Besant, Annie - O Caminho Do Discipulado

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Annie Besant

O CAMINHO DO DISCIPULADO Tradução de E. NICOLL

EDITORA PENSAMENTO SÃO PAULO 2

Título do original: The Path of Discipleship Edição original de The Theosophical Publishing House, Adyar, Madras, Índia.

Índice Capítulo I O Caminho do Discipulado Capítulo II Qualidades para o Discipulado Capítulo III A Vida do Discípulo Capítulo IV O Futuro Progresso da Humanidade Glossário de Termos Sânscritos usados no Texto

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Capítulo I

O Caminho do Discipulado PRIMEIROS PASSOS Carma Ioga. Purificação Quando, há dois anos, eu falei pela primeira vez nesta sala, chamei vossa atenção sobre a construção do Cosmos em geral, sobre as fases pelas quais passou esta evolução e, também, sobre os métodos seguidos no decurso desta vasta sucessão de fenômeno. No ano passado tratei da evolução do Ego, do Ego humano mais do que do Ego cósmico, e procurei explicar como o Ego adquiria experiência elevando-se de veículo em veículo, chegando a dominar seus corpos inferiores. Para o homem como para o universo, para o indivíduo como para o Cosmos, o fim é o mesmo: um esforço constante para reunir-se ao eterno e único Ego do qual tudo emana. Mas, muitas vezes, discutindo sobre estes assuntos sublimes, me hão objetado nos seguintes termos: "Que importância tem tudo isto sobre a conduta dos homens no mundo, cercados como estamos pelas necessidades da vida, pela atuação do mundo fenomênico, subtraídos sempre de elevarmos o pensamento ao único Ego, e obrigados pelo Carma a tomar parte nestas múltiplas atividades? De que servem as superiores doutrinas sobre a conduta humana e como é possível que os homens do mundo elevem-se a tão alta vida?" É sobre este assunto que eu vou tratar nas atuais conferências. Procurarei demonstrar como o homem do mundo, sujeito às obrigações de família, com deveres sociais a cumprir com todas as atividades da vida do século, pode, não obstante, preparar a união com o Ego e fazer os primeiros passos no caminho que conduz ao Único. Procurarei descrever os progressos neste caminho, de modo que, começando pela vida que um homem qualquer possa levar na atualidade, e colocando-me no ponto de vista da maioria de todos vós, reconheçais a possibilidade de alcançar uma meta, de trilhar um caminho que começa aqui, na vida da família, do município e da nação, mas que termina em um ponto muito além de todo pensamento e conduz o peregrino a sua eterna pátria. Tal é o objeto destas quatro conferências, esperando que me acompanheis neste caminho. Para melhor compreender o assunto, examinemos rapidamente o decurso da evolução, sua significação e seu fim, para que este golpe de vista lançado no conjunto, nos ponha em condições de apreciar a oportunidade da marcha que vamos efetuar passo a passo. Sabemos que a Unidade tornou-se a multiplicidade. Lançando um olhar para trás e considerando as trevas iniciais que tudo envolviam, ouviremos um murmúrio que exclama: Eu me multiplicarei. Esta multiplicação não é outra coisa senão a construção do universo e dos seres que nele existem, Nesta vontade de multiplicar-se que tem o "Único sem segundo", vemos a fonte de toda a manifestação, reconhecemos o gérmen primordial do Cosmos. E quando tivermos compreendido de que modo teve começo o Universo e de 4

como a complexidade e a multiplicidade surgiram da simplicidade e da unidade primordiais, só então perceberemos que cada uma destas manifestações fenomênicas deve ser imperfeita, é que o fato de um fenômeno só ser possível sob a condição de ser limitado é a prova irrefutável que ele é inferior ao Único e, por consequência, imperfeito. Isto nos dá o porquê da variedade, da vasta multiplicidade das coisas e dos seres vivos. E só então podemos compreender que a perfeição do universo manifestado reside nesta mesma variedade; e lá onde houver mais do que Um, indispensável é esta variedade infinita, a fim de que o Único, que é como um sol projetando seus raios em todás as direções, possa difundir-se por tudo, e é na totalidade destes raios que reside a perfeição e a iluminação do mundo. Quanto mais numerosos, notáveis e variados forem estes objetos, mais fiel será embora sempre imperfeita - esta imagem do Único, Daquele donde tudo emana. O primeiro esforço da evolucionante vida consiste em produzir existências aparentemente distintas, de modo que, vistas de fora, pareçam separadas; mas, contempladas em sua essência, se reconheça que é o Único o Ego de todas elas. Tendo isto presente, compreenderemos que no processo da multiplicidade individual, o indivíduo manifesta-se como débil e limitado reflexo do Ego Único. E assim principiamos a compreender qual será a finalidade deste universo, porque a evolução destes numerosos indivíduos é necessária, porque esta separatividade representa um papel indispensável na evolução do conjunto. Este universo tem por objeto a evolução de um Logos para outro Universo, de poderosos Devas que deverão servir de guias a todas as forças cósmicas deste futuro universo, e de divinos Instrutores da infantil humanidade que há de povoá-lo. Em todos os mundos de existência individual se efetua agora um contínuo processo de evolução, pelo qual um universo proporciona a outro futuro universo seus Logos, seus Devas, seus primeiros Manus e todos os grandes Seres necessários para construir, adestrar, governar e instruir este universo que ainda-não nasceu. Assim se enlaçam entre si os universos, e os manvantaras se sucedem e os frutos de um universo são a semente do que o sucede. No meio desta multiplicidade evolui uma unidade ainda mais vasta que servirá de vigamento do futuro universo, que será o Poder diretor do Cosmos futuro. Perguntam-me, tanto no Oriente como no Ocidente, por que a evolução é assim cercada de dificuldades, por que tantos insucessos em sua execução, por que os homens se conduzem mal antes de conhecerem o bem? Não seria possível ao Logos do nosso universo, aos seus agentes, os Devas e os Manus, que vêm guiar nossa infantil humanidade, traçar o plano de modo que não houvesse semelhantes insucessos no decurso da evolução? Não lhes seria possível guiar de forma a tornar o caminho reto e direito, em lugar de tortuoso e revolto? Aqui está a dificuldade da evolução humana, se se leva em conta seu objeto final. Fácil, na verdade, teria sido organizar uma humanidade perfeita, dócil e fácil de dar aos seus poderes nascentes uma direção que lhe faria marchar sempre no caminho do bem, sem que jamais se desviasse para o que chamamos o mal. Mas, que vantagem haveria numa obra assim tão fácil? Seria, certamente, fazer do homem um autômato movido por uma força exterior que o forçaria a cumprir uma lei iniludível. O mundo mineral está sujeito a uma lei deste gênero; as afinidades que ligam entre si os átomos obedecem a esta imperiosa impulsão. Mas, à medida que nos elevamos nos reinos da natureza, observamos cada vez maior liberdade nos seres, até que encontramos no homem uma energia 5

espontânea, uma liberdade de escolha que é a aurora da manifestação da Divindade, que começa a transparecer no ser humano. Ora, o fim a atingir, o objetivo real não é construir autômatos destinados a seguir cegamente uma linha traçada, mas edificar um reflexo do Logos, uma poderosa coletividade de sábios e homens perfeitos, suscetíveis de preferir o bem, porque o conhecem e o compreendem, e de repelir o mal, depois de terem aprendido a discernir, por experiência, a sua impotência e as dores às quais ele conduz. Assim é que, no futuro universo e entre os Grandes Seres que guiam o universo atual, há de haver uma unidade de vontades concentradas pelo conhecimento, isto é, graças ao saber e ao livrearbítrio, movidas pelo mesmo desejo porque tudo sabem, identificadas pela Lei porque aprenderam que a Lei é justa. Neste universo futuro, a Lei será Una, como o é no universo atual, e será executada graças ao concurso daqueles que dela são a personificação, por causa da unidade de suas vistas, da unidade de seus conhecimentos e da unidade de seu poder. Não será uma lei cega e inconsciente, mas uma coletividade de Seres vivos que formam a Lei, porque são divinos. Outro caminho não há para alcançar esta meta, para harmonizar a livre vontade de muitos em uma grande Lei e uma superior Natureza, senão o caminho pelo qual seja possível adquirir experiências, conhecer tanto o bem como o mal, a derrota e o triunfo. Assim os homens convertem-se em Deuses e, pela experiência sofrida, querem, pensam e sentem todos igualmente. Para alcançar esta meta, os divinos Instrutores e Guias de nossa humanidade estabeleceram várias civilizações, todas elas constituídas em vista do fim visado. Não me detenho a examinar a grande civilização da quarta raça que precedeu o nascimento do poderoso povo ariano. Basta dizer que uma alta civilização foi posta a prova e que durante algum tempo logrou êxito sob o governo de seus divinos Reis, os quais, finalmente, retiraram sua imediata proteção, como a mãe solta a mão à criancinha que começa a andar, para ver se já é capaz de valer-se de seus membros e dar por si os primeiros passos. Assim os divinos Reis e Guias deixaram solta a infantil humanidade, para ver se já podia andar só ou se tropeçavam no caminho. Mas, a infantil humanidade tropeçou e caiu; e embora potente e perfeita em suas instituições, gloriosa pela força e pelo saber que tinham presidido a sua formação, sucumbiu sob o peso do egoísmo humano, esmagada pelos instintos inferiores que não tinham sido ainda dominados. Foi necessário fazer outra tentativa e assim foi fundada a grande Raça Ariana, também com seus Reis e Guias Divinos, com um Manu que lhe deu suas leis, fundou sua civilização e desenvolveu sua política auxiliado pelos Rishis que, grupados em torno Dele, asseguraram a execução dessas leis e guiaram a jovem civilização. Assim teve a humanidade outra norma, outro modelo sob o qual devia evoluir. Em seguida, mais uma vez os grandes Instrutores afastaram-se por algum tempo para que a humanidade exercitasse suas próprias forças e sentisse se era bastante forte para andar só, confiante em si mesma, sob a direção do seu Ego interno, e não mais por manifestações exteriores. Mas, também, segundo sabemos, a tentativa redundou em completo insucesso. Lançando um olhar para trás, vemos esta civilização, originariamente divina, degenerar pouco a pouco pela influência dos instintos inferiores do homem e das indomáveis paixões da humanidade. Na Índia de outrora vemos sua constituição perfeita, sua maravilhosa espiritualidade que foi, de milênio em milênio, decaindo à medida que se retirava da vista do homem a 6

mão que o guiava; e ainda mais uma vez a humanidade tropeça e cai ao querer andar sozinha. Em todas as tentativas vemos malograr-se o ideal divino. O mundo atual nos dá a prova de que a natureza inferior do homem triunfou do ideal divino que se fixou como meta no começo da raça ariana. Nesta época o ideal do Brâmane consistia na liberação da alma que já não suspira por bens terrestres, nem pelos gozos da carne, nem por autoridade, prazeres mundanos, mas sim pela sabedoria eterna acompanhada da pobreza; enquanto que hoje vemos no que se diz Brâmane rico e ignorante, em vez de ser pobre e sábio. Na casta dos Brâmanes, como nas outras três, descobrimos sinais de degenerescência que produziu a ruína do antigo regímen. Vejamos agora como os Instrutores se propuseram conduzir os homens a preferir livre e voluntariamente o ideal que lhes foi proposto e do qual se afastaram: como os grandes Instrutores esforçaram-se em dirigir a evolução da humanidade tão imperfeita para o ideal perfeito, que se viu no começo servindo de exemplo à raça, e que não foi alcançado por causa da fraqueza e puerilidade dos homens. Para atingir este ideal no decorrer dos séculos, ensinou-se-lhes o caminho da ação Carma Ioga. É a forma de Ioga que convém aos homens do mundo, assediados pelas atividades da vida; e mediante estas atividades, graças à sua ação disciplinar, damos os primeiros passos que conduzem à união. Vemos assim que Carma Ioga serve para disciplinar os homens. Notemos a justaposição dos termos "ação" e "união". Significa o Carma Ioga que a ação se executa de modo que seu resultado seja a união. Convém recordar que é precisamente a atividade, as ações, os múltiplos afazeres que separam e distanciam os homens uns dos outros. Por isso parece paradoxal falar de união por meio da ação, como se fosse possível unir valendo-se do que divide e separa. Mas, a sabedoria dos divinos Instrutores nos explica o aparente paradoxo, como vamos ver. Sob a influência das três energias da natureza, as qualidades da matéria ou gunas, o homem move-se desordenadamente em todas as direções. O morador do corpo, o Ego, fica sob o domínio das gunas cuja atividade constitui o universo manifestado, e com as quais se identifica o homem, que julga atuar quando elas atuam e estar atarefado quando elas de fato produzem sua atividade. Vivendo com elas, o ofuscam e alucinam, e perde por isso todo o conhecimento do seu verdadeiro ser, de modo que tudo quanto vê na vida se reduz à atividade das gunas que o impelem para todos os lados, arrastado por desencontradas correntes. Nestas condições não se sente o homem apto para as formas superiores da Ioga sem primeiro desvanecer, embora parcialmente, estas ilusões. Deve começar por compreender as gunas, separando-se das atividades do mundo dos fenômenos. Podemos considerar como doutrina de Carma Ioga as declarações de Krishna a Arjuna no campo de batalha de Kurukshetra, quando ensinava esta forma de Ioga ao príncipe, ao guerreiro, ao homem chamado a viver no mundo, a combater no mundo, a governar e a tomar parte em todas as atividades exteriores; aí se encontra a eterna lição para os homens que vivem neste mundo, lição que ensina a nos elevar gradualmente acima das gunas e chegar à união com o Supremo. A primeira etapa, portanto, da Carma Ioga consiste na disciplina das atividades, serenando as gunas. Há três gunas: Sattva, Rajas e Tamas com as quais tudo que nos cerca foi edificado, combinado de mil maneiras. As três 7

atuam e operam em todas as direções; daí a necessidade de equilibrá-las e subjugá-las. O Ego encarnado, o morador do corpo, deve tornar-se senhor soberano e procurar estabelecer uma distinção entre ele e as gunas, conhecendo as funções destas, controlando-as e dirigindo suas atividades. Não podemos elevar-nos repentinamente acima delas, ou vencê-las prontamente, assim com uma criança jamais poderá executar o trabalho de um homem. Pode a humanidade, no estado imperfeito de sua evolução, atingir a perfeição- da Ioga? Não; e não seria prudente tentar fazê-lo, pois, se procurássemos impor à criança o trabalho do adulto, não somente nada obtenhamos, como ultrapassaríamos o limite de suas forças nesta tentativa, resultando um insucesso, tanto no presente como no futuro, por ser a empresa superior à sua constituição. É necessário que os homens exercitem suas forças antes de empreender a tarefa, como é necessário que a criança atinja a idade do homem antes de se tornar apta ao trabalho viril. Consideremos as funções da qualidade Tamas - que se traduz por obscuridade, preguiça, inércia, negligência, etc. Que serviço pode prestar esta guna à evolução humana? Qual a utilidade desta guna no desenvolvimento do homem? Sua utilidade para Carma Ioga consiste que ela age como resistência a qual se deve combater e vencer, de modo que a luta e a vitória desenvolvam a vontade, conquistando-se o domínio e a disciplina de si mesmo. Podemos comparar a utilidade de Tamas na evolução humana, aos halteres e às massas nos exercícios dos atletas. Estes jamais conseguiriam robustecer seus músculos se não os exercitara em vencer alguma resistência, esforçando-se repetidamente em levantar os pesos e manejar as massas. A utilidade não está no peso destes artifícios ginásticos, mas no emprego que se lhes dá; e se alguém deseja robustecer os músculos de seus braços, o único meio é tomar uma dessas massas e diariamente esforçar-se em vencer a resistência que se opõe ao seu manejo. Do mesmo modo Tamas (negligência, ignorância, inércia) interveio na evolução. O homem deve vencer esta guna e desenvolver suas forças na luta. Os músculos da alma se robustecem quando o homem triunfa da negligência, vence a preguiça e a atonia, que são as qualidades tamásicas de sua natureza. Assim vemos que os ritos e cerimônias religiosas foram estabelecidos com o propósito de vencer a qualidade tamásica, pois em grande parte servem para adestrar o homem em combater a lentidão, a preguiça e a indolência de sua natureza inferior, colocando-o em presença de certos deveres que devem ser cumpridos em momentos determinados - quer o homem sinta ou não o desejo neste momento de os cumprir, quer esteja ou não dominado pela atividade ou pela preguiça. Se considerarmos a qualidade Rajas, veremos que as atividades do homem são guiadas em Carma Ioga por certos caminhos que eu me proponho assinalar, mostrando como a atividade, tão ardente e vivaz no mundo moderno, manifesta-se em todos os sentidos, movendo-se em esforços precipitados, em que tudo se faz apressadamente. Também esta qualidade pode ser gradualmente dirigida, exercitada e purificada, até que ela não mais possa impedir a real manifestação do Ego. O objeto de Carma Ioga é substituir o desejo imoderado dos gozos materiais pelo dever; o homem age para satisfazer seus instintos inferiores, na ânsia de obter o fruto das suas ações, com a esperança de recompensa, apetecendo dinheiro para gozar a vida material e satisfazer seus baixos instintos. Todas 8

estas atividades da qualidade rajásica têm por fim a satisfação da natureza inferior; e para discipliná-las, de modo que sirvam ao propósito do Ego superior, é necessário conduzir o homem a substituir o dever ao gozo pessoal, a trabalhar porque o trabalho é um dos seus deveres, a girar a roda da vida porque é sua incumbência assim fazer o que Shri Krishna declarou fazer por Si mesmo, isto é, não porque tenha a ganhar qualquer coisa, nem neste mundo nem no outro, mas porque sem sua ação deixaria o mundo de ser o que é, e ficaria parado o giro da roda. Quem pratica a Ioga deve agir segundo o espírito de Shri Krishna, com a intenção posta em todo o conjunto e não em parte separada, com o propósito de cumprir a divina vontade no Cosmos e não pelo prazer de uma entidade distinta, que se imagina independente, quando devia secundar a ação de Shri Krishna. O homem atingirá este alvo elevando gradualmente a esfera de suas atividades. O dever substituirá a concupiscência, e os ritos religiosos, como as cerimônias, são prescritos para conduzir gradualmente os homens à verdadeira vida. Todas as cerimônias religiosas são processos para conduzir os homens à verdadeira vida, à vida superior. O homem começa a meditar ao levantar-se e ao deitar-se, mas dia chegará em que sua vida será uma prolongada meditação. Medita durante uma hora e assim se prepara à meditação perpétua. Toda atividade criadora é o resultado da meditação, e convém recordar que pela meditação Tapas todos os mundos foram criados. Assim, pois, para que o homem alcance este vigoroso e divino poder criador de meditação e seja capaz de exercê-lo, deve ir-se fortalecendo por sucessivas cerimônias religiosas, por esforços mentais intermitentes, por periódicos tapas alternados. A meditação a horas fixas é um passo para a meditação constante. Tomando uma parte da vida diária para, em seguida, tomá-la toda, o homem medita diariamente para que pouco a pouco o absorva por inteiro. Chega um momento em que o iogue não tem mais hora marcada para a meditação, porque toda sua vida é uma contínua meditação. Sejam quais forem as atividades em que se empregue, o iogue medita e está sempre aos pés do Mestre, embora mente e corpo estejam ativos no mundo dos homens. O mesmo podemos dizer de todas as modalidades de ação. Primeiro aprende o homem a cumprir a ação como um sacrifício do dever, como o pagamento de sua dívida para com o mundo no qual vive, retribuindo aos diversos reinos da Natureza o que deles recebeu. Mais tarde, o sacrifício torna-se mais que o pagamento de uma dívida: é a jubilosa oferta de tudo quanto o homem tem para dar. O sacrifício parcial é a dívida que se há de pagar; o sacrifício perfeito é a oferta total. O homem se dá com todas as suas atividades, com todos os seus poderes, não já desejoso de dar parte do que possui em paga de uma dívida, mas ele mesmo é dádiva de sua oferta. Quando se chega a este ponto, realiza-se a Ioga e se aprende a lição de Carma Ioga. Considerai como um passo para este fim os cinco sacrifícios diários que a religião hinduísta exige de seus fiéis, procurando compreender a razão de cada um deles. Cada um deles é o pagamento de uma dívida, o reconhecimento do que o homem deve individualmente à coletividade em que vive. Consideremos o primeiro: o sacrifício aos Devas. Por que foi prescrito este sacrifício? Porque o homem precisa saber que seu corpo contraiu uma dívida com a terra e com as entidades inteligentes que presidem às funções 9

da Natureza, graças às quais a terra dá seus frutos e fornece ao homem o alimento; e por isso, o corpo do homem, em pagamento desta dívida, restitui à Natureza o equivalente daquilo que dela recebeu, graças à cooperação destas Inteligências Cósmicas ou devas que guiam as forças do mundo inferior. Por que se ordenou ao homem que consumasse sua oferenda pelo fogo? A explicação desta cerimônia está na frase: "AGNI é a boca dos Deuses". Os homens repetem esta expressão sem procurar compreender a sua significação, sem ir além do nome deva para alcançar sua função no mundo. A verdadeira significação da frase é que por toda a parte em torno de nós se encontram os operários conscientes e subconscientes da Natureza em cortes de diversos graus com um superior deva cósmico à frente de cada uma das falanges do numeroso exército. Subordinados aos devas que respectivamente governam o fogo, a água, o ar e a terra, se encontra um grande número de legiões dévicas, de categoria inferior, que presidem às diversas operações das forças naturais no mundo, tais como as chuvas, as faculdades produtoras da terra, as influências fertilizantes de várias espécies. Este primeiro sacrifício serve de alimento aos devas inferiores que o recebem por meio do fogo; e o fogo é chamado "a boca-dos-deuses" porque o fogo desintegra e transmuda primeiro em vapor, depois em éter os sólidos e os líquidos que se submetem à sua ação, convertendo as oferendas sacrificiais em alimento etéreo dos devas inferiores, encarregados de executar as ordens dos devas cósmicos. Assim satisfaz o homem a dívida para com eles contraída, e em recompensa cai a chuva, frutifica a terra e recebe o homem seu alimento. É o que queria dizer Shri Krishna quando ordenava ao homem: "alimenta os deuses e os deuses te alimentarão". É este ciclo de alimentação que o homem deve aprender a reconhecer. A princípio aceitou como um ensinamento religioso. Em seguida veio um período em que o considerou como superstição, por desconhecer os motivos reais, pois apenas via o lado exterior. Mais tarde, aumentando o homem seus conhecimentos, embora a ciência se incline para o materialismo, ele chegará, por um estudo mais profundo, ao conhecimento do reino espiritual. A ciência começa a dizer hoje, em termos técnicos, o que os Rishis disseram na terminologia espiritual, isto é, que o homem é capaz de governar e dirigir as forças inferiores da Natureza e, deste modo, o conhecimento científico corrobora os antigos ensinamentos; e a inteligência confirma o que o homem espiritual vê por intuição direta, pela visão espiritual. Temos, em seguida, o Sacrifício aos antepassados; o reconhecimento do que o homem deve aos que o precederam no mundo; o pagamento de sua dívida para com os que trabalharam no mundo antes que ele viesse; a gratidão e a veneração aos que, por seu esforço, melhoraram o mundo. Este sacrifício é a dívida de gratidão com quem imediatamente nos precedeu na humana evolução, os que tomaram parte nela durante suas vidas terrenas e nos legaram o resultado do seu labor. Pois que hoje colhemos o fruto de seus trabalhos, paguemos essa dívida testemunhando o nosso reconhecimento. Eis por que um dos sacrifícios diários é o reconhecimento da dívida de gratidão que contraímos com os que partiram· antes de nós, os antepassados. Em seguida vem o sacrifício de conhecimento, o estudo das Escrituras que prepara o homem para instruir aos ignorantes, de modo que estes possam também adquirir o conhecimento para a manifestação do Ego interno. 10

