Annie Besant - O Caminho Do Discipulado

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ANNIE BESANT

A SABEDORIA DOS UPANIXADES Quatro Conferências proferidas por ocasião do 31º Aniversário da Sociedade Teosófica em Adyar em dezembro de 1906

Tradução de CARLOS ALBERTO DA FONSECA

EDITORA PENSAMENTO SÃO PAULO 2

Título do original: The Wisdom of the Upanishads Edição original da The Theosophical Publishing House Adyar, Madras, Índia

CONTEÚDO

I. II. III. IV.

Conferência PREÂMBULO Brahman é Tudo Ῑśvara Os Jīvātman A Roda dos Nascimentos e das Mortes APÊNDICE

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Página 05 06 16 27 38 52

Preâmbulo Pouca coisa se deve dizer ao se oferecer este livrinho ao mundo. Ele é uma tentativa muito humilde, por sinal - de extrair algumas gotas das veneráveis fontes da sabedoria ariana e de as oferecer para saciar a sede das almas cansadas que viajam pelo deserto à procura da Verdade. Os Upanixades não possuem paralelo na literatura sagrada de todo o mundo. São como faróis no topo de uma montanha, a mostrar quão alto o homem pode subir, que porção de Luz do Eu pode ser percebida através de um vaso de argila, como o Deus verdadeiro pode falar por intermédio do homem. Falar sobre elas e escrever sobre elas pode parecer presunção de minha parte; no entanto, esse esforço pode representar uma ajuda para alguns dos meus irmãos. As traduções foram feitas por mim mesma, mas podem ser consideradas, acho, tão exatas, embora sejam menos rígidas, quanto às que conhece no Ocidente. Uma palavra eu deixei deliberadamente sem tradução - tapas. Não há nenhuma palavra inglesa [nem portuguesa (N. T.)] que expresse o seu significado; as várias traduções que até agora foram feitas - austeridade, penitência, ascetismo, devoção - estão todas elas nela contidas, mas ela é muito mais do que todas juntas. Provém da raiz TAP, "arder". Há nela calor, uma força abrasadora, que tudo consome. O fogo do pensamento está nela, o fogo que cria. O fogo do desejo está nela, o fogo que devora. Pode ser definida como "uma atividade física esforçada continuada, rigorosamente controlada e dirigida pela vontade em direção a um determinado fim e dominada pelo pensamento concentrado". Por meio de tapas Brahman criou mundos; por meio de tapas Visnu alcançou sua categoria sublime; por meio de tapas Mahādeva tornou-se o Jagat-Guru. Por meio de tapas todo Rsi obteve seus poderes sobrenaturais e obrigou que até mesmo os Deva mais relutantes concedessem suas dádivas. Resolvi, então, manter a palavra em sua forma original, de maneira a possibilitar sua inclusão no vocabulário teosófico, do qual já fazem parte karman e dharma. Que este pequeno livro prossiga em sua missão e conquiste alguns adeptos para o estudo de sua fonte.* ANNIE BESANT

* [Na grafia das palavras sânscritas, harmonizou-se a transcrição dos termos originais segundo os critérios estabelecidos pelo Comitê de Transliteração do Congresso Orientalista de Genebra, realizado em setembro de 1894, que são seguidos até hoje pelos indólogos e pelas editoras que menos confusão querem gerar nesse setor. (N. T.)]

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I Conferência

Brahman é Tudo IRMÃOS, No ano passado falei a vocês sobre a Bhagavadgītā, o manual dos Bhākta, os devotos, de todo o mundo. Neste ano tentarei falar-lhes sobre a essência dos Upanixades, os manuais dos Jñānin. Estes livros, a parte mais maravilhosa dos maravilhosos Veda; estes livros, que contêm o Vedānta - o final, o objetivo dos Veda; estes livros, como eu dizia, serão nosso objeto de estudo durante algumas breves horas. Eles nos falam de Brahman - "Deus" do Universo, do Homem: a natureza de Deus, a natureza do Universo, a natureza do Homem; e eles falam dessas grandes verdades fundamentais no sentido mais abstrato, filosófico e metafísico. Só descem ao plano do concreto para oferecer alguma ilustração, algum símile, algo que torne mais luminosa a exposição de pensamentos que nos podem escapar, que possam ser perdidos, em virtude de sua sutileza, por serem pensamentos por demais sublimes para a mente do homem. Aqui, neste pequeno volume - tão pequeno em dimensões, mas muito vasto em conteúdo - oferece-se tudo o que as palavras podem oferecer sobre a essência mesma da Brahma-Vidyā, a Sabedoria Divina, a Teosofia. Ou melhor, tanto quanto as palavras podem oferecer, pois só por meio dos Upanixades é possível oferecer a Brahrna-Vidyā em forma de exposição intelectual. As palavras não podem fazer nada mais do que isso. A verdadeira Brahma-Vidyā, o conhecimento do Eu, não é matéria para palavras, não é matéria para ensinamento. Não pode ser transmitida nem mesmo pelo Mestre mais divino ao discípulo mais apto. Não pode ser comunicada de boca a ouvido, de mente para mente, nem mesmo de Eu para Eu. Outras iniciações podem ocorrer no caminho esplêndido da sabedoria, iniciações quase incríveis em sua beleza; mas essa iniciação mais suprema no conhecimento do Eu deve ser tomada pelo Eu para si mesmo quando ele estiver pronto para se abrir à plenitude de sua própria Divindade. Nada mais a pode dar; nada mais a pode compartilhar; só o Brahman interior pode conhecer o Brahman exterior. Assim, a iniciação final, a mais sublime, é a tomada-do-Eu. Nada mais a pode dar, ninguém a pode reter. Mas essa Brahma-Vidyā, o que é ela? É a verdade central dos Upanixades. É a identidade em natureza do Eu Universal e do Eu Particular: tat tvam asi - ISSO é você. Esta é a verdade final, este é o objetivo de toda sabedoria, de toda devoção, de toda atividade reta: ISSO é você. Nada menos do que isso é a Sabedoria dos Upanixades; nada mais do que isso - pois mais do que isso não existe. E a verdade final de todas as verdades, a experiência final de todas as experiências. Não faz muito tempo que, lendo uma grande revista inglesa, (1) encontrei um artigo intitulado "O valor vital de ideia-de-Deus hindu"; nele observava o autor, e muito exatamente: "É de se duvidar que em qualquer outro país que 5

não a Índia uma proporção tão grande das pessoas de altos princípios tenha concordado - e agido conformemente -- em que o costume maior e eventualmente mal feliz a que elas se podiam aplicar fosse a busca assídua e a descoberta intrépida de Deus, considerando todas as outras coisas da vida como de importância menor." (1) Hibbert Journal, outubro de 1906. Loc. cit., por William Tully Seeger. Bem, o autor não exagera. Este é o pensamento central da mente hindu e o resultado dessa escolha é notável. Por causa disso, por causa da identidade em termos de natureza entre o Eu Universal e o Eu Particular, como se afirma naquele Mahāvākya * que citei - tat tvam asi, ISSO é você -, o conhecimento de Brahman, de Deus, é possível para o homem. Não fosse assim, vocês poderiam ter crença, vocês poderiam ter argumentos, vocês poderiam ter raciocínio, vocês poderiam ter alguma probabilidade razoável - mas vocês não teriam conhecimento. * Uma frase importante, uma grande proposição; designação de qualquer uma das 12 fórmulas sagradas dos Upanixades (além de Tat tvam asi, por exemplo: Aham brahmāsmi, "eu sou Brahman"; da Brhadāranyakopanisad; etadvai tat, "isso é aquilo", da Kathopanisad) e, especialmente, das palavras místicas (tattvam, om, etc.). (N. T.)] Porque ela é a lei da natureza, se vocês olharem ao seu redor, para o mundo que está fora de vocês, só o que vocês podem saber é a que vocês podem responder com seu corpo, ou com sua mente. O que vocês podem conhecer e apenas aquilo de que vocês podem participar. Se vocês podem ver, vocês só veem porque no olho está vibrando o éter cujas vibrações, fora de vocês, são luz. Se vocês podem ouvir, é só porque em seus ouvidos vibram o ar e o éter que, fora de vocês, produzem som. Só quando vocês têm em vocês mesmos, em seu próprio corpo, a mesma coisa que está fora de vocês é que vocês podem conhecer. Então, como é que vocês conheceriam o Espírito universal se vocês não compartilhassem Sua natureza em vocês mesmos? Porque Ele está em vocês, vocês podem conhecê-Lo fora de vocês. Porque, como os Upanixades declaram, Brahman é o Ākāsa que o rodeia, e também o mesmo Ākāsa que está no coração; por conseguinte, vocês podem conhecer, e não só acreditar. É a seguir o artigo que eu estava citando continua a insistir nesse ponto da possibilidade do conhecimento: "Para o hindu culto", diz o autor, "o atributo mais significativo dos seres autoconscientes é sua subjetividade. Ele afirma habitualmente que a ideia de Deus sempre é apresentada à mente no mesmo ato em que se apresenta a ideia do Eu. Simplesmente, a inferência aqui é que Deus deve ser encontrado, não por meio de qualquer uso objetivo da mente; não por um argumento ontológico, cosmológico ou teleológico" - todos os argumentos utilizados no Ocidente para se provar a existência de Deus - "mas penetrando-se todos os estratos mentais com que os processos civilizadores da humanidade cobriram a natureza mais divina do homem". Esse, diz ele, é o valor da ideia-de-Deus hindu. Existe apenas uma consciência, e ela é a consciência-de-Deus. Revelar as camadas da consciência é 6

revelar as camadas da consciência-de-Deus. Talvez seja o Deva mais poderoso que governe um sistema solar, e envie sua radiação que palpita sobre incontáveis milhões de milhas no espaço. Talvez seja a consciência que está dormindo no grão de areia, que o vento levanta e atira daqui para ali, tão leve é o grão para resistir à força do vento. Tudo é consciência-de-Deus, pois não existe nada além disso. E, como a consciência revela desde o grão de areia até a planta, desde a planta até o animal, desde o animal até o homem, desde o homem até os Deva, é só Deus que esta revelando Seus poderes ocultos nas camadas de matéria, em que Ele quer Se esconder dos olhos de carne. Nada mais existe, pois "Brahman é tudo". Não existe consciência que não seja a Sua consciência, que vibra no espaço mais remoto, que vive no átomo mais diminuto; e, quando compreendemos isso, a pergunta tão frequentemente ouvida no Ocidente - "Deus existe?" - perde todo o seu significado. A pergunta tão frequentemente ouvida no Oriente - "Por que Brahman criou o Universo?" - perde todo o seu significado. Não existe nada mais a não ser Brahman. Ele é tudo e o Universo está n’Ele. Sua manifestação é apenas a manifestação de SI mesmo. Não existe nada que não tenha existido antes, nada que se acrescente a Ele. As pessoas pensam que existe algo diferente - "Eu e Ele" , mas existe apenas Ele, imutável. Não é Ele e um Universo, mas Ele como um Universo. Não se trata de uma questão de criação, de adição. E, quando percebemos isso, começamos a compreender a maravilha de algumas das passagens dos Upanixades, nos quais se diz que vocês não podem provar por demonstração, por qualquer raciocínio, a existência do Eu. Não há nisso nenhuma vacilação, nenhuma dúvida, nenhuma fuga. Está escrito: "Nem pode esse Eu ser alcançado por ensinamento. (...) Nem pode esse Eu ser alcançado pelo fortalecimento, nem pela negligência, nem por tapas, nem mesmo pela ausência de qualidades".(2) A Māndūkyopanisad fala ainda mais fortemente, pois ela declara que o Eu é "invisível, indiscutível, intangível, indefinível, inconcebível, inefável".(3) É verdade, então, que não existe nenhuma prova? Oh, não! Eu não terminei de citar o verso; não pode ser alcançado pelo ensino, pelo raciocínio, nem por qualquer coisa que esteja fora de vocês: "sua única prova segura é o Eu", e essa prova está dentro de vocês. Ela a única prova: o Eu. Mas ela é suficiente. Pois nosso Eu é para cada um de nós a mais segura de todas as coisas seguras, a mais certa de todas as certezas, mais estável de todas as estabilidades; assim é o Eu, o Eu que está dentro de vocês e dentro de mim. Vocês duvidam do seu Eu? Mas não podem duvidar dele. Nenhuma prova pode fazê-lo mais forte; nenhuma prova pode abalar a certeza de sua própria existência. No esforço mesmo de refutar o seu Eu, é o seu Eu que examina a refutação. Ele está além da razão. Por quê? Não porque seja desarrazoado, mas porque é a base a partir da qual tudo principia. Esta é a fé real, a verdadeira Sraddhā, essa certeza inabalável da existência do Eu em nós; e, em consequência, diz-se que a fé está além da razão, e não que ela repousa na razão, nem no conhecimento. Ela está acima e além disso tudo. Nenhum homem pode duvidar da realidade de sua própria existência, e nisso se afirma a existência-de-Deus. E, em consequência, está escrito que a 7

única prova segura é o Eu. (2) Mundaka-, III, ii, 3, 4. (3) Loc. cit., 7. Bem, se essa certeza de existência do Eu em sua natureza divina deve ser alcançada, existe apenas um método para tal: meditação e nobre viver. "Esse Eu só pode ser alcançado", está escrito, "pela constância na fé, em tapas, no conhecimento perfeito, no celibato". (4) A retidão absoluta, o desinteresse absoluto, a inteligência absoluta, o autocontrole absoluto. Estes são os caminhos pelos quais a prova da Deidade, que é a consciência da Divindade do Eu dentro de nós, deve ser buscada. (4) Mundaka-, III, i, 5. Mas, estritamente falando, eles são apenas suportes, caminhos acessórios para a destruição de obstáculos, e não a verdadeira compreensão do Eu. Pois Moksa, liberação, que é o conhecimento, ou compreensão, do Eu não é uma coisa a ser alcançada, como sonham negligentemente algumas pessoas. Ele já é seu, porque vocês são divinos, vocês apenas não sabem disso. Da mesma maneira, como um homem que possui uma pérola de valor inestimável e, tendo-a dependurado ao redor do seu pescoço, sobre o seu coração, pode até se esquecer de que a colocou ali, procurá-la na esperança de a encontrar, revirar todos os bolsos, despojar-se de todas as peças de sua indumentária, correr desenfreadamente daqui para ali à sua procura dizendo "Perdi minha pérola, onde está ela?" - assim também é a busca do Eu no mundo exterior. O homem está procurando sua pérola onde ela não está. Ela está com ele, perto do seu coração e tudo o que vocês podem fazer para ajudá-lo a encontrá-la não é procurar, mas dizer: "Veja, sua pérola está sobre seu corpo, não é preciso fazer nenhuma busca". Ela sempre esteve ali, da mesma maneira que Moksa sempre está conosco. Temos apenas de destruir os obstáculos que nos impedem de compreender nossa própria Divindade, para então ficarmos livres. O desligamento com que vocês sonham é Māyā, ilusão; não existe desligamento; vocês são um, um Eu, o Supremo, o Universal. É por isso que se diz que Moksa não é alcançado por palavras. Voltem seus olhos para dentro de vocês, não para fora de vocês, pois a respeito dessa contemplação dirigida para o interior está escrito: "Por meio da quietude dos sentidos ele atinge a majestade do Eu".(5) (5) Katha-, ii, 20. Pensem no que isso significa para o mundo. Os homens sempre estão com medo do avanço do conhecimento numa ou noutra direção. A crítica, a Crítica Superior, tão temida por muitos homens religiosos, o que ela importa? O que a crítica pode fazer? Ela só pode destruir livros; ela não pode destruir o Eu. A Crítica Superior, de que a Europa tanto fala, pode reduzir os livros a pedaços. Não importa quão sagrados, quão prezados, quão antigos os livros possam ser - a crítica talvez seja capaz de os reduzir a pedaços. Mas e daí? Ela não pode reduzir o Eu a pedaços. A prova do Eu está dentro de nós, não fora de nós, não nos livros, por mais sagrados e bem-amados que eles sejam. Os livros provieram do Eu; ele 8

pode produzir outros livros; os livros são apenas a frutificação do Eu, que se desdobra em sua Divindade no homem; e, seja lá o que os livros forem, eles não são o fundamento de nossa fé. A crítica não pode afetar o Eu, cuja prova está dentro de nós. E a ciência, o que ela pode fazer? Ela pode penetrar a estrela mais longínqua - Brahman está além daquilo que está além. Ela pode analisar o átomo mais minúsculo - Brahman é mais minúsculo ainda do que o átomo. O que, então, a Ciência pode fazer? Ela só pode descobrir novas belezas de Brahman num mundo que nada é a não ser o Supremo. Que ela pesquise como quiser, que ela fale como puder: "Só a verdade conquista, não a falsidade". (6) E a Ciência se originará de seus erros e compreenderá o Universo, que é Brahman. Ela não pode achar nada que refute ISSO que é tudo. Esta Verdade - Brahman é Tudo - é a Carta Magna da liberdade intelectual. Deixem um homem pensar; deixem um homem falar. Não se importem se ele cometer erros; um conhecimento adicional o guiará corretamente. Ele não pode vaguear do lado de fora do Eu, pois o Eu está em toda parte. Ele não pode perder o Eu, pois o Eu está dentro dele. Deixem o intelecto elevar-se à vontade, cada vez mais para cima, até onde suas asas possam levar; mais longe ainda os seus poderes, através de sua penetração, Norte e Sul e Leste e Oeste e Zênite e Nadir, Brahman se estende por toda parte, o Eu ilimitável. O intelecto não pode ir para fora do Eu, de que ele é uma manifestação; ele não pode, em consequência, abalar a certeza eterna da existência-do- Eu. (6) Mundaka-, III, i, 6. E esta a Verdade Central dos Upanixades, da que vocês e eu tentaremos nestes breves dias compreender alguma coisa, embora isso seja muito pouco; alguma coisa devemos aprender com essa Verdade que impregna tudo; uma Verdade que não nos pode estontear, por mais radiante, brilhante e gloriosa que seja, pois somos de sua natureza, somos seus raios, sua luz é nossa luz. Não podemos então pensar que podemos tentar educar nossas mentes na harmonia com essa Verdade única, e pedir que aquela "Luz que iluminou todo homem que veio ao mundo" (7) possa brilhar a partir do nosso interior e fora de nós, para que também possamos ver? (7) São João, i, 9.

