A Moderna Tradiçao Brasileira - Renato Ortiz

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RENATO ORTIZ .

A MODERNA TRADI(AO BRASILEIRA

editoraUNbrasiliense I CAMP PROGRAMA DO LIVRO DE GRADUA({AO 1995

Copyright© by Renato Ortiz, 1988 Nenhuma pa11e desta publica;iio pode ser gravada, armaz.efUlda em sistemas eletriinicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecllnicos ou outros quaisquer sem autorizafiiO privia da editora. ISBN 85-11-08064-3 Primeira edifiio, 1988 5'!edipio, 1994 1'! reimpressllo, 1995

indice 7 PRIMEIR A PARTE

0 silencio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Cui tura e sociedade . . .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. .. . . Memoria e sociedade: os anos 40 e SO . . . . . . . . . . . . . .

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SEGUNDA PARTE.

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o· mercado de hens simbolicos ......... ......... . : 0 popular e o nacional .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . Do popular-n acional ao internacio nal-popul ar? . . . . . Inconclusiio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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EDITORA BRASIUENSE S.A. Av. Marqu2s de Siio Vicente, 1771 OJJ39-903- Silo Paulo- SP Fone (01 1) 861-3366- Fax 861-3024

Filiada AABDR

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l Introdu~io

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Para Joana, que entrara no seculo XXI na [orr; a da idade

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0 que pretendo neste livro e retomar 0 debate da qliestao cultural no Brasil. Ne~te sentido ele recoloca uma serie de temas sobre os quais ja vinha trabalhando,. e que particularmente procurei tratar em Cultura Brasileira e ldentidade Nacional. Porem, contrariamente as minhas preocupa.;aes anteriores, o que me interessou agora foi compreender aproblematica da cultura na atual sociedade brasileira. Creio que todos temos hoje consciencia de que o "Brasil mudou". Esta afirma.;ao, que encontramos recorrentemente no nivel do sertso comum, nos coloca, porem, alguns desafios. Como entender esse processo de mudan.;a? Quais sao seus tra.,os estruturais? Foram essas perguntas que me nortearam na escrita deste novo livro. A discussao sobre a cultura sempre foi entre nos uma forma de se tomar consciencia de nosso destino, o que fez com que ela estivesse · intimamente associada a tematica do nacional e do popu- · Jar. Foi dentro desses paratnetros que floresceram as diversas posi.,oes sobre nossa "identidade nacional". Como ficam essas questoes diante de uma modema sociedade brasileira que se impae como uma realidade e nao mais como urn projeto de constru.;ao nacional? Pareceu-me que essas LtJ.daga.,aes poderiam ser encaminhadas se tomassemos como ponto lie pru:tida um es-

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A MODERNA TRADI<;:AO BRASILEIRA

RENATO ORTIZ

tudo sobre a emergencia da industria cultural no Brasil. Isto porque a conso4~iio de urn mercado cultural somente se ~a entre nos a partir de meados dos anos 60, o que nos permtte comparar duas situ~Cies, uma, relativa as decadas de 40 e de SO, outra, referente ao final de 60 e inicio dos anos 70. Creio que e possivel falarmos, neste caso, de duas ordens sociais diferenciadas, e ao contrapO-las, captarmos algumas especificidades da atualidade. A industria da cu!tura pode, desta forma, ser tomada como urn fio condutor para se compreender toda uma problematica cultural. Fruto do desenvolvimento do capitalismo e da industrializ~ao recente, ela aponta para urn tipo de sociedade que outros paises conheceram em momentos anteriores. Creio que a abordagem que proponho, pelo fato de ser historica, nos da a possibilidade de visualizarmos melhor dimensao das mudanc;;as estruturais que ocorreram nesses Ultimos anos. Ela evita, ainda, uma visiio exclusivamente conjuntural (por exemplo, das ana!ises politicas e eeon6micas que freqiientemente encontramos nos jornais),_ que ve a sociedade brasileira como que constantemente em crise, esqueeendo-se que o processo de inlplant~ao do capitalismo na periferia possui uma concretude e uma historia. De uma certa forma, o que estou propondo, ao re-visitar nosso passado recente, e "acertar o relogio" da discussao cultural com urn itinerano intelectual que, ao desenvolver a tema· tica do nacional e do popular, tinha em vistas urn a sociedade a ser ainda construida, e nao ilma realidade capitalista que a meu ver tende hoje a se constituir numa "tradic;;iio". Dai o proprio nome deste livro que procura levantar alguns problemas colocados por essa moderna tradic;;ao brasileira. S importante chamar a atenc;;ao do Ieitor que, na composic;;ao desse livro, trabalhei com fontes variadas (o que pode ser observado nas notas de pe de pagina). Utilizei desde dados estatisticos ate depoinlentos pessoais; isto e claro, sem se referir a textos diferenciados como teses de mestrado, livros, pequenos artigos, o que me permitiu elaborar uma visiio mais global do processo de implan~ao das industrias culturais no BrasiJ. Tenho consciencia, po-

rem, que a heterogeneidade deste material coloca uma serie de problemas metodologicos. Optei, no entanto, em trabalhar 0 tema como urn ensaio, onde pudesse, a luz do material existente, analisar uma problematica que ja me interessava desde trabalhos anteriores. Gostaria ainda de agradecer a algumas fontes financiadoras que me auxiliaram a desenvolver esse estudo. Cito no caso a FINEP e o CNPq pelo apoio dado a uma serie de pesquisas empiricas que venho realizando sobre a televisao. Mas destacaria aqui a FAPESP, cuja ajuda foi fundamental para mim, em particula r ao me conferir uma"bolsa de p6s-doutoramento no exterior, o que veio enriquecer em muito minha compreenslio deste Brasil contemporaneo.

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Sao Paulo, 10 de setembro de 1987 --~

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Renato Ortiz

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PRIMEIRA PARTE ,.''

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"Pela estrada de rodagem da via lactea, os autom6veis dos plauetas corriam vertiginosamente. Bela, o Cordeiro do Zodlaco, perseguido pela Ursa Maior, toda dentada. de astros. As estrelas tocarn ojazz-band de luz, ritmaudo a dau~a harrn8nica das esferas. ·o ceu parece urn irnenso cartaz eletrico, que Deus arrumou no alto, para fazer o eterno reclamo de sua onipotencia e da sua gloria."

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(Menotti del Picchia,

Arte Modema, 15 de fevereiro 1922) "0 trabalho da ger~iio !uturista !oi cic16pico. Acertar o rel6gio imperio da literatura nacional. Realizada esta etapa o problema e outro. Ser regional e puro em sua epoca."

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(Oswald de Andrade, Pau-Brasil, 18 de m~o 1924).

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0 sllencio A discussao da cultura popular e da cultpra prasileira constitui uma tradi~li.o entre n6s. Com isso quero dizer que ela manifesta urn tr~o constante, eu diria constituinte, de urn itined.rio intelectual coletivo. Nao ediffcil cornpreender o· porque da relevancia deste debate; na verdade, e atraves dele_gue se configuram as contradi~i5es e entendimento ga fonna~ao da nacionalidade na periferia. 1 Nao e por acaso que a questao da identidade se encontra intimamente ligada ao problema da cultura popular e do Estado; em ultima instancia, falar em cultura brasileira e discutir OS destinos politicos de urn pais. E claro que as abordagens dos diversos autores sao diferenciadas: mais conservadora em Silvio Romero e Gilberta Freyre; modemista em Mario e Oswald de Andrade; estatal e autoritiiria para os representantes de "Cultura Politica" durante o Estado Novo; de. senvolvirnentista para os isebianos; revolucionaria para os rnovimentos culturais e estudantis dos anos 60. Mas e esta diversidade e permanencia que constr6i uma tradi~ao, o

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(1) Ver Renato Ortiz, Cultura Brasileira e ldentidade Nacional, Sio lo, BrasilieDse, 1985; Carlos Guilherme Mota, A ldeologia da Cu/tura Brasileira; Siio Paulo, Atica, 1977; Maria Isaura Pereira de Queiroz, ..Cientistas Sociais e

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Autoconhecimento da Cultura Brasileira atraves do Tempo", Cadernos do CERU,

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A MODERNA TRADI<;AO. BRAS!LEIRA

que a transforma em referenda obrigat6ria para toda e qualquer discussiio sobre cultura e polHica. Em contrapartida hA urn relativo ~il~nciosobr_eJl. existencia de uma "culturad e massi!"J-assim comgl>obre orelacionamento entre produ~iio cultura:re:mercado. -No- plano academico, e praticamente na decada de70 que surgem OS primeiros escritosque trataril. dos meios de coifiunic~iio de massa, fruto sobretudo do desenvolvitil.eiito cias faculdades de comunica
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(2) Consultar os trabalhos de Jose Marques de Melo, Luiz Beltrlo, Muniz SodrC, entre outros. Em 1969, a antiga Revista CatOlica de Cultura muda seu nome para Revista Vozes de Cultura e passa a integrar uma serie de colaboradores que com~am a escrever sobre os meios de comunic~a.o e cultura de massa. Ver n?s 1 e 4, de janeiro e julho de 1969, respectivamente, en? 4, de maio de 1970. (3) Angelucci~ Habert, ..A Fotonovela: Fonnae Contelldo" (1972); Sergio Miceli, "A noite da Mtidrin.~e." (!972); S&nia Miceli, "Imi~io da Vida: Pesquisa

Explorat6ria sobre a Telenovela no Brasil'' (1973). Teses defendidas na FFCL, USP.

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suem um interesse imediato no mercado, ~~s que 1!-iio _se constituem em objeto de reflexlio para os cnticos e crentlstas sociais. A R~vista Brasiliense e urn ?om exe~p!o: em todo 0 s_eu tempo de existencia niio pub!teo~ u~ umco artigo sobre meios de comunica~lio ou mdus~a cultural. de 1956, msere em seu h bl. em seu numero de janeiro Anem, . 30di" indice de assuntos a rubrica ''riidto e tv em . as ' c~luna de comentarios semelhante a outras, como t~at;o, m1;1. sica e cinema. Ela e, no entanto, uma simples c;omca cuJ.a leitura nos instrui mais sobre o preconceito dos .mtelectuats em rela~iio ao radio e a televisiio do que propna~ente encaminha a discussiio sobre a cultura numa soctedade d_e triassa. :E·somente em 1966 que vamos enco~trar urn P~­ ~eiro artigo de Ferreira Gullar sobre a estetica na socte-dade-de massa. Seguindo as reflex1ies da Escola de F:ankfurt, 0 autor busca ampliar o quadro d~ compre~~s.ao ~a _ -problematica cultural entre nos. A Rev!St~ de Czvzlzza~ao Brasileira publica ainda, em 1968, urn 'artigo ~e Adorno e outrode Benjamin, traduzidos por Fe~~do Petx?to e Carlos Nelson Coutinho, e a Tempo Braszlezro urn numero. especial sobre Comunica~iio e Cultura de Massa. 4 S~gestiv~­ mente, e atraves da Escola de Frankfurt '!-u.e. a discussao ,_,_,______ ·s·o-ieaade e a cultura de massa se tructa nessas r~soure a c - d · du tria Vistas, ~mo se nesse momenta de co';lsolid~~:~ao am s . CUltural no Brasil alguns intelectuats sentissem a necesst-dade de buscar m:itras teorias para entender melhor a nova 'rea:iiaade brasileira. . · '----Nao obstante, o eixo do debate permanece amd~ a questlio nacional, sendo que a ela se agrega agora, no fin~ dos anos 60, uma nova dimenslio: a luta ..Gol!!~a o aut~n­ tarismo. :E bern possivel que este dado espectfico _da vtda politica brasileira teriha em parte contribu_ido para que os · (4) p · G u "Problemas Esteticos na Sociedade de Massa", Reerre1I'a u ar, • de !966) 0 o 8 · ,.... :r - B - n•s .....o de 1966), n.0 7 (mato vuta vzVuiZafao ras1'lezra, · 5 e 6 (ma"T • • B •u ·• (julho de 1966). Adorno, "Moda sem Tempo", Revista Civilu:afaO ras ezra: n~ 18, m~o/abril de 1968; Benjamin, "A Obra de Art~ na £poca de sua Repr~· ,.... ·1· B :1 • o de 1968. _n dU"io" Revuta vWIIZa(;aO rasuelra, n. s 19 e 20• mato/agosto · frankfu v r· mero de' Tempo Brasileiro e organizado por v ireh Chac0 n Sobre os

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am ~ C ttura tianos, consultar Carlos Nelson Coutinho, "A Escola de Fr ea u Brasileira", Presen(;a, n?_7, 1986.

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RENA TO ORTIZ

A MODERNA TRADI~AO BRASILEIRA

~ao percebessem com clareza a consolida9lio de uma !!_ul:tura de mercado· que se realizava sob· sEms pes. Num momento de !uta politica como esse, dificilmente os te6ricos da Escola de Frankfurt poderiam encontrar uma adesao, me~mo em termos analiticos, para diagnosticar a proble· matica brasileira. Como adequar a ideia de uma "consciencia unidimensional" ou o pessimismo de Adorno auma realidade de censura que atingia em cheio os n{eios de comunica9ao e a sociedade como urn todo? E sintomatico percebermos que enos anos 70 que o instrumental gramsciano se populari2;a _c.<>mo suporte para as ana.Iises sobre a cultura no Brasil. Suas ideias sobre guerra de posi90es, mas sobretudo sua concep<;ao do Estado como campo de )uta ideo16gica, permitiam aos intelectuais se autoconceberem como agentes politicos no embate contra o autoritarismo. Onde o pessimismo frankfurtiano fechava as portas, as analises gramscianas deixavam-nas abertas. Infelizmente, porem, seus escritos sao conhecidos no Brasil num momento determinado da expansao do capitalismo entre n6s; por urn litdo eles sao uteis na !uta contra a ditadura, por outro omitem toda uma dimensao da cultura popular de massa, tema que fugia a preocup119ao do proprio Gramsd, na medida em que ele nao viveu esta fase do capitalismo cultural. Nesse sentido eu afirmaria q11e a presen9a do Estado autoritano "desvimi" em boa parte a analise dos criticos da cultura do que se passava estruturalmente na sociedade brasileira. E significativo que uma reuniao importante como o Cicio de Debates Casa Grande, realizado em 1975, no Rio de Janeiro, tenha como conclusao de seus trabalhos que viviamos naquele momento dois tipos de cerceamento: o da censura e o da desnacionaliz119ao. 5 Esquece-se, desta forma, a prese119a de uma r.ealidade s6cio-economica, que a meu ver rees1;ru tura 11a decacla de 70 os Pl!l:!ltn.etros do panorama cultural: a consolid119ao de urn mercado de bens culturais. See verQ.a.cle q\le .ocorre este silencio em relaQao-ao advento de um.!l..c.ultura popular_ de massa.no.Brasil,.__e necessano dizer que ele corresponde uniarealidade socio16gica

especificl!, pois,. como.veremos n.os .pr6ximos capi_t;ylos, fomos-conhecerrecentemente a real emergencia de uma.lndustria cultural. 0 pensamento socio16gico acompanha os problemas colocados pela sociedade como urn todo. Cabe lembrar que o estudo dos meios de comunic1191iO se desenvolveram em outros paises de forma diferenciada no tempo. Se os Estados Unidos conhecem uma reflexao sobre a tema• tica ainda na decada de 30, na Europa e somente no p6sguerra que vai se concretizar uma serie de ana.Iises sobre a problematica em questiio. 6 Nao basta, poh~m, apontarmos para essas causas sociais mais amplas que "retardaram" a reflexao sobre a cultura de mercado entre n6s; e preciso entender a especificidade da discussao sobre cultura num pais como o Brasil, pois s6 assim poderemos compreender. com clareza as implic119iieS que marcam o debate _e em que medida ele se modifica com o advento das industrias culturais.

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(5) Ciclo de Debates CasaGrande, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975.

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* * * Florestan Fernandes, em-seu..livm sobre A Revolu£iio Burgu.esa no Brasil, afirma que nas sociedades dependentes de ongem colonial 0 capitalismo e introduzido antes da constitui9iio da ordem social competitiva.' Sua analise caminha em seguida para a caracteriza9ao da burguesia nacional, que ele retrata como portadora de moderado espirito modernizador, implanta uma democracia restrita que nao estende o direito de cidadania a toda a popul119ao, e por fim utiliza a transforma9ao capitalista para refor9ar seus interesses estamentais. Dito de outra forma, a burguesia n~<;>__ p_ossuLna...perifexilL.oeav.cl.:.civil~!.~\[{"oili!Pe­ nhou g,a_EJ!r.OPa •..Go.staria de reter da anali~Jie.florestan a ideia de anterioriclaM ..: ~s.t.\l ~. dit ·a:efasitgem tin~veis .· '

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(6) Sobre o estudo dos meios de comunic~3o nos Estados Unidos e na Europa, ver Miguel de Morag·as Spa, Teorlas de la Comunit;aci6n, Barcelona, Gustavo Gili, 1985. (7) Florestan Fernandes, A RevolufiiO Burguesa no Brasil, Rio de Janeiro, Zahar, 1975.

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· RENATO ORTIZ

hisiQrja do .CI!Pitalismo ocidental ocor~ reram concomit@temente. Minha pergunta e, portanto, a seguinte: em que medida esta condic;iio hist6rica marca a questiio cultural entre n6s? Se nos lembrarmos dos primeiros paragrafos do texto d,e vyalter_Benjaminsobre a obra de_arte e a sua reproduc;iio tecmca, observamos que seu ponto de partida e 0 inverso do nosso.• P.~ra Benjamin tratava-se de compreender as transf?rmac;oes da "superestru tura" que, considerava · ele, tenam se manifestado de modo mais lento do que a "infraestrutura". 0 que lhe interessava era captar o processo de mercantilizac;ao e de reproduc;iio da obra ·de arte· num roomento pcisterior ao desenvolvimento do capitalismo tal como ele havia sido descrito por Marx. Poderiamos t~vez questionar a tese de Benjamin contrapondo a ideia de que ·na .Eur()pa o d~senvolvimento da esfera cultural niio e pos- · tenor ao cresctmento das forc;as produtivas, mas simriltan:o; porem, o que e intportante reter da, sua argumenta¢iio sao os pontos que ela ressalta e nos permitem entender melhor nossa especificidade. Por isso creio que seria esclarecedor esb_oc;ar em linhas gerais como se diio as· mudanc;as estruiD:rru~ no campo da cultura· europeia com a emergencia. . do capttahsmo. Teremos, assim, um parametro de referencia ana.litica que podera ser util para trac;ar o quadro brasileiro. . Os trabalhos sobre a vida intelectual europeia no sec_ulo XIX tern -reitel':ldamente .chamado a atenc;iio para dois tipos de mudanc;as em relac;ao ao ancien regime: a autonomizac;iio de determinadas esferas (arte, literatura) eo surgimento de urn p61o de produc;ao orientado para a mercantilizac;ao da cultura. Sao transformac;1ies profundas que correspondem ao advento da ordem burguesa, que traz com ela o desenvolvimento de urn mercado de bens culturais e no interior da qual certas atividades se constituem em dimensoes especificas da sociedade. Raymond Williams capta soc!_o16gicos_gu_~.llil

(8) ~ '!al!er Bell:jam:in, "A Obra de Arte na E:poca de suas Tectlicas de Reprodu~ao , rn Ben1amm, Habermas Horkheimer Adorno ' sa·o Paulo ' Ed . ' ' Abrii, 1975.

A MODERNA TRAD!c;AO BRASILEIRA

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bern o nascirnento desta Prslem industrial @lando consid~ra a· mudanc;a semantica que se manifesta em palavras como arte e culhiia. 9 "Arte", que ate entiio~ sii!nificava habilidade, no sentido generico da atividade do. artesiio, se restringe agora a qualifica<;iio de urn grupo especial de inclinac;iio, a artistica, ligada a noc;iio de imaginac;iio e criatividade. Na Inglaterra, por exemplo, urn novo vocabulo e encontrado para exprimir 0 julgamento sobre aarte: estetica. ·1, A palavra "c!iltura", que se encontrava iissociada ao crescimento natural das coisas ( dai agri-cultura ), passa a encerrar uma conotac;iio que se esgota nela mesma, e se aplica a uma dimensiio particular da vida social, seja enquanto modo de vida cultivado, seja como estado "mental do desenvolvimento de uma sociedade. Mudanc;as na linguagem que certamente denotam a necessidade de se buscar por novas .. fonnulac;1ies que melhor expressem a realidade em movimento. ·Urn exemplo de. autonomizac;iio pode ser encontrado na hist6ria da literatura no secrilo XIX, momento em que ela definitivamente se constitui em entidade separada de outros condicionantes sociais, a ponto de o escritor se perceber como ser que entra em contato com uma "esfera superior", sacralizada , distante das coisas do mundo . 0 · Tomernos como referenda a anatise de Sartre.' Ele nos mostra que o escritor do seculo XVII estava ligad~ ao poder religiose e mot)arquico e respondia a demanda de uma elite ern relac;ao a qual seu trabalho estava inextrilicavelmente vinculado. No seculo XVIII, com o surgimento de uma classe ascendente; a burguesia, o.literato tem duas escolhas: permanece r ao !ado das forc;as aristocraticas ou se juntar ao rnovimento de renova<;iio da sociedade. Sartre considera os enciclopedistas como literatQ_s que contribuem, atraves da escrita, para a liberac;iio do homem universal e abstrato, e que, portanto, agem enquanto "intelectuais or~S:'-da burguesia revolucionana. Em relac;iio ao.seculo (9) Raymond Williams, Culture and Society, Nova lorque, Columbia Uni· versity Press, 1983. (10) Ver Sartre, L'Idiot de la Famille, Paris, Gallimard, 1973, e Qu'est ce que la litterature ?, Paris, Gallimard, 1948.

RENATO ORTIZ

anterior temos uma inversao no papel politico desempe'llhado pelo escritor; nao obstante, subsiste nos dois casos a dependencia da literatura a idE!!ggia. No entanto, uma ruptura ira ocorrer; Sartre va1 situa-la em torno de 1850, no momento em que "a~"atura se" separa da ideolog1a reli"gl.osa"e se recusa a sei:vir a icleo!ogi~ btirgu~sa::-Ela- se co~ lcxi~ pcirtanto, coino independente por principio a toda especi~ d~iil!ioloiiiii:-Deste-Iiifo ela guiitdaseu aspecto abstratodei)Uti: negatividade" .'I Sua interpretac;:ao de Flaubert esclarece bern esta atitude de recusa. Desde que a burguesia toma o poder politico, se consolidando como classe dominante, ela demanda do escritor nao mais uma obra literana, mas urn servic;:o ideol6gico. Espremido entre o processo de mercantilizac;:ao que o cerca, a literatura de folhetim, e escrever para legitimar a ordem burguesa, Flaubert busca a saida na "arte pela arte" ,. ou seja, no campo especifico da literatura. Os intelectuais se veem, assim, cortados da classe da qual ate entao eles eram os porta-vozes, e buscam na pratica literana urn outro caminho. A autonomia da literatura s6 pode, portanto, se concretizar atraves da recusa em se escrever para urn publico burglies"-e "uma plateia de massa. E necessarto publkat para nao set lido, ou melhor, "o Artista somente aceita ~~r"!iclo"por outros artistas~' . 12 · · " -"--i>ara dirimir possiveis duvidas e born trisar que dizer que a literatura se separa da ideologia nao e a mesma coisa que afirmar q"\le el.a S? torna a-ideol6gica; o interessante da anilise de Sartre e nos mostrar que a partir de urn determinado momento a literatura, ao recusar o determinante politico, se constitui como uma pratica especifica. Evidentemente isto nao se da somente pelas causas politicas apontadas; os soci6logos tern chamado a atenc;:ao para modificac;:5es de carater mais estruturais que permitiram ao escritor se destacar como produtor independente." Uma delas e a (11) Sartre, Qu 'est ce que laLitterature?. op. cit., p. 164. (12) Sartre, L "[dint de !a Famille, op. cit., p. 99. (13) Raymond WiJiiams, The Long Revolution, Connecticut, Greenwood Press, 1975; Levin Schuking, The Sociology of Literary Taste, Londres, Routledge and Kegan Paul, 1966.

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expansao do publico que redimen:siona a relac;:ao escritor-" leitor e que !he permite escapar do sistema de patronagem, transformando-o em profissional que pode viver do seu trabalho. A escrita como profissao instaura uma "clivagem entre o escritor e o publico e, paralelamente, favorece a emergencia de instancias de consagrac;:ao da obra literana, regidas pelas normas do campo artistico. Este processo de autonomizac;:ao implica a configurac;:ao de urn espac;:o institucionalizado, com regras pr6prias, cuja reivindicac;:aoprincipal e de ordem estetica. Isto significa que a legitimidade da escrita passa a ser definida pelos pares, ou seja, por aqueles que escolhem a atividade literana como sua ocupac;:ao. Neste sentido, a literatura se diferencia tanto das demandas ideol6gicas (religiosa ou politica) quanto de outras ordens (literatura de massa) e se caracteriza como-uma esfera de "produc;:ao restrita" em oposiqao "a .uma .e.sfera da grande produc;:ao, on de prevalece .a:- lei economica- em resposta ademanda do pub!ico. 14 Cabe lembrar que este !Ilovimento. de_ autoi).Qm~ac;:ao nao se restringe a literatura, masse c:_~t~gg~_a.Q!!ITI¥! !;SfeJ!IS como a acre e as ciencias. Benjamin mostra que e no curso dos sec~los XVIII e XIX que a arte adquire uma independencia da qual nao desfrutava ate entao. Ao perder o seu valor de culto, que a amarrava a uma func;:ao ornamen~ e religiosa, ela pode se constituir em espac;:o autonomo reg1do P.P.r regras pr6prias. E dentro deste contexto que autores como Adorno valorizam as obras da burguesia que, ao romper com as amarras da sociedade tradicional, abrem !j,_perspectiva de se construir uma cultura desvinculada das exigencias materiais imediatas. Horkheimer dira que no passad() "a arte estava associada com outras dimens5es da vida social. As artes plasticas, em particular, se devotavam a prodw;ao de objetos para o uso diario, tanto secular quanto religioso. Porem, no perlodo moderno, escultura e pintura se distanciam da cidade e das necessidades da construc;:ao; (14) Retorno aqui a distin~io proposta par Bourdieu em "0 Mercad~ de Bens Simb61ico" in Economia das Trocas Simb6licas, Sao Paulo, Perspectiva, 1977.



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durante 0" mesmo processo hist6rico, ·q sentimento estetico adquiriu um status independertte, separado do medo, terror, exubetancia, prestigio, conforto". 15 Marcuse . por ex~_!!lPI<J,_iradescrever este processo de autonomiad~sfera a;t!~tica .:.omo ~~~ a!!rnl.a~a:o" Cia. Cuitura. proi>ri~niente 9tta, o que posstbihta.~ cria~ao de v;;Uores universais que transcc;ndem as exigel!!;ias _morais,. econBmic;1s ·e p0Iiticas as quats ela estava SUb!I),etida. Ele opoe "cultura" a "civiliZac~'-", r~ervande-ae- priffieirc te~o· .uma cOinpre~nsao relafu::a aos.v
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humanidade. Uma atitude claramente distinta sera a .de Durkheim ja no final do seculo; ele busca romper com a ideologia e a literatura, e tern como objetivo fundar urn campo especifico de conhecimento: a Sociologia. Para· isso e necessario que o pensamento sociol6gico surja como sui generis, destacado das outras instancias da. sociedade que detivessem urn discurso sobre . o social. Toda a porventura . empresa durkheimiana se caracteriza pela busca desta especificidade da Sociologia, o que vai contrap8-!a as realiza<;l\es dos pensadores politicos, religiosos, e ate mesmo a autores . co!I),o Spencer e Comte, considerados por Durkheirn mais como fil6sofos sociais do que como soci6logos, na medida em que eles se deixam submeter as exigencias exte:inas ao campo da ciencia." Nao e por acaso que Durkheim qualifica o seu tempo como ;1 epoca das especializa<;oes, o que necessariamente implica a form~ao de urn corpo de ·pesquisadores qualificados (L'Annee Sociologique). 0 surgimento do campo academico se faz em paralelo a elabor~ao de· urn novo c6digo, as regras do metodo socio16gico, que devem reger doravante o julgamento intelectual entre os pares, aprecia<;oes que estarao confinadas nos limites desta nova institui<;ao, a universidade modema. A s.egunda transforma~ao a que nos referimos diz resP(!ito a emergencia e a expansao de utn mercado consumidor vinculado a uma estrategia que se caracteriza cada vez mais como de massa. A industria do livro e a imprensa se beneficiam da revolu<;ao industrial e podem ao Iongo do seCu.io XlX atingir urn desenvolvimento sem precedentes. Sao .varias as causas que impulsionam o consumo da·Ieitura, difundindo-a entre a massa da popula<;ao: advento de uma nova tecnologia que pode baratear a ·produ~ao, facilidade de circula<;ao com a expansao das vias de comunica<;ao (particularmente a via ferrea), melhoria do nivel de vida da popula~ao, acesso generalizado a escola. Os dados para a

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(17) Ver Durkheim, "Curso de Ciencia Social: Li~io de Abertura" e "A Sociologia em Fra~a no Seculo XIX.. , in A Ciincia Social e a Afd"o, Sao Paulo,

DIFEL, 1970.

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Fran~a nos dao urn born retrato desta situa~ao. 18 0 indice de alfabetiza~ao, que era em torno de 30% no ancien re· gime, sobe para 60% em 1860 para atingir 90% em 1890. A produ~ao media annal de livros no seculo anterior era em torno de 600 a 800 titulos; em 1850 ela passa para 7 658 e em 1889 para 14 849. Pode-se observar uma crescente popu· laridade das novelas, genero literario que suplanta o prestigio artistico da poesia. Entre 1750 e 1789 foram produzidas somente 53 novelas por ano, media que sobe para 218 entre 1840 e 1875 e 653 entre 1886 e 1890. Os 500 peri6dicos pub!icados em Paris em 1860 veem sen numero aumentado para dois mil em 1890. Seem 1836 todos os jornais parisienses totalizavam uma tiragem de 70 mil c6pias, em 1899 soLe Petit Parisien estava imprimindo 775 mil exemplares. Na Inglaterra as mudan~as caminham na mesma dire~ao. 19 Em 1841 o numero de pessoas alfabetizadas ja atinge 59%; em 1900 ele €-de 97%. No inicio do seculo o comercio do livro se encontrava bern atras da maioria das outras industrias inglesas; permanecia a pratica de publica~ao de livros caros com uma edi~ao de 750 copias. Excepcionaimente, novelas como as de sir Walter Scott tiveram uma edi~iio de seis mil copias. Ja em 1836 alguns livros de Dickens possuiam uma tiragem inicial de 40 mil exemplares; o livro de Lewis Carroll, Alice no Pafs das Maravilhas, chegou a vender 150 mil copias entre 1865 e 1898. Os jornais diarios, que na virada do seculo tiravam alguns milhares de exemplares, conhecem urn crescimento formidavel. 0 Daily Telegraph, em 1860, atinge uma circula~ao de 141 mil exemplares, passando em 1870 para 200 mil e em 1890 para 300mil.

0 seculo XIX se caracteriza, portanto, pela emergencia d~ duas esferas distintas: uma de circul~ao restrita, vinculada il literatura e ils artes, outra de circula~ao ampliada, de carater comercial. 0 publico se encontra, _des~a forma cindido em duas partes: de urn !ado, uma mmona de es~ecialistas, de outro, uma massa de c~nsumidores. Esta oposi~ao nao deixa de colocar em confhto os atores desses dois campos sociais. Por isso vamos en~ont_rar en!~e os artistas, os escritores, as vanguardas, as pnmetras cnticas em rela~ao il chamada cultura das massas. Por exemplo: na Inglaterra, os escritos de Matthew Arnold sobre cultura; na Fran~a, as polemicas de Saint Beuve contra a_ literatura industrial. Creio, no entanto, independente da tdeoIogia professada, progressista ou conservadora, que a critica se fundamenta num antagonismo socialmente demarcado. Se o universe artistico encontra seu espa~o se autonomizando, ele seve em seguida condenado aos limites que a sociedade !he impoe, sofrendo imediatamente a concorren-_ cia de uma produ~ao de mercado que possui urn alcance cultural bern mais amplo. Dentro desse contexto o escritor demonstra sua insatisfa~ao como publico quando nilo aceita a cota~ao do mercado como elemento de medida do valor estetico da sua obra. E verdade que muitas· vezes este posicionamento dos literates se fara segundo · tima ideologia elitista, em nome do "belo" e da "superioridade da arte" condena-se a mediocridade da massa, mas, ~omo observa Raymond Williams, este discurso possui tambem uma conseqiiencia positiva na medida em que se imp!le como critica da industriaiiz~ao, aceita como urn valor em si por aqueles que favorecem o polo da produ~ao emmassa. · Se compa'rarmos o quadro cultural brasileiro com o europeu, observamos que n~.o se justifica uma nitida diferenci~ao entre urn polo de prod~ao restrita-e outro de produ~ao ampliada. As raz!les sociol6gicas para que isso aconte~a sao forteS. Devido a fragilidade do capitalismo existente, Florestan Fernandes o qualifica de "dificil", uma dimensiio do mercado de bens simb6licos nao consegue se expressar plenamente. Isso significa uma fraca divisilo .do tra- '

(18) Consultar Christophe Charle, "L'Expansion et la Crise de Ia Produc-

tion Litteraire", Actes de Ia Recherche en Sciences Socia/es, n? 4, julho de 1975; Priscilla Clark, "The Beginnings of Mass Culture in France: Action and Reaction", Social Research, 45 {2), 1978; urn livro que procura analisar as transformac;:Oes culturais no seculo XIX, nio sO em rel~o imprensa, mas tambem no que diz respeito ao consumo (moda, por exemplo), o de Maurice Crubellier,

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Histoire Culturetle de Ia France, Paris, Armand Collin, 1974. ( 19) Ver Richard AI tick, The English Common Reader: a Social History of Mass Reading Public, 1800-1900, Chicago, University of Chicago Press, 1957; Raymond Williams, The Long Revolution, Connecticut, Greenwood Press, 1975.

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· balho intelectual e uma confusao de fronteiras entre as diversas areas culturais. · ··· -····- ........ _ -·-··-··· 0 caso da liteiatura e exemplar. Antonio Cbdido considera que desde 0 seculo anterior ela encerra dentro de si dois outros discursos, o politico e o do estudo da sociedade; nesse sentido ela se constitui no fenomeno central da vida do espirito, condensando filosofia e ciencias humanas. Uri:ta ruptura se anuncia C!>rrl Os Ser[oes, deEuclides aa ctins=.,J:exto ·q:ue tusca romper circuloentielite-· · ratufaeliivestiga~ao cientifica. Com o Modemismo, porem, ha urn reajuste as condi~oes sociais e ideol6gicas anteriores; por isso, Antonio Candido descreve os anos 20 e 30 como urn periodo no qual se assiste a urn grande esfor~o · para se construir uma literatura universalmente viilida, mas que se caracteriza sobretudo pela "harmoniosa convivencia e troca de servi~os entre literatura e estudos sociais". 20 E, porta,nto,_ somente na decada de 40 _que a literatura .se emancipa da_s ciilncias sociais e da ideologi_a. Nesse ponto ocorre urn distanciamento entre a preocupa~ao estetica e a preocupa~ao politico-sociai, a atividade literiiriadeixa de se · constituir como sincretica, a ''literatura volta-se para si mesma, espedficandoCse e assumindo configura~ao propriamente estetica" .'1 Se nos remetermos a analise de Sar· tre, vemos que as mudan~as estruturais para as quais ele apontava somente se con~retizam tar.diamente entre nos, a literatura se definindo mais pela superposi~ao de fun~oes do que pela sua a!!tonomia. uma 'decorrencia desse processo cumulativo de fun~oes e a fraca especializa~ao dos setores de produ~ao cultural. Nelson Wemeck Sodre chama a aten~ao para o fa to de que ate a decada de 20 literatura e jomalismo se. confundiam, a ponto de os diiirios serem escritos com uma "linguagem empolada", inadequada para a . veicula~ao das noticias. "

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(z0) Ant8nio CB.ndido, Literatura e Sociedade, Sao Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1985, p. 134. (21) Idem. (22) Nelson WerneckSodre, A Hist6rla da lmprensa no Brasil, Rio deJaneifo, Civiliza~ao Brasileira, 1966. ·

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· Como a universidade modema eum produto recente da hist6ria brasileira (USP- 1934; Faculdade Nacional de Filosofia, RJ- 1939), temos, nesse cas9, urn fenomeno se, melhante' ao jomalismo e a literatura. E,s,JLrnente..nos...ru~.~s 40 que se desenvolve no Bra§.iL!LIP~enci.!Lfulcial autonoma. A' inslst€ncia dos escritos de Florestan Fernan(ies s~eanecessidade de se criar urn padrao. cientifico para a Sociologia expressa, na verdade, Ul!l~ von!a~e de dtferet;ci~ao do discurso academico da tala tdeologtca. Sua polemica com Guerreiro Ram()s ilustra bern esse processo .de . diferencia~ao das esferas da cultura. 23 Enquan~o Gu~rretro Ramos defende .a existencia de uma Sociolog:ta Apl!ca~a, instrumentalmente engajada no desenvolvimento da soctedade nacional Florestan Fernandes se volta para a constru:~ao de uma ciBncia que tenha como referenda. o padrao de conhecimento sociol6gico intemacional. Coin tsso estava se rompendo com o passado bacharelesco das faculdades de Direito que usavam a Sociologia como saber ensaisti~"'· rna;; se trata tambem de uma ruptura com o presente, aniiloga a que Sartre apontava para a llteratura, que d~man?ava d~s Ciencias Sociais urn servi~o ideo16gico. A Soctolog:ta, particularmente em Sao Paulo (USP e Escola de Sociologia e Politica), ao se definir com uma esfera de bens restritos, marcada por uma "ideologia academica", se ~fasta do d~s­ tino que o pensamento sociol6gico teve no Rto de Janel!o com uma esco1a politicamente engajada como o IS.EB. E, portanto, ·nos anos .40 que ela se toma propriamente cientifica, saber racional que se volta para a interpret~a~ : a pesquisa da sociedade, distanciando-se da forma ensatstic,a que a havia caracterizado 1io passado, e das demandas poli. ticas que !he eram exigiilas pelo presente. 24 (23) Ver Florestan Fernandes, "0 Padrao de Trabaiho Cientifico dos Soci6logos Brasileiros", in A Sociologia no Brasil, Petr6polis, Vozes, 1?77; Guer_reiro. Ramos,· Introduc;io aA Redufiio Sociol6gica, 2!'- ed., Rio d~ Jane1ro, Tempo Brasileiro, 1965. . (24) Ver Octti.vio Ianni (org.), ''Florestan Fernandes e a Forma~ao ~So­ ciologia Brasileira'", in Florestan, sao Paulof A.tica, 1986. Sabre a auto~om1_za~ao da Socjologia ·em Sao Paulo~ ver Sergio Miceli, O:mdicionantes da H~t6na das Ciincias Sociais: 1930-1964, Sao Paulo, IDESP, 1987, mimeo.

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Esta impossibilidade de uma autonomiza~ao plena encontra urn paralelo na dificuldade de se formar urn publico de leitores. Para isso contribui de imediato a baixa escolariz~ao e o elevado indice de analfabetismo da popula~ao (1890: 84%; 1920: 75%; 1940: 57%). Todososte!ltemunhos e as analiseup.ontam que.ate.a.decadade.3o·a:prodl.ll;ao e 0 come~cio de )ivros no Brasil eram praticamente .!!lexi~tentes em wrmo~ de mercado. 25 A tiragem de urn romance era em media de mil exemplares, e urn best-seller como Urupes vendeu, em 1918, oito mil capias. Em Sao Paulo, entre 1900 e 1922, publicaram-se somente 92 romances, novelas e contos, ou seja, uma media de sete livros de literatura por ano. 26 Se aceitarmos a ponder~ao de Laurence Hallewell de que, embora menor do que a cidade do Rio de Janeiro, o comercio livreiro paulista era superior ao carioca, temos uma ideia deste quadro critico. ~-critor !liio podia "viver da_liieratura", o que o levava a exercer fun~oes no· magisterio e nos cargos publicos. E conhecido o fato de.s.lle .no Brasil o desenvolvimento da literatura se encontra estreitamente ligado a burocracia do Esfad.o. Dentro desse panorama, o relacionamento de nossos criticos e intelectuais com uma esfera de produ~ao de massa, como o jornal, tinha que ser especifico. Quando Joao do Rio entrevistou a . intelectualidade da epoca sobre a rel~ao entre literatura e jornalismo, as respostas apontavam claramente para esta simbiose entre o literate e o jornal. 27 Olavo Bilac clira que "o jornal epara todo escritor brasileiro um grande bern. E mesmo o unico meio do escritor de se fazer ler". Machado Neto tern razao quando afirma que no Brasil as rela~oes do intelectual com o seu publico se iniciaram pelo mass media. 28 Para o escritor o jomal desempenhava fun~oes econo-

micas e sociais importantes; ele _e~!l fonte de renda e de prestigio. Devido a ilisli.fi.Ciente institucion~ao da esfera literaria, temos urn caso no qual urn 6rgao voltado para a produ~ao de massa sejr;msforma .e111 instancia consagradora da legitimidade da obra literaria. . Haviamos partido.di ideia de ausencia sobre a discussao da cultij"ra de mercado no Brasil. Creio que agora ja possuimos alguns elementos para entender o porque desta "falta". Entre nos as contradi~i'ies entre uma cultura artistica e outra de mercado..nlio se manifestam de forma antagonica. Vim.os como aJiteratura se- ciifunde e se legitima a):raves da imprensa. P.o_c!emos dizer o mesmo da televisao nos anos SO. Como veremos mais ;ldiante, neste memento, urn grupo depessoas marcadas por interesses da area "eru!!_ita" se voita, na impossibilidade de fazer cinema, para a televisao e desenvolve o genero do teleteatro (TV-Vanguarda). 29 Os pr6prios escritores e diretores de teatro tambern vao encontrarespa~o nesta televisao que ainda nao se transformou plenamente em industria cultural (Grande Teatro Tupi). Os criticos teatrais da epoca percebem com clareza este destine conjuntural do teatro no Brasil, onde, contrariamente aos paises centrais, a dramaturgia do palco se associa a uma tecnologia de massa: a televisao. Esta caracteristica da situ~ao brasileira, um transite entre esferas regidas por 16gicas ,diferentes, possui a meu ver uma dupla conseqiiencia. UII!a e, sem. duvida, positiva; e1a abre urn espa~o de cri~ao que em alguns periodos sera aproveitado por determinados grupos culturais. Outra, .de carater mais restritivo, pois os intelectuais passam a atuar dentro da dependencia da 16gica comercial, e por fazer parte (io sistema empresarial, tern dificuldade em constrnir uina visao critica em rel~ao ao tipo de cultura que produzem. Podemos retomar neste ponto a argumen~ao sobre a anterioridade do capitalismo com a qual abrimos nossa reflexao. Foi Roberto Schwarz, ao analisar as ideias do liberalismo europeu como "fora do Iugar" no periodo escravista

28

(25) Ver Laurence Hallewell, 0 Livro no Brasil, Sao Paulo, EDUS:P, 1985; Olimpio de Souza Andrade, 0 Livro Brasileiro, Rio de Janeiro, Ed. Paralelo 1974. • (26} Teresinha Aparecida del Fiorentino, "A Produ~ao eo Consume da ProsadeFi~ioem S. Paulo: 1900~1922", tese de mestrado, FFLCH, USP, 1976, p. 21. (27) Joio do Rio, MomentoLiter6rio, Rio de Janeiro, Garnier, s.d. (28) A. L. Machado Neto, E.stru.tura Social da RepUblica das Letras: Sociologia da· Vida lntelectu.al Brasileira 1870-1930, Sio Paulo, Grijalbo, 1973.

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(29) Ver "Flbio Silva, 0 Teletealro Paulista na Dkada

Paulo, IDART,I981.

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brasileiro, quem avan~ou mais a reflexao sobre esta peculiaridade da historia da cultura na periferia. 30 De maneira bastante arguta ele descreve a condi~ao de· descentraliza~ao, de enviesameilto, que qualifica a situa~ao brasileira. E claro que de urn determinado ponto de vista as ideias estao "sempre no Iugar", isto e, elas pressupaem a existencja de grupos concretes que as carregam e as utilizam. Mas o sugestivo na abordagem de Schwarz e a enfase neste hiato. entre inten~ao e reaiiza~ao, o que implica a adequa~lio do liberalismo aos interesses dos grupos dominantes enquanto ideologia particular (ele serve como omamento de civiliza~lio, mas nao possui for¢a historica para transformar organicamente a sociedade como urn todo) e simultaneamente na sua inadequa~lio, pois como principio humanistico nao ·se aplica aos fundamentos da sociedade escravista. Porque o ideano liberal chega antes do desenvolvimento das for~as s6cio-economicas que o originaram no contexte europeu, ele se encontra na posi~lio esdruxula de existir sem se realizar. Se me refiro a esta excentricidade caracteristica da sociedade brasileira e porque penso que este elemento tera urn peso importante· no .encaminhamento da discusslio da cultura entre nos e, conseqiientemente, na avalia~lio da amplitude e da influencia da propria cultura popular de mass a. Tomada num primeiro sentido, que eu chamaria de restrito, ela desagua numaspecto ja bastante disi:utido pela tradicao intelectual: o: da· cu1tura ornamental. Dentro desse espirito, o liberalismo estaria "fora do Iugar" por causa da presen~a da escravidlio que o desqualifica de imediato. Sua ornamentalidade apoilta para uma falsidade, a vontade da classe dominante de se perceber enquanto parte da humanidade ocidental avancada; a doutrina liberal se· transforma assim em valor ostentatorio, o que em principio asseguraria o pertencimento da burguesia nacional aos ideais de civilizacao acomodaria na consciencia da classe dominante o atraso brasileiro em relacao aos paises centrals. Creio qile o

mesmo pode ser argumentado em relacao ao. conceito de moderno na sociedade brasileira. Ismail Xavier; quando es: tuda o cinema na decada de 20, mostra que a expresslio ·"arte cinematografica" esta !igada a uma aspiraclio de se manifestar urn espirito avancado atraves do uso de expressoes modemas. "Arte e industria eram duas' palavras serias cultuadas por aqueles que desejavam fazer parte da elit~ ilustrada , orgulhosa do seu contraste frente a ignoran. cia da maioria. A colocacao do cinema sob estas ettquetas nao deixava de ser conveniente para os praticantes da cultura .ornamental: reverenciadores da tradi~lio classica, devotos de beletrismo como forma de elegancia e di.stincao social fascinados pelos costumes civilizados, tinham nos auspi~ios da arte e no modelo industrial de grande envergadura uma forma de tornar mais cultos e responsaveis seus . . "31 pronunciamentos sob reo cmema . · A passagem reforca nossa digressao anterior, onde procuravamos mostrar o imbricamento entre o setor artistico e o mercado, mas o que nos interessa reter dela, no memento ea defasagem entre esta moderniza~iio aparente . · e a realidade que salta aos olhos, quando se observa a xistencia de condicoes materiais que permitam o surgJmento de uma filmografia brasileira. Para uma revista como Cine-Arte que acreditava que "o progresso do pais se media pelo nu~ero de seus cinemas", diante da inexeqiiibilidade desta proposta, so !he restava uma posicao moralista e pedagogica na qual a repeticao do lema "vamos levar o cinema a serio" era uma forma compensatoria de se conseguir o que nlio se podia obter concretamente. Urn exempJo ana!ogo pode ser encontrado no movimento de moder• nizacao da cidade do Rio de Janeiro na virada do seculo. · Nicolau Sevcenko descreve de maneira sensivel esta inser.cao compulsoria do Brasil no espirito da Belle Epoque. 32 A remodela~lio urbana da cidade, a valorizacao do chique eil-

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(30) Roberto Schwarz, Ao Vencedor as Batatas, Sao Paulo, Duas Cidades,l977.

(31) Ismail Xavier. setima Arle:

Um Culto Mod~mo, S"ao Paulo, Perspec~

tiva, 1978, p. 124. · .. (32) Nicolau Sevcenko. Literatura como Missiio, Sio Paulo, Brasil1ense,

1985.

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ropeu (Art Nouveau), o frenesi com que se vive a agita9ao dos novos tempos, o advento da eletricidade nas casas e nas ruas, sao transform~lles vividas sob. o signo do modern~ por uma "burguesia carioca que se adapta ao seu novo eqUl1 pamento urbano, abandonando as varandas e os saloes co1 loniais para expandir a sua sociabilidade pelas novas ·aveni- . J das, pra9as, palacios e jardins". Contrastando com esse re- ~ trato .de otimismo temos a presen9a das favelas, o medo do 'impal~dlsmo, o peso de uma herano;a colonial pauperrima que invade o' cenano minando esta imagem tao cuidadosamente construida. Em ambos os casos, o do cinema e o da ur.l>ll!li?:ao;ao do Rio de Janeiro, a ideia de modemo se associa a valores como progresso e civilizao;ao; ela e, sobretudo, uma representao;ao que articula o subdesenvolvimento da situa~ao brasileira a uma vontade de reconhecimento que " as classes dominantes ressentem. Dai o fato de essa atitude estar intimamente relacionada a uma preocupao;ao de fundo, "o que diriam os estrangeiros de nos", o que reflete nao somente uma dependencia aos valores europeus, mas revela o esforo;o de se esculpir urn retrato do Brasil condizente com o imaginario civilizado. .Urn significado mais amplo daexterioridade das ideias e, no entanto, aquele que se refere a inadequao;ao de determinadas concepo;oes em relao;ao a totalidade da sociedade. '0 pl-oblema agora nao e tanto o da ornamentao;ao, da falsidade da fachada em contraste com a dureza da realidade, mas o "da sua anterioridade. Nesse sentido eu diria que a no<;ao de modernidade esta "fora do Iugar" na medida em que _o_MQcjernismo ocorre no Brasil ~ffi.J!!Od~rniza'<.l!-.Q. Nao · e por acaso-que os criticos literanos tern afirmado que o Modernismo da decada de 20 "antecipa" mudano;as que irao se concretizar somente nos anos posteriores. Antecipa9ao que denuncia este hiato, a inadequao;ao de certos conceitos aos tempos em que sao enunciados. Nao se trata, porem, de uma previsao, de uma genialidade imanente ao homem de arte; o descompasso e urn elemento da sociedade brasileira perifenca, o que nos leva a iridagar ·o··g_u:e:.diferencia nosso Modernismo dos outros. Marshall Berman considera esta pergunta quando pro-

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cura comparar o Modernismo dos .E_aises desenvolvidos com subaeseny.olvjdos~33Tf{etomando-·dois aufDres-e-·duas cldades~Ba~delaire e Dostoievski, Paris e Sao Petersburgo, ele busca apreender como esses escritores entendem a modemidade do seculo XIX. Num polo temos o Modernismo das nao;lles desenvolvidas que se constroi com o material diretamente derivado da moderniza9a0 politica e economica que conhece urn pais como a Frano;a. Paris, das grarides re!ormas urbanas de Haussman, da preseno;a da industria, da rede ferroviaria, da multidao que se desloca pelas ruas, · do surgimento e da difusao dos grands·magasins. redefinindo a moda e modificando o habito de se vestir. Quando Baudelaire escreve sobre essa sociedade que o envolve ele e pego entre dois movimentos contraditorios. Por urn !ado, o poder e a riqueza acumulados por uma burguesia que Marx descreve como revolucionaria, e que reaimente trans- -forma o destino !llstorico dos homens ao desenvolver as for<;as produtivas num nivel ate entao desconhecido. Este fa to, sua poesia e seus escritos nao deixam de expressar, o que explica sua atr~ao e fascinio pela modernidade dos tempos em que vive, e seu reconhecimento a classe social que a construiu. Baudelaire dedica sua apresenta91io do ''Salon de 1846" ao burgues, a seu espirito empreendedor que promove o progresso da economia e das artes. Burgues, que e visto como promotor e incentivador de uma cultura que se democratiza. Riqueza material e riqueza cultural sao, desta forma, consideradas em paralelo numa sociedade que se expande e se transforma. Mas existe uma outra face da moeda. As mesmas for9as que libertam, aprisionam. 0 mundo burgues traz consigo novas formas de poder e de domina<;ao, ele encerra a sua propria barbarie. Este tra9o Baudelaire nao deixara escapar quando analisa a rela9ao entre a fotografia e a arte. Ele dira: "A poesia e o progresso sao dois ambiciosos que se odeiam de urn odio instintivo; q_uando eles se encontram num mesmo caminho e preciso

o dos

(33} Marshall Berman, Tudo que eSOlido Desmancha no Ar, Sao Paulo, Companhia das ~tras, 1986.

