A Ignorancia Da Antijuridicidade Em Materia Penal

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Publicações Forense CôDIGO PENAL Atualização de Nflson o/ital Naves

LEGISLAÇAO PENAL MILITAR Atualização de Nilson Vital Naves

VOCABULARIO JUR:IDICO

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3LJ3.J5J M3(;6"-0 ALCIDES MUNHOZ NETI'O

Professor Titular d D1r 1to P nal na Universidade Federal do Paraná

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A IGNORANCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL



FORENSE Rio de Janeiro 1978

1.ª edição - 1978

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Copyright Alcides Munhoz Netto

Catalogação-na-fonte Nacional dos Editores de Livros, RJ.

M932i

Munhoz Neto, Alcides. A Ignorância da antijuridicidade em matéria penal / Alcides Munhoz Netto. - Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Apêndice Bibliografia

"'

1. Erro (Direito penal) I. Título

78-0580

CDU - 363.159 /341.4359/

A memória de LAERTES DE MACEDO MUNHOZ

Reservados os direitos de propriedade desta edição pela COMPANHIA EDITORA FORENSE Av. Erasmo Braga, 299 - 1.º e 2.0 andares - 20020 Rio de Janelro-RJ Filial: Largo de São Francisco, 20, loja - 01005 São Paulo-SP Impresso no Brasil Printed in Brazil

SUMÁR IO IX

Prefácio

Capitulo

.

1

· Capítulo II - Histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo III - Aprecíação Crítica aos Fundamentos da Irrelevância do Desconhecimento da Antijurídicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

23

59

Capítulo IV - Doutrinas sobre a Eficácia da Ignorância da Antijurídicidade . . . . . . . . . . . . . .

77

Capítulo

I - Noções Gerais

V - Soluções no Direito Brasileiro

101

Apêndice - Aníbal Bruno e a Reforma Penal

145

Bibliografia

. .. . ... .. .. . . .. . . . . .. . . .. . ... . . .. .. . . . .

171

tndice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

179

tndice Alfabético Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

183

!ndice da Matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

191

PREFÁCIO

o



título desta monografia não corresponde exatamente ao seu conteúdo. Trata-se, em verdade, de um estudo sobre o erro em Direito Penal, no qual se deu maior ênfase à igno~a da antijiirídicz ade, porque quanto a ela é que persistem as resistências em reconhecer-lhe plena eficácia escusante. A demasiada preocupação com a segurança do Direito ainda dificulta o acolhimento do invencível erro de proibição como causa excludente da culpabilidade. Embora constitua imperativo de justiça a absolvição de quem pratique o crime sem possibilidade de conhecer-lhe a ilicitude, perduram, por motivos utilitários, velhas presunções de responsabilidade, incompatíveis com os postulados do Direito Penal da culpa. Neste trabalho ensaia-se um sistema de tratamento das diversas modalidades de erro, que, sem comprometer os interesses de defesa social, evite a punição de condutas não revestidas de dolo ou culpa em sentido estrito ou pelas quais o autor não deva sofrer censura. Pretende-se, em suma, dar efetividade, em matéria de erro essencial, ao dogma do nulla poena sine culpa, quer excluindo a responsabilidade objetiva, quanto a erros escusáveis, quer estabelecendo, para a vencível ignorância da antijurídicidade, racional proporção entre a pena e o grau de reprovabilidade de quem não conheceu a perceptível ilicitude de seu comportamento. Também em matéria de erro, há de se observar o consagrado princípio de que a culpabilidade é indeclinável pressuposto da pena e fator preponderante de sua medida.

ALCIDES MUNHOZ NETTO

A obra, portanto, não é meramente acadêmica. Reveste-se al entido prático, ao apontar critérios para a adminis1 ru ão da justiça penal, quando em jogo problemas relacio1HUio ao erro. Os conceitos gerais, a pesquisa histórica e a . posição doutrinária dos primeiros capítulos visam, sobretudo, fornecer subsídios às soluções-possíveis em face do nosso Direito positivo, indicadas no capítulo final.

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Não devem causar estranheza as repetições observadas ao longo do trabalho. Trata-se de vício proposital, com o objetivo de acentuar aspectos fundamentais do tema, facilitando-lhe o entendimento.

Ü AUTOR

CAPÍTULO I

NOÇÕES GERAIS 1 . Erro e ignorância. 2. Equivaléncia jurídica dos dois estados. 3. Dúvida e ignorância. 4. Concepção empírica e concepção teorética de erro. 5. Erro de fato e erro de direito. 6. Tese unificadora. 7. Erro de tipo e erro de proibição. 8. Erro sobre a exigibilidade de conduta diversa. 9. Divisão tricotômica do erro. 10. Espécies de ignorância da antijuridicidade. 11. Ignorância da anti1uridicidade e ignorância da lei.

1. Ignorância e erro constituem dois estados metafisicamente distintos: a falta de qualquer conhecimento sobre um objeto e o seu falso conhecimento. Assim,..fill.Q nto a i norância a. resenta-se desacompanhada de qualquer percepção da.zealídade, o erro é determinado por uma percepção desconforme àquela. Entre ambos existe a mesma distância que separa o não ver do ver mal. 1 Esta diferença entre a ignorância, como estado negativo, e erro, como estado positivo, remonta a Platão. 2 Entre nós, salientou Tobias Barreto ser importante notar "que o erro pressupõe a existência de uma falsa idéia em lugar da verdadeira, ao passo que a ignorância é a falta de idéia sobre este ou aquele assunto". 3 1 Francesco Carnelutti, Teoria General del Delito, trad. de Victor Conde, 1952, p. 139. 2 Luiz Jimenez de Asúa, Reflexiones sobre El Errar de tierecho en Matéria Penal, 1942, p. 15 e Tratado de Derecho Penal, 1962, VI, p. 313. 3 Tobias Barreto, Prolegômenos âo Estudo do Direito Criminal, in Estudos do Direito, 1926, p. 69.

2

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ALCIDES MUNHOZ NETTO

Pretendem, todavia, alguns, que os dois estados se resolvem no conceito genérico de erro, enquanto que, segundo utros, prepondera a noção de ignorância. Como conhecimento d Iiciente ou insuficiente da verdade, isto é, como desvio de juízo, o erro compreenderia também a ignorância, que seria o erro total, assim como o erro, uma ignorância parcial. 4 Em sentido oposto, proclamou-se que o erro em geral seria o estado da mente, em que a verdadeira representação de um objeto vem impedida e substituída por outra não verdadeira. Todavia, neste estado, o essencial seria simplesmente a falta da representação verdadeira, a qual poder-se-ia apresentar, mesmo na forma de simples ignorância sobre o objeto, sem uma outra representação determinada no lugar da verdad~ira ... Assim, seria mais apropriado e mais exato falar sempre de ignorância, uma vez que esta expressão designaria de modo mais amplo a essência daquele estado faltoso da mente. 5 Por ser o érro o momento final do vício cognoscitivo, a ignorância poderia ser considerada como eonceíto geral, enquanto que o erro representaria a noção específica como ignorância qualificada. 6 Não f'altam, porém, soluções conciliatórias que afirmam a inteira equivalência dos conceitos. a erro ell.YQlveria a ignorância, da mesma forma que a .ignorância implic~a sempre em erro: como ausência de cognição, a Ignorância seria, nos efeitos, falsa cognição e portanto, erro; da mesma forma, o erro consistiria também ignorância, porque ver 'em lugar do real uma coisa diversa é como ignorar a coisa real. 7



4

Vicenzo Manzini, Diritto Penale Italiano, 1950, p, 289. F. K. Savigny, Sistema del Derecho Romano Attuale, trad. de Vittorío Scialoja, 1900, p. 138, § 115. 11 Antonio Cristiani, Profilo Doçmatico dell'Errore su Legge Extrapenale, 1955, p. 30. 7 Eugenío Pincherli, Errore di Diritto, di Fatto e di Persona, in Revista Penale, Suplemento 1896/7, vol. V, p. 361 e Mauro Angtoní, La Volontarietà del Fatto nei Reaii, 1927, p. 47. n

ON RÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

3

nsamos não ser possível parificar psicologicamente os Is estados, nem uni-los num ou noutro conceito. Se é certo u o erro pressupõe sempre a ignorância da noção exata, a cíproca não é verdadeira, já que nem sempre a ignorância acompanhada de erro, podendo se caracterizar independent mente de qualquer persuasão do sujeito. 2. Ao direito, contudo, não interessam a ignorância e o rro em seu estado pu~o, como meras situações cognoscitivas, mas como estados intelectivos que se refletem na vontade da ação. Bem diverso é o erro do pensador, que permanece no campo da cogitatio, do erro do homem que age e traduz o seu defeito intelectivo na praxis. Pode-se falar nestas hipóteses de uma ignorância e de um erro ativos. ,!Sta pasta, erro.,e i rância delineiam-se como uma inexata rela ão da cons~ncia com a realidade objetiva. Em substância, um e outro constituem estados de desconformidade cognoscitiva. 8 Não há, por isso mesmo, inconveniente em unificar, no terreno jurídico, os dois conceitos, dada a identidade das conseqüências que produzem: incidem sobre o processo formativo da vontade, viciando-lhe o elemento intelectivo, ao induzir o sujeito a querer coisa diversa da que teria querido, se houvesse conhecido a realidade. Nem procede o raciocínio de que a ignorância, desacompanhada de erro, não possa ter eficácia sobre a vontade e sobre o comportamento humano, porque o direito não se ocupa das condições de ânimo, senão enquanto forem causa da ação. 9 Em si, como lacuna, a ignorância, analogamente à omissão, pode ter eficácia jurídica causal, por não modificar o curso da vontade, quando este podia ser positivamente moArturo Santoro, Manuale di Diritto Penale, 1958, p. 431, I. Francesco Carrara, Programa del Curso de Derecho Criminal dictado eri la Real Universidad de Pisa, trad. S. Soler, 1944, § 253. s

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A L CID E S

M UNHOZ

1fi ado pelo estado de conhecimento. E mais: ainda em si, a ígnorâncía pura pode conter uma previsão de possibilidade, I mento positivo capaz de influir sobre a vontade, tanto no .., ntido de concorrer a determiná-la, quanto no sentido de

3. A ignorância não se confunde com a dúvida, porque aquela pressupõe a ausêncía de qualquer representação e, na dúvida, há mais de uma representação, uma das quais conforme à realidade. A dúvida também afasta-se do erro, porque a perplexidade ou incerteza entre as várias previsões que a caracterizam é incompatível com a formação de um convencimento em contraste com a realidade, que é da essência do erro. Ademais, ao contrário do que ocorre com o erro, a dúvida, enquanto tal, não vicia a vontade. Se o conflito de imagens é resolvido e o sujeito ad uire o convencimento de estar na verdade, não estará mais em dúvida, embora possa incidir em erro; se não adquire tal persuasão, permanece em dúvida, não em erro e agindo nesta situação psicológica, terá querido voluntariamente, 01 por culpa, o próprio comportamento. 11 Quem age em dúvida, '.'atua admitindo a possibilidade de que seu comportamento seja contrário ao dever". u 4. Nos domínios da filosofia, nega-se a possibilidade de um erro de boa fé. Trata-se do conceito teorético de erro, que se contrapõe ao conceito empírico adotado pelas ciências jurídicas. Se, juridicamente, o erro é vício de conhecimento, para os filósofos, é a ignorância que se dá por conhecimento, 13 isto é, a simulação do estado de ignorância, com a afirmação ro R. A. Frosali, Sistema Penale Italiano, 1958, n,

§ 523, p. 209. Antonio Pirodi, l/errore di facto nel diritto penale, 1959, p. 6. i2 Aníbal Bruno, Direito Penal, 1956, II, nota 1, p. 490. rs Gentíle, Sistema di logica, 1922, I, p. 104, 1922, apud A. C:ristíaní, ob. cít., p. 24. 11

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H NCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

5

1 r 11q uilo que não se sabe, o que é incompatível com f . A ncepção teorética decorre de não admitirem alguns, c•J volição distinta da intenção. A vontade realizaria sempre 1 lnt n ão, pelo que seria inconcebível, um fato de vontade nf orrespondente a um fato intencional. Ademais, sendo o 1 t d vontade só imaginável quando traduzido em ação, esta s identitícaria com a volição, já que aquilo que não se onhece não pode ser querido. Esta a posição de Benedetto roce, que, em sua Filosofia della pratica, sustentava. não haver distinção alguma entre intenção e volição. Intenção seria mera volição ideal, abstrata, não concebível em si mesma, nquanto que volição seria a vontade real, decorrente de uma determinada situação de fato. Quando concretizadas, intenção e volição constituiriam um todo incindível. Do mesmo modo, seriam conceitos idênticos volição e ação, pois o ato de vontade só é tal quando se traduz em conduta, exprimindo-se em um fato do mundo sensível. Onde não houvesse comportamento, não haveria volição, mas apenas desejo. Por outro lado, não seria correto afirmar que em conseqüência de erro, possa a volição surgir como algo diverso da intenção, caracterizando-se um estado de boa fé. Tal situação seria impossível, porque o erro de que não se tem consciência não é erro, já que este, em substância, seria a afirmação de saber aquilo que não se sabe. Isto posto, erro de boa fé não seria possível, porque só a verdade é de boa fé. 14 A teoria de Croce, rigidamente filosófica, entendendo, em definitivo, que o erro, sendo sempre querido, constitui uma situação psíquica de má fé, não pode ser acolhida pelo sistema do direito positivo, ante o qual intenção e volição consideram-se elementos cindíveis e distintos da ação. A ação, pode 1

14

Benedetto Croce, Filosofia della pratica, p. 27 e segs., apud clt., p. 25.

A. Cristiani, ob.

AL CID ES

M U NH OZ

N ETT O

m virtude do erro, ser diversa da que foi concebida e querida pelo agente. E, precisamente por isto, o erro não é de má fé. 15 5. O erro pode existir tanto no processo de formação, quanto no processo de atuação do querer. 16 O direito privado distingue entre erro-vício e erro-obstativo, conforme intervenha na formação da vontade negocial ou na exteriorização .da .vontade já f~rmada. Em matéria penal, também pode-se falar em erro que vicia o processo formativo da vontade, quando dirigida à execução de um crime, e em erro que vicia exteriorização da vontade, no seu traduzir-se no mundo ~xt~rior. 17 Os limites deste trabalho não comportam um estudo a respeito do erro que incide sobre a execução do ~rime também denominado de inabilidade. Interessa apenas ' erro como vício de vontade, decorrente da divergência entre o• que se representou ao sujeito e o que realmente existe no mundo exterior capaz de determinar um convencimento diverso do que se teria formado, se a consciência correspondesse à realidade. Nihil volitum, quid praecognitum. Constituindo o delito a ação antijurídica, típica e culpável, só estará ele plenamente caracterizado" quando a conduta do autor apresente, no âmbito objetivo, as características do processo criminoso e quando o autor tenha reproduzido ou podido reprouzir para si, no plano subjetivo, as características essenciais do acontecimento. Só se poderá falar de um fato doloso consumado, quando a representação que o autor tem do acontecimento criminoso coincide com o efetivo sucesso delituoso. Da mesma forma só haverá culpa em sentido estrito, quando ao autor era possível a representação do fato característico do crime. Ora, pode-se conceber duas situações em que falta essa adequação ou possibilidade de adequação, entre a imagem

a

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A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

delituosa e a consciência do agente: numa, a representação do autor vai além do acontecimento objetivo; em outra, o acontecimento objetivo não é totalmente abrangido pela representação do autor. Comum às duas hipóteses é a existência de uma representação defeituosa do sujeito. Mas, conforme ao autor se represente um excesso ou um defeito, as conseqüências serão distintas. Só quando a falsa representação caracteriza-se por uma falta de conhecimento do autor, apresentando a imagem representativa um defeito frente ao acontecimento criminoso produzido na realidade, é que se poderá falar propriamente em erro ou ignorância. 18 Esse erro, que vicia a vontade, tanto pode recair sobre elementos circunstanciais, quanto sobre uma norma jurídica. Daí, a divisão entre erro de fato e erro de direito. Segundo a doutrina tradicional, o erro de fato é o erro ...9lliLincidindo sobr um extremo essen ial do crime, im ede ~o agente de conhecer, de perceber a adequação do seu comportamento à ação abstratamente formulada no preceito penal, ou seja, o erro que impede divisar no fato cometido aquilo que o torna idêntico ao abstratamente descrito. Já o erro de direito é o que recai sobre o significado ou sobre o 10 Estas noções, entretanto, padecem de râmbito da norma. defeitos, uma vez que o erro sobre os elementos do fato pode provir de ignorância ou má interpretação de lei, de cujos conceitos se haja servido o legislador, na tipificação de determinado crime. Efetivamente, a lei, ao descrever o comportamento delituoso, utiliza-se, às vezes, de conceitos jurídicos, que só se podem representar ao autor através de valoração de direito, embora sob forma leiga. As noções de cheque, duplicata, "warrant", documento, função pública, imposto devido, 1

15 10 11

A. Pirodi, ob. cit., p. 8. Silvio Ranieri, Manuale di Diritto Penale, 1952, I, p. 279. A. Santoro, ob. cit., I, p. 423.

7

s R. Maurach,

1962,

vol. I,

§

Tratado de Derecho Penal, trad. de J.

e. Roda,

23, A.

in Ottorino Vannini, Manuale di Diritto Penale (Parte Generale), 1948, ps. 99 e segs. 532 • 2

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ALCIDES MUNHOZ NETTO

p p 1 moeda de curso legal e de tantos outros elementos jurídico-normativos do tipo, só podem ser apreendidas através d apreciações jurídicas, realizadas na esfera do profano. Daí, a advertência de que a distinção entre erro de direito e erro de fato, precisa ser entendida cum grano salis. 20 Já se susten té bsol tamente impossível classificar o erro como· fato ou de direito. O conhecimento falso 'ou errôneo, só seria viável sobre aquilo que pode ser conhecido. Afirmou Binding que só em relação aos fatos poder-se-ia conhecer e também só sobre eles. errar. Assim, os fatos não seriam apenas acontecimentos, isto é, sucessos na história da natureza animada ou inanimada, mas também estados existenciais dos mais diversos gêneros. Um erro com rel vância / para o direito, só se poderia fundar em um fato de transcendênci jurídica. Aquilo que não existe como tal, não teria importância alguma, sendo indiferente para a ordem jurídica, gue no espírito do homem se dê uma representação correta pu errada. Designados tais fatos com o qualificativo de fatos nus, deduzir-se-ia logicamente este postulado: o erro sobre os fatos nus é um erro qúe, juridicamente, não tem importância alguma. Assim ocorreria no caso de quem estivesse convencido de que o sol gira em torno da terra, ou de que a neve não é cristalina. Portanto, os fatos juridicamente significativos seriam, antes de tudo, os preceitos jurídicos de todos os gêneros, de caráter geral ou excepcional, as normas e preceitos permissivos, as proposições afirmativas e negativas, assim como toda a classe de direitos e obrigações em todas as suas características e partes integrantes. Os erros sobre a existência de um preceito jurídico, sobre a vida de um homem, sobre a derrogação de uma norma de direito ou sobre a existência de um delito, não seriam mais que erros sobre fatos juridicamente relevantes. A expressão, erro juridicamente re20

A. J. dá Costa e Silva, Código Penal, 1943, p. 125.

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IONOHÂ.N II\ D/\ ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

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racterízaría tudo que na ordem jurídica é erro. Daí lbllidade de sustentar o maticamente, a divisão do 1 1 r11 J111·ldlc mente relevante em erro de fato e erro de direito, 11 1 t.o u todo o erro juridicamente relevante seria, necessa1111111< nt , rro de direito. Um erro relevante sobre fatos nus 11 o ria ser levado em consideração. 21 Entre nós, acolhe a l I e 1ndingniana, o Professor Everardo Luna, que entende 1 tlr cientificamente um error facti ao lado de um error proclama que todo o erro de fato, desde que esteja do na esfera jurídica, é também erro de direito. 22 11 11111.<, 1

111p

G. Pela dificuldade em distinguir entre erro de fato e Pl'I' de direito, pensou-se em unificar as duas categorias de 2 , 1·1· • º Enquanto para Mezger, todo o erro seria de direito, 2* 1 M ggiore pareceu inconcebível um erro de direito que não resolva em erro de fato, isto é, um comportamento que não . , t ria verificado, se o agente houvesse tido uma noção pre<·I. a da lei e do seu alcance. Um erro que não produzisse uma l'nl a representação da realidade não existiria e se existisse, 1i teria relevância jurídica. O desvio intelectivo, implícito n ignorância ou erro, repercutiria sempre do direito ao fato. 1" 21

Karl Bindíng, Die Normen und ihre Uberiretunç, apud Asúa,

J flexiones, p. 72. 22 Everardo Luna, Ignorância ou erro de direito, in Reu. Pernambucana de D. Penal e Criminologia, 1956, ano 3, ns. 11 e 12, p. 196. sa A tese unificadora, defendida por Finger, Guello, Calon, l• ontan Balestra, Maggiore e Mezger, entre outros, foi também a pr ferida por Jimenez de Asúa, mas por este depois abandonada
24 Edmund Mezger, Unrechtsbewusstsein im Strafrechts, Neue 1uristische Wochenschrift, 1951, p. 501, apud Juan Górdoba Roda, El onocimiento de la antijuridicidad en la teoria del delito, 1962, p. 32. 20 Giuseppe Maggiore, Diritto Penale, 1951, 1, p. 406.

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ALCIDES MUNHOZ NETTO ·

ntologicamente, não é, na verdade, aconselhável dístinrulr ntre erro de fato e erro de direito. Por ser valorativa a penal ao utilizar-se de conceitos fáticos, transforma-os em nceitos jurídicos. A rigor, não há, assim, elementos do crime inteiramente destituídos de conteúdo normativo. o que pode suceder é a coincidência entre o significado jurídico e o significado leigo de certas expressões descritivas , como homem ' filho, recém-nascido etc. Mas, nem sempre existe correspondênci tr valoração jurídica e a valoração extrajurídica de certos termos, _É o que ocorre, v. g., com o significado de aborto, que, em direito penal, circunscreve-se à occisão do feto, enquanto que, em medicina, é qualquer interrupção da gravidez, nos seis primeiros meses de gestação. Convencionalmente, entretanto, a lei mantém a bipartição, à qual tem que se acomodar o intérprete ante o caráter dogmático do direito penal. 7. A doutrina alemã adota a distinção entre erro de tipo e erro de proibição. 26 O "Tatbestandirrtum" e "Verbotsirr:um", não refletem uwa simples renovação de nomes, senao uma profunda modificação conceituai. 21 Não há, efetivamente, correspondência entre a antiga e a nova classificação.@ erro quall.te--a-0-tipe-nã. e uivale ao erro de fato, nem 26

Sobre a dogmática alemã exerceu grande influência o acolhimento da distinção entre erro de tipo e erro de proibição pelo Bundesgerichtshof, que, em célebre sentença de 18.3.1952, declarou que a errônea suposição de que não concorre um elemento do fato (não "de fato" já que se emprega o termo Tantumstand, "círcunstâncias de fato", compreensivo dos elementos fáticos e normativos) origina um erro de tipo: o sujeito crê que seu atuar é permitido, em virtude de não saber o que faz; sua vontade não está dirigida à realização do tipo. Pelo contrário, o erro sobre a antijuridic'idade concerne à proibição da conduta. O sujeito sabe o que faz, mas supõe erroneamente que sua ação é permitida. Apud J. e. Roda, El Conocimiento de la Antijuridicidad en la Teoria del Delito, 1962, p. 37. 21 L. J. Alsúa, La Ceguera Jurídica, p. 10. .

l(INOHÃN '1A DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

11

proibição, ao erro de direíto. O erro de tipo é obre elementos constitutivos da figura delituosa utor de ter a representação de estar, em concreto, a conduta abstratamente descrita em lei. Ora, tal pode decorrer de equivocada percepção dos fatos ( v, f ., nã ter consciência de cometer bigamia, ao casar supo11 m rta a primeira mulher), como de falsa compreensão d,, d 1· ito (v. g. casa-se de boa fé, por julgar inválido o .mal 1·11 nío anterior). De idêntico modo, o erro de proíbíçãopode 1 corr r de erro de fato (v. g. imaginar-se legitimado a agir, po1· supor-se face a uma agressão, na realidade ínexístente) , ou rro de direito (Y. g., pensar que a ação não é juridicamente v dada). A diferença decisiva entre as duas classes de erro 11 se refere, de.starte, ao antagonismo fato-conceito jurídico, 1 as à distinção entre tipo e antijurídicidade. É o que observa W lsel, exemplificando: quem subtrai coisa que erroneamente . upõe sua, encontra-se em erro de tipo: não sabe que subtrai isa alheia; porém, quem acredita ter o direito de subtrair isa alheia (v. g. o credor frente ao devedor insolvente), ncontra-se em erro sobre a antíjuridícídade. 28 Estes conceitos permitem solucionar de forma satisfatória, ertas modalidades de erro, que, embora incidentes sobre a situação circunstancial fática, conduzem a um falso convencimento de licitude do atuar. É o que sucede quanto às descriminantes putativas, tradicionalmente classificadas como erro de fato e tidas como erro de proibição, segundo a nova sistemática. 29 Da mesma forma, os referidos conceitos facilitariam a classificação do erro sobre elementos jurídico-normativos do 28 H. Welsel, Derecho Penal, Parte General, trad. de J. Bustos Ramírez e Sergio Y. Perez, 1970, p. 233. 29 Mesmo em face de legislações que -conservam a divisão erro de fato - erro de direito, tem-se afirmado que, nas descriminantes putativas, há erro sobre a ilicitude. V. G. Bettiol, Diritto Penale,

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ALCIDES MUNHOZ NETTO

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üpo. Se tais elementos só podem se representar ao autor través de uma apreciação do direito, é impróprio considerar o rro que sobre eles incida, como erro de fato, conforme quer u doutrina tradicional. Existiria, em tais casos, erro quanto o tipo. 8. Há, entretanto, outra espécie de erro, penalmente relevante, que não se enquadra nem na categoria de erro de tipo, nem na de erro de proibição. Trata-se do erro sobre a exigibilidade de comportamento diverso, isto é, da falsa suposição de não exigibilidade de conduta adequada à norma. Por má percepção dos fatos, o autor acredita encontrar-se em situação, que, se real, embora não tornasse lícito o seu procedimento, isenta-lo-ia de pena. É o que sucederia com uma putativa coação moral irresistível (v. g. toma a sério uma ameaça jocosa e pratica o crime para evitar o mal prometido). Não falta, em tal hipótese, a representação dá tipicidade: quem furta sob suposta coação moral irresistível, sabe que está a subtrair coisa alheia, pois opta pela prática do crime, para evitar o mal grave q1 e imagina seriamente prometido. Também não está ausente a representação da antíjurídicldade: o autor sabe que o fato supostamente imposto é ilícito, mas julga que não tem outra alternativa senão cometê-lo. O erro sobre a exigibilidade de comportamento diverso não é, pois, erro de tipo. Nem é erro de proibição, corno quer a doutrina alemã, sob o fundamento de que ao erro sobre a existência da norma deve ser equiparado o erro acerca de sua eficácia determinante. 30 Se o autor conhece a ilicitude de seu comportamento, não há como fundamentar a isenção de pena so

R. Maurach, ob, cít., II,

§

38, · II, B, p. 157.

1950, p. 356; Pettoello Mantovani, Il concetto ontologico del reato, 1954, p. 92; ip, .Albani, Il Dolo, 1955, p. 234; Alcides Munhoz Netto, Erro de Fato e Erro de Direito no Anteprojeto de Código Penal, in Rev. Eras. Crim. e Direito Penal, vol. IV, p. 55.

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lONORÃNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

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m rro de proibição, que implica sempre em ignorância da 1 ntljurídícídade. O que se pode invocar, no caso, é a inexigi1 Ilídade de outra conduta, que constitui o motivo da exclusão e culpabilidade nas situações reais de coação moral irresisL v 1, face do dilema em que se encontra o autor de cometer o crime ou sofrer o mal. 31 Ora, a inexigibilidade é a mesma, qu r seja real, quer seja putativa a coação irresistível. Idêntico, com efeito, é o estado de compulsivo constrangimento em que se encontra o autor. Sendo análogas as impressões anímicas decorrentes da efetiva ou da imaginária coação moral, a isenção de pena resolve-se pela equiparação do putativo ao real. 32 A mesma solução aplica-se às demais causas legais de exculpação, fundadas na inexigibilidade de outra conduta, como o estado de necessidade com sacrifício de bem de igual ou maior valor que o posto a salvo (infra n. 39). <

9. A impossibilidade de situar a falsa suposição de não exigibilidade de comportamento adequado à norma entre os erros de tipo ou entre os erros de proibição, leva à conseqüência de que existe uma terceira modalidade de erro: o erro de exigibilidade. Tal erro não incide sobre as características típicas ou sobre a ilicitude do comportamento; recai, sim, sobre um dos componentes da culpabilidade, isto é, sobre a exigibilidade de conduta adequada à norma, pressuposto do [uíz de censura pessoal. Esta classificação tricotômica do erro ( erro de tipo, erro de exigibilidade, erro de proibição) é aplicável aos sistemas si Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Geral, p. 226; J. Frederico Marques, curso de Direito Penal, n, ps. 236 e 240; Salgado Martins, Direito Penal da Culpa como Centro do Novo Código Penal, s. Paulo, 1972, p. 29; Damásio E. de Jesus, Direito Penal, I, p. 433 e Ricardo A. Andreucci, Coação Irresistível por Violência, 1974, p, 104. 32 No mesmo sentido, Damásio E. de Jesus, Direito Penal, I, p. 430. A solução implica em analogia in bonam partem, não vedada

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q uo mantêm a divisão legislativa entre erro de fato e erro de 11 r ít auxilia a distinguir entre os erros de fato e de direito

d' n nhuma conseqüência sobre a punibilidade da conduta, também denominados erros acidentais (v. g. erro sobre a p ssoa, erro sobre o objeto e erro sobre a espécie e limites da p na) e erros de fato e de direito essenciais, isto é, relevantes para excluir ou atenuar a punição: a) porque impeçam a representação do autor da tipicidade do seu atual ou, b) porque o façam supor que não lhe seria exigível comportamento adequado à norma ou, e) porque não lhe permitam perceber o antagonismo entre a ação e a ordem jurídica. Neste ~rntido: a) erro de fato impeditivo da representação da tipicidade é o que incide sobre as características constitutivas de determinado delito, impedindo o autor de perceber a correspondência entre a ação que desenvolve e a conduta abstratamente descrita em lei. Em tais hipóteses, por não perceber a realidade, o autor supõe não estar praticando fato constitutivo de ação típica (v. g., ao atirar num homem, tomando-o por peça de caça, não tem representação do homicídio que comete), ou imagina-se a praticar ação típica diversa da ação típica querida (v. g., por não perceber que insulta um funcionário público, crê-se cometendo injúria e não desacato); b) erro de fato impeditivo da representação de exigibilidade de outra conduta é o que leva o autor, por equivocada apreciação da realidade circunstancial, a supor-se compelido a agir, para evitar mal grave a si ou a pessoa particularmente cara, imaginando-se, em conseqüência, isento de pena (v. g., putativa coação moral irresistível); e) erro de fato impeditivo da representação da antijurídicidade é o que decorre da suposição de circunstâncias que

, ut rizariam a prática da ação delituosa (v. g., acredita-se < m legitima defesa, por imaginar agressão inexistente); d) erro de direito impeditivo da representação da típiciIade é o que incide sobre elementos jurídico-normativos do tlpo, Só pertencem a esta categoria as expressões de natureza .J urídíca utilizadas para individualizar um dos elementos constitutivos do delito. Não são elementos normativos do tipo, as referências à ilicitude da conduta, muitas vezes contidas na definição legal. Expressões como "indevidamente", "sem observância de disposição legal" ou "sem justa causa", são características da antijurídicidade, que não se convertem em circunstâncias do fato, apenas porque assinaladas no preceito incriminador. 33 Dizem respeito à valoração do tipo, de sorte que sua não percepção pelo autor, pode implicar em ignorância da antijurídicidade, nunca em erro quanto à tipicidade. No erro por falta de representação do elemento normativo do tipo, o autor não tem consciência de que seu atuar reúne as características. da figura delituosa (v. g., apreendendo coisa alheia, que supõe transferida à sua propriedade, não imagina estar cometendo furto) ; e) erro de direito impeditivo da representação de exigibilidade de outra conduta é o que conduz o autor, por errônea compreensão do direito, a supor-se compelido a ag:i'. r (v. g., o funcionário público acredita-se obrigado a cumprir ordem hierárquica não manifestamente ilegal, por não perceber a incompetência da autoridade que a emitiu) ; f) erro de direito impeditivo da representação da antijuridicidade é o que incide sobre o comando ou proibição de cujo descumprimento se origina o ilícito. 34 Tanto pode decorrer do desconhecimento da norma, como de errônea crença sa

em Direito Penal. V. Francisco A. Toledo, O Erro no Direito Penal, 1977, p. 125 e J. Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 1969, p. 434.

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Hans Welsel, ob. cít., p. 234; No mesmo sentido G. Delitalla,

Il fatto nella teoria aenerale del reato, 1930, p. 448; Luiz Luízl, O Tipo Penal e a Teoria da Ação Finalista, ps. 64 e 65. 34 R. Maurach, Tratado, vol. II, § 38, II; H. Welsel, ob. cít., p . .234.

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pecíal situação de licitude. Abrange, portanto, além da ta de representação da ilicitude, a falsa representação de 1 cítude, Em ambos: os casos, impede que o autor perceba que ua ação lesa a ordem jurídica e, sob tal aspecto, corresponde o erro de proibição, que nada mais é que a designação abreviada do erro sobre a antijurídicidade do fato real. 35 Há, entretanto, controvérsias acerca da classificação das hipóteses de erro sub e e e, isto é, sobre o erro nas descriminantes putativas fáticas e sobre o erro na obediência hierárquica.

l cada uma destas posições decorrem conseqüências imporL ntfssimas, nem só quanto ao fator que é afetado nas desrrímínantes putativas por equivocada representação dos fatos (se o dolo ou a censurabilidade), ou quanto à forma de tratamento do erro vencível (se punível em geral, ou só nos casos m que a lei prevê a punição da conduta a título de culpa), como ainda quanto à própria estrutura do crime (se tripartida, com nítida separação entre tipicidade e antijurídicidade ou se bipartida, com a interpenetração destes dois elementos). É claro que esses relevantes problemas doutrinários só podem ser satisfatoriamente resolvidos à luz do direito positivo, de cujas disposições deduzir-se-á, se, nas citadas descriminantes putativas, há erro quanto ao tipo ou ignorância da antijurídicidade. Quanto à obediência hierárquica, há discordância quanto aos fundamentos da impunidade. Desprezada deve ser a teoria que a trata como hipótese de cumprimento de dever legal, circunscrita ao inferior, mas não extensível ao autor da ordem= É que tal construção leva à inadmissível conseqüência de considerar o mesmo fato, a um só tempo, jurídico e antijurídico. A solução, pois, deve partir da premissa de que a ação desenvolvida pelo inferior é antijurídica, (tanto que admite legítima defesa da parte de quem esteja para sofrer os efeitos da execução da ordem). Em conseqüência, a isenção de pena terá de se basear na exclusão da culpabilidade, decorrente,

As descriminantes utativas or falsa erce12ção da real~ e a ica, a princípio arbitrariamente equiparadas às reais causas de jJJ§.tificação, 36 ora são classificadas como erro sobre o tipo, or como ignorância da antijurídicidade. Na primeira ~tegotia as.s· uam os que incluem no ti o delituoso, além de cter.ísticlas p.osllivas deduzida a defini ão do fato elo r ceita ·ncrimin adQf, .e ementos.negatívos, constituídos ela ausência de.ca de justificação. 31 orno hi óteses de ignorância da...antijuri~icidade têm-nas os que restringem o conceito de tipo aos element s individualizadores da conduta de~ituosa e proclamam que as causas de justificação não eliminam a tipicidade, mas a ilicit:ude do comportamento. as 85 Hans Welsel, Derecho Penal Aleman (Parte General), trad. de J. Bustos Ramirez e Sergio J. Perez, 11.ª ed., 1970. 116 Acerca da equiparação do putativo ao real e de sua crítica v. Nelson Hungria, A Legítima Defesa Putativa, 1936, ns. XV e xvr: p. 96 e segs, 87 A teoria dos elementos negativos do tipo desenvolvida na Alemanha por Merkel, Frank, Baumgarten, Zimmerl, Radbruck e Engisch, é seguida, na Itália, por Vannini, Grispigni, Nuvolone, Gallo, Venditi, Spasari, Siniscalo, Pagliaro, Maliverni, Azzali, Písaní, Piacenza, Boscarelli, Dell'Andro e Siracusano. Cf. Carlo Frederico Grosso L'errore suue Scriminante, 1961, p. 26, n. 32. ' as H. Welsel, ob. cít., 11.ª ed., p. 236; R. Maurach, ob. cít., n, § 37, I e E; Pecoraro Albani, Il Dolo, ps .. 234 e segs.; Pettoello Manto-

39 Bellíng, Esquema de Derecho Penal, trad. S. Soler, 1944, p. 28; Bettiol, ob. cit., p. 227; Antolisei, Manuale de Diritto Penale, 1950, I, p. 528; S. Messina, L'ordine insincicabile dell'autorita, 1942; Galdino de Siqueira, Tratado de Direito Penal, 1947, I, p. 361; Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, 1951, I, p. 290.

vaní, Il Concetto Ontologico del Reato, p. 92; Pannain, Gli elementi e accidentali del reato, 1936, p. 109 e segs.; De Marsico, Coscienza e Volontà nella Nozione del Dolo, 1930; Enrique Cury, Orientacion para el estudio de la teoria del delito, 1973, ps, 46 e 78.

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p1 n alguns, da falta de conhecimento do injusto pelo inferior Ili rárquíco 10 e, para outros, da inexigibílídade de outra con
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onhecimento do dever de agir em determinada ltu • 10, ht 111 como, a crença numa especial permissão para a n II l Na rimeira hi ótese isto é, de abstrato desconn ,cl1t11 1 ) 1 to da norma, 0 autor i nora o a to normativ rt 1, 011 seja, 0 comando ou proibição informativ.os .do preceit .1. / dera O seu atuar como indiferente ao direito. É o qu 011 ria, v. g., com o estrangeiro, natural de pais ,em. qu ru incrimina o porte de entorpecente para uso propno, qu xesse, para seu consumo, pequena quantidade de tóxí dente da probição estabelecida pela lei brasileira. Em caso de ignorância abstrata por-ª..esconhecim nto d 1 validez da norma nenal..,..o_auto supõe que a ação, rmnl mente incriminada, deixou de ser delituosa, por P r t <11 vigência da lei tipificadora, em virtude de, ~cons~itu ~ n .tl dade ou de derrogação. Exemplo desta especie de ign 1 tl< 111, seria o de quem estipulasse, em contrato de mútuo, J 111·0 superiores à taxa de 12% ao ano, por acredita~, ~u~d d . i· precedentes judiciários, ter sido revogada a lei limitad I t, A ignorância concreta por desconhecimento do d v r d1 agir apresenta-se quando o autor, embora sabe~do d tência do comando ou proibição genérica, acredíta-s 1 mado a omitir-se em conseqüência de errônea perc pç o do direito. Em tal situação achar-se-ia, v. g., o médico m v 1·11 neio, que deixasse de denunciar à autoridade pública, do ' ,. ' de notificação compulsória, por entender-se a tanto d .'oi 1· gado, em virtude de estar em fé rias. Analogamente, na concreta ignorância por sup causa justificante, o autor também conhece a norm

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§

41 Eberhard Schmidt, Einführung in die Oeschichte der deutschen Strafrechtspflege, 1951, p. 59, apud R. Maurach, ob. cít., II, § 38, II, B, n. 800, p. 156; Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal,

Parte Geral, 1976, p. 230.

Há julgados no sentido de que o Dec. n.0 22.626, d 103:1, 11111 fixou em 12% o máximo da taxa de juros, foi revog d PI I t., 1 n.? 4.595, de 31.12.1964, por atribuir esta ao Cons Ih Mc111t.11l11 Nacional a competência para a fixação dos limites d [ur , nu 11111 rações financeiras. Cf. Rev. Tribs. 417/391, ADCOAS, oi. d1 ,1111 I prudência, 1971, n. 3. 090, p. 296, entre outros. 42

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r que um direito prevalente legitima o seu atuar. Assim· a) n gestante, que, por ter íngerãdo droga prejudicial ao denv lvimento do feto, concordasse com a interrupção da vldez, por entender permitido o aborto eugenésíco, ou, b) 0 h teleíro que encarcerasse, por algumas horas, uma criança 1 1 mal educada, pensando ter direito de correção sobre filhos/ alheios, ou ainda, e) o agredido que revidasse ataque passado, na suposição de ser legítima a defesa contra agressão consumada. Note-se que tais situações diferem das de descriminantes putatívas por erro de fato, por isso que o equívoco do autor versa, não sobre a realidade circunstancial, mas sobre a existência, natureza ou extensão de uma causa descriminante prevista em lei. 11

Todas as espécies de ignorância a antijurídicidade acima referidas devem ser equiparadas para o efeito de um tratamento penal uniforme, tratamento este que como se verá liga-se à posição que se atribua à consciênci; da ilicitude n~ estrutura do delito (infra n.o 27). Distingue-se a íg orância da antijurídicidade da ig~or~~cia d~. lei. Essa distinção é útil para impedir q~e 0 p~11:c1p10 político da irrelevância do errar iuris conduza à pumçao de condutas inculpáveis. A diferença reside em que a ignorância da lei é o desconhecimento dos dispositivos legíslados, ao passo que ignorância da antijuridicidade é o descon~ecimento de que a ação é contrária ao direito. Por ignorar a lei, .pode o autor desconhecer a classificação jurídica, a quan~1dade da pena. ou as condições de sua aplicabilidade, possuindo, contudo, representação da ilicitude do comportamento. Por ignorar a antijurídicidade, falta-lhe tal representação. As situações são, destarte, distintas, como distinto é 0 conhecimento da lei e o conhecimento do injusto. o conhecimento de que uma ação é ilícita pode se verificar independentemente do conhecimento de que a ação corresponde objetí11.

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nte à certa figura penal. 43 No plano negativo, as coisas , n se passam diversamente: da mesma forma que o conhecinto da lei, privativo a um.reduzído número de pessoas não confunde com o conhecimento do contrário ao direito, acessível a todos os destinatários da norma, também a ignorância da lei não se confunde com a ignorância da antíjuridlcidade. 44 Esta não reside no simples desconhecimento do preceito legislado, mas no desconhecimento de que se realiza algo proibido, reprovável pelo Direito Penal, infringente de brígações jurídicas. Não se nega que, em sentido amplo, desonhecer a lei possa implicar em não saber da existência da norma que impõe ou proíbe determinado comportamento. Mas, tem-se de reconhecer também, que tal conseqüência não é constante nem obrigatoriamente necessária, pelo que, ignorância da lei comporta conceito mais restrito que ignorância da antijurídicidade. Adotadas tais premissas, segue-se que, se o autor somente desconhecer a medida da punibilidade de sua conduta, seja quanto à espécie, seja quanto à quantidade da sanção, tal desconhecimento será irrelevante, aptícando-se-lhe o princípiodo errar criminalis nocet. Mas, se o autor não possuir oconhecimento de que, pela vontade do direito penal, a conduta. não poderia ter lugar, este erro, se invencível, deverá revestir-se de eficácia.