"O Pūsan, Sustentador de Tudo, abre a boca da Verdade, agora oculta por um véu dourado, para que nós, devotos a Verdade, possamos ver.” (8) (8) Brhaâõranyaka-, V. xv, 1. [Transliteração: hirañmayena pāttrena satyasyāpihitam mukham / tattvam. pūsannapāvrnu satyadharmāya drstaye / / (N. T.)] 9

A consciência do Eu - Deus-consciência, Brahman-consciência - reflete-se de três modos no Universo. Os três estão resumidos no que se chama de quarto, embora na verdade o quarto seja o resumo dos três, mergulhados na Realidade Una. Daí lermos a respeito desse três e do Um que é o quarto: "Ele, esse um é a sílaba suprema, , o pé incomensurável e as partes, as partes são os pés, as letras A U M" (9) são as três partes. (9) Māndukya-, 8. O Aum indiviso, a sílaba una, é o Brahman indiviso, o Brahman Nirguna ["sem qualidades" (N. T. )], a adição: "O quarto", continua a Māndūkyopanisad, "é o indiviso, imóvel, manifestação em repouso, bem-aventurado, sem dualidade; de fato, o Aum é na verdade o Eu", (10) pois ele apresenta sua triplicidade e sua unidade. (10) Loc. cit., 12. As letras, tomadas separadamente - o A, o U e o M -, não são uma sílaba, mas três O que elas significam? A Māndūkyopanisad conta-nos que elas são os três estados da consciência. Bem, há muitos significados para essas três letras, pois elas podem simbolizar as partes e quaisquer trindades que se estabeleçam; e amanhã veremos que, segundo os Upanixades, essas três letras podem ser tomadas Como símbolo do próprio Ῑśvara, Sua Māiā e Sua relação com Sua obra. Podemos tomá-las agora como três estados de Ser, tipos de consciência, Brahman refletido no mundo e a Māndūkyopanisad nos conta quais são esses três estados. Após dizer que "Tudo isto é verdadeiramente Brahman: esse Eu é Brahman; ele, esse Eu, é quádruplo", os Upanixades oferecem três reflexos no mundo da manifestação, sendo que o quarto, como se disse, é "manifestação em repouso". Esses quatro são: (11) Vaisvānara, a consciência desperta; aquela que voces e eu estamos usando agora, às vezes chamada de Eu Vital, ou Alma Vital; talvez possamos chamá-la de Prānātman, o eu pessoal, aquele que existe onde quer que haja consciência corporificada em matéria física; eis Vaiśvānara, o que impregna tudo; Vaiśvānara é a letra A. Depois, existe nos mundo mais sutis o Taijasa, ou consciência super-desperta, que os psicólogos chamam de "consciência-sonho" uma expressão desajeitada e enganadora, de maneira alguma o equivalente do "svapna" dos Orientais, que entendem por "svapna" um estado mais elevado e mais real do que a consciência desperta, ao passo que nenhum Ocidental considera o que ele chama "sonho" como mais elevado e mais real do que o estado desperto - que existe em todos os mundos sutis, que são muitos, no Eu individualizado, no Jīvātman, na Mônada. Eis o segundo estágio de Deus-consciência; Taijasa é a letra U. E o terceiro, que se revela em seu esplendor supremo no mundo mais superior de todos, o Deus-mundo, onde Ῑśvara revela Seus poderes, é o Prajñā; Ele é o que tudo sabe, absoluto em conhecimento, Ῑśvara, o Governante, o Diretor, o Sustentador de Tudo, o Brahman Saguna ["com quaIidades (N. T.)], o Supremo, o Pratyagātman, o Antarātman, de tudo; eis o terceiro estado, a letra M. Essas divisões são adotadas para esse conjunto de conferências: o Brahman indiviso, ou o 10

Tudo; depois a manifestação mais sublime, que na verdade é o Brahman manifestando-se com atributos, o Saguna, o Ῑśvara Supremo; em terceiro lugar, os Jīvātman, espalhados em todos os mundos em que existe consciência - e tudo é consciência - e depois o quarto, a manifestação que chamei de Prānātman, o eu vital, a consciência desperta comum do homem, das feras, das plantas, das pedras, na roda dos nascimentos e das mortes, de tudo que existe. Tudo isso é manifestação do Um e está resumido no Um. Donde o Svetāśvataropanisad dizer: "Isto é louvado como o Brahman supremo, que resume os três, bem-estabelecidos e indestrutíveis (...) Poderia ser conhecido como eterno, como Auto-estabelecido; na verdade, não há nada mais a ser conhecido. Sendo o desfrutador [o Jīvātman] , os objetos de desfrute [a Māyā do Universo] e o Diretor [Ῑśvara] conhecidos, declarase que o Tudo é esse Brahman triplo". (12) Esses três, resumidos em Um - o A, o U e o M, pronunciados como uma sílaba - são Brahman. (11) Loc. cit., 2-5, 9-11. (12) Loc. cit., i. 7, 12. Bem essa maneira de tratar o que se chama de Palavras Sagradas é familiar a todo estudioso da Antiguidade. Se vocês tomarem a Chāndogyopanișad, vocês encontrarão novamente palavras reduzidas às três letras, cada uma delas significando algo e o total contendo uma grande verdade. (13) E essa maneira de construir palavras não está confinada aos Upanixades. Ela se encontra em toda grande religião do passado. O Egito a praticava; a Síria a praticava; os hebreus antigos a praticavam; os gnósticos a praticavam. Toma-se uma letra que comporte um significado; acrescentam-se-lhe outra, cada uma delas dotada de um significado; toda palavra feita com essas letras é chamada de Palavra Sagrada, ou uma Palavra de Poder. Na verdade, e as são Palavras de Poder, pois não são meramente pronunciadas pelos lábios, mas pela consciência desabrochante; e, na medida em que ela compreende uma verdade após a outra e, na medida em que compreende cada uma delas, torna-se essa verdade e é Senhor dela, governa-a. Todos os francomaçons conhecem essas palavras, mesmo que seu significado tenha sido perdido pelos Mestres. (13) Ver loco cit., VIII, iii, 5, etc. Os resultados que procedem dessa Palavra de Poder, o Aum, são os mais poderosos, os mais incentivadores, pois essa Palavra representa em suas três letras tudo que existe - o Brahaman triplo como manifesto, o Um como imanifesto; quando pronunciada como uma triplicidade, significa o Brahman três vezes manifestado e, quando pronunciada como uma unidade, significa o Brahman Nirguna. Donde ser a mais sagrada das Palavras sagradas. Vejamos agora a evidência que os Upanixades nos dão de que Brahman é Tudo. Tomemos primeiramente a afirmação feita nitidamente na Chāndogyopanișad: "Aum, na verdade, é Tudo. A Aum é na verdade Tudo". (14) Vimos que Aum significa o Brahman indiviso; vemos agora que ele significa o Tudo. A Taittirīyopanișad coloca essas duas afirmações numa única frase: "Aum é Brahman; Aum é Tudo". (15) Visto que duas coisas que são idênticas a uma terceira coisa são idênticas entre si, 11

Brahman e tudo são idênticos. Este é o testemunho da Sabedoria Antiga. Não há nenhuma diferença. Não há nada mais. Brahman e Tudo são a mesma coisa. (14) Loc. cit., II, xxiii, 3 (em algumas edições, 4). (15) Loc. cit., I, viii. Uma outra verdade a respeito dessa Palavra maravilhosa é dita por outro Upanixade: "O Satyakāma, esse Aum duplo, o Brahman Supremo e o Inferior" (16) - o Para-Brahman e o Apara-Brahman -, todo o mistério reside oculto nele. O que significa isso - o mais alto, o mais baixo, o supremo, o inferior? O Upanixade explica que, quando as letras são tomadas separadamente, designam-se o mundo Apara, ou mais baixo, Brahman; e, quando a palavra é pronunciada como uma sílaba, então denota-se o Para, ou supremo, Brahman. (16) Praśna-, v, 2. É isto o que Yama diz a Naciketas, ao expor esse mistério dos Dois que são apenas Um. Ele afirma: "Essa sílaba é na verdade Brahman, essa sílaba é na verdade o Supremo", (17) e Sri Safikara, comentando essa afirmação, salienta que a primeira sílaba significa o "Brahman inferior", a segunda o "Brahman supremo". (17) Katha-, ii, 16. Voltemos novamente à Chāndogyopanișad, a fim de aprender mais sobre esse mistério que é o Tudo. "Na verdade", está escrito, "esse Tudo é Brahman; dele ele nasceu, nele se dissolveu, por ele é mantido". (18) Sobre o Brahman manifesto, o primeiro fator do Brahman Apara, o Eu, o Purușa, está escrito: "Ele está estabelecido no Eu imperecível supremo". (19) (18) Loc. cit., III, xiv, i. (19) Praśna-, iv, 3. Talvez o melhor símile fosse tomar nossa própria mente e pensar nos pensamentos que aí surgem, como um Universo manifestado em Brahman, o Tudo. Na mente estão contidos todos os seus pensamentos; dela eles nascem e nela eles desaparecem. Em Brahman, os Universos surgem em sucessão infinita, uma cadeia que não tem começo nem fim. Imutável, porque inclui tudo; todas as coisas estão nele, literalmente todas as coisas; tudo que esteve no passado, tudo que está no presente, tudo que estará no futuro, tudo que é concebível, tudo que é imaginável, todas as coisas que podem ser, tudo reside nesse Tudo imensurável; não existe nada mais. Absoluto, porque não há nada mais com que ISSO possa estar em relação. Não há nada mais exceto Brahman. Os Universos surgem dessa plenitude imensurável, como as ondas surgem de um oceano; e, como as ondas somem novamente no oceano, os Universos desaparecem. Tudo que foi e que é está sempre lá, na realidade imutável da vida. Tudo que sempre pode ser dorme lá, nesse regaço ilimitado de fraternidade universal. Não há nada mais. Todas as coisas estão ali em uma realidade simultânea e imutável de vida sempiterna. E assim os sábios disseram que todos os opostos estão ali, a fim de forçar a mente humana a compreender que nada foi deixado de fora, que não há nada fora dISSO, que não há nada mais. Vocês não podem falar de um Universo 12

como se ele estivesse sendo feito, como se ele nunca tivesse existido antes, pois tudo está n’ISSO que não muda. Todos os opostos encontram aí sua reconciliação, sua destruição mútua; todos os opostos aí mergulham uns nos outros, pois ISSO é tudo e não há nada mais. Demorem-se nesse pensamento até que ele se torne familiar. Façam-no parte de suas mentes. Tentem imaginá-lo de diversas maneiras. Vocês podem, por exemplo, tomá-lo no sentido em que a Ciência vê o Universo; ela nos conta de um Universo ilimitado; descobrem-se sistemas cada vez mais distantes e, quanto mais poderoso o telescópio, maior é a distância da estrela mais remota. Vão mais longe ainda, para além da estrela mais distante que a ciência vê com o telescópio mais poderoso; o Brahman infinito se estende para além com possibilidades desconhecidas, possibilidades infinitas de manifestação; não há começo nem fim para Brahman; não há nada além. Pensem nele outra vez, até a mente ficar aturdida. Pensem nele mais uma vez, até sentirem algum efeito da imensidade. Tudo isso é apenas a plenitude da manifestação transbordante da existência. E lembrem-se de que ISSO sempre é; ele não se torna. Os Universos se tornam. Eles nascem, mas o ETERNO é imutável; ISSO não conhece presente, nem passado, nem futuro, pois Tudo É, e Tudo é Brahman. Deixem que a profundidade e o esplendor desse pensamento se demorem na mente até que ele se torne parte de seu Eu mais verdadeiro e vocês não possam pensar em mais nada que esteja fora dISSO que é. Não ouso usar a palavra existir; e logo vocês verão porque essa palavra, de utilização tão natural nesse contexto, não passa pelos meus lábios. Nós só podemos dizer que Ele é, não que Ele existe. "O Universo, tudo isso, seja o que for, move-se na Vida, emana dela". (20) E alguns símiles nos são oferecidos: "Como uma aranha lança e recolhe seus fios; como as ervas provêm da terra; como os cabelos nascem no ser humano - assim esse Universo passa a ser a partir do Imperecível”. (21) "Como de um fogo flamejante saltam aos milhares as centelhas de natureza semelhante, assim também do Imperecível, ó caro, nascem existências múltiplas que para ele retornam".(22) No Brahman imperecível jazem latentes tanto a sabedoria quanto a ignorância - uma ignorância na verdade perecível, uma sabedoria na verdade imortal - Ele que governa a sabedoria e a ignorância, Ele, na verdade, é outro". (23) (20) Katha-, vi, 2. (21) Mundaka-, I, i, 7. (22) Ibidem, II, i, 1. (23) Śvetāśvatara-, v, 1. O que se origina disso? Que além do Universo manifesto, além do Deus oculto em seu interior, há o Ser puro, o Ser abstrato, ou melhor, a Ser-dade, como H. P. B. o denominou. Ouçam as palavras maravilhosas da Chāndogyopanișad: "No começo, ó caro, havia na verdade essa existência pura, una, em verdade, sem segundo. Dizem: Antes dela era a pura não-existência, una, em verdade, sem segundo; dessa não-existência nasceu a existência".(24) Eis porque H. P .B. usou 13

o termo "Ser-dade", e não "Ser". A Ser-dade pura é ISSO em que tudo está, o oceano eterno, mutável, absoluto, simultâneo, em que a existência nasce. Pois a palavra existência provém do latim ex-sistere, ser-para-fora, o ser que é manifestado, o ser que nasceu, por assim dizer. A existência, a vida, provém desse Tudo, dessa não-existência. ELA É, e, quando vocês disserem isso, tudo terá sido dito. (24) Chāndogya-, VI, ii, 1. Como então podemos falar sobre Ele? Como podemos expressá-Lo? ISSO que é todas as coisas, que não tem partes, é indivisível, a não-existência que dá origem à existência? "A voz não vai, nem a mente, para onde o olho não vai. Não conhecemos, nem percebemos, como ISSO pode ser ensinado. ISSO é na verdade diferente do conhecido, está além do desconhecido. Assim ouvimos dos Antigos, eles que nos instruíram. ISSO que existe não pela voz, mas ISSO pelo qual a voz existe, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal. ISSO que pensa não com a mente, mas pelo qual a mente pensa, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal. ISSO que vê não com o olho, mas pelo qual o olho vê, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal. ISSO que ouve não com o ouvido, mas pelo qual o ouvido ouve, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal. ISSO que vive não pela vida, mas pelo qual a vida vive, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal". (25) (25) Kena-, i, 3-8.

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II Conferência

Ῑśvara IRMÃOS, Trataremos hoje de um assunto que em algumas passagens é mais difícil que o de ontem. Por meio de um esforço mental é possível reconhecer, intelectualmente pelo menos, a grande verdade segundo a qual "Brahman é Tudo". Mas quando vocês devem tratar da questão da manifestação, quando vocês devem se empenhar em compreender intelectualmente o que se quer dizer com o surgimento da existência a partir da não-existência, do ser a partir do não-ser, então vocês se defrontam com um problema tão difícil que até mesmo os livros dos Jñānin se esquivam em explicar. Nós sentimos essa dificuldade quando ali se diz "Como é que isso pode ser?", quando o discípulo pergunta ao mestre: "Como é que o ser pode provir do não-ser?" e o mestre não tenta explicar, mas apenas reitera a verdade e acrescenta: "Ele decidiu: 'Que eu me torne muitos, que eu nasça'." (1) Por que não existe aí nenhum esforço de explicação, se uma explicação segura, se isso existir, deveria estar acima de tudo que se procura? Eu acho que a razão é a seguinte: ninguém pode esperar compreender pelo exercício do intelecto, pelo uso da razão pura e simples, esse mistério final. A intuição espiritual é necessária, e um discernimento que vai além do poder de Manas, a mente, e põe a Buddhi em atividade como o veículo do Eu; e a verdade é que vocês nunca entenderão essas verdades elevadas e finais sem alguma parcela de ensino ou de estudo; vocês só a podem entender por meditação, na qual se vê a glória do Eu. E tudo o que eu espero poder fazer por vocês, meus irmãos e companheiros de estudo, é colocar diante de vocês aquilo que eu consegui com o estudo desses escritos maravilhosos e com a meditação, deixando que vocês encontrem por vocês mesmos, em sua própria meditação, até que ponto o que eu digo em palavras é verdadeiro para a verdade e até que ponto a limitação da conferencista torna inverídica a verdade que os lábios débeis tentam - não falar - mas balbuciar; pois me é impossível alcançar nestas regiões a fala verdadeiramente articulada. Sendo assim, farei o melhor que puder, deixando que vocês julguem; e eu lhes peço que se lembrem aqui, como também em tudo que lhes seja ensinado numa plataforma teosófica, de que o mestre não tem autoridade algum para impor seu próprio pensamento às mentes de outros pensadores, mas ele é apenas um companheiro de estudos que talvez tenha recebido o dom da fala; cada um tem o direito, não, o dever de pensar por si mesmo; cada um tem a responsabilidade de formular seu próprio julgamento. (1) Chãndogya-, VI, ii, 1-3. Retomaremos nosso estudo a partir da frase que citei ontem, e que repito hoje: "A existência provém da não-existência". Bem, as palavras em sânscrito são: "De Asat Sat nasceu" e elas nos lembram de um princípio do qual devemos nos 15

lembrar: o de que essas palavras-raízes possuem dois significados fundamentais: um muito, muito elevado, nos mundos em que as palavras não precisam expressar a verdade, e um outro mais inferior; e a grandeza e a profundidade do significado superior correspondem à limitação e à superficialidade do significado inferior. Asat é uma palavra e Tamas é outra palavra. E talvez seja mais fácil para vocês reconhecer a verdade desse ponto de vista se ela for colocada em relação a Tamas. Pois está dito num livro muito conhecido - não direi que seja um livro autorizado, embora tenha muito da autoridade do conhecimento - que tudo provém de Tamas e que tudo volta para Tamas. Tamas aqui não é o Tamas inferior, uma das três Guna, mas é aquela Inércia imóvel, aquela Quietude absoluta em que as três Guna estão equilibradas uma em relação à outra, num equilíbrio perfeito. Quando esse equilíbrio das Guna é perturbado, tudo passa a existir. Mas vocês não devem confundir esse equilíbrio, o Tamas superior, com o significado que aqui atribuímos a Tamas, à inércia da matéria física, ou à preguiça que é o maior inimigo do homem, a qual ele deve vencer se quiser encontrar o Eu. É muito sutil a conotação das palavras, as palavras são inadequadas para a expressão dos grandes significados e devemos tomar cuidado para que, ao utilizarmos as palavras, não confundamos os ouvintes e os façamos tomar o inferior pelo superior. Temos uma proteção naquelas palavras elevadas as Palavras de Poder de que falamos ontem, pois elas podem colocar as coisas de uma maneira que pode ser intuída, mas que perde muito de sua exatidão quando explicamos o significado em orações desenvolvidas. A maior de todas as Palavras de Poder, o Pranava, a sílaba única, vocês se lembram, significa o Brahman Nirguna. Mas a mesma sílaba, quando se quer que ela expresse a triplicidade, significa o Brahman Saguna. O que isso indica? Que se trata da mesma coisa, e não de uma outra. Mas que a exibição dos atributos estabece uma diferença externa. Quando não tem atributos, o tríplice é enunciado como Sat Cit e Ānanda - Existência, Consciência e Bemaventurança. O Primeiro Ser é o Brahman Saguna. Eu poderia citar um grande número de śloka ["dísticos" (N. T.)] em que se utilizam três grandes atributos para a expressão do ISSO que está além do alcance de todas as palavras. Bem, pensem nisso em sua meditação e tentem captar o significado - a sílaba única, o Nirguna: a mesma palavra com uma diferença (três sílabas, o Saguna: e isso os poderá levar a algum lampejo do mistério; como o Um se torna o Três, o mesmo, e no entanto, pela presença das qualidades manifestas, diferente. E qual é a diferença? Uma diferença interna: a de que onde os opostos aparecem, e ao aparecerem aniquilam-se uns aos outros e desaparecem, esse é o Um; a de que onde eles aparecem como opostos e aí ficam como tal, esse é o Três. A antítese última da existência é Ῑśvara e Māyā. Paremos um pouco por aqui e vejamos até que ponto os Upanixades nos podem ajudar. "Da não-existência nasceu a existência." A Taittirīyopanișad repete a frase e nos conta do Nascido, do Ser, da Existência: "Ele, na verdade, é o Eu corporificado do ISSO". (2) O Eu corporificado do Brahman Nirguna é o Brahman Saguna. Mas na expressão "Eu 16

corporificado" vocês veem surgir a primeira diferença, que é necessária ao serpara-fora, a ex-istência. Daí a diferença, porque Ele é a corporificação da essência de tudo; e mesmo então o "corpo" é em si mesmo imanifesto, porque escondido e ocultado, embora, no sentido metafísico mais superior, seja manifesto, porque as qualidades são declaradas. Novamente os mesmos Upanixades falam de Brahman como "Verdade, Sabedoria, Infinitude". (3) (2) Taittirīya-, II, vi, 1. (3) Taittirīya-, i. E ouçam as palavras com que a Brhadāranyakopanișad tenta esclarecer o mistério no interior da garra das palavras. "Infinito Isso, Infinito isso; do Infinito o Infinito surge; tomando o Infinito a partir do Infinito, o Infinito permanece. Aum é o éter, é Brahman." (4) Essa passagem maravilhosa mostra quão frágeis são as palavras humanas; e as palavras, depois que se medita sobre elas, podem auxiliar vocês numa apreciação da verdade. Não existe diferença, pois dois Infinitos não podem existir; e no entanto o fato da manifestação com atributos estabelece uma diferença aparente onde na verdade não há nenhuma diferença e igualdade no Um. Um outro śloka nos socorre: "Bicorporificado é Brahman" - o Brahman Saguna, o Brahman imortal, estável e instável, manifesto e além". (5) Há um śloka bastante conhecido da Bhagavadgītā que nos pode auxiliar, e vocês devem se lembrar de que eu no ano passado salientei particularmente esse śloka, em que Śrī Kṛṣna esta explicando esse grande mistério. Ele fala de Sua natureza inferior, aquela que é Prakṛti: depois Ele fala de sua natureza superior, Daivī Prakṛti, isto é, substância divina; e a seguir Ele fala que mais acima dela está "uma outra". Fala do manifesto e do imanifesto, e então: "Mais elevado que esse imanifesto outro imanifesto, eterno, que não é destruído na destruição de todos os seres". (6) Vocês têm aí a mesma ideia. Há o Eu oculto, o mais elevado, imanifesto, informe, imortal, estável, além, a letra A do Praṇava. Há um manifesto que vemos ao nosso redor, o segundo corpo do Brahman Saguṇa, o formado, o mortal, o instável, o manifesto - a letra U - e entre os dois, o elo que os liga, o imanifesto inferior, o corpo mais sublime, a Daivī Prakṛti, a Relação entre Espírito e Matéria, entre mortal e imortal, entre imutabilidade e mudança, que torna possível este Universo; e ele permanece tão constante quanto o Universo, pois sem ele o Universo não poderia ser. É a terceira letra do Aum trissilabado, o M que cria e destrói. E novamente está escrito: "Perecível é a matéria-do-mundo (Pradhāna); imperecível, imortal é Hara. Ele, o Deus uno, governa o perecível e o Eu." (7) - a primeira corporificação do Eu, a Relação estabelecida por Seu pensamento entre Ele próprio e Māyā. Paremos um momento por aqui e tentemos compreender o que descobrimos ser o significado do Aum trilítero nos Upanixades. o significado do A, do U e do M. (4) Loc. cit., lI, i, 1. (5) Loc. cit., II, iii, 1. (6) Bhagavadgītā, viii, 20. (7) Śvetāśvatara-, i, 10. 17

