passavam de combinações parciais de diferentes tons sem unidade harmónica." Isto joga com outras afirmações igualmente simplistas e marcadas pela época. "Reconheceu-se que em toda a Melodia e Harmonia há somente duas *escalas* e dois *tons*, um do *modo maior* e outro do *menor*, ambos estabelecidos pela natureza com caracteres distintivos e formando duas famílias de heptacórdios com diverso predomínio de cada som. E sentiu-se que todos os mais tons e escalas vêm a ser exactamente transposições, ou transporte dos dois modelos a outras cordas do *sistema dodecafónico* (ou temperado)." Está claro que o compasso é tido na mais alta conta. Nada menos do que "a vida da Música". E também a harmonia funcional, com rasgados elogios às potencialidades do baixo e de determinados acordes, como os de sétima da dominante e de sétima diminuta. "A *_Harmonia* é hoje reconhecida pela parte mais bela da *_Música*, mais susceptível de novas e variadas combinações, mais sujeita ao império da razão e enfim mais própria na sua união com a *_Melodia* e o *_Ritmo* para os grandes efeitos da expressão. Ela contribui por si principalmente a representar ao Ouvido os maiores quadros da natureza e da fantasia, e arrebatar o coração com os seus divinos encantos." A asserção de que, então, o melhor modelo de harmonia era "o estilo Alemão", e o de melodia e canto "o gosto Italiano" quase parece uma antecipação daquele crítico musical (?) que, há poucos anos, pasmava de ninguém ter

tido a ideia de encarregar Puccini de compor novas melodias para as harmonias de Wagner. Se o compasso é a vida da música e a harmonia a sua parte mais bela, o baixo é a sua alma, "e a *bússola* do Compositor". Quanto aos acordes, é claro que; mesmo que não explicitamente, são apresentados através do prisma do baixo cifrado. Dos seus encadeamentos, Ferreira da Costa realça os que, com bom gosto e perícia técnica, envolvem mudança de tonalidade. Note-se que não lhes chama modulações, mas sim transições. Na sua nomenclatura, modulação é todo o progresso de melodia ou harmonia, com ou sem mudança de tom. Compreende-se assim o que quis dizer no seguinte passo: "As transições do género enarmónico exigem mão de mestre na sua preparação e resolução; mas, sendo poupadas e bem feitas, transportam a alma e produzem os efeitos mais sublimes da Música." É evidente que se trata de enarmonia reduzida ao sistema da afinação igual. Sobre instrumentação e orquestração, o livro nada oferece merecedor de atenção. Apesar das importantíssimas contribuições de Gluck e outros, o culto do colorido instrumental ainda estava para vir, com Berlioz, Liszt, Wagner, os russos. Mas há várias referências a instrumentos, por vezes com informação sobre funções que desempenhavam. Ficamos por exemplo cientes de que o cravo não só estava ainda em uso nos anos 20 do Oitocentos como continuava a ser o normal instrumento acompanhador. Aliás, cravista era a designação genericamente aplicada aos executantes de tecla. Mas, além das vantagens do piano já referidas, é salientada a sua melhor aptidão "para os variados matizes da expressão". Noutra alusão, o piano é dito "uma orquestra em pequeno". Por outro lado, não é só a cantores, :, mas também a instrumentistas que o autor se reporta, ao falar de "*cadências* e prelúdios *ad libitum* no fecho dos *concertos* e *solos*", cadências que "até se executam em *dueto*", parecendo, no entanto, apenas "próprias de peças de execução e alardo". Que é como quem diz, de virtuosidade. É de sublinhar o espaço dedicado a formas musicais. Um capítulo incide sobre "dueto, terceto, quarteto, etc.". Nele se lê que o terceto, vocal ou instrumental, "é conceituado a mais excelente espécie de composição e deve ser também a mais regular". Mais ainda do que este, o capítulo sobre a sonata, o concerto e a sinfonia trai um grande atraso em relação às últimas inovações ou elaborações dos clássicos de Viena. Por exemplo, ao esquematizar uma forma-padrão da sinfonia, Ferreira da Costa não dá ainda o *scherzo* como, pelo menos, alternativa do minuete. E leva depois a supor que o último andamento -- não só da sinfonia como também da sonata e do quarteto -- tinha de consistir num rondó com duas coplas. Isto, publicado na terceira década do século XIX! Mesmo assim, é estimável, porque significativo para a história da musicografia didáctica portuguesa, que aquelas formas musicais tenham merecido a atenção do autor, dum ponto de vista analítico. Significativo também é o desinteresse de Ferreira da Costa pelas formas especificamente operistas. Dir-se-ia, até, que evita a palavra ópera. Na verdade, emprega-a muito pouco, substituindo-a às vezes por teatro. Lidas as cerca de 470 páginas dos dois tomos dos *_Princípios de música*, não resta a mínima dúvida de que Ferreira da Costa não era afecto à ópera, no que parece legítimo ver uma atitude do sector da intelectualidade portuguesa que, não apenas no que tangia à música, se considerava a si mesmo o mais esclarecido. Enquanto Ferreira da Costa aprontava o seu livro, representava-se em Lisboa, entre outras de diferentes autorias, qualquer coisa como uma dezena e meia de óperas de Rossini, incluindo *_La Cenerentola, O barbeiro de Sevilha, La gazza ladra, Otelo, Il turco in Italia, Tancredo* e *_Mosè in Egitto*. Quanto a produção indígena, contentemo-nos com assinalar pelo menos duas óperas de Marcos Portugal, que ainda era vivo: *_Demofoonte* e *_Mérope*. Ferreira da Costa passa no entanto em claro o

então mais festejado compositor de ópera do mundo e o seu colega português de maior reputação. Não podem dizer-se compensatórias as inclusões de certos outros compositores, como Angelo Maria Benincori, gabado em termos de "compositor elegantíssimo, cheio de imaginação, gosto e ciência da arte, e interesse a todas as partes da harmonia". Note-se que, tirando o êxito póstumo da sua revisão e completação do *_Aladino*, de Isouard, o mesmo Benincori tinha fracassado na ópera. Os compositores mencionados por Ferreira da Costa a título elogiativo confirmam o seu anti-operismo. Ainda quando se trata de alguns de importância capital na crónica do teatro por música, não é como tal que são enaltecidos. O facto de essa hostilidade não ser manifestada explicitamente pode talvez explicar-se pelo receio de ofender a opinião melómana, a ponto de afectar seriamente a venda do livro. Em contrapartida, há informações importantes relativas à música de concerto. Por exemplo, a que toca a escola de Mannheim, nomeadamente através da referência aos Stamitz. Mas não estão suficientemente actualizadas. :, Para o provar, bastam os casos de Schubert, completamente omisso, e sobretudo o de Beethoven, que em 1824 já tinha criado quase todas as suas obras capitais, incluindo a *9.a Sinfonia*, cuja estreia se deu nesse mesmo ano. É claro que não podia exigir-se de Ferreira da Costa o seu conhecimento; e ainda menos o de partituras não terminadas, como os quartetos de corda op. 131, 132, 133 (*_Grande fuga*) e 135. Mas isto não é razão para que o autor da *_Sonata apassionata* e da *_Sinfonia pastoral* tenha sido tratado como vamos ver. A respeito da sonata então moderna: "E que diremos de *_Steibelt*, de *_Beethoven, Kozeluch, Clemente* [sic], *_Cramer, Pleyel, Bontempo* e tantos outros, cujas composições e execuções, portentosas e admiráveis por diversos estilos e qualidades, enchem hoje de encantos as sociedades filarmónicas? Acaso têm eles já concluído a sua brilhante carreira? Vendo-os caminhar pela árdua vereda da glória para o templo das Musas, só nos cabe apreciar seus méritos relevantes; que julgálos compete à posteridade. Direi contudo que a sonata, nas mãos destes criadores, tem recebido em si por várias formas os mais belos períodos da eloquência, as descrições e transportes da poesia, a viveza e coloridos da pintura e a acção animada do teatro." Aqui, o que mais choca hoje é ver Beethoven metido num saco com um Daniel Steibelt -- que fora uma espécie de compositor da moda -- um Leopold Kozeluch, um Johann Baptist Cramer, um Ignaz Pleyel. A outra menção reporta-se à sinfonia e, por tabela, à música de câmara. Reza assim: "*_Beethowen* [sic] mostra-se grande músico na sinfonia, como no quarteto e na sonata: mas falta-lhe às vezes a naturalidade e o sólido saber que exalta os verdadeiros modelos." E pronto. O autor passa logo, no mesmo parágrafo, a Méhul, André (provavelmente Johann Anton, n. 1775, o mesmo que adquirira o espólio de Mozart) -- de quem diz que "maneja na grande orquestra efeitos prodigiosos e harmonia canora mui rica e sábia" -- e outra vez Pleyel, para terminar com outra interrogação: "Mas podemos nós avaliar o quilate de merecimento de tantos engenhos que dedicam hoje à sinfonia seus trabalhos e invenções?" Ao longo do livro, Ferreira da Costa ignora quase totalmente os compositores e intérpretes musicais seus compatriotas. A referência a Bontempo, acima transcrita, é excepcional. O seu nome nem sequer é dado com os João e Domingos que mais precisamente o identificariam. Contudo, Bontempo já entretanto conquistara e firmara fama em Paris e em Londres, como compositor e pianista. Parcimónia tanto mais de estranhar, quanto é certo que as inclinações musicais de Ferreira da Costa não parecem divergir essencialmente das de Bontempo. Teria havido política de permeio? Recearia o musicógrafo arranhar susceptibilidades miguelistas? Do que não cabe duvidar é de que a máxima admiração de Ferreira da Costa vai para

Haydn e Mozart; com o que não pode dizer-se que fique mal colocado. São aduzidos vários casos exemplares dos dois mestres, logo desde o princípio do livro. Até que perto do fim, a respeito das grandes formas instrumentais, se lhes atribui a maior contribuição para que o Setecentos tivesse ganho jus ao "título de século das luzes no império das Musas e de Apolo". Porque "do seu saber e força de invenção alcançou a :, harmonia e a arte das transições progressos espantosos e efeitos até então desconhecidos". Em relação à sonata, lêem-se considerações bastante judiciosas: "*_Mozart*, igual a *_Haydn* na composição, porém mais hábil pianista, mostra quanto importa esta qualidade para achar debaixo dos dedos o que se oculta sem o seu socorro. As sonatas de *_Mozart* produzem maior efeito no piano do que as de *_Haydn*; porque têm mais graus de força relativamente ao jogo do instrumento. Para ser perfeitíssimo na música de piano, cumpria juntar ao sabor e engenho de *_Haydn* e *_Mozart* a habilidade dos grandes pianistas modernos. Então teríamos na sonata a união do novo e admirável com o sólido e brilhante." Mais adiante, Ferreira da Costa acaba por fazer discreta alusão ao teatro, cuja falta, pelo menos em relação a Wolfgang Amadeus, tocaria as raias do escandaloso. Parte da sinfonia, dizendo que "chegou ao máximo da perfeição" no fim do século XVIII. Isto, "pelas últimas 12 sinfonias de *_Haydn*, que reúnem toda a frescura da primavera aos ardores do verão e à madureza do outono. *_Haydn* é o engenho que melhor concebeu o tipo da sinfonia; e vê-se com admiração que tanto mais ele se adiantava em anos mais verniz de mocidade reluz nas suas obras. A sinfonia de *_Mozart*, igualmente férvida e vigorosa, posto que às vezes menos castigada, ocupa o lugar imediato à testa deste género de composição. A orquestra é um instrumento complicado, que estes dois mestres tocam perfeitamente, movendo-o com as notas de música pintadas no papel. Recheado o entendimento de espécies e efeitos sonoros, sem consultarem o ouvido (que contudo lhes forneceu os elementos da arte), ordenam sobre a banca e com a pena na mão prodígios de harmonia; e daí expedem acabadas as grandes composições para inumerável instrumental, que hão-de encher o auditório de prazer e admiração no Templo e no Teatro. Eis aqui pois a verdadeira ciência da música." O conceito de evolução histórica da música como uma sucessão de progressos não só na extensão dos meios e das incidências mas também nos valores estéticos, aferidos por uma escala absoluta, deveria levar Ferreira da Costa a considerar o seu próprio tempo o de supremo nível. Parece, no entanto, haver-se-lhe sobreposto a tendência geral, manifestada possivelmente em todas as gerações desde há milénios, para colocar as realizações dum recente passado acima das do presente, acusando estas de decadência ou degeneração. Para o que decerto contribuiu a falta de conhecimento directo, vivencial, das mais representativas manifestações da modernidade musical de então. Tudo somado, com o seu amadorismo teorizante, a sua autodidaxia livresca, a sua falta de informação e vivência musical *up to date*, o seu alheamento da história da cultura portuguesa e do que esta então concretamente era, os *_Princípios de música* apresentam-se-nos afectados de sinal positivo. Isto em grande medida, e por paradoxal que pareça, em virtude dessa mesma realidade concreta nacional que, nos domínios da arte dos sons, enfermava de um nível mental médio muito abaixo daquele que o livro reflecte. As mais das linhas-mestras do pensamento de Ferreira da Costa -- um cientismo de base experimental não primariamente mecanicista, um desígnio de conciliar a razão com o prazer do ouvido e com os afectos :, traduzíveis por música; a propugnação do melódico acórdico em detrimento do construtivo contrapontístico, do instrumental na esteira do classicismo vienense contra o vocal operista infectado de superficialidade; e até um incitamento, posto que tímido, à exploração das virtualidades cromáticas da harmonia -- apontavam no sentido do momento histórico europeu, ou seja do romantismo, cujas mais representativas, brilhantes e inovadoras manifestações iam dar-se nas décadas subsequentes. É

evidente que não podemos exigir de Ferreira da Costa uma beethoveniana antevisão de que a expressividade subjectiva teria que vir a ser superada por um novo construtivismo objectivante. Ante o desconhecimento das teorias da música que então reinava em Portugal, Ferreira da Costa propôs-se escrever obra "capaz de dirigir os estudos da mocidade e as aplicações de tantos curiosos que desejam penetrar os mistérios da harmonia e contraponto". O capítulo seguinte focará condições histórico-sociais, iniciativas individuais ou colectivas, oficiais ou particulares, êxitos e fracassos que algumas vezes vieram a saldar-se a favor daquelas solicitações da "mocidade" e dos "curiosos" de 1820, mas que não puderam elevar tanto o nível da cultura musical portuguesa quanto o bacharel Rodrigo Ferreira da Costa decerto desejou. CAPÍTULO VII ANTECEDENTES DA ÉPOCA ACTUAL Aspectos sociais e económicos A dominação da nossa cultura musical pela de um país estrangeiro, *_Leitmotiv* do último capítulo, apresentou-nos um panorama português muito diferente do actual. Hoje é impossível apontar o equivalente do italianismo de então, porque, na verdade, ele não existe. As maiores demonstrações de apreço distribuem-se agora, pode dizer-se que igualmente, por obras e intérpretes representativos da música alemã, da francesa, da espanhola, da italiana. A portuguesa, essa continua a receber tratamento de favor, e é até de algum modo menos cotada do que nos tempos de Sousa Carvalho, Marcos Portugal e Leal Moreira. Essa diferença entre passado e presente só pode compreender-se tendo em atenção toda uma transformação social e económica, muito mais intensa e profunda noutros países, mas que se operou também no nosso, com o habitual atraso. Uma transformação que, a pouco e pouco, foi opondo solicitações colectivas à opinião e vontade dos senhores absolutos -- opinião e vontade individuais que se impunham a grupos sociais delas dependentes (236). No campo das artes tais solicitações colectivas só podiam ganhar expressão na medida em que uma quantidade considerável de indivíduos se libertasse do poder senhorial e dispusesse de meios de sobrevivência. E não só isto: também na medida em que pudesse elevar-se intelectualmente, em consequência do seu levantamento económico-social. Estas condições realizaram-se por um longo processo histórico, foram uma das causas da Revolução Francesa e, depois, uma das suas consequências. Nesse movimento histórico se integra o racionalismo de Setecentos, de que a reforma de Gluck é um reflexo musical. Portanto, uma das censuras feitas ao italianismo então mais apreciado radicou-se numa substrutura social, económica e cultural de que recebeu o seu suco vivificante. Vimos como Gluck frequentou círculos intelectuais a que pertenciam individualidades portuguesas, como António da Costa ou o notável D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões, a quem é dedicada a ópera *_Paride ed Elena* ( 1770) (237). Gluck inicia assim a extensa alocução: "Alteza! No dedicar a Vossa Alteza este novo trabalho, dirijo-me menos a um protector do que a um juiz. Um :, espírito imune dos preconceitos vulgares, um suficiente conhecimento dos magnos princípios da Arte, um gosto que se formou não tanto pelos grandes modelos como pelos fundamentos invariáveis da Beleza e da Verdade, eis as qualidades que procuro no meu Mecenas e que encontro conciliadas em Vossa Alteza."

As relações entre a cultura portuguesa e a nova mentalidade que se afirmava na Europa (movida pela força ascensional da burguesia, mas declarando-se e cultivandose também entre aristocratas) não se limitaram, no domínio musical, aos casos do futuro fundador da Academia das Ciências e do curioso abade Costa. Em 1762 o cónego Francisco Bernardo de Lima protestava, nas colunas da *_Gazeta Literária*, do Porto, contra o artificialismo das cantoras, afirmando que seria muito melhor que a melodia se utilizasse para criar imagens poéticas e os encantos da harmonia para embelezamento das modulações das vozes. Também na *_Gazeta Literária*, ocupando-se dum livro inglês sobre o teatro europeu, o notável intelectual emite opiniões avisadas sobre a verdade dramática e a verosimilhança no espectáculo de ópera (238). A reforma de Gluck, como todas as que vingam, não foi acto de pura criação. Era expressão superior de uma ordem de ideias que andava no ar. Antes dela, em 1755, o *_Saggio sopra l'opera in musica*, de Algarotti, pusera em cheque algumas das inferioridades da ópera tal como se praticava então, sem 0 mínimo respeito pela lógica. Seria possível apontar mais exemplos (239). O que a reforma de Gluck tinha de autenticidade histórica, essa condição necessária para que uma doutrina perdure, foi todavia um dos motivos que tornaram impossível um seu reflexo importante em Portugal. O mesmo podemos dizer, e até com mais forte razão, do sinfonismo e da música de câmara austro-alemães. A autenticidade que envolvia a existência duma classe média numerosa, em vias de rápido desenvolvimento intelectual, transformava-se em falsidade onde quer que tal não houvesse A arte músico-dramática do Gluck reformador exigia da plateia uma mentalidade mais cultivada do que as acrobacias vocais sem qualquer conteúdo. Fenómeno muito interessante esse, que pôde dar-se na Europa central (e não na meridional), da superação dum espectáculo de ópera que a burguesia amoldara ao seu corpo por outros, de ópera ou não, que uma burguesia mais instruída preferia e preconizava, porque reflectiam a sua própria imagem. O sinfonismo e a música de câmara dos períodos ditos clássico e romântico ainda mais significam a elevação da mentalidade da classe média, porque solicitavam mais o sentido do ouvido, quase não entretendo o da vista. Se não se tivesse dado essa elevação, não teria sido possível aparecer um público suficientemente numeroso para garantir a administração de concertos sinfónicos ou de câmara. Estes, em todo o caso, mantiveram-se praticamente durante todo o século XIX como espectáculos variados, em que os números de ópera não tinham dificuldade de encontrar lugar (240). Relaciona-se com esse fenómeno o surgimento da musicografia no sentido moderno. Muito bem diz Bukofzer, no seu livro *_Music in the baroque era*, que, "estando a sala de concerto e uma audiência anónima em pleno processo de formação na última fase do período barroco, não havia ainda :, necessidade de que críticos musicais formulassem a opinião pública". E acrescenta: "E característico que os primeiros traços de crítica musical aparecessem em revistas de informação geral, como o *_Mercure galant* e o *_Spectator*, mais tarde imitados pela *_Critica musica*, de Mattheson, e por *_Der Critische Musikus*, de Scheibe, os primeiros exemplos de crítica profissional de música. Os escritos de Mattheson e, especialmente, os de Scheibe mostram já uma crescente influência das ideias do iluminismo." A *_Critica musica* publicou-se de 1722 a 1725, *_Der Critische Musikus* na década seguinte. Em 1752, num ensaio sobre a expressão musical, o inglês Charles Avison preconiza que os periódicos insiram crítica de novas obras musicais. Um dos casos mais curiosos, que chega a ser enternecedor, nesse período de transição em que germinou a mentalidade moderna, surge em 1757 com o primeiro volume da *_Storia della musica* (dedicado à rainha de Espanha, D.a Maria Bárbara, filha de D. João V), do bom e sábio _p.e Martini, o mesmo que deu lições a Mozart. O livro começa por "A música desde a criação de Adão até o Dilúvio", prossegue com "A _música desde o Dilúvio até o nascimento de Moisés", e assim por diante.

Integra-se no mesmo movimento histórico a progressiva libertação do músico da sua total dependência da classe nobre. Despontava o século XIX quando Haydn, reformado depois de longos anos ao serviço da Casa Esterhazy, confessou numa carta para Maria von Genzinger: "como é bom possuir um certo grau de liberdade! Tive um príncipe bondoso e delicado, mas fui algumas vezes obrigado a estar na dependência de almas vis. Frequentemente suspirei pela libertação e agora tenho-a em certa medida." Não ia tardar muito que o mister de músico pudesse tornar-se em profissão liberal. O primeiro grande caso na história foi o de Beethoven. Schubert, tantas vezes citado como vítima da incompreensão, ganhou todavia, em média, durante doze anos, como músico liberal, uma importância, por mês, cujo poder de compra devia ser superior ao que tem hoje cento e cinquenta mil escudos em Portugal (241). A elevação do nível intelectual da classe média e a concomitante liberalização da profissão de músico são fenómenos sem os quais se não pode compreender o romantismo. E a medida reduzida, acanhada, em que se deram em Portugal constitui um dos motivos por que o nosso romantismo musical foi um mau período. Compreende-se também que o público português não estivesse preparado para assimilar a arte de um Mozart, de um Haydn, de um Beethoven, de um Schubert, de um Schumann, produtos do complexo desenvolvimento cultural accionado pela evolução económica, social e política, desenvolvimento que verdadeiramente se processara entre outras gentes (242). Deve acrescentar-se que também noutros países mais adiantados havia um público da classe média cujo gosto artístico se equiparava ao do português. O que nos faltou foi, dentro da mesma classe, uma camada superior pela sua maior cultura, isto é, pela necessidade, a possibilidade e a aspiração de a possuir. Já no último quartel do século XIX, Planton von Waxel, um estrangeiro culto que viveu algum tempo em Portugal e se interessou por coisas de música, escreveu estas palavras, decerto justas: "No que respeita a crítica tem de se dizer que ela se encontra na infância. Para nos convencermos :, disto, basta um relance sobre o que se escreve da Arte nos jornais de Lisboa. A ignorância trai-se constantemente [...]" Nem existiu uma produção musical de qualidade que estimulasse a crítica idónea, nem esta surgiu a reclamar aquela. Tudo aspectos de uma única e modesta realidade nacional (243). Colectividades musicais Um aspecto da vida musical portuguesa que acusa a influência, apesar de tudo, recebida da evolução europeia é o das colectividades votadas à arte dos sons. De algum modo, essas instituições corresponderam, na classe média, ao que eram as sessões musicais em casas aristocráticas, para audiências de convidados. Ao mesmo tempo que se realizavam espectáculos com entradas compráveis por qualquer cidadão, destinados portanto a uma população anónima, existiam agremiações cujos membros formavam um público de indivíduos identificados, unidos por solicitações comuns. Claro que o falar-se aqui da classe média também não significa uma total separação de outras camadas sociais. Era filho do conde de Farrobo o principal propugnador da Academia Filarmónica, em Lisboa, que não deve ser confundida com a de Bontempo, de que adiante falaremos. Aquela colectividade promoveu concertos semanais durante cerca de cinco anos. Deveu-se-lhe, em 1844, a representação da pequena ópera *_Os infantes de Ceuta*, de Miró, atrás referida. Também se representou ópera na Academia Melpomonense e na Assembleia Filarmónica. Esta última, fundada em 1840, deu a conhecer a ópera *_D. Sebastião*, de Donizetti, e outras. Colaboraram nessas récitas artistas portugueses e estrangeiros, profissionais e amadores. A ópera não detinha o exclusivo dessas manifestações. Realizaram-se concertos, alguns rodeados de um ambiente de vivo interesse. E, se bem que houvesse sempre que transigir com alguma ária ou conjunto operático, esboçava-se um movimento favorável à música sinfónica e de câmara. Havia casas particulares onde se homenageava essa

arte ainda desconhecida do público. Estabeleceu-se até certa rivalidade entre os cenáculos de José Dias Pereira Chaves (m. 1824) e do abastado comerciante alemão Driesel. Na residência deste executaram-se obras de câmara de Haydn e Mozart. Em 1808 e 1816 músicos amadores tocaram uma sinfonia de Mozart e a *1.a* de Beethoven, respectivamente. Em 1821, por influência de Driesel e de outro comerciante seu compatriota, Klingelhöfer, formou-se uma orquestra de amadores, que no primeiro ano teve vinte e uma actuações. Muito mais tarde, em 1870, fundou-se em Lisboa a Orquestra 24 de Junho. Mas ainda nessa altura as limitações da execução sinfónica eram tais que foram baldados os esforços para se tocar o *_Allegretto* da *7. a Sinfonia* de Beethoven. Oito anos mais tarde a direcção da associação musical a que pertencia a Orquestra 24 de Junho tomou a decisão de contratar o maestro Barbieri, de Madrid -- a mesma pessoa a quem tivemos de fazer tão larga referencia no :, Capítulo IV, porque o seu nome ficou ligado ao cancioneiro renascentista também chamado *de Palácio*. No novo Teatro da Trindade deram-se então primeiras audições, como as da *5.a* e *6.a Sinfonias* de Beethoven. Esta última foi executada três vezes consecutivas, sempre com a sala cheia de público. O facto demonstra que, não obstante a posição geográfica e o concomitante atraso em relação ao estrangeiro, teria sido possível uma vida musical de mais alto nível artístico e maior significado cultural se o problema tivesse merecido a atenção sistemática dos governantes do país, que, neste aspecto, se interessaram menos por ele do que o espanhol Francisco Barbieri. Quando partiu, este ofereceu à orquestra os materiais completos de todas as sinfonias de Beethoven, com excepção da *9.a*. Nos programas da Orquestra 24 de Junho, figuraram também obras de Mozart, Haydn, Weber, Mendelssohn, Glinka e Saint-Saëns, entre outros. Depois de Barbieri, a orquestra foi dirigida por Colonne, no S. Carlos. Ouviram-se então partituras de Berlioz e de Wagner. Entretanto, a 24 de Junho fizera grandes progressos. Viana da Mota, no seu livro de *_Música e músicos alemães*, refere-se à "excelente Orquestra 24 de Junho", que, sob a direccão de Barbieri, Colonne e Rudorff, lhe proporcionou, antes de partir para Berlim, a audição das *5.a, 6.a* e *7.a Sinfonias* de Beethoven. A orquestra da Real Academia de Amadores de Música, dirigida por Vítor Hussla (1857-1899), também desenvolveu acção cultural importante. Quanto à música de câmara, deve mencionar-se a Sociedade de Concertos, fundada em 1875, que, de mistura com peças de qualidade duvidosa, fez ouvir quartetos de Haydn e Mendelssohn, o *_Quinteto da truta*, de Schubert, e até o *_Quinteto* com piano de Schumann. Em princípios de 1882, realizou-se uma série de concertos de música de câmara pelo Quarteto Monasterio-_Mirecki, de Madrid, com muito êxito. Não sabemos em que medida contribuiu para ele a presença da corte em todos os concertos. O famoso *_Septimino* de Beethoven executou-se nessa altura, com a colaboração de Augusto Neuparth (fagote), Freitas Gazul (contrabaixo), Carlos Campos (clarinete) e Tomás del Negro (trompa). Augusto Neuparth, um alemão que se havia fixado em Lisboa e abriu uma loja de música com o seu nome, organizara, em 1860, com Guilherme Cossoul, a Sociedade de Concertos Populares. A vinda de instrumentistas ou conjuntos estrangeiros era uma raridade. Um agrupamento feminino austríaco, a Wiener Damenorchester, provocou maior interesse do público pela música orquestral. Por iniciativa de Miguel _ângelo Lambertini -- o musicógrafo que, em 1899, fundou a revista *_A Arte Musical* --, veio a Orquestra Filarmónica de Berlim, que se fez ouvir sob a direcção de Arthur Nikisch. A mesma orquestra voltou sete anos depois, ou seja, em 1908, mas dessa vez sob a batuta de Richard Strauss. Concertistas individuais adregavam passar da fronteira para cá, e podia acontecer que se apresentassem em público. Em 1799 estivera em Portugal o célebre violoncelista Bernhard Romberg, um dos primeiros virtuosos que tocaram publicamente

de cor. No princípio do século havia ainda poucos pianos em Lisboa: uns vinte em 1809. Doze anos depois o número havia crescido até a ordem dos quinhentos. Na maioria eram de fabrico inglês, mas também se construíram pianos em Portugal, nomeadamente pela firma de :, Luís Joaquim Lambertini, que imigrou em 1836 e se estabeleceu em Lisboa. O interesse por instrumentistas não parece ter crescido na mesma proporção em que aumentaram os pianos. O público tolerava-os mais facilmente como passatempo, no intervalo entre dois actos duma récita de ópera. A passagem de Liszt por Lisboa, em 1845, não podia deixar de constituir excepção como acontecimento sensacional. Mas ainda houve quem o achasse inferior a Manuel Inocêncio dos Santos! Mais para o fim do século intensificaram-se um tanto os concertos por virtuosos estrangeiros, como Sarasate, Annette Essipov e Anton Rubinstein. Viana da Mota conta nas suas memórias: "Rubinstein, o rival russo de Liszt, em 1881, deu só um concerto no Teatro D. Maria, ao qual assisti, e bem me lembro que se podiam contar os ouvintes na sala; partiu indignado, tomando por pretexto o assassinato do czar Alexandre II, do qual era amigo pessoal." (244) Apesar de o meio não estimular esse género de música, houve instrumentistas portugueses que se distinguiram. As colectividades musicais sempre lhes iam proporcionando apresentações públicas, e alguns até exerceram actividade profissional no estrangeiro, como o notável violinista portuense, de origem espanhola, Nicolau Medina Ribas (m. 1900) e seu irmão Hipólito, que era flautista. Discípulos de João António Ribas (pai dos mencionados) e de Nicolau Medina Ribas, foram dois distintos violinistas portuenses, Augusto Marques Pinto (1838-1888) e Francisco Pereira da Costa (1847-1890). Artur Napoleão (outro portuense de ascendência estrangeira), nascido em 1843, foi menino-prodígio aplaudido em grandes meios europeus. Liszt elogiou-lhe os dotes de pianista, Meyerbeer apresentou-o na corte da Prússia. Fixou-se finalmente no Brasil, vindo a falecer no Rio de Janeiro, em 1925. O seu mérito de compositor não igualou o de executante. Vimos que as colectividades musicais não possuíam todas as características das que hoje conhecemos. No entanto, foram suas precursoras e exerceram acção importante. Não só em Lisboa, porquanto, em 1874, fundou-se no Porto a já mencionada Sociedade de Quartetos, que dava seis concertos de câmara por ano. Logo na sua primeira temporada proporcionou audições de páginas de um Beethoven, um Mendelssohn, um Schumann, para quarteto ou trio. Deveram-se-lhe também concertos orquestrais de igual importância para a cultura musical portuense. Tanto a Sociedade de Quartetos como o Orpheon beneficiaram da esclarecida orientação do seu fundador Bernardo Moreira de Sá (1853-1924), dirigida contra a rotina e o italianismo de mau gosto, apontando o que realmente era a melhor música, directriz que presidiu também à Sociedade de Concertos Sinfónicos, fundada em 1910 por Raimundo de Macedo (18801931), o pianista e chefe de orquestra portuense que teve a honra de receber lições de Nikisch (245). Como exemplo curioso de colectividades musicais noutras regiões portuguesas, seja a Sociedade Filarmónica existente na Madeira, entre 1840 e 1848. Finalmente, relevemos, no seu conjunto, as muitas associações populares que foram surgindo em diferentes localidades, com seus empreendimentos musicais, em geral confiados a conjuntos de instrumentos na maioria de cordas dedilhadas (tunas ou sol-e-dós), e a bandas semelhantes :, às militares. Também estas exerceram acção positiva na instrução musical do povo, durante a segunda metade do século passado e no actual, até que um decreto de 1937 reduziu o seu número a oito (246). João Domingos Bontempo (247) A personalidade ilustre do compositor, pianista, regente de orquestra e pedagogo que se chamou João Domingos Bontempo (1775-1842) (248) aparece-nos coerente com o momento histórico em que viveu, mas transbordando da pequenez pátria. Não foi

