Nise Da Silveira - O Mundo Das Imagens

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NISE

DA

SILVEIRA

UNDO DAS MAGENS

I

empre me fascinaram as explorar;i5es do mundo intrapsiquico. Foi com a intenr;ao de fazer sondagens nesse mundo que estudei atentamente

0

desconexo palaureado dos esquizofrenicos; que

obseruei sua mimica, seus gestos, seus atos, quer estiuessem inatiuos quer na pratica de atiuidades; que me debrucei sobre as imagens por eles liuremente pintadas. (. . .) Um dos caminhos menos dificeis que encontrei para 0 acesso ao mundo interno do esquizofrenico foi dar-lhe a oportunidade de desenhar, pintar ou modelar com toda a liberdade. Nas imagens assim configuradas teremos auto-retratos da situar;ao psiquica, imagens muitas uezes fragmentadas, extrauagantes, mas que ficam aprisionadas no papel, tela ou barro. Poderemos sempre uoltar a estuda-las. (.. .) Foi obseruando-os e as imagens que configurauam, que aprendi a respeita-los como pessoas, e desaprendi muito do que hauia aprendido na psiquiatria tradicional. Minha escola foram esses ateliers. NISE DA SILVEIRA

ISBN 85-08-041 33-0

UNDO DAS MAGENS NIS

E

DA

SILVEIRA

l ' edi y1io

2' impressao

m

... Ii'..n . .. , I .."

Copyright © Nisc da Silveira, 1992 PrcparaC~lo

dos origin.nis Mineu Takaiama Eliuno Rocha

Capa e Projeto GrMico Isabel Carballo Editorac~io E lcLronica

G & C A ssocicu/os Nallci Vieira Pesquisa e Coordcnacao Gc r'al

Luiz Carlos Mello Reproducao FOLografica das I magens

Luiz Carlos Soldan/Ill Jose A. Mauro

ISBN 85 08 04133 0 JI11[1rl'SS;io l' OIC;lbOlIlll:!lto G,III10l

2001 TcxIos OS direilos re5elVados pcla Edilom Aliea RlIa Baniode Ib~klpe. I IO - CE POI507-900 Caixa 1'05,al 2937 - CEI' 0 1065-970 $.;0 Paulo - SP Tel : OXX 113346-3000 - Fax:OXX 11 3277-4 146 Internet: http://www.
e-mail: [email protected]

A Marie-Louise von Franz, mestra e amigo,

que sabe fazer do obscuro claridades de aurora. A Leon H irszman, companheiro

de navegaqoes atraves de roteiros quase impossiveis.

A mem6ria do galo Mestre Onqa, com. reverencia. Ao meu querido Luiz Carlos Mello,

colaborador inestimciveL no. estrutura deste liuro e nas pesquisas referentes as imagens que 0 iLustram. Seu oLho agudo muito aJudou nos tateamentos de penetraqdo do significado desses auto-retratos da psiqu.e profunda .

• Agrade((o afetuosamente a colaboraqtio de Elvia Maria Bezerra de MeLLo na revisfio dos textos e a Euripedes Junior, tanto na revisiio dos textos como em toda a sua datiLografia. Meu reconhecimento a dire((Go do Centro Psiquiatrico Pedro 11,

a direqiio do Museu de

l magens do l nconsciente e toda a sua equipe, sempre pronta a faciLitar

0

trabaLho

necessario a reaLiza((tio desle livro. Tenho a satisfa((tio de decLarar que a realiza((tio deste liuro s6 foi possivel graqas ao apoio da Vitae.

5

u

M

A

R

I

o

1 Crise e tentativas de muta~ao na psiquiatria atual / 11

2 Estudo comparativo entre a demencia organica e a "demencia" esquizofrenica 123 3 Isaac: paixao e morte de urn homem /43 4

Emygdio: urn caminho para

0

infinito / 60

s o mundo das imagens /82 6

Rituais: imagem e

a~iio

/ 96

7 Simbolismo do gato / 112 8 A cruz e seu simbolismo / 131 9

Metamorfoses e

transforma~iies

/ 141

10

C. G. Jung na vanguarda de nosso tempo / 157 com Luiz Carlos Mello

CAPiTULO 1

CRISE E TENTATIVAS DE MUTA~AO NA PSIQUIATRIA ATUAL

, impressionante a persisooncia da influencia de Descartes, dominante desde 0 seculo XVII, no que se refe re ao conceito das relaeoes corpo-psique 50a medicina cientifica. corpo seria uma complexa maquina e, conseqtientemente, as doeneas resultariam de perturbae5es no funcionamento dos mecanismos que comp6em essa grande maquina. A funcao do medico seria, portanto, .tuar por meios fisicos ou qufmicos para consertar engui,os mecanicos. A Raziio, privilegio do hom em, estari a muito acima hierarquicamente, funcionando independentemente do corpo e comandando emOl'6es e sentimentos. 0 medico pouco teria que se ocupar desses fenomenos. Foi sobre essaestrutura basica que se construiu 0 modelo medico. Entretanto, acontecia muitas vezes que a propria Razao desvairava, 0 homem a perdia. Era a loucura. Surgiram medicos especialistas nesses fenomenos. Apressaram-seeles a submeterem-se aos principiosdomodelomedico. ARazao, agora a psique, passava a ser vista como mero epifenomeno da maquina cerebral. Cabia-lhes, por bern ou por mal, consertar descarrithamentos dessa maquina que safra dos trithos da Razao. Passaram-se seculos. Mas e ainda tao forti! 0 dima de opiniao cartesiana que, segundo Capra, os psiquiatras, "em vez de tentaremcompreender as dimens6es psicol6gicas da doenca mental, concentraram seus esfo,,"s na descoberta de causas organicas para todas as perturbal'6es mentais" '. Alguns tipos de doen," pareciam dar-thes MO, !.ais como a meningoencefalite cronica descrita por Bayle, a arteriosclerose cerebral, as demencias senis. Uma onda de entusiasmolevantou-seentaoem busca das regi6es do

cerebro respons;)veis pelas doen,as psfquicas. E ntretanto, muitos outros di sturbios psfquicos escapavam tanto as pesquisas anatomopatol6gicas, qua n to as mais acu radas investigae6es bioqufmicas. Era dificil encaixalos no modelo medico. Aos poucos, uma contracorrente comecou a crescer, em oposiCao ao mode le cartesiano. Estare rnos vivendo e nfim urn mome nto de mutaeiio? Critica ao modelo medico tradicional e sua base cartesiana

Os tratamentos extremame nte agressivos utilizados para consertar it for,a a maquina doente passaram a ser questionados. Quais seriam a rigor suas bases cientfficas? Eletrochoque Ugo Cerletti adm itia a incompatibilidade e nt re a esquizofrenia e a epilepsia. Mas como conseguir que urn esquizofrenico apresentasse crises epil epticas? A luz se fez para Cerletti quando ele visitou urn matadouro de porcos em Roma. Por que o grande psiquiatra teria se sentido atrafdo a visitar urn matadouro de porcos? Ali ele verificou que os POI-COS submetidos a choques eleLricos a ntes de serem a batidos a presentavam crises convulsivas. Foi urna ilurnina,iio as avessas! Cerletti concluiu que se poderia tambem provocar no homem uma convulsao, por cOI're nte transcerebral , sem mata-Io. Assim nasceu em 1928 0 eletrochoque, que ainda hoje Ii utilizado. "Nao, outra vez! It hom vel", foram as palavras pronun ciadas pel a primeira vftima do eletrochoque. Muitos anos mais tarde, certamente depois de infuneras suplicas anonimas, ouvimos os desesperados apelos do escritor frand is Antonin Artaud, internado no hospital

o

MUNDO OAS IMAOENS

12

de Rodez (Fran ~a), para que cessassem de aplicar-Ihe series de eletrochoques. Eis uma carta escrita por Artaud ao seu psiquiatra, em 1945: "0 eletrochoque me desespera, apaga minha mem6ria, e ntorpece me u pe nsamento e

Lobotomia Outra conquista do modelo medico, a lobotomia surgiu na terapeutica psiquiatrica em 1936. Criada por Egas Moniz, seccionava fibras nervosasque ligam os lobo; frontais a partes subjacentes do cerebro. A psicocirurgia e definida por W. Freeman como

meu cora~ao, faz de mim urn ausente que se

opera~ao

sabe ausente e se vi} durante semanas em

tendo por objetivo obter alivio para sintomas mentais. Segundo Moniz, para obter a cura de pacientes que a presentam ideias fixas e

busca do seu ser, como urn morto ao lado de e mais ele, que exige sua volta e no qual ele nao pode mais entrar. Na ultima serie, fiquei durante os meses de agosto e setembro na impossibilidade absoluta de trabalhar, de pensar e de me sentir ser ... " '. Outro tratamento muito preconizado dentro do modelo medico, que precedeu de pouco 0 eletrochoque, foi 0 clwque hipoglici!mico ou coma insulinico (metodo de Sake\), cuja plena eficacia exigiria de trinta a quaurn vivo que naD

renta horas de coma. Tanto 0 coma insulfnico

quanta 0 eletrochoque provocam profunda regressao fi siologica e psicologica, a pagando naqueles que sao submetidos a esse tipo de tratamento as fun~oes psiquicas superiores. Essa desmontagem da estrutura psiquica seria seguida, segundo seus a deptos, de uma reconstru~ao sadia. A perda da memoria, em graus variados, em ambos os tratamentos de choque, podera ser recuperada. E e precisamente nessa perda de memoria, deC01Tente de possfveis ligeiras Jes6es cerebrais, que residi,-i a a eficacia

desse tratamento, isto e, 0 esquecimento dos aconteci mentos que provocaram a ps icose. E se durante a reconstru~ao da estrutura psiquica vol tar a recordaCao dos acontecimentos motivadores dos disturbios psiqui cos? Essa s uposi~ao

e precisamente

a mai s

aceita pelos adeptos dos tratamentos de choque. Va lel-ia a pena esquecer os conteudos nucleares das psicoses, au antes, seria prefeJive i traze- Ios a tona, confronta-Ios, tentar

interpreta-Ios, metabolizando-os e mesmo transfOlmando-os? Lamentavelm ente, recrudesce uma onda de tratamentos ainda ligados a metodos que ja pareciam superados. Assim, a Associacao Norte-Americana de Psiquiatria recomenda que seja am pli ado 0 uso do eletrochoque, agora sob 0 controle modemo da computa~ao (eletrochoque computadOl;zado).

ciriirgica sabre

0

cerebro intacto,

comporiamentos repetitivos, 'temos de des·

truir arranjos ma is ou menos fixos das con~ xoes celulares que existem no cerebra, e par·

ticularmente aqueles que se relacionam com os lobos frontais""Por sua vez, afirma Freeman, 0 lobo fron· tal eo local de escolha para opera~oes desti· nadas a a li viar desordens mentais, pois ja foram realizadas, pOl' varios cirurgioes, in·

terven,oes sobre os lobos te mporal, parietal e occipital, sem resultados concretos. E rna is: a leucotom ia foi tam bern experi· mentada, em outras modal idades de doen,as me ntais, inclus ive em velhos e criancas.

Tateamen tos, experi m enta~oes sobre 0 ce. rebro huma no! Embora no COlTer dos anos a tecnica da

lobotomia tenha reduzido sua area de aciioe se haja mesmo sofi sticado bastante (lobolomia transorbital, leucotomia, topectomia, cingulotomia, etc), a inda assim a substancia

cerebral e atingida de maneira irreversivel. Todas essas tec nicas constituem, portant., urn atentado it integridade do homem em seu orgao mai s nobre.

Muitos individuossubmetidos aesses tra· tamentos tOl"naVam-se mais ca lmos, as vezes mesmo verdadeiros a utom atos. Ficavam

muito prejudicadas a capacidade de abstra· Suas produ~oes, segundo

~iio e a im agi na~ao.

veremos ad ia nte, tornavam-se pueri s e deca·

dentes. As fa mflias e 0 a mbiente hospitalar, pOl·em, passavam a gozar de c6moda tranqtii· lidade. A psicocirurgia vem peliurbando a cons·

ciencia de alguns psiquiatras, pois Ihes reo pugna a destrui~ao de parte do cerebro nor· mal anatomicamente, pOl' minima que seja,

transformando uma desordem fun cional potencial mente recuperavel nurna lesao organica para a qual nao ha tratamento'.

CRISE E TENTATIVAS

13

Em editO!ial - "A etica da leucotom ia" publicado no British Medical Journal, em 1952, em defesa da psicocirW'gia, pode-se IeI' este espantoso argumento: "Se a a lma pode sobreviver a marte, certamente podera 50breviver itleucotomia". Quimioterapia Os tratamentos citados perderam muito de seu prestfgio com 0 advento da quimioterapia a partir do infeio da decada de 50. As pesquisas do cirurgiao Laborit 0 levaram it descobetta de uma substaneia proxima dos antialergicos, possuidora de curiosa alYao "de desconexao cerebral", capaz de produzir "urna hiberna~ao artificial". Laborit apercebeu-se imediatamente do interesse que essa substancia "mi )agrosa" poderia ter para a psiquiatria.Deu-lhe 0 nome de "ehIorpromazina", logo comercializada em larga escala. Seguiram-se outras pesquisas de carater quimico, sempre visando 0 controle sobre 0 meseneeraIo, a forma~ao reticular e, supostamente, poupando as fun~6es corticais. Entretanto, tinha 0 grave inconveniente de produzir efeitos colaterais, atingindo 0 sistema extrapiramidal, causando distonias, ocatisia, sindrome parksoniana (rigidez m uscular, tremores .. .), que teriam de ser combatidos com medicamentos antiparksonianos. Umcuriosojogoquimico ... Eis af urn comportamento bastante estranho. Nos t ratamenlos prolongados surge ainda 0 mais grave .oblema: a discinesia e distonia tardias. Uma das rnais recentes drogas ditas antipsic6ticas, a ciozapine, se tern a vantagem de diminuir a propensao ao parksonis0, possui a triste compensa~o de desenvoI..r, em alta percentagem, a agranulocitose, ijoen~ caracterizada por leucopenia, ulcera¢odagarganta, das mucosas digestivas e da pele. E como se sentem os doentes submetidos a essas drogas? Queixam-se de entorpeciento das fun~6es psiquicas, dificuldade de mar decis6eS, sonolencia permanente_ Ve. camosnosdoentessubmetidosa neuroleptioos, nos diferentes setores de atividade da odeTerapeutica Ocupacional e Heabili taliD (STOR), redu~ao ou perda total da cacidade criativa, como se pode verificar em documentos existentes nos nossos arquivQs .

Essas descobertas qufmicas de a~iio sobre o sistema nervoso ocasionaram impmtantes transform a~6es no tratamento das doen~as mentais. 0 problema agora era reduzir ou anular as m anifesta~6es delirantes e as expressoes motoras que as acompanhavam. Estavam criadas cami sas-de-for~a quimicas. Paz nos hospitais psiquialti cos! Uma internada resumiu a situa~ao num poema: "Os medicos diio tnllito remidio e as enfermeiras para nao terem trabalho s6 ficam gritando uou dar choq ue vall dar amart-a set' LOlleD e ulna barra. n Beta Outro depoimento: l'Nos sanaw,;os on de estive nao podia contar as pessoas as minhas ¥isnes e as vozes que ouvia, porque revelar essas caisas significava ficar mais tempo internado e levar mais eletrochoque. Isso porque minha doen~a era tratada como sintoma e nao como urna reve l a~ao de significados" (Milton). o entusiasmo pela redueao do tempo de intern a~ao, gra~as ao contrale dos sintomas sufocados pelos neurciepticos, revela-se ilus6rio se detidamente estudado. Tanto assim que nao foi obtida nenhuma mudan~aquanto ao numero de re interna~6es apos sua utiliza~ao, de acordo com nossas estatisticas. 0 tratamento por meio de substancias quimicas "control a os sintomas, mas nao os cura. E esta ficando cada vez mais evidente que esse tipo de tratamento e contraterapeutico. (. .. ) Ossintomas de urn distlirbiomental refletem a tentativa do organismo de curar-se e atingir urn novo nfvel de integracao. A pratica psiquiatrica corrente interfere nesse processo de cura espontiinea ao suprimir os sintomas. A verdadeira terapia consistiria em facilitar a cura, fornecendo ao individuo urn a atmosfera de apoio emocional" 5 . Tentativas de muta~Cio no

psiquiatria atual

A crise da psiquiatria atual revela, de modo evidente, a inadequacao do hospital psiquiatrico e seus atuais metodos terapeuticos. Os

o

MUNDO OAS IMAGENS

14

nume ..os demonst..am eloqiientemente esta afi ..ma~ao:

Ano

Readmissoes (%)

1950

30,6

1955

35,1

1960

49,9

1965

56,9

1970 1975

55,8 43,3

1977

44,4

proporcionado pelo individuo intel1lado ..einternado. Quanta mais vezes, melhor. Mesmo os hospitais publicos de pob"es destinam larga pa,ie de suas rias verbas a aquisi~ao de

sao mini strados, na rnaioria das vezes, doses excessivas. Sem duvida, nem todos os pSliquiall'as! conformam com essa situa~ao. tentativas de muta~ao. Algumas sao reformistas, como as comunid"d,,, t:enlpiIJ&

estT"Utura.

Outra tentativa reformista e ados tais-dia.Estes quebraram oal,.ci,aln1erlleOl~ gime carcera,;o dos hospitais fechados, mantiveram metodos rigidos e C0l1SE'fV>lram

Fonte: IBeE c DJ:\'SMI

quase a mesma distancia entre doente

Escreve 0 dr. Luiz Cerqueira: "Se as drogas) os choques e as leucotomias curassem mes-

mo, a loucuraja te ..ia sido e ....adicada da face da Terra. Entre n6s,

0

que acontece

e que,

apesa .. dos psicofa .. macos, cada vez mais doentes internamos e reinternamos nos hospitais psiquiatricos" 6.

Nao conseguimos obte .. da DINSAM OS dados estatisticos ..efe ..entes aos anos subseqiientes a 1977. Ent..etanto, a mera obse .. va~ao do movi mento de nossos hospiiais naD nos entusiasma a esperar numeros mais anima-

do ..es.

Face a esses dados, como entende .. a persistencia dos mesmos tipos de tratamento? Po .. que repetir os mesmos elTOS tao graves?

Algo espurio havera por tras da inercia diante de tais evidencias. Nao sera diffcil detecta-Ias: a industria da loucura e uma lucrativA "plica~ao de capital. As poderosas multinacionais produtoras de psicof:i.rmacos bern 0 demonstram. It suficiente ressaltar que no Brasil 78 por cento dos estabelecimentos psiquiatricos sao de propri edade particular, enquanto a numero de seus ambulatorios, que poderiam contribuir para manter pelo menos por algum tempo 0 paciente fora da institui~ao, e apenas de 27,6 por cento. 0 que interessa, portanto, e a lucro

peuta observada nos hospitais tradicion,i, Aquila que se impoe e uma velcdadei'l, muta~ao, tendo por p,;ncipio a aboli,iicltot't dos metodos agressivos, do regime !"io, e a mudan~a de atitude face ao individu~ que deixara de ser a paciente para adquirira condi~ao de pessoa, com direito a ser resp'> tada. Come~aram en tao a surgir verdadeiro; ensaios de muta,ao propriamente dita. Ch,· mam desde logo a aten~ao os obswculos que encontraram e a cUlia existkncia que lograram manter.

Assim, por exemplo, David Cooper insUi· lou em 1962, num grande hospital psiquiatri· co de Londres, a Pavilhao 21, destinado a jovens esquizofrenicos, num regime liberto da coa~ao caracteristica da psiquiatria tradi· ciona! e orientado terapeuticamente no sen· tido das rela~oes familiares dessesjovens.O hospital tradicional nao suportou a expe:i(m· cia, que roi interrompida apenas quatro anos

depois, em 1966. Outra experiencia de muta~ao come,aem 1965 sob a forma de uma associa,ao benefi· cente. A sua frente estavam Laing, Coopere Esterson. As bases teoricas do novo movi· menta foram estabelecidas par Laing, que prop6e realmente uma mutay30 com emba-

samento psico!ogico e social. Uma proposta completa, na qua! a pessoa humana e vista em sua totalidade.

CRISE I TINTATIVAS

15

lUU'Ula, nlasua atitude face ao doensumariarnente os que nao se As nonnas sociais vigentes, sem 1I'l18lTIotivosque os levaram aquela "pnlblelmasafetivos, familiares, ecoApressam-se os psiquiatras em deesquizofrenicos e a hospitalizalfpl8&e irnp
~~'!X~rienlciader,ainlgu'vevida

"""em,u-!,e em 1970. Outras experiIXIIlduzidas na Inglaterra seguiram• 8empre em condiCiies precarias. Wlforlle elnpr'eenldiroenlto (Ie m utacao pSiquiatria ocorreu na ltalia com Diretor do Hospital Psiquiatrico Basaglia inicia, em 1961, urna llleira ''eV(IIU(;80. promovendo encon tros e intemados, dando oportunique estes wtinoos relatassem vio80liidas e influenciassem 0 sistema em que viviam. Acaba com as habituais de contencao. No ana de iJlOl,falta die apaio, encerra-se 0 trabal ho na cidade de Gorizia. anos depais, Basaglia e sua equipe o Hospital Psiquiatrico Regional onde realizarn verdadeira muta-

,mficas

cao, iniciando 0 processo de desativacao da instituicao psiquiatrica fechada. Paralelamente, criam centros externos para dar suporte aos ex-internados. Basaglia define assim sua posiCiio: ''Hoje nao se sabe bern 0 que e urn psiquiatra. Se alguem que deve regular a ordem publica ou alguem que tern o dever de atender as necessidades, aos sofrimentos de individuos"8. A proposta de Basaglia continua atualmente atraindo a maioria dos espiritos renovadores da a rea da psiquiatria, em bora nos pareca ainda incompleta, porconceder pouca atencao aos fenomenos em desdobramento no espaco interno. No Brasil, aqui neste Terceiro Mundo, tambem houve criticas a psiquiatria tradicional e aspiracao a mutacao. Nosso pioneirofoi UlissesPernambucano, nomeado em 1931 diretor da Tamalineira (hospital psiquiatJico pernambucano). Destruiu calaboucos e camisas-de-forca, i nstalou urn esboco de praxiterapia e sobretudo criou uma escola para jovens psiquiatras, dando enfase a pesquisas diversas nessa area. Deu destaque as pesquisas deordem preventiva e social. Ja naquela distante epoca preocupava-se com os fatores interpessoais e socioculturais dos disturbios mentais e com a necessidade de leva-los em conta na sua prevencao. Algumas tenta tivas de modi ficacao foram e continuam a ser feitas em nossos hospitais, todavia sem condicees de desenvolvimento . Lembraremos 0 breve trabalho de Luiz Cerqueira, no Hospital Psiquiatrico Universitario do Rio de Janeiro. A grande abertura que Alice Marques dos Santos deu ao Hospital Odilon GaIotti durante 0 periodo em que o dirigiu, na decada de 60, abrindo as portas de suas secees, e permitindo contatos dos internados com a comunidade. Foi decerto urn passo adiante que, infelizmente, nao vingou. Deve-se destacar ainda 0 atual trabalho de Carlos Augusto de Araujo Jorge e sua equipe no sentido de renovar 0 Centro Psiquiatrico Pedro II, derrubando mUTOS, ablindo enfermarias. Estamos apenas citandoalgumas tentativas renovadoras, que tendem a ampliar-se e revelam 0 desejo de numerosos psiquiatras

o

MUNDO DAS IMAGENS

16

de aJcan~ar verdadeira muta~ao no atual regime de nossas institui~6es psiquiatricas, nas quais

0

intemado

e urn paciente e naD

uma pessoa humana no gozo de seus direitos.

A terapeutica ocupacional em Engenho de Dentro como metodo nao agressivo

Desde 1946, quando retomei 0 trabalho no Centro Psiquiatrico de Engenho de Dentro, aceitei os tratamentos vigentes na terapeutica psiquiatrica. Segui Dutro caminho, 0

naD

da terapeutica ocupacional, considerado na epoca (e ainda 0 e hoje) urn metodo subalterno, destinado apenas a "distrair" ou contribuir para a economia hospitalar. Mas a terapeutica ocupacional tinha para mim outro senti do. Era intencionalmente diferente daquela empregada, de habito, nos nossos hospitai s. Desde 0 inicio, nossa preocupa~ao roi

de natureza teo,ica, isto e, a busca de fundamenta~ao cientifica onde firmar uma estrutura que permitisse a pnitica da terapeutica ocupacional.

Nosso objetivo era fazer da Se~ao de Terapeutica Ocupacional urn campo de pesquisa, on de diferentes linhas de pensamento se encontrassem e se pusessem iI prova. Essa ideia fracassou completamente. Nem na teot-ia , nem na pratica, nOSSD plano de trabalho encontrou ressonancia favorave1.

Qual seria 0 lugar da terapeutica ocupacional em meio ao arsena l constitufdo pelos

choques eletI-icos que determinam convulsoes, pelocoma insulfnico, pel a psicocirurgia, pelos psicotropicos que aprisionam 0 individuo numa camisa-de-for~a quimica? Urn metodo que utilizava pintura, modelagem, musica, trabalhos artesanais, seria logicamentejulgado ingenuo e quase inocuo. Valelia, quando muito, para distrair os inter-

nados ou torna-Ios produtivos em rela~iio a economia dos hospitais. POl' que a terapeutica ocupacional, adequadamente orientada, nao teria urn papel a desempenhar no tratamento de esquizofrenicos, como modalidade de psicoterapia? Esse metodo, se utilizado com inten~ao psicoterapica, selia 0 mais viavel nos hospitais

publicos sempre superpovoados, on de a

psicoterapia individualizada e impratican a lem de ser 0 menos dispendioso para a eo nomia hospitalar. Desde 1946, quando foi iniciada a no" fase da terapeutica ocupacional, come~raJ as tentativas de produzir mudan~as no am biente hospitalar. Era urn metodo que del, ria, como co nd.i ~iio preliminar, desenvolva se nurn ambiente cordial, centrado na persl nalidade de urn monitor sensivel, que funcio naria como uma especie de catalisador. N" se c1ima, sem quaisquer coa~6es, atraves~ atividades dive rsas verbais ou nao-ver os sin tomas encontravam oportunidadep se exprimirem livremente. 0 turnulto e cional tomava forma, despotencializava·ge Os resultados foram rapidos e eviden . Asatividades logo infundiram vidaaosl onde eram exercidas, modificando 0 ambi' teo N; mudan~as que a terapeutica ocupa . nal pode introduzir nos hospitais atingem ponto mais alto quando 0 metodo ativo netra nos patios, oprobrio dos hospitais quiatricos.

A experiencia em Engenho de Dentrod~ monstra a validez da terapeutica ocupacio nal tanto no campo da pesquisa do procesi! psicotico quanto na pratica do tratamen~ Foram fei tas pesquisas no campo da psi quiatria c1inica: experiencia de solicitap: motora

pOl'

meio da musica em catatOniCfi;

re la~iio afetiva entre 0 esquizofrenico, animal; capacidade de aprendizagem & esquizofrenico cronico. E pesquisas no camp: da expressao plastica: lobotomia e ativida' criadora; a estrutura~ao do espa~o; efeitos. musica atraves da pintura; inter-rela~iio"

t re vivencias indi viduais e imagens arqUf-

tfpicas l etc.

A comunica~ao com 0 esquizofrenico, Il dades de exito se for iniciada no nivel verba' de nossas ordinarias l'e la~6es interpessoaE Isso so ocon'era quando 0 pl'ocesso de cura. achar bastante adiantado. Sera preciso par. til' do nivel nao-verbal. Eai que se insereOl' maior oportunidade a terapeutica ocuparo nal, oferecendo atividades que permitam , expressao de vivencias nao verbalizave~ por aquele que se acha mergulhado na pm fundeza do inconsciente, isto e, no mund:

CRISE E TlNTATIVAS

11

Festajunina no Odilon GalloW.

O/icinCl. de encadernaqao.

imtico ,de pensamentos, emo,oes e impulsos £O!'!I doalamel! d"s elabon,coes da razilo e da

ASe¢o de Terapeutiea Oeupaeional de· I.n,nl,'ol1"o progressivamente ate instalar !ie.eSSl,\e n"cleos de atividade. Todas as ati·

proporcionavam

condi~6es

para a

~)res.iio das viveneias de seus frequenta· Paralelamente, estimulava·se ne les 0 I'ortale(irrlenlocloegoe urn avanyo no relacio-

com 0 meio social, levando-se semem eonsidera,iio suas possibilidades _daptativa, atuais.

Dentre as vanas atividades oeu pacionais, j"rificamos que a pintura e a modelagem Permitiam mais faeil aeesso ao mundo inter· Lodo"SQl,izclfrenic:o E esse e 0 nosso pl·inei·

objetivD, naD 56 como uma questao teori-

Recreaqiio 0.0 ar/iure (anligo palio), 1966.

tratamento, uma vez que terfamos de encontrar a atividade adequada a eondi,ilo psiqui· ea em que se eneontra 0 individuo. AJem disso, ja haviamos verifieado, desde 1948, que a pintura e a modelagem tin ham e m si mesmas qualidades terapeutieas, poi s davam forma a e moc;6es tumultuosas, despoteneializando·as, e objetivavam for,a s autoeurativas que se moviam em direc;ao a eonsciencia, isto e, a realidade. Foi por esses dois motivos - compreensdo do processo ps;e6tieo e valor terapeutico - que da Se,ilo de Terapeutiea Oeupaeional naseeu 0 Museu de Image ns do [nconseiente, inaugurado e m 20 de maio de 1952, numa pequena sala. Vineulado aos ateliers de pintura e modela· gem, 0 museu naD eessou de ereseer. Seu

o

MUNDO DAS IMAGINS

18

surpresa velificar-se-a entaD que

.,

.'

tem acompanhar 0 de:sdc)brarr,entodep~ sos intrapsiquicos. Pinturas de um mesmo au tor, tal sonhos, se exam inadas em series, repeti~;;o de motivos e a existencia de continuidade no fluxo de imagens ciente. Nao rara verifica-se que essas contem significa~6es paralelas a ticos. Isso porque a peculiaridade da zofrenia reside na emergencia de arcaicos que configuram rragmentos ra~6es mitol6gicas. Essas pesquisas de tern irnportancia tanto te6rica quanta ca. A tarera do terapeuta sera conexOes entre as imagens que inconsciente e a silua~ao emocional pelo indi viduo. o trabalho no atelier revela quea

.

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t~ ~ . ..

,

naos61)ropor·ciona,esclareci,me'nto!,p8l~.

acervo possui atualmente cerca de 300.000 documentos pia ticos, incluindo telas, cartolinas, papeis e modelagens. OM useu de Imagens do Inconsciente, nas palavras de MaTio Pedrosa, "e mais do que um museu, pois se prolonga de interior adentro ate dar num atelier on de a ,'tistas em potencial trabalham, criam, vivcm, e convivem". "Al i, de inicio, se roi rcunindo todo um gmpo de esquizofi'enicos- tirados do patio do hospicio para a Se~ao de Terapeutica Ocupacional, desta para 0 atelier, do atelier para o convivio, onde passou a gerar-se 0 afeto c 0 areta, a estimular a criatividade."!l o metodo de trabalho do museu consiste principal mente no estudo de series de imagens. Isoladas, parecem indecirniveis. Com

No alto. so 160 de heleza ol1de eram lisa do.';

re('urSQS

{orlalecedore ... do ego. Cicio de esludos sohre 0 mito de Dioniso, 1969.

preensao do processo psic6tico, ""'5 oomti igualmente verdadeiro agente teraoi:utia uma constata~ao ernpirica, velificada no !lOSSO atelier. As imagens do inconscienle na pintura tornarn-se passivcis de rorma de trato. ainda que nao haja lam ada de conscicncia de suas ,il'nili", prorundas. Retendo sobre cartolinas mentos do drama que esta viver,cia.ndol sordenadarnente,o individuoda forma emo~6es. despotencializa figuras dOl'as. Mostrando em incontavei s as vivencias sofridas pelos escluizori'en, bem como as riquezas de seu mlll1clo i,nten invisfveis para aqucles que se dctem na miscria de seu aspecto externo. a realizado no Museu de Imagens do ciente aponta para a necessidade de reformula~ao da atilude race a esses c de uma radical mudaru;a nos tristes que sao os hospitais psiquiatricos.

A

grande onda obscurantista que psiquiatria atual atraves dos neu't'Ot"oli~ f"bricados pelos laborat6rios multi e ministrados nos hospitaisem dose,'crc!s04 tes roi surocando 0 exercicio das

CRISE E TENTATIVAS

19

criadoras que caracterizavam os ocupacionais. Assim, foram varridos lIOBioila! osvarios setores ocupacionais da Apenas conseguimos manter 0 atedo museu, e algumas apoio anexas as atividades pi assempre 0 objetivo do tratamento e _ariIIlllEmu,"aprender a levar uma vida lftIldo",al dentro dos padr5es de ajusta.usa(los ]lela media dos chamados cidana nossa cultura" 10 60 diretor do tratamento ocupacional ~o e a reabilita~ao, ou seja, a IillPII'8l:8ol!oindividuo para a comunidade ate mesmo superior aquele em que IIIDllltruvaanu,s da experiencia psic6tica. Os trabalhos rotineiros (domesticos, inburocraticos) sao canais demasia,lIIreitos para dar escoamento as possiveis lIh'8\"ies do inconscienu" freqiientes naque passaram pela experiencia pela vivencia de perigosos estados

com as quais se familiarizou du-

lIDfIi 0 oraWlffiento ocupacional. Jungcompara 0 individuo que emergiu de condi,ao esquizofrenica a urn teITeno ~(Ie]X)IS de urna guerra, guardasse ainda abollOlo lexplosiv'os dentro de capsulas. Nao tro~ em massas condensadas Urn choque, embora pequeno, po-

Grupo de estudos (I'II.! /unciolla como alividade do M usell desde julhlJ dt' IY(i8.

dera levan tar labaredas que atinjam outros nuc1eos possuidores de maiores cargas afetivas e produzir uma ativa~ao intensa do inconsciente, colocando em perigo 0 equilfblio a duras penas conquistado. As atividades expressivas mostramm-se de enorme valor nessas situac;6es, como medida preventiva contra recaidas na condi~ao psic6tica. Nossos ateliers estao sempre abertos aos egressos, e constantemente veri ficamos quanta Ihes sao proveitosas as manhas que ali passam. Nossa obse rva~ao comprovou que a oportunidade que 0 individuo teve, durante 0 tratamento, de descobrir as atividades expressivas e cdadoras, de ordinat-io tao pouco acessfveis it maioria, podera abrir-Ihe novas perspectivas de aceita~ao social atraves da expressao attistica ou simplesmente (0 que sen\ muito) muni-Io de urn meio ao qual podera reCOITer sozinho, para manter seu equiliblio psiquico. Casa das Palmeiras: uma experiencia-piloto em psiquiatria

Desde 0 inicio da decada de 50 nos impressionava 0 fato de serem tao numerosas as reinterna~oes nos nossos hospitais ps iquiabicos. A porcentagem no Centro Psiquiatrico Pedro II era a larmante: 70% de reinterna~6es. Infelizmente, a situa~ao em 1986 permanece a mesma depois de quase quarenta anos, apesar da introdu~ao de novos tratamentos, especial mente de substiincias quimicas em elevadas doses. Ressaltemos que esses ultimos dados provavelmente nao correspondem a realidade, pelos seguintes motivos: a) somente sao registradas as interna~6es e reinterna~6es a partir de 1976, desprezadas as reinternac;6es antedores; b) nao sao computadas as interna~6es de individuos que tenham sido internados em outros hospitais, mesmo os encaminhados pelo antigo INPS, e que hajam passado por van os hospitais. Assim, as reinterna~6es permaneceram na 01'dem de 70%. Mas face as resbi~6es feitas em recente pesquisa nao sera exagero admitir que as reinterna~6es tenham atingido percentagem mais alta. Esse fato da testemunho de que algo esta en·ado no conjunto do tratamento psiquiatrico.

o

MUNDO DAS IMAGENS

20

Os propalados efeitos curativos dos psicotropicos sao iJusot·ios. Diminuiram

0

tempo

de interna~ao, estipul ado em media (pelo INPS) entre quinze e tJ-inta dias. Mas 0 numero de reinte m a~oes nao se modificou. Assim, estabeleceu-se urn circulo vicioso en-

tre a rapid a permanencia no hospital e a nao menos rapida tentativa de vida na sociedade. Isso nao significa que preconizemos a hospitali za~ao prolongada, 0 hospital-asilo. Sempre acentuamos a necessidade do preparo do individuo pa ra a saida do hospital , apos haver atravessado 0 surto ps icotico. Naose leva em considera~aoquea vivencia da experi €mcia psicotica abal a as bases da vida psiquica. Depois de urn impacto tao profundo e viol en to, 0 egresso dificilmente se encontra e m condi~6es de reassumir imedia-

tamente seu trabalho profissional anterior e de restabelecer os contatos intel'pessoais exigidos na vida familiar e social. Dai ser facil compreender quanto sel;a util urn setor hospitalar ou uma institui,ao que funcionasse como uma esptkie de ponte

entre 0 hospital e a vida na sociedade. A unica coisa que existe, para amparo do egresso, sao os ambulawl;os dos hospitais federais (Pinel , Centro Psiquiatrico Pedro II , Colonia Juliano Moreira, INSS). As c1inicas palticulares, que tern convenio com oINSS, nao possuem ambulawl;os. Limitam-se a reinternar os egressos e a usufruir as dia rias dessas reinterna~oes. Como se realiza 0 atendimento dos egressos nos ambulatorios dos hospitais federais? Consultas extremamente ni pidas, realizadas a intervalos bastante longos. De ordina1;0, dadoo sistema ambulatorial vigente, nao ha condi~oes para a investiga,ao da problematica do doente. Raramente os pacientes sao atendidos pelo mesmo medico, 0 que nao permite 0 estabelecimento de urna rela~ao individualizada. Os medicamentos psicotr6picos sao quase sempre repetidos e distribuidos em grande quantidade. It facil com preender que esse metodo acarreta grande pel;go para 0 egresso, que fica de posse de enorme quantidade de psicotropicos, podendo usa-los sem qualquer discrimina~ao, muitas vezes ingerindo-os simultaneamente com bebidas alc06licas. Outro agravante e a ausencia de

comunica,ao entre os ambulatorios, ratoque perm ite ao individuo frequentar ao mesm, tempo mais de urn ambulatol;o e assim prover-se de novas quantidades de psicotropicos. o doente nao se aglienta rora do hospital. A fam nia, quando existe,ja se habituou asUl a usencia. 0 peso do rotulo de egresso dificul· ta a obten,ao de emprego. Quem ja hali. conseguido t rabalho antes da interna,ao i summ'iamente despedido. Em muitos caso;. o indi viduo vem para 0 Rio de Janeiro prO
tera de u a r outros instrumentos de trabalm - deixar a enxada por instrumentos ma, compl exos, que ele nao sa be manejar. Ac~ ce que, habitual mente, e obrigado a mOraJ na pel'ifel'ia da cidade, ambiente extrem mente violento. Vern a fome e 0 isolament
0

reint.ernamento.