A letra A é a primeira de todas as letras, a letra sem a qual é impossível a pronúncia de qualquer outra letra. Toda consoante no sânscrito implica na sua presença. Vocês não podem pronunciar qualquer consoante sem a pronunciar, por mais suave e por mais baixo que a digam. Nada pode ser dito sem que ela aí esteja presente. Em consequência, o A é o Eu, no Aum tríplice, pois sem o Eu não há manifestação, não há existência. Nada existe em que o Eu não esteja presente – latente ou oculto, “Nada existe, móvel ou imóvel, que exista desprovido de Mim.” (8) (8) Bhagavadgītā, x, 39. Depois vem a segunda letra, U; o que ela representa? Vocês ouviram os śloka que eu li, ela é o Pradhāna, a Matéria, o Não-Eu, para lhe dar seu melhor nome, dado que só o conhecemos ao pensar no Eu. Quando compreendemos o que o Eu é, negamos suas qualidades ao seu oposto, e este é a matéria alcançada pela negação, não pela afirmação, A ideia fundamental da matéria é: "Ela não é o Eu". Estas são as duas grandes antíteses, os polos meridional e setentrional, entre os quais a teia do Universo é tecida. Pai-Mãe, H. P. Blavatsky os chama; e entre o Pai, o doador-de-vida, e a Mãe, o recipiente, a forma recolhe o que é o Filho; a teia do Universo é tecida - para usar uma expressão de um Upanixade (9) - para trás e para a frente entre Eles. A teia começa com o Pai unindo-Se à Mãe pela declaração: "Eu sou Isto"; depois a emanação que é o Filho aparece; e quando Ele repudia Seu Filho e diz "Eu não sou isto", separando-Se da Mãe, então o filho desaparece; pois ele só pode viver onde o Pai afirma sua existência, e, quando aquela afirmação se transforma em negação, ele desaparece. (10) Depois Ῑśvara e Māyā voltam a ser um e não há nada manifesto, pois Ῑśvara não pode aparecer sem Māyā, nem Māyā sem Ῑśvara. Eles são reciprocamente dependentes, pois, embora Ele sempre seja, Ele não é manifesto exceto onde Ele pensa Māyā, e isso torna possível a manifestação. Assim, seguindo nosso caminho em meio a essa grande dificuldade, descobrimos o significado de nossa Palavra de Poder: A é o Eu; U é o Não-Eu, e M, que resume toda afirmação e toda negação, é a declaração mutável: "Deixa-me ser muitos" e "Nada existe, apenas eu". A resposta a "Deixa-se ser muitos" é o aparecimento dos muitos, do mundo, do Universo. (9) Bṛhadāraṇyaka-, III, vi. 10 Aham-etat-na: "Eu-isto-não". Bem, a afirmação, da união, que emana, é declarada na Śvetāśvataropaniṣad; ali se diz "Unido a Māyā Ele emana este Universo" (11) e na Bṛhadāraṇyakopaniṣad, onde se diz: "Ele disse em primeiro lugar 'Eu sou Isto'" (12); e outra vez: "Ele sabia: 'Eu sou na verdade essa emanação'" (13) (estou traduzindo a palavra sṛṣṭi como emanação). Às vezes o Universo é chamado "Isto" simplesmente, que cobre tudo o que aparece. "Ele sabia: 'Eu sou na verdade essa emanação'." É esse conhecimento que dá toda vida, toda possibilidade de existência à emanação, pois não há fonte de vida exceto o Eu, e só como Ele Se faz idêntico à Sua emanação é possível que um Universo exista. Quando Ele afirma, o Universo é; 18

quando Ele nega, o Universo desaparece n’Ele. Este processo mutável, esse pensar - "Deixa-me ser muitos" e depois "Que os muitos cessem" - é o nascimento e a morte continuamente em ocorrência dos Universos e é esta triplicidade - o Eu, o Não-Eu e a Relação entre eles - que está resumida no Aum, a sílaba tríplice. (11) Loc. cit., iv, 9. (12) Loc. cit., I, iv, 1. (13) Loc. cit., I, iv, 5. O aparecimento de um Universo e seu desaparecimento, a sucessão no tempo e no espaço - os únicos meios pelos quais se pode expressar a simultaneidade eterna da Ser-dade do Um. As palavras que citei da Chāṇḍogyopaniṣad são repetidas na Taittirīyopaniṣad: "Ele desejou: 'Possa eu ser muitos, possa eu nascer'." (14) Ele, o Ῑśvara Supremo, por expressão de Sua vontade tornou-se muitos; foi Ele o primeiro a apresentar a dualidade entre Ele e Māyā - Ele "desejou um segundo (...) Ele dividiu" (15) - e, continuando naquele mesmo pensamento de multiplicidade, Ele Se limitou e Se limitou e Se limitou, até que fosse visível a multiplicidade infinita do Universo. As limitações são impostas por Sua vontade. Ele, o Um, quer ser muitos, e os muitos dependem da possibilidade da vontade para se multiplicarem. Este é o Ῑśvara Supremo, o Pratyagātman, o "Ῑśvara de todos os Ῑśvara", (16) o Eu Universal. (14) Taittirīya-, II, vi. (15) Brhadāraṇyaka-, I, iv, 3. (16) Sanatkumāra Saṁhitā, xxx, 30. O que é Māyā? "Māyā na verdade é Prakṛti", diz a Śvetāśvataropaniṣad, "Quem possui Māyā na qualidade de Maheśvara” (17) o grande Ῑśvara, o próprio Brahman Supremo, tornado manifesto por suas qualidades. Donde termos em Māyā a essência da separação, devida ao fato de Sua vontade ser muitos, e Suas consequentes limitações de Si por Seu pensamento de multiplicidade. Eis a origem de todos os seres que provêm do Ser Uno. Às vezes Māyā é chamada Prakṛti, Matéria, às vezes Mūla-Prakṛti, a Raiz-Matéria, às vezes Pradhāna, o germe primário da filosofia Sāṁkhya, às vezes Ākāśa, o éter. "O Ākāśa é o corpo de Brahman", está escrito na Taittirīyopaniṣad. (18) Quantos são os seus nomes! Ele é a Raiz de todos os nomes, e no entanto não tem nenhum, pois todos esses nomes são apenas descrições; eles não definem, eles apenas apontam o Ser Uno, que é o Eu Universal. Um Upanixade fala d’Ele como "o grande Um imperecível"; (19) outra fala d’Ele como um "Devātman", o Eu divino; (20) outra como o "Aham", o "Ego", (21) talvez o nome mais profundo e mais verdadeiro de todos, porque o "Ego" que é nós mesmos é Sua Ego-idade; o "Ego" que está em vocês e em mim é apenas a centelha de Sua natureza que vive dentro de nós. Não há outro Aham, "Ego". Às vezes é chamado de Puruṣa, o Homem, o Homem Uno. E está escrito que ele é o Puruṣa que está além da Mônada manifesta, "o limite último, o objetivo mais elevado". (22) Além d’Ele está apenas aquele Nada que é Plenitude, aquele Não-Ser que contém o Ser, aquela Não-Existência que é a Raiz da Existência e está 19

além de todo alcance. (23) (17) Loc. cit., iv, 10. (18) Loc. cit., I, v. (19) Muṇḍaka-, V, i, 2. (20) Śvetāśvatara-, i, 3. (21) Bṛhadāraṇyakā-, VI, v, 4. (22) Kaṭha-, iii, 11. (23) Para uma exposição completa desse ensinamento, ver The Science of Peace, de Bhagavān nas, especialmente o capítulo vii. Não conheço nenhuma outra obra em que a doutrina final, continuamente referida aos escritores antigos, esteja exposta tão luminosamente. Ali temos o AUM como: A=Aham, U=Etat, M=Na: assim, o logion final é Aham-etat-na. Limite último, o objetivo mais superior, posto que maravilhoso e poderoso, Ele está "oculto em todas as criaturas". (24) Não para além de tudo; não, Ele não está além de nós. Pois, embora Ele seja tudo o que é - e num momento verem o quão enfaticamente o Upanixade declara que, onde "Ele se manifesta, tudo se manifesta após Ele" - e, embora sem Ele nada exista, Ele está oculto em seus corações e no meu. E foi assim que um poeta inglês, por alguma estranha intuição que apanhou um lampejo da profunda Realidade oculta em si mesmo, invoca seu próprio espírito para falar a Ele, porque ele é Ele próprio: "Ele é mais íntimo do que o alento; mais próximo do que as mãos e os pés. Tão próximo está Ele, o Eu mais profundo de cada um de nós." (24) Śvetāśvatara-, iii, 7. Algum outro ensinamento é tão glorioso, tão inspirador quanto este? Algo sobre o que, em momentos da mais extrema solidão, o coração humano pode repousar é tão firme quanto o fato de que Ele, que mantém o Universo em Seu interior, vive oculto no coração de todos? Que importam todos os equívocos, que importam todas as asneiras, que importam todos os erros? Eles são mortais, perecíveis, transitórios e o Eu está em nosso coração, nós somos o Eu. Ele é o Evangelho verdadeiro; a "história da salvação" sobre a qual todos os corações podem descansar; tudo o mais pode nos falhar, mas o Eu, que é nosso Eu, nunca pode falhar. E se por temor pudéssemos pensar que a boa nova é boa demais para ser verdade, se por medo pudéssemos pensar que essa grande coisa não pode ser, os Upanixades repetem isso de várias maneira, com detalhes. Permitam-me mostrarlhes alguns dos śloka que nos contam quão absolutamente verdadeira é essa verdade esplêndida: "Por Ele, de quem ninguém é maior, de quem ninguém é mais sutil nem mais antigo, que permanece inabalável nos céus como uma árvore, o Um, o Espírito, tudo isso está impregnado." (25) Se voltarmos ao 20

discurso de Yamas a Naciketas, nós o veremos explicando as muitas formas do Eu: é o Eu que, como o Sol, mora no céu, como o vento na atmosfera, como o fogo na terra; Ele mora no homem, no éter, na água, nasceu na terra, no sacrifício, nas montanhas; "Ele é a verdade, o grande Um." (26) "O Eu uno (...) é o Eu interno de todo ser." (27) "Ele, o Um, o Senhor, que torna múltipla a natureza é o Eu interno de todos os seres." (28) E a Muṇḍakopaniṣad nos apresenta a mesma história maravilhosa: "Disso nasceu a respiração, a mente, todos os sentidos, o éter, o ar, a luz, a água, a terra, o suporte de tudo". D’Ele o fogo cujo fluido é o Sol, d’Ele a Lua, d’Ele os Deuses, os homens, os quadrúpedes, as aves, os ares vitais, os sete sentidos, os sete fogos, os sete canais em que os ares vitais se movem, que dorme na cavidade do coração, d’Ele todos os mares e todas as montanhas, todos os rios e todas as ervas. (29) "Mulheres, homens, virgens, jovens e donzelas. Velhos, que cambaleiam com seu cajado. Vós nascestes, vossa Face é o Universo. (30) Criaturas azuis, e criaturas de olhos vermelhos, de asas verdes, o ventre-do-trovão, as estações do ano e os oceanos." (31) E depois, após toda esta descrição da realidade da entidade do Eu universal e do Eu particular, declara-se que: "O Eu Supremo sempre morou nos corações dos seres" . (32) "Na verdade esse poderoso Eu em gestação é Aquele que é a inteligência do que vive; o mesmo que é éter no interior do coração, onde Ele dorme". (33) (25) Śvetāśvatara-, iii, 9. (26) Kaṭhā-, v, 2. (27) Ibidem, 9. (28) Ibidem, 12. (29) Resumido da Muṇḍaka-, Il, 1, 2-9. (30) Comparar com o Corão: "Todas as coisas perecerão exceto Sua Face." (31) Śvetāśvatara-, iv, 3, 4. (32) Ibidem, iv, 17. (33) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 22. Não devemos ter medo, então, de reivindicar nosso direito de primogenitura; não devemos ter medo de declarar: "Eu sou Ele, e não há mais ninguém". Se vivemos, somos parte d’Ele. Dizer que não somos Ele é nos declararmos mortais, perecíveis, e, quando a religião tiver perdido sua verdade, ali e só então pode surgir a pergunta: "O homem tem uma alma?" Quando nos conhecemos como o Eu, não há lugar para se perguntar pela imortalidade; pois Ele é em-gestação, imorredouro, antigo, perpétuo, eterno. (34) Ele existe sem depender de qualquer corpo; Ele está acima e além de tudo, a fonte de tudo que é. (34) Bhagavadgītā, ii, 20. Mas como podemos saber disso? Aqui volta uma vez mais a moral de todo Upanixade. Vocês só podem saber isso com a compreensão de seu Eu. Como eu lhes disse ontem, Mokṣa não se alcança, ele é de vocês. Mas existem obstáculos que Māyā construiu, que a Matéria, que é Māyā, preparou. Os corpos de vocês os 21

cegam. Não transparente como o vidro de uma lâmpada, através do qual brilha a luz, mas maculado por mais de uma coisa inferior, o Não Eu, que repudia o Eu. Mas esta tudo de pernas para o ar. O Eu pode confirmar e pode repudiar a Matéria. Mas o que é a Matéria, que se aventura a ser confirmada ou repudiada pelo Eu? Sua existência só é extraída do Eu; só nele ela repousa. E é isso que nos engana, que nos cega, que nos torna impotentes. E em consequência exige-se a purificação do veículo antes que um homem possa ver a majestade do Eu. Este e o caminho. Não é a Realidade, mas o caminho para ela, e mostrar esse caminho é o trabalho de todas as religiões. As religiões, que nasceram da aspiração que o Eu alimenta por se conhecer, dão os muitos meios, os muitos caminhos pelos quais os veículos deixarão de obstruir a manifestação do Eu. O Eu não muda. Está sempre lá, no nosso interior, como o Sol no céu. Ele brilha sempre. Mas nuvens podem ocultar aos olhos o Sol que habita sobre as nuvens; as nuvem podem escondê-lo, embora suas encostas fiquem brilhantes com o brilho do Sol. E a obra de todas as religiões, a obra de cada um de nós de vocês e minha, é purificar os veículos de maneira a afugentar as nuvens, para que o brilho do Eu Sol possa brilhar em nossos corações. Não é Ele que muda, mas o eu interior que se purifica. A separação é Māyā. A multiplicidade é Māyā. Mas só podemos nos desfazer dela por um lento processo de purificação, compreendendo que a Matéria não deve dominar o Eu, mas que o Eu deve dominar a Matéria. Não é Ele chamado de Possuidor de Māyā? Mas o Eu que está em vocês e em mim é possuído por Māyā, não é seu possuidor. Aí reside a dificuldade. Por isso está escrito que os grilhões do coração devem ser quebrados. (35) Por isso está escrito que um homem deve fugir dos caminhos do mal. (36) Por isso está escrito que devemos seguir a retidão, e o conhecimento, e a devoção. (37) Porque, por todos esses meios, o homem pode tornar-se senhor de Māyā, e, quando dominar Māyā , ele se conhecerá como Eu. Este é o caminho. E assim esta escrito: "Os que O conhecem como vida da vida, como olho do olho, como o ouvido, esses conhecem Brahman, o Antigo, o Primeiro". (38) “Quando ele vê o Eu como Deus, o Governador do passado e do futuro, então Ele não O ocultará de si". (39) Ele só quer estar oculto até que tenhamos dominado Māyā tão bem, que Ele possa ser visto ao olhar por nós. Sobre isso se construíram todos os Yoga; sobre isso se construiu toda retidão; sobre isso se construiu todo viver nobre. Mas, de todos os enganos com que a poderosa Māyā desencaminha o Eu corporificado, de todos os obstáculos e de todas as dificuldades que Māyā atira no caminho da compreensão-do-Eu - é a pior de todas as hipocrisias, de todos os enganos, a que faz um homem declarar com lábios impuros, com vida despurificada, ser escravo, instrumento, de Māyā, identificando-se com Māyā: "Eu, concha de Māyā, sou Brahman". Pois a vida, não os lábios, deve dizer as palavras, e os lábios são indignos se a vida declara o contrário. (35) Muṇḍaka-, II, ii, 8. (36) Kaṭha-, ii, 24. (37) Muṇḍaka-, 111, i, 5. (38) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 18. 22