propriamente o caso do conflito entre uma natureza genial e um meio incapaz de a compreender. Bontempo foi um bom músico, e nomeadamente um bom compositor, mas não aquilo a que se chama um génio. O conflito deu-se mais pela sua elevada mentalidade de feição europeia e pelo seu desejo activo de fazer cultivar em Portugal uma arte a que a maior parte das pessoas de influência eram alheias. Ao mesmo tempo, houve um factor político, porque Bontempo era afecto à causa liberal e os miguelistas estiveram por vezes na mó de cima. Bontempo estudou no Seminário Patriarcal. Em 1801 foi para Paris e lá publicou as suas primeiras obras, influenciadas por Clementi. Em 1810, a sua 1.a Sinfonia é bem recebida pela crítica parisiense. No mesmo ano desloca-se para Londres, onde encontra ambiente favorável e prossegue a carreira de pianista e compositor. Publica então mais obras suas, na casa editora de Clementi, a quem o ligavam laços de amizade desde Paris. Quando, em 1814, regressou a Portugal, uma das ideias que trazia era de fundar uma sociedade de concertos segundo o modelo da recente Philharmonic Society, de Londres. Pretendia assim preencher uma grave lacuna da cultura musical do seu país: o confrangedor desconhecimento da música instrumental clássica. Não conseguiu o que queria, voltou para o estrangeiro, conheceu novos êxitos em Paris e mais em Londres, nomeadamente com a *_Missa de requiem* em memória de Camões, por ocasião da publicação, em França, de *_Os Lusíadas*, fomentada pelo morgado de Mateus. Só em 1820, por motivo de viragem política, é recebido com as devidas honras. A sua Sociedade Filarmónica chega a vias de facto, mas a reacção miguelista proíbe-lhe os concertos, que se realizavam na Rua Nova do Carmo. Vale a pena transcrever parte do texto típico dum parecer policial: "Ainda que seja certo que a tal Sociedade costuma concorrer grande parte das pessoas da maior Jerarquia e consideração desta Capital, a ela também concorrem muitos indivíduos que, assim como o Suplicante [Bontempo], não merecem melhor conceito da Polícia por isso mesmo que a título d'_Ensaios mais a miúdo se reúnem; assim para evitar que com este título se estabeleça alguma Sociedade Secreta, entendo que se faça persuadir ao Recorrente que tal prática deve imediatamente cessar. Sua Magestade, porém ordenará o que For Servido." Assina o "intendente-geral da polícia da corte e reino", um Lima de Castro, que não deve com este aviso ter feito melhor serviço à Nação do que o estava prestando o suplicante (249). :, Foi porque Bontempo tinha entre os seus admiradores alguns fidalgos não inscritos na lista negra que se tornou possível levantar-se a interdição. Os concertos prosseguiram, no insuspeito "palácio velho" do duque de Cadaval, onde é hoje a Estação do Rossio. Porém, os acontecimentos de 1828 puseram termo à Sociedade e iniciaram um período muito difícil na vida de Bontempo, cuja integridade física esteve seriamente ameaçada. O seu exemplo não é único. Recorde-se essoutro liberal João Evangelista Pereira da Costa (1798-1832), cuja ideologia tornou também algo atribulada a sua carreira artística. A obra do compositor é extensa, incluindo, entre outras partituras, quatro sonatas para piano e mais cinco com violino; seis concertos para piano e orquestra, duas cantatas, sete sinfonias, quatro fantasias, um capricho e um divertimento para piano e orquestra, o mencionado *_Requiem*, uma *_Missa* e um *_Te Deum*, um divertimento para conjunto de câmara, um quinteto, quatro sextetos e fragmentos duma ópera. Ninguém refuta hoje a importância de João Domingos Bontempo na história da música portuguesa: toda a gente o considera o seu maior vulto entre os que viveram no período romântico, mas até há bem pouco tempo a sua música raríssimas vezes era tocada. Felizmente ao longo dos últimos anos a situação tem vindo a alterar-se (250). Bontempo não pode ser apontado como um músico da vanguarda europeia. Tinha sensivelmente a mesma idade de Beethoven e sobreviveu-lhe quinze anos, morrendo

pouco antes de Chopin. E, no entanto, afirma quem lhe analisou as obras de maior envergadura que a sua arte é, de certo modo, menos moderna do que muitas páginas de Haydn e Mozart. Mesmo assim, porque era de qualidade e porque a cultura musical lisboeta permanecera à margem da admirável floração clássica, a sua produção reveste-se de grande significado. Para compreendermos quanto se perdeu com as tiranias de que foi vítima a Sociedade Filarmónica basta dizer que aos sócios se proporcionaram audições de obras de autores tão pouco conhecidos como os três grandes da chamada escola de Viena, ou o francês Méhul, um precursor de Berlioz, além de outras páginas, inclusive do próprio Bontempo (251). O Conservatório Com o regresso ao poder dos liberais, Bontempo pode retomar a sua vida de artista intelectual. Decerto influiu em que se reconhecesse que o velho Seminário Patriarcal se tornara obsoleto. Foi ele o primeiro director do Conservatório, criado por decreto de 1835 como anexo da Casa Pia. (Seria interessante averiguar a contribuição de um músico de certo prestígio, António José do Rego (252), que parece ter-se ocupado do problema do ensino e da música, preconizando a ligação com a Casa Pia.) No ano seguinte, subindo Silva Passos ao poder, foi Almeida Garrett nomeado para escrever o relatório e projecto de um *_Conservatório Geral da Arte Dramática*, o que o ilustre escritor fez prontamente. O novo estabelecimento foi fundado por :, decreto desse ano de 1836 e desde logo se integrou nele o Conservatório de Música, sob a direcção de Bontempo, constituindo uma das três escolas. As outras duas eram a "dramática propriamente dita ou de *declamação*" e a "de *dança, mímica e ginástica especial*" (253) . De princípio não foi possível tornar o ensino no Conservatório muito diferente do que era no Seminário Patriarcal, cujo corpo docente houve que ser aproveitado na nova escola. No entanto, João Domingos Bontempo, que, além de director, era professor de piano, dava exemplo de uma pedagogia menos antiquada. O seu amigo Muzio Clementi, então já falecido, fora um dos mais notáveis mestres de piano do seu tempo, cujos métodos, então modernos, o colega português decerto conhecia. O ensino no Conservatório, sob a direcção de Bontempo e posteriormente, foi melhor ministrado no capítulo da execução de instrumentos do que naqueles que ainda mais implicam uma atitude consciente e esclarecida ante as questões estéticas. Canongia e Neuparth na classe de instrumentos de palheta, Migone na de piano, Jordani e Cossoul na de violoncelo, Masoni e Freitas na de violino, Ernesto Wagner na de trompa -- estes e outros competentes instrumentistas sabiam formar bons profissionais; e foi porque os formaram que se tornaram viáveis algumas das mais importantes iniciativas musicais no meio português, nomeadamente as execuções instrumentais, sinfónicas ou de câmara. Nos outros capítulos, como o da composição ou o da cultura geral do músico, o magistério exercia-se de forma atrasada e rudimentar. Mas, ainda que a evolução se realizasse lentamente, ela deu-se no bom sentido, apontado de maneira nítida na reforma decretada por Hintze Ribeiro em 1901, apoiado num estudo prévio de Augusto Machado. Se o curso de harmonia, contraponto e fuga continuava distante do momento histórico e da vida real, agarrado a regras formalistas que nenhum compositor que se prezasse aplicava j á, também é verdade que a formação da mentalidade dos alunos merecia maior atenção, através das disciplinas obrigatórias de história da música e literatura musical e de língua italiana. Sob a organização do ensino entrevia-se ainda o espectáculo de ópera, que -- não o esqueçamos -- permaneceu como a manifestação musical preponderante até à implantação da República. No Conservatório, a formação completa dum cantor envolvia os cursos de solfejo preparatório, de canto individual e colectivo e canto teatral, abrangendo sete anos de estudo. O tipo de intérprete que chamamos hoje "cantor de *_Lied*" não era objecto da pedagogia conservatorial. O espectáculo de ópera

constituía também objectivo de muitos alunos das classes de instrumentos, que aspiravam a um lugar na orquestra do S. Carlos. Quanto aos futuros compositores, se não quisessem enveredar pela música ligeira, o que de melhor podiam desejar era a representação de uma ópera de sua autoria, o que, aliás, se tornara cada vez menos provável. A reforma de Hintze Ribeiro favorecia a ideia, preconizada por vários músicos e amadores, como o conde de Farrobo ou Alfredo Keil, da criação de teatros exclusivamente de ópera em português. O de Lisboa esteve para ser construído no local do Governo Civil, cujo edifício teria que ser demolido. A ideia nunca se concretizou. :, Nos últimos anos do regime monárquico o Conservatório foi frequentado, em média, por trezentos alunos. A estes acrescentavam-se muitos mais estudantes de música, leccionados particularmente, mas examinados no estabelecimento oficial. Esta procura não se explicava apenas pelos atractivos da ópera. Com o S. Carlos fechado, no regime republicano, e sem que outras empresas operáticas oferecessem propriamente uma garantia suficiente para escolha de profissão, o Conservatório viu aumentar a sua frequência. E que não existiam os meios de reprodução musical que hoje conhecemos; antes dos aparelhos de telefonia ou de televisão, os comerciantes que necessitavam de proporcionar música aos fregueses tinham que contratar executantes; os teatros possuíam os seus pequenos conjuntos instrumentais, as bandas militares e civis eram numerosas. Além disso, até há relativamente pouco tempo, fazia parte da boa educação de qualquer menina burguesa o saber tocar piano. Não porque diga directamente respeito ao Conservatório, mas por ser importante aspecto do ensino musical da gente portuguesa, cabe aqui uma referência à lei de instrução pública de 1878, que introduziu o canto coral nas escolas primárias. Uns trinta anos depois Ernesto Vieira queixava-se da maneira como esse ensino era ministrado, dizendo que a sua prática era "ainda rara e imperfeita", o que atribuía "às escolas normais, onde os futuros professores não praticam esta matéria nem lhe ligam a menor importância. Consequência natural, sociedades orfeónicas também não há, embora se tenham feito tentativas em diferentes épocas para vulgarizar o canto harmonizado; geralmente quando se canta nas escolas ou nas sociedades populares é em uníssono" (254). Influências francesas e alemãs Apesar das vantagens que de longa data trazia a música italiana e da costumada lentidão do influxo de ideias modernas em Portugal, era inevitável que determinados autores e partituras celebrizados no estrangeiro exercessem influência entre nós. Alfredo Keil (1850-1907), 0 compositor e pintor de origem alemã que conquistou lugar na história da arte portuguesa, admirou a música de Massenet, a quem dedicou a *_Serrana*. Numa "Carta de Paris", publicada no *_Diário de Notícias* de 19 de Agosto de 1900, lêem-se estas palavras significativas: "[...] estive com o insigne maestro francês Massenet, a quem entreguei a partitura da Serrana que aquele nosso laureado compositor lhe dedicou [...] Nos agradecimentos que ele me encarregou de transmitir a Alfredo Keil [...] referiu-se às obras do nosso ilustre compatrício -especialmente à *_Dona Branca* e à *_Irene* -- com elogios que tinham todo o cunho da sinceridade, porque não eram revestidos das banalidades usuais em tais casos [...]". E, mais adiante: "Sei que Alfredo Keil está trabalhando num pequeno assunto francês, para ser agradável a Massenet, a cuja escola se inclina um pouco." :, Quanto a influências francesas, o caso de Augusto Machado é não só mais nítido como porventura mais digno de atenção. Machado possuía conhecimentos técnicos que faltavam a um amador como Alfredo Keil, que tinha o cuidado de submeter os seus trabalhos a músicos profissionais, designadamente Luís Filgueiras. Nascido em Lisboa em 1845, Augusto Machado recebeu lições de Joaquim Casimiro, J. Guilherme Daddi e Emílio Daddi. Note-se, de passagem, que João Guilherme Daddi era o mesmo

compositor pianista que, precisamente no ano em que Machado nasceu, tivera a honra de tocar com Franz Liszt, no S. Carlos, a *_Fantasia para dois pianos*, de Thalberg, sobre temas da *_Norma*, de Bellini (255). Ainda novo, Augusto Machado seguiu para Paris, a aperfeiçoar-se como pianista. Já nessa altura esteve bem relacionado na capital francesa, onde inclusivamente conheceu o velho Rossini. Mas foi mais tarde, na sua segunda estada em Paris, que a sua personalidade aceitou voluntariamente as mensagens de um Massenet e de um Saint-Saëns. Quando voltou para Lisboa, ocupando o lugar de professor de canto no Conservatório -- de cuja Escola de Música veio a ser director, como o fora Bontempo --, Machado iniciou uma série de obras significativas, como a opereta *_O Degelo* (1875), sobre texto traduzido por Antero de Quental e Batalha Reis; a *_Maria da Fonte* (1878), mal recebido ensaio de opereta nacional; a ode sinfónica intitulada *_Camões e os Lusíadas* e, sobretudo, a ópera *_Lauriana*, inspirada nos *_Beaux messieurs de Bois Doré*, de George Sand, representada no grande Teatro de Marselha, em 1883, com franco agrado. Depois da *_Lauriana*, que também subiu à cena do S. Carlos e do Teatro Lírico do Rio de Janeiro, Augusto Machado apresentou ainda as óperas *_I Doria, Mario Wetter* (com libreto de Leoncavallo) e *_La borghesina*, todas sobre textos italianos; as operetas *_Espadachim do outeiro* (Henrique Lopes de Mendonça), *_A triste viuvinha* (D. João da Câmara) e *_Rosas de todo o ano* (Júlio Dantas), esta última elogiada por Viana da Mota em crítica inserta na *_Revista do Conservatório*; e, com a colaboração de Lopes de Mendonça, a farsa lírica *_O tição negro*. Não chegou a utilizar um libreto que possuía, de Ghislanzoni, o libretista da *_Ainda*, de Verdi. Morreu em 1924. Augusto Machado é um desses casos de esquecimento injusto, resultante em parte da índole pessoal do artista. A sua nenhuma arrogância, a sua modéstia excessiva, retratou-as Eça de Queirós com mão de mestre no Crujes de *_Os Maias*. Se a *_Serrana*, de Keil, tem sobrevivido em algumas representações, é principalmente porque lhe assiste o direito de ser considerada a primeira ópera nacional portuguesa. As melhores obras de Augusto Machado talvez possuam, todavia, razões mais consistentes para o reaparecimento em público. Razões, não de primazia cronológica, senão que de qualidade técnica. João Arroio (1861-1930), um político amador de música, aspirando a alcançar nesta arte posição ainda mais destacada do que a que logrou na administração pública, admirou Wagner e quis introduzir na música portuguesa algumas das suas inovações. Compôs, entre outras partituras, as óperas *_Amor de perdição*, com texto italiano, representada no S. Carlos, em 1907, e depois em Hamburgo, e *_Leonor Teles*, de que a Sociedade de Música :, de Câmara revelou o 2.o acto em 1941, um poema sinfónico e uma cantata, *_Inês de Castro*, além de outras peças de menor vulto, nomeadamente para piano solo, em que talvez resida o seu melhor (256). Em todas estas referências o romantismo alemão tem tido pouco ou nenhum cabimento. Foi acaso Óscar da Silva (1870-1958) um dos primeiros músicos portugueses a prestar-lhe homenagem digna de nota, já como pianista, já como compositor. Estudou em Leipsig e depois em Frankfurt am Main, aqui sob a orientação de Clara Schumann, a viúva de Robert Schumann e consagrada pianista. Óscar da Silva pretendeu contudo unir ao romantismo germânico um carácter português, por vias de um saudosismo de inspiração poética tangente ao lirismo de Pascoais. A maior parte da sua obra destina-se ao piano solo, mas escreveu também o poema sinfónico *_Miriam*, a *_Sonata saudade*, para violino e piano, e a ópera *_Dona Mécia*, sobre libreto de Júlio Dantas, que agradou manifestamente ao público lisboeta quando foi representada em 1901, no Coliseu.

Entretanto haviam-se operado grandes modificações no panorama da música europeia. Em França, os músicos e o público de vanguarda dividiam-se entre os partidários da escola de César Franck e os de Debussy. O movimento moderno francês era seguido com ansiedade em todos os meios musicais pelas personalidades mais atentas à cultura contemporânea. Antes, porém, de nos adiantarmos por este caminho é mister determonos ante um caso à parte da música portuguesa desse período. Viana da Mota José Viana da Mota, nascido em São Tomé em 1868, veio com seus pais para a metrópole e, sendo ainda uma criança, revelou espantosa disposição musical. Por felicidade, seu pai era não só amador de música, mas também pessoa inteligente, que soube incitar a extraordinária vocação do filho. Fez o necessário e suficiente para que o rei D. Fernando e a condessa de Edla se interessassem pelo pequeno músico, que, terminado com brilho o curso do Conservatório, seguiu para Berlim com uma bolsa de estudo (257). Na Alemanha, os primeiros contactos com os mestres não foram os mais proveitosos, ainda que pouco tempo depois da chegada a Berlim um crítico comparasse Viana da Mota ao jovem Mozart. As influências decisivas vieram de Carl Schaeffer e Hans von Bülow. Uma estada em Weimar revestiu-se outrossim de grande significado para a carreira do artista português, porquanto recebeu então lições de Franz Liszt. Distinguindo-se desde cedo na Alemanha, Viana da Mota fixou residência em Berlim. De lá irradiaram inúmeras viagens artísticas pela Europa e Américas. Muitas vezes se associou a outros artistas, como Sarasate, Nachez e Ysaye, Amalie Joachim ou Marcella Sembrich, ou o pianista Ferruccio Busoni, que o escolheu para seu colaborador no concerto realizado em Weimar em 1900, assinalando o 14.o aniversário da morte de :, Liszt. Foi considerado, em suma, entre os pianistas verdadeiramente grandes do seu tempo. Encontrava-se Viana da Mota no auge da carreira de concertista quando a primeira guerra mundial o obrigou a abandonar a residência em Berlim. Por indicação de Risler, foi convidado para o lugar de professor da classe de virtuosidade no Conservatório de Genebra, que pertencera a pianistas ilustres, entre os quais o próprio Liszt. Exerceu de facto esse cargo, até que, no fim da guerra, o chamou a Portugal a nomeação para a direcção do Conservatório Nacional. Aliás, Viana da Mota viera ao seu país frequentemente, tantas vezes quantas a sua vida profissional lho permitia. Nesse mesmo ano de 1919 elaborou, com Luís de Freitas Branco, uma notável reforma do ensino no Conservatório, modernizando os programas e os métodos pedagógicos e fornecendo aos alunos meios de obtenção de uma cultura menos rudimentar do que era regra entre os músicos portugueses. No Conservatório regeu uma classe de Curso Superior de Piano e deu inúmeros recitais que foram grande estímulo para os estudantes, até no aspecto material, porquanto muitas vezes os utilizou para obter receitas destinadas aos alunos pobres. No primeiro ano lectivo ulterior à reforma de 1919 (o ano de 1919-1920, portanto), o Conservatório teve 759 alunos internos e 775 externos. Em 1929-1930 estes números ascenderam a 1191 e 1028, respectivamente. Se bem que Viana da Mota fosse ainda director da Escola de Música (sendo Júlio Dantas inspector do Conservatório), não podem ser-lhe assacadas responsabilidades pela lamentável contra-reforma de 1930, retrógrada no que prescindiu na cultura geral e profissional de futuros compositores e intérpretes musicais. A carreira internacional, se bem que prejudicada pelas funções permanentes no Conservatório, não terminou entretanto. E quando, em 1927, a Alemanha comemorou o centenário da morte de Beethoven, Viana da Mota foi chamado a interpretar páginas

das mais transcendentes do genial compositor. A crítica saudou então nele um dos poucos pianistas à altura dessa arte cuja verdadeira interpretação se estava perdendo. Atingido o limite de idade em 1943, Viana da Mota continuou a leccionar, particularmente, e a actuar como pianista, em concertos públicos ou através da rádio, até 1945. Faleceu em Lisboa em 1948, pouco depois de completados os 80 anos. Não é apenas a projecção internacional de Viana da Mota o que o torna um caso isolado entre os músicos portugueses do seu tempo. Na verdade, ele foi um artista de tipo raro não só em Portugal. Possuía, desde novo, uma cultura artística, literária e filosófica notável, que pode dizer-se ter partido do caso Wagner (que o fascinou) e não cessou de se ampliar, em todos os sentidos, até os últimos dias da sua existência. Erravam os que vissem em Viana da Mota apenas um virtuoso extraordinário, admirável pela precisão com que executava trechos os mais difíceis. A sua arte integrava-se num mundo de ideias, num mundo fáustico ou, melhor, goethiano. Porque foi no conjunto da obra de Goethe que Viana da Mota encontrou a sua *_Weltanschauung*. As interpretações que propunha, ao piano ou como chefe de orquestra, eram sempre edifícios de uma bela :, arquitectura, alicerçados num profissionalismo solidíssimo, desenhados não ao sabor da intuição, mas sim em obediência a uma lógica estética em que participavam os múltiplos conhecimentos e os supremos ideais do intelectual e do artista. Por isso as suas lições tiveram alguma coisa de estranho num círculo musical de raio tão curto como o português, onde professores medianos -- ainda que competentes, como um Carlos Botelho -- puderam ser gabados como *non plus ultra* da pedagogia. A grandeza de Viana da Mota era dessas que a maioria das gentes não pode completamente compreender, mas que todos sentem dever respeitar, não por mera obrigação formal, senão que pela força indefinível da verdadeira classe. A mesquinhez do nosso meio não podia deixar de por algum modo o hostilizar; e, no entanto, a sua presença no palco, a realidade imediata das suas execuções magistrais conquistavam o auditório, levando-o quantas vezes ao máximo do entusiasmo. Viana da Mota, o pianista, reflectiu naturalmente a formação germânica. Não, porém, aquela feição que com mais propriedade se chama *romântica*; porque a sua mentalidade era essencialmente clássica. Revelava-o, tanto como as interpretações ao piano, o tom em que se referia a um Dante, um Camões, um Dürer, um Spinoza. Eram elementos de classicismo os que relevava em obras musicais do seu tempo que o interessavam mais vivamente. Como compositor, depois de algumas obras de juventude marcadas do romantismo alemão -- obras que não contava entre as suas representativas --, soube compreender que essa estética não tinha autenticidade histórica. Pareceu-lhe que esta residia mais num nacionalismo de que admirou os exemplos russos, e adaptou essa ordem de ideias ao seu caso de português. No entanto, as influências de um Wagner e de um Liszt são nítidas em páginas já colocadas pelo autor sob o signo nacionalista, como a *_Sinfonia à Pátria* (mormente nos 2.o e 4.o andamentos) e a *_Balada* para piano solo (258). Luís de Freitas Branco Embora tivesse alcançado dos seus mais brilhantes êxitos em Paris, e sempre o tivesse interessado sobremaneira a cultura francesa, Viana da Mota só relativamente tarde se apercebeu da medida em que Debussy afectava o curso da história da música. Foi outro músico português mais novo, pois que nasceu em 1890, quem primeiro introduziu na literatura musical do seu país resultados valiosos da mensagem não só

de Debussy, de Fauré, de Ravel, como de Franck e seus discípulos. Luís de Freitas Branco era também um artista-intelectual. A sua cultura muito vasta, especialmente nos capítulos da música e da literatura, começou muito novo a recebê-la de seu tio João de Freitas Branco. Estudou no estrangeiro, em Paris, com Gabriel Grovlez e em Berlim com Humperdinck, entre 1910 e 1915. De Lisboa levava já conhecimentos adiantados de música, :, ministrados por Augusto Machado, Tomás Borba, pelo maestro Mancinelli e por Désiré Pâques, o compositor belga que hoje é considerado vulto importante da história do atonalismo e que vivia então em Lisboa. A *1.a Sonata para violino e piano*, escrita aos 16 anos e, portanto, anterior também aos estudos no estrangeiro, traduz a admiração do jovem autor por César Franck, ao mesmo tempo que afirma uma personalidade própria. Depois, as *_Folhas de álbum*, os *4 Poemas de Baudelaire*, o poema sinfónico os *_Paraísos artificiais* (estreado por Pedro Blanch em 1913 e pateado pela assistência), as variações *_Vathek*, que David de Sousa se recusou a dirigir por temer a reacção do público, os *10 Prelúdios para piano*, dedicados a Viana da Mota, foram outros tantos aspectos de um processo de actualização e elevação, em Portugal, da arte de compor música. As influências que Freitas Branco então aceitou voluntariamente, assimilando-as a sua superior mentalidade, não foram exclusivamente francesas. Interessaram-no também as inovações da escola contemporânea de Viena e esporadicamente pendeu para o cromatismo extremo que ela preconizava, até as raias da atonalidade. Mas outra, que não impressionista nem expressionista, veio a ser a sua directriz nos períodos da maturidade plena e da superação. Perfilhando um eclectismo que consistia em aceitar como possíveis todas as estéticas e técnicas, mas sempre em função da obra (isto é: da sua índole, do seu conteúdo, da sua mensagem), Freitas Branco acompanhou no entanto a tendência para um novo classicismo que começou a manifestar-se na música europeia durante a segunda década do nosso século. O classicismo do ilustre compositor português estabilizou-se num corpo de doutrina cujos princípios eram o emprego de escalas diferentes das duas vulgares, maior e menor (e também, possivelmente, diferentes dos modos antigos); uma harmonia funcional generalizada, ou seja: admitindo todos os acordes, mas atribuindo-lhes funções rítmicas (efeito do "leve" e do "pesado") e explorando-lhes as virtualidades expressivas; o culto da forma e, de maneira geral, a atitude consciente, racional e analítica do compositor ao processar-se a criação da sua obra (259). O público português não se apercebeu ainda completamente do que significa a produção de Luís de Freitas Branco, o compositor, nem do valor de obras como os *_Madrigais camonianos* ou a 4.a Sinfonia. Tendo falecido em 1955, a sua personalidade de intelectual, de articulista, conferencista e professor está ainda na lembrança de alguns? e o brilho que era seu apanágio deixa ainda supor que esses fossem os principais aspectos da sua actividade. E é certo que adquiriram magna importância, dirigidos que foram sempre no sentido do esclarecimento, da propagação das ideias, da elevação da cultura geral e profissional dos músicos portugueses (260). Outros contributos para a actualização da cultura musical Não eram ainda muitos os músicos portugueses que acompanhavam a evolução da música moderna, procurando estar informados das últimas :, revelações estrangeiras. Mas não foram apenas aqueles cujos nomes, amiúde, e justificadamente, se evocam, como Bernardo Moreira de Sá, Rey Colaço (de quem falaremos adiante), Viana da Mota ou Luís de Freitas Branco. Exemplo, o professor de piano Marcos Garin (1875-1955), que sistematicamente deu a conhecer aos seus discípulos literatura musical recente, segundo elevado critério (261). Foi discípulo de Marcos Garin e Luís de Freitas Branco o infeliz António de Lima

Fragoso (1897-1918), vitimado pela epidemia do fim da guerra. Também ele pertenceu ao número dos que se interessaram pelos movimentos estrangeiros contemporâneos, mormente o francês. O seu talento invulgar pôde ainda legar-nos obras de qualidade, para piano, canto e piano e conjuntos de câmara, em que se encontram páginas surpreendentes num compositor com menos de 21 anos. A morte prematura de António Fragoso é tanto mais sentida como perda para a música portuguesa quanto mais se ouvem esses compassos reveladores de uma sensibilidade (262, 263). Da zona de influência francesa recebeu também Francisco de Lacerda (1869-1934) a sua formação moderna, enquanto David de Sousa (1880-1918) trouxe da Rússia o entusiasmo pelos "cinco" e por Tchaikowsky. Compositor de merecimento, foi todavia como chefe de orquestra que David de Sousa exerceu acção mais relevante, apesar de curta, interceptada pela morte. Tinha o poder da comunicação com o público, os seus concertos no Politeama agitaram a vida lisboeta. Viana da Mota, que lhe sucedeu, não conseguiu o mesmo efeito, porque lhe faltavam dotes histriónicos que o público exigia dum chefe de orquestra. Joaquim Fernandes Fão dirigiu também obras desconhecidas em Portugal de autores modernos, como Richard Strauss. O maestro espanhol Pedro Blanch (1877-1946), que viveu grande parte da sua vida em Portugal e cá findou os seus dias, prestou inestimáveis contributos para a actualização da cultura musical portuguesa. Deveram-se-lhe inúmeras primeiras audições da maior importância, e não só de obras estrangeiras, pois que também deu a conhecer muitas de autoria nacional. A sua bem alicerçada competência fez da Orquestra Sinfónica Portuguesa um conjunto de qualidade notável, em relação às dificuldades do meio. Foi Viana da Mota quem teve a ideia da criação daquela orquestra permanente, por ocasião das comemorações do centenário do nascimento de Liszt, mas a realização só se tornou possível pela dedicação de Pedro Blanch e a compreensão colaborante da empresa do Teatro da República, hoje S. Luís. Os concertos da Orquestra Portuguesa prolongaram-se de 1911 até 1928, ano em que foi dissolvida. Por esta altura, já Pedro de Freitas Branco tentava criar uma companhia portuguesa de ópera, que chegou a apresentar-se em Lisboa e no Porto, e organizava concertos no Tivoli, com a colaboração de artistas como Béla Bartók, Wilhelm Backhaus, Walter Gieseking, Elisabeth Schumann, Glazunov, Alfred Cortot, Jacques Thibaut e outros, concertos esses em cujos programas incluiu muitas obras modernas desconhecidas do público. Estes empreendimentos conduziram a fracassos financeiros. Dir-se-ia passado o tempo em que o público se interessava tão vivamente :, pela boa música que era possível registarem-se enchentes nas duas séries semanais, de Pedro Blanch e David de Sousa, motivos de discussões por vezes apaixonados entre os partidários de um e outro. O nacionalismo Se os músicos portugueses eram unanimes em considerar útil, e mesmo indispensável, o conhecimento das melhores obras estrangeiras, também é certo que as opiniões se dividiam quanto à maneira como elas poderiam servir aos compositores nacionais. Assim, Augusto Machado parece ter considerado mais viável uma arte caracterizadamente portuguesa no domínio ligeiro, ou semiligeiro, digamos assim. Alfredo Keil, depois de se ter experimentado num género também leve, de ter apresentado a ópera cómica em um acto *_Susana*, em 1883, as cantatas *_Patrie* e *_Orientais* ( 1885 e 1886), a ópera *_D. Branca*, em 1888, no S. Carlos, e a *_Irene*, em 1893, no Teatro Régio de Turim -- depois destas obras marcadas ainda de italianismo e com influências francesas, dá o exemplo de uma ópera nacional com a *_Serrana*, sobre libreto de Henrique Lopes de Mendonça, baseado no conto *_Como ela amava*, de Camilo Castelo Branco. A estreia efectuou-se no S. Carlos, em 1899. Têm também significado histórico as *_Rapsódias portuguesas*, de Vítor Hussla, outro músico de origem alemã que preconizou o nacionalismo português (264). Vimos que Óscar da Silva procurou o carácter português pela expressão saudosista,

ao mesmo tempo que um Francisco de Lacerda aplicava o requinte da sua formação francesa a motivos populares. No sector de Alexandre Rey Colaço (1854-1928) -- a que pertenciam não só músicos, mas também outros artistas e intelectuais, como Afonso Lopes Vieira -- defendia-se a causa da música essencialmente portuguesa. Vimos também que Viana da Mota, passado o período de aprendizagem, enveredou decididamente por uma arte de feição nacional, muitas vezes directamente inspirada em temas populares, ou popularizados. E no eclectismo de Luís de Freitas Branco, ao lado dos poemas sinfónicos, das sinfonias, das sonatas, do quarteto, houve lugar para as *_Suites alentejanas* e para inúmeras harmonizações de canções do povo. Aliás, Freitas Branco dizia demandar um portuguesismo autêntico nas suas obras da última maneira, portuguesismo não necessariamente de aspecto folclórico, de que a *3.a Sinfonia* e os *_Madrigais camonianos* são talvez os mais altos expoentes. Naquela diversidade encontra-se algo de comum, que podemos denominar por tendência nacionalista. Note-se que também neste caso a cultura musical portuguesa se atrasou, porquanto se trata, de algum modo, do equivalente dos fenómenos estrangeiros que conhecemos pelos nomes de um Weber, de um Chopin, de um Liszt, dos "cinco" russos, de Smetana, ou de Grieg. A Espanha, talvez por motivos análogos aos portugueses, também esperou até Granados e Albéniz (265). _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 13 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _décimo _primeiro _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações

_europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal _edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 __capítulo __vii (cont.) Viana da Mota José Viana da Mota, nascido em São Tomé em 1868, veio com seus pais para a metrópole e, sendo ainda uma criança, revelou espantosa disposição musical. Por felicidade, seu pai era não só amador de música, mas também pessoa inteligente, que soube incitar a extraordinária vocação do filho. Fez o necessário e suficiente para que o rei D. Fernando e a condessa de Edla se interessassem pelo pequeno músico, que, terminado com brilho o curso do Conservatório, seguiu para Berlim com uma bolsa de estudo (257). Na Alemanha, os primeiros contactos com os mestres não foram os mais proveitosos, ainda que pouco tempo depois da chegada a Berlim um crítico comparasse Viana da Mota ao jovem Mozart. As influências decisivas vieram de Carl Schaeffer e Hans von Bülow. Uma estada em Weimar revestiu-se outrossim de grande significado para a carreira do artista português, porquanto recebeu então lições de Franz Liszt. Distinguindo-se desde cedo na Alemanha, Viana da Mota fixou residência em Berlim. De lá irradiaram inúmeras viagens artísticas pela Europa e Américas. Muitas vezes se associou a outros artistas, como Sarasate, Nachez e Ysaye, Amalie Joachim ou Marcella Sembrich, ou o pianista Ferruccio Busoni, que o escolheu para seu colaborador no concerto realizado em Weimar em 1900, assinalando o 14.o aniversário da morte de :, Liszt. Foi considerado, em suma, entre os pianistas verdadeiramente grandes do seu tempo. Encontrava-se Viana da Mota no auge da carreira de concertista quando a primeira guerra mundial o obrigou a abandonar a residência em Berlim. Por indicação de Risler, foi convidado para o lugar de professor da classe de virtuosidade no

