Marcelo Neves - A Constitucionalizacao Simbolica.pdf

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MARCELO NEVES Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife Federal de Pernambuco.

Universidade

* * * ''Yerfassu11ge11 sind oft l1ocht1erzige Dokun1cntc~ in der Erdc11scl1\vere des Tatsacl1licl1en bewegen sich \vc11ig vom historischcn Fleck. Ob die Normtexte der Verfassung zu Verfassungsrecht '''erde11, l1angt von der spezifischen Dicht der realen gescllschaftlichen Verfasstl1eit ab''. (Müller. 1<J90b:168)

* * *

A Constitucionalização Simbólica

''As Co11stilt1içõcs feit;i s par~i não sercn1 cun1pridas, as leis existe11tcs para sere111 violadas ... '' (Buarq11c de Holanda, 1988: l 36s.)

* * * ''A rai z é u111a só: a criação de um 111undo falso 111ais eficie11te que o nlundo verdadeiro''. (Faoro, 1976: 175).

* * *

São Pat1 lo.

l lJlJ4

Editor Responsável: Prof. Sílvio Donizete Chagas Divulgação e vendas: José Alves Carneiro Diag ramação: Márcio de Souza Gracia Capa: Abelardo da Hora Revisão: Domingas Ignez Brandini Ribeiro Clélia Eunice Chagas Franciulli

SUMÁRIO Introdução ............................................................ ........ ... .. ... .... ....... 9

Ca1>ítulo 1

"BIBLIOTECA DE DIREITO PÚBLICO"

Conselho Editorial Prof. Clemerson Merlin Cleve (Diretor) Prof. Clóvis de Carvalho Júnior Prof. Dircêo Torrec illas Ramos Prof. Edmundo Lima de Arruda Júnior Prof. Gilmar Ferreira Mendes Prof. José Eduardo Martins Cardozo Prof. Luis Roberto Barroso Prof. Marcelo da Costa Pinto Neves Prof. Maurício Antônio Ribeiro Lopes Profl!. Regina Maria Macedo Nery Ferrari Profl!. Riva de Freitas Prof. Rui Décio Martins Prof. Sílvio Donizete Chagas

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Da Legislação Simbólica : Um Debate Propulso r... .. .. ... .. ... ... ..... .. .. 11 1. Ambigüidade de 'Símbolo', ' Simbólico' e 'S imbolismo ' .. .......... ......... .. ............ ... ... .. . .... .... ......... ..... ...... .... 11 1.1 . O Símbolo como Inte rmediação entre Sujeito e Objeto. O homem como Animal Simbólico .... ..... .. ... .... .. .... 12 1.2. A Estrutura Soc ial como Simbólica .... .. .............. . .. . ... ..... 12 l.3 . Simbolismo e Simbólico na Psicanálise... .. .. .. .... .. .... . ...... 1-l 1.4. lnstitui ç
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Capítulo 2

...À Conslitucionali zaç;1o Simbólica : Abertura de um Debate .. ........ 51 1. Constituição e Const itucionali zaç:lo .. ....... ..... ...... ... .... ... .............. 51 1. 1. O Problema da Plurivocidadc. .. .. .. .. . ........ ...... ... ........ .. ... ... .. . 51 1.2. O Debate Corrente sobre o Conceito de Co nstituição ...... .... .. .................... ..... . ... ......... .. .... .... ........ .. .. . 5..J 1.1 . A Co nstituc ionalização .. ..... ... .... .... ... ... ... .............. ...... ...... .. 61 1.1 . 1. Constituição como Vínculo Estrntural entre Política e Direito ....... ...... .... .. .. ...... .... .. ... ... ........ 61 .1 .2. Constit11iç5o como Subsistema do . Sistcm;i Jurídico ... . .... .. . . . . . . . . . . . .. .... ...... ... . ..... .... .... .. . 61 1.1. Co nstitui ç:1o como Meca nismo de Autonomia Operacional do Direito .. .... .... .... .. ...... ...... .... 65 1.1 ...J . Função Social e Prestaç:1o Política da Constituiç:1o .. ............. . ......... .. ....... .... .. .. .. ............... .. . 69 1.1 ...J . 1. Direitos Fundamentais (Difcrcnciaç:1o da Sociedade) e Es tado de Hem- Estar (inclusão) ... .... . ..... .. .. .. 70 l .i 2. Regulaç:1o Jurídi co-Constitucional do Procedimento Eleitoral. .. ..... ........ .... ... .. .... .. .. 72 1.1.-Ll . " Divisão" de Poderes e Diferença entre Política e Administração ... .. .... ..... ... .. ... ... . 7..J 2. Texto Co nstituc ional e Realidade Constitucional ..... ..... ..... .. .... ... 76 2. 1. A Relação entre Texto e Realidade Constitucional co mo Concretizaç:1o de Normas Constituc ion;ii s .... ..... . ..... ......... ... .. ... . ... ... ..... ... 76 2.2. Co ncretização Constitucional e Semiótica ... ......... ... . ...... ... . 79 1. Co 11stitucio nali1.aç;io Simbólica cm Sentido Negativo : Insufi c ie nt e Co nc reti zação Normati,·o-Jurídica Generali zada do Texto Co nstitucio nal. ... ... .......... .. ..... ..... ......... 81 4 . Con stit11cio nali 1.aç;1o Simbó li ca c m Sentido Positirn : Funç;lo Político-Ideológica da Ati vi dade Constituinte e Do Tc.,to Constitucional. ...... ... .... ...... ..... .. ....... ....... ..... .. ... ..... ... 86 5. Tipos d.e Constitucionalil.aç5o Simbólica . Constituição Como Alibi .. ...... .... .. ...... .... ........ .. ..... .. .... ... .... ...... ...... ............. .... 92 6 . A Constit11cionalizaç:lo Simbólica e o Modelo Classi líca torio de Loewenstein ....... ........... ........ ...... ........ .. ...... . 95 7. Constituição Simbólica Fersus "Co11 sti t11i ç:1o Rituali sta" ...... ........... .... .. . ... ... .... ... .. ...... ............ . 99 8 . C'onstit11cio nali 1.aç:1o S imbó li ca e Nomms Co11 sti111 cionais Program:'tticas ....... .............. .... . .. ......... .... ...... 102

9. Constitucionali zação-Álibi e Agir Comunicativo ..... ...... ... .... ... . 104 10. Constitucionalização Simbólica versus Lealdade das Massas e Regras-do-Silêncio ... .. ........... ......... ... ............. ... . 107 Capítulo 3 Constitucionalização Simbólica como Alopoiese do Sistema Jurídico ........ ... ... ..... .. ... ... ....... ....... ...... ............ ... ... ... ... 113 l. Da Autopoiese à Alopoiese do Direito .. .. .. ....... ... ... ........ ... ... ... ... 113 l. l. Da Autopoiese Biológica à Social ... ... ...... ............ .. .... ... ..... . 113 1.2. Direito como Sistema Autopoiético ........ .. .. ... .... ..... .... .. ....... 119 1.3. A Alopoiese do Direito ......... ..... .. .. ... .. .. ... ... .... .......... .. .... ... . 124 2. Constitucionalização Simbólica como Sobreposição do Sistema Político ao Direito ........ ... .. .. .......... ... ... .......... .......... 129 3. Constitucionalização Simbólica versus AuloReferência Consistente e Hetero-Referência Adequada do Sistema Jurídico ...... ...... .. .. ... ... ............. ..... ... ....... 133 4 . 1mplicaçõcs Semióticas ...... .... ........... ...... .... ..... ....... ...... ............ 141 5. Constitucionalização Simbólica versus Juridificação. Realidade Constitucional Dejuridificante ...... ..... ........... ............ 144 6. Constitucionalização Simbólica como Problema da Modernidade Periférica ... .... ......... ... ....... ............. ........... ....... .. .. 147 7. Constitucionalização Simbólica na Experiência Brasileira . Uma Referência Exemplificativa ..... .... .. ....... .. ...... .... 153

Bibliografia ..... .... ... ... .. ..... ...... .... ..... ..:.... ....... ... .... .... ................. ... 163

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INTRODUÇÃO

No presente trabalho, pretende-se abordar o sign ificado social e político dos textos constitucionais, exatamente na relação in\'crsa da sua concretização jurídico-normativa. O problema não se redu z, portanto, à discussão tradicional sobre inefi cácia das norma s const itucionais. Por um lado, pressupõe-se a distinção entre texto e norma co nstitu cionais; de outro lado, procura-se analisar os efeitos sociais dél leg islação constitucional normativamente ineficaz. Nessa pe rspecti va, di scute-se a função simbólica de textos constitucionais caren tes de co ncrct i/.ação normativo-jurídica. No primeiro capítulo , consideramos o debate propulsor sob re legislação simbólica, que vem sendo desenvolvido na teoria do Direito e ciência política alemã mais recente. Em vista da confusão scm;'l ntica e torno do termo simbólico, propomo-nos inicia lmente a determinar o seu sentido dentro da expressão "legislação simbólica". Será rel evante aqui a distinção entre o conceito mais recente de legi sl:ição simbólica e a noções de política simbólica e Direito como simboli smo. consagradas nos anos 60 e 70 . Tratamos, por fim. da conceituação. tipos e efei tos da legislação simbólica . No seK1111do cnpítu lo , propõe-se a abertura de 11111 debate sobre co11stit11cio11ali/.ação si mbólica . Para isso, é delimitado i11i c ial111e11te 1111 conceito sistêmico-teorético de Consti tuição como ví nculo estrutural entre os sistemas político e jurídico, mas princip;.!l11cntc enquanto mecanismo de autonomia operaciona l do Direito na sociedade moderna. Trata-se de uma estratégia : parte-se dessél concepção estrita . para questionar-se a sua adequação empírica cm casos de constit11 cio11:ili z
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propo111os 110 terceiro capítulo uma discussão sobre a constitucionalização simbólica como alopoicsc do Direito. Isso implica o questionamento da noção de Direito como sistema autopoiético da sociedade moderna (supcrcomplcxa). Após considerar alguns aspectos específicos com pretensão teórica mai s abrangente, a constitucionalização simbólica será caracterizada como problema típico da modernidade periférica : a convivência de s upcrcomplcxidadc social com falta de autonomia operacional do si stema jurídico. analisada de forma mais genérica na supramcncionada invcstigaç;1o. vincularemos agora mais estreitamente à hipertrofia da funçno político-simbólica do texto constitucional cm detrimento de sua cfídc ia 11or111atirn-jurídica. Encerramos a presente contribuição com uma brc\·c referência cxcmplicativa à constitucionalização simbólica na ex periência brasileira . Do prese nte livro não resultam conclusões teoricamente fechadas . Ele não deve ser interpretado como resultado final de reflexões teóricas. Objetivamos abrir novos caminhos e horizontes para a Teoria da Constituição. Tanto a dogmática jurídica quanto a sociologia do Direito correntes. orientadas pela experiência constitucional do Estado democrático europeu e norte-ameri cano. partem do seguinte pressuposto: h:í uma forte contradiç;lo entre Direito e realidade constitucionais nos países "subdcsc nvoh·idos". A rigor. assim entendemos. a qucst;lo diz respeito :i falta de 11orn1ati\'idadc jurídica do texto constitucional co1110 fórmula dcmocnº1tica : a partir dele n:lo se dcscn\'olvc suficientemente u111 processo concrc ti1.ador de construção do Direito Constitucional: mas a linguagem constitucional desempenha rclc\·antc papel político-simbólico. com implicações na esfera jurídica .

Capítulo 1 DA LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA: UM DEBATE PROPULSOR. .. 1. Ambij..rüidadc de 'Símbolo', 'Simbólico' e 'Simbolismo' Os termos ' simbólico' , 'símbolo'. ' siiiibõlismo· etc. são utilizados nas diversas áreas da produção cultural. freqüentemente sem que haja uma pré-definição. A isso está subjacente a . suposição de que se trata de expressões de significado evidente. unívoco. partilhado" universalmente" pelos seus utcntcs 1• quando. cm verdade. nem sempre se está usando n mesma c:-itcgoria 2 . Ao contrário. cstnmos dinntc de termos os mnis ambíguos da semânticn social e culturaP. cujn utilização consistente pressupõe. portanto. umn prévin delimitação do seu significndo. principalmente parn que não se cnia cm falácias de nmbigüidadc·1. Assim sendo. parece oportuno apontar alguns dos usos mais importantes de . ·· símbolo'' e ··símbólico" na tradição filosófica e científica ocidental, procurando relevar as convergências e divcrgêncins de significados\. antes de precisar o sentido de " legislação simbólica" no presente trabalho. 1. Cf. Eco, 1984 :202 (tr. hr. , 1991: 198). 2. Firth , 1973:54 l . Eco ( 1984 l 99s. - tr. hr., 19911 % ) reterc-sc à ocasião cm que os redatores do dicionário de Lalande se reuniram para di scutir puhlicamente a respeito da definição de ·símbolo· como "um dos momentos mais patéticos da

lexicografia filosófi ca·', observando que o dicionário " l/(7o co11c/11i: a conclusão indireta a que Lalande convida é que o símbolo são muitas coisas, e nenhuma. Em síntese, niio se sahc o que é''. Cf. Lalande (org.), 1988: 1079-81 . 4. Sobre falácias de ambigüidade, v. Copi . 1978:91 ss. 5. A respeito
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1. 1. O Símbolo como Intermediação entre Sujeito e Objeto. O l/omem como Animal Simbólico Num sentido filosófico muito abrangente, o termo "simbólico" é ind!car todos os mecanismos de intermediação entre suJetto e realtdade. E nessa perspectiva que Cassirer vai definir o homem como a~im~I . symbolicum, distinguindo o comportamento e o pensamento s1mbóhcos como diferenças específicas do humano em relação ao gênero anima1 6 . O sistema simbólico implicaria uma mediati zação da relação " homem/realidade" 7 . Ao contrário das reações orgânicas aos estímulos exteriores. diretas e imediatas, as respostas humanas seriam . dif~ridas8 . ~aí se distinguirem os sinais dos símbolos: os primeiros estan a m relacionados de forma fixa e única com a coisa a que se referem e pertenceriam ao " mundo fisico do ser", vinculando-se especialmente aos fe nômenos de reflexos condicionados; os símbolos seriam " universais" e "extremamente variáveis", caracterizando-se pela versatilidade9 . O próprio pensa mento relacional encontrar-se-ia na dependência do ~nsamento simbólico, na medida em que só a través desse seria possível ~sola~ as. relações para considerá-las abstratamente'º· Obseiva -se aqui a mfluencia da noção kantiana de sujeito tran scendent a l. construtor da realidade cognoscente, sobre a concepção do simbólico de Cassirer. Mas ele aponta para o sistema simbólico como uma aquisição que " transforma toda a vida humana" 11 , cm uma conquista historica mente condicionada, não lhe abribuindo caráter transcendenta1 12 . ~t~lizado p~ra

1.2. A Estrutura Social como Simbólica Dessa concepção abrangente do simbólico, de natureza filosófica , 6. Cassirer, 1972 :51. 7. Cf. Cassircr, 1972 : esp. 50. Especificamente sohrc o conceito de fonnas simbólicas, v. também iúcm, l 988:esp. 1ss. 8. Cassirer, 1972 : 49. 9. Cassircr. 1972 : 59-6 1e66s. 1O. Cassirer, 1972 : 69s. 11. Cassirer, 1972 : 49. 12. Nesse sentido, Eco, 1984:208 (tr. br. , 1991: 203) e também Bourdieu, 1974 :28. A respeito, cf. sobretudo Cassirer, l 988:9ss.

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cm que a esfera do simbóli co compreende a reli g ião. a art e. a lilosofia , a ." . 13 . . c1cnc w . aproxima-se a antropologia cstruturali sta de l .évi-S trauss: "Toda cultura pode se r considerada como um conjunto de sistc111as simbólicos cm cuja linha de frente colocam-se a lin guagem. as reg ras matrimoniais, as relações econômicas. a arte, a ciência. a reli gi;10" 1•1• A estrutura social seria um sistema simbólico, não se co nfundindo com a própria realidade das relações sociais 15• Entre significante e significado haveria uma descontinuida?e, sendo relevada a noção da superabundância dos significantes 16 . E essa relativa autonomia do sistema simbólico, como estrutura de significantes 17 , em face das relações sociais (objetos simbolizados), que possibilita, segundo o modelo de LéviStrauss, a "eficácia simbólica" 18 . Mesmo no caso dos "significantes flu tuantes" ou "valor simbólico zero". a sua função ou eficác ia é "a de opor-se à ausência de significação sem comportar por si mesma qualquer significação particular" 19. É inegavelmente sob iníl11ê11cia da a11trop0iu6 ia estrnturali sta de Lévi-Strauss que Bourdieu e Passe ron vão desenvolver a concepção de "violê ncia simbólica" 2º. Mas aqui o sistema simbóli co - ta mbé m apre13 . Cassirer, 1972 :74. 14 . Lévi-S trauss, 1974:9. 15. Cf. Lévi-Strauss, l 95 8:305s. (Ir. br., 1967 3 l 5s.). 16. Lévi-Strauss, 1974: 33s. 17. É de observar-se aqui a influência da noção úe "soliúariedades sintagmáticas" de Saussure ( 1922: 176s. - tr. br., s.d.: 148s.) sobre a concepção de eslrntura de Lévi-Strauss ( 1958 : 306 - Ir. br. , 1967:316 )): " Ela consiste cm elementos tais que uma modificação qualquer de um úck..; acarreta uma moúi:icação de todos os outros" . Num sentido mais abrangcnll:, pode-se afinnar qi •c o princípio da interdependência dos elementos cstmturai s (significanles) de LéviStrauss é influenciado pelo modelo li ngüístico-estrnturnl das relações sintagmáticas e associativas entre os signos, proposto por Sa ussure ( 1922 : 170-75 - tr. br. , s.d.: 142-47; cf. também Barthes, 1964 :11 4-30 - l r hr. , s.d.: ú.1-9 1-, empregando os termos "sintagma" e "sistema" ; Lyons, 1979: 72-83 ; Greimi.ls e Courtés, s. d.: 324s. e 428s.). 18. Sobre "a eficácia simbólica" , v. , p. ex., l.évi-Strauss, 1958 205 -26 (tr. br., 1967: 215-36). Referindo-se ao seu significado na obra de Lévi-Stra uss, cf. também Bourdieu, 174:32, nota 1O. 19. Lévi-Strauss, 1974:35, nota 37. 20. Cf. Bourdieu e Passcron , 1975; Bourdieu, l 974 :30ss. e passim No seu estilo eclético, Faria ( 1988 : 103- 11 e 124-6 1, esp. 146) adota a noção de violência

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sentado co 1110 estrutura de significantes cm relações de oposição. conforme o modelo da lingüística estrutural de Saussurc 21 - é posto mais estreitame nt e cm conc:-.:ão com a questão do poder. apresentando-se como veículo ideológico-legitimador do sistema político 22 . Não haveria , então. uma distinção entre o simbólico e o ideológico. Porém. por outro lado. o sistema simbólico não serviria apenas à manutenção e reprodução dél ordem polític<1 . <1dvcrtindo-sc que a revolução simbólic<1. <1pcs<1r de supor a revolução polític<1, scrviri<1 para dar " uma linguagem adcqu<1da" a essa. " condição de uma plena rcali1.<1ção''D. /. 3. ,\ '1111h11/i.,1110 ,, .'ú111h1ílico na l'sicmuílise

No ii111bilo da psica nálise a noção de simbólico tomará posição de destaque. Isso não significa. porém . uni\·ocidadc significativa cm torno do simbólico psicanalítico. De Freud, passando por Jung, a Lacan, observa-se uma variação scmiintica relevante dos lermos " simbólico" e " simbol ismo" 2 ~ . Na teoria freudiana , a relação simbólica pode ser \'ista. cm sentido lato. como uma forma de intermediação entre o pensamento manifesto consciente e o pensamento latente inconsciente. ou seja. o termo " simbolismo" está " relacionado com o emprego de símbolos para representar na mente consciente conteúdos mentélis inconscicntcs" 2 ~. Num sentido estrito. o simbolismo consistirá numa relação constante entre o símbolo e o simbolizado inconsciente26 . Desenvolvida principalmente nos quadros da interpretação do sonho 27 • definindo-se esse como " a simhólica de Bourdieu e Passcron ( 1975) Cf tamhém Ferraz .Ir .. 1988:251 . 21 . Cf Hourdieu, 1974 : csp. 17. 22 . cr 13ourdieu e l'asseron, 1975 : 19ss.; Bourdieu, 1974:30ss , 46 , 52ss. , 69ss. 23 . lloun.licu , 1<)74 :77 24 . /\ rigor, não cahe. portanto, atrihuir aos conceitos psicanalíticos de "simholismo inconsciente" e de "pensamento simbólico" um sentido unívoco, como o faz Piagct ao invocá-los com vistas à ahordagem do "jogo sirnhólico" na criança (1975 :11 ). 25. Nagera (org.), s.d.: 102 . Cf Freud, 1969: 159-77 (tr. hr., s.d.: 133-51), 1972:145-194 . 2ú h eud . 1<)(,<) 1(10 (Ir. hr.. s.d.: 1.14) Cf Laplanche e Pontal is, 1985:62(>.11.

27 Mas 1-r cnd advertia

1-1

e111

sua cl:l dirc prekçilo ( 1·orll's1111g) sobre o " sim-

realização (disfarçada) de um desejo (reprimido, rccalcado)" 28 , a concepção de simbolismo frcudi<1na refere-se ao sentido indireto e figurado dos signos 29 , significado cm regra de caráter scxual 30 . Embora consista numa comparação, a relação simbólica não é suscetível de ser descoberta pela associação, constituindo uma comp<1ração desconhecida pelo próprio sonhador, que, embora dela se sirva, não está disposto a reconhecê-la, "quando ela é posta diante de seus olhos"} 1• Jung vai afastar-se da teoria do simbolismo freudiana, sustentando que são "sinais para processos instintivos elementares" aquilo que Freud chamara de símbolo, ou seja. o "simbólico" de Freud será denominado de ··semiótica" por Jungn Enquanto na relação semiótica. o sinal representa algo de conhecido, havendo uma determinação do conteúdo da significação, o símbolo pressuporia que "a expressão escolhida seja a melhor designação ou fórmula possível _de um fato relativamente desconhecido, mas cuja existência é conhecid~ -o u postulada" 33 . O símbolo bolismo no sonho" ( 1969:159- 177 - tr. br., s.d.: 1:B-51 ): " .. . estas relações simbólicas não pertencem exclusivamente ao sonhador e não caracterizam unicamente o trabalho que se realiza no correr do sonho. Já sabemos que os mitos e os contos, o povo em seus provérbios e canções, a linguagem corrente e a imaginação poética utilizam o mesmo simbolismo. O domínio do simbolismo é extraordinariamente vasto; o simbolismo dos sonhos não é mais que uma pequena província do mesmo" ( 1969:174 - cit. conforme tr. br., s.d.: 148s.). 28. Freud, 1972: 175 . 29. Nesse sentido, v. Eco, 1984:217- 19 (Ir. br. , 1991 :21 1-13). 30. Freud, 1969:163 (tr. br., s.d.: 137), apontando aqui para a desproporção quantitativa entre símbolos e conteúdos a designar. Em outro trecho, ele diferencia: enquanto "nos sonhos os símbolos servem quase exclusivamente para a expressão de objetos e relações sexuais'', cm todos os outros domínios o simbolismo não é "necessariamente e unicamente sexual" (Freud, 1969: 175 - tr. br., s.d.: 149). 31. Freud, 1969: 162(tr. br., s.d.: 136). 32 . Jung, 1991 :73 (nota 38) e 443. 33 . Jung, 1991 :444. " lJma expressão usada para designar coisa conhecida continua sendo apenas um sinal e nunca será símbolo. É totalmente impossível, pois, criar um símbolo vivo. isto é, cheio de significado, a partir de relações conhecidas" (445 ). Seria talvez possível traçar um paralelo entre a noção junguiana de sí mbolo e a concepção freudiana do simbolismo dos sonhos, no sentido de que para a interpretação dos sonhos os símbolos silo mortos, tomando-se meros sinais. mas para o sonhador, enquanto desconhece o seu sig15

considera-se vivo na medida em que ele é encarado corno a ex pressão de um conteúdo incompreensível e desconhecido. No mome nto cm que surgem traduções uní \'ocas e conscientes do seu sentido, o símbolo está morto 34 . O símbolo vivo é apresentado como "a melhor expressão possível e insuperável do que ainda é desconhecido cm determinada época" 35 . E o símbolo ganha a sua significação exatamente do fato de não ter um significado determinado, de ser apenas pressentido, não consciente36 . Aqui se pode observar uma aproximação entre a noção de "valor simbólico zero" ou " significante flutuante" de Lévi-Strauss, a que nos referimos acima, com o conceito junguiano de simbólico. Embora Jung reco nheça a ex istência do símbolo individual ao lado do símbolo social3 7, sua concepção vai singula rizar-se por apontar a relação do símbolo com o inconsciente coletivo, desenvolvendo-se então a teoria dos " arquétipos" como '' imagens primordiais" comuns "a todos os povos e tcmpos" 38 . Daí porque se trata de posição que pressupõe " uma metafisica do Sagrado, do Di vino", implicando " infinitude de interpretação" 39 . Na perspectiva lacaniana, o simbólico apresenta-se como uma forma de mediação entre o sujeito e o outro 40 , de tal maneira que " a ornificado latente, apresentam-se como símbolos vivos (cf. Freud, 1969: 161 s. tr. br., s.d. : 135s. ; Jung, 1991 :444, referindo-se à interpretação esotérica). 34. Jung, 1991:444 - 46. Cf. a respeito Eco, 1984:225ss. (tr. br. , 1991 : 2 l 9ss.). 35. Jung, 1991 :446. 36. " Um símbolo é vivo só quando é para o observador a expressão melhor e mais plena possível do pressentido e ainda não consciente. Nestas condições operacionaliza a participação elo jnconsciente. Tem efeito gerador e promotor de vida"(Jung, 1991 :446). 37. Cf. Jung, 199 1:446s. 38. Jung, 1991 :4 19. 39. Eco, 199 1:220 . Embora Freud (cf. 1972:345-94, 1969:162ss. - tr. br., s.d.: l36ss.) preocupe-se "em efetuar a construção de um código do simbolismo onírico", aproximando-se da "hipótese de um inconsciente coletivo", não se trata de um código "universal e coletivo", mas sim "histórico, semiótico" e que "depende da encicloplédia da pessoa que sonha" (Eco, 1984:218 - tr. br. , 1991 :212s.). Laplanche e Pontalis (1985 :630) apontam, por sua vez, para "a hipótese de uma herança filogenética" do símbolo em Freud. 40. Para Lacan, "a ordem simbólica, de maneira geral, instaura relações mediatas entre os seres, isto é, a relação do homem ao homem, do si ao outro, é me-

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dcm humana se caracteriza pelo seguint e - a f11111,:;io si111bó li ca intervé m c m todos os mome ntos e c m todos os ní vl'. is de sua c:-> ístê nc ia"·11 . E nquanto um dos reg istros psica nalíticos (os outros seriam o imag inário e o rcal)"12 , o simbólico é co ndição de singularidade. poss ibilitando a construção da subjctividade·13 , ma s ao mesmo tempo di stanci<1 o sujeito do real vivido 44 , subordinando a sua '' identidade" ús estruturas dos significantes45, os quais, quanto mais nada significam, mai s indestrutíveis são4ó. Influenciado lingüistica mcntc pelo modelo cstruturalista de Saussure47, Lacan, na mesma linha de Lévi-Strauss. apontará para a "discordância entre o significado e o significantc" 48 , o caráter fechado da ordem/cadeia significante e sua autonomia cm relação ao signi ficado 49 , retirando daí a relevância dos símbolos lin gü ísti cos e sócio-cu lturais para a determi nação (con flituo sa) da " identidade" do sujeito ~º . Através da entrada na ordem simbólica , o sujeito perde al go essencial de si mesdiatizada por um símholo" (Lcmain.:, 1989:-l ú ). 4 1. Lacan, 1978:4 1 (tr. br., 1985:44) " J\ ação humana cstú lú11dada originariamente na existência do mundo do símbolo, a saber, nas ki s e nos contratos" (Lacan, 1979:262). 42 . Cf. Laplanche e Pontalis, l 985:304s. e 645s. Mas o simbólico tem prevalência sobre o imaginário e o real na teoria lacaniana; cf. , p. ex ., Lacan, 1966:1 ls., 50ss., 276. 43 . " ... é a ordem simbólica que é, para o sujeito, constituin lt:" (Lacan, 1966 : 12). " O homem fala, pois, mas é porque o símbolo o faz homem" (Lacan, 1966:276). 44. Lemaire, l 989:45ss , 103 e 111 ss. 45 . Cf. Ladeur, 1984 :145 . J\finna-se, então, "uma d.-,mi nância 1- .] do significante sobre o sujeito" (Lacan, 1966 :6 1). 46. Lacan, 1988:2 12. 47. J\ respeito, v. Lcmairc, l 989 :49ss. 48 . 1,acan, 1966:372 . 49. Lacan, 1%li :50 1s.; Li.;1n.ii1..:, 1989 :87 . 50. Nesse sentido, escreve Lacan : " O homem l! ell:t 1vamcnlc possuído pdo discurso da lei , e é com esse di scurso que ele se casti ga, cm nome dessa divida simbólica que ele não cessa de pagar sempre mai s cm sua neu rose. [... ] A psicanálise devia ser a ciência da linguagem habitada pelo sujei to. Na perspecti va freudinana , o homem é o sujeito preso e torturado pela linguagem" ( 1988: 276). Lemaire (1989:100s.) adverte, porém, que "o simbolismo social é inseparável do di scurso", ou seja, ela aponta para a conexão dt: linguagt:m e simbolismo social na concepção lacani ana de ordem sunbólica . 17

1110. podendo ser apena s 111ediali1.ado. tracl111ido atraYés dos significa ntes (.\/1(1/ /1111g di,is;lo do sujcil o) ''. Nessa perspccti\'a. pode-se a!irmar que "é aquele: a quem cha111a111os de s;lo de espírito que se aliena. poi s co nse nt e e111 ex istir nu111 mundo de!iní ve l somente pela relação entre mim e o outro'"' 2. De outro lado. porém. a cura importaria a passagem do imaginário não simbolizado. "alienante ... conforme uma relação imediata e dual co m o "scmcllhantc··. para o imagimírio simbolizado~:i. implica ndo a anMisc da rede de signi!icantcs como estrutura de mediação ent re co nsciente e inconsciente' '.

/ . ./. J11slil11iç-ào como R ede ,\'imh1í li cn

Na fil osofi:i social. é. parece-nos. sob a iníluência lacaniana que Castori<1dis , ·ai di stinguir o simbólico do funcional e do imaginário\' . O simbólico é encontrado aqui. como também cm Lacan. tanto na linguagc111 quant o nas instituições'". Embora as instituições não se reduzam ao simbólico. elas são inconcebíveis se m o simbólico' 7. Castoriadis critica a , ·isilo fun cionalista . na medida cm que essa explica a instituição pela .fimçiio que ela desempenha na sociedade e reduz. portanto, o simbólico ao funcional 'R . Se bem que a nlicnação possa ser concebida "como n11101101111znçi10 das instituições com relaç
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çõcs"º. Essa relativa autonomia da esfera do simbólico, cujas fronteiras " nada permit e determinar""', nilo significa. porém. que a autonomização do simbolismo seja um fato último. muito menos que o simbolismo institucional determine a vida social"2 . " Nada do que pertence propriamente ao simbólico·· - enfatiza Castoriadis - '·impõe fatalmente o domínio de um simbolismo autonomizado das instituições sobre a vida sociaL nada. no próprio simbolismo institucional. exclui seu uso lúcido pela sociedade " o:i . O problema da utilização do simbólico pelo sujeito leva à questão da relação do simbólico com o imaginário6·1. Concebido o imaginário como algo " inventado", sustenta-se. então, que ele deve utilizar o simbólico para "existir""~ . O imaginário social "deve-se entrecruzar com o simbólico. do contrário a sociedade não teria podido ' reunir-se ', e com o econômico-funcional , do contrário ela não teria podido sobreviver" 66 . Embora a alienação seja definida como ···dominância do momento imaginário na instituição". propiciadora da autonomização da instituição (rede simbólica) relativamente à sociedade67• só através do imaginário há produção de novos simbolismos. ou seja. criação de novas significaçõcs6R.

1.5. O Símholn na Semiótica Na semiótica. a teoria dos signos. em gcral 6º. acentua-se ainda mais o problema da falta de univocidade do termo ' símbolo'. Dentro da categoria genérica dos signos, Peirce irá distinguir, conforme a relação com o referente. os ícones. índices e símbolos 70 • Os ícones caracterizar-se60. Castoriadis, 1991 : 14x. 6 1. Castoriadis, 1991 : 150. ú2 . Castoriadis, 1991 : 152. (i3 Castoriadis, 1<)9 1:153 . M . Cf Castoriadis, 1991 : l 54ss. 65 . Castoriadis, 1991 : 154 . 66 . Castoriadis, 199 1: 159. 67. Castoriadis, 199 1: 159. 68 . Cf Castoriadis, 1991 :161 s. 69. Ou, na fonnulação de Camap. "a teoria geral dos signos e linguagens" ( 1948:8). Cf. Neves, 1988:127s., nota 1. 70. Cf, Peirce, 1955 :102ss., ou l 977:52s. e 63-76 . Crítico com relação à "pre19

iam por sua sim ilaridade co m o objeto a que se rcfcrcm 71. Um índ ice, por sua vez, será a presentado como " um signo que se rcfe re ao Objeto que de nota em virtude de ser realmente afetado por esse Objcto" 72 . O símbolo é um signo que se refere ao objeto que denota cm face de uma regra (" lei" ) geral que "opera no sentido de fa zer com que o Símbolo seja interpretado como se referindo àquele Objeto" 73. Ou seja, no mesmo sentido da tradição aristotélico-tomista 74 , Pei rcc vai defini r o símbolo como um signo convencional e arbitrário 15 . Em Morris, assim como cm Peirce, ' signo ' se rá utilizado como termo genérico, distinguindo-se, porém, dicotomicamente, os símbolos e os si nais. Os sinais são apresent
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objeto denotado apresen ta-se ao observador como arb i11 a r1a1nc11te imputada81. Inte rpretando Pcircc e Morri s, Firth e nfati zar;) q ue na dete rm inação do sentido dos sinais o produtor e o in térprete usam o mesmo código, enqua nto na consideração do se ntido dos sí mbolos o in térprete toma uma posição de destaque, dispondo de um espaço bem mais amplo " para exercita r o seu próprio j uízo" 82 . Em virtude desse traço pragmá tico diferenciado r, os símbolos distinguem-se pela imprecisão, a variabilidade de interpretação, a apa re nte inexa uribilidade do seu se ntido, "sua caracterí stica ma is csscncial" 83 . E é nessa concepção pragmá ti ca que o símbolo va i ser abordado por Fi rth como instrume nto de c:-;pressilo. co municação, conhecimento e cont ro lc8 '1. Em posição totalmente co nt rá ri a á de Pe irce e 1a111bé111 ;i de Mo rris, Saussurc di stinguirá 'signo' e 'símbolo ' . O signo va i ser caracte ri zado pelo " princí pio da mbitra ri edade" 8 ', enq ua nt o que "o símbolo te m como caracterí stica não se r j a mai s completa mente arbi trá rio: ele 11;10 está va zio, existe um rudi mento de vínculo natura l entre o sign ifíca nl e e o significado"80. Assim sendo. pode-se afirma r que o conceito de símbolo em Saussure corresponde à noção de ícone em Pcircc, implicando uma semelha nça do significante com o objeto por ele denotado 87. També m nos quadros da di scussão semiológic(l , Eco, após considerar critica mente diversos sentidos di screpa ntes de ' símbolo', define o modo simbólico como " uma modalidade de produção ou inte rpretação textual" , na qual um elemento é visto como a prcj eção ''de uma porção suficie nte mente imprecisa de con tcúdo" 88 . A " nebul osa de co nt e údo" , a 8 1. Firlh, 1973 :75 . 82 . Firth, J 973:66s. . 83 . Firth, 1973:66 e 72s. 84 . Firth, l 973 :76ss. 85. Saussure, 1922:100- 102 (tr. br. , s.d.: 81-84 ). Como variante cr. Barthes, 1964 : 11Os. (tr. br. , s.d.: 52-54 ). Em postura crítica com relação à tesl! saussuriana da arbitrariedade do signo, v. Dcrrida , l 967:65ss., parlindo tio argumento de que a idéia da instituição arbitrária tio signo "é impensúvd antes da possibilidade da escrita"(65). 86. Saussurc, 1922 :10 1 (tr. br. , s.tl .: 82). 87. N!.!sse sentido, d . Eco, J 984 :211 (lr. br. , 199 1 20() ); 1k rnd;1 1% 7:66, recusando então, "cm nome do arbilràrio tio signo, a ddini çiio sa11ssuriana da escrita como ' imagl!m ' - portanto, como símbolo natural - d;i líi1 g11a" 88 . Em , l 1J84 :252 (tr. br , 199124 5).

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inccrtc/.a e a inlradu zibilidadc dos sí mbolos aproxinrnm a concepção de Eco do modelo junguiano. como também colocam-na cm direta relação com o " modo simbólico tcologal'' 8º. Mas Eco aponta basicamente para o modo simbólico como estratégia poéticaao. fazendo abstração de toda metafisica ou teologia subjacente. que confcrc uma verdade particular aos símbolosº 1 • O modo simbólico é apresentado como um procedimento de " uso de texto''. que pode ser aplicado a qualquer tipo de signo ... mediante uma deci são pragmática" que produzirá ao nível sem:'lntico a associação de " novas porções de conteúdo" ao signo, ··o mais possível indeterminadas e decididas pelo destinatéírio'"' 2• Dessa maneira . o modo simbó li co. além de implicar a .. nebulosa de conteúdo" ao ní\'el semântico. depender{1 de uma postura pragmática determinada do utente do texto. se ndo assim radicalmente contextuali1.ado.

/ .6 O Si111hálico nn /,ágicn Na pc rspectiYa da lógica simbólica . o conceito de símbolo est;í vinculado basicamente ;I distinç:lo entre linguagem artificial e linguagem ordin:'lria, tomando um sentido bem diferente daquele que é veiculado na di scnss{lo antropológica . filosófica . psicanalítica e scmiológica . A lin g uagem simbólica é construída e empregada com o fim de evitar a impreci são e a flexibilidade da linguagem ordinária. bloqueadoras do raciocínio lógico. matemático e científico"3 . Segundo Carnap. a linguagem simbólic;i possibilit;i a " pure1.a de urna dedução" . na medida cm que só os elementos relevantes para a respecti,·a inferência são empregados: a linguagem ordinária. ao contrário. permite a introdução despercebida de elementos estranhos à operação lógica. desvirtuando os seus resultadosº~. Além do mais. acentua-se que a brevidade e a clareza 89 . cr. h ;o, 1984 225ss. e 214ss. (lr. hr.' l 9l) 1:219ss. e 228ss ). 90 . Eco , 1984 :242 (lr hr , 1991235) 9 1. l·:co, 19842 52 (lr hr. , 1991245). 92 . Eco, l984 :253 s . (tr. hr. , 1991:246). 93. Camap, 1954 Is . Cf Wittgenstcin , 1%3JOs (§ :U44) e 32 (§ 4.002): firth , 1973 55 . 94 . Ca map , 1954 :2. Nesse sentido, cnfalt1.ava Wittgcnsll!in que "é huma namente impossível rdirar imediatamente dda Ida linguagem com.:ntcl a lógica da linguage m" ( 1%3 32 ·- § 4 002)

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da linguagem simbólica. nunc:i presentes na lingu:igcm natural. facilitam .. extraordinariamente" as operações. comparações e inferênciasº5 . Carnap também refere-se á importância d:i lógica simbólica para a solução de certas contradições não climin:idas pela lógica clássica<)(,. como também á possibilidade de traduzir proposições teóricas sobre qualquer que sej:i o objeto na linguagem lógico-simbólica. que se apresenta. portanto. como o sistema de signos mais formalizado ("esqueleto de uma linguagem")'" .

/ . 7. () ,\'i111húlico na Sociologia . Um l·:xemplo ela Teoria cios ,\"is/emas

Na sociologia. a conceituação de ·simbólico· \'ariará de autor para autor. não se excluindo a \'ariação de _s~~llido na obra de um mesmo autor. Faremos apenas referência exempliricaika ao modelo da teoria · dos sistemas . Em Luhmann. , ·crdadc. amor. propriedade/dinheiro. poder/Direito. arte. crença religiosa e .. , ·atores fundamentais"' constituem exemplos de .. meios de comunicaç:lo si111h11/icn111c•11te generali/.ados"•>M "O conceito de símbolo/simbólico deve nesse caso designnr o meio da formaç:lo de unidade""'"- Assim sendo. dentro de situações sociais altamente complexas e contingentes. os meios simbolicamente generalizados de comunicação possibilitariam a continuidade da comunicação. ser\'indo ao prosseguimento da conexão entre seletividade e motivação 1ºº Na medida cm que os meios simbolicamente generali/.ados de comunicação s.1o diferenciados conforme códigos de preferência dicotômicos entre um "valor" e um "desvalor". entre um "sim·· e um ··não". que só têm rcle\'íincia com relação a um dos meios de comunicação. eles vão distinguirsc da linguagem natural não especializada. surgindo então a linguagem especiali/.ada da ciência. do Direito. da economia. da arte etc 1º1• Entretanto. na obra de Luhmann vamos encontrar também o contJ5 Carnap , 1t)54 :2. 9fi. Ca map. l 95-L1 . 97 . Camap. 195..t 1. 98 . cr l .uhma1111 , 11>7Sa . l 987a · J 35ss. e 222ss t)t) _ l.uhmann . l 987a : 1.15 . 100 l .11hmann. l lJ7:\a :174 . 1987a:222 . 1o1 cr 1.uhamnn, 197..t :Ci2 , 11>7Sa : l 75s. Sohrc códigos hinúrios cm geral. v. l .uhmann . 11l8(1a: 7Sss.

ceito de agir simbólico-expressivo em contraposição à noção de agir instrumcntal 1º 2 . Este último implica uma relação de meio-fim, de tal maneira que as necessidades nele envolvidas extraem seu sentido da realização dos fins num momento posterior, sendo, cm face disso, variáveis; o agir simbólico-expressivo satisfaz imediatamente as necessidades a que se dirige, "de tal forma que uma alteração do agir pressupõe uma alteração da ncccssidade" 103 • Luhmann enfatiza que o modelo instrumental, ou seja, o agir orientado pela relação meio-fim, é apenas um dos aspectos da funcionalidade dos sistemas sociais, que, portanto, para reduzirem a complexidade do seu meio ambiente. precisam articular variáveis simbólico-expressivas. No processo de redução da complexidade, os · modelos finalístico-instrumentais somente "são empregados quando os problemas já ganharam estruturas mais específicas, quando , pois, a complexidade já está amplamente absorvida"' º~ . A própria legitimação não é alcançada com base na escolha de meios adequados para a reali zação de um fim no futuro, mas sim através do agir simbólico-expressivo, mediante o qual o procedimento ganha sentido para participantes e não-participantes, motivando-os no presente a se integrarem no processo de redução da complexidadc 105 . Mas, inegavelmente, não poderá haver legitimação, caso as variáveis instrumentais percam em sentido, sendo a relação meio-fim constantemente bloqueada e hipertrofiando-se as variáveis simbólico-expressivas. Esse é um dos aspectos que vai possibilitar o uso de simbólico de maneira distinta do uso de Luhmann. Além disso, há na concepção luhmanniana uma confusão entre o expressivo e o simbólico. aspectos da ação que devem ser analiticamente diferenciados.