(39) Ibidem, 15. Bem, passemos agora a um ponto que embaraça muitas pessoas. Até aqui falei de Ῑśvara, o Supremo. Mas a palavra Ῑśvara é utilizada para outros Seres que não o Brahman Saguṇa e muitas dificuldades surgiram muitas vezes em relação a essa questão entre teósofos iletrados e hindus também iletrados, Os teósofos aprenderam a usar a palavra Ῑśvara para muitos Governadores, os Logoi, e às vezes um hindu iletrado não sabe que Ῑśvara também possui este significado em muitos Śāstra. A palavra Ῑśvara só significa Senhor, Governante, e o Senhor de qualquer Universo, de qualquer sistema, também é chamado Ῑśvara, como todo hindu erudito sabe. Esta é uma dificuldade que desponta muito claramente nos Upanixades, a menos que sejam lidos cuidadosamente. Eu observei ontem que eles tratam mais do universal do que de particulares. São tratadas ali ideias abstratas fundamentais mais do que manifestações concretas, e só aqui e ali há uma indicação de que existem fatos concretos que também podemos alcançar, fatos concretos no Universo que podemos tentar entender. Uma dessas alusões está nos sloka que agora prendem nossa atenção. Diz-senos na Kathopaniṣad: "O mais velho a partir do tapas" de Ῑṣvara é Hiraṇyagarbha, também chamado em outras passagens de Prajāpati, ou Brahman. (40) "O mais velho a partir do tapas". É este o elo de que precisamos. Todos os Logoi dos Universos nascem do tapas do Ῑśvara Supremo, que é Brahman, e são as expressões variadas de Seu pensamento. São os Senhores dos Universos, os Progenitores, como implica a palavra Prajāpati. "Incontáveis são os avós (os Brahman); os Hari também são incontáveis· o Ῑśvara Supremo é um." (41) O princípio é que do Senhor Supremo, do Eu Uno, provêm os muitos, e, entre os muitos, os mais velhos são os Governantes dos mundos, os Criadores dos mundos Hiraṇyagarbha, o Útero Dourado, é o nome coletivo. Brahman é o Nascido-do-ovo, o Nascido-do-lótus. Os teósofos utilizam o nome Logoi, um nome que aplicamos a muitos Governantes, cujos reinos variam em dimensão, embora a ideia seja sempre a mesma - o Governante de uma área definida. Ῑśvara, o Governante de um sistema, deve ser distinguido de Ῑśvara, o Uno, o Brahman Saguna. Esse Ῑśvara secundário é o Governante de um Universo, quando existem muitos Universos; o Governante de um Sistema Solar, entre incontáveis sistemas; ou, ainda, o Governante de uma Cadeia Planetária, no interior de um Sistema Solar, é chamado Logos Planetário. Pois Logos significa Palavra, e todas elas existem pela Palavra do Supremo. São Elas que são objeto de adoração por toda parte por aqueles que não podem chegar à concepção do Ῑśvara Supremo uno, e Elas nascem de seu tapas, de Sua austeridade, de Seu pensamento, de Seu sacrifício. Do sacrifício procedem todas as coisas, dizem-nos. "A aurora (da criação) é a cabeça do Cavalo sacrificai", (42) onde o Cavalo é o Universo; tudo está enraizado no sacrifício. Ele quis se tornar muitos; este é o sacrifício primordial - a limitação de Si mesmo, Sua divisão de Si mesmo, em Ῑśvara e Māyā, para que Ele possa nascer como o Senhor e a Fonte de todas as vidas separadas. Este é o ponto em que surge a dificuldade. Muitos Ῑśvara? Sim, tantos quantos sejam os Universos; mas um Ῑśvara Supremo, 23

que é o próprio Brahman. E quando vocês compreenderem isso, vocês compreenderão o que H. P. B. ensinou - que um Ῑśvara é o resultado de uma evolução no interior de um Universo. O Supremo não conhece evolução; Ele está além de toda Māyā. Mas todos os outros Ῑśvara, os Logoi, Eles crescem, Eles evoluem. Eles, por Sua vez, praticam tapas; Eles, por sua vez, realizam o sacrifício e constroem mundos. Além disso, Eles chegam à tarefa elevada de um Ῑśvara por meio de um esforço muito prolongado, por sacrifícios incontáveis; por esses sacrifícios se chega à categoria de Ῑśvara. (40) Comparar Kaṭha-, iv, 6 e Muṇḍaka-, I, i, 9 e Praśna-, 7. (41) Liṇga-purāṇa, iv, 54. (42) Bṛhadāraṇyaka-, l, i, 1. Para os fatos concretos devemos voltar a obras de menos autoridade do que os Upanixades e acrescentar aos śloka destes últimos alguns detalhes extraídos de outros escritos. Na Vāyu-Saṁhitā lemos: "Que nós O conheçamos, o supremo Ῑśvara de todos os Ῑśvara, o supremo Deva de todos os Deva, o Senhor de todos os Senhores, o Ῑśvara dos Ῑśvara dos mundos". (43) Esta verdade faz uma reconciliação entre as visões teosófica e hindu, que apresentam Ῑśvara, o Supremo, como o Brahman Uno, manifesto, não-evoluído, e os muitos Ῑśvara dos mundos, os frutos da evolução. No Devī-Bhāgavata está escrito: "Mesmo que o número de grãos de areia pudesse ser contado, o dos Universos nunca. Da mesma maneira, não há limite para o número de Brahman e de Visnu e de Śiva." (44) Falando de Mahā-Viraj, diz-se que: "Em cada fio dos cabelos de Seu corpo estão Universos incontáveis".(45) Isto é a Autolimitação do Eu, o sacrifício, a meditação, a austeridade, pelos quais passa a existir a multiplicidade. Assim nascem os Hiranyagarbha e os Brahman, os Criadores. Assim também, em cada Brahmāṇḍa, o sacrifício leva à condição-de-Ῑśvara: "Durante cem manvantara Brahman fez japa de Śakti. Durante cem manvantara Viṣṇu fez tapas, para se tornar o Preservador”. (46) Assim, o teósofo tem razão quando diz que os Ῑśvara dos mundos são o resultado da evolução, e está certo o hindu quando diz que o Ῑśvara Supremo não está sujeito à evolução, Ele que é o Brahman Saguṇa, a Vida una, o Eu, de tudo. Assim, a verdade completa estabelece uma reconciliação onde uma visão parcial faz uma divisão; e começamos a entender que seria melhor que tudo pudesse falar da verdade que eles veem, por mais conflitante que essa verdade possa ser com outras; quando toda a verdade é vista, todas as partes se misturam e fazem um todo esplêndido. Donde não podermos nunca silenciar o herege; nunca podermos silenciar a minoria; pois que eles nunca receberão um lampejo de algo que não possuímos. Antes nos encorajemos todos a falar, que na multiplicidade de visões encontraremos uma reconciliação perfeita de todas as verdades parciais; pois, uma vez mais, "Só a verdade conquista, não a falsidade". Digamos nossas verdades, mas não nos empenhemos na denúncia das verdades dos outros. No Hinduísmo houve no passado uma liberdade absoluta de pensamento e de expressão, e essa nobre herança não seria falsa. Onde estivermos errados, o tempo nos corrigirá; onde estivermos enganados, as verdades apagarão 24

gradualmente nossos erros. Mas, se um silenciar o outro, então uma letra da verdade completa pode escapar à visão e se perder da vida do mundo, uma letra que poderia ter tido um lugar no todo. (43) Loc. cit., I, iv, 122. (44) Loc. cit., Il, ix, 7. (45) Ibidem, 6. (46) Ibidem, VIII, ix, 106. Para muitas dessas passagens, ver o Apêndice. Sou grata, por todas essas passagens dos Purāna e por muitas passagens explicativas, ao meu amigo Prof. Bireshwar Banerji, do Central Hindu College, de Benares, um especialista nos Purāna. É muito interessante ver quão completamente elas corroboram o ensinamento teosófico, conseguido independentemente. Quando voltamos à Lei do Sacrifício, compreendemos que é verdadeiro o que a Muṇḍakopaniṣad afirma: "O Espírito é na verdade este Universo; a ação, tapas". (47) Este é o belo pensamento que se origina do estudo do Ῑśvara Supremo e dos muitos Ῑśvara e Sua obra. Só pelo sacrifício pode ser dada a vida. Só por tapas, austeridade, a vida pode ser compreendida. Esta é a lei das vidas de vocês, esta é a única lei pela qual vivemos. Recusem o sacrifício, apeguem-se à matéria, sejam escravos de Māyā, permitam que Māyā os possua - e vocês permanecerão isolados, impotentes, sem socorro. Não podem ajudar ninguém; não podem ajudar a vocês mesmos. Então, irmãos, amem e vivam a vida do sacrifício; atirem fora tudo o mais vocês não podem jogar fora o Eu; tudo o que vocês podem lançar fora é o Não-Eu e isso só terá valor graças ao sacrifício. Não temam atirar fora até mesmo a vida, pois o Eu que está dentro de vocês nunca deixa de viver. Deem tudo que possuam, tudo que saibam, tudo Que pensem como "meu" e, na negação de tudo que não é Eu, o Aham uno brotará em vocês e vocês conhecerão esse "Eu e Ele". (47) Loc. cit., lI, i, 10.

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III Conferência

Os Jīvātman IRMÃOS, O nosso assunto especial para hoje são os Jīvātman, na sequencia natural de nosso estudo. Tentamos, debilmente todavia, entender aquela verdade tão importante segundo a qual "Brahman é Tudo". Depois tentamos perfurar aquilo que é trevas por causa do intolerável excesso de luz e ver, por assim dizer, a possibilidade do Um, do primeiro Ser, o Eu Universal, o Brahman Saguṇa, o próprio Ῑśvara. Tentamos seguir, passo a passo, a manifestação que se manifestou após Ele, para utilizar as palavras do Upanixade: "Quando Ele se manifestou, tudo se manifestou após Ele"; (1) e vimos que, entre essas manifestações, estavam os grandes Ῑśvara dos loka, mundos-sistemas, Universos; e chegamos agora a um ponto em nosso estudo, tendo passado por todos esses estágios preliminares, em que podemos perguntar naturalmente: "E o que me dizem dos habitantes desses mundos? Como é que a vida central se divide entre os muitos? O que significa a palavra Jīvātman, o Eu vivo, o Eu que é vida? E qual é a distinção entre o Jīvātman e o próprio Ῑśvara?" Estes são os problemas que tentaremos resolver - e, quando tivermos aprendido a natureza do Jīvātman, já aludida na declaração de que Ῑśvara se torna muitos por Sua própria vontade, pararemos naturalmente nesse ponto para fazermos uma pausa e pensarmos na natureza do homem como homem. Devemos tentar entender nossa própria natureza, e, compreendendo-a, podemos ver a trilha, se assim posso me expressar, que leva à compreensão do Eu. Estes são os detalhes ásperos do que tentaremos fazer hoje, e amanhã tomaremos esse caminho com mais detalhes, estudando a roda de nascimentos e de mortes; devemos ver o que significam nascimento e morte em relação àquilo que é nãonascido e imorredouro. O que nascimento e morte têm a ver com o que é em si mesmo eterno, que compartilha da eternidade do próprio Deus? E então, se for possível, poderemos ir adiante com alguma inspiração, percorrer a trilha da peregrinação com alguma luz fresca sobre as dificuldades do entendimento, com uma coragem renovada, para ultrapassar os obstáculos que nos retardam. (1) Śvetāśvatara-, vi, 14 e Muṇḍaka-, II, ii, 10.

Olhando para qualquer mundo-sistema, ou mundo, em que vocês vivam, vocês veem ao sem redor criaturas vivas de toda espécie e algumas criaturas que não são vistas como seres vivos por um grande número de pessoas. Mas para nós não existe diferença entre as criaturas chamadas vivas e as não-vivas, exceto no grau de vida que se manifesta; não há nenhuma diferença fundamental, nenhuma separação. Posso pegar um grão de areia em minha mão. Para mim há um Jīvātman oculto num denso véu de matéria. Podemos ver surgir entre nós o Deva mais sublime que governa um mundo, para nós ele deve ser a mesma coisa, um Jīvātman; só que nele o véu é mais rarefeito, a matéria menos grosseira. A luz, que 26

é semelhante nele e no grão de areia, brilha em um, está obscurecida no outro. Bem, vejamos qual afirmação é de certa maneira um exagero e desprovida de sentido. Para tal, naturalmente, devemos voltar ao mesmo livro, ou aos mesmos livros, que estão guiando nosso estudo, e compreender que todas as coisas possuem um Jīvātman em seu coração. Detenhamo-nos por um momento em determinados grandes princípios. Pois, se vocês os entenderem claramente, sua aplicação é apenas uma questão de pensamento, de inquietação, de os utilizar para explicar casos particulares - e esse uso e essa explanação vocês não encontrarão nos Upanixades. Eles nos dão os princípios que podem ser aplicados a tudo, mas não as suas aplicações em detalhe. Bem, um desses princípios é o de que toda manifestação ocorre em trindades, tríades, por três. Isto é natural, não é? Porque em todo começo de toda manifestação primária exibe-se a natureza tripla do manifestante, e Ele se enuncia no Aum trilítero. Assim, naturalmente, o que decorre disso também será triplo em sua natureza, visto que deve ser o reflexo do reflexo, e, sendo triplo o objeto que é refletido, a imagem ou o reflexo também deve ser tripla. Esse é um dos princípios, e vemos que ele está claramente expresso em um dos Upanixades; na Chāṇḍogyopaniṣad lemos que nos estágios primordiais foram produzidos três grandes Elementos - aos quais podemos chamar Devatā - e eles foram o calor ou fogo, a água e o alimento (alimento está aqui, naturalmente, por terra, que é o doador de todos os alimentos). Esses três Seres foram trazidos por Ῑśvara para todos os mundos, e Ele desejou: "Tendo penetrado todos esses Devatā como Jīvātman, eu me tornarei manifesto em nome e em forma". (2) Eis as palavras que por alguns momentos exigem nossa atenção especial: "Eu me tornarei manifesto em nome e em forma". Tendo ele então penetrado esses elementos, cada um deles então se tornou uma trindade. O fogo tornou-se uma trindade com a Sua entrada; a água tornou-se uma trindade com a Sua entrada; o alimento tornou-se uma trindade com a Sua entrada. Assim, o três tornou-se nove, e assim por diante; cada nova trindade reproduziu sua natureza em outras três trindades, e assim todo o Universo se preencheu com essas trindades, ou tríades, cada uma das quais é um reflexo da vida de onde ela veio; como Ele diz: "Eu me tornarei manifesto como Jīvātman em nome e em forma", temos uma definição de um Jīvātman. Um Jīvātman é um Ῑśvara com nome e forma. Essa definição é extraída do próprio Upanixade. O Jīvātman não é nada mais do que Ῑśvara com nome, com forma - como poderíamos dizer, individualizado, particularizado - e um Jīvātman não é nada mais do que isso. Ele é a coisa mais ampla em sua essência e nome e forma são suas limitações. Nome e forma implicam a presença da matéria, pois a matéria é, como está dito no ViṣṇuPurāṇa, "Extensão". Donde que a forma implica matéria, veículo, upādhi, corpo deem o nome que quiserem. Nome quer dizer aquela nota particular que soa por ocasião de toda agregação, ou combinação de matéria, que é o "nome real" de toda coisa viva. Vocês são chamados por muitos nomes, mas eles não são seus nomes verdadeiros; eles mudam de nascimento para nascimento. Num nascimento vocês podem ser um Guilherme, em outro podem ser Kālicraran: num nascimento vocês 27

podem ser um homem, com nome de homem; noutro uma mulher, com nome de mulher; pois está escrito a respeito do Jīvātman: "Ele não é mulher, ele não é homem, nem hermafrodita".(3) Ele está acima de toda distinção de sexo. Então nenhum desses nomes mutáveis pode ser "o nome" pelo qual Ῑśvara se torna um Jīvātman. (2) Loc. cit., VI, iii, 2. (3) Śvetāśvatara-, 10.

O que é "o nome" então? Toda agregação de matéria, de átomos, emite com sua vibração um som e o som que resulta da totalidade de todas as vibrações, de acordo com a composição da natureza material, é "o nome" desse objeto. O som que é produzido pela agregação, com a luz do Jīvātman no seu interior, que também é som, combinado numa mesma grande nota, que expressa perfeitamente a natureza do indivíduo, esse é só esse é seu verdadeiro nome. Esse é o nome de cada um de nós e cada um de nós tem esse nome, soando de maneira muito desajeitada no presente, muito discordante, porque todas as espécies de sons desarmoniosos se misturam e a nota não é clara. Todavia ele está lá, e a compreensão do nome é a compreensão do Eu. Então nossos Jīvātman são Ῑśvara com nome e forma. O próximo passo que devemos dar, seguindo ainda nosso guia, é a reiteração daquela afirmação que vocês ouviram ontem com outras palavras de outros Upanixades, mas que cabe aqui também para nos explicar a natureza do Jīvātman. "Isto é Brahman, isto Indra, isto Prajāpati, isto todos os Deva, e os cinco .grandes elementos, terra, ar, éter, água, luz, o nascido-do-ovo, o nascido-do-útero, o nascidoda-gemação, cavalos, vacas, homens, elefantes, tudo o que respira, caminha, voa, é imóvel." (4) Depois lemos na Bṛhadāraṇyakopaniṣad: "O Imortal está oculto pela existência". Estranha frase! Dizemos que o Imortal" é produzido pela existência, mas a visão mais profunda diz que o Imortal está ocultado pela existência. A existência é ilimitável. Donde o Imortal estar verdadeiramente oculto de vocês pelo simples fato da existência separada de vocês. "A vida é o Imortal, nome e forma existência; por eles a vida é ocultada." (5) Esta é a grande verdade do Jīvātman. E mais uma vez eu lembro a vocês o que eu citei ontem, pois isso é nosso ponto de partida. Lembro as seguintes palavras da Chāṇḍogyopaniṣad; "Esse mesmo Brahman é o éter que está fora do homem e é o éter que está dentro do homem". Eis o Jīvātman. (4) Aitareya-, III, v, 3. (5) Bṛhadāraṇyaka-, I, vi, 3.