E 0 cicio recomeya. As vezes 0 individ prerere a mi sel;a do hospital psiquiatrico s itua\!3.o de egresso. Mas nem essa ou

tl;ste perm a nencia no hospitallhe epermi da. Quinze dias depois de ingel;r nOI megadoses de psicotropicos, ele e obligado sair do hospita l. Poueo mais tarde vira n reinterna,ao, ou a a ltem ativa da mendi . cia, numa te ntativa de romper esse cicio. Distinguem -se dais tipos de mendigos: que vivem em grupos e paltilham asesm e os que permanecem isolados, fechados seu mundo intemo. Esses sao facilm' reconheciveis como egressos de hospitais quiatJ;cos pelo recolhedor de mendigos cidade e, nao raro, encaminhados de volt! hospital psiquiatJ;co, perdendo ate a 0 . pela Iiberdade da subvida de mendigo. tituem, segundo as estatisticas da Funda Leao XlII, 55% dos "mendigos" recolhido;. Acontece frequentemente que men' sao acompanhados por caes, amigos ded no, sem duvida, para muitos deles 0 uniro de vida que da calor ao IUde mundoexte Essa rela~ao afetiva entre 0 homem eo estli constantemente amea~ada: 0 hom

I ( (

CRISE E TENTATIYA$

21

pelo camburao da policia; e 0 cao, pela carrocinha que 0 leva a tortura e a morte. As condicOes gerais de subvida do mendigo nao raro 0 levam it morte an6nima ao relento.

Essa situa,ao e insoluvel? Umapequenaexpe,iencia-piloto, iniciada em 1956 e que atravessou esses ultimos binta e seis anos, comprova ser passivel modificar condil'Oes tao adversas, cortando 0 cicio de reintemal'Oes. Trata-se da Casa das Palmei!as, institui~o sem fins lucrativos, destinada ao tratamento e it reabilita,ao de egressos deestabelecimentos psiquiatricos. Funciona, nos dias uteis, em regime de externato. Representa essa casa urn degrau intennediArio entre a rotina do sistema hospitalar, desindividualizado, e a vida na familia e na sociedade, com seus inevitaveis e multiplos problemas, onde a aceita,ao do egresso nao se faz sem dificuldades. R6tulos diagnosticos sao, para nos, de significa~o menor, e nao costumamos fazer esfOJ;os para estabelece-Ios de acordo com classifical'Oes chissicas. Nao pensamos em termosde doenl'"S, mas em fun,ao de individuos que tropel'"m no caminho de volta a realidade cotidiana. principal metoda de tratamento empregado na Casa das Palmeiras e 0 exercfcio espontaneo de atividades di versas, geralrnentechamadode terapeutica ocupacional. Esse metodo, se corretamente conduzido, Ii urn legitimoprocedimento terapeutico, e nao apenas peatica auxiliar e subaltern a como e _iderado habitual mente. Fazemos constanteapelo its atividades que envolvam especia1mente a fun~o criadora mais ou menos adormecida dentro de todo individuo. A criatividade e 0 catalisador por excelencia das aproximacOes de opostos. Por seu intenneclio, sensacOes, emo,Oes, pensamentos sao levados a reconhecer-se, a associar-se. A tarefa principal da equipe tecnica da Casa das Palmeiras e permanecer atenta ao deadobramento fugidio dos processos psiquiaJllque acontecem no mundo interne do clienle a!raves de inumeraveis modalidades de 1IPres!i80. E llaomenos atenta as pontes que

o

ele lanl'a em direl'ao ao mundo externo, a fim de dar-Ihes apoio no momento oportuno. Convivendo com 0 cliente durante varias horas por dial vendo-o exprimir-se verbal ou nao verbal mente em ocasioes diferentes, seja no exercicio de atividades individuais ou de gl'UPO, a equipe logo chegara a urn conhecimento bastante profundo de seu cliente. E a aproximacao que nasce entre eles, tao importante no tratamento, e muito mais genuina que a habitual relal'ao estabelecida nurn consultorio entre medico e paciente. A Casa das Palmeiras e urn pequeno territ6rio livre, onde nao ha pressoes geradoras de angUstia, nem exigencias superiores as possibilidades de resposta de seus frequentadores. Acasa nunca procurou acoleira de convenios. Optou pela pobreza e pela liberdade. Damos grande enfase as relacoes interpessoais entre corpo recnico e cliente, sem as marcadas distinl'oes discriminat6rias que os separam. Distinguir medicos, psicologos, monitores, estagiarios, clientes torna-se tarefa ingrata. A autoridade da equipe tecnica estabelece-se de maneira natural, pela atitude serena de compreensao face a problematica do cliente, pel a evidencia do desejo de ajuda-Io e por urn profundo respeito a pessoa de cada individuo. Portas e janelas estiio sempre abertas na Casa das Palrneiras. Os medicos nao usam jaleco branco, nao ha enfenneiras, e os demais membros da equipe tecnica nao usam unifonnes ou crachas. Todos participam, ao lade dos cI ien tes, das ati vidades ocupacionais, apenas orientando-os quando necessario. Essas nonnas incomuns existem desde a funda,ao da casa, em 1956. Nao contribuiram para fomentardesordem. Pelocontrario, seus efeitos criaram urn favoravel ambiente terapeutico para pessoas que ja sofreram hurnilhantes discrimina,Oes em instituil'Oes psiquiatricas e ate mesmo no ambito de suas farm1ias; isso sem citar, por demais 6bvias, as dificuldades que se erguem no meio social para receM-los de volta. Ha varias linhas de pensamentoque, apesar do descaso reinante, insistem em procurar fundamenta\!iio teorica para interpretar o metodo ocupacional. E varias denoJnina,Oes para designa-lo - laborterapia, praxi-

o

MUNDO DAS IMAG'fNS

22

terapia, metoda hiperativo, metoda reeducativo, ergoterapia e, finaimente, terapeutica ocupaciona l, te,-mo prefe,-ido pOl' ingleses e americanos. A expressao terapeulica ocupacional generali zou-se, em bora seja pesada como urn para lelepipedo. Preferimos dizer ema"iio de lida,., expressao usada por urn dos clientes da Casa das Palmeiras, pois sugere a em09ao provocada pela man ipulacao dos mate,-iais de trabalho, uma das condicoes essenciais para a eficacia do tratamento. As teOl;as e seus nam es importam pOlleD. Todas podem ser uteis quando convem a urn determinado caso. A equipe da Casa das Palmeiras esta sempre atenta para apreender 0 que t ransparece na face, maos, gestos do cliente. Essa observa9ao, seja nas atividades individua is ou de grupo, nos parece indispensavel para que 0 cliente seja conhecido em maior profundeza e tame-se possivel uma abordagem terapeutica mais segura. A ema"iio de lida,. oferece mil oportunidades para essa observacao. Nos seus trinta e seis anos de existencia, a Casa das Palmeiras cumpriu seu objetivo: COl-tOU 0 inexoravel cicio de inte m a90es-reinternacoes de seus clientes, a ma iOl-ia dos qua is nao retomou ao hospital psiquiatrico desde que a frequenta. Frisemos que muitos desses clientesja haviam passado pelo t raumatismo da internalYao dez vezes au mai s. Acreditamos que a experiencia da Cas a das Palmeiras comprova a necessidade e a viabilidade de institui90es em regime de extem ato. Poderiam ser criadas nos ambulat6,-ios dos hospitais psiquiatricos federais e estaduais, em hospitais-dia, ada ptando-os com decidido esforco as condi90es de nossa realidade. Assim, sera de fato implantada uma nova politica de saude mental que vira evitar as onerosas e c rUt~is in tern a~oes.

Capra , F. 0 POlit o de MlIla qao, p. 123. Cultrix,

Sao Paulo , 1988. 2 Arlaud , A. Oeuures Co mpletes XI . p. 13. Gallimard , Pari s, 1974 . Freeman , W . Am erica" Ha"db ouh o{ P..,.,chi"'ryl 11 , p. 152 1. Ba s ic Book s . N ova York. \959. 4 Idem , ibidem . p. 1526. 5 Ca pra , F. , op cit" p. 136 . 6 Ce rqu eira , L. Psiquia t riu Socia l. p. 123. Li\". Al.h cneu, Rio de Jan eiro , 1984. 7 Arl.aud, A. op. cil. p. 50. 8 Ba sag lia , F. La Stampet, 14 de reverciro de 1990. p. 3 . 9 Pedrosa , M. Co l e~ii o "[vl use us 13rasil eiros II" 10. Funarte. Hio de Janeiro. 1980. 10 Fromm-Rei chmann , F. Let Ps icotl!rctpiCl yel P Si COOIlOlisi s, p. 18. Paidos. Buen os Aires, 3

1961.

CAPiTULO :J:

~

ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A DEMENCIA ORGANICA E A IIDEMENCIAII ESQUIZOFRENICA ~

esUl capitulo serao apresentados documentos referentes a urn estudo

comparativo entre a demencia organica, irreversivel , produzida por neurocirurgia, e a impropliamente

chamada demencia esquizofren ica, na qual se manrem pOUlncialmente viva a rol;'! criadora. Nas obras de Lucio torna-se evidente a progressiva decadencia da capacidade de estruturar rormas. Atrajet.6ria de Raphael foi completamenIf diversa. Aqui , nao houve lesao da substAnciacerebral por psicocirurgia. Atrav';s de rontatos humanos afetivos e da oportunidade para uma livre expressao, em ambiente rordial, tornou-se possivel urn extraordinariorenascimentoda atividade criadora. Ante a alta qualidade das produ,6es plasticas de Raphael, fica demon strada a impropriedade de admitir-se urn processo de demencia,ao na esquizofrenia.

Confrontam-se, pois, duas form as opostas detratamentopsiquiatrico: a plimeira, agressiva,anuladora das mais altas prerrogativas do ser humano; a segunda, ao contnlrio, es-

timuladora das possiveis potencialidades do individuo, num ambiente acolhedor. Lucio - Decadencia irreversivel

Lucio nasceu em 1915. Curso primario inrompleto. Trabalhou durante seis an os em urna papelaria. Posteriormente fez-se vendedor ambulante de gravatas e perfumes. IJotado de grande habilidade, fazia, por prazer, trabalhosem madeira que surpreendiam a ramilia. Nunca estudou desenho nem 010delagem. [ntornado no Centro Psiquiatrico Pedro II em 12dejunho de 1947. Resumo da folha de

~

~

observa,iio: paciente a ngustiado, que sc se nte sob a amea,a de multiplos perigos. Inimi gos poderosos 0 perseguem, descobrem seus pensamentos, a plicam-Ihe choques eletricos nas visceras, e m todo 0 corpo. Profe re frases sem sentido a pa rente e respostas que n a~ se

relacionam com as perguntas.

It dificil esta-

belecer contato com Lucio, que se torna mai s

esquivoa med ida que 0 medico te nta abo rdar de perto seus problemas. Diagnostieo: esquizofrenia. Tratamento: Cardi azol e eletrochoque. Reduzem-se os fenbmenos tumultuosos do inicio da doen~a, POl"em pers iste 0 mesmo

quadro c1inico. Em dezembro de 1948 6 e ncam inhado ao Servi,o de Terapeutica Oeupaciona l, oficina de eneaderna,ao, onde, apesa r deja eonheeer a lgo do oHeio, nada despe rta seu interesse. Por fim, pede , espontaneamente, para freqUentar a se,ao de modelagem. Traba lha entao com visfve l prazer, fi ca ndo durante

horas absorvido na moldagem do ba rro. Produz obras de notavel qualidade artistica, algumas das qua is apresentadas na ex posi,ao dos "9 Artistas de Engenho de De ntro", organi zada pelo Museu de Arte Moderna de Sao Paulo em outubro de 1949, selecionadas pelo seu diretor Leon Degand e pelo critico de arte Mal-io Pedrosa. Sua pri mei ra obra 6 copi a, de memoria, de

uma escultura do artista fi'anees Le mbertRucki , vista pelo paciente, em cli che, numa revi sta, antes de sua interna,ao(f\g. 1). Interpreta-a personificando no menino Jes us as fOl',as do bern, fdgeis, que vao lu tar e se r vencidas pelas for,as do mal. Inutilmente as maos maternas tentam protege-Io. Exceto pOI' duas

figuras fcmininas, seus de mais tra-

balhos representam guerreiros, empenhados na luta entre 0 bern e 0 mal: guerreiro egip-

o

MUNDO DAS IMAGENS

24

2

,

.~ / d

freqiientemente se encontra na base dru ideias delira ntes da esquizofrenia. Mas, a~ sar de a lgumas melhoras em seu compocta· mento, do reconhecimento da a lta qualidad, de suas modelage ns, 0 medico psiquiatn responsavel por Lucio, com 0 apoio da fami· lia, decidiu recorrer a psicocirurgia, trata·

c$(.'ullura em gcs.<;u

me nta muito preconi zado na e poca.

1948 (:ill/clllu l p(i (ie pedro 2/,0 x .57,0 x /9,0 elll.

2 1.948 cscullura elll

#t 'S.~U

3

Inuti~

mente tentei evitar esse desastre, chegandoa dizer ao colega que havia indica do a cirurgi~ "Voces

ciano (fi g. 2), gueITeiro frances (fi g. 3), guerreiro de pe, empunhando Ian~a (fig.4), guerreiro de joelhos, de'Totado (fig. 5). Pode-se sentiI' nessas esculturas a fOlte te nsao emocional contida na rigidez de fOl-mas trabaIhadas severamente. Lucio encontrara uma atividade que Ihe dava prazer, pois proporcionava-Ihe oportunidade para dar form a as emo~6es que 0 avassalavam,

a luta entre 0 bern e 0 mal, que

va~

decapitar urn altista",

Obras de Lucio achavam-se ainda na ex· posi ~ilo do Museu de Atte Moderna de Sao Paul o, ina ugurada no dia 12 de outubro, quando ele foi submetido, no Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1949, a lobotomia pre. frontal bilateral pel a tecnica de Poppen. Existem duas escul turas posteriores i opera~ao. 0 busto, model ado trinta diasap6; a lobotomia, conserva boas qualidades phis· ticas, mas caractel;za~se pela inexpressivi·

ESTUDO COMPARATIVO

25

pelo acabamento grosseiro (fig. 6). A I,ura Ie'ltaquatro meses mais tarde (fi g. pre!;enta es,tranhll serpEmbeql1edomina, e deprime urna caverna de rocha es,como a dividi-Ia em duas parres que )'emloaspectodos hemisferios cerebrais. \Iltran1odlls obrllS anreriores aoperacao, estao ausenres a rensao afetiva e 0 tratamento tecnico. llA,'aalin€~doO primeiro objetivo visado ~ partidarios da lobotomia: separar 0 de suas ressonancias emocioptivlJsd,eordernadministrativa impedialtura, que 0 doenre continuasse lenl;arIlosiloservico. Tenmmos enta~ 0 na propria enfermaria do hospital. nao existem, para confronto, anooriores II operacao feitos anres ou depois de iniciado 0 processo Entremnto, a invulgar capacriar forrnas revelada por Lucio, na madeira, quando ainda sadio,

• eseu/tura em gesso

s 1948 / 49 cseultura em gesso 23,0 x 40.0 x 34,0 em.



1949

cseultura em gesso 28,0 x 36,0 x 20,0 em.

o

MUNDO OAS IMAGENS

26

7

L

c-.,

ou modelando-as no ba rro no atelier da nossa se~aodeTerap'mtica Ocupaciona l, leva-nos a admitir, diante desses desenhos, que uma catastronca regressao ocorreu (figs. 8 e 9). Trazem elas as ma rcas de deficit, caracteristicas das al tera~6es orgii nicas do cerebro: pobreza imagin ativa, puerilidade de concepcao, inabilidade de execu~ao. Freeman e Watts, doi s dos ma ioresexecutores de leucotomias do mundo, embora reconhecam que a criatividade e a mais alta forma de ma nifestacao de que 0 homem e capaz, di zem com a ma ior frieza que "de urn modo geml a psicocirurgia reduz a criatividade e a lgumas vezes a elimina total me nte" '. Urn ano e meio apos a lobotomia, Lucio e trans felido para 0 Hospital Gustavo Riedel. Nesse hospital, sua folha de observacao registra desordens profundas da personal idade. Seus in imigos "mandaram abt'ir s ua cabeca dos dois lados e colocara m la den tro dois dinamos de aco que correm pelo seu COl-PO todo, para transforma-Io em rato e gato". Val-ias tentativas de fuga levadas a efei to pOI' Lucio levaram a dire~ao do Hospita l Gustavo Riedel a proibir sua vinda ao atelier de modelagem, situado a a lguma distancia do hospita l. Na unica experiencia feita, permaneceu ele apatico, desinte ressado, sem mesrno tocar 0 balTD. ReCOITemos mais uma vez

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ao desenho, na propria enfermaria, doente sol ici tado pelo e nfermciro. e datada de setembro de 1953. Seosdesenhosde 1950 representamel'OI plos de etapas elementares do de"enl'ohi mento da expressao grafica, nelrcolnidas! sentido inve rso, chegandoate a 1'lsedOI~l1lII no qua l a fi gura humana tern apenas e membros "udimentares, as de,;enl,os i 1953 desceram ao estagio mais baixo, a de garatuja. Garatujas pobres e indicadoras de demencia organica.

ESTUDO COMPARATIVO

27

11

12

1981 escultura em barro 18,0 x 23,0 x 20,0 em.

Trinta e dois anos mais tarde, houve nova oportunidade de trazer Lucio ao atelier de modelagem. Ele mostrou muito pouco interesse em trabalhar 0 barro que tinha diante de si. Apatico, pedia constantemente para voltar ao leito da enfermaria. Solicitado com insistente cordialidade, moldou lentamente algumas disformes, terriveis carrancas (figs. 11 e 12). Portanto, a psicocirurgia em Lucio nao trouxe melhoras em seus contatos ou atividades sociais, bern como anulou arrasadoramente sua capacidade criadora. o combate entre 0 bern e 0 mal, que fazia Lucio sofrer, tinha dimensOes mitol6gicas. Era urna forma bastante nitida do combate entre deuses e tires, de que nos fala MarieLouise von Franz 2 . A mitologia narra vanos epis6dios dessa terrivel e muito remota luta. Foram os tires que desmembraram Dioniso, esse deus que tern tantas analogias com 0 Cristo. Na primeira escultura de Lucio, 0 menino Jesus vai ser massacrado pelas for\'8S do mal (os titas). Mas, no mito, Dioniso ressuscita. A compreensao do mito talvez tivesse salvo Lucio. Mas quem iria falar em mitos? 0 cientifico seria a lobotomia. A luta entre deuses e titas foi reduzida a "urna luta entre rato e gato" .

o

MUNDO DAS IMAGINS

28

Raphael - sobrevivencia da

for~a

comportar-se de acordo com as normas

ciais, se desejar sair do hospital. 0 e zofrenico nao e 'demenciado' no sentido decadencia (downright); porem, e 'dem

criadora

Acabamos de ver algumas imagens que dao testemunho de demfmcia organica bern caracterizada. Ainda hoje muitos psiquiatras admitem que tambem na esquizofrenia, sobretudo nos casos ditos cronicos, instala-se urn quadro de demencia na acep,ao de queda da inteligencia, da afetividade, da criatividade. Havera na esquizofrenia fenomenos de decadencia semelhantes aqueles apresentados pelo lobotomizado Lucio nos seus desenhos e modelagens? o pr6prio Kraepelin , que da a palavra dem.encia 0 sentido de enfraquecimento intelectual, quando se trata de

ciado' em certas ocasioes, em relavaoace '

constelacoes afetivas, a celtos complexos." Dado 0 reconhecimento da impropri de do terrno "demencia", nos paises saxoes pas sou a ser usada a expressiiodtl. rioraqiio, que designaria a desintegra' emocional e do pe mento, em conseque da falta de uso das coes intelectuais, pe do interesse pelo a . ente por absor,iio nos nomenos patol6gicos' ternos, e ainda ralta solicitacoes extemas despertem interesse. Ha psiquiatras veem na deteriora· principalmenteuma sequencia do regi asilar.

esquizofrenicos nao usa

o termo demencia, mas Verblodung, que significa timido, enuergonhado, a ponto de dar a impressiio de retardamento mental. Mas os autores franceses traduziram Verblodung por demencia'. E a palavra demencia esta Jigado 0 conceito de decadencia, de ruina. Outros autores, para evitar erros maiores, traduzem Verblodung por para-d.emencia. Vejamos textos de BJeuJer, representante maximo da psiquiatria c1assica, publicados em 1911, mas ainda demasiado revolucionanos para serem admitidos na pratica psiquiatrica de hoje: "Em nenhurna outra doenl"', as perturbaCoos da inteJigencia sao mais inadequadamente designadas pelo termo demencia que na esquizofrenia" ". "Mesrno os rnais 'dernenciados' esqui-

zofrenicos, em condiroos favoraveis, podem demonstrar urna subita capacidade de realizar p.-oduCOOs de tipo a1tamente integrado.' s "0 esquizofrenico pode ser incapaz de somar dois a1garismos e dai a momentos extrairurna raizcti.bica. (. .. )Em certascondiCOOs, ele compreende urn tratado de filosofia, mas nao consegue compreender que tera de

~

Raphael se inicia no atelier de pintura do Museu. Foto de 1948.

o caso de Raphael levanta pelturbad

problemas na area psiquiatlica. Seu pai, de nacionalidade espanhola, cuI tor, dedicava-se a construcao de moo_ mentos runebres. Mae brasileira, de a dencia italiana. Raphael nasceu emjulho 1913, sendo 0 primogenito dos quatro fi do casal. Sua mae 0 descreve como urn me notimido, sensivel, rett'aido. 0 casal ,ivia constantes desentendimentos, tendo por o marido abandonado 0 lar. Tinha Rap nessa ocasiao onze anos. Sendo ele 0 mais velho, deixou a escola para empregar e assim ajudar a familia, que se achava ell situacao precana depois do abandono dopa! Seu primeiro emprego foi de ajudante M fabricacao de gaiolas para passaros, trist! ironia para quem era como ele tao semelhat> te a urn passaro. Posteriormente traballir nurna tipografia. Sentia-se atraido pela arte, Aos trezem matricu1ou-se no Liceu Literario Portugui; onde fazia 0 curso de desenho com muiM entusiasmo. Ali 0 en sino era de carater.co demico, mas Raphael conseguia infundirvid!

ISTUDO COMPARATIVO

29

13 4/12/25 nanquin Ipapel 36,0 x 25,0 em

aos modelos de gesso, revelando seu taIento (figs. 13, 14, 15 e 16). Obtifreqtientemente primeiro lugar. Parapor necessidades pecuniarias da . trabalhou como desenhista em escriparticulares, fazendo desenhos para ablilcidade,cartazes, decora~i.ies . Todas es10 rtiviliad.es :silTlUltarleals, somadas as resmabilicladE!s de filho mais velho, tom aIDoSE' deonasiado pesadas. Aosquinze anos apareceram os primeiros da doen~: abandono do emprego; lOiIrlotiv'ado que ia ate a gargalhada; deso, perdia-se nos arredores de Santa a1usao a vultos que 0 seguiam e neg)liaID. Lan~ava objetos pela janela de l18;i~refei9fies,esfregava os alimentos nas ou na mesa e nas paredes. Satisfazia lneoessiljadl!s fisiol6gicas no local onde se

I. sid carviio/ popel

53.0:r 45,0 em.

°

I. IS

,Id pastel I popel 57,0 x 44,0 em.

I.

sid

Apew de Iodos esses graves sintomas,

Dda,desEmhlivaem casa. Datam desse periDvariO!:de,senhos, dlentre os quais 0 retrato de seus irmiios (fig. 17). Olhando-o, hesitara em afirmar que se trata do

carviio/ popel 54,Ox41,Ocm.

retrato de urn esqillzofrenico, dada a sua postura. Niio enganam a atitude rigida, a expressiio fisionomica reveladora de que a tensiio esta toda voltada para dentro, onde se agitam pensamentos estranhos e angustiosos. Entretanto, 0 modele e urn rapaz alegre e extrovertido. Por que Raphael, habil desenhista, afastou-se tanto do seu modelo? Ja Leonardo da Vinci havia observado que os pintores freqiientemente represen-

o

MUNDO DAS tMAGENS

30

11

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caruao lpapci 57,Ox 11.0 cm .

1.

sId hipis I popel 37,Ox51,O cm.

tam a si mesmos nos personagens tam, impondo suas qualidades fisicas e rais aos modelos mais de.ss"melt.anlteseni Ihes poupando nenhum de seus defeiWs. It urn fen6meno de projeqiio. No Raphael, crescem suas propor~6es. los exterioresja na~ exercem [j·miltal;6el'.PiI ma-lhes a forma segundo sua propria A doen~a progredia rapidamente. do riso extemporaneo, Raphael passoua tregar-se a longos solil6quios, e a us,.rli."'" gem desconexa. Seu desenho perde a e dissocia-se completamente (fig. 18). donou os cuidados de higiene corporal. rambuJava sem destino pelas ruas, necessario que seus irmaos 0 fossern rar. Em casa, trocava objetos de va fora utensflios domesticos. mae conservou-o em casa durante anos. So em 1932, aos dezenove anos,

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ESTUDO COMPARATIVO

31

foiinternado no Hospital da Praia Vermelha. Sua observa,;;o clinica registra grande dificuldade de contato, desagregacao do pensamentoedesinteresse pela realidade. EnecessArio que 0 enferrneiro 0 guie nos cuidados pessoais mais elemen tares. As vezes wina no solo da enfennaria e esfrega 0 liquido corn as proprias maos. Sempre que consegue urn lapis, desenha garatujas nas paredes da enfermana. Par esse motivo, 0 psiquiatra, sob oscuidados de quem se achava, encaminhaopara 0 atelier de desenho e pi ntura da Secao de Terapeutica Ocupacional. Nessa ocasiao, jasehaviam passado catorze anos desde sua intemacao. Na sala de pintura com porta-se docilrnenteo Es~ quase sempre urn sorriso enquantose entrega a seus constantes solil6quios de sonndo inapreensivel. Maneirismos nos geslos, que se complicam de movimentos superOuos, leves e delicados. Pequenas malicias:

" 1946 guaehe I popel 33,0 x 47,0 em.

breve pincelada feita de stibito sobre a roupa de urn a pessoa que se aproxima demasiado de sua mesa de desenho, seguida de urn sorriso amplo. Papel, tinta, pinceis lhe sao trazidos, e ele os aceita com visivel prazer. o desenho de Raphael nessa ocasiao consistia fundamental mente em linhas entrecortadas, formando pequenos quadrados, que ocupam todo 0 papel. E algumas vezes desdobrarn-se ritmicarnente, varian do em tamanho e em cores, como urn motivo ornamental de belos efeitos (fig. 19). Os primeiros desenhos de Raphael no atelier da SeCao de Terapeutica Ocupacional revelam que uma pulsao criadora inata sobrevive, ainda que estejam presentes graves fenomenos de desintegraCao da personalidade. Ele recobria folhas e folhas de papel com urn jogo de lin has e ornamentac6es, fenomeno considerado por Prinzhorn a origem da configuracao. "Necessidade de expressao,

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MUNDO OAS IMA O.l NS

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20

,/d guaehel popel 66,0 x 48,0 em.

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compulsao ao jogo e a ornamenta9ao convergem na pulsao de configurar fOlmas." , De fata, dentre ornamentas constituidos pOl' pequenos quadrados azuis, emerge urn

perfil de mulher(fig. 20). Solicitadocom insistencia, Raphael chama a figura de "Minervina", plimeira tentativa de figura9ao. No alta do mesmo desenho, uma forma constituida de urn pequeno circulo central de onde partem quatro petalas e varios raios, por sua vez encerrados noutro circu lo. Podemos

identificar lIessa forma a mobiliza930 de ~ 9as ordenadoras que se op6em a dissociacao ao caos (mandal a). Fatar fundamental foi , desde 0 initio, presen9a do artista Almir Mavignier, en funci onalio burocraticodo Centro Psiquia . co, que aceitou trabalhar no atelier de pin ra, em colabora9ao conosco. Raphael enco t rouapoioafetivoeestim uloem Almir Ma . nier, sempre ao seu lado durante suas ativid;\ des, mas sem nunca pretender influencia·1

ISTUDO COMPA.ATIVO

33

;;~~============~;---------2~'~--------------~::::~--~~-----=::::::==~~--- 22 1947 guache I popel 48,0 x 60,0 em.

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dia, contrariando a regra de naona producao plastica dos fredo atelier, urn funcionArio da lIIna elltr(m por acaso na sala e, vendo IINIIls cle Raphael, disse-lhe: "Raphael, ama cara", Raphael imediatamente _~ un.a cara (fig, 21), A seguir, 0 fundiase: "Agora pinte urn burrinho", pintou 0 burrinho (fig, 22), insOlito marcou 0 inicio de nova clesenho de Raphael. A partir daf, de transicao, nurn saito espantotracos magicos que virao conti!dellenhos da mais alta qualidade, 0 IIiVII mesela-,", ao abstrato, mas, se os figurativos nao forem logo retiraos recobre com suas habituais entrecruzadas, preenchendo toda a papel. lbaelnepnesel~tavru;as vis6es dos "inu~. n.";"oooo estados do seT" que ele Le-se nurn texto de Bleuler: "A cai em peda\Xls" ', Essa frase Iadl!II!II:enli-SE' peroe]pti'{ei atraves de ima-

221947 guache Ipape/ 59,0 x 48,0 em.

/"11 11!

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23

1948 na nquim / papel 36,0 x 27,0 em.

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• • junl:rurl-SE de novo, embora em ~O~io,

e Raphael continua nos ofe-

rnivel'livrernerlteem seu mundo intelde"w30l"'vidl), cl)mrive com as imagens _ien1te, atraentes ou ameacadoras, 0 se esquiva ao contato com as ",""mil.. Dentre todas as solicitac6es a mais perturbadora e a da visao, ..........,' vi.",,;. nos convencem a cada

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MUNDO DAS IM AGINS

34

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2. 1948 nanquim lpaptl 36,0 x 27,0 em.

RAPHAfh

ISTUDO COMPARATIVO

35

2.

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=-== RAPAtIltEl

2. 21 108 149 nanquim / popel

35,0 r 26,0 cm. 26

17 / 03 / 48 guache I popel

32,0 x 23,0 em. 27

.Id gooche I popel 43,0:r 30,0 em.

t •• iDdw:em,acorn ele manter estreitas reiaEsse mundo, porem, ja nao interessa a ::::_:S6:, 0 importuna. Raphael proeura Desenhou muitas figuras cujos ItibosnAo, se ,destinam aver 0 mundo exterior 111110 "" }. As vezes, ele os ornamenta. Outras oorra-os, ~s, lacra-os (fig. 26).

l

Na pintura de luminoso colorido (fig. 27), os olhos estiio afogados em duas grandes manchas. E e curioso que nao seja Raphael 0 tinico a exprimir desse modo 0 estado do autismo esquizofrenico. A doente Aloyse, internada num hospital da Sui~a, pinta tambern figuras com os olhos velados sob "duas enonnes amendoas azuis" que impedem a visiio do mundo exterior '. Entretanto, 0 a utismo nao e irreversivel. Ha ocasiiies em que, surpreendentemente, Raphael emerge do seu mundo interior para retomar breves contatos com a realidade. Periodicamente, a dedicada mae de Raphael levava-o a passar em casa curtas temporadas. Almir Mavignier nao permitia que essas saidas interrompessem sua atividade plastica e ia a sua residencia estimula-Io. Algumas vezes, solicitado por Almir,

o

MUNDO DA 5 IMAO. N 5

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2. 1949 nanqUlm 49,OxJ4,

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ISTUDO COMPAItATIYO

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\ acaba detendo 0 olhar nos objetos dispusera it sua frente. Dw·ante escapa as imagens interiores que IImcativo,eoreslull;adoforam as mag11III:ure,zas,-mIJruls, das quais decerto Ioausellteselelnerltos subjetivos (figs.

2. 04 / 06 / 48 fwnquim / papel 47,Ox3 1,Ocm.

3. 1949 nOflquim / papel 48,0 x 31,0 em.

31

que 0 admiravam e 0 vii:Muri1lo M:emles,Abrarlao Palatinik, o pr6prio Almir e outros. A traces de semelhanca com 0

I ell! aDllIa10S

1949 nanquim / papel 47,Ox31 ,Ocm.

modelo, Raphael desdobrava s ua tendencia ao jogo, criando imagens que estavam longe dos modelos rea is, sempre ricamente ornamentadas (figs. 30 e 31). Quanto a qualidade, os desenh os de Raphaellevantam problemas funda mentais. o prazer de desenha r num a mbiente onde era t ratado como pessoa humana quelida despertou em Raphael insuspeitadas manifestacoes de forca criadora. Seus desenhos atingi ra m a lta qua lidade, reconhecida por cn t icos de arte como Leon Degand, Sergio Milliet, AntOnio Bento, Flavio de Aquino e outros. Destacamos a opiniao do nosso mais eminente cl-itico de arte, Mario Pedrosa (fig. 32): "Os artistas de Engenho de Dentro superam a qua lquer respeito convencOes academicas estabelecidas e quaisquer rotinas da visao naturalista e fotografica. Em nenhum deles as receitas de escola sao levadas em consideracao. Como 0 novo mundo imaginario surgido dentro dele, os velhos moldes formais sao inadequados, e novos esforcos se fazem necessarios para dar-Ihe expressao plastica. A forma se modifica e se enriquece. As habilidades aprendidas tendem a desaparecer para

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MUNDO OAS IM AGE N S

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32

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rIllflquim I popel 47,Qx31,Ot'tII .

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08 / 06 / 48 IIaTl{fuim l pnfJei 47,Ox3 J,Qcm.

33

34 1949 lIanquim Ipapel

47.0x31.0cm .

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s6 ficaro dinamismoexpressivo, oritmo (fi gs. 33 e 34). o fluido ritmico presente em toda ~ autentica e 0 imponderavel que da vid! obras artisticas como a tudo 0 que oj dotaoo existencia no mundo. It a fon te da co melodica, na musica como no desenho. titui 0 segredo do desenho de Raphael impulsos do jogo e do ornamental, que cern sua a~ao sobre a pr6pria pessoa do ' dor, conduzem os arabescos daquele . exibindo-se nos brincos, turbantes, m Ihas, crachas, colares, plumas das suas ras. Nao e so, parem, nas figuras que de que se nota essa manifesta~ao ludica; tambem consegue transp6-la para outro! neros, e assim temos esse carater e mente rico, oriental mente luxuoso de naturezas-mortas (fig. 35). Em Raphael da-se a fusao desses elementos supremamente desinteressa jogoeoornamento.Aatitudedelenotra de criacao e a expressao mesma desse ' desinteressado. Raphael desenha can lando ou em solil6quio monossiJabico. 0 ' cel ou a pena freqiientemente oj sus

I STUDO COMPAaATIVO

39

razer um gesto gratuito com 0 bra~o. nbrans,passao pincel pelas costas de urna mao, ora pinga urn pon to no can to cavalete, na ponta da mesa ao lado, no objeto ao aleance do bra~o. Essa se manifesta ainda nas mil maneiCIIIl que pOe sua assinatura, depois do realizado. Essas assinaturas obeem geral ao estilo ou ao espirito do linha e a proje~ao de urna mimica Iila. Ub
,do

3. 1948 guache I papel

3 1,Ox 48.0cm. 36

04 / 06 / 48 narlquim I papel 4 7,Ox3 J,Ocm.

3.

o

MUNDO DAS IMA GENS

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37

lidade, de uma alma allita por exprimir-se quando a linguagem verbal ja nao Ihe serve mais de agente de comuni ca~ao com os homens. Nunca 0 misterioso 'como' da elabora~ao da forma foi mais concretamente visivel do que em Raphael, pois nele eque se percebe de que profundezas vern ela (figs. 36 e 37). It urn fenomeno fisico, fisio16gico mesmo, e, ao mesrna tempo, intuitivo, misteriosamente dirigido por urn conhecimento supra-sensivel , super-racional. Que fez 0 destino a urn ser extraordinario

37 1948 rWrlquim I papel 47,Ox31,O

38 1948

guache e oleo l pape/ 36,0 x 24,0 em

como Raphael? Tentou expulsa-Io da trancando-Ihe de saida a me,cidlad,e. Engenll de Dentro, felizmente, recolheu seus de personalidade, permitindo que ele usode parte de seu aparelho de oel'cellC
15TUDO COMPA.ATIVO

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desenhista Martha Pires Ferreira para trabalharcom Raphael. Os trabalhos de Martha eram finamente tracados a bico-de-pena, como ele mesmo fazia . A realidade tambem nao a prendia; em seus desenhos predominavarn seresfantasticos. Havia, pois, afmidades en-. treosdois. Talvez se entendessem, pois sem afinidades nenhurn relacionarnento verdadeiro podera criar-se. Martha narra seu primeiro encontro com Raphael em fins de 1969. "Entrei no atelier de pintura, observei 0 homem de fei~iies delicadas e de maos leves a tra~ risquinhos no papel - e que maos! Docemente, depois de longo tempo de ohserva~o, perguntei 0 que estava desenhando. Permaneceu em si lencio como se eu nem existisse. Pediram que falasse comigonaomedeua menor aten~o. Continuou seus

lracinhos sem ao menos me olhar. Fiquei ohservando-o por algum tempo mais. Baixinho e risonha disse a ele: 'Esses tracinhos parecem canto de passaros, ti ... ti ... ti .. .' Para surpresa geral, ele levantou os olhos de amendoa e repetiu: 'Canto de passaros'. E novamente mergulhou no silencio. Nem urna s6 vez ele deixou de se comunicar comigo de alguma forma. Logo no primeirodia falei das arvores e do solla fora . Nada de artificios, tudo muito espontiineo. Quase na hora de eu ir embora, urna das monitoras

se aproximou e, brincando, se dirigiu a Raphael: 'Arranjou urna narnorada, hein?Como eo nome dela?' Ele levantou a cabeca, olhou fixo para mim e, voltandoo rostoparaopapel, respondeu em voz clara: 'Espanholita', e sorriu, como que satisfeito pela resposta que dera. E mergulhou novarnente nas profundezas do seu ser."