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que urn de passagem para o outro". 34 Comparada com sua po~ao anterior, a ode ao6Ufgues, -a: passagem poderia ser entendida como uma ambigiiidade do poeta. Creio, no elitanto, que ela exprime uma contradi<;iio social mais ampla. Baudelaire assume radicalmente a postura de viver o seu tempo, e neste sentido ele deve prezar as conquistas trazi- .; das pela sociedade industrial. Mas, ao faze-lo, ele percebe : na propria sodedade que gera esta nova ordem a presen<;a , do caos. Por isso seu Modernismo, por ser herdeiro da mo- ' dernidade, adquire uma dimensao critica. No caso da.Russia temos urn outro panorama: o do subdesenvolvimento. Nao obstante, o local escolhido por Berman e Sao Petersburgo, cidade que e conhecida pela. literatura russa como polo moderno que se op1\e a tradicio- _' nal Moscou, e que sofre no final do seculo XIX uma moder- ·, niza<;ao relativa. Progresso construfdo pe!as for<;as conser- ' vadoras, avidas pela ultima moda ocidental, e que tentam dar brilho a dura realidade local. Com respeito a esse Mo- i dernismo do subdesenvolvimento Marshall Berman dira · que ele "e .for<;ado de se construir sabre fantasia e sonhos de . modernidade". Quero reter da__cita<;ao a ideia de "sonho" e de "fantasia", e propor que ela nao quer necessariamente dizer fachada, o que nos remeteria de volta a discussao so- : bre a cultura ornamental, mas que pode ser !ida como aspira<;ao, desejo de moderniza<;ao. E esta vontade que se antecipa, que, a meu ver, nos palses de periferia se encontra ligada estreitamente a constru<;ao da identidade nacional. Eduardo J:u'dim, quando estuda o Modernismo brasF ·_ leiro, coiisidera que ele pode ser dividido em duas fases." · Na primeira, que vai de 1917 a 1924, os participantes sao ll!arcados por uma preocupa<;ao eminentemente estetica· eles tentam romper com o passadismo e absorver as con: quistas das vanguardas europeias. No segundo periodo,

' ' (34) 0 leiter pode comparar o artigO que citamos, "Le Public Modeme et Ia Photographie", p. 290, com "Salon 1846: aux Bourgeois", in Baudelaire ' Ecrits Esthetiques, Paris, Uni9n Genera!~ des Editions,1986. (35) Eduardo Jardim, A Brasilidade Modernista Rio de Janeiro Graal 1978. • ' • •

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m.!l!!!~J:.c~!?t:ient~ao, e eles.se.¥oltam para.a.elabora<;ao de urn projeto de cultura mals amplo. A questao da brasilidade se transforma assim no centro da aten<;ao dos escritores eviii gerar v§.nos manifesTos "ciiil:io-Pau- Brasil, Antropofagico, Anta. Ao Brasil real, contemporiineo, os modernistas contrapoem uma aspira.,ao, uma "fantasia" que aponta para a moderniza<;ao da sociedade como urn todo. As perspectivas, e claro, seriio orientadas politicamente segundo os grupos e as fra<;oes que· compoem o movimento, mais a esquerda com Oswald de Andrade, a direita com Plfnio Salgado. O_q:ueirnporta, no entant~ereeber que P.Or tras dessa~. contra~i<;o~s existe um_t=no comum quando se afirma que so seremos modernos..se..formo.s naggnafs. Estabelece-se, dessa maneira,. ·uma. .ponte ___ entre uma vontade de modernidade e a constru<;iio da identidade nacional. 0 Modernismo e uma ideia fora oirlugar· que se expressa como projeto. Creio que a ideia_ do Modernismo como projeto pode ser tornado como urn pa_radigma para se p_cmsar a rela.,ao entre cultura e moderniza"iio na socied.!lde.l:irasileira. Niio e por acaso que Roland Corbisier dizia que antes da Semana de 22 o que tinhamos era uma pre-historia no Brasil. Antecipando algumas formula.,5es o movimento condensa· em si uma maneira de se relacionar com a sociedade que, a meu ver, se consolida em toda uma corrente de pensamento, mesmo quando expressa por grupos ideologicamente diversificados. 0 Modernismo-meta encontra-se na arquitetura de Niemeyer, no teatro de Guarnieri, no desenvolvimento do ISEB, na ideia de vanguarda construtiva projetada pelos Poetas concretistas. A ressoniincia de urn arquiteto como Le Corbusier e significativa. Sua racionalidade arquitetonica enc~ntra na periferia condi"5es mais adequadas para se rea!izar do que nos palses centrals onde ela foi coricebida. Financiada pelo Estadb, ela conta no Brasil com uma soma d~ recursos e uma facilidade de movimenta"iio que niio disPoe o empreendimento privado na Europa, e sobretudo com uma ''mentalidade cultural" que percebe ·o modemo ~o vontade de constmcao nacional As Unhas geoiTietricas de Brasilia "levam" a civiliza"iio para o planalto central

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num ato civilizador que inverte a rela<;ao entre superestru- ,},,. tura e infra-estrutura. Esta vontade de constru<;ao nacional ~· pode ser avaliada quando se considera o desenvolvimen- ~· tismo dos anos 50; ao se afirmar que "sem ideologia do . f~j desenvolvimento nao ha desenvolvimento", o que se esta /:!' reiterando e a anterioridade do projeto de moderniza<;ao em' rela.;ao ao subdesenvolvimento da sociedade. Por isso os ~­ isebianos vao contrapar a estagna<;ao da sociedade tradicio- ~ : nal an r>rojeto de industrializa<;ao. Poderiamos citar ainda '· urn outro exemplo, o do movimento comunista. Na medida em que a analise do partido considera necessaria a passagem do pre-capitalismo para urn capitalismo que nao existe . j. "de fato", ou seja, na sua plenitude, tem-se que modemiza<;ao e desenvolvimento se identificam como elementos de ,, · uma identidade que se pretende construir. Dentro deste '• contexto, o pensamento critico na periferia opoe o tradicio- · ' · nal ao modemo de uma forma que muitas vezes tende a reifica-lo. A necessidade de se superar o subdesenvolvimento estimula uma dualidade da razao que privilegia o QJilo da modemiza<;ao. Nao tenho duvidas de que historicamente esta forma de equacionar os problemas desempe- · nhou no passado urn papel progressista; a !uta pela constru<;ao nacional pode se contrapor as for<;as o!igiirquicas e . conservadoras e ao imperialismo intemacional. Pagou-se, .' ,j porem, urn pre<;o: o de termos mergulhado numa visao acri- ·, tica do mundo modemo. · Penso que e justamente este acriticismo que nos diferencia do ·Modernismo eutopeu. No Brasil, sintomaticamente, os criticos da modemidade sempre foram os intelectuais tradicionais. Talvez o exemplo mais significativo de todos seja os escritos de Gilberta Freyre. Sua insistencia em retratar uma hist6ria brasileira a partir da casa-grande nao revela somente uma atitude senhorial, ela possui ainda uma dimensao mais ampla quando se opoe a ordem industrial que se implanta no Brasil na decada de 30. Por isso nao e dificil reencontrar em sua obra a polaridade entre o tradicional e o moderno, s6 que neste caso interpretada enquan to valoriza<;ao da ordem oligiirquica. E sugestivo o contraste que se constr6i entre Sao Paulo e o Nordeste. Sao

,ji ·

Paulo e"locomotiva", "cidade", e o paulista e "burgues", "industrial", tern gosto pelo trabalho e pelas realiza<;oes ,. ON tecnicas e econom1cas. or d es t e 'e" terra", "campo" , seus habitantes sao teluricos e tradicionais e por isso representam o tipo brasileiro por excelencia. Espremida entre o pensamento_conservador e a questao naci()J:!al, tal como ela havia sido pasta, a moderniza<;ao foi assumida como ~m Yalor em si, sem ser questionada. A ausencia de uma discilssao sabre a cultura de massa no Brasil reflete, a meu ·ver este quadro social mais amplo. Uma vez que a mercantil~a<;ao da cultura e pensada sob o signa· da moderniza<;lio nacional, 0 termo "industria cultural" e vista ~e maneira restritiva. Como para esse tipo de pensamento a mdustrializa<;lio e necessaria para a concretiza<;ao da nilc!o~al_i­ dade brasileira nao ha por que nao estender este rac10cm10 para a esfera da cultura. 0 silencio a que vinhainos ·nos ·referindo cede Iugar a uma Jala que .arti<;!lla moderniza<;lio e industria cultural; encobrindo OS problemas que a racionalidade capitalista (que hoje e urn fato e nao urn projeto) passa a exprimir.

A MODERNA TRADICAO BRASILEIRA

Cultura e sociedade Creio que e somente na decada de 40 que se pode considerar seriamente a presen~a de uma serie de atividades vinculadas a uma cultura _poJ:!.ular.de...massa..no .Brasil. Claro, e sempre possivel recuannos no passado e encontrarmos exemplos que atestam a existencia dos "meios" de comunica~ao. A imprensa ja havia consagrado desde o inicio do seculo fonnas como os jomais diarios, as revistas ilustradas, as hist6rias em quadrinhos. Mas nao e a realidade concreta dos modos comunicativos que institui uma cultura de mercado, e necessaria que toda a S9Ciedade se reestruture para que. e!es adq~iram um novo significado e uma amphtude soetal. Se a'pontamos os anos 40 como o i:nicio de uma "sociedade de massa"· no Srasil e porque se corisolida ..).,neste momenta o que os soci6logos denominaram de socie. dade urbana-industrial. Nao nos cabe-retomar as an8.1ises ja realizadas sobre este tema, mas e importante lembrar que a sociedade brasileira, particularmente ap6s a Segunda Guerra Mundial, se moderniza em diferentes setores. A velha sociologia do desenvolvimento costumava descrever essas mudan~as sublinhando fenomenos como o crescimento da industrializa.;ao e da urbanizacao, a transformacao do sistema de estratificacao social com a expansao da classe operana e das camadas medias, o advento da buro-

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cracia .e. das novas fonnas de controle gerencial, o aumento populacional, o desenvolvimento do setor terciario em detrimento do setor agrario.' :E dentro desse contexto mais amplo que sao redefinidos os antigos meios (imprensa, radio e· cinema) e direcionadas as tecnicas como a televisao e o marketing. Sabemos que enas gran des cidades que floresce este''mundo moderno; a questao que se coloca e conhecermos como ele se estrutura, e em que medida detennina parametros novos para a problematica da cultura. Por'isso se f~ 11_e_c_~ssario enteilder como se articulam no periodo os d!Versos ramos de producao e de difusao de massa. Desde 1922 o radio havia sido introduzido no Brasil; nao obstante, ate 1935 ele se organizava basicamente em tennos nao-comerciais, as emissoras se constituindo em sociedades e clubes cujas programacoes eram sobretudo de cunho erudito e litera-musical. 2 Existiam poucos aparelhos, eram de galena, e o ouvinte· tinha que pagar uma taxa de contribuicao para o. Estado pelo uso das ondas. A decada de 20 e ainda uma fase de experimentacao do novo veiculo e a radiofusao se encontrava muito mais amparada no talento e n~ personalidade de alguns indivi.duos do que numa orgamzacao de tipo empresarial. 0 espaco de irradiacao sofria continuas interrupcoes e nao havia uma programacao que Cobrisse inteiramente OS horanos diumos e noturnos. Durante toda a decada surgem apenas 19 emissoras em todo o Pais, e seu raio de acao, devido a falta de aparelhamento adequado, se reduzia aos limites das cidades onde operavam. Esta situacao comeca a se transfonnar com a introducao dos radios de valvula na decada de 30, o que vem baratear-os custos de produ~ao dos aparelhos e possibilitar sua difusao junto a um publico ouvinte mais amplo. Em 1~3~ ocorre-uma mudanca na legisla~ao, que passa a permttir a publicidade no radio, fuando-a no i:nicio em 10% da programacao diana. As emissoras podiam agora contar (1) Ver Costa Pinto, Sociologia e DesenvolvimentQ. Rio de Ja~eiro Civili-

' ' , ~ao Brasileira, 1973. B . (2) Maria E. BonaVita Federico, Hist6ria da Comunica~iio: Rlzdio e TV no rasil, Petr6polis, Vozes,l982.

RENA TO ORTIZ

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A MODERNA TRADI<;:AO BRASILE1RA

com uma fonte de financiamento constante e estruturar sua programa~lio ·em bases mais duradouras. Ev\dentemente isto iria modificar o carater do radio, que se torna cada vez mais urn veiculo comercial, a ponto de alguns anunciantes se traiisformarem em verdadeiros produtores de progra· mas, como no caso da Standart Propaganda e da Colgate Palmolive, que contratavam atores, escritores e tradutores de radionovelas. Com a legisla~lio de 1952, que aumentou o percentual perrnitido de publicidade para 20%, esta dimenslio comercial se acentua, concretizando a expanslio de uma cultura popular de massa que encontra no meio radio-fonico urn ambiente propicio para se desenvolver. 0 quadro abaixo mostra o crescimento do numero de emissoras para· o territ6rio brasileiro, e nos da uma ideia da implanta~lio do sistema radiofonico no pais.' .

Ano N~ de emissoras

1944

106

1945 111

1946 136

1947 178

1948 227

1949 253

..

41

Preferencia por generos Rio de Janeiro 1947

-

1950 300

Com o radio surgem espetaculos como os programas de audit6rios, musicas variadas e especialmente a radionovela, introduzida no Brasil em 1941. Esta ultima logo se constitui no produto tipico do sistema radiofonico da epoca; entre 1943 e 1945, a Radio Nacional chegou a produzir 116 novelas num total de 2 985 capitules. 4 A popularidade deste novo genero dramaticc pode ser constatada quando se analisa, por exemplo, o grafico dos programas preferidos. Embora os dados se refiram somente a cidade do Rio de Janeiro, e se restrinjam ao ano de 1947, eles nlio deixam de ser significativos. 5 (3) Alguns Aspectos da Vida Cultural Brasileira, Rio de Janeiro, MEC,

1952e 1954. (4) VerLuiz Saroldie SOnia V. Moreira, RQdio Nacional: o Brasil em Sin~ tonia, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1984; Zeni1da Belli, "Radionovela: Analise Comparativa da Radiodifusio na Db:ada de 40 atraves de Registros de AudiSncia

emS. Paulo", tese dt: mt:sfrado, ECA., USP, 1980. (5) Geraldo 0. Leite, "A Necessidade de uma Ecologia de Midia.. (par· te 1), Briefing, n? 2, junho de 1978, p. 53.

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E ainda nas decadas de 40 e 50 que o cinema se torna de fa to urn bern de consumo, em particular com a presen~a dos filmes americanos, que no p6s-guerra dominam o mercado cinematografico. Este nlio eurn fato que diga respeito exclusivamente asociedade brasiieira, ele emais generico, e se insere na mudan~a da politica exportadora de filmes americanos, que se torna mais agressiva. ·como observa Thomas Guback, durante os anos 30, o mercado exterior nlio merecia das empresas de Hollywood uma aten~lio particular, e a industria cinematografica americana era pautada pe!a demanda do mercado interno. 0 estudo Usabel sobre a

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penetra~ao

dos filmes americanos na America Latina confirma este dado relativo ao pouco interesse que os produtores dedicavam ao mercado latino-americano. Porem, com a crlse de publico nos cinemas americanos, a industria do filme se volta para o mercado mundial, procurando contrabalan~ar no exterior (Europa e America Latina) as perdas que vinha sofrendo. 6 Se tivermos em conta que a decada de 40 se caracteriza ainda por uma aproxima~ao entre Washington " ~ America Latina atraves de sua "politica de boa vizinhan~a", percebemos que o desenvolvimento do cinema se faz entre n6s estreitamente vinculado as necessidades, politicas dos Estados Unidos, e economicas dos grandes -~ distribuidores de filmes no mercado mundial. Mas, mesmo em tennos nacionais, e este o momento em que se tenta constituir uma cinematografia brasileira. Em 1941 e criada -: a Atlantida, que passa a produzir uma media de tres chanchadas por ano, e em 1949 a Vera Cruz, que pretendia explorar urn p6lo cinematografico em Sao Paulo. 7 Para se perceber como o panorama da produ~ao cinematografica estava se modificando, basta lembrarmos que entre 1935 e 1949 tinham sido produzidos em Sao Paulo somente seis filmes. A cri~ao desses novos centros de produ~ao tern conseqiiencia direta no mercado cinematografico nacional; entre 1951 e 1955 foram realizados 27 filmes em media porano. 8 0 mesmo pode ser dito do mercado de public~oes, que se amplia.com.o aumento de numero de jornais, revistas e livros. Sao varios OS indicadores que demonstram 0 (6) Ver Thomas Guback, La Industria International del Cine, Madri, Fundamentos, 1976. Urn estudo na mesma linha eo de Prokop, "0 Papel da Sociologia do Filme' no Monop61io Internacional", in Prokop (Col~io Gran des Cien-

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crescimento deste setor: tiragem, importac;ao de papel, e, a partir de 1947, implanta~ao de grupos nacionais (Kla~in) na produc;ao de papel. Urn exemp}o e a tiragem d~ r~VIsta Cruzeiro, que em 1948 e de 300 mil exemplares, atingmdo, quatro anos depois, o numero de 550 mil. •_ Paralelamente ao sucesso das radionovelas surgem as revtstas de fotonovelas (Grande Hotel, 1951; Capricho, 1952) que, no principio, veiculavam est6rias idealizadas pela niatriz italiana. 10 0 setor livreiro -tambem conhece, desde meados dos anos 30 uma expansao consider{lVel. 11 As cifras indicam uma ~a de crescimento de 46,6% entre 1936 e 1944, e de 31% entre 1944 e 1948. Aumenta ainda o volume de livros editados, que entre 1938 e 1950 cresce _em 300%; ~bserva-se tambern a multiplic~ao das casas edttoras, que veem o seu numero praticamente dobrado entre 1936 e 1948. Estam?s, portanto distante dos anos 20, momento em que Monterro Lobato buscava impulsionar o dominio da edi~ao segundo os moldes de uma mentalidade gerencial capitalista, mas via sua a~ao condicionada aos limites da pr6pria formac;ao economica e social do pais. Se Lobato agiu "prematuramente" isto se deveu ao fato de ele ter se antecipado as condic;Cies de mercado que somente se concretizaram mais tarde na sociedade brasileira, 12 Nos anos SO se m_ultiplicam os empreendimentos culturais de cunho mais empresarial. Primeiro com a introdu~ao da televisiio na cidade de Sao Paulo (1950), seguin do sua expansao para outros locais: Rio de Janeiro (1951), Belo Horizonte (1955), Porto Alegre (1959). · Podemos observar urn dinamismo crescente na area publicitaria que, tendo se implantado no Brasil atraves das multinacionais na

tistas Sociais), Ciro Marcondes (org.), Sio Paulo, Atica, 1986. Sabre a America Latina, ver_Gaiska Usabel, The High Noon of American Films in Latin America,

(9) Ate 1946 nio existia nenhum peri6dic;o (jornal ou revista) com uma tiragem maior do que 200 mil exemplares. Consultar tabela imprensa_ peri6dica 1944-1949, in Alguns Aspectos da Vida Cultural Brasileira, Rio de Janeiro, MEC,

Ann Arbor Michigan, UMI Research Press, 1982. (7) Sabre as chanchadas, consul tar Miguel Chaia, "0 Tostao Furado", tese de mestrado, FFLCH, USP, 1980; sabre a implan~io de urn p61o cintlma- i togrAfico paulista, ver M~ Rita Qalvio, Jlurguesia e Cinema: o Caso Vera,· -Cruz, Rio de Janeiro, Civiliza~ao Brasiieira, 1981. (8) Alguns Aspectos da Vida Cultural Brasileira, Rio de Janeiro, MEC;

(10) Ver Angeluccia Habert, "A Fotonovela: Forma e ConteU:do", tese de mestrado, FFLCH, USP, 1972. ( 11) Sobre o crescimento da indUstria do livro, consultar Laurence Hallewe!l. op. cit. : . (12) Ver Alice Koshiyama, Monteiro Lobato: Intelectual, Empreslmo, Editor, Sao Paulo, T. A. Queiroz, 1982.

1956.

'

1952, p. 33,

"

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A MODERNA TRADI<;AO BRASllEIRA

decada de 30, vai se consolidar realmente com o desenvolvimento do comercio lojista, do acesso ao crediano, da comercializa91io dos im6veis. Neste periodo sao formadas as primeiras entidades profissionais, Associa91io Brasileira de Agencia de Propaganda (1958), e lan9adas revistas especializadas como Propaganda (1956). Ricardo Ramos, ao reconstruir a hist6ria da propaganda no Brasil, observa que as tecnicas de publicidade se anteciparam as necessidades do mercado. 13 Com a introdu91io das multinacionais GM, Beyer, Colgate Palmolive, Ford- surgem as agendas que administram as contas dessas grandes companhias (Thompson, Standard Propaganda, McCann-Erikson, Interamericana). Porem, e necessaria esperar pelo Crescimento do mercado e pela transforma9llo de urn meio como o radio para que realmente as "ideias" se ajustem a realidade. E dentro deste quadro que aparecem os spots, os program as associados as marcas, osjingles. Nas decadas de 40 e SO o setor publicitario se desenvolve em estreita rela91io com as matrizes americanas, que trazem com elas as tecnicas de venda dos produtos. Surgem empreendimentos como a edi91io brasileira de Sele~iJes, com suas paginas de anuncio, e OS programas da Interamerican Affairs, que influem diretamente no tipo de material levado ao ar pelas radios brasileiras (Reporter Esso). Essa intima rel~ao entre 0 radio e as multinacionais pode ser avaliada quando se considera especificamente urn produto popular da epoca: as radionovelas. Tendo sido idealizada nos Estados Unidos, a soap-opera surge na decada de 30 e se difunde nas radios americanas. 14 Concebida originalmente como veiculo de propaganda das "fabricas de sabao", ela visava aumentar o volume de vendas de produtos de limpeza e toalete, comprado principalmente pelas mulheres. Com a expansao das empresas americanas na America Latina (Colgate, Lever) buscou-se aclimatar a american-soap ao interesse folhetinesco das mulheres latino-americanas. Nascem assim as

radionovelas que primeiramente florescem em Cuba sob o patrocinio d~s produtores de sabao e d~tergente, e s~o ~m seguida exportadas para o resto do contmente como tecmca de venda e comercializa9ii.O de produtos. 15 Nao obstante, apesar do dinamismo da sociedade brasileira no p6s-guerra, percebemos que ele se insere no interior de fronteiras bern delimitadas. Edg~ Carone obs~:~a que 0 relat6rio da Missao Coke, quevisita o Brasil em 1942, dizia que viviamos "urn estagio primitivo de industrializa91io" ." Nao epor acaso que os economistas chamam esta fase de "industrializ~ao restringida"' isto e, 0 movimento de expansao do capitalismo se realiza somen~e em detern:inados setores, nao se estendendo para a totaltdade da soctedade. Em termos culturais temos que o p~ocesso. d~. mercantiliz~ao da cultura sera atenuado pela tmposstbiltdade de desenvolvimento economico mais generalizado. Dito de outra: forma a "industria cultural" e a cultura popular de massa emergente se caracterizam mais pela sua lllc!ptencla do·· que pela sua amplitude. V arios dados confirmam nosso ponto de vista. See possivel falarmos, a partir de meados dos anos 30, de urn mercado de livros no Brasil, nao resta duvida de que se trata de urn mercado debil, cuja penetra9lio junto a popuia9ao e pequena (nao podemos esquecer 0 alto indice de analfabetismo), e que nao consegue tran.sformar, na linha das mudan9as sociol6gicas que haviam ocorrido na Europ~, o escritor em urn profissional. Como sublinhamos no capitulo anterior' 0 que define o..literato brasileiro e basicamente a sua atua91io como funcionario do Estado, posi91io que !he permite sobreviver e encontrar tempo para se dedicar a escrita." Os numeros sao claros a respeito da evo-

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(13i Ricardo Ramos, Hist6ria da Propaganda no Brasil, ECA, USP, 1972. (14) Ver Robert Allen, Speaking of Soap Operas, Carolina do Norte, University of North Carolina Press, 1985.

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0

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;(t5) Ver Reinaldo Gon~alves, serie de artigos sabre a ~;dionovela publicados em Revoluci6n y Cultura, Havana, dezembro de 1985 a agosto de 1986. (16) EdgarC3.rone, 0 Estado Novo: 1937-1945, Sao Paulo, DIFEL, 1976, p.59. (17) Sobre a rela~ao entre os escritores eo Estado, ver Sergio Miceli, Intelectuais e Classe Dirieente no Brasil, Sio Paulo, DIFEL, 1979.

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l<ENATO ORTIZ

A MODERNA TRADI<;AO BRASILEIRA

l11c;ao do mercado de Iivros para uma cidade como Sao Paulo18(milhoes de exemplares). Ano

Exemplares

1934 1642000

1940 . 2116700

1946

1956

5650395

5980968

Produc;ao que no melhor dos casos pode ser considerada como modesta e que durante uma decada (1946-1956) . se. mantem no mesmo patamar. Entre 1948 e 1953 o numero de editoras em todo o pais cai de 280 para 144, atingindo urn nivel inferior ao de 1936. 19 Como apontam os estudiosos, sao vfui.as as razi5es para que isso acontec;a: a inlportac;ao subsidiada do papel se aplicava somente aos jornais e nao aos Iivros, os inlpostos alfandegfui.os e a taxa do· dolar faziam com que se tomasse mais barato importar Ii• vros do que papel para imprimi-Ios no Brasil. De qualqmir forma, trata-se de indicios concretos da inlpossibilidade de urn real crescimento da industria do Iivro. 0 mesmo raciocinio pode ser estendido a outras areas culturais. No caso do cinema, apesar dos esforc;os em se criar urn polo de produc;ao nacional, o resultado nao e dos melhores, com a faIencia da Vera Cruz em 1954, ou a derrocada de companhias menores como a Maristela, o que demonstra a incapacidade do filme brasileiro de se inlpor no mercado. "'0 proprio cinema americano, que certamente era hegemonico encontrava dificuldades i!e se expandir junto a urn publico de massa. Os dados estatisticos para 1955 mostram que da totalidade dos cinemas eiistentes no pais mais da metade operava irregularmente, nao sendo, ·portanto, exibidos dia- · · riamente OS filmes durante a semana. 21 Mesmo 0 radio, que era certamente o meio de comunicac;ao mais popular entre n~s, encontrava problemas de expansao devido ao subde(18) Olimpio.de Souza Andrade, 0 livro Brasileiro: 1920·1971, Rio de Janeiro, Ed. Paralelo, ·1974. (19) Ver Laurence Hallewell, op. cit., p. 407 . . (20) Sabre a Maristela, ver Afrinio Catani, "A Sombra da Outra", tese de mestrado, FFLCH, USP, 1983. (21) Alguns Aspectos da Vida Cultural BrQsi/eira, Rio de Janeiro, MEC,

1956.

47

se yolvimento da .soc::iedade· brasileira. Em 1952 o !Jrasil e quinhentos ~il aparelhos, numero que sobe para quatro milhi5es e 700 ~il receptores em 1962. Porem, considerando-se a populac;ao total tem-se, par.a 1962 uma razao de 6,6 aparelhos para cada 100 habltant~s 0 que colocava o Brasil no 13? Iugar dos paises da Amerlca Latirta. 22 Juarez Brandao Lopes observa que nos anos 40 e SO a teia de comunicac;ao por radio era bastante fraca em grande parte do territorio nacional, e deJa era ex23 cluida urn numero consideravel da populac;ao. ---·- · 0 quadro cultural para o qual estam?s chamando a atenc;ao pode ser ilustrado pelo desenvolVImento da televisao, que, apesar de ter sido implantada· em 1950, conservou durante toda a decada uma estrutura pouco compativel com a Iogica comercia1.24 Existiam somente al~ns ca. ···· nais e a produc;ao e a distribuic;ao televisiva (resum1da ao eixo Rio-Sao Paulo) possuia urn carater marcadamente ~e­ gional. Nao havia urn sitema de redes, os probien:as tecnicos eram consideraveis, e o videoteipe, introduztdo e~ 1959 - 0 que permitiu uma expansao Iimitada da .t~Iedi­ fusao para algumas capitais - so comec;a a ser utiltzado mais tarde. A prodw;ao da primeira telenovela que usa ess.e tipo de tecnica data de 1963. Devido ao baixo poder aqmsitivo de grande parte da populac;ao havia u~ ~ficuldade real em .se comercializar os aparelhos de telev1sao, que no inicio eram importados,. somente .a partir de 1959 comec;am a ser fabricad0 s em maior numero no Brasil. Podese ter uma ideia da precariedade da industria televisiva na: clonal quando se sabe que em 1954 sua capacidade de produc;ao se resumia a 18 mil aparelhos." A evoluc;ao do numero de aparelhos em uso e siguificativa: 1951 - 3500;

~s~Ia-dois..milhoes

e

(22) Joao Baptista Borges Pereira, Cor, Profisslio e ¥obilidade: o Negro eo R6dioem SiioPaulo, Sao Paulo, Pioneira,1967, p. 59. .

(23) Juarez Brandio Lopes, Desenvolvimento e Mudan~a Soczal, Sao: Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1976, p. 170. . (24) Ver Sergio Caparelli, Televisiio e Capitolismo no Brasil, Porto Alegre, l&PM, 1982. , . ; . . . 2• d Sii {25) Hugo Schlesiwger, Enciclopedza da Industna Braszleua, · e ·· o ~ Paulo, IEPE. 1954.

RENA TO ORTIZ

A MODERNA TRADI<;:AO BRASILEIRA

1955- 141000; 1959 - 434000. 26 Para se ter uma avali~ao da popul~ao coberta devemos ainda considerar a pouca regularidade do habito de se assistir televisao. Os dados de audiencia, embora insuficientes, indicam para 1954 urn numero de aparelhos desligados que atinge de . 50% a 90% nas cidades de Sao Paulo e Rio de Janeiro; em 1959, no Rio de Janeiro, somente .7% da chamada classe C via televisao, contra respectivamente 65% e 28% das classes B e A. 27 Outro dado que mostra o limite do sistema televisivo como elemento de prom~ao comercial e o investimento publicitiirio nos diferentes meios de comunica~ao .. Em 1958 as verbas aplicadas na televisao atingem aproximadamente 8%, contra 22% no radio e 44% nos jornais, o que mostra que as agendas de publicidade preferiam os meios mais "tradicionais" para anunciar seus produtos." Seria diffcil aplicar asociedade brasileira deste perlodo o conceito de industria cultural introduzido por Adorno e Horkheimer. Evidentemente as empresas culturais existentes buscavam expandir suas bases materiais, mas os obstaculos que se interpunham ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro colocavam limites concretos para o crescimento de uma cultura popular de massa. Faltavam a elas urn tra~o caracteristico das industrias da cultura, o carater integrador. A analise frankfurtiana repousa imma filosofia da historia que pressupi5e que os individuos no capitalismo avan~ado se encontram atomizados no mercado e, desta forma, podem ser "agntpados" em torno de determinadas institui~i5es."' Porque a industria cultural integra as pessoas a partir do alto ela e autoritaria, impondo uma forma de domin~ao que as "sintoniza" aurn centro ao qual elas es(26) Fonte ABINEE. (27) L. Eduardo Carvalho e Silva, "Estrategia Empresarial e Estrutura Organiz~ional das Emissoras das TVs Brasileiras.. , tese de mestrado, FGV,

1983.

.

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tariam "ligadas". Porem, a padronlza~ao promovida por e atraves dos produtos culturais so e possivel porque repousa num conjunto de mudan~as sociais que estendem as fronteiras da racionalidade capitalista para a sociedade como urn todo. Na verdade, todo o raciocinio de Adorno e Marcuse procura mostrar que na sociedade moderna os esp~os individualizados sao invadidos por esta racionalidade e integrados num mesmo sistema. A sociedade industrial pode ser entao considerada como urn espa~o integrador das partes diferenciadas e descrita pelo conceito de "solidariedade medinica" que Durkheim havia aplicado as sociedades primitivas. Este carater integrador da sociedade de massa nao foi ressaltado unicamente pelos frankfurtianos, ele esta presente na discussao que varios autores fizeram sobre a cultura de massa. Edward Shils dira que a socie-~---... " dade de massa traz a popula~ao de'" fora " para " dentro dilsociedade. "0 centro da sociedade - as institui~oes centrais e os valores centrais que guiam e legitimam essas institui~oes - estende suas fronteiras. A maior parte da popula~ao (a massa) agora se relaciona de maneira mais estreita com o centro do que no caso das sociedades anteriores ou na fase inicial da sociedade moderna. Nas sociedades anteriores uma parte substancial da popul~ao, freqiientemente a maioria, nascia e permanecia para sempre como outsiders." 30 A ideia de urn centro on de se agrupam as institui~oes legitimas e, portanto, fundamental para que se possa falar de uma sociedade de massa no interior da qual operam as industrias da cultura. Penso que no caso brasileiro e justament~ . este elemento que se encontra debilitado pelo fa to, que Shils aponta, de vivermos uma "fase inicial da sociedade moderna". Apesar de to do o processo de centraliza~ao iniciado pela Revolu~ao de 30, e fortalecido pelo Estado Novo, a sociedade brasileira, no perlodo em que a consideramos, e ainda fortemente marcada pelo localismo. Os cientistas politicos

' (28) Geraldo Leite, "A Necessidade de uma Ecologia da Midia.. , op. cit.,

~--~

..

· (29) ::Sabre a analise frankfurtiana da indUstria cultural, ver Rena to Ortiz,

"A Escola -de Frankfurt e a Questio Cultural", Revista Brasi/eira d¥! Ciincias Sociais (ANPOCS), vol. 1, n? 1, junho de 1986.

(;m} Edward Shils, "Mass Society and its CUlture", in Norman Jacobs (org.), c;;lturefor Millions?, Boston, Beacon Press, 1968, p. 1.

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mostram que 30 nii_o significou uma ruptura radical da ordem social; o governo de Vargas·nao-erradicou as elites oligarquicas, mas redimensionou a balan<;a do poder politico. Nesse sentido a revolu.;ao e urn dado importante na for' ma.;ao do Estado nacional, uma vez que abre espa.;o para urn projeto politico e atribui a elite dominante (oligarquica e moderna) urn papel fundamental no encaminhamento das propostas que se buscava implementar. Este processo de unifica.;ao polilica, porem, dificilmente poderia ser confundido com uma integra.;ao cultural nos mol des de uma sociedade de massa. Nao que nao exista da parte do Estado uma - vontade de unifica.;ao na area da cultura; as medidas de Capane~ na esfera educacional visavam justamente este resultado. ":A ideologia da educa.;ao moral e civica veicu~ !ada nas escolas tlnha como pressuposto a necessidade de se · construir a nacionalidade atraves da atividade pedagogica. Mas essas medidas nao diferem em muito daquelas adotadas pelos estados europeus no final do seculo XIX, que procuravam, atnives da escola primaria, integrar os que se encontravam distante do "centro" da ordem burguesa. Urn exemplo ea atua.;ao do professor primario na Fran.;a, que sob a Terceira Republica agia como elo de liga.;ao entre as autoridades pollticas e a massa camponesa marginalizada do sistema social frances. 32 Mas esse esfor<;o de integra.;ao nao deve ser confundido com a realidade de uma sociedade · de massa, a qual tern como pressuposto a presen.;a do Estado nacional. Gruno haviamos apontado anteriormente no Brasil a constru<;iio da nacionalidade e ainda urn proJeto dos anos 30 !L.?O, e nao ·e· por acaso que nesse periodo a q~estao _nacional se impoe com toda a sua for.;a. Propostas dlferencradan;omo o Estado Novo ou o ISEB partiam do principia de que era necessario edificar uma realidade que ainda nao havia se concretizado entre nos. 0 Estado seria 0 (31) Simon Schwarzman et alii, Tempos de Cupanema, Rio de Janeiro,

PazeTerra,I984.

(32) Ver Eugeu Weber, Peasants into Frenchmen, Stanford Stanford University Press, 1976, e Maurice Agulhon, La Republique au Vill~ge Paris 1970. • •

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espa.;o no interior do qual se realizaria a integra.;ao das partes na na.;ao. Creio que'este e urn aspecto que contribui para o silencio ao qual haviamos referido sabre a discussao da cultura popular de massa entre nos. Como a industria cultural eincipiente, toda discussao sobre a integra.;ao na- · cional se concentra no Estado, que em principia deteria o poder e a vontade politica para a transforma.;ao da sociedade brasileira. Os intelectuais, ao se voltarem para o Estado, seja para fortalece-lo como o fizeram durante Vargas, seja para critica-lo, como os isebianos, o reconhecem como · o espa.;o privilegiado por onde passa a questao cultural. Podemos esclarecer melhor o problema da integra.;ao que estamos discutindo se consi9erarmos a rela.;ao entre o Estado Novo e os meios de comunica.;ao de massa. Tern sido ressaltado por diversos atitores o carater autoritiirio estadonovista, e sua proposta de utiliza.;ao de formas de a.;ao polltica orientada para galvanizar o grande publico. E. dentro dessa perspectiva que Capanema idealiza urn departamento de propaganda com 0 objetl.vo de "atingir a todas as camadas popl!_lares"; instrumento que deveria "ser urn' aparelho vivaz de grande alcance, dotado de forte poder de irradia.;ao e infiltra.;ao, tendo por fun.;ao o esclarecimento, o preparo, a orienta.;ao, a edifica.;ao numa palavra, a cul~ra de massas". 33 Inspirado numa ideologia de cunho fascrsta, esta .proposta se materializa em 1939 no DIP, que .fui.scou interferir diretamente nos meios de grande alcance como o cinema e o radio. A ideia de Capanema para o cinema era de transforma-lo, de "simples meio de diversao", em aparelho pedagogico. A mesma preocupa.;ao orientava as metas do Estado em rela.;ao a radiodifusao, setor consid~?o como· chave na promo<;ao da educa.;ao e na transmrssao da palavra oficial. As anaJ.ises dos documentos e dos tes.ter;nunhos da epoca mostram com clareza a origem e os 0 ~Jehvos desta ideologia, mas, curiosamente, -elas nao exPhcam a timidez do governo Vargas ao procurar implementar esta politica em rela.;ao aos meios de comunica.;ao de rnassa. No cinema, por exemplo, o Estado se recusava a I

'(3~) Capanema, in Tempos di'capanema, op. cit., p. 87.

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construir uma industria cinematografica nacional, e tudo o que se fez·roiapetranrcria<;ao'ae·um· Iiistituto Nadonal do Cinema Educativo, cuja expressao junto a populao;ao era nula. Paradoxalmente, no momento em que ele reunia foro;as para controlar as emissoras e imp!antar urn sistema nacional de radiodifusao, assiste-se a urn crescimento doradio comercial. Como en tender esse descompasso2. 0 Estado Novo, em seu projeto de organizao;iio politica e cultural, sempre contou com urn grupo de inte!ectuais que buscaram fundamentar e desenvolver uma ideo!ogia que se destinasse a difundir uma concepo;ao de mundo para o conjunto da sociedade. Monica Pimenta Velloso, ao trabalhar a configurai;;ao do campo intelectua! da epoca, propoe uma distino;ao que me parece sugestiva. 34 Analisando o discurso produzido durante o Estado Novo, ela retoma uma proposta de Gramsci, e procura estabelecer uma diferenciao;ao· · entre os "grandes intelectuais" que trabalham em torno da revista Cultura Politica e os "intelectuais medios" agrilpados em Ciencia Politica. Os primeiros seriam os responsaveis pela criao;ao de uma concepo;ao de mundo, os segundos atuariam mais como divulgadores de uma ideologia elaborada e refinada por outros. 0 que diz Cultura e Politica, porta-voz oficial do DIP, sobre urn meio de massa como o radio? Evidentemente, dentro do raciocinio de maior controle sobre os meios de comunicao;iio, a revista os considera como urn "servio;o de interesse nacional"; a radiodifusao e pcr.sacta em termos estrategicos, e para se ·garantir a finalidade "educadora" do veiculo ele deve ser coordenado e disciplinado pelo poder central. Porem, se e verdade que o discurso estadonovista afirma que e "prejudicial a radiodifusao livre", ele nao deixa de contemplar o ·p6lo oposto ao considerar que "e cedo para a radiodifusao exclusivamente oficial": "' Esta contradio;ao que pode ser

(34) MOnica Pimenta Velloso, "Cultura e Poder Politico: uma Configura~ Intclecrual'', in LUcia Lippi et alii, Estado Novo: ldeologia e Poder, Rio de Janeiro, Zahar, 1982. (35) Alvaro F. Salgado, "Radiodifusao, Fator Social", Cultura Politica, ano I. n? 6, a_gosto de 1941. ~;lio do Campo

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apreendida a nivel discursivo revela urn hiato entre a inteno;iio politica do Estado e a realidade social. E dentro desse ·quadro que se did. que "ha necessidades de radios comerciais e radios oficiais", todo problema se resumindo, portanto, ao controle das empresas emissoras. Mas os intelectuais oficiais dizem mais, eles afirmam que "a publici- · dade do radio convenientemente regulamentada pe!o governo, em nada prejudicou as suas altas finalidades educativas e foi urn beneficio para a sua organizao;ao incipiente ... 0 governo federal, permitindo que o radio fosse utilizado como veiculo publicitario, conseguiu, sem encargos para o erario publico, uma inteligente e rapida soluo;ao para o problema da radiodifusiio no Brasil''. 36 Vamos descobrir agora razi'ies economicas que impedem o Estado de assumir os gastos com uma operao;iio que deveria possuir uma envergadura na. cional. Talvez pudessemos acreocentar ainda motivos de ordem politica, -pois o governo de-GetCilio, ·apesar de tendencia cen tralizadora, tinha que coiiipof com as .foro;as sociais existentes (neste caso, o capital p!ivado, que ·poS~tJia interesses concretos no setor da radiodifusao). Nao deixa.de ~r sugestivo observar que a pr6pria BP.dio. Nacional,._~tn­ campaaa pel() governciVargas em 1940, praticamente fun.cionava nos moldes de uma empfesa privada. Seus programas (musica popular, radioteatro, programas de audit6rio) em nada diferem dos outros levados ao ar pelas emissoras privadas.:_jSe e verdade que o Estado utiliza e controla a Nacional atraves de sua superintendencia, quando se olha a percentagem da programao;ao dedicada aos chamados "programas culturais" observa-se que eles niio ultrapassam 4,5%. Por outro !ado, entre 1940 e 1946, o faturamento da emissora, grao;as a publicidade, e multip!icado por sete. Ao que tudo indica, a acomodao;iio dos interesses Privados e estatais se realiza no seio de uma mesma institui.,ao sem que ocorra maiores problemas. De qualquer forma, o sonho do Estado" totalitario de

sua

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(36) Dbcio Silveira, ..Coluna de Radio", Cultura Polftica, ano I, n~ l, 1941, p. 295. (37) Ver L. Saroldi e SOnia Moreira. RO.dio Nacional.... op. cit.

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construir urn sistema radiofonico em nivel nacional se desfaz diante da impossibilidade material de realiza-lo. Isso significa que a radiodifusao brasileira nao adquire a forma de rede, o que favorece o desenvolvimento da radiofonia local. 0 que acontecia era que algumas e!flissoras mais potentes se limitavam a irradiar seus programas a partir de sua base geografica, mas elas nao se constituiam em centro integrador da diversidade nacional. Simplesmente podiam ser captadas de acardo com o padrao da recep~ao em cada Iugar. !Jm -~~emplo_suge~tivo e o da Radio Nacional, que praticamente nao _era ouvida na cidade de Sao Paulo, on deoperavam a Radio Record e a Difusora numa freqiiencia de ondas que bloqueava sua penetra9ao. 38 Os estudos mostram decadas de 30, 40 e SO ' o radio tinha Sao Paulo,.. nas que em .. -. caracteristicas marcadamente locais, e se pautava segundo urn padrao regional. Os anunciantes conheciam bern este !ado particular da radio paulista, 0 que fazia, por exemplo, com que as radionovelas de sucesso apresentadas no Rio de Janeiro por uma determinada emissora fossem reapresentadas com urn outro elenco e por uma outra emissora em Sao Paulo. A.. explora~ao comercial dos mercados se fazia ' portanto, regionalmente, faltando ao radio brasileiro da epoca esta dimensao integradora caracteristica das indus-· trias da cultura. Podemos captar esta particularidade da sociedade brasileira dos anos 40 e SO, a incipiencia de uma industria cultural_e de: urn mercado de bens simb61icos, atraves ·de uma outta
XVIII."' As teses de Weber sobre o espirito capitalista e a etica protestante sublinham justamente esta dimensii.o do ascetismo secular, que articula a .concep~ao religiosa a pratica met6dica e racional; seus estudos sobre a burocracia apontam para a mesma dire9ao, a gestao racionalizada dos bens religiosos e politicos. Como crescente desenvolvimento da sociedade industrial se consolidam e se expandem as empresas, que passam a gerir suas atividades a partir de uma estrategia de calculo que busca maximizar os ganhos a serem atingidos. Os frankfurtianos vao estender essa anruise do "desencadeamento do mundo" para a esfera da cultura; espa9o que em principio escaparia, no inicio da sociedade burguesa, deste process0 de racionaliz~ao da sociedade. Nesse sentido, a industria cultural nas sociedades de massa seria o prolongamento das tecnicas utilizadas na industria fabril, o que quer dizer que ela seria regida pe!as mesmas normas e objetivos: a venda de produtos. 0 espirito capitalista e racional penetra dessa forma a esfera cultural e organiza a p_rodu9ao nos mesmos moldes empres_ariais das industrias. Urn exemplo dessa racionaliza9!io e o estudo de Adorno sobre a industria da musica popular nos Estados Unidos, onde ele mostra como o hit parade e fabricado a partir dos objetivos de maximiz~ao dos lucros da empresa;"' ·o' mesmo pode ser dito da tatica que as firmas de publicidade utilizam para promover as mercadorias. No quadro de ilma sociedade industrial avan9ada isto significa que a estrategia e definida a partir de urn calculo que deva levar ein consider~ii.o as fof9as do mer- . cado, .o que demanda todo urn conhecimento a partir de ~es9ms_as que permitem tra9ar urn perfil c;lo consumidor. A mdustna da cultura marcha, dessa forma, em consonancia com o que Habermas chamou de tecnicas de "cientifiza~ao" da opiniao publica. 41 Quando se observa algumas institui9oe~ culturais no

(38) Ver "-0 Radio Paulista no Centenirio de Raquette Pinto", C~~tro.

Cultural Sao Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, 1984.

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(39) Werner Sombart, Le Bourgeois, Paris; Payot, 1966. SaoP (40) Adorno, "Sobre a·MUsicaPopular", in Gabriel Cohn (org.), Adorno, aulo, Atica, 1986. (41) Habermas, Toward a Rational Society, Boston, Beacon Press, 1970.

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dores numa economia que possui uma hist6ria diversa do Brasil, constatamos que o periodo que consideramos e frecapitalismo dos paises centrais. Neste sentido Fernandq "moderniz~lio" de quentemente descrito como momento Henrique busca compreender o tradicionalismo e a renoda m:n~al_idade empresarial. _l:.:!!rlq_s .Guillle_~ Mota, -na._, va~lio da mentalidade dos empresarios. Para tanto ele sue 1931 sua h1stona da Folha deSiio Paulo, dira que entre gere uma distin<;lio entre o capitlio de industria e o"mii"-' ·. 1945.0 jorilal e marcado pelo tradicionalismo representa J 0 primeiro tipo e marcado mais pela usura do que' ~er os interesses rurais; i* a fase de 1945-1962 e caracterizada met6dica e racional da for<;a de trabalho. pefae'xplora~lio como "moderna"' ou seja, ela e definida pela vislio empre42 empresario pioneiro, que "tira dinheiro o caracteriza Ele sarial da gestlio da institui~lio. Outro jornal Ultima Bora atua mais na base do empirismo, utique mas pedra", da criado:e,m 1951, introduz no cenario da imp;ensa brasileir~ tipicamente aventureiros, que norprocedimentos lizando novas tecnicas de empresa que possam assegurar seu sud . c !." em praticas de manobra de mer. desembocam malmente . cesso comerc1a . ·, na o por Samuel Wainer, tratava-se de tirar proveito das facilidades com preocupa<;lio "A cado. urn jornal em cadeia, produzido em diferentes Jugares mas economica deste tipo de ~talidade a caracteriza oficiais que possuia uma "marca" que o diferenciava dos outros e. a esse tipo de contrapartida A industria.'~~ de capitlies difertmhomogeneizava as particularidades da produ~lio de empresa; homem no encontrada ser pode merdo estudo · mentalidade ciada. Desde o seu lan~amento se fez urn a reorganicom preocupados individuos · circtitemos de caso neste horario ·.. · melhor do .cado que permitiu a escolha e com empreendimentos dos concoradministrati¥a e matutinos dos tecnica za9lio la~lio, em contraposi~lio a oferta estrabalho, do "Metodiza~lio eficacia. sua de jornalismo urn aumento ·a desenvolver rentes, assim como se procurou expectativa produ<;lio, da tecnol6gica base de pecializa9lio criaa como "moderno", introduzindo-se novas~cnicas, _de lucros a prazos medios e espirito de concorrencia silo as 9lio de se9oes de esporte-e-j'aiis-divers. Nelson Werneck Socaracteristicas basicas das preocupa~oes do homem de emaponta tambem Brasil, no dre, em sua hist6ria da imprensa presa.".,. Ntima situa~lio competitiva, este tipo de homem pelos subsidiado para esta passagem do jornalismo politico, confia e atua atraves dil capacidade de previslio, que busca que Mas cofres publicos, para o jornalismo empresarial. 0 adequar a produ9lio a situa~lio real do mercado. A contradevemos en tender por "moderniza~lio" das institui<;oes culentre esses dois tipos ideais, o capitlio de industria e Posi<;lio turais, qual a extenslio dessa nova "mentalidade" gerencial pennite, portimto, caracterizar a "mentalidade manager, o que acompa!].ha o processo de racionaliza~lio da sociedade do empreendedor numa sociedade como a bracapitalista" brasileira? como no primeiro caso se misturam na mostrando sileira, Creio que neste ponto o traba"lho de Fernando Hen---. 0 espirito de ca.Iculo e o oportunismo, o o categoria mesma · · -al tri d · · emp~es' o so'-r·~ Cardoso rique........ numa socte= ~-- .....___..nom us ·-··-----" tradicional. eo moderno dade .S.l1i>®sem:olvida como o Brasil· pode ,?:m .auxillar a· · Eu diria que o empresario cultural dos anos 40 e 50 se traba!harmos me!hor .n0sso pqg_tg__ _g~ __y_ista~lseu estudo ao que Fernando Henrique define como capitlio aproxima procura justamente descobrir como atuam os empreende·de industria. Se tomarmos como exemplo uma institui~;lio como a televislio,.que requer urn montante de capital elevado para seu funcionamento, e urn gran de l:acionaliz~lio ( 42) C~rlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato, Hist6ria da Folha apurado, podemos observar o quanto o "espirito da racio1980. pres, deS. Paulo, Sao Paulo, 1m

e

(43) Gisela Goldenstein, "Do Jornalismo Politico

tese de mestrado, FFLCH, USP, 1978.

a IndUstria Cultural"

'

(44) Fernando Henrique Cardoso, Empreslirio Industrial e Desenvolvi~

menta EconOmico no Brasil, Sao Paulo, DIFEL, 19n.