Nenhuma dúvida deve ficar a respeito do ensinamento dos Upanixades em relação a este ponto, e se vocês prestarem atenção nele de muitas maneiras, e com muitos sloka, será porque ele é o ponto mais crucial de todos, o eixo sobre o qual gira toda a concepção da vida. Se ele não for compreendido, vocês continuarão escrazivados e cegos. Se for compreendido, então tudo o mais se seguirá, pois ele é tão verdadeiro em nós quanto no mundo: "Quando o Eu se manifesta, tudo se manifesta após Ele". Não importa se vocês se atrapalharem, se vocês ainda estiverem cegos, se seus upādhi os prenderem; não importa, se vocês reconhecerem a grande verdade única de sua própria Divindade, pois, assim como 28

o sol queima as nuvens que o obscurecem pela glória de sua luz, assim também a glória do Eu, brilhando no coração, queima todas as coisas que obstruem, até que ela brilhe sem turvações. Qual é a diferença, então, entre ῙŚvara e Jīvātman, que é implicada pelos termos "nome" e "forma"? Qual é ela? Lemos novamente na Śvetāśvataropaniṣad: "Conhecimento e desconhecimento amobos nascidos, poderosos, impotentes (...) em cativeiro pela condição de um desfrutador". (6) Preso a objetos; esta é a diferença - esta e nenhuma outra. Quebrem os grilhões que prendem os corpos dele e estará livre. No cativeiro dos corpos ele está sempre livre, pois a liberdade é a essência de sua natureza e ele, na verdade, não está preso por todos os grilhões que o cercam; são os veículos que estão presos, não o Eu. O Jīvātman sempre está livre. Uma questão surge nesse ponto: para quê tudo isto? Por que esse Jīvātman da Natureza de Ῑśvara, que tudo conhece, que tudo pode, por que, por qual estranho mistério, ele não se torna ignorante, impotente? Por que? Com que objetivo? Nós perdemos a liberdade? Por que a perdemos? Que nós a perdemos, está muito claro, pois estamos aqui e estamos presos. E, a menos que essa questão seja respondida, vocês sempre estarão mais ou menos confusos. Pois, à primeira vista, todo o processo parece absurdo. Se nós fôssemos livres, em qualquer tempo, em qualquer estado, por que fomos deliberadamente atirados nesse oceano de Māyā e perdemos a liberdade que é nossa por direito de nascimento e o conhecimento que é a natureza do Eu? Por que isso nos aconteceu? Está claro que isso nos aconteceu, dado que estamos aqui, mas por quê? A resposta é tão clara quanto o fato - isso nos aconteceu porque, naquele mundo dos Deuses mais elevados, naquele mundo em que o conhecimento é perfeito e o poder é onipotente, naquele mundo só existe a matéria mais fina, as limitações mais sutis da forma, tão sutis que todas as formas se entremisturam, e vocês não podem dizer qual é uma e qual é outra; para usar uma velha descrição grega desse estado, o sol e as estrelas são um todos os outros e eles mesmos. Ao conhecimento, por mais amplo, falta uma precisão definida, que só pode ser obtida por limitação. Este é o outro grande princípio. Quando vocês limitam, vocês definem. Quando vocês definem, mais e mais claros se tornam os contornos e, ao passo que é verdade que o Jīvātman nessas regiões sublimes tudo conhece e tudo pode, na matéria mais densa que Ῑśvara constrói para Seu Universo ele se torna cego e impotente, escravo de Māyā: e ele se manifesta como Ῑśvara antes se manifestou, pode tornar-se o senhor de Māyā e não seu escravo, de maneira que em todo lugar em que tudo for Brahman lá deverá haver alguma coisa que pode limitar, alguma coisa que pode cegar. Por nossa própria vontade descobrimos que podemos desfrutar do exercício de nossos poderes. Mas, quando tentamos exercitar nossos poderes nesse grande oceano de matéria mais densa, percebemos que não podemos fazê-lo. A matéria é cegante demais, opaca demais, inflexível demais; não podemos adestrá-la; não podemos controlá-la; e, por nossa própria vontade, a fim de que possamos nos tornar seu senhor, nós nos tornamos escravos dela durante algum tempo; conhecendo-a, 29

desejando-a e não desejando descansar naquela única região elevada onde ficamos livres, mas querendo estar livres em qualquer lugar, e não apenas naquela região mais sublime, querendo viver e agir, e conhecer, em toda condição possível de matéria, e não apenas naquela forma mais sutil que é a região de nosso nascimento e nosso lar real. Faz parte da natureza mesma da vida querer fazer, exercitar os poderes da vida. Como podemos ajudá-la? Fazemos parte de Ῑśvara e compartilhamos da energia que flui de Sua vontade. Há alegria no se tornar muitos; há alegria no distribuir o poder, a vida; há alegria na criação, no disseminar nossa vida nas formas que criamos; e nós, como partes d’Ele, queremos como Ele quer, e com Ele entramos no oceano de matéria, de maneira que podemos conseguir nossa liberdade e sermos como Ele é, sempre livre. (6) Loc. cit., i, 9.

Somos parte d’Ele, limitados por nome e forma, e a parte não possui em primeiro lugar as possibilidades, ou antes as atualidades, do todo. As possibilidades, sim, porque somos partes. A expressão delas, não, também porque somos partes. Para que nós que somos partes possamos nos tornar o todo, entramos numa limitação temporária, que nesse lugar podemos conquistar, onde podemos ser livres. Donde este agrilhoamento. Na condição limitada de vocês, vocês devem estar querendo saber porque vieram para cá. Mas ninguém obrigou vocês a virem para este Universo. Vocês vieram por sua própria vontade, com Ῑśvara que quis se manifestar. E porque Ele quis se manifestar vocês também quiseram. Pois vocês são parte d’Ele. Como parte, vocês devem conquistar sua liberdade, até que no mundo mais grosseiro de matéria vocês possam ser tão onipotentes e tão sábios .quanto são naquelas regiões supemas de seu nascimento, onde vocês conhecem sua própria divindade e sua não-separação de Ῑśvara. Na Aitareyopaniṣad, um pequeno mas valiosíssimo Upanixade, há uma descrição muito interessante do caminho em que ocorrem os estágios dessa manifestação do Jīvātman, "Nas origens havia o Eu uno e mais nenhum vivente; Ele quis que eu emanasse os mundos".(7) Ele então começou a emaná-los. Primeiro surgiram os Elementos, depois os Deva. Detenhamo-nos por um momento. Quem são esses Deva? Os Deva dos Elementos; aqueles seres poderosos vindos de Universos passados, que possuem como corpos aquilo que nas Escrituras antigas é chamado de Elementos. Assim como vocês possuem seu corpo físico, também eles possuem seus corpos de matéria, e o corpo do Deva é a matéria de um plano inteiro - como dizemos. Um plano é formado de uma espécie de matéria, um Elemento. (7) Aitareya, I, i, 1 e ss.

Não confundam esses Elementos com os elementos químicos, ou então nunca encontrarão seu caminho. Um Elemento, no velho sentido do termo, significa matéria que tem uma forma especial de átomo; há sete deles, cinco dos quais são manifestos. Essas cinco espécies de átomos são os cinco Elementos, e há de cada um desses Elementos, ou átomos elementais, infinitas combinações, constituindo todas as combinações de uma espécie de átomo elemental um plano. Assim, um Elemento, o Fogo por exemplo, está em toda matéria que é construída dos átomos30

fogo, por mais complexa, por mais átomos que entrem em qualquer combinação. Esses átomos-fogo fazem o corpo do Deva do Elemento Fogo, Agni; neste corpo feito de átomos-fogo ele entrou e o corpo então se tornou seu veículo de manifestação. Este é o próximo pensamento em que vocês devem meditar. Todo Elemento é o corpo de um Deva e toda a matéria composta desse Elemento pertence a esse corpo do Deva. Ele está nele todo; tão certo quanto o Jīvātman de vocês viva no corpo de vocês e se mova nele e esteja consciente nele. Agni vive, move-se e está consciente em todas as combinações de átomos-fogo. E isso que se quer dizer com Deva de um Elemento. Agni está em tudo nos três mundos em que entra o Fogo. Nos estágios de construção de um Universo, então, em primeiro lugar havia os Elementos e depois teve início a construção de formas, e Ῑśvara construiu com Seu pensamento determinadas formas e as ofereceu aos Deva para que eles vivessem nelas e os Deva as rejeitaram. Eles disseram: "Não viveremos nelas". Depois Ele fez outras formas e eles também as rejeitaram, dizendo: "Não viveremos nelas". Eles queriam abandonar sua substância a elas, mas não queriam se identificar com elas. Então Ele fez o Puruṣa, o homem arquetípico, e os Deva gritaram: "Muito bem! Nele nós entraremos e nele nós moraremos". Em consequência, o homem é a mais elevada de todas as coisas. Nas últimas construções de mundos, todos os animais são apenas as partes que o homem rejeitou. Aquilo que ele atirou fora foi utilizado para a construção do reino animal. E às vezes, se vocês se queixam da espécie de animais que os rodeiam, se vocês os considerarem obstáculos, como estorvos, como atormentadores, lembrem-se de que eles só existem porque os homens pensaram erradamente e agiram erradamente. Estes animais que rodeiam vocês são os resultados do próprio passado de vocês, atormentando-os no presente mais elevado de vocês. Esses Jīvātman vivem nos corpos que vocês fizeram para eles, suas roupas rejeitadas, e lembrem-se de que só subindo mais alto é que vocês podem purificar e levar com vocês o reino animal, pois ele é uma criação de vocês, como vocês são a criação daqueles que são mais elevados que vocês. Os Deva adentram o homem, dão-lhe sua substância e com essa substância dos sentidos dele foram construídos. O Fogo torna-se fala em sua boca; o vento, alento em suas narinas; e etc.; eles se tornam os sentidos que têm seus órgãos no corpo, e os poderes e as capacidades dos Deva residem neles. Depois o Jīvātman, para quem esse templo foi construído - pois não são corpo humano o Brahmapura, o Viṣṇupura, a cidade divina de Brahman, (8) a habitação de Deus - o Jīvātman disse: "Deixe-me entrar nele", e Ele colocou para dentro a cabeça, onde os cabelos da cabeça se separam, e assim se tornou o habitante do corpo, o Eu corporificado. "Este corpo é uma morada do Eu não-corporificado imortal." (9) Ele entrou e ocupou três lugares. O Upanixade não menciona quais seriam esses três lugares. Diz apenas: "Um lugar, um lugar, um lugar". Quais são eles? Se esse Upanixade não nos diz, um outro o fará. Segundo este, sabemos apenas que existem três lugares habitáveis, mas a Māṇḍūkyopaniṣad nos mostra quais são eles. Temos a consciência desperta, e o cérebro em que ela opera é um lugar de habitação. Às vezes esse 31

cérebro é simbolizado pelo olho direito, como o símbolo do cérebro, que conhece por meio dos sentidos. O segundo lugar de habitação é o da consciência superdesperta, do Ego, ou Taijasa; e esse é o corpo mental, ou o antaḥkaraṇa, a mente interior. O terceiro lugar de habitação é o da própria Mônada, o Jīvātman quando é como Ῑśvara, o Deha Jñāna em sua forma mais sutil, e o mais elevado de todos; às vezes é simbolizado pelo éter na cavidade do coração, a câmara lotusiana, onde está o antarākāśa, o éter interior, onde mora o Eu. (10) Esses são os três lugares de habitação da consciência, que assim surge como se fosse tripla, o Prāṇātman, como eu o chamei, o Vaiśvānara: o próximo, Taijasa, o brilhante, o radiante, a inteligência que tudo penetra, o Aham, o "eu"; finalmente, o estado mais elevado em que o conhecimento, Prājñā, é absoluto e o homem se tornou Prājñā, o Senhor de todo conhecimento. Esses são os três estados; estes são os lugares de habitação de Ῑśvara, como Jīvātman, limitado por nome e forma. (8), Ver Muṇḍaka-, II, ii, 7; Chāṇḍogya-, VII, i, 1; Kaṭha-, v, 1; Śvetāśvatara-, iii, 18, etc. (9) Chāṇḍogya-, VIII, xii, 1. (10) Chāṇḍagya-, VIII, i, 1.

Detenhamo-nos nessa natureza tríplice do homem, pois nela surge um outro princípio importante, o princípio da reflexão. Cada manifestação lança uma sombra, uma reprodução imperfeita de si mesmo, e assim o par - sombra e luz solar - são continuamente referidos. Yama utiliza essa frase quando ensina Naciketas sobre o Eu inferior e o 'Eu Supremo: "Conhecedores-de-Brahman", diz ele "chame-os sombra e luz solar". (11) Quero que vocês entendam a significação desse princípio de reflexão, porque então vocês terão uma chave que os guiará por muitos labirintos. As expressões" sombra" e "luz solar" podem ser utilizadas para coisas diferentes, para vários pares. Mas se vocês entenderem o princípio, vocês distinguirão facilmente a particularidade da utilização. Onde houver um par, um mais elevado manifestando-se num mais inferior, então o princípio de reflexão ocorre e vocês têm luz solar e sombra. O símile é muito pitoresco. Suponhamos que eu tenha uma luz brilhante aqui e suponhamos que ao meu redor só exista a atmosfera pela qual a luz pode fluir, não existe sombra. Mas suponhamos que eu traga algum objeto de matéria densa e que coloque esse objeto nos raios de luz uma sombra surgirá, e a sombra possui os contornos do objeto que a lança, mas não uma reprodução completa de suas partes; onde há luz e uma interposição da matéria mais densa surge uma sombra. A mônada é a forma separada mais elevada e é tão pouco separada, por uma película tão fina de matéria, que vocês só podem dizer que existe um véu de separação; mas esse véu é permeável, e nenhuma Mônada possui um lugar, mas tudo tem um lugar. A Mônada é a luz; na matéria mais densa ela é sombra, o Jīvātman triplo, o Ātman-Buddhi-Manas, às vezes chamado de Ātman triplo, o homem espiritual individual, o Aham verdadeiro, quando unificado. O primeiro par de luz solar e sombra é a Mônada nos mundos dos Deuses, e o Ātman triplo é o mundo mortal, o mundo do homem. Mas uma descida posterior tem de ser feita, uma manifestação mais grosseira, e então outro par surge; o Ātman triplo torna-se a luz solar e a alma 32

vivente torna-se o sopro vital no corpo humano, o Prāṇātman, que se torna a sombra. Assim, em vocês e em mim, a sombra é esse Prāna, a luz solar é o Ātman triplo. Quando compreendermos o Ātman triplo, e o conhecermos como o nosso Eu, então ele se tornará a sombra e a luz do sol é o Jīvātman verdadeiro, a Mônada, o aṁça, ou parte, de Ῑśvara. Quando compreendermos isso como nosso Eu e tivermos mergulhado nisso, então ele se tornará a sombra e Ῑśvara a única luz. Por isso está escrito: "Esta vida nasceu do Eu. Como uma sombra pelo homem, assim ela é produzida". (12) Quão perfeito é este símile. Só é preciso entender como aplicá-lo, e tudo se torna ordenado. A mesma verdade está exposta na Taittirīyopaniṣad: o inferior é o corpo do superior; Ῑśvara é o corpo do Brahman Nirguṇa: os Ῑśvara inferiores são Seu corpo; os Jīvātman humanos são o corpo dos Jīvātman secundários, e assim por diante, ate a forma mais grosseira de matéria, o corpo humano, que é o corpo de Prāna, o sopro-vida. (13) E aqui está uma escada, que se quer cheia de degraus, e vocês podem subir para o alto, pois todos os degraus estão lá e não existe diferença alguma, exceto nos upādhi que revestem a consciência una. (11) Kaṭha-, iii, 1. (12) Praśna-, iii, 3. (13) Loc. cit., lI, iií-vi.

A partir disso podemos dar uma definição do homem. 'Ele é a forma de ser em que o Eu e o Não-Eu estão equilibrados. Essa é a única definição oculta de "homem"; não uma forma específica,não órgãos, não arranjo de cabeça e braços e pernas, etc. Homem é o ser, em qualquer forma, em que os poderes do Jīvātman estão lutando por supremacia, em que Matéria e Espírito estão batalhando pela dominação. Homem é o campo de batalha do Universo, em que Ῑśvara e Māyā estão guerreando pela liderança; abaixo ,dele, Māyā é Senhor e Ῑśvara está escondido; acima dele, Ῑśvara é Senhor e Māyā está conquistada; nele os dois estão brigando pela supremacia, de maneira que, posso dizer, o campo de batalha, o Kuru-kṣetra do Universo, é o homem. Todo Jīvātman que existe no Universo deve lutar neste campo de batalha, deve ser, ou deve ter sido, homem - como diz H. P. Blavatsky. Existe uma outra expressão muito útil e muito esclarecedora; foi cunhada a respeito do que seja a Jñānaśakti, o poder-de-conhecimento. Trata-se de Jīvātman, cuja natureza é consciência, ou conhecimento; sua sombra é o Prāṇātman, o eu pessoal, a Kriyāśakti, o poder de ação. Formam um par, nossa luz solar e nossa sombra, o Aham, ou "eu", superior e inferior. "Dois pássaros, unidos, com um só nome, moram numa única árvore; dos dois, um desfruta a deliciosa figueira, o outro testemunha". (14) Quem são os pássaros? Um par qualquer, dos quais o inferior é a sombra do superior. O que é a árvore? Um upādhi qualquer, um veículo, uma forma, em que o superior mora. Os dois pássaros que residem em nós são o Ātman e o Prāṇātman, e os corpos são a árvore; o Prāṇātrnan desfruta, o Ātman triplo testemunha. Nos Ṛṣi, os dois pássaros são a Mônada, o Jīvātman verdadeiro, e o Ātman triplo; o Āman triplo desfruta, a Mônada testemunha. Em 33

todo caso, o superior é a testemunha e o inferior é o instrumento, ou ferramenta, da testemunha por meio da qual ele age no mundo. Embora sejam superiores, os dois pássaros são o Brahman Nirguṇa e o Brahman Saguṇa, a Testemunha eterna, o desfrutador do espaço e do tempo. Ficam as questões: O que é Prāṇa e qual é sua relação com os Elementos, 'com os Deva e com o próprio Jīvātman? Indra disse: "Eu sou Prāṇa (...) a vida é Prāṇa, Prāṇa é vida.” (15) Indra é o Rei dos Deuses, o mais alto deles, e é um símbolo dos Deva que operam no Universo, e também do Jīvātman e de Ῑśvara. (16) "Eu sou Prāṇa" - e por que Prāṇa? Porque é Ῑśvara, Ele é doador de vida a todas as coisas, e a vida, o alento no plano físico, é por isso chamada Prāṇa. Portanto, no Yoga, Prāṇa frequentemente inclui todas as energias vitais do Universo, e prāṇāyarna não é realmente o controle do alento físico, mas de todas as energias vitais, que submete todas elas ao Eu. (14) Muṇḍaka-, III, i, 1. (15) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 2. (16) Ver Aitareya-, I, iii, 14, onde se afirma que Idaṁdra (idaṁ daśyati, o que vê isto, que vê o Não-eu) é o nome do Ῑśvara supremo e que ele foi modificado para Indra.

Mas continuemos nessa trilha. Em sua relação com os Elementos e os Deva, diz-se que Prāṇa é quíntuplo, dividindo-se, e fala-se de cinco Prāṇa. É verdade; no plano físico ele é quíntuplo, dividindo-se em cinco ramos, mas ainda é uma vida; é como uma única fonte ou um único manancial, que envia água por canais diferentes, e cada canal é diferente, embora a água seja a mesma. Prāṇa é chamado de muitos nomes, da mesma maneira como vocês dão nomes diferentes às águas que fluem por canais diferentes; podem chamá-las Rio Ganges, ou rio Brahmaputra, ou rio Indo, mas todos eles são águas do Himalaia; então Prāṇa, quíntuplo, dividindo-se, é chamado por nomes diferentes, quando visto como dividido, embora seja chamado por um único nome quando compreendido: "Quando respiração, é chamado vida;. quando falar, fala; quando ver, visão; quando ouvir, audição: quando pensar, mente". (17) Por esta razão, nos Upanixades, os sentidos são frequentemente chamados Deva, e isso sempre nos lembra de que é a vida que produz formas, e não as formas a vida. Uma coisa é chamada por muitos nomes. Trata-se sempre de um Prāṇa, que está em todos eles. Contam-nos que os sentidos só são ativos quando o Prāṇa está neles. Há uma passagem muito refinada na Chāṇḍogyopaniṣad que resumirei muito rapidamente: a fim de mostrar a relação entre Prāṇa e os sentidos. Os órgãos brigavam pela supremacia e cada um dele gritou: "Eu sou o chefe"; e eles Foram a Prajāpati e lhe perguntaram: "Quem é o chefe?" e sua resposta foi: "Aquele que, se desaparecer, deixar o corpo indefeso, ele é o chefe". Então a fala se afastou e o corpo viveu como o mudo vive; depois a visão se foi e ele viveu como o cego; e a audição, e ele viveu como um surdo; e a mente, e ele viveu como um bebê ou um idiota; depois Prāṇa ergueu-se para ir embora - e, como um corcel esplêndido, como se fosse batido, arrebenta os laços aos quais suas pernas estavam presas, Prāṇa desalojou todos os órgãos dos sentidos" e eles gritaram: "O Senhor, tu és o maior; pedimos-te não parta, mora em 34

tua casa". E, um a um, vieram até Prāṇa e reconheceram que suas propriedades específicas eram devidas unicamente a Prāṇa. (18) Pois todos eles são Prāṇa e, sem Prāṇa, nenhum deles pode viver. (17) Comentário sobre a Bṛhadāraṇyaka-, I, iv, 6. (18) Loc. cit., V, i, 6-15.

