Deus E Cosmos- John Byl

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Deus e Cosmos Urn Coin eilo Crisiao do lempo. do I spat, o e do Unlverso

John Byl

DEUS e COSMOS Uma Visão Cristã do Tempo, do Espaço e do Universo

John Byl

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS Caixa Postal 1287 01059-970 - São Paulo - SP

Título original: God and Cosmos Primeira edição: 2001

Editora: The Banner of Truth Trust Primeira edição em português: 2003

Tradução do inglês: Adelelmo Fernandes Fialho Revisor: Antonio Poccinelli Cooperador: Luís Christianini

Capa: Sérgio Luiz Menga

Impressão: Imprensa da Fé

À Minha Esposa Margaret “E alegra-te com a mulher da tua mocidade”

(Provérbios 5:18)

Indice Prefácio ................................................................................. 11 Prefacio para a Edição em Português..................................... 13 1.

AS QUESTÕES BÁSICAS................................................. 15

Reconciliando a Cosmologia e a Biblia......................... 16 Avaliando Modelos Cosmológicos................................. 17 O Papel do Comprometimento Religioso.....................21 Epistemología e Revelação.............................................23 Interpretando a Biblia.....................................................27 A Abrangência da Autoridade Bíblica..........................29 Perspectiva....................................................................... 33 2.

BREVE ESBOÇO HISTÓRICO....................................... 35

Cosmologia Antiga.......................................................... 35 Origens da Cosmologia Grega........................................ 36 Cosmologia Clássica........................................................ 38 Redimindo o Fenômeno.................................................40 A Cosmologia Medieval.................................................43 A Harmonia Perfeita................................................44 O Fim da Cosmologia Medieval.............................49 Galileu versus a Igreja...................................................... 50 Conseqüências Teológicas........................................ 57 Cosmologia Pré-Moderna...............................................60 Cosmologia Newtoniana.................................................61 O Universo Dinâmico.....................................................64 A Morte do Calor............................................................66

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3.

COSMOLOGIA MODERNA............................................ 70

Uma Breve História do Big Bang..................................70 Explicando as Observações.............................................78 1. Deslocamento para o Vermelho..........................78 2. Abundâncias de Elementos.................................85 3. As Microondas Cósmicas de Fundo................. 88 Problemas Subseqüentes com o Big Bang....................93 1. Inflação.................................................................94 2. Formação de Galáxia...........................................97 3. Massa Faltante......................................................98 4. Aceleração........................................................... 100 5. Mais Quebra-Cabeças........................................ 102 Premissas Básicas Cosmológicas.................................. 104 O Problema de Verificação........................................... 110 Sumário.......................................................................... 112 4.

COSMOLOGIA E A EXISTÊNCIA DE DEUS........ 117

O Argumento Cosmológico.......................................... 118 Os Argumentos Filosóficos................................... 119 A Singularidade do Big Bang............................... 126 A Segunda Lei da Termodinâmica....................... 140 O Argumento do Design.............................................. 146 Alternativas ao Conceito de Design...................... 151 Design e Evolução................................................. 163 Conclusões..................................................................... 164 5.

COSMOLOGIA, VIDA E FUTURO............................ 170

Vida no Universo........................................................... 170 Uma Breve História de ETI - Inteligência Extraterrestre.................................................. 171 A Razão Científica para ETI................................. 172 Motivação para a Crença em ETI......................... 179 Considerações Teológicas....................................... 180

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Indice

O Futuro da Vida no Universo................................... 187 Vida Futura num Universo Fechado.................. 190 Vida Futura num Universo Aberto.................... 192 Vida Futura numa Cosmologia Plasmática....... 194

6.

OS ESTRANHOS DEUSES DA COSMOLOGIA MODERNA.........................................................198

O Deus Evolutivo da Teologia Natural........................ 198 Deuses Naturais Evolutivos..................................200 Deuses Autocausados.................. ,........................206 O Cristianismo e o Deus Evolutivo............................. 213 1.0 Deus de Teilhard de Chardin........................213 2. O Deus da Teologia de Processo........................ 216 Vida Após a Morte.........................................................220

7.

A BIBLIA E COSMOLOGIA......................................... 226

O Ser e a Natureza de Deus..........................................226 A Doutrina da Criação.................................................. 230 A Historia do Universo.................................................234 Eventos da Criação................................................. 234 A Queda e Suas Conseqüéncias............................238 Escatologia..............................................................240 A Data da Criação.................................................. 241 O Mundo Espiritual......................................................245 Questões Cosmológicas Posteriores.............................. 252 O Tamanho do Universo............................................... 259 Um Universo Expandido?............................................261 A Estrutura Referencial Bíblica...................................262 A Biblia e o Big Bang...................................................264 8.

COSMOLOGIAS BÍBLICAS......................................... 272

Universos Jovens...........................................................273

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1. A Velocidade Variável da Luz.......................... 274 2. Retardo do Tempo.............................................. 277 3. Modelos de Espaço Curvo.................................279 4. Criação Amadurecida........................................ 282 Modelos Geométricos...................................................292 Limites de Cosmologia Bíblica...................................302 9.

CONCLUSÕES...................................................................309

Sumário.......................................................................... 309 Observações Finais........................................................ 317 Bibliografia............................................................................. 324 índice de Nomes e Assuntos..................................................... 340

Figuras 2.1 O Universo Geocêntrico de Acordo com Peter Apian..................................................................... 39 2.2 A Teoria Epicíclica..........................................................42 2.3 A Visão Medieval do Universo...................................... 45 2.4 A Concepção de Dante sobre o Universo......................48 2.5 O Universo Heliocêntrico de Acordo com Copérnico. 51 2.6 O Sistema de Ticho Brahe.............................................. 53 2.7 O Universo Heliocêntrico de Thomas Digges..............62 3.1 A Distribuição da Matéria no Universo........................72 3.2 A Comparação de Geometrias Espaciais...................... 74 3.3 A Distribuição de Galáxias mais Próximas.................. 91 3.4 O Tamanho do Universo versus O Tempo......................95 7.1 As Constelações do Hemisfério Norte.........................256 7.2 As Constelações do Hemisfério Sul.............................257 8.1 Os Efeitos do Espaço Curvo em Distâncias Aparentes.................................................................. 281 8.2 O Universo Invertido.................................................... 295

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Prefácio Recentemente, muito tem sido escrito sobre a relação entre ciência e religião. Apenas uma bem pequena porção disto tem sido para tratar específicamente da interação entre cosmologia e teologia. A vasta maioria dos livros sobre o assunto pressupõe a validade da cosmologia moderna, e a partir daí propõe modificações ao cristianismo ortodoxo. As poucas obras teologicamente conservadoras e criacionistas geralmente apresentam um foco muito estreito, enfatizando principalmente desaprovar a cosmologia do Big Bang (doravante “Big Bang”) ou promover suas alternativas cosmológicas particulares. O propósito deste livro é sondar mais abaixo, além das habituais questões de origens, cavando mais fundo nas áreas básicas do debate filosófico, e também examinar um número de questões intimamente relacionadas. A ênfase por um lado será nas pressuposições teológicas e implicações da moderna cosmologia e, por outro lado, a importância da Bíblia para a cosmologia. Este livro é destinado àqueles interessados em defender a fé cristã numa era de ciência naturalista. Para que seja acessível ao leitor comum, não pressuponho qualquer conhecimento prévio de cosmologia. Embora os modelos cosmológicos específicos tendam a ser altamente matemáticos, este livro não contém equações matemáticas. Sou grato ao meu colega Rick Sutcliffe que leu e criticou alguns dos primeiros capítulos. Também agradeço a Douglas Taylor, da Banner of Truth Trust, por suas úteis sugestões. Sinto-me também obrigado à Trinity University por conceder11

Deus e Cosmos

-me licença sabática, durante a qual realizei a maior parte do trabalho de pesquisa e leitura. Versões precedentes de várias partes deste livro apareceram em diversas publicações anteriores. Grande parte do material do Capítulo 1 apareceu em “Considerações Preliminares: sobre método científico e teológico”, Premise, Vol. 5 n° 3, pp 1-11, 1998 (http://www.capo.org/premise/archive.html). Partes do Capítulo 3 apareceram em “O papel da crença religiosa na cosmologia moderna”, J.M. Van der Meer (ed.), Facetas de Fé e Ciência, Vol. 3: O Papel da crença religiosa em Ciências Naturais, Lanham: University Press of America, 1996, pp 47-62. Partes do Capítulo 4 foram publicadas como “A defesa de Craig do Argumento da Cosmologia Kalam”, no Volume 4 da mesma série, Interpretando a Ação de Deus no Mundo, pp. 75-90. Este material é usado aqui com permissão do publicador. A primeira parte do Capítulo 5 foi publicada em “Sobre a Vida no Cniverso”, Professorenforum Journal, Vol. 2 N° 1, Janeiro de 2001. (http://www.professorenforum.de/volumes).

John Byl Janeiro 2001

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Prefácio para a edição em português O conhecimento sobre o universo em que vivemos sem­ pre fascinou a mente humana. O desafio de compreendê-lo e relacioná-lo com a nossa própria existência tem sido a proposta máxima da chamada ciência moderna. Contudo, a dimensão desta tarefa nem sempre é bem entendida tanto por leigos quanto por profissionais da área científica devido a sua enorme abrangência. Se tais dificuldades já não fossem quase uma montanha intransponível, a busca do conhecimento e da compreensão do universo nos levaria a um encontro direto com a existência dAquele que está acima do mais elevado pensamento humano - Deus. Aqui cosmologia e teologia se encontram. No passado, o conhecimento científico e o conhecimento teológico andavam juntos. Não era considerado incoerente nem inconsistente o homem que em busca do conhecimento científico cresse na existência do Deus pessoal, Criador de todas as coisas revelado nas Escrituras, e que mantivesse um relacionamento pessoal de amor e adoração com esse Deus da Bíblia. Grandes cientistas como Sir Isaac Newton, James Clerk Maxwell e muitos outros assim viveram. Mas, dentro do errôneo pensamento moderno, o cientista deve estar livre desta influência teológica para assim poder realizar a sua pesquisa sem pressuposições. Noutras palavras, o crer em Deus o desqualifica para a tarefa de entender o universo de forma científica. Dr. John Byl mostra de forma brilhante e interessante o quão infundado e preconceituoso é esse tipo de pensamento. O conhecimento de Deus através da Sua revelação pessoal por 13

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meio das Escrituras oferece uma base sólida e científica relevante para a compreensão do universo, tanto do seu passado, quanto do seu presente, como também do seu futuro. A sua abordagem do relacionamento da cosmologia com a teologia é consistente, abrangente e equilibrada. A dosagem da quan­ tidade de informação, a clareza das explicações e a transparência com que são tratadas as posições favoráveis e as antagônicas à visão cosmológica cristã dão a esta obra uma natureza única, digna de apreciação. Para muitos, a leitura deste livro poderá abrir as portas para as respostas das grandes perguntas da vida e talvez para a maior descoberta de todas - a de que o Deus Criador Se importa conosco não apenas por sermos Suas criaturas mas por causa do Seu amor. Para outros, a mesma leitura irá produzir uma agradável surpresa ao descobrir um cristianismo muito além da religião, de um cristianismo que transcende as paredes das nossas igrejas, permeando todos os lugares, até os mais distantes do universo em que vivemos. Este cristianismo oferece uma proposição científica coerente sobre o tempo, o espaço e o universo, e que é relevante para cada esfera do pensamento humano. Dentro desta viagem fantástica de questionamentos e respostas, de propostas e soluções, poderemos mergulhar num mundo de conhecimento riquíssimo. Tal conhecimento, sem dúvida, irá alterar a nossa percepção do mundo em que vivemos, bem como a percepção da grandeza e glória do Deus Criador, tanto da Sua sabedoria quanto do Seu poder, levando-nos a adorá-10 por tudo aquilo que Ele realmente é.

Prof. Adauto J. B. Lourenço Presbítero, Físico pesquisador no Oak Ridge National Laboratory, E.U.A. e no Max Planck Institut für Stròmunsgsforchung, Alemanha

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1 As Questões Básicas Pode ura cristão, vivendo na era espacial continuar crendo em céu, anjos e vida após a morte, ou teria o conheci­ mento científico moderno refutado como ingênuas tais noções simplistas? E quanto à teoria do Big Bang, teria ela demons­ trado a evidência de um Criador, ou lançado dúvidas sobre o Génesis? Os cristãos têm sido cada vez mais confrontados com questões perturbadoras como essas. A finalidade deste estudo é examinar algumas dessas questões e os problemas escon­ dendo atrás de cada uma delas. Nossa investigação nos conduzirá através dos campos da cosmologia e da teologia. Cosmologia é a ciência que estuda o universo físico como um todo (devemos considerá-la como incluindo a cosmogonia, o estudo da origem do universo); teologia é o estudo de Deus e Sua revelação. Como, entre si, se afetam a teologia e a cosmologia? Em que extensão é a cosmologia afetada pela tendência teológica? Quais seriam, se é que existem, as conseqüências teológicas derivadas da cosmologia? Tais questões constituem o foco deste estudo. Nós nos limitaremos primariamente à teologia cristã, tomando a Bíblia como fonte primária da revelação divina. Para os cristãos, é de principal importância saber o que a Bíblia tem a dizer sobre cosmologia. A Bíblia certamente parece considerar de modo bem específico a questão da origem e destino do universo, bem como da existência do mundo espiritual. Em tempos medievais uma detalhada 15

Deus e Cosmos

cosmologia foi construída, baseada, assim se pensava, em tais informações bíblicas. Em tempos modernos a situação é bem diferente. A velha visão medieval do universo foi descartada desde há muito tem­ po. Ela foi substituída por uma nova cosmologia dominante: a cosmologia do Big Bang. Esta teoria postula que o universo físico, com todos os seus componentes, foi causado pela explo­ são inicial (o “Big Bang”), e desenvolvimento subseqüente, de uma altamente comprimida bola de energia-massa.

Reconciliando a Cosmologia e a Bíblia Como poderemos reconciliar a cosmologia moderna e o cristianismo. A reação dos cristãos tem se dado num bem amplo espectro de opiniões. É muito claro que a cosmologia do Big Bang está em discordância com a interpretação tradici­ onal da Bíblia. A aceitação da cosmologia do Big Bang portanto, requer uma reavaliação daqueles textos bíblicos que parecem ter implicações cosmológicas. Uma possível abordagem é aquela do concordismo, o esforço para re-interpretar a Bíblia de modo a trazê-la à harmonia com a cosmologia moderna. De fato, alguns autores alegam que a teoria do Big Bang realmente confirma Gênesis, bastando apenas que o leiamos apropriadamente. Outros, convencidos de que tais interpretações concordistas são inválidas, adotariam métodos mais drásticos. Talvez a Bíblia, escrita numa era pré-científica, esteja em erro quan­ do abordando assuntos científicos. Talvez a Bíblia esteja se preocupando apenas com assuntos teológicos. Um ponto de vista que tem se tornado bem popular últimamente é o do complementarismo, que enfoca a teologia e a cosmologia como totalmente independentes, cada uma lidando com assuntos diferentes: elas dão descrições complementares da mesma realidade. A teologia estaria preocupada com o “Quem” e o 16

As Questões Básicas

“Porquê” e a ciência com o “ Quando” e o “Como”. Em resumo, adaptar a Bíblia à cosmologia do Big Bang parece impor um estiramento ou adaptação forçada por um lado, ou uma redução de sua autoridade por outro lado. Uma abordagem alternativa seria adaptar a cosmologia à Bíblia, ou pelo menos à leitura tradicional da Bíblia do modo como tem sido aceita pela maioria dos cristãos através das < ' s. Como isso implica na rejeição da cosmologia do Big Bang, então questões devem ser feitas com respeito ao status e auto ridade de teorias cosmológicas: “Quão bem estabelecida é a cosmologia do Big Bang?” “Seria possível construir uma cosmologia alternativa viável, com base na Bíblia?”

Avaliando Modelos Cosmológicos Muitos astrônomos - bem como muitos teólogos - estão convencidos de que a teoria do Big Bang é essencialmente correta. Em capítulo subseqüente examinaremos os pontos fortes e fracos desta teoria cosmológica dominante. Aqui eu quero apenas levantar algumas preocupações preliminares. Em construindo uma teoria cosmológica, ou “modelo” (isto é, uma representação matemática simplificada) da origem e estrutura do inteiro universo é muito claro que temos ao nosso dispor apenas uma quantidade muito limitada de dados observacionais. Foi apenas nos últimos setenta anos que pudemos observar as galáxias muito distantes. E pode muito bem ser que aquilo que presentemente observamos seja apenas uma pequena fração do universo integral. Extrair conclusões a respeito do universo integral, a partir de um limitado conjunto de dados, necessariamente requer que adotemos premissas ou pressuposições teóricas. Considerações similares se aplicam à história do universo. Por exemplo, não podemos observar diretamente o Big Bang, que teria ocorrido supostamente a uns quinze bilhões de anos atrás. 17

Deus e Cosmos

Tal hipotético evento do passado pode apenas ser inferido com base em dados que recebemos agora, os quais chegam até nós na forma de raios de luz. Além disso, como veremos mais adiante, os dados são explicáveis em um número de diferentes maneiras. Podemos ter certeza, por exemplo, de que as leis físicas aplicáveis aqui e agora são universalmente válidas? Pode ser que a constante de gravidade ou a velocidade da luz varie no espaço e no tempo. Uma série dessas propostas pode ser encontrada em jornais astronômicos profissionais. Ou pode ser também que o universo foi criado instantaneamente, num passado não muito distante. Mesmo que uma tal possibilidade possa ser recebida por nós como algo muito improvável, é notoriamente difícil refutá-la. Em resumo, há uma grande multidão de possíveis extensões teóricas e explicações para as observações astronô­ micas. Dada uma tão ampla escolha de teorias, como podemos esperar acertar a teoria correta? De fato, mesmo se fôssemos escolher a melhor teoria baseada no acaso, como poderíamos reconhecê-la como tal? Na mesma linha de raciocínio, como poderíamos nós escolher ainda que fosse entre apenas duas teorias concorrentes? No último meio século tem sido geralmente aceito que teorias científicas não podem simplesmente ser deduzidas a partir de observações. Pelo contrário, a origem das teorias tem sido considerada na atualidade como amplamente subjetiva. O notável filósofo de ciência, Sir Karl Popper afirma que “temos que considerar todas as leis ou teorias como hipoté­ ticas ou conjeturais; isto é, como suposições” ele vê teorias como “criações livres, de nossas mentes”.1 2 Ou, como coloca 1 Objective Knowledge (Conhecimento Objetivo), Londres: Oxford University Press, 1972, p.9. 2 Conjectures and Refutations (Conjeturas e Refutações), Londres: Routlcdge, 1962, p. 192

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As Questões Básicas

Cari Hempel: A transição de dados para teoria requer imaginação criativa. Hipóteses e teorias cientificas não são derivadas de fatos observados, mas são inventadas para explicar ou justificar os dados.3

É como se as teorias ao invés de ser-nos dadas pela nature­ za, são impostas por nós sobre a natureza; elas não são resultado do pensamento racional tanto como criações de nossa intuição irracional. Enquanto alguém poderia pensar que pesquisas poste­ riores acabariam por provar como falsas a maioria dessas teorias, isso de fato não ocorre facilmente na prática. Uma teoria favorita, como é o caso da cosmologia do Big Bang, pode ser sempre preservada da refutação observacional, através de adequadas adaptações da mesma. Uma teoria que precise ser escorada por dispositivos ad hoc artificiais (desenvolvidos específicamente para esquivar ou evitar pontos fracos particu­ lares) geralmente não é muito valorizada em termos de plausibilidade. Apesar disso, não importando quão difícil possa ser demonstrar como verdadeira uma particular teoria ad hoc, é ainda mais difícil refutá-la conclusivamente. De acordo com Imre Lakatos: Teorias cientificas não são apenas incomprováveis, e igualmente improváveis, mas são também igualmente irrefutáveis.4

Enquanto reconhecendo não haver lógica envolvida na descoberta de teorias, Popper esperou construir um processo racional para a seleção objetiva de teorias. Ele propôs que 3 Philosophy of Natural Science (Filosofia da Ciência Natural), Englewood Cliffs, N. J.: Prentice Hall, 1966, p. 15 4 The Methodology of Research Programmes (A Metodologia de Programas de Pesquisa), Cambridge: The University Press, 1980, p, 19

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Deus e Cosmos

teorias científicas genuínas deveriam ser refutáveis (isto é, elas deveriam fazer previsões bem definidas e testáveis). Contudo, se aplicássemos este critério à cosmologia, muito poucas teorias sobrariam. Hoje, virtualmente todos os modelos cosmológicos são refutados por observações. Nem Popper oferece qualquer justificação quanto ao porquê as teorias mais facilmente refutáveis são mais provavelmente verdadeiras do que outras. E claro que é possível jogar com a cosmologia sob dife­ rentes regras. Vários critérios para avaliar teorias têm sido sugeridos. Por exemplo, Howard Van Till5 alista relevância cognitiva, precisão de predição, coerência, abrangência explanatória, poder de unificação, e fertilidade. No entanto, embora tais critérios possam parecer razoáveis o bastante, geralmente se reconhece que eles não são de modo algum rigorosos. Eles simplesmente refletem valores usados na prá­ tica. De fato, a criação de um critério de seleção não é menos subjetivo do que a própria criação das teorias científicas. Como Lakatos observa (p. 122): Esses jogos científicos carecem de genuíno conteúdo epistemológicos (tendo a ver com conhecimento) a menos que a eles sobreponhamos algum tipo de princípio metafísico o qual dirá se o jogo, como especificado pela metodologia, nos dá a melhor chance de nos aproximarmos da verdade.

Em resumo, a ciência em geral - e cosmologia em parti­ cular - é infestada pela falta de critério definido e objetivo que possa permitir separar teorias verdadeiras de falsas. E neste ponto crucial que teremos que ser freqüentemente guiados por fatores extra-científicos. 5 Portraits of Creation (Imagens da Criação), Grand Rapids: Eerdmans, 1990, p. 146

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O Papel do Comprometimento Religioso Isto nos conduz à questão sobre qual seria o papel do com­ prometimento religioso na teorização cosmológica. De que modo deveriam as convicções religiosas influenciar a cosmo­ logia? Está claro que na prática, pelo menos, convicções ou pontos de vista religiosos podem desempenhar um papel decisivo na geração, avaliação e seleção de teorias cosmológicas. Por exemplo, a escolha pró ou contra o Big Bang é algumas vezes feita na base do ponto de vista religioso. Assim Fred Hoyle rejeita pelo menos em parte a cosmologia do Big Bang porque o surgimento repentino do universo num tempo finito do passado implicaria em admitir uma causa sobrenatural.6 Enquanto que, com base no mesmo raciocínio, cristãos tais como Norman Geisler 7 e Hugh Ross 8 são favoravelmente inclinados para o Big Bang. Ou considere a rejeição pelos criacionistas de uma longa e evolucionária historia do universo. Isso é baseado primaria­ mente em seus compromissos religiosos com a Biblia. Por outro lado, a Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos se opõe primariamente ao criacionismo com base em que o criacionismo “subordina evidência a declarações feitas sob autoridade ou revelação”9 *e que “isso justifica a origem da vida por meios sobrenaturais”. Tal rejeição imediata de 6 Astronomy and Cosmology (Astronomia e Cosmología), San Francisco: Freeman, 1975, p. 684 7 Journal of the Evangelical Theological Society (Jornal da Sociedade Evan­ gélica Teológica), 1979,22 p. 282 8 The Fingerprint of God (As Impressões Digitais de Deus), Orange: Premisse Pub. Co., 2aEdição 9 Scientific Creationism: A View from the National Academy of Science (Criacionismo Científico: O Ponto de Vista da Academia Nacional de Ciências), Washington: National Academy Press, 1984

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Deus e Cosmos

através de Sua Palavra e de Suas obras. Na visão tradicional, entretanto, a revelação geral con­ siste apenas na ¿zwto-revelação de Deus. Por Suas obras de criação e providência o caráter invisível de Deus é revelado (ver, por exemplo, Romanos 1:20). Depois da Queda, o conhe­ cimento humano a respeito de Deus através da revelação geral tem sido obscurecido pelo pecado, de maneira tal que as Escrituras e a graça do Espírito Santo são agora necessárias para que o homem possa entender claramente a mensagem da revelação geral. Aqueles que rejeitam esta visão freqüentemente justifi­ cam isto apelando para uma avaliação mais expandida da revelação geral. Por exemplo, David W. Diehl tem argumen­ tado que a revelação geral deve incluir não apenas o conheci­ mento de Deus, mas também o de Suas obras na natureza.110 que ele tem em mente é a observação da natureza e a teorização científica, que vão além das observações. De acordo com Diehl, alguns pontos de vista científicos que têm sido impopulares entre teólogos, são tão bem estabelecidos que rejeitá-los seria verdadeiramente anticientífico e injusto à revelação geral. As formas de revelação especial e geral, afirma Diehl, devem ter autoridade igual, cada uma tendo autoridade final dentro de seu próprio domínio. O que é devemos fazer diante disto? Com toda certeza, poucos negariam a importância de nossas observações da natu­ reza. Neste sentido a revelação geral (eu prefiro aqui o termo criação, ou natureza) é seguramente autoritativa: temos que apelar para ela, ou pelo menos à nossa experiência a respeito dela, como balizamento em todas as nossas teorizações científicas.11 11 “Evangelicalism and general revelation: an unfinished agenda” (Evangelicalismo e revelação geral: uma agenda não acabada), The Journal of the Evangelical Theological Society (Jornal da Sociedade Evangélica Teológica), 1987,30, p.441.

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As Questões Básicas

Além disso, é preciso buscar apoio nas regras da lógica dedutiva. E evidente que Deus fez o universo de tal modo que estas regras são aplicáveis. Deus dotou o homem, criado à Sua imagem, com habilidades analíticas para usar essas leis, embora o homem, devido à sua natureza finita e decaída, possa cometer erros lógicos. Contudo, nosso poder de raciocínio não está confinado à meras aplicações da lógica, mas também à habilidade para o pensamento teórico e imaginativo. Desafortunadamente, nosso pensamento, particularmente depois da Queda, é uma ferramenta controlada pelos nossos desejos interiores. Como tal, ela pode ser facilmente desencaminhada: “porque do coração procedem os maus pensamentos” (Mateus 15:19,). Claramente o homem é responsável pelos seus pensamentos, e conseqüentemente pelos resultados deles advindos, o que inclui teorias científicas. Finalmente, como já vimos, teorias científicas não passam de invenções especulativas, produto da mente criativa do homem. Uma epistemología apropriada atribuirá portanto um alto peso às Escrituras, às observações e à lógica. Todas essas fontes são dadas por Deus e devem portanto estar em harmonia, cons­ tituindo a pedra de toque do nosso conhecimento. Por outro lado, a teorização humana, em todas as suas formas deve ser colocada numa categoria muito inferior de conhecimento. Se ela não passar no teste da lógica, da observação e das Escritu­ ras, certamente ela deve ser rejeitada como falsa. Mesmo se ela passar por esses testes, ainda assim precisamos ser cautelosos: qualquer alegação ou reivindicação que vá além das observa­ ções e das Escrituras provavelmente será falsa. A dificuldade com a posição de Diehl, como eu argumen­ tei em maiores detalhes em outra parte,12 resulta quando ele 12 “General Revelation and Evangelicalism” (Revelação Geral e Evangelicalismo), Mid-América Journal of Theology, 1989,5, pp.1-13.

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estende o conteúdo da “revelação geral” indo além dos dados observacionais e da lógica, para incluir também teorias cientí­ ficas. Se, como Diehl crê, a revelação geral é infalível, então tal infalibilidade deve também ser outorgada a certas teorias científicas. Mas quais delas? A história da ciência está repleta de exemplos de teorias científicas que foram uma vez susten­ tadas como verdades indubitáveis, as quais depois foram descartadas como falsas. O exemplo mais famoso desses casos é o da mecânica newtoniana que por séculos foi considerada como absolutamente verdadeira, e posteriormente foi destro­ nada pela teoria da relatividade de Einstein. Infelizmente Diehl não oferece qualquer critério através do qual possamos distinguir as teorias verdadeiras das falsas, ou pelo menos julgar relativa exatidão. Desde o início da revolução científica a noção de que Deus tem revelado verdades em dois livros, as Escrituras e a nature­ za, foi amplamente usada como meio de reconciliação entre a ciência e as Escrituras. Historicamente, contudo, a doutrina dos dois livros tem conduzido a um declínio da autoridade bíblica. Uma vez admitindo a premissa de que algumas teori­ as científicas podem ser tomadas como verdades divinas, estaremos, em essência, permitindo que o “livro da ciência” modifique as Escrituras. Na falta de um critério válido através do qual possamos inventar e detectar teorias corretas, nossa leitura da Bíblia estará para sempre numa condição de fluxo, à mercê das ondas das teorias científicas correntemente em voga. Em resumo, um problema de capital importância na reconciliação entre a ciência e as Escrituras é aquilo que pode­ mos chamar de o problema do conhecimento científico: não há um critério justificável para a constatação de teorias verdadeiras. O único lugar onde é relativamente fácil traçar uma linha demarcatória é entre as observações e as teorias que são conce­ bidas para explicar ou ampliar a extensão de tais observações. 26

As Questões Básicas

E aqui é necessário dizer “relativamente” pois mesmo nossas observações são, até certo ponto, oneradas ou afetadas por teorias. Por exemplo, nossas teorias determinam que aspectos da realidade serão observadas. Contudo, ainda assim, nossas observações são muito mais seguras ou isentas do que suas extrapolações teóricas. Podemos aceitar como fatos científicos apenas os dados realmente observados. Ao darmos o primeiro passo além das observações, já estaremos à mercê das ondas, em pleno mar da especulação subjetiva.

Interpretando a Bíblia Até aqui eu tenho defendido a idéia de que o comprome­ timento religioso pode influenciar a teorização cosmológica e que a revelação divina relevante deve ser limitada à revelação especial. Mas o que tem a Bíblia a dizer a respeito de assuntos cosmológicos? Como devemos interpretar aquelas passagens que parecem tratar dessas questões? Que princípios herme­ nêuticos deveriam ser empregados? A questão da interpretação apropriada das Escrituras tem sido discutida desde os primórdios do cristianismo. Agos­ tinho, e depois Aquino, argumentaram que a Bíblia deveria ser tomada em seu sentido literal, a menos que evidências internas das Escrituras mostrassem conclusivamente que a interpretação não literal seria requerida. Quanto às asserções do conhecimento natural, estas deveriam ser subpostas pelas Escrituras, a menos que provadas como verdadeiras. A mais simples palavra de Deus deveria ter precedência sobre a mais grave, lastreada, ou endossada palavra de homem, a menos que esta pudesse ser conclusivamente demonstrada. Em tal caso, como não pode haver conflito entre a Palavra de Deus e a ver­ dade, é evidente que uma outra interpretação seria requerida. Mas o que poderia ser considerado como prova válida da exatidão de qualquer item do conhecimento extra-bíblico? 27

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concordismo, Young opta pelo que equivale a uma limitação da autoridade bíblica. Ele advoga que devamos tratar Gênesis, capítulo 1, não como um relatório científico ou histórico, mas como uma peça de literatura antiga com bem definidos padrões de pensamento, estruturas, símbolos, imagens inten­ cionadas para representar verdades teológicas.15 Em anos recentes a natureza e a extensão da autoridade bíblica têm sido muito discutidas também no meio evangéli­ co. Uma posição de popularidade crescente é a de que ciência e Escrituras não se contradizem uma à outra, mas se comple­ mentam uma à outra. Howard Van Till, um astrônomo cristão, e colega de Young, tem apoiado vigorosamente este ponto de vista. Como já mencionamos, Van Till crê que a ciência deve ser neutra concernente à religião. As visões evolucio­ nista e bíblica do cosmos são descrições complementares que respondem diferentes tipos de questões. A ciência revela in­ formações sobre a estrutura física e passado histórico do universo; a Bíblia relata a relação entre o universo e Deus. A ciência responde a questões “quando” e “como”; a Bíblia responde a questões “quem” e “porquê”.16 A dificuldade com esta solução é que a própria Bíblia não sugere que sua autoridade seja limitada a questões teológicas de “quem” e “porquê”. Pelo contrário, parece que ela trata bem específicamente de assuntos referentes às origens do universo físico. Com que base podemos então estabelecer fronteiras para sua autoridade, e como podemos determinar até onde vão tais fronteiras? Van Till tenta traçar uma linha demarcatória fazendo distinção entre o conteúdo divino da história bíblica e o invó­ lucro ou acondicionamento humano no qual ela é apresentada. 15“Scripture in the hand of geologists” (As Escrituras nas mãos dos geólogos), Westminster Theological Journal, 1987,49, p.303. 16 The Fourth Day (O Quarto Dia), Grand Rapids: Eerdmans, pp. 193-215

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O ímpeto teológico de uma verdade bíblica pode ser tomado como digno de confiança, mas não os detalhes específicos que formam seu “invólucro”. Ele explica: Assim, nós, como leitores das Escrituras, devemos ser diligen­ tes em nossos estudos e orações, para, com sabedoria, separarmos o conteúdo (os ensinamentos confiáveis de Deus) do veículo ou invólucro. Desconsiderar esta separação seria tolice tal como tentar comer uma barra de chocolate sem antes remover a sua embalagem)1

Contudo, alguém poderá perguntar como pode Van Till ter tanta certeza de que o invólucro, ou forma de apresenta­ ção, não seja também divinamente inspirado. Como podere­ mos, na falta de um critério claro e divinamente ratificado, desenredar a mensagem divina, separando-a de seus alegados acondicionamentos humanos? Por último, o discernimento do ensino divino contido nas Escrituras seria deixado aos caprichos subjetivos do leitor individual. E claro que existem outras opiniões além das categorias de concordismo e complementarismo acima citadas. Alguém poderá considerar as Escrituras e a ciência, as duas, como mais ou menos interdependentes. Contudo, se chegarmos ao ponto de envolver qualquer redução da autoridade bíblica, então as mesmas considerações acima se aplicam. Concluímos que, enquanto o concordismo indevidamente distorce a mensagem bíblica através de sua hermenêutica elástica, o complementarismo igualmente a distorce pela imposição de limites não autorizados à autoridade bíblica. Aqueles que desejam mudar a leitura tradicional da Bíblia são importunados pela ausência de um critério válido e claro para separar o trigo da palha que alegam existir. Como já 17 The Fourth Day (O Quarto Dia), Grand Rapids: Eerdmans, pp. 15-16.

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disseram, se não pudermos aceitar todas as Escrituras como autoritativas, como poderemos ter certeza de que qualquer porção delas é autoritativa? Devemos mencionar que a afirmação da supremacia epistemológica das Escrituras implica na sua inerrância. Se aceitarmos as Escrituras como o padrão de referência mais alto, então não há outro padrão ou meio para testar sua exatidão; assim, sua inerrância é pressuposta como ponto de partida. Se seguimos o princípio de que as Escrituras devem interpretar as Escrituras, então nossa interpretação das Escrituras exige consistência interna. Não pode haver contradições internas. E, é claro, desde que a Bíblia de fato faz predições específicas a respeito do futuro, as alegações bíblicas são afinal testáveis. Ao mesmo tempo, entretanto, é mister resistir à tentação de “provar” sua inerrância ao recorrer às evidências científicas, pois isso afinal faria do cientista, falível ser humano, juiz sobre as Escrituras. A inerrância é nosso ponto de partida, não nossa conclusão. Mas, em nossos dias, seria sustentável a interpretação tradicional de Escrituras absolutamente autoritativas? Essa é a questão primária com a qual lidaremos nos capítulos seguin­ tes. É necessário observar que, se os “fatos” científicos forem restritos à observação direta, então pouco conflito real subsis­ tirá entre a Bíblia e o conhecimento científico. Afinal, a Bíblia se ocupa com eventos num passado distante, ou num (ainda não observado) futuro, e no (invisível) domínio espiri­ tual; por outro lado, observações científicas se ocupam com apenas o presente e o passado bem recente. As colisões ou conflitos acontecem primariamente entre a Bíblia e a teorização científica. A questão fundamental que precisa ser estudada é, portanto, se as teorias científicas e a moderna cosmologia, incertas como são, podem, apesar de tudo, ser suficientemente aceitas e estabelecidas a ponto de justificar sua elevação acima das Escrituras. 32

As Questões Básicas

Perspectiva Feito um preâmbulo sobre as primeiras questões relati­ vas à ciência e as Escrituras, deixem-me rapidamente esboçar nosso percurso para o restante deste livro. Nosso estudo focalizará três questões básicas. 1. O que a teologia tem a dizer sobre cosmologia? De que modo as considerações teológicas têm influencia­ do a construção, abordagem e seleção de teorias cosmológicas? O que tem a Bíblia a dizer sobre cosmologia? 2. O que a cosmologia tem a dizer sobre teologia? De que formas têm os modelos cosmológicos influencia­ do a teologia? Que conseqüências teológicas podem advir da cosmologia do Big Bang? Qual o grau de confiabilidade dos modelos cosmológicos?

No próximo capítulo daremos início à um breve exame da cosmologia medieval, suas conexões teológicas, e os fatores que determinaram a mudança que, partindo dos conceitos medievais, levaram à cosmologia moderna. O capítulo seguinte àquele tratará da cosmologia do Big Bang, apresentará consi­ derações sobre seus pontos fortes e fracos, e examinará as premissas básicas nas quais esse modelo se apoia. Várias interpretações cosmológicas alternativas das evidências observacionais serão apresentadas. Os capítulos seguintes examinarão as várias implicações teológicas decorrentes da cosmologia do Big Bang. Evidên­ cias cosmológicas têm sido usadas em várias provas para a existência de Deus. A validade de tais provas será assunto de um capítulo. Outro capítulo abordará o futuro do universo, particularmente no tocante à vida. A possibilidade de vida extraterrestre também será examinada. Apoiadores da 33

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cosmologia moderna têm proposto uma variedade de deuses, alegando serem estes mais prováveis no mundo moderno do que o Deus dos cristãos. Esses deuses estranhos, e a esperança que eles possam representar para uma vida depois desta, serão também abordados num capítulo posterior. Em seguida, examinaremos o que a Bíblia tem a dizer sobre assuntos cosmológicos. Um capítulo será dedicado a examinar vários modelos cosmológicos construídos a partir de premissas bíblicas. A validade, função e utilidade de tais modelos serão discutidos, particularmente tendo em vista o seu emprego ou utilidade como ferramenta apologética. O capítulo final resumirá as conclusões alcançadas.

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2 Um Breve Esboço Histórico Primeiramente faremos uma rápida revisão da história da cosmologia. Nosso foco principal estará na cosmologia medieval, uma combinação deveras ambiciosa de ciência e teologia. Para estabelecermos uma base será necessário estu­ darmos primeiro a cosmologia antiga, particularmente a dos gregos. Mais tarde examinaremos o declínio da cosmologia medieval e os subseqüentes desenvolvimentos cosmológicos até o começo do século vinte.

Cosmologia Antiga Todas as civilizações antigas tiveram suas cosmologias, suas noções a respeito de como o mundo veio a existir e como fora estruturado. Através da história o homem tem-se preocupado em como entender e explicar o mundo em que ele vive. O primeiro homem, Adão, indubitavelmente sabia muito bem como Deus havia criado o universo. Muitos detalhes são ainda preservados para nosso conhecimento através dos registros sobre a criação em Gênesis, os quais formaram a base para a cosmologia judaica. Outras cosmolo­ gias antigas são em grande parte distorções da história original da criação. Os mitos da criação originários da Mesopotâmia e Egito, datados de pelo menos 2000 anos a.C., descrevem o mundo como começando num abismo de água, do qual gradualmente emergiu um espírito cego e sem forma. A mistura ou matização desse espírito com o abismo 35

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de água produziu os vários deuses e deusas bem como os componentes do mundo presente. A função principal desses deuses era servir e proteger a espécie humana. Além do seu interesse pela origem do universo, o homem antigo tinha um aguçado senso de observação do universo, particularmente o firmamento repleto de estrelas. Os babilô­ nios, por exemplo, desde antes de 2.000 anos a.C. já haviam dividido o firmamento nas constelações do Zodíaco, compi­ lado um catálogo de estrelas e registrado os movimentos dos planetas. Eles eram capazes de prever eclipses, preparar calendários e antever as estações do ano e as fases da lua. Con­ tudo, eles não tentaram explicar as observações celestes por meio de teorias cosmológicas ou modelos. Eles coletaram e registraram muitas observações, mas não as unificaram por meio de princípios teóricos.

Origens da Cosmologia Grega Os primeiros modelos científicos do universo surgiram com o pensamento grego. Os filósofos gregos rejeitavam mágica e mito; eles se empenhavam por obter explicações naturalistas para o universo. Apoiando-se firmemente em observações criteriosas e pensamento crítico eles desenvolve­ ram modelos matemáticos simplificados para o universo. Esses ainda são os elementos fundamentais da ciência como praticada hoje. A origem da ciência e filosofia data desde Tales (621-543 a.C.), um nativo de Mileto, Jônia. Tales tornou-se famoso em 585 a.C. pela previsão de um eclipse solar. Ele reduziu a multiplicidade do universo à unidade, postulando que todas as coisas eram afinal compostas de uma única e toda-penetrante substância: a água. De acordo com Tales o mundo evoluiu a partir da água por meios puramente naturais. Anaximandro, um jovem companheiro e colega de Tales 36

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rejeitou a noção de que a água era o elemento básico do universo. Ele postulou que todas as coisas consistiam da combinação de quatro substâncias básicas: água, ar, fogo e terra. Esses elementos seriam, por sua vez, derivados de uma subs­ tância mais básica chamada apeiron, que significa ilimitado. No princípio, havia apenas apeiron. O ar, o fogo, a água e a terra foram formados a partir do primordial apeiron por meio de um movimento giratório que produziu a separação dos vários elementos. Este princípio giratório ao mesmo tempo explica­ va o movimento das estrelas. No centro do universo achava-se a Terra, a qual era cilíndrica em sua forma. Os homens viviam numa das faces planas de tal cilindro. A partir destes começos, os gregos construíram uma multidão de modelos cosmológicos. Geralmente eles se esfor­ çavam por explicar o universo em termos de algum elemento chave fundamental, princípio físico, ou conceito numérico. Foram muitos os gregos que afirmavam ser o universo o pro­ duto de ou sujeito ao governo de uma inteligência racional. Mas também haviam aqueles que rejeitavam qualquer noção de divindade. Entre estes últimos estavam os atomistas Lêucipo (quin­ to século a.C.) e Demócrito (quinto/quarto século a.C.). Lêucipo acreditava que o universo era constituído de apenas duas coisas: átomos e espaço vazio. Os átomos, infinitos em número, moviam-se através do espaço infinito; a colisão de átomos resultava na formação de novos objetos. Eventualmente esses novos objetos, por um processo de decadência, voltavam aos átomos individuais. Tal universo de mundos infinitos estava num constante estado de fluxo, produzindo uma varie­ dade ilimitada de objetos. Afirmando que o universo sempre existiu desde a eternidade os atomistas tentavam assim evitar a necessidade de um criador ou de um arquiteto. Mesmo tendo .o modelo atomista um distinto sabor moderno, ele exerceu pouca influência sobre a cosmologia 37

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medieval. De fato, apesar da grande variedade da cosmologia grega, o único sistema que influenciou de modo significativo a cosmologia medieval foi aquele derivado dos dois maiores filósofos da antigüidade: Platão (427-347 a.C.) e seu aluno Aristóteles (384-322 a.C.)

Cosmologia Clássica A característica essencial do sistema cosmológico de Platão foi apresentada em seu livro Timaeus (Timeu). Platão acreditava que o Criador fez o universo de acordo com um plano racional. Por aquela época havia se tornado comumente aceita - pelo menos entre os filósofos - a idéia de que a Terra tinha forma esférica. A esfera terrestre ocupava o centro do universo (ver Figura 2.1). Ela era formada de terra, água, ar e fogo. Ao redor da Terra havia sete esferas planetárias, e uma oitava esfera exterior para as estrelas. Essa esfera exterior, contendo as estrelas, executava uma rotação diária; as esferas intermediárias, contendo os planetas executavam rotações em velocidades variadas. O movimento das esferas era causado por espíritos inteligentes. Tudo na Terra era imperfeito e em mutação, ao passo que os objetos celestes eram perfeitos. Todas as coisas eram organizadas hierarquicamente, de acordo com suas dignidades inerentes e perfeição; o cosmos como um todo prestava testemunho da existência de Deus e a preocupação dEle com a Sua criação. De acordo com Platão, o mundo não é eterno. Ao invés disto, ele foi feito pelo Criador a partir de um modelo previamente presente em Sua mente. Tudo havia sido formado a partir de um caos inicial, de acordo com um plano perfeito. Também o tempo havia sido criado como a mais perfeita imitação possível da eter­ nidade. A cosmologia de Platão foi posteriormente desenvolvida por Aristóteles. A esfera sublunar, interna, conteria os quatro 38

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Figura 2.1: O Universo Geocéntrico, segundo Peter Apian, da obra de sua autoría Cosmographicus Liber (1539). Observar as esferas internas de terra, água, ar e fogo. (Estes e outros diagra­ mas cosmológicos, inclusive as Figuras 2.3 e 2.5-7, aparecem na obra de S. K. Henninger, The Cosmological Glass: Renaissance Diagrams of the Universe, San Marino, Calif.: Huntington Library, 1977.) 39

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elementos terrestres: terra, água, ar e fogo. O restante do universo conteria um quinto elemento chamado éter. O movi­ mento natural dos quatro elementos terrestres era para cima e para baixo. Por este movimento eles encontravam seus lugares próprios de acordo com seus pesos. O movimento natural do éter era um perfeito movimento circular ao redor da Terra. Como cada movimento necessita ter uma causa, deveria haver um imóvel causador primário, situado além da esfera das estrelas fixas. Esse causador primário dava movimento à esfera móvel mais exterior. A partir dessa esfera mais exterior o movimento era então transmitido às outras esferas, manten­ do assim em movimento o sistema como um todo. Aristóteles sustentava que o movedor primário mantinha o movimento de tudo “por ser amado”. Tanto Aristóteles como Platão criam que a ordem do universo apontava para a existência de um Criador. O movimento perfeito das esferas etéreas, controlado por agentes inteligentes, era sem princípio e sem fim. Ao contrá­ rio de Platão, Aristóteles sustentava que o universo existia essencialmente imutável deste a eternidade. Como a fronteira exterior do universo girava em torno da Terra num tempo finito (cada 24 horas), decorria daí que o universo era necessaria­ mente finito.

Redimindo o Fenômeno Esta ambiciosa cosmologia tinha contudo uma grande deficiência. Ao mesmo tempo em que as estrelas fixas apresentavam um movimento circular perfeito, as estrelas “errantes” (isto é, os planetas) não seguiam tais órbitas sim­ ples. Seus movimentos diferiam significativamente daquele movimento de velocidade uniforme, segundo círculos per­ feitos. Tal observação já havia sido feita por Platão, o qual havia designado a seus estudantes o problema de desenvolver 40

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hipóteses matemáticas que “salvassem as aparências”. Assim, aos astrônomos havia sido designada a tarefa de reconciliar teoria e prática. Como poderiam os complicados movimentos dos planetas ser reduzidos a movimentos circulares uniformes? Aristóteles tentou resolver o problema, porém a alto custo: ele necessitou de cinqüenta e cinco esferas intermediárias.1 Mes­ mo assim, seu sistema mostrou-se deficiente de observações. O problema foi eventualmente resolvido através dos esforços de Claudius Ptolomeu, aproximadamente em 150 d.C. Ptolomeu inventou um número de novos dispositivos geo­ métricos: o epiciclo (um pequeno círculo superposto sobre um círculo maior denominado deferente), o excêntrico (um disposi­ tivo que fazia o centro do círculo girar fora de centro em torno da Terra) e o equântico (outro ponto fora de centro, de onde as velocidades eram calculadas, de modo a fazê-las uniformes). Esses conceitos estão todos ilustrados na Figura 2.2.0 modelo geométrico resultante funcionou muito bem: ele produziu resultados que se aproximavam muito dos movimentos ob­ servados e permitiu que os astrônomos fizessem previsões sobre futuras posições dos planetas. Contudo, no caso de alguns planetas tornou-se forçoso acrescentar alguns epiciclos menores, que girassem em torno de outros epiciclos maiores, permitindo assim ajustar de modo adequado a descrição dos movimentos observados. O sistema ptolomaico completo consistia de quarenta epiciclos. Entretanto, apesar de seu sucesso prático, o modelo não pôde dar explicação física para o movimento dos planetas. Na verdade, no modelo cosmológico aristotélico de esferas sólidas girando em torno da Terra central, movimentos corres­ pondentes a epiciclos, excêntricos e equânticos eram fisica­ mente impossíveis. Para defender seu modelo mate-mático1 1 Ver N. Max Wildiers, The Theologian and His Universe (O Teólogo e Seu Universo), New York: Seabury Press, 1982.

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Figura 2.2: Teoria Epicíclica: Um planeta orbita em torno de um círculo menor, seu epiciclo, e este, por sua vez, orbita em torno de um círculo maior, seu deferente. O círculo deferente é excêntrico quando seu centro não é a terra. O eqüante é um ponto não central em torno do qual move o epiciclo a uma velocidade angular constante. 42

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Ptolomeu adotou um ponto de vista anti-realista (também chamado “instrumentista”) das teorias científicas, alegando que hipóteses científicas eram nada mais que ficções úteis - ou instrumentos - que permitiam previsões práticas. Seu critério principal em escolher teorias era (1) precisão em “salvar as aparências” e (2) simplicidade máxima. Ptolomeu acreditava que explicações físicas eram necessariamente especulativas, que os filósofos jamais chegariam a um acordo a respeito delas, e que somente modelos matemáticos poderiam produ­ zir conclusões sólidas, livres de dúvidas. Este ponto de vista sobre teorização científica era bem diferente da posição rival “realista” que havia sido defendida por Aristóteles, o qual acreditava que teorias deveriam fazer mais do que simplesmente ajustar as observações: elas também deveríam estar de acordo com a verdadeira natureza das coisas. Assim, seus seguidores rejeitaram o sistema ptolomaico, pois este era contrário aos princípios da física aristotélica. A luta entre os pontos de vista realista e instru­ mentalista sobre teorização científica continua até os dias atuais, com os realistas alegando que suas teorias retratam verdades mais profundas da realidade e os instrumentalistas questionando a capacidade da ciência de penetrar além dos fenômenos observados.2

A Cosmologia Medieval Os Pais da Igreja Primitiva lutavam com o problema de como reconciliar a Bíblia e o pensamento científico dos gregos. Para isto diferentes abordagens foram adotadas. Uma das escolas de pensamento, principalmente associada com a 2 Para uma breve visão, ver John Byl, “Instrumentalism: A Third Option” (Instrumentalismo: Uma Terceira Opção), Journal of the American Scientific Affiliation, 1985,37, pp.11-18.

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Igreja Síria, adotou uma atitude bastante negativa contra a cosmologia grega. Insistindo que a verdade só poderia ser encontrada na Palavra de Deus, eles dispensaram a ciência grega e sua filosofia. Por outro lado havia aqueles, particu­ larmente em Alexandria, que se mostravam muito impres­ sionados com o saber grego. Eles tentaram harmonizar as Escrituras com os ensinamentos pagãos. Mais popular, entretanto, era a abordagem intermediária que fazia grande uso do pensamento grego, mas ao mesmo tempo mantendo o vínculo com o senso histórico das Escrituras, e rejeitando o ensinamento pagão onde houvesse conflito. Esta visão consti­ tuiria a base para a cosmologia medieval.

A Perfeita Harmonia Muitos Pais da Igreja Primitiva viam similaridades entre os ensinamentos cosmológicos de Platão e o primeiro capítulo de Gênesis. De fato, acreditava-se que Platão fora de algum modo influenciado por Moisés. Em ambos os casos, por exem­ plo, um único Criador criou o cosmos de acordo com um plano racional, e o foco do universo era sobre a Terra centrada no homem. A cosmologia de Platão fora incorporada na teologia cristã largamente através dos escritos pseudo-Dionísio, publi­ cados por volta de 500 d.C. (Platão alegava que sua obra era a de Dionisio, que fora convertido por intermédio do apóstolo Paulo em Atenas, como registrado em ritos 17:34). Na Idade Média sua obra era amplamente aceita como genuína, e se tornou muito influente, sendo aceita como a mais alta autori­ dade depois das Escrituras. O Pseudo-Dionísio interpretou a hierarquia dos espíritos de Platão, e entendeu serem anjos os espíritos que moviam as esferas. Ele classificou os anjos mencionados nas Escrituras numa hierarquia de nove ordens, uma para cada esfera celeste. 44

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Figura 2.3: A Visão Medieval do Universo, extraído da obra Liber Chronicarium (1493) de Schedel. Observar as nove or­ dens de anjos, enumeradas à esquerda, ladeando o trono de Deus. 45

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Tal classificação, organização, listava, em ordem ascendente: anjos, arcanjos (7 Tessalonicenses 4:16), principados, poderes, potestades, domínios (Efésios 1:21), tronos (Colossenses 1:16), querubins (Ezequiel, capítulo 10), e serafins (Isaías, capítulo 6). Acima da hierarquia dos anjos, na décima esfera, estava a habitação de Deus: o céu empíreo (ver Figuras 2.1 e 2.3). O universo era assim povoado por uma cadeia contínua de criaturas, estendendo-se desde Deus, no mais alto céu, até a mais baixa habitação do inferno, no centro da Terra. É neces­ sário enfatizar que o homem medieval acreditava ser a Terra um globo, e não uma superfície achatada como comumente, mas erroneamente, se afirma. Embora no início da Idade Mé­ dia houvesse alguns autores que defendessem a planicidade da Terra, virtualmente todos os escritores da fase final da Ida­ de Média concordavam ser a Terra uma esfera.3 A cosmologia medieval atingiu seu desenvolvimento mais completo através da obra de Bonaventura (1221-1274) e Tomás de Aquino (1224-1274). Aquino, em particular, estava preocupado com a reconciliação da filosofia de Aristóteles, cuja obra havia sido recentemente redescoberta, e a teologia cristã. A principal dificuldade com Aristóteles era sua insistência de que o mundo era eterno. Neste ponto Aquino afirmou que, embora Deus pudesse ter criado um mundo de eterna duração, a revelação de Deus indica que o universo começou a existir num tempo finito do passado. Na cosmologia medieval o universo era considerado como uma máquina perfeitamente ordenada, consistindo primaria­ mente de um sistema de esferas, umas dentro das outras, como as várias camadas de uma cebola. Ao centro ficava a Terra fixa, composta das quatro áreas elementares: terra, água, ar e fogo. A seguir vinham sete áreas, contendo a Lua, Mercúrio, Vénus, 3 C. S. Lewis, The Discarded Image (Almagem Descartada), Cambridge: The University Press, 1964, p. 140.

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o Sol, Marte, Júpiter e Saturno. Todas estas, envolvidas pelas três áreas celestiais: uma para as estrelas, uma para o firma­ mento cristalino (referindo-se às águas de Gênesis 1:6) e uma para o empíreo, a habitação de Deus. Isto era essencialmente o mesmo cosmos de Aristóteles, exceto que o “vazio” além da área estelar era agora substituído pela habitação celeste de Deus. Em linha com Platão e Aristóteles, acreditava-se que havia uma diferença fundamental entre as esferas celeste e terrestre. Os objetos terrestres eram imperfeitos e transitórios, enquanto que os corpos celestes eram perfeitos e imperecíveis. A perfeição dos corpos celestes era ilustrada pelo seus movi­ mentos circulares, em oposição aos movimentos mais lineares da matéria terrestre. O mundo era constituído de uma enorme estrutura hierárquica organizada desde os níveis mais baixos, começando com o centro da Terra, onde era localizado o infer­ no, passando pelas várias divisões na sociedade e Igreja, atravessando as áreas planetárias, até atingir a perfeição máxi­ ma do empíreo (Figura 2.4). Este mecanismo mundial era posto em movimento por Deus mediante os anjos que movi­ am as várias áreas. Os planetas, através de seus movimentos, exerciam influência em todas as coisas físicas da Terra, e eram portanto instrumentos usados por Deus para fazer ocorrer os eventos materiais. Era para o benefício do homem, a coroa da criação, que Deus continuamente dirigia o mundo. Se por um lado a estrutura do cosmo medieval devia muito ao pensamento grego, por outro lado o relatório de sua origem, era baseado na Bíblia. Ao longo da Idade Média inúmeros comentários a respeito dos seis dias da criação foram escritos. Quanto à data da criação, virtualmente a opi­ nião unânime - baseada nas genealogias de Gênesis e outras informações cronológicas da Bíblia - era de que o mundo havia sido criado há apenas poucos milhares de anos antes de Cristo. 47

Deus e

cosmos

Figura 2.4: A visão do Universo apresentada pelo poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321) em sua obra The Divine Comedy (A

Divina Comédia). IX VIII vn VI V IV

Esfera Cristalina, Primum Mobile Esfera das estrelas fixas - 0 Zodíaco Esfera de Saturno III Esfera de Júpiter II Esfera de Marte I Esfera do Sol

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Esfera de Vénus Esfera de Mercúrio Esfera da Lua

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A concepção medieval do universo atingiu uma unidade harmônica envolvendo os conceitos de Deus, o mundo, e o homem. O universo era encarado como refletindo tanto a sabedoria quanto o amor de Deus: sabedoria, porque tudo demonstrava perfeita ordem, e amor, porque expressava a preocupação de Deus para com o homem. Em resumo, o universo medieval era um todo perfeita­ mente organizado. Era estático, hierárquico, e antropocêntrico. Infelizmente, a harmonia entre cosmologia e teologia provou ser uma fraqueza, pois a morte da cosmologia medieval, para muitos, levou à ruína a teologia que a acompanhava.

O Fim da Cosmologia Medieval O harmonioso casamento entre ciência e teologia per­ maneceria como a cosmologia dominante até o século dezessete. Um número de fatores causou seu colapso final. Dentre aqueles fatores, o principal foi a tendência da ciência de atribuir grande peso à observação direta, em vez de se apoiar na autoridade dos antigos. Consequentemente tornou-se evidente, particularmente no século dezesseis, que a física aristotélica e a astronomia ptolomaica eram deficientes. Assim, por exemplo, sério prejuízo foi causado pelos dois eventos registrados pelo astrônomo Tycho Brahe (15461601). Em 11 de novembro de 1572 ele observou uma nova estrela (isto é, uma “nova”). Isto punha em contradição a doutrina de que toda mudança estava confinada à área sublu­ nar terrestre. Pouco tempo depois, Tycho Brahe demonstrou que o grande cometa de 1577 não era um fenômeno sublunar, como os cometas eram então considerados, porém que estava se movendo nas áreas planetárias. Isso estilhaçou a crença da imutabilidade dos céus e a solidez das áreas celestes. O telescópio, inventado apenas alguns anos depois, em pouco tempo trouxe dificuldades mais sérias. Em 1610 Galileu 49

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provou que a superfície da lua não era perfeita, como afirmava Aristóteles, mas tinha montanhas e vales similares à Terra. Isso sugeriu similitude entre matéria terrestre e matéria celeste. Posteriormente, no século dezessete, tal similitude foi confir­ mada por Isaac Newton, que demonstrou serem as mesmas leis físicas aplicáveis a ambas as esferas. O desenvolvimento da mecânica newtoniana completou a destruição da física aristotélica.

Galileu versus a Igreja O mais sério impacto à cosmologia medieval, contudo, foi a remoção da Terra do centro do universo. A noção de um universo heliocêntrico já havia sido proposta pelo astrônomo grego Aristarco de Samos (aprox. 310-230 a.C.). Embora nunca tenha sido popular, esta idéia antiga havia sido novamente apanhada por Nicolau Copérnico (1473-1543), na esperança de que o modelo heliocêntrico viesse a simplifi­ car os cálculos das posições planetárias (Figura 2.5). Quanto a isto, ele não foi muito bem sucedido: seu novo sistema acabou por ser não menos complicado, requerendo quarenta e oito epiciclos, comparado aos quarenta de Ptolomeu. Contudo, ofereceu a vantagem de explicar de modo mais simples algumas peculiaridades dos movimentos planetários, assim como permitir o cálculo das distâncias relativas aos planetas. Contudo, era ainda possível desenvolver modelos equiva­ lentes que mantinham a Terra no centro. Por exemplo, o modelo de Tycho Brahe, onde os planetas giravam em torno de um Sol que girava ao redor de uma Terra estacionária, explicava os movimentos planetários do mesmo modo como o fazia o sistema heliocêntrico (Figura 2.6). A teoria de Copérnico não se tornou amplamente aceita até o início do século 17, quando levou a um famoso episódio na história da ciência. Quase todos os livros que tratam de 50

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Figura 2.5 O Universo Heliocêntrico segundo Corpérnico, extraído de sua obra De Revolutionibus Coelestium (1543). 51

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ciência e cristianismo discutem a condenação proferida pela igreja católica romana contra o cientista italiano Galileu Galilei (1564-1642). Galileu promoveu a teoria de Copérnico de que a Terra se movia em torno de um sol fixo. A igreja católica romana afirmou ser isso contrário à Bíblia, a qual falava de uma Terra fixa. Isso resultou em muito debate. Qual dos dois estaria em movimento absoluto, a Terra ou o Sol? Embora política, conflitos de classes, e física aristotélica tivessem todos desempenhado papel importante na discussão, a prin­ cipal objeção levantada contra o modelo de universo de Copérnico era de que tal modelo estava em conflito com a leitura tradicional da Bíblia. A principal dificuldade era que nenhuma das provas apresentadas em favor do modelo de Copérnico era conclu­ siva. O formidável teólogo católico-romano, cardeal Roberto Belarmino, consultor do Santo Ofício e um líder no julgamento de Galileu, em 1616, frisou numa carta a Galileu: Se houvesse uma prova real... de que o Sol não gira em tomo da Terra, mas a Terra em tomo do Sol, então haveríamos de proceder com grande cautela em explicar as passagens das Escri­ turas que parecem ensinar o contrário, e preferiríamos dizer que não as entendemos a declarar uma opinião falsa que seja prova­ da como sendo verdadeira. Mas eu não acredito que haja uma tal prova, desde que nenhuma me foi apresentada. Demonstrar que as aparências são salvas através de supor o sol no centro e a Terra no firmamento não é o mesmo que demonstrar que de fato o sol está no centro... Eu creio que a primeira demonstração possa existir, porém eu tenho graves dúvidas quanto à segunda; e em caso de dúvida, não se deve abandonar as Sagradas Escritu­ ras tal como expostas pelos santos padres.4

4 Como citado por Arthur Koestler em The Sleepwalkers, Harmondsworth: Penguin Books, 1968, p. 454.

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Figura 2.6: O Sistema de Tycho Brahe, extraído de sua obra De Mundi Aetherei Recentioribus Phaenomenis (1588). 53

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Belarmino não mostrou dificuldade em aceitar o modelo de Copérnico como uma hipótese útil. Todavia ele objetou que tal hipótese fosse elevada à categoria de verdade: fazer tal coisa requereria provas definitivas, provas essas que Galileu não poderia suprir. Galileu apresentou uma certa dose de evidên­ cia, consistindo primariamente de observações feitas com o recém-inventado telescópio. Isso incluía novidades tais como os satélites de Júpiter, as fases de Vénus, as crateras da Lua, e várias novas estrelas. Entretanto, embora tudo isto fos­ se consistente com o modelo de Copérnico, nenhuma dessas observações supria prova evidente do caso. Todas aquelas observações podiam ainda ser acomodadas dentro de um modelo geocêntrico. Em março de 1616 a Congregação Geral do Index regula­ mentou que a doutrina do movimento da Terra e imobilidade do sol era “totalmente falsa e contrária às Escrituras”.5 O tratamento dado pela igreja católica ao caso de Galileu tem causado aos cristãos embaraços sem fim. Após suportar um ridículo de séculos, a igreja romana, em outubro de 1992, finalmente reverteu seu julgamento sobre Galileu. Mas, estaria em erro a igreja católica romana quanto a sua condenação de Galileu? A questão não é tão clara como supõe a maioria das pessoas. De fato, a questão de movimento absoluto dificilmente poderia ser respondida em âmbito científico. Está claro que as estrelas e a Terra estão em movi­ mento em relação umas às outras. No entanto isto pode ser explicado por diferentes modos. Poderíamos tomar a Terra em movimento em relação às estrelas fixas. Ou poderíamos tomar as estrelas como movendo-se em relação a uma Terra fixa. Ou poderíamos tomar ambos em movimento com relação a um outro ponto fixo. Do ponto de vista observacional, todos esses 5 Como citado por Arthur Koestler em The Sleepwalkers, Harmondsworth: Penguin Books, 1968, p. 462.