2. Delimitação Semântica... _ O panorama acima apresentado sobre a ambigüidade de 'símbolo',

102 . Cf. Luhmann , l 983a:223-32, l 987b:315ss. 103 . Lulunann. 1983a:224s. 104. Luhmann, l 973a: 156; cf. também idem , l 983a :223 , 1971:294. Portanto, não nos parece lündamentada a interpretação crítica da teoria luhmanniana por 1lahcnnas ( l 982a: 261), no sentido de que "a racionalidade sistêmica é a racionalidade-com-respe ito-a-fin s tran sportada para sistemas auto-regulados". 105. Luhmann, l 983a:224.

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'simbólico' e 'simbolismo ' exige que, no uso da cxprcssao ·1cgislação simbólica'. determine-se precisamente cm que sentido se cst:\ e mpregando o termo adjetivador. . . . Em primeiro lugar, deve-se observar que a confusão do s1111boltco com o scmiótico, que encontramos nas concepções de Cassircr, LéviStrauss e Lacan 106 , é incompatível com o uso da expressão ' legislação simbólica ' , na medida em que toda produção humana de sentido portanto, também a legislação - seria simbólica. Estaríamos, então, no caso de uma tautologia. Também não nos parece que se possa vincular o se ntido de simbólico cm Jung. expressão de significado desconhecido e incompreensível , com o problema da legislação simbólica . Tal vez se ~ossa vislumbrar uma ana logia com a concepção de simboltsmo freudia na, na medida em que nela se di stingue entre significado latent e e significado manifesto. Poder-se-ia , então. afirmar que na lcgisla ç<1o simbólica o significado latente prevalece sobre o se u signifi cado manifesto1 07. Entretanto, como já adiantamos acima, a questão da leg islação simbólica está usualmente relacionada com a di stinção entre va riá ve is instrumentais, expressivas e simbólicas. As funções instrn111c11 1ais implicariam uma relação de meio-fim . a tentativa consciente de alca nça r n::sultados objetivos mediante a ação. Na atitude expr.:-c;s iva. ll:"l uma confusão entre o agir e a satisfação da respectiva necessidade. Enq uanto a ação instrumental constitui-se em "veículo de conílito" . o agir expressivo é ·'veículo de catarsc" 1º8 . Afastando-se de outros autores que abordaram o problema da política simbólica, Gusfield di stin guiu o simbólico 10 não apenas do instrumental, mas também do cxpressivo "- Em contraposição à atitude expressiva e semelhantemente à ação instrumental, a postura simbólica não é caracterizada pela imed iatidade da sa t1 sfaç~o das respectivas necessidades e se relaciona co m o problema d~ solu~ao de conflito de interesses 11º. Contudo. diferent emente d;i s vanave 1s ms106. cr. Eco , 1984 :206-10 (tr br., 1991:201 -5) 1-:ssa co11lús
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tru111 e11 ta1 s. a atitud e simbólica n;lo é orientada co nforme uma relação linear de meio-fim e. por outro lado. não se ca ractcri1.a por uma concxélo direta e manifesta entre significante e significado. distinguindo-se por seu se ntido mediato e latcntc 11 1. Como bem observou Gusficld. ··a di sti11çflo entre ação instrumental e simbólica é. cm muitos aspectos. simi lar ú di fcrc nça cnt rc di sc urso dcnotati\'O e conotati\'O ., 11 2. Na dcnotaç;lo h;'1 11111a co11cx;lo rclati,·ament e clara entre e:xpress;lo e co nteúdo: na aç;lo instrum ental . similarment e. um direcio namento da eond11ta para fin s fi :xos. Na co notaç:lo a lingua ge m é mai s ambí gua : o agir simbóli co 0 co notati,·o na medida e111 que ele adquire um se ntido mediato e imprec iso qu e se acrescenta ao seu signifi cado imediato e manifes to 11 ~. e pre\'al cce e111 rclaç:io ao mesmo . E\' ide11tcmcntc. a di stinção entre função instrumental. expressiva e simbólica só é poss h·el analiticamente: na prática dos sistemas sociais cslélo se mpre prese ntes essas três \'ariáYcis. Porém. quando se afirma que um plexo de açã o tem função simbólica . instrumental ou cxprcssi,·a. quer-se referir ú predominância de uma dessas Yariá\'cis. nunca de sua c:xc lus i' idade Ass im é que lcgislaç<"io simbólica aponta para o predomíni o. 011 mes mo hipertrofia. no que se refere ao sistema jurídico. da funç;lo simbóli ca da ali\ idade lcgi fcrantc e do seu produto. a lei . sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental.

3. Política Simh61ica ver.'i11s LCJ!Íslação Simh61ica Dentro desta perspecti,a . a noç;lo de legislação simbólica deYc ser difere nciada preliminarmente do conceito mais abrangente e também mai s imprec iso de política simbóli ca. Edelman distinguiu política instrument a l e simbólica ("ex pressi\'a .. ) com base na diíerença entre sím111.
bolos referenciais e símbolos-condensação: os primeiros seriam interpretados da " n1csma maneira por diferentes pessoas". ajudando "no pensamento lógico sobre a situação e na manipulação dela" : os símbolos-condensação e\'ocariam "as emoções associadas com a situação'" 114 . A política instrumental. orientada por símbolos referenciais. seria pri\'ilégio de grupos minoritários organizados para obtenção de bcncficios concretos e satisfação de interesses específicos. A política simbólica. orientada por símbolos-condensação. seria um cenário. ··uma série de quadros" ::iprcscntados abstratamente à maioria dos homens. os espectadores: consistiria numa " parada de símbolos abstratos .. 11 ~ . Assim sendo. para a massa da populaç;lo a política constituiria antes de tudo uma esfera de ações e vivências simbólicas. Conforme Edclman. os atos políticos simboli1.am para a massa dos espectadores tanto tranqüilização quanto .ameaça" º. mas a política simbólica serve antes à harmonia social 117 • reduzindo as tensõcs 118 e. portanto. desempenhando primariamente uma função de tranqüilização (-> quietude) do público 11 '' . Desde que. seguindo Edclman. toda ati\'idade política é predominantemente simbólica. não tem sentido. nessa perspecti\'a. falar-se de legislação simbólica como um problema específico da relação .entre sistemas político e jurídico: toda legislação já seria simbólica. E por isso que não cabe uma \"Ínculação estreita da abordagem abrangente de Edelman ao debate específico sobre legislação simbólica' 2º. embora. como \'Cremos. algumas de suas posições sejam aplicáveis a essa discussão. Além do mais. a posição de Edelman é passh·cl de crítica no que se refere à separação dualista entre ª!-!entes (da ação instrumental) como minoria e e.\pectadores (do agir simbólico) como maioria. eis que a política instrumental pode trazer beneficios para amplos setores da população mobilizados cm torno dela, como também a política simbólica pode levar a uma mobilização (ativa) do público. Por último deve-se observar que a política simbólica não conduz apenas à "tranqüilização 11 4 . FJelman, 1%76. 115. Edclma11. 1%7:5. 11 6. Cf. FJelman , 19677. 13s. e 18X . 117. Edclman , 1% 7:8. 118. Fdelman, 196718. J J<) . Cf. Fdclman , 1%7 :22 -4.l . l ú1-C15. 170s., IXX-'1.:I e passim: idem , 1977: 141-55 . 120 . Nesse sentido . Kimlenna1111 , 1<JX8:221J .

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psicológica" dos gmpos a que se dirige, mas põe igualmente certos interesses cm perigo 121.

4. Direito Simbólico versus Legislação Simbólica No â mbito da noção abrangente de política simbólica, desenvolveuse especifica me nte a concepção de "di reito como si mbolismo" . A rnold fo i inegavelme nte o pioneiro no enfrenta mento dessa questão, tendo atribuído a todo o Direito uma função prima riamente simbólica 122 . O "dire ito" va i ser concebido como uma maneira de refe rir-se às institui- · ções governamenta is " em termos ideais", em vez de concebê-las realístico-objetivamcnt cm Nesse sentido, ressalta-se que "é parte da função do ' direito ' reconhecer ideais que representa m o oposto exato da conduta esbabelccida", desenvolve ndo-se, assim, um complicado " mundo onírico" 12-1 . Essa função simbólica do direito seri a predomina nte, sobrepondo-se à sua função instmmcntal : "o observador deve sempre ter presente que a função do direito não reside tanto em guiar a sociedade como em confortá-la" 125 . Embora possa levar tanto à obediência quanto à revolta ou à revolução, a crença no " reino do direito" teria comumente a função de " produzir a aceitação do status quo" 116 . Inclusive a ciência do direito estaria incluída nesse mundo onírico, servindo para cncobrirlhe as contradições e a irracionalidade, apresentando-lhe retoricamente como um mundo governado pela razão, sem contradiçõcs 127 . Inegavelmente, a contribuição de Arnold é relevante e, cm parte, ainda insuperável para uma crítica da ideologia jurídica 128 . Entretanto, da mesma maneira que nos referimos à concepção abrangente de política simbólica, a noção de direito como simbolismo é incompatível com o conceito de legislação simbólica : partindo-se de que toda ativ idade jurídica. tanto prática quanto teórica , seja primariamente s imbóli ca , perde 121 . Ciusficld, 198(, : 182 , cm crítica a Edclman. 122 . Arnold , l 935:esp. 33ss. 011 1971 . 123. Arnold, 1935 :33 ou 1971 :47. 124 . Arnold, 1935 :34 ou 1971 :48. 125 . Arnold, 1935 34 ou 1971 :48. 126. Arnold, 1935:34s. ou 1971 :48. 127. Arnold, l 935 :56ss. ou 1971:51 s. 128. Lenk, 1976:143 (nota 12).

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sentido 0 tratamento da legislação simbó li ca como um problrn1a especí fico do si stema jurídico. Est;uíamos diant e de uma tautolog ia . Mas._como ve remos, nem se mpre o direito e a lcgislaç;1o C.\C rce m h 1pc rl ro ll ca mcntc uma fun ç:1o simbólica. sob ressa indo-se cm muit os casos a sua d imensão instrume nta l. Ass im como superestimar a íunçfio in strum enta l do di rei to é fator e produ to de uma ilusão sobre a capacidade de dirigi!12 se normativo-juridicamente os comportamcnto~ ~. a ~upcr\'alon1.açao do caráter simbólico do direito é simplicadora , 1mposs1b1lttando que se faça m disti nções ou análises d iferenciadas cm relação ao material jurídico . 130

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5. Legislação Simbólica versus Rituais e Mitos Políticos Na concepção ab range nte de política e di rei to simbólicos. h:l não 11 apenas uma confu são entre simbólico e ex pressivo ' . :.í cri1 icad~1 ac ima com a pora cm Gu s licld, mas ta mbém uma tcndê nci.1 -i coní11sao e nlrl' variáveis simbólicas e eleme ntos ritua lísti cos e miu cos das ali\ idades políticas e jurídicas. . , . . Para Edelman rituais e mitos são forma s s1mbol1c:1 s q ue permeia m as instituições políticas 132. Haveria, assim , uma rel ação de gênero e espécies: O ritual é concebido como ''atividade motora .~ue c m ·ol ve seus participantes simbolicamente numa empresa comum , sugcnndo-lhes 133 que se encontram vinculados por interesses c?muns . Dclinc~se, portanto, como uma atividade coletiva que tranqü1l11.a os seus part1c1pantes da inexistência de di ssenso entre clcs 134 . O s mitos podem se r co ncebidos 129. Cí. Lenk, 1976:147. 130. Nesse sentido, v. a critica de Dworkin ( 199 1: l 5s) ao que ele tknomina juristas "nominalistas". 13 1. C f. , p. ex ., Luhmann , ! 983a:224ss.; h lclman , l lJ(,7 l 9ss 132 . Edelman, 1% 7:16. 13 3. l·: dclman, 19(>7: 16. Na perspectiva da tern ia do ag11 co11111111c 1l1 vo, sustenta llabcnnas ( l 982b 11:88): " ... as ações rituais perderam sua s ru nçõcs adaptativas; elas servem à produção e manutenção de uma identidade i.;olctiva, devido à qual a condução da interação por um programa ge11ct1co, anuirado no · · d.1v1'dual , pode ser ªJ·ustada a um programa cu ltural mtersuhjdlorgan1smo tn vamente compartilhado". 134 . Edelman, 1967: 17.

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co1110 crc11ç:1s "soc ial11tcnt e co1t11111icadas" e ·· inqucsti onadas" 1". Rituai s co rn o ali\ idades 11totoras e mitos como crença s inqucstionúYei s reforça m-se reciprocamente. tendo significados l<Jtentes. níveis de conotaçiio. que niio se apresentam aos agentes e crentes. ··presos" a seus significados manifestos. a suas referências denotati\'as. Porém. a esfera do simbólico niio se redu/.iria aos rituais e mitos. se ndo bem mais abrnngen te. Mai s recentemente VoigL ao abordar o problema da política simbólica. di stin guiu mitos. rituais e símbolos. advertindo. porém. que eles freqiientcmenlc se cncontrnm simultancamente 11n . "Mitos determinam nossa co mprecnsiio do mundo. frcqiient emente sem que nós tenhamos a consciência di sso" " 7 . Eles impregnam o pensamento de tal maneira . que um co mportamento desviante se apresenta como praticamente impossíYel 11x. Por meio dos rituai s, a vincu lação mítica ao passado ''é corroborada através de contínua e invariúvel repetição'TN O principal resultado seria . enliío. ·'a abolição do tempo"' : através dos rituais o passado seria rcYivifi cado 1rn Por último. Voigl define os símbolos como '·sinais codilicados cujo se ntido é entendido apenas por quem pode decifrar o código"11 1. Os sí mbolos contidos nos rituais sen'iriam à adaptaçfío dos novos dados reai s aos modelos de interpretaç:io de sentido existentes 1·12 . Os símbolos podem ser interpretados. nessa perspecti\'a. como instrumentos eventuais elas atividades ritualísticas e das crenças míticas. A di stinção entre mitos. rituais e formas simbólicas interessa-nos espec ifica mente para caracteri/.ar difercnciadamenle a legi slação simbólica Parece-nos que. quando se fala da função hipcrtroficamente simbólica de ativid<1des lcgifcrant.es. de leis e de discursos cm torno delas. ou seja. quando se trata de "legislação simbólica". n;1o se est:í. cm princípi o. referindo a forma s rilualí sticas e míticas. Só eventualmente cre nças inquestion;í,·eis (mitos) e atividades motoras contínua e invaria ve l11tenle repetidas (rituais) estilo relacionadas com a legislação simbólica. Entretanto. também a legislação instrumental (a força norm<1ti135. hlclman , 1%7:18. 136. Yoig.t, 1989 9. 137. Voigt, 1')8') 1O. 138. Voigt. 1989:1O. 139. Voigt. 1989: 12. 140 . Voigt, 1989: 12 . 14 1. Voigt , 1989:14. 142 . Voigt, 1989 14.

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va das. leis) est;'t muito freqiienlemente fundam entada em rituais (que são pnmanamente ações expressivas) e mitos. Portanto, o que va i distinguir a legislação simbólica não é o ritualístico ou o mítico. mas sim a prevalência do seu signific<1do político-ideológico latente cm detrimento do seu sentido normativo aparente.

6. Por uma Conceituação

A concepção instmmental do Direito Positi\'O. no sentido de que as leis constituem meios insupcrúvcis para se alcanç<1r dctermin<1dos fins "desejados'' pelo legi slador. especialmente a mudança social. implica um modelo funcional simplista e ilusório. como têm demonstrado os seus críticos. Em primeiro lugar. observa-se que há um grande número de leis que servem apenas para codificar juridicamente "normas sociais" rcconhecidas 1·11 . Por outro lado. a complexidade do meio ambiente social dos sistemas jurídico e político é muito acentuada. para que a atu<1ção do Estado através de legislação possa ser apresentada como instrumento seguro de controle social · ~ . fa se tem apontado mais recentemente para a situação paradoxal do aumento dos encargos do Estado cm conexão com a redução da capacidade do Direito de dirigir a conduta social 1·1' . Mas a questão dos limites de uma concepção instrumental da legislação interessa-nos. élqui . cm outra pcrspcctÍ\-;1: o fracasso da função instrumental da lei é apenas um problema de ineficácia das normas jurídicas? A resposta negativa a essa questão põe-nos diante do debate em torno da função simbólica de determinadas leis. Como bem formulou sinteticamente Gusficld. "many laws are honorcd as much in the brcach as in performancc" 11". Em sentido mais abrangente. pode-se dizer que quantidade considcrúYel de leis desempenha funções sociais latentes em 1 1

143 . Lenk , 1976:14Ci . 144. Nesse sentido, enfatiza Luhmann: "/\ sociedade mesma não pode ser conceituada tão-só a partir de sua constituição jurídica... O Direito - assim como a política - " é apenas um momento estrntural entre outros" ( l 987b:299). Cf. tamhém Teubner, 1982, 1989:81 ss.; idem e Willkc, 1984; Ladcur, 1983: 466ss., 1984 : l 70ss., 1990. 145. Grimm (org.), 1990. 146. Gusficld, 1967:177 Isto é. muitas leis, pelo seu conteúdo, são dignificadas tanto cm caso de violação generalizada quanto na hipótese de cumprimento sislcmútico.

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co ntradição com sua eficácia normativo-j urídi ca. ou seja, cm oposição ao seu sentido jurídico manifesto. Não se trata. portan to. de uma simples negação da legislação instrumental. Nesse se ntido, observa Kindem1ann que a "legislação simbólica não pode ser vista meramente como contraponto para a legislação instrumental de proveniência contemporânea, mas sim deve ser conceituada como alternativa para a direção normativo-geral da conduta" 147 . Considerando-se que a atividade legiferante constitui um momento de confluência concentrada entre sistemas político e jurídico, pode-se definir a legislação simbólica como produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativojurídica, mas que serve, primária e hipcrtroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normati vo-jurídi co. Não me parece que te nha sentido sustentar que simbólicos são os atos legiferantcs, não as leis 1·18 . É verdade que de determinada atividade legislativa com fun ção primariamente simbólica pode resultar lei que, posteriormente, venha a ter uma intensa " força normati va"; como também, ao contrário, leis resultantes de atos de legislação instrumen tal podem com o passar do tempo adquirir caráter predomina ntemente simbólico1 49. Porém, o conceito de legislação simbólica deve referir-se abrangentementc ao significado específico do ato de produção e do texto produzido, revelando que o sentido político de ambos prevalece hipertroficamente sobre o aparente sentido normativo-jurídico. A referência deôntico-jurídica de ação e texto à realidade torna-se secundária, passando a ser relevante a referência político-valorativa ou político-ideológica. Embora retornemos a esse problema mais à frente, cabe adiantar que não concebemos a legislação simbólica cm te rmos do modelo simplificador que a explica ou a define a partir das intenções do legislador 150 . É evidente que, quando o legislador se restringe a formular uma pretensão de produzi r normas, sem tomar qualquer provi dência no sentido de criar os pressupostos para a eficácia. apesar de estar em condições de criá-los, há indício de legislação s imbóli ca' ~ ' . Porém, o 147. Kindermann, 1989:258: 148. Ein sentido contrário, cf. Noll , 1981 :356. 149. Nesse sentido, cf. Kindermann, 1988:225 . 150. Cf. , diversamente, Noll , 198 1:356. Ver também Kindennmm, 1989:

problema da legislação simbóli ca é condicionado cstrutural1 11c1il c. ~c 11do antes de se falar cm interesses sociais que a possibilitam 1 ~ 1 do que de vo ntade ou mt cnção do legislador. Por ou l ro lado, n:1o cabe. no sen lido oposto, distinguir a legislação simbólica da legislação instrumental com base na diferença entre, respectivamente, efeitos tencionados e nãotencionados '53, pois nada impede que haja legislação intenciona lmente orientada pa ra funcionar simbolica mente. Parece-nos sim adequada a contraposição dos efeitos latentes da legislação simbólica aos efeitos manifestos da legislação instrumental (v. item 8 deste cap.)

7. Tit>OS de Legislação Simbólica 7. 1. Da Tipologia . Tendo cm vi sta que os casos enquadrados no ca111po co11cc 1t 11a l da leg1slação simbólica s;1o muito heterogêneos. tem-se procurado clas si ficá-los. Em algumas tcn tMi vas de tipifi cação. porén1. s:1o i11 cl11íd os atos normativos que não constituem leg islação si mbólica no se ntido estrito e diferenciado que estamos utilizando. Assim é que Noll inclui as declarações, tal como se apresentam principalment e na s Constitui ções e nos seus preâmbulos, na vasta categoria da legisl;ição simbólica 1 ~· 1 . Entretanto, apesar da função simbólica das declarações contidas nos textos constitucionais e seus preâmbulos, elas podem se rvir também à interpretação e, portanto, à concretização norm ati va do tex to constitucional. Assim sendo, não devem, cm princípio, ser enquadrados na ca tegori a da legislação simbólica , caracterizada por uma hipertrofia da s11a fun ção simbólica cm detrimento da co nc rcli/.ação normativa do rcspcc ti \'O texto legal. Isso só se justificará qua ndo as decla rações estejam cm desconformidade com o próprio sistema co nstituciona l cm vigo r ou cm descompasso com a realidade constitucional. Da mesma maneira deve-se a rgumentar com relação a normas que se referem a símbolos do poder "soberano" estatal. como brasões das forças armadas. ba ndeiras. hinos, as quais, além de uma fun ção informativa . poss ue m fo rça nonn ati,·a para os seus destinatários, até mesmo conscqiiê nc1as pe nai s, não implicando, cm princípio. legislação simbólica '\ 5 . 152 . C f. Schild, 1986: 199. 153 . c r Koni g, 1982 :308. 154 . Noll , 198 1:356s. 155 . Kindcnnan n, 1989 265 ; Noll , 198 1 359s.

266 . 15 1. Kindennann, 1988 :227. Analogamente, mas numa posição ainda voluntarista, cf. 11lankcnburg, 1977:43 .

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l 11apropriad0 l'" "·"·v 11 u:. 1<1111 uu11 c1a ss111 ca r co1110 s1lllbôll ca n legislação que \·cm para regular matéria j ú suficic11tc111cntc tratada cm outro( s) di pl oma(s) normati,·o(s). como no caso da cominação de pena a fato jú punh·cl 1' É c\'idcntc que uma nova regulação legislativa de conteúdo idênti co ou semelhante a leis mais antigas. mesmo que se reconheça a sua função simbólica. pode servir para fortificar determinada posição do Estado-Legislador. contribuindo para uma maior efetivação do rcspccti\'O conteúdo normati\'O . Em princípio. portanto. pode ter uma função rcle\·a ntcmcntc instrumental. Quando. porém. a nova legislação constitui apenas mai s uma tcntati\'a de apresentar o Estado como identifi cado co111 os \·;tlores ou fins por ela formal mente protegidos. sem qualq11er no\·o rcsulLado quanto ú co11ereti/.ação norlllati,·a. e\'idcntcment c estaremos diante de um caso de legi slaçfio simbólica . Mas não simplesmente por se tratar de legislação destinada a regular situações já sufi cientemente prc\'istas cm leis mai s antigas. e indcpendementc disso. K inclcrm;1nn propôs um modelo tricotômico para a tipologia da lc)'.islaç:lo simbólica. cuja sistcmaticiclade o torna teoricamente frutífero : ·-co11t et'1do de lcgislaç:lo simbóli ca pode se r: a) confirmar \'alorcs soc iai s. b) demonstrar a capacidade de aç:lo do Estado e c) adiar a so luç:lo de conflitos sociais atr;1\·és de compromissos dilatórios" 1 ~ • 1 '.

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7. ] . ( '011/ir111aç:iio de 1"a/ores Sociais

O que se exige do legislador muito freqüentemente é. primariamente. uma posiçi'io a respeito de conflitos sociais em torno de ,·alares. Nesses casos. os grupos que se encontram cnvol\'idos nos debates ou lutas pela prc,·al ência de determinados \'alares vêem a .. vitória legi slativa .. como uma forma de reconheci mento da .. superioridade" ou prcdomim'incia social de sua conccpç: 197. 157. Kimkn nann , 1lJ88:2.10. 1989:267 (variando aqui a fonnulação).

Um clf1ssico exemplo no estudo da legislação simbólica é o caso da ··1ci seca" nos Estados Unidos da América . abordado pormenorizadamente por Gusficld 1' 8 . A tese central de Gusficld afirma que os defensores da proibição de consumo de bebidas alcoólicas não estavam interessados na sua eficácia instrumental , mas sobretudo em adquirir maior respeito social. constituindo-se a respectiva legislação como símbolo de status. Nos conflitos entre protestantes/nativos defensores da lei proibitiva e católicos/imigrantes contrários à proibição. a "vitória legislativa" teria funcionado simbolicamente a um só tempo como "ato de deferência para os vitoriosos e de degradação para os perdedores", sendo irrelevantes os seus efeitos instrumentais 1'º. Embora contestada quanto à sua base empírica 16º. é de se reconhecer que a contribuição de Gusficld possibilitou uma nova e produtiva leitura da atividade legislativa 'ri'. Outro caso. mais recente. é o da discussão sobre o aborto na Alemanha . Blankenburg enfatiza que os participantes da discussão cm torno da legalizaç:lo do aborto estão informados de que a violação do~ 218 do Código Penal Alem:lo (StGB) "são muito freqiientes e que punições ocorrem apenas cm casos excepcionais" 1" 1 . Conclui. então. com base mesmo cm decisões do Tribunal Constitucional Federal. que no conflito sobre a legalização do aborto trata-se da afirmação simbólica de pretens<>es normativas, não da imposição efetiva dcssas 163 . Um outro exemplo. muito significativo para a experiência social européia mais recente. é o da legislação sobre estrangeiros. O debate a respeito de uma legislação mais rigorosa ou mais flexível em relação aos estrangeiros seria predominatcmentc simbólico: nesse caso. a legislação teria uma força simbólica muito importante. na medida em que influenciaria como os imigrantes serão vistos pelos nacionais - como estranhos e invasores, ou como vizinhos. colegas de trabalho, de estudo, de associação e. portanto. parte da socicdadc 164 . Primariamente, a legisla158 . GusficlJ , 1986 : csp. 166ss. (Cap. 7 ), 1967: 176ss. 159. Gusfield, 1986 :23 . 160. Friedman, 1972 :210. Noll, 1981 :350. Cí. Kindenna!Ul, 1988: 224s., 1989:266 . 16 1. Kindemrn1m. 1989:266 . 162 . J31ankenhurg. 1977:42 . 16 3 · Blankcnhurg. 1977:42 . Cí. também KinJcnnann, 1988:231 s.: Hegcnharth, 198 1: 202~ Noll , 198 1:353. J (14 . Kimknnmm . 1989:267 , com hasc cm com:lusõcs de Grocncndijk , 1987:

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ção funcionaria então como .. etiqueta" em relação à figura do estrangeiroI 65.

rr.

Analisando os problemas do Direito e da Admini stração na África da pós-independência, Bryde sustentou que a ênfase legislativa em princípios como "negritude" e "autenticidade" teria desempenhado uma função simbólica para a delimitação do "caráter" nacional perante o poder colonial. A mesma função exerceria, por outro lado, a codificação modemizadora, como no caso da Etiópia em 1960, onde elà teria serv ido como fórmula de confirmação da modemidade 1M Kindermann interpretou esses casos de legislação simbólica como "confirmação de valores sociais" 167. Embora quanto à primeira hipótese, ênfase na " negritud e" e na "autenticidade" , pareça adequado o enquadramento do caso nessa classe de legislação simbólica, tendo em vista que há pretensamente a corroboração de valores sociais, a codificação modernizadora parece adequar-se mel hor na categoria da legislação-á libi, de que trataremos no próximo subitem. A legislação simbólica destinada primariamente à afirmação de valores sociais tem sido tratada basicamente como meio de diferenciar grupos e os respectivos valores e interesses. Constituiria um caso de política simbólica por " gestos de diferenciação", os quais " apontam para a glorificação ou degradação de um grupo em oposição a outros dentro da sociedade" 168 . Mas a legislação afirmativa de va lores sociais pode também implicar " gestos de coesão" 169 , na medida cm que haja uma aparente identificação da sociedade nacional com os valores legislati va mente corroborados, como no caso de princípios de ··autenticidade" 17º. Al é m do mais, a distinção entre " gestos de coesão" e " gestos de diferenciação" é relativa. Mesmo quando se fala de "gestos de coesão" com referência à sociedade nacional como um todo, deve-se observar que eles podem funcionar como fortes " gestos de diferenciação" relativamente ao " ini25 , a respeito do direito elei toral dos estrangeiros, a nível municipal, na 1!olanda. 165 . Kindermann , 1989:267. 166. I3ryde, 1987:37. 167. Kindennairn , 1989:267. 168. Gusfi eld, 1986: 172 . 169. Cf. Gusfidd , 1986: 171. 170. Aqui pode caracterizar-se um dos casos dos "mirandas", confonne os define Lasswell ( J 982 l 3s. ): "Os ' mirandas' são os símbolos de sentimento e identificação no mito político, cuja função consiste em despertar admiração e entusiasmo, criando e forta lecendo crenças e lealdades"( 14 ).

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migo externo", ao " pode r colonial" etc. E, por outro lado, a tos legislativos considerados como "gestos de diferenc iação" - é o caso da " Lei Seca" nos EUA , conforme a inte rpretação de Gusfícld - podem servir relevantemen te para a coesão dos respectivos gmpos, tanto dos " glorificados" quanto dos "degradados".

7.3. Legislação-Á libi O Objetivo da legislação simbólica pode ser também fortifi ca r "a confiança do cidadão no respectivo governo ou, de um modo gem i, no Estado" 171. Nesse caso, não se trata de confirmar va lores de determinados grupos, mas sim de produzir confia nça no sistema jurídico-político1 72. O legislador, muitas vezes sob pressão d iretJ . elabora d iplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidaaàos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas. A essa atitude referiu-se Kindermann com a expressão " legislação-á libi" 173. Através dela o legislador procura descarrega r-se de pressões políticas e/ou apresentar o Estado como sensível às exigênci as e expectativas dos cidadãos. Nos períodos eleitorais, p. ex ., os políticos dão con ta do seu desempenho, muito comumente, com referências à iniciativa e à participação no processo de elaboração de leis que correspondem às expectativas do eleitorado. É secundário aqui se a lei surtiu os efeit os soc ialmen te " desejados", principalme nte porque o período da legi slatura é muit o curto para que se comprove o sucesso das leis e ntão aprovaclas 171. Im portan te é que os membros do parla mento e do governo a p1\,sentcm-se como atuantes e, portanto, que o Estado-Legislador ma ntenha-se me recedor da confiança do cidadão. M as não só dessa forma genérica evidencia -s~ a lcgi s laçfio-á libi . Face à insatisfação popular perante determinados acn11 tecimentos 011 à 171 . Kindcrn1ann , 1988:234 ; com fonnu lação anúloga, llcgcnbarlh , l '.18 1: 201. 172 . Kindcnnann, 1988:234 . 173 . Kindermann , 1988:234-38, l 989:267ss. Ana logamente , Noll ( 198 1: 360-62) fala de "reações substitutivas" como espécie de legislação simbólica. 174. Kindemrnnn , 1988:234 , 1989269.

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e me rgê ncia de problcnrns soc iai s. c:-;igc-sc do Estado muito freqüentemente uma reação solucionadora imediata . Embora, nesses casos. cm regra , a regulamentação normati\'a muito improvavclmcntc possa contribuir para a solução dos respectivos problemas, .a atitude legifcrantc serve como um álibi do legislador perante a população que exigia uma rea ção do Estado. K i nd c rmann refere-se ao caso de pchcs acometidos por ncmatódcos e que. co nforme uma reportagem da TV alemã ( 1987). estariam sendo comcrc iali1.ados. provocando doenças intestinais nos consumidores. Os problemas econômico-sociais resultantes da redução do consumo provocada pela reportagem levou o Governo Federal da Alemanha a expedir um Decreto muito detalhado, de acordo com o qual estaria garantindo que nenhum peixe acometido chegaria ao comércio. Com isso, obtinham -se efeitos positivos para a regulari zação do comércio de pescados, embora, sob o ponto de vista instrumental. o problema da comercialização de peixes contaminados permanecesse fora do controlc 175. No Direito Penal. as reformas legislativas surgem muitas vezes corno reações simbólicas à pressão pública por uma atitude estatal mais drú sti ca co ntra determinados crimcs 176 . A onda anti-semítica que se propagou na Alemanha cm 1959-W, onde houve freqüentes violações de cemitérios judeus e sinagogas. levou. por exemplo, a uma reforma juridicamente desnecessá ria do Parágrafo 110 do Código Penal Alemão (StGB). a qual. porém. demonstrava simbolicamente a prontidão do Estado de responder à '' indignação'' pública pelas desordens anti-scmíticas177. Também cm relação à escalada da criminalidade no Brasil das duas últimas décadas. a discussão cm torno de uma legislação penal mais ri gorosa apresenta-se como um álibi, eis que o problema não decorre da falta de legislação tipificadora. mas sim, fundamentalmente, da inexi stênc ia dos pressupostos sócio-econômicos e políticos para a efetivação da legislação penal cm vigor 178. Além dos casos cm que se apresenta como "' reação substitutiva" a pressões sociai s ou como referência na prestação de contas ao eleitora175 . Ki11ôen11a1111 , l 989:2Cl8. l 7
de morte. que, por último , impli ca o problema da constitucionalidade da respecti va rcl im na da consti tuição (cf. art 5~. inci so XI.VII , ai. a , ele art. 60 , § 4!!, inci so IV. da Co11slit11ição Federal).

do. a lcg isla ç:lo-ú libi se rve como mecanismo de e.xposição simbólica das instituições. Um exemplo i11tcrcssa111c é o da leg is lação sobre os meios de comunicação nos EUA1 ~ . As normas sobre controle da radiodifusão e da tcleú são teriam permanecido .. sem efeitos rcgulativos reais .. . mas teriam ser.-ido para dar " a aparência das precauções estatais por um mínimo de responsabilidade da mídia". como também para ''dissipar dú,·idas sobre a racionalidade do sistema de mídia americano''. evitando possívei s reações de descontentamento dos cidad:los 18º Em casos como esse. a legi slação-álibi não estaria vinculada a relações mais concretas . entre políticos e eleitores ou entre gO\·erno/parl:imento e pressões específicas do público. mas sim. de forma mais genérica . :l exposição abstrata do Estado como instituição merecedora da confiança pública . A legislação-álibi decorre da tentativa de dar a aparência de uma solução dos respectivos problemas sociais ou. no mínimo. da pretens.1o de convencer o público das boas intenções do lcgislador 181 . Como se tem observ:ido. ela não apenas deixa os problemas sem solução. mas além disso obstrui o caminho para que eles sejam rcsoh·idos 18' . A essa formulação do problema subja1 uma crença instrumentalista nos efeitos das leis. conforme a qual se atribui á legislaçiio a função de solucionar os problemas da socicdade 1 x~ . Entretanto. é evidente que as leis nfio são instrnmcntos capazes de modificar a realidade de forma direta. eis que as , ·aricíYci s normativo-jurídicas se defrontam com outras -. , ·ariáveis orientadas por outros códigos e critérios sistêmicos (\· in/i·a Cap. Ili. 1.) A resoluç;1o dos problemas da sociedade dependeria enl{io da interferência de vari;h ·eis não normatirn-jurídicas. Parece. port:inlo, mais adequado afirmar que a legislação-álibi destina-se a criar a imagem de um Estado que responde normatiYamente aos problemas reais da sociedade. sem. contudo. normalizar as respcctirns relações soc1a1s . Nesse sentido. pode-se afirmar que a lcgislaç;lo-álibi constitui uma forma de manipulação 011 de ilusão que imuniza o sistema político con1

17<>. /\ re speito,

V.

l lolfoia1111-Ricm . 1981 . 1985 .

cr

lamhém Kindennann,

1988:215-17. 180. l lollina1111-Riem , 1<J8 I :81 s . ~ Ki11denna1111. 19XX 2.16. 181 . Ki11denna1111, 1988 :214 . 182 . Noll , 1<JX 1: 1 (14 ~ Kimlcnna1111, 1988:215 . 1<)8<J270 _ 181 . Assim é que Ki11dcnna1111 fala de "solução ôe prohlcmas sociais·· através de lei s ( 1<)88 2()4 ).

tra outras alternativas 18\ desempenhando uma função ideológica. Mas parece muito limitada e simplista a concepção que considcrn. no caso da legislação-álibi, o legislador como quem ilude e o cidadão como o iludido 185 . Em primeiro lugar. deve-se observar que. face ú "perda de realidade da legislação" cm um mundo que se transforma aceleradamente. confundem-se o real e a encenação, "desaparecem também os contornos entre desejo e realidade", "ilusão e auto-ilusão tornam-se indiferenciáveis" , de tal maneira que " líderes políticos não são apenas produtores, mas também vítimas de interpretações simbólicas" 186.. A legislação-álibi implica uma tomada de papéis sociais tanto pelas chtcs que encenam, quanto por parte do público-espectador, não podendo ser restringida a atividades conscientes das elites para alcançar seus fins ; eis que tentativas de manipulação desse tipo "tornam-se usualmente conhecidas" e tendem ao fracasso 187 • Entretanto, embora seja de relativizar-se os conceitos de manipulação e de ilusão 188 , é evidente que a legislação-álibi pode induzir "um sentimento de bem-estar" (-> "resolução de tensão" ) 189 e, portanto, servir à lealdade das massas 190 . Por fim , é importante salientar que a legislação-álibi nem sempre obtém êxito em sua função simbólica. Quanto mais ela é empregada tanto mais freqüentemente ela fracassa 191. Isso porque o emprego abusivo da legislação-álibi leva à "descrença" no próprio sistema jurídico, "transtorna persistentemente a consciência jurídica" 192 . Tornando-se abertamente reconhecível que a legislação não positiva normas jurídicas, o Direito como sistema de regulação da conduta em interferência intersubjetiva cai cm descrédito; disso resulta que o público se sente enganado, os atores políticos tornam-se cínicos 193 . A esse ponto rc~or­ naremos quando tratarmos especificamente da constitucionalização snnbólica. 184. Cf. Noll , 198 1:362; Kindennann , 1988: 235, llegemharth, 1981 :202s. 18 5. Kindennann , 1989:270 . 186. 1Icgcnbarth , 1981 :204. 187 . Edclman , 1967:20. Cf. também Kindcnnann , 1988:238; Offc, 1976: IXs . 188. Kindem1ann , 1988:238. 189. Edelman. 1987:38 . 190. Cf. Kindermann, 1989:269; Hegenbarth, 1981 :201. 191. Kindermann. 1989:270 192. Kindemrnnn. 1989:270, 1988:235. 193. Kindennann, 1989:270.

40

7. ./. legislação com o Fór11111 la de Co111pro111isso /Ji lntário

A legislação simbólica também pode serv ir para adiar a sol11ç;1o de conflitos sociais através de compromissos dilatórios 1' ' 1• Nesse caso, as divergências entre gmpos políticos não são resolvidas através cio ato legislativo, que. porém, será aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exatamente porque está presente a perspecti va da ineficácia da respectiva lei . O acordo não se funda então no conteúdo do diploma normativo, mas sim na transferência da solução do conflito para um futuro indeterminado. Como "compromisso-fórmula dilatório", expressão utili n 1da por Schmitt cm relação à constituição de Weimar 195 , enquadra-se perfeitamente o caso da Lei Norueguesa sobre empregados domésticos ( l 9-l8), investigado muito habilidosamente por Aubcrt 196 . A função manifesta dessa lei teria sido a regulamentação de relações de trabalho; in strumentalmente o seu fim teria sido a melhora das condições de trabalho dos empregados domésticos e a proteção dos seus intcrcss-.:s 1n A suav idade das normas sancionadoras a serem aplicadas às donas J~ casa nas hipóteses de violação da lei , dispositivos punitivos cujas difi cu ldades de aplicação decorriam da própria lei , constituía um fator importan te para garantir a sua ineficácia. Também a forte dependência pessoa l dos empregados domésticos em relação às donas de casa atuava como condição negativa de efetivação do texto legal. Foi exatamente essa previsível falta de concretização normativa que possibilitou o acordo entre grupos "progressistas" e tendências "conservadoras" cm torno da Lei . Os primeiros fi caram satisfeitos porque a Lei. com os seus dispositivos sa ncionatórios, documentava a sua posição favorável a reformas sociai s. Aqueles que eram contrários à nova ordem lega l conten taram-se com a falta de perspectiva de sua efetivação, com a sua "evidente impraticabilidade"1 98. Dessa maneira , abra ndava-se um con flit o políti co interno através de uma "lei aparentemente progressista". '·que sati sf;11ia ambos partidos" 1'>''. transferindo-se para 11111 fu tu ro indetern 111 .. .do ;1 ~·· .1:.ç;lo ti" 194 . KinJcr111an11 , 1988 :239 . A11aloga111c111l:, rdl: rc-sc l lcgc11h;11 tli ( 1'!X 1: 202) a lei s que se dirigem simu lta11camc11tc a fins antitéticos 195 . Cf. Sdunitt , 1970:31 ss. (tr. csp , l 970:J6ss) . 196 . Aubert , 196 7 . Cf. também Lcnk, 1976 : 148 .; Kindcn na1111 , 11!88 228 , 230 e 239 . 197. Aubert, 1967:285; Kindem1ann, 1988 228 . 198. Aubert, 1 96 7 :30 2~ Lenk , 1976: 14 9. 199. Lcnk, 1976: 149. Cf. J\ubcrt , l 967:296ss

.i 1

co 11íl il o <;ocia 1 subj ace nt e.

8. Efidcia e Efeth·idade das Leis ver.m .'i Efeitos Reais da Legislação Simhólica As considerações aprese ntadas no item anterior implicam a rejeição da co ncepção simpli sta da inexistência ou irrclev;l ncia social da legislação ou dos tex tos lega is carentes de efic;ícia normativa . Nesse sentido é q11 c A11bert. cm seu jú mencionado estudo. fC/ a distinção entre funções soc iai s manifesta s e late nt es da legislaçfio 200 A legi slaç:1o simbólica teri a. então. efeitos sociais latentes: cm muitos casos bem mais relevantes do que os "efeitos manifestos" que lhe faltaram . Entretanto, a utiliznção indi scri minada do termo ·eficácia· e ·efetividade' cm relação à legislação simbólica pode embaraçar a compreensão de quais os seus efeitos específicos. Além do mais. há efeitos latentes que não importam função simbólica da lei . Por isso pretendemos a seguir apresentar um quadro tipológico dos efeitos da legislação.