Qual é a relação entre Prāṇa e o Jīvātman? Veremos que um é o outro. O Prāṇa que está em vocês é verdadeiramente o Jīvātman de vocês, é seu Eu verdadeiro. Por essa razão chamei a manifestação inferior de Prāṇātman. Cada sentido foi tomado por Prāṇa de uma faculdade de inteligência, uma faculdade do Ātman triplo, uma faculdade que pertence à Jñānaśaktí e Prāṇa, tomando essa faculdade, transforma-a num poder, transforma-se em Kriyāśakti. O objeto do sentido é colocado do lado de fora como um elemento rudimentar e induz a atividade naquele sentido especial, e assim ocorre com todas as possibilidades de Ātman triplo. Por isso se diz que Prajñā, conhecimento, tendo notado cada um dos sentidos, vive e opera no mundo e conhece todos os objetos. (19) Todo o conhecimento reside no Ātman triplo que é verdadeiramente a Jñānaśakti. (19) Resumido de Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 5-7.

Essas faculdades, tomadas por Prāṇa, e cada uma delas por sua vez transformada numa śakti, um poder, está escrito que o verdadeiro Prāṇa é idêntico a Ātman; (20) pois Prāṇa é Ātman com o nome de Prajñā: "Prāṇa é Prajñā, e Prajñā é Prāṇa".(21) Não há diferença, exceto na forma de manifestação. Quando Prāṇa fez isso, então se diz que Jīvātman mora no corpo: "Ó Maghavan, verdadeiramente mortal é este corpo, penetrado pela morte; desse Eu imortal e incorpóreo ele é a habitação". (22) Através de Prāṇa, o Ātman triplo mora conosco. Através de Prāṇa, o Ātman triplo trabalha conosco. E por isso está escrito que todos os órgãos sensórios corporais foram realmente feitos pela vontade do Eu para experimentar os contatos das variadas formas de matéria: o Eu desejou ver, ouvir, falar, cheirar, pensar e daí surgiram os órgãos. (23) Esta é a ordem da evolução; não é o Eu que é o produto do corpo, mas é o corpo que é a construção produzida pelos poderes inerentes ao Eu; toda manifestação neste mundo mortal, este mundo que é penetrado pela morte, é devida à vontade do Eu; esta é a verdade. Não há nada em vocês que não provenha do Ātman triplo; nenhum poder, nenhum pensamento, nenhum órgão sensório que não provenha da vontade dele, porque ele quer se manifestar, e ele quer desfrutar. E por isso está escrito, como se di e acima: "Do Eu nasceu esta vida". (20) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iv, 19. (21) Ibidem, iii, 3. (22) Chāṇḍogya-, VI, xii, 1. (23) Ibidem, 4.

O resultado inevitável desse estudo é matéria para a vida cotidiana, para o treinamento do estudioso. Está claro que não é nesses órgãos, criados pelo Eu, que o Eu pode encontrar repouso. Esses órgãos não podem satisfazer, quando compreendemos que os fizemos apenas para que sirvam a um propósito passageiro. É o Eu que "vê, não-visto; que ouve, não-ouvido; que menta, nãomentado; que conhece, não-conhecido. Não há nada que pensa, a não ser ele. 35

Não há nada que conhece, a não ser ele. Ele é teu Eu, o Governador interior, imortal". (24) Donde o conselho: "O homem não deve desejar conhecer a fala, ele não deve conhecer o falante. O homem não deve desejar conhecer a forma, ele não deve conhecer o contemplador. O homem não deve desejar conhecer o som, ele não deve conhecer o ouvinte. O homem não deve desejar conhecer a mente, ele não deve conhecer o pensador". O Eu "é o Possuidor do mundo, o Rei do mundo, o Senhor do mundo; esse é meu Eu. Isto o homem deve saber". (25) Isto não é razoável? O que resulta de bom do fato de conhecer apenas os objetos, se aquilo que os conhece está dentro de nós? Eles se tornaram secundários, triviais, insensatos. É o Eu que possui todos os poderes quem verdadeiramente desejamos conhecer. (24) Bṛhadāraṇyaka-, III, vii, 23. (25) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 8.

Sobre essa compreensão da natureza do Jīvātman, a natureza do homem, está elaborado todo o Yoga e a escada que leva ao Autoconhecimento, como se disse antes, é o Prāṇāyama real. Todos os seus estágios devem ser seguidos, um a um, compreendidos um a um, e gradualmente dominados, até que alcancemos o Eu que está dentro de nós. É esse Eu que deve ser conhecido que deve ser compreendido, que deve ser entendido; e todas as formas devem morrer, pois elas são perecíveis, até que reste apenas o Eu imortal, imperecível. Isto. é o Prāṇāyama de que falam os verdadeiros Yogin. "Aquele que reconhece corretamente esse Eu como Deus, Senhor do passado e do futuro, ele não tenta se esconder" (26) Porque ele se esconderia? Como ele se esconderia? Ele é "Brahman, o imorredouro, o destemido". (27) Não há nada que ele possa temer. Ele é tudo, e, quando ele entende isso, nada nem ninguém permanece fora dele a que ou a quem ele pudesse temer. Vocês pensam que possuem inimigos? Estão enganados; não há nada além do Eu, e não há nada que possa ser inimigo do conhecedor-do-Eu. Vocês pensam que possuem desgostos, problemas, que sofrem injustiça e erro? Não há nada que possa infligir um erro a vocês. Vocês são o Eu; uma parte de vocês está dando pancadas na outra parte, e ambas as partes ignoram que vocês estão brigando consigo mesmos, batendo com suas próprias mãos em suas próprias cabeças. Por um engano o Eu é inimigo do 'Eu e sabemos que em toda parte, em cada um, nós, o Eu, temos mãos e pés e olhos. Todos eles são nossos e não existe diferença alguma; essa mão que tenta nos bater é nossa própria mão, trabalhando nosso karman e, quando ele estiver pronto, estaremos livres. Ela está, essa nossa mão, eliminando os ferros que nos prendem. Donde se dizer que não existem amigos, nem inimigos; há uma vida, o Eu, e esse Eu é o "Brahman imorredouro destemido". "Brahman é Imortal, realmente, o Brahman que vem de trás, o Brahman que vem da frente, o Brahman que vem da esquerda e da direita, de cima, de baixo, o que tudo penetra, Brahman isso tudo, o mais excelente." (28) (26) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 15. (27) Chāṇḍogya-, VIII, vii, 4. (28) Mūṇdaka-, II, ii, 11. 36

IV Conferência

A Roda dos Nascimentos e das Mortes IRMÃOS·, Ontem de manhã, como vocês devem estar lembrados, estudamos a natureza do Jīvātman: tentamos compreender como ele se constituía, qual era sua natureza fundamental e qual a natureza dos upādhi, ou corpos, em que ele vive nos mundos grosseiro e sutil. Hoje, para completar o assunto deste ciclo de conferências, proponho que tentemos seguir o Jīvātman através de seu estágio humano, lembrando-nos de que atrás dele há o estágio subumano pelo qual ele ascendeu, lembrando-nos de que além dele há o estágio super-humano ao qual ele inevitavelmente ascenderá. Nosso trabalho, hoje, é examinar a passagem humana; tentar compreender a natureza dessa "roda dos nascimentos e das mortes" a que o Jīvātman está preso por sua longa vida humana; ver onde ela gira, porque ela gira e como ela o faz; compreender como os grilhões que aguilhoam os Jīvātman a ela podem ser quebrados, podem ser rompidos, ver qual é a mudança que ocorre no Jīvātman por ocasião do rompimento dos grilhões, por ocasião do despedaçamento das cadeias; e, finalmente, compreender quais são os meios de rompimento, como esse Jīvātman, preso à roda, deve exibir sua liberdade inerente, a liberdade que é sua, porque ele é Brahman. Esta será a linha de nosso pensamento. Bem, observamos que nos Upanixades a palavra "roda" é usada repetidas vezes quando se quer deixar claro ao estudioso que existe uma repetição recorrente de uma determinada sequencia de eventos. Como uma roda gira e gira, e como ao girar continuamente permite que suas partes fiquem no alto alternadamente, e como qualquer parte dela que vocês escolham voltará ao lugar onde ela estava quando vocês a observaram antes - assim também acontece com os nascimentos e as mortes neste roda que é chamada de Brahman. Pois lemos: "Nesta infinita roda-Brahman, a morada de todos os seres, vagueia o Haṁsa, que pensa que o Eu e o Governante são diferentes". (1) Śrī Śañkarācārya, tratando da palavra Haṁsa, deriva-a de uma frase que, traduzida, designa/significa "alguém que viaja por uma estrada". (2) E por essa razão que vocês podem encontrá-la traduzida às vezes por viajante, ou peregrino - o Eu-Peregrino. O significado mais profundo é o de que o Eu é Haṁsa, o "eu", o Aham - uma declaração da unidade do "eu" Particular com o "eu" Universal. Mas a palavra peregrino não ,será muito valiosa, pois este "eu" particular Viaja de sua particularidade para a Universalidade do "eu" Universal, e o Eu é o Haṁsa que está viajando continuamente na rodaBrahman infinita que é o Universo. (1) Śvetāśvatara-, i, 6. (2) T.)

[Transliteração: hanti gacchati adhvānam iti haṁsaḥ / / (N. 37

Em outro lugar está escrito, em relação a essa mesma roda que está girando, que ela gira por Deus e sobre Deus; ela gira pelo esplendor do Supremo, ela não se move por sua própria natureza: "Pelo esplendor do Supremo gira a rodaBrahman". (3) E está escrito ainda que o Supremo é o eixo sobre o qual o Universo gira. (4) Assim, temos uma ideia de uma contínua revolução de todas as coisas, uma sequencia recorrente, um Universo que gira pelo impulso divino, fundado na natureza divina; e a essa roda do Universo estão presas as almas dos peregrinos; presos, não em sua própria natureza, que é liberdade, mas presos pelos veículos em que elas entraram para ganhar experiências. E sempre devemos nos lembrar, quando falamos de prisão, de que são apenas os veículos que estão presos. É como se vocês estivessem acorrentados, não por seus membros mas apenas por suas roupas; uma prisão muito real para todos os objetivos práticos, pois é possível dizer que vocês estão acorrentados, mas, analisando-se o fato, não são vocês que estão presos. Então, na verdade, nossos viajantes, nossos peregrinos, não estão presos. Vocês não podem prender o Jīvātman mais do que podem aprisionar a luz solar; mas a sombra que a luz solar produz, ela está presa à roda dos nascimentos e das mortes. E só compreendendo que apenas a sombra está presa que vocês podem sentir gradualmente a liberdade de vocês e, finalmente, saberem-se livres. (3) Śvetāsvatara-, vi, 1. (4) Ibidem, 6. Onde gira a roda dos nascimentos e das mortes? Ela gira no interior da roda mais vasta do Universo, do qual já falamos, e as revoluções dessa roda estão limitadas no interior dos três mundos. Este é o próximo ponto de que vocês devem se lembrar. A sucessão de nascimentos e de mortes só nos é familiar através dos três mundos conhecidos como Triloka. O Upanixade diz: "Existem três mundos - o mundo do homem, o mundo dos Pitr e o mundo dos Deva". (5) Estes são os três mundos. O mundo penetrado pela morte, que é o mundo dos homens, o Bhürloka. O mundo que é chamado de mundo intermediário, em que, está escrito, um homem, um Jīvātman, pode ver o mundo dos homens de um lado e o mundo dos Deva do outro, (6) esse é o mundo dos Pitr, o Bhuvarloka. E depois o terceiro, o mundo celeste, o mundo dos Deuses, que é o terceiro, Svargaloka. Bem, a morte tem poder sobre todos esses três mundos. Lembrem-se de como, quando Naciketas viu Yama - e quando Yama ofereceu todas as alegrias da terra, com tudo o que ela podia dar, filhos e netos, gado, elefantes, ouro, cavalos, vida longa, soberania, e chegou até a avançar um passo, ordenando-lhe tomar o mundo celeste e suas alegrias -, Naciketas encontrou-o às voltas com a questão de saber se na terra e no céu ele também seguraria o cetro, e lhe devolveu todas as alegrias quando se tingiu de imortalidade. (7) O Rei Yama não podia negar que, embora a vida celeste fosse mais longa do que a terrena, ela ainda teria seu final na morte, que seu cetro realmente se arrastaria tanto por entre o céu quanto sobre a terra, que nenhuma permanência seria possível em qualquer mundo em que ele tivesse governado e que todos os presentes estavam tingidos pela natureza transitória da 38

vida deles. Nesses três mundos, então, a roda dos nascimentos e das mortes está girando. Nós, teósofos, referimo-nos a eles como o plano físico, o plano astral e o plano mental, ou devachânico. (5) Bṛhadāraṇyaka., I, v, 16. (6) Ibidem, IV, iii, 9. (7) Kaṭha-, ii, 23-28. Devemos nos deter um momento neste último plano, o mental, por causa de uma linha divisória que nele existe em relação à recorrência dos nascimentos e das mortes. Todo plano esta dividido em um três e em um quatro, em sete subplanos, como vocês sabem. Não tenho tempo agora para falar deles e de sua significação e direi apenas, de passagem, uma coisa importante: quando o Jīvātman conquista um plano, o três e o quatro mudam de lugares. Em primeiro lugar, os três estão em cima e os quatro embaixo, o triângulo está sobre o quadrado. Mas quando o plano é conquistado, quando o homem está passando da dominação do plano a um lugar em que ele pode governa-lo, o subplano médio deixa o inferior e alcança o superior e em vez de o triângulo estar sobre o quadrado: vocês têm um triângulo embaixo e um quadrado, a Tetraktys, em cima, dominando-o. Essa ideia pode sugerir a vocês por que neste plano vocês têm os três embaixo - terra, líquido ou água, e gás - e os quatro em cima - os éteres, intangíveis, imperceptíveis, invisíveis. No plano-daterra foi alcançado o ponto crucial e ele é os quatro que estão em cima, enquanto os três estão embaixo: e todo o progresso futuro da ciência depende de se estudar e compreender a natureza e as forças dos éteres do plano físico; pois os três estão na nossa retaguarda, por assim dizer, sua obra está quase pronta. Mas no plano mental as coisas são diferentes; os subplanos arūpa são três e os subplanos rūpa são quatro: o roda dos nascimentos e das mortes não entra nos três superiores, os arūpa, os sem-forma. Há o Ego, em seu próprio corpo, intocado pelo nascimento e intocado pela morte, aquele corpo de manas que permanece durante todo o ciclo. Ele não se desintegra sob o domínio da morte - como fazem os três inferiores - o mental, o astral e o físico. Esses três, e só eles, estão sujeitos ao nascimento e à morte. A "Morte" não significa morte apenas no plano físico, mas morte nos três planos sucessivos; em cada um deles o corpo que lhe pertence é desintegrado após a morte, deixando apenas uma partícula, o átomo permanente, em que a experiência do corpo é preservada. A roda gira, então, nos três mundos. Por quê? e como? por que - porque cada mundo tem sua própria função na revelação dos poderes do Jīvātman e na moldagem dos corpos através dos quais esses poderes são expressos; lembremo-nos de que esses corpos são a sombra de que o Jīvātman é a luz solar. No plano mais inferior, o mundo de matéria física, a semente é plantada; em outros mundos, a experiência é colhida. Só nesse plano, para a grande maioria da humanidade, a consciência é desenvolvida até o ponto em que é definida, clara, precisa; em que os contornos são completamente percebidos, em que os objetos estão nitidamente separados de outros objetos, em que não há borrões, nenhuma confusão de contornos, onde tudo é moldado, 39

definido, claro. No último plano de matéria, onde a divisão é maior, esta exatidão de definição deve ser conseguida pelo viajante, pelo peregrino. É por isso que ele veio aqui. Ele veio para que, pela divisão de seus poderes, pelo envolvimento de cada um deles separadamente em matéria, pela transformação de cada Jñānaśaktí numa Kriyāśakti, esta definição mais clara e essa exatidão completa possam ser conseguidas. Ele está aqui para isso e para a colheita da experiência que deve ser usada para o crescimento e a revelação nos próximos dois mundos. Ele sai deste mundo pela morte e entra no mundo seguinte, o mundo astral, o Bhuvarloka, cuja parte superior é o mundo dos Pitr e a inferior é o mundo dos Preta, ou Kāmaloka. O que ele faz aí? Trazendo consigo, em sua memória, toda a vida que viveu no plano físico - pois que ele carrega consigo a memória, veremos isso claramente num minuto - ele começa a aprender os resultados do que ele fez no plano físico. Esse é o mundo em que os resultados das atividades inferiores se mostram, em que ele colhe parte da frutificação da semente que ele semeou na vida-da-terra. Ele experimenta muitas dores amargas com a chegada da loucura, da ignorância, do malefício, no mundo mortal, e uma grande parte, na verdade, faz o Kāmaloka agir em sua educação primordial; muitas das suas lições primárias são dadas efetivamente nessa escola amarga. Pois todo desejo animal que ele alimentou durante sua vida-na-terra permanece com ele como um desejo que não pode ser satisfeito no Kāmaloka, uma tortura constante, até que ele seja vencido pela falta de gratificação. Assim, ele aprende que deve conquistar o animal que há nele, que ele não pode consumi-lo após a morte do corpo. Acumulada essa parte da experiência, passa para o Pitrloka, um lugar pacífico e feliz, e depois para o terceiro mundo, o Svargaloka. Aí ele só tem disponível seu corpo mental como seu veículo de consciência, com tudo o que ele contém - suas memórias do passado, seus pensamentos, suas emoções, seus desejos mais nobres, todas essas atividades que fazem nossa vida mental consciente nos três mundos; essas são suas posses no mundo dos Deva. E aí, olhando para o passado, ele começa a trabalhar pelo futuro. Ele muda suas experiências em faculdades, que ele exercitará na próxima vida no plano físico. Ele transforma seus pensamentos nos poderes da vida interior, de maneira que a experiência se torna faculdades, e as aspirações se tornam poderes. E, quando tudo isso tiver acabado, quando ·toda espiga da colheita plantada no mundo físico tiver sido colhida, quando os frutos tiverem sido comidos e nada restar que não tenha sido assimilado pelo Jīvātman - então ele põe fora o corpo mental esvaziado, a concha, a escória, que de nada mais lhe servem, e leva todos os resultados para seu veículo permanente, o verdadeiro corpo de manas, ao passo que o veículo inferior agora inútil é espelhado, e volta ao reservatório de pensamento-depósito, de matéria mental. Só os resultados das experiências mentais são levados para o receptáculo, o Kāraṇa Śarīra do Ātman. Depois vem o momento do renascimento no mundo físico e a vontade de viver nesse mundo físico desperta. Icchā, agora desejo de vida física, é o impulso que arrasta outros, um novo corpo mental e um novo corpo astral ao redor de suas respectivas partículas permanentes, e depois 40