Realmente, Martha possui em suas fei~iiesaJgodotipoespanhol , urnacaracteristica logo apreendida por Raphael. Martha continua: "Suas antenas perceptoras sao poderosfssimas, parece que ele Ie os sentimentos. E curioso constatar como ele dispensa imediatamente qualquer falso sentimento de areto na aprox:ima~ao. Isso foi urna coisa que me impressionou muito. Quantas vezes me vi e ainda me vejo constrangida diante de sua quase invisfvel consciencia do comportarnento das pessoas. Para mim, Raphael, que vive alado, em seus raros momentos de pouso registra tudo, observa tudo". Muito pouco a pouco, cheio de receios e cuidados, Raphael esta voltando a desenhar, a toear melhor no mundo exterior. Ja nao invade toda a folha de papel; chegou a desenhar rostos humanos, gatos, circuJos, passaros, sol, flores e outros sfmbolos enigmaticos para todos n6s. Martha continua registrando suas obser-

3.

,/d gllache I popel 28,0 x 45,0

o

MUNDO DA5 IMAGENS

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vac6es, preciosas porque vindas de uma pesarea medica que tantas vezes levantam verdadeira barreira entre terapeuta e doente: "Nao h:i a menor dt1vida de que estao vivos os componentes de afetividade dentro de Raphael. Eu sei que ele percebe e ele sabe que eu percebo. Os olhares grosseiros nao podem en tender as sutilezas da vida , e por isso dizem que tai s sulilezas nao existem" II, o estreitamento das relacoes entre Raphael e Martha foi despertando nele a atividade cl'iadora. Seus desenhos de tracos repetitivos foram tomandoconliguracao. Entretanto, nao atingiram a alta qualidade de sua fase a urea. Chegaliam la? Nao saberesoa sem os preconceiLos adquiridos na

mos nunca.

Martha se ausenta, viajando para 0 exteI'ior. Ma is uma vez Raphael perde urn apoio afetivo. Reafirmamosaquiloque var·ias vezes

jll repetimos: sem a ponte fir-me de urn relacionamento afetivo nao hll cura possivel para os graves estados do ser da patologia psiquica. Em favor dessa aflrmacao lembremos os acontecimentos relatados por M, A. Sechehaye na descricao do caso de Renee (tam born uma jovem cuja doen,a se manifestou aos dezessete anos). Renee regredia quando pequenos fatos da vida cotidiana, em seu sentir, ameac;avam sua relacao aretiva com a terapeula 1:1 Depois da pa rtida de Martha, 0 desenho de Raphael volta aos repetitivos tracados de linhas entrecruzadas. Desenhou no atelier de pintura ateju lho de 1979. quando sofi'eu fratura de uma perna, sen do obrigado a permanecer no lei to. Mon'eu a 17 de novembro de 1979.

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Freeman , W . American Handbook of P.'iychiat" II , p. 1535. Basic Books. Nova York , 1959. Von Franz, M . L. Crea tion Myths, p. 108. Spring. Zurique, 1972. Nayruc, P./jo Dhnellce Paranoide. p. 15. Vigot & F'r6res, Pari s. 19 24. Blculcr, E. Dementia Praecox or The Group of S<-·hizophrellias. p. 7 1. Inlernalional UniversiLies Press. Nova York, 1950. Idem, ibIdem. p. 72 B1euier, E. Texlboo/{ of Psych,alry. p. 385·386.

Dover. Nova York. 1951. Prinzh orn . H . Artistry of tile Mentally Ill. p. 15. Spri nge r . Nova York. 1972. 8 Bleuler. E. op. ('/1. , p. 14 3. 9 DubufTcl.. J . Aloyse - P ublications de la Comp(II1!nede L 'Arl Brul. p. 7. Pari s. 1966. 10 Pedrosa. M . Colcl,!ao MMu scus Brasileiros W, p. 88. "~unarl.e. Rio de .Janeiro. 1980. 11 Ide m, ibidem. p. 108 12 Scchc haye, M. Joun/a/ (rUne E.<;c/llzoplirene. PUF, Pari s, 1950.

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CAPiTULO 3

ISAAC: PAIXAO E MORTE DE UM HOMEM

o capitulo "0 espaco subvettido", do livro lmagens do l nconsciente I, estudamos 0 problema das alteracoes do espaco na esquizofrenia. Agora tentaremos focalizar, atraves da hist6ria da vida de Isaac, urn outro parametro fundamental de orientacao e suas a1teracoes: 0 tempo. Sera impossivel 0 entendimento entre duss pessoas se cada urna delas estiver vi,"endo em espaco e tempo diferentes. Orelacionamentopsiquiatra-doente, taoirnporta nwterapeuticamente, licara sern dtivida prejudicado se essa condiCao nao for levada em ronsideracao. Poucos psiquiatras lembrarn-se disso, dando-seporsatisfeitosem investigar a orienlJI\iio no mundo externo: "Que dia e hoje?", "Que horas sao?", "Que lugar e esOO?", "Onde voce esta?" e outras perguntas do mesmo nive!. Esse tipo de orientacao corresponde 11 visaodemundo cartesiana-newtoniana, considerada a tinica forma de percepcao aceita romonormal. Entretanto, vi vemos entre dois dilerentes sistemas de percereao: percepcao do mundo externo e percereao do mundo intemo. Diz muito bern F. Capra: "Vivenciar wnamistura incoerente de arnbas as formas depercepeiio sem poder integra-las e psiootico. Mas estar timitado unicarnente 11 forma carttsiana de percePciio tambem e loucura; e a Ioucura de nossa cultura dominante"'. Entretanto, dizer que 0 doente esta orienlIdoou desorientado no mundo externo tera pouca significacao para a relacao medicoFaltar" ainda muito para que seja peDI!tra,ia a situacao vivida por aquele em proprio espaco-tempo interior. Nas hisde vida por n6s estudadas verifica-

mos constantemente tel' sido a pattir de urna intensa situacao afetiva que 0 nuir do te mpo estancou. As ideias, os afetos, que permanecern dominan tes durante todo 0 curso do processo psic6tico, de rivam sempre das situaCoos que absorviam 0 individuo a ntes da doenca. E como se 0 te mpo pa rasse. "A mesrna velha hist6ria e repetida incessantemente nurn presente atem poral. P ara ele os ponteiros do rel6gio do mundo permanecem estacionados; nao ha tempo, nao ha possibilidade do fluir das coisas." 3 Bleuler, Jung, Minkows ki e psiquiatras existencialistas ja haviarn assinalado esse fenomeno, sem conseguir, pore m, comoveros profissionais da psiquiatria. Uma visao moderna e precisa desse problema nos e dada por R. Laing: "Estamos socialmente condicionados a considerar a imersao total no espaco e no tempo exteriores como coisa norma l e saudavel. A imersao no espaco e no tempo interiores tende a serconsiderada urn afastamento anti-social , urn desvio invalido, patologico per se e, de certo modo, desabonador. Respeitamos 0 viajante, 0 explorador, 0 alpinista, 0 astronauta. Para mim, faz muito ma is sentido como projeto - na verdade, projeto de urgencia desesperada em nossa epoca - exploraro espaco e 0 tempo interiores da mente. Talvez isso seja uma das poucas coisas que a inda fazem sentido em nosso contexto histOrico. Estarnos tao desligados deste, que muita gente se pergunta a serio se ele existe." 4 Infelizrnente, os registros c!inicos dos hospitais psiquiatricos persistem no mesmo veIho estilo, sem qualquer tentativa de penet racao no espaco e tempo interiores. Outro chavao arraigado 11 visao psiquiatrica atual e 0 do embotamento afetivo na

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MU N D O DAS IMAGENS

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esquizofrenia, 0 que nao surpreende, pois a afetividade modifica as viv,mcias de espaco e tempo do doente. Narraremosa hist6ria de Isaac, internado em hospital ps iquiatrico tradicional ha dezesseis anos quando comecou a freqiientar a STOR, recem-inaugurada. Seu comportamento nos setores de atividades foi completamente di verso do dos registros c1fnicos feilos no hospital psiquia trico. Veremos em Isaac, atraves d e atit udes e das imagens pintadas no atelier de nosso servico, que a a fetividade permanece muito viva, fixada a urn tema dominante. Simultaneamente, verificamos que as vivencias do tempo acham-se instintivamente interligadas a seus intensos a fetos.

I saac e filho unico. Perdeu 0 pai, lico negocia nte, aos noveanos. Sua mae, dona Natalia , personagem que sera aqui muitas vezes citada, a pegou-se exagerada me nte ao mho, mimando-o e supe rprotegendo-o. Entretanto, Isaac tentava tornar-se inde pendente. Foi assim que estudou radiotelegrafia e aos dezenove anos ingressou na marin ha mercante brasileira, fazendo a linha pa ra a Europa. Nos intervalos entre as viagens namorou uma vizinha, lourae bonita. No infciode 1930 voltou da Europa e em setembro casou-se com essajovem. Tres meses ap6s 0 casamento, rompe com a esposa, acusada de infideli dade. Ma nifestara m-se imediata me nte graves pelturba~oes emocionais, e Isaac foi internado no Hospital da Praia Vermelha em 12 de dezembro de 1930. Sera muito ilustrativo le r a lguns trechos da obsel-vacao clfnica de Isaac, escrita pelo psiquiatra responsavel pelaSecaoCalmeil do antigo Hospital da Praia Vermelha, on de ele estava internado. Dezembro de 1930 Pacie nte calmo, conve rsando em tom cordial e ma nifestando desejo de sai r . Nao apu ramos nenhuma desolientacao. Reconhece que nao existe e ntendimento completo com sua mae; esta, diz e le, acredita facilmente e m tudo 0 que Ihe contam. Vel,ficou "diferenyas em s ua mae e no a mbiente domestico". PalaVl'as do pacie nte: "Havia a bordo muitos va pores, quem sa be

se por causa de raparigas nasceram informayoes, determinantes possfveiE mudan~a que aqui veio encontrar". Dezembrode 1931 Calmo,muitol~lrai As vezes exci lado, par se achar Oeseja partir do Brasil , preferi ndo algum tempo no estrangeiro. U m ano depois, em 2 de ,pt.prr,hr
Isaac comecou a fi'eqiientar 0 atelier de . tura logo ap6s sua instalacao, em set.e ml" de 1946. No atel ier. segu ndo os relatorios da tora, Isaac mostra "i nteresse continuo atividade". Eo primeiro a chegar e logo 0 mate rial para iniciar seus Lr,toalnlll'l Eis a lguns trechos de relato rios da mo,ml,"" do atelier: 2 1 de feuereirode 1957 In leressadoC
ISAAC : P AI Xio E M O RTE

45

na pintura de psic6ticos - in dica~ao t no caso de Isaac, de que a cisao ps fqui ca nao e ra mu ito profunda. - Recordaeao de in fa ncia. 0 ma r fasci na 0 me nino; com s ua luneta ele te nta a lcanear 0 hOl-izonte d istante (fi g. 1). Mais ta rde escoIhe u a profi ssiio de radiotelegra fi sta da maI-inha mercante( L1oyd Brasil eiro)e fez val-ias viage ns nas rotas inte rn acio na is (fi g. 2).

6 de junho de 1961 Interesse continuo pela atividade. Te rn t ra balhado com ma ior desenvoltura. JOdejaneiro de 1962 Trabalha com gra nde entusiasmo. Te rn pintado lindas pa isagens, depois de passeios ao Corcovado, Copacabana, Alto da Boa Vista (passeios promo vidos pela STOR em oni bus do cent ro psiqui alrico). 17demaiode 1962 Gra nde interesse pela alividade. Sua pintura esta ma is rica e m cores e detalhes. Pa isagens, com prefe rencia pelo Iillis e seus matizes. 20 de agosto de 1964 Tra ba lhos ra pidos. Belas composiciies de cores. Abstratos. 5de nouembro de 1964 Pinta ndo pouco e, depreferencia,abstratos. Sua mae te rn vindo ao atelier e proeura interfedr e m seu t ra baIho. lsaac fica muito irritado. 25 de setembro de 1965 Nao que r t ra baIharcomguacheou lapis. Faz questao do 6leo, de tela, ou cartolina bra nca. Relacionamento excele nte com as monitaras. Gosta de Ihes con ta r hist6d as fa buloS8S. Colabora com elas qua ndo Ihe pedem para fazer convites e cartazes pa ra as festas da STOR. As monitoras con tam pequenas anedotas. Por exemplo, qua ndo a monitora Maria do Carmo voltou das fed as, Isaac, muilo alegre, disse: "Onde voce a ndou? Pe nsei queestivesse internada no hospicio" (7 de ;aneiro de 1963). Ap6s a morte do mali do, dona Natalia nao ronseguiu administra r os bens herdados e foi vendendoaos poucos suas propdedades. U rna vez que Isaac estava internado, ela fi cou sozinha. E em completa ruina. Conseguiu da di~o do hospital licenca pa ra perma nece r residindo ali ao lado do fi lho.

- Ficou naivo de uma vizinha, laura e

boni ta. Enqua nto viajava, im agi nava-a fie lme nte pe nsando nele,olh a ndo um navio dentro de um a bola de cr istal (fi g. 3).

3

Sirie de imagens pintadas no alelier do STOR

Aprimeira surpresa que a pintura de Isaac nos lraz e a flagrante diferenca e ntr e sua linguagem verbal e sua linguagem plastica. EIe raramente constr6i proposiciies - sua linguagem eagrama tical e cheia de neologismos. Entretanto, atraves da li nguage m plistica narra urna hist6d a diretamen te .CIIIIlpn.,nsivel e concatenada, que ja ma is wrll8li"ari.a . Nao e freqiiente que isso oeorra

,/d g/loche e lciplS / papei 28,Ox41,Ocm.

2 29 / 07 / 48 g/loche e oleol popel 32.0 x 49,0 em. 3 18107/47

glloche e Idpis I papel 29,0 x 40,0 em .

o

MUNOO 0"5 IMAGENS

46



sid !tllcrc/I(! I popel 39,0 x 32,0 cm .

Dc volta de de mora da viage m il Europa, casou-se com esta vizinha. Ma logo comecaram as in tri gas. Conta ra m-Ihe que q ua ndo ele estava ausente sua noiva na mQrava mui to c m anLivera mesmo J'elacoes fn timas com

certo ra paz, ta mbem da vizi nha nca. A mae de Isaac dava apoio

as ma ledi cEmcias e as incre-

mentava. Essa reveiacao foi um a catastrofe pa ra Isaac. Emol'oes violentas desordenara m sua vi da psiqui ca. E, t res meses depoi s do casa mento, a 12 de dezembro de 1930, Isaac foi internado no Hospi ta l da Praia Vermelha. - Nesta te la, e le reco nstr6i a cena da r uptura (fig. 4 ). A pin t ura roi feita dezesseis a nos depois do aco ntecido, logo que Isaac teve a possibilida de de pin ta r no a te li er da STO R. Inicia lm e nte, a mulh er deita da estava nua. Depois 0 corpo a pa rece cobe rto pOI' u ma ma nta azu l. Ele, de costas, sentado, com a face refl etina num es pelh o. Ter ia ve l'go nh a de encarar vizinh os e conh ecidos. A rup t ura defini t iva se impunha. - A esposa e expul sa de casa (fi g. 5 ). - "Era 0 destino. Tudo estava escl-ito no liuro da uida" (Isaac di z ao moni tor do a telier de pin tu ra). Na capa, a fi gura da mulher (fig. 6 ). - Ainda 0 /iuro da uida (fi g. 7). A Figura da mulher destaca-se em relevo. 0 homem

s sId glloc/II'/papel .1 J,Ox4 J,O cm. 6

06 / 07 / 47 (j{('(J

I papel

21.0x.12.0cm.

ISAAC: PAIXAO " MORTE

4i

8

7

8 .'1l d

1946 gllochc / papel 22.0x3 J,Ocm.

gl/(j('h4! I papet .1.'),0 x 24.0 em

9 22 / Jl / 4!}

... I d

gUGeh e f IX/pel

glI(JC}, C I papcl

43,Ox3 1,Oc:m,

22.0x3 I ,OclII .

10

transfonna-se em estiitua. Petrifica-se - a situacao afetiva toma-se demasiado intensa, a ponto de 0 individuo petrificar-se. -Eletenta apagar a lembranca da mulher (fig. 8). Pode-se perceber a emocao com que foram lancados os tracos que recobrem a face da mulher. - Conn'onto com a mulher (fig. 9). Sera preferivel confrontii-Ja, IeI' em seus olhos a verdade, descobrir sentimentos ocultos, talvez 0 sincero desejo de vol tar. - Arrependida, ela pede perdao (fig. 10). Essas fantasias nao podem realizar-se no plano do real. Abrem-se enta~ Jargamente as portas do demo, para compensa-Io de tudo quanto vivenciou como hurnilhacao. Isaac agora e urn principe.

o

MUND O OA S IMA G EN S

48

11

- Ele e principe coroado. A mumer,," plebeia (fi g. 11 ). - Mas e le pode e leva-Ia it condi!3J p.incesa. Am bos estilo coroados (fig. 12l - Ela, coroa da, de joelhos (fig. 13) ptincipe, te rn nas

maos urn ramo de

Num quadro (ou es pe lho) ve-se urn gato. - A mulhe r coroa da esis voltada gato de expressiio fi s ionomica me,levoia.1lIiI nesse contexto, s imboli za aspectos do principio re minino. Adireita, urn paciente animal de carga, corn quem provavelme nte, se ide ntifica (fig. 14).



11 30 108 / 47 Ruaelle I popel 32.0 x 43,0 cm.

12

24/10/47 guac/u' l papel .12.0 x 43.0 CIII,

I S ...... C ' P ... I XA O £ MORn

49

ce~n~te~n~a~s~d~e~im~.~a~g~e~n~s-~~~~i~i~~~i~~~~~r::iiii ~;;;;;.:

Depois de pintar dessegenero(aqui a presentamos a penas urna lele¢odas mais marcantes), esgota-se afase IIIlfI1Itiua, Agora, a energia psiquica que se achava estagnada, aderida a hist6ria pesmI, podera mover-se, Ouir, seguindo uma Iioha definida, embora inconsciente, que 0 ievara a dar forma a im agens simb6licas, As imagens simb6licas que vao aparece r penniwm a leitura, em nfvel rnais profundo, da problematica de Isaac, Dao a chave que aplica por que ele nao conseguiu supe rar a I erisepas~ional, Funciona ndo principa lrnentransformadores da energia psiquique Isaac, rneshabitando urn hospital psiquiatrico, alI .."""niv,';' mais altos de desenvolvirne nto,

13

14

o

MUNDO DAS IMAGENS

50

Dona Natalia e personagem da maior importancia na vida tragica desse homem. Ela conseguiu vir residir no hos pital psiquia.tI-ico para ficar junto do mho. Sua dedicacao era comovedora. Dona Natalia tornou-se 0 receptaculo de projecoes do arquetipo-mae de todo o hospital. Quando completou oilenta anos, 0 diretor do Centro Psiquiatrico Pedro II promoveu uma homenagem em sua hom'a, com

discurso e nores . - 0 desenho de urn outro internado apreende lucidamente a situacao de Isaac: 0 laco que 0 prende a sua mae, sua dependencia inrantil (fig. 15). Vejamos como 0 proprio Isaac representa em imagens

0

I

..

,

.

) .;r- ~, ~ .

relacionamento com a mae.

Representa-o atraves do simbolismo da arvoreo Sem duvida, urn dos mais caractelisticos aspectos do simbolis mo da al-vore e a representaciio do materno. A arvore e protetora e nutridora, mas podera tam bern sufocar 0 desenvolvimento de outras plantas. It encarnando as aspectos negativQs da imagem ma-

arvore se apresenta, de infcio, na pintura de Isaac. - uDuas arvores inimigas; uma nao deixa a outra crescer" (fig. 16). Estas siio palavras do autor da tela, mais eloquentes que qualterna que a

quer come ntario.

Lembremos ojovem Ati s, filho amante da deusa Cibele, quese castrou sob urn pinheiro, onlouquecido por sua miie, ciumenta e possessiva. - A arvore-mae ergue-se firme, demar-

cando no espaco urn lado claro e urn lado escuro. A arvore-filha esta vergada (fig. 17). - Arvore-miie queimada (fi g. 18) Nurn ato libertador, ele mata a arvore-miie, queimando-a. Mas a arvore-filha tambem e, em parte, atingida pelo rogo. Na vida real, varias vezes Isaac irlitou-se contra a mae e tentou mesmo agredi -Ia quando ela 0 importunava demasiado. Chegamos mesmo a proibir sua entrada no atelier de pintura. - Duas arvores com as copas unidas (fig. 19). Os sentimentos do filho sao ambivalentes. Ele nao consegue desprender a libido da imagem da mae. - Duas arvores unidas em situaciio perigosa, nurn ingreme declive sobre 0 abismo, urna apoiando, sustentando, a outra (fig. 20).

fieitor Rico 09 101 / 63 ldpis cera I papel 35,0 x 48,0 em.

ISAAC : PAI X AO E MORTE

51

17

17 / 05 / 57 oleo I popel

32.0 x 47,0 em.

.,

20

18

20

26/ 07 / 62

06104 162

oleo / papel

Oleo/tela 65.0 x 54,0 em.

32.0 x 47.0 em.

1. 21 / 01/60 oleo / papel

32,0 x 48,0 em.

o

MUNOO OAS IMAGINS

52

E dificil estar s6. A pintura e urn espelho da s itua~iio

de Isaac. - Arvore isolada, face a urn grupo de arvores (fig. 21). 0 grupo de arvores (bosque, noresta) representa 0 inconsciente, isto e, a miie. E a arvore isola da, no contexto da vida de Isaac, parece representar seus impulsos para afirmar-se como individuo. Todo ser lende a desenvolver suas polencialidades e tornar-se e le mesma. A al'"Vore, e m seu processo vital de desenvolvimento, e urn a propriado sim bolo do processo psiquico de individua,iio em estado virtual, niio ainda na fase de rea li za~o conscienle. - A arvore isolada azul (fi g. 22 ) exprime tendencias que visam t ranspor a esfera dos processos biol6gicos. Mostra mos algu mas a l-VOl'eS dentre as 327 pintadas por Isaac. No tota l de 3. 144 pinturas desse autor, 327 siio a l-vores (10 por cento).

21

03 / 05 / 62 g/l(lchc I popel 32.0.r 4B,O (:m .

22

15 110/&1 oIeo /pafJf/ 23,0

IS ... ... C; P ... IXA O I M O Rn

53

..

24

24

10106/65 .../".",1

30/12 / 58

JI,0x45,Oem.

33,0 r 47,0 em.

61eolpapd

!

./

Paralelamente as arvores, apareeem imacirculares (fig. 23), simbolos do nucleo e ordenador da psique (self). - Vaso com flor, no interior de urn cfreulo 24), indica que sentimentos eonflitivos IIIIIlselldoreunidos. 0 vaso reeolhe,junta, 0

25

10 110 / 59

61eo / papel 33,0 r 48,0 em.

que esta disperso, mas esta inclinado, ainda em busea de equillbrio. 0 cfreulo protege-o. - Diamante irradiando energia, urn dos mais universais simbolos doeentro ordenador (self), nurna imagem extraordi nariamente dina miea (fig. 25).

o

MUNDO DAS IMAGENS

54

As arvores que simbolizam esfor~os in sti n-

mente valorizadas. A atividade

tivos para a individuaCao, be rn como as ima-

ria uma das p,-i ncipais formas de

gens circulares ordenadoras, indicam possibilidades de reestrutura~ao da personalidade em novas bases. Entretanto, tratado

Soba perspectiva dapsi ca,lo!raJiunl~ a libido dificilmente troca de meta trans{orma. E a i que tomam lugar gens simb6licas, cuja fun~iioe oro'Imoverl", forma~6es da libido. Jungcomparaos .

como se fosse uma crianca, cercado de cuida-

do pela mae, que nao Ihe dava oportunidade para qualquer iniciati va, vivendo em con-

los a dinamos que tra nsfol'm am uma

di~6es

a mbientais e sociais desfavoniveis, Isaac nao conseguiu atender aos apelos de i ndependencia vi ndos do seu si-mesmo (self), queta lvez Ihe permitissem retomar seu lugar no mundo real. As fOl-~as instintivas a utocu-

dade de energia psiquica em autra (8 Ih a n ~a do que aco ntece na fisica, exem plo, 0 dinamo transforma en"roi:,mIli nica em energia eletl-ica). Dando imagens s iml:>6lic2's tra nslform a,dorasde ...

rativas tomaram entao outro rumo. As imagens apresentadas a segu ir, se

gia, originarias do processo que se va no inconscie nte, [saac galgou urn

examinadas do ponto de vista da psicologia

ma is a lto, onde era possivel viver qualidade de exisLe ncia. dos conflitos entre intensos afetos e sores conceitos de honr-a e, sinnultan.earr,ea as de solu~ao delira nte_ Com efeito, rante desaparece por completo. Surgem surpreendentes pinturas

freudiana , provavelme nte seriam interpre-

tadas como express6es do fenameno de sublima~ao . Como se sabe, segundo Freud, ocon-e sublim a~ao quando a libido abandon a oobjeto sexualmente desejado para dirigir-se a uma outra meta, nao-sexual , encontrando sa tisfa~oem atividades nao-sexuais e social-

2. 29/12 /58 gum.:he / popel 30.0 x 47,0 em.

ISAA C: PAIX.i.O E MORTE

55

qualidades plasticas muito diferentes das pinturas das primeiras fases. Agora a pal avra ane tera justa aplica¢o. Aparecem paisagens glaciais, fantasticas lfig. 26), e tambem pinturas de colOl;do vibrante, tendendo para a abstraciio, onde se vi Isaac procurando reter os renexos mutaveis da luz e descobrir as nuances das cores lfigs. 27 e 28). Intercal~da aos novos temas abordados por Isaac, esta constantemente presente a

"

506162 /papll lllJ: 47.0 em.



II 11 /61

""",,,,,,I

llt:ll 48,0 em.

27

o

MUNDO DAS IMAGENS

56

2.

imagem da muther. Nao se vera mais Iher traidora, arrepenruda ou elevad, goria de realeza, portando coroa e nos. N uma longa sequencia de pinh"'"t rece unicamente a mulher, fora de G luaI!l contexto, como se ele tentasse, estudo das diferentes expressOes gens, 0 conhecimento e aprolOmldamellilll en igmatico ser feminino (figs . 29, Esse ser que ea urn s6 tempo a mulh"' BlllI. e a mulhe r in terior, componente . dele mesmo, e ncam acao do priinclipioreni no existente em todo homem (anima).

30

..

2. 06 / 03 / 64 oleo / lela 50,0

X

6 J,OCIIl.

30 25 / 05 / 56

6Ioo / tela 6 J,O x 50.0cm.

ISAACI PAIXAO E MOinE

51

31

18 / 07 / 62 oleQ/tela 61.0x50.0cm.

o

MUNDO DAS IMA G ENS

58

32

32 23 / 06 / 66 oleQ / /Xlpel 37.0 x 55.0 cm.

3. 06 10 7/ 66

oleo IlXI/Je t 37,O .f 55.0 CIII .

- Na vio naufraga ndo (pintura junho de 1966). Cores sombr;as (fig. 321 - Aviao decola ndo (fi g. 33), cores luminosas (pintura do dia 5 dejulhode Seguem-se tres pin tw'as do dia 6 . de 1966. Isaac chegou ao atelier, costume, POI' volta das oito e meia. Na meira pintura daquele di a veem-se tos pa rtidos, em desorganiza,ao. muito rapidamente, e a unica Isaac com essas caracteri sticas (fig. 34).

3.

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.

ISAAC: PAIXAO I MORTI

59

3' 06 / 07 / 66 6/eo/papel

27.0 x 37.0 em.

3. 06 / 07 / 66 oleo / pU /JeI

:17.0 x 27.0 c:m .

A seguir, pintou urn estran ho con e, vermelho e roxo, que desce num declive (fi g. 35). Imedi atamente depois, imagem de muIher , pintura inacabada (fig. 36). Isaac marTe com 0 pinee l na mao, as dez horas, viti rna de enfarte do mioca rdio.

P oder-se-ia perguntar se as duas pl·im e iras pinturas dodi a 6 dejulho estariam refl et indo em imagens se n sa~oes corporais cOlTes pondentes aos pr6dromos do enfarte. It uma inten·oga~iio.

A terceira pintura e a volta da imagem da mulher a inda e sempre amada, que se configura na inte nsidade da ultima visiio. E a face contraida da mulher exprime a grande dor que Isaac estava decerto sentindo naquele exato e ultimo momento.

1 Si lve ira, N . l magell s d o lncon sciente. Alhambra , Rio de Jan eiro, 198 1. 2 Capra , F. 0 Ponto de Muta ~ao, p. 371. Cultrix, Sao Paulo, 1988. 3 Jung, C. G. Complete Works 3, p. 171. 4 Laing, R. D. A Politica da Experiencia , pp. 9394. Vozes, Petr6polis, 1974 .

CAPh ulO"

EMYGDIO: UM CAMINHO PARA 0 INFINITO

mygdio nasceu em 1895. E0 filho mais velho. Tern urn 56 ii-mao. Sua mac sarria de distUrbios rnentais; os mhos na~ a recordam sc nao isolada num quarto, e:-.:cluida da vida fami liar. Crescera m sob a influencia di,"eta do pai , homem a spero c cxtremarnente autoritario. Emygdio foi lima criant;a tri stc e tim ida. Desde a infancia revclou habilidade manual fora do comum, constmindo com vel has caixas c peda~s de madeira b'"inquedos que s urprccndiam a lodas. Na escola prinuiria e no curso sccundario foi semprc 0 primei1'0 da c1assc. Fez 0 curso profi ssional de tomeiro rnccanico, obtcndo excc lcntes notas . Submetcu-se a uma provadc habi-

Implicava partieularmente com o' zia que este, como Jac6, se .",xie",uad.,. direitos de primogenitura sem que houvesse vendido nenhum prato Ihas. Muitas vezes, em momentos C<10, Emygdio costumava dizer ao ele Ihe havia roubado ludo, i;nclus;" eoi materno, poi s a diferenCa de idade ambos era apenas de onze mcses. Acont.et.'cu tambCm que a mo~a, ooJ~ ea sou-se com Q mao, ja bern do em ~:~,: fcssor ~

lilat;aoe inJIfcssOU no

Arsenal de i\'l a rinha como tornei ro me-

imOve!.

cfmico. Timido c scm

iniciativa , Emygdio parecia confOl'mar-se nn situacao deoperario, bastante aquem de suas possibilidades. Essa atitude e m face da vida era moti vodeazedas recriminacOes por partc do pa i, que fazia eonstantes eom paraCOes cntl'e Emygdio e 0 imu10, muito mais deci di do e empreendedor. Entrctanto, Emygdio fazi a-se nOlar no Arsenal de Madnha pela qualidade de seu trabalho. Assim, em 1922 foi escolhido para fazer estagio de aperfcicoamento e m ofiei nas da Marinha Franeesa. Permaneceu na Fra nca durante dais anas. Logo apOs s ua volta ao Brasil ma niJeslara m-se al teracOes em seu eomportamento.

Emygdio em /984, 110 atelier de pilltllra do iUU SCU, ao.<; 89 (lIIQS.

foi Iho Hospital cia Pmiu Vermelha. Registra a folh a de observacao que 0 pacie nte protesta , t1'3

a rbitra ri edade e de pCl·seguicOes. violentam ente com as vozes de :'~~~~1 COes auditivas. Fala , ponhn , ao modo polido, respondendo com perguntas. Den tro de pouco tern",,,\),,,, se a agitacao. Pmcura isolar-sc de todos. No in fcio de 1944, com a dcsat;",", ~1 Hospital da Praia Vermelha, foi t"'"s~," pa ra 0 novo Hospital Gustavo Riedel, Engenho de Dentm.

IMYODIO, UM CAMINHO

61

Oleo / fda .1.1.0}( 50.0 "II!.

Com 0 oorrer dos anos, sua atitude torn asedehumilde aceitst;:80 da vida hospitalar. Ajuda na enfennaria em at.i vidades de tipo mestioo, obedecendo scm pre a s orde ns de mfenneirose guo rdas. Verificou-se posteriormente que, muitas vezes, fazia trabalhos superiores as suas fOffi!a S, como levar sobre a ~e no nnes trouxas de roupa s uja para a 1a\"lInderia. Em 1945, sua observat;:80clinica rebristra: alteracoes nocurso do pen samento, enquan wamemaria permanece intacta. Durante a oon\'ersacom 0 medico, emociona-se, toree os dedoseolha em torno de si desoonfi adamenIe. Oil que esta passando bern , embora seu 85pecto contradiga tal afirmat;:80. ESt.:"1 magro e palido. Em fe\"ereiro de 1947, E mygdio com ~a a flEqiientar a ScC80 de Terapcutica Ocupacional,trazidopelo monitor Hernani Loback , da <&ina de encadernaC8o, que disse haver 'ootadonocantodoolhode Emygdio" odesejo deo8companhar, quando ia buscar no patio ootrosintemos. 0 psiq ui atra que cuidava de Em}"gdio disse-me que nao va leria a pena lSICatlIinha·lo para qualquer atividade, poi s jiestava internado havia vinte e tres anos_ (;m cronico, muito deteriorado ... EntretanlO.aprendeu dcprcssa a oomplexa tecn ica do c&iodeencademadore realizava com atcnto

cui dado seu trabal ho,contradizcndoas observacOcs rcgi s tradas no hos pital. Mas sempl"C se esquivClV<J ;:ls cOlllunicaCOcs in tcrpessoa is. Espontancamentc, n[lO sc diribria a ningucm. Quando solicitado, respondiaem termos b,'cvesc log-o se f"echa va cm seu si lencio. A fim de le ntar promovc r cxpressOcs da afetividade nesse individuo t;:lu hennetico, nos Ihc propuscmos que cx pe ri mentasse pin tar-. Emygdioaceitou com salisfa ~ao nossa pl"Opost.a. Desdc o in icioobse rvamos que ele pinlava lentamcnte , aocontnt rio da maioria £los f"reqiientadorcs do atel ier, que se entregavam aos impulsos impelliosos do inconsci enlc. Seus gestos cram leves c del iC:'Idos. Dctinha-se mllitas vezcs para relacar es ta ou aquela imagem , colocando-se imove l, med itativo, diante da lela. i\'l odifica va frequcnteme ntc a pintura , fa zen do-a passar pOl' varias f"a ses e so dando-a pOl' terminada alguns dias depoi s de te-la iniciado. Suas primeiras pinturas fora m pai sagcns (fig. J)_ Dizqucsao remini sccncias de luga res que conheceu . Nessas pai sagens ml0 sc descob rem os f"enomenos de d issociac;:10, f"rcqiientes na esquizofrcnia. Ao contnirio, as pinturas de Emygdio, com vintc c tn'!s anos de in tcrna~80 , a presentam-se s urprccndentcmente orde nadas_ Parccia que os fenorncnos de di ssocia~ao, s uficientes pa ra provocu r as

o

MUND O DAS IMAGlNS

62

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IMYGDIO, UM CAMINHO

63

,.."",m.\ ,. ",\ava,nao haviam , contusua ca pacidade de configuraI' ] a Iinguagem pl astin atividade de imagens incampo da consciencia. evocavam Jembran~as de 10viveu. Entret.anto, dura

primeiro periodo. Urn mes depois ~~7:~~:;,eXPlosao do inconsciente. ~ de Emygdio revela a luta do ::::::::'a as avassaladoras fOI"~a s do

• d"'o / Idll /fN,O

x /08,0 em ,

inconsci ente. Ora predomina a cstl"u tura~ao regida pelo conscicnte, ora a libcracao de conteudos do inconsciente, ou a mescla desses dais sistemas de percepcao, oode espaco extcmo e espaco interno se interpenetram (figs. 2 e 3). ponto mais a lto desta ultima fase 0 quadro Uniuersal (fig. 4), segundo seu autor o denominou. Nessa pintura, Emygdio consegue criar urna estrutura uni Uiria com elementos os mais diversos, objetos que nao mantem entre si ,-ela(:Oes habituai s _ Uma escada conduz a um intrincamento de casas

o

e

o

".UNDO DAS '".A Ol N S

64

superpostas em dais pia nos, ,",rem •• urn trem se disti n{,"Ue. No plano destaca-se uma torre de igreja, rom u rn {,'l'a nde sol mu lticolorido. A segu ir, surgem pinturas om'ea" gens interiores assumem lolal Essas telas revelam dramas i sempenhndos POI' cstranhos Dcstaca mos nessa selic a tela pelo autol' I f{ada (fi g. 5), c nou Ca rl/ aual (fig. 6), ondc a e u imugem da mulher, dn alii 1110, em rnui tas de suas incontaveis rni steriosa menLc mascarada, ora de luz COIIIO ullla diVindadee""~A~~;~::~ sas illl agens eni gm 3ticas c di versidade de rorm as e de cores te las cenas de sonho. Agora Emygdio entrega-se it de Ephl'flim , segu ndo suas 1 Mas 0 palacio ou

, CI.

J

No alto da primeira coluna do instalada u",. , h"llci,"a,lipioo sirr,bo\)ii11 A letra "E" que encima a chaleira sentaria a inicia l de Ephraimoudol",,1 do autor . Talvez a primeira letra I como elemento de controle, a lga l'islllo" I", quc ap'" '""C''' a'. le,doM'", ra . A unidade contra a rragmenta~ Ma is tres coluna s tern lambem ra lica. Entrc e las, races estranhas atl'llves de ce l'l'ado g;ac~,~:.~:;n:~::::1 tern ao fund o. Essas eolunas con s tl'u~ao de Ephraim , dando-lhe perrnitindo a Emygdio reunir elemer'~1

, 19.18 ,",~, f l..J"

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IMYGD IO, UM CAM INH O

65

lerogeneos, oriundos de camadas pSiqllicHS distantes, e m a rquitetu ra tao salida. Surge agora uma pai sagem fanUist.icaqlle autor denominou Um castelo i, beira' lI/(/r (fi g. 8), te la mistel;osa em seus belos aZlIis. Tern iniciooutra fase na pintllra de Emygdio (Vcr Imagell,'; do Illcol/sciell/I!. p.381. A ja nela do atelier de pint.um abre·se sobre 0 jardim do hospita l. La esUio as an'ol·cs bCIlI con hccidas de toelos n6s. que ele se aleh'1'ou em cl;ar de novo e colol'il" de acordo COlli os rcfl exos de luz que in dcscobrindo. Um homem repousa sentado Ilu m banco,olltro cmninha - uma cena do d ia-n-d ia do jar'dim do hospita l. Mas, do lado de dentro. no contomo in lerno da jane la ,justa p6cm -se ce''I"ada mente image ns si mbOlicas e faces estranhas nas quais se pode se nti r n efervescenci a do mundo interior.