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modelos são equivalentes, pois tudo que podemos observar é o movimento relativo, e não o movimento absoluto. Alegar que realmente é a Terra, e não o resto do universo físico, que está se movendo, é ir além da evidência observacional. Ainda mais, refletindo profundamente, que significado teria dizer que as estrelas distantes estão em repouso? Em repouso com relação a quê? Isso implica ou exige que haja algum outro recurso do universo com relação ao qual o movimento das estrelas pode ser medido. E isso por sua vez levanta a questão seguin­ te, sobre se este novo recurso está “em repouso” e com relação a quê. E assim por diante. Para ver se a Terra está “realmente” movendo-se é neces­ sário sair fora do universo físico e localizar-se num ponto fixo em repouso. Isto, somente Deus pode fazer. Portanto, em última análise, somente Deus pode responder adequada­ mente à questão de movimento absoluto. Em resumo, a questão de determinar qual estaria em movimento, a Terra ou o Sol, não é uma questão que possa ser respondida através de investigação científica. Não há prova direta do movimento da Terra, e nem pode haver. Em seu ní­ vel mais profundo, a questão até mesmo carece de significância científica. A definição do que constitui um padrão “absoluto” depende grandemente de considerações filosóficas não-observacionais. Esta limitação do conhecimento científico tem sido salientada por muitos cientistas e filósofos de renome. Atual­ mente, a questão de movimento absoluto tem sido, de modo geral, reconhecida como sendo uma questão de cunho não-científico. A citação abaixo é do famoso filósofo britânico Bertrand Russell: Antes de Copérnico as pessoas criam que a Terra era imóvel e que o firmamento girava em torno dela, uma vez por dia. Copérnico ensinou que “realmente” a Terra gira uma vez por

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Deus e Cosmos dia, e que a rotação diária do sol e das estrelas é apenas “aparen­ te”... Mas na teoria moderna a questão entre Copémico e seus predecessores é apenas uma questão de conveniência; todo movimento é relativo, e não há diferença entre as duas posições... A astronomia toma-se mais fácil se considerarmos o Sol como fixo, ao invés de considerarmos a Terra... Entretanto, dizer algo além disso em favor de Copémico é assumir movimento abso­ luto, o que seria apenas ficção. Não passa de apenas convenção tomarmos um corpo como fixo. Qualquer outra convenção seria legítima, mas nem todas seriam convenientes.6

Em recente artigo7 foi demonstrado que, num universo fechado, a relatividade geral prediz os mesmos efeitos, não importando se tomamos a Terra fixa e consideramos o univer­ so girando em torno dela, ou se tomamos a Terra girando num universo fixo: somente o movimento relativo tem importân­ cia física. ✓ E risível que em círculos científicos haja certo des­ conforto a respeito da posição de Galileu. Após a recente reabilitação de Galileu feita pelo Vaticano, a revista Nature, um importante periódico britânico, em seu editorial de 5 de novembro de 1992, p.2, advertiu o Vaticano por haver agido tão tardiamente e com tanto rancor. Mas o editor prossegue fazendo considerações sobre se a Terra gira em torno do Sol em outro sentido que não o relativo, e acrescenta: “Galileu foi provavelmente um cientista bom demais para se comprome­ ter com um ponto de vista absoluto”. Nisto o editor de Nature está errado: foi exatamente a insistência de Galileu num 6 The ABC of Relativity (O ABC da Relatividade), Londres: Allen and Unwin, 1958, p.13. 7 D. Lynden-Bell, J. Katz e J. Bicak, “Mach’s Principle from the Relativistic Constraint Equations” (O princípio de Mach das Equações da Limitação Relativista), Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 1995, 272, pp. 150-160.

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ponto de vista absoluto quanto ao movimento da Terra que lhe causou tantos aborrecimentos.

Conseqüências Teológicas A questão crucial no caso de Galileu era de epistemo­ logía. Em particular, o debate tornou-se violento sobre a natureza e extensão da autoridade bíblica e o status das teorias científicas. Como já observamos, Galileu apresentou o sistema de Copérnico não como mera teoria, e sim como verdade, verdade perante a qual as Escrituras, ou pelo menos a interpretação das Escrituras sustentada pela igreja romana, deveria se retratar. Ele defendeu uma visão realista das teorias científicas, em oposição à sugestão instrumentalista mais moderada proposta por Belarmino. Galileu discutiu seu ponto de vista sobre a relação entre a ciência e as Escrituras em sua Letter to the Grand Duchess Christina (1615) (Carta à Grã-duquesa Cristina (1615). Ali ele argumentou que certas passagens das Escrituras não deveriam ser tomadas em sentido literal, sendo a seguinte uma das razões para isso: Essas proposições expressas pelo Espírito Santo foram registradas pelos santos escribas de modo a acomodá-las à capa­ cidade de pessoas comuns, as quais são rudes e iletradas}

A segunda razão apresentada por Galileu89 foi que a cosmologia é irrelevante ao propósito central da Bíblia, a qual 8 Letter to the Grand Duchess Christina (1615) in Discoveries and Opinions of Galileo (Carta à Grã-duquesa Cristina (1615) em Descobertas e Opiniões de Galileu), traduzido por Stillman Drake, New York: Doubleday Anchor, 1957, p. 182. 9 Ibid, p.188.

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nos ensina como obter salvação: “As Escrituras nos dizem como ir para o céu, não como estão indo os céus”. Galileu também afirmou: Eu penso que na discussão dos problemas físicos devemos começar não a partir da autoridade das passagens das Escrituras, mas a partir de experiências dos sentidos e suas necessárias demonstrações... nada físico que a experiência sensorial exponha ante nossos olhos, ou que a necessária demonstração nos prove, deve ser questionado (menos ainda condenado) sob o testemu­ nho de passagens bíblicas que possam ter algum significado diferente por trás das palavras. Temos que levar em conta, ao examinar a doutrina de Moisés, que de todo modo evitemos afirmar... qualquer coisa que contradiga a manifesta experiência e o raciocínio filosófico ou as outras ciências. Pois toda verdade deve estar de acordo com todas as outras verdades, assim, a ver­ dade das Sagradas Escrituras não pode ser contrária às razões sólidas e experiências do conhecimento humano.10

Para os cristãos o drama da salvação tem sido sempre central, e portanto mais importante que a natureza. Ora, Galileu não apenas considera o livro da Natureza tão significante quanto o livro das Escrituras, porém assume que o livro da Natureza fala mais claramente que o livro das Escrituras. Com Galileu, a inquirição científica da natureza adquiriu umstáíí/s independente à qual todas as verdades devem conformar. A atitude de Galileu já foi descrita como uma ameaça ao enten­ dimento cristão: Uma tradição foi forjada na qual a crescente clareza discernida através da natureza foi posta em contraste com a prevalecente

10 Letter to the Grand Duchess Christina (1615) in Discoveries and Opinions of Galileo (Carta à Grã-duquesa Cristina (1615) em Descobertas e Opiniões de Galileu), traduzido por Stillman Drake, New York: Doubleday Anchor, 1957, p. 182-186.

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falta de clareza das Escrituras, com a esperança de que assim as Escrituras pudessem ser purgadas de sua obscuridade. Em retrospecto, está claro que isso somente pode ser conseguido por uma lógica que não busca mais orientação da revelação bíblica, mas de uma filosofia que determinou o conteúdo a partir de seu próprio ângulo de visão. Em Galileu, uma base natural independente para a religião começou a determinar o entendi­ mento bíblico da revelação. Disso, Galileu certamente não estava cônscio.11

Se Galileu estava cônscio disso ou não, sua posição foi baseada numa epistemología que levou a uma lenta mas constante redução da autoridade bíblica. Muitos outros que aceitaram a nova astronomia também aceitaram o ponto de vista de Galileu a respeito da relação entre os dois Livros. O proeminente astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630), o qual também estava muito preocupado em reconciliar a ciência e as Escrituras, estava preparado para reinterpretar as Escrituras de um modo mais flexível, através da amplamente apoiada noção da acomo­ dação. Essa posição foi contraposta por vários teólogos que insistiram na primazia das Escrituras, mesmo em assuntos de astronomia. Por exemplo, o luterano Abraham Calovius declarou, no meio do século dezessete, que em assuntos natu­ rais Copérnico não poderia ter mais autoridade que a Palavra de Deus. Ele temia que a aceitação da noção de que passagens bíblicas deveriam ser acomodadas a maneiras comuns de pensar teria efeito semelhante ao de abrir um pequeno furo numa barragem, o qual eventualmente destruiria a própria barragem. Então Calovius sustentou que nenhum erro, mesmo em assuntos não importantes, poderia ter lugar nas11 11John Dillenberger, Protestant Thought and Natural Science (O Pensamento Protestante e a Ciência Natural), New York: Abingdon Press, 1960, p.90.

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Escrituras. Essa afirmação de inerrância, mesmo em assuntos científicos foi ecoada por muitos outros, incluindo iminentes teólogos reformados como Gisbert Voet (1588-1676) e Francis Turretin (1623-1687). Turretin considerava que a admissão de qualquer erro, por mínimo que fosse, seria a rejeição da autoridade das Escrituras. Assim, em assuntos escriturísticos, esses homens rejeitaram Copérnico. Eles sentiam que capitular em qualquer ponto, demandaria capitulação total. Muitos intelectuais não estavam contentes em buscar outras interpretações para as Escrituras. Eles consideravam que a ciência havia provado ser falso o ponto de vista geocêntrico da Bíblia. Isso os levou a rejeitar a inerrância da Bíblia e, even­ tualmente, à rejeição de toda a religião revelada. O deísmo, que rejeitou toda forma de religião revelada como incompa­ tível com a ciência, e tentou construir uma teologia natural, tornou-se um importante movimento no século dezoito. Deus era encarado primariamente como o arquiteto do universo, deixando-o prosseguir por si mesmo, de acordo com as leis que Ele havia imposto sobre a natureza. O ateísmo, que tam­ bém se tornou proeminente no século dezoito, foi mais adiante, rejeitando todo e qualquer conceito de Deus. O triunfo do copernicismo teve efeitos de grande alcance na comunidade cristã. Ao aceitarem a nova astronomia os cris­ tãos davam tácita aprovação à implícita epistemología secular de Galileu e seus aderentes. Permitindo-se que uma teoria científica ditasse a interpretação da Bíblia eles abandonaram a supremacia epistemológica das Escrituras. A razão humana passou a ser considerada como uma independente fonte de verdade, uma fonte superior às Escrituras - pelo menos em questões científicas.

Cosmologia Pré-Moderna O modelo cosmológico de Copérnico ainda estava

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limitado pela esfera externa das estrelas fixas, esfera esta agora centrada no Sol, ao invés de na Terra. Contudo, como o movimento aparente da esfera externa era agora atribuído ao movimento da Terra, a esfera estelar podia então ser conside­ rada em repouso. A remoção do movimento da esfera estelar levou de vez o argumento para a sua dimensão finita. Assim, como conseqüência natural da cosmologia de Copérnico, um universo infinito podia agora ser contemplado. Este passo, não proposto pelo próprio Copérnico, foi tomado, em 1576, por Thomas Digges (1543-1595), um astrô­ nomo inglês e recém-convertido ao copernicismo. Ele removeu a fronteira externa do universo, pondo o céu com seus seres celestiais dentro de um espaço infinito de estrelas (Figura 2.7).

Cosmologia Newtoniana A nova cosmologia que substituiu a velha deveu muito ao grande cientista inglês Sir Isaac Newton (1642-1727). Através de suas teorias da gravidade e movimento, o universo veio a ser considerado como uma gigantesca máquina governada por equações matemáticas. Contudo esse mecanismo de relógio, criado por Deus, não podia funcionar por si mesmo. Newton descobriu que uma tal mecânica não podia ser responsabi­ lizada pela aparente estabilidade do sistema solar. Ele propôs que Deus interferia de tempos em tempos para manter os movimentos planetários em seus trilhos. De fato, Newton viu esta deficiência mecânica como uma prova da existência de Deus. Esta extraordinária dependência em Deus foi removida no século seguinte pelo francês Pierre-Simon Laplace (17491827), o qual foi capaz de demonstrar que a mecânica newtoniana em si mesma era suficiente para manter a estabi­ lidade do sistema solar: nenhuma intervenção sobrenatural era requerida. 61

Deus e Cosmos

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Figura 2.7: O Sistema Heliocéntrico de Thomas Digges, extraído de sua obra A Perfit Description of the Caelestial Orbes (1576).

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De acordo com Newton, tempo e espaço sempre existi­ ram. O universo material fora criado num tempo finito do passado, num espaço vazio infinito. Newton considerou o mundo material como sendo de dimensões finitas, cercado por um espaço vazio infinito. Seus seguidores, entretanto, logo deixaram o universo material preencher todo o espaço infi­ nito, pois eles não viam razão para limitar a atividade criadora de Deus a apenas uma pequena porção do espaço. Raciocínio similar logo levou à remoção das restrições da ação criadora de Deus no tempo. O mundo criado tornou-se infinito, tanto no espaço como no tempo. Como um mundo infinito e eterno não necessita ter um criador, Deus em pouco tempo Se tornou supérfluo como um Criador. Além disso, como Newton havia considerado o espaço como sendo um atributo de Deus, incorporando Sua presença e ação, a nova filosofia veio, gradualmente, a consi­ derar o espaço como o vácuo dos antigos atomistas gregos. O espaço era o vazio absoluto de tudo - incluindo Deus.12 A despeito do objetivo de Newton de apoiar, ou enfatizar, um conceito teísta do universo, o cosmo que emergiu da mecâ­ nica newtoniana não tinha necessidade de Deus. Assim, o movimento iniciado por Copérnico, e levado adiante por Kepler, Galileue Newton, promoveu uma cres­ cente visão mecanicista do universo. Deus foi gradualmente removido como uma força ativa no mundo físico. Kuhn sumarizou esta tendência do seguinte modo: No universal mecanismo de relógio, Deus freqüentemente apareceu como o único relojoeiro, o Ser que fizera as partes atômicas, estabelecera as leis de seus movimentos, e depois as

12 Alexandre Koyre, From the Closed World to the Infinite Universe (Do Mundo Fechado ao Universo Infinito), Baltimore: John Hopkins Press, 1957, pp. 274-276.

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Deus e Cosmos deixara funcionando por si mesmas. O deísmo, uma versão elaborada deste ponto de vista, foi um importante ingrediente no pensamento do final do século 17 e através do século 18. Na medida em que tal visão avançava, a crença em milagres declinou, pois milagres seriam uma suspensão das leis mecânicas pela direta intervenção de Deus e seus anjos em situações terrestres. Pelo fim do século dezoito um crescente número de homens, cientistas e não cientistas, deixaram de ver necessidade de afirmar a existência de Deus.13

A visão medieval do mundo não apenas permitia a interação direta de Deus com a Sua criação, mas também reservava um lugar especial para Deus: o trono de Deus era localizado no Empíreo celeste, o qual ficava além da esfera das estrelas fixas. Até à época de Newton, os cristãos geral­ mente consideravam o céu como um lugar físico além das estrelas. Isso tudo foi mudado como resultado da revolução de Copérnico. Quando o universo fechado foi substituído por um espaço infinito, não havia mais lugar para o céu. Embora, como já vimos, Thomas Digges ainda misturava seu estelar e teoló­ gico céu, Deus foi gradualmente expelido desse céu, deixando ali apenas as estrelas. Assim, o homem foi abandonado na solidão, perdido em seu labirinto infinito.

O Universo Dinâmico Inicialmente o universo newtoniano era essencialmente estático, não tendo passado por mudanças significativas ao longo do tempo. Tal concepção, entretanto, durou pouco tem­ po. No século 18 a noção de mudança ao longo do tempo tornou-se popular em diversas disciplinas, particularmente 13 T. S. Kuhn, The Copernican Revolution (A Revolução de Copérnico, Cambridge), Mass.: Harvard University Press, 1957, p. 233.

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geologia e biologia. Interesse crescente era mostrado a res­ peito da questão de origens. No campo da cosmologia várias teorias foram propostas, com o fim de explicar a formação dos objetos celestes. O universo newtoniano infinito havia abandonado tanto a geocentricidade como a heliocentricidade. Inicialmente pensou-se que o espaço infinito era uniformemente populado por estrelas similares ao sol. No entanto, logo tornou-se evi­ dente que as estrelas não eram aleatoriamente espalhadas pelo espaço. Em vez disso, a maior parte delas parecia estar agrupada na Via Láctea. Thomas Wright (1711-1786) especu­ lou em 1750 que a Via Láctea consistia ou de uma esfera ou de um disco de estrelas girando em torno do centro. Este centro seria uma fonte sobrenatural da qual originavam todas as leis da natureza. Naquela época um número de objetos pálidos e pouco definidos havia sido observado. Wright conjecturou que tais nuvens ou “nebulosas” eram de fato grupos de estre­ las similares à via láctea. De acordo com ele, o universo estaria repleto de infinitos centros de criação. Pouco tempo depois, em 1755, o filósofo alemão, Immanuel Kant (1724-1804), dando um passo adiante, pro­ pôs uma origem naturalista para todos os objetos celestes do universo. Ele sugeriu que, inicialmente, o universo consistia de um infinito e quase uniforme gás. Pela ação da gravidade, agrupamentos de matéria foram se formando. Os movimentos ocasionais dessas porções condensadas de massa deram-lhes algum spin (um pequeno giro). Na medida que tal sistema se contraía, os spins se incrementavam e as galáxias foram forma­ das. No interior das galáxias um processo similar causou a formação individual de estrelas e planetas. Esta “hipótese nebular” foi posteriormente exposta por Laplace. O principal ponto de contenda referia-se à interpretação dada às nebulosas pálidas. Laplace pensava que elas eram apenas nuvens de gás associadas à via láctea. Seu universo era centrado sobre uma 65

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única e gigantesca via láctea cercada de nuvens de gás em movimento circular. O oponente ponto de vista de Wright e Kant era o de uma infinidade de “universos ilhas” similares à via láctea. Esse debate foi finalmente resolvido em 1920, quando novas observações justificaram a posição multigaláctica. A noção de um universo dinâmico e revolvente tornou-se extremamente popular na última metade do século dezenove, particularmente com o desenvolvimento da evolução bioló­ gica. Em particular, os escritos de Charles Darwin (1809-1882) exerceram grande influência. Sua obra principal, A Origem das Espécies (1859), tratou principalmente da evolução de plantas e animais. Na sua obrazl Descendência do Homem (1871) ele estendeu o princípio da evolução, para também incluir a origem do homem. Essa idéia foi logo aplicada também à sociedade, incorporando o atraente ideal do progresso humano. O modelo evolucionário do universo rapidamente tornou-se o ponto de vista dominante no mundo. Desde o começo, houve oposição exercida pela ala religiosa, mas a maioria dos teólogos buscou adaptar seu cristianismo ao cos­ mo evolucionário. Assim, um modelo científico naturalista finalmente rei­ vindicou dar explicação para a formação do universo inteiro, com todos os seus componentes. O estático, finito, geocêntrico e teísta mecanismo de relógio do homem medieval foi substi­ tuído pelo organismo dinâmico, infinito e materialista, em contínua evolução para cima.

A Morte do Calor O estabelecimento do cosmo evolucionário inicial­ mente gerou uma visão otimista do futuro. Os defensores da evolução sentiram que o universo estava constantemente melhorando. O próprio Darwin concluiu: 66

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Como a seleção natural opera unicamente por e para o bem de cada ser, todos os dons e talentos corporais e mentais tendem a progredir até a perfeição.14

Este espírito otimista logo seria severamente abalado. O desafio veio através da nova ciência da termodinâmica, o estudo do calor. A revolução industrial, que havia ganhado momentum no início do século dezenove, dependia extrema­ mente do desenvolvimento de maquinário eficiente. Por volta de 1850, o estudo de máquinas a vapor e outros processos envolvendo trocas de energia levaram à descoberta de dois princípios fundamentais. O primeiro deles, a primeira lei da termodinâmica, como tornou-se conhecida, tinha a ver com a conservação de energia. Esta lei postulou que, embora energia pudesse ser transformada de uma forma em outra, energia não podia jamais ser criada ou destruída. Considere, por exemplo, uma queda d’água. Na medida em que a água cai, sua energia potencial gravitacional, devido ao seu peso, é convertida em energia mecânica. Se for usada para movimentar uma tur­ bina, a energia mecânica pode ser transformada em energia elétrica. Se essa energia elétrica for usada para operar uma bomba d’água, poderiamos bombear a água à sua altura original. A primeira lei da termodinâmica afirma que, se pudéssemos desprezar as perdas de energia devidas ao atrito, a queda d’água geraria energia em quantidade exatamente necessária para bombear de volta a água que cai. Nenhuma nova energia a mais pode ser gerada. Se levarmos em conta o atrito, como é necessário na prá­ tica, a situação piora. Isso nos conduz à segunda lei da termodinâmica, a qual trata da quantidade de energia útil 14 C.Darwin, On the Origin of the Species (A Origem das Espécies), 2a edição 1858, London: John Murray, p. 486.

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disponível. Isso foi pela primeira vez formulado em 1851 por Rudolf Clausius (1822-1888) em Berlim, e William Thompson (Lord Kelvin, 1824-1907) em Glasgow. A segunda lei da termodinâmica especifica que, em todo processo físico real, certa quantidade de energia útil é sempre dissipada. Os efeitos do atrito, na forma de calor, sempre causam a dissipação de parte da energia disponível. Se deixarmos uma bola cair na superfície plana do piso, veremos que ela jamais pulará de volta até a altura de onde a deixamos cair. Alguma energia mecânica é sempre perdida, transformando-se em calor que esquenta ou o ambiente ou a bola, ou ambos. A primeira lei da termodinâmica afirma que em todo e qualquer processo a energia final na saída não pode exceder a energia inicial na entrada. A segunda lei da termodinâmica estipula que não podemos nem mesmo empatar: a energia útil que umà máquina entrega na saída, será sempre menor que a energia útil posta na entrada. Isso impossibilita de vez a máquina de moto-perpétuo. A segunda lei da termodinâ­ mica é comumente reconhecida como uma das leis mais básicas de toda a ciência. Clausius definiu a “entropia” de um sistema como sendo a medida do seu estado de desordem, seu estado casual. Quanto mais alto o grau de desordem, mais alta a entropia. Considere, por exemplo, uma sala cheia de molécula de ar. Caso todas as moléculas estejam em apenas uma das metades da caixa (evento altamente improvável!), isso corresponderia a um estado alta­ mente ordenado, sendo a entropia, portanto, muito baixa. Se as moléculas se espalharem por todo o espaço da sala, a ordem é então perdida e a entropia torna-se alta. De acordo com Clausius, todo sistema tende a um estado de “equilibrium”, onde não haverá fluxo natural de energia. Sistemas tendem a se deslocar de um estado ordenado para um estado desor­ denado, não vice-versa. Assim, se abandonado a si mesmo, um castelo de areia tende a se degenerar num montículo de areia, 68

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ao passo que o reverso não acontece. Processos reais tendem a ser irreversíveis. Aplicando este princípio ao universo como um todo, Clausius concluiu que a energia total do universo é constante, e sua entropia tende para um máximo. Conclusão similar foi conseguida pelo cientista alemão Hermann von Helmholtz, em 1854. Ele deduziu algumas conseqüências de longo alcan­ ce. Se o universo está constantemente tramitando para um es­ tado de desordem, então ele deve ter sido energizado (como dar corda, num mecanismo de relógio) num tempo finito do passado por algum processo violando a segunda lei. Indo mais além, num tempo finito do futuro o universo tornar-se-á total­ mente desordenado. Ele tenderá a um estado de equilíbrio, onde todas as regiões estarão na mesma temperatura. Naquele tempo não restará mais nenhuma energia útil no universo, e qualquer forma de vida terá que desaparecer. Isso é o que tem sido chamado de “morte do calor” do universo. As novas leis da termodinâmica impõem restrições fundamentais à teorização cosmológica. A segunda lei, em particular, com sua melancólica predição do futuro fim da vida no universo, apagou com um sopro o ponto de vista otimista de um universo evoluindo a um estado de perfeição cada vez maior. Em seu lugar, veio um sentimento de desespero, um sentimento de que o nosso universo habitável não passava de mero acidente estatístico, sem perspectivas futuras e sem propósito final.

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3 Cosmologia Moderna Neste capítulo examinaremos teorias da cosmologia moderna. Como a cosmologia do Big Bang é, de longe, a mais popular, concentraremos nela o foco de nossa discussão. Faremos uma revisão de sua história e apoio observacional, abordaremos seus pontos fortes e fracos, e uma breve análise de várias alternativas. Na última parte do capítulo examina­ remos várias premissas cosmológicas básicas, bem como a dificuldade delas serem verificadas.

Uma Breve História do Big Bang Edgar Alian Poe, que se tornou mais famoso por seus contos, foi õ primeiro a sugerir que o universo teve origem numa gigantesca explosão. Em seu pequeno livro Eureka, publicado em 1848, Poe descreve como o universo foi criado per Deus, a partir do nada, como uma partícula primordial explosiva. Inicialmente a matéria explodiu movimentando-se em todas as direções. Na medida em que o universo se expan­ dia, a gravidade gradualmente induziu os átomos a se condensarem, formando assim as estrelas e planetas. Eventu­ almente, em algum tempo no futuro, a ação da gravidade fará que pare a expansão, e então começará a contração. O cosmos finalmente retornará ao seu estado inicial, um pequeno ponto, tempo no qual ele desaparecerá. Poe não acreditava que o nosso universo pudesse ser infinito. Ele se referia ao Paradoxo de Olbers, uma objeção ao 70

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conceito de um universo infinito levantada em 1823 por Heinrich Olbers e outros antes dele. De acordo com Olbers, se existisse um número infinito de estrelas, então, ao olharmos em qualquer direção deveríamos eventualmente encontrar uma estrela. A noite o céu seria uniformemente luminoso com luz estelar. Como não é esse o caso, Olbers concluiu que nosso universo é finito. Contudo, Poe encontrou um jeito de manter o universo infinito e eterno. Ele especulou que haveria um número infinito de universos, cada um com o seu deus. Mas esses universos estariam tão imensamente distantes uns dos outros, que não poderia haver comunicação entre eles. Além disso, depois que nosso universo viesse ao colapso, Deus geraria um novo universo, uma outra pulsão do ciclo eternal. O modelo de Poe não conseguiu atrair muitos cientistas. A maioria continuou acreditando em alguma forma de universo newtoniano, infinito e dinamicamente estático. A cosmologia moderna realmente teve início em 1917, quando Albert Einstein pela primeira vez aplicou sua nova teoria gravitacional - conhecida como relatividade geral - ao universo como um todo. Einstein presumiu que o universo era homogêneo, o que significa que, numa larga escala, a maté­ ria seria uniformemente distribuída através do universo (ver Figura 3.1). Ele também aplicou o princípio cosmológico que presumiu que qualquer região particular pareceria seme­ lhante a qualquer outra. O princípio cosmológico implica que o universo não tem bordas ou fronteiras, pois se assim o fosse, um observador localizado próximo à borda teria um ponto especial de vantagem. Até então, a solução para evitar bordas era imaginar o universo infinito. Agora, uma nova possibilidade era oferecida pela relatividade, a curvatura do espaço. A teoria de Einstein postulava que o efeito gravitacional da matéria fazia com que o universo fosse curvo. Se houvesse matéria 71

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Figura 3.F. Distribuição da Matéria no Universo (a) Universo Homogêneo. A matéria é uniformemente dis­ tribuída sobre grandes distâncias. (b) Universo Não-homogêneo. A matéria é não-uniformemente distribuída sobre grandes distâncias. (Extraído da obra de Michael Zeilik, Conceptual Astronomy, New York: John Wiley & Sons Inc. 1992.) 72

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em quantidade suficiente, então o campo gravitacional resul­ tante seria suficientemente forte para curvar o espaço sobre si mesmo, criando assim um universo finito, porém sem bordas. Um tal universo, finito mas sem fronteiras, é chamado de universo fechado. Um universo menos denso, que não fosse fechado, seria chamado universo aberto. Num universo aberto, o princípio cosmológico só pode ser mantido se o universo for infinito em tamanho. As diferentes geometrias do espaço são comparadas na Figura 3.2. Visualizar diretamente um universo fechado é impossí­ vel, pois isso envolve uma geometria quadridimensional. Mas poderíamos usar uma analogia bidimensional. Considere um pedaço de arame. Se ele for reto, terá duas extremidades, ou “bordas”, porém se o curvarmos até assumir a forma de um círculo, então não terá mais extremidades. Também podería­ mos considerar a superfície de uma bola como sendo uma superfície bidimensional sem bordas, mergulhado num espaço tridimensional. Similarmente, nosso universo de três dimensões pode ser imaginado como sendo um volume finito, sem bordas, mergulhado num espaço de número maior Jg dimensões. Com a relatividade tornou-se possível retornar ao universo íihito e ainda assim manter o princípio cosmológico da uniformidade. Contudo, restava uma dificuldade. Einstein achava que o universo devia ser estático, permanecendo sem mudanças por um período de tempo. Como o campo gravitacional de um universo finito tenderia a causar o colapso do mesmo, Einstein acrescentou uma força repulsiva ao seu modelo cosmológico, força essa que impediria o movimento para dentro. Assim, existiria uma “constante cosmológica”, ou “Lambda”, para contrabalançar a força atrativa da gravidade. Defendeu-se que tal força deveria aumentar com a distância, de modo que o seu efeito local seria por demais pequeno para ser detectado. Somente em escala cosmológica, quando a contribuição das 73

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Figura 3.2: Comparação de Geometria Espacial. (a) Geometria Plana. A soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre igual a 180 graus. (b) Geometria Hiperbólica (aberta). A soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre menor que 180 graus. (c) Geometria Esférica (fechada). A soma dos ângulos in­ ternos de um triângulo é sempre maior que 180 graus. (Extraído da obra de Michael Zeilick, Conceptual Astronomy, New York: John Wiley & Sons, Inc., 1992. 74

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mais distantes galáxias se torna significante, a ação dessa força seria importante. Pouco tempo depois, em 1920, a luz das galáxias distan­ tes mostrava um deslocamento ou desvio espectral tendendo para vermelho. Isso foi tido como uma evidência de que essas galáxias estavam se movendo para fora, afastando-se da Terra, ao invés de permanecerem estacionárias. Com base nesse novo desenvolvimento, a teoria do Big Bang foi ressuscitada em forma moderna pelo padre e cosmólogo belga Georges-Henry Lemaître, no final da década de 1920. Lemaître hipotetizou que o universo originalmente começou com a explosão do “átomo primevo”, uma concentração de matéria muito densa inicialmente. Como prova da explosão primeva Lemaître apontou os raios cósmicos (partículas de alto nível de energia, vindas do espaço, e que bombardeiam a Terra). Lemaître argumentou que nenhuma fonte astronômica conhecida poderia produzir aqueles raios, e portanto eles teriam sido causados pela excep­ cionai condição da explosão do Big Bang. Outro fator que aparentemente suportava essa hipótese era a distribuição dos raios cósmicos. Eles pareciam vir uniformemente de todas as direções, como era de se esperar, supondo que estivessem vindo do Big Bang. Achava-se que eles não poderiam vir das galáxias, pois estas estavam distribuídas irregularmente. Contudo, nas décadas seguintes foi mostrado que os raios cósmicos poderiam ser gerados por forças eletromagnéticas, em operação no espaço interestelar. Mais do que isso, tornou-se aparente que os raios cósmicos estariam vindo de nossa própria galáxia, a distribuição uniforme deles sendo conse­ quência de suas trajetórias curvadas pela ação do campo magnético da galáxia. Ao invés de virem de distantes extremos, refletindo as dores de parto do universo, os raios cósmicos mostraram ser um fenômeno relativamente local. Prejudicada por algumas limitações teóricas e observacionais, 75

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a cosmologia do Big Bang de Lamaitre não conseguiu muitos adeptos. Novamente, em 1946, a teoria do Big Bang ressurgiu com Georges Gamow. Gamow conjeturou que se o Big Bang fosse uma gigantesca explosão nuclear sua temperatura e densidade extremamente altas poderiam gerar as proporções observadas de hidrogênio, hélio e outros elementos presentes no univer­ so. Contudo, poucos meses mais tarde, Fred Hoyle mostrou que processos nucleares nas estrelas eram suficientes para produzir os elementos pesados em abundâncias quase exatas, embora algum outro mecanismo fosse necessário para produ­ zir a quantidade observada de hélio. Em 1948, Hoyle, junto com Hermán Bondi e Thomas Gold, formularam uma cosmologia alternativa: o modelo de estado-estável. Essa teoria foi baseada no assim chamado “princípio cosmológico perfeito”, o qual afirma que o universo parece basicamente o mesmo, não apenas em todos os lugares, porém em todos os tempos. A taxa de expansão, a densidade do espaço e a distribuição das galáxias são todas supostamente constantes. Como a expansão tende a espalhar as galáxias, a teoria requer que matéria nova esteja sendo constantemente criada - a partir do nada - precisamente à exata taxa de expan­ são, para assim manter constante a densidade. Novas galáxias são então formadas a partir da matéria nova sendo criada, na medida em que, por causa da expansão, as velhas galáxias vão se afastando através do espaço. Uma das principais motivações desta cosmologia era evitar o que Hoyle considerava ser uma implicação teísta da singularidade inicial. Contudo, enquanto o modelo evita a criação ex nihilo alegadamente implícita no Big Bang, o sêu próprio conceito de criação contínua indica não apenas um ato da criação ex nihilo, mas um numero infinito delas. Uma importante descoberta para o Big Bang veio à tona em 1965. Gamow deduziu que
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deixado atrás de si radiações na forma de ondas de rádio. Seus cálculos prediziam que essa radiação deveria ter esfriado a uma temperatura de aproximadamente 30 graus Kelvin (zero grau Kelvin corresponde ao zero absoluto, a mais baixa tempera­ tura possível, equivalente a -273°C). Também, a radiação deveria ser isotrópica, isto é, uniformemente distribuída em todas as direções. Em 1965, tal radiação foi de fato observada, embora a uma temperatura de apenas 3 graus Kelvin. Embora a cosmologia do estado estacionário tivesse goza­ do de popularidade por algumas décadas, principalmente entre os cosmologistas britânicos, a descoberta em 1965 da radiação de fundo fez com que a maioria dos cosmologistas dessem preferência à cosmologia do Big Bang. Enquanto essa radiação, ou pelo menos suas principais características, surge naturalmente do modelo do Big Bang, o modelo do estado estacionário teve maiores dificuldades em explicá-la, embora muitas possíveis explicações tenham sido elaboradas. De acordo com o moderno “modelo Big Bang padrão” o universo teve origem em torno de 10 a 15 bilhões de anos atrás numa explosão de energia originária de um ponto muito pequeno, uma “singularidade”. Começou com uma tempera­ tura muito elevada, alta densidade, e num estado de expansão muito rápida. Na medida que o universo expandiu, ele res­ friou. Dentro dos primeiros poucos minutos a matéria inicial (constituída principalmente de partículas subatômicas) condensou em hidrogênio, hélio e alguns traços de outros elementos leves. Na medida em que o tempo passou, porções de matéria foram se contraindo, devido à gravidade, constitu­ indo assim as galáxias. Dentro das galáxias, porções menores também foram se contraindo, formando as estrelas. Na medi­ da em que as estrelas iam se contraindo, energia gravitacional ia se transformando em calor. Eventualmente as temperaturas dentro das estrelas foram se elevando a ponto de gerar reações nucleares, das quais o carbono, o oxigênio e outros elementos

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pesados foram formados. Posteriormente, na medida em que as estrelas evoluíam, elas passaram a ejetar matéria no espaço interestelar. A partir deste material interestelar foram forma­ das as estrelas de segunda geração, as quais continham agora maior quantidade de elementos pesados. Algumas dessas estrelas tinham planetas. Em pelo menos um desses planetas (a Terra), interações casuais de moléculas produziram uma forma primitiva de vida. Eventualmente, formas mais com­ plexas de animais e plantas evoluíram, culminando com o aparecimento do homem. Essa é a história da criação de acordo com a cosmologia do Big Bang. Trata-se de uma teoria ampla e compreensiva que se esforça para explicar todas as realidades físicas em termos de um universo dinâmico em evolução e que pode ser rastreado até a sua singularidade inicial.

Explicando as Observações Quão bem fundamentado é o modelo Big Bang? Como já foi notado anteriormente, a teoria do Big Bang repousa em três pilares de evidência observacional: o galáctico desvio para o vermelho, abundâncias de elementos, e radiação de fun­ do. Partir desses fatos observacionais e interpretá-los como velocidades e resíduos de uma explosão inicial Big Bang, envolve um salto enorme que exige exame mais cuidadoso.

1. Deslocamentos para o Vermelho No final da década de 1920 o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu que a luz das galáxias apresentava desloca­ mento para o vermelho, a extremidade de baixa freqüência do espectro luminoso. Um fenômeno similar de abaixamento de freqüência (ou de tom) pode ser notado quando a sirene da polícia passa por nós. Na medida em que a sirene se afasta de nós, as ondas de som são como que esticadas pelo movimento 78

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da sirene, fazendo-nos perceber o som numa freqüência um pouco mais baixa do que a freqüência real. Este fenômeno é chamado efeito Doppler. Assim, uma simples explicação do deslocamento para o vermelho observado nas galáxias é que elas estariam se distanciando de nós. Hubble descobriu que o deslocamento para o vermelho era aproximadamente proporcional às distâncias das galáxias. Esta relação, que veio a ser conhecida como lei de Hubble, foi interpretada por muitos astrônomos como uma evidência de que o universo estaria se expandindo. E importante notar que, na cosmologia do Big Bang, postula-se que os deslocamentos para o vermelho são causa­ dos não pelo movimento das galáxias através do espaço, e sim pela expansão do espaço propriamente dita. Na medida em que o espaço se expande, o comprimento de onda da luz é esticado, correspondendo assim à redução de freqüência. O deslocamento para o vermelho é calculado subtraindo o com­ primento de onda original emitido do comprimento de onda recebido (observado), depois dividido pelo comprimento de onda emitido. O deslocamento para o vermelho é denotado pelo símbolo#. Por exemplo, um deslocamento de#=7 indica que o comprimento de onda recebido é o dobro do compri­ mento de onda emitido, implicando assim que o evento de emissão ocorreu quando o universo tinha metade do seu tamanho atual. Há, contudo, algumas dificuldades com esta interpre­ tação de velocidade do deslocamento para o vermelho. O astrônomo Halton Arp^bservou que muitos pares de galá­ xias, aparentemente bem próximas umas das outras, algumas até mesmo fisicamente ligadas, mostram deslocamentos para o vermelho muito diferentes. Isso sugere que pelo menos alguns deslocamentos para o vermelho são causados por outra 1 SeeingRed (Vendo o Vermelho), Montreal: Apeiron, 1998.

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coisa que não é movimento. Se alguns deslocamentos têm outra causa que não é movimento, é possível que a maioria tenha tal causa, deixando-nos assim, com um universo basica­ mente estático. Além disso, Arp notou que os deslocamentos se agrupam em valores z preferenciais, tais como: 0,06; 0,3; 0,6; 0,9; 1,4; e 1,96. Extensiva evidência de periodicidade e variabilidade de deslocamentos para o vermelho foi encontrada por Tifft2. Isso é contrário ao que se espera num universo homogêneo e em expansão, indicando que ou nós estaríamos no centro de uma série de cascas ou camadas em expansão ou então os desloca­ mentos para o vermelho teriam outra causa que não é a velocidade. Há ainda outras dificuldades. A relação “distância/deslo­ camento para o vermelho” de Hubble, principal pilar de suporte da cosmologia do Big Bang, foi inicialmente baseada na análise de apenas algumas dúzias de galáxias. Análises estatísticas mais recentes, muito mais completas, e baseadas nas observações de milhares de galáxias, divergem significati­ vamente da lei linear de Hubble. Estudos feitos por I. E. Segai3 4 mostram que uma relação quadrática, onde o desloca­ mento para o vermelho varia com o quadrado da distância, fornece uma aproximação muito melhor. Esses estudos contradizem a expans,ão do Big Bang, mas concordam com a cosmologia cronométrica de Segal, uma cosmologia estática 2 W. G. Tifft, “Global Redshift Peridiocities and Periodicity Variability”, AstrophysicalJournal, 1997,485, pp. 465-483. 31. E. Segal, J. E Nicoll, P Wu, Z. Zhou, “Statistically Efficient Testing of the Hubble and Landmark Laws on IRAS Galaxy Samples”, Astrophysical Journal, 1993,41 l,pp. 465-484. 41. E. Segal, J. F. Nicoll, “Statistics of a Complete High-Redshift Quasar Survey and Predictions of Nonevolutionary Cosmologies”, Astrophysical Journal, 1996,459, p. 496.

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onde o deslocamento para o vermelho é diretamente propor­ cional à curvatura do espaço.5 Como o deslocamento para o vermelho corresponde a um abaixamento de sua freqüéncia, e como a energia da luz é proporcional à sua freqüéncia, um deslocamento para o vermelho implica numa perda de energia. Um problema do modelo Big Bang é como considerar e computar a perda de energia da luz deslocada para o vermelho. A energia parece simplesmente desaparecer, implicando na não conservação de energia. O proeminente cosmologista de Princeton, P J. E. Peebles, pergunta: Para onde vai a energia perdida?... A resolução para este paradoxo é que, enquanto a conservação de energia é um bom conceito local... não há uma lei de conservação de energia global na teoria da relatividade geral.6

Anteriormente, uma conclusão similar foi obtida por Edward Harrison, que, em sua clássica obra, Cosmologia, escreveu: A conclusão, quer gostemos ou não, é óbvia: no universo, a energia não é conservada. O princípio de conservação de energia serve-nos bem em todas as ciências, exceto em cosmologia.7

Uma quebra inexplicável, tal como essa, de um dos mais fundamentais conceitos da ciência não é muito satisfatória. 51. E. Segal, Z. Zhou, “Maxwell’s Equations in the Einstein Universe and Cronometric Cosmology”, AstrophysicalJournal Suplement, 1995,100, p. 307. 6 Principles ofPhysical Cosmology, Princeton: The University Press, 1993, p. 138. 7 E. R. Harrison, Cosmology: The Science of the Universe, Cambridge: University Press, 1981, p.277.

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Teria o deslocamento para o vermelho alguma outra razão que não a velocidade? Muitas explicações alternativas do deslocamento para o vermelho têm sido propostas. A perda de energia da luz tem sido usualmente explicada como resultado do movimento num meio resistente, referido como “luz can­ sada”, ou como a escalada de um forte campo gravitacional, referido como “deslocamento gravitacional para o vermelho”. Inúmeras cosmologias estáticas, baseadas em pontos de vista sobre a não-velocidade do deslocamento para o vermelho, têm sido sugeridas.

a. Luz Cansada A interpretação do deslocamento para o vermelho, tendo o movimento como causa, foi questionada desde o início. Em 1929, o astrônomo Fritz Zwicky já havia proposto, como causa do deslocamento para o vermelho, a perda de energia da luz durante sua viagem através do espaço. Uma das vantagens das teorias da luz cansada é que elas naturalmente predizem um deslocamento para o vermelho proporcional à distância viajada, de acordo com a lei de Hubble. O próprio Hubble, durante toda a sua vida, enfatizou sua preferência pela teoria da luz cansada em contraposição ao ponto de vista da expan­ são, porém ele nunca conseguiu oferecer um mecanismo plausível para a geração de um tal efeito. Ter-se-ia que expli­ car qual o truque para que as unidades de luz, os fótons, perdessem energia sem contudo se espalharem significativa­ mente, ou as imagens das galáxias seriam menos nítidas do que realmente são. Recentemente, a teoria da luz cansada tem sido defen­ dida por vários astrônomos. Ghosh8 lista vinte possíveis 8 A. Ghosh, “ Velocity Dependent Inertial Induction: a Possible Tired Light Mechanism”, Apeiron, 1991,9-10, pp.35- 44. Para outros possíveis mecanis­ mos veja os artigos de autoria de Kierein, Marmet e Reber, D.F. Crawford, Fisher e Van Flandern na Bibliografia deste livro.

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mecanismos de não-velocidade sobre o deslocamento para o vermelho. Nas teorias de luz cansada em relação ao des­ locamento para o vermelho, geralmente é postulado que a energia perdida pela luz é re-irradiada como energia de baixa temperatura, levando assim em conta também o irradiador de microondas. Paul La Violette, depois de realizar vários testes com as duas alternativas para a explicação do deslocamento para o vermelho, concluiu que a teoria da luz cansada se encaixa muito melhor nas observações do que o modelo do universo em expansão.9 b. Deslocamento Gravitacional para o Vermelho G. F. R. Ellis demonstrou que o deslocamento para o vermelho das galáxias e a radiação de fundo de microondas podem ser explicados assumindo um universo estático, esféricamente simétrico, com dois centros, estando a nossa galáxia localizada próxima a um dos centros.10 Os 11 sistemáticos deslocamentos para o vermelho das galáxias são então inter­ pretados como deslocamentos cosmológicos gravitacionais para o vermelho, enquanto que a radiação de fundo seria originada de gases quentes envolvendo uma singulari­ dade situada no segundo centro do universo. Embora não alegando que o universo seja como tal modelo, ele afirma não existir um argumento avassalador que demonstre que tal modelo não poderia reproduzir todas as observações corren­ tes. Um modelo estático, de certo modo similar, mas tendo apenas um centro, foi desenvolvido por Rao e Annapurna.11 9 E A. La Violette, Beyond the Big Bang: Ancient Myth and the Science of Continuous Creation, Rochester, Vermont: Park Street Press, 1995. 10 G. F. R. Ellis, “Is The Universe Expanding?”, General Relativity and Gravitation, 1978,9, pp.87-94. 11 J. Krishna Rao, M. Annapurna, “Spherically Symetric Static Inhomogeneous Cosmological Models”, Pramana, 1991,36, pp. 95-103.

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Mais recentemente, outro modelo, usando ambos, gravitacional e Doppler, deslocamentos para o vermelho, foram propostos por Robert Gentry.12

c. Constantes fue Variam Outro modelo estático de universo foi construído pelo russo V. S. Troitskii13, o qual interpreta o deslocamento para o vermelho como sendo devido à redução na velocidade da luz. Tal mecanismo produziria também a radiação de fundo observada. Em 1931, Sir James Jeans propôs um modelo no qual as dimensões dos átomos diminuiriam com o tempo. Isso produziria a impressão de um universo em expansão, embora na realidade não estivesse expandindo, porém tudo dentro dele, inclusive nós mesmos, estaria encolhendo. Essa idéia foi mais tarde introduzida por Hoyle14 que alega que tal modelo não pode ser distinguido daquele do universo em expansão. O encolhimento pode ser entendido se as massas de todas as partículas elementares aumentam, enquanto a carga elétrica se mantém constante. Na passado, os átomos seriam mais fortemente ligadas ao seus núcleos, fazendo com que a radia­ ção emitida fosse deslocada para o vermelho. Arp15, por um caminho similar, propôs que a massa das partículas elemen­ tares aumentaria com o tempo, acelerando a taxa de tempo atômico, resultando numa diminuição nodeslocamento para o vermelho, devido à idade. 12 Robert Gentry, “A New Redshift Interpretation”, Modem Physics Letters A, 1997,12, p. 2919. 13 V. S. Troitskii, “Physical Constants and Evolution of the Universe”, Astrophysics and Space Science, 19&7,139,pp.389-411. 14 Fred Hoyle, “On the Origin of the Microwave Background”, Astrophysics Journal, 1975,196,p. 661 15 Arp, Seeing Red.

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Muitas das explicações alternativas sobre o deslocamento para o vermelho são por demais especulativas e, como na interpretação do movimento, também têm seus sérios pro­ blemas a superar. Contudo, elas servem para ilustrar que os deslocamentos para o vermelho podem ser interpretados dentro de uma grande variedade de modelos teóricos, e não fornecem suporte isento de ambigüidade para a cosmologia do Big Bang. 2. Abundâncias de Elementos Um modo de testar a cosmologia do Big Bang é através de suas predições da abundância relativa dos vários elementos do universo. Um Big Bang “quente”, com temperaturas extre­ mamente altas no seu estado denso inicial, geraria em torno de 75% de hidrogênio, 25% de hélio-4, e quantidades muito menores de deutério, hélio-3, lítio-7, e berilo. Elementos mais pesados são considerados como produzidos em reações nucleares estelares subseqüentes, que poderiam alterar as abundâncias dos elementos mais leves. Medições observacionais mostram que de fato o hidrogê­ nio corresponde aproximadamente a três quartos da massa total, e o hélio a um quarto, com apenas traços de elementos mais pesados. Contudo, as precisas predições de núcleo-síntese do Big Bang dependem fortemente da relação fóton / bárion (bárions são prótons e nêutrons que formam o volume da matéria comum) e da densidade de bárions, nenhum dos quais é co­ nhecido com precisão. Na prática, então, estes são parâmetros ajustáveis os quais são determinados através da combinação das predições teóricas com as abundâncias observadas para um ou dois elementos. A dificuldade está em subtrair das densidades observadas os efeitos da produção estelar de elementos, de modo a poder determinar a abundância inicial. O deutério é frágil, facilmente

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destrutível nas estrelas, e não produtível nas estrelas. Assim, sua abundância presentemente observada pode ser significati­ vamente menor do que a original. Idealmente, seria desejável medir as abundâncias de gases de baixa densidade em fases bem iniciais (isto é, com alto deslocamento para o vermelho) antes que fossem contaminados por fragmentos estelares. Recentemente Burles16 mediu a abundância de deutério em nuvens de hidrogênio de alto deslocamento para o vermelho (z rel="nofollow">3) que supostamente correspondem ao gás primevo. Disso ele calculou a densidade primeva do bário, e daí a abun­ dância predita do hélio-4 e lítio-7. Ele observou que para o hélio-4 os valores são razoavelmente próximos das determi­ nações observacionais, porém não para os outros elementos, enquanto que para o lítio-7 os valores preditos eram o dobro dos observados nas estrelas velhas. Assim, o modelo não explica todas as abundâncias de elementos leves. Além disso, a densidade do bárion determinada por núcleo-síntese do Big Bang é muito menor que a densidade da matéria como determinada por considerações dinâmicas, tais como a rotação das galáxias. Para socorrer a cosmologia do Big Bang, é postulado que a maior parte da matéria do universo existe na forma de exotérica, matéria não-bariônica, assunto que será abordado em seção posterior. Uma dificuldade posterior é que muitos objetos com alto deslocamento para o vermelho, e que por isso deveriam refletir condições primevas, apresentam abundâncias anôma­ las. Por exemplo, a medida da abundância de berilo numa estrela pobre de metais, e que deveria portanto refletir abun­ dância de matéria primeval, revelou uma abundância de berilo mil vezes maior do que a abundância predita pela cosmologia 16 Scott Buries, et al., “Sharpening the Predictions of Big Bang Nucleo­ synthesis”, Physical Review Letters, 1999,82, pp.4176-4179.

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do Big Bang.17 Também, regiões de baixa densidade, de deslo­ camento para o vermelho z=3, têm sido observadas contendo concentrações de elementos pesados muito mais elevadas do que os valores de concentração preditos pela cosmologia do Big Bang.18 Quasars muito distantes (“quasar” é uma abreviatura para “quasi-stellar object”, um objeto semelhante a uma estrela emitindo grandes quantidades de energia em rádiofreqüência) cujo deslocamento para o vermelho pensava-se corresponder a uma idade quando o universo tinha menos de um bilhão de anos, foram observados contendo mais ferro do que o sol. A maior parte do ferro supõe-se vir das supernovas nas quais uma estrela do binário explode. Todavia os binários necessitam, pelo menos, de um bilhão de anos para evoluir àquele estágio.19 Como então poderiam os quasars terem adquirido tanto ferro dentro do primeiro bilhão de anos do Big Bang? Em resumo, modelos de Big Bang têm dificuldades para acomodar as abundâncias observadas sem recorrer a cenários especiais, artificialmente produzidos para explicar o esgota­ mento do litio, fontes locais especiais para o berilo e o ferro, e assim por diante. George Burbidge e Fred Hoyle demonstraram que a sín­ tese do hélio cósmico, a partir do hidrogênio nas estrelas, deve ter liberado quase exatamente a mesma quantidade de energia quanto aquela contida na radiação de fundo. Eles concluíram que o hélio foi produzido pela queima do hidrogênio nas 17 G. Gilmore et al., “First detection of beryllium in a very metal-poor star: a test of the standard Big Bang model”, AstrophysicalJournal, 1991,378, pp. 17-21. 18 J. Michael Shull, “Intergalactic Pollution”, Nature 1999,394, pp. 17-18 19 Jeff Hecht, “Astronomers’ Double Whammy Rocks Cosmology”, New Scientist, 1994,141,p.l6.

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estrelas, e não no estágio inicial do Big Bang.20 Eles também apresentaram evidência de que as abundâncias observadas de hélio e outros elementos leves foram geradas em processos estelares. Num artigo mais recente Burbidge, Hoyle e Narlikar21 dão uma breve descrição de sua alternativa cosmologia, de estado-quase-estacionário. Lerner22 construiu cenários nos quais as abundâncias observadas seriam forma­ das através de núcleo-síntese em ciclos de formação estelar e explosão. Embora o deutério e o litio não sejam produzidos por estrelas normais, eles poderiam ser criados através da interação entre matéria e raios cósmicos.23 Van Flandern tam­ bém afirmou que seu modelo poderia explicar as abundâncias observadas considerando um ciclo infinito de formação de estrelas e galáxias, enquanto modificadas por processos contí­ nuos, tais como os efeitos de raios cósmicos. De novo, nós notamos que explicações alternativas para as abundâncias elementares observadas envolvem pelo menos tantos dispara­ tes e apelações especiais quanto a própria cosmologia Big Bang. Aqui também a evidência não dá suporte inequívoco a nenhuma de tais teorias. 3. As Microondas Cósmicas de Fundo As radiações de fundo das microondas cósmicas, (CMBR - Cosmic Microwave Background Radiation), primeiramente 20 “The Origin of Helium and other Light Elements”, AstrophysicalJournal, 1998,509,pp.Ll-L3. 21 G. Burbidge, F. Hoyle and J. V Narlikar, “A Different Approach to Cosmology”, Physics Today, 1999,52 (April), pp.38- 44. 22 E. J. Lerner, “Plasma Models of Microwave Background and Primordial Elements: An Alternative to the Big Bang”, Laser and Particle Beams, 1988, 6, pp. 456- 468; “Galactic Model of Element Formation”, IEEE Transactions on Plasma Science, 1989,17, pp. 259-263. 23 Tom Van Flandem, Dark Matter, Missing Planets and New Comets, Berkeley: North Atlantic Books, 1993.

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observadas em 1965, supriram evidências adicionais do Big Bang. De acordo com a teoria do Big Bang os fótons remanes­ centes do CMBR interagiram com a matéria quando o uni­ verso se resfriou a uma temperatura em torno de 3.000 graus Kelvin, cerca de 300.000 anos após a explosão Big Bang. Um mapa do CMBR atual é considerado como uma fotografia que nos fornece uma idéia do universo naquele tempo. Tal radiação resfriou-se aos 3 graus Kelvin que hoje detectamos. Isso algumas vezes é referido como o “afterglow” (lampejo subseqüente) ou o “smoking gun” (o esfumaçar) da explosão Big Bang. Sua uniformidade em todas as direções (isotropia) é tomada como uma forte evidência da radiação da origem primeva. Na realidade, a radiação não é bem uniforme em todas as direções. Há um pequeno afastamento ou desvio da uniformi­ dade, que corresponde a um movimento aparente do sol em relação à CMBR de 370 kms. Quando se leva em conta o movimento do sol em torno da galáxia, isso resulta num movimento do nosso grupo local de galáxias em relação ao CMBR de 620 kms.24 Estudos recentes, realizados por Lauer e M. Postman,25 indicam que a velocidade de 600 kms se aplica a todas as galáxias ao nosso redor, dentro de um raio de pelo menos 10% do universo visível. Isso se compara a uma variação de velocidade de galáxias dentro de agrupamentos locais de geralmente menos de 100 kms. Tão grande afastamento das galáxias com relação à ra­ diação de fundo é bem contrária à teoria do Big Bang. A expansão das galáxias teria que ser muito mais uniforme, com pequenas variações locais, mas, no geral, em repouso com relação ao CMBR. 24 M. S. Turner and A. Tyson, “Cosmology at the Millenium”, Reviews of ModemPhysics, 1999,71,pp. S145-164. 25 T. R. Lauer and M. Postman, “The Motion of the Local Group”, AstrophysicalJournal, 1994,425,pp.418-438.

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Como se explicaria um desvio tão grande, da ordem de 600 kms? Tem sido conjeturado que essas galáxias são afeta­ das pela atração gravitacional de uma massa gigantesca. No entanto, este observado desvio com relação ao fluxo uniforme é tão grande que a dimensão deste perturbador teria que ser muito gigantesca. Nenhum objeto adequado tem sido identi­ ficado. Strauss26 conduziu simulações computacionais destes dados, e chegou à conclusão de que tais fenômenos são extremamente improváveis em qualquer dos modelos de Big Bang atualmente propostos. A suposição de homogeneidade é ainda mais erodida pela descoberta de Geller e Huchra27 28 de que galáxias são agru­ padas em grandes estruturas tipo muralhas e lacunas, ou vazi­ os, alguns dos quais com diâmetro superior a meio milhão de anos-luz (ver Figura 3.3). O astrônomo J. Einasto, discutindo resultados de pesquisas mais recentes, comentou: Aqui, usando uma nova compilação de dados disponíveis sobre agrupamentos de galáxias, nós presenciamos a evidência de uma malha tridimensional quase regular de ricos supergrupamentos ) e vazios de galáxias, com as regiões de alta densidade separadas por mais ou menos 120 megaparsecs (em tomo de 400 milhões de anos-luz). Se isto reflete a distribuição de toda a matéria (lumi­ nosa e escura), então deve existir algum processo até aqui desco­ nhecido que produza estrutura regular em larga escala.2*

Devemos observar que a radiação de fundo tem sido 26 M. Strauss et al., “Can Standard Cosmological Models Explain the Observed Abell Cluster Bulk 'FXo'N'i”, AstrophysicalJournal, 1995,444, pp. 507-519. 27 M. J. Geller and J. E Huchra, “Cosmic Cartographers Find “Great Wall”, Science News, 1989,136, p.340. 28 J. Einasto et al., “A 120-Mpc Periodicity in the Three Dimensional Distribution of Galaxy Superclusters” Nature, 1997,385,139.

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Figura 3.3: Distribuição das Galáxias Vizinhas Nossa galáxia situa-se no centro da representação esquemática acima que cobre uma distância de 600 milhões de anos luz no espaço. Cada ponto representa uma galáxia. Notar os imensos espaços vazios. (Extraido da obra de Michael Zeilik, Conceptual Astronomy, New York: John Wiley & Sons Inc., 1992.) 91

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também predita por outras teorias. Partindo de estimativas da radiação emitida por estrelas, o astrônomo britânico A. S. Eddington29 calculou a temperatura do espaço interestelar como sendo de 2 a 3 graus Kelvin, devido ao calor causado pela luz das estrelas. Finlay-Freundlich, baseado em sua teoria de luz cansada para explicar o deslocamento para o vermelho, prevê que a temperatura do espaço intergaláctico deve ser algo entre 1,9 e 6 graus Kelvin.30 Narlikar observa que inúmeros processos astrofísicos poderiam produzir energia na quantidade necessária: o cam­ po magnético galáctico, raios cósmicos, e luz das estrelas.31 Como foi acima observado, Burbidge e Hoyle apontaram que se todo o hélio observado no universo tivesse sido pro­ duzido nas estrelas, então a luz das estrelas gerada neste processo teria a mesma densidade de energia da radiação de fundo de microondas. Narlikar e outros têm sugerido que a presença de grãos de grafite finos e delgados, ou bactérias microscó-picas, no espaço interestelar alteraria esta luz, de modo tal que seu espectro seria similar à radiação de fundo de microondas observada. Tais mecanismos foram usados para produzir versões mais atualizadas da cosmologia do esta­ do estacionário, e do modelo de Hoyle para o “universo de pequenos Big Bangs” eternos, no qual uma infinita sucessão de pequenos Big Bangs interagem com a matéria previamente existente para formar amontoados dos quais as estrelas e galá­ xias originariam.32 29 A. S. Eddington, The Internal Constitution of the Stars, Cambridge: The University Press, 1926, pp. 371,377. 30 E. Finlay-Freundlich, “Red Shifts in the Spectrum of Celestial Bodies”, Philosophy Magazine, 1954,45 pp.303-319. 31 J. V Narlikar, “Did the Universe Originate in a Big Bang?” in S. K. Biswas (ed.), Cosmic Perepecwe, Cambridge: The University Press, 1989. 32 F. Hoyle, The Intelligent Universe, New York: Holt Rinehart & Winston, 1983.

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O modelo cosmológico de S. V M. Clube,33 envolvendo núcleos hipercompactos nas galáxias e um frio “vácuo material”, supostamente supre uma explicação natural para a radiação de fundo de microondas. Como já foi observado, as teorias de luz cansada explicam a radiação em termos da re-radiação da energia perdida pela luz. Por outro lado, Ellis explica a radiação de fundo em termos de gás quente no segundo centro do universo. Gentry apela para uma casca ou camada de gás hidrogênio quente envolvendo as galáxias do universo visível.34 Uma vantagem da explicação do Big Bang é que uma simples explicação é dada para o modo como a radiação de fundo é observada, variando com o comprimento de onda (ela se comporta como uma fonte de calor perfeitamente eficiente, denominada “corpo negro”). As outras explicações geral­ mente têm mais dificuldade em explicar esta característica, embora na cosmologia estática de Segal (ver p. 80) a forma de corpo negro da radiação de fundo emerge naturalmente como o estado de equilíbrio dos fótons dispersos.

Problemas Subsequentes com o Big Bang Em 1980, a despeito de seu sucesso inicial, a cosmologia Big Bang já havia encontrado um grande número de problemas teóricos. Primeiramente havia o problema da formação das galáxias. A uniformidade da radiação de fundo implicou que, logo após o Big Bang, a energia estaria bem uniformemente distribuída. Mas, como então isso poderia

33 S. V. M. Clube, "The Material Vacuum”, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 1980,193, p.385. 34 Ellis, “Is the Universe Expanding?”; Gentry, “A New Red Shift Interpretation.”

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resultar nas galáxias e estruturas ainda maiores que hoje observamos? Em seguida, veio o problema do “horizonte”. A radiação de fundo é uniforme em todas as direções, implicando que regiões do espaço agora aparentemente separadas por bilhões de anos-luz teriam as mesmas condições físicas. Contudo, essas regiões estariam tão separadas umas das outras, que a luz, ou qualquer outro tipo de informação, não teria tido tempo suficiente para viajar entre elas. Como então poderíam compartilhar as mesmas propriedades, tais como tempera­ tura e densidade de energia? Outro quebra-cabeça foi o problema do “achatamento”. No presente, o universo parece ser aproximadamente acha­ tado, sua densidade sendo próxima dos limites entre um universo fechado e um universo aberto (ver Figura 3.4). Se a densidade fosse apenas um pouco maior do que o valor crítico, o universo já teria novamente implodido, desde há muito tempo. Por outro lado, se fosse um pouco menor, então a dispersão teria sido rápida demais para que as estrelas pudessem ter sido formadas. De acordo com Narlikar35, a densidade imediatamente após o Big Bang não poderia ter diferido do valor crítico por mais que 1 parte em 10 elevado à 55a potência (isto é,lseguido de 55 zeros). Como podería alguém explicar tão extraordinária coincidência? 1. Inflação Para resolver esta e outras questões, o conceito de “infla­ ção” foi apresentado por Alan Guth. Este conceito surgiu da consideração de certas “principais teorias unificadas”, que sugeriam como princípio que, em temperaturas extre­ mamente elevadas, as forças nucleares e eletromagnéticas convergem para uma única força. Tais temperaturas teriam 35 Narlikar, “Did the Universe Originate in a Big Bang?”