O quarto sacrifício é o que se faz em proveito do próximo, dando de comer cada dia a um necessitado, em reconhecimento do dever contraído com a humanidade, para proclamar que os homens se devem mutuamente ajudar, no mundo físico, por meio de boas obras. O sacrifício aos homens é o formal reconhecimento deste dever, e, alimentando os que têm fome, dando hospitalidade aos que sofrem, embora seja apenas um homem, no ponto de vista ideal e em razão da intenção, é à humanidade inteira que se leva o auxílio. Quando oferecerdes a hospitalidade ao homem que passa diante de vossa porta, abris a porta do vosso coração à humanidade considerada como uma grande unidade; ajudando e abrigando um indivíduo, e à humanidade, em geral, que se oferece ajuda e abrigo. O último sacrifício diário é o prescrito em favor dos animais. O chefe de família deve colocar alimentos no solo para que deles se aproveitem os animais que passam. É este o dever para com o mundo inferior. O sacrifício aos animais tem por fim gravar na mente humana a ideia de que o homem deve ser o auxílio, guia e valimento das criaturas que estão abaixo dele na escala da evolução. Quando somos cruéis, ásperos e violentos para os animais, pecamos contra o supremo Ser que neles mora e de quem eles são manifestações inferiores. Assim, para que o homem aprenda a discernir o que há de bondade no bruto e compreender que Shri Krishna também reside nos animais, embora sob forma mais velada que no homem, se lhe ordenou que sacrificasse aos animais, em honra ao deus que neles mora. O único meio que temos de fazermos sacrifícios pelos animais consiste em tratá-los com carinho, doçura e compaixão e nunca os repelir com brutalidade e crueldade como geralmente vemos em torno de nós. É assim que o homem aprende, graças aos ritos e às cerimônias externas, as internas verdades espirituais que devem saturar sua vida. E depois de ter cumprido os cinco sacrifícios, entregava-se a suas ocupações diárias, que podem também considerar-se como sacrifício quando têm por objetivo o cumprimento dos deveres ordinários. A vida diária, que começou com estes cinco sacrifícios, escoou-se santificada na vida exterior dos homens. Mas, a negligência na prática dos cinco sacrifícios trouxe como consequência os descuidos dos deveres da vida quotidiana, não porque estes sacrifícios sejam, por si mesmos, indispensáveis - pois chega um momento em que o homem se eleva acima deles mas porque só podem ser transcendidos quando a vida se torna um contínuo sacrifício. Enquanto não chega este momento, o reconhecimento formal destes deveres é necessário para tornar a vida mais elevada. Infelizmente, na Índia de hoje, liga-se pouca importância a estes sacrifícios, não porque os homens se elevassem acima deles, nem que suas vidas sejam assaz puras e espirituais, mas porque os homens se materializaram e caíram na indiferença muito abaixo do ideal concebido pelo Manu. Eles recusam hoje reconhecer quanto devem às Forças que estão acima deles e, por isso, não cumprem seus deveres para com os homens que os rodeiam. Examinemos agora os deveres do indivíduo na vida social. Seja quem for, ele nasceu em determinada família de tal município e de tal nação. Seu nascimento marca seus deveres para com a família, o município e a nação. As circunstâncias do nascimento limitam os deveres do homem, pois a Boa Lei o coloca segundo o seu carma no lugar propício ao seu desenvolvimento, na escola onde vai aprender. Assim se diz que, cada homem, se lhe incumbe cumprir seu próprio dever ou dharma. Vale mais cumprir nosso peculiar dever, 11

embora imperfeitamente, que executar o dharma superior de outrem. Por isso o lugar de seu nascimento é fundamental para cada um, porque ali se aprende o que melhor convém saber. Cumpra-se o nosso dever sem nos preocuparmos com as consequências, e só então se aprende a lição da vida dando os primeiros passos no caminho da Ioga. No início, cada ação será naturalmente executada tendo em vista os seus resultados, o desejo de recompensa. Isto nos explica porque se ensina ao homem agir com a esperança de receber no céu (svarga) o prêmio de suas boas obras. Ao homem-criança ensina-lhe o estímulo do prêmio, apresentando-lhe o céu como recompensa do cumprimento de seus deveres morais e das cerimônias religiosas. Assim é ele induzido a portar-se com elevação moral, como se diz à criança que aprenda as lições porque terá um prêmio como recompensa. Mas, se a ação a cumprir tem por fim a Ioga, e não a obtenção de recompensas, é necessário que ela seja executada unicamente porque constitui um dever. Estudemos agora as quatro castas da Índia e vejamos qual foi o propósito de sua instituição. O Brâmane tinha por dever ensinar, com o fim de formar uma estirpe de sábios instrutores, capazes de dirigir a evolução da raça. Não devia ensinar por dinheiro, nem para subir ao poder, nem por proveito pessoal, senão pelo cumprimento de seu dever em transmitir aos outros seus conhecimentos. Em toda nação bem organizada devia haver sempre instrutores capazes de guiar, dirigir e aconselhar sem móveis egoístas, sem jamais nada adquirirem pessoalmente, embora o que juntassem fosse para todos. Desta maneira cumpririam seu dever e obteriam a libertação da alma. A casta dos guerreiros, os kshattriyas, tinha por objeto a educação e adestramento da atividade dos homens nascidos para o governo e defesa do país. Mas não se os educava nem nasciam nesta casta para abusarem do poder, e sim para administrarem justiça de modo que o pobre estivesse amparado e o rico impedido de tiranizá-lo, tudo para que a imparcial justiça prevalecesse neste agitado mundo dos homens. Porque neste mundo de lutas, rancores e contendas, onde os homens somente procuram sua satisfação pessoal em vez do bem coletivo, devemos ensinar-lhes o império da justiça, e que se o forte abusa de sua força, deve o governante justo reprimir o abuso, nunca deixando que o oprimido seja vítima do poderoso. Por isso, o dever do Rei era administrar justiça entre os homens, de modo que todos os vassalos olhassem o trono real como a fonte donde fluía a divina justiça. Este é o ideal da monarquia divina, do rei divino. Rama e Krishna vieram ensinar este ideal; mas tão grande foi a torpeza humana que ninguém aprendeu a lição, porque os kshattriyas empregaram seu poder para fins egoístas, oprimindo os demais, apoderando-se das riquezas e do trabalho alheio em proveito próprio. Perdeu o kshattriya o ideal do governante divino que encarnava a justiça no belicoso mundo dos homens. Contudo a sua razão de ser era fazer deste ideal o objeto de sua vida; para isso seu dever era governar o país em proveito dos seus habitantes e não pela satisfação pessoal de si mesmo. O mesmo cabe dizer das funções do kshattriya como soldado. A nação devia prosperar em paz. As pessoas simples e inermes deviam gozar em segurança de suas propriedades, para viverem contentes e ditosas. Os comerciantes se dedicariam em paz aos seus negócios. Todas as profissões 12

sociais poderiam se exercer sem perigo de agressões. Assim ao kshattriya competia guerrear em defesa da população inerme, sacrificando generosamente sua vida para que os homens pudessem viver em paz. O seu fim não era lutar para ganhar glórias na vitória, nem com intenção de conquistas e domínio, mas cercar como uma muralha de ferro o território nacional, de modo que todo ataque viesse se quebrar contra seus corpos, e assim pudessem viver as pessoas em paz, segurança e felicidade no recristo nacional, fortificado com seus peitos. Para seguir o caminho da Ioga dentro do dever do kshattriya, este devia considerar-se como agente do divino Autor, e por isto disse Shri Krishna que Ele havia feito tudo isto e que Arjuna não fazia senão reproduzir esta ação no mundo dos homens. E quando se encontra o divino Autor em todas as ações do homem, cumpre a este executálas como um dever, sem desejo de recompensa, e assim estas ações não entravam a alma. Análogas considerações cabe aplicar ao comerciante ou vaishya, encarregado de acumular riquezas, não em seu proveito, mas para sustento da nação. Devia ser rico a fim de que todos os gêneros de atividade, que necessitassem riquezas, pudessem encontrar nele uma reserva a seu alcance e se desenvolvessem em todas as direções, de modo que os pobres tivessem casas, os viajantes albergues e os enfermos hospitais (tanto para homens como animais); para os devotos, templos, e assim servisse a riqueza para manter todas as funções da vida nacional. Portanto seu Dharma exigia a acumulação destas riquezas no interesse comum e não pela satisfação pessoal. Deste modo podia, ele também, praticar a Ioga e, pela Carma Ioga preparar-se para uma vida superior. Igualmente ao shudra cumpria exercer suas atividades na coletividade social. Era ele o braço manual da nação, trazendo-lhe tudo que ela tinha necessidade e exercendo as atividades domésticas. Sua Ioga era de cumprir alegremente seus deveres, por seus deveres e não pelo fruto que deles proviesse. Vemos, pois, que, a princípio, os homens não obram senão por interesse pessoal e deste modo adquirem experiência. Em seguida aprendem a agir por dever e com ele iniciam a prática da Ioga na vida diária. Finalmente, sua ação é um jubiloso sacrifício sem pedir nada em recompensa, ao contrário, entregando quanto possuem para o cumprimento da obra divina. E assim realizam a união com Deus. A significação de purificação fica compreensível quando observamos as três etapas de egoísmo, dever e sacrifício. São as etapas do caminho de purificação. Mas, como deve ser esta purificação para que conduza aos graus superiores, a entrada do discipulado a cuja preparação toda a atividade concorre? O homem todo deve purificar-se em corpo e alma. Não me deterei a discorrer sobre a purificação do corpo; basta recordar o que, segundo os ensinamentos do Bhagavad-Gita, se ganha com a moderação e a temperança, e nunca pela maceração ascética que, como disse Shri Krishna, tortura ao corpo e ao morador do corpo. A Ioga realiza-se pela suave subjugação e calma disciplina da natureza inferior, adotando puro regímen dietético, regulando as atividades físicas e disciplinando o corpo de modo que se submeta ao governo da vontade do Ego. Eis por que se prescreveu a vida conjugal, porque os homens, exceto poucos, não estavam em condições de seguir o áspero caminho do celibato. O estado de Brahmacharya (celibato bramático ) não era para todos. Graças à vida de família o homem aprendia a disciplinar suas paixões sexuais, não aniquilando-as 13

violentamente por um só esforço (coisa impossível à generalidade dos homens, e se acaso alguém intente com Imprudente energia, conduz a uma reação que precipita o imprudente nos piores excessos de uma vida desregrada), mas por gradual moderação, praticando as abnegadas virtudes domésticas de modo que a natureza inferior acostume-se, pela temperança, a obedecer à superior. Então intervém a ação de Carma Ioga. O chefe de família aprendeu gradualmente a dominar sua personalidade pela prática da moderação submetendo a natureza inferior à superior e disciplinando-a dia a dia ate que se sujeite à vontade. Deste modo purifica o corpo e se predispõe a dar os altos passos da Ioga. Em seguida deve purificar por completo as paixões da natureza inferior. Tomemos três exemplos que podemos empregar na conduta a vida. Consideremos a cólera, e examinemos como a Carma Ioga a transforma em virtude. A cólera é uma energia que surge do homem e produz seu efeito exterior. No homem inculto e atrasado é uma paixão que se manifesta em várias formas brutais que, sem reparar nos meios, se atira contra tudo que se lhe opõe a satisfação do seu desejo. Nesta forma é uma indisciplinada e destruidora energia natural e quem deseja praticar Carma Ioga deve certamente domina-la. Como vencer a paixão da cólera? Primeiramente deve se eliminar o elemento pessoal. Quando alguém nos injuria, ou quando nos causa um prejuízo pessoal, não mostremos ressentimento do agravo. Tal é o dever. Se recebeis um dano ou sois vítima de uma injustiça, que fazer? Podeis soltar a rédea à ira e atacar o agressor e feri-lo. À injustça recebida respondeis com igual injúria. Assim a cólera mostra seus destruidores efeitos. Como purificar esta paixão? A resposta nos dão os Instrutores que ensinaram Carma Ioga, isto é, o modo pelo qual a ação do mundo dos homens possa servir à finalidade do Ego. Recordai-vos que no Decálogo do Manu figura, como um dos dez mandamentos, o perdão das injúrias. Também o Buda disse: "O ódio não cessa pelo ódio, senão pelo amor". Igualmente o Instrutor cristão S. Paulo expressou-se em termos análogos: "Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem" (Rom. 12 e 21). Eis Carma Ioga. Perdoai as ofensas. Respondei com amor ao ódio. Vencei o mal com o bem. Assim eliminareis o elemento pessoal e já não sentireis cólera quando vos fizerem dano. Eliminando-se o elemento pessoal, a ira não mais revestirá esta forma inferior. Mas um gênero de cólera, de natureza mais elevada, pode subsistir ainda. Quando se vê cometer uma injustiça com o fraco, experimenta-se cólera contra o autor. Quando se vê maltratar um animal, nasce a indignação contra o agressor. A opressão contra o pobre desperta ira contra o opressor. É uma cólera impessoal, mais nobre que a modalidade anterior e necessária à evolução humana, porque muito mais nobre é nos revoltarmos contra o agressor do desvalido do que presenciar a agressão com estólida indiferença, sem a mais leve simpatia com o sofrimento alheio. A cólera impessoal é mais nobre que a indiferença; todavia é imperfeita e devemos transformá-la na qualidade superior de fazer justiça tanto ao forte como ao débil, de compaixão idêntica ao agredido como ao agressor, porque se sabe que sobre o agressor recairá maior dano. Devemos nos compadecer por ambos e o mesmo sentimento de amor e justiça envolverá os dois. Quem assim purifica a paixão da cólera, abomina o agravo porque é seu dever abominá-lo; mas, ao mesmo tempo mostra-se benigno com o agressor porque necessita lição e auxílio. Deste modo a ira dirigida contra uma injúria pessoal transforma-se em justiça que evita todo o agravo e igualmente protege o forte e o 14

fraco. Esta é a purificação executada no mundo da atividade por meio do esforço diário que vai depurando a natureza inferior, a fim de alcançar a união com o Ego superior. Consideremos agora o amor. Pode revestir a baixa e brutal forma da paixão animal entre os sexos; uma paixão de índole má que não leva em conta o caráter da pessoa por quem se sente este amor, mas apenas encara a beleza física, a atração carnal e o prazer material. Esta é a mais inferior modalidade do amor. Seu móvel é o egoísmo. Mas, quem segue Carma Ioga o transforma no amor que se sacrifica pelo ser amado, que cumpre os deveres de família, cuidando da esposa e dos filhos, por eles tudo fazendo, sacrificando suas inclinações pessoais, prazeres e gostos. Trabalha para aumentar as comodidades da família e satisfazer mais folgadamente as necessidades do lar. Nele o amor não se limita ao gozo material, ao prazer pessoal, mas na proteção e auxílio aos seres amados, desviando os males que os ameaçam, a fim de que vivam com segurança. Mediante Carma Ioga o homem purifica seu amor eliminando seus elementos egoístas, e o que era paixão animal "pelo outro sexo, transmuda-se em amor conjugal, amor do irmão maior, do parente que cumpre seu dever trabalhando em proveito dos seres amados para que vivam mais contentes e ditosos. É então que começa a última fase, em que o amor, depurado do egoísmo, se derrama por todos. Não mais atua no reduzido círculo da família, mas em todo o semelhante vê um necessitado de auxílio, em todo faminto um irmão a alimentar e, em toda mulher desamparada, uma irmã a quem proteger. O homem assim purificado converte-se em pai, irmão e auxiliador do desvalido, não porque o ame pessoalmente, mas porque o ama idealmente, favorecendo-o em virtude de seu desinteressado amor, mesmo que o favorecido não o corresponda. O amor supremo, o amor que flui de Carma Ioga nada pede em troca do que dá; não aspira gratidão nem reconhecimento; obra em segredo e deseja ficar ignorado. É mesmo mais feliz quando não atrai a atenção, nem recebe recompensa. Enfim, a purificação definitiva do amor é a que o transmuda no divino, quando apenas dá, porque sua natureza é difundir a felicidade, nada pede para si e só procura a satisfação alheia. Falemos agora da cobiça e da avidez. Os homens desejam o lucro para desfrutar os prazeres, adquirir posição e poderio. Em seguida purificam esta baixa modalidade de cobiça pela avidez do ganho para melhorar a condição da família e pô-la a coberto da miséria e do sofrimento. Já não é o homem, que assim procede, tão egoísta como antes. Mais tarde deseja poderes para empregá-lo para o bem, a fim de alcançar uma esfera de ação mais ampla que a da família, campo mais vasto que o lar, até que aprenda a dar sem desejo de recompensa. Deseja conhecimentos e poder, não para os conservar e gozar só, mas para difundi-los. Assim o egoísmo é eliminado. Nunca procurastes pensar por que se representa a Mahadeva ou Siva sobre chamas? Singular morada para tão poderosa Entidade, aquele que é, por excelência, a pureza. Mas a representação simboliza a Siva, isto é, a vida humana consumindo tudo que é inferior pelo fogo do sacrifício. Se assim não fosse as coisas terrestres se corromperiam até a putrefação e fariam um foco de infecção que se espalharia por toda a parte. Mas na parada ardente em que Ele mora, cujo fogo o atravessa de lado a lado, tudo que é egoísta e pessoal, tudo quanto pertence à natureza inferior é consumido. Destas regeneradoras chamas surge 15

triunfante o iogue, completamente depurado de todo o elemento pessoal, porque o fogo do Senhor queimou as baixas paixões e não resta corrupção alguma capaz de difundir o contágio. Por isto Siva é chamado o Destruidor. É o destruidor do inferior a fim de tornar possível a regeneração. Do fogo de Siva emanou originariamente a alma e de suas chamas brota o purificado Ego. É assim que estes primeiros passos guiam o homem ao discipulado e ao encontro do Mestre, no recinto interno do Templo em cujo ádito sagrado reside o Guru (Instrutor) da humanidade. São estes os primeiros passos que se devem dar e o caminho que se há de percorrer. Embora se esteja no mundo, ligado por mundanos laços, com atividades sociais e políticas, no fundo do nosso coração palpita o anelo pela verdadeira Ioga e pelo conhecimento de permanente e não transitória vida. Se cada um de vós auscultar as profundezas de vosso coração, aí descobrireis o ardente desejo de cada vez mais se instruir, de mais nobremente viver, mais do que o fazeis hoje. Podeis amar as coisas do mundo e vós as amais realmente pela vossa natureza inferior, mas no coração de quem não renegou de todo sua religião e seu país há sempre uma aspiração para um ideal mais elevado que o deste mundo, um desejo por mais fraco que seja, qual as tradições do passado, de ver a Índia tornar-se mais nobre do que hoje é, e seus habitantes mais dignos do seu glorioso passado. Eis aqui, pois, o caminho que deveis seguir. Não é possível a grandeza de uma nação se não forem magnânimos seus filhos. Não será poderoso um povo se os indivíduos forem mesquinhos, sórdidos e egoístas. Podeis partir do ponto em que vos achais e com a conduta que observais, seguindo sempre a direção que acabo de vos assinalar, e assim dareis os primeiros passos que vos aproximará do Caminho. Permiti que eu termine recordando-vos onde vai terminar o Caminho, embora em sucessivas conferências ainda mais ampliarei o tema. O término do Caminho é a união por meio da ação. Há ainda outros passos a dar; mas, que significa "união"? Recordemos como Shri Krishna assinala as características do homem que já transcendeu as gunas e é capaz de beber o néctar da imortalidade, de conhecer o Supremo e de unir-se com Ele. Um homem assim não conhece outro agente senão as gunas, mas sabe que ele fica além, pois conhece Aquele que está além delas. Percebe a atuação das gunas, e não as deseja quando ausentes nem as repele quando presentes. Conserva-se equânime entre amigos e inimigos, nos louvores e no opróbrio. Confiante olha todas as coisas de igual maneira o barro da terra e a barra de ouro, o amigo e o inimigo. Para todos é o mesmo, porque transcendeu as gunas e já não o alucina sua ação. Tal é a meta a que aspiramos. Estes são os primeiros passos para o Caminho que passa pelas gunas. Enquanto não forem dados estes primeiros passos, não é possível seguir adiante; mas, uma vez dados, descobre-se o começo do verdadeiro Caminho.