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MUNDO DAS 'M AQ(NS

66

o mundo cxtcrnoe 0 ""u"doh""" .., presentes, porcm. delimitados. Jardim do hospita l, ondc mais mundo extcrno e mundo intemo tam (fig. 9 ). Mais uma visao do me"s~m';o~;~~~,~ qual recuara m as irnagc ns d no (fi g. 10 ). Aqucle jardim que clcnc.·a,·,ess,md,'. meio ccrrados mil vczes de repente inundado de luz c fascina-o a ponto cscolhido para modelo. Essas pinturas pel"lllitem 00001",,'4 intenlencao maior ou me nor dos do inconscientc sobre 0 campo do

•19·1; 5:1.0 x 6ll.(l,.,,, .

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EMY OD10, U M C .. M1NHO

6i

Nesse mesmo peJiodo coslu lluivamos organiz.ar passeios em onibus do serv11;0. Os freqllentadores do at.el ier ievava m cavaletes, teIas, tintas e pinceis. N urn desscs passeios a f10resta da Tijuca, Emygdio desenhou a Ca ;tlaMayrink (fi g. 11 ). Esse dcsenho sign ifiea mn marco impOlt8 nt.e, sendo a primeira re~ntacao da realidade externa imediata &ita rora do hospital. Noutrodesses passeios, dessa veza Gavea, inspira·se para uma te la que nao se s u bordinaasrestri~s da realidadeespaeial nem ao lfmpo (fig. 12). Eassim que pinta, no primeiroplano, as flores que 0 deslumbraram. No ;egundo plano estao roupas secando ao sol, estendidas sabre arames e ba la nl;adas pelo l!OIG, tal romoele gostava de olha-Ias deit ad:I na reiva, quando passa va as feli as no campo, ainda adolesecnte. Ma is ao fundo ~-se inesperadamente a TOITe Eiffel , emrujo perfil apenas delineado vieram reunir·se ·record a~Oes c saudades de s ua viagem

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MU N O O O A S ' MAG IN S

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. /d ,;1m / Ida 97.0x 12-1.0cm.

a Europa, em 1922". A ma neira de Etsti.-, 0 pintoI' de q uem nos fa la Proust, Emygdio tambem compOe quadl'os com parcclas de realida de q ue haviam s ido pessoalmente vivcncia das numa obl'a uni taria . 0 Tea tro ~'l uni cipa l do Rio de J aneiro e recriado POI' Emygd io em visao inteli ol' (fig. 13).

Ao sc aproximar o Nataldc ]948" tc social Zora ide Souza perguntou q ucnladores de nosso se l'vi ~ 0 qu,ee"da," dcsejlJl'ia reecbe/" como presente de rcsposta de Emygdio eau sou g,-"mie;''''l'1 sn. Elc quel'ia urn gua/"da-chuvn (fig. util ida de podel'ia tel' urn b ",a:da-eh""'l'il aqucle ind ivfduo que residia hnvia trcs anos no hospi tal? Seri a urn inutil , qua ndo ele precism'3 coisas de uso imediato. Senti, despontavam em Emygdio 0 desejoe ra n ~a de urn reencontro com a V" ," Ele queri a dcsde logo se mun irde urn' menta de defesa contra 0 m,m doqu,e ~'" dia al dm das fr onteiras do hospital, que ele imaginava inevitavelmcnte

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EMYOD ' O, U M CAM 'NH O

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Mev / lela :J8.0~ "6. 0 <·m .

Despl"eza ndoas pondera~Ocs de orde m pratica, fomos ao encontro das frageis as pira~ s de Emygdio e the oferecern os oguarda-chuva no dia de Natal. Ele 0 I"ecebeu emocionadissimo, como se lhe ti vessemos en tregue uma arma de com bate. Nesse pel-fodo, Emygdio escreveu C8!tas reivindicandosua voIla ao tmbalhode tomeiro mecanico que havia exercido no Arsenal de Mat'i nha. E na sua pi ntura surge uma ol1cina com as maquinas coerentcmente instaladas, dentro do r igor que 0 lema requcr (fig, 15). As cores vermelho e rosa, que seriam pouco reais objetivamente, revelam 0 intenso estado emocional despertado pelo dcsejo de voltar a sua profissao. Nessa ocasiao, quando a pintora Djanira, em visita aoselvi~. elogiou oequi Ifbriodessa tela, Emygdio respondeu: '"Nao sou pin tor, sou um open'ido". Fomm feitas entao tentativas. segundo era seu desejo, de readapta-lo ao trabalho de tOl'lleiro mecanico na olicina da Central do

o

MUNDO DA$ IMAGENS

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Brasil,em Engenhode Dentm. Fracassn l'am. No decOl'rer dos ultimos vinte e cinco anos. a lecnica de seu oficio havia evoluido mUl to. Ele naocon seguia dominio sobrcos novos insLrumentos de trabalho c sc recusou a continual' frcqlicntando a oficina (fig. 16 ). ApesardisSQ,emjancirodc 1950, Emygdio sai do hospital , onde havia pennanecido vinleecinco <:l nos. Vai residi r com I>CSsoasdcslIa familia num iugal'cjo do interior, nas montanhas de Teres6poii s. Adapta-sc bem a vida

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executando pequenas atividades

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o filtro, varrer a varanda e a cal· trabalhos que tomou como obl;gal;ao,

t::::7:;~~~:me'n"e. Eaceito pelos mo· rreqiientemente era visitado por Almir . ,iW.ier,. ~1.jri'l P,ed,'osae amigos, que lhe incentivo e material de pintura. pinturas desse perfodo sao de al ta Ioolidade artistica , plincipalmente pai sa•• ""g. 17). Pinta tambem inteliores e Em novembro de 1951, Almir viajou para Cessaram as visitas que tanto Emygdio. Aos poucos ele perde pela pintura. DelXlis de muitos a nos de alta, residi ndo onde encontrou a poio e afeto, I I Paraiba Emygdio viu este la r desmoronar ..... 1. m'lrte do chefe da famJ1ia.

..

14 102 166 lap.s d" rorlpap
,/ / Quis enUio 0 destino que Emygdio viesse moral' com 0 innao, no Hio de Janeiro. A convivencia na casa do irmao tOfllou-se insustentavel. Foi reinternado em 1965. Depoi s de residir duranle quinze anos fora das tenazes do hospita l psiquiatrico, Emygdioca i nova mente no tumulto anonimo das enfermal-ias. 'l'eve, a pesa r disso. a oportunidade de voltar ao seu ate lie r. E Emygdio vai expl-imir, seja de forma figurativa ou abstrata , 0 micleo de sua proble matica emocional. Essa proble llu'itica e ncontm paralelo no lema mitico dos dois irmuos inim igos, como Osil-is e Set no Egito, Caim e Abel, Esa'; e Jac6 na Bfbl ia_ Anteriormente vi mos quc Emygdio costumaya dizer que 0 iI-mao Ihe hU\'ia roubado tudo, e ainda mai s a mulher que e le a ma va_ Em desen ho, rctrata os trcs personagens do dra ma: ela , com a flor na mao, escolher
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MU N OO 0"'$ IMAGI N $

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Noutra pintura, representa a di ssolu~<10 cia fa milia com que m habitam fOl'a do hospi tal. Chama essa casa em ruinas de Millha (,"Oso 110 Para fba do Sill (fi g. 19), A scguir retrata bem a situ8 v30em que se

A mesa de jantm' vcem-scocasa\ c seu filh o. Aesqucrda, e ncontrava na casa do irmao.

cxclufdo do grupo, etc, scnt.:1cio no chao, de

COSl3S. A tela

c toda em tons cinza, ,,,·,1'011

1'; '''.''''',;>1

seus scntimentos de pl'Ofurnda dao (fig. 20). Qutras pi ntmas rc fl ctc m a tU3 v.l0. De um 1 I c c le, Emygdio, sem prc afastado do Essa tClluitica n~ pctc· se de "31;a5 scja fi gurativa ou abstrata.

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IMYC;O I O, UM CAM,NHO

vidaintensaegeradora por cle (fi g. 21), "

"':.~~j::~d;ra~:.m::a~ ;V>~.: A

que 0 indivfduo nem sempre exprimi-la figurando as persona-

. Num procedimento defensivo,

para expnmir a mesma 22). a Iinguagem abstrata presa segredos pessoais. satis-

urna nccessidade de exprcssdo scm

que os outros as devassem. lo' iguras e fannas

28111 / 73 6I.ro l pape/ 36,0 J: 55,e em.

(fig. 23).

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Nas camadas mais supemciais do inconsciente fervem emo¢es sufocadas, dese-

27/ 06/ 73 6ico / JXlP"1 .17,0 r 55,0 em,

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25/05/72 (il~>{Jlpap'"

36,0 x 55,0 em.

a bstratas intercalam-se oa obra do autor

jos, confli tos reprimidos. E em seus estratos mais profundos existem disposit;:Oes funcio-

oais herdadas. incrcntes a pr6pria estrutura psiquica. It assim que Emygdio pinta urn homem crucificado numa roda de fogo, tal

o

MUNDO DAS ' MAG l N5

i~

como no mito de ixion, selvagem deus solar, condenado a esse casLigo pOl' haver descjado a esposa de Zeus, seu benfeitol'. A imagem da punicao de ixion teria s ido constelada da profundeza do inconscicnte como pa ra lela a situacao pessoal de Emygdio, ama nie imabtj· nario da espOS3 do irmao que 0 acolhera e m situacao ad versa. 0 se ntimento de cul pa exi giu castigo '. Em Imagell !} do IlIcolIsc:icllte aprcsc ntamos uma serie de imagens que retrata m 0 atelier de pintura . Pode-se atra yeS delas acompanhar a dialetica mundo exiernolmundo interno, tao caractel-istica da expressao plasticade Emygdio. Relembremos 131eu ler:"Ambos os mundos sao uma real idade para os esquizofrcn icos: os casos menos graves 1110vem-se mais na realidade externa, enquanto os casos mais graves nao podem ,'ctomar do mundo dos sonhos" 2. Na condicao psic6tica, os doi s mu ndos muitas vczes se mesciam , espaco cxtemo e cs pa~ interno se intcl-penetl"
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sao plastica toma vislvei co16g"ico:' . obm de Emygdio solici tucoes do rosa inf1uencia sobre cle. Sua

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19 /06 / iO

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·16.0 ... f~9.0 ~,.,

00<1,·,,,,,,,, nu,on,do,,'l.,n,"., WI'!

livre, em Oleio a natur',,,;,:a:;.;:~~:.: realidade, influenciada p jctivQs, mas sc m que inlerfiram perturbadora conlelidos do Dcolltra I tc ma is li mitado do atelier im agens do inconscientc c sidadc suasc mocOcs, sem dade de sua exprcssiio pilistica. Sua s pinturas ao HI' li vre, sejam passcios fora do hospital ou mon"O situado em terreno do Psiquiah'ico, revelam , nao uma mentos do mundo extemo. POl'em que s6 os genios a lcancam. Esse manifesta-se sobretudo om SUBS nurias arvores (figs. 24 0 25), ate por funciomlrios do h,,;pit'\'''.

I"'TOO ' O , UM CAM INH O

15

da busca de tomar visfvel arvores. urn cxemplo naexperiena preser vm;:ao da

enadora, apesar de longos anos de co ndi~Oes adversas. J a: se

~:,::~;;~:,~ha~via vinle e Lrcs anos em

iD

com ecou a rrcqOentar a

",.::;~:::~:::~~:O~cupacionai.

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Ele,como

em plenoanonimato, '00 ""iopa," 0 atelier, e daJ, segu ndo

"a mesma mao que os leva os . deles,

personalidades idcntifica vei s". N60

do atelier a li sente-se liintervent;:ao de qual. , nem a present;:8 importuna de

e admitida

"

06 / 06169 61co l l.:/.. 50.0 ... 71.0cIII.

ma ior sera a necessidade que tern 0 indiv(duo de cncontrar urn ponto de reren1ncia e apoio. Esse a poio e dado principalmente pelo monitor, que permanece no atel ier, discreto, numa atitude de interesse e simpati a. Quando leve ao seu la do nosso eolaborador, 0 artis ta AJmir Mavignier, Emygdio expa ndiu s uas eapacidades latentes de alta qualidade a rtisLiea , dando simultaneamente explocssao ao seu dram a interior. Suas obras, desmentindo os preconceitos domin antes na psiqui aLria, foram desde logo aeeitas no mundo da ane . Vejamos 0 que esei"Cveu 0 critico de arte FelTeira G ullal·; "Emygdio de Barros e Lalvez 0 "nieo genio da pintura brasileira. Urn genio nao e pior nem mclhor que ninguc m . Com res pcito a cle, nao ha termo de eomparacao: urn genio e

o

MUNDO D1\5 IM1\ Of N 5

76

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uma solidao fulgurante, ultrapassa as medidus e as catcgodus. Niio e possive] dcfini-lo em fum;:ao de escola!; a rtisticas, vanguardas, csU las.metier. Com rc la ~lioa Emygdio. podemos a finnu r que nlnlrncntc algu ma obra pictod ca foi ca paz de nos trans miti!' a sensa~ao de deslu mbrarncnto que rcccbcmos de s ellS quadros (figs. 26 c 27 ), A pi ntu ra de Emygdio mio ,'cfl ete a expcliencia humana no nive] dn sociedade e da hist6ria. A J'uptUfa com 0 mundo objetivo precipi tou-o numa a ventura a bismul. em quc o espiri to parcec qunse perclel··se nu mulc,'in do COI'po, a fundm'-sc no sell magma. E c dui, desse caos primordial. que ele "cb'1'cssa. trazenda it supcrficie onde habitamos. com s uas imagens fosforcscentcs. os ccos de lima hi 5t6ria Du tra, que C wlllbCm do hOlllem , mas que so a un s poucos e dado viver~ ,I (fi gs, 28 e 29), o cl'flico de }lJ'te M;jl'io Pe drosa era adlllim dOl' fe l'vQl'oSo de gmygdio, Muitas vezes

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quo e de impressOes """tes. Gn~ independcnela em rc la~ao ao motivo natural extemo e que ele ordenar a riqueza extrema da plastica e da rantasia, dcntro geml po voadfssi m as~ ~ (fig. 32). Em 1974, nove ",'os clcpo;,de " da intem a.,:50, roi seus ra mili ares. Apesar dessa dec;"a, f,m,nta ti culdades de aceilar sua mas,sendo nou-o nu m hos pital geriatriro. No infcio de s ua ; n terr"~,, geriatJ"ico roi visitado varins ciomirios do museu, que the' I"·",, rial de pintura. i\'las ele se nantem ente a pinta r ali. d;""d<, ~ rada no a telier do museu. ~O i c so pin ta r, c ter idcias para dfnica eu mi.o tenho ideias p,,·au;; ,". museu " Em outuhm de 1984 em"'I:>"'" nova mente em contata com psicologo Vicente Saldanha, I semana . s o museu. Emygdio tinha na

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rcconheccu , com cionados.

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Em PI;:,~,e~;~",~a~';'i;~';:;ta;;~;::~

expdmiu seu rascinio pelo artista de Engenho de Oentro. "Sc Raphael e desenhista aelma de tudo", di z cle, "Emygdio e pintor sobrc tudo 0 mais. o pdmeiro tece seu un iverso com linha, 0 seb"l.lndo constr6i 0 sell mundo pela cor. A criacao neste e pOl' sucessividade: sao ca madas de imagi nacao que vern e vao como ondas (fi gs. 30 e 3 1). Pode-se di zer que ele pinta de pel-to e imagina de longe. Suas pai sage ns, mesmo quando ao natural , nao copia m a realidade, resulta ndo de rorTnas tiradas do local e e ntrelacadas a outros elementos imagi na l-ios . Esses motivos naturais, ele os a panh a dia a dia , cos vai acumulando ns la nterna magica de s ua im aginaria. Daf em quase todos os seus quadros nota r-sc sempre a j unC'i.o de ele mentos de urn passado longfn -

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sua de uma visita mudado de loca l. mesmo mes (29 de outubro de uma tela e a ass in a. Sua I a mesill a do se ll longo

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ge ns. A seb"l.lir. pin ta uma outra bcleza. a que dEi 0 em ocionante call/iullo para 0 ; lIfjnilo (fi g. 33l. Emygd io mostrava-se reliz seu. Segundo inrOrmu1,!30 da clinica gel;utrica. cle se prepara\·aCOll a ntecedcncia e logo coloca\'a scugom Cuardava sc mpre um biscoi to c ate' urn pedaw de pilo de seu care matin ofen!cer a Vicente. como marca det Freqilentava 0 mu seu duns vczes pori e. na volta para It cl inica. razia ;;em pequeno passeio e la nche. Nosso

f MT OD 'O , UM CAM'NHO

81

::::.:,~p;n"mlS realizadas nessas vin-

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03 102 184 Oleo / I.,/"

Em 24 de maio de 1985, sofre urn Iigeiro

32,Ox40.0c",.

vascular cerebra l. Mas ja a 30 do mes voltava a freque ntar 0 museu.

Itr>~:~:~:::::;~~~ Emygdio the disse:

h

porque hoje quero pintar". rreqiientando 0 museu ate 29 de 1986. So dia 5 de maio do mesmo a no, em

acidente vascular cc:~::::;;d::e outro morre, aos 92 a nos.

2 3 <1

5

Vc r S il vc ira. N. Imagell.~ (10 IlI cfmsciente, p. 1<12-1<13. Alhambra, Hio dc J lInciro. 1981 . Il lculcr. E. Textbook of P"ychiatry, p. 38<1. Dovcr, Nova York , 195 1. Vcr Sil vc ira. N .. 01'. cit., p. 37-41. Gullnr. F. Co l c~f1.o MMusc us Bras ilciros 11-, p. 72 . Funarlc, Hi D dc J anciro, 1980. Idem. ibidem, p. 02.

o

MUNDO DAS IMAGENS

ertame n1e ha mu itas maneiras de vcr as ooisas. Ex istem aq ueles que tern ol hos a pen as pa ra 0 mu ndo exterior c es perarn do desen ho au da pintum c6pias mais ou menos a prox imadas de seres e de coi sa s da natureza cxterna. OU1I"OS, como Kanclinsky, aceitam a exi ste ncia de uma realidadc intema, mcsmo ma's a mpla quea nat ureza externa , real idade que unicamente pode ser apreendicla e comunicada pOI' meio da linguagem visual. Entreos pi ntores, ha ai nda a lguns bastante ingimuos que tentam reproduzir i nativa do inconsciente. que se mani festa de maneim s ubila . mas sem poss uir nccessariamente caniter patolOgico. desde que 0 individuo a di sti nga do real sensoria l, pcrcebendo-a como imagens inlemas . Na qualidade deexpel-i(mcia psiquica , a imagem inlerna sera mesmo, e m m u itos casos, mais importanle que as imagens das coisas exlemas. Acent uemos que a imagem in tem a nao e um simples conglomerado de conteudos do inconsciente, Constitui uma unidade e contem urn sentido particula r : expressao da situacao do consciente e do inconsciente, constelados POl' experiencia s vividas pclo individuo. Dos esl ratos mai s profundos da psique

pode m ta mbCm cmergir imagell5 !'adas em d is posiCOcs h"d"dru; ~ 1 imagcns arquetipicas, rieas em motivos mitoI6h,>i(.'Os reativados cao pl'Csente daquele que as sonh a, De fato , " .. n6s nao p",,,be.. coisa a nao ser imagens, que mitidas indiretamenle por um apUJ'elho nervoso. Entre i sos dos 6rgiios dos sentidos e a aparece na conscicncia esta i processo inconsciente quc fisicoda luz, po" "ml,lo. n;) ; ,,"~em! en '1m:', Mas nesse complieado processo de 1l'3nsformacao a 0)"-"'" pel'cebc coisa algu ma material.

",,,I,",,,,

nos apresenta como realidade i s isle e m i magens bern 'o<)filll'"d<" pOltanto, nos vivemos, na ,·"od,d,,", num mundo de irnagcns" I,

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seculo XIX fo i livro, e 0 secu lo XX , 0 scculo da Imagens invade m POI' todos os I vida cotid ia na : tele"V~:;S~ii~;O:';~;:':;:;~~:l1 putacao gnifi ca , 0 if publici dade sob Tllultiplas forfias, ,I

dade seja dita, imagem e ;:'~:l mau cl'cd itoentre os cientislas. a exped encia do rea l, seriam enganosas, Pensar , fonn ular conceitos de qualquer infiltra~iio do 1;',n al~n'mo,," a atividade POI' exceICncia hel'deiros de Descartes, ~;:~:~~~~::~~ coso I'econheccl' que tal ( do pensamento 16gico nunca foi

o

MUN DO D AS IM ... OE N S

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-II!io-;%;";;;;-Pa;ili~;;;;-;';;;bcl;;;;;:- premio Nobel p Ol' n:::~g::~~:S::~.:~~li(:,~,julgaCOn ve-

It:

a origem in terior das leoparalelamenle as pesquisas

a imagem simb6lica preconsciente de uma lei nae as concep1 que leva rn a busca das leis Assim, foi a partir da con ce ~o da imagem de Deus Criador, "'.;::~ e solar por excelencia, que If sua leoria da estrulura hedo mundo2• de Bachelard, professor da nAo e urna liIosofia do ser, mas expor em seu ensino um Uuni_

~

::::~. Foi para ele uma ilumi-

poderia ser fe liz num un iDirigiu-se aos poetas e a da imagina~ao. Encantou-se pelas ,""",as mio se perdeu em d ivaga~Oes . ",·",afun,do.E"",,,cm uma revolu~ao litcraria3• Todos con hecem seus imagens do fogo, da agua, do atraves das quais criou uma de escritores. E fri sa que se deve sistematica menle ao est.udo de particular a pcsquisa de sua liI_d" ,d,,,,," i",,'n,diclacle ,de. sc'" vida 4 • da Unive rs idade de em urn livro sobre a imagi nat;ao ..."pro'm~ escJareccr 0 modo como a do cientista fu nciona nas fa ses ronna~ao de uma ideia cienlffica5. muitos pennanecem ainda aferrolharadonal, outros abrem largas para aordern do imaginario, scm par

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psique e seus multiplos poderes. colocou melhor a importancia \oajpnario, sua seriedade, que Antonin sua carta aos medicos-chofes dos loucos: denlrc v6s 0 sonho do de(esquizofreni co), as imagens salada de palavras?" 6 As palavras de quando escreveu "as imagens das correspondem exa tamen-

.."Ie,,, "re,;,",

-te-----ao que di sse urn dos freqi.ientadores de nosso atelier de pintura , Fernando Diniz: "Mudei para 0 mundodas imagens. Mudou a alma para outra coisa. As imagens lomam a alma da pessoa". o indivfduo cujo campo do consciente fo i invadido por conlcudos emergentes das camadas mai s profundas da psique estarft perplexo, aterrOlizado ou fa scinado par coi sas diferenlcs de ludo quanlo pcrtencia a seu rnundo cotidiano. A palavra fracassa. Mas a necessidade de expressao, necessidade impcriosa inerente a psique, leva 0 individuo a configuraI' suas visOes, 0 drama de que se lornou pcrsonagem,seja em form as toscas ou belas, nao importa. Apesar do tumulto de suas vivencias inlem as, Artaud tentava scm pre comunicarsc: "Eu dcsejaria fazer urn Ii vro que perturbe os homens e seja uma porta aberta e que os conduza aonde eles ja mais haveriam consenlido iI', uma porta simplesmente conUgua com a realidade. n 7 Por que tememos l..:'lnto lranspor, POI' momentos que sejam, essa porla misteriosa, embora contigua com a realidade? S. Freud

A psicolobria freudia na coloca a imagem em plano secundario. Considera·a merame nt.e urn veu , uma mascara que disfart;a tendcncias e desejos inconscientes. As imagens que aparecem nos sonhos, nas fa ntasias, nas produt;6cs plaslicas, sao submelidas a urn metodo de invest igat;ao que as red uz quase inescapavelmenlc a molivos de natureza sexual. Segundo l"reud, 0 pcnsamento em imagens, ou visual, e consliluido dos malcriais concretos das ideias. Mas as inler-relat;Ocs e ntre as ideias, que consliluem precisament.e o mais importanlc, nao se prestam a expressao em imagens. Oaf dccorre que as imagens sejam, em si mesmas, urn meio muito imperfeilo de lrazer a consciencia conteudos do inconscienle. "Os conteudos repri midos no inconsciente serao lrazidos a consciencia pelo restabeletimento, atraves do trabalho analitico, das ligat;6cs inlennedJa ri as que saoas record a~Oes verbais." 8 Assim, nesta ordem de ideias, foi

o

MUND O DA$ .M AGI N S

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muito coerente 0 psicanalista ame6cano que di sse a Margaret Haumburg: ~Por que 0 paciente rani pinturas, se as imagens terao de ser por 11m traduzidas em palavras?"9 o psicanal ista C. Wiart, da dire~ao do Centro Internacional de Documenta~ao Concementeas ExpressOes Plasticas (CI DEP - Paris), af1rma ser necessario que a pessoa que pinta venha a rala r. Se a pintura e util izada, di z ele, e precisamente pOl'que 0 docnte se encontra numa situa~ao de nao poder ralar , seja devido a in i bi~ao neurotica ou a rechamento esqui zorreni co 10 . Os sfmbolos que se conf1guram nas ideias delirantes, ou expressao plastica , deveriam segundo Wiatt, ser transpostos em palavras. Entretanto, quando seestabelece urn contato bern proximo entre doente e terapeuta , sera ror~oso reconhecer que as coisas acontecern de modo dilerente. It 0 que se verifica no trabalho de muitos analistas. A pa lavra nao eo unico meio de comunica~ao, nem a unica maneira de trazer a consciencia conteudos arundados no inconsciente. Escreve F. Capra: "Em constraste com as abordagens tradicionais, que se limitavam predominantemen te as intera~6es verba is entre terapeuta e paciente, as novas terapias encorajam a expres· sao nao-verba l e enratizam a experiencia direta, envolvendo todo 0 organi smo" 11.

A a titude de Freud ante a imagem roi defi nida por ele pl'oprio na introdu~iio de seu estudo sobre a Moises de Michelangelo. Vejamos suas pa lavras : "0 conteudo de uma obra de art.e me atrai mais que suas qualidades rorm ais". E pouco adiante: "Teremos de descobrir previamente 0 sentido e 0 conteudo do representado na obra de 3lte, isto e, teremos de podel' intel'preta-In" 12. Vamos nos dete r, para melho!" com preensao do metodo de leitura das imagens par Freud, em seu ensaio rererente a tela A Virgem, 0 Mellino Jesus e SaT/l 'Anna , intitulado ~Uma recorda~ao de inm ncia de Leonardo da Vinci", 0 mais ramoso de seus estudos nessa area 1.1 . AI, se~,'undo f'reud , acha-se si ntetizada a hisLOria da in mncia de Leonardo: Sant'An na, a f1gura mais distante, representa a verdadeira mae do pintor, a camponesa

Caterina, possuidora do mistcrioso que reaparece na Gioconda; Maria Donna Albiera, esposa legitima do Leonardo. It ela quem dl:,;:I::,:~~~ de mae da crian~a ( retirou , entre os tres e os cinco bra~os de Cateri na e a levou para habitava com sua esposa. A crian~a,' Leonardo, possui assim duas miies. seria a s i gnifica~ao da estrutura quadm que se encontra no Louvre. Entretanto, 0 mais importante nesse estudo de Freud de Leonardo, quando se encontrava junto a sua mae verdadeira. o propl'io Leonardo registra ~6es

e"",,"umu "'"""

d:.a,:s::m~':~~,;~:~~;~~;:~:~~

deinffincia tas: "Uma abutre se aproximou de mim , com a cauda e ntre meus labios~ 1.,. Freud nao aceita a veracidade cOl'da~ao i nrantil.

eva,""""'''''' t,al,eu,,,",,,,,

imagina~ao

imagin a l"ia a urn essa meta, atl"ibui a no.Caminhaem tra a divindadeegipcia Nut, que toma a rorma de assume forma de mulher, possui abutl"e e esta pmvida de ralo entre Fl"eud era rascinado pela egipcia, gl"ega, mmana . Numa bela rorte de Max Pollak ( 913), cep"od"ridJl livm de Thcodol" Reik, vemo-Io em de trabalho cel"cado pOI" tas anligas desenterradas de a J"q ueologicas 1'> . Mas utilizou pouco em sua obra vastos conllCcimentos. Nao o,,"oom~mbo ate suas maiores conseqi..iencias. logo, pois a preocupa~ao que 0 traduzi,' em termos racionai s as imabrinc'ili o, originadas das prorundas

ab,,'oc"",qu,"

num,,,·o,,,,,.,'

doc"'""'"

zes da psique, na area da ,:,:ub'~;~:=: soal. Assim e que a divindade o conduz, atraves da recorda~ao i Leonardo, nao s6 a vcr na cauda repre senta~ao falica , mas a !igar

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MUN DO DA$ IMA OI N $

,";oq,,, 0 nutrira e Ihe dera praze. Leonardo tena se flXado for-

rna ideia de sucessao de gera¢es, expressa

Em Anna Metterza encontramos ames-

,,,,wt,do sua inclinavao senti menhomossexualidade. oit<,mosao quadro A Virgem, 0 Met Sant}\nna, que resumina a

sob a forma de figuras cristi'is: Demeter , correspondendo a Sant'Anna ; Kore, a Mari a; e Brimos (Dioniso), ao Menino J esus. 0 tema arquetipico retoma as mes mas personagens, revestidas segundo cada epoca.

1a!:~~:,"~d~e,~Leo: nardo. Freud afircom sua filha e seu

Ie

:

mioeexata, pois,italiasob a ~~~~:~:~:~:::;Pintura ,era conheci-

'~:~~~~:,~;"A succssao de gera-

..

dacomposit;!ao."' 7J ae

em obra de Lucca de Tomme,

"1136'7. Elast""te conhecidas sao as Masaccio: A Virgem , seu Filho e ..; e die (:0,,.1;' A Virgem e 0 Filho especfficas do quadro mesmo misterioso sorriso :::':~::

tlpS1OO,"'" face s de

Sant'Anna e de

aspecto de cont.cmporane idade

filha. Freud atribui 0 sorriso Im,dasduas mulheres a recordacao

cons ideracOes calcando-as scmpre sobl'c

~~~~~j::~:~,~~~:~emtodooseu • "Anna Mettena" e ao os antigos Ihe atribuiam. Algo 0 admitir que situa¢es da vida pudessem reativar urn lema col e",.de'pel. h,un'",'idadc em todos os LTi",'em nos comcntarios de Eissler quadro de Leonardo encontrei, ~.o de D'Acona em pc de pagina , -representat;!3.o das tres gera¢es

~~~;~~~:~~iCO:in~o;grafica

~

Mctterza." 18 d efin iurn temaarna Crecia , sob /os'mri.oics,nas figuras de Demeter J(m; (filh.,), Brimos (clianCa divina). Brimosera

, 0

"

dc flor,Que da vida na un idade ser morrendo-pro-

Urn a na ap6s, em 1911, no famoso estudo sobreo casoSchrebcr, Freud admite ir a l6m da redut;!ao do deliriode Schreber a u ma I'elat;!ao infantil ent.re estc e seu pai , scndoo sol e Deus simbolos do pai. Essa nova atitude, Freud deelara no apendice do estudo do caso elfn ico de Schreber, cscrito ap6s sua publ icat;!iio. "1\1uito pode ainda SCI' exlraido do contclido sim b6lico das fantasias e das ideias delirantes do inteligente paranoico " eaf"reconhecel' uma mu ltidao de re l a~'()es mi toI6gicas" :lO. E, pouco adiante, escreve: uNa minha opiniao, nao tardani 0 momento de ampliarmos o princfpioquc n6s ,os psicanalislas,ja haviamos estabelecido desde muito tempo, aCI'CScentando ainda ao seu contelldo individual ortogenetico seu complemento a ntropol 6gico filogen ctico. Esse breveapendicea analise de urn paran6ico pode contl'ibui r para demonstrar 0 quanto esta fundamentada .a afirma~iio de Jung de que as [orcas produtoras de mitos da humanidade nao se extingui ram . e hoje criam , nas neuroses, os mesmos produtos psiq uicos que nas epocas mais remotas"~I . Assim , poi s, ml0 sera de cslranhar. mesmo do ponto de ViSt.:'l psicanaiftico, que 0 sentido do quadro de Lconardo - A Virgem. 0 Me· nino Je~;us e SOIlI'AIIIIO - esteja mu ito a lem de uma compreensuo purame nte indi vid ual. c. G .

Jung

Ao contra rio da psicologia dc Freud , a psico· logia junguiana reconhcce na imagem grande importancia , hem como nas fanta sias c nos deHrios. Jungve nos produtosda funC:'lo im aginativa do incon sciente auto-retratos clo que esta acontecendo no espat;!o interno da psique, scm quaisquer disfarces ou veus, pois e peculiUlidade essenci al da psique configuraI' imagc ns de suas atividades POl' urn processo inerenLe it sua natul·eza. A energia psiquica faz-se imagem, transform a-sc em imagem.

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MUNOO 0 ... 5 IMAGlN5

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So nos IS dificil e nlende-las de imediato, mi o c por serem masca ras de contel}dos repl-imidos. mas pOl' so exprimirem noutra linguage m difere nte daquela que consideramos lll1ica - a linf:,ruagcm racional. Exprimem-se pOI' meio de sfmbolos ou de mitologemas, cuja significayao desconhecemos, ou melhor, ja esquecemos. Part.indo desse conceito, na tcntativa de penetrar no intimo de seus doentes, Jung sugeJ'ia-Ihes que pintassem , E, sc Ihe diziam que nao sabiam pinta r, Jung Ihes I'espondin que nao se tl'3tava de J'eproduzir belas pai sagen s. ~Pintar aquilo que ve mos diante de nos IS uma arte diferente de pintar 0 que vcmos dentl'o de nos." 2'l 0 que importa C 0 indi viduo dar fcwma , mesmo que nldimentar, ao inexplimivel pela palavra: image ns c3lTegadas de energia , desejos c impul sos. Somente sob a forma de imagens a libido podeni ser apJ'ce ndida viva, e mio csfiapada pclo rcpuxamentodas tentativas de interpreta/;:Oes racionais. A psicologia ana litica dislingue dois tipos de imagens do inconsciente: a ) imagens que I'epresentam contclldos do incon sciente pessoa l, e mo.;:oes e e xperiencias vivenciadas pelo individuo, logo "epl;midas; b) imagen s de carat er impessoal qu e se confif:,ruram a partir de disposiyOes inatas inCl'cntes as camadas ma is profundas da psique, a sua estnltura basica (i nconsciente colctivo), Jung denominou-as imagens a l'quetipicas, Configuram vivencias primordiais da humanidade, semelhantes nos seus travos fu ndame ntai s, e m toda parte do mundo, podendo revestir·se de roupagens d ifel'entes de aeordo com a epoca e a s siluayOes e m que se manifestam, exprimindo, pol'cm, sempre os mcsmos afetos e id6ias. As imagens m-quetipicas tccem os lema s mitieos, que exprimem , {.'ondensmn , as mai s intensas experiencias da humanidade, Sao, nodizerdcJ. Harrison , as"em ~ coleti vas", As imagens de carateI'm itol6gico, diz J ung, "sao a linguagem inata da psique em sua eslrutura profunda»2.1, E c ai que est...'io a s rnizes de nossa vida psiquica, a Fonte de toda imagina.;:ao criadora.

Sen!. salutal' manter contato com I'aizes . Nno exi ste somente 0 pen racional. I-ia l..:'lmbCm urn lipodcpe , em imagens, em simbolos imcmoriais. vida Illais plena quem derco n s id era~ la as imagcns que surgem nos propOOi nhos enos desdobramentos dc SUBS' na\-Oes, Mas, se 0 homem sc arasta de rafzes , se nao mant.em contato CO com elas, se a sociedadeonde vivctam . renega , poderaodestibito ocorrcr rea . violc nlas, Imagens arquetipicas i do inconsciente, inundandooconscienit.. se-a entao qua nta iai s imagenssao a e mesmo capazcs de produl';il' efeitosd dores pela cal'ga energctica que i wi s como fenomenos destruti\'os de o que acontece tam bern, em b>Taus\ nas psicoses. Na condi~iio ps icotica, fn1 b'111cnta-se desorganizam-sc as fun~Oes deorien consciente, caem os diques que man ' inconsciente a distimcia. A psique. rfmea se revela, deixando descoberts. estl'utura bflsica c permitindoquese apreens]veis seus processos a rcaicos ~ cionamento. Foi pl'ecisamente 0 trabalho clinXo esquizofrenicos , no hospital psiquia . BOrgholzili , Zurique, que Ic\"ou Jung al6m das ea madas superficiais do' ciente, com seus conteudos formadoidt plexos, de vivcncias individuais rep ' que constituem 0 plincipal materiald.a lise de neur6ticos. A observa.;:ao alenla, pacienle,dos ticos conduziu Jung a regi6es da psique i nexploradas, de onde emergiam ideia; rantes e imagens alucinalolins. Na expcriencia clinica, Jung descTeve a zofrenia como a i nund a~aodoca m!Xl cic nte POI' contetidos do inconsciente do(coletivo), ou seja, porimagcnsarq . Muito poueo chega ate n6s dos me ntos, das lulas que sedesdobramr.a ridao do mundo intemo do psi~ estao quebradas as pontes de com . com 0 nosso mundo. Sera nece muila ateny30 aos fragmentos de fi o doente pronuncia, a sua mfmica, postura.