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Figura 3.4: Tamanho do Universo versus Tempo Em seguida ao Big Bang, um universo aberto se expan­ diria para sempre; já um universo fechado eventualmente entraria em contração que resultaria no Big Crunch ou grande implosão, que poderia ser seguida por nova expansão, resultando num universo oscilante. Em qualquer dos casos, o Big Bang pode ter sido precedido por uma contração prévia. 95

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prevalecido na primeira fração de tempo de segundo (isto é, 0300000000000000000000000000000000001 de segundo) após ocorrido o Big Bang. Naquele exato momento, certas regiões do universo entraram num peculiar estado de “falso vácuo”, no qual a força da gravidade se tornou repulsiva, ao invés de atrativa. Como resultado, essas regiões passaram por uma breve mas gigantesca expansão, ou “inflação”, com ve­ locidades de expansão muito maiores que a velocidade da luz. Uma tal região, que teve início como uma minúscula região, muito menor que um átomo, e que terminou do tamanho de uma grande laranja no instante seguinte, suposta­ mente tornou-se aquilo que é o nosso universo. Segundo este ponto de vista, nosso universo observável não passa de uma pequena bolha num cosmos de muito maior dimensão. A inflação explicou a formação das galáxias. De acordo com a física quântica, qualquer campo energético experi­ menta constantes flutuações de intensidade ao nível sub­ atômico, como ondas na superfície de um lago. A inflação faria essas flutuações grandes o bastante para servirem de sementes para estrelas e galáxias. A expansão muito rápida devida à inflação parecia ter também resolvido o problema do “horizonte”. Conforme inflação, a região de onde emergiu o universo observável era tão pequena que as trocas de energia já o teriam feito homogêneo. Em adição, a inflação também resolveu o problema do “achatamento”. Assim como o soprar uma bola de praia a um tamanho mil vezes maior que seu tamanho normal faria com que sua superfície parecesse achatada do ponto de vista de um observador próximo a ela, assim também a inflação teria achatado nossa região do universo, dando lugar a uma densidade muito próxima do valor crítico. Embora o conceito de inflação tenha sido logo incorpo­ rado como parte integrante da cosmologia do Big Bang,

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dúvidas a respeito de sua viabilidade36 têm aumentado. Uma dificuldade primária é que a inflação prediz que a densidade matéria-energia do universo está exatamente ao nível crítico, enquanto que observações indicam um valor muito abaixo do crítico. Outra falha é que não há um mecanismo inflacionário próprio, ou único; muitos diferentes cenários inflacionários têm sido sugeridos, produzidos para se encaixar ou adaptar a dados observacionais que variam. De fato, parece haver tantos parâmetros abertos que a inflação pode então explicar qual­ quer conjunto de observações que se apresente. Além disso, a inflação depende de uma variedade de entidades hipotéticas em física de partículas, como o hipotético campo de Higgs, ainda não observadas.

2. Formação de Galáxias As flutuações iniciais de densidade decorrentes da infla­ ção, e a partir das quais as futuras galáxias teriam sido formadas, deveriam ter deixado suas marcas no CMBR (Cosmic Microwave Background Radiation - A Cósmica Radiação de Microondas). Em 23 de abril de 1992, um tanto de excitação foi gerada quando, depois de longas buscas, astrônomos americanos anunciaram que haviam detectado pequenas variações na CMBR. Isto foi imediatamente inter­ pretado como relíquias de estruturas inchadas ou amontoadas que teriam existido logo após o nascimento do universo. Tal descoberta foi saudada como decisiva confirmação da teoria do Big Bang de origem do universo. Como reportado no dia seguinte no International Herald Tribune, o famoso cosmologista de Cambridge, Stephen Hawking, exclamou: “Trata-se da 36 See Roger Penrose, “Difficulties With Inflation Cosmology”, Annals of the New York Academy of Science, 1989, 571, pp.249-264, e J. Earman and J. Mosterin, “A Critical Look at Inflationary Cosmology”, Philosophy of Science, 1999,66.

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descoberta do século, talvez de todos os tempos”, e George Smoot, líder da equipe de pesquisa que fez a descoberta, comentou: “É como se estivéssemos olhando para Deus”. Contudo, a despeito da euforia, dificuldades permane­ ceram. Por um lado, as flutuações observadas eram muito menores do que originalmente predito.37 Para que tão minúsculas sementes crescessem, até formarem galáxias e as gigantescas estruturas de galáxias recentemente descobertas, seria requerido muito mais tempo do que o permitido pela cosmologia do Big Bang. Para resolver o problema da formação de galáxias, foi postulada a existência de enormes quantidades de matéria invisível, que não teriam deixado marcas no CMBR. Se tal matéria invisível fosse altamente amontoada e calcada, no uni­ verso primitivo, ela poderia ter constituído centros de forte atração gravitacional, sem perturbar a uniformidade do CMBR.

3. Massa Faltante Havia evidência adicional para falta de massa. A densi­ dade atual do universo, dividida pela densidade crítica necessária para fechar o universo, é denominada “Ômega”. A massa observável do universo leva a um valor Ômega de apro­ ximadamente 0,01, um por cento da massa necessária para fechar o universo. Por outro lado, movimento orbital de alta velocidade em torno das galáxias, e dentro dos grupos de galáxias (clusters) implicam na existência de matéria “negra” ou invisível, correspondente a um valor Ômega de 0,3.38 Inicialmente pensou-se que a matéria negra faltante consistia de matéria ordinária na forma de pó, buracos negros, 37 Martin Rees, “Ripples from the Edge of Time”, Guardian Weekly, 3 May 1992, p. 11. 38 Peter Coles, “The End of the Old Model Universe”, Nature, 1998,393 (25 de Junho de 1998), p. 741.

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ou cometas escuros, planetas, estrelas e galáxias. Contudo, pela cosmologia Big Bang, cálculos de formação de elemen­ tos indicavam que matéria comum, consistindo de bárions (basicamente nêutrons e prótons) não pode exceder a 10% da densidade crítica. Quantidades maiores de bárion resultaria na formação de mais hélio do que o observado. Assim, maté­ ria ordinária leva a um valor Ômega inferior a 0,1. Decorre daí que o modelo Big Bang não consegue explicar as abun­ dâncias observadas para os elementos leves ou então a maior parte da matéria no universo consiste de matéria esotérica, isto é, não bariônica. A maioria dos cosmologistas tem optado por esta última hipótese. Mas, que forma poderia a matéria faltante tomar? Um importante competidor não bariônico era o neutrino veloz (“hot, quente”). Embora tais partículas sejam reconhecidas como existentes, elas interagem muito fracamente com a matéria normal, fazendo com que a detecção delas seja muito difícil. No entanto, modelos neutrino-dominados têm seus próprios problemas. O principal deles é que o neutrino veloz teria tomado muito tempo para se estabilizar e constituir galáxias.39 Assim, os formuladores de teorias têm se concentrado em partículas de matéria não bariônica de tipo estranho, de movimento lento (“cold, frio”), e escuras (difíceis de obser­ var). Visto que partículas de matéria estável, fria e escura jamais foram detectadas, grande número de partículas hipoté­ ticas exotéricas têm sido inventadas. Essas incluem misturas exóticas tais como gravitons, fotinos, axions e WIMPS (Weakly Interactive Massive Particles). Se tais partículas realmente existem, e em proporções necessárias, isso ainda está para ocorrer. 39John Horgan, “Universal Truths”, Scientific American, Oct. 1990, pp. 109117.

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Um estudo de agrupamentos de galáxias mostrou que matéria bariônica constitui uma fração maior da massa total do que é predito pela cosmologia inflacionária.40 Isso é má notícia para a cosmologia Big Bang. Outras notícias ruins vêm da pesquisa realizada por Ben Moore que mostrou serem os modelos de galáxias baseados em matéria-fria-negra funda­ mentalmente incompatíveis com as recentes observações de galáxias anãs.41 Tais dificuldades tornam-se ainda maiores quando se con­ sidera a predição da teoria inflacionária de que o valor Ômega deve ser exatamente igual a um; é preciso que haja exata­ mente a quantidade certa de matéria para que a atual expan­ são seja eventualmente interrompida. Tal predição exige que haja quantidade ainda maior de massa “faltante”.

4. Aceleração Na medida que o universo se expande, a força gravitacional deveria agir como um freio, reduzindo a taxa de expansão. Considerando que a imagem ou luz que ora recebemos das galáxias distantes corresponde a uma época anterior, a taxa de expansão de então, teria que ser maior que a atual. No entan­ to, pesquisas recentes têm mostrado, que a desaceleração da expansão do universo é muito menor do que o esperado para um valor Omega próximo de 1, e que a expansão pode até mesmo estar acelerando.42 Isso levou à introdução de uma nova “constante cosmológica”, denominada “Lambda” que corres­ ponde a uma força repulsiva, necessária para contrabalançar a gravidade anteriormente mencionada. A

40 S. D. M. White et al., “The Baryon Content of Galaxy Clusters: A Challenge to Orthodox Cosmology” Nature 1993,366, p. 429. 41 B. Moore, “Evidence Against Dissipationless Dark Matter from Observations of Galaxy Haloes”, Nature, 1994,370, pp. 629-631. 42 Coles, “The End of the Old Model Universe”.

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Nos modelos mais recentes, Lambda age como uma espé­ cie de matéria com propriedades deveras estranhas. Ela corresponde a uma densidade de energia uniforme, que curva o espaço do mesmo modo que a matéria o faz. Todavia, ela também apresenta pressão negativa a qual, diferentemente da gravidade, tende a expandir o universo e causar a acelera­ ção cósmica. Essa densidade de energia não é causada por matéria ou radiação, e sim por uma propriedade misteriosa e hipotética do espaço “vazio”. Posto que Lambda atua como matéria, ela causa um acréscimo em Omega. Muitos cosmologistas preferem um modelo onde o Omega total é igual a 1, precisamente o valor crítico, sendo 0,3 a parcela de contri­ buição devida à matéria e radiação, e os restantes 0,7 devidos ao Lambda. Isso faz o espaço achatado, e satisfaz as predições de inflação. Infelizmente, a existência de um Lambda de di­ mensão requerida não é explicável em termos dos conceitos de física de partículas. Cálculos em física de partículas, da energia de vácuo produzida na medida em que o universo se esfria, predizem um valor de Lamba em torno de vezes maior do que a densidade observada da matéria.43 Nas palavras de Steven Weinberg, laureado Prêmio Nobel: Este deve ser o maior erro de estimativa, em ordem de magni­ tude, em toda a historia da ciência.44

Muitos cosmologistas se preocupam sobre esta gigantesca discrepância. John Earman, observando que alguns físicos consideram a constante cosmológica como sendo o maior pro­ blema em toda a física, escreve: Alguns autores, propondo solução para este problema, apelam

43 Coles, “The End of the Old Model Universe”. 44 S. Weinberg, Dreams ofa Final Theory, New York: Pantheon, 1992.

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Deus e Cosmos para a hipótese de buracos no espaço-tempo. Outros postulam um mecanismo envolvendo uma fase de transição em supergravidade N=8. Outros preferem considerar o princípio antrópico. Ao nosso ver, esses movimentos são sintomas de deses­ pero. 45

Recentemente, num esforço para resolver o problema lambda e contornar os problemas criados pela inflação, John Barrow46, Albrecht e Magueijo47 postularam ser a velocidade da luz muito maior num passado distante. Barrow demonstra que isso resolve também os problemas de horizonte e de acha­ tamento do universo. Uma vantagem disso sobre a inflação é que ela não requer grandes quantidades de formas de matéria gravitacional-repulsiva, hipotéticas e estranhas.

5. Mais Quebra-Cabeças Mais recentemente os astrônomos observaram um segundo tipo de radiação de fundo. Situada na região de infravermelho do espectro, essa radiação, segundo a cosmo­ logia Big Bang, deve datar de um período prévio e não visto do universo - entre a liberação do CMBR e a formação das mais primitivas galáxias conhecidas, que teria ocorrido apro­ ximadamente um bilhão de anos após. George Musser relata que essa radiação é 2,3 vezes mais brilhante do que a luz visível do universo.48 Ela implica que o universo é cheio de enormes quantidades de poeira. Sua fonte de origem ainda está por ser identificada, porém é presumida como sendo galáxias distantes. Segundo Musser, o inesperadamente 45 Earman and Mosterin, “A Critical Look at Inflationary Cosmology”. 46 J. D. Barrow, “Cosmologies with varying Light-Speed”, Physical Review D, 1999,59,043515. 47 A. Albrecht and J. Magueijo, “A Time Varying Speed of Light as a Solution to Cosmological Problems”, Physical Review D, 1999,59,043516. 48 G. Musser, “Glow in the Dark”, Scientific American, March 1998,278, p.18.

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brilhante pano de fundo sugere que a formação de estrelas ocorreu mais rápido e gerou mais energia do que o previsto pelos atuais modelos cosmológicos. Finalmente, há dificuldades no que se refere a objetos observados com alto deslocamento para o vermelho. Na cosmologia Big Bang, altos deslocamentos para o vermelho são considerados como indicando grandes distâncias e perío­ do de formação primitivo. O modelo matéria-fria-escura prediz que a maioria das galáxias levam pelo menos vários bilhões de anos para se formarem. Isso corresponde a um valor de deslocamento para o vermelho entre 4 e 5. Contudo, observações recentes de uma bem pequena nesga do céu com o telescópio espacial Hubble encontraram 14 galáxias com deslocamento para o vermelho entre 5 e 10, e outras cinco candidatas com deslocamento para o vermelho superior a 10.49 Conforme um deslocamento para o vermelho (valor 10), galáxias são vistas quando o universo presumivelmente tinha apenas 9% de sua dimensão atual, e provavelmente apenas algumas centenas de milhões de anos de idade. Formações tão rápidas de galáxias e estrelas são difíceis de explicar dentro de modelos Big Bang. Um problema correlacionado refere-se à aparência desses supostamente jovens objetos. Eles com freqüência mostram surpreendentemente pequenas evidências de “evolução”. Por exemplo, a NASA reporta que o telescópio espacial Hubble encontrou galáxias elípticas distantes com aparência marca­ damente similar às galáxias de hoje.50 Isso foi considerado como um paradoxo: galáxias adultas num universo infante. A mesma fonte encontrou também um agrupamento de galáxias 49 G. Schilling, “Galaxies Seen at the Universe's Dawn”, Science, 1999,283, p.21. 50 NASA “Hubble Uncovers New Clues to Galaxy Formation”, http:// opposite.stsci.edu/pubinfo/background-text/galxpdx.txt, 1994.

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com alto valor de deslocamento para o vermelho e cita o astrô­ nomo Duccio Maccheto, da Agência Espacial Européia: A simples presença deste cluster mostra que estas grandes estruturas já existiam há 2 bilhões de anos após o Big Bang. Isto é inesperado e contradiz muitas teorias de formação de cluster e galáxias.

Para maiores informações sobre dificuldades com a cosmologia Big Bang, eu remeto o leitor interessado aos artigos de autoria de Arp, Berlinski, La Violette, Lerner e Mitchel citados na bibliografia, bem como a outras referên­ cias adicionais ali encontradas.

Premissas Cosmológicas Básicas A existência de uma ampla variedade de modelos cosmológicos indicam que não é uma questão simples cons­ truir um modelo cosmológico a partir de nossas observações do universo. Não apenas são as observações explicáveis por muitas diferentes vias, mas também são, elas próprias, de natureza limitada e incompleta. A criação de um modelo do universo físico como um todo, exige que façamos um número de suposições básicas freqüentemente difíceis de serem verificadas ou validadas. Quais são os tipos de premissas ou suposições geralmente feitas em cosmologia? Elas podem ser de tipo tão amplo como aquelas que supõem a validade da física local a âmbito universal (incluindo, particularmente, a relatividade geral), a premissa de que ocupamos uma posição típica no universo, e a de que o universo pode ser representado por um continuum espaço-tempo quadrimensional.51 Suposições mais detalhadas 51 Estas premissas são discutidas, por exemplo, porWilliamStoeger, >>> 104

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podem ser também adicionadas, tais como a interpretação do deslocamento para o vermelho das galáxias relacionado com movimento ou com a existência de certas singularidades de um Big Bang que passou. No entanto, há duas suposições tão fundamentais à maioria dos modelos cosmológicos que, neste ponto, uma discussão mais detalhada a seu respeito é justificável.

1. Indução Consideremos primeiro as várias suposições concernentes à uniformidade. É geralmente presumido que o princípio de indução é válido, que as leis da física observáveis aqui e agora são umversalmente aplicáveis. Mais ainda, é comumente aceito como verdadeiro que explicações sobre estruturas devem ser dadas em termos dessas leis da física. Enquanto tais princípios de uniformidade possam parecer suficientemente razoáveis, eles não são isentos de problemas. A justificação da indução, na filosofia da ciência, é um dos problemas ainda a ser resolvido. Como o filósofo britânico David Hume indicou em 1739, não há nenhuma forte razão para acreditar nele (no princípio de indução). A indução não pode ser justificada por observação, desde que o universo não observado é, por definição, não observado. A indução não pode também ser justificada pela lógica, desde que não há razão lógica porque o universo deveria se comportar unifor­ memente. Assim, o universo além de nossa experiência pode ser bem diferente daquilo que podemos esperar. A indução pode ser a mais simples e mais conveniente extrapolação. Isso, porém, não garante sua veracidade. Afinal, como podemos ter certeza de que teorias simples (ou bonitas, < < < “Contemporary Cosmology and Implications for the Science-Religion Dialogue”, em J. R. Russel, (ed.),Physics, Philosophy, and Theology: A Common Questfor Understanding, Vatican City: Vatican Observatory Press, 1988.

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ou úteis, etc.) são mais prováveis de serem verdadeiras? Ainda estamos frente a frente com a difícil questão de identificar e justificar um critério válido para seleção de teorias. Embora a indução constitua problema também para outras ciências, a situação é pior em cosmologia, a qual empenha-se para descrever e explicar a inteira história do universo físico. A maioria das outras ciências são muito mais proxima­ mente ligadas a observações e experimentações. Indo além, em cosmologia é preciso assumir não meramente que as leis da física localmente observadas se aplicam a todos os lugares e sempre, mas também que tais leis permanecem válidas sob circunstâncias extremas, tais como temperaturas tremenda­ mente elevadas, e pressões próximas da singularidade do Big Bang. Como já vimos, algumas cosmologias abrandam as premissas da indução em certo grau, postulando mudanças de constantes físicas, tais como a constante gravitacional ou a velocidade da luz. Entretanto, até mesmo aqui é geralmente suposto que a relação de dependência no tempo para tais constantes é governada por alguma lei superior, tida como universalmente aplicável. Como alternativa mais radical para a indução, muitos astrônomos têm mencionado a possibilidade de que o uni­ verso pode ter sido criado instantaneamente num passado recente. Esta noção será discutida mais detalhadamente em capítulo posterior. 2. O Princípio Cosmológico Uma segunda suposição comumente feita refere-se a uma característica observacional. O universo ao nosso redor parece notavelmente “isotrópico”, isto é, ele parece aproximadamente o mesmo em todas as direções. Uma explicação óbvia é que nós nos encontramos próximo ao centro de um universo esféricamente simétrico. Mas tal explicação não agrada os 106

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cosmologistas modernos. Como Ellis observa: Em tempos idos, a suposição de que a Tetra era o centro do universo, era um conceito tido como certo. Como sabemos, o pêndulo oscilou e agora está no extremo oposto; tal conceito agora é considerado anátema por todos os homens pensantes... Isto é devido à revolução Copérnico-Darwiniana em nosso entendimento da natureza humana e nossa posição no universo. O homem foi destronado da posição exaltada da qual ele uma vez fora considerado detentor}2

Considerando as observações cosmológicas atuais, seria coerente a suposição de que estamos no centro do universo, e que, por exemplo, as galáxias foram distribuídas esférica e simetricamente ao nosso redor em camadas de densidade crescente na medida em que aumentam suas distâncias em relação a nós. Embora modelos matemáticos de tais cosmo­ logias geocêntricas tenham sido ocasionalmente investigados, eles não foram levados a sério; de fato, a mais surpreendente característica da cosmologia predominante é como essa óbvia possibilidade tem sido completamente desacreditada. Em lugar disso, para explicar a isotropia observada, a dota-se o Princípio Cosmológico, postulando que ocupamos no universo uma posição típica, ao invés de uma posição espe­ cial. Isso pressupõe que todos os observadores hipotéticos, em qualquer lugar do universo, num dado tempo cósmico, observariam basicamente as mesmas propriedades caracte­ rísticas do universo. Isso implica que o universo não pode ter fronteiras uma vez que um observador próximo à fronteira não poderia observar uma distribuição isotrópica das galá­ xias. Decorre daí que o universo é um espaço infinito, ou esféricamente curvado. 52 G. E R. Ellis, “Cosmology and Verifiability”, QuarterlyJournal ofthe Royal Astronomical Society, 1975,16, pp.250.

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Como só podemos observar o universo a partir de uma posição - a nossa - não pode haver evidência direta do prin­ cípio cosmológico. Contudo, há um teste indireto. Se o princípio cosmológico for sustentável, então o universo deverá ser homogêneo através do espaço, devendo, a distri­ buição da matéria, ser basicamente a mesma em todo o universo. Observações, não obstante, indicam que as galáxias distantes não são uniformemente distribuídas no espaço. É verdade que isso pode ser esperado, até um certo grau, pois que as galáxias mais distantes presumivelmente representam uma época mais remota, quando o universo era mais denso e as galáxias mais próximas umas das outras. Todavia, mesmo fazendo correções para compensar este efeito, a densidade das galáxias parece ser função de suas distâncias a nós. A primeira vista isso parece refutar o princípio cosmológico. Contudo, ele tem sido poupado ou isentado de falsificações através de postular que as galáxias evoluem no tempo. Conjectura-se que no passado as galáxias não eram mera­ mente mais próximas umas das outras, mas eram também mais numerosas do que hoje. A presumida taxa de evolução é ajustada de modo a fazer o universo homogêneo. De novo, citando Ellis: A suposição de homogeneidade espacial tem sido inevitavel­ mente feita, e tem levado à conclusão de que a multiplicidade de fontes de rádio (galáxias observadas via radiotelescopios) evo­ lui com rapidez extrema. O que acontece, portanto, é que uma não provada suposição cosmológica tem sido completamente aceita e tem sido usada para obter informações sobre processos astrofísicos; informações essas bem pouco esperadas.53

53 G. E R. Ellis, “Cosmology and Verifiability”, QuarterlyJournal ofthe Royal Astronomical Society, 1975,16, pp.250.

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Em resumo, o princípio cosmológico é uma crença metafísica que tem sido isentada de falsificação, pela intro­ dução de teorias auxiliares aã hoc, tais como a teoria que alega a rápida evolução das galáxias. O princípio cosmológico tem contudo a vantagem de fornecer um modelo relativamente simples do ponto de vista matemático. Mas, teorias simples não são necessariamente mais acuradas do que outras mais complexas. É possível construir outros modelos basedos em diferentes suposições. Por exem­ plo, como já observamos, a cosmologia de estado estacionário é baseada no princípio cosmológico perfeito, isto é, a suposi­ ção de que o universo é o mesmo não apenas no espaço, mas também no tempo. Ou ainda, alguém poderia desconsiderar com­ pletamente o princípio cosmológico e construir um modelo que nos colocasse próximo ao centro de um universo simetri­ camente esférico. Várias cosmologias deste tipo têm sido construídas. Na verdade, observações recentes indicam que o universo é aberto, pondo de lado o conceito de universo fecha­ do, finito e sem fronteiras. O princípio cosmológico implica em que um universo aberto é infinito. Como a cosmologia inflacionária, por outro lado, afirma um universo finito, recentemente um número de modelos Big Bang inflacioná­ rios abandonaram o princípio cosmológico. O cosmologista Andrei Linde, por exemplo, no seu modelo de universo eterno, auto-reprodutivo, calcula que o universo será não homogêneo, com cada observador localizado próximo ao centro de um buraco esférico na distribuição de densidade. Os observadores estão tão distantes um do outro que cada um considera a si mesmo como estando no centro do universo.54 Finalmente, deve ser lembrado que o princípio cosmo­ lógico é baseado na suposta homogeneidade do universo. 54 A. Linde etal., “Do We Live in the Centre of the World?”, Physics Letters B, 1995,345, pp. 203-210.

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Observações recentes de grandes conjuntos de galáxias e de movimentos tipo grande-escala das galáxias (discutido anteri­ ormente neste capítulo) sugerem que o universo pode não ser tão homogêneo como geralmente suposto.

O Problema da Verificação Como já observamos, algumas das mais básicas suposi­ ções em cosmologia são de natureza essencialmente não verificável. A verificação pode ser um problema também para aspectos mais específicos dos modelos cosmológicos. Oldershaw distingue entre dois tipos de intestabilidade: 1. Intestabilidade da Primeira Espécie: uma teoria inerentemente intestável, isto é, aquela que não pode gerar predições definidas e testáveis, ou suas predições são impossíveis de serem testadas. 2. Intestabilidade da Segunda Espécie: uma teoria efetwamente intestável, isto é, aquela que apresenta vários parâmetros ajustáveis ou é em geral modificável de maneira ad hoc. Muitas das características básicas da cosmologia Big Bang, o modelo favorito na atualidade, são inerentemente intestáveis. Os eventos mais críticos supostamente ocorreram dentro do lapso de tempo de aproximadamente segundos após ocorrer a explosão do Big Bang. Contudo, de acordo com Oldershaw,55 em princípio não podemos obter informação direta sobre o estado do universo anterior ao momento de desacoplamento de radiação e matéria, a segundos após o Big Bang. Os mais recentes modelos Big Bang inflacionários são 55 R. L. Oldershaw, “The New Physics - Physical or Matematical Science?”, American Journal ofPhysics, 1988,56,pp.1075-1081.

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altamente dependentes da física de partículas, o que im­ plica num envolvimento ainda maior com entidades teóricas não verificáveis. Muitas teorias da nova física requerem dimensões extras: de 5 a 26 dimensões é típico, sendo 950 dimensões o último recorde. Não há, todavia, um meio conhe­ cido de se testar empiricamente a existência dessas dimensões extras. Uma dificuldade adicional é que as condições do universo primitivo (temperaturas e pressões altíssimas) são tais que não podem ser reproduzidas em nenhuma outra situ­ ação. Assim, a física de partículas sendo usada, não pode ser testada independentemente. Burbidge comenta: “Mas como não há meio de se testar, através da observação direta, as hipóteses inflacionárias, a inflação sempre me pareceu uma idéia com base apenas metafísica”.56 Há também inúmeros casos envolvendo intestabilidade da segunda espécie. A física de partículas tem sido aplicada como meio para superar várias limitações observacionais da cosmologia Big Bang. Contudo, a maioria dos cenários pro­ postos é decididamente ad hoc. O modelo padrão da física de partículas possui mais de vinte parâmetros (tais como massas de partículas e intensidades de acoplamento de forças) que não podem ser derivadas de modo único, e por isso são livre­ mente ajustáveis. Existe, atualmente, pelo menos meia dúzia de teorias “super-cadeias”. Muitos dos problemas da física de partículas são “resolvidos” ad hoc, inventando novos con­ ceitos, tais como o “mecanismo Higgs”, renormalização, e “cor”.57 O cosmologista J. E. Peebles observou ironicamente: 56 G. Burbidge, “Modern Cosmology: The Harmonious and the Discordant Facts”, in B. R. Iyer (ed.) Highlights in Gravitation and Cosmology, Cambridge: The University Press, 1988. 57 Ver Oldershaw, “The New Physics.”

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Deus e Cosmos A grande novidade até agora é que a física de partículas parece capaz de suprir condições iniciais para a cosmologia de modo a atender aquilo que os astrônomos geralmente acham que dese­ jam, sem forçar indevidamente a teoria dos físicos de partículas. Na verdade, eu às vezes tenho o sentimento de estar participando de uma sátira, ou espetáculo humorístico: “Você deseja uma pre­ ga na cintura? Nós fazemos a prega para você. Você deseja uma partícula maciça e de baixa interação? Nós temos uma prateleira cheia...” Isso representa um tanto de atividade a ser alimentada pelo mingau ralo de teoria e resultados observacionais negativos, sem predições e verificações experimentais do tipo que, de acordo com as usuais regras da física, nos levaria a pensar que estamos no caminho certo. 58

Também em cosmologia própria, propostas ad hoc são abundantes. Por exemplo, pelo menos três compreensíveis teorias têm sido construídas para explicar a recente descoberta de estruturas de larga escala no universo: cadeias cósmicas supercondutoras, formação polarizada de galáxias num uni­ verso WIMP-dominado, e “dupla” inflação. Similarmente, várias propostas engenhosas dão a entender que podem expli­ car as vastas quantidades de “massa faltante” no universo.

Sumário Como resultado de nossa pesquisa sobre cosmologia mo­ derna, podemos obter um número de importantes conclusões: 1. Deficiências na Cosmologia Big Bang Primeiramente, a cosmologia Big Bang, mesmo sendo distintamente a cosmologia mais popular da atualidade, e mes58 E J. E. Peebles, Book Review: Inner Space / Outer Space - The Interface between Cosmology and Particle Physics, by E. W. Kolb, Science, 1987, 235, p. 372.

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mo sendo muitas vezes apresentada como indubitavelmente verdadeira, é cercada por um número de sérias dificuldades observacionais e teóricas. No lado observacional, relembramos tais quebra-cabeças observacionais como anômalos deslocamentos para o verme­ lho, a divergência com a lei linear de Hubble, as dificuldades de explicar as abundâncias elementares, as grandes estruturas de galáxias e outras inomogeneidades, o grande afastamento de galáxias com relação ao CMBR, a aceleração aparente das galáxias, e galáxias maduras com alto deslocamento para o vermelho. No lado teórico, relembramos a falta de conservação de energia, o problema do mecanismo hipotético da inflação, a alegada existência de grandes quantidades de matéria estra­ nha e invisível, o problema da constante cosmológica, o Lambda, o problema da formação de galáxias e grandes estruturas de galáxias, e assim por diante. Várias propostas de explicações teóricas são inerentemente inverificáveis. No presente, não está claro como tudo isto pode ser satisfatoriamente resolvido. E mais, ainda não abordamos adicionais problemas fundamentais associados com a ale­ gada singularidade Big Bang, assunto a ser discutido no próximo capítulo. Em poucas palavras, tanto empírica quanto teoricamente, a cosmologia Big Bang carece de coesão e plausibilidade. Isso não significa que a cosmologia Big Bang não pode ser resguardada. Em princípio, é sempre possível salvar um modelo cosmológico favorito. E sempre possível vislumbrar modificações ad hoc ao modelo teórico de modo a conformá-lo aos dados observacionais. Assim, por exemplo, a cosmologia Big Bang foi poupada, ou isentada de falsificação pela inven­ ção da inflação, que envolveu vários cenários planejados baseados num altamente hipotético “campo Higgs”. Predições de inflação para um Ômega de valor 1 foram resguardados 113

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pela invenção de gigantescas quantidades de “massa faltante”. Quando ficou demonstrado que tal massa faltante não podia ser matéria ordinária, uma grande quantidade de partículas exotéricas foram inventadas, das quais nenhuma sequer foi realmente observada, e assim por diante. É prudente não nos esquecermos dos epiciclos de Ptolomeu, e subseqüentes tentativas em cosmologia medieval para explicar melhor as observações, postulando epiciclos sobre epiciclos. Dado o número de parâmetros livres em física de partículas, e a imaginação fértil dos cosmologistas, pode muito bem acontecer que o futuro nos dê um novo modelo do Big Bang que supere todas as dificuldades da atualidade. Na prática, além de tudo, um modelo cosmológico favorito não é descartado, mesmo que correntemente falsifi­ cado por dados, enquanto não é encontrada uma alternativa mais aceitável.

2. A Possibilidade de Cosmologias Alternativas Isto nos leva à segunda conclusão, a possibilidade de cosmologias alternativas. Como já vimos, todos os aspectos observacionais têm múltiplas interpretações teóricas. Isto tem levado a um número de cosmologias alternativas. Muitas dessas têm sido mencionadas em nossa prévia explanação sobre o deslocamento para o vermelho e a radiação de fundo. Muito mais pode ser visto no livro Progress in New Cosmologies (O Progresso de Novas Cosmologias) dos autores Arp, Keys e Rudnicki, que consta da Bibliografia, bem como outras referências ali citadas. Nossas discussões enfatizaram algumas limitações da cosmologia Big Bang apenas por se tratar da cosmologia de preferência da maioria. É necessário enfatizar que todas as outras cosmologias também têm sérios problemas a superar. Por exemplo, a maioria das interpretações alternativas do deslocamento para o vermelho são altamente especulativas. E 114

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a maioria das explicações alternativas para as abundâncias elementares observadas e a radiação de fundo parecem en­ volver pelo menos tanto remendo, camuflagem e pedidos especiais quanto o faz a cosmologia Big Bang. No entanto, essas cosmologias não podem simplesmente ser rejeitadas como falsas. Aqui, também, não se pode descar­ tar a possibilidade de melhoramentos futuros. De fato, é válido considerar que, se as cosmologias alternativas rece­ bessem tanta engenhosidade e financiamento de pesquisas como tem sido o caso da cosmologia Big Bang, elas também poderiam, do mesmo modo, ser adequadamente modificadas para “redimir o fenômeno” (ou salvar as aparências). Atualmente, não há modelo cosmológico que ofereça uma explicação simples, em termos de leis físicas bem estabelecidas, de todos os dados observacionais. Com o recente advento do Telescópio Espacial Hubble, e outros avanços notáveis na área de instrumentação eletrônica e computação, encontramo-nos na fronteira de uma nova era em astronomia. É esperado que a próxima década traga uma proliferação de dados novos e mais confiáveis a respeito de partes distantes do universo. Não há dúvida de que observações futuras devem resolver alguns dos problemas atuais, ao mesmo tempo em que trarão outros problemas, levando assim ao desenvolvimento de novos modelos cosmológicos que diferirão significativamente do modelo Big Bang. É, pois, prudente não equiparar qual­ quer modelo cosmológico com a história real do cosmos. Não obstante, a intrínseca, inevitável e epistêmica lacuna que há entre as observações atuais e os hipotéticos modelos cosmológicos para explicá-las, assegura-nos que continuará havendo uma variedade de modelos cosmológicos. 3. A Necessidade de Pressuposições Como então haveremos de escolher entre cosmologias competitivas? Nossa terceira conclusão é que todo e qualquer 115

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modelo cosmológico necessariamente repousa sobre várias suposições, as quais são essencialmente inverificáveis. A justificação dessas pressuposições básicas deve vir portanto de subjetivas considerações extracientíficas. Como notamos no primeiro capítulo, a teorização científica é guiada largamente por nossas prévias crenças filosóficas e religiosas. Particular­ mente em cosmologia, onde tentamos explicar literalmente tudo, construímos modelos teóricos que sejam consistentes com nossas convicções mais básicas. Torna-se, portanto, de crucial importância que esteja­ mos conscientes das implícitas pressuposições filosóficas envolvidas na construção, avaliação e seleção de tais modelos cosmológicos.

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4 Cosmologia e Existência de Deus Qual seria a implicação da existência do cosmos quanto a existência de Deus? Se a cosmologia Big Bang fosse verdadei­ ra, será que isso constituiria uma prova da existência de Deus? Várias implicações teológicas têm sido desenvolvidas a partir da cosmologia moderna. Entre tais implicações há um núme­ ro de provas para a existência de Deus. Provas racionais para a existência de Deus remontam pelo menos à época de Platão. Essas provas podem ser agrupadas em quatro tipos básicos: o argumento ontológico (do grego onthos - ser) é baseado na noção de que o próprio conceito de um Ser absolutamente perfeito exige que tal Ser exista. O argumento moral, afirma que a existência de uma lei moral implica na existência de um doador dessa lei moral. O argumen­ to cosmológico (do grego cosmos -mundo) postula que deve haver uma causa anterior para explicar a existência do universo. O argumento teleológico (do grego telos - desígnio, concepção, propósito) defende que o aparente desígnio, ou propósito, na natureza aponta para um designador inteligente. Virtualmente todos os principais filósofos discutiram pelo menos algumas dessas provas. Meu principal objetivo não é fazer um exame detalhado das sutilezas filosóficas envolvidas, e sim focalizar o papel desempenhado pelos fatores cosmo­ lógicos. Assim sendo, considerarei aspectos pertinentes a apenas os dois últimos tipos de provas: o argumento cosmo­ lógico, baseado na evidência que aponta para um começo do universo, e o argumento teleológico, baseado na evidência que 117

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aponta para a existência de desígnio, ou propósito, dentro do universo. Minha intenção a seguir não é solapar uma crença racio­ nal em Deus, porém advertir contra excessiva confiança, por um lado no raciocínio humano, e por outro, na cosmologia Big Bang, como base para a apologética cristã. Como espero demonstrar, tal confiança pode levar-nos a uma perigosa exposição à contra-argumentação concebida para refutar o teísmo cristão.

O Argumento Cosmológico O argumento cosmológico é provavelmente a mais popu­ lar das provas. Ao longo dos anos, muitas diferentes versões do mesmo têm sido apresentadas. Geisler e Corduan afirmam que apenas o argumento cosmológico oferece esperança de uma prova teística; a maior parte da filosofia da religião que eles defendem se apoia nesta pressuposta validade.1 Nosso foco estará sobre o argumento cosmológico Kalam o qual propõe demonstrar que o universo foi criado num tem­ po finito do passado por um Criador pessoal. O argumento é baseado sobre a suposta impossibilidade da infinitude dos eventos passados. Muitos dos argumentos contra uma real infinitude remontam a Aristóteles, embora o filósofo cristão João Philoponus parece ter sido o primeiro a aplicá-los, em 529 d.C. à uma demonstração da idade finita do universo.1 2 A prova para a criação apresentada por Philoponus foi adotada e posteriormente desenvolvida, entre os séculos 9 e 10, por filó­ sofos islâmicos da escola Kalam. Daí se tornar conhecido como 1 Norman L. Geisler e Winfried Corduan, Philosophy of Religion, Grand Rapids: 2a edição, 1988, p.150. 2 Richard Sorabji, Time, Creation and the Continuum, Ithaca: Cornell University Press, 1983,p.l98.

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o Argumento Cosmológico Kalam.3 Recentemente, o argumento tem sido defendido por vári­ os apologistas cristãos, incluindo William Craig4 e J. P. Moreland5. O raciocínio, em resumo, é o seguinte: (1) O Universo teve um começo. (2) O começo do universo foi causado. (3) A causa foi pessoal. Em resumo, o passado finito do universo implica na sua cria­ ção ex nihilo por um Criador pessoal. Nossa maior preocupação aqui é com o argumento (1). Seria possível provar, sem apelar para a Bíblia, que o universo teve um começo? Bom número de argumentos filosóficos e científicos tem sido desenvolvido. Vamos examinar os pontos fortes e implicações de vários argumentos contrários a um pas­ sado infinito.

Os Argumentos Filosóficos A suposta impossibilidade de um infinito real é central não apenas ao Argumento Cosmológico Kalam, mas também ao argumento cosmológico defendido por Geisler e Corduan em seu livro Filosofia da Religião, o qual toma uma forma de certo modo diferente. Primeiramente examinaremos a ques­ tão sobre se são realmente válidos os argumentos contra o infinito real. Depois, considerando que sejam válidos, exami­ naremos várias implicações teológicas. 3 Ver H. A. Davidson, Proofs for Eternity, Creation, and the Existence of God in Medieval Islamic andJewish Philosophy, Oxford: The University Press, 1987, p. 117-153. 4 The Kalam Cosmological Argument, London: MacMillan, 1979, and “Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo” Journal of the American Scientifi Affiliation, 1980,32, pp. 5-13. 5 The Creation Hypothesis, Downers Grove: Inter Varsity, 1994, pp. 18-23.

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1. Seria Impossível o Infinito Real? A mais comum objeção ao conceito de passado-sem-começo é que, para chegar ao tempo presente, um número infinito de anos precisaria ser percorrido. Isso é considerado como sendo impossível, pois se começarmos a contar 1,2,3..., etc., jamais poderemos atingir o infinito. A série de números contados aumentaria para sempre, mas seria sempre finita. Desse modo, jamais chegaríamos ao hoje6. Esse argumento assume a existência de um ano no pas­ sado que é separado do tempo presente por uma infinidade de anos. Todavia esse não é o caso para o passado-sem-começo. Se enumerássemos os anos passados retroativamente, come­ çando pelo presente, assim, 0, -1, -2...., então o conjunto de anos passados corresponderia ao conjunto dos números negativos. O conjunto como um todo é certamente infinito, mas nunca há dois números negativos específicos que sejam infinitamente separados um do outro. Infinitude é uma propriedade do conjunto como um todo, não de qualquer elemento particular do conjunto. Além disso, se for verdade que o universo deve ter tido um começo a um número finito de anos atrás, que ano seria esse? Para qualquer ano finito que alguém possa nomear, sem­ pre pode ser adicionado uma unidade a ele. Assim como não há limite para os números negativos, de igual modo, não precisa haver limite para o número de anos passados. Craig desenvolveu uma variedade de argumentos adicionais contrá­ rios ao infinito real.7 Esses argumentos podem ser agrupados em três categorias: (1) E impossível acrescentar a uma coleção real infinita. (2) O fato de que todas as coleções infinitas são de igual tamanho leva a contradições. 6 Ver, por exemplo, Moreland, The Creation Hypothesis, p.19. 7 “Philosophical and Scientific Pointers”,

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(3) Uma coleção formada pela adição de um número após o outro não pode ser realmente infinita. Esses argumentos foram cuidadosamente examinados por Quentin Smith8, quem os achou falaciosos e concluiu que não há objeção filosófica à idéia de passado infinito (embora ele creia que haja válidas objeções científicas ao conceito). Não apresentarei aqui a análise de Smith, a qual me parece correta, porém apenas farei observações quanto a alguns pontos principais. Creio que a confusão surge primariamente do fato de que Craig muitas vezes aborda conjuntos infinitos mediante critérios que somente se aplicam a conjunto finitos. Conjun­ tos infinitos certamente têm propriedades estranhas. Um dado conjunto continua tendo o mesmo tamanho, não importa se adicionemos a ele um elemento, ou o dobremos, ou o eleve­ mos ao quadrado. Como estamos acostumados a lidar apenas com conjuntos finitos, tais propriedades de conjuntos infinitos parecem quase inacreditáveis. Contudo, como foi demonstrado por Georg Cantor (1845 -1918), e confirmado por modernos matemáticos, a matemática transfmita é logicamente consistente. Embora um número de paradoxos possa surgir do uso de conjuntos infinitos, tais paradoxos geralmente resultam de problemas de auto-referencial. Craig observa que ele está argumentando apenas contra o conceito de infinito real no mundo real e de modo algum deseja minar o conceito de infinito definido na matemática transfinita Cantoriana. Ali, no entanto, infinito real é apenas uma idéia: O que eu argumento é que, embora o conceito de infinito real possa ser frutífero e consistente no campo da matemática, ele não pode ser transportado do mundo matemático para o mundo real,

8 “Infinity and thePast”, Philosophy ofScience, 1987,54,pp. 63-75.

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Deus e Cosmos pois isso resultaria em absurdos contra-intuitivos.9

Ele dá várias ilustrações, sendo uma delas a de uma livra­ ria consistindo de um número infinito de livros. Uma tal livraria teria propriedades bem estranhas. Por exemplo, se eliminarmos metade dos livros, digamos os de número impar, continuaremos ainda a ter tantos livros (infinito) como quan­ do começamos. Entretanto, se emprestarmos os livros que ficaram, isto é, os de número par, então não nos restará mais nenhum livro na livraria, embora tenhamos retirado o mesmo número de livros que antes. Indo mais adiante, afirma Craig, se adicionarmos um livro a uma livraria infinita podemos ver que a coleção foi acrescida de um. Não temos o mesmo nú­ mero de livros que antes, como seria o caso de um conjunto infinito. Ele conclui que tais exemplos servem para ilustrar que o infinito real não pode existir num mundo real. Será que esse argumento realmente demonstra a impossi­ bilidade de um infinito real num mundo real? Acho que não. As operações matemáticas ilustradas acima podem também ser feitas, digamos, com os números positivos. Remova os ímpares e você ainda terá um conjunto infinito; remova agora também os pares, e restará nada. Ou então, tome os números pares, que formam um conjunto infinito, e adicione a este tantos elementos ímpares quanto queira, e continuaremos tendo um conjunto infinito. Se tais operações são permissíveis com números, porque não com livros? Alguém poderia contra-argumentar que um caso é puramente uma abstração intelectual, enquanto que o outro é uma coleção de itens concretos. Contudo, em essência, isso não deve afetar as operações matemáticas envolvidas. Dado que se pode estabe­ lecer uma correspondência biunívoca entre o conjunto de números inteiros e os livros de uma livraria (ou eventos no 9 Craig, TheKalam Cosmological Argument, p.69.

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tempo), segue que, de igual modo, uma infinidade real de livros (ou eventos) não necessariamente envolve impedimen­ tos lógicos, independente de quão contra-intuitivo possa ser o conceito de uma tal livraria infinita. Teria para nós algum significado o contemplar a ocorrên­ cia de um infinito real no mundo real de nossas experiências? Afinal, dentro das limitações de nossas experiências finitas, memórias e pensamentos, não podemos distinguir entre o in­ finito e o meramente muito grande. Ainda que pudéssemos eliminar metade dos livros numa livraria infinita, o restante seria maior que nossa habilidade de contar, e portanto, em todo sentido, seria o mesmo do que quando começamos. Visto que todas as nossas experiências humanas são finitas, o infinito real é necessariamente contra-intuitivo. Mas isso não implica que seja impossível. Considerando que Craig não demonstrou porque a mate­ mática dos conjuntos de objetos concretos difere da matemá­ tica dos conjuntos abstratos, é incoerente da parte dele, banir o infinito real de uma, mas não o banir da outra. 2. Deus e o Futuro Suponhamos, para finalidade de argumentação, que a prova contra o infinito real fosse válida. Tal banimento do conceito de infinito real teria incómodas conseqüências teo­ lógicas. Consideremos, por exemplo, a questão de eventos futuros. A Bíblia, em sua descrição da vida futura, descreve-a como uma existência temporária, com o rio puro da água da vida, os frutos maduros de mês em mês, onde os santos rei­ narão para sempre (Apocalipse 22:1-5): aparentemente, um tempo futuro e eterno. Não seria tal visão do futuro excluída pelos argumentos contra o infinito real dos eventos passados, os quais implicam que o futuro também deveria ser, de igual modo, finito? Craig argumenta que este não é necessariamente o caso. O 123

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futuro difere do passado em que não é um infinito real com­ pleto; é apenas potencialmente infinito, no sentido de que é inexaurível. Um infinito potencial é admissível, segundo Craig. Um infinito potencial é uma coleção que vai crescendo sem limite, mas que é finita a todo tempo... não é verdadeiramente infinito - é simplesmente indefinido.10

Eventos passados são reais, pois na realidade ocorreram; eventos futuros, afirma Craig, não existem na realidade, pois (ainda) não ocorreram. À primeira vista, tal distinção entre passado e futuro parece válida o bastante. Contudo, quando aplicado ao Deus Onisciente da teologia ortodoxa (e deve-se ter em mente que isso é apenas um passo numa alegada prova da existência de tal Deus) temos um problema. Afinal, tal Deus sabe o futuro tão definitivamente quanto sabe o passado. Se o futuro é de fato infinito, então, a um Deus onisciente, ele existe como um infinito real definido, e não como um infinito potencial indefinido. Para Deus, pareceria que um futuro-sem-fim teria o mesmo status de um passado-sem-começo. Ambos implicam a noção de que Deus tem o conhecimento de um conjunto infinito de eventos. Assim, as considerações que levam a um passado finito devem, por semelhante modo, aplicar-se ao futuro. Se os argumentos de Craig contra o infinito real forem válidos, isso implica em que o conhecimento que Deus tem do futuro abrange apenas um finito número de eventos. Então, ou o futuro é finito, culminando num último evento, ou o conhe­ cimento que Deus tem do futuro é incompleto. 3. Deus e o Passado Existem dificuldades adicionais. Os argumentos de Craig 10 “Philosophical and Scientific Pointers”, p.6.

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contra a existência do infinito real são tão suficientemente gerais que eles parecem ser aplicáveis não apenas ao universo físico, mas também ao próprio Deus. Isso deve ter implica­ ções significativas para o nosso entendimento de Deus, o qual é considerado, na teologia ortodoxa, como sendo infinito. Por exemplo, o banimento do infinito real formulado por Craig implica que o passado de Deus seja igualmente finito. De fato, o próprio Craig chega à seguinte conclusão: Antes da criação, Deus teria que ser imutável. Do contrário você obteria uma série infinita de eventos passados na vida de Deus, e já vimos que uma tal série é impossível. Assim, Deus seria imutável e, por conseguinte, eterno antes da criação.11

Parece que Craig vê Deus como tendo sido “congelado” por um tempo infinito antes do primeiro evento. Isso parece impor condições bem estritas quanto à natureza de Deus, excluindo qualquer sucessão de atos divinos ou pensamentos anteriores à criação do presente universo. É interessante que Craig aplica a proibição de um infini­ to real apenas a eventos, e não à passagem do tempo em si mesmo. Ele permite um infinito passado de tempo antes da criação do mundo físico. Seria isso coerente? Se uma infinita duração de tempo deve ser distinguida de uma unidade simples de tempo, então devemos ter a perpétua passagem de tempo de uma unidade a outra, dando lugar a um infinito número de unidades. Talvez seja raciocinado que, na falta de eventos físicos para medir o tempo, não somos confrontados com um infinito real. Mas, seguramente, um Deus onisciente teria conhecimento de qualquer passagem de tempo. Para Deus, pareceria que até mesmo a passagem de uma unidade de tempo é algo que “acontece” e portanto deveria ser contado11 11 “Philosophical and Scien tifie Pointers”, p.12.

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como um evento. Se Deus tem existido através de um passado infinito de tempo então uma infinidade real de unidades de tempo tem passado. Segue-se, então, que o conhecimento de Deus de um passado que consiste de eventos finitos embuti­ dos dentro de um tempo infinito tem que incluir o conheci­ mento de um infinito real de unidades de tempo passadas. Em resumo, o banimento de um infinito real parece impor restrições não apenas no passado, como também no futuro, em Deus, e no próprio tempo. Embora possa haver aspectos do conceito de infinito que nos pareçam incompre­ ensíveis, a mim, particularmente, me parece que, na falta de refutação inequívoca do infinito real, a melhor opção é atribuir essa deficiência percebida à finitude humana, em vez de fazer indevidas restrições a Deus e Seus atributos.

A Singularidade do Big Bang Para que o argumento cosmológico funcione, sem impor indevidas limitações a Deus, é necessário fazer uma distinção correta entre o Criador e a criação. A demonstração do passa­ do finito do universo físico é talvez melhor se for baseada no domínio físico, ao invés do lógico. Duas linhas principais de evidência científica são comumente citadas como prova para o começo do universo: a singularidade do Big Bang, e a segunda lei da termodinâmica. Na cosmologia Big Bang o tempo t=0 corresponde ao estado de densidade infinita. O que aconteceu antes disso? Como surgiu tal estado? Ele parece representar uma barreira além da qual as leis da física não podem ser aplicadas. Uma interpretação comum é a de que o Big Bang marca o começo do tempo bem como do universo. O papa Pio XII, numa famosa declaração em 1951, referiu-se à teoria do Big Bang como testificando do começo do cosmos, desse modo confirmando a necessidade de um 126

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Criador.12 E, neste particular, Pio XII não estava só; muitos cristãos concordaram em tomar a singularidade do Big Bang como uma prova da existência do Criador. Entre esses citamos William Craig e Hugh Ross.13 A implicação teística da singularidade do Big Bang tem sido também reconhecida por cientistas que, de modo algum são simpáticos ao teísmo. Assim, por exemplo, Hannes Alfven, que em 1970 conquistou o prêmio Nobel em Física, escreve que “o estado do ponto singular, necessariamente pressu­ põe uma criação divina”.14 Esta, aparentemente, é uma das razões pelas quais Alfven rejeita a teoria do Big Bang. Similarmente, o proeminente astrônomo Fred Hoyle, muito hostil ao cristianismo,15 rejeita a teoria do Big Bang, não simplesmente no âmbito científico, e sim porque o conceito de um universo eterno seja mais apropriado às suas crenças ateístas. McMullin16 observa que os cosmologistas soviéticos sempre mostraram forte oposição à teoria do Big Bang, por defenderem que a noção de um começo absoluto é incompatível com os princípios marxistas-leninistas da dialética materialista. Por outro lado, muitos cosmologistas e teólogos negam qualquer vínculo íntimo entre teísmo e a cosmologia Big Bang. Isso traz de volta a questão sobre quão realmente evidentes são as “evidências” do Big Bang. Será que o Big Bang prova que o 12 Ver Erman McMullin, “How Should Cosmology Relate to Theology” em A. R. Peacocke, 'The Sciences and Theology in the Twentieth Century, Stocksfield: Oriel Press, 1981,p.3O. 13 Ver Ross, The Creator and the Cosmos, Colorado Springs: Navpress, 1993. 14 “Cosmology, Myth or Science ?” em W. Yourgrau and A. D. Breck (eds.), Cosmology, History and Theology, New York: Plenum Press, 1974, pp. 7,12. 15 Ver, por exemplo, a obra de sua autoria Ten Faces of the Universe, San Francisco: Freemaan, 1977. 16 “How Should Cosmology Relate to Theology?”, pp.36-37.

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universo físico começou num tempo finito no passado? E, em caso afirmativo, será que isso tem necessariamente implica­ ções teístas.

1. A Exatidão do Modelo Big Bang Em nossa discussão anterior sobre a cosmologia Big Bang, já verificamos que, a despeito das vantagens observacionais, o modelo ainda sofre de várias deficiências observacionais e teóricas. Além disso, muitas de suas pressuposições teóricas são inerentemente inverificáveis. Também, suas evidências observacionais podem ser explicadas por meio de outros modelos que não se apoiam no ponto singular. O argumento para uma singularidade deve, portanto, demonstrar primeira­ mente a superioridade do modelo Big Bang sobre outros modelos concorrentes. Isso envolverá o estabelecimento e justificação de um critério específico para seleção de teoria, bem como prova de que a cosmologia Big Bang melhor satisfaz a tais critérios ou padrões. Mas, quais seriam esses critérios? Simplicidade e beleza são dois padrões geralmente citados. Todavia, raramente se discute a questão decorrente sobre o porquê de teorias simples e belas serem mais provavelmente verdadeiras. E, mesmo que tais padrões fossem aceitáveis, não seria fácil definir quais modelos cosmológicos melhor se enquadrariam. Apoiadores do Big Bang, tais como Craig e Ross, tendem a minimizar os problemas quando tratando-se do Big Bang, e a amplificá-los quando tratando-se de teorias concorrentes. De fato, eles afirmam que o Big Bang foi provado, e que todos os outros modelos estão conseqüentemente fora de discussão. Por outro lado, os opositores do Big Bang tendem a fazer o oposto, é claro. A abordagem dos modelos cosmológicos é, sem dúvida, um exercício muito subjetivo. Apesar disso, há pouca dúvida de que, no presente, a

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vasta maioria dos cosmologistas sejam favoráveis ao modelo Big Bang. Embora isso não constitua prova da sua veracidade, tem levado a opinião pública a aceitá-lo como fato provado. Este primeiro passo na direção de uma prova teísta pode então ser aceitável à maioria das pessoas. 2. Os Limites do Modelo Big Bang Não obstante a cosmologia Big Bang possa ser a favorita do presente, seus apoiadores não concordam quanto ao que teria acontecido logo após a suposta singularidade, na primei­ ra fração de segundo. Neste ponto, tudo torna-se extremamen­ te especulativo. E aqui que a teoria do Big Bang enfrenta um número de limites difíceis de superar - se não impossíveis. a. Provas da Singularidade Os cosmologistas britânicos Stephen Hawking, George Ellis e Roger Penrose desenvolveram certo número de teore­ mas da singularidade que supostamente provam, aplicando a relatividade geral sob condições razoavelmente gerais, que o presente universo teve sua origem numa singularidade do passado. Embora tais teoremas sejam freqüentemente citados como provas de uma singularidade do passado, eles são baseados em vários de suposições que restringem o poder ou extensão dos mesmos. Por exemplo, uma suposição comumente adotada é a de que o universo é bastante homogêneo, sendo a matéria uniformemente distribuída. Hawking e Ellis, discutindo seus teoremas da singularidade observam que, devido às irregularidades locais, é bem possível que nem todo o universo tenha se originado de uma única singularidade: Alguém poderia sugerir que, anteriormente à fase de expansão do presente, houve uma fase de colapso, ou contração. Em tal fase, a inomogeneidade cresceu, dando lugar a singularidades

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Deus e Cosmos isoladas. A maior parte da matéria evitou as singularidades e reexpandiu, dando lugar ao universo presentemente observado.17

Um teorema posterior, bastante similar, proposto por Hawking e Penrose, pressupõe a não existência de uma constante cosmológica positiva, a qual supostamente age como força repulsiva, contrabalançando a gravidade.18 Esta condição foi posteriormente contraditada por observações mais recentes, que apontaram para a existência de uma gran­ de constante cosmológica positiva. Senovilla, em sua análise detalhada das provas da singularidade e das pressuposições adotadas em tais provas, concluiu serem vários os possíveis modelos cosmológicos baseados na relatividade geral nos quais o universo não teria começado com uma singularidade Big Bang.19 Assim sendo, as provas da singularidade, mesmo dentro dos limites da relatividade geral, não provam a exis­ tência de uma singularidade Big Bang no passado. b. Física Desconhecida Um problema subseqüente é que próximo à singulari­ dade a pressão e a temperatura teriam sido tão imensas, que a física convencional não seria aplicável. As atuais teorias concernentes à matéria não seriam válidas aqui. Várias novas teorias de física sobre partículas vêm sendo propostas, porém essas são altamente conjecturais e inverificáveis. Antes disso, dentro de IO43 segundos após a singularidade, no assim 17 S. W. Hawking e G. F. R. Ellis, “The Cosmic Black-Body Radiation and the Existence of Singularities in onrGtAverse", AstrophysicalJournal, 1967,152,p.32. 18 S. W. Hawking e R. Penrose, “The Singularities of Gravitational Collapse and Cosmology”, Proc.Royal Society, London A, 1970,314,pp. 529-548. 19 J. M. M. Senovilla, “Singularity Theorems and Their Consequences”, General Relativity and Gravitation, 1998,30, pp. 701-848.

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chamado tempo Planck, a densidade da matéria teria sido tão gigantesca que os efeitos quânticos teriam que ser levados em conta. Em lugar da relatividade geral dever-se-ia então adotar uma teoria de gravidade quântica apropriada. Infelizmente, ninguém até agora foi capaz de desenvolver um modelo funci­ onal de gravidade quântica. Assim sendo, o que acontece antes do tempo Planck é pura especulação. É interessante notar que o próprio Einstein nunca aceitou a existência da alegada singularidade. Pouco antes de sua morte, Einstein fez o seguinte comentário: A atual teoria relativista da gravitação é baseada na separação dos conceitos de “campo gravitacional” e “matéria”. Pode ser plausível que a teoria seja, por esta razão, inadequada para uma condição de alta densidade de matéria. Pode muito bem ser o caso que, para uma teoria unificada, não haveria nenhuma singularidade... Para grandes densidades de campo e de matéria, as equações de campo, e mesmo as variáveis de campo que entram em tais equações, não teriam qualquer significado real. Ninguém poderia então supor a validade daquelas equações para muito altas densidades de campo e matéria e, portanto, não poderia concluir que “o começo da expansão” deve significar uma singularidade em sentido matemático. Tudo o que devemos concluir é que as equações podem não ser continuadas em tais regiões. 20

As questões teologicamente significativas surgem além dos limites do modelo Big Bang. Ao nos aproximarmos do alega­ do primeiro evento a teoria torna-se mais e mais especulativa, com a correspondente rápida perda do consenso científico. Certamente, não pode haver rigorosa prova de que a singulari­ dade tenha sido atingida, necessariamente, ou que a presente 20 Albert Einstein, The Meaning of Relativity, 5a edição, Princeton: The University Press, 1956.

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expansão do universo não tenha sido precedida de uma contração. Tempo A própria definição de tempo e sua medida pode ser tam­ bém um problema. John Barrow mostra que o intervalo de tempo de uma singularidade do passado pode ser finito se medido em tempo próprio, definido como tempo medido por meio de um relógio em queda livre gravitacional, mas poderia ser infinito se medido de acordo com alguma outra definição de tempo.21 Por exemplo, poderíamos conceber um relógio cujo padrão de tempo fosse a variação na curvatura do universo. De acordo com Barrow, no tipo mais geral de uni­ verso relativista a singularidade do passado é atingida em um tempo próprio finito porém com um infinito número de oscilações da curvatura. Então, como determinado pelo relógio de curvatura, seria necessário um infinito tempo do passado para se atingir a singularidade inicial. Mesmo se adotarmos o tempo próprio, ainda assim ficaríamos com um infinito número de eventos físicos passados - isto é, as sucessi­ vas mudanças de curvatura - para registrar. c. As Escalas do

d. Definição de Espaço e Tempo Ainda há mais uma limitação. De acordo com a mecânica quântica é impossível construir relógios que meçam interva­ los de tempo inferiores ao tempo Planck (10'43 segundos), ou construir metros que meçam comprimentos menores do que o comprimento Planck (10_33cm). Muitos cosmologistas afirmam que uma quantidade que não pode ser medida é, em princípio, fisicamente sem significado. Assim sendo, os conceitos de tempo e espaço não mais se aplicam além do 21 J. D. Barrow, The World Within the World, Oxford: Clarendon Press, 1988, p.235.

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limite Planck. Daí Zhi e Xian defenderem que antes do tempo Planck temos um mundo sem tempo e espaço, e que tempo e espaço só vieram a existir concomitantemente ao tempo Planck.22 Se o tempo deixa de ser algo concreto, como podemos perguntar sobre o que aconteceu “antes” do tempo Planck? Um teísta poderia responder que limitações de medidas aplicáveis ao homem não necessariamente se aplicam a um Deus onisciente. Então, não seria sem significado a considera­ ção da existência de tempo e espaço antes do limite Planck. E mais, mesmo na ausência dos efeitos quantum, os sig­ nificados de tempo e espaço na singularidade podem se tornar problemáticos. Já não poderia mais haver menção de espaço tridimensional, uma vez que tudo fica condensado a um ponto. Além disso, tempo e espaço são geralmente concebidos em conexão com matéria e energia. Alguns cosmologistas têm postulado que o tempo e o espaço foram originados no mesmo evento Big Bang que originou a matéria e a energia. De acordo com Grunbaum, toda a questão a respeito da criação é um pseudo problema, pois na cosmologia Big Bang o tempo veio a existir na singularidade, junto com o universo.23 Portanto, torna-se sem significado a pergunta sobre o que teria acontecido antes do tempo t=0, uma vez que não havia tempo. Nós podemos postular a existência do tempo antes da singularidade, mas ninguém deveria esperar que o modelo Big Bang pudesse responder as questões que negam suas pressuposições básicas. O comentário de Grunbaum é pertinente à prova teísta de Craig em vários aspectos. Primeiro, a fim de provar que o 22 Zhi, Fang Li e Xian, Li Shu, Creation of the Universe, Singapore: World Scientific, 1989, p. 149. 23 Adolph Grunbaum, “ The Pseudo-Problem of Creation in Physical Cosmology”, Philosophy ofScience, 1989,56,pp. 373-394.

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universo foi causado, Craig argumenta que qualquer coisa que tenha começado a existir, requer uma causa. Isto se encaixa em nossa experiência de que nada passa a existir sem ter sido causado. Deus, que sempre existiu, não requer uma causa. Contudo, o argumento de Craig assume que houve um tempo em que o universo não existia. De acordo com Grunbaum isso é inadmissível, pois nunca houve um tempo em que o uni­ verso não existiu. Tempo e universo vieram a existir juntos, portanto, o universo existiu em todo o tempo. Então, a regra segundo a qual o que quer que tenha começado a existir tem que ter sido causado, não se aplica ao universo. Uma segunda dificuldade existe, no tocante ao argumento de Craig de que a causa do universo foi pessoal. Craig afirma a existência de um tempo infinito, sem eventos, antes da cria­ ção. Visto que todos os momentos num tal período de tempo infinito são iguais, isso requer, ele afirma, um ser pessoal que livremente decida criar, num tempo específico qualquer, na ausência de quaisquer características que possam distinguir um momento de outro. Novamente, de acordo com Grunbaum, a existência de um tal período infinito de tempo que antecede a criação é incoerente com a cosmologia Big Bang. Tais observações servem de aviso aos proponentes do argumento cosmológico no sentido de que não se apoiem tão seguramente na cosmologia Big Bang, com toda a bagagem metafísica que a acompanha. Contudo, embora na cosmolo­ gia Big Bang os eventos antecedentes à singularidade sejam considerados como carentes de significação científica, isso não elimina a necessidade de um Criador. Seus defensores podem suprimir a necessidade de um Deus deísta, um Relojoeiro que cria o relógio e a seguir o deixa funcionando por si mesmo. Todavia, ainda permanece a questão do porquê o universo veio a existir, incluindo o tempo, e por que continua a existir. Um Criador ainda é necessário para sustentar o cosmos.