8 /. !J icácia 1

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'oncretizaçifo No rmativa do Texto /,egal

Disi i ngue-se t radieional mente a efidcia no sc nt ido téc nico-jurídico da efic:ícia em sc nt ido "soc iológieo" 2º1. A pri mci ra rcfcre-sc ú possibi lidadc jurídica de aplie<1ç:1o da norma . ou melhor. à sua aplicabilidade. ex igibilidade 011 excc11toricdadc. A pergunta que se põe é. nesse caso. se a nor ma preencheu as condições intra-sistêmicas para produzir os se us efeitos jurídicos cspccíficos 20 ~ . No sentido "empírico ... '· real" ou "sociológico" :.__ <1colhido. no entanto. n<1 ''Teoria Pura do Direilo.. m - . a efi cácia diz respeito à conformidade das condutas à norma. A pergunta que se coloca é. então. se a norma foi rc.almcntc "observada". "aplicada". "executada .. (imposta) ou "usada" . E essa questão que nos i nt crcssa aqui . ou seja. o problema da eficácia cm se ntido ··empíri200 . /\ uhcrt , 1%7. !\distinção entre fünçõcs latentes e manifestas remonta a Merlon, 1%8 105 e l 14ss. ;\ respeito. cf. lamhém Trcves, 1978:1(i9s. 20 1. cr. Neves, 1988 s1S . 202 . Cf. Rottleuthner, 1l)8 l 1)2 ; Sil"ª· l 982 :5Ss.; Borges, 1975:42-44. 20.1 Cf. Kclscn. 1%0 IOs e 215ss. ( Ir. port ., 1974 :29-1 1e292ss.). 194fr

co .. Inicialmente devemos distinguir entre observância e imposição (ou execução cm sentido estrilo) das leis : a observância significa que se agiu conforme a norma legal , sem que essa conduta esteja vinculada a uma atitude sancionatória imposili\'a; a execução (ou imposição) surge exatamente como reação concreta a comportamentos que contrariam os preceitos legais. destinando-se à manutenção do direito ou ao restabelecimento da ordem violada 20 1. Assim é que a obscrvÍlncia diz respeito à " normn primária" e a execução cm sentido estrito ou imposição rcfcrcsc à " norma sccund;íria". partes da norma que atribuem conseqüências dcônticas. respectivamente. à conduta lícita (ou também a fatos jurídicos cm sentido estrilo) e ao ato ilícito 20 ~ . A eficácia pode decorrer. conseqüentemente. seja da observância da lei ou de sua imposição 2()(\ . Numa acepção estritamente jurídica (não do ~nto de vista da aceitação moralmente fundamentada) seria possível. entãõ. distinguir-se entre eficácia autônoma (por observância) e eficácia hcterôtloma (por imposição de terceiro) de um preceito normativo. Aqui não se concebe. portanto. a restrição do conceito de eficácia à observância ''a utônoma··. no sentido de abordar-se a questão especificamente na perspectiva da possível justeza da norma jurídica 2º7. Também a supcrcstimação da obscrvância 20l! 204 . Luhmann , 1987h 2ú 7. cr tamhém Ciam1, 1%lJ :1Ci8s.~ Noll. 1972 :259. 205 . Sohre a distinção entre nonna primária e nonna secundária, v. Geiger, 1970: 144ss. Cossio empregava, rcspcctivamcnle, os lcnnos 'cndononna · e ' pcrinonna ·, para acentuar que se traia de dois componentes disjuntivamente vinculados de uma única nonna (cf. Cossio, l 9M:csp. (iú Is.). Kclsen utilizava, inversamente, as expressões ' nonna sccundúria · (-> ohscrvância) e · nonna primítria ' ( nonna sancionadora), cm fi.1cc de sua supcrcstimação do momento sancionatório para a identificação do ICnômcno jurídico (cf. Kclsen, 1966:51 s., 1946 <>Os , 1980 52 e 124-27). Em perspectiva lógica, Vilanova ( 1977:Ms. e 90) rejeita a inversão conceituai cm Kel scn e mantém os adjetivos ' primário' e ' scct;ndúrio · no sentido usual, cnfati1.ando designarem uma relação de anleccdcnlc e conseqüente lógicos no âmhito da nonna 206 . Cf. Geiger, 1970:70. 207. Assim, porém. Ryflel. 1972228~ v. também idem, 1974 251-58. A respeito. criticamente, Blankenhurg, l 977:33ss. 208 . Cf. Ciam1 , 1969: 169. Equívoca é, porém, a posição de Garm, o qual , em contradição com sua afinnação de que "mna nonna é eficaz quando é observada ou executada" ( 168 ). escreve:"Ela só pode mostrar-se como eficaz por ser

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ou a ênfase na .. eficácia regulativa" 2º9 não é de admitir-se, na medida cm que assim se desconhece o significado da eficácia atrnvés de imposição (execução). A ineficácia só se configura, por conseguinte, na hipótese da não ocorrência de nenhuma das duas alternativas de concrcção da norma legal, ou seja, no caso de tanto "norma primária" quanto " norma secundária" fracassarem 2'º. Como os conceitos de execução (imposição) e observância adquirem aqui um sentido estrito, pode-se introduzir nesse ponto duas outras noções: 'aplicação do Direito' e 'uso do Direito ' . Da mesma maneira que a execução, a aplicação do Direito exige, em ordens jurídicas positivas, o agir de um terceiro, o órgão competente, em face dos destinatários da norma . Porém, a execução em sentido estrito consiste numa atividade impositiva de fato, enquanto a aplicação normativa pode ser conceituada como a criação de uma norma concreta a partir da fixação do significado de um texto normativo abstrato cm relação a um caso determinado, incluindo, na concepção de Müllcr, não só a produção da "norma de decisão" (individual) 211 , mas também a produção da "norma jurídica" (geral) aplicável ao caso 212 . Embora aplicação e execução normativa esobservada" (169), de tal maneira que sua execução (imposição) implica exclusivamente a eficácia (observância) da respectiva "nonna secundária" (norma de execução)( 169s. ). É verdade que ' observância ' e 'execução' ('imposição') constituem conceitos relativos, na medida em que a imposição (execução) de uma "nonna primária" através de sua correspondente "nonna de execução" importa a observância dessa última; deve-se, porém, acrescentar-se: na perspectiva de sua observância/não-observância, a última não constitui mais " nonna de execução" ("norma secundária"), mas sim uma "nonna primária", à qual, por sua vez, corresponde uma "norma secundária". 209. Cf. K.ramer; l 972 :254ss. 21 O. Com isso não se desconhece o seguinte: "uma nonna que relativamente aos destinatários normativos primários não é mais regulativamente eficaz, mas sim apenas repressivamente, a longo prazo cairá de todo - também repressivamente - em desuetudo" (Kramer, 1972:256). 211. Cf. Gam1 , 1969: J 69s. Em Kelsen a "aplicação" inclui a atividade executória da sanção - cf. Kelsen, 1960:11 e 240 (tr. br. , 1974:30 e 325); a respeito, criticamente, Garrn, 1969: l 69s. 212 . Cf. Müllcr, l 984 :263ss. Aqui é de se observar que a "Teoria Pura do Direito" já acentuava a relatividade dos conceitos de aplicação e criação do Direito - cf. , p. ex., Kel sen, l 960 :240s. (Ir. br. , 1974 325s.), 1946: l 32s., l 966:233s.; a respeito, v. Kramer, l 972:247ss.

44

tcjam estreitamente vinculadas, existem . porém. at ividadcs de apl 1caç;lo que não estão relacionadas com execução do Direito cm se ntido estrito. como, por exemplo, no caso da jurisdiçt"io vo lunt;íria. A dikrc11ciação entre execução e aplicação (polícia e outros órgãos de cxcc11ç;lo l'ersus juízes e tribunais) implica que surjam discrepâncias entre esses dois momentos da concreti zação do Direito. Na medida cm que a " norma individual" (do órgão aplicador da lei) constitui " uma mera possibilidade", estará sempre presente a hipótese de que nem a parte condenada nem os funcionários competentes para a execução conduzam-se de acordo com o seu conteúdo 213 . A consonância entre produção e aplicação de normas gerais não é suficiente, portanto, para que se caracterize a efi cácia do Direito : a falta de observância e/ou de execução (cm sentido estrito) poderá, também nesse caso, quebrar a cadeia de concreli/.ação no rmativa. Uma outra distinção relc,·ant c para o problcn1a da e fi dcia d .1 ~ le is é a que se estabel ece entre obscrvfü1cia e uso do Direi10 A obsc1Yúncia refere-se às " regras de conduta". isto é. ús obri gações e proibições: o uso, às "ofertas de rcgulamc11tação'' 2 H Não estando present es as co ndições ("infra-estrutura" ) para o uso das ofertas de rcgulamcntaç;lo legalmente postas, pode-se falar, então, de ineficácia normati va . Porém, nesse caso, não se trata de respeito, violação ou burla de preceito legal, mas sim de uso, desuso ou abuso de textos legais que contêm oferta de auto-regulamentação de relações intersubjetivas 215 . A eficácia da lei, abrangendo situações as mais var iadas -- observância, execução, aplicação e uso do Direito. pode ser compreendida genericamente como concretização normativa do texto legal. O nosso conceito de concretização é mais amplo do que o formul.1do po r Miillcr, conforme o qual o "processo de concretização" restringe-se à produção da " norma jurídica" (geral) e da " norma de decisão" (indiYidual) na resolução de um caso detcrminado 21ó . No sentido cm qu e o concebemos, 213 . Kramer, 1972 :255. Nesse scntic.lo, não cabe rec.lu/.i r o conn:il n de clicácia à "c.lisposição para a aplicação", como prctcnc.lc B11l ygi11 , 1965:5.lss . 214 . Blankenburg, 1977:36s. Bulygin (1965:45ss.) propõe uma c.li stinção inteiramente diferente entre "observância e uso de nonnas", sengudo a qual a "aplicação" constitui um caso típico de " uso", a saber, "é c.lcfinic.la como uso
o p rocesso de co 11c rctização no rmati va sofre bloqueios cm toda e qu:ilqu c r siluaç;1o 11a qual o co nte údo do texto lega l abstratamente positi w1do é rcjcit<1do. desco nhec ido ou desco nsiderado nas interações concrct<1s dos c idad;los. g rupos. órgãos estatais. organi/.açõcs etc.; inclusive. portanto. nas hipóteses de inobscrdincia ou inexccução da " norma jurídica" (geral) e da " norma de dec isão" (individual) prod1uidas cm um caso jurídico dete rminado. como também quando ocorrer desuso ou abuso de "ofe rtas de regulamentação... Entretanto. o processo concrctizador não deve suscitar. de maneira ne nhuma. " a ilusão da plena correspondência do abstrato e do concreto .. . mas sim, como problema. "a ser resolvido através de 11111a forma de niio-identidadc integ rada do abstrato e do conc rc to"2 1"_ Retornaremos a esse tema ao abordarmos especificamente a rclaçiio entre tex to constitucional e realidade constitucional (Cap. 11 .2).

8. :!. l}i?ti1·idade co1110 l?ealizaçi'io da Finalidade da /,ei

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Da e fi cúc ia . co mpree ndida como mera conformidade dos comportamc nl os ao co nt eúdo (altematirn) da norma. tem-se procurado distinguir a cfctiYidadc. suge rindo-se uma referência aos fins do legislador ou da lci 21 x_ Formul<1ndo com outras palavras. pode-se afirnrnr que a eficácia di/. respeito à realização do .. programa condicionar·. ou seja. à concrcçiio do vínculo " se-então .. abstrata e hipoteticamente previsto na norma legal2 1". enquanto a crcti\·idade se refere :'t implementação do .. programa finalístico·· que orientou a atividade legislativa. isto é, :'t concreti/.açiio do \'Ínculo " meio-fim .. que decorre abstrata mente do texto le-

gaF2º. Es pecifica mente quanto aos fins das normas jurídicas. distinguem2 17. Luhmann , 1974 52 . 218 Capella , 1 %8 10 5 ~ Jeammaud , 1<J83 :53s. Cf. Glasvrin ct ai , 1982. Noll ( l t>72 :2(1 1) denomina -a .. elid1c ia social ... 2 1() Sobre progra mação condicional como particularidade Jo Direito posil ivo. v Luhmann. 1987h:227- 14, 198 1h 140-4\ 1()81 c:275ss., l 973a:88ss. (esp <J(J r Neves, 1()92 :29. 220 Quanlo à relação recíproca entre programa condicional e programa linali stico para a legitimação J 0 Direito positivo, v. 1,uhmann. l 983a: l 30ss., J ()7_\a 1() 1SS .

se. então. efe ti vidade. incfetividadc e antiefcti\'idade de sua atuaçiio 221 . Uma lei destinada a co mbater a inflaç:lo. por exemplo. scr
R.3.

l~/(•itos

Indiretos e /.atentes da / ,egislaç:i'io

A eficitcia e a efeti\'idadc não esgotam o problema dos efeitos da legislação. As normas legais produzem efeitos indiretos ou latentes que poderão estar Yinculados ou não :l sua efetividade e efidcia . Em primeiro lugar cabe distinguir as conseqüências da legislação na sua conex;lo com outros fenô111enos sociais 22 ~ . Ass i111 é que se discute sobre a utilidade e o sig nificado econômico de nor111as jurídicasm. Uma lei tributária. por exemplo. pode ser intensamente eficaz e efetiva. mas produ/.ir recess:lo. dese111prego e/ou inílação. Também no concernente à arte. ao amor. às relações familiares. os efeitos indiretos de uma lei podem ser bastante significativos. Uma lei que amplie os casos de permissão de aborto inegavelmente tcr
222 cr. Hl ankenlmrg.. 197741. 22 .1. A respcito. v . (il
.p

No plano do direito penal. 1; 11a-se da funçfío ou ekito cri111inógcno da própria lei penaF 2·1. Poder-se-ia objetar que se trat a aqui de um caso de antiefeti vidade. Mas a hipót ese é mais abra ngent e. A pesquisa criminológica aponta situações cm que a atuação coercitiva do aparelho estatal contra a criminalidade juvenil leva a estreitar os laços entre os respectivos jovens, que, em reação, passam a praticar atos puníveis mais graves 225 • Em muitos casos, à promulgação de uma nova lei penal seguem-se contra-reações, atos de resistência e de ajuda aos autores, implicando outras condutas puníveis 226 . Por fim, entre os penalistas considera-se como incontroverso que a criminalização de uma conduta tem freqüentemente por conseqüência a prática de novos atos puníveis para sua execução e encobrimento, incluindo-se também a extorsão 227 . Do ponto de vista psicanalítico, sustenta-se que a legislação pode constituir um processo de estabilização do ego, mesclando-se aí variáveis instrumentais e simbólicas 228 • No campo do direito penal , tem-se indicado que a legislação serviria para satisfazer, de forma sublimada, a "necessidade de vingança" do povo, evitando-se, então, a justiça por linchamento229. Analoga mente, satisfaz-se por leis punitivas ou restritivas de direitos à necessidade de "bodes expiatórios", estigmatizando-se determinados membros da sociedade e descarregando-se outros de responsabilidade ou sentimento de culpa 230 . Porém, nessa hipótese, em não havendo eficácia dos preceitos lega is, estaremos num típico caso de legislação simbólica . Um relevante efeito indireto da legislação é aquele que ela exerce com relação a quem elabora o respectivo projeto de lei 231 . Para um juris224. Cf. Schil
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ta, a participação na elaboração de um a nteprojeto de código ci vil . código penal , código tributário etc. pode implicar a sua consagração no meio acadêmico e profissional. Um burocrata que elabora um importante projeto de lei terá maior chances de galgar na estrutura administrativa . Também muito relevante é a atividade legislativa para a carreira política. Em todas essas hipóteses, a aprovação da respectiva lei importa igualmente a satisfação pessoal do seu "elaborador" 232 . É evidente que, nesses casos, a legislação pode ser simplesmente simbólica . Mas os efei tos positivos da legislação para o elaborador da lei, especialmente para juristas e burocratas, tendem a ser tanto mais intensos qua nto maior for a sua força normativa.

8.4. Efeitos da Legislação Simbólica A legislação simbólica é caracterizada por ser normativamente ineficaz, significando isso que a relação hipotético-abstrata "se-então" da "norma primária" e da "norma secundária" (programação condicional) não se concretiza regularmente. Não é suficiente a não-realização do ví nculo instrumental " meio-fim" que resulta abstratamente do texto legal (programa finalístico) para que ven ha a di scutir-se sob re a função hipertroficamente simbólica de uma lei . Sendo eficaz, ou seja, regu la rmente observada , aplicada, executada ou usada (concreti/.ação normativa do texto legal), embora inefeti va (não-reali/.ação dos fin s), n:lo cabe falar de legislação simbólica . Entretanto. como têm sa lie ntado os sociólogos do Direito. "cfidcia" é um conceito gradual , mensurável (quota de observância e de execução)233. Qual o grau de ineficácia normativa então necessário, para que se atribua a uma lei efeitos hipertroficamente simbólicos (legislação simbólica)? Parece-nos que a resposta se encon tra , porém, não numa quota de ineficácia mensurável , mas sim no problema da falta de vigência social da norma . Expliquemos a seguir. Considerando-se que constituem funções do sistema jurídico tanto a ''direção da conduta" quanto o "asseguramento das expectativas" 23 4, a eficácia di z respeito à primeira, enquanto a vigência (social) se refere à 232 . Schild, 1986:202 . 233 . Cf. Carbonnier, 1976: 99-111; Geiger, 1970: 228ss. 234 . Luhmann, 1981 d, on
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segunda . Embora a eficácia seja mcnsunível. a v1gencia não pode ser medida através de um "cálculo de vinculatoriedadc" baseado na "quota de e fi cácia" 23 \ apesar de sua relatividade no sentido sociológicon\ a "vigência do direito" é um problema que se encontra no plano do " vive nciar". ao contrário da questão da cficúcia, que emerge no plano do "agir"m. O fato de que a vigência (social) não pode ser reduzida a uma função da "quota de eficácia" não exclui que essa quota condicione a vigência das normas jurídicas e vice-versa, pois " nenhum vivenciar é acessível sem o agir, nenhum agir é compreensível sem consideração do vivenc iar do agcntc" 238 . A capacidade do sistema jurídico de dirigir condutas cm interferência intersubjetiva e sua capacidade de assegurar expectativas normativas encontram-se em relação recíproca. O problema de como estão se comportando as pessoas e a questão da orientação das expectativas de comportamento pressupõem-se e complementam-se mutuamente 239 . Um grau muito acentuado de ineficácia pode significar que não há ori c ntaç;l o generalizada das expectativas normativas de acordo com a lei, seja isso tanto por parte dos cidad;ios, organizações, grupos, quanto por iniciativa dos órgãos estatais (falta de vigência social) . Se partimos de que a função primária do Direito " não reside na realização de determinado comportamento, mas sim no fortalecimento de determinadas e:-;pcctativas" 2'10 • pode-se afirmar que a legislação simbólica só tem lugar quando a vigência social da norma legal, ou seja, a sua função de "congruente generalização de expectativas normativas" 241 é atingida. O 1 ... .

235 . Cf. , em sentido contrário, Geiger, 1970:71s. e209s.: acompanhando-o, Tcuhner, 1989:212. 236. Cf. Weber, 1985 :17. 237. Para a di stinção entre "vivenciar" (Erlehcn) e "agir'' (Handcln), v. l.t1h111ann , 1981 e: Ki ss, 1986: 12-15. 218 . l ,uhmann , 1981 f:85 . 2.19. cr Blankchurg, 1<>77:15. 240 . Luhmann . 1()81 b: 118 241 . Confonne a definição de Direito fommlada por Lulunann: " ... est111t11 ra de um sistema social baseada na generalização co11g111e11te de expectativas normativas de comportame11to" ( l 987b: 105 ). Ou simplesmente: "expectativas normativas de comportamento congrnentemente generalizadas" ( l 987b: 99). Formulando de maneira diferente, afinna-se que "o Direito preenche amplas fi111çõcs de generalização e estahilização de expectativas nonnativas" ( 1974: 24)

te:-;to legal n;lo é apenas incapaz de dirigir normatiYamcnte a conduta. carncteri1.ando-se principalmente por não scrYir para orientar ou assegurar. de forma generalizada . as c:-;pcctati,·as normativas. Falta-lhe. portanto. normatividade . A legislação simbólica nilo se delineia. quanto aos efeitos. t;lo-somcntc num sentido negativo : falta de eficácia normativa e vigência social. H{1 atos de legislaç;lo e textos normativos que têm essas características. sem que desempenhem qualquer função simbólica . Basta lembrar o fenômeno do desuso. o qual atinge a própria ··\'alidadc" (pertinência) da norma cm sentido técnico-jurídico 212 . A legislação simbólica defincsc também num sentido positivo : ela produz efeitos relevantes para o sistema político. de natureza não especificamente jurídica. Não se distingue da legislação instrumental por não exercer influência sobre a conduta humana . mas sim pela forma . çomo exerce essa influência e pelo modelo de comportamento que influenciam. Conforme o tipo de legislação simbólica. Yariarão. porém . os seus efeitos. No que concerne ;I legislação destinada ;l confirmação de , ·atores sociais. pode-se distinguir três efeitos socialmente relevantes . Em primeiro lugar. trata-se de atos que servem para convencer as pessoas e grnpos da consistência do comportamento e norma valorados positivamente. confortando-as e tranqüilizando-as de que os respectivos sentimentos e interesses csti'io incorporados ao Direito e por ele garantidosw. Em segundo lugar. a afirmação pública de uma norma moral pelo legislador, mesmo que lhe falte a específica eficácia normati\'0-jurídica . condu1. as principais instituições da sociedade a scrYir-lhe de sustentação. de tal maneira que a conduta considerada ilegal tem mais dificuldade de impor-se do que um comportamento lícito: \'islumbra-sc aqui função instrumental para o Direito. mesmo cm hm·cndo "cvas:lo padronizada" 21' . Por fim . a legislação simbólica confirmadora de valores sociais distingue. com rcledncia institucional. "quais as culturas têm legitimação e dominação pública .. (dignas de respeito público) das que são consideradas "dcsümtes" ("degradadas publicamente"). sendo. portanto. geradora de profundos conflitos entre os respccti,·os grnpos 2·1<> . 242 . cr Kelsen , 1%0 :220 (tr. hr. l 974 :298s. ). !\respeito da relação da cficúcia com a pertinência e a validade cm sentido técnico-jurídico, v. Neves, 1988: 49-52 . 241 . Cf. Kindennann , 1989:257 244 Ciuslicld , 1%7:177 245 . (iuslicld, 1%7 177s 24 (1. ( iuslicld , 1%7178. 51

A legislação-álibi é um meca nismo com amplos efeitos políticoideológicos. Como já enfatizamos acima, desca rrega o sistema político de pressões sociais concretas, constitui respaldo eleitoral para os respectivos políticos-legisladores, ou serve à exposição sin~P.c),IJj::a das instituições estatais como merecedoras da confiança pública. O efeito básico da legislação como fórmula de compromisso dilatório é o de adiar conflitos políticos sem resolver realmente os problemas sociais subjacentes. A ''conciliação" implica a manutenção do status quo e, perante o público-espectador, uma " represcntação"!'cnccnação" coerente dos grupos políticos divergentes.

Capítulo 2 ... À CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA: ABERTURA DE UM DEBATE 1. Constituição e Constitucionalização 1.1. O Prob lema da Plurivocidade Quando falamos em constitucionalização admitimos, implicitamente, ordens jurídicas ou Estados sem Constituição. Ao definir-se Constituição, partilha-se correntemente a idéia de que todo o Estado tem uma Constituição real e/ou normativa. E mes mo quando se nega caráter constitucional a certos Estados, a discussão é redu zida a um prob le ma de axiologia do Estado e/ou do Direito, tratado nos termos do co nstitucionalismo. Assim como muitas outras expressões da semântica social e política, o termo 'Constituição' caracteriza-se sincronicamentc pela plurivocidade e diacronicamente pela mutação significativa . Em trabalho anterior, já abordamos essa questão da pluralidade de sentidos' . Os manuais, cursos e "tratados" de Direito Constitucional e Teoria do Estado, muitas vezes sem a devida clareza na distinção conceituai , propõem-se freqüent emente a uma exposição abrangente da variação do sentido ou da di versidade de conceitos de Constituição 2. Não é este o luga r para mais uma abundante explanação do inumerável acervo de defini ções. Po rém, tan to cm virtude da variação de sentido do conceito de Constituição no te mpo, ou seja, à sua semântica histórico-política 3, particularmc:1 te na transi ção

...

1. Cf. Neves, 1988:53ss. 2. Cf., p. ex. Canoti lho, 199 1: 59-73, niscarctti di Rullla, 1973 148-53, 1974:433-440; Pinto Ferre ira , 1962:27-40, 1975:408- 15; (iarcía-l'da yo, 1950: 29-48; Bastos, 1981 :38-42, 1988; J A Silva, 1982 9-29. Ver tarnbón reláê11cias da nota 14 deste cap. 3. A respeito, cf. Maddox, 1989; Mcllwain, 1940, Bõckenforde , 1983 ; Melo Franco, 1958:43-61 ; Stourzh, 1975 ou 1989

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para o Es t:1do Moderno 1• co mo também cm face da pers istênc ia de co nceituações rclc\'ant cs no presente. é importante uma abordagem preliminar a respeito da di scussão tradicional sobre os conceitos de Constitui ção e suas va ri ações históricas~ .

/ . ] . () /) ehn te <'(Irren te sohre o Conce ito de Constituição

A cliscuss:lo sobre o conceito de Constituição remonta a Aristóteles. Ne le . a Co nstituição (p(l/iteia) era concebida. num sentido muito abran ge nt e . como a orde m da p (l /i s : ·· . Co nstituição é a orde m (f nxis) dos Estados c m relação aos cargos gove rnamentais (nrché). como eles são de di stribuir-se. e à determinação do poder governamental supremo no Estado. co mo também do fim (feios) da respectiva comunidade (koiJ1(111ín)" ". Co nforme esse conceito de organi1.ação da polis. o qual incluía elementos estruturais e teleológicos'. Constituição e Estado podiam ser cq uiparados8 . Sem desconhecer que somente a partir dos fins do século XV III tornou-se corrente. nas traduções de Aristóteles. verter 'politeia' cm ·Co nstituição· . prevalecendo anteriormente n tradução pela pala4.

e r. l .uhmann , 1<)90a : l 7()S. Enpregamos aqui a expn:ssilo "semântica hi s-

túri co-pol it ica .. para nos referir il conexão entre nmda11<,:a de sentido dos conceitos e tra nsfonnai,:ão da estrutura social (cf. l.uhmann . )<)80:19. nota 13). 5. A respeito , v Neves. 1<)l) 2a:45ss., de onde retiramos , em linhas gerais, os cle111entos da expos ii,:ão que se segue . <) Ari stótel es, 1%8 124s. (IV, 1, 128<Ja): cf. ta111hém 80 ( Ili , 1, 1274h) e 1) 1s (Ili , () , l 278h). Na edi<,:ão hilíngiie grego-espanhol organizada por J. Marias e M. Araújo (Aristóteles, 195 1), o tenno ' poli/eia' é traduzido, na passagem citada , por ·régimcn político· ( l(i7s ). Mas nos
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vra ing lesa ' governmcnt' 9 , o conceito aristotélico va i desempenhar um importante papel até o início dos tempos modernos 10. Porém, na transição para a sociedade moderna, abriu-se uma nova constelação semântica , no âmbito da qual Constituição será conceituada como carta de liberdade ou pacto de poder 11 . Em contraposição ao caráter apenas " modificador do poder" , " casuístico" e "particular" dos pactos de poder, surge, no quadro das revoluções burguesas dos fins do século XVIII, o constitucionalismo moderno, cuja semântica aponta tanto para o sentido normativo quanto para a função "constituinte de poder'', "abrangente" e " universal" da Constituição 12 . A esse uso lingüistico inovador, vinculado às transformações revolucionárias1 3, não se seguiu, contudo, de maneira nenhuma, unívocidade em relação ao conceito de Constituição. Ao contrário, fortificou-se desde o surgimento do Estado moderno liberal o problema da plurivocidade da palavra ' Constituição' . Isso manifestou-se sobr~tudo na clássica Teoria alemã do Estado e da Constituição; mas, apesar da pluralidade de conceitos que foram formulados então 14, eles são suscetíveis de ser classificados cm quatro tendências fundamentais, que podem designar-se respectivamente através das palavras-chave 'sociológica', 'jurídico-normativa ', ' ideal' e 'cultural-dialética', e que até hoje ainda desempenham um papel importante nos estudos em tomo de Estado, Direito e Constituição. A definição "sociológica" clássica de Constituição, formulou-a Las9. Stourzh, 1975: 1O1 ss. ou l 989:5ss. 1O. Cf. Stourzh, l 975 :99ss. ou 1989:3ss. 11 . /\ respeito, cf. l1õckenfõrde, l 983:7ss. 12 . Grimm, l 987a : esp. 48ss. Cf. também idem, J989 :633s. 13. "Concentrando-se nas questões da política relativa a conceitos e da inovação semântica, então é fácil reconhecer que transformações revolucionárias motivam um uso lingüístico inovador" (Luhmann, J990a:177). A respeito, cf. Skinner, 1989. 14 . Cf., Schmill, l 970:3ss.; Heller, l 934:249ss. , esp. 274-76 (tr.br., 1968 :295ss., esp. 322-24). Confonne Vilanova (1953: esp. 19 e 98s.), essa pluralidade de conceitos de Constituição seria de atribuir-se, sob prisma kantiano, à complexidade do dado. Segundo Luhmann (l 990a: 212 ), em contrapartida, as diferentes definições de Constituição fonnuladas no âmbito da Teoria do Estado alemã teriam servido simplesmente para encobrir o déficit em relação ã capacidade de compreender claramente ou esclarecer "a função própria e, dai, também o conceito de Constituição".

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salle em sua célebre conferência de 1862 : "as relações de poder realmente existentes em um país" 15. Não se tratava de uma conceituação pioneira, como o demonstra a análise anteriormente ( 1844) apresentada por Engels sobre a Constituição Inglesa 16; mas se destacou pela simplicidade e clareza, o que lhe possibilitou ampla divulgação. Por outro lado, não se manteve isolada nos limites do movimento socialista, como o comprova o fato de ter sido adotada expressamente por Weber 17. Denominaram-na " histórico-universal" 18 , no sentido de que "todos os países possuem ou possuíram sempre, e em todos os momentos de sua história, uma constituição real" 19. Mas Lassalle não se limitou a isso, havendo reduzido o conceito de Constituição à sua dimensão simplesmente sócio-econômica, ao considerar as normas jurídicas constitucionais como mera expressão da Constituição "real", da qual seriam absolutamente dependentes, sem qualquer reação condicionadora 20 . Essa postura " sociologista" (ou mesmo "economicista") e "mecanicista" de Lassalle desconhece que o ordenamento (normativo-jurídico) constitucional tem uma relativa autonomia em face do processo real de poder, condicionando-o cm certa medida. Não observa que os fatores " materiais" de poder e a ordem "jurídica" constitucional encontram ... se em relações permanentes de implicação reciproca, principalmente através da delimitação de fronteiras 21 • Por outro lado, Lassalle sugeria uma equiparação entre texto e norma constitucional22, e partia do pressuposto de que normas constitucionais não constituíam realidade. Dessa maneira, a atividade constituinte não é compreendida como um processo de filtragem de expectativas normativas de comportamento e, portanto, a constituição não é concebida como expectativas normativas vigentes (v. sub item 1.3 deste cap.). 15. Lassalle, 1987:30. cr. lr. br., 1980:35, numa versão mai s livre. 16. Cf. Engels, 1988: esp. 572ss. 17. Weber, 1985 :27. 18. Canotilho, 1991 :59. 19. Lassalle, 1987:136 (cf. tr. br., 1980:49). Ver também idem, 1987:134 (tr. br., 1980:47). 20. Cf. Lassalle, 1987: esp. 125 e 147 (tr. br. , 1980:19 e 73). 21. Inclusive no âmbito do marxismo não se deixou de enfatizar a relativa autonomia e relevância do jurídico em sua relação "dialética" com o econômico (cf., p. ex., Poulantzas, 1967:160; Nersesiants, 1982:177s.). 22 . Em posição depreciativa, Lassalle designa a Constituição escrita moderna como "folha de papel" (1987:134 e 136 - trad. br., 1980:46 e 50). 56

Em oposição à conccpç;lo "sociológica" cláss ica , aprcsc ntan1 -sc os conceitos exclusivamente jurídico-normativos de Constituição, nos te rmos da T eoria Pura do Direito : " o csc;1lão de Direito positivo 111ais elevado" (Constituição cm sentido ma teria l) ou as normas jmídicas que, em comparação com as leis ordinárias, só podem ser revogadas ou alteradas através de um procedimento especial submetido a ex igê ncias mais severas (Constituição em sentido formal) 23 . Nessa perspecti va . pressupõe-se uma identificação entre ordenamento jurídico e Estado 2\ como também a norma é concebida como objeto ideal, mai s prec isamente, sentido objetivo-ideal de um ato de vontadc 25 . Embora não se proponha com isso uma identidade de norma e texto norma ti vo 26, desco nhece-se a realidade das expectativas normati vas constitucionais como eleme ntos estruturais da Constituição jurídica, o que torna o modelo teó ri co Kclseniano inapropriado para uma abordagem referente à fun ciona lidade do Direito constitucional , ou seja. à força norma ti \'a du tex to co nstitucional. Porém, na medida cm que a Teoria Pura do Direit o, cm ccrntraposição a outros enfoques jurídico-dogmáticos. reco nhece que um certo grau de " eficácia" do ordenamento jurídico e de uma norma singular é condição de sua "vigência" ou "validade" c cxislênc ia jurídica")27, ela já deixa um espaço aberto - sem que essa seja a sua vertente - para uma interpretação sociológico-jurídica da relação entre ' vigên23 . Kelsen, 1960:228-30 (tr. br., 1974 :310-312), 1946 :124s., 1966: 251 -53, com variações em relação ao conteúdo da "Constituição cm sentido materinl" (cf. Neves, l 988 :56s. ). Pnrtindo de que " é um problema contingente tk classificação estabelecer que nom1as se vão considerar Constituição materi al de um Estado" (Vemengo, 1976:310), muitos nutorcs foram levados, na lradicinnal discussão da Teoria do Estado, a atribuir apenas ao conceito de '"Constitui ção em sentido formal" significação normativo-jurídica (cf., p. ex, Jcllinck , 1976: 534; Carré de Malbcrg, l 922 :572ss.; l lcllcr, 1934 274 ; Pinto fcneira , 1975: 433s. ). Em sentido contrário, v. Kclscn , 1946 258s. 24 . Cf. Kelscn , 1966:13-21 , 1946: 181 -92, 1%0:289-:m i (Ir hr , J<J74.385425). 25. Cf. Kelscn, 1960:3-9 (tr. br. , 1974 20-28), 1979 :2 (Ir br. , 1986 2s ) Em sentido contrário, v. Lulm1ann, 1987b:43s. 26. Cf. Kel sen, 1979: 120 (tr. br., 1986: l 89s. ). Müller ( l 'J84 148 ~ 268) in terpreta diferentemente, sustentando a confusão de nonna e texto nomiativo na teoria pura do Direito. Em controvérsia com Müller, cf. Walter, 1975444 . 27. Cf. Kelscn , 1960: esp. 215s. (tr. hr. , 1974292ss.), 1979 : l 12s. (Ir hr , 1986: l 78s. ), 1946:41 s. e 118-20.

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e ia · e ' cfidcia · da Co nstituição. E m uma terceira perspectiva. a Constituição será definida nos lermos d o c ha mado " constitucionalismo''. que se impôs principalmente com as revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, correspondendo, portanto. ao ideal constitucional do Estado burguês de Direito28 . Aqui o conceito de Constituição está relacionado com o de Estado ConstitucionaFº. Em conformidade com isso. contrapõem-se os Estados constitucionais aos não-constitucionais e fala-se até mesmo de uma "Constituição constitucional do Estado" 30 . O problema da Constituição é limitado. enlfio. ;I s ua dimensão axiológica : nessa orientação seria Constituição " verdadeira" apenas aquela que correspondesse a um determinado padr;lo valorativo ideal. Uma expressilo cl:íssica do idealismo constitucional e nco ntra -se no Arl. 16 da Dcclaraçilo dos Direitos do Homem e do Cidad;lo de 1789 : " Qualquer sociedade cm que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição'' 3 1. De acordo com esse modelo, Constituição implica um sistema de garantia da liberdade burguesa. a divisão de poderes e uma forma escrita~ 2 . Mesmo que se rejeite essa visão liberal do constitucionalismo cm favor de uma concepção democrática - inclusive socialdcmocrática - do Estado constitucional. ainda assim permanece como núcleo do conceito a " garantia" dos chamados direitos fundamentais e 28 . Cf Schmitt, 1970:36-4 1 (tr. csp., 1970:41-47); Canotilho, 1991:64-66. 1, 1969:47. 30. Schmitt, 1970 36 (tr. csp., 1970:41 ). 31. Fntre outros, i11 : Duverger (org. ). 1966 :3s ( 4) Miranda ( org. ). 1980:5759 (59) /\ respeito dessa postura lihcral no início XO : l ú'i -(17. 12 Sch111i1t , l '>70 .IX- 10 ( Ir. ':sp .. l '>70 11 - lú). 29 . l lollcrhac

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a limitação jurídica do poder estatal. Nesse sentido. os Estados autoritários e totalitários. na medida cm que não realizam os princípios constitucionais. não possuem Constituição~~ . Esse conceito de Constituição relaciona-se de forma indireta com a noção de constitucionalização que utilizaremos neste trabalho: considerando-se que a Constituição em sentido moderno surge apenas através da positivação do Direito 34 • podese também afirmar que os Estados pré-modernos e também os Estados autoritários e totalitários contemporâneos não possuem Constituição. Porém. os modelos de interpretação distinguem-se. Um supõe a " declaração" de valores fundamentais essencialmente jurídicos ou a evolução da consc iência moral". o outro enfatiza o problema da autonomin do sistema jurídico. Ao; conceitos " unilaterais" opõem-se as chamadas concepções " dialético-culturais" de Constituição. conforme as quais ela vai ser definida como síntese abrangente das · 1rês dimensões básicas referidas . A Constituição do Estado resultaria da relação recíproca entre dc\'cr-ser constitucional ("ideal") e ser constitucional ("real"). Em Hcllcr essa fórmula c:xpressa-se através da dialética "normatividade/ normalidadc" ~ 6 , que leva a um conceito muito amplo : " A Constituição estatal. assim nascida. forma um todo cm que aparecem completando-se reciprocamente a normalidade e a normatividade. assim como a normatividade jurídica e a cxtrajurídica" 37. De acordo com essa conceituação. na qual se aponta para a síntese de ser e dever-ser - em oposição tanto aos unilateralismos de Kelsen e Schmitt 38 como ao dualismo de Jelli33 . Nessa orientação, cf. , p. ex , Locwcnstcin, 1975: l 28s. 34 . Como veremos adiante (v . sub item 1.3.2.
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nck 39 - , as análises parciais do sistema consti tucional pressupõem sua concepção integral. Portnnto. a Constit11iç:1o estatal normada juridicnmcntc é compreendida como cxprcss:1o parcial de 11m todo 1º Emborn dever-ser ideal, apresenta-se também como "cxpress:1o das relações de poder tanto físicas como psíquicas"'11 • Uma variante da concepção ,'q1Hural-dia lética de Constituição encontra-se em Smend. De acordo com esse modelo, o Estado é concebido como processo de integração 42 , sendo a Constituição conceituada como a sua ordem jurídica, isto é, "a normação de aspectos particulares desse processo" 43 . Mas a Constituição em sentido estritamente jurídico constitui aqui - diferentemente das construções de Jcllinck. Kelsen , Schmitt e Heller - não apenas uma estrutura de sentido normati va (ideal) : " Como Dire ito positivo a Constituição não é somente norma, mas também realidade" 44 . Disso resulta uma concepção dinâmica, conforme a qual o sistema constitucional "completa-se e transforma -se por si mesmo" 45 , na medida em que a Constituição converte-se cm vida política46 e, com isso, exige interpretações di ve rgen tes das normas constitucionais47. Nas perspectivas dialético-culturais de Heller e Smend, o dever-ser constitucional é conceituado como conexão (ideal) de sentido, que, porém, é condicionada pelo ser (real) ou dele recebe o seu significado social. Uma diferença encontra-se, entre outras, no fato de que para Heller a Constituição no sentido estritamente jurídico constitui uma estrutura normativa (ideal}, para Smend, ao contrário, a realidade política pcrten-

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rídico" subjacente a essa concepção, cf. também Pontes de Miranda, l 932 :26s. 39 . I-lcller, 1934:259. A respeito, cf. Jcllinek , 1976: 10- 12 e 20 . 40. " Por essa razão, o precei to jurídico particular só pode ser fundamentalmente concebido, de modo pleno, partindo da totalidade da Const ituição política" (Heller, 1914:255- tr. br., 1968:302). 4 1. l lcller, l 934: 259s. (tr. br. , 1968:307). 42 . Cf. Smcnd, 1968 : l 36ss. Quanto à influência da concepção de Smend sobre a mudança do significado de Constituição na República Federal da Alemanha , cf. Bõckenfordc , 1983 : l 7ss. 43 . Smend, 1968: 189. 44 . Smcnd. 1968 : 192. 45. Smend , 1968:191. 46. Smend, 168:189. Stern (1984 :73) enfatiza que em Smend dá-se " uma inclusão mais intensa do processo político no Direito constitucional". 47 . Smend, 1968: 190.

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ce ªº, Di_rcito Constit11ciona l. Em ambas co ncepções, n;lo se ohsc1va que o propno deve r-se r co nstit11cional é susce tí vel de se r co 111prce ndido como parte da rea lidade. n;lo se pe rcebe se r possivel e frutíkro e nfoca r as normas co nstitucionais como expectati vas estabili /.adas de co mportamento. De acordo com essa orien tação, os procedimentos decisó rios tanto constituintes como de concretização normativa dos tex tos constitucionais filtram as expectativas jurídico-normativas de comportamento, transformando-as em normas constitucionais vigen tes. Não se trata de uma estrutura ideal de sentido cm relação recíproca com a realidade social, mas sim de um subsistema normativo-jurídico, o qual. de 11111 lado tem uma relativa autonomia , de outro lado, encontra-se cm permanent~ e va n ~do mt er- relncionamcnto com os sistemas sociai s prima riamen te cog111t1 vos, os outros sistemas primariamente normativos e. especialmente, com as outras partes do siste mas jurídico. 1.3. A Constitucionalização 1.3. 1. Constituição como Vínculo Estrutural en tre l'olítica e Direito Ao emprego do termo "constitucionalização" subjaz a idéia de que nem toda ordem jurídico-política estatalmente organizada possui uma Constituição ou, mais precisamente. desenvolveu sa ti sfatoriam ent e um sistema constitucional. O conceito de Constituição assume. en tão, um . significado be m delimitado. Refere-se à Constitui ção cm se ntido moderno. Disso não resulta , porém, necessa riament e, uma fundam enta ção axiológica nos te rmos do constitucionalismo. 0 11 seja, e mbora na acepção estritamente mode rna a Cons titui ção possa ser .1prce nd ida co mo " uma limitação jurídica ao gove rno" , "a antítese do regime a rb itnírio" (constitucionalismo}"18 , da í não decorre forçosamente que sej a concebida como uma "declaração" de va lores político-jurídicos p ré-c xi ~1..: 11t es. inv rentes à pessoa humana , ou co mo produto da evoluc,.;io da co nsciê ncia moral no sentido ,de 11ma mora l pós-convenciona l 011 1111 ivcrsal (cf. nota 35 deste cap.). E possíve l també m uma leitu ra n., .:.e nti do de que a Constituição na acepção modern a é fator e produto da diferenciação funcional entre sistemas político e jurídico. Nessa perspecti vél, a consitucionali zação apresenta-se como o processo a tra vés do qu al se realiza essa diferenciação. É de acordo com esse modelo que Luhmann va i definir a Cons titui48 . Mcllwain , 1940 24 .