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MUN DO DA S IMA O IN$

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menos dificil sera estudar as imapinte ou modele. Para f",t".di,,,otc,·ft de equipar-se de conhede mi toiogia, his t6,·ia das religi6es, """Iog'i . cu ltu ra l, a fim de sel" capaz de paralelos his t6ricos com as ima~jimt.li"'s captadas por meioda pintura. pesquisador vcri ficara que 0 matcl; al ~ q"ee l c dese nhe ,

. "m', Inna nos cstados psic6ticos nao nos

I~~:~:~~:;:~~i~s::eencontra nos neur6licos admiti ria it primeira penctra mai s prorun-

:~;:'~Jun g,

r

fi guras arquetipicas que ativam dos psic6ticos. Nascria~s artisticas, Ji terarias ou ph'!s, essas imagens poderao est.')r presenmesmo modo que lambem marcarn

J:::~,::;~~:::,n~:O,rmal de descnvolvi-

processo que se de..." ,' medida que certos contcudos da profunda van scndo integrados. Agrandcdiferenrya esw em Queo psic6tico in",ll"'" csscs conleudos, mas, ao e dominado par eles. E preciso o fato r patol6gico mio reside nas , mas na dissocia,"ao do possibilidade de coninconsciente. A doenca esUi nn

. 'I"ie

Oterapeuta freudiano tern a prcocupaciio

•~:~:~:~'s~ imagens simb6licas, C 0 faz ~

sentido rcdutivo, procurando elementos disfar¥ldos pela im arelativa as vivencias da infancia do

Aproposta de Jung

e difc rente. Imagem

~ica(ao ,;ao iclenticas

para £lIe. Qua ndo se configura, tambCm a signifiea~',na,se clara. De rato, as imagens arnao necessitam de interpretacao: relratam sua pr6pria s ignifica ca o~. ainda: "As imagens simb6licas, com mtiltiplas faces. exprimcm os proces-

';,::~:d~;e:modO mais preciso e muito ~

que 0 mws claro dos conccisimbolo naO 56 transmit.e a vis uados processos psfquicos, mas tam isso e importante, a re·experiencia

t.,!~~::';a::'~i'magens arq ueUpicas que

o metoda da t"O rnpara~~io hi stol;ca te rn plena a pli ca~fi.o. tanto no campo d a pesqui sa te6ri · ea quanto no da pratica elinica. A turera do terapeuta sel'a estabelecerconexOes entre a s i magens e a s itua~fi.o emoeional do individuo. Atra ves de toda a obm de Jung, encon· tram·se i nllllleras leituras de imagens, sejam de sonhos , visOes, desenhos, pinturas, scm· pre estudadas em serie, pois "essas imagens sao auto· represe nta~oes de tra n s form a~6es energeticas que obedecern a leis especifieas c seguem d irc~ao definida" 2"1. Trata-se de len· tativas de rea li zaro proccsso de indi vi d ua~ao que t"Onsiste na dialetiea entre 0 ego e imagens do inconsciente. Atravessando var ias etapas, integrando opostos, ehegar-se-a, atraves desse embate, a indi v idua ~ao , oque signifiea cada urn tomarse 0 indivfduo que realmente e em seu rascll nho o';ginal. Naoi mpOlta m as posi¢es leo"ieas nern as t.ecnicas uli lizadas. Cada urn trabalha com 0 instrumentoque prefer-e, 0 i nstl1.lmento rnai s de acordocom s ua natureza . Ni nb'l.le m Le nha a ilusao de que essa escolha seja unicamc nte uma questao raeiona l. E se mpre, no rundo, uma prefercncia s ubjetiva. Por exemplo: ne· nhum pesquisadoraplicara doiseletrochoques no mesmo doente, num sO dia , para estuda r suas produ~oes plasticas, se a esseneia de s ua propl;a natureza naoaceilaesseCl1.lel metodo. H . Prinzhorn Oepois dos es tudos sobreos metodos de Freud e de Jung. os doi s grandes mestres, "ere ri remo· nos breve mente a outros metodos de leit ura das im agen:;. prim e iro nom e cita do sera Han s Prin zholTl , psiquiatra da Univcrsidadc de Heidelberg, que publicou em 1922 um livro monumental sobre as ex pressOes da toucura - Bildllerei der Geisleskrallhen. l ndfcio signi ficati vo do des prestfgio da imagem eo fato de esse livro soment.e ter sido traduzido pa ra 0 ingles em 1972 e para o frances em 1984, Oir· se·ia que a mura tha cartesia na aprisiona 0 psiquiat ra na esfera do pensamento raeional e da palavra, sem the permitir dar devido apre~o a ordem do imaginario, integra nte da psique profunda. Prinzhorn valoriz8 altamente as obra s

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pJasti cas rea lizadas pclos docntcs, pois demonstrau que uma pu lsao criadora , uma necessidade de expressao inst inliva, sobrevive it d es i n lcgra~ao da pcrsonalidade. "Se as informa¢es biogn'i ficas se baseiam apena s nas d ecla ra ~ues do doente, nao podemos saber em que medida ele as fabulou. Qua nto as declaraf,:ues dos membras da familia , nao conhecemos as i nle n ~Oes que as motivaram. Enfim , e facil enlcnder que nao se podeni acred iLar na objeLi vidade dos protocolas med icos. A£, obras , ao con tnirio, sao concretizaf,:Oes de expressOcs objetivas. E uma i nte rpre ta~ao feita por um obsel'Vador' que desvende seus pressupostos atinbri ra f~lcil­ mente b'l'a u de objetividade superior ao de urn protocolo. " 'l5 Se PrinzhoJ'l1 tardou ta nto a incitar a cul"iosidade de psiquiatr8se psic6logos, rapi da mentc infl ue nciou a mt e modCiTla. Fascinou alt isla s como Max Ernst, Paul Klee , Kubin e nume rasos sUITea listas franccses. Pl'i nzhoiTl nao aceita 0 fos so tradi ciona l que sepa raria as formas de expresst\o do louco dus fOJ'ma s de expressao dos norm a is. Admite que o podel'cl'iador estii prcsente em todos os ind ividuos, e nte nde ndo os conhecimentos tradicionais e 0 Lreina mento como a c n~sci rn os cultura is extel'llos 1.10 processo pri mal'lo con fi ~,'urativo que podc ra irromper em q ualq uer pessoa . As obrasestudadas POI' Pri nzhoiTl em seu livro compi}em dez casos POI' e le escolh idos na col c~a o de Heidelbcrg. Sua leilura, origina !l5s ima , de ta is obras perma nece na a rea da fenomenologia , sendo as fe)J'mas esludada s de modo com pletamente independcn te, ta nto da psiqu iatl'ia quanto da esletica. Prinzhorn focal iza sua atc n~ao nos pl'incipios form a is de configuraf,: ao que sc manifcsta m na s pi nturas: te nd{mcias repetitivas, omame nta is, orcienadoJ'U s, sim etJ'icas, sim bolicas, que sao, em sua ma nei l'a de vcr, cria ~a o de uma forma de Jinguag-em para 0 proprio auto r. Pam que sc possa compn~end c r melhor a leitul'U que Pr'inzhorn faz das im agens, citaremos uma de suas leses fun damenta is: "Nossos pacientes achum-se em contato, de mancira totalmenle in'aciona l, com as mais profundas verdades, e mu itas vczes reve lam , inco nscie ntem e nte, visue s de

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transcendeneia" , contexto d ifcrente, a ideia da form as de expressilo psfquica ed" 01\;0., fo rma s correspondentes, que em tOO:a homens, e m dadas condi¢cs, setiam saria mente quase identicas, mais como os processus fi s io I 6f:,rjcos~, E pouco ad iante: "A religiosa s e eroticas e teristica . Tai s fa ntasias cram

,

titui ndo hoje urn teSOUI'O perdido, a a nossa civilizae;ao, que se brimirias" :>9. Porta nto, 0 estudioso gens, seb'tmdo a leitura de P " ", lh ,"",.~ situ de um equipa mento cultural vez ma is e ba nido d OClIr"iClI l ll m le da area cic ntifica. Lentamc nte, mui to lentamcnte, a crescer o interesse pelo," tudodasim,goi Decerto, nao penso em fazer urn cronol6gico hist6rico dessa vagarosa nhada, Nao e fin al idade cleste livro.

intcn~ao ma rCal' algu~m:i a~,,~~~,~~;:~ parece rn e import a ntcs pa r·a a confib'1.rra¢cS cri adas individ uos que estilo vivendo estados ciais do serque os impcdem de no tipo vigente de sociedade,

''''err,,,;,,

Arte Bruta

Marco i mpor"tante foi a a ti tude do pirr,""J.,j1 Du bufTet. c.i ador cia n ~ao de Arte desenhos, pin tul'Us, bOl-dados. escu lturas, etc, que apre5entam " espont£meoe fortementc i ' devem aos pad roes cult ura is cia pOI' a utores pessoas obscuras, ,strarrlt.'f meios a rtfst icos profissionais" !lO. De n tn~ as obl'as dos diferentes margi nais que I'caliza m cliac6es fora padrOcs cul tural mente aceitos, expressao ainda ma is estra nh as as acei tas, sobressaem aq uelas p"od'''id". ~ los doentes me nt.ais, Em 1945, J ean D ubufTe t co m~ou areuri obras dessc ti po, resulta ndo dai a form~ da Colef,:ao cia AI'1.c Bruta, Depois de muib

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MUNDO DAS IMAOIN$

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tXissitudes a fim de proteger 0 precioso manque vinha recolhendo, ofereceu-o acidalIde Lausanne, Sui~, onde encontrou acopara sua cole~ao, ate enta~ itinerante. Acidade de Lausanne p6s a di spos i~ao de Beau Lieu, para a Museu de Art.e Bruta , que foi em fevereiro de 1976. oMuseu de Me BrutH promove exposi¢es e publica~Oes de alta qua lidade, que lIXItinuam a desenvolver-se sobre as prin6pais cria~s de novos autores que vern tmiquecer a C{)l ~o. Sell acervo de obras de IIltores que ndo mantenham conexao com tudo quanto e visto em museus e galerias _s de arte crescc sem cessar. Reeenternente, ap6s a rnorte de Jean Dubuffet, assumiu a di~ao do Museu de Bruta 0 curador do muse u, Michel

~,::;~o~;~n,~: adesenvolveros traba~ por seu fundador.

. intcmados em hospitais psiquifltricos de usar a lin!,'Uagern pilis, osartistas "bruvarias oonstituem uma enorme famili a 3 1• HAdecerto grandes distancias e d iferen~as mas urna grande afinidade os aproSe procurarmos esse denominador cosempre presentes nescontatos peculiares, em graus :~:~;::~~~:~

intcnsos, com a psiq ue inconspessoas bern ada p13sociais. as pintores "ingenuos" famma. Sao rnovidos pela tenos objetos do mundo neles encontrando prazer e inspira-

";:::~~:.::: ~~:~ membros da outra faroiI. para rcpresen13cQcs interio-

..,,,",ru5 inquietantes que seja m.

Osesquizofrenicos acham-se sob 0 domf n io tao intensas que se torna para eles mais real que a Na experiencia dos maras visOes, os sonhos, desempenham muito importante, entretanto nao se deles compietamente, deixando

~:~::~~~a~ix::a!para a realidade extcrna. ~J

e urn fen6 meno univer-

sal. Assim , porcxempio, Scottie Wilson, nascido em Glasgow, reproduz em sellS desenhos vis6es do mundo fanUistico de sua imagina~ao, vis6es para ele tao reais quanto seus pr6prios sonhos. a mundo externo mio 0 atrai , nem paraseduzi-Ioa mudar sua modes13 maneira de viver em decorrenci a de lucros obtidos pela venda das obms desua atividade criadora33• Ferdinand Cheval, funciontnio eficiente dos Correios da Fran ~a, viu-se em sonho construindo urn "palacio ideal". Somente qllinze anos mais tarde iniciou 0 trabalho de edifica~ao de seu palacio de acordo com a imagem sonhada. A imagem havia pennanecido presente como vivida realidadee scrviuIhe de modelo durante mais de Lrinta anos, 0 longo te mpo que levou desenvolvendo a complexa a rquitetura desse monumentoergu ido na s proximidades da aldeia franccsa de Hauterives 34 • No Brasil, a meio cami nho entre sao Pcdro da Aldeia e Cabo 1'"'rio, Gabrie l dos Santos, trabalhador bra ~al, construiu a "Casa da Flor" a pmtirde urn son ilo que teve na infancia. Laneou as bases concretas de sua casa onirica aos vinte a nos de idade e aLI"aves cia vida inteira trabalhou para ergue-la e dccorala rantasmagoricamente, usanclo para issoos objetos mai s diversos. Agora, aos oitenta e seis a nos, ele diz: "Eu fa~o isso POl' pensamentosesonhos. Eu sonho pra fa zer e fa ~o- :l·'. Chico Ta bibuia, lenhador analfabeto, descoberta do pl"OfessoJ" P. Parcial. tamWm a partir de sonhos configura suasesculturas cm madeira, confib'Ura¢es religioso-cr6ticas de falos de propor¢esexageradas. Ele diz: "DUI'~oetem urn velhoqucmeensina,quee Dells~. E CUlioso que para essas obms cxistam paralelos mitol6gicos de falos de dimensOeS excessivas, tamrem 13lhados em madeira, como 0 fa lo talhadoem fi!,'Ueiraconduzido nas procissOes de Dionisoc 0 Pl"iapo deescultunls romanas trabalhadas em madeira de figucim. As grandes fi!,'Uras faJicas de Ch ico Tabibuia fomm ib'Ualmenle esculpidas em madeira:Jli. Geraldo Teles de Olivei ra (GTO, como e conhecido) diz: "Eu fui peguei a sonhar (... ) e ell tava dumlindo e fazcndo cssa arte em madeira no sonho com a maior faci lidade". Seu primeiro trabaiho "ningucm conheceu e

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MUNDO 0"'5 IM"'Gl N 5

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foi s6 pelo sonho. E uma i!"1"eja que nem sei explica que santo C, e tudo desconhecido". Seus trabalhos sao csculpidos em madeiras muito resistentes. Os plincipais tcm forma circu lar, sao as "rodas vivas", ondese movem figura s de significa"oes opostas: "Eu tenho que p6rde tudoai dentro na minha arte, born e mau , mau e born, porque tern de tudo" 37. o sonho leva esse caboclo mineiro, analfa beto, a espa"os internos profundos, ta lvezatc a divindades a rcaicas ("santo desconhecido") e ao pr6pno centro ordenador da psique (self), o qual , sendo uma totalidade, indui ncccssariamente aspectos luminosos e escuros. Uma maravilhosa margina l 6 Eli Heil , de Santa Catarina. Eli diz: "Vorn ito crim.nes". Vivenciaa imagina"aoefervesccnte comoalgo que pcrtence a outre m, a urn "monstrinho doce" habitantc de seu cerebro: "A imagina"ao dele e tao grande que faz sofrer, gritar, criar tanto que cheguei aconclusao que vomito cria"oes". Em sua lese, A. M. de Araujo refere-se a intensa vibraCiio das pinturas de Eli , a seres estranhosque povoarn sua obra e passam POI' mwtiplas rnetamorfoses, ao predominio de rodopiantes configuracOcs concentricas, ao fascinio que emana de suas cl;acOes, reconhecendo em tais irnagcns as marcas de origem das prodw;Oes surgidas dos estratos mais profundos do inconscicnte:l8. Maso nota vel equeesses conteudos emergidos das profundezas da psique com fmpeto tao violento nao arrebentam Eli , ego consciente. Eli continua acuidarda casa, dos filhos, a comunicar-se com mundo externo. Nao submerge no grande oceanoda psique coletiva. Talvez isso aconteca porque, pintando incessantemen te, e 1a consiga ca ptar i magens possuidoras de fortes cargas energeticas, rctirando-as do grande turbilluio. E porque repetidamente configura em imagens circulares as forcas instintivasde deresa da psique que se op6em aos caos (mandalas). Alias, Eli sabe que a atividade artistica e para ela "0 remedio essencial".

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C ada urn desses individuos - esquizofrenicos ou marginais de varios gcneros - possui suas peculiaridades, mas todos tern contata

intilllocomas do inconsciente. Que hajalll sacs, sonhos, vivencias nascidas "as prim igenas, cis urn dos m;,; t"rio;";m da psique hum a na. E de notar que os csqui zofrenicos ta lizados, sujeitos inevitavelmenle ao tamento pelos neurol epticos. segundo Thevoz , sofrem "um e::~:;~::,~:'~::,o~~ e uma anestesia que se da produCao plastica, na perda das Cliativas" 39. R. Volrnat

Segundo 0 modelo medico, a imagem \'ista de urn imgulo de visao oposto. as quiatras tradicionais buscarao nas i dados e confiloma¢es P~;~~jSee~:~~:::~: Nao aceitam a possibilidade dar forma a imagen s que se agitam multo no inconsciente, ainda que sob - ou venha tonlar-se uma i descreve enigmas do processo contra rio, muitos admitem que 0 senhm· ou pintar contribui para urn, m.", lho mais profundo na psique c ""'I;'" lemas delirantes (E. Kris, F. Plokker, etc.). Entretanto, pesquisas llIais ram impor 0 estudo das imagcns. Foi que 1° Congresso Internacional de quiatl"ia, reunido em Pmis no allo de inc1uiu em seu programa uma ex. po,,;(>,i obras plasticas de internados em psiquiatricos. Coube ao dr. Robert Vol mat a o~,"" . Cao dessa original mostra que reuniu COes, maisou menos paises. 0 Brasil contribuiu para essa "ao com duzentas e trinta e seis obrus. o li vro de R Volmat rercrenle a exposicno roi 0 ponto de partida para a dacao da Sociedade Internacional de copatoJogia da Expressao, em 1959. A

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num,enlso",ded""""1

diferentes, bem como simp6sios que parte dos congressos mundiais de ps;,qoi>l tria. Evidentelllente, esse fato revela cen te in tcresse pelo estu"d::O~d::a~:s~:·;:::~:::.;~;11 em leituras diferentes, s.

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MUNOO OA S IMAOEN S

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\ista de seus estudiosos, embora nesses enrontros predomine 0 modelo medico. Apesar de ler escolhido a denominacao 'Sociedade de Psicopatoiogia da Expressao" e 00s muitos casos c1fnicos estudados sob a Iupa da visuo medica, 0 merito de R. Volmat !nAo utilizardesenhos e pint-uras unicamentecomobjetivos diagn6sticos e esclarecimento redutivo da dimlmica de sintomas. Sua I1en~o dirige-se com 0 mais vivo interesse para a utili1.acao das atividades expressivas romo metodos de tratamento nos hospitais lSquiatricos, posic3oque s6 tardiamente sena !$Sumida por Kerobaumer. Apesar das resistencias que 0 modelo mMioo ainda hoje opOc a esse ponto de vista, RVoimat, desde 0 infcio de suas pesquisas, ruoriza as possibil idades terapt;1uticas da eJ:pressao plastica, sobretudo se realizada ccletivamentc. oUltimo capitulo de seu Iivro tern por titulo "A terapeutica coletiva pcla arte". 0 lIkOOo coletivo, "graeas a seu pr6prio valor t!OOcional (. .. ) melhora os contatos inter~se ajuda 0 estabelecimcnto de comuIIit.a¢es verbais, ravoreccndo 0 contato psiaxernpeutioo, e, particuJarmente para al~,permite rornecer-Ihes urn awdlio preque podera ser desenvolvido"40. Estas illtimas palavras de R. Volmat ore""m "map""t. para a expressao de a lguns prefiram recorrer a uma Iinguagem pr6pria, secreta, que os ajude a enseu peculiar caminho.

"'"",caz

esquizorrenia , os tratacitam 0 maneirismo. Traextravagantes, de e discordantes, pronunciateatrais sofisticadas. Tammimica adquire aspectos afctados. Aexpressao mOTleirismo, em psiquiatria, pela critica ao espiri to artfstico pesquisado, 0 maneirisJd BleuJer e a ltcrado de acordo dos compl exos~l. Navratil e urn psiquiatra clfnico e da arte e seus estilos. Ele admite criadora, rator principal da cria-

cao artistica, esU tamhem presente nos esquizorrcnicos. Nesses doentes, a rorea criadora c inel'ente a doenca, e urn sir/toma da doenea e uma tentativa de restauraeao da psique. As runcOes criadoras surgem devido a repressao de instintos, a emoc6es intensas que ameaeam arrebentar a estrutul'a do ego. 0 artista consegue integra-las as normas de seu ego. Esta segunda etapa e difici l para 0 esquizofrenico. Embora tambCm se esrorce para restauraro ego, ele se inciina para e naoconvencional, 0 ins6lito, 0 anti natural. Aproxima-se do maneirismo, estiJoartfstico que se contrap6e ao natural ismoe aociassicismo. "0 estilo esquizorrenico corresponde, em lodos os detalhes, ao maneirismo da arte, e atribuimos isso a uma analogia essencial entre 0 ti po humano ma neirista e 0 doente esquizofrenico. Em ambos existe ralta de integraeao entre as zonas emocional-instintiva e racional-intelectual do ser." 42 G. R. Hocke, num li vro apaixonante Labyrinthe de l'Art Fantastique - , ve no maneirismo uma tendencia da arte essencialmente subjetiva. Para ele, perdem 0 interesse os objetos do mundo externo vistos segundo as leis naturais que regem a pcrcep¢o visual, taocaros aos renascentistas. Sentem-se fascinados por estranhas im agens originarias dos subterranos de sua alma. Na Renasce nea 0 sentimento estetico mobilizava-se no sentido de empatizar com a natureza, os seres e as coisas. Os genios renascentistas aspiravam ao sentido de ordem e hrumonia que predominava na arte c1assica . Florenca, dizia-se, era a Atenas do Arno. Mas roi precisamente em Florenea que as aspiracoes a harmonia sorreram as primeiras derrotas. Abrem-se os olhos dejovens pintores que descobrem qua nta 0 mundo transborda de desarmonias. Atraves das rfgidas regras ciassicas, naoconseguiriam captar 0 dissona nte, 0 irregular, e menDs ainda as inquietacoes da alma humana, nem as imagens de terror que tantas vezes invadem os sonhos. Trata-se de urn estilo que possui "especificidade propria", tendo rundamentos psicol6gicos e sociol6gicos, e se desenvolve Unum climadeangilstia universal, de pesquisa do sentido ocuJto da realidade" 4J .

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MUN DO DAS IM AOI N I

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Por extenS,iio, pode-se falar de cpocas maneiristas sem pre que haja prefercncia deliberada pelo irregular, pela rebeldi a contra 0 convencional, sejam tais epocas prcclassicas, p6s-classicas ou contemponineas. A epoca contemporiinea, em muitas de suns f0n11aS de exp"essao inspiradas no im aginario e fruto de especulacOes em dimensOes metafisicas, prolonga e reforca nos te mpos presentes a oo1ltracorrC1Ite maneirista que durante longo peJiodo parecia haver sido superada por outras posiCOcs face ao mundo. Nao surpreendera que 0 esquizofn! nico, caracteristicamente desligado do convencional , procure form as de exprcssao a nom alas, pOltan to pr6ximas do maneirismo, 0 que nao implica necessariamenle uma manifestacao patol6gica. Aqui , ousa-se urn saIto gigantesco. Sabese atraves da biografia de Charles Chaplin que sua mae esteve intern ada em hospital psiquiatrico, mas ele proprio con fessa que aprendeu com ela estranhas mlmicas, que bern podem serdenomi nadasde maneil'i stas. "Sem minha mae, acho que jamais tel'ia me safdo bern na pantomima. Ela possula a mlmica mais notavel queja vi. As vezes, fkava durante horas ajanela, olha ndo para a rua e reproduzindo com as maos, os olhos e a expressao de sua fisionomia, tudo 0 que se passava hi em baixo. E foi observa ndo-a que aprendi a traduzil' asemov6es com as minhas maos e 0 meu I'osto, mas sobretudo a estudal' o homem."4' Estranho aprend izado maneirista de urn dos maiores genios do s4&:ulo! E. Adamson

Adamson e urn renomado pintor ingles. Niio e psic6Jogo nem psiquiatra. Obteve em 1946, gracas a seu prestfgio pessoal , espaCO adequado para uma experi€mcia de expressiio plastica livre com doentes mentais, num hospital psiquiatrico da Inglaterra (Netherne Hospital). Adamson nao estava fili ado a nenhurna leona psicol6gica. Em seu atelier, os doentes dava m espontanea expressnoa suas experiencias intem as, ascus sentimentos e a maneira como viam 0 mundo. Dando forma a suas emoc6es, encontravam alivio para suas anglistias. E. muitas vezes, abriam caminho

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para que as forcas criativas, todos os seres. se fortalecessem e

configuracao em Pl'Ojctos de '::~~:~;,::: No atelierdeAdamson, os I lhavam II; m,e;n(l;v;d,,,JI,menl<,. ,,s,"do ~ urn seu cavalete e suas tin tas. 'I'ambem na inglate rra a ps;;q,,;"';'. dicional nuo dava apoio a cssa te rapeutica. Logo que Adamson lado, em 1980, a galeria . "nd"e,'am up"" com fins didaticos, o~ trabalhos dOE que freqilen tavam seu atelier foi tca",~"" da em departam ento de fisioterapia!! Pam abrigar a vasta colef;<10 da son, sessenta mil obras , loi abCJ1a ria publica na rcsidencia cia dra. Holhschi ld, nas proximidades deCambrid!! Entl'etanto, 0 dr. Sher'wood Appleton que esse espaco na~ se torne soon","" museu, mas urn centro, um •• ,"s. onde,.. que!' urn tenha a liooniade de expor vivencias, num ambiente acolhedor. sa be se os doentcs do Netherne

Arte-ter-apia

Outl'a form a de leitul'a de i da aos metodos da infcio, direi que nao aceito a arte-terapia , muito cmpregada A pala vra arte tern conotaCOes de qualidadeestetica. I' nenhum tempeuta tern ern mira que doente pl'Oduza obms de arte, e psiciitico jamais desenha ou pinta pen~"1 que IS urn ar1.ista. 0 que ele busca e linguagem com a qual possa exprimir e m ~s mais profundas. 0 tcmpeuta nas configurm;aes plasticas a ~:~~~::':r afetiva de seu doente, seus s~ desejos sob forma nilo pJ'Oposicional. mos de preferenci a linguagem piI,;S[;""I pl'essiio plastica. Ordinariamente, entre nos os ateh"""1 ;;arte-terapia" nno passa m de setores livos. Mas con vern acentual' que ho:;ecl,[". sores da arte-tera pia tern uma outra Cao desse metodo. vejarnos:~~~:~~~~:1 principais expoentes. Margaret a define: "A artc-tcrapia orientada baseia-se no I'econhecimcnto

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,..UNOO OAS I""AOIN S

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~ os pensamentos e sentimentos funda Wltais do homem derivam do inconsciente tfreqiientemente expri mem-se melhor em IOageOS do que em palavras". E continua: 'As tecnicas da arte-terapia baseiam-se no "",.om,,,lo de que todo individuo, tenha IIlnAotreinamento em arie, possui capaeidadetatente para projetar seus conflitos interDsobforma visual" 46. Caractcriza esse metodo a intervencao do I!Ie-terapeuta. 0 doente e e ncorajado, ou .. "dinamicamente orientado" a descobrir jO"si proprio a signi fi caCao de suas eriacQes, .que. al'~"I.·dogc.al'" ao estabelecimento rela~ao transferencial com 0 art.e-

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Oque distingue a art.e-terapia das prati"'''o,d" noMuseu de Imagens do lnconsrifnte eque 8S atividades ai realizadas sao isJIutamente livres, espontaneas . 0 atelier

e uma

arte-terapeuta) nunea in-

simpatica no maximo, uma ::::~~::~le~m~ ,~u,~m:a~:atitude Apesar dessas diferencas de orientacilo, a importancia do trabalho de Naumburg, que pOs em relevo a .~~~,:~::.;e:;':r~o, ~ux~:e vida a muitos frios ;_ apenas recorrem a

de Imagens do

ultimo as infonnacOes sobre 0 no nosso mume fascinaram as exploracQes . Foi com a intencao mundo que estudei o desconexo palavreado dos es. que obsevei sua mimiea, seus ,seus atos, quer estivessem inativos ",nn pI.hca ,jCllti,';dad.es;qu,e me debruas imagens par eles livremente ieuniessas imagens em series, em longas signifieacQes acabaDessa maneira. ressalpsiootico em seus avancos e Apreender tais signUieacQes nao e ","",.iClade cientifiea. Nao vejo como

sera possivel entrar em contato com urn homem ou uma mulher, e trata-los seja porqu31 metoda for , sem fazer a minima ideia da maneira com este ser esta vivendo 0 tempo e o espaco, sem ouvir os estranhos pensamenlos que the ocorrem e as imagens que avassalam sua mente. Urn dos caminhos menos dificeis que encontrei para 0 acesso ao mundo interno do esq uizofrenico foi dar-lhe a oportunidade de desenha r, pintar ou modelarcom toda a liberdade. Nas imagens assim configuradas teremos auto-retratos da situacao pSlquica, imagens muitas vezes fragmentadas, extra vagantes, mas que ficam aprisionadas no papel, tela ou barro. Poderemos sempre voltar a estuda-Ias . Muitos problemas teremos de decifrar, em ateliers que funcionem Iivremente em hospitais psiquiatricos. 0 clima do atelier deverli ser cordi31, mas siiencioso. Sempre que as condicQes pennitirem , os freqUentadores devern dispor de materi31 de trabalho proprio e nunea devem ser colocados demasiado proximos uns dos outros, tocando-se. Estreilamente agrupados, sera dificil que revelem suas sccretas angUstias, mesmoque inventem urna linguagem enigmatiea propria . Foi observando-os, e as imagens que confi guravam, que aprendi a respeita-los como pessoas, e desaprendi muito do que havia aprendido na psiquiatria tradicional. Minha escola foram esses ateliers. Esse aprendizado decorreu principalmente da difieuldade que tinha de comunicar-me com esses individuosem nivel verb31. enquantoatravesda imagem tomava-sepossivel a abertura da porta do mundo intemo, sempre rico de significa¢es. M. A. Sechehaye viveu essa experiencia no trato com a jovem esquizofreniea Renee . "1- Quando explico a Renee, de modo verbal, o simb6lieo de seus pensamentos e de seus sintomas e tento traduzi-Ios em t.ennos racionais, cia nao me compreende. Para ela e como se fosse chines . Em lugar de convencela e aealma-Ia, minhas eruditas interpretaCOes a perturbavam e exasperavam. 2 - Deduzi que nao fatava mos a mesma lingua; 3 - Era pois necessano f31ar sua Iinguagem e nilo mrus a minha. "~l

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""UNDO DA S ' '''' AOI N S

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As diversas modalidades de ex pressao dos esq ui7.0frenicos sao muito ricas em sim bolos quecondensam profu ndas sign ificacoes,constitui ndo linguagem arcaica de rafzes universais. Linguagem a rcaica, mas nao morta , segundo Erich From m, possuidora de sua propria gra matica e sintaxe ollJ • A linguagem simbOlica se desenvolve em va rias c\aves e pautas, t ransforma-se e c t ra nsform adora. Um dos objetivos principais de nosso trabalho e 0 estudo dessa Iinguagern. Niio nos preocupamos em fazer 0 debulhamento da imagern si miJ6lica, ou disseca-la intelectualmente. N6s nos esfon;:amos pa ra ente nder a linguagem dos sfmbolos, colocando-nos na posit;iio de quem aprende ou reaprcnde urn idioma. Marie-Loui se von Franzcomparaa procura do sentido dos simbolos a tenta tiva de a lcanrrar, seguindo-lhc as pcgadas, urn ccrvo fugitivo particularmen te agi l. 0 carrador devera adestrar-se por rneio de longos exercidos ate torn ar-se ca paz de emprender seu objetivo. A captura do cervo e sempre delicada , pois 0 ani mal deve ser a pa nhado vivo. Outros metodos e tkcnicas mais facei s ensinarao a esquart.ejar 0 cervo, a di ssecar-Ihe as visceras para examin a-Ias aos pedm.os. 0 metodo que M.-L. von Franz desenvolve ve em cada imagem simb6lica urn organismo vivo que encerra em seu amago profundas sign ificarrOc5. Na intenrrao de realizar pesquisas sobre 0 desdobrame nto do processo psicotico atraves de irnagens simbOlicas, reu ni series de desenhos, pinturase modelagens. Esse rico mate-

]

Jung. C. G. Com plete WorkR, 8, p. 383.

2

Pauli. W. Th e Influen ce of Archctypal Ideas on the Scientific Thcorie.~ of Kepler. Pant heon Books, Nov:! Yo rk, ]955. Therrien. V. La IlCuolutiOlI (Ie Ga stOlI Bachelard ell Critique L i//emirc. E. Klin cksicc k. Pari s. 1970. Bachelnrd. G. L 'air et les SOltNe~. L. Jose Corti. Paris, 1943. Holton , G. A Imagi naf;iio Cielllifica. Za har. Hio d() Janeiro, 1979. Arta ud. A . Oeu vres Comptetes, I. p. 220. Idem, ibidem, p. 50. Fr() ud. S. Dbm s Completas.I, p. 1.216.

3

" 5 6

7 8

ria l, colecionado a pa ltir de 1946,rons ' oacervo do Museu de I magensdo In te, que reunia em 1990cerca detrezenw obras. Em visita ao museu, em 7 de ' 1978, Rona ld La ing, I'cfcrindcrse ao metodo de tra ba lh o sabre series dei escreveu : "Con fi o na continuidade e III pansao desse trabalho. Trat..1-sedeuma ~ao que ja tern fa rna internacional. E! q ue as autoridades locais reconh~ a lto valor e fa~a m 0 passivel para facililar fu tu ro desenvolvi men to, pois representa contri bui~ a o de gr ande importimcia estudo cientffi co do processo psic6til'O'·. o pesquisadorencontraranosarq . Museu de I magens do I nconscienle series de imagens, datadas e rcunidas do os respectivos autol'05. rodem a nha r atraves dessa s sequencias de im fio sif:,rnificativo do processo psic6tico, como temas recorrentes , enigmatiros, desafi a m os especial istas de diferenles A pesquisa no museu e marcad interdisciplinar, perm itindo assim urna constantc en tre experiencia clinica, meotos te6ricos de psicolOf:,ria e de . tria, antropologia cultural, historia, educa~ao.

A fil osofia do museu adereaopen de Aldous Huxley, quando se rcferell. endada nossa educa~ao em nh'el mil}l "0 que e necessaria e urn trcinamento os nfveis mio-verba is de nosso ser total seja tao sistematico quanto 0 trei que a tua l mente e da do a crian~as ead nlvel verba\." ""

9 10 II 12 13 14 15 16 17

Naumburg. M. Diltamicully Orie'ltedATI p ..1. Grune and Stratton , Nova York. I96&. Wiart, C. -Pol Art? Foli c Thcra pie?". in Psych %gie Medicale, 12, 1980. CI' pra. F. 0 POlito de Mutal;oD. p. 375.C Sao Paulo. 1988. Fr()ud. S. OfJ. cit .. II. p . 977. Idem , ibiclem. p. 365. Idem , ibidem, p. 375. H()ik. T. Treillia aJlo.~ COli "reud.l man. Air()s. 1943. Freud. S. OfJ. cit .. II. p. 389. Eissler . K. n . J-eollordo tin Vi'lci. p.38.ThI Hogarth Press, LondreR, 196 1.

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MUND O OAS '''' '''GE N S

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.iltkm, ibidl'm . p. 37. :iKeren};, Ch. inlrooucliOlI a I'Euellce dc 10 Jiylhologie, p. 179. I'u)"ot, I' ari ll, 1953. !lFrtud, S. op. cit., II, p. 693. !!Idtm, ibidem. p. 692. !!JUtlg, C. G. op. cit .. 16, p. 47. !Sldtm,ibidem, 10, p. 339. !4idtm,ibidem, 14. p. 531. !5ldtm,ibidem. 8, p. 204. !&Idtm,ibidem, 13, p. 162. %1ldt~,ibidrm, 6, p. 2 12. Prin~horn, H. Artistry of the Mell/olly Ill, p . 231. Springer, Now. York, 1972. 291dtm, ibidem, p. 242. IIThtl"Oz, M., L:Ar/ Brul, p. 5. Ed. I)'Arl Albert Skira, Gcncbra, 1975. II Sih'eira, NiSI!. Cutalogo de Arte Incomum, 16' Bienal, p. 36.1981. l!Jung,C.G.op. cit., 4, p. 120. I3Cardinal, R. Outsider Art, p. 74. Praeger, Nova York, 1972. 1I1dtm, ibidem. p. 146. 15A.Cua do flor. Sl!crelarili de EducII\!iio e Cuhurado Estado do Itio de Janeiro, 1978. ))Pardal, P. A Escultura Mdg ico.Er6lic(I de Chico Tabib~ia. UERJ-ERCA, Hio de Janeiro, 1989.

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44

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(,..pilUlO 6

RITUAlS: IMAGEM E ACAO ,

s sociedades humanas primitivas praticavam riturus nasocasiOes mais significativas da vida: nascim ento, iniciacao na vida adulta,caca,gueITa, casamento,molie,sepultamento,bem como nos momentos mais marcantes do curso da natureza: riturus Iigados a semeadura, a colheita, aos solsticios de verao e de invemo, etc. Assim, ficavam marcadosos grandes acontecimentos do curso da vida, e toda a comunidade participava deles. Se seguinnos seus tracos, vamos enoontrar nos rituais plimiti vos a origem de dramas, dancas, jogos, praticas religiosas e costumes humanos que persistem ate hoje, sob vanas fonnas. Embora tcnh am , no curso do tempo, passado por transformacOes, de acordo com 0 desenvolvimento da conscicncia, essas praticas conscrvam nucleo identico, intacto, pois exprimem fatos psicologicos basicos da vida humana e de suas relacOes com a natureza. o homem primitivo povoao mundo de um infini lo num ero de seres espirituais, beneficos ou ma l6fi cos, aos quais atribui a ca usa de lodos os fenomenos naturais. Sao eles que animam nao sO 0 reino vegetal e 0 a n im a l, mas tambt'im 0 mineral, aparentemente inerte. Essa visao do mundo foi chamada pelos cientistas deanimismo. De fato, oque ocoma era a transfercncia para 0 mundo extcrno de estrut uras da propria psique do homem pri mitivo. A neccssidade pratica de agiJ' sobl'e a na tureza levou 0 homem a elaborar procedimentos magicos dentro de sua concepe3.o animista do mundo. Olema dos ri tua is tem side muito pesquisado POl' antrop6logose historiadores das religiOes. Mas seu estudonocampoda psiquiatria mio Leve ainda 0 lugar que merece, dada sua importancia.

A psicana lise descobriu comport.amento dos em todas as neuroses. Freud' particularmente a neurose do 0 conceito de ollipotimcia pensamentos e desejos do Seus alOs

cOcs que dominam sua vida, tram como esses docntos sc,c1"m.~ dos seivagclIs, que acreditam mar 0 mundo exterior P'" meiodesUi e alos magicos 1 • Entretanto, na area da muito raros os est.udos referenies nhos atos dos psicoticos c asdrn..a que possam faz er de suas vis6es. Notavel excecao cncon,"'·"'" Ihos de Sechehaye. Ao lado do rea Ii zaqao s;",, /,6/,ica, "'"Il',nd"d... cIa propOe ainda uma tecnica tamento, por meio da qual nuir, e mesmo suprimir, sintomas. esLava com uma mancha detinl." na mao e griwva: "Eu comeli um Entao Sechehaye abriu a mao de soprando-a, disse: quase inteiramente. Aindacom doobservou samento, mas com novas quanto 0 neurotico, se ndo a is, sofre e os substitui pela psic6tica, substitufa urn ritual que imposslvel praticar facilmen re 0 poder m 'igi,~ ,'am ",t.