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3. Possibilidades de Ausência de Começo Nem todos os cosmologistas concordam com a assertiva de Grunbaum de que o tempo teve início com o Big Bang. Muitos se opõem ao conceito de que o universo tem existido por apenas um tempo finito. Lembremo-nos, por exemplo, a variedade de modelos cosmológicos estáticos discutidos no capítulo anterior. Mesmo dentro da cosmologia Big Bang, não é obrigatório que o universo tenha começado numa singula­ ridade. Vários modelos Big Bang têm sido desenvolvidos visando evitar um começo no tempo.

a. Universos Oscilantes A mais primitiva alternativa eterna foi baseada na noção de que a expansão Big Bang poderia ter sido precedida por uma contração, ou Big Crunch (doravante Big Crunch, isto é, grande esmagamento). O Big Crunch teria destruído toda evi­ dência de ciclos prévios, exceção feita, possivelmente, a certos parâmetros gerais tais como a energia e entropia. Um tal universo eterno e oscilante tem sido defendido por vários cosmologistas modernos, começando com o astrô­ nomo holandês Willem de Sitter, em 1931. Logo tornou-se evidente, entretanto, que tais modelos mostravam sérias limi­ tações. Foi calculado, por exemplo, que cada ciclo produz um aumento no tamanho máximo do universo, com o necessário aumento do tempo para completar cada ciclo seguinte. Por extrapolação, de volta ao passado o ciclo se torna infinita­ mente curto num tempo finito. Também, cada ciclo produz mais radiação. Se a radiação se acumula, então a radiação observada no presente permite não mais do que uma centena de ciclos prévios.24 Um resultado similar é também obtido a partir da termodinâmica: se um número infinito de ciclos 24 Quentin Smith, “The Uncaused Beginning of the Universe”, Philosophy ofScience, 1988,55, pp. 39-57.

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prévios se passou, cada um deles com aumento de entropia, então o ciclo presente estaria num estado de entropia máxima - mas de fato o estado atual é de relativamente baixa entropia. Assim, mesmo um universo oscilante, enquanto permitindo um futuro infinito, parece apontar na direção de um começo em algum tempo finito do passado. Para fugir do passado finito, o físico John Wheeler suge­ riu que, ao fim de cada fase de contração, todas as constantes e leis daquele ciclo desaparecem e o universo é reprocessado, adquirindo novas constantes e leis para o próximo ciclo. Nenhuma informação é transmitida ao ciclo seguinte. Dessa forma, nenhuma inferência a um passado finito pode ser feita com base em observações, leis e constantes do presente ciclo. Em resposta, Quentin Smith25 objetou que, embora isso possa ser logicamente possível, contudo, como as novas leis e constantes não podem ser preditas, é preferível seguir o prin­ cípio de que as leis físicas e constantes estabelecidas para um domínio devem, na falta de evidência em contrário, ser apli­ cada a outros domínios. Enquanto possa haver algum mérito no critério de Smith, de novo, é algo de expediência filosófica ao invés de prova racional. O cosmologista russo Markov sustenta que o universo se transformaria num vácuo quando se aproxima da singula­ ridade. Não haveria então partículas e a entropia seria inde­ finida. Assim, o universo poderia oscilar para sempre, começando tudo de novo a cada novo ciclo.26 No entanto, uma dificuldade subseqüente com o uni­ verso oscilante é que isso requer que o universo seja fechado. 25 Quentin Smith, “The Uncaused Beginning of the Universe”, Philosophy ofScience, 1988,55, pp. 43. 26 M. A. Markov, “Asymptotic Freedom and Entropy in a Perpetually Oscilating Universe”, Physics Letters, 1983,94A, pp. 427-429.

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O universo deve ser suficientemente denso para que, eventu­ almente, a atração gravitacional faça deter a expansão em cada ciclo, e seja dado início à contração. Como já notamos anteriormente, evidências observacionais do presente favore­ cem o conceito de universo aberto ao invés de fechado. Num universo aberto a matéria continuará expandindo para sempre. Um universo aberto permite também uma outra possi­ bilidade para evitar o começo no tempo. George Gamow sugere que a singularidade Big Bang foi precedida por uma correspondente contração eterna. Segundo o seu ponto de vista o universo existe da eternidade, implodindo de um estágio de infinita rarefação até que atingiu a singularidade Big Bang, estágio em que a densidade chegou a ser imensa­ mente grande. Nesse ponto houve a reversão, chegando ao estágio de expansão em que hoje nos encontramos. A proposta de Gamow evita as deficiências do modelo de universo oscilante, pois não há o problema de radiação acumulada nem de entropia.27 Mas uma dificuldade permanece. Como se explica, então, o reverso de contração para expansão? Parece natural que um universo em contração, uma vez atingido o estado de máxima compressão, voltaria a se expandir, ao invés de permanecer na singularidade. Considerações baseadas em princípios gerais, tais como o de conservação de energia, parecem apontar naquela direção. Embora dúvidas tenham sido expressadas por Guth e Sher sobre se as condições nas proximidades da singu­ laridade permitiriam a possibilidade de uma reversão,28 tais objeções seriam aplicáveis apenas a um universo fechado. Não está claro se essas condições seriam aplicáveis a um universo 27 G. Gamow, “Modern Cosmology”, Scientific American, 1954190, pp. 55-63. 28 A. H. Guth e M. Sher, “The Impossibility of a Bouncing Universe”, Nature, 1983,302, pp. 505-507.

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aberto. Por outro lado, os cosmologistas Israelit e Rosen29 desenvolveram cenários onde haveria lugar para uma rever­ são. Mas, também aqui, há questões sem respostas definitivas, enquanto não for encontrada uma teoria válida para a gravi­ dade quântica. b. Modelos de Flutuação de Vácuo Tem sido proposto por vários cosmologistas que o pre­ sente universo emergiu espontaneamente de um vácuo preexistente. Tal modelo foi apresentado primeiramente por Edward Tryon.30 Este modelo é baseado em mecânica quântica, particular­ mente no princípio da incerteza, a qual estabelece que em um tempo qualquer podemos medir acuradamente ou a posição ou o movimento de uma pequena partícula, porém não as duas coisas ao mesmo tempo. De acordo com este princípio partí­ culas podem ser espontaneamente geradas no vácuo por flutuações ocasionais de energia. Quanto menor a energia da partícula, tanto mais tempo a partícula pode existir antes de desaparecer no vazio. Tryon asseverou que, no universo como um todo, a energia positiva da matéria é exatamente cancelada pela energia da gravidade, de modo que a energia total do uni­ verso permanece zero. Segundo o princípio da incerteza uma partícula de energia zero pode existir para sempre. Portanto, de acordo com Tryon, o universo, tendo energia zero, pode durar indefinidamente, o que seria um tremendo “almoço grátis”. O cosmologista russo Rozental desenvolveu daí uma cosmologia eterna, infinita. O universo é visto como um vácuo infinito, fervendo com flutuações de energia. Nosso 29 M. Israelit e N. Rosen, “A Singularity-Free Cosmological Model in Gene­ ral Relativity”, AstrophysicalJournal, 1989,342, p.627. 30 “Is the Universe a Vacuum Fluctuation?”, Nature, 1973,246, pp.396-397.

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universo atual não passa de uma das maiores flutuações a emer­ gir do vácuo; com o tempo, essa grande flutuação também voltará a se dissolver no vácuo.31 Na opinião de Linde, em princípio a única predição verificável do modelo de flutuação do vácuo é a de que o uni­ verso tem que ser fechado.32 Se o universo tiver sido criado por uma flutuação do vácuo, então ele não pode ser infinitamente grande, como seria o caso de um universo aberto, pelo menos de acordo com as predições dos usuais modelos Big Bang. Isso é coerente com o modelo Big Bang inflacionário, porém é conflitante com as atuais evidências observacionais, as quais indicam que a densidade da matéria no universo é por demais pequena para fechá-lo. Assim, a não observável matéria faltante, ou energia, tem que ser postulada a fim de compen­ sar pela diferença. c. Cosmologia Caótica Eterna Markov e Linde33 apresentaram cenários nos quais o nosso atual universo foi criado a partir de um universo “mãe”, e assim por diante, a partir da eternidade passada. Tais mode­ los são reconhecidamente muito especulativos, mas assim é também com os modelos que procuram explicar o universo primitivo. Dado o contexto do Big Bang inflacionário, não parece ser indevidamente improvável conjeturar que, se um universo pode ser criado por meio de uma flutuação quân­ tica num espaço vazio, universos posteriores poderiam, por 311. L. Rosenthal, Big Bang, Big Bounce, Berlin: Springer Verlag, 1988. 32 A. Linde, “The Universe: Inflation out of Chaos” New Scientist, 7 March 1985,pp. 14-18. 33 Markov, “Some Problems of Modern Theory of Gravitation”, em The Past and Future ofthe Universe, Moskow: Nauka, 1989, pp. 11-23, e Linde, “The Self Reproducing Inflationary Universe”, Scientific American, Nov. 1994, pp. 48-55.

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semelhante modo, ser criados dentro do espaço de um univer­ so preexistente. Concluímos que, embora a cosmologia Big Bang seja freqüentemente interpretada como subentendendo que o uni­ verso físico tenha um passado finito, um exame mais acurado revela uma situação deveras ambígua. O argumento para o passado finito baseia-se na interpretação particular de uma extrapolação dúbia que vai além das leis físicas conhecidas, e na exclusão de várias alternativas de universo sem começo que não parecem menos plausíveis. Em resumo, mesmo dentro da cosmologia Big Bang, não se consegue definitivamente elimi­ nar a possibilidade de um universo eterno. Além disso, nas proximidades da singularidade, a definição de tempo é tal que - pelo menos dentro da cosmologia Big Bang - não é claro o significado da afirmativa que a singularidade foi causada por um evento anterior.

A Segunda Lei da Termodinâmica Em capítulo anterior já descrevemos a segunda lei da termodinâmica, a qual afirma que um sistema fechado conti­ nuamente aumenta sua entropia, ou quantidade de desordem. Como havíamos notado, sua aplicação ao universo como um todo leva à conclusão de que, dentro de algum tempo finito do futuro, o universo sofreria a “morte do calor”, quando não mais haveria energia disponível para suportar a vida ou realizar qualquer trabalho útil. A segunda lei da termodinâmica tam­ bém implica em que ao mundo foi inicialmente dado corda (como em um relógio), num estado de baixa entropia. Para os teístas isto foi logo interpretado como evidência para a divina criação do universo. Alguns teístas - incluindo Zanstra34 e 34 Herman Zanstra, “Is Religion Refuted by Physics or Astronomy?” > > >

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Craig - apontaram para a segunda lei como sendo um dos mais claros indicadores de um divino começo do mundo físico. Como argumento para o passado finito do universo, isso oferece algumas vantagens sobre o argumento baseado na singularidade Big Bang. Como pudemos ver em discussões anteriores, esse último argumento, além de muito especulativo, é muito dependente de modelos. Além disso, a cosmologia Big Bang pode muito bem estar em voga no momento, mas ser destronada por alguma outra cosmologia que postule o passado infinito. A segunda lei, ao contrário, é de natureza tão fundamental que poucos duvidariam da sua validade univer­ sal. É largamente reconhecido que a segunda lei da termo­ dinâmica é uma das mais básicas leis de toda a ciência. Em 1928 Sir Arthur Eddington e Sir James Jeans, os mais proeminentes astrônomos ingleses de seu tempo, chegaram à conclusão de que o universo veio a ser iniciado (dado corda, como em um relógio) no passado, e agora está rumando para o fim, pela morte do calor. Quanto a isso ser considerado como prova da existência de um Criador, Eddington afirma: Cientistas e teólogos igualmente devem considerar como algo grosseiro a ingênua doutrina teológica a qual (convenientemente disfarçada) encontrase presentemente em todos os livros-textos de termodinâmica, nominalmente que há alguns milhões de anos atrás Deus deu corda no universo material e o deixou à sua pró­ pria sorte desde então. Isso deve ser considerado como a hipótese operante da termodinâmica ao invés de sua declaração de fé. Tratase de uma daquelas conclusões da qual não vemos manei­ ra lógica de fugir - apenas a de que ela sofre da deficiência de ser inacreditável.35

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Contudo, este argumento a favor de um passado finito do universo tem seus adversários. Ele tem sido questionado em vários pontos. Em primeiro lugar, embora a maioria dos cosmologistas contemporâneos creiam na aplicabilidade da segunda lei da termodinâmica como um todo, algumas dúvidas têm sido expressadas com relação a isso. Por exem­ plo, Drees argumenta que um universo em expansão não é realmente fechado, pois a entropia é arrebatada para o espaço em expansão pela radiação de fundo. A expansão fun­ ciona como se houvesse um ambiente, mas de fato não há nenhum.36 Entretanto, a isso pode-se responder que os modelos Big Bang pressupõem o universo como sendo o mesmo em todos os lugares, de modo que a quantidade de radiação que sai de uma região determinada é igual à que entra (podendo tal região ter suas dimensões em expansão, com uma fixada relação massa-energia). Para cada região em particular um ganho entrópico deve, portanto, ocorrer. Drees afirma que não existe claro conceito de entropia em relação à gravidade. Por conseguinte, torna-se questionável a aplicação do conceito de entropia ao universo como um todo. De todo jeito, mesmo não sendo muito clara a relação da entropia com a gravidade, como na situação de sistemas estatísticos não gravitacionais, não há razão para se achar que uma lei tão fundamental como o ganho de entropia não seja aplicável. Penrose,37 por exemplo, tem argumentado que a entropia pode ser razoavelmente aplicada a estruturas gravitacionais. Lerner, também, ao advogar o conceito de um uni­ verso infinito de complexidade sempre crescente, nega a 36 Willem B. Drees, Beyond the Big Bang: Quantum Cosmology and God, Th.D. Thesis, Rijksuniversiteit Groningen, The Netherlands, 1989, p.26. 37 Penrose, “Difficulties with Inflationary Cosmology”, 1989.

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aplicabilidade cósmica da segunda lei. Ele alega que, ao con­ trário do que afirma a segunda lei, o cosmos evolve do caos para a ordem: A física convencional interpreta qualquer mudança como sendo necessariamente uma regressão, como uma involução no sentido de atingir o equilíbrio. Contudo, quando olhamos para a tendência a longo prazo da evolução, a realidade mostra exata­ mente o contrário - o universo adquire mais corda (como num relógio), em vez de estar gastando e diminuindo a corda ... O universo que observamos simplesmente não está em decadência; a generalização da “lei de crescente desordem” ao âmbito do cosmos como um todo, não encontra apoio nas observações... Se não há tendência na direção da evolução, ou progresso na natu­ reza, então a existência humana em si mesma nada mais é do que um acidente sem significado... Num cosmos decadente e eterno não há espaço para qualquer coisa que contenha valor para a humanidade, não há lugar para consciência, alegria, tristeza, ou esperançai

Conseqüentemente, ele afirma que a segunda lei se aplica apenas a sistemas que estejam já muito próximos do equilí­ brio, onde as várias partes de cada sistema já estejam quase à mesma temperatura, onde haja pouca energia restante. Se, contudo, o sistema estiver longe do estado de equilíbrio, com significante fluxo de energia através dele, afirma Lerner, ele não tenderá regredir ao estado de equilíbrio, mas se afastará dele, criando ordem e estrutura no processo. O mecanismo proposto por Lerner é o crescimento das flutuações através da instabilidade. Ele cita como exemplo o crescimento de padrões de convecção num recipiente de água quente, onde a instabilidade cria ordem “capturando” o fluxo* 38 E. J. Lerner, The Big Bang Never Happened, New York: Times Books, 1991, pp. 287-291.

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de energia calorífica do forno para a água. O problema com este exemplo é que um fluxo externo de energia, o qual é, em si mesmo, ordenado, é necessário para estabelecer o crescimento de ordem na água aquecida. Lerner não demonstrou que a ordem total do sistema como um todo (água, recipiente, chama) de fato cresceu. Portanto, ele não conseguiu demonstrar que o universo como um todo pode escapar às conseqüências da segunda lei. Como não há, é claro, prova conclusiva num sentido ou noutro, uma palavra de precaução deve ser empregada quanto a tirarmos conclusões de âmbito universal partindo da segun­ da lei da termodinâmica. Entretanto, se formos pelo princípio de que as leis físicas conhecidas devem ser seguidas tanto quanto possível, em vez de postularmos novas leis, então a evidência presente favorece a aplicabilidade da segunda lei. Mesmo assim, pode ser ainda possível evitar-se um começo finito ou um futuro de morte do calor. O físico austríaco Ludwig Boltzman, no final do século dezenove, sugeriu que o estado de ordem atualmente observado pode ser simples­ mente devido a flutuações casuais. Num universo suficiente­ mente grande, mesmo que em estado de equilíbrio térmico, movimentos ocasionais ainda poderiam produzir pequenas regiões, altamente organizadas, e de baixa entropia. Tais regiões, se forem suficientemente grandes e durarem tempo suficiente, poderíam oferecer condições propícias ao surgi­ mento de vida. Seria isso plausível? Cálculos realizados por Zanstra39 mostram que uma flutuação apreciável de entropia pode ocorrer apenas num volume contendo apenas poucas partí­ culas. Contudo, o universo visível como um todo parece estar num estado de baixa entropia. Seria razoável considerarmos o inteiro universo visível como sendo uma flutuação aleatória? 39 Zanstra, Thermodynamics,-p. 33.

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Isso implicaria não apenas em que o universo deve ser imen­ samente maior do que a região atualmente observável, mas também que a porção não observável do universo, a qual estaria presumivelmente num estado caótico de alta entropia, teria que ser drasticamente diferente do organizado universo observável. Na verdade, isso contraria a usual pressuposição da uniformidade. De novo, chegamos à conclusão de que a evidência favorece à idéia de um universo que se desenrola (como um relógio que vai usando sua corda), tendo partido de um estado inicial de alta organização. Entretanto, tal estado inicial não necessariamente teria ocorrido há um certo tempo finito do passado. Em princípio, a entropia poderia ter aumentado a partir de um valor mínimo num passado infinito. Esse seria o caso num modelo cosmológico tal como o de Gamow acima descrito, em que o universo seria infinitamente velho, alternando entre fases de contração e expansão sucessivas. Assim, a segunda lei da termodinâmica não é suficiente para provar o começo do universo num tempo finito do pas­ sado. Todavia, ela ainda poderia ter algum significado para alguém que esteja em busca de evidências de um Criador. Pois, se de fato a segunda lei da termodinâmica se aplica ao universo como um todo - o que parece plausível - então isto significa que o universo vem se desenrolando (usando sua corda) constantemente. Entretanto, para isso, é necessário que antes o universo tenha sido enrolado, ou dado corda (como num relógio). Mas, como foi que isso aconteceu? De onde veio o estado de ordem inicial? Tais questões nos levam a uma segunda prova para a existência de Deus: o argumento do design (projeto). Sumariando, tanto o argumento filosófico como o científico para o começo do universo são falhos. O caso contra a existência de um infinito real foi visto ser falacioso. O argu­ mento a partir da suposta singularidade do Big Bang apoia-se 145

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excessivamente em um específico modelo cosmológico e em extrapolações especulativas que vão além dos limites de vali­ dade do modelo. Ainda que o caso baseado na termodinâmica evite tais limitações, também esse é insuficiente como prova definitiva de que o universo teve início a um tempo finito do passado. Com isso, não estamos negando que a evidência cosmo­ lógica para um começo pareça plausível. Mas, plausibilidade não é suficiente como prova, e, como já vimos, aqueles que desejam negar um começo têm construído modelos alter­ nativos que pressupõem um universo sem começo. E, tais modelos sem começo parecem mais críveis aos olhos dos que os defendem. Evidências observacionais, por si só, são insuficientes para superar a natureza subjetiva da teoriza­ ção científica. Além disso, nós temos nos restringido a um universo operando puramente por meio de causas naturais. Tirando tal restrição, então é permitida a possibilidade de um ser sobre­ natural que tem interagido com o universo desde a eterni­ dade, talvez, por exemplo, acrescentando energia útil de tempos em tempos. Então só poderíamos ter certeza de que o universo teria tido um passado finito se Deus decidisse reve­ lar-nos tal informação. Somente com base em ensinamento bíblico podemos concluir que o universo foi de fato criado num tempo finito no passado.

O Argumento do Design (Projeto) Semelhantemente, o argumento do design tem sido popular como prova da existência de Deus. Esse argumento foi fortemente promovido por William Paley no seu livro, Natural Theology (Teologia Natural), publicado no final do século dezoito. Ele argumenta que a intrincada organização do mundo é uma forte evidência da existência de um Criador 146

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inteligente, do mesmo modo como o detalhado mecanismo de um relógio é devido à intenção e habilidade do relojoeiro. A principal questão é se a complexidade observada do universo envolve um Criador, ou se tal complexidade poderia ser explicada como resultado final de processos puramente naturais. Um dos principais exemplos refere-se às espantosas características dos sistemas e organismos biológicos. Essa inter­ pretação foi questionada por Charles Darwin em A Origem das Espécies (1859), onde ele propôs que a diversidade bioló­ gica observada seria causada simplesmente por mutações aleatórias e seleção natural. Um Universo Finamente Ajustado Mais recentemente, diversos apologistas têm apoiado o argumento do design apelando para os avanços em cosmologia. Parece que, a partir de várias considerações cosmológicas, o universo é notavelmente ajustado (finamente sincronizado). Se as leis físicas e condições iniciais fossem ligeiramente dife­ rentes, então, ao que parece, o universo não poderia manter a vida. Muito tem sido escrito sobre o espetacular sincronismo e fino ajustamento do universo para suster a vida humana. Consideraremos apenas alguns fatores típicos: 1. Entropia Se a entropia, a quantidade de desordem no universo, está sempre crescendo, então o universo tem que ter sido inicial­ mente criado em condição organizada, como discutido na seção precedente. De acordo com Paul Davies: Se o universo não passasse de um simples acidente, a probabi­ lidade de que ele viesse a ter alguma ordem apreciável seria absurdamente pequena. Se o Big Bang fosse apenas um evento aleatório, então seña esmagadoramente grande a probabilidade

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2. A Taxa de Expansão A taxa de expansão do universo parece estar em extremo equilíbrio crítico. Se tal taxa de expansão fosse um pouco menor, o universo voltaria a implodir em segundos; se fosse um pouco maior, a formação de galáxias teria sido impossível. De acordo com os cálculos de John Leslie, para que tais desas­ tres pudessem ser evitados a taxa de expansão durante os primeiros instantes tiveram que ser finamente ajustadas a uma precisão da ordem de uma parte em IO55. A taxa de expansão pode ser explicada ou levada em conta pela inflação, mas tal coisa em si mesma requer uma sintonia ou ajuste finíssimo: dois componentes de uma constante cosmológica impelida por expansão anulam uma à outra a um grau de precisão de uma parte em 1050. Leslie40 41 estima que, se forças atuantes no universo, como por exemplo a gravidade e a força fraca do núcleo atômico, se desviassem de seus valores atuais por uma quantidade tão ínfima quanto uma parte em 10100, isso já seria suficiente para desastrosamente pôr um fim à anulação acima mencionado.

3. Os Elementos Hidrogênio e carbono são elementos essenciais à vida. Pelo 40 GodandtheNewPhysics, New York: Simón & Schuster, 1983, p. 168. 41 Universes, London: Routledge, 1989, p.3.

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menos à forma de vida que conhecemos. Se a força fraca do núcleo atômico tivesse sido um pouco mais forte do que é, o Big Bang teria queimado todo o hidrogênio, tornando-o em hélio; se tivesse sido um pouco mais fraca, os nêutrons forma­ dos inicialmente não teriam se decomposto em prótons, e de novo, não haveria hidrogênio. Leslie42 observa que, para que o carbono pudesse ser criado em quantidade no interior das es­ trelas, a força forte do núcleo atômico não poderia ter variado em mais que 1% do seu valor atual, para mais ou para menos. 4. A Vida Ajustes finíssimos são necessários não apenas nas condi­ ções iniciais e nas forças físicas, mas também na geração de complexidade, particularmente na vida. Várias estimativas têm sido feitas para a eventualidade do surgimento da vida. Barrow e Tipler43 calculam ser a probabilidade de montagem de um simples gene da ordem de 10109. A probabilidade de formação ao acaso de um genoma humano, da ordem de 10“i2.oooooo, isto é, uma chance em 1 seguido de doze milhões de zeros. A partir de probabilidades tão ínfimas eles concluem que a vida, particularmente a vida humana, deve ser extrema­ mente rara no universo. É preciso observar que tais cálculos não incluíram outros fatores igualmente improváveis como encontrar as condições favoráveis, num planeta favorável, adequadamente localizado nas proximidades de uma estrela favorável. Esses são apenas alguns exemplos! Muitos fenômenos similares são citados por Barrow, Tipler e Leslie. Parece que o universo está precisamente desenhado para ser receptivo à vida inteligente. 42 Universes, London: Routledge, 1989, p.4. 43 John D. Barrow e Frank J. Tipler, The Antropic Cosmological Principle, Oxford: The University Press, 1986, p. 565.

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Muitos cristãos, incluindo John Leslie, Richard Swinburne e Hugh Ross, basearam sua causa para a existência de Deus em tais evidências cosmológicas do design. E eles não estão sós. Muitos cientistas, que não são cristãos, têm sido igualmente impressionados pela espetacular sintonia fina do universo. Assim é que, Stephen Hawking, citado por Boslough, afirma: Os fatores contrários à existência de um universo como o nos­ so, emergindo de algo como o Big Bang, são enormes. Eu penso que há claras implicações religiosas. 44

Freeman Dyson, de modo semelhante, escreve: ...numerosos acidentes parecem conspirar no sentido de fazer que nosso universo seja habitável. ... Quanto mais eu sondo o universo, e os detalhes de sua arquitetura, mais evidência eu encontro de que o universo de algum modo soube que nós está­ vamos a caminho.45

Paul Davies, igualmente, chega à conclusão: E muito difícil resistir à impressão de que a presente estrutura do nosso universo, aparentemente tão sensível a pequenas alte­ rações em números, foi cuidadosamente pensada. 46

Numa obra posterior Davies comenta que “a impressão de um design é esmagadora”.47 44 John Boslough, Stephen Hawking's Universe, New York: William Morrow, 1985, p. 121. 45 Freeman Dyson, Disturbing the Universe, New York: Harper and Row, 1979, p.250. 46 God and the New Physics, New York: Simon and Schuster, 1983, p. 189. 47 The Cosmos Blueprint, New York: Simon and Schuster, 1988, p.203.

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Alternativas ao Conceito de Design Apesar disso, tais conclusões não são nem de longe unânimes. Várias explicações alternativas do aparente ajuste fino do universo têm sido propostas, das quais examinaremos as seguintes: 1. Teorias de Múltiplos Mundos - tudo é possível numa infinidade de universos. 2. Princípios Antrópicos - se o universo tivesse sido diferente, não estaríamos aqui para vê-lo. 3. Teorias do Tudo - a teoria do tudo afirmam que apenas um mundo é possível, que nosso mundo não é acidental, mas necessário. 4. Seleção Natural - nosso universo é o resultado de um processo de seleção natural.

1. Teorias de Múltiplos Mundos Um modo de explicar o aparente design neste notável ajuste fino do universo é sugerir uma multiplicidade de universos, existindo sucessivamente ou simultaneamente. Se houvesse uma quantidade imensamente vasta de universos, com propriedades diferentes, então não seria improvável que a vida surgisse em alguns desses universos. Nosso universo seria então um desses raros universos. Vários mecanismos para a geração de múltiplos universos têm sido propostos. a. Ciclos Sucessivos de um Universo Oscilante Se informação é perdida numa singularidade, e se cada novo universo tem propriedades diferentes, como sugerido por John Wheeler e discutido anteriormente, então uma completa sucessão de universos pode ser gerada. Atualmente, contudo, com as evidências observacionais a favor de um universo aberto, sem ciclos futuros, essa alternativa não é viável. 151

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b. Múltiplos Domínios Se o universo for imensamente grande, talvez até mesmo infinito, então é possível que enormes regiões, efetivamente fora de vista umas das outras, apresentem propriedades dife­ rentes.

c. Teoria Quântica dos Mundos Múltiplos Uma interpretação da mecânica quântica é que, cada vez que um observador faz uma medição, ele, juntamente com o universo, é dividido em dois! Sempre que uma escolha deve ser feita entre as várias possíveis decorrências de um evento quântico, o universo se ramifica num conjunto de universos, um para cada opção possível. Isso dá lugar a uma infinidade de universos paralelos, virtualmente independentes, com diferentes propriedades. d. Flutuações do Vácuo Quântico Se é possível que nosso universo tenha sido criado do nada, por via de uma flutuação do vácuo quântico, como dis­ cutido numa seção anterior, então não há nada que impeça a ocorrência desse fenômeno inumeráveis vezes. Talvez mesmo um universo “filhote” possa ser gerado nas entranhas do nosso próprio universo. Em qualquer dos esquemas acima, a presença do nosso universo, com sua relativa hospitalidade para com a vida, é explicada como uma ocorrência casual, um fenômeno raro num virtualmente infinito conjunto de universos estéreis em sua vasta maioria. Swinburne argumenta que o ponto de vista de múlti­ plos mundos contraria o método científico normal.48 Nós extrapolamos às distantes partes do universo, supondo serem 48 Richard Swinburne, “Argument from the Fine-Tuning of the U niverse”, em John Leslie, Physical Cosmology and Philosophy, London, 1990, p. 167.

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aplicáveis as leis do presente. Toda evidência aponta para a constância dessas leis, sendo a observada isotropia do uni­ verso a mais admirável evidência. Podem haver situações questionáveis (por exemplo, numa singularidade) onde algumas das leis não se apliquem, mas não há nenhuma evidência sugerindo que em geral as leis eram diferentes. Em todas as regiões do espaço e tempo, que estão espacial e tem­ poralmente relacionadas com a nossa, não temos razão para duvidar que as leis físicas e condições limites sejam quantita­ tivamente as mesmas que as nossas; não temos razão para pôr em dúvida a aplicação universal do princípio de indução. Na teoria quântica de mundos múltiplos há uma infini­ dade de universos, nenhum dos quais jamais produz qualquer efeito observável sobre o nosso. Swinburne argumenta que seria muito mais simples interpretar a mecânica quântica indeterministicamente como apenas descrevendo probabili­ dades físicas do comportamento dos constituintes reais do universo, e postular que as condições limites de fato residem numa faixa estreita. De acordo com Swinburne: E princípio crucial do método científico que entidades não de­ vem ser postuladas além da necessidade... postular mundos múl­ tiplos infinitos com o intuito de salvar uma interpretação preferi­ da de uma fórmula, que não é de modo algum obviamente mais simples que as explicações alternativas, e evitar ter que postular uma faixa bem estreita de condições limites, parece loucura.49

Ele conclui ser muito mais simples explicar o nosso uni­ verso feito sob medida especificando apenas uma entidade do tipo simples: Deus. Nosso mundo produtor de vida é mais plausivelmente explicável pela existência de Deus do que 49 Richard Swinburne, “Argument from the Fine-Tuning of the Universe”, em John Leslie, Physical Cosmology and Philosophy, London, 1990, p. 171.

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através de defender a existência de mundos infinitos e invisíveis. John Leslie, igualmente, tem argumentado que a hipó­ tese Deus é mais simples e mais plausível como uma explica­ ção para o ajuste fino do universo do que essas hipóteses de mundos múltiplos. Conforme Leslie,50 essa última hipótese é muito artificial e não encontra apoio em nenhuma evidência independente, enquanto que existem outras evidências que favorecem acreditar em Deus. Também, John Polkinhorne argumenta a favor da superioridade da opção teística: Uma possível explicação de igual respeitabilidade intelectual e que, ao meu ver, é de maior economia e elegância - seria que este mundo único é do modo que é porque é a criação pela von­ tade de um Criador que determina que assim deve ser.51

Por outro lado, Drees duvida que simplicidade favoreça a idéia de design sobre a de múltiplos mundos. Simplicidade, ele afirma, tem a ver com a estrutura de uma teoria, não o número de entidades que ela prediz.52 Poderiam ser combinadas as duas alternativas? Ian Barbour pensa ser possível uma interpretação teísta para a hipótese de mundos múltiplos, e que Deus e acaso não pre­ cisam ser conceitos mutuamente exclusivos. Ele sugere a possibilidade de que: Deus criou muitos universos de modo tal que vida e inteligên­ cia pudessem ocorrer neste universo. Reconhecemos, isso atribui ao acaso um papel de importância incomum, e envolve um 50 “Modern Cosmology and the Creation of Life”, em E. McMullin, Evolution and Creation, Notre Damme: The University Press, 1985. 51 One World: The Interaction of Science and Theology, Princeton: The University Press, 1986, p.80. 52 Drees, Beyond the Big Bang, p. 68.

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colossal desperdício e ineficiência, se há muitos universos sem vida. Mas - alguém poderia argumentar - para Deus não há escassez nem de espaço nem de tempo. Assim, eficiência não passaria de um critério dúbio.53 54

A isso pode-se responder que certamente um Deus onis­ ciente não necessita do acaso. De fato, para Ele não existe tal coisa como o acaso. Ele sabe que condições iniciais gera­ riam um universo favorável. Então, que necessidade para Ele criar incontáveis universos simplesmente para gerar o nosso? 2. Princípios Antrópicos

Para explicar-se o observável ajuste fino de nosso univer­ so - de modo não teísta - é preciso não apenas uma multi­ plicidade de universos, mas também um efeito de seleção observacional. Como é que aconteceu que nós nos achamos num universo favorável à vida? Uma resposta óbvia é que, se o universo tivesse sido diferente do que ele é, não estaríamos aqui para observá-lo. Portanto, as propriedades físicas que observamos são o resultado de um efeito de seleção de abrangência total. Citando Barrow e Tipler: Quaisquer propriedades do universo que possam inicialmente parecer assombrosamente improváveis, só podem ser vistas em suas reais perspectivas depois de levarmos em conta o fato de que certas propriedades do universo são pré-requisitos necessários para a evolução e existência dos próprios observadores.^

Tal explicação faz uso do princípio antrópico. O princípio antrópico é usado em várias formas: 53 Religion in an Age ofScience, San Francisco: Harper, 1990,p.l38. 54 The Anthropic Cosmological Principle,]). 2.

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a. O Princípio Antrópico Fraco (WAP - Weak Anthropic Principie) Trata-se da mais básica versão do princípio antrópico, e refere-se primariamente ao princípio de auto-seleção: o que observamos deve ser compatível com a nossa existência. A definição dada por Barrow e Tipler é: Os valores observáveis de todas as constantes físicas... tomam valores restringidos pelos requisitos de que existem lugares onde formas de vida baseadas no carbono podem evoluir, e pelo requi­ sito de que o universo é velho o bastante para já ter assim feito.ss

Em resumo, nossas observações são tendenciosas, a favor de cenários nos quais existimos. Essa é a forma mais fraca do princípio antrópico. b. O Princípio Antrópico Forte (SAP - Strong Anthropic Principie) Este é mais severo, e muito mais especulativo. Barrow e Tipler o definem como o conceito de que “o universo tem que ter aquelas propriedades que permitem o surgimento da vida em seu interior, em algum estágio de sua história”.55 56 Este é freqüentemente associado com o ponto de vista de mundos múltiplos: de que todas as possibilidades precisam ocorrer, inclusive algumas em que surge a vida. Enquanto a forma fraca (WAP) afirma que o universo deve ser tal que a vida/wde ocorrer, a forma forte (SAP) especifica que a vida tem que ocorrer. A forma forte (SAP) especifica que a vida tem que ocorrer não apenas em nosso universo, mas em todos os universos possíveis. Swinburne observa que a forma fraca (WAP) é apenas uma verdade trivial: qualquer teoria tem 55 The Anthropic Cosmological Principle, p. 16. 56Ibid., p. 21.

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que ser compatível com as observações.57 Devemos ter em mente que a WAP não é apenas uma explicação casual: não podemos dizer que as condições iniciais e leis são conseqüências de nossa existência. Ao invés disso, o oposto é o caso. Quanto ao SAP, com suas reivindicações de que as leis da natu­ reza tem que ser tais que a vida possa existir, não há evidência em que se possam apoiar. De acordo com o conhecimento atual, o oposto parece ser verdadeiro. De fato, era muito muito mais provável que o universo não produzisse vida. Heinz Pageis afirma que o princípio antrópico faz tempestade em copo d’água, apresentando profundas defici­ ências, e não tendo lugar em cosmologia.58 Ele alega que esse princípio é inteiramente ad hoc, não prediz coisa alguma, e é imune à falsificação experimental. Teria sido mais produtivo, ele diz, buscar explicações em termos de leis da natureza do que apontar para um alegado efeito de seleção. A questão se resume sobre se as condições iniciais do universo foram arbi­ trárias ou necessárias. Somente no primeiro caso faz sentido apelar para um efeito de seleção tal como o princípio antrópico. Enquanto não for melhor entendida a origem do universo, é prematuro invocar o princípio antrópico. Pageis argumenta que o princípio antrópico deprecia a verdadeira ciência; aque­ les que o usam têm de fato desistido da tentativa de encontrar uma explicação realmente fundamental para a natureza das coisas. Ele observa também que o princípio antrópico está em competição direta com o princípio teísta: de que o universo parece finamente ajustado para a nossa existência porque foi finamente ajustado por Deus para a nossa existência. Sua ava­ liação sobre aqueles que defendem o princípio antrópico é: É claro que alguns cientistas, crendo que ciência e religião são

57 “Argument from the Fine Tuning of the Universe”, p. 165. 58 “A Cozy Cosmology”, em Leslie, Physical Cosmology and Philosophy, p. 175.

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Deus e Cosmos mutuamente exclusivos, acham esta idéia pouco atraente. Ao encararem questões que não se encaixam satisfatoriamente dentro do âmbito científico, eles são pouco inclinados a buscar explicações religiosas; contudo a curiosidade deles não os per­ mite deixar certas questões em aberto. Daí, o princípio antrópico. E o mais próximo que alguns ateus podem chegar de Deus.

O princípio antrópico fraco pode explicar algumas coisas, se combinado com a teoria de múltiplos universos. Mas não consegue explicar porque temos exatamente o universo que temos, e não um outro, digamos, ligeiramente menos isotrópico. Se este universo é como é, com o único propósito de criar vida, então seu arranjo podería ter sido muito menos preciso.

3. A Teoria do Tudo Os comentários de Pageis acima citados levantam uma terceira possibilidade: a de que os valores aparentemente arbitrários das constantes físicas são de fato ditados por uma lei mais básica. Pode ser que uma teoria mais fundamental mostre que as constantes tenham que ter os valores que têm. Em tal caso, coincidências como as listadas acima transfor­ mam-se em necessidades. Recentemente, esforços foram dirigidos no sentido de elaborar uma Teoria Ampla Unificada, que unisse as forças nucleares e eletromagnéticas numa única teoria. Muito esforço foi também direcionado no sentido de combinar a relatividade geral e a mecânica quântica numa teoria unificada de gravidade quântica. Uma tal teoria é necessária em situa­ ções onde a densidade matéria-energia é extremamente alta, tal como se pensa ter sido a situação ocorrida logo após o Big Bang. As últimas teorias, envolvendo “super-cadeias” multidimensionais tentam fundir todas essas forças numa única teoria, A Teoria do Tudo (A Theory of Everything - TOE/ 158

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Ela é assim chamada, teoria do tudo, porque acredita-se que tudo poderia ser logicamente deduzido a partir de tal teoria. Bem sucedida, a teoria do tudo parece que solaparia o argumento do design. Todavia, de acordo com Barbour,59 tal teoria seria bem-vinda como parte do design de Deus. Enquan­ to tal teoria possa mostrar que apenas um universo é possível e que as características de nosso universo são necessárias, em vez de acidentais, ela ainda deixa sem explicação o por quê ou o como o universo tornou-se concretizado em mundo real. Contudo, mesmo a teoria do tudo não explica completa­ mente o ajuste fino do universo. Para tirar conclusões sobre situações particulares necessitamos não apenas de leis univer­ sais, mas também de condições de limites apropriados. E como Barbour afirma: “Evolução deve ser descrita por meio de um relato de fatos históricos, e não apenas através de leis que predizem”.60 Assim, seríamos deixados com a questão do por quê as condições de limite eram como eram. Indo além, para que uma teoria do tudo explicasse literal­ mente tudo, incluindo as características não apenas de espé­ cies particulares, mas também de indivíduos particulares, isso claramente requer um conhecimento das condições de limites de tal nível de detalhe que seria praticamente impossível a seres humanos adquirirem. Stephen Hawking também considerou a possibilidade de uma teoria do tudo. Ele conclui que mesmo que uma tal teoria pudesse ser encontrada, ela ainda deixaria algumas questões não respondidas: Mesmo que haja possível apenas uma teoria unificada, ela não passa de um conjunto de regras e equações. O que é que põe fogo nas equações e produz um universo que elas possam descrever?

59 Religion in an Age ofScience, p. 139. 60Ibid., p. 139.

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Deus e Cosmos A costumeira abordagem científica de construir um modelo ma­ temático não consegue responder às questões do por quê haveria um universo para o modelo matemático descrever.61

Mas Hawking é otimista: No entanto, se descobrirmos uma teoria completa, ela deverá, no devido tempo, ser compreensível ... por todos ... Então todos seremos... capazes de participar da discussão da questão do por quê nós e o universo existimos. Se encontrássemos uma resposta para isso, seria o triunfo máximo da razão humana - pois então conheceríamos a mente de Deus.62

Hawking superestima o valor de uma teoria do tudo, ao mesmo tempo que subestima o conteúdo da mente de Deus. Resumindo, mesmo que uma teoria do tudo pudesse ser estabelecida, a questão do design ainda permanece. Ainda seria necessário explicar as condições de limites, a existência da teoria do tudo, e a existência do próprio universo. Tudo isso, é claro, pressupõe que tudo no universo é o resultado de leis físicas normais. Se levarmos em conta as influências espirituais e milagres, então o significado ou importância de uma teoria do tudo fica ainda mais reduzido. 4. Um Universo por Seleção Natural O astrônomo americano Edward Harrison propôs que o nosso universo foi feito por formas de vida altamente inteligentes, vivendo em outro universo, e que o aparente ajuste fino de nosso universo teria sido resultado de seleção natural.63 Ele defende que, sob condições controladas de 61 S. W. Hawking, A BriefHistoryofTime, New York: Bantam, 1988, p. 174. 62 Ibid.,p. 175. 63 “The Natural Selection of the Universes Containing Intelligent Life”, QuarterlyJournal ofthe RoyalAstronomicalSociety, 1995,36, pp. 193-203.

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laboratório, pode ser viável a criação de um universo a partir da formação de um buraco negro (black hole) de pequenas dimensões (10 kg) constituído de partículas de alta-energia. As constantes físicas do universo descendente seriam pratica­ mente as mesmas do universo matriz. Seres altamente inteligentes poderiam então criar novos universos que pudessem ser receptivos à vida. Somente universos contendo seres inteligentes teriam possibilidade de se reproduzir. Harrison pressupõe que, inicialmente, houve um con­ junto de universos, com constantes fundamentais diferentes, contendo pelo menos um universo onde vida inteligente ocor­ reu. A partir daí, por reprodução, os universos inteligentes dominaram o conjunto. Universos com maior hospitalidade à vida são naturalmente selecionados pela sua capacidade de reprodução. O mesmo astrônomo argumenta que a crença num ser sobrenatural criador faz cessar a investigação científica, enquan­ to que o princípio antrópico implica numa vasta área de refugo de universos estéreis. Sua proposta, por outro lado, propõe que a vida em si própria exerce a função ou atividade de criar, o que então deixa a esfera religiosa e se torna objeto de investigação científica. É claro, porém, que tal proposta tem um número de pon­ tos fracos.64 Primeiro, o proposto cenário de criação de universos é, para dizer o mínimo, altamente especulativo; e baseia-se em concepções cosmológicas e físicas de partículas ainda não testadas empiricamente. Quanto ao postular um universo mãe, sem conexão espacial e causal com o nosso, isto é ineren­ temente inverificável. 64 John Byl, “On the Natural Selection of Universes”, Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, 1996,37, pp. 369-371.

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Segundo, seleção natural, como explicação de complexi­ dade, geralmente invoca uma evolução na direção de comple­ xidade crescente. Aqui, contudo, a direção é invertida: nosso universo é postulado como tendo sido criado por seres superi­ ores, e não inferiores. Usando a analogia de Paley, isso seria como se, ao descobrir um relógio, o investigador inferisse não a existência do relojoeiro, e sim a de uma sofisticada máquina de fazer relógios. A proposta explica o problema original ao alto custo de substituí-lo por um outro de muito maior complexidade. E somos ainda deixados com várias questões em aberto, tais como “o que” criou o conjunto inicial de universos, em particular aquele onde estariam os seres de inteligência superior. Isso nos conduz de volta às teorias de mundos múltiplos e princípios antrópicos. Para simplificar, a proposta de que nosso universo foi criado por seres inteligentes não é uma explicação viável para a origem de nosso universo. O cenário de seleção natural é inventado, inverificável, e finalmente se reduz meramente a uma versão desnecessariamente mais complicada de teísmo ou de princípios antrópicos. Parece mais racional pressupor nosso universo como o primeiro a conter seres inteligentes criados. Resumindo, as características observadas do universo parecem ser muito mais plausivelmente explicadas através do design divino do que pela alternativa de teorias de mundos múltiplos, princípios antrópicos, teorias do tudo, ou seleção natural. Isso, pelo menos, é a minha avaliação pessoal. Infe­ lizmente, contudo, devemos reconhecer que o argumento carece de compulsão. Ao julgar teorias científicas, critérios como simplicidade e plausibilidade muitas vezes estão no olho daquele que observa - um observador cuja avaliação é moldada por suas convicções religiosas mais profundas.

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Design e Evolução Se de fato o universo teve exatamente os parâmetros necessários para evoluir ao presente estado, com toda a sua detalhada estrutura e diversas formas de vida, isso poderia ser visto como forte evidência a favor da evolução. Afinal, num universo criado instantaneamente, em forma madura, parâmetros cosmológicos - tais como densidade e taxa de expansão - poderiam ter sido muito diferentes. Isso faz pare­ cer que, de um ponto de vista criacionista, o ajuste fino é inexplicável, meramente coincidente. Em resposta, observamos, primeiro, que o ajuste fino alegadamente necessário para o surgimento de vida em grande parte seria também necessário para suster a vida. A vida - pelo menos na forma como conhecemos - depende criticamente das singulares propriedades de elementos como carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio. As propriedades necessárias para suster a vida não mais existiriam se, por exem­ plo, as forças nucleares ou eletromagnéticas fossem apenas ligeiramente diferentes, ou se a massa relativa de elétrons e nêutrons estivesse em proporções ligeiramente diferentes. Assim, também, um universo recentemente criado requereria um considerável grau de ajuste fino das leis e constantes físicas. Um segundo fator é que muitas das assim chamadas coincidências antrópicas são baseadas mais em especulação teórica do que em fatos observacionais. Tome, por exemplo, a altíssima precisão requerida para a taxa de expansão inicial, como anteriormente mencionada. Tal alta precisão certa­ mente não é observada, sendo a presente taxa de expansão conhecida a uma precisão melhor que não ultrapassa 10 por cento. Pelo contrário, as coincidências antrópicas são pura­ mente inferidas com base em cálculos teóricos. Como tal, o ajuste fino hipotético poderia ser visto como uma medida 163

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da implausibilidade da cosmologia do Big Bang, o qual somente pode explicar o presente universo apoiando-se em uma conjeturada e extremamente improvável taxa de expan­ são do passado.

Conclusões É chegada a hora de finalizar nossa discussão sobre provas quanto a existência de Deus. Há três pontos que eu gostaria de frisar:

1. A Limitação das Provas Como já vimos, embora as várias considerações cosmo­ lógicas possam levar alguém a inferir que o universo físico teve um começo num tempo finito do passado, tal conclusão não é de modo algum rigorosa. Há incerteza suficiente quan­ to às leis físicas e suas aplicações, o que impede que outras possibilidades sejam eliminadas de modo definitivo. A mes­ ma consideração geral se aplica ao argumento do design. Contudo, embora tais argumentos não sejam compul­ sivos, eles claramente têm sua força de persuasão. De fato, vários astrônomos têm tirado implicações teístas a partir da cosmologia do Big Bang. Isso tem levado alguns a rejeitar a cosmologia do Big Bang, e outros a aceitar uma variedade de diferentes concepções de Deus. Poucos, entretanto, por este meio, parecem ter sido convertidos ao cristianismo ortodoxo. Por que seria esse o caso? Possivelmente porque o argumento cosmológico em si mesmo, aponta para um Causador Principal, um ser eterno que dá início ao universo. O argumento teleológico não nos leva muito além disso. John Leslie, um defensor do argu­ mento do design, afirma que Deus não precisa absolutamente ser uma pessoa, mas meramente um “requisito ético criativa­ mente efetivo para a existência de um (bom) universo, ou 164

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universos”.65 Esses deuses, abstrações impessoais como são, dificilmente seriam objeto de inspiração ou que requeiram nossa adoração. No máximo isso nos leva a um Deus deísta. A plausibilidade de providência, revelação sobrenatural e milagres precisam ainda ser mostrados. E claro que, entre os conceitos de Causador Principal ou Designador (autor do design) sugeridos pelos argumentos cosmológico e teleológico e o Deus vivo da Bíblia, há uma distância tremenda a ser percorrida.

2. Comprometimento com o Big Bang Argumentar partindo do Big Bang para o Deus da Bíblia resulta em outro problema, qual seja, a vinculação com o Big Bang que isso necessariamente acarreta. Estabelecer vínculos muito restritivos de uma prova teísta com um modelo cosmológico particular abre espaço para desastres teológicos, caso tal modelo venha a ser destronado. O que é mais impor­ tante, mostraremos em capítulo subseqüente, é que a visão bíblica da realidade é bem diferente daquela da cosmologia Big Bang. Tais diferenças envolvem não apenas questões de origem e escatologia, mas também a presente estrutura do universo. Por exemplo, na cosmologia Big Bang não há lugar para um Deus transcendente, para causas sobrenaturais, ou para uma alma imortal. Assim, ao se construir um ponto de vista cristão da reali­ dade, a cosmologia Big Bang finalmente terá que ser substi­ tuída por modelos cosmológicos que estejam mais em acordo com informações bíblicas. Segue portanto que, argumentações de apologistas como Craig e Ross têm pouco valor como meio para animar ou dar sustentação a fé dos cristãos. Na realidade, ao endossarem a cosmologia do Big Bang eles estão introdu­ zindo uma nova epistemología que dá peso excessivamente 65 Leslie, Universesrf). 186.

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alto à teorização especulativa sob a aparência ou pretexto de revelação geral. Isso, inevitavelmente, trará graves implicações à visão tradicional de autoridade bíblica e hermenêutica. Uma vez reconhecido um Deus sobrenatural, o caso para uma singularidade Big Bang torna-se fraco, já que outras opções plausíveis são agora viáveis. Se Deus pode criar o universo inteiro ex nihilo no momento da singularidade, alguém podería conjeturar, por exemplo, que Ele formou este universo de um universo já existente ou Ele criou o universo inteiro ex nihilo num passado mais recente. A questão se torna então teológica, e pode ser respondida apenas através daquilo que Deus revelou-nos em sua Palavra escrita. 3. O Papel da Revelação Geral Aqui alguém poderia perguntar: e quanto à revelação geral de Deus? Acaso Ele não nos revela verdades, tais como a cosmologia Big Bang, através da natureza? De acordo com Ross, a criação revela não apenas verdades essenciais a respeito do caráter de Deus, mas também todos os passos necessários para que seja desenvolvido um relaciona­ mento correto com Deus.66 Esses passos são, de modo único e incomparável, corroborados pela Bíblia. Como ilustração da acessibilidade da informação Ross afirma que Jó, sem o auxí­ lio das Escrituras, discerniu todos os elementos através dos quais o homem poderia encontrar vida eterna em Deus. Se de fato Jó obteve tal conhecimento apenas através de observação bruta e raciocínio, é duvidoso. Uma pessoa não pode excluir a possibilidade de que esse conhecimento tenha sido adquirido por tradição oral (por exemplo, através dos patriarcas), ou diretamente de Deus (ver Jó, capítulos 38-41). O fato do conhecimento de Jó ter sido questionado por seus 66 Ross, The Fingerprint of God, p. 182.

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amigos mostra que seu conhecimento, se revelado pela criação, certamente não foi percebido por outros da mesma maneira. Enquanto a Bíblia afirma que Deus revela verdade através da natureza, tal verdade é de natureza limitada, concernente à Sua natureza. “Porque as Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o Seu eterno poder, como a Sua divindade, se entendem, e claramente se vêm pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis” (Romanos 1:20).

A revelação de Deus inteiro através de Suas obras é pri­ mariamente uma questão de awío-revelação de Deus. Como tal é compreendido, antes de tudo, não através de investigação científica, e sim através da fé. Isso fica evidente nos Salmos (por exemplo, Salmos 33 e 104), os quais revelam a percepção da fé nas obras das mãos de Deus. Os Salmos sobre a natureza lidam não com aspectos abstratos da realidade cósmica, mas em vez disso, com a realidade pura e simples. Até mesmo o homem pré-científico pode discernir a ordem, beleza, vasti­ dão e harmonia da criação. Deus Se revela através da natureza de modo tal que todo homem está ciente do verdadeiro Deus. Este conhecimento não depende de prova lógica ou argumentação científica. E muito mais direto. O homem, tendo sido feito à imagem de Deus, não pode olhar para as coisas da natureza sem imediata­ mente perceber nelas a obra de Deus. Veja a majestade, beleza, bondade e ordem ao nosso redor: as estrelas, flores, e assim por diante. Não seria óbvio que estas coisas certamente foram criadas por um grandioso Deus? Contudo, apesar da deidade de Deus ser claramente reve­ lada através da natureza, o homem distorce e suprime este conhecimento; o homem rejeita a Deus e torna-se fútil em seu 167

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entendimento, sua mente insensível torna-se obscura. Então Deus os abandona às suas paixões infames e a um sentimento perverso (ver Romanos 1:18,21-32). Então é somente pela pregação do evangelho e operação do Espírito Santo que o homem pode vir ao conhecimento de Deus. O homem pós-queda tem necessidade das Escrituras para interpretar corretamente a natureza. Assim, embora haja uma revelação natural, isso não leva a uma teologia natural: sem o guia das Escrituras o homem se perde em fúteis especu­ lações. Para usar a analogia de Calvino, os olhos dos homens estão por demais obscurecidos para lerem o livro da natureza apropriadamente; nós necessitamos dos óculos das Escri­ turas para expulsar as trevas e dar-nos uma visão clara do verdadeiro Deus, corrigindo assim nossas confusas noções de Deidade.67 Como observou Stephen Spencer,68 os Salmos sobre a natureza (por exemplo, Salmos 8, 19,29,65 e 104) não consti­ tuem base para uma teologia natural. Os Salmos são postos no meio do povo de Deus. Neles, a natureza jamais é vista como uma revelação independente da Palavra de Deus: a lei de Deus jamais é afastada do pensamento do salmista. O que vemos aqui é uma teologia sobre a natureza, e não uma teologia natural. A revelação natural de Deus é interpretada dentro do escopo da Palavra de Deus, e nunca independente dela. E necessário frisar que o conhecimento revelado através da natureza concerne apenas aos atributos de Deus e que este conhecimento é adquirido pela nossa experiência direta com a natureza, não através de nossos modelos científicos. Não há qualquer evidência bíblica que sugira que Deus Se revela 67 João Calvino, Institutes of the Christian Religion (Instituías da Religião Cristã), 1559,1. vi. 1. 68 S. R. Spencer, “Is Natural Theology Biblical?”, Grace TheologicalJournal, 1988,9, pp. 59-72.

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através de nossas falíveis teorizações humanas. De fato, a Bíblia enfatiza a limitação do conhecimento humano, particularmente com respeito a origens (veja, por exemplo, Jó, capítulos 38-41; Isaías 41:21-24; Eclesiastes 3:11). A cosmologia Big Bang, na medida em que consiste de extrapolação teórica que vai além dos dados observados, não pode ser considerada como parte da revelação geral de Deus. Não se trata de uma verdade revelada. E mera especulação, e como tal não pode ser considerada como uma evidência válida para Deus. E nem mesmo é necessária: o homem já é inescusável. Em resumo, cosmologia nos fala muito pouco a respeito de Deus. Através da estrutura e propriedades do universo podemos obter um melhor entendimento a respeito da operosidade de Deus, mas não muita coisa a respeito do Criador. O escopo da teologia natural - o estudo de Deus por meio da natureza e da razão humana, e não da revelação é extremamente limitado. O que, então, restaria do status apologético dessas provas teístas? Embora elas falhem em demonstrar a existência de Deus - particularmente o Deus da Bíblia - seu valor principal consiste em mostrar que o naturalismo inerente na ciência moderna não pode plausivelmente ser mantido indefinida­ mente. Ao final, o naturalismo falha em suprir explicações satisfatórias para a abundante riqueza da nossa realidade experimental, e dá pouco esclarecimento às questões mais profundas sobre origens, propósito e destino. O naturalismo, aplicado de forma coerente, mina seu próprio terreno.

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5 Cosmologia, Vida e Futuro Até aqui temos nos concentrado primariamente em questões envolvendo a estrutura passada e presente do cosmos. Contudo, a questão do futuro do universo é também de grande interesse para nós. O que teria a cosmologia moderna a nos dizer com respeito ao futuro? Num futuro imediato, uma das esperanças da atual socie­ dade é estabelecer contato com civilizações extraterrestres. Portanto, é mister examinar a possibilidade e as implicações de um tal evento. Mas, e quanto a um futuro remoto? Poderí­ amos esperar que a vida humana, ou mesmo qualquer forma de vida, continue a existir indefinidamente? A maioria dos cosmólogos é bem pessimista a respeito disso, porém, como veremos, existem uns poucos que vislumbram cenários mais otimistas. Finalmente, de primária importância para nós como pessoas individuais, é a questão da nossa própria imortali­ dade. Mesmo supondo que a vida seja para sempre, isso representaria conforto limitado para indivíduos que devem enfrentar a morte e a extinção. E quanto a ciência, será que ela nos oferece alguma esperança de vida após a morte?

A Vida no Universo Seria a Terra o único berço para a vida no universo? Estaria o homem só? Ou será que existe vida extraterres­ tre inteligente (além dos anjos e demónios) em algum outro 170

Cosmologia, Vida e Futuro

lugar do espaço? Muitas pessoas créent que tais criaturas existem e que a vida encontra-se espalhada por todo o uni­ verso. Em 1992 a agência espacial americana, NASA, lançou um grande projeto denominado SETI (Search for Extra Terrestrial Intelligence - Busca de Inteligência Extraterrestre). Radiotelescopios ao redor do mundo são usados para sondar estrelas distantes em busca de sinais que possam ser de ori­ gem artificial. Até agora o resultado tem sido completamente negativo. Apesar disso, é importante examinar o tema de vida e inteligência artificial levando em conta as considerações teológicas e científicas.

Breve História de ETI (Inteligência Extraterrestre) Vêm de longa data as especulações sobre a existência de vida extraterrestre (ETL - Extra Terrestrial Life) e inteligên­ cia extraterrestre (ETI - Extra Terrestrial Intelligence).1 Essas remontam à época do filosofo grego Demócrito (c. 460-370 a.C.), que acreditava na existência de um infinito número de mundos, cada um desses com um planeta central, habitado. Ele acreditava também que a lua fosse povoada. Todavia, a crença em ETI não era popular nos tempos antigos; nem também na idade média, em cuja cosmologia hierárquica finita não havia lugar para outros planetas habitados, embora a exis­ tência de legiões de anjos - e demônios - fosse reconhecida. O grande impulso para ETI veio com o advento da revolução copernicana do século 16. Com o rebaixamento do nosso planeta a apenas um planeta como os outros, deixou de haver razão para a crença em sua singularidade de função ou* S. 1 Na exposição a seguir, eu fiz uso do excelente trabalho de pesquisa de S. J. Dick (Plurality of Worlds, Cambridge University Press, 1981), e F. J. Tipler (‘A Brief History of the ETI Concept’, Quarterly Journal of the RoyalAstronomical Society, 1982,22, pp. 133-145).

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composição. Assim, por exemplo, o astrônomo Johannes Kepler, entre muitos outros, pensava que o sol, os outros planetas, e particularmente a lua, eram povoados. Pelo final do século dezoito, a crença em ETI já era bastante popular na comunidade científica. A demonstração de falta de atmosfera lunar havia, naquela época, eliminado a possibilidade de inteligência na lua. Mas, isso apenas fez com que a crença na existência de ETI fosse transferida para outros corpos celestes. O famoso filósofo Immanuel Kant2 deixou-nos um tratado descrevendo com certo grau de detalhes algumas formas de vida que, segundo ele, povoavam os pla­ netas do nosso sistema solar. Por longo tempo, o mais forte candidato para ETI foi o planeta Marte. O interesse chegou ao máximo quando o astrônomo Percival Lowell anunciou que ele de fato havia observado a existência de canais em Marte. Contudo, tais reivindicações extravagantes foram logo desa­ creditadas pela maioria dos astrônomos profissionais, os quais haviam falhado quanto ao discernir os dados observacionais. Daí então, a busca por ETI abandonou o sistema solar, em favor de estrelas mais próximas. Há expectativa de que, num futuro próximo, radiotelescopios mais sensíveis possibilitem a detecção de evidências de civilizações celestes avançadas.

A Razão Científica para ETI Quão forte é a razão científica para ETI? Estimativas variam de modo considerável. Durante os últimos poucos anos tem havido um entusiasmado debate entre dois grupos de cientistas: os que crêem que a existência de ETI já é muito 2 Uma tradução para o inglês da obra de Kant, Allgemeine Naturgeschichte und Theorie des Himmels (1975), por Stanley L. Jaki pode ser encontrada em W. Yourgrau e A. D. Beck (editores), Cosmology, History and Theology, New York: Plenum Press, 1977, pp. 387-403.

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ampla, e aqueles que pensam que sua ocorrência é muito rara, o ser humano sendo provavelmente único. Segundo os otimistas, muitas das estrelas têm planetas, boa porcentagem desses oferecerá condições adequadas para a vida, e a vida de fato se desenvolverá em proporção conside­ rável em muitos de tais planetas habitáveis, e, afinal, muitos dos planetas habitados produzirão sociedades inteligentes. Mesmo sendo conservador, tomando apenas uma pequena fração (digamos 1%) em cada um dos passos desse raciocínio, considerando o grande número de estrelas apenas em nossa galáxia, estimado em aproximadamente 300 bilhões, ficare­ mos ainda com um potencial de três mil civilizações inteli­ gentes só em nossa galáxia. As chances são de que muitas daquelas civilizações serão muito mais avançadas do que a nossa. Os pessimistas, por outro lado, argumentam que todos os fatores acima são por demais incertos, que a atribuição de valores numéricos a tais fatores não passa de mera adivi­ nhação, e que, na realidade, alguns dos elos na cadeia de raciocínio são extremamente improváveis - se não impos­ síveis - baseando-se no conhecimento científico corrente. Examinemos, então, alguns dos mais importantes elos na cadeia de raciocínio acima.

1. Planetas Habitáveis Quantas estrelas têm planetas? Ninguém sabe. Planetas ao redor de outras estrelas seriam pálidos demais para pode­ rem ser observados diretamente através de um telescópio situado na Terra. Portanto, as técnicas para detectarmos a presença de tais planetas teria que ser por via indireta. O método principal é pela observação e constatação de oscila­ ções no movimento de uma estrela, causadas pela atração gravitacional de algum planeta. De tempos em tempos a constatação de oscilações tem sido reportada, e a existência 173

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de planetas tem sido deduzida a partir disso. Até recente­ mente, todas as oscilações então constatadas haviam sido desconsideradas, por se tratarem de falsos alarmes, ocasiona­ dos por problemas observacionais, mas a situação mudou nos últimos anos. Glanz3 reporta que pelo menos nove planetas foram descobertos. Embora tais planetas sejam associados com estrelas do tipo sol, eles são todos de dimensões gigantescas, semelhantes a Júpiter, e orbitando muito mais próximos de suas estrelas do que o previsto pelas teorias padrões de forma­ ção de planetas. Eles certamente não poderíam suster formas de vida semelhantes às atualmente conhecidas. No entanto, tal descoberta torna mais plausível a existência de planetas menores, semelhantes à Terra, mas que seriam menos prová­ veis de causar oscilações observáveis em suas respectivas estrelas, e por isso permaneceriam invisíveis à nós.