(45) Ibidem, p. 144.

(46) Ibirkm, p. 150.

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nalidade" se encontrava ainda referido a padroes mals anftigos. A TV Rio, pertencente ao grupo Amaral e Machado i func!onava em ~ases marcadamente familiares, que se dis: \ tanctava em mmto dos padroos da mentalidade gerencial. A Optruao de Manoel Carlos em relac;ao ao estilo dos donos da empresa e ilustradora: "0 Dr. Paulo Machado de Carvalho sempre t~ve uma postura muito curiosa em relac;ao ao dinheiro. Passava na caixa, via q~o tinha e anotava cuida. dosa'!!ente '_1~--s-?a ca?erneta'\~ratica que lembra mais uma contaotuoade oe armazem" do que a racionalidade de uma grande empresa. 0 estudo de Alcir Costa sobre a TV Rio mostra que esta incapacidade de realizar uma ges-tao racional, que excluia a avaliac;ao correta dos concorrentes, foi a causa fundamental da falencia da empresa. Mesmo uma instituic;ao como a TV Tupi, que e hegemonica nos_ anos SO, confirma esta regra, uma vez que Chateau?ri~nd ?ode ~er considerado como o tipo ideal do capitao d~ mdustria. Atlvo, empreendedor, seus bi6grafos nao deixam escapar os trac;os que o definem como urn empresano mo. detno, criador, "homem-voo", dinamico, que viaja constanteme_nte ~a obrigac;ao de administrar o seu imperio. Como dtra Gdberto Amado, "pas d'avion pas de Chato". 48 Mas; ao mesmo, t~mpo, urn hometn aventureiro, que busca nos a~ordos politicos a realizac;ao de suas propostas, e que se gma menos pelo calculo racional que iinplica uma avaIiac;ao do mercado do que pelo empiricismo. Inima Simoos observa, por exemplo, que antes de fundar a TV Tupi Chateaubriand havia encomendado um estudo mercadol6: gico a uma companhia americana para conhecer as condic;oes materiais para a realizac;ao de urn empreendimento como a implantac;ao da televisao no Brasi!;F'Os trabalhos concluiram que ainda era prematuro, devido a incipiencia do mercado brasileiro, lanc;ar-se a uma proposta de tal monta. Prevaleceu, porem, a vontade empresarial e polls. d. , (47) Ver Alcir Costa, TV Rio: 22 A~os no Ar, Rio de Janeiro, FUNAR~.

. (48) Gilber!o Amado, Assis Chate!lubriar.d: TrafOS de um Estudo, Rio de Janeiro, Ed. Cruzeuo, 1953. (49) lnim8. SimOes, TVTupi, Rio de Janeiro, FUNARTE, s.d.

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tica, marcada pelo signo do pioneirismo. A fala de Chateaubriand, proferida quando na transmissao oficial da TV Tupi, e sugestiva:· "Esse transmissor foi erguido com a prata da casa, isto e, com os recursos de publicidade que levantamos, sobre as Pratas Wolff e outras nao menos macic;as pratas da casa; a Sui America que eo que pode haver de bern brasileiro, as las Sams, do Moinho Santista, arrancadas ao coiro das ovelhas do Rio Grande, e mais que tudo isso, o guarana Champagne da Antarctica, que e a bebida dos nossos selvagens. 0 cauim dos bugres do pantanal matogrossense e de trechos do vale amaz8nico. Ateptai e verei mais facil do que se pensa alcanc;ar uma televisao: com Prata Wolff, las Sams bern quentinhas, Guarana Champagne borbulhante de bugre e ·- ~ tudo isso bern amarrado e seguro na Sul America, faz-se urn bouquet de ac;o e pendura-se no alto da torre do Banco do Estado, urn sinal da mais subversiva maquina de influenciar a opiniao publica- uma maquina que dara asas a fantasia mais caprichosa e podera juntar os grupos humanos mais afastados". 50

0 discurso em si e uma bela pec;a do surrealismo polltico latino-americano, e pode ser lido de vanas formas. Salta aos olhos a fragilidade de uma televisao construida sobre o capitalismo das las das ovelhas, dos faqueiros de prata e dos refrigerantes. Isso porque ate meados dos anos so a televisao era ainda considerada com desconfianc;a pelos anuPciantes, inClusive as muJ.tinacionais, que aiPda preferiam os meios mais tradicionais como o radio e o jor. nal como 6rgaos de publicidade. Mas o que ele ressalta e o espirito pioneiro do fun dador. que busca associar sua impetuosidade inovadora a construc;ao da nacionalidade brasileira. Urn bouquet de ac;o, instalado na torre de urn banco, amarrando todo o Brasil. 0 tom triunfalista ·nao consegue, Porem, esconder a precariedade de urn empreendimento

(50) Ibidem.

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que encontra dificuldades de se transformar em urn meio de massa. Os anuncios da epoca retratam bern esta ambigiiidade entre o mero existir e o se realizar. Eles diziam num tom interpelativo: "Voce quer ou nao quer a televisao? Para tornar a televisao uma realidade no Brasil, urn cons6rcio radio-jornalistico inverteu milhiies de cruzeiros. Agora e a sua vez - qual sera a sua contribui<;ao para sustentar tao grandioso empreendimento? Do seu apoio dependera o progresso, em nossa terra, dessa maravilha da ciencia eletronica. Bater palmas e aclamar admirativamente e louvavel, mas nao basta - seu rapoio s6 sera efetivo quando voce adquirir urn televisor"[__:,· 0 consumidor nao deve ser convencido pela qualidade do produto, em contraposi<;llo ao dos concorrentes - alias, OS concorrentes ainda nao existem -, mas por urn discurso pedag6gico que se fundamenta na necessidade da constru<;ao da moderniza<;llo da sociedade brasileira. Diante do vacuo existente, resta a vontade pioneira urn a politica de convencimento que se distancia do calculo met6dlco das for<;as do mercado. Os limites da gestao racional dos bens culturais podem ser·apreendidos quando se considera, por exemplo, a publicidade, tecnica desenvolvida precisamente para a promo<;ao da venda dos produtos. Urn elemento que chama a aten<;ao e a precaria especializa<;ao das esferas dos meios de massa em rela<;ao a publicidade. Tanto no radio quanto na televisao cabia ao anunciante estabelecer o seu tipo de programa<;ao, principalmente quando se tratava de realiza<;iies mais sofisticadas, que requeriam uma soma maior de investimento. Isso significava que. a agencia de publicidade "cuiclava de tudo: escrevia, produzia, contratava elenco e ate mesmo 'completava' o salario do pessoal tecnico da emissora que se limitava a entrar com o parco equipamento exis: tente e com o horatio". 52 Os publicitarios confirmam que ·

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em alguns casos havia quase que uma inversao de papeis, pois a agencia que produzia os programas "deixava para a emissora simplesmente o trabalho de comercializar o espa<;o". 53 Como a televisao se encontrava ainda em uma fase incipiente, o comercial era vendido por urn pre<;o abaixo do custo industrial da TV, o que levava a necessidade da agenda criar, produzir e dirigir. Nesse sentido o anunciante financiava e viabilizava a produ<;llo, conferindo as empresas uma autonomia pequena; o meio funcionava mais como emissor do que propriamente como produtor de uni bern cultural. Essa interpenetra<;ao de esferas pode ser observada ate mesmo no nome dos programas produzidos: Teatro Good-Year, Recital Johnson, Radio Melodia Ponds, Telenovela Mappin, Telenovela Nescafe. Flavio Porto e Silva observa que em determinados casos as programa<;oes ·· se associavam de ·tal forma ao ·patrocinador que, com a saida desse ultimo, tornava-se dificil encontrar alguem para financia-la, chegando algumas delas a ter que sair temporariamente do ar:s. lsso significava que os anunciantes e as agencias de publicidade nao eram meros vendedores de produtos, mas tambem produtores de cultura. Evidente-mente uma cultura popular de massa, mas que produzida no contexto do pioneirismo brasileiro conferia aos produtos anunciados uma aura que certamente eles desconheciam nas sociedades avan<;adas. A estrategia dos fabricantes nao era vista meramente como uma atividade mercantil, e de fato nao era, mas como urn "esfor<;o her6ico" em concretizar o sonho de uma televisao brasileira. Isto s6 foi possivel, e claro, porque ate entao a concorrencia entre os produtos nao era acurada, permitindo aos anunciantes uma confusao de papeis entre serem veiculadores de mercadoria e produtores de uma cultura popular de massa. Urn exemplo que a testa esse processo de racionaliza<;ao incompleta e 0 uso do tempo, tanto das emissoras quanto

(51) Ibidem.

(52) "TV e Propaganda", Briefing ("Os Trinta Anos da Televisio"), n? 25, setembrc:de 19XtJ, p. 8. Sobre a atu.ac;:llo das empresas, ver LUis E. Carvalho e Silva, "Estrategia Empresarial e Estrutura Organizacional das Emissoras de TV Brasileiras", op. cit.

(53) "TV e Propagarida", Briefing, op. cit., p. 10. (54) Flivio Porto e Silva, 0 Te/eteatro Paulista na Dicada de 'SO e 60, op. cit.· Consultar tambem Fl
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das finnas de publicidade. E comum encontrarmos testemunhos afirmando que o telespectador, por falta da existencia de uma programa~lio estruturada a ser levada ao ar, chegava a ver 30 minutos de propaganda em seguida. Da mesma forma, os homens de publicidade se queixam que "ninguem ligava muito se o anuncio inicialmente previsto para 30 segundos acabasse tendo 40 ou 45". Isso se devia em parte a pr6pria maneira como a publicidade era feita na televiii'ies pintados e ·as fotos coladas, que eram . afixadas nas paredes do esrudio·' a camera passeava por eles sem o recurso do corte de urn cartlio' para outro. Ao sistema· de carti'ies se seguiram a garotapropaganda e o uso de slides, mas, como a filmagem era ao vivo, isto dificultava o controle do tempo. S6 mais tarde e que foi introduzida a propaganda filmada fora do esrudio realiza~lio que envolvia urn maior custo e uma equipe d~ trabalhadores especializados. Porem, nlio e somente esse !ado tecnico da questlio que explica esta utiliza~lio do tempo publicitario; a elasticidade na mensur~lio reflete justamente a ideia de_ que o tempo comercializavel nlio havia ainda sido regulado pelos padroes rlgidos da contabilidade capitalista contemporanea. Como as empresas nlio conseguiam arcar plenamente com os custos da produ~lio, tornava-se impossivel administrar em termos plenamente empresariais o pr6prio esp~o de publicidade. S6 mais tarde_,_ com .a cria~iio de -complexos como a Excelsior e ·a: Globo~' a ractonaliza~iio do espa~o no video pode transforma-lo em media. Neste momento o tempo comercializavel se toma· urn produto, isto e, "uma marca, logotipo, embalagem, canal de distribui~lio de todo urn complexo de marketing". 56 Dentro dessa perspectiva, tambem o "programa e urn produto de caracterlsticas pr6prias em termos de audiencia faixas etarias, composto segundo classes s6cio-economicas' sexo, nivel de escolaridade, e que precisa ter urn precis~

julgamento da demanda e do seu potencial aquisitivo"." Isso significa dizer que o esp~o de tempo a ser vendido tern que ser avaliado segundo criterios que maximizem sua eficacia. Como dirao OS publicitiirios modernos, "o uso da TV para fins de publicidade exige maior rigor na determin~lio das dimensoes e das particularidades da audiencia de modo a caucionar os altos investimentos que se fazem nas mensagens comerciais com uma margem de eficiencia compro. . . . · vada "'Y Ora, e justamente este !ado qite e fragil no perlodo hist6rico que consideramos. Apesar da existencia de firmas como o IBOPE, a audiencia para o radio e a televislio era mais dintensionada por crit~rios empiricos do que atraves de pesquisas de mercado. E comum encontrarmos nos depoimentos dos radialistas da epoca a ideia de que urn pro. grama constituia urn sucesso quando se avaliava, por exemplo, o "calor do audit6rio". Nesses programas, a unidade de medida era a "vibra~lio" do publico que determinava a importiincia 4o que estava sendo levado ao ar. Uma outra forma de se considerar a resposta do ouvinte era atraves do numero de cartas recebidas pelas emissoras. Este elemento de indefinkiio name elida da audiencia era de fa to utilizado pelas, radios como argumento na !uta pela concorrencia. Como ol;>serva Gisela Ortriwano, "cada uma delas procurava mostrar maior popularidade, .fator intportante para que os anunciantes se decidissem pelo investimento de suas verbas". 59 0 mesmo acontecia com a televisao, pois somente em 1958 se iniciaram as pesquisas de hiibitos de consumo de TV, estudos que eram restritos as cidades de Sao Paulo e Rio de Janeirg. t;::o.lllo dizem os publicitarios, "tudo era fuito na base do)/gelini'', uma vez que era impassive! medir de forma mais apuriilia OS "targets da TV". A televisao nlio conhecia realmente o seu alcance, e isto trazia ,,~.

(57) Idem.

(55) "TV e Propaganda", Briefing, op. cit., p. 10. . {56) Dt1)oimeniv Uc Arce (Rede Globo de Televisao), in "Televisio: Ano 25/10 de Conquistas de Comercial~io", Anruirio Brasileiro de Propaganda 75/76, p. 67.

(58) "Pesquisa de Audiencia na Era Eletr&nica", Mundo Econ6mico, · • mar~o/abril de 1970, p. 21. (59) Gisela Ortriwano, A lnfonna~;lio no Rtldio, Sao Paulo, Summus, 19~~~

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problemas para dimensionar sua efic£1cia como meio de . massa. Nao e por acaso que a ideologia empresarial considera esta fase da televisao como "heroica", "espontanea" "_amadoristi~a"' dominada pela inexperiencia e pela ausen: cta de planejamento dessa institui<;ao construida pelos "velhos homens de radio". Alguns dirao que "na ~poca, ainda estava tudo em termos de nebulosa improvisao e amadorismo no setor publicitario no Brasil"; outros vao qualificar ·o periodo como o de "momentos despreocupados" onde reina uma publicidade "urn tanto fagueira, no sentido de avulsa, descomprometida, sem visar resultados".'60'Uma . -• ideologia que valoriza 0 profissional em detrimento do ama--~~· aoraCi
e

(60) Ver Ricardo Ramos, op. cit., pp. 52 e 53. (61) Pierre Bourdieu, La Disti"ncti'on, Paris, Minuit, 1980. Ver tambem Renata Ortiz(org.), Bourdieu, 'Atica, Sao Paulo, 1982.

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escutar Aznavour, na medida em que aquele e produzido na 6rbita dos bens artisticos e consagrado por institui<;i'ies legitimas como a escola, os concertos, os criticos de musica. Os estudos de Bourdieu sao, a meu ver, bastante ricos quando consideram como se da assimetricamente o consumo cultural nas sociedades industriais, mas o que importa, no caso, e sublinhar que sua metodologia se sustenta na afirma.,ao da existencia de urn gosto hegemonico burgues, transmitido atraves da escola, e que atinge diferencialmente a popula<;ao francesa como urn todo. Preferencias que se agrupam em torno de uma cultura burguesa formada no seculo XIX, que valoriza as obras de arte, a literatura, a musica classica. Neste sentido a legitimidade do gosto estaria circunscrita e seria avaliada a partir da esfera de bens restritos, que serve inclusive como escala para a mensura.,ao simbolica dos produtos da industria cultural. Mesmo nos tempos atuais, seria diffcil aplicarmos este modelo a sociedade brasileira, devido a precariedade da propria ideia de hegemonia cultural existente entre nos. Por outro !ado, o fato de a historia da burguesia ter trilhad~ outros caminhos no Brasil impediu uma acumula.,ao primitiva de capital cultural deste genero. Mas nao basta apontarmos para a diferen.,a de situa<;i'ies. E necessaria mostrar que a interpenetra.,ao da esfera de bens eruditos e a dos bens de massa configura uma realidade particular que reorienta a rela.,ao entre as artes e a cultura popular de massa. Esse fenomeno pode ser observado com clareza quando nos debru<;amos nos anos 40 e 50, momento em que se constitui uma sociedade moderna incipiente e que atividades vinculadas a cultura popular de massa sao mar~adas por uma aura que em principia deveria pertencer · _a esfera erudita da cultura. Para trabalhar melhor este tema gostaria de retomar a anaJise que Maria Rita Galvao faz do surgimento da Vera Cl\\z e desenvolver meu pensamento de foiina mais ampla~j 0 que e interessante no estudo de Maria Rita Galviio (62) Maria Rita Galvio, Burguesia e Cinema: o Caso Vera Cruz, op. cit.

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REi~ATO

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e que ela procura compreender a emergencia do cinema paulista como uma manifesta~iio da burguesia na esfera da . cultura. Isto a leva a considerar as decadas de 40 e 50 como urn momenta de efervescencia cultural da cidade de Siio Paulo em que se multiplicam as realiz~oes de cunho cultural, como a funda~iio do Museu de Arte de Sao Paulo (1947), do Museu de Arte Moderna (1948), do Teatro Brasiieiro de Comedia (1948), da Bienal (1951). Como a autora observa, nfto- se-trata propriamente de urn movimento de

cultura, mas de manifesta~Oes contemporl(neas que neces- ... sitam ser exp!icadas. Nesse sentido ela aponta para o fato -· de que o surgimento do cinema corresponde ao industrialismo da burguesia, que niio mais se ap6ia nos principios aristocraticos de cultura, nem nos moldes de urn mecenato beneinerito, mas se trata de uma a~iio tipicamente burguesa de uma classe suficientemente rica para dispender grandes somas de dinheiro. A~:mi?Jl!!hia__c:in<~matc>grafica ..-.;1 Ver~ Cruz aparece,_ desta forma, como o de uma bur' guesia que busca no dominio da cultura a sua afirm~iio. , Ela se contrapoe a um tipo de cinema popular, a chan. chada, visto como carente de cultura. "A sensibilidade burguesa, repugnava na chanchada aquiio que ela tinha de mais aparente: a produ~iio rapida e descuidada, alguns cO.. . micos careteiros, o humor chulo, a improvisa~iio, a pobreza . de cenografia e da indumentaria, todas as decorrencias do baixo or~amento. 0 que repe!ia, fundamentalmente, era a chanchada enquanto tipo de espetaculo, exatamente como teatro Iigeiro da epoca e muito pareeida com ele." A perspectiva da autora e, portanto, semelhante a corrente de pensamento que percebe, por exemplo, o Teatro Brasileiro de Comedia como afirma~iio do espirito b~es, e busca · · na cultura legitima francesa a sua afirm~a&."' E c01[h~cida a crltica de Antonio Candi' o a esta visiio ' 64'' da autora-._ ~Para ele os valores afirmados pelo TBC e pela( 63) Sabre os ~o~mentos teatrais que se contrapOem cultural e politicam_ente S;O Tf!C, ve~ E~elcro M~taco, T~atro e Polftica: Arena, Oficina e Opiniiio, Sao Paulo, Provosla cd., 1982. • (64} AntOnio Cilndido, ..Feitos-da Burguesia", in Teresina, Rio deJaneiro, PazeTerra,1980.

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Vera Cruz niio siio simplesmente burgueses, mas universais, e adquirem uma dimensiio que extrapola sua classe de origem. Antonio Candido ve as manifesta~oes culturais da epoca como uma tendencia que pela sua dinamica tendia a ser de cultura tout court; neste sentido, a Universidade de Sao Paulo, o TBC e Vera Cruz seriam expressiio da cultura, sem qualificativos. A crltica possui um merito, ela evita uma confusiio apressada entre cultura burguesa e cui- tura dominante sem adjetivos. Ao recuperar a ideia de universalidade, o autor enxerga alem da estrutura de classes e pode considerar a existencia e o valor de uma cultura que . Marcuse chamava de afirmativa. Ela niio deixa, porem, de ser problematica. Primeiro porque os "feitos da burguesia" brasiieira dificiimente poderiam ser comparados a europeia na medida em que ela exerce urn papel diferenciado na periferia. Quando se olha a classe dominante paulista dos anos 30 e 40 fica dificil niio lembrarmos das cronicas de Levy-Strauss que falam do "minueto sociol6gico" do grii-finismo local, onde cada um e especialista em um ramo da atividade cultural, e todos dan~am para orquestrar em conjunto a musica da distin~iio social.i"~asta lembrarmos que a p~a de Jean Cocteau que inaugnra o TBC foi encenada em frances, ou que os cursos da USP eram ministrados na nossa langue maternnelle, para realizarmos que o grau de universalidade da burguesia paulista estava ainda bastante preso as veleidades do provincianismo local, e niio s6 a preocup~oes de carater universais. Segundo os exemplos trabalhados, TBC e Vera- Cruz dificiimente poderiam ser considerados unicamente como manifesta~oes de uma cul-mra universal, no sentido que Antonio Candido a consiClera. 0 estudo monografico de Alberto Gusik sobre o TBC mostra de maneira convincente que a grande contribui~iio dada por Franco Zalllpari foi a de ter organizado o teatro em bases empresariais.'·-"'' Como coloca o autor, "o alardeado desempenho cultural da companhia busca uma aco-

a

(65) Ver Levy-Strauss, Tristes Tr6picos, Sao Paulo, A:rihembi,1957. . (66) Alberto Gusik, TBC: Crfinica de um Sonho, Sio Paulo, Perspectiva,

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diffcil com as necessidades de bilheteria". 67 A cada pe9a "cultural" o TBC se via na necessidade de ence· nar uma serie de "pe9as de bilheteria" para poder manter a empresa em funcionamento. Por outro !ado, quando se olha a Iista de filmes produzidos pela companhia (Mazzaropi, por exemplo), dificilmente poderiamos caracterizar a Vera Cruz como produtora de uma cultura "burguesa", seja do ponto de vista crltico como o faz Maria Rita Galvao, seja como cultura universal como o quer Antonio Candido. Creio que para entendermos as propostas desta bur· guesia devemos enfocar a questao sob urn outro angulo; desta forma poderemos escapar da polariz~ao entre cultura burguesa e cultura popular-nacional que tern caracterizado o debate intelectual entre nos. A cri~ao da Vera ~Cruz em 1949 nao e somente contemporanea de manifesta95es culturais da area erudita que ocorrem em Sao Paulo, mas tambem de realiza9oes do mesmo genero que se passam no Rio de Janeiro, como a cri~ao do Museu de Arte Contemporanea. Mas, sobretudo, esta contemporaneidade corresponde a mudan9as importantes na esfera da cultura popular de massa. 1948: 1? Enci:mtro dos Empresiirios do · Livro; 1949: fixa9ao de normas-padrao para o funciona~ • · mento das agencias de publicidade; 1950: cri~ao da TV Tupi; 1951: introdu91io da fotonovela no Brasil, mudan9a no decreto sobre propaganda no radio, cri~ao da primeira escola de propaganda (Casper Libero); 1952: cria91io da TV: Paulista;: 195~: t·ri~ao da TV Record, Ian9amento da re- . vista Manchete. Nao se trata, porem, de urn movimento isolado do que se concretiza na esfera erudita. Os mesmos empresiirios estao na origem dessas atividades, o que faz com que a preocup~ao com a modernidade visual nas artes plasticas e no teatro se f~a acompanhar uma modernidade visual dos meios de massa. Chateaubriand e o fundador do .MASP e proprietario de uma grande rede de jornais, radio e televisao. Como observa Jose Carlos Durand, ele e celebrado na·area da publicidade por ser ''o primeiro dono de moda~ao

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iornal a criar urn Departamento de Propaganda". 68 Matarazzo se preocupa com a cria91io do Museu de Arte Moderna e a Bienal, ao mesmo tempo que investe, junto com Franco Zampari, na Vera Cruz. Empreendedores menores, como a famnia Ruda, fundam a Maristela Cia. Cinematografica e investem culturamente em pe9as para o Teatro Royal. "No Rio de Janeiro, Niomar Muniz Sodre, do grupo proprietiirio de 0 Correio da Manhii, esteve entre os fundadores do Museu de Arte Moderna local. Adolpho Bloch comprou muita pintura, escultura e tape9aria de artista nacional para as sedes da Manchete, volta e meia objeto de reportagens ilustradas. Roberto Marinho e alguns parentes encomendaram projetos de casas urbanas e de campo a Ludo Costa.'\':) Nao se trata, pois, de mera contemporaneidade, mas de uma interpenetr~ao de esferas para a qual ja · haviamos chamado a aten9iio no capitulo anterior~.- Existem ~ interesses concretos dos empresiirios, culturais e economicos, para atuarem conjuntamente nas duas areas. "0 apoio a museus e a cursos ligados a moderna oper~ao de urn parque editorial, tais como publicidade e desenho industrial, artes griificas e especialidades congeneres tambem pode ser visto como investimento na form~ao de mao-deobra para empresas jomalisticas em franco processo de capitaliza91io e de renov~iio tecnol6gica, em uma conjuntura em que nao era razoiivel esperar das universidades publicas a instala9ao de especialidades tao fora de sua experiencia." 70 Na verdade, o MASP atuou nao somente na area . erudita, mas promovia o ensino sistematico de cursos de Propaganda, desenho industrial, comunica~ao visual, Iaborat6rio fotografico. A mesma proposta foi tentada pelo Mu' seu de Arte Modema no Rio de Janeiro. 71 Dentro deste quadro, a discussao que haviamos Ievantado toma urn outro significado. A Vera Cruze fruto do (68) Jose Carlos Durand, "Arte, Privilegio e Distimrao", tese de doutorarnento, FFLCH, USP,I985, p. 271. (69) Idem, p. 2n. (70) Idem, p. 271.

(71) Ver Frederico Morais, "Desenho Industrial e ldeologia", in Arte Bra·

(67) Idem, p. 49.

sileiraHoje, Rio de Janeiro, PazeTerra, 1973.

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industrialismo da burguesia paulista, mas para expressar seu investimento·numa nova industria cultural e nii.o numa cultura burguesa cuja referenda seria a grande arte do seculo passado. 0 que os empresarios cinematograficos pretendiam era construir uma industria cinematografica brasileira nos moldes do cinema americana. 0 mito do cinema industrial repousava na ideia de grandes realiza~:oes, or9amentos maiores, eshldios modemos, tecnologia, equipes permanentes-de ttcniccs, atore:J de primeira grandeza. Para tanto ele toma como modelo as companhias americanas, e niio e por acaso que a Vera Cruz aspira a ser uma especie de _Hollywood da periferia. Vista sob este prisma, a oposi9iio entre Vera Cruz/chanchada niio corresponde a uma contraposi9iio entre cultura burguesa/cultura popular. Trata-se'" na verdade, de produ9oes que pertencem ao mesmo polo, mas orientadas para publicos diferentes. A Atlantida, ao se especializar nas chanchadas, descobre uma forma (e a es- . ·-· trutura de seus filmes e bastante repetitiva) de explorar o mercado brasileiro voltando-se quase que exclusivamente para urn publico mais popular. Para isso ela seve obrigada . a se apoiar na tradi9iio popular do teatro ligeiro e nos no- : mes conhecidos do mass media da epoca, formados pelos . idolos do radio. Sua base de a9ii.o se conforma em explorar a : mitologia do "cast milionario da Radio Nacional", a vida. dos artistas e humoristas que encontram na Revista do Ra- _i · dio uma instancia de consagra9ii.o menor. Mas niio e · q11e os conteudos dos filmes produzidos sejam mais lares que necessariamente eles se contrapoem a uma tura burguesa, que sequer existe no Brasil. Buscava-se, verdade, elevar o padriio de qualidade do cinema brasile~rg,;'i\lj que queria se indtistrializar e aproxima-lo ao ~;~:~~~;J;~,~ estilo classico de Hollywood. 0 que caracteriza a da Vera Cruz e que ela a!meja atingir o publico da classe _ ·_~ media urbana, por isso sua referenda e a cultura anleri£amac);; e niio a burguesia europeia. Ao se produzir urn cinema sofisticado niio se esta tomando como parametro o filme autor, por exemplo o neo-realismo italiano, mas uma maturgia que se assenta na·conquista tecnologica e na du9iio industrial de carater empresarial.

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Nii.o se pode esquecer que os anos 40 marcam uma mudan9a na orienta9iio dos modelos estrangeiros entre nos. Os padroes europeus viio ceder Iugar aos valores americanos transmitidos pela publicidade, cinema e pelos livros ' em 'lingua inglesa que come9am a superar em numero as publica90es de origem francesa. Publica~:oes como a Revista da Semana, que se pautava por uma liga~:ao tradicional com o mundo lusiada e europeu, viio aos poucos substituir o interesse pelos destinos da familia real austriaca, a princesa Guise, o casamento de Anne na Inglaterra, pelas - estrelas de Hollywood/720s padr5es de orienta~:ao vigentes sao, portanto, os do mundo do star system e do american I broadcasting. Nas radios, este e 0 periodo em que a musica americana se expande, e se consolida uma forma de se tocar "boa musica", a orquestral, que se constitui tendo por mo- - delo os conjuntos americanos, dos quais Glenn Miller foi talvez a expressii.o mais bern acabada. 0 que surpreende o observador, porem, e que essas transforma90eS niio silo percebidas como manifesta~:oes de uma cultura de mercado, principalmente quando se toma em considera~:ii.o uma area como o cinema, na qual o apuro tecnologico e os altos investimentos silo necessarios para a realiza9iio conseqliente dos proprios filmes ..C.abe lembrar que a Vera Cruz funcionou como referenda para todo um grupo de criticos da decada de 50, marcado pot uma visiio industrialist& do cinema, e que se opunha a uma perspectiva de cinema nacional de autor, representada na figura, por exemplo, de Alex Viany. Como mostra Jose Mario Ortiz Ramos, este grupo de paulistas, nos anos 60, sera o responsavel pela politica do Instituto Nacional do Cinema, que ira privilegiar a forma9ao de urn cinema de entretenimento em detriJ1lento de uma forma mais artistica como o Cinema Novo. 73 ) Creio que neste ponto devemos dar raziio a Antonio Candido quando ele fala da constru9ii.o da cul~ra "nos ter(721 Ver Claudio de Cicco, Hollywood na Cultura Brasileira, Sao Paulo, Ed. Convi.lo, 1979. . . (73) Jose Mario Ortiz Ramos, Cinema, Estado e ~utas Culturais, RIO de

Janeiro, PazeTemi,1983.

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mos que era possivel na epoca". As manifesta.;oes do industrialismo paulista vern substituir o gra-finismo dos anos 20 e 30 e o luxo de uma oligarquia inculta. Dentro desse quadro tern importancia menor o fato de o TBC ser uma companhia de carater empresarial, de privilegiar pe.;as de bilheteria, isto e, tradicionalmente consagradas, aquelas de cunho mais crlticos. Num pais em que o teatro se ·estrutu:· rava ainda em termos amadores, valoriza-se o fato de se fazer teatro. 0 mesmo pode ser dito do cinema. Diante da pobreza da realidade cinematografica brasileira, a Vera Cruz desponta como afirma.;iio da cultura nacional que busca se estruturar em termos industriais. Se levarmos em considera~ao, nesse contexto, a presen.;a ativa dos empresarios no campo da cultura artistica e da cultura de mercado, percebemos que a interpenetr~ao entre a esfera de produ.;ao restrita-e a ampliada e num pais subdesenvolvido como o Brasil uma necessidade hist6rica. Nesse caso, o transito entre o "erudito" e os meios de massa transfere para esse ultimo um capital simb6lico que adere a cultura popular de massa que e produzida. Urn exemplo tipico e o papel que o teatro e· o teleteatro desempenham na implanta.;ao da televisao brasileira na decada de SO. Nao deixa de ser ironico observar que para diversos autores a hist6ria da televisao brasileira como meio de massa seja considerada nos anos SO como "elitista". Tratase de um r6tulo que vamos encontrar quase que obrigatori'lmente nos estndo' sobre o advento da televisao no Brasi, sejam escritos por t,_;~demicos ou por jomalistas que se ocuparam do assunto."'Nov amente vamos reencontrar aqui a oposi.;ao entre elite/popular que haviamos considerado no caso do cinema. Alguns autores como Jose Ramos Tinhora.o· che~ a afirmar que neste periodo "o povo esta fora do' ar"} ~ outros, em bora mais cuidadosos, nao escapam desta

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perspectiva ao dizer, por exemplo, que :·o t~~tro,!n,~ia a televisao e a program~iio tornava-se mats ehtista .-~omo no caso da Vera Cruz, a arte teatral e tomada como modelo da cultura burguesa, o que em principia afirmaria o dominio cultural da elite dominante. 0 testemunho de Walter Durst e reve!ador:"A televisao era uma coisa de elite, ela nasceu alienada e totalmente fora da realidade brasileira. 77 Exatamente o sonho de uma certa burguesia". Na veraade ha nessas afirm~oos uma boa dose de exagero, uma vez q~e elas esquecem que a totalidade da programa.;ao da -- epoca era coiilposta por programas populares, e niio por pe~as de cunho cultural; por exemplo, shows de audit6rio: programas humoristicos, musica popular, telenovela. Niio e por acaso que esta tendencia conflita com a. ac:ima descrita, pois a televisao brasileira recrutava a mato_na de seus _ quadros entre os antigos profissionais do radio, onde este tipo de program~ao ja havia se consagrado como popular. No entanto, a qualific~ao de elitismo chama a aten~iio para uma peculiaridade da televisao brasileira. Quando se olha a programa~ao televisiva do perlodo se pode perceber que existe uma hierarquia de valores que agrupa programas considerados como mais legitimos de urn !ado,' teatro e teleteatro, e mais populares de outro, produzidos segundo o antigo esquema do radio. Vamos encontrar diferen.;as sutis no polo dominante da legitimidade. Os atores de teatro se consideram como intelectualmente superiores aos simples atores de televisiio, considerada por eles como uma arte menor. Isso se devia _em parte a distin~ao atribuida socialmente ao se fazer teatro, e em parte ao fato de que o teatro era realmente autonomo em rela~ao a televisao. As companhias teatrais tinham uma vida propria, com seus ensaios e apresenta~oos, e somente nos seus dias de folga (as segundas-feiras, no caso do Grande Te~tro Tupi) se apresentavam diante do video. Em__ contrapartiila, os diretores e atores de teleteatro, pautados pelo modelo do

· (74)' 'Ver, por exemplo, nUmero especial de Briefing, op. cit., e J.

Raul, "0 i:>esenvolvimcu:o da Televisio no Brasil", 0 Estado deS. Paulo, menta Centenario, n~ 40, 4.10.1975. (75) Jose Ramos Tinhorio, MUsica Popular- do Gramofone ao RO.dio

TV, Silo Paulo, Atica, 1981.

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\76~ Flavia Porto e Silva, 0

Teleteatro ... , op. cit., p. 23.

(77) Depoimento de Durst ao !DART.

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cinema, viam o teatro-imagem apresentado por seus congar ~m~rin mostram que essas mudan.;;as reflete~ ~o _funcorrentes como algo incongruente, como se fosse uma simdo "uma tentativa de imprimir ~o g~nero uma post~ao mteples transposi.;;ao do palco para a tela, sem levar em consilectual superior". Ao "elevar o ruvel da pro~ama.;;ao, apr~­ dera.;;ao a especificidade da linguagem cinematogr8.fica~ sentando textos como Oliver Twist, Os Irmaos Co_rs?s, M~­ Enquanto os grupos teatrais levavam para a televisao uma guel Strogoff, Bocage, o que se es~a fazen~o_ s~na mvestir forma .Puramente teatral, seja em rela.;;ao ao texto, a intera narrativa novelesca num domtruo de legitirntdade ocupreta.;;ao do ator, e a dura,.ao do espetacuJo, OS produtores pado e modelado em principia pelo teleteatro. . . do teleteatro tinham uma preocupa.;;iio visual mais exiAfinnar uma hierarquia de valores ~o mteno_r_ ~ ge!!t~. peRsa-:a:n os espetacui.:;s em termos. televisivos, e mesma esfera de produ.;;ao e diz~r que a ~?g1ca da leg1~; procuravam adaptar os textos teatrais de acordo com a nova dade cultural, determinada na area da :ultura erudita ·· . tecnologia da televisao. Por isso os componentes do teletea- ···- pelos pares, pemitra o universo da !'rodu.;;ao em mass a. 0 tro, que eram funcionarios da empresa e nao autonomos se prestigio do teleteatro se estendera, ·desta forma, pa;a a . ' consideravam como mais "modemos" e sofisticados ao l:elevisao como urn todo, e uma. empresa como ~ !upt P?· adaptarem as tecnicas teatrais a semi6tica da imagem. 0 dera ser considerada como de elite, seja pelos cnticos, se]a polo dominado era ocupado por urn genero como a telenopor seus pr6prios membros que se_ veem como ?i"()motores . -- vela, sobre o qual pesava a qualifica.;;ao de desprestlgio: :;~-----_da cultura e nao como vendedores de mercadona cultural. Forma ffi:amatica menor, a telenovela era produzida seEssa vontade de cultura pode ser ilustrada com o exemplo gundo padroes menos qualificados, e mesmo sua dimensao do grupo dos Associados, que em 1960 cria a TY sultura, tele~iya nao e~a considerada pela 6tica de uma linguagem proposta atraves da qual Chateaubriand prete~dt~. educar especrfica do vtdeo. ~a verdade, o teleteatro funcionava.e divertir" a popula.;;ao paulista. 78 Mas ISSO. s~~ca ta~­ como urn laborat6rio para artistas, escritores diretores e bem que a audiencia nao etomada como o cnteno exc~ustvo ' cenografos. E nesse. espa.;;o que foram levadas 'as primeiras para a avalia.;;ao dos programas apresentados. Nao detxa de experiencias que buscavam adequar as tecnicas teatrais e ser importante lembrar que a telenovela e levada ao ~ d~as cinematograficas. Do teatro, os diretores procuravam gaa tres vezes por semana, enquanto que o teleteatro e ~um­ rantir a densidade cultural da dramaturgia adaptando-a zenal· mesmo que ela seja considerada como urn genero porem ao novo meio, criando uma nova form~ de expressao men~r, os indices de audiencia que se dispiiem para o pe, corporal e de infl.exao ·de vcz. 0 cinema funcionava como riodo.acusam urn publico fie! para essa forma de narramodelo para o movimento da camera e para o corte das tiva ·1!-·'se Ievarmos em considera.;;ao que entre os programas cenas. Nenhuma dessas expressiies de qualidade serao enmai~ vistos figuram os musicais e outros do ti~o_ "0 Ceu e o contradas na novela. A superioridade do teleteatro pode ser Limite", percebemos que a questao do prestigio passa po_r observada quando se analisa, por exemplo, o conteudo das. outros canais que nao sao necessariame~te os ~ p~pulan­ novelas produzidas. De 1951 a 1954, a telenovela existe dade dos programas. Nao devemos, porem, ser mgenuos e como prolongamento das radionovelas; sao os escritores do acreditar que existia uma politica deliberada da empresa radio (como J. Silvestre ou Jose Castellar) que escrevem visando a realiza.;;ao de urn projeto culturall?ara a populatextos pautados pelo padrao latino-americano do genero. Em 1954 h8. uma mudan.;;a brusca de orienta.;;ao, e as pe.;;as sao agora adapta.;;iies de livros de escritores popuiannente (78) Sobre a TV Cultura, ver Laurindo Leal Filho, .. A Cultura da TV", tese de mestrado, PUC-SP, 1986. consagrados - Victor Hugo, Alexandre Dumas, Mark (79) Ver Elisa Vercesi de Albuquerque, Audiincia da Telenovela: uma Twain, Charles Dickens, Kipling. Flavio Porto e Silva e EdPerspectiva Hist6rica, Silo Paulo, !DART, s.d.

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cao. 0 conhe.dmento que possuimos hoje mostra que a decada 50 fOI marcada por uma serie de improvisacoos e de .. expenmentacao na area da programacao que ainda busc::va .sua estrutura definitiva. Decorre desta fase de expe ~enct~s a po~sibilidade ~ contarmos com programas e vi~ - N s~s diferenc1adas no se10 da mesma instituicao. uma so· . c1edad d e e ~~ssa mc1piente, a televisao opera, portanto com duas log~.cas, uma cultural, outra de mercado m~ ' • . comernao pode ainda consagrar a 1ogJ.ca como · 1 esta ultima alta chamada da universo Cia como prevalecente, cabe ao c~lt~~a ddesei?p~nhar urn papel importante na definicao dos en enos e d1stmcao social.

?e

Memoria e sociedade: os anos 40 e 50 Vimos no capitulo anterior como se concretiza na periferia a incipienda de uma sociedade de consumo. Penso que e possivel retomar o quadro delineado, e aprofunda-lo, dando-lhe agora uma densidade interna, carregada pe!as paixiies, ilusoes e sonhos daqueles que vivendaram a epoca. Se o pesquisador quiser enfrentar o periodo coberto pelos anos 40 e 50 ele pode contar com uma serie de testemun4os que retratam o ambiente, e de uma certa forma recuperar a mem6ria desta sociedade. V arios arquivos, jornais e revistas contem urn acervo rico de entrevistas que descrevem a pratica dos profissionais do radio, do teatro e da televisao.~No caso do cinema, essas est6rias de vida ja se encon?"am compila,.,das, e os trabalhos de Maria Rita Galvao sao lffiportantes.'~Existem ainda textos sobre o radio, escritos apressadamente, mas com paixiio, por radialistas que deixaram vestigios de suas experiendas e empreendimentos pessoais, e que, a meu ver, sao sig1.1ificativos em termos so(1) 0 material utilizado neste capitulo compreende uma serie de testemu-

o~os coletados por insti~Oes como 0 !DART, em sao Paulo, e a FUNARTE, no Rio de Janeiro. (2) Ver Maria Rita Galvio, CrOnica do Cinema Paulistano, e Burgu.esia e Cinema: o Caso Vera Cruz, oP. cit.

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ciais. 3 Gostaria de utilizar este material, que tem sido deixado em segundo plano pelos pesquisadores, retirar· dele um retrato aproximado, e desta forma complementar 0 panorama que vinhamos esb~ando. Trabalhar com testemunhos nao deixa de ser problematico. Os historiadoi-es e os antrop6logos sabem bern disso. A lembranc;a diz respeito ao passado, e quando ~Ia e contada, sabemos que a memoria se atualiza sempre a partir de urn ,:;onto do presente. Os reiatos de vida estao sempre contaminados pelas vivencias posteriores ao fato relat~do, e vem carregados de urn significado, de uma avaliac;ao que se faz tendo como centro o momento da rememorizac;ao. 0 problema nao e novo, vanos autores ja o enfrentaram, como Halbwachs em seus ensaios classicos sobre a presente age como urn filtro e selememoria coletiva. recuperarido-as do esquecilembranc;as de ciona pedac;os dos atores sociais testemunhos os mento. Ao trabalharmos nos deparar vamos evidentemente das esferas culturais, muitas vezes descrito e passado com problemas analogos. 0 urn vivessem individuos os se em termos romanticos, como lembranc;as As tempo aureo no qual tudo era permitido. vem carregadas de uma nostalgia que compromete uma avaliac;ao aproximada do perlodo. Claro, nao se pode deixar de levar em considerac;ao que os testemunhos trabalhados foram ditados "hoje"; o passado se refere, portanto, a um momento da juventude das pessoas, o que de alguma forma as leva a perccMJo como algo idilico. Podemos dizer o mesmo de uma tendencia que, a meu ver, esta ligada ao fato de estarmos lidando com uma area onde a individualidade e valorizada ao maximo. Trata-se de artistas ou no caso da publi~idad~, de empreendedores, o que faz ~om que .se superdimen~l~ne as realizac;5es da primeira pessoa do smgular. As estonas de vida muitas vezes fetichizam a

to

e

(_3) 0 caso _de IivTos ~omo OS de Renata Murce, B.astidores do Rlzdio, Rio . de_Janeiro, Imago, 1976~ ~amt-Clair Lopes, Radiodijusfio·J922-1972, Rio deJaneuo, ABERT, 1972; Mano Ferraz Sampaio, Hist6ria do RQ.dio e da Televis6o no

Brasil e no Mundo, Rio de Janeiro, Achiame, 1984. (4) Maurice Halbwachs, La Mbnoire Collective, Paris, PUF,l968.

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forc;a do "eu", como se o individuo fosse de fato o demiurgo dos acontecimentos que o circundam. Por exemplo, o ego esta sempre vinculado a atividades consideradas como pioneiras, num esforc;o de valorizar e diferenciar aquele que realiza detenninada ac;ao ou empreendimento. 0 "primeiro VT", a "primeira novela", o "primeiro beijo na televis3.o", o "primeiro programa de audit6rio", o "primeiro jingle", a "primeira publicidade em filmes", "as novas experiencias em dramaturgia", o "inicio da propaganda modema", sao frases que se associam sempre a individualidade das pes.. soas, e que tern por objetivo realc;ar a sua criatividade ou o seu dinamismo. Tudo se passa como se os atores sociais procurassem fundar a origem de certas tecnicas ou experiencias na vivencia exclusiva de sua existencia. Do ponto de vista hist6rico, isto nao deixa de trazer problemas, pois individuos diferentes reivindicam a patemidade das mesmas coisas; caberia ao historiador, com dados paralelos, resolver as contradic;oes encontradas nos depoimentos considerados. Porem, e necessario dizer que nao e tanto a veracidade dos fatos que nos interessam de imediato. A utilizac;ao dos relatos de vida e significativa na medida em que eles adensam a compreensao do perlodo, revelando-nos uma atmosfera que dificilmente poderia ser captada a partir de uma macroperspectiva da sociedade. Penso que a ideologia da nostalgia que perpassa os varios textos, assim como o exagero no uso da primeira pessoa do singular, embora muitas vezes contribua para nos afastarmos do fato hist6rico, em outras nos abre a possibilidade de explorar uma vertente rica que nos permite avanc;ar na direc;ao de desenhannos melhor os trac;os relevantes para nossa argumen' tac;ao. Nesse sentido, os testemunhos nao nos servirao tanto Para atestarmos o que realrnente ocorreu, mas como descric;oes que retratam um ambiente que encerra nele mesmo elementos reveladores da s~edade global. • Vejamos alguns deles:IV

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"Urn dia eu estava andando na rua 24 de Maio, eu me !em-

bra, era domingo, e eu tinha ido amatinS, e parei extasiada, .

quase que estarrecida diante de uma figura inconfundivet Diante de urn rosto que a gente ve uma vez e nao esquece mais: era a Bibi Ferreira. Ela estava ao !ado de uma senhora idosa. Ai eu parei e falei: a senhora e a dona Bibi Ferreira? Ela disse: sou. Eu falei: eu queria tanto ser artista. Ai a senhora ao !ado deJa, que era uma artista portuguesa maravUho~a; riu com ela, olhou para a Bibi e disse: bern, bonita ela e. A Bibi me disse: olha, eu tenho uma atriz na companhia que vai sair, se voce quiser fazer urn teste voce pode ir ao teatro agora." "Eu era funcionaria publica, trabalhava no Instituto de Criminologia do Estado de Sao Paulo e tinha uma vontade louca de trabalhar em radio. Adorava as novelas, e urn dia, eu tinha urn prima Ionge, que hoje ate trabalha em novelas de televisao, que me perguntou: voce quer conhecer 0 Otavio Mendes? Eu falei: e clara. Eu fui apresentada ao Otavio e ele disse: fale urn pouco aqui no microfone. A sua voz nlio e bonita mas tern muita personalidade, eu acho que voce esta aprovada."

"Eu vim do interior. Nasci no Estado do Rio de Janeiro, fui criado na r~a, sal menino de casa. Fui chegar em Taubate em 1941, 42, eu era garotinho ainda. Fui assistir urn pro· grama na estru;ao de radic e achei curiosa, engr~ado, e achei que podia fazer aquila que estava sendo feito. Era urn programa de audit6rio. Procurei o homem Ia, na epoca eu achava que era o dono, falei com ele, que achou engr~ado aquele garotinho dizendo que sabia fazer aquila. Experi· menton, e eu fiquei fazendo. Isto foi -na radio Difusora de Taubate." A leitura dessas est6rias de vida nos sugerem uma pri· meira ideia: a de acaso. Urn encontro fortuito com uma at."'u: de renomc, uma voz com personalidade que preenche os quesitos de Iocu9ao no radio, urn menino audacioso que sai do interior e chega a cidade. Esta ideia de acidentali· .