RllUIIIIS, IMIilOIM I .o.<:,i, O

9;

op:mto de

partida para 0 estudo dos .-em psiquiatria parece encon trar a poio lD'K:tilo de arquctipo da psicologia jun,que estabelece uma estreita corres.ncia entre as d i sposi~Oes herdadas pa ra rimagens e as d i sposivOes herdadas aa¢o. A energia contida na est rutura e irreprescntavel do arquetipo confina imagem arquetipica. Essas imaforam repetidamentc observadas por em mitos e contos de fada da literatura . Ele eneon trou tambem os mesmos

Ali.is, suns primeiras observavoes desse roforam feitasem hospital psiquiatrico. prova rnais demonstrativa desWma¢oeencontrada na psicopatologia dbiUrbios menLais que se caracterizam irrup¢odo inconscientecoletivo. It oquc naesquizofrenia, em cujossintomas observar freqiie ntemente a emerde impulsos area icos em conju nvao inegaveis imagens mi toI6gicas";I. "0 ridramatiza as ocorrencias vivas de sign iarquetipiea." 4 Del'er-se-ia, portanto. observar e procusignifica~o dasex pressOes motoras que panham as represcntavOes delirant.es. se muito pouen atcnvao e de ordin ario pelo psiquiatra as ideias delirantcs e - s, menor atcn~o ainda e cancediisexpressOes motoras do esquizofrenico. de excitaciio psicomotora , mfmi ea e extravaganles, estereotipias, avOes -ivas, negativismo, inadequada ma-0 dos afetos, etc., sem se cogitar do psiool6gico que possa existir so b essas perturba~s do comportamento. Ka sintomatologia da esquizofrenia veriuma mistura de contetidos pessoais e :os,oom preciominancia dos simbolos coEstes ultimos constituem, por sua pronatureza, material arcaico por excelcncia. de-seque a conexao entre delirio e ato cada vez mcnos aprccnsfvel, a mcdida ronteudos colcti 'lOS sejam mais arcaicos mesclados entre si. Jung:~A

do esquizofrenico, sera necessario ao . dor, aIem de urn preciso infonne da

hist.6ria pessoaJ do docnte, equipar-se de conhecimentos que estiio ausentes do curricula de sua fo rmacao. Sera necessario 0 estudode mitologia, histOPia das religi6es e das civilizat;:6eS, a ntropologia cultural, hist6ria da arte. Desde 0 inicio de nosso secu lo, os pesquisadores que se debruvaram sobre 0 estudo de mitos c rituais reconheceram que. por seu inter-medio, as diversas culturas do mundo cncontraram meio de exprimir suasemo¢es coletivas. Do mesmo modo. diz 0 psiqujatra da linha junguiana John Perry, os psicotera peutas que estudaram os processos intrapsiquicos chegaram a mesma conclusao, isto e, que as imagens sim b61icas formadas no i nconsciente constituem a substancia da qual e fe ita a vida psiqu.ica emocional. Cada emocao e acompanhada de uma imagem, e cada imagem, de dinamismo eorrespondente. A s em~s se c01lfiguram atraues de imagens simbOlicas muito proximas das imagens de mitose rituais. Essa ea linguagem da psique inconsciente. Perry traba lhou como psicotcrapeuta junto a doze jovens esquizofrenicos, na CaIif6rnia, e chegou a conclusao de que todos vivenciaram urn lema mitieo principal , que se apresentava em fragmentos, comose visto at.raves de urn caleidosc6pio. 0 lema mftico estudado por Perry e0 da reflouar.riio do reino, que se revelava em imagens e rituais arcaicos de renovacno na sintomatologia de seus docnles. 0 mundo inlerno do psic6tieo nao se assemelhaa realidade dos lempos presentes, mas podera ser reconhecivel como uma visno do cosmos familiar sob forma milica e rituaIfstica pertencentc a epocas arcaicas~ . Essa interpretacaode Perryesta bastante pr6xima da visao de Ronald Laing quanta it siluacao do individuo que e intemado em institu ivao psiqu.iatrica . "Em vez do cerimonia l degradante do exame psiquiatrico, diagn6sticoeprogn6stico, precisamos, para aqueles que se encontrem preparados para tal viagcm, de u m cerimonial de iniciacao, atraves do qual 0 individuo sera guiado com pleno encorajamento e sancao social, noespacoe no tempo interiores, por pessoas que ali estiveram e regressaram." 6 Sao multiplas as fun~6es psieol6gicas dos rituais .

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MUNDO DAS IMAGIN S

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o estudo da hist6ria das relibti6es mostra que rituais sao usados sempre que se im p6e a necessidade de lidarcom os deusesecom as fon;as que as di vindades desencadeiam, ou seja, com as imagens arquetipicas de al ta carga energetica que as representam. Desde os tempos arcaicos, mil precau~6es sao tomadas para entrar e m cont.alo com 0 sagrado. Com pi icados cerimoniais sao elaborados como meios instintivos de defesa. Constituiram -se assim rituais, sempre realizados da mesma maneira, exalamente repetidos, ela pa por eta pa, condicao indispensavel para a sua efi cacia, bem como para a protecao daqueles que os execulam . Em linguagem psicol6gica, Jung interpreta os ri tua is como recursos inslintivos de defesa para apaziguar a a nsiedade diante das gra ndes forcas originadas na profundeza do inconscie nte. "Os rituais constituem represas para conter os perigos do i nconscien te. Com esse objetivo, 0 homem arca ico construiu instintiva mente as barreiras dos ritu ais, e ai nda hoje, em situal;OcS psfquica s de ameal;udora desordem , os mesmos procedimenlos sao postos e m ae;:ao."7 Vejamos a sebruir imagens configuradas no atelier do nosso museu , que nos permitem vislumbrur ojogo de fOJ1:as psiquicas atuantes nos rituais arcaicos.

Dan~a

As primeiras forma s de rituai sooll.~ dan~as. Os gestos, os moviment05r constituem uma linguagem quevem profundo do inconsciente e antereJi vra como meio de comunica~iio. Por meio da danca a homem I mundo exterior, tenta apreenderse menose, si mullaneamente, p6e-5ee! to com 0 mais profunda do seu ser.( mentes ritm icos pemlitemcriareinl representa¢es surgidas em sonnos nal;Ocs. No seu di namismo, as image cas manifesta m-se adequadamente das for mas de expressao mais an homem, que sao 0 gesto e a dane;a. Antes de ex primir em imagenss ricncia da vida, 0 homern a traduzia de seu COI·pO. Alegria, tristeza, arno nascimento, mOl1.e; ludo para 0 hOT mit ivoera oportu nidade para daTl\3 tivamente, ele tcnlava ordenar seu tos tumultos emocionais por meio mentos rftmicos, isto e, da dan~a. Na esquizofrenia, h:i uma voltaa arcaico. Por isso nao e raro venne quizofrenicos mimica e gesl.Osextra· que nos parecem compl etamente il enslveis. Estao, no en tanto, carTe; sentido.

lklti~;o Ignado 3f/Of/72 ftipu de rorl pilprl

36.0 i 5.';.0

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99

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Eoque frequente mente acontece nos esagudos, quando a agita~o muitas vetomacaracteristicas de danca . Octavio foi intemado em estado de in tenexcita~o psioomotora . Saltava e dava . Por ocasiao da in te m a~ao, disse ao que estava dancando uma dnnc;a de . Pouco tempo depois de frequentar 0 . rdepintura, relembra a danc;a de indio, muito significativa para ele (fi g. 1). Jgualmente significativas para Octavio asdan~s negras, nao w por ser ele negro, pelo faoo de essas dan~as caracterizamareadament.e por seu ar cafsmo (fi g. Jung frisa que " 0 estado esqui zofr enico, medida em que pennit.e a ilTU~iio de 'al areaioo, revela as mesmas qualidaouminosas que nas culturas primitivas atribuidas a rituais magi cos" 6. Tambem aparecem na esqui zofre ni a nta95es muito pr6ximas de imagens "'madasem religi6es antigas. Seguem-se

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m (J ;o / 55

61eo l popt/ 3..1.0 x 23.0 em .

exemplos de descnhos e de pi nturas comparaveis a imagens que nos foram legadas pela religiao de Dioniso - dan ~a , musica, extase. Aqui remetemos a danc;a orbriastica de mulheres desenhada por Octavioeas m(mades pintadas POI' Carlos, represeniantes das foreas elementares da natureza 9 . Outra pintura de Carlos mostra uma jovern que danca com 0 tronco fort.emente netido para tras, postura cuja inten~iio, segu ndo os I;tuais sagrados, e conduzir rapidamente ao extase(fig. 3). Essa posturaeencontradacom muita frequenci a em baixos-relevos antigos, representativos de r ituai s em honra de Dioniso. Os rituais do fogo eswo entre os mais a ntigos celebrados pelo homem, acompanhados de cantigas e dan~as que reuniam 0 sagrado e 0 profano. Estes rituais arcaicos prolongaram-se nos festejos de Sao Joao. 0 ponto de partida

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MUN OO OAS IM AOl N $

100

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pintura e aci ma da qua l

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da pintura (fi g. 4 ) foi a festajunina do hospital , que sc resumiu nu ma dccora~ao com bandeirolas. A pintura de Carlos vai muito aICm , rcativando imagens arquelipicas no inconscienle coletivo. De cada lado da fob'Ueira , simetricamenie colocados, oito homens de joelhos, de maos cruzadas, roupas iguaise pulseiras, parecem pcrte nccr a uma mesma confraria. 'l'odos olham a foguei ra, que ocu pa 0 centro da

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bahio. Aqu i ressurge 0 ritu"a~lt;;~::::: com suas tipicas conexOes e lidade. 0 rogo represenla 0 eleme.to,"", lino, e 0 baliio, 0 elemento femin ino. Em tela pintada logo apos " ".t"i.1 5), a co njuncao e ntre mascul ino e expl"ime-se pela danca de sclc pa"s." vestidos uni/c)I"memente e usa.doos ,m"4 pul seiras. Ape nas um homem cstri. com vestes de pa lh a~, e olha "'"0,,,,,,;01. sobrc a qua l sc vc uma estrcla. Sol c hill ""I ta neamcnle prescntes. Assim , as da n~as do fogo mllis u.i,·", menlc praticadas foram as da aoiit"l' ~1

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IUlUA" , INIAGINI I A .. Ao

101

da mae e 0 mais poderoso e univer-

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:':;;:;~:;::;;. Encerra amor, aconchego, , sedu~ao e tambem urn asmisterioso, escuro, perigosamente

Amae pessoal, revestimento deste arque;"'!.prim"i", ser feminino com 0 qual 0

tern contato. NAo surpreende, portanto, que sejam tao

as li ga~Oes do futuro homem com nern que ele enconlre tanta diliculem se desvincular dela para seguir, oIel~",d","', seu desenvolvimento. As sociedades pnmitivas eslabeleceram passagern da infancia ou da adoles-

~:a::,:;~~:ed:d;:~~: obrigat.6rios para

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da comunidade. Os rituais de in i ci a~o da puberdade cosernpre por urn ato de ruptura: 0 e separado da mae, de maneira as tribos. signilica ruptura com 0 mundo eo mundo mat.emo,situacao irresponsabilidade, de ignonincia e de Ii mal definida. Os distllTbios psiquicos e desajust.es sopodem decorrer de fracasso do indivi-

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Carl".l'Ilrtu;. 21{12 / 55

61eo /pa~1

28.0 It 19.0 ~m . Carl<M I'utu;s 21{12 / 55 61eo / papel 28.0 It 19.0 ~m.

duo no encontro de seu destin~ arquetipico, ou seja, do malogro na passagcm dcuma fase do cicio da vida onde se encontra para 0 cieJo seguinte. Os rituais de iniciacao constelam os arquetipos correspondcnt.es a essa clapa de descnvolvimento para a vida adulta, funcionando, assim, como urn processo evolutivo. As sociedadcs rnodemas nao considerarn serlarnent.e esse dificil momento na vida do hornern. Carlos e urn exemplo tipico dojovcm que nao conseguiu assurnir a condiCao de adulto. Unico homern de uma famaia que se cornpunha de mais quatro irmas, foi muito mimado pelos pais, sobretudo pela mae. As vesperas de morrer, 0 pai chamou-o e disseIhe que, sendo ele 0 unico hornem da familia, deveria assumir as responsabilidades de chefe da casa. Carlos perturbou-se muito diante de semelhante encargo, deixou de estudar e empregou-se numa fabrica de sapatos. Era de estrutura fisica fragil , imaturo psicologicamente. Uma natureza sensivel e religiosa. Aos vinte e nove anos, fi cou doente, foi internado, permanecendo no hospitaJ trinta eoito anos, ate sua morte. M~ito s aspectos de sua vida intrapsiquica ficaram ftxados em sua abundante producao pJastica. Uma serle de suss pinturas renew as

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tentativas dirfceis de separa~iio rna Na primeira , ve-se uma jovem aderidl figura de imponente busto da Grande A distancia que as separa aumenta pouco nas pinturas seguintes, scm que obtida completa sepam~ao (fig. 6Ae6S . Noutm pintura, ajovcm acha-seoo· rior de uma espccie de capsula tran: ajoelhada, prestando culto a Grande, Atravcs de uma janela, uma figura de mem , representando 0 ego, observa, rna; participa da cena intelior 10 . Assim , os auto-retratos da situa~n ' na de Cados mostmm a anima sempre domfnio da Grande Mae. Carlos na~ guc cOital' os la~os entre a imagern da a imagem da anima , como seria n . para seu desenvolvimento de homem duro. Nas pinturas de Carlos surgem rituais de rertilidade ligados a Grande (fig. 7). De urn lado, mulher ajoelhada,e outro, mulher de pe, imponente, mall posic;:ao de prece. Entre elas, circulos tricos, recobertos de ramos e flores. Ao o cfrculo amarelo, con tornado de branca que 5e den -nma, parece umol·o do, e a cena 5ugere urn litual de fertili Tela pintada no dia seguinte,queTel continuidade de acontecimentos in quicos (fig. 8). Entre duas mulheres M b'Tande vaso, dentro doqual se veumOI"O uma cruz no centro, indica~iio, segwif t radi(:8o, de que 0 ovo csta fceunda&. atitude das mu lheres e de expecm\i11 relacao ao rcnomenoque sc rcaliza noin do vaso. o vasa esta estreitamente ligadoao ni no. Foi a mulher do periodo ncolilioo deu forma em barro aos primciros \.~ ,' tempos arcaicos, 0 vaso, como vciculode magica, tioha importani.c papel nosri da Grande Deusa e era mesma a cia i fi cado. Essa idcntificaI;ao cstava pro mente enraizada nas antigas conce~ ligiosas da maior parte do mundo.l'i pintura de Carlos 0 vaso canwm urn desempen ha ndo assim sua principal receptaculo de vida em desenvoil'imenw. A r6rmula simb6lica universal parao rfodo arcaico da human idade plXieraser

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103



peia igualdade mulher, vaso, mun." "sa e a formu la basica do estagio maisto e, da etapa na qual 0 feminino ~," d"rasolb", o m,'sculi nt), 0 i nconscien te ronsciente 11 . Duas mulheres, uma de cada lado do vaso, l

1I=,:,~!::c~ru~:z~adas

sobre 0 sexo, na ponta o vaso (fi g. 9). Em Eieusis, entre as vestais de Roma, e no Peru, os vasos sagrados persob 0 exclusivo cuidado de sacer-

Umaspecto estreitamente Jigado aessenMaee sua rela~aocom 0 mundo e dos a ni mais. Entre a Grande mundo a nima l nao ha hostilidade,

,

com animais d6ceis e domesti. Nao s6 a psicoiogia 0 afinna , mas a antropologia, que correlaciona 0 a agricuitura e a d o m estica~ao de Nos milos, 0 deus ou 0 her6i rnascubhab,itu.ahncnte combate e domina 0 aniMas entre aqueles e a Grande Mae ha antagonismo' 2. Adeusa, como a arvore, proporciona ali ri!lto, sombra, prote~ao. Exprime vida, gel3{llo,crescimento, qua lidades que a faziam drada na antiguidade. Segue-se, para exemplificar, 0 desenho de .lklina: mulheres, com as maos erguidas em ~, adora ndo uma arvorecomo irnagem da Mac, mui to scmelhante a urn baixourn pa piro egipcio (fig. 10).



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osimbolismo da se qlentee amplfssimo. Sfmbolo sexua l, de sabedoria, prudencia, astlida , reprcsenta~ao do demonio, morte, transfo!"macao, renasc imento. Em linguagem psic.:oI6brica, poder-sc-~i dizer, de um modo geml, que a serpente e um adequado simbolo do incon sciente em seu todo, exprimindo suas slibilas mudan~as, suns inLe rvencOes inespcradas e perigosHs, geradoras de angtistia'J. Dc maneil·a p8l1.icular, e (:omo simbolo sexual que seu a parecimento e mais (.'O mum . A serpcnte aparececom muita freqiiencia em sonhos, a lucina(."Oes, deli,;os, pmducOcs plasticas dos esqll izofrcnicos. No Museu de Imagens do Inconsciente encontram-se inllmera vcis se'·pcntcs pint.ndas pOl' difc!"cntes fi·eqi.ientadorcs de nosso atelier, possuindo as mai s diversa s conotacoes simbOlicas. o feminino pode wmar a fOJ·ma de lim vaso, cesta, a nion) , ou aparcccr em form a

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deusa ou sacerdotisa, trazenseus bracos ou enrolada em Em qualquer dcsses casos, entre a Grande segundo exemplificam vade OctAvio (fi g. 11 ). As reprerefcrem a relacao o feminino e 0 sfrnbol o masculino de

Em seu multiplo simboli smo, a serpente ainda as forcas ameacadoras do

~:~;;;'~~~;~~i:nconscientc. As imapsic6ticos n ao represen-

:

algo vivo. Cerro dia, na sala de estudos onde se uma pintura s ua s us pensa a pana qual se via uma grande serpente nevoas do plano inferior (fi g. a pintura, Carlos disse, agia equipe que ali es: "Ih ! mas que cheiro de

de cobra que ta. danado!" Il::d::::,cheiro , pcgou a pintura da serpente e

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10 / 01 /!i /

61<'O/pnpei rorliiQ <19.0 x 67.0cno.

virou-a contra a parede. Mais tarde Carlos retirou a pin tura c escondeu-a na ofi cina de encademacao. Decerto,essa pintllra representava para Carlos uma realidade arncacadora. Ainda de Carlos: grupo de pessoo.s, todas de vestes brancas, celebra rn urn culto de adoracao a serpentes, no qual sc destaca , a direita , urn ce lcbra nte com os bracos ritualisticamcnte este ndidos pa ra uma das serpentes (fig. 13). Nocaso de seu au tor, esse ritual tern provavelrnente a sign ificacao de apaziguamento das pcrigosas forcas do inconsciente, de domesticacao de pu lsOcs instintivas sim boli zadas pela serpente '4 . A ideia de tra nsformacao c renovacao por intermedio da serpente tem fund amentos a rquetipicos que podem ser encon trados, com freqOencia , na hist6ria da humanidade. Nos misterios ofitas, os ceri moniais eram celebrados com as serpentes vivas, que eram mesmo beijadas . Animal que muda de pele e se renova , a scrpente etambem uti lizada em ri tuais como instru mento de rcgeneracao.

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,, -;~~~~;;,.ii~iiii~~i:;;~~~~~~;:::=:::~~~~El~::~~~~~~~ '·:=~== r Carlos Pm"" ./d 61ro/ papri

35,0 ~ 53,Qrn

paimente como urn veneno para

Do mesmo autor, continua a tentativa de damar as exigentes pulsOes instintivas (fig. 14). 0 homem procura capturar as serpentes no interior de urna gaITafa. De fato, a lgumas dirigem-se ao bocal da gaITara, nao se saOO por qual encantamen to magico praticado pela

homem. Mas nao todas. Uma das serpentes lanca-se como urna flecha para morde-lo. A mordida da serpente venenosa, diz Jung, pode ser comparada as exigencias de pulsOes instintivas inconscientes que agem princi-

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Carlos I'erl uis 10 / 03 / 53 <J/c,, / Ic/u 50,0 x 61,0 em .

a capacidade do homem de uli! cursos de acao15. Ha uma curiosa analogia en turae urn conto popul ar recolhid ~ 0 Genio da Carrara. No co consegue capturar 0 genio que t autor dessa pint.ura tenta tam nar as fOr/;as do inconsciente qu Urn cort.ejo carninha da di esquerda (fi g. 15). No centro \ figura s sacerdotai s. Tres serpel se para uma imponentc mulhCl nu, que lernbra a Grande M scm pre representadacom 0 bus cida pela denorninacao deusa ( A passagcm do cortejo e assisti roso grupo de pessoas, dando a i trata de urn rit.ua l religoso ( Grande Deu sa. Oestudo de cenas ,itualistic ou imaf:,'; nadas POI' psic6ticos cc vel mente a pesquisas referente psique. A serpente edos mais a los de fertilidade em conexao ( Mae, tendo sido venerada come vegetacao. Eis-nos no mundo m, a serpente e ao mesmo tempo: ni no e atributo masculino, arr na unidade que e a esscncia da

RITUALS , IM "OI M I .0.(.0.0

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:~~::ri;defini~ao, a oferenda feita a com a meta de obter fa vores, para culpas, render gra~a s,

.\ historia das religi6es menciona ofefrolOs da terra e de nores. Mas na das religi6es, desde os tempos mais

de animais realizado rituafeiticeiro ou pelo sacerdote, (os chamados holocausem sacrilIuiio se poderia especular sobre a psicoface as imagens que prinmais prorundo significado do sacril'iproj~o, sobre a vitima, da obscura do homem de domar sua pr6pria l, isto e, de sacrificar 0 animal nele mesmo, ou de transpor para 0

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~,amr;cadosuaS ,)ro"da"ulpa,;a fim

lOOas as cpocas e lugares 0 homern em graus diferent.es, como uma

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instintividade e caminhar do desenvolvimento de node consciencia. ,. "amlo urn golpe de vista sobre as dire-

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Adelirra Gome8 201OS I 53 Moo / lela

rentes atitudes do homem em race do sacrificio, percebe-se, desde logo, na hist6ria das religiOes, urn flo evolutivo que caminha dos sacrificios sangrentos para os sacril'icios incl"Uentos, paralelo a subida de niveis de conscienciado homem. "Seo indivfduoatingirum nlvel de diferencia~ao de conscicncia que lhe permita recolher as proje¢es de seus proprios instintos, desordenadamente lan~adas sobre animais ex:t.emos, e rOI" ca paz de confrontar repetidamente essas proj~Oes, e mais, livre de arrogante pl"es un~ao, conseguir integra-l as a sua propria personalidade, estanl muito perto de realizar-se como urn ser humano total." L6 Na pintura de Adelina (fig. 16), mulheres sacrificam 0 hoi. Muitas religiOes antigas realizavam sacrificios semelhanles, executados por mulheres, em honra da Grande Mae, mio s6 significando 0 sacrificio da pr6pria instintividade. mas tambem 0 aumento da rertilidade da terra. "pois a terra, representando 0 aspecto criativo do feminino, rege a vida vegetal e guarda 0 segredo da mais prorunda e original forma de co nce~ao e gera~ao sobre a qual toda a vida animal esta baseada" 17 . Sacrificadoras e vitima estAo pintadas do mesmo vermelho-vivo, indicando que 0 ritual sera sangrento e que vitima e imoladoras se iden tificam.

O ctavio nao gostava do bem-te-vi. Esse passaro. repetindo "bern t.e vi, bern te vi", parecia estar denunciando, espionando sellS mais secretos impulsos instintivos. Queria matar 0 bem-te-vi. Fazia atiradeiras para exterminar todos os bem-te-vis. Urn dia, 0 artista p18stico J ose Paixao foi ao atelier de Engenho de Dentro e registrou 0 seguinte fato: "Octavio apontou 0 quadronegro. Escrevera a palavra Vars6uia e mais abaixo. Bent6uia. Depois mostrou na cadeira o passaro bem-te-vi cercado por uma tira de camara de pneu. Pergunt.ei: 'Esta morta?' Octavio confirmou com a ca~a , e disse: - Eu ia passandocom desejo de ca~ar com

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a atiradeira. Ouvi um guincho e 0 bem-te-vi caiu nos meus pes. - POI' que Vars6via e Ben t6via? - Varsovia foi fundada POI' ca~a d ores. Bent6via e uma cidade de passaros e viveiros. Octlivio enwoconstroi 0 milo de Varsovia e Bent6via (fi g. 17). r: m VaJ's6via existiam dois povos: os ca~adores possuidores de espingardas,eoutros, donosde p61vora. Elesse rcuniram para invadir Bent6viu, mas foram imped idos pelos gt'uinchos do bem-te-vi. Entao fi zeram uma aposla: aquele que e ncher urn litro(.'om palavras len! 0 direilo de matnr o passaro. Os dois e nchermn 0 seu litro e em patara m. E assim foram sa lvos: Bent6via da invasao e 0 bem-tc-vi da mOl't e." Temos aqui 0 nagrante de uma cria~ao milica conjugada a um ritua l rm'igico. A psiquiatria tradiciona llhes dad aa denominacao de ideia delirante e a to absurdo si multiineos. Esse ritual exprime a atitude de Octa vio em re l a~ao ao passaro que en ca rna sua conscicncia moral. Oeseja sacrifica-lo e, ao mesIllo tem po, g lorifica-Io. Assim, 0 passaro a parece, em pin tura fe ik'l no rnesrno dia, sacrificado e exalia do, ocupando 0 centro de lIIll drculo,

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madom de mito.<; exislente

Esse Cenomono, que nossa atual menlalidade, mostra gens de int.ensa carga afetiva, por urn psiootico e anmlgama.d,,; ;,~ milo e ritual sao a linguagem da profunda, forjada por pn)j ~,,,,, de,";, dominantes de at'Ordo com do indi viduo.

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diversos

pintadas por Carlos. Encruzilhada :

"'"nk,decan,inl,.".cn",,,me"lo deas·

diversos da pcrsonalidade exigindo .19). Lugarde apari¢les de di vindaande 0 homem lhes propicia das encru. Sobrc 0 solo, uma cruz de bracos em sentidos opostos acentua a ronflitiva e a aTvore de grandes

m::a::~~~: simboliza

a

de

possibilidade atitude conscicnte. Juntoa umacascata , urn homcm trajando

III

t:;~~'~:)~~, :~;::~e:~ 20). 0 cib6rio e maos vasowncib6riO ande sao I,,!radai, 0

,.s hoslias COnSa b'Tadas nas igrejas • ",,"._ Esempre de Duro OU dourado. A ••"",""outro personagem suslenta uma

11~~~:~::~:~':,~~~:~;·~:;~':;:,~~macum-

sincrelismo entre elementos cOswos. Observe-se em todD. essa

sene de rituais a predomimi ncia de represcnt8C6es paga s. Qua ndo npareccm sfmbolos cri staos, acham-se sempre ao lado de sfmbo· los de religiOes arca icas. No estudo de Marie-Louise von Franz sobre as visOes de Nicolas de Flue sao postas em relevo estreitas aproximaf,:Oes de simbolos pagaos e cristaos. Por exemplo, a visao do peregrino revestido de pele de urso, ta l como acontecia em apa ri~s do deus germa nico Wotan , e que cantava "Aleluia", palavra cri sta por exeeliincia , sauda ndo Nicolas de Flue. Outros exemplos do mesmo genero, observa M.- L. von Franz, revelam a tendiineia do ineonsci cnte eoletivo a desenvolver e ela borar simbolos religiosos eristaos . No easo de Carlos, obscrva-se um fen ameno inverso - os sfmbolos pagaos tendcm a absorvc l" os simbolos eri staos, fena meno que se explicaria pelo mergulho em profundcza pereol"rido POI" Ca rlos, que chega a eonfigurar

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sfrnbolos das religiOes rnitraica e egipcia 1B , o hornem contia mensagem a urn grande passaro branco (fi g. 21). Em pl ano inferior, urn cao negro, animal ctOnico, marca 0 contraste com 0 passaro branco. Note-se, porem, que odi.o negro tern rnalhas brancas, 0 grande passaro branco, pr6ximo de uma carta, parccc tenlar a dificil funCao de relacionamenlo e ntre consciente e inconsciente, Eis urn poema de Carlos: "Oh mala por mim lembrada inesquecivel flore sta Caminho sonolenlo ao cantar dos passaros rnensageiros."

o Rutor deu titulo a proxima tela: Carmem tocando harpa. A anima toea harpa, 0 instrumento que lanca uma ponte entre a

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terra e 0 ceu. Acorrem passaros"',,, fi zados, simbolizando intui¢es espirituais da personalidade (fig. 22~ A presenca dos astros e delirios dos esquizofrenicos e caD piastica. Homem inccns6rio nas maos, " "d" trela (fi g. 23). De urn poema do autor:

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"Oh estrela irradiante Diz-me se no ceu esta de joelhos a ti rezar". Desde miieoios os ram de leotar captar evocando sua imagem tura. 0 astra roi urn

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"epenn..,ece osfn,b<,io de todas as fOf1:8s terrestres, 0 regulador de todos os """"',,,",', Sua venera~ao e encontrados tempos, alcan~ando grande

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~;~:::':~SO~:bretudo no Egito, Peru, a organizayao politica e o apogeu. E, ainda em

~:~,~~~~: desperta inumeraveis imaTestemunhos da grande imporUincia e da sfmbolo do sol na vida psinoHospitaldeEngenho de fmturade uma mulher. Escadaria dupJa sol. De cada lado, urna figura hudegraus iniciais da longa subida 19. Homem de bra~s erguidos em adora~ao ••1reret~ urn de seus raios diretamente Essa cena e repetidamente nas religiOes arcaicas, sobretudo ::::~:~~::. Aadora~o ao sol representa 0 impulso trevas do inconsciente. Esse move-se no sentido do desenvolpsicol6gico do homem na busca de

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1 Freud. S. Dbm s Complelos, II , p. 465. Rea!i.~aliOIl Symboiique , p. 7\. Hans Huber. Berna. 1947. 3 Jung. C. G. Complete Works. 8. p. 138. 4 Idem , ibidl'm, I I , p. 192. 5 Pe rry, J. W. TIll! For Side o( Madness. p. 3. Prentice Hall. Nova York. 1974. 6 Laing. R. D.A Politico do Experiiincia. p. 95. 2 Sechehaye, M , A. Lo

VOZl's. Pel r6 po1is, 1974.

7 Jung, C. G. op. cit .. 9, p. 22. 8 Idem. ibidem. 3, p. 243. 9 Si lveira . N. Imagens do illcollscienle, cap. 8, fig s. 4e7. 10 Idem, ibidem , cap. 5, fi g. 18. 11 Neu mann. E. The Great Mother, p. 43. Routledge Kegnn Paul , Londres, 1955 . 12 Idem, ibidem. p. 272. 13 Jung, C. G. op. cit., 4, p. 374. 14 Ve r para lelo hist6rico e m J ung, C. G" op. cit .. 5. p. 374, pra ncha LVllb. 15 Idem , ibidem. p. 298. 16 Silveira. N. A Farra do Boi. p. 75. Numem. Rio de Janeiro, 1989. 17 Neumann, E .• op. cit., p. 5 1. 18 Silveira. N. Imagens do ln conscienle, cap. 10 . 19 Idem . ibidem, eap. 19, fig . 5. 20 Idem. ibidem, cap. 10. fig. 4.

Cjlt.phUlO .,

SIMBOLISMO DO GATO

odo ser humano tende interiormente a esforr;ar-se para crescer, para universalizar-se. E universalizar-sesigni fica encontrar Ijga~s a seres e coisas, mesmo it.quelas q ue pare~am distan les dele mesmo. Muitos crit.erios poderao ser tornados para situar este ou aquele homem na etapa em que se encont.ra, na longa eaminhada que tern it. sua frente. Urn criteria, par exemplo, podera ser a atitude face as produ~Oes artistieas. Ate bern pouco tempo falava-se com rcstrir;Oes em pri mitivismo ou em arte selvagem para designar extraordinarias c ri a~Oes plasticas da Africa ou da Oceania. Niio hli aIte selvagem, diz Claude Royl. As cri a~Oes phisticas que assim eram chamadas apenas fora m acei tas no inicio de nosso seculo e inspira ram grandes a rtistas modemos. Picasso encontrou na aIte negra forte inspira~ao para 0 impulso que 0 desprendeu das regras queo retinham a raeionais concep~Oes classicas. Ta nto a pintura de Picasso como a pintura de muitos modernos abandonaram regras preestabelecidas e ainda hoje perturbam, por se lerem ernancipado do racionalisrno convencional , frequentadores de museus e galerias. o cartesianismo, 0 cuJto it. Deusa Raziio da Revolur;ao Francesa, predominam ate hoje nas sociedades que se consideram civilizadas. o louco "perdeu a raziio". Sera preciso trancafia-lo em manic6rnios para que ele nao perturbe, alem de ser improdutivo, a sociedade dos homens racionais. Urn aspccto dessa conce~o atingiu muito negativamente nosso t ra balho. Refiro-me ao relegamento das lerapias manuais e expressivas das em~Oes, pelas quais 0 medico, na qualida de de repre-

sentant.e da razao, nao teria interessa r-se. Oaf 0 descaso pela """",;u(;I""",,.. mesmo tomada em pratic8vamos. ~s da razl1o, ainda que como as ideias delirantes, muitasve,e,; n. c"s dl e'''n ,>;c.s,n;,,~'' at.en~ao

dos ilustres doutores.

o a nimal e, por del'in;,,a,,,,b;";,;,,t lado de "irracional". Que posipio

eo-terape~~~la:;:S~i

ocupar comono Brasil Exislem de pro~ao aos animais, cadissimas. Exislem mesmo leis do,jamais cumpridas. Entretanto, nosso projeto de Centro Psiquia t.rico Pedro n pecifica intenr;ao de proteger 0 sava relaciona-Io com 0 nomem. aqueles " ,ees ,ohLino, ,ao" q,,,lism";'" cos homens ou mulheres sequer uma palavra ou urn gesto amigo. A hist6riadoanima1 nosso servi~o com~u assim: no t..erreno do hospital donada, faminta. meus olhos nos olhos de urn aproximava e pergunt.ci-lhc:

n'otrnl.,.

com muito cuidado?" E le respondeu que 8im . "Como vamos chama-Ia?" de Caralampia, do nas Mem6rias do Cdrcere. de Ramos, e no conto do mcsmo 'utoe,lt" dos Meninos Pelados. No viviam felizes sob 0 amavel cesa Caraliunpia.

113

I til'rall". bras ileira conduzida poT rclacaoafee ointemado sr. Alfre· a partir dar pensando e m conti·

"~::;~'~'~.:;de estreila r

II

0 relaciona· e anima is. Mas era dill· ideia tivesse campo para desen-

.;~::;::'~:,;e;, profundeza do proces·

III

das imagens livremenlc doenles tomava-rne horas

que encontrei, no Scrvif,:o Ocupacional, uma monitora edelicadeza na fun~ao de 1"", sem fo~ar , a aproximaf,:ao entre 0 recolhido em si mesmo e 0 a nimal " t.tii,,,,do a ser grosseiramente tra· homem. Essa mulher rarissima e Rocha.

,

aqueles que U$am ani; H. L. Tdgg;A. QuaytRothenberg; Nise da Silveira; H. !aif"bu'g; Molli, Schildkout.; Jon C:eis."'

primcira co-tcm pcuta,

Rocha. N iSfJ

e Nise da Silveira.

ro·tempeulas.

C

Quanto aos oo-terapeUk'lS gatos, coidados carinhosamente pela manitora Dal va Anllijo, responsavei pelo atelier de pintura e desenho, tern uma maneira especial de rclacionamento. Conselvam a indcpcnd€mcia , mas ne m por isso deixam de seT mcigos e apegados aqueles que cscolheram para a mar. Fai muito penosa essa tentativn que fl zemas de iniroduzir an imais no Centro Psiquiatrico Pedro II. Camenttirios ridiculari -

zantes c mcsmo grosseiros miQ faltaram. mesmo da parte de colcgas. Mas muito piaTes

foram os atentados contra as anima is: rcrnoCiio para a sepia veterimiTia de e ictrocuciio, transporte para abandono em loca is inospiLos, envenenamento; u t.e reccntcmcnte, erum enxotados para a rua. Os alcnlados praticados contra os an ima is feri ram doenLes. monitol"CS e a mim mesma. Ocsde 0 inicio, compensadoramcnte. apareceram a migos dista nles: 0 professor Bods Levinson , psicana lista amelicano, comentou por carla esses acontccimentos ocolTidos no Brasil :"Sem dlivida, pa ra muitos dcsses doonles os a nimais eram sua unica Iinha de vida para a saude mental". On Universidade do Estadode Ohio, 0 professor S. Corson envi ou-

o

"'UNI)O I)"S ''''''GIN S

114

nos pesquisas com esquizorrenicos e dies, desenvolvidas por ele e s ua equi pe "com ex.· t.remo rigor para estabeleccr principios eli· mites no uso de a nimais em psi coterapi a" ~ . Denire os i rinta casos ci tados nesse trabalho, referentes a psic6ticos hos pita lizados que mio haviam respondido as fomms tradicionais de tratamento, apenas dois nao melhoraram. Eis urn exemplo citado por S . Corson : Sonny, psic6tico de dezenove anos, per· maneciaem seu lei to a maior parte do tempo. Havia side s ubmetido ao tratamento pelo haloperidol e outras drogas. Entrctanto, quan· do 0 psiquiatra trouxe 0 cao Arwyn para 0 leito de Sonny, que permanecia imovel, 0 cao saltou sobre 0 rapaz, la mbcndo s ua face e orclhas. Sonny reagiu alegre, c espontanea· mente fez s ua primeira pergunta: "Posso fi ca l" com ele?" E, para espanto de toda a equipe, saltou do leito, segui ndo 0 cao. A partir desse epis6d io, Sonny aprcsentou progressivas melhorasatC obter alta. Conclusiio de seu psiquiatra : a introducao de Arwyn foi 0 fator decisivo no curso da recuperaciio de Sonny. Quando tal acont.ecime nto, com intencao lcrapilUtica, praticado pel as miios de urn psiquiatra, poden! ocorrcr em nossos hospitais? Entre n6s, os animais continuam perse· guidos nos hospitais. E tambem nas ruas, sob o argumen to de que sao transrnissores de doeneas as mais diversas, sejam eles caes, gatos, pombos, pa pagaios, etc. Sao limitadas as medidas sa niUirias pa ra protege-los. Em vez de medidas t.erapeuticas cont ra as zoonoses,sera mais facH extenninarosanimais. As autoridades parecem considerar-se "estcrelizadas". Esquecern que 0 homem trans ll1i· t.e docneas, ja nao digo a animai s, pois isso pouco lhes importaria, mas a outros homcns. Basta lembrara verdadeira dizimaeaoqueos homens tern ca usado entre nossas tribos indfgenas. Entretanto, muito lentarnent.e, 0 trabalho dos pioneiros est.cndeu-se, diante da eviden· cia dos res ultados obtidos por meio dos cotcrapeutas a nim ais, as mai s diversas areas medicas: pediatria, cardiologia, psiquiatria, gcriatria, etc. Caes, gatos, peixese passaros sao agora os novos terapeutas contratados por hospitais

R aphael, csquizo{renico que permal1l.'Cia sempre a{astalio. abm{u a{etuosamellte 0 Clio Cacarcco, que se {az seu amigo (.Y)IIsianie.

franceses, canadenses, amencanos depois da constataPlo de scrcm eles · pensaveis u melhora ou curn dos de va rias docneas 4 • Ha animais que permaneccm no e m sua fum;:ao de co-terapcutas e participam devisitas a Urn esludo comparativo hospital americano enlre identicas, exceto pelo fa to de que usava animais de estimaeao, estatislicame nte que 0 nivel de m,di,.... o dobra na enfennaria onde nao rn ais, 0 mes mo acont.ccendo com 0 violencia e tcntativas de s uicfdio. Pesquisa conduzida PO!" J. Linch Friedmann, e m esludos sobre I dfacas, constatou q ue a cientes poss uidores de animais 6 urn te r~o menor que a possuern animais . Eis dados nificativos, que justificam a nova ciimcia e demonstram nossa relaeao com anima is, como urn todo. "P ara ser sadio e ter cont..."1to com outras esp&ics vos. Se os humanos buscam pleto potencial de saude, nao podcm .