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ç;1o co 1110 , ·ín c11lo (" li gaç;1o'' ... acoplame nto" ) estrutural (strukt11rel/e k11r11!1111g) e ntre política e Dire ito. 1" Nessa perspecti\·a. a Constituiç:lo e n1 se ntido espec ifi camente mode rno aprese nta-se como uma via de p re stações recíprocas e. sobretudo. como mecanismo de intcrpcnetraç;lo, (ou 111es1110 de intcrferêneiarº entre dois sistcnrns sociais autônomos. a Política e o Direito. na medida cm que ela '' possibilita uma solução .111rídicn do problema de auto-referência do sistema político e. ao mesmo tempo. uma so luçiio política do problema de auto-referência do sistema j11rídico" 11. N;l o se trata de 11111 relacionamento qualquer entre o Direito e o Pode r. o que implicaria um conceito " histórico-universal" de Constituição. Na s sociedades pré-modernas e também nos Estados autoritários contempor;lncos. a relação entre Poder e Direito é hierárquica. caracteri1.ando-sc pela supra-infra-ordenação .. Poder -> Direito" 12 . Em linguagem da teoria dos sistemas. aponta-se para a subordinação explicita do código de diferença entre lícito ("jurídico" ) e ilícito ("antijurídico") ao código de diferença entre poder e n;lo-podcr: o código binário de preferê ncia do Direito niio atuaria como segundo código do sistema político 11

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4 9 Luhmann , 1<)90a :19 3ss. O concci lo de .. vínculo (acoplmncnlo, ligrn,:ão) estrutural .. ("strukturcllc Kopplung" ) ocupa um lugar central na teoria biológica Jos si stc.:mas autopoidicos de Maturana e Varela (cf. Maturana, 1982 : 143ss., l 50ss , 251 ss., 287ss : idem e Varela, l 980 :XXs., 1987 85ss.), ú qual Luhmann c\pl icit amcntc recorre na aplicação do mesmo aos sistemas sociais ( cf. 1993 : 440ss .. l 990a :204 , nota 72 : l 989a:6, nota 6). Sohrc a teoria dos sistemas autopniét icos, ver i11ji ·a cap. 111. 1. 5tl . /\ respeito do conceito de intcrvcnctnu,:ão. ver l.uhmann . l 987a :28<Jss., que a di stin gue das relações de prestação ("'i11p11f ·o111p11t-relaçõcs" - 1987a: 275ss. ). /\ interpenetração significa que cada um dos sistemas. reciprocamente, põe sua prt'i pria cor nplc\idadc ;I di sposiç
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Através da Constituição como vínculo cstmtural. as ingerências da política no Direito nilo mcdiati1.adas por mecanismos especificamente jurídicos e vice-versa silo excluídas. A autonomia operacional de ambos sistemas é condição e resultado da existência dessa "acoplagem cstmtu- - - a t " . Porém, por meio dela , cresce imensamente a possibilidade de influência rccíproca~ 4 e condensam-se as "chances de aprendizado" (capaidadc cognitiva) para os sistemas participantes ~ \. Assim sendo, a Constituição serve à interpenetração e interferência de dois sistemas autoreferenciais. o que implica. simultaneamente. relações recíprocas de dependência e independência, que. por sua vez. só se tornam possíveis çom base na formação auto-referencial de cada um dos sistemas 56 • 1

J.3.2. Constituição como Suhsislema do_Si.\·tema Jurídico Mas não só como vínculo estrutural entre Política e Direito pode ser interpretada a Constituição numa perspectiva da teoria dos sistemas. E possível concebê-la , sob o ponto de vista político-sociológico. como um instituto específico do próprio sistema político' 1 . Mas. para os fins a que nos propomos. a análise do significado da constitucio~alização sin:i~­ lica~8. apresenta-se estrategicamente oportuno o conceito de Const1tmção como subsistema do sistema jurídico (Direito Constitucional)~º._ Nessa perspectiva. a norma constitucional. como um caso particular de norma jurídica. representa um tipo de expectativa de comportamento contrafaticamente estabilizada. e não é compreendida como de\'er-scr especificamente quando ao sistema jurídico, idem, 198úh., 1993: 165ss. Emho~a 0 poder desenvolva-se primariamente com hasc no código "supcnon
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ideal 60 • Isso não implica forçosam~nte o conceito de Constituição como ordem fundamental
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1.3. 3. Constituição como Alecanismo de A utonomia Operacional do Oireito Partimos aqui , estrategicamente, do conceito luhma nniano de positivação ou positividade do Direi to. Como característico da sociedade moderna , o fenômeno da positivação significa que o Direito se c;uactcriza por ser posto por decisões e permanentemente alterável º '. Além do mais. a positividade ind ica que o Direito é um sistema operacionalmente autodeterminadoó5. Com isso relaciona-se a hipótese de que ao processo histórico da positivação corresponde o surgime nto da Co11stit11iç:10 no sentido moderno''". isto é, a dife renciação interna do Direito Const it ucional no sistema jurídico. Na medida cm que as rcprcsc nta<,:õcs 111ora llcgi timado ras válidas para todos os domínios da sociedade perderam sua significação e função sociais, evidentemente a vigência das deci sões aplicadoras e poncntes de Direito não podiam mai s fundam enta r-se nelas. A positividade como o fato de o Dire ito autodctcrminar-sc impli ca a excl usão de qualquer supradetcrminação direta (não-mediatizada por critérios intra-sistê mi cos) do Direi to por outros sistemas sociai s: política, economia, ciência etc. De acordo com isso, a rel ação en tre sistemas jurídico e político é hori zontal-funcional, não mai s vertical-hierárquica. Nesse novo contexto, sem os seus fund a mentos políticos e morais globalizantcs67, o sistema jurídico precisa de critérios inte rnos não apenas para a aplicação jurídica concreta, mas também para o estabelec imento de normas jurídicas gerais (legislação cm se ntido amplo) . Esse papel é atribuído ao Direito Constitucional. Assim se ndo, "a Co11stit11i ç;lo é a forma com a qual o sistema jurídico reage à própria autonomia . A Constituição deve, com outras palavras. substituir apoios ex ternos. ta is como tlexão), ver em geral Luhmann, 1982:54ss.; idem e Schorr, 1988 :34ss. Especi ficamente em relação ao Direito e à Constituição, ver Neves, 1992 : l l 3ss. e 147ss., problematizando criticamente. Retomaremos a esse tema 110 Cap. lTI . 64 . /\ respeito, ver Luhmann , l 98 1b, l 987a : l 90ss , l 98]a l · 11 -50 ~ : i ·vcs, 1992: esp. 27-30. 65 . Cf. Luhmann, l 988b, l 98Jb, 1985, 198 1h; Neves, 1992 :3..tss. 66. De tal maneira que a "promulgação" (?) de Constituições é indicada como prova da realidade
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os que foram postulados pelo Direito natural" 68 . A inexistência de Constituição juridicamente diferenciada conduz - na sociedade altamente complexa e contingente do mundo contemporâneo, não orientada por urna moral compartilhada globalmente e válida em todas as esferas da vida - à manipulação política arbitrária do Direito, o que impede sua positi vação. A uma legislação ilimitada, que tem como conseqüência a quebra da a utopoiese do sistema jurídico, isto é, a alopoiese da reprodução da comunicação jurídica, opõe-se a forma interna de hierarquização através da validade supralegal do Direito Constitucional 69 . Isso não tem apenas sig nificação técnico-jurídica 70. Não se trata de vários planos isolados em rel ação a outros, mas sim de "tangled hierarchies" 71: a validade e o sentido do Direito Constitucional depende da atividade legislativa e da aplicação concreta do Direito. A interna hierarquização ' Constituição/ Lei ' atua como condição da reprodução autopoiética do Direito moderno, serve, portanto, ao seu fechamento normativo, operacional 72 • Nesse se ntido, enfatiza Luhrnann que "a Constituição fecha o sistema jurídico, enqu:rnto o regula como um domínio no qual ela mesma reaparece. Ela constitui o sistema jurídico corno sistema fechado através do reingresso no sisterna" 73. Dessa maneira, qualquer intervenção lcgifcrante do sistema político no Direito é mediatizada por normas jurídica's . O sistema jurídico ganha com isso critérios para a aplicação do código /ícitol ilícito ao procedimento legislativo 74. Sob esse ângulo, pode-se afirmar que a positivação do Direito na sociedade moderna, além da distinção entre estabelecimento de norma geral (legislação) e aplicação concreta do Direito Uurisdição, administração), pressupõe a diferencia68. Lulunaim, l 990a: 187. 69. Lulunann, l 990a:190. 70. Em sentido diverso, ver Luhmaim, 1973b: 1. 71 . Um conceito de Hofstadter ( 1986:12 e 728ss.) empregado nesse contexto por Lu.lunann ( l 986c: l Ss.). Cf. também Tcubncr, 1989: 9. 72. Sobre o Direito positivo como sistema cognitivamente aberto na medida cm que é fechado operacional, nonnativamente, ver Luhmatm, l 983b: esp. 139 e l 52s., l 984b:11 Oss., 1993:38ss.; Neves, 1992:37-4 l. Retomaremos a esse tema no cap. III.1.2. 73 . Luhmaim, 1990a:187. 74 . Sobre a diferença entre códigos e critérios ou prograinas, cf. Luhmaim, l 986a:82s. e 89ss.; em relação especificainente ao sistema jurídico, idem, l 986h: l 94ss., 1993 : l 65ss. Retomaremos a essa distinção no Cap. ill.1.

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ção entre Constituição e lei. À luz do conceito de " mecanismos reflexiYos"75, é possível exprimir-se isso da seguinte forma : a Constituição como normali zação de processos de produção normativa é imprescindível à positividade como autodeterminação operativa do Direito. O Direito Constitucional funciona como limite sistêmico-interno para a capacidade de aprendizado (-> abertura cognitiva) do Direito positivo; com outras palavras : a Constituição determina, como e até que ponto o sistema jurídico pode reciclar-se sem perder sua autonomia operacional76. A falta de uma regulação estritamente jurídica da capacidade de reciclagem do sistema jurídico conduz - em uma sociedade hipercomplcxa, com conseqüências muito problemáticas - a intervenções diretas (não-mediatizadas pelos próprios mecanismos sistêmicos) de outros sistemas sociais, sobretudo do político, no Direito. Porém, é de observar-se que o sistema constitucional também é capaz de reciclar-se em relação ao que ele mesmo prescreve. Essê caráter cognitivo do sistema constitucional expressa-se explicitamente através do procedimento específico de reforma constitucional, mas também se manifesta no decorrer do processo de concretização constitucional. Não se trata, por conseguinte, de uma hierarquização absoluta . Principalmente as leis ordinárias e as decisões dos tribunais competentes para questões constitucionais. que numa abordagem técnico-jurídica constituem Direito infraconstitucional, determinam o sentido e condicionam a vigência das normas constitucionais 77 . A circularidade é mantida, pelo menos na 75 . A respeito, ver Lulmiann, l 984a. 76. Em consonância com isso, escrevia Lulmrntm (1973b:l65): "Distinguem-se o sentido e a função da Constituição pelo emprego de negações explícitas, negações de negações, demarcações, impedimentos; a Constituição mesma é, conforme sua compreensão fom1al, a negação da alterabilidade ilimitada do Direito". Parece simplista a crítica de Canotilho (1991 :86s.), no sentido de que esse conceito fonnal negativo implica a "expulsão de elementos sociais" e seja, portanto, incompatível "com o texto constitucional de um Estado democrático socialmente orientado como é o português". Nada impede que a Constituição como mecanismo de limitação da alterabilidade do Direito adote elementos social-democráticos. Antes caberia observar que esse conceito de Constituição é incompatível com o sistema político do Salazarismo. 77. "Pode haver diferenças de influência, hierarquias, assimetrizações, mas nenhuma parte do sistema pode controlar outras sem submeter-se, por sua vez, ao controle; e nessas circunstâncias é possível, antes altamente provável em sistemas orientados no sentido, que cada controle seja exercido em antecipação do 67

"relação de mistura" e ntre criaç;lo e aplicação do Direito 7x. De acordo com o enfoque da teoria dos sistemas. a Constituii'lo desempenha uma função descarrega nte para o Direito positivo co mo subsistema da sociedade moderna , caracterizada pela supcrcomp lcxidade. Impede que o sistema jurídico seja bloqueado pelas mais di,·crsas e contraditórias expectativas de comportamento que se desenvolvem no seu meio ambiente. Essa função descarregante é possível apenas através da adoção do ''princípio da não-identificação" 79 . Para a Constituição ele significa a não-identificação com concepções globais (totais) de caráter religioso . .moral , filosófico ou idcológico80 . A identificação da Constituição com uma dessas concepções viria bloquear o sistema jurídico, de tal maneira que ele nã o poderia produz ir uma complexidade interna adequada ao seu hipercompl exo meio ambiente. Uma Constituição identificada com "visões de mundo" to ta li zadoras (e, portanto. excluden tes) só sob as condições de uma sociedade pré-moderna poderia fun c ionar de forma adequada ao seu meio ambiente. Nesse caso. o domínio de rcprc-

sc ntaçõcs morais com va lidade socia l g lobali1.;111tc pressupõe u111 a sociedade s impl es. pobre cm poss ibilidades. na q11<1I ai nda n:lo há . portanto. os elementos cstrn turai s para a difere nc iaç;1o (positiv;1<,:;1o) do s istema ju rídico . Uma "Co ns l it uiç;1o-q ue-se- ident i fica" produ;:. na s condições co ntempor;incas de alta comp lex idade e contingência da sociedade. efei tos disfuncionais adifcrcnciantes para o Direito. na medida cm qu e falta s intonização entre sistema jurídico subcomplcxo e meio ambiente supcrcomplexo81. Nessa perspectiva. pode-se até mesmo acrescentar que uma .. Constituição que se identifica" com concepções tot al i1.adoras n;lo se apresenta como Constituição no sen tido estritamente moderno. na medida cm que, cm \'irtude da "idcntifi caçélo". n;io é Constituiçilo juridicamen te diferenciada. mas sim um conj unto de princípios constitutivos su periores. que tem a pretensão de valer diretamente para todos os domínios 011 mecanismos sociais.

1.3. ./. Função Social e J>restação Política da Co11slit11ição controle inverso" ( Luhmaim, l 987a:63; cf. cm relaç ão cspccilicamcnte ao sistema jurídico, idem , 1981 i:254s. ). 78. Da teoria va ' ' est~ra escalonada" do ordenamento jurídico fonnulada por Ôhlinger ( 1975 ), uma variante da teoria pura do Direito, l .uhnrnnn fitz uma leitura no sentido de que o escalonamento do sistema jurídico se refere apenas à ''relação de mistura" entre criação e aplicação do Direito, para acrescentar: " Um passo além di sso seria conceituar a relação de criação/aplicação do Direi lo a cada grau como circular, portanto, como auto-referencial. l'. ntão, a cstrntura escalonada seria uma decomposição e hierarquização da auto-referência limdamental do Sistema" (Luhmann, l 983h: 141 , nota 26; cr. tamhém idem , l 990b: 11 ). 79. Empregamos aqui, à IÜz da perspectiva da teoria dos sistemas, o conceito de não-identificação (do Estado) de Kriigcr ( 1966 178-85), que l lollerhach ( 1969:52-57) adotou especificamente em relação à Constitui ção. Não desconhecemos que tal princípio desempenha um forte papel ideoló gico na discussão sohre "i nimi gos da Constituição" . Mas, por outro lado, c k com:sponde , na perspectiva axiológica de Hahcnnas, ao princípio da indisponibilidade: do Direito ou da imparcialidade do Estado de Direito (cf. Jlahennas, l 987a, 1992 :583 ss. ). 80. Hollerbach, 1969:52 . Nesse sentido, embora apoiado cm outros pressupostos teóricos, afinna Grimmer ( 1976:9): ''As finalidades de grnpos sociais ou partidos políticos e os desejos, interesses e necessidades de ação estalai que estão na base dessas tinalidades não têm nenhuma validade geral imediata".

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Tendo cm vista o " princípio da não- ide ntifi cação''. pode-se esc larecer qual a relação da Constituiçi'io mode rna . e nquanto subsiste ma cio Direito. com a soci edade co mo 11n1 todo. o u seja . qual sua .fi111s sociais e para dctenninados in teresses parti culari stas . Mas l: _j11ridic<1 111e11tc ··t ~i s l'1111cio­ nal " no sent itlo de que l: nomwtivamen te e:-;cludente . desc. >1 lLL-.CJHl o" dill:renciação e a pi uralidadc contradi ló ria da s e:-;peclat ivas 11orn1at iV
/. 3.1 1. Direitos Fundamentais (diferenciação da sociedade) e Estado de hem-estar (inclusão) A través da Institucionalização dos direitos fundarnentais 83 a Constituição reconhece a supercornplexidade da sociedade, a dissolução de c ritérios socialmente globalizantes de orientação das expectativas, a inexi stê ncia de um sistema social supremo. Os Direitos fundamentais servem ao dese nvolvimento de comunicações cm diversos níveis diferenciados . Sua função relaciona -se com o " perigo da indiferenciação" (especialmente da " politização" ). isto é. exprimindo-se positivamente, com a " 111anulcnç:lo de uma ordem diferenciada de co11111nicaçiio" 8·1• Mediante a i11 stituc io11ali/.ação dos direitos constitucionais fundamentais, o direit o positivo responde étS exigências da sociedade moderna por diferenc iação sistêmica . Assim sendo, na hipótese de " Constituição" identificada com concepções totalizadoras, por serem excluídos ou deturpados os direitos fundamentais , não se consideram a pluralidade e contingência das expectativas, produzindo-se, portanto, uma indifcrenciação inadequada à complexidade da sociedade contemporânea 85 . Em resumo, 1 ·- ·

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83. O conceito de "institucionalização., tem aqui um sentido abrangente, incluindo as dimensões temporal, social e material , ou seja. nomrntização, consenso suposto e identificação generalizada de sentido: "Instituições são expectativas de comportamento generalizadas temporal , material e socialmente, e co11stiluc111, enquanto tai s, a cslrntura de sistemas sociais" (Luhmann, 1965: 13, o qual, posteri onnentc, restringe o conceito à dimensão social, isto é, ao "consenso suposto" - cf. l 987h:64ss. ). Por sua vez, cm consonância com esse signi li cado amplo , Mayhcw ( 1968: 19) aponta para três momc.::ntos imprescindíveis ú institucionalização jurídica de um valor: ( 1) "uma interpretação do valor é juri dicamente reforçada "; (2) "hú uma maquinaria para invocar sanções contra violações'' ( o rg.ani1~ 1ção jurídica); (3) "a maquinaria jurídica é sistematicamente in vocada cm casos de possível violação da nomrn'' ("execução sistemática" ). 84. Luhmann , 1965:23-25 . 85. Em hannonia com essa colocação parece-nos encontrar-se a crítica de Lcfort ( 1981) ús tendências totalitárias contrárias aos "droits de l'honune" , na mcdic.la cm que ele reconduz a institucionalização desses direitos à diferenciação ( desintrincamento) de poder, lei e saber ( 1981 :64 - tr. br., 1987:53). Mas também na postura crítica de Marx ( 1988:361 ss.) com relação aos "direitos do ho111c111" (" cm contraposição aos direitos do cidac.liio") como "c.lircitos do mcmb1 0 da sociedade b11rg11csa. isto é, do homem egoí sta" (lM ). pode-se observar u111;1 co11e\iio co111 o p1oblcma da dili.:renciaçilo hmcional: "O homem não foi por i sso 1ilic1lado da rei igiilo. ele obteve a 1iherdade religiosa. Nilo foi 1ihcrta
pode-se afirmar: através dos direitos fundamentais a Constituição Moderna, enquanto subsistema do Direito positivo, pretende responder às exigências do seu meio ambiente por livre desenvol~iment? da ~ municação (e da personalidade) conforme diversos cóchgos diferenetados. A concepção corrente do Estado de bem-estar diz respeito à sua fimção compensatória, distributiva, para acentuar que um mínimo de realidade dos direitos fundamentais clássicos (liberal-democráticos) depende 86 da institucionalização dos "direitos fundamentais sociais" . Propondo um modelo interpretativo mais abrangente, Luhmann conceitua o Esta7 do de bem-estar com base no princípio sociológico da inclusi10R . "O conceito de inclusão refere-se à integração de toda a população nas prestações de cada um dos sistemas funcionais da sociedade. Ele diz res~i­ to, de um lado, ao acesso, de outro lado, à dependência da conduta individual a tais prestações. Na medida em que a inclusão é realizada, desaparecem os grupos que não, ou apenas marginalmente, participam da vida social" RB. A contrario sensu , pode-se designar como exclusiio a manutenção persistente da marginalidade89 . Na sociedade moderna · atual , isso significa que amplos setores da população dependem das prestações dos diversos sistemas funcionais, mas não têm acesso a elas (subintegração )90 . propriedade, obteve a liberdade de propriedade. Não foi libertado do egoismo da indústria, obteve a liberdac.le industrial" ( 1988:369). Marx fala, porém, de "decomposição do homem" (357). 86. Cf. Grimm, 1987b; Grimmer, 1976:1 lss.; Bonavides, 197L 87. Cf. Luhmann, J98 lj :25ss., recorrendo aqui (25) expressamente a Marshall (1976 ). 88. Luhmann, l 98 lj :25 . Acompanhando Parsons, acentuam Luhmann e Schorr ( J 988:31) que a inclusão se refere apenas aos papéis complementares: "Nem todos podem tomar-se médico, mas qualquer um, paciente; nem todos podem tomar-se professor, mas qualquer um, alWlo". Além d? mais,? prin~í~io da inclusão não nega que, "como sempre, as camadas supenores sejam d1stmguidas pela maior participação em bem todos domlnios f Wlcionais" (Luhmann, 1981j:26). 89. Cf. Luhmam, J 981 j :255 ., nota 12. Para uma reavaliação do problema da inclusão/exclusão na sociedade de hoje, v. Luhmann, l 993 :582ss. 90. A sohrcintegração seria, cm contrapartida, a i11depe11dência com respeito its regras combinada com o acesso às prestações de cac.la um dos subsistemas da sociedade. A respeito, cf. Neves, J992:78s. e 94s. Retomaremos ao tema no

71 70

Definindo -se o Estado de bem -esta r como "'incl usão po líti ca rea lizada"91 e, porque Estado de Dire ito, como incl usão ju rídica rea li zada. observa-se q ue os " d irei tos funda me nta is socia is" por e le insl itu ídos constituciona lmente são imp rescindíveis à instit11cio11ali1.aç;lo rea l dos direitos fundamentais referentes à liberdade ci\'il e à participaç;lo política92. Isso decorre do fato de que a inclusão de toda a população nos diveros sistemas sociais e a diferenciação funcional da sociedade pressupõem-se reciprocamente, na medida em que a exclusão de grupos sociais e a auto-referência operacional dos sistemas funcionais são incompatíveis93. Nessa perspectiva pode-se afirmar que, na sociedade superco m p lexa de hoje, fundada em expectativas e interesses os mais diferenciados e contraditór ios, o D irei to só poderá exe rcer satisfatoriamente sua função d e congrue nte gene rali zação de expecta tivas norma tivas enq ua nto fo re m instituciona lizados co nsti tuci ona lmen te os princípios da incl usão e da d iferenciação func iona l e. por conseguinte. os direitos fundamentais sociais (Estado de bem-estar) e os concernentes à liberdade civ il e à participação política .

1.3. 4.2. Regulação Jurídico-Constitucional do Procedim ento Eleitoral Muito embora a institucionalização dos direitos funda me ntais abranja o direito eleitoral 94 e, portanto, possa ser definida como f unção do sistema jurídico, é possível , sob outro ângul o, cons idera r a regul ação constitucional do procedim ento eleitoral como prestação do Direito perante o sistema político95 . As di sposições constituciona is refe rentes ao sufrág io universa l, igual e secreto têm por obje tivo assegurar a independê ncif do eleito r c m rel ação a seus outros papé is sociais96 e, dessa ma neira , imuni za r o procedi Cnp.

m. 6.

9 1. Luhmann, 1981 j :27. "Para o Estado de bem-estar a inclusão polí tica da população é uma necessidade funcional. .. "(idem , 198 lj:118). 92 . É nesse sentido que o conceito de cidadania de Marshall ( 1976:7 1ss.) abrange os direitos civis, políticos e sociai s. Acompanhando Marshall , cf. 11endix , l 969 :92ss. 93 . Luhmann, 1981j : esp. 26s., 35e118. 94 . Cf. Luhmann, 1965 : l 86ss. 95 . Cf. Lulunann, l 983a 155ss. 96. Lulunarm, l 983a : 159.

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men ta e lcilora l cont ra diferenças de status e opi 11 i;1o·n Isso i 111plica ria . segundo L uhm a nn . a passage m de cr il cr ios baseados cm alrih111os (esl<Í li cos) para cri lérios fundados 11a apli ). o qua l, embora um mecani smo pré-mod<.:mo (uma '" ligura me
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, ·as e i111 c rcsscs constituti vos da sociedade. Ev idc111 c111cnt c, para que a eleiçflo atue como mecanismo de apoie ge ne ralizado e de diferenciação do sistema político, imunizando-o dos bloqueios particularistas, não é suficiente a existência de um texto constituciona l que preveja o procedimento respectivo. Através da experiência dos países periféricos, demonstra-se, muito claramente, até que ponto por falta de pressupostos sociais as normas constitucionais sobre procedimento eleitoral são deformadas em seu processo de concretização, como ocorre tipicamente no caso brasileiro 1º3 .

1.3. 4.3. "Divisão" de Poderes e Diferença entre Política e Administração 1

1.

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li , JI

Também especificamente contra a possibilidade de indiferenciação do Direito e da Política, as constituições modernas institucionalizam a "di visão de poderes" . A iníluência da comunicação conforme o código do poder sobre a comunicação de acordo com o código jurídico é, dessa ma neira . intermediada pelo próprio Direito. Luhmann acrescenta : " Através da di visão de poderes o código do poder é, cm princípio, associado ao Direito. Processos decisórios são conduzidos pela via do Direito" 'º '. Assim sendo, a "divisão de poderes" pode ser considerada como lirnitaçfio do poder político por uma esfera jurídica autônorna 105 . Porém, cumpre também "a função de filtragem entre política e administração, e a função de prolongamento da cadeia do poder, que, do mesmo modo, não podem prescindir de um apoio na Constituição" 106 . Nessa perspecti va. a introdução de procedimentos funcionalmente diferenciados (l eg islat ivo. judicário e político-administrativo), através da instilucionali zaçfio da "di visflo de poderes" . aumenta a capacidade dos sistemas políti co e jurídico de responder às exigências do seu respectivo meio ambie nte. repleto de expectativas as mais diversas e contraditórias 1º 7 • A ausê ncia ou dcfo ni1aç:lo do princípio da "divisão de poderes" leva à indifcrenciação das esferas de vida (politização totalizadora) e tem-se de103 . A respeito, ver Neves, l 992 :97s. e 170ss. 104 . Luhrnann, 1973b:l 1. 1O5. Essa é a concepção corrente, que remonta a Montesquieu ( 1973: 16879 - Livro X I, Cap. VI). 106. Lulunann, l 973b:11 s. 107. A respeito, ver Luhmann, l 983a.

monstrado incompatível com a complexidade da sociedade atual. Como coroli1rio da "divisão do poderes", o Direito Constitucional estabelece a diferença entre política e administração 108 . Através dessa prestação do Direito positivo perante o sistema político, a administração é neutrali zada ou imuni zada contra interesses concretos e particulares; ela atua, então. conforme preceitos e princípios com pretensão de generalidadc1 º9. Com isso não se exclui que as camadas superiores da sociedade exercem uma influência mais forte na elaboração e execução do programa administrativo, mas se afirma que o sistema político (em sentido amplo) dispõe de mecanismos próprios de filtragem diante da atuação de fatores externos. Nesse sentido, os funcionários administrativos precisam, " não raramente, impor-se contra membros da sociedade pertencentes a categorias superiores e necessitam, por isso, de direitos especialmente legitimados para decidir vinculatori<_1mente" 110 . Em conexão com essa exigência, decorre que, num sistema pólítico que diferencia e especifica funcionalmente os seus subsistemas, à administração executante não devem ser atribuídas simultaneamente funções de legitimação política. busca do consenso e controle das desilusões. porque tal mescla de funções importa-lhe uma sobrecarga de efeitos colaterais que dificultam a sua racionalização e eficiência 111 . Quando se dá o contrário. como se observa nos países periféricos. ocorre a particularização e politização da administração, com os seus condicionamentos e implicações negativos: partindo-se de "baixo" (subintegrados), a administração é envolvida com necessidades básicas concretas das camadas inferiores, que, sob essas condições, " não podem esperar" 112 e. portanto, são facilmente manipuláveis por concessões administrativas contrárias aos princípios constitucionais da impessoalidade, legalidade e moralidade administrativa1 13 : partindo-se de "cima" (sobreintegrados). a administração é blo!08 . Cf. Luhmann, l 973h:8-l 2, relevando o valor dessa diferença em face

do próprio principio clássico da "divisão de poderes". !09. Nessa orientação sustenta Luhma1U1 (1965 :155) que a diferença entre política e administração possibilita "a aplicação prática da nonna de igualdade". 11 O. Lulunann, 1965 : 147. 111 . Lulunann, I 983a:2 l I. 112. "As necessidades básicas devem ser, em todo caso, satisfeitas, para que qualquer pessoa possa esperar" (Luhmann, l 983a: 198). 113 . Em outra perspectiva, conforme o modelo "antes - depoi s" da teoria da modcmi1.açiio, escrevia J,uhmann, ( l 983a:65, nota 1O): " ... fatos que em socie75

qucada por interesses particula'ristas de grupos privilegiados. •'

2. Texto Constitucional e Realidade Constitucional

2. /. A Relação entre Texto e Realidade Constitucional como Concretização de Normas Constitucionais

O conceito de Constituição sistêmico-teorético que adotamos acima estrategicamente, vinculado à noção moderna de "const itucionaliznção": pode ser complementado mediante a abordagem da rclaç;lo enlre texto e realidade constitucionais. Não se trata. aqui. da f,ldtiga dicolomia ·norma/realidade conslituc iona1' 11 ", mas sim do prdblthfa referente à "con-

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dadcs complexas, fortemente diferenciadas, são considerii~los com1,·ão em sentido amplo, correspondem cm sociedades simples , ao contrúrio, ú expectativa moral, sendo diretamente exigidos - deve-se ajudar o próximo! Isso ensinaram-nos investigações mais recentes sobre os países em dese11vo/vime11to, os quais , nessa questão, encontram-se numa fase de transição com contlito institucional" (grifos nossos). No caso investigado, não se trata, porém, de um problema de sociedades simples cm " fase de transição" ("países em desenvolvimento"). Ele resulta, ao contrário, da ''heterogeneidade eslrnlural" de sociedades complexas, modernas, os países periféricos, e pode ser melhor interpretado sistêmico-teoreticamente como sintoma de complexidade estruturada insuli<.:iente 011 inadequadamente (ver ahaixo Cap. 111.ú .). l 14 . A teoria de Jcllinek da força nonnativa do tati1.:o ( l 97ú: 337ss.) não se desliga dessa tradição . Hesse ( 1984) pennanece, em parte, ainda vinculado a esse dualismo, na medida em que , no seu modelo , traia-se apenas da " relação da Constituição jurídica com a realidade" (8). /1. respeito, criticamente, cf. Milller, 1984:77-93 . Ver também, sob outro ponto de vista, as ponderações de Ritter ( 1968) sobre a concepção da realidade constitucional como fonte do Direito. Lulunann critica , por sua vez, a discussão tradicional sohre a discrepância entre texto e realidade constitucionais, pois, "para isso, não se precisaria de nenhum conceito de Constituição e nenhuma teoria da Constituição" ( 1973h:2), o que , evidentemente, não é o caso no presente trabalho. Por fim , é de observar-se que, na perspectiva da teoria dos sistemas, a distinção entre Oireito c realidade constitucionais só pode ser concebida como expressão jurí
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cretização" das normas constitucionnis 11 ~. que. nessa perspectiva. n;lo se confundem com o texto constit11cional 11 0 . Sob esse novo ponto de vista . o texto e a realidade constitucionais encontram-se cm permanente relação através da normatividade constitucional obtida no decurso do processo de concretização. Na teoria constituc"ional alemã. destn cam -se nessa direção os modelos de Friedrich Müller e Peler H ~iberle . De acordo com a concepção de Miillcr, a norma jurídica compõe-se do programa normativo (dados lingüísticos) e do âmbito nornrntivo (dados reais) 11 7 . A estmtura normativa resulta da conexão desses dois componentes da norma jurídica 118 . Portanto. a concretização da norma jurídica. sobretudo da norma constitucional. nfio pode ser red11/.ida à " interprctaç;lo aplicadora" do texto normativo. o qual oferece diYersas possibilidades de compreensão 11 9 e constitui apenas um aspecto parcial do programn normativo 120 : ela inclui. a lém do prog rama normativo. o âmbito normativo como " o conjunto dos dados rea is normati vame nle relevantes para a concreti zação individ11al" 111 . Nesse se ntido . Miillcr define a normatividade cm dua s dimensões: .. '1\'om1atividode' s ignifica a propriedade dinâmica da 1-. . 1 norma jurídica de influenciar a rea lidade a ela relacionada (normatividade concreta) e de se r. ao mesmo tempo, influenciada e estmturada por esse aspecto da realidade (normatividade materialmente determinada)" 121 . Se o âmbito normativo. que importa u115. A respeito, ver Müller, 1984 , l 990a, l 990h; Chri stenscn , 1989 87ss. Cf. tamhém l lesse, l 980:24ss. 11 6. Cf. Milller, 1984 esp. 147-ô7 c 234-40, 1990a : 12(iss, l9 90h esp. 20; Christensen, l 989 :78ss.; Jcand' l leur, 1989: esp. 22s. 117. Milller, 1975 38s., 1984 :232-34, l 990b:20 . 118. Miiller, 1984 : 17 e 250; cf. tambón idem, l 990b: l 24ss.; Christcnscn, 1989:87. 11 9. "Os problemas hcnnenêuticos complexos residem 110 espaço que o texto nonnativo deixa aberto às diversas possibilidades de compreensão" (Mii ller, 1984: 160). 120. Milllcr, 1984:252 . Fonn ul ando de fonna mais radical , alirma Miiller ( 1990b:20): "O texto normativo não é 1- .. ] componente conceituai
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.... . .

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ma função seletiva perante os âmbitos da matéria e do caso 123 , não se constitui de forma suficiente, a normatividade do respectivo texto constitucional é atingida 124 • Faltam. então, as condições e os pressupostos para a " produção" da norma jurídica - "que rege mediatamente um caso determinado" - e, portanto, da norma de decisão - " imediatamente normativa, reguladora do caso determinado" 125 • Nesse contexto não se fala de legislação e de atividade constituinte como procedimentos de produção de norma jurídica (geral), mas sim de emissão de texto legal (" Gcsetzestextgebung") ou de emissão de texto constitucional ("Verfassungstextgebung'' ) 12". A norma jurídica, especialmente a norma constitucional, é produzida no decorrer do processo de concrctização 127 • Com a perspectiva de Müller, "referente à matéria", compatibiliza-se a orientação de Haberle, " relativa a pessoas e grupos" 128 • Através do ensaio " A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição" 129 , Haberle, além de indagar os fins e métodos da interpretação constitucional, põe sobretudo a "questão dos participantes", para propor a tese: "Nos processos de interpretação da Constituição. estão potencialmente envolvidos todos os órgãos estatais. todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos" 130 . O fato de que o Direito Constitucional " material", conforme esse modelo, surge de uma multiplicidade de interesses e funções. implica a diversidade prática de interpretação da Constituição 131. Dessa maneira, não se superestima a significação do texto constitucional. co mo na doutrina tradicional da interpretação 132 • No primeiro plano 123. Cf. Müller, 1984:253-56, l 990b:128; Christensen, 1989:88. 124. Cf. Müller, 1984 :171. 12 5. Sobre a distinção entre nomrn jurídica (geral) e norma decisória ( individual), ver Müller, l 984 :264ss. Cf. idem, l 990a:48; Christensen, 1989:88. 126. Cf. Müller, 1984:264 e 270. 127. "/\ nomrn jurídica só é produzida no decurso da solução do caso" (M üll er, 1984 :273 ). Cf. Christensen, 1989:89. Nesse sentido, afinna Müller que o juiz não é "legislador de segundo grau", mas sim "o único legislador, mesmo que isso soe estranho" (Müller, 1990b: l27, nota 16). Para mna explanação didática da concepção de Müller em língua portuguesa, ver a síntese de Canotilho, 199 1:208ss. e 221 ss. 128. Assim as qualifica Ladeur, l 985:384s. 12 9. Haberle, l 980b. 130. Haberle, l 980b:79s. 131 . Haberle , l 980b:93s. 132 . llaherlc, l 980b:90.

do processo interpretativo encontra-se a "esfera pública pluralística" 133 • De acordo com essa abordagem, pode-se afirmar: o texto constitucional só obtém a sua normatividade mediante a inclusão do público pluralisticamente organizado no processo interpretativo, ou melhor, no processo de concretização constitucional.

2.2. Concretização Constitucional e Semiótica As teorias constitucinais de Müller e Haberle são passíveis de uma abordagem de acordo com a distinção semiótica entre sintática, semântica e pragmática 134 . Em Müller, trata-se das características semânticas da linguagem jurídica, especialmente da linguagem constitucional, a ambigüidade e a vagueza 135, que exigem_um "processo de concretização" , não simplesmente um "procedimento de aplicação" conforme regras de subsunção. No caso de Haberle, a questão diz respeito à relação pragmática da linguagem com diversos expectantes e "utentes", o que implica um discurso conflituoso e "ideológico". Os aspectos semânticos 133. " O jurista constitucional é apenas um intermediário" (Httberle, l 980b:90). Dessa maneira, Haberle deixa de considerar o papel seletivo que os participantes, cm sentido estrito, do procedimento de interpretação da Constituição (cf. idem, l 980b:82s.) desempenham perante o público. Visto que a "esfera pública" não constitui uma unidade, mas sim uma pluralidade de interesses .conflitantes, surgem expectativas constitucionais contraditórias, que serão, portanto, selecionadas ou exluídas no processo interpretativo da Constituição. 134. Essa divisão da semiótica em três dimensões, que remonta à distinção de Peirce entre signo, objeto e interpretante (cf. 1955:99s., 1985:149ss., 1977: esp. 28, 46, 63 e 74 ), foi formulada por Morris (l 938:6ss.) e adotada por Carnap (1948:8-11). Diversas correntes da teoria do Direito empregaram-na; cf., p. ex., Schreiber, 1962:10-14; Viehweg, 1974:11 lss.; Ross, 1971:14-16; Kalinowski, 1971 :77s., 82-93; Capella, 1968:22 e 76; Warat, 1972:44-48, 1984:3948; Reale, 1968:173. 135. É verdade que isso é amplamente reconhecido; mas do incontestável são retiradas as mais diferentes conseqüências - cf., p. ex., Kelsetl, l 960:348s. (tr. br., 1974:466s.); Smend, 1968:236; Ehrlich, 1967:295; Ross, 1971:11 Is., 130. Especificamente sobre a ambigüidade e vagueza da linguagem jurídica, ver Carrió, 1986:28ss.; Koch, 1977:4lss.; Warat, 1984:76-79, 1979:96-100. Em conexão com a função simbólica do Direito, ver também Edelman, 1967:139ss. 79

e pragmáticos re lacionam -se, porém, mutuamente : a arnbig üidade e vagueza da linguagem constitucional levam ao surg imo.11to de e xpectati vas norma tivas dife rentes e co ntraditóri as perante os te< tos .;ormativos ; por outro la do, as cont ra dições de interesses e de op ini ões entre expecta nt es e agen tes constitucionais fort ificam a variabi lidade da significação do texto consti tuciona11:io. Somen te sob as co nd ições de uma unidade de interesse e concepção do mu ndo, as q uestões constitucionais perderiam sua relevância semâ ntico-pragmática , pa ra se torna re m p rima ria mente questões sintáticas, orientadas pelas regras da dedução lógica e subsun ção. Mas uma tal situação é se guramente incompa tíve l com a complexi dade da sociedade moderna, especialme nte no que di z respe ito aos conflitos . Nessa perspectiva semiótica, justifica-se entã o a reação c rítica da tópica (Viehweg ), d a hermenêutica normativa estrutu ra nte (Müll e r) e da inte rpretação constituciona l pluralíslica (Habe rl e) à prete nsão do positiv ismo jurídico de tratar os problemas constituc iona is. e nquanto que stões jurídicas, primariamente sob seus aspectos sintáticos. .. Modo de pensar situacional" 13 7, " processo de concreti zação" e '·esfera pública pluralística" são fórmulas distintas de acentuar a equivocidade semântica dos textos constitucionais e a pluralidade pragmática das expectativas constitucionais (dissenso valorativo ou " ideológico" na "comunidade" discursiva) . Dessa maneira , cm contraposição ao positivismo jurídico, a dimensão sintática fica subordim1da à sem<'intico-pragmática138. Observa-se que a operação lógico-sintática de subs1111ção pressupõe um complicado processo semântico-pragmático de co11cretização 136. A respeito, afinna Edelman ( 1967: 141 ): '· Para os diretamente envolvidos, o sentido do Direito_mo(lifica-se constante e notavelmente com as variações na iníluência dos grupos". 137. Cf. Viehweg, 1974:11 lss. (tr. br., 1979:10 1ss.). Observe-se que para Viehweg o padrão semântico de pensamento é não-situacional, na medida em que o signifi cado das palavras estaria fi xado para sempre ( cf. 1974: 114 - tr. br., 1979: 103 ). Porém , pode-se distinguir entre modo de pensar s i11tático-semântico, que implica uma significação univocamente fi xada do signo (cf. idem, 1974: 111s. - tr. br., 1979: 1O1s. ), e modo de pensar semântico-pragmático, que pressupõe a variabilidade do sentido dos tem10s e expressões. 138. Em confomlidade com o estrnturalismo lingüístico, poder-se-ia afirmar: no tocante à linguagem constitucional, as relações paradigmáticas (associativas) têm predominância sobre as sintagmáticas ( cf. Neves, 1988: 150-52 ). Sobre essa distinção, cf. as re ferências da nota 17 do cap. 1.

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normativa 139 . Tudo isso impli ca que a lin g uage m jurídica . sob retudo a co11st it uc io11al , não é uma ling ua ge m artifi c ia l. mas si m um tipo espec ia li 1.ado da ling uagem ordinária ou na tu ra l 110 • que , portanto. desenvo lve-se bas ic<1men te a partir da situação semântico-pragmátirn. \'ariando int e nsa mente de significado conforme a situação e o contexto comwlicatirns' ·'i . Assim sendo, é inconcebível um isolamento sintático. mediante a neutra li zação dos p roblemas semânticos e pragmáticos. a fa\'or da uni vocidade e d a segura nça de expectativa . Possível é. no e nt anto, a se letiv idade conc reti za nt e a través de proced imentos e argumen tos, q ue. porém , pode m va ria r se ns ive lme nte de caso para caso . A propós ito. é de observar-se que ta mbé m numa perspecti \·a semiótica a s upre mac ia norma ti va h ierá rqu ica da Co nstituição deve ser re la ti 139. Cf Christensen, 1989 88; Neves , 19881 J (is 140 . Cf Vi ssert'l lloo ll , 1974 ; Carrió, l 986:49ss.; Greimas e Lamlowski . l 981:72s.; Ol ivecrona, 1968:7. De acordo com o modelo luhmanniano , pode-se sustentar que a especialização e.la linguagem ordinária rel aciona-se com 0 desenvolvimento separado de meca ni smos complement ares para a 1inguagem , " na fonna de meios de comuni cação simholi ca mente generali1.ados para cada domínio funcional " (ver Cap . 1. 1.7.), e, por isso, com a lcinnaç ão dos esq11ema tismos binúrios corTespondentes; no caso do Direi to, a espec ia 1i1.ação da 1i11g11agem resullaria do uso do código-dilerença ' licito/ilícito ' excl11 sival1le11le e111 lllll sistema fun cional para isso diferenciado (cf. l.11hlllann , 11J7tl: ' l'oder" , 11ao e\ a lamente ao 1~1ei o de comuni cação ' Direito ' - mas cf ac im a nota 5J deste c
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vii.ada . A separação completa entre metalinguagem e linguagem-objeto1 '11 tem sentido apenas no plano sintático. Na dimensão semânticop rag má~ica condicionam-se reciprocamente metalinguagem e linguagem-objeto. Por outro lado, embora o texto constitucional atue como metalinguagem em relação à "concretização constitucional" as decisões interpretativas da constituição representam metalinguagem ~om respeito ao texto constitucional (linguagcm-objcto) 1 ~ 3 . Se se tem presente a caracterí stica do texto constitucional de ser simultaneamente metalinguage m e linguage m-objeto com relação à linguagem concrctizadora, então se pode. sob o ponto de vista scmiót ico, compreender mais claramente tanto a distinção entre norma e texto constitucional, como também a insustentabilidade da concepção tradicional da supremacia hierárquica da Constituição.