Conservatório de Genebra, que pertencera a pianistas ilustres, entre os quais o próprio Liszt. Exerceu de facto esse cargo, até que, no fim da guerra, o chamou a Portugal a nomeação para a direcção do Conservatório Nacional. Aliás, Viana da Mota viera ao seu país frequentemente, tantas vezes quantas a sua vida profissional lho permitia. Nesse mesmo ano de 1919 elaborou, com Luís de Freitas Branco, uma notável reforma do ensino no Conservatório, modernizando os programas e os métodos pedagógicos e fornecendo aos alunos meios de obtenção de uma cultura menos rudimentar do que era regra entre os músicos portugueses. No Conservatório regeu uma classe de Curso Superior de Piano e deu inúmeros recitais que foram grande estímulo para os estudantes, até no aspecto material, porquanto muitas vezes os utilizou para obter receitas destinadas aos alunos pobres. No primeiro ano lectivo ulterior à reforma de 1919 (o ano de 1919-1920, portanto), o Conservatório teve 759 alunos internos e 775 externos. Em 1929-1930 estes números ascenderam a 1191 e 1028, respectivamente. Se bem que Viana da Mota fosse ainda director da Escola de Música (sendo Júlio Dantas inspector do Conservatório), não podem ser-lhe assacadas responsabilidades pela lamentável contra-reforma de 1930, retrógrada no que prescindiu na cultura geral e profissional de futuros compositores e intérpretes musicais. A carreira internacional, se bem que prejudicada pelas funções permanentes no Conservatório, não terminou entretanto. E quando, em 1927, a Alemanha comemorou o centenário da morte de Beethoven, Viana da Mota foi chamado a interpretar páginas das mais transcendentes do genial compositor. A crítica saudou então nele um dos poucos pianistas à altura dessa arte cuja verdadeira interpretação se estava perdendo. Atingido o limite de idade em 1943, Viana da Mota continuou a leccionar, particularmente, e a actuar como pianista, em concertos públicos ou através da rádio, até 1945. Faleceu em Lisboa em 1948, pouco depois de completados os 80 anos. Não é apenas a projecção internacional de Viana da Mota o que o torna um caso isolado entre os músicos portugueses do seu tempo. Na verdade, ele foi um artista de tipo raro não só em Portugal. Possuía, desde novo, uma cultura artística, literária e filosófica notável, que pode dizer-se ter partido do caso Wagner (que o fascinou) e não cessou de se ampliar, em todos os sentidos, até os últimos dias da sua existência. Erravam os que vissem em Viana da Mota apenas um virtuoso extraordinário, admirável pela precisão com que executava trechos os mais difíceis. A sua arte integrava-se num mundo de ideias, num mundo fáustico ou, melhor, goethiano. Porque foi no conjunto da obra de Goethe que Viana da Mota encontrou a sua *_Weltanschauung*. As interpretações que propunha, ao piano ou como chefe de orquestra, eram sempre edifícios de uma bela :, arquitectura, alicerçados num profissionalismo solidíssimo, desenhados não ao sabor da intuição, mas sim em obediência a uma lógica estética em que participavam os múltiplos conhecimentos e os supremos ideais do intelectual e do artista. Por isso as suas lições tiveram alguma coisa de estranho num círculo musical de raio tão curto como o português, onde professores medianos -- ainda que competentes, como um Carlos Botelho -- puderam ser gabados como *non plus ultra* da pedagogia. A grandeza de Viana da Mota era dessas que a maioria das gentes não pode completamente compreender, mas que todos sentem dever respeitar, não por mera obrigação formal, senão que pela força indefinível da verdadeira classe. A mesquinhez do nosso meio não podia deixar de por algum modo o hostilizar; e, no entanto, a sua presença no palco, a realidade imediata das suas execuções magistrais conquistavam o auditório, levando-o quantas vezes ao máximo do

entusiasmo. Viana da Mota, o pianista, reflectiu naturalmente a formação germânica. Não, porém, aquela feição que com mais propriedade se chama *romântica*; porque a sua mentalidade era essencialmente clássica. Revelava-o, tanto como as interpretações ao piano, o tom em que se referia a um Dante, um Camões, um Dürer, um Spinoza. Eram elementos de classicismo os que relevava em obras musicais do seu tempo que o interessavam mais vivamente. Como compositor, depois de algumas obras de juventude marcadas do romantismo alemão -- obras que não contava entre as suas representativas --, soube compreender que essa estética não tinha autenticidade histórica. Pareceu-lhe que esta residia mais num nacionalismo de que admirou os exemplos russos, e adaptou essa ordem de ideias ao seu caso de português. No entanto, as influências de um Wagner e de um Liszt são nítidas em páginas já colocadas pelo autor sob o signo nacionalista, como a *_Sinfonia à Pátria* (mormente nos 2.o e 4.o andamentos) e a *_Balada* para piano solo (258). Luís de Freitas Branco Embora tivesse alcançado dos seus mais brilhantes êxitos em Paris, e sempre o tivesse interessado sobremaneira a cultura francesa, Viana da Mota só relativamente tarde se apercebeu da medida em que Debussy afectava o curso da história da música. Foi outro músico português mais novo, pois que nasceu em 1890, quem primeiro introduziu na literatura musical do seu país resultados valiosos da mensagem não só de Debussy, de Fauré, de Ravel, como de Franck e seus discípulos. Luís de Freitas Branco era também um artista-intelectual. A sua cultura muito vasta, especialmente nos capítulos da música e da literatura, começou muito novo a recebê-la de seu tio João de Freitas Branco. Estudou no estrangeiro, em Paris, com Gabriel Grovlez e em Berlim com Humperdinck, entre 1910 e 1915. De Lisboa levava já conhecimentos adiantados de música, :, ministrados por Augusto Machado, Tomás Borba, pelo maestro Mancinelli e por Désiré Pâques, o compositor belga que hoje é considerado vulto importante da história do atonalismo e que vivia então em Lisboa. A *1.a Sonata para violino e piano*, escrita aos 16 anos e, portanto, anterior também aos estudos no estrangeiro, traduz a admiração do jovem autor por César Franck, ao mesmo tempo que afirma uma personalidade própria. Depois, as *_Folhas de álbum*, os *4 Poemas de Baudelaire*, o poema sinfónico os *_Paraísos artificiais* (estreado por Pedro Blanch em 1913 e pateado pela assistência), as variações *_Vathek*, que David de Sousa se recusou a dirigir por temer a reacção do público, os *10 Prelúdios para piano*, dedicados a Viana da Mota, foram outros tantos aspectos de um processo de actualização e elevação, em Portugal, da arte de compor música. As influências que Freitas Branco então aceitou voluntariamente, assimilando-as a sua superior mentalidade, não foram exclusivamente francesas. Interessaram-no também as inovações da escola contemporânea de Viena e esporadicamente pendeu para o cromatismo extremo que ela preconizava, até as raias da atonalidade. Mas outra, que não impressionista nem expressionista, veio a ser a sua directriz nos períodos da maturidade plena e da superação. Perfilhando um eclectismo que consistia em aceitar como possíveis todas as estéticas e técnicas, mas sempre em função da obra (isto é: da sua índole, do seu conteúdo, da sua mensagem), Freitas Branco acompanhou no entanto a tendência para um novo classicismo que começou a manifestar-se na música europeia durante a segunda década do nosso século. O classicismo do ilustre compositor português estabilizou-se num corpo de doutrina cujos princípios eram o emprego de escalas diferentes das duas vulgares, maior e menor (e também, possivelmente, diferentes dos modos antigos); uma harmonia funcional generalizada, ou seja: admitindo todos os acordes, mas atribuindo-lhes funções rítmicas (efeito do "leve" e do "pesado") e

explorando-lhes as virtualidades expressivas; o culto da forma e, de maneira geral, a atitude consciente, racional e analítica do compositor ao processar-se a criação da sua obra (259). O público português não se apercebeu ainda completamente do que significa a produção de Luís de Freitas Branco, o compositor, nem do valor de obras como os *_Madrigais camonianos* ou a 4.a Sinfonia. Tendo falecido em 1955, a sua personalidade de intelectual, de articulista, conferencista e professor está ainda na lembrança de alguns? e o brilho que era seu apanágio deixa ainda supor que esses fossem os principais aspectos da sua actividade. E é certo que adquiriram magna importância, dirigidos que foram sempre no sentido do esclarecimento, da propagação das ideias, da elevação da cultura geral e profissional dos músicos portugueses (260). Outros contributos para a actualização da cultura musical Não eram ainda muitos os músicos portugueses que acompanhavam a evolução da música moderna, procurando estar informados das últimas :, revelações estrangeiras. Mas não foram apenas aqueles cujos nomes, amiúde, e justificadamente, se evocam, como Bernardo Moreira de Sá, Rey Colaço (de quem falaremos adiante), Viana da Mota ou Luís de Freitas Branco. Exemplo, o professor de piano Marcos Garin (1875-1955), que sistematicamente deu a conhecer aos seus discípulos literatura musical recente, segundo elevado critério (261). Foi discípulo de Marcos Garin e Luís de Freitas Branco o infeliz António de Lima Fragoso (1897-1918), vitimado pela epidemia do fim da guerra. Também ele pertenceu ao número dos que se interessaram pelos movimentos estrangeiros contemporâneos, mormente o francês. O seu talento invulgar pôde ainda legar-nos obras de qualidade, para piano, canto e piano e conjuntos de câmara, em que se encontram páginas surpreendentes num compositor com menos de 21 anos. A morte prematura de António Fragoso é tanto mais sentida como perda para a música portuguesa quanto mais se ouvem esses compassos reveladores de uma sensibilidade (262, 263). Da zona de influência francesa recebeu também Francisco de Lacerda (1869-1934) a sua formação moderna, enquanto David de Sousa (1880-1918) trouxe da Rússia o entusiasmo pelos "cinco" e por Tchaikowsky. Compositor de merecimento, foi todavia como chefe de orquestra que David de Sousa exerceu acção mais relevante, apesar de curta, interceptada pela morte. Tinha o poder da comunicação com o público, os seus concertos no Politeama agitaram a vida lisboeta. Viana da Mota, que lhe sucedeu, não conseguiu o mesmo efeito, porque lhe faltavam dotes histriónicos que o público exigia dum chefe de orquestra. Joaquim Fernandes Fão dirigiu também obras desconhecidas em Portugal de autores modernos, como Richard Strauss. O maestro espanhol Pedro Blanch (1877-1946), que viveu grande parte da sua vida em Portugal e cá findou os seus dias, prestou inestimáveis contributos para a actualização da cultura musical portuguesa. Deveram-se-lhe inúmeras primeiras audições da maior importância, e não só de obras estrangeiras, pois que também deu a conhecer muitas de autoria nacional. A sua bem alicerçada competência fez da Orquestra Sinfónica Portuguesa um conjunto de qualidade notável, em relação às dificuldades do meio. Foi Viana da Mota quem teve a ideia da criação daquela orquestra permanente, por ocasião das comemorações do centenário do nascimento de Liszt, mas a realização só se tornou possível pela dedicação de Pedro Blanch e a compreensão colaborante da empresa do Teatro da República, hoje S. Luís. Os concertos da Orquestra Portuguesa prolongaram-se de 1911 até 1928, ano em que foi dissolvida. Por esta altura, já Pedro de Freitas Branco tentava criar uma companhia portuguesa de ópera, que chegou a apresentar-se em Lisboa e no Porto, e organizava concertos no Tivoli, com a colaboração de artistas como Béla Bartók, Wilhelm Backhaus, Walter Gieseking, Elisabeth Schumann, Glazunov, Alfred Cortot,

Jacques Thibaut e outros, concertos esses em cujos programas incluiu muitas obras modernas desconhecidas do público. Estes empreendimentos conduziram a fracassos financeiros. Dir-se-ia passado o tempo em que o público se interessava tão vivamente :, pela boa música que era possível registarem-se enchentes nas duas séries semanais, de Pedro Blanch e David de Sousa, motivos de discussões por vezes apaixonados entre os partidários de um e outro. O nacionalismo Se os músicos portugueses eram unanimes em considerar útil, e mesmo indispensável, o conhecimento das melhores obras estrangeiras, também é certo que as opiniões se dividiam quanto à maneira como elas poderiam servir aos compositores nacionais. Assim, Augusto Machado parece ter considerado mais viável uma arte caracterizadamente portuguesa no domínio ligeiro, ou semiligeiro, digamos assim. Alfredo Keil, depois de se ter experimentado num género também leve, de ter apresentado a ópera cómica em um acto *_Susana*, em 1883, as cantatas *_Patrie* e *_Orientais* ( 1885 e 1886), a ópera *_D. Branca*, em 1888, no S. Carlos, e a *_Irene*, em 1893, no Teatro Régio de Turim -- depois destas obras marcadas ainda de italianismo e com influências francesas, dá o exemplo de uma ópera nacional com a *_Serrana*, sobre libreto de Henrique Lopes de Mendonça, baseado no conto *_Como ela amava*, de Camilo Castelo Branco. A estreia efectuou-se no S. Carlos, em 1899. Têm também significado histórico as *_Rapsódias portuguesas*, de Vítor Hussla, outro músico de origem alemã que preconizou o nacionalismo português (264). Vimos que Óscar da Silva procurou o carácter português pela expressão saudosista, ao mesmo tempo que um Francisco de Lacerda aplicava o requinte da sua formação francesa a motivos populares. No sector de Alexandre Rey Colaço (1854-1928) -- a que pertenciam não só músicos, mas também outros artistas e intelectuais, como Afonso Lopes Vieira -- defendia-se a causa da música essencialmente portuguesa. Vimos também que Viana da Mota, passado o período de aprendizagem, enveredou decididamente por uma arte de feição nacional, muitas vezes directamente inspirada em temas populares, ou popularizados. E no eclectismo de Luís de Freitas Branco, ao lado dos poemas sinfónicos, das sinfonias, das sonatas, do quarteto, houve lugar para as *_Suites alentejanas* e para inúmeras harmonizações de canções do povo. Aliás, Freitas Branco dizia demandar um portuguesismo autêntico nas suas obras da última maneira, portuguesismo não necessariamente de aspecto folclórico, de que a *3.a Sinfonia* e os *_Madrigais camonianos* são talvez os mais altos expoentes. Naquela diversidade encontra-se algo de comum, que podemos denominar por tendência nacionalista. Note-se que também neste caso a cultura musical portuguesa se atrasou, porquanto se trata, de algum modo, do equivalente dos fenómenos estrangeiros que conhecemos pelos nomes de um Weber, de um Chopin, de um Liszt, dos "cinco" russos, de Smetana, ou de Grieg. A Espanha, talvez por motivos análogos aos portugueses, também esperou até Granados e Albéniz (265). :, Era o nacionalismo oitocentista, outro aspecto, afinal, da evolução da sociedade europeia de que, no principio deste capitulo, se ensaiou pequeno resumo. Nacionalismo que, no campo da música, foi uma estilização, um excerto de elementos nacionais numa técnica, uma gramática musical que vinha do passado e cujos fundamentos permaneciam os mesmos. Outra coisa veio a ser o nacionalismo ou, antes, a rusticidade de um Béla Bartók, descoberta, por meio da investigação folclórica e do método científico, de elementos para a criação de uma arte nova desde a raiz, capaz de validamente suceder a uma longa linha evolutiva que chegara às últimas consequências. Interpretação musical Além dos intérpretes portugueses já referidos, como o violinista Sá Noronha, o

pianista Artur Napoleão, o insigne Viana da Mota, Óscar da Silva, o maestro David de Sousa, notabilizaram-se o barítono Francisco de Andrade (1859-1921), seu irmão António (1854-1942), a soprano Maria Augusta Correia da Cruz (1869-1901), Francisco de Lacerda, como chefe de orquestra, e a violoncelista Guilhermina Suggia (18781950). Todos estes artistas fizeram carreira internacional e alcançaram reputações justificadas (266). Para se ajuizar da craveira de Francisco de Andrade como intérprete de ópera bastam estas palavras escritas por Bruno Walter nas suas memórias: "outra realização que nunca esquecerei foi o fascinante *_Don Giovanni* de Andrade, um dos raros exemplos em que um artista parecia, por natureza, predestinado ao papel. Em 1901, em Riga, dirigi o *_Don Giovanni* com Andrade como artista convidado. A sua voz tinha-se deteriorado sensivelmente, mas nem por isso deixou de me ser grata a renovada impressão de extático ouvinte, confirmada enquanto o observava da estante de regência e através de contacto pessoal. Também evoco com admiração o brilhante Figaro de Andrade no *_Barbeiro de Sevilha*, o seu humor exuberante, a sua natural vivacidade, o seu esplendor vocal, a sua mestria técnica na palavra falada e a sua aristocrática elegância, que, por certo, ia menos bem ao barbeiro do que ao Dom." (267) O tenor António de Andrade percorreu a Europa como artista lírico de categoria reconhecida, contracenando, em papéis importantes, com alguns dos mais afamados cantores da época, como Cotogni ou Marie Rose. Foi ele o criador do principal personagem da ópera *_I promessi sposi*, de Ponchielli, no Teatro Rossini, de Livorno. Maria Augusta Correia da Cruz teve uma carreira curta mas brilhante, na Europa e América do Sul, interpretando papéis como a Desdémona do *_Otelo*, de Verdi, a Elisabeth e a Elsa do *_Tannhäuser* e do *_Lohengrin*, de Wagner. No domínio da direcção de orquestra, o açoriano Francisco de Lacerda foi o primeiro português que alcançou prestigio no estrangeiro. Vincent d'_Indy depositou nele confiança suficiente para o tornar seu substituto na :, regência da classe de orquestra da *_Schola Cantorum*. Mais tarde aperfeiçoou-se com Nikisch e Richter na Alemanha. Funda em 1905, e dirige até 1908, os Concertos Históricos de Nantes; rege de 1908 a 1912 os concertos do Kursaal de Montreux, onde dá a conhecer muitas obras de autores como Borodin, Mussorgsky, Fauré, Debussy. Dirigiu os Grandes Concertos Clássicos de Marselha e foi convidado a ingressar como chefe de orquestra na companhia de bailado de Diaghilev em 1913 (o ano da *_Sagração da primavera*), convite que se viu obrigado a recusar. Indicou, para o efeito, um maestro que fora seu discípulo e que ia tornar-se muito conhecido: Ernest Ansermet. Lacerda pretendeu contribuir com o seu saber e o seu prestígio para o progresso da cultura musical portuguesa. Pouco depois de chegar à capital, em 1921, fundou a Filarmónica de Lisboa e com ela realizou uma série de concertos memoráveis. Mas o empreendimento não teve continuidade, talvez porque a mentalidade do dirigente se tivesse afastado grandemente do meio português, com as suas tradicionais peculiaridades. Se Guilhermina Suggia não teve tão dilatada carreira no estrangeiro como alguns dos seus colegas e compatriotas, não é razão para que lhe atribuamos menor valor. Para além-fronteiras, foi em Inglaterra que se prestou inteira justiça ao seu talento extraordinário, que tinha algo de genial. Se é legítima a distinção entre intérpretes intelectuais e impulsivos, nenhuma comparação a pode ilustrar melhor do que a que se fizesse entre Viana da Mota e Guilhermina Suggia. Exceptuadas as peças de bravura, nomeadamente as de Liszt, em que Viana da Mota era magistral, os grandes monumentos do pensamento beethoveniano, ou de Johann Sebastian Bach, foram as coroas de glória do emigrante pianista, enquanto a

inconfundível violoncelista portuense atingia o seu máximo em páginas como os concertos de Saint-Saëns, de Lalo, Dvorák ou de Elgar, como as *_Variações* de Boëllmann ou, no género miniatural, a transcrição da *_Habanera*, de Ravel. Fascinava então o público pela fibra da interpretação, a elegância da linha melódica, a vivacidade do ritmo, a graça de uma simples inflexão da frase, tudo como se fosse inteiramente espontâneo, transfigurando o imenso labor de preparação necessário a qualquer artista de craveira. Viana da Mota e Guilhermina Suggia formaram escola em Portugal e a sua acção pedagógica reflecte-se hoje em considerável número de pianistas e violoncelistas de merecimento, alguns em vias de carreira internacional. Aos seus nomes deve acrescentar-se o de Alexandre Rey Colaço, intérprete notável, bem como, relativamente ao Porto, Hernâni Torres (1881-1939). Rey Colaço fez o curso de piano no Conservatório de Madrid e mais tarde, depois de se ter apresentado em Lisboa, em 1880, partiu para França, onde prosseguiu os seus estudos, que veio a terminar na Alemanha sob a orientação de mestres tão ilustres como o pianista Ernest Rudorff e o musicólogo Philipp Spitta. Teve a honra de lhe ser confiada a regência de uma classe de piano da Escola Superior de Música, em Berlim, de que era director o célebre violinista Joachim. Rey Colaço fixou-se definitivamente em Lisboa em 1887, consagrando-se à actividade de concertista -- através da qual deu a conhecer muitas obras :, basilares e fomentou o gosto pela música de câmara -- e, principalmente, à de professor, quer no Conservatório quer em curso particular. A sua personalidade culta, inteligente e cativante e os seus conhecimentos da arte pianística e dos segredos da interpretação musical formaram uma plêiade de pianistas distintos, alguns dos quais procuram, através do ensino, manter viva a sua escola. Como compositor, deixou peças que o colocam na corrente nacionalista, mas nem sempre de carácter português, pois também o tocou o estro popular espanhol. É facto de salientar o de todos os músicos mencionados, que se notabilizaram nesse período dividido entre o século XIX e o presente, terem beneficiado do contacto com os meios estrangeiros mais desenvolvidos e, por assim dizer, mais europeus do que o português. Se bem que o mesmo se não tivesse dado com uma cantora excelente -Laura Wake Marques (1879-1957), que bem poderia ter conhecido triunfos no estrangeiro, se os houvesse procurado --, aquele facto é de ponderar pelo que demonstra de inviabilidade de uma cultura musical estritamente nacionalista. O barítono de bela e potente voz D. Francisco de Sousa Coutinho (1867-1924) -conhecido por Chico Redondo nos meios de boémia -- foi um caso especial e pitoresco. A sua figura estava talhada para representar o gordo Falstaff, de que foi intérprete aplaudido. Elogiou-o o famoso tenor Tamagno, com quem colaborou no *_Otelo*, de Verdi, no papel de Iago. Não deve omitir-se um grupo de violinistas como o mencionado Bernardo Moreira de Sá, Alexandre Bettencourt (n. 1868) -- porventura o mais categorizado de todos --, Júlio Cradona (n. 1879), Luís Barbosa (n. 1887) e Tomás de Lima (n. 1887) (268). Cabe nestas considerações votadas à interpretação musical a alusão a um instrumentista de primeira qualidade que, não sendo português, residiu e actuou em Portugal durante tempo suficiente para obrigar a que o lembrem as páginas deste livro. O eminente Pablo Casals pertenceu a um conjunto instrumental contratado pelo Casino de Espinho e conheceu de perto a vida musical portuguesa, tendo colaborado com artistas como Artur Napoleão, Bernardo Moreira de Sá, Viana da Mota e Guilhermina Suggia. Ainda novo, impunha Já uma admiração que transparece desta referência curiosa, publicada no *_Primeiro de Janeiro*, a propósito da morte de um modesto violoncelista italiano, de nome Joaquim Casella, que se fixara no Porto (269). Diz-nos a nota biográfica:

"Repugnava-lhe tocar onde se estivesse de chapéu na cabeça e se fizesse ruído [...] Necessidades da vida e principalmente por ter visto a tocar num café em Espinho o grande violoncelista espanhol Casals, levaram-no a transigir e foi contratado há anos para tocar num café em Matosinhos." (270) Música ligeira A chamada *música ligeira* não pode ser banida totalmente de uma história da música portuguesa, ainda que resumida como esta tem de ser e :, consagrada aos aspectos mais elevados da arte dos sons. Aliás, a distinção entre um conceito e outro é produto da mentalidade moderna, germinada nos séculos XVII e XVIII. Em tempos mais recuados, música séria era, verdadeiramente, a religiosa. Essa outra diferenciação processou-se com a progressiva secularização da cultura. Vimos que, no século XVIII, música popularizada entrou nas récitas de António José da Silva. Em 1792 começou a publicar-se o *_Jornal de Modinhas*, onde, entre outras, apareceram composições de Marcos Portugal. A modinha foi importante agente de intercâmbio natural com o Brasil, como o vieram a ser, igualmente ao nível ligeiro, o lundum e o fado. No século XIX também compositores de responsabilidade se permitiram contactar com o público menos cultivado, mormente no domínio do teatro. São exemplos um Augusto Machado, um Alfredo Keil, um Luís Filgueiras. Este último, em Lisboa, e, antes dele, Ciríaco Cardoso, no Porto, em 1891, tentaram atrair à melhor música o público dos espectáculos ligeiros por via de operas do reportório traduzidas em português. Foi em meados do século, e por influência francesa, que surgiu a *revista do ano*, novo género de teatro musicado diferente da opereta. Era a progenitora do actual espectáculo de revista, diverso hoje do que foi ao longo da sua curta história. Em 1874 apareceu a primeira revista que não era do "ano", escrita por Sousa Bastos e Baptista Machado, que, por sinal, não agradou. O público exigia espírito, chiste, oportunidade (sobretudo política) e, também, música acessível e agradável ao ouvido. A revista era alguma coisa de vivo e agitante, davam-se casos como o de Rodrigo da Fonseca pedindo à empresa de Manuel Roussado que, numa rábula do escandaloso *_Fossilismo e progresso* (1855), a figura escarnecida do marechal Saldanha fosse substituída pela sua própria, e até com traje de raposa, se quisessem! *_Tempora mutantur (271). Se na música de revista não encontramos nenhum equivalente, em qualidade, dos melhores exemplos estrangeiros de música ligeira -- contando embora os números de mais feliz inspiração, alguns dos quais permaneceram longamente em voga, -- também é verdade que esse género de espectáculo, antes de chegar ao estado de degradação em que hoje se encontra, teve virtualidades que foi pena não produzissem outros frutos musicais, talvez por falta de um compositor de centelha genial. De qualquer maneira, e atentos os exemplos de um Chabrier, de um Granados, de um Richard Strauss, de um Albert Roussel --para citarmos só alguns --, não será disparatado sugerir que a música ligeira portuguesa seja tratada com menos desprezo por compositores "sérios" de hoje. Talvez que o seu estudo pudesse conduzir a uma solução (entre outras possíveis) do debatido problema da música nacional, isto é, da caracterização de uma arte inconfundível com a de outras nações. A ideia não é propriamente nova, tem sido praticada de algum modo, e por vezes com valor artístico, mas não pode encontrar adeptos nos que, talvez movidos por uma espécie de sentimento de casta, supõem absolutamente inconciliável com uma arte superior qualquer elemento marcado de superficialidade ligeira. :, Edição de música Desde o momento em que, instalados ainda no remoto século XV, aludimos às primeiras imprensas musicais pouco temos falado de edições portuguesas. Na verdade, este

ponto reflecte mais do que qualquer outro as limitações nacionais, impostas pela pobreza do meio e por outras consabidas circunstancias. Note-se que também nos outros países a edição musical foi restrita enquanto a regra era compor para determinada oportunidade, sem preocupação de deixar obra para o futuro. Por outras palavras: até princípios do século XIX. Mozart, cujo catálogo de composições ascende acima de seiscentas, só teve cerca de setenta publicadas em vida e Schubert não encontrou editor para nenhuma das suas sinfonias. Em Portugal, o século XIX e o XX, até hoje, não ofereceram muitas mais possibilidades de edição aos compositores, principalmente por motivo de falta de mercado compensador das despesas e, também, do interesse do Estado. Em entrevista concedida ao autor deste livro, Paul Hindemith afirmou fácil a solução do problema, desde que exista boa música portuguesa, uma vez que poderosas casas editoras estrangeiras anseiam por originais modernos, oriundo de onde quer que seja. Em todo o caso, concretizaram-se as esperanças inicialmente depositadas na Fundação Calouste Gulbenkian, que desde há muito inscreveu nas suas iniciativas culturais a edição de música de autoria portuguesa. Há, portanto, todas as razões para enaltecer o esforço daqueles estabelecimentos comerciais, como o de Moreira de Sá, no Porto, a antiga Casa Sassetti ou o salão _neuparth (actual Valentim de Carvalho), em Lisboa, que, entre outros, deram à estampa obras dos melhores compositores portugueses do período que estamos focando (272). As partituras da *_Serrana*, de Alfredo Keil (a primeira ópera impressa em língua portuguesa), e da *_Sinfonia à Pátria*, de Viana da Mota, foram editadas no Brasil. Musicografia Poucas foram também as publicações de textos sobre música em Portugal. Casos como o da *_História da música* (de que só se publicou o 1.o volume, em 1920) e da *_História da evolução musical*, de Bernardo Moreira de Sá, constituíram excepções, enquanto em páginas de jornais e revistas ia sendo mais frequente a matéria de música. Na já mencionada *_A Arte Musical*, de Lambertini, e na *_Amphion*, fundada por Augusto Neuparth, colaboraram personalidades como Viana da Mota e António Arroio (273). Casos excepcionais foram também os de um Joaquim de Vasconcelos, com o seu dicionário *_Os músicos portugueses*, de Ernesto Vieira, com o *_Dicionário biográfico de músicos portugueses*, de um Manuel de Almeida Carvalhais, ou dos inúmeros subsídios musicológicos de um Sousa Viterbo. No entanto, e tal :, como em capítulos anteriores, as referências explícitas que aqui se fazem não esgotam o que sobre música se escreveu em Portugal na transição do século XIX para o XX. De portugueses que no estrangeiro se tenham dedicado à musicologia e ciências musicais cabe distinguir Frederico Nascimento (1852-1924), que se fixou no Brasil (274). O desenvolvimento da crítica musical e o ocuparem-se dela homens de craveira mental de António Arroio, Viana da Mota, Francisco de Lacerda, Luís de Freitas Branco esboçaram um círculo que, noutros países, havia muito se fechara: o círculo produção-crítica-produção, activador poderoso da vida musical de uma sociedade moderna. Ainda hoje não há em Portugal grande probabilidade de que uma crítica idoneamente favorável conduza, pela estimulação do público e dos influentes, à proliferação daquilo que lhe mereceu incitamento. Os múltiplos e eficientes aspectos por que esse círculo activante se apresenta nos grandes meios quase se não manifestaram ainda. Assim, não há exemplo de sistematicamente se atrair a atenção pública para determinado autor, por meio de artigos, ensaios, monografias biográficas e analíticas segundo um plano pré-estabelecido, criando o auditório para a sua música e o mercado para as edições das suas obras, impressas ou gravadas em disco (275).