SIMaO Ll $ MO PO O"TO

ll5

a sua pr6pria especie. Se desejam harmonia com s ua pro-

";~:~,::~~ animal , devem sentir todo

0

em lorno delas." o

ICIl

jXlSicao que nos cabe aqui e csLudar mni s

o problema da relacao homemo que diz Freud: "0 abismo homens estabeleceram ma is tarde

e os animais nao existia para os primitivos. nem exisle para nassas cujns robins animai s, segundo deresultam de medo do pai". E :"Se admitinnos a sohrevivencia de .) eslaremos diminuindo 0 e pocas, a arrogan~:;~: alargou demas iado entre a hu-

Io

os animais" 6, ocidental vc 0 mundo cindido, cada da natureza separado do Dutro, e 0 do alto, dominando lodos os seres,

I=::~:~:::~;;:~i::~,~~~~

deu veza cientifico a essa

con ce~ao

do mundo.

cartesiano

Entretanto, tornam-se cada vez mais evitendencias a transformacOes, a reno-

::~:::l.:n~~tamente vern abrindo caminho

I

mais altos niveis de conscienencontra na vanguarda de muta~ao da civiliescreve: "Toda a hist6ria do

A sabedoria procura

0

sua caminho

Yasniio se trata apenas do animal que se perto de nos no mundo exterde dar muita aten~o ao intemo do homem, animal s ua evo l u~otanto

e do qual a fun~o inconscientese vai mais alem, dando expressao ••"ulper-hu,m,"o quanto ao infra-hu-

l"'''~' esl'udo ape"os

sera foca1izado do gate, tao rico em suas repre-

se nta~Oes religiosas, nas artes, nos contos de fadas, nos sonhos, nas vlvencias e nas expressOes ph'isticas de mulheres e de homens. Entre os representantes animais da Kore (Jovem Divina) e da Mae Divina, Jung cita em primeiro lugar 0 gatos. E , com efeito , 0 gato convem a dmiravelmente a essa represe nta~ao , pois uma proje~ao nunea se reali za se nao encontrn recept.aculo adequado. A unidade mae-filha a presenta-se nos mitos sob 0 triplice aspecto de Jovem Divina, de MaeDivina e de Dcusa Lunar ~. Feminilidade csquiva juvcnil , modelo de ciumenta dedica~ao materna e carator notumo sao, scm duvida, qualidadesessenciaisaogato. It talvez na religiao egipcia que existem as mais propfdas oportunidades para penetra rmos na si gnifica~ao simbOlica dos anima is em suas conexOes com as divindades feminin as. En· quanto 0 aspecto sentime ntal, generoso, dispensador de alimento da Mae Divina en· contra na vaca (deusa Hator) adequada represe nta~ao, sua irascibilida de, seu caniter terrivel, encarna m-se no leao. 0 fascinio misterioso da deusa do arnor, da alegria e da dan~a e representado pela gata. Os egfpcios veneravam tres principais deusas leoas - Sekhmet, Pekhet e Tefnet -, toeias manifesta~Oes da rnesma divindade, em locais e situncoes diferentes. Sekhmet. a poderosa, e a deusa das batalhas, que lan~a fogo pela enonne goela. Pekhet desencadeia tolTentesdevastadoras nos desertos do leste, onde habita. Tefnet, sujeita a grandes c6leras, ernite fogo pelos olhos e pela boca. Mas nem sempre essas deusas se apresentnm sob aspecto tao tenificante. Elas podem meta· morfosear-se em gata, tornando-se assim d6ceis e amaveis. Neste caso, seu nome e Bastct, a benevola. Entretanto Bastct, representada em corpo de mulher com cabe~a de gata, se sustenta numa das maos 0 instrumento musical das bailarinas, tern na outra uma ca~ de leoa, sinal de que podera, de urn momento para outro, reassumir seu aspecto fero? , exprimindo desse modo as mulabilidades emocionais do principio feminino. A. Erman na rra urna encantndora lenda referente a tais transfonnac;CieslO. Tefn et, nurn estado de fUrl a devastadora, aquartela-se nos desertos da Nubia. Ra, 0 grande deus

o

MUNDO DAS IM AOINS

116

solar, envia Tot, 0 deus da sabedoria , para acalmar sua violenLa filha e tentar traze-Ia de volta it casa paterna. Tot toma a forma de macaco e vai ao encontro da leoa. Fala-llie tranquilamente, conta-lhe que 0 tempo esta esplendido no Egito, mas que lodos fi caram t.ristes depois que ela partiu . Os insLrumentos musicaisjazem mudos. E a leoa "dejuba flamejant.e, dorso cor de sangue , olhos chi spantes, batia no solo com a cauda, levanLando nuvens de poeira que obscureciam 0 deserto". TOL, porem , prosseguia em sua fala mansa, contando-Ihe fabuln s. A leoa acabou comovendo-se, e suns Jagrimas caem "como chuva torrencial". Met.amorfoseia-se em gata e condescende em volLar it pat.ria, onde e recebida com efusivas manifest.a-;6es de alegria. A cena da con versa de Tot.com Tefnet foi gravada sabre rocha calcaria no t.emplo de Dakkcd. Est.amos diante da primeira sessao de psicoLcrapia, comentou a dra. M .- L. von Franz, ao examinar uma fotografia dcssa gravacao. Que SckhmeL, PekheL, Tefn eL sejam a meSilla pessoa e, ainda mais, que essas lcmiveis divindades leont.ocefalas se ident.ifiquem a amavel Bastet., causa estranhezu. Entretanto, nessas metamorfoses dc deusas, osegipciosexprimiam em imagens a verdade psicolOgica do eLemo jogo de antagoni smos, da luta de opostos, do predomfnio momcntaneo de um dos doi s p6los conLrarios inerenlcs il psique humana e lalvez ainda mais peculiares it Illulher. Morentz, comentando 0 conceilo elementar de que os egipcios adoravam animais c considerando as fi f:,'UracOcs de divi ndades leriomorficas nos templos egipcios, interpret.a !loutro nivel esse fen omeno. As fi f:,'UracOes significam que 0 p()(/cr pode se encarnar sob varias Corm as. "As rcprcsenlaCDes semi-huma nas dc deuses exprimem urn pensamento que aceila 0 homem scm rcjeitar 0 animal. Vemos nessas figurm.Des 0 primeiro grande exemplo deconcil iacao intelect.ual do inconcili avel. Ao aspecto estatico da figurajun ta-se um aspecto dinamico."ll Nao se t.rata de especulacOes te6rieas uItrapassadas. A linguagem mftiea eocomport.amento que a exprimc manwm-se vivos sob varias fonnas. Assim aconteceu que certo dia, na Casa

das Pa lmeiras, uma eliente a lmoxarifado e dcpois, saltando mente por uma janela, do telhado que recobria 0 alpendre 1,

se tranqililamente numa pol trona da vazia. 0 incendio foi dominado. Eo",","". do-a enroladi nha na poltrona daquela eu Ihe disse: "Voce parece a leoa que , de sub'i w,.se 'L,.,,,fc,nnou ,.. gl,ta 11",,\ tao tranqilila nessa pol trona". "Que. i.c', perguntou cia. Contei-lhe entao 0 mito egfpcio da morfose da leoa Sekhmet. na mansa E la se interessou logo pelo relatoe que 0 repetisse. Entao rcuni urn grupo de Uicnicos tes paraal de A. Ennan . apresenlacao teatraJ , "A sentando os dois papeis, de lena e de cliente que havia 1.entado inccndiaro xarifado. Repet.ida a leitura Erma n, um do miLo. A intCrprete do papel de Baslet. foi tao at.Lii ~n,"'~~·dl~a~pe"."~I~a,~;~,a~~:~~ ca, que a t.ocara p varias vezes ao jardim zoologico posturas de lcoa. Evident.emente essa scntaCiio teaLral tinha intencao "",pO,,",' que fo i plenamente alcancada!l.

~;~I,~~a;::::::,~:;~~:!;::!

Cuiu a gato. Agora te. Com efeito, oequiiibrioentre a o espirito achava-se em profunda niano tuando-se ruras e grandes que se mantinham fora da

Ii

soafimde tum. Nesse sentido, a nova reliigiii"p..~ tavu urn programa defi nido, que era resolula repressao dos inslintos, 0 que ciencia.

cristianismo~:~:i':::~~~;'~~:~

animal No representa lembradosa pomba,

SIMIOLISMO DO OAYO

117

unimaissimb6licosdosevangelistas- leao. turoeaguia, que figuram ao lado do a njo de ~ Mateus -. 0 boi e 0 asno da manjedoura, m, porem, quase int.eiramente desinvestiXs devitalidade. Eis urn dos motivos (oulIt6existem) por que urna religiao de amor 9OOocristianismo mostra-se indiferente as ",'da,lespraticadas contra 0 anima1. Sao francisco de Assis e poucos outros permalitem isolados. Erurioso, entretanto, que em evangelhos

:~:~i:a~n:i,m~:ru:-~S~g~O~',:e~m~~m~e~l;,h;;or

diz quc"saoconceito. as aves estasobre abaixo da terra que indicam 0 caminho o reino dos ceus"13. Oculto da Virgem Maria, estabelecido na Media, mae sem macula, toda luz, Que a imagem ideal da mulher fosse de seus sedimentos terrestres. 0 ~:~7. da Mater paga, negro do limo ;wi Jigado Ii terra, aos vegetais e aos reprimido inexoravelmcnte. A tomou-se quade peca do. Na Idade Media uma feiti a imagemda tomava para si a projecao da somndoa '~"'eti,lO da Magna Mater. Sobre 0 gato, tao estreitamente pr6ximo natureza feminina, representante adede aspectos da densa e complexa som"a" ii' as quais sempre esteve ",,",o,recaiu tambem temvel persegui,.. " ,.-me atribuido urn importante pa pel rituais magicos, e acreditava-se ate que se di s fa~avam em gatos para ou mesmo que demonios chega em sua De Occulla Philosophia, que sao da mesma natureza do sangue

n,las.M",,,·,

que com ambos "muitas coisas -I e milag,",a, podem scr tra:::~~~,:c::

l1Ih.d,,, ,~"" feiticeiras"14 . Poemas mcdi~·

relebram vit6rias do rei Artur sobre Nas festivas fogueiras da

pIo;~cmon i'lS_

::~~d;:a~~I;da~d~c;o:M~'~cli~-~:a~se:~,gatoseram estenderam

:

queimados vivos como substitubrwcas e demonios. Ainda no ana de Paris, Luis XIV, coroado de rosas,

acendeu com a s proprias maos a festiva fogueira onde lancou urn saco repleto de gatos viVOSI 5• Carregado de tao pesadas e sombrias projecOes que s6 muito lentamente vao se at.enuando, 0 gate a parece na maioria dos contos populares e fabul as como animal perfido , egoista, astute. E assim que 0 encontramos nas fabula s de La Fontaine (seculo XVII). A astucia e particula rmente posta em relevo. Por exemplo, em 0 Gato e a Raposa, seu Unico processo de escapar ao cao resulta mais eficiente que as mil ma nhas da raposa. Em 0 Gato de Botas , toda uma trama de habeis ardis e desenvolvida pelo animal com o objetivo de fazer a fortun a de seu dono. Mesmo 0 cientista Buffon (seculo XVIll) perde a objetividade quando se ocupa do gato. Ele descreve com admiravel agudeza 0 cava10, altivo, intrepido; valoriza 0 asno humilde e pacientissimo; 0 boi, resistente e lento; fa la de modosimpaticoda vivacidade, da a fetuosidade da cabra; estende-se longamente na consideracao das nobres qual idades de sentimento do cao, assim como de scus talentos. Mas qua ndo escreve sobre 0 gato e como se nao se tratasse de urn ser da natureza. As paginas de sua Hist6ria Natural assumem 0 carater de verdadeiro requisit6rio contra esse a nimal: infiel, malicioso, falso, ladrao. perverso nato, e outras qualifi cac6es do mesmo genero sucedem-se cerradamente. Nem sequerodevotamenta materno, tao evidente no gato, fo i assinalado pelo eminente naturalista frances. Entretanto, deve-se fri sar que, embora a atitude negativa em relacao ao gato haja predominado ate bern pouco tempo, nunca foi uniinime. Se muitos Ihe atribuem 0 dom de trazer rna sorte (sobretudo, gato preto), outms 0 consideravam talismii precioso. Se muitos 0 execravam, nunca deixou de t.er fervoro50S a migos ate mesmo entre padres da igreja. como Siio Felipe de Neri eo pa pa Leao XII. Sao freqiientes as atitudes a mbivalentes face ao gato, pois sua misteriosa natureza, tao rica em contrastes, parece atrair como ima as projec6es dos opostos humanos. As a finidades do gato com 0 principio feminino sao ni tidamente focalizadas na fabula de La Fontaine A Gala Metamorfoseada em Mulher. Mesmo revestida de forma huma na, ela persiste gata no iimago de sua

°

o

MUNDO DAS IMAOINS

118

alma. A afinidade aparccc Lambem nn hist6ria de Grimm 0 Pobre Rapaz do Moil/llo e a Gara, alribuida ao rim do seculo XVIII ou come~o doseculoXIX. Mas neste ullimo conlo o plindpio feminino nao tern de ser necessuriamente astucioso, trai~oeiro ou cruel. Durante longos anos urn pobre rapaz se rve a uma gala encanlada, em seu castelo ta mbem encantado, ate que ela , por ter side servida deVOLadamente, recupera a forma de linda princesa, que secasa com 0 herai da hist6ria. Ja se admiLe, portanto, que 0 prindpio feminino, representado pela gata, preci sa de atendimenlO e cuidado para evoluir a nlvel mais alto (a nimal que se transforma em mulher) e final mente ser integrado (casame nto). A hi st6ria de encantamenlo deixa tra nsparcccr uma modifica~iio de atitude que envolve ao mesmo tempo 0 prindpio femi nino e seu representante simb6l ico. Nos tempos modemos a Ji teratura c as artes pl f.isticas irao refletir, ou melhor,antecipar, essa mudanca. 0 animal que atC entao so se insinuara no interior das casas graCas a sua capacidade para com bater os raLas, mas que devia permanecer na cozinha e sentir-se feliz se conseguisse urn lugar nas cinzas dos borralhos Oembremos 0 conto A Gala BorrnLheira ), sem que nenhum fato exterior 0 explique, passa em meados do seculo X1X a ter novo padrao de vida e, sobretudo, conquista posiCiio especial junto aos arli stas. B. Le vinsohn, depois de refletir sobre as seculares vicissitudes sofridas pelogato nn Europa , diz: "Dc repente tudo isso muda. 0 gaLa, como seiscenLas anos antes 0 cao, e rccebido na sociedade. As belas-artes e a poesia apoderara m-sc dele, descobrindo a graca de seus movimentos"16. Efetivamente, impressiona 0 papel que 0 gato veio ocupar na Iiteratura desde ChaLeaubriand e Balzac ate Edgar Poe, de Baudelaire a T. S. Eliot, Colette, Pablo Nerudae Robert de Laroche. 0 medico pem a mbucano AunHio Domingues publicou em 1921 longo poema dedicado a seu gato Dom Marcello de Torretillas. Mai s sutilmente que lodos, Baudelaire soube desliza r do gato objetivamente real , com a sua pal pavel "fourrllN! blonde et brulie", para a enigmatica imagem do gaLa subjetivamente real.

Quafld mes ycux vers ce chat Tires comme par Ill! aimant Se retoumellr docillemcn t El quejc regarde CII. moi meme Je vois a vec elOllnemcnt I.e feu de ses prlll/clies pales Claires fallaux, vivo Illes opa/es Qui me colltemp/ent fixementY As artes pilisticas rcnctem 0 identico fenom eno. V. H. Dcbidour, que estudou emmIT'_ o bestiario nn cscultura da Idade 1 Franca, assinala a 8usencia do gato,

vern aparecer, C ainda il 7,;::~:::'~. ci: ultima fa se do GoticO l8 . No landajo, em sua Ultima Ceia, que vista no Museu Sao Marcos de loca urn gato a natureza lrai~oe i ra daquele Hogarth via unicamente 0 desse animal , sua cupidez na ca, fixada , por excmplo, na tela Children. Foi Sim U1LanCamen"lc:~,:o:m;:~;.~:;;:;: cislas que os pintores d los do gato. E cafram cativos desse recem-descobcrto, pol.,,,,I,,,,n lah'",milll res os desenhos e pinluras de gatos zidos desde as primeiras decadas do XIX ate hojc. Vemo-Io em, :o~;!::~:~~;,,:: femininas nos desenhos d rece em companhin de Pierre Loti no que Rousseau fez joelhos de Ambroise Vollard em Bonnard. Pinlaram gatos Rouviere, Renoir, K1ec, Mira, Di e muitos outros. Quebra mos a ordem cronologica breve cnumera~5.o citando em desenho de Leonardo da Vinci , onde a Virgem, 0 Menino Jesus e 0 ga.. 'I~h'" Britiinico). Decerto, foi uma inova~ao um gato nos bracos do M,mlno-D,ms;,q,,, "1 enta~ sO brincava com cordeirinhos. senho, mesmo se feito hoje, seria conteudo psicol6gico ainda u,,,a'"""';~<*1 Independcnte, insubmi sso, 0 tambem visto na hist6ria como , hnbolo"" quado da liberdade. A Revolu~iio incorporou-o a varios de seus e"bllerr,,,,,,

119

frigio. Prudhon pinta a liberronna de uma mulher scgurando com 0 barrete frigio oa paola e .... "!Us pes urn gato. Ao contrario, Nadetestava gatos. Lenin simpatizava animal, segundo prava urna foto1922, em que 0 vemos com urn gato

esclareeido de nossa

epoca cos-

""jwg" os mitos, as hisl6rias de fadas,

fotcJ6ricos, ingenuas fabula¢es indo inconscien le de nossos conterosellS sonhos, apresentam ainda e mesmas imagens, os mesmos leIl! ''';]',"''",5 . E que essas produ¢es se segundo os arquetipos, fatores esdo psiquismo profundo, vivos e tanto onlem quanto hoje. apareeimento do animal nos sonhos problemas importantes. J a que 0 representa, o a maioria das vezes, a ila ""tint;''", deveremos procurar nesses indica¢es no sentido de favorecer a for~as da natureza ou, ao conlibertarem no sentido de seu lugar na totalidadc da psitera de ser vivida de modo simbolieamente, in"',md'l-se esfof"\!os para apreender seu

o

seu ensaio Sobre a Natureza da distingue naquilo que de ordinario

":::;~~~~~:;:a:,a:,ca~-;:o: :p::ro~~Priamenle dita na tolalidade

IIi

diversas fases. J ung reserva a deno-

s~~~:~~~~~~~

I

fisiol6giea, enquanfonnas herdadas as disposi¢es para lhe dao scntido. A tomar mais compreensivel seu penele recorre a urna analogia. 0 inso arqu~tipo como a faixa vcrpara a faixa violeta no espectro. pode-se dizcr, esta na parte infravennelha do especenquanto a imagem instintiva enconns parte uJtravioJeta."20 A eonsdesloca-se nessa escala, ora aproxi-

mando-se do vennelho, isto e, da compulsao instintiva. e caindo sob seu dominio, ora avi-

zinhando-se do violeta, isto e, da imagem simbOlica arquetfpica que Ihe da signi ficacao. Instinto e arquetipo sao opostos de alto potencial energetico. Movendo-se entre elcs, os processos psiquicos buscam equilibria e, em seujogo, tambCm aqui, tal como acontece em toeIns as oposi~s, podera ocorrer que os extremos se toquem. Quem trabalha para a int.egracao de sua propria personalidade tera de confrontar-se com instintos e arquctipos. A conrronta~ao com os instintos, com "0 animal em n6s", cleve seT feita modestamente, sem repulsas prelenciosas. Precisamos aceita-los como uma realidade inerenle a nossa condi~ao biol6giea. Isso nao signifiea deixar que a conseiencia caia no dominio da esfera instintiva. Sena regredir. Seria torna nno-nos escravos de forc;:as compulsivas, perdendo a energia psiquiea que 0 homem pode conquistar para dela dispor a fim de aplica-Ia em atos livres. Viver eapturado na esfera instintiva e 0 que Spmoza ehamava "servidiio humana". Conhecendo "0 animal em n6s", sera possivel evitar seus ataques imprevistos. 0 procedimento mais eficaz para eseapar a tais assaltos e estar em harmonia com 0 aspecto instintivo sempre presente na natureza humana. Essa incorpora~o s6 podera ser realizada quando a eonsciencia confrontar 0 outro extremo da escala: 0 arquetipo. Escreve Jung: "A tomada de consciencia e assimila¢o do instinto nunea tern lugar na erlremidade vennelha, isto e, por absorcao na esfera instintiva, mas somente pela integracao da imagem que simboliza e ao mesmo tempo evoca 0 inslinto, embora sob fonn a completamente diversa daquel a que encontramos no nivel bioI6gico"21. A resultanle no momento atual, pelo menos no Ocidenle. e urna escarpada separacao entre natureza e espirito. De outra parte, pOI-em, nunca cessaram ao longo dos seculos as tentativas subternineas de aproximacao dcsses opostos, pois isso significa a tendencia a completacao da personalidade humana, que e, comoJung descobriu. a mais forte das tendencias inatas.

o

MUNDO DA S IMA O IN S

126

Tateamentos de le nta integra~ao dos componentes animais na ps ique da mulher, bern como no principio feminino exi stente no homem, sao, por assim dizer, visualizados em representa~oes pl tisticas atraves da historia. Observam-se todas as grada~oes : a ) antigas deusas sao rcpresentadas pelo proprio a nimal; b) 0 corpo da deusa e de Il1Ulher, mas a cabe~a e de a nimal; c) 0 corpo e de animal e a ca be~a e de mulher; d) vislumbra-se a solu~ao harmoniosa quando 0 a nimal e 0 veiculo da deusa, como acontece nas represent8lrOes de Cakti caval ga ndo 0 leao ou 0 gato, e de Kwa nnon , a deusa ja ponesa da misericordia, montada sobre urn tigre que e la conduz, brandamente, sc m a rreios nem ch icote. Nos son hos de nossos contemporaneos revela-se 0 processo da a proxima~ao d e opostos. Se 0 animal reclama seus direitos, 0 encontro do espirito com a natureza tera de realizar-se agora conscientemente, num nivel mais alto, acima da luta inconscientc entre os dois extremos contnirios. 0 movimento de aproxima~ao de opostos esw se revelando modem a mente no mundo inteiro nas lut..:'1S ecol6gicas. resull.antes nao sO de interesses econ6micos, mas de uma progressiva e l eva~ao do nivel de conscicnci u, ca paz de uma visiio da unidade de todas as coisas. A ecologia, escreve F. Capra, "tern suas raizes numa perce~aoda realidade que transcende a estrutura cientfica e atinge a conscicncia intuitiva da unicidade de toda a vida, a interdependencia de suas multiplas rna nifesta~Oes e seus cielos de mudan~a e transfonna~O" 22 . Para atingir a in tegra~ao dessas for~as, sera necessario persistente trabalho, devotado trabalho de carater por assim dizer religioso, se tomannos rcligiao no conceito antigo da palavra religio: cuidadosa considera¢io de "poderes" dominantes 23 . A intui ~ao do artista a preende, no inconsciente, os movimentos de a proxima~iio de opostos. Oi Cavalcanti pintou uma mulata que tern entre os seios opulentos, quase nus, urn grande crucifixo e, sobre os joelhos, urn gato preto. Cruz e gato sao 0 centro da tela. Num quadrode Reynaldo Fonseca, uma menina palida , em vestes de primeira comunhao, veu bra nco e coroa de rosas, traz na mao

IlA.R .

, II- A. II. ~I
h.drororlpapcl 16.0z II.Q~m.

direi ta umlivro de missa e urn te~o de Acruz pendente doter~ositua-seexata nonivel da ca~ d e urn gato rajado,de mist.eriosos, que estii. deitado ao lado sobre uma al mofada. Gutro test.emunho do mesmo p inconsciente e a pintura de urn menino catorze anos, do norte do Brasil, real' . para servir de cartao de boas festas doN de 1963 (fig. 1). Nela vemos uma Nossa nhora bern pouco convencional. A ca~a desprovida da constante aureola de san . de e os olhos nao se dirigem para o alto, estao voltados para dentro e para baixo. manto ecurto e de cor vennelha, signifi '

S IM.OlISMO DO OATO

121

lpart.e ainda restrita concedida aos afetos, EIID ronjunto de vestes onde predomina a espiritualidade do azul Habitualmente ve· ms a Virgem pousar os pes sobre 0 globo taTeStre ou sobre 0 crescente lunar , ambos !iJnbolos femi ninos, parecendo que a lua rejreSenta a amada, a noiva, enquanto a terra mespondeas qualidades maternasz.. Terra Illua sao substituidas nessa pintura pela ~ de urn gato. As orelhas do gato, confiyuando as pontas do crescente, indicam as OXIeXOeS desse a nimal com a lua; sua cor jI"eia e seu aspecto misterioso caracterizam !lla natureza ctOnica. Note-se que os pes da \'itgem ndo pousam apenas sobre a cabeca ~animal ; porem, a borda das vest.es e pes ;arecem mergulhar dentro de sua cabeca. 0 m!tnso azul dos olhos do gato e 0 azul da ::meada Virgem, visto atraves de suas 6rbi:&5, e as pontas dos pes da santa aparecem a:mo OS dentes caninos do animal. Assim, rarte de seus membros inferiores deve estar !!ICI1Ivada no interior da cabeca do animal. 0 wiz dogato( faro), em cor vermelha e form a ~rorapo , figura a intuicao em atividade na sera afetiva. Na testa do gato preto ve-se, entretanto, una mancha branca, pois no interior do Yin Ii sempre uma semente Yang; dentro do IIfgIUme, da materia, esta sempre contida t:!Il!l parcela de brancura, uma centelha de ISpirito.

Simboli smo do gato nos sonhos a seguir alguns sonhos nos fl3is 0 gato e 0 personagem principal, figu· :3IIdo romo emissario do mundo simb61ioo immino. Em uma serie de sonhos de urna mulher iidade mediana, a sonhadora sofre as con· ejiiencias de urn complexo mae negativo, I:Ii repressao, desval oriza~iio e atrofia dos mtintos remininos. Na segunda meiade da Q1aoinronsciente vern razer insistente pres. para que esses instintos sejam enfim zmnhecidos e aceitos, co n di~o prelimina r idLopensavel para a total iza~o da persolliidade. I · Enoite mui to escura. Uma gata salta Igrade de um jardim e foge rua afora. Uma pregada corre em seu encalco. A sonha.~ntamos

dora diz it empregada: "'A gata fugiu porque voce na~ a alimenta suficientemente". A gata encarna os instintos femininos desprezados, nao atendidos. Esses instintos estdo fa mintos. Abandonando a casa e fugindo na noite, a gata indica 0 perigo de esses instintos tornarem-se autOnomos e assim se subtrairem ao processo de integra~o da personalidade. Aempregada, desdobramento da sonhadora. representante de aspectos seus mws primitivos e proxirnos da vida instintiva, esfo~-se, POI'em , para alcanca-lo. 2 - Urn objeto earremessado com violencia sobre a cabeca da sonhadora. Ela ergue as maos e segura 0 objeto, que e a ca~ de urn gato, sangrando e miando de dor. Olha em tomo e ve perto 0 corpo do animal, que ainda pal pita. Junta a ca~ ao corpo e, envolvendo nos bra~ 0 animal , repete vanas vezes com muita em~o: '1)escansa em paz". Quem tera decapitado 0 gato e laneado sua ca~ contra a da sonhadora? 0 inimigo do gato sera 0 principio masculino (animus) dasonhadora, que, pretendendoposic5es sempre mais dominantes, quer exterminar os instintos femininos? Ou tera chegado 0 momento do sacrificio dos instintos animrus, e 0 gato seria imolado tal como Mitra sacrifica 0 touro? Aatitude da sonhadora ede aceita~o do sacrificio. Parece ter chegado a hora de renunciar as vagas veleidades de juventude que ainda repontam, animadas pelos instintos insatisfeitos. E preciso enfim compreen· der (a cabeca do gato e jogada contra a da sonhadora) que passou a oponunidade de seguir os instintos descuidadamente. Chegou 0 momento de procurar decifrar·lhes a s i gni fica~o profunda e de eleva· los ao nivel da consciencia. E como se fo~s inconscientes que buscassem integracao forcassem 0 deslocamento de acontecimentos psiquicos que vinham ocorrendo entre obstaculos, na faixa vermelha, transpondo-os violentamente para a faixa violeta, onde terao, nessa altura da vida, a oportunidade favoravel para serem entendidos e assimilados. 3 - Luta terrivel entre urn tigree urn gato. Os dois a nimais enrolam·se em circulo, engalfinhados. A sonhadora acompanha a luta com emocao e esta certa de que 0 gato sera despedacado. Mas 0 tigre desaparece e 0

o

MUNPO PAS .MAGIN S

122

gato apresenta-se sentado, hem seguro de si, apcnas com urn pequeno ferimento atrlis da orelha esquerda. Parece estranho que urn representante do arquetipo da Magna Mater - tigre - lute contra outro aspecto do mesmo arquetipo, simbolizado pelo gat.o. A experiencia analftica, entretanto, demonstra que os combat.es nao se travam apenas e ntre conscient.e e inconscient.e. Nas profundezas do inconsciente, mwtiplas forl;!as lutam entre si, e e atraves desse jogo dia lctico de oposi¢es que out.ros niveis sao atingidos e se processa 0 desenvolvimento. 0 tigre representa oaspecto t.emivel da Deusa Mae, seus a:etos violen tos e desordenados. Animal selvagern que dilacera e devora, todo conlato com ele e dificil e perigoso. Contra as expeclativas 16gicas, 0 gato nao e destruido pelo tigre. Acontece aqui a mesma coisa que em muitos contos folcl6ricos, nos quais 0 animal menor e mais frligil vence 0 maior e mais forte. A vit6ria do gato, animal que con vive em harmoni a com os huma nos, embora conserve algumas caracteristicas selvagens, traduz a vit6ria de impuJsos integn'iveis sobre os a fetos indomados. 4 -A sonhadora fica surpresa de encontrar em seu quarto dois pequenos gatos muito magros. POe sobre 0 solo urn pires de leite par? eles. Mas os ga tos sao tfmidose hesitam. Urn deles' foge a medrontado, enquanto ooutro se a proxima, com precaul;!ao, e hebe 0 leite. Esse sonho apresenta em imagens 0 infcio do processo de aproximal;!ao entre 0 conscicnte e os emissa rios do mundo feminino inconsciente. Oferecendo Icite aos pequcnos gatos desnutridos, a pcrsona lidade consciente dii urn passo em dircl;!ao ao inconsciente, toma a di sposil;!ao de cuidar dos instintos desprezados. Entrelanto,a aprOXimal;!30 mlo se realiza scm hesital;!Oes e recuos por parte do inconscie nte, pois em ex perie ncias antc riores muitas t.enLativas de a proximal;!ao jli devem t.er sido fru stradas. 5 - A sonhadora vc numa flore sta vlirios gatos. Tenla acaricili- Ios, mas elcs sao a rredios. Em cena seguintc ela entra em seu qua rto e af encontra quatro daqueles gatos dormindo em sua cama. Tres sao malhados em branco e preto e 0 menor e tipo tigre. A

sonhadora alegra-se. Vai ao quarto, lamenta ter esquecido a1imen to para os gatos.

SendOOSgatosa~~:~:;::::~;:~:=

bitam a florest.a, indicam que tornados em consideral;!3o levam vida noma no inconscient.e (fl oresta). que urn movimento de aproxima~ao ~ por parte do conscien t.e, eles vern

da sonhadora, buscando ~:;~~';;':~~:::: fato de os gatos serem em I pode ser reflexo da estrutura basica que inconsciente, que e q~,~~:~,:;,:::,: propria natureza, e indi~ar 0 de forl;!as no sentido da gural;!Oes quatem lirias do self, bem como ref1etem as de oric ntal;!ao do consciente intuil;!iio, senti mento, se n sa~iio). 0 i .... nor, de tipo tigre, portanto mais represcntaria urn a rquetipo mnis do cont.role consciente, e t..'llvez ' ;:::::: mente a fun l;!ao inferior, dcntro ( col6gico da sonha dora . 0 o"lue
SIMBOllSMO D O OATO

123

com urn toque de vaidade seduto-

Ecomo se os atnbutos representados 'divindades egfpcias - a poderosa leoa eteaamavel Bastet-se reunissem na personalidade. i·Urn belo gate branco esta sentado sobre pequena mesa. No alto, suspenso it pareumrel6gioredondo gira (nao os ponteiros, oproprio rel6gio) em grande velocidade. Ogatodesse sonho, pela sua cor branca, indicar a ocorrencia de deslocamento instintos para outro nivel, isto e, trans'. da faixa vermelha dos impulsos a · para a fa ixa violeta, onde se dara a rta de suss s ignifica~Oes profund as. reJ6gio, girando rapidamente num movicircular, revela aquilo que esta aconno inconsciente - movimen to cen tra-etambem que 0 tempo urge, que e ntea partiei pa~ao da consciencia nesse

seguida analisaremos 0 sonho de uma mulher,jaem nivel de desenvolvimento · alkl. Asonhadora esta andando na rua, tendo direita urn gato branco e it esquerda urn prete. Alguns passos adiante. justo na · de urna carvoana, 0 gato branco tra ns-ge em linda crian~a, que diz a sonha'"Vamos it igrejal" A sonhadora emocio· .Ogato prete nao sorre nenhuma trans-0, mas agora a sonhadora carrega-o !rail' esquerdo, envolvido numa toalha Logo se acham os tres em pequena e capels onde nao ha aHares nem ima· Ve.seapenas um caoque dormeestendi005010, De subito a crian~a transforma-se jovem de olhos claros, luminosos, vesde branco. Ela se inclina para 0 dio e · , -
branco, pela sua cor (e por sua subsequente metamorfose) representa instintos que tendem a aproximar-se da consciencia (lado direito), trazendo-lhe sua s i gnifica~ao simoolica . Confirmando suas qualidades a rq uetipicas, 0 gate bra nco transforma-se em crianea, simbolo que exprime as potencialidades de desenvolvimento do self25 e que se a finn a claramente por suas exigencias rcligiosas ("Vamos a igreja. "). 0 falO de 0 simbolo do self assumir fonna humana significa, segundo J ung, que, pelo menos parcial mente, 0 centro ordenador da vida psiquica esta se aproxima ndo da conscienci a e, a inda mais, ordenando a sonhadora que 0 conduza a igreja, assume papel diretor. deixandoaoegoo papel executor 26. A transfonna~o do animal em crian~a ocorre na porta de uma carvoaria, local onde se encontra 0 produto da q uei rna da madeira, q ue outra ooisa nao esenaocarbono quase puro. 0 carvao tern , portanto, estreita conexao quimica com 0 diamante, que e carbono puro crislalizadoc urn dos mai s universais simbolos do self. Chcgados a capela, a cri a n~a tra nsfonnase numa jovem. 0 processo psfquico esta se desenvo)vendo aceleradamente: do gate branco houvea passagem para a cria n~a, e logo as possibilidades nesla encerradas Ooresceram na imagem da jovem desconhecida dotada das caracteristicas da Kore, uma das fonn as tipicas assumidas pelo self na mulher. Com efeito, originando-se de transforma~Oes sucessivas, a jovem apresenta-se como um ser mitico. E a jovem divina, a Kore mitol6gica, opta representante da personalidade superior, do self, quando se trata da mulher (seu equivalente no homem e figurado pelo Velho Sabio). A experiencia analitiea demonstra que a imagem correspondente a esse a rquetipo e em geml uma imagem dupla:jovem divina e mae divina, a Ultima quase Sempre reveslida de seu aspecto cwnico. Nesse sonho, a origem dajovem divina que encam a 0 aspecto luminoso do self e, muito coerentemente, 0 gato branco. Sua oontraparte cwnica, porem, nao se a presenta sob fonna humana. Acha-se ainda a ma1gamada na base instintiva, apresentando-se sob a imagem do gato preto, que nao sofre nenhuma transfonn aeao. Acresce

114

que 0 gato donne nos bravos da sonhadora. Tambem donne 0 CaD, a nimal de Hecate, deusa mae em seu aspecto notumoe sinistro. Isso parece s ignificar que for~s instintivas opostas do mundo feminin o s ubterraneo ainda nao atingiram condi~s de se defrontarem. Vendo Deao, 0 gato preto podera mesmo assustar-se e fugir, isto e, cscapar nuwnomo ao controle da personalidade conscient.e. A jovem divina, embora tenha acariciado 0 cae, contata que poderi a w-lo despertado, aceita que se a fastem, pais nao chegou ainda 0 momento do encontro de oposw s extremos, proprio das etapas ulteriores do processo de individuae;ao. Esse processo parece esLar desdobrando-se. oa sonhadora, em niveis bastan te desiguais: terno encontro com ajovem divina de uma parte, e de Dutra, animais ctOnicos que donnem prorundamente. A ultima cena, que se passa numa capela, s ublinha 0 ca rater religioso dos fenomenos em curso. Entretanto, a capela, embora crista, aparece sem altares e sem imagens. 0 lugar e cristao, mas a divi ndade presente veste a fonna pago. da Kore, pois o inconsciente, na incessanlc elaborar;:ao de seus conteudos, nao faz acepr;:ao de credos. Nao seria s uficiente assinalar nesse $0nho a preseOl;:a de elementos pagaos e interpreta-Ios como sobrevivencia de urn mundo mais anligo, especie de achados arqueol6gicos. A amilise das producoes do inconsciente pelo mctodojunguiano lrouxe a revelac;ao de que tais elementos arcaicos pennanecem vivos, alua ntes, e que estilo envolvidos num continuo processo de elaboraplo alraves do tempo. Esse processovem sendo particula nnente estudado pela dra. Marie-Louise von Franz, que ja nos apresentou doi s cortes lransversais de seu desenvolvi mento, distantes urn do outro catorze seeulos. Em seu estudo The PassioPeTpetua 27 , analisou ossonhos da marlir crista Santa Perpiitua (seculo I), dernonstrando que 0 movirnento do inconsciente se h avia apoderado do cristia nisrno nascent.e, toma ndo-o em s uas corrent.es ascendentes. De fato, 0 desenvolvimento da consciencia do homern oci den tal exigi a a repressao da vida instintiva a firn de que sc diferenciasse 0 espinto. Os aspectos opostos cocxistentes nas

figuras dos deuses pagaos n~:::::~: cindiram-se nessa epoca. E ram em dolorosa distensao que espfrito acabaram por defro,n""·,~o",,i migos . Noulro estudo, The Dreams Visions of St. Niklaus van der FiUl, Marie-Louise von Franz continuou sa do desdobramento desse processo. n hos e visOes do santo sui.;o, que seculo XV, revelaram que doinconsciente havia dos no tempo de Santa Perpiitua. v;;,,.~ ... urna tendencia intensificada dos pagaos, nao somente a emergir, mas a , do que se esta produzindo no . urna reorganiza¢o de seus con1eudos. Conseguida a diferenciacao de (Deus-diabo, bem-mal, ;m,t;,,1<>·05I,;rilo\.' racteristica da civi lizar;:ao ocidental, que lentamente se prepara nova mar;:ao, porcm em nNel mais alto primiliva coexiswncia. Muitos sao de que "o inconsciente es~ urn valores da

c i vil i za~ao

cristil" :I8.