43 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1949, vol. I. p. 321; J. Salgado Martins, Sistema de Direito Penal Brasileiro, 1957,

§

127, p. 199. 44 J. e. Roda, ob. cit., p. 44.

,

CAPÍTULO II

HISTÓRICO 12. Fase pré-subjetiva e Grécia. 13. Direito Romano. 14. Direito Bárbaro e Direito Canônico. 15. Direito Estatutário. 16. Movimentos de codificação. 17. A doutrina dos clássicos. 18. A orientação positivista. 19. O Direito Brasileiro. 20. A tendência revelada.



Esta pesquisa histórica relaciona-se à ignorância da antijuridicidade por inciência da norma ou sua má compreensão. :É neste setor que as controvérsias se acentuam, apresentando, assim, o seu exame maior interesse, para que o direito pretérito auxilie a compreensão do direito atual. Já quanto ao desconhecimento da ilicitude por equivocada representação dos fatos, sempre foi mais pacífica a admissão da sua eficácia, 1 sendo pois, dispensável analisar a respectiva evolução. 12. Nas mais remotas manifestações do Direito Penal não deve ter surgido o problema da ignorância da antijuridicidade. As primitivas formas de repressão ao crime não atenderiam ao seu conteúdo subjetivo. Nos antigos clãs, a imposição da perda da paz inspirava-se, com certeza, na preocupação de livrar o grupo da ira da divindade ofendida pelo crime de um de seus membros. Decorrendo de tabus, era natural que estas formas de reação ao delito se ativessem apenas aos seus aspectos exteriores. Também para a vingança de sangue e para 1

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Luiz Jimenez de Asúa, Tratado, n.0 1. 823, vol. VI, p. 685.

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ompositio, o decisivo era o resultado que lhes fixava a

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ida. O direito do oriente, por igual, não poderia se ocupar do t ma. A pena sacral recaía sobre atos praticados ou não, em condições de imputabilidade, de sorte que seria indiferente a circunstância do sujeito conhecer ou não, a proibição. Com maior sensibilidade ética, os gregos tiveram consciência do problema. Embora sejam precárias as informações sobre o seu direito penal, a literatura nos dá notícias da mentalidade de seus pensadores. Quanto à ignorância da ilicitude, Aristóteles considerava inadmissível a escusa dela decorrente. Não obstante reputasse contrário à natureza das coisas o conhecimento geral das leis, entendia que a ignorância não poderia ser eficazmente invocada, já que traduziria uma culpa, ante o dever e a possibilidade de conhecê-las. 2 13. À acuidade jurídica dos romanos não poderia passar desapercebida a questão, com todas as suas implicações sobre . o conteúdo da vontade delituosa. Desde a lei das XII tábuas, emprestavam eles relevo o nexo subjetivo que deve existir entre o autor e o fato punível. 3 Sobre a maténa não se construiu, porém, um sistema. Neste particular, como em tantos outros, o que os romanos fizeram não foi dar regras gerais, senão resolver casos par2 "Legislatores eos, quí mala perpetrant, castigant ac puniunt, si tamen necque vi coacti ea agerint necque ea ignoratione cujus ípsí sibi causam non exibuerint. Ob ignorationem etíam puniunt si síbí ípsí ignorationis causa quíspíam fuisse videtur. Eos queque puniunt, qui aliquid eorum ignorant, quae ad leges pertinent, quae quidem et sciri debeant et difficilia non sint" (Ac Nicomach: Lib III, e. 7), Alfredo Sandulli, Ignoranza della legge penale, in La Giustizia Penale, vol. 43, parte II, col. 1.460, 1937. a Segundo Maggiore, das doze tábuas é esta sentença: si quis liberum hominem dolo sciens mortí druit, parricida est", D. Penale,

I, p. 448.

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1,1 •ul · , em decisões a que os comentaristas e escritores

víer m dar força e valor de verdadeiros princípios absotutos. s rtamente, por isso é que existem tantas disputas entre os e'. t idíosos, a respeito do tratamento, em Roma, da ignorância antijurídicidade em matéria penal. Para Savigny, ao lado de delitos fundados somente sobre produção de um fato exterior, em que a liberdade do agente, mbora exigível, aparece como secundária, a exemplo do que ucederia com o homicídio, existiam outros delitos, no conito dos quais, entre OS' elementos do fato, seria requerida a injusta vontade e, portanto, também a consciência da violaão do direito, cuja falta impediria a caracterização do crime. Nestes, nem mesmo seria possível distinguir se o erro justificava-se ou não pelas circunstâncias e, pois, se se tratava de rro de fato ou de direito. O dolo seria um fato, cuja existência ficaria excluída por qualquer espécie de erro. Contudo, prevalecia a seguinte distinção: se o agente conhecia a lei penal, mas por erro de direito, enganava-se sobre a qualidade punível de seu ato, excluía-se o dolo; não assim no que se referisse ao conhecimento da lei penal, requerido e pressuposto em todos e cuja falta não anulava o dolo nem a punibilidade. Deste rigor seriam excetuadas apenas certas classes de pessoas às quais, em geral, se perdoava também a ignorância da lei; ta-is eram os menores, as mulheres, os rústicos e os militares. Mesmo estas classes, porém, só seriam excetuadas relativamente àquelas leis penais que possuíssem natureza positiva (iuris civilis) e não quanto às que já se revelassem ao sentimento jurídico natural de cada um (iuris gentium). 5 4 Pedro Dorado, Sobre la ignorancia de la lety penal, in Problemas de Derecho Penal, 1895, p. 456; Cbntardo Ferrini, Diritto Penale Romano, 1899, p. 145. 5 F. K. Savigny, Errore ed ignoranza, in Sistema del Diritto Romano Attuale, trad. de Vittorio Scialoja, 1900, apêndice VIII, vol. III, p. 500.

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Mommsen, elaborando sua doutrina com o método da regra e da exceção, sustentou que o princípio geral era o da irrelevância da ignorância da ilicitude para os efeitos de punibilidade, salvo algumas exceções. A irrelevância decorreria nem só de pressupor o delito a violação da lei moral, sobre a qual repousa a lei penal, o que determinaria uma presunção de seu conhecimento, como também da aplicação, às violações de leis que não se revestissem deste caráter ético, da regra de direito privado, de que o homem em seus afazeres comuns, é obrigado a conhecer a lei do Estado, pelo que, toda a violação desta, mesmo inconsciente, representa uma culpa. As exceções fundar-se-iam em estarem as m heres e os rústicos isentos dessa obrigação, de sorte que, quando infringissem uma lei penal não fundada na ética, dever-se-ia, supor que a ignoravam e escusá-los. 6 Binding, ao contrário, supunha encontrar nas fontes romanas a confirmação de sua tese de que o dolo pressupõe a consciência da norma penal, com a colocação num mesmo plano do error facti e do error juris. Sustentava que as expressões dolo malo, sciens olo malo, encontradas nos textos com ba.stante freqüência, 7 equivaliam a sciencia juris, entendida esta como conhecimento da norma, mas não como conhecimento de suas conseqüências jurídicas ou da respectiva medida. A sciencia juris seria compatível com a ignorância da lei penal, quando o agente não ignorasse ofender a norma. s

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De maneira análoga, Ferrini sustentou que os juristas romanos não admitiam o dolo em quem houvesse agido em pl na ignorância da norma, advertindo, no entanto, que tal l norância só era admissível quanto aos delitos de mera criacão política ou quanto àqueles em que o fundamento natural não era evidente. Nos outros casos, poderia alguém ignorar lei e a pena, mas não ignorar a ofensa ao direito alheio ou às normas de convivência civil. 9 Tais opiniões não são compartilhadas por Volterra, para quem, no período clássico, não prevaleceriam tais exceções ao princípio da irrelevância do error juris. Só em época ulterior, é que surgiría certa tolerância com o desconhecimento da ilicitude, especialmenle quanto a mulheres, menores, soldados ou rústicos. 10 Essa dout:rina, ao tempo de Justiniano, estaria tão arraigada ao espírito jurídico, que os compiladores cheza, b rama alterar os textos clássicos, para introduzir a declaracão do princípio da relevância.'! , Como regra geral da inescusabilidade da ignorância do ilícito costuma-se citar um fragmento de Paulo, contido na lei 9, do título VI, do Digesto, segundo o qual, só o erro de fato não prejudica. 12 A razão do princípio decorreria de ser o direito de então, um conjunto de normas expressas e bem definidas, pelo que seria mais fácil o conhecimento da lei, que dos extremos de fato de um crime. 13 Impugna, no entanto, 9 1

6 Théodore Mommsen, Le Droit Penal Romain, trad. de J. Duquesne, 190-7, vol. I, p. 107. 7 Nota Ferrini que "dolo maio", "sciens dolo maio", aparece nos monumentos legislativos, especialmente nos mais antigos, com grande freqüência e regularidade: fr. Iex latina bant. e .. II e III; lex Acilia 1, 10, 22, 61; lex Mamilia e. V; em muitos lugares da lex Quintia, da lex Iulia Municipalis, da lex Coloniae Genetivae (125, 126, 127, 129, 132) da Iex Malacitana etc., in ob. cít., p. 80. s Karl Binding, Die Normen und ihre tmertretuna, 1918, § 152, apud Pascuale Voei, L'errore nel Diritto Romano, 1937, p. 179. Ver também Ferrini, ob. cit., p. 145.

IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

Ferrini, ob. cit., p. 121/2.

º Apud Vicenzo Manzini, ob. cít., nota 5, n. 290; A. Sandulli,

ob. cit., col. 1. 462; S. Piacenza, ob. cit., p. 62. 11 Osservazioni sull'ignorantia iuris nel diritto penale romano, in Bolletino dell'Istituto di diritto romano, 1930, p. 77. 12 Dig. XXII, VI, De juris et facti ígnorantía, 9: "Regula est, iuris quidem ignorantiam cuíque nocere, facti vero ígnorantíam non nocere", in Corpus turis Civilis, Impressio sexta, Lipsiae, 1854. 13 Dig. XXII, hoc tit., 2: "In omni parte error in iure non eodem loco, quo facti ígnorantía haberi debebit, quum ius finitium et possit esse, et debeat, facti interpretatio plerumque etíam prudentíssimos fallat".

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,, nini a aplicação desta regra ao Direito Penal, uma vez q u , como já notara Pernice, a frase não seria oportuna a xprimir a subsistência de conseqüências penais. 14 Para Pernice, a prova de que a irrelevância do erro de direito, ~esmo quanto aos delitos, seria expressa de modo geral, estaria no fr. 11, § 4, D. 3. 2 e na passagem de Modestino, constante da Coll. 1, 12, 1. 15 Quanto ao primeiro texto, escreveu Ferrini, que não se contém ali um princípio geral, mas apenas a solução de um caso concreto, em matéria de polícia e não de Direito Penal. Tratar-se-ia da nota ínfarnante em que se incorre pela ignorância do édito, falta indigna para um cidadão honrado. 16 Relativamente à passagem da Collatio, observou o mesmo autor, que o texto é sobretudo obscuro e ignora-se a que gênero de delicta se referisse. Binding argumentara com a rubrica do título da Collatâo e estimara que Modestino discorria sobre o homicídio, observando que seria impossível ignorar a norma que o veda. Mas, na sua obra, Modestino ocupava-se de coisa diversa. Não tinha por certo em vista os delitos públicos e as leis iudiciorum publicorum, pois, do contrário, não teria falado de ignorantia iuris civilis: ius civile indica o direito civil privado. 17 Consoante Pa.scuale Voei, também suscita o exame do texto a questão preliminar de saber a que hipóteses referia-se Modestino. Não concorda em que o fragmento se ocupasse do efeito da ignorantia iuris no âmbito do direito privado, porquanto o fato de se encontrar Pernice, apud Ferrine, ob. cit., p. 146. rn Dig. III, II, De his, quí notantur infamia, 11, § 4: "Notatur etíam, qui eam. duxit, sed si sciens: ígnorantía ením excusatur non iuris, sed facti"; Coll. 1, 12 .1: "Nonnunquam per ígnorantíam delínquentibus iuris civilis venta tribui solet, si modo rem facti quis, non íurís ignoret: quae scilicet consílio delinquentibus praestari non solet. Propter quod necessarium est addita distinctione considerare, utrum sciente an ignorante aliquo quid gestum proponatur", apud P. voei, ob. cit., p. 185. 10 Ferrini, ob. cít., p. 146. 11 Ferrini, ob. cit., p. 147. 14

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no título de casualibus homicuiiis uma semelhante declaração d Modestino, constitui por si só um indício de notável importância para demonstrar a convicção do autor da Collatio sobre irrelevância da ignorância de direito em relação ao homicídio. Como o autor da Collatio era, porém, um post-clássico e o texto é concebido de modo geral, parece evidente a intenção de não referi-lo apenas ao homicídio, para o qual não seria necessário. Todavia conclui Voei - o texto em exame não é genuíno. As suas incorreções são tais, que mesmo o adversário mais ferrenho do método ínterpolacíonístíco deve reconhecê-las. O estilo post-clássico é traído em quase todas as palavras. Nonunquam ou é uma demasia ou quer significar, segundo a interpretação de Savigny, que a eficácia descriminante do errar facti deve ser afírmada só para OS' delitos dolosos e não para os culposos. Iuris cioüis venia é uma figura de retórica. 18 Em face das dívergêncías a que acabamos de aludir, verifica-se que não é pacífica a opinião de que um enunciado genérico sobre a irrelevância da ignorantia iuris possa ser encontrado nas fontes. No Corpus Iuris, as decisões particulares, ora concluem pela sua irrelevância, ora pela sua eficácia escusante. Estabelecia-se, com efeito, 19 que quem desposass e uma viúva, no ano de luto, incorria em infâmia, podendo-lhe valer apenas a ignorância de fato, mas não o erro de direito. 20 O liberto que julgasse lícito exercitar uma in ius vocatio contra o 18 10

Voei, ob. cít., p. 185. Savigny, Sistema, p. 509 e segs.

P.

20 Díg. m, n, De his qui notantur infamia: "Praetoris verba dicunt: Infamia notatur, qui ... eam, quae in potestate eius esset, genero mortuo, cum eum mortuum esse sciret, intra id tempus, quo elugere virum morís est, antequam vírum elugeret, ln matrimonium collocaverit, eamve sciens quis uxorem duxerit, non íussu eius, in cuius potestate est; et qui eum, quem in potestate haberet, eam de qua supra complehensum est, uxorem ducere passus fuerit; quive suo nomine, non iussu eius, in cuíus potestat esset, eiusve nomine, quem quamve ln potestate haberet, bina sponsalia binasve nuptias in eodem tempore constitutas habuerit".

ao

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patrão seria punido, não podendo aduzir em sua defesa nem

Os textos que consideravam a ignorantia iuris como idônea razão de escusa, podem ser classificados em quatro grandes categorias: os que atendiam à espécie da lei ignorada; os que relacionavam a escusa à natureza do ato contrário à lei; os que levavam em conta a qualidade das pessoas e, finalmente, os que faziam a escusa depender de outras circunstâncias conjugadas. 26 Entre os casos em que se atendia à natureza da lei ignorada, figura o da isenção de multas e penas semelhantes, para quem cometesse uma contravenção municipal, em erro quanto à lei a ela relativa. 27 A escusa decorria da natureza do próprio ato, quando, para o crime, era exigido o conhecimento da lei, de sorte que, se tal conhecimento faltava, o agente eximia-se de pena total ou parcialmente. Assim, o magistrado que sentenciasse contra o direito era castigado, se o fazia com dolo; porém, se o fizesse por imprudência do assessor, ficava isento de pena, que só recaía sobre este. 28 Re-

m mo a total falta de cultura, porque o próprio sentimento natural do obséquio deveria impedi-lo. 21 Ao tutor, sob ameaça de pena, vedava-se desposar ou fazer o próprio filho desposar aquela que foi sua pupila e não o liberava da pena nem a imperitia nem a rusticitas. O senador que casasse com uma liberta estava sujeito à pena, se procedia sciens dolo, 2: e naturalmente não lhe servia de escusa a ignorância da lei, mas somente o erro sobre a condição da mulher, desde que tal erro fosse inevitável e, portanto, não reprovável. 23 Proclamava-se, ainda, a irrelevância da ignorantia iuris em matéria de contrabando 24 e relativamente a quem ao receber o ditado de um testamento, escrevesse algum legado em seu próprio favor. 25 2 1 e. II, II, De in ius vocando, 2: "Venia edicti non petita, patronum seu patronam, eorumque parentes et liberas, heredes insuper, etsi extranei sint a llbertis seu liberis eorum non debere in ius vocari, ius certíssímum est; nec in ea re rusticitati venia praebeatur, quum naturali ratione honor huíusmcdí personis debeatur". 22 Dig. XXIII, II, De ritu nuptiarum, 44: "Qui senatur est, quive filius, neposve ex filio, proneposve et filio nato cuius eorum est, erit, ne quis eorum sponsam uxoremve sciens dolo malo habeto libertinam, aut eam quae ípsa, cuiusve pater materve artem ludicram facit, fecerit; neve senatoris filia, neptisve ex filio proneptisve ex nepote filio nato, nata, libertino eive, quí ipse cuiusve pater materve artem ludicram facit, fecerit, sponsa nuptave sciens dolo malo esto; neve quis eorum dolo malo sciens sponsam uxoremve eam habeto". 2ª Dig. XXII, VI, De iuris et [acit ignorantia, 6: "Nec supina ignorantia ferenda est factum ignorantis, ut neque scrupulosa ínquísitio exigenda; scientia ením hoc modo eastímanda est, ut neque negligentia crassa, aut nimia securitas satis expedita sit, neque delataria curiositas exigatur". 24 Dig. XXXIX, IV, De publicanis et vectigalibus et commissis, 16, § 5: "Licet quis se ignorasse dicat, nihilominus eum in poenam vectigalis incidere Divus Hadrianus constituit". 25 Dig. XLVIII, X, De lege Cornelia de falsis, et de senatuconsulto Liboniano, 15: "Divus Claudius Edicto praecepít, adiiciendum

as L. J. Asúa, Reflexiones, p. 27, Tratado, VI, n. 1. 759, p. 36,2; Constante Amor Neveiro, La umorancia de la lfJy en el Derecho Penal Romano, 1914. 27 Dig. L, IX, De âecretis ab ordine faciendis, 6: Municipii legem ita cautum est ... quaesitum est an poenam sustinere debeat, qui ignoarans adversus decretum fecit. Respondit huiusmodi poenas adversus scientes paratas esse". ss Segundo Asúa, os casos em que a escusa decorria da natureza do próprio ato foram assinalados pela primeira vez por Amor Neveiro (ob. cit., ps. IX e X) ; Tratado, VI, n. 1. 759, p. 363. Dig. II, II, Quod quisque iuris ... , 2: "Hoc Edicto dolus debet ius dicentis puniri; nam si Assessorís ímprudentia ius aliter dictum sít, quarn oportuit, non debet hoc Magistratui officere, sed ipsi Assessori".

legi Corneliae, ut si quis, quum alteríus testamentum vel codicillos scríberet, legatum sibi sua manu scripserit, proinde teneatur, ac si commísísset in legen, Corneliam, et ne vel iis venia detur, qul se ignorasse Edicti severitatem praetendant. Scribere autem sibi íegatum videri non solum euro, quí manu sua id fecit, sed etiam quí per servum suum vel filium, quem in potestatem habet, dictante testatore legato honoratur".

:1• J

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t vam nte às qualidades pessoais, estatuía-se que, em certos

rim s, o erro de direito só aproveitava às mulheres, aos meno. s, aos rústicos ou aos soldados. Sob ameaça de pena, vedavá-se aos acusadores retirar suas acusações, sem a abolitio do magistrado, mas as mulheres e os menores liberavam-se da pena pela ignorância de direito. 29 O testamento de quem fosse assassinado não podia ser aberto antes que os escravos do ~- ~ig. XL:VIII, XVI, Ad Senatusconsultum turpillianun et de abolztzonzbus criminurn., 1 , § 10 ·. "Accusatíone m 1s · 1n · t u Iít . . 1 , qul praescríptíone summovsrí poterat, ut quilibet adulterii masculo post quinque annos. continu~s ex dle commíssí adulterii, vel feminae post sex mens_es utdles ex díe divortii; an si destiterit, hoc Senatusconsulto plectí debet, belle dubitatur. Movit, quod paene nulla erit accusatio quam tempo~is spatíum, aut personae vitium omnímodo removeret' reoque se~untatem timoris ac perlculi promitteret. Contra movet. quod qu_ahscumque accusatío illata, cognoscentis auctoritate, no~ accusantís :oluntate aboleri debet; maioreque odlos dlgnus exístíma:etur, qui temere ad tam improbam accusatíonem processisset, ergo verrus est eum quoque de quo loquímur in senatus consultum incidere oporter~. Adquin Papinianus respondit, mulierem, quae idcirco ad falsi accusationem non admitteretur, quod suam suorumve iniuriam non persequeretur, desistentem Senatuscorumlto Turpilliano no plectl. Num ergo et in. ceteris idem responsurus sit?. Quld ení1m 1n · t eres, t propter sexus mfirmitatem an propter satatus turpi·tudi t . f" nem emporrsve mem ad accusationem allquam non admittatur? M lt · I . u oque mag1~ exc udendl sunt quod mulieris quldem accusatlo vel propter propnum eius dolorem effectum habere potult, lllorum vero accusatio vo_ce dumtaxat tenus intervenit. Adquin idem alias scriblt non posse ahquem duos eodem tempore adulterll accusare, marem et feminam tamen, si utrique simul denuntiaverit, in utrlusque persona aboli~ t10~em eum petere debere, ne in hoc senatus consulto incidat. Quid pono refert, propter causas supra secriptas accusatio non valuerit an propter numerum personarum non tenuerlt? An haec intersint plenam habuerit aliquis accusandl facultatem, sed propter persona~ ru~ con_iu_nctionem ab accusatione summoveatur, an vero stricta r~t10ne qmbusdam accusandi facultas non competat? Merito itaque d1cendum_ est omnes excepta muliere et minore nisi abolitionem petierint, in hoc senatus consulto incidere" '

e:

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morto fossem submetidos à tortura, a fim de que a tortura não fosse impedida pela manumissão destes, que poderia estar contida no testamento. 30 A pena à infração desta regra dependia do dolo do agente e admitia-se a isenção pela rusticidade. 31 Os soldados, quando incluíssem em testamentos que lhes fossem ditados, disposições em seu próprio favor, ficavam em geral isentos de pena. 32 Como hipótese de escusa decorrente da reunião de várias circunstâncias, pode-se apontar a do tratamento do incesto, que era proibido pelo direito romano e pelo direito das gentes. 33 O erro de direito excepcionalmente poderia servir de escusa às mulheres, se o incesto fosse iuris civrilis, não gentium, ou seja, cometido com colat:erais e não com ascendentes ou descendentes. Também aos menores do sexo masculino, em matéria de incesto, o erro de direito poderia valer, com as mesmas limitações. 34 3o Dig. XXIX, V, De Senatusconsulto Silaniano et Claudiano, quorum testamenta ne aperiantur, 25, § 2.0: "Ex hoc Edicto actio

proficiscltur contra eum, qui adversus Edictum Praetoris tabulas testamenti aperuisse dicetur, vel si quid allud fecisse dlcetur; nam, ut ex supradictis apparet, plura sunt, propter quae poena Edicti constituta est. Palam est autem, popularem actionem esse, cuius poena in centum aureos ex bonls damnati extenditur; et inde partem dimidiam ei, cuius opera convictus erit; praemii nomine se daturum Praetor pollicetur, partem in publicum redacturum". 131 Dig. XXIX, V, hoc tlt. 3, § 22: "Et si sciens, non tamen dolo aperuit, aeque non tenebltur, si forte per imperitiam, vel per rusticitatem ignarus Edicti Praetoris vel Senatusconsulti aperuit". 32 e. IX, XXIII, De his qui sibi adscribunt in testamento, 5: "Quod adhibitus ad testamentum commiliotonis scribendum, lussu eius servum tibi adscripsisti, pro non scripto habetur et ideo in legat.um petere non potes. Sed secutos tenorem induslgentiae meae poenam legis Corneliae tibi remittitur, in quam credo te magis errore, quam malitia incidisse". 33 L. J. Asúa, Reflexiones, p. 34. 34 Dig. XLVIII, V, Ad legem Iuliam de adulteriis coercendis, 38: "Si adulterium cum incesto commitatur, utputa com privigna nuru, · nocerva, mulier similiter quoque punietur; id enim remoto etiam

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Ao lado destes casos de eficácia do erro sobre a proibição, reconhecia-se relevância ao erro de direito extra-penal. Quando a lei não penal fosse o fundamento prévio da norma punitiva, a ignorância a respeito dela equiparava-se ao erro de fato, eliminando o dolo. 35 Assim, não era punido por furto, o usufrutuário de uma escrava que dispusesse dos filhos desta nascidos, julgando-os de sua propriedade. 36 Também não se reconhecia qualquer delito relatd.vamente a quem se apoderasse de coisa pertencente a vivo, na errônea suposição de que fizesse parte de herança não arrecadada 37 ou de que se tratasse de coisa abandonada. 38 Ao crime de furto era indispensável a 35 V. Manzini, ob. cit., n. 290; L. J. Asúa, Reflexiones, p. 30; s. Piacenza, ob. cit., p. 63. 36 Gai. 2, 50: "Item si is ad quem ancillae usufuctus perinet partum etíam suum esse credens uendiderit aut donauerit, furtum non committit; furtum enín sine affectu furandi non committitur". Ver também: Inst. 4, 2, 1, § 1.0, e Dig. XLI, III, De usurpationibus

et usocapionibus, 36,

§

1.0•

37 Díg. XLVII, II, De Eurtis, 83: "Si quis ex bonís eíus, quem putabat mortuum, quí vívus erat, pro herede res adprehenderit, eum furtum non facere". 38 Díg. XLVII, II, hoc tít. 46, § 7: "Recte dictum est, qui putavít, se domini voluntate rem attingere, non esse furem. Quid enín dolo

adulterio eveniret ... § 2. Quare mulíer tunc dernum eam poenam, quam mares, sustínebít, quum incestum iure gentium prohibitum admiserit; nam si soli iuris nostri observatio interveniet, mulier ab incesti crímíne erit excusata . . . § 4. Fratres denique Imperatores Claudiae crimen incesti propter aetatem remíserunt, sed c.i trahi coniunctionem illicitam iusserunt, quum alias adulteríí crimen, quod pubertate deltnquítur, non excusetur aetate; nam et rnulieres ín íure errantes incesti crimine non teneri, supra díctum est, quum in adulterio cornmísso nullam habere possint excusationem ... § 7. Icestum autem, quod per ilicitam matrimonii coiunctionem admittitur, excusari so!et sexu, vel aetatae, vel etíarn puniendi correctione, quae bona f'ide intervenit; utique si error allegetur, et facilius, si nemo reum postula vit",

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intenção de lucrar, de sorte que não o cometia quem tomasse ' · 39 a coisa alheia por propna. .. . . Como a excepcional escusa da ignorânci~ _da ant1J';1r;d_1cidade relacionava-se sempre à sua desculpabll1dad~, cnte:w também adotado quanto ao erro de fato, Jorge Figueir_e~o Dias extrai dos textos romanos a conclusão de que o dec1~1vo, e:a o caráter censurável ou não do erro e afirma: ":m prmc1p1:, 0 erro de fato releva porque é em regra _desculpav,el, :, ~ er o de direito não releva porque é em regra mdesculpavel . 0 14. Com a queda do Império Romano, ces~ou,, ~empo·amente a preocupação com o elemento p:ncolog1co do raTI ' · • · a da ilici cr1me ao qual se relaciona a matéria da 1gnoranc1 · tude. 'objetivista, 0 direito bárbaro não dava qualquer relevo ao conteúdo moral do delito. o "Wehrgeld" era caku~ado em atenção ao resultado e também à categoria do ofendid?, ~ua idade e sexo. Somente com o fortalecimento, do poder _P~~llco, atrave's da fundação da monarquia franca, e que o cnter10 da , . • 41 Opaculpabilidade comecou a influir nas dec1soes penais. gamento do "Friede~sgeld" (Fredus)' forma primitiva de pena pública, já se subordinava à intencfonalidade do ~ano c~us~o. . tema ....,., <>eoeoim concebido Para um ·SIB · ' não podia ter importancia , • -o oblema da ignorância da antijuridicidade. Dai a afirmaçao pr · · d que é inútil buscar no rude direito bárbaro, de Manzim, e t·t ·r uma teoria a respeito. Só o erro de fato é que veio a cons 1 m s9 Dig. XLI, III, De usurpationibus etc. 37: "Fu~t~m ~on committit; furtum enim sine affectu furandi non comm1tt1tur . Ver no mesmo título L. 36, § 1. . ·t de . ·redo 01·as , O Problema da Consciência da Ilici u 40 Jose, F1gue1

em Direito Penal, 1969, p. 33. n Aníbal Bruno, ob. cit., tomo I, nota 34, p. 81.

facit qui putat dominum consensurum fuisse, sive falso id, siv~ vere , Is ergo ,solus fur est, qui a dtrec t av1·t ' quod invito dommo se putet? facere scivít".

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m tiva de escusa, quando se começou a valorizar o elemento psíquico dos delitos. 42

efetivo conhecimento jurídico. Toda vez que ~~ ~rin~íp~o ~e direito fosse incluído entre os elementos essenciais a exístêncía do crime, 0 erro a ele referente era equiparado ao erro de fato e como tal, escusável. Relativamente à ignorância da pena, entendia-se que a aplicação das penas vindicativae pressupunha a simples ciência da punibilidade do fato, mas, para imposição das pen~ medicinales, havia necessidade de conhecimento da sançao especificamente cominada. 47 A dúvida de interpretação de lei obscura e o chamado erro de subsunção, isto é, o erro sobre a adequação do fato ao tipo legal constituíam também ignorância escusável. 48 Em todos os casos, ressalvava-se, porém, a possibilidade do erro dar lugar à punição do fato a título de culpa. Evoluiu, assim, o direito canônico da regra da ine~cu~abilidade do erro de direito para o princípio da sua relevãncía, o que se explâca pela noção que formou do dolo. Sendo para os canonístas tal noção dada pela vontade consciente de violar a lei deve-se entender implícito no sujeito o conhecimento da n~rma e, por isto, justifica-se o critério pelo qual.~ i~norância pode atenuar a culpabilidade e at_é mesmo ~r:rrur a pena. 40 Esta orientação, de resto, refletm-se ~o Código de Direito Canônico, redigido pelo Cardeal Gasparí e pro~ulg~do, em 1917, por Benedito XV. No cânon 2.200 o dolo e deíí-

No Direito Canônico, prevaleceu de início, o princípio da irrelevância do erro sobre a lei. Na "Penitenziale" atribuída a Jeronimo, a ignorância de direito Unha, apenas, eficácia atenuante. 43 Com Graciano distinguiu-se entre ignorantia iuris naturalis e ignorantia iuris cimlis, A ignorância de direito natural prejudicaria a todos os adultos 44 mas, na "Summa Coloniensis", excluiu-ss expressamente da obrigação de conhecimento da Ieí os jovens, os surdos, os mudos, e os enfermos da mente. Para Riccardo Anglico e Damaso, porém, mesmo nestes casos, a ignorância só em parte poderia ser considerada como motivo de escusa ou atenuação. 45 Com o passar dos tempos, a doutrina canonista foi atenuando o rigor do princípio da irrelevância do error iuris. Atribui-se eficácia à ígnorâncía de normas locais, emanadas de bispos. Quem desconhecesse a lei eclesiástica, não era penalmente re.sponsável, se a ignorância não decorresse de negligência crassa e supína. Mais tarde, tal critério foi estendido a todas as leís penais. 46 Mesmo nos casos de desconhecimento por negligência crassa ou supina, o erro era levado em conta, sempre. que, para um determinado delito, fosse requerido um

"' 2 V: Manzini, ob. cit., n. 290. Ver ainda L. J. p. 31 e S. Piacenza, ob. cit., p. 67. 4

Asúa, Reflexiones,

4

ª A afirmação é feita por V. Manzini, ob. cít., n. 290, e A. Sandulli, ob. cít., col. 1. 463, com base em e. 41, e. XXIV, q. 1, da penitencial atribuída a Jeronimo. 44

Dec. Grat. ad c. 12, e. 1, qu. 4, p. IV, §§ 1 e 2: "Naturalis imús ignorantia omníbus adultís damnabilis est" e a gloza acrescentava: "ignorantia iuris naturalis, canonici et civilis neminem excusat". 45 S. Piacenza, ob. cit., p. 73. 46

Schiapolli, Diritto Penale Canonico, in Enciclopedia de Pessina, vol. I, p. 698, apud Sandulli, ob. cit., col. 1.463.

47 s. Piacenza, ob. cit., p. 70. Penas vindicativas eram as que "ad delicti expíatíonem tendunt ita ut earum remissio a cessatione contumaciae delinquentis non pendeat" e medicinais (ce~~ura~) as que privavam o culpado, não arrependido, de bens espírituaís . conexos até que "a contumacia recedens" fosse absolvido. Manzínt, ob. cit., nota 17, n. 290. " . 48 s. Piacenza, ob. e loc. cits.; Asúa, Tratado, VI, p. 365·: ?ic1tur enim nescíre quid non scit id quod facit esse peccatum. Qmd non scit id quod esse peccatum, non punitur". 41l cavigioli, Manuale di diritto canonico, ps. 90, 858, 861, apud Piacenza, ob. e loc. cits.

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nido como a deliberada vontade de violar a lei e no cânon 2. 202 declara-se que, de nenhum modo, imputa-se a violação de uma lei que se ignora, se a ignorância é inculpável. Nos outros casos, diminuiu-se a imputabilidade em proporção à censurabítídade da ignorância. A ignorância da pena não suprime, mas diminui a imputabilidade. 50 Comentando o citado cânon 2. 202, nota Stocchiero, que para o direito canônico, o delito culposo não é instituto jurídico em si distinto do doloso. Todo o delito doloso pode tornar-se culposo ex ignorantia legis violatae aut omissione âebiiae diligentiae, culpa que vem considerada como mituiens

inescusável uma vez que todos deviam conhecer as suas leis. G'.! Para o Direito Civil, prevaleciam as· exceções romanísticas relativas às mulheres, aos menores, aos soldados e aos rústicos. 53 A relevância do erro, em relação aos militares, decorria de terem eles que se dedicar ao conhecimento das armas e não do direito. 54 Quanto aos campesinos, não era pacífico o reconhecimento da exceção. Piacenza a· afirma fundado em Azone e Alberico. 55 Nega-a, no entanto, Manzini, citando um trecho de Farinaceo, pelo qual os rústicos teriam a obrigação de se informar com os doutores a respeito das leis. 56 Conforme a notoriedade da lei, o dolo era presumido ou teria que ser provado. No caso de lei publicada há mais de dois me.ses, quem, ignorando-a, a violasse, agia com culpa, por não ter procurado informar-se a respeito dela, culpa essa que fazia presumir a intenção dolosa. Só quando a lei não fosse notória, é que a punibilidade dependia do verum dolum, podendo, então, a ignorância escusar. Tal doutrina foi exposta por Gandino, autor da primeira obra orgânica de Direito Penal de que se tem notícia. Admitia-se, contudo, que mesmo no primeiro caso, o erro pudesse valer para quem estivesse ausente, em lugar remoto, à época da publicação. 57 Também

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delicti imputabilitatem.

51

15. O direito Estatutário intermédio, quanto à ignorância da antijurídicidade, inspirou-se no Direito Romano e no Direito Canônico. Compilando aqueles dois ordenamentos, para ilustrar as leis positivas de seus países, os juristas medievais também proclamaram a inescusabilidade da ignorância da lei e admitiram uma série de exceções a esta regra. Embora as soluções variassem segundo as diversas leis e não obstante o casuísmo das obras jurídicas de então, sempre adstritas ao método das consilia e das responsa, é possível deduzir, das opiniões dos antigos jurisconsultos e dos práticos, as características gerais do tratamento que se dispensava ao errar iuris. O erro sobre o direito natural e divino era

°

5

C. 2. 200, § 1. 0.

"Dolus hic ets delibera ta voluntas vlolandi

legem, eique opponitur ex parte intellectus defectus cognitionis et ex parte voluntatis defectus liberta tis... e. 2. 202, § 1.º., Viola tio

legis ígnoratae nullatenus imputatur, si lgnorantla fuerit inculpabilis; secus imputablitas minuitur plus minusve pro ignorantlae ípsíus culpabilitate. § 2.0 , Ignorantía solius poenae ímputabílítatem delicti non tolit, sed aliquantum mlnult. § 3.0, Quae de ignorantia statuuntur, valent queque de inadvertentia et errore". 51 Stocchíero, Diritto penale della Schiesa, p. 141, apud Sandulli, ob. cit., col. 1. 463.

52. Durantis: Speculum iuris, IV, p. I, de summa trin. n. 5: "Ignorantia iuris naturals neminem excusat ... etíam si sit paganus vel homo sylvester semper in montanis nutritus, ita quod nunquam ad eum praedicatío pervenerit, nam in omnern terram exivit sonus Apostolorum", L, J. Asúa, Tratado, VI, p. 365. 53 S. Placenza, ob. cít., p, 77. 54 Proclamava com efeito Saliceto: "Ignorantia iuris toleratur ln milite et est ratio: milites magís debent scire arma quam iura", apud Sandulli, ob. cít., col. 1.463. 55 S. Piacenza, ob. cit., p. 76. 56 v. Manzini, ob. cít., n. 290: "Rusticus non excusatur in de- Ucto, quia sicut vadit ad nemus, ita debet accedere ad noctores pro consílio" - Farinacius, Consoliorum criminalium, cons. XXX, n. 122. 57 Albertus Gandinus, Quaestiones statutorum, n. 17, De Homic., n. 22: "aut Iex requirit verum dolum aut contenta est dolo praesunto 532 - 4

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para Arentino, a ignorância de direito civil só seria reputada justa, quando não fosse presumido o conhecimento da lei, por sua publicação há mais de dois meses. Caso contrário, seria qualificada como crassa e supina e constituiria culpa lata. ~s Relativamente às normas estatutárias, introduziu-se, com Deciano, o princípio de que o civis novus poderia alegar justam causam ignorantia. 69 Julio Claro, porém, limitava-lhe a relevância, aos casos em que a norma ignorada não fosse também contemplada pelo direito comum, elaborado pelos glosadores, com base no Direito Romano. 60 Era freqüente o reconhecímento da eficácia da ignorância das normas locais, quanto aos forasteiros. Algumas leis a proclamavam expressamente, como os estatutos do Sena e das florescentes cidades da Lombardia. Mas, havia quem se opusesse a esta orientação, como Andrea di Isernia, que entendia ser da obrigação dos estrangeiros a consulta a peritos sobre as leis do lugar a que vinham, tal como sucedia para os rústicos. 61 O erro sobre lei de difícil interpretação (juris dubii) era equiparado ao erro de fato. Mas, também nesta hipótese, FaS. Piacenza, ob. cit., p, 81. 59 Deciano, Tract. crim., II, 35, n.os 48, 50: "statuta regularíter non ligant ignorantes, maxime si sint poenalia". . . conquanto que a ignorância não derive de culpa, "Civis novus justam habet causam ignorantia statutorum", A. Sandulli, ob. e loc. cits. 60 Julii Clari: Receptarum setentiarum, liber quintus, quaestio 60, n. 13, apud Piacenza, ob. cit., p. 82. 61 A. de Isernia, apud Manzini, ob. cit., n. 290, nota 20: Comm. ad const. utriusque Siciliae, p. 65: "exterus non potest praetendere legum Regni ignorantiam, quía debuit consulere peritores . . . alius sibí imputetur". 11s

ex qualitate facti: primo casu excusatur, secundo caso non ... ratio est quía quí ígnorantíam iuris praetendit ígnorare quod est publice notum, undevidetur esse in lata culpa quae aequiparatur praesunto dolo", A. Sandulli, ob. cít., col. 1.463.

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rinaceo reputava inadmissível a ignorância, se a regra de direito fosse notória e, de modo especial;' se pertencesse ao direito comum. 62 Segundo Menochío, para a doutrina do erro, revestir-se-ia de fundamental importância, a indagação sobre ·a sua natureza e as causas que o determinaram, exístíndo erros que trariam, em si,· implícita a culpa, e outros, em que a culpa teria que ser pesquisada, caso por caso. Quando exístísse culpa, não haveria escusa. 63 Na França, Andreas Tiraquellus, considerado o mais importante sistematizador do Direito Penal do século XVI, 64 em tema de error iuris, sustentou que a rusticidade e a simplicidade deviam ser consíderadas causas de atenuação e que se deveria relevar a ignorância no novo cidadão. Em regra, porém, o antigo direito francês não se refere à ignorância e ao erro de direito, aludindo preferentemente ao erro e ignorância de fato. Entre os práticos alemães, distinguia-se como nó direito canônico, entre conhecimento do injusto e conhecimento da 62 Farinaceo, Consiliorum criminalium, con. 100, 49, XXX, apud Sandulli, ob. e loc. cíts.: "Dubietas in iure aequíparatur dubíetate facti . . . ignorantia iuris notorii non excusat a dolo . . . ignorantia iuris, licet de se possit dici crassa et supina ígnorantía, excusat a dolo regulariter. Sed si ígnorantía iuris sit círca ea quae sunt de iure naturali gentium aut divino non excusat a dolo". 03 Menochio, De arbitrariis [udicum. quaestionibus, qu, 53, 9, apud Piacenza, ob. cít., p. 83: "sic videmus errarem iuris perplexí ita escusare, et [ustam causam praestare errantí, ut errar .:facti ... qu, 75, 14: error iuris dubii et implicati errori facti aequiparatur ... Casus 308: in his in quíbus uti quis dílígentía debet ígnorantía non excusat... jus cum naturale et gentium sit omnibus notum ... Casus 185, n. 4: si quídem valde absurdum, et Iníquum esset quod ignorantes poenae obnoxii efficerentur, cum poena culpam praesupponat, quae in ignorante non reperitur ... ". 64 Schaffstein, Zum rechtswissenschaftlichen Methodenstreit im 16 JahrhJyndert, apud Anibal Bruno, ob. cit., tomo I, p. 85.