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dade penetra os inumeros depoimentos daqueles que inte· graram o radio e a televisao nos anos 40 e SO. Vamos sem· pre encontrar urn amigu, uma ocasiao fortuita na qual as aspira9oes individuais tern a oportunidade de se realizarein. Basta, porem, deslocarmos o eixo do relato individual para o coletivo e percebermos como a ideia de acaso se enfraquece. Os testes eram uma forma efetiva de recrutamento de pessoal e se inseriam dentro de uma politica expressa pela empresa,' nao pela acidentalidade do momenta. Alias, urn dos exemplos aponta para a existencia de outros mecanismos que auxiliam o acaso a funcionar, como este primo Ionge, que abre as portas do sucesso a urn parente talentoso(-;:P testemunho de Walter Clarke, neste caso, reveladore; 'Eu fui para a Radio Tamoio como secretano do Luiz Quirino. Mamae pediu· esse emprego ao Quirino que era amigo da casa, aproveitando aquela !ntimidade que aglutinava paulistas que viviam no Rio e que se freqiientavam. Nesse rol de amigos, inclusive, tinha muita gente de radio, porque era comum que o pessoal do meio em Sao Paulo viesse trabalhar no Rio, que era uma especie de Meca do setor". E ele acrescenta: "A oportunidade de trabalhar na TV tambem veio por intermedio de minha mae, que era amiga do Pericles do Amaral, que trabalhara muito na Interamericana, mas tambem tinha sido chamado para a televisao". Uma ajuda consideravel que transforma a contingencia em destino. Seria ingenuo pensarmos que as empresas de cultura trabalhassem sem nenhuma 16gica no recrutamento de seu pessoal, afinal elas operavam segundo objetivos que em Principia deveriam ser atingidos. Por outro !ado e in6cuo imaginarmos uma sociedade sem estratific~ao social, onde os· mecanismos de integra9ao prescindiriam das rel~oes de classe, ou no caso preciso da sociedade brasileira, do apadrinhamento. Joao Batista Borges Pereira observa que este tipo de pratica, na verdade, estrutura o proprio recrutamento de novos valores pelo sistema radiofonico. "0 apa-

~~~A Vida de Walter Clark, col~lio Gente de Sucesso, Rio de Janei~o,

Ed. Ri~ultura, s. d., pp. 27 e 30.

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drinhamento da Carreira e Uffi valor positivo que define as entre os radialistas .. A pratica nii.o e apenas aceita ou tolerada, mas inclusive estimulada, e dela se beneficiam padrinho e apadrinhado. 0 primeiro, nii.o s6 nos bastidores, mas em programas irradiados, nii.o perde oportunidade para contar publica e nominalmente os artistas que come~aram a carreira atraves de seu apoio. 0 apadrinhado se transforma desta maneira em polo atrativo de urn sistema d" lealdade do quiil p.irticipam todos os que foram beneficiados. De outro !ado, o apadrinhado tern interesse em ter seu nome ligado a urn profissional de prestigio. Isto e, 0 fato de haver sido 'descoberto' por urn experimentado 'revelador de talentos' referenda as suas reais qualidades". 7 Estariam os testemunhos equivocados? Evidentemente a pergunta encerra em si uma artimanha. As lembran~as nunca sii.o falsas nem verdadeiras, elas simplesmente contam o passado atraves dos olhos daquele que o vivenciou. A ideia de acaso que e sugerida pela leitura desses testemunhos exprime uma visii.o subjetiva daquele que participou do evento, mas, creio, ela pode ser objetivamente interpretada sea substituirmos pela n~ii.o de mobilidade. Na verdade, o que os relatos descrevem como fortuito sii.o as ocasiiies e as oportUnidades com as quais os individuos se defrontam, mostrando que a sociedade do periodo e caract~­ rizada por uma plasticidade que permite uma grande mob!lidade dos atores sociais. Vanos depoimentos apontam para esta dk-c~av. ~ rela~oes

"A coisa aconteceu assim. Vindo do Norte, eu procurei uma maneira de estudar teatro, porque nii.o tinha escolas, nii.o tinha faculdades, nii.o tinha professores de teatro naquela epoca. Tinha apenas diretores de companhias. Eu procurei o Giniistico Portugues, que era urn grupo de amadores, muito famoso, e neste grupo eu comecei a treinar teatro. , (7) J. Batista Borges Pereira, op. cit., pp. 87-88. {8) Depoimentos de Paulo Gracindn (IDART- RadiO Jovem Pan: hist6-

ria do radio); Heloisa Castellar (IDART: hist6ria da telenovela); Fernando Balle-

roni (!DART: hist6ria da telenovela); Jose Castellar (IDART: hist6ria do rAdio e hist6ria da telenovela).

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Mas com muita sorte, porque jii na terceira p~a o Oduvaldo Viana me viu e perguntou se eu nii.o queria entrar para o teatro profissional, quando estreei com Dulcina Odilon. Dal entrei para o Procopio Ferreira e fiquei definitivamente no teatro. 0 Olavo de Barros, que era diretor de teatro e resolveu fazer radio, levar 0 teatro para 0 radio, me chamou para ir para a Radio Tupi, e come~amos a ler no microfone as grandes p~as que vinham fazendo sucesso no teatro."

"Eu comecei primeiro em publicidade. A Standart era a W!ica empresa de propaganda que tinha urn departamento de radio funcionando, e eu entao me entusiasmei muito pelo radio. Gostava muito, e fui para o radio por acidente. Faltou urn escritor, urn redator na estreia do programa da Elvira Rios, em 1943, na radio Cultura. A situ~ao estava preta, e e11 jii estava cismada hii muito tempo de escrever para o radio. Af como que bra galho eles me deram 0 programa." "Eu fui para a Tupi em 54. Fui para escrever novela sertaneja que eu jii escrevia na Radio Cultura desde 46, de 46 a 54. Acidentalmente entrei num programa de televisao que foi o Faldio Negro." "No principio eu trabalhei na Paramount FUmes. Do cil}ema passei para a radionovela porque era uma oportunidade, oportuuldade de emprego. Eu nuilca tinha ouvido uma novela, mas o fato e que eu trabalhava nessa companhia americana de filmes, e para ganhar urn pouqulnho mais passei da publicidade que era aquilo de que eu gostava para a programa~ii.o. Me disseram que havia uma agenda de propaganda procurando urn redator, e !a ful eu. Mas a Gessy resolveu fazer urna concorrencia multo forte para a Colgate Palmolive, e Iii fui eu fazer urn teatr0 da saudade, o Teatro Evoca~ao Gessy. Fiquei nesta !uta da Gessy com a Colgate uns seis meses mais ou menos. Depois disso fui trahalhar em propaganda. Veio entii.o a televisilo. Eu jii estava no radio ha bastante tempo ao surgir a PRF-3, a Televisii.o Tupi Difusora."

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Mobilidade que num primeiro momento pode ser '?~n­ sada como trafego entre areas diferenciadas, mas, eu diria, afins. A rela~ao entre radio e publicidad~ e organ!ca. Como .vimos, o siste!lla radiofonico _se_ CO!l<:r_e~!\ __ ak_ave~ ~o processo-a.e_- ~O!Ilercializa~ao. Por isso 0 campo do radto tern nas-agencias de publicidade, que controlava~ as :ve:bas dos anuncios urn dos seus p6los de estrutura~ao. E ISto que explica o' transitu, em duplo sentido, entre essas duas instancias. Joao Batista Borges Pereira mostra que e freqiiente encontrarmos nos meios publicitanos, radialistas ou exiadialistas:VO inverso nao e somente verdadeiro, mas necessario. Relacionamento que nao se restringia simplesmente a esfera comercial, mas se estendia muitas vezes a propria program~ao. As lembran~as de Jose Castellar e de l;leloisa Castellar _nos revelam, por exemplo, ~ p:esen~a _ deste misterioso americano, mister Penn,_ que tena vmdo de Cuba para administrar a conta de publicidade da Colgate Palmolive. Patrocinador inteligente e brincalhao, "mui~ vezes jogando com seus pr6prios caprichos, com suas bnncadeiras. A ponto de ter assistido a urn filme de Betty _Davis e ter cismado que deviamos p!agiar o Jilme. Eu ~sse: Penn, e a coisa mais facil do mundo. E ir ate a edttora Vecchi para a qual eu ja havia tr11duzido vari?s livros ~ pedir autoriza~ao. A editora Vecchi iinha pubhcado, o _llvro, nao seria tao mal. Ele disse: nao. Eu quero urn plagto. Se e baseado em tallivro, deixa de ser111a_gio" .'"Mister Penn, que junto com sua equipe freqiientava o cha das. ~co no Mappin, onde, segundo Heloisa Caste!l~r, se dectdtam_ sobre as novelas e os programas humonsticos que devenam ser levados ao ar. Acaso? Certamente que nao. 0 que ~s lembran~as revelam e o intrincamento entre as for~as publicitarias nacionais e internacionais, que nao sao meras abstra~iies, mas intperativos que se concretizam a;ra~es de atores socials pessoas de carne e osso. A referencta a Cuba tambem nio e casual. Basta recordarmos__que_~t~~cada

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(9) Ver Joio Batista Borges Pereira, Cor, Profissiio e Mobilidade ... , op. cit.

(10) Depoimento de Jose Castellar (IDART: hist6ria da telenovela).

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de 50 este pais tinha uma posi~iio privilegiada na America Latina, e mesmo no mundo, no que diz respeito a seu sistema de radiodifusao. Ja em 1933 Cuba e o quarto pais; depois dos Estados Unidos, Canada e Uniiio Sovietica, com · o maior numero de est~iies de radio. Como observa Oscar Luiz Lopes, "esta ampla rede de radiodifusiio produziu o desenvolvintento de urn pessoal artistico e tecnico especializado que saiu com freqiiencia de Cuba para ocupar posi~oes destacadas na radiodifusiio de quase todos os· paises da , America hispanica, e introduziram ou ampliaram os estilos artisticos e metodos de trabalho, dando a radiscar Luiz- Lopes, La. Radio en Cuba, Havana, Ed. Letras Cubanas, 1985.~( ( 12) Ver Reynaldo Gon~alves, op. cit.

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tarios. Walter Clark inicia sua carreira como escritor de radio trabatha na agencia Interamericana e so depois se deslo~a para a TV Rio, onde se transforma em diretor de vendas. Boni trabalhava na parte de cri~ao da Lintas, esteve na TV Rio e na Radio Bandeirantes antes de se fixar na Rede Globo de Televisao. 13 0 itinerario de uma pessoa como Arquimedes Messina e revelador: cantor, ator de radio-teatre, .g~!:!. de radionovele, compositor de musica de. carnava( termina sua carreira como publicitano, especiali- · zando-se em jingles . 14 Os exemplos poderiam ser multipli- · cados. Eles certamente eXpressam uma vivencia unica, pessoal, mas a trama dessas lembran<;as aponta para este tra<;o social mais amplo, o da mobilidade entre as areas da publicidade e da produ<;lio cultural. Mobilidade entre setores culturais, pois tanto o radio quanto a televisao tern que buscar mao-de-obra nos esp~
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era inviavel, e se encontrava socialmente restringida. Pessoas como Walter Durst e Cassiano Gabus Mendes trabalharam em programas como o Cinema em Casa, filme feliniano sem imagens, que transmitia pelo radio a dramaticidade do que era exibido nas telas. Ja na decada de 40 e possivel perceber no radio uma nitida diferencia<;lio de legitimidade cultural. 0 radio-teatro eo cinema falado se aproximam do polo da modemidade mais culta, ficando os shows de auditorio e os programas humoristicos no segundo plano. 0 proprio Durst nos conta como este capital cultural !he foi importante para seu ingresso na televisao. "Quando veio a televislio, eu especialmente tinha urn conceito de urn · produtor assim pra frente, inovador. Eo Cassiano tambem era urn produtor moderno. Entao fomos procurados pelo· · ., ... Dermival Costa Lima. No primeiro dia da televisao eu fui convidado a fazer urn programa e o Cassiano af ja era o assistente do diretor maior."" Fluxo entre setores, do radio para a televisao, que mostra que a experiencia de uma area deve ser deslocada para enfrentar as exigencias das novas tecnologias, mas que parece obedecer a certas clivagens que haviam sido anteriormente gestadas. 0 teleteatro encontrara em Durst urn de seus idealizadores mais serios e competentes. Ja Castellar sofrera uma desvaloriza<;ao de seu capital inicial. Radicando-se no periodo do radio junto a radionovela Iatino-americana, ele continuara este trabalho na · televisao com as telenovelas. 0 testemunho de Manoel Carlos sugere de forma bastante aguda esta ruptura que existe entre linhas de atua<;lio cultural. "A televisao brasileira foi basicamente feita pelo pessoal do radio, diferente da televis~? tJ:ancesa, inglesa, italiima e mesmo da americana, que fo1 fe1ta pelo pessoal do cinema e do teatro. Todos os escritores, atores, diretores de programas radiof
(13) VerA Vida de WalterClark,op. cit.

(14) Depoimento de Arquimedes Messina (IDART: mUsica publicitaria_ de Sao Paulo).

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( 15) Depoimento de Walter Durst (IDART: hist6ria da telenovela).

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de muito menos forma.;ao do que o pessoal do teatro ou pouco urn ate sao televi uma o cinema, e isso criou no com~ mediocre." 16 Preconceito? Certamente, mas que revela urn tra<;o social da forma<;ao dos proprios meios de comunica.;ao na sociedade brasileira. Essa mobilidade inten sa entre setores significa, na verE dade, uma realiza<;ao incompleta das especializa<;Oes. trade io divisi uma cou claro que o advento dos media impli balho mais acentuada, surgem os programadores, os redatores, os apresentadores, os diretores comerciais, etc. Maria Elvira Federico observa com razao que o processo de "proefissionaliza.;ao" ocorre sobretudo junto as grandes empr e Mas si!?) itii.r:ia sas de radio ampa radas pelas verbas public profis aos r referi se ao sintomatico que a autor a use aspas ainda a aneci perm algo que -sionais desta epoca; ela indica no incomplete. 0 testemunho de Raul Duar te sobre o radio come"Ai tivo. suges e 40 de inicio e final da decada de 30 .;ou a aparecer urn elenco bern mais dilatado e a profissao de cantor, de progr amad or, de jornalista, enfim, do profis dizia or locut o te, amen Antig plo. exem sional do radio. Por de assim: vai partic ipar do programa desta noite a fulana conseu a prest que e Paulo tal, que e da sociedade de Sao Ia curso graciosamente. Entao nao era uma profissional, ia s depoi que o E . radio o r pra se exibir ou entao para ajuda amade Iugar e nao nos come<;amos a repudiar. Nao, aqui 30 dor." 18 Nao resta duvida que comparado aos anos 20 e dor revela e mas lho, traba ha uma progressao da divisao do se que Raul Duar te fale em "profissionais do radio ", o que es fun<;i5 as ifica espec nao opOe aos que estao fora deles, mas consido Quan o. fonic no interior do proprio sistema radio deramos cada setor em particular, ou a rela.;ao entre eles, observamos que a mobilidade intern a e externa corres des. ialida espec das encia incipi uma a ponde na realidade As fun.;i5es sao diferenciadas, mas sao acumuladas pelos mesmos individuos, o que mostra que as profissi5es nao, es(16) Depoim ento de Manoel Carlos (FUNARTE). (17} Maria Elvira Federico. op. cit., p. 67.

(18) Depoimento de Raul Duarte (IDART: hist6ria do nidio).

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tao ainda cristalizadas enquanto capacidades especlficas vinculadas a uma unica pessoa. A carreira desses "profis, sionais" e reveladora. Janete Clair foi locutora, radio-atriz emar Wald a. novel radio de adaptadora de textos, escritora Sig]ione: locutor, radio-ator, diretor comercial e artistico da Radio Sao Paulo, homem de publicidade. Fausto Maicedo trabalhava na parte comercial e cantava, era organ do conta dava e zador da parte artistica da Radio Excelsior, noticiii.r:io sobre turfe. Mauricio Gama, que trabalhava na Radio Tupi, nos conta que "nao havia nem setor de jorna nada , radio lismo. Nao havia scripts, nao havia diretor de disso. 0 setor dejor nal era muito precario. E no meu setor, na parte politica, eu;cCplhia as informa<;i5es e eu proprio redigia, apresentava" .l')l Act1mulo de fun<;oes que normalmente se associava a -urria sobrecarga de trabalho. Walter Durs t e lvani Ribeiro / casi [o ; tempo o mesm chegavani a ter duas novelas no ar ao de atores de televisao atuava tambem no radio-teatro e nasradionovelas. Papeis diferenciados sao preenchidos simul ode plo exem por como duo, taneamente pelo mesmo indivi de - adaptador de textos, ou autor, e de dire<;ao. ·E o caso ao r Luga "Urn como velas Dionisio de Azevedo em teleno em i Vietr do Geral de "; Levou Sol", "Suspeita", "0 Vento o "A Unica Verdade", "A Ponte de Waterloo". 0 minim BasCiro como r direto que se pode dizer de urn adapt ador/ sini, que realizou "Ano s de Ternu ra", "Anos de Tormenta", "A Cidadela", e que se trata de urn "especialista" em A. J. Cronin. Nao que essas fun.;i5es em princlpio nao a pudessem ser realizadas conjuntamente, mas o que cham lho, traba de so exces a aten.;ao, e os relatos sublinham, e o o que mostra que de alguma maneira a sobreposi.;ao das a atividades estava vinculada a debilidade das empresas e Como jeito. uer qualq de necessidade de se realizar o servi<;o afirma Dionisio de Azevedo, o diretor de teatro era responsavel pelo figurine, pelo cenario, "por tu
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tellar: "Vodl s6 faltava varrer a emissora. Tudo o que eles podiam por no contrato eles punham. Entao nao escapava nada. Era ensaiador, era produtor, tudo, tudo. E ate exercer cargo de fun.;oes artisticas se a emissora quisesse, sem receber dinheiro nenhum". 20 Sao recorrentes as queixas em reJa<;ao a rna remunera<;ao, e OS relatos de vida revelam, inclusive, determinadas formas de contrata<;ao que estao mais pr6ximas da heran<;a patriarcalista da sociedade brasileira do que das necessidades do mercado. E o caso do chamado "a,cordo..de-eavalheiros" entre os donos das emissoras, pacto atraves do qual eles se comprometiam a nao empregar funcionarios que trabalhassem para o seu "concorrente". Este mecanismo disciplinava o mercado e possibiiitava ao empregador urn maior controle do sistema de cast, uma vez que os artistas tinham dificuldades em se definirem como "vendedores de sua forca de ·trabalho". As voca<;oes tinham ainda, de uma certa maneira, que ser ajustadas as necessidades reais das empresas. 0 testemunho de urn radialista nao deixa de ser humorado em rela<;ao a esta inversao de prioridades entre profissionaliza<;ao e objetivos da empresa. "Eu queria falar com voce, Cozzi, pra ver se tinha uma oportunidade pra eu cantar. Cantar, Silvino? Tire isso da cabe<;a; voce-vai sere humorista no Rio de Janeiro. Eu me ofendi com aquilo. Eu tinha a dimensao exata de que eu era_urn cantor. Mas, Cozzi, voce acha que eu sou humorista? E, Silvino, essas vozes que voce faz, essas cois.as que ;·o--...e tern jeito pra contar, o povo carioca vai adorar isso. Eu garanto que se voce quiser ser humorista, eu ja te dou hoje urn contrato de urn ano. com a Radio Nacional." 21 Mas nao e somente na area do radio e da televisao que vamos encontrar esta incipiencia da profissionaliza<;ao. 0 testemunho de Emil Farhat aponta para o mesmo problema. "Nao fui levado a propaganda pelo fascinio que esta profissao pudesse ter exercido sobre mim, mesmo porqtfe

na ocasiao eu ignorava totalmente o que era uma agencia de propaganda. Alias, nao e uma ignorancia tao escandalosa assim, porque na epoca, 1941, ainda estava tudo em termos de nebulosa intprovisa.,ao e amadorismo no setor. publicitario no Brasil. Fui ter a uma agencia chamada ·McCannErikson, de cuja existencia nao tinha nerihuma no.,ao, levado por urn amigo, a quem urn terceiro amigo solicitara que .!he indicasse urn camarada que tivesse uma reda.,ao razoavel, para ser testado." 22 Vamos encontrar urn quadro · identico no cinema. "Fui contratada para trabalhar na Vera Cruz assint que chegou o Oswald Haffenrichter. Os . tecnicos foram chegando aos poucos, e nao havia nenhum montador logo no inicio. Tambem nao queriam contratar nenhum daqui. Eles achavam que o pessoal do cinema brasileiro daquela epoca trabalhaV!l muito mal, OS tecnicos eram pessintos, nao queriam que trouxessem os seus maus habitos para a Vera Cruz. Mas Haffenrichter q_ueria come<;ar logo sem mais perda de tempo. Se nao tern urn montador nao faz mal, disse ele, me deem urn ajudante qualquer para que eu possa fazer o trabalho. Entao eu fui trabalhar com ele. Veja voce que absurdo: eu que nunca tinha visto de perto urn rolo de filme, ser a assistente de urn dos maiores montadores do mundo, premiado como Oscar. Mas na Vera Cruz as coisas eram assint ·mesmo, tudo muito precarlo, intprovisado." 23 Precariedade. A palavra recorrentemente e utilizada em todos os relatos, e pontua os testemunhos de atores, diretores, publicitarios, cineastas, tecnicos. E como se toda uma epoca pudesse ser resumida a ela. Num primeiro sentido pred.rio se vincula a esta incipiencia das especializa.,5es, o que faz com que varias lembran<;as passem a conceber o periodo como amadoristico, nao profissio~al. Mas a no.,ao de precariedade e mais abrangente, seria Interessante explora-la melhor. Urn exemplo sintomatico

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. (22) Depoimento de Emil Farhat, in Hist6n'a diz Propaganda no Brasil, p. 52. (23) Depoimento de LUcia Pereira de Almeida,. in Burguesia e Cinema: Caso Vera,Cruz, op. cit.• p. 94. '

~ Depoimento de lieloisa Castellar (IDART: hist6ria da telenovela).

op.

(21)> Depoimento de Silvino Neto, in R6.dio Nacional: o Brasil em Sintonia,

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op. cit., p.19.

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c~t.,

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diz respeito a implanta~ao da televisao. Dira Moises Weltman que "a televisiio brasileira nasceu sob o signo da improvisa~ao. Logo ap6s a TV Tupi, surgiu no Rio a TV Rio, mais precaria e improvisada, se isso e possivel, do que a TV Tupi. A Rio foi uma est~ao que tinba tudo para niio dar certo. 0 predio niio era dela. 0 predio era do Correia da Manhii. 0 equipamento era o equipamento ja .usado pela TV Record, recondicionado e mandado para ca. Tudo usado, tudo caindo aos peda~os. 0 canal nao era dela, era da Radio Maua, que era uma entidade governamental que arrendava o canal para a TV Rio". 24 0 depoimento de Durst nao deixa de ser ironico e revelador. "Eu tenho uma teoria particular. Eu acho que o fato da televisao ter sido inaugurada com Jose Mojica, e patrocinado por uma goiabada, niio e s6 urn simbolo, mas urn dado hist6rico. Voce veja bem:foram escolher o Jose Mojica, mexicano-que se ·tornou famoso em Hollywood, cantor que de repente nao cantava mais, urn espadachim, urn latin-lover, que finalmente se tornou padre. Patrocinado por uma goiabada, que por sua vez era produto de uma familia nordestina, se nao me engano do Sergipe. A fabrica eles instalaram em Per· nambuco. Os doces eram tlio bons que eles enriqueceram."25 Mas, curiosamente, Durst conclui que o sonho de uma certa burguesia estaria representado no evento pela fabrica de goiabada. Boutade? Uma fabrica de goiabada, urn frei mexicano, a vontade pioneira de Chateaubriand. Elementos ins61itos que dificilmente fundariam a moderni· · dade da sociedade brasileira. Precariedade que se encontrava associada as dificuldades tecnol6gicas e materiais de uma "industria cultural" no Brasil: 26 "Naquele tempo, como o filme era menos sensivel do que hoje, a ilumina9ao era urn drama. Ainda mais no sistema de (24) Depoimento de Moises Weltman (FUNARTE). (25) Depoiinento de Walter Durst(IDART: hlst6ria da telenovela). (26) Depoinu:ntos de Sergio Hingst, in Burguesia e Cinema, op. cit., p.

159; Jose Castellar (IDART: hist6ria da telenovela); MArcia Real (!DART: hist6ria da telenovela); Benjamin Catan (hist6ria da" telenovela e do teleteatro).

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ilumin~ao

dos ingleses. Era aquela ilumin~ao cuidadissima que eles demoravam horas para fazer, enquanto todo mundo ficava a espera. As caminhadas eram feitas com do/lies porque naquela epoca ainda nlio tinha zoom; OS ato· res inexperientes tinham que andar em cima da marca, e numa velocidade tal que a camera pudesse acompanhar sem sair de foco, e sem sair da marca9ao de luz. Outro drama eram os closes. Todo mundo contraido, ficav11- com cara de tabua. Um diretor experiente tira urn close na montagem a partir de um movimento que conduz ao close; os diretores da Vera Cruz nao; punham a gente de cara pra camara, sem a menor prepar~ao que te desse urn impulso a partir do qual ancorar a tua presenc;a, e diziam, vai, agora fala."

. ''Nos nao tinhamos condi90es de nada em materia de externa. Tudo o que faziamos na questao da telenovela, era entre quatro paredes. Rarissimamente nos usavamos fil· mes. Numa epoca que nao havia video tape, tinhamos que improvisar no cen8.rio." "Voce ensaiava a semana inteira. Dai, no dia em que ia o

capitulo, vocS ia logo cedo pra est~ao. VocS chegava assim com vinte cabides. Senhora era uma p09a de {:poca. Inclusive eu usei pra casar Aurelia Camargo o meu vestido de noiva. Eu chegava com os cabides, com os sapatos, com tudo, porque ninguem dava nada."

"Eu lembro deter feitoA Dama das Camelias. Sem tapes, milhares de cenanos, ballets, dai p9r diante. A atriz que fazia era a Vida Alvez, e havia mudan9a de roupa, isso e inevitavel. Chegou o momento, estava correndo o tempo e a Vida foi para urn outro ceniirio enquanto corria uma outra ·cena. S6 que quando terminou a cena, e tinha que voltar pra Vida, simplesmente os alfinetes nao estavam funcionando certo, ela nao estava pronta, e n6s tivemos que ficar sobre uma grande camelia durante pelo menos uns dez minutos, uma camelia imensa, esperando que a atriz pudesse voltar a se colocar;''

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A leitura desses relatos pode mt.iitas vezes nos induzir a imaginar uma epoca em que "nada funcionava"' uma fase marcada pelo caos. Seria born nos desvencilharmos dessa imagem simplista, mas sem perdermos a riqueza de interpreta~ao que os testemunhos sugerem. Nelson Werneck Sodre dizia que desde a decada de 20 a imprensa brasileira passou a funcionar como uma "empresa mal estruturada", mas sempre como empresa. 27 Creio que esta tensao entre o "mal estt:Yfurad'J" mas "sempre uma empresa" nos remete a discussao anterior onde sublinhamos a existencia de urn hiato entre os objetivos empresariais e a incapacidade de eles se realizarem plenamente. A ideia de precariedade exprime esta lacuna. 0 lado objetivo da sociedade nos indica a realidade concreta das empresas de cultura: agendas de · publicidade, radio, jornal, televisao, cinema; dados que apontam par.a a emergencia de uma sociedade urbana-industrial e que introduzem, nos anos 40, urn grau diferenciado de moderniza~ao. Mas as dificuldades financeiras, tecnol6gicas e materiais impoem uma resistencia ao desenvolvimento desse mundo moderno. Mario Ferraz Sampaio observa que 0 uso do gr'avador magnetico no radio somente surgiu no final da decada de 40 e come~o dade SO. "Antes disso a unica grava~ao usada nas emissoras era a de discos fonograficos, largamente servidos para compor programas de irradia~ao apen~.s com discos; a produ~ao nacional dos mesmos nao oferecia os ricos repert6rios disponiveis no mercado presentemente. As esta~oes de radio possuiam casts artisticos pani compor audi~oes ao vivo, pelo menos numa ter~a parte dos horarios de irradia~ao. " 28 Pode-se dizer o inesmo da televisao, mas cabe -oeste ponto uma compara~ao com o panorama nos Estados Unidos; ela e esclarecedora. 29 Nos Estados Unidos, entre 194S (27) Nelson Werneck Sodre, A Hist6ria da /mprensa no Brasil, op. cit., p. 409. (28) Mario Ferraz Sampaio, Hist6ria do Radio e da Televisiio no Brasil' e no Mundo, op. cit., p. 156. (29) Ver Muriel Cantor, Prime Time Television: Content and Control, Beverly Hills, Sage Publications, 1980; sobre o cinema, ver Thomas Guback, op. cit. Do mesmo autor pode ser encontrada uma interpretaorao mais recente das

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e 1950, toda a dramaturgia televisiva era produzida ao vivo em Nova Iorque. Porem, ja no principia da decada, observa-se urn deslocamento da produ~ao para a costa Oeste. Hollywood, que no inicio se colocara contra as grandes redes, aos poucos muda sua estrategia, e passa a vender velhos filmes· para a televisao, e alugar seus esrudios para fil- magens. 0 que se encontra por tras desta mudan~a de p6los de produ~ao sao interesses variados, mas no caso coincidentes, dos fabricantes de filmes de celulose e dos empresarios do cinema. Esses dois setores tern o interesse de manter a produ~ao filmica num patamar elevado, e se posicionam de imediato contrariamente aexpansao da industria televisiva, que ve no videoteipe uma alternativa para seu crescimento autonomo. Ironicamente, a acusa~ao de monop6lio que havia pesado na decada de 30 contra os conglomerados de cinema e agora revertida contra a televisao. Da mesma forma que os produtores independentes investiram contra os studio systems que monopolizavam o setor cinematografico, Hollywood critica a concentra~ao da produ~ao de filmes para televisao que se encontra exclusivamente nas maos das grandes redes. As leis americanas antitruste obrigam desta forma as redes a diversificarem sua produ~ao; Hollywood, com seus estudios, equipamentos e tradi~ao, aparece como uma solu~ao natural. No caso brasileiro nao possuiamos urn parque cinematografico desenvolvido, ou tra~os de uma industria aut6ctone de filmes de celulose. Os filmes tinham que ser importados, o que encarecia a produ~ao. Por isso eles s6 come~am a ser utilizados tardiamente na televisao, mesmo assim seu uso era restrito a certos programas jornalisticos. Ate mesmo na area publicitaria, que possuia maiores recursos, os filmes surgem somente no final da decada; durante os anos SO o que marca a publicidade e a garotapropaganda. Na ausencia do videoteipe, isto significava'que a televisao tinha que funcionar ao vivo. Existiam ainda pro.blemas relativos a propria utiliza~ao da tecnologia imporrelaor5es entre Hollywood e a industria da televisao em "Television and Hollywood Economic Relations in tlie 1970's", Journal of Broadcasting, Fall 1976, vol. 20, n? 4.

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tada. 0 testemunho de urn tecnico diz que "no comec;:o uma camara pesava. 70 quilos, nao tinha zoom, e precisava de tres pessoas para maneja-la". Limitac;:oes que, somadas as outras, dificultavam o aprimoram ento da qualidade e impossibilitavam a filmagem de cenas exteriores, como reclamava o testemunho de Jose Castellar. Os depoimentos de Marcia Reale de Benjamin Catan tern urn carater anedotico. Eles contam as peripecias de uma atriz qui! procura contornar os problemas de figurino de uma "empresa mal estruturada ", as improvisac;:oes de urn diretor de teatro sem recursos tecnicos que se ve na posi~;ao de "inventar" no cenario. Tais exemplos poderiam ser multiplicados. Na area da publicidade se tornaram conhecidas as gafes das garotas-pro paganda. Roberto Duailibi relembra urn episodio: "a garota-prop aganda falava do sofa-cama Probe!, que facilmente transforma seu sofa em cama e vice-versa. Quando ela foi demonstrar o produto, o sofa acabou emperrando e nao se transformou em cama. A garota forc;:ou, for<;ou, ate que apareceu urn bombeiro para ajuda-la". 30 Mas por que prestarmos atenc;:ao a esses casos insolitos? Eu diria porque eles sao repetitivos, aparecem freqiientemente nos depoimentos, e se espalham pelos diversos setores culturais: radio, televisao, cinema, publicidade. Existe sempre uma situa<;ao anacronica , proxima da farsa, que exige dos personagens envolvidos uma improvisa~;ao. E claro, todo fato anedotico e urn refor<;o da individualidad\! daquele que participou da cena como testemunha ocular. Ao vivenciar uma situa<;ao determinada, o individuo que relembra transmite uma familiaridade com a historia que dificilmente poderia ser expressa por alguem que lhe fosse exterior. E como se ele nos dissesse: eu "estava la", "vi com meus proprios olhos" como as coisas se passavam. No entanto, se deixarmos de lado este elemento de valoriza~;ao pessoal, creio que e possivel aproximar essas "gafes" do quadro que vinhamos considerando. No fundo a taxa elevada de anacronismo pode ser compreendida quan(30) Depoimento de Roberto Duailibi, in "Trinta Anos de Televisao", Briefing, op. cit., p. 10.

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do contraposta a precariedade tecnologica, financeira e empresarial que sublinhamos. Ela e urn momento particular da sociedade onde as "falhas" sao tantas que dificilmente poderiamos explica-las como urn fato ocasional. Ha uma necessidade do acaso. Nessa fase de pioneirismo, onde as coisas ainda estao por construir, a iniciativa individual e fundamental, ela e parte integrante das estruturas que "funcionam mal". A improvisa<;ao e nesse sentido uma exigencia da epoca. As anedotas denotam essa incongruencia entre "ter que funcionar" e "funcionar bern"' tornando comica a tensao entre duas for<;as que em principio deveriam fazer parte da mesma unidade. Se podemos dizer que a ideia de precariedade caracteriza a epoca, nao deixa de ser verdade que ela encerra em si uma contradi<;ao. A improvisa~;ao pode ser considerada pelo lado das dificuldades materiais e economicas, mas ela possui uma outra dimensao,- a da criatividade. 0 advento de novas formas de produ<;ao e de difusao cultural demandam dos homens que vivem o periodo uma imagina<;ao que venha suprir nao so as falhas que apontamos, como tambern preencher esse novo espac;:o que emerge com as tecnicas de comunica~;ao e de produc;:ao industrial. No caso do radio, por exemplo, foi necessaria toda uma transforma<;:ao da linguagem radiofOnica, que ate os anos 20 e meados de 30 se apoiava numa forma de falar marcada pela dimensao litero-musical das empresas. Nesse sentido, os radialistas tiveram que romper com esse passado imediato e "inventar" urn outro estilo, diferente da "formula solene e amarrada" das radios educadoras . Jose Castellar nos conta ~. Qduvaldo Viana foi urn dos p~iia orainaturgia· ~.<:f.ar 0 sotaqtie portugues, que era consid.erad0.9 chique _ n'!9.1l.~~e~t~ o. "Sotaque que veio do teatro, desde o tempo de Leopoldo Froes, desde o Joao Caetano." 31 Da mesma forma, o advento da televisao demandava dos antigos homens do radio uma criatividade que nao encontrava normas estabelecidas que pudessem funcionar como guia. Apesar de nao existir urn forma to de televisao, os profissionais reve(31) Depoimento de Jose Castellar (!DART: hist6ria do r adio).

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lavam uma vontade grande de nao repetir neste novo veiculo as formulas ja testadas no radio ( o que nem sempre era possivel) . Ravia uma preocupa9ao em introduzir a voz. branca em oposi9li0 as inflexoes da VOZ do radio-teatro, em se produzir uma imagem "sem contra9oes musculares" em contraposi9ao ao modelo do teatro. Isso significa que o trabalho realizado, apesar de todas as dificuldades, era vivido __ _ pelos participantes de uma maneira intensa . . Varios testemunh.os · subli..-.:1hl'lm P-~se 1-a:do crilltivo e envolvente da . epoca(:0 "TV de Vanguarda, TV de Comedia, essas coisas eram grandes teatros. Me lembro, so pra citar a Dama das Camelias' que eu tive que decorar' eu acho em tres dias, talvez quatro, quinhentas falas. Entao era urn trabalho estafante, profundo, urn trabalho de comunica9ao total: o camera- - -man, a gente, o assistente de estudio, tinha que estar junto. Entao aquilo tudo era muito condensado. Agora, se algum detalhe nao sai a contento, e era obvio que muitas vezes nao saia, as coisas aconteciam porque nos eramos todos, nos eramos todos ciosos de fazermos televisao pela primeira vez." "Eu tenho sorte de ter feito televisao ao vivo, que foi uma escola extraordinaria, porque com· qualquer pife ou problema o espetaculo tinha que continuar. Com isto existia uma integra9ao do ator com os t~cnicos, os cameras, o diretor de TV. Estabelecia-se urn dialogo entre o cameraman e o ator, urn compreendia o outro sem palavras, tal o empenho no trabalho. Naquela epoca, no final do espetaculo, com problemas ou sem problemas, todos davam urras, faziam comentarios de todas as seqiiencias, todos integrados, ao contrario de hoje onde tudo e realmente muito frio. Naqueles anos a televisao era realmente urn trabalho de equipe, de conjunto, e em condi96es nao invejaveis, pela tecnica ainda inicial."

" Eu acho que o cinema foi realmente minha paixao. Entao eu fui me formando no radio, e surgiu urn programa que miraculosamente juntou tudo isso [ sonoplastia e cinema]. Era urn program a chamado Cinema em Casa, feito e criado pelo proprio Otavio Gabus Mendes. Quando ele passou para uma outra radio, ficou sendo feito pela Ivan~ Ribeiro, e depois caiu nas minhas ma6s. Era precisamente a copia de urn filme pelo radio. Loucura, ne? Voce ve, era urn filme reduzido a sons, urn cinema pra cego, em ultima analise. Agora eu mo9o, enlouquecido, apaixonado pelo som, me fascinei pela ideia, e fazia aquilo com urn fanatismo assim, · sabe?, e levava aquilo a serio mesmo, gostava daquilo." Criatividade que demandava de uma pessoa como Durst a ida freqiiente ao cinema para copiar, durante a -- proje9ao, os dialogos que seriam transformados em· sons. Criatividade que e:idgia dos atores uma dedica9ao pessoal que contrasta com o acumulo de trabalho, a rna remunera9lio e as condi9oes materiais existentes. Cassiano Gabus Mendes, ao se referir as experiencias da epoca, afirma que " a televisao era em si urn laborat6rio, e ao mesmo tempo urn brinquedo, e aqueles profissionais de radio, acostumados a lidar e dominar o som, atiravam-se como .crian9as a maquin~ria de imagens; muitas vezes, depois da programa9ao estar encerrada, atravessavam a noite em exercicios, pois aquelas horas tardias podiam brincar a vontade, e ninguem achava ruim'; . 33 \0 quadro evocativo e certamente romantico, mas ele nao deixa de exprimir uma faceta da realidade, a ideia de gratuidade que existia em rela9ao ao trabalho realizado. 0 depoimento de Vida Alves refor9a essa dimensao quando estabelece uma distin9ao entre o tempo da rotina, necessaria para a realiza9ao de qualquer atividade, e urn tempo "estafante" mas profunda. Tempo denso, que congregava as pessoas numa atividade apaixonada, realizada na precariedade das condi9oes da epoca. Por isso a atriz, quando compara a epoca aos dias atuais, ("

(32) Depoimentos de Vida Alves, Gianfrancesco Guarnieri, Walter Durst (!DART: hist6ria da telenovela)_

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-

~~ Depoimento de Cassiano Gabus Mendes, in 0

op. cit., p. ~ l.

Teleteatro Paulista_.. ,

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diz que "alguma coisa se perdeu no caminho". Como Guarnieri, que percebe uma diferenc;a entre urn tempo " quente" e outro "frio". "Hoje e diferente. 0 progresso da tecnica fez o trabalho muito mais impessoal, mais industrial. Quanto melhor o equip amento, mais frio eo convivio." 34 Nao deixa de ser sintomatico encontrarmos nos depoimentos esta relac;ao entre impessoalizac;ao e tecnica. Os profissionais do radio, quando se referem ao ambiente de trabalho da cpoca, 0 qualificam como "gostoso"' "criativo", em contraposic;ao a nova tecnologia que surge na decada de SO, a televisao . .0 contraste e analogo, uma vez que a televisao e vista como algo mais "medinico", "frio", atribuindo-se ao radio determinadas qualidades como a imagetica, que em principio nao se restringiria aos profissionais, masse estenderia ao ouvinte que tinha a liberdade de imaginar os personagens a partir das vozes que ouvia . .No caso da tele0.sao, a oposic;ao quente e frio se aplica as duas fases distintas: antes e depois do videoteipe. 0 testemunho de Geraldo Vietri, quando se faz na Tupi a primeira experiencia de utilizac;ao dessa nova tecnica, e sugestivo: "Aqui termina a televisao brasileira. Em primeiro lugar o ator nao precisa mais ter talento para interpretar, pode ser fabricado. Na epoca era preciso uma Laura Cardoso para fazer urn teatro de duas horas ao vivo. Hoje qualquer Joana da Silva que consiga dize"r bom-dia e uma estrela. 0 videoteipe foi para a televisao brasileira urn grand~ mal irreparavel. Achei pavoroso aquele invento maldito." 35 E claro que es!a oposic;ao entre VT e ao vivo nao se sustenta, a nao ser na base de uma argumentac;ao ideol6gica. Zulmira Tavares tern razao quando critica esta tendencia entre os cineastas, que atribui muitas vezes a filmagem ao vivo uma capacidade mistica de captar o real. 36 0 videoteipe, pela sua frieza e capacidade tecnol6gica, introduziria uma deformac;ao do

real, que em principio seria descrito na sua essencia quando trabalhado "ao vivo", na sua espontaneidade. Sabemos que faz pouco sentido buscarmos as explicac;5es da impessoalidade das relac;oes entre os liomens, no tipo de tecnologia empregada. No entanto, o que os relatos sugerem, mesmo quando equivocados no diagn6stico, e que, de fato, toda uma forma de se relacionar com a produc;ao cultural se transformou. 0 espac;o da criatividade, que em ultima instaricia dependia da precariedade do momento, e substituido por novas exigencias que, como veremos, sao agora atributos de uma sociedade industrial que deixa de lado a sua incipiencia. .

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(34) Depoimento de Guarnieri (!DART: hist6ria da telenovela). (JS). Depoimento de Geraldo Vietri, in 0 Teleteatro Pau/ista , op. cit. , . pp. 46-47-. (36) Ver Zulmira Tavares, Circunstiincia e Crftica: Vfdeo e Cinema no Brasil, 1980, mimeo.

* * * 0 tema da criatividade tern chamado a atenc;ao de varios soci6logos e criticos. No caso da musica brasileira, Jose Miguel Wisnik observa que ela forma urn sistema aberto " que passa por verdadeiros saltos produtivos, verdadeiras sinteses criticas, verdadeiras reciclagens: sao momentos em que alguns autores, isto e, alguns artistas, indiviqualmente e em grupo, repensam a economia do sistema". 37 E .o au tor aponta algumas expressoes dessa criatividade musical, a bossa nova e o tropicalismo. Quais sao, porem, as condic;oes sociais que possibilitam esses "saltos produtivos", ou seriam eles mera decorrencia da inspirac;ao artistica? A pergunta e sugestiva, ela nos permite voltarmos as preocupac;oes levantadas neste capitulo. 0 historiador da cultura que urn dia tiver a oportunidade de se debruc;ar sobre o periodo que vai de 1945 a 1964% decididamente nao deixara de notar que se trata de urn · momento de grande efervescencia e de criatividade cultural. E como se uma fase da hist6ria concentrasse uma soma ·variada de expressoes culturais. Paulo Emilio Salles Gomes percebe com clareza, quando analisa o Cinema Novo, que (37) Jose Miguel Wisnik, "0 Minuto eo Milenio ou Por Fa~or, Profes~or, uma Decada de Cada Vf?:I." , in Anos 70 - Musica Popular, R1o de Jane1ro, Europa, 1980, p. 15.

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·ele "e .p arte de uma corrente mais larga e profunda que se exprimiu igualmente atraves da musica, do teatro,' das Ciencias Sociais e da literatura. Essa corrente- composta de espiritos chegados a uma luminosa maturidade e enriquecida pela explosao ininterrupta de jovens talentos - foi por sua vez a expressao cultural mais reguintada de urn amplissimo fenomeno hist6rico nacional" f~o Brasil desses anos realmente vive urn processo de renova~ao cultural. Urn cientista politico logo ohservaria que este intervalo de tempo corresponde a urn dos poucos periodos democraticos vividos .pela sociedade brasileira. Ele certamente teria razao, e poderiamos acrescentar que entre 1964 e· 1968 (o tropicalismo e uma manifesta~ao tardia), apesar do golpe militar, o espa~o de liberdade de expressao continuou a vigorar por urn tempo a mais, uma vez que Q Estado autoritario, no inicio, se voltou para a repressao dos .Sincifcatos e das for9as --politicas que lhes eram adversas, s6 depois e. que o AI-S.. estendeu suas presas sobre a esfera cultural. A explica~ao em si faz sentido, mas seria ela suficiente? Penso que nao. As manifesta~oes desses novos fatos na sociedade brasileira sao tantas que e preciso procurarmos por razoes mais estruturais para entende-las. Urn primeiro fator a se considerar e a forma~ao de urn publico, que sem se transformar em massa define sociologicamente o potencial de expansao de atividades como o teatro, o cinema, a musica, e ate mesmo a televisao. Vimos como o teleteatro, dirigido para urn publico restrito, pOde ·mscrever no seio do sistema tefevisivo uma 16gica estranha a da comercializa~ao pura e simples. No caso do TBC, e importante sublinhar que ele surge num momento que profissionalmente se pode produzir pe~as teatrais para uma audiencia especifica, mas consideravel, formada pelas camadas urbanas medias. Alberto Gusik, quando retoma o teatro amador da decada de 30 e meados dade 40, coloca clal'amente essa questao. Citando o testemunho de Gustavo Doria, ele descreve o quadro dos problemas da epoca. "Ra-

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via dois pontos a considerar: primeiro, a conquista da plateia pequeno-burguesa que nao freqiientava habitualmente o teatro porque o que lhe era oferecido nao corre~pondia aos seus apelos, o que acontecia com os elencos franceses, italianos ou portugueses que por aqui passavam. Segundo, e como decorrencia desse primeiro, tornava-se imperioso _____oferecer .textos de_melhor qualidade do que os que eram geralmente apresentados." 39 A conquista de ~rna plateia e - --- ----· fundamental para que o teatro possa se estabelecer .como "empresa" de arte; o TBC dara urn passo importante nesta dire~ao. Nao e por acaso que .a discussao entre artistas e intelech!_ais ligados ao meio teatral gira em torno da ques-tao do publico. Guarnieri, por exemplo, critic a os valores burgueses do TBC, reivindica urn teatro popular, sonha em atingir as grandes massas, mas reconhece a impossiQ.ilidade disso no contexto em que vive. Por isso ele dira que '·'na · - --- -presente conjunturaJeatro para 0 povo e uma utopia" (no , sentido negativo do hirmo). Boal tambem distingue a hist6ria do teatro brasileiro em tres fases: o teatro alienado, teatro autentico, o teatro popular.40 0 primeiro encontra no \ TBC o seu modelo mais bern acabado, apresentando pe~as " alienadas", que nao discutiam a realidade nacional para uma audiencia burguesa; o segundo tern o Arena como referenda, e se conforma com urn publico "classe media". CaC' beria a ultima forma teatral encontrar junto as massas uma nova forma de expressao; este e o caminho por onde seguira posteriormente o' CPC da UNE. · Independentemente da argumenta~ao politica apresentada, a questao do publico e central. Uma plateia que deve responder aos apelos, seja da ostenta~ao burguesa, do nacionalismo classe media, ou do revolucionarismo das classes populares. Este publico operario, e claro, nunca se constitui sociolog1camente,. mas nao resta duvida que, mesriio encerrado ern seus limites, as camadas medias pos-

o

(39) Cita~lio in TBC: Cronica de um Sonho, op. cit., p. 8 .

(38) Paulo Emilio Salles Gomes, Cinema: Trajet6ria no Subdesenvolvimento , Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, p. 82.

.-@ Ver Gianfrancesco Guarnieri, "0 Teatr? _como Expressao. da Reali·

dade Nac10nal", e Augusto Boa!, "Tent
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sibilitaram .l.lm substrata para o florescimento da propria ·Bras1C 0 que vale para o teatro, creio se arreteafral aplica a-oU'tras areas. Roberto Schwarz, descrevendo a efervescencia dos anos 60, caracteriza impressionisticamente esse publico formado por estudantes, artistas, jornalistas, arquitetos, sociologos, economistas, parte do clero, e de esquerda, "numeroso a ponto de formar urn born mercado que produz para consumo proprio"\~ As produ~oes culturais encontram, pc.rtanto, no periodo considerado urn publico urbano que nao existia anteriormente, formado pelas camadas mais escolarizadas da sociedade (exemplo: os universitarios). Mas enecessaria ir mais longe, aprofundarmos a quespara isso de retomar a discussao sobre o MoGostaria tao. dernismo. Perry Anderson, referindo-se a esse movimento, sugere uma mterpreta~ao interessante para a emergencia desse c;onjunto de praticas e doutrinas no contexto europeu. Ele percebe o surgimento dessa modernidade associada a tres coordenadas no campo social. A primeira diz respeito a urn passado classico, altamente formalizado nas artes visuais e institucionalizado pelo Estado. Este passado cumpriria uma dupla fun~ao: ele e fonte de tradi~ao artistica e referenda obrigatoria para os criticos do academicismo oficial. " 0 academicismo forneceu urn conjunto critico de valores culturais contra os quais podiam medir-se as formas insurgentes de arte, mas tambem em termos dos quais elas pcdium articular-se parcialmente a si mesmas." 42 A.__g;_ gunda coordenada esta vinculada as inova~oes tecnologicas que cc;nhece a sociedade europeia neste periodo - telefonia, fotografia, telegrafo, automovel, aviao - , mas que se encontram ainda restritas a urn pequeno grupo da sociedade. Ate 1914, essas transforma~oes nao atingem a massa da popula~ao, e a propria sociedade nao se configura ainda como de consumo. Ao terceiro elemento Perry Anderson

no

.

----·

{41 ) Roberto Schwarz, "Cultura e Polltica, 1964-1969" , in 0 Pai de Fa· miliu , Rio de Janeiro, Paze Terra, 1978, p. 62. (42) Perry Anderson, " Modernidade e Revoluc;ao", Novas Escudos CEBRAP, n? 14, fevereiro de 1986, p. 8.