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Capítulo II

Qualidades para o Discipulado Domínio da mente - Meditação. Formação do Caráter Consideremos antes de tudo a questão da reencarnação e o que significam os meios que permitem que um homem possa escolher deliberadamente seu futuro caminho e o que se entende por "qualidades do discípulo". Já vimos quais são as diferentes fases da ação. A princípio, egoísta sem outro móvel que satisfazer as inclinações da natureza inferior e recolher benefícios. Depois, por meio da prática de Carma Ioga, aprende o homem a agir, não por egoísmo, mas porque é seu dever o cumprimento da ação, identificando-se assim com a Lei e tomando parte consciente na grande obra do mundo. Finalmente, a terceira etapa consiste em efetuar a ação, não como um dever, mas também como um jubiloso sacrifício, em que o homem procura entregar tudo quanto possui. Ao chegar a esta fase pode ele quebrar os laços do desejo e livrar-se do renascimento, pois só o desejo dos prazeres e ações levam o homem novamente à terra. Quem procura satisfazer um ideal mundano, quem tem por meta algum objeto terrestre, está evidentemente ligado pelo desejo, e enquanto aspira ao que a terra pode dar, deverá voltar à terra. Tudo quanto pertence à transitória vida física e seja motivo de atração, será também capaz de ligá-lo. Em outros termos, todo desejo prende a alma e a conduz ao lugar em que deve satisfazê-lo. A natureza anímica do homem é tão semelhante à divina, que esta força que dele emana, e à qual damos o nome de desejo, encerra em si mesma o poder de se satisfazer. O homem obtém tudo quanto deseja, embora não imediatamente, mas a seu tempo, quando a natureza das coisas o permitir. E por isso se tem dito repetidas vezes que o homem é senhor do seu destino, e que o universo dar-lhe-á tudo quanto pedir. Assim receberá os resultados do seu desejo naquela parte do universo em que a coisa desejada existe; e se deseja algo terreno, a terra acabará por satisfazê-lo. O homem está também acorrentado à reencarnação por seus desejos que não podem ser satisfeitos senão nos mundos transitórios, que ficam além da morte, o astral e o mental. Se, por exemplo, um homem põe seu desejo nas delícias do céu e, com a esperança de desfrutá-las, recusa os gozos terrenos, desfrutá-las-á em tempo oportuno como consequência de sua conduta; mas sendo o céu também transitório, deverá voltar à terra uma vez terminado seus gozos. Por esta razão se chama "caminho da Lua" o que o homem segue quando desejoso das venturas celestes, e assim se diz que "a Lua é a porta de svarga". Compreende-se que todo desejo deve ser satisfeito na terra ou em qualquer outro mundo transitório, o que obriga a alma ao renascimento e é por esta razão que foi escrito que a alma não pode atingir a libertação senão depois "que os laços do coração forem rompidos". 17

Se o homem elimina todo o desejo, alcançará a pura e simples libertação sem necessidade de executar insignes proezas nem ter chegado a uma etapa elevada da evolução, sem ter mesmo desenvolvido todas as possibilidades divinas que existem em estado latente na consciência humana, nem atingir os vértices sublimes nos quais habitam os Mestres e Auxiliadores do gênero humano. Ganhará apenas uma libertação essencialmente egoísta que o coloca acima deste mundo inconstante, quebrando muitos laços que o prendem à roda dos nascimentos e das mortes; mas não o prepara para ajudar, de modo algum, seus irmãos a romper os laços que os sujeitam. É um gênero de liberação que aproveita ao indivíduo e não à coletividade, graças à qual o homem deixa a humanidade abandonada aos seus próprios esforços. Eu sei que muitas pessoas não têm na vida outra aspiração senão a própria liberação, pouco se importando com os demais. Esta classe de liberação é, como foi dito, muito fácil de alcançar, pois unicamente exige o reconhecimento da natureza fugitiva das coisas deste mundo, a inanidade das ambições pelas quais diariamente se agitam os homens. Mas também esta egoísta e individual liberação é transitória, pois só dura um manvantara a cujo termo é preciso voltar às esferas de atividade. Deixa a alma livre das ligações da terra; mas, em futuro ciclo deverá renascer para dar novo passo para o fim realmente divino do homem: a evolução da consciência humana na Consciência Universal, cuja função é ensinar, ajudar e dirigir os mundos futuros. Outras almas há, mais nobres e generosas, que alegremente quebram os laços do desejo, não para escaparem às dificuldades da vida terrena, mas para ficarem em condições de seguir o alto e nobilíssimo caminho do discipulado, seguindo os passos dos grandes Seres que facilitam a marcha da humanidade. Estas almas procuram os Mestres que se dispõem em aceitar por discípulos os que são qualificados e que se sentem prontos, não de se libertarem pessoalmente nem os que se esquivam das atribulações, mas os que desejam ser auxiliares, mestres e salvadores da humanidade, restituindo ao mundo o que de seus Mestres receberam. Todas as Escrituras sagradas do mundo aludem ao discipulado. Um dos ideais de todas as almas de alta evolução, que neste mundo anseiam unir-se à Divindade, é encontrar um Mestre, um instrutor de almas. Os Upanishads mencionam o Guru e mostram como o aspirante-discípulo é encorajado a procurá-lo e a encontrá-lo. Trataremos agora das qualidades necessárias para entrar no discipulado e o que é preciso praticar antes de obter permissão para chegar ao Mestre. Vamos expor o que se deve fazer na vida diária, aproveitada para escola onde se aprendem as primeiras lições nos tornando dignos de tocar nos Pés dos grandes Mestres que concedem o verdadeiro renascimento simbolizado em todas as religiões exotéricas por uma cerimônia externa, menos sagrada por si mesma do que pelo que ela simboliza. No hinduísmo encontramos a frase "duas vezes nascido" significando não só aquele que nasceu dos seus pais carnais, mas que voltou a nascer quando o Mestre lhe deu novo nascimento à sua alma. Desgraçadamente, isto hoje simboliza, na generalidade dos casos, a iniciação que o guru da família, ou o pai, confere àquele que no mundo profano se chama "o duas vezes nascido". Mas, em outros tempos e também atualmente, em poucos casos, se efetua uma verdadeira iniciação, essência da cerimônia externa, que não conduz ao ingresso em uma casta social, mas que é realmente o nascimento divino, conferido por um poderoso Mestre, delegado pelo único Iniciador da 18

humanidade. A história nos fala destas iniciações no passado e sabemos que ainda existem no presente. Há testemunhos históricos de sua realidade. Em muitos templos da Índia conservam-se as criptas dás antigas iniciações, e embora o vulgo ignore sua situação, ali chegam somente os que se mostram dignos de nelas entrar. Também o·Egito teve suas criptas de iniciação sobre algumas das quais se levantam hoje pesadas pirâmides que as ocultam à vista das multidões. As últimas iniciações conferidas no Egito e na Grécia, segundo nos diz a história, entre as quais contam-se insignes filósofos, celebraram-se nos templos de iniciação, conhecidos no mundo profano. Para penetrar nesses templos nada valia o conhecimento científico, mas exigiam-se condições que sempre existiram em toda a antiguidade e que existem ainda hoje com tanta realidade como existiram outrora, porque se a história testemunha a realidade da Iniciação, ela testemunha igualmente a realidade do Iniciado, À frente das principais religiões figuraram homens extraordinários que deram aos fiéis as Escrituras e que a história nos mostra dominando seus contemporâneos pelo conhecimento profundo das coisas espirituais, pela clarividência que Lhes permitia ver, e atestar o que viam. É esta a característica de todos os grandes Mestres, que não argumentam, mas afirmam; não discutem, proclamam. Falam sempre com autoridade corroborada por suas próprias palavras, e o coração dos homens reconhece a verdade dos seus ensinamentos, embora sejam demasiado elevados para o entendimento vulgar, porque no coração de todo homem palpita o elemento espiritual que o Mestre evoca, e este elemento sabe responder à verdade da afirmação espiritual, por mais curta que a inteligência seja para discernir a realidade daquele que vê o Espírito. Os grandes Mestres, instrutores e filósofos, que a história nos fala, foram iniciados, de natureza muito mais elevada que o nível ordinário da humanidade. Sempre existiram e ainda existem hoje estes iniciados. Como poderia a morte pousar sua descamada mão nos que venceram a vida e a morte e dominam toda a natureza inferior? Transcenderam a evolução humana no decurso de passados milênios, uns vindos da nossa mesma humanidade, outros de humanidades anteriores à nossa. Alguns vieram de outros planetas quando a atual humanidade estava ainda na infância; outros surgiram quando esta humanidade já havia percorrido suficientes etapas para produzir em seu seio iniciados que a auxiliassem. A morte já não tem poder algum sobre o homem que passou por este caminho e alcançou sua meta, e por isso não é possível que deixe de existir. Sua presença na história basta para provar que continuam existindo, mesmo sem o testemunho dos que os encentram, os conhecem e a Seus pés aprendem as lições da sabedoria. Em nossos mesmos dias há estudantes que descobrem, um após outro, o antigo caminho, estreito e sutil como o fio de navalha, caminho que conduz ao portal do discipulado e que prepara o homem a percorrer o altíssimo Caminho do Discipulado. Um a um vão penetrando nele em nossos dias, e podem, por conseguinte, confirmar a verdade das antigas Escrituras e vencer o Caminho etapa por etapa. Vejamos, pois, que qualidades requer a entrada no Caminho. A primeira é o domínio do mental que, pelo menos em certa medida, deve-se possuir antes que sejamos admitidos no discipulado. Expliquemos o que significa domínio mental, que é a mente e quem deve dominá-la. Geralmente as pessoas identificam com seu Ego a mente ou inteligência 19

consciente, e quando um homem diz: "penso, sinto, conheço", veremos que ele não passa os limites do seu estado de consciência durante a vigília, e resume no pensar, sentir e conhecer todas as características de individualidade. (1) Para quem estudou cuidadosamente a constituição do homem sabe que a mente não é o Ego, mas uma das suas qualidades, ou melhor, instrumento de sua atividade no mundo. Para compreender com mais precisão o que significa o domínio da mente e como é possível dirigi-la, vejamos o que se entende por autodomínio e advertiremos que muito dista de parecer este autodomínio como a qualidade para o discipulado. Quando dizemos que um homem é senhor de si mesmo queremos exprimir que sua mente é superior a suas paixões e emoções, que a vontade, a razão e o discernimento prevalecem contra a natureza inferior, e o homem é capaz de resistir ao choque da tentação, dizendo "não cederei; não consentirei que a paixão me arraste, nem me deixarei dominar pelos sentidos que não são, nem mais nem menos, senão os cavalos que puxam meu carro. Eu sou o condutor e não permitirei galopar pelo caminho que escolherem". Quando um homem fala e obra deste modo, podemos dizer que é senhor de si mesmo. Este é o comum sentido da frase, e por certo que supõe uma admirável qualidade, uma etapa pela qual todo homem deve passar. O indisciplinado, aquele que está inteiramente sujeito aos sentidos, tem, na verdade, muito que fazer antes de adquirir esta qualidade de autodomínio na vida social; mas, o discipulado exige muito mais. Quando nós falamos de um homem de vontade enérgica, nos referimos àquele que, em presença das tentações e das dificuldades habituais deste mundo, faz apelo à sua razão antes de escolher seu caminho e que se deixa guiar pela memória de passadas experiências e pelas conclusões que delas sabe tirar. Dizemos assim que este homem tem reta vontade, que não é joguete das circunstâncias nem obedece aos impulsos, não sendo como um navio arrastado pela correnteza ou sacudido pelos ventos, mas que se pode comparar ao navio governado por um piloto experimentado, consciente do seu dever, que utiliza ventos e correntes para obter o rumo que lhe convém, servindo-se do leme da vontade para que o navio navegue em direção determinada. A diferença entre uma vontade enérgica e outra fraca indica o grau de desenvolvimento individual, pois, à medida que o homem avança em seu caminho é tanto mais capaz de dirigir do interior todas as suas ações. Recordo-me que H. P. Blavatsky, em um dos seus artigos sobre a individualidade disse que se podia reconhecer sua existência no homem e sua ausência no animal observando o modo como se comportam um e outro em certas circunstâncias. Se tomarmos certo número de animais selvagens, colocando-os em presença de circunstâncias idênticas, veremos seguir todos a mesma linha geral de conduta. Sua maneira de agir é determinada pelas circunstancias no meio das quais eles se acham; cada um não procura agir de modo a modificar estas circunstâncias, pois agem todos da mesma forma. Conhecendo-se a índole do animal e as circunstâncias em que está colocado, podeis deduzir a maneira de agir de toda a sua espécie. Isto denota ausência de individualidade. Mas, se tomarmos certos número de homens não poderemos assegurar de antemão que todos agirão da mesma maneira em igualdade de circunstâncias porque conforme o desenvolvimento do indivíduo, assim variará sua conduta, embora sejam as mesmas circunstâncias. Cada indivíduo é diferente dos demais e, por isso, age diferentemente. Tem vontade própria, o que lhe permite escolher ao, seu sabor. O homem 20

abúlico tem menos individualidade, esta menos desenvolvido e não se adianta muito no caminho da evolução. Admitido isto: supondo que o homem tenha adquirido o autodomínio na vida ordinária e tenha fortificado sua vontade, podemos então dar novo passo no domínio da natureza inferior pela superior e conhecer algo do poder criador do pensamento, isto é, mais do que o pensamento é para o homem vulgar, pois requer certos conhecimentos filosóficos. Se estudou, por exemplo, as principais obras dos filósofos hindus, aprendeu nelas o que intelectualmente se entende por poder criador do pensamento; e perceberá que há mais alguma coisa por trás do que se chama a mente, porque se o pensamento tem força criadora, se o homem pode gerar pensamentos por meio da mente, deve haver alguma coisa que os gere e que está oculta por trás da mente, da qual brotam os pensamentos. A existência deste poder, ou força criadora do pensamento, por cujo intermédio é o homem capaz de disciplinar e influir em sua mente e nas alheias, é quanto basta para provar que há qualquer coisa além do mental, superior a ele, embora dele inseparável, valendo-se dele como instrumento. Estas reflexões infundem no estudante, que se esforça na compreensão do seu próprio ser, a ideia da dificuldade em dominar a mente, pois os pensamentos brotam dela espontâneos sem que ele os excite ou provoque, e muitos deles são contrários à sua vontade. Invadem sua mente toda espécie de quimeras e fantasias que o repugnam, embora sinta-se incapaz de repeli-los. É forçado a aceitar pensamentos que prevalecem em sua mente e não estão sujeitos à sua autoridade. Então, pergunta: donde vêm estes pensamentos? Como agem eles? Como dominá-los? Pouco a pouco aprende que muitos pensamentos, que invadem sua mente, têm origem no mental dos outros homens, e que, em troca, ele também influi nos outros com os pensamentos que produz, donde deduz que a responsabilidade sua depende da natureza dos seus próprios pensamentos, mais do que poderia supor. Imaginava que apenas com a palavra influía nas mentes alheias e que unicamente com o exemplo de sua ações afetava as ações dos demais. Mas, agora se vai convencendo que há uma energia invisível emanando do homem que pensa e que vai influir na mente dos outros homens. A ciência moderna nos diz alguma coisa disto e chega às mesmas conclusões, reconhecendo a transmissão do pensamento entre dois cérebros sem necessidade de palavra escrita ou falada; mas também reconhece que no pensamento há alguma coisa de tangível, de observável, parecido a uma vibração que levanta outras vibrações, embora não se ouça palavra alguma. A ciência descobriu que o pensamento pode transmitir-se silenciosamente de uma a outra pessoa sem comunicação externa, ou como disse o professor Lodge, sem meios materiais (físicos, diríamos nós) de comunicação. Sendo assim, todos nós estamos nos afetando mutuamente por meio do pensamento, sem recorrer à palavra ou à ação. O pensamento que geramos irradia-se para afetar as mentes alheias, como também os pensamentos dos outros influem em nossa mente. Assim compreendemos que a imensa maioria dos homens pensa muito pouco por si mesma, embora lhe pareçam pensamentos próprios os que recebe de estranhos. Na realidade, o mental dos homens assemelha-se muito a uma hospedaria em que os viajantes se detêm por uma noite. Os pensamentos entram e saem sem que para isto influa grande coisa o homem que os recebe, os hospeda e, em seguida, os despede. Mas, nós devemos pensar 21

deliberadamente, com o fim de executar o nosso pensamento, transformando-o em ação. Por que é tão valiosa esta disciplina mental que regula e refreia o pensamento e expulsa os pensamentos estranhos? Por que deve ser esta uma condição do discipulado? Porque, quando o homem se converte em discípulo, seus pensamentos são muito mais poderosos, cresce e se robustece sua individualidade até o ponto em que seus pensamentos adquirem enorme vitalidade e energia para influir na mente dos homens do mundo. Com o pensamento pode-se matar ou curar um homem de uma enfermidade. Com o pensamento é possível influir em uma multidão ou criar uma ilusão visível que engane e desencaminhe aos que candidamente a vejam. Tornando-se assim tão poderoso o pensamento, à medida que a individualidade cresce, e como a qualidade de discípulo exige rápido crescimento da individualidade em proporções tais que homem consegue fazer, no decurso de várias vidas, o que, sem esta qualidade, não executaria senão em milhares de anos, é necessário, antes que este acréscimo de poder seja posto ao seu alcance, que ele aprenda a exercer um domínio sobre seus pensamentos, aprenda a reprimir tudo de mau, aprenda a não dar asilo senão ao que for puro, benfazejo e útil. O controle do mental pelo Ego foi imposto como condição do discipulado, porque antes que o homem possa possuir o suplemento de poder, que o ensinamento do Guru Instrutor confere, é indispensável que ele se torne senhor do instrumento que produz os pensamentos, a fim de que este não faça senão o que ele resolveu e nada execute sem o seu consentimento. Sei que, para muitos, parecerá difícil a questão que vamos considerando, e por isso perguntam: Que é esta individualidade sempre crescente, que desenvolve o poder da vontade e adquire domínio mental e que, não sendo a mente, é contudo superior à mente? Permiti que me sirva de uma imagem tomada à vida do mundo para vos ajudar a compreender como nasce a individualidade e como se desenvolve. Admitamos que entreis em uma atmosfera saturada de vapor d'água, bastante quente para que esse vapor fique em suspensão, invisível, e o ambiente vos pareça vazio. Direis que nada, senão o ar, há naquela atmosfera. Mas, se um químico toma um pouco deste ar saturado de vapor d'água e o esfria gradualmente, ver-se-á um leve nevoeiro ir se adensando pouco a pouco até que apareçam algumas gotas de água, onde, momentos antes, nada se percebia. Esta imagem ponde servir-nos para explicar a formação da individualidade. Do seio deste invisível Ser, que é o único donde tudo emana, surge uma tênue neblina que se separa do diáfano vapor circundante e pouco a pouco vai condensando-se até resolver-se na gota individual a que consideramos como unidade. Do Todo procede o separado e distinto que, embora uno em natureza e essência com o Todo, está isolado por suas condições e qualidades e fica assim individualizado. A alma individual do homem emana desta maneira do único Ego e cresce todos os dias em experiência. Ela se desenvolve à medida que vence centenas de renascimentos no mundo, vida após Vida, sofrimento após sofrimento; e o mental não é senão uma leve atuação, um modesto rebento no mundo da matéria. Assim como a ameba, para alimentar-se, projeta uma porção do seu corpo e, depois de agarrar a partícula nutritiva, retrai outra vez a parte que contém o alimento com o qual se nutre; assim também a individualidade projeta no mundo físico um pequeno fragmento de si mesma, para adquirir experiências a semelhança de alimentos, para em seguida reabsorvê-la na chamada "morte" e desse modo assimilar esta experiência, que vai alimentar seu 22

crescimento. A mente é a fração da individualidade que mergulha no mundo físico; mas a consciência individual é maior que a mente, superior ao intelecto. Todas as experiências adquiridas pelo homem no passado estão guardadas na consciência. Todo conhecimento que foi assimilado abriga-se na consciência causal, que é o homem verdadeiro. Ao nascer, lançamos urna insignificante parte de nossa individualidade de modo a poder acumular novas experiências que aumentem esta individualidade; e em cada vida, a consciência total procura influir nesta porção do seu ser, que vive sumida no mundo físico. O que chamamos "voz da consciência" é o Ego. superior que fala ao inferior no propósito de guiá-lo, em sua ignorância, com a sabedoria que, vida após vida; vai adquirindo. Mas uma dificuldade surge com relação à mente inferior. Recordemos do que Arjuna diz a Shri Krishna, ao falar da mente inferior: "Porque a mente é a verdade inquieta! ó Krishna. É impetuosa, violenta, de sujeição rebelde. Eu julgo tão difícil dominá-la como o vento". Na verdade é assim e todos sabemos que é tão difícil dominá-la como o vento. Quem se esforça em disciplinar a mente sabe quão inquieta, impetuosa e violenta ela é e quanto custa subjugá-Ia. Mas? Senhor bendito responde a Arjuna: "Sem dúvida, Manas e turbulento e difícil de dominar, ó guerreiro poderoso; mas para subjugá-la bastam um esforço constante e a ausência, de desejo". Não há outro meio. A prática constante. Ninguém pode fazer isto por outrem. Nenhum Mestre pode executá-la pelo discípulo. Cabe a cada um realizá-la, e não será possível encontrar o Mestre sem isto. É inútil procura-lo se não seguirmos o caminho traçado por todos os grandes Mestres, caminho que leva aos Seus Pés. Vimos que Shri Krishna, o poderoso Mestre, o Avatar, como expõe o que se há de fazer e diz como se poderá fazer. E quando um Avatar diz que se pode realizar, dá a entender que poderá cumprir quem o queira porque sabe até onde chegam as forças dos homens postos no mundo por Ele. E se empenha sua divina palavra de que é possível a vitória, nos atreveremos a dizer que se não pode fazer e assim desmentir o Deus? Krishna diz que se consegue dominar a mente por "constante prática", isto é, que na vida diária e nos negócios mundanos, começaremos a refrear a turbulenta mente, sujeitando-a à nossa vontade. Quem procura pensar fixamente, durante um momento, notará que todos os demais pensamentos se desvanecem e assim pode focalizar a questão no ponto desejado. Assim, escolha-se um assunto e pense-se firmemente nele, concentrando completamente e sem interrupção. Para esta disciplina mental têm os hindus a imensa vantagem das tradições da raça, a herança física e a educação durante a infância e a juventude que os acostuma a disciplinar a mente. Esta disciplina é, para um ocidental, muito mais difícil, porque nada a ensina na Europa nem na América, nem forma parte, como no Oriente, da educação religiosa, o que leva as pessoas a borboletearem de um assunto a outro. O costume de ler jornais, às vezes três ou quatro por dia, é uma das mais graves dificuldades contra a disciplina mental. O leitor passa velozmente de um a outro assunto e enche a cabeça com uma multidão de telegramas que fazem turbilhonar a mente da Inglaterra à França, à Espanha, à Kamtichackta, à Nova Zelândia, aos Estados Unidos, passando por todos os países da Europa, Em seguida vem outra espécie de notícias, As declarações dos políticos, as idas e vindas dos personagens importantes, as crônicas dos teatros e esportes, os sucessos do dia anterior. Ninguém percebe o mal que acarreta o consumo das energias mentais nestas 23