2. Vida por Acaso De planeta habitável à realidade de formação de vida num planeta, o salto seria ainda gigantesco. Até aqui, nenhuma vida foi detectada por sondas espaciais enviadas aos planetas de nosso sistema solar. Até pouco tempo, era amplamente aceita a idéia de que Marte poderia abrigar, se não construtores de canais, pelo menos alguma forma mais primitiva de vida. Tal espe­ rança foi posta de lado depois dos testes realizados pela nave espacial Viking, que pousou em Marte em 1976, embora alguns cientistas ainda tenham como inconclusivos os resul­ tados de tais testes. Outro meio de busca de ETL é através de exames de rochas extraterrestres, visando detectar traços de formas de vida primitiva. Rochas lunares trazidas pelos astronautas da Apollo não mostraram qualquer evidência de vida. Grande 3 James Glanz, “Worlds Around Other Stars Shake Planet Birth Theory”, Science, 1997,276,pp. 1336-1339.

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excitação foi gerada em agosto de 1996, quando os cientistas da NASA anunciaram haver descoberto o que eles pensavam ser evidência de vida em Marte.4 Um meteorito encontrado na Antártida, e considerado como sendo originado de Marte, continha microscópicos glóbulos de carbonato, semelhantes às bactérias encontradas na Terra. Infelizmente, foi mais tarde determinado que tais glóbulos podem ser devidos a outras causas - causas inanimadas. Mesmo que formas definidas de vida tivessem sido encontradas e ainda que pudesse ter sido demonstrado que eram de fato originadas do meteorito antes desse haver atingido a Terra, o resultado seria inconclusivo. Pensava-se que um asteróide chocando-se com a superfície de Marte poderia deslocar material para o espaço, e uma parte, como o meteorito em questão, poderia atingir a Terra. Mas, se vida pode ser transportada de Marte para a Terra por meio do impacto de um asteróide, o mesmo mecanismo poderia levar vida da Terra para Marte. Assim, a existência de uma fonte de vida independente em Marte ainda não estaria provada. Sob uma perspectiva naturalista evolucionista, quão provável seria a evolução de vida a partir de não-vida? A presença de muitas moléculas complexas tem sido observada no espaço interestelar. Isso inclui água, metano, amónia, álcool etílico e metílico, e ácido fórmico. Tem sido constatado que ao se expor uma mistura de vapor d’água, metano e amónia à luz ultravioleta pode resultar na formação de aminoácidos. Traços de aminoácidos têm sido detectados em alguns meteoritos. Assim, é provável que os aminoácidos sejam razoavelmente numerosos no universo. O difícilé ir além desses, e chegar à vida real. Organismos terrestres consistem de dois tipos de molécu­ las, cuja interação resulta em vida. Primeiro são as proteínas, 4 D. S. MacKay et al., “Search for Past Life in Mars: Possible Relic Biogenic Activity in Martian Meteorite ALH84001”, Science, 1996,273, pp.924-930.

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das quais os organismos são constituídos. Segundo são os ácidos nucléicos, como o DNA, que suprem informação para a estrutura do organismo, bem como os meios para passar adiante tais informações no processo reprodutivo. Proteínas consistem de aminoácidos; DNA consiste de compridas cadeias de bases. Ambos são compostos de intrincadíssimas combinações de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, e vários outros átomos comuns. Reconhecida a existência dos requeridos aminoácidos e bases, outra coisa bem diferente é, por combinações ao acaso, chegar a combinação exata de modo a formar uma célula completa. A probabilidade disso acontecer por acaso, é virtu­ almente zero. Fred Hoyle julga tão improvável que a vida na Terra tenha sido originada por acaso, que postula ter sido originada nas vastas nuvens de gás interestelares.5 A maioria dos biólogos evolucionistas considera a hipótese do surgimento de vida a partir de não-vida imensamente improvável, e tem sido geralmente céticos a respeito da possibilidade de ETI. Uma estimativa da probabilidade da ocorrência de vida num planeta habitável, nas mais favoráveis condições, é tão imen­ samente pequena quanto 10'32 (isto é, uma chance em cem milhões de trilhões).6 Paul Davies estima que a chance de que permutações ao acaso de moléculas resultem numa molécula de DNA é de 1 em 104000! Isto é, a mesma probabilidade de se atirar uma moeda e obter uma seqüência de 130.000 vezes efígie. Assim sendo, ele conclui que seriam necessários mais de dez bilhões de anos antes que se repetisse nova ocorrência ao acaso de mais uma molécula de DNA no universo observável.7 5 F. Hoyle, The Intelligent Universe, New York: Holt, Rinehart and Winston, 1983. 6M. H. Hart, Extraterrestrials- Where Are They?, New York: Pergamon Press, 1982, p. 23. 7Are We Alone: Philosophical Implications of the Discovery ofExtraterrestrial Life, New York: Basic Books, 1995, p. 28.

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3. Formas Superiores de Vida Um outro gargalo acontece quando partimos de organis­ mos monocelulares para formas de vida mais avançadas. De acordo com Crawford, organismos monocelulares surgiram um bilhão de anos depois que a Terra foi formada, enquanto fo­ ram necessários mais de três bilhões de anos para a evolução à forma de vida animal multicelular.8 Indo adiante, a evolução de animais multicelulares a partir de organismos monoce­ lulares teria ocorrido apenas uma vez na história. Ele conclui que a evolução de formas complexas de vida é muito mais difícil do que o desenvolvimento inicial de vida. Uma preocupação posterior de Crawford é quanto ao surgimento de inteligência. Muitos milhares de espécies, supostamente evoluindo ao longo de muitos milhões de anos, resultaram em apenas uma espécie suficientemente inteligen­ te para desenvolver tecnologia e cultura. Isso implica em que, mesmo dada a existência de vida multicelular, o surgimento de inteligência pelo processo de evolução é muito pouco provável. 4. Matéria Auto-Organizável Tais pessimistas estimativas foram questionadas pelos otimistas, os quais alegam que a presente compreensão do mecanismo de evolução é incompleta. Eles esperam que desenvolvimentos posteriores provem sua convicção de que a evolução é muito mais provável do que atualmente se crê. Afinal, perguntam eles, se vida surgiu aqui, neste planeta insignificante, porque não também em outro lugar? Paul Davies argumenta que a origem da vida não foi um milagre, nem um acidente estupendamente improvável, mas o inevitável resultado de propriedades de auto-organização da 8Ian Crawford, “Galactic Civilizations: A Reply”, Astronomy and Geophysics, 1997,38 (No. 6), p. 19.

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matéria.9 Ele considera que ambas, vida e consciência, são propriedades fundamentais “emergentes” da natureza, conseqüência natural das leis da física que emerge num sistema físico, uma vez atingido um certo nível de complexidade. Como tal, ele crê que a vida deve ser abundante através do universo. Infelizmente, Davies não supre nenhum detalhe sobre como a complexidade necessária pode ser atingida, quais seri­ am as condições reais para a vida e consciência “emergirem”, ou, quais seriam as leis físicas que fariam tal “emergência” ser inevitável. Uma deficiência posterior desta posição é que não há absolutamente nenhuma evidência científica para apoiá-la. Por que tais propriedades de “auto-organização” da matéria jamais foram observadas funcionando em nenhum experimen­ to científico entre os muitos que visam sintetizar a vida? Por que, na visão evolucionária, a vida na Terra surgiu apenas uma vez? As misteriosas “propriedades emergentes” de Davies parecem altamente mágicas: estupendos milagres, cada vez mais inexplicáveis visto que os tais alegadamente ocorrem puramente por si próprios, sem necessidade de intervenção divina. Isto é pouco mais que “pensamento positivo”.

5. Onde Estão Eles? Outro argumento para a escassez de ETI é o fato de nosso planeta Terra, aparentemente, não ter sido colonizado por extraterrestres (ETs). Se ETI fosse comum em nossa galáxia, então pode-se pensar que pelo menos uma dentre as muitas civilizações avançadas já teriam explorado e colonizado a galáxia por este tempo. Posto que não estamos vendo ETs e não há qualquer evidência de que os tais já tenham nos visitado (muito poucos astrônomos crêem que OVNIs sejam 9 Are We Alone: Philosophical Implications of the Discovery ofExtraterrestrial Life, New York: Basic Books, 1995.

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visitantes ETs!), então é porque ETI deve ser raro. Os otimis­ tas respondem que talvez essas civilizações não tenham desejo de colonizar, ou que talvez estejam mantendo a Terra como uma reserva natural - um tipo de zoológico cósmico. Tais opções são rejeitadas pelos pessimistas como sendo excessiva­ mente pouco plausíveis.

Motivação para a Crença em ETI Admitida a falta de evidência científica para ETI, fica evidente que a crença em ETI deve se apoiar noutras conside­ rações - considerações mais de ordem filosófica. Frank Tipler, que acredita estarmos sós no universo, vê uma similaridade muito grande entre crer-se em ETI e crer-se em OVNIs. De fato, eu suspeito ser a mesma a motivaçãofilosófica de ambos, ou seja, a expectativa de que seremos salvos de nós mesmos por alguma intervenção interestelar miraculosa.10 11

Ele apoia tal conclusão baseando-se em citações de vários importantes defensores de ETI. A declaração feita por Cari Sagan é típica: A tradução de uma mensagem de rádio vinda das profundezas do espaço... contém a maior promessa de benefícios tanto práti­ cos quanto filosóficos. Em particular, é possível que entre os primeiros conteúdos de tais mensagens possam haver descrições detalhadas de como evitar desastres tecnológicos, para uma transição de adolescência para maturidade.11

De forma semelhante, A. G. W. Cameron, astrofísico de 10 “ETI Beings do not Exist”, Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, 1980,21,p.278. 11 CaASagzn.,Broca'sBrain, New York: Random House, 1979, p. 276.

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De forma semelhante, A. G. W. Cameron, astrofísico de Harvard escreve: Se pudermos... comunicar com algumas dessas sociedades (de ETs avançados), então poderemos esperar obter enormes enri­ quecimentos em todas as fases de nossa ciência e artes. Talvez possamos também receber lições em técnicas de governo mundial estável.12

Mais recentemente Paul Davies comenta: O interesse em SETI entre o público em geral origina-se em parte, eu sustento, da necessidade das pessoas encontrarem um contexto mais amplo para suas vidas do que a sua existência terrena pode suprir. Numa era em que religião convencional está em acentuado declínio, a crença em superavançados ETs... pode suprir alguma dose de conforto e inspiração... Este sentido de busca por religião pode muito bem atingir os próprios cientistas, embora a maioria deles seja ateus professos .13

É irônico que o homem, tendo rejeitado a Deus, continua buscando os céus por salvação.

Considerações Teológicas Os argumentos acima são todos baseados na premissa de que o homem, e a vida em geral, tem uma origem evolu­ cionária. Antes de Darwin a maioria dos argumentos para ETI eram formulados em termos criacionistas. Qual seria a situação do caso ETI se pressupôssemos uma origem criacionista direta para a vida e inteligência? 12Interstellar Communication, New York: Benjamin, 1963, p.l. 13 Are lifé Alone: Philosophical Implications of the Discoveiy ofExtraterrestrial Life, New York: Basic Books, 1995.

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No século dezessete o recém-inventado telescópio reve­ lou muitas estrelas até então invisíveis. Como elas dificilmente poderiam servir de luminares para o homem, seu propósito tornou-se objeto de debate. Muitos argumentaram que elas funcionavam como Sóis para outros seres inteligentes lá colocados por Deus. Além disso, argumentava-se, como dois universos são melhores do que um, e como o sábio Criador sempre escolhe o melhor, deveria então existir um infinito número de mundos habitados. Qualquer coisa menos que isso, deveria ser considerado indigno de um Criador infinito. De passagem notamos que, para os criacionistas que crêem que a terra é jovem, a objeção quanto a ETI baseada na falta de colonização não é válida, pois nesse caso os ETs não teriam tido tempo suficiente para aplicar seu potencial de exploração. Por outro lado, as mesmas considerações tornam extremamente improvável que, se civilizações similares às nossas já existiram, seríamos capazes de vê-las, isso para não mencionar a interação com elas, num futuro próximo. 1. Ausência de Evidência Bíblica para ETI Várias objeções teológicas têm sido levantadas contra a crença em ETI. Primeiro, se ETs existem, por que razão não são mencionados nas Escrituras? O teólogo luterano Philip Melanchthon (1497 - 1560) observou que, depois que Deus criou a Terra, o Sol, a Lua e as estrelas do nosso cosmos, Ele descansou, e não criou mais nada, muito menos um outro cosmos. Melachthon mostrou que em nenhum lugar das Escrituras há menção da criação de outro homem ou de outro tipo de vida fora da Terra (exceção feita aos anjos, é claro). A isso, foi contra-argumentado que a narrativa bíblica é dirigida ao homem e seu relacionamento com Deus. Outros seres poderiam ter sido criados por Deus, de cuja existência Ele não julgou necessário informar-nos.

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2. ETI e a Encarnação de Cristo Contudo, a principal objeção teológica para ETI tem sido centrada na singularidade da encarnação de Cristo. Isso remon­ ta pelo menos ao tempo de Agostinho (354 - 430). Agostinho estava preocupado em refutar um conceito corrente em sua época - a visão cíclica da história - a qual afirma que a histó­ ria se repete em ciclos intermináveis. Baseado em textos bíblicos tais como “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados” (7 Pedro 3:18) e “tendo sido Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre... de uma vez morreu para o pecado.” (Romanos 6:9,10) ele concluiu emzl Cidade de Deus (XII. 14) que o processo histórico da criação, da Queda e da redenção só poderiam ocorrer uma vez. Esse argumento foi ampliado por Albertus Magnus (1206 -1280) para refutar tam­ bém a idéia de multiplicidade de mundos no espaço, em vez de no tempo. Melanchthon, igualmente, em sua rejeição de ETI argumentou que Cristo só podia morrer uma vez e que seres humanos em outros mundos só podiam ser salvos mediante conhecerem a Cristo. A questão da singularidade do sacrifício de Cristo parece não incomodar a maioria dos teólogos liberais da modernidade envolvidos na discussão de ETI. A aceitação de uma origem evolucionária do homem, e a correspondente rejeição da historicidade de Adão e sua Queda, abrem a possibilidade de que a história do homem poderia muito bem ser essencial­ mente repetida em outro lugar. Paul Tillich e Dean Inge, por exemplo, sugerem que a encarnação de Cristo não é única, pois poderia ocorrer também em outros planetas. O cosmólogo E. A. Milne resolveu o paradoxo entre a singularidade de Cristo e a pluralidade de mundos propondo que o conhecimento da encarnação na Terra poderia ser trans­ mitido a outros planetas via sinais de rádio.14 A respeito disso, 14Modem Cosmology and the Christian Idea ofGod, Oxford: Clarendon press, 1952.

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ele foi criticado pelo teólogo E. L. Mascall, o qual argumen­ tou que salvação não é dependente do nosso conhecimento sobre a encarnação de Cristo. Por outro lado, Mascall duvidou que o fato de Cristo ter-Se feito homem seria suficiente para fazê-10 Salvador também de outros seres extraterrestres. Ele sugeriu que a encarnação poderia ser repetida em outros planetas.15 Mais recentemente, John J. Davis16 argumenta que a cristo logia de Colossenses 1:15-20 é suficientemente vasta em escopo para suprir uma base para redenção dos anjos caídos em qualquer lugar do universo, sem necessidade de encar­ nações ou expiações adicionais. Referindo-se à Confissão de Fé de Westminster (VIII:5,6), onde os benefícios da redenção pela morte de Cristo são ditos não serem limitados por tempo, mas se aplicarem aos eleitos de Deus em todas as eras, Davis comenta: Se a expiação pode ser entendida como não limitada no tempo, ela pode então ser prontamente entendida como não limitada por espaço ou distância. Cristo assumiu na encarnação uma nature­ za humana verdadeira e completa, para que Ele pudesse repre­ sentar o homem como o cabeça do pacto de um povo redimido. Por extensão, poder-se-ia postular que a natureza humana do homo sapiens pode ser designada por Deus para representar a natureza de todos os seres corpóreos e sensíveis.

Eu não vejo força nçsse argumento. Uma expiação ilimi­ tada em tempo, aplicável a todos os eleitos descendentes de Adão, é bem diferente de uma expiação que se aplica a todos os seres inteligentes, não relacionados, através do espaço. É 15 Christian Theology and Natural Science, London, Longmans, 1956. 16 J. J. Davis, “Search for Extraterrestrial Intelligence and the Christian Doctrine of Redemption”, Science and Christian Belief, 1997,9 (No. 1), pp. 21-34.

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muito claro nas Escrituras que existe uma conexão necessá­ ria entre o primeiro Adão e o segundo Adão, Cristo. Para que o sacrifício de Cristo fosse suficiente era essencial que Cristo tivesse uma natureza humana. Conforme diz o Catecismo de Heidelberg (1563): Deus não punirá outra criatura pelo pecado que o homem cometeu (Dia do Senhor, 5). Ele (Cristo) deve ser verdadeiro homem porque a justiça de Deus requer que a mesma natureza humana que pecou pague pelo pecado (Dia do Senhor, 6).

A principal referência bíblica pertinente é encontrada em Hebreus 2:14-17: E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também Ele participou das mesmas coisas... porque na verdade Ele não tomou sobre si a natureza dos anjos, mas tomou a da descendência de Abraão. Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos para ser misericordioso e fiel sumo sacer­ dote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo.

Daí segue que, como os ETs, bem como os anjos, não são descendência de Adão e portanto não compartilham nem de sua natureza nem de seu pecado, o sacrifício de Cristo é de nenhum proveito para eles. A singularidade da encarnação de Cristo implica na singularidade também do homem como única criatura a ser salva deste modo das consequências de sua pecaminosidade. E claro, não é daí que podemos deduzir a inexistência de ETs, mas podemos excluir sua possível redenção através da encarnação de Cristo. A noção de espécies não redimidas não é sem preceden­ tes. De outra espécie conhecida de seres inteligentes - anjos nós sabemos pela Bíblia que não há redenção para aqueles anjos que caíram. Mesmo para os homens que caíram, a redenção é 184

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apenas para os escolhidos de Deus. Por que então deveríamos pensar ser necessário que ETs sejam salvos? Quanto à referência feita por Davis a respeito de Colossenses 1:15-20, a Bíblia deixa claro que a reconciliação por Cristo de todas as coisas a Si mesmo não implica que todas as criaturas têm que ser redimidas. Ao invés disso, a passagem refere-se à vitória de Cristo sobre satanás, com a resultante purificação da criação sob o domínio de Cristo. 3. A Singularidade do Homem Mesmo se o argumento de Davis fosse válido, isso ainda implicaria em que o homem está numa relação especial com Deus, pois entre todas as possíveis criaturas, Cristo escolheu assumir a natureza humana, específicamente. Isso nos leva a um argumento adicional contra ETs - a posição especial do homem no universo. De acordo com Gênesis, capítulo 1, só o homem foi feito à imagem de Deus, e só o homem foi desig­ nado para ter domínio sobre a criação. Mesmo as estrelas, foram criadas primariamente para servir como luz e sinal para os homens. Finalmente, ao fim dos tempos, Cristo retorna à Terra, a habitação do homem, para julgar vivos e mortos. Os homens julgarão os anjos (I Corintios 6:3). A Nova Jerusalém desce do céu à terra. Tudo isto reforça o lugar especial do homem na criação de Deus. Então, na extremamente improvável eventualidade de que seres inteligentes existam em outros planetas, podemos concluir que, com base na narrativa bíblica sobre a salvação, ou eles não decaíram da graça ou, se decaíram, para eles não há redenção, assim como não há para os anjos caídos.

4. Vida Extraterrestre (ETL - Extra Terrestrial Life) E quanto à vida extraterrestre primitiva? Os corpos celestes criados no quarto dia contêm pelo menos algumas características tais como luz, água, elementos terrestres, gases 185

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atmosféricos, idênticas àquelas criadas nos dias precedentes. Por que então não conteriam também formas primitivas de vida, tal como vegetação, as quais foram criadas no terceiro dia? No entanto, deve ser lembrado que o propósito primeiro da vegetação da terra é para servir de alimento para formas mais avançadas de vida terrestre, tais como o homem e as feras da terra (Gênesis 1:29-30). Nenhuma menção é aqui feita sobre vegetação que não seja terrestre. Parece que não haveria propósito em se criar formas primitivas de vida em qualquer outro lugar, a menos que fosse para lá servir a formas supe­ riores de vida. Similarmente, qual seria a função de formas mais avançadas de vida, tais como animais, na falta de vida inteligente, tal como o homem? A detecção de ETL certamente geraria menos ques­ tionamentos teológicos do que a detecção de ETL Por outro lado, a real detecção de ETL é muito mais difícil. Pelo menos nas próximas décadas, a busca por ETL será essencialmente limitada ao nosso próprio sistema solar, onde os lugares mais prováveis de apresentar ETL já estão eliminados.

Conclusões Concluindo, nós notamos que não há evidência científica que sustente a crença em ETI. Pelo contrário, não tem havido sinal de vida de qualquer forma em nenhum dos outros planetas. Todas as buscas por ETI têm levado a resultados puramente negativos. Buscas por vida interestelar, varrendo as estrelas mais próximas na expectativa de detectar sinais de rádio, ou ruído indicativo de civilização, têm virtualmente eliminado a possibilidade de vida civilizada avançada num raio de uma centena de anos-luz. Para cobrir distâncias de tal ordem, mesmo um foguete extremamente veloz, digamos que com uma velocidade equivalente a um décimo da velocidade da luz, levaria mais de mil anos, e diálogos via rádio teriam 186

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espaços de um século entre mensagens. Assim, para todos os fins práticos, comunicação com civilizações extraterrestres pode ser excluída. De uma perspectiva evolucionária, as possibilidades da ocorrência de vida, particularmente vida inteligente, são tão remotas, que a existência de ETI tem que ser considerada ex­ tremamente improvável. Argumentos criacionistas a respeito de ETI são forte­ mente dependentes de nossos pontos de vista com relação à natureza de Deus e Sua relação com o cosmos. Considerações teológicas baseadas em revelação bíblica pesam fortemente contra a existência de ETI, mas não de modo conclusivo. Num universo jovem, é muito improvável que ETI, ainda que exis­ tisse, possa ser detectado num futuro próximo. O caso contra formas mais primitivas de vida extraterrestre é muito mais fraco. Argumentando contra a existência de ETL temos, em primeiro lugar, o fato de tal ocorrência ser completamente omitida nas narrativas bíblicas da criação, e em segundo lugar, a questão sobre o propósito a que ETL serviria, admi­ tida a não existência de ETI. Mas, de novo, tais considerações não excluem ETL definitivamente.

O Futuro da Vida no Universo O que há pela frente, ou, que futuro espera o universo? A maioria dos cosmologistas é razoavelmente otimista com respeito ao futuro próximo - isto é, os próximos poucos bilhões de anos. Se o homem e a sociedade surgiram pura­ mente por evolução, então, não é irrazoável afirmar estágios evolucionários posteriores. De acordo com os padrões cosmológicos modernos a presença de humanos se deu bem cedo na história do universo, e portanto devemos esperar que nossa espécie seja substituída no futuro por formas de vida mais avançadas. Uns poucos milhões de anos à frente, e a vida 187

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inteligente estará tão distante do que somos hoje, quanto distantes estamos dos macacos. De acordo com Tipler, isso traz implicações importantes para a religião: A religião tradicional tem que enfrentar a realidade da transi­ tória existência de nossa espécie na história do universo. O verdadeiro desafio que a cosmologia moderna apresenta à religião tradicional é nossa relativa insignificância no tempo, não no espaçoV

Tippler enfatiza que o universo continuará a existir por pelo menos mais 5 bilhões de anos. Quase todos os teólogos cristãos adotam uma perspectiva temporal muito mais curta. Isso é um erro tão grande - e tão grande quanto o mal-entendimento do lugar da humanidade na natureza - quanto crer que o universo foi criado há poucos milhares de anos atrás.17 18

Presumivelmente, Tippler crê que o cristianismo não mais será aplicável às espécies avançadas do futuro. Conside­ rando isso, devemos salientar que inteligência e tecnologia melhoradas muito pouco farão para erradicar a principal defi­ ciência do homem - um coração pecaminoso. A necessidade de um Salvador permaneceria. Todavia, Tippler faz a válida afirmativa de que o futuro, como descrito pelo universo Big Bang está tão incompatível com o do cristianismo tradicional quanto a sua descrição das origens. Enquanto o futuro relativamente próximo possa pare­ cer seguro para a civilização, a longo prazo tal futuro não é 17 “The Omega Point Theory: A Model of an Evolving God”, em Russel (ed.), Physics, Philosophy and Theology, 1988, p. 313. Klbid.,p. 316.

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nada róseo. Vários fatores apontam para um destino sombrio, não apenas para a civilização, mas também para a vida em si. Segundo a teoria Big Bang, se a densidade do universo for maior do que o valor crítico, então o universo é finito, sua expansão irá diminuir gradualmente, será iniciada a fase de contração que terminará num “Big Crunch” (Grande Esma­ gamento, ou Grande Implosão). O universo poderá ainda voltar a existir, porém toda a vida teria sido destruída. Por outro lado, se a densidade cósmica for menor do que o valor crítico - e é o que parece ser o caso - então é previsto que o universo se expandirá para sempre. Como a energia disponível será irrecuperavelmente perdida, a temperatura cairá e o universo irá se aproximando da morte do calor (na realidade, uma “morte fria”). Também nesse caso, parece que a vida eventualmente desapareceria. Com perspectivas tão sombrias com relação ao destino da vida no universo, não é surpreendente que Steven Weinberg finalize o seu popular livro The First Three Minutes com estas palavras: Quanto mais o universo se toma compreensível, tanto mais parece sem propósito. Mas, se não há conforto nos frutos da pesquisa, há pelo menos algum consolo na pesquisa em si... O esforço para entender o universo é uma das raríssimas coisas que eleva a vida humana acima do nível da farsa, e dá-lhe certa dose do charme da tragédia.19

A maioria dos cosmologistas compartilha desta visão pessimista para a possibilidade da sobrevivência da vida a longo prazo. Contudo, previsões tão sombrias têm sido ques­ tionadas por uns poucos otimistas que crêem pelo menos na possibilidade de que a vida emergirá vitoriosa. Vamos exami­ nar algumas dessas alternativas. 19 The First Three Minutes, New York: Bantam Books, 1979, p. 144.

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Vida Futura num Universo Fechado Entre os cosmologistas Big Bang, Frank Tipler e Freeman Dyson são duas exceções que retratam uma perspectiva rósea para a vida num futuro remoto. Entretanto, eles divergem quanto a suas avaliações sobre se um universo aberto ou fecha­ do seria mais receptivo à vida. Enquanto Dyson favorece um universo aberto, Tipler crê que somente um universo fechado serviria.20 Tipler define vida em termos de processamento de informação. Um ser vivo é qualquer entidade que codifica informação, com a informação codificada sendo preservada através de seleção natural. Com tal definição, até mesmo com­ putadores, carros, poderiam ser considerados como formas de vida. Tipler afirma que o homem é tão somente um objeto físi­ co que pode ser considerado como um tipo de computador. A mente humana - ou alma - é somente um específico progra­ ma de computador rodando num computador chamado cérebro. A chegada do homem se deu bem cedo na evolução do universo; devemos portanto esperar que eventualmente ele seja substituído por formas mais avançadas de vida. O próximo passo de vida inteligente pode muito bem ser, bem literalmente, máquinas de processamento de informação. De acordo com Tipler as leis da termodinâmica permi­ tem uma infinita quantidade de processamento de informa­ ção no futuro, desde que haja suficiente energia disponível em todos as eras futuras. A energia disponível depende da temperatura. Visto que num universo aberto a temperatura eventualmente se torna muito baixa para suportar a vida, Tipler tende para um universo fechado. Num universo fechado, a presente expansão se reverterá em contração, em cujo estágio a 20 ThePhysics oflmmortality, New York: Doubleday, 1994.

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temperatura começará novamente a aumentar, aproximándo­ le do infinito na medida em que o instante da singularidade se aproxima. Ao se aproximar o Big Crunch (Grande Implosão ou Grande Esmagamento), a vida engolfará todo o universo, será unificada num imenso computador que terá em si arma­ zenada uma quantidade infinita de informação, e eventual­ mente controlará toda a matéria e fontes de energia. Esse evento, que Tipler chama de “Ponto Omega” será a culminação da vida. Como o “Ponto Omega” é onisciente, onipresente e onipotente, Tipler o considera igual a Deus. O Big Crunch, que seria atingido num tempo finito, selará o fim da vida. Como pode então Tipler resgatar a imor­ talidade para a vida? De acordo com Tipler, o metabolismo da vida acelera com o aumento de temperatura, de modo que um lapso infinito de tempo subjetivo - o tempo da forma como é experienciado por seres vivos - passará antes que a singulari­ dade aconteça. Embora Tipler argumente que o “Ponto Ômega” neces­ sariamente existe, poucos cosmologistas concordam com ele. De fato, o cenário que ele descreve soa mais como ficção cien­ tífica ultra-avançada do que como ciência factual. Uma crítica detalhada das idéias de Tipler foi feita por Ellis e Coule.21 Entre outras coisas, eles são de opinião que a definição de vida dada por Tipler é absurdamente simplista, em contraste com a incrível complexidade da vida biológica, particularmen­ te os intrincados mecanismos de controle que determinam as funções celulares e orgânicas. Eles concluem que não há mecanismo físico plausível que permita ocorrer vida nas condições extremas descritas por Tipler. Qualquer máquina de computação material, para não mencionar os sistemas vivos, seria destruído muito antes da implosão final. 21 G. F. R. Ellis e D. H. Coule, “Life at the End of the Universe”, General Relativity and Gravitation, 1994,26, pp.713 -739.

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Em todo caso, Tipler faz seis previsões testáveis, das quais, presentemente, pelo menos duas provaram ser falsas. Tipler prediz que o universo é fechado, e que a constante de Hubble - a presente taxa de expansão - é no máximo 45 km/seg/mpc (mpc significa “megaparsec”, a distância percorrida pela luz em 3 milhões de anos-luz). Observações correntes, pelo menos como interpretadas pelos astrônomos Big Bang, indicam que o universo é aberto e que a constante de Hubble está em torno de 70 km/seg/mpc.

Vida Futura num Universo Aberto Consideremos agora a possibilidade de vida num uni­ verso aberto. Dyson, ao contrário de Tipler, não vê futuro para a vida se o universo for finito e fechado. Em tal caso o universo eventualmente contrairá, os céus se tornarão cada vez mais quentes até que finalmente caiam sobre nós, na medida em que nos aproximamos da singularidade espaço-tempo a uma infinita temperatura. Nenhuma forma de vida poderia sobreviver a tal destino. A vida mal poderia se espalhar pelo cosmos, antes que atingisse a extinção.22 Por outro lado, se o universo for aberto e infinito então Dyson vê melhores perspectivas. Nesse caso o universo se expandirá para sempre, se resfriando mais e mais. A vida então teria que enfrentar o processo de congelamento lento em vez de fritura rápida. Contudo, segundo Dyson, a vida se adapta mais facilmente ao frio do que ao calor. Dyson, como Tipler, assume que a essência da vida reside na organização, e não na substância. A base da vida reside na estrutura, no modo como as moléculas são organizadas, contrá­ rio à substância das moléculas em si. Se essa suposição for 22 F. Dyson, Infinite inAll Directions, New York: Harper & Row, 1988, pp. 107115.

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verdadeira, então pode-se imaginar vida desvinculada de carne e sangue e incorporada em complexas entidades como redes de circuitos supercondutores, ou mesmo nas nuvens de poeira interestelar. A complexidade da vida pode ser medida em termos de pequenas porções de informação. Para processamento de informação, o principal fator não é uma abundante fonte de energia, e sim uma boa relação sinal-ruído. Quanto mais frio o ambiente, menor é o ruído do pano de fundo, e então mais econômica a vida pode ser quanto ao uso de energia. Na medida em que o universo se resfria, o ritmo do pulso da vida se tornará mais lento, sem nunca parar. Como no esquema de Tipler, o homem está destinado à extinção, mas a tocha da vida continuará sendo passada a formas de vida cada vez mais resistentes. Uma predição da física de partículas é que toda matéria pode ser instável. A teoria prediz que, passados 1033 anos, os núcleos de todos os átomos já terão se decomposto em positrons, fótons e nêutrons. Isso pode significar um teste severo para a vida, mas Dyson confia que, de novo, a vida se adaptará às novas circunstâncias. De acordo com Dyson, a reserva total de energia contida no sol será suficiente para suportar para sempre uma sociedade com uma complexidade 10 trilhões de vezes maior que a nossa. Esta energia seria também suficiente para manter aberto para sempre tantos canais de comunicação quantos necessários para manter-nos em conversação com cada estrela da parte visível do universo. Não importa quão remotamente avançarmos no futuro, sempre haverá coisas acontecendo: novas informações chegando e novos mundos para explorar. Vida e inteligência são potencialmente imortais, com os recursos de conheci­ mento e memória constantemente crescendo na medida em que a temperatura do universo diminui e as reservas de ener­ gia livre minguam. No entanto, o próprio Dyson é o primeiro 193

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a admitir, tal esquema do futuro é altamente especulativo, mais baseado em imaginação altamente fértil e imaginações otimis­ tas do que em conhecimento científico.

Vida Futura em uma Cosmologia do Plasma Uma outra possibilidade para vida futura tem sido apresentada por Eric Lerner, o qual rejeita a cosmologia Big Bang.23 Lerner defende uma cosmologia do plasma que postula que o universo é infinito tanto em tempo quanto em espaço. Segundo ele, as pessimistas conclusões da cosmologia convencional são falsas. A termodinâmica não exige que o universo se desenrole (como a corda de um relógio). Lerner também garante que não precisamos nos preocupar com a morte do calor, pois podem haver ordens crescente, ordens de complexidade, com crescentes fluxos de energia. A morte do calor pode ser adiada indefinidamente na medida em que a tecnologia desenvolve máquinas cada vez mais eficientes. Isso impedirá que aconteça tanto o fim da vida quanto o crescimento da vida. Lerner crê que há uma forte correlação entre a sociedade e a cosmologia. O pessimismo do presente modelo Big Bang finito reflete o espírito pessimista da sociedade hodierna. Conforme Lerner: “Quando a sociedade se recolhe (bate em retirada), quando o progresso é interrompido, racionalidade cai em descrédito, e muitos se voltam para o sobrenatural”. Ele argumenta que o universo não está sentenciado, que não precisamos nos desesperar, que nossas ações do presente podem permanentemente mudar o cosmos e ecoarão pelo futuro ilimitado, embora não haja esperança para imortali­ dade individual. Um dos principais problemas com este modelo está na negação, não apenas da cosmologia Big Bang, 23 The Big Bang Never Happened, New York: Times Books, 1991.

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mas também da segunda lei da termodinâmica aplicada ao universo como um todo. Outro problema está em postular uma hipotética complexidade crescente. Aqui, também, temos um esquema muito especulativo do futuro, que tem atraído poucos aderentes.

Conclusões Em resumo, embora uns poucos cenários otimistas tenham sido inventados, parece extremamente improvável que, num universo naturalista, a vida possa sobreviver inde­ finidamente por um longo tempo. A cosmologia moderna oferece pouca esperança para o futuro distante, seja para indivíduos, seja para a raça humana, ou mesmo para a sobre­ vivência da vida como tal. Em tempos recentes certos cristãos têm tentado estabele­ cer uma harmonia entre cosmologia moderna e cristianismo. Em vez de ter esses dois em conflito, ou totalmente indepen­ dentes, eles têm tratado ambos como disciplinas separadas, que conduzem às mesmas verdades através de indagações diferentes. O modelo Big Bang de origens é sempre aclamado como o modo de Deus criar. Gênesis está então limitado a nos dizer Quem o fez; a cosmologia moderna nos diz como e quando. Tem sido também argumentado que origens não são de crucial importância, e que o básico do cristianismo ainda pode ser aproveitado. Se o Big Bang deve ser visto como o modo de Deus criar, deveríamos então considerar o Big Crunch (ou o Big Whimper - grande pranto) como o modo de Deus pôr um fim no universo? Deve então o Apocalipse comparti­ lhar o mesmo destino hermenêutico de Gênesis? Isso pelo menos seria coerente. Contudo, é óbvio que isso deixaria o cristianismo com muito pouca substância. A mensagem cen­ tral do cristianismo inclui o retorno de Cristo, o Juízo Final, a vida eterna num novo céu e numa nova Terra. E tudo isso deve 195

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acontecer em breve, não daqui a bilhões de anos. O conceito bíblico sobre o futuro difere grandemente daquele que nos é dado pela cosmologia moderna. Tais considerações levaram John Polkinghorne, o físico que virou teólogo, um aderente convicto da narrativa Big Bang para a origem do universo, a rejeitar a escatologia do Big Bang. Ele crê que os cristãos podem ter esperança da ressurreição, tanto pessoal quanto cósmica, e que a fé deve ser baseada em Deus e Sua misericórdia e não na física. Assim, ao final, Polkinghorne deposita sua fé no sobrenatural, para além do mundo físico. A morte da vida no universo só poderá ser evitada por meio de um milagre.24 Ted Peters, outro defensor do Big Bang, chega à mesma conclusão: A esperança escatológica por redenção é uma conclusão extra­ ída da interpretação de símbolos bíblicos. Ela vem estritamente de recursos teológicos, e não de evidência científica. A perspecti­ va da morte do calor devido à lei da entropia pode até mesmo ser interpretada como uma possível negação de afirmações teológi­ cas. E mister admitir que, ao presente estágio de investigação, há muito pouca consonância entre teologia e física com respeito ao futuro final do cosmos. 25

Inversamente, a falta de consonância pode ser interpre­ tada como uma negação da cosmologia Big Bang. A insistên­ cia em escatologia bíblica implica que, em algum ponto, os cristãos terão que se afastar da cosmologia Big Bang. Mas, se o cristianismo deve rejeitar as extrapolações Big Bang com

24 The Faith ofa Physicist, Princeton: The University Press, 1994. 25 “The Trinity in and beyond Time”, em J. R. Russel, N. Murphy e C. J. Isham (eds.), Quantum Cosmology and the Laws ofNature: Cientific Perspectives on Divine Action, Vatican City: Vatican Observatory Publications, 1996.

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respeito ao futuro, porque aceitar suas extrapolações quanto ao passado? Tais considerações escatológicas devem, no mínimo, estimular os cristãos a reavaliar a cosmologia Big Bang, e seus compromissos com a mesma.

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6 Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna Duas áreas de principal interesse da religião são a nature­ za de Deus e o que isso significa para a vida após a morte. Nos capítulos precedentes discutimos as implicações decorrentes da cosmologia moderna no que concerne à existência de Deus. Lá notamos que, na melhor das hipóteses, a evidência pode sugerir um Designer (Autor do design) ou Causador Princi­ pal, um ser deísta muito limitado, se comparado ao Deus da Bíblia. Agora examinaremos uma seleção dos deuses que têm sido construídos para se encaixar em diversos modelos cosmológicos. Até que ponto isso pode ser reconciliado com o cristianismo tradicional? Em particular, ocupar-nos-emos em comparar os deuses modernos com o Deus da Bíblia e investi­ gar que tipo de esperança eles poderiam oferecer no que tange à imortalidade individual.

O Deus Evolutivo da Teologia Natural A noção de evolução é básica à cosmologia moderna: o universo inteiro e seu conteúdo se desenvolveram a partir da singularidade inicial. Se Deus for um ser natural, um ser inteiramente colocado dentro dos confins do universo físico, então, como decorrência, Deus, também, deve ser um ser que evolui. A noção de um Deus que evolui remonta ao filósofo 198

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idealista alemão Frederich Schelling (1775-1854), que, em 1810, foi o primeiro a introduzir, em metafísica e teologia, os conceitos de um evolucionismo radical. De acordo com Schelling, Deus está sujeito a sofrimento e mudança, e só Se tornará perfeito num futuro distante, nos estágios finais do universo. Deus é identificado com o processo evolutivo, ou, pelo menos, com o não-ainda-realizado resultado final de tal processo. Essas idéias revolucionárias foram tomadas e reelaboradas pelo filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) em seu livro Creative Evolution., publicado em 1907. Ele acreditava que, metafi si cántente, tomar-se era mais básico do que ser. Evolu­ ção era considerado como sendo uma força criadora no

sentido de que esta sempre engendrou alguma coisa inteira­ mente nova, alguma coisa inesperada. A natureza era vista como um todo orgânico, fundamentalmente intencional, porque é direcionada por uma Força de Vida impessoal e não física, cujo futuro e propósitos não podem ser conhecidos.1 Embora Bergson fosse ciente da inevitável morte do calor previsto pela termodinâmica, ele sugeriu que a vida pudesse ser capaz de assumir uma forma que pudesse postergar inde­ finidamente a morte do calor. Bergson viria exercer grande influência em outro francês, o jesuíta Teilhard de Chardin, a ser discutido neste capítulo. Uma década mais tarde, desta vez na Inglaterra, uma nova versão do Deus evolutivo foi proposta por Samuel Alexander (1859-1938). A entidade fundamental de Alexander era o Espaço-Tempo. Ela gera primeiro a matéria, então a vida, e depois a mente. Além da mente há ainda, num estágio muito superior, a “deidade”. Assim como a mente pode existir num ser vivente, a deidade pode existir na mente. Mas a maioria1 1 Ver análise feita por Barrow e Tipler, TheAntropic Cosmological Principle, p. 90. Ao longo desta sessão eu devo muito ao tratamento feito por eles.

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das mentes não possui deidade, assim como a maioria dos seres viventes não possui mente. O propósito do universo é dar lugar à deidade. Seres com deidade finita são deuses finitos. Deus inclui o universo inteiro, embora a Sua deidade esteja alojada apenas numa porção desse. Segundo Alexander, um tal Deus evolutivo não existiu sempre, porém virá a existir nalgum tempo futuro.

Deuses Naturais Evolutivos Em tempos mais recentes a noção de um deus que evolui tem sido proposta por autores diversos. Primeiro, vamos examinar um número de propostas feitas por cientistas que não se simpatizam com o cristianismo. Seus deuses são erigidos a partir de considerações puramente não revelacionais. Pode­ mos então chamar os tais de deuses da teologia natural. Esses deuses são puramente naturais, alegadamente envolvendo apenas causas e efeitos naturais. Mais tarde investigaremos várias propostas feitas por teólogos sobre como incorporar alguma forma do Deus dos cristãos num cosmos que evolui. 1. O Deus de Paul Davies Primeiro vamos considerar o deus natural proposto pelo físico Paul Davies em seu livro Deus e a Nova Física. Davies afirma: “Pode parecer bizarro, mas, na minha opinião, a ciência oferece um caminho mais seguro para Deus do que a religião”. Ele está convencido de que as evidências científicas favorecem a existência de Deus. O que é que convence Davies da existência de Deus? Ele cita um número de fatores: Está claro que não poderia haver qualquer grau de ordem, a menos que o universo tivesse sido iniciado com um considerável estoque de entropia negativa. Se a desordem total está sempre aumentando, pela segunda lei da termodinâmica, então parece

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que o universo obrigatoriamente foi criado em condição ordena­ da. Não seria isso urna forte evidencia a favor de um criador-designer? ...Se o universo fosse mero acidente, a probabilidade de que ele viesse a conter algum grau apreciável de ordem é ridiculamente pequena.*2

Ele afirma que há inúmeros mistérios a respeito do mundo natural, e que seriam prontamente explicáveis pela pressuposição da existência de um Deus natural. Davies é muito impressionado com o aparente ajuste fino do universo. Ele escreve: < É difícil resistir à impressão de que tenha sido cuidadosamente pensada a presente estrutura do universo, aparentemente tão sen­ sível a alterações mínimas nos números (das constantes físicas fundamentais).2

Em particular, ele menciona o quebra-cabeça da origem das galáxias e da vida. No entanto, Davies é cuidadoso no sen­ tido de evitar a cilada do “deus das lacunas”. Ele argumenta que “Invocar Deus como explicação de ampla cobertura para o inexplicado, é dar lugar a eventuais falsificações, e fazer de Deus o amigo da ignorância”.4 Embora Davies esteja convencido de que deve existir um Deus, ele rejeita o Deus sobrenatural. Ele insiste que mila­ gres, sendo algo repugnante a cientistas, devem ser evitados. Um Deus natural, Davies acredita, é mais plausível do que um Deus sobrenatural: A hipótese de que um Deus natural criou a vida, dentro das leis da física, pelo menos é reconhecido como algo possível, e

2 God and the New Physics,pp. 166-167. 2 Ibid. p. 189. 4 Ibid. p. 209.

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Davies propõe a seguinte sugestão: É possível imaginar uma super-mente existindo desde a cria­ ção, abrangendo todos os campos fundamentais da natureza, e tomando sobre si mesmo a tarefa de converter um incoerente Big Bang no complexo e ordenado que hoje vemos. Tudo isso reali­ zado dentro do domínio das leis da física. Isso não seria um Deus que criou tudo por meios sobrenaturais, mas sim uma mente universal, diretiva e controladora, permeando o cosmos e ope­ rando as leis da natureza para atingir algum propósito específi­ co... A natureza é o produto de sua própria tecnologia, e o uni­ verso é uma mente - um sistema que se auto observa e auto-organiza.6

Ele sugere que uma tal mente pode “forçar o dado quântico”, desse modo controlando tudo que acontece, po­ dendo assim passar despercebido. Esse Deus seria o criador de tudo quanto vemos, tendo feito a matéria a partir de ener­ gia preexistente, e tendo preparado as condições necessárias para a vida; mas, Ele não seria capaz de criar a partir do nada, como requer a doutrina cristã. Na opinião de Davis “este conceito de Deus seria suficiente para satisfazer a maioria dos crentes”. Várias questões vêm à mente. Primeiro, como poderia um ser puramente natural “forçar o dado quântico” como Davies afirma? Invocar tais conceitos, indo além da física conhecida, é adotar uma linha de pensamento semelhante à que leva ao “deus das lacunas”, coisa que Davies expressamente quer evitar. Outra grande deficiência é que Davies se omite de 5 God and the New Physics, pp. 209. 6 Ibid p. 210.

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explicar como surgiu no princípio tal Deus natural. Para explicar a aparente ordem do universo Davies invoca um “Designer”. Mas, se como Davies argumenta, este designer em si próprio é o resultado de forças puramente naturais, sua origem carece ainda mais de uma explicação. Davies tenta explicar um mistério apelando por outro imensamente maior. Como ele se limita a explicações puramente naturais, sua solução parece altamente implausível. Somente um criador sobrenatural é capaz de realizar a tarefa requerida por Davies. Além disso, o poder do Deus de Davies é muito limitado. Controlando apenas os estados quânticos, esse poder continua preso às leis físicas. Não pode fazer milagres. Conseqüentemente, não oferece ao homem qualquer esperança de vida depois desta. De fato, a mente divina em si, sendo puramente natural, não pode ter esperança de escapar à eventual destrui­ ção, seja pela morte do calor, seja pelo Big Crunch. Em suma, isso não é um Deus que demanda adoração ou responde a orações. Portanto, ao contrário da expectativa oti­ mista de Davies, é improvável que um tal “Deus” satisfaça muitas necessidades religiosas. 2. O Deus de Freeman Dyson Outra tentativa de formular um deus natural foi apresen­ tada pelo físico Freeman Dyson em seu livro Infinite in All Directions (Infinito em Todas as Direções). Anteriormente, já consideramos o ponto de vista otimista de Dyson quanto ao futuro. Como o leitor provavelmente se lembrará, Dyson defende a idéia da sobrevivência eterna da vida no universo. Para Dyson, o fato mais impressionante neste universo é o poder da mente que dirige nossos corpos. A mente, através de evolução biológica, se estabeleceu como força motora em nosso cantinho deste universo. A tendência da mente de se infiltrar e controlar a matéria é uma tendência da natureza.

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Dyson escreve: A mente é paciente. A mente esperou por três bilhões de anos antes de compor seu primeiro quarteto de cordas. E talvez tenha que esperar outros três bilhões de anos antes que se espalhe por toda a galáxia.1

Quando a mente tiver expandido sua organização a uma ordem de magnitude muito além da escala humana, então não mais poderemos esperar entender seus pensamentos, assim como uma borboleta não pode entender os nossos. Em tal estágio, a mente poderá ser chamada “Deus”. Dyson considera Deus como sendo uma alma-mundo, ou um conjunto de almas-mundos. No atual estágio de desenvol­ vimento nós podemos ser considerados como a principal inserção de Deus neste planeta. O Deus de Dyson não é nem onisciente nem onipresente, mas um que aprende e cresce, na medida em que o universo se desenvolve. Como tal, o universo não é determinístico, e sim, aberto. O acaso faz parte do plano de Deus; o acaso existe porque Deus compartilha de nossa ignorância. Dyson considera esse Deus como sendo próximo àquele do processo tecnológico, que será discutido mais adiante. O universo, de acordo com Dyson, tem um propósito profundo. Ele afirma: Eu creio que estamos aqui por algum propósito, que tal propó­ sito tem algo a ver com o futuro, e que transcende os limites de nosso conhecimento e entendimento... Se você quiser, poderá chamá-lo de propósito transcendente de Deus. Se for Deus, é o Deus Sociniano, inerente no universo, e crescente em poder e conhecimento, na medida em que o universo se desenvolve. Nossas mentes não são apenas uma expressão de seu propósito, e sim também contribuições ao seu crescimento* 1 Infinite in All Directions, p. 118. 8 Ibid., p.294.

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A palavra Sociniano, usada por Dyson, refere-se ao teólo­ go radical italiano Lelio Sozzini (Socinus) (1525-1562), o qual negou o pecado original, a deidade de Cristo, a trindade, e a predestinação. No que tange à evidência científica de Deus, Dyson escreve: O argumento do design é um argumento teológico, e não cien­ tífico... Eu considero que tal argumento é válido no seguinte sentido. O universo mostra evidência da operação da mente em três níveis. O primeiro nível é o dos processos físicos elementares na mecânica quântica. A matéria, na mecânica quântica, não é uma substância inerte, mas um agente ativo, constantemente fazendo escolhas entre possíveis alternativas, de acordo com as leis da probabilidade... Parece que a mente, como manifesta pela capacidade de fazer escolhas, é, até certo ponto, inerente a todo elétron. O segundo nível em que detectamos a operação da mente é o nível de experiência humana direta. Nossos cérebros parecem ser dispositivos para a amplificação do componente mental das escolhas quânticas feitas pelas moléculas dentro de nossa cabeça. Somos o segundo grande passo no desenvolvi­ mento da mente. E aqui que entra o argumento do design. Características peculiares das leis da natureza mostram evidên­ cias de que o universo como um todo é favorável ao crescimento da mente... Portanto, é razoável admitir que haja um terceiro nível da mente, um componente mental do universo. Se crermos neste componente mental e o chamarmos Deus, então podemos afirmar que somos pequenas porções do aparato mental de Deus.9

Para conhecermos o propósito final do universo, precisa­ remos ler a mente de Deus. Dyson sugere que o universo é construído de acordo com um princípio de máxima diversi­ dade, ao nível mental bem como físico. As leis da natureza e 9 Infinite inAllDirections, p. 297.

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as condições iniciais são tais que fazem o universo o mais interessante possível. Como resultado, a vida é possível, mas não é nada fácil. A descrição do Deus natural proposta por Dyson é mais elaborada que a de Davies, contudo, há muitas similaridades. Ambos vêem Deus como uma super-mente evoluída. Ambos apontam o argumento do design como evidência para a exis­ tência de um tal Deus. Mas, nenhum deles explica como esta super-mente, a qual na realidade se destacará num futuro remoto, poderia ter influenciado as condições iniciais e a consequente evolução até o ponto em que nos achamos atual­ mente. O design é explicado em termos de um designer o qual, por sua vez, é suposto ser o resultado de um processo puramente natural. Isso apenas aumenta a complexidade do problema do design sem fazer nenhum progresso quanto a explicação do mesmo.

Deuses Autocausados A principal dificuldade quanto ao Deus natural, é expli­ car sua origem. Várias propostas têm sido feitas para remedi­ ar tal deficiência. 1. O Deus de Fred Hoyle Fred Hoyle, em seu livro The Intelligent Unwerse (O Uni­ verso Inteligente), descreve sua perplexidade com o surgimento de vida na terra. Com base na intrincada complexidade da vida, ele conclui que a transformação de não-vida em vida como algo tão improvável, que ele põe em dúvida o fato de que tal transformação já tenha ocorrido na terra. Em vez disso, ele postula que a vida, na forma de bactéria, veio do espaço sideral à terra. Em particular Hoyle encontra problema no fato de que a vida e outras características da cosmologia parecem operar 206

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contrariamente à segunda lei da termodinámica. Ao contrario de desintegrar e ruir, como outros sistemas físicos, a matéria viva se torna mais e mais organizada. Para explicar um tal comportamento inusitado, ele recorre a uma idéia por demais bizarra: a de que a evolução é guiada por informação vinda do futuro] Hoyle crê que os sistemas biológicos estão de algum modo funcionando em sentido retrógrado no tempo: Numa escala cósmica, o efeito de introduzir informação do futuro seria ...de ampio alcance. Em vez do universo começar com um Big Bang enrolado (dado corda inicial, como num reló­ gio) e que, a partir daí, vai se degenerando, um estado primitivo de coisas pode-se auto-enrolar (dar corda) gradualmente, com o passar do tempo, tornando-se mais sofisticado, não menos, do passado para o futuro. Isso permitiria o acúmulo de informação - sem a qual a evolução da vida e do próprio universo, não faz sentido lógico.10 11

Além disso, Hoyle crê que a teoría de Darwin está errada: variações ocasionais conduzem a lugar nenhum. Para que ocorra progresso, informações genéticas têm que vir de fora do sistema. E mais: Já vimos que a vida não pode ter sido originada aqui na terra. Não parece que a evolução biológica pode ser explicada de den­ tro de uma teoria de vida estritamente terrena. Genes vindos de fora da térra são necessários para dirigir o processo evolutivo... Um entendimento próprio da evolução requer que o ambiente, ou as variações nas quais ele opera, ou ambos, sejam inteligen­ temente controlados,n

De onde viria essa fonte misteriosa de informação 10 The Intelligent Universe, p. 214. 11 Ibid.p.242,244.

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originada no futuro, a qual controla o processo evolutivo? Segundo Hoyle, trata-se de uma inteligência localizada num futuro infinitamente distante. Tal inteligência explicaria as várias coincidências antrópicas salientadas num capítulo anterior. Ela também explica as ocorrências de gênios tais como Mozart e Shakespeare. Hoyle insiste em que tal ser não é um Deus onipotente e sobrenatural: Na teoria cósmica, a inteligência responsável pela criação de vida baseada em carbono está firmemente localizada no univer­ so, e é subserviente a ele. E devido o criador da vida baseada em carbono não ser onipotente, não há, consequentemente, parado­ xo no fato de que a vida terrestre ê muito aquém do ideal.12

Hoyle não reivindica saber onde este deus estaria locali­ zado, qual seria sua forma física ou o que ele faz. Tal deus adquire estatura plena apenas no futuro remoto. Para exercer influência sobre o passado e o presente, Hoyle recorre ao inu­ sitado conceito de causação retrógrada (do futuro para o passado). A inteligência funciona num sentido reverso no tempo, controlando eventos quânticos individuais. Somente assim pode efetuar sua própria existência: A suplantadora inteligência do futuro infinito, a qual engen­ dra o desenvolvimento de inteligência em nosso tempo presente, exerce sua controladora influência simplesmente para poder existir .B

Hoyle alega que é ilógico que Deus influencie o universo sem ser por este afetado, como ele diz ser o caso do Deus dos 12 The Intelligent Universe, p. 236. 12 Ibid.,p. 248.

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cristãos. Tal questão, diz Hoyle, é evitada pelo seu “Deus”, o qual somente existe em virtude do apoio recebido do univer­ so. Hoyle se queixa de que a idéia de uma inteligência de “causa e efeito normal”, como a que ele proclama, não é muito bem recebida no mundo ocidental contemporâneo. Segundo ele, isto ocorre porque, em conformidade com a tradição cristã, é desejo dos astrônomos ocidentais invocar causas sobrena­ turais vindas de fora do universo. Deve-se notar que, em seu livro, Hoyle rejeita tanto a teoria do Big Bang quanto a do estado estacionário. Pelo con­ trário, ele opta pela teoria de um universo eterno de inúmeros little-bangs (pequenos bangs ou pequenas explosões). Assim, ele não precisa enfrentar o problema da criação do universo inteiro no tempo. E nós, o que devemos pensar disso? Para explicar o aparente design no universo, Hoyle aponta para um Designer. Mas para que tal inteligência seja natural, então ela terá que ter evoluído e não poderia, em qualquer forma efetiva, ter estado presente no tempo próximo do começo. Ainda, as grandes coincidências antrópicas que necessitam ser expli­ cadas, tais como a taxa de expansão e os valores das constantes físicas, têm que ter sido presumivelmente estabelecidas num estágio bem cedo no desenvolvimento do cosmos. Portanto, se há um Designer, Ele tem que ter estado arquitetando desde o começo, implicando um ser sobrenatural cuja existência é anterior à criação do cosmos. Escarnecendo daqueles que desejam invocar uma causa sobrenatural, Hoyle recorre à alternativa duvidosa de causação retrógrada. Mas isso nem de longe é “causa e efeito normal”; isso não é nada menos que miraculoso. O Deus de Hoyle realmente apresenta poderes sobrenaturais, se bem que de um tipo limitado. Também no caso do Deus de Hoyle não há esperança para uma vida após a morte, nem algo que nos inspire amor ou temor. 209

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2.0 Deus de Frank Tipler Um modelo bem mais ambicioso de um deus evolutivo foi desenvolvido por Frank Tipler,14 e exposto em detalhes no seu livro ThePhysics oflmmortality (A Física da Imortalidade). De acordo com Tipler, a guerra entre a ciência e o cristianismo já terminou. A ciência descobriu Deus, portanto a teologia não passa de mera ramificação da cosmologia física. Tipler apresenta sua teoria do Ponto Omega como: A

Uma teoria física testável para um Deus onipotente e onis­ ciente que um dia ressuscitará cada um de nós individualmente para viver para sempre numa habitação a qual é, em toda sua essência, o céu judaico-cristão.15

O leitor deve lembrar-se de nossa discussão sobre Tipler no capítulo anterior. Ele pressupõe um universo fechado, onde a presente expansão um dia será revertida em contração, levando finalmente ao Big Crunch. A vida é definida essenci­ almente como processamento de informação. Na medida em que o Big Crunch vai se aproximando, a vida engolfará todo o universo. Ela se tornará onipresente, onipotente, onisciente, no sentido de que controlará todas as fontes de matéria e ener­ gia, enquanto armazena uma quantidade infinita de informa­ ção. Tipler denomina este evento com a singularidade final “O Ponto Ômega”. Visto que o Ponto Ômega estará além do espaço-tempo, então será por isso “transcendente” e, sendo equivalente a todos os pontos do espaço-tempo, será também “imanente” em todos os pontos do espaço-tempo. Tipler crê 14 “The Omega Point Theory: A Model of an Evolving God”, in Russell, Physics, Philosophy and Theology, 1988; “The Omega Point as Eschaton: Answers To Pannernberg’s Questions for Scientists”, Zygon, 1989,24, pp. 217-253; The Physics ofImmortality, New York: Doubleday, 1994. 15 The Physics ofImmortality, p. 1.

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que, devido à sua elevada inteligência, o Ponto Ômega é como uma pessoa. O Ponto Omega “experimentará” o todo da histo­ ria do universo “de urna só vez”, como no conceito teológico de eternidade. No modelo de Tipler, Deus e universo são dois aspectos da mesma coisa, mas essa teoria não é propriamente uma forma de panteísmo. Embora Tipler atribua “onipotência” a um tal Deus, por­ que Ele controlaria toda energia e matéria, não podemos nos esquecer que estaria limitado às leis naturais; e embora fosse “onisciente”, seu conhecimento só seria completo quando atingisse o Ponto Ômega. Como podemos ter certeza de que o Ponto Omega real­ mente será atingido? O postulado pelo qual Tipler deduz o Deus evolutivo é fundamentalmente de natureza moral. Valor é algo conectado à vida. Se valor há de permanecer no uni­ verso, então a vida deve persistir indefinidamente. As leis da física devem portanto permitir a existência da vida para sempre. A continuada existência da vida implica em evolução progressiva sem limite no espaço-tempo: o limite da evolução cosmológica e biológica é um ponto além do espaço e tempo, o Ponto Ômega. Isso traz de volta à ciência o conceito de pro­ pósito: “Teleología, embora removida da biologia terrestre, reaparece quando biologia é combinada com cosmologia”.16 Para assegurar que o Ponto Ômega será atingido, Tipler propõe a “Condição Limite Teilhard” para a função onda universal. A função onda universal é o conjunto de todas as possíveis histórias do universo, e Tipler considera essa função como sendo a mesma coisa que o Espírito Santo. A condição de Tipler especifica que todas as possíveis histórias do univer­ so convergem para o Ponto Ômega futuro, com a vida vindo a existir em pelo menos uma história, e continuando sem cessar até o Ponto Ômega. Ele conjectura que tal condição de limite <

A

16 “The Omega Point Theory”, p. 315.

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resulta numa função onda universal singular. Nesse caso, as leis da física e todas as coisas que têm existência física seriam de fato geradas pelo Ponto Omega e suas propriedades vivas. Tais propriedades determinariam a função onda, e esta por sua vez determinaria tudo o mais. O futuro final guiaria todas as condições presentes para si mes­ mo. Em certo sentido o Ponto Omega cria o universo físico, porém em outro sentido o Ponto Ômega cria-se a si mesmo. O universo de Tipler é portanto completamente determinístico: nada inesperado pode acontecer, tudo é fixado pela função onda universal. Deve ser notado que Tipler explícitamente declara que não é cristão, e sim, um ateísta - pelo menos até o ponto em que sua teoria for confirmada, ponto esse em que ele se torna­ ria um teísta. Ele considera seu modelo alegadamente baseado apenas em processos naturais, como um desafio à existência do tradicional Deus dos cristãos. De novo, uma grande falha é que algum tipo de causação retrógrada é necessária para que este deus possa criar-se a si mesmo. Tudo é predeterminado pela função onda. Mas como é que tal função é estabelecida? Como mostrado no capítulo anterior, as observações do presente excluem a possibilidade de um universo fechado, um pressuposto do modelo de Tipler. Além disso, como salienta­ do pelo cosmologista George Ellis numa revisão devastado­ ra,17 Tipler ignora o fato de que com a temperatura aumentan­ do indefinidamente, havería a dissociação da matéria em seus constituintes fundamentais, impossibilitando armazenamento e processamento confiáveis de informação. Ellis comenta: A

Não é possível alguém trazer à tona, em breve resumo, todos os absurdos deste extraordinário edifício, o qual é o resultado de

17 “Piety in the Sky”, Nature, 1994,371, p. 115.

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imaginação fértil e criativa, não limitada pelas restrições nor­ mais das disciplinas científicas e filosóficas. Tipler não apenas baseia sua teoria em pressuposições altamente improváveis e faz afirmativas que não podem, por mais que desdobremos nossa imaginação, ser testadas por experimentação ou observação; ele tipicamente designa o rótulo de “Deus” a uma construção mate­ mática que, ainda que pudesse ser uma boa descrição das frontei­ ras causais do universo (e provavelmente não é), certamente não se refere, em nenhum sentido sério, àquilo a que normalmente a palavra “Deus” é referida.

< Em suma, os deuses naturais não são aptos a atraírem a muitos seguidores. Sujeitos que são eles às leis naturais (exceto no caso de causação retrógrada!), eles não podem realizar mi­ lagres, responder a orações, e têm poucas das características geralmente atribuídas ao Deus da Bíblia. Além de tudo, eles não poderiam ter existido antes da (presumida) singularidade do Big Bang; requerem um longo tempo até que evoluam a super-mentes, e suas influências sobre o passado e o presente só podem vir a efeito através de artifícios dúbios tais como causação retrógrada, o que parece resultar meramente numa forma especial e dissimulada de sobrenaturalismo.