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denomina " proximidade imaginativa da revolu~ao social" , ou seja, existiria "no ar" uma esperan~a de transforma~ao politica que habitava diferentes setores sociais. Por isso ? autor pode afirmar que "o modernismo europeu ·.nos pnmeiros anos deste seculo floresceu no espa~o situado entre urn passado classico ainda utilizavel, urn presente tecnico ainda indeterminado e urn futuro politico ainda imprevisivel". "'~ Gostaria de partir desta 'Sugestao e encaminhar a reflexao que vinha desenvolvendo. 0 passado cl~ssico nos nao possuiamos. :No Brasil, como vimos, existiu uma correspondencia historica entre q . desenvolvimento de uma cultura de mercado incipiente e a autonomiza~ao de uma esfera de cultura universal. Dois acontecimentos simbolizam bern essa simultaneidade: a funda~ao do Teatro Brasileiro de Comedia e o advento da televisao, eventos que se seguem no curto espa~o de dois anos. Foi este fenomeno que permitiu urn "livre transito", uma aproxima~ao de grupos inspirados pelas vanguardas artisticas, como os concretistas, aos movimentos de musica 44 popular, bossa novae tropicali~mo. 0 exempl~ ~a bossa novae singular. Ela certamente mcorpora uma sene de elementos que dizem respeito a racionalidade da sociedade e ao mercado, desde o jazz , internacionalmente importavel, ate pequenas mudan~as na apresenta~ao grafica dos discos. Julio Medaglia observa que a bossa novae responsavel por esta transforma~ao das capas dos LPs, que se tornam graficamente mais modernos, isto e, adaptados ao gosto das c~­ madas medias urbanas escolarizadas. Este processo de racionaliza~ao se estende ate mesmo aos nomes dos novos LPs: "Samba Nova Canc;:ao", "Novas Estruturas" , "Evolu~ao", "Esquema 64", "Movimento 65". Non:es _conciso~, que lembram a economia de linguagem das agenctas pubhcitarias; mas Medaglia tambem chama a atenc;:ao para o fato de que, ao lado desse movimento de r~cionalizay~o semantica, encontramos expressoes que revelam o espmto de . . (43) Idem,"p. 9. (44) Sobre a relac;ao entre o concretismo, a bossa nova e pnncJpalmente tropicalismo, ver Lucia Santaella, Convergencias, Sao Paulo, Nobel, 1986.

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renova~ao

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"Avan~o",

"Revolu~ao",

"Impa~t?", ''V an~uar~a". E compreensiyel o interesse que os mustcos erudttos tern pela bossa nova, eles valorizam esse movimento musical na medida em que esta ligado a urn esfor~o de pesquisa sonora mais sofisticado que rompe com os padroes do passado, propondo urn novo ritmo uma nova forma de arranjo, uma outra maneira de cantar, 'urn ~canto -­ falado" que se distancia do "d6 do peito". Por isso eles a comparam a musica de camara. Brasil Rocha Brito diz que "a bossa nova apresenta varios pontos de contato com a musica erudita de vangu.arda p6s-weberiana, e, de urn modo geral, com o Concretismo nas artes". 46 Ponto de intersec~ao entre esferas de ordens diferentes, a bossa nova se exprime como urn produto "popular-erudite", manifestando urn novo tipo de musicalidade urbana. 0 presente tecnico ainda indeterminado, n6s o possuiamos em demasia. Este ponto ficou claro em nossa discussao sob_re a precariedade da industria cultural e a incipiencia da soctedade de consumo. Incipiencia que permite aos grupos talentosos se expressarem inclusive no interior dos chamades ·:~eios_de comu-?-ica~ao". As novas tecnologias, radio, t~~ev1_sao, cme~a, ~1sco, abriram perspectivas para expenenctas as mats dtversas possiveis. 0 experimentalismo possuia duas faces: uma negativa, referente ·as dificuldades prop~ia~ente tecnicas dos profissionais; outra positiva, relatlva a busca de solU<;oes novas, as vezes engenhosas, p_ara se contor~r os problemas enfrentados. Penso que o c~nema novo_ d~sfruta dessa "abertura precaria" que a soCledade braslle1ra oferece no periodo que a estamos considerando. Fruto do desenvolvimento tecnol6gico do cinema no inicio da decada de 60, herdeiro das experiencias cinematografic~s dos anos anteriores, o cin~_a E.QY9_~~~ _p.ressa.e~t_etlcamente como uma pratica de autor que se con..:_., trapoe ao processo de industrializa~a,o cinem~tografi~a. e vanguarda: 45

(45) Julio Med.aglia1 "Ba!an~o da Bossa-Nova", in Augusto de Campos (org.), BalanfO ~e Bossa e CJ_utra~. Bossas, Sao Paulo, Perspectiva, 1978, p. 98. p. _ (46) Bras1l Rocha Bnto, Bossa-Nova", in Balanfo da Bossa, op. cit., 27

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Sua luta contra o Institute Nacional do Cinema, criado em 1966, nao e simplesmente ideol6gica, ela se sustenta tambern sobre uma perspectiva que colide com a ideia de uma arte industrial voltada para o consume. Enquanto os.representantes do Institute Nacional do Cinema, responsaveis por uma politica estatal de industrializa~ao do cinem_a, percebem o filme como urn produto de consume, os cmema-____ _ novistas o concebem como materia de reflexao estetica e politica, inspirando-se num movimento como a nouvelle vague. Glauber Rocha e urn critico do "cinema digestive", facilmente assimilavel pelo consumidor, da mesma forma que OS cineastas que S~ contrap6em a "chantagem do pU· . blico a qualquer pre~o". 4_) Mas como entender as condi<;6es sociais que permitem o surgimento de urn cinema criativo como este? A analise -- - que Prokop elabora do neo-realismo italiano e esclarece- -- - - --dora. Ele mostra que a consolida<;ao deste movimento possuia os seguintes pressupostos: "Em primeiro Iugar, urn grupo de artistas que havia se formado ainda durante o fascismo no Centro Sperimentale e eram orientados a uma critica social; acrescido a isto, ap6s 1945, urn clima politico 'que por urn momento excluia a censura cinematografica por parte do Estado . 0 fator estrutural mais importante que favoreceu particularmente o surgimento do neo-realismo era, entretanto, a estrutura polipolista da industria cinematografica: a industria italiana era, entre 1949 e 1950, relativamente fraca e diluida em uma serie de pequenos produtores. Isto significa que a industria cinematografica como urn todo era pouco organizada para, no caminho de uma auto-organiza<;ao, atribuir-se a autocensura, que impusesse os interesses de toda uma industria cinematografica aos neo-realistas social criticos e artisticamente independentes". 48 Deixemos de lado a dimensao critica e politica, ela sera abordada logo em seguida. Do ponto de vista es-

(47) Ver Glauber Rocha, " Uma Estetica da Fome" , e "Manifesto Luz & in Arte e Revista, n? 1, 1979. ( 48) Dieter Prokop, "0 Papel da Sociologia do Filme no Monop6lio lnternacional", in Ciro Marcondes, op. cit., p . 49.

A~ao" ,

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trutural penso que as condic;oes que enfrenta o cinema brasileiro no final da decada de SO e inicio dos anos 60 sao semelhantes as do cinema italiano. Devido a incipiencia da industria cinematognifica, e possivel uma palavra de ordem tao utopica e artesanal como "uma camara na mao e uma ideia na cabec;a". Esse tipo de perspectiva corre fora dos trilhos de uma industria de cinema que concebe a produc;ao como urn processo industrial. E necessario dizer, ainda, que o ci!lema- novo, por causa da propria precariedade da industria cinematografica, nao encontra urn concorrente a altura, podendo escapar assim das pressoes que o Estado Ihe imp5e. A politica cinematografica brasileira esta no seu inicio quando se implanta o Instituto Nacional do Cinema; ela se concretizara realmente nos anos 70, com a ampliac;ao da EMBRAFILME. Os realizadores encontram, portanto, urn espac;o aberto para desenvolver seu projeto artistico. Mais tarde, quando a organizac;ao cinematografica brasileira se estrutura definitivamente, questao relevante sobretudo para OS financiamentos, e que as . tentativas desse grupo deixarao de existir, os cineastas sendo atomizados segundo o capital estetico que acumularam ao Iongo de suas trajetorias individuais. Resta-nos urn ultimo ponto, o da "proximidade imaginativa da revoluc;ao social". Eu traduziria esta afirmac;ao de Perry Anderson como efervescencia politica, que abria no horizonte a perspectiva de mudanc;as substanciais da socied<Jd~ brasiJ.eira, mesmo quando reivindicadas por grupos ideologicamente antagonicos. 0 periodo que consideramos e marcado por toda uma utopia nacionalista que busca concretizar a saida de uma sociedade subdesenvolvida de sua situac;ao de estagnac;ao. A criac;ao do ISEB foi talvez o ponto mais significativo deste tipo de expressao da questao nacional, e ira influenciar diretamete o debate e a produc;ao cultural. 49 Masse retomarmos a nossa ideia do Modernismo

como projeto, veremos que ate mesmo em setores diferenciados, que se degladiam, a presenc;a da questao nacional e fundamental para se equacionar uma perspectiva que viabilize a criac;ao de urn futuro. Muitas vezes, a discussao entre os poetas concretistas e os setores ditos nacionalistas e apresentada como se os primefros fossem realmente os criticos da questao nacional, abrac;ando a causa da internacionalizac;ao. Esquece-se, porem, que a propria ideia de "vanguarda construtiva e planificada" encerra em si a noc;ao de projeto, no sentido de planificac;ao que antecede todo urn movimento cultural; como este Plano Piloto da Poesia de Decio Pignatari, que nos lembra tanto as exigencias da epoca, a construc;ao de Brasilia e seu Plano Piloto. 0 proprio Haroldo de Campos, inspirando-se no conceito de reduc;ao socio16gica de Guerreiro Ramos, propoe urn "nacionalismo critico·" no campo da arte, onde seria possivel reinterpretar, numa situac;ao nacional, odado tecnico e a informac;ao universal. 50 Se ddxarmos momentaneamente de lado as diferenc;as que opoem os grupos que se defrontam, o que certamente darla urn magnifico estudo do campo intelectual, distanciando-se do calor da hora e das inclinac;oes ideol6gicas, podemos perceber que a questao nacional nela encerra ~oda uma gama de ilusoes e de esperanc;as. Ilusoes que hab1tam ate mesmo os seus adversarios, como esses tropicalistas que diziam que as engrenagens da indUstria da televisao poderia ser mudada a partir de dentro~,~~ ;Ou urn critico como Roberto Schwarz, que afipl.!ava na decada de 60 que o pais tinha ficado "inteligente". 5~as ilusao num duplo sentido. Primeiro, enquanto equivoco, incapacidade de se compreender as transformac;oes mais profundas que vinham ocorrendo na sociedade. Porem, ilusao que possuia bases sociais objetivas, e se enraizava na utopia de urn destino politico ainda imprevisivel. E impossivel compreendermos a

(49) Sobre a influencia do ISEB nos movimentos culturais, ver Renato Ortiz, C~lt~ra Brasileira e ldentidade Nacional, op. cit. Ainda sobre o ISEB, ver: Caio Navarro Toledo, ISEB: Fabrica de ldeologias, Sao Paulo, Atica, 1977; Va: nilda Paiva, Paulo Freyre eo Nacionalismo Desenvolvimentista, Rio de Janeiro, Civiliza~ao Brasileira, 1980.

(SO) Haroldo de Campos, "A Poesia Concreta e a Realidade Nacional'' • . . , . Arte em Revista, n? 1, op. cit. (51) Sobre o Tropicalismo, ver Celso Favareto, Trop1calta Alegona A 1e· gria , Sao Paulo, Kair6s, 1979. (52) Roberto Schwarz, "Politica e Cultura", op. cit.

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decada de SO e parte da de 60 sem levarmos em considera.~ao este sentimento de esperan~a e a profunda convic~ae de seus participantes de estarem vivendo urn momento particular da hist6ria brasileira. A recorrente utiliza~ao do adjetivo "novo" trai todo 0 espirito de uma epoca: bossa nova, cinema novo, teatro novo, arquitetura nova, musica nova, sem falarmos da analise isebiana calcada na oposi~ao entre a velha e a nova sociedade. A movimenta~ao politica, mesmo qua!~do i:dentificada c0 mo populista, impregnava oar, impedindo, por urn lado, aos atores sociais perceberem que sob seus pes se construia uma tradi~ao moderna, mas, por outro, lhes abria oportunidades ate entao desconhecidas. Nao deixa de ser significativo apontar que varias das produ~oes culturais do periodo se fizeram em torno de movimentos, e nao exclusivamente no ambito da esfera privada do artista. Bossa nova, teatro Arena, tropicalismo, cinema novo, CPC da UNE, eram tendencias que congregavam grupos de produtores culturais animados, se nao por uma ideologia de transforma9iio do mundo, pelo menos de esperan9a por mudan9a. Neste sentido podemos dizer que cultura e politica caminhavam juntas, nas suas realiza~oes e nos seus equivocos.

SEGUNDA PARTE

"Baby, bye, bye Eu acho que vou desligar As fichas ja vao terminar Bye, Bye, Brasil A ultima ficha caiu Mas a ligacrao ta no fim" (Chico Buarque)

0 mercado de hens simbolicos Se os anos 40 e SO podem ser conside rados como mementos de incipiencia de uma sociedade de consum e, as · decadas de 60 e 70 se definem pela consolida~ao de urn mercado de bens culturais. Existe, e claro, urn desenvolvimento diferenciado dos diversos setores ao longo desse periodo. A televisao se concretiza como veiculo de massa em meados de 60, enquanto o cinema nacional somente se estrutura .: omo industr ia nos anos 70. 0 mesmo pode ser dito de outras esferas da cultura popular de massa: industria do disco, editorial, publicidade, etc. No entanto, se podemos distingu ir urn passo diferenciado de crescimento desses setores, nao resta duvida que sua evoluc;ao constante se vincula a razoes de fundo, e se associa a transforma~oes estruturais por que passa a sociedade brasileira. Creio que e posos como sivel apreendermos essas mudan~as se tomarm 1 do advento 0 64. de militar golpe o ponto para reflexao por ado: signific duplo urn verdade na possui Estado militar urn lado se define por sua dimensao politica; por outro, aponta para transforma~oes mais profund as que se realicapitulo (1) Retorno neste ponto minha argumentac;lio desenvolvida no "Estado Autoritari o e Cultura .. , in Cultura Brasileira e ldentidade Nacional, op. cit.

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zam no nivel da economia. 0 aspecto politico e evidente: 'repress'iio, censura, prisoes, exilios. 0 que e menos enfatizado, porem, e que nos interessa diretamente, e que o Es.tado militar aprofunda medidas economicas tomadas no .governo Juscelino, as quais os economistas se referem como ·" a segunda revoluc;ao industrial" no Brasil. Certamente os :militares nao. inventam 0 capitalismo,- mas 64 e um· mo-- - mento de reorganizac;ao. da economia brasileira que cada vez mais se insere no processo de internacionalizac;ao do capital; o Estado autoritario pertpite consolidar no Brasil o '"capitalismo tardio". Em termos culturais essa reorienta-c;ao economica traz conseqiiencias imediatas, pois, paralelamente ao crescimento do parque industrial e do mercado interno de bens· materiais, fortalece-se o parque indl!strial de produc;ao de cultura e o mercado de bens culturais. . _ Evidentemente a expansao das atividades culturais se faz associada a urn controle estrito das manifestac;oes que se contrapoem ao pensamento autoritario. Neste ponto existe uma diferen~a entre o desenvolvimento de urn mercado de bens materiais e urn mercado de bens culturais. 0 ultimo envolve uma dimensao simbolica que aponta para problemas ideologicos, expressam uma aspirac;ao, urn elemento politico embutido no proprio produto veiculado. Por isso, o Estado deve tratar de forma diferenciada esta area, onde a cultura pode expressar valores e disposic;oes contrarias a vontade politica dos que estao no poder. Mas e necessaria .en tender que a ceP..sura possui duas faces: uma repressiva, outra disciplinadora. A primeira diz nao, e puramente negativa; a outra e mais complexa, afirma e incentiva urn determinado tipo de orientac;ao. Durante o periodo 19641980, a censura nao se define exclusivamente pelo veto a todo e qualquer produto cultural; ela age como repressao seletiva que impossibilita a emergencia de urn determinado pensamento ou obra artistica. Sao censuradas as pec;as teatrais, OS filmes, OS livros , mas nao 0 teatro, 0 cinema OU a industria editorial. 0 ato censor atinge a especificidade da obra, mas nao a generalidade da sna produc;ao. 0 movi- _ ment o. culturaLpos.Mse..caracteriza..por..du~a.s..,ygt¥es que ~ sao excludent~~; pq_r _urn lado se~_defin.e~P~la ..repr.~ss~o_.

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ideologica e politica; por outro, e urn momento da historia brasileira onde mais sao produzidos e difundidoS os bens culturais. Isto se deve ao fato de ser o proprio Estado autoritario o promotor do desenvolvim.ento capitalista na sua forma mais avanc;ada. · Seria importante aprofundarmos mais a questao da c e nsura. Qualquer pessoa que se ~nteresse pela historia cultural brasileira deste periodo tern que enfrenta-la. 0 importante, porem, e dimensionar seus efeitos, e nao confundir sua atuac;ao to pica (que e real e consideraremos posteriormente no capitulo 6) e a dimensao estrutural do mercado de bens culturais. Tomemos como base de raciocinio a ldeologia da Seguranc;a Nacional, que constitui o fundamento do pensamento- mi11tar em relac;ao a sociedade. Resumidamente se pode dizer que essa ideologia concebe o Estado como uma entidade politica que detem o monopolio da coerc;ao, isto e, a faculdade de impor, inclusive pelo emprego da forc;a, as normas de conduta a serem obedecidas por todos. Trata-se tambem de urn Estado que e percebido como o centro nevra.Igico de todas as atividades sociais relevantes em termos politicos, dai uma preocupac;ao constante com ~ questao da "integrac;ao nacional". Uma vez que a sociedade e formada por partes diferenciadas, e necessaria pensar uma instancia que integre, a partir de urn centro~ a diversidade social. De uma certa forma, o que a Ideologia da Seguranc;a Nacional se propoe e substituir o papel que as religioes desempenhavam nas "sociedades tradicionais" . Nessas sociedades, o universo religiose soldava organicamente os diferentes niveis sociais, gerando uma solidariedade organica entre as partes, assegurando a realizac;ao de determinados objetivos. Nao e por acaso, quando lemos OS documentos dos militares, que toda sua apresentac;ao gira em torno de ideias como solidariedade (no sentido durkheimiano de coesao social) e " objetivos nacionais", isto e, as metas a serem atingidas. Procura-se garantir a integridade da nac;ao na base de urn discurso repressivo que e?rnina as disfunc;oes, isto e, as praticas dissidentes, orgamzando~as em torno de objetivos pressupostos como comuns e desejados por todos. No entanto, como observa Joseph Camblin,

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esse Estado de Seguran~a Nacional nao detem apenas o poder de repressao, masse interessa tambem em desenvolver certas atividades, desde que submetidas a razao de Estado.2 Recon_hece-se, portanto, que a cultura envolve uma rela~aode poder, que pode ser malefico quando nas maos de dissidentes, mas benetico quando circunscrito ao poder autoritario. Percebe-se, pois, claramente a importancia de se atuar junto as esferas culturais. Sera por isso incentivada a cria~ao de novas institui~oes, assim como se iniciara todo urn processo de gesta~ao de uma politica de cultura. Basta l:mbrarmos que sao varias as entidades que surgem rio ·penodo_- Conselho Federal de Cultura, Instituto Nacional do Cmema, EMBRAFILME, FUNARTE, Pr6-Mem6ria etc. Reconhece-se ainda a importancia dos meios de cornu~ nica~ao de massa, sua capacidade de difundir ideias de se c?~~.micar diret~mente co:n as massas, e, sobretudo, 'a posSlbihdade que tern em cnar estados emocionais coletivos. Com rela~ao a esses meios, urn manual militar se pronuncia de maneira inequivoca: "bern utilizados pelas elites constituir-se-ao em fator muito importante para o aprimoramento ~os componentes da Expressao Politica; utilizados tendencwsamente podem gerar e incrementar inconfor" . 3 0Estado deve, portanto, ser repressor e incenti: • m1smo vador das atividades culturais. Se compararmos a ditadura militar ao Estado Novo podemos apreender algumas analogias e diferen~as que esclarecem o papel do Estado em rela~ao. a cultura. Nas duas ocasioes, 37 e 64, o que define sua politica e uma visao autoritaria que se desdobra no plano da cultura pela censura e pelo incentivo de determinadas a~oes culturais. Da mesma forma que o governo militar desenvolve atividades na esfera cultural, Vargas cria uma serie de institui~Oes como o Instituto Nacional do Livro o Instituto Nacional do Cinema Educativo, museus, bibliotecas, alem de · """ (2) Ver Joseph Comblin, A ldcologia da Seguranr;a Nacional Rio de Ja. · ' neiro, Civilizac;ao Brasileira, 1980. (3) Manual Basico da Esco/a Superior de Guerra, Departamento de Es~­ dos MB-75, ESG, 1975, p. 121.

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sua atua~ao deciSiva na area do ensino. Ao lado dessa pleiade de prom~oes o bra~o repressor do DIP nao deixa de se manifestar. Talvez pudessemos dizer que o Estado militar tern uma atua~ao mais abrangente, uma vez que a politica cultural de Capanema tinha limites impostos pelo proprio desenvolvimento da sociedade brasileira. Porem, o que diferencia esses dois momentos e que em 64 o regime militar se insere, dentro de urn quadro economico distinto. A rela~ao que se estabelece, portanto, entre ele e os grupos empresariais e diferente, eu diria, mais organica, pois somente a partir da decada de 60 esses grupos podem se assumir como portadores de urn capitalismo que aos ·poucos se desprende de sua incipiencia. Os cientistas politicos tern insistido que o golpe nao e simplesmente uma manifesta~ao militar, ele expressa autoritariamente uma via de desenvolvitnento do capitalismo no Brasil. Esta afirma~ao, que no nivel da teoria politica e banal, se desdobra no plano hist6rico de forma concreta. 0 livro de Rene Dreifuss mostra detalhadamente como os interesses dos militares e dos empresarios brasileiros se articulam para a derrubada do regime de Goulart. 4 Os empresarios da esfera cultural parecem nao escapar a regra. Hallewel observa que entre o grupo de livreiros que financiaram as atividades do IPES estao a AGIR, Globo, Kosmos, LTB, Monterrey, Nacional, Jose Olympio, Vecchi, Cruzeiro, Saraiva, GRD . 5 Se lembrarmos que a partir de 1966 e dado urn incentivo real a fabrica~ao de papel, e facilitacaa a importa~ao de novos maquinarios para a edi~ao, percebemos que existe claramente uma gama de interesses comuns entre o Estado autoritario e o setor empresarial do livro. Talvez o melhor exemplo da colabor5p.o e!!~e
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Neste mesmo ano o Brasil se associa ao sistema intemacional de satelites (INTELSAT), e em 1967 e criado urn Ministerio de Comunica~oes. Tern inicio a constru<;ao de urn sistema de microondas, que sera inaugurado em 1968 (a parte relativa a Amazonia e completada em 70), permitindo a interliga<;ao de todo o territ6rio nacional. Isto significa que as dificuldades tecnol6gicas das quais padecia a televisao na decada de SO podem agora ser resolvidas. 0 sistema de redes, cencli~ao essencial !Jara o funcionamento da industria cultural, pressupunha urn suporte tecnol6gico que no Brasil, contrariamente dos Estados Unidos, e resu!tad6 de urn investimento do Estado. Nao deixa de ser curiosa observar que o que legitima a a<;ao dos militares no campo da telecomunica<;ao e a propria ideologia da Seguran<;a Nacional. A ideia da "integra<;ao nacional" e central para a realiza<;ao desta ideologia que impulsiona os militares a promover toda uma transforma<;ao na esfera das comunica<;oes . Porem, como siinultaneamente este Estado atua e privilegia a area economica, OS frutos deste investimento serao colhidos pelos grupos empresariais televisivos. Nao se pode esquecer que a no<;ao de integra<;ao estabelece uma ponte entre os interesses dos empresarios e dos militares, muito embora ela seja interpretada pelos industriais em termos diferenciados. Ambos os setores veem vantagens em integrar o territ6rio nacional, mas enquanto os militares propoem a unifica<;ao politica das consciencias, os empresa~.ios cl!inham o !~.do da integra<;ao do mercado. 0 discurso dos grandes empreendedores da comunica<;ao associa sempre a integra<;ao nacional ao desenvolvime~ do mercado. Como afirma Mauro Salles em sua palestra na Escola Superior de Guerra: ' 10 programa brasileiro na~ aceita a paralisa<;ao do crescimento. Ao contrario, partimos para criar riquezas que agora nos permitem ·organizar urn II Plano Nacional de Desenvolvimento em que a palavra Integrafiio, com seu sentido social e economico, passa a ter urn sentido maior. 0 II PND vai dar as grandes linhas para Decadas de Profundas Modificac;oes", Conjuntura Economica, vol. 24, n? 1, ja· neiro de 1970. ·

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uma expansao ainda mais acelerada do consumo de massa, do desenvolvimento do mercado interno". 7 Colocada nesses termos, a questao da censura pode ser melhor compreendida. Os interesses globais dos empresarios da cultura e do Estado sao os mesmos, mas topicamente eles podem diferir. Como a ideologia da Seguran<;a - Nacional e "moralista" e ados empresarios, mercadol6gica, o ato repressor vai incidir sabre a especificidade do produto. Devemos, e claro, entender moralista no sentido amplo, de costumes, mas tambem politico. Mas se tivermos em conta que a industria cultural opera segundo urn padrao de despolitiza<;ao dos conteudos, temos nesse nivel, senao uma coincidencia de perspectiva, pelo menos uma concordancia. 0 conflito se instaura quando ocorre o tratamento de cada produto pela censura, o que permite que a questao -· de fundo, a liberdade de expressao, ceda Iugar a urn outro tipo de reivindica<;ao. Urn documento da Associa<;ao de Empresarios de Teatro (1973), divulgado no auge da a<;ao repressiva, e significative. Ele diz: "Nao nos cabe analisar neste documento os efeitos do excessive rigor da Censura sabre a permanente e legitima aspira<;ao de liberdade de expressao, para que os artistas e intelectuais formulem, de maneira cada vez mais integra, sua visao pessoal da tematica que abordam em seu trabalho. Neste documento, o problema da Censura esta sendo ventilado porque sua a<;ao excessivamente rigorosa e urn fato dos fatores conjunturais que prejudicam a sobrevivencia economica da empresa teatral". 8 0 mesmo tipo de critica e feito pelos empresarios do cinema no I Congresso da Industria Cinematografica Brasileira (1972) . 0 que eles prop5em e uma r~rmula~ao dos. criterios da censura "levando-se em conta a epoca atual, o desenvolvimento da cultura, (pois] os canones rigidos de antigamente nao poderao prevalecer atualmente ( ...) nossa (7) Mauro Salles, Conferencia Escola Superior de Guerra, 4.9.1974, p. 6. Na mesma linha, ver Walter Clark, "TV: Veiculo de Integrac;ao Nacional", pa· lestra na Escola Superior de Guerra, 15.9.1975, in Mercado Global, n?s 17/ 18, ano 2, 9.10.1975. · (8) Citac;ao in Tania Pacheco, "0 Teatro e o Poder". in A nos 70 - Tea· tro, Rio de Janeiro, Ed. Europa, 1979, p. 97.

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censura nao acompanha a evolu~ao dos costumes". 9 A critica se desloca, desta maneira, do polo politico para o economico. Ela e "excessivamente rigorosa", ou "nao acompanha a evoluc;ao dos costumes", o que significa que sua atuac;ao traz prejuizos materiais para o lado empresarial. Tania Pacheco tern razao quando afirma que o objetivo dos empresarios teatrais e sugerir urn pacto com o poder, procurando desta forma garantir o financiamento das obras teatrais pelo Estado. Este tipo de estrategia nao se limita porem, a uma esfera altamente dependente de verbas esta~ tais como o teatro ou o cinema, ela e mais geral. Quando a TV Globo e a TV Tupi assinam urn protocolo de autocensura em 1973, procurando controlar o conteudo de suas programac;oes, o que essas emissoras estao fazendo e circunscrever a vontade de se conquistar o mercado a qualquer prec;o, aceitando-se cumprir os compromissos adquiridos anteri?rme~te junto ao Estado milita~Se elas cortam ou red1mens10nam determinados programas popularescos (Chacrinha, Derci Gonc;alves, etc.) e porque e necessaria garantir 0 pacta COm OS militares, que veem esse tipo de espetaculo como "degradante" para a formac;ao do homem brasileiro definido segundo a ideologia da Seguranc;a Nacional. A contradic;ao entre cultura e censura nao se expressa, pois, em termos estruturais, mas ocasionais, taticos, por isso e possivel deslocar a questao para 0 plano e~onomico. A conferencia de Mauro Salles, que haviamos C1tado anteriormente, e Sugestiva quando afirma que "e de uma imprensa livre economicamente, com sua sobrevivencia garantida pela receita de uma publicidade julgada em bases tecnicas, que se deve esperar uma imprensa livre em termos politicos. E certo que estamos todos ainda a brac;os com problemas da censura. Mas tam bern e certo que os censores sao passageiros e a censura nao se institucionali-

{9) " I Congresso da Industria Cinematografica"', Filme e Cu/tura, n? 22, novembro/ dezetnbn.l de 1972, p. 14. {10) Sobre o pacto entre TV Globo e Tupi, e a censura aos programa5 popularescos, ver Sonia Miceli, "Imitat;ao da Vida: Pesquisa Explorat6ria sobre a Telenovela", tese de mestrado, FFLCH, USP, 1973.

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zara e nao ha nenhum sinal oficial ou oficioso de que vamos marchar na direc;ao inversa do progresso". 11 Se tivennos em mente que a constituic;ao de urn sistema de comunicac;oes economicamente forte, dependente da publicidade, passa no caso brasileiro necessariamente pelo Estado, podemos avanc;ar no terrene de nossa discussao. A evoluc;ao do mercado de prepaganda no Brasil esta intimamente associada ao Estado, que e urn dos principais anunciantes. 0 governo, atraves de suas agendas, detem urn poder de "censura economica"' pois ele e uma das forc;as que compoem o mercado. 12 Nao ha, portanto, urn conflito aberto entre desenvolvimento economico e censura. Evidentemente os empresarios tern prejuizos com as· pec;as, livros, programas, filmes censurados, mas eles tern consciencia que e o Estado repressor que fundamenta suas atividades. A censura "excessiva" e certamente urn incamodo para o crescimento da industria cultural, mas este e o pre~o a ser pago pelo fato de ser o polo militar o incentivador do proprio desenvolvimento brasileiro. 0 que caracteriza a situac;ao cultural nos anos 60 e 70 eo volume e a dimensao do mercado de bens culturais. Se ate a decada de SO as produc;oes eram restritas, e atingiam urn numero reduzido de pessoas, hoje elas tendem a ser cada vez mais diferenciadas e cobrem uma massa consumidora. Durante o periodo que estamos considerando, ocorre uma formidavel expansao, a nivel de produc;ao, de distribuic;ao e de consume da cultura; e nesta fase que se consolidam os grandes conglomerados que controlam os meios de comunicac;ao e da cultura popular de massa. Os· dados, quaisquer que sejam eles, confirmam o crescimento dessa tendencia. Tomemos como exemplo a evoluc;ao da produc;ao de livros entre 1966 e 1980 (em milhoes de exemplares). 13

· {11) Mauro Salles, op. cit., p . 9. {12) Sobre o papel do governo como anunciante, ver Marco A. Rodrigues Dias, "Politica de Comunicat;ao no Brasil", in Jorge Wertheim {org.), Meios de Comunicat;iio: Realidade e Mito, Sao Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1979. {13) Laurence Hallewel, op. cit. p. 510. Os dados sobre o setor livreiro provem da mesma fonte.

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RENA TO ORTIZ

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A no

1966

1974

1976 .

1978

1980

Exemplares

43,6

191,7

112,5

170,8

245,4

Mesmo se levarmos em considera~ao o indice de analfabetismo que continua alto na sociedade brasileira, e a distor~ao do desenvolvimento que concentra a riqueza nas re----gioes do. sul_ do pais, dificilmente poderiamos equiparar este quadro aos numeros das decadas anteriores. Na verdade, o setor livreiro se beneficia de toda uma politica implementada pelo governo que procura estimular a produ9aode papel e reduzir o seu custo. Em 1967, 91% do papel para livros era fabricado no Brasil. 0 governo criou ainda em 1966 o GEIPAG, 6rgao que implementa uma politica para a industria grafica, favorecendo a importa~ao de novas maquinarias para a impressao. Hallewel observa que isso au~-- -mentou consideravelmente a capacidade de produ~ao da industria. Os dados mostram claramente -uma evolu~ao constante e acelerada da impressao ~m off-set, em detrimento de outras formas como a tipografia e a rotogravura. Em 1960 a produ~ao brasileira de papel off-set para livros era de 7% do total, em 1978 ela sobe para 58%. Mas nao e somente o setor livreiro que se beneficia da politica governamental; a industria editorial, na sua totalidade, pode se modernizar com a importa~ao de novos maquinarios. Isto se reflete nao s6 no aprimoramento da qualidade do impre:sso, .::oruo no vo1ume ua produ~ao que encontra urn mercado receptivo. Consideremos, por exemplo, o cress~~ mento do mercado de revistas (em milhoes de exemplares~ Ano

1960

1965

1970

1975

1985

Exemplares

104

139

193

202

500

Se tomarmos 1965 como referenda, temos que em vinte anos o mercado praticamente quadruplicou, sendo que (14) Thomas Souto Correa, "Mercado de Revistas, Onde Estamos pru;a Onde yamos", Anuario Brasi/eiro de Propaganda, 78179. Obs.: 0 anode 1985 euma proje~iio .

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no mesmo espa~o de tempo a popula~ao aproximadamente dob~ou. Mas nao e somente a quantidade que caracteriza esse mercado emergente. 0 setor de publica~ao tem-se diversificado cada vez mais com o surgimento de publicos especializados que consomem produtos diretamente produzidos para eles. 0 caso exemplar eo da Editora Abril, que hoje domina o mercado de revistas. Fundada em 1950 por Victor Civita, ela inicia sua produ~ao comprando o direito de publicar o Pato Donald no Brasil. Entre 1950 e 1959 ela edita 7 titulos; entre 1960 e 1969 este numero sobe para 27; no periodo de 1970 a 1979 atinge 121 titulos. 15 Se observarmos suas publica~oes ao longo desses anos, percebemos que nao e somente o volume que aumenta, mas tambem a diversidade do que e editado. Na decada de SO a Editora Abril praticamente se sustenta atraves de suas fotonovelas (Capricho, Voce, llusiio, Noturno) e 9 Pato Donald. Nos anos 60 surgem revistas mais especializadas: Transportes Modernos para Executivos, Maquinas e Metais, Quatro Rodas, Claudia. Sao lan~ados ainda os fasciculos, que cobrem urn publico de gosto variado, os jovens (Curso Intensivo de Madureza), os universitarios (Pensadores), os curiosos (Conhecer). ~da_d~_.29 _cJmSQ)lda ~~an~~~ . processo de dive ifica ao. Multiplicam-s~ OS titulos inrant1S(l e olinha, Luluzin7ia, --Pzu-Piu:· Enciclopedia Dis'iiey, etc. ). A public_asao_de c>)~qto Donald, que em 1950 era - ae83 iii"il exemplares, e agora ultrapassada pelos 70 titulos mfaritis; que totalizam unia tiragem de 90 milhOes de exemp lares (1986) . Para a·Editora Abril, o gosto femininp na de.__cada de SO e sobretudo marcado pelo lado sentimental; ela edita principalmente fotonovelas. Mais tarde e lan~ada Manequim ; revista especializada em moda. A partir dos anos 60 a empresa busca atingir o publico feminino setorizando sua produ~ao: fotonovelas (linhaja inaugurada anteriormente), costura (Agulha de Ouro), cozi?ha (Forno e Fogiio, Born Apetite), moda (Manequim), decora~ao (Casa Claudia), assuntos gerais (Claudia). 0 mesmo ocorre como (IS) Ver Epopeia Editorial: uma Hist6ria de Informa(fiio e Cultura , Ed. Abril, abril de 1987.

.-

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publico masculino: autom6veis (Quatro Rodas), chofer de caminhao (0 Carreteiro), sexo (Playboy), motocicleta (Moto), futebol (Placar), navega~ao (Esportes Nauticos), leCOilomia e neg6cios (Exame) . A editora procura, desta forrna, cobrir o interesse dos leitores potenciais, da camada dominante aos setores medios e a franja superior da classe / trabalhadora, que .em boa parte e excluida do sistema de ~no ap6s a conclusao dos estudos primarios. Para esta camada, os fasciculos cumprem uma func;ao didatica, discorrendo sobre a hist6ria dos homems, a ciencia, e as artes. Ate mesmo para o cinema nacional, pelo tipo de produc;ao que demanda uma grande. soma de investimento, o quadro atual, apesar das dificuldades, e radicalmente distinto dos anos SO. Com a criac;ao do Instituto Nacional do ·cinema, em 1966, e posteriormente da EMBRAFILME, a produc;ao cinematrografica conhece sem duvida urn momento de expansao. No periodo de 19S7 a 1966, a produc;ao de longa-metragem atingia uma media de 32 filmes por ano; nos anos 1967-1969, quandoo INC comec;a a atuar, 16 Com o surgimento da EMBRA1 ela passa para SO filmes. FILME, a politica do Estado se torna mais agressiva, aumentando as medidas de protec;ao do mercado, e dando urn maior incentivo a produc;ao. Em 197S sao produzidos 89 filmes, e em 1980, 103 peliculas. 17 Nao devemos, porem, nos entusiasmar· muito com a qualidade desta industria brasileira; a maior parte dos filmes sao pornograficos ou pornochanchadas. Em 1979 eles totalizavam apenas 8% da produc;ao, mas em 1984, com o crescimento do mercado, chegam a compor 71% do que e produzido. 18 Nao e somente o cinema brasileiro que se expande. Muitas vezes uma oposic;ao muito rigida entre o nacional e ·o estrangeiro, que e sem duvida real e importante no campo cinematografico, nos impede de perceber que e 0 pr6p_rio (16) Ver Alcino Teixeira de Melo, Legislafiio do Cinema Brasileiro, ·Rio de J&no:iro, EMERAFILME. 1977. (17) "Cinema Brasileiro: Evolu~ao e Desempenho", Sao Paulo, Pesquisa S,Funda9aoJapao, 1985,p.45. (18) Jamal da Tela , MEC, EMBRAFILME, mar9o de 1986, p. 3.

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RENATO ORTIZ

habito de ir ao cinema que se consolida no periodo q~e estamos considerando. Na decada de 70 a evoluc;ao ~o _numero de espectadores e a seguinte: em 1971_, 203 m1lhoes; atinge em 1976 urn pico de 250 milhoes; e c~1 em 1~80 para 164 milhoes.'9 Muitas vezes esses dados sao cons1derados exclusivamente como expressao do declinio do ~inema em contraposic;ao a outras formas de la~er, em ?articu~ar atelevisao. Isto e, sem duvida, verdade1ro. Porem, _s: mtroduzirmos uma dimensao hist6rica em nossa analise, e tomando-se alguns dados de outros paises, .e p~ssivel et?-caminhar nossa reflexao para uma outra d1rec;ao. Consrderemos, por exemplo, a evoluc;ao do numero de espectadores em ou tros paises (em milhoes): 20 Paises

EUA Inglaterra Alemanha Oc. Japao Fran9a Ita!ia

Melhor ano

1970

Declinio em o/o do _ melhor ano ate 1970

4400 (1946) 1430(1949) 818 (1956) 1127 (1958) 411 (1957) &19 (1955)

1288 193 167 247 183 556

79 86 80 78 55 32

N? de espectadores

Uma primeira conclusao, ja conhecida de todos, ,.._se impoe: a queda da freqiiencia ao cinema e urn fen?In:eno mundial. Sao varias as razoes que concorrem para 1ss_o: o prec;o das entradas, o fechamento dos cinemas de ba1_rro, sua concentrac;ao nos centros urbanos em zonas servtdas por uma maior estrutura de lazer, como restaurant:s, shopping centers , e, eclaro, a concorren_cia de outros m,elOS, como a televisao comercial, a cabo, e o vtdeocassete, alem d~ formas alternativas de lazer, como o turismo, os passe10s,. o autom6vel. Como en tender a evoluc;ao do cine,ln:a no B~asrl: colocando-o no contexto internacional? 0 graf1co abalXo e sugestivo. (19) "Cinema Brasileiro: Evolu~ao e Desempenho:·. op. eft., P· 134 . . (20) Idem , p. 114. Sobre 0 declinio da frequenc1a ao cmema, ver Rene Bonnell, Le Cinem a Exploite, Paris, Seuil, 1978.

Evolu~iio

do numero de cinemas

3500 3000

2500 ~

"' ~ "0 "

e<> E

2000 1500

•:>

"

1000 500

0

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Se tomarmos a curva de evolu~ao do numero de salas ·como correlata a freqiiencia, observamos que e entre 1975 e 1976 que se atinge urn pico de espectadores. Isto significa que o processo de expansao do publico, que foi variado nos diversos paises, atingindo urn maximo em 1946 nos Estados Unidos, 195S na I,talia, 1957 na Fran~a, ~-~~orre no Bri@!. em meados da decada de 70. Como o proprio grafico sugere, d urante a decada de 50 e metade da de 60, 0 numero de salas de cinema permanece praticamente o mesmo; a f~rma~ao de urn verdadeiro mercado de consume de filmes se da somente em 1967, conseguindo se manter num patamar mais elevado pelo menos ate 1979. A partir dai, o cinema se equipara as dificuldades que o mercado de filmes

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vinha enfrentando mundialmente desde os anos 40 e 50. 0 capitalismo tardio "retarda" os problemas de crise que somente iriamos enfrentar anos depois. De uma situa~ao de incipiencia passamos por urn memento de expansao para .entao "acertarmos o rel6gio", como talvez dissesse Oswald de Andrade, com o quadro internacional. Tambem o mercado fonografico, que ate 1970 conhecia urn crescimento vegetative, a partir deste memento "deu sua arrancada para urn verdadeiro e significative desenvolvimento". 21 Isto se deveu em grande parte as inumeras facilidades que 0 comercio passou a apresentar para a aquisi~ao de eletrodomesticos. Como o mercado de fonogramas se desenvolve em fun~ao do mercado de aparelhos de reprodu~ao sonora, e importante observarmos a evolu~ao das vendas industriais de aparelhos eletronicos domesticos. Entre 1967 e 1980, a venda de toea-discos cresce em 813o/o.22 Isto explica por que o faturamento das em23 presas fonograficas cresce entre 1970 e 1976 em 1375%. 0 mercado fonografico pode ainda ser avaliado quando consideramos a venda de discos na decada de 70 (em milhares de unidades): 24 Ano

LPs

Compacto simples

Compacto duplo

Fitas

72 73 74 75 76 79

11 700 15000 16000 16900 24000 39 252

9900 10100 8200 8100 10300 12613

2500 3 200 3500 5000 7 100 5 889

1000 1900 2800 3900 6 800 8 481

0 quadro rnostra urna diversifica~ao do consume corn a introdu~ao de produtos "recentes" (em termos de rnassa), como' as fitas cassetes. que ao Iongo da decada passam a (21) " 0 Mercado de Discos no Brasil", Mercada Global, n? 34, ano 4, 3.4.1977, p. 20. (22) Fonte ABINEE. (23) "Disco em Sao Paulo", Pesquisa 6, IDART, 1980. (24) Fonte: A ssocia~ao Brasileira de Produtores de Discos.

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integrar o habito dos consumidores. Isto se deve substancialmente a uma generalizac;ao do uso do cassete nos autom6veis e nos mome:ritos de lazer fora de casa. Mas o que os numeros indicam e, sobretudo, 0 aumento do volume de vendas, que no periodo cresce de 25 milhoes para 66 milhoes de discos comercializados anualmente. 0 LP, que foi introduzido em 1948, mas ate a decada de 60 era airida considerado urn produto caro, cada vez mais e caracterizado como urn elemento de consumo, inclusive das classes mais baixas. 0 mercado de discos nao opera somente com a estrategia de diferenciac;ao dos gostos segundo as classes sodais. Ele descobriu uma forma de penetrar junto as camadas mais baixas, desenvolvendo os "a.Ibuns compilados" , discos ou fitas cassetes reunindo uma selec;ao de musicas de diferentes gravadoras. A Som Livre, vinculada a Rede Globo de Televisao, se especializou no ramo dasmusicas de novela, deslocando do mercado inclusive as multinacionais. Iniciando suas atividades em-1970 como compilado da trilha sonora da novela 0 Cafona, ja em 1976 se toma lider do mercado fonografico, e em 1982 detem 25o/o do seu faturamento. Penso que o que melhor caracteriza o advento e a conso-_ lidac;ao da industria cultural no Brasil e o desenvolvimento ·da televisao. Vimos como nos anos SO o circuito televisivo era predominantemente local, enfrentando problemas tecnicos consideraveis. Como investimento do Estado na area da telecomnnica<;ao, os grupos privados tiveram pela primeira vez a oportunidade de concretizarem seus objetivos de integra<;ao do mercado. Como dira urn executivo: "Atelevisao, por sua simples existencia, prestou urn grande servi<;o a economia brasileira: integrou os consumid.pres, potenciais ou nao, numa economia de mercado" .\25 ,Para isso foi necessaria urn incremento na produc;ao de aparelhos, na sua-distribuic;ao; e a melhoria das _~o~di<;oes tecnicas\ Como o videoteipe, a transmissao em cores, a ·edic;ao eletronica, este ultimo ponto pode ser garantido. Quanto a produc;ao (25) Arce, " Televisao: Ano 25/10 de Conquistas de Comerci aliza~ao", op. cit. , p. 66.

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de aparelhos, ja em 1970 ela era de 860 mil unidades, volume que contrasta radicalmente como da decada anterior, e que elimina a necessidade de importac;ao. A implantac;ao da televisao como meio de massa pode ser avaliada quando examinamos a evoluc;ao do numero de aparelhos em uso: 26 Evolu~ao

do total de aparelhos (PB&C) em uso no pais

19.602

so

55

60

65

70

75

(26) Geraldo Leite, "A Necessidade de urn a Ecologia da Mldia", op. cit., p. 66.

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RENA TO ORTiZ

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Esses dados podem ser melhor compreendidos quando comparamos a evolw;ao de numero de domicilios com televisao. Em 1970 existiam 4 milhoes 259 mil domicilios com aparelhos de televisao, o que significa que 56o/o da populac;ao era atingida pelo veiculo; em 1982 este numero passa para 15 milhoes 855 mil, o que corresponde a 73o/o do total de domicilios existentes. 27 Por outro lado, como mastram alguns estudos de mercado, o habito de assistir televisao se con:s0Iida de1initivamente, e se dissemina por todas as classes sodas. 28 Herbert Schiller, num de seus artigos, observa que a comunica9ao segue o capital, e que o capital se relaciona intrinsecamente com a publicidade. Na verdade, seria impassive! considerarmos o advento de uma industria cultural sem levarmos em conta o avanc;o da publicidade; em grande parte, e atraves dela que todo o complexo de comunicac;ao se mantern. 0 caso brasileiro nao foge a regra. Basta olharm?s como evolui o investimento em propaganda neste periodo (em milhoes de cruzeiros): 29

i

Ano

Total investido

o/o sobre o PNB

1964 1966 1968 1970 1972

152 440 960 1840 3460 6300 12 600

0,80 0,95 1,00 1,05 1,25 1,29 1,28

15174 . 1976

I

' : ~

, ~27) Ver Me:cado Brasileiro de Comunica~iio, Bsasilia, Presidencia da Re?ubhc~: Secr~tana de Imprensa e Divulga~ao, 1983, p. 87. Consultar tambem

1 Bnefing, Os Trmta Anos da Televisao", op. cit. · (28) Ver Midia e Mercado , Sao Paulo, Lintas, 1984. Varios estud6s sobre a penetra~ao da televisiio junto as diferentes classes e publicos consumidores po· dem .ser encontrados, para a decada de 70, na revista Mercado Global, que era pubhcada pela Rede G!obo de Televisao. (29) Fo~te: "A Televisao BrasU.,ira", Mercado Global, n?s 31/ 32, ano 3, 11.12.1976, p . .tO. 0 dado de 1976 foi retirado de Roberto Amaral Vieira "Alie· na~a? ~ Com.unica~ao: o Caso Brasileiro", in Comunica~iio de Massa: 0 jmpasse Braszletro , Rto de Janeiro, Forense, 1978. p. 100.

131

Pode-se observar que a partir de 1968 o total de investimento da urn salta para atingir niveis ate entao desconhecidosY'M aria Arminda Arruda, quando analisa o desenvolvimento da publicidade brasileira entre 1970 e 1974, mostra que essas taxas de crescimento nao ocorrem em nenhum outro pais, mesmo os mais avanc;ados, o que permite que em 1972 o Brasil supere paises como Italia, Rolanda e Australia, para se cons}it_uir em 1974 o setimo mercado de pro-·---·--··paganda do mund<\:;j Se entre 1935 e 1954 o mercado de agendas publicitarias permanece inalterado (s6 em .1954 e criada uma agenda importante, a Leo Burnett), o quadro muda radicalmente nos anos 60 com o surgimento da maioria de agendas que hoje atuam no mercado: Esquire, Alvares Penteado, JMM , Mauro Salles, MPM, DPZ, Proeme, Propeg, Artplan, Lage, P. A. Nascimento, Alcantara Machado, Denison, Norton, Benson. 31 0 desenvolvimento das · - · -- · atividades profissionais ligadas a propaganda ja vinha s~ realizando desde a decada de 50, com a cria9ao da primeira escola de propaganda, a Casper Libera (1951), e a fundac;ao da Associac;ao Brasileira de Agendas de Propaganda. Mas enos anos 60 que ele se intensifica, a profissao de publicitario ganha a universidade e tern o seu reconhecimento em. nivel superior. Sao criadas as escolas de comunicac;ao: ECA (1966), Alvares Penteado (1967), UFRJ (1968), !SCM (1969); e proliferam novas associac;oes que congregam profissionais: Associac;ao ·Brasileira de Anunciantes (1961), Conselho Nacional de Propaganda (1964), Federac;ao Brasileira de Marketing ( 1969). Este crescimento na area publicitaria demanda servic;os especializados, pois, agora, o mercado tern que ser bern dimensionado, medido segundo criterios objetivos, de preferencia "cientificos", para que se possa fazer urn calculo entre as pretensoes dos clientes e a capacidade de absor9ao do produto. Nao e por acaso que a decada de 60 assiste tambem a urn processo de multiplicac;ao dos institutes de pesquisas mercadol6gicas: IVC (30) Maria Arminda Arruda, "A Embalagem do Sistema", tese de mes· . trado, FFLCH , USP, 1978. Ver Ricardo Ramos, op.cit., e L. E. Carvalhoe Silva, op. cit.

®

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RENATO ORTIZ

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(1961), Mavibel (1964); Ipsem (1965); Gallup (1967), Demanda (1967), Simonsen (1967), Ipape (1968), Audi-TV (1968), Sercin (1968), Nielsen (1969), LPM (1969). t'Se nas decadas de 40 e SO faltava as emissoras de radio e de televisao o trac;o integrador para caracteriza-las como uma industria cultural, temos agora uma transformac;ao. 0 caso da televisao e evidente, uma vez que o Estado possibilita a transmissao em rede a partir de 1969. Mas tambem o radio acompanha as mudanc;as mais gerais da sociedade, · pressionado sobretudo pela diminuic;ao do investimento em propaganda. 0 quadro do percentual de participac;ao dos veiculos, de comunicac;ao no investimento publicitario e claro:-&' Ano

TV

Revista

Radio

Jornal

Outros

1962 1972 1982

24,7 46,1 61,2

27,1 16,3 12,9

23,6 9,4 8 ,0

18,1 21,8 : 14,7

6,5 6,4 3,2

..

A fase de ouro do radio pode existir porque este veiculo concentrava a massa de investimento publicitario disponivel na epoca. Com o deslocamento da verba publicitaria para a televisao, sua explorac;ao comercial teve que levar em conta novos fatores de mercado, caminhand o para a especializac;ao das emissoras e a formac;ao de redes. Este processo de especializac;ao nao eexclusive do radio, ele atende uma imposic;ao mais ~~ral da industria cultural que tern necessidade de responder a demanda de urn mercado onde existem faixas economicas diferenciadas a serem exploradas. As empresas radiofonicas procuram, desta forma, oferecer uma programac;ao unificada, e especifica para urn determinado tipo de publico, dando assim maiores opc;oes para o anunciante. Trata-se, portanto, de urn sistema que trabalha associado as analises de audiencia, pois elas sao as unicas garantias, para o cliente, que a emissora realmente atinge determinada camada ou publico. Porem, como o

(32) Fonte: Meio e Mensagem e G rupo Midia.

133