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sanção penal. Chegou-se, inclusive, com Boehmer, até ao exagero de exigir, não apena~ o conhecimento da espécie, como também da quantidade da pena, por parte do agente. (m 16. Com as primeiras codificações do Direito Penal, desapareceu a plasticidade das soluções adotadas pelos romanos canonistas e práticos, em matéria de ignorância da antijuridicidade. A preocupação da obrigatoriedade da lei preponderou sobre o crãtérío da culpabilidade e, por isto, em antitese aos elásticos princípios anteriores, passou-se a adotar a regra da absoluta inescusabilidade da ignorância do ilícito por erro de direito. Apenas na Alemanha, a necessidade de defesa do indivíduo ante o Estado, decorrente das idéias do iluminismo levou a manter a relevância do erro de direito, para evitar a punição de quem, por ignorar leis muitas vezes dispersas, confusas e de difícil dnterpretação, houvesse atuado na mais pura boa fé. 06 A maioria dos velhos códigos, porém, silenciou sobre a matéria, prevalecendo em sua aplicação prática, a presunção da inescusabilidade. 67 Assim é que o Código napoleônico nada dispôs a respeito, mas os seus intérpretes reclamaram a regra geral da irrelevância, chegando alguns a admitir que o juiz pudesse ter em conta a ignorância de direito, na determinação concreta da medida da pena 68 Pele princípio da territorialidade da lei, não se aceitava, nem mesmo, que o forasteiro pudesse provar ignorá-la, quer quanto aos delitos, quer quanto às simples contravenções. Idêntico critério prevaleceu na legislação da Toscana. n5 L. J. Asúa, ob. cit., VI, p. 367. ee J. Figueiredo Dias, ob. cít., p. 40. 07 Além do Código Francês, nada dispuseram sobre o erro de direito os códigos da Suécia, Alemanha, Espanha, Holanda, Turquia e Bolívia. 68 S. Piacenza, ob. cít., p. 84.

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Relativamente aos estrangeiros, outros ordenamentos, contudo, relevaram a ignorância da ílícitude nas infrações contravenoionais, mas sempre ém limites tão estreitos, que a exceção não abrandava o rigor do princípio da ínescusabílidade, O Código de Parma de 1821, por exemplo, admitia como escusa o erro do forasteiro quanto a leis puramente locais, desde que este não houvesse demorado no país por mais de dez dias, ou não tivesse tido antes notícias de seus dispositivos. 69 Da orientação geral, e segundo as idéias que prevaleceram na Alemanha, afastou-se o Código da Bavária de 1813, que declarava impune quem houvesse considerado a sua ação como permitida e não punível, por ignorância Invencível e inculpável. ro 17. Enquanto no campo legislativo caminhava-se, assim, para a rigidez do principio da irrelevância do erro sobre a antijurídicidade, no terreno doutrinário, a matéria continuou a preocupar os doutores. . Entre os representantes do classicismo italiano, Filangieri encarava o delito como a violação da lei, acompanhada da vontade de violá-la, de sorte que o autor deveria conhecer a ação em seus fins e circunstâncias. 71 Também Francisco Mário Pagano conceituava o dolo como a vontade de violar a lei e de cometer os delitos por esta descritos, pelo que, à falta de tal vontade, a ofensa constituiria desgraça, mas: não crime. A ignorância excluiria o dolo, mas nem sempre absolveria. Desde que o homem, com a devida atenção, pudesse entender as conseqüências e a relação entre a ação e a lei, o crime dever60 Ao contrário do que informa Placenza, de quem, -extraimos a observação, informa Asúa que o prazo era de 18 dias, in Tratado,

VI, p. 372. 10 L. J. Asúa, ob. cít., VI, p. 372. r i Filangieri, Scienza della legislazione; vol. II, lib. III, parte II,

cap. 37,

apud

S. Piacenza, ob. cít., p. 87.

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-lhe-ía ser imputado. A alegação de ignorância de direito ou de fato serviria de escusa, quando necessária, mas não aproveitaria quando se tratasse de lei natural, que, por estar esculpida no coração de cada um, seria sentimento mais do que razão. 72 . Em Carmignarii, o erro de direito é equiparado ao erro de fato, posto que um e outro excluem a intenção criminosa, salvo quando o agente não tenha usado toda a diligência possível para evitar o defeito de conhecimento, caso em que a omissão tornaria voluntário o delito. 73 Todavia, depois de sustentar estas idéias, o prói:>rio 'Carmígnaní veio à afirmar que o erro e a ignorância de direito reputam-se quase sempre vencíveis. Aceitava ele o princípio político de que as leis se presumem conhecidas quando publicadas, regra que, no entanto, aconselhava fosse abandonada, sempre que uma justa causa convencesse de que o ânimo do agente estava realmente perturbado pela ignorância ou pelo erro, como no caso em que uma lei social, não deduzidado direito natural ou não conhecida .uníversalmente, fosse violada por pessoas íncultas, por mulheres, por menores, por um estrangeiro ou por um transeunte com pouco tempo de permanência no território do Estado. H Para Romagnosi, o ato doloso seria constituído pelo conhecimento de violar ·;l lei, por quem é livre de não violá-la. Daí a conseqüência de que a quaUfücação de doloso seria atribuída ao ato livre, em vísta de sua pré-conhecida oposição à lei e somente em vistà deste conhecímento anterior. o supremo interesse social exigiria, contudo, que o conhecimento da lei fosse estabelecido por presunção absoluta, de maneira que ao homem, em pleno uso de sua razão, não seria permitido alegar 72 Francisco. ~ario Pagano, Principi del codice penale, cap. IlI, apud S. Piacenza, ob. cít., p. 87, e L. J. Asúa, ob cít., VI, p. 385.

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como desculpa, haver ignorado o mandato da lei devidamente promulgada. A sociedade estaria obrigada a fazer valer presunções, fundadas no que de ordinário acontece, para atribuir a cada um o conhecimento das conseqüências de determinado ato ou de alguma tentativa. Se o legislador tivesse que tomar em conta o dolo real e, não o presumido, como norma da pena, deveria acabar com todo vínculo sancionatório e deixar aberta a porta a uma escusa baseada na ignorância interna, a miúdo simulada, ou no conhecimento imperfeito da lei, com o objeto de subtrair-se às penas eomínadas ou de diminuí-las de maneira arbitrária. 75 A Carrara igualmente parecia que o erro de direito não deveria jamais escusar. "É uma exigência política, dizia ele, que se presuma no cidadão o conhecimento da lei penal, que, por outra parte, .é dever de cada um conhecer". Concedia, porém, que a regra da inescusabilidade pudesse ser moderadamente limitada, no caso do forasteiro, recém-chegado ao terrítório regido pela lei que ele violou, sempre que o ato cometddo não fosse reprovável pela moral, nem proibido na sua pátria. A íneseusabilidade seria, no entanto, limitada ao erro de Direito Penal. Poderia perfeitamente escusar quando recaísse sobre outras leis, excluindo a vontade do fato . e, portanto, o dolo. 76 Na França, Pellegrino Rossi, revivendo princípios do direito romano, sustentou a irrelevância do errar iuris, fundando-a em serem as regras de direito límítadas e porhanto, acessíveis aos homens. Admitiu ser possível que um cidadão ignorasse a exístência de uma lei penal e também possív:l que não alcançasse seus motivos. Mas a justiça humana nao poderia admitir a prova de tal ignorância sem abdicar a si mesma. Os fatos são inúmeros, em sua infinita variedade, porém as regras de direito são limitadas e todo homem tem

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Carmignani, Teoria, lib. II, cap, X, apud Píacenza ob. cít., p. 87. Carmignani, Elementi di diritto criminale, líb, I, p. 79, apud L. J. Asúa, ob. cít., VI, p. 385. · 74



Romagnosi, Genesi del diritto penale, §§ 1.336 a 1.365 e 592.

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F. Carrara, Programa, §§ 258 e 259.

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meios de conhecê-las, ao menos na medida necessária para abster-se do delito: cura ius finitum et posit et debeat. Seria igualmente possível que um cidadão não compreendesse as relações da lei positiva com a lei moral. Mas nem por isto ficaria dispensado de conformar sua conduta a ela. r7 Dentre os clássicos da Alemanha, Anselm von Feuerbach, a exemplo dos práticos italianos, distinguia entre fatos substancialmente imorais e fatos nascidos do artifício da lei. A regra constitutionis principum nec ignorare quemquam, nec disimulare permittimus seria válida, sem exceção, para aqueles delitos que são iuris gentium, os quais, encerrando ações em si mesmas contrárias ao direito e moralmente desonestas devem ser encarados como ilícitos naturali ratione; daí por' que, quanto a estas, a ignorantia iuris não favorecia jamais. Porém, para as ações que somente são delitos em virtude de leis particulares de um dado povo (iure civile), às quais pertencem todas as transgressões de polícia, a ignorância da lei seria útil a certas pessoas. 78 . 18. A orientação dos clássicos de presumir o conhecimente das leis fundadas na moral e proclamar que, por necessidade política, o erro sobre norma penal não é escusável; admitindo-se apenas algumas derrogações a este último princípio, prevaleceu, quase incontroversa, até os albores do século XX. Mesmo nos domínios do positivismo, que tanto se opôs às construções tradicionais, preponderou, a princípio, a mesma regulamentação do erro sobre a antijurídicidade, não obstante o problema haja sido relacionado à perículosídade do agente e tenha-se procurado ampliar os casos de escusa. Bastante significativa é a posição de Florian. Depois de acentuar que a temibilidade é diminuída, podendo desaparecer completamente em quem haja cometido o fato ignorando de 11 P. Rossi, Traité de Droit Penal, II, p. 73. rs L.. J. Asúa, ob. cit., VI, p. 392, nota 125.

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violar, com ele, um preceito da lei penal, reviveu a velha distinção entre crimes de imoralidade patente e crimes de criação política. "Nem todos os crimes - acentuou - são também ações imorais, reprovadas pelo sentimento e pelo costume. Para aquelas ações que, em si mesmas, atrocitatem iacinoris habent, a presunção do conhecimento da proibição legislativa corresponde à realidade. Para as ações, contudo, moralmente inocentes e que são vedadas somente por motivos de segurança social, a referida presunção é iníqua. Acrescente-se que a consciência do ilícito e, pois, da contrariedade de um fato à norma penal, é de grau bastante diverso nas várias classes sociais e que, sobre as classes pobres e ignorantes, a ínjustéça daquela presunção pesa muito mais do que sobre as classes ricas e cultas". Como solução ao problema, entendia Florian, que, com base no critério da temibilidade do delinqüente e sem violar as supremas exigências da defesa social, seria provídencíal uma disposição que permitisse ao juiz avalia.r as condições subjetivas da ignorância da lei penal, nas quais o crime fosse porventura cometido, atribuindo-se-lhe a faculdade, em determinados casos, de substituir ou diminuir a pena. rn Segundo Ferri, em virtude da obrigatoriedade da lei, todos estariam· obrigados, como mínimo de disciplina social, a procurar noticias sobre as normas penais, sob pena de res.ponder pelos riscos resultantes da omissão deste dever. Praticada a ação proibida, com ignorância da norma, sofreria o sujeito as conseqüências penais, da me.s:ma forma que tem de suportar as de índole moral e econômica, porque vive em sociedade. Este princípio de disciplina deve imperar enquanto não encontre um princípio oposto prevalente ou equivalente. E este pode ser a força maior, que haja privado o cidadão da possibilidade de dar cumprimento àquele dever. Assim, uma larga permanência no estrangeiro ou uma enfermidade grave 70

Eugenio Florian, Trattato di Diritto Penale, 1910, vol. I,

part. I, p. 308.

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e de longa duração ou ainda, uma calamidade pública na época em que a lei foi publicada, colocam o cidadão· em .um estado de absoluta boa fé, e sua ação delituosa ou contravencional não aparece, nem sequer indiretamente, nem por própria negligência ou indiferença, cometida contra jus. 80 Em seu projeto de Código Penal, Ferri, inspirado no Direito Romano e no Código Canônico, considerou justificado, para os efeitos penais, o fato cometido por ignorância da proibição legal, derivada de força maior ou por erro substancial de direito, não proveniente de negligência. 81 Procurando limitar o alcance do dispositivo, declarava a respectiva exposição de motdvos que tal ignorância - para a qual, como ocorre no campo do Direito, é prejudicial a questão da prova - não é possível nos delitos naturais, a respeito dos quais todo cidadão, que não seja inconsciente por enfermidade ou por imaturidade, sabe, por sentido moral congênito e por educação familiar, escolar e social, que são ações ilícitas; porém, tal ignorância é possível em ordem aos delitos· puramente legais, a miúdo de natureza contravencíonal e de mera criação política, frente aos quais o sentimento moral instintivo não experimenta uma 80 E. Ferrl, Principios de üerecno Criminal, trad. de J. A. Rodrigues Mufioz, 1933, p. 429 .. 1 8 O art. 19 do Projeto Preliminar de Código Penal para os Delitos estatuía: "O fato considera-se justificado para os efeitos penais quando tenha sido realizado: 1.º - Por constrangimento insuperável por parte de outros ou em estado de sugestão patológica ou com plena boa fé, determinada por engano invencível; 2.º - Por ignorância de que o fato está proibido pela lei penal, derivada de força maior, ou por erro substancial de direito ou de fato não proveniente de negligência; 3.0 - Por disposição da lei ou em virtude de ordem obrigatória da autoridade competente; 4.0 - Pela necessidade de defender-se ou de defender a outros de uma violência atual ou injusta; 5.0 - Pela necessidade de salvar-se ou de salvar a outros de um perigo grave e iminente para a pessoa, não evitável de outro modo, não provocado pela própria atuação, desde que não exista a obrigação profissional de afrontá-lo.

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repugnância, do que -se depreende, que quem realiza um ato semelhante, não revela, realmente, periculosidade alguma. 82 Apesar dos reparos que se possa fazer ao projeto Ferri por ter considerado o erro, não como fator de inculpabilidade, mas como justificativa, equiparada ao estado de necessidade e à legítima defesa, não há como negar que representou, juntamente com o Código Canônico, uma etapa na evolução da disciplina do erro sobre a antijurídicidade, ao conferir-lhe relevância· mais extensa. 19. No Brasil, prevaleceu o princípio da irrelevância do erro de direito, abrandado pelo limitado reconhecimento de sua eficácia atenuante.' No período colonial, devem ser examinadas as Ordenações Filipinas, que por dois séculos, nos regeram. Embora o erro e a ignorância não estejam ali expressamente regulamentados, existem textos esparsos respeito do erro de fato e de direito. Relativamente ao errar facti, estabelecia-se. isenção de pena para o cristão que dormisse com infiel, "não sabendo nem tendo justa razão-de saber como a outra pessoa era de cutra Lei", 83 bem como para quem usasse de documento falso, alegando e provando "alguma razão, per que pareça ao Julgador, que do feito conhecer, que elle não fez a falsidade, nem deu a ella ajuda, conselho, nem favor, nem podia della ser sabedor". ~4 Para o crime previsto pelo título 67, do livro 5.0, semelhante ao delito de alteração de limites, estatuía-se que quem arrancasse marco, "não sabendo que o era, mas somente com tenção de furtar a pedra, ou a cousa posta por demarcação, haverá a pena de furto, segundo a valia della, pois que teve tenção de furtar, e furtou cousa alheia".

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E. Ferrl, ob .. cít., p. 611. Liv. V., tít, 14. Liv. V., tít. 53, § 2.0.

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Quanto ao erro de direito, as regras não eram tão explícitas. A lei ou ordenação publicada pelo Chanceler-Mor e enviada por traslado aos Corregedores entrava em vigor três meses após, ainda que não fosse publicada nas Comarcas. ~ú Para as províncias ultramarinas, contudo, conforme refere Ribas, 86 a lei de 25 de janeiro de 1794 determinou que só depois de publicadas nas cabeças de comarca, começavam as leis a obrigar. Vigorante a lei, presumia-se o seu conhecimento. Tal princípio era deduzido do título 99, do livro 1.º, que, tratando da faculdade concedida ao Rei de tirar ofícios da Justiça e da· Fazenda aos respectivos titulares sem ser obrigado a indenizar, estatuía em seu final: "E para se não poder alegar ignorância, o declaramos por esta nossa Ordenação". 87 A presunção de conhecimento comportava, no entanto, algumas exceções. Nas próprias Ordenações, permitia-se que em relação aos menores entre 17 e 20 anos, fosse a pena dos delitos que praticassem diminuída, desde que pequena hou85 Ord. I, 2, 10: "Item o Chanceler-Mor ha de publicar ai. Leis e Ordenações feitas per Nós, as quaes publicará per si mesmo na Chancellaria da Corte no dia da data das Cartas, e mandará o traslado dellas sob seu sinal e nosso sello aos Corregedores das Comarcas. E tanto que qualquer Lei, ou Ordenação for publicada na Chancellaria, e passarem três meses depois da publicação, mandamos, que logo haja effeito e vigor, e se guarde em tudo, posto que não seja publicado nas Comarcas, nem em outra alguma parte, ainda que nas ditas Leis e Ordenações se diga que mandamos, que se publique nas comarcas, por quanto as ditas palavras são postas para se melhor saberem. mas não para ser necessário, e deixarem de ter força, como são publicados na nossa Chancellaria., passados os ditos trêz mezes. Porém em nossa corte haverão effeito e vigor, como passarem o.to dias depois da publicação", ed. de Coimbra, 1833. 86 Antonio Joaquim Ribas, Curso de Direito Civil Brasileiro, 1880, vol. I, p. 221. 87 A dedução está no Repertório das Ordenações: "Ignorância não se pode alegar daquillo que esta declarado pela Lei", 1795, t. III, J).

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vesse sido a malícia da conduta.

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As outras exceções provinham do Direito Imperial e do Direito Canônico, aplicáveis, subsidiariamente, em caso de omissão da lei, estilos ou costumes do Reino. so No Repertório das Ordenações, invocava-se as lições dos práticos sobre a e.scusabilidade da ignorantia iuris, em relação às mulheres, crianças, rústicos e militares, desde que não incidisse sobre preceitos de direito natural e 00 que houvesse sido impossível a consulta a peritos. 88

88 Ord. v, 135: "Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte annos, cometter qualquer delicto, dar-se-lhe-ha a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco annos passasse. E se for de idade de dezassete anos até vinte, ficara em arbitrio dos J~gadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha. E em este caso olhará o Julgador modo com que O delicto foi commettido, e as circunstancias delle, 0 e a pessoa do menor; e se o achar em tanta ma~icia, que lhe pareça que merece total pena, dar-lha-ha, posto que sera d_e ~orte natural. É parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-ha dímínuír, segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi commetido. E quando O delinquente for menor de dezassete anos cumpridos, posto que O delícto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dad_a, mas ficara em arbitrio do Julgador dar-lhe outra menor pena. E nao sendo O delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se guardara a disposição do Direito Commum". B1l Ord. III, 64: "Quando algum caso for trazido em pratica, que seja determinado per alguma Lei de nossos Reinos, ou Stilo de nossa Corte, ou costume em os ditos Reinos, ou em cada huma parte delles longamente usado, e tal, que per Direito se deva guardar, seja per elles julgado, sem embargo do que as Leis Imperiaes acerca do dito caso em outra maneira dispõem; porque onde a Lei, Stilo ou dito caso em outra maneira dispoem, cessem todas as outras Leis e Direitos. E quando o caso, de que se trata, não for determinado per Lei, Stilo, ou costume de nossos Reinos, mandamos que seja julgado, sendo materia que traga peccado. E sendo materia, que não traga peccado, seja julgado pelas Leis Imperiaes, posto que os Sagrados Canones determinem o contrario. As quaes Leis Imperiaes mandamos sómente guardar pala boa razão em que são fundadas". oo Repertório das Ordenações, loc. cit.

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No campo legislativo, é de mencionar-se, ainda, o decreto de 9 de setembro de 1747, que declarou não haver ignorância que "releve de observar as leis, porque ellas são públicas, escriptas e diuturnas", bem como o alvará de 10 de junho de 1755, segundo o qual "se não pode allegar ignorância do que a todos se faz público". 01

conhecimento do mal e intenção de o praticar". Parece incontestável que a aplicação integral deste preceito deveria conduzir à escusabilidade do erro acerca da proibição. Tal, porém, não aconteceu, porque a mentalidade jurídica da época estava impregnada pelo pensamento de que o conhecimento das leis deve ser sempre presumido. A jurisprudência assentava que a escusa pela ignorância de direito "não se conforma com os princípios do direito criminal, que pressupõem todos conhecedores das leis da sociedade". 95 Da mesma forma manifestavam-se os comentadores do nosso primeiro estatuto punitivo. Thomaz Alves Júnior, embora reconhecendo que "quando o artigo diz conhecimento do mal, quer dizer conhecimento da violação do direito", ad1;12ia em seguida: "a ignorância da lei não aproveita a ninguém: este princípio axíomátdco acha-se expresso no art. 12 do Código Penal português; logo, desde que o agente acha-se n~s condições normais da responsabílídade moral, tem a presun~ de que conhece o mal, isto é, a violação do direito que praticou". 90 Também a Tobias Barreto parecia que "toda lei é feita para ser cumprida e, uma vez sendo ela publicada pelos meios regulares, constitucionalmente estabelecidos, todos: aqueles para quem ela exista devem tratar de conhecê-la e respeitá-la. Esta verdade, que domina o mundo do direito em geral, ainda mais se reforça com relação ao nosso a~sunto, isto ·é, quando se trata de crimes e de penas. Com efeito, n~ esfera do direito criminal, quem quer que tenha chegado a idade da imputação, praticando um ato criminoso, supõe-se praticá-lo com a conseíêncía precisa para conhecer a criminalidade dele". 97

Entre os jurisconsultos portugueses, a maior parte defendia a tendência adversa a indulgenciar o erro de direito. Outros, entretanto, como Antonio Cardoso do Amaral, Manoel Mendes de Castro, Agostinho Barbosa e Lopes Ferreira, 'fiéis à tradição romanista, admitiam, como demonstra Figueiredo Dias, espécies de erro de direito relevantes. 92 Também Mello Freire sustentou "que o direito português da época, compreendendo o romano e o pontifício, não poderia ser considerado como o jus finitum de Neratío, nem estaria ao alcance de qualquer cidadão de modo que se lhe pudesse imputar sua ignorância". 93 Para Ribas, ante a deficiência da legislação em matéria de erro de direito, parecia que se devia recorrer à romana. Mas, firmado "o princípio que nega escusa à ignorância e erro de direito, dever-se-ia restringi-lo às raias que tal legislação lhe prescrevera". 04 Após a Independência, os projetos apresentados por Bernardo Pereira de Vasconcelos e João Clemente Pereira não fizeram expressa alusão ao erro de direito, embora o primeiro, dispusesse, no art. 2.0 , não haver crime "sem lei anterior que o qualifique e sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal e intenção de o praticar". Decalcado sobre este, o Código Criminal de 1830 reproduziu-lhe a regra, declarando, no art. 3.0: "não haverá criminoso ou delinqüente sem má fé, isto é, sem 01

Ribas, ob. cít., I, p. 276.

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José Figueiredo Dias, ob. cit., p. 38. Ribas, ob. cit., p. 279. Ribas, ob. cit., p. 282.

1!3 0-1

95 Araújo Filgueira Júnior, Código Criminal do Império do Brasil, Anotado, 1876, p. 6. 96 Thomaz Alves Júnior, Anotações Theoricas e Praticas do Código Criminal, 1864, I, p. 153. 01 Tobias Barreto, Estudos de Direito, 1926, vol. I, XX, P- 69. 1

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A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

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Entre as circunstâncias atenuantes, contudo, o Código Tmperial incluía a de "não ter havido no delinqüente pleno conhecímento do mal e direta intenção de o praticar" (art. 18, s 1.0 ), inclinando-se a doutrina por sua aplicação aos delitos e contravenções de caráter não universal, mormente quando cometidos por estrangeiro. 98 Caída a rnonarquía, o Código Penal de 1890, veio a estatuir expressamente: "não dirimem nem excluem a intenção criminosa a ignorância da lei penal" (art. 26, a). No setor das atenuantes, reproduziu o dispositivo do diploma anterior, acima mencionado (art. 42, § l.º). No clima de renovacões liberais da república florescente, não seria de esperar acdlhirnento pacífico a esta manutenção do tradicional princípio do error iuris nocet. João Vieira de Araújo desde logo a criticou, notando que "fundar a justiça penal sobre o velho arorísma que - a ignorância não escusa - entretanto, que, na realidade não há cidadão algum que conheça todas as leis que deliciam a sociedade civil, é verdadeiramente o cúmulo das mentiras convencionais". 99 Outros, contudo, continuaram a defender a regra da ignorantia iuris nerninem excusai. o Conselheiro Filinto Bastos entendia que exigir, além do dolo, a consciência da ilegalidade, paralisaria a administração da [ustdça, "impondo-lhe o encargo de provar, em cada caso ocorTente, que o agente conhecia o preceito violado". A manutenção do princípio decorreria de uma necessidade de ordem zocíal de caráter universal". Na verdade - explicava o catedrático da Bahia - dispondo a lei penal sobre fatos universalmente reputados criminosos e merecedores de punição, ou porque se refiram a lesões à pessoa, ou à violação do direito de propriedade, a ofensas à honra e à fé pública ou particular, à pública incolumidade e a outros direitos, a exceção da ignoTbomaz Alves Júnior, ob. cit., p. 246. João Vieira, Código Penal copium, p. 250, apud oscar de Macedo Soares, Código Penal Militar, 1902, p. 29. 08

ºº

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râncía da lei, uma vez admitida, traria mais prejuízos à sociedade, que os sofridos pelos agentes absolutamente inocentes, e que, entretanto, não é de presumir que existam". 100 A regulamentação do Código de 1890 ao erro de direito foi integralmente reproduzida pela Consolidação Piragibe de 1932. 101 A doutrina, todavia, procurou dar à irrelevância do erro de direito fundamentação diversa da fornecida pela presunção absoluta de conhecimento das leis, bem como limitar-lhe o alcance pelo reconhecimento de várias exceções. Galdino Siqueira acentuou que o adágio nemo jus ignorare censetur não encerra uma presunção, porquanto a presunção sendo uma conseqüência lógica, tirada por indução do geral para o particular, do que comumente acontece, não se verifica em matéria de conhecimento de leis. Nem todos os indivíduos, ainda mesmo os profissionais, podem ter conhecimento do número infinito de leis, quer compreendidas no Código, quer avulsas. Isto posto, o princípio ou adágio encontra justa aplicação tendo em vista a distinção fundamental que oferecem as infrações qualificadas pela lei, e atínentes à sua natureza, de sorte a infligir a pena em maior ou menor latitude, conforme o conhecimento ou não conhecimento do agente da prescrição legal. Para os delicta juris cioitatí, seria lícito ao juiz apreciar a procedência da alegação de ignorância da lei, desde que houvesse ímpossíbllidade material absoluta de co100 Cons. Filinto Ferreira Bastos, Breves Lições de Direito Penal, 1906, p. 166. 101 Confundindo a Consolidação das Leis Penais com Constituição, sustentou L. J. Asúa que a Constituição Brasileira de 10 de novembro de 1935 (?), no seu art. 26 dispôs: Não diminui nem exclui a intenção criminosa: a) a ignorância da lei penal, para acentuar em seguida que, apesar deste texto do Código político, o vigente Código Penal admite que o erro de direito atenue a pena. Páginas adiante, aludindo ao Projeto Sá Pereira, indaga Asúa se o texto de seu art. 30 conciliar-se-ia com o preceito constitucional, o que reafirma o equívoco em que incidiu, in Reflexiones, ps. 43 e 61.

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nhecer sua existência, caso em que a ignorância serviria de motivo da atenuação da pena. Também, quanto à ignorância da lei não penal, reputou amoldável ao Código de 1890, a doutrina que a equiparava ao erro de fato. 102 Dos projetos de um novo Código Penal que· substituísse o imperfeito diploma de 1890, merece especial referência, em matéria de erro de direito, o de Virgílio de Sá Pereira. A ignorância da lei, nas infrações meramente convencionais, foi considerada causa de livre atenuação da pena. Quando a ignorância fosse devida à força maior e impossibilidade manifesta ou decorresse de ser o infrator analfabeto ou estrangeiro ainda não familiarizado com a língua do país e seus costumes, a própria responsabilidade seria excluída (art. 39). A atenuação de pena foi assim disciplinada: "A favor daquele que infringiu a lei penal na persuasão sincera de ser lícito o acto praticado, poderá o juiz livremente atenuar a pena" (art. 40). No projeto revisto de 1935, manteve-se, no art. 30, o primeiro dispositivo, mas foi excluído o preceito do art. 40. Com a livre atenuação da pena para o erro sobre a antijuridicidade (pois. outra coisa não é a persuasão sincera de ser lícito o ato), o projeto acompanhava a tendência de emprestar maior relevo à consciência da antijurídicidade na estrutura da conduta culpável. O projeto de Alcântara Machado voltou à concepção absolutista. Estatuiu no art. 14: "não eximem de pena o agente, o erro ou ignorância da lei penal". Nem mesmo entre as circunstâncias atenuantes foi contemplado o erro de direito escusável. A expressa referência à lei penal permitiria, contudo, que se reconhecesse eficácia à ignorância de preceitos pertencentes a outros ramos do Direito. O Código Penal de 1940 reproduziu, no art. 16, a regra da irrelevância da ignorância e do erro de direito, sem limitá-la, no entanto, à lei penal. Entre as circunstâncias ate102

A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

nuantes incluiu-se a ignorância ou errada compreensão da lei penal, quando escusáveis (art. 48, IH). Por outro lado, na Lei das Contravenções Penais, permitiu-se até o perdão judicial para a infração cometida por erro de direito escusável (art. 8.0 ) Ao modelo do Código Penal suíço, que permite até o perdão judicial para a escusável ignorância da antijuridicidade, o legislador de 1940 preferiu o modelo do Código italiano, segundo o qual ninguém pode invocar como escusa a ignorância da lei penal. Para tanto, há de ter influído o clima político à época da elaboração do nosso diploma punitivo. 103 O Anteprojeto de Código Penal do saudoso Ministro Nelson Hungria, retomando o critério do Projeto Sá Pereira, permitia até mesmo a exclusão da pena, em caso a suposíção de licitude do fato decorrente de escusável ignorância ou erro de interpretação da lei (art. 19). Afastando-se deste critério, o Código Penal de 1969 só admitiu, na mesma hipótese, a atenuação da pena ou sua substituição por outra menos grave, regra mantida pela Lei 6.016 de 31 de dezembro de 1973. 20. O exame da evolução histórica, que se acaba de fazer, evidencia constante tendência de abrandar os rigores e até mesmo abolir o princípio da irrelevância do erro sobre a antijuridicidade. Antes das codificações, tal orientação manifestou-se pelas distinções entre ignorância escusável e inescusável, entre as leis de direito natural e leis de direito civil, entre ignorância da norma e ignorância da sanção, entre o erro do homem adulto e de cultura média e, o erro dos menores, mulheres, rústicos e soldados e, entre a ignorância de leis locais por nacionais e por estrangeiros, distinções estas estabelecidas para mitigar o rigor da regra da inescusabilidade. Com o fortalecimento dos organismos estatais e movimentos de codificação, veio a prevalecer, de início, o regime

Galdino Siqueira, Direito Penal Brasileiro, Parte Geral,

2:ª ed., 1932, ps. 333 e segs.

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Everardo Luna, ob. cít., p. 205.

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da absoluta inescusabilidade do erro sobre a ilicitude, para o que há de ter contribuído a dificuldade de formular preceitos legislativos que consentissem, sem grandes desvios dos princípios codificados e sem brechas muito largas no edifício da segurança do direito, emprestar certa relevância ao error iuris. Mas, à medida que o direito evoluiu para uma valoração mais íntima entre a norma e a consciência de quem a viola, reiniciou-se o movimento de derrogações, cada vez mais significativas, do princípio da ínescusabüídade. Atualmente, a inclusão da consciência da antijuridicidade entre os elementos do dolo ou entre os fatores do juízo de censura pessoal vem conduzindo o direito punitivo a não responsabilizar, atenuar sensivelmente as sanções ou admitir o perdão judicial, para os que praticam a infração sem percepção da sua ilicitude.

I

CAPÍTULO III

APRECIAÇÃO CRÍTICA AOS FUNDAMENTOS DA IRRELEVÂNCIA DO DESCONHECI.MENTO DA

ANTIJURIDICIDADE. 21. Lei penal conhecimento Aplicabilidade 26. As razões

e consciência jurídica. 22. A presunção de das leis. 23. A obrigatoriedade da lei. 24. do direito. 25. Erro e concepções de direito. políticas.

21. Da mais variada índole são as razões invocadas para justificar a irrelevância do desconhecimento da antijurídicidade. Sem grande êxito, fundamentos filosóficos, jurídicos e políticos têm sido utilizados para explicá-la. Doutrina exposta por Von Bar, alicerça a ineficácia na correspondência que existiria entre a lei penal e a consciência jurídica de cada integrante da comunidade. 1 Crescendo como membro desta, teria o homem clara intuição do que deve evitar para não transgredir a norma jurídica. Na fase de elaboração popular da lei, as necessidades não atendidas, surgiriam de início, na consciência de alguns, depois, na de muitos e finalmente, na alma de todos, penetrando então, nos organismos legislativos. A precedência da norma à lei, no sentido de que esta deve ser escrita enquanto que aquela forma-se na consciência de todos, impediria o reconhecimento de quaisquer efeitos à ignorância da ilicitude, por reputar-se 1

Von Bar, Gesetz und Schuld im Strafrecht, 1901, II, p. 393, apud L. J. Asúa, Reflexiones, p. 99.

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impossível desconhecer a norma em que se fundou a lei. Vivendo no seio da sociedade civil, o homem, independentemente de instrução especial, aprenderia na grande escola da vida a conhecer os escolhos a evitar. A inescusabilidade decorreria, ademais, da condenação universal de certas condutas, 2 ou da substância ética da lei penal, que não afirmaria ao súdito nada que não devesse estar já escrito em sua consciência. Sendo o autor imputável, na capacidade de entender e de querer, já se incluiria a ciência de proibições penais. 3 É indisfarçável o artificialismo desta doutrina. Salientava Dorado Montero, que se fosse exata esta correspondência, folgariam muito os códigos penaís, porque, levando cada um gravado em sua consciência, critério infalível, igual em todos os homens, para discernir entre o bem e o mal, o lícito e o censurável, o meritório e o punível, levaria também consigo o catálogo dos fatos pelos quais se deve impor penas, de sorte que a existência de códigos nem só seria supérflua, como também representaria verdadeiro perigo à liberdade do cidadão, pelo arbítrio do legislador em incluir na lei, fatos inocentes e indiferentes e castigar tanto estes quanto os verdadeiramente imorais. O raciocínio de que, por Imorais, todos os atos criminosos são conhecidos pela consciência, valeria para lançar por terra a teoria da irretroatividade da lei mais severa. Com efeito, da mesma forma que "não vale alegar, para livrar-se da pena, que não se teve conhecimento da norma violada, também não valeria argüir a inaplicabilidade da lei incriminadora de ato anteriormente não punível, dado

que, ainda que não estivesse compreendida pela legislação positiva, estaria na lei natural, cujo intérprete fiel teria o indivíduo em sua própria consciência". 4 Sob outro aspecto, a lei penal nem sempre corresponde a normas já consagradas pela consciência coletiva, em vista da tendência de incriminar-se ações não imorais em si mesmas. O progresso social e a insuficiência das sanções extra-penais fazem com que as legislações modernas apelem, com maior freqüência, para o remédio extremo da pena, comdnando-a a condutas que até então não haviam tido ingresso no rol de ilícitos penais. Mesmo os fatos moralmente úteis podem ser considerados como ilícitos penais, pois o fenômeno jurídico reveste-se de amoralidade, não pelo contraste ou ausência de pontos de contacto com a ética, mas pelo diverso modo de considerar os comportamentos humanos. Nem sempre é possível estabelecer, a priori, seja o crime uma ação imoral. A ação crímínosa pode ser até moralmente louvável. 5 A norma penal, pela sua particular força e eficácia, induz os detentores do poder político a avassalar a tutela de certos interesses e finalidades, ainda que contrastantes, de modo mais evidente, com os interesses gerais do grupo social. 6

2 Bernardino Alimena, Principii di Diritto Penale, I, p. 450; R. Garraud, Traité Theorique et Pratique âu Droit Pénal Français, 1913, I, p. 603; Mauro Angioni, La volontarietá del fatto nei reati, 1927, p. 52; Roberto Lyra, Comentários ao Código Penal, 1942, II, p. 318; Lydio Machado Bandeira de Mello, Manual de Direito Penal, 1955, I, § 41. 3 Francesco Carnelutti, El Delito, trad. de Santiago Sentís Melendo, 1952, p. 144.

22. Também desacreditada a teoria que baseia a irrelevância numa presunção absoluta do conhecimento das leis. Em nossa época, o número e a complexidade destas, torna difícil o seu conhecimento mesmo aos [urístas. Nossa legislação não é mais a lei das Doze Tábuas, porém um arsenal que todo dia se renova e se aperfeiçoa, à medida que se aprimora o senso da necessidade civil. 7 O progresso, a civili4 Pedro Dorado, Sobre la ignorancia de la ley penal, in Problemas de Derecho Penal, 1895, p, 422. 5 Marcello Gallo, Il concetto unitario di colpevolezza, 1951, p. 74. 6 B. Petrocelli, La Colpevolezza, p. 124. 7 Eugenio Pincherli, Errore di Fatto e di rersona, in Revista Penale, Suplemento 1896-97, vol. V, p. 366.

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zação, o desenvolvimento do comércio, dos meios de transporte e locomoção, o maior impulso da arte mecânica, da energia produtiva, imprimiram à vida um ritmo tão acelerado, que se tornou indispensável regulamentar e disciplinar várias atividades, para coordená-las, sofrear abusos, conter intemperanças, impedir arbítrios e garantir interesses gerais e partículares. O número de leis punitivas, por isto mesmo, aumenta com uma progressão extraordinária. Ora, as leis, à medida que crescem em número, menos podem ser conhecidas, Ainda que a generalidade dos cidadãos tivesse tempo e gosto para lê-la;g, dificilmente as entenderia, porque o seu léxico é superior ao do sermo plebeius. Esta impassibilidade da lei ser conhecida e entendida pelos destinatários, impede que o seu conhecimento seja presumido. A presunção é uma suposição de verdade, que nasce da experiência positiva. É prova indireta pela qual se passa do conhecido ao desconhecido, mediante um cálculo de probabilidades, fundado necessariamente sobre a normalidade dos fatos. A presunção, pois, decorre do id quod plerunque accidit e é sobre tal relação de normalidade que a lei "praesumit aliquid pro vero". s Ora, a presunção absoluta do conhecimento das leis contradiz o cálculo de probabilidade, baseado no que é comum acontecer. 9 Se alguma presunção pudesse ter cabimento, esta teria que ser a do desconhecimento da lei. Segundo De Ruggiero, se a base de toda a presunção é que o fato presumido corresponda a quanto normalmente costuma acontecer, é inegável que o fato normal é antes a ignorância do direito da parte da generalidade dos cidadãos, que na enorme congérie de leis, emanadas sem interrupção, ficam impossibilitados de conhecer, nem só todas, mas até uma pequena parte. 10

23. Ante a inaceitabilidade da presunção do conhecimento, tenta-se justificar a ineficácia da ignorância da antijuridicidade com o princípio da obrigatoriedade da lei. Como o direito objetivo não seria outra coisa que a vontade soberana dirigida ao ordenamento jurídico e manifestada com as formas prescritas, e posto que a soberania do Estado e, por conseguinte, a autoridade da lei manifestar-se-ia sobre todo o território, natural a sua obrigatoriedade para todos os que se encontrem dentro de suas fronteiras. Conseqüência da força obrigatória da lei seria o dever de observá-la e, portanto, o dever de conhecê-la. Quem vive em um determinado lugar, quando desenvolve qualquer atividade, teria a obrigação de informar-se dos limites e das condições estabelecidas pela lei territorial. Ao descuidar deste dever, assumiria o risco da própria ignorância, não invocável como escusa. 11 A obrigatoriedade ou ímperatívidade seria o caráter essencial de toda a norma jurídica. Mesmo em confronto ao que viola a lei, ignorando-a, aplicar-se-ia o princípio geral da obrigatoriedade nenal que está de acordo com a obrigatoriedade geda rezra c nérica de todas as leis. 12 Tais pontos de vista também não convencem. O direito não pode ser obrigatório para quem o ignore. A expressão "r.urrna jurídica ignorada" chega a ser uma conircuiictio in adjecto. Se a norma fosse obrigatória mesmo para os que não a conhecem, não existiria qualquer razão de não aplicá-la ao mentalmente incapaz. Reciprocamente, admitindo-se que a norma não obriga a quem não possa submeter-se ao seu império, porque mentalmente incapaz de entendê-la, ter-se-ia que admitir a não obrigatoriedade da norma para os que estí-

s V. Manzini, ob. cít., n.º 292; R. A. Frosali, ob. cít., § 52, p. 134; J. Figueiredo Dias, ob. cít., p. 53. 9 Anibal Bruno, ob cít., tomo II, p. 493. 1o Ernesto Battaglini, Errore su legge diversa della penale, in Giusiizia Penale, vol. 39, II, col. 1.196.

V. Manzini, ob. cít., n. 292. R. A. Frosali, ob. cít., §§ 49-54; Eusebio Gomez, Tratado de Derecho Penal, 1939, I, p. 541; Laertes M. Munhoz, Erro de Direito

J:

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e Erro de Fato, in Anais do 1.° Congresso Nacional do Ministério Público, 194,2, vol. 3, p. 114.

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veram impossibilitados de conhecer o comando, porque não lhe perceberam a existência, por falta de conhecimentos técnicos suficientes para penetrar o sentido da lei, ou pela própria ímpossíbilidade de conhecer o conjunto das leis dos Estados modernos. 13 Por outro lado, a sanção pela inobservância do dever de conhecer as leis, seria a pena do crime concretamente cometido. Ora, pelo princípio da especialidade, todo o preceito deve ter a sua sanção própria, sendo inconcebível que a sanção fixada para um determinado preceito possa garantir também outra obrigação. 14 Isto importaria em criar-se um crime atípico, com a negação do nuüum. crimen. nulla poena sine 15 Zege. Justificando a ínescusaoníôaoe do erro sobre a proibição pela obrigat1oriedade do conhecimento da lei, ilude-se mas não se resolve o problema. A obrigatoriedade do conhecimento não é o conhecimento. Se, não obstante a obrigatoriedade, o conhecimento falta, surge novamente a dificuldade em estabelecer-se se há culpa pela desobediência a uma norma que não se conhece. '.É insuficiente afirmar que quem transcura o dever de conhecer a lei, assume o risco da própria ignorância a qual não poderá ser invocada como escusa. A responsabilidade decorrente do descuido em conhecer a lei não é a mesma que a responsabilidade de uma consciente desobediência à lei conhecida. 10 24. Parte da doutrina italiana, fundamenta a irrelevância no arbítrio formalmente ilimitado que teria a lei na fixação dos extremos da própria aplicabilidade. 17 Diz-se que é preciso 13

Orazio Condorelli, Ignorantia iuris, 1926, apuâ Angelo Ermanno Cammarata, Sul Fondamento del Principio "Ignorantia iuris non excusat", in Rivista lnternazionale di Filosofia del Diritto, 1928, col. 328. 14 Antonio Pecoraro-Albani, Il Dolo, 1955, p, 87. 15 Everardo Luna, ob. cít., p. 203. 16 B. Petrocelli, ob. cít., p. 126. 17 A. E. Cammarata, ob. cit., col. 357.