O Cristianismo e o Deus Evolutivo Várias tentativas têm sido feitas no sentido de propor um deus evolutivo mais em acordo com o cristianismo. Examina­ remos os pontos de vista de Teilhard de Chardin e da teologia de processo, ambos relativamente influentes. 1.0 Deus de Teilhard de Chardin Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) foi um padre jesuíta bem como um paleontologista (um especialista em fósseis). Ele esteve bem ocupado em tentar adaptar o cristia­ nismo aos modernos pontos de vista seculares, tentando 213

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demonstrar que o cristianismo é a religião da evolução. En­ quanto em vida, a publicação de seus radicais pontos de vista com respeito ao cristianismo evolutivo foi proibida pela igreja católica romana, e somente depois de sua morte seu trabalho se tornou amplamente conhecido. Sua obra prima foi The Phenomenon ofMan (O Fenômeno do Homem)18 e seus pontos de vista foram de considerável influência. Por exem­ plo, Frank Tipler identifica um número de facetas em seu modelo, muito similares àqueles do modelo de Teilhard de Chardin. Daí ter ele referido ao Ponto Omega de Teilhard e as condições limites de Teilhard. Ponderando sobre a misteriosa relação entre a matéria e o estar consciente, duas entidades aparentemente bem distintas, Teilhard rejeitou a noção comum de que a consciência de algum modo se desenvolveu a partir da matéria. Ao contrário, Teilhard partiu da hipótese da primazia do psiquismo. Ele considerou a autoconsciência como sendo a entidade funda­ mental do universo, estando já presente na matéria desde o começo. Todas as coisas materiais, viventes ou não viventes, têm seu lado psíquico, o “interior”, e seu lado material, o “exterior”.19 O processo evolutivo era visto como tendo uma natureza dual: uma crescente complexidade exterior bem como um crescente psiquismo interior, ambos culminando no homem. O curso futuro da evolução está contido no homem. A unidade que vem sendo adquirida através das várias formas de arte e ciência é um indicador da convergência da evolução no homem e através do homem. Em última instância, quando a mais alta unificação e consciênciosidade possíveis forem adquiridas, um ponto central é atingido, denominado Ponto Omega. Esse Ponto Ômega, o alvo da criação, é identificado como Cristo. Assim, 18 London: Collins, 1959. 19 The Phenomenon ofMan, p.59.

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Cristo é, considerado como sendo o princípio unificador do cosmos, pois nEle tudo é finalmente unificado; o princípio energizador do cosmos, pois todo movimento é originado a partir do objeto final; e o princípio de conclusão, ou perfeição, uma vez que tudo encontra nEle seu completamento ou consumação final. Mas, de forma alguma pode-se ter certeza de tal futuro cristocêntrico! O completamento do mundo em Cristo só poderia ser obtido com a cooperação do homem. Como o homem é livre, estaria portanto dentro de seu alcance fazer o projeto falhar.20 Assim, como sumariado por Wildiers,21 nossa principal preocupação tem que ser a subseqüente evolução do homem no sentido de uma unificação espiritual maior. Há um elemento místico em Teilhard, em que ele identifica o mundo com Deus, algumas vezes referindo-se a seu ponto de vista como sendo “Panteísmo Cristão”. Ele deseja expressar a presença de Deus em i odas as coisas, particularmente no pro­ cesso evolutivo. Deus Se fez imerso em Sua própria criação, esforçando-Se juntamente com ela para completá-la. A encarnação de Deus é coextensiva com a duração do mundo. Assim, o amor de Deus e o amor do mundo são combinados em um. Através do estudo e trabalho, da ação social e política, nós nos unimos com Cristo.22 Em suma, o universo de Teilhard é um onde Deus, que manifesta-Se a si mesmo no universo físico através da Pessoa de Cristo, evolui. Pelo ângulo da ciência, Teilhard acreditava que sua teoria apresentava algumas dificuldades termodinâmicas. Para ele, a evolução de entidades cada vez mais complexas pareciam contrariar a segunda lei da termodinâmica, pela qual é pre­ vista uma tendência geral para a desordem, e não para a 20 The Phenomenon ofMan, p. 307. 21 The Theologian and His Universe, p. 207. 22 76zJ.,p.21O.

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ordem. Além disso, a morte do calor, como prevista pela mesma lei, excluiria a futura existência eterna do Ponto Ômega Crístico. Eventualmente, até mesmo Cristo sofreria morte permanente. Para superar tais limitações, Teilhard argumentou a favor da existência de uma outra forma de energia - a “radial” ou psíquica - em adição à usual forma física ou “tangencial” de energia. Como todas as formas de matéria contêm alguma substância psíquica, energia psíquica radial encontra-se presente em toda a matéria. Ela supre uma força vital que dirige o processo evolutivo. Sua concentração aumenta na medida em que o processo evolutivo se desenvolve, para cima, no sentido de atingir maior complexidade. No homem, a energia radial é a energia de nossos pensa­ mentos. Energia radial e tangencial são de alguma forma relacionadas, e passam uma para a outra. Por um lado, “para pensar precisamos comer”,23 por outro lado, através do pensa­ mento e da vontade podemos afetar mudanças físicas. Conforme Teilhard a energia radial se opõe ao efeito degenerativo da segunda lei. Desde que isso foi escrito por Teilhard, tem sido notado que sua energia radial, psíquica, é de fato equivalente a conteúdo de informação, que não pode evitar as restrições da segunda lei.24 Assim, como teoria cientí­ fica, este aspecto da visão de Teilhard foi refutado. Embora o universo de Teilhard seja centrado em Cristo, trata-se de um Cristo muito diminuído, altamente dependente do esforço do homem e do processo evolutivo. Dificilmente seria o Cristo do cristianismo ortodoxo. 2. O Deus da Teologia de Processo Em anos recentes, o pensamento de processo tem se 23 The Phenomenon ofMan, p. 64. 24 Barrow eTipler, 77/e Anthropic Cosmological Principle,

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tornado popular entre os teólogos. Tal movimento tem sua origem na obra de Alfred North Whitehead (1861-1947), que, de início, esteve bem ativo nos campos da filosofia da ciência e matemática. Ele, por sua vez, recebeu grande influência de Bergson e Alexander. Em sua obra principal,Process andReality (Processo e Realidade) ele desenvolveu um sistema metafísico no qual os conceitos de processo e tomar-se ocupavam posição central. Desde então, suas idéias passaram a ser desenvolvidas por varios teólogos e filósofos, entre os quais se destacam Charles Hartshorne e Schubert Ogden. A teologia de processo rejeita tanto o Deus do teísmo clássico, onde Deus é distinto do mundo, quanto ao panteísmo, o qual considera Deus e o mundo como sendo iguais. Em vez disso, é adotado o conceito denominado “panenteísmo”, que significa “todas as coisas em Deus”. O mundo é visto como sendo o corpo de Deus. Deus possui também uma mente, mas ela é dependente de seu corpo. Criaturas no universo são con­ sideradas células no corpo de Deus. Whitehead considera Deus como sendo “bipolar”: Ele tem a natureza primordial tanto quanto a natureza consequente. Visto como primordial, Deus é “a ilimitada realização conceptual da absoluta abundância da potencialidade”.25 Nesse estado, ele não está consciente. Através desse aspecto Deus é a fonte de unidade e ordem no mundo. “Ele é a fascinação pela emoção, e o eterno estímulo do desejo.”26 Nesse polo, Deus é infinito e imutável. Mas, há outro lado de Deus. Em Sua natureza conseqüente Deus é consciente, e é “a percepção do mundo real na unidade de Sua natureza, e através da transformação de Sua sabedoria.”27 Nesse polo Deus é finito, dependente do mun­ do, e em processo. “Deus é o grande companheiro - o amigo 25 Process and Reality, p. 521. 26Ibid., p.522. 27 Ibid., p.524.

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sofredor que compreeende.” 28 Deus é tanto o campo primordial da ordem, estruturando formas potenciais de relacionamento antes que elas aconteçam, como é o campo da novidade, apresentando novas possibilidades. Não apenas Deus (pelo menos em Sua natureza pri­ mordial) mas também o universo, são eternos. Deus criou o mundo, não ex nihilo, porém a partir de material preexistente. Deus não existe desde antes da criação, e sim com toda a cria­ ção. Nem é único o nosso universo. Com o decorrer do tempo, todos os universos logicamente possíveis (“épocas cósmicas”), virão à existência, cada um finalmente sendo substituído pelo seu sucessor. Nosso universo, inclusive, será eventualmente extinto.29 Na teologia de processo Deus é geralmente considerado como onisciente com respeito a todos os eventos passados e presentes, mas não com relação aos eventos futuros. O futuro é indeterminado, e nem mesmo Deus pode conhecê-lo.30 Se o futuro fosse fixo, não havería espaço para as ações livres do homem. A teologia de processo afirma a ordem, bem como a abertura na natureza. O propósito divino é entendido como tendo metas imutáveis, porém não um plano eterno detalha­ do; Deus responde diante do imprevisto. O pensamento de processo reconhece potencialidades alternativas que podem ou não ser concretizadas. O Deus da teologia de processo não é onipotente. Ele influencia o mundo, através de avaliar potencialidades particulares às quais as criaturas podem res­ ponder, mas isso sem determinar eventos. Deus sempre age com e através de outras entidades, em vez de agir sozinho, como substituto pelas ações delas. A presença de Deus no universo não é, pois, prontamente detectável. A maioria dos teólogos 28 Process and Reality, p. 532. 29 Ibid, p.139,148,171. 30 R. H. Nash, The Concept of God, Grand Rapids: Academe Books, p. 27.

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de processo crêem que a ação de Deus não contradiz a ciência e, portanto, Deus não realiza milagres. O poder de Deus sobre a natureza é limitado. O poder que Deus exerce é tal que evoca amor e inspiração, ao invés de ser uma força unilateral controladora. Deus não força, todavia supre poder criativo às suas criaturas. É através do homem que Deus tem as maiores oportuni­ dades de influenciar o mundo. O homem é considerado um ser livre co-criador com Deus e de Deus. O homem cria-se a si mesmo através das decisões que ele faz. Também, nos níveis materiais e biológicos “decisões” são feitas quando uma entre muitas possibilidades é realizada. O mundo é uma série de decisões, e neste sentido a liberdade forma uma dimensão do universo. Não apenas o homem, porém o mundo inteiro, é uma realidade autocriativa. Todos os eventos que acontecem são mutuamente relacionados. As propriedades fundamentais da realidade são criatividade e relatividade, sendo Deus a suprema Criatividade e a Relação universal. A coesão de todas as decisões individuais no mundo é devida à influência da suprema criatividade em todos os eventos. Isso não anula sua liberdade, mas é uma forma de estímulo. Deus é aquele elemento ordenador através do qual a criatividade assume um caráter específico, e sem o qual oca­ siões para experiência seriam impossíveis. Deus é o sempre presente campo da experiência. Cada ocasião é dependente de Deus para sua existência, bem como para a ordem das possibi­ lidades que podem ser realizadas. Diferente da visão de Teilhard da culminação da história num Ponto Ômega, a teologia de processo visualiza a história como não tendo meta final específica. Há somente uma deidade crescente cada vez mais, em direção a uma crescente perfeição. Ronald Nash criticou a teologia de processo em vários pontos. De acordo com ele, a maioria dos teólogos de processo aplica uma hermenêutica bíblica altamente seletiva, sendo 219

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bem receptivos às Escrituras quando elas concordam com a opinião panenteísta, mas ignorando-as quando em sentido oposto.31 Além disso, os teólogos de processo freqüentemente negam os princípios básicos do cristianismo, tais como a deidade de Cristo.32 Schubert Ogden, por exemplo, embora referindo-se a Cristo como “o ato decisivo de Deus”, sustenta que Cristo é totalmente humano, especial apenas no aspecto de que Suas palavras e Seus atos representam o ser de Deus num sentido normativo.33 Outros credos cristãos fundamen­ tais, como, por exemplo, a encarnação, a ressurreição do corpo, e a expiação são também questionados pelos teólogos de processo. O Deus da teologia de processo deixa a desejar quanto às necessárias qualificações do onisciente e onipotente Deus da Bíblia. E, como veremos em breve, a teologia de processo não oferece esperança aos cristãos no que tange a vida após a mor­ te. Posto que a motivação por trás da teologia de processo foi primariamente o desenvolvimento de uma teologia mais em linha com o pensamento evolucionário moderno, não é, pois, surpreendente que tal abordagem nos deixa com pouco conteúdo cristão.

Vida Após a Morte Uma questão teológica crucial é a que trata da vida após a morte. Como cristãos depositamos nossa esperança numa vida melhor no porvir. Teria a cosmologia moderna algo a oferecer no tocante a esta questão? Já vimos no capítulo precedente 31 The Concept of God. 32 Ver John B. Cobb, Christ in a Pluralistic Age, Philadelphia: Westminster Press, 1975, p.74. 33 The Reality of God and Other Essays, New York: Harper and Row, 1966 pp. 184-186.

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que, se nos apoiarmos puramente em processos naturais, o destino da vida no universo parece desolador. Poderia qual­ quer um dos deuses descritos acima remediar tão sinistras previsões? Fred Hoyle crê que a convicção de imortalidade indi­ vidual é um erro. Contudo, ele crê que nossos remotos descendentes, através de imensos avanços em tecnologia, serão capazes de garantir a imortalidade coletiva da raça humana.34 Entretanto, tal coisa é, infelizmente, de pouca consolação para o indivíduo, o qual permanece como mero mortal. I Freeman Dyson e Frank Tipler são mais otimistas. Dyson especula que a tecnologia futura permitirá a reconstrução de cópias de nossos antepassados, se pudermos registrar a sequên­ cia de bases em suas células de DNA. Talvez, também, seja possível ler traços de memória nos cérebros de nossos antepas­ sados, e ativá-los novamente. Desse modo, seria possível “ressuscitar” ancestrais.35 Se isso de fato irá funcionar, é algo bem duvidoso. Em primeiro lugar, seria possível apenas a indivíduos para os quais haveria amostras de DNA, e que também tivessem tra­ ços de memória registrados. No entanto, mesmo se registros completos de memória fossem possíveis, o que parece muito improvável, a tecnologia necessária para realizar tal feito estaria num futuro distante, quando nossos pensamentos e cérebros já teriam desaparecido desde há muito. Não parece que as gerações do passado e do presente seriam beneficiadas pelo esquema inteligente apresentado por Dyson. Em segun­ do lugar, mesmo supondo que tal processo fosse factível, seriam reproduzidas apenas cópias de nossos ancestrais, e não os ancestrais em si mesmos. Não haveria portanto consciente 34 The Intelligent Universe, p. 226. 35 Infinite inAUDirections, p. 289,

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continuidade ou imortalidade do indivíduo. Um cenário bem semelhante é oferecido por Tipler. Ele argumenta que é possível, pelo menos em princípio, que a vida futura possa reconstruir uma simulação extremamente acurada de nossas vidas passadas. Uma tal simulação de um ser vivo, de acordo com Tipler, teria vida, na realidade: O corpo simulado, poderá ser um tipo amplamente melhorado, se comparado com nossos corpos do presente... a um tal corpo simulado, melhorado e imortal poderemos chamar de “corpo espiritual”?b

Tais simulações seriam feitas usando os raios de luz do passado de nossos ancestrais. Esses raios de luz não são perdidos, mas serão interceptados na medida em que nos aproximamos da singularidade. Quanto mais próximo da singularidade, mais exata será a informação extraída. A partir da informação extraída dessa luz nossos ancestrais poderão ser reconstruídos. E mesmo que informações suficientes não possam ser extraídas do cone de luz do passado, a ressurreição ainda poderá ocorrer, pois ainda será possível ressuscitar todos os seres humanos cujos DNA possam ser codificados, sendo este um número finito. De novo, isso é muito similar à ressurreição proposta por Dyson, exceto que não menciona a reconstrução de memória. O mesmo tipo de crítica se aplica. Em particular, mesmo se fosse tecnicamente possível, tal esquema produziría uma cópia do eu do passado, e não a continuação do meu ser consciente. O sistema de Teilhard, também, oferece pouca esperança para aqueles que alimentam alguma expectativa para a vida após a morte. Quando um homem morre, seu corpo se* 36 “The Omega Point as Eschaton”, p. 246.

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decompõe, e volta a ser matéria ordinária não viva. Segue daí que, a alma humana, sendo vinculada ao corpo, não pode sobreviver como uma consciência de ordem superior. O máximo que se pode esperar, ao que parece, é um grandioso número de centros de consciência elementar, cada um desses associado às unidades de matéria do corpo decomposto, e sujeitos às leis da estatística. O homem só poderia sobreviver coletivamente, não individualmente.37Assim, no íntimo, mesmo tendo Teilhard introduzido Cristo em seu esquema, trata-de de um Cristo que não nos oferece salvação final. No tocante ao destino do homem, a maioria dos teólogos de processo rejeita a noção de um céu e um inferno reais, ou qualquer noção de imortalidade individual. Segundo Ogden,38 o homem continuará a viver apenas na memória cósmica de Deus, e, como tal, não seremos conscientes. Uma posição similar é assumida por Charles Hartshorne,39o qual considera a noção de céu e inferno fatuais um erro perigoso. Na teologia de processo há apenas um tipo de imortalidade objetiva-. podemos continuar vivendo após a morte, porém apenas através de nossas ações do passado, somente na memória de Deus. Não há imortalidade subjetiva, na qual nosso eu continua tendo existência consciente. John Cobb, outro teólogo de processo, discute a questão da vida após a morte em seu livro A Christian Natural Theology (Uma Teologia Natural Cristã}.40 A maior dificuldade na separação entre corpo e alma, afirma Cobb, é onde colocar a alma. Não concebemos mais o céu ou o inferno como lugares espaciais. Na cosmologia newtoniana, alma ou substâncias mentais se encaixavam com tanta dificuldade com o contínuo 37 The Phenomenon ofMan, p. 61. 38 “The Meaning of Christian Hope”, Union Seminary Quarterly Review, 1975,30, pp. 160-163. 39 The Logic ofPerfection, LaSalle, Illinois: Open Court, 1962, p. 254. 40 Philadelphia: Westminster Press, 1965, pp.63-70.

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espaço-tempo que não parecia coisa estranha postular a exis­ tência de uma outra esfera, o domínio espiritual, aonde a alma humana pertenceria. Mas, no cosmos evolucionário, tal distinção entre matéria e mente não pode ser mantida. Caso mentes emergirem no universo físico, então elas têm que pertencer àquele universo. Não parece haver mais um “lugar” para a alma após a morte. Está portanto claro que a questão de origens é intima­ mente relacionada com a questão da vida eterna. Na suposta origem evolucionária do homem, uma vez que a alma é fisica­ mente determinada, sua capacidade de sobreviver à morte fica enfraquecida. O astrônomo holandês Hermán Zanstra argumenta que a rejeição da imortalidade da alma feita por Teilhard não deixa lugar para uma verdadeira religião no sentido integral. Conforme afirma Zanstra, a questão princi­ pal da religião é se a alma pode se separar do corpo e levar uma existência independente do corpo sem perecer. Se todos os processos na alma não passarem de diferentes aspectos de processos corporais, os quais por sua vez são inteiramente governados pelas leis da física, então quando o corpo morre, a alma deixa de existir. Se a alma for necessariamente vinculada ao corpo, então o passado Big Bang e a futura morte do calor (ou Big Crunch) eliminam a possibilidade da existência de consciência num passado ou num futuro distantes. Tal ponto de vista não deixa lugar para Deus como um Espírito, e é essencialmente ateísta. Assim, Zanstra opta por dualismo com interação: corpo e alma são entidades separadas, se influenci­ ando mutuamente, mas ainda mantendo certo grau de inde­ pendência. Sua visão sobrenatural do mundo inclui espíritos conscientes, onde a consciência já existia antes que o universo físico tivesse começado, e continuará a existir quando o universo físico for reduzido a pó e cinza.41 41 “Is Religión Refuted by Physics or Astronomy?”, Vistas in Astronomy, 1968, 10,pp.l-21.

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John Polkinghorne também postula a existência de outro domínio, o qual ele chama de mundo “noético”. Em tal mundo há entidades mentais, como, por exemplo, verdades matemá­ ticas, as quais não são ancoradas ao domínio material, e também entidades espirituais, como anjos. Polkinghorne quer fazer justiça à experiência que temos do fato de que “pela nossa consciência biologicamente evoluída participamos de um mundo de realidade que não veio à existência conosco ou mesmo na origem do mundo físico no Big Bang, mas que sempre existiu”. Tal mundo “noético” pode não ter fim, porém não é um mundo eterno, incriado. Ele não existe para­ lelamente com Deus, ou em igualdade com Deus, mas depende de Deus. Deus, propriamente, não faz parte desse mundo “noético”; Ele está acima do mundo de Sua criação.42

Conclusões Em resumo, é evidente que a cosmologia moderna não consegue facilmente acomodar dois dos mais essenciais ingredientes da verdadeira religião: um Deus sobrenatural e a imortalidade subjetiva. Claramente, para preservar estas características fundamentais deve existir uma realidade mais rica além do espaço físico tridimensional. Deve haver um mundo espiritual onde Deus e a alma possam existir. Tal mundo transcendente está além do escrutínio de cientistas. Assim, finalmente, aqueles que desejarem manter o básico da verdadeira religião devem reconhecer a inadequação ou incoerência do quadro descrito pela cosmologia moderna, não apenas no tocante ao futuro, mas também em relação à presente estrutura do universo. 42Science and Creation, London: SPCK, 1988, p.76.

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7 A Bíblia sobre Cosmologia O que diz a Bíblia a respeito do assunto de cosmologia? Neste capítulo examinaremos o ensinamento bíblico sobre Deus e Sua criação, e como um se relaciona com o outro. Várias questões específicas relacionadas diretamente à cosmologia serão de particular interesse. Finalizaremos com uma abordagem da cosmologia Big Bang vista sob o prisma das Escrituras.

O Ser e a Natureza de Deus Primeiro vamos sumariar o ensinamento bíblico a respeito do Ser de Deus, particularmente no que concerne à Sua criação, Deus não é um conceito abstrato ou um poder impessoal, mas um Ser vivo e pessoal que possui natureza e caráter definidos. Deus como Trindade O Deus bíblico é um Deus triuno. Há somente um Deus, porém existem três Pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. As Pessoas da Trindade são às vezes distinguidas por Suas diferentes funções. Assim, a criação é frequentemente atribuída ao Pai, a redenção ao Filho, e a santificação ao Espí­ rito Santo (ver Efésios 1:3-14). Contudo, existe uma unidade fundamental pela qual todos os três participam na atividade de qualquer um. Por exemplo, a criação é também dita ser obra do Filho {João 1:3) e do Espírito Santo {Isaías 40:12-13).

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A Biblia sobre Cosmologia

Deus é Espírito A Bíblia nos diz que “Deus é Espírito” (João 4:24). Isso significa, primeiro, que Deus não depende da matéria: “um espírito não tem carne nem ossos” (Lucas 24:39). Deus tem uma natureza substancial toda própria, e distinta do mundo físico. Ele é imaterial. Ele é também invisível aos sentidos corporais: “O Deus invisível” (Colossenses 1:15). A idéia de espírito inclui também o fato de que Ele é vivo: “O Deus vivo” (ÀfízfôMS 11:16) e de que Ele é uma pessoa, um Ser autoconsciente e autodeterminante: “Eu sou o que Sou” (Êxodo 3:14; ver também Romanos 9:11).

Deus é Infinito A infinitude de Deus refere-se a ausência de vínculos que o prendam: Ele é livre de todas as limitações. Ele de nenhum modo é limitado ou confinado ao universo. Deus é absoluta­ mente perfeito, sem defeitos: “sede vós pois perfeitos, como perfeito é o vosso Pai que está nos céus” (Àfufôus 5:48). Sua grandeza não conhece limites: “Sua grandeza é inescrutável” (Salmos 145:3). Deus é também perfeitamente sábio, verda­ deiro, bom, santo e justo. A infinitude de Deus é, além disso, manifesta em Sua eternidade, a qual não é presa ao tempo: “de eternidade a eter­ nidade, tu és Deus” (Salmos 145:3); e Sua imensidão, a qual não tem limitação espacial. Deus é Onipresente A Bíblia retrata Deus como onipresente. Ele transcende todas as limitações espaciais e ainda assim é presente em cada ponto do espaço: “Ainda que não está longe de cada um de nós; porque nEle vivemos e nos movemos, e existimos” (Atos 17:27-28). Ou “Esconder-se-ia alguém em esconderijo, de modo que eu não o veja?”, diz o Senhor. Porventura não encho eu os céus e a terra? (Jeremias 23:24). 227

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Mesmo assim, embora Deus esteja presente em todos os lugares, Ele não Se manifesta a Si mesmo em todo lugar da mesma maneira. Há numerosas referências bíblicas a Deus habitando particularmente num lugar especial: “Num alto e santo lugar habito” (Isaías 57:15). Além disso, o lugar de particular manifestação de Deus não é fixado no tempo; movimento é freqüentemente atribuído a Deus: e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (Gênesis 1:2). “Deus passeava no jardim pela viração do dia” (Gênesis 3:8), o Senhor vem até Abraão (Gênesis 3:18), o Senhor vai adiante de Israel numa coluna de nuvens (Êxodo 13:21), o Senhor desce ao monte Sinai (Êxodo 19:20), Moisés vê passar o Senhor (Êxodo, capítu­ lo 33). Na encarnação Cristo desce, do lugar de Deus, ao lugar do homem, assumindo a natureza humana; em Sua ascensão o corpo humano e ressurreto de Cristo vai do lugar do homem para o céu - para um lugar específico - onde Ele agora está à direita de Deus (Romanos 8:34). Deus não é uma abstração fora do tempo e do espaço, e sim, em vez disso, é um Deus vivo e pessoal, o qual trans­ cende o universo por Ele criado.

Deus é Onisciente O conhecimento de Deus é completo e perfeito. “Deus... conhece todas as coisas” (ljoão 3:20). Isso inclui todos os even­ tos: “Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons.” (Provérbios 15:3). Isso cobre também o conteúdo de nossas mentes e corações: “O Senhor conhece os pensamentos do homem” (Salmos 94:11); “O Senhor olha para o coração” (1 Samuel 16:7); “Porque esquadrinha o Senhor todos os corações, e entende todas as imaginações do pensa­ mento” (1 Crônicas 28:9). O conhecimento de Deus inclui todo o futuro: “Eis que as primeiras coisas passaram, e novas coisas eu vos anuncio, e antes que venham à luz vo-las faço ouvir” (Isaías 42:9); “Que 228

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anuncio o fim desde o principio, e desde a antigüidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade” (Isaías 46:10).

Deus é Onipotente Na Bíblia fica abundantemente declarado que Deus é todo-poderoso: “Tudo o que o Senhor quis, Ele o fez, nos céus e na terra” (Salmos 135:6); “A Deus tudo é possível” (Mateus 19:26); “O Senhor Deus todo-poderoso reina” (Apocalipse 19:6). Nada acontece por acaso: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a sua disposição” (Provérbios 16:33). O Senhor é um Deus de ordem, não de confusão (1 Corintios 14:33). Ele tem estabelecido limites e ordenanças para Suas criaturas (Jó 38:41; Jeremias 33:25). Deus, em Seu infinito poder e sabedoria decretou que certas regularidades sejam mantidas. Ele tem estabelecido uma estrutura de leis para Sua criação. E esta atividade regular e sustentadora de Deus em Sua criação que torna possível a ciência. No caos não pode haver ciência; e somente um universo que obedece a padrões regulares pode ser observado, discernido e usado como base para previsões. Contudo, Deus não limita Suas ações a regularidades: Ele também realiza milagres. Eles não devem ser vistos como intervenção divina num mundo que doutra forma seguiria seu próprio curso, pois Deus continuamente sus­ tenta Sua criação. Em vez disso, leis e milagres devem ser consideradas como manifestações regulares e irregulares da vontade de Deus. O principal propósito dos milagres é demonstrar o poder onipotente de Deus: “a ti te foi mostrado, para que soubesses que o Senhor é Deus; nenhum outro há senão Ele” (Deuteronômio 24:35). Milagres não são realiza­ dos somente por Deus, diretamente, mas também através dos profetas (por exemplo, Elias e Eliseu) e os discípulos de Cristo; bem como por anjos (João 5:4; Atos 5:19) e espíritos 229

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demoníacos (2 Tessalonicenses 2:9; Apocalipse 16:14). Assim, em nosso estudo de cosmologia devemos ter em mente que o universo físico não é um sistema fechado de pura relação física de causa e efeito, mas sim onde também operam forças sobrenaturais.

A Doutrina da Criação A doutrina bíblica da criação é sumariada com aptidão na Confissão Belga (1561): Cremos que o Pai, através do Verbo, isto é, através de Seu Filho, criou, do nada, céus e terra e todas as criaturas, quando Lhe pareceu bem fazê-lo, e que Ele deu a cada criatura o seu próprio ser, aspecto, forma, e a cada uma seu papel e função específicos, para servir a Seu Criador. Cremos também que Ele continua a sustentar e governar Sua criação de acordo com Sua eterna providência e por Seu infinito poder de modo a servir o homem, com o fim de que o homem possa servir a seu Deus. Ele também criou bons os anjos, para serem Seus mensageiros e para servir os eleitos (Artigo 12).

Ressaltamos os seguintes pontos:

Todas as coisas foram criadas por Deus A Bíblia afirma que Deus é o Criador de todas as coisas no céu e na terra: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1:1). Embora a criação seja derivada de Deus o Pai, ela aconteceu através de Cristo, por Quem “foram criadas to­ das as coisas... nos céus e na terra... visíveis e invisíveis... todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele, e Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por Ele” (Colossenses 1:16-17).

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A Criação é um ato livre do Deus transcendente Deus é o Deus transcendente. Ele está “acima de todos” e “sobre todos” (Romanos 9:5), independente de Sua criação, auto-existente e auto-suficiente. Ele é distinto de Sua criação. Deus não deve ser identificado com o universo físico ou qualquer porção dele. Assim o homem é reprovado por “servir mais à criatura do que ao Criador” (Romanos 1:25), e é ordenado a não adorar nenhuma imagem de escultura (Exodo 20:4). A criação deve ser entendida não como um ato necessário, mas como um ato livre de Deus, da Sua soberana vontade (ver Efésios 1:11, Apocalipse 4:11). Ele não tinha necessidade de criar o universo (ver Atos 17:25), porém livremente escolheu fazê-lo.

O mundo está sempre em dependência de Deus Deus não é apenas transcendente, mas também imanente-, Ele é “sobre todos e por todos e em todos” (Efésios 4:6). Embo­ ra distinto de Sua criação, Ele está também presente nela. “Todas as coisas subsistem por Ele” (Colossenses 1:17) e “...nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17:28). Deus não é apenas o Criador, o originador do universo, Ele também é a causa de sua contínua existência: “susten­ tando todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hebreus 1 ;3). O universo está em todo o tempo inteiramente dependente do poder sustentador de Deus. Sem a contínua Palavra sustentadora de Deus o universo instantaneamente deixaria de existir. O Propósito do Universo Deus fez todas as coisas para serviço do homem, para que o homem, por sua vez, pudesse usá-las para servir a Deus. O homem é o centro da criação; a ele foi dado domínio sobre ela (Gênesis 1:28). Contudo o homem deve exercer tal domínio como mordomo, servindo e glorificando a Deus. O propósito 231

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final da obra criadora realizada por Deus é revelar Sua glória: “e os criei para minha glória” (Isaías 43:7).

Criação a partir do nada A formulação explícita de creatio ex nihilo (latim para “cri­ ação a partir do nada”) nasceu bem cedo na Igreja como reação à crença de que a matéria sempre existiu. Esse desafio surgiu em duas formas: dualismo e panteísmo. Os dualistas sustenta­ vam que Deus criou o universo a partir de material preexistente. Haveria portanto duas entidades fundamentais: o mundo e Deus. O panteísmo, por sua vez, identificava Deus com o mundo, assim negando ao mundo qualquer realidade distinta. Em oposição a tais pontos de vista, o ensinamento cristão tradicional é que o universo foi criado a partir do nada; isto é, sem o uso de alguma matéria preexistente. A explícita expressão “criar a partir do nada” não é encontrada nas Escrituras, mas é encontrada nos Apócrifos (2 Macabeus 7:28). No entanto, tal ensinamento parece ser confirmado pela Bíblia. “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1:1) implica que o universo físico teve um começo no tempo, sendo criado por Deus. Outro texto frequen­ temente citado sobre criação ex nihilo é Hebreus, capítulo 11, versículo 3: “Pela fé entendemos que os mundos pela Palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente.” Também “porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Apocalipse 4:11). Nada existiria se não fosse pela vontade de Deus. Deus simplesmente falou, e as coisas vieram a existir: “Porque fa­ lou, e tudo se fez” (Salmos 33:9). A doutrina de criatio ex nihilo é mais do que uma simples declaração da dependência do universo em Deus para sua exis­ tência: ela enfatiza que o universo, em algum ponto do tempo, foi criado a partir do nada. 232

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Criação contínua Em tempos mais recentes muitos teólogos têm trocado creatio ex nihilo por creatio continua (latim para “criação contí­ nua”). Assim, por exemplo, Barbour afirma que criatio ex nihilo, particularmente se associada com um começo absoluto, é um conceito não bíblico.1 Ele sustenta que a idéia de criação “no começo” nasceu de idéias como o pacto e a providência. Além disso, enquanto a criação ex nihilo possa se encaixar no universo estático da cosmologia medieval, o universo moder­ no é dinâmico e evolui. Está ainda incompleto, e em processo de criação. A vinda à existência da vida a partir da matéria é vista por Barbour como tão representativa da criação divina como a produção primária de matéria a partir do nada. Barbour combina criação contínua com providência e minimiza creatio ex nihilo. Ted Peters, também, embora defenda criatio ex nihilo, em oposição a Barbour, concorda com a importância de criatio continua. De acordo com Peters, a obra criativa de Deus ainda não está completa: “Nós hoje nos achamos ainda em algum ponto dentro dos seis primeiros dias”.12 Ora, devemos afirmar, é claro, que Deus sustenta conti­ nuamente o universo. Se assim não fosse, o universo deixaria de existir. Mas a Bíblia fala claramente da criação como sendo um evento passado. No final do sexto dia, “Viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31). Foi após estar completada a criação que a queda do homem ocorreu, com a resultante maldição sobre a criação. Noutro lugar, igualmente, os seis dias são também referidos como um evento passado-. “Em seis dias fez o Senhor o céus e a terra, e ao sétimo dia descansou, e restaurou-se” (Êxodo 31:17). Assim, criatio continua, com sua noção de que o universo está ainda em evolução para cima, carece de apoio bíblico. 1 Ian G. Barbour, Issues in Science and Religión, New York: Harper, 1971, p.384. 2 Ted Peters (ed.), Cosmos as Creation, Nashville, Abingdon Press, 1989, p. 96.

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A História do Universo Eventos da Criação A Bíblia ensina que Deus, em seis dias, criou o cosmos a partir do nada. Vamos fazer um breve resumo da obra realiza­ da nos primeiros quatro dias, na medida que se relaciona com cosmologia. PRIMEIRO DIA “No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: haja luz. E houve luz. E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separa­ ção entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e as trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã o dia primeiro” (Gênesis

1:1-5).

“No princípio Deus criou os céus e a terra”. A terra na sua origem era escura, sem estrutura, caos, em forma líquida na maior parte. Como mencionado por Jordan, nada parecido com isso é dito a respeito do céu,3 e o resto da Bíblia indica que o céu era estruturado, cheio, e brilhante desde o começo. A criação da luz foi a primeira das três separações neces­ sárias para mudar o caos em cosmos. Isso marcou o começo da sucessão contínua de dias. Note que “dia” aqui é explicitamente definido como um período de luz. O “abismo” ou águas tinham uma “face”, ou superfície, implicando que o universo físico inicial consistia de um delimitado e finito volume de matéria implantado dentro de um espaço maior. Como o sol e outros corpos celestes não haviam sido ainda criados até o quarto dia, alguém poderia perguntar que 3 James B. Jordan, Creation in SixDays: A Defense ofthe Traditional Reading ofGenesis, Moscow, Idaho: Canon Press, 1999, p.174.

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fonte de luz seria aquela. Não há informação sobre isso. Talvez Deus tenha criado fotons de luz diretamente. Douglas F. Kelly e Henry Morris sugerem que a fonte de luz anterior à criação do sol pode muito bem ter emanado da presença teofânica do próprio Deus.4 Numa linha semelhante de pensamento, Russell Humphreys sugere que o Espírito de Deus, movendo sobre a superfície das águas, Ele próprio, tornou-Se uma fonte de luz para a superfície, de modo muito semelhante ao que acontecerá no futuro, quando Ele será a fonte de luz (Apocalipse 21:23; 22:5).5 Isso dá à superfície do abismo um lado brilhante e um lado escuro, com o movi­ mento da fonte de luz trazendo a resultante sucessão de dias e noites. SEGUNDO DIA “E disse Deus: haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. E fez Deus a expansão, e fez Deus separação entre as águas que estavam debaixo da expan­ são e as águas que estavam sobre a expansão: e assim foi. E chamou Deus a expansão Céus, e foi a tarde e a manhã o dia segundo” (Gênesis 1:6-8).

Aqui temos uma segunda separação, desta vez uma sepa­ ração espacial. O firmamento, chamado céus, é criado para separar as águas em duas camadas distintas, acima e abaixo do firmamento. O firmamento é geralmente tomado como incluindo a atmosfera que envolve a terra, bem como as outras partes do céu onde se encontram o sol e as estrelas. Mas, o que fazer com as águas acima do firmamento? Este assunto tem sido fonte de muita especulação. Muitos comentaristas, inclusive João Calvino, consideram essas águas 4 Kelly, Creation and Change, Tain, Ross-shire: Mentor, 1997, p. 204; Morris, The Remarkáble Birth ofPlanetEarth, Minneapolis: Dimension Books, 1972. 5 Starlight and Time, Colorado Springs: Master Books, 1994, p.76.

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como sendo simplesmente nuvens na atmosfera. Por outro lado, outros, como Bouw6 e Humphreys7, sustentam que, como o sol e as estrelas são posteriormente colocados no firmamento, as águas acima do firmamento devem estar além das estrelas. Ambos os autores descrevem o universo como uma enorme esfera, com seu centro em na terra ou próximo a ela, circunda­ da por uma fina camada de água. Sejam quais forem as dificuldades que tal camada aquosa apresente para sua explicação física, seu posicionamento para além do horizonte observacional coloca o problema fora de vista. Jordán argumenta que as águas acima do firmamento estão no próprio céu, além das fronteiras remotas do firmamento.8 Ele equipara tais águas com o mar de vidro, cristal e gelo que é citado nas visões do céu como em Ezequiel e no Apocalipse. Ele vê confirmação para isto no Salmo 104:24, onde somos informados de que “Ele põe nas águas os viga­ mentos de suas câmaras”. O firmamento separa céus e terra pela primeira vez, pondo o céu numa outra dimensão. Essa barreira será removida num futuro remoto, quando céus e ter­ ra forem renovados, o mar não mais existir, e a nova Jerusalém descer do céu (Apocalipse, capítulo 21). TERCEIRO DIA “E disse Deus, ajuntem-se as águas debaixo do céu num lu­ gar; e apareça a porção seca. E assim foi. E chamou Deus a porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares. E viu Deus que era bom. E disse Deus: produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera, que dê fruto segun­ do sua espécie, cuja semente esteja sobre a terra. E assim foi” (Gênesis 1: 9-13).

6 Gerardus G. Bouw, Geoceniricity, Cleveland: Association for Biblical Astronomy, 1992, p. 322. 7 Starlight and Time p.35. 8 Creation in Six Days, p. 180.

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A matéria criada no primeiro dia parece ter sido uma fusão de águas e lama não diferenciadas.9 Humphreys sugere que toda a matéria inicial era água, parte da qual foi transfor­ mada por Deus no segundo dia em vários elementos, por compactação.10 11 Contudo, o texto de Gênesis não dá nenhuma evidência de tal transformação ter acontecido. O terceiro dia relaciona a separação de água e terra seca, porém nenhuma menção é feita sobre criação de terra. Tanto a água quanto os elementos da terra parecem ter sido criados no princípio, no primeiro dia. QUARTO DIA “E disse Deus: haja luminares na expansão dos céus, para se­ paração entre o dia e a noite; e sejam para sinais e para tempos determinados, e para dias e anos. E sejam para luminares na expansão dos céus, para alumiar a terra, e assim foi. E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas. E Deus os pôs na expansão dos céus para alumiar a terra, e para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que era bom” (Gênesis 1:14-19).

Alguns comentadores afirmam que o sol e as estrelas já haviam sido criados no primeiro dia, e que o quarto dia ape­ nas descreve a limpeza da atmosfera previamente opaca, de modo que o sol e as estrelas tornaram-se visíveis a partir da terra pela primeira vez.11 Todavia, como mencionado por Kelly, tal interpretação contradiz o texto, que ensina claramente que Deus, no quarto dia, criou os corpos celestes que não existiam previamente. 9 Kelly, Creation and Change, p.82. 10 Starlight and Time, p. 79. 11 Por exemplo, Hugh Ross, The Genesis Question, Colorado Springs: NavPress, 1998, p.44.

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Quanto ao propósito desses corpos celestes, sua função como luminares, como divisores entre dia e noite, e calcula­ dores de dias, anos e estações, parece muito óbvio: “O sol para governar o dia... a lua e as estrelas para governar a noite” (Salmos 136:8-9); “Deus designou a lua para as estações” (Salmos 104:19). Que dizer a respeito de suas funções como sinais? Kelly considera que sinais incluem a função das estrelas como auxí­ lio à navegação e cartografia. A isso pode-se ainda adicionar que “Os céus manifestam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de suas mãos” (Salmos 19:1). Além disso, são também sinais de que o Senhor fará o que prometeu: ‘E isto te será da parte do Senhor como sinal de que o Senhor cumprirá esta palavra que falou: eis que farei que a sombra dos degraus, que passou com o sol pelos graus do relógio de Acaz volte dez graus atrás. Assim recuou o sol dez graus, pelos graus que já tinha andado” (Isaías 38:7,8).

Há também sinais celestiais do vindouro dia do Senhor: “E mostrarei prodígios no céu e na terra, sangue e fogo, e colunas de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em san­ gue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor” (Joel 2:

30-31). ‘E haverá sinais no sol, e na lua, e nas estrelas” (Lucas 21:25) “Ora, naqueles dias, depois daquela aflição, o sol se escurecerá e a lua não dará a sua luz. E as estrelas cairão do céu, e as forças que estão nos céus serão abaladas” (Marcos 13:24-25).

A Queda e suas Conseqüências Ao fim do sexto dia da criação, “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31). No entanto, pouco tempo depois o mal entrou no mundo. O mal originou-se no céu, com o diabo - “o diabo peca desde o 238

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princípio” {ljoão 3:8) - o qual apareceu na terra em forma de serpente {Apocalipse 20:2), e tentou Adão e Eva a pecar {Gênesis, capítulo 3). Como resultado da desobediência de Adão o pecado entrou no mundo, e se espalhou por todos os homens. Teria a Queda alguma implicação em cosmologia? A Bí­ blia não deixa claro até que ponto as estrelas foram afetadas pela Queda, se é que foram afetadas. Por outro lado, Paulo declara que “Sabemos que toda a criação geme e está junta­ mente com dores de parto até agora” {Romanos 8:22), e, no fim dos tempos os corpos celestiais serão transformados. Outrossim, embora tenha Deus específicamente amaldiçoado a terra, por causa do pecado de Adão, de modo que agora ela produz espinhos e cardos {Gênesis 3:17-18), nenhuma menção especí­ fica é feita de qualquer mudança no sol, lua ou estrelas. Alguns têm pensado que a segunda lei da termodinâmica não estava em efeito antes da Queda. Por exemplo, Henry Morris escreve: A validade universal da segunda lei da termodinâmica é demonstrada, mas ninguém sabe porque ela é verdadeira... Mas a explicação bíblica é que está envolvida na maldição pronun­ ciada por Deus sobre o mundo e seu sistema como um todo, por causa do pecado de Adão... Portanto, concluímos que a Bíblia ensina que originalmente não havia desordem, não havia deca­ dência nem processo de envelhecimento, não havia sofrimento e, acima de tudo, não havia morte no mundo quando a criação foi completada. Tudo “era muito bom”.12

É difícil imaginar como seria o universo sem a segunda lei da termodinâmica. Por exemplo, significaria então que não haveria forças de atrito para desacelerar uma bola lançada ao ar? Caso positivo, como então os pássaros poderiam voar? A 12 The TwilightofEvoluíion, Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1963. p.37.

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concretude das estrelas e galáxias sem dúvida seria muito afetada, mas talvez isso seja de pequena importância, uma vez que tais coisas foram criadas completas, o que já seria uma violação das leis da termodinâmica, e a Queda ocorreu pouco tempo depois (questão de dias?). Contudo, não parece que a Queda tenha trazido uma grande descontinuidade na natureza do universo e de suas criaturas. As árvores continuaram produzindo frutos, pássa­ ros continuaram voando e se multiplicando, o homem continua comendo frutas e conversando, e assim por diante. Mesmo depois da Queda, era ainda possível para o homem viver para sempre, não tivesse sido a ele negado acesso à árvore da vida (Gênesis 3:22-24). Tudo isso sugere que, embora a Queda tenha profundamente afetado o bem estar físico (e espiritual, é claro) do homem, as leis básicas da física foram provavelmente mantidas intactas.

Escatologia Através da obra de Cristo - Sua encarnação, morte e ressurreição - a salvação tornou-se possível ao homem. Deus, através de Cristo, reconcilia conSigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão no céu (Colossenses 1:19-20). Ora, a criação ainda continua gemendo com dores de parto, porém eventualmente ela será libertada da escravidão à decadência (Romanos 8:19-20). Ao fim desta era Cristo virá julgar todos os homens, e determinar o destino eterno de cada um (Apocalipse 20:11 -15). Os últimos dias serão marcados por dramáticos sinais celestiais, envolvendo o sol, a lua e as estrelas, como mencio­ nado anteriormente. Depois disso o primeiro céu e a primeira terra passarão, e haverá um novo céu e uma nova terra (Apocalipse 21:1). “Porque eis que crio céus novos e terra nova; e não haverá lembrança das coisas passadas, nem mais se re­ cordarão” (Isaías 65:17). Então a cidade santa, a nova Jerusa240

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lém descerá do céu, e Deus habitará nela com Seu povo para sempre (Apocalipse 21:2-3). O apóstolo Pedro tem mais a dizer a respeito da destrui­ ção dos céus: “Os céus passarão com grande estrondo, e os elementos arden­ do se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão” (2 Pedro 3:10).

Isso parece se referir primariamente ao céu no sentido de atmosfera. Wilbur M. Smith especula que o dissolver dos elementos pode se referir à liberação de energia nuclear.13 Ele crê que o terceiro céu, a habitação de Deus, não será afetada. O velho céu e a velha terra passarão, ou serão transformadas porque estão corrompidos pelo efeito do pecado, o que não é verdade quanto à habitação de Deus. A terra, e os corpos celestes em torno dela não serão aniquilados, mas apenas renovadas a uma condição mais gloriosa.14

A Data da Criação O que nos diz a Bíblia com respeito à idade do mundo? Nos tempos mais recentes, esta tem sido uma questão bastante contenciosa. Entretanto, não foi sempre assim. Até poucas centenas de anos atrás a visão cristã praticamente universal era a de que o mundo teria apenas alguns milênios de idade. Era amplamente concordado que a Bíblia falava muito claro a esse respeito: Gênesis, capítulo 1, fala de uma criação de seis dias, com a luz sendo criada no primeiro dia, e objetos celestes no quarto dia. As genealogias de Gênesis, capítulos 5 e 11, e outros dados bíblicos, situam a criação de Adão no sexto dia em mais ou menos 4.000 anos a.C. 13 The Biblical Doctrine ofHeaven, Chicago: Moody Press, 1968, p.229. 14 Ibid. p. 235.

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Os dias da criação eram geralmente considerados como dias comuns, tanto pela Igreja, como pelos Pais da Igreja Primitiva, bem como depois, pelos Reformadores. Embora textos como 2 Pedro 3:8 (“Um dia para o Senhor é como mil anos”) tenham sido usados para fazer conexão entre os dias da criação e longos períodos de tempo, isso foi aplicado não referindo-se à semana da criação, e sim à história da humani­ dade: muitos pensavam que a totalidade da história seria igual a seis mil anos. Nas palavras de David Young, certamente um que não apoia a idéia de uma terra jovem: A despeito das muitas interpretações de Gênesis, capítulo 1, que se apartam do rigidamente literal, não se pode negar que a quase universal visão do mundo cristão até o século 18 era de que a terra tinha apenas uns poucos mil anos de idade P

Tal consenso foi questionado pelas evidências geológicas e astronômicas que eram vistas como exigindo uma idade muito maior para a humanidade, a terra e as estrelas. Outras interpretações de Gênesis foram então buscadas, que melhor harmonizassem com a nova ciência. Primeiramente os dias da criação foram reinterpretados como longos períodos de tempo. Posteriormente, como mesmo isso foi considerado insustentável, tornou-se popular a visão de que os dias da criação eram meros artifícios literários para comunicar verdades teológicas mais profundas. Contudo, é digno de se notar que os proponentes da posição literária freqüentemente reconheciam que, em ter­ reno puramente exegético, e excluindo a evidência científica, a interpretação tradicional é superior. Ramm, Blocher, Van Till e Young todos explícitamente declararam que sua rejeição da* 15 Christianity and the Age ofthe Earth, p.25.

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leitura literal de Génesis é primariamente por causa da presu­ mida incompatibilidade com a ciência moderna.16 Assim, por exemplo, Howard Van Till afirma que “os dias da história de Gênesis, capítulo 1, são claramente dias comuns”,17 embora, com base em evidências astronômicas, ele não pode mais aceitar a interpretação tradicional de Gênesis. Hoje em dia, os cálculos do arcebispo James Ussher (15811656), que localiza a criação em 4004 a.C, são freqüentemente escarnecidos. Até mesmo muitos cristãos consideram a crono­ logia bíblica um agudo embaraço. Todavia, a natureza cronológica - e inteireza - das genealogias de Gênesis eram reconhecidas por todos os Pais da Igreja Primitiva, bem como pelos Reformadores protes­ tantes. Os teólogos Agostinho, Martinho Lutero, João Calvino e Abraham Kuyper todos explícitamente afirmavam que o mundo tinha menos que seis mil anos de idade. Assim foi também com cientistas como Johannes Kepler e Isaac Newton. A função cronológica de Gênesis foi questionada em 1863 por William Henry Green do Seminário Teológico de Princeton.18 Green deixou claro que estava abandonando a cronologia bíblica tradicional motivado pelo desejo de harmonizar a Bíblia com as conclusões científicas relativas à antiguidade do homem. Como conseqüência ele sugere que as genealogias de Gênesis têm enormes lacunas, de modo que não podemos datar os eventos de Gênesis, capítulos 1-11. Assim, 16 Bernard Ramm, The Christian View ofScience andScripture, Grand Rapids: Eerdmans, 1954, p. 17; Henri Blocher,/w The Beginning, Downers Grove: InterVarsity, 1984, p. 48; Howard Van Till, TheFourthDay, p. 76; Davis Young, “Scripture in the hands of geologists”, p.295 17 TheFourthDay p. 91. 18 Um artigo de Green publicado nuBiblotheca Sacra, 1890,47, pp. 285-303, faz referência a um artigo anterior datado de 1863. O artigo de 1890 foi reimpresso como um apêndice em R. C. Newman e H. J. Eckelmann, Genesis OneandtheAgeoftheEarth, Downers Grove: InterVarsity. 1977.

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poderíamos evitar um choque com a ciência. Contudo, quando lemos “E viveu Sete cento e cinco anos e gerou a Enos. E viveu Sete depois que gerou a Enos, oitocen­ tos e sete anos; e gerou filhos e filhas” (Gênesis 5:6-7), parece claro que temos um vínculo direto de pai para filho. Somando assim todos os vínculos, é fácil calcular que 1656 anos se pas­ saram desde a criação de Adão até o dilúvio (Gênesis, capítulo 5), e mais 222 anos até Tera (Gênesis, capítulo 1). A sugestão feita por Green de que o texto pode ser lido como “E viveu Sete cento e cinco anos e se tornou um ancestral de Enos. E viveu Sete depois que se tornou um ancestral de Enos, oitocen­ tos e sete anos”, parece muito artificial. Outros escritores têm concluído que o argumento de Green para lacunas é espúrio, e que evidências bíblicas favorecem o ponto de vista de que as genealogias de Gênesis são completas.19 Eu não tenho intenção de entrar numa discussão detalha­ da sobre os aspectos exegéticos específicos das várias interpre­ tações de Gênesis. Para isso, seria melhor o leitor consultar obras tais como o recente estudo de Douglas Kelly, anteriormente mencionado.20 Dois pontos que eu gostaria de sublinhar são: (1) Até recentemente a vasta maioria dos cristãos adotava a interpretação literal tradicional de Gênesis. (2) Aqueles que rejeitaram tal interpretação geralmente foram levados a fazê-lo com base em considerações extrabíblicas. Como já argumentei no Capítulo 1, a rejeição da interpretação preferencial das Escrituras é inconsistente com a confissão de que a Bíblia é a inerrante e autoritativa Palavra de Deus. Concluindo, eu entendo que a evidência bíblica aponta 19 Ri hard Niessen, “A biblical approach to dating the earth: a case for use of Genesis 5 and 11 as an exact chronology”, Creation Research Society Quarterly, 1982,79, pp. 60-66; C. G. Ozane, The First Seven Thousand Years: A Study in Bible Chronology, New York: Exposition Press, 1970. 20 Creation and Change.

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para uma criação do universo há aproximadamente seis mil anos atrás. No próximo capítulo, quando estivermos investi­ gando os vários modelos cosmológicos criacionistas, exami­ narei a questão sobre se uma idade tão jovem para o universo pode ser encaixada num modelo cosmológico viável.

O Mundo Espiritual Deus não criou apenas o universo físico, mas também o mundo espiritual. Nos anos recentes, relativamente pouco tem sido escrito sobre o céu e o mundo espiritual. A ciência moderna, particularmente a cosmologia, tem lançado dúvi­ das sobre a existência do céu. No entanto, a Bíblia fala claramente sobre o mundo espiritual. Além disso, como o mundo espiritual interage com o mundo físico, isso traz profundas implicações para a cosmologia.

Anjos O mundo celeste é o lugar de habitação não apenas de Deus, que é Espírito (João 4:24), mas também dos anjos. A função dos anjos é adorar a Deus (Apocalipse, capítulo 4), executar a vontade de Deus (Salmos 103:20), e ministrar aos crentes (Hebreus 1:14). Os anjos não existiram sempre, porém foram criados: “Louvai-o, todos os seus anjos... pois mandou e foram cria­ dos” (Salmos 148:2,5). Aparentemente sua criação se deu antes que a terra fosse feita - “Onde estavas tu quando Eu fundava a terra?... Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus rejubilavam” (Jó 38:4,7)? - mas dentro da semana da criação (Gênesis 1:1; 2:1). Esses seres espirituais são normalmente invisíveis, “Pois um espírito não tem carne nem ossos” (Lucas 24:39). Anjos são parte da criação invisível mencionada em Colossenses 1:16. Contudo, Deus, algumas vezes, abre nossos olhos para que 245

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possamos vê-los, como no caso de Eliseu e seu servo (2 Reis 6:16). Noutras ocasiões eles tomam forma corporal (Gênesis, capítulo 19; Juízes, capítulo 13, Lucas, capítulo 1). Os anjos podem se comunicar com Deus (Jó 1:6), com o homem e entre eles mesmos (Apocalipse 7:12). A atividade dos anjos pode ter efeito físico, tal como a matança dos assírios (2 Reis 19:35) e a cegueira dos sodomitas (Gênesis 19:11). Os anjos foram originalmente criados santos e possuíam livre arbítrio. Alguns, sob liderança de satanás se rebelaram contra Deus (Apocalipse 12:7-10). Satanás foi derrotado pela vida, morte e ressurreição de Cristo, mas sua derrota só será completada no fim dos tempos. Enquanto isso não se dá, satanás e suas forças espirituais continuam a tentar os crentes e lutar contra os planos de Deus.

Céu Na Bíblia a palavra “céu” tem vários significados. O primeiro céu é a atmosfera, e não há dúvida quanto a isso em passagens como Gênesis 7:11 e 7:14. O segundo céu se refere ao espaço celestial, onde estão os planetas, as estrelas e as galáxias. Depois, há o terceiro céu, aonde o apóstolo Paulo foi arrebatado (2 Coríntios 12:2) e o qual ele também chamou de “paraíso”. Este é o lugar da habitação de Deus (Salmos 11:4) e de seus anjos (Marcos 13:32). É também o destino final de todos os crentes, que esperam ter no futuro “uma herança incorruptível, incontaminável, e que não pode murchar, guardada no céu para vós” (1 Pedro 1:4). Os redimidos serão ressuscitados com corpo espiritual, em vez de corpo físico (1 Coríntios 15:44). Esse corpo espiritual terá as qualidades de incorruptibilidade, glória, poder e imortalidade (1 Coríntios 15:42-44). Nossos corpos ressurretos serão como o de Cristo (Filipenses 3:21). O Cristo ressuscitado tinha um corpo em certo sentido semelhante ao nosso corpo físico, contudo, bem 246

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diferente em outro sentido. Ele podia ser visto e tocado, Ele podia comer alimentos, e no entanto Ele também podia aparecer e desaparecer instantaneamente. O Cristo ressus­ citado Se fez conforme o mundo físico quando assim o quis, à maneira de outros seres espirituais, como os anjos. O corpo espiritual é portanto superior ao corpo físico, podendo incluí-lo, mas sendo-lhe transcendente. O que acontece entre a morte e a ressurreição? Onde resi­ de a alma? A posição do cristianismo tradicional é que a alma imediatamente retorna para Deus (ver, por exemplo, Eclesiastes 12:7,Lucas 23:43,Atos 7:59). As almas dos justos são recebidas no céu, onde eles vêem a face de Deus e aguardam a completa redenção de seus corpos; as almas dos perversos são lançadas no inferno, para lá aguardar o dia do julgamento. Uma deta­ lhada defesa da visão tradicional da existência incorpórea da alma desde a morte até a ressurreição foi elaborada por John Cooper em seu livro Body, Soul, and Life Everlasting.21 Céu e Espaço Como é o lugar de Deus relacionado com o lugar do homem? A Bíblia deixa muito claro que os mundos físico e espiritual não são isolados entre si, mas, em vez disso, são estreitamente relacionados. O mundo espiritual não é uma mera abstração, mas possui um aspecto espacial concreto. A descrição física sugere que o céu espiritual é um universo paralelo ao universo físico. Embora o céu seja normalmente invisível ao homem, ele às vezes é aberto (ver, por exemplo, Ezequiel 1:1, Marcos 1:10, 2 Reis 6:17) de modo que o homem possa ter uma breve idéia das coisas celestiais. “E vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subirem e descerem sobre o Filho do homem” (João 1:51). Nós somos informados de que Miguel e seus anjos luta21 Grand Rapids: Eerdmans, 1989.

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vam no céu contra satanás e seus anjos, tendo este sido derro­ tado, “nem mais o seu lugar se achou nos céus” {Apocalipse 12:7,8). Anjos, tanto como espíritos, ocupam um lugar no céu e podem ser deslocados. Cristo subiu de Jerusalém para o céu, onde foi recebido, e agora assenta-se à mão direita de Deus, e do mesmo modo que foi Ele voltará. A visão celestial de João descreve Deus sentado num trono, cercado de anjos, anciãos e santos. De novo, nos é dado uma visão espacial. Apocalipse, capítulo 21, nos fala da Nova Jerusalém descendo do céu de Deus à terra: no futuro céu, o lugar de Deus e o lugar do homem serão unicamente um. A nova Jerusalém é vista não como uma cidade terrena transformada, mas como uma que se origina no céu e é suspensa sobre a terra. Como tal, ela não parece ser não-espacial, e sim, swper-espacial, transcendendo nosso espaço físico tridimensional. A luz destas considerações, muitos autores têm especu­ lado que talvez os mundos físico e espiritual devam ser considerados como sendo, em certo sentido, partes de um mais elevado espaço multidimensional. Esta idéia será melhor investigada no próximo capítulo.

Céu e Tempo O céu não é um lugar onde tempo não existe. Eventos ali acontecem numa sequência no tempo: há o “antes” e o “depois”. Anjos são criados, alguns se rebelam e são depois expulsos; em certo tempo, anjos se apresentam diante de Deus {Jó 2:1). Cristo em Seu corpo humano, embora ressurreto, e as almas daqueles que partiram entram no céu; no céu há atos temporais tais como oração, fala, cântico, dedilhar de harpas {Apocalipse 5:8-12), e até mesmo meia hora de silêncio {Apocalipse 8:1). De fato, o tempo terrestre e o tempo celeste parecem estar em estreita correlação: eles parecem estar ambos sincronizados pelo mesmo relógio divino. Okke Jager, num estudo extensivo sobre tempo e eternidade conclui que, 248

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na Bíblia, o tempo terrestre, o tempo do céu e o tempo do inferno são todos o mesmo tempo.22 E quanto ao tempo no futuro céu quando os redimidos entram na eternidade de Deus? Parece que esse futuro é eter­ no no sentido de que não tem fim, ou durará para sempre, e não que seja intemporal. Isso se mostra evidente na descrição da nova Jerusalém: “E mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça, e de uma e outra banda do rio, estava a árvore da vida que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês. E as folhas da árvore são para a saúde das nações. E ali nunca mais haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão. E verão o Seu rosto, e nas suas testas estará o Seu nome. E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os alumia, e reinarão para todo o sempre”. (Apocalipse

22:1-5).

A água que flui, o ato de reinar (para sempre!), os frutos amadurecendo a cada mês, tudo isso aponta para atos dentro do tempo. Mesmo havendo claramente muito simbolismo no Apocalipse, não há em nenhum lugar qualquer sugestão que indique que nossa eternidade futura será intemporal, mas sim que não terá fim.

Tempo e Eternidade Como está a eternidade de Deus relacionada com o tempo? Deveria esta ser relacionada com o tempo eterno ou com a intemporalidade? A questão do relacionamento entre tempo e eternidade causa perplexidade. Como criaturas finitas e presas ao tempo 22 Het Eeuwige Leven: Met Name in Verband met de Verhouding van Tijd en Eeuwigheid, Kampen: Kok, 1962, p. 511.

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nós temos muita dificuldade de conceber o infinito e a intemporalidade. Como podemos nós, seres humanos falíveis como somos, nos atrevermos a descrever os atributos de Deus? Devemos portanto ser cautelosos, evitar conjecturas inúteis e considerar o que Deus tem nos revelado sobre Si mesmo com respeito a tempo e eternidade. A Bíblia nunca retrata Deus como uma abstração passiva e intemporal. Pelo contrário, Ele sempre é mostrado como um agente que opera na história. Deus é o Deus vivo (7 Timóteo 4:10), que atua no tempo. Além disso, Deus existe de eterni­ dade a eternidade, sem ter começo nem fim: “Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade tu és Deus” (Salmos

90:2). “Os teus anos nunca terão fim” (Salmos 102:27; compare com Hebreus 1:12) .

Isso implica que o tempo em si mesmo se estende infini­ tamente adentro do passado e do futuro. A referência a “antes” que a terra e o mundo fossem formados acarreta necessaria­ mente que o tempo existiu antes da criação das coisas físicas. Portanto, a criação do mundo físico pode ser visto como um ato temporal de Deus. A Confissão Belga fala de Deus criando os céus e a terra “quando lhe pareceu bem fazê-lo” (Artigo 12). Isso implica que a criação não foi sem tempo, como alguns afirmam, mas dentro de um tempo preexistente. Também, em discutindo as duas naturezas de Cristo, a Confissão Belga (Artigo 19) contras­ ta a natureza humana de Cristo, a qual foi criada, e teve um começo de dias, com a natureza divina de Cristo, a qual é sem começo de dias ou fim de vida”. O pensamento subjacente é o de eternidade sem limitações ou vínculos de temporalidade. João Calvino (Instituías, I. XIV. 1) respondendo à 250

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zombaria profana de que parecia estranho que não tivesse ocorrido à Deus criar céu e terra mais cedo, em vez de per­ mitir que um infinito período de tempo passasse antes de fazê-lo, apontou para a futilidade da especulação sobre coisas que Deus propositadamente não nos revelou. A eternidade de Deus envolve também Sua capacidade de perceber simultaneamente todo o tempo. Ele conhece o passado e o futuro tão perfeitamente quanto Ele conhece o presente. Seu “presente” preenche todo o tempo. Nós, por outro lado, experimentamos uma sucessão de eventos. Nosso presente é, no máximo, uns poucos segundos; nosso passado limitado é relembrado apenas de modo imperfeito; nosso futuro ainda nos é desconhecido. E mais, a Bíblia nos diz que Deus, embora ativo na história, é imutável. Ele não muda em Seu Ser, perfeições, propósitos e promessas. Se conhecimento, princípios morais, volições, permanecem para sempre os mesmos.23 Isso é visto em textos tais como: “Porque eu o Senhor não mudo, por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” (Malaquias 3:6/ “Mas tu és o mesmo, e os teus anos nunca terão fim” (Salmos

102:27).