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~~. co~or~id~de com uma leitura sistêmico-teórica desse enfoque sem1ot1co-l111gu1sltco, cabe afirmar que o procedimento constituinte é apenas um dos processos de filtragem para a vigência jurídica das expectativas normativo-constitucionais : as expectativas diversas e contraditórias cm relação ao texto constitucional já posto são filtradas ou selecionadas através das decisões concrctizadoras da Constituição; somente então se pode falar de normas constitucionais vigentes. - Caso se queira . sob esse ângulo, insistir na dicotomia Direito/realidade constitucional. ela significa aqui a diferença entre Direito constitucional vigen142. Sobre esse par de conceitos, ver Camap, l 948:3s.; 13arthes, 1964:130:12 (tr. hr ,s.d.: 96-99). .14:1 . Cf. Neves, 1988:160-62. Porém , nesse trabalho anterior (162), a decisãou1 ~~ q1rc lanle da Constituição era caracterizada como metalinguagem "descr~l~va _ com relação às n.o rmas constitucionais, em oposição ao caràter "prcscnl1vo ' destas com respeito à sua própria interpretação-aplicação. No presente trabaHlo trata-se, antes, da relação circular entre texto constitucional e sua pró1~na mterpretação, que também tem implicações nom1<1tivas. Nesse sentido, ai 1rma Luhmann ( 1990a:2 l 7) que "os componentes auto-referenciais realizam-se pelo fato de que também a inteq)retação tenta produzir vínculos nonnativos" nifo se restringindo apenas a falar sobre o texto. O "jurista constitucional" en~ cm1trar-se-ia , então, numa situação idêntica à do lingüista, que, ao falar sobre a lmguagem, tem como seu objeto o seu próprio comportamento (ibid.). Cf. também I lofstadtcr, 1986:24s., crítico com relação à teoria dos tipos de Russell ( 1968: 75-80), na medida cm que essa pretende eliminar "entrelaçamentos" e paradox ms no 111tcnor da lmguagem, levando à hierarquização entre metalinguagem e linguagem-objeto.

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te como sistema constitucional (complexo das expectativas normativas de comportamento filtradas através da legislação e concretização constitucionais, incluindo-se nele as respectivas comunicações) e realidade constitucional como meio ambiente da Constituição (totalidade das expectativas e comportamentos que se referem ao Direito Constitucional com base em outros códigos sistêmicos ou em determinações do "mundo da vida"). - Quanto maior é a complexidade social , tornam-se mais intensas as divergências entre as expectativas em torno do texto constitucional e varia mais amplamente o seu significado no âmbito da interpretação e aplicação. O que é válido para todos os textos normativos é particularmente relevante no domínio do Direito Constitucional, na medida em que ele é mais abrangente na dimensão social, material e temporal.

3. Constitucionalização Simbólica em Sentido Negativo: Insuficiente Concretização Normativo-Jurídica Generalizada do Texto Constitucional Da exposição sobre a relação entre texto constitucional e realidade constitucional, pode-se retirar um primeiro elemento caracterizador da constitucionalização simbólica, o seu sentido negativo: o fato de que o texto constitucional não é suficientemente concretizado normativo-juridicamente de forma generalizada. Parte-se aqui do pressuposto da metódica normativo-estruturante (Müller) de que "do texto normativo mesmo - ao contrário da opinião dominante - não resulta nenhuma normatividade" 144. Por outro lado, não fazemos uma distinção entre realização e concretização constitucionais 14 ~ . Tal distinção só teria sentido se não incluíssemos no processo concretizador todos os órgãos estatais, indivíduos e organizações privadas, restringindo-o à construção da norma jurídica e da norma de decisão pelos órgãos encarregados estritamente da " interpretação-aplicação" normativa. A concretização constitucional abrange, contudo, tanto os participantes diretos do procedimento de interpretação-aplicação da Constituição quanto o "público" 146 • Nesse sentido, ela envolve o conceito de realização constitucional. Mas 144 . Jeand 'Heur, 1989:22. 145 . Em sentido diverso, ver Canotilho, 1991 :207-209. 146. Cf. llaberle, l 980b:82s., enumerando os participantes do procedimento de interpretação constitucional.

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não se trata de um simples conceito sociológico, re levante apenas cm um a perspectiva externa, tendo implicações internas, ou seja, do ponto de vista da a uto-observação do sistema jurídico 1'n E pode-se afir ma r que a falta genera lizada de co ncretização das normas constitucionais. como no caso da constitucionalização simbólica. pode significar a própria impossibilidade de uma distinção entre abordagens internas e extcrnas 148. O problema não se restringe à desconexão entre disposições constitucionais e comportamento dos agentes públicos e privados, ou seja, não é uma questão simplesmente de eficácia como direcionamento normativo-constitucional da ação. Ele ganha sua relevância específica, no âmbito da Consti tucionalização simbólica, ao nível da vigência social das normas constitucionais escritas, caracterizando-se por uma ausência generali zada de orientação das expectativas normat ivas conforme as determ inações dos d ispositivos da Constituição (ver ac ima item 8.4 do cap. 1). Ao texto constituciona l fa lta , então, normatividade. Em linguagem da teoria dos sistemas, não lhe correspondem expectativas normativas cong rue nte mente ge nera lizadas (cf. nota 241 do cap. 1). Nas palavras da m etodologia norma tivo-estruturante, não há uma integração suficiente entre programa normativo (dados lingüísticos) e â mbito ou domínio normativo (dados rea is). Não estão presentes as condições para o processo seletivo de construção efetiva do â mbito norma tivo a pa rtir dos âmbitos da maté ria e do ca so, com respa ldo nos elementos lingüísticos contidos no programa normativo. O âmbito da matéria - " o conjunto de todos os dados e mpíricos r... ] que estão relacionados com a no rma" 149 não se encontra estruturado de tal maneira que possibilite o seu enquadramento seletivo no âmbito normativo . Ao texto co nstituc ional não corresponde norma tividade concreta nem normati vidade mate ri a lmente determinada, ou seja, dele não decorre, com ca ráter generali zado, norma constituciona l como variável influenc iadora-estruturante e, ao mesmo tempo, influe nc iada-est ruturada pela rea lidade a ela coo rde nada. Numa visão sistê mico-teórica, o â mbito da ma té ri a (eco nô mico, po147. Quanto à distinção entre perspecti va i11 tema 011 auto-ohs..:rvação e perspecti va externa ou hetero-observação, em relação, respectivamente, à teoria do Direito/dogmática-j urídica e á sociologia do Direito, ver Luhmann, l 989b, l 986c: esp. 19, l 987b:360s.; Carbonnier, l 978:22s. 148. Nesse sentido, cf. Neves, l 992 :206s. e 210. Retomaremos a esse problema no Cap. ill. 149. Christensen, 1989:88.

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lí ti co, c ie nt ífico, re lig ioso, mora l etc.), subord inado e orie ntad o po r outros códigos-d iferença (ter/não-ter. poder/ não-poder. verdadeiro/fa lso etc.), seja m eles siste mica mc nt c es tru turados 0 11 e nvo lvidos 110 " mundo da vida" 1'º. 11;10 es tariam cm condições de submeter-se a um a co n1utaç;1o seletiva por parte do código jurídico de diferença entre lí ci to e ilíci to. Os procedimentos e argumentos especificamente jurídicos nào teria m relevância funcional cm relação aos fatores do meio ambiente. Ao co ntrário. no caso da constitucionalização simbólica ocorre o bloque io permanente e estrutural da concretização dos cri térios/programas jurídico-constitucionais pela injunção de outros códigos sistêmicos e por determinações do " mundo da v ida", de ta l maneira que. no plano constitucional , ao código " lícito/ilícito sobrepõem-se outros códigos-diferença orien tadores da ação e vivência sociais. Nessa perspectiva, mes mo se admitindo adiferença entre constituciona l e inconstituciona l como código autônomo no in terior do sistema jurídico 151. "o problema reside não apenas na co nsti tuciona li dade do Direito, ele reside, primcira111c11tc, j á na juridicidade da Constituição" 152 . Pode-se afirmar que a rea li dade constituciona l, e nquan to me io amb ie nte do Direito Co nsti tucional. tem rclednc ia ''seleti va", ou melho r. destruti va, cm re lação a esse siste ma . Numa leitura da concepção plu ra lí stica e " processua l" da Co nstitui150. A noção de "mundo da vida" refere-se aqui à esfera 'las w,:ões e vin":ncias que não se encontram diferenciadas sistêmico-funcion,.J mentc, impl icantlo códigos de preferência di fusos. Nesse s..:nti
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ç;lo. lal co1110 a for111ulo11 H iibcrl e ~1, é possível afirmar que o problema da constitucional ização simbólica está vinculado à não-inclusão de uma "esfera pública" pluralista no processo de concretização constitucional. Mas não apenas : além da ausência de um "público pluralista" como part icipan te (em sentido lato) do processo de concretização constitucional , as di sposições constitucionais não são relevantes para os órgãos estatais vinculados estritamente à sua interpretação-aplicação. Nesse sentido, não tem validade, no domínio da constitucionalização simbólica. a afirm ativa de Hesse, baseado na experiência constitucional da (anti ga) Alemanha Ocidental: "Na relação entre União e Estados-Membros (Uindern). na relação dos órgãos estatais entre si como cm suas fun ções, a argumentação e discussão jurídico-constitucional desempenham um papel dominantc" 1 5 ~. Nas situações de constitucionalismo simbólico, ao contrário, a práxis dos órgãos estatais é orientada não apenas no sentido de "socavar" a Constituição (evasão ou desvio de finalidade), mas também no sentido de violá-la contínua e casuisticamc11te1 55. Dessa maneira, ao texto constitucional includente contrapõe-se uma rea lidade constitucional excl udente do "público", não surgindo, portan lo, a respecti va normatividade constitucional· ou no mínimo cabe falar de uma normatividade constitucional rest~ita, 'não generali~ zada nas dimensões temporal, social e material. 1

4. Con sfitu cionalização Simbólica cm Sentido Positivo: Função Político-Ideológica da Atividade Constituinte e do Texto Constituciona l

F111bora sob o ponto de vista jurídico, a constilucionalização simbólica seja caraclcri/.ada nega tivamente pela ausência de concretização no rmativa do texto constitucional , ela também tem um sentido positivo, na medida cm que a ati vidade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um relevante papel político-ideológico. Nesse sentido, ela exige um tratamento diferenciado das abordagens t~adicionais referentes

à " inefidcia" ou " não-realização" das normas constitucionais. Aqui não se desconhece que também as constituições "normativas" desempenham função simbólica, como enfatizaram Burdeau e Edelman, amparados, respectivamente, na experiência constitucional européia e norte-americana 156 ; tampouco que a distinção entre "Constituição normativa" e "Constituição simbólica" é relativa, tratando-se "antes de dois pontos extremos de uma escala do que de uma dicotomia" 157 . Porém, a função simbólica das "Constituições normativas" está vinculada à sua relevância jurídico-instrumental, isto é, a um amplo grau de concretização normativa generalizada das disposições constitucionais. Além de servir de expressão simbólica da "consistência", "liberdade", " igualdade" , "participação" etc. como elementos caracterizadores da ordem política fundada na Constituição, é inegável que as "constituições normativas" implicam juridicamente um grau elevado de direção da conduta em interferência intersubjetiva e de orientaÇão das expectativas de comportamento. Às respectivas disposições constitucionais correspondem, numa amplitude maior ou menor, mas sempre de forma socialmente relevante, "expectativas normativas congrucntemcnte generalizadas" (ver nota 241 do Cap. 1). O "simbólico" e o "instrumental" interagem reciprocamente para possibilitar a concretização das normas constitucionais. A Constituição funciona realmente como instância reflexiva de um sistema jurídico vigente e eficaz. Já no caso da constitucionalização simbólica, à atividade constituinte e à emissão do texto constitucional não se segue uma normatividade jurídica generalizada, uma abrangente concretização normativa do texto constitucional. Assim como j<í afirmamos em relação il legislação simbólica (cf. ilcm 6 do Cap. 1). o elemento de distinção é também a hipertrofia da dimensão simbólica cm detrimento da reali zação jurídico-instrumental dos dispositivos constitucionais. Portanto, o sentido positivo da constitucionalização simbólica está vinculado à sua característica negativa . j{t considerada no item anterior 158 . Sua definição engloba esses

bem

156. Cf. Edelman, 1967: I 8s.~ Burdeau, 1962:398, tratando da "dissolução 153 . Além do artigo já citado no item 2.1 deste Cap. (Haberle, J980b), ver,

a respeito, os outros trabalhos publicados na mesma publicação - Haberle, l 980a. 154 . Ilesse, 1984 :15. 155 . /\q ui nos reportamos a Grimm, 1989:637, que distingue, numa linguagt.: 111 muito si ngular, c11lre "rcali
do conceito de Constituição". Ver também, analisando a função simbólica da retórica das decisões do Tribunal Constitucional federal na Alemanha, Massing, 1989. 157. I3ryde, 1982 :27. 158 . Nesse sentido, aftmia Villegas ( 1991 : 12) com relação à experiência .constitucional colomhiana: " J\. cftcácia simbólica do direito constitucional na Colômbia costuma apresentar-se combinada com uma incftcàcia instnunental,

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dois momentos : de um lado. sua função não é direcionar as condutas e orientar expectativas conforme as determinações jmídicas das respectivas disposições constitucionais; mas. por outro lado. ela responde a exigências e objetivos políticos concretos. " Isso pode ser a reverência retórica diante de determinados valores (democracia. paz) . Pode tratarse também de propaganda perante o cstrangciro" 15º. Nós nos encontramos aqui na esfera do ideológico no sentido de Habcrmas : " O que chamamos ideologia são exatamente as ilusões dotadas do poder das convicções comuns" 160 . Não se trata de ideologia no sentido de Luhmann. que - como neutralização artificial de outras possibilidades161 ou valoração de valores (mecanismo rcílexivo) 102 - estaria à serviço da redução funci o na lmente adequada da complexidade da sociedade contempor;inca 1ó 3 ; nos termos do conceito luhmanniano de ideologia. seria de afirmar-se. c m relação ao caso por nós analisado , que estaríamos diante da atuação unilateral dos aspectos " simbólicos" da ideologia. isto é , perante a falta de sua correspondente " furn,: ;1 o instrnmental"1 6~ . Por outro lado. no presente trabalho a ideologia 11;io é compreendida como deformação de uma verdade essencial . de modo nenhum como uma representação falsa do que "não não é" 105. Em caso de

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ou o que é igual , com um fracasso na realização de seus objetivos explícitos". Mas esse autor generaliza indistintamente a noçiio de eficácia simbólica da Constituiçiio nos tennos da concepção "clássica" de política simbólica (v. acima Cap. 1. 3): "O poder da Con sti tuição - de Iodas as constituições - é timdamenlalmenle simbólico e não jurídico" (idem, l 9lJ 1:8). Subeslimn-se, assim , a relevância regulai i vo-jurídirn das " Consl iluições nonnati vas". 159. Bryde, 1982 :28, que cita a afinnação de um oficial superior de Bangladesh, antes das eleições de janeiro de 1979: ''O Ociden te, e especia lmente o Congresso dos ElJ/\ , gosta de· que sejamos denominados dl! uma democracia. Isso toma para nós mais fácil receber ajuda" (ibid ., nota 6). 160. Habcnnas , 1987b:246 (Ir br. , 1980115). 161. Luhmann , 1962 . 162. Luhmann , l 984c: l 82ss. 163 . " Direito positivo e ideologia adquirem nos si stemas sociais uma função para a redução da compkxidade do sistema e de seu meio ambiente.!" ( Luhmam1 , l 984c: 179 ). IM C f. Luhmann , 1984c:l83 . 165 . Luhmann , ! 962: passim , criticando tal concepção ontológica dl! ideologia , da qual faz parte a noçiio marxi sta de ideol ogia rnmo " folsa con sciência" ( cf. , p. ex ., Marx e fo:J1 gcls, 1990: esp. 26s.~ Engel s, 1985 : 108s , 1lJ8(ia : csp. 5ri.\

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constitucionalização simbólica, o problema ideológi co co11 s is tc e u1 q11e se transmite um modelo cuja realizaç<1o só seria possí\'cl sob condições sociais totalmente diversas . Dessa maneira . perde-se tran s pa rê ncia c m relação ao fato de q11c a situação social corresponde nte ao mode lo co nstitucional simbólico só poderia torna r-se rea lidade medi a nt e u ma profunda transformação da socieda de . Ou o fi gurino constituc io na l atua como ideal, que através dos " donos do poder" e sem prejuí zo pa ra os g ru pos privilegiados deverá ser realizado. dese nvolve ndo-se. c nt ;fo. a fórmula retórica da boa intenção do legi slador constituinte e dos goYc rnantes cm gcral 10º. O " Constitucionalismo aparente" 107 implica, nessas condi ções, uma representação ilusória cm relação à realidade con s titucional 1"x. se rvindo antes para inumi/.:lr o sistema político contra outras altcrnati \'as. Através dele. não apenas podem permanecer inalterados os probl c111as e re lações q11c seriam normatizados com base nas rcs pectl\·a s di s pos ições consti tucionais 1º''. 111as ta111bé111 ser obstrnído o ca111inho da s llludança s sociais cm direção ao procla111ado Es tado Co11 s tit11c io 11al 11º /\o di scurso do poder pertence. então. a invocação permanente do dornlllc nt o co ns ti tucional como estrutura normativa g:irantidorn dos direito f11nda111 c ntai s (civis, políticos e sociais). da " divisão" de poderes e da eleição dc 1110 l 986b:596 ). Um panorama das concept,:õcs de ideologia dominantes 11a lradi çJo tilosó fica e cienlHica ocidental encontra-se cm Lenk ( org. ), 1972 . /\ rcspei to , ver também a síntese de Topitsch , 1<J 59. Quanto ú rclaçJo rnlre 1)irei to e ideologia, Vl!r, sob diversos pontos dl! vista , Maihokr (org.), 1%9 . 166. ·' J°'. ingênuo acred itar que bastaria o legi slador ordenar, cnlJ o ocorreria o querido" (Shindlcr, 1%7:6ú - grifo nosso). Mas, sob dderminadas condições socia is, também é ingenuidade.! acreditar, como Schindler ( 1% 7 67), cm boas intenções do legislador. 167 . Grimm , 1989634 . 168 . Como já observamos acima (Cap. 1. 7.3.), daí não dccone a concepção simpli sta do legislador constitucional e do público, respectivamente , co mo ilusor e iludido. 169. C f. Brydc, 1982 :28s. 170. Cabe advertir, porém, que mesmo as "Constitui ções nonna liva s'' 11 Jo podem solucionar diretamente os problemas soc iais ( cr. ac ima p l'J ). Nesse sentido, enfa tiza Grimm ( 1989 :638) qul! elas " não podem mod 1li L" m di1 cl<1ml!ntc a rl!alidade , mas sim apenas indin:tamenl e in fl uenciar" Considera-se, cnti.lo , a autonomi a dos diversos dominios funcionais no Estado Constitucio11 ;d ((1-l l ). também idem (org.), !<)l)() .

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cr;ítica . e o recurso retórico a essas instituições como conqui sta s do Estado-Governo e provas da existência da democracia no país 171. A fórmul a ideologicamente ca rregada " sociedade democrática" é utili zada pelos govcnan tcs (em sentido amplo) com "constituições simbólicas" tão regularmente co mo pelos seus colegas sob "constituições normativas'', supondo-se que se trata da mesma realidade constitucional. Daí decorre uma deturpação pragnú1tica da linguagem constitucional , que, se, por um lado. dimi nui a tensão social e obstrui os ca minhos para a transformação da sociedade. imunizando o sistema contra outras alternativas, pode. por ou tro lado, co nduzir. nos casos extremos, à desconfiança pública no sistema político e nos agentes estatais. Nesse sentido, a própria função ideológica da constitucionalização simbólica tem os seus limites, podendo inverter-se, contraditoriamente, a situação, no sentido de uma tomada de consciê ncia da di screpância entre ação política e discurso constitucionalista (cf. item 10 deste Cap.) . A constit11cio nali:t.ação simbólica vai diferenciar-se da legislação simbólica pela sua mai or abrangência na s dime nsões social. temporal e mat e ri:1l. Enquant o na legislação simbólica o problema se restringe a rel ações jurídicas de domínios específicos. n;io sendo envolvido o sistema jurídico como um todo, no caso da constitucionalização simbólica esse sistema é atingido no seu núcl eo. comprometendo-se toda a sua estrutura operacio nal. Isso porque a Constituição. enquanto instâ ncia reíl cx i,·a fundame ntal do sistema jurídico (ver item 1.3 .3 desse Cap.), aprese nt a-se como met alinguagem normativa em relação a todas as normas infraconstitucionai s, represen ta o processo mais abrangente de normali zação no interior do Direito positivo. Caso não seja construída norma ti vidade co nsti tucional suficie nte durante o processo de concreti:t.aç;io. ele tal ma neira que ao tex to constitucional não corresponda estrut ura normativa como conexão entre programa e âmbito normativos, a legislação ord inéÍria como lin gua ge m-objeto fica prej udicada cm sua normat ividade . Como vere mos no Ca p. Ili, o próprio processo de reproduç;lo ope raciona l-normati va do Direi to é globalmen te bloqueado nos casos de co nstitucionali zação simbólica. També m não se confunde o problema da constitucionalização simbóli ca com a ineítcácia de alguns di spositivos especíítcos do diploma constitucional . mesmo que. nesse caso, a ausência de concretização 17 1. "l lo je, no mundo inteiro, não deve haver ainda quase nenhum Estado que não dê w;lor a ser qualificado de democracia e, como tal, reconhecido inter11aci o 11; il 11 1t: 11 ie" ( Kri\gcr , 1968:21 ).

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normativa esteja relac ionada com a função simbólica . É sempre possível a existência de disposições i::onstitucionais com efeito simplesmente simbólico, sem que daí decorra o comprometimento do sistema constitucional em suas linhas mestras. Falamos de constitucionalização simbólica quando o problema do funcionamento hipertroítcamente políticoideológico da atividade e texto constitucionais atinge as vigas mestras do sistema jurídico constitucional. Isso ocorre quando as instituições constitucionais básicas - os direitos fundamentais (civis. políticos e sociais), a " separação" de poderes e a eleição democrática não encontram ressonância generalizada na práxis dos órgãos estatais, nem na conduta e expectativas da população. Mas é sobretudo no que diz respeito ao princípio da igualdade perante a lei, que implica a generalização do código ' lícito/ilícito', ou seja. a inclusão de toda a população no sistema jurídico 172, que se caracterizará de forma mais clara a constitucionalização simbólica . Pode-se afirmar que, ao contrário da generalização do Direito que deco rreria do princípio da igualdade, proclamado simbólico-ideologica me nte na Co nstituiçno. a realidade constitucional é então particulari sta. inclusive no que concerne à prática dos órgãos estatais. Ao texto constitucional simbolicamente includcnte contrapõe-se a reali dade constitucional excludente. Os direitos fundamentais , a "separação de poderes" , a eleição democrática e a igualdade perante a lei. institutos previstos abrangentementc na linguagem constitucional, são deturpados na práxis do processo concretizador, principalmente com respeito à generalização, na medida em que se submetem a uma filtragem por critérios particularistas de natureza política, econômica etc. Nesse contexto só caberia falar de normatividade restrita e, portanto, excludente, particularista, em suma, contrária à normatividade generalizada e includente proclamada no texto constitucional. Mas as " instituições jurídicas" consagradas no texto constitucional permanecem releva ntes como referências simbólicas do discurso do poder. Por fim , quero advertir que não se confunde aqui o simbólico com o ideológico. Inegavelmente. o simbólico da legislação pode ter um papel relevante na tomada de consciência e. portanto, efeitos "emancipató172. "O princípio da igualdade não diz que todo o mundo deve ter os mesmos direitos (cm tal caso tomar-se-ia inconcebível o caráter do direito como direito), mas que a ordem jurídica de uma sociedade diferenciada deve ser generalizada de acordo com dctcnninadas exigências estruturais" (Luhmann, 1965: 165). Especificamente a respei to do "princípio da igualdade como fonna e como nonna", v. idem , 1<J<)1 a.

rios". Lefort aponta para a relevância das decla rações " legais" dos "direitos do homem" no Estado de Direito democrát ico, cuja função simbólica teria contribuído para a conquista e ampliação desses direitos173. Mas no caso da constitucionalização simbólica, principalmente enquanto constitucionalização-álibi, ocorre antes uma interseção entre simbólico e ideológico do que um processo crítico de conscienti zação dos direitos, na medida mesmo em que se imuniza o sistema político contra outras possibilidades e transfere-se a solução dos problemas para um futuro remoto.

5. Tipos de Constitucionalização Simbólica. Constituição como Álibi Partindo-se da ti pologia da legislação simbólica já tratada acima (Cap. 1. 7.), poder-se-ia classificar também a constitucionalização simbólica em três formas básicas de manifestação: 1) a constitucionalização simbólica destinada à corroboração de determinados valores sociais: 2) a constituição como fórmula de compromisso dilatório; 3) a constitucionalização-álibi . No primeiro caso teríamos os dispositivos constitucionais que, sem relevância normativo-jurídica, confirmam as crenças e modus vivendi de determinados grupos, como seria o caso da afirmação de princípios de "autrnticidade" e " negritude" nos países africanos após a independência, a que se refere Bryde 11·1. Mas aqui não se trata exatamente do problema abrangente do comprometimento das instituições co nstitucionai s básicas, 011 seja, do bloqueio na concretização das nonnas constitucionais concernentes aos direitos fundamentais , ·'di visão de poderes", eleições democráticas e igualdade perante a lei . Constituem simbolismos específicos, muitas vezes vinculados a textos constitucionais autocráticos. de tal maneira que não cabe, a rigor. falar de constitucionalização simbólica . No que se refere ao segundo tipo. é represe ntati va a análise da Constituição de Weimar ( 1919) por Schmitt, que releva o seu caráter de compromisso 175 • distingu indo, porém, os compromissos "autênticos" dos '' não autênticos" ou "de fórmul a dilatóri a" 17º. Conforme a concepção 173. Cf. Lefort, 1981 :67ss., 82 (tr. br., 1987:56ss .. 68). 174. Brydc, 1987:37. Ver também acima, p. 36. 175 . Schmill, 197028-36 (tr. csp., 1970:33-41 ). 176. Sdunill , 1970:31-36 (tr. esp .. 1970 3(1-4 l ). 92

dccisionista de constituiç;io (cf. not a ]8 deste Cap.). sush:: 111a-sc. c11lra dos procedimentos e métodos co nstitucionalmente previstos" 182 . P~ré m nessa hipótese, não estaríamos mais no domínio estrito dos co mpromissos de cláusula dilatória - que sempre podem surgir em qualquer processo de constitucionalização, implicando função simbólica de aspectos parciais da Constituição - , e sim perante o problema mais abra nge nte da const ituciona 1ização-álibi . que co mpromete todo o siste111a consl it11177. Schmill , l 970:31 ( Ir. csp , l '>70:.\(i ). 178. Sdunill , l '>70:31 ( Ir. esp , l '>70 36 ). 179. Schmitt, 1970:31s. (tr. csp, 197036). 180. Schmitt, l 970:34s. (tr. csp. , 1970:39). 181. Ou seja, a Constituição cm sentido relativo ··como uma plura lidade de leis part iculares" (Sclunitt, 1970: 11 -20 - tr. esp., 1970: 13 -~ l J, não a Constit uição em sentido positivo "como decisão de conjunto sohrc modo e fonna da unidade política" ( l 970:20ss. - tr. csp. l 970:23ss), que lt: lll prcdomi11 i111cia 110 modelo decisionista (cf. acima nota 38 deste cap.). Sdunilt 1a111hé111 J11 ;.;rc11ciarú os concei tos absoluto e ideal de Constituição, que se referem , rcspcclivame11tc, à "Constituição como um todo unitàrio", seja esse a "concrcla maneira Je ser"
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cio nal. Da í porque restring imos a questão da constitucionali zação simbólica aos casos cm que a própria ati vidade constituinte (e reformadora), o tc.x to constit uc ional mes mo e o di scurso a ele referente funcionam , a ntes de tudo. como úlibi para os legisladores constitucionais e governantes (c m se nt ido amplo), como também para detentores de poder não integrados form almente na organização estatal. Jú cm 1962 , c m seu arti go sobre a "dissolução do conceito de Constit11içfio", n urdca u referia -se à Constituição como "úlibi" e " símbolo" 183 • Con tudo. sob ta is rubricas, incluíam-se situações as mais di versas, co1110. 110 caso da s democracias ocidentai s, "a incapacidade do parlamento pera nte os problemas da economia planificada e do controle da vida econô mi ca", e "a inutilidade das normas que devem garantir a estabilidade do rcg im c" 1 8 ~. De outro lado, considerava o problema da Constituição co mo " símbolo" nos Estados afri canos que, então, haviam conquistado rece ntemente a independência formal 185 . Esse caso distinguia-se radi calmente daquele, que Loewenstein denominara de "desvalorização da Constituição esc rita na democracia constitucional'' 186 • Tal situação, considerada como uma crise no segundo pós-guerra, resultava dos limites do Direito Constitucional numa sociedade altamente complexa, na qual outros mecanismos reflexivos, códigos autônomos e sistemas autopoiéti cos surgia m e desenvolviam-se 187. A Constituição não perdia estrutu ra lmente sua força normativa 188 e, portanto, o Direito positivo não era genera li zada mente bloqueado na sua reprodução operacional. Nos estados q ue se fo rmavam. então, na África, tratava-se da falta de condições sociais mínimas pa ra a concretização constitucional e, por conseguinte. da ausê ncia dos pressupostos para a construção do Direito positivo como esfera funcional autônoma . O te.xto constitucional, a sua produção e o respecti vo di scurso em torno dele atuavam como álibi para os novos 183 . Rurdeau, 1962:398. 184 . Burdca u, 1962:398. 185. l lurdcau, 1962 398s. l 8
governantes. A compreensão da constitucionali zação simbólica como álibi em fa vor dos agentes políticos dominantes e em detrimento da concretização constitucional encontra respaldo nas observações de Bryde a respeito, também, da experiência a fricana : as "Constituições simbólicas", em oposição às " normativas", fundamentam-se sobretudo nas "pretensões (correspondentes a necessidades internas ou externas) da elite dirigente pela rcprcscntaçilo simbólica de sua ordem estatal" 1R9. Delas não decorre qualquer modificação real no processo de poder. No mínimo, há um adiamento retórico da reali zação do modelo constitucional para um futuro remoto. como se isso fosse possível sem transformações radicais nas relações de poder e na estrutura social.

6. A Constitucionalização Simbólica e o Modelo Classificatório de Loewenstein Conforme a sua relação com a realidade do processo de poder, as Constituições foram classificadas por Loewenstein em três tipos básicos: "normativas'', " nominalistas" e "semânticas" 190 . As Constituições " normativas" seriam aquelas que direcionam realmente o processo de poder, de tal maneira que as relações políticas e os agentes de poder ficam sujeitos às suas determinações de conteúdo e ao seu controle procedimental. As Constituições " nominalistas", embora contendo disposições de limitação e controle da dominação política, não teriam ressonância no processo real de poder, inexistindo suficiente concretização constitucional. Já as Constituições "semânticas" seriam simples reflexos da realidade do processo político, servindo, ao contrário das "normativas", como mero instrumento dos "donos do poder", não para sua limitação ou controle. Tratava-se de conceitos típico-ideais no sentido de Webcr 191, de tal maneira que na realidade social haveria vários graus de " normatividade", " nominalismo" e "semantismo" constitucional, ca189. l3rydc, 1982:29. 190. Cf. Loewenstein, 1975 :151-57, 1956:222-25 . Para uma releitura da classificação de Loewenstein, ver Neves, 1992:65-71 , de onde retiramos, em linhas gerais, os argumentos que se seguem. 191 . Cf. Neves, 1992:11 Os. A respeito do conceito de tipo ideal, ver Weber, 1973:190-21 2, l 968a:67-69, 157-59 e 163-65. Ver também abaixo Cap. ill .6.

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racte ri zando-se a respec ti\·a constituição pe la predo m infüicia de um desses aspectos. A cla ss ifi cação d e Loewe1istei n refere-se mais exa tamente à função da ação constituinte e linguagem constitucional. especia lmen te pera nte o processo político, ou, simplesmente, à relação entre texto e realidade constitucional 102 . Se ao texto da constituiç:1o corresponde. de forma generalizada , normatividade constitucional. então se fala de "Constituição normativa". Isso não significa que entre normas constitucionais e realidade do p rocesso de poder haja uma perfeita concordância . Tensões entre reali dad e e leis constitucionais estarão sempre prcsc ntes 1'"- " Distância da rea lidade" é incrente à no rmatividade da Co nstituição e co ndi ç;io d e auto nom ia do respectivo sistema juríd ico 19 1. O que va i caracteriza r especi fi ca me nte a "Consti tuição no rmati va" é a sua at uação efe tiva como meca ni smo genera li zado de filt ragem da iníluência do poder político sobre o sistema jurídi co. co nstituindo-se cm mecanismo rcflcxi\'O do D ireito pos iti \'O. Ao texto co nstit uc iona l corresponderiam , então, "expectati va s normatiYas congrucntcmente ge nera li zadas". Na med ida cm que a ''Constituição norma tiva'' se e nquad ra no conce it o estrita mente moderno de Constituição j á acima a na li sado (ite m 1.3 deste Ca p.). não estamos evidentemente d iante de situações de constituc iona li/.tl Ção simbólica. O problema surge no fünbito da s " Constitui ções norma li sta s··. Nela há uma discrepâ ncia radica l entre práxis do poder e di sposições constitucionais, um bl oqueio político da concreti1.ação constituc io nal , obstaculizador da autonomia operati va do sistema jurídico. Como observa Locwenstein, "essa situação não deve. contudo. se r con fundida com o fe nômeno bem conhecido de que a práxi s co nstitucional di fe re da letra d a Constituição" 195 . Meta morfose através de inte rpretação/a plicação ou concreti zação é impresc índível à subsi stênc ia e estabilidade das "constituições normati vas", e à sua adeq uação à rea lidade soc ia l c ircunda n192 . De acorJo com a h:nnino\ogia Je Mecham ( 1'J5 1J) , trntar-sc-ia J o rela-

cionamento ent re "a constituição nominal" (texto ) e "a constituiçiio rea l ou operativa" (rea li
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te (cf. not a l~l deste Ca p.) Nas "Constitui ções nomina list;1s·'. ao co ntrári o. d;l-se o bl ocJ11 eio genera l i/.ado do se u processo co nc rct i1.ador. ele ta l maneira q ue o tex to co ns lituciona l perde e111 reled ncia 11orn1a 1i,·ojurídica diante da s relações de poder. Fa lta111 os press upos tos soc iai s para a reali/.aç;1o do seu co nt e údo nor111atiYo. Loewenstein , ·ai ace111uar esse aspecto ncgati\'O. apontando para a possibilidade de C\'O luç;lo política no se ntido da realização do modelo constitucional: a Co nstitui ção é comparada mc1afori ca mente a um terno temporariament e pendurado no guarda-roupa . de\'endo ser usado quando o corpo nac iona l crescer correspondcntcmcnte 1''º N
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ca rc111 os rcspcc ti\'OS paí ses 110 111cs 1110 g rnpo - "soc iedade dcmocrútica .. - , essa fór mula , repita mos, é usada tão freqüentemente pelos agen tes gove rname ntai s com " Co nstituições nominali stas" como pelos seus co legas sob " Constituições normati vas" . Estes estão efetivamente envolv idos numa linguage m constitucional cm que se implicam relevante e rec iproca ment e os aspectos simbólicos e jurídico-instrumentais, cont ribuindo ambos compleme ntarm ente para a funcionalidade da Constituição. Aqueles estão comprometidos com uma linguagem constitucional hipertrofi ca mc nlc simbólica , à qual nilo corresponde concretizaçilo nor mati \'a ge nc rali /.ada e includcnte. E m relaçfio ;I s " constituições se m;lnticas" . cabe inicialmente uma muda nça de de nominação. eis que na class ificação de Loewcnslein o ter mo " se mânt ico·· é empregado sem quase nenhuma conexão com o seu sentido habitua l. podendo contribuir para equívocos. Considerando que elas fo ra m designadas " instrumentos" dos detentores do poder 2º1, parece rn a is adequada a expressão " Constituições inslrnmentalistas''. Com isso niio se desco nh ece que també m as ''Constituições normativas" são import;llltcs instrume nt os da política ; ma s elas são, além disso, mecanislll OS para o control e e limitação da atividade política . Nos casos de " Co nstituições instrumentali stas'' , ao contrário. os "donos do poder" utili za m os textos 011 leis constitucionais como puros meios de imposição ela clo minaç;lo. se m esta rem normati va mente vinculados a tai s mccanis111os : o "sobera no" di spõe dos " instrumentos'' e pode, se m qualquer ti111itação jurídica, reformá-los ou substituí-los. As Co nstituições se mfü1tic;1s. ao contr;írio ela s " nominalistas", correspo nd e m ;) rca 1idade do processo de poder. ma s. por outro. c m oposiçiio ;I s ·· 11ormali\·as" , não tê m qualquer reação co nlra f;íti ca relevante sobre a a ti,·iclacle dos ocasionais detentores do poder. É o caso das experi ências au tocdt icas co ntcmporü neas. sejam autoritárias ou totalitárias 202 . 20 1. Cf Loewenstein , 1975 : l Sls .. 195(>:221 . 202 . A respeito, ver Loewenstein, l 975 :52ss., di stinguindo na autocracia doi s tipos bús icos: o autoritarismo, que se refere ú estmtura governamental e se contenta com o controle politico
A " Carta" ou outras " leis constitucionais" serve m primariamente, então, à instrumentali zação unilateral do sistema jurídico pelo político. Portanto, a negação da autonomia da esfera do jurídico já se exprime manifesta e diretamente no momento da ponência dos textos ou leis constitucionais, ao passo que no " nominalismo constitucional" o bloqueio da reprodução autônoma do Direito positivo emerge basicamente no processo concretizador. É verdade que não se pode excluir a função hipertroficamente simbólica de aspectos das " Constituições instrumentalistas": declaração de direitos fundamentais , eleição política e outras instituições do Estado Constitucional podem pertencer ao seu conteúdo lingüístico. Mas essa função é secundária e não lhe constitui o traço distintivo. Da própria " Carta" ou de outras leis constitucionais já resulta que as instituições constitucionalistas adotadas não têm nenhum significado, principalmente porque ficam subordinadas a princípios superiores, como " ra zão de Estado" ou " segurança nacional". Com as palavras de Burdeau, pode-se di ze r que, enquanto a " Constituição nominalista" representa um " álibi", a " Constituição instrumentalista" é "apenas arma na luta política" 2º3 . Característico da primeira é a função hipertroficamente simbólica ou político-ideológica do "texto constitucional" , da segunda, a instrumentalização unilateral do Direito pelo sistema político (orientado primariamente pelo código-diferença superioridade /inferioridade) mediante a emissão/reforma casuística de "Cartas" ou " leis constitucionais'' .

7. Constituição Simhólica ver.'lus "Constituição Ritualista" Bryde formulou a distinção entre constituições " relevantes" e Constituições " rituali stas" 2º4 . Aqui não se trata exatamente do problema da adequação da conduta às determinações do diploma normativo constitucional, ma s sim da significação procedimental dos comportamentos 203 . Burdeau, l 962 :398s. Mais recentemente, Luhmmm ( l 990a:2 l 3s.) fala analogamente de leis constitucionais que "só podem ser tomadas em consideração como meio de lula ou como meio de ' política simbólica"'. Na perspectiva
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que se conformam ao texto constitucional. Não é de excluir-se "que disposições constitucionais sejam observadas literal e formalisticamcntc. mas, apesar di sso. não regu lem o processo políti co" 20 ~ . Nesse caso, a práxis correspondente ao texto constitucional ating iri a (como " ritua l") apenas a superfície do processo político, não abrangendo os seus aspectos "relevantes" 206 • Em tal classificação ta mbém não se configuraria uma dicotomia entre Constituições " ritualistas" e " relevantes" , mas antes uma escala variável entre dois casos-limite207 . É a predominâ ncia de um dos aspectos que vai possibilitar o enquadramento da Constituição num dos dois tipos. Traços " ritualísticos" e ncontram-se em qualquer ordem constitucional208. O que vai caracterizar as Constituições " ritualistas" é o fato de que, em suas linhas mestras da regulação procedimenta l, "as ações constitucionalmente prescritas para a produção e o exercício da vontade estatal são na verdade praticadas, mas as dec isões são tomadas rea lmente de maneira inteiramente difcrentc" 2º''. Ent ão. cm VC/. de "procedimentos" regulados pelo Direito Constituciona l, aprese ntam-se formas " ritualistas" . Nesse sentido, observa Luhrnann, e m re lação à legitimação procedimental , que "a forma não pode congelar-se cm um cerimonial que é representado como um torneio, enquanto os conflitos reais são resolvidos ou não de outra maneira" 210 . Os procedimentos formalmente previstos no texto constitucional transformam-se assim em práxis " ritualista", não atuando rea lmente como mecanismos de seleção jurídica das expectativas e comportamentos políticos. o que só va i co nsumar-se ao nível da " Constituição material" . O que torna problemática a classificação de Bryde é o caráter muito abrangente da categoria " Constituições ritualistas" , na qual se inclui tanto a experiência consti tucional inglesa co rno um exemplo-padrão, quanto as " Constit.u ições semânticas" no sentido de Loewcnstein, que designamos de " instrumentalistas" 2 11 . Mas no caso do " instrumcntalis205 . Ilrydc, 1982 :29 . 206. Ilrydc, 1982:29. 207. Bryde, 1982 :30. 208. Cf Ilryde, 1982:30-32 . 209. Ilryde, l 982 :29s 210 . Luhmaim , 1983a:l02. 211. Cf. Oryde, 1982 :32s. Portanto, não se justifica a critica de Bryde (29s., nota 12) ao caráter muito ahrangente do conceito de "Constituição semântica" em Locwenstc111 , a categoria das "Constituiçõi.:s ritualistas" é hem

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mo", as leis constitucionais, outorgadas e refo rmadas casui sti ca mc nt c conform e a concreta co nstcl.-.ç:1o de poder. s:1o e fetivada s ai ravés de 11111a práxi s politica me nt e rcle1 •a11te. E111bora també m se c nco11trc111 cle111c11tos ritualistas (eleições. rc1111iõcs parlamentares etc .). elas distin gue m-se enquanto estabelecem mecanismos políticos para a ma1111tc11ç:1o do status quo autoritário ou totalitário (cf. nota. 202 deste Cap.). O conceito de ritualismo constitucional estaria mais adequado, portanto, ú relação entre parlamento/regime e Coroa na experiência inglesa mais recente: "o programa governamental é proclamado pela rainha como sua própria declaração de vontade, nenhuma lei pode surgir sem royal assent, decretos (Orders-in-Council) são baixados pela rainha cm um cerimonia l da corte", de tal maneira que o Direito Constitucional britânico se ria ai nda o de uma monarquia limitada 212 . Entretanto, os rituais d.-. coroa apenas procla mam solene me nte decisões po líticas já pré-determi nada s mediante os procedime ntos do sistem
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posições constitucionai s 011 delas desviam-se, de tal maneira que o discurso constitucionalista torna-se, antes de tudo, um álibi.