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distinguir entre obrigatoriedade e aplicabilidade da norma. Se obrigação é, na sua essência, necessidade de agir segundo a norma, sendo esta ignorada, falta um dos elementos de que a obrigação é síntese. Diverso, entretanto, seria talar de aplicabilidade da norma. Quando se diz errar vel ignorantia iuris non excusat ou errar iuris cuique nocet, afirma-se que as conseqüências que a lei liga a um ato (delito, contrato, ato processual etc.), não podem ser evitadas ainda que se as ignore. Não se trataria, portanto, de estabelecer como a lei seja obrigatória para quem a ignore, mas somente de fixar como e porque deva ela ser aplicada mesmo contra ignorantem vel errantem.

18

O defeito desta orientação reside em iludir o ponho central do problema que se encerra na seguinte pergunta: é possível impor a quem ignora a lei, conseqüências que esta coliga à uma ação? Para respondê-Ia é necessário, ou admitir inteiramente, ou inteiramente negar a ligação entre sujeito e norma. Não se pode dizer que a norma para ser obrigatória, deva ser conhecida, mas, que as conseqüências nela previstas possam se produzir, mesmo se ignoradas, porque, em tal caso, não se compreende mais o que seja a obrígatoríedade da norma. 19 25. Conceituando o direito como mero juízo hipotético, outros procuram deduzir desta concepção o princípio da ínescusabílídade da ignorância do ilícito. Para Zitelmann, apenas aparente seria o aspecto normativo do direito, já que a sua real essência constituiria em estabelecer um liame entre o fato e certas conseqüências, isto é, em unir a determinadas premissas, determinados efeitos jurídicos, no sentido de que, apresentando-se as primeiras, juridírs p. 134. 10

o. Condorelli, ob. cit., ps. 32 e 35, apud B. Petrocelli ob. cít., B.

Petrocelli, ob. cit., p. 135.

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camente seguem-se as últimas. 20 Dentro de tal esquema a aplicabilidade da lei não estaria subordinada a fatores 'de índole subjetiva. Também Esposito sustentou que o princípio de que a ignorância não escusa, decorre de não ser o direito norma. A norma é atuante no ânimo de quem deve operar e nisto se encontra o seu modo de ser. Valorando ela ilumina comandando obriga. Ora, nenhum destes momentos essenciais à norma seria essencial ao direito. Daí a possibilidade de transgredir uma disposição não conhecida ou de realizar um ato conforme a ordem jurídica sem conhecer o direito. Entre os caracteres do direito, estaria, em primeiro posto, o da heteronomia, pelo qual o direito, quaisquer que sejam as suas origens e a sua formação histórica, não procede segundo a sua natureza conceitual, sendo extrínseco ao sujeito avaliado e ao objeto regulado. Desta forma, quem atua nem deve conhecê-lo, nem precisa se orientar, positiva ou negativamente, pelas suas regras para que o comportamento seja conforme ou disforme a esta medida extrínseca. 21

Não nos parece exato encarar o direito como mero juízo hipotético, mormente no campo punitivo. A missão do Direito Penal é amparar os valores elementares da vida da comunidade, tutela que se alcança proibindo e ameaçando de pena as ações que tendem a lesar tais valores. 23 Em tais condições, o direito apresenta-se como conjunto de comandos e proibições à vontade individual, desenvolvendo-se mediante um movimento de vontade a vontade: da vontade que estabelece a regra à vontade que à regra se deve adaptar. 24 Não há dúvida que as normas penais encerram uma valoração objetiva, quando selecionam as condutas que contravêm o direito e são merecedoras de pena. Sob este aspecto, são normas objetivas de valoração, isto é, juízos sobre determinados estados e acontecimentos do ponto de vista do direito, dos quais se origina a antijuridicidade. Mas, destas normas de valoração, são deduzidas normas subjetivas de determinação, vale dizer, imperativos e proibições à vontade individual, cuja violação dá lugar à culpabílídade. 25 Assim, das disposições que definem fatos como crimes, deduz-se um comando à vontade individual, impondo-lhe a obrigação de abster-se ou de ter certo comportamento. Sem o comando não há norma penal, mais norma conexa a esta e só por isto incluída na lei. O Direito Penal - diz Bettiol - faz apelo à vontade individual. E a culpabilidade é a desobediência do querer particular à vontade da norma. 26 O acerto destas considerações afigura-se-nos irrecusável. A imperatividade é da essência do direito, que se apresenta como relação entce a vontade estatal e a vontade individual. No ordenamento jurídico penal, existem, aliás, regras que só

De maneira análoga, Kelsen, no terreno da culpabilidade, sustentou que o juízo pelo qual se atribui ao homem a culpa de determinado evento, aparece com total independência daquilo que se desenvolve no interior do sujeito, decorrendo exclusivamente de ser o comportamento externo proibido por uma norma. Por isto, ennre a conduta e o sujeito haveria relação semelhante à existente entre Normobiekt e Normsubiekt e o estar alguém em culpa, frente a qualquer coisa não decorreria de tê-la previsto e querido, mas simplesmente de não dever fazê-la. 22 20

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Zitelmann, Irrtum und Rechtsgechéift, p. 201, apud B. Petro-

cellí, ob. cít., p. 129.

23 Estes valores são os bens e interesses jurídicos. A respeito, v. Miguel Polaino Navarrete, El bien [uriâico en el Derecho Penal, 1974. 2-1 M. Gallo, ob. cit., p. 126,. 25 E. Mezger, ob. cít., II, p. 240.

21

Carlo Esposito, La conoscenza âella Legge nel Diritto e nella morale, in Rivista Internazionale di Filosofia del diritto, 1935, p. 413. 22 H. Kelsen, HaJyptprobleme, p. 138, apud Petrocelli, ob. cit., p. 131.

26

1

G. Bettiol, ob. cit., p. 66.

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podem ser explicadas pela função imperativa do direito. As normas sobre a culpabilidade são sempre valorações da posição do sujeito ante o dever jurídico. 27 Também o princípio da legalidade só se explica ante a função imperativa do direito e não teria razão de existir se este fosse simples juízo hipotético. Ora, se o direito é conjunto de comandos e proibições parece óbvio que para atuar deve poder ser conhecido pelos destinatários, pelo menos de uma maneira profana. Um comando só pode funcionar como tal, quando dele tenha ou possa ter conhecimento o comandado. De outra parte, sendo da estrutura da culpabilidade o contraste entre o querer individual e a vontade do direito, não há como negar, que para a vontade do particular ser considerada como desobediente é necessário que a norma lhe tenha sido conhecida, ao menos potencialmente. es Adotada a concepção imperativa, não é fácil conciliar a natureza do direito com o princípio da irrelevância do desconhecilmento do injusto. Houve, é certo, tentativas de harmonizar ais, duas coisas. A função imperativista do direito não levar~a à necessidade do conhecimento da lei, porque tal funçao seria predisposta, não em relação às simples individualidades, mas em confronto à maioria dos destinatários. w O pensamento central da concepção imperativística vale dizer, a idéia de que a proposição jurídica const:i.tui um' anelo dirigido à vontade dos destinatários signífícaría, não que a norma seja um comando, mas que é idônea a funcionar como tal. 30 Estas explicações, porém, são deficientes. Dizer que a norma é um comando em potencial, é adotar um conceito 27

za

B. Petrocelli, ob. cit., p. 133.

A. Pecoraro-Albani, ob. cít., p. 70. Remo Pannaín, Manuale di Diritto Penale, 1950, I, p. 300; M. Gallo, ob. cít., p. 131. ao M. Gallo, ob. cít., p, 127. 29

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contraditório. Por definição, comando é algo atuante, é ordem efetiva, dirigida a alguém, que, por necessidade lógica, só funciona quando possa ser conhecido. Não é admissível sustentar, como faz M. Gallo, que a lesão de direito só pode ser estabelecida mediante um ato de vontade que se rebele contra os valores normativamente propostos e, depois, admitir que esta rebeldia possa configurar-se independente da possibilidade de cíêncía, pelo particular, dos valores contra os quais se opõe. 31 Trata-se de posições incompatíveis e os que tentaram conciliá-las terminaram negando a própria natureza imperativa que pretendiam salvar. 32 Curiosa, a respeit:o, é a posição de Petrocelli, para quem se deve distinguir entre necessidade lógica do conhecimento da lei e prova deste conhecimento. Afirma que para ser comando o direito deve ser conhecido, mas que isto não significa que, caso por caso, seja necessária a prova desse conhecimento, prova que seria tão incerta a ponto de impossibilitar o funcionamento do Direito Penal. Apresentar-se-iam na matéria, duas exigências: uma, de ordem lógica, da necessidade do conhecimento e, outra, de ordem prática, de não permit:ir a prova a respeito. A fusão destas exigências conduziria a resolver o problema, reafirmando o critério da presunção do conhecimento da lei, solução mais próxima da realidade das coisas. 33 Se bem que represente louvável esforço no sentido de harmonizar os preceitos, de direito posítivo acerca da irrelevância do desconhecimento da lei com a função imperativa do direito, essa orientação parece insustentável. Além de reviver a desacreditada teoría da presunção absoluta do conhecimento das leis (supra n.? 22), incide a formulação de Petrocelli, em manifesta contradição, uma vez que, depois de declarar pe31 32 33

Gallo, ob. cít., p. 127. A. Pecoraro-Albani, ob. cít., p. 72. B. Petrocelli, ob. cít., p. 136.

M.

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remptoriamente que a obrigatoriedade da lei está subordinada ao seu conhecimento, vem a afirmar que este conhecimento é presumido juris et de jure. Com isto, estaria impossibilitada qualquer investigação acerca da conscíêncía da antijurídicidade, a qual reduzir-se-ia a mera ficção. 34 Aceita a função imperativa do direito, o máximo que se pode conceber, ante sistemas legislativos que estabelecem a proibição de invocar o erro de direito como escusa, é que há uma presunção juris tantum do conhecimento da lei. É a correta posição de Pecoraro-Albani. Nota ele que o próprio direito positivo, em alguns casos, admite a relevância do error iuris, como sucede nas hipóteses em que o agente deva estar consciente da arbitrariedade, injustiça ou ilegitimidade da própria conduta, bem como nos casos de erro de fato, derivado de erro sobre lei extra.penal e de erro sobre causas de justificação. Em seguida, afirma que o ordenamento posâtívo, só em linha de princípio, veda a prova da consciência da antijurídicidade, mas não exclui tal consciência aos fins da culpabilidade. Acolhe-se, assim, a teoria da presunção, que se mostra a mais adequada à interpretação do direito. Mas a presunção não é absoluta e sim relativa. 35 26. De maior prestígio são as teorias que fundamentam a irrelevância do error iuris em razões de polítãca criminal. Proclama-se, que se fosse necessário demonstrar, em cada caso, que o sujeito teve conhecimento da norma ou se este pudesse aduzir como escusa a ignorância ca mesma, a imperatividade do direito reduzir-se-ia a mera ficção. 36 Ao declarar-se que a ignorância ou a errada compreensão da lei não eximem de pena, firmar-se-ia, por isso mesmo, "um preceito considerado essencial para a plena eficácia das normas repres34 35 36

A. Santoro, Manuale, I, p. 361. A. Pecoraro-Albani, ob. cit., p. 103. G. Maggiore, ob. cit., p. 533.

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sívas, Se se pudesse alegar o desconhecimento da lei penal,

para eximir-se o agente de responsabilidade, não haveria mãos a medir na formulação e conseqüente · acolhimento das escusas". 37 o princípio umorantia legis nem excusai teria como fundamento uma exigência de é ará ter prático: "a ordem jurídica não poderia subsistir sem que às leis se tornassem obrígatórías desde sua promulgação. Não seria possível, sem prejuízo do equilíbrio e da segurança que dimanam do direito constituído, que a todo momento houvesse necessidade de indagações a respeito do conhecimento e exata compreensão, por parte dos interessados, do preceptum legis aplicável". 38 À exigência da justiça, de que haja a possibilidade de conhecer os comandos e proibições para que se possa pretender a sua observância, opõe-se outra exigência, não menos justa, qual seja, 'o interesse do Els1tado de que o vigor das normas penais não reste ilusório, através de indagações sobre o seu conhecimente, o que determinaria a inaplicabilidade da lei em grande número de casos práticos. 39 A estas razões, acrescenta-se que em países culturalmente menos desenvolvidos, emprestar relevância ao erro sobre a antijurídicidade, seria pernicioso do ponto de vista da defesa social. Nelson Hungria, depois de aludir à tendência, nos sucessivos projetos de novo Código alemão, para a abolição da diversidade de tratamento entre erro de direito e erro de fato, afirmava que "em países como o Brasil, onde impera o analfabet:ismo e em cuja vastidão a consciência jurídica do povo escasseia à proporção que se distancia do litoral, seria erro gravíssimo a admissão da generalizada relevância do erro de direito. Afora o caso de crimes que atrocitatem: facionoris habent, estaria criada para a gente inculta dos "morros" e a1

Basileu Garcia, ob. cít., I, tomo I, p. 274.

38

J. Frederico Marques, ob. cít., II, p. 242.

ao

S. Piacenza, ob. cít., p, 129.

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do remoto sertão, com o elastério da escusativa, um verdadeiro bill de indenidade contra a justiça penal. Abolido, irrestritamente, o errar iuris non prodest, haveria uma demarcada proteção a indivíduos socialmente desajustados, redundando, em grande número de casos, no irrisório espetáculo da autoridade penal sem função". 4º Se bem que não se possa desconhecer o valor prático da exigência política da aplicabilidade geral da lei, nem mesmo as razões acima expostas conseguem convencer da necessidade do princípio da ineficácia do erro sobre a antijuridicidade. · Não é concebível que uma necessidade prática leve a conseqüências que contrastam com o sentido de justiça. As dificuldades de orientar-se seguramente na selva das normas, são acentuadas pelas oscilações da jurisprudência e mesmo pela imperfeição de muitas leis, elaboradas às pressas, para satisfazer urgentes necessidades. Dadas as incertezas que inevitavelmente derivam de tal estado de coisas, é indubitável que a quem se engana sobre a lei penal, muitas vezes, não se pode reprovar sequer por mínima negligência. 41 Ora, razões de utilidade não devem chegar a este extremo de permitir a aplicação objetiva da lei penal, com a negação de imperativos de justiça, até porque o respeito a tais imperativos constitui uma necessidade social mais relevante do que a da própria eficácia repressiva das regras penais. Como ponderou Anibal Bruno, não pode deixar de conduzir o jurista à perplexidade, uma razão de política criminal, a que se contrapõe o princípio de justiça, princípio que constitui a limitação necessária às práticas sugeridas pela necessidade política. E o regime de direito que não sabe satisfazer esta segunda exigência, sem

''º Nelson Hungria, ob. cít., I, p. 386 e O Erro de Direito em Matéria Penal, 1959 (Separata da Revista Scientia Jurídica, tomo VIII, p. 15). 41 F. Antolisei, ob. cít., p. 218.

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sacrificar a primeira, é um sistema imperfeito. Na verdade, a realização da justiça constitui valor jurídico superior à segurança, à necessidade e à utilidade social. Invocando Hartmann e outros filósofos do Direito, observa Everardo Luna que o valor fundado é superior ao fundante: "Se a segurança é fundante e a justiça fundado, o valor jurídico superior não é a .segurança, mas a justiça. Ora, se a segurança é fundante e a justiça fundado, objeto da segurança é a justiça, isto é, o que se msa assegurar, antes de tudo, é o supremo valor da justiça. Segurança de outros valores com o sacrifício da justiça não é segurança jurídica, mesmo que se trate de utilidade, porque não se pode definir a idéia do Direito sob o prisma da utilidade, a qual cede diante do conceito de uma vontade pura,

meta ideal da sociedade juridicamente organizada". 42 Nem cabe invocar, como fundamento da supremacia das razões de utilidade sobre as exigências de justiça, a dificuldade de prova em matéria de erro sobre a ilicitude decorrente da ignorância ou falsa representação da lei. A dificuldade de prova, além de constituir um problema estranho ao Direito Penal, tem sido um tanto exagerada, em matéria de error iuris. Não está o juiz atual tão desamparado quando o direito processual moderno põe em suas mãos a livre valoração das provas. Ao contrário, no sistema do livre convencimento sempre terá elementos para avaliar a sinceridade e escusabílidade da exceção do réu, de sorte que as possibilidades de ilusão são mais aparentes do que reais. Não é impossível um conhecimento seguro do juiz, já que a dedução não decorrerá apenas da alegação de ignorância, mas das circunstâncias concretas em que o fato se desenvolveu e da própria índole do agente. Indagações mais difíceis são feitas pelo magistrado, v. g., para distinguir o dolo eventual da culpa consciente ou ·12 A. Bruno, ob. cít., vol. I, tomo II, p. 495; Everardo da Cunha Luna, Estrutura Juridica do Crime, 1968, p. 115.

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a tentativa de furto do furto de uso. 43 O próprio Ministro Hungria, contestando o argumento de que a abolição do error iuris nocet representaria um grave perigo, porque freqüente a alegação de desconhecimento ou equivocada interpretação da lei; é difícil demonstrar-lhe a insinceridade, ressaltou que o erro de direito, como excludente de culpabilidade, só funcionaria nos casos de total ru.sticidade do agente, ou quando se tratasse dos crimes denominados convencionais, ou então nos casos de noiatio legis, estando ausente do país, na ocasião o excipiente, ou sendo perfeitamente possível o seu equivocado ontendimento, Fora daí, a alegação seria toto coeio inverossímil ou lastreada de má fé. 44 Sob outro aspecto, não é decisivo o argumento de que, no Brasil, por imperar o analfabetismo, seria imprescindível a manutenção da regra da irrelevância do erro de direito. Precisamente, onde o número dos que desconhecem a lei é maior, é que mais condenável se torna a rigidez do errar iuris nocet, sendo. absurdo, pretender que a lei, elaborada para quem sabe ler e meditar, raciocinar e deliberar com· segurança sobre os problemas da vida, seja indistintamente aplicada a todos os brasileiros, transformando-se em instrumento de iniqüidade contra a parcela valorosa e respeitável de sua população, representada pelos analfabetos e apedeutas, gente rústica e· simplória, vivendo nos rincões afastados, nas vilas pacatas, de costumes rudimentares e inocentes. 45 Do que se deve cuidar, é de estabelecer um critério, que permita ao juiz, no uso de seus poderes discricionários, examinar a alegação de desconheJ:1 E. Von Beling, Esquema de tierecno Penal, trad. de s. Soler, 1944, p. 78. -11 Nelson Hungria, Novos Rumos do Direito Penal, 1962, in Revista Forense, vol. 198, p. 24.

-1° José Duarte, Comentários à Lei de Contravenções Penais, 1958, vol. I, p. 400.

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antijurídicidade, a fim de, ou isentar o autor de quando a ignorância seja plenamente escusável, ou 11 l.1 nu 1· a sanção, de acordo com o grau de desculpabilidade, 1111 1 l rd , negar-lhe qualquer relevância quando derivada de 1·11 lpí v 1 de ajustamento do autor às exigências da ordem J111· cJI o-penal. 1•!111t

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1111,

CAP ÍTULO IV

DOUTRINAS SOBRE A EFICÁCIA DA IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE 27. Colocação do problema. 28. Teoria psicológica do dolo. 29. Teorias normativas do dolo. 30. Schuldtheorien: teoria extrema e teoria limitada da culpabilidade. 31 . Crítica à teoria dos elementos negativos do tipo. 32. Critérios para a escusabilidade da ignorância do injusto por erro de direito.

Em termos doutrináríos, o reconhecimento de eficácia ao erro de proibição, bem como a extensão de tal eficácia, dependem da posição que se atribua ao conhecimento da antijurídicidade, na estrutura do delito. Há, a respeito, três posições: a) a dos que negam à consciência da antijurídicidade participação no dolo; b) a dos que incluem a consciência da antijuridicidade entre os elementos intelectuais do dolo; e) a dos que situam a consciência da antijuridicidade entre os fatores que fundamentem o juízo de censura pessoal, em que consiste a culpabilidade. De cada uma das posições acima decorrem conseqüências diversas. Para os que negam ao conhecimento da ilicitude participação na estrutura do dolo, o erro quanto à proibição é irrelevante, com possível ressalva apenas para os casos em que, na própria descrição típica do crime, haja expressa referência à ínjurícídade e das descriminantes putativas decorrentes de erro de fato. Já para quem inclui a consciência da antijuridicidade entre os elementos do dolo, a ignorância da 27.

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proibição, por implicar em convencimento da licitude da conduta, necessariamente o excluirá e, se escusável, também a responsabilidade a título de culpa em sentido estrito. Perante a corrente doutrinária que situa a consciência da antijurídicidade entre os fatores que fundamentam o juízo de reprovação pessoal incidente sobre o autor, a ignorância da ilicitude, de acordo com o grau de sua escusabilidade, será causa de isenção ou de diminuição da pena, conforme anule ou atenue a culpabilidade. :É útil examinar cada uma destas posições:

conhecimento -1 E1m suma, ante· as leg.slações que enunciam a norma da absoluta inescusabilidade da ignorância sobre a lei penal.mão teria qualquer base dogmática a teoria que faz da consciência da antijurídicidade elemento do dolo. r; f; comum, porém, entre os que adotam tal posição, o reeonhecímento de que a consciência da antijurídicidade deva ser exigida, excepcionalmente, nos casos em que a lei, ao descrever determinado delito, mencione deva o mesmo ser cometido ilegítima, abusiva, indevida, arbitrariamente ou sem justa cama. Nestas e em semelhantes hipóteses que a doutrina d.EnoJnina de ilicitude especial, a antijurídicidade da conduta é elemento constitutivo do crime e, por isto, deve ser conhec'da. 0 Contudo, tal orientação não é pacífica, havendo quem entenda que, nem mesmo nestas hipóteses, seria reconhecível a necessidade de incluir a consciência da ilicitude no dolo. Expressões como indevidamente, ilegitimamente etc. representariam meras condições de especificação do genus da antijuridicidade e não da antijurídicidade penal. Estariam elas integradas ao fato e, faltando aqueles requisitos, faltaria o fato constitutivo do delito, de sorte que o erro do agente sobre os mesmos seria erro de fato. 7

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28. A teoria psicológica do dolo nega que a este pertença a consciência da antijurtdicidade. Diz-se que isto ocorre pelo caráter objetivada antijurídicidade é a independência entre esta e a culpabilidade. 1 Sustenta-se mais que, para a existência do dolo, seria exigida a intenção de ocasionar o evento, mas não a intenção de violar a lei. 2 Acentua-se, também, que emprestar à falta de consciência de antijurídicidade o eíeíto de excluir o do'o, não constitui solução recomendável, porque leva erroneamente a considerar como culposo o procedimento de quem sabe o que faz, mas não sabe que não deve fazê-lo. 8 Ao lado destes e outros fundamentos teóricos, freqüentemente se invoca, como decisivo, um argumento de direito constituído: em face das legislações que, expressamente, aludem à irrelevância do erro de direito, a regra de que' à' ignorância da lei não escusa, basta para evidenciar a irnpossibilidade de in~luir no dolo o conhecimento da antijuridicídade. 3-à A culpa moral e a cu.pa jurídica seriam coisas diversas: nquanto a culpa. em sentido ético pressuporia sempre o conhecimento da norma e do dever que dela deriva, à culpa jurídica, por força do error iuris nocet, subsistiria sem· aquele 1

:1

R. Nufiez, ob. cít., p. 12; A. Pirodi, ob. cít., p. 90. V. Manzini, ob. cít., p, 331. Graf Zu Dohna,· ob. cít., p. 76.

ª-" E. Gomez, ob. cít., p.

437.

29. a) A inclusão da consciência da antijurídicidade no dolo é defendida pela doutrina tradicional 8 e pela teoria extrema do dolo. ~ Proclama-se que, como conceito jurídico, o do~~~? se identif~c~ _c~~- a yontad~. ?f ~-º1:1 a r~pr~~~t~9ão, •

Antolisei, ob. cít., p. 179. A. Frosali, ob. cít., § 287, p. 538. o Antolisei, ob. cít., p. 188; F. Von Liszt, ob. cít., p. 414; E. Flo-: rian, ob. cít., n. 358. . 7. A. Cristiani, ob. cít., p. 91; A. Frosali, ob. cit., n. 287, p, 5'38. s Carmignani, Elementa iuris criminalis, 1829, I, p. 55; Romag.,. nosí, Genesis, § 1.334; oarrara, Programa, § ·69; Pessina, ob. cit.; p. 332; E. Ferri, ob. cít., p. 399; Belíng, ob. cít., § 24. !J A. Bruno, ob. cít., I, p. 451. 5

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no sentido natural ou psicológico destes termos. Supõe relação frente à ordem normativa, ante a qual o fato, com anterioridade lógica, foi qualificado, isto é, a corusciência ou a vontade de violar a lei. Acrescenta-se não ser possível fazer referência ao conteúdo subjetivo doloso de uma ação, senão pensando que esta é proibida. 10 A mera consciência de ocasionar o resultado é considerada insuficiente para caracterizar o dolo, porque tal consciência também existe na culpa imprópria ou por extensão. 11 Sob outro prisma, argumenta-se que a exigência da capacidade de conhecer a criminalidade da conduta para que o autor seja imputável e a isenção de pena por convicção de licitude, derivada de erro de fato (descrímínantes putativas) pressupõe a aceitação do conhecimento da antijurídicidade como elemento do dolo. Tal requisito nem mesmo pode ser substituído pela representação do caráter lesivo. da ação, 12 ou de sua imoralidade ou de seu desvalor social. 13 Relacionada aos critérios pessoais do autor, a consciêr:cia: da lesividade da ação conduz a um intolerável subjetivismo: a valoração legislativa de um interesse seria substituída pela valoração pessoal de quem atua e a suposição de não estar causando um dano excluiria o dolo mesmo que presente o conhecimento do caráter proibido da ação. 14 Exigida a representação da imoralidade da ação ou de seu desva-

r social, tornar-se-ia impossível considerar dolosas, infrações Jl e não contrastam com princípios éticos, como as de criação p lítica. Também os delinqüentes habituais, privados de senso 1 oral, não cometeriam infrações: com dolo, o mesmo ocorrendo · m quem pratdcasse o crime por sentir-se a tanto obrigado p r imperativos de consciência, ditados por sentimento relif'I so. 15 Por tais motivos, insiste-se em ser indispensável ao ct lo algo miais que o conhecimento da lesividade, imoralidade o desvalor social da ação, ou seja, a consciência da antijuridlcídade, entendida como o conhecimento profano de que se r liza algo proibido, reprovável pelo direito, infringente de uas obrigações jurídicas. 10 Inelutável conseqüência da presença do conhecimento da tijuridicidade, entre os elementos intelectuais do dolo, é a t x lusão deste pela ignorância da proibição. Com efeito, a t rrônea convicção de licitude é absolutamente incompatível -om o conhecimento de estar contrariando o direito. Inciente d> contraste entre o comportamento e o dever êtíco-jurídíco, ,, utor poderia ser punido a título de culpa, jamais de dolo. 17 ndo o conhecimento da antijurídicidade exigência positiva d< dolo, a ignorância da ilicitude incluir-se-ia na respectiva t. • ria, como sua face negativa, para o efeito de excluí-lo. 18 A esta construção opôs-se o inconveniente prático de pertil t r a impunidade em larga medida. Desde que o delito «utposo só é punível quanto a um limitado número de tipos

Soler, D. Penal Argentino, II,

10

S.

11

P. Mantovani, ob. cít., p, 96.

§

42, p. 99.

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12

A consciência da lesividade da ação foi considerada elemento do dolo por Impalomení, ob. cit., p. 246; A. Rocco, L'oggetto deZ Reato, n. 161; M. Gallo, Il Dolo, Oggetto e Accertamento, 1952, p. 164; F. Von Liszt, ob. cit., p. 412; Arthur Kaufmann, Das Unrechtsbewusstsein in der Schuldlehre, 1949, p. 194. 13 A teoria sobre a consciência da imoralidade no dolo tem origem no conceito de dolus malus · do Direito Romano e foi sustentada pela Escola Romanista Italiana (cf. L. J. Asúa, Tratado, vol. V, p. 457). A respeito da representação do desvalor social como componento do dolo, ver L. J. Asúa, Tratado, v, p. 459. 14 P. Albani, ob. cít., p. 80.

No sentido do texto, Antolisei, ob. cít., p. 182; R. Pannain, lt., p. 305; E. Belíng, ob. cít., p. 30; J. Cordoba Roda, ob. cit., p O ; B. Petrocelli, ob. cit., p. 125. 10 Mezger, ob. cit., II, p. 143; L. J. Asúa, La Le'JI y ei Delito, p. 389. 11 Beling, ob. cit., p. 82; s. Soler, ob. cít., vol. II, p. 79; Miguel e hw 1 z r, El error de derecho en materia penal, 1964, p, 79; A. 1111111 , ob. clt., II, p. 493 e E. Magalhães Noronha, ob. cit., I, p. 193. 111 • Mezger, ob. cit., p. 94; sauer, ob. cit., p, 229 e Lúcio E. 111 rc r , El Error en Materia Penal, 1971, p. 135. 111

111,

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penais, comportamentos de gravidade considerável teriamque ficar impunes pela ausência do correspondente tipo culposo, quando o autor não tivesse representação da ilicitude de seu atuar, ainda que, com uma diligência mínima, o. erro tosse evitável. rn b) Tenta sanar tal defeito a teoria limitada do dolo. 20 Também para esta, o erro de proibição, quando evitável, exclui o dolo e deixa subsistente a responsabilidade a título de culpa. Porém, quando o autor haja revelado, com seu ato,· uma e pecial cegueira jurídica é cabível castigá-lo como se houvesse procedido dolosamente. Esta solução, entretanto, não é uma solução sistemática, mas uma especulação fundada em pressupostos éticos. A especial cegueira jurídica é um conceito vago, cujo conteúdo é impossível de precisar e que pode se prestar a todo gênero de arbitrariedade. 21 3(). Tendo em vista. que a inclusão da consciência da antijur.dicidade na estrutura do dolo toma deficiente a tutela dos interesses sociais, por conduzir à absolvição de todos que, por erro culposo acerca da ilicitude da conduta, cometam delitos só puníveis na forma dolosa, te · a cul abilidade, sem incidir nos inconvenientes da teoria Íimitada d;dolo, ofereceram outras soluções. As Sctiuuitheorieri 22 são aceitas pelos partidários da teoria tinalhsta da ação. Concebendo o dolo como a simples consciência e vontade de realizar o tipo objetivo, ,o finalismo desloca o conhecimento da antijurídicidade da estrutura do dolo, 1H Enriqu Cury, Orientacion. para el estudio de la teoria del delito, 1973, p. 207. · · i. eo Mezger, Tratado, II, ps. 151 e segs. e D. Penal, Libra de estudto, trad. de Conrado A. Finzi, 1955, I, p. &9, II, 4, ps. 250 e segs, 21 Enrique Oury, ob. cít., p. 208. ~:J. A evolução da Schuldtheorie é exposta com maestria pôr J. Cor.,oba Roda, ob. cit., ps. 111 e segs. · ·· ··

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para situá-lo no campo da culpabilidade. Este é o juiz de censura pessoal, que recai sobre o autor, juízo para o qual se deve levar em conta o conhecimento real ou potencial do injusto. Diz-se que culpabilidade é reprovabilidade: acarreta ao autor a reprovação pessoal por não haver omitido a ação antijurídica apesar de haver podido omiti-la. E como tal reprovação pressupõe que o autor podia formar sua dec'são de maneira adequada à norma, segue-se que é necessário estivesse ele em condições de conhecer a antijurídicidade. Ora, incidindo o erro de proibição sobre tal conhecimento; constituiria não causa de exclusão do dolo, mas de atenuação ou ' da reprovabilidade. Como o erro evitável da proibição exclusão atenua a reprovabilidade e, portanto, a pena, na medida de sua desculpabilida-de, resulta que deve ligar-se à cu1pabiEdade. Ou em outras palavras: não· pressupondo o dolo o conhecimento da norma, a consciência do injusto não o integra. Seu lugar sistemático é no juízo da reprovação, isto é, na culpabilidade. E como a culpabilidade é uma valoração e não um processo psicológico, não é necessário que o conhecimento do injusto se apresente em forma atual, bastando que seja potencial. A falta de conhecimento do injusto const:itui erro de proibição (independente do erro de tipo), a ser díscíplínado no âmbito da culpabilidade. O delito é um processo tipicamente antijurídico que se reprova ao autor por haver podido conhecer o injusto de seu atuar. O conhecimento do injusto encontra-se fora deste processo, não podendo, por conseguinte, ser elemento do dolo. Real ou potencial, é tal conhecimento elemento da culpabilidade, autônomo frente ao dolo. 2': Há, entretanto, divergências quanto ao tratamento do erro sobre as causas de justificação, originado de má apreciação dos fatos: uma corrente considera que tal erro deve ser zs H. Welsel, ob. cít., § 19; R. Maurach, ob. cít., II, ps. 131 e 144; Richard Busch, Modernas Transformaciones en la teoria del delito, 1973, p. 20.

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equiparado ao erro de proibição por desconhecímerito da norma,. ou ~o âmbito de uma causa descriminante, porque ambos implicam em ignorância da antijuridicidade (teoria extrema da culpabilidade); outra corrente distingue entre o erro ~~e c~nsiste na suposição de um fato inexistente, do qual se or.g nana um erro de tipo, com exclusão do dolo e aplicação da pena correspondente à culpa, sempre que o erro for evitável e existir o correspondente tipo culposo, e o erro de quem, embora tenha apreciado corretamente a situação de fato, engane-se quanto à espécie ou âmbito de uma causa de justificação, erro este que será considerado de proibição, excluindo a culpabilidade, se inevitável e a atenuando, facultativamente, se evitável (teoria limitada da culpabilidade). a) teoria extr da-culpabilidade (strenge Schuldtheorie) evita desigualdade no tratamento de situações análogas (ignorância da antijurídicidade por erro vencível de direito e ignorância da antijurídicidade por erro vencível de fato). Em qualquer dos casos, o decisivo é a possibilidade ou não, de ser o autor censurado pela ignorância do injusto. Inexistindo censura, não há culpabilidade nem pena. Ocorrendo esta, o respectivo grau é levado em conta, para o efeito de sua facultativa atenuação, pois a ignorância é, então, imputável à negligência. Tal negligência pode residir, quer na falta da devida atenção à situação fática, quer na displicência do autor em informar-se sobre as proibições jurídicas ou a estas adequar o comportamento. Desta forma, o conhecimento da antijurídicidade, necessário à censura pessoal e, portanto, à culpabilidade, não é só o conhecimento atual, mas o conhecimento potencial, vale dizer, a simples possíbílídade de se dar conta do caráter ilícito do comportamento até ' porq_u~ o juízo de reprovação que integra a culpabilidade, é um juízo de valor e não um fato psicológico. 24 24 H. Welsel, ob. cít., § 19 e R. Maurach, A Teoria da Culpabilidade no Direito Penal Alemão, in Rev. Brasileira de Direito Penal e Criminologia, vol. 15, ps. 20 e segs.

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Corno se vê, a teoria extrema da culpabilidade leva às últimas conseqüências a colocação da consciência da antijurldícldade, não na estrutura do dolo, mas entre os fatores do juízo de reprovação)A grande vantagem desta teoria é a de impedir espaços vazios ou brechas no sistema dos fatos puníveis, inevitáveis ante a teoria normativa do dolo (teoria extrema), em caso de ignorância vencível da antijurídicidade, em crime não punido na forma culposa. Com efeito, como já se viu, para evitar a impunidade, em tais casos, face à referida posição, seria necessário ou criar-se um crimen culpae, de que de início cogitou a doutrina alemã, concebendo-a como uma culpa de direito fundada na negligência do autor em representar-se acerca da ilicitude de seu atuar, 25 ou como se pensou depois, em presumir o dolo, se a ignorância da antijurídicidade derivar de cegueira jurídica ou animosidade ao direito, ou .seja, de atitudes incompatíveis com uma razoável concepção de direito e injusto. 26 Ma.s, estas soluções são inaceitáveis, seja porque a culpa jurídica é dificilmente concebível em certa categoria de delitos, como as, fraudulentos, 27 seja porque o conceito de cegueira ou hostilidade é demasiadamente incerto. 28 b) Segundo a teoria limitada da culpabilidade, a distinção entre erro de fato e erro de direito sobre causãs de [usti25 Este tipo auxiliar de culpa jurídica foi aceito pelo Projeto, Alemão de 1936, cf. H. Welsel, ob. cit., § 22. 20 Esta construção foi proposta em 1952 por Mezger; v . J. Cordoba Roda, ob. cit., p. 62. 21 Como salientou Nelson Hungria, não se compreenderia este novum çenus de culpa jurídica nas hipóteses de crimes fraudulentos "que uivam de espanto quando juntos com a culpa strictu senso". <Em torno do Anteprojeto de Código Penal, in Rev. Bras. Criminal. e D. Penal, vol. V, p, 9). as R. Maurach, A Teoria da Culpabilidade, loc. cit. e H. Welsel, Derecho Penal Aleman, 11.ª ed., trad. de J. B. Ramirez e s. Y. Perez,. 1970, p. 225.

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ficação é necessária, porque no caso de erro de fato, o autor seria em si fiel ao direito, querendo observar a lei, cujas exigências só não cumpre por desconhecer a realidade.)'Coisa diversa sucederia na hipótese de erro de valoração, p°6o_ qual o autor considera seu procedimento como justo, por uma representação viciosa no âmbito do dever jurídico. Neste· caso, estaria _ele em proximidade muito maior de conhecer a infração do direito, merecendo, portanto, a pena correspondente ao atuar doloso, que só poderia ser atenuada. 2D Schaffstein sustentou que esta orientação é a que melhor se amolda ao pensamento finalista, pois que o dolo deve ser referido a todos os elementos do tdpo relevantes para a valoração jurídico-penal. Não é, por acaso, distinta, -indaga ele, a finalidade do sujeito dirigida a produzir a morte de seu inimigo e a do que atua para defender-se do agressor? E conclui: a exigência de um elemento pessoal deriva-se tanto do texto dos tipos de incriminação, como do das causas de justificação. 30 Contra a teoria limitada da culpabilidade opôs-se que, do ponto de vista dogmático, incorre ela no duplo defeito de manter distinção entre erro de fato e de direito e de aceitar a teoria dos elementos negativos do tipo. Ao distinguir entre o erro, relativo à ocorrência de um fato, que, a se ter produzido, daria lugar a uma causa de justificação (A produz a morte de B por acreditar-se objeto de uma agressão inexistente), e a situação espiritual de quem, com representação correta dos fatos, engana-se sobre a justificação da conduta ( A crê-se autorizado a exercer um direito de correção sobre o menor B, que lhe é estranho), dá nova vida à distinção en

Robert Von Hippel, Deutsches Strafrecht, II, 1930, p. 349,

aincâ J. Cordoba Roda, ob. cit., p. 112. :10

F. Schaffstein, Putative Rechtfertigungsgrund, p. 196, aptiâ cít., p. 118.

J. Cordoba Roda, ob.

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entre erro de fato e de direito. 31 De outra parte, ao afirmar que exclui o dolo o erro relativo à existência de um fato, que, se real, constituiria uma causa de justificação, a teoria em apreço, implicitamente reconhece - desde o momento em que o dolo deve se estender a todos os elementos do tipo - que a ausência de causas de justificação constitui um elemento do tipo. 82 31. Impõe-se, neste ponto, analisar a teoria dos elementos negativos do tipo, pelas conseqüências que acarreta à estrutura do delito. Trata-se de construção doutrinária nascida da preocupação de enquadrar ais descriminantes putatívas (por erro de fato) no § 59 do antigo Código Penal da Alemanha. 33 Para tanto, Adolf Merbel concebeu o tipo como o conjunto de todos os pressupostos da pena (Gesamttatbestand). Entre estes pressupostos figuraria a não ocorrência de causas de exclusão da antijuridicidade. 34 A suposição pelo autor, em decorrência de erro de fato, de circunstâncias que, se reais, excluiriam o injusto, equivaleria à suposição errônea de uma característica negativa do tipo. Tal erro seria, portanto, erro de tipo, a ser tratado da mesma forma que a falta de conhecimento das características, positivas. Mais recentemente, a teoria dos elementos negativos do tipo insere-se na concepção de que o tipo constituí a ratio essendi do crime. 35 Em verdade, se o 31 H. Welsel, ob. cit., § 19; R. Maurach, ob. cit., vol. II, ps. 131 e 144; Richard Busch, Modernas Transformaciones en la teoria del delito, 1973, p. 20. 32 R. Maurach, ob. cit., vol. II, p. 140; J. Cordoba Roda, ob. cit., p. 115. 33 Carlo Frederico Grosso, L'errore sulle scriminante, ps. 32 e 57. a1 V. Heleno Cláudio Fragoso, A Conduta Punível, p. 150. 35 w. Sauer, Allgemeine Strafrechtslehre, § 14, I; E. Mezger, Leipziçer Kommentar zum Strafgesetzbuch, § 59, apud R. Maurach, ob. cit., § 24, II. Entre nós, Miguel Reale Júnior sustenta que o juízo da tipicidade e o da antijuridicidade constituem um mesmo mo-

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crime é o "injusto tipificado", toda a circunstância que exclua o injusto faz desaparecer a tipicidade. Ora, desde que as causais de justificação são excludentes do injusto, equivalem elas às características negativas do tipo e o dolo resultará excluído, tanto pelo desconhecimento de uma característica própria e objetiva do tipo, como pela errônea suposição de uma característica negativa, inexistente na realidade. Na Itália, a teoria dos elementos negativos do tipo conta com ampla simpatia, 36 sobretudo em face de contraposição legislativa entre, de um lado, a eficácia do erro sobre o fato que constitui o crime (art. 47, I), e a eficácia da suposição de existência de circunstância de exclusão da pena (art. 519, II) e, de outro lado, a inescusabilídade da ignorância da lei penal ou da antijurídicidade (art. 5.0 ). A não punibilidade do erro sobre descriminantes, regulada pelo art. 59, II, é atribuída à exclusão do dolo, do mesmo modo que a tal fenômeno é referida a relevância do erro sobre fato constitutivo do crime. Diz-se que, tanto o erro que incide sobre circunstâncias do tipo descritas na parte especial, na definição de cada delito, quanto o erro sobre causas de justificação, participam da mesma realidade, impedindo a caracterização subjetiva do ilícito penal. 37 Aceitas tais premissas, ao dolo seria indispensável, ou a representação da falta de qualquer causa de justificação, ou, 36 Adotam a teoria dos elementos negativos do tipo: P. Nuvolone, 1 Limiti taciti della norma penale, 1947, p. 13; M. Gallo, Il concetto unitario de colpevolezza, p. 19; M. Siniscalco, La strutura del âeliito tentato, 1959, p. 193, n. 8; Maliverni, Scopo e movente nel diritto penale, 1955, p. 98; s. Piacenza, ob. cit., p. 53; Boscarelli, Contributo alla teoria del concorso di persone nel reato, p. 44; A. Paglíaro, Il fatto di reato, 1960, ps. 142 e 396. 37 e. F. Grosso, ob. cít., p. 62.

mento, faltando adequação típica quando ocorre uma causa de justificação (Antijurídicidade Concreta, 1973, ps. 49 e 53).