frívolas matérias; e há quem leia, cada dia, meia dúzia de jornais, desperdiçando diariamente suas forças mentais, acostumando-se a diluí-las de modo que se tornam incapazes de concentrá-las num ponto fixo, Acima de tudo, assim perde-se um tempo precioso que estaria melhor empregado em valiosas ocupações. Não quero com isto dizer que o homem do mundo deva ignorar o que no mundo ocorre; mas basta ler um só jornal para inteirar-se das notícias de maior interesse, e quem sabe ler este único jornal não levará muito tempo para ficar ao corrente de todos os sucessos e fatos de principal importância que assinalam a marcha diária do mundo. A fim de vencer esta propensão moderna em desperdiçar o pensamento, convém acostumar-se a concentrar cada dia, durante um pequeno espaço de tempo, a atenção em determinado assunto, e para isto nada mais a propósito do que a leitura habitual e diária de algumas páginas de um livro que trate das mais graves questões da vida, com preferência as espirituais, fixando a mente na leitura, sem conseguir que dela se desvie. Em caso de involuntária distração, é preciso voltar de novo ao mesmo ponto que se estava lendo, e repetir a leitura para disciplinar a mente, até que, pela perseverança no exercício, fique completamente dominada e siga o caminho traçado pela vontade. Mesmo para os assuntos deste mundo esta disciplina confere grandes vantagens, pois o homem capaz de pôr seus cinco sentidos e fixar a atenção no que faz tem maiores probabilidades de êxito que o distraído e o descuidado, de modo que o domínio da mente não só lhe servirá de preparação à mais alta vida que o espera, como também é mais bem sucedido nas coisas deste mundo. A constante prática da disciplina nos assuntos mundanos conduz pouco a pouco ao domínio da mente, que é uma das condições do discipulado. Quando se consegue este domínio, não será difícil dar um novo passo e aprender o exercício da meditação, exercício que consiste em concentrar e fixar a mente sobre um só pensamento, deliberadamente e de maneira regular. É indispensável fazer todos os dias este exercício para estimular o automatismo do corpo e da mente, isto é, a formação do hábito, pois o que diariamente se pratica acaba por fazer-se com o tempo sem esforço algum. A meditação pode ser de natureza devocional ou intelectual, e o homem prudente se dispõe do discipulado praticando ambos. Fixará seu pensamento e concentrará sua mente no divino ideal, no Mestre de sabedoria a quem, embora desconhecido, espera encontra um dia. Mantendo diante de si este ideal perfeito, fixará nele sua mente concreta, na hora da meditação, ansiando alcançá-lo por inabalável pensamento. Assim se desenvolve e se vai disciplinando a mente com domínio cada vez maior, sentindo refletir-se em si seu ideal e dele se aproximando sempre. Esta é uma das faculdades criadoras do mental, porque o homem converte-se no que pensa, e se pensa diariamente no ideal perfeito da humanidade, aproximar-se-á pouco a pouco deste ideal. Concentrando firmemente seu mental neste ideal, aspirando atingi-lo, desejando entrar em contacto com ele, o discípulo observará, nas horas de meditação, que o mental inferior se acalma e o mundo exterior se desvanece, tudo entra num estado de absoluta serenidade. 0 homem perde o sentimento das impressões do mundo exterior e seu estado superior de consciência resplandece como se fora um clarão interno. Porque quando a mente inferior está pacificada e serena, o homem assemelha-se a um lago cujas águas tranquilas não se perturbam com ventos nem correntes. Então conhece ele, não por ouvir 24

dizer, mas por experiência pessoal, que é alguma coisa mais que o mental, que sua consciência é superior à consciência transitória da mente, e que lhe é possível ir identificando-se com a consciência superior e perceber, embora momentaneamente, a majestade do Ego. Convém recordar que as Escrituras das principais religiões ensinam que o verdadeiro homem é a consciência superior e não a inferior; assim diz o Chhandogyopanishad: "Tu és Brama", "Tu és Aquele". E os budistas repetem: "Tu és Buda". Mas, por muito que especuleis intelectualmente sobre estas afirmações, não vos será possível ter consciência real de sua verdade até que, pela meditação convertas a mente inferior em um espelho onde se reflete a superior. Prosseguindo sempre na meditação chegareis à identificação com o vosso verdadeiro ser e reconhecereis a significação da famosa frase: "O reino de Deus está dentro de vós mesmos" com a qual o grande Mestre afirmava a divindade do homem. Quando se põe em prática, por contínua meditação, dia após dia, mês após mês e ano após ano, este conhecimento vai impregnando pouco a pouco nossa vida inteira, e se torna constante, em lugar de ser momentâneo. A princípio restrito às horas da meditação, em seguida estende-se até presidir todas as circunstâncias da vida ordinária, Alguém perguntará: "Como posso ter consciência de minha divindade se estou preocupado com os negócios do mundo? Como ser consciente do superior quando o inferior está em plena atividade? Ignoras então que, quando um devoto se inclina diante do altar de sua devoção, o corpo pode estar ocupado em oferecer flores, mas seu pensamento pode estar fixo na Divindade a quem as flores se destinam? O corpo está preocupado na oferenda material das flores, enquanto que a mente está concentrada, não nas flores, mas no objeto da oferenda, As mãos cumprem com seu dever, oferecendo flores, embora o pensamento esteja na Divindade. Assim, no mundo dos negócios, pode cada homem oferecer as flores do dever em uma vida de constante atividade e trabalho diário. Oferecerá as flores do dever com o corpo e a mente, mas o espírito, o verdadeiro homem, estará fixo na meditação, embora cumpra escrupulosamente seus deveres na vida social. Aprendei a separar vossa consciência superior da inferior, a vos separar do vosso mental e acabareis por adquirir a faculdade de prosseguir vossas atividades mentais sem que elas vos façam perder de vista o "Ego" real; o mental cumpre perfeitamente os deveres que lhe incumbem, enquanto que o Ego permanece num plano mais elevado, Nunca mais deixareis o santuário interno qualquer que seja a atividade de vossa vida material no mundo dos homens, é desta maneira que o homem se prepara para tornar-se discípulo. Consideremos agora outra fase a que chamo o aspecto intelectual da meditação, relacionado com a gradual e consciente formação do caráter. Recorrendo ao grande tratado de Carma Ioga, cujo texto são os ensinamentos de Shri Krishna no Bhagavad-Gita, vemos a enorme enumeração das qualidades que o homem deve desenvolver para nascer com elas no futuro. Shri Krishna chama condições ou qualidades divinas e assim diz a Arjuna: "Nada temas, ó Pandava, tu nasceste em condição divina." Ora, se quereis nascer com estas qualidades em vidas futuras, é necessário que comeceis a cultivá-las no presente. Para trazê-las convosco ao nascer deveis criá-las gradualmente durante vossas existências sucessivas. O homem do mundo que deseja saber corno formar seu caráter, não tem outro 25

procedimento senão ir adquirindo na vida diária, pela meditação combinada com a ação, as divinas qualidades enumeradas no Bhagavad-Gita. Consideremos, por exemplo, a pureza, uma destas qualidades. Como pode o homem adquiri-la? Pondo-a no número dos assuntos sobre os quais medita todas as manhãs até compreender bem em que ela consiste. Nunca deve consentir que o manchem pensamentos impuros, nenhuma ação impura deve contaminá-lo; deve ser puro na tríplice modalidade: pensamento, palavra e ação. É este o tríplice dever do qual já vos falei e do qual o tríplice cordão, que o Brâmane conduz, simboliza o fato. O homem deve, pela manhã, imaginar a pureza como uma coisa desejável, uma virtude a adquirir e quando entra na vida do mundo leva consigo a memória de sua meditação. Deve observar atentamente suas ações, não permitindo nenhuma ação, nenhum ato impuro durante todo o dia, escrutando cada movimento seu, de modo que contato impuro nenhum venha manchá-lo. Cuidando e vigiando suas palavras para não pronunciar nenhuma palavra impura nem em suas palestras empregue temas obscenos. Jamais consinta que sua língua se manche em torpes insinuações. Todas as suas palavras são puras, de modo que possa pronunciá-las em presença do Mestre cuja visão descobre a mais tênue sombra de impureza que a vista mortal não percebe. Fará o possível para que todas as suas palavras sejam as mais puras de quantas possam brotar de seus lábios sem que manche a si e aos demais, com palavras ou frase que contenha grosseiras sugestões. Não tolerará que sua mente seja invadida por pensamentos desonestos; e se algum se aproxima, o repelirá sem demora. E como sabe que eles não virão a menos que haja em sua mente alguma coisa que possa atraí-los, procurará purificação de modo que nenhum pensamento torpe nela penetre. Assim deve observar durante todo o dia sua conduta sobre este ponto especial da pureza. Em seguida poderá tomar a veracidade por objeto de sua meditação matinal. Pensará na veracidade, em seu valor, no trato social nos negócios do mundo e em seu próprio caráter, de modo que em suas relações comuns nunca realize uma ação que seja contrária à verdade nem pronuncie, palavra alguma que possa insinuar uma mentira. Não só evitará a mentira, mas também não dirá jamais nada de inexato, porque assim exprime alguma coisa de falso. Relatar inexatamente o que se viu, é mentir. Todo exagero ou dissimulação de uma narração, tudo quanto não se ajuste à verdade do fato referido e tenha uma sombra sequer de falsidade não é próprio de quem aspira o discipulado. Igualmente deve ser veraz em pensamento, de modo que tudo quanto pense seja o mais verídico possível sem assomo de falsidade que manche sua mente. O mesmo podemos dizer da compaixão. Meditará nesta virtude pela manhã e procurará exercitá-la na vida diária. Será benévolo com quantos o rodeiam e servirá com todo o seu poder à família, amigos e vizinhos. Onde veja uma necessidade acudirá para remediá-la. Onde descubra uma aflição se apressará em consolá-la. Onde existe a miséria se esforçará para aliviá-la. Não somente pensará na compaixão, mas também levará uma vida toda de compaixão, de modo a fazer desta qualidade para integrante de seu caráter. Analogamente com a firmeza, a fortaleza de ânimo. Meditará sobre a nobreza do homem forte, o varão a quem as circunstâncias não conseguem abater nem desalentar, que se não orgulha com o sucesso nem se acovarda com o fracasso, que não está à mercê das vicissitudes da vida, hoje triste porque as coisas lhe são adversas, amanhã contente porque lhe são favoráveis. 26

Procura ser quem é sempre equilibrado e firme; e a sua atuação no mundo revelará que possui a virtude da equanimidade. Quando chegarem os cuidados e as tribulações, pensará no Eterno onde as preocupações da vida não chegam. Se sofre perda de dinheiro, pensará na riqueza da sabedoria que nada pode arrebatar. Se a morte lhe rouba um amigo, um ente querido, considerará que a alma não morre, e que o corpo é unicamente a vestimenta abandonada pela alma e que em breve tomará outra com que voltará a gozar da companhia do amigo. Assim todas as demais virtudes tais como o domínio de si mesmo, a calma e a intrepidez. Sobre todas elas pode meditar e praticá-las, embora não todas ao mesmo tempo, pois não há, no mundo, homem capaz de meditar diariamente em todas. Devem ser tomadas sucessivamente uma a uma até que sejam incorporadas ao caráter. Trabalhai com constância: não vos deixeis assustar pelo tempo necessário que se deve consagrar a isto, nem pelo mal que possa vos trazer. Tudo quando edificardes será para a eternidade, por isso deveis ser pacientes, quando a eternidade se abre diante de vós. Só a meditação e a sua prática são suficientes para a formação do caráter; mas é indispensável combiná-las. Ambas devem fazer parte da vida diária, e assim se edifica um nobre caráter. O homem assim disciplinado, o homem que fez quanto lhe foi possível, empregando pensamentos, tempo e fadigas para tornar-se digno de encontrar o Mestre, este homem encontra-lo-á certamente, ou antes, o Mestre o encontrará e se manifestará a sua alma. A ignorância e a cegueira criaram a ideia errônea de que os Mestres querem permanecer ocultos. A ilusão faz crer que Eles se escondem conscientemente da vista dos homens para deixá-los entregues aos seus erros e tropeços, sem lhes prestar auxílio e direção. Mas, eu vos digo que, por mais poderoso que seja vosso desejo de encontrar o Mestre, este sentese mil vezes mais desejoso de vos encontrar e ajudar. Ao examinarem o mundo, os Mestres observam que poucos são os auxiliares e grande a tarefa. As multidões perecem na ignorância sem que ninguém as ajude por falta de instrutores; assim necessitam Eles discípulos que possam agir no mundo inferior, consolando os aflitos, ensinando os ignorantes. Os Mestres estão sempre explorando o mundo para descobrirem almas dispostas a receber auxílio. Estão sempre procurando quem esteja pronto a recebê-Los e não Lhes fechem as portas do seu coração, pois em geral o coração do homem está fortemente fechado, impedindo a entrada do Mestre, o qual jamais viola portas para penetrar pela força. Se alguém fecha as portas à chave, tendo já escolhido seu próprio caminho, ninguém senão ele mesmo pode dar volta à chave. Nós estamos aferrolhados em nossos desejos mundanos, pela avidez pelas coisas terrenas; guardados pelo pecado, pela indiferença e pela preguiça. Mas o Mestre permanece esperando que a porta se abra, para transpor o limiar e iluminar a mente. "Mas como distinguir, perguntareis, no meio de milhões de homens, os que estão aptos para recebê-los e por Eles trabalhar? A esta pergunta já se deu uma resposta em forma de metáfora: assim como um homem, no cume da montanha, pode ver a luz que brilha na choupana do vale, luz que destaca das trevas, assim também a alma disposta ao discipulado irradia sua luz entre as trevas do mundo e o Vigilante a descobre lá do alto da montanha. Por isso deveis acender a luz de vossa alma para que o Mestre a veja, pois compete a vós dar o sinal para que o Mestre os guie no caminho. Compreendeis agora a grande necessidade de auxiliadores para terminar a obra que nos aguarda; para isso recordai que o 27

Mestre vigia, espera e deseja vos encontrar e vos instruir; que em vossa mão está o poder de atraí-lo e que unicamente vós podeis consentir que se aproxime. Ele baterá nas portas de vosso coração; mas sois vós que deveis dizer-lhe que entre. E se seguirdes o caminho que acabo de traçar, se passo a passo aprendeis a dominar a mente, a meditar e construir o caráter pronunciareis assim a tríplice palavra que obriga o Mestre a manifestar-se. Quando esta palavra ressoa no silêncio da alma, o Mestre apresenta-se e o aspirante ao discipulado cai de joelhos aos seus Pés. (1). Este é o fundamento do sistema filosófico de Descartes resumindo no famoso apotegma: cogito, ergo sum (penso, logo existo), que identifica o Ego com a mente.

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Capítulo III

A Vida do Discípulo O caminho probatório. As quatro iniciações. Temos tratado até agora da vida que os homens levam habitualmente no mundo, mostrando como é possível ir preparando-se gradualmente para etapas superiores de evolução e como adestrar-se para mais rápido progresso e adiantamento. Porém maior dificuldade opõe a tarefa de nos colocarmos acima da vida ordinária do homem, não quanto ao seu aspecto externo, mas no que toca à realidade da vida interna. As etapas do progresso humano que agora vamos considerar são distintas e definidas, pois conduzem os homens da vida do mundo a regiões superiores, da humanidade ordinária à humanidade divina. É precisamente porque seu estudo nos faz transcender os limites dos conhecimentos habitualmente adquiridos que a tarefa é, como vos disse, mais difícil, tanto para quem fala, como para quem escuta, porque, ao tratar de tão elevadas matérias, é preciso fazer intervir faculdades superiores, e por consequência, será muito mais fácil fazer compreender estes elevados ensinamentos a quem até certo ponto, pelo menos, haja purificado sua vida e formado seu caráter, tal como nos referimos nas conferências anteriores. Ficamos ontem no ponto em que o homem melhora sua conduta e domina seu pensamento, a fim de se preparar para o papel de discípulo e desse modo atrair a atenção dum grande Mestre, dum Guru. Só então fica em condições de atravessar as primeiras fases da vida do discípulo. São estas fases preliminares que vamos abordar hoje. Embora seja um tema muito vasto, tentemos passar em revista a vida inteira do discípulo, do chela. As primeiras etapas constituem o "caminho probatório”, isto é, o estágio em prova, para distinguir do estado de discípulo aceito. Embora no caminho probatório se reconheçam certas etapas assinaladas pela aquisição de qualidade definidas, estas não são tão acentuadas e distintas como as do Caminho propriamente dito, ou seja do chela reconhecido e aceito, onde o Mestre e discípulo se reconhecem mutuamente. As quatro etapas deste Caminho superior estão traçadas com admirável precisão, recebendo nomes adequados e seus respectivos limites são as quatro iniciações, enquanto que as etapas do caminho de prova, embora distintamente traçadas, não os separam análogos limites, pois melhor se podem considerar como paralelas do que sucessivas. Ao que entra no caminho de prova não se exige que cumpra perfeitamente tudo quanto começa a praticar, mas apenas que se esforce em atingir essa perfeição. Basta que seja fervoroso, que mostre perseverança em seus esforços, que não mude de propósito nem perca de vista sua finalidade. Muitas são as coisas que lhe são desculpadas em razão da fragilidade e da fraqueza humanas, mesmo em consideração da falta de conhecimento que dificulta todo o progresso. As provas por que passa e as dificuldades a que é submetido, são provas e dificuldades que se encontram na vida ordinária, a qual nos oferece grande diversidade de 29

atribuições, mas que.não são ainda da mesma natureza das que vamos encontrar no Caminho Superior. Um Brâmane, membro de Sociedade Teosófica, Mohini Mohum Chattergi, de Calcutá, mas residente na Inglaterra, extraiu dos ensinamentos do Hinduísmo as principais características das etapas do caminho probatório que o aspirante deve percorrer com o auxílio do Mestre, embora sem o conhecer pelo menos em consciência de vigília. O chela então imagina que vence só o caminho, julgando contar com suas próprias forças, fiando-se em suas próprias energias. Não é necessário dizer que isto é uma ilusão devida à sua cegueira e sua ignorância, pois seu Mestre não tira os olhos de cima dele, embora não o perceba em sua consciência física, mas recebendo, nos planos superiores, auxílio contínuo que se manifesta em sua conduta sem que ele sinta claramente. Vejamos agora as qualidades preliminares que se necessitam no caminho do noviciado, qualidades que devem tomar uma forma precisa e intensa nesta fase. Viveka. Equivale ao discernimento, e é o resultado das experiências passadas que ensinam ao homem a distinguir entre o real e o ilusório, entre o eterno e o transitório. Enquanto não se adquire esta qualidade fica-se ligado à terra pela ignorância, e as coisas deste mundo exercerão sobre nós suas seduções e encantos. Os olhos devem-se abrir para vencer o véu de Maia com percepção aguda para dar às coisas terrenas seu verdadeiro valor. A segunda qualidade que se deriva de viveka, é: Vairagya. Já fiz observar que o aspirante ao discipulado deve começar por prescindir do fruto de suas ações que devem ser cumpridas como um dever, sem aspirar a nenhum lucro pessoal. É de supor que o homem já deve ter-se exercitado nesta qualidade em vidas anteriores de modo que seja capaz agora de satisfazer as exigências que dele se esperam antes de ser possível a iniciação, e que se mostre de todo indiferente às coisas terrenas e mundanas. Vairagya é a segunda qualidade do caminho probatório, derivada de viveka ou discernimento entre o real e o ilusório, entre o permanente e o transitório, porque quando o aspirante se convence sinceramente da distinção entre o que é eterno, real e permanente, as coisas deste mundo perdem para ele toda a sedução, ficando indiferente a elas. Quando se vê o real já não mais satisfaz o ilusório. Quando, mesmo por um instante, se contempla o permanente, o transitório torna-se indigno dos nossos esforços. No caminho de prova tudo quanto de mundano nos rodeia perde seu encanto, e o homem já não mais se esforça em possuí-lo, nem trabalha com a preocupação do fruto do seu labor. As coisas por si mesmas vão perdendo todo o poder de sedução; as raízes do desejo gradualmente se atrofiam e como diz o Bhagavad-Gita, os objetos terrenos se afastam do austero morador do corpo, não porque se abstenha deles, mas porque eles perdem a propriedade de satisfazê-lo. Os objetos de sensação afastam-se dele em consequência da disciplina a que se submeteu. Vendo, de ora em diante, o caráter transitório dos objetos de desejo, é natural que a indiferença com que olha para estes produza igualmente a indiferença pelo fruto das ações, porque em rigor este fruto é também um objeto apetecível; e se o homem está convencido de sua ilusão e fugitividade dele se absterá pelo perfeito reconhecimento do real e permanente. Shatsampatti. É a terceira qualidade a adquirir no caminho de prova e compõe-se de um grupo de seis atributos mentais que fazem parte da vida do candidato-cheIa. Largo 30