8. Constitucionalização Simbólica e Normas Constitucionais Programáticas

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O prob lema da constitucionalização simbólica tem sido freqüentemente encoberto através da deformação do conceito jurídico-dogmático de normas constitucionais programáticas. Trata-se de uma confusão pre_iudicial ta nto às aborda gens dogmáticas quanto extradogmáticas. Supernda a doutrina distinti va das cláusulas constitucionais mandatárias (obrigatórias) e diretórias (facultativas) 21 ~, impôs-se ao nível dogmático a concepção da vinculatoriedade jurídica de todas as normas constituci onais 2 '-~. As normas programáticas seriam, pois, normas de "eficáci a limitada". não servindo à regulação imediata de determinados interesses. mas est;ibel ece ndo a orientação finalística dos órgãos estatai s21"' " A legislaç;lo. a execuç:lo e a própria justiça" - afirmava Pontes de Miraucla - " ficam sujeitas a esses ditames, que são como programas dados à sua fu11ção" 211. Nesse se ntido, os agentes estatais não podem propor ou executar outro programa 218, nem sequer agir contra o programa constitucional. Daí porque o descumprimento de normas programáticas pode suscitar o problema do controle da constitucionalidade da respectiva ação (ou omissão) de órgão do Estado 219 . Sem desconhecer, portanto, que o sistema jurídico inclui programas finalí sticos 22 º, parece-nos. porém. que não cabe atribuir a falta de con214. Distinção que remonta à jurisprndência e doutrina norte-americana do século passado. Cf. Cooley, 1898: 390. 215. Cf. Ghigliani , l 952:3s.; Silva, 1982: 61-63 ; 13ittencourt, 1968:56-60; IJuzaid, l 968:48s.; Campos, 1956: 392ss.; Mello, 1968:92; Mendes, l 990:28ss. 216. cr Si lva, 1982: l 26ss. !''. evidente que aqui se trata de eítcácia em sentido jurídico. Ver acima Cap. 1. 8.1. 217. Pontes de Miranda, 1960:111 . Cf. idem, 1970:127. 218 . "Algo do que era político, partidário, programa, entrou no sistema jurídi co: cerceou-se, com isso, a atividade dos legisladores futuros, que, no assunto programado, não podem ter outro programa" (Pontes de Miranda, 1960:11 Is.; cf. idem, 1970: 127). 219. Cf. Neves, 1988:101-103; Si lva. 1982 :141-43 e 146. 220. Cf Luhmann, l 987h:24 l. Contudo, o Direito positivo emprega pnmari amcnte " p1 ogrn mas co ndi c ionai s"~ ver idem , l 987h:227-.14, 198 1h:140-43 , 1())

creti/.ação normat iva de determinados dispositi vos constitucionais simplesmente ao seu caráter programático. Em primeiro lugar, deve-se observar que a vigência social (congruente generalização) de normas constitucionais programáticas depende da existência das possibilidades estruturais de sua reali zação. A própria noção de programa implica a sua realizabilidade no contexto social das expectativas e comunicações que ele se propõe a direcionar ou reorientar. Por exemplo: através da normalização " programática" dos "direitos sociais fundamentais" dos cidadãos, os sistemas constitucionais das democracias ocidentais européias emergentes nos dois pós-guerras respondiam. com ou sem êxito 221 , a tendências estruturais cm direção ao welfare state. Pressupunha-se a realizabilidade das normas programáticas no próprio contexto das relações de poder que davam sustentação ao sistema constitucional. Outra é a situação no caso da constitucionalização simbólica. As disposições programáticas não respondem. então, a tendências presentes nas relações de poder que estruturam a realidade constitucional. Ao contrário, a reali zação do conteúdo dos dispositivos programáticos importaria uma transformação radical da estrutura social e política. Além do mais, a rejeição ou deturpação das normas programáticas ao nível do processo concretizador não resulta apenas da omissão, mas também da ação dos órgãos estatais. Diante das injunções do " meio ambiente" social da Constituição 222 , especialmente das relações econômicas e políticas, a ação dos agentes estatais encarregados de executar as disposições programáticas dirige-se freqüentemente no sentido oposto ao do aparente programa 223 . Portanto, a questão não se diferenciaria, em princípio, do problema do bloqueio da concretização normativa (falta de normatividade) dos demais dispositivos constitucionais. Mas é através das chamadas " normas programáticas de fins sociais" que o caráter hipertrofi1981c:275ss., 197.la88ss. (esp. 99). 221. Com êxito, as Constituições francesa de 1946, italiana de 1947 e federal alemã de 1949; sem êxito, a Constituição de Weimar ( 191 9). 222. É de observar-se que, nessas condições, a própria diferença funcional entre sistema e meio ambiente perde em significado. A respeito, ver Neves, 1992, 1991. 223 . Daí porque não se trata simplesmente de uma questão de omissão inconstitucional a ser suprida por mandado de injunção (Art. 5~, Inciso LXXI, da Constituição Brasileira) ou pela respectiva ação de inconstitucionalidade (Art. 103, § 22. da Constituição Brasileira ~ J\rt. 283 da Constituição Portuguesa). Cf. Neves. 19<)2 : l 58s. 111 1

camente simbólico da linguagem constitucional vai apresentar-se de forma mais marcante. Embora constituintes. legisladores e governantes em geral não possam, através do discurso constitucionalista, encobri r a realidade social totalmente contrária ao weljàre state previsto no texto da Constituição, invocam na retórica política os respectivos princípios e fins programáticos, encenando o envolvimento e interesse do Estado na sua consecução. A constituição simbólica está, portanto, estreitamente associada à presença excessiva de disposições pseudoprogramáticas no texto constitucional. Dela não resulta normatividade programático-finalística, antes constitui um álibi para os agentes políticos. Os dispositivos pseudoprogramáticos só constituem "letra morta" num sentido excltísivamente normativo-jurídico. sendo relevantes na dimensão político-ideológica do discurso constitucionalista-social.

9. Constitucionalização-Álibi e "Agir Comunicativo" Tendo cm vista que a constitucionalização implica a atividade constituinte e o processo de concretização constitucional. portanto, uma conexão de ações intersubjetivas, é possível uma leitura do problema da constitucionalização simbólica a partir da teoria dos ·"atos de fala" (speech ac/) 22 1. Classificando-se as ações constitui 11tcs e concretizadoras como .. comissivo-dirctivas" 225 • afirmar-se-ia que ebs fracassam. quanto à sua força ilocucional, cm virtude de "inautenticidade" 220 . Ao aspec10 proposicional da linguagem constitucionalizadora não corresponderia uma disposição ilocucional do agente com respeito à reali1.aç;lo do respectivo conteúdo. É evidente que, na constitucionalização simbólica, o emitente do ato "comi!isiyo-dirctivo" ilocucionalmentc ina utêntico seria, ao mesmo tempo, desti natário, de tal maneira que, na teori a dos "atos de fala" , sua ação também poderia ser caracterizada como uma " promessa inautêntica" . Na recepção habermasiana, a teoria dos " atos de fala" foi reinterpretada a partir do modelo da pragmática universal , com a pretensão de formular as regras universalmente válidas do entendimento intersubjetivo (agir comunicativo) e do discurso racional (ética do discurso) 127 . Abstra224 . Cf. Scarlc, 197 3; Austin , 1968. 225 . Sobre os tipos de atos " ilocucionais", ver Searle, 1973: 1l6ss. 226. Cf. Searlc. 19TU24; Austin , 1968:141. 227. Ver llabcnnas, l 986a: csp. 385ss .. l 982hl: csp 388ss., 1971 b. A res-

indo essa pretensão universalista da filosofia de Halx:r111a s. 111t 1.: rcs~ a - 11os aqui a distinção entre "agi r comuni cativo" e "agir-racional-com-respeito-a -fins" (zweckralionales llandeln) . categoria na qual se i11c l11c 111 o "agir instrumental " e o "estratégico" 218 . Habermas va i definir o "agir instrumental " como modo de ação orientado por regras técnicas. ou seja. direcionado para obtenção de determinados fins do agente mediante a utilização de objetos. O agir estratégico implicaria a escolha racional de meios de influenciar um adversário. O agir instrumental é, cm princípio, ·'não-social", podendo, porém. estar vinculado a interações sociais. O agir estratégico constitui cm si mesmo ação social. Ambos seriam orientados para o êxito do agente e, portanto, avaliados respectivamente conforme o gra11 de eficácia sobre situações e acontecimentos 011 de iníluênc ia sobre as decisões do ad\'ersário 219 O agir comunicati\'o, ao contrário. não é direcionado pelo cálculo egocêntrico do êxito. mas sim coordenado por atos de entendimento entre os participantes 230 . peito, também cf. Alexy, l 983:77ss. e l 37ss. Ao contrário da " pragmá tica transcendental" (apriorí stica) proposta por Apcl ( 1988), a ·'pragmática universal" desenvolve-se a partir de uma perspectiva rccon strntiva cm face do "mundo da vida" como horizonte do agir comunicativo (Habcmrns, l 982bfl : J 82ss., l 988a: 87ss.; cf. idem, l 986a: csp. 379ss. ). 228 . A respeito, ver, cm diferentes fases de desenvolvimento da " teoria do agir comunicativo", 1labcnnas, 1%9 :ú2 -65 (Ir. br, l 98
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. Aqui é .especialme nte relevante a distinção entre agir estratégico e agir co11111111cat1vo cnqunnto tipos búsicos de ações sociais. Para Habcrmas, na medida cm que as ações estratégicas são orientadas cgoccntrica111c11.tc. para a obtenção de êxito diante do adversário, não se supõe a a11tenll c1dadc da manifestação lingüí stica do agcntern . O êxito pode ser alc;~1çado atra''. és do engano do adversáriom . O agir comunicativo prcssupoe a autent1c1dade dos participantes, no sentido de que eles devem expressar tran sparentemente suas posições, desejos e sentimentos na interação i ntersubjetiva rn. O Direito não é. no modelo habermasiano, apenas meio sistêmico, -ma s ta1.11bé.m " instituição": portanto. inclui-se cm parte na esfera do agir comu111 ca t1vo 23•1. Dessa maneira, torna-se possível uma leitura da constiruc ionali zação simbólica a partir da distinção entre agir estratégico e agir comunicativo. Na medida em que a atividade constituinte e o discurso constitucionalista não têm correspondência nas posturas, sentimentos e intenções dos respectivos agentes políticos, ou seja, são ilocuciom1l111cnte '' inautênticos". a constitucionali/.ação simbólica não envolve "ações comunicativas" referentes ao Direito. Caracteriza-se, antes, como 11111 plexo de ações estratégicas a serviço do meio sistêmico " poder''. N.ão se trata de "agir abertamente estratégico'', como aquele que se manifesta nas lutas entre facções políticas durante o processo constituinte e também nas contendas políticas e judiciais cm torno da concretização constitucional. A constitucionalização simbólica implica "ag ir ornltamente estratégico", seja ele comunicação deformada sistematicamente (ilusão inconsciente) ou mesmo a simples manipulação (ilusão co n scie nte )'' ~. O sentido manifesto e aparente (normativo-jurídico) da ali' idade constituinte e linguagem constitucional encobre, então, o seu se ntido oculto (político-ideológico). Diante do exposto, observa-se que, conforme a teoria da ação de Ha111e11tal ". poi s parle de "que outras fonnas do agir social - p. ex ., lulu, co111petii.;fü1 , cond uta estrat égi ca em gera l - constituem derivados do agir orientado p
bermas. a co nslitucionalização simbólica importa, no âmhito político, ou melhor, para os detentores do poder. função· primariamente "instrumentar' . Considerando-se, porém, o sentido que o termo "simbólico" assume no contexto deste trabalho (v. Cap. 1), permanece válida a tese: em relação ao domínio do Direito, trata-se da atuação hipertroficamente simbólica da atividade constituinte e do discurso constitucionalista na ' medida cm que ambos constituem uma parada de símbolos para a massa dos espcctadores 23'\ sem produzir os efeitos normativo-jurídicos generalizados previstos no respectivo texto constitucional2 37. Por outro lado, a teoria da ação de Habermas parte de interações entre sujeitos determinados, o que torna discutível a sua transposição ao problema da constitucionalização simbólica, no qual está implicada uma conexão complexa e contingente de ações, que não pode ser reduzida à questão do agir específico de sujeitos determinados.

10. Constitucionalização Simbólica versus Lealdade das Massas e "Rcj!ras-do-Si lêncio" A passagem do modelo liberal clássico para o we(fare stale na Europa Ocidental e Norte-América implicou um maior acesso da massa trabalhadora às prestações do Estado. Marshall interpretou esse fenômeno como processo de ampliação da cidadania : os direitos civis e políticos teriam ganhado em realidade com a conquista dos direitos sociais238. No século XX, a cidadania, orientada pelo princípio da igual236 . Cf. Edelman, 1967:5, referindo-se, porém, mais abrangentemente à "política simbólica". Ver acima Cap.1.3 . 237. 1-Iá aqui uma analogia com a noção habennasiana de "agir simbólico'', que inclui as danças, os concertos, as representações dramáticas etc. (cf. Hahcnnus, 1<J8foi :40·I) e. portanto, està rclncionndo (ou se confunde), nn própria obra de l labermas. com o agir expressivo ou dramatúrgico, cujo questionamento crítico e negação relerem-se à sua " inautenticidade" (Cf. l 982hl:436 e 447s.). Mas o conceito de simbólico tem também um sentido mais amplo e relevante dentro da "teoria do agir comunicativo", quando se define "sociedade como mundo da vida estruturado simbolicamente" (idem, ! 988a:95ss. ). Daí não decorre, porém, uma confusão do simbólico e scmiólico, eis que esse "mw1do" simbolicamente estmturado só se constitui e reproduz através do agir comunicativo ( l 988a :97). 238. Cf. Mar · , 1976:71 ss.: acompanhando-o, Bendix, l 969:92ss. Para 107

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dade, teria entrado cm guerra com o sistema de desigualdade inerente ao capitalismo e às suas classes sociais239. Nesse sentido, a ampliação da cidadania importaria a redução das desigualdades do capitalismo, conduzindo ao modelo social-democrático do welfare state. Enfrentando a questão posta por Marshall, Bcndix vai sustentar que, nesse contexto de ampliação da cidadania, as lutas da classe trabalhadora não se orientavam pela construção de " uma nova ordem social'', mas sim por maior "participação" na ordem estabelecida, caracterizando-as como expressão de um espírito conscrvador210_ Assim. o modelo clássico marxista de luta revolucionária do trabalhador pela superação da ordem capitalista é substituído por uma concepção do conflito trabalhista como forma de integração/inclusão das ma ssas no sistema social vigente ou de acesso às suas prestações 241. Relacionado com esse tipo de enfoque, desenvolveu-se na Alemanha Ocidental dos anos setenta o famoso debate sobre Estado de bem-estar (Wohlfahrtsstaat) e lealdade das massas (Aíassenloyalitat) 1 ~ 2 . Aqui se discutia sobre a " lealdade das massas" como decorrência do desempenho de caráter social do Estado de bem-estar243 . A própria crise de legiuma problematização crítica da aplicação do modelo evolutivo de Marshall ao desenvolvimento constitucional brasileiro, Neves, 1990. 239. Marshall , 1976:84 . Analogamente, Bobhio apontava posteriom1ente para o conflito entre a desigualdade capitalista e o princípio de igualdade da democracia ( l 976 :esp. 207 - tr. hr. , 1979:242 ), enquanto OITc se preocupava com os limites estruturais do Estado de Direito Dt:mocrático no capitalismo avançado ( 1979). Por sua vez, sustenta Preuss mais recentemente "que a dinâmica inerente ao processo capitalista de produção de valor é auto
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timação seria resultante da incapacidade do wel/are , ·tale de man ter a " lealdade das massas" através dos seus mecanismos administr;itivos2'14 . Com restrições ao modelo então prcdomi nante de abordagem cio problema, Luhmann ponderava que a ampliação das prestações cio Estado de bem-estar não asseguraria a titudes permanentes de .. gra tidão" e '' lealdade" política, considerando a constante mudança de motivações dos indivíduos em face mesmo do acesso aos diversos sistemas funcionais da respectiva sociedade245 . Ou seja. ao mesmo tempo em que o Estado de bem-estar amplia os seus serviços cm relação às "massas"', e le torna -as capazes de ex igir- lhe sempre mais novas e inesperadas prestações. Mas. embora n " lea ldade dn s ma ssas" não seja incompatível com mudanças imprevi síve is, pa rece- nos que ela implica uma postura co nse rvado ra cm relação ao Estado de bem-estar enquanto estrutura de ampliação e inovação permanente de prestações. Na abordagem da legislação simbóli ca no Estado tk be m-esta r do Ocidente desenvolvido. tem-se procurado caracteri /.éÍ- la como mecanismo possibilitador da .. lealdade elas massas" (cf. p. ·Hl ). A nw 11111cnç;io dessa não resultaria simplesmente dos efeitos reai s da .. legislaç;io instrumental", mas dependeria também da produção de diplom as lega is destinados basicamente a promover a confiança dos cidadãos no Estado. Através da legislação simbólica, os órgãos estatais demonstrariam ce nicamente seu interesse e disposição de solucionar problemas estrutural mente insolúveis. A legislação-álibi constituiria, então, um típi co mecanismo de promoção da " lealdade da s massas" no Estado de bem-estar. Essa situação não se transporta irrestritamente aos casos de constitucionalização simbólica . Aqui não se configura um ~ i s t ema jmídicoconstitucional que responde globalmente às expectati vas de bem-estar das "massas" . Enquanto a legislação simbólica no we(/are state está envolvida num sistema jurídico-político que, cm linhas gerais. realiza-se como práxis includcnte de toda a população (cf. item 1 1 ..:t . 1. des te Ca p.). a constitucionalização simbólica importa que os pri11 'l;ios de inc lusão do Estado de bem-estar. previ stos abstratamen te no tn1:, co nstti il c iona l. 244 . Cf. llabennas, 1973 : csp. 55s., úX-70 e %ss 245 . Luhmann , 198lj :1O. l lahcnnas não se despercebeu
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"base consensual" como o " pressuposto mais importante da efetiva vigência de uma Constituição" 250 , ou melhor, da orientação generalizada do público pelo modelo normativo constitucional, a institucionalização de gag ru/es está condenada ao fracasso 251 . Face à ineficiência do "aparelho estatal" diante das necessidades da maioria da população há, nessas circunstâncias. uma tendência à politização dos mais variados temas, incluindo-se a discussão sobre a legitimidade da ordem social como um todo 2 ~ 2 _ À proporção que o sistema constitucional perde cm significado como ordem básica e horizonte da política. ele me$mo tornasc tema da discussão política 2 ~ 3 . Enquanto através da " lealdade das massas" o welfare .\·tale, caracterizado por " Constituições normativas", põe os conflitos de classe no segundo plano ou "domestica-os" (ver nota 241 deste Cap.). possibilitando o desenvolvimento das chamadas " regras-dosilêncio", as experiências da constituciom.t lização simbólica, presentes sobretudo nos Estados periféricos, são marcadas -pela incapacidade de uma superação ou controle satisfatório da questão social e, portanto, do conflito de classes, o que torna improvável o desenvolvimento estável de 2 4 " regras-do-silêncio" democráticas, sejam elas implícitas ou explícitas ~ • As críticas gcncrali/.adas. sem delimitação temática. surgem exatamente como reação él ineficiência ou ao não funcionamento do modelo de Estado previsto simbolicamente no texto constitucional e pertencente à retórica político-jurídica . Nesse contexto. as "regras-do-silêncio" só se tornam possíveis cm virtude da negação manifesta desse modelo através da imposição de ditadura. ou seja, do estabelecimento de Constituição instrumental ista 255 . ria para a emergência e estahilidade das democracias" (Holmcs, 1988:24s.). 250. Cirimm, 1989:636. 251. Cf. , mais cuidadoso, Luhmam1, 1990 a: 213 s. 252 . Enquanto nos Estados Unidos da América, por exemplo, a legitimidade da propriedade privada nunca é di scutida em sessões legislativas (Holmes, . 1988:26 ), ela é freqüentemente posta cm questão nos parlamentos dos Estados periféricos sim holicamente constitucionalizados. 253 . Cf.,em outro contexto, Lulunann. l 983a: 196. ''O Direito reina principalmente em uma sociedade na qual as questões fundamentais dos valores sociais não são geralmente di scutidas ou discutívei s" (Parsons, 1967:133 ). 254 . Emhora l lolmcs se limite à análise das "regras-do-silêncio" abertas (cf. 1988:27), o conceito mel ui tamhém regras implícitas (cf.1988:26 ). 255 . Segundo 1lolmes. se a sociedade está "dividida muito profundamente'', as gag 111/es levam contraditoriamente à "democracia sem oposição" ( 1988:

111

Os limites da função ideológica da constitucionalização simbólica diante da '"lealdade das massas" e das "regras-do-silêncio" democráticas importa a permanente possibilidade de crítica ge11crali/.ada ao sistema de dominação encoberto pelo discurso constitucionalista . Como problema estruturalmente condicionado, o desgaste da constitucionalização simbólica poderá conduzir a movimentos sociais e políticos por transformações conseqüentes cm direção a um sistema constitucional democrático efetivo. É possível também que conduza à apatia das massas e ao cinismo das elites. A reação mais grave, contudo. é o recurso à "realidade constitucional" mediante a imposição do padrão autoritário e o estabelecimento de constituição instrumental , na qual se exclui ou limita radicalmente o espaço da crítica à própria ''rea lidade" de poder.

31 ), ou melhor, à negação da democracia.

112

Capítulo 3

CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA COMO ALOPOIESE DO SISTEMA JURÍDICO l. Da Autopoiese à Alopoiese do Direito

1.1. Da A ulopoiese Biológica à Social

O conceito de autopoiese tem sua origem na teoria biológica de Maturana e Varela 1 . Etimologicamente, a palavra deriva do grego autós (' por si próprio ') e poiesis ('criação', ' produção') 2. Significa ini cialmente que o respectivo sistema é constrnído pelos próprios component es que ele constrói . Definem-se então os sistemas vivos como máq11i11as au topoiéticas: uma rede de processos de produção, transfornwção e destruição de componentes que, através de suas interações e transformações, regeneram e realizam continuamente essa mesma rede de processos, constituindo-a concretamente no espaço e especificando-lhe o domínio topológico 3 . Trata-se, portanto, de sistemas homeostáticos\ caracterizados pelo fechamento na produção e reprodução dos elcmentos 5 . Dessa maneira, procura-se romper com a tradição segundo a qual a conservação e evolução da espécie seriam condicionadas basicamente pelos fatores ambientais. Ao contrário, a conservação dos sistemas vivos (indivíduos) fica vinculada à sua capacidade de reprodução autopoiética. que os diferencia num espaço determinado 6 . A recepção do conceito de autopoiese nas ciências sociai s foi pro1. Cf. Maturana e Varela , l 980:73ss., 1987: esp 55-(iíJ . Ma tma na, 198 2: csp. 141 s., 157ss , 279s. 2. cr. Maturana e Varela, l 980:XVll . 3. Maturana e Varela, l 980:78s. e 115; Maturana, 1982 : 158, 141 s, l 84 s., 280. Segundo Teubner ( 1989:32 ), apresenta-se aqui a "definição oli cial"
posta por Luhmann, tendo tido ampla ressonância 7 . A concepção Iuhmanniana da autopoiese afasta-se do modelo biológico de Maturana, na medida em que nela se distinguem os sistemas constituintes de sentido (psíquicos e sociais) dos sistemas orgânicos e neurofisiológicos8. Na teoria biológica da autopoiese, há, segundo Luhmann, uma concepção radical do fechamento, visto que, para a produção das relações entre sistema e meio ambiente, é exigido um observador fora do sistema, ou seja, um outro sistcma 9 . No caso de sistemas constituintes de sentido, ao contrário, a "auto-observação torna-se componente necessário da reprodução a11t opoiética" 1º. Eles mantêm o seu caráter autopoiético enquanto se reforem simultaneamente a si mesmos (para dentro) e ao seu meio ambi e nt e (para fora) , operando internamente com a diferença fundamental entre sistema e meio ambiente 11 . O seu fechamento operacional não é prejudicado com isso, considerando-se que sentido só se relaciona com sentido e só pode ser alterado através de sentido 12 . Porém, a incorporação da diferença "sistema/meio ambiente" no interior dos sistemas baseados no sentido (a auto-observação como "momento operativo da autopoi ese" )1 3 possibilita uma combinação de fechamento operacional com abertura para o meio ambiente, de tal maneira que a circularidade da autopoiese pode ser interrompida através da referência ao meio ambiente14. Portanto. na teoria dos sistemas sociais autopoiéticos de Luhcas ela teoria darwiniana ela seleção natural. 7. A respeito, ver sobretudo Luhmann, l 987a; Haferkamp e Schmid (orgs.), 1987; I3aecker et ai. (orgs.), l 987:esp. 394ss. Para a crítica à recepção científicosocial do conceito de autopoiese, ver I3ühl, 1989, com referência especial ao paradigma luhmanniano (229ss.); e numa perspectiva mais abrangente sobre a teoria sistêmica de Luhmann, Krawictz e Wclker (orgs.), 1992. Para a leitura crítica a partir da teoria do di scurso, ver Habcrmas, 1988b:426ss., l 988a:30s. )cfi nindo a autopoicse como paradigma ideológico conservador, Zolo, 1986. 8. Ladeur ( l 985 :408s.) interpreta de maneira diversa. Cf. também Teubner, 1988:51, 1989:38, 43 e 46, criticando a tese sustentada por Luhmann ( 1985:2; J 987c:3 18), que nesse ponto acompanha Maturana e Varela ( 1980:94; Maturana , 1982:301 ), da impossibiliclade de autopoiese parcial. 9. Luhmatm, 1987a:64. 1O Lulunann, I 987a:64 . 11. Luhmann, 1987a:64. 12. Luhmmm, 1987a:64 . 13 . l.11h111m111, l 987a :63 . l '1 . l.11hmm1n, 1<J87n :64s. IH

mann, o meio ambiente não atua perante o sistema nem meramente como "condição infra-estrural da possibilidade da constituição dos elementos" 15, nem apenas como perturbação, barulho, "bruit" 16 ; constitui algo mais, "o fundam ento do sistema" 17. Em relação ao sistema atuam as mais diversas determinações do meio ambiente, mas elas só são inseridas no sistema quando esse, de acordo com seus próprios critérios e código-diferença. atribui-lhes sua forma 18 . Além de diferenciar-se da teoria biológica da autopoiese, a concepção luhmanniana do fechamento auto-referencial dos sistemas baseados no sentido, especialmente dos sistemas sociais. afasta-se ainda mais claramente da clússica oposição teórica entre sistemas fechados e abcrtos 19 • O conceito de sistemas fcchados ganha, "em comparação com a antiga teoria dos sistemas. um novo sentido. Ele não designa mais sistemas que existem (quase) sem meio ambiente e, portanto, podem determinar-se (quase) integralmente a si mesmos" 2º. Nesse-sd1tido, afirma-se: "Fechamento não significa agora nem falta de meio ambiente, nem determinação integral por si mesmo" 21 . Trata-se de autonomia do sistema, não de sua autarquia 22 . O fechamento operativo "é, ao contrário, condição de possibilidade para abertura . Toda abertura baseia-se no fechamento" 23 . A combinação de fechamento e abertura pode ser tratada sob duas perspectivas: ( 1) embora um sistema construtor e construído de sentido exerça o "controle das próprias possibilidades de negação por ocasião da produção dos próprios elementos'' (fechamento). esse controle depende das condições de escolha entre o sim e o não do respectivo código sistêmico (abertura) 24 ; (2) o controle das possibilidades de negação (fechamento) proporciona uma relação seletiva contínua e estável (ou, no 15. Lulunann, I 987a :60. 16. Para Varela (1983), o "rní
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mínimo. menos inst02) deve ser rel ativizada e comprecmlida restri tivamente no âmbito J o model o lcoréli co-si stêmico de Luhmann . 33. Luhmann , 1lJ87a:ú01 s. 34 . Cf. Luhmann , l 984a .

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ou melhor. a processos si stêmicos da mesma espécie". Ass1111 se apresentam a decis:1o sobre tomada de dccis:1o. a nor111ati 1;u,:;1o da normatizaç:lo, o ensino do ensino ctc.Jº Mas. for11111lado dessa maneira. o conceito resulta insuficiente para caracteriznr a reíl exi vidadc de um sistema autopoiético. Em face disso. Luhmann tenta defini -lo ma is e:-;n tamente : "De auto-referência processual ou reflexi vidade queremos fa lar apenas, então, se esse reingresso no processo é arti cul ado com os meios do processo"37. Pode-se. de acordo com o modelo sistêmico-tcoréti co. formular de maneira mais rigorosa : reflexividade como mecanismo no interior de um sistema autopoiético implica que o processo referente e o processo referido são estmturados pelo mesmo código bintírio e que. cm co ne:-;ão com isso. critérios e programas do primeiro reaparece m cm parte 11 0 segundo. Por conseguinte, não é suficiente. por exemplo. indic 1r a normalização de normalização. pois a normali zação reli giosa 0 11 éti ca da normalização jurídica, como também a referência norma ti\ a de um padrão de ''Direito natural" à emissão de norma jurídico-positi \'a não representam, nesse sentido estrito. nenhuma reílexi\'idade da produção normativa . Na re,flexão , que pressupõe auto-referência clc1111.: ntar e rdlcx ivi dade, é o próprio sistema como um todo que se apresenta na operação auto-referencial , não apenas os elementos ou processos sistêmicos 38 . Enquanto " teoria do sistema no sistema" 3º. ela implica a elaboração conceituai da "identidade do sistema cm oposição ao seu meio ambientc" 40 . 35 . /\respeito, ver csp. Luhma1111 , l987a:(l0l e úll l i ( ) Di st111g11i11do Jo conceito lógico de rcllcxidadc, observa Luh111an11 ( 1l)84a ·I0'), nota ll): .. Fk designa uma relação que preenche o pressuposto de que cada membro cstú para si mesmo na mesma relação que está para o outro 1-.. 1. Nós 11110 nos atemos a essa definição, porque a identidade e:-;ata da rclaçiio rcllex iva ohslruit ta juslalllcntc o argumento a que queremos chegar: o aumento da clicil:ncia atravl:s de rcllexividade. /\qui , por isso, um mecanismo· deve ser co11si.11T 1do cn ti!.i como rcflexi vo, se ele tem cm vista um ohjclo que é um mccani :.1...l da me. .<1 .1 espéL tc, se, portanto, confom1e a espécie, refere-se a si 1~csmo ". 36. Luhmann, l 984a:94-99 . 37. Lulunann, l 987a:6 l I. De acordo com Luhmann mesmo ( ihid , nota 31), fa ltava essa distinção cm sua anterior conlrihui<,:ão para esse lema , puhlicada primeiramente cm 1966 ( l 984a) 38. Cf. Luhmann, l 987a:60 1, 198 l h423 . 39. l .uhmann . 198 1h:422 e 44ú . 40. Luhmann, l 987a:620 . 117

.,

Trata-se, pois. de ·' uma forma concc nlrada de a11to-rcfcrê11cia" 41 , que possibilita a problematização da própria identidade cio sistcma 42 . Enquanto cm Luhmann, a autopoicsc é concebida cm três momentos interdependentes (auto-referência elementar, reflexividade e reflexão), Teubner vai propor um conceito mais abrangente, definindo-a como "enlace hipercíclico" de elemento, processo, estrutura e identidade43. Parece-nos, porém, que o modelo luhmanniano de autopoiese não contraria a noção de "enlace hipcrcíclico", envolvendo também o momento estrutural. Luhmann não reduziu a reprodução autopoiética à auto-referência dos elementos. mas apenas fixou que essa é a forma mínima de autopoicse. E o que vai caracterizar exatamente a concepção dos sistemas autopoiéticos é que ela parte dos aspectos operacionais, não se referindo primariamente à dimensão estrutural (autonomia) . Com relação aos sistemas sociais. enquanto se constituem a partir de urna conexão unitária (auto-referencial) de comunicações44 , a sociedade é o sistema mais abrangente. As unidades elementares da sociedade. as comunicaçõcs45 , que ela constitui através da síntese de informação. mensagem e comprccnsão 46, só estão presentes no interior da mesma, não cm seu meio ambiente, de tal maneira que ela pode ser caracterizada como um sistema " real-necessariamente fcchado" 47 • Embora a reprodução de comunicações só se realize dentro da sociedade (fechamento auto-referencial), existem imprescindivelmente comunica41 . Luhmann, 198 1h:423 . 42 . Lulunann , 1982 :59 . 43 . Teubner, 1987a:l06ss., 198936-60. Cf. também idem, 1987b. 44 . l ,uhmann , l 987a :92 . Segundo J,uhmann ( 1987a: 43s. ), os sistemas sociais, unidades autopoidicas de comunicações, emergem de "cima", ou seja, constituem-se ao estabelecerem, cm um outro plano, uma nova diferença entre sisle111a e meio amhicnte. Niio resultam , pois, da acumulaçiio de elementos infra-estrnturai s, tai s como conscil:ncia , scn.:s humanos ele. Ao contrúrio, na dis1inçiio de Matmana e Varela ( 1980: 107- 11, 1987: l 96ss.) entre aulopoiese de pri111eira , segunda e tercei ra ordem , os seres vivos apresentam-se como componentes dos sistemas sociais (emergência de "baixo" ). Cf. também Tcubner, l 989:40s. Vale advertir que o conceito de sociedade (gênero) de Maturana e Varela, primariamente biológico, é mais abrangente do que o de sociedade humana (espécie); cf. idem, 1980: XXlV-XXX , 1987:196ss. 45 . Luhmann. 1987a : l 92s. 46 . l ,uhmann , 1983b: 137. Ver lamhém idem, l 987a: l 93ss. 47. J ,uhmann, 1l)87a :60s.

1 , ..,

çõcs sobre o seu meio ambiente psíquico, orgânico e químico-físico (abertura)4R. O caráter autopoiético dos subsistemas da sociedade não pode, porém, ser esclarecido desse mesmo modo: a comunicação é a unidade dementar de todos os sistemas sociais; no meio ambiente de todos subsistemas da sociedade, há comunicação; para esses sistemas parciais desenvolvem-se não apenas comunicações sobre o seu meio ambiente, mas também comunicações com o seu meio ambiente 49 • Somente quando um sistema social dispõe de um específico código-diferença binário é que ele pode ser caracterizado como auto-referencialmente fechado (-> aberto ao meio ambiente) 50 . Por meio de código sistêmico próprio, estruturado binariamente entre um valor negativo e um valor positivo específico, as unidades elementares do sistema são reproduzidas internamente e distinguidas claramente das comunicações exteriores51 •

1.2. Direito como Sistema Autopoiético A diferenciação do Direito na sociedade moderna pode ser interpretada, por conseguinte, como controle do código-diferença "lícito/ilícito" por um sistema funcional para isso especializado52 . De acordo com o modelo luhmanniano, essa nova posição do Direito pressupõe a superação da sociedade pré-moderna, diferenciada verticalmente, ou seja, conforme o princípio da estratificação. Na medida em que o princípio de diferenciação baseava-se numa distinção entre "acima" e "abaixo", praticamente apenas o sistema supremo, a ordem política da camada social mais alta, constituía-se auto-referencialmente53 . O Direito permanecia sobredeterminado pela política e as representações morais estáticas, político-legitimadoras, não dispondo exclusivamente de um código-diferença específico entre um sim e um não. A positivação do Direito na sociedade moderna implica o controle do código-diferença "lícito/ilícito" exclusivamente pelo sistema jurídico, que adquire dessa maneira 48. Luhmann, l 983b:l37. 49. Luhmann, l 983b: 137s. 50. Cf. Luhmann, l 983b: 134, J987a:603, 1986a:83, l 986b: 171s. 51 . Sobre código binário em geral, ver Luhmann, l 986a:75ss. 52 . Lulunann, 1986b: 171. Cf., em relação aos sistemas sociais em geral, idem, l 986a:85s. 53 . Luhmann, 1981g:l59s.

1 1"

seu fechamento operativo ~ 4 • Nesse sentido, a positividade é conceituada como auto-determinação operacional do Direilo55 . Assim como em relação aos outros sistemas sociais diferenciados, não se trata aqui de autarquia, (quase) privação de meio ambiente. Se o fato de dispor exclusivamente do código-diferença "lícito/ilícito" conduz ao fechamento operacional , a escolha entre lícito e ilícito é condicionada pelo meio ambiente. Por outro lado, a auto-determinação do Direito fundamenta-se na distinção entre expectativas normativas e cognitivas56 , que só se tornou clara a partir da codificação binária da diferença entre lícito e ilícito exclusivamente pelo sistema jurídico. Com base na di sti nção entre o normativo e o cog nitivo, o fe· chamento operativo do sistema jurídico é assegurado e simultaneamente compatibilizado com sua abertura ao meio ambiente. A respeito escreve Luhmann : " Sistemas jurídicos utili zam essa diferença para combinar o fechamento da autoprodução recursiva e a abertura de sua referê ncia ao meio ambiente. O Direito constitui , com outras palavras, um sistema normativamente fechado, mas cognitivamente aberto (... J. A qualidade normativa serve à autopoiese do sistema, à sua autocontinuação diferenciada do meio ambiente. A qualidade cognitiva serve à concordância desse processo com o meio ambiente do sistema" 57 . Daí resulta uma conexão entre conceito e interesse na reprodução do Direito positivo. Ao mesmo tempo em que o sistema jurídico fatoriali za a auto-referência por meio de conceitos, ele constrói sua heterorrefcrência através da assimilação de interesses 58 . · Nesse contexto, o sistema jurídico pode assimilar, de acordo com os seus próprios critérios, os fatores do meio ambiente, não sendo diretamente influenciado por esses fatores . A vigência jurídica das expectativas normativas não é determinada imediatamente por interesses econômicos, critérios políticos, representações éticas, nem mesmo por propo54 . Luhmann, 1986a:l25s. Especificamente sobre o código binário do sistema jurídico, ver de forma abrangente idem. 1CJ86h, 1993 : l 65ss. J\qui deve ser lembrado que o Direito, na perspectiva de observação do sistema político, pode ser qualificado como um segundo código do poder político (idem, l 986b: 199, 1988a:34, 48ss., 56). 55 . Cf, Luhmann, l 988b, 1983b, 1985, 1981 h. 56. Luhmaim, l 983b: l 38ss. 57. Luhmann , 1983b:l3 9. Cf. também idem, 1984b:l 10ss. 58. Lulunann, 1990b:IO. Cf. idem, 1993:393ss.

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sições científicas 59 , ela depe nde de processos seleti vos de fillra ge m co 11 ceitual no interior do sistema jurídicd'º. A capacidade de reciclagem (dimensão cognitivamente aberta) do Direito positi\'O possibilit a que ele se alte re para adaptar-se ao meio ambie nte complexo e "veloz". O fechamento normativo impede a confusão entre sistema jurídico e seu meio ambiente. exige a "digitali zação" interna de informações provenientes do meio ambiente. A diferenciação do Direito na sociedade não é outra coisa do que o resultado da mediação dessas duas orientaçõcsº 1. A alterabilidade do Direito é, desse modo, fortificada , não - como seria de afirmar-se com respeito a um fechamento indiferente ao meio a mbi ente - impedida ; mas ela ocorre conforme os c ritérios internos e específicos de um siste ma capaz de reciclar-se. se nsível ao seu mei o amhi e ntcó2 .

Nessa perspecti va, o fechamento auto-refe rencia l. a nonnati,·idade para o sistema jurídico, não constitui finalidade cm si do sistema . antes é a condição da abertura 63 . A radicalização da tese do fechamento como fa lta de meio ambiente desconhece o problema central Ja capacid;1dc de conexão (cm contraposição à si mples repetição) entre acontecimentos elementares64 . Só sob as condições de abertura cognitiva cm face do meio ambiente (capacidade de recicl agem), o sistema jurídico pode tomar providênci as para desparadoxi za r a auto-referência. possibilitando 59. Com relação especificamente ao conhecimento cien tíli co, alinna Luhmann ( 1985: 17) cm consonüncia com isso: "Seria , porém, seguramente !'atai para o sistema jurídico - e sobretudo politicamente fat al - se ele pudesse ser revolucionado através de uma substituição de element os teóri cos cen trai s CHI mediante uma mudança de paradigma". cr. tamhém idem, l 990d :59 .\ s. e 6(i3s. Em contrapartida , na perspectiva singul ar de C. Sout o e S. Sout o, pode-se definir o Direito, em parte, conforme os critérios do co11hecime11 to cie11tíjico (cf. C. Souto e S. Souto, 198 1: esp. 10 1 e 106-1 1\ Souto, 1 992 : 4~-4 5 , 1984 :8284 e 91s., 1.978:85- 117). 60 . "Desenvolvimen tos externos" - enfatin1 Teubner ( 1()82 2 1) - "' nfío são, por um lado, ignorados. nem . por outro lado , converti dos d1 reta111e11tc, ccmfonne o esquema 'estímulo-resposta ', em efeitos internos'·. Nesse sentido, adverte o mesmo autor: "Autononua do Direito refere-se à cin:ularidade ck sua auto-reprodução e não à sua independência causal do meio ambiente" ( 1(J89 '47) 61. Luhmann, l 983b: l 52s 62 . Cf. Luhmann, 1983b:136. 63 . Luhmann, l 987a :60(> . 1993:76 . 64 . Luhmann, l 987a:62 12 1

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a ca pacidade de conexão 6 ~ . O fechamento cognitivo do sistema jurídico proporcionaria uma paradoxia insuperável da autopoiese, não permitiria, portanto, a interrupção da interdependência dos componentes internos através da referência ao meio ambiente66 • Por outro lado, porém, a interrupção do fechamento normativo através do questionamento do código-diferença "lícito/ilícito" afetaria a autonomia do sistema jurídico, levaria a paradoxias heteronomizantes: "Se um sistema emprega uma diferença-guia como código da totalidade de suas operações, essa auto-aplicação do código ao código deve ser excluída . A auto-referência só é admitida dentro do código e, aqui, operacionalizada como negação. l ... J A autonomia do sistema não é, então, nada mais do que o operar conforme o próprio código, e precisamente porque esse dcsparadoxiza a paradoxia da auto-referência" 67 . De acordo com a concepção de Luhmann, a "auto-aplicação do código ao código" não implica apenas efeitos heteronomizantes, mas também imobilidade do sistema jurídico, na medida em que a capacidade de conexão da reprodução autopoiética é. dessa maneira, bloqueada. Especialmente nesse ponto, emergem as divergências entre a teoria luhmanniana da positividade e as novas concepções axiológicas do Direito68. Pressuposto que à positividade do Direito é inerente não apenas a supressão da determinação imediata do Direito pelos interesses, vontades e critérios políticos dos "donos do poder'', mas também a neutralização moral do sistema jurídico, torna-se irrelevante para Luhmann uma teoria da justiça como critério exterior ou superior do sistema jurídico : "Todos os valores que circulam no discurso geral da sociedade são, após a difcrc nciaç<1o de um sistema jurídico, ou juridicamente irrelevantes. ou va lor próprio do Direito" 69 . Portanto, a justiça só pode ser co nsiderada co nseqüentemente a partir do interior do sistema jurídico, 65 . Cf. Luhmann, l 987a:59. 66 . Cf. Luhmann, l 987a:65. 67. Luhmmm, 1985:6. Em relação aos sistemas sociais em geral, cf. também idem, l 986a:76s. e 80s. 68 . Ver sobretudo Lulunann. !98lk, 1988b, 1993:214ss.; e, a respeito, criticamente, Dreier, 1981. Cf. também como críticos do modelo lulunanniano Alexy, 1983: 161 -65; Gilnther, 1988:318-34; defendendo-o, Kasprzik, 1985. 69. Luhmann, l 988b:27. Daí porque Kasprzik ( l 985:368ss.) designa o enfoque Je Luhrnann de "desfundamentalização". É de observar-se que a vigência do códi go "lícito/ilícito", diferença-guia da reprodução autopoiética do Direito conl(m nc l .uhmann , é lambem independente de uma "nonna fundamental" (Kel-

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seja como adequada complexidade (justiça externa) ou como consistência das decisões (justiça interna) 70. Trata-se, com outras palavras, por um lado (externamente), de abertura cognitiva adequada ao meio ambiente; por outro lado (internamente), da capacidade de conexão da reprodução normativa autopoiética. A positividade não se limita, pois, ao deslocamento dos problemas de fundamentação no sentido da ética do discurso habermasiana 71, significa a eliminação da problemática da fundamentação. O fato de que o Direito preenche sua função perante um meio ambiente hipercomplexo, inundado das mais diversas expectativas normativas, exige, segundo Luhmann, um desencargo mais radical com respeito ú fundamentação ética, seja ela material ou argumentativo-procedimental72. A relevância eventual de ponderações referentes a valores pretensmnente universais teria como conseqüência a imobilidad~ do s~s­ tema jurídico, o bloqueio de sua tarefa . s_e_!et_i_~a, . portant.o, efeitos ~·~­ funcionais . Em suma : nos termos da concepção luhmanmana da pos1t1vidade do Direito, isto é, fechamento normativo e abertura cognitiva do Direito moderno, o problema da justiça é reorientado para a questão da complexidade adequada do sistema jurídico e da consistência de suas sen) ou de uma "nonna de reconhecimento" (Hart). Cf. Luhmann, 1983b: 140s.; Günther, 1988:328. 70. Luhmmm, l 988b:26s. Cf. também idem, 1981 k:388ss, 1993:225 . 71. " A função própria da positivação consiste em deslocar problemas de Jrmdamentação, portanto, em descarregar a aplicação técnica do Direito, sobre amplos espaços , de prohlcmas de fundamentação, mas não cm eliminar a problemática lia funllamcntação" (1-lahcnnas, l 982h1:359). Mais tarde, a oposição à concepção luhmanniana da positividade como autonomia sistêmica vai ser expressa de fonna mais vigorosa: "Um sistema jurídico adquire autonomia nã~ apenas para si sozinho. Ele é autônomo apenas na medida em que os pr~1mentos institucionalizados para legislação e jurisdição garantem fomtação imparcial de julgamento e vontade, e, por esse caminho, proporcionam a uma racionalidade ético-procedimental ingresso igualmente no Direito e na política" (Habennas, l 987a: 16 ). Fundamentando essa posição, ver, mais recentemente, idem, 1992:571 ss. 72 . Segundo Lulunmm (198lk:389, nota 33), " .. . fonnas discursivo-racionais de esclarecimento de posições valora.tivas aceitáveis ou inaceitáveis ficam hoje encravadas no domínio do mero vivenciar. O pressuposto :entrai da. filosofia prática, segundo o qual , ao argumentar-se sobre o que hoje se designa de valores, poderia compreender-se melhor o agir, não é mais defensável nas condições hodiernas de um mundo muito mais rico em possibilidades". 123

decisões.