Actualmente a multiplicação e o aperfeiçoamento dos meios de informação, o concomitante aumento do número de manifestações musicais e dos que por elas se interessaram, a necessidade de variar programações tão densas e contínuas como as de rádio ou de televisão -- a própria força da evolução histórica, em suma, parece querer rapidamente mudar o curso dessa tradição de tentativas isoladas, que por certo contribuíram -- e mais do que no geral se admite -- para que a música em Portugal deixasse de ser mal olhada ocupação de uns poucos, sem grande função nem cotação social. CAPÍTULO VIII A ACTUALIDADE (276) Um problema que persiste A prática da boa música em Portugal concentra-se hoje em Lisboa e no Porto, manifesta-se com alguma regularidade em poucas mais cidades, é esporádica noutros aglomerados populacionais e não existe na quase totalidade do território. Problema basilar da cultura musical portuguesa, hoje como ontem (277). Nunca houve uma significante percentagem de apreciadores da melhor música e de quem a execute em horas vagas, como se lê um romance ou se cultivam flores por amadorismo (278). Em Lisboa, onde os amadores de música parecem em vias de aumento considerável, a atitude da população musicófila é passiva, recebendo audições para as quais eventualmente concorre pela acção de comprar bilhete para um concerto, ou adquirir algum disco, ou somente rodar um botão de telefonia. Amadores de música. Os músicos amadores, esses, são anomalia ainda mais rara. A iniciativa particular Aquela propagação do gosto musical, que, todavia, se tem verificado, deve-se muito à iniciativa particular. Em capítulos precedentes, assistimos à fundação de colectividades musicais, e algumas das que hoje existem vêm de relativamente longe: o Orpheon Portuense, a Academia de Amadores de Música, a Sociedade Nacional de Música de Câmara, a Sociedade de Concertos de Lisboa. Que nem sempre o progresso tem sido a regra nestas instituições demonstra-o só por si o exemplo da Academia de Amadores de Música, que chegou a possuir uma orquestra sinfónica de louvada qualidade. O Círculo de Cultura Musical, organização mais nova, é obra de Elisa de Sousa Pedroso; a mais importante, mas não a única devida a essa personalidade inconfundível que perdemos em 1958 (279). Elisa Pedroso não se limitava ao papel de animadora e patrocionadora, por isso ela própria era pianista de mérito. Levou a públicos estrangeiros a mensagem de compositores portugueses. :, O seu Círculo de Cultura Musical marcou uma data na história da música portuguesa quando, depois de exercer em Lisboa e no Porto funções análogas às que desempenhavam há mais tempo a Sociedade de Concertos e o Orpheon, alargou o seu âmbito a outras cidades metropolitanas e, sobretudo, quando se tornou a primeira associação musical com delegações permanentes em território insulano e ultramarino. Esta irradiação, até pontos afastados dezenas de milhares de quilómetros, pôde concretizar-se mercê da ajuda do Estado (280) e porque à ideia corresponderam colaborações de entidades locais. A curiosidade e o interesse pela música menos conhecida -- ou totalmente desconhecida -- tinham sido despertados já noutros tempos por um Bernardo Moreira

de Sá, um Francisco de Lacerda, um David de Sousa e outros atrás mencionados. Se as sementes não caíram em terreno fertilizado, vieram todavia florações a provar que ele não era de todo estéril. Houve outros empreendimentos que não mencionámos, como os de Ema Romero da Câmara Reis. Mais recentemente, a sociedade Sonata tem-se votado à revelação de obras contemporâneas, seu principal objectivo (281). Desde 1948, uma associação integrada no movimento internacional das *_Jeunesses Musicales* -- a Juventude Musical Portuguesa (282) -- tem atraído para a boa música um número apreciável de estudantes das escolas secundárias e superiores, enquanto a Associação das J. M. P. do Porto demanda os mesmos fins (283). O género de realizações mais característico das Juventudes Musicais, a audição com prévio comentário, também não constitui propriamente uma novidade, nem no estrangeiro nem em Portugal. Viana da Mota fez sensação na Alemanha, quando lá residia, ao explicar em público obras de Wagner, ilustrando as suas palavras com exemplos ao piano. Em Portugal teve a colaboração de um António Arroio em concertos comentados que não foram únicos no seu tempo. Francisco de Lacerda, nomeadamente, levou a sociedades populares boas execuções de música, inclusivamente de câmara, fazendo-as preceder de alocuções por individualidades da estatura de um António Sérgio. O disco e a alta fidelidade trouxeram novas possibilidades a esse excelente meio de cultura. A uma instituição de tipo diferente, denominada Pró-_Arte, tem cabido acção positiva de iniciação musical na província e junto de sectores sociais de limitada instrução artística. Simultaneamente, vai divulgando música portuguesa e proporcionando a intérpretes nacionais apresentações públicas frequentes. O aumento do auditório musical conduziu a alguns empreendimentos de índole comercial, por vezes com resultados compensadores e significativos de grande progresso em relação aos tempos em que Anton Rubinstein chamava escassos espectadores ao D. Maria. Aliás, também aqui sabemos de precedentes, como os concertos sinfónicos no S. Luís e no Politeama ou as tentativas de Pedro de Freitas Branco no Tivoli e de Lourenço Varela Cid no Royal. A empresa do Cinema Tivoli temse distinguido nestes últimos anos como a mais sistemática na organização de espectáculos de música, apresentando algumas celebridades mundiais. :, Sem embargo, foi possível o fracasso financeiro de Sol Maior, simpática iniciativa em prol dos concertistas portugueses. Um intérprete da estirpe de Robert Casadesus, no Teatro Monumental, tocou para uma sala vazia em 1952, ou seja, no auge da carreira. Quando a empresa do Cinema Império trouxe pela primeira vez (284) a Portugal uma grande orquestra americana -- a Filarmónica de Filadélfia, dirigida por Ormandy --, com toda a justificável publicidade prévia, os concertos não tiveram as lotações esgotadas. O espectáculo de bailado oferece maior garantia administrativa do que o puramente musical. Mas também já foi possível (em 1919) a companhia de Sergey Diaghilev dançar em Lisboa para meia dúzia de entusiastas e alguns indiferentes. Lamentável é a escassez dos grupos corais portugueses, devida principalmente à falta de ensino musical eficiente nas escolas. São casos anormais e frutos de muita persistência, os da Sociedade Coral Duarte Lobo, da Sociedade Coral de Lisboa (que não sobreviveu), de Polifonia -- através da qual a melhor música polifónica portuguesa tem chegado a público -- ou do grupo vocal Harmonia, que já colheu merecidos encómios no estrangeiro. Neste capítulo da música coral, a Academia de Amadores de Música tem desenvolvido acção porfiada e progressiva, alimentada pelo melhor folclore português. Fora de Lisboa, a actividade coral não parece mais intensa, sendo também raridade de admirar uma realização como a das Pequenas Cantoras de Portugal, no Porto. A vida orfeónica, se existisse, poderia elevar a cultura musical do povo, e exemplos

tais como os do Coro Aleluia, em Aveiro, ou do Orfeão Scalabitano merecem atenção pelo que demonstram de utilidade cultural e social de uma prática ainda hoje sem condições de expansão no país, não obstante terem-se dado movimentos nesse sentido, designadamente a importante acção de António Jóice (1886-1964) em Coimbra e Lisboa. A Fundação Calouste Gulbenkian é caso sem precedentes em Portugal. A poderosa instituição foi oficialmente fundada em 1956, como precioso legado do multimilionário arménio que residiu nos últimos anos da sua vida em Lisboa. De harmonia com uma das suas muitas e beneméritas finalidades, tem subsidiado instituições musicais, concedido bolsas de estudo e prestado outros incitamentos importantes à arte dos sons, inclusivamente três festivais internacionais de música, o último dos quais, em 1959, se estendeu a Coimbra e ao Porto. A Fundação, cujo rendimento diário excede o milhão de escudos, pode marcar o início de uma nova era na música portuguesa (285). Se exceptuarmos a ópera, pode bem dizer-se que à iniciativa privada se deve a europeização da vida musical portuguesa, já quanto a reportório, já pela vinda de muitos artistas estrangeiros de primeira linha, como Ravel, Strawinsky, Prokofiev, Honegger, Poulenc ou Hindemith, Friedman, Rubinstein ou Cláudio Arrau, Kreisler, Heifetz ou Isaac Stern, Piatigorsky ou Fournier, Kirsten Flagstad ou Irmagard Seefried, Ansermet, Klemperer ou Kubelik, o coro de Robert Shaw, a Orquestra Filarmónica de Viena, a Hallé, a Colonne ou a de Câmara de Estugarda, o Quarteto Húngaro ou o Duo Mainardi-_Zecchi, para citarmos só alguns exemplos. :, Realizações oficiais Houve ocasião de aludir noutro capítulo ao actual brilho do Teatro Nacional de S. Carlos, que voltou à antiga e apurada qualidade dos elencos, ao mesmo tempo que, de ano para ano, vai revelando obras modernas a par de outras do reportório consagrado, ou injustamente esquecidas. Relativamente à ópera, devemos aliás tornar à iniciativa particular, nalguns casos subsidiada pelo Estado ou por municípios. Também foi já sublinhado o valor das tantas temporadas do Coliseu dos Recreios. Por iniciativa do Ministério da Educação Nacional (1959), levaram-se ao Coliseu algumas das récitas do S. Carlos, uma das quais por artistas portugueses. A afluência de público foi vultosa, para o que pode ter contribuído o facto de a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho ter adquirido bilhetes para venda barata aos seus beneficiários. Seria deveras interessante que o empreendimento se alargasse a mais espectáculos musicais, e não só de ópera. Realizações operáticas sem a mesma continuidade das temporadas no Coliseu tiveram lugar noutras salas de Lisboa (nomeadamente o S. Luís e o Politeama), no Porto e, ainda mais esporadicamente, noutras cidades. Pela velha causa da *ópera nacional* batem-se hoje algumas instituições, como a Acção Nacional da _ópera (cuja actividade se tem circunscrito à obra do seu fundador e director, Rui Coelho) e, mais recentemente, a mencionada Juventude Musical Portuguesa, através do seu curso de ópera -- a primeira apresentando operas sempre cantadas em português, a segunda recorrendo a reportório estrangeiro, no original ou em tradução portuguesa e fomentando a realização de espectáculos na província -- ambas solicitando sistematicamente cantores portugueses. A menos rara actuação destes no teatro de S. Carlos, inclusivamente constituindo todo o elenco de pequenas séries de récitas, e a existência naquele teatro de um bom corpo coral português alimentam a esperança de que surja uma verdadeira ópera nacional, isto é, uma organização permanente, formada preponderantemente por artistas portugueses e destinada à representação de óperas cantadas, como regra, em português.

_é do âmbito oficial a quase totalidade da boa música que se transmite pela rádio. Neste ponto, a iniciativa particular tem-se mostrado demasiado receosa de perder a simpatia do grande público e, consequentemente, de que diminuam as receitas de publicidade. A Emissora Nacional de Radiodifusão tem considerável parte dos seus programas consagrada à música séria. O posto de "Lisboa 2", que funciona diariamente durante cerca de cinco horas, é de índole exclusivamente cultural e ouve-se em todo o Portugal continental. Algumas das suas rubricas são retransmitidas para o ultramar. Se a maior parte das emissões de música se faz por meio do disco comercial, é também verdade que a Emissora está a desempenhar funções de primeira importância na música viva, através das suas Orquestra Sinfónica Nacional e Orquestra de Concerto, ambas actuando normalmente em Lisboa. A Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música do Porto, :, fundada por iniciativa particular, em ligação com o Conservatório Municipal, pertence hoje também, em grande parte, à Emissora Nacional, que praticamente a administra. O mesmo é dizer que as realizações sinfónicas de suficiente qualidade artística pressupõem a colaboração da estação oficial de rádio -- inclusive as récitas de ópera e de bailado no Teatro Nacional de S. Carlos, que noutros tempos possuiu a sua orquestra privativa. No entanto, existem outras orquestras que nos obrigam a, mais uma vez, aludir à iniciativa particular. A Orquestra Filarmónica de Lisboa tem sido actividade continuada, a um nível de meio amadorismo. Nos últimos anos, tentativas de criação de uma orquestra permanente, sob o nome de Orquestra Sinfónica de Lisboa, têm-se concretizado em alguns concertos públicos, sem lograrem superar o problema da falta de músicos de suficiente qualidade. Tornando às realizações de organismos oficiais, devem recordar-se outros aspectos da acção da Emissora Nacional: os concursos de interpretação e composição e a directa estimulação do trabalho criador. O extinto Gabinete de Estudos Musicais, de que Pedro do Prado foi principal obreiro, funcionou durante cerca de dez anos, encomendou obras a compositores como Luís de Freitas Branco, Frederico de Freitas, Armando José Fernandes e Joly Braga Santos, entre outros, prestando, nalguns casos, remunerações mensais fixas. Parece agora em vias de ressurreição, e é de desejar que ressurja a desempenhar a mesma função, mas ampliada a todos os compositores portugueses qualificados. Outros estímulos para alguns compositores nacionais provieram do grupo de bailado Verde Gaio, integrado no Secretariado Nacional da Informação. Este organismo instituiu em 1959 prémios de composição e interpretação (286). Em 1957 e 1958 a Emissora Nacional e o Teatro de S. Carlos levaram a efeito, conjuntamente, temporadas de concertos sinfónicos com a participação de categorizados intérpretes portugueses e estrangeiros, reatando uma iniciativa, de cerca de dez anos antes, que não tivera continuidade. No plano das realizações municipais, tem havido alguns acontecimentos de relevo. Avultam entre eles as notáveis séries de concertos sinfónicos gratuitos promovidas pela Câmara Municipal de Lisboa, em colaboração com a Emissora Nacional, a que se têm acrescentado outras com o concurso da Banda da Guarda Nacional Republicana. Aqueles concertos têm oferecido reiteradamente a vastos auditórios programas do melhor reportório interpretados por artistas de nome. Não foram os únicos serviços prestados à música pelo tenente-coronel Álvaro Salvação Barreto, que, pouco antes de abandonar a presidência da Câmara, instituiu o prémio de composição *_Elisa de Sousa Pedroso*. A Câmara Municipal do Porto tem desenvolvido acção considerável, nomeadamente através do Conservatório e da Orquestra Sinfónica. De outras iniciativas concelhias, destaca-se a da Câmara Municipal de Sintra, com as suas Jornadas

Musicais, esboço de festival que parece em vias de desenvolvimento. Entre as realizações oficiais, podem também contar-se as dos institutos estrangeiros, designadamente o Instituto Francês e os seus congéneres italiano, alemão, britânico e espanhol. Devem-se-lhes muitas apresentações :, de obras e intérpretes de positivo significado cultural. Uma actividade semelhante à sua, exercida por instituições oficiais portuguesas noutros países, constituiria grande serviço para a música e os músicos nacionais, correspondendo também a solicitações estrangeiras que mais se fazem sentir quanto mais se intensificam os desejáveis intercâmbios entre nações. O ensino da música No que toca ao ensino da música, o Conservatório Nacional ainda não soube aplicar meios eficientes para a superação da crise atrás referida. Está hoje (287) longíssimo das copio ,as frequências de outros tempos: no ano lectivo de 1957-1958, requereram matrícula nas escolas de música e teatro 299 alunos internos e 330 externos. Chegaram a termo dos seus cursos 24 estudantes (17 de Piano, 1 de Violino, 2 de Órgão, 3 de Canto e 1 de Saxofone). Ultimamente, parece desenhar-se um tímido aumento de frequência (288). Os alunos também não abundam na Academia de Amadores de Música, mas a sua população cresceu sensivelmente nos últimos anos, enquanto -- em relação à população da cidade, comparada com Lisboa -- o Conservatório de Música do Porto parece possuído de maior vitalidade académica. Há em Coimbra o Instituto de Música, e um estabelecimento semelhante existe no Funchal. Algumas associações da província contam entre as suas actividades a leccionação de música. O ensino por professores particulares é ainda uma realidade, mas a um grau muito inferior ao de antanho. Os modernos meios de ensino musical, nomeadamente as reuniões nacionais ou internacionais, que, em alguns países estrangeiros, são exemplos de pedagogia viva e estímulos excelentes para os jovens músicos, não têm tido aplicação em Portugal. No Porto, o compositor Fernando Correia de Oliveira está a ensaiar um método pedagógico moderno e, em parte, original. O pedagogo Edgar Willems tem vindo a Portugal e as suas lições estão a suscitar interesse em círculos limitados, mas que talvez venham a exercer benéfica influência no ensino geral da música. Este está presentemente a ser objecto de uma comissão do Ministério da Educação Nacional. Os compositores Pode supor-se a existência de laços de tradição entre compositores portugueses de ontem e de hoje. São, no entanto, relacionações exteriores e ilusórias, reflexos enganadores que se espelham no emprego de vocábulos :, como *nacionalismo, folclorismo* ou *eclectismo* em acepções diferentes. Raro lhes corresponde qualquer vínculo interno. O folclorismo de Fernando Lopes Graça (1906-1994) não descende directamente de Oitocentos, porquanto pressupõe, além de toda uma formação humanista moderna, a mensagem bartokiana aplicada ao caso português. Pode mesmo afirmar-se que o fenómeno Lopes Graça constitui, na sua totalidade poliédrica e de firme coerência, o exemplo mais radical de antítese do oitocentismo musical português. A procurar-se uma ligação com o passado, seríamos porventura reconduzidos a Viana da Mota, não porém ao compositor (nem ao pianista). É pela atitude mental, pela organização do pensamento sobre princípios em parte comuns, ante problemas éticos e estéticos atinentes à arte musical que Lopes Graça tem direito a ser, de algum modo,

considerado o mais lídimo discípulo de José Viana da Mota (289). O eclectismo de Frederico de Freitas (1902-1980) não pode tão-pouco confundir-se com o de Luís de Freitas Branco, nem resulta dele. Não deixa por isso de ser particularmente interessante, na hodierna música portuguesa, essa união na mesma autoria de obras como os bailados *_Ribatejo* ou *_A menina tonta* e o *_Quarteto concertante*; a música para o filme *_Severa* e a ópera radiofónica *_A igreja no mar* (1958); as pequenas peças para piano d'*_O livro de Maria Frederica* e a *_Missa solene* (290). Nos últimos cem anos, e com uma excepção talvez única, que adiante se apontará, nenhum compositor português descende artisticamente de outro compositor português. Será acaso uma consequência do culto da originalidade (outro fruto da evolução europeia desde fins do século XVIII) e, por outro lado, de uma certa xenofilia associada ao desejo de importar neste distante país produtos de fabricação estrangeira. Não há que recusar ao compositor o direito que sempre lhe assiste de escolher as suas influências, de *prendre son bien oú il le trouve*, nem tão-pouco negar a vital necessidade de uma osmose de ideias, de concepções estéticas, de processos técnicos através das fronteiras nacionais. O certo é que em Portugal não se esboçaram correntes de tradição em que viessem confluir subsídios de diversas origens, como nos casos estrangeiros de Weber-_Wagner-_Schönberg-_Webern_Stockhausen, ou Rossini-_Verdi-_Puccini-_Pizzetti, ou Albéniz-_Falla-_Ernesto Halffter, para lembrarmos só alguns exemplos nítidos. As composições parecem suspensas de linhas oblíquas, de diferentes proveniências, que não, verticalmente, de outros compositores portugueses de gerações acima. Não significa isto que a todas as obras de autoria portuguesa falte o apoio em fundamentos válidos, seja a força de uma genuína personalidade criadora, seja o terreno firme do folclore autêntico, seja ainda uma concepção lúcida e coerente de um portuguesismo definível por constantes do nosso património literário-artístico. Outro é decerto o caso singular do compositor Rui Coelho (1892-1986), que, todavia, não descende tão-pouco de outros compositores portugueses. Trata-se antes de um portuguesismo de outra época, de arrogo patriótico: auto-sugestão de uma mentalidade que se mira como expoente musical do "génio da Raça", ideia tão cara a um Teófilo Braga e hoje tão desacreditada. Ao longo da sua extensa obra, Rui Coelho tem tentado superar influências :, estrangeiras, de forma a produzir música iniludivelmente portuguesa e de sua marca. Por certo conseguiu, a seu modo, definir uma individualidade, porquanto a sua música não pode confundir-se com qualquer outra. O mais nítido paralelo é porventura com o cinema português, que também não pode contundir-se com o de qualquer realizador de coturno. Devemos prestar homenagem ao decano dos músicos portugueses, Luís Costa (18791960), compositor e pianista distinto que teve a honra de receber ensinamentos de Ferruccio Busoni. Não pode aqui ser esquecida a sua vasta acção de pedagogo do piano, principalmente desenvolvida no Porto. Cláudio Carneiro (1895-1963) dotou a literatura musical portuguesa de páginas representativas onde diferentes influências estrangeiras se filtram por uma vincada e introvertida individualidade, que não exclui todavia uma arte de imediata comunicação. Também lhe cabem importantes contributos para a obra de cultura musical que se tem realizado no Porto. Com Armando José Fernandes (1906-1983), temos ainda um exemplo de legitimo e desejável influxo de além-fronteiras -Fauré, Ravel, Strawinsky, Hindemith --, de que um sentido estético, uma sensibilidade requintada e um sólido conhecimento de ofício fizeram verdadeiras

obras de arte, que vivem uma vida própria. Em Jorge Croner de Vasconcelos (1910-1974), a influência estrangeira (do Ravel do *_Tombeau de Couperin*, por exemplo) também se legitima pela assimilação, a absorção orgânica da influência exterior pela personalidade influenciada, processo de que, neste caso, resulta uma feição portuguesa, no que tem de aristocraticamente evocativo dos tempos renascentistas ou de D. João V, quando a corte se entretinha com vilancicos ou escutando alguma tocata para cravo ou clavicórdio (291). De outro modo passadistas são as composições de Ivo Cruz (1901-1985), que aspiram a uma expressão mística e racial aparentada com o nefelibatismo de um Afonso Lopes Vieira. No Porto, Berta Alves de Sousa (n. 1916) tem afirmado uma personalidade original. Destes compositores existe número considerável de obras sinfónicas, de câmara, para piano solo, para canto e piano, para conjuntos corais, para espectáculos de bailado. Uns têm sido mais fecundos, como Frederico de Freitas e Rui Coelho, outros parecem menos produtivos, como Croner de Vasconcelos. Só um, Rui Coelho, se tem reiteradamente dedicado à ópera, a um nível artístico duvidoso. É em geração mais nova que topamos um caso nítido de descendência artística de outro autor português: o muito dotado compositor Joly Braga Santos (1924-1988), com relação ao seu mestre Luís de Freitas Branco. No entanto, a sua produção reflecte também influência estrangeira, de Williams, Walton e Sibelius, nomeadamente. Joly Braga Santos obteve em 1959, no S. Carlos, com a sua *_Mérope*, um estrondoso êxito sem precedentes em óperas portuguesas contemporâneas (292). Têm vindo menos a público as composições de Vítor Macedo Pinto (n. 1917), Filipe de Sousa (n. 1927) e Luís Filipe Pires (n. 1934) (293), mas as peças que já apresentaram são de bom augúrio. :, O primeiro admira especialmente Bartók, os dois outros talvez mais Paul Hindemith. O desditoso Gabriel Morais de Sousa (1927-1956) ainda pôde manifestar um promissor talento para a composição. Quanto ao portuense Fernando Correia de Oliveira (n. 1921), a sua posição é singular na música portuguesa, por isso é inventor de uma teoria de composição (harmonia e contraponto simétricos), que sistematicamente aplica nas suas obras. Maria de Lurdes Martins (n. 1926) é a última revelação entre os compositores portugueses, já com provas públicas apreciáveis. No domínio da música religiosa, ocupa lugar de destaque 0 _p.e Luís de Sousa Rodrigues (n. 1906), que tem feito obra de renovador, acompanhando a evolução moderna. Outro sacerdote compositor que se tem distinguido é Manuel Faria, diplomado em Itália. Os movimentos musicais de vanguarda, no estrangeiro, pouco têm penetrado em Portugal. A atonalidade e o dodecafonismo não parecem atraentes para a maioria dos compositores portugueses. Há exemplos esporádicos, designadamente em Cláudio Carneiro, mas, dos mencionados, é talvez só Correia de Oliveira quem se aproxima dessa ordem de ideias de origem centro-europeia. Esboçou-se recentemente (1958) um movimento de interesse pelo dodecafonismo serial entre estudantes de composição. A música concreta e a electrónica, se bem que já dadas em público, nomeadamente pela Juventude Musical Portuguesa (música electrónica) e pela empresa do Tivoli (música concreta), esta em espectáculos de bailado (1959) -- sem falar de audições através de fitas cinematográficas --, não assentaram ainda arraiais em terra portuguesa, e o microtonalismo não encontrou tão-pouco praticantes até à data. O mesmo pode dizer-se do *jazz*.

Mais do que lamentá-lo, há que pôr a questão de saber se, na literatura musical contemporânea, existem ou não páginas que produzam no ouvinte aquela indefinível impressão, que o cativem daquela maneira especialíssima, que o dominem deleitando-o por esse inefável modo que é apanágio da vivência artística de ordem superior. A resposta a esta questão só poderia ganhar alguma objectividade se se estribasse num consenso colectivo com significado estatístico, coisa que não pode existir onde a música indígena poucas vezes aparece em público, e raríssimas reaparece (294). Seja, pois, tolerado um critério subjectivo e, respondendo afirmativamente à interrogação, apontemos, entre outros exemplos aduzíveis, o bailado *_A menina tonta*, de Frederico de Freitas, as *_Glosas para piano*, os *_Cantos da natividade*, para coro, ou as *_Cinco estrelas funerárias*, para orquestra, de Fernando Lopes Graça, o *_Quarteto para piano e cordas*, de Armando José Fernandes, as peças de inspiração trovadoresca de Cláudio Carneiro, as páginas camonianas ou as *_Tocatas a Seixas*, de Croner de Vasconcelos, a *_Elegia a Viana da Mota*, para orquestra, a ópera radiofónica *_Viver ou morrer*, ou a mencionada *_Mérope*, de Joly Braga Santos. Estas e outras páginas contemporâneas, acrescidas às que o mesmo critério ditaria dirigido ao passado -- de um Filipe de Magalhães, de um Duarte Lobo, de um Francisco Martins, de um Manuel Cardoso ou de um :, D. Pedro de Cristo, de um António Carreira, um Rodrigues Coelho, um Carlos Seixas, esta ou aquela ária de um Sousa Carvalho ou Marcos Portugal, alguma peça instrumental de João Domingos Bontempo, o *adagio* da *_Sinfonia à Pátria*, de Viana da Mota, as *_Trovas* de Francisco de Lacerda, os *_Madrigais camonianos* ou as *_Sinfonias* de Luís de Freitas Branco, sem que tão-pouco esgotemos os exemplos possíveis --, o conjunto, em suma, das obras musicais de autoria portuguesa capazes de suscitar uma autêntica vivência artística, sem apoio em amuletos patrióticos, autoriza a encerrar as resumidas referências deste livro à criação nacional com um voto, não isento de protesto, de que ela mereça maior atenção de promotores de espectáculos, intérpretes e entidades com possibilidades de fomentar a sua audição. O folclore Uma história da música portuguesa, ainda que tendo como objecto a arte sapiente de compositores e intérpretes, não pode ignorar o que é, afinal, a mais portuguesa de quantas músicas, porque vive no seio do povo. Desses cantos e bailes, entre os quais se encontram espécimes admiráveis, alguns parecem conservar traços de ritos pagãos, como as *danças dos pauliteiros*, em Trás-os-Montes, ou as *encomendações das almas*, na mesma região e noutras (295). A sobrevivência da música folclórica implica uma contínua variação e assimilação de díspares elementos. Assim, as danças dos pauliteiros, com seus trajes e preceitos curiosíssimos, dir-se-iam também reconstituições de costumes medievais, enquanto as encomendações das almas acusam de outro modo a penetração cristã. Os belos corais alentejanos sugerem a influência da música polifónica religiosa, que foi tão brilhantemente cultivada na região, e outros exemplos, nomeadamente no Douro Litoral, descendem também do canto a duas e mais vozes de há centenas de anos, conservando por vezes, pouco deterioradas, formas definidas, designadamente de vilancico, e permitindo até, num ou outro caso, aventar a hipótese de proveniência de trechos conhecidos por via dos cancioneiros renascentistas (296). O estudo ao mesmo tempo aprofundado, sistemático e em grande escala do folclore nacional está ainda por fazer. Uma iniciativa oficial preferiu ao avisado conselho de quem preconizava, para uma primeira fase, dez anos de trabalho aturado a realização de uma campanha-relâmpago, que, naturalmente, resultou atabalhoada e não teve os desejáveis frutos.

Trabalhos mais meritórios, mas nem todos orientados por verdadeiro método científico, devem-se a particulares, como Pereira das Neves, Gonçalo Sampaio, António Arroio, o diplomata britânico Rodney Gallop, António Jóice, Fernando Lopes Graça, Virgílio Pereira, Artur Santos, Margot Dias, Alexandre Lima Carneiro, Rebelo Bonito e poucos mais. O número de espécimes recolhidos até 1959 é da ordem dos três a quatro mil. Estudos do folclore musical insulano e ultramarino têm sido efectuados por Artur :, Santos, Margot Dias, Hugh Tracey, Belo Marques, Carlos M. Santos, entre outros. Alguns destes labores têm sido subsidiados eventualmente pelo Estado e por entidades diversas, oficiais e particulares (297). O campo de acção é vasto, mas lentíssimos os passos que deste modo se dão no sentido de verdadeiramente se conhecer o folclore musical português, que, onde quer que haja um fio eléctrico, está morrendo afogado em ondas hertzianas. Em muitas regiões, as modas tradicionais só são conhecidas de pessoas com mais de 60 anos. Se as entidades competentes lhes não acudirem, não tardará que se perca para sempre um insubstituível tesouro nacional. Edições Houve já ocasião de lastimar a escassez de edições de música portuguesa, outra negativa realidade presente que se mantém pela força de inércia de um longo passado. Aliás, trata-se do aspecto particular de um problema complexo, em que entram, como temos visto, a tradicional falta de verdadeiro conhecimento da função social da música por parte da administração pública, o não se ter verificado no século XIX um movimento económico-social tão progressivo como nos países mais adiantados e a concomitante inexistência de um mercado que constitua garantia para o editor. Empreendimentos como o de Pereira das Neves, em 1868, no Porto, não podiam ter grande futuro. Uma iniciativa recente (1958) promete solução temporariamente satisfatória do problema da falta de edições de música séria, por meio de reprodução fotográfica (298). Há todavia indícios de que, para além do pequeno mercado português, existe uma procura talvez muito maior do que podia supor-se. É o que parecem demonstrar as vendas relativamente avultadas, na maior parte para os E. U. A., de edições de música polifónica portuguesa promovidas pelo mencionado grupo coral Polifonia. Nota-se algum progresso na musicografia, e é natural que se acentue na medida em que as novas gerações mais vão solicitando uma cultura musical. Se houve personalidades ilustres que outrora escreveram sobre música, é na sua linha que encontramos hoje um Fernando Lopes Graça, que associa ao conhecimento da matéria e à compreensão dos problemas os dotes de notável prosador. Além de musicólogos portugueses, como Manuel Joaquim, Mário de Sampaio Ribeiro, Fernandes Lopes ou Maria Antonieta de Lima Cruz, e de estrangeiros que sistematicamente têm estudado a música portuguesa, como Santiago Kastner, Jean-_Paul Sarrautte ou Solange Corbin, entre outros, seria possível citar número relativamente extenso de colaboradores de jornais e revistas, da rádio ou da televisão, que têm escrito sobre assuntos musicais de maneira esclarecida e com positiva acção cultural. O mais animador dos sintomas é, porém, a solicitação de originais sobre música por parte das casas editoras, que parece tender a multiplicar-se (299). :, De revistas da especialidade cabe mencionar apenas a *_Arte Musical*, recentemente reaparecida, já depois do falecimento do seu fundador e director de muitos anos, Luís de Freitas Branco (não confundir com *_A Arte Musical* de Lambertini). Neste capítulo, não estamos muito melhor do que há meio século, ainda que a *_Gazeta Musical e de Todas as Artes* -- que até 1957 foi exclusivamente *_Musical* -desempenhe papel relevante pela qualidade da colaboração e a frequência regular da sua publicação (300).