Berkhof observa que a imutabilidade de Deus não implica em imobilidade, pois Deus está sempre em ação. Pelo contrá­ rio, a imutabilidade divina significa que as interações de Deus com a Sua criação são sempre consistentes com o Seu mais perfeito caráter e sempre fiel às Suas misericordiosas promessas. Em resumo, a evidência bíblica favorece ao ponto de 23 Ver Louis Berkhof, Systematic Theology (Teologia Sistemática), Londres: Banner of Truth, 1958 (Frequentemente reimpresso), pp. 58-59.

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vista de que o tempo se estende infinitamente adentro do passado e do futuro, de eternidade a eternidade. A eternidade de Deus é supra temporal, abrangendo tempo irrestrito. Também, a percepção e experiência que Deús tem do tempo são muito diferentes das nossas. Ele tem completo conheci­ mento de todos os eventos do passado, do presente e do futuro, que são para Ele como um todo integral. Finalmente, o agir de Deus através dos tempos é sempre marcado pela imuta­ bilidade de Seu Ser e de Suas promessas.

Questões Cosmológicas Adicionais Agora examinaremos algumas questões adicionais de significância cosmológica bem como astronômica. As Estrelas como Sinais Teriam as estrelas a função de sinais em outros capacida­ des diferentes dos mencionados acima? Vários autores acham que sim.

O Evangelho nas Estrelas Muitos escritores têm afirmado que os agrupamentos de estrelas em constelações retratam uma mensagem divina - a história da salvação - escrita no firmamento.24 Eles notam que, embora Adão tenha dado nome aos animais, foi o próprio Deus quem nomeou as estrelas: “Conta o número das estrelas, chama-as todas pelos seus nomes” (Salmos 147:4; ver também Isaías 40:26). Eles crêem que tais nomes estejam ainda pre­ servados nas constelações, e a história que estas contam. Com

24 Ver J. A. Seiss, The Gospel in the Stars, 1882, rept. Grand Rapids: Kregel, 1972, and K. C. Fleming, God’s Voice in the Stars, Zodiac Signs and Gospel Truth, Neptune, N. J.: Loizeau Brothers, 1981.

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relação à historia contada pelas estrelas, Fleming refere-se ao Salmo 19: “Os céus declaram a gloria de Deus, e o firmamento anuncia as obras de suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Não há linguagem nem fala, onde não se ouça a sua voz. A sua linha se estende por toda a terra, e as suas palavras até ao fim do mundo”.

O fato de ser a última parte desta passagem citada em Romanos 10:18, com clara referência ao ensinamento de Cristo, é interpretado por Fleming como significando que as constelações apresentam a mensagem do evangelho. Esta é uma tese bastante intrigante, mas seria uma tese viável? Deveríamos crer que esta mensagem celestial comuni­ cando a queda do homem e a salvação já estaria reve-lada e observada por Adão antes que sua queda acontecesse de fato? Ou teria Deus rearranjado e renomeado as estrelas depois da Queda? Nem uma nem outra das opiniões parece plausível. Uma dificuldade subseqüente é que a forma ou padrão em que as estrelas estão dispostas tem pouca semelhança com as constelações correspondentes, mesmo quando considera­ mos os movimentos das estrelas e fazemos extrapolação até ao tempo de Paulo ou Davi. Por exemplo, é evidente que a constelação Ara (altar) não é facilmente discernível como tendo a forma de um altar, nem as estrelas na constelação Virgo (virgem) formam uma figura semelhante a uma mulher (ver Figuras 7.1 e 7.2). Uma vez que as estrelas são designadas às várias constelações, é possível fazermos associação, mas isso requer uma explicação verbal junto com nossa observação das estrelas. Surge então a questão de por que Deus, quem colocou as estrelas no céu, não as teria arranjado de modo mais óbvio, se o propósito era apresentar a mensagem do evangelho? 253

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Além disso, a necessidade de explicação verbal enfra­ quece as referências a Salmos 19 e Romanos, capítulo 10, feitas acima. E sabido que as figuras e nomes das constelações têm uma história bem antiga, remontando pelo menos ao tempo dos Sumérios e Acádios, os habitantes não semitas do vale do Eufrates, antes dos Babilônios, antes de 2.000 a.C. O livro de Jó, um dos mais antigos livros da Bíblia, parece se referir a várias constelações: Ou poderás tu ajuntar as delícias das sete estrelas, ou soltar os atilhos de Orion? Ou produzir as constelações a seu tempo, e guiar a Ursa com seus filhos? (Jó 38:31-32).

A palavra Mazzaroth (traduzida por Órion na versão ARC) é por muitos considerada como uma referência aos sinais zodíacos (as constelações existentes ao longo do percurso do sol). Infelizmente, não há consenso quanto ao significado dos antigos nomes das estrelas e constelações. O astrônomo Michael Ovenden por dedução da posição do pólo norte em antigas gravuras retratando as constelações, remonta as origens das constelações a 2600 a.C. Embora não seja cristão, ele conclui, com relação a uma parte das constela­ ções (ver Figuras 7.1 e 7. 2): Vindo do navio (Argo) está Centauro, o homem-animal, sa­ crificando uma fera (Lupus) sobre um altar (Ara); nós vemos também a serpente aquática (Hydra) com um corvo (Corvus) comendo sua carne. Não há dúvida de que temos aqui, em ima­ ginação retratada nos céus, uma versão da história de Noé e o Dilúvio. A figura é completada com a Via Láctea aparentemen­ te subindo do altar como fumaça. 25

25 M. W. Ovenden, “The Origin of the Constellations”, PhilosophicalJournal, 1966,3,pp. 1-18.

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Embora pareça promissora, essa interpretação destas constelações é bem diferente daquela proposta por Fleming, que interpreta por exemplo, o Centauro como Cristo, o homem-Deus, Lupus como Cristo, a vítima sacrificada, e Ara como o lago de fogo preparado para satanás. Assim, embora os nomes das constelações sejam indu­ bitavelmente muito antigos, e muito provavelmente relacio­ nados com temas bíblicos, é evidente que seus significados originais foram corrompidos. Sua mensagem original, mesmo que fosse de origem divina, não seria facilmente resgatada.

A Estrela de Belém Alguém poderia perguntar: se Paulo refere-se a um tão claro evangelho nas estrelas, porque outros escritores do tem­ po de Paulo não fizeram menção disso? Contudo, pode ser que haja indicação adicional de que as constelações comuni­ cam uma mensagem mais profunda. Considere a história da estrela de Belém. Quando os magos chegam a Jerusalém eles perguntam: “Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no oriente e viemos a adorá-lo” (Mateus 2:2). Como poderiam eles saher que a estrela signi­ ficava o nascimento do rei dos judeus? Não há qualquer evidência de que eles tivessem recebido revelação direta sobre isso. Pelo contrário, parece que eles deduziram, pura­ mente através de sinais celestes, o nascimento de um novo e importante rei judeu. Em tal caso, eles devem ter atribuído significado a eventos celestes que tinham para eles pelo menos algum grau de verdade. Há muita especulação sobre a identidade da estrela de Belém. As três explicações naturalistas mais populares são a de que teria sido um cometa, uma supernova, ou a conjunção dos planetas Júpiter e Saturno. Todavia, nenhuma destas propostas faz justiça ao relatado comportamento da estrela: 255

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Figura 7.1: Constelações do Hemisfério Norte. Extraída da obra de Sir W. Peck, The Observer's Atlas of the Heavens.

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Figura 7.2: Constelações do Hemisfério Sul Extraída da obra de Sir W. Peck, The Observer’s Atlas of the Heavens.

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“E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no oriente, ia adiante deles, até, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande alegria” (Mateus 2: 9-10).

Note o movimento peculiar da estrela durante a curta jornada dos magos de Jerusalém até Belém: primeiro indo adiante deles, depois se detendo sobre o lugar onde estava o menino. O excessivamente grande regozijo dos magos quan­ do eles depois viram a estrela implica o comportamento não usual da mesma, não somente pelo seu reaparecimento súbi­ to, mas também pelo seu alterado movimento. Claramente, se a estrela estivesse guiando os magos ao longo de toda a jornada do oriente até Jerusalém, eles não precisariam ter pedido informação sobre onde encontrar o menino. Um tal compor­ tamento da estrela mostra que não se tratava de algum cometa, supernova, ou combinação de planetas. No entanto, embora sendo provavelmente sobrenatural, a posição inicial da estrela entre as constelações deve ter tido um grande significado. Mas, qual teria sido aquela posição? Fleming pensa que deve ter sido uma nova estrela na conste­ lação de Coma, próxima a Virgo’, ele interpreta Coma como significando “o filho desejado” de Virgo. De acordo com Colin Humphreys26, em astrologia dos magos o planeta Saturno representa o divino pai, Júpiter é seu filho, e a constelação de Pisces (Peixes) era associada com Israel. Assim, a conjunção de Saturno e Júpiter na constelação de Pisces no ano 7 a.C. teria gerado a mensagem astrológica de que um messias-rei nascería em Israel. Por outro lado, Ernest Martin identifica a estrela de Belém com Júpiter, o planeta rei, entrando na constelação de Leo 26 C. J. Humphreys, “The Star of Bethlehem - a Comet in 5 BC - and the Date of the Birth of Christ”, Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, 1991,32, pp. 389-407.

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(Leão), associada na Bíblia com a tribo de Judá, da qual nasceu Jesus, em 12 de agosto, do ano 3 a.C. Naquele tempo, o sol, representando o pai supremo, estava posicionado próxi­ mo a Vénus, a mãe, a qual acabava de entrar na constelação Virgo, a virgem.27 A preferência por Leo, o leão, é baseada na profecia de Balaão “Uma estrela procederá de Jacó” {Números 24:17), combinada com a bênção de Jacó “Judá é um leãozinho” {Gênesis 49:9). Claramente, muito disso não passa de pura conjectura. Alguém pode imaginar que com certa criatividade casos semelhantes a esses podem ser construídos para praticamente qualquer constelação. Assim, enquanto reconhecendo que o local inicial da aparição da estrela dentro das constelações sem duvida comunicou algum significado, não podemos fazer mais do que imaginar qual teria sido tal posição ou significado. O Tamanho do Universo

Poderia o universo físico ser infinitamente grande? A maioria dos teólogos cristãos é a favor de uma criação finita. Muitos têm crido que somente Deus pode ser infinito, e que qualquer teoria física que afirme que o universo é infinito em tempo e espaço deve ser rejeitada no campo religioso. Norman Geisler, por exemplo, argumenta que é impossível haver dois seres infinitos, pois o infinito inclui o tudo, e não pode haver dois “tudo”. Portanto só poderia haver um Ser infinito - Deus - e todas as outras coisas seriam finitas. Ele crê que a finitude é uma propriedade essencial da criação.28 Por outro lado, Don De Young conjectura que talvez haja um número infinito de estrelas - “Que maneira excelente para 27 E. L. Martin, TheBirth of Chnst Recalculaled, Pasadena: Foundation for Biblical Research, 1980. 28 Knowing the TruthAbout Creation, Ann Arbour: Servant Books, 1989, p.9.

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o Criador mostrar Sua glória!”29 Em primeiro lugar, deixe-me esclarecer que eu não creio que o argumento de Geisler seja convincente. Certamente, devemos reconhecer que não pode haver outro Ser que seja infinito no mesmo sentido em que a infinitude é atribuída a Deus, com todas as conotações de perfeição, liberdade, irrestringibilidade. Mas não me parece claro, contudo, que isso necessariamente elimina a existência de entidades que incor­ porem uma limitada forma de infinitude. Por exemplo, se Deus existe eternamente no tempo, então tanto Deus quanto o tempo são infinitos, no sentido de não terem restrições tempo­ rais. Tal coisa não envolve contradições. Não poderia o mesmo ser aplicado a Deus e espaço, de que Deus e espaço sejam ambos ilimitados. Além disso, indo até ao ponto de que o espaço espiritual de Deus transcende o espaço tridimensional do homem, mesmo um universo tridimensional infinito poderia ainda ser meramente um subespaço de um muito mais amplo espaço multidimensional. Haveria alguma indicação bíblica de que o nosso mundo físico é infinito no espaço? Textos tais como “Como não se pode contar o exército do céu, nem medir-se a areia do mar, assim multiplicarei a descendência de Davi” (Jeremias 33:22), embora referindo-se a “incontáveis estrelas”, claramente significa apenas que “são em número muito grande”, grande demais para que os homens possam contar, assim como a areia do mar e a descendência de Davi são ambos finitos. Textos bíblicos tais como “Conta o número das estrelas, chamando-as a todas pelos seus nomes” (Salmos 147:4), pare­ cem apontar para um número finito. Pois, se assim não o fosse, como poderia um número infinito de estrelas ter todas elas os seus nomes? Além disso, o propósito das estrelas é

29 Astronomy and the Bible, Grand Rapids: Baker Book House, 1989, p.57.

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alumiar a terra, e servir de sinais e de estações (Gênesis 1:1418). Isso sugere que, para cumprir tal mandato, estrela alguma poderia estar infinitamente distante da terra. Finalmente, como acima notamos, o fato do “abismo” em Gênesis, capítulo 1, ter uma face ou superfície implica que, pelo menos no primeiro dia, o universo material era finito, contido dentro de um espaço maior. Presumivelmente a ma­ téria continuaria sendo finita e restrita depois da criação do firmamento e separação das águas no segundo dia, embora isso dependa de certo modo em como “o firmamento” é interpre­ tado, particularmente quando estrelas são postas no firmamento no quarto dia. No geral, eu concluo que as evidências bíblicas pendem em favor de um universo físico finito, talvez imerso num espaço infinito. E claro que, na prática, esta questão é larga­ mente acadêmica, pois, do ponto de vista observacional, nós nunca poderemos distinguir entre um universo infinitamente grande e um meramente maior do que a porção observável.

Um Universo Expandido? De acordo com Humphreys, o firmamento se expandiu. E para apoiar tal afirmação ele aponta numerosos textos que falam do universo sendo extendido: Ele “extendeu os céus” (Jeremias 10:12, ver tambémjó 9:8, Salmos 104:2, Isaías 40:22). A expansão começou, diz Humphreys, no segundo dia, quando o firmamento foi criado. O segundo dia é o único dia em que Deus não comenta que era bom. Contudo, no sexto dia, referindo-se a tudo quanto tinha feito, Deus declarou que era “muito bom” (Gênesis 1:31). Humphreys sugere que Deus não declarou o segundo dia como bom porque a expansão ainda não havia sido completada; mas continuou até, ou pouco antes de, o sexto dia.30 E bem plausível que ao fim do segundo dia o universo 261

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material fosse maior do que havia sido no primeiro dia, desde que então o firmamento havia sido acrescentado para separar as águas que anteriormente estavam todas juntas. Neste sentido pode-se dizer que o universo pode ter sido expandido. Por outro lado, naquele tempo não havia ainda objetos celestiais. Teria havido expansão subseqüente após o segundo dia? Como o sol e as estrelas não haviam sido ainda criados até o quarto dia, somente aquela porção da expansão, do quarto ao sexto dia seria cosmológicamente pertinente. O argumento de Humphreys sobre a ausência do termo “muito bom” ao tér­ mino do segundo dia da criação é muito tênue. Além disso, por que teria que ser usada a expressão “era muito bom” após completar a expansão no sexto dia em vez da expressão “era bom” do quarto dia, quando os objetos celestes no firmamento são criados? Afinal, depois do quarto dia a narrativa da cria­ ção menciona apenas a criação de criaturas vivas terrestres. As interpretações mais usuais sobre a expansão dos céus são que isso se refere à sua criação inicial, no segundo dia, em vez de expansão subseqüente. Qualquer proposta de expansão após o segundo dia é pura especulação.

A Estrutura Referencial Bíblica A estrutura referencial da Bíblia é claramente geocêntrica. Eventos são referidos quanto à posições de astros em relação à terra (ver Josué 10:12-14). A terra é considerada como fixa também num sentido mais profundo; ela é dita estar em repouso com relação ao lugar da habitação de Deus (ver Isaías 66:1), quem estabelece todos os absolutos. Esse é certamente o caso quanto à vida futura, quando a nova Jerusalém descerá do céu e o lugar da habitação de Deus, o tabernáculo de Deus, 30 Starlight and Time, p. 68.

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estará com os homens {Apocalipse 21:1 -2). Pode-se questionar se tal geocentricidade teria algum significado científico. Como notamos em nossa discussão sobre Galileu e a Igreja, somente o movimento relativo é observável. Movimento absoluto é sem significado, a menos que definamos o padrão com relação ao qual o movimento “absoluto” deve ser mensurado. Não pode haver objeção quanto a considerar-se a terra - ou o céu - como padrão absoluto de repouso. Pode não ser, de um ponto de vista puramente científico, a definição mais conveniente de padrão, porém dificilmente poderia ser considerado falso. A escolha de um padrão absoluto é questão puramente filosófica, ao invés de científica. Assim sendo, ninguém poderá objetar quanto à opção por uma estrutura geocêntrica, como usada na Bíblia. Alguém pode preferir usar algum outro referencial que não o geocêntrico, mas não pode por isso afirmar que a Bíblia esteja errada. A geocentricidade bíblica define a terra em repouso com relação ao céu, o trono de Deus, o qual não é observável ao homem (a menos que Deus escolha abrir nossos olhos). Como tal, são óbvias as implicações teológicas, mas poucas, se é que existem, as implicações físicas. Seria o universo geocêntrico também no sentido de que a terra está no centro geométrico do universo (ou próxima ao centro)? A narrativa da criação em Gênesis, capítulo 1, localiza a terra no centro, cercada pelas águas abaixo do firmamento, o firmamento, e as águas acima deste. Humphreys31 especula que durante a semana da criação a terra estava no ou próximo do centro de um universo esférico. Contudo a Bíblia não especifica uma forma geométrica para o universo. Nem tampouco especifica que as estrelas estão dispostas em simetria esférica em relação à terra. 31 Starlightand Time, p. 71.

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Portanto devemos frisar que a geocentricidade bíblica não necessariamente implica em que a terra esteja no centro geométrico do sistema solar, ou da galáxia, ou do universo. Nem tampouco tal geocentricidade implica em que a dinâ­ mica geocêntrica seria mais conveniente do que, digamos, a dinâmica newtoniana ou a mecânica relativista. Concluindo, parece-me que a geocentricidade bíblica não tem necessária implicação direta, observacional ou científica. Todavia ela aponta para além do mundo físico de nossas observações, isto é, para uma realidade espiritual mais rica e oculta do céu.

A Bíblia e o Big Bang Muitos cristãos têm impetuosamente abraçado e apoiado cosmologias Big Bang. Assim, por exemplo, o teólogo evan­ gélico Norman Geisler exclama “A teoria Big Bang é uma maravilhosa harmonização com a narrativa da criação em Gênesis 1:1,32 e o astrônomo Hugh Ross vai longe a ponto de afirmar que a Bíblia “é o único texto religioso que ensina a cosmologia em total acordo com as últimas descobertas astrofísicas”.33 Fred Heeren, num tom semelhante, ecoa “A Bíblia é a única fonte religiosa que, proveniente da antigüidade, chega até nós e se ajusta no cenário da cosmologia moderna”.34 Seriam tais alegações justificáveis? Deveria, e poderia, a cosmologia Big Bang ser reconciliada com a Bíblia? Num capítulo precedente já observamos vários pontos fracos da cosmologia Big Bang, a subjetividade da teorização cosmológica, e a possibilidade de construção de modelos 32 Journal ofEvangelical Theological Society, 1979,22, p. 282. 33 The Fingerprint ofGod, p. 179. 34 Show me God: IFhat the Messagefrom Space Is telling Us about God, Wheeling: Searchlight, 1995, p. xvii.

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cosmológicos alternativos. Também alertamos para o perigo de se igualar a cosmologia Big Bang com a verdade revelada. Então, por esta perspectiva, não é essencial que a Bíblia esteja de acordo com a cosmologia Big Bang. Apesar disso, pode-se perguntar até que ponto há acordo entre as Escrituras e o modelo Big Bang. O Big Bang e o Passado E claro que há um número de pontos em comum entre o Big Bang e o Génesis. Por exemplo, ambos retratam o universo sendo originado num ponto do passado, sendo a luz urna das primeiras coisas a serem criadas, e o homem a última, pelo menos até agora (se a vida é o resultado de evolução, deve-se esperar que eventualmente sejam produzidos seres mais avançados que o homem). Entretanto, há também obvias diferenças. Primeiro, os bilhões de anos considerados necessários na cosmologia Big Bang grandemente excedem os seis dias da criação de Génesis, capítulo 1. Interpretar os dias de Génesis, capítulo 1, como longos períodos de tempo não é satisfatório, uma vez que os dias ali referidos são períodos de luz e escuridão. Segundo, a ordem da criação difere significativamente. A principal discrepância, sem dúvida, diz respeito à criação do sol e das estrelas. Mas, há outras diferenças que são problemá­ ticas. Em cenários evolucionistas os oceanos são formados de­ pois da terra seca. Davis Young, em sua crítica do concordismo, argumenta que, de acordo com a geologia evolucionista a vida marinha precede a vegetação terrestre. Também, do ponto de vista evolucionista, animais terrestres e pássaros precederam as árvores frutíferas.35 Tais considerações levam à seguinte seqüência:

35 “Scripture in the Hands of Geologists”, pp. 293,287.

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BIG BANG 1. Luz e Elementos de Luz

2. Estrelas 3. Elementos Pesados, Agua

4. Sol, Lua, Terra 5. Terra Seca

Oceanos Vida Marinha Vegetação Terrestre Animais Terrestres: Répteis Pássaros Animais Terrestres: Mamíferos 12. Arvores Frutíferas, Gramíneas 13. Humanos 6. 7. 8. 9. 10. 11.

GÊNESIS, Capítulo 1 1. Água, Elementos Terrestres (1° dia) 2. Luz 3. Firmamento, Oceanos, Atmosfera (2° dia) 4. Terra Seca (3° dia) 5. Vegetação Terrestre, Árvores Frutíferas 6. Sol, Lua, Estrelas (4° dia) 7. Vida Marinha (5° dia) 8. Pássaros 9. Animais Terrestres (6° dia) 10. Homem 11. Mulher

Terceiro, há o modo da criação. Em Gênesis tudo é criado instantaneamente por Deus. Ele falou, e tudo se fez. No Big Bang tudo acontece gradualmente, através de um processo evolucionário, baseado exclusivamente na operação de leis naturais. Quarto, de acordo com Gênesis a criação, incluindo o ho­ mem, foi inicialmente “boa”, tendo sido depois deteriorada pela Queda, a qual trouxe maldição sobre a criação. De acordo com o cenário evolucionista do Big Bang o homem não caiu, mas está em evolução ascendente. É particularmente esta noção da bondade original do homem e sua subseqüente Queda que é difícil de se encaixar dentro da visão naturalista das origens. 266

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O Big Bang e o Futuro Uma reconciliação entre o Big Bang e Gênesis, mesmo se tivesse solidez exegética, ainda assim não daria um favorável atestado de saúde teológica para o Big Bang. Outros proble­ mas permaneceriam. Consideremos, por exemplo, as questões relativas ao futuro. Como visto em capítulo anterior, a cosmologia Big Bang prevê uma perspectiva sombria para o futuro: a evolu­ ção continuada tende a substituir o homem por seres mais inteligentes, e eventualmente toda forma de vida tende à extinção, seja por um Big Crunch ou pela morte do calor. E também, não há embasamento físico para se crer numa vida após a morte. Obviamente, tal perspectiva do futuro tem muito pouco em comum com o que diz a Bíblia. O tema central da espe­ rança cristã é o retorno de Cristo, a ressurreição dos mortos, o julgamento final, e a vida eterna em renovados céus e terra. E tais eventos devem ocorrer brevemente, não daqui a bilhões de anos.

O Big Bang e a Realidade Espiritual Finalmente, a teoria Big Bang levanta problemas para o cristianismo, não apenas em sua descrição do futuro ou do passado, mas, ainda mais importante, na sua concepção da presente estrutura do universo. A teoria Big Bang pressupõe que o universo físico é tudo o que existe; somente causas e efeitos têm influências no universo. Assim, não há lugar para um Deus transcendente, para causas sobrenaturais, ou uma alma imortal. Com a morte física do ser humano, sua vida estaria para sempre extinta. A Bíblia, em oposto, aponta para a existência de um mundo espiritual, onde se encontram Deus, os anjos, e as almas dos que partiram. O céu bíblico parece ser um universo paralelo ao nosso mundo físico, porém usualmente é invisível 267

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ao homem. O homem moderno comete o equívoco de consi­ derar o mundo físico como sendo a realidade suprema, e o mundo espiritual como algo que não passa de uma abstração vaga. Na realidade, contudo, é o nosso cosmos tridimensional que não passa de uma tênue e passageira sombra: a realidade suprema é a multidimensional habitação de Deus. Implicações Os cristãos, numa tentativa de reconciliar a cosmologia Big Bang com a Bíblia geralmente se limitam às questões de origem. O reconhecimento da escatologia bíblica, bem como da existência de elementos espirituais e sobrenaturais no mundo, implica em que o principal da cosmologia Big Bang seja abandonado. A Bíblia dá poucas informações específicas sobre a ori­ gem de objetos astronômicos. Contudo, no que tange à astronomia, parece relativamente fácil fazer com que a Bíblia e a cosmologia Big Bang concordem. Apenas ter-se-ia que ajustar os dias da criação quanto à sua natureza, duração em tempo, e seqüência ou ordem de criação. Embora tais alterações pareçam pequenas e inofensivas, há mais questões de cerne envolvidas do que se percebe à primeira vista. Primeiro, forçar os textos bíblicos para que sejam harmo­ nizados com a teorização científica reflete uma epistemología que dá mais peso e importância à teorização científica do que à Palavra de Deus. Aqueles que advogam concordância entre o Gênesis e a cosmologia Big Bang freqüentemente aderem à uma teoria de dupla revelação. Hugh Ross por exemplo argumenta que: Os fatos da natureza podem ser como o 67° livro da Bíblia... nós podemos esperar que interpretações dos fatos da natureza

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sejam coerentes com a mensagem de Gênesis.36

Seu equívoco é estender o conteúdo de tais fatos para além dos dados observacionais de modo a também incluir teorias científicas específicas, como a cosmologia Big Bang. As limitações da revelação geral foram discutidas no capítulo 4. Deixe-me repetir aqui que, teorias científicas, parti­ cularmente quanto a questões de origem, são altamente especulativas, subjetivas, não verificáveis, e constantemente mudando. Em nenhuma hipótese podem tais teorias ter o status de verdade divina. Em contraste, dados observacionais são baseados em terreno muito mais firme. Eles podem ser considerados como essencialmente factuais. Contudo, em cosmologia tais dados consistem de fótons de luz quando estes atingem nossos olhos ou nossos telescópios. Tais observa­ ções estão limitadas a (alguns) eventos do presente ou do passado recente. Não temos observações diretas do passado pré-histórico distante. Assim, não temos fatos genuinamente científicos sobre origens. O máximo que os cientistas podem fazer é especular. O ponto em questão é, portanto, nada menos que a autoridade e interpretação da Palavra de Deus. Se o pensa­ mento humanista deve ditar nossa leitura de Gênesis, capítulo 1, então teremos desistido do princípio básico segundo o qual a sabedoria do mundo deve ser julgada à luz das Escrituras, e não vice versa. Se não formos capazes de crer em tudo o que a Bíblia diz, mesmo em se tratando de questões aparentemente de menor importância, como poderemos crer em qualquer coisa dita por ela? Segundo, a aceitação de um universo antigo, e, conseqüentemente, uma terra antiga, requer não apenas que Gênesis, capítulo 1, seja reescrito. De acordo com a geologia 36 Creation and Time, Colorado Springs: Navpress, 1994, p.56.

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evolucionista, fósseis do tipo humanos podem ser datados a 4,5 milhões de anos. Como pode isso ser conciliado com o Adão bíblico? Marvin Lubenow aponta que nem um Adão antigo, nem um Adão recente podem ser facilmente harmoni­ zados com uma terra antiga.37 Um Adão antigo envolve um esticamento (ou alongamento) das genealogias de Gênesis, capítulos 5 e 11, a comprimentos prováveis. Também, a descrição de Adão como um agricultor inteligente (ver Gênesis, capítulo 4) contradiz a noção evolucionista do homem primi­ tivo como um estúpido habitante de cavernas, um caçador e coletor que viveu muito antes do aparecimento de animais domésticos e de cereais. Por outro lado, localizando Adão há apenas uns poucos milhares de anos passados levanta o problema sobre o que fazer com os seres semelhantes a homens que existiram antes de Adão, e como levar em conta suas mortes, já que teriam sido resultantes da Queda em Adão. Em resumo, o Adão bíblico não pode ser colocado, plausivelmente, dentro da estrutura da cronologia evolu­ cionista. A negação do Adão bíblico, por outro lado mina a historicidade da Queda e a realidade do pecado original. Isso traz enormes implicações teológicas. Então, a questão é muito mais importante do que parece inicialmente. Como a história tem mostrado, a falha em defender os dias literais da criação, em oposição à ciência naturalista, mina a defesa do resto das Escrituras.

Conclusões Sumariando, já temos discutido um número de ensina­ mentos bíblicos sobre a natureza de Deus e a criação. Agora enumeraremos algumas das conclusões principais. A Bíblia menciona muito pouco sobre a presente 37 Bones of Contention, Grand Rapids: Baker, 1992 270

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estrutura física do universo. Sua mensagem está muito mais direcionada para o relacionamento entre o cosmos criado e o seu Criador. Assim sendo, ela nos informa sobre os planos divinos para o universo. Tudo foi criado a partir do nada, em seis dias, há uns poucos milhares de anos atrás. A criação original era boa mas, por causa da Queda de Adão o pecado entrou no mundo. A salvação do homem é baseada na encarnação, morte, e ressurreição de Cristo. No último dia Cristo voltará para julgar o mundo, e para trazer novos céus e nova terra, onde não haverá lugar para o pecado. De grande importância é a existência do mundo espiri­ tual o que aponta para uma realidade maior, além do nosso mundo físico tridimensional limitado. A principal caracterís­ tica de uma cosmologia cristã é o reconhecimento próprio do mundo espiritual, com sua possível interação com o nosso universo físico. Várias questões cosmológicas posteriores foram aborda­ das. A evidência bíblica sugere que o universo físico é finito. Evidências de um evangelho escrito nas estrelas e o caso de um possível universo expandido são duvidosas. Embora a Bíblia use uma estrutura de referência geocêntrica isso não tem necessárias conseqüências científicas ou observacionais. Finalmente, a relação entre a cosmologia Big Bang e a Bíblia foi discutida. Vimos que as duas entram em choque, não apenas com relação às origens, mas também em relação a escatologia e a existência de entidades espirituais. Adesão à cosmologia Big Bang traz grandes implicações, muito além de um simples remendo em Gênesis, capítulo 1.

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8 Cosmologias Bíblicas No capítulo anterior vimos que a cosmologia Big Bang não se concilia facilmente com as Escrituras. Seria possível - e desejável - construir modelos cosmológicos mais harmônicos com a Bíblia? Essas questões serão focalizadas no presente capítulo. Como observado anteriormente, a Bíblia tem pouco a dizer sobre a presente estrutura física do universo. Ela não conflita com nenhuma das observações astronômicas corren­ tes. Os problemas surgem quando passamos do campo das observações para o campo das teorias. Os dados cosmológicos observacionais disponíveis podem ser interpretados de vários modos diferentes; a cosmologia moderna oferece uma grande variedade de modelos visando explicar as observações astro­ nômicas. A abordagem, bem como a escolha de modelos cosmológicos tem mais a ver com prévias tendências filosó­ ficas e religiosas do que com a pura observação e a lógica dedutiva. Uma abordagem cristã deve ter como ponto de partida que as teorias científicas sejam construídas visando coerência com dados bíblicos. A entrada de dados fornecidos pela Bíblia à cosmologia é primariamente relacionada com o assunto de origens, mundo espiritual, e o futuro. Com relação ao futuro, como os céus e a terra serão renovados por meios sobrenaturais, haverá apenas uma limitada continuidade natural entre esta era e a próxima. Portanto, é impossível construir um modelo cosmológico ade­ quado para o futuro distante. Tudo o que se pode dizer é que

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qualquer modelo do universo físico presente pode ser válido no máximo por um tempo limitado - até o retorno de Cristo. Também, o mundo espiritual e seu relacionamento com o mundo físico estão além das investigações científicas. De novo, não há como construir modelo cosmológico concreto nem como estabelecer qualquer relação matemática pertinente. Contu­ do, a existência de causas espirituais que resultam em efeitos naturais estabelece obrigatoriamente um outro limite na adequação dos modelos cosmológicos. Isso nos deixa primariamente com o problema de expli­ car as observações astronômicas correntes em termos de pres­ supostos bíblicos concernentes as origens. Nos anos recentes várias tentativas têm sido feitas visando construir modelos cosmológicos que estejam em harmonia com a Bíblia. Nós nos referiremos a tais modelos como “cosmologias bíblicas”, reconhecendo que, embora tais modelos possam ser baseados em dados bíblicos particulares, suas peculiaridades específi­ cas necessariamente requerem pressupostos adicionais. Examinaremos duas categorias de cosmologias. A pri­ meira consiste de modelos cosmológicos construídos dentro das restrições da cronologia bíblica, e a segunda consiste de modelos mais voltados para considerações espaciais, ao invés de temporais.

Universos Jovens Criacionistas têm se concentrado em modelos coerentes com uma idade bem jovem: algo em torno de seis mil anos. A dificuldade que eles enfrentam é como explicar aquelas carac­ terísticas do universo que são geralmente interpretadas como indicativas de idades de bilhões de anos. Por exemplo, se o universo tem seis mil anos de idade, como é que podemos estar vendo galáxias que parecem estar a bilhões de anos-luz distantes de nós? Se tais galáxias estiverem distantes de nós 273

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por bilhões de anos-luz, não teria a luz que irradiam viajado por bilhões de anos até atingir-nos? Várias soluções para este problema têm sido propostas. Vamos examinar ligeiramente algumas delas. 1. Velocidade Variável de Luz Barry Setterfíeld propôs que a velocidade da luz no ins­ tante da criação (há mais ou menos 4.000 a.C.) teria sido infinita, e que tal velocidade veio decrescendo desde então até atingir seu valor atual. Assim, a luz vinda das galáxias distan­ tes, viajando a velocidades fenomenais, poderia atingir-nos num curto período de tempo.1 Um modelo similar, elaborado mais detalhadamente mas sem especificar uma idade jovem para o universo foi desenvolvido pelo físico russo V. S. Troitskii.12 Nestes modelos, a redução da velocidade da luz efetivamente causa um decréscimo na freqüência observada, de modo que a luz das galáxias distantes aparece deslocada para o vermelho. Assim, o modelo fornece também uma al­ ternativa à teoria de expansão do universo como explicação para os deslocamentos para o vermelho. De fato, Setterfíeld sugere que o estado atual do universo é de contração enquanto Troitskii defende um universo estático. O modelo de Troitskii gera também as características observadas de radiação de fundo. Estes modelos apresentam outras características interes­ santes. Supondo, entre outras coisas, a estabilidade de átomos e a observada constância do espectro de hidrogênio de estre­ las distantes, uma alteração na velocidade da luz requer mudanças correspondentes em certas outras “constantes” 1 “The Velocity of Light and the Age of the Universe”, ExNihilo, 1981,4, No. 1, pp.38-48, e No. 3, pp. 56-81. 2 “Physical Constants and the Evolution of the Universe”, mencionado na pagina 84.

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físicas fundamentais. Uma implicação de grande signifi­ cado geológico seria que a taxa de degradação de substâncias radioativas teria sido também muito maior no passado. Isso poderia explicar porque a rádiodatação de rochas indica idades aparentemente tão antigas. Mas, haveria evidências observacionais e diretas para uma redução na velocidade da luz? A velocidade da luz foi pela primeira vez medida em 1675. Norman e Setterfield fizeram extensivas análises de medições históricas e alegam que po­ dem demonstrar um decréscimo exponencial.3 Contudo, a análise por eles feita foi questionada, particularmente no que tange aos valores de um número de cruciais determinações históricas. Ademais, nas últimas décadas, quando equipa­ mentos de medida de alta sensibilidade estão disponíveis, o decréscimo parece ter cessado. Assim, até o presente, as evidências empíricas são inconclusivas. Ainda que uma mudança na velocidade da luz pudesse ser demonstrada por meio de observações, outra coisa bem diferente é fazer a extrapolação exponencial muito além dos dados de observação direta, o que aliás Setterfield fez. A hipó­ tese de que a velocidade da luz tenha sido infinitamente alta há seis mil anos atrás deve ser considerada muito mais especulativa do que a simples noção de velocidade variável da luz. Apesar disso, tais especulações são muito difíceis de serem refutadas. Todavia, ainda que a teoria de Setterfield fosse válida e pudesse explicar nossas observações das galáxias distantes num universo jovem, ela não produz explicação naturalística para a formação de tais galáxias. A cronologia bíblica é medida em termos de anos solares, uma unidade de tempo dependente da intensidade da gravidade. Todas as variações de tempo têm 3 Trevor Norman e Barry Setterfield, The Atomic Constants, Light and Time, Flinders University, Australia, 1987.

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portanto que ser comparadas com as variações de gravidade. Ora, o tempo de formação de planetas, estrelas, galáxias, e outras estruturas de grande escala, a partir de uma nuvem gasosa inicial depende largamente da intensidade da constan­ te gravitacional. Como tal constante deve ser considerada invariável (de acordo com ambos, Setterfield e Troitskii), chegamos a tempos de formação muito grandes para esses astros celestiais se pressupomos apenas processos físicos. Por isso, na cosmologia de Setterfield, é necessária a pressuposi­ ção de que estrelas e galáxias foram criadas em forma já ma­ dura, como corpos celestes completamente desenvolvidos. Outras variações sobre o tema de Setterfield são possíveis. Por exemplo, talvez a variação da velocidade da luz ocorra em função de posição no espaço, em vez de posição no tempo. Pode-se defender a idéia de que a velocidade da luz a grandes distâncias da terra seja muito grande, aproximando-se do infinito na medida em que se aproximam as fronteiras do universo. Ou talvez a velocidade da luz seja de algum modo dependente do campo gravitacional. Em espaço interestelar, onde a gravidade é pequena, a velocidade da luz poderia ser enorme; próximo às estrelas tal velocidade poderia ser próxi­ ma à velocidade verificada nas proximidade da terra. Sem dúvida, uma relação matemática poderia ser conjecturada que, ao mesmo tempo que produzisse pequenos intervalos de tempo de percurso da luz, ainda satisfizesse todas as restrições observacionais. Tais hipóteses, no entanto, teriam menor poder de explicação que a teoria de Setterfield, pois não afetariam a rádiodatação da terra. Portanto, mais ainda que o modelo de Setterfield, tais hipóteses requereriam a suplementação de alguma forma de criação amadurecida. Uma dificuldade com teorias desta natureza é que as tais são amplamente ad hoc (proposital), introduzidas com o fim único de amparar alguma idéia favorita, a qual seja ameaçada 276

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por evidências desfavoráveis. Há muito pouco em termos de evidências que apoiem tal comportamento estranho da luz. Não há razão física óbvia para que a velocidade da luz depen­ da de posição no espaço ou tempo. Por outro lado, o simples fato de ser uma teoria ad hoc não é razão suficiente para que seja desaprovada. Além disso, como já vimos em capítulos anteriores, tais teorizações ad hoc são muito comuns em cosmologia. De fato, já foi anteriormente mostrado que a noção de uma velocidade variável da luz tem sido recente­ mente empregada por Albrecht, Magueijo e John Barrow,4 para resolver vários problemas emergentes associados com a cosmologia Big Bang. Também eles postulam que no princí­ pio, na singularidade do Big Bang, a velocidade da luz era virtualmente infinita. Parece que, pelo menos neste particu­ lar, a cosmologia criacionista não está em pior situação que a cosmologia Big Bang. 2. Retardo do Tempo Outra possibilidade é a de que o tique-taque do relógio da terra seja mais lento do que o de qualquer outro lugar no universo. Este efeito é conhecido como retardo do tempo. De acordo com a teoria da relatividade geral, a taxa com que um relógio marca o tempo, depende do movimento do relógio e do campo gravitacional local. Será que, pelo retardo do tempo, a luz das galáxias distantes teria viajado distâncias equivalente a bilhões de anos-luz num tempo, digamos, de apenas uns poucos anos terrestres? Um método de indução de retardo do tempo é através da expansão. Galáxias distantes, afastando-se de nós em altas velocidades, teriam sua luz deslocadas para o extremo verme­ lho do espectro. Isso corresponde a um aparente retardamento dos relógios de tais galáxias. Na medida em que a velocidade 4Verp. 102

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de afastamento das galáxias aproxima-se da velocidade da luz os relógios galácticos atingem a parada total. Infelizmente, tal retardo do tempo é exatamente o oposto do que deveria ser. E o relógio da terra, não os relógios galácticos, que deveria ser retardado. Ambos, Peacock5 e Schroeder6 sugerem que os seis dias da criação devem ser medidos em termos de um relógio divino, movendo-se a uma velocidade próxima à da luz, e não em termos de um relógio terrestre. Muitos bilhões de anos terrestres poderiam então ter passado durante os seis dias de tempo divino. Contudo, tal explicação não satisfaz. Os dias do Gênesis são claramente definidos como períodos de luz e escuridão observados na terra. Assim, o retardo do tempo devido à expansão apenas torna as coisas mais difíceis de explicar. Uma hipótese mais sofisticada foi recentemente proposta por Russel Humphreys.7 Ele desenvolveu um modelo cosmológico bem elaborado, no qual o universo é conside­ rado como tendo emergido de um “buraco branco” (o oposto de um buraco negro onde há colapso ou implosão). A idéia central é que um observador localizado na terra está próximo ao centro de um finito e confinado universo. Num tal univer­ so, o campo gravitacional é mais forte no centro. Assim sendo, o relógio da terra seria mais lento do que o das galáxias distantes do centro. Embora tal modelo tenha recebido significativa publici­ dade, o cenário proposto por Humphreys é altamente especulativo, e cálculos quantitativos para sustentar a pro­ posta ainda não foram apresentados por ele. A maioria dos 5 Roy E. Peacock, A Brief History of Eternity, Wheaton: Crossway Books, 1990,p. 111. 6G. L. Schroeder, Genesis and the Big Bang, New York: Bantam Books, 1990, p.53. 7 Starlight and Time.

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modelos cosmológicos baseados na relatividade geral não considera um significativo retardo de tempo. De fato, tem sido mostrado que mesmo no modelo de Humphreys não há retardo de tempo, contrariando as alegações do próprio Humphreys.8 Embora seja possível inventar modelos parti­ culares com retardos de tempo suficientemente grandes, tais gigantescos retardos de tempo causam outras efeitos obser­ vacionais indesejáveis. A principal dificuldade é que tais modelos de retardo de tempo prevêem ou grandes desloca­ mentos para o azul das galáxias distantes, ou muito grandes deslocamentos para o vermelho que diminuem com a distân­ cia. Isso contraria as observações atuais. Como tal deficiência será resolvida, ainda não está claro. Ademais, este modelo também não elimina a necessidade de uma criação amadurecida. Presumivelmente, com grandes retardos de tempo, estrelas distantes poderiam se desenvolver por processo natural. Contudo, não seria esse o caso das estre­ las próximas. Certamente, não seria o caso do sol, onde o potencial gravitacional cósmico, e portanto a rapidez do relógio, são essencialmente os mesmos que o da terra. 3. Modelos de Espaço Curvo A determinação das distâncias galácticas apresenta outra possibilidade. Será que o tamanho do universo é realmente de bilhões de anos-luz (usando como padrão a velocidade da luz nas proximidades da terra)? As distâncias para as estrelas e galáxias são estimadas tendo como pressuposição básica que o espaço é, pelo menos aproximadamente, o espaço “plano” da geometria euclidiana. O espaço plano é caracteri­ zado pelas propriedades usuais da geometria euclidiana, tais como a regra de que a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180 graus. 8 Ver John Byl, “On Time Dilation in Cosmology”, Creation Research Society Quarterly, 1997,34, pp.26-32.

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E se o espaço for “curvo”, e não plano? Num espaço curvo (também chamado não-euclidiano) os ângulos internos de um triângulo não somam 180 graus. Há dois tipos de espaço curvo: “esférico” e “hiperbólico”. Num espaço esférico os ân­ gulos de um triângulo somam mais do que 180 graus (como acontece quando você desenha um triângulo na superfície de uma laranja); já num espaço hiperbólico a soma é menor que 180 graus. Se o espaço for realmente curvo, então as estima­ tivas das distâncias que presumem um espaço plano podem estar seriamente fora. Há algum tempo atrás, Moon e Spencer desenvolve­ ram um modelo de espaço curvo para o universo no qual o tempo de deslocamento da luz a objetos distantes foi estimado como sendo no máximo de 15,7 anos.9 Embora tal modelo venha sendo citado por muitos criacionistas, ele tem várias deficiências sérias. Por exemplo, é postulado que o espaço curvo aplica-se apenas à luz. Corpos materiais se compor­ tariam como se o espaço fosse plano. Isso parece muito estranho. Espera-se que o universo seja ou plano ou curvo, porém não ambas as coisas simultaneamente. E mais, ainda que tal falha pudesse ser remediada, esse modelo não resolve o problema dos criacionistas: o espaço curvo que é proposto é do tipo esférico, o qual faz com que objetos distantes pare­ çam mais próximos, em vez de mais distantes. Isso tende a fazer que o universo pareça menor, não maior, do que realmente é (ver Figura 8.1). Tudo isso pode ser resolvido supondo-se o espaço hiper­ bólico. Em tal espaço, devido à curvatura dos raios de luz, objetos que estão próximos parecem estar muito distantes (ver Figura 8.1). Deste modo, o universo inteiro, de aparentemente bilhões de anos-luz em tamanho de acordo com a suposição 9 E Moon e D. E. Spencer, “Binary Stars, and the Velocity of Light”Jowraai of Optical Society ofAmerica, 1953,43, pp. 635-641. 280

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Figura 8.1: Efeitos do Espaço Curvo sobre Distâncias Aparentes. Parte (a) mostra o efeito da curvatura positiva no caso de espaço esférico. Parte (b) mostra o efeito da curvatura negativa no caso de espaço hiperbólico. As linhas escuras referem-se aos raios de luz reais; as linhas cinzas referem-se às respectivas trajetórias aparentes, pressupondo-se que o percurso da luz seja retilíneo. Observar que no caso do espaço esférico as distâncias aparentes tendem a diminuir, enquanto que no espaço hiperbólico tendem a aumentar.

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de espaço plano, poderia caber dentro de uma esfera de uns poucos milhares de anos-luz.10 Para as estrelas próximas, não haveria significativa diferença observacional entre espaço curvo ou plano. A distinção se torna substancial, no entanto, quando consideramos as galáxias distantes, as quais, como é de se esperar, seriam drasticamente aplainadas na direção da linha de mira. E claro que tal modelo sofre das mesmas limitações que os outros apresentados na seção anterior. Ele é amplamente ad hoc. Além disso, embora ele possa explicar o fato de poder­ mos observar objetos aparentemente distantes num universo jovem, não pode explicar a origem dos mesmos. De novo, ele requer que as estrelas e galáxias tenham sido criadas comple­ tas, como entidades amadurecidas. 4. Criação Amadurecida Então, parece difícil a uma cosmologia criacionista evitar pelo menos algum grau de criação amadurecida. E geralmen­ te necessário assumir, por exemplo, que estrelas não foram formadas através de um longo processo natural, mas foram criadas virtualmente de um modo instantâneo e miraculoso. Uma estrela criada como uma unidade teria que ter suas várias partes em apropriada relação gravitacional, térmica e radioativa, do contrário tal estrela não podería se manter está­ vel. A luz na superfície da estrela não seria originada do inte­ rior da estrela, como pressupõe as teorias de evolução estelar. Ao invés, tal luz teria sido criada na superfície, durante o curso, e poderia ser interpretada como tendo uma aparente história antecedente. Considerações similares se aplicam a uma galáxia inteira, criada como uma unidade em forma amadurecida. Ela teria 10 John Byl, “On Small Curved-Space Models of the Universe”, Creation Research Society Quarterly, 1988,25, pp.138-140)

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sido criada completa, com todos os seus constituintes: estrelas e gases, campos gravitacionais, e radiação de luz (fótons). Ambos, os fótons de luz e os efeitos gravitacionais teriam sido criados durante o curso, mas aparentemente sendo originados das estrelas. Raciocínio similar poderia ser aplicado a agrupamentos de galáxias (clusters) e mesmo sistemas maiores, que parecem estar em interação gravitacional. Num universo jovem, com tempo insuficiente para a gravidade agir, eles teriam que ter sido criados como unidades completas, com suas interações gravitacionais internas. Se a gravidade se desloca na veloci­ dade da luz, como é pressuposto pela relatividade geral, então a criação de grandes objetos astronômicos com seus campos gravitacionais estabelecidos parece equivalente à criação de fótons de luz durante o curso. Mas, estruturas de galáxias podem ser enormes, cobrindo uma fração significativa do universo. É portanto uma questão de dar um pequeno passo adiante, e estender o conceito de uma criação amadurecida ao universo todo. Como John C. Whitcomb e Henry Morris sugerem, não seria possível que o universo inteiro tenha sido criado como uma unidade com­ pleta, não apenas com estrelas e galáxias em interação gravitacional, mas também com fótons de luz criados no mesmo instante que as estrelas de onde eles aparentemente derivam?11 Em tal caso, as teorias especulativas sobre veloci­ dade variável de luz, bem como espaço curvo, poderiam ser dispensadas. A noção de criação amadurecida, radical como possa parecer, apresenta um número de pontos distintos a seu favor. Como ela se refere ao passado, observações ou experimentos do presente ou futuro não podem refutá-la. Nem tampouco contraria a razão, não havendo nada de ilógico a respeito de 11 The Genesis Flood, Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1961, p. 369

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uma tal origem do universo. Portanto ela estaria acima de refutação lógica e observacional. O cosmologista George Ellis observa: Um cosmologista moderno, que fosse também um teólogo estritamente fundamentalista, poderia construir um modelo de universo que tivesse começado há 6.000 anos atrás e cuja fronteira estivesse a 6.000 anos-luz de distância do sistema solar. Um Deus benevolente poderia facilmente arranjar a criação do universo ...de tal maneira que radiação adequada des­ tocándose da fronteira do universo em nossa direção produzisse a ilusão de um muitíssimo velho e imenso universo em expansão. Seria impossível a qualquer outro cientista neste planeta refutar tal visão do mundo, quer do ponto de vista experimental, quer observacional; o máximo que poderia fazer seria discordar das premissas cosmológicas adotadas pelo autor do modelo.12

Outro físico, Herbet Dingle, escreve sobre a teoria da criação amadurecida: Não há dúvida de que a teoria é isenta de autocontradição e é consistente com todos os fatos da experiência que tenhamos que explicar; ela certamente não multiplica hipóteses além do neces­ sário uma vez que ela invoca apenas uma; e está evidentemente acima de refutações futuras. Se requerermos de nossos conceitos apenas que eles correlacionem economicamente as nossas pre­ sentes experiências e nada além disso, então temos que aceitá-la em preferência a qualquer outra. No entanto, é duvidoso que uma única pessoa assim o faça.13

Qualquer objeção - e muitos são os que têm objetado deve portanto estar baseada em considerações profundamente 12 “Cosmologia e Verificabilidade” p. 246 (citado na p. 107.) 13 “Philosophical Aspects of Cosmology”, Vistas in Astronomy, 1960,1, p.166.

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teológicas e filosóficas. Examinemos algumas das críticas mais importantes que têm sido apresentadas. a. Ela não é testável Alguém poderia objetar que tal teoria seja intestável, e portanto não é científica. A isso a resposta pode ser que teorias intestáveis podem ainda ser verdadeiras, que outras teorias da cosmologia Big Bang são igualmente intestáveis, e que, afinal, a intestabilidade é um critério arbitrário sobre o que se qualifica com “científico”. Mesmo assim, o físico Frank Tipler tem demonstrado que é possível construir modelos criacionistas falsificáveis (isto é, verificáveis quanto a ser ou não falsos). Umversalmente pensa-se ser impossível construir uma teoria falsificável e que seja consistente com os milhares de observações que apontam para uma idade de bilhões de anos, mas que ainda sustentasse que o universo tem apenas poucos milhares de anos de idade. Eu considero tal conceito como um desprezo à capaci­ dade intelectual dos físicos teóricos: podemos construir teorias falsificáveis com quaisquer características que se possa nomear.14

No modelo de Tipler é pressuposto que a densidade era tão grande há 6.000 anos atrás que é impossível extrapolar as leis da física além daquele ponto no tempo. A densidade é causada pela explosão de numerosos buracos negros. Tipler afirma ser capaz de explicar todas as observações atuais, bem como fazer algumas previsões específicas a respeito de futuras observações mais detalhadas (por exemplo, concernente ao espectro da radiação gama). 14 “How to construct a falsifiable theory in which the universe came into being several thousand years ago” (Como construir uma teoria falsificável na qual o universo tenha sido iniciado há poucos milhares de anos atrás), Proceedings ofthe 1984 Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association, Vol. 2, Lansing Michigan: The Association, pp. 873-902.

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O argumento básico de seu modelo é que, embora o uni­ verso pareça muito velho, isso é apenas ilusório. Ele observa que uma tal história ilusória não é algo único em relação à sua teoria. A interpretação da teoria de mundos múltiplos sobre a mecânica quântica requer que, por causa da observada inter­ ferência de amplitudes de probabilidades, há na realidade muitas histórias alternativas que ocasionam o presente. Tipler escreve: Por exemplo, embora geralmente haja acordo quanto à exis­ tência de Júlio César, há também uma história alternativa que afirma que ele não existiu. A interpretação da teoria de mundos múltiplos afirma que ambas as histórias realmente ocorreram e ambas combinaram de modo tal a dar origem a nós.15

Tipler observa que ele realmente não crê em sua teoria criacionista; ela foi desenvolvida para desafiar cosmólogos e filósofos a darem boas razões para rejeitá-la no campo científi­ co. Tipler alega que sua teoria satisfaz não apenas o critério de falsificabilidade, como também a maioria dos outros critérios discutidos na literatura científica. b. Um universo de cinco minutos de idade Uma segunda objeção ao conceito de criação amadurecida é que alguém poderia, de maneira semelhante alegar que o universo inteiro, juntamente com nossas memórias de um passado aparente, foi criado apenas cinco minutos atrás. E então, se permitirmos tal raciocínio, não temos nenhuma

15 “How to construct a falsifiable theory in which the universe came into being several thousandyears ago” (Como construir urna teoria falsificável na quai o universo tenha sido iniciado há poucos milhares de anos atrás), Proceedings ofthe 1984 Biennial Meeting ofthe Philosophy ofScience Association, Vol. 2, Lansing Michigan: The Association, pp. 891.

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garantia de que qualquer parte de nossa história seja real.16 A resposta a esse argumento é que o caso para um uni­ verso de 6.000 anos de idade, ao contrário de um universo de cinco minutos de idade, é baseado em mais do que simples possibilidades filosóficas. Aos seus proponentes, o caso tem sua base no testemunho de Deus, como revelado na Bíblia. De acordo com E. H. Andrews: A Bíblia testifica a favor de uma criação amadurecida há al­ guns milhares de anos atrás, e assim limita nossa liberdade de empregar argumentos do tipo reductio ad absurdum ao con­ ceito de criação amadurecida.17

Andrews baseia seu argumento na interpretação tradicio­ nal e literal do Gênesis. c. Não há lugar para processo Uma outra objeção que tem sido levantada é a de que a própria narrativa da criação se refere a um universo formado em seis dias e envolvendo ação, em vez de ser criado instanta­ neamente. Para responder a isso, Andrews desenvolve a teoria do “processo miraculoso”. Criação amadurecida refere-se ao produto final após os seis dias de criação. Talvez Deus tenha feito uso de processos especiais. Considere por exemplo, no Gênesis, a narrativa da criação de Adão e Eva. E claro, contu­ do, que tal processo não foi o produto único das leis naturais costumeiras. Particularmente a criação de Adão e Eva demons­ tra que a formação de ambos, embora não tendo sido exata­ mente instantânea, foi ainda feita de modo o mais miraculoso.18 16 Ver, por exemplo, Clarence Menninga, “Creation, Time, and Apparent Age”, Perspective on Science and Christian Faith, 1988,40, p. 161. 17 O. R. Barclay (ed.), Creation and Evolution: When Christians Disagree, Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1985, p. 164. 18Ibid., p.65.

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d. Ilusão Divina A maior objeção contra uma criação amadurecida é que ela implica em ilusão (ou fraude) da parte de Deus. Assim, Van Till, por exemplo, escreve: Não se pode negar a antiguidade de qualquer objeto celeste sem ao mesmo tempo negar a autenticidade da história inteira de eventos que são revelados pelas propriedades do objeto... a questão é se o registro físico da história do objeto é autêntico ou meramente uma ficção elaboradamente detalhada}9

Tal dificuldade torna-se particularmente aguda quando a criação amadurecida inclui a luz aparentemente vindo direta­ mente dos objetos distantes. Se a luz dos objetos distantes é criada durante o curso, então realmente ela não poderia jamais originar-se dos objetos. Assim, qualquer informação sobre eventos que possamos inferir a partir desta luz seria pura ilusão. De fato, poder-se-ia considerar a hipótese de que as galáxias nem mesmo existam, mas apenas a sua luz. Mudan­ ças na intensidade da luz talvez correspondam a explosões de supernovas que de fato realmente nunca aconteceram. De novo citando Van Till: Todos, exceto os últimos poucos milhares de anos de uma histó­ ria cósmica de bilhões de anos não passaria de uma ilusão... uma fraude divinamente perpetrada.19 20

Quão válido seria esse argumento? A resposta de Andrews é que Deus dificilmente poderia ser acusado de fraude por revelar a criação amadurecida nas Escrituras. O homem pode ignorar a Bíblia e por isso chegar a conclusões falsas a respeito 19 The Fourth Day, p. 171. 20 Ibid., p. 239.

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da idade do universo. Mas então, ele só poderia culpar o pró­ prio homem. Mesmo sendo o homem confundido ou iludido pela evidência, por insistir numa explicação rigidamente naturalística sobre as origens, não se pode concluir daí que Deus teve intenção de enganar ou fraudar. Andrews observa que Deus algumas vezes oculta a ver­ dade aos homens “sábios e instruídos” porém a revela aos “pequeninos” (Mízws 11:25). A falha, contudo, deve ser atribuída àqueles cujas mentes estão cegas, e não a Deus. Numa linha semelhante, Roy Clouser, ao discutir a natureza de Deus, ressalta: As Escrituras declaram que Deus não pode mentir (Tito 1:2, Hebreus 6:18), mas tais afirmações ocorrem explícitamente em um contexto pactuai, significando que Ele não pode mentir aos crentes, porque assim Ele prometeu. Deve-se ter em mente que outras partes das Escrituras específicamente declaram que Deus engana aqueles que não são crentes. (Ezequiel 14:9, 2 Tessalonicenses 2:11).21

O último texto nesta citação afirma que Deus envia uma forte ilusão sobre aqueles que rejeitam Sua verdade, para fazê-los crer no que é falso. Também, deve-se notar que uma aparente idade e histó­ ria de um objeto não são propriedades intrínsecas ao objeto. Pelo contrário, elas podem ser inferidas somente com base num modelo teórico que é usado para interpretar as características observadas. A ilusão de uma particular história passada ocor­ re somente quando vemos os dados através do espelho de um particular conjunto de premissas teóricas. Como diferentes modelos podem levar a várias histórias aparentes, a escolha quanto ao que preferir depende de nosso critério de seleção de 21 The Myth of Religious Neutrality, NotreDame, Indiana: University of NotreDame, 1991, p. 309.

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teorias. É sempre possível construir modelos que interpretem os dados observacionais de maneira consistente com a crono­ logia bíblica tradicional. Deve-se ter em mente que, como acima foi mostrado, se a criação da luz (ou da gravidade) durante o curso for eliminada com base em que Deus não engana, isso também se aplica à criação amadurecida e instantânea de grupos de galáxias, galáxias simples, ou mesmo estrelas. Todos estes objetos, sendo de tamanho finito, aparentemente teriam requerido um período de tempo para que todas as interações gravitacionais e radioativas fossem estabelecidas e constituídas num todo com funcionamento próprio. A criação instantânea teria necessariamente criado uma fictícia história passada para a gravitação e a luz. A abordagem de Van Till é baseada na suposição de causas físicas puramente naturais e invariáveis no tempo. E em essência nega a capacidade de Deus de realizar milagres. Cientistas sempre lutam para explicar as características de um objeto presentemente observadas em termos de uma cadeia fechada de postuladas e naturais causas e efeitos passados. Assim, tais análises científicas, quando aplicadas a eventos miraculosos, levam a resultados errôneos. Conseqüentemente, por esse raciocínio, qualquer evento miraculoso pode ser classificado como falaz ou ilusório. A propósito, é interes­ sante notar que o miraculoso vinho das bodas de Caná resultou num mestre-sala equivocado, o qual questionou ao esposo o porquê de haver ele deixado por último o melhor vinho (João 2:10). Deveríamos concluir daí que Jesus agiu enganosamente? Claro que Deus não está sendo enganoso quando usa poderes sobrenaturais; Ele é livre para agir como Lhe agrada. Ao contrário, as limitações com as quais lidamos aqui resul­ tam de raciocínio humano, e não de ação divina. Só podemos afirmar que Deus estaria nos iludindo se antes Ele tivesse 290

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dado divina aprovação para as nossas premissas teóricas. Como dificilmente será esse o caso, então é melhor argumentar que a visão evolucionista do passado deve estar errada, de outro modo Deus estaria nos enganando em Sua Palavra revelada. Resumo Concluindo, embora fique claro ser possível construir várias cosmologias criacionistas, deve-se reconhecer que a maioria desses modelos são do tipo ad hoc, não foram devida­ mente elaborados em detalhe, e freqüentemente têm poucas implicações observacionais distintas. Assim, é pouco prová­ vel que sejam úteis para convencer os céticos. Quase todos os modelos criacionistas, enfim, se baseiam no conceito de criação amadurecida. Enquanto tal noção seja lógica e observacionalmente inatacável, ela apresenta uma notável deficiência científica. Ela tem muito pouco a ofere­ cer quanto a explicações detalhadas para aspectos específicos de observações astronômicas, a não ser afirmar que esse é o modo como Deus fez as coisas. Nesse sentido, a cosmologia Big Bang, com todas as suas deficiências, pelo menos tenta desenvolver uma explicação coerente para vários aspectos observacionais. Afinal, a questão essencial deve ser a de confiabilidade de um modelo cosmológico, em vez de abrangente, porém ilusório, poder de explicação. Nosso objetivo final não é a mera construção de detalhadas teorias explanatórias que se enquadrem no critério subjetivo que decide o que é ou deixa de ser “científico”, e sim, uma realista descrição da história passada. Em resumo, as cosmologias criacionistas, a despeito de suas deficiências, estão em harmonia com os fatos divina­ mente revelados, enquanto que a cosmologia Big Bang não está.

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Modelos Geométricos Várias cosmologias bíblicas têm se preocupado mais com o sentido da geometria do universo, do que com a sua idade. Reconhecendo que nenhuma delas tem sido desenvolvida em detalhes, citaremos resumidamente algumas, visando o interesse e a inteireza. Modelos Geocêntricos Diversos cosmologias localizam a terra no centro ou pró­ xima ao centro do universo. Isso, como já vimos, é coerente com dados bíblicos, mas não necessáriamente exigido por eles. É também coerente com a isotropia observada do universo, e como tal, é uma viável alternativa ao princípio cosmológico, o qual pressupõe que o universo é o mesmo em todas as direções. Universos fronteirados, esféricamente simétricos, centrados na terra (ou pelo menos em nossa galáxia) têm sido apresentados por Ellis, Rao e Annapurna, Humphreys e Gentry.22 Contudo, deve-se observar que, no sentido restrito, tais modelos não são geocêntricos. A terra não é posta no centro do sistema solar, nem no centro da galáxia. O centro do universo é geralmente considerado como sendo um ponto próximo à nossa galáxia, mas observacionalmente o centro não pode ser determinado com precisão. Além disso, todos esses modelos consideram a terra como em movimento em relação ao centro do universo. Uma variedade de modelos mais genuinamente geo­ cêntricos consideram o universo em movimento de rotação em torno de uma terra fixa. Lynden-Bell tem mostrado que, na relatividade geral, o universo girando em torno da terra fixa produz não somente as forças centrífugas e de Coriolis e 22 Ver referências citadas em pp. 84 e 235.