1.3. A Alopoiese do Direito O modelo luhmanniano do Direito moderno (positivo) como sistema autop~iético é, nu~a. perspectiva empírica, suscetível de restrições. ~ determinação alopo1et1ca do Direito prevalece na maior parte da sociedade moderna (mundial)73.. Inicialmente cabem alguns esclarecimentos. Ao contrapor-se à autopoiese a alopoiese, não se trata de uma discus~o so~re a superação lógica da paradoxia da auto-referência 74. Nesse s~nt1do orientou-se o debate entre Hart e Ross sobre a possibilidade lógica da auto-referência no Direito 75 . De um lado, Hart fazia objeções à resposta de Kclsen ao argumento de que a série infinita de sanções na relação entre normas sancionadoras e sancionadas esta ri a cm contradição com a noção de Direito como ordem coativa 70 ; por outro lado, contestava a tese, sustentada por Ross, de que a reforma constitucional das n.ormas constitucionais referentes à reforma da Constituição configuraria "um .ªb.surdo lógico" 77 . Hart apresentava o argumento conclusivo de que o D1re1to ~ão consti.tui um sistema de proposições no sentido lógico e, por conseguinte, admite auto-referência 78 . 1:l'ºs. termos da concepção sistêmico-teorético da autopoiesc, a autoreferencia pertence à realidade do Direito como sistema social, não sendo tratada como um problema lógico. O conceito de auto-referência é " retirado de seu clássico posto na consciência humana ou no sujeito e transpos~o para o domínio dos objetos, a saber. para os sistemas reais ~om? objeto da ciência" 79 . Daí resulta " uma certa distância em relação as dificuldades puramente lógicas da auto-refcrência" 8 º. Nesse contexto não é mais o pensamento sobre o Direito que é considerado como a~to­ referencialmente constituído, mas sim o próprio Dircito8' · A auto-refc73 . A respeito, ver Neves, 1992. 74 . Cf. Teuhner, 1989:14s. 75 . Hart, 1983; Ross, 1959:80-84, 1969. 76. Cf. Hart , 1983: 170-73; Ke1sen, 1946:28s. 77. Ross, 1959:80ss., 1969:csp. 4s., 20s. e 23s. ; Cf. llart , 1983: l 75ss. 78. Cf. Hart, 1983: 177s. 79. Luhmann, I 987a:58. 80. Luhmann, l 987a:58. 81. Teubner, 1989: 18.

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rência autopo iética nüo é, cnt:lo. um problema a ser superado. 111as s i111 uma condiçüo impresci ndível à unidade operacional e cstrnlural do sistema jurídico. Também não partimos aqui de uma distinção radi ca l entre sis1c111as auto-referentes e alo-referentes no sentido da concepç:1o biológica de Maturana, conforme a qual se distinguem, respectivamente, os sislcmas que só podem ser caracterizados com referência a si mesmos e os sislcmas que só podem ser caracterizados com referência a um contcxto82 . No caso dos sistemas sociais. a autopoiese operacional é combinada com a referência cognitiva ao meio ambiente. A hcterorreferência informativa é pressuposto da auto-rcfcrência operacional e vice-versa . No sistema jurídico. isso significa. como observamos no item anterior. a conexão entre fechamento normativo e abertura cognitiva . O Direito enquanto sistema autopoiético é. ao mesmo tempo. normativamente simétri co e cognitivamente assimétrico 81 . Só quando há uma assi111e1ri1aç:lo c:xle ma ao ní\'el da orientaçüo normal iva é que surge o problema da a lopoicse como negaç:lo da auto-referência operac ional do Direito. Deri,·ado etimologicamente do grego alo C11m outro '. ' dife re nte ') + poiesis ("produção ', ·criação ' ). a pala\'ra designa a (rc)produção do sistema por critérios. programas e códigos do seu meio ambiente. O respecti\'O sistema é determinado, l :o, por injunçõcs diretas do mundo e.-..;tcrior. perdendo cm significado a própria diferença entre sistema e me io ambiente. Por outro lado. bloqueio alopoiético do sistema é inco mpatí ve l co m capacidade de reciclagem (abertura cognitiva) e. por conseguinte, co m a própria noção de referência ao meio ambiente como intermpçüo da interdependência dos componentes sistêmicos. A crítica à noção luhmanniana da autopoiese do sistema jurídico desenvolveu-se sobretudo entre os autores vinculados à concepçüo pósmodernista do Dircito8·1. Em Ladcur, argumenta-se no sentido da pluralidade do discurso jurídico. cri ticando-se o concei to de Direito como gcncrali1.ação congruente de expectativas normativas, porque tal con82 . Malurana, in: Mawrana e Varela , l 980:Xlll. 83 . Luhmann , I 984b: 111 . Em relação aos sistemas sociais cm gera l, d idem, l 987a:65 e 262 . 84. Cf. Teuhncr. 1982 , l 987a. l 987b, 1988. 1989 ~ i
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ccito estaria associado a uma concepção instrumental da linguagem como "sistema de signos" 85 e, portanto, não tomaria c m consideração a het eroge neidade e descontinuidade histórica dos "jogos de linguagem" 86 • Disso resulta que não se fala de consenso (suposto), mas sim de compatibil izaç
Direito formalmente racional e da racionalidade jurídica material 96 . No primeiro caso, haveria uma insensibilidade em relação ao contexto social ; o direito materialmente racional, por sua vez, não responderia adequadamente à diferenciação da sociedade e não proporcionaria a autonomia do sistema jurídico. O Direito reflexivo regularia o contexto social autônomo, respeitando a dinâmica própria dos outros subsistemas sociais, mas impondo-lhes restrições possibilitadoras da combinação de todas as partes, restrições essas que funcionariam, para cada sistemaparte, como "regras do contexto" 97 . Divergindo do modelo de Luhmann, essa constrnção pressupõe que os subsistemas sociais não se encontram apenas em relações de observação recíproca, admitindo também interferências intersistêmicasQ8 . Não se nega, porém, a autopoicse do sistema jurídico; ao contrário, afirma-se a dupla autopoiese do Direito e dos demais subsistemas da sociedade99 . _ No desenvolvimento de sua concepção jurídica pluralista e pós-moderna, Tcubner vai distinguir entre Direito autopoiético, Direito parcialmente autônomo e Direito socialmente difuso 100 • Parte-se da concepção de que o sistema jurídico autopoiético constitui-se do entrelaçamento entre os componentes sistêmicos, a saber, procedimento jurídico (processo), ato jurídico (elemento), norma jurídica (estrutura) e dogmática jurídica (identidade). No caso do Direito parcialmente autônomo, haveria a auto-referencial constituição dos respectivos componentes sistêmicos, não surgindo, porém, o enlace hipercíclico entre eles. Ou seja, haveria (re)produção auto-referencial dos atos jurídicos entre si, das normas entre si , dos procedimentos entre si, dos argumentos e proposições dogmáticas entre si, mas esses diversos componentes sistêmicos não se entrelaçariam num hiperciclo autopoiético. Por fim, teríamos o direito socialmente difuso, no qual os componentes sistêmicos são produzidos sem diferenciação jurídica, ou seja, simplesmente como conflito (processo). ação (elemento), norma social (estrutura) e imagem do mundo (identidade). Ao distinguir esses três tipos de constituição e 96. Cf. Teubner e Willke, 1984:19ss.: Teubner, l 982 :23ss.

97. Teubner e Willke, 1984:7. 98. Teubner, l 988:52ss., l 989:96ss. Cf. acima nota 50 do Cap. II. 99. Cf. Teubner, 1988:46-48, 1989:88ss. A respeito, v. criticamente Nahamowitz, 1990. Replicando-o, Lulunann, 1991 b. Distanciando-se de ambas posições, Kargl, 199 1. IOO . Cf. Tcuhncr, 1989:49ss., especialmente o sugestivo quadro da pág. 50; idem, 198711 : 106ss. (o mesmo quadro à púg. 108), l 987b:432ss. 127

1 1 !

(re)produção dos componentes do sistema jurídico, Tcub ncr é levado à seguinte aporia : tratando-se do mesmo âmbito de vigência, como se resolvem os conflitos entre os três di versos tipos sistêmicos do Direito? Ele responde com o conceito de Direito intersistêmico de colisão10 1 inclusive para .. o conflito entre ordem jurídica estatal e ordens so~iais plurais quase-jurídicas" 1º2• A questão, contudo, permanece: o Direito intersistêmico de colisão constitui sistema autopoiético, ordem jurídica parcialmente autônoma ou Direito socialmente difuso? Caso se trate de uma dessas duas últimas formas , não haveria, a rigor, Direito autopoiético; se, ao contrário, for caracterizado como Direito autopoiético, não haveria exatamente Direito parcialmente autônomo ou socialmente difuso. Quando falamos de Direito alopoiético, referimo-nos ao próprio Direito estatal , terri torialmente delimitado. Procuramos observar que não se desenvolve, em determinado âmbito de vigência espacial delimitado fixamente, a diferenciação funcional suficiente de uma esfera do agir e do vivenciar jurídico, ou seja, não se constrói um sistema auto-referencial apto a, de maneira congruentemente generalizada no domínio da respectiva sociedade, orientar as expectativas normati vas e direcionar as ações em interferência intersubjetiva. Não se trata, pois, do modelo tradicional do pluralismo jurídico. no qual se distinguiria Direito "oficial" autônomo(?) de esferas jurídicas construídas informalmente ·e de modo difuso. Em primeiro lugar, tal distinção nos conduz à já referida aporia insuperável quanto aos mecanismo de solução dos conflitos intcrsislêmicos, pois a prevalência de um dos modelos jurídicos implica a absorção do outro. Por outro lado, a concepção pluralista pós- moderna, de origem européia, procura apontar para a rclaç<1o de meca nismos cxtraestatais "quase-jurídicos" com um Direito estatal operacionalmente autônomo. Em nos-so caso, pretendemos considerar algo mais radical, a própria falta de autonomia operacional do Direito positivo estatal. Isso significa a sobreposição de outros códigos de comunicação, especialmente do econômico (ler/não-ter) e do político (poder/não-poder), sobre o código " líc ito/ilícito", cm detrimento da eficiência, funcionalidade e mesmo racionalidade do Direito. Ao afirmar-se o intrincamento dos códigos e critérios de preferência das diversas esferas da vida social (economia, poder. etc.) com o códigodefcrença e os critérios do Direito, não se desconhece que sempre há um 101. Ti.:uhner, 1989:123ss. 102. Teuhner, 1989: 135-38.

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condicionamento de todo e qualquer sistema autopoiético pelo se u mcioambienle, e que isso constitui pressuposto da conexão auto-referencial dos componentes intra-sistêmicos. Mas, nesse caso. há a "comutação" ou "digitalização" dos fatores externos pelo código e o critério do respectivo sistema . É na capacidade de " releitura" própria das determinantes meio-ambientais que o sistema afirma-se como autopoiético. Na medida em que, ao contrário, os agentes do sistema jurídico estatal põem de lado o código-diferença " lícito/ilícito" e os respectivos programas e critérios, conduzindo-se ou orientando-se primária e freqüentemente com base em injunções diretas da economia, do poder, das relações familiares etc., cabe, sem dúvida, sustentar a existência da alopoiese do Direito. Aqui não se trata de bloqueios eventuais da reprodução autopoiética do Direito positivo, superáveis através de mecanismos imunizatórios complementares do próprio sistema jurídico. O problema implica o comprometimento generalizado da autonomia operacional do Direito. Diluem-se mesmo as próprias fronteiras entre sbtema juridico e meio ambiente, inclusive no que se refere a um pretenso Direito cxtraestatal socialmente difuso. Como veremos mais adiante, a alopoiese afeta a auto-referência de base (elementar), a reflexividade e a reflexão como momentos constitutivos da reprodução operacionalmente fechada do sistema jurídico. Atinge também a heterorreferência, ou seja, a função e prestações do Direito. Conforme o modelo de Teubner, a alopoiese implica, em primeiro lugar, a não constituição ou o bloqueio generalizado do entrelaçamento hipcrcíclico dos componentes sistêmicos (ato, norma, procedimento e dogmática jurídicos). Mas pode significar algo mais : a não constituição auto-referencial de cada espécie de componentes sistêmicos. Nesse caso, as fronteiras entre sistema jurídico e meio ambiente social não só se enfraquecem, elas desaparecem.

2. Constitucinalização Simbólica como Sobreposição do Sistema Político ao Direito Ao definir-se a Constituição como vínculo estrutural entre Direito e política (ver Cap. II. l. 3. l ), pressupõe-se a autonomia operacional de ambos esses sistemas. A Constituição apresenta-se então como mecanismo de interpenetração e interferência entre dois sistemas sociais autopoiéticos, possibilitando-lhes, ao mesmo tempo, autonomia recíproca. Correspondentemente, concebida como instância interna do sistema 129

jurídico (Direito constitucional), ela caracteriza-se como mecanismo de autonomia operacional do Direito (ver Cap. II. l.3 .3). Nesse caso, temsc cm vi sta especificamente o processo de constitucionalização como distintivo do "Estado de Direito" moderno. Tratando-se. porém, das "constituições instrumentalistas" e "simbólicas" (ver cap. II. 6), há uma expansão da esfera do político cm detrimento do desenvol vimento autônomo de um código específico de difere nça entre lícito e ilícito. No caso típíco de " instrumentalismo constitucional", a subordinação heteronomizante do sistema jurídico ao código primário do poder (superioridade/infcrioridadc) 1º3 sucede diretamente através do processo de estabelecimento de textos constitucionais ou de leis "supraconstitucionais" de exceção. Nas situações-limite de totalitarismo e autoritarismo, isso significa que os detentores do poder não ficam vinculados a mecanismos jurídicos de controle previstos nas respectivas leis constitucionais, seja porque as próprias disposições (supra-) constitucionais excluem os órgãos políticos supremos de qualquer limitação ou controle jurídico. ou porque ocorrem mudanças casuísticas da Constituição no sentido de impedir a invocação dos eventuais instrumentos de controle. É, portanto, a nível da própria emissão de leis (supra-) constitucionais que se impede o desenvolvimento do código-diferença " lícito/ilícito" como segundo código do poder. Dos próprios textos normativos constitucionais, sem qualquer distância em relação à r"e alidade constitucional 104 , decorre o bloqueio heterônomo da reprodu. ção dos componentes do sistema jurídico. Tal situação pode estar vinculada à predominância de uma ideologia totalitária que elimine qualquer autonomia à esfera do jurídicorn5; mas é possível que esteja associada a interesses mais concretos de minorias privilegiadas, sem consistência "ideológica" 106 . 103 . " O poder político é antes de tudo codificado hierarquicamente de acordo com o esquema poder superior/inferior" (Luhmann, l 986b:199). Cf. acima not a 5.1 do Cap. li . 104. l'or isso as "Constiluiçõt:s instmmentalistas" implicam o "realismo constitucional", significando isso que não há di stinção entre sistema jurídico constitucional e seu meio ambiente político. Cf. acima nota 194 do Cap. II. 105. Daí a distinção de Luhmatm ( 1984c: 193-96) entre "Estados de Direito" e sistemas integrados ideologicamente. 106. Os regimes autoritários latino-americanos têm sido caracterizado, com razão, pela falta de urna "ideologia" consistente de sustentação. Cf. , p. ex., Cheresky, 1980: esp. 1976; Loewenstein, 1942:125ss., em relação específica ao 130

No caso de constitucionalização simbólica. a politização adifcrenciantc do sistema jurídico não resulta do conteúdo dos próprios dispositivos constitucionais. Ao contrário. o texto constitucional proclama um modelo político-jurídico no qual estaria assegurada a autonomia operacional do Direito. Mas do sentido cm que se orienta a atividade constituinte e a concretização do texto constitucional resulta o bloqueio político da reprodução operacionalmente autônoma do sistema jurídico. Ao texto constitucional. numa proporção muito elevada. não corresponde expectativas normativas congruentemente generalizadas e. por conseguinte, consenso suposto na respectiva sociedade. A partir da sua emissão não se desenvolve uma Constituição como instância renexiva do sistema jurídico. Com relação à legislação simbólica, Kindermann também acentua que se trata de um mecanismo de negação da - dif~rcnça entre sistemas político e jurídico, cm detrimento da autonomia do último 107 . Mas, nesse caso. cogita-se. cm princípio. de aspectos parciais ou setoriais do sistema jurídico. A constitucionalizaç:lo simbólica. que afeta as estruturas fundamcntais da Constituição e não determinados dispositivos constitucionais isolados. é um mecanismo que põe a autonomia do Direito globalmente cm questão. Deve-se observar aqui a abrangência dos temas constitucionais nas dimensões material. social e temporal : l) o Direito Constitucional refere-se imediata ou mediatamente a todos os ramos do Direito; 2) o consenso ("suposto") cm torno da base constitucional é pressuposto da institucionalização das normas infra-constitucionais e respectivos procedimentos; 3) a continuidade normativa da Constituição é condição da alterabilidade juridicamente regulada e reciclagem permanente das normas infra-constitucionais às novas exigências do meio ambiente. Conseqüentemente, cm não havendo suficiente relevância normativo-jurídico dos textos constitucionais, compromete-se o Direito como um sistema autônomo fundamentado na congruente generalização de expectativas normativas nas dimensões material, social e temporal 10R . Enquanto sobreposição do sistema político ao jurídico, a constituregime Vargas; Neves, 1992: l 87s. 107. Cf. Kindcnnann, 1989:270 . 108. Sobre nom1ação, institucionalização e i
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cionalização simbólica não se ·apresenta apenas corno mecanismo de bloqueio do Direito pelo código-diferença primá rio do poder, "supcri?ridade/inferioridade", ou seja, não tem um sentido puramente nega tivo. Através do discurso constitucionalista, da refe rência retóri ca ao texto constituciona l, é possível , com êx ito maior ou menor, construi r-se perante o público a imagem de um Estado ou um governo identificado co m os va lores constitucionais, apesar da ausência de um mín imo de concretização das respect ivas normas constituci onais. Trazendo a esse contexto palavras de Luhmann, trata-se de u m caso típico de "exploração" do sistema jurídico pela política 109 . Não se configu ra aqui urna "exploração" eventual ou em aspectos isolados, mas sim uma "supe rexplo- · ração" generali zada. Daí porque se fala de "sociedade hiperpoliti zada" em casos de constitucionalização simbólica' JO . O fato da subordinação do Dire ito ao pode r político no contexto da constitucionalização simbólica não deve, entreta nto, leva r à ilusão da autonomia do sistema político. Tendo em vista que o pressuposto de tal autonomia, o desenvolvime nto da diferença " lícito/ilítico" como segundo código do poder 111 , não se reali za satisfatoriamente no âmbito da constitucionalização simbólica, o poder político sofre injunções particularistas as mais diversas, tornando-se ineficiente com respeito à sua ftrnção de decidir de forma vinculatória generali zada. Não havendo um sistema normativo-jurídico constitucional efetivo que se possa invocar legitimatoriamente para descarregar-se e inurnizar-se das pressões c~n­ cretas de "cima" e de " baixo", os respectivos governantes (em sentido amplo) ficam suscetíveis às influências dos interesses particularistas, surgindo daí mecanismos instáveis e compensatórios de " legitimação" . Principalmente no que se refere às injuções do código " ter/não-ter" (economia), observa-:~e claramente a fraqueza do sistema político em si109 .. Cf. Luhmaim, 1983b:l50. 11 O. Cf. Villegas, 1991:1 6, tratando da eficácia simbólica da Constituição colombiana. Evidentemente, a "hiperpolitização" que envolve a constitucionalização simbólica também resulta da pennanente invocação do texto constitucional no di scurso dos grnpos políticos e movimentos sociais interessados efetivamente na trasformação das relações reais de poder; mas não nos parece adequado aplicar a esse caso o "conceito de uso alternativo do Direito'', eis que ao texto constitucional não corresponde concretização nonnativa (cf., em sentido contrário, Villegas, 1991: 11 s ). 111. Cf. Luhmann, l 986b:199, l 988a: esp. 34 , 48ss., 56. Ver também acima nota 103 deste Cap.

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luações de constitucionalismo simbólico, um proble111a típi co do Estado periférico (ver item 6 deste Ca p.). Nesse sentido. a co nstitucio nalil.ação si mbólica ta mbé m se ap rese nta co mo um mecan ismo ideológico de encobrimento da falta de autonomia e da ineficiência do sistema político estatal, principa lmente com relação a interesses econômicos parti cularistas. O Direito fica subordinado à política, mas a uma política pulverizada, incapaz de generalização consistente e, pois, de autonomia operacional.

3. Constitucionalização Simbólica versus Auto-Referência Consistente e Hetero-Referência Adequada do Sistema Jurídico A concepção do Direito como sistema aut opoiéti co press upõe a assimet ria e ntre complexidade do sistema jurídi co e supcrcomplexid'1de do meio a mbiente na sociedade moderna 11 2. Dia nt e d'1 co111 plcx idade não-estruturada ou indeterminada /indeter111ináve l do meio a mbie nt e. o Direito positivo construiria complexidade sistêmica estmturada ou determinada /determinável 113 . Para isso, exige-se tanto a auto- referê ncia consistente do sistema jurídico com base no código de difere nça entre lícito e ilícito quanto a heterorreferência adequada ao correspondente meio ambiente, a tal ponto que o problema da justiça interna e ext erna é reduzido, respectivamente, à questão desses dois modos de referê ncia sistêmica'' 4 . A auto-referência implica três mome ntos si stê mi c,is: a a ula- re ferência de base ou elementar, a reflexividade (auto-refe rência processual) e a reflexão. A auto-refe rência de base signifi ca :. capacid: de de conexão consistente entre os elementos constituintes d.. respectivo sistema; por re fl exividade entende-se que processos referen 1-se a processos com base no mes mo código sistê mi co de prefe rência: a re fl exilo em sentido estrito signifi ca que o siste ma refl ete sobre a sua pró pria idenl idade (c f. pp. l l <>ss.).

11 2. Cf. l.uhmann , l 975h: esp. 2 1Os. 113 . Sobre a di stinção entre compkxidad1.: 1.:struturnda e 11ão-1.:slrut111ada , ver Luhmann , J 987a :383 , J 987h:Cis. Paralelamente, ele distingne 1.:nln.: complexidade i11dctenninada/indct1.:nninávcl e dctcnninada/de lc1111inúvcl (cr . )l exemplo, itkm , 1971 :300-302 , l 975 h:209ss. ). lknalant1y ( 1l/57 :lJ) talava analogamente de complicação desorganizada e organizada. 114 . Luhmann. l 988b:26s. Cf t amh~m idem, 1981 k:388,,,, , 1lJlJJ225ss

Ao tratarmos desses três momentos da auto-referência do sistema jurídico cm trabalho anterior, relacionamo-las respectivamente aos conceitos de legalidade. constitucionalidade e legitimação (no sentido sistêmico) 11 ~ . A leRalidade. nessa perspectiva, define-se dinamicamente como capacidade de conexão consistente das unidades elementares do sistema jurídico (comunicações. atos jurídicos) com base no mesmo códi go generalizado (inc/11dente) de diferença entre lícito e ilícito 11 6 . Nesse caso. há rcdundfü1cia operacional cm face da variedade do meio ambicnt c11 '. A co11sti111cionalidade é concebida como o mecanismo mais abran ge nt e de reflexividade no interior do sistema jurídico. ou seja. como a nor mali/.aç;lo mai s compreensi,·a de processos de normalização do Direito positi\'o (cf Cap. 11 . 1.1.1). A reflexão enquanto referência do sistema ;\ su;1 própria identidade manifesta-se cm dois níveis de abstração: a dogmática jurídica como reílexão limitada . eis que prevalece o princípio da ''inegabilidade dos pontos de partida de cadeias de argumentação" (" proibição de negação'' da identidade do sistema) 11 K; a teori a do /Jireito como "abstração de abstração'' (reflexão abrangente), na qual é admitido o questionamento da identidade do sistema 11 9 • A refle1 15. e r Neves , 1t)92 182ss. 1 1(1. Niio se trata , po is , simplesmente de conconhim:ia entre lei ou " Direito csnilo .. e conH111ic:11,:õcs jurídicas. /\ essa concepção cstútica er prohlcmati1.ada . pode, portanto. a parecer como ncgúvcl " ( l .11hma11n . 1lJ82:.'i ll ). apenas a teoria do Direi l o co11 s t1111iria , a ri gor . inst:'incia de rellcxão
xão, por outro lado, fica vinculada à legitimação em sentido sistêmico, definida como capacidade do sistema de orientar e reorientar as expectativas normativas com base nas suas próprias diferenças e critérios. A constitucionalização simbólica implica problemas de reprodução do Direito nos três momentos de sua auto-referência. A falta de força normativa do texto constitucional conduz à insuficiência de legalidade e constitucionalidade na práxis jurídica e, correspondentemente, no plano de reflexão, ao problema da desconexão entre a prática constitucional e as construções da dogmática jurídica e da teoria do Direito sobre o texto constitucional . O princípio da legalidade, proclamado no texto constitucional, não se realiza suficientemente através da conexão consistente das comunicações jurídicas (atos jurídicos) com base exclusivamente no código-diferença " lícito/ilícito". A legalidade, que implica igualdade perante a lei (cf. nota 172 do Cap. II), transforma-se fundamentalmente numa figura de retórica do discurso do poder. o bloqueio do processo de concretização constitucional resulta da predominância de outros códigos bi.nários de preferência, principalmente dos códigos-direrença "poder/não poder" e " ter/não ter", sobre o código " lícito/ilícito" . Não se desenvolve a capacidade de conexão generalizada das comunicações como unidades elementares de um sistema operacionalmente autônomo, sobressaindose o problema da ilegalidade na práxis constitucional, encoberto tanto pela retórica legalista dos ideólogos do sistema de poder quanto pelo discurso antilegalista dos seus críticos. Nas condições de constitucionalização simbólica, a noção de constitucionalidade como reflexividade mais abrangente no interior do sistema jurídico também é afetada. Na medida em que o texto constitucional não se concretiza normativamente de forma generalizada, impossibilitase o desenvolvimento de Constituição como normalização mais compreensiva de processos de normalização dentro do sistema jurídico. A paradoxia da " realidade constitucional inconstitucional" 120 importa uma práxis política na qual se adotam ou rejeitam os critérios nonnativos procedimentais previstos no texto constitucional, conforme ele corresponda ou não à constelação de interesses concretos das relações de poder. O problema não se reduz à questão da inconstitucionalidade das leis ou "atos normativos", sempre suscetível, num grau maior ou memática jurídica. Mas no sentido menos estrito do termo, trata-se de dois nívei s de reflexão do Direito. 120. Grimm , 1989 :637.

nor, de uma solução mediante' os respectivos mecanismos de controle da constitucionalidade. Ele torna-se relevante ao nível de práticas informais descaracteri zadoras dos próprios procedi mentos constitucionais (p. ex., prisão sem o correspondente due process of law, deturpação do procedimento eleitoral, prática judicial cormpta, parlamento como foco da criminalidade organizada). Nessas circunstâncias, a noção de "ordem constitucional" perde em sentido prático-jurídico, sendo, porém, invocada particularisticamente nos casos de instabilidade da ordem política real subjacente. Em tal contexto, a constitucionalidade, que implicaria generalização includente da normalização constitucional, converte-se amplamente em figura de retórica, não só no discurso do status quo, como também, em certa medida, na práxis discursiva dos grupos interessados por transformações reais das relações de poder. Considerado que a legalidade (auto-referência de base) e a constitucionalidade (reflexividade) são condições imprescindíveis para uma (auto-) reflexão consistente sobre a identidade do sistema jurídico e vice-versa, a construção de uma dogmática jurídica e ta mbém de uma teoria do Direito relevante na práxis constitucional fica prejudicada cm situações de constitucionalização simbólica . Nesse contexto de falta de auto-referência elementar e processual , não se desenvolve suficientemente uma dogmática jurídico-constitucional que esteja em condições de, conforme o modelo luhmanniano, preencher satisfatoriamente sua função de "controle de consistência em relação à decisão de outros casos" e, nos limites dessa função , definir com relevância prática "as condições do juridicamente possível, a saber, as possibilidades de construção jurídica de casos jurídicos" 121 • As abstrações conceituais da dogmática jurídica e as "abstrações de abstrações" da teoria do Direito não se refletem na práxis. jurídic~-constitucional , na medida em que constelações concretas de interesses impedem uma consistente interdependência das decisões. Daí surge o desvio retórico da cultura jurídica, assim como, freqüentemente, a discussão constitucional orientada basica mente pelas questões e casos jurídico-constitucionais da expe riê ncia estrangeira. Em linguagem psicanalítica, trata-se. então, de reações sublimadoras diante da realidade constitucional rejeitante~ Com a incapacidade de (auto-) reflexão consistente do sistema jurídico-constitucional relaciona-se o problema da legitimação. Aqui não nos queremos referir simplesmente ao papel legitimatório das teorias ju12 l. Luhmann, 1974:19. No mesmo sentido, ver Ferraz Jr., 1980: 99ss.

136

rídicas para o Direito enquanto sistema normali vo 122 . l'relende111os enfati zar que, nos casos de constitucionalizaÇão simbólica , a insuficiente refl~xão da indentidade sistêmica 011 a inefici ente defi ni ç;lo das "condições do juridicamente possível" pela dogmá tica constitucional e a teoria do Di reito constitui fator negativo da orientação generalizada das expectativas normativas pelo texto constitucional. Não se trata do conceito weberiano de legitimidade racional (moderna) como "crença na legalidade" 123 , nem da concepção de legitimidade como reconhecimento de decisões obrigatórias (consenso fático) 124 • Também não interessam aqui concepções axiológicas de legitimidade com pretensão de universalidade. como o modelo habermasiano da fundamentação do proce122 . Nesse sentido, alinna Ec.ler ( 1986:20): 'Teorias juríc.lirns niio explicam, elas legitimam o sistema jurídico Decisiva é sua função lcgitimatória e não sua verdac.le". 123 . Weber, 1985: esp. l 9s., 124, 822; cf. também ic.le111, 1%8b. 2 15ss. Com posição critica a respeito, ver Habennas, 1973: 1J3 ss., l 982bl: J54ss. Diverginc.lo da interpretação dominante, Winckelmann ( l 952 :72s. e 75s.) sustenta o fundamento "racional-valora li vo" 110 conceito weberiano c.l e leg.itimidade. Por outro lado , Schluchter ( 1979: l 55ss.) relaciona a noção de "princípios jurídicos" com a "ética da responsahilic.lac.le". Contra essas duas in terpretações referentes n valores, cf. , respectivamente, J labennas, 1973 : 136-38, l 982bl: 36 1, nota 197. Mas também não é fundamentável a afinnação de Lul unann ( 1965: 140, nota 12 ) c.le que Weber veria o problema da lcgitimic.lade "somente na efetividade da dominação". Ele mesmo acentua cm outra passagem que a legi timidade, segundo Weber, "seria simplesmente a co11.wqiiú11c ia da crença fática 110 princípio da legitimaçcio" ( 144 ). A efetividade seri a, nesse sentido, apenas um indício da legi timidade. 124 . Sobre essa concepção dominante, que deve ser di stingu ic.la da weberiana, principalmente porque não se refere apenas á crença no exercício legal da dominação, mas também considera a crença no título juríc.lico ou pri11cipios jurídicos do poder, cf. f'ncdrich , l 960 ~ 1leller, 1934 : l 75ss , 191, 22 1. Nesse contexto, ver, para a di stinção entre ·'Jegitimic.lac.le" i;omo qualidade do tít1ll o e.lo poder e "legalidade" como qualic.lade do exercício do poder, Bobbio, 1%7: esp. 48s. Correspondentemente, a legitimidac.le é reduzida à lega lidade no ·•Estac.lo de Direito Democrático", na medic.la em que as "" lei s" são concebidas como "expressão da vontade popular fomrnc.la democraticamente" (l'reuss, 1984 :28). Criticamente a respeito de teorias "participatórias" e.la legi timação, ver Luhmaim, l 987c.I.

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12'> Tc11h11e1. 1(J82 : 18. 1

1 educacional), limitações à atividade política JO. . No plano constitucional. a função de congmcnte ~enerahzação de expectativas normativas vai ser possibilitada, na soc1e~ade modem~, através da institucionalização dos Direitos fundamentais, que constituem a resposta do sistema jurídico às exigências de. difcr~n~iação ~un­ cional. Mas como o princípio da diferenciação funcional e mseparavel do princípio da inclusão. a função de congruente generali~açã? de expectativas normativas importa a instituciona~iza~ão c_onst1tuc1ona~ d~ Estado de bcm-csttlTD 1• Ou seja. através da inst1tuc1onaltzação dos D1re1tos fundamentais , a Constituição responde à semântica social dos "direitos humanos" . que pressupõe uma sociedade diferenciada e~1 esferas de vidas orientadas por critérios os mais diversos, nflo subordmada a 132 uma moral globalizante e hierárquica fundamentadora do poder ; me.

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130. J.uhmann , 1981 h: 440 . Correntemente a distinção lulunanniana entre prestação e função não é empregada, de tal maneira que "~ função social. do Di.~ rcito" pode ser ddinida como "uma prestação do D1Te1to par~ a soc1ed~d~ (Maiholcr, 1970:25). /\ referêm:ia de Bobbio (1977:113-15) a d1~ercntes .mv~1.s de função importa indistinção entre função e prestação no senttdo aqm utth~ zado. Por outro lado, ele distingue entre função 1>2· 1 11 r ·r 1(J88). Mesmo na perspecti va tle base vnlorat1vo-procctl11nen11.1u , . · l: • d' · tal de /\lcxv ( 1t)X(i ) . a expressão "direitos timdamcntnis" refere-se a 1rc1tos

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diante a institucionalização do Estado de bem-estar. a Constituição volta-se para as exigências das massas por maior acesso ou participaç:lo nas prestações dos diversos sistemas sociais, sobretudo da política e do Direito. Tanto uma como outra forma de institucionalização são imprescindíveis para o êxito do Direito em sua função de congruente generalização de expectativas normativas na sociedade moderna . A nível constitucional , a prestação jurídica relativa à solução de conflitos não resolvidos nos outros sistemas vai ser assegurada com o estabelecimento dos procedimentos constitucionais de resolução de conflitos, o due process of Law. Como prestação específica do Direito . perante o sistema político, a Constituição regu lamenta o procedimento eleitoral, estabelece a "divisão de poderes" e a distinção entre política (em sentido estrito) e administração, com uma semântica orientada para a imunização do " Estado de Direito" perante interesses particularistas de dominação (ver Cap. 11. 1.3.4.2 e 3.). Esse modelo do Direito como sistema autopoiético perde cm va lidade empírica quando se esbarra com o problema da constitucionalização simbólica, típico do Estado periférico (ver item 6 deste Cap.). A insuficiente concretização normativa do texto constitucional , no qual todas as instituições referidas são proclamadas, é um sintoma da incapacidade do sistema jurídico de responder às exigências do seu ·'meio ambiente" . Os direitos fundamentais constituem-se, então, cm privilégio de minorias, sobrevivendo, para a maioria da população, quase apenas na retórica político-social dos '·direitos humanos" . tanto dos ideólogos do sistema quanto dos seus críticos. A inclusão através do Estado de bem-estar. proclamado na Constituição, é relevante apenas no di scurso da realização das normas programáticas num futuro remoto. O desrespei to ao due process of /mv constitucionalmente festejado é a rotina da prát ica dos órgãos estatais (especialmente da polícia) com relação às classes populares (à maioria). A politização particularista da administração impede a concretização generalizada dos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade. A corrupção e as fraudes eleitorais impossibilitam a legitimação constitucional (generalizada) do sistema político, que passa. então, a subordinar-se instavelmcntc aos interesses particularistas de cima e às necessidades concretas de baixo, sendo constrangido a adotar mecanismos substitutivos de " legitimações casuísticas" inconstitucionais (favores, concessões, ajudas e trocas ilícitas) . A incapacidade de heterorreferência adequada do Direito em situaamparados constitucionalmente.

ções de constitucionalização simbólica não é um problema de u111 sistema operacionnlmcntc autônomo diante do seu meio ambiente. A questão está vincu lada :\ própria ausência de distinção nítida entre sistema e meio ambiente, exatamente por falta de "Constituição normativa"' como mecanismo de autonomia do Direito (Cap. 11 . 1.3.3.). O texto constitucional atua basicamente como figura de retórica política, não se desenvolvendo como instância de reflexividade que possibilite a autonomia do código " lícito/ilícito" diante de outros códigos-diferença, especialmente o político ("poder/não-poder" ) e o econômico ("ter/não-ter" ). Nesse contexto, a questão da heterorrefcrência é, primariamente, um problema de auto-referência.

4. Implicações Scmióticas A constitucionalização simbólica como alopoicsc do Direito tem relevantes conseqüências para uma lei tura semiótica do sistema jurídico. Defina-se o Direito como plexo de normas ou cadeia de comunicações, ou mesmo, no sentido de Teubner, como entrelaçamento hipcrcíclico de norma (estrutura), ato (elemento), procedimento (processo) e dogmática (identidade) jurídicos (cf. pp. 127s.), trata-se sempre ck um fenômeno intermediado lingüisticamcnte. Distinguem-se, então, <1::. Ji mcnsões sintática, semântica e pragmática do sistema jurídico enquanto linguagem normativa em geral : do ponto de vista sintático, ela vai ser caracterizada pela "estrutura relacional dcôntica, sendo o functor e pccifico o dcvc rser (D), que se triparte cm três submodais: o obrigatório (0). o proibido (V) e o permitido (P)" 133 ; sob o aspecto semântico, diri ge -se ;I realidade com a pretensão de dirigir normativamente a conduta cm interferência intersubjetiva; na perspectiva pragmática destina-se a orientar normativamente as expectativas dos sujeitos de Dircito 131 . as, para diferenciar-se a linguagem jurídica (especialização da lin g1.agc111 natural), não é suficiente caracterizá-la como linguagem normativa . Na teoria dos sistemas autopoiéticos, é imprescindível que um único sistema fun cional da sociedade disponha da diferença lingüisticamentc inlcrmediada entre lícito e ilícito 135 . No caso da constitucionalização simbólica, o problema scmióti co

133 . Vilanova, 1977:40. 134 . Cf. Vilanova, 1977:40. 135. Cf. Lulunann, 1993:165ss., 1986b, 1986a: esp. 125s., 1974 :72 . Ver também acima nota 140 do Cap. Il . 1-l I

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aprese nta -se quando se const<1ta que à linguagem aparentemente normativo-jurídica dos textos constitucionais não correspondem realmente a estrutura e a função próprias de uma linguagem especificamente jurídica . Não se trat<1 apenas de "deformação" no plano semântico-pragmático. mas t<1mbém ao nível sintático. Do ponto de vista sintático, deve-se observar cm primeiro lugar que. em situações típicas de constitucionalização simbólica, o texto constitucional como plexo de signos não se encontra envolvido relevantemente no complexo de normas do sistema jurídico, tornando-se primariamente um conjunto de símbolos do discurso político. Ou seja, na medida cm que lhe falta normatividade. ele perde sua conexão sintáti'ca com o sistema jurídico e passa a integrar sintaticamente o sistema político. Isso implica a descaracterização do functor deôntico-jurídico "dever-ser". Os submodais obrigatório (0). proibido (V) e permitido (P) permanecem como " fórmulas'' lingüísticas envolvidas no discurso persuasivo do poder. Daí porque esse problema sintático dos modais deônticos constitui, cm últim<1 análise. uma questão pragmática . Sob o ângulo semântico, revela-se nas situações típicas de constitucionali zação simbólica que o modo-de-referência da linguagem constitucional à realidade não é especificamente normativo-jurídico. Das disposições constitucionais não decorre direção coercitiva da conduta humana cm interferência intersubjetiva . Não se argumente aqui a objeção de que só há norma quando está presente a possibilidade de sua violação. No caso de constitucionalização simbólica, trata-se, ao contrário, de um contexto de impossibilidade social de concretização normativa do texto constitucional' 36 , não só cm face dos comportamentos da população, geralmente alheios aos direitos e deveres proclamados constitucionalmente. como também cm virtude da atitude expressa e sistematicamente inconstitucional dos agentes estatais encarregados de aplicar normativo-juridicamente o texto da Constituição. Quanto ao modo-derefc rência ú realidade, a linguage m constitucional funciona basicamente como meca nismo de iníluência política. tanto na retórica dos defensores do status quo quanto no discurso dos grupos interessados cm transformações cfclivas na relação de poder. O problema semântico do modo-de-referência está diretamente vinculado à dimensão pragmática. que. no caso de constitucionalização simbólica. é a mais importante. Bloqueada sistematicamente a concre-

tizaç~o 11.ormativa do texto constitucional, é evidente que à linguagem const1tuc1onal não corresponde orientação congrucntemcntc generalizada de expectativas normativas. A normação constitucional é atingida não só pela falta de institucionalização (consenso suposto), mas também pela carência de identificação de sentido. O texto constitucional passa fundamentalmente a ser objeto do discurso político. Pragmaticamente, perde sua força comissivo-diretiva, tornando-se sobretudo mecanismo de persuasão política. A própria questão sintática da descaracterização do functor deôntico só pode ser compreendida a partir da consideração dessa variável pragmática. Perlocutivamente 137, o discurso constitucionalista. tanto dos detentores do poder quanto dos seus críticos, não se dirige fundamentalmente no sentido de, com pretensão de generalidade, obrigar, proibir ou permitir juridicamente, constituindo antes uma linguagem destinada a persuadir e convencer do ponto de vista político: por parte dos detentores do poder, persuaafr de sua identificação com a realização (futura) dos "valores constitucionais"; do lado dos críticos da ordem política, convencer do desrespeito governamental ao "valores constitucionais" proclamados e também da sua capacidade de realizálos o mais rápidamente possível quando no poder. Por fim, cabe também uma aplicação da diferença semiológica entre códigos fracos e códigos fortes 138 ao problema da constitucionalização simbólica como alopoiese do Direito. Considerando que a autopoiese do sistema jurídico pressupõe a plena diferenciação do código sistêmico "lícito/ilícito", intermediado lingüisticamente, é possível afirmar-se que a constitucionalização simbólica implica um código jurídico fraco em face dos códigos binários "poder/não-poder" (político) e "ter/não-ter" (econômico). Esses, códigos fortes, bloqueiam a comunicação consistente e generalizada nos termos da diferença "lícito/ilícito" como código fraco . Assim sendo, prevalece, a nível constitucional. a codificação-decodificação de mensagens políticas (e econômicas) cm detrimento da codificação-decodificação de mensagens jurídico-normativas.