tempo lutou para dominar seus pensamentos pelo modo que sabemos. Pôr em prática os métodos já tratados para dominar-se, adquirir o hábito de meditação e formar o seu caráter. Adquiridas estas qualidades, virá então manifestar-se no homem real (pois estamos tratando do homem real e não de sua aparência) a qualidade de Shama ou domínio da mente, esta disciplina exata do pensamento, esta perfeita compreensão dos seus efeitos e das relações que o pensamento estabelece entre o homem e o mundo, sentindo quando ele afeta para o bem ou para o mal aqueles que o cercam. Convicto da certeza que possui o poder de ajudar ou perturbar a existência de outrem, de atrasar ou favorecer a evolução da raça, converte-se o chela em obreiro consciente do progresso humano e de todos os seres que evolucionam no mundo a que pertence. A disciplina do pensamento e a firme atitude da mente o predispõe ao discipulado, durante o qual todos os seus pensamentos deverão servir a causa do Mestre, e a sua mente assim perfeitamente educada e exercitada vai deslizando suavemente e sem esforço pelos sulcos traçados pela vontade. Desta disciplina dos pensamentos, agora tão solidamente estabelecida decorre inevitavelmente 'Dama', o domínio dos sentidos e do corpo, ou melhor: a disciplina da conduta. já não observastes que quando se trata de questões e coisas, do ponto de vista oculto, elas se apresentam invertidas em relação às mesmas coisas vistas da terra? Os homens do mundo ligam maior importância à conduta do que ao pensamento. Os ocultistas, ao contrário, consideram o pensamento acima da conduta. Se o pensamento é reto, forçosamente o será também a conduta. Se o pensamento estiver disciplinado, não deixará de estar igualmente a conduta, porque a ação não é nem mais nem menos que a realização do pensamento concreto no mundo das formas, mas forma que depende da conduta interna da energia modeladora que concebe a ação. O mundo arrúpico é o mundo das causas e o mundo rúpico o dos efeitos. Por isso, se disciplinarmos o pensamento, disciplinada ficará a conduta, porque esta é a natural e inevitável expressão do pensamento. O terceiro atributo mental que caracteriza esta atitude do homem interno é Uparaii, que significa a mais ampla, a mais nobre e completa tolerância por tudo quanto nos rodeia: uma sublime paciência capaz de esperar e de compreender e que, para isso, não reclama de ninguém senão o que se pode dar. É também esta qualidade uma preparação para outra importante etapa do caminho do discipulado. A tolerância é indulgente com todas as pessoas e com todas as coisas, porque não considera os homens sob seu aspecto exterior, mas pelo seu interior, e vê assim suas aspirações, desejos e motivos e não apenas os artifícios que a dissimulação aparenta no mundo exterior. O homem aprende a exercer a tolerância absoluta com todas as formas de religião, com os diferentes costumes e tradições dos povos, pois sabe que tudo Isto são fases passageiras que o homem transcenderá um dia. Tendo suficiente discernimento não vai exigir da humanidade infantil a paciência ampla e completa própria da humanidade em seu período viril e não desta que ainda está nas primeiras fases de sua evolução. Esta atitude mental de tolerância deve o homem cultivar constantemente, à medida que se aproxima da iniciação, e deve adquiri-la por um conhecimento profundo da verdade capaz de reconhecer a verdade mesmo encoberta sob os véus de enganadoras aparências. E 31

não observastes já que, durante o percurso do caminho do noviciado, a grande mudança que se opera no homem outra coisa não é senão a aurora do sentimento da realidade? Já não o enganam as aparências como a princípio o enganavam. A medida que se desenvolve, percebe melhor a realidade e se desembaraça pouco a pouco da ilusão. Liberta-se de toda a sujeição às aparências e reconhece a verdade qualquer que seja a forma ilusória que ela tome. O atributo imediato ou qualidade mental é: Titiksha, o poder de suportar com serenidade tudo que seu carma pode lhe fazer sofrer, renunciando aos objetos terrestres quaisquer que sejam. Esta qualidade significa a ausência total de ressentimento. Segundo já disse é necessário esforçar-se na aquisição desta qualidade, desprendendo-se pouco a pouco da propensão de sentir-se ofendido, acostumando-se à compaixão e ao perdão. O resultado deste exercício mental é a firme e definida atitude de renúncia impassível ou titiksha. O homem interno liberta-se assim de todo o ressentimento para pessoas e coisas, para as circunstâncias e quanto o rodeia na vida, porque descobriu a verdade e conhece a Lei, sabendo que, quaisquer que sejam as circunstâncias em que se encontre, são consequências da boa Lei. Compreende que tudo quanto os homens podem fazer-lhe, o fazem como agentes inconscientes da Lei. Sabe que o que lhe acontece nesta vida é efeito de causas por ele despertadas no passado, e assim abandona toda a atitude de ressentimento. Agindo sempre com justiça, jamais se encoleriza por coisa alguma, pois nada pode afetá-lo se não o mereceu, nem pode interpor-se no seu caminho se ele mesmo não o colocou em suas vidas anteriores. Vemos assim que nem sofrimentos nem alegrias o podem desviar do seu caminho, nem coisa alguma que aconteça será capaz de o desviar de sua meta. Vê o caminho e o segue, olha o alvo, e para ele corre. Não caminha mais vagueando indeterminado, mas segue firme com a perseverança de quem escolheu o caminho. O prazer não o faria desviar, como a dor não o obrigaria abandonar o caminho. Jamais sente desânimo, nem tristeza, nem o tédio, nem apelo algum o abalaria, exceto o dos Mestres em cujos Pés deseja prostrar-se. Ser incapaz de desviar-se, ter a força de ânimo para tudo suportar, eis as qualidades do verdadeiro chela. Já vos falei das provas que se encontram no caminho e é bom que eu vos faça compreender a necessidade destas dificuldades. O homem que se encaminhou pelo noviciado propõe-se de executar, em número limitado de vidas, o que o homem do mundo gastará centenas de existências a cumprir. Ele faz como o homem que, desejando atingir o cimo da montanha, recusa seguir a estrada que lentamente serpenteia em espirais em torno da montanha e diz "Eu vou subir diretamente até o cimo. Não quero perder meu tempo no caminho batido e sinuoso que é tão longo, embora suave e cômodo, trilhado por milhões de pés. Subirei pelo atalho e apesar de todas as dificuldades escalarei a montanha. Por maiores que sejam os obstáculos chegarei ao cume. Havendo precipícios, rochedos, hei de vencê-los, pois estou resolvido a escalar o cume". Que resultará disto? Encontrará milhares de dificuldades no caminho, mas o que ganha em tempo é compensado pelo esforço necessário para vencê-las. Quem entra no caminho de chela faz o mesmo que quem escolhe o atalho para subir a montanha, acumulando 32

sobre si todo o seu carma passado para esgotá-lo antes de vencer a iniciação. Os Senhores do Carma - os dispensadores da Lei Cármica e a quem muitas vezes chamamos os Arquivistas ou Registradores do Carma, Inteligências poderosas cuja grandeza excede a nossa compreensão, entidades que conservam as crônicas akhsicas onde se anotam os pensamentos e ações dos homens - estes Seres divinos abrem para cada vida humana uma conta-corrente que se deve saldar antes de transpor o portal da iniciação. E quando se entra no caminho de noviciado ou de prova e se põem os pés nele voluntariamente, este fato só constitui um apelo aos Poderosos Senhores do Carma para que possam extrair a conta que deve ser paga. Nestas condições, é de admirar que o caminho se encontre cheio de dificuldades? A conta cármica que deveria se estender durante centenas de existências deve ser saldada em poucas, talvez em uma só resultante disto naturalmente a grande dificuldade no percurso do caminho. O homem se encontra no meio de pesares de família, cumulado de dificuldades nos negócios, presa de perturbações físicas e intelectuais. Como dissemos, necessita o homem muita firmeza para prosseguir no caminho probatório sem desalento e sem retroceder. É como se tudo se levantasse contra ele, e sente-se como abandonado do seu Mestre. Por que, quando se esforça no melhor, há de cair sobre ele o pior? Por que, quando sua conduta se excede em bondade, então lhe assaltam tantos sofrimentos e atribulações? Parece injusto, duro e cruel que, quando vive mais nobremente, veja-se mais duramente tratado pelo destino que quando seguia pior conduta. Mas deve vencer a provação e não consentir que o sentimento de injustiça penetre em sua vida interna. Deve dizer: "Eu assim o quis; desafiei o carma, devo, pois, me admirar que seja convidado a pagar?" Ao menos sente alívio ao recordar-se que, uma vez saldada a conta, esta não voltará a perturbá-lo mais. Cada dívida cármica que satisfaz é riscada para sempre do grande livro da vida. Desta, pelo menos, sente-se desembaraçado. Eis por que permanece alegre no meio dos pesares, cheio de esperança nos sofrimento, porque o homem interno bendiz a Lei e sente-se feliz pela resposta que recebe ao seu pedido. Se não houvera resposta, significaria que sua voz não chegou aos ouvidos dos Mestres, que sua prece caiu por terra; mas as atribulações são a resposta do seu pedido. É no entrechocar destas lutas, dificuldades e esforços que se adquire o quinto atributo mental, a fé, a confiança no seu Mestre e em si mesmo: Shraddhâ, a fé nos ensinamentos do Mestre. É fácil compreender como a confiança ou a fé resulta de semelhante luta, porque, como a flor abre-se sob a influência do sol e das chuvas, assim surge a confiança. O discípulo adquiriu confiança em seu Guru, porque Este o fez transpor o caminho espinhoso, levando-o para o outro lado, lá onde as portas da iniciação abrem-se diante dele. Também conquistou a confiança em si mesmo, não no ego inferior do qual domou as fraquezas, mas no seu Ser divino cuja fortaleza reconhece. Só então percebe que todo o homem é divino e que, no decurso das vidas que o esperam chegará a ser o que hoje é seu Mestre, em cujo poder, para ensiná-lo e guiá-lo, em cuja sabedoria para conduzi-lo, tem plena confiança. Tem também em si uma inabalável confiança, embora seja humilde, confiança que lhe dá a convicção real de possuir o poder de se aperfeiçoar, porque sente dentro de si a 33

essência divina; confiança que lhe dá a certeza que é Brama, e é quanto basta para triunfar de provações e obstáculos. O sexto atributo mental é Samâdhâna, que significa a ponderação e a calma, a paz da mente, o equilíbrio e a firmeza que são resultantes das qualidades precedentemente adquiridas. Depois da conquista desta última qualidade, o candidato deixa o noviciado e se encontra no portal da iniciação e a quarta qualidade aparece: Mumukshâ: o desejo de emancipação, a ânsia de libertação que, coroando os prolongados esforços do candidato, o converte em um Adhikari, isto é, apto para a iniciação. Foi posto em prova e nada se achou contra ele; seu discernimento é agudo; sua indiferença pelas coisas terrenas não é um desgosto momentâneo, ocasionado por desenganos passageiros; seu caráter mental e moral subiu de elevação. Sente-se apto e disposto para a iniciação. Já não se pede mais nada. Sente-se digno para ver seu Mestre face a face, e entrar na vida que tanto tempo desejou. Antes de abrir as portas da iniciação convém advertir que cada qualidade do caminho de provação é duplamente mental e moral, e serve de preparação para adquirir as do Caminho Superior. São qualidades morais e mentais que não se devem confundir com os siddhis ou poderes resultantes de um anormal desenvolvimento físico. De maneira alguma são exigidos tais poderes a quem percorre o caminho. É possível que, às vezes, alguém tenha adquirido algum poder psíquico ou siddhi e, no entanto, não esteja em condições de ser iniciado. Deve possuir as qualidades morais que se exigem com inquebrantável rigidez, porque assim o requer a experiência dos Mestres. Os grandes Gurus, com a profunda experiência da humanidade, formaram, pouco a pouco, esta humanidade através de milhares de anos. Sabem muito bem que a aptidão para o verdadeiro chela consiste no valor da mente e no caráter moral e nunca no desenvolvimento da natureza psíquica, que chegará com seu devido tempo. Mas, para ser discípulo aceito é preciso estar mental e moralmente disposto a afrontar o semblante do Mestre, o qual exige as qualidades aludidas que o discípulo há de possuir antes de receber o segundo nascimento que só o Mestre pode outorgar. Notai também que estas qualidades implicam o conhecimento e a devoção, a fim de que, pelo conhecimento, possa o homem contemplar o caminho e pela devoção, amá-lo. Assim diz o Upanishad que não basta o conhecimento sem devoção, nem devoção sem conhecimento. Estas qualidades, combinadas, são necessárias porque são as asas com as quais o discípulo levanta o voo. Chegamos agora ao Caminho propriamente dito. De longe em longe caem, dos lábios dos Mestres, no mundo material, algumas declarações explícitas sobre as quatro grandes Iniciações que assinalam as etapas do Caminho, a partir do momento em que o Mestre aceita o discípulo e o coloca sob sua direção. Sobre este particular encontramos várias alusões comprovadas pela experiência dos que transpõem o portal, alusões permitidas divulgar, não para satisfazer curiosidades ociosas, mas para a instrução dos que desejam se preparar para darem mais um passo. Percebe-se que há de ser forçosamente incompleto 34

tudo quanto se diga sobre as iniciações, pois só informes fragmentários de tão grandes mistérios são proporcionados ao mundo profano, e por isso, a declaração de quanto é lícito se dizer desperta, nos ouvintes, inúmeras perguntas que seria indiscrição responder, porque tais informações, que conduzem a curiosas perguntas, jamais se tornam públicas, sendo apenas dadas aos que ardentemente desejam aprender e compreender, a fim de preparar-se ao cumprimento do seu trabalho. A história nos apresenta dois grandes Mestres que nos deixaram descrições sobre este assunto. Foram Instrutores e fundadores de duas grandes religiões mundiais, embora este adjetivo não seja tomado no sentido de extensão física, mas sim quanto à intensidade e alcance espiritual sobre as almas melhor dispostas a receber a iniciação. Um deles foi o Senhor Buda, fundador do Budismo; o outro foi Shri Shankaracharya, que fez pelo Hinduísmo o que o Senhor Buda fez pelos países onde purificou a fé exotérica destes. Quanto ao Caminho, os ensinamentos de ambos os Instrutores são idênticos, como o devem ser de todos os grandes iniciados, pois todos apontam os mesmos estágios e os assinalam por iniciações perfeitamente definidas que separam cada fase da precedente e da seguinte. Os ensinamentos dos iniciados são essencialmente idênticos e apenas diferem na terminologia empregada necessária para adaptá-las às respectivas religiões. Por isso vemos porque devem os homens procurar a verdade em todas as formas e sob todos os aspectos e aparências, pois do contrário são levados a discutir e duvidar do fato exterior, em vez de procurarem descobrir a identidade que subjaz em todas as verdades. Há no Caminho quatro fases distintas, assinaladas cada uma por sua respectiva iniciação. Iniciação significa o desabrochar da consciência superior, a alvorada de uma nova fase espiritual pela intervenção direta do Guru que atua em nome do Supremo Iniciador da humanidade, o único em cujo nome o Mestre pode conferir o segundo nascimento do discípulo. Esta expansão da consciência é a nota característica da iniciação porque dá ao discípulo "a chave do conhecimento", isto é, abre-lhe novos horizontes de conhecimento e de poder, pondo-lhe em sua mão a chave das portas da natureza, tornando-o capaz de prestar mais eficaz auxílio ao mundo, maior aptidão para o serviço. Fica assim incorporado à pequena falange de homens que, renunciando ao ego inferior, se consagram ao serviço da humanidade, idêntico ao serviço do Mestre, sem desejar mais nada, pois recusam quanto o mundo pode lhes oferecer só para servirem de instrumentos de ação aos Mestres, como canais por onde se derrama a Sua graça sobre o mundo. Entre cada uma destas quatro iniciações produzem-se, no homem interior, mudanças totalmente diferentes das que temos até agora considerado. Do momento em que um homem passou por uma Iniciação, tudo o que ele faz, tudo o que executa deve ser feito com toda a perfeição; não poderá prosseguir sem haver terminado a obra peculiar da fase em que se encontra. Não se permite no Caminho Superior nada feito pela metade, obras imperfeitas, e por mais que demore a tarefa deverá terminá-la definitivamente antes de prosseguir na ascensão. Chama-se tecnicamente a este período "quebrar as cadeias" pelas quais ficam ainda entravadas as aspirações da alma. Ao terminar o Caminho alcança o estado de yivanmukti, cuja vida é absolutamente livre, e para alcançar este estado deverá partir todas 35

as prisões, a fim de que nada possa impedir o homem Superior. A primeira iniciação converte o discípulo em parivraiaka, segundo Shankaracharya ou Srotapatti segundo Buda. Esta palavra srotapatti é do idioma páli e significa "o que entrou na corrente", isto é, aquele que já se separou do mundo, não mais lhe pertence, embora ainda viva, pois nada mais existe que o prenda ao mundo. Exatamente o mesmo conceito exprime a palavra parivraiaka, que significa errante e sem lugar; mas isto não significa que ele seja um vagabundo sem casa nem albergue no sentido vulgar, mas que vive inteiramente separado do mundo sem ter moradia fixa, tanto lhe importando este ou aquele sítio, indo sempre onde lhe ordena o Mestre. Não tem predileção por nenhum lugar, pois cortou todas as ligações com nacionalidades e por isso é chamado "errante". Sabemos que atualmente se considera este estágio em sentido completamente exotérico; mas eu o considero no significado esotérico como sempre o deram os Mestres. Desgraçadamente todos sabemos como se tem alterado as coisas da mais alta antiguidade, e o que era antes uma realidade da vida tornou-se hoje apenas mera aparência exterior. Mas, desejo dar a conhecer as quatro etapas do Caminho tal como as explica o hinduísmo e que, segundo alguns julgam, embora erradamente, foram reveladas pelo Senhor Buda, quando este nada mais fez do que restaurar os ensinos do antigo e áspero Caminho que todos os Iniciados da única Loja Branca percorrem e hão de percorrer no futuro. Consideremos primeiramente a realidade do caso. Aquele que entra na corrente e separou-se, em absoluto do mundo, espera apenas a ocasião de servi-lo. Unicamente aspira fazer no mundo o que seu Mestre determina. Esta é a característica da primeira grande Iniciação, o sinal do homem renascido. Em geral, na maioria dos casos, este renascimento é conferido fora do corpo físico, embora em consciência de vigília, isto é, a primeira Iniciação consiste em despertar a consciência ativa do homem em seu corpo astral, enquanto o seu corpo físico fica em êxtase, embora, às vezes, o discípulo receba a iniciação sem que tenha a menor percepção de havê-la recebido em estado de vigília. Contudo, tanto num como no outro caso jamais perde o que acaba de receber. O homem não será nunca mais o que foi. Um recém-nascido ficará durante algum tempo inconsciente do novo mundo que o rodeia; mas não pode voltar ao seio materno como se não houvera nascido. Assim igualmente não pode, o iniciado renascido, ser como era antes e agir na vida do mundo como se não houvesse renascido. Poderá atrasar-se no caminho, retardar seu progresso, gastar muito tempo em quebrar as correntes que o ligam ainda; mas não pode mais deixar de ser iniciado; a chave não mais se escapará de suas mãos. Entrou na corrente, desligou-se do mundo e há de seguir adiante por muitas vidas que lhe são indispensáveis ao progresso. Tem sido objeto de discussão o número de vidas intermediárias entre a primeira Iniciação e a obtenção final do estado de Jivanmukti. Lembro-me que Swami Subba Row, ao examinar a opinião geralmente admitida de que se necessitam ainda sete vidas no Caminho, observou muito acertadamente que "tanto podiam ser sete vidas como setenta, ou mesmo sete dias ou sete horas". Com efeito, a vida da alma não se conta por anos de almanaque, pelo tempo da terra, mas o sucesso depende de sua energia, de sua força e de sua vontade para vencer. Um homem pode desperdiçar seu tempo ou empregá-lo proveitosamente, mas somente dele dependerá seu progresso. 36