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111 lo m n s, a ausência de errônea suposição de uma descriinlnunt . O primeiro entendimento levaria a incluir no dolo 11111 i po leão psicológica impossível de se realizar em concreto. (' im f ito, pretender que o comportamento só é doloso uuundo o autor conheça, nem só as características positivas fio tipo (v.g., ciência de que está a matar alguém), como l nd a inexistência de qualquer descriminante (v.g., ciência t que não ocorre, nem estado de necessidade, nem legítima c1 f sa, nem estrito cumprimento de dever legal, nem exercí1 regular de um direito), equivale a criar um "dolo monstruoso"," que permitiria fácil ilusão à lei. O segundo critério pr cura evitar tal defeito, satisfazendo-se com que não seja uposta a presença de círcunstâncías negativas. Não é nesária, alega-se, a representação da inexistência de qualquer descriminante; basta que não haja errônea suposição de um tado de fato que legitimaria o comportamento. 39 Se ocorr r tal equívoco, o dolo não subsiste, sendo excluído por erro de tipo. Embora esta construção permita unificar em uma só categoria as duas espécies relevantes de erro de fato, não são poucos os reparos que lhe têm sido opostos. Argúi-se que a teoria em questão acaba por identificar a antijurídicidade com a típícídade. Se o tipo é composto nem só pelas notas características do delito, incorporadas à descrição legal, como ainda por outras, de caráter negativo, extraídas de disposições gerais e consistentes na não ocorrência de uma causa de justificação, sempre que desapareça a antijuridicidade da conduta também não subsiste sua tipicidade. 4° Com isto, cria-se um círculo vicioso, pois a tipicidade só pode ser afirmada depois da constatação da antíju38 H. Welsel, H. J. Hirsch e A. Kaufmann, apud J. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 413. 30 e. F. Grosso, ob. cít., p. 35. 40 Enrique Cury, ob. cít., p. 46.

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ridicidade, e a antijuridicidade só pode ser determinada depois da constatação da tipicidade. 41 Confundidos ficam, assim, o objeto da valoração com a própria valoração, realidades que correspondem a exigências diversas e que são dotadas de eficácia distinta: o fim do tipo é o de selecionar, entre as mais variadas espécies de comportamentos socialmente perniciosos, aqueles que devam ter relevância para o Direito Penal; o fim da antijuridicidade é estabelecer a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico em seu conjunto. Desta forma, embora o fato constitutivo do crime seja idêntico, em sua materialidade, quer quando subsistam causas de justificação, quer quando estas não se apresentem, diversa é a sua valoração jurídica: a afirmação da tipicidade ímporba na constatação de um comportamento que não é penalmente indiferente; a constatação da antijuridicidade, em afirmar que a ação penalmente relevante não está autorizada por qualquer dispositivo de lei. Como o ordenamento jurídico não se compõe só de proibições e mandatos, contendo também preceitos permissivos, a realização do tipo não é necessariamente antijurídica, podendo, no caso concreto, estar excepcionalmente permitida. Tanto a ação atípica, quanto a ação típica mas não antijurídica, não acarretam sanção penal. Contudo, valorativamente, são diferentes, no sentido de que a ação atípica é neutra de valor, ao passo que não o é a ação típica ainda que [ustdfícada. Há evidente diferença entre matar uma mosca e matar alguém em legítima defesa: 42 a primeira hipótese não chega sequer a preocupar a ordem jurídica; a segunda exige da parte desta, acurada apreciação, rara que se positive a inexistência da antijuridicidade. Assinala-se, ademais, que, atribuir ao tipo uma função constitutiva da antijurídicidade, leva a admitir-se uma antijuridicidade penal distinta da antijurídicidade geral. Se a tipicidade constitui a antijurídicidade, como querem Mezger 41 42

H. Welsel, ob. cit., p. 81. H. Welsel, ob. cít., ps. 80 e 119.

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si niíica que a segunda depende da primeira ll ntemente, o legislador, ao tipificar uma conr a mesma uma antijurídicidade penal, diversa m geral, pois, do contrário, não se entenderá •a constitutiva da tipicidade acerca de certas conjá eram consideradas ilícitas, antes que se lhes uma sanção penal. Ora, a antijuridicidade é uma n 1 ,. t do o sistema jurídico, pois o direito não pode ter , 1 1c uma vontade, pelo que pretender um parcelamento da 11 c•ILU l quivale a postular um absurdo parcelamento da ptóp1· i; rdem jurídica. 4s N riticas procedem. Não é razoável fundir num único 1 1111•1 L a antijuridicidade e a tipicidade. A constatação de 1111111, da tem que ver com a constatação da outra. A tipicil11ch1, im, não é constitutiva da antijuridicidade, mas ape11 1. limitativa dos efeitos penais desta. A função do tipo, 111 1•c11·t· nte da garantia do nullum crimen nulla poena sine I, f/1', de destacar entre as condutas antijurídicas, as que cl -v m incidir em sanção penal. Há um sem número de complll'l,1 m ntos contrários ao direito que não necessitam de pc 111. riminaís, bastando, para conjurá-los, as sanções própl'l11 d s demais ramos do ordenamento jurídico. Assim, e 1111 u , dentre os comportamentos in genere socialmente p< 111\. s s, a lei penal escolhe alguns, para o efeito de co111 n r-Ih s uma de suas sanções, aplicável isoladamente ou 1 d s ito das conseqüências sancionatórias extra-penais ( 1 c pura ão do dano, repetição do indébito, anulação do ato, 11111 l ti dmínístrativa ou tributária etc.) , cabe afirmar que n I llzu, m última análise, uma limitação dos efeitos da anl,I urldí idade no campo penal. Ao Estado, no uso de seu pnd •r d império, seria possível aplicar discricionariamente m penal ao caso concreto, pela só consideração da respt ctlv: nveniência. Entretanto, em vista da gravidade das M

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oury, ob. cit., p. 46.

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penas crímínaís, da magnitude dos bens e interesses que as mesmas afetam, da segurança do direito e da necessidade de respeito às garantias fundamentais do homem, esta faculdade é limitada pelo princípio da anterioridade da lei penal: por mais anti-social ou pernicioso que seja o comportamento antijurídico, a incidência da pena criminal pressupõe que o fato esteja previamente descrito em lei como passível de sanção penal e que a espécie e limites desta hajam sido também preestabelecidos. Desta forma, nada obsta considerar a antijurídicidade como um prius em relação à tipicidade, no sentido de que, em face de um comportamento conta-ária ao direito, é que cabe indagar a respeito das conseqüências jurídicas que dele podem decorrer: se meramente civis, administrativas, tributárias etc. ou se também penais. Adotado este processo de verificação dos componentes do crime, a tipicidade, evidentemente, não constitui a antijurídicidade, que lhe é pressuposto lógico. Em verdade, constando-se, de início, que a ação não é contrária ao direito e, portanto, que não acarreta qualquer efeito sancionatório, ociosa se torna qualquer indação acerca da tipicidade: não há, então, porque se preocupar com a limitação dos efeitos penais da antijurídicidade. • Sendo a antíjurídícídade, como contradição às exigências jurídicas, geral e única. para todos os ramos do direito, a tipificação penal não a cria, mas apenas a reconhece, para aliar-lhe uma sanção específica. Realmente, enquanto a antijurídicidade é a contradição entre o concreto comportamento e o ordenamento jurídico em seu conjunto, a tipicidade é a descrição objetiva deste comportamento, com a enumeração das particularidades: que deva apresentar para incidir em pena criminal. O juízo de antijurídicidade parte, pois, de um critério geral e é o mesmo para todos os setores do direito; já a constatação da tipicidade assenta-se num critério particular e variável, pois esta difere de um para outro ramo do ordenamento jurídico. Welzel, depois de salientar o caráter geral e,

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portanto, objetivo da antijuridicidade, que a faz una e igual para todos os setores do direito, reconhece que existem tipos dístíntos em cada um destes setores. 44 Estes tipos distintos significam que se pode exigir, na conduta antijurídica, características diversas conforme a sanção que se lhes cogite impor. Vários exemplos assim o demonstram: a) a perturbação arbitrária da posse é matéria ou tdpo para sanção civil, mas não o é para sanção penal, a salvo que se apresente como furto, ou que o esbulho se revista de violência, grave ameaça ou do concurso de mais de duas, pessoas (C. P., arts. 155, e 161, II), b) os danos não dolosos não são matéria ou tipo para sanção penal, mas só para sanção civil; e) ao contrário, a tentativa de crime é matéria ou tipo para sanção penal, mas não, em princípio, para sanção civil. Não obstante isto, como proclama Welzel, a simples perturbação da posse e os danos dolosos são, por igual, antijurídicos para o Direito Penal, que contra ambos admite a legítima defesa, como também a tentativa de crime é antijurídica para o Direito Civil, para ó efeito, por exemplo, de medidas preventivas. O que é antijurídico num setor do direito, o é também em outro. 45 Se o tipo não é constitutivo da antijurídicidade, mas limitativo dos efeitos penais desta, as indagações: a respeito destes dois elementos: estruturais do crime são autônomas e independentes entre si. No processo de identificação do delito, tanto faz que se constate, em primeiro lugar, a antijurídicidade ou a tipicidade. A premissa de que a conduta é antijurídica, não leva à conseqüência de que seja típica, da mesma forma que a adequação típica não implica necessariamente em antijurídicidade. As duas indagações são sempre necessárias. Apenas, sob o aspecto negativo, uma é· prejudicial à outra, porque verificada a licitude do fato, torna-se ocioso investigar-lhe a tipicidade, do mesmo modo que, afir44 45

H. Welsel, ob. cit., p. 78. H. Welsel, ob. cit., p. 78.

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mada a atdpía, desnecessária e inútil, para efeitos penais, é a pesquisa da antijuridicidade. Se comumente parte-se do exame da tipicidade, isto se deve a ser esta mais facilmente identificável que a antijuridicidade. Com efeito, para fixar a adequação penalmente típica de determinado comportamento, basta o exame dos preceitos incriminadores do Direito Penal, de número limitado e exaustivo, por força do nuUum crimen nulla poena sine lege. Já, para estabelecer-lhe a antijuridicidade, é indispensável o exame do ordenamento jurídico em seu conjunto, certo como é que a permissão para a conduta pode decorrer de preceito extrapenal, a exemplo do que sucede com o exercício regular de um direito, com o cumprimento de um dever legal e com o consentimento do ofendido em relação aos bens disponíveis. Ninguém ignora que são estranhas ao Direito Penal as regras que impõem deveres de. praticar determinadas ações lesivas, facultam-lhe o cometimento ou permitem a livre disponibilidade de determinado bem ou interesse. Desta forma, a precedência da indagação da tipicidade sobre a constatação da antijuridicidade inspira-se somente em razões de economia, não se assentando em bases científicas ou dogmáticas .. Ora, se tipicidade e antijuridicidade traduzem valorações diversas e independentes entre si acerca do comportamento humano, sobre cujo caráter delituoso se perquire, não há como relacionar as causas de exclusão do ilícito à tipicidade, nem as causas de exclusão do tipo à antijuridicidade. A inexistência de uma em nada afeta a existência da outra. As causas de justificação, portanto, não constituem fatores de negação da tipicidade, da mesma maneira que a atipia não tem o efeito de excluir a contradição entre o comportamento e o ordenamento jurídico in genere. Dentro de tal esquema, não é, pois, aceitável a teoria dos elementos negativos do tipo, nem a conseqüente classificação, como erro de tipo, das discriminantes putativas fáticas. Estas constituem, antes, espécies de ignorância da antijuridicidade.

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32. O reconhecimento da eficácia da ignorância da antijuridicidade por erro de direito traz, em contrapartida, a preocupação de fixar critérios para o reconhecimento de sua escusabilidade. Sobretudo nos sistemas que admitem efeitos absolutóríos ao escusável convencimento de licitude, por ignorância ou errônea compreensão da lei, é necessário estabelecer limites à escusabilídade, a fim de que não se abra brechas indesejáveis no sistema penal. Revivendo construções dos direitos romano, canônico e estatutário (supra ns. 13, 14 e 15) procura-se enumerar casuístícamente os erros de proibição escusáveis e os inescusáveis. Para tanto, atende-se: ora à natureza universal ou convencional da norma violada; ora à possibilidade ou impossibilidade de conhecer o autor a proibição ou o imperativo jurídicos; ora ao estar ou não o erro baseado em interpretações inexatas de órgãos públicos, administrativos ou judiciais; ora ao caráter generalizado, ou não, do falso entendimento do direito. Examinemos: cada uma destas soluções. a) Com fundamento na conhecida distinção [usnaturalista entre crimes naturais e crimes convencionais, estabelece-se a inescusabilidade do erro de proibição, quanto a ações incriminadas pelo direito natural. As condutas imorais, intrinsecamente más, reprovadas pela própria consciência antes de o serem pelo direito positivo, não comportariam escusável ignorância de sua ilicitude. Em relação a elas, existiria uma intuição coletiva da respectdva criminosidade, capaz de impedir qualquer engano a respeito. Porém, relativamente às infrações convencionais, de criação política, ditadas por contingências de momento, seria facultado atenuar e até prescindir da punição, em caso de ignorância inculpável da ilicitude. 46 46 Conforme expõe J. Figueiredo Dias, a tese da irrelevância do erro sobre direito natural remonta a Aristóteles e foi afirmada por Cícero, S. Paulo, Sto. Agostinho, S. Tomás e Kant (ob. cít., § 5.0, ps. 100 e segs.). Ver ainda A. Sandulli, ob. cit.; Impalomeni, ob. cit., p. 245. Entre nós, Laertes M. Munhoz, ob. cit., p. 118.

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O mesmo raciocínio aplica-se ao caráter universal ou particular da infração, sobre a qual haja incidido o erro. A escusabilidade será, em princípio, inadmissível quando se tratar de infração incriminada pela generalidade das legislações. Só os autores de delito não correspondentes às normas universais de cultura podem, de regra, beneficiar-se da ignorância. 47 b) A escusabilidade da ignorância derivada da impossibilidade de conhecer as leis é admitida pelos que pensam que a respectiva ciência deve ser presumida, ou que existe um dever cívico de conhecê-la. Sustenta-se que quando a lei, que define novo crime, não chegue a ser divulgada no lugar em que este veio a ser cometido, a escusa deve ser admitida, uma vez que a razão ensina não ser absoluta a presunção do conhecimento. 48 Afirma-se ainda que, se toda obrigação vale enquanto seja exigível o seu cumprimento, a ignorância é relevante, quando era impossível tomar conhecimento da lei, o que pode ocorrer, v. g., em épocas de calamidade pública, de invasão inimiga, ou quando a publicação da lei se verificar após a data marcada para o início de sua vigência. 49 No direito francês, que admite a exceção de ignorância, quanto às contravenções cometidas nos três dias seguintes à publicação da lei (art. 4.0 , Dec. 5.11.1870), tem tido aceitação o pensamento de que a impossibilidade de conhecer ~s leis deve valer também para os crimes, entendendo-se o vocábulo contravenção no sentido mais largo de infração penal. 5° Con47

L. J. Asúa, Reflexiones, p. 113.

Roberti, Corso Completi del Diritto Penale, 1833, I, p. 409, apud Frosali, ob. cit., p. 142 e Angíoní, ob. cit., p. 54. 48

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seqüência do princípio da relativa obrigação de conhecimento é ainda a admissibilidade da ignorância relevante em caso de ambigüidade da lei. Se o texto é ambíguo, não se pode impô-lo, porque a obrigação de conhecimento da lei penal só existe enquanto seja possível observá-la. Persistirá apenas a responsabilidade a título de culpa, se era possível ao sujeito esclarecer a dúvida com pessoas competentes, 51 ou se tinha especial dever de informar-se acerca das normas jurídicas. Na última situação estaria quem exerce profissões ou atividades legalmente regulamentadas. Assim, o comerciante importador, v. g., precisaria esclarecer-se das condições de comércio exterior, para não incidir em descaminho. Da mesma forma, os médicos, advogados, engenheiros teriam de estar cientes das proibições relacionadas ao exercício profissional. 52 e) O efeito escusante da ignorância derivada de explicação de funcionário ou de sentença judiciária impor-se-ia, por ser iníquo castigar o particular que seguiu explicações de agentes da administração, encarregados de fornecer esclarecimentos sobre o alcance de determinada lei ou que repetiu fato pelo qual, antes, fora judicialmente absolvido, face ao reconhecimento de inexistência de crime. 53 Em ambos os casos, o sujeito procederia de boa fé, não se lhe podendo atribuir qualquer censura pelo erro de interpretação da norma. Embora esta tese haja sido impugnada sob o fundamento de que nenhum funcionário administrativo recebe, de iure, faculdade de interpretar autenticamente as leis e de que o juiz, ao decidir, dá uma interpretação atual à lei, relativamente a um fato, podendo esta interpretação ser superada com uma decisão sucessiva, que fixe na vontade da lei um conteúdo

V. Manzini, ob. cit., n. 328; E. Ferri, ob. cit., p. 429.

51

Pierre Bouzat, Traité Théorique et Pratique de Droit Penal, 1951, n. 116, p. 148; Roger Merle-Andre Vitu, Traité de Droit Criminel, 1973, n. 506, p. 572.

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V. Manzini, ob. cit., n. 285. Francisco de Assis Toledo, O erro no Direito Penal, 1977,

p. 105. ss Manzini, ob, cit., ps. 337 e 342.

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diverso, 54 a Suprema Corte italiana admitiu absolvições fundadas na boa fé, especialmente em caso de exata reprodução do fato não considerado criminoso por julgado precedente. 55 A hipótese de erro derivado de explicação de agente da administração pública pode se apresentar em matéria de Direito Penal tributário. Nas épocas de entrega das declarações de rendimentos para o lançamento do imposto sobre a renda, o poder público costuma colocar à disposição dos contribuintes funcionários credenciados para dirimir dúvidas sobre a tributação. Se o particular procede de acordo com os esclarecimentos recebidos, escusável será o erro em que, eventualmente, incida, acerca da inexistência de crime de sonegação fiscal. Diversa é a situação de quem, por opinião própria, suponha que certa norma perdeu sua eficácia, por revogação ou inconstitucionalidade da lei: neste caso, a escusabilidade não persiste porque o erro seria perfeitamente evitável. 56 O campo do direito tributário também pode propiciar situações de erro decorrente de decisões judiciais. Por mandado de segurança ou ação declaratória, o contribuinte, v. g., obtém, em primeira instância, o reconhecimento da inconstitucionalidade de certo preceito impositivo de obrigação fiscal. É óbvio, que enquanto persistem os efeitos da sentença, a reiteração das violações à norma, tdda por inconstitucional, não configurará delito tributário: mais do que erro escusável, haverá, então, exercício regular de um direito. Reformada que venha a ser a decisão de primeira instância, o tributo torna-se ser exigível; mas as sonegações fiscais, ocorridas enquanto persistiam os efeitos da decísão de primeiro grau, estarão sob o amparo de erro de proibição escusável. Se após a decisão de segunda instância, o contribuinte teima em persistir na falta, r,4 Frosali, ob. cít., § 59; R. Garraud, Traité Théorique et Pratique du Droit Pénal Français, 1930, I, p. 603. 55 Antonio Piroddi, L'errore di fato nel diritto penale, 1959, p. 15. 5G Francisco de Assis Toledo, ob. cít., p. 119.

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dificilmente estará em erro de proibição. Seu eventual engano, por, v. g., confiar que em recurso extraordinár~o: será resta~rada a decisão dniclal, constituirá erro evitável e, pois, inescusável. Se, efetivamente, sobreviver o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei tributária antes impugnada, desnecessário será falar-se em erro de proibição, posto que sonegação fiscal não terá existido. Outra é a situação de terceiros, que não tendo sido partes na ação, por conta própria, imitem o comportamento do litigante. Segundo Assis Toledo, o erro destes: tercei~os será'. e1:1 princípio, evitável, pois não recorreram, c~mo podiam,_ª-º Judiciário. Todavia, havendo reiteradas e uniformes decisões, de juízes diferentes, favoráveis a vários contribuintes, só tardiamente reformadas em grau de apelação, escusável será o erro do estranho à lide, já que não se pode exigir do leigo que conheça melhor o direito que o Poder incumbido de aplicá-lo. 57 d) A escusabilidade da generalizada ignorância da ilicitude deve seu reconhecimento à influência da doutrina civilista francesa, que voltou a acolher a máxima errar comun~s facit ius. Admite-se que uma epidemia de erro pode produzir une sorte de bonne foi collective, eficaz a escusar, quando o erro recai sobre o fato e embora com menor largueza, mesmo quando recai sobre o direito. 58 e) Precisamente porque casuísticas, as soluções acima são ínsatísfatórias. Não é, humanamente, possível estabelecer, a priori, os casos de erro escusável ou inescusável. Os critérios serão sempre falhas, porque as infinitas peculiaridades ~os acontecimentos concretos podem tornar iníquas as soluções pré-determinadas. o importante é fixar um esquema geral, para que o julgador, no uso de seus poderes discricionários, verifique, Francisco de Assis Toledo, ob. cit., p. 121. ss Setti Dell'imputabilitá, 1892, p. 168; Longhu, La legittimitá della resiste~za agli atti dell'autoritá, apud Frosali, ob, cít., § 59. 57

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caso por caso, se ignorância da antijuridicidade pode ou não ser desculpada e em que grau. Ora, a escusabilidade do erro liga-se diretamente ao juízo de censura pessoal (supra, n. 30). Como juízo de censura relaciona-se a um homem em particular e nunca a um tdpo abstrato e médio de criatura humana, a escu.sabilidade do erro não deve ser apreciada à vista da ordinária atenção, isto é, das cautelas que teria um tipo de ficção, criado mentalmente pelo julgador, segundo sua pessoal capacidade de análise e ao sabor de suas convicções e sensibilidade. 59 Há de se ter em conta as possibilidades concretas do autor, nas circunstâncias em que procedeu. A apreciação da escusabilidade do erro de proibição, deve, assim, obedecer às regras referentes à imprudência jurídico-penal. O erro será reprovável ao autor, só e na medida em que podia ele aperceber-se da antijuridicidade, através de reflexão própria, acerca dos valores ético-sociais da vida comunitária de seu meio. É preciso, em suma, que o autor, em sua individualidade, pudesse prever a ilicitude, segundo sua capacidade de conhecimento e que não haja infringido especiais deveres de informação ou esclarecimento. 60

50 Acerca do critério do "homem médio" recorde-se a acertada observação de Bettiol, "é o homem, concreta realidade, que age, que quer, que prevê, que vai preso, que é fuzilado, enforcado, decapitado; não o homem médio, '.'perigosa abstração" que deve ser possivelmente eliminada do setor do Direito Penal", D. Penale, p. 438. Ver ainda a crítica de Miguel Reale Júnior, dos Estados de Necessidade,

1971, p. 46. 60

H. Welsel, ob. cít., ps. 240 e 245; R. Maurach, ob. cit., II, p. 159.

CAPÍTULO V

SOLUÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO 33. Espécies legais de erro. 34. O erro na teoria do delito: a) erro quanto a circunstância de fato constitutiva do crime; b) erro nas descriminantes· putativas; e) erro por suposição de licitude. 35. Presunção de culpa na punibilidade da ignorância da antijurídicidade por erro de direito. 36. Tentativas de evitar a responsabilidade objetiva. 37. Erro de direito extrapenal e sobre elementos jurídico-normativos do tipo. 38. Erros de exigibilidade.

33. O Direito Penal do Brasil conserva a divisão entre erro de fato e erro de direito. Tal dicotomia figura no Código Penal de 1940 (arts. 16 e 17) e no Código Penal de 1969 (arts. 20 e 21). Segundo a Exposição de Motivos do último dos diplomas, manteve-se a distinção tradicional "não obstante o reconhecimento da maior perfeição técnica da divisão entre erro de tipo e erro de proibição, por ser tal regulação extremamente complicada (sic) e estranha à nossa doutrina" (n. 12). Também no Código Penal Militar, persiste a classificação de erro de fato e erro de direito (arts. 35 e 36). A Lei de Contravenções Penais disciplina apenas o erro de direito (art. 8.0 ). As modalidades de erro de fato contempladas pelas referidas leis, dizem respeito ao erro sobre circunstância constitutiva do crime e ao erro sobre a existência da situação de fato que tornaria a ação legítima. Em ambos os casos, há isenção de pena. Se o erro é vencível, responde o autor a título

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de culpa, quando o fato é punível sob esta forma. o terceiro que provocar o erro, responderá pelo crime a título de dolo ou culpa. No que concerne ao erro de direito, o Código de 1940 estatui não eximir de pena a ignorância ou a errada compreensão da lei (art. 16), mas as inclui entre as circunstâncias atenuantes, quando referentes à lei penal e, escusáveis (art. 48, III). O Código Penal de 1969 e o Código Penal Militar estatuem a atenuação da pena ou sua substituição por outra menos grave, quando o agente, por escusável ignorância ou errada compreensão da lei, supõe Iícíto o fato (arts. 20 e 35). A Lei de Contravenções Penais prevê facultativo perdão judicial, em caso de ignorância ou errada compreensão da lei (art. 8.0 ). Omissa é a nossa legislação quanto ao erro de direito que incida sobre circunstâncias constitutivas do tipo (supra n. 9-d). Apenas as Exposições de Motivos dos Códigos Penais fazem alusão a tal espécie de erro, quando decorra de ignorância ou errada compreensão de lei extrapenal: a do Código de 1940 declara- lhe a irrelevância, porque "não se faz distinção entre erro de direito penal e erro de direito extrapenal" (n. 14); a do Código de 1969, ao oposto, diz que o erro de direito extrapenal é equiparado ao erro de fato, conforme "o entendimento geral da doutrina e da jurisprudência" (n. 12). Ocorre, ainda, parcial omissão legislativa quanto ao erro de fato ou de direito acerca da exigibilidade de comportamento diverso (supra, n. 8 e, infra, n. 38). 34. Para fixar a posição sistemática das apontadas modalidades de erro essencial e relacioná-las com os elementos estruturais do crime, é necessário verificar quais são estes elementos à vista da lei penal brasileira, isto é, estabelecer-lhe uma adequada teoria do delito. Com efeito, como parte da dogmática jurídica, é a teoria do delito que partindo do direito

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positivo, aponta os componentes genéricos do comportamento delituoso. O conceito de crime incumbe à doutrina. Esta o tem encarado sob aspectos formais, materiais e analíticos. Formalmente, delito é o comportamento contrário às normas penais, punível com sanção criminal. Do ponto de vista material, crime é desvalor, seja pelo dano ou exposição a perigo de um bem jurídico, seja pela simples reprovação social da conduta em si mesma, como sucede nos delitos de mera atividade. 1 Heleno Cláudio Fragoso define materialmente o crime como "a ação ou omissão, que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena, ou que se considera evitável somente através da sanção penal". 2 O conceito artalítico leva em conta os elementos que compõem o crime. Ê este, portanto, o conceito que deve ser sucintamente exposto, para os fins desta pesquisa. Em visão clássica, o delito compor-se-ia apenas de um elemento objetivo e de um elemento subjetivo. 3 Esta concepção bipartida de crime, por sua insuficiência, foi abandonada. De algum tempo, a doutrina encara o crime como a ação típica, antíjurídíca e culpável. 4 Tais elementos não são partes 1 v. .Manuel Pedro Pimentel, os crimes de mera conduta, São Paulo, 1959. 2 Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Geral, 1976, p. 158, n. 121. a Adotam a concepção bí-partída: Bento de Faria, Código Penal Brasileiro Comentado, 1958, p. 118; Oscar stevenson, Da Exclusão do Crime, 1941, p. 62; E. Cunha Luna, Estrutura Jurídica do Crime e Basileu Garcia, Instituições, vol. I, tomo I, p. 119. 4 A concepção tripartida é adotada por e. e Silva, ob. cit., p. 75; Nelson Hungria, Comentários I, p. 187; Anibal Bruno, ob. cít., tomo I, p. 280; José Frederico Marques, Curso, vol. II, p. 20; E. Magalhães Noronha, ob. cít., I, p. 125; Vicente Sabino Jr., Direito Penal, Parte Geral, 1967, vol. I, p. 120; Salgado Martins, Sistema do Direito Penal Brasileiro, 1957, p. 164.

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autônomas do delito, mas seus componentes, cuja. análise torna possível apreender o conceito unitário, ainda que complexo, da infração penal. Variam os entendimentos quanto à estrutura da ação, da tipicidade, da antijurídicidade e da culpabilidade. A colocação sistemática das diversas categorias de erro, interessam mais as posições acerca da tipicidade e da culpabilidade. 5 O.Si partédáríos de concepções causais da ação encaram a tipicidade como a reunião dos elementos que tornam o comportamento correspondente ao descrito no preceito íncrímínador, Tais elementos são descritivos ou normativos, conforme sua percepção decorra de simples cognição ou requeira um juízo de valor (supra, n. 7.). Só excepcionalmente, a tipicidade exige elementos subjetivos. Isto ocorre, quando na definição legal de determinado crime, vem mencionado um fim .ou um. motivo especial que devam informar a ação ou omissão. 6 A culpabilidade, segundo aindaas concepções causalístas, compõe-se de elementos psicológicos e de elementos normativos. Os elementos psicológicos são o_dolo e a culpa em sentido

estrito, considerados formas da ação culpável. O elemento normativo é a· exigibilidade de outro comportamento, indispensável a que o autor possa ser objeto de censurá pessoal. A imputabilidade, via de regra, é encarada como pressuposto ou elemento da culpabilidade. 7 • 8 Perante as concepções finalistas, a tipicidade requer sempre elementos· objetivos e subjetivos: objetívos são os descritivos e os normativos; subjetivos, além dos I'éferentes aos fins e motivos, são também o dolo e a cuÍpa em sentido estrito. Argúi-se que as ações: dolosas não podem ser apreendidas suficientemente sem a tendência da vontàde que 'às conduz· e anima. A identificação da tipicidade, nas· ações culposas, também requer uma: comparação entre a conduta do agente e a que devia ter.vem atenção ao dever objetivo de cuidado. O dolo e a culpa, assim; fazem parte do tipo. No tipo subjetivo doloso, há congruência entre a vontade do autor e a ação objetivamente realizada; no tipo subjetivo culposo, esta congruência não ocorre, pois a ação é dirigida finali~'ticamente. a um resultado situado fora do tipo; mas, porque realizada com imprudência, negligência ou imperícia, a ação viola deveres objetivos de cuidado, atenção ou dílígêncía, impostos pelo nerninem. laeâere. 9 Situando o doloe a culpa na tipicidade, o finalismo, como já se viu (supra, n. 30), expunge a culpabilidade de qualquer elemento psicológico. A culpabilidade é só processo de valoração, ou seja; só juízo de censura que recai sobre o autor, por não se haver abstido da violação da norma, quando tal abstenção lhe era possível. Integrantes da culpabilidade, em conse-

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5 Aos limites deste trabalho extravaza uma exposição exaustiva da teoria do delito; só cabe aqui um breve resumo sobre as posições que influam na colocação sistemática do erro. Para melhor exame da matéria ver: Francesco Carnelutti, Teoria General del Delito, 1952; L. P. Mantovani, ob. cít.; Everardo Luna, Estrutura Jurídica do Crime; Wilhelm Gallas, La Teoria del Delito en su momento actual, trad. J. e. Roda, 1959; Graf Zu Dohna, Teoria del Delito, trad. Carlos F. Balestra, 1963; Juan Cordoba Roda, Una nueva concepcion del delito - la teoria finalista, 1963; H. Welsel, El nuevo sistema del Derecho Penal - una introduccion a la doctrina de la accion finalista, trad, J. C. Roda, 1964; Richard Busch, Modernas Transformaciones en la teoria del delito, trad. Vicente Castellanos, 1970; Claus Roxin, Politica Criminal ly Sistema del tierecno Penal, trad. de F: Mufioz Conde, 1972; Enrique Cury, ob. cít.; Heleno Cláudio Fragoso, ob. cit. o Aníbal Bruno, ob. cít., tomo I, p. 335; José Frederico Marques, Curso, vol. II, p. 77; Magalhães Noronha, ob. cít., vol. I, p. 127.

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Por todos, ver: Aníbal Bruno, ob. cít., tomo II, ps. 433,441 e 479. Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Geral, ps. 165, 175, 176; Damásio E. de Jesus, Direito Penal, vol. I, 1977, ps. 206 e 249. o Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, ps. 186, 210, 238 e 240. t

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qüência, são os fatores necessários a que a vontade ou falta de cuidado do autor lhe possam ser reprovadas. Tais fatores são a imputabilidade, a exigibilidade de comportamento adequado à norma e a potencial consciência da antíjurídícídade." A ausência de imputabilidade impede a reprovação, pois não cabe .censura contra quem não possuía condições mentais de entendimento ou autodeterminação. Diminuída apenas a ca. pacidade intelectiva ou volitiva, reprovação existe, porém de forma atenuada. Em· ambos os casos, cumpre ínvestígar o estado perigoso do autor para a eventual aplicação de medidas asseguradoras. Também a inexigibilidade de outra conduta, conforme o seu grau, obsta ou reduz a censurabilidade pessoa 1. Como o direito não pode impor o heroísmo ou o estoicismo, não é reprovável, ou o é menos, quem, por circunstâncias externas, foi compelido à.prática do delito. Da mesma forma, a ausência de conhecímento da antijurídicidade influi na censura pessoal, conforme o desconhecimento seja escusável ou vencível ( supra, n. 30) .. Entendemos que as posições do finalismo são as mais satisfatórias. · A inclusão do dolo e· da culpa no tipo deflui de uma necessidade lógica insuperável. Realmente, pata· estabelecer a adequação · 'típica de certos comportamentos, · é· necessário atender ao dolo do autor, bem como, à culpa em sentido estrito. Em face, v. g., da intencional causação de um ferimento em outrem, só se pode estabelecer se se trata de uma lesão r orporal dolosa consumada ou de uma tentativa de homicídio através do dolo. Se o exame do dolo é essencial para estabelecer a tipicidade nos crimes tentados, também o é quanto aos crimes consumados. Diante, por exemplo, da produção da morte de um homem, só se pode decidir se se trata de um homicídio doloso, de um homicídio culposo ou de um acon10 Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 212; Damásio E. de Jesus, ob. cít., p. 404.

tecimento fortuito, pela' análise da' vontade, da omissão de deveres de cautela e da' previsibilidade ou não do resultado. Dolo e culpa, portanto, têm de ser considerados para o efeito da defin;ção jurídica do tato.: ou, com mais exatidão, para estabelecer-lhe a tipicidade. Situar a potencial consciência .da antijurídicidade no juízo de reprovação, característico da ação culpável, é muito mais exato do que considerar o efetivo conhecimento da antijurídicidade como elemento ao' dolo. Esta últáma solucão cria uma dificuldade insolúvel, quanto às ações dos inimputáveis. Se ao dolo tosse necessária a .conscíêncía da ilicitude, nunca se poderia, ter como dol_osa a conduta de quem, por deficiências mentais, não tem conhecimento do caráter ilícito do fato. Ora, mesmo nas ações dos ínímputáveís, é . preciso verificar se foram praticadas com dolo ou corri culpa em sentido estrito. Diversa é a valoração objetiva de um homicídio doloso qualificado, cometddo por um louco, que a de um simples homicídio culposo pelo mesmo praticado. A diferença entre as duas situações tem de ser levada em conta, inclusive quanto ao grau de periculosidade do inimputável, maior quando a sua vontade está dirigida à perpetração do delito, do que quando orientada para fins lícitos, com mero descuido na execução da ação (Qual o inimputável mais perigoso: o estouvado, que em desabalada carreira, durante um folguedo, derruba um círcunstante, produzindo-lhe fratura óssea, ou o que, deliberadamente, fere a cabeça. de outrem nela batendo com uma barra de ferro?). Ademais, nos sistemas em que a duração mínima da medida de se~tlrança para os inimputáveis relacíona-se _'ao mínimo da pena comínada ao crime· (C. P. de J940, art, 91), será obrigatória a classificação de suas ações como. dolosas ou. não. Os quesituam a consciência da antijuridlcídade como elemento do dolo; para. compatibilizar a pretensa inexistência de dolo nas ações dos inimputáveis, com esta necessidade de adequar a medida de segurança- à gravidade do crime e, portanto; ao caráter doloso ou não das acões , , •

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, êt>m-se obrigados a criar, para eles, um tercius genus de dolo, isto é, um dolo natural diverso do dolo normativo e consistente tão só na representação e na vontade de praticar a ação. 11 Muito mais simples.e correspondente à realidade das coisas, é reconhecer que os inimputáveis também praticam ações intencionais e ações descuidadas. Reduzido o dolo à representação e .à vontade da ação típica, suas condutas poderão ser dolosas ou não. Para o reconhecimento do dolo, basta a constatação da existência da. vontade do inimputável. em praticar o delito ou de sua anuência em cometê-lo. A qualidade desta vontade (se livre ou ke válida ou viciada) não influi na estrutura do dolo: será examinada depois, na constatação da culpabílidade, paI'~'.o efeito de excluir-se a censura pessoal e, pois, a pena, pela ausência · da capacidade de entender o caráter criminoso do fato, ou de determinar-se de acordo com este entendimento ... Particularmente, em matéria de erro de proibição, situar a potencial consciência da ilicitude no juízo de culpabilidade, melhor atende, aos interesses da defesa social, como acima ficou salientado (supra n. 30). ·É certo que a maior parte dos autores brasileiros inclui a consciência da antijurídicidade entre os elementos do dolo, 12

'r1ão;

o que expõe Aníbal Bruno, embora criticando tal solução, ob. cit., tomo. If, p. )44, n. 3. 12 São partidários do dolo normativo: Nelson Hungria, ob. cit., vol. 1, p. 339; r..aertes M. Munhóz, ob. cit., p. 41; Salgado Martins, Sistema de Direito Penàl, § 110 e Direito Penal, 1974, p. 214; A. Bruno, ob. cit., tomo I, vol. i, p. 451; José Frederico Marques, ob. cít., vol. n, p. 202; E. Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 174; René Arlel nottí, O Incesto, '1976, p. 177, nota 18; Vicente Sabino Jr., Direito Penal, 1967, vol. I, p, 149. Negam a consciência da antijuridicidade no dolo: A. J. Costa e Silva, ob. cit., p. 107; Everardo da cunha Luna, ob -. cít., p. 111;, .R Lyra Filho, Compêndio de Direito penal, 1973, p. 175 e Galdin.o Siq~eira, ob. cít., vol. 1, n. 415, p. 495. 11

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argumentando, quer com o postulado da culpa moral, quer com o.sentído retributivo da pena, quer ainda com as alusões à antijurídicidade especial, em determinados tipos delituosos. Diz.,se que se o Código consagrou o princípio da culpa moral, à punibilidade é necessária a consciência do injusto, sem a qual não se concebe livre determinação da vontade, com a escolha · entre o procedimento honesto e o criminoso nem é colocada à prova a capacidade de resistência à prática de atos contrários à ordem jurídica. Por outro lado, sé a pena é preponderantemente retributiva, ao menos nos momentos da cominação e da imposição, não se explica que a ação conscientemente criminosa seja equiparada à ação de boa fé; só porque esta também foi voluntariamente dirigida à objetiva execução do fato. Ademais, se em alguns típos alude-se expressamente à antijurídicidade, exigindo-se que a ação seja praticada indevidamente, ilicitamente ou. sem justa causa etc., não há porque não aceitar · condições semelhantes em relação aos demais crimes. Inconcebível fosse a lei exigir naqueles. elemento. totalmente estranho ao dolo dos outros delitos, parecendo mais lógico e coerente haver apenas achado útil dar mais ênfase, em determinados tipos, ao fator consciência da antíjuridieidade, que integra sempre .o dolo. 1,3 os· fundamentos acima não são, porém, decisivos. Prestam-sé a que a consciência da antijurídicidade seja considerada como .fator do juízo de censurapessoal. A constatação .de que alguém haja atuado culpavelmente, expressa um juízo sobre a rasetnterna da ação e é óbvio que reprovação mais grave alcança a quem atua antijurídicamente, tendo ou pois E. :Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 175. Há explicação histórica para o uso das aludidas expressões: os fatos em relação aos quais vem mencionada expressamente a ilicitude, até bem pouco, não eram reprovados 'pela consciência social. Para fazer compreend:r que tais fatos passaram a ser delituosos é que se destacou a antijuridicidade (v. Bettiol, ob. cít., p. 211; Frosali, ob. cít., vol. 1, §

291, p. 542).

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dendo ter conhecimento de que a ação é antijurídica. 14 Também é inegável que a consciência da antijuridicidade relaciona-se à normalidade de motivação, já que, sem percepção da ilicitude, não há contraposição, no psiquismo do autor, entre os motivos e os contramotdvos para agir.

tivo culposo. Não assiste razão aos que divisam, na hipótese, falta de consciência da ínjurícídade e falta da própria possibilidade de tal consciência. iõ

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Diante do Código de 1969, parece impossível incluir a consciência da antijuridicidade no dolo. É que pelo seu art. 20, só há atenuação ou substituição de pena, quando o agente, por erro de direito, supõe lícito o fato. A pena a ser atenuada ou substituída é a do crime doloso. Como suposição de licitude é antítese da consciência da antijurídicidade, segue-se que esta, efetivamente, não é componente do dolo. Do contrário, não se explicaria a punição-como dolosa, das ações praticadas em estado de inteira boa fé. Adotada a teoria do delito, acima exposta, pode-se estabelecer a colocação sistemática das modalidades de erro essencial, previstas em nosso Direito positivo. a) O erro de fato sobre circunstância que constitui o crime, por obstar a representação da tipicidade, relaciona-se ao dolo e à culpa. O atuar doloso tem como pressuposto a conscíêncía de estar realizando, em concreto, a ação correspondente à descrita em lei. Tal consciência é elemento intelectual do dolo, da mesma forma que a vontade é seu elemento volitivo. Só é possível querer aquilo que se previu. Diga-se o mesmo da assunção do risco de produzir o resultado típico (dolo eventual). De sua parte, a culpa em sentido estrito requer a potencial consciência da tipicidade. Previsível é só o que se pode representar a alguém. Como o dolo e a culpa pertencem à tipicidade, é neste setor que se deve situar o erro de fato sobre circunstância constdtutiva do crime. Trata-se de causa de exclusão. do tipo subjetivo doloso e, se invencível o erro, também do tipo subje-

Com efeito, quando o autor não tem, sequer, conhecimento que sua ação reúne as características constitutivas da figura típica, não há porque indagar se possui ou não representação da antijurídicidade. Tal investigação é ociosa, pois somente deve ter lugar se o autor agiu com consciência de estar desenvolvendo conduta típica. Então sim, é que cumpre verificar se conhecia-lhe a ilicitude ou se acreditava-se em situação que legitimaria o comportamento. É claro que, no mais das vezes, faltando a representação da tipicidade não há também; 'por efeito reflexo, eonsciência .da ilicitude.- Assim; v. g., quem, ao sair de uma festa, leva guarda-chuva alheio, por confundi-lo com o próprio, não sabe que sua conduta corresponde à da definição legal do furto. Por faltar-lhe a consciência de que subtrai coisa alheia, falta-lhe também a renresentação de estar agindo ilicitamente. Em situações tais, o não conhecimento da injuricidade é çonseqüêncía da não representação da tipicidade. Mas, nem sempre isto ocorre. Pode existir consciência da antijuridicidade da ação desejada pelo incidente em erro e não haver.representaçãc da tipicidade da conduta efetivamente realizada. Seria esta, por exemplo, a situação de quem desejando livrar-se do incômodo cachorro do vizinho, disparasse, na calada da noite, tiros contra a casa do animal, vindo a ferir um mendigo que ali, imprevisívelmente, introduzira-se para abrigar-se do frio. Escusável o erro o autor dos disparos não será punível por lesão corporal dolosa ou culposa. E isto, só por ter agido sem representação efetiva ou potencial da respectiva tipicidade, posto que procedeu com consciência da injuricidade do pretendido crime de dano. Sem afetar a consciência da antijurídicidade, o erro 1;;

1~

E. Von Beling, ob. cít., p. 35.

NeL"-On Hungria, Comentários, vol. I, n. 86, p. 394; J. salgaôo Direito Penal, 1974, p. 240.