137. Sobre a distinção de J. L. Austin entre atos locucionais, ilocucionais e perlocucionais, caracterizados esses últimos pela sua influência nos sentimentos, idéias e ações do(s) orador(es), ouvinte(s) ou outras pessoas, v. Habennas, l 982bl:388ss. 138. Cf. Eco, 199 l :47-50; e para wna aplicação jurídica em outro contexto Ferraz Jr. , l988:257s.

136. Cf. Neves, 1988: 50s., tratando da relação entre ineficácia social e pertinência
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5. Constitucionalização Simbólica versus Juridificação. Realidade Constitucional Dejuridificante A ampliação dos lemas juridificáveis nos quadros da posilivação do direito 139 fez da juridi.ficação um dos problemas críticos do Estado moderno. Conceituada "para fora" como expansão do Direito e "para dentro" como seu detalhamento e especialização (condensação) 14º, o fenômeno dajuridificação foi, no âmbito de um intenso debate na Alemanha Ocidental dos anos 80, classificado em três tipos básicos : legalização, burocratização e justicialização 141 . Os efeitos juridificantes sobre a sociedade foram , de um lado, avaliados negativamente (alienação, burocratização, ·"colonialização do mundo da vida"), de outro lado, positivamente (asseguramento da liberdade e do status) 142 . O processo de juridificação desenvolveu-se no Estado Moderno em quatro fases 143 . Na primeira, a juridificação conduz aos clássicos direitos subjetivos privados, estando vinculada ao conceito de Estado Burguês. Num segundo período, ela implica a positivação dos direitos subjetivos públicos de caráter liberal, correspondendo ao Estado Burguês de Direito. Posteriormente, com o surgimento do Estado Democrático de Direito, tem-se a emergência dos direitos subjetivos públicos democráticos (juridificação do processo de legitimação) "na forma de direito de voto geral e igual, assim como do reconhecimento da liberdade de organização das associações políticas e partidos" 144 . Por último, temos a questão da juridificação nos quadros do Estado social e democrático de Direito, que trouxe consigo a positivação dos direitos sociais, a intervenção compensatória na estrutura de classes e na economia, a política social do Estado, a regulamentação jurídica das relações familiares e educacionais. É com vistas esta -última fase, a do chamado "Estado social e de-

mocrático de Direito", que o debate sobre a crise de juridifí caç~o se desenvolveu . Nesta discussão. relevou-se a crítica habcrmasiana com b<1se n<1 distinção do Direito como meio CA!edi11111 Recht") e o Direito como instituição. No primeiro caso, ''o Direi to é combinado de tal forma com os meios (Afedien) dinheiro e poder. que ele mesmo assume o papel de meio de direção (Steu erungsmedium)" 145 , como no campo do Direito Econômico, Comercial e Administrativo. Por " instituições jurídicas" compreende Habermas " normas jurídicas que através das referências positivistas a procedimentos não podem tornar-se suficientemente lcgitimadas"1 '1º. Desde que elas pertence m "às ordens legí tim as do mundo da vida" (horizonte do agir comunicativo). precisa m de "_justificação matcrial" 147_ De acordo com esse modelo analítico. o Direito co mo meio teria " força constitutiva" , o Direito como instituição apenas " função rcgulativa"148_ Na medida cm que ele atuasse como meio n.1 esfera regulada informalmente do " mundo da vida" . como, p. ex., o Direito J ..; Famí lia e a legislação do ensino, a juridifícação teria efcilos negal ivos. socialmente desintegradores. Fala-se então de coloni zação interior do mundo da vida : "A tese da colonização interior afirma que os subsistemas economia e Estado, em face do crescimento capitalista, tornam-se mais complexos e invadem sempre mais profundamente a reprodução simbólica do mundo da vida" 149 • O Direito-meio, intcrmcdia1,-
139. Cf. Luhmann, 1981 b: 129, J987b: 211, J983a: 144_ 140. Cf. Voigt, 1980:16; Habermas, 1982bll: 524; Werle, 1982:4. 141. Voigt, 1980: 18-23. Werle (1982 :5s.) defende a limitação do conceito de juridificação ao aumento de leis e decretos num determinado período. Contra esta posição, v. Voigt, 1983: l 8s., considerando os "apectos qualitativos" da juridificação. 142. Voigt, 1980:30. 143. Habennas, J982bll:524ss., a quem acompanhamos a seguir. Cf. também Voigt, 1983 :215, Werle, 1982:9s. 144. Habennas, 1982bll:529.

145. Habennas, 1982bII:536. 146 _llahcnnas, 1982hll :536. 147. llabcnnas, 1982bll:536_ Para o aprotim
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Na pc rspccti\'a da teoria dos sistemas. o problema da juridificação não é tratado com ba se no dualismo "sistema e mundo da \'ida" 1~' . mas sim através da dicotomia " sistema e meio ambiente" . Conforme este modelo. a juridificação seria definida como "expansão do sistema jurídico com g ravame para outros sistemas sociais" 1 ~ 2 • Os problemas da juridificação estariam estritamente ligados à questão da autonomia dos sistemas jurídi cos e dos demai s sistemas sociais. passando a serem incluídos no terna mais amplo da aulopoicse do sistema jurídico-positivo cm face da a ut opoi csc dos demais si stenrns sociais (economia. política. reli g ião. arte. c iê ncia etc.). Portanto. ele pressuporia Constituiçifo normati\'a como meca ni smo de autonomia operacional do Direito. No caso de constuticionalização simbólica. que implica falta de autono mi a ope rac ional do Direito. o problema não é de juridificação. mas sim . ao con trá rio. de dejuridificação da realidade constitucional. Partindo-se da di stinção de Blankenburg entre juridificação no plano das expectati vas (ponência de '' mais" regras jurídicas no lugar de regulações informa is) e juridificação no pla no da ação ("' mais" eficácia do Direito) ' '1. pode r-se-ia formulm . então. que :1 juridificação no sentido de aume nto na produç;l o de norma s jurídicas positivas estatais. opor-se-ia a dejuridificaç:lo a nível da conduç;lo do comportamento. Nessa perspectiva . a dejuridificaç;lo seria considerada apenas no plano do "agir" (-> eficúcia) . Porém. as tendências dejuridificantes decorrentes da constitucionali1.ação simbólica afetam também o "vivenciar" do Direito (as expectati\'as de comporta mento) . O pretenso filtramento das expectativas de comportamento através da normação constituinte não é seguido. de maneira a lguma. da orientação gc ncrali1.ada das expectiativas normativa s com ba se no texto constituciona l. quer di zer. não é acompanhado da gc11era li1.ação cong ruente das cxpectati\'as normati\'o-constituciona is O v i\'e nc iar normativo da população cm geral e dos agentes estatais fa z i111pl odir a co nstituição co mo ordem básica da comunicação jurídi ca. Co ntra a noção de 11111a realidade constitucional dejuridificante pollabcnnas (cf Tcubncr e Willke, 1984 :24 e 2'>; Tcubncr. 1982:26s. e 4 1-44. o qua l mo
152 . Voigt, 1980 27. l 5l IHankenburg. 1980 84 .

der-se-ia. nos quadros do pluralismo jurídico, apresent ar a objeção de que outras formas jurídicas atuariam no lugar do Dire ito positivo com relação à solução de conílitos 15'1. Quanto a essa restrição, deve-se advertir que o debate em torno da juridificação e dejuridificação refere-se ao Direito positivo como sistema social diferenciado 155 • No caso de constilucionalização simbólica, o código " lícito/ilícito" é sistemática e generalizadamente bloqueado em seu desenvolvimento por critérios políticos e econômicos, de tal maneira que a diferença entre sistema jurídico e meio-ambiente perde em nitidez. Enquanto código fraco, o jurídico não se amplia cm detrimento de outros códigos sistêmicos. Ao contrário, os códigos fortes " poder/não-poder" e " ter/não-ler" aluam cm prejuízo da reprodução constitucionalmente consistente do sistema jurídico. O que há é politização dejuridicizantc da realidade constitucional, respaldada evidentemente nas relações econômicas. Parafraseando Habermas, trata-se de "colonização política e- econômica" do mundo do Direito.

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6. Constitucionalização Simbólica como Problema da Modernidade Periférica A constitucionali zação simbólica como alopoiesc do sistema jurídico é um problema fundamentalmente da modernidade periférica' ~. Não utilizamos o modelo "centro/periferia" da forma simplificadora ideologi zante das " teorias da exploração" dos anos 60 e 70 1 ~ 7 • Recorremos a essa dicotomia principalmente para enfatizar que se trata de uma e da mesma sociedade mundial'~. não de sociedades tradicionais 154. Cf , p. ex .. Sousa Santos, 1977, 1980, 1988. 155. Cf Voigt, 1983:20: Habennas, l 982bíl:524, que usa, porém, a expressão "direi lo escrito". 156. Para uma abordagem mais abrangente
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versus sociedades modernas, como se uma diferença de "antes e depois" estivesse na base dos diferenciados níveis de desenvolvimento social. Partimos da constatação de que o advento da sociedade moderna está estreitamente vinculado a uma profunda desigualdade econômica no desenvolvimento inter-regional ts9 , trazendo conseqüências significativas na reprodução de todos os sistemas sociais, principalmente no político e no jurídico, estatalmenle organizados. É claro que estamos como que ao nível de conceitos típico-ideais no sentido weberiano, os quais, como "utopias" gnosiológicas, nunca são encontrados em forma pura na realidade social, servindo antes como esquema de sua interpretação com ênfase unilateral em determinados elementos mais relevantes à a- · bordagem 160 • Não desconhecemos, pois, que a sociedade mundial de hoje é multifacetada e possibilita a aplicação do esquema "centro e periferia" em vários níveis 161 • Parece-nos, porém, que a distinção entre modernidade central e periférica é analiticamente frutífera , na medida em que, definindo-se a complexificação social e o desaparecimento de uma moral material globalizante como características da modernidade, constata-se que, em determinadas regiões estatalmenle delimitadas (países periféricos), não houve de maneira nenhuma a efetivação adequada da autonomia sistêmica de acordo com o princípio da diferenciados (cf. 1983a: 65, nota 10; 1987b: 96, nota 114; 1965 : IOls.), afastando-se desta posição mais recentemente (cf. I 990a: 212-214 ). Cf. também Heintz, 1982. Analogamente, mas em outra perspectiva, Wallcrstein ( 1979:74ss.) fala de capitalismo mundial. 159. A respeito, v. Hopkins e Wallerstein, 1979. Este problema está vinculado estreitamente à divisão regional do trabalho, que, segundo Durkheim (1986: 164), "desenvolve-se a partir do século XIV". 160. Weber, 1973: l 90s. Na concepção do tipo ideal "os elementos considerados não essenciais ou casuais para a constituição da hipótese" não são tomados em conta (Weber, 1973:20ls.). Mas enquanto em Weber (1973 :208) o conceito de tipo ideal baseia-se na "noção fWldamental da teoria do conhecimento m~ que remonta a Kant, de que os conceitos são e apenas podem ser meios mentais para o controle espiritual do empiricamente dado", ou seja, remonta à concepção do sujeito transcendental, concebemos o tipo ideal como estrutura cognitiva de seleção das ciências sociais em relação à realidade, que, diante delas, apresenta-se autônoma e mais complexa. Numa perspectiva estritamente teorético-sistêmica, cf. a respeito Luhmann, l 987a:5 1. 161. Cf., p. ex., Galtung, 1972:35ss. ; Wallerstein, 1979.; Hopkins e Wallerstein, 1979; Senghaas, 1974b:21. 148

ção funcional, nem mesmo a criação de uma esfera intersubjetiva autônoma fundada numa generali zação institucional da cidadania. características (ao menos aparentes) de outras regiões esta ta lmente o rganizadas (países centrais) 162 • O fato de haver graus diversos quanto à diferenciação funcional exigida pela complexidade social e quanto à construção da cidadania como exigência do desaparecimento da moral hierárquico-material pré-moderna, não invalida o potencial analítico dos conceitos de modernidade central e modernidade periférica, antes aponta para sua função de estrutura de seleção cognitiva das ciências sociais. A bifurcação no desenvolvimento da sociedade moderna (mundia l) resultou, para os países periféricos, numa crescente e veloz complexificação social, sem que daí surgissem sistemas sociais capazes de estruturar ou determinar adequadamente a emergente complexidade (cf. nota 11 3 deste Cap.). Nas palavras de Atlan, à variedade do meio ambie nte não há resposta sistémica através de redundância (cf. nota 117 deste Cap.). Os respectivos sistemas não se desenvolvem, po b . com suficiente autonomia operacional. Com isso se relaciona o problema da "heterogeneidade estrutural", cuja discussão remonta às teoria s da dependência e do capitalismo periférico dos anos sessenta e setcnta 163 . Em uma rclcitura, pode-se afirmar aqui que a questão das grandes di sparidades no interior de todos os sistemas sociais e também enlre eles, a que se referia o conceito problemático de " heterogeneidade estrntura l'', implica um difuso sobrepor-se e intrinca r-se de códigos e c ril érios/programas tanto entre os subsistemas sociais quanto no interior deles, enfraquecendo ou impossibilita ndo o seu funcion amento de maneira ge nerali zadamente includente 164 . Daí surge o problema da " ma rginalidade" ou "exclusão" 165, que, a rigor, é um problema de "subintegração" nos 162 . A respeito, v. Neves, l 992:esp. l 6s. e 75-81 , 1991. 163 . Para um panorama, v. Nohlen e Sturm, 1982 . 164 . Cf. Neves, 1992:78. Parece-nos que deve ser tam!K!m nesse sentido a lei tura do "enfoque de entrelaçamento" proposto pelos teóricos do dc:> cnvolvimento da Universidade de Bielcfeld; a respeito, cf. Evcrs, 1987; Schrn ,lt -Wu lITen , 1987. 165 . Sobre "marginalidade" na di scussão dos anos 60 e 70 cm torno de dependência e capitalismo periférico. v., em diferentes perspc.·tivas, < ;,rdoso, 1979:140-85; Amin, 1973:208-14; Quijano 1974 ; Sunkel, I972 :271 ss. Sobre "exclusão" cm sentido sistêmi co-leorético, v. Luhmann, 198 lj :25ss.; cr. acima pp. 71 s. ). Como constata 1-Ieintz cm sua investi gação sobre a sociedade mun149

sistemas fun c ionai s da sociedade. Emergem . então, relações de " subintcgração'' e '_'sob rc intcg~ação" nos diversos subsistemas sociais. 0 que o~ descaractc r!za . como sistemas autopoiéticos 166 . A subintcgração sign~fica dcpcndcnc1a dos critérios do sistema (político, econômico, jurídico etc.) sem ac~sso a s~as prestações. A ''Sobreintegração" implica ac~sso aos bcncílc1os do sistema sem dependência de suas regras e criténos. Embora a di stinção típico-ideal entre "centro" e " periferia" da sociedade moderna t~nha f~mdamcntos econômicos. ela pressupõe a segmcnlaç;lo territorial do siste ma político-jurídico cm Estados'º1. Quanto à n~odcrn1dad c .pc riferica . o problema estrutural desde o seu surgimento vmcula-sc prnnariamcntc él falta de suficiente autonomia operacional dos sistc1~1as jurídico e político. bloqueados externamente por injunçõcs, não mediati zadas por mecanismos próprios, de critérios dos demais sistcn.rns sociais. principalmente do econômico. Na linguagem da teoria dos. s1~tcmas. os mecanismos de filtragem seletiva do Direito positivo (pnnc1p1 os da lega lidade. da constitucionalidade etc.) e do sistema políti co (eleições livres. secretas e mli,·ersais. organização partidéÍria etc.) não funcionam adequadamente cm relação às injunções bloqueantes do código binéÍrio de preferência ter ou não-ter. como também do có~igo ~o amor ..da religião, da amizade etc. Internamente. por sua vez. nao ha um funcionamento adequado da Constituição como ''vínculo estruturar· entre Direito e política. ou sc_:ja. como mecanismo de interpenetração e interferência de dois sistemas autônomos (v. Cap. II. 1.3 . I ), antes um bloqueamento recíproco, principalmente no sentido da politização adifcrenciantc do sistema jurídico 168 . Direito e política consdia) ( 1982 45 ), "a estru tura intcnrncional de estratificação transfonna-sc cm direção ao aumento da população marginalizada nos países cm desenvolvimento''. 16(1 cr Neves, 1992 :78s. e 94ss. 16 7. " ('. por fun
tituem. portanto. sistemas alopoieticamentc determinados. na medida cm que não se reproduzem operacionalmente por diferenças. critérios e elementos próprios. mas são difusa e instavelmcnte invadidos. na sua reprodução operacional. por diferenças. programas e elementos de outros sistemas sociais. Mesmo se admitindo que os critérios de filtragem autonomizantes do Direito e do sistema político. como. por exemplo. o princípio da igualdade perante a lei e o das eleições democráticas. constituem ilusões ideológicas na modernidade central. concordando com Claus OfTc que se trata de mecanismos de encobrimento de relações concretas de dominaç;lo1"''. dc,·e-sc reconhecer que. na modernidade periférica nem mesmo nesse sentido eles funcionam adequadamente : entre outras. as injunções particularistas da dominação econômica rcali1.am-se de forma desnuda. dcstrnindo abertamente e com tendêtlCi~~ _ gcncrali1.antcs a legalidade no plano jurídico e os procedimentos dcmocrátiCos na esfera política. Também entre política e Direito. a aplicação controlante e limitadora do código " lícito/ilícito" como segundo código do sistema político (cf. nota 54 deste Cap .). característica do "Estado de Direito"' . não se realiza de forma satisfatória. sendo claramente constatada a ingerência ilícita sistcmMica do poder sohre o Direito ou mesmo. nos períodos ditatoriais. a subordinação dos critérios de licitude/ilicitude aos órgãos supremos de poder. baseada nas chamadas "leis de exceção". casuisticamente postas cm vigor e re\'Ogadas. Pressuposto que o Estado periférico se caracteriza pelo pêndulo entre instnuncntalismo constitucional e nominalismo constitucional 17º. interessa-nos aqui a função predominantemente simbólica das "Constituições nominais" . Não se desconhece que as "Constituições instrumentalistas·· também desempenham funções simbólicas: entretanto. o que as distingue é que atuam, antes de tudo, como simples instrnmentos ('"armas") jurídicos dos "donos do poder" . As Constituições nominalistas dos Estados periféricos implicam a falta de concretização nor1nativo-jurídica do texto constitucional cm conexão com a relevância simbólica do mesmo no discurso constitucionalista do poder (constitucionalização simbólica). Nas relações de subintegração e sobreintcgração político-jurídica. não se desenvolve Constituição como horizonrespectivos sistemas autônomos Ja socicdade (cf. Luhmann, l 98 lj :J5, em relação cspccilicamc11tc ao sistema político). 1ú9. CI. Offc, l lJ77 :lJ2ss. 170. Neves, l lJ 1J2 : 89-10 1> e 144-4(1 151

te normativo-jurídi co do sistema político 171. Na prática jurídica do "sobrecidadão" , as disposições constitucionais serão utilizadas. abusadas ou rejeitadas conforme a constclaç:lo concreta de interesses políticos. No agir e vivenciar do "subcidadão" a Constituição apresenta-se antes como complexo de restrições oficiais corporificadas nos órgãos e agentes estatais, não como estrutura constitutiva de direitos fundamentais . Tal ausência de concretização normativo-jurídica generalizada do texto constitucional relaciona-se com um discurso fortemente constitucionalista na práxis política. De parte dos agentes governamentais, vinculados em regra à " sobrecidadania", o discurso político aponta para a identificação do governo ou do Estado com os "valores constitucionais" consagrados no documento constitucional. Sendo evidente que tais valores não encontram o mínimo de respaldo na realidade constitucional dejuridificante do presente, os agentes de poder desenvolvem a retórica de sua realização no futuro (remoto). A constitucionalização atua como álibi : o "Estado" apresenta-se como identificado com os va lores constitucionais, que não se reali za m no prese nte por ''culpa" do subdesenvolvimento da "sociedade" . Já na retórica dos grupos interessados cm transformações reais nas relações de poder, os quais pretendem freqüentemente representar a "subcidadania", invocam-se os direitos proclamados no texto co~stitucional. para denunciar a "realidade constitucional inconstitucional" e atribuir ao Estado/governo dos " sobrecidadãos" a "culpa" pela não realização generalizada dos direitos constitucionais, que seria possível estivesse o Estado/governo em outras mãos. À retórica constitucionalista subjaz muitas vezes uma concepção voluntarista e instrumentalista do Direito. É evidente que nas condições de constitucionalização simbólica do Estado periférico, caracterizado por relações de " subintegração" e "sobreintegração" não só no sistema político-jurídico, mas ta mbém nos sistemas econômico. educacional , de saúde etc., tornam-se inadequados - com muito mais razão do que cm relação à legislação simbólica no Estado de bem-estar do Ocidente desenvolvido - o tratamen to e a solução do problema da ineficácia da legislação constitucional co m base no esquema instrumental " meio-fim" das " pesquisas de implementação" 172 . Em primeiro lugar porque a constitucionali zação simbólica a feta abran171. Cf. em outro contexto Luhmann, l 983a: 196. 172. A respeito, Mayntz, 1983, 1988. Para uma reinterpretação sistêmicoteorética da problemática da implementação com referência à rel ação entre política e Direito, v. 1,uhmann , 198 11: l 66ss.

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ge11tc111c11tc as dimensões social , tempora l e material do s iste111a jmílli co, não apenas aspectos setoriais. Mas sob retudo porque a concreti1.ação normativa do texto constitucional pressupo ria uma radi ca l revo luç;lo nas rel ações de pode r.

7. Constitucionalização Simbólica na Experiência Brasileira. Uma Referência Exemplificativa Estabelecido que a constitucionalização simbólica como alopoiese do sistema jurídico é um problema típico do Estado perifé ri co. cabe, por fim , uma breve referência exemplificativa ao caso brasil eiro. Em trabalho anterior já propusemos uma interpretação da experiência constitucional brasileira como círculo vic ioso entre instrumentali smo e nomi nalismo constitucional 173. Não é este o loca l para uma nova ;,borda g.: 111 in terpretativa do " desenvolvimento" constitucional brasileiro. Aqui nos interessa considerar. em traços gerais, como apoio empírico de nossa argumentação, a função hipcrtroficamcnte simbólica das ''Constitui ções nominalistas" brasileiras de 1824, 1934, 1946 e 1988. Conforme já afirmamos no item anterior de maneira genérica, não se nega. com isso, que as " Constituições instrumentalistas" de 1937 e 196 7/1969 tenham exercido funções simbólicas: a primeira , por exemplo, através da declaração dos direitos sociais, que atingia apenas uma pequena parecia da população; os documentos constitucionais de 1967/1969, mediante as declarações de direitos individuais e sociais não respaldadas na realidade constitucional. Mas, cm ambos casos. desvin c ula va - ~-: . a pa ríir de dispositivos da própria " carta política" ou de leis constit uc iona is de exceção, o chefe supremo do executivo de qualquer cont ro le ou li111itação jurídico-positiva 174 . A legislação constitucional , cas11bti amenl-: modificada de acordo com a conjuntura de i11teresses dos "doi,os do p• 1dcr". tornava-se basicamente. enli"io. simples instrume nto juridi.. o d o~ 1>n 1pos 173. Neves, 1992: 11 ú-4ú . 174 . Na Carta de 1937, tal situ:u,:ão
políticos dominantes. atuava como uma "arma" na luta pelo poder. O qu e di stin g uia fundamentalmente o sistema de relação entre política e Direito cm. portanto. o " instrumentalismo constitucional". de maneira alguma a constitucionalização simbólica . Apesar de tolerar a cscrnvidãom. estabelecer um sistema eleitoral ccnsitário amplamente excludente (Arts. 92-95) e adotar a figura do Poder Moderador (arts. 98-1O1 ). resquício absolutista. a .. Carta" imperi;"1l de 1824 tinha traços liberais. expressos sobretudo na declaração de direitos individuais contida no seu Art. 179. Mas os direitos civis e políti cos previstos no texto constitucional alcançaram um nível muito limitado de realização. Também os procedimentos constitucionais submetera m-se a uma profimda " deturpação'· no processo de concretização. Para exemplificar. basta apontar a generalização da fraude eleitoral' 76• a que se encontrava estreitamente vinculada a prática pscudoparlamcntari sta desenvolvida durante o Segundo Reinado. da qual resultava uma irl\"ersão no processo de "formação da vontade estata1'' 1n Nesse contexto. a noção de constitucionalidade não encontrava espaço na pr;hi s dos próprios agentes estatais. Não só através da atividade legislativa ordin{iria incompath·cl com dispositivos constitucionais possuidores de supremacia formal nos termos do Art . 178, mas sobretudo na prittica ·' informar· dos eventuais governantes. não se concebia a Constituição como horizonte jurídico da ação político-administrati175. f; verdade que a escravidão não se baseava explicitamente no texto constitucional de 1824 . Contudo, através da distinçiio entre cidadãos ''ingênuos" e " lihertos"' (/\ri (,~, inciso 1~ ),a escravidiio foi reconhecida indiretamente. Nos se us rnmentúrios a esse dispositivo. Pimenta Bueno ( 1857:450-51) estranhamenk n;lo foi. nenhuma referência a essa questiio. Tambón niio encontramos qttalques referência em Sousa (18(i7:40-45) e Rodrigues ( 1861 :10). J 7ri . Scg.undo Calógeras ( 11JX0 :270). para a vitória eleitoral. .. qualquer processo, por mais fraudulento fosse , era mltuitido", sendo .. considerada por lodos, indi stintamente, única folia moral para o partido no 1xxler, o perder a eleição''. J\ respeito da dcfonnação do procedimento eleitoral no Império, v. Faoro, 1984: 3M-87, 197fr 127-61 Cf. também Tôrrcs. l 957:28lss. 177 . Tal situação é usualmente expressa mediante o famoso Sorites do Senador Nnbuco de /\raú10- .. () Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar mmi ~térios . esta pessoa foz a eleição. porque há de fazê-la: esta eleição faz a maioria" 1ap11d Nabuco, 11JlCi :8 I) Fuoro ( 1976: 132) manifesta-se criticament e com rcla<,;iio aos limites dessa fonnulaçiio , considerando a inl1uência do poder local e das oligarquias partidárias: cr também Tê>JTes, 1%2 :lJlJs.

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va 17H. Daí porque nunca se descnvol\'eu o controle da constitucionalidade de leis. que. de acordo com o texto constitucional. poderia ter sido exercido pelo Poder Moderador 179 ; e quando dele se tem notícia, trata-se de .. controle inconstitucional da constitucionalidade" de atos legislativos locais através de simples avisos ministeriais 18º. A falta de concretização normativa do texto constitucional não significava sua falta de significação simbólica na realidade do jogo de poder imperial. Nesse sentido já observava Gilberto Amado: "É claro que a ·constituição' erguida no alto, sem contato nenhum com ela fa população!. não poderia ser senão uma ficção. um símbolo da retórica destinadn ao uso dos oradores" 18 1. Na mesma linha de interpretação. Faoro acentua que a Constituição reduzia-se '·a uma promessa e a um painel decorati\'0" 1H2 • Na perspectiva da teoria da ação. ela seria caracterizada como uma ·'promessa inautêntica:· (cf. Cap. 11 . 9 .), não como express3 . Com semelhantes fonnulaçõcs, cf Leal , 1915 : 146 e 149. 183 Faoro, l 97(i: 175 .

na práxis governamental, a Carta imperial desempenhou uma importante função político-simbólica 184 • A ineficácia jurídica do texto constitucional era compensada pela sua eficiência política como mecanismo simbólico-ideológico de " legi timação" . Com a Constituição de 1891, não se reduz o problema da discrepância entre texto constitucional e realidade do processo de poder. Ao contrário, as declarações mais abrangentes de direitos, liberdades e princípios liberais importavam uma contradição ainda mais intensa entre o documento constitucional e a estrutura da sociedade do que na e.x~riência imperial 185 • A permanente deturpação ou violação da Constllmção em todo o período em que ela esteve formalmente cm vigor · ( 1891-1930) 1116 pode ser apontada como o mai s importanle traço da reali.da~e po.lítico-jurídica da Primeira República . Constituem expressões s1gmficat1vas da falta de concretização normativa do texto constit ucional : a fraude eleitoral como regra do jogo político controlado pelas oligarquias locais 187; a degeneração do presidencia lismo no chamado " neopresidencialismo" 188, principalmente através das declarações abusivas do estado de sítio 189 ; a defo rmação do federalismo mediante a " política dos govemadores" 190 e a decretação abusiva da intervenção federal nos Estados 191 • Entre os críticos conservadores, adeptos de um Estado autoritário, 184. Nesse sentido, afirma Faoro em sua interpretação político-sociológica da obra literária de Machado de Assis: "A Constituição só seria venerada pelos políticos de oposição, que , no governo - por ser governo - violavam, assenhoreando-se dos instrnmentos de poder que ela só nominahm:nte limitava. O exercício do governo seria sempre a Constituição violada - daí 0 brado pitoresco e oco da oposição:. ' M.eq~u] hemos no Jordão consti tucional "' ( I 976:65s.). 185. Alento a esse problema, embora em outra perspectiva, Buarque de Holanda ( 1988: 125) observava que, com a implantação da República , o Estado "desenraizou-se" ainda mais do país. Segundo Faoro ( 1976:64 ), fortificou-se o "arbítrio". 186. Cf. Pacheco, l 958:240ss. 187. A respeito, ver Neves, 1992: l 70s. 188. Sobre esse conceito, v. Loewenstein, 1975 :62-66. 189. Cf. Barbosa, l 933TI :373ss., l 933Ill:323ss. 190. A respeito da "política dos governadores", v., p. ex., Faoro, 1985: 563ss.; Caronc, 1969: 103ss., 1971 :177ss. Cardoso ( l 985:47ss.) designa-a de "pacto oligárquico". 191. Cf. Barbosa, 1934 :17.

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corporativista e naciona lista, o problema da falta de co ncreti ;:açfio 11ormativa do texto constitucional de 1891 foi de nunciado como contradição entre " idealismo da Constituição" e " realidade nacionar· 1n Porém. cm suas críticas ao " idealismo utópico" do legislador constituinte, a sign ificação simbólico-ideológica do documento constitucional não foi considerada com exatidão, mas sim, ao contrário, acentuada a ingenuidade de " suas boas intenções" 193 • Não pertencia à discussão se o " idealismo utópico" só foi adotado no documento constitucional na medida cm que a reali zação dos respectivos princípios ficava adiada para um futuro remoto, de ta l maneira q ue o status quo não era ameaçado. Além do mais, não se pode excluir que a " Constituição nominalista" de 1891 atuava como meio de identifi cação simbólica da experiência político-jurídi ca _nacional com a norte-america na (EUA), construindo-se a imagem de um Estado brasileiro tão " democrático" e "constitucional" como o seu modelo. No mínimo, a invocação retórica dos va lores libera is e democráticos consagrados no documento constitucional f11I1c iona,·a como álibi dos "donos do poder" perante a rea lidade social ou como ''prova" de suas "boas intenções". A afirmação dos valores social-democráticos em uma sociedade caracterizada por relações de subintegração e sobreintegração é a nova variável simbólica que surge com o modelo constitucional de 1934 19·1. Em face das tendências autoritárias que se manisfestava m durante o período em que a nova constituição esteve formalmente em vigor, que resultaram no golpe de 1937, não se desenvolveu amplamente uma experiência de constituciona lização simbólica . A constitucionalização simbólica de base socia l-de mocd ti ca é retomada com o texto constitucional de 1946. Sintomática aqui é a relação dos valores social-democráticos proclamados e a força majorilá ria na constituinte e principal base de sustentação do sistema constitucional de 1946, o Partido Socia l Democrático, vincu lado estreitamente às oligarquias rurais. Tal situação contraditória entre interesses subjacentes e valores democráticos solenemente adotados pode ser melhor compreendida quando se considera que a reali zação do modelo constiluc ional é transferida para um futuro incerto e atribuída aos próprios detentores 192. Nesse sentido, ver principalmente Vianna, 1939: 77ss., Torres, 1978. 193 . Cf., p. ex., Vianna, 1939:81 , 91 e 111. 194 . Ao falar-se de "advento do Estado social brasileiro" com a Constituição de 1934 (Bonavidcs e Andrade, 1989:325-27), não se considera o prohlema da constitucionalizaçilo simbólica. 157

do pode r 1 º~. Portanto. n;l o decorre dessa aparente contradição ameaça ao status q1w . Nesse contexto. cabe falar de " liberdade de decretar a democracia" 1''º. mas não conforme uma interpretação estritamente baseada nas intenções dos agentes político 197 : a conexão de ações proporcionadorn da constitucionalização simbólica de 1946 era condicionada por variá,·cis estruturais que tornavam possível a "liberdade" de, sem risco. "decretar·· a democracia-social. O texto constitucional, equiparável aos seus modelos da Europa Ocidental. só funcionava como símbolo político enquanto não emergiam tendências sociais para a sua concretização normativa generalizada . A constitucionali/.ação simbólica de orientação social-democrática é restabelecida e fortificada com o texto constitucional de 1988. Diante do esgotamento do longo período de "constitucionalismo instrumental" autoritário iniciado cm 1964. a indenti!icação simbólica com os valores do constitucionalismo democrárico deixou de ser relevante politicamente apenas para os críticos do antigo regime. passand? a ser signi!ieativa també m para os grupos que lhe deram sustentação. A crença pré- constituinte na restauraç:1o ou rccupcraç;1o da lcgitimidadc 1''H estava subjacente 11111 ce rto grau de .. idealismo co11stit11cional'" . O contexto social da Constituição a ser promulgada 1' '' ' jú apontava para limites intransponíveis à sua concreti/.açiio generali/.ada . Nada impedia, porém, uma retórica constitucionalista por parte de todas as tendências políticas; ao contrário. parece que. quanto mais as relações reais de poder afastavamse do modelo constitucional social-democrático. tanto mais radical era o discurso constitucionalista. Partindo-se de que. diante da exigência de diferenciação funcional e de inclusfío na sociedade moderna. é função jurídica da Constituição instituc ionali/.ar os direitos fundamentais e o Estado de bem-estar (Cap. li. 1.}A .2). não caberia restrições ao texto constitucional. no qual as declarações de direitos individuais. sociais e coletivos é das mais abrangentes200 Também quanto à prestação. seja no que se refere ao esta195 . /\ huino, 1980 105, 1985:70s. 1% . /\!mino, 1980:(16-94 197. Fm scnti
198. Faoro. 1981 ~ Faria. 1985. t 99 . Sohre a situação social do pais no pcrío
tuinte, v .laguarihe ct ai , l 98 (i~ NEPP-IJNICAMP. 1986, 1988. 200 e) 11 seja, tanto ··tihcrda
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belccimento de procedimentos constitucionais para a solução jurídica de conflitos (due proces.\· of' Law) ou à previs.:1o de mecanismos específicos de regulação jurídica da atividade política (v. Cap. li. 1.3 .4.3 e 4). o texto constitucional é suficientemente abrangente. O problema surge ao nível da concretização constitucional. A prática política e o contexto social favorece uma concretização restrita e excludente dos dispositivos constitucionais. A questão não diz respeito apenas à ação da população e dos agentes estalais (e!icácia), mas também à vivência dos institutos constitucionais básicos. Pode-se afirmar que para a massa dos "subintegrados" trata-se principalmente da falta de identificação de sentido das determinações constitucionais 2º 1• Entre os agentes estatais e setores ·'sobreintegrados" , o problema é basicamente de institucionalização
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tringe à " constitucionalidade do' Direito" , mas a ntes à ''juridicidade da Constituição" 2 º~, ou seja, à normatividade do texto constitucional. A insuficiência de auto-referência elementar (legalidade) e reílexividade (constitucionalidade) é condicionada e condiciona, por fim , a reílexão 06 jurídico-conceitualmente inadequada do sistema constitucional2 ; diante da "realidade constitucional dejuridificante", não é possível que se desenvolva uma dogmática jurídico-constituciona l capaz de defini r eficientemente as " condições do juridicamente possível" e, pois, de atuar satisfatoriamente corno "controle de consistência" da prática decisória constitucional. Por tudo isso, o texto constitucional não se concretiza como mecanismo de orientação e reorientação das expectativas normativas · e, portanto: não funciona corno instituição jurídica de legitimação generalizada do Estado (cf. item 3 deste Cap.) . Nessas circunstâncias de " realidade constitucional dejuridificante", não parece adequado interpretar os mecanismos " não-oficiais" de solução de conflitos de interesse, principalmente aqueles que se desenvolvem entre os subintegrados, corno alternativas jurídico-pluralistas ao "legalismo" 2º7 • Trata-se, em regra, de reações à falta de legalidade. Também não se pode aplicar, nessas condiç~s,_ <;> modelo do pós-modernismo jurídico208 , que, negando a unidade do Óireito como cadeia operacionalmente diferenciada, sustenta que o sistema jurídico se constrói pluralisticamente corno emalharnento de comunicações, importando incerteza e instabilidade construtivas (cf. item 1.3 . deste Cap.) . O problema da " dejuridificação da realidade constitucional" implica, no caso brasileiro, a insegurança destrutiva com relação à prática de solução de conflitos e à orientação das expectativas normativas. A falta de concretização normativo-jurídica do texto constitucional está associada à sua função simbólica. A identificação retórica do Estado e do governo com o modelo democrático ocidental encontra respaldo no documento constitucional. Em face da realidade social discrepante, o modelo constitucional é invocado pelos governantes corno álibi : trans205 . Luhmann, 1992: ill. 206. Não se trata apenas do problema heterorreferencial da construção de "conceitos jurídicos socialmente adequados" (Luhmann, I 974:49ss.), mas também do problema auto-referencial de construção de um modelo conceituai juridicamente adequado (Neves 1992:2n · ·;. ). 207 . Cf. em sentido diverso Sousa Santos, 1988:25, 1977:89ss. 208. Ao qual aderiu Sousa Santos, 1987, para dar respaldo à sua concepção de pluralismo jurídico.

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fere-se a " cu lpa" para a sociedade deso rgani/.ada , "descarregando-se'· de " responsabilidade" o Estado ou o governo constitucio na l. No mínimo. transfere-se a rea lização da Co nstitui ção para um futuro remoto e ince rto. Ao nível da reílexão jurídico-constituciona l. essa s ituaç;1o repercute ideologicamente. quando se afirma que a constituição de 1988 é "a mais programática" entre todas as que tivemos e se atribui sua legitimidade à promessa e esperança de sua realização no futuro : " a promessa de uma sociedade socialmente justa, a esperança de sua rca lização" 1º9 Confunde-se, assim, a ca tegoria dogmática das normas programáticas, rea li /.áveis dentro do respectivo contex to jurídico-social , co m o co nceit o de constitucionalizaçiio s imbóli ca. indi ssoci;ívcl da insufi c iente co ncretização normati va do texto constitucional Mas a função hipertrofica mente simbólica do tex to co nstituc io na l não se refere apenas à retórica " legi timadora" dos governantes (cm se ntido amplo) . Também no di scurso político dos críticos do s istema de dominação, a invocação aos valores proclamados no text o co nstitu cio na l desempen ha rel eva nte papel s imbólico. Por exe mplo, a retóri ca políticosocial dos " direitos huma nos", paradoxalmente. é tan to mai s int e nsa quanto menor o grau de concretização normativa do tex to constitucional. À constitucionalização s imbólica . embo ra releva nt e 11 0 j ogo políti co, não se segue. pr in...:ipa lmentc na estrutura exclud e n t·~ da sor· icdade brasileira , '' lealdade da s ma ssas" , que pressuporia um E::. tad o ele bemcstar eficiente ( cf. Ca p. 11 . IO .). Cont rad itoriamentc. na medida c1 11 que se ampliam extremament e a falta de co nc reti/.aç;io norma ti va do documento constituciona l e . simult a neame nt e. o di scurso constituc io:1 :ili sta do poder. intensifica-se o grau de desconfiança no Estado. A a uto ridade pública cai e m descrédito. A inconsistência da "ordem co nstit uc io nal" desgasta o próprio discurso const itucionali sta dos crí ti cos do sistema ele dominação . Desmascarada a farsa constitucionalista . segue-se o c ini s mo das elites, e a apatia do público Tal situação pode levar á estag nação política . E possíve l que, como reação. recorra-se ao " rea li smo co11 stitu cional" ou '" idea li smo objeti vo" . cm contraposição ao '" idea li smo ut ópi co" existcnt e 210 . Mas, co mo e nsinaram as ex pe ri ênc ias de '"con sti tuc ionali smo instrument a l" de 1917 e 1964 . o rec urso a essa sc mfülli ca au toritária não implica rá , seguramen te. a "' reco nciliação do Estado co m a 209. h:rraz Jr. , 1989:58 . 210. Cf. Vianna , 1939 : esp. 7ss. e 303ss.; Reale , 198367; Torres, 11>78 160ss., utilizando a expressão "política orgán ica". 1(i 1

realidade 11;1cional". 111as. antes. a identifi cnçiin excludente do sistema jurídico estatal co m as .. ideologias'" e interesses dos detentores e\entunis do poder. Nesse caso. serão impostas " regras-do-silêncio" ditatoriais. negando-se a possibilidade de críticas generalil.adas ao sistema de poder. típi ca da constitucionalil.açào simbólica. É principalmente por isso que não se de\'e interpretar n constitucionali1.aç:1o simbóli ca como um jogo de somél 1.ero na luta política pela ampliaç:1o 011 restriç:lo da cidadania. equiparando-a ao '" instrumentalis1110 constit11cio11al "' 2 11 . E11q11anto n:1o est:1o presentes .. regras-do-silêncio"' dc111ocr(1ticas nem ditatoriais. o contexto da co11stit11cionali1.açilo si 111ból ica proporciona o surgi 111c11to de 1110\'i mentos e organi1.ações sociai s em·oh·idos criticamente na reali1.aç:1o dos \alares proclamados solenemente no texto co nstitucional e. portanto. integrados na luta políticn pela ampliaç:lo da cidadania . Nilo se pode excluir a possibilidade. porém. de que a realização dos yalores democdticos contidos no documento con stitucional pressuponha um momento de rutura com a ordem de poder estabelecido. com implicações politicamente contrárias à diíere nciaçiio e
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