Intérpretes A história da música portuguesa abunda mais em intérpretes de verdadeiro renome internacional do que em compositores de igual sorte, de que, na verdade, houve apenas um, na pessoa de Marcos Portugal, e este sem projecção para além do seu tempo. Qualquer história da música europeia, acima do nível colegial ou da mera divulgação, deve referência a um Viana da Mota ou um Francisco de Andrade e, sem dúvida, a Luísa Todi, o caso de maior celebridade entre todos os músicos portugueses. O mesmo dever com relação a alguns compositores não será provavelmente sentido por tratadistas estrangeiros enquanto não houver meio de lhes criar uma fama convincente. Também hoje são intérpretes os mais dos músicos portugueses de reputação internacional, à frente dos quais se salienta o maestro Pedro de Freitas Branco (301) (1896-1963), que, entre muitas distinções, teve a de ser considerado um dos melhores intérpretes de um Ravel ou de um Florent Schmitt, por estes próprios compositores, e a de ter sido escolhido pela Radiodifusão Francesa para dirigir em Paris o concerto de homenagem oficial à memória de Albert Roussel. E, ainda, a do Grande Prémio do Disco, da Academia Charles Gros, que lhe coube em 1954. Devem-se a Pedro de Freitas Branco incontáveis primeiras audições em Portugal e várias apresentações de música sinfónica portuguesa no estrangeiro (302). Antes de prosseguirmos com intérpretes actualmente em carreira, reportemo-nos mais uma vez ao passado, para lembrarmos Maria Júdice da Costa (n. 1870), que se estreou como cantora no teatro Baquet, do Porto, se tornou artista profissional de elevada craveira e percorreu a Europa e a América em *tournées* sucessivas, com artistas líricos como Caruso, Titta Ruffo, Battistini, Stracciari, colhendo grandes triunfos, na *_Tosca, Gioconda, Fedora, Tannhäuser, Valquíria* e outras óperas do reportório. Regina Paccini (n. 1871), de ascendência italiana, filha de um empresário do Teatro de S. Carlos, aqui teve os seus primeiros louros, a que vieram juntar-se os de Espanha, Itália, Inglaterra e Rússia. Na mesma geração, Júlio Câmara (n. 1876) apresentou-se como tenor lírico em Portugal e em muitos teatros estrangeiros. Nascidos por volta de 1890, o barítono Luís Macieira e os tenores Manuel Alves da Silva, Nuno Lomelino Silva e José Rosa não pertencem tão-pouco ao presente, mas recordam-se ainda as suas melhores actuações operáticas. :, Um cantor que infelizmente se afastou há anos da cena (303), Tomás Alcaide (n. 1901), conheceu muitos e retumbantes êxitos em vários teatros líricos de categoria. Fez a maior parte da carreira no estrangeiro e ficaram memoráveis interpretações suas em óperas como, entre outras, *_Os pescadores de pérolas, Fausto, Werther, Manon, Rigoletto, Lakmé*. Entre os pianistas, Helena Moreira de Sá e Costa (n. 1913) está a realizar assinalada carreira internacional como digna representante de uma família a que pertencem um Bernardo Moreira de Sá, seu avô, e um Luís Costa, seu pai. Marie Lévèque de Freitas Branco (n. 1903), francesa de nascimento, também se tem apresentado com frequência e êxito, não só em Portugal como no estrangeiro. Nella Maissa, de origem italiana (n. 1914), está a oferecer, principalmente ao meio português, os benefícios da sua arte consumada. Maria da Graça Amado da Cunha (n. 1919) tem sido incansável militante da música moderna, enquanto Sequeira Costa (n. 1929) parece definitivamente lançado na senda mundial. Este pianista, que, como tal, é por certo o mais legítimo discípulo de Viana da Mota, alcançou em 1951 o Prémio de Paris, ou seja, o segundo lugar da classificação geral do Concurso Internacional Marguerite Long. Deve-se-lhe o acontecimento que mais agitou a vida musical lisboeta nestes últimos anos, o Concurso Internacional Viana da Mota (1957), com o qual prestou homenagem de larga projecção à memória do

seu insigne mestre. Entre outros pianistas, distinguem-se ainda Sérgio Varela Cid e Fernando Laires, ambos já conhecidos além-fronteiras; Katharina Heinz e Angeles Presutto da Gama, de origem estrangeira; Maria Campina, Maria Manuela Araújo, Maria Elvira Barroso, Elisa Lamas, Maria Fernanda Wandschneider, José Carlos Picoto, Luís Filipe Pires e Maria João Alexandre Pires, enquanto executantes de gerações acima, como Evaristo Campos Coelho, Jorge Croner de Vasconcelos, Lourenço Varela Cid, Cristina Lino Pimentel, Florinda Santos, Isabel Manso e outros, continuam a apresentar-se em público, representando as escolas de um Viana da Mota, um Rey Colaço, um Marcos Garin. Teve distinto lugar neste grupo de pianistas João Abreu e Mota, já falecido (1959). Recorde-se ainda uma pianista que infelizmente abandonou a carreira: Maria Antonieta Aussenac, distinguida em 1906 com o 1.o prémio do Conservatório de Paris e elogiada em termos entusiásticos por Viana da Mota, que lhe deu lições em Berlim. Violinistas como Leonor de Sousa Prado (n. 1917), Antonino David (n. 1923) e Vasco Barbosa (n. 1930), filho de Luís Barbosa, assim como a violoncelista Madalena Moreira de Sá e Costa Gomes de Araújo (n. 1915), estão em plena carreira ascensional, com louvores colhidos dentro e fora do país. Não são, aliás, os únicos instrumentistas de arco actualmente em evidência, pois têm surgido outros de mérito, como os violinistas César Pinto Lobo, Lídia de Carvalho Conceição e João Nogueira, ou os violoncelistas Celso de Carvalho, Carlos de Figueiredo e Maria da Conceição Macedo. Entre os mais intérpretes contemporâneos, não pode esquecer-se um grupo notável de cantores como Maria Amélia Duarte de Almeida, Elsa Penchi Levy, Arminda Correia, Marina Dewander, Ana de Brito Aranha, Stella Tavares, Leonor Viana da Mota, Olga Violante, Raquel Bastos, Maria :, Teresa de Almeida, Judite Lúpi Freire, Natália Viana, Leontina Miranda, Germana de Medeiros, Maria Teresa Dinis Sampaio, Regina Dinis da Fonseca, Fernanda Mela, Maria Cristina de Castro, Guilherme Kjölner, Loureiro Dinis, Edgard Duarte de Almeida, José Eurico Lisboa, Hugo Casais, Álvaro Malta e Luís França. :, Na execução de outros instrumentos, o flautista Luís Boulton, o trompetista Adácio Pestana ou o fagotista João Mateus são modelos de competência profissional; os organistas Filipe Rosa de Carvalho, Maria Celeste Silva e Eduardo Simões, a cravista Maria Malafaia e o violista Duarte Costa distinguem-se entre os poucos interessados em fazer reviver modalidades instrumentais que noutros tempos foram tão cultivadas em Portugal. É facto curioso o repentino aparecimento de uma plêiade de chefes de orquestra, como Silva Pereira -- que fizera carreira de violinista --, António de Almeida, os compositores Joly Braga Santos e Filipe de Sousa ou o pianista Jaime Silva (Filho), que, com os que já exerciam o mister, Pedro de Freitas Branco, Frederico de Freitas, Fernando Cabral, Wenceslau Pinto e outros, estão a produzir uma como que inflação de maestros no pequeno meio português, reduzido praticamente a Lisboa e Porto, sem por isso deixarem de nele introduzir uma certa vitalidade desejável, na mesma medida em que vão demonstrando os seus desiguais méritos. Conjuntos de câmara O número e a actividade dos conjuntos instrumentais de câmara nunca foram grandes em Portugal, e não o são ainda hoje. Alguns instrumentistas distintos, como o violinista Paulo Manso e o violoncelista Fernando Costa, que tiveram a honra de frequentemente colaborarem com Viana da Mota, ou ainda o violoncelista Filipe Loriente, o violetista Fausto Caldeira, os violinistas Flaviano Rodrigues, Joaquim de Carvalho e Alfredo David, a pianista Regina Cascais, entre outros, têm lutado

devotadamente para que essa lacuna se preencha, sem que, no entanto, alguém o conseguisse plenamente. Relevante tem sido também, neste aspecto, a acção da Sociedade Nacional de Música de Câmara e de outras associações mencionadas. Existiram o quarteto de Luís Barbosa e o trio de Silva Pereira, que, até à sua extinção, actuaram com regularidade aos microfones da Emissora Nacional e algumas vezes em público. Desempenham papel importante a Academia de Instrumentistas de Câmara (orquestra de corda de que se destacam vários conjuntos menores), o Quarteto de Lisboa (com piano), o Quinteto Nacional de Instrumentistas de Sopro e, no Porto, o Quarteto de Cordas do Emissor Regional do Norte e o Trio Portugalia. Ouvem-se também com certa frequência alguns duos de qualidade: Helena Costa-_Henri Mouton, Nella Maissa-_Leonor Prado, Khatarina Heinz-_Antonino David, Grazi Barbosa_Vasco Barbosa, Helena de Matos Silva-_Lídia de Carvalho Conceição, todos estes de piano e violino. :, Que a música de câmara não tem ainda em Portugal o lugar que lhe compete em qualquer meio de formação musical europeia demonstra-o o simples facto de não existir permanentemente, em Lisboa, um só quarteto de cordas. Nem os nomes citados nestas últimas páginas são todos os que poderiam sê-lo, nem provavelmente ficarão todos eles para a futura historiografia da música portuguesa. Construção de instrumentos Quase não valia a pena abrir este parágrafo, porque a indústria portuguesa de instrumentos musicais não tem condições para se impor à concorrência estrangeira. É uma das razões do mérito de José Brandão, construtor de instrumentos de arco que se dedica também à composição musical. Considerações finais O presente (304) não parece indigno do passado e eleva-se de algum modo acima do que, em média e em função das diferentes épocas, foi a vida musical portuguesa durante a maior parte dos oito séculos de história. Com os poucos meios que têm sido utilizados, talvez fosse mesmo possível revestir-se de aparência mais brilhante, a menos que algum daqueles pontos singulares da linha da história a que se chama *génios* tivesse podido ascender à contemplação rendida de todo o mundo. O que, como é sabido, pode resultar de um acontecimento fortuito, de um simples acaso da fortuna. Tal sorte, não a conheceu ainda nenhum músico português contemporâneo. A música e os músicos necessitam de uma audiência. Como outros produtos, as obras musicais e as suas concretizações sonoras dependem da procura, que é, afinal, uma das suas fontes vitais. Em Portugal, o desequilíbrio entre produção e consumo tem sido notório, verificando-se que as composições e os potenciais artísticos de execução pública excedem grandemente o grau de solicitação. Não quer isto dizer que os concertos sejam em número exagerado, mas sim que o número de obras de autores portugueses e as possibilidades de as levar a público vão muito além do desejo manifesto de as ouvir e tornar a ouvir. Uma casa editora portuguesa que, em 1955, organizou um ficheiro de musicófilos em todo o país não precisou para tanto de mais de 10.000 fichas. A grande função social de que a boa música é capaz só poderá cabalmente exercer-se quando as solicitações vierem de muito maior percentagem da população, o que pressupõe a reforma do ensino musical nas escolas primárias e secundárias. De outro modo, só muito lentamente será possível :, oferecer aos habitantes de pequenas localidades a inestimável vivência artística através do som, à qual se obstinarão em resistir, fechando-se de boa-fé no seu acanhado mundo de empregos, cafés, clubes e comentários desportivos.

Isto, num dos pratos da balança. No outro, o da produção, há talvez, por concomitância, que aguardar aquele milagre que seria a instrução pública através da arte. O que não é motivo para que, entretanto, se não atente em realidades tão inquietantes como a escassez dos alunos de música. O excesso da produção nacional, filho de admirável persistência de compositores e intérpretes, às vezes com aspectos quixotescos, é ainda resto de outros tempos, que passaram. Urge reformar também o ensino especializado de música. Porque é possível que a venda de aparelhos de rádio e televisão, de discos e de bilhetes para espectáculos musicais bata todos os recordes de todos os tempos, em Portugal, no mesmo dia em que se tornar inviável a reunião de uma orquestra de músicos portugueses, por inexistência dos mesmos. _história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 13 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _décimo _segundo _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _bran-

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_história da _música _portuguesa por _joão de _freitas _branco _publicação em 13 volumes _s. _c. da _misericórdia do _porto _c_p_a_c -- _edições _braille _r. do _instituto de _s. _manuel 4050 __porto 1998 _décimo _terceiro _volume _joão de _freitas _branco _história da _música _portuguesa _organização, _fixação de _texto, _prefácio e _notas de _joão _maria de _freitas _branco 2.a _edição, _revista e _aumentada _publicações _europa-_américa _capa: estúdios _p. _e. _a. _herdeiros de _joão _c de _freitas _branco, 1995 _editor: _francisco _lyon de _castro :__publicações europa-américa, __lda. _apartado 8 2726 __mem __martins __codex __portugal

_edição n.o: 116512/6266 _execução técnica: _gráfica _europam, _lda., _mira-_sintra -- _mem _martins _depósito legal n.o: 85462/ /95 __isbn 972-1-04012-6 NOTAS (1) Marx/_Engels, *_Die Deutsche Ideologie, _m_E_W*, 3, 18. (2) R. G. Collingwood, *_The idea of history*, The Clarendon Press, Oxford; trad. port. *_A ideia de história*, Editorial Presença, Lisboa, 1989 (7.a ed.), pág. 17. (3) Karl Löwith, *_Meaning in history*, The University of Chicago, 1949; trad. port. *_O sentido da história*, Edições 70, Lisboa, 1990, pág. 19. (4) Cf. Vitorino de Almeida, *_Música*, Col. "O que é?", Difusão Cultural, Lisboa, 1993, pág. 116. (5) Para poder manter a actividade artística e musicológica, João de Freitas Branco optou por um regime também de *part- time* no _A_C_P. (6) Cf. pág. 229 da 1.a edição. (7) Todas as notas deste segundo tipo estão assinaladas com a indicação (*_n. do _o.*), "Nota do Organizador". (8) Veja-se nota relativa a Luís de Freitas Branco, na nota n.o 260. (9) Tema particularmente caro a João de Freitas Branco, por considerar que, mesmo entre a população especializada, reina a este respeito a maior confusão. (10) A importância que atribuo a este texto introdutório faz-me pensar na utilidade de, no futuro, promover a sua publicação em separado. (11) _p. 208 da 1.a edição. (12) Ambas as obras estão referenciadas na bibliografia suplementar. (13) Ver bibliografia _ES 1, X 7. (14) Dado que a presente *_História da música portuguesa* se metamorfoseou, deixando de ser um "pequeno livro de divulgação", como não sem alguma modéstia o próprio Autor se lhe referia -- considerando tão só a edição de 59 --, era meu desejo intercalar no texto, sob a forma de notas de pé-de-página, a quase totalidade das indicações bibliográficas que na primeira edição figuravam no fim do texto, de modo a melhor corresponder às exigências do leitor estudioso. Razões de ordem técnica impediram que essa opção fosse levada à prática. Em face desta dificuldade, resolveu-se não alterar a localização das notas, que assim, à semelhança do que ocorria na primeira edição, continuam a figurar no fim do volume. No entanto, optou-se por intercalar no texto a chamada de cada uma dessas notas, coisa que não acontecia na anterior edição, onde estas referências bibliográficas

nem sequer tinham numeração própria. Achei por bem manter a forma codificada (v. nota anterior), tão representativa de uma muito pessoal metodologia criativa e até mesmo reveladora, por isso mesmo, do temperamento intelectual de João de Freitas Branco. Como já antes se disse (v. Prefácio), a bibliografia organizada em 1959 tem, segundo penso, um valor documental que importa preservar. Por isso, toda a actualização bibliográfica, mesmo quando da responsabilidade do próprio Autor, foi remetida para outras notas, paralelamente intercaladas, e obedecendo a outros critérios formais. Porém, a numeração é continua, não fazendo qualquer distinção entre um e outro tipo de notas. Para o completo esclarecimento da função deste tipo de notas, directamente importadas da primeira edição, convirá talvez dizer que elas se destinam a dar indicação de :, pistas bibliográficas que possibilitem ao leitor interessado o aprofundamento do estudo do assunto (ou assuntos) focado no texto imediatamente anterior -- geralmente um parágrafo ou conjunto de parágrafos. A convenção aqui utilizada (relacionada com a numeração da Bibliografia organizada pelo Autor) esclarece-se com o seguinte exemplo: _Ka 4, _Sa 6, significa que sobre o tema do respectivo parágrafo o leitor estudioso terá porventura interesse em consultar Santiago Kastner, *_Contribución*... e Adolfo Salazar, *_La música... (_n. do _o.) (15) Sobre este período, leia-se Günther Wille, *_Musica romana. Die Bedeutung der Musik im Leben der Römer*, P. Schippers, Amesterdão, 1967, pp. 145, 313 e 574. Foi esta a obra em que o Autor se baseou para redigir este novo parágrafo que não figurava na primeira edição. Como já ficou dito no *_Prefácio*, João de Freitas Branco não chegou a redigir as notas que tinha a intenção de introduzir nesta 2.a edição da *_História da música portuguesa*. No entanto, foi anotando algumas referências bibliográficas à margem do texto dos acrescentos. Com base nesses breves apontamentos, muitas vezes incompletos, e no conhecimento directo que deriva do meu trabalho de colaboração com o Autor serão anotadas ao longo do texto todas as principais fontes bibliográficas utilizadas. Nos casos, infelizmente raros, em que se encontraram referências completas, elas serão de aqui em diante apresentadas como notas do Autor; relativamente às restantes, completadas ou redigidas por mim, aparecerão com a indicação de serem notas introduzidas pelo organizador da presente edição. Sempre que possível, procurou-se actualizar a informação bibliográfica. Quer isto dizer que nas notas de minha inteira responsabilidade as referências bibliográficas referem-se apenas a textos publicados mais recentemente e dos quais João de Freitas Branco já não teve conhecimento ou pelo menos não utilizou no seu trabalho de investigação historiográfica. (_n. do O.) (16) Ver bibliografia _RE 1. (17) Ver bibliografia _CO 2. (18) 0 Autor tinha a intenção de alterar estes períodos do texto mas não chegou a redigir o novo texto. Apenas lavrou a seguinte nota: "Já não é bem assim -folclore em paiíses capitalistas." (_n. do _o.) (19) Ver bibliografia _AP 3, _RE 1. (20) Ver bibliografia _GE 1. (21) Ver bibliografia _AP 3. (22) José Perez de Urbel, in *_Archivos Leoneses* VIII/15, 1954, p. 138. A citação de Stevenson encontra-se no *_Prefácio a Antologia da polifonia portuguesa*, "Portugaliae Musica", Vol. XXXVII, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1982. (23) Ver bibliografia _DA 2, _LE 2, _PA 1.

(24) Ver bibliografia _CO 2. (25) Ver bibliografia _CO 2, _RE 3, _TR 3. (26) Ver bibliografia _PI 1. (27) Mumadona é o nome por que é geralmente conhecida D. Mumadona Dias, ou D. Muma, dama galega muito rica que, depois da morte do marido, o conde Hermenegildo Gonçalves, fundou em Guimarães um mosteiro de "monges e monjas consagrados ao Salvador do Mundo". No final dos anos 60 a Academia Portuguesa de História, através de uma conferência do académico correspondente João Albino Pinto Ferreira, dedicoulhe alguma atenção revelando a existência de um texto sobre Mumadona, o "Livro de Mumadona". Sobre a comunicação de J. A. Pinto Ferreira veja-se o artigo, não assinado, intitulado "Há dez séculos", *_Diário de Lisboa*, 17/11/1968. (*_n. do _o.*) (28) Ver bibliografia _CO 2. (29) Ver bibliografia _RE 3, _SA 20, _SA 23. (30) _o Autor anotou a intenção de alterar o último período deste parágrafo. (*_n. do _o.*) (31) Carolina Michäelis de Vasconcelos, *_Cancioneiro da Ajuda*, Max Niemeyer Buchdrukerei des Weisenhauses, Halle, 1904. :, (32) Ver bibliografia _AN 3, _AN 4, _LO 2, _RE 1, _RI 14, _SA 5. (33) Relativamente à investigação mais recente sobre Martin Codax veja-se Manuel Pedro Ferreira, *_o som de Martin Codax*, Unysis/_imprensa Nacional-_Casa da Moeda, Lisboa, 1986. (*_n. do _o.*) (34) Ver bibliografia _PI 1. (35) Há que considerar também o fenómeno da censura. Aliás, o Autor tinha a intenção de desenvolver essa temática neste capitulo, mas não chegou a redigir o novo texto. Mais adiante é feita breve referência ao regime censório a que os jograis estavam sujeitos: Sobre a censura em Portugal leia-se José Timóteo da Silva Bastos, *_História da censura intelectual em Portugal*, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1926; Graça Almeida Rodrigues, *_Breve história da censura literária em Portugal*, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1980; Luiz Francisco Rebelo, *_História do teatro português*, Europa-_América, Lisboa, 1968. (*_n do _o.*) (36) Recorde-se que na altura da primeira publicação deste texto toda a imprensa portuguesa estava sujeita à censura. Trata-se portanto de uma ironia critica directamente endereçada ao totalitarismo salazarento então reinante no pais. (*_n. do _o.*) (37) Na bibliografia encontram-se referenciadas obras sobre este tema. (*_n. do _o.*) (38) Citado a partir de Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca, *_Cantigas de escárnio e maldizer dos trovadores galego portugueses*, Clássica, Lisboa, 1971. (*_n. do _o.*) (39) Ver bibliografia _PI 1, _NU 1.

(40) _o Autor manifestou a intenção de alterar todo este parágrafo. Segundo julgo saber, era principalmente a questão das condicionantes geográficas que motivava essa intenção. Seja como for, a verdade é que o novo parágrafo nunca chegou a ser redigido. Optei por não introduzir nenhuma modificação. (*_n. do _o.*) (41) Ver bibliografia _AN 1, _SA 6. (42) José Hermano Saraiva. *_História concisa de Portugal*, Publicações Europa_América, colecção "Saber", n.o 123, Lisboa, 1978. Sempre que possível, indicar-seá, como neste caso, a fonte ou fontes bibliográficas de que o Autor se serviu. Como se sabe, a 1.a edição desta *_História* não tinha notas e o Autor não chegou a escrever as notas para a 2.a edição. (*_n. do _o.*) (43) Nan Cooke Carpenter, *_Music in the Medieval and Renaissance Universities*, Norman, University of Oklahoma Press, Oklahoma 1958. (44) Esta antiga moeda árabe, que corria em Portugal na Idade Média, também foi conhecida pelo nome de "morabitino". (*_n. do _o.*) (45) Ver bibliografia _CA 3, _SA 22. (46) Ver bibliografia _CO 1. (47) "Pipia" era um instrumento de sopro antigo constituído por um tubo pequeno, normalmente feito de cana do trigo ou da cevada, em que se abria uma fenda e que produzia um som muito agudo e forte. Chama-se "voz de pipia" à voz muito aguda. (*_n. do _o.*) (48) Ver bibliografia _SA 19. (49) Ver bibliografia Y 17. (50) Ver bibliografia _SA 6. (51) Ver bibliografia X 3. (52) Ver bibliografia _MA 1. (53) Ver bibliografia _SA 6. (54) Ver bibliografia _CA 4. (55) *_Eu vi Binchois ter vergonha e calar-se ao pé da rabeca deles; e Dufay despeitado e sombrio por não ter tão bela melodia*. (56) Prática hoje completamente ca da em desuso e até mesmo inaceitável. A última vez que algo de semelhante ocorreu entre nós foi numa récita da *_Carmen*, no Teatro de :, S. Carlos, no ano de 1973, em que o tenor Franco Corelli interpretou uma parte do papel de D. José em italiano, enquanto o resto do elenco respeitou integralmente o idioma original. (*_N. do _o.*) (57) Ver bibliografia _KR 1, Y 9, Y 17. Indica-se aqui a revista Canto Gregoriano porque o leitor poderá verificar nas suas colunas que ainda hoje o emprego dos instrumentos é um problema da música eclesiástica. Veja-se, por exemplo, o número de março de 1959, a pp. 21 e segs. (58) Ver bibliografia _VI 13, _VI 25. (59) Ver bibliografia _KA 4, _VI 23.

(60) Sobre isto, consulte-se José Augusto Alegria, *_Biblioteca Pública de Évora -Catálogo dos fundos musicais*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977, p. 133. (61) Ver bibliografia _CO 1. (62) Ver bibliografia _RI 7. (63) Ver bibliografia _CO 1, _DI 2. (64) Ver bibliografia _CO 3. (65) Ver bibliografia _RE 2. (66) Ver bibliografia _LA 4. (67) Ver bibliografia _PO 1. (68) Ver bibliografia _MI 2. (69) Ver bibliografia _JO 2, _LO 1, _RI 7. (70) Ver bibliografia _FA 2, Y 17. (71) D. João IV, *_Defensa de la musica moderna contra la errada opinion de/ Obispo Cyrilo Franco*, com prefácio, introdução e notas de Mário de Sampaio Ribeiro, Coimbra, 1965. (*_n. do O.*) (72) Veja-se Adolfo Salazar, *_História da dança e do ballet*; tradução, notas e parte relativa a Portugal por Tomaz Ribas, Lisboa 1949. (*_n do_o.*) (73) Anna Ivanova, *_The dancing spaniards*, Baker, London, 1970. Veja-se também A. Ivanova, *_The dance in Spain*, Praeger Publishers, N. York, 1970. (*_n do_o.*) (74) Mateus Aranda, *_Tractado de cãto llano*, edição facsimilada com introdução e notas de José Augusto Alegria, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1962. *_Tractado de canto mensurable*, edição facsimilada com introdução e notas de José Augusto Alegria, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1978. (75) Ver bibliografia _RI 8. (76) Ver bibliografia _BE 1, _BR 1, _SA 6, _SA 17, _SA 22. (77) Embora não sendo música de autos vicentinos, merece aqui referência uma recente edição fonográfica que é um interessante documento sonoro da canção ibérica do Renascimento: Senhora del mundo: música española y portuguesa para vihuela, Chandos, 1995, __CHAN 0546, __CD. (*_N. do O.*) (78) Ver bibliografia _VI 21. (79) Ver bibliografia _BR 2. (80) Ver bibliografia _MO 3, _PO 2. (81) Ver bibliografia Y 6. (82) Ver bibliografia _PI 3. (83) Ver bibliografia _SA 6, _VI 11.

(84) A numeração corresponde à da seguinte edição: Luís de Camões, *_Obra completa*, Aguilar Editora, Rio de Janeiro, 1963. O segundo número indicado é o da página da citada edição. (*_N. do O.*) (85) No texto da 1.a edição não era feita nenhuma alusão a Luís de Camões neste contexto do cultivo da música por parte dos escritores renascentistas. Nos anos 50, estava ainda por fazer a investigação musicológica da obra camoniana. Mas, por ocasião das comemorações do IV Centenário da morte do Poeta, o próprio João de Freitas Branco levou a cabo um trabalho pioneiro que, pela importância de que se reveste, muito se :, justificaria ser mais referido. O essencial desse notável trabalho de investigação musicológica materializou-se em dois livros para os quais se remete o leitor interessado: *_A música na obra de Camões*, Biblioteca Breve, n.o 42, Instituto de Cultura Portuguesa, Lisboa, 1979; *_Camões e a Música*, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1982 (note-se que a ordem da publicação destas duas obras é inversa à da sua redacção; na realidade, a primeira baseia-se na segunda). No entanto, o Autor tinha o propósito de incluir nesta 2.a edição toda uma nova parte dedicada a Camões e que apareceria exactamente no final deste subponto. Uma nota colocada na margem da p. 66 do exemplar de trabalho não deixa dúvidas quanto a este propósito. Infelizmente não chegou a ser redigida. Com a finalidade de colmatar aquilo que seria hoje uma lacuna grave, optei por redigir eu próprio, com base nas obras acima citadas e, portanto, em perfeita sintonia com as teses de João de Freitas Branco, as linhas que aqui se incluíram sobre o autor d'*_Os Lusíadas*. Para um estudo mais aprofundado da relação do Poeta com a arte dos sons devem consultar-se, para além dos dois livros referidos, a comunicação de José Mimoso Barreto Santinho ao Colóquio Camoniano (1980), da Sociedade de Geografia de Lisboa, intitulada "Camões e a música" e publicada nas actas do Colóquio. De referir também os textos de apoio incluídos na edição discográfica "A música no tempo de Camões" (_E_M_I/_valentim de Carvalho, 8_E-17140511/12). (*_n. do _o.*) (86) 0 texto original manuscrito, relativo a este acrescento à 1.a edição do livro, é interrompido neste ponto, tendo o Autor indicado que a respectiva continuação se encontra "entre filetes na p. 66". Acontece, porém, que em nenhum dos cadernos se encontra uma página com o número 66 que aborde o tema da música litúrgica, e no exemplar da 1.a edição de que o Autor se serviu para introduzir correcções ou alterações não aparece nenhum texto colocado entre filetes. A inexistência desta "continuação", bem assim como outra alusão, nesta mesma passagem do original, a uma "p. 5, manuscrita, sobre Damião de _góis,, (caderno J-5, p. 5), faz temer que se tenha perdido alguma parte dos acrescentos à 1.a edição. Desconhece-se, porém, a existência de qualquer outro caderno. Pode também supor-se ter havido simplesmente um erro de paginação, que aliás não seria caso único: onde se indica "p.5" pode ter havido a intenção de escrever "p. 65" do primeiro caderno, essa sim dedicada a Damião de Góis. Na tentativa de superar estas dificuldades, interpretando as escassas indicações presentes no original, afigura-se-me plausível que o Autor tenha pretendido integrar a parte relativa a Damião de Góis ("D. de Góis, um músico de mentalidade universalista", pp. 66-68 da 1.a ed.) numa nova subdivisão intitulada "Música litúrgica". Foi esta a opção tomada. (*_n do _o.*) (87) Não há a certeza da data de nascimento ter sido 1500, pois, segundo outras fontes, pode ter sido 1498 ou 1495. Daí que na 1.a edição figurasse apenas "149?". No entanto, o *_Dicionário de Literatura*, dirigido por Jacinto do Prado Coelho (Figueirinhas, Porto, 1978), dá como certa a data de 1500. Em qualquer dos casos, convirá não confundir este André de Resende (que alguns supuseram chamar-se Lúcio André) com o autor do poema *_Microcosmografia*, o poeta André Falcão de Resende (1527-1599), que era seu primo segundo e sobrinho do conhecido polígrafo e músico Garcia de Resende (c.1470-1536), já antes referido. (*_n. do _o.*) (88) Ver bibliografia _CR 2, _RI 3.

(89) Ver bibliografia _VI 8. (90) Raul Rego, *_O processo de Damião de Góis na Inquisição*, Lisboa, 1971. Sobre Damião de Góis, o autor baseou-se também na obra de Elisabeth Feist Hirsch, *_Damião de Gois. The life and thought of a portuguese humanist*, Martinus Nijhoff, Hague, 1967. Merecem igualmente menção algumas outras obras da mesma autora que, no entanto, não foram utilizadas na redacção deste acrescento: *_Damião de Góis*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987 e ainda "Damião de Góis as a representative of his era (1502-1574)", Fac. de Letras da Universidade de Coimbra, Sep. *_Biblos*, 51 (número de homenagem :, a Joaquim de Carvalho), pp. 327-338, Coimbra, 1980. Tenha-se também em consideração Marcel Bataillon, Borges de Macedo, *et. al, Damião de Góis, humaniste européen*, Barbosa ç Xavier, Braga, 1982. (*_N. do _o.*) (91) Arquivo Nacional da Torre do Tombo: Inq. Lisboa, n.o 1888, Fl. 5 v.o (92) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inq. Lisboa, n.o 10259, Fl. 115, 115 v.o (93) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inq. Lisboa, n.o 1888, Fl. 55, 55 v.o (94) Arquivo Nacional da Torre do Tombo -- Inf. Lisboa, Caderno do Promotor, Vol. 5 -- 1551-1590, n.o 89. Raul Rego, *_O processo de Damião de Góis na Inquisição*, Lisboa 1971. (95) Ver bibliografia _VI 6, _VI 15. (96) Cf. D. Nicolau de Santa Maria, *_Chronica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Patriarca S. Agostinho* (Lisboa, 1668), P. II -- Livro I, Cap. XXI, p. 85. (97) Ver bibliografia _AN 2, _AN 6, _AP 1, _PE 2, _PU 1, _PU 2, _RI 5, _SA 4, _TR 2. (98) Ver bibliografia X 3. Não se confirmam as suposições de que Robert de Visée fosse português. (99) As alterações introduzidas neste ponto estão indicadas de modo pouco claro. No entanto, uma nota à margem sugere que o nome de Doizi de Velasco deve aparecer juntamente com o de António de Abreu. (*_n. do _o.*) (100)

Ver bibliografia _AP 2, _KA 4, _PE 1.

(101) Ver bibliografia _KA 10. (102) Ver bibliografia _ka 8, _ka 21. (103) Ao longo deste livro parte-se sempre do princípio de que na história da música portuguesa existiu um único músico relevante chamado António Carreira. Porém, investigação musicológica mais recente veio revelar a existência de três compositores com o mesmíssimo nome. Surge assim o problema de saber a qual dos três músicos homónimos se deve atribuir a autoria de cada uma das composições para tecla arquivadas no M. M. 242 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, um conjunto de peças musicais que constitui o maior tesouro da produção de música instrumental portuguesa do séc. XVI. Muito embora a hipótese de vários Carreiras em vez de um tivesse sido ventilada por Manuel Joaquim num texto publicado em 1944, ou seja, 15 anos antes do aparecimento da 1.a edição da presente *_História* (cf. M. Joaquim, *_Nótulas sobre a música na Sé de Viseu*, Pub. da Junta da Província da Beira Alta, Viseu, 1944, p. 13), a verdade é que João de Freitas Branco, que baseou o seu

estudo, fundamentalmente, nos notáveis trabalhos elaborados pelo musicólogo Santiago Kastner a partir do inicio dos anos 50 (adiante referidos), não problematizou esta questão. No entanto, à luz da investigação mais recente, o mistério permanece; e enquanto assim for, será António Carreira, o Velho, quem continuará, por efeito da autoridade do próprio tra-balho de Santiago Kastner, a colher os louros da autoria do melhor que se conhece da nossa criação musical do séc. XVI. O mais importante estudo sobre o "mistério Carrei-ra", e o único que reúne de forma sistematizada toda a informação hoje disponível sobre o assunto, sem no entanto pretender apresentar definitiva solução, é o artigo da autoria de Rui Nery, "António Carreira, o Velho, Fr. António Carreira e António Carreira, o Moço: balanço de um enigma por resolver", in Maria Fernanda Cidrais (coord.), *_Livro de homenagem a Macário Santiago Kastner*, Fundação Caloust Gulbenkian, Lisboa, 1992, pp. 406-430. (*_N. do _o.*) (1|0)4 Ver bibliografia _KA 9. (105) A figura e a obra de Manuel Rodrigues Coelho voltarão a ser evocadas, com maior profundidade, no final do presente capitulo, a propósito da execução instrumental. Relativamente à figura de Correa de Arauxo veja-se o recente estudo de A. Ruiz Tarazona, "Perfil biográfico de Francisco Correa de Arauxo, a la luz de los ultimos descubrimientos", in Cidrais (coord.), pp. 501 e segs. -- v. bibl. suplementar (*_N. do _o.*). (106) Ver bibliografia _ka 2, _ka 3, _ka 15, _ka 20 (nesta interessante comunicação, Santiago Kastner apresenta argumentos no sentido de Rodrigues Coelho ter nascido muito antes de 1583: cerca de 1555), _VI 17. :, (107) Ver bibliografia _SA 7. (108) Ver bibliografia _SA 6, _VI 11. (109) Ver bibliografia _AN 5, _GA 2. (110) Ver bibliografia _LA 1. (111) Ver bibliografia _VI 25. (112) Ver bibliografia _PI 3, _VI 24. (113) Ver bibliografia _RE 2. (114) Ver bibliografia _NA 1. (115) Sobre a música polifónica em Portugal tenha-se em consideração a recente obra de Owen Rees, *_Polyphony in Portugal, c. 1530-c. 1620* (sources from the monastery of Santa Cruz, Coimbra), Garland Pub., New York, 1995. (*_n. do _o.*) (116) Ver bibliografia _AN 7. (117) Ver bibliografia _JO 4, _JO 5, _JO 10, _VI 25. (118) Ver bibliografia _JO 7, _JO 12. (119) Ver bibliografia _Al 1. (120) Ver bibliografia _BR 7. (121) Ver bibliografia _SA 16.