Martins,

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de fato · quanto à circunstância constitutiva de um. crime exclui, pois, o dolo relativo à ação praticada, embora o deixe subsistente em relação à conduta pretendida.

diabético, que erroneamente se repute em perigo de vida por falta. de insulina (tendo assim representação dos extremos objetivos do estado de necessidade) e a furte na convicção de ser ilícita a sua conduta, em decorrência de um concomitante erro sobre a eficácia jurídica da situação representada . .Imagíne-se, ainda, a hipótese do médico que realize um aborto, na crença de ser a única maneira de salvar a vida da gestante de um perigo meramente imaginário, supondo, porém, seja o aborto terapêutico incriminado pelo direito positivo. Em hipóteses semelhantes, em decorrência de dois equívocos relacionados à mesma conduta, a errônea crença em uma causa de justificação não .determína um erro sobre a antijuridicidade. Embora por via imprópria, adquire o autor a consciência da ílícítude de seu comportamento. . Ambíguos os textos de lei, cumpre esclarecer se é sunciente a equivocada crença na situação fática caracterizadora da .descríminante, ou se o fundamento da isenção. de pena reside na falta de consciência da antijuridicidade derivada daquela errônea representação. Da maior ou menor ênfase atribuída à posição subjetiva do autor ante seu equívoco quanto à realidade fátíca, depende a classificação das descriminantes putativas como erro de proibição ou como erro de tipo. Em verdade, quando se exija além do erro fático, a convicção do autor na legitimidade de seu comportamento, o erro será relacionado à proíbíção, traduzindo, pois, ignorância da antijuridicidade: a pena não incide porque o autor agiu na certeza de que procedia legitimamente. Quando, ao inverso, dispense-se a ciência do autor acerca da eficácia jurídica da situação equivocadamente representada, o erro só poderá ser referido ao fato típico: a isenção de pena decorre da errônea representação da realidade circunstancial, qualquer que seja o conhecimento do autor acerca dos efeitos que a ordem jurídica liga ao fato suposto. A doutrina em torno do Código Penal de 1940 fixou que o decisivo para a isenção de pena nas descriminantes putativas

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b) A ausência de dolo por não representação da tipicidade

não pode ser afirmada nos casos de invencível erro sobre circunstância de fato, que tornaria a ação Iegítâma, isto é, nas hipóteses das descriminantes putatívas fáticas. Quem, v. g., lesa corporalmente outrem; porque se imagina por ele injustamente agredido, tem representação da tipicidade de seu proceder: sabe que está a praticar a ação correspondente definição típica de lesão corporal, ou seja, que ofendea integridade corporal ou a saúde de outrem; supõe, porém, que sua conduta é lícita, porque a tem como amparada por uma causa legal de exclusão da antíjurldicídade (legítima deresa). · à

Desta forma, a eficácia: do erro de fato nas descriminantes putatívas só pode ser atribuída à ignorância da antijuridicidade. Todavia, a legislação brasileira não é muito clara a respeito. Nem o Código Penal em vigor, nem o Código futuro apontam, satisfatoriamente, o fundamento de isenção de pena que da situação pode decorrer. É que ambos não subordinam, expressamente, tal conseqüência à crença do autor na legttimidade de .sua conduta. Aludem apenas à suposição da existência de "situação de fato que tornaria a ação legítima". Ora, crer em situação de fato que, se existisse, tornaria lícita a ação, não equivale, necessariamente, a ter ciência da legitimidade do comportamento. Ao agente pode-se representar a ocorrência de circunstâncias que, objetivamente, caracterizariam uma descriminante, faltando-lhe, porém, o conhecimento de que a situação suposta tornaria a ação conforme o direito. É possível até que acredite o autor na própria ilicitude ou na punibilidade da conduta, apesar de ter por presentes os extremos materiais da causa de justificação, na realidade inexistentes. Pense-se, a respeito, no exemplo. do

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a falta de consciência da antijurídícídade, A relevância do rro d_ecorre da obstrução do exato juízo de valor em torno da açao ou do reconhecimento de sua injuricidade. A causa determinante do comportamento é a persuasão do autor de que ao mesm~ ~stava juridi~amente autorizado, pelo que, se procede na duvida sobre a identidade de sua ação e a ação au~oriz~da,. já não há que falar em descriminante putativa: chi arrisctüa vuole. 16 Nas eximentes putativas, pois, não pesa respo~.sab:Jidade sobre o agente, por ausência de culpabilidade, excluída por erro essencial que o faz crer na licitude de seu comportamento. 17 Entende-se, em suma, que supor situação de fato que se existisse tornaria a ação legítima, equivale a supor a legitimidade .da ação. rs Em face do Código Penal de 1969, não há razão para adotar orientação diversa. Ao contrário, apresenta o mesmo melhores subsídios para que a relevância do erro nas descriminantes putatívas seja condicionada à ignorância da antijurídicidade. É que, no art. 20, o referido diploma expressamente reconhece eficácia, embora parcial, à suposição de licitude do fato, em decorrência de erro de direito. Sob pena de flagrante ílogísmo, o mesmo critério tem de prevalecer quanto ao erro de fato acerca de descriminantes. Ambos revestem-se de relevância, se bem que distinta, por acarretarem o convencimento de legitimidade da conduta. Advirta-se, porém, que esta orientação não impede que se solucione satisfatoriamente as apontadas hipóteses de

duplo erro, causador de falsa representação dos pressupostos objetivos de uma descriminante e de errônea convicção de ilicitude do fato suposto. É que, em tais casos, anormais e marginais, irrelevante tem que ser considerada a falsa convicção de antijurídicidade. Com efeito, da mesma forma que, no crime putativo, não se leva em consideração o convencimento do autor sobre a ilicitude de um comportamento a que o ordenamento,jurídico não atribui tal qualificação, também a falsa representação da antijurídicidade da descriminante faticamente suposta nenhuma conseqüência pode acarretar. A prevalecer ponto de vista contrário, a pena passaria a fundamentar-se numa disparidade entre os critérios de valor do sujeito e os da ordem jurídica, aqueles mais exigentes que estes, a ponto de considerarem ilícitas situações que a lei declara conforme ao direito. Não há quem não perceba que o estado de quem supõe ilícita a situação justificante na qual, por má apreciação dos fatos, acredita agir, é subjetivamente o mesmo de quem procedendo sob o amparo de uma real causa de justificação, supõe-se cometendo ação antijurídica. É indiferente que o fato erroneamente reputado ilícito seja lmag.nário em um caso e real em outro. Em ambos, o convencimento do autor, quanto à antijurídicidade de seu proceder, não corresponde à realidade do direito. De desprezar-se, pois, a circunstância de na primeira hipótese, existir correspondência entre a ilicitude imaginária e o fato real, apesar da não correspondência entre a imaginária ilicitude e o imaginário fato. Em tais situações, deve-se presumir que, afastado o convencimento de ilicitude adquirido por falsa via, a suposição de estado de fato configurativo de descriminante, determinaria a ignorância da antdjuridicídade. Nenhum inconveniente há em acolher esta presunção, pois a mesma, além de corresponder ao id qÚod plerunque acciâit, evita que, para resolver com justiça estes raros casos de duplo equívoco, tenha que se aceitar a teoria dos elementos negativos do tipo, com todos

ir.

Nelson Hungria, ob. cít., vol. I, ps.

395

e

404;

vol. IV, p.

307

e Legítima Defesa Putativa, p. 99.

A. Bruno, ob. cít., torno I, p. 501. Basileu Garcia, ob. cit., vol. I, tomo I, n. 79, p. 254. No mesmo s~nt1do, Laertes M. Munhoz, ob. cít., p. 109; E. Magalhães Noronha, ob. cít., vol. I, p. 200; Bento de Faria, Código Penal Comentado, vol. II, p. 215;_ ~algado Martins, ob. cít., § 217; Oliveira Roma, Modalidades de Legitima Defesa, cap. VII; Odin do Brasil Americano, Da Legítima 1 7

'. H

Defesa e do Estado de Necessidade, p. 218.



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os seus inconvenientes, sobretudo quanto a já apontada confusão entre tipicidade e antijurídicidade e conseqüente incompatibilidade com a concepção tripartida do delito (supra, n. 31). Em conclusão, no Direito Penal brasileiro cabe afirmar que o erro nas descriminantes putatívas é erro de proibição. Como o conhecimento da antijurídicidade não integra o dolo, mas pertence à culpabilidade (supra, n. 34), segue-se que quem age na errônea crença de ser legítimo o seu comportamento procede dolosamente. Porém, sendo o erro de fato e invencível, não é culpado por ausência de censura pessoal e terá a isenção de pena, legalmente estabelecida. A' circunstância de ser o erro vencível punido como crime culposo, não colide com a afirmação acima. Esta forma de punição não significa, com efeito, que em tal hipótese, a falta de consciência da antíjuridícidade exclua o dolo, deixando, se evitável; subsistente a culpa em sentido estrito. Reflete apenas o critério de tratar um comportamento doloso como se culposo fora, 19 em decorrência da diminuição · da censurabílidade pessoal. E óbvio ser menor a reprovação sobre quem age sem conhecunento da perceptível ilicitude, do que a incidente sobre quem atua com representação da antijurídicidade do fato. O texto do citado dispositivo legal não leva a que se considere, substancialmente culposo, o crime cometido por vencível erro de fato sobre descriminante. Ao estatuir que se o erro deriva de culpa, a esse título responde o agente, quando o fato é punível como crime culposo, a lei só estabelece a forma de punição de tais comportamentos, o que não equivale a declará-los revestidos de culpa em sentido estrito. Nem tal entendimento seria aceitável ante a sensível diferença que existe entre erro culposo e crime culposo: no erro culposo, a vontade dirige-se à realização de algo proibido, cuja antiio De Marsico, tnritto Penale, p. 121; Battaglini, D. Penale, 3.ª ed., p. 339; Santoro, La Detizione del delitto colposo, p. 1. 200.

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juridicidade poderia ser captada com mai?r a~e~ção; no ~rime ulpoeo a vontade orienta-se para um fim licito ou ate loucvável sendo ' - A d.iverdefeituosa apenas a respectiva execuçao. sídade ele situações concerne à intencionalidade do resultado, já que na hipótese de descrimdnante putativa com erro vencível, o resultado é querido (quem mata para defender-se de uma agressão que apressadamente imaginou, quer a morte do suposto agressor), enquanto que no cri~e culp~? o resultado nunca é querido, decorrendo de mera írnprevisao de sua superveniência (culpa inconsciente) ou de sua inevit~bilidade (culpa consciente). A própria lei reconhece esta_ difere~ça, pois se O erro vencível configurasse culpa em sentido estrito. não haveria necessidade de dispositivo especial para declarar-lhe a punibilidade a tal título; a incidência da pena decorreria da regra genérica acerca dos crimes culposos. ~!as, precisamente porque, no caso das descriminantes putatívas fáticas O agente dá causa ao resultado intencionalmente e ' "' . . , . , . não por mera imprudência, negligencia ou impericia, e_ imprescindível regra especial, que estenda a pena das crimes culposos a comportamentos que, em substãncíaculposos n~ são. A chamada culpa imprópria ou por extensao nada mais é, assim, do que uma modalidade de dolo tratada como culpa em sentido estrito. Sobre a dístdnção entre crime culposo e erro culposo, assim se pronuncia Welsel: "Na comissâo culposa de um crime é irrelevante para a punibilidade o conteúdo da decisão ao fato; mais que isto, na maioria dos casos não é esta desaprovada penalmente, podendo até ser dirigida a resultados desejáveis. Somente que sua execução é defeituosa, porque lesa o cuidado requerido no âmbito de relação: o autor deveria ter considerado, independentemente de sua vontade de realização, outras conseqüências não desejáveis e dirigido sua conduta de acordo com isto. A censura pelo erro de proibição culpável, refere-se ao conteúdo da decisão que se dirigiu a algo proibido juridicamente (antijurídico) e é a censura a uma decisão antijurídica-culpável. .. Totalmente diferente é

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o problema de valoração ético-social nos delitos culposos: a decisão do autor não está então dirigida à realização da lesão ou colocação em perigo, típica de um bem jurídico, mas a um resultado por regra irrelevante do ponto de vista do direito e até, freqüentemente, desejado socialmente". ~0

suas metas de atuação coincidem totalmente com as co~cepções jurídicas do legislador e apenas, por ne~ligência, a situacão externa não foi corretamente percebida pelo agente. CU!mpre, por isso, aplicar-lhe pena mais br~~da que pode ~er a do procedimento culposo, reputada suficlente pelo _legislador para atender as necessidades sociais de repressao ou prevenção. 21 Em resumo: 0 erro nas descriminantes puta tivas afeta a representação da ilicitude, ligando-a, pois, à culp~bilida~e, para O efeito de excluí-la ou diminuí-la:. a e:clusao oco~re quando O erro é invencível e implica em isença? de pe~a, a diminuição apresenta-se em caso de erro vencível, aplicando-se ao comportamento doloso as penas do crime culposo.

Sob outro aspecto, o tratamento do crime culposo como se fora doloso é perfeitamente admissível. Por motivos de política criminal, a lei pode adotar semelhante solução. Não há incompatibilidade, e:m que por força de razões sistemátãco-dogmátícas, repute-se doloso o fato cometido por erro sobre os pressupostos das causas de justificação e, não obstante, por considerações de utilidade, se imponha a pena do fato culposo, no caso de erro vencível. A coexistência das duas soluções foi cónsagrada pelo projeto alemão de 1962. Ressaltou-se que tal procedimento supera a separação entre o Direito Penal e a Polítdca Criminal. Dá entrada, na parte geral do direito punitivo, à· valorações polítdco-crímínaís, sem que isto afete a autonomia das duas ciências. Persiste, com efeito, a diversidade dos critérios de avaliação e, desta forma, o que se reputa errado, sob o ponto de vista político-criminal, pode ser dogmaticamente certo e vice-versa. Acentuou-se, também, ser aconselhável que as teorias do erro se fundamentem em teorias dos fins da pena, atendendo, assim, as necessidades de retribuição ou de prevenção. Neste sentido, se, em virtude do erro, a alguém for inevitável a realização do injusto típico, não há razão para castigá-lo: qualquer que seja a teoria da pena que se adote, não se pode querer retribuir uma culpabilidade inexilstente; nem prevenir conseqüências Inevitáveis; nem corrigir pessoa por cuja conduta não se possa reprovar. Ao inverso, se evitável a prâtíca do crime, ante a vencibilidade do erro, o castigo tem razão de ser, embora do ponto de vista da missão do Direito Penal, não se justifique seja o autor tratado como delinqüente doloso. É que, em tais situações, as 0 ~ .

H. welset, ob. cít., p. 229.

escusável suposição de licitude, do fato ?ºr ignorânerrada compreensão da lei tambem relaciona-se, e de 011 forma evidente, à culpabilidade, por importar em falha de consciência da ilicitude. Mas, ao contrário do q~e- acont~c_e com ais descriminantes putativas fáticas, a supos1ça~ de lici: tude por erro de direito, nunca acarreta a impumdad~- E mer~ causa de atenuação ou substituição da pena do_ crnn: doloso. É O que estatuem, segundo o entendimento ~ommank, os ar t,s. 16 e 48 , III , do Código Penal de 1940. -- É o que, e) A

cia

9

No sentido do texto: claus Roxin, observando-se, porém, ~ue, 21 segundo ele, mesmo a pena dos crimes culposos ser~ª- desn~ce~sada e inadequada a tais hipóteses de erro vencível (Politica Criminal Y Sistema del Derecho Penal, trad. de Francisco Mufíoz Conde, 1972, ps. 67 a 69). 22 A. J. Costa e Silva, ob. cít., p. 107; Everardo da Cunha t.una, o b . Clit ., p . 111 ,· R . Lyra Filho , compêndio de Direito Penal, 1973, . p. 175; Galdino Siqueira, ob. cit., vol. I, n. 415, p. 495; Nelson Hungria, ob. cit., vol. r, p. 339; Laertes M. Munhoz, ob. cít., p. 41; Salgad~ Martins, Sistema de Direito Penal, § 110 e Direito Penal, 1974, ?· 214, A. Bruno, ob. cít., vol. r, p. 451; José Frederico Marques, o~. cít., vol. n, p. 202; E. Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 174; Vicente Sabino Jr., Direito Penal, 1967, vol. I, ps. 149 e 151. 532 - 9

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desenganadamente, determinam os arts. 20 do Código Penal de 19-69 e 35 do Código Penal Militar. 3~·- A d~sigualdade de tratamento entre a escusável

supos.1ç~o de licit~d: por erro de fato (que exclui a pena) e a escusavel suposiçao de licitude por erro de direito (que somente a a~e~ua) significa que o Direito brasileiro cria, para a segunda hipótese, autêntica presunção de culpabilidade. Em termos reais, não incide em censura pessoal, isto· é, n~· age culp~v:lmente quem supõe lícito o fato por erro escusâiel, :Por def:m~ao, :rro es~u_:sá~el é o erro invencível, desculpável, não atrlbuível a negligencia ou desatenção, ou seja, 0 erro pelo qual o autor não pode ser reprovado. No Direito Penal da Culpa, .t~l erro, evidentemente; deve permanecer à margem da pumçao. Com? a nossa lei não permite que, em tais casos, a pena possa deixar de ser aplicada, finge-se uma censura P~o~l que não oc?~re. Há, assim, responsabilidade sem culpa, º.u weJ~, ~esponsab11Idade 'objetiva. Por preocupações de polít~ca. crnm~al, nossas Códigos Penais ofendem, quanto à discíplína ignorância da antijuridicidade, o princípio do nulla poe~a stne culpa, considerado fundamental. As Exposições. de Mot,1v?s ,dos Códigos Penais de 1940 e de 1969· acentuam 0 repudio~ responsabilidade objetiva: "em nenhum caso haverá presun?a.:? de culp~", afirmou o Ministro Francisco Campos (~pos1çao,de Motivos n. 13); "o princípio do nullum crimen. sme ~~lpa e_ uma das constantes do projeto e sua significação exe~et1ca nao deve ser esquecida", repetiu O Ministro Gama e s.1lva, _esc,larecendo ainda ter-se procurado "ajustar a nossa l~g1slaçao as exigências de um Direito Penal da Culpa, que



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códigos não constituam obras de lógica sistematização doutrinária, mas instrumentos para a realização prática da justdça, não devem abrigar soluções iníquas, posto que estas comprometem as próprias. finalidades a que as leis codificadas se destinam. No campo penal, um dos postulados básicos, pelo menos nos regimes democráticos, é o de que a culpabilidade constitui indeclinável pressuposto da pena .e decisivo fator de sua mensuração. Trata-se de princípio destinado a conter os eventuais excessos do Estado, no exercício do poder punitivo: para que o destinatário das leis penais .íncída em suas sanções, não basta que o comportamento que desenvolva esteja definido como crime por lei anterior. e que também predeterminados hajam sido a natureza e os limites da pena; é necessário, ainda, que, pelo comportamento criminoso, o Estado possa censurá-lo, afirmando-lhe, fundadamente, que tinha condições de abster-se do crime. A proteção da liberdade individual, ante eventuais ataques do "Levíathan'tdo Estado, não basta o dogma do nullum crimen nulla poena sine proevia lege, ante o excesso e complexidade das leis íncrlmínadoras atuais. 23 De pouco vale, realmente, estatuír-se que não há crime sem lei anterior que o defina, se a incessante· criação legislativa de novas figuras delítuosas torna impossível, para a maioria dos destinatários, saber-lhes da existência. O princípio nulla poena sine culpa reveste-se, assim, de uma função política relevante, função que não cabe desprezar, sob risco de abrir-se caminho para um Direito Penal de puro terror, ou seja, "um Direito Penal defensivo, de mera intimidação, que relega a pessoa humana para objeto de fins heterônomos", 24

visa pr~s:rever toda forma de responsabilidade objetiva ... "

.(Exp~s1ç~o de Motivos ns. 11 e 3). Em matéria de escusável ig~orancia da antijuridicidade, o objetivo, evidentemente não foi alcançado. ' Mais, o~ motiv?.s de utilidade política não podem prevalecer sobre imperativos de eqüidade (supra, n. 26). Embora os

ª No Brasil, além das figuras típicas do Código Penal e do Código Penal Militar, há mais de cinco dezenas de leis especiais, definindo como ilícitos penais, violações, muitas vezes insignificantes, ou fatos que só afetam secundários interesses da administração pública. 24 Jorge Figueiredo Dias, A reforma do Direito Penal Portu2

guês, 1972, p. 15.

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36. Em tentativa de dar efetividade ao princípio cardeal de ~ue não h~ ~ena sem culpa, aplicando-o, inclusive, à es~usavel su~os1çao de licitude, é válido, destarte, procurar ~nterp1:et~çoes que permitam a impunidade de tais condutas 1~culpaveis. É _certo que tal impunidade não corresponde à vontade do legislador. Mas a vontade do legislador é mero elemento · · . histórico de . interpretação · · , cujo valor não e' .d ec1s1vo. 0s _motivos determínantes das leis passam e 85 leis ficam. Muitas _vezes a lei deve ser aplicada em sentido diverso do pre~end1do por seus e'aboradores, Emprestar força vinculante a vontade do legislador, equivaleria a fossilizar a lei no momento em que entra em vigor. o que importa, é a atualízada vontade da lei.

~ª. vi.gência do Código Penal de 1940, o excessivo rigor ~a _d1sc1pl~na_ do erro de proibição, tem motivado reações da Junsprude~cia e_ d~ doutrina. Procura-se amoldar o trata~en~o da ignorancra da antdjurídicidade às modernas exigencias do Direito Penal da Culpa. Nos, ~omínios da interpretação judicial, existem decisões absol~tonas fundamentadas em ter o autor procedido d boa fe, por inciência da norma incriminadora. Para chega:. a tal re.su\ta~o, ora se joga com a inexistência de dolo ora com a a~~en~ia ". ~ulpabilidade, decorrentes ambas da ~alta de consciencia da Ilicitude. Os julgados a respeito sao - escasso e s. .orno exemplos podem ser citados os que se relacionam a~s ~rimes de casa de prostituição (art. 229), porte de substancia - de . entorpecente . (art · 281 , § 1 . o , III) e manu t ençao aparelho clandestmo de radiocomunicacões (Lei no 4 117/ /62).

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,

·

p'acência das autoridades policiais, o pagamento regular de tributos e o exercício ininterrupto de tal espécie de comércio, estabelecem, em favor dos autores, uma presunção de crença na licitude do comportamento, acreditando-se os mesmos legitimamente autorizados para desenvolver as atividades, sem conhecimento de estarem desrespeitando proibições penais. Não obstante classifiquem esta suposição de licitude corno erro de direito, alguns arestas, a despeito do que estatui o art. 16, reconheceram a inexistência de dolo." .. Outros julgados, em maior número, fundamentam as absolvições no erro de fato, em que teriam incidido os acusados. Estas últimas soluções são, porém, de manifesta impropriedade. Não há, nas hipóteses focalizadas, erro quanto ao fato que constitui o crime. Este ocorre quando o autor não tem a representação de estar praticando a ação que em realidade desenvolve. Ora, os mantenedore:s de casas de prostit.utçâo, referidos nos julgados, não ignoravam estar explorando lugares destinados a encontros libidinosos. Não incidiam, pols, em qualquer equívoco quanto aos fatos. Apenas acreditariam não proibida ou não ilícita a atividade inteiramente conhecida em suas característécas táticas. 2G Também não se apresenta, nas situações analisadas, o erro quanto à existência de descriminantes, previsto na última parte do art. 17. Tal erro só tem lugar quando o autor por má percepção da realidade dos fatos, supõe estar agindo ao amparo de uma causa de exclusão da ant,juridicidade. Ora, entre estas causas, previstas pero art. 19, não se incluem a licença ou complacência da autoridade para a prática de infrações penais, como se reconhece em doutrina e vem proclamando o Supremo

·

~m mat~ri~ de casa de prostituição, vem-se reconhecendo que circunstancias como o baixo nível cultural dos rnantene~or:s dos conventi!hos, a permissão para o seu funcionamen1,0, as vezes com concessão de alvarás, a fiscalização e a com-

2o

Revista Forense 148/388 e 150/441;

Revista dos

Tribunais

189/195. ~6

V. parecer de E. Magalhães Noronha, in narcv Arruda Mi-

randa, Repositório, 1962, p. 669.

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A

Tribunal Federal 21 o er d . , efetivamente ~g~sem c~ a m1~s1v_e1 em favor daqueles que, bições, penais só poderia convicçan de não violarem. proí' ser, portanto o erro d dí it produtor de ignorância da antijuridici~ade S bí e rei o, mantendo casa de prostít . _ · a 1am estar 1 atividade. · uiçao, mas supunham lícita tal No que toca a porte de ento . . tiça do Distrito Federal, julganze:~nte, o Tnbunal de Jus0 por estrangeiro indente da .. _ de posse de cocaína brasileira, pronunciou-se n pr~~~1çao estabelecida pela lei ciência da ilicit,ude do fat o /en I o ~e que, _quando a consO terização do dolo o~n~-se nnprescmdível à carac. . . , o erro de direi to de . erro de fato .para o efeito d b . - ve ser eqmparado ao '. . . . a a soivíção. 2s . O Tribunal . Federal de Recurs .. manter estação clandestina de radí os, qu~nto - ao crime de . " . ocomumcaçao proclamo q ue, aínda que a ninguém se. a dad . ' . - u con!igura a culpabilidade qua~do o ignorar. a le~,· nao se tação, o acusado ímagt por um erro de mterpre. . _ mau que sua conduta una proíbíção legal" 29 Ass' ao se enquadra rada técnica distin. . im e~tendendo, o aresto, com apuguru entre ignorância d l . . da antijurídicidade. e . . .. ~ ei e ignorância art 16 com a· exí procurou compatíbnísar a norma. do · ·. genc1a da c tura da ação culpável. onsciencía da ilicitude na estruA

.



·A



Em doutrina às pou · t _ relevância ao err~ de pr c-~~ erpretaçoes visando dar plena oi içao, partem da já assinalada dí-

I:1

27 V. He~:rio Cláudio Fragoso J · • . 52/466, 52/695, 53/573; 57/423 e 59j35~~zspruden~za Criminal, e R.T.J.,

·~

.

.

• Ac. do T.J .D.F., de 02. 08. 74 in . . . prudência, 1974 n 30 246 O t , . ADCOAS, Boletim de Juris-

, · · · u ras decísõe d d de direito quando ocasione falt d ~. a~ o relevância ao erro tn Rev. Forense, 145/437 e 154/3~2. e consc1enc1a da antijuridicidade, 20 Ac. do Tribunal Federal d R tro Godoy Ilha, in ADCOAS B l e_ ecursos, de 24. 10. 69, rel, Minis, o etim de Jurisprudência, 1970, p, 278.

IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

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ferença entre ignorância da lei e ignorância da antíjurídícídade (supra n. 11). Os arts. 16 e 48, III, do Código Penal em vigor,' só incidiriam sobre a ignorância de aspectos técnicos do preceito legís'ado, não alcançando a escusável suposição de ilicitude." Ocorrendo tal suposição, o erro teria eficácia para excluir o dolo ou a culpabilidade. Pela exclusão do dolo manifestou-se Souza Netto: "o que o indivíduo não pode ignorar, é a antijurídicidade formal. Esta é que não escusa. Mas .oerro de boa fé sobre a injuricidade substancial exclui o dolo, e não é a este erro (ou ignorância) que se refere a máxima ignorantia legis non excusat". 3º Pela inexistência de culpabilidade pronunciou-se Francisco Assis Toledo. Depois, de afirmar ser a consciência da ilicitude atual ou potencial, "um, especial pressuposto da censurabilidade, isto é, da culpat>iliµade; como ·jujzo de censura feito ao agente que podia -atuar conforme ao direito mas, nas circunstâncias, não atuou11;,concluiu: "a ignorância da lei penal, do preceito pu-: nitivo, não coincide perfeitamente com a ignorância da norma de· DireitQ·.. Assim, o legislador pátrio quando estabelece a íneseusabilídade da ignorância ou errada compreensão. da lei, não -pode estar se referindo à ignorância ou. à errada compreensão do Direito, a menos que se queira reduzir esta, àquela, redução esta, hoje inaceitável". 31 · · · ''Gompàrtilha:mos desta última posição.' Em verdade, os arts. 16 · e 48, III, do Código Penal de 1940, comportam entendimento restritivo. Toda interpretação deve ir além dos limites do texto e tratar de descobrir: os seus fins, pois que toda a lei é meio para a consecução de determiinados objetivos 32 e só pode ser entendida por esta referência finalística. Atualmente, as construções jurídico-penais devem-se preocupar em estiabelecer racional proporção entre a .pena e a 30. · 31

s2

Souza Netto, ob. clt., p. 113. F. Assis Toledo, ob. cit., ps. 71 e 131. E. Mezger, Tratado, vol. I, § 11, p. 138.

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culpa lato sensu. Por isso, em matéria de ignorância da antijurídicidade, cumpre buscar soluções para isentar de pena os autores que, pela ignorância, não puderem ser censurados e punir com sanções diversas a violação consciente e a violação negligentemente inconsciente da norma jurídica.

que o disposto no art. 16 não abrange o erro que ultrapassando o desconhecírnento da lei, acarrete desconhecimento da própria proibição e gere suposição de legitimidade do comportamento. Em suma, a ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena enquanto não importarem em desconhecimento da norma. Ignoradas a lei e a norma, ou tão-somente a última, haverá isenção de pena, desde que o erro seja escusável. Não infirma a construcão acima o texto do art. 3.0 da Lei de Introdução ao Código Civil (Dec.-lei n.? 4.657, de 4 de setembro de 1942). É que também ali não se regula a ignorância da norma, mas a ignorância da lei, para declará-la ínalegável como escusa. Ainda, entretanto, que o desconhecimento da norma estivesse abrangido pelo dispositivo, isto nenhuma conseqüência acarretaria no campo penal. Com efeito, a Lei de Introdução ao Código Civil, apesar de seu alcance geral,ª" não tem plena aplicação ao direito punitivo, por consagrar soluções que este, expressa ou implicitamente, repele, como a retroatdvídade da lei nova e o recurso à analog: a ou aos princípios gerais do direito, para a solução dos rasos omissos. o Código Penal de 1969, assim como o Código Penal Militar, não admitem a solução doutrinária que se acaba de apontar. Textualmente determinam a atenuação ou substituição da pena em caso de suposição de licitude, por escusável ignorância ou errada compreensão da lei. Regulam, assim, não o desconhecimento da lei, mas o próprio desconhecimento da ilicitude, para declarar-lhe a punibilidade, ainda que e.<:.cusável. Em face destes diplomas, não há qualquer possibilidade de, através de construção lógico-sistemática, atribuir-se plena eficácia ao escusável desconhecimento da ilicitude por erro de direito.

A fim de evitar que a incidência do art. 16 comprometa a realização da justiça material, deve-se entendê-lo como impeditivo de eficácia só à ignorância da lei e não à ignorância da norma. A distinção entre norma e lei reveste-se, assim, de partdcular importância, quanto ao tema. Como normas são consideradas as proibições ou imposições jurídicas que precedem, em ordem lógica, as regras legisladas. Como leis, os preceitos redigidos que, no campo· penal, regulamentam o direito-dever estatal de punir. Enquanto a norma cria o antijurídico, a lei cria o delito. 33 Desta distinção não se pode prescindir. Um sistema de normas que sirva de base à lei penal é necessário, tanto do ponto de vista lógico-jurídico, como sob o prisma dogmático: do ponto de vista de lógica jurídica, porque não sendo castigadas todas as ações que causam lesão ou perigo a um bem jurídico, mas, somente, as que dentre elas forem proibidas, é necessária uma prioridade das normas no processo de valoração, com a proibição de determinadas lesões e punição de um conjunto ainda mais reduzido de ações proibidas; do ponto de vista dogmático, porque, sem se servir da norma, nem a teoria da antijurídicidade, nem a da culpabilidade encontrariam soluções satisfatórias. :14 Ora, aceita esta diferenciação entre norma e lei, resulta eara a independência entre a ignorância de ambas as coisas. E como o Código Penal de 1940 limita-se a declarar a ineficácia da ignorância ou errada compreensão da lei, nada dizendo acerca do desconhecimento da norma, cabe afirmar :i:i

n, 12. 14 :

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A. Graf zu Dohna, A Estrutura da Teoria do Delito, 1958, R. Maurach, Tratado, vol. I, § 19, II, B.

:i:, Cf. Serpa Lopes, Lei de Introdução ao Código Civil, 1959, vol. I, p. 8.

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A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

Para que estes Códigos efetivamente observem o princípio do nulla poena sine culpa, só é cabível solução de lege ferenda. Talvez seja o caso de modificar o art. 20 do Código de 1969 e .O· art .. 35 do Código Penal Militar, para permitir, além de atenuação ou substituíçãn da pena, o perdão judicial, como sugeriu o Seminário de Direito e Processo Penal de Belo Horizonte. 36 Com fórmula semelhante, desde que facultatãvos a livre atenuação e o perdão judicial, não há que temer -atrouxamento na repressão penal, pois que a atenuação ou isenção só serão. concedidas àqueles que realmente apresentarem menor ou nenhuma censurabilidade pessoal, pela equivocada suposição de licitude do fato. Sob outro aspecto, sem conduzir à. responsabilidade objetiva, inevitável ante a apontada presunção de censurabílídade ao erro escusável, a fórmula em questão conserva o tratamento eficaz e adequado ao desconhecimento da norma, por: desprezo ao direito, cuja punição não se subordina aos limites qualitativos e quantitativos das incrimdnações a título. de culpa. 37. ; , Não disciplinado legislativamente, o erro de direito extrapenal tem tido sua eficácia reconhecida por_ parte. da doutrina e jurisprudência brasileiras. Sustenta-se que tal erro deve ser equiparado ao erro de fato, sem que isto constitua "o entendimento geral", a que alude a Exposição de Motivos do :Código de 1969 , (n. ~2), . · , Na doutrina, há divergência de pontos de vista. um lado, alega-se não ser admissível a relevância do erro sobre lei não penal,. porque tal relevância não prevalece fora da órbita jurídico-penal, ante o princípio de que. ninguém se escusa de cumprir a lei., alegando que não a conhece. 37 De

De

ao · Revista de Direito Penal, vol. 15/16, p. 91, 1.0 conclusão. No mesmo sentido manifestara-se Ruy Cardoso de Mello Tucunduva,, Erro de Direito, in Revista dos Tribunais, vol. 381, ps, 19 e segs, 37 Nelson Hungria, Comentários, I, p. 391. No mesmo sentido Costa e Silva, ob. cít., p. 129.

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outro lado, afirma-se ser razoável aceitar a eximente influência· do erro de direito extrapenal, quando conduza a erro sobre elementos de fato da infração, o que traz uma nota de liberal e justa compreensão da realidade psicológica. 38 Na jurisprudência, existem decisões nos dois sentidos. Há julgados que vêm reconhecendo efeitos eximentes ao erro de direito extrapenal. Assim é que: a) isentou-se de pena, a título de falsidade ideológica, pessoa que registrou como legítimos filhos que teve com a amásia, supondo que legítimo significava autêntico, isto é, que era ele realmente ~ pai; 30 b) absolveu-se da ímputação de crime de usura, particular que cobrou juros segundo normas bancárias, incidindo em erro essencial sobre elemento constitutivo do delito; 40 e) reconheceu-se justificado, em matéria de crime ~ontra a _economia popular, o erro do comerciante, que, por mfor1:1açao de seu sindicato de classe, supôs. ter havido autorizaçao legal ~3:..ra oaumento de preço de mercadoria; 41 d) excluiu-se a pumçao, por falsidade ideológica, de falso registro de nascimento~ procedido para a aquisição de capacidade civil e convoluçao de núpcias, sob o fundamento de erro de dir~ito, por tratar-se cÍe solução permítdda, ainda que de forma d1f:,rente, por outra lei. 42 Em sentido oposto, entendeu-se que nao atenua ~ re~ponsabilidade do autor de crime de bigamia, a circunstancia aa Basileu Garcia, Instituições, I, p. 276; no mesmo sentido, ~- ~· Marques, curso, II, p. 244 e E. Magalhães Noronha, I: p. 193; namasio E. de Jesus, ob. cit., p. 426; F. Assis Toledo, ob. cít., p. 38; A~ibal Bruno, ob. cít., II, p. 497. Em matéria civil, também se admite a equiparação do erro de direito ao erro de fato, para o ef~ito de anulação do ato jurídico. v. Washington . de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 1968, vol. I, p. 27. 39 Revista Forense 196/290 e Revista dos Tribunais 301/99. 40 41 42

Revista Forense 227/310. Revista dos Tribunais 237 /385. Revista dos Tribunais 425/284.

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de se tratar de pessoa rústica, desconhecedora das leis civis, "porque o conhecimento de mais de um casamento válido está na consciência de todos". 43 A equiparação do erro de direito extrapenal ao erro de fato deve-se à influência italiana. O Código Rocco, em seu art. 47, última parte, estatui que o erro sobre uma lei diversa da penal exclui a punibilidade, quando ocasiona um erro sobre o fato que constitui o crime. Sendo numerosos os casos em que a lei, para descrever o crime, recorre a noções e conceitos extraídos de outras normas jurídicas, a doutrina peninsular entende que nestes casos, o direito reflui no fato. Desta forma, se ocorrer erro acerca destes conceitos falta a ' consciência de elementos da conduta tiplca, sendo indiferente que tal falta se refira a uma realidade jurídica e não a uma realidade material. 44 Ante a exigência de que o erro de direito extrapenal ocasione um erro sobre elementos constitutivos do delito, opera ele em campo diverso daquele em que atua a ignorância da antijurídicidade, pois, funciona, no mecanismo da determinação da vontade, como verdadeiro erro de rato, com exclusão do nexo de causalidade entre a vontade e o evento. 4" Embora a lei civil deva ser observada por todos, não se podendo descumpri-la a pretexto de ignorância ou erro sobre sua interpretação, nada impede que o erro sobre ela, não relevante para fins civis, possa ter conseqüências diversas quanto à responsabilidade penal, em caso de violação da norma penal que dependa da lei civil. 46 Restringindo-se a declarar a eficácia do erro de direito extrapenal, a fórmula italiana não reconhece efeitos. ao erro 4"

Revista dos Tribunais 234/102 e 445/367.

s. Piacenza, ob. cít., p. 27. Alimena, ob. cít., ps. 454 e 461. 4r. Gennaro Escobedo, Osservazioni circa l'errore su legge diversa dalla legge penale, in La Giustizia Penale, 1935, vol. 41, parte III, 41

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col. 765.