Durante a fase que começa na primeira grande Iniciação e termina na segunda, deve o homem libertar-se de três coisas antes de penetrar no segundo portal. A primeira é a ilusão do eu pessoal. Deve destruir a personalidade. Não basta dominá-la, refreá-la, vencê-la; é preciso destruí-la, esmagá-la para sempre. É necessário destruir a ilusão do eu pessoal. O discípulo deve reconhecer sua unidade com todos os demais seres, porque um único é o Ego de todos. Deve convencer-se de que tudo que o rodeia, homens, animais, plantas, minerais e formas elementares de vida, constituem uma só unidade. Para isto muito o ajudará a expansão de sua consciência na iniciação. O reconhecimento do verdadeiro Ego o permitirá desembaraçar-se do falso. A visão do real desvanecerá o ilusório, e assim matará a ilusão do eu pessoal, porque ficam abertos seus olhos que podem penetrar através do véu de ilusão. Desta maneira liberta-se da "ilusão da personalidade". O segundo obstáculo que o impede adiantar-se é a dúvida da qual se liberta pelo conhecimento. As coisas do mundo invisível não serão para ele meros temas de especulação, as grandes verdades da religião não devem ser simples ideias filosóficas, mas fatos positivos. Não se admite que pergunte o "como" e o "porquê" das coisas. Há certas verdades fundamentais sobre as quais não poderá mais ter a menor dúvida. Antes de dar outro passo à frente, deve estar absolutamente convencido da grande verdade da Reencarnação, uma convicção inabalável sem sombra da mais ligeira dúvida; a grande verdade do carma deve ser um fato consumado, como a existência dos Jivanmuktas ou Mestres da humanidade. Sobre estes pontos não poderá ter a mais insignificante dúvida, isto é, não se limitará a conhecê-los teoricamente, mas realmente, de forma que nenhuma vacilação o perturbe. E o único modo de conseguir esta certeza é quando o conhecimento direto substitui a teoria, e o contato com a realidade torne, para sempre, impossíveis as decepções e as ilusões do mundo da matéria. A terceira e última ligação que deverá partir, nesta etapa do Caminho, é a superstição. Se nos compenetrarmos bem do que significa a superstição só então se perceberá porque Shri Shankaracharya e Buda fizeram uso de nomes pelos quais ambos respectivamente designaram esta fase da vida do chela. Superstição quer dizer, no sentido técnico do termo, confiança nos ritos exteriores das seitas para se obter assistência espiritual. No que concerne à natureza externa destes ritos, o homem percebe, debaixo da forma, a verdade que eles contêm e, se a verdade está realmente lá, o valor da aparência exterior depende de maior ou menor adaptação a este mundo de ignorância e de ilusão. Assim o chela deve elevar-se acima das formas e cerimônias exotéricas. Aos que na Índia chamam Sannyasis se lhes supõe serem homens que já transcenderam a superstição porque conhecem a realidade das coisas e não necessitam subir os degraus por onde em geral sobem os homens. Tais degraus são necessários no início, pois, para subir ao piso de uma casa, torna-se preciso uma escada, a menos que quem tenha que subir possua já o conhecimento e com ele domine as leis da natureza; quem seja capaz de inverter a polaridade de seu corpo e possa elevar-se, por levitação, em virtude da força de sua vontade, em vez de subir degrau por degrau. A um tal homem a escada não lhe faz falta, pois sabe elevar-se por sua própria energia e chegar ao ponto mais alto sem o lento método dos degraus da escada. Mas contudo não se conclui que a escada seja inútil, pois os que não sabem subir por si mesmos ainda a necessitam; e muitos, hoje em dia, incapazes de energia própria, repugnam valer-se da escada, esquecendo que, enquanto a vontade 37

não estiver desenvolvida de todo, as formas inferiores são indispensáveis para a ascensão humana. Isto me leva a dizer alguma coisa sobre "o verdadeiro Sannyasi". Há cinco mil anos já esta palavra havia perdido sua significação genuína. No começo do Kali-Yuga, vemos que Shri Krishna distingue entre o Sannyasi aparente e o real. É bom lembrar que, ao tratar deste assunto, disse: "Aquele que cumpre a ação como um dever, independentemente do fruto da ação é Sannyasi, é iogue, porque carece de fogo e nada faz". A frase "carece de fogo" significa que não acende o fogo do sacrifício, não pratica ritos nem cerimônias, pois ao sannyasi isto não mais se exige. Mas, acrescenta Shri Krishna, não é verdadeiro sannyasi quem apenas prescinde de ritos e cerimônias e se abstém de agir no mundo dos homens. Se, há cinco mil anos, isto era uma verdade, muito mais o é, infelizmente, agora. Se quando o Grande Avatar afirmava isto, ao percorrer as planícies da Índia, quanto mais agora depois de cinco mil anos de trevas. Ao observar os países orientais e especialmente a Índia, com seus inumeráveis sannyasis, vemos que alguns o são pelo hábito que trazem e não interna renúncia das coisas terrenas. Se da Índia passarmos a Ceilão, Birmânia, China e Japão veremos ali monges budistas que também o são por suas vestes amarelas e não por nobreza de conduta; em aspecto externo e não pela vida interna. Contudo, é certo que, na Índia, se pratica a religião com mais sinceridade que nos outros países, e por tradição religiosa é o seu solo mais sagrado e seu ambiente mais espiritual que nas outras terras. Há na Índia lugares tão santificados pelos ascetas que ali viveram, que o visitante profano sente a mente se acalmar e despertar em sua alma aspirações espirituais; mas se tudo isto é certo na Índia, seus filhos, na verdade, não são dignos dela, porque decaíram em todos os conceitos. Observando o mundo profano não encontramos lugar algum onde predomine a vida espiritual, nem nação que reconheça sua supremacia. Sente o seu coração se despedaçar quem sabe o quanto o homem poderia fazer, e que vê o que ele faz; quem tem consciência do quanto ele poderia ser e observa o que ele, de fato, é. Mas, apesar de tudo, o ânimo do discípulo não desfalece, porque eternamente vivem os Mestres, e seus discípulos continuam servindo ao mundo dos homens. Contudo, o discipulado não tem agora nenhum hábito por distintivo, senão a sua vida interna; não é o traje que o discípulo traz, mas o conhecimento, a pureza e a devoção que lhe abrem as portas da Iniciação. Chegamos agora ao segundo estágio do Caminho, no qual o discípulo torna-se um kutichaka, segundo a terminologia de Shankaracharya, e um sakridagamin segundo a de Buda, com que se designa o homem a quem um novo nascimento é conferido. Nesta etapa não tem que partir ligações, mas adquirir certas qualidades. É o momento em que os Siddhis são necessários, porque se exige do discípulo, nesta fase, um grande serviço a cumprir em nome do seu Mestre, não só no mundo físico, como no astral e mental. Para isso necessita não falar com os lábios, mas, sim, de mente a mente, transmitindo conscientemente as suas mensagens. Veremos mais adiante as possibilidades que se oferecem de servir ao mundo físico; e se estas possibilidades forem aceitas mudam com vantagem o rumo das coisas, mesmo da vida física do homem. Mas para que o discípulo possa realizar esta parte da obra e se disponha a executar ainda outra mais importante que o espera para quando ele possuir 38

outros conhecimentos e a natureza não tenha nenhum véu para vendar-lhe os olhos, compete-lhe ir desenvolvendo sucessivamente cada uma das suas faculdades internas, das capacidades latentes. Se antes não o fez, torna-se indispensável que nesta etapa consiga acender o fogo interno, fazendo funcionar kundalini nos seus corpos físico e astral. Podeis ler em certas obras, como em Ananda Lahiri de Sankaracharya, passagens que tratam do modo de despertar o fogo vivo, o qual confere ao homem o poder de deixar, à vontade, seu corpo físico, pois, à medida que este fogo sobe de chakra em chakra, desprende o corpo astral do físico, dando-lhe liberdade. Só então, sem interrupção da consciência, sem solução de continuidade, o homem é capaz de agir conscientemente nos mundos astral e mental, deles trazendo ao voltar ao físico, o conhecimento de tudo que lá efetuou. É durante este segundo estágio que se desenvolvem estes poderes ou faculdades, se já não foram despertados; e enquanto o discípulo não conseguir agir com toda eficiência com eles nos mundos invisíveis, não poderá prosseguir no Caminho. Quando todas estas barreiras caírem em consequência do desenvolvimento dos sentidos e poderes latentes, pela aquisição dos Siddhis, o chela se encontra pronto a transpor o terceiro grande estágio no caminho do progresso, podendo entrar numa fase nova de existência mais elevada ainda. Facilmente se compreende o mal enorme que fazem a si mesmos homens mal preparados, procurando atingir artificialmente este estágio, antes que a evolução os leve a ele, e sem que possuam a necessária espiritualidade. Há alguns livros, especialmente os Tantras que seduzem os desejosos de possuir faculdades psíquicas, livros que são lidos avidamente sem que eles antes cuidem do seu mental e do moral para usá-los com retidão. Em alguns Tantras encontram-se muitas verdades proveitosas para os que acertam descobri-las; mas sua expressão literal, sendo bastante incompleta, conduz a perigosos enganos para quem não conhece a realidade dos fatos, ou não tem um Mestre que lhe levante os véus e preencha as lacunas. Assim é que as pessoas, cuja ignorância e ambição as levam a estas práticas, que violentam seu desenvolvimento psíquico antes do mental e do caráter, obtêm resultados que lhes trazem grandes males em vez de benefícios, minando a saúde, desequilibrando a razão, porque intentam colher o fruto da árvore da vida antes de ter amadurecido. Com impuras mãos e contaminados sentidos querem penetrar no Santo dos Santos, neste ádito sagrado cujo ambiente é de tal natureza que nele nada de impuro subsiste, e suas vibrações são tão intensas que despedaçam tudo que não entra no mesmo diapasão, que não se adapta à sua formidável atividade vibratória. Mas, quando sob a direção de seu Guru - só nestas condições deve ele tentar isto - o discípulo consegue vencer este estágio, então atinge a terceira grande Iniciação que o converte em hamsa segundo Shankaracharya, e anâgâmin segundo Buda. É o homem que não mais voltará a nascer, a não ser por sua livre vontade. Nesta fase, conforme indica a palavra hamsa, o homem percebe a unidade e conhece que é uno com o Supremo. Sua consciência ascende à região do universo na qual percebe a identidade de todas as coisas e onde experimenta a certeza da expressão "Eu sou Aquele". O aperfeiçoamento de seus sentidos psíquicos em correspondência com os físicos, não 39

somente o capacita para elevar-se à região onde atinge a concepção da unidade de consciência, como também pode transmitir ao corpo físico, nas horas de vigília, a memória de tão excelsa consciência. É neste momento que o discípulo abandona as últimas migalhas, se as tem, dos desejos terrenos, devendo eliminá-las por completo. Estes resíduos são chamados kâmarâga, fragmentos das aspirações terrestres que se desvanecem neste momento, porque perdem, diante da unidade universal, o poder de seduzir. O discípulo elevou-se muito acima das limitações da separatividade, e por consequência não somente transcende os desejos terrenos, como também os mais sutis e depurados desejos espirituais que arrastam o homem à separatividade. Estes desejos espirituais se desvanecem para quem alcança tão elevados cimos, para quem se sente como fazendo parte integrante do todo, do conjunto de todos os seres. Tudo o que ganha o ganha para todos; tudo o que adquire, para todos o adquire. Permanece, nesta região do universo, donde flui toda a energia divina e sobre o mundo dos homens derrama toda a força que adquire e com todos partilha o que recebe. Cada homem que alcança este estado é, pois, um estímulo de aperfeiçoamento para o mundo. Tudo quanto consegue em espiritualidade é para a humanidade e tudo que suas mãos recebem o remete logo para o mundo dos homens. É um com Brama e, por isso, uno com todas as suas manifestações; e realiza isto em sua própria consciência e não somente por esperanças e aspirações. Outra prisão, que ainda deve partir nesta etapa, se designa pelo termo patigha, que não tem significado exato nem tradução nas línguas ocidentais, embora a mais aproximada seja animosidade, bem que este termo seja absurdo neste caso. Patigha quer dizer que o homem, quando sente-se em unidade com todos os seres e todas as coisas, não pode já distinguir entre raças, nem nações, nem famílias, nem entre os objetos diferenciados do mundo, e por isso não manifestará animosidade contra coisa alguma, nem amor nem ódio por causa de distinções exteriores. Já não pode amar nem odiar a ninguém por causa da raça a que pertença. Já não pode amar nem odiar levado pelas distinções entre os homens e as circunstâncias que os rodeiam. Lembrai-vos desta curiosa frase de Shri Krishna quando diz que o sábio não sabe distinguir entre o iluminado Brama e um cão, porque o sábio já alcançou a unidade e vê Brama em todas as coisas. Isto equivale a dizer que o sábio vê a Shri Krishna em toda a parte, e o aspecto exterior do Senhor não faz diferença para a sua visão purificada. Deste modo não manifesta absolutamente animosidade, ódio ou repulsa. Nada lhe repugna nem nada o repele. É amor e compaixão para todos os seres e todas as coisas. Em volta dele estende-se um círculo de afetos que tudo envolve. Todos que dele se aproximam recebem a influência de sua compaixão divina. Por isto, no tempo em que os Brâmanes eram realmente o que seu nome significa, se dizia deles que eram "amigos de todas as coisas e de todas as criaturas". Seu coração estava unido com Deus e era bastante amplo para conter tudo quanto Deus criou. Anulada para sempre a separatividade, passa o discípulo à etapa final do Caminho, a cujo termo será um paramahamsa, conforme Shankaracharya e um arhat, segundo Buda. Devemos aqui deplorar a terrível degradação moderna dos nomes sagrados, pois os deste 40

elevadíssimo estado espiritual são empregados sem consideração alguma, por mera lisonja ou cortesia, em vez de serem reservados à perfeição humana. O verdadeiro significado do termo arhat é que o homem recebeu a quarta grande Iniciação e atravessa o estado que precede o de Jivanmukti, sendo capaz de agir com plena consciência no plano búdico ou seja a região de Turiya (2). Não necessita deixar o corpo físico para agir conscientemente no plano búdico, pois sua consciência já se expandiu até o ponto de envolver o próprio cérebro físico. Esta ubiquidade é um dos sinais característicos de que já recebeu a quarta Iniciação. Já não mais necessita ficar fisicamente inconsciente para remontar à região superior da consciência; e, enquanto fala, conversa e vive no mundo dos homens, sua dilatada consciência atua também, com pleno conhecimento e vontade, no plano búdico. É nesta quarta etapa que se rompem as cinco últimas ligações que devem desaparecer para que o homem se converta no Jivanmukta. A primeira se chama ruparâga, isto é, o desejo de "vida com forma". Não o deve mais seduzir tal desejo. Depois deve abandonar aruparâga ou desejo de "vida sem forma". Em seguida libertar-se-á de mana, o orgulho. Não deve vangloriar-se da magnitude do seu triunfo, da deslumbrante altura a que atingir, porque para ele já não existe nem alto nem baixo, nem alturas vertiginosas nem humildes vales. Tudo ele percebe na unidade do conjunto. Nada que possa ocorrer no mundo manifestado conseguirá perturbar a sublime serenidade com que logrou perceber o Ego em todas as coisas. Não o preocupam as catástrofes, porque sabe que só desaparecem as formas. Que importa que os mundos se entrechoquem, se apenas se altera o modo de manifestação? Vive no único Eu, no eterno, imortal e imutável a quem nada pode alterar sua serenidade nem perturbar sua perfeita paz. Em seguida desliga-se da última prisão, de avidyâ, a tecedeira de ilusões, tênue venda que impede a perfeita intuição e a completa liberdade. Embora não mais necessite renascer, pode contudo reencarnar-se se tal for sua vontade. Seu saber agora abraça tudo o que comporta nossa cadeia planetária. Já é sabedor de tudo quanto esta manifestação lhe pode ensinar nem deixou de aprender lição alguma, nem há para ele segredos escondidos, nem recanto que sua vista não possa esquadrinhar, nem possibilidade que escape à sua ação. Ao terminar este estágio sabe todas as lições e possui todas as faculdades. É onisciente e onipotente nos limites desta cadeia planetária. Terminou a sua evolução humana. Deu o último passo que a humanidade dará quando terminar o grande manvantara e se execute a obra deste universo. Nada se lhe oculta, nem nada há que não exista no seu interior. Sua consciência expandiu-se a ponto de tudo abraçar e tudo envolver. Pode entrar, se assim quiser, no Nirvana, onde existe unidade e plenitude de consciência e vida. Chegou à meta da humanidade. Tem diante de si apenas o último portal que se abrirá ao ruído dos seus passos. Uma vez transposto este portal, converte-se no Jivanmukta, segundo o Hinduísmo, ou no asekha adepto, isto é, aquele que nada mais tem que aprender, segundo a nomenclatura budista. Tudo ele conhece e tudo executou. Diante dele abrem-se diversos caminhos, entre os 41

quais pode optar, como também se estendem numerosas possibilidades que pode utilizar ao seu arbítrio. Muito além de nossa cadeia planetária, em regiões que transcendem a nossa mais profunda compreensão, abrem-se para o Jivanmukta caminhos que ele pode percorrer. Um destes, o mais dificultoso e áspero de todos, embora o mais rápido é o Caminho da Grande Renúncia. Se foi este que escolheu, ao contemplar o mundo dos homens, o Jinvanmukta não o deixa nem dele se afasta, mas toma, de vez em quando, um corpo para ensinar e auxiliar os homens. Shri Shankaracharya nos fala dos que ficam para trabalhar, até que toda a obra esteja terminada. Sua tarefa terminou, mas Eles ficam identificados com a humanidade até que esta acabe sua evolução, sem que Eles se afastem dos homens. São livres, mas prendem-se voluntariamente, porque não querem gozar de sua liberação até que toda a raça humana fique liberada. São os excelsos Mestres de Compaixão que vivem ao alcance dos homens, a fim de que a humanidade não fique órfã, e os desejosos de aprender encontrem quem os ensine. São estes os Grandes Mestres por quem sentimos imensa gratidão, que vivem na consciência nirvânica e permanecem dentro da esfera da terra, para manterem um laço dos mundos superiores com o dos homens que vivem prisioneiros no cárcere do corpo. Todos quantos alcançaram o nível asekha são igualmente gloriosos e divinos; mas, sem falta de respeito, devemos dizer que os mais queridos da humanidade, os mais intimamente ligados ao coração dos homens pelos laços de gratidão por sua renúncia, são Aqueles que, podendo separar-se de nós, permanecem conosco; que podendo nos abandonar como órfãos, quiseram ser Pais dos homens. Tais são os divinos Mestres a cujos Pés nos prostramos; tais são os Mestres que guiam a Sociedade Teosófica. Enviaram como mensageiro H. P. Blavatsky, a qual trouxe Sua mensagem ao mundo, mensagem quase esquecida pelo mundo, e que veio de novo mostrar o estreito e antigo Caminho que alguns estão nesta hora percorrendo e que todos podem igualmente pisar. (2). Estado supremo, de alta consciência espiritual.

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Capítulo IV

O Futuro Progresso da Humanidade Futuros métodos da ciência. Desenvolvimento vindouro do homem. Temos até agora indicado o progresso do indivíduo, demonstrando como o homem, resolvido a fixar seu futuro, pode elevar-se passo a passo da vida do mundo à do discípulo, e como lhe é possível antecipar-se ao progresso da humanidade, realizando em poucos anos o que a raça executará em inumeráveis séculos. Mas, agora, a minha tarefa é diferente. Vou esforçar-me em vos descrever o progresso da humanidade no decurso dos séculos. Procurarei expor, brevemente, as grandes fases da evolução, olhando o passado até chegarmos ao presente, como também o futuro que está reservado à nossa raça. Proponho-me a tratar do progresso das nações e do desenvolvimento da humanidade a que agora pertencemos. Mas, para isto, atrevo-me a pedir que subamos juntos no veículo de Vishnu, a poderosa ave Garuda e nela, atravessando a atmosfera de inumeráveis idades, fixemos o olhar nos panoramas que encontraremos em nosso voo. Parece-me que todos nós ficaremos sem alento depois de tal viagem. Contudo, de certo modo será para mim mais fácil que para vós, por haver pensado demoradamente neste assunto, o qual se tornou familiar ao meu espírito, enquanto que, para muitos de vós, parecerá um terreno desconhecido, e a concepção teosófica da evolução será completamente nova em alguns detalhes. Mas serei forçada a passar rapidamente de um a outro ponto sem esclarecimentos, e por isso talvez evite muitas dificuldades que despertariam pormenorizada explicação do conjunto. Permiti dizer-vos que talvez me equivoque em alguns pormenores e pontos subalternos desta vasta descrição; mas em seu conjunto, é a descrição exata, porque, não de mim: mas de outra fonte provém ela e, embora a insuficiência de quem vos expõe possa trazer alguns erros de detalhes, tende absoluta confiança na exatidão fundamental do esboço. O homem, aos olhos dos Grandes Seres que foram seus primeiros Instrutores, governantes e guias, não é o homem tal como o vemos hoje, e ainda não chegou a ser o que deve ser e será algum dia. Não quero dizer com isto que coletivamente o seu progresso não tenha sido satisfatório. Pelo contrário, o ponto em que a humanidade chegou em sua evolução rodeada de dificuldades e sofrimentos, é bastante satisfatório se o encararmos do ponto de vista do reduzido espaço de tempo, curto segundo o cômputo divino embora imenso segundo os anos terrestres, que ela traz em sua evolução. Certamente que o homem, tal como é hoje, não corresponde de forma alguma ao ideal Daqueles que conceberam a sua longa peregrinação, Daqueles que o lançaram no caminho da evolução. Terminou sua descida e já ultrapassou o ponto mais baixo do trajeto; resta-lhe escalar altas escarpas no fim das quais a humanidade, perfeita e gloriosa será bem 43

diferente do que é hoje, tal como a concebeu o Pensamento divino. É indispensável ter em conta que o universo compreende sete grandes e distintas regiões ou planos, surgidos da mente divina de dentro para fora ou melhor, de cima para baixo, conforme a expressão preferida. Cada plano é constituído por modalidades distintas da essência única, o Paramâtmâ, de que todos procedem. Quando o Pensamento divino tomou forma, modelado pela Vontade divina no universo manifestado, foi-se constituindo cada plano caracterizado pelas diferentes densidades de sua matéria constituinte e pelo número de diferentes envoltórios que servem para velar a energia primordial. Assim é que, em termos gerais, podemos conceber o universo como um grandioso sistema solar no qual o sol representa o Logos que o formou, e cada um dos globos sucessivos um dos planos do universo. Os planos interiores seriam os de matéria mais sutil e de energia menos aprisionada, menos velada os exteriores seriam os de matéria mais densa e de energia mais condensada. Cada uma destas regiões ou planos tem seus habitantes e que a corrente da evolução parte do centro para a circunferência e depois regressa da circunferência para o centro. Quando o Grande Alento expira e a matéria aparece na vida cada vez mais densa, chega um momento em que a matéria alcança o máximo de densidade e a energia o máximo de fraqueza. Neste ponto a forma apresenta sua maior rigidez e a vida sua maior ocultação, de sorte que este período é caracterizado. pelo fato de a matéria tornar-se mais densa e a forma mais rígida, enquanto que a vida cada vez fica mais velada nesta manifestação. Por outro lado, quando o Grande Alento inspira, voltando para o centro sua atividade criadora, a matéria vai tornando-se mais sutil e a vida menos velada, até que finalmente o Grande Alento extraia deste Cosmos todas as experiências adquiridas nos mundos. A humanidade objeto e resultado deste processo evolutivo, será então divina e ficará pronta para galgar etapas superiores de adiantamento. Observando o curso da evolução, verificamos que os habitantes tendem a individualizar-se à medida que passam a formas mais densas de matéria. De fato, se lançarmos um olhar para trás, notaremos que a chamada essência elementar vai tomando pouco a pouco formas cada vez mais definidas, porque involuciona pelo arco descendente e, por isso, tende a separar-se em formas materiais. É o processo da descida da matéria, enquanto que a humanidade evoluciona pelo arco ascendente e tende a tomar formas cada vez mais sutis, aspirando à unidade e à vida sem véu. Esta leve explicação daria ideia do universo em conjunto, e compreende-se que nos planos menos densos que o físico, não só está ascendendo a humanidade como também está em involução a essência elementar. O mundo mineral é o ponto de conversão, porque nele a matéria atinge ao máximo de densidade. No decurso da evolução ascendente, os reinos mineral e vegetal do mundo físico ocupam o plano físico e sua consciência não passa daqui; mas no prosseguir da evolução, o reino animal dará um passo adiante e há de viver nos planos físico e astral. O homem está destinado, pelo pensamento do Logos, a conquistar, nesta evolução, cinco dos sete planos do universo, que são o físico, o astral, o mental, o búdico e o nirvânico. O plano mental compreende o svarga do hinduísta e o devakhan do teósofo; mas também podemos designar mais vantajosamente o estado de consciência mental pelo nome de sushupti, estado que não é conhecido senão pelos 44