(122) Da investigação mais recente sobre Manuel Cardoso retanha-se a seguinte obra: José Augusto Alegria, *_Fr. Manuel Cardoso, compositor português (1566- 1650)*, instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1983. Por não ter sido referido na 1.a edição desta *_História da música* e ser um escrito pouco conhecido, indicase aqui também o seguinte estudo: M. Antonieta de Lima Cruz, *_Manuel Cardoso*, Ed. Europa, Lisboa, 1938 (trata-se de um pequeno texto de divulgação incluído numa colecção dedicada aos "grandes músicos"). Quanto à discografia, merece especial referência a recente gravação da *_Missa _regina caeli* acompanhada de outras três pequenas obras: Collins Classics -- 14072,1994, _C_D. De interesse são igualmente as notas assinadas por Ivan Moody que acompanham 0 disco. (*_n. do _o.*) (123) Sobre Duarte Lobo tenham-se em consideração as seguintes obras mais recentemente publicadas, sendo já posteriores à redacção desta *_História da música*: _p.e Armindo Borges, *_Duarte Lobo (156?-1646): Studien zum Leben und Schaffen des portugiesischen Komponisten*, Gustav Bosse Verlag, Regensburg, 1986 (trata-se de uma tese de doutoramento). _o _p.e Armindo Borges também se tem ocupado da edição das obras completas do compositor na série *_Portugaliae Musica* (Fundação Calouste Gulbenkian). José Augusto Alegria, *_Polifonistas portugueses: Duarte Lobo, Filipe de Magalhães, Francisco Martins*, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1984. Manuel Carlos de Brito, *_Estudos de história da música em Portugal*, Ed. Estampa, Lisboa, 1989. No plano discográfico, merece referência a notável gravação em _C_D da *_Missa pro defunctis à 8*, acompanhada de outras duas peças, interpretada pelo grupo vocal *_The Sixteen* sob a direcção de Harry Christophers (Collins classics -- 14072, 1994). O disco é acompanhado de uma breve nota de Ivan Moody sobre Duarte Lobo e Manuel Cardoso (*_n. do _o.*) (124) Ver bibliografia _RI 11. (125) Ver bibliografia _JO 3, _JO 6, _JO 9, _RI 10, _RI 13. (126) Sobre Morago tenha-se em consideração o seguinte texto: Manuel Joaquim, *_Prefácio* a *_Estevão Lopes Morago: várias obras de música religiosa, "Portugaliae Musica"*, Vol. IV, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1961. A existência de uma breve nota onde o Autor alude aos "recentes trabalhos de M. Joaquim" faz supor ter havido o desejo de desenvolver este parágrafo com base na investigação musicológica de Manuel Joaquim. Aproveite-se para acrescentar agora que de E. L. Morago chegaram até nós muitas outras produções polifónicas, incluindo Motetes e Hinos a 4 vozes. (*_n do _o.*) :, (127) Ver bibliografia _BR 6, _BR 7, _JO 8, _JO 12, _VI 10. (128) De João Lourenço Rebelo (1610-1661) foi recentemente publicado em França o seguinte _C_D: *_Vespers*, Crépuscule -- Lome Arme Collection, 1994. Esta, bem como outras edições discográficas efectuadas fora de portas, vem demonstrar haver crescente interesse pela produção musical portuguesa. Nos últimos anos deu-se um autêntico salto qualitativo e quantitativo relativamente à divulgação fonográfica da nossa melhor música. (*_N. do _o.*) (129) Ver bibliografia _BR 7. (130) Ver bibliografia _RI 12. (131) Ver bibliografia X 7. (132) Ver bibliografia _KA 4. (133) Ver bibliografia _BU 1, Y 17. (134) Ver bibliografia _GH 1.

(135) Ver bibliografia _BR 7, _VA 3, _VA 4, _VA 6, _VI 9. (136) Ver bibliografia _KA 4. (137) Ver bibliografia _RE 2. (138) Mário Martins, *_Teatro quinhentista nas naus da _índia*, Edições Brotéria, Lisboa, 1973. Do mesmo autor veja-se também: *_O teatro nas cristandades quinhentistas da _índia e do Japão*, Brotéria, Braga, 1986. (*_N. do _o.*). (139) Maria Augusta Alves Barbosa, *_Vicentius Lusitanus. Ein portugiesischer Komponist und Musiktheoretiker des 16 Jahrhunderts*, Secretaria de Estado da Cultura, Direcção Geral do Património Cultural, Lisboa, 1977; *_Verbo, Enciclopédia Luso-_Brasileira de Cultura*, Vol. 19, artigo "Vicente Lusitano", Lisboa, 1963. (*_N. do _o.*) (140) Fr. Juan Bermudo, *_Declaración de instrumentos musicales, 1555*, edição facsimilada sob a orientação e com um posfácio de Macario Santiago Kastner, Barenreiter, Kassel e Basel, 1957. (141) Henry Coates, *_Palestrina*, J. M. Dent and Sons, London, 1938, p. 62. (*_N. do _o.*) (142) Antiga *_Naupatto* que em 1 571 foi palco da grande batalha naval contra os turcos comandados por Alì Pascià. (*_n. do _o.*) (143) José Augusto Alegria, *_História da Escola de Música da Sé de Évora*, Lisboa, 1973. (144) José Augusto Alegria, *_História da Escola de Música da Sé de Évora*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1973. Veja-se também, do mesmo autor, *_O ensino e a prática da música nas sés de Portugal*, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1985, e a obra já citada no Capitulo IV, em "Antecedentes". (*_N. do _o.*) (145) Heinrich Hüschen, "Jesuiten" in *_Die Musik in Geschichte und Gegenwart*, Kassel-_Bassel -- Londres-_Nova Iorque, 1958. (146) José Sebastião da Silva Dias, *_A política cultural da época de D. João III*, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1969. (147) Claude-_Henri Fréches, *_Le teatre néo-latin au Portugal*, Aschendorffsche Verlagsbuchhandlung, Munster, 1965. Tenha-se também em consideração a obra do mesmo Frèches *_La litterature portugaise*, P. U. F., Paris, 1970. (*_N. do _o.*) (148) José Sasportes, *_História da dança em Portugal*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1970; *_Trajectória da dança teatral em Portugal*, Instituto da Cultura Portuguesa, Lisboa, 1979. (149) Gustavo de Matos Sequeira, *_Teatro de outros tempos*, Lisboa, 1933. Serafim Leite, "A música nas escolas Jesuítas do Brasil no século XVI" in *_Cultura*, Rio de Janeiro, Janeiro-_Abril de 1949. (150) J. S. da Silva Dias, *op. cit.* (155) Esta parte corresponde a um dos principais e mais extensos acrescentos à 1.a edição da presente *_História*. Porém, deparou-se-me aqui uma das também maiores dificuldades relativamente ao local de inserção do novo texto. Não há no :,

manuscrito nenhuma anotação esclarecedora, nem se encontrou no conjunto dos cadernos de acrescentos qualquer indicação do Autor que permitisse superar esta dificuldade. Para mais, também não nos ficou nenhuma informação respeitante ao título ou subtítulo desta parte. Em face destas indeterminações, e tendo em consideração o período histórico em apreço, optou-se por colocar este novo texto como momento final do presente capitulo e tendo por título "Instrumentos e execução instrumental". No entanto, este tratamento mais aprofundado dos aspectos relativos à execução instrumental acaba por se estender até à primeira metade do séc. XVIII, fazendo referência ao período do barroco e extravasando assim o estrito limite do período do maneirismo em foco nesta parte da obra, momento em que se assiste ao máximo desenvolvimento da polifonia; um período de duzentos anos, estendendo-se da última metade do séc. XV até finais do séc. XVII. (Recorde-se que o presente capítulo tem por título "O apogeu da polifonia".) É de supor que houvesse a intenção não explicitada de alterar a própria estrutura e titulação dos capítulos, mas o presente acrescento, por si só, não permite a criação de novo capítulo. Tal iria comprometer a lógica que preside à estruturação da obra. Vem a propósito referir aqui o facto de não ser absolutamente incontroversa a delimitação do período da nossa história da música a que se deve aplicar a designação de maneirista. Sobre esta questão veja-se Manuel Carlos de Brito, "Renascença, maneirismo, barroco: o problema da periodização histórica na música portuguesa dos séculos XVI e XVII", in *_Miscelânea en honor al Prof. Dr. Josè López-_Calo*, vol. I, Universidade de Santiago de Compostela, 1990, pp. 539-554. Seja como for, João de Freitas Branco situa na segunda metade do séc. XVII o fim da época áurea da música polifónica portuguesa. (*_n. do _o.*) (152) Sobre o tipo de instrumento clavicórdio existente em Portugal em Seiscentos veja-se o recente estudo de Bernard Brauchli e Clifford Boehmer, "A Seventeenth_Century Portuguese Clavichord: Study and Restoration", in F. Cidrais (cord.), *op. cit.*, pp. 69-98. (153) Tenham-se em consideração os seguintes estudos: Gerhard Doderer, *_Orgelmusik und Orgelbau im Portugal des 17 Jahrhunderts*, Hans Schneider, Tutzing, 1978; e do mesmo autor, "A função do órgão na liturgia portuguesa do séc. XVII", in *_Boletim da Associação Portuguesa de Educação Musical*, n.o 58 (Julho-_Setembro), pp. 58-63. De muito interesse, nomeadamente pelos textos de apresentação que as acompanham são as edições discográficas efectuadas nos anos 70 e infelizmente ainda não reeditadas em _C_D: *_Música vocal e música de órgão dos séc. XVI, XVII e XVIII*, Lusitana Musica/_A Voz do Dono, 1976, 1_C_073-40427, _L_P; *_O órgão da Sé Catedral de Évora*, Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1975, 11_C_073-40391, _L_P; *_O órgão da Sé Catedral de Faro*, Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1975, 11_C_073-40390, _L_P; *_O órgão da capela da Universidade de Coimbra*, Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1977, 11_C_073-41393, _L_P; *_O órgão de Santa Maria de Óbidos*, Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1981, 11_C_075-40566, _L_P. (*_n. do _o.*) (154) Ver bibliografia _NE 1. 6. (155) Ver bibliografia D2 e A1. (156) Ao leitor especialmente interessado nesta temática recomenda-se o belo livro de Carlos de Azevedo mencionado na bibliografia. (157) De G. Doderer tenham-se em consideração os seguintes estudos dedicados ao órgão e à música para órgão: *_Orgelmusik und orgelbau im Portugal des 17. Jahrhunderts: Untersuchungen an Hand des Ms. 964 der Biblioteca Pública de Braga*, Hans Schneider, Tutzing, 1978. "A função do órgão na liturgia portuguesa do século XVII", in *_Boletim da Associação Portuguesa de Educação Musical*, n.o 58, Junho/_Setembro de 1988, pp. 58-63. Prefácio a *_Obras selectas para órgão: Ms. 964 da Biblioteca Pública de Braga*, "Portugaliae Musica", vol. XXV, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1974. (*_N. do _o.*) :,

(158) Cf. bibliografia _KA 5, XVII. (159) Não há indicação de qual a obra aqui citada, mas trata-se provavelmente de um texto de Pereira das Neves. (*_N. do _o.*) (160) Ver Ernesto Vieira, *_Dicionário biográfico de músicos portugueses*, 2 vols., Lambertini, Lisboa, 1900. (*_N. do _o.*) (161) Sobre A. Carreira devem salientar-se fundamentalmente os seguintes trabalhos de Santiago Kastner: *_António Carreira: drei fantasieen*, Harmonia Uitgave, Hilversum, 1952; Prefácio a *_Antologia de organistas do século XVI*, " Portugaliae Musica", Vol. XIX, Fundação Caloust Gulbenkian, 1969; "Orígenes y evolución del tiento para instrumentos de tecla", *_Anuario Musical*, XXVIII-__XXIX, Barcelona, 1976; *_Três compositores lusitanos para tecla: António Carreira, Rodrigues Coelho, Pedro de Araújo*, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. (*_n. do _o.*) (162) Sobre C. de Arauxo veja-se, para além de outras obras citadas na bibliografia, o recente estudo de Andres Ruiz Tarazona, "Perfil biográfico de Francisco Correa de Arauxo, a la luz de los ultimos descubrimientos", in *_Livro de homenagem a Macario Santiago Kastner, ed. cit.*, pp. 501-512. (*_n. do _o.*) (163) Ver bibliografia _KA 3. (164) Sobre os mistérios que envolvem a figura de A. Carreira veja-se o já referido estudo de Rui Nery: "António Carreira, o velho, Fr. António Carreira e António Carreira, o moço: balanço de um enigma por resolver", *in* Maria Fernanda Cidrais (coord.), *_Livro de homenagem a Macário Santiago Kastner*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1992. (*_n. do _o.*) (155) Tenha-se principalmente em consideração _KA 2, pp. 52-55 e _KA 5, X. Estas obras de S. Kastner constituíram a principal fonte bibliográfica na redacção desta parte dedicada a António Carreira que é um acrescento à 1.a edição. (*_n. do _o.*) (166) Sobre o padre Manuel Rodrigues Coelho tenha-se principalmente em consideração a obra de Macario Santiago Kastner, *_Três compositores lusitanos para instrumentos de tecla: António Carreira, Manuel Rodrigues Coelho, Pedro de Araújo*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1979, pp. 71-116. (*_n. do _o.*) (167) _ver bibliografia _ka 4, pp. I-__IX. Quanto ao parecer do ilustre frade carmelita, reza ele assim: "Vi a Música deste livro por mo pedir o Autor dele. Achei nele muita variedade de passos, glosa excelente e airosa, as falsas em seu lugar, mui bem acompanhadas; e em tudo me parece digno, assim de seu Autor, como de ser impresso, para proveito dos que dele tiverem notícia. Dada no Carmo de Lisboa hoje 21 de Julho de 1617. Frei Manoel Cardoso." (168) Quebrando algum desse esquecimento foi recentemente gravado em França, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, um _C_D contendo uma parte desta obra-prima de Rodrigues Coelho, interpretada por Gabrielle Marcq que também assina as notas explicativas que acompanham o disco (Accord, 1994, 202842). (*_n. do _o.*) (169) É importante ter em consideração _ka 5, p. XXXII, onde se fala da obra atribuída a António de Macedo. (170) Veja-se Ernesto Gonçalves de Pinho, *_Santa Cruz de Coimbra, centro de actividade musical nos séculos XVI e XVII*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981, pp. 174 e segs. (*_n. do _o.*) (171) O manuscrito sofre aqui uma interrupção. Tudo indica que o Autor pretendia

referenciar a instituição actual proprietária da colecção de Manuel Joaquim, onde se inclui este verso de Agostinho da Cruz. (*_n. do _o.*) (172) No manuscrito, a seguir à data do nascimento encontra-se um espaço vazio. Ao redigir esta passagem, o Autor não tinha a certeza do lugar de nascimento de M. Rosmarin que se sabe ter visitado o duque de Bragança, futuro D. João IV, em 1638, tendo ficado durante um curto período ao seu serviço em Vila Viçosa. Foi feito capelão da corte portuguesa em 1644 (Cf. M. C. Brito e L. Cymbron, *_História da música portuguesa*, Universidade Aberta, Lisboa, 1992, p. 89). A consulta de vários dicionários de música e :, enciclopédias não permitiu esclarecer a dúvida relativa ao local de nascimento. Sobre o compositor flamengo Mathieu Rosmarin e seus compatriotas músicos que estiveram ao serviço da capela real de Madrid veja-se Paul Becquart, *_Musiciens néerlandais á la cour de Madrid* (Philippe Rogier et son école, 1560-1647), Palais des Academies, Bruxelas, 1967. (*_n. do _o.*) (173) Uma nota à margem, escrita a lápis no manuscrito da parte intitulada "o ensino da música", sugere ter havido a intenção de alterar estas linhas conclusivas acrescentando algumas considerações sobre "o que se perdeu por causa da Igreja" e sobre os efeitos da música protestante. (*_n. do _o.*) (174) Ver bibliografia _KA 5, _KA 7. (175) Ver bibliografia _PR 1. (176) Ver bibliografia _KA 1, _KA 6. (177) Ver bibliografia _MA 6. (178) Ver bibliografia _KA 4. (179) _o principal investigador da obra de Carlos Seixas foi o musicólogo Santiago Kastner. Para além das obras de sua autoria citadas na bibliografia (de onde se destaca o texto editado em Coimbra no ano de 1947 e mais recentemente em Espanha -cf. M. S. Kastner, *_Carlos Seixas*, Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, Institucion Mila i Fontanals -- U. E. I. de Musicologia, Barcelona, 1988), veja-se também M. C. de Brito, *_Estudos de história da música em Portugal*, Editorial Estampa, Lisboa, 1989 e ainda as duas mais recentes histórias gerais da música portuguesa (adiante referenciadas), bem como o volume da responsabilidade da Secretaria de Estado da Cultura, *_Comemorações Seixas-_Bontempo*, Direcção Geral dos Espectáculos e das Artes, Lisboa, 1992. Quanto à discografia, retenham-se as seguintes edições: *_Sonatas de órgão*, Lusitana Musica/_a _voz do Dono, 1981, 11_C_O75-40567, _L_P; *_Sonatas para cravo*, Portugalsom, 1988, _C_D870014, _C_D; *_Concerto para cravo/_Sinfonia/_Abertura*, Portugalsom, 1986, 86002/_P_S, _L_P. (*_n. do _o.*). (180) Ver bibliografia _CO 3, _LA 2, _VI 5. (181) Ver bibliografia _WE 1. Cita-se este livro pelas referências que faz à música na capela de D. Catarina, em Inglaterra, e respectivas indicações bibliográficas. (182) Ver bibliografia _KI 1. (183) _o último período deste parágrafo, redigido nos recuados anos 50 e não revisto pelo Autor na altura da preparação da segunda edição, deve ser lido tendo em consideração o ambiente salazarento que então se vivia e que tão negativamente marcava a cultura portuguesa. Recorde-se que na mesma altura em que a fadista Amália era altamente condecorada músicos como um Fernando Lopes Graça eram lançados ao ostracismo e impedidos de

trabalhar no seu próprio país. (*_n. do _o.*) (184) Ver bibliografia _MA 4. (185) Ver bibliografia _CR 1. (186) Ver bibliografia _ST 1. (187) Ver bibliografia Z 3. (188) Ver bibliografia ST 1. (189) Ver bibliografia _AN 2, _MO 1, _MO 2, _MO 4, _PE 3, _SA 6, _SU 1, _SU 2, _SU 3, _X 3, _Y 20. (190) Ver bibliografia Z 3. (191) A oratória *_La Giuditta* de Francisco António de Almeida foi editada em _C_D. (*_n. do _o.*) (192) Ver bibliografia Y 10. (193) Ver bibliografia _ST 1. (194) Ver bibliografia _LI 3 (195) Ver bibliografia _BA 1, _SA 21. (196) Ver bibliografia _BU 1, _GR 10. :, (197) Ver bibliografia Y 4, Z 3. (198) De António Teixeira foi recentemente publicada uma gravação discográfica do *_Te Deum*: Collins Classics, 1992, 13592, _C_D. (*_N. do O.*) (199) Na primeira edição este parágrafo continha uma imprecisão histórica que o Autor não chegou a corrigir. Afirmava-se que a corte se tinha refugiado em Coimbra, quando na verdade, após o terramoto, a família real ficou alojada em "abarracamentos de madeira construídos na colina da Ajuda". O próprio marquês de Pombal foi também habitar numa barraca erguida nessa mesma zona de modo a facilitar o seu contacto com o rei. (*_N. do _o.*) (200) Sobre a ópera no século XVIII veja-se: M. C. de Brito, *_Opera in Portugal in the eighteenth century*, Cambridge University Press, Cambridge, 1989. (*_N. do _o.*) (201) Ver bibliografia _VI 10. (202) Ver bibliografia Z 3. (203) Sobre o Teatro de S. Carlos e a ópera, como fenómeno musico-teatral, societal e político, veja-se o recente e cuidado estudo de Mário Vieira de Carvalho, *_Pensar é morrer ou o Teatro de São Carlos na mudança de sistemas sociocomunicativos desde fins do século XVIII aos nossos dias*, Imprensa Nacional_Casa da Moeda, Lisboa, 1993 (inclui uma extensa bibliografia). Sempre importante, independentemente da antiguidade, é o clássico trabalho de Fonseca Benevides, *_O real Theatro de S. Carlos de Lisboa. Desde a fundação em 1793 até à actualidade*, Typ. Castro ç Irmão, Lisboa, 1883 e *_O real Theatro de S. Carlos de Lisboa. Memória (1883-1902)*, Typ. e Lith. de Ricardo de Sousa e Salles, Lisboa, 1902

(deficientemente citado na bibl. da 1.a ed.). Para além destes textos de referência, e no que diz respeito à investigação mais recente, tenha-se também em consideração os seguintes títulos: Augusto M. Seabra, *_Ir a S. Carlos*, Correios de Portugal, 1993 (obra de grande riqueza iconográfica); Manuel Ivo Cruz, *_O Teatro Nacional de S. Carlos*, Lello ç Irmão, Porto, 1992; Joel Costa, *_Teatro São Carlos: breve resenha histórica*, Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa, 1993; Manuel Carlos de Brito e David Cranmer, *_Crónicas da vida musical portuguesa na primeira metade don século XIX*, Imprensa Nacional -- Casa da Moeda, Lisboa, 1990; José Augusto França, "Noites de S. Carlos", em *_O romantismo em Portugal*, Livros Horizonte, Lisboa, 1993 (2.a ed.). (*_N. do O.*) (204) Ver bibliografia _BE 5, _DI 1, _LI 1. (205) Ver bibliografia Q 1. (206) Ver bibliografia _BR 4. (207) Ver bibliografia _KA 1, _KA 4. (208) Discografia de Sousa Carvalho: *_Te Deum*, Cascavelle, 1991, _V_E_L1016, _C_D; *_Testoride argonauta*, Nuova Era, 1990, 6928/29, _C_D. (*_N. do O.*) (209) Ver bibliografia _CA 5, _CR 4, _LO 3, _RI 2, _RI 4, _SO 1, _VA 1, _VI 2. (210) Ver bibliografia _AZ 1, _CA 5, _LI 3. Jean-_Paul Sarrautte observou ao autor que não pode considerar-se absolutamente provado que Marcos Portugal tenha escrito a partitura d'*_O juramento dos Numes*. (211) Sobre Marcos Portugal veja-se Jean-_Paul Sarrautte, *_Marcos Portugal. Ensaios*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1979. (*_N. do O.*) (212) Ver bibliografia _LA 2. (213) Ver bibliografia _az 1. (214) Ver bibliografia _AZ 2. (215) Sobre a Todi, bem como sobre a generalidade dos intérpretes vocais portugueses de ópera, veja-se a monumental obra de Mário Moreau, *_Cantores de ópera portugueses*, 2 vols., Bertrand, Lisboa 1981 e 1984. Ver também: Eduardo da Conceição Fernandes, *_Luisa Todi*, Coral Luisa Todi, Setúbal, 1987 e *_Homenagem a Luiza Rosa de Aguiar Todi*, [texto policopiado], Biblioteca Municipal de Setúbal, Setúbal, 1984. Por não figurarem na bibliografia organizada pelo Autor citam-se aqui as seguintes obras: Mário Sampaio Ribeiro, *_Luisa Todi*, S. Industriais, Lisboa, 1934. Na primeira edição há um erro na :, indicação bibliográfica da obra de _s. Ribeiro sobre a Todi editada em 1943 pelas Edições Ocidente (v. bibl.). Maria Isabel de Mendonça Soares, *_A vida fascinante de Luisa Todi*, Verbo, Lisboa, [1960]. (*_n. do _o.*) (216) Ver bibliografia _GU 1, _RI 8, _VA 11, _VA 2, _VI 2, X 1, X 2, X 4, X 6, X 8. (217) Ver bibliografia _TH 1. (218) O que se pode ler no *_Diário* (terça-feira, 6 de Novembro de 1787) é o seguinte: "[Policarpo] É um perfeito mestre da sua arte, e compõe com saber e discernimento" ("[...] *is a perfect master of his art, and composes with seience and judgment*"), p. 250 da ed. portuguesa antes citada. (*_n. do _o.*) (219) Ver bibliografia _BE 2.

(220) Ver bibliografia _VA 1. (221) Ver bibliografia _KA 4. (222) Ver bibliografia _GR 6, _VA 5. (223) Ver bibliografia X 7. (224) William Beckford, *_Diário de William Becktord em Portugal e Espanha*, introdução e notas de Boyd Alexander, tradução e prefácio de João Gaspar Simões, Imprensa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1957. Foi esta a edição mais utilizada pelo Autor, no entanto as citações não foram automaticamente reproduzidas a partir dela, pois em quase todos os casos as passagens citadas foram sempre confrontadas com o original inglês utilizando na circunstância a edição de Boyd Alexander (*_The journal of*..., Rupert Hart-_Davis, London, 1954). A titulo de curiosidade, acrescente-se ter sido esta a edição e o próprio exemplar pessoal de Luís de Freitas Branco que o leu e anotou pouco tempo antes da sua morte. (*_n. do _o.*) (225) José Mazza, *_Dicionário biográfico de músicos portugueses*, Império, Lisboa, 1945. (226) _o.*)

Ver a já citada obra de Mário Moreau sobre os cantores portugueses. (*_n. do

(227) William Beckford, "Excursion à Alcobaça et Batalha", edição bilingue, texto original em inglês acompanhado de tradução francesa, introdução e notas de André Parreaux, prefácio de Guy Chapman, Les Belles Lettres, Paris, 1956. (*_n. do _o.*) (228) Marquês de Bombelles, *_Journal d'un ambassadeur de France au Portugal, 17861788*, edição estabelecida, anotada e precedida de uma introdução de Roger Kann, Centre Culturel Portugais, P. U. F., Paris ,1979. (229) Ver bibliografia _GE 2. (230) Ver bibliografia _BR 2. (231) Ver bibliografia Z 3. (232) Ver bibliografia Y 8. (233) Ver bibliografia _CA 1. (234) Ver bibliografia _RI 4, X 4. (235) Ver Juan G. Roederer, *_Introduction to the physics and psychophysics of music*, Heidelberg Science Library, Springer-_Verlag, Nova Iorque, 1979. (236) Ver bibliografia _SI 1, _SI 2. (237) Ver bibliografia _TE 1. (238) Ver bibliografia X 7. (239) Ver bibliografia _WE 2. (240) Ver bibliografia _CO 3 (241) Ver bibliografia _WE 2.

(242) Ver bibliografia _SA 8, _SA 18, _SE 2. (243) Ver bibliografia X 7. (244) Ver bibliografia _MO 6, _RE 4. (245) Ver bibliografia Z 1, Z 4. (246) Ver bibliografia FR 1, X 7. (247) Sobre Bontempo ver bibliografia _BR 4, _CR 3, _RI 4, _SO 1, _VA 1, _VI 2, X 1, X 2, X 6, X 7, X 8. :, (248) Na primeira edição indicava-se o ano de 1771 como data de nascimento do compositor; no entanto, investigações mais recentes estabelecem 1775 como ano do nascimento. Ver sobre este assunto Joseph Scherpereel, *_La date de naissance de João Domingos Bontempo*, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1982. (*_n. do _o.*) (249) Ver bibliografia _CR 3. (250) Neste momento pode mesmo dizer-se que Bontempo é um dos compositores portugueses mais bem representados em gravações discográficas. Retenham-se os seguintes títulos: Requiem op. 23, Portugalsom, 1987, _C_D870001/_P_S, _C_D; Quinteto op. 16, Portugalsom, 1987, _C_D870006/_P_S, _C_D; Sinfonia n.o 2, Portugalsom, 1983, _C_D870002/_P_S, _C_D; Concertos para piano n.o 1 e 3, Portugalsom, 1988, _C_D870011/_P_S, _C_D; Concerto para piano n.o 2 e 4, Portugalsom, _C_D870005/_P_S, _C_D; Sonatas para piano op. 181, Lusitana Musica/_A Voz do Dono, 1981, 1_C075-40565, _L_P; Sonatas para piano, 1992..., (3 discos) _C_D870038/_P_S, _C_D870039/_P_S, _C_D870040/_P_S, _C_Ds.; Quatro Absolvições//_Libera Me, Portugalsom, 1995, _S_P 4029, _C_D; Te Deum em fá maior, Portugalsom, 1995, _S_P 4028, _C_D; (*_N. do _o.*). (251) Sobre Bontempo e a vida musical no Portugal da sua geração vejam-se as seguintes obras: David Cranmer e Manuel Carlos de Brito, *_Crónicas da vida musical portuguesa na primeira metade do século XIX*, Imprensa Nacional -- Casa da Moeda, Lisboa,1990; Jean-_Paul Sarrautte, *_Catálogo das obras de João Domingos Bontempo*, Fundação Calouste Guibenkian, Lisboa, 1970; Joseph Scherpereel, *op. cit.* De particular interesse e importância pela vasta informação que contém, é o excelente catálogo da exposição comemorativa dos 150 anos da morte do compositor, organizado por João Pedro d'_Alvarenga: *_João Domingos Bontempo 1775-1842*, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, Lisboa, 1993. (A maior colecção de obras -incluindo manuscritos -- de Bontempo encontra-se na Área de Música da Biblioteca Nacional.) Estão publicadas pela Fundação Gulbenkian (Portugaliae Musica XIII e XXXV) pela D. G. P. C. (Lusitana Musica) e pela Garland Publishing de Londres, em edição moderna ou facsimilada, várias obras do compositor -- ver Brito/_Cymbron, *op. cit.*, p. 141, nota 1. Relativamente à discografia veja-se nota anterior e consulte-se o acima citado catálogo da exposição de 1993, pp. 221 -225 (como já antes se disse, a discografia de Bontempo é uma das mais extensas). (*_n. do _o.*) (252) Ver Benevides, *op. cit.*, 1.o Vol., p. 97. (253) Ver bibliografia X 1. (254) Ver bibliografia _VI 3.