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1

sobre elementos jurídicos do tipo, de natureza penal. Tal limitação é arbitrária. Não é só de conceitos de outros ramos do direito, que a lei penal se utiliza na tipificação de certos delitos. Muitas vezes, figuram como componentes do tipo, conceitos do próprio Direito Penal. Em nosso Código, isto sucede, por exemplo, nos crimes de calúnia (art. 138), receptação (art. 180), incitação ao crime (art. 286), apologia de crime (art. 287), denunciação caluniosa (art. 339), comunicação falsa de crime ou contiravenção (art. 340), auto acusação falsa (art. 341), favorecimento pessoal (art. 348) e favorecimento real (art. 349). Em todos estes casos, para que o autor perceba a correspondência de sua conduta com a conduta descrita em lei, é necessário que saiba tratar-se de crime o fato que imputa falsamente a alguém, ou de que proveio a coisa que adquire, ou à cuja prática incita publicamente, ou para cujo eometdmento associa-se a mais de duas pessoas, ou para o qual pede a instauração da persecutio criminis, ou, ainda, a cujo autor favorece. Ademais, a vista da definição jurídico-penal de funcionário público (art. 327), a representação da tipicidade de vários crimes cometidos por particulares contra a administração, requer o conhecimento de tal conceito. Efetivamente, sem que o autor saiba tratar-se de funcionário público a pessoa a quem desobedece, desacata ou oferece vantagem indevida, não pode ter consciência de estar praticando os crimes dos arts. 330, 331 e 333 do Código Penal em vigor. A recusa de efeitos ao erro sobre elementos jurídico-normativos do tipo de índole penal implica em diversidade de tratamento quantia a situações análogas. A falta de representação, por escusável erro de direito, de conceitos penais componentes do tipo, equivale à falta de representação de qualquer conceito de direito extrapenal incorporado à descrição da conduta delituosa. Na própria Itália, esta equivalência é reconhec.da. O que importa, escreve Piacenza, é que

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ª. regulamentação jurídica seja reclamada na descrição. do tipo abstrato, de modo a poder incluir-se entre. os elementos do fato constitutivo do crime. Quando isto ocorra não se poderá negar a eficácia do erro, qualquer que seja O ramo do ordenamento jurídico ao qual o legislador haja recorrido para uma completa e precisa descrição do delito .. 41 Acrescent~-s~ ainda, não haver razão para distinguir-se entre erro de Direito extrapenal e erro de Direito Penal. Desde O mom,e~to em que o Direito Penal se serve de um conceito orlgínarro de outro ramo do direito para especificar uma das características do fato típico, dito conceito, formalmente, assume a natureza .do dispositivo que veio a integrar. É .~ q~e a~ent~a FrosalI, para quem as disposições integradoras nao sao leis extrapenais. Na sua função integradora, assume1_:1 a natureza da norma integrada. Em conseqüência deste fenomeno,. para classificar o erro de direito como extrapenal, a verdadeíra ~atureza formal da disposição integradora tem de se~ abstraída, para atender-se somente à natureza que possma,. no momento que precedeu a integração: 4s Também ~o ~ras1l, reconhece-se ser tecnicamente insustentável a dístmçao entre erro de Direito extrapenal e de Direito Penal 40 P?sto que "o momento psíquico-normativo da vontade é ~icíado tanto, ou ainda mais, pelo erro de Direito Penal quanto pelo erro de Direito não-penal". so ' . .cumpre, realmente, não distânguír entre conceitos de Dire~to Penal e conceitos de Direito extrapenal integrantes do tipo. Ambos são circunstâncias constitutivas do crime pelo que. id~ntica deve ser a eficácia do erro que sobre o.~ mesmos incida. O que importa não é verificar a natureza penal ou extrapenal do conceito jurídico a que se relacione o erro, mas estabelecer se o conceito const,itui ou não requisito 47

48 40

eo

S. Piacenza, ob. cit., p. 29, n. 2. R. A. Frosali, ob. cít., § 77. Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 224. Aníbal Bruno, ob. cit., II, p. 497,

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da conduta típica. si Para tanto, é necessárío distinguir entre elementos jurídico-normativos do tipo e elementos jurídico-normativos da ·ilicitude. 52 São elementos jurídico-normativos do tipo os conceitos que se constituem em circunstâncias do fato criminoso, como "cheque", "warrant", "documento", "coisa alheia", "moeda de curso legal" etc ... (supra n.0 9, d). São elementos jurídico-normativos da ilicitude os que acentuam o desvaler da conduta, como "indevidamente", "sem observância de disposição legal", "sem justa causa" ou "sem licença da autoridade". 53 Embora incorporadas à descrição legal, estas referências à antijurídicidade não são circunstâncias constibutivas do fato típico; apenas ressaltam, desnecessariamente, a ilicitude comum a todas as condutas delituosas, ou estabelecem, a contrario sensu, especiais situações de licitude, a exemplo do que sucede com a "licença da 51 Apesar da normatividade ser da essência do Direito, reconhece-se, comumente, que o tipo possui características descritivas, perceptíveis pelos sentidos (homem, membro, explosivo, matar etc.) e características normativas compreensíveis pelo espírito através de juízos de valor. Estas características ou elementos normativos são culturais ou jurídicos, conforme sua interpretação requeira noções éticas (ato obsceno, mulher honesta, perigo, lascívia, bons costumes etc.r ou noções de. Direito (cheque, "warrant", documento, coisa alheia, moeda de curso legal etc.) . Giuseppe Ruggiero, Gli Elementi Normativi della Fattispecie Penale, 1965, p. 162; H. Welsel, ob. cít., p. 110; R. Maurach, ob. cít., § 20, V. II, p. 284; Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 174; E. Mezger, Tratado, vol. I, p. 338. 52 Os elementos jurídico-normativos concernentes à antijurídícidade foram os primeiros a serem reconhecidos por M. Ernest Mayer (M. Reale Júnior, A antijuridicidade concreta, 1973, ps. 36 e 44) . Há quem os considere como os verdadeiros elementos normativos (M. Jimenez Huerta, La Tipicidad, 1955, p. 79) . 53 Distinguem entre elementos jurídico-normativos do tipo e da ilicitude: H. Welsel, ob. cit., p. 234; R. Maurach, ob. cit., p. 285; G. Delitalla, ob. e loc. cits.; Francesco Carla Palazzo, L'errore sulla legge extrapenale, 1974, p. 177; Luiz Luizi, O tipo e a teoria finalista da ação, ps. 64 e 65.

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A

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autoridade", que só excepcionalmente justifica determinados comportamentos (C. P. 1940, arts. 166 e 253). Nos dois casos, entretanto, o relevo dado à antijurídicidade nada acrescenta· à estrutura do tipo. O erro sobre elemento jurídico-normativo da ilicitude é erro de proibição e como tal deve ser tratado (supra n. 36). O erro sobre elementos jurídico-normativos do tipo é erro sobre circunstância constitutiva do crime e a este deve ser equiparado. Como isenta-se de pena o escusável erro de fato, que faça supor a inexistência de circunstância constitutiva do crime, idêntico efeito há de se reconhecer ao erro de direito que conduza à mesma suposição, sendo irrelevante a natureza penal ou não penal do conceito jurídico ignorado. Nosso direito comporta tal solução. Não há regra que circunscreva a eficácia ao erro de direito extrapenal, como sucede na Itália. O Código do Brasil estatuí somente ser isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato que o constitui (art. 17). Desde que a irrelevância do desconhecimento ou da errada compreensão da lei (art. 16) diferem da ignorância ou falso entendimento do Direito (supra n. 36,), nada impede que se equipare o erro sobre elementos jurídico-normativos do tipo ao erro sobre elementos descritivos do tipo, Trata-se de analogia in banam partem, não vedada em matéria penal. 51 Tal analogia encontra plena justificação na idêntica conseqüência que as duas modalídades de erro produzem quanto ao dolo. Segundo a definição legal, o crime é doloso "quando o agente quis o resultado ou

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A. Bruno, ob. cit., vol. I, p. 219; J. Frederico Marques, ob. cít., vol. I, p. 169; E. Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 99; Salgado Martins, Direito Penal, 1974, p. 105; Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 97; Damásio E. de Jesus, ob. cít., p. 50. Em sentido ontrárlo, Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 75.

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assumiu o risco de produzi-lo". É claro que o querer ou a assunção do risco não constituem processo sem pressuposto. 55 Longe disto, requerem que se conheça aquilo que se deseja ou em que se consente. Necessária, portanto, ao dolo, a consciência de que a ação corresponde ao tipo delituoso. Ora, tal consciência não se verifica em caso de erro que faça supor a inexistência de circunstância eonstdtutíva do crime (supra n. 35, a), sendo indiferente que o erro verse sobre elementos descritivos ou sobre elementos jurídico-normativos do tipo. Tanto não é doloso o comportamento de quem, por exemplo, subtrai coisa alheia, tomada como própria, por erro em sua identificação material, quanto o de quem, embora sem enganar-se quanto a individualidade da coisa, a subtrai, porque supõe-lhe haver adquirido a propriedade, por equivocado entendimento de uma relação contratual. Nos dois casos, falta a consciência de ser alheia a coisa subtraída. 38. o erro de exigibilidade (supra n. 8) pode ocasionar ao autor falsa suposição de estar procedendo em estado de necessidade, sob coação moral irresistível ou em obediência hierárquica. A vista do nosso Direito positivo, estas situações, quando efetivamente ocorram, implicam em isenção de pena fundada na inexigibilidade de outra conduta. 50 55 como acentua R. Maurach, um querer carente de pressupostos constitui instinto e não dolo, ob. cít., vol. I, p. 31. se A exigibilidade de outra conduta é apontada como fundamento da impunidade do aborto terapêutico e do favorecimento pessoal a parentes próximos, bem como, no Código Penal de 1969, do excesso nas descriminantes por escusável medo, surpresa o_u perturbação de ânimo em face da situação. Luiz Alberto Mac!1~d·o· (quanto ao aborto terapêutico), Estado de Necessidade e Exigibilidad_e ~e outra conduta in Rev. de Direito Penal 7/8, p. 38; Heleno Clauddo Fragoso (quanto ao favorecimento e ao excesso escusável), Liçõ~s ~ de Direito Penal, Parte Especial, 1965, vol. IV, n. 1.124, p. 1.243 e Liçoes, Parte Geral, p. 228. (Nesta última obra, o autor considera o favorecimento a parentes escusa absolutória) . Pensamos que tais situa-

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Não há dúvida quanto ao reconhecimento da inexigibilidade no estado de necessidade previsto pelo Código de 1940 57 e no estado de necessidade exculpante do Código de 1969. Expressamente, está ela consagrada nos dois dispositivos, através das cláusulas "cujo sacrifício nas circunstâncias não era razoável exigir-se" (C. P. 40, art. 20) e "desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa" (C. P. 69, art. 25). Mas, enquanto no sistema vigente, tal inexigibilidade exclui a própria ilicitude, 58 no direito futuro, pela adoção da teoria diferenciadora, 59 é ela causa de exculpação. No que toca à coação moral irresistível, também é dominante a opíníão de que se trata de hipótese de inexigibilidade de outra conduta. 60 O coagido age com vontade (coactus tamen voluit): para evitar a continuação, repetição ou superveniência do mal já infligido ou ameaçado, decide-se pela 57, Nelson Hungria, Comentários, vol, I, p. 436; Aníbal Bruno, ob. cit., tomo I, p. 384; José Frederico Marques, Curso, vol. II, p. 130; E. Magalhães Noronha, D. Penal, I, p. 234; Salgado Martins, D. Penal, p. 185, entre outros. 58 Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 436. 59 Sobre a teoria diferenciadora, ver a Exposição de Motivos do Código Penal de 1969, n. 14. Para maior estudo, Miguel Reale Júnior, Dos Estados de Necessidade, 1971. 60 Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 226; José Frederico Marques, Curso, vol, II, ps. 236 e 240; Salgado Martins, Direito Penal da Culpa como Centro do Novo Sistema (loc. cít.) ; Damásio E. de Jesus, ob. cit., p .. 104; Ricardo A. Andreucci, coaçõo Irresistível por Violência, 1974, p. 104.

ções não são de inexigibllldade: no aborto necessário, há exclusão da própria antijuridicidade, sendo o fato lícito inclusive para efeitos. extrapenais (responsabilidade médica e reparação do dano); o favorecimento pessoal de parentes é escusa absolutória, que prevalece independentemente do constrangimento em prestar o auxílio· no excesso escusável, o medo, surpresa ou perturbação de ânimo afetam a própria imputabilidade.

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prática do crime que lhe exige o coator. Seu procedimento, portanto, é doloso, mas deixa de ser censurável pela intimidação que não possa arrostar ou "cuja paciência não lhe possa ser razoavelmente exigida". er Quanto à obediência hierárquica, há disparidade de opiniões. Muitos; justificam-lhe a impunidade pelo erro de proibição: o inferior hierárquico que comete o crime em obediência à ordem superior não manifestamente ilegal, não procede culpavelmente, porque supõe estar praticando uma ação lícita, já que não percebe a ilegalidade da ordem. 02 Afirmam outros não exigir a lei que o inferior hierárquico atue sem consciência da antijurídicidade: desde que a ilegalidade da ordem não seja manifesta, incumbe-lhe executá-la, ainda que se aperceba de estar praticando ação delituosa, por tratar-se de dever funcional. A situação é de ínexigíbllidade, uma vez que o executor da ordem prefere praticar a ação a incidir em sanções disciplinares por desobediência. 63 Em nosso entender, esta é a construção mais correta. A dirimente em apreço só tem lugar no âmbito da administração pública. Ora, o FAStat,uto dos Funcionários Públicos dá União, assim como os estatutos estaduais que o repetem, estabelecem ser dever do servidor público, a "obediência a ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais", comdnando à desobediência as penas de repreensão e até de demissão, em caso de insubordinação grave em serviço. 64 No âmbito militar, em que a disciplina é necessariamente mais rígida, mesmo as ordens manifestamente ilegais, em matéria de serviço, têm Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 423. 02 Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 426; A. Bruno, D. Penal, tomo II, p. 553, sendo esta a opinião dominante no Brasil. 63 Basileu Garcia, Instituições, tomo I, p. 290; Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 230. 64 Lei 1. 711/52 (Estatuto dos Funcionários Públicos da União, arts. 194, VII e 204). 01

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de ser cumpridas. Pelo crime decorrente só responde o autor da ordem. O inferior não é culpado, qualquer que seja a sua convicção sobre a ilegalidade da ordem (C.P.M., art. 38, b e § 1.º), posto que a recusa de obediência constitui modalidade de crime de insubordinação (C.P.M., art. 163). Só há responsabilidade para o inferior hierárquico, se a ordem tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso 65 ou se há excesso na execução (C.P.M., art. 38, § 2.º). Desta forma, para os servidores civis, não existe a faculdade de recusa ao cumprimento de ordens não manifestamente ilegais e aos militares não é dado desobedecer ordens que não conduzam a atos manifestamente criminosos. Tais limitações ao poder de sindícâncía sobre a ilegalidade ou criminosidade da ordem tornam irrelevante qualquer indagação acerca da falta de consciência da antijurídicidade, por parte do seu executor. À isenção da pena, não é necessário proceda ele de boa fé. Não havendo, na ordem superior, ilegalidade ou criminosidade manifestas, isto é, objetivamente reconhecíveis ictu oculi, tanto faz que o inferior incida ou não em erro de proibição. Ainda que proceda com plena consciência de estar cometendo um crime, não é ele culpado, porque tinha o dever funcional de cumprir a ordem. A ignorância da antijurídicidade é, pois, epítenômeno na obediência hierárquica, cuja eficácia exculpante baseia-se na inexigibilidade de outra conduta. G5 Quanto à desobediência à ordem para a prática de atos manifestamente criminosos, como participar de movimento contra o poder legalmente constituído, nota Salgado Martins que a solução jurídica sofre, não raro, a influência da fortuna· política. Se dominada a insurreição, considera-se a ação meritória e louvável, quando o militar desobedeceu ao superior rebelado. Se vitorioso o movimento rebelde, o militar que resistira, deve prestar contas à justiça, pelo ato de desobediência (Direito Penal, p. 248).

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Fixados os casos de inexigibilidade sobre os quais podem incidir erros do autor, cumpre verificar o tratamento de tais modalidades de erro no Direito brasileiro. Só está disciplinado legislativamente o erro de fato quanto ao estado de necessidade do Código de 1940, isto é, a.s situações de putatdvas ações necessárias, por inexigibilidade de outra conduta. Não há regras expressas acerca do erro quanto ·à coação moral irresistível ou quanto à obediênc~a hierárquica, limitando-se a lei a regular-lhes a ocorrência real, sem nada estatuir acerca da putatividade em tais casos. o erro sobre o estado de necessidade, do Código de 1940, tem sua eficácia acolhida pelo art. 17, última parte, daquele diploma. Mesmo quando decorra de inexigibilidade de outra conduta (e não da salvaguarda de direito mais valioso), a ação necessária é sempre causa de exclusão da antijuridicidade (art. 19, I). Aplica-se-lhe, portanto, a regra de que é isento de pena, "quem por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima". Mas, tal regra não é aplicável ao erro sobre a coação moral irresistível ou sobre a obediência hierárquica, pois estas não são situações que tornariam a ação legítima. Nos termos do art. 18 do Código de 1940, trata-se de meras causas de exculpação, que em nada afetam a ilicitude do fato. Diga-se o mesmo do estado de necessidade exculpante, da coação moral e da obediência hierárquica no Código de 1969. Sendo todas causas de exclusão da culpabilidade (arts. 24 e 25), não são alcançadas pelo art. 21, última parte, do novo diploma que a exemplo da lei anterior, só reconhece relevância ao erro sobre situação que tornaria a ação legítima. Omissas as leis quanto a estas espécies de erro de exigibilidade, cumpre à doutrina buscar-lhes adequada e justa solução. E esta parece residir em tratar a putativa coação moral irresistível e a putativa obediência hierárquica, como

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se reais fossem, aplicando-se-lhes os arts. 18 do Código de 1940 e 24 do Código de 1969. 66 Idêntica há de ser a solução, na nova lei, do putativo estado de necessidade exculpante, subsumível a seu art. 25. . Esta equiparação do putatívo ao real é inteiramente justificável. A inexigibilidade de outra conduta, fundamento da isenção de pena nas situações reais, também existe nas situações putatívas. Em qualquer das hipóteses, encontra-se o autor no dilema entre praticar o crime ou: a) sofrer o mal real ou imaginariamente ameaçado; b) ser punido por descumprir a efetiva ou suposta ordem de superior hierárquico; e) .deíxar perecer, na situação de concreto ou acreditado perigo, direito seu ou de pessoa particularmente cara, abstendo-se de sacrificar direito alheio de igual ou superior importância. Não difere o estado de compulsão em que se encontra o autor, apenas porque a ameaça só exista em sua mente. Idêntica é a situação de constrangimento. E como tal fator. deve ser apreciado subjetivamente, isto é, em relação ao estado anímico, face à compulsão real ou razoavelmente suposta, a isenção de pena deve ser estendida aos estados putativos através da. analogia in bonam partem. · Tal solução pela analogia, não importa em reconhecer o princípio da inexigibilidade de outra conduta como causa supralegal de exculpação, consoante preconiza parte de nossa doutrina. 67 Há sensível diferença entre estender a eficácia da escusa legal a situações semelhantes às ali previstas e ampliar, díscrícionaríamente, esta mesma eficácia a hipóteses de que não cogitou o direito positivo. Com a analogia, atende-se à vontade da lei, submetendo-se o fato concreto à disposição reitora de caso equiparável; com a admissão de causas supralegais de inexigibilidade, permite-se que, a despeito da Damásio E. de Jesus, ob. cit., p. 430. il7 Aníbal Bruno, ob .. cit., tomo II, p. 484; Damásio E. de Jesus, ob. cit., p. 418; Luíz Alberto Machado, ob. e loc. cíts., p. 56. 66

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inexistência de norma reguladora de situação semelhante, estabeleça-se novas modalidades de escusa. 68 Na primeira hipótese, sem quebra do pensamento fundamental da lei, supre-se lacuna do Direito positivo; na segunda, com apoio em critérios não afiançados pela lei escrita, cria-se outras causas de não culpabilidade, com evidente perigo de subversão da ordem jurídica e de enfraquecimento da firmeza do Direito. 00 Não é necessário, nem útil, erigir a inexigibilidade em causa supralegal de exculpação. A13 tentativas neste sentido não se coadunam com as originárias concepções de Frank, que circunscrevia a aplicação do princípio aos crimes culposos e excepcionalmente, aos dolosos, nas situações previstas em lei. A ampliação da escusa da inexigibilidade a todos os casos de pressão das circunstâncias deve-se a um exagerado humanitarismo. Neste defeito incidiu Freudenthal, ao defender a exculpação de homicídios cometidos sob o influxo de preconceitos sociais. Tal seria a situação da jovem siciliana que, em autêntica vendetta, matou os tios, por estes haver~rn causado sua separação conjugal, ao revelarem para o mando a antiga ligação amorosa que a moça tivera com o parente varão. 10 É claro que excessos semelhantes colocaram em risco a própria teoria normativa da culpabilidad~,A pr?vocar_ido incontáveis reações doutrinárias. Em consequenc1~, hoje prevalece o entendimento de que estã? pr~~~~ em lei todas as causas de exculpação fundadas na mex1g1b11idad~e de ou~ra conduta. 11 Tais causas admitem analogia, mas nao aimipl:ações arbitrárias, 12 porque devem ser evitadas interpretaçoes 68 Esta diferença é reconhecida por Damásio E. de Jesus,~ para quem a analogia não constitui hipótese supralegal de exclusao da culpabilidade (ob. cít., p. 419) . 69 N. Hungria, Comentários, vol. I, p. 77. 10 A. Bruno, ob. cit., tomo II, p. 487, n. 13. 11 Sobre a evolução do princípio da exigibilidade, Enrique Cury, ob. cít., p .. 213. 12 Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 226, n. 200.

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dispares, propícias a absolvições escandalosas. 78 Os próprios partidários, entre nós, da tese supralegal, reconhecem a necessidade de estabelecer critérios seletivos, para que a escusa por inexigibilidade não adquira "amplitude incompatível com os fundamentos do Direito Penal, resultando, por fim, um critério anárquico contrário à necessária segurança da ordem jurídica". H

AP~NDICE

i3 Roberto Lyra Filho e Luiz Vicente Cernichiaro, Compêndio de Direito Penal, Parte Geral, 1973, p. 184. 74 A. Bruno, ob. cít., vol. II, p. 487; Damásio E. de Jesus, ob. cit., p. 419.

.. ANIBAL BRUNO E A REFORMA PENAL* Alcides Munhoz Netto INTRODUÇÃO 1. · Participo, com satisfação, desta série de conferências em homenagem a-Aníbal Bruno. É uma grata oportunidade de, urna vez. mais, externar a grande admiração e respeito que sempre devotei· ao insigne mestre. Sua notável obra assinala decisiva etapa na evolução da moderna literatura jurídico-penal em nosso país. Ninguém, antes dele, havia, no Brasil, versado. temas penais, com o sistema, a profundidade e o rigor científico que caracterizam os seus escritos. Confesso-me seu discípulo, entre tantos outros em quem seu trabalho despertou ou estimulou a vocação para o Direito Penal. Aníbal Bruno fez, realmente, do magistério superior o seu destino, como sempre pretendeu (Nilo Batista, O Mestre Aníbal Bruno, in Ciência Penai, vol. I, p. 5, 2.ª série). Sé mais não produziu, foi porque a nação para isso não lhe deu meios materiais. Trago, a respeito, testemunho pessoal. A instâncias minhas, o Prof. Everardo Luna, em 1968, levou-me a conhecê-lo. Encontramos Anibal Bruno em modestíssimo apartamento, no Rio de Janeiro. De há muito aposentado, vívía dos minguados proventos de catedrático e dos parcos direitos autorais, destdnados, no Brasil, a livros científicos. Conversamos longamente. Era uma satisfação usufruir de

* Conferência proferida em Belo Horizonte, em 11-11-76.

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seus conceitos precisos acerca de filosofia, literatura, política e direito. Indaguei-lhe, a certa altura, sobre a conclusão de seu Tratado de Direito Penal. De seus lábios ouvi, entre pesaroso e estarrecido, que a sua honestidade científica o impedia de ultimar o livro. Por nunca ter se deixado seduzir por ambições econômicas, desprezando a advocacia e outros · encargos que o desviassem da pesquisa e do estudo, Anibal Bruno confessava-se sem recursos para adquirir as novas edições de autores estrangeiros, que não mais poderia continuar citando, ante o risco de haverem modificado suas originárias concepções. Promessas de subvenções oficiais lhe tinham sido feitas, mas delas já descria o mestre. Mal posso acreditar, ainda hoje, exista, em nosso país, tamanho descaso por homens de pensamento do quilate de Aníbal Bruno, que, dos poderes públicos, teria de receber todas as condições, à continuidade da inestimáve1 contribuição ao progresso das letras jurídicas brasileiras. DOGMATICA E POL1TICA CRIMINAL 2. Nada mais adequado, num preito de gratidão e de saudade ao inesquecível penalísta pernambucano, do que focalizar-lhe a atualidade do pensamento. E, numa época em que se cogita da reforma de nossas instituições penais, parece oportuno proceder o confronto das idéias de Aníbal Bruno acerca do direito constituendo, com as atuais tendências de aperfeiçoamento do direito punitivo. Na primeira edição, de seu Direito Penal, escrito "com o pensamento voltado para os jovens estudiosos" (ed. de 1956, tomo I, Prefácio), Aníbal Bruno destacava a importância da critica e da política criminal, incluindo-as na própria ciência penal. A posição da política criminal - afirmava - "é sempre adiante do Direito vigente, cujas reformas oportunas sugere e orienta, recebendo inspiração, por um lado, da fi: losof.a e da história, e por outro, e sobretudo, das ciências

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criminológicas. Embora distinta do Direito Penal, penetra nele intimamente através da crítica, fornecendo a ela os mais importantes subsídios. . . A maioria dos dogmáticos refutariam essa posição da crítica dentro da ciência do Direito Penal. Mas é ela que concilia, como vimos, o rigor da técnica com o sentido das forças empíricas que movem o fenômeno do crime e, semi deformar o Direito corno ele realmente existe, ' " . ' estabelece uma relação entre o presente e o futuro, útil a compreensão, que poderíamos chamar evolutiva, do Direito vigente e hoje mais do que nunca justificada: qu~n~o _os códigos penais, com as concessões que têm feito as exigencias fundamentais da corrente de inspiração naturalista, revelaram que o Direito Penal está dentro de uma renovação profunda nesse sentido. E assim ela evita o perigo maior do tecnicismo, que é fazer perder ao jurista o sentido do histórico, cerrando o Direito vigente como coisa acabada e entorpecendo-lhe o movimento para a sua evolução e transtormações oportunas, o que nos levaria, por fim, por caminhos diversos, à idéia de um código ideal, perpetuamente válido, contra a qual valeria renovar a batalha que Savigny conduziu através do historicismo" (ob. cit., tomo I, ps. 41, nota 19 e 47). Esta inclusão da Polítdca Criminal na ciência penal, que Anibal Bruno defendeu na década de 50, está hoje em voga na Alemanha. Com efeito, Claus Roxin, catedrático na Universidade de Munique, e um dos mais acatados penalistas germânicos da nova geração, defende idéias semelhantes. Procurando dar novos rumos à dogmática jurídico-penal, em crise ante a polêmica entre finalistas e causalistas, proclama Roxin, que as soluções penais devem ser conjugadas com a política criminal, sem abandono da função do ordenamento jurídico de "assegurar a igualdade na aplicação do Direito e a liberdade individual, frente ao ataque do 'Leviathan' do Estado" (Política Criminal y Sistema del Derecho Penal,

Munich, 1972,).

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Pensa Roxin que as concretas categorias do delito-tipicidade, antijurídicidade e culpabilidade devem se sistematizar se desenvolver e se completar sob o prisma de sua função polítdco-crímínal (ob. cit., p. 40). Assim, em relação à tipicidade, para uma interpretação restritiva que atualize a sua função de magna carta do Direito Penal e sua natureza fragmentária, deve-se recorrer, como critérios auxiliares, a princípios como o da adequação social, que restringe o teor literal do tipo, pelo acolhimento de formas de conduta socialmente admissíveis e ao princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir danos de pequena monta. Maus tratos, desta forma, não seriam quaisquer danos à integridade corporal, mas só aqueles relevantes, da mesma forma que a difamação só seria a lesão grave à pretensão social de respeito (ob. cít., p. 5,3). No que toca à antijurídicidade, para estabelecer o âmbito das causas de justificação, alcançando-se, em conseqüência, uma correta solução social dos conflitos, tem de se jogar, alternativamente, com os princípíos da prevalência do direito, da autoproteção, da proporcionalidade, da ponderação dos bens e da autonomia. Na legítima defesa, por exemplo, os princípios de autoproteção e de prevalência do direito são os que servem de base à sua regulamentação legal. Isto significa que todo :mundo tem o direito a defender-se de ataques proibidos, de maneira a que não sofra nenhum dano. Ainda que possível ao agredido subtrair-se ao ataque, a legítima defesa é permitida. O princípio da prevalência do direito (a idéia, portanto, de que o direito não tem que ceder ante o injusto) vai mais longe aqui que os interesses de autoproteção ... A autoproteção e a prevalência encontram, porém, seus limites comuns num princípio, reitor de todo o ordenamento jurídico, o princípio da proporcionalidade, que conduz à renúncia da legítima defesa, nos casos de absoluta desproporcionalidade dos bens que estão em conflito (isto é, nos

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casos em que se infringem lesões corporais graves para se defender de danos de pequena importância). Ademais, do ponto de vista político-criminal, o princípio da prevalência do direito não pode viger para as agressões de crianças e enfermos mentais, porque o ordenamento jurídico não necessita impor-se a pessoas que não podem se motivar pelas normas que infringem e que, precisamente por isto, ficam impunes (ob. cit., ps. 57 a 60). Quanto à culpabilidade, deve a mesma ser relacionada, de um ponto de vista político-criminal, com a teoria dos fins da pena. Neste sentido, cumpre indagar se o autor da ação típica e antijurídica merece ou não ser punido, isto é, se a pena, no caso, se faz necessária, seja para castigar o mal praticado (retribuição), seja para íntdmídar terceiros e evitar que pratiquem ações análogas (prevenção geral), seja para corrigir o próprio autor (prevenção especial). Com este critério, através da culpabilidade, limita-se a incidência da pena. Com efeito, se, verbi gratia, alguém - por qualquer razão que seja - não pôde evitar o injusto típico que praticou, não há fundamento para puni-lo: qualquer que seja a teoria da pena adotada, não se pode querer retribuir uma culpabilidade Inexistente, nem afastar a generalidade das pessoas da causação de conseqüências inevitáveis, nem é necessário um efeito de prevenção especial, a quem não se pode censurar a conduta (ob. cit., p. 67.). A TRILOGIA DAS REFORMAS PENAIS 3. Correspondem às atuais tendências evolutivas do Direito Penal, as idéias de não incriminar infrações insignificantes, de evitar a incidência de penas, sobretudo as privativas de liberdade, se desnecessárias à retribuição e à prevenção e de emprestar à culpabilidade função de garantia individual, erigindo-a em indeclinável pressuposto das sanções criminais.

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Com efeito, atualmente, todo o movimento de renovação legislativa, no campo punitivo, procura dar efetividade à trilogia: descriminalização, despenalização e limitação da responsabilidade penal pela culpabilidade. Pois bem, destes anseios, hoje gerais, já compartilhava o nosso Aníbal Bruno, há vinte anos passados. Era ele, na verdade, adepto da idéia de excluir do direito punitivo as infrações de bagatela, que só sobrecarregam os juízos criminais e comprometem a dignidade do magistério punitivo. Também preconizava evitar-se as penas privativas de liberdade, substdtuindo-as por outras providências jurídico-penais. E ao princípio da mula poena sine culpa, Anibal Bruno emprestara importância fundamental. Acerca da descriminalização, escrevia o grande penalista pátrio: "a pena é um recurso extremo de que se vale o legislador, quando de outro modo não lhe seria possível assegurar a manutenção da ordem jurídica (ob. cít., tomo I, p. 286) ... Na evolução das legislações, algumas figuras penais podem perder esse caráter, como tende a ocorrer hoje com o adultério, por exemplo" (ob. cit., tomo IV, p. 29). Era incisivo o pronunciamento de Anibal Bruno sobre a despenalização: "Tem-se revelado uma crise na pena privativa da liberdade, reclamando-se uma redução ao mínimo dessa privação, falando-se em prisão sem muros ou mesmo em trabalho livre obrigatório para substdtuí-la, a fim de evitar ao condenado restrições que embaracem o seu ajustamento à vida normal na comunidade de Direito. Esta é a mais grave das crises que têm afetado a pena, a que a atinge nas suas características tradicionais de retribuição e aflição. . . o que se torna evidente é que a Penologia atual, inspirada na decisão de reajustar o delinqüente à vida social dentro do Direito, se encaminha cada vez mais para restringir a privação da liberdade ao mínimo, substituindo-a por um regime que realize ou imite as condições da existência livre. Porque realmente se trata é de criar no delinqüente o hábito de rea-

gir conforme ao Direito, em meio às provocações e estímulos malsãos que a vida em sociedade oferece, mas um hábito para o qual concorra a vontade do próprio criminoso, não uma rotina superficial imposta pelas condições do modo de viver na prisão e que só aí teria eficácia." Condenava, também, as penas curtas de prisão, nas quais "não é possível exercer sobre o delinqüente nenhuma ação contínua e duradoura capaz de modificar a sua personalidade, corrigindo a deformação criminógena que nela se manifestou. Ao contrário, o criminoso, muitas vezes primário, vai reunir-se na prisão a outros criminosos, que afinal se corrompem mutuamente, cada qual com a sua própria experiência do crime, a vaidade das suas façanhas e os projetos de novos extravias. A sugestão do ambiente é para fortalecer a perseverança no caminho do delito e aperfeiçoar a técnica do delinqüente" (ob. cit., tomo III, ps. 23, nota 2, 65, nota 9, e 66). A função Iimítatíva da culpabilidade, o mestre pernambucano emprestava a maior ênfase, fruto, naturalmente, de sua liberal concepção acerca do direito punitivo. "O Direito Penal é um sistema jurídico de dupla face, que protege a sociedade contra a agressão do indivíduo e protege o indivíduo contra os possíveis excessos de poder da sociedade na prevenção e repressão dos fatos puníveis. Toda a sua atuação se faz sob o critério regulador da justiça. . . A lei punitiva, não só promove a defesa social pela proteção que confere, por meio dos rigores da sua sanção, às condições existenciais da sociedade, nos termos em que ela se acha constituída, mas assegura e delimita o campo de ação do Estado na repressão e prevenção direta da delinqüência, e com essa delimitação garante as liberdades individuais em geral e os direitos fundamentais que subsistem no próprio delinqüente" (ob. cit., tomo I, ps. 32 e 199). Especificamente sobre o princípio do nuUa poena sine culpa, que considerava "imperiosa exigência da consciência jurídica", asseverava: "o Direito Penal de hoje é conceitualmente um Direito Penal

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da culpabilidade. M. E. Mayer pôde dizer que a dignidade do Direito Penal reside na reprovação da responsabilidade pelo resultado e no reconhecimento da responsabilidade pela culpabilidade. . . Persistem, entretanto, nas legislações vigentes, casos em que se faz sentir o pensamento da responsabilidade pelo resultado, o que mostra que a evolução do princípio ainda não se encerrou. Esses resíduos das velhas concepções objetivas, que existem mesmo nos códigos mais modernos, como o nosso, mostram-se, sobretudo nos chamados crimes qualificados pelo resultado, fatos puníveis em que se exacerba a pena quando neles se produz involuntariamente um resultado mais grave, casos que von Liszt diz muito bem que não correspondem nem à consciência jurídica de hoje, nem aos princípios de uma política criminal racional" (ob. cit., tomo II, ps. 407 e 410, nota 1).

sistema de Direito assenta em bases filosóficas" (A. Bruno. ob. cit., tomo I, p. 45). Ora, a filosofia ocidental rejeita o Estado totalitário, propondo-se a dar efetividade às declaracões universais de direitos, que garantem certas liberdades individuais, corno a liberdade de consciência. Por outro lado, na seleção dos fatos a serem considerados crimes, o legislador, até por questão de economia, deve partir sempre do princípio de que o Direito Penal "só deve intervir como ultima ratio da política social". Ê o que, invocando W. Maihofer, proclama Jorge de Figueiredo Dias: "importa que o legislador tome verdadeiramente a sério a imposição de só colocar sob ameaça de pena aquelas condutas, que impedem ou põem em perigo, de forma intolerável, a livre realização da personalidade ética do homem na comunidade em que vive" (A Reforma do Direito Penal Português, p. 39, Coimbra, 1972). Infelizmente, entretanto, nas últimas décadas, o legislador não tem sabido resistir ao que o mesmo penalísta denomina de "sedução de uma tão inconveniente como perigosa inflação incriminatôria" (ob. e loc, cíts.). Fatos de escassa importância, através de impressionante sucessão de leis, vêm sendo erigidos à categoria de infrações penais, por meras razões de conveniência momentânea. A pretexto de regular novas relações, decorrentes do próprio desenvolvimento e da civilização, ou de sofrear abusos, o Estado cria, incessantemente, novos tipos penais. E que lhe é mais fácil e barato criminalizar do que prevenir. Custa muito menos, por exemplo, transformar infrações de trânsito em ilícitos penais, através de leis que nem necessitam conter a especificação de recursos orçamentários, do que construir obras de engenharia de tráfego, capazes de atenuar os riscos da circulação de veículos. Paralelamente a este fenômeno, conservam os velhos Códigos figuras penais anacrônicas, fundadas em concepções morais ultrapassadas ou em fatos que a consciência social deixou de considerar criminosos. Nascidas de exigências de

4. Demonstrada, ainda que suscintamente, a atualidade do pensamento de Aníbal Bruno, cumpre, numa segunda parte deste trabalho, examinar a utilidade das idéias enunciadas e, em balanço panorâmico, verificar quais· os seus reflexos no Código Penal brasileiro de 1969. DESCRIMINALIZAÇÃO

5. Descriminalizar significa colocar determinado comportamento fora do sistema punitivo. Isto não implica, necessariamente, em proclamar a licitude das condutas postas à margem da repressão penal. Traduz, também, o entendimento de que certos ilícitos jurídicos, definidos como infrações penais, podem ser mais racionalment,e conjurados com sanções de outra natureza (administrativas, civis ou tributárias), ou com medidas meramente preventivas. O Estado, ao estabelecer os crimes e contravenções, tem de se ater a certos limites. Por um lado, restringe-lhe a atuação a própria filosofia sob a qual se organizou, pois, "todo

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determinado momento da cultura, certas normas penais revestem-se daquela precariedade a que aludia Anibal Bruno, "sobretudo nos períodos históricos de crise social e política, como o que hoje vivemos. A consciência desse caráter provisional é o que se faz sentir nas recentes criações legislativas penais" (ob. cit., tomo IV, p. 30, nota). N~ verdade, a hipertrofia da legislação penal criou a n~cess1dade de uma "tarefa de purificação do autêntico Direito Penal", que lhe restaure a dignidade e a eficiência. A descriminalização, assim, apresenta-se como necessidade inadiável, sentida em todos os quadrantes. Entre nós a Sociedade Brasile~ra de Cr~~inologia, apreciando o novo Código Penal e o projeto de Código de Processo Penal, fez notar que a crise d~ Justiça brasileira, tem como causa preponderante o grande ~t:mero~ de pr?cessos sobre fatos sem importância, que nossos J~1zes sao obrigados a apreciar. O relatório de Evandro Líns e S~l~a, ªP:º~ad~ ~ela. entidade, consigna: "questões patrímo~ia~s _e crimmais ínteíramente irrelevantes, quer sob o aspecto jurídíco, quer sob o prisma social ou econômico convocam a atençã~ ?e mini~tro_s, desembargadores e juízes' para decidi-l_as, exi?mdo, até o Julgamento, uma organização burocrática d1spe~d1osa e um papelório inteiramente dispensável. Contravençoes e outras infrações levíssimas, cobranças irrisórias, ass~ntos nona?ª constituem a massa de serviço dos juízes e tribunaís do pais. A máquina judiciária é emperrada e não caminha e até se decidir um processo banalíssimo decorrem muitos meses e não raro muitos anos de andamento e de espera, nas prateleiras dos cartórios, nos escritórios dos advogados e nas casas dos juízes. Isso, evidentemente, está errado e carecendo de uma reforma de fundo, especialmente nos grandes centros, onde um juiz recebe centenas e às vezes mais de mil processos por ano, devendo instruí-los e julgá-los. De ano para ano os autos se vão amontoando sem ser possível dirimir, com razoável presteza, as causas submetidas ao Poder Judiciário. Para manter em dia o serviço de uma Vara é pre-

?e

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íso um esforço inaudito. O juiz despacha o expediente, que l i' o é pequeno, ouve várias testemunhas, interroga acusados, atende as partes, fiscaliza o cartório, preside os debates das nudiências de julgamento e ainda tem de proferir uma ou duas sentenças por dia. A crise da Justiça está fundamentalmente na sua base, no atraso com que são julgados os feitos, pela impossibilidade em que se vêem os juízes de dar solução à mole imensa de casos grandes e insignificantes, que lhes são distribuídos sem cessar, como uma espécie de motu continuo. Isto acarreta desprestígio para a própria Justiça perante a opinião pública, insuficientemente informada desses percalços e estorvos. Espalha-se uma desconfiança generalizada no aparelho judiciário, que não tem condições de reparar, com prontidão e eficácia, a violação dos direitos dos membros da comunidade" (Sobre a Reforma dos Códigos, in Jornal do Brasil, ed. 21. 09. 75, p. 20, 2.0 caderno). 6. Se é fácil perceber a utilidade em reagir à hipertrofia da lei penal, através da descriminalização, mais delicada é a tarefa de escolha dos ilícitos penais a serem abolidos. Os conclaves de Direito Penal e de Criminologia, internacionais ou locais, como o IX Congresso Internacional de Direito Penal, Haia, 1964 (R.B.C.D.P., n.? 7, ps. 124 a 126), e o Seminário de Direito Penal e Processo Penal de Belo Horizonte, 1974, (R.D.P., n.v 15/16, p. 92), entre outros, fornecem subsídios à descriminalização, indicando as figuras ou as categorias de delitos a serem suprimidos. Certamente com base em dados de tal natureza, foi que L. H. C. Hulsman apontou os setores a descriminalizar (Descriminalização, in R.D.P., n.05 9/10, ps. 7 a 26). Tais setores são: 1) as infrações fundadas exclusivamente na preocupação de tornar dominantes certas concepções morais, como, por exem-

plo, a blasfêmia, o adultério, o incesto, a sodomia, o homossexualismo ou a prostituição sem envolvimento de menores e sem escândalo público e certas espécies de delitos decorrentes

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de intolerância política. Trata-se de infrações sem graves danos sociais, que não ofendem bens ou interesses de outros membros da comunidade, traduzindo, antes, o desejo de maioria, ou dos detentores do poder, de impor coativamente suas idéias dissidentes, prática incompatível com sistemas de liberdade. Nas autênticas democracias, há que se respeitar o direito das minorias de terem concepções divergentes, em matéria de moral, de política ou de comportamento sexual. Como salienta Jorge de Figueiredo Dias: "o Direito Penal está aí para proteger interesses socialmente relevantes, bens jurídicos, e de nenhum modo para impor qualquer concepção moral em sentido estrito" (ob. cit., p. 40); 2,) as infrações inspiradas pelo desejo de ajudar o delinqüente, como o uso de drogas, o alcoolismo, a mendicância e a vadiagem. O tratamento compulsório é comprovadamente ineficaz, ainda mais quando 'se pret,enda realizá-lo através da pena, estigmatizante e de duvidoso valor recuperativo. Melhores são as medidas de assistência, que despertem nos destinatários o desejo de regenerar-se e a conseqüente colaboração a este objetivo; 3) as infrações em relação às quais a ameaça penal comprovadamente não funciona. Em si, a eficácia intimidativa da pena está hoje em franco descrédito. No último Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, Budapest, 1974, foi aprovado o relatório Kirali, consignando ser altamente improvável aprevenção geral através da pena (R.D.P., n.08 15/16, ps. 81/82). Com maior razão o duvidoso efeito intimidatório das sanções penais não existirá quanto às infrações socialmente toleradas, corno casa de prostituição, certas modalidades de aborto e o nosso brasileiríssimo jogo do bicho; 4) as infrações de bagatela, como muitas das contravenções penais, que melhor se situariam como meros ilícitos admínistratívos. Pitorescamente, observou Nilo Batista, o paradoxo a que, no Brasil, pode conduzir um simples desrespeito a sinal de trânsito: "por avançar um sinal, dirigindo seu veículo, qualquer cidadão será sumariamente multado pelo guarda de trânsito, em im-

portância considerável, que pode alcançar meio salário mínimo; pela contravenção de direção perigosa, que consiste em dirigir veículos pondo em risco a segurança alheia (art. 34, L.C.P.), será mobilizada uma delegacia de polícia (delegado, escrivão, agentes), ouvidas testemunhas, formalizado um procedimento, acionado um tribunal (juiz, promotor, advogado, escrivão, oficial de justiça), com audiências e prazos, para afinal ser o cidadão condenado à multa de Cr$ 2,00. Aquele que supusesse corrigir o absurdo dessa sentença elevando a pena pecuniária cominada à contravenção, é, seguramente, um amante dos caminhos tortuosos" (Algumas Palavras Sobre Descri1ninalização, in R.D.P., vols, 13/14, p. 38). Aliás, em matéria de ilícitos de trânsito, é sensível a tendência de não abusar da incriminação. Os países que as criminalizaram em excesso estão retrocedendo, como se verificou nas II Jornadas Latino-Americanas de Defesa Social, Brasília, 1975.