mercado e restrito, sofre uma concorrencia cerrada da televisao, uma nova tendencia se esboc;a para a maximizac;ao dos lucros: a formac;ao de redes. Gisela Ortriwano observa que essas redes nacionais, que integram emissoras regi~­ nais transmitem uma programac;ao unificada para os·ma1s dive~sos pontos do pais. " 0 objetivo principal des·s a nova tendencia esta ligado unicamente a fatores economicos: fortalecer 0 radio como alternativa publicitaria , procurando obter maior lucratividade com menor investimento. As emissoras que fazem parte de uma rede recebem, ao me~mo tempo, programac;ao e patrocinado r.'133 Ha duas manetras dessas redes operarem. A primeira atraves das produtoras radiof6nicas; a Studio Free e a L&C trabalham diretamente com as agendas e os anunciantes, possibilitando ao cliente conhecer de antemao a programac;ao na qual seu anuncio sera inserido. A L&C desenvolveu urn. tipo de programac;ao integrada, com musica caracteristica, vinhetas, alem, e_claro, da gravac;ao dos comerciais. Este material e.enVlado para as "regionais" onde sera veiculado. "Para atender os pedidos musicais, foram criados personagens com vozes masculinas e femininas, que atendem pelo mesmo nome em todas as localidades . A programac;ao nacional reserva espac;os para a prestac;ao de servic;os e as entradas p"ublicitarias locais." 34 A segunda forma e a das emissoras em rede, geralmente propriedade de urn unico concessionario. Sao varios os exemplos: o Sistema Globo de Radio, formado por 13 emissoras AM e cinco FM, que atua nos estados de Sao Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia· a Transamerica, composta por 28. emissoras atingindo os ~stados de Sao Paulo, Rio de Janeiro Pernambuco, Parana, Bahia, Minhas Gerais, Sergipe, Para, Santa Catarina, Maranhao, Paraiba, Mato Grosso e Brasilia. Poderiamos ainda citar outros exemplos, como a Rede.Capital de Comunicac;ao, a Rede Brasil Sui de C~mu­ nicac;ao, a Rede Manchete de Radio. 0 es~ac;~ de ~ra: diac;ao tende a se ampliar, mas o publico atingtdo nao e (33) Gisela Ortriwano, A l nf ormafiiO no Radio, op. cit. , P· 31. (34) Idem , pp. 31-32.

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kENAT O ORTIZ

do mais caracterizado como local, ele se integ ra ·dentr o voldesen de mercado nacional consumidor. Esta nova fase urn vimento do radio nao se esquece inclusive de absorver e no Ador tra~o de~inidor da indus tria cultu ral segun do pasao Horkheimer: a padroniza~ao. Nao so os progr amas dos dronizados , mas a publicidade e ate mesmo as vozes -·- · -·-· --·-· · apresentadores. --- ·ade Dentr~ deste quadr o, a propr ia concep~ao de ativid a gerencial se modifica. Varios sociologos tern insistido que n~a muda moderniza~ao da sociedade brasil eira implicou a da mentalidade empresarial, seja no setor industrial, como estudou Ferna ndo Henr ique Cardoso, seja na area vinculada ja. ao Estado. Lucio Kowarick mostr a que a ideia de plane mede mento economico somente se sistem atiza como plano ea tas de Juscelino Kubi!schek; Oct~vio Ianni considera que diuma re partir do golpe milit ar que o plane jamen to adqui nagover ca mensao individualizada, conferindo a politi 35 ment al uma especificidade que ela nao possuia ate entao. transde sso A industria cultu ral nao escapa a este proce deforma~ao; os capit aes de indus tria dos anos anteriores doreende vern ceder lugar ao mana ger. 0 espirito empr , aventureiro de Chate aubri and carac teriza toda uma epoca avanmas ele e inade quado quand o se aplic a ao capitalismo do se~ado. Nos anos 60 e 70, os grandes empreendedores ocongl tor cultural sao outros. Homens que admi nistra m a desde merados englobando diversos setores empresariais, dita. te {trea ci<' jnd:Ustri~ ·~ulturai ~ indus tria propr iamen Civita: Edito ra Abril, Distr ibuid ora Nacional de Publi Roro Quat ca~oes , Centrais de Estocagem Frigorificada, das Hoteis, Quat ro Rodas Empr eendi ment os Turisticos. Rio Roberto Marinho: TV Globo , Sistema Globo de Radio m, Tel~o s), aculo Grafi~a, VASGLO (promo~ao de espet e Frias ho. Marin rto Gale na Arte Global, Funda~ao Rob.e a grafic Ca~deira: F~lh~ daMa nhaS . A., Impre ss) Cia. Litho Yptranga, ·Ultim a Hora, Noticias Populares, Funda~ao no Brasil" Ca: (35) Lucio Kowarick, " Estrategias do Planeja mento Social mento no B;asil dernos do CEBRAP, 2, 1976; Octavio Ianni, Estado e Planeja ' . Rio de Janeiro, Civiliza~ii.o Brasileira, 1979.

A MODERNA TRADI<;AO BRASILEIRA

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weCasper Libero. _Contr ariam ente ao espirito capitalista cortra~o beriano, que se fundamentava no individuo, ierespondente ao inicio do capitalismo, os novos propr forma certa taries sao homens de organiza~ao, e de uma se perde m na impessoalidade dos "imp erios " que construira m. e --- -Eles devem contrabalan~ar sua vontade individual engen que esa submete-la a racionalidade da propr ia empr nao ruiram drara m. A historia das organiza~6es que const coincide mais com a historia individual do seu funda dor; · ela se apoia e se suste nta no esfor~o de inumeros profis reque mos, sionais, alguns mais conhecidos, outros anoni produ zem e recriam a racionalidade da empr esa no seu diaa. a-dia . A esse respeito, a fala de Walte r Clak e significativ da al, Amar Comp arand o dois tipos de empresarios, Pipa o antiga TV Rio, e Roberto Mari nho, ele dira: "Ach o que o foi l Brasi no TV de iosa sujeito que teve a ideia mais grand giPipa Amaral, urn personagem incrivel, com visao mais Apren and. aubri Chate io propr gantesca do veiculo do que o ava confi nao que e o defeit e .di muito com ele, mas seu grand " .36 em ninguem, nem no proprio filho, nao delegava nada Em rela~ao a Roberto Marin ho: "0 sucesso da TV Globo TV tern aver como fa to do Robe rto Marin ho ter entre gue a Jose o Boni, o ch, para que o Walt er Clark, o Joe Walla .37 Ulisses Arce e o Jose Otavio Castro Neves , a fizessem" asPipa Amar al ainda retem os tra~os da individualidade qualde rgo demiu cetica que concebe o ator social como ", quer tipo de empreendimento. Mas ele nao "dele ga nada res orado colab isto e, impede que se forme uma equipe de rto essenciais para o funcionamento da organiza~ao. Robe conse e s, Marin ho compreende melhor os novos tempo forma ao anonimato de sua propr ia cria~ao. Resta m a esses senovos .empreendedores premios de consola~ao para que as , idade idual indiv jam reconhecidos socialmente na sua das ~ao prom a as, comendas, as biografias encomendad

(36) A Vida de Wu/ter Clark, op. (37) Idem, pp. 48-49.

cit. , pp. 41-42.

. 136

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artes, atividades que trazern prestigio mas que sao v1vidas como subproduto de suas tarefas comerciais. 38 ~ Pode-se perceber com clareza a mudan<;a do eto empresarial quando se toma o exemplo da televisao. Neste sentido, a TV Excelsior, fundada em 1960, da urn pri3eiro passo no processo de racionaliza<;ao. 0 depoimento d Alvaro Moya, seu primeiro diretor artistico, e ilustrativo:l "A TV Excelsior era o grupo Simonsen, e o sonho deles -era fazer a ITT no Brasil. Eles e que tinham rnontado uma rede para a televisao Tupi na inaugura<;ao de Brasilia; fizerarn uma transmissao simultanea da inaugura<;ao. Entao o Simonsen sentiu que podia fazer uma rede e dominar a televisao, eles tinham uma visao empresarial". 39 0 testemunho de Walter Simonsen Neto caminha na mesma dire<;ao: "Na epoca nos procuravamos criar uma cadeia no estilo da Globo. Quando eu digo no estilo da Globo, e no sentido empresarial. Nos tinhamos consciencia de que se nos produzissemos uma boa programa<;ao, essa programa<;ao teria urn mercado dentro do Brasil, muito maior do que os filmes, porque nos estavamos vendendo cultura brasileira - as novelas que come<;amos a . fazer, os programas humoristicos". 40 A ideia de "vender cultura", colocada de rnaneira tao explicita, abria a possibilidade de se planejar o investimento em termos de uma racionalidade empresarial. Talvez o que o grupo Simonsen nao percebesse, como veremos mais adiante, e que o nacionalismo do momenta lhes seria politicamente adverso. A grande inova<;ao introduzida pela Excelsior foi a racionaliza<;ao do uso do tempo.41 A programa<;ao passa agora a obedecer determinados horarios, nao se atrasa mais, ela e horizontal, programas diarios como as

(38) Urn exemplo tipico deste tipo de estrategia e "biografia'' encomen· dada de Victor Civita, que tern por objetivo enaltecer as obras de sua pessoa. Ver Luiz Fernando Mercadante, Victor Civita, Sao Paulo, Nova Cultural, 1987. Ou ainda prom~ees de instituio;ees como a Fundao;ao Roberto Marinho. (39) Depoimento de Alvaro Moya, (FUNARTE). ( 40) Depc!T.ento de Walter Simonsen Neto (F UNARTE). (41) Sobre a Excelsior, ver Edgar Arnorin, Hist6ria da TV Excelsior, S ~o Paulo, IDART, mimeo., e Alcir Costa. Excelsior: Destruir;ao de um Imperio,

op. cit.

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telenovelas, e vertical, sequencia de programas, buscando fixar o telespectador num unico canal. A empresa inventa seu proprio logotipo e passa a promover a si mesrna. Desenvolve-se tam bern a racionaliza<;ao do tempo dos comerciais. A Excelsior e a primeira emissora de televisao a conceber uma identidade entre tempo e espa<;o comercial. Os pro- ·;. - ~ gramas tendern agora a nao ser mais vendidos ao patroci- nador, para se transformarem em veiculo do produto a ser anunciado, em tempo comercializavel comprado pelo cliente. Da mesma forma que o anunciante comprava o espa<;o no jornal, ele podia adquirir urn "esp~<;o de tempo" no video para veicular sua mensagern publicitaria. Tempo sem conteudo, vazio, abstrato, portanto mensuravel e comercializavel. A TV Globo aprofunda essas mudan~as. No inicio, - - como observa Maria Rita Kehl, ela e dirigida por -·pessoas do meio artistico e jornalistico, mas logo ha uma modifica<;ao no quadro da dire<;ao. 42 Os novos administradores sao executivos provenientes das areas de marketing e planejamento: "Acabava a fase em que os vales eram concedidos pelo proprietario da emissora, que tambem negociava cache e assinava cheque. Urn americana que durante muitos anos havia cuidado da area administrativa, Joe Wallach, foi contratado para gerir a area adrninistrativa da Globo, implantando urn sistema mals.empresarial de gestao. Urn hornem de vendas, bastante calejado pelo mercado, Jose Ulisses Arce, ficou responsavel pela area de vendas. No mesmo nivel hierarquico que o da administra<;ao e o da produ<;ao e da programa<;ao, seria contratado algum tempo depois o Boni. Como regente dessas tres areas ficava Walter Clark, com a visao de homem de marketing que era". 43 Esta descri<;ao da revista Briefing e entusiasta, ela preza os valores da racionalidade desses homens-empresa, mas, para alem do seu tom ideol6gico, ela aponta para transforrna<;oes profundas por que passa o sistema televisivo quando adminis(42) Maria Rita Kehl, Rejlexao para uma Hist6ria da TV Globo, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1982. · (43) Revista Briefing, "Trinta Anos de Televisao", op. cit.

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trado por elementos que se distanciam do antigo padrao de empresario. Dotada de uma mentalidade empresarial , a Globo procura planejar suas atividades a Iongo prazo, reinveste o lucro sobre si mesma, e apresenta novidades ate mesmo no uso do tempo dos comerciais. "A Globo introduziu o sistema rotative, padronizou o pre~o do tempo comercializavel, e passou a negociar apenas com pacotes de -horarios, isto e, quem quisesse anunciar no horario nobre 44 era obrigado a coloca.r propaganda em outros horarios." Tecnica que permitiu a emissora financiar OS horarios menos concorridos e criar no telespectador Q habito de sintonizar urn unico canal. Tambem na areajornali stica se pode observar o avan~o desta racionalidade. A Folha deS. Paulo e urn born exemplo disso. 45 Sua origem remonta a 1921, quando foi fundada como Folha da Noite. Nasce co~o urn empreendimento aventureiro, arriscado, sendo vendida em 1931, e tendo seu nome alterado para Empresa-F olha da Manhli Ltda. Durante esse periodo, o jornal e representante da oligarquia e assume uma posi~ao marcadame nte agrarista. Em 1945, ela troca novamente de maos, e Jose Nabantino assume sua dire~ao. Homem dinamico e inovador, ele seria, segundo Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato, o tipico weberiano calvinista, que transforma seu trabalho em "missao", alem, e claro, de ser marcado pela ideia de eficacia que caracteriza o espirito pioneiro capitalista. Sob Nabantino a empresa con...~ece uma serie de reformas que acentuam o seu lado moderno. A nova sede e construida; cria-se a Impress, pequena industria grafica visando abastecer internamen te o jornal, e em 1948 surge urn Programa de A~lio para as Folhas, com o objetivo de transforma-la numa empresa rentavel. Gisela Goldenstein observa que urn dos itens deste novo plano era claro. Dizia: "a empresa, pela sua atividade jornalistica, nao tern outras fontes de receita que nao sejam as assinaturas, vendas avulsas e publi, (44) Cita~ao in Maria Rita Kehl, op. cit., p. 7. (45) Ver Carlos Guilherrne Mota e Maria Helena Capelato, Hist6ria da Folha deS. Paulo, op. cit.

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46 cidade, pelos pre~os constantes das respectivas tabelas". Uma tentativa, portanto, de se pensar o jornal como veiculo, midia do que deve ser anunciady Ao lado da Folha de S. Paulo, Nabantino tenta expand1r seu projeto criando dois outros jornais, matutino e vespertine (Folha da Manha eFolha da Tarde). Tambem e desta fase a preocupa~ao de se -- introduzir novas normas na reda~ao, procurando torna-la - ·-- -----· mais produtiva e eficiente. Para estimular a produ~ao, foi instituido urn premio por "centimetragem de coluna"; quem escrevesse mais, ganharia uma compensa~ao salarial extra. Ocorre ainda, como em outros jornais, uma importante racionaliza~ao do trabalho jornalistico: a introdu~ao do Mea;lini)tomo dizia Samuel Wainer, "antes a reda~lio trabal ava os textos ate ficar bons, e isso ocorria a noite inteira nos primeiros tempos do jornal" !9 No en tanto, to-· das essas medidas esbarravam nas dificuldades da precariedade da epoca. Algumas delas puderam se concretizar, outras nao. Devido a problemas de importa~ao, toda a tentativa de moderniza~ao do parque grafico e industrial se desmorena. Gisela Goldenstein mostra que "a partir de 1956, o parque grafico das F olhas com~ou a constituir-se em urn ponto de estrangulam ento para empresa, nao dando conta 48 de prover em tempo habil a feitura dos jornais" . Sua analise detalhada da produtividadde da Impress demonstra que a firma se torna cada vez mais problematica e deficitaria. 0 mesmo pode ser dito em rela~ao a politica de diversifica~ao do produto; em 1962, Nabantino desiste deter tres edi~oes, mantendo somente uma com o titulo de Folha de S. Paulo. Mesmo as transforma~oes que ocorrem na reda~ao tinham limites concretos. Cada semana havia uma reuniao de toda a reda~ao, onde os jornalistas expunharri seus problemas, e a propria atividade jornalistica era discutida quando colegas chegavam de viagem ao terminarem a elabora~ao de determinad as materias. Essas.. reunioes fun-

(46) GiSela Goldenstein, "Folhas ao Vento: Contribui~ao ao Estudo da Industria Cultural no Brasil", tese de doutoramcnto, FFLCH, USP, 1986. (.47~ Entrevista de Samuel Wainer a Gisela Goldenstein, op. cit., p. 110. (48) Idem, p. 71.

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cionavam como contrapeso ao processo de racionaliza<;ao, · uma vez que o " trabalho em migalhas" dos redatores podia ser juntado neste espa<;o secretado pela propria empresa. /Em 1962, a Folha e adquirida pelo grupo Frias~Cal­ deira, e passa ao Iongo dos anos por uma reestrutura<;ao profunda. De inicio uma reforma tecnol6gica, economica e. comercial, medidas compativeis para uma empresa que agora seria parte de todo urn conglomerado. Depois mudan<;as substanciais no processo mesmo do trabalho jornalistico. Urn novo Manual de Reda9iio foi elaborado, procu. rando planejar melhor as atividades e homogeneizar o metoda de produ<;ao do jornal. Com a automa<;ao do jornal, a composi<;ao dos artigos se tornou mais agil e precisa, imprimindo uma velocidade mais rapida na fabrica<;ao do produto. Como observa urn dos tecnicos: "o sistema Folhas de terminais veio trazer velocidade e autenticidade maior as informa<;oes, uma vez que nos permitiu eliminar etapas no processo industrial grafico". 49 E dificil perceber a rela<;ao entre autenticidade da noticia e velocidade da impressao, ID"\.S fica clara que a adoc;ao do novo sistema reduziu o tempo de produc;ao industrial, diminuindo os custos e aumentando a agilidade do processo. Este tipo de tecnologia oferece ainda vantagens comerciais: "nos balcoes de anuncio on deja estao instalados os terminais, o anunciante pode ter uma visao exata da sua publicidade classificada par sec;oes e ordem alfabetica, fazendo o ajuste na hora, se desejar. 0 sistema.fornece y:arias possibilidades de prec;o das inserc;oes e fatura imediata' '.50 Nao e supreendente que dentro desses parametres a filosofia da empresa se modifi:,e; nesse sentido a fala de urn executive e esclarecedora. f'Temos combatido a ideia de que o jornalismo tern uma missao a cumprir, no sentido mais politico-partidario ou romantico, meio mistico, que existe em torno disso: a missao da imprensa. A gente procura ver a imprensa como urn servi<;o publico (49) Ver Regina Festa, "Os Computadores Revolucionam a Folha deS. Paulo e oJomaiism<> Brasileiro" , Instituto para America Latina, Sao Paulo, 1986, , pp . 13·14. (50) Idem , p. 13.

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prestado por particulares, dai a gente estar sempre procurando saber onde esta o interesse do leitor e vamos satisfazer esse interesse - porque a gente quer fazer urn jornalismo mais exato, mais agudo, mais agressivo, a gente quer vender mais jornal, subir sua circula~'/ 1 Se lembrarmos que a ideia de missao encerra uma dimensao religiosa, podemos dizer com Max Weber que assistimos a realiza<;ao de __ _ urn exemplo clara de secularizac;ao, de desencantamento do mundo. A "missao" e substituida pelo ca.Iculo, o lado "exatidao" buscando eliminar os elementos "politico" e "romantico" que insistem em desafiar as normas da produ<;ao industrializada. 0 processo de racionaliza<;ao da sociedade implica tam bern num novo tipo de relacionamento entre a empresa e . o empregado. 0 antigo "acordo de cavalheiros", que existia no radio e na televisao, tinha que ser quebrada como uma exigencia dos novas tempos. No caso da televisao, isto ocorre com a entrada da TV Excelsior no mercado. 0 c1epoimento deWalter Simonsen Neto e sugestivo: "Naquela epoca, isso em 59, por ai, havia uma coisa odiosa que era o chamado convenio entre as estac;5es, ou seja, urn determinado artista ou elemento que trabalhasse numa esta<;ao e fosse dispensado dela por algum motivo, nao era contratado por outra esta<;ao. Eu me lembro que o primeiro caso desses que ocorreu comigo ja na dire<;ao da esta<;ao, foi urn caso como Silvio Caldas. Na epoca ele tinha urn programa de muito sucesso na Record, mas ele brigou nao sei por que, saiu, e eu o contnitei. 0 Edmundo Monteiro, que er_a dir~tor geral da Tupi em Sao Paulo pediu a meu pai que fizessemos uma reuniao com ele, e chegou inclusive a amea<;ar meu pai. Esse foi o primeiro passo para a quebra do chamado convenio" .52 Do ponto de vista subjetivo, essa atitude talvez pudesse ser interpretada como a compreensao de urn empresano em rela<;ao as dificuldades pelas quais passavam os artistas. A perspectiva sociol6gica nos orienta

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Entrevista de Otavio Frias Filho, editor-chefe, a Gisela .Goldenstein, op. cit. , p. 155. (52) Depoimento deW alter Simonsen Neto (FUNARTE).

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para uma outra dire~ao. As transforma~oes s6cio-economicas que sofre a sociedade brasileira repercutem diretamente inclusive nas formas de contrato, liberando-as do peso de uma tradi~ao mais personalizada. Quando a TV Excelsior, em 1963, muda a orienta~ao de sua politica, buscando atingir uma audiencia maior, ela se ve na necessidade de romper certos la~os do passado, buscando nas emissoras concorrentes os talentos que nao possuia. Alcir Costa ob~erva que num s6 dia ela contratou dezenas de artistas da TV Rio, oferecendo o dobro dos salaries, e esv~ ziando o potencial de competi~ao da firma concorrente:.~J Deslealdade? Talvez, mas o que irnporta perceber e que as novas for~as em jogo se tornavam mais impessoalizadas, e, como uma empresa realmente capitalista, a emissora passa a aplicar seus principios mercadol6gicos. :· Paralelamente a essas mudan~as nas rela~oes de trabalho, assistimos as empresas redimensionarem melhor a utiliza~ao de seu pessoal, procurando retirar disso uma produtividade maior. Ate mesmo em rela~ao ao uso dos ato- · res ocorre uma mudan~a de estilo. "A canal9 (Excelsior) ja compreendia, ao contrario das outras esta~oes, que quando urn a tor esta fazendo sucesso junto ao publico, sua presen~a no video precisa ser planejada para que o publico nao fique saturado. Assim, os atores representavam 3 ou 4 meses ern uma telenovela e descansavam 3 meses ou ate mais para entrar em outra telenovela." ~-planejamento da exposi~ao da aura,....e!~m.~n to fu,ndamental para o funcionamento do sistema de idolos do'-»zlissm edia j\Vma aura diferente da desejada por Benjamin,ma iSSeaprdximando de uma estrategia para provocar no consumidor a ilusao de unicidade da " obra de arte". A contrapartida desse processo de racionaliza~ao empresarial e a profissionalizac;ao crescente. Com a especializa~ao da produ~ao se intensifica o movimento de divisao das tarefas: cen6grafos, figurinistas, cabelereiros, pesquisadores, roteiristas, fot6grafos, redatores. Basta olharmos a

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(53)· Alcir Costa, Excelsior.. . , op. cit.

(54) Edgar Amorin, Historia da TV Excelsior, op . cit., p. 142.

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divisao de trabalho de uma agencia de propaganda, que e simples por causa de seu tamanho, para. perceber como este movimento de segmenta~ao se acentua. 55 Departamento de cria~ao, subdividido em reda~ao e arte, cabendo ao redator definir titulos e escrever textos, enquanto que o diretor de arte se ocupa da visualizac;ao, dos leiautes. Depar- r .tamento de Atendimento, que efetua o contato como cliente, interpreta suas necessidades, e traz a ele as sugestoes-da agenda. Departamento de midia, responsavel pela definic;ao do publico-alvo segundo os criterios economicos. Departamento de Pesquisa, onde se coletam informa~oes sobre o publico e os mercados. Divisao de trabalho que se cqmplexiza quando a empresa e maior, como a televisao, envolvendo, alem do setor da produ~ao, artistas, diretores, escritores, editores, sonoplastas, etc. }Esse movimento de racionaliza~ao nao se expressa somente pela especializa~ao, mas determinadas profissoes, essenciais para o funcionamento da industria cultural, conhecem neste perlodo urn crescimento substancial/ 0 caso dos fot6grafos e sugestivo, sobretudo se compararmos a evolu~ao desta profissao com OS Estados Unidos. DeFleur e Ball-Rokeach mostram que o desenvolvimento da profissao de fot6grafo foi essencial para a constitui~ao de uma industria cinematografica americana. 56 Entre 1880 e 1930 o numero desses profissionais passa de 9 900 para 39 000. No caso brasileiro, temos uma evolu~ao semelhante, mas com datas trocadas. para Em 1950 existiam 7 921 fot6grafos, numero que passa 57 insuA 1980. em 259 48 13 397 em 1960, 25 453 em 1970 e ficiencia de profissionais na decada de SO corresponde a precariedade da industria da cultura nessa epoca. Somente na decada de 70 vamos alcan~ar os indices americanos da decada de 30, para supera-los em 80. A comparac;ao com os ~Estados Unidos e sugestiva porque e na decada de 30 que (55) Ver Zilda Knoploch, /deologia do Publicitario, Rio de Janeiro, Achia·

me,1980.

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(56) DeFleur y Ball-Rockeach, Teorfas de Ia Comunicacion de Masas ,

Barcelona, Paid6s, 1982, p. 86. (57) Dados in Jose Carlos Dur and, Arte, Privi/egio e Distim;iio , op. cit. , p. 379.

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realmente se instaura nesse pais uma verdadeira industria__ da cultura. Nao estou com isso sugerindo que a hist6ria da cultura na periferia deva repetir o destino que teve nos paises centrais (inclusive porque essa hist6ria e distinta na Europa), mas apontar para o fato de que determinadas mudan~as estruturais levam necessariamente a certos ·fenomenos que me parecem ser internacionais. A constituic;-aade uma sociedade de consumo nos Estados U nidos dos anos 30 tern t.ra~os semelhantes as mudan~as que se consolidam no Brasil anos depois. A implanta~ao de uma industria cultural modifica o padrao de relacionamento com a cultura, uma vez que definitivamente ela passa a ser concebida como urn investimento comercial/ 0 processo de industrializa~ao da tele.visao, e particularmente o papel que nele desempenha a telenovela, e esclarecedor. Com a introdu~ao do videoteipe, novas generos puderam ser reinventados. E o caso da telenovela diaria, narrativa que dificilmente poderia ser construida dentro de urn esquema de filmagem ao vivo, demandando toda uma estrutura de produ~ao que adequasse sua realiza~ao ao processo de exibi~ao das imagens. A fabrica~ao da telenovela necessita de uma estrutura empresarial s6lida, maiores investimentos iniciais, implica numa acentuada divisao de trabalho, num ritmo intenso de produ9ao. As empresas, ao escolherem este genera como carro-chefe da industria televisiva, de uma certa forma se veem na posi~ao de .se Jtf,_,tmularem p;1ra produzi-lo. Lan~ada experimentalmente em 1963, a novela se torna logo urn sucesso, o que se manifesta claramente em 1964, com 0 Direito de Nascer. Ao longo da decada de 60 este tipo de narrati~a se consolida definitivamente junto ·ao publico consumidor. Entre 1963 e 1969 sao levadas ao ar 195 novelas. 58 Se em 1963 somente tres novelas foram exibidas, este numero sobe para 26 em 1964, atingindo urn pico de 48 em 1965. Todos os canais existentes lan~am mao dessa nova estrategia para conquistar o mercado, inclusive a TV Cultura. (58) Os dados relativos a telenovela sao provenientes de uma pesquisa coordenada por mim sobre "A Produ<;ao Industrial da Novela" . Trabalho em andamento, Program a de P6s-Gradua<;ao em Ciencias Sociais, PUC-SP.

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E interessante observar que no Brasil a telenovela foi escolhida como o produto por excelencia da atividade televisiva. Contrariamente aos Estados Unidos, onde a soapopera seguiu na televisao o.esquema do r~dio, se dirigindo a urn publico feminino durante o hora.rio da tarde, a novela se transformou entre nos num produto prjme~J{r!Le: e para ela convergiram todas as aten~6es (de melhoria do padrao de qualidade e dos investimentos). 0 interesse comercial que existia em rela~ao as radionovelas no Brasil se transfere, portanto, para as telenovelas, as firmas preferindo urn tipo de investimento seguro para atingir urn· publico de ·massa. No inicio, algumas multinacionais como Colgate Palmolive e Gessy Lever procuraram repetir o esquema que mantinham no radio, produzindo paralelamente as emissoras algumas novelas, contratando autores. e adapt~dores _de textos latino-americanos. Mas esta nova fase de mdustrializa~ao era incompativel com a descentraliza~ao, o que fez com que as emissoras se tornassem as unicas centrais geradoras de programas. Nao deixa de ser importante sublinhar que a popularidade da novela, e por conseguinte sua explora~ao comercial, vai redimensionar a 16gica da produ~ao das empresas, implicando no desaparecimento de generos dramaticos que marcaram a decada de SO. Refiro-me em particular ao teleteatro e ao teatro na televisao, exi?i~oes que se voltavam para textos classicos, adapta~oes de filmes, pe~as de autores nacionais, e que atuavam em compass_ o com o movimento teatral. Em 1963, momenta de expenmenta~ao da primeira novela diana, a Excelsior acaba c~m dais programas culturais, Teatro 9 e Teatro 63 .. Se 1964 eo ana de 0 Direito de Nascer, exibido pela TV Tupi, ele tambem marca o fim do Grande Teatro Tupi, considerado ate entao como o simbolo dos Diarios Associados. Em 1967 a Tupi tira do ar o TV Vanguarda, encerrando definitivamente o ciclo do teleteatro, e inaugurando-se a era da hegemonia da telenovela, produto de massa que canaliza toda a dramaturgia televisiva brasileira. 0 exemplo da telenovela nos remete a discussao do_ relacionamento entre as esferas de produ~ao de hens restntos e a de bens ampliados, que haviamos abordado anterior-

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mente. Normalmente esse debate tern sido traduzido na literatura sobre comunica~ao de massa como uma oposi~ao entre cultura de massa e cultura de elite. 0 seminario diri. gido por Lazersfeld, em 1959, organizado pelo Tamiment Institute a revista Daedalus, ilustra bern como se dividem as opinioes dos intelectuais e dos especialistas quando tratam da questao.59 No caso da escola de Frankfurt, creio que em linhas gerais suas ideias sao conhecidas. Numa sociedade de cGnsum0 a cultura se torna mercadoria, seja para aquele que a fabrica ou a consome. Na medida em que a sociedade avan~ada e caracterizada pela regressao da audi~ao, isto e, pela incapacidade de reconhecer o novo, produtores e consumidores fariam parte de urn mesmo polo, 60 refor~ando o sistema de domina~ao racional. Nao quero me alongar neste texto sobre as questoes teoricas, sao varias as criticas que poderiamos levantar; pessoalmente pensq que a perspectiva frankfurtiana que ve a ideologia exclusivamente como tecnica, o que significa assimilar a cultura a mercadoria, tern o merito de chamar a aten~ao para certos problemas, mas nos impede de compreendermos outros. Eu diria que a cultura, mesmo quando industrializada, nao e nunca inteiramente mercadoria, ela encerra urn "valor de uso" que e intrinseco a sua manifesta~ao. Ha uma diferen~a entre urn sabonete e uma opera de sabao. 0 primeiro e sempre o mesmo, e sua aceita~ao no mercado depende inclusive desta "eternidade" que garante ao consumidor a qualidad.e de urn padrao. A segunda possui uma unicidade, por mais que seja urn produto padronizado. Por isso prefh:o a postura de Edgar Morin quando afirma que "a industria (59) Ver Norman Jacobs (org.), Culture for Millions, op. cit. Sobre o mesmo debate, Georges Friedman, "Culture pour les Millions", in Ces Merveilleux~truments, Paris, Denoel, 1979. '\~2J Sao varios os escritos sobre a cultura como mercadona. Seguindo esta tradio;ao"femos, no caso da imprensa, Ciro Marcondes Filho, 0 Capital da Not£· cia, Sao Paulo, Atica, 1986. E sintomatico que urn autor como Hoffman, que na Alemanha tern defendido a tese da "imprensa como neg6cio", tenha recentemente sublinhado OS impasses deste tipo de abordagem exclusivamente economica. Ver B. Hoffman, "On the Development of a Mat.:rialist Theory of Mass Commun_i· cation in West Germany", in Media, Culture and Society, n? especial After the Frankfurt School , vol. 5 , n? 1, janeiro de 1985.

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cul1ural deve constantemente

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sabre as estrelas de.cinema e ·neste sen~i_4o_e]C~n1PJ~r, ~l.e as apreende como mercadoria e.como mito. 62 - - - - - - - - - Porem seria ingenue descartar pura e simplesmente . a ' analise frankfurtiana, pois a enfase na questao da raciOnalidade nos permite captar mudan~as estruturais na forma - de organiza~ao e de distribuic;ao da cultura· na· sociedad~ moderna. Essa transforma~ao nao se reduz, no entanto, ~ sua natureza economica, o que significa dizer que ·a cultura nao e simplesmente mercadoria, ela necessita ainda se impor como legitima. A cultura popular de massa_e_produto - ... - da sociedade moderna, mas a logica da industria cultural e tambem urn processo de hegemonia. Com isso entendemos que a analise da problematica cultural deve levar em conta o movimento mais amplo da sociedade, e, ao mesmo temluta. e de d~s­ po, perceber a cultura como urn espa~o tinc;ao social. Penso que o advento da soc1edade mdustrial nos colocou frente a uma forc;a que tende a ser hegemonica no campo da cultura. No caso brasifeiro percebemos essa tendencia quando comparamos 9s anos 40 e SO ao dese~­ volvimento da industria cultural na decada de 70-;PA rela~ao de intercambio e cumplicidade que havia entre a esfera de produc;ao restrita e a ampliada e revertida. 0 exemplo do surgimento da telenovela em detrimento do teleteatro_ e ~~­ gestivo. Ele aponta para o fato de que o espa~o de cnatmdade na industria cultural deve estar circunscrito a limites bern determinados. Nao quero dizer com isso que a criatividade nao possa se expressar mais, que ela desaparece diante da produtividade do sistema, mas chamar a atenc;~o para o fato de que sua manifestac;ao se torna cada vez mats dificil, encontra menos espac;o, e esta agora subordinada a

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(61) Edgar Morin, L 'Esprit du Temps, Paris, Grasset, 1962, p. i7. (62) Edgar Morin, Les Stars, Paris, Seuil, 1972.

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16gica comercial:~ .U!!lgi!:.:Q9o. um~expr~~s~o qe7Fol!c~u.lt~ _ et:iOil'iaque a ·mdustria cultur.aJ._age _cg mo ~m'! ml!tttuwa9. disciplinadora enrijecendo- a cultura. Se nos anos passados era possivel urn transito entre as areas "eruditas" e de " massa" nos moldes como a analisamos anteriormente, isto se devia a propria incipiencia da .sociedade de consumo brasileira; a distin~ao social conferida pela cultura "artis- -tica" cumpria urn papel supletivo no subdesenvolvimento da esfera de bens ampliados./ Morin tern razao. guando. diz que a industria cultural tern necess idade da inven~ao, m;ts e necessaria completar o pensamento e afirmar que a rela~ao entre os dois p6los antiteticos nao e dialetica, como al· gumas vezes ele sugere; existe urn processo de subordina~ao entre eles. 0 advento de uma sociedade moderna reestrutura a rela~ao entre a esfera de bens restritos e a de bens ampliados, a 16gica comercial sendo agora dominante; e determinando o espa~o a ser conferido as outras formas de 64 manifesta~ao cultural.

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' t63) )A rela~ao entre teatro e televisao exprime bern como se estrutura atualmente'a tensao entre essas esferas culturais distintas. A consolida~ao da tele· visao como industria reorganiza a logica do campo teatral na medida em que ela constitui o grande mercado para os atores. Isto significa que as p~as . para dar bilheteria, tendem a utilizar roteiristas, e principalmente artistas consagrados pelo grande publico (de preferencia os que atuaram nas telenovelas). Nao se trata simplesmente de urn conflito entre areas diferenciadas, e o proprio quadro da produ~ao teatral que se modifica, fazendo com que o teatro se tome cada vez mais dependente da produ~ao televisiva. Urn artigo interessante sobre este tema eo de Yan Michalski, "Teatro- Progresso ou Retrocessos", UnB, Humanidade.s, ano IV, n? 12, fevereiro/abril de 1987. (64) A decada de 60 nao corresponde somente ao advento das industrias da cultura no Brasil. Durante esse periodo se constitui tambem urn mercado de artes pU1sticas que ate en tao inexistia entre nos. Ver Jose Carlos Durand, op. cit.

0 popular e o nacional Quando nos deparamos com a literatura sobre a socie· · dade de consumo, reiteradamente encontramos uma discussao sobre a despolitiza~ao da sociedade. Num primeiro nivel, o tema nos remete ao problema da integra~ao dos membros da sociedade no capitalismo avan~ado, e se refere ao processo de "despolitiza~ao das massas". Varios autores, oriundos de tradi~oes te6ricas distintas, tern apontado para este lado da questao. Cito, por exemplo, David Riesman, que nao partilha inteiramente das criticas que se fazem a cultura de massa; que no seu livro classico, A Multidfio Solitaria, mostra como elementos dessa cultura funcionam como urn meio de ajustar os individuos a sociedade. 1Ou o trabalho de Leo Lowenthal sobre as biografias dos idolos populares. 2 Lowenthal as considera como est6, rias exemplares que tendem a difundir junto ao publico urn tipo ideal de comportamento a ser alcanc;ado. Sua analise do genero indica que nos Estados Unidos, entre 1900 e 1940, ha uma mudan~a no padrao do her6i biogra· ~ado. No inicio do secuio,as publica~oes privilegiam a vida . (1) David Riesman, A Multidiio Solitaria , Sao Paulo, Perspectiva, 1971.

(2) Leo Lowenthal, "The Biographical Fashion" e "Tbe Triumph of Mass Idols", in Literature and Mass Culture, Nova Jersey, Transaction Books, 1984.

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dos politicos e dos grandes homens de negocio. 0 heroi exaltado era o homem de a~ao, que o au tor chama de "idolo de produ~ao", na medida em que ele retirava sua energia e legitimidade da esfera da vida produtiva. A partir de mea- . dos da decada de 20 esse tipo de figura se transforma. Pouco a pouco o homem-a~ao cede lugar aos idolos de entre.tenimento (esportistas, artistas, etc.) que estimulam no lei- - --tor nao mais uma tendencia a realiza~ao de uma vontade, ,politica ati-empresarial, mas o conformismo as normas da sociedade. Passa-se, portanto, de uma fase na qual a a~ao era considerada como foco central na orienta~ao dos comportamentos para uma outra em que se privilegia a passividade. Uma posi~ao mais extremada e certamente a de Adorno, quando descreve a sociedade de massas como urn espa~o onde praticamente nao mais existem conflitos, uma vez que a !uta de classes deixa de existir e a propria possi- · bilidade de aliena~ao se torna impossivel. Sociedade marcada pela unidimensionalidade das consciencias, o que refor~a a iritegrac;ao da ordem social e elimina a expressao dos antagonismos. 3 Num segundo nivel, porem, que ·evidentemente esta relacionado com o primeiro, mas nao se confunde com ele, 0 processo de despolitiza~ao se vincula a propria logica da indt'1stria da cultura. Creio que neste ponte o estudo de Habermas sobre o espa~o publico pode ser tornado como paradigmatico. Sua argumenta~ao, que considera dois mementos hist6rkos distintos- da evolu~ao do que ele denomina de "espa~o publico", nos interessa particularmente. Habermas descreve o advento da cultura burguesa como "urn momenta em que o homem burgues secreta uma esfera publica de discussao, que ele qualifica de eminentemente politica. Na sua luta contra o poder aristocratico, a nova

(3) Uma perspectiva distinta que aponta, no en tanto, para o mesmo pro· blema e a analise semiol6gica que Barthes faz sobre os mitos da sociedade moderna (autom6vel, filmes, brinquedos, etc.). 0 au tor mostra que "o mito tem por tarefa fundar uma inten~ao hist6rica em narureza, em eternidade. As coisas nele. perdem a lembran~a de sua fabrica!;iio. 0 mito e uma palavra despolitizada", in Mitologias , Sao Paulo, DIFEL, 1985.

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classe emergente se via na necessidade de· engendrar urn espa~o onde pudesse se exprimir politica e culturalmente, o que a levou a valorizar uma concep~ao do individuo enquanta homem universal. Nesse sentido, "a cultura burguesa nao era pura e simplesmente uma ideologia. Namedida em que o uso que as pessoas privadas faziam de sua razao nos saloes, clubes e sociedades de leituras nao estava submetido ao circuito da produ~ao e do consumo, nem as pressoes das necessidades vitais; na medida em que, pelo contrario, este uso da razao possuia urn sentido grego de independencia em relac;ao aos imperatives da sobrevivencia, urn carater 'politico', ate mesmo na sua expressao simplesmente literaria, pode ser elaborada esta ideia que, mais tarde, foi reduzida a uma ideologia: a ideia de humanidade" . 4 Habermas reconhece, portanto, que -b individuo - - ·--do seculoXVIII e parte do-seculo XIX· e "burgues" e "ho-. mem", o que significa que a n~ao de humanidade carrega consigo uma ideia de liberta~ao que nao se vincula exclusivamente a uma classe social determinada. Sua analise dos lugares sociais, como os saloes, os clubes literarios, mostra que a cultura que ai se expressava possuia uma dimensao que era simultaneamente cultural e politica. Para Habermas, a transforma~ao da cultura em consume ~e acentua somente em meados do seculo XIX, quando a esfera publica burguesa perde 0 seu carater politico, nao tanto por causa do aumento da sua amplitude (passa a envolver urn maior numero de pessoas), mas sobretudo pelo fato de que o que e produzido se fundamenta agora em urn outro criteria: a demanda do mercad
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(4) Habermas, L 'Espace Public, Paris, Payot, 1978, p. 168 . I

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inercial somente representava ainda uma simples possibilidade de investimento rentavel, ela se toma muito rapidamente uma necessidade para todos OS editores. 0 desenvolvimento e o aperfei~oamento da infra-estrutura tecnica e organizacionallevou a urn aumento do capital da empresa; o risco comercial aumentou e, conseqiientemente, a politica da empres~foi submetida aos imperatives de sua estrategia comercial." 5 Pa.ssa-se_de urn j<;>rnalismo politico para urn jornalismo enipresarial. A perspectiva ~llah~.IffiA_s_possui uma dimensao hist6ric:a, e capta o momenta de trarisf~r-ma~io d~LQrQPii~ concep~ao_do que e a cultura. Penso que no caso brasileiro 0 mesmo tipo-de iogica se manifesta na medida em que ela e estrutural a propria industria cultural. Ja haviamos observado como o jornalismo passava da ideia de "missao" para a de "atendimento das necessidades do publico", o que implicava num processo de despolitiza9ao da concep~ao de como se fazer urn jornal. Mas a supremacia da 16gica comercia! tende inclusive a considerar de forma neutralizadora questoes de cunho politico. E o caso dos dirigentes das empresas quando se posicionam em rela~ao a uma questao como a censura. Dira urn executivo da Folha de S. Paulo/ "Acho que(a censura) deprecia a mercadoriajornalistica. E mais ou menos como fabricar suco de tomate que nao possa ter gosto de tomate; tenho a impressao que isso iria reduzir o mercado do suco de tomate. E urn exemplo grosseiro, mas imagino no que se possa especular urn pouco nessa dire9ao: depreciar o valor da mercadoria jornalistica e, portanto, poder eventualmente significar algum tipo de redu9ao ou nao no crescimento do mercado jornalistico, se confrontado com o que ele poderia ter crescido em urn ambiente de liberdade politica." 6 Baseada n~ i®ia_de__y_~nda_e de eficiencia, a ideologia .dos.dirigentes da industria cultural~-=­ de a afastar qualquer problemitica q~e interfi;a na ;a~i;:­ nalidade da empresa. Como afirma urn intelectual da :Re
(6) Depoimento de Otavio Frias Filho, in Gisela Goldenstein, op. cit., p . 156.

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Globo de Televisao, ao fazer o balanc;o das conquistas de comercializa~ao da empresa: "E urn fato que a midia se tomou menos politica e centrada agora na eficiencia. Isto a Rede Globo proporcionou ao mercado: procura a .Globo quem precisa de resultados e respostas comerciais" . ~· Se no Brasil o advento da industria cultural implicou a valorizac;ao dos imperatives de ordem economica na esfera da cultura, nao e menos verdade que o caso brasileiro passui uma particularidade em rela<;ao ao que se passou em outros paises . ..fu!!!'~Qs_eo ~-~tE.d.o..rnilit_ar quem ,promove o capitalismo na sua fase mais avanc;ada. Em que medida· este tra<;o recoloca · a.··tematica da despolitiza<;ao que vinhamos considerando? Para encaminhar meu raciocinio, gostaria de considerar dois exemplos, o da Ultima Horae o da TV Excelsior. Tratam-se de duas empresas' que se modernizam, mas que nao conseguem se desenvolver como "industria" no quadro politico pos-64. Vimos nos capitulos anteriores como tanto a Excelsior como a Ultima Hora introduziram uma serie de tecnicas· modernas na gestao e na concep<;ao do produto que veiculavam. Nao obstante, o que chama a aten~ao e que ambas tiveram o mesmo destino: a ruina. A Ultima Hora tinha sido criada em 1951 por Samuel Wainer com a finalidade de defender OS interesses getulistas. 8 0 jornal e, portanto, concebido como porta-voz do populismo da epoca, e toda a sua transformac;ao tecnol6gica, assim como sua modernizac;ao, se estruturam a partir deste imperative de ordem politica que o fundamenta. Por causa de suas posi96es, a Ultima Hora sera combatida por seus adversaries, a UDN e as multinacionais que dominavam o mercado da publicidade. Por esse motivo, a vida economica do jornal foi dificil durante toda a decada de SO, e em 1958 ele estava a beira da falencia; somente a partir desta data, com o governo Juscelino, quando a briga politica se acalma, e que o jornal (7) Arce, "Televisao: Ano 25/ 10 de Conquistas de Comer~ializac;ao", op. cit. , p. 67. (8) Ver Gisela Goldenstein, Do Jomalismo Polftico a Industria Cultural, op. cit.

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c<,msegue recursos e se recupera. Porem, o periodo de estabili"Cfi@~ ~curto, pois 0 golpe de 64 val eilnifni~iQ .de.~cena. o itineraiio da TV ·Ex-<:msfor 6'"semelffiinfe:· Responsavel pela introdu~aooeuma S6rie de medidas modernizadoras na televisao, ela foi fundada em 1960 pelo grupo Simonsen as~spera~. ~..!l~~~~5es presidenciais. LOgo no 'iiucio cie-s~ funcioiiainento a empresa tern problemas, pois havia apoia- ----· do o marechal Lott, candidato perdedor das elei~oes. Fortemente nacionalista, u grupo concessionario se coloca logo em seguida ao lado de Jango, mas com.o golpe a emissora e invadida pelos militares, alem de receber uma aten~ao especial da censura, que a trata de maneira mais rigorosa do que as outras empresas. As pressoes contra a familia Simonsen nao tardam a aparecer. Como os proprietarios eram ligados a exporta~ao de cafe e aos grupos internacionais ingleses, num momento de rearticula~ao da-economia - - brasileira que privilegiava os conglomerados norte-americanos, o ·Estado aproveita o inquerito aberto na epoca de Goulart que os acusava de desvio de verbas pe'rtencentes ao Instituto Brasileiro do Cafe. 0 processo termina com 0 seqiiestro dos hens dos proprietarios (Panair), colocando a televisao numa situa~ao economica precaria. Posto que o governo nao tern interesse em que a emissora se torne inteiramente autonoma, como parcela da divida ele confisca parte das a~oes para a U niao. Isso significa que a partir de 1965 a Excelsior nao podia mais contar com a cobertura e:::::m.cmku ,q!;e pos~uia anteriormente; a emissora vive urn periodo de instabilidade, marcada por varias crises trabalhistas, e em 1969 ve sua concessao cassada pelo governo. Como declarou posteriormente Wallace Simonsen Neto o empreendimento "era viavel economicamente mas invia~el politicamente". 9 qisela.QolP,~I_!~tein observa_gy_e.....a Ultima Hora teve as tecnicas. da indus!r~cEff!ira(, ~~s niOa s ua-"logic~.- ·p~ demos dtzer o rnesm~ i:i~ T.V E_~celsiOr. ·a 1~9o{i6iitico, .Yin· culado aos setores derrotados peio" golpe, impediram que (9) Depoimento de Wallace Simonsen Neto (FUNARTE).

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essas empresas modernas pudessem se desenvolver dentro do novo quadro das for~as politicas. 0 que significa que a vertente associada aos militares contou com a liberdade necessaria para realizar seus projetos culturais. 0 caso da TV Globo contrasta com o da Excelsior. Suas atividades iniciais tambem foram dificultosas devido a vincula~ao da empresa ao conglomerado Time-Life, o que violava clara10 mente ·as leis nacionais relativas a c6munica~ao. Rqberto Marinho, da mesma forma que Simonsen no caso do cafe, enfrentou uma cerrada campanh a das comissoes parlamen- tares de inquerito que investigaram a intromissao dos interesses americanos nos meios de comunica~ao brasileiros. Porem, os contatos da TV Globo junto aarea militar eram fortes, e ela pode se beneficiar da complacencia do regime que nao hesitou em favorece-la. A Globo pode, desta for- rna·, estabelecer uma alian~a como Estado autoritario, pos- -- sibilitando que os objetivos de "integra~ao naci<;>nal" pudessem ser concretizados no dominio do sistema televisivo. Dizer que a consolida~ao da industria cultural se da num momento de repolitiza~ao da esfera do aparelho de Estado significa afirmar que o processo de despolitiza~ao que estavamos .considerando, exclusivamente a nivel de mercado, se beneficia de urn reforc;o politico. Com efeito, o Estado autoritan o tern interesse em eliminar os setores que possam lhe oferecer alguma resistencia; nesse sentido a repressao aos partidos politicos, aos movimentos sociais, a liberdade de expressao, contribui para que sejam desmanteladas as formas criticas de expressao cultural. Quando se analisa o periodo relativo a ditadura militar, o que chama a aten~ao no que diz respeito a repressao cultura~ nao e tanto a existencia da censura, que de uma forma se enc.ontra associada a existencia em si do aparelho de Estado, mas a sua extensao. Ela nao se constitui apenas de proposi~oes mais gerais, aprovadas pela legalidade de exce~ao e espelhada na Constitui~ao, na Lei de Imprensa, nas regulathenta~oes que ( 19) Sobre a ·associac;ao da Globo ao grupo Time-Life, e o processo movido pela CPI do Congresso, ver Daniel Herz, A Hist6ria Secreta da Rede G/obo, Porto Alegre, Tche. 1987.