(255) Ver bibliografia Z 3. (256) Ver bibliografia _SA 15. (257) Ver bibliografia _BR 2, _GR 7, _MO 5, _MO 6, Z 2. (258) A obra de referência sobre José Viana da Mota é a seguinte: João de Freitas Branco, *_Viana da Mota: uma contribuição para o estudo da sua personalidade e da sua obra*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987 (2.a ed.) -- inclui extensa bibliografia; veja-se também *_Exposição comemorativa do centenário de Vianna da Motta [catálogo]*, integrada no XII Festival Gulbenkian de Música, Maio de 1967. Do V. da Mota intérprete existem alguns documentos sonoros que foram reunidos em disco _L_P: *_International Piano Library* (limited editions) _I_P_L 108, 1973 (inclui interpretações de três peças de sua própria autoria). E tão lamentável quanto injustificável que estas históricas gravações não tenham sido ainda editadas em disco compacto. Das suas obras gravadas destacam-se: Sinfonia "_à Pátria", Portugalsom, 1990, _C_D870016, _C_D; [*_Obras para piano*], _H_K Marco Polo, 1985, 6.220307, _L_P (interpretadas pelo principal discípulo, o pianista Sequeira Costa); *_Lieder*, Portugalsom, 1988, _C_D870009, _C_D (inclui um texto de apresentação da autoria da soprano Elvira Archer que é a principal intérprete e investigadora dos :, *_Lieder* de Viana da Mota); *_Sonata/_Fantasiestück* op. 2/_Barcarola n.os 1 e 2, Portugalsom, 1995, _S_P 4044, _C_D. (*_n. do _o.*) (259) Ver bibliografia Y 15. (260) _o Autor tinha a intenção de desenvolver muito mais este subtítulo dedicado à figura de seu pai. Só que os acrescentos previstos não chegaram a ser escritos, muito embora os últimos trabalhos de investigação musicológica realizados por J. de Freitas Branco, pouco tempo antes de morrer, tivessem incidido precisamente sobre a obra e a biografia de seu pai. Recorde-se que na altura da publicação da primeira versão desta *_História* tinham decorrido apenas 4 anos desde a morte do compositor. Não estavam por isso reunidas as condições ideais para que alguém que acumulava o estatuto de historiador com o de filho pudesse ajuizar do valor da obra musical de Luís de Freitas Branco; tanto mais que, tal como está dito no texto, em 1959 o público português estava longe de ter consciência do real valor do criador dos *_Paraísos artificiais*. Facto que decorria em boa parte do desconhecimento das obras, numa época em que ainda não se usufruía de gravações discográficas de modo a proporcionar repetidas audições. Note-se, aliás, que até mesmo uma obra com a importância *da 4.a Sinfonia* tinha acabado de ser estreada, já postumamente, em Lisboa e não se encontrava, portanto, suficientemente divulgada. O mesmo acontecia com muitíssimas outras páginas musicais. Mas nos últimos anos, a superior estatura artística, assim como intelectual, do autor do *_Vathek* tornou-se suficientemente indiscutível para que um filho a pudesse referir sem correr o risco de se ver acusado de excessiva subjectividade no ajuizar ou de parcialidade ditada por filiais sentimentos. Sobre Luís de Freitas Branco publicaram-se nos últimos anos vários estudos de onde se destacam os seguintes: J. de Freitas Branco, "Luís de Freitas Branco: aspectos menos conhecidos duma mentalidade e duma evolução", in *_Colóquio-_Artes*, n.o 23, pp. 42-52; Maria Helena de Freitas, "Luís de Freitas Branco", in *_O Diário*, 14/10/84, pp. 6-7; Mário Vieira de Carvalho, "Luís de Freitas Branco: um percurso inquieto de artista e pensador", in *_O Diário*, 8/12/85, pp. 6-7; Adriana Latino, "Luís de Freitas Branco", *_Boletim da Associação Portuguesa de Educação Musical*, n.os 64-65, 1990, pp. 3-8; João Maria de Freitas Branco, "Aspectos da relação intelectual do músico Luís de Freitas Branco com o filósofo António Sérgio" in *_Vértice 51*, Novembro/_Dezembro de 1992, pp. 83-88; Paulo Ferreira de Castro, "Saudades do Renascimento: sobre a noção de modernidade em Luís de Freitas Branco", in *_Actas do Colóquio "Modernidade e mudança na música portuguesa", Departamento de Ciências Musicais, Universidade Nova de Lisboa. Veja-se ainda o número especial

da *_Gazeta Musical* dedicado ao compositor: "Luís de Freitas Branco. O centenário", *_Gazeta Musical*, n.o 245, Dezembro de 1990 (direcção de F. Lopes Graça). A pessoa que mais profundamente se tem dedicado ao estudo da vida e obra do compositor, o musicólogo Nuno Barreiros (autor de muitas das notas que acompanham os discos abaixo indicados), tem em preparação uma obra de fundo que se espera venha a estar concluída em breve. Importantes são também as seguintes publicações associadas a algumas comemorações: *_Luís de Freitas Branco [Catálogo da Exposição Comemorativa do 20.o Aniversário da Morte]*, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1975; Nuno Barreiros/_Alexandre Delgado (coord.), *_Modernidade e tradição: ciclo Luiz de Freitas Branco*, _R_D_P_Antena 2, Lisboa, [1990]; *_Exposição de homenagem a Luís de Freitas Branco*, Câmara Municipal de Loures, [1993]. Sobre os aspectos mais gerais da sua acção cultural na primeira metade do século, merece referência o seguinte texto: Mário Vieira de Carvalho, "Snobismo e confrontação ideológica na cultura musical" in António Reis (dir.), *op. cit.*, Vol. 3, pp. 297-310. Depois da morte do único filho do compositor, e não obstante o interesse manifestado por algumas instituições, de onde se destaca a Fundação Gulbenkian, não tem sido possível concretizar a edição de certas obras musicais e literárias em consequência de :, obstáculos levantados por alguns herdeiros de Luís de Freitas Branco. Por este motivo, p. e. uma obra com a importância de Os *_paraísos artificiais* continua a não estar editada, mais de 80 anos após a sua composição. Quanto à discografia retenham-se os seguintes títulos: Sinfonia n.o 1/_Antero de Quental (poema sinfónico), Portugalsom, _C_D870004/_P_S, _C_D; Quarteto de cordas/_Sonata para violoncelo e piano, Portugalsom, _C_D870007/_P_S, _C_D; Vathek/_Suite alentejana n.o 2, Portugalsom, 1988, _C_D870015/_P_S, _C_D; Paraísos artificiais (poema sinfónico), Portugalsom, 870021/_P_S, _C_D; Sinfonia n.o 4, Portugalsom, 1990, _C_D870018/_P_S; Sinfonia n.o 3, Portugalsom, _C_D872221, _C_D; Sinfonia n.o 2/_Suite alentejana n.o 1, Portugalsom, _C_D870024/_P_S, _C_D; Sonata para violoncelo e piano/10 Madrigais camonianos, _E_M_I Classics/_valentim de Carvalho, 1991, 754496-2, _C_D; 10 Prelúdios para piano, Decca, SLPDX 537, _L_P; Concerto para violino e orquestra/_Tentações de S. Frei Gil, Portugalsom, 1995, _S_P 4042, _C_D; Sonata n.os 1 e 2 para violino e piano, Portugalsom, 1995, _S_P 4045, _C_D; Canções, A Voz do Dono, 8_E-051-40504, _L_P. (*_N. do _o.*) (261) Ver bibliografia Y 8. (262) Ver bibliografia Y 4. (263) Veja-se Leonardo Jorge, *_António Fragoso: um génio feito saudade*, Livros de Portugal, Rio de Janeiro, 1968. (264) Ver bibliografia _MA 3. (265) Ver bibliografia _CI 1. (266) Ver bibliografia _FR 2. (267) Ver bibliografia _WA 1. (268) Ver bibliografia Y 4. (269) Ver bibliografia _CO 4, _TO 1. (270) Ver bibliografia _VI 25.

(271) Ver bibliografia Z 3. (272) Ver bibliografia _BR 5. (273) Ver bibliografia _SA 12, _SE 6. Estes dois livros fazem alusões ao interesse de Sampaio Bruno por teoria musical e sua aplicação prática. (274) Ver bibliografia _DA 1, _AZ 1. (275) Ver bibliografia _ME 1, _SI 3. (276) A inactualidade de muito do conteúdo deste último capítulo, precisamente intitulado "A actualidade", é contradição bastante para que se volte a justificar a opção tomada, se bem que o fundamental dela tenha ficado enunciado no *_Prefácio*. Como aí ficou dito, o facto de João de Freitas Branco não ter concluído o trabalho de preparação da nova edição, aumentada e revista, fez com que fosse precisamente o capitulo mais carenciado de remodelação a ver-se privado dela. É claro que a actualidade de 1959 não pode ser a mesma de 1995, mesmo numa pátria onde o ritmo do desenvolvimento histórico raro foi célere. Além do mais, o Autor manifestou o desejo de não se limitar a actualizar a informação contida nesta última parte, promovendo antes a sua total substituição por um novo texto em que se analisassem os reflexos da Revolução de 25 de Abril de 1974 na vida e na criação musical portuguesa Uma vez que este novo capítulo nunca chegou a ser redigido, optei por manter o velho texto de 1959 que, se é certo ter perdido alguma actualidade, não deixa de ser um documento relevante da nossa historiografia musical. Introduziramse apenas algumas alterações pontuais (como p. e. a indicação do ano da morte de alguns compositores entretanto desaparecidos) e intercalaram-se várias notas de péde-página com o único objectivo de apresentar alguns esclarecimentos ou de actualizar a informação bibliográfica. Portanto, ao iniciar a leitura deste derradeiro capitulo, o leitor deverá libertar a sua imaginação de modo a conseguir situar-se no Portugal do final dos anos 50 -- altura em que compositores como Jorge Peixinho (n. 1940-1995), Constança Capdeville (1937-1991) ou Emanuel Nunes (n. 1941) não tinham ainda lugar na história da música pátria. As principais fontes bibliográficas para o estudo do período contemporâneo :, da nossa história da música são: os textos assinados por Mário Vieira de Carvalho em António Reis (dir.), *_Portugal contemporâneo*, 6 vols., Publicações Alta, Lisboa, 1990 (o texto sobre o período mais recente intitula-se: "A música: do surto inicial à frustração do presente", Vol. 6, pp. 347-362); Rui Vieira Nery e Paulo Ferreira de Castro, *_História da música*, col. Sínteses da Cultura portuguesa, imprensa Nacional -- Casa da Moeda, Lisboa, 1991 , pp. 148 e segs.; Manuel Carlos de Brito e Luísa Cymbron, *_História da música portuguesa*, Universidade Aberta, Lisboa, 1992, pp. 153 e segs. (relativamente ao período em apreço esta obra baseia-se inteiramente na anterior) Embora antigo, continua a merecer referência o estudo de J de F. Branco, *_Alguns aspectos da música portuguesa contemporânea*, Edições Ática, Lisboa, 1960. Para um enquadramento histórico geral, principalmente no que se refere ao período pós-25 de Abril, tenham-se em consideração, entre outras e para além do já citado *_Portugal contemporâneo*, as seguintes histórias: José Mattoso (dir.), *_História de Portugal*, Vol. 8 ("Portugal em transe. 1974-1985", texto de José Medeiros Ferreira), Círculo de Leitores, Lisboa, 1993; José Hermano Saraiva (dir.), *_História de Portugal*, Vol. 3 (1640-Actualidade) Publicações Alfa, Lisboa, 1983; António H. de Oliveira Marques, *_História de Portugal*, Vol. 3, Palas Editores, Lisboa,1986; António Reis (coord.), *_Portugal: 20 anos de democracia*, Círculo de Leitores, Lisboa, 1994. (*_n. do _o.*) (277) É dramático, senão mesmo desesperante, ter de se reconhecer a actualidade destas observações decorridos que são mais de 35 anos sobre a data da sua redacção e 21 anos depois da Revolução de Abril. (*_n. do _o.*)

(278) Ver bibliografia _LE 1. (279) "A D. Elisa", como então habitualmente se dizia, faleceu na mesmíssima altura em que João de Freitas Branco redigia este último capítulo da sua *_História da música*... (*_n. do _o.*) (280) Atitude estatal que foi mais efeito da relação pessoal que Elisa Pedroso mantinha com o ditador Salazar e da pressão por essa via exercida do que iniciativa do Estado ditada por qualquer sensibilização governamental para os problemas da cultura musical portuguesa. (*_n. do _o.*) (281) Ver bibliografia Z 5. (282) Associação de que João de Freitas Branco foi um dos fundadores e primeiro presidente da Direcção. (*_n. do _o.*) (283) Ver bibliografia Y 4, Y 8. (284) Há bem pouco tempo, o grande violoncelista Mstislav Rostropovitch tocou em Lisboa para um Coliseu dos Recreios às moscas; mas hoje, felizmente, tal constitui a excepção confirmadora de outra regra: a de uma geral tendência para o aumento quantitativo do público melómano. (*_n. do _o.*). (285) Sobre a mais recente acção da Fundação no domínio da arte dos sons veja-se Nery/_Ferreira de Castro, *op. cit.*, p.176 e segs. (*_n. do _o.*) (286) Ver bibliografia _AT 1. (287) Em 1959, recorde-se. (*_n. do _o.*) (288) Ver bibliografia Y 20. (289) Sobre Fernando Lopes Graça veja-se a boa síntese de Mário Vieira de Carvalho, *_O essencial sobre Fernando Lopes-_Graça*, Imprensa Nacional-_Casa da Moeda, Lisboa, 1989. Considerem-se também o texto de J. de F. Branco acima citado, bem como as duas mais recentes histórias gerais da música portuguesa, também já referenciadas. A Editorial Caminho tem prosseguido a publicação da obra literária completa de F. L. Graça. Sugere-se a seguinte discografia: Concertino para violeta/_Concertino para piano, Portugalsom, 1988, _C_D870013/_P_S, _C_D, História trágico-marítima/_Viagens na minha terra, Portugalsom, 1987, _C_D870003, _C_D; Requiem, Portugalsom, 1988, _C_D870010, _C_D; Onze encomendações para as almas/_Doze cantos de romaria, Portugalsom, 1991, _C_D870041, _C_D; Obras para piano/_Obras para violoncelo e piano, _E_M_I Classics, 1994, :, (291) Veja-se, sobre este compositor, o recente estudo de Gil Miranda, "A música de piano de Jorge Croner de Vasconcelos", in M. F. Cidrais (coord.); *op. cit.*, pp. 307-324 e também "Homenagem a Jorge Croner de Vasconcelos", in *_Colóquio-_Artes*, n.os 25, 59-72, 1975. (*_n. do _o.*) (292) Veja-se: J de Freitas Branco, "Homenagem à memória de Joly Braga Santos: recordações amplificadas", in *_São Carlos Revista*, n.o 9, pp. 29-41; *_Homenagem a Joly Braga Santos*, Os Amigos do São Carlos, Lisboa, 1989. Discografia: Divertimento n.o 1/_Concerto para violeta e orquestra, Portugalsom, _C_D870008/_P_S, _C_D; Sinfonietta op. 35, Portugalsom, _C_D870017/_P_S, _C_D; Sinfonia n.o 3, Portugalsom, _C_D870022/_P_S, _C_D; Sinfonia n.o 4, Melodia, 36.1,

_L_P; Sinfonia n.o 5 ("Virtus Lusitaniae"), Portugalsom, 1995, _S_P 4043, _C_D. (*_n. do _o.*) (293) Discografia de Filipe Pires: Canções do mar, Portugalsom, 1986, 86001/_P_S, _L_P; Portugaliae genisis/_Sintra/_Akronos, Portugalsom, 1989, 00870019/_P_S, _C_D. (*_n. do _o.*) (294) Ver bibliografia _ME 1. (295) Ver bibliografia _DI 3. (296) Ver bibliografia _BO 1, _BO 2. (297) Ver bibliografia _CA 2, _GR 9, _MA 5, _NE 1, _PE 4, _PO 3, _SA 9, _SA 11, _SA 13, _SA 14, _TR 1, Y 18, Y 19. (298) Ver bibliografia _SE 1. Em 1959 publicou-se a primeira colecção de discos de música folclórica dos Açores, recolhida pelo professor Artur Santos: *_O folclore musical nas ilhas dos Açores. Antologia sonora em discos fonográficos. Investigação, gravações e organização da antologia por Artur Santos*. A esta notável contribuição (que foi precedida de outras, do folclore de Portugal continental e da África Ocidental Portuguesa, por incumbências, respectivamente, da _B_B_C de Londres e da Companhia dos Diamantes de Angola) vão seguir-se mais edições fonográficas, também orientadas por Artur Santos segundo os rigorosos métodos da investigação moderna. (299) _ver bibliografia _GR l, _GR 2, _GR 3, _GR 4, _GR 5, _GR 8, X 2, Y 4, Y 6, Y 7, Y 8, Y 10, Y 11, Y 12, Y 14. (300) Registe-se o recente aparecimento da revista *_Música* (Outubro de 1994), que se faz acompanhar de gravações de peças musicais em _C_D ou vídeo-cassette, caso inédito em Portugal. No entanto, esta iniciativa isolada e cuja continuidade não está garantida não apaga a dimensão ainda actual deste parágrafo redigido nos recuados anos 50. Isto, para mais, se considerarmos o facto de terem entretanto desaparecido alguns dos títulos citados, como por exemplo a importante *_Arte Musical*. Também neste particular, a pobreza parece ter ganho foros de tradição. (*_n. do _o.*) (301) _o exemplo mais actual deste primado dos intérpretes é a pianista Maria João Pires, hoje internacionalmente conhecida e reconhecida como uma das maiores intérpretes mundiais de Mozart. (*_n. do _o.*) (302) Ver bibliografia _HU 1. (303) T. Alcaide encontrava-se doente e viria a falecer cerca de 8 anos depois, em 1967. (*_N. do _o.*) (304) Leia-se: final da década de 50. (*_n. do _o.*) ÍNDICE ONOMÁSTICO __ABBATINI, António Maria, 129 __ABREU, António de, 117, 218, 256, 351 __ABREU, Filipa de, 184 __ABUL, Vasco, 99 __ACCIAIOLI, Bernardo, 132 __ACOMPANIADO, 59 __ADORNO, Theodor, 16, 18 __ADRIAN, 79

__AFONSO III, 59 __AFONSO IV, 64, 65 __AFONSO V, 79, 80, 82, 117, 121 __AFONSO VI (de Castela), 53, 118, 194, 197 __AFONSO X, 56, 67, 84 __AFONSO, _álvaro, 79 __AFONSO, Gregório, 90-91 __Afonso, Infante D., 142 __AGAZZARI, 199 __AGUIAR, Alexandre de, 116, 164, 165 __AL-__FARABI, 52 __AL-__KALBI, Mundhir Hisham Ibn, 52 __ALBA, Duque de, 83, 93, 104, 164, 198 __ALBÉNIZ, 40, 300, 313 __ALBERGARIA, Lopo Soares de, 124 __ALBONI, 207, 209 __ALCAIDE, Tomás, 31, 319, 364 __ALEGRIA, José Augusto, 142, 145, 347, 352, 353 __ALEMBERT, D', 260, 267, 269, 270, 274 __ALEXANDER, Boyd, 358 __ALEXANDRE DA MACEDÓNIA, 204 __ALEXANDRE II, 289 __ALGAROTTI, 285 __ALMEIDA, _álvaro Fernandez de, 93 __ALMEIDA, António de, 320 __ALMEIDA, António Vitorino de, 16, 346 __ALMEIDA, D. Jorge de, 111 __ALMEIDA, D. Luísa de, 228 __ALMEIDA, Edgard Duarte de, 320 __ALMEIDA, Francisco António de, 198, 210, 356 __ALMEIDA, José Ernesto, 268 __ALMEIDA, Maria Amélia Duarte de, 319 __ALMEIDA, Maria Teresa de, 319 __ALVARADO, Diego (ou Diogo) de, 118, 190 __ALVARENGA, João Pedro d', 359 __áLVARES, João, 117 __áLVARES, Tomé, 124, 125 __áLVARO, licenciado -- ver __AFONSO, _álvaro __ANDRADE, António, 301 __ANDRADE, António Xavier e, 211 __ANDRADE, Francisco de, 301, 317 __ANDRé -- ver __ANTON, Johann __ANDRÉ, Fr., 162, 187, 188 __ANGLÈS, Monsenhor, 56, 57 __ANSERMET, Ernest, 302 __ANTON, Johann, 281 __ANTÓNIO, Fr. Francisco de St.o, 189, 193 __ANTÓNIO, Fr. Marcelino de Santo, 254 __ANTÓNIO, Infante D., 193 __ANTUNES, João Baptista, 211 __ANTUNES, Manuel, 211, 317 __ANUNCIAÇÃO, Dom Gabriel da, 159, 186 __AQUAVIVA, Claudius, 147 __AQUINO, S. Tomás de, 59 __ARAGÃO, Infanta D. Leonor de, 71, 72 __ARANDA, Mateus de, 101, 123-124, 138, 142-143, 349 __ARANHA, Ana de Brito, 319 __ARAúJO, M. Manuela, 319 __ARAúJO, Madalena M. de S. e C. Gomes de, 319

__ARAúJO, _p.e António de, 148 __ARAúJO, Pedro de, 158, 160, 166, 169, 171, 181-183, 186, 192, 355 __ARAUXO, Francisco Correa de,118,159,160, 171, 173, 174, 178, 179, 183, 351, 355 __ARCADELT, 118 __ARCHER, Elvira, 360 __AREZZO, Guido d', 139, 144 __ARRAU, Cláudio, 309 __ARROIO, António, 104, 305, 306, 308, 316 __ARROIO, João, 294 __AUSSENAC, Maria Antonieta, 319 __AVISON, Charles, 286 __AVONDANO, Pedro António, 211 __AZEVEDO, Araújo, 215 __AZEVEDO, Carlos de, 357 __AZEVEDO, Corrêa de, 216 __AZEVEDO, Manuel Machado de, 108 __AZURARA, 65 __AZZOLINI, 204 :, BACH, Johan Sebastian, 34, 91, 107, 130, 139, 171, 188, 302 __BACH, Philipp Emanuel, 219 __BACKHAUS, Wilhelm, 299 __BADAJOS, Diego de, 108 __BAENA, Gonçalo de, 121, 176 __BALDI, João José, 212 __BANDARRA, 104 __BAPTISTA, Francisco Xavier, 124, 219 __BÁRBARA, Infanta D. Maria, 195, 286 __BARBIERI, Francisco, 287 __BARBOSA, Aires, 108 __BARBOSA, Domingos Caldas, 211 __BARBOSA, Grazi, 320 __BARBOSA, Luís, 319 __BARBOSA, Maria Augusta Alves, 132, 137, 353 __BARBOSA, Vasco, 319, 320 __BARDI, Giovanni, 196 __BARDI, Pietro de, 197 __BARREIROS, Nuno, 360 __BARRETO, _álvaro Salvação, 311 __BARROS, João de, 108 __BARROSO, Maria Elvira, 319 __BARTHE, 245 __BARTÓK, Bela, 36, 131, 255, 300, 301, 314, 315 __BASÍLIO, S., 150 __BASTOS, José Timóteo da Silva, 348 __BASTOS, Raquel, 319 __BASTOS, Sousa, 304 __BATAILLON, Marcel, 350 __BATTISTINI, 318 __BECKFORD, William, 24, 218, 222-241, 248, 249, 252, 253, 358 __BEETHOVEN, 30, 33-36, 41, 62, 122, 168, 210, 214, 217, 219, 281, 286-289, 291, 296 __BEJAR, Maurice, 20 __BELLINI, 25, 205, 209, 214, 294 __BENACCI, 205 __BENINCORE, _ângelo Maria, 280 __BENTO, D., 114 __BENVOLI, Orazio, 128

__BERARDI, 204 __BERLIOZ, 279, 288, 291 __BERMUDO, Juan, 133, 136, 173, 353 __BERNARDINO, Fr. Pedro de S., 189 __BETTENCOURT, Alexandre, 303 __BIBIENA, 204 __BINCHOIS, Gilles, 73 __BIVEIRO, D. Francisco de, 93-94, 98 __BLAINVILLE, 260 __BLANCH, Pedro, 298, 300 __BOCACCIO, 108 __BOCCHERINI, Luigi, 200 __BOÉCIO, 134-136, 143 __BOEHMER, Clifford, 354 __BOëLLMANN, 302 __BOMBELLES, Marc-_Marie de, 24, 241-253, 358 __BOnTEMPO, João Domingos, 42, 221, 281, 287, 290-291, 316, 359 __BONAMIS, 59 __BONITO, Rebelo, 106, 316 __BONOMIA, Jacopo da, 205 __BONTEMPI, 206 __BORBA, Tomás, 298 __BORGES, _p.e Armindo, 352 __BORGHI, 208 __BORGONHA, Duque de, 68, 80, 81 __BORODIN, 302 __BOSCH, 37 __BOTELHO, Carlos, 296 __BRAGA, António Correa, 160, 189 __BRAGA, Fr. Brás de, 184 __BRAGA, Teófilo, 313 __BRAGANÇA, Duque de, 82, 120 __BRAGANÇA, D. João Carlos de (duque de Lafões), 218, 284 __BRAHMS, 91, 107, 130 __BRANCO, Camilo Castelo, 300 __BRANCO, João de Freitas, 15-26, 346, 347, 349, 351, 354, 359, 360-363 __BRANCO, João Maria de Freitas, 360 __BRANCO, Luís de Freitas, 23, 107, 127-128, 198, 203, 297-300, 306, 311, 313, 314, 316, 318, 346, 358, 360, 361 __BRANCO, M. Lévéque de Freitas, 319 __BRANCO, Maria Amélia de, 11, 17 __BRANCO, Pedro de Freitas, 299, 308, 318, 320 __BRANDÃO, José, 321 __BRAUCHLI, Bernard, 354 __BRAZ, D., 114 __BRECHT, Bertolt, 35 __BRITO, _álvaro de, 90, 98 __BRITO, Manuel Carlos de, 19, 352, 354, 356, 357, 359, 362 __BRITTEN, Benjamim, 213, 240 __BRUCKNER, Anton, 34 __BRUGEL, Pero, 132 __BRUNSWICK, Duque de, 207 __BUKOFZER, Manfred, 129, 285 __BULL, John, 178 __BüLOW, Hans von, 295 __BURNEY, Charles, 219 __BUSONI, Ferruccio, 295, 314

__BUTLER, Samuel, 182 __BUUS, Jacques, 173 __BYRD, William, 178 __CABANILLES, Joan, 168, 171, 174, 178, 182 __CABEZÓN, Antonio de, 34, 119, 171-174, 178, 180, 185, 212 __CABEZÓN, Hernando de, 118, 172, 176, 178 __CABRAL, Fernando, 320 __CABRAL, Pedro _álvares, 194 __CABREIRA, Manuel, 187 :, __CACCINI, 130, 205 __CADAVAL, Duque de, 291 __CADAVAL, Marquesa Olga de, 253 __CAFFARELLI, 207 __CALDEIRA, Fausto, 320 __CALDERON, 198 __CALLAS, Maria, 207 __CâMARA, D. João da, 294 __CâMARA, Joaquim Manuel da, 215-216 __CâMARA, Júlio, 318 __CAMÕES, 26, 93, 108-110, 117, 121, 151, 241, 290, 297, 349, 350 __CAMPINA, Maria, 319 __CAMPOS, Carlos, 288 __CANIGLIA, Maria, 207 __CANONGIA, 292 __CAPDEVILLE, Constança, 362 __CAPUA, Rinaldo di, 207 __CARAÇA, Bento de Jesus, 16 __CARDOSO, Ciríaco, 304 __CARDOSO, Manuel, 125, 126, 129, 131, 176, 177, 190, 220, 315, 352, 355 __CARLOS V, 72, 84, 116, 118, 123 __CARLOS, António Ferreira, 201 __CARNEIRO, Alexandre Lima, 316 __CARNEIRO, Cláudio, 25, 314-315 __CARPENTER, Nan Cooke, 348 __CARREIRA, António, 117, 118, 166, 168, 171-174, 177, 178, 182, 184, 190, 316, 351, 355 __CARRERO, _ângelo, 221 __CARUSO, 207, 318 __CARVALHAIS, Manuel de Almeida, 305 __CARVALHO, Celso de, 319 __CARVALHO, Filipe Rosa de, 320 __CARVALHO, João de Sousa, 223, 224, 230 __CARVALHO, Joaquim de, 320, 350 __CARVALHO, Mário Vieira de, 357, 360, 361, 362, 363 __CARVALHO, Sousa, 210, 211-212, 218, 236, 265, 284 __CASADESUS, Robert, 309 __CASAIS, Hugo, 320 __CASALS, Pablo, 91, 303 __CASCAIS, Regina, 320 __CASELLA, Joaquim, 303 __CASIMIRO, Joaquim, 294 __CASTEL, Charles-_Simon, 274 __CASTELLAN, 207 __CASTELHANO, D. Francisco, 128 __CASTILHO, José Feliciano de, 254 __CASTIM, João de Vila, 114 __CASTRO, D. _álvaro de, 82

__CASTRO, Francisco Lyon de, 15, 17, 21 __CASTRO, Inês de, 123 __CASTRO, Lima de, 290 __CASTRO, Maria Cristina de, 320 __CASTRO, Martinho de Melo e, 237 __CASTRO, Paulo Ferreira de, 19, 360, 362 __CATALANI, Angelica, 213 __CATARINA II, 216, 217 __CAVALIÉRE, Emilio del, 197, 199 __CERVEIRA, António Xavier Machado e, 211 __CÉZANNE, 33 __CHABRIER, 304 __CHAGAS, Pinheiro, 256 __CHAPLIN, Charlie, 17 __CHAPMAN, Guy, 358 __CHAVES, José Dias Pereira, 287 __CHIADO, 104, 108 __CHOPIN, 25, 263, 291, 300 __CHRISTOFF, Boris, 207 __CHRISTOFF, Duque de, 137 __CHRISTOPHERS, Harry, 352 __CÍCERO, 149 __CID, Lourenço Varela, 308, 319 __CID, Sérgio Varela, 319 __CIDRAIS, Maria Fernanda, 351, 354, 363 __CIMAROSA, Domenico, 208, 213, 226, 227, 236, 256 __CLEMENTE VII, 65, 263 __CLEMENTI, Muzio, 281, 290, 292 __COATES, Henry, 353 __CODAX, Martin, 58, 347 __COELHO, António Borges, 115 __COELHO, D. João Soares, 62 __COELHO, Evaristo Campos, 319 __COELHO, Jacinto do Prado, 350 __COELHO, Manuel Rodrigues, 13, 118, 119, 121,158,159, 162, 166, 171, 173-183, 186, 190, 316, 351, 355 __COELHO, Martin Vasques, 120 __COELHO, Rui, 310, 313 __COLAÇO, Alexandre Rey, 299, 300, 302, 319 __COLLINGWOOD, R. G., 14, 346 __COLONNA, Marc'_António, 137 __COLONNE, 288 __CONCEIÇAO, Fr. Diogo da, 189 __CONCEIÇÃO, Lídia de Carvalho, 319, 320 __CONCEIÇAO, Pedro da, 160, 220 __CONSTANÇA, 41 __CORBIN, Solange, 317 __CORDOVA, D. Diogo de, 165 __CORDOVAL, Jehan de -- ver __CORDOVAL, João __CORDOVAL, João, 73 __CORELLI, Archangelo, 107 __CORELLI, Franco, 348 __CORREA, Henrique, 86 __CORREA, Lourença Nunes, 218 __CORREIA, Arminda, 319 __CORREIA, Fernão Gomes, 111 __CORSI, Jacopo, 197 __cORTOT, Alfred, 299 __COSSOUL, Guilherme, 288, 292

__COSTA, António da, 218, 219, 284 __COSTA, Bastião, 93 __COSTA, Duarte, 320 __COSTA, Fernando, 320 :, __COSTA, Fr. André da -- ver __ANDRÉ __COSTA, Francisco Pereira da, 289 __COSTA, Helena Moreira de Sá e, 319, 320 __COSTA, João da, 187 __COSTA, João Evangelista Pereira da, 290 __COSTA, Joel, 357 __COSTA, José Carlos Sequeira, 319, 360 __COSTA, José Leite da, 189 __COSTA, Luís, 314, 319 __COSTA, Madalena Moreira de Sá - ver __ARAúJO, Madalena __COSTA, Maria Clara Pereira da, 112 __COSTA, Maria Júdice da, 317 __COSTA, Rodrigo Ferreira da, 44, 257, 269, 270-283 __COTOGNI, 207, 209 __COUPERIN, 171 __COUTINHO, Fr. Luís, 189 __COUTINHO, Francisco de Sousa, 302, 303 __CRADONA, Júlio, 303 __CRAESBEECK, Pieter (ou Pedro), 121, 131, 180 __CRAMER, Johann Baptist, 252, 281 __CRANMER, David, 357, 359 __CRATO, Prior do, 185 __CRESCENTINI, 207, 208 __CRISTO, D. Pedro de, 114, 115, 128, 316 __CRISTO, Fr. João de, 186 __CRUZ, Fr. Agostinho da, 131, 186, 355 __CRUZ, Fr. Hilário da, 189 __CRUZ, Ivo, 314 __CRUZ, Luís da, 149, 152, 200 __CRUZ, Manuel Ivo Cuz, 357 __CRUZ, Maria Antonieta de Lima, 18, 352 __CRUZ, Maria Augusta Correia da, 301 __CUNHA, M. da Graça Amado da, 319 __CYMBRON, Luísa, 19, 362 __DADDI, Emílio, 294 __DADDI, João Guilherme, 254, 294 __DâMASO I, 48 __DANCKERTS, Ghiselin, 134, 135, 136 __DANTAS, Júlio, 294, 295, 296 __DANTE, 297 __DARGOMIJSKY, 40 __DAVID, Alfredo, 320 __DAVID, Antonino, 319, 320 __DEBUSSY, 43, 91, 130, 278, 295, 297, 302 __DELGADO, Alexandre, 360 __DELGADO, Cosme, 124 __DEMUS, Jörg, 253 __DEUS, Fr. Filipe da Madre de, 194 __DEWANDER, Marina, 319 __DIAGHILEV, Sergey Pavlovich, 302, 309 __DIAS, D. Mumadona -- ver __MUMADONA __DIAS, José Sebastião da Silva, 138, 150, 353 __DIAS, Margot, 316, 317 __DINIS, D., 55, 56, 63, 65, 67, 69

__DINIS, Loureiro, 320 __DITTERSDORF, 219 __DODERER, Gerhard, 157, 160, 177, 183, 354 __DOMINGUEZ, Estêvão, 117 __DONI, 197 __DONIZETTI, 205, 209, 221, 287 __DRIESEL, 287 __DUARTE, D., 68, 71, 74-78, 115, 146, 205 __DUFAY, Guillaume, 73 __DüRER, 297 __DVORÁK, 40, 302 __EANES, Pedro, 82 __EDLA, Condessa de, 295 __EDOLO, José, 255 __EINSTEIN, Albert, 14 __EINSTEIN, Alfred, 16 __EISLER, 35 __ELGAR, 302 __ENCINA, Juan del, 83, 84, 104-106 __ERASMO, 111 __ESCOBAR, André de, 110, 131 __ESCOBEDO, Bartolomeo, 134 __ÉSQUILO, 174 __ESSIPOV, Annette, 289 __ESTRABÃO, 47 __ESTRELA, Fr. António da, 162 __EUGÉNIO, St.o, 50 __EULER, 270 __EURÍPEDES, 174 __FALLA, Manuel de, 202, 313 __FÃO, Joaquim Fernandes, 299 __FARIA, _luís Calisto da Costa de, 196 __FARIA, Manuel, 196 __FARINELLI, 205 __FARROBO, Conde de, 254, 286, 292 __FAURÉ, 297, 302, 314 __FERNANDES, Aires, 115 __FERNANDES, António, 131, 257 __FERNANDES, Armando José, 311, 314 __FERNANDES, Eduardo da Conceição, 358 __FERNANDES, Jehan -- ver __FERNANDES, João __FERNANDES, João, 73 __FERNANDEZ, Álvaro, 112, 113 __FERNANDEZ, Belchior, 113 __FERNANDO, Infante D., 65, 69, 71, 82, 117, 295 __FERRACUTI, 230, 231, 248 __FERRARA, Domenico de, 101 __FERREIRA, António, 108 __FERREIRA, João Albino Pinto, 347 __FERREIRA, José Medeiros, 362 __FERREIRA, Manuel Pedro, 347 __FÉTIS, F. J., 267, 268 __FEZANDAT, 121 :, __FICHTE, 15 __FIGUEIREDO, Carlos de, 319 __FIGUEIREDO, João de, 203 __FILGUEIRAS, Luís, 294, 303