homens de muita experiência e desenvolvimento, embora no curso da evolução chegarão a ele quase todos os homens. Ao plano búdico também se chama turiza, e ao nirvânico, turiza-tita. Com isto temos cinco distintas regiões ou planos do universo que a humanidade está destinada a ocupar no decorrer da evolução, nos quais há de ir desenvolvendo sua. consciência para terminar com êxito feliz sua longa peregrinação. O indivíduo pode atravessar estas etapas mais rapidamente, com auxílio da Ioga mas a humanidade coletiva só poderá terminar sua evolução no decorrer das idades. A maioria dos homens, não todos, terá conquistado todos estes planos de consciência e será ativa em todos os cinco, antes que finalize o atual manvantara. O homem então possuirá veículos próprios para agir conscientemente em cada plano. E ao observar-se o homem de hoje, nele vemos a possibilidade de expandir esta quíntupla vida através dos cinco veículos que o capacitam para habilitar nos cinco planos, tornando-se senhor deste universo manifestado. Existem, ainda, muito acima destes, dois planos que a maioria do gênero humano não atinge, pelo menos nesta evolução. Estes dois planos são para nós meros nomes que não despertam nenhuma ideia definida, pois transcendem a tudo que podemos imaginar. São eles o paranirvânico ou anupadákico e o mahaparanirvânico ou ádico. Não podemos saber o que sejam estes estados de consciência. Tais são os sete planos do universo. A maioria da humanidade há de conquistar cinco deles, e alguns dos seus mais ilustres filhos chegarão aos planos superiores; mas a massa geral da raça humana terminará sua evolução no quinto universo, o mundo nirvânico. Isto nos dará uma ideia da controvérsia entre os números "cinco" e "sete" na natureza. Muitas discussões se travaram sobre isto, especialmente entre os teósofos e alguns dos nossos irmãos Brâmanes, os quais defendem a divisão quíntupla, enquanto os teósofos insistem na sétupla. Certamente que a divisão total é sétupla, e algumas passagens dos Upanishads nos falam da divisão do sétuplo fogo; contudo, a atual evolução é de natureza quíntupla, simbolizada pelos cinco pranas tão frequentemente citados na literatura hindu. Menciono isto porque tais discussões não existiriam se as pessoas melhor se compreendessem mutuamente, pois encontrariam sempre um ponto de coincidência. Falta-me tempo para deter-me nesta questão; mas no que ficou dito está a chave do enigma relativo aos cinco e sete. Em conjunto a humanidade desenvolve cinco veículos para a sua quíntupla evolução, enquanto que a flor da humanidade alcançará os dois planos que ficam além. Estudando a evolução humana, vemos que as raças primeira e segunda ocupam-se na evolução da forma física e da natureza inferior puramente animal, isto é, desenvolvem o corpo físico com seu duplo etéreo e a natureza cármica ou passional que encontramos nos animais como também no homem. A terceira raça da humanidade recebeu especial assistência ao atingir o meio de sua evolução. Isto não quer dizer que a raça não teria caminhado só, sem esta ajuda; mas, sua marcha foi prodigiosamente acelerada. Os grandes Kumaras também chamados Manasaputras, os Filhos da Mente, as primícias de uma pretérita evolução, baixaram à humanidade terrestre a fim de apressar seu desenvolvimento, e fazendo saltar uma chispa de sua essência peculiar, despertaram o manas, a alma individual do homem. Esta ajuda especial trouxe como consequência uma grande aceleração à evolução 45

humana. Foi então formado o corpo causal - karana Sharira - ou corpo de manas superior, o último que persiste durante toda a vida do Ego reencarnador, transferindo de uma vida para a seguinte os resultados acumulados, as experiências adquiridas. Por isto é chamado corpo causal, pois nele se radicam as causas que se transformam em efeitos no plano físico da vida futura. Com a formação do corpo causal teve a humanidade um veículo, um receptáculo e um depósito onde se concentram as experiências e conhecimentos adquiridos no mundo físico durante a vida terrena, enquanto o Ego com seu corpo causal projeta-se nos corpos inferiores. Quando o corpo físico morre, o homem vai assimilar o que colheu nas experiências, vivendo então sucessivamente nos planos astral e mental, incorporando ao seu ser as experiências e todos os efeitos resultantes da vida terrena. Cada vida física produz sobre o Ego certos resultados que se transmudam em faculdades e poderes. Se, por exemplo, na vida terena exercitou o homem sua mente, esforçando em compreender e adquirir conhecimentos, resulta que, no período entre a morte física e o renascimento irá transmutando em faculdades intelectuais todos os esforços realizados na terra, e, ao renascer, trará congenitamente consigo as faculdades. elaboradas. Igualmente as nobres aspirações, os elevados desejos, a ânsia de espiritualidade serão definitivamente assimiladas um sua natureza íntima durante o intervalo entre a morte e o renascimento renascendo em circunstâncias favoráveis ao seu progresso, trazendo consigo faculdades espirituais que lhe vão servir para maior impulso nesta nova vida terrestre. Vemos assim a perfeita regularidade com que se sucedem as fases de progresso e crescimento o corpo causal, corpo que é a vestimenta peculiar do Ego e que se projeta nos mundos inferiores para adquirir experiências, as quais leva consigo ao plano mental para assimilá-las e transformá-las em poderes, faculdades e aptidões que incorpora definitivamente em sua consciência. Novamente projeta-se nos planos inferiores, mais rico e mais forte com os tesouros adquiridos nas vidas terrenas anteriores. Assim progride lenta, mas continuamente vida após vida, tendo como receptáculo de todas as experiências o seu corpo causal. Compreender isto é perceber o significado da expressão: "peregrinação da alma", porque em cada vida nova deve possuir o homem maiores poderes, mais perfeitas aptidões mentais, morais e espirituais. Tal é o plano da evolução. Este plano é posto em execução de uma forma imperfeita, e aí está a causa da enorme longitude da peregrinação, em que o homem dá muitas voltas, extraviando-se no caminho em vez de seguir um atalho direto e seguro. Eis por que a viagem da humanidade é tão longa, necessitando milhares de milênios para terminar sua evolução. Contudo, deve terminá-la, pois assim o quer a Vontade Divina e nada poderá impedir por mais que se demore em atingir a meta assinalada. A evolução prosseguiu durante a segunda metade da terceira raça até alcançar a quarta, na qual floresceu a poderosa civilização atlante, cujo ponto máximo é assinalado pela grande sub-raça tolteca, da qual também fala a ciência ocidental. Foi uma civilização maravilhosa pelos resultados obtidos, embora caminhasse no meio de enormes dificuldades. Mas teve um inconveniente: como o homem estava muito embaixo do arco ascendente da evolução, portanto, profundamente mergulhado na 46

matéria, suas faculdades mentais eram de índole psíquica. Daí a necessidade indispensável de as velar durante algum tempo, para que as faculdades intelectuais pudessem progredir e assim a evolução superior da humanidade se tornasse possível no futuro. Eis aí por que a grande Lei Cósmica, à qual nada pode resistir, impeliu a raça para uma civilização importante, porém muito material. Esta ocultação das faculdades psíquicas foi apressada, em grande parte, pela ação consciente das classes dirigentes do Império Tolteca da Atlântida. Para facilitar seus projetos egoístas, elas se esforçaram em extinguir as faculdades psíquicas, impedindo o desenvolvimento nas classes inferiores da população, inferiores no ponto de vista da evolução e por isso, menos elevadas na escala social. Com o fito de possuírem instrumentos mais apropriados aos seus ambiciosos desígnios, as classes elevadas empregaram seus conhecimentos ocultos em entorpecer deliberadamente as faculdades psíquicas do povo. Nestas condições, estas faculdades foram artificialmente suspensas no seu crescimento mais do que desejava a grande Lei cósmica, e isto leva-me a vos assinalar um fato, sobre o qual convém pensar. É que nenhum homem é capaz de deter a marcha poderosa da Evolução divina, embora seja livre de cooperar ou não em sua ação no mundo. O homem tem a liberdade de dirigir seus esforços para o bem ou para o mal. Reconhecendo a sabedoria e a grandeza da obra divina, pode a ela associar-se por dever e submeter-se à Vontade Suprema; mas pode também procurar apoderar-se, para uso pessoal, de algumas das forças da natureza, servindo-se delas para satisfação de seu egoísmo pessoal e efêmero, em vez de auxiliar a realização das Intenções divinas. Quando um homem emprega as grandes forças do Cosmos com um fim egoísta, cria para si um mau Carma individual, embora a linha geral do Carma da raça não fique modificada. Um indivíduo pode, deste modo, prejudicar seu próprio futuro, permanecendo contudo na corrente da Lei cósmica; pode preparar para si sofrimentos no círculo estreito do seu próprio desenvolvimento individual, porque, fazendo uso egoísta da Lei colherá também uma messe de egoísmo. De tal forma que, sob o império desta grande e única lei; assim se preparam os carmas individuais felizes ou desgraçados. Devemos refletir demoradamente sobre este assunto, que certamente decifrará muitos enigmas, entre eles o carma que se nos apresentará então como uma bênção divina da evolução impelindo o homem para a frente, mostrando que o progresso é o seu destino fatal, desde que o homem reconheça o relativo arbítrio de sua vontade. Também percebemos como o homem pode escolher seu próprio caminho, mas sem escapar a este possante impulso da evolução. Como dizia, durante esta civilização do passado, os atlantes empregavam as forças da natureza para fins egoístas, e como consequência desta conduta deu-se a destruição da Atlântida e o aniquilamento da raça, exceto de alguns núcleos de população que, salvos da catástrofe, espalharam-se pelo mundo, especialmente no Peru, onde deixaram vestígios de sua gloriosa civilização. E tão grande foi seu esplendor, que, mesmo na época de sua decadência, quando os espanhóis conquistaram o império dos incas, ficaram surpreendidos pela doçura, afabilidade e candura dos habitantes, a sabedoria dos governantes, a prosperidade e a felicidade do país inteiro. Esta civilização, que os espanhóis esmagaram, que suas legiões aniquilaram, era o último e vacilante clarão da grande civilização atlante, 47

desta civilização tão grande no seu apogeu, e cuja queda foi tão retumbante, varrida pelas águas do Oceano Atlântico, cujas ondas hoje rolam sobre as mesmas paragens onde outrora existiam territórios florescentes. Chegamos agora à evolução da raça a que pertencemos; mas para prosseguir nosso estudo convém recordar que o Logos do nosso sistema manifesta-se sob três aspectos diferentes. Sabeis que, nas principais religiões, a Trimurti ou Trindade representa o Deus manifestado, como também sabeis que as três pessoas da Trindade são a tríplice manifestação do Deus único, os três aspectos da única Essência manifestada, e que só pode ser conhecida quando se manifesta no Universo. No trino Logos descobrem-se os aspectos de Poder, Sabedoria e Amor. Todas as atividades humanas trazem impressa a característica do tríplice Logos e podem relacionar-se com um ou outro dos três aspectos do poder, sabedoria e amor, de tal forma que as atividades de qualquer nação, grupo de homens ou indivíduos se agrupam sob um destes aspectos. Escolhi esta classificação porque, tratando de um assunto tão complexo como este, ela nos servirá à semelhança de um armário com gavetas onde se vão colocando as diversas partes do tema para ulterior estudo e consideração. Recordemos que os três são um e que, portanto, se interpenetram, pois a divisão em três se refere ao aspecto fenomênico e nunca à essência; mas como estamos no mundo dos fenômenos, e a separação é fenomênica, podemos considerar aos três distintamente sem cairmos em erro. Tomemos a divisão trina e procuremos subdividir cada um dos seus elementos. No aspecto Amor descobriremos todas as atividades da mente que se ligam, de um lado à religião e de outro à filantropia, tomando estas duas palavras no seu mais amplo sentido, isto é, entendendo no sentido religioso o serviço tributado aos Seres que estão acima de nós; e filantropia o dever para com os que nos rodeiam e para com os nossos inferiores. Assim no Amor incluímos o conjunto das atividades humanas que tributam homenagem aos que nos precederam na evolução e assistência fornecidas aos nossos iguais e aos nossos inferiores, assistência à qual se junta um sentimento de compaixão. Se fizermos distinção entre os deuses e homens, diremos que a religião incumbe o serviço aos deuses, enquanto que a filantropia se reduz ao serviço prestado no plano físico aos homens. Sob a denominação de Sabedoria podemos englobar todas as atividades da mente humana, do mental superior e inferior que se prendem diretamente à Ciência, à filosofia e à Arte. Estes são os três vastos campos de atividade da mente compreendidas na Sabedoria; mas, não se julgue que conhecimento seja por si só Sabedoria, mas o material que, por uma alquimia espiritual, produza Sabedoria, porque o conhecimento espiritualmente transmutado converte-o em Sabedoria, e por isso grupamos sob o título de Sabedoria o conjunto de atividades do conhecimento. No Poder incluímos todas as atividades relacionadas com o governo humano, com o exercício das funções administrativas e executivas, a contribuição das nacionalidades e municípios, em tudo onde se exerce o poder. Entram também nesta divisão as faculdades criadoras que o homem possui por direito de nascença, faculdades divinas que tão poucos compreendem e menos ainda as exercitam conscientemente, e que são as causas poderosas da evolução humana, a grande força que impele o homem para diante. 48

Todos os esforços dos divinos Instrutores do passado e do presente tendem a subordinar estes enormes campos de atividade à inteligência do homem, a fim de que o homem deles se utilize para sua evolução. Todos os esforços dos Mestres encaminham-se a dirigir as atividades humanas de modo que se revistam de amor, sabedoria e poder, mas sempre em benefício da humanidade. Para este fim foram fundadas as principais religiões, escreveram-se os códigos de moral e poderosos impulsos recebeu a inteligência humana. Para este mesmo fim, em nossos dias, foram restauradas as antigas verdades com o nome helênico de Teosofia, equivalente à Sabedoria Divina e que nada mais é senão o restabelecimento da verdade antiga, verdade que surgiu do esforço dos Mestres que dirigem as atividades da vida humana. É atualmente mais necessário do que nunca a restauração das antigas verdades, porque, se lançarmos um golpe de vista sobre o mundo, observar-se-á que, em todos os departamentos da atividade humana, o homem parece ter atingido o limite dos seus poderes. É dono, por direito de conquista, do plano físico; e tão bem o submeteu que o lado material o absorve completamente, toda a sua atenção e cuidados são para ele, enquanto que as realidades dos mundos superiores estão ocultas à sua vista. Se observarmos as atividades quanto ao aspecto religião, vemos que ela é atacada por um lado pelo materialismo e minada do outro pela superstição, de forma que a humanidade se debate entre estes dois abismos que ameaçam sua existência - o ceticismo que nada crê e a superstição que tudo crê. Ambos são funestos ao progresso humano neste campo particular da sua atividade. Se, deixando a religião, nos voltarmos para a filantropia no mundo moderno, encontraremos uma miséria demasiado profunda para que o homem possa vencê-la. Onde a civilização moderna oferece maior brilho e sucesso, lá onde ela triunfa pelo seu esplendor, ali encontrareis o maior acúmulo de sofrimentos, as mais horríveis misérias capazes de esmagar a vida humana. Ao contemplarmos este quadro tétrico, nos convencemos que, não só a filantropia é impotente para remediá-los, mas que destes sofrimentos pungentes levanta-se um rancor, um ressentimento selvagem que está ameaçando, com o ódio das classes, a sociedade moderna. A sociedade estremece em seus fundamentos e os homens, estonteados, não sabem como afrontar o perigo, porque perderam o sentimento de amor. Nos três campos da Sabedoria não se deparam menores dificuldades. A ciência parece haver esgotado todos os seus recursos materiais. Seus instrumentos de observação e análise são tão maravilhosamente delicados, que não se pode imaginar maior perfeição. Suas balanças de precisão são tão admiráveis que podem apreciar diferenças de milésimo do miligrama; e contudo os cientistas dizem que há substâncias para as suas balanças perfeitas. A ciência começa a esgotar seus recursos em tudo que se relaciona com seus métodos de investigação, e a seu pesar vai sendo compelida a aceitar a existência de forças sutis e misteriosas que se negava a reconhecer. Se penetrarmos no laboratório do químico e no gabinete do físico percebemos que ali atuam forças impossíveis de se sujeitar ao peso e à medida. A existência real destas forças confunde o homem de ciência, pois contraria todos os métodos clássicos e difere em tudo que ele encontra na natureza. 49

Em filosofia notamos a luta entre o materialismo já desacreditado e o idealismo que não acertou ainda assentar-se sobre sólidos fundamentos. Na arte notamos a propensão à extravagância, em tudo a impotência, aridez e esterilidade, não produzindo nada de original, senão torpes cópias das antigas escolas. A arte perdeu seu poder criador. Consideremos a atividade, sob o terceiro dos grandes aspectos que já assinalei: o Poder. Que vemos no mundo moderno? As nações tateiam na diversidade de regimes políticos. Perderam os Soberanos Divinos que outrora as conduziram pelos caminhos da paz, da prosperidade e da felicidade, e agora procuram compensar a perda dos Reis divinos entronizando o monarca policéfalo chamado Povo. Em lugar da monarquia divina de poderosos iniciados, estabeleceram os regimes de autonomia e democracia, como se bastasse multiplicar a ignorância por um fator de milhares de unidades, esperando que o produto fosse igual ao conhecimento. No que se refere às faculdades criadoras, nada mais resta; e o homem perdeu de tal forma a sua herança divina que quem nela fala torna-se ridículo. Que nos ensina tudo isto? Que a humanidade coletivamente considerada se dispõe a dar outro grande passo adiante. Chegamos a um daqueles períodos de transição em que, tendo-se gasto tudo que é velho, vemos abrir-se um novo período de renovação e crescimento. No meio da turbulência, do desassossego, da angústia e da perplexidade, vemos agitarse no seio da raça humana os gérmens do progresso, os quais vão restituir às três ordens de atividade sua antiga eficácia, mediante um novo desenvolvimento por caminhos previamente traçados. A evolução, com efeito, jamais retroage, mas reproduz seus processos outrora usados, seus antigos métodos, embora avançando numa espiral ascendente, achando-se em cada espiral nova, sob uma forma elevada e mais perfeita, o que já houve de melhor no anel precedente. A humanidade evolui hoje sobre esta espiral, procurando realizar, com novos poderes e faculdades mais extensas, o que o passado nos mostra sob formas diferentes. Consideremos o Amor. Quando a humanidade der seu novo passo adiante - e já se notam sinais precursores indicando que ela se prepara para dar - e tenha então o seu veículo físico atingido a perfeição, começará a tarefa de aperfeiçoar seu segundo veículo de consciência com o qual há de atuar livremente no plano astral. Transcorridos milhares de anos, a humanidade já teria aperfeiçoado o segundo veículo e a maioria dos homens será capaz de agir com ele no astral tão fácil e comodamente como o fazemos hoje com o corpo físico. Nem toda a espécie humana possuirá esta faculdade porque os homens não são iguais, como pretende a moderna democracia; mas a imensa maioria poderá valer-se do corpo astral para agir conscientemente no mundo astral, sem contudo deixar sua vida física; e assim irá progredindo a humanidade. Que alterações trará este novo passo? Em religião, terá a humanidade aberto diante de sua visão o plano astral, onde alguns dos mais poderosos Seres se manifestarão em forma humana para auxiliar e instruir os homens. Estas Entidades, cuja existência é apenas objeto de fé, serão vistas pelos homens, reconhecidas e adoradas por eles, que as contemplarão como agora contemplam ou julgam conhecer aos seres, que em corpo físico os rodeiam. 50