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controlam o teatro, cinema, televisao, radio, etc. Existem ainda inumeras formas de pressao, diretas e indiretas, que no campo do jornalismo, por exemplo, atingem areas diferenciadas, proibindo a publica~ao de informa~oes de cunho politico, moral, e ate mesmo noticias locais, julgadas como potencialmente desabonadoras da imagem de tranqiiilidade cultivada pelos militares. Mas esse trabalho de denunda e de cataloga~ao dos atos de repressao ja foi realizado por varios estudiosos, por isso gostaria de considerar a prob}ematica V.i sta de Uffi OUtrO angulO. II Penso que e possivel captarmos o quadro relativo ao embate entre censura e cultura se considerarmos, ao lado da repressao as Iiberdades de expressao, certas formas de comportamento que surgem durante o periodo autoritario. Para isso e importante retomarmos algumas analises e criticas que procuraram apreender as atitudes dos individuos num cotidiano que refletiria os impasses de uma cultura marcada pela violencia e pela censura. 0 ensaio sabre autoritarismo e cultura de Luciano Martins e, neste sentide, interessante; nele o autor busca entender as manifesta~oes culturais emergentes na sociedade brasileira como urn a resposta a situa~ao de repressao. 12 . L!!_cial!Q M~ toma como objeto urn grupo de jovens pertencentes a uma classe media mais escolarizados, com acesso a universidade, que ele denomina de "gera~ao AI-5", e que a partir de 1968 promovem e valorizam as correntes de contracultura. Dentrn desse universe ele procura detectar urn conjunto de valores e comportamentos, praticas que seriam vividas como uma receita de liberta~ao pessoal no quadro global de repressao da sociedade brasileira. Dito de outra forma, tenta-se compreender o surgimento de valores ·similares aos da contracultura nos paises centrais, s6 que agora

ajustados a uma sociedade periferica. No conjunto dessas praticas, ele considera particularmente tres delas: o uso da droga, a desarticula~ao do discurso e o modismo da psicanalise. A droga e vista como urn instrumento de evasao do mundo, uma forma de escapismo. 0 processo de desarticula~ao do discurso, o au tor pode percebe-lo no ·uso que esta ger~ao AI -5 faz das palavras, em particular analisando os novos termos da giriajuvenil, que em principia implicariam uma falta de precisao, uma indetermina~ao que se oporia a qualquer tipo de conhecimento mais conceitual. Por fim, o "modismo" da psicanalise d~ resp~ito a expansao deste tipo de terapia junto a set9res cultivados da classe media, expansao que nao corresponderia tanto a existencia de uma neurose de origem estritamente individual, mas expressaria uma ansiedade autentica, nao-neur6tica, induzida por toda uma conjuntura social espedfica." Esses elementos formariam urn conjunto de valores para a orientac;ao da vida, mas devido a sua despolitizac;ao, comporiarn urn antiprojeto de libera~ao na medida em que seria "uma expressao da aliena~ao produzida pelo proprio autoritarismo". 13 A reflexao que Gilberta Vasconcelos faz sobre a musica popular brasileira, embora focalize urn objeto distinto, a.ponta para esses mesmos tra~os revelados. E bern verdade que o ponto de partida deste autore bastante diferenciado do anterior. Sua critica ao populismo dos movimentos culturais da decada de 60, sua valorizac;ao da Tropicalia, e por conseguinte da vertente aleg6rica inaugurada por Oswald de Andrade, o filia a uma tradic;ao de pensamento que se afasta desta visao urn tanto rigida dentro da qual se enquadra a analise de Luciano Martins. Mas e justamente essa diversidade de pontos de vista que e esclarecedora, pois se os autores se fundamentam em categorias te6ricas distintas, a argumentac;ao desvenda elementos ana.Iogos, o que sugere que urn determinado tipo de comportamento e algo mais geral dentro desta conjuntura politica. Tomando cgwo referenda 0 periodo de 1969 a 1974, mQmento eriLque. viceja

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(11) Sobre a legisla~ao repressiva, ver Reinaldo Santos, Vade Mecum da Comunicar;iio, Rio de Janeiro, Ed. Trabalhistas, 1986; ou ainda Paolo Marconi, A C~nsura Polftica na lmprensa Brasi/eira: 1968-1978, Siio Paulo, Global, 1980; . Tima Pacheco, "0 Teatro eo Poder", op. ciL (12) Luciano Martins, "A Gera~;ao Al-5", Ensaios de Opiniiio, setembro de 1979.

(13) Idem, p. 74.

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uma "cultura· da depressao", ele procura. cqmpreend~r como a partir de 1968, ap6s uma explosao de utopia politica, na qual a esquerda possuia a hegemonia do movimento cultural, se instaura urn clima de.conformismo e de passividade. "Cultura de depressao com varia~oes no irracionalismo, no misticismo, no escapismo, e sob o signa da amea~a, eis os tra~os essenciais que acompanham alguns setores da produ~ao cultural brasileira a partir de 1969. Suas caraderisticas apresentarn. espantosa convergencia ideol6gica: enterra-se arbitrariamente a no~ao de mimese com base numa concep~ao reificada da linguagem, declarase espuria ou careta a esfera do politico e, atraves de urn argumento equivocado do perigo da recupera~ao via industria cultural ou pelo establishment, faz-se a profissao de fe do silencio te6rico, isto e, a recusa apologetica do discurso conceptualizado sabre a produ~ao artistica, sobretudo a musical. Isto tudo mesclado a urn culto modernoso do nonsense, a urn repudio a pontilha~ao racional do discurso." 14 Portanto enfas.e.n.o.sujeito "alienado", que busca na droga, no m'isti~ismo ou n~ p.sicanaJ.ise, a forma de expressar sua indmcfiia lioide; desartiCula~ao do discurso, reifica~ao da lin~~gem~-qu_e:-:equ~vaie:rii .a. ~rna. 4~~.v.alotiza~ao do conhecimento racional; Fecusa-.em se encarar. o elemento politico. Nao deixa de ser/interessante observar que o diagn6sticocorresponde ao que varios autores fazem sobre a modernic:i
tendo nesse texto aprofundar·sobre a tematica da contracultura nas sociedades avan~adas, muito menos sobre a discussao do p6s-modemismo; creio que e suficiente sublinhar . minhas duvidas em rela~ao a esta perspectiva que apreende esses movimentos exclusivamente como sinais de irracionalismo, ou de escapismo. Identifico-me mais com a postura que, mesmo apontando para os limites que possuem os movimentos juvenis dos anos 60, neles descobre uma tendencia ativa de se contrapor a sociedade tecnol6gica. 16 De qualquer forma, este nao me parece ser o ponto central para a discussao que estamos realizando no momenta, na seqUencia de minha argumenta~ao; o relevante e real~ar o fato de que urn mesmo conjunto de manifesta~oes e compreendido de maneira diferenciada. por autores de continentes distintos . 0 que os estudiosos estrangeiros veem como decorrente-da expansao da propria racionalidade da sociedade (seja para valoriza-los, seja para contesta-los), os criticos brasileiros atribuem a superestrutura politi<;:a do quadro nacional. 0 estagio de racionaliza~ao da sociedade, e por conseguinte do comportamento individual, e percebido como conseqiiencia da existencia do Estado autoritario. Dentro dessa perspectiva, a pergunta que se coloca e a seguinte: como entender essa discrep,ancia? Forrnaria o Brasil urn quadro a parte, a ponto de B~armos a explica~ao de urn fenomeno que sem duvida parece ser intemacional, numa esfera completamente distinta daquela encontrada nas sociedades avan~adas? Penso que esta contradi~ao pode ser resolvida quando voltamos a especificidade deste capitalismo brasileiro promovido pelas for~as repressivas. Entre nos o Estado e o agente da modern~~~o., o que significa que por· urn ladO" ele e prop~_l~~~ma -~ova ordern social,· por ·outro~--e-promoro"f.. de urn "4.~~s:.n~9nta­ mento duplo"do ·r iiundo'\"na""ffied!d;a~ijl-:q~-~i~~..r~iQnali­ dade incorpora urti~niiinens~o. coercttiva. A nivel e~ll!.~ral ela acompanha o processo de transforma<;:.ao_pa ~ociedade como urn todo; a nivel da esfera politica, ela exp~essa G-lado

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(14) Gilberto Vasconcelos, Musica Popular: de Olho na Fresta, Rio de Janeiro, Graal, 1977, pp. 66-67. (15) Ver Arte em Revista, especial sobre P6s-Modernismo, n!' 7, 1973; varios ensaios in Hal Fo;ter (org. ), The Atui-Aesthetic: Essays on Posrmodern Culture, Washington, Bay Press, .1985, e Richard Bernstein (org.), Habermas and Modernity , Cambridge, Massachusetts, 1985.

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( 16) Sobre a contracultura, ver Theodore Roszak, The Making of a Coun ter Culture, Nova Iorque, Anchor Books, 1969.

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pudessemos dizer que nocaso brasijeiro hou.ve.. u.ma. conjun¢ao.::ae:::for~asque se concentraram num determinado periodo, favorecendo 0 ajustamento acelerado dos in9i..viduos as...no~as .. norm'as de organiza~ao da sociedade. A rela<;:ao entre cultura e politica nos remete ainda a uma discussa:~ classica so_b re.Q_populaL~~iOO:"ai no Bnisil. Minha tese e de que o advento de uma cultura popular de massa implica a redefinic;ao desses conceitos, e nos pr6prios parametros da discussao cultural. No entanto, antes de entrarmos especificamente no tema, e necessaria referenciar as posi~oes em torno das quais historicamente esse debate evoluiu. Pode-se dizer que ate recentemente existiram entre nos duas grandes tradi~oes que procuravam pensar a problematica do nacional-popular. A primeira, mais antiga, se liga aos estudos e as preocupa~oes folcl6ricas, e tern inicio com Silvio Romero e Celso Magalhaes, em fins do seculo passado. Popular significa tradicional, e se identifica com as manifestac;oes culturais das classes populares, · que em principio preservariam uma cultura "milenar", romanticamente idealizada pelos_folcloristas. Dentro dessa perspectiva, 0 popular e visto como objeto que deve ser conservado em museus, livros e casas de cultura, alimentando o saber nostalgico dos intelectuais tradiciona1s. Mas a emergencia do pensamento folcl6rico no Brasil esta, como na Europa, tambem associada a questao nacional, uma vez que as tradi~o~s populares encarnam uma · determinada visao do que seria o espirito de urn povo~ Burke observa que a descoberta da cultura popular pelos__ intelectuais europeus se da preferencialmente nos paises perifericos da Europa, pois Inglaterra e Fran~a. centrosaomundo moderno ate meados do seculo XIX, se encontravam relativamente ausentes do movimento romantico que se volta para o estudo das tradi~oes populares. C Na •

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( 17) Pete! Burke, Popular Culture in Early Modem Europe, Nova lor· que, University Press, 1978. Sobre o conceito de cultura popular na Europa, ver, Renato Ortiz, "Cultura Popular: Romanticos e Folcloristas", Texto 3, Progama de P6s-Graduac;iio em Ciencias Sociais, PUC-SP, 1985.

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verda de, o estudo....dQjclclo..r.e....s.e..desen.vohre.._ern..tlaises .como Alemanha, I talia, Portugal, Espanha, lugares on de a ques- _ tao da construc;ao nacional tern que ser enfrentada no plano mat~ria!~~s[I.!!~6~<:.
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inautenticidade de uma identidade que sabemos ser fruto da constru~ao ideologica de grupos politicos que se enfrentam. Ja tivemos a oportunidade de abordar esse tet;'la em outros escritos. 21 0 que nos inter~ssa no momento e compreender em que medida o advento de uma industria cultural vern modificar o panorama dessa discussa~. Nao resta duvida que essas visoes apresentadas fazem parte da historia intelectual e politica brasileiras, nesse sentido elas permanecem presentes ainda hoje nos debates e na implementa9ao dedeterminadas a~oes culturai.s.: A per~p;~­ tiva folclorista sobrevive, sobretudo, nas reg10es penfencas do pais, onde ocorre uma simbiose entre o popular t:adicional e as politicas de cultura realizadas pelas secretartas e con.selhos municipais e estaduais. Ela se encontra ainda, associada a uma ideologia das agencias governamentais, para-as quais 0 argumento da tradi~ao e fundamental ~a . orienta~ao de atividades que se voltam para a preserva~ao da "memoria" dos museus, das festas populares e do artesanato folclorlco. Esse tipo de argumenta~ao legitima a a9ao do Estado nessas areas, desenvolvendo uma proposta que em principio recuperaria a memoria e a .ident~~ade nacional cristalizada no tempo. A vertente mats polthzada se manifesta junto a diversos setores de alguns partidos de esquerda, ou ainda em certas politicas da Igreja, onde predomina uma ideologia da "op9ao pelos pobres". Esta perspectiva, e claro, vern agora reorientada politicamente? contem uma critica exaustiva ao populismo e ao vanguard1smo que marcava os movinientos culturais anteriores, e no caso das comunidades de base integra elementos novos trazidos pela Teologia da Liberta9ao. 27 Nao obstante, penso que a concep~o hegemonica do que e popular, embora enfrente no (21) Ver Cultura Brasileira e ldentidade Nacional, op . ~it. (22) Ver, por exemplo, Ed. Vallee J. Queir?z (org.), 1 qul~ura do Povo, Sao Paulo, Cortez, 1979; Marilena Chaui, Canf ormtsmo e Reststencta, S~o Paulo, Brasiliense, 1986; Polftica Cultural (Proposta de um Grupo de Intelectuats do Partido dos Trabalhadores ), Porto Alegre, Mercado Aberto, 19~. Sobre o debate ~ 0 .popular nos meios cat61icos, ver em particular a _leitura que os setores da :reologta da Liberta~llo fazem da pr6pria hist6ria da IgreJa: E. Hoornaert, ~- Azzt, K. van der Grijp, B. Brod, Hist6ria da lgreja no Brasil, tomo 2, Petr6polts, Vozes, 1977 ..

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campo da definic;oes legitimas aquelas legadas pela hist6ria, seu desenvol.Yimento como veiculo de integra~ao nacional; tende a se modificar. A emergencia da industria cultural vi'riculav-;;, d~~ta--=-r~;a~ a· pr~pJlli~-d~ ~£_o_ii~ti:U.~ao . da e de u~o deJ:>~.PfSlmt>Q.l!cgs QX:g~_ni~gu_aar
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cos programas produzidos localrnente. No entanto, o.que chama a atenc;ao e que a expansao da rede nacional se faz atraves da valoriza~ao do regional. 0 "toque local" da urn colorido folcl6rico, quando se apropria dos "costumes gauchos" que em principia constituiriam a identidade regional. Urn artigo de Mercado Global e sugestivo a esse respeito; nele se afirma que "a implantac;ao da Rede Regional de Televisao foi uma forma de impedir que o homem do campo ficasse-alkna.do d() :m do ~m que vive, produzindo-se localmente programa:s gue abordassem temas sabre a vida da com?n:idade-p6lo":-....~) o proprio conceito de aliena~ao, es- senc1al para a discussao da identidade nos anos 60, e recuperado, mas invertendo-se o problema, uma vez que a tibedade do sujeito alien_ado se en~ont;ari.a resolvida no ambito ,rdo mercado local. Dtzer que a mdustna cultural se apropria I dos valores locais e, na verdade, considerar que na luta pela --- -defilii~ao do que e legitimamente regional temos agora a entrada de uma nova for~a. Ruben Oliven mostra que no Rio Grande do Sui, ate recentemente, a fabrica~ao da identidade gaucha era praticamente monop6lio das correntes tradicionalistas, particularmente do Movimento Tradicionalista Gaucho, cuja finalidade e promover e preservar OS tra~os genuinos da regiao. Movimento que realiza diversas atividades, como Semana Farroupilha, bailes tradicionais, pec;as teatrais, possui urn instituto de folclore, alem de combater as influencias julgadas "nefastas" para o carater g~uc.ho. P~m, -Centre do_.quadro de niudanc;as s6cio-economtcas por que passa o estado, " o Moviinento Tradicionalista G~ucho ?ao consegue controlar todas as express<>es culturats do R10 Grande do Sui, nem disseminar hegemonica~ente sua ideologia. Os tempos sao outros e ser gaucho detxou de ser exclusividade dos Centros de Tradi~oes Gauchas" . 26 No caso da implantac;ao da rede nacional de televisao, temos agora urn complicador, uma vez que o veiculo,

{25} J;.-t.,:ercudo G;obal, up. cit. , p. 5.

(26) Ruben Oliven, ..A Fabrica~ ao do Gaucho" Cadernos do CERU se' ' rie II, n!' 1, maio de 1985. •

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como agente da modernidade, vai concorrer com as imagens produzidas pela consciencia regional. 0 novo Ser local somente existe quando vinculado a realidade do mercado nacional. Este processo de apropria~ao das identidades pode ser tambem observado no caso de Minas Gerais. ·Ronaldo Noronha e Francisco Jacob mostram que, vencida a , · · - fase de consolida~ao nacional da televisao brasileira, surge a ___ necessidade de se explorar os mercados regionalmente. ., Dentro deste quadro e importante para que o regional seja resgatado a partir do olhar e das ideias do centro. A proposta que a Rede Globo aplicou em Minas Gerais foi de substi- .. tuir a velha ideia de mineiridade, marcada por uma defini~ao provinciana e paroquial, por uma "nova mineiridade construida a partir dos restos da antiga identi_dade, hoje inviavel e irreal em face das transforma~oes sociais que Mi·-· nas Gerais experimentou nas ultimas decadas, [mas] sob· a influencia do moderno, do cosmopolitismo e da massificac;ao social" Na inexistencia de emissoras locais, como no caso do Rio Grande do Sul, a hegemonia tern que ser construida no plano exclusivo do simb61ico, integrando-se os valores internalizados pela populac;ao: culinaria, arquitetura barroca, tradic;ao. Nao e somente na area da _televisao .que . ocorre esta identificac;ao·en.trecul£if,a:p~f>RlaNie-·massa.e-eultur-a nacional, este tra~o de uniao ~§t§,_'\cinculadp_a_ i
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Ii. (27) Ronaldo Noronha, Francisco Jacob, .. 0 Imaginario Televisivo o~ a re-Cria~ao de uma Identidade Mineira" , 9!' Encontro da ANPOCS, Grupo Socto· logia da Cultura Brasileira; Sao Paulo, Aguas de Sao Pedro, outubro de 1985, p. 5, mimeo.

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tetico, implicava a restri~ao do publico consumidor. l'.ara privilegiaram a problemati ca da. lingua, da fal~ naciona,l, os intelectuais da nova industria cinematografica, o esteticomo forma de se contrapor ao cmema estrangetro, ao procismo e a arte (na sua dimensao politica ou nao) se associa- - - · - cesso de " alienac;:ao cultural" pelo qual passava o pais. Di-- - - vam ao "elitismo" dos pequenos grupos, em contraposi~ao ' ziam eles que, para reencontrarmos nosso Se~, era !iecessaa "comunica~ao universal" do mercado. Carlos Mattos Jr., : rio voltarmos para o idioma nacional, fonte ·meqmvoca de ao descrever a realidade do cinema brasileiro na decada de 70 nossa autenticidade. E dentro desta perspectiva que se deve dira: "Ele saiu de uma fase em que a multiplicidade de ! entender uma afirmac;:ao como "todo filme brasileiro e realiza~oes experimentais e contestat6r ias provocou a retrai born independentemente de sua qualidade", principia que ~ao do publico. Agora ha uma franca procura de narrativas 1 condensava uma luta contraria a penetrac;:ao das influencias de facil aceita~ao popular". 28 Dito de outra forma, o cine· colonialistas, e aludia as dificuldades de se fazer cinema ma brasileiro encontra finalmente o seu caminho e a sua · numa sociedade com poucos recursos tecno16gicos. Aeonvoca~ao no entretenime nto. Dentro dessa perspectiva, a : tece, porem, que a mesma afirmativa reaparece agora num ideia de mercado adquire urn peso desproporcional. Gustacontexto radicalmente diferente. Da mesma for~_qu~- o vo Dahl, ao procurar diagnosticar os problemas que enfrendiscurso dos intelectuais da t~levisao se aprOpfiam da q~es­ ta o filme brasileiro, parte do principia de que a ambic;:ao tao nacional e regional, temos uma recupenwao de valo~es _ primeira de urn pais e ter urn cinema que fale sua lingua, que ·nopassado etam-concebf~os como-elemerttoif cont;s~a­ independente do criteria de maior ou menor qualidade cult6rios Como fica dentro deste novo quadro a problematica tural. Mas, " para que o pais tenha urn cinema que fale a d~onal? Em que medida a ideia de projeto, com a qual sua linguae indispensavel que ele conhe~a onde essa linguainiciamos nossa reflexao, se modifica? Penso que e possivel gem vai se exercitar. Esse terreno e realmente o seu mercaconsiderar este ponto se focalizarmos particularmente u~ do. Neste sentido explicito, e valido dizer que mercado e aspecto para discussao, a ideia de realismo, que a meu ve:_ e cultura, ou seja, que o mercado cinematografico brasileiro uma dimensao sugestiva para compreendermos como se dao e objetiyamente a forma mais simples da cultura brasias mudanc;:as no campo cultural brasileiro. Para tanto, leira" . 29 • procurarei considerar primeira:m~nte a ~e~ntre i?-dusA citac;:ao e interessante. Por urn lado, ao identificar tria cultural e realismo,~gy_!da Ea~~~-~!LQ.m:u~­ cultura ao mercado, o que se esta fazendo nao e somente saosobre reaiismo e crltica.~~6 depQiU~tQmarel a.problemaexprimir uma realidade que toea a area cinematografica; e tica do nacional, re\iVante para.nosso d~bate. . . todo o espirito de uma epoca que se enuncia. Mas ela possui A ~Ja.~.ao.~p.tre industria cul~ral e reahsmo t~m s1~o ainda uma outra face; Gustavo Dahl, ao se referir a lingua apo~tada por varios . autor~~.__ p§_rjicularmente. no. qu_e _d~ portuguesa como expressao da nacionalidade, esta recupe- respeito- ao-cm:e!ll~-Janet Staiger observa que desde 0 liDClO : rando a antiga ideia que orientava o movimento cultural da-for~ao da industria cinematografica nos Estados dos anos 50/ 60, onde a problematica nacional se colocava Unidos, ainda em torno de 1910, quando se desenvo_Iv~ a com toda forc;:a. Os defensores do cinema brasileiro sempre primeira fase do star system' a enfase n~ ~lemento rea~stico era sobretudo incentivada pelas pubhctdad.~s dos filmes. Novidade, realismo, espetaculo, estrelas, er~m partes necessarias para se compor urn padra<:> de_qualidade que P~­ (28) Carlos Mattos Jr., " Di
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30 tra em colisao com a necessidade de se ampliar o mercado, os erros que percebessem nos filmes" . Realismo que seque exige uma multiplica~ao dos temas (amor, aventu ra, gundo Staiger, influenciou inclusive a mudan~a no modo de comedia) dentro de uma mesma narrativa. Segundo, com a produ~ao cin:ma tografi ca entre 1909 e 1914, deslocando 0 transforma~ao do proprio tipo de her6i forjado pela mitolopr~cesso. de filmagem de Nova Iorque para Los Angeles, gia do cinema mundial ate os anos 30. Urn arquetipo como pots, devtdo a seu apelo, muitos filmes eram feitos em locaa vamp da nascimento a diversos subarquetipos, eu diria ~oes fora do esrudio, o que -implicava em viagens e proble-· .--estereotipos, como a good-b ad-girl. .Q arqui!!EQ..ll~SLPOS::., _____ __ m~s po: causa d~ mau tempo. Como a costa Oeste nao pas- - _xp._a_~~is_t_e~~al,_e.le__condensa .uJUa. , d~q~,_u ~-r_ s~u ui? mverno ngoroso, e tern paisag~ns diferenciadas, va~ama de tra9os gerais que constituem urn tipo abstrato; n_os ftlmes come9aram a ser rodados ali. Los Angeles tinha nesfese ntido;·a.vamp refrefemaisumapro~ao,ae desejos ~mda a vantagem de ser urn centro teatral relativamente iipo de mulhei- fa: e femiriinos, encarnando tmportante, 0 que facilitava 0 recruta mento da mao-de-· .J-al que.sofre,.vi_ye·s_eusproolfmas, arruina OS homens quepor obra. Porem, esta busca pela autenticidade tern limites deelas se apaixonam, mas que na verdade nao pode ser identiterminados, inclusiv~ tecnicos, s_omente_a partir de 19~ ficada a uma realidade particular. PreCisamente por causa o?_~e~~ -uma al!~a2.-substant~JlQ~~teudo e na forma deste elemento de "abstra~ao", e}a tinha OS SeUS dias COn~02_ ftlme:!....~.~d_a~was. que a!Sl!!l~..~utoresdefimram como dentro do novo quadro da industr ia cultural; esta mutados Uil].~ tendenct~ para -~ realismo.,A descoberta do·sam· forna lher semifantastica, que se distancia da dona-de-casa ou da o chma dos fllmes amda mais realista, mas e necessaria mulher profissional, na sua frigidez destrutiva, dificilmente P_ara que a industr ia evolua, uma transforma~ao do pr6pri~ poderia se adapta r aos tempos da verossimilhan~a sem cair ststema de estrelas. Na medida em que existe urn crescino ridiculo de ser reduzida a tra~os genericos como a piteimen to do publico, os grandes esrudios se esfor~am para resra, o vestido negro colante, o olhar sedutor. 0 estere6tipo ponder da melhor maneir a ao maior numero de demandas possui uma outra qualidade, ele mistura partes do real, e particulares possiveis. Como afirma Edgar Morin "o imatern uma dimensao concreta que identifica o tipo produzido ginario burgues se aproxima do real multiplicand~ os sinais a determinadas situa~oes vividas. A .good-bad-girl capta side verossimilhan9a e de credibilidade. Ele atenua ou mina nais do mundo que nos cerca, o lado "born" e o !ado as intrigas que se esfor~am em se tornar plausiveis. Dai 0 "ruim" da personalidade, permitindo a espectadora de alque se chama realismo. Os apelos do realismo sao de menos guma forma se refletir nela, identificando-se com urn comer:r· · .m~noS--~ ~scs, a pessessao· do her6i par uma for~a portamento que se apresenta como pretensamente mau, o_cul~~· e de mais em mais as motiva9oes psicol6gicas". Isto em bora se revele como born no final da pelicufa. Em contras1_gmftca que ?s generos populares que floresciam em domiposi9a0 a "garota -boa-ru im", e possivel dizermos da vamp mas comparttmentados tern que ser misturados._f_rim~ o que Adorno falava do palha~o da comectia dell'art e, seus . COil] a~ mudan~as dos temas, que passam do folhetim e do "tipos estavam tao afastados da existencia cotidiana do pumel~dnim~. par~ urn reallsrno p"si~o!
'iiiascuimos

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Adorno, "Televisao, Consciencia e Industria Cultural" , in Gabriel Cohn (org.), Comunica ~iio e Industria Cultural, Sao Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1975, p. 353. (3~)

. (30) Janet Stai~er, "'The Hollywood Mode of Production to 1930"', in The . 100. Classzcal Hollywood Fzlm, Nova lorque, Columbia University Press, 1985, p .

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ocorre nas comedias "pasteHio", nas quais o tipo principal lidade de sua.ilusao, e que permite a urn autor como Eisense substituidopor personagens de consistencia mais criveis, tein ~rocurar interpreta-la teoricamente, transmitindo pode ser observada tambem na forma de se filmar uma es- ___1 ___ para 0 espectador urn conhecimento reflexivo sobre a reat6ria. Prokop-cha-ma:} aten~ao para o fa to de que "as perlidade projetada. CQnt.J> __afirma ..Bazin ~ ~o.....Encoura~ segui<;oes do flapsti:_~jmostram como numa corrida de carPotemkin revolu_c;ionou_o.cinema nao tanto .p or.sua. mensa:. ros, uma rocfa que se afasta do veiculo e perseguida com a gem politica:-mas porque o "re~isiE:o"
(34) Retorno a expressao de Prokop, op. cit.

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correla~ao

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fotonovel~

historicamente existe urn a entre duas formas de Da mesma forma que na Italia, este genero de produzir a realidade, que em principia deveriam ser consinarrativa visa urn publico feminine urbano, p:ocurand~ deradas como diametralmente opostas. Mas nao e somente - --1{'--- apreende-lo centro de-um-mundo moder~o que -dtga -respe1- ---· -·--rio caso-da Italia que isto se passa. Richard Pells, quando tci a sua realidade cotidiana. Angelucc1a Habert. observa analisa a hist6ria da cultura radical nos Estados Unidos, que esse movimento de "moderniza<;ao vai ser rea~1zado na aponta para o mesmo fenomeno. Os intelectuais de esquerdire<;ao de uma aproxima<;ao da epoca contempor.anea e de da, que sairam doWorker's Theater para Hollywood, partiambientes urbanos, alem de introduzir uma lin~uagem lhavam em grande medida das mesmas preocupa~;oes da mais coloquial". J7 Sao ainda estimulado~ ~?vos ti~o~ d~ iildustri
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0 (35) Richard Pc:ls, R{'di~ ...; 1/isions American Dreams: Culture and Social Thought in the Depression Years, Connecticut, Wesleyan University Press, 1984, p. 254.

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do surge Setimo Ceu, ela nasce apoiad a no mundo do radio e ·da televisao nacional. Seus editores tern consciencia deste carate r brasileiro que querem promover e, alguns anos mais tarde, fazendo urn balan~o do sucesso da revista, escrevem em editorial: "Quan do ha alguns anos nos lan~amos na aventura de produz ir fotonovelas brasileiras, com artistas brasileiros, em ambientes brasileiros, segundo argumentos de autores brasileiros, nao faltou quem duvidasse do nosso exito. AfL11al, para que produzir no Brasil o que podemos impor tar pronto do estrangeiro, pergun tavam os descrentes. Hoje, e com orgulho que podemos proclamar, pela aceita~ao cada vez maior de nossa revista, a vit6ria desta nossa politica de valoriza~ao do que e brasileiro". 38 Essa progressao em rela~ao ao nacional tambem pode ser observada ao longo da hist6ria da televisao no Brasil. No inicio dos anos SO, sua consolid~ao se fundamentava na vontade pioneira de alguns empresarios; por isso o veiculo sera criticado por muitos como alienado, isto e, como fora da "realid ade" brasileira. 0 caso do teleteatro e exemplar. Ate o final da decada ele praticamente era modelado pela literat ura e pela drama turgia internacional. Como observa Flavio Porto e Silva, "predominavam os textos estrangeiros, muitos deles em razao do sucesso obtido em vers5es cinematograficas , cujos roteiros cedidos pelas distribuidoras, eram adapta dos para a televisao. Este predominio de textos estrangeiros e cinematograficos, e explicado segundo alguns \ pro4ut ores p~la i~fluencia direta do cinem a na epoca e pelas dificuldades em retrata r umare alidad e brasile ira" .39 Dificul1 dades reais, que se enraizavam na precar iedade tecnol6gica, 1 empre sarial e profissional do period o. E somente no inicio I · dos anos 60, aproveitando-se as inova~oes dramaturgicas in' troduzidas pelo teatro, que autores como Oduvaldo VianaFilho, Osman Lins, Plinio Marcos, Vinicius de Morais , ou adapta~oes de livros de Antonio Callado e Jorge Amado pas. sam a ser integrados com regularidade na programa~ao. 0 '(38) .ldem , p. 25: (39) Flavio Porto e Silva, 0 Teleteatro Paulista nas Decadas de 50 e 60, op. cit., p. 70.

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~lima naciQnalisW a IY-Ex.c.elsior fa,vor~ce no iq~cio Uf!1.a s~~ rie de prq_gx:~ma~q~-~ ,g)l~-V~..9tizal!!..o escritor e a reali~.ade ~ naCional; por exemplo;-a-pr.opo~ta do Teatro 63, que vtsav.a combater as tematicas estrangeiras, e procurava se aproxtmar do cotidiano, apresentando no video "gente que pudesse ser vista na rua mesmo". 40 U m autor como Walte r Durst, que dirige essa experiencia te~.tral.durante seu cu,:to periodo de existencia, quando se ve obngado, por razoes economicas, a passar da produ~ao do teleteatro para a telenovela, pondera a respeito do " preconceito" que os intel~c­ tuais tinham em rela~ao a esse genero : "Por que essa cmsa contra a novela? Porque a novela estava come~ando naquele momento e estava repetindo o processo anterior. Ela era puramen te alienada, totalmente alienada. Ela tinha acabado de nascer em 63, assim como uma coisa de todo dia, com essa obsessao que a novela tern, e transp lantad a da Argentina. Isso explica nosso nariz erguido, dizendo , puxa vida, em nao fazer novela . Nos que ja tinhamos conquistado, saido da aliena~ao para chegar numa reaHda de brasileira, e de repent e, voltou tudo pra tras". 41 0 depoimento e interessante. Ele pressupae dois momentos. Urn primeiro, de aliena~ao, isto e, a fase estran geira do teleteatro que e supera da, urn segundo, de retomada da dimensao alienadora, agora dentro de urn outro tipo de narrativa.lNao resta duvida que o desenvolvimento 1 ·da telenovela nos~nos 60 de algum a forma repete o que ocorre com o teleteatro na decada de SO, se tomarmos como param etro, e claro, a autoria dos text~s e~~e.nados. De fato, como surgimento de sua programa~ao dtana, tr~nspla?ta­ se para o Brasil a formula ja testad a em outros patses latmoamericanos, privilegiando-se os " dramalhoes" escritos em Cuba, Mexico e Argentina. Pode-se afirmar que entre 1964 e 1968 existe urn padrao a ser seguido, o melodrama, que fundona como refere nda inclusive para auto res brasileiros.:_on:o Ivani Ribeiro e Janete Clair, que ja possuiam e~penencta em escrever radionovelas dentro da mesma linha. E somente (40) Depoime nto de Walter Durst in 0 Teleteatro Paulista . op . cit. , P· 80. (41) Depoime nto c!e Walter Durst(ID ART: hist6ria da telenovela).

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ta, tomando partido das novelas "sem aliena<;ao"' " engano final da decada que OS escntores nacionais COme~ain a se jadas na realidade" , que ela cuidadosamente diferencia dos ··t;J consagrar como roteirista.S de telenovelas, mas, sintomatica·~ melodramas, escritos preferencialmente por autores como _ _ _ _ \,;~' mente, justamente no momento em ·que a discussao sobre o- ---1 !j; , j Janete Claire Ivani Ribeiro, e que apelam para "o sonho, a realismo ressurge no campo da televisao. Daniel Filho serei fantasia e a irrealidade" para captar.o publico. Preocupada · . 1: fere a esta mudan<;a da seguinte maneira: " ... foi quando dei' em desenvolver sua argumenta<;ao, Helena Silveira apresen~ ·'I xei de imitar a historia estrangeira e comecei a fazer a brasi~-;_ ta urn argumento que lhe parece irrefutavel: "0 real da J leira. Quando deixei de-imitar a problematica de urn toureiro mais bilheteria do que a fantasia" .44-~·~' Dito.de~outra forma, as .;'t, I.! e comecei.a fazer .a historia de urn jogador de futebol. 0 nosnovelas realistas se adequam melhor a demanda do "povo" . ' :!1 so gangster e o Mineirinho. E esse tipo de coisa nos trouxe ~me"fcado. ·· · · · ---- · · · · -·· · · i h' nao so qualidade, mas trouxe tambem verdade. E assim ~- --- ·A·contraposi<;ao que os intelectuais fazem entre a no· acho que trouxe cultura para a novela. A televisao deve ser vela realista e o melodrama pode ser entendida de varias !~ urn e_spelho que mostre a verdade em-que voce vive. Entao a maneiras. Uma primeira revela a existencia de uma tensao teleVlsao e a sua realidade" :42 ~mo_que...p9de ser elabono campo dos produtores da televisao, e mostra uma dispu.:1 ,. ra~~~~~~~te n~~!I.!2.~ZQ, quando a televisao b'i1isiteira aa:- ta entre posi<;aes que valorizam de forma diferenCiada o ge'' • , --qUue uma_ qu~tioade empresarial e tecnologica, possibilitanero em questao. Na luta pela legitimidade do que viria a , 1! da pela filmagem . de cenas externas, edi<;ao eletronica ser a forma correta de se fazer novela, o polo do realismo se .;ill ~ acom~anhamento minucioso das cenas, pesquisas, o qu; · identifica as demandas da sociedade e se distancia do pas1 perm1te uma aproxima<;ao convincente do mundo do tesado, das velhas formulas herdadas da tradi<;ao. Os novos lespectador. A fala de Daniel Filho e paradig'matica. Ela intelectuais sao mais modernos que os anteriores. Porem, o l marca uma reorienta<;ao das novelas de televisao consaconfronto aponta para mudan<;as de carater estrutural que grando urn estilo realista que contrasta com o padrao do me parecem analogas as que ocorreram com 0 cinema melodrama. Instaura-se, a partir de entao, uma divisao enmundial na decada de 30. C
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(42) , Entrevista com Daniel Filho, Opiniiio , 27 de agosto-3 de setembro, 1973, p . 21. ( 43) Depoimento de Jorge de Andrade (IDART: hist6ria da telenovela).

(44) Depoimento de Helena Silveira (IDART: hist6ria da telenovela).

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No entanto, o que chama a aten~ao no discurso que justifica esse novo tipo de produ~ao e que as razoes de mercado se encontram encobertas,-legitimadas por uma-pers-- --pectiva superficialmente politica e nacionalista. Politica, porque muitos intelectuais da televisao, provenientes dos movimentos culturais dos anos 50 e 60, carregam com eles a me~ma ideologia sobre o "povo alienado", s6 que agora aplicado a urn contexto inteiramente deslocado. Dias Go- · mes, resumindo sua trajet6ria, dira: "Fa~o parte de uma gera~ao de dramaturgo s que levantou entre os anos SO e 60 a bandeira quixotesca de urn teatro politico e popular. Esse teatro esbarrou numa contradi~ao basic a: era urn teatro dirigido a uma plateia popular, mas visto unicamente por uma plateia de elite. De repente a televisao me ofereceu essa pla45 t~ia popular". A nivel da id_e_o].Q&j~p...ro.fessada.,-tudo-se-passa como sea televisao fosse nao s6 o prolongamento das perspectivas ut6picas que nortearam a produ~ao cultural das decadas anteriores, mas ainda o locus privilegiado de urn trabalho politico voltado para as massas. Nacionalista, na medida em que a proposta de constru~ao de urn a linguagem, de uma dramaturgi a brasileira, encontra na televisao urn espa~o para se realizar. A fala de Guarnieri e ' nesse sentido ' . "Eu acho que e na televisao que o a tor aprendeu a .ilustrat1va: interpretar dentro dos padroes de atua~ao brasileiros, imit~ndo o homem, brasileiro, a realidade brasileira, pela qual nos tanto lutamos no teatro de Arena, Oficina, etc. Ou seja, deixar a imposta~ao do teatro estrangeiro e viver mais anossa realidade de interpreta~ao. Eu vejo isso hoje na televisao, e era o que nos pregavamos em 55 e 66. No teatro daquela epoca o ator nao podia dar as costas ao publico, nao podia se co~ar, nao podia ter certas naturalidad es que foram quebradas pela televisao. Eu vejo a televisao como urn Iugar de interpreta~ao naturalista, como urn certo relax, sem tens6es, dentro do mais real possivel". 46 Nao e dificil apontarmos para va(45) Entre'list'l com Dias Gomes. Opiniiio, 26 de fevereiro-4 de m~o. 1973, p. 19. (46) Depoimento de Gianfrancesco Guarnieri (IDART: hist6ria da tele: novela).

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rias contradi~oes no discurso de Guarnieri ou de Dias Gomes, basta compara-los com as posi~Cies que os autores defenderam no passado, ou com a euforia dos movimentos culturais dos anos 50/ 60, mesmo na sua v~rte-;te ~ais pulista. 47 Se~_genuiQ.ad~acr~ dit~r- 9.~~ ideologia do nac~ar..se_e_xptjr_ne p.QlitiG.a_~ s:u!!t!rill.~o. interior. da, industria..cultural. 0 importante, porem, e entendermos como a contradi~ao e resolvida pelos autores. A proposta do nacional-popular, quando enunciada,...n o contexto da cultura popular de massa, conserva categorias te6ricas do passado que adquirem agora uma fun~ao justificadora do funcionamento da industria cultural. Se levarmos a serio sua perspectiva, temos que aceitar a ideia de que a cultura se "desalienou " na medida em que o Ser nacional se realizou, Mas e tambem possivel urn a .interpreta~ao paralela a essa. A no~ao de ideologia pressupoe a existencia de urn universo autonomo, separado da realidade. E esta contradi~ao que permite contraporm os realidade e ih~ao, no sentido de falsa consciencia. Como nao ha duvid'as sobre a consolida9ao de uma industria da cultura de carater nacional, aceitarmos que a realidade da sociedade seja identica a proposta .do realismo nacional-popular significa admitir que a identidade brasileira se efetivou. Dentro desse raciocinio nao haveria mais oposi~ao entre o que se propunha realizar eo que se alcan~ou , e a propria no~ao de aliena~ao deixaria de fazer sentido. 0 que os intelectuais do nacional-popular nao perceberam e que eles sao presas de urn discurso que se aplicava a uma outni conjuntura da hist6ria brasileira, e sao, portanto, incapazes de entender que a ausencia da contradi~ao OS impede inclusive de tomar criticamente consciencia da sociedade moderna em que vivem.

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liza~iio

(47) Ver, por exemplo, entrevista com Guarnieri, in Encontros com a CiviBrasileira , n? 1, julho de 1978.

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fluenciado por ele, .favorecendo assim o processo de imita~ao de sua cultura de origem. Sabemos hoje que a discussao 1 a ·"auten ticidad e" do nacional;-e- portanto-ai" identi-- - -sabre --'-----· - - - - - - oaae,-~verdade-· umi··constni~~o simb61ica, uma refe• ""ren-Cfaem -rela~ao a qual se discutem diversos problemas. N(vero ade riao existe uma unica identidade, mas uma nistqtj~da · "ideologia da cultura brasileira"' que"vari"a ao ion-· . go dos "anos esegundo OS interesses politicos dos grupos que a elaboram. As categorias do pensamento isebiano estao certamente distantes daquelas utilizadas pelos pensadores do seculo XIX, mas elas contemplam a mesma inquieta~ao, a busca de urn destino nacional. Cprbisier dira, por exemplo, que "assim como no plano ecqnomico, a colonia exporta materia-prima , e importa pro,duto acabado, no plan·o - cultural, a colonia e material etno·gratico que vive da impor- _ o ta~ao do produto cultura l fabricado no exterior. Import ar e a ,~Quando no final do seculo passado Silvio Romero proencarn que forma a 2_!'9duto acag~do importar o Ser, imporcurava compreender o "atraso do povo brasileiro", de uma Ao irani. produz a !.~f!~!e.. ~.~osmo visao qaqueles que certa forma ele estava inaugurando toda uma corrente de tar o cadillac ," o chicletes; a Coca-Cola e o cinema, nao impensamento que buscava entender a questao da identidade .portamos apenas objetos e mercadorias, mas tamhem todo . nacional na sua alteridade com o exteriorn E clara, sua inurn complexo de valores e de condutas que se acham impliepoterpreta~ao do Brasil se fundamentava na ideologia da . cados nesses produto s". 2 Cita~ao paradigml,!i_c~, que se OS . ca, para a qual o conceito de ra~a e de clima eram essentornou ~~nSO COmum e que pode ser encontrada interes-me Nao tao: aaques dais. 0 homem brasileiro seria o produto da. aclimata~ao m inumero_s autores qiie- trafara da ra~a europeia no solo brasileiro, de sua miscigena~ao sa tanto, no-fu()ifiento~-criticar--esta ·visao do nacional, mas com as ra~as "menos evoluidas", o negro e o indio. Mas a sublinhar a existencia deste "itinerario intelectual coleti• conclusao cle seus estudas, guardadas essas limita~oes, que vo", que implica numa obsessao, evidentemente com funsao consideraveis, era clara: " 0 Brasil nao deve ser c6pia damento social, em se criar uma imagem na contraposi~ao da antiga metr6pole" 1 Essa ideia de c6pia tern orientado com o outro. A busca de uma identidade nacional se insere inuf!leros debates sabre a problem atica da cultura brasileina trama da hist6ria brasileira n.a .sua rela~ao como mundo ra. E dentro dessa perspectiva que Euclides da Cunha con.exterior. Silvio Romero tinha claro essa dirri.ensao ·qua·ndo siderava, por exemplo, a superioridade do mesti~o do inteafirmava-que '"'todo problema hist6rico e literario ha de ter rior em rela~ao ao do litoral, uma vez que este ultimo, por no Brasil duas faces principais: uma geral e outra particucausa do facil contato com o colonizador, estaria mais inlar, uma influenciada pelo momenta europeu-e outra pelo meio nacional, uma que deve atender ao que vai pelo gran-

Do popular-nacional ao internacional-popular?

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Uma (1) Silvio Romero, Hist6ria da Lit::rctura Brasileira, op. cit. p. 81. critica recente sobre a n~iio de c6pia pode ser encontrad a em Roberto Schwan, "Nacional por Subtra~ao", in Tradiryiio e Contradiryiio, Rio de Janeiro, Zahar/ FUNARTE, 1987.

(2) Roland Corbisier, Formaryiio e Problema da Cultura Brasileira , Rio de Janeir.o, ISEB, 1958, p. 69.

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de rnundo, e outra que deve verificar o que pode ser aplicado ao nosso pais". 3 Na verda de, as forrnas de se conceber esse relacionarnento com "o que vai pelo grande rnundo"- -variararn: c6pia, colonialisrno cultural, irnperialisrno, dependencia. Mas a rnotivac;ao de base perrnaneceu, a irnportancia de se cornpreender a sociedade brasileira na sua especificidade e na sua alteridade. Nao se deve pensar_gillL_~ssa necessidade._de_s.e_c.ons.:.. truir urna identidade seja exclusiva ao Brasil; ela _e_, _n.
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rnovirnentos se associam de algurna forma a urna "identidade nacional ainda em processo de definic;ao" .7 Da rnesrna ----··· forma que nos. referirnos a urna hist6ria da identidade brasileira, creio que e possivel falarmos de urna hist6ria da identidade latino-arnericana, que certamente revelaria naosornente os rnornentos de !uta contra as potencias estrangeiras, mas tambern os dilernas e os impasses que rondarn a questao nacional. Desde a arnbigiiidade que caracteriza a discussao sobre classeversus iia¢ao; ate a equivocos que Ievararn rnuitos escritores a pensar o continente hispanico-portugues como urn bloco indiferenciado, esquecendo-se que o proprio conceito de "latinidade" da America Latina foi cunhado pelos franceses ern rneados do seculo passado, no rnornento ern que Napoleao III procurava erigir a hegemonia dos povos latinos sob a bandeira do imperio frances. 8 - Dificilrnente a literatura sobre a industria cultural e os meios de cornunicac;ao de rnassa poderia fugir deste quadro rnais arnplo, que compreende a questao cultural como urn confronto entre o nacional eo estrangeiro. Se e possivel discernir urn trac;o "marcante nos estudos realizados sobre 0 terna, este certamente diz respeito a dependencia cultural. Os rneios de comunicac;ao aparecem, desta forma, como urn processo de dominac;ao que reforc;a a posic;ao dos paises centrais. Dentro desses estudos, e possivel descobrir duas vertentes. Urna prirneira, que privilegia a analise dos conglomerados transnacionais que operarn a partir dos paises centrais, rnostrando como a nivel rnundial o processo de cornunicac;ao e unilateral e se distribui segundo interesses politicos e economicos. 0 livro de Herbert Schiller sobre o imperio norte-arnericano na area das telecomunicac;oes e, neste sentido, pioneiro. 9 Ele mostra como o monop6lio na esfera da inforrnac;ao esta vinculado a interesses cornerci~is

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,. (7) Jean Franco, The Modern Culture of Latin America, Middlesex, Inglaterra, Penguin Books, 1967. (8) Sobre a noc;ao de latinidade da America Latina, ver Guy Martiniere, " L'Invention d'un Concept Operatoire: Ia Latinite de !'Amerique" , in Aspects de Ia Cooperation Franco-Brtisilienne, Grenoble, PUF-Grenoble, 1982. (9) Herbert Schiller, Mass Communications and American Empire , Boston, Beacon Press, "1969.

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e militares dos Estados. Unidos, fundamentos que servem de ·base para sua expansao no resto do mundo. A analise de Y. Eudes sobre o expansi_Qnismq cultural dos Estados Uni- . dos a nivel mundial e tam bern interessante" na medida em que desvenda as· razoes de Estado que orientam a politica americana. 10 Dentro da mesma linha podemos apontar os trabalhos realizados por Tapio Varis e Nordestreng, que no inicio da decada de 70 puderam pela primeira vez, a partir de urn levant2.mento quantitativa, estudar o fluxo de programas de televisao em escala mundial. 11 0 restiltado da pesquisa mostrou de maneira inequivoca que a ideia de urn "livre fluxo de informa~ao", que orientava as premissas da UNESCO, era na verdade uma ideologia que de fato escondia uma realidade de desequilibrio mundial, na qual os paises perifericos apareciam como meros consumidores de programas realizados em poucos centros (Estados Unidos, Inglaterra, e em menor escala Fran<;a e Alemanha). Estudos mais recentes tern contribuido para o conhecimento da atua<;ao das multinacionais dos audiovisuais, assim como da distribui<;ao mundial de artigos culturais, como filmes, programas de televisao e discosY Esses trabalhos nao visam diretamente a America Latina, mas sao importantes na medida em que nos permitem ter uma visao internacional da problematica cultural, alem de tecerem uma critica consistente ao processo de monop61io e de manipula<;ao que os paises centrais, e as transnacionais, exercem no jogo de interesses internac-icn-2-is. A segunda vertente focaliza particularmente o impacto do imperialismo cultural na America Latina, e procura entender como os meios de comunica<;ao evoluem numa situa~ao de dependencia. Sao estudos que tern se preocupado (10) Y. Eudes, La Colonizaci6n de las Conciencias, Ba rcelona, Gustavo Gili, 1984. (11) Tapio Varis e K. Nordenstreng, "T elevision Traffic: a One-Way Street?", Reports and Papers on Mass Communication, n? 70, Paris, UNESCO, 1974. Ver ainda Armand e Michele Mattelart, Cultura contra Democracia?, Sao Pau1o, Brasiliense, 19.&7. . (12) Ver P . Flichy, Las Multinacionales del Audiovisuai,.Barcelona, Gustavo Gili, 1982.

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.desde a organiza<;ao economica e politica das multinacionais da cultura ate OS aspectos de domina<;ao ideologica veiculados no interior dQ proprio produto cultural, como nocaso das -----'-1 revistas em quadrinhos "importadas" dos paises c_entrais. 13 Ha varios trabalhos bastante representatives desta tendencia, que se desdobra em estudos mais locais como os de Luiz Ramiro Beltran e Elizabeth Fox de Cardona, quando analisam as influencias norte-americanas na televisao colombiana.l1~: Dentro desse quadro te6rico, foram feitos varios estudos no Brasil como, por exemplo, a tentativa de Sergio Caparelli, fundamentada na teoria da dependencia, de se compreender a rela<;ao entre capitalismo e televisao_.l5. Sao anal!s~s q!l~J~!ll COII!Oeixo ~entral a Qr_oblematica do "CoTOllialismo cultural", da "aliena<;ao" dos meios de comunica<;ao . nacional . diant~ . da domina<;ao es-_ __ tratigeira, e que recuperam antiga· opq~i<;ao entre.coloni·zador/ colonizado, s6 que agora levando em 90pside.ra9_a.9 lima nova -tendencia te6rica que surge nf!. _America L~!!~ no inicio dos anos 70: a teo,ri~ da dependencia.. Ingrid Sarti, fazendo o balan<;o d~sta literatura sobre os meios de comunica~ao afirma que "a interpreta<;ao da teoria da d~pendencia que serve de fundamento a no<;ao de dependencia cultural, mostra-se tao simplista que dificil · sera nao perceber na filial urn retrocesso em rela~ao a matriz'~ .16 0 julgamento e severo, mas nao e facil discordar da autora. De fato , e incompreensivel que OS .autores na area da comunica<;ao sequer tenham levado em considera<;ao as criticas levantadas pelos te6ricos e adversaries da teoria da dependencia. Tudo se passa como se as antigas preocupa-