um novo corpo físico para uma nova semeadura, uma nova colheita de experiência. Eis a atuação da roda em cada um dos três mundos, eis seu propósito - a colheita de experiência, o sofrimento dos resultados da experiência do mal e o desfrute de frutificação da experiência do bem, assimilada para uma semeadura mais completa e mais rica no retorno à terra. Eis a sequencia lógica, eis o valor de cada um dos mundos em que a roda está girando. Se vocês compreenderem o lugar de cada um na evolução dos corpos, na revelação dos poderes do Jīvātman, então vocês compreenderão a sabedoria que construiu os três mundos e a utilização do girar da roda em cada um deles. Donde a necessidade dos nascimentos e das mortes; todo nascimento é uma volta ao mundo; toda morte é uma saída do mundo. Mas a "morte" do mundo inferior é o "nascimento" do superior, pois nascimento e morte são termos relativos. Nós morremos deste mundo mortal para nascermos no mundo dos Preta e dos Pitr: nós corremos do Pitrloka para nascermos no mundo dos Deva; nós morremos do mundo dos Deva para nascermos neste mundo mortal. De maneira que nossa passagem é uma morte recorrente do mundo que deixamos e um nascimento recorrente no mundo em que entramos. Nascimento e morte são apenas palavras, utilizadas para marcar a sucessão de experiências nos três mundos. Tomemos por um momento o tipo mais inferior de homem, o Jīvātman que passou por experiências no reino mineral, nos reinos vegetal e animal, e nasceu agora como um ser humano. Seus poderes intelectuais serão muito pouco desvelados, pois só no homem, está escrito, o aspecto Cit de Ῑśvara se mostra totalmente, e é particularmente esse aspecto que agora tem de ser desvelado. A natureza Jīvātman como um reflexo de Ῑśvara é, nós sabemos, tríplice. Jñāna é o aspecto conhecimento; Icchā é o aspecto desejo-vontade e Kriyā é o aspecto atividade. E é necessário reconhecer que esses aspectos pertencem à luz solar e não podem ser abandonados. Quando lhes pedem que destruam o desejo, vocês não destroem Icchā, que é parte da natureza do Jīvātman, e corresponde ao aspecto Ānanda do Brahman Saguṇa, Quando lhes pedem que destruam os pensamentos vagueantes, a mente que é o Rājan dos sentidos, vocês não destroem Jñāna, que corresponde ao aspecto Cit de Brahman. Quando lhes pedem que destruam a atividade, vocês não destroem Kriyā, que corresponde ao aspecto Sat de Brahman. O que vocês fazem é destruir a sombra no mundo inferior a fim de que a luz solar do superior possa brilhar distintamente. Pois na sombra repousa a ilusão; na sombra repousa a avidyā que cega o Jīvātman à sua natureza real. Essa distinção entre o superior e o inferior deve ser sempre lembrada, e depois, intelectualmente pelo menos, a trilha será mais clara, e as afirmações aparentemente contraditórias dos Upanixades encontrarão sua reconciliação absoluta. Pois eu li para vocês outro dia que o Eu não pode ser atingido pelo conhecimento, e no entanto agora eu terei de dizer que o Eu deve ser alcançado pelo pensar. E vocês ficarão terrivelmente confusos, a menos que se lembrem do princípio da luz solar e da sombra e sejam capazes de aplicar o princípio em cada estágio sucessivo, só destruindo cada sombra quando vocês se identificarem com a 41

luz solar. Haverá um estágio em que cada luz solar é vista como a sombra de uma luz solar superior, até que alcancemos o próprio Ῑśvara; mas esse estágio ainda não é para vocês e para mim; esse estágio não é explicado, pois não poderíamos entendê-lo na sombra inferior em que residimos, e para nós o Jīvātman é a luz solar e a vestimenta dos corpos é a sombra que devemos compreender e superar. Bem, tomem o caso do Jīvātman quando ele vive num selvagem. Ele é tudo que ele é em vocês, tudo que ele é nos Rsi. Mas ele não pode exibir nenhum dos seus poderes, por causa da necessidade da matéria que o reveste. O que vocês devem fazer com ele? Eles têm de aprender a se conhecer como Brahman. Mas ele não pode se conhecer como Brahman na sua condição atual, na Māyā mais grosseira de todas, em que o Jīvātman se identifica com o corpo físico e diz: "Eu sou este corpo. Eu falo, eu como, eu bebo, eu desfruto todas as funções do corpo; este corpo é eu mesmo". E se vocês lhe disserem "Não és o corpo", ele simplesmente encarará vocês. Vocês se lembram de quando certa vez eu citei de Charles Darwin uma ilustração muito boa da diferença de ideias que existe entre um selvagem e um homem civilizado com referência à palavra "bom", que para o homem civilizado tem uma conotação puramente moral, ao passo que para o selvagem ela tem uma conotação puramente física. O selvagem comera sua esposa e, ao lhe dizerem que não era "bom" comer uma esposa, ele respondeu que ela era extremamente "boa" como comida. Bem, é visivelmente inútil dizer a esse homem que ele é Brahman. Ele tem de girar na roda. Ele assassina, ele rouba, ele vive promiscuamente, ele pensa que não há nada de errado em seguir seus desejos; ele não sente remorso em relação ao errado porque ele não possui nenhum ideal de retidão. Ele não pode reconhecer uma coisa como errada porque ele não conhece nada como correto. Ele não pode entender que seguir seus anseios físicos é uma ofensa contra sua natureza superior, pois para ele" natureza superior" é uma expressão sem sentido, sem significado. Como ele poderia aprender que é Brahman? Ele mata, e mata, e mata, e ao cabo é morto em vingança pela matança que cometeu. No próximo mundo, ele brama contra seu matador, pois foi privado de todos os prazeres que queria desfrutar, e deseja injuriá-lo; mas ele não pode mais fazê-lo, seu corpo se foi. Não possui nenhum instrumento com que possa tocá-lo. Impotente sua ira, inútil sua indignação, e agora o germe de mente que está nele começa a trabalhar e a entender. Não de uma única vez. Repetidamente, em muitas vidas, ele deve matar e ser morto, antes que finalmente a ideia se estampe nessa natureza resistente. "Eu fui morto porque eu matei". Ele estabelecerá a conexão. Ele compreenderá que cometeu um erro ao matar, que isso foi uma asneira do seu próprio ponto de vista, porque os que matam são mortos; e depois ele aprende essa lição pela experiência amarga repetida, pelo girar da roda. Ele pensa: "Isto é o resultado do que eu fiz". Constrói-se em seu corpo mental a ideia de que matar é indesejável, elimina a felicidade, encurta a vida do matador, é "errado"; esta ideia é levada para o Kāraṇa Śarīra e construída no próximo corpo mental, e no cérebro reflete-se a ideia inata de que matar é errado, uma ideia que reage rapidamente ao mestre, proibindo o assassinato. É isso o que ele ganhou com a revolução da roda - o poder de ver que 42

uma coisa é errada, quando algo fora dele lhe disse isso. Essa é a diferença que existe entre os seus filhos e os filhos dos selvagens. Num novo corpo todos eles são Ignorantes. Todos têm de aprender "isso é certo", "isso é errado". Mas uma criança reage ao ensinar, por causa do conhecimento e da experiência que trouxe consigo, ao passo que a outra não reage. Com uma delas, vocês não precisam argumentar em nenhum momento. Vocês sabem disso. Ela sabe disso. Mas ela sabe disso porque passou inúmeras vezes pela experiência do errado. O filho do selvagem não sabe disso, e não responderá ao processo, e discutirá e argumentará com vocês porque sua experiência é muito limitada e insuficiente para ser impressa sobre o novo corpo mental. É assim que os mundos estão ligados, e é dessa maneira que os poderes não-desvelados do Jīvātman encontram órgãos cada vez melhores nos corpos novos obtidos de nascimento em nascimento. Detenhamo-nos um momento nesse elemento da natureza, no qual eu disse que vocês poderiam aparentemente encontrar uma contradição. Tomemos em primeiro lugar o desejo. Todos os poderes da natureza-desejo devem ser ampliados; daí o homem ser mergulhado num mundo pleno de objetos que despertam desejos e, ao experimentá-los, ele sente prazer e dor. Essas experiências influenciam o renascimento, pois está escrito: "Seja quem for que, ao pensar em formas, as deseja, nasce em virtude de seus desejos aqui e ali". (8) O homem, diz-se, "é formado-pela-desejo", modelado segundo o desejo, e, ainda, que os desejos de um homem o levam para o lugar em que as formas gratificam esses desejos. Pois o próprio Purusa é da natureza do desejo. "Esse Purusa", diz a Bṛhadāraṇyakopaniṣad, "sente desejo de sua natureza". Ele se apega aos objetos mundanos aos quais ele chegou, e, tendo chegado à última das obras que ele realizou, vai de um mundo a outro e então deseja vaguear de mundo em mundo. (9) Tanto quanto esses desejos existam - e o desejo, dizem-nos, é a natureza do Purusa -, tanto mais ele quer vaguear de mundo em mundo. Como então ele conseguirá escapar a esse vaguear contínuo, se ele deve ir para onde seus desejos o levam? Pois devemos nos lembrar de que os desejos pelas coisas astrais, ou pelo Svargaloka, guiam-no ao mundo astral, ou para o céu, tanto quanto o desejo pelos objetos físicos trazem-no de volta a este mundo; os desejos por objetos que estão no corpo astral prendem com uma cadeia mais forte, são mais sutis do que os que nos prendem aqui; e, se desejamos as alegrias do céu, a satisfação dos Deva, as festas do mundo Svarga, elas são ainda mais fortes, ainda mais sutis; e por todas elas somos presos à roda dos nascimentos e das mortes. Donde estar escrito na Kaṭhopaniṣad, "Quando todos os desejos abrigados no coração são perdidos, então o mortal se torna imortal, (...) quando todos os liames do coração são rompidos, então começamos a compreender que os desejos devem ser de alguma maneira eliminados; mas como isso pode ser feito com um Purusa cuja natureza é desejo? Todos os desejos devem ser destruídos exceto o desejo pelo Eu. Esse desejo deve permanecer, pois ele é a natureza do Eu. O amor do Eu por si mesmo é sua própria natureza; e ele permanece na luz solar quando todas as sombras do desejo pelos mundos inferiores tiverem desaparecido. Os desejos que vocês conhecem aqui pertencem aos corpos e passam com os 43

corpos; o desejo pelo Eu permanece para sempre, e por ele, que leva à compreensão-do-Eu, vocês se tornam imortais. (8) Muṇḍaka-, III, ii, 2. (9) Brhadāraṇyaka-, IV, iv, 5, 6. (10) Kaṭha-, vi, 14, 15. Voltemo-nos para o pensamento, o aspecto Jñāna, que aqui conhecemos manifestado como mente, o aspecto da consciência no corpo mental. "O homem", está escrito, "é feito-de-pensamento". (11) Pois cada aspecto do Eu criou sua própria forma. Donde o homem ser "formado-pelo-desejo ou pela vontade" e "formado-pelo-pensamento", e também "formado-pela-atividade", e vocês se lembram de como a passagem deve ser completada em relação ao pensamento: "O homem é feito-pelo-pensamento. Quando ele pensa neste mundo, ele passa a existir no próximo mundo. Portanto, que ele pense em Brahman". O pensamento correto é a maneira de quebrar os grilhões que são tecidos pelo pensamento errado. Se pensarmos em nós como corpo, seremos presos no corpo; se pensarmos em nós como mente, seremos presos na mente; se pensarmos em nós como o inferior, permaneceremos no Inferior. Então: quando pensamos em nós como o Eu, tornamo-nos Eu; e por isso então está escrito, num daqueles versículos que não devem confundir o estudioso atento, embora o desatento possa tomá-lo como contraditório, que o Eu, a natureza oculta de todos os seres, é observado pelo intelecto sutil atencioso dos homens de visão sutil, e está escrito: "Ninguém o vê, com os olhos: é pelo coração pela vontade e pela mente que ele é alçando”, (12) Não é pelo olho que ele pode ser alcançado, nem também pela voz, nem por qualquer um dos sentidos, nem por tapas, nem por ritos; pela meditação ele é visto, indiviso, quando o intelecto é purificado pela sabedoria límpida. Esse eu sutil deve ser conhecido pela inteligência, penetrado pela vida quíntupla; as mentes das criaturas é penetrada pelas vidas [sentidos]; o Eu se revela, purificado, nelas". (13) Embora o Eu não possa ser alcançado pelo conhecimento da sombra, ele pode ser alcançado pelo pensamento quanto a sombra é conhecida como sombra, "e quando o Eu que tem a natureza do conhecimento" (14) brilha sem ofuscação; portanto, é necessário que um homem possa desenvolver a mente superior, mesmo que a mente inferior seja seu obstáculo e seu inimigo. A mente superior, unida à Buddhi, a Razão Pura, o aspecto Sabedoria do Eu, pode conhecer o Eu. Observem a significação dos sloka citados, que falam do Prāṇa quíntuplo que penetra a inteligência; como vimos ontem, Prāṇa é Prajñā em seu aspecto superior, e quando ele se retira dos sentidos e penetra em Prajñā, intelecto, a mente inferior penetrada-pelos-sentidos, é deixado sem "ida. Quando se compreende o Jñāna, vêse o aspecto Sabedoria do Eu. (11) Chāṇḍogya-, III, xiv, 1. (12) Kaṭha-, vi, 9. (13) Muṇḍaka-, III. i, 8, 9. (14) Ḃṛhadāraṇyaka-, IV, ii, 6. Chegamos ao terceiro aspecto, o aspecto de Kriyā, atividade, que resulta em 44

obras. Novamente está escrito: "Como age, como se comporta, assim ele se torna". (15) O Eu é feito-pela-atividade, bem como feito-pela-vontade e feito-pelopensamento. E, para se desfazer dessa cadeia de obras, ele deve saber que não é ele que obra, mas é o Eu que está obrando nele. Quando suas obras se tornam sacrifícios, sua natureza agrilhoadora é destruída. (16) (15) Bṛhadāraṇyaka-, iv, 5. (16) Bhagavadgītā, iv, 23. Compreendendo, então, pelo menos parcialmente, a teoria do aprisionamento à roda dos nascimentos e das mortes, pelas cadeias do desejo, do pensamento e da atividade, devemos perguntar: Como se pode chegar à liberação? Os Upanixades nos contam da relação entre o sono e a morte, e como um homem não deixa, em ambas, de ser. Está escrito na Kauṣītakibrāhmaṇopaniṣad que, no sono, vemos um homem repousando destituído de fala, de visão, e etc., dado que todas as suas faculdades se retiraram para o Prāṇa e se transferiram para outro mundo. Quando ele acorda, da mesma maneira como centelhas de uma fogueira se atiram em todas as direções, assim também os Prāṇa do Eu se atiram para seus vários lugares no corpo físico. A mesma coisa se repete quando um mestre e um discípulo veem um homem adormecido e o despertam; o mestre explica que, quando um homem dorme, ele está habitando um lugar fino como um cabelo dividido em mil partes – nossa “teia de vida" - e a fala entra em Prāṇa com todos os nomes, a visão com todas as formas, a audição com todos os sons, a mente com todos os pensamentos; e de novo se repete o símile: quando ele desperta, da mesma maneira como centelhas de uma fogueira se atiram em todas as direções, assim também os Prāṇa do Eu se atiram para seus vários lugares. Eles penetram nas unhas e nos pelos da pele. Assim o Ātman entra no corpo, e todos os Prāṇa estão com eles. (17) A Bṛhaddraṇyakopaniṣad conta-nos que não é verdade que o adormecido não vê, nem cheira, nem sente gosto, nem fala, nem ouve, nem pensa, nem toca, nem sabe; pois não há nenhuma perda de visão para o que vê, que é indestrutível, nem perda dos outros sentidos, dado que o Eu é o único que vê, e que ouve, e que pensa, e, fora do corpo físico, como nele, desfruta todas as suas faculdades. Pois não existe um segundo, nenhum outro, separado dele, em quem esses poderes residam. (18) O retorno do Eu com os Prāṇa é então o despertar do sono. E. o símbolo do despertar da morte. Pois, como a mesma Kauṣītakibrāhmaṇopaniṣad nos conta, quando olhamos para o homem que está morrendo, e as pessoas que estão ao seu redor e que o veem morrer lentamente dizem "Ele não fala, ele não ouve, ele não pensa", é então que ele está sendo absorvido em Prāṇa e todas essas coisas entram em Prāṇa: a fala entra nele, o olho entra nele, o ouvido entra nele, a mente entra nele, e quando o homem "sai do corpo, ele sai com tudo isso". Todos os nomes estão vivos nele, todos os odores estão vivos nele, todas as formas estão vivas nele; tudo isso está vivo nele e, saindo do corpo, ele leva consigo tudo que possui. (19) De maneira similar a Bṛhaddraṇyakopaniṣad diz que, na morte, o Eu se apodera dos Prāṇa e entra no coração; a entrada no coração torna-se luminosa e o Eu deixa o corpo pelo olho, ou pela cabeça, ou por qualquer outra parte. "Quando ele se vai, 45

a vida o segue; quando a vida volta, tudo o que vive a segue; ele se torna conhecimento, com conhecimento ele parte; sabedoria, obras e conhecimento do passado o penetram". Tendo abandonado o corpo, ele toma outro, adequado à região particular para onde vai. (20) Acontece com o adormecido o que acontece com os assim chamados mortos. Não existe destruição para o que-vê, o que-ouve, o que-pensa. Ele é o único que vê e ouve e pensa verdadeiramente. (17) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 3 e iv,18. (18) Loc. cit., IV, iii, 23-30, resumido. (19) Loc. cit., iii, 3, 4, resumido. (20) Loc. cit., iv, 14, resumido. (21) Bṛhadāraṇyaka-, VI, ii, 2-16; Chāṇḍogya-, V, ii; Praśna-, i, 9, 10. Mas na morte há duas trilhas - o Pitṛyāna e o Devayāna, a trilha dos Pitṛ e a trilha dos Deuses. Elas estão cuidadosamente descritas em passagens que resumirei agora; estão na Bṛhadāraṇyaka -, na Chāṇḍogya - e no Praśna-Upanixade. (21) Toda palavra que indica escuridão - fumaça, nuvem, quinzena escura, etc. implica servidão à matéria e é utilizada para a trilha dos Pitṛ, para onde vão os que voltam para renascer; toda palavra que indica luz implica o triunfo do Eu e é utilizada para a trilha dos Deva para onde vão os que não retornam. Tanto mais o homem é cegado pela matéria, quanto mais ele deve trilhar a estrada pela qual retoma. E essa estrada vai de terra para a região do Kāmaloka chamada Preta ["mundo dos mortos".- (N. T.)]; depois ao Pitṛloka: do Pitṛloka à Lua, que é o portão do Svarga; ele mora no Svarga até que tenha comido o fruto de sua experiência-na-terra; e quando chega o momento de voltar, os Deva oferecem "fé", a unidade mental permanente vivificada, no fogo celestial, e do fogo se origina o Rei Soma, o novo corpo mental. Os Deva levam, com o átomo permanente astral, para a água, esse plano astral, e o novo corpo astral é formado. Os Deva o levam para a terra e ele se torna alimento; isso significa que o átomo permanente físico, que segue com vocês por todos os nascimentos e por todas as mortes - a partícula que é o germe de todo novo corpo que vocês puderem vestir, que sempre permanece ao redor dele, com a ajuda dos Deva, o material de que o corpo novo e apropriado é formado -, entre na terra e se transforma em algum tipo de alimento e por meio do alimento ele entra no pai e do pai passa para a mãe e aí o novo corpo físico é construído. Assim, essa trilha está traçada para nós, estágio por estágio, embora as palavras místicas utilizadas possam tornar difícil seguir todo o processo sem uma explicação adicional. Assim, ao longo do Pitṛyāna e através dos vários estágios dos cinco fogos - o fogo do céu, o fogo de Parjanya, o fogo da terra, o fogo do homem e o fogo da mulher -, o homem volta ao mundo dos homens e assim ele deve girar e girar, na medida em que percorre a trilha. Mas há uma outra trilha, o Devayāna. O que é ela? Todas as palavras que significam luz, como dissemos, descrevem esse caminho. Ele é fogo, é o trovão, é a quinzena brilhante, é o caminho setentrional do sol. O homem está no corpo de luz, não no corpo da sombra; quando o homem sobe para esse corpo radiante, o Augoeides, então ele percorre a trilha de luz. A sombra à sombra, e a 46