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dilatação no equador da terra, mas também todos os outros fenômenos geralmente citados como provas de que a terra está em rotação.23 Uma objeção comum à geocentricidade é que isso faria com que as galáxias girassem em torno da terra a velocidades superiores à da luz. Na relatividade geral, no entanto, um objeto é restingido a se mover a velocidades inferiores à da luz apenas com relação ao espaço em segundo plano, o qual por sua vez pode se mover a velocidades supe­ riores à da luz. No modelo geocêntrico o espaço de segundo plano, com todas as galáxias nele embutidas, está girando em torno da terra, e assim sendo, a objeção não se aplica. Logo, de acordo com a relatividade geral, um universo geocêntrico é bem viável. Modelos geocêntricos não relativistas têm sido desen­ volvidos por Moon, Spencer,24 Barbour e Bertotti.25 Nenhum desses autores reivindica ser cristão. Um modelo geocêntrico dentro de uma estrutura explí­ citamente bíblica foi construído por Gerardus Bouw.26 Ele considera o firmamento, criado no segundo dia e estendendo por todo o universo, como sendo uma estrutura extrema­ mente pesada, com a gigantesca densidade de gm/cc. Um centímetro cúbico deste firmamento teria muito mais massa do que um inteiro universo observável! De acordo com Bouw, devido à presença da matéria no interior do firmamento, este tem um período rotacional natural de um dia. Em sua rotação ele leva consigo todas as estrelas e galáxias nele embutido. Esse modelo, com sua detalhada descrição do firmamento, 23 “Mach’s Principle from the Relativistic Constraint Equations.” Ver tam­ bém p. 56. 24Verp. 280. 25 J. B. Barbour e B. Bertotti, “Gravity and Inertia in a Machian Freamework”,/ZWwow Cimento, 1977, B38, pp. 1-28. 26 Geocentricity (ver também p. 236).

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é altamente especulativo, e a maior parte do trabalho para desenvolvê-lo ainda está por ser feito. Na nossa era a maioria das pessoas, incluindo os cristãos, crêem que o geocentrismo é obviamente contrário aos fatos. Contudo a tese básica é de fato notoriamente difícil de ser refutada, se não impossível. Supostas contestações tendem a ser muito simplistas, ignoram os resultados da relatividade geral acima, e não levam em conta os problemas mais pro­ fundos relacionados com movimento absoluto. Assim, por exemplo, Martin Selbrede de maneira habilidosa defende o geocentrismo contra as críticas de Gary North.27 Por outro lado, aderentes do geocentrismo vão longe demais quando afirmam que a geocentricidade pode ser científicamente provada. Como já vimos, no cerne essa questão não é de modo algum científica. O Universo Invertido Um modelo bem pouco usual de universo tem sido advogado por Fritz Braun. De suas interpretações dos textos bíblicos ele conclui que a terra deve estar invertida: a super­ fície da terra deve ser o interior de uma esfera oca e que inclui o sol, a lua e as estrelas. O céu está no centro desse universo invertido, fazendo esse modelo ser literalmente teocêntrico (ver Figura 8.2)28. Uma teoria similar da terra-oca foi defendida em 1870 pelo venerado líder americano Cyrus Teed, e em 1930 na Alemanha. Seu promotor mais recente sendo Mostafa Abdelkader, de Alexandria, Egito.29 27 “Geocentricity's Critics Refuse to Do Their Homework”, Chalcedon Report, 1994, N° 351, p. 239. 28 Das Drei-Stockige Weltall der Bibel, Salem-Obw.: Morgenland Verlag, 1973. 29 “A Geocosmos: Mapping Outer Space into a Hollow Earth”, Speculatiosn in Science and Cosmoloyg, 1983, ,pp. 81-89.

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Figura 8.2: O Universo Invertido

Extraído da obra de Fritz Braun, Das Drei-Stockige Weltall der Bibel (também publicado em inglês sob o título Space and the Universe). Notar que o céu é posto no centro, circundado pelo

mar de vidro, planetas, o sol e as nuvens. Notar também as tra­ jetórias curvas da luz. 295

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A primeira vista tal modelo parece ser obviamente falso. Por exemplo, se fosse verdade então podemos pensar que seria possível ver através da esfera oca o outro lado da terra. Em 1933, em Magdeburg, Alemanha, promotores da teoria da terra oca quiseram provar sua teoria por meio de um foguete. Eles argumentavam que, se um foguete, direcionado a prumo para cima, se chocasse com o lado oposto da terra, então a teoria estaria provada. Como reportado por Willy Ley, vários foguetes foram disparados, porém, infelizmente, todos tiveram problemas de mau funcionamento e o teste foi even­ tualmente abandonado.30 Todavia, tal modelo não pode ser facilmente dispensado. Na prática é frustrantemente difícil refutá-lo. De fato, essa teoria pode ser cogitada de tal modo que sua refutação seja impossível. Os testes acima presumem que as leis normais da física funcionam e que, em particular, a luz se desloca aproximada­ mente em linha reta e as dimensões do foguete sejam constan­ tes. Mas, e se não for assim? O modelo da terra-oca pode ser derivado da figura mais usual do universo por meio de uma simples transformação matemática denominada “inversão geométrica”. O procedi­ mento é bem simples. Para cada ponto do universo mede-se a sua distância r ao centro da terra e movemos o ponto ao longo da linha centro-ao-ponto para uma nova distância Ur . O re­ sultado dessa operação é que todos os objetos originalmente exteriores à terra (montanhas, casas, núvens, estrelas, etc.) agora estão dentro da terra, e vice-versa. As leis da física são também invertidas, com conseqüências que parecem estranhas àque­ las pessoas mais acostumadas a pensar num universo mais convencional. Por exemplo, a luz agora se desloca em curvas. Também, um foguete lançado a partir da terra para o espaço 30 Rockets, Misúles, andSpace Travei, New York: Viking Press, 1951.

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“externo”, ou melhor, “interno” se encolherá e se tornará mais lento na medida em que se aproxima do céu central, nunca chegando a atingi-lo. Conseqüentemente, o universo invertido de Braun é observacionalmente indistinguível dos modelos mais conven­ cionais de universo. Contudo, embora os dois modelos sejam empiricamente idênticos, eles refletem maneiras bem distin­ tas de visão da realidade, particularmente no caso de Braun, com relação a entidades espirituais e questões teológicas.

O Universo Multidimensional No capítulo anterior observamos o aspecto espacial do céu. Como é que o espaço no céu se relaciona com o espaço do nosso mundo físico? Uma interessante posição tem sido desenvolvida pelo teólogo holandês Luco Van den Brom. Ele sugere que Deus existe especialmente em Seu próprio univer­ so multidimensional. Se Deus existe desde a eternidade, e se Deus é espírito, então o lugar de Deus, o mundo espiritual, necessariamente tem existido desde sempre. No Seu ato de criação Deus fez espaço para o mundo físico tridimensional dentro de Seu mundo de mais elevada dimensão. Van den Brom vê a ascenção de Cristo como a retirada do corpo de Cristo do mundo criado tridimensional para o sistema de mais elevada dimensão do céu.31 Desse modo, é possível falar do céu de Deus como um lugar fora de nosso espaço sem ter que considerar o céu como um lugar em sentido não real. Podemos considerar o céu como tendo mais que três dimensões, ou como um mundo tridimensional paralelo ao nosso num espaço quadridimensional, semelhante a dois planos bidimensionais embutidos num espaço tridimensional. Num trabalho mais recente, Van den Brom sugere que, baseado na lógica da 31 GodAlomtegenwoordig, Kampen: Kok, 1982.

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concepção de Anselmo segundo a qual Deus deve ser concebido como “um ser acima do qual nada mais pode ser concebido”, o espaço divino deve então ser constituído de um número infinito de dimensões.32 Em tal espaço, é também natural que nosso mundo físico possa ser influenciado por fatores a ele externos. O mundo de mais elevadas dimensões de Deus pode ter suas próprias leis, as quais coexistiriam com as leis que regulam nosso mundo tridimensional. Essas leis e dimensões mais elevadas não seriam abertas à pesquisa científica. Assim, efeitos físicos causados por seres de mais elevada dimensão não teriam explicação natural (isto é, física), e seriam interpretadas como miraculosos. Conseqüências ulteriores de um espaço de mais elevada dimensão foram também delineadas. Hugh Ross, por exemplo, comenta sobre a miraculosa aparição de Cristo ressureto numa sala fechada (João 20:19). Como poderia um ser com corpo físico (ver Lucas 24:37-43) passar através das paredes? Ross escreve: Jesus não teria a menor dificuldade em fazer isso em Suas extradimensões. Seis dimensões espaciais seriam adequadas. Ele poderia simultaneamente converter a primeira dimensão de Sua fisicalidade numa quarta dimensão, a segunda numa quinta dimensão, e a terceira numa sexta. Então, Ele poderia passar através das paredes da sala e transformar Seu corpo tridimensional de quarta, quinta e sexta dimensões de volta à primeira, segunda e terceira dimensões.33

Mais tarde, Ross refere-se à analogia dos dois seres bi­ dimensionais (“flatlanders”) vivendo numa superfície plana. Tais criaturas imaginárias foram inventadas por Edwin A. 32 “Interpreting the Doctrine of Creation”, em Vincent Brummer (ed.), Interpreting the Universeas Creation, Kampen: KokPharos, 1991. 33 The Creatorandthe Cosmos, Colorado Springs: Navpress, 1993,p. 73.

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Abbott que em seu livro Flatland deu uma descrição divertida de como a vida poderia ser num universo bidimensional.34 Os flatlanders poderiam experimentar apenas objetos de duas dimensões num plano, e portanto teriam concepção de largura e comprimento, mas não de altura. Eles não poderiam entrar num quadrado fechado desenhado num plano, enquan­ to que um ser tridimensional poderia fazê-lo simplesmente movendo-se para cima, na terceira dimensão, e saltando por sobre a linha limítrofe do quadrado, sem qualquer perturbação. Num modo similar, pode-se conceber um ser multidimensional entrando num ambiente fechado de três dimensões. Entretanto, seguindo a analogia de Flatland, parece que apenas uma dimensão a mais resolveria a questão, em vez das três dimensões adicionais como proposto por Ross. Ross afirma que vários outros conceitos teológicos podem ser melhor entendidos pelo uso do conceito de espaço multidimensional. Por exemplo, flatlanders não seriam capazes de ver um objeto tridimensional de grandes dimensões posicionado apenas um pouco acima deles. Contu­ do tal objeto, embora invisível, poderia estar mais próximo de cada um deles do que eles entre si. Similarmente, um objeto multidimensional poderia estar próximo de todos nós, e não obstante ser invisível. E mais, Ross argumenta que num espaço multidimensional o conceito da Trindade torna-se matematicamente possível. Imagine que um ser tridimensional toque com a ponta do dedo no plano dos flatlanders. Os flatlanders veriam isso como o aparecimento miraculoso de um círculo. Se o mesmo ser tocasse três dedos no plano, os flatlanders observariam o aparecimento de três objetos bidimensionais. Da mesma forma, a unidade multidimensional de Deus poderia gerar ^Flatland, 1884, reimpressão New York: Dover, 1992.

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uma pluralidade aparente no espaço tridimensional. Mais adi­ ante Ross faz esta declaração dramática: Todas as paradóxicas doutrinas da Bíblia (por exemplo, Trindade, Livre-arbítrio, Predestinação, Segurança Eterna, Batismo no Espírito Santo, Céu, Inferno, Dons Espirituais) podem ser resolvidas e entendidas dentro do contexto da reali­ dade multidimensional.35

Em seu último livro Beyond the Cosmos (Além do Cos­ mos) Ross acrescenta mais detalhes a essa tese.36 Contudo, William Craig, em sua revisão do trabalho de Ross, acha que, para a maioria dos “paradoxos” citados, Ross apresenta explicações que tem pouco a ver com multidimensionalidade. E mais, Craig encontra diversas deficiências filosóficas e teológicas nas explicações apresentadas por Ross.37 Embora eu concorde com a noção de espacialidade do céu, e da realidade além das nossas três dimensões físicas, é evidente que algumas palavras de precaução precisam ser ditas. Primeiro, deve ser entendido que quaisquer que sejam as dimensões mais elevadas elas terão que ser qualitativa­ mente diferentes das três dimensões físicas observadas. Em tais dimensões mais elevadas as leis físicas, tais como a veloci­ dade limitada da luz, podem não ser aplicáveis, ou, se forem, podem tomar formas bem diferentes. Como Van den Brom observa: O mundo de Deus não é este mundo criado numa escala maior: embora usemos os mesmos conceitos de espaço no modelo de uma 35 The Fingerprint of God, p. 183. 36 Beyond the Cosmos, Colorado Springs: Navpress, 1996. 37 “Hugh Ross’s Extra-Dimensional Deity: A Review Article”,Journal ofthe Evangelical Theological Society, 1999,42, pp. 293-304.

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atividade divina de dimensões mais elevadas, isso não significa que o conteúdo do espaço das criaturas é o mesmo daquele espaço divino, com as mesmas leis naturais e as mesmas constantes fundamentais.38

Dimensões mais elevadas não devem ser confundidas com dimensões extra-espaciais requeridas nas teorias de supercadeias da física. Segundo, devemos ser cuidadosos quanto a especulações a respeito de Deus. Como humanos finitos não estamos em posição de entender Deus de modo completo. Certamente nesta vida somos restringidos a olhar através de óculos emba­ çados; nosso conhecimento sobre o mundo espiritual é bem limitado, sendo confinado àquilo que Deus nos revelou. Em­ bora alguns dos exemplos acima possam até mesmo ilustrar como alguns conceitos teológicos podem ser melhor descritos à luz do conceito de espaço multidimensional, esse fato serve para destacar, não a adequação de nossas concepções do mun­ do espiritual, e sim, ao invés, as limitações de nossas normais perspectivas tridimencionais. De novo, como acontece com os outros modelos geométricos, não há características observacionais que nos permitam confirmar (ou refutar) cientificamente esse tipo de modelo. Sumário Todos esses modelos geométricos apontam para uma realidade maior, além do universo fisicamente observável. Sua principal característica é a afirmação das verdades teológicas, particularmente a existência de um mundo espiritual. Tais modelos, porém, pelo fato de serem observacionalmente indistintos dos outros modos mais usuais de se ver o universo, 38 “Interpretating of Doctrine of Creation.”

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têm pouco a oferecer-nos quanto a predições distintas para a cosmologia física.

Limites da Cosmologia Bíblica Qual seria a função apropriada das cosmologias bíblicas? Como já observamos, elas são importante como modelos de realidade, como reflexões de verdades teológicas. Através de tais modelos podemos demonstrar várias possibilidades de combinar dados observacionais com revelações bíblicas. Vale a pena mostrar que a Bíblia e as observações astronômicas não são incompatíveis entre si.

Cosmologia e Apologética Mas, será que poderíamos obter algo mais do que isso? Muitos cristãos não se contentam em simplesmente construir cosmologias alternativas. Eles querem provar que a cosmologia bíblica de algum modo é “melhor”, num sentido científico amplamente aceito, do que os modelos seculares. Espera-se que através de demonstrações da superioridade de uma cosmologia bíblica possa-se atingir o objetivo apologético de convencer o incrédulo quanto à veracidade da Bíblia. E claro que modelos que envolvem uma criação ama­ durecida ou um céu invisível dificilmente servirão a tais fins apologéticos. Para isso, seria necessário desenvolver modelos mais detalhados que façam predições específicas. Talvez alguma coisa na linha de uma teoria detalhada para uma velocidade variável de luz ou um novo sistema de mecânica geocêntrica. No presente tais teorias podem ainda ser inade­ quadas, em face das várias limitações teóricas e observacionais. Mas isso não deve deter-nos. Talento associado a um pesado investimento de fundos de pesquisa poderão resolver muitas das dificuldades correntes.

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Contudo deve-se ainda questionar se o diligente desenvolvimento de elaboradas teorias justificaria o gasto de limitados recursos da comunidade cristã. Até que ponto podem tais modelos cosmológicos ser usados para fins apologéticos? Há riscos envolvidos quando se apoia excessivamente num modelo científico particular. Primeiro, quanto mais elaborado seja um modelo, tanto mais suscetível de refutação observacional ele seria. Embora podendo sempre ser remen­ dado, no caso do modelo tornar-se muito implausível (aos olhos dos céticos) então, na falta de alternativas viáveis, a sua falên­ cia bem poderá resultar na subseqüente rejeição inclusive da Bíblia, a qual o modelo supostamente estaria defendendo. Segundo, cuidado deve ser tomado para evitar cair na armadilha de justificar fé na Bíblia com base na nossa habili­ dade de suprir “explicações científicas” de eventos bíblicos. Uma instrutiva ilustração histórica disso é dada por D. C. Allen em seu livro The Legend ofNoah (A Lenda de Noé).39 No século dezesseis teólogos foram argüidos quanto a várias questões científicas relacionadas ao Dilúvio. Os teólogos da igreja católica romana responderam às dificuldades científi­ cas declarando que a impossibilidade de se explicar a mecâni­ ca do Dilúvio claramente demonstrava ter sido o mesmo um milagre. Mas os protestantes, ansiosos por pro- var que a Bíblia toda está em harmonia com a razão humana, tentaram desenvolver soluções científicas precisas. A falha em explicar os detalhes ao ponto de satisfazer à crítica, eventualmente levou muitos a reclassificar a inspirada história de Noé, passando a considerá-la simplesmente um mito. Terceiro, não devemos nos esquecer que, se um modelo científico é julgado aceitável por um incrédulo, então tal 39 The Legend ofNoah: Renaissance Rationalism in Art, Science, and Letters, Urbana: University of Illinois Press, 1963.

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modelo deve satisfazer os critérios por ele estabelecidos. Como tais critérios, em essência, tendem a ser não bíblicos, o veredicto será uma conclusão preestabelecida. Aqueles que rejeitam a Deus dificilmente poderão objetivamente avaliar Sua Palavra. Por exemplo, a real dificuldade que muitos cientistas têm com os criacionistas não reside tanto na natureza ad hoc das suas teorias, mas principalmente na aceitação prévia da Bíblia e as restrições que ela impõe à teorização. Considere por exem­ plo a declaração de Michel Ruse, um proeminente porta-voz da ciência evolucionista: A principal razão por que a ciência criacionista não é ciência genuína é que seus defensores têm que crer, sem questionar nem discutir, na verdade literal do Gênesis.40

Claramente, a questão básica aqui é de pressuposições religiosas. Finalmente, a apologética acima pode ser vista como tendo implícito o princípio de que o incrédulo é justificado em sua rejeição das Escrituras até que explicações científicas aceitáveis sejam estabelecidas. O que então pode ser feito é confrontar o incrédulo com a Palavra de Deus, e necessidade de arrependimento. Os dados bíblicos devem ser admitidos como básicos, como artigos de fé inegociáveis. A confiabilidade da Palavra de Deus não pode ser contingente à nossa habili­ dade de explicá-la ou prová-la “razoável” segundo os padrões humanos. Que o ônus seja posto sobre os que rejeitam a precisão da Bíblia, e que eles demonstrem a alegada impossibilidade dos eventos bíblicos. E se os dados bíblicos não são prontamente explicáveis em termos de um modelo científico, isso deve 40 But Is It Science?, Buffalo: Prometheus Books, 1988, p. 393.

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meramente servir para ilustrar a inadequação da teoriza­ ção humana. Nossas teorias devem ser julgadas à luz das Escrituras, e não vice-versa. Reafirmemos, portanto, que nossa lealdade primária é com Deus e Sua Palavra, e não com expli­ cações humanas e científicas de qualquer porção da mesma. O Status da Cosmologia Bíblica Poderia se pensar que, como as cosmologias bíblicas são presumivelmente baseadas em verdades divinamente revela­ das, elas seriam por isso mais prováveis de serem verdadeiras do que os outros modelos cosmológicos. A dificuldade contudo é que somos abençoados com um embaraçamento de riquezas: é possível desenvolver-se não apenas uma, mas um número virtualmente ilimitado de cosmologias baseadas na Bíblia. O requisito de que as teorias devem ser consistentes com as Escrituras na realidade expande a base de dados que devem ser satisfeitos pelas teorias. Como visto anteriormente, pode-se construir um número qualquer de cosmologias consistentes com os dados observacionais. Portanto, o pro­ blema não está em construir uma cosmologia bíblica, e sim em escolher, dentre um grande número de possibilidades, o modelo correto (ou quase correto). De novo, a questão se resume em construir e justificar um critério apropriado para seleção de teorias. Nesta questão a Bíblia nos fornece pouca ajuda. Em resumo, enquanto que as teorias que contradizem as Escrituras são certamente falsas, as cosmologias bíblicas, na medida em que vão além da Bíblia e da observação, são tam­ bém provavelmente erradas. A natureza especulativa da teorização científica nos alerta para não depositarmos confi­ ança indevida em qualquer modelo particular. Portanto, não estejamos desnecessariamente prendidos: qualquer teoria em harmonia com as Escrituras pode ser verdadeira, embora as chances sejam contrárias. Assim, qualquer cosmologia 305

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bíblica deve ser apresentada com prudência meramente como uma possibilidade hipotética, e não como a solução. Sendo esse o caso, então será talvez melhor delinear uma meia dúzia de possibilidades do que prender-se demais a uma teoria detalhada. A abordagem multiteoria traz uma série de vantagens quando se trata da questão de origens. Tal abordagem tem melhores chances de encontrar boas possibi­ lidades e expõe o fato de que os dados observacionais podem ser interpretados de muitas maneiras diferentes. E nos pre­ vine quanto a aceitar qualquer modelo como sendo a verdade final. Também, fica claro o elemento subjetivo e conjectural presente na construção de modelos, bem como a grande lacuna existente entre os dados observacionais e as teorias que pretendem explicar tais dados. Assim, por exemplo, com relação ao problema de tempo de trânsito da luz deve ser frisado que existem diversas possí­ veis soluções: pode ser que a luz tenha sido criada durante o curso, talvez o espaço seja curvo, talvez a velocidade da luz seja dependente do tempo ou do espaço. Sem dúvida, outras pos­ síveis soluções podem ser construídas. Qual delas é a certa? Somente Deus sabe, e, além daquilo que Ele tem revelado através da observação direta e através de Sua Palavra - nós podemos apenas conjecturar. Uma melhor defesa da fé contra a ciência secular não é a demonstração de quão bem a Bíblia se encaixa com as teorias e padrões humanos, mas, antes, uma exposição das limitações da teorização científica, particularmente no que tange à ques­ tão de origens. Mais atenção deve ser focalizada nas questões filosóficas subjacentes. Aqui, ofensivas devastadoras podem ser montadas contra a alegada confiabilidade da secular ciência de origem. A comunidade científica secular deve ser desafiada a: a) reconhecer a natureza altamente subjetiva da constru­ ção, seleção e justificação de teorias;

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b) reconhecer que na ciência é muito importante o papel desempenhado pelas pressuposições filosóficas e teológicas; c) ser menos dogmática quanto a pronunciamentos relacionados com a questão de origens. Geisler e Anderson fazem distinção entre ciência de origem e ciência operacional.41 A última ocupa-se de eventos repetíveis, e a primeira de singularidades tais como criação. Eu creio que tal diferenciação é muito importante. Cristãos freqüentemente justificam investigações científicas referin­ do-se ao comando cultural dado em Gênesis 1:28, onde o homem é estimulado a sujeitar e exercer domínio sobre a terra. Mas, a ênfase aqui é em aplicação prática, em vez de conhecimento teórico. É claro, o homem deve primeiro investigar a natureza antes que possa desenvolvê-la e admi­ nistrá-la. Contudo, o texto de Gênesis implica que a tarefa principal do homem, no tocante à ciência, não é especular a respeito de uma realidade oculta, e sim suprir resultados úteis. Desse modo, a ciência operacional é certamente justificada pelo comando cultural, até onde sua meta seja a aplicação útil. A ciência de origem, por outro lado, ocupa-se principal­ mente de conjecturas a respeito de um passado remoto. Dada a natureza especulativa e inverificável de suas teorias, eu questiono seu valor. Na falta de um válido e objetivo critério epistemológico que nos permita detectar verdadeiras teorias de origens, a ciência de origem pode ser classificada como pouco melhor do que um jogo de salão intelectual e humorís­ tico: agradável de jogar, talvez, mas dificilmente merecedor de grande devoção. Note também que as Escrituras têm pouco de positivo a dizer a respeito das especulações teóricas dos homens: Jó 38:41, ao contrário, enfatiza a ignorância do homem com respeito a origens e questões mais profundas da 41N. L. Geisler e J. K. Anderson, Origin Science: A Proposalfor the CreationEvolution Controversy, Grand Rapids: Baker Book House, 1987.

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natureza. Sendo assim, desejo sugerir que os cientistas se concentrem em ciência operacional com o objetivo primário de desenvolver tecnologia útil. Em resumo, consmologias bíblicas envolvem, em grande extensão, várias características inerentemente inobserváveis. Embora modelos mais detalhados possam ser construídos com definição de predições observacionais, elas têm apenas um valor limitado. A falta de um critério válido para seleção de teorias faz que também as cosmologias baseadas na Bíblia sejam especulativas. Devemos estar sempre muito alertas quanto às limitações das explicações e extrapolações cientí­ ficas, cuidando em pôr nossa confiança na Palavra de Deus e não na teorização humana.

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9 Conclusões Chegamos ao final de nosso estudo sobre as interações entre cosmologia e teologia. Vamos resumir as principais conclu­ sões a que chegamos e fazer alguns comentários finais.

Sumário 1. Questões Básicas Em nossas considerações preliminares discutimos a natu­ reza da teorização científica, bem como várias abordagens que visam reconciliar a ciência e as Escrituras. Foi este o cenário dos capítulos subseqüentes. Podemos agora formular várias conclusões principais: 1.1 A subjetividade da teorização científica A teorização científica é subjetiva, e, na seleção de teorias, um papel muito importante é desempenhado por pres­ suposições extracientíficas determinadas por prévios compromissos segundo pontos de vista globais e religiosos.

1.2 A limitação dos “fatos” científicos às observações confirmadas Em consequência, para resolver o problema do conhe­ cimento científico, somente as observações diretas e confir­ madas podem ser consideradas na constituição dos “fatos” científicos. 309

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1.3 A supremacia da Palavra de Deus na epistemología cristã Uma epistemología cristã deve atribuir peso principal às Escrituras, lógica dedutiva e observação. Tais fontes de infor­ mação podem ser consideradas como dadas por Deus e devem portanto ser coerentes entre si. A teorização científica, por outro lado, é uma atividade humana falível que deve ser avaliada à luz de fontes epistemológicas mais elevadas. 1.4 Implicações de uma visão elevada das Escrituras A supremacia epistêmica das Escrituras implica em que essas sejam consideradas como inerrantes, com total autorida­ de, e interpretadas por meio de princípios hermenêuticos consistentes com a epistemología acima. A Bíblia deve ser tomada em seu sentido mais direto e literal, a menos que evidência escriturística interna mostre conclusivamente que uma interpretação não literal seja requerida. 2. Cosmologia Histórica Após uma rápida revisão da cosmologia antiga, focaliza­ mos os modelos medievais do universo. As principais lições aprendidas foram:

2.1 O perigo de se associar teologia a uma cosmologia espe­ cífica Nosso estudo da cosmologia medieval enfatizou o perigo de combinar teologia cristã com a cosmologia de Aristóteles. A falência da cosmologia aristotélica obrigou muitos a recon­ siderar suas teologias cristãs. 2.2 A natureza ilusória do movimento absoluto A ciência pode medir somente o movimento relativo. A determinação de um padrão absoluto de repouso depende de considerações e definições de natureza filosófico-teológica. Galileu errou em sua afirmação que ele havia provado que a

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Conclusões

terra se movia num sentido absoluto. A noção popular, embora errônea, de que Galileu estava certo trouxe profun­ das implicações para a epistemología cristã e hermenêutica bíblica. 3. A Cosmologia Moderna Nosso levantamento da cosmologia moderna levou às seguintes conclusões principais.

3.1 Limitações da cosmologia Big Bang A cosmologia Big Bang apresenta várias deficiências teóricas e observacionais. 3.2 A possibilidade de cosmologias alternativas Dados cosmológicos observacionais ensejam múltiplas interpretações teóricas, resultando em inúmeras cosmologias alternativas.

3.3 A necessidade de pressuposições extracientífícas Qualquer modelo cosmológico deve apoiar-se, necessari­ amente, em várias suposições que são essencialmente inverificáveis. A justificação de tais pressupostos básicos deve vir de subjetivas considerações extracientíficas. Os modelos cosmológicos são construídos de modo a serem coerentes com nossas mais básicas convicções filosóficas e religiosas. 4. Provas da existência de Deus A incerteza dos modelos cosmológicos limitam sua utili­ dade como argumentos que presumem provar a existência de Deus. Em particular vimos:

4.1 As deficiências dos argumentos cosmológicos O passado finito do universo não pode ser provado de modo conclusivo através de argumentos puramente

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filosóficos ou científicos. Vimos serem falhos os argumentos filosóficos contra a existência de uma infinitude real. Tampouco a cosmologia Big Bang, mesmo se provada verdadeira, ou a segunda lei da termodinâmica, mesmo se aplicável ao uni­ verso inteiro, necessariamente requerem que o universo tenha um passado finito.

4.2 As deficiências do argumento do “design” O aparente ajuste fino do universo parece ser muito mais plausível de ser explicado pelo design divino do que pelas explicações alternativas da teoria dos mundos múltiplos, princípios antrópicos, teorias do tudo, ou seleção natural. Contudo, também este argumento carece de obrigatoriedade. Critérios tais como simplicidade e plausibilidade freqüentemente estão na visão do observador, um observador cuja avaliação das explicações concorrentes é baseada em suas convicções religiosas mais profundas. 4.3 O Deus das provas e o Deus da Bíblia Mesmo se tais provas teístas fossem válidas, permanece­ ria ainda uma grande lacuna entre o Deus vivo de Abraão, Isaque e Jacó, e o Causador Primeiro, ou Causa Original. A teologia natural está severamente limitada nas suas tentativas de descrever Deus.

4.4 O perigo do comprometimento com a cosmologia Big Bang E preciso que se tenha cautela quanto ao uso da cosmologia Big Bang em provas teístas. Tal cosmologia pode muito bem ser desbancada no futuro. Também, o endosso implícito da cosmologia Big Bang conduz a uma nova epistemología que atribui grande peso a teorizações científicas, com graves im­ plicações para a autoridade bíblica e hermenêutica.

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Conclusões

4.5 A extensão limitada da revelação geral A cosmologia Big Bang não pode ser equiparada com a verdade revelada. A revelação geral de Deus através da natu­ reza diz respeito a apenas alguns dos atributos de Deus, e é adquirida através da nossa experiência direta com a natureza. Não há evidência bíblica sugerindo que Deus revela-Se a Si mesmo através da falível teorização humana. Pelo contrário, a Bíblia enfatiza as limitações do conhecimento humano, particularmente no tocante a origens. 5. Vida no Universo 5.7 Evidência contra os extraterrestres Vimos que não há evidência científica para qualquer vida extraterrestre natural. Considerações teológicas pendem contra a existência de inteligência extraterrestre natural. A singularidade da encarnação de Cristo implica que, se outras expécies existem, elas não decaíram, ou, se decaíram, não foram redimidas.

5.2 A vida no universo naturalista está condenada A cosmologia naturalista moderna pinta um quadro hor­ rível para o futuro da vida no universo: ela está condenada à extinção seja através do Big Crunch (a Grande Implosão), seja através da “morte do calor”. Há um choque acentuado entre as predições escatológicas da cosmologia Big Bang e aquelas reveladas na Bíblia.

6. Os Deuses da Cosmologia Moderna Foram examinadas várias tentativas de conciliar a cosmologia moderna e a religião. 6.1 A cosmologia Big Bang exclui Deus e a vida após a morte A cosmologia moderna não consegue acomodar dois dos mais essenciais componentes da verdadeira religião: um Deus 313

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sobrenatural e uma imortalidade subjetiva. Para preservar esses aspectos fundamentais deve haver um mundo espiritual onde Deus e a alma existam. O conhecimento de um mundo tão transcendental está além do alcance do escrutínio dos cientistas. 7. A Bíblia em Cosmologia O ensinamento da Bíblia com respeito à cosmologia foi examinado. Foi visto que a Bíblia diz pouco com relação à presente constituição física do universo. Em vez disso, ela fala primariamente sobre a origem e destino do universo, bem como de seu relacionamento com Deus.

7.7 A interpretação tradicional de Gênesis deve ter a prefe­ rência Com respeito a origens, se levarmos em conta que os questionamentos da interpretação tradicional de Gênesis se baseiam primariamente em considerações extrabíblicas, a epistemología e hermenêutica acima invalidam tais questionamentos. Segue daí que a interpretação tradicional e literal de Gênesis deve ser a interpretação preferida. 7.2 A recente criação do universo Ao interpretarmos literalmente Gênesis, capítulos 1-11, considerando os dias da criação como dias normais e as genealogias em Gênesis, capítulos 5 e 11, como cronologi­ camente completas, posicionamos a criação do mundo no tempo de aproximadamente seis mil anos passados.

7.3 A existência do mundo espiritual Uma das principais características da cosmologia cristã deve ser o reconhecimento da existência do mundo espiri­ tual, o qual se extende além das três dimensões espaciais visíveis a nós, e que interage com nosso universo físico. O 314

Conclusões

céu inclui ambos os aspectos, espaciais e temporais. 7.4 Uma geocêntrica estrutura de referência A estrutura de referência bíblica é claramente geocêntrica. Contudo, isso não implica em conseqüências observacionais ou científicas.

7.5 A cosmologia BigBang contradiz a Bíblia Uma das principais conclusões deste livro aponta para o conflito entre a cosmologia Big Bang e a Bíblia. Elas se cho­ cam não apenas em questões de origem, mas também em escatologia e a existência de entidades espirituais. A aceitação da cosmologia Big Bang traz implicações significativas para o cristianismo. 8. Cosmologias Bíblicas Foram examinadas várias cosmologias baseadas na Bíblia, e avaliados seus valores apologéticos.

8.1 Limites das cosmologias de um universo jovem Todas essas cosmologias finalmente se apoiam no conceito de criação amadurecida. Tal conceito, conquanto inatacável dos pontos de vista lógico, observacional e teológico, tem pouco a fornecer no tocante a explicações detalhadas para características específicas de observações astronômicas. Toda­ via, a veracidade é mais importante do que amplos, porém ilusórios, poderes de explicação.

8.2 Limites das cosmologias geométricas Todos os modelos geométricos apontam para uma realidade mais ampla, além do universo fisicamente observá­ vel. Sua característica principal é a reafirmação de verdades teológicas, particularmente a existência do mundo espiritual. Contudo, tais modelos têm pouco a oferecer-nos em termos 315

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de predições para a cosmologia física. 8.3 As deficiências das apologéticas cosmológicas A construção de cosmologias bíblicas mostrando a coerência entre a Bíblia e nosso universo observável pode ser útil para encorajar a fé dos cristãos. Entretanto, seu valor apologético é muito limitado: nossa confiança na Bíblia não pode estar em relação de dependência à nossa habilidade de suprir explicações científicas para eventos bíblicos. Na even­ tualidade de tais explicações científicas serem posteriormente descartadas como inadequadas, isso poderá resultar não ape­ nas na rejeição das mesmas, mas também da própria Bíblia, a qual tais explicações científicas presumiram defender.

8.4 A natureza limitada das cosmologias Bíblicas Inúmeras cosmologias podem ser desenvolvidas, que levem em conta dados bíblicos e observacionais. A falta de critério válido para seleção de teorias nos adverte para o risco de depositarmos indevida confiança em algum modelo parti­ cular. Toda cosmologia bíblica deve, portanto, ser apresentada cautelosamente como mera posibilidade hipotética, e não como a solução. É mais prudente adotar uma abordagem multiteoria para a questão de origens do que apostar tudo numa única teoria particular.

8.5 Uma abordagem apologética preferencial É possível construir mais adequada defesa da fé contra o naturalismo, através da exposição das limitações da teorização científica, especialmente no tocante a origens. Devemos enfatizar a natureza altamente subjetiva da construção de teorias, dos critérios de seleção de tais teorias, bem como de suas justificações. Devemos enfatizar também o importante papel que, em ciência, é desempenhado pelas pressuposições filosóficas e religiosas. 316

Conclusões

8.6 Ciência das origens e ciência operacional A ciência das origens, com suas teorias subjetivas e inverificáveis conjecturas a respeito do passado remoto, é de valor questionável. Os cientistas deveriam se concentrar em ciência operacional, voltada para as aplicações práticas de fenômenos repetíveis, com o objetivo primário de desen­ volver tecnologia útil.

Considerações Finais 1. Os Limites do Conhecimento Humano A tese central desse estudo é apontar as sérias limitações do raciocínio humano, especialmente no que se refere a teorização científica aplicada à cosmologia. Somente dados diretos e observacionais podem ser aceitos como “fatos” genuínos e indubitáveis. Conseqüentemente, grande parte dessa investigação tem sido uma negativa redução ao ridículo das várias conclusões extraídas das teorizações científicas. A cosmologia Big Bang, a favorita do momento, foi o foco principal de nossas críticas. Isso é justificável apenas pelo fato de que muitos escritores a têm usado, uns para criticar e outros para apoiar o cristia­ nismo. Entretanto, outros modelos cosmológicos, incluindo alguns fundamentados na Bíblia, também foram focalizados e apontadas as suas deficiências. O leitor pode muito bem achar que eu fui longe demais, e que tenho sido muito cético quanto à veracidade das teorias científicas. De fato, a maioria dos cientistas gostaria de que os “fatos” científicos incluíssem também pelo menos algumas teorias “bem estabelecidas”. Mas, quais delas? Como é que podemos determinar quais teorias são mais provavelmente verdadeiras? Certamente não seria pelo critério do voto da maioria. No entanto, que critério adotar? E por qual critério escolheríamos o critério?

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s Aqueles que desejam expandir o escopo do conhecimento ci­ entífico eu deixo o desafio de estabelecerem e justificarem um critério apropriado para o discernimento de teorias verdadei­ ras. Isso ainda está por ser realizado. 2. A Supremacia da Palavra de Deus Nossa segunda tese primária é a de que a Bíblia é a Pala­ vra de Deus. Como tal, possui autoridade intrínseca, e deve ser interpretada em conformidade com ela. Conseqüentemente, uma epistemología cristã necessariamente terá que insistir no ponto de que a falível teorização humana deve ser avaliada à luz da Palavra de Deus, e não vice-versa. Aplicado coerentemente, isso nos deixa com, entre outras coisas, a tradi­ cional literal interpretação de Gênesis, capítulos 1-11. De novo o leitor pode achar que eu fui longe demais. Atualmente poucos acadêmicos cristãos estão dispostos a tomar o livro de Gênesis por seu valor nominal. Em sua maioria, por não estarem totalmente a par das limitações da ciência aqui apontadas, eles foram talvez persuadidos da vasta idade da terra, da cosmologia Big Bang, ou da origem evolutiva do homem. Como nenhuma dessas coisas é observável por via direta, o que eles de fato tem feito é, indevidamente, elevar ao status da verdade conclusões teóricas particulares. Assim fazendo, eles também, talvez não intencionalmente, fizeram investimento numa epistemología que atribui excessivo peso à teorização humana. Seu conjunto de “fatos” científicos, indevidamente, equi­ parados com as Escrituras, força a interpretação do texto bíblico que melhor lhes adeque. Uma epistemología falaciosa resulta numa dúbia hermenêutica. E mais, se uma ciência naturalista pode ditar novas interpretações das Escrituras num ponto, tal como Gênesis, capítulo 1, porque não em outros pontos? Uma hermenêutica que se dobra à ciência natura­ lista, quando sistematicamente aplicada acaba por esvaziar a 318

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Bíblia do seu conteúdo sobrenatural. É claro que todo cristão, em algum ponto, terá que defi­ nir uma linha demarcatória, de modo a preservar o essencial do cristianismo. Nenhum cristão poderá, por exemplo, seguir as implicações integrais da naturalista cosmologia Big Bang, e negar a vida após a morte. Contudo, uma tão mirrada conces­ são por meros vestígios de cristianismo parece algo bastante tramado, ou ajeitado: imitação teísta, a bordo de um vagão naturalista. O critério para interpretação bíblica passa então a ser dirigido por avaliações subjetivas a respeito do que é e do que não é essencial à doutrina cristã, ao invés de um total reconhecimento e submissão ao divino Autor. Aqueles que desejam rejeitar a interpretação tradicional de Gênesis, capítulos 1-11, eu deixo o desafio de justificar tal rejeição em termos de princípios hermenêuticos válidos, consistentes com a epistemología cristã baseada na suprema­ cia da Palavra de Deus.

3. Escolha de Visões do Mundo Dada a natureza subjetiva da teorização, e a necessidade de pressuposições extracientíficas, fica claro que a cosmologia adotada por qualquer um é muitíssimo determinada pela definição de seu ponto de partida. Aqueles que pressupõem que o universo físico é tudo o que existe, darão preferência a uma cosmologia naturalista baseada puramente em causas e efeitos físicos. A cosmologia Big Bang é a criação do mito do naturalismo. O naturalista, partindo da rejeição do sobrenatural, obviamente nunca con­ siderará aceitável qualquer cosmologia bíblica. Na prática, as atuais explicações naturalistas para o universo observável parece altamente implausível, e apresenta enormes lacunas. Pode-se pensar que, pelo menos em princípio, qualquer defi­ ciência da visão naturalista do mundo será eventualmente remediada. Contudo, mesmo se o naturalismo pudesse ser 319

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formulado como uma autocoerente visão do mundo, ela produziria uma bastante truncada e empobrecida visão do mundo. Não haveria lugar para Deus, o mundo espiritual, ou vida após a morte. Mente, pensamentos, escolhas, ficam redu­ zidas a meras ilusões, sombras apagadas sem qualquer efeito sobre o mundo material, cuja forma e conteúdo são completa­ mente dependentes de um determinista cérebro material, o resultado acidental de um acaso cego. Somos deixados num mundo material vazio de propó­ sitos e valores, um mundo sem beleza, justiça, sem verdades eternas e sem amor. G. K. Chesterton em seu livro Orthodoxy compara o materialista a um homem louco: Para explicar o mundo o materialismo apresenta um tipo de simplicidade insana. Tal explicação tem justamente a qualidade do argumento do homem louco; ao mesmo tempo temos o senso de abranger tudo e o senso de excluitr tudo... Ele (o materialista) entende tudo, e tudo parece desmerecedor de entendimento. Seu cosmos pode ser completo em cada rebite e engrenagem, mas ain­ da assim seu cosmos é menor que nosso mundo. De algum modo seu esquema, como o lúcido esquema de nosso homem louco, parece inconsciente das energias exteriores e da grande indife­ rença da terra; não considera as coisas reais da terra, os povos em guerra ou mães orgulhosas, ou o primeiro amor, ou o medo do mar.1

Assim é a coerente visão do mundo segundo o natura­ lismo. Seu círculo de explicações pode ser completo, porém é um círculo muito pequeno que abrange apenas um pequeno subconjunto da realidade. A alternativa é ter como ponto de partida Deus, como re­ alidade completa. Visto que Deus é puramente espírito, o mundo espiritual então se torna de primária importância. O 1 London: Hodderand Stoughton, 1908; reimpressão 1996.

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universo físico, uma criação de Deus é então reduzido a mero subconjunto de uma realidade muito mais ampla. O reconhecimento de forças espirituais interagindo com o universo físico facilmente leva em conta a existência de milagres. Mesmo o colossal milagre da criação instantânea do inteiro universo físico, por uma simples palavra de Deus, não apresenta qualquer problema. Se Deus é nosso ponto de partida, então à Sua Palavra revelada será dada a máxima confiança como única fonte fidedigna de conhecimento além do nosso horizonte observacional. Através dela adquirimos conhecimento de Deus, de Seu plano para o universo, do mundo espiritual, e dos padrões morais. Em suma, pelo teísmo pode-se facil­ mente dar uma explicação plausível para o mundo observado, bem como para a existência de coisas tais como a mente, pro­ pósitos, valores, pecado, e amor. Pela perspectiva teísta, o fato de ciências naturalistas contradizerem a Bíblia meramente indica a inadequação do pensamento humano quando deixa­ do por si próprio. Embora as explicações teístas sejam ainda incompletas, sua descrição da realidade é muito mais ampla do que aquela apresentada pelo naturalismo. A escolha é clara: ou o naturalismo é verdadeiro, e a concepção bíblica da realidade é uma ilusão, ou a Bíblia é a verdade e o naturalismo, incluindo seu mito Big Bang para a questão de origens, tem que ser rejeitado como mera fantasia.

4. Um Apelo à Coerência Como cristãos devemos estar constantemente alertas, para que não sejamos conformados com o mundo, mas, em vez disso, sermos transformados em cada um de nossos pensa­ mentos. Devemos desenvolver integralmente as conseqüências de nossa fé com temor e tremor, resistindo às pressões para concessões. Também, em questões científicas devemos ser cautelosos no sentido de sustentar e defender nossos valores 321

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cristãos e epistemología, examinando criteriosamente as reivindicações científicas antes de aceitá-las como “fatos”. Nos últimos anos tem havido um significativo aumento de reconhecimento dado a acadêmicos cristãos por institui­ ções seculares. Contudo, questionamento tem sido feito quanto a tais reconhecimentos estarem sendo concedidos apenas porque a erudição evangélica tem se tornado seculari­ zada. Craig M. Gay sugere que tais reconhecimentos podem muito bem ser motivados pelo fato de que acadêmicos cristãos crescentemente têm adotado a comunidade acadê­ mica secular como seu ponto de referência, contrário à comunidade dos crentes.2 Tem havido muita ênfase entre acadêmicos cristãos visan­ do integração de fé e ciência. Todavia, tal integração quase sempre consiste em acomodar mais o cristianismo à certas disciplinas e não vice-versa. Talvez mais atenção deve ser dada à diferenciação, do que à integração. Os acadêmicos cristãos devem examinar mais criticamente a metodologia, epistemología e conteúdo de suas várias disciplinas. Cada disciplina deve ser despida e desmontada, a começar da base, purgada de noções não bíblicas, e reconstruída tendo os valores bíblicos como dados válidos. Somente assim uma genuína integração pode ser conseguida. Com respeito à cosmologia em particular é claro que, se devemos preservar princípios essênciais tais do cristianismo como o retorno de Cristo e a vida após a morte, então haverá um ponto em que a ruptura com a cosmologia Big Bang será inevitável. Como afinal seremos reputados como tolos aos olhos do mundo de qualquer maneira, que tal pelo menos sermos tolos coerentes, e sustentar a Palavra de Deus em sua totalidade não diminuída? Nessa vida devemos reconhecer nossas limitações 2 “The Uneasy Intellect of Modern Evangelicalism”, Crux, 1990, xxvi, pp. 8-11.

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humanas, particularmente com relação ao conhecimento científico. Visto que a Bíblia é a nossa única fonte de verdade absoluta, é preferível tomá-la demais a sério - se é que isso pode ser feito! - do que arriscarmos abrir concessões, por melhores que sejam nossas intenções. Apeguemo-nos por­ tanto à Palavra de Deus - sem adicionar nem subtrair nada - e construamos nossas teorias cosmológicas de conformidade com ela, esforçando-nos sempre para trazer cativo todo pensa­ mento à obediência a Cristo.

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339

s Indice de Nomes e Assuntos Abbott, Edwin A., 299 Abdelkader, Mostafa A., 294 Academia Nacional de Ciência, 21 Aceleração, 100-102 Agostinho, 27,82,243 Albertus Magnus, 182 Albrecht, Andreas, 102,227 Alexander, Samuel, 199, 200, 217 Alfven, Hannes O. G., 127 Allen, D. C., 303 Almas (Ver Imortalidade), 223,224,247,268 Anaximandro, 36 Anderson, J. K., 307 Andrews, E. H., 287-289 Anjos, 44,245,246 Annapurna, M., 83,292 Anselmo, 298 Aparência de idade (Ver Criação amadurecida) Apeiron, 37 Apologética, 169,302-308, 315-317 Aquino, 27,46 Argumento cosmológico, 117-146

Argumento do design, 146162,205, 206 Argumento moral, 117 Argumento ontológico, 177 Argumento telelógico, 117, 146-162,205,206 Aristarco, 50 Aristóteles, 38,40,41,43, 46,47,49,50, 52, 118 Arp, Halton, 79,84, 104,114 Atomista(s), 37,63 Autoridade bíblica, 23, 26, 29-32, 59,60,245,269, 305

Babilônios, 36 Barbour, Ian G., 154, 159, 233 Barbour, J. B., 293 Bárions, 85,86,99, 100 Barrow, John, 102, 132,149, 154-156,216,274 Belém, Estrela de, 255, 258, 259 Bellarmine, Robert, 52,57 Bergson, Henri. 243 Berkhof, Louis, 251 Berlinski, D., 104 340

índice de Nomes e Assuntos

Bertotti, B., 293 Biblia e o Big Bang, 194197,264-271 Bicak,J., 56 Big Bang Cosmologia, 70116, 126-140,264-271 Big Bang e a Biblia, 194197,264-271 Big Crunch, 95, 135, 189191, 195,210,224 Blocher, Henri, 243 Boltzmann, Ludwig, 144 Bonaventura, 24 Bondi, Herman, 76 Boslough, John, 150 Bouw, Gerardus D., 236,293 Brahe, Tycho, 49,53 Braun, Fritz, 294,295,297 Burbidge, G., 87,92, 111 Buries, Scott, 86 Byl, John, 43, 161,279,282 Calovius. Abraham, 59 Calvin, John, 168,235,243, 251 Cameron, A. G. W, 180 Campo de Higgs, 97,111,113 Cantor, Georg, 121 Catecismo de Heidelberg, 184 Causagäo retrögrada, 207209, 213 Ceu, 223, 229, 246-251,267, 268,297

Chesterton, G.K., 320 Ciência operacional, 307,308 Clausius, Rudolph, 68, 69 Clouser, Roy. A., 289 Clube, S.V.M., 93 Cobb, John B., 220,223 Coles, Peter, 98,100 Cometas, 49 Complementarismo, 16, 31 Concordismo, 16,31,265, 268 Confessão Belga, 230,250 Confissão de Fé de Westminster, 183 Conservação de energia, 81 Constante cosmológico, 73, 100,130 Constelações, 36,254-260 Cooper, John, 247 Copérnico, 50-56,59-61,63, 64,171 Corduan, W, 118,119 Cosmologia do plasma, 194,195 Cosmologia grega, 36-44 Cosmologia medieval, 43-50 Cosmologia Newtoniana, 26, 61-64,223 Cosmologia, Big Bang, 70116, 126-140,264-271 Cosmologia, estado estacio­ nário, 77, 92,109 Cosmologias bíblicas, 272308

341

Deus e Cosmos

Coule, D.H., 191 Craig, William L., 119,121127, 141, 165, 300 Crawford, Ian, 177 Criação amadurecida, 276, 282-291 Criação contínua, 233 Criação ex nihilo, 119,146, 166, 230-238

Criação, Data da,47,241-245 Criação, Dias da, 47,234238,241,242 Cronologia bíblica, 243

Darwin, Charles, 66, 147, 180,207 Data da criação, 47,241-245 Davidson, H. A., 119 Davies, Paul, 147, 150, 176180,200-203 Davis, John J., 180 De Sitter, Willem, 135 De Young, Don. B., 260 Deísmo, 134,165 Demócrito, 37,171 Deslocamentos para o ver­ melho, 75,78-85, 103, 274, 277, 279 Deus, o Ser e natureza, 226230 Deuses autocausados, 206213 Deuses evolutivos, 198-221 Deuses naturais, 198-220

Dias da criação, 47,234-238, 241, 242 Dick, Steven J., 171 Diehl, David W, 24, 26 Digges, Thomas, 61,62,64 Dillenberger, John, 59 Dilúvio, 303 Dingle, Herbert, 284 Dislocamento gravitacional vermelho, 83 Doppler, 79 Drees, Willem B., 142,154 Dyson, Freeman, 150, 190193,203-206,221,222 Earman, John, 97,102 Eclipses, 36 Eddington, A. S., 92,141 Einasto, J., 90 Einstein, Albert, 26,71,131 Elementos, abundâncias, 76, 85-88 Ellis, G. F. R., 83,93,107108, 129, 130, 191,212, 284,292 Empirio, 46, 64 Encarnação, 182-185 Entropia, 136, 140-145, 147, 148, 196, 200 Epiciclo, 41,42, 50, 114 Epistemologia, 23-27, 29, 57-60,268,310,318 Escatologia, 165, 196,197, 240,241,268

342

índice de Nomes e Assuntos

Espaço curvo, 73, 132,279282 Espaço, 132-134, 248,249 Espírito, 227 Estrela de Belém, 255,258, 259 Estrelas como sinais, 252260 Estrelas, Evangelho nas, z 252-259 Éter, 38 Eternidade, 123,124,227, 248, 249, 251

Evangelho nas estrelas, 252259 Evolução biológica, 66,207, 270 Expansão, Taxa de, 148,192, 227 Finlay-Freundlich, E., 92 Fischer, E., 82 Física de partículas, 97,101, 111,112,130,193 “Flatlanders”, 298,299 Fleming, Kenneth C., 252, 253 Flutuação de vácuo, 138,152 Galáxias, 65,76-80,89-104, 108-110,273-279,282,283 Galileu, 50-61,63,263 Gamow, George, 76, 137,145 Gay, Craig M., 322

Geisler, Norman L., 21,118, 119, 259, 260, 307 Geller, M. J., 90 Gentry, Robert, 84,93,292 Geocentricidade, 65,262264,292-294 Geologia, datação de rochas, 275 Ghosh, A., 82 Gilmore, G., 87 Glanz, James, 174 Gold, Thomas, 76 Gravidade quântica, 131, 138,158 Green, W. H., 243,244 Grunbaum, Adolph, 133, 134 Guth, Alan, 94,137 Harrison, Edward R., 81, 160,161 Hart, Michael H., 176 Hartshorne, Charles, 217, 223 Hawking, Stephen, 97, 130, 150, 159, 160 Hecht, Jeff, 87 Heeren, Fred, 264 Helmholtz, Hermann von, 69 Hempel, Carl G., 18 Hermenêutica, 27-32 Higgs, Campo de, 97, 111, 113 343

Deus e Cosmos

Hipótese nebular, 65 Homem, Singularidade de, 185 Homogeneidade, espacial, 108, 109, 129 Horgan,John, 99 Hoyle, Fred, 21,76, 84,88, 92, 127,176,206-209,221 Hubble, telescópio espacial, 103,115 Hubble, Lei de, 80-82, 192 Huchra, J. E, 90 Hume, David, 105 Humphreys, C. J., 258 Humphreys, D. Russell, 235, 236,261-263, 278,279,292 Idade da Terra, 47,241-245, 269,270, 273-292 Ilusão divino, 288-291 Imortalidade, 170, 192-195, 220-225,247,267 Indução, 105, 106, 153 Inerrância (Ver Autoridade bíblica) Infinitude, 118-126,227, 259-261 Inflação, 94-97, 100, 110, 113,139 Inge, Dean W.R., 182 Instrumentalismo, 43,57 Inteligência, extraterrestre, 170-186 Intestabilidade, 110

Isotropia, 77,89,106,107, 153 Israelit, M., 138 Jager, Okke, 249 Jeans, Sir James, 84,141 Jordan, James B., 234-236

Kalam, argumento cosmo­ lógico, 118,119 Kant, Immanuel, 65,66, 172 Katz, J., 56 Kelly, Douglas F., 235,245 Kepler, Johannes, 59,172, 243 Keys, R.,114 Kierein, J. W., 82 Koestler, Arthur, 54 Koyré, Alexander, 63 Kuhn, T. S., 63,64 Kuyper, Abraham, 243

La Violette, Paul A., 83,104 Lakatos, Imre, 19,20 Laplace, Pierre-Simon, 61, 65 Lauer, T. R., 89 Lemaître, G. H., 75 Lerner, E. J., 88,104,143, 144,194 Leslie, John, 148,149,150, 154, 164, 175 Lêucipo, 37 Lewis, C. S., 46

344

índice de Nomes e Assuntos

Ley, W., 296 Linde, Andrei, 109,139 Lógica, 105 Lowell, Percival, 172 Lubenow, Marvin L., 270 Luther, Martin, 243 Luz cansada, 82, 83,92 Luz, Criação de, 234, 235, 265, 282,288-291, 306 Luz, velocidade variável, 84, 102,106,274-277 Lynden-Bell, D., 56,292 Maccheto, Duccio, 104 MacKay, D. S., 175 Magueijo, João, 102,274 Markov, M. A., 136,139 Marmet, Paul, 82 Marte, vida no, 172, 174, 175 Martin, E. L., 259 Mascall, E. L., 183 Massa faltante, 98-100,113, 114,139 McMullin, Ernan, 127 Mecânica quântica 131-133, 138, 139, 152, 153, 158, 205,286 Melanchthon, Philip, 182 Menninga, Clarence, 287 Milagres, 229,230,321 Milne, A. E., 182 Mitchel, W. C., 104 Moon, Parry, 280,293 Moore, Ben, 100

Moreland, J. P, 119,120 Morris, Henry, 235,283 Morte de calor, 66-69, MO144,189,194,199, 216, 267 Mosterin, J.,97,102 Movimento absoluto, 54-56, 263 Movimento relativo, 54-56, 263 Mundo espiritual, 235,245252, 264, 267, 268, 271, 273, 301 Musser, George, 102 Narlikar, Jayant V., 88,92,94 NASA, 103,171, 175 Nash, Ronald H., 218,219 Naturalismo, 168, 169,290, 291,319-321 Newton, Isaac, 61,63,64,243 Niessen, Richard, 244 Norman, Trevor, 275 North, Gary, 294 Núcleo-síntese, 86-88 Ogden, Schubert M., 217, 220,223 Olbers, Paradoxo de, 70 Oldershaw, R. L., 110,111 Ovenden, Michael W., 254, 255 OVNI, 178,179 Ozanne, C. G., 244

345

Deus e Cosmos

Pageis, Heinz R., 157 Paley, William, 162 Panenteísmo, 217 Paradoxo de Olbers, 70 Peacock, Roy E., 127 Peck, Sir W, 256,257 Peebles, P J. E., 81, 111, 112 Penrose, Roger, 97,130,142 Peters, Ted, 196,233 Philoponus,John, 118 Pio XII, 126,127 Planck, 132,133 Planetas, 36,41-43,46-50, 52-54, 173-175 Platão, 38,40,44, 117 Poe, Edgar A., 70,71 Polkinghorne, John, 154, 196,225 Ponto Omega, 191,210-212, 219 Popper, Karl R, 18,19 Postman, M., 89 Pressuposições, 22,23, 115, 116, 304,307,319-321 Princípio cosmológico per­ feito, 76,109 Princípio cosmológico, 71, 106-110 Princípio da incerteza, 138 Princípios antrópicos, 155158 Problema do conhecimento

científico, 26 Pseudo-Dionísio, 44

Ptolomeu, 41-43,49, 50

Quasars, 87 Queda do homem, 239,240, 266,267

Radiação de fundo, 88-93, 98,274 Radiodatação de rochas, 275 Ramm, Bernard, 242, 243 Rao, J. Krishna, 83,292 Reber, G., 82 Redimindo o fenômeno, 4042,52, 115 Rees, Martin, 98 Relatividade, 26,71,104, 130-132, 158,277,293, 294 Retardo do tempo, 277-279 Revelação geral, 24-29,166169 Rosen, N., 138 Rosental,I. L., 138,139 Ross, Hugh, 127, 128, 150, 165, 166,237,264,268, 298-300 Rudnicki, K., 114 Ruse, Michael, 304 Russell, Bertrand, 55 Russell, J. R., 105 Sagan, Carl, 179 Schelling, Friedrich, 199 Schilling, G., 103 346

índice de Nomes e Assuntos

Schroeder, Gerald L., 278 Segal, I. E., 81 Seiss, Joseph A., 252 Selbrede, Martin G., 294 Senovilla, J. M. M., 130 Setterfield, Barry, 274-276 Sher, M., 137 Shull, J. Michael, 87 Singularidade, 76, 105, 106, 126-140,277 Smith, Quentin, 121,136 Smith, Wilbur M., 241 Smoot, G., 98 Socinianismo, 204 Sorabji, Richard, 118 Sozzini, Lelio, 204 Spencer, D. E., 280,293 Spencer, Stephen R., 168 Stoeger, William, 104 Strauss, M. A., 90 Substâncias básicas, quatro, 37-39 “Super-cadeias”, 111, 158 Swinburne, Richard, 150, 152, 153, 156

Tales, 36 Tamanho do universo, 259, 260 Taxa de expansão, 148,192, 227 Teed, Cyrus, 294 Teilhard de Chardin, E, 199, 213-216,219,222-224

Teilhard, condição limite, 211,213 Tempo, 126,132-135, 140, 248-252 Tempo e eternidade, 249-252 Tempo, Retardo do, 277-279 Teologia de processo, 216220 Teologia natural, 60,166169,189-213 Teoria de tudo, 158-160 Teorias de múltiplos mun­ dos, 151-155,286 Teorias, principais unifica­ das, 94,158 Termodinâmica, 67-69, 135, 140-146, 190, 194, 195, 199, 239, 240 Termodinâmica, Primeira lei da, 67,68 Termodinâmica, Segunda lei da, 67,68, 135, 140-146, 200, 207,215,216, 239, 240 Thomson, William, 68 Tifft, W G., 80 Tillich, Paul, 182 Tipler, Frank J., 149, 155, 156, 171, 179, 188-193, 210-213,216,221,222, 285,286 Troitskii, V. S., 84,274,276 Tryon, Edward P, 138 Turner, M. S., 89 347

Deus e Cosmos

Turretin, Francis, 60 Tyson, A., 89

Universo aberto, 73,95,109, 137, 138, 192-194 Universo expandido, 261 Universo fechado, 73,95, 109, 137, 139, 190-192, 210 Universo finito, 259,260 Universo infinito, 61-64,7073, 109, 194, 259-261 Universo invertido, 294-297 Universo multidimensional, 297-301 Universo por seleção natural 160,161 Universo, Tamanho do, 259, 260 Universos jovens, 273-291 Universos oscilantes, 135138 Ussher, James, 243 Van den Brom, L. J., 297, 300, 301 Van Flandern, T, 88 VanTill, H. J., 20,22, 30,31, 243, 288, 290

Verificação, 110-112 Via Láctia, 65 Vida, extraterrestre, 170-186 Vida, Futura da, 187-197 Vida, improbabilidade, 149151, 174-178,206-208 Visões do mundo, 319-321 Voet (Voetius), Gisbert, 60

Weinberg, Steven, 101,189 Wheeler, John, 136,151 Whitcomb, John C., 283 White, Simon D. M., 100 Whitehead, A. N., 217 Wildiers, N. Max, 41,215 WIMPs, 99,112 Wright, Thomas, 65,66 Xian, Li Shu, 133

Young, Davis, 28, 30,243, 265 Zanstra, Herman, 140,144, 224 Zeilik Michael, 72, 74 Zhi, Fang Li, 133 Zodíaco, 36,252-259 Zwicky, Fritz, 82

348

Deus e Cosmos Em seu livro, A BriefHistory ofTime (Uma Breve História do Tempo), o famoso cosmólogo de Cambridge, Stephen Hawking, sustentou a possibilidade de obtermos uma teoria completa do universo pela qual chegaríamos a saber “porque nós e o universo existimos... então conheceríamos a mente de Deus”. Já possuímos nas Escrituras uma fonte de conhecimento superior a todas as outras fontes e já conhecemos “a mente de Deus” à medida que Lhe agradou revelá-la a nós. Nessa base, Byl questiona muito da cosmologia moderna, incluindo a teoria sobre origens chamada Big Bang. Ele trata das limitações do conhecimento humano, ensino bíblico relevante à cosmologia, a busca de inteligência extraterrestre, a existência do domínio espiritual, céu, anjos, vida após a morte e muito mais. A abordagem de Byl é uma refrescante contraposição à perspectiva desaminadora e, em última análise, sem sentido da cosmologia moderna. John Byl é Professor de Matemática e Diretor do Departamento de Ciências Matemáticas na Trinity Western University, Langley, British Colombia, Canadá. Ele obteve seu Ph. D. em astronomia na University of British Colombia e é autor de muitos ensaios já publicados.

PES

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