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(~;y Ver Ariel Dorfman e Armand Mattelart. Para Lero Pato Donald, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. . · (14) Luiz Beltrim e Elizabeth Fox de Cardona, Comunicar;iio Domznada: os Estados Unidos e os Meios de Comunicar;iio da America Latina, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982. - . . ( 15) Sergio Caparelli, Televisiio e Capitalismo no Bras1l, op. cit.; na mesma linha, Jose Marques de Melo. "A Televisao como lnstrumento do Neoc~­ lonialismo: Evidencias do Caso Brasileiro", in Alfredo Bosi (org.), -Gultura Bras1· leira, Sao Paulo, Atica, 1987. , .. . (16) Ingrid Sarti, "Comunica,.ao e Dependencia: _urn Equ1voco • '~ Jorge Werthein (org.), Meios de Comunicar;iio: Realidade e Mao, Sao Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1979, p . 241.

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<;oes sobre a rela<;ao entre nacional/ estrangeiro, que ja haviam sido abordadas de forma diferenciada por varios autores, pudessem -ser equacionadas segundo uma -"teoria" mais convincente, devido a sua "modernidade". Na verdade, a ideia de dependencia cultural se confunde com os velhos argumentos da discussao sabre o colonialismo da identidade perdida no Ser do outro. Isso faz com que c~rtos ~uestionamentos, que ja tinham sido colocados, sejam omitldos do debate, havendo urn retrocesso da discussao que retorna ao patamar dos pensadores isebianos sobre a questao nacional. Uma primeira critica consistente em rela<;ao a teoria da dependencia foi formulada por Francisco Weffort, que chama a aten<;ao para o fato de que os estudos sabre a dependencia oscilavam entre dois conceitos classe e n_a<;ao~ privile~ando no final urn a abordagem do'tipo na- _ c10nahsta radtcal. !:!) Perspectiva na qual os conflitos sociais a?quirem uma colora<;ao globalizante diluindo os antagon,tsmos declasse, que se encontram subsumidos a categonas mais genericas como "autonomia nacional". Na verdade, o questionamento de Weffort .retoma a tr~di<;ao que procura discutir a questao nacional na sua rela<;ao com as classes sociais. 0 tema e classico, ja tendo sido abordado por Kautsky Otto Bauer, Lenin, Rosa de Luxemburgo, Franz Fanon. 18 1Nos paises do Terceiro Mundo, particularmente na America Latina, onde o processo de constru<;iio nacional sempre esteve nas maos da classe dominante flo' . que no limite tendia a eliminar as contraresceu uma nsao di<;oes sociais. Nao e por acaso que a critica a teoria da dependencia e analoga a que varios autores fizeram, por exemplo, ao pensamento do ISEB, para o qual a oposi<;iio fundamental da socied_a de se resumia ao antagonismo entre na<;ao e antina<;ao. 19) (1 7) Ver F. Weffort, "Nota sobre a Teoria da Dependencia: Teoria de Classe ou ldeologia Nacional?", Escudos CEBRAP, n? 1, 1971. (18) A literatura _sobre a questao nacional e imensa, ver Leopoldo Marmora (org.), La lnternac10naly el Problema Nacional , 2 vols., Mexico, Cuadernos Pasado y_Presente, 1978; Maxime Rodinson, Sobre Ia Cuestion Nacional, Barcelona, Anagrama, .:975. (( 19} Sobre a relacyao classe/ nacyao no pensamento isebiano, consultar Cai~ Navarro de Toledo, 0 ISEB: Ftibrica de ldeologias, op. cit.

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Uma outra critica, que nos interessa particularmente, deriva da propria dificuldade em se interpretar o desenvolvimento do capitalismo nas sociedades perifericas. Fernan- __ _ do Henrique Cardoso aponta, entre os dependentistas, para a presen<;a de duas linhas de pensamento: "Existem os que creem que o capitalismo dependente baseia-se na superexplorac;:ao do trabalho, e incapaz de ampliar o mercado interno, gera incessante desemprego e marginalidade e apresenta tendencia a: estagnac;:ao; existem os que pensam que, pelo menos em alguns paises da periferia, a penetrac;:ao do capital industrial-financeiro acelera a produc;:ao da mais-valia relativa, intensifica as forc;:as produtivas e, se gera desemprego nas fases de contra<;ao economica, absorve maode-obra nos ciclos expansivos, produzindo, neste aspecto, urn efeito similar ao do capitalismo nas economias avanc;:adas".20 Segundo o autor, a primeira tendencia vincula a dependencia a reproduc;:ao do subdesenvolvimento, enquanto que a outra vislumbra a possibilidade de desenvolvimento dentro do quadro de dependencia. Os trabalhos sobre a dependencia cultural parecem favorecer o primeiro tipo de interpreta<;ao. Muitos deles chegam a ter uma visao tao simplista do problema que se torna impassive! entender o advento do capitalismo e da sociedade moderna na periferia, a nao ser considerando-os como elementos ex6genos impostos pelas for<;as internacionais. A titulo de exemplo, cito urn desses inumeros textos que trataram o problema, a meu ver de maneira apressada: "A hip6tese central de nosso trabalho e que a radio como urn antecedente, e depois a televisao como uma continuidade, implantam-se e expandem-se no Brasil, por meio de mecanismos de manipulac;:ao e domina<;ao colonialista, atraves de urn complexo sistema economico e ideol6gico organizado por paises dominantes, em especial OS Estados Unidos". 21 A argumentac;:ao e enunciada (20) Fernando Hen rique Cardoso, "0 Consumo da Teoria da Dependencia nos Estados Unidos", in As ldeias e seu Lugar, op. cit. , p. 105; ver ainda do mesmo autor, "Notas sobre Estado e Dependencia", Cadernos CEBRAP, n? 11, 1975. (21) Carlos Rodolfo Amendola Avila, A Teleinvasiio: a Participa<;iio Es· crangeira na Televisiio do Brasil, Sao Paulo, Cortez, 1982, p. 14.

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como se o desenvolvimento da industria cultural encontrasse sua razao de ser fora do eixo do capitalismo brasileiro. :P.o r isso e muito comum_encontrarmos na literatura sobre __ _ os meios de comunica~;ao a ideia de que a sociedade de mercado constituiria, na verdade, uma "ideologia do consumo", e nao urn desenvolvimento real das for~;as produtivas, se apresentando como algo externo que e introduzido junto as massas pelas multinacionais e pelas tecnicas de marketing. Teriamos, n.esse sentido, a forma~;ao de uma cultura popular de massa induzida, na· qual a industria da cultura seria, na verdade, urn atavismo em relacao ao curso natural da hist6ria Iatino-americana. Alguns autores tern apontado para as insu.ficencias dos estudos~Ql:H:e . a depe~dencia culturaf."Nestor._Gar~ia"Can­ CITP"~il!~!i_s~g_g_o. -~ relaca
_Q!:e_.~ PF?blel_lla!~C~.9.llltu~ la@_Q..:amencani"tSm...o~

~e -~Q~ ~I~a_ui~}!~o. d.~ u~ quadro I?ais amP.l9.:...~~~ ge~ ~_r.~alida~~unt~r_na~lQg_a_h -~~e-.~~Ei -~?vida . ~ dis~_rtm_inat.Qr.g ~ _ret~~;_ao aos. ?.a1s~~- :p_~~!e~~?~· -~~_!_~~?em e~~ivru1:.

sobre o do-~ _9as.arli_laauhas que nos encerram a literatura .-.r:-- -.. --- -· -.. c.olonialismo. cultural", p(mso.que e possiVel co.nsiderar a pro_l:J..h~matica da cultura brasilefra dentro·ae:®tro po~t~de yi.lll!: Retomando a pergunta levantada no capitulO ante-=rior, eu a estenderia para o seu !ado externo. Em que medida o advento de uma sociedade moderna no Brasil recoloca a questao nacional/ estrangeiro? Gostaria de encaminhar minha reflexao tomando como referenda os dois mementos

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(~ Nestor Garcia Canclini, "Cultura Transnacional y Culturas Popula-

res en Mexico", Cuademos Hispanoamericanos, n? 431 , maio de 1986, p. S.

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que diferenciamos ao longo da hist6ria brasileira: o periodo de precariedade, e a fase de consolida~;ao de uma cultura -:> popular de massa. periodo o se-focaliza-quando __::_.::..._ 0 que chama a· aten~;ao"; de incipiencia da moderna sociedade brasileira, e a forte presenca estrangeira. Realidade que decorre num primeiro momento da fragilidade das institui~;oes existentes, ternando necessaria a importa~;ao de quadros e de conhecimentos gerados fora do pais. Eo caso, por exemplo, da forma~;ao das universidades, que procuram desenvolver urn padrao de ensino distinto do passado bacharelesco das faculdades de direito e das escolas de medicina. Tanto a Universidade do Distrito Federal (1935), dissolvida alguns anos depois, a Universidade de Sao Paulo (1934), a Faculdade Nacional de Filosofia- RJ (1939), tern que contar com professores franceses e italianos para se constituirem em espa~;os autonomos de producao academica:'23 No entanto, por mais que se possa falar da importancia das missoes universitarias francesas, no Rio de Janeiro e em Sao Paulo, ou ainda sublinharmos uma vontade colonialista da Franca, e dificil concebermos neste momento a existencia pura e simples de urn "imperialismo" frances entre nos, pois falta a ele uma base economica e politica. E verdade que e sempre possivel nos referirmos a ascendencia da cultura francesa, que se consolida ·sobretudo a partir da segunda metade do seculo XIX, com a cria~ao da Escola Politecnica em Sao Paulo, a Escola de Minas em Ouro Preto, o positivismo de Auguste Comte, a sedu~;ao pelos modelos da Belle Epoque que inspiraram inclusive a remodela~;ao da cidade do Rio de Janeiro. Ainda no inicio do seculo XX, o bai'ao d' Anthouard exprimia os prindpios da latinidade francesa em rela~;ao ao Brasil nos seguintes termos: :_:A_al:tp!'!- bra~ileir.a e antes de tudo.latina; sobre 0 fundo portugues, OS espanh6is OS italianos deposi-, taram urn aluviao mais ou menos espesso. A essas influencias etnicas, a cultura francesa veio se juntar;· apressando a

e

(23) Sobre o projeto universitirio no Rio de Janeiro, ver Simon Schwartz· man, Tempos de Capanema , op. cit.; em rela~ao a USP, consultar Irene Cardoso, A Universidade da Comunhao Paulista, Sao Paulo, Cortez, 1982.

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:ITiistura. Sua a~ao aparece em todos os dominios da inteligencia. Os Estados Unidos da America do Norte serviram igualmente de guia e de modelo, mas, examinando de perto, este papel parece se reduiir as questoes politicas e industriais. Em todos os lugares, as influencias hereditarias da Europa meridional suplantaram esses emprestimos anglo-saxoes, como se efetivamente eles nao se adaptassem ao meio brasileiro". 24 Progn6stico que certamente nao se verificou,_ uma vez que essa ascendencia espiritual se torna ineficaz, sobretudo com o agravamento de questoes "menores", como o declinio·dos investimentos franceses no Brasil. Para se ter uma ideia da dimihui~ao deste predominio, basta tomarmos OS dados relativos a importa<;ao de livros de lingua francesa. Em 1910, o valor dessas importa~<>es era de$. 404.856, perfazendo 52,4% sobre o total de livros de todo;as· paises; em 1939, ele cai para S 44.32~ representando somente 8,6% do total. 15 Portanto, uma presen~a estrangeira que revela mais a fragilidade da sociedade moderna brasileira, o que faz com que ela seja, de uma certa forma, regulada por uma demanda interna. 0 exemplo da Universidade de Sao Paulo e sugestivo, ele mostra como as elites paulistas buscaram a legitimidade da ciencia-europeia para construir urn projeto cultural proprio, contraposto as for~as centralizadora s do Estado Novo. Podemos ainda descobrir a realidade de outras influencias em atividades da cultura popular de massa, como as radionovelas latinoamericanas ou a fotonovela· italiana, que funcionavam como padr:io para . a explora~ao do mercado afetivo feminino. Na verdade, esse momento de precariedade da sociedade brasileira favorece a assimila~ao de contribui~oes variadas, que .sao tomadas como referenda, mas certamente nao se constituem exclusivamente em elementos de "aliena~ao" nacional. Presen~a que se configura, tambem, dentro do quadro do expansionismo americano que fortalece sua politica de

domina~ao. Ja no inicio dos anos 40, o CIAA (Coordinator of International American Affairs) estabelece urn acordo com Hollywood, enviando artistas e diretores americanos a America Latina para promover os la~os com a "bo.a vizinhan~a" do governo dos Estados Unidos. 26 Coordenado por Nelson Rockefeller, esta agenda consegue do Departamento do Tesouro uin decreto liberando as companhias americanas do imposto relativo ao custo da publicidade transmitida pelos paises latino-americanos, desde, e claro, que aceitassem passar pela CIAA. 27 Esses recursos, controlados pelo governo federal, eram distribuidos seletivamente entre os· meios de comunica~ao "confiaveis", espalhados pelo continente. Como termino da Segunda Guerra Mundial, o expansionisrno americano se torna rnais agre~sivo, na medida em que o pais assume urna posi~ao de lideran~a a nivel internacional. Nas diferentes areas culturais, livros, discos, publicidade, filmes, observa-se urn crescimento notavel do predominio americano.28 Fenomenos que contrariarnente a politica francesa, que se contentava com as "coisas espirituais", se estende para a esfera politica e economica. No contexto da America Latina, o Brasil nao se diferenciava dos outros paises, onde a interferencia norte-americana se fazia sentir sem rnaiores nuan<;as. Esta bern docurnentada toda essa hist6ria de agressao - projeto Camelot, CPI do IBAD (Instituto Brasileiro para A~ao Dernocratica), rnultinacionais, golpe de 64- desvendando as varias forrnas utilizadas para se garantir e arnpliar urn processo de hegemonia.29 . Ao se passar, porem, da fase incipiente para ada consolida~ao do mercado, observa-se urn progressivo rn~mento de autonorniza<;ao na esfera da cultura brasileira. E claro

·I

M~rtini&e,

(2.4) Citar,lio in Guy Aspects de la Cooperation Franco·Bre· silienne, op. cit.• pp. 49-50. (25) Laurence Hallewell, 0 Livro no Brasil, op. cit., p. 328. 0

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(26) Uma forma interessante de se perceber esta alian~a entre o govemo americana e Hollywood e lendp a biografia de Walt Disney. Ver Bob Thomas, Walt Disney: an American Original, Nova Iorque, Pocket Books, ,19~6. (27) VerY. Eudes, La Colonizaci6n de las Conciencias, op. czt. (28) As importa~Oes de livros provenientes dos Estados Uni~os ¥assam de: 1910 - 2,4o/o; 1939- 23,2% ; 1964- 57,6% do total de matenaltmportado . Ver Hallewell, op. cit. , pp. 400-401. . . .. (29) Ver Moniz Bandeira, 0 Govemo Joiio Goulart, Rio de Janerro, CIVI· liza~ao Brasileira, 1977.

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que 0 ritmo e a extensao desse movirnento nao e identico to e~bo:a ele seja produzido e comercializado pelas multi1 ·''I -I.. se que tendencia uma de nactonats. para todas as areas, mas trata-se -!'· ,. •tJ · indusda importancia a avaliarmos de maneira Uma cultural. refor9a e abrange diversos setores da industria -t ' difias cinema ~s..~ff:~----;~.i do -caso no 1ju__m.aiJ!~.-SJ. a que diZer Embora nao se possa -j.--~a~ulfurai!~~!~al _~_son~aer.M.m9s tI " -de ponta", _msenndo~as..no_contexto... mterp.a_c;~p- . . ' VIoacres-culdades de implant~ao do filme brasileiro tenham sido .. - -··---- - . 1 interessante, e publicidade da exemplo o sentido Nesse nal. superadas, a concorrencia do filme estrangeiro e real; nao e menos verdade que a decada de 70 assiste a urn crescimento ____ ·--uma vez que se trata de um ramo cuja fun~ao principal e estimular o habito de consumo nas sociedades capitalistas substancial da cinematografia nacional. Em 1971, os filmes modemas. Herbert Schiller observa que a expansao das fabrasileiros ocupavam·llomenl.e 13,9% do mercado, numero 30 norte-americanas no exterior explicam em grande bricas que sobe para 3So/o em 1982. bs dados para os diferentes a proje9ao da publicidade americana no mundo.33 medida ramos da produ9ao cultural confirmam essa tendencia. A Essas fabricas, ao se deslocarem para fora dos Estados Unipropor~ao de livros de autores nacionais no conjunto da dos, davam suas contas as agendas norte-americanas, 0 produ~ao editorial passou de 54,3%, em 1973, para 70,1 %, que pouco a pouco implicou 0 dominio da area publicitaria. em 1981; a de discos e cassetes de musica popular brasileira e dificil perceber como os investimentos na esfera da Nao passou de 63%, em 1977, para 69,5%, em 1980, enquanto 31 evoluiram ao Iongo dos anos. Alguns estudos propaganda que a musica intemacional baixou de 35,4% para 28,9% , entre 1915 e 1959 haviam SO filiais de agenque mostram No caso da industria do disco e interessante sublinhar ainda cias american:as espalhadas no mundo; entre 1960 e 1971 urn recuo das multinacionais diante do avan9o de novas este numeto sobe para 210, o que significa que o processo gravadoras Iio mercado brasileiro. Mas mesmo no caso da de expansao e, sobretudo, um fenomeno dos anos 60. Deste presen~a dessas multinacionais, nao se deve perder de vista quadro se pode tirar algumas implica~Oes importimtes: prique as gran des eriipresas fransnacionais operam na area do ele aponta para um crescimento dos gastos de publimeiro, disco de forma diferenciadaem-ref~ao a industria intemafora dos Estados Unidos; segundo, indica urn monocidade cional dos filmes ou da televisao. Urn autor marxista, como parte dos americanos do mercado internacional por polio Patrice Flichy, sugestivamente as considera como "multinaComo o proprio Schiller observa, "em 1976, propaganda. de cionais discretas", isto porque elas atuam na periferia atramais importantes dos Estados Unidos deagendas dez as ves de filiais cuja fun~ao e produzir diSCOS com OS cantores percentagens de suas contas estranseguintes as clararam locais. Ele observa que contrariamente ao cinema, que vern de seus neg6cios: W. Thompson, total volume no geiras marcado pela sua produ9ao de origem ( cenarios, idiom a, International, 38,4%; Ogilvy & Rubicam & Young 53,8o/o; atores), "a atividade .musical tern urn forte componente naMcCann-Erikson, 67%; Leo 51,5%; International, Mather cional. Nos paises latino-americanos principalmente, pra52,5%; Compton AdverstiCo., Bates& Ted %; 31 Burnett, ticamente a totalidade da ven~} de discos de variedades se anos antes, em 1955, Vinte . 69,So/o B, &. SSC 67,9%; sing, 3 re~iza com cantores !ocais" . ~rocesso que certamente. vaRubican e McCann& Young Thompson, W. unicamente lonza o elemento nac10nal a ser colocado no mercado, muiimportantes que internadonais opera~oes tinham Erikson \ penetra20%".34-,A e 24,9% a respectivamente ascendiam '(30), Dados da EMBRAFILME. Uma avalia~Ao do cinema brasileiro na

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decada de 70 pode ser encontrada em Jose Mario Ortiz Ramos, "Os Dias de Hoje: Anos 70/80", in Historia do Cinema Brasileiro (no prelo). (31) Sergio Miceii, "E!ltre no Ar em Bell.n<.iia", Cadernos IFCH, UNICAMP, outubro de 1984. (32) P. Flichy, op. cit., p. 198.

(33) H. Schiller, " La Comunicaci6n Sigue a! Capital", in La Television: entre Servicio Publico y Negocio, op. cit. (34) Idem, p. 57.

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~;ao dessas empresas a nivel mundial confirma o monop6lio americana; em 1975, "em cada pais da Europa, aproximadamente a metade das dez agendas com maior volume de neg6cios pertencem aos Est ados Unidos" .35 0 que levou alguns especialistas a considerarem a publicidade internacional como quase exclusivamente uma industria norteamericana. Evidentemente, a presen~;a dessas grandes firmas nos paises perifericos e bern mais acentuada. Fred Fejes mostra como na America Latina se da a implanta~;ao das multinacionais da publicidade, o que envolve questoes des- de o consumo induzido de determinados bens pelas camadas populares, o confronto com as expressoes culturais locais, ate o controle dos 6rgaos de comunica~;ao. 36 Fato que _ se agrava quando se sabe que , comparativamente, " os pa,1: s"es da America Latina sao OS que mais transmitem (em radi~ e televisao) propaganda no niundo" .37 · · ---:·- --Nao obsiatite, a posl~a~ brasilerra -no contexto mundial nao deixa de ser singular. Hamid Mowlana, em sua analise sobre a importancia das agendas multinadonais de propaganda, organizou uma tabela coni os dez maiores mercados, relacionando-os com o "grau de influencia" que as agendas internad onais possuem nos mercados locais. Os dados sao esclarecedores : 38

1. 2. 3. 4.

Estados Unidos - 60% Japao - 32% Inglaterra - 46% Alemanha- 5 1o/o 5. Fran9a- 30%

6. 7. 8. 9. 10 .

Austnilia - 36o/o Brasil - 22o/o Canada - 42% Itatia - 41 o/o Holanda - 42%

Evidentemente, a taxa elevada de " influencia estran(35) I dem , p. 59. (36) Fred Fejes, "The Growth of Multinational · Adver tising Agencies in Latin America" , Jo urnal of Communication, autumn 1980. (37) Urn estudo em nivel intemacional do fluxo de publicidade no mundo pode ser encontrado em Grahan Murdock e Norenee Janus, " Mass Communication and Advertising Industry", Reports on Mass Communication, n? 97, Paris, UNESCO, 1985. Sobre a rela9ao entre publicidade e multinacionais, ver ainda Norenee Janus, "Adver tising and the Mass Media: Transnational Link between · Production and Consumption", Media, Culture and Society, vol. 3, 1981. (38) Hamid Mowlana, Global Information and World Communication , Nova Iorque, Longman , 1986, p. 86. b calculo foi feito levando-se em considera9ii.O as maiores agendas de cada pais, inserindo-as no contexto intemacional.

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geira" para os Estados Unid~s d~corre d~, op~;ao ~o a':t~: por cbntabilizar as transnac10na1s cot;no nao-n~c10n:1S . , - -sendo a maioria delas de origem amencana, sua mfluenc1a no mercado interno do paise consider.avel (sic). Mas a tabela mostra como o Brasil, setimo mercado mundial, sofre o menor " grau de influencia" das agendas internacionais (exceto, e clara, OS Estados Unidos). Essas _inf?rrn~c;?e~ podem surpreender, masse explicam pela propna h1stona da publicidade brasileira. Na verda~e, a chegada ~as grandes agendas de publicidade no Brasil datam da decada de 30 - Thompson (1930), Standard Propaganda (1933), McCann-Erikson (1935), Interarnericana (1938) ; dos grupos internacionais irnportantes, sornente a Leo Burnett surge nos anos SO. Essas grandes companhias dominam o mercado publidtario ate os anos 60. Justamen_te no mo~en~o em que ocorre a expansao d~s~as grande~ frrmas_a mvel mundial no Brasil se consohda urn moVlffiento mverso, o da afir~ac;ao das ernpresas nacionais. De fato, os a~~s 70 conhecem urn crescimento consideravel da pubhc1dade,, a ponto de alguns homens de neg6cios considerarem o penodo como a "decada da midia". 0 investimento em propaganda, que ern-1969 chegava a 220 milh6es de d6lares, cresce, em 1979, para 1,5 bilhao, sete vezes o volume do ano base.39 No entanto, boa parte deste aumento f~vorece as firmas brasileiras. 0 quadro das 15 maiores rece1tas de p~­ blicidade em 1982 indica que somente quatro delas sao multinacionais (McCann-Erikson, Thompson, Sta~dard, Lintas), enquanto que as tres primeiras, MPM: ~lcant~ra Machado e Salles!lnterameric ana sao d~ ca~1ta1~ nactonais.40 Isto nao quer dizer que as multinac10na1s d~txem ~e operar no territ6rio brasileiro; uma leitura deste tipo sena pura ingenuidade. Mas que ao lado das c~nta~ do governo e das paraestatais, dadas as ernpresas nac1ona1~, OS g!~n?es investimentos das_tnmsnacionais _se repartem -~ ~gen'C!a~ brasileiras e estr~ngeiras. De qualquer forma, o predo-

a

(39) Ricardo Ramos, Do Reclame Comunica1=iio, Sao Paulo, Atual Ed. , 1985, pp. 99-100. . . (40) Fonte: Mercado Brasileiro de Comunrca(:aO, op. c1t.

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Nao se trata, pois, de mera guestao economica; por tras minio das firmas de publicidade nacionais e urn fato que desta se esco~de toda uma p_fQbl~matka_ j_d~o~gic~. ~~!!1: reverte o quadro dos anos anteriores . ent~p.o~_paises..d~J2.enq~n!~~ A analise da televisao. brasileira.e tambem interessan-- - - ___ turafqu~~_se. coloca p_ri!t~ipa~m pela UNESCO -em 1973-, ---~ realizado Porexempio, o estudo te, principalmente quando situamos sua evolu~ao no consobre o fluxo da programa~ao mundial, revela a prepondetexte do mercado internacional. Nao resta duvida que 0 sisrancia dos Estados Unidos, principalmente no que diz restema televisivo mundial 'opera segundo a 16gica das grandes peito a America Latina, que e considerada como "zona de co,mpanhias transnacionais que controlam a industria da influencia norte-ame ricana", e na qual a proporc;ao de promtdt_a, os mercados estrangeiros, ocupando uma posi~ao gramas importados chega a atingir 84% em determinados domm:!r.t~ que lhes pcr:mite ditar inclusive o pre~o do propaises. Tapio Varis, com novos dados, repetiu a pesquisa duto a ser comercializado. Thomas Guback e Tapio Varis dez anos depois, e chega a conclusao que "uma comparamostram de forma convincente que o mercado internacio- ~ao dos dados de 1973 com os de 1983 indica que, em escala nal t~levisivo e basicamente composto por industrias anglomundial, nao houve mudan~as subst anciais na propor~ao ame_ncanas qu~ e~p_orta~ para o mundo todo. 41 Do ponto dos programas importad os". 43 Os gran des centros produde vista comerctal e megavel a hegemonia dos Estados Unitores continuam a ser os mesmos, o que implica urn desedos, que assistem a uma progressao importan te de' suas quilibrio acentuado em rela~ao aperiferia. -- - - -- --- . vendas no estrangeiro, crescendo de uss 25 milhoes em - - ·- - ~-A pergunta que nos interessa e simples: qual a posi~ao 1960, para_DSS 1~_milhoes, em 1970, e estabilizando-~e ao do Brasil dentro deste contexto? Em que ponto da periferia longo da decada. E tmporta~Q~e~ que dois ter~os das ele se situa? As informa~oes relativas a distribui~ao das dez _vendc:_s ?a P..:?~ama9ao americana se dtngemp1 £nrmerca : maiores audiencias mundiais da televisao sao interessan dos_ mats ncos, -c-? mo- Eanada; Kiis tralfa;·Ja pao-e- ·Reifio tes:44 Untdo. 0 que sugere que basiCame!ih~cffluxoae-programa-s­ localizam se ai pois idos, o/o Total mundial 0 se ~once?tra nos paises desenvolv Pais ma10r num_ero de aparelhos e as maiores audiencias. Gu1980 1970 b_ack e Va_;ts consider am que "do ponto de vista dos neg629,5 ctos~ alguem.._Poderia argument ar que os paises ·em desen30,8 1. Estados Unidos 17,7 12,7 2. URSS vo!vu:nento te~ pouca importancia economica para 0 co5,9 8,3 Japao 3. grande a que por televisiva, merciO m~ndtal da ~dustria 4,3 6, 1 Federal Alemanha 4. 3,8 arr~cada9ao vern .das ~reas mais desenvolvidas. Porem, isto 5,9 5. Reine Unido 3,3 4.0 6. Fran"a sena_ u_:u quadr? mcompleto do fenomeno . Nos neg6cios da 2,8 (8!') 3,5 7. ltiilia ~elevtsao_ mundtal, o estudo do lado cultural da distribui9ao 3,1 (7!') 2,6 8. Brasil 2,3 mternaciOnal dos programa s de televisao mostra que e im2,6 9. Canada 1,6 10. Alemanha Oriental portante, nos pai~es em desenvolvimento, a quantidad e de 2,0 Espanha 10. imdo causa por e programa s-horas tmportados, important pacto cultural, social e politico do material importad o" .42 (41) ~· Guback e Tapio Varis, " Transnational Communication and Cul· Mass Communication no 92 Pan·s tural lndustnes··; Report and Papers ' ' ' . UNESCO, 1982. 9-10. (42) Idem,

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pp.

(43) Tapio Varis, "The Internationa l Flow of Television Programs", Jour· nal of Communicat ion, vol. 34, n!' 1, 1984, p. 145. Uma versao mais completa deste estudo se encontra em Reports and Papers on Mass Communication , n!' 100, Paris, UNESCO, 1985. (44) Tapio Varis, "International Flow·'of Television Programs", Reports and Pap ers on Mass Communicat ion, op . cit., p. 19.

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Fica clara a posi~ao dominante dos Estados Unidos no .~ Os produtos estrangeiros, especialmente os "enlata~uadro internacional. Mas chama a aten~ao, nao s6 0 Bfa"'o · ~;~~ grandes redes uma forma mais barata as propiciavam dos", sll, pass~r, !!_~Cada de~_g_2_9_!tav2._para 0 setim_o_lug,ar ---de organizar a sua programa~ao. Porem, -paralelamente a -----~ no_r~nkm~-~unai~~C~J?O tamb,em. o.WQ_de__ql,!e .~s__9i_~e- -- este qua?ro de. dependencia, e::_ist~ urn ~ovimento que se 1 rel!9~~--~n!re ~s-:auat~~cra~ ~e p~s~~SQ!Jl_Q _Brasil, Fran~a, ·! programas· de mdustrial produ~ao a mcentlvando esbo~a, ecit1variientem !9mam-signifi Alemanha e Remo_pmdo se ~j as com la e telenov· da evoluc;ao da compara~ao A nacionais. fiores~s~~imPTica se pensar o mercado brasileiro- de--t~iev1~·· americanas mostra como na decada de 70 a novela se series ~ao ~omo po_~l:lfn~-~~~:~~m~~i~Q~Uit~~i;~~i Porisso-e ·1 ! televisiva industria da veiculo consolida como o principal tmport~nte _s~b!in~ar_qu_e_ ~ua explog~_ao 6-ieita em-grandeSao de Estado do (horas-audiencia do total da programa~ao I _P.~~~ p~las mdustnas_c:_ul~r.~!~.P..acionais:.O..que..c.ed amente • .l.f j Paulo): teleyis~ S:?JJ_tt~n~ a pe~~peC!h~.a_oac;;jonalista..que..¥e..a.. !' ·• _stle_u:_a ~~clusiv~~~~te _sQb 0. J~~!.9Ji~ d~~.!lJ:l~p.cia cultu1977 1975 1973 1971 1967 1969 1963 1965 I Fal. E verdade que durante urn certo perlodo da h.ist6rlada 22"lo 20% 22 % 18% 17% 13% 12% 2% Telenovela e estrangeira telev~sao, brasileira a presen~a da produ~ao 9% 17% 4% 16% 11% Series importadas 25% 34% 15% constderavel. N_ao tanto no seu inicio, entre 1950 e 1955, !~ I' fase em qu~ os mteresses americanos se limitavam a venda Em 1965 as series atingem urn pico, e chegam a comde tecnologta, e que o proprio mercado intemo de televisao I da programa~ao das emissoras paulistas. A tele34% par de partir A ·:r nos Estados Unidos se encontrava em expansao. 1.1 ., novela come~a timidamente, 2o/o em 1963, momento em meados dos anos 50, quando a industria americana coque ensaiava os seus passos diarios; mas em 1969 ela ja me~a a _e~portar as series pr~duzidas em Hollywood, diante qualquer tipo de programa~ao estrangeira. Nao se supera brasid~ fragtltdade tecnol6gica e financeira das empresas que aos dados revelados pela tabela acima esquecer pode programas importar elas para letras, torna-se mais rentavel ainda o fato de a telenovela ser considerado ser que tern sobre dados os observa se Quando do que produzi-los aqui. nobre, atingindo, portanto, horario o durante ar ao levada horas das total no importados a P~~centagem de programas os "enlatados". 0 crescique amplo mais 60 bern anos publico nos urn Paulo Sao como estado urn para emttldas se restringe, porem, as riao nacional programa~ao estran~ da mento programa~ao da importancia a perceber po_de-se getra: 45 emissoras de Sao Paulo ou a urn unico produto como a novela. Durante os anos 70 sao incentivadas outras atividades, como o jornalismo, o esporte e, no final da decada, as series Ano Excelsior Record Tupi Globe nacionais. Se, na totalidade da programa~ao irradiada no 1963 41 % 26% 30% Brasil, a percentagem de programas estrangeiros girava, 1965 30o/o 47% 59% em 1972, em torno de 60%, este numero diminui em 1983 1967 24%

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(4?) Joseph S~aubhaar, "The Transformation of Cultural Dependence: The Decline of Amencan Iufl_uence on Brazilian Television Industry", PhD, The Fletcher School of Law and D1plomacy, Wisconsin University, 1982, p. 243.

(46) J. Straubhaar, "The Development of the Telenovela as the Pre-Eminent Form of Popular Culture in Brazil", Studies in Latin Am-erican Popular Culture, voL I, 1982, p. 144. Obs.: a somat6ria nao da 100% porque foi excluido do quadro o restante da programafYaO - filmes, shows de audit6rio, jomalism~, etc. 0 interesse em se comparar a novela as series reside no fato de que as pnmeiras constituem o produto comercial industrial mais bern acabado da televisao brasileira, enquanto os "enlatados" compoem o tipico material prime time produ· zido pela televisao americana e distribuido em todo o mundo_

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. plice realidade: a) ela ocupa urn espa<;o geogra.fico determipara 30%. 4 ; No entanto, considerando-se a programa<;ao nado; b) se organiza sempre a partir de urn centro, uma , veiculada durante o horario nobre, este indice cai para 23o/o; o que coloca o Brasil_ao_lado de paises como Fran<;a, _ _ _ ;_ _.:::;ci_
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(49) Fernand Braude!, La Dinamica del Capitalismo, Mexico, Fondo de Cultura Econcinic:a. !9!<6. (50) Immanuel Wallerstein, The Modern World System , 2 vols. Nova lor· que, Academic Press, 1976 e 1980.

(51) Fernand Braude!, op. cit., p. 86.

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representava o papel de urn percussionista talentoso) para uma posi~ao razoavel dentro do grupo dos violinos. CertaI'I!ente nao o primeiro, sequer o segundo ou terceiro, mas ___ seguramente urn instrumento com som distinto do que emitia no passado. Nos anos 40, a midia internacional projetava uma identidade brasileira que se encontra condensada, por exemplo, num ''idolo" como Carmem Miranda. Como era percebido esse elemento de brasilidade no contexto mundial? Um manual, lan~ado pela agenda de publicidade que " explora" a atriz dura[J.e sua permanencia em Hollywood, sugere as seguintes (iich- phraseij para "vende-la" junto ao publico america :-uEx6tic~excitante. Vern ai uma bomba de calor. Carmem Miranda: pimenta e tempera. Bombardeio favorito da America. 0 tempero da vida, a irresistivel estrela torrida" . Ou ainda: "A tecnica de Carmem Miranda para vender uma can~ao e tao modulada que faz a pele arrepiar pela excita~ao gerada por sua presen~a, o brilho de seus olhos e a sinuosa qualidade que ela injeta na sua dan~a casual". 52 Torrida, sensual, maliciosa, sem esquecermos das frutas tropicais e da vestimenta de "baiana". Urn Brasil reconhecido pelo seu lado folclorico, representado por instrumentos musicais como o berimbau e o pandeiro, imortalizados por Walt Disney em seu "Saludos Amigos" , ao lado do asado argentino, do sombrero mexicano, do poncho andino. Mas a onda latina em Hollywood dura pouco. 0 musical foi urn genero estimulado exclusivamente pelo periodo da guerra,' e tinha uma fun~ao politica - "estreitar os la~os " dos Estados Unidos com os povos do Terceiro Mundo-, e economica- abrir novos mercados para o filme americana que nao tinha condi~oes de se impor na Europa. Carmem Miranda nao foi "exportada", como ingenuamente acreditavam nossas revistas de radio da epoca; ela e uma descoberta das grandes companhias cinematograficas que reorientam sua produ~ao, realizando musicais para a· America Latina, ou filmes como Juarez, apre\

(52) Exploitation Manual, Management William Morris Agency, Los An· geles, California, s. d., mimeo., in Museu Carmem Mi ra~da, Rio de Janeiro.

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sentado em sessao de gala para o presidente da Republica no Mexico~~i>orem, finda a guerra, o apelo da sensuali. __ dade latina declina diante do _ifresistivel mercado eu!~eu que se abre para os produtos americanos. Urn popular musical da Broadway salida esses novos tempos, revelando o \ "cansa~o do publico" com os temas latinos~e : rica take way. Take back the rhumba, the mambo, and samba. Her back [d~ Carmem Miranda] was acking from '-··all-that--shaking" . ~.) . f A consolida~ao de uma sociedade moderna no Bras~l J reorienta essa imagem na medida em que a cultura brasl1\ leira passa a integrar o mercado ajustada agora aos padroes · internacionais. A penetrac;ao de urn produto como a telenovela na America Latina, e em varios paises da Europa, aponta para uma outra dire~ao , a de_ passa!;?os da ~efesa do nacional-popular para a exporta~ao d~ mternaclO~a~=­ Q_opular". Se lembrarmos que os econom1sta: consweram por.internacionalizac;ao o process~ adequac;ao de nor~L de prpdu~_ao a"J!iv~f d·a-produ~ao inte_:nacio~al,yercebe~?S que a " qualidade" dos programas realizad~s no-nrasil, para se ''elev~.:.:..-tem__q~tomar ~omo referenc_i~ o gost~ dominante ao ~rrz_g_4ff!I1Ilternacl~nal. A telev1sao braslleira, contrariamente a Carmem M1randa, que en:on~rava sua razao de ser ~~otismo? luta pel~ concorrenc1a no mercado mundial\ / Nessa d1sputa ac1rrada vamos nos (53) 0 locutor Cesar Ladeira, da Radio Mayrink Vei~a, assim descreve a ida de Carmem Miranda aos Estados Unidos: "Contratada d1retamente, sem nenhum empenho particular de quem quer que seja, apen~ pelo va~or pessoal, p~lo valor indiscutivel de sua arte incomparavel, Carmem M1randa va1 levar ~ mus1ca do Brasil em sua expressao mais encantadora para a Broadway -: va1 d~r seu nome, p;ra alegria nossa, ardendo num incendio ~olori~o de anunc1os lummoso.s da ilha de Manhattan" . Citac;ao in Jose Ramos Tmh?rao, 0 Samba Agora Vaz. a Farsa da Musica Popular no Exterior, Rio de Jane1ro, JCM Ed .•. 1969. P· 58. (54) Allen Woll, The Hollywood .M~sical Goes to War, Chicago •. Nelson Hall, 1983, p. 110. Ainda sobre os mus1caJS, ver ~o~as Aylewor~ •. Hzstory of Movie Musicals, Nova Iorque, Bison Book, 1984. Va embora Amenc.a do Su.l; Leve de volta a rumba, o mambo eo samba. Suas costas (de Carmem M1randa) Ja estao doendo de tanto chacoalhar." . . · (55) Muriel Cantor, num artigo sobre o mercado amencano mternac10n~ 1 de televisao observa que os empresarios americanos apontam o Japao e ~ BrasJI "como gra;des mercados onde eles foram esprimidos pelas produc;~es loca1s. Eles

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apresentar como portadores de urn outro tipo de identidade, que na verdade nao e tao distinta assim das dos nosso~ cNcorre:r;Ites, na medida em que elas sao intercambiavets. o en~anto, dentro desse novo panorama, a discussao sob~ o naciOna.I a?qu~e uma outra fei~ao. Ate entao, ela se con nava aos hmttes mternos da na~ao brasileira s . :ua v;r!)ao tradi~ional, .seja na forma isebiana; h~je ~~ ~: rans orn:a. em tdeologta que justifica a a~ao dos ru empresan.als no men;ado mundial. Talvez por isso ;aop~~ \ grand~s dtfere~~as entre o d~scurso de venda da telenovela e . a. a~g(u,mBent~r;~o dos .comerctantes de armamentos no exte1 rastl e o qumto produtor mundt' al) uma 1 rH?- ~ ~zq~ ' - · 1 amb Eu d~s. sao vts.tos exclusivamente como produtos nacionais .. ma, porem, que esse fato marca uma eta a d ~ade bra~ileira onde se torna impossivel retorn~rmo~ ~cte~g~.~~o~wao~olonizador/colonizado com a qual estava;~~ a t.ua .os.~ opera~, a menos, e claro, que queiramos c .' fund_tr a _:deta de ~ealiza~.ao da liberdade com as form aso~e . domma~ao da soctedade mdustrial "nacional".

• tambem estao preocupados com a concorrencia ue q urn pats como o Brasil esta fazendo na Europa onde a TV Globo com~a a encontr ' ar compradores para seus programas na Espanha ltalia Portugal · • e recentemente na Polo · " l .. • ' · . . rna . n Amen· . . can TeIevlSlon m the I nternacional Market" 13, vol. Research, Commumcatron , n? 3, julho de 1986, p. 5 17.

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Inconclusao Normalme-nte, quando falamos de tradi~li.o nos referimos as coisas passadas, preservadas ao longo da memoria e na pratiCa das pessoas. Imediatamente nos vern ao pensamento palavras como folclore, patrimonio, como se essas expressoes conservassem os marcos de urn tempo antigo que se estende ate o presente. Tradi~ao e passado se identificam e parecem excluir radicalmente o novo. Poucas vezes pensamos como tradicional urn conjunto de institui~oes e de valores que, mesmo sendo produtos de uma hist6ria recente, se impoem a n6s como uma moderna tradi~li.o, urn modo de ser. Tradi~li.o enquanto norma, embora temperada pel a imagem de movimento e de rapidez. Penso que hoje vivemos no Brasil a ilusao de que o moderno e o novo, o que torna dificil entender que as transforma~oes culturais que ocorreram entre n6s possuem uma irreversibilidade que faz com que as novas gera~oes ja tenham sido educadas·no interior dessa "modernidade". Por isso o tema da industria cultural se encontra naturalizado nas discussoes sobre cultura, fato que muitas vezes contraria a vivencia dos pr6prios debatedores que, em muitos casos, s6 vieram experimentala numa fase tardia de suas vidas. Fala-se em cultura de mercado como se ela sempre tivesse existido, ao mesmo tempo em que a.ela_s.e confere o atributo do moderno. Digo

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modemo enquanto valor, qualidade. Mas nao e s6 em relaa area da comunica~ao que isso se da. Os politicos tambern valorizam a ideia de urn "partido modemo" (embora sem qualifica-lo) , da mesma forma que as revistas de assuntos gerais cultivam a modernidade das tecnicas, dos habitos, enfim de urn modo de vida que em principia encerraria urn valor em si, na medida em que diferiria do "atraso" do passado. Mas o que sig_nifjca __r:eivindicax:- ·O '-'moderne" numa socjedacfe ql;le se tx:_ansformou, mas que cultiva ainda a lem?ra~wa da moderniza~ao como projeto de constru~ao nac10nal?.A perghnta e interessante e nos remete a discussao com a qual iniciamos este livro. Octavia Paz, em seu livro Os Filhos do Barro, nos da algumas pistas para encaminharmos nossa reflexao. 1 Ele diz que o "moderno e uma tradi~ao", mas uma tradi~ao feita de rupturas, onde cada ato. ~ sempre o inicio de uma outra etapa. Neste sentido o moderno, enquanto moderni-. dade, e a nega~ao do passado e a afirma~ao de alga subs! tancialmente diferente: "a modernidade nunca e ela roesrna, e sempre outra". 0 que evidentemente a distingue do novo, da Ultima moda, que simplesmente adiciona alga que nao existia ainda no panorama cultural, mas nao afirma uma abertura, urn porvir. Por isso o conceito de modernidade e polemico, critico, ele configura uma "revolta do futuro". Como coloca Henri Lefebvre, "a ·maieutica da modernidade nao funciona sem urn certo utopismo". 2 Neste_ sentido eu diria que a modernidade e inevitavelmente urn "projeto inacabado" (e nao como quer Habermas, urn projeto "ainda" inacabado). 3 Ela esta em contradi~ao com a situa~ao concreta na qual se erige, mas que ao mesmo tempo se contrapoe. Penso que, no Brasil, este lado explosivo, de ruptura, nunca se colocou da mesma forma que nos pai~ao

1984.

(1) Octavio Paz, Os Fi/hos do Barro, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,

(2) Henri Lefebvre, lntrodufiio a Modemidade , Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969, p. 55. (3) V~r- Habermas, "Modernidade Versus P6s-Modernidade", Arte em Revista, n? 7, agosto de 1983. No mesmo numero, artigos de Andreas Huyssen e Peter Burger, que debatem e criticam a perspectiva de Habermas.

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ses europeus, porque··a ideia que dominou n~~ irri~gina­ <;ao sempre se associou a necessidad_e _cpncr~ta_ .Q~ se construir-uma moaerna:socfedade brasileira. Modernismo, mo- . -··-___ derniOaae"emoderniZa~~o saopara ri6s termos intercambiaveis, pais dizem respeito a uma situa<;ao que ainda nao havia se realizado de fato. No entanto, esse "modemismo" possui uma hist6ria,-e se no inicio do seculo ainda e uma "ideia fora ,do Iugar", ao Iongo dos anos ele se ajusta a sociedade que se desenvolve. Talvez pudessemos captar melhor· essa mudan~a utilizando as categorias de "ideologia" e de "utopia" que Mannheim trabalhou. 4 Mannheim considera tanto a ideologia como a utopia como ideias situacionalmente transcendentes, isto e, que jamais conseguem de fato a realiza<;ao de seus conteudos pretendidos. Mas as tltopias nao sao ideologias na medida em que conseguem se contrapor e transfermar a realidade hist6rica em uma outra realidade. "Urnestado de espirito e utopico quando esta em incongruencia com o estado de realidade dentro do qual ocorre." 5 Ja a ideologia se ajusta melhor a realidade em questao, mesmo que nao coincida com ela e tenha que se impor como hegemonica, para controiar os espa<;os que sa~m fora do seu campo de defini<;~<>- Eu diria que o Modem1smo como projeto encerrava urn elemento de utopia uma vez que ele era incongruente com a sociedade brasileira que ainda buscava seus caminhos. Projeto, identidade, sao no<;oes que se aproximam e delineiam urn itinerario coletivo, ~rna ilusao. Nao e por acaso que os anos 40 e SO sao efervescentes, eles se desenrolam numa atmosfera que antecipa urn a outra ordem social. Porem, com o desenvolvimento da propria sociedade, o que se propunha realizar de fato s_e instaura (~e~­ mo guardada a inadequa<;ao que Mannhe1m sugere ~x1strr . ~ade..elde~), o que significa que o proJeto se toma uma ideologia, que agora procura refor<;ar a ordem estabelecida. Modemo como tradi<;ao, mas nao como ~ol~- · cava Octavia Paz, enquanto tradi<;ao da ruptura; os sma1s (4) K. Mannheim, Ideologia e Utopia , Rio de Janeiro, Zahar, 1972. -.:.. (5) Idem, p. 216.

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velho capitalismo foi construido com base na disciplina for. da "modernidade" brasileira indicam que realmente "so~ada do trabalho, na desumaniza~ao do trabalhador rural mos" , e que por- isso nao mais devemos nos rebelar na dire~ao de urn outro futuro. ~_g_9ernidadeJ?I.:$1-sileira~ -n~ste ---- - - - que chegava-a cidade, a ponto -de as classes dominantes --perceberem as classes trabalhadoras como urn grupo de "sels.~nt.id.o... acritica. vag.ens" perigosos, justamente pe~o fato de nao estarem ain. 9s ec~n?~istas ger~lm~nte dizem que a hist6ria brasida mtegrados ~lenamente na soc1edade qu~ o~ explorava. le1r~ e .a htstona d~ cap1tahsmo, mas de urn determinado Mas os antropologos sabem que as categonas mdtgenas de capttahsmo. Com tsso eles entendem a especificidade do P~t;-sa~ento ~ont~m urn el~mento de classifica~ao que e sigc~pitalismo na periferia,, que certamen!e teve urn destino · mftcativo no amb1to da soctedade·em que florescem. Talvez dtferente do que nos patses centrais. E curioso perceber fosse possivel, levando agora a serio o senso comum, dizer como essa dimensao da vida economica bras'ileira se reflete que a fase do capitalismo selvagem esteja chegando ao seu no plano cultural. Vianinha, fazendo uma critica da cuifinal, que ele se domestica ( o que nao significa que deixaria tura brasileira, afirma: "A cultura capitalista do Brasil nao de lado seu carater espoliador). Claro, isto nao configura e capitalista, portanto nao e brasileira": ~ Sua fala retoma ainda a realidade do todo da sociedade ·brasileir~, mas, a ideia do descompasso da realizac;ao de uma sociedade creio,_ trata-se de uma teridencia for~e que procuramos moderna no Brasil em rela~ao aos paises europeus ou aos apreender ao considerarmos a problematica cultural. Te- Estados Unidos. Seria, portanto, no processo de constituinho consciencia que a nova ordem social nao se expressa c;}io de nossa identidade que construiriamos uma "autencomo hegemonica, que ela encerra elementos anteriores e tica" cultura nacional. Mas Vianinha se esquece que 0 diversificados, mas nao tenho duvidas que hoje ela e urn movimento de modernizac;ao da sociedade brasileira faz "fato social" e nao mais simplesmente uma vontade, uma com que o nacional e o capitalismo sejam p61os que se inteaspirac;ao. A modernizac;ao da sociedade brasileira, sua gram e se interpenetram/ A "autentica" cultura brasileira, nova posic;ao no concerto d·as nac;ees, sao indicios de que ela capitalista e moderna, que se configura claramente com a passou por urn ritual de iniciac;ao (mesmo se incompleto) emergencia da industria cultural, e fruto da fase mais avanque consagra uma outra ordem, nao religiosa como habi~ada do capitalismo brasileiro (conclusao que certamente encontramos na literatura antropol6gica que tualmente seria contraria a seus principios)./ mas secular, racionalizada. Rito de pasrituais, trata dos Nao deixa de ser interessante observar que esse mesmo das velhas formulas de consagrac;ao, prescinde que sagem tipo de peusamen.tG se expressa no n!vel do senso comum elemento simb6lico, preferindo a como agua dispensando a atraves da ideia de "capitalismo selvagem". A especificitecnica, a energia atomica, o armamento, o ~~r.<;ado,~tiio dade brasileira residiria nesta qualidade de "selvageria" tra~os ·de sua hova personalidade. ·Nesse caso e sugestivo que a diferenciaria dos outros tipos de capitalismos. Conretomarmos a distinc;ao que Roger Bastide estabelece entre .fesso que a metafora sempre me pareceu urn pouco deslo8 o "sagrado selvagem" e o "sagrado domesticado". 0 pricada, pois, se realmente a levassemos a serio, teriamos que meiro seria urn tipo de manifestac;ao social explosiva, eferimaginar a existencia de urn capitalismo sem contradic;oes vescente, dificil portanto de ser canalizado e contido. 0 see injustic;as, o que de fato nao ocorreu, ou ocorre, inclusive . na Europa. Na verdade, esquecemos com freqiiencia que o (6) Vianinha, "A Cultura Proprietaria e a Cultura Desapropriada", in Tearro Televisao Politica, Sao Paulo, Brasiliense, 1983.

(7) Ver Louis Chevalier, Dangerous Classes and Labouring Classes in Pa· ris During the First Half of 19th Century, Londres, Routledge and Kegan Paul, 1973. r , (8) -yer Roger Bastide, Le Sacre Sauvage, Paris, Payot. 1975.

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gundo representaria a ordem da institui~ao, uma vez que controlaria o elemento "ut6pico" no interior de sua 6rbita de racionalidade. Poderiamos, entao, afirmar que a aproxi-- - ma~ao de urn "capitalismo domesticado" institucionaliza, coloca limites as ilus6es de urn "passado selvagem" que nele encerrava a efervescencia de toda uma sociedade em busca de seu destino. A questao e saber se chegamos a urn ponto final da hist6ria, ou se e somente agora que se abre para nos a possibilidade da escolha entre civiliza~ao ou bar~ barie; isto, e claro, se outros projetos surgirem, agora criticos e contrapostos atradi~ao "nova" em que vivemos.

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Bibliografia

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Sobre o autor Renato Ortiz nasceu em Ribeirao Preto (SP) em 1947. Estudou na Escola Politecnica CUSP) entre 1966 e 1969; formou-se em Sociologia pela Universidade de Paris VIII e doutorou-se em Sociologia e Antropologia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris). Foi professor da Universidade de Louvain (1974-1975). da UFM r, (1977 -1984) e est a vinculado ao Programa de P6s-Gradua<;ao em Ciencias Sociais da PUC de Sao Paulo. Esteve como pesquisador no Latin American Institute da Universidade de Columbia e no Kellog Institute da Universidade de Notre Dame, alem deter sido professor visitante na Escuela de Antropologia (Mexico). Publicou varios artigos sobre religiosidade popular, cultura brasileira e cultura popular em diferentes revistas; Religiiio e Sociedade, Cadernos de Opiniiio, Cademos do CERtJ, Archives des Sciences Sociales des Religions, D iogenes. E au tor dos livros A Morte Branca do Feiticeiro Negro (Vozes). A Consciencia Fragment ada (Paz e Terra), Pierre Bourdieu (Atica), Cultura Brasifeira e ldentidade Nacional (Brasiliense).

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