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7. No Brasil, há evidente excesso de incriminação. Além das figuras típicas do Código e da Lei de Contravenções Penais em vigor, existem as definidas em abundante legislação complementar. Consoante Reale Junior, a tipificação surge como "recurso para que o direito valha enquanto ordena sob ameaça penal e não como via extrema para a tutela de valores, cuja positividade deva ser necessariamente respeitada" (Descriminalização, in Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, n.> 29, p. 189.). Mais de cinco dezenas de leis extravagantes, consideram ilícitos penais violações jurídicas insignificantes ou fatos que só afetam interesses secundários da administração pública. Assim é que se incrimina: produzir açúcar acima da quota autorizada (Dec. Lei 16/66); vender sob o nome de couro produtos que não sejam obtidos da pele animal (Lei n.? 4.888/65); paralisar o incorporador de edificação em condomínio a obra por mais de 30 dias (Lei n.º 4.591/64) ; deixar de restituir à autoridade licenças extintas pelo decurso do prazo (Lei n.?

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4.771/65); atuar como instituição financeira sem autorização do Banco Central (Lei n.0 4.595/64); instalar ou utilizar es-

Foram abolidos, apenas, os delitos de perigo de contágio venéreo e de moléstia grave, em face do desenvolvimento dos antibióticos bem como da "ausência de repercussão forense dos fatos porventura havidos" (Exposição de Motivos n.? 45) e o atestado contra a liberdade de associação sindical (C.P. 40,. art. 199). Assim, a nossa reforma penal, em lugar de descriminalizar, realizará autêntica e lamentável criminalização.

tação ou aparelho rádioelétríco sem observância de disposição legal (Código de Comunicações) e, até, pescar sem autorização da SUDEPE (Dec.-lei 221/67). , Ao legislador de 1969 oferecia-se o ensejo de corrigir estas demasias, bem como o de abolir tipos anacrônicos, universalmente ultrapassados. O novo Código, entretanto, nem só manteve toda a legislação sobre crimes especiais (art. 401), como conservou e aumentou o elenco de fatos cuja incriminação não mais se justifica. Quanto aos delitos fundados em meras concepções morais, manteve-se a incriminação do adultério (art. 264) e da casa de prostituição (art. 252), acrescentando-se-lhes os delitos de incesto (art. 258), ressuscitado das Ordenações do Reino, e de inseminação artificial (art. 267), de objetividade jurídica truncada e tratamento absurdamente mais grave do que o de adultério (é inexplicável que o delito haja sido incluído entre os crimes contra o estado de filiação, quando se trata, de ofensa ao casamento, tanto que não subsiste se o marido consente na inseminação. Nem faz sentido que a pena e as condições de procedibilidade sejam mais desfavoráveis que as do adultério, único crime configurável em caso de inseminação, fora do casamento, por meio natural). Apesar da reconhecida ineficácia da ameaça penal quanto a certas modalidades de aborto, ampliou-se sua incriminação. suprimindo-se a impunidade do aborto sentimental (art. 129): providência inexplicável num diploma que cria, como modalidade privilegiada, o aborto por motivo de honra (art. 127), com pena passível de suspensão condicional (art. 70). No que concerne aos delitos de bagatela, conservou-se figuras como a hospedagem fraudulenta (art. 188), os crimes contra as marcas de indústria e comércio e de concorrência desleal (Título III, Capítulos III, IV e V), e outros tipos destituídos de dignidade penal.

DESPENALIZAÇÃO

Despenalizar é excluir ou reduzir a incidência das. penas privativas de liberdade. Por ser mais amplo que a idéia. que exprime, o termo, tem de ser compreendido sensu stricto, Já constitui truísmo afirmar a crise da pena de prisão. No século XIX, acreditava-se em sua eficácia ressocializadora; hoje é ela encarada como fator criminógeno. Trata-se de> resultado natural da evolução da penologia: da mesma forma que as penas corporais, cruéis e infamantes, cederam passo· para as penas privativas de liberdade, estas, agora, devem dar vez a outras sanções, patrimoniais, ou restritivas de liberdade. A prisão há de constituir o recurso extremo, a última solução, enquanto não se elaborar, para substituí-la, um sistema penal coerente, conforme recomendações do IX Congresso Internacional de Direito Penal (R.D.P., n.? 15/16, p. 82). O problema das penas privativas de liberdade agrava-se nos países em desenvolvimento. Preocupados com as suas necessidades básicas, de cuja solução depende o próprio progresso, não podem estes destinar recursos suficientes à construção ou à ampliação de estabelecimentos penais. No Brasil, as nossas prisões· são notoriamente insuficientes para abrigar os condenados. Em São Paulo há 70 mil e, no Rio de Janeiro, 50 mil mandados de prisão aguardando cumprimento, por falta de capacidade dos estabelecimentos penais. A construção de novas penitenciárias e a manutenção das existentes repre8.

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sentam pesados ônus sociais. Cálculos do início do ano passado, . revelam que a construção de novos presídios, com capacidade para mil detentos, custava 170 milhões de cruzeiros, ou seja, 170 mil cruzeiros para cada internado. De outra parte, os gastos operacionais eram de 4 mil cruzeiros por mes, para cada preso. Para atenuar estas dificuldades é útil restringir a incidência das penas privativas de liberdade, criando-se outras espécies de sanções e aumentando-se os poderes discricionários dos juízes, para que tenham maior amplitude na substituição de penas de prisão por outras mais leves, na concessão do sursis e do perdão judicial e no encerramento antecipado de processo, por infrações pequenas, de agentes primários, não perigosos, que hajam reparado o dano decorrente do delito. A despenalização, nestes termos, preconizada em vários conclaves de penalistas brasileiros, como o Seminário de Direito Penal e Criminologia de Goiânia, 1973 (v. Moção de Goiânia, R.D.P., n.0 9/10, p. 61), Seminário de Direito e Processo Penal de Belo Horizonte, 1974, V Congresso Nacional de Direito Penal, Sã.o Paulo, 1975 (R.D.P., n.> 15/16, p. 91), é também reclamada pelo nosso poder judiciário. Em seu relatório diagnóstico, o Supremo Tribunal acentuou "a inadequação do sistema de penas, com a preponderante idéia de encarceramento, ainda que nenhuma a periculosidade do réu. A multiplicidade de condenações à prisão, não executadas- pela impossibilidade material de se efetivarem, dá margem à argüições de ineficiência do sistema carcerário e de desvio de deveres funcionais. A faculdade de se substituírem penas detentívas por sanções pecuniárias adequadas, ou por medidas reeducatívas; e a extensão da 'prisão albergue', a par de outras sugestões, contribuiriam para a melhoria da Justiça Penal." A

9. Embora timidamente, o legislador penal de 1969 realizou certa despenalização, além de ter posto fim, pratica-

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mente, à dualidade das penas privativas. A reclusão e a detenção, dispõe o novo Código, devem ser executadas de modo a que exerçam sobre o condenado individualizada ação educativa, no sentido de sua recuperação social (art. 37). O sistema do Código de 40, quanto a diversidade na forma de executar as penas de reclusão e de detenção, além de impraticável, contraria o ideal de ressocialização. Na correta observac'ío de Aníbal Bruno, "as penas detentivas são proporcionadas ao delito praticado mais pela sua quantidade do que pela sua qualidade (ob. cit., tomo III, p. 63). Apenas para efeitos processuaís, podem ser conservadas as duas categorias de privação de liberdade, facultada, em certas hipóteses, à substituição da reclusão por detenção (art. 73, § 3.0 ). As criticadas penas de curta duração, insuficientes para ressocializar, mas suficientes para corromper, foram evitadas no diploma de 1969. Na verdade, permitiu-se a substituição da detenção inferior a seis meses pela pena de multa (art. 46), estendeu-se o sursis à pena de reclusão (art. 70) Inovação que, segundo Heleno C. Fragoso, bastaria para justificar a vigência do novo Código. Ademais, previu-se o estabelecimento penal aberto e tnstltuclonalizou-ee a prisão albergue, para os criminosos primários, de nenhuma ou escassa perículosídade. A prisão aberta será destinada aos condenados a até seis anos de reclusão ou oito de detenção, podendo constituir fase da execução de penas mais graves. A prisão albergue será aplicada como providência única, em condenações não superiores a três anos, ou como etapa do cumprimento da pena superior a esse limite (art. 40). Também foram ampliadas as hipóteses de perdão judicial, previsto, por exemplo, para lesões leves, recíprocas ou privilegiadas (art. 131, § 5.0 ), para o dano com reparação de prejuízo ( art. 178), para o furto ou apropriação de coisa fungível comum, não excedente ao quinhão do condômino (arts. 166 e 181, § 2.º), para a receptação da coisa de pequeno valor ou restituída antes do início da ação penal

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(art. 1~~, pa_rágrafo único) e para a destruição de petrechos de falsificaçao de moedas (art. 322, parágrafo único). S~b ~utro aspecto, procurou-se limitar as penas de grande dura?ªº' _igualm:nte in~onvenientes. Consoante assinala Jorge de Figueiredo Dias, cuidadosa investigação criminológica revela "que um tempo de prisão superior a dez ou quinze anos i~p~sibilita radicalmente, salvo em casos especialíssimos e atípicos, qualquer tentativa lograda de ressocialização: quem passa mais que aquele tempo no ambiente artificial da prisão pe_rde a po~sibilidade de se orientar na sociedade em que seja :~m~rodu~1do.' para além do que sofrerá provavelmente distúrbíos ps~qm?os irrecuperáveis; uma pena de prisão superior tornar-se-a pois, do ponto de vista da recuperação social algo ~e :11ui:o parecido com a pena de morte" (ob. cit., p. 3 5). A Iímítação da duração máxima das penas privativas de liberdade r:a~iza-se no novo Código: a) pela manutenção dos limites máximos da detenção e da reclusão em 10 e 30 anos (art. 37, § l.º), rejeitado assim o critério do Anteprojeto Hungria de elevá-los para 20 e 40 anos (art. 35, § l.º), e, b) pela p~eservação do livramento condicional, possível depois de cumprida certa parte da pena, qualquer que seja a sua natureza ou quantidade (art. 74). 1

Vê-se, destarte, que em matéria de despenalização, o legislador de 1969 foi sensível às modernas tendências. Pecou, co~tudo, pelo excesso de timidez, pois poderia ter inovado mais, quer com a previsão de outras espécies de sancão penal qu_er c~m a ampliação dos casos de sursis, de substítui~ão d~ privaçao de liberdade por multas e de perdão judicial." LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PELA CULPA 10. Culpabilidade é o juízo de censura pessoal, incidente sob~~ o autor da ?~~duta típica e ilícita. Compõe-na a imput~billdade,. ~ P?ssibilldade do conhecimento do ilícito (potencial consciencía da antijurídicidade) e a exigibilidade de

comportamento conforme ao direito (cf. Heleno C. Fragoso, Lições de Direito Penal - Parte Geral, p. 213). A reprovabllidade penal assenta-se, realmente, na capacidade e na possibilidade de agir o autor de acordo com os imperativos jurídico-penais, ou seja, num poder formar sua resolução em consonância com a norma. Diz-se que, assim concebida, a idéia de culpabilidade está enfraquecida, porque este poder agir de outra forma é uma premissa indemonstrada e indemonstrável (cf. Claus Roxin, A Culpabilidade Como Critério Limitativo da Pena, in R.D.P., n.v 11/12, p. 7), Mas, da mesma maneira que a controvérsia entre determinismo e livre arbitrío permanece insolúvel, cientificamente, não há, também, como comprovar inexista, no ser imputável, em condições normais, a faculdade de resistir a impulsos criminosos. Pois bem, é esta faculdade de resistência que, ao mesmo tempo, fundamenta a culpabilidade e limita a responsabilidade penal. Não se ignora que o Direito tem a preponderante função de proteger bens e valores fundamentais da comunidade social e, portanto, de tutelar interesses socialmente relevantes. Mas é preciso reafirmar, corn Figueiredo Dias, "que nem por isso se furta ao princípio da culpa plena capacidade para resistir aos ataques que são dirigidos do exterior, isto é, em nome de um Direito Penal defensivo, de mera intimidação, que relega a pessoa humana para objeto de fins heterônomos (ficando asslm aberto o caminho para um Direito Penal de puro terror) ou de um Direito Penal de cariz exclusivamente protetivo que, invocando um salutar humanismo, torna a pessoa em objeto de medidas terapêuticas coercivas e sob a capa do verdadeiro bem do delinqüente 'viola sua autonomia ética' e possibilita a sua entrega ao Estado todo-poderoso" (ob. cit., p. 15). Verdadeiramente, a culpabilidade tem uma função política que excede à sua Importâncía conceituai: ela limita o poder punitivo do Estado, pela exigência de que a pena só

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inci~a se o autor, além de ter praticado o ilícito típico, seja passível de censura pessoal. O princípio do nulla poena sine culpa constitui-se, pois, numa garantia da liberdade individual. Tal garantia é necessária à rea~ização da própria Justiça, posto que O dogma do n~llum crimen, nulla poena sine proeoia lege, tão caro ªº.s s1s:te~~ p~niti~os liberais, nem sempre assegura os direitos mdividua.is .. E que o princípio da anterioridade da lei P.enal perde 1:1mto de sua eficácia em face dos tipos desconhecidos : dos, hp?s penais abertos. De pouco vale a norma de que n~o ha c~1r~.e s:m.1ei anterior que o defina, quando a s~cessao de leis. m.crimmatórias ( supra n. o 5) , torna ímpossível, para a maioria dos destinatários, saber da existência de novas modalidades delituosas. Para quem desconhece e não tem tpossibilidade de se informar acerca da nova lei , e' como . se e,s a nao ex1stis~e. Q~9:_nto aos tipos abertos, em que, pelo carater vago, da disposiçao incriminadora, ou pelo emprego de elementos normativos, deixa-se ao juiz a missão de preci~~r os contornos e a aplicabilidade do preceito legislado, é por igual pequeno o .alcance do princípio da reserva legal. Tipos com~ os de praticar atos destinados a provocar guerra subversiva ou de fazer propaganda subversiva (Dec.-lei 898/69, arts. 25 e 45) podem se adaptar às mais variadas situações, d~ acor~o com o paladar do juiz. Também é grande O arbítr~o d? Julgador, quando tem de precisar, por exemplo, 0 que ~eJa r:x~, ato ou desacato. O fenômeno não escapou a argucia _cte Aníbal Bruno, que sabia muito bem como "pode sofrer a firmeza do Direito nos chamados tipos abertos em que o enunciado da formulação típica deixa margem a íncertez8:5 na sua interpretação. Ou ainda como afeta a segurança da llberdade o emprego de fórmulas de demasiada amplitude que impõe limites mal definidos na enunciação dos fatos. Ê ness~ mesmo sentido, que vem influir a tendência que se tem ma~fest~do recentemente a introduzir na estrutura do tipo maior numero de elementos normativos, de elementos cujo

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sentido não se deduz prontamente, mas têm de ser apreendidos através de particular apreciação por parte do juiz e que trazem consigo, sobretudo quando provém da linguagem comum, o germe da imprecisão. Isso não importa na pretensão de limitar o relativo arbítrio do juiz que se manifesta sobretudo na aplicação da pena, mas em defender a firmeza da definição do tipo, que é segurança da liberdade. Nem significa, também, desconhecer que nem sempre é possível ou mesmo conveniente evitar o emprego de elementos normativos no tipo pelo uso de termos jurídicos ou mesmo da língua vulgar" (ob. cit., tomo IV, p. 41). Sendo difícil impedir, quer o surgimento de novas modalidades delituosas, quer a proliferação dos tipos abertos ou com elementos normativos, é indispensável assegurar, em tais casos, a liberdade, condicionando a punição à possibilidade que tenha tido o autor do ilícito típico de conhecer a antijuridicidade de sua conduta. E isto se obtém, ao erigir-se a culpabilidade, isto é, a censura pessoal, em firme pressuposto da pena. Ademais, estendendo-se a exigência da censurabilidade pessoal a todos os efeitos causados pela conduta do autor, impede-se seja: o mesmo punido pelas conseqüências situadas além de sua vontade, desde que estas não lhe possam ser atribuíveis, sequer a título de negligência. 11. O diploma de 1969 pretendeu dar efetividade ao princípio do nuUa poena sine culpa; Na Exposição de Motivos, lê-se que se "quis ajustar a nossa legislação penal às exigências fundamentais de um Direito Penal da Culpa, que visa proscrever toda a forma de responsabilidade objetiva" (n.? 3), bem como, que o princípio nullum crimeti sine culpa é uma dais constantes do Código e sua "significação exegética não deve ser esquecida" (n.º 11). Só parcialmente, entretanto, o objetivo foi atingido. Evitou-se a responsabilidade objetiva em relação aos crimes agravados ou qualificados pelo resultado. Pelos efeitos

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que agravam especialmente as penas, só responderá o agente quando.os houver causado, pelo menos culposamente (art. 19) € as sanções irão variar conforme o resultado mais grave seja imputável ao dolo ou à culpa do autor (art. 131, §§ 2.º e 3.º). Da mesma forma, não mais subsistirá responsabilidade sem culpa, na partdcipação involuntária em crime mais grave. A punibilidade de qualquer dos concorrentes determínar-se-á segundo a sua própria culpabilidade (art. 35, § 1.º). Assim, o mandante, de lesões corporais não poderá ser responsabilizado pelo homicídio cometido por obra· exclusiva do executor material, como sucede ante o diploma em vigor (C. P. 40, art, 48, parágrafo único). O critério doutrinário, de excluir a responsabilidade do mandante pelo crime mais grave, se não situado este na linha do normal desdobramento da ação, tem evitado, é certo, soluções aberrantes (como a de punir o mandante do furto pelo estupro inesperadamente cometido pelo ladrão, encarregado apenas da subtração patrimonial). Mas tal entendimento, além de conflitar -com o texto da lei não impede uma desproporção entre a culpabilidade e a pena.' É que na linha de normal desenvolvimento da ação situam-se todos os sucessos prevísíveís da execução do crime ( como a morte daquele a quem só se mandou espancar). Mas, esta previsibilidade, capaz de fundamentar uma responsabilidade a título de culpa, constitui justdficativa para punição por dolo. . Ora, o dolo, mais do que a previsibilidade, requer a vontade ou anuência em concorrer para o crime mais grave. 12. A responsabilidade sem culpa, contudo, permanece no novo Código, máxime em relação à ignorância da antíjuridicidade por erro de direito, bem como na fórmula da inimputabilidade. A boa fé do autor, por suposição de licitude da conduta, só o escusará se derivada de erro de fato (art. 21), ou seja, da .suposíção de situação de fato que tornaria a ação legítima. A mesma suposição de licitude, se derivada de ignorância ou

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errada compreensão da lei, somente atenuará a pena, e isto, desde· que seja escusável. Ora, o erro escusável, ê o erro mvencível, pelo qual não se pode censurar o autor. Permitindo a nova lei a incidência da pena, ainda que atenuada, a quem não é passível de censura e, portanto, não é culpado, abre desnecessária brecha no princípio fundamental de que não há pena sem culpabüídade, A Anibal Bruno já parecia que "quem ·mclui no dolo a consciência do ilícito, ou, como os finalistas, faz dessa consciência de agir de maneira contrária ao dever o núcleo da culpabilidade, entendida como reprova.. bitidade perante a ordem de Direito, tem eonseqüentemente de admitir o erro quanto à anUjuridicidade do fato, desde que essencial e escusável, como penalmente relevante. Se falta ao agente a consciência da ilicitude, ou não existe dolo e, portanto; culpabilidade, ou, como para os finalistas, o dolo persiste, mas exclui-se a culpabilidade, e em todo caso o fato fica alheio à esfera da punição" (ob. cit., tomo II, p. 494). E o Seminário de Belo Horizonte, de Direito Penal e Processo Penal, acolhendo sugestão nossa, recomendou a revisão do art, 20, para permitir-se a total isenção de pena quando a suposição de licitude, ainda que derivada de erro de direito, seja plenamente escusável (ob. loc. cit.). Sem repetir que a emoção e a. paixão, não excluem a responsabílídade penal (C. P. 40, art. 24, I), o novo diploma basicamente reproduz a atual disposição acerca da inimputabilidade. Para ter efeitos eximentes, a incapacidade de entender o caráter criminoso do fato, ou determinar-se de acordo com este entendimento, tem de derivar de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 31). Se a incapacidade volitiva ou intelectiva decorrer de transtorno mental transitório ou de grave perturbação da consciência, não haverá, em princípio, isenção de pena. Ora, estes estados, contemplados por outros códigos modernos como causas biológicas de inimputabilidade, são cientifíca532 - 12

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mente. aptos a anular o entendimento óu o autogoverno. Não-os-contemplando; o-Código' de 19c69 cria, para tais situações, uma; ficção de ímputabilídade; permitindo, poís,: a punição de -quem, porIncapacidade de' entender.ou de· querer; não merece censura pessoal; nem é culpado. Esta· violação ao nuua poena 'sine -cuõpa,' obrigará a.melhor doutrina· a foiçar a· inclusão das graves· perturbações 'de consciência entre as doenças mentais, consoante, já -alertava Aníbal· Bruno, comentando. .Idêntíca-dísposíção- doCódígo .atual: .: · ''a:fórmula demasiadamente restrita adotada pelo Código: força a assímíIan.à, categoria .da doença, do :ar.t ou ela. perturbação da 1,1;\.Úd~ mental, do seu: parágraro.úníco, certos-estados que ~ J,_~g~laçÕes : modernas, tn1cluzem., pg;r : expressões como.Jperturbação .. da. conscíêncía' (Código alemão, .redação . vigente, 1 5~), gr~ve.;p~~~u(b.:1ç~o ,da c.pn,sGiê~cia;' (Códi~~_su.j~o, art; .lOJ, 'transtorno 'm entaL,tran.sitório': .(Código espanhol. )+ft ... 8,P,1 ~-.o;~) ' . e;tados crepÜscuiar'es .pão patQlógi~~s ~ü fl;'011,t'eiriç?s da p~tólogia1 corno. -~- sono nqi'ciát, . isto· _é". est.adps c5~pi,scÜi~T q J:)CQp;ei; .!).O c.ómeçô ]Í.Q fh:t:i . do 'sQ~O Ol,l no ~ô11~wbúFspi.o ·ou., ria fiipp.,os~·: ppr súgestão.. ~1~m qe, fatos .. de ~~t:µr~za ,p:léJ::b,iq_a;· .'.011, rfã9, .ifué ., tomp:c}~et'E:m. exefêíéiô ··norma[ dás funções p,síq\ticás;' corri profunda alte-· ração da consciência e, por :coríse'gfün:te' cÍõs teqüisitôs' qüe. â lêi exige'·párif o· }uílio: dê :-1mputabi1iõade'-'. (ob: df';' ~füno II, pi ·513).: -.. : : · . ..... . .' ·.. '···· .. . . . ··., ·. .· ..·.,. ~- . .-,~ '.~:- ....

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que foi exposto, verifica-se que a reforma brasileira ficou muito aquém do que se podia esperar, à vista das tendências contemporâneas em matéria punitiva. O diploma de 1969, apesar das emendas que lhe foram introduzidas, não descriminalizou, foi demasiadamente parcimonioso na despenalização e não logrou limitar, pela culpa, a responsabilidade penal. Ao contrário do Código de 1940, que honrou a nossa cultura, o de 1969 apresenta-se em grande atraso para a sua época e em desacordo com o atual estágio do pensamento jurídico-penal brasileiro, inclusive com a doutrina magistralmente expO!slta pelo insdgne mestre pernambucano, que Minas Gerais está a homenagear. Anibal Bruno integrou, é certo, a segunda ComiS1São revisora do diploma ora em quarentena. Mas, as deficiências dessa legislação não lhe podem ser debitadas. Longe disso, por não lhe tolerar os vícios, ele ex:ternou o desejo de não vincular seu nome à imperfeita obra, afastando-se, depois, dos trabalhos de revisão (cf. Heleno C. Fragoso, Subsídios Para a História do Novo Código Penal, in R.D.P. n.° 3, ps. 10/11). 13.

As idéias liberais e as soluções tão precisas, quanto equilibradas, de Anibal Bruno não foram incorporadas ao novo Código. Contudo, aí estão, atuais e palpitantes, como que a reclamar de todois os penalistas brasileiros, um esforço ingente para a reforma da reforma das nossas inst,ituições penais.

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íNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO Aborto, 113, 158 - eugenésico, 20 - terapêutico, 135 n. 56 Ação, 102 - culposa, 105 - dolosa, 105 - necessária, 139 Adultério, 150, 158 Agressões - de crianças, 149 - de enfermos mentais, 149 Alteração de limites, 49 Amoralidade - do fenômeno jurídico, 61 Analogia, 141 - in bonarn partem, 134, 140 - recursos à 127 Animosidade ao direito, 85 Antijurídicidade, 67 - caráter geral, 92, 93 - caráter objetivo, 78 - e tipicidade, 89, 91, 92 - exame conjunto da, 94 - formal, 125 - geral, 91 - penal, 91 - substancial, 125 Boa fé, 5, 48, 97, 122, 166 Calamidade pública, 96 Casa de prostituição, 122 - crença na licitude de, 123 532 - 13

Causa - de exculpação, 139 - de justificação, 19, 94, 148 - suposição de, 19 Cegueira jurídica, 82, 85 Censurabilidade - do erro no Direito Romano, 35

- da ignorância, 38 Censura pessoal - e erro escusável, 120 Ciências criminológicas, 147 Classificação - tricotômica de erro, 13 Coação moral, 13 - irresistível, 12, 136 - putativa, 12, 139 Cocaína - porte por estrangeiro, 124 Codificações, 42 Código - criminal de 1830, 52 - da Ba vária, 43 - de Direito Canônico, 37 - Napoleónico, 42 - Penal de 1890, 54 - Penal de 1940, 101 - Penal de 1969, 101, 16!J - Penal Militar, 101 - Penal Tipo, 168 Compositio, 24

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A .lGJ:COR,\NCIA DA

ALCIDES MUNHOZ NETTO

Condutas inculpáveis, 122 Conhecimento - da lei, 62 - da lei e do injusto, 20 - da antijuridicidade, 77 - do injusto, 83 - potencial da antijurídicidade, 84 - potencial do injusto, 83 Consciência da antijurídicidade - e culpabilidade, 77 - e dolo, 77, 108 - e erro de fato, 111 - e normalidade de motivação, 110 - no juízo de censura, 109 - posição, 58, 83 - potencial, 106 Consciência do desvalor social, 81 Consciência da ilegalidade, 54 Consciência da ilicitude, 20, 124 Consciência da imoralidade, 80 Consciência da lesividade, 80 Consciência de ocasionar o resultado, 80 Consciência de violar a lei, 80 Contrabando, 30 Contravenção - e crime, 96 - municipal, 31 Corpus Iuris, 29 Crime - atípico, 64 - conceitos de, 103 - concepções de, 103 - culposo, 116 - definição jurídica, 107 - de criação política, 47 - de sonegação fiscal, 98 - doloso, 134 - e ação imoral, 61

- estrutura tripartida, 17 - participação involuntária em, 166 - putativo, 115 - qualificado pelo resultado, 152, 165 Crimen culpae, 85 Crimes convencionais, 74 Critérios de escusa - e ambígüídade da lei, 97 - e crimes convencionais, 95 - e dever de conhecimento da lei, 96 - esquema geral, 99 - e normas universais, de _cultura, 96 Crítica, 146 Culpa - de direito, 85 - dos inimputáveis, .107 - e possibilidade de representação, 6 - imprópria, 80, 117 - moral e jurídica, 78 - por extensão, 117 Culpabilidade - ausência de, 122 - ausência por ignorância, ·124 - como valoração, 68, 105 - componentes da, 105; 106 "-- conceito de, 162 - concepção causal da, 104 "- e juízo de censura, 83, 100 - e juízo de valor, 84 - elemento normativo da, 105 - e proibição, 66 - e teorias da pena, 149 - exclusão nas descriminantes putativas, 119 - função limitadora .da, 149, 151

'

ANTIJUP.IDICIDADE EM MATÉRIA

- função política da, 163 - origem da, 67 - presunção de, 120 Danos não dolosos, 93 Declaração de rendimentos, 98 Defesa social, 151 Delinqüentes habituais, 81 Delito - culposo, 81 - de criação política, 27, 81 - e violação da lei moral, 26 Descaminho, 97 Desconhecimento - da antijurídicidade, 75, 78 - da lei por menores, 50 - da punibilidade, 21 Descriminalização, 150, 152, 155 Descriminantes putativas, 20, 77, 80 - classificação das, 11, 16 - como ignorância da antijuridicidade, 94 - fáticas, 112 - no Código Penal de 1969, 114 Despenalização, 150, 159 Dever - de agir, 19 - funcional, 137 Digesto, 27 Direção perigosa, 157 Direito - Bárbaro, 35 - Canônico, 36 - corno juízo hipotético, 67 - constituendo, 146 - das minorias, 156 - do Oriente, 24 - e norma, 66 - Estatutário, 38 - firmeza do, 141 - imperatividade do, 67

PENAL

185

- Romano, 24 - missão do, 67 - Tributário, 98 Direito Penal - da culpa, 120, 122, 152 - de terror, 121 - purificação do, 154 Disciplina militar, 137 Distinção entre ignorância da lei e da antijurídicidade, 20, 21 Doença de notificação compulsória, 19 Dogmática jurídica, 147 Dolo - conceito clássico, 43 - dos inimputáveis, 107 - e conscíêncía da antijurídicidade, 77, 80, 108 - e consciência da norma penal, as - e culpa, 104, 106 - e ignorância da norma, 27 - e ilicitude especial, 79 - e representação, 6, 88, 89, 108 - e tipicidade, 106 - exclusão por erro de fato, 110 - exclusão por suposição de licitude, 125 - inexistência, 122 - mala, 26 - natural, 108 - no Código Penal de 1969, 110 - no Direito Canônico, 37 - no Direito Romano, 25 - normativo, 10 - presumido, 39, 85 - teoria extrema do, 79 - teoria limitada do, 82 - teoria psicológica do, 78

1.86

A

!GNOR,\NCIA DA

ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA

- teoria tradicional do, 79 Duplo erro, 115 Dúvida, 4 - e erro, 4 - e ignorância, 4 Elementos - jurídico-normativos da ilicitude, 133 - jurídico-normativos do tipo, 8, 15, 131, 133, 165

- negativos do tipo, 16, 167 Emoção e paixão, 167 Entorpecentes - porte, 19, 122, 124 Eqüidade, 120 Erro - acidental, 14 - classificação tricotômica do, 13

-

colocação sistemática do, 110 conceito de, 1 conceito empírico de, 4 conceito teorético de, 4 culposo, 116 de menores, mulheres, militares e rústicos, 25, 27, 32, 39, 51

- derivado de explicação administrativa, 98 - do ausente, 39, 47 - do forasteiro, 45 - e boa fé, 5, 125 - e defeito de representação, 7

- e delitos de criação política, 41

-

e e e e e

delitos naturais, 7 dúvida, 4 ignorância, 1, 2, 3 inabilidade, 6 periculosidade, 46

- e teorias da pena, 118 - escusável, 120, 167 - espécies legais de, 101 - essencial, 14 - evitável, 82 - obstativo, 6 - provocado por terceiro, 102 - sobre a antijurídicidade, 11, 57

-

sobre sobre sobre sobre

A

PENAL

a execução, 6 a pena, 14 a pessoa, 13 causas de justificação,

70, 83, 84, 85

- sobre descriminantes, 101, 123

- sobre direito natural, 38 - sobre elemento do crime, 101 - sobre elementos jurídico-normativos do tipo, 11, 130, 134

Erro -

sobre lei extrapenal, 70 sobre o objeto, 13 vencível, 81, 82, 85, 101, 116 vício, 6 de Direito, 104 atenuante, 54 como excludente da culpabilidade, 74 - e casa de prostituição, 123

- e delicta iuris civitati, 55

- e erro de fato, 41 - escusabilidade, 34 - equiparação ao erro de fato, 124

- irrelevância, 46 - impeditivo da representação, 15 - noção, 7 - preponderância sobre o erro de fato, 8, 9

IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA

Erro de Direito Extrapenal, 102, 128

- e bigamia, 129 - e crime contra a Economia Popular, 129 - e falsidade ideológica, 129 - e usura, 129 - nas Exposições de Motivos, 102 ,· - no Direito Romano, 34 Erro de exigibilidade, 12, 13, 102, 135

Erro de fato _ causa de exclusão do tipo, 110

_ e casa de prostituição, 123 _ erro de direito, 7, 9, 10, 86. - impeditivo da representação, 14 - noção, 7 _ sobre circunstância do crime, 110 _ sobre coação moral, 139 _ sobre estado de necessidade, 139 Erro de proibição, 9, 83 - conceito, 10 _ nas descriminantes putativas, 113 - plena relevância do, 124 Erro de subsunção, 37 Erro de tipo, 9 - conceito, 10 - E1 descriminantes putativas, 87

- e erro de proibição, 10, nota 26, 101 Error comunis, 99 Erros

~ posição sistemática no direito brasileiro, 102

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187

Estados crepusculares, 168 Estado de necessídade, 135 - putativo, 139 - teoria diferenciadora, 136 Estatuto dos Funcionários Públicos, 137 Exigibilidade de comportamento · diverso, 139 Escusabílídade do erro - critério gc .al para ar rlcão da, 100

Escusável suposição de licitude, 125

Falsidade documental, 135, nota 56

Favorecimento pessoal, 49 Filosofia ocidental, 153

-r-eau«;

35

Função do tipo, 91 Furto, 12, 15, 34, 111 - de uso, 74 "Gesamttatbestand", 87

Grave perturbação da consciêncía, 167

Hetei·onomia, 66 Homem médio, 100, nota 59 Homicídio, 14, 23, 28, 29 -- culposo, 106 - doloso, 106 - e prsconceítos sociais, 141 Hospedagem fraudulenta, 158 Ignorância - conceito, 1 - da ilicitude, 81 - da lei, 20, 38, 40, 54, 57, 124, 125, 127

- de direito, 36, 40 - de normas locais, 36, 40 - do édito, 28 - e dúvida, 4

188

A IGNORÂNCIA DA

ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

- e erro,· l, 2; 3 Ignorância da antíjuridicidade, 20 - abstrata, 18, 19 - concreta,' 18, 19 - critérios para a escusa, 95 - a casa de prostituição, 124 - e ignorância · eia lei, 125 - inexistência da, 111 - irrelevância, 59, 60, 63, 65, 70, 71, 74 - isenção de pena, 126 - nas descriminantes putativas, 94, 114; 116 - no Direito bárbaro, 35 - no Direito romano, 25 - por erro de díreíto,. 166 Ignorantia iuris, 28, .31 Inabilidade, 6 Incesto, 33, 158 Incriminação, 157 Inexigibilidade de outra conduta, 106, 135, 139, 140 - como causa supralegal, 141 - na óbediência hierárquica, 18, 138 - putativa, 13 - real, 13 Inflação incriminatória, 153 Infrações, 150, 155, 156 Ilicitude especial, 79 - e dolo, 79 Imputabilidade - ausência de, 106 - diminuição de, 106 - ficção de, 168 - na culpabilidade, 106 Inimputabilidade, 167

Inimputáveis - ações dos, 107 Inseminação artificial, 158 Integração da lei, 132 Intenção e volição, 5.

Intarpretação - elemento histórico da, 122 - fins da, 125 - judicial, 122

"ruris" - civilis, 25 - dubii, 40 - gentium, 25 Juízo de censura - na culpabilidade, 105 · Jurisprudência, 122 Justiça - crise da, 154 - realização prática da, 121 Legado, 30 Legítima defesa, 15, 17, 20, 93, 112, 1'48 Lei - ambigüidade da, 97 - das XII Tábuas, 24, 61 - de Introdução ao Código Civil, 127 - falta de divulgação da, 96 - interpretação da, 97 - obscura, 37 - vontade da, 122 Leis - incriminadoras, 121 - iudicorum publicorum, 28 - motivos das, 122 Lesão corporal, 111 Liberdade indivídual, 121, 151 Licença da autoridade, 124, 133 Literatura jurídico-penal, 145 Má fé, 52

A

IGNORÂNCIA

DA

ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA

Manumissão, 33 Medida de segurança, 107 Morte fortuita, 107 Negligência, 36, 84 Norma - desconhecimento da, 18, Hl, 126 - e lei, 126 - inconstitucional, 08 - integradora, 132 Normas - objetivas de valoração, 67 - sistema de, 126 - subjetivas de determinação, 67 Novatio leçis, 74 Obediência hierárquica, 15, 16, 17, 18, 135, 137 - putatíva, 139 Obrigatoriedade da lei, 47, 65 Omissão - e ignorância, 3 Ordem jurídica - segurança da, 142 Ordenações, 49 Ordens - manifestamente ilegais, 137 - não manifestamente ilegais, 138 Participação - involuntária, 166 Pena . - crise da, 150, 159 - de curta duração, 151, 161 - de morte, 162 - de multa, 161 - eficácia duvidosa da, 156 - proporcional à culpabilidade, 125 - sentido retributivo da, 109

PENAL

189

- teorias da, 109 Pf'nologla, 150 Perda dn paz, 23 Perdão judicial, 128, 160, 161 Periculosidad , 107 Pert.urbaçâo arbítrárta da poss , [3

Política criminal, 72, 118, 120, 146 Preconceitos sociais - e homicídio, 141 Presunção - de conhecimento da lei, 44, 45, 46, 50, 53, 61, 69, 70 - de dolo, 85 Prevenção, 151 Prmcíp:o - da anterioridade da lei, 92 - da autonomia, '!48 - da autoproteção, 148 - da especialidade da sanção,

64 da legalidade, 68 - da insignificância, 148 - da ponderação de bens, 148 - eia prevalência, 148 - da proporcionalidade, 148 Princípios gerais de direito, 127 Prisão, 151 - aberta, '161 -- albergue, 161 Prova - dificuldade de, 73 - do conhecimento da lei, 69 - indireta, 62 - livre valoração da, 73 Putativo - coação moral, 14 - equiparação ao real, 140 Radiocomunicação, 122 - estação clandestina de, 124

190

A

IGNORÂNCIA D.\

ANTIJURIDICIDADE

Reclusão, 161 Recurso extraordinário, 99 Reforma - das instituições penais, 146 - penal brasileira, 169 - trilogia das, 147 Relatório - diagnóstico do STF, 160 Repertório das Ordenações, 51 Representação - defeituosa, 7 - e erro, 7 - falsa, 7 Repressão, 151 Responsabilidade - objetiva, 120, 165 - pelo resultado, 152 - sem culpa, 120 Retroatividade - da lei nova, 127 Rusticidade, 33 Sanções - pecuniárias, 161 "Schuldtheorien", 82 Sciencia iuris, 26 Segurança - e justiça, 73 Suposição - de descriminante, 88 - de licitude, 119, 120 "Sursis", 160, 161 Tentativa, 93 Teoria - da antijurídicidade, 122 - da culpabilidade, 126 - do delito, 102 - extrema da culpabilidade, 85 - finalista da ação, 82

EM MATÉRIA

PENAL

- sobre os fins da pena, 118 Testamento, 32, 33 Tipicidade - concepções, 104, 105 - critério da, 92 - e antijuridicidade, 90, 91 - e elementos subjetivos, 104 - interpretação restritiva na, 148 - precedência na investigação da, 94 Tipo - como ratio essendi do crime, 87 - culposo, 105 - doloso, 105 - e antijurídicidade, 90 - e elementos normativos, 8 , - estrutura do, 106 Tipos - abertos, 164 - civis, 93 -- desconhecidos, lM - penais, 93 Transtorno mental transitório, 167 Utilidade - e justiça, 72 Usura, 19 Vingança de sangue, 23 Volição, 5 Vontade - do legislador, 122 Valor - fundado e fundante, 73 - valoração jurídica, 90 "Wehrgeld", 35

ÍNDICE DA MATÉRIA Sumário

VII

Prefácio

IX

CAPÍTULO I

NOÇÕES GERAIS 1. 2. 3. 4.

5. 6. 7.

8. 9.

10. 11.

Erro e ignorância _Equivalência jurídica dos dois estados Dúvida e ignorância Concepção empírica e concepção teorética de erro Erro de fato e erro de direito Tese unificadora Erro de tipo e erro de proibição Erro sobre a exigibilidade de conduta diversa Divisão tricotômica do erro Espécies de ignorância da antijurídicidade Ignorância da antijurídicidade e ignorância da lei

. . . . . . . . . . .

1 3

4 4 6 9

10 12 13 18

20

CAPÍTULO II

HISTÓRICO 12. 13. 14. 15.

16. 17.

Fase pré-subjetiva e Grécia Direito Romano Díreíto Bárbaro e Direito Canônico Direito Estatutário Movimentos de codificação A doutrina dos clássicos

. . . . . .

23 24 35 38

42

43

192 J 8. 19. 20.

ALCIDES MUNHOZ NETTO

A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

A orientação positivista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Direito Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A tendência revelada

46 49 57

CAPÍTULO III APRECIAÇÃO CRÍTICA AOS FUNDAMENTOS DA IRRELEVÂNCIA DO DESCONHECIMENTO DA ANTIJURIDICIDADE 21. 22. 23. 24. 25. 26.

Lei penal e consciência jurídica . . . . . A presunção de conhecimento das leis . A obrigatoriedade. da lei Aplicabilidade do direito . . . . . . . . . . . . . . Erro e concepções de direito . . . . . . . . . As razões politicas

. ....... ..... ...... ....... :. ............. .............

. . . . .

. . . . .

. . . . .

. . . . .

. . . . .

. . . . .

59 61 63 64 65 70

Colocação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Teoria psicológica do dolo :. . . .. . . . . . . .. . Teorias normativas do dolo :. . . . . . . . . . . Schuldtheorien: teoria extrema e teoria limitada da culpabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Crítica à teoria dos elementos negativos do tipo . . . . . . . . Critérios para a escusabilidade da ignorância: do injusto por erro de direito

77 78 79

CAPÍTULO IV DOUTRINAS SOBRE A EFICACIA DA IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE 27. 28. 29. 30. 31. 32.

82 87 95

CAPÍTULO V SOLUÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO 33. 34.

35. 36.

Espécies legais de erro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . o erro na teoria do delito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . a) erro quanto à circunstância de fato constitutiva do crime b) erro nas descriminantes putativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . c) erro por suposição de licitude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Presunção de culpa na punibilidade da ignorância da antijuridicidade por erro de direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tentativas de evitar a responsabilidade objetiva ..... : . . . .

101 102 110 112 119 120 122

Erro de direito extrapenal e. sobre elementos jurídico-normativos do tipo...................................... 38. Erros de exigibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . PÊNDICE: Anibal Bruno e a Reforma Penal . . . . . . . . . . . . . . . . Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . huiice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . índice Alfabético e remiss-ivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . huiice da Matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

193

' 7.

128 135 145 171 179 183 191

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