luz à luz. Tanto mais vocês pensem que a sombra seja vocês, quanto mais vocês devem seguir a trilha de sombra, da fumaça, da nuvem, de qualquer objeto pelo qual vocês possam descrever o lado material das coisas; mas quando vocês se compreendem como o Eu, não como matéria, não como forma, então vocês pertencem ao lado-luz do mundo, ao lado-Espírito, a tudo que é brilhante, e num corpo de luz vocês se dirigem para a fonte de luz e não voltam nunca mais. Essas são as trilhas; quais são as condições que nos levam a percorrer uma ou outra delas? Esta, em suma, é a questão mais vital para vocês e para mim. Os estágios são muito, muito claros; eles são claros, mas não são fáceis. Vivam a vida da unidade, compreendam que vocês são o Eu, e que o Eu é um. "Da morte à morte", pois "vida em matéria é morte". (22) Dizemos que ele passa de um nascimento a outro nascimento, mas o verdadeiro vidente diz que ele passa de uma morte a outra morte. O homem só se torna imortal quando compreende sua própria natureza. (22) H. P. Blavatsky. "Quem vê variedade n’Ele vai de morte em morte". (23) "Vai de morte em morte quem percebe diferença". (24) "Como um espelho, sujo de terra, que é limpo brilha como se fosse feito de luz, assim também aquele que mora no corpo, tendo visto a verdadeira natureza do Eu, torna-se um, a dor cessa". (25) (23) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 19. (24) Kaṭha-, iv; 11. (25) Śvetāśvatara-, ii, 14. A fim de que possamos ter coragem para enfrentar a longa batalha de nascimentos e mortes, o Upanixade declara que "esse Eu deve ser conhecido". (26) Pois o homem não pode trabalhar por aquilo que ele sente estar completamente fora do seu alcance, e ele deve em primeiro lugar obter a convicção de que é possível encontrar o Eu, antes que entre no caminho em cujo final ele conquistará sua liberdade. Antes de tudo, então, vocês precisam da convicção interior do Eu e da sua descoberta. Os passos seguintes são dados mais definitiva e mais claramente na Kaṭhopaniṣad. Não pode encontrar o Eu o "homem que ainda trilhe caminhos maus". (27) Esse é o segundo passo. Tanto mais um homem trilha um caminho mau e gosta dele, quanto mais o Eu é ocultado dele por uma nuvem que ele não pode perfurar. Ele pode ser fraco, defeituoso, pode ainda cometer um erro ou um tropeço, mas deve vê-los como tropeços e erros antes de se poder dizer que deixou de trilhar caminhos maus; ele deve ver o errado como errado, deve reconhecê-lo, deve repudiá-lo, deve dizer "Esse não é eu". E quando ele tiver repudiado o mal, deve submeter seus sentidos, deve concentrar seu intelecto; pois o insubmisso não pode alcançar o Eu, não, nem mesmo pelo conhecimento - um aviso a todo aquele que pensa que a apreciação intelectual sem purificação e autocontrole pode significar compreensão do Eu. Um homem que não deixou de trilhar caminhos maus não obtém o Eu, mesmo por conhecimento. "A isto eles chamam Yoga, a firme submissão dos sentidos". 47

(28) Assim também a Kenopaniṣad diz que os meios que se obter o Eu são "restrição, submissão, trabalho". (29) Restrição dos desejos; submissão da mente; trabalho para a purificação do corpo - quando um homem se esforça nessas três coisas, então ele compreende os passos em sua própria natureza à qual ele chega. A Taittirīyopaniṣad diz: "Corpo, vida, mente, conhecimento, bemaventurança". (30) Essas palavras descrevem a passagem pelos vários estágios da sombra no caminho para a luz solar. O corpo: que deve ser purificado, e o homem deve deixar de se identificar com seu corpo; olhando para o corpo, ele deve ser capaz de dizer pela vida bem como pelos seus lábios: "Esse não é eu". A vida interior, o Prāṇa, a natureza-desejo: ele se identifica com ela; deve aprender a se separar dela, de toda natureza-desejo, e deve dizer à natureza-desejo: "Essa não é eu"; e mais uma vez deve dizê-lo pela vida e pelos lábios. Depois ele deve aprender a dizer da mente sempre vagueante: "Essa não é eu"; e deve, aprendêlo por concentração, por meditação, pela fixação nos pensamentos, e assim se libertar de sua servidão. E depois vem o corpo de conhecimento, como é chamado, a Buddhi, a Razão Pura; ele deve aprender a dizer "Essa não é eu", por maior que ela seja. Depois ele alcança o corpo de Ātman, Aham, que é o lugar da alegria; e mesmo então ele deve dizer: "Esse também não é eu", pois o "eu" deve ir. Chega o momento em que ele só diz: "O Eu é tudo". E, de maneira semelhante aos esboços da Taittirīya -, diz-se no Kaṭha-Upanixade: "Que o sábio submeta sua fala pela mente (manas); submeta sua mente pela razão (buddhi); submeta sua razão pelo grande (ātman): submeta-o no pacífico (Mônada). (31) Mais elevado do que a Mônada só Ῑśvara, o Puruṣa; "nada mais é mais elevado do que Ele; Ele é o último limite, Ele é o objetivo supremo". (32) Existem os estágios. Libertemse dos sentidos, identificando-se com a mente. Depois repudiem a mente, identificando-se com a Buddhi, a Razão. Depois repudiem Buddhi, e se identifiquem com o Ātman. Repudiem até mesmo o Ātman, como uma sombra, e se identifiquem com a Mônada, o verdadeiro Jīvātrnan. E depois, lançando-o fora, identifiquem-se com Ῑśvara, o Supremo. Está escrito que, quando um homem vê Ῑśvara, "ele obtém a mais alta identidade". (33) (26) Muṇḍaka-, iii, 9. (27) Kaṭha-, ii, 24. (28) Ibidem, vi, 11. (29) Loc. cit., iv, 8. (30) Loc. cit., II, viii. (31) Loc. cit., iii, 13. (32) Ibidem, ii, 11. (33) Muṇḍaka-, III, i, 3. Vocês veem agora porque se diz que o Eu é alcançado pelo pensar, e também não pelo pensar. O pensar que é efetivo é o pensamento que se identifica com a vida, e não com a forma. E ele deve ser não o que diz, mas o que vive; e o que isso significa, em suma? Significa que no meio do corpo vivemos como se não tivéssemos corpos; que todos os movimentos dos objetos externos 48

que estão ao nosso redor, que nos dão alegria e tristeza prazer e dor, que animam e deprimem, que encorajam e - ameaçam - todos eles deixam de possuir qualquer poder, porque dizemos pela nossa vida, e não pelos lábios, que “os sentidos não são eu, eu, não ou eles". Significa, com relação à mente, que os pensamentos que molestam angustiam, e os pensamentos que encorajam e deliciam, o divertimento da mente, as alegrias do intelecto, o êxtase da criação intelectual, e o esplendor do poder imaginativo são repudiados: "Não são meus, não podem me abalar, não podem me comover, não pode me atrair e não podem me repelir". Muitos chegaram ao estágio em que podem dizer que as coisas não os atraem, mas poucos são os que podem dizer que nada os repele, e eles não devem repelir mais do que atrair. Pois a repulsa é tanto um laço para o Eu como o é a atração, e, quando vocês são repelidos por qualquer coisa viva, vocês não são livres. Vocês ainda estão, pela repulsa, sob o domínio dos objetos externos; vocês não deixaram de se identificar com eles. Assim, passo a passo, tentem romper em direção ao Eu, e, se vocês começarem a busca, comecem com a vida cotidiana. Vocês têm uma língua, uma visão, uma audição. Dominem a língua, e não permitam que ela fale, nunca, uma palavra cruel ou falsa; nenhuma expressão áspera, nenhuma crítica aguda, nenhum julgamento em relação ao seu irmão, nenhuma condenação. A fala é um poder do Eu e se degrada e se prostitui quando passa ao controle dos objetos externos e quando é dirigida pelas atrações e pelas repulsas do mundo inferior. Dominem o olho e o ouvido, ensinando o olho a ver o Eu, e não a Māyā que o circunda, a romper a Māyā que rodeia seus irmãos e a ver atrás dela o Eu, que "faz sua própria trilha, de acordo com a Palavra". Meus irmãos, julgamos o caminho dos outros; por mais que nos confinemos ao nosso próprio caminho e tentemos trilhá-lo corretamente; quando digo que meu irmão segue um caminho mau e, portanto, que ele pode ser desprezado e condenado, não estou eu vendo o exterior e não o interior? Seu Eu pode saber que esse caminho que para mim é mau é o único caminho que lhe dará a experiência que ele não possui; talvez ele esteja preso e não livre até que tenha tido essa experiência, e o Eu escolhe esse caminho a fim de que possa ser obtida essa experiência que quebrará algum grilhão que ainda o aprisiona. Portanto, embora eu possa dizer que isso e aquilo está errado e é degradante, eu não posso dizer que esse Eu esteja trilhando um caminho mau. Pois, embora ele esteja cegado por Māyā, o Eu é imaculado; ele rejeita tanto o bem quanto o mal e toma tudo como frutos da experiência, que ele colhe para seus próprios objetivos enquanto escolhe seu próprio caminho. Vocês devem começar a fazer as grandes coisas mais tarde. Em primeiro lugar, façam as pequenas coisas; pois para que serve ficar falando do caminho superior quando os primeiros passos no inferior ainda não foram dados? Por isso está escrito: "O homem deve deixar de percorrer os caminhos maus". Até que ele o faça, seus olhos estão cegados, e ele não pode ver. Um homem deve refrear sua língua. Quem gosta de ouvir críticas duras e mexericos cruéis e quem 49

não quer ver o Eu em tudo não pode esperar que a sombra comece a desaparecer e permitir que a glória do Eu seja um pouco mais visível. Eu não poderia terminar este assunto, que alguns qualificam de metafísico e nada prático, sem lhes mostrar que o que é verdadeiramente prático provém do que é metafísico, que do pensar correto provém o viver correto, e do compreender correto vem o amar correto. Na verdade, pensar mais correto quer dizer viver mais correto, e, se eu tomei o tempo de vocês nesta ocasião com aquilo que chamei de assunto nada prático, foi porque eu acredito que, na ordem da natureza, do sutil provém o grosseiro, e não do grosseiro o sutil. Não é da prática correta que provém o pensar correto, mas é do pensar correto que provém a prática correta. A crença correta é de uma importância enorme. Não é verdade que não importa aquilo em que um homem acredita. Não é verdade dizer, como muitos dizem, que as crenças de um homem não importam, apenas a sua conduta tem importância; nenhuma conduta correta permanente se origina de uma crença errônea. Quando uma raiz apodrece, a árvore morre. "Aquilo em que o homem pensa, nisso ele se torna." A ideia de que a conduta é tudo e de que o pensamento é nada é uma reação do extremo oposto, que faz, não do pensar correto, mas da crença ortodoxa o padrão pelo qual o homem é julgado. Houve uma época em que o pensamento livre era punido e em que a boa conduta não era desculpa, não, era tida como agravante, chamada de heresia. Não existe heresia; nenhum homem é juiz e senhor de outro homem em qualquer esfera de pensamento, seja na esfera da religião, na esfera da política, na esfera da moral, na esfera da filosofia. O pensamento deve ser livre e desacorrentado, caso contrário vocês só terão a estagnação e a morte. Mas, porque isso é verdade, não façam a dedução ilógica: "Não importa o que eu penso". Aquilo em que vocês pensam importa enormemente. Se vocês pensam falsamente, vocês agirão erradamente; se vocês pensam de modo desprezível, sua conduta seguirá seu pensamento. Então pensem de maneira mais nobre, mais elevada, mais pura. Pense melhor que puderem, e não o pior. Tenham altas aspirações, pois, quanto mais alta a flecha for apontada, mais alto ela alcança o alvo. Que seus ideais sejam sublimes, enquanto sejam caridosos seus julgamentos a respeito de outros; e seus ideais elevarão vocês, e sua caridade erguerá seu irmão. Pois nunca se erguera o homem que for espezinhado. O "homem só se ergue sendo amado durante os seus pecados e as suas loucuras, e, como nos ocupamos de nossos irmãos, que Aqueles que estão acima de nós se ocupem dos nossos eus exteriores. Essa a nossa lição final, e eu termino com algumas palavras de um Upanixade: "O Eu corporificado, contemplando sua natureza real, obtém o verdadeiro final e toda dor cessa". (34) (34) Śvetāśvatara-, ii, 14.

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Apêndice à II Conferência Sou sumamente grata a Bābu Bireshwar Banerji, Professor do Central Hindu College, em Benares, pelas passagens abaixo, colhidas por ele em várias obras sânscritas. Elas provarão ser muito úteis e instrutivas aos estudiosos. A multiplicação dos Ῑśvara A.Da Sūta Saṁhitā: 1.Śloka 11, cap. III, Śiva Māhātmya: "Ele, o Parameśvara, o Ῑśvara de todos os Ῑśvara." 2.Śloka 28, cap. VIII, Śiva Māhātmya: "Incontáveis são os Brahman, ó maior entre os pandita, que vão para laya ["morte" (N. T.)], incontáveis os Viṣṇu, os Rudra e os Indra." 3.Śloka 33, ibidem: "Incontáveis mūrti ["forma" (N. T.)] de Brahman nascem das diferenças das guṇa; incontáveis mūrti de Viṣṇu e da Ῑśā." B.Do Śiva Purāṇa: 1.Śloka 8, cap. XI, Sanatkumāra Saṁhitā: "Três centenas de milhares de Rudra e centenas de milhões de Viṣṇu, pela graça de Śiva, estão se divertindo e brincando livres do pecado." 2.Śloka 26, ibidem: "Três Mahādeva - o Deva, o Kāla Suprem, o Ῑśvara Supremo, o Criador de todas as vidas - residem cercados pelos Maheśvara." 3.Śloka 121, cap. XII, ibidem: "O Deva (Śiva) foi cercado pelos Rudra que brilhavam como sol da manhã." 4.Śloka 13, ibidem: "O segundo, que era três vezes o tamanho (do primeiro), (consiste de) três centenas de milhões de Rudra da cor do ouro." 5.Śloka 14, ibidem: "Outro, ó maior dos Dvija, (consiste de) oito centenas de milhões (de Rudra) de cor ainda fresca. O quinto era ainda duas vezes maior." 6.Śloka 15, ibidem: "Acompanhem os Rudra do sexto e do sétimo. Todos eles são brilhantes, purificados e sempre plenos de Ānanda ["felicidades" (N. T.)]." 7.Śloka 16-17, ibidem: "O oitavo dos Ātman Supremo está em Seu plano de manas; um certo conhecimento de nossa parte a seu respeito está além do nosso poder. Ele só pode ser discutido por analogia. Todos eles são precedidos de vários Brahman; todos são precedidos de vários Viṣṇu." 51

8.Śloka 35, cap. XXX, ibidem: "Eu sou, ó caro, o Ῑśvara de todos os Ῑśvara, no criar, no dissolver, no dar; por isso sou Parameśvara." 9.Śloka 40-43, cap. VIII, Vāyu Saṁhitā: "Este vasto Ovo condensado é o útero em que Brahman nasceu; chamam-no de campo de Brahman, de quem se diz ser o Conhecedor do campo. Saibam que existem milhares de milhões desses Ovos. Estando Pradhāna presente em todo o espaço, eles existem voltados para cima, para baixo, horizontalmente, e em cada um deles estão os Brahman, os Hari, os Bhava, criados por Pradhāna por ter ele conseguido a vizinhança de Śambhu." C.Do Devī-Bhāgavata: 1.Śloka 35-36, cap. IV, skandha iii: "Ó Mãe, ó Bravāni, ó grande poder, nem eu nem Bhava nem Viriñci (Brahman) conhecemos jamais Tua natureza incognoscível; quem mais conhece? Quem pode dizer quantos outros mundos existem no Teu maravilhoso desígnio? "Neste Teu universo vimos outro Hari; outro Śiva e outro Nascido-do-lótus (Brahman). Como podemos saber se eles também existem em outros universos? Teu grande poder é ilimitado." 2.Śloka 9, cap. XXXIII, skandha vii: "Como a multiplicidade dos Jīva é feita por Māyā, não é auto-iniciada, também a multiplicidade dos Ῑśvara é feita por Māyā, não é auto-iniciada." 3.Comentário de Nílakaṇṭha ao śloka 61, cap. III, skandha ix: "Os Ῑśvara são, no entanto, os Governantes e os Senhores dos Brahman, dos Viṣṇu, dos Rudra, dos Virāj em todos os universos. O Senhor d’Eles todos, no modo daqui por diante descrito, é Śri Kṛṣṇa na forma de Gopālasundari." 4.Śloka 61, ibidem: "Assim, em cada fio dos cabelos de Seu corpo, existem universos; em cada universo há outros Virāj, Brahman, Viṣṇu, Śiva, etc. secundários (kṣudra)." 5.Śloka 76, cap. VIII, ibidem: "Dessa maneira, quantos e variados foram as criações e os laya, e quantos foram os kalpa passados e quantos serão os futuros - quem pode dizer esse número?" 6.Śloka 77, ibidem: "Das criações, dos laya, dos Brahmãnda, dos Brahman e de outros - quem pode dizer esse número?" 7.Śloka 78, ibidem: "De todos os Brahmāṇḍa o único Ῑśvara é Ele." A evolução dos Ῑśvara D.Da Sūta Saṁhitā: 1. "Por uma parte infinitesimal de Sua graça tu conseguiste tua ocupação de Viṣṇu." 52

E.Do Śiva Purāṇa: 1. "Dentre os que conseguiram a unidade em mūrti, alguns Śiva estão no topo da Trilha." 2. "Os Maheśvara estão no meio (da Trilha); os Rudra, entretanto, ocupam o lugar dos que estão obtendo experiência." F.Do Devi-Bhāgavata: 1. "Esses dois, Nara e. Nārāyaṇa, conseguiram sinddhi ["realização" (N. T.)] por tapas; . eles são parte de mim." 2. "Todas as outras Devi são adoradas porque elas servem Śakti. Conforme for o tapas de cada uma, assim será o resultado em cada caso, ó Muni." 3. "Durgā, tendo praticado tapas por um milhar de anos-deva no Himalaia e tendo meditado aos pés dele, veio a ser adorada por todos." 4. "Sarasvatī, tendo praticado tapas por uma centena de anos-deva na montanha Gandhamādana, veio a ser adorada por todos." 5. "Lakṣmī, tendo praticado tapas por uma centena de devayuga ["eras dos deuses" (N. T.)] em Puṣkara e tendo servido Devī, evoluiu para a Doadora de toda riqueza." 6. "Sāvitrī, tendo praticado tapas por sessenta mil anos-veda no monte Malaya e tendo meditado aos pés dele, tornou-se digna de adoração." 7. Śankara e Vibhu praticaram tapas por uma centena de manvantara ["cerca de 4 milhões de anos" (N. T.)]." 8. "Śri Kṛṣṇa, tendo praticado tapas supremo por uma centena de manvantara, chegou ao Goloka, onde até hoje Se delicia." 9. O Prof. Banerji observa: "E evidente que Nārāyaṇa é um Logos em evolução no qual pode ser chamado de corpo humano - um corpo feito daquela espécie de matéria de que os corpos humanos são feitos; e que Nara também é uma mūrti em que um Logos da mesma espécie está evoluindo, embora não seja tão avançado quanto o corpo de Nārāyaṇa."

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