Conhecerão os habitantes do atual mundo invisível. Desta maneira, a maioria da humanidade há de partilhar com os mais adiantados de hoje o conhecimento direto e absoluto domínio do mundo astral, que tão poucos hoje conhecem, e assim desaparecerá para sempre o ceticismo, porque ninguém ousará negar a existência do mundo invisível. Então o homem, consciente e desperto, verá os seres que habitam no astral, como vê seus parentes e amigos no físico. Quando a humanidade tiver dado este passo, a religião mudará completamente de caráter até o ponto em que todos os homens conhecerão quanto os videntes e profetas conheceram e proclamaram, porque tudo isto será matéria de seu conhecimento diário e de suas experiências, o que trará como resultado tornar o ceticismo tão impossível como o é ele hoje para as verdades científicas. A superstição terá a mesma sorte que o ceticismo, porque vive em trevas e se nutre de ignorância. Graças à ignorância dos homens, ela vive na sombra, desenvolve-se e prospera e se torna uma maldição para os povos, porque certos homens que apenas conservaram a tradição do conhecimento, sem possuir a realidade, fazem uso desta tradição para reduzir seus compatriotas à escravidão. Estes, na sua ignorância, sentem-se aterrorizados por esta pretensão dos falsos representantes da verdade, e inclinam-se diante deles que pretendem possuir as chaves deste conhecimento, embora estas chaves, bastante enferrujadas, não mais possam girar na fechadura. Mas, não obstante o terror que se infunde aos ignorantes para afastá-los do verdadeiro conhecimento, a superstição é impossível quando os olhos do homem se abrem. Ninguém pode imaginar o mal que a superstição acarreta para além da morte. É impossível descrever a miséria e o terror que sofrem, no plano astral, muitas almas que deixam o corpo físico e entram num mundo desconhecido para elas e repleto de todos os imaginários terrores de que a superstição, dominada pelo falso conhecimento, conseguiu povoar. É, sobretudo, no Ocidente, onde tão divulgada está a ideia do inferno eterno, onde se ensina que depois da morte não pode haver progresso espiritual, e que os pecadores ficam mergulhados num lago de fogo e enxofre por toda a eternidade, sem esperança de salvação. Não é possível imaginar o efeito que estas superstições produzem no mundo astral aos que para ali vão dominados por elas. Crentes de que tudo quanto lhes ensinaram seus ignorantes mestres é verdade, julgam-se vítimas de semelhantes horrores, dificultando enormemente a ação benéfica dos auxiliares que vão pelo astral socorrendo estes infelizes, dando-lhes a entender que a lei é sempre a mesma para todos e que as potências diretoras do universo não são carrascas nem vingativas. Deste modo compreendemos que a superstição e o ceticismo serão impossíveis. Haverá então outras dificuldades, outros problemas e enigmas, mas os dois inimigos gêmeos do homem, o ceticismo e a superstição, serão extirpados sem que haja possibilidade de renascerem. Quanto ao amor, também será grande o progresso sob o ponto de vista filantrópico, pois mesmo no plano astral muito pode ser feito em favor da humanidade, e muito mais que no mundo físico, porque as atividades físicas são mais ruidosas, mas dão resultados 51

comparativamente fracos. Vemos um chefe de governo ditando leis, decretos e regulamentos sem descanso, e todos o admiram do seu intenso labor, esperando que todo este trabalho seja proveitoso para a nação. No entanto, insignificantes e mesquinhos são os frutos deste trabalho ao compararmos com a ação oculta e silenciosa, executada tranquilamente, sem que uma palavra seja pronunciada, pela mente no meio sutil que age sobre os pensamentos dos homens em vez de atuar sobre seus corpos; que influencia suas inteligências e não seus veículos exteriores. Quando a humanidade subir a este plano superior, uma influência benéfica se derramará mais copiosamente da que atualmente recebemos; e a miséria, o crime e o vício serão melhor combatidos pela ação sobre as mentes dos homens, purificando-as e enobrecendo-as, elevando-as acima das circunstâncias que hoje as assediam. Deveis ter notado que, quando se projeta um pensamento impuro, de vingança, sórdido ou rancoroso, o enviais às pessoas do mundo como uma força viva, como um agente ativo que plana sobre as multidões, obrigando os mais fracos e receptivos a assimilarem-no; de modo que estes pensamentos de indivíduos que nos parecem respeitáveis, vão espalhando os gérmens do crime entre as pessoas de inferior condição, cujos delitos são quase sempre devidos a pensamentos estranhos, aumentando o mau carma de quem os criou. Este fato, tão importante, não é tão conhecido como deveria ser. Cada homem, que experimenta um sentimento de ódio, lança uma força destrutiva no mundo astral e quando surpreende uma criatura fraca, vítima de um mau carma, e rodeada de más circunstâncias, isto é, submetida a impulsos e paixões que é incapaz de dominar, estes maus pensamentos atiram-se sobre ela, pensamentos que muitas vezes provêm de pessoas que gozam de uma respeitável posição social. Se o infeliz de natureza débil vem já excitado por uma injustiça, ultrajado por um inimigo, é levado a cometer um assassínio, cuja responsabilidade cabe mais ao emissor dos pensamentos do que a ele que apenas foi a mão que empunhou o punhal. Será impossível fazer desaparecer o crime nas últimas camadas do povo enquanto as classes superiores não educarem seus pensamentos, não purificarem seu mental, estas que melhor podem compreender a natureza das coisas. Quando o homem conhecer e compreender tudo isto e o mundo astral se desvendar à vista da humanidade, teremos no pensamento uma formidável força que auxilia e educa. Ninguém, então, poderá negar o poder do pensamento e todos compreenderão sua responsabilidade, exercendo vigilância sobre os pensamentos que emitem, lançando no ambiente influências benéficas e protetoras em lugar de criarem influências sinistras, entidades maléficas como hoje fazem. Só então se convencerão os homens da possibilidade de receberem, dos mundos superiores, o auxílio bendito, como atualmente o recebem; pois, mesmo as descobertas que os homens de ciência fazem, são inspirações recebidas dos mundos superiores, agindo diretamente sobre o mental. Quando o cientista proclama ao mundo uma nova orientação na ciência, quando um William Crookes descobre a gênese dos átomos - uma das mais belas teorias modernas julgai que isto tenha partido de baixo, até elevar-se aos cimos do conhecimento? Eu vos declaro: tais ideias vêm do alto e nunca de baixo, pois os Mestres influem nas mentes dos que possuem alguma aptidão ou capacidade suscetível de ser utilizada em benefício do 52

mundo. Os pensamentos são formas vivas e ativas que descem do mundo mental para o astral onde tomam corpo e podem influir sobre certos indivíduos com o fim de apressar o progresso do mundo e facilitar a marcha da humanidade. Esta influência dos Mestres sobre as mentes não é tão frequente hoje em dia, porque enquanto o homem não melhorar sua natureza moral, não convém que conheça as forças invisíveis que agem por trás do véu; empregariam para o mal, servir-se-iam delas sem escrúpulos para fins egoístas, em vez de as utilizar no serviço dos seus semelhantes. Por este motivo não é divulgado este conhecimento, nem recebe a ciência maior auxílio. Como disse um Mestre, a ciência tem de se tornar a serva da humanidade para merecer maior ajuda dos Auxiliadores e Salvadores da raça humana: Ao aproximar-se o dia que hoje vislumbramos, mais rápido será o progresso do homem. Em educação penso que ninguém negará o enorme proveito que obteriam os educadores se estes soubessem estimular diretamente as boas qualidades reprimindo as más. Sabemos que, envolvendo o indivíduo, há uma aura, apenas visível aos adestrados olhos do iogue, aura que denuncia o desenvolvimento do mental, que revela o caráter e o estado espiritual da alma residente no corpo. Cada indivíduo conduz consigo este registro que mostra o grau de adiantamento em que ele se encontra, registro que destaca o caráter e os pensamentos a quem possuir a visão superior, como a visão física percebe os traços fisionômicos, sem penetrar no caráter do homem. Pois bem, quando uma criança nasce, ao passar pelas primeiras fases do crescimento, possui sua aura a particularidade de concentrar todos os resultados cármicos do passado, embora a maior parte das qualidades mentais congênitas e dos poderes morais inatos estejam ainda latentes em estado embrionário. Quem examina a aura da criança a encontrará comparativamente pura, de tons claros e transparentes e nunca densos, espessos e sujos como no adulto. Na aura infantil residem os gérmens das inclinações e tendências, umas boas outras más, que, mais tarde, virão à tona da vida. A visão, que possa distinguir estas características, é capaz de estimular as boas e reprimir as más, rodeando a criança de influências favoráveis. O agricultor, que necessita uma planta sã é robusta, lança a semente em bom terreno, procurando regá-la e deixando que o sol a inunde com seus raios. Igualmente sucede com a educação da criança. Quando ela nasce traz em si os gérmens da cólera, das paixões ardentes, temperamento rebelde, na maioria dos casos. Se os que a cercam fossem dotados de conhecimento e sabedoria, empregariam o verdadeiro método de educação, não consentindo da criança uma só palavra irritada; nem que fosse testemunha de atos de cólera nem ações passionais. Todos que a rodeassem, no círculo íntimo da família deveriam tratá-la com amor, porque o adulto transmite à criança, com a sua presença, as suas qualidades boas ou más que irradiam constantemente a sua aura, no ambiente em que vive. As vibrações da cólera dos mais velhos vão vitalizar e fortalecer os gérmens ainda adormecidos na criança, provocando seu crescimento criminosamente. Assim é necessário rodear a criança de influências estimulantes de tudo o que é bom, nobre e puro. Se assim se procedesse com todas as crianças, a humanidade avançaria espiritualmente com rapidez, enquanto que atualmente caminha com passo claudicante. A ignorância obscurece a mente dos homens, e por isso não sabem como educar as 53

criancinhas. Todos os métodos empregados são estéreis e vãos; mas não haverá fracasso quando o conhecimento aumentar e os professores educarem as crianças consultando a aura de cada uma e não agindo cegamente como hoje. Só então serão educadas por meio do conhecimento real e não pela ignorância. Esta necessidade da verdadeira educação explica por que, nos tempos antigos, confiava-se toda a criança a um preceptor religioso ou Guru, cuja mente disciplinada influía na do educando através de uma intuição mais profunda que a dos homens vulgares. O Guru era sempre um sábio, um vidente; e a criança, entregue aos seus cuidados, perdia seus maus instintos graças à educação ministrada pelo Mestre. A medida que os verdadeiros Gurus foram desaparecendo, o gênero humano perdeu esta grande vantagem, que recobrará quando o conhecimento estiver mais difundido pela massa, e quando uma fase mais elevada do seu desenvolvimento tornar possível esta nobre educação da infância. Em todas as modalidades do conhecimento, os métodos serão mudados. O médico não precisará diagnosticar uma enfermidade por meio dos sintomas, nem pelo raciocínio, mas sim pera vidência, percebendo diretamente a causa da moléstia. Já alguns indivíduos diagnosticam por meio das suas faculdades de clarividência cuja visão penetra através da matéria física, percebendo onde está o mau funcionamento do organismo, qual o órgão afetado. Graças à clarividência, o médico possui as informações que lhe são necessárias e que permitem agir com inteira certeza, como também acompanhar o efeito dos medicamentos empregados. Imaginai quão diferente seria a medicina se os médicos possuíssem esta clarividência que hoje é apanágio de tão poucos, faculdade pela qual poderiam diagnosticar com segurança e receitar com absoluta precisão segundo o que tivessem visto. Coisa semelhante sucederá com a química. Quando os químicos forem senhores de sua visão astral, obterão muito mais do que hoje, e em vez de combinarem corpos e analisar suas proporções e equivalências por mera conjetura, sem possuírem completa certeza do resultado das reações, procederão com exata visão das forças e agentes químicos, facilitando o avanço da ciência e prevenindo inúmeros acidentes, hoje tão comuns. Encontramos no número de novembro de 1895 da revista 'Lúcifer' um artigo que apresenta várias sugestões sobre o modo de realizar-se o progresso da ciência. Ali se expõe que, quando o homem souber utilizar-se do seu veículo astral, se ampliarão consideravelmente os limites do conhecimento. Com relação à psicologia, veremos que, quando os homens puderem se comunicar uns com os outros por meio do pensamento, sem empregar os métodos lentos da pena e da imprensa, as ideias voarão de cérebro a cérebro sem necessidade dos lentos e grosseiros processos de hoje. Podereis compreender, quanto ao plano físico, a significação desta generalizada transmissão do pensamento. Assim é que a ideia de separação não existirá então, como existe hoje, pois que, nem montes nem mares poderão afastar o homem dos seus amigos e parentes. Desde que os homens tenham conseguido conquistar esta nova região da natureza, serão capazes de se comunicarem entre si, de mental para mental, 54

qualquer que seja o lugar em que estejam, porque, para o mental as barreiras do tempo e do espaço não existem como existem no mundo físico. Quando o homem tiver aperfeiçoado o seu veículo astral estará sempre em contato com os que ama e as dores da ausência terão desaparecido. Assim também a morte que terá perdido o poder de separar. Considerai a vida dos indivíduos e das nações, tal como é hoje em dia, e vereis que a morte e a separação são os dois sentimentos mais tristes e dolorosos que afligem a humanidade. Ambas perderão seu poder de ferir quando o homem houver dado este grande passo para a frente. Ambas perderão o poder de separar quando o homem chegar a este nível superior. Tudo quanto hoje apenas pertence aos discípulos e aos chelas, será então repartido pela maioria da humanidade. Oh! muito mais formosa será a vida terrena do homem quando cessarem estas influências que a perturbam! Quanto à filosofia podemos dizer o mesmo, possuindo ela um conhecimento mais profundo das possibilidades da matéria e das realidades da vida. Igualmente quanto à história, quando os historiadores tiverem em sua frente os anais akashicos, os grandes arquivos indeléveis do passado, a história não será mais escrita para satisfazer as paixões de um partido político, ou para apoiar certas teorias sobre o desenvolvimento humano, ou certas hipóteses nascidas da imaginação dos sábios. Toda a história está registrada na indestrutível memória do akasha, aí se encontram seus eternos arquivos. Nenhuma ação da humanidade passada há que lá não esteja gravada para a eternidade, nenhum fato que não seja visível aos que tenham olhos para ver. Tempo virá em que toda a história será escrita de acordo com os documentos akashicos em vez de ser redigida pelos processos cheios de ignorância atualmente em uso. E quando os homens quiserem conhecer o passado, lançarão um golpe de vista sobre estes imperecíveis arquivos e com eles se servirão para apressar seu desenvolvimento, utilizando a experiência do passado para favorecer uma evolução mais rápida da humanidade. Quanto ao futuro da arte, quando estes novos poderes chegarem às mãos dos homens, só serão capazes de compreendê-la os poucos que deles se valem agora. Novas formas de intraduzível expressão, colorações de inimitável esplendor, nuanças desconhecidas ao mundo físico, tomarão vida na sutil matéria do plano astral. Tudo isto será então do domínio da arte, enriquecida pelas formas e cores das regiões superiores com as maravilhosas possibilidades que os sentidos sutis descobrem. Que diremos então do poder e do governo? A realeza divina reaparecerá sobre a terra; será restaurada a monarquia divina e os homens ocuparão, na sociedade, o lugar correspondente ao seu grau de evolução, e não segundo os caprichos dos poderosos e o compadrio, como sucede hoje. Todos os homens se conhecerão a si mesmos, cada um saberá o seu valor e o seu grau evolutivo como também estará em condições de perceber o dos outros, pois que a aura individual trará impressas suas qualidades mentais e morais e, daí decorre a posição social que cada um merece ocupar. Os jovens serão encaminhados à profissão melhor adequada às suas aptidões e faculdades, não havendo o descontentamento que lavra hoje em dia, e que tem sua causa na decepção das vocações erradas, no sentimento de quem sofreu uma injustiça; e o 55

desalento que invade a alma ao ver que possui aptidões que não podem ser aproveitadas. Se todos Os homens tivessem o verdadeiro conhecimento, compreenderiam que as circunstâncias em que se encontram são cármicas; mas agora apenas nos preocupamos com as massas e não com os indivíduos. O descontentamento será impossível quando cada homem estiver no lugar para o qual o capacitem suas notórias faculdades, e assim tornar-se-á a sociedade novamente bem organizada. Aprenderemos também como tratar os tipos inferiores da humanidade. Não mais castigaremos os criminosos, não os mataremos porque os nossos olhos verão o ponto fraco no qual a assistência deve ser levada. Serão instruídos, serão tratados como doentes da alma que precisam de cura. Não somente mudará toda a sociedade graças a esta influência sobre a natureza dos homens, como igualmente mudará de aspecto o próprio reino animal, sob o poder reformador do homem. Já não será o tirano e o opressor como faz agora, mas o educador e o mestre do mundo animal. Cumprirá seu destino de ser o auxiliador do bruto e não o seu explorador abusivo, o carrasco como se apresenta em nossos dias. Todas as formas de crueldade irão desaparecendo pouco a pouco, e o sangue dos animais não manchará a terra como abundantemente acontece agora. Os animais não mais fugirão com horror e espanto do homem, olhando-o como inimigo em vez de reconhecê-lo por amigo, porque caminhamos para uma idade de ouro em que todos os seres viventes sentirão amor sem sombra de ódio. Tudo quanto tenho exposto parece um conto de fadas, mas tal é a realidade da próxima fase da evolução humana, o resultado da conquista do plano astral. Que será então quando o homem ainda mais se elevar, conquistando o mundo mental? Apenas posso vos dar um ou dois exemplos que mostram a ideia da expansão triunfante da consciência, nesta época ainda tão afastada de nós. Admitamos, por exemplo, um orador e seu auditório; que diferença encontraremos na natureza da eloquência e no efeito que ela produzirá sobre o público? Em lugar de se ouvir palavras, sons articulados que atingem os nossos ouvidos e não transmitem senão uma pequena parte do pensamento, de maneira imperfeita e inexata, o auditório verá então o pensamento tal como ele é. O pensamento jorrará diante dos seus olhos, revestido de deslumbrantes cores, tendo tonalidades sonoras de sublime harmonia e uma forma tão perfeita e delicada, como se o orador estivesse entoando um hino que transbordasse a sala de perfeitos acordes. A sua linguagem de formas coloridas irá ao ponto de fazer vibrar todos os corpos superiores dos ouvintes. Tal será a eloquência do futuro, quando os homens tiverem conquistado este mundo superior da consciência e da vida. Direis que eu sonho? Eu vos declaro: existem hoje homens que podem atingir este plano de consciência, que podem conhecê-lo e sentir-lhe os efeitos; estes seres humanos já atravessaram os véus que impedem a vista à maioria dos homens e que dificultam reconhecer as belas possibilidades da vida. Porque assim como um homem pode ver do alto de uma torre toda a paisagem circundante, perceberá as formas, os sons e as cores de 56

todos os pontos do panorama; mas se embaixo da torre apenas descobrirá parte da paisagem através de uma janela, assim também no plano mental. O conhecimento lhe chegará em ondas de todos os lados, não por intermédio dos sentidos que conhecemos, mas através de um sentido único que responde a todas as vibrações do exterior. E quando o homem volta aos veículos inferiores, isto produz exatamente o mesmo efeito como se ele descesse a escada da torre; não mais pode perceber senão o que os olhos, os ouvidos - estas pequenas janelas abertas no muro - lhe permitem conhecer do mundo exterior, porque os sentidos não são senão janelas e nós estamos prisioneiros das muralhas do corpo. Em nos elevando acima deste corpo é que estamos realmente em condições de perceber o mundo que nos rodeia, em toda sua glória, em toda sua beleza e com todas suas maravilhas. O poder da vida será, então, consideravelmente mais intenso. Os mais vigorosos pensamentos científicos, provenientes destas sublimes regiões, passarão através do astral e chegarão até nós. As mais potentes influências mentais e poderosas Inteligências baixarão até nós, enviadas por Quem nelas atua e as dirige. Os discípulos dos Mestres, os que já transpuseram o portal da Iniciação, estarão lá, plenamente conscientes, trabalhando para auxiliar o homem e elevar o nível moral da humanidade. Os discípulos podem agir no mundo físico, mas o seu mais intenso trabalho será no plano mental. É lá que eles desenvolvem sua ação com mais eficácia, tornando-se assim mais úteis. E quando a maioria dos homens chegar ao plano mental, quão grande será o número de trabalhadores, quão vasta será a falange dos auxiliares! Não há, atualmente, senão algumas centenas de trabalhadores para ajudar as centenas de milhares de seres humanos; e o trabalho é imperfeito em consequência do seu pequeno número. Mas, quando a massa geral da humanidade alcançar o mundo da mente, rapidamente evoluirão, em grau extraordinário, os que ainda galgam os degraus inferiores. O gênero humano desenvolver-se-á com tal rapidez que não podemos fazer, hoje, uma ideia sequer aproximada. Há, contudo, ainda outro mundo que o homem há de conquistar. É o plano búdico, a esfera Turiza, onde domina a unidade, onde a consciência identifica-se com todas as consciências, mundo que o homem ocupará antes de terminar este Manvantara. Esta sublime região apenas abre suas portas ao discípulo que já atingiu a última fase do seu desenvolvimento. A Sétima Raça escalará estas alturas e aí viverá conscientemente. Quando se alcança esta expansão da consciência, este estado espiritual elevado acima do mental, vemos aí que nada mais pode separar os homens; cada homem sente-se idêntico ao seu semelhante, formando uma unidade com todos, sentindo o que os outros sentem, pensando o que todos igualmente pensam. É um estado de consciência que se amplia e se estende até envolver miríades de seres. Neste momento, a fraternidade humana tornar-se-á um fato real, porque lá percebe-se a essência das coisas e não somente as suas aparências; lá vê-se a realidade e não mais a manifestação do fenômeno. Lá todos reconhecem o EU único que vive em todos, e o ódio torna-se, para sempre, impossível para o homem que galgou esta consciência. Ainda muito além se depara outro plano inefável, mundo a que os sábios chamam 57

nirvânico, sem que possam descrevê-lo, embora o tentem, porque a tanto não chega a linguagem humana; e cujos esforços para explicá-lo só produzem erros e concepções falsas. A consciência alcança lá a um estado inimaginável, porque envolve o universo inteiro e de lá parece inconsciência a limitada mente concreta do homem. A vida do Nirvana, a vida dos Seres poderosos que o atingiram, é um estado de consciência perto do qual o nosso assemelha-se ao estado mineral pelas limitações que o sujeitam, pelas trevas que o cegam e pela incapacidade dos meios de ação. A vida no Nirvana supera a tudo que se pode sonhar, e sua atividade transcende a todas as possibilidades do nosso pensamento. É uma vida una, mas que se derrama em atividades manifestadas, como a Luz do Logos cujos raios iluminam o universo inteiro. É a meta final do homem neste manvantara. Chegará a ela quando a Sétima Raça terminar sua evolução; e as primícias de nossa humanidade, que hoje tem consciência dela, verão em torno inumeráveis multidões que também a alcançaram para gozar por toda a eternidade da vida do Logos, refletindo nos que cresceram e se fizeram à sua imagem e semelhança, até que um novo universo possa nascer da atividade manifestada. Os seres unidos ao Logos do passado universo formarão o Logos que vai construir o novo Cosmos onde deve evoluir uma nova-humanidade. Tal é o futuro que nos aguarda! Tal é a glória que nos será revelada.

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Glossário de Termos Sânscritos usados no Texto Akasha. O principal dos cinco ou sete Tattvas; o éter, causa psíquica e espiritual do som. Nos arquivos akásicos ficam permanentemente gravados todos os sons, acontecimentos e palavras que proferimos. Arhat, "Digno"; é aquele que atingiu a quarta iniciação e se tornou um adepto. Pode ver o Nirvana durante a vida. Avatar. Uma encarnação Divina. Chela. "Criança". Discípulo de um guru ou sábio; prosélito de algum adepto de escola de filosofia. No Oriente também se chama chela ao discípulo aceito para o estudo de Ocultismo. Dharma. Lei, dever, religião; é o dever e o seu cumprimento. Gunas. São as três qualidades da matéria, os três modos de manifestação cósmica: Rajas, a energia, a atividade, a força centrífuga; Tamas, a inércia, a resistência, a obscuridade, a força centrípeta; Sattva, o ritmo ou equilíbrio que há de resultar de ambas as anteriores, isto é, a verdade, a pureza, a luz. Hamsa. "Cisne", o pássaro branco, símbolo da sabedoria e da iniciação. Segundo a tradição, tinha o poder de separar a água e o leite misturados, e daí representar a virtude ou faculdade do Discernimento espiritual. No Hinduísmo chama-se Hamsa àquele que atingiu a terceira grande iniciação. Jivanmukta. "O liberto ou emancipado em vida". Um adepto ou iogue que chegou ao último estado de santidade e se libertou da escravidão da matéria. Karana Sharira. O corpo causal que, por ser permanente, passa de uma encarnação para a outra. Linga Sharira. É o duplo etérico, que faz parte integrante do corpo físico. Paramahama. Aquele que está além de Hamsa. Sannyasi. O asceta que renunciou a todos os atrativos da vida terrestre. Siddhis. "Atributos de perfeição", poderes ocultos que, graças à sua santidade, adquirem os iogues. Titiksha. Longa e inalterável paciência; resignação, renúncia. Tattva. "Aquilo" eternamente existente, e também os diferentes princípios da Natureza, em seu significado oculto. Dá-se também o nome de Tattva aos abstratos princípios de existência, ou categorias, físicas e metafísicas, que são correlativos aos sentidos externos e internos do homem.

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