__FILIPA, D., 68 __FILIPE I, 114, 118 __FILIPE II (de Espanha), 77, 119, 128, 164, 172, 185, 188 __FILIPE III (de Espanha), 153, 174, 177, 200 __FIORAVANTI, Valentino, 208, 214 __FISCHER, Ludwig, 205 __FISCHER-__DIESKAU, Dietrich, 91 __FLAGSTAD, Kirsten, 206, 309 __FONSECA, João, 98 __FONSECA, Fernando Venâncio Peixoto da, 348 __FONSECA, Miguel da, 115 __FONSECA, Nicolau da, 128 __FONSECA, Regina Dinis da, 320 __FONSECA, Rodrigo da, 304 __FONTAINE, La, 184 __FORBES, General, 228 __FOURNIER, Pierre, 309 __FRAGOSO, António de Lima, 299 __FRANÇA, José Augusto, 357 __FRANÇA, Luís, 320 __FRANCHI, Gregório Filipe, 223, 226-227, 233, 236, 241 __FRANCK, César, 295, 297, 298 __FRANCK, Martin, 73 __FRANCO, Cirilo, 130 __FRéCHES, Claude-_Henry, 151, 353 __FREIRE, Judite Lúpi, 320 __FREITAS, 292 __FREITAS, Frederico de, 311, 314, 315, 320, 363 __frEITAS, João da Mata, 218 __FREITAS, Maria Helena de, 360 __FRESCOBALDI, 167, 174, 178, 182 __FRIEDMAN, 309 __FROES, Vasco, 94 __FROVO, Álvares, 196 __FUENLLANA, Miguel de, 162 __FUST, Johann, 120 __GABRIELI, Andrea, 167, 173 __GALILEI, Galileo, 129 __GALILEI, Vicenzo, 72, 129, 196 __GALILEU -- ver __GALILEI __GALLOP, Rodney, 316 __GALUPPI, 207 __GAMA, Angeles Presutto da, 319 __GARAT, 245 __GARCIA, _p.e José Maurício Nunes, 215, 220 __GARIN, Marcos, 299, 319 __GARRETT, Almeida, 221, 255, 291 __GASPARINI, Francesco, 258 __GAY, John, 202 __GAZUL, Freitas, 254, 288 __GELÁSIO I, 48 __GELATI, 226 __GENZINGER, Maria von, 286 __GERN, Georg, 205 __GHISI, Federico, 129 __GHISLANZONI, 294 __GIESENKING, Walter, 299 __GIGLI, Beniamino, 207

__GIL, Pero, 112 __GIZZIELO, 207 __GLAREANUS (ou GLAREANO),42, 111, 183 __GLAZUNOV, 299 __GLINKA, 40, 288 __GLUCK, 37, 206, 213, 216, 218, 243, 269, 279, 284, 285 __GOBBI, Tito, 207 __GOETHE, 33, 296 __GóIS, Damião de, 41, 42, 95, 96, 104, 108, 111-114, 183, 184, 190, 350 __GOLDONI, 251 __GOMBERT, 84, 118 __GOMES, Rui Luís, 16 __GONÇALVES, Hermenegildo, 347 __GONÇALVES, Lopo, 156 __GONÇALVES, Nuno, 80 __GONÇALVEZ, Simão, 113 __GONZAGA, Vicenzo (Duque de Mântua), 130 __GOUNOD, 209 __GOURNAY, Sir Matthew, 67 __GOYA, 37 __GRAÇA, Fernando Lopes, 13, 20, 25, 218, 313-317, 356, 360, 363 __GRACO, Tibério Semprónio, 47 __GRANADOS, 40, 300, 304 __GREGÓRIO I, 48 __GREGÓRIO, S., 50, 51 __GRÉTRY, 243 __GRIEG, 300 __GROPIUS, 36 __GROVLEZ, Gabriel, 297 __GUADAGNI, 207 __GUARDUCCI, 207 __GUARNERIUS, 206 __GUERRERO, Francisco, 102, 123, 124 __GUGLIELMI, 207 __GUILHADE, João Garcia de, 60, 61, 62 __GUSMÃO, Alexandre de, 198 __GUTENBERG, 121 __GUZMÁN, Abén -- ver __KUZMAN __HALFFTER, Ernesto, 313 __HAMILTON, Sir William, 226 __HäNDEL, 91, 96, 130, 153, 171 __HANSLICK, 252 __HASPRE (ou __HASPROIS), Jehean Simon de, 65 __HASSE, 219 __HAYDN, Joseph, 30, 107, 123, 208, 210, 215, 219-221, 225-227, 265, 273, 281, 282, 286, 287, 288 __HAYDN, Michael, 215 __HAZM, Ibn, 52 __HEGEL, 14 __HEIFETZ, Jascha, 309 __HEIZ, Katharina, 319, 320 __HENESTROSA, Venegas de, 119 __HENRIQUE VI, 79 __HENRIQUE, Cardeal D., 111, 112, 113, 116, 143, 144, 149, 172 __HENRIQUE, Infante D., 71, 75, 138 __HENRIQUES, D. Afonso, 52, 54, 59 __HENRIQUETA, D., 225, 238 __HERCULANO, Alexandre, 13, 254, 256 __HEREDIA, Aguilera de, 160, 171, 178 __HIDALGO, Juan, 198 __HINDEMITH, 305, 309, 314, 315

__HIRSCH, Elisabeth Feist, 350 __HOLANDA, Copym de, 120 __HONEGGER, 122, 309 __HUMPERDINCK, 297 __HüSCHEN, Heinrich, 353 __HUSSLA, Vítor, 300 __ILEBORGH, Adam, 157 __ILHA, João Gomez da, 98 __INDY, Vicent d', 302 __INGEGNERI, 126 __IPPOLITO II d'Este, 134, 136 __IRIARTE, 270 __ISAAC, Heinrich, 160 __ISABEL, D., 68, 73 __ISABEL, Imperatriz, 118 __ISIDORO, St., 50 __ISÓCRATES, 150 __ISOUARD, 280 __ITÁLICO, Sílvio, 47 __IVANOVA, Anna, 349 __JACINTO, Fr., 193, 219 __JACQUES, Mestre, 112 __JAIME, Duque D., 127 __JANEQUIN, 160 __JOACHIM, 91, 129, 302 __JOACHIM, Amalie, 295 __JOANA, D., 119 __JOÃO I, 68, 73, 117, 127 __JOAO II, 69, 74, 80, 81, 82, 86, 102, 103, 127 __JOAO III, D., 114, 116, 120, 121, 123, 127, 140, 142, 143, 154, 162, 172, 184, 185, 195, 238 __JOAO IV, 97, 114, 120, 124, 126, 127, 128, 130, 147, 173, 186, 187, 188, 194, 196, 260, 349, 356 __JOAO V, D., 146, 154, 155, 193, 194, 195, 198, 201, 202, 203, 207, 220, 239, 260, 286, 314 __JOAO VI, D., 212, 221, 236, 255 __JOAQUIM, Manuel, 84, 111, 125, 128, 186, 317, 351, 352, 355 __jOAQUINA, D. Carlota, 236, 241 __jóICE, António, 309, 316 __jOMMELLI, 207, 208, 220, 221, 222, 231, 232, 247 __jORDANI, 292 __jORGE, Joao, 257 __jOSÉ I, D., 195, 200, 203, 204, 206, 207, 211, 224, 255, 261 __jOSÉ, Fr. Carlos de S., 189 __jOSÉ, Fr. Domingos de S., 257, 269 __jOSEFA, D. Isabel Luísa, 197 __JúNIOR, Joaquim Casimiro, 221 __JUSTINIANO, 50 __KANN, Roger, 358 __KANTZOW, 246 __KAPSBERGER, 199 __KASTNER, Santiago, 119, 129, 158, 173, 176, 178, 185, 190, 193, 211, 218, 219, 317, 346, 351, 355, 356 __KEIL, Alfredo, 292, 293, 294, 300, 304, 305 __KJöLNER, Guilherme, 320 __KLEMPERER, Otto, 309

__KLINGELHöFER, 287 __KOZELUCH, Leopold, 281 __KREISLER, Fritz, 309 __KUBELIK, Rafael, 309 __KUZMAN, Ibn, 57 __LACERDA, Francisco de, 299, 300, 301,302, 305, 308, 316 __LAFõES, Duque de, 225, 242, 243, 251 __LAIRES, Fernando, 319 __LALAIN, Jackes de, 80 __LALO, 302 __LAMAS, Elisa, 319 __LAMBERTINI, Luís Joaquim, 289 __LAMBERTINI, Miguel _ângelo, 288, 289, 305, 318 __lASSO, Orlando de, 118, 119, 129, 180 __LATINO, Adriana, 360 __lEAL, Fr. Miguel, 128 __LEANDRO, S., 50, 51 __lEITE, Agostinho, 216 __LEITE, António da Silva, 255, 256 __lEITE, D. João, 123 __LEITE, José, 200 __LEITE, Serafim, 353 __LEMOS, Luís _álvares de, 185 __LEO, Leonardo, 207 __LEONCAVALLO, 294 __LEOPOLDO I, 194 __LÉSBIO, António Marques, 189, 194, 196, 220 __LEVY, Elsa Penchi, 319 :, __LIEZIT, Muley, 240 __LIMA, Alexandre de, 203 __LIMA, Francisco Bernardo de, 285 __LIMA, Jerónimo Francisco de, 210, 224, 226, 227, 230, 232, 233, 237 __LIMA, Tomás de, 303 __LISBOA, José da Silva, 215 __LISBOA, José Eurico, 320 __LISZT, 35, 43, 263, 276, 279, 289, 294, 295, 296, 297, 300, 302 __LIVIO, Tito, 47 __LOBO, César Pinto, 319 __LOBO, Duarte, 13, 124, 126, 126, 128, 129, 130, 131, 187, 190, 196, 220, 315, 352 __LOBO, Heitor, 156 __LOLLI, 252, 253, 262, 302 __LOPES, Fernandes, 317 __LOPES, Fernão, 67, 69 __LORIENTE, Filipe, 320 __LOURENÇO, 60, 61 __LöWITH, Karl, 14, 346 __LOYOLA, Inácio de, 146, 147 __LúCIO, Adrião, 111 __LUÍS XIV, 215 __LUÍS XVIII, 215 __LUÍS, D. (irmão da infanta D. Maria), 104, 116 __LULLY, 39 __LUSITANO, Vicente, 13, 41, 42, 132-138, 144, 190 __LUTERO, 111 __MACEDO, António de, 171, 185, 186 __MACEDO, Jorge Borges de, 350 __MACEDO, Maria da Conceição, 319

__MACEDO, Raimundo de, 289 __MACHADO, António Xavier e Andrade, 211, 301 __MACHADO, Augusto, 292, 294, 298, 300, 804 __MACHADO, Baptista, 304 __MACHADO, Barbosa, 198 __MACHADO, Guilherme -- ver __MACHAULT (Guillaume de) __MACHAULT, Guillaume de, 34, 55, 72, 73, 74, 122 __MACIEIRA, Luís, 318 __MADEIRA, Domingos, 164, 165 __MAGALHãES, Filipe de, 124, 125, 126, 131, 142, 190, 196, 220 __MAGNO, Leão, 48 __MAHLER, 122, 214 __MAINARDI, 309 __MAISSA, Nella, 319, 320 __MALAFAIA, Maria, 320 __MALTA, Álvaro, 320 __MäLZEL, 267, 274, 25 __MANCINELLI, 298 __MANIQUE, Pina, 208, 236, 237, 245, 251 __MANSO, Isabel, 319 __MANSO, Paulo, 320 __MANUEL I, D., 82, 86, 95, 96, 97, 103, 110, 119, 120, 142, 143, 153, 154, 237 __MANUEL, D. Nuno, 89 __MANZUOLI, 207 __MARA, Gertrude, 217 __MARCABRO, 59 __MARCãO, Diogo, 92 __MARCIAL, 47 __MARGALHO, Pedro, 138, 143 __MARIA I, D., 204, 208, 211, 216, 229, 234, 236, 238, 241, 245, 246, 248 __MARIA, D. (filha de D. Manuel), 105 __MARIALVA, D. Pedro de, 209, 225, 228, 233, 238 __MARIALVA, Marquês de, 209, 225, 237, 238, 246, 251, 252, 253 __MARIANA, D., 194, 196 __MARQUES, António H. de Oliveira, 13, 362 __MARQUES, Belo, 317 __MARQUES, Fr, José, 221 __MARQUES, Laura Wake, 303 __MARQUES, Oliveira, 362 __MARTINI, _p.e, 286 __MARTINHO, S., 53 __MARTINS, Maria de Lurdes, 315 __MARTINS, _p.e Francisco, 126, 190, 315 __MARX, Karl, 346 __MASONI, 292 __MASSENET, 293, 294 __MATEUS, João, 67, 320 __MATEUS, Morgado de, 290 __MATTHERSON, 286 __MATTOSO, José, 13, 362 __MAURíCIO, José, 220, 221, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 266, 267, 268, 270 __MAZZA, José, 358 __MAZZONESCHI, Vincenzo, 208, 255 __MEDEIROS, Germana de, 320 __MéHUL, 281, 291 __MELA, Fernanda, 320 __MELGAZ, Diogo Dias, 127, 130, 142 __MELO, D. Francisco Manuel de, 128

__MELO, D. João de Almada e, 255 __MENCARELLI, Totti, 230, 231 __MENDELSSOHN, 288, 289 __MENDES, Manuel, 214, 125, 142, 190 __MENDONCA, Henrique Lopes de, 294, 300 __MENESES, D. João de, 85, 86, 88, 100 __MENEZES, Rodrigo António de, 218 __MENOTTI, 213 __MERCURIAN, Eberhard, 147 __MERSENNE, 205 __MESA, Gregório Silvestre de, 117 __MESSIAEN, 34 __METASTASIO, 203, 219 __MEYERBEER, 208, 209, 289 :, __MICHAëLIS, Carolina -- ver __VASCONCELOS, Carolina Michaëlis __MIGONE, Francisco Xavier, 221, 292 __MIGUEL, D., 266 MILáN, Luis, 116, 121, 162 __MIRANDA, Gil, 363 __MIRANDA, Leontina, 320 __MIRANDA, Sá de, 108 __MIRÓ, António Luís, 254, 287 __MIRÓN, 53 __MITJANA, Rafael, 102 __MODENA, Giulio Segné da, 185, 186 __MOLIÉRE, 182 __MOMIGNY, Jérôme-_joseph de, 274 __MONIZ, Rui, 87, 88, 92, 98 __MONTEIRO, Aniceto, 16 __MONTEIRO, Carlos, 256 __MONTEMOR, Jorge de, 117, 119 __MONTEVERDI, 34, 37, 70, 72, 130, 197 __MOODY, Ivan, 352 __MOORE, Henry, 36 __MORAGO, Estêvão Lopes, 127, 352 __MORAIS, João da Silva, 220 __MORALES, 124 __MOREAU, Mário, 357, 358 __MOREIRA, António Leal, 208, 210, 211,220, 221, 226, 236, 248, 284 __MORENO, Baltasar, 225 __MORLACCHI, 208 __MORLAYE, Guillaume, 121 __MOTA, Henrique da, 99 __MOTA, João Abreu e, 319 __MOTA, José Viana da, 91, 104, 255, 288, 289, 295-297, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 305, 306, 308, 313, 315, 316, 318, 319, 320, 359, 360 __MOTA, Leonor Viana da, 319 __MOUTINHO, André, 115 __MOUTON, Henri, 320 __MOZART, 34, 35, 41, 107, 122, 202, 205, 208, 209, 210, 213, 214, 215, 219, 221, 222, 234, 255, 265, 273, 276, 277, 281, 282, 286, 287, 288, 291, 295 __MUDARRA, Afonso, 185 __MUMADONA, 54, 347 __MUSSORGSKY, 107, 278, 302 __NACHES, 295 __NADAL, Hieronymus, 147 __NAPOLEãO, Artur, 289, 303 __NARVAEZ, Luís de, 116

__NASCIMENTO, Frederico, 306 __NAVARRO, Azpilcueta, 114 __NEEF, Christian Gottlob, 217 __NEGRO, Tomás del, 288 __NERY, Rui Vieira, 19, 115, 351, 355, 362 __NEUKOMM, Siegmund, 215, 216 __NEUPARTH, Augusto, 288, 298 __NEVES, Pereira das, 316, 317 __NICOLET, Jean Baptiste, 250 __NIKISCH, Arthur, 227, 288, 289, 302 __NIñO, Pero, 73 __NOGUEIRA, João, 319 __NORONHA, Francisco de Sá, 254, 256, 301 __NUNES, Emanuel, 362 __NUNES, João, 120 __NUNES, Pedro, 105 __OCKEGHEM, Johannes, 73 __OISTRACH, David, 253 __OLIVEIRA, Fernando Correia de, 313, 315 __OLIVEIRA, Joaquim de, 218, 225-226 __OREFICE, 201 __ORMANDY, Eugene, 309 __ORTIZ, Diego, 119 __PACCINI, Regina, 318 __PADEREWSKI, 91 __PAGANINI, 229, 252, 273 __PAGHETT, Angela, 198 __PAGHETTI, Helena, 198 __PAISIELLO, 207, 208, 213, 216 __PAIVA, Bartolomeu de, 184 __PAIVA, Heliodoro de, 114, 117, 128, 171, 184 __PALESTRINA, 123, 129, 131 __PALOMINO, 226, 230 __PALOS, Lourenço, 67 __PâQUES, Désiré, 298 __PARLIMPO, Egas, 164 __PAREJA, Bartolomeu Ramos de, 80, 121, 139 __PARREAUX, André, 358 __PASCAL, 182 __PASCOAIS, 295 __PASQUINI, Bernardo, 192 __PASSOS, Silva, 291 __PAULO III (papa), 146 __PEDRELL, 40 __PEDRO, Fr., 190 __PEDRO I, 67 __PEDRO II, 188, 190, 194, 196, 197 __PEDRO III (papa), 248 __PEDRO, Infante D., 211 __PEDROSO, Elisa de Sousa, 253, 307, 362 __PEGADO, Nunes, 124 __PEIXINHO, Jorge, 362 __PELQUE, Hans, 112 __PENA, Peixoto da, 116 __PENALVA, Marquês de, 228, 243 __PENHALONGA, 164 __PEREIRA, D. Nuno Álvares, 69

__PEREIRA, Fr. João Leite, 130 __PEREIRA, Isaías da Rosa, 112 __PEREIRA, Marcos Soares, 127, 128 __PEREIRA, Miguel _ângelo, 254, 256 __PEREIRA, Nuno, 91, 100 :, __PEREIRA, _p.e Marcos Soares, 127, 128 __PEREIRA, Silva, 320 __PEREIRA, Tomás, 132 __PEREIRA, Virgílio, 316 __PEREZ, David. 203, 207, 209, 216, 223, 231, 247 __PERGOLESI, 201, 248, 255 __PERI, Jacopo, 129, 197 __PéRONE, 72 __PESTANA, Adácio, 320 __PETRARCA, 72, 108 __PETRUCCI, 121 __PIATIGORSKY, Gregor, 309 __PICASSO, 36 __PICCINI, 207, 216, 217, 243 __PICOTO, José Carlos, 319 __PIMENTA, João Guedes, 115 __PIMENTEL, Cristina Lino, 319 __PINA, Rui de, 79 __PINHEIRO, António, 124 __PINHO, Ernesto Gonçalves de, 186, 355 __PINTO, Augusto Marques, 289 __PINTO, Francisco Santos, 254 __PINTO, Vítor Macedo, 314 __PINTO, Wenceslau, 320 __PIRES, Luís Filipe, 314, 319, 363 __PIRES, Maria João, 319, 364 __PIRES, Vasco, 115 __PISSARRO, 36 __PITÁGORAS, 260 __PIZZETTI, 313 __PLANTIN, 121 __PLATAO, 150, 197 __PLAYEL, Ignaz, 281 __POMBAL, Marquês de, 204, 207, 216, 238, 242, 243, 246, 250, 251, 257 __POMBEIRO, Conde de, 244 __PONCHIELLI, 301 __PORTO, Pêro do, 110 __PORTUGAL, Marcos, 42, 200, 211, 212-214, 215, 216, 221, 248, 254, 280, 284, 304, 316, 318, 357 __PORTUGAL, Simão de, 200 __PORTUGAL, D. João de, 114 __POULENC, Francis, 106, 309 __POUSãO, Manuel, 124 __PRADO, Leonor de Sousa, 319, 320 __PRADO, Pedro, 311 __PRÈS, Josquin des, 34, 118, 123, 124, 129 __PRESTES, António, 124 __PRIGOGINE, Ilya, 14 __PROKOFIEV, 309 __PUCCINI, 31, 91, 279, 313 __PURCELL, 130 __QUEIRÓS, Eça de, 294 __QUENTAL, Antero de, 294

__QUINTANA, José Palomino, 225 __QUINTELA, Barão de, 208, 209 __RAAFF, Anton, 205 __RACHMANINOV, 130 __RAMEAU, 171, 218, 269, 270, 274, 276 __RAVEL, 297, 302, 309, 318 __REBELLO, Luís Francisco, 348 __REBELO, João Lourenço, 127, 128, 353 __REESE, Gustave, 130 __REGO, António José do, 291 __REGO, Raul, 350, 351 __REICH, Willi, 16 __REIS, António, 13, 361, 362 __REIS, Ema Romero da Câmara, 308 __REIS, Gaspar dos, 187, 188 __REIS, Jaime Batalha, 255, 294 __REIS, João dos, 215 __RESENDE, André de, 108, 111, 350 __RESENDE, Garcia de, 80, 85, 86, 90, 93, 94, 97, 101, 102, 108, 123, 228, 244, 350 __RIBAS, Eduardo Medina, 254 __RIBAS, Hipólito Medina, 289 __RIBAS, João António, 289 __RIBAS, Nicolau Medina, 289 __RIBAS, Tomaz, 349 __RIBEIRO, Hintze, 292 __RIBEIRO, Manuel Paixão, 218 __RIBEIRO, Mário de Sampayo, 317, 349, 358 __RICENOS, Jerónimo, 139 __RICHTER, 302 __RIGHINI, 217, 317 __RINUCCINI, Ottavio, 197 __RISLER, 296 __ROCHA, João da, 151 _ROCHA, José Monteiro da, 161, 260 __RODIO, Rocco, 173 __RODRIGUES, Amália, 195, 356 __RODRIGUES, Flaviano, 320 __RODRIGUES, Fr. João, 131 __RODRIGUES, Graça Almeida, 348 __RODRIGUES, _p.e Luís de Sousa, 315 __RODRIGUEZ, Manuel, 176 __ROEDER, Martin, 256 __ROEDERER, Juan G., 358 __ROHAN, Príncipe Victor de, 245 __ROLLAND, Romain, 253 __ROMBERG, Bernhard, 288 __ROMERO, Mateo, 187, 188 __ROSA, José, 318 __ROSÁRIO, Fr. Domingos do, 220 __ROSE, Marie, 301 __ROSMARIN, Mathieu, 187, 356 __ROSSINI, 25, 197, 206, 208, 214, 255, 256, 280, 294, 313 __ROSTROPOVITCH, Mstislav, 362 __ROUSSADO, Manuel, 304 __ROUSSEAU, 218, 219, 260, 262, 263, 270, 272, 274, 277 :, __ROUSSEL, Albert, 304, 314 __RUBINSTEIN, Anton, 289, 308 __RUBINSTEIN, Artur, 309

__RUDORFF, Ernest, 288, 302 __RUFFO, Titta, 91, 318 __RUMI, 225, 230 __SÁ, Bernardo Moreira de, 256, 289, 299, 303, 305, 308, 319 __SÁ, Fr. Manuel de, 190 __SÁ, Jerónimo de, 108 __SABÓIA, Duque de, 197 __SACCHINI, Antonio, 224, 243 __SACHS, Hans, 105, 177 __SACRAMENTO, Fr. Jacinto do, 161 __SACRAMENTO, Fr. Manuel do, 161, 162 __SAINT-__SAëNS, 288-294, 302 __SALAZAR, Adolfo, 105, 346, 349 __SALAZER, António de Oliveira, 362 __SALDANHA, João, 87 __SALDANHA, Marechal, 304 __SALIERI, 208 __SALINAS, Francisco, 102, 107 __SALMINGER, 108 __SALúSTIO, 47 __SAMPAIO, Gonçalo, 316 __SAMPAIO, Maria Teresa Dinis, 320 __SANCHEZ, Christoval (ou Ch. Tordión), 100 __SÁNCHEZ, Diego, 108 __SANCHO I, 55, 59 __SAND, George, 294 __SANTA __MARIA, D. Gabriel de, 115 __SANTA __MARIA, Dom Nicolau de, 184, 351 __SANTA __MARIA, Fr. Francisco de, 114, 161 __SANTA __MARIA, Tomás de, 173 __SANTILHANA, 1.o marquês de, 73 __SANTINHO, José Mimoso Barreto, 350 __SANTOS, _antónio Xavier dos, 210 __SANTOS, Artur, 316, 317, 363 __SANTOS, Carlos M., 317 __SANTOS, Florinda, 319 __SANTOS, Fr. Manuel dos, 219-220 __SANTOS, Joly Braga, 13, 25, 311, 314, 320, 363 __SANTOS, Luciano Xavier dos, 211, 212, 220 __SANTOS, Manuel Inocêncio dos, 254, 289 __SARAIVA, José Hermano, 348 __SARASATE, 91, 289, 295 __SARMENTO, António Florêncio, 267, 268 __SARRAUTE, Jean-_Paul, 213, 317, 357 __SARTI, 208 __SASPORTES, José, 151, 353 __SAY, William, 79 __SCARLATTI, Alessandro, 130, 192, 197 __SCARLATTI, Domenico, 130, 168, 193, 194, 195 __SCARLATTI, M. Justina de Mendonça, 223 __SCHAEFFER, Carl, 295 __SCHAW, Robert, 309 __SCHEIBE, 285 __SChErPeREEL, Joseph, 359 __SCHIASSI, _gaetano Maria, 201, 207 __SCHMITT, Florent, 318 __SCHöFFER, Peter, 121 __SCHöNBERG, 313

__SCHUBERT, 25, 34, 210, 286, 288, 305 __SCHUMANN, Clara, 295 __SCHUMANN, Elisabeth, 299 __SCHUMANN, Robert, 35, 210, 274, 276, 288, 289, 295 __SCOLARI, 216 __SEABRA, Augusto M., 357 __SEBASTIÃO, D., 114, 116, 120, 124, 143, 149, 162, 164, 172, 195, 196 __SEEFRIED, Irmagard, 309 __SEGNÉ, Giulio - ver __MODENA, Giulio Segné da __SEIXAS, Carlos, 42, 168, 169, 192, 193-194, 218, 315, 316, 356 __SEMBRICH, Marcella, 295 __SEQUEIRA, Gustavo de Matos, 353 __SéRGIO, António, 13, 360 __SERRA, Pedro, 152 __SERVANDONI, 104 __SIBELIUS, 130, 314 __SIGEA, _ângela, 104 __SILVA, Afonso da, 116, 164 __SILVA, António da, 164, 165, 199, 201, 202-204, 304 __SILVA, António José da (o Judeu), 43, 210 __SILVA, Fr. Diogo da, 139, 140, 141 __SILVA, Gomes da, 210 __SILVA, Helena de Matos, 320 __SILVA, Jaime, 320 __SILVA, João Cordeiro da, 210 __SILVA, José da Costa e, 208 __SILVA, Lianor da, 91 __SILVA, Manuel Alves da, 318 __SILVA, Maria Celeste, 320 __SILVA, Nuno Lomelino, 318 __SILVA, Óscar da, 294, 300, 301 __SILVA, _p,e Manuel Nunes da, 257 __SILVA, Policarpo José António da, 218, 224-225, 226, 227, 237, 258 __SILVA, Tristão da, 79, 80 __SILVEIRA, Fernão da, 89, 92 __SILVEIRA, Jorge da, 91 __SILVEIRA, Luís da, 89 __SILVEIRA, Mouzinho da, 266 __SIMÃO, Veiga, 18 __SIMIONATO, Giulietta, 207 __SIMÕES, Eduardo, 320 __SIMOES, João Gaspar, 358 __SINTRA, S. Martinho de, 65 __SMETANA, 40, 300 __SOARES, António José, 221 __SOARES, D. João, 114 __SOARES, M. Isabel de Mendonças, 358 __SOBIESKI, João, 91 :, __SOBIESKI, Tiago, 91 __SÓCRATES, 14 __SóFOCLES, 174 __SOLANO, Francisco Inácio, 257, 258, 270 __SOLER, António, 168 __SOLORZANO, Bento de, 120 __SOULT, Marechal, 217 __SOUSA, Berta Alves de, 314 __SOUSA, David de, 298, 299, 300, 301, 308 __SOUSA, Filipe de, 314, 320 __SOUSA, Gabriel Morais de, 315

__SOUSA, Pero de, 93 __SPINOZA, 297 __SPITTA, Philipp, 302 __SPONTINI, 254 __STEIBELT, Daniel, 281 __STERN, Isaac, 252, 309 __STEVENSON, Robert, 51, 111, 126, 347 __STOCKHAUSEN, 313 __STOLZ, Rosina, 207 __STRACCIARI, 318 __STRADIVARIUS, 208 __STRAUSS, Richard, 39, 213, 244, 253, 288, 299, 304 __STRAVINSKY, Igor, 30, 131, 309, 314 __SWEELINCK, 178 __TALLEYRAND, 215 __TAMAGNO, 303 __TAMBERLICK, 207 __TARAZONA, A. Ruiz, 351, 355 __TAVARES, Stella, 319 __TCHAIKOWSKY, 130, 299 __TEBALDI, Renata, 207 __TEIXEIRA, António, 198, 199, 203, 357 __TEODÓSIO I, D., 127 __TEODóSIO II, D., 127, 146 __THALBERG, 294 __THALÉSIO, Pedro, 131 __THIBAUT, Jacques, 299 __THIENE, Conde Jiulio a, 137 __TODI, Isabel de Aguiar, 218 __TODI, Luísa, 42, 216-218, 226, 255, 318, 327, 358 __TODI, Saverio, 216 __TOLEDO, Juliano de, 51 __TORDIóN -- ver __SANCHEZ, Christoval __TORRES, Cláudio, 115 __TORRES, Hernâni, 302 __TORTELIER, Paul, 253 __TOSCANINI, Arturo, 30 __TOSCANO, Manuela, 26 __TOSTI, 214 __TRACEY, Hugh, 317 __TRAVAçOS, Manuel, 113 __TROSYLHO, Bartolomeu, 172 __URBEL, José Perez de, 51, 347 __URREDA, Johannes, 93 __VALENTE, Afonso, 90, 94 __VALENTE, _p,e Cristóvão, 148 __VARELA -- ver __JOSÉ, Fr. D. de __VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de, 56, 107, 347 __VASCONCELOS, Joaquim de, 218, 255, 305 __VASCONCELOS, Jorge Croner de, 314, 315, 319, 363 __VASCONCELOS, Pedro de, 149 __VAZ, Francisco, 192 __VAZ, Pero, 116, 164 __VEGA, Lope de, 198 __VEIGA, José Augusto Ferreira da, 254 __VELASCO, Doizi de, 117, 351

__VELASQUEZ, 107 __VELHO, Diogo, 90 __VENEGAS, Miguel, 152 __VERDI, 31, 43, 91, 206, 209, 210, 256, 294, 303, 313 __VERGERIUS, Petrus Paulu, 137 __VESALIUS, 205 __VIANA, Natália, 320 __VICENTE, Gil, 55, 83, 93, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 110, 151, 160, 190, 195, 196 __VICENTE, Paula, 105 __VICENTINO, Nicola, 41, 132, 134, 135, 136, 144 __VICTóRIA, Manuel de, 116, 131, 164 __VIEIRA, Afonso Lopes, 300, 314 __VIEIRA, Ernesto, 293, 305, 354 __VIEIRA, Simão, 152 __VILA-__NOVA, Conde de, 86 __VILHENA, Dias, 124 __VILLEBLANCHE, 245 __VIMIEIRO, Condessa de, 249 __VIMIOSO, Conde de, 93 __VINAY, Ramon, 206, 207 __VINCI, V., 201 __VIOLANTE, Olga, 319 __VIRIATO, 47 __VITERBO, Sousa, 305 __VITóRIA, Luís de, 116, 117 __VITRY, Philipe de, 72 __VOLPINI, 209 __VOLTAIRE, 325, 251 __WAGENSEIL, 219 __WAGNER, Ernesto, 206, 292 __WAGNER, Richard, 18, 31, 35, 43, 107, 130, 279, 288, 294, 296, 297, 301, 308, 313 __WALTER, Bruno, 301 __WALTON, 314 :, __WANDSCHNEIDER, Maria Fernanda, 319 __WAXEL, Planton von, 286 __WEBER, 288, 300, 313 __WEBERN, 313 __WELLS, 36 __WILLAERT, 118, 134, 167 __WILLE, Günther, 346 __WILLEMS, Edgar, 312 __WILLIAMS, 314 __WILLMANN, Demoiselle, 217 __WREEDE, Johannes, 83, 104 __XENAKIS, Iannis, 37 __YSAYE, 295 __ZACCONI, 205 __ZAMPERINI, 204, 216 __ZARLINO, 139, 264 __ZECCHI, 309 __ZENO, 203

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