J

pensamento, nao int.erpretaremos a dos animais e da Kore dentro da ign,jaoMi cOmo meros vestigios do paganismo' nos estratos profundos da psique. V,,","", ses sfmbolos e na mancira como eles pOem no cenano do sonho a eXI",,",,1 es ro~ por parte do inconsciente para proximar valores que se haviam demais. lnfelizmente, para a so,oh"d,,,'1'" eSrO'1Xl acha-se longe de sua meta. mesmo, trata-se de um s~::: ~;:s,~~:~;: sentativo da situacrao psiquica da tcmporiinca, ainda em caminho para pletac;ao e integra~ao de sua personalida~

o

gato nao se apresenta somente sfmbolo remini no. Ele possui 'mmbemcan., terislicas aptas a sim bolizar 0 homem suas qualidades mais varon is. E insubmisso. Luta renhidarnente com gatos pcla disputa de urna ternea, mas bern bate-se pclo prazcr d e lutar. Os

SI""'O~IS "" O

DO 0""0

125

mador, que lhe dara para comer a cabe'Ya do gato, isto e, sua essencia. E assimilando a sign ifica~o dos instintos e das em~s que ele podera individuar-se. A insistkncia do cozinheiro traduz a urgencia do processo de desenvolvimento. 2 - No rebordo da janela do quarto do sonhador varios gatos, de pe sobre as patas traseiras, fazem cfrculo em tomo de urn pequeno gato que est.a sendojulgado por eles. 0 sonhador sabe que 0 pequeno gato eseu filho. Ele deseja ir em socorro do filh o contra os gatos acusadores, mas se sente paralisado. Os gatosjulgadores representam as mulheres que 0 sonhador conheceu em sua vida boemia e que sofreram por sua causa. Com efeito, ele se relacionava com as mulheres apenas em nivel instintivo. Tern, pois, de enfrentar as aspectos nao desenvolvidos da anima. Agora suas possibilidades de desenvoivimento, figuradas pelo pequeno gato-fi lho, estiio aprisionadas por senLimentos de culpa inconscientes que ele necessita aceitar conscientemente. A cena, passando-se no rebordo da janeia, lugar por onde enLra luz, anuncia a aproxima'Y3.o desses sentimentos reprimidos em rure'Y80 it consciencia.

.. "wb,al"e"den,n com ele: saItos e atasuas lutas marciais. Yas e principalmente na qualidade de

~:~~~:: do principio feminino

~

no hoque 0 gato surge em proje'YOes homem . C.G. JWlg narra 0 caso de urn seu anahomem muito inteligente, que viu .. ant;ga escultura egipcia e instantanease apaixonou por ela. Era uma gata lIJXlaLogo adquiriu por alto p~ a estacolocou-a numa prateleira, na princisua cass. Mas logo perdeu a tran. 0 escrit6rio estava situado no ane quase a toda hora ele abandotrabalho para subir e olhar a gata. o desejo, voltava ao trabalho, para de momentos tomar a subir a fim de ",.,pl" novamente a gata . Asitua~o tomou-se tao desagradavel , " 'leoOl~"u a escultura sobre a mesa de diante dele. Depois russo, nao conmais trabalhar. Entao colocou-a nu-

;",.ri"

0

para s6tiio da casa, a fim de sua inOuencia. Mas conti:'::~I::O;~~ ..",Iuwoo" b".., "lOt.a,"o deabrir acruxa olha-Ia novament.e. Quando ele comnend,"'"q'" tudo se tratava de uma proje1I.,;mag"m feminina, poisa gata simbolia mulher, todo fascinio da escultura

°

Nio sO em proje¢es, mas tambem em de homens, 0 gato aparece rico de ~ca95es simb61icas. Sonhos de wn homem ooemio que depois ~"'.m tardio se tomou muito severo proprio em tudo quanto diz respeito

.•'",

1- 0 sonhador com prime urn gato de parede com uma forquilha apli.... p'so""" do animal, ate mat.1-1o. Urn de aspecto imponente, usando e golTO alto, diz que ira cozinhar a do gato para 0 sonhador come-Ia. Oi.<,d;,,,ndo ,qUI' oso"h,nd,,, tera de comer Matando 0 gato por compressao,

°

sonhaa grande repressao que est.1 exersobre sua vida instintiva e tambem princiip;"f"m,;n;no (anima ).O cozirepresenta 0 alquimista, 0 transfor-

, Alie/ina Gam ... 14 / 09 173 61ro l papel 2 7,0 x 37,Ocm.

Image ns do gato no d e se nho e na pintura

sen e de imagens representando gatos, pintados pela mesma mu lher que reviveu 0 tema mitico de Dafne '.l9 . Transposta a fa se de iden-

o

MUNDO bAS ' ''''AOI N S

126

,

, ,\ddin(J CoQnles

17 106 180 g ua" hd /Kf/I<'/ -17.0.., 33,0 em .



Addj1lu GO"'/:3 29{01{ 64 41.rolpapd 41,O:.:3.1.0"nr.

,

Adldina Gomc&

./d 6Ico/ papd ·18.0..,33,0"", .

.

,--." fase vegetal, vestigia de sua anterior morfose em plnnla. A gala mulhcr de fi sionomia de um a nor mandaiica (fig. 0/."''',',"'' gata desrlohram-se em m"tamorfru,,," nuas.

A gata mulhcr liberta (fig. 4), tal Bastet, a legre e benevola, dan~ndo .

mente. Mulher vcstida de branco, veu i tc branco e coroa s u'geri"d" ",,)),",de!" Ao lado, quase fundido am,lihcc,"m"••

te

0


seT

(fig. 5).

Pintura (fig. 6) feita nas pnlXhnidadol Natal (13 de dczembro de 1965),

frcqGentadorcs de nosso servi~ a rma r presepios. A autora, com cfeito, a estrutura de urn presepio, mas, em centro, em vez da crian~ divina, esta

E urn mulheres, duas das qq~u;a~i:S::'~::':a:=

estrela de cinco ponms.

vegetal , abre-se a sene do gato que a auOOTa havia estrangulado oa vida real, tifica~o

ident ificando-se assim simbolicamenLe com

a atitude de sua mae oa repressao da vida instintiva representada pelo a nimal. Gato proximo do real (fig. 2), mas que pela s ua cor verde traz em si ainda a marco da

tisas. Dirigem-se da e. com as maos erguidas em atitude para a estatua de wna ,.p)(,sa~ urn pedestal, tal como era venerada a deusa Bastet. Assim, a autora iniciaJ de seu surto psic6lico, em

g"taq""

rep"",* ''''','0.>

SIMIIOUSMO DO DATO

127

do estranguJou a gata de estima.yao de sua casa. Atraves do desdobramento Iiwe da ati. vidade expressiva, configuradora de imagens, a autora, inicialmente muito agressiva, pas. sa a uma atitude tranqUila e cordial, numa autentica transfonna.yao t.erapeutica. Essas considera.yOes nso satisfazem .completamen. teo Pennanece ainda misterioso 0 processo transfonnativo que se desdobrou no mundo interno da autora, processo dos mais enigma. t icos que existem nas cole.yoes do Museu de Imagens do Inconsciente. Merece aten.yao a presen.ya de tres esferas no alto da constru . .yiio do presepio, que caracterizam a religiiio

6

Adeline. Go"",. 13/ 12/ 65 6lco/pn pd 32.0:L 48.0 cm.

, Emygdio de DDrrw 18 / 05 /70 61co/pnpei 33.0 r 48.0 cm.

o

MUNDO DA5 '''''A Ol N 5

128

ilil crista trinitaria. Elevando-se acima da cabec;:a da esUltua da gata, viS-se uma quart.a

esfera,que na eoneepeaoj unguiana vinaeompl etar a trfade masculina crista, representandooelemento feminino, 0 animal, a terra. o gato no mundo interno do homem, configurado por varios autores, pode tanto simbolizar qualidades espccifica s masculinas como a imagem interna da mulher no homem: a allima. Emygdio retrata belo gato repousando tranqiiila ment.e no atelier de pintura, onde gatos e caes movem-se em liberda de (fig. 7). Raphael, com a magia sutH das linhas de seus desenhos (fig. 8), eria urn gato fantastico aos pes do menino introspectivo. Sempre introvertido, gatos e cites eram seres com os quais Raphael mnis facilmenle secomunicava. As imagens seguintes foram pintadas por urn mesmo autor. Gato forte e m atit.ude deeididamente maseulina, que representaria 0 ideal do autor (fip'

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Mas a anima , e m sua elegante delica deza,

e mais forte, surpreendentemente apresentando-se sob aspccto semelhante a Bastel, numa de suas cl assicas representacOes (fi g. to). A presenca da lua reforca sua relacao com aquela divindade. A seguir, 0 pri ncipio femi nino, dominanle no autor , a parece em seu aspecto sinislro, outra face da anima oposta a imagem a nlerior{fi g. 11). o gato adquire dimensao mitol6gica (fi g. 12). Empunha uma cspada para matar 0 grande peixe-dragao que lenla devora-Io. Uma aproximacao mitol6gica enconlra-se no Li/Jro dos Mortos dos egipcios. 0 gato, a servicode Ra, decepa cada manhii a ca beca da serpente Apofis, que encarna as patencias negalivas docaos constant.ement.e deslruidas e conslantemente renovadas.

I

~~ --

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-

f

Roy. C. Arls Salll.m gc8. p. I I. R. Delpirt,P, 1957. 2 Levinson. B. f'el ·Orienled Child P S}'C'/wtfoll p.43. Pets (lnd Human Developrnent.Chai Thomas Publishe rs. Illinois . EUA. 3 Co rson, S. Pel -Facilitated P8ychothrra/l1. Department of Psychiatry. Ohio Siale University. EUA. 1974. 4 rerraz, S. J omul do Brasil, 10-5-1990. 5 Beck . A. Betwee n Peu (/lid People. p. 9. Putnam's Sons, Nova York. 1983. 6 Freud. S. Mo.ycs and Monotheism. p. 100. Hogarth Pres/:I, Londres. 1974. 7 J u ng. C. G. Complel/? Works, 9. p. 231. 8 hlem. ibidem. 9. p . 184. 9 Jung. C. GJ Ke renyi C. In/rOOue/ion loa&! of Mythology. p. 154. Routlege Kegan Pan!, Lo ndres, 1951. 10 Erman. A. La Religion des tgypti~n' , p.9'l. Pnyot. Paris. 1952. II More l1 1., S. 1.0 l?cligioll Egyptit nne, p. 43. Payol , Paris, 1962. 12 Silveira. N. A EmOfiio de Li(/nr, p. 50. Alhambra, Rio de Janeiro. 1986. 13 J ung. C. G .. op. cil., II . p. 144 . 14 BrifTaul t . R. The MOlhers, 11 , p. 623. G~~ Allen. Londres. 1959. 15 Fraze r . J . The Golden Bough, p. 656. Th~ Mac Millan Com pa ny. NO" a York. 1948. 16 l..e" insonn. R. Histoire des Animoux. p.n Lib rairie PIon, Paris. 1953. 17 Baudelai re. C. Les ncurs dll Mol. p. 81. lmprimc r ic Chaix, Paris. 18 J)cbidQur, V. I.e Bes/ioire SCIIlplf! en Froll/f 350. Arthaud, Paris, 1961. 19 Jung. C. G .. op. cit .. 8. p. 159. 20 Idem. ibidem. p. 2 11. 21 Idem, ibitl/?m. p. 211. 22 Ca pra. F. 0 POlito d e MuIO(;iio. p. 403.Culu S(lo Pa ulo, 1988. 23 Ju ng. C. G .. op. cit .. I I. p. 8 . 24 /(fem, ibidem. 14. p. 438. 25lliem, ibidem, 9, p. 151. 26 /clem. ibidem. 16. p. 311. 27 Vo n Franz. M,· L. Thc Passio Perpclua. SpriJ Nova York. Tbe Analytical Psychology Club, 1949. 28 Vo n Fr anz. M.- L. Les VisiOfu de Saini Niro/. tie Fille . Dervy· LhTes . Paris . 1988. 29 Si lveira, N./magens do / Ilconscienle, p. 232.

C",plTU~O



A CRUZ E SEU SIMBOLISMO

cruz e sem duvida urna imagem arquetf pica, configurada sob formas diversas, desde a antiguidade mais remota. Emborasejam variadosseus aspectos, esta sempre carregada de significacoes muito densas. Talvez a mais antiga que 0 homem de hoje a cruz suastica, ougamada, coosbenefica, ~~~~~:~~:~Q~ u:ando seus pois bra~sestesee sol; quando se orientam

~

e considerada maIefica. Entretanto, 0 arque6logo A. Parrot. afirma , .. ,mn'gam" daexistia muitosanos antes Podera serencontrada desde 0 IV ceramica de origem iraniana. Aauzgamada, para muitos autores, simllimo,"""do ,soil como significac;ao religiosa. Paraoutros (Astley, Parrot), aquilo que gamada e a cona":'~:'7:,::::n,:nadecruz seu movirnento, que ao homem areaico a inqui eta~o do perpetuo da vida, mist.eriosa-

Outra forma de cruz, a cruz ansata, tern 001, imp,uw'>ci" his06ri,ea . Atraves de se"'iiwudou 0 sentido de chave da vida. Na egipcia, e vista com freqiiencia nas de deuses e deusas, superposta aos ,mums dos templos e vinhetas que

":~!:::;,: fUnebres. Eum simbolo de

II

primeiroscristaossesurpreao reconhecer nos muros dos t.ern.~ipci,)sesse sinal bastante semelhant.e Cristo, provida de urna coroa. 19uaImente causou surpresa a presen(:a America pre-colombiana, eneonvArios monumentos maias. Essas ;,ad,ncias' '""m,, sem duvida, perturbs-

doras, e foram muitas as hip6teses levantadas para explica-las, ate que se chegasse a entende-Ias como imagem arquetfpica. A cruz foi cada vez mais se impondo como sfmbolo universal. Estreitaram-se suas rela¢es simbOlieas com a ciroore. Foi evocada como uma arvore que sobe da terra ao ceu, ponte ou escada pelas quais as almas sobem ate Deus. Assim, foi oa qualidade de sfmbolo do Centra do Mundo que a cruz foi assimilada a Arvore C6smica 1• Nos mitos saoeocontradas estreitas rela(:Ocsentre arvore-rnae-filho. Antigo mito narra que a deusa frigia Cibele se apaixonou por seu filho Atis. Enlouquecido pelo desvairado e ciumento arnor materno, Atis castra-se sob urn pinheiro e morre ensangi.ientado, para desespero da mae. Cibele enmo carrega em seus bra(:os 0 pinheiro para sua caverna, entregando-se a desesperadas la menta(:Oes. "A nrvore obviarnente signifiea 0 filho que a mae traz outra vez para seu seio, isto e, para a caverna onde habita."2 EJung frisa: "Oentre os multiplos simbolos da cruz, sua principal sign ifica~o e 0 de arvore da vida e de mae" 3. Estreitando ainda mais as rela¢es da cruz com a arvore, lembre-se a velha lenda que sustenlava ter side 0 madeiro da cruz proveniente da arvore do paraiso. A Igreja crista primitiva nao dava grande enfase a crucifica~ao, talvez porq ue esse supJicio representasse entre os ramanos a ultima das ignomini as. Preferia representar 0 Cristo pelo peixe, simbolo do zodiaco que marea 0 recome(:o do curso do ano pela subida do sol. 0 peixe indica renova(:ao e renascimento. Cristo era a inda figurado pelo cordeiro, segundo se pode verificar nas catacumbas romanas.

o

MUNDO DAS IM"GINS

,32

Os primeiros seculos do cristian ismo foram marcados por muitas divergencias, inclusive quanto a cruci licaciio. Dentre essas contradicOes destaca-se 0 b'l10sticismo cdstno, talvez mesmo a pdmeira das heresias combatidas pelas a utoddades da Igreja pdmitiva. Os gn6sticos sustentavam que 0 personagem Jesus de Nazare era urn disfarce da divindade absoluta e, como tal, nao podeda sofrer. A crucificacaoteria sido urn fenomeno ilus6rio (do mesrno modoq ue a ressurreicao e a ascensao). Os gn6sticos, de urn modo geral, afinllayam que oconheci mento nao seria transmitido nem a traves da ortodoxia judaica oem pela pregaCno dosap6stolos, que procuravam estruturar uma nova Igreja baseada nos ensina mentos que 0 Cri sto Ihes havia transmitido oralmentc. o conhecimento (gnose) nao seria cornunicado em termos racionais, mas surgi ria do coracao, intuitivamente. Surgiria deexperiencias intemas. 56 a partir do sCculo IV a imagem do Cristo crucificado vern impor toda a riqueza de seu simbolismo. Destaca-se, pOl'em, ja no seculo I, a precursora figura de Paulo como a dorador do Cristo crucifica do. Curiosamente, foi em CorinlO, pequena cidade portuaria grega, conhecida pela libertinagem de seus costumes, que Pa ulo, desanimado de fa lar aos fil 6sofos de Atenas e aosjudeus das sinagogas, aba ndonando argumentos, la nca do mais intimo do seu ser a exal tacao do Cristo crucificado, assumindo a atitude que ele proprio denomina loucura da cruz, loucura que encerraria a sabedoria de Deus. A pregaCao de Paulo influenciou bastante os primeiros cristiios, mas foi somente a partir de Constantino que a cruz se tornou 0 simbolo universal do cristia nismo. "Durante muitos seculos, 0 Ocidente, sob a influimcia bizantina, representou 0 Cristo vivo e de olhos abertos, urn Salvador triunfante que porta uma coroa real. No secuJo XlI, a pareceu urn novo tipo, a figura emaciada com a cabeca pendente sobre urn dos ombros e, mais tarde, portando a coroa de espinhcs. Essa versao prevaleceu, desde enta~, na art.e ocidental."4 Entretanto, como foi acentuado acirna. a cruz, na qualidadede imagem arquetipica,ja

se havia configurado desde i;"de~rnili" a ntiguidade. Em primciro lugar, sido para 0 homem .nw;cob"se<'eo".."14 espacial no mundo. Devido a m,m,; ,-."o."o,,,,,l;s,>''''.1I elementos que a constituem, um outro hOI;zontal, talvez bem a pcrturbadora antitese que

re,p""""""",,,

todas as coisas : dia e n,~:,~;~;::~:~~~ e dor, vida e morte, sempre em Ciio. Sugeriria, ao mesmo tempo, gem de sintese na qual se ,""ju,:,.,m,'" opostos a ngustiantes. Seria vista assim comoo)~::::~~ sintcse, de superaCao de Cl gra~iio de opostos, que podera diferentes niveis za~ii.o quatermi ria , "e urn dor por cxcelCncia, algo cruzados de urn telesc6pio. Eurn I coordenadas usado vidir e organizar n. I como se dividem a superffcie as estacOes do a no, as fases da Luo_'••';11 ramentos, a s cores alquimicas, ctC .~1 Mas como entende r a prescnca rentes configura~Oes da cn"-,aoom"",,,"ot ou nao de crucifi cados, em dcsenhos ras de psic6ticos? Ainda aqui, curavamos instrumentos adequados estudo de outras im agens do ;,.",,;0.", que nos causavam perplexidadc, foi contramos 0 caminho elucidativo na logia profunda de C. G. Jung. E ele

qua,." pi

escreve: "H a duas te"n~ta~t~:;j~v;,as~;:~;::~~ rias, nos simbolosquee niza r as imagens a parentemente xas. I sso concorda cc,o::m ::'~>o'::s~;s::.::;; ~~;'~~,'j series de pinturas p ginaciio ativa enos estados psiquicos

ambos,::o~s:~~ca~s:;o~:s:,,:s~i~m~bo~:'o:S::~~~

cos, Em rios aparecem eslabilizat;:ii.o atraves da tabilidade causada pelo caos e tendo significacao compensat6ria"6. Assim, pre unil ateralidade; podem dos paradoxais. b6lica da cruz, nela estarao contidos impulsos para desconexiio, ceramento, mas tambem f..",.o,u" "',de" 1

133

1Jr""""iocie contrarios, h armoniza~ao de

to, cercado de circulos coloridos e m vermelho, verde e amarelo (fi g. 1). De cada Indo, doiss6is,

"''''' em desordem.

AllSicologiajunguiana, complexa e dimileva a ver esse jogo de opostos no mesmo simbolo, atrnves do estudo

to."gerl,,>sp,onta,ne,asdo inconsciente.

lendonocentrouma cruz negra. Dir-se-ia uma imagem destinada a orientacao no cspaCo. IJd"

24 106180

81J.('chc I popel 35,0" 50,0 em.

I

::::i~::;im:a~g~e:;m antigas arquetipica, preculturas, . vivaemdesenhose de intemados de hospiwis psiquia-

~::~!:Iadapo, viivencia, profundas de

,

OcM~jo

/Hntkio

28103 / 69 I
,

Octavio Ignacio

Anturadeuma mulher, representandono

"".solantrol>on,o,fi",dosobre fundo pre-

01/12171 61to/papt/ 5!;,OJl36,Qcm.

t

"A form a ma is simples da quadratura do drculo e a roda solar, con tendo urna cruz cujos quatro bra~os representarn tradicionalrnent.e os quatro pontos cardeais."7 serie de quatro desenhos de Octavio: A original cruz em fonna de labirinto logo sugere cornplica~Oes e dificuldades no percurso, no encontrode solu~ao para os opostos que a cornp5ern, situ a~ao que bern retrata a condi ~ao de seu a utor (fig. 2). o la birinto e, essencialrnente, urn entrecruzamento de carninhos, alguns dos quais nao tern saida. E a busca do carninho que conduz ao centro. A esscncia do labi rinto e J:etardar a chegada do viajante ao centro que ele quer atingir. 0 labirinto e urn sirnbolo do inconsciente e de suas possibi lida des desconhecidas. Aparecem labirintos em forma de cruz na l talia , na Alernanha, entre os ce llas. No caso em apre~o , 0 labirinto parece dificultar a aproxirna~ao de opostos na psique do autor. Ergue-se uma tirvore cujo topo se abre, deixando surgir do iimago urna cruz (fi g. 3).

,

t

o

MUNOO OAS I MA O IN S

131



, Em lomo do alto da cruz, gaJhos da arvore envolvem-na. Esss pinlura mostra dc manejra cxtraord ina ri a a unidade arvore-cr-uz.

A derivat;aoda arvoreda vida e urn autentieo simbolo religioso desde os tempos babi16nicos. A cruz assume os temus fundamentaisda Biblin. Ea arvore da vida eaarvore da dencin do bern e do mal. TambCm 0 eristiarus mo faz a bundante uso de seu s imbolis mo. Transformou a arvorc da morte, a cruz, oa arvore da vida. Assim, 0 Cristo c rrequentemeo le a presentado suspenso a uma arvore verde, entre frutos. Oiz Sao Joao Boaventura: "A cruz e uma a rvore de beleza; sagrada pelo sangue de Cristo, cia produz todos os fruws",

Vaso de ande emerge a lta cruz grcga de cor vennclha, cercada de chamas (fig. 4). 0 simbolo do fogo purificador e regenerador esta presente do OcidenLe ao Oriente. Essa imagem representa, de uma parte, urn estado de sofrim ento pr6ximo acrucificacao e, de outra, a penosa experiencia da jun-;ao de opostos, ine re nte ao processo que levara 0 individuo a tomar-se uma totalidade. Ja vimos que pa ra os a ntigos uma arvore ocupava 0 centro do mundo. Mais tarde, e a arvore da vida do paraiso terrestre que ocu pa essa posi-;ao e, posterionnente, no cristianismo, a a rvore da vida passou a s imbolizar o madeiro da cruz.



CkId ~1O

Ignacio 15/Q.1177

"'I'i~

de evr I "{l/"'/

55,0 ...16.0 cm.

,

(kldc;" Ignatio 28106 171 /til)i~l pal'd

55.0 ...16.0c""



(ktac'" 19"'lc;" 30110168 ItiF';~

,Ie ror l paptl

47,0 X 33,0 em.

Deve-se dislint,'Uir a cruz do sofrimen C risto da s ua cruz gloriosa, cruz que, o Novo TestamenLa, sc manifestanlanles scgunda vinda do Cri sto. A cruz e urn s imbolo ascensional (fig. Segundo varias concep¢es rcligiosas,i tc ou cscada pels qual os homens ch Deu s 8• A cruz desenhada por Octavio e tuida e m fonna de a ros que represen~ esses dcgra us . Ao pe da cruz, veem·se~ que acent uam seu caniter asccnsional. Do mesmo a utor, cruz azul pcrmeada a marelo (fi g. 6). On base da cruz nasceUll roseira que a contoma e se expandeemN a marela na altura de urn dos bra~s, Enqua La e m representa-;Oes misticas divcrsasaro ocupa 0 centro da cruz, nn pintura deOctar a ntes de s ua completa expansao, a rosabifi. ca-se em dais boWes de dire¢es opostas. A rosa corresponde ao lotus na Asia, . bos sempre muito proximos da roda solar rosa c urn simbolo religioso antiqliissimn.! nceita pelos grcgos como indicadora don cer dosol. Possu fa vi rtudes mrigicas, capa de fazer Urn asno retomar , segundose\~ Apuleio, ao home m que ele antes fom,de que comesse rosas. Set,'Undo C. G. Jung, a nor de ouroe simbolo do self, encontrado por ele em mu de seus clientes.

I

... (II U1: E SI U StMIIO U S M O

135

Arosa que fl oresce na pintura de Octavio !em tambem a cor de ouro; entretanlo, seus I:diles disp6em-se em sentidos contrarios, significando que a unidade e dillcil de ser alcanpda, tal como 0 proprio aulor expericncia.

Seguem-se agora imagens configuradas PJTCarlos. Noinlerior do vasa surge uma cruz em X, decor negra, bra~os iguais (decussata ou de SantoAndre)(fig. 7). De cada lado dos bra~os da cruz, quatro oores amarelas em plena upansiio opi>em-se. Ao centro, ergue-se uma auzbranca de tipo latino, com 0 bra~o transrerso muito alto. Chama a atencao Que a uniiio entre os bra~os vertical e transverso esteja feita ainda pelo sfmbolo de cruz decussala. 0 autor ressalta 0 problema dos opostos peladiversidade das cores (negra e hranca) e pela representa~ao de dois tipos de cruzes: decw;sata e latina. Cruz negra sobre a Qua1 sesuperp6egrande cruz branca, constituida por fonnas cirrulares (fig. 8). Ao centro das duas cruzes ruperpostas. ve-se uma estrela de seis pontas (estrela-de-davi), "resultante do encontro de dois triiingulos in vertidos, que representariam espirito e materia, os princfpios ativo e passivo, 0 ritmo de seu dinamismo, a lei da e\·olu~o e da involu ~ao" 9.

,

, Car/m< Pcrt";3 08 / 0.1 / 76 Idp;s <"I'ra IpafJf'i -I1.0>:33.0cm.



Carl"" Pcrtu;s 1-1 / 09 / 56 61oo / lc/o 7.1.0>: 53.0 cm .

,

Carl"" P~r1uis 27101177 lapis..,ra l p:-I8.Qcm.

A estrela -de-davi, ocupando 0 centro da cruz, reforya 0 simbolismo da uruao dos opostos, representado pela intersec~ao dos brar,:os. Barco do qual sc erguem duas cruzes inclin adas (fi g. 9). Entre as cruzes, urn grande passaro, sfmbolo do espirito, Icvanta vOo. Carlos morre urn mes e meio depois.

o

MUNDO DA5 IMAOIN5

136

Urn estudanle de medici na, estngiario num de nossos hospitais psiquiatricos, relatou 0 seguinle fato: urn doenle achava-se no corredordo hospital, de pC, os bra~ abert.os, como se estivesse crucificado. Permanecia nessa posi~aoja havia muitas horas. 1'OOos se perguntava m por quanto tempo ele conseguiria manter-sc assim. Fizeram-se ate apostas. Ficaria com os bra~os em cruz atC a noite, ate o dia seguinte? Ninguem se preocupou em conhecer a rnensagem que aquele jovem estava transmitindo. S6 esse estudan le falou ao doenLe e ouviu sua resposta balbuciada: era preciso continuarcrucificado para salvaro mundo de urna total cataSLrofe. Niio e dificil perccber que esse homern se identificava ao Cristo - e repetia-Ihe 0 gesl..O maximo: a crucificacao. Entre ideiae al..O haveria, pois, urna perfeita cocrencia. Mas nem sempre a conexiio entre expressiio mol..Ora e delirio c tao evidente. Esse e urn exemplo muito claro de fenomenos intrapsiquicos que se apresentam dentro da linguagem de nossa cultura. Nao e raro que individuos int.emados em hospitais psiquiatricos, ou mesmo fora dessas masmorras, vivenciem identificaciio com 0 arquetipo do Cristo. "A vida de Cristo, entendida em termos psicol6gicos, representa as vicissi tudes do Si-Mesmo em sua encamacao nurn ego individ uaJ, bern como as vicissitudes do ego no processo de participacao nesse drama divino. Em outras palavras, a vida de Cristo representa 0 processo de individuacao. Esse processo, quando sobrevern a urn individuo, pode significar salvacao ou tragedia." 10 Se a identifica¢o de Paulo, 0 ap6Sl..Olo, com 0 Cristo foi salutarmente exaltante, noutros casos 0 mesrno arquetipo. encontrando urn ego fragil, s ubmerge-o. "Se 0 ego tende a identificar-se com 0 self, ha perigo de grave innacao e fragmentacao da conscilmcia pela invasao de grande quantidade de libido contida nesse arquctipo."1L Carlos disse a urn visitante do Grupo de Estudos, suspendendo a manga de sua camisa e mostrando-lhe os rnuscuJos do brac;o: "Em cada fibra de meu corpo 0 Cristo habita". UmintemodaColoniaJulianoMoreira.Artur Bispo. repetia: "Voce esta falando com Jesus Crisl..O. J esus Cristo sou eu".

"

"

OCrisl..Ocontinua urn mil..Ovivonaculturt ocidental , sendo tambem muitas vezesQ)[lo figurado no ato de desenhar ou pintar p.r muitos frequentadores do atelier do museu Raphael passava pequenos periodosde'licen~ hospitalai' em sua residencia. AJm:r Mavignier, que nessa ocasiiio colobora\'3 (If nosco no setorde pintura do ~o deTera~ tica Ocupacional, entusiasmado pelos deif. nhos de Raphael, visitava-o assiduamente,estimulando-o a nao interromper seus traballu. Certo dia A1m ir colocou diante de Raphael um crucifixo pert.encente 0 sua mae ( fig.lO~ o primeiro desenho e urn crucifixo prOxinxl do mOOelo, freqiienl..emente cnoontrado 11000rawrios domesticos (fig. 11). Mas logo a seguir

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137

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11.,."I,lesenl" dais outros cruciflXOS que se fJstam do modelo inicial, permitindo-nos a urn corte em profWldeza oa psiquc. segundo crucifixo afasta-se completafiIIte do modelo cristao (fi g. 12). Esse cruciiradotern barba e as as, muito semelhantes I,"", rel"",,ec,ta,C "" ile di vindades 8ssfrias. Orerceirocrucifixo de Raphael, desenhaib logo a seguir, representa uma cruz de lmIos orname ntados sabre a qua l se ve s uiffPOSto urn jovem de aspe<:to andr6gino. os • abertos, nao pregados a cruz, urn crguidopara 0 alto e outro dirigido pa ra baixo,

o

I

lIID indicando 0 ceo, 0 outro, a terra (fig. 13). Convem lembrar que nas representat;:Oes artisticas dos primeiros tempos do cristianisIOOOCristo nao aparece pregado it cruz, mas depediante dela, com os brat;:os abertos. Mais curioso ainda

e que, ahaixo dos pes

I ,... imag"m, Raphael desenhou urn peixe, \-';

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Iq/IotI Domingras

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MUNDO O ... S ''''' ... GENS

138

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Emygdio de /Jurro.< Bid g"o~lrelpa.pd

3/,0 x 47.0 em ,

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Adeli"" eomC$ 30110 /70 6Irofpapd 48,0 r .'13,0 ~m.

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/lela 2:l f ()6 f 80 gUlIchefpaJN/ 48,O;I .12.0 cm .

sim bolo do Cristo, cognominado pelos erisUios primitivos o Peixe", Emygd io pinta urn Cris to em cor predominan temente venne! ha, cruci fi cado sobre cruz branca (fig. 14). Esse Cristo esta bern proximo dos modelos habitua is en s Uios . Entretanto, 0 mesmo autor, descendo as profundezas U

da psique, representa 0 tema da crucifi cacao nao mws sobre a cruz, mas sobre uma roda. tal qual 0 castigo imposto por Jupiter a Irion, selva gem deus solar. Essa pintura e lambem

feila em tons vermelhos, indicadoresl les e m ~Oes . Essa imagem arquetipi

constelada par vivencias pcssoais doal

Olema da

crucifi ca~ao

e tam'bCm !

senlado por mulhe rcs. Pintura de Adelina na qual se \'e, fi gura central , uma mulher branca, fi cada, tendo de cada lado uma outra ml ambas em cor verde, os bracos abert. postura de cruci fi ca~ao( fi g. 15). Umfio co liga essas figuras latcrais a mulhe ocupa o centro. Aos pes dcsta ultima de! se nitidame nte grande folha inoorpor. elementos vegetais verdes, que consti todo 0 fundo da pintura e correspond( viv€mcias pessoais sofridas pela autor s ua metamorfose e m vcgetaJ13. Pi ntura de m ulhe r rcprescntandoUD ci fi cado, cujo corpo e a propria cruz, el vennelho-viva, coroado por tra.yos amf ( fi g. 16). D e cada lado, cruzcs semclhant menores propor~Oes, encimadas pelas vras sol e lua . "'Em lomo da cruz efreqi c ncontrar-se opostos os dois ladrOes,op dor da lan~a e 0 portador da esponja, e sol e a lua. A crucificacao e ciaramente conjunclio, ma nifes tando, porconseguil fenomenol ogia dessc simbolismo."H

... c.uz I SlU S'Me O l' SMO

139

-

Pintura de Mario (fig. 17). 0 a utor repre-

"

Mario r. Sill'a

!f!\ta-se como Rrvore desnuda que tern a

08 {07{ 74

bma de cruz provida apenas de dois longos traCOS. 0 braco direito, sobre fundo azul, 5UStenta uma rosa que toea uma cruz. 0 tra(oesquerdo, sobre fundo vermelho, segura um punhal. No a lto da cruz, entre dois I",Iosra,o.". d,estac,,-se uem unico olho. Essa jinlura revela nitido dilaceramento entre E retrata "'0 estado do homem que oaoatingiu a unidade interna, da! a situacao deescravidao e desuniao, de desintegraCao e deserdilacerado entre diferentes direc;5esurn estado nao redimido que aspira a uniao, reroneiliacao, redencao, cura e totalidade" 15. Dutro freqiientador do atelier, Octavio, !liz que "exislem varios tipos de cruz. Cada wn tern a sua cruz". A cruz de Octavio e 0 dilacerarnento entre masculino e feminino, que ele represents em figura hermafrodita aucificada 16 • Na obra de Octavio surgem numerosas pinturas e desenhos de crucifiea dos, relaeionados a sua problematica individual de dis-

6lN{po",,1

36.0x55.0cm .

tensiio entre opostos, um dos mais representativos motivos da crucificacao. Mas pode acontecer que na viagem interior a condiCao pessoalleve a profundezas psiquicas maiores e possam enta~ emergir imagens arquetipicas de crucifi cados sofredores nao-erisliios. Assim , urn dos crucifieados de Octa vio nao se acha pregado ao madeiro, tern bracos e pes livres e, sobre a eabeca, uma coroa de raios solares, e nao coroa de espinhos (fi g. 18). Algo semelhan te ocorreu nosdesenhos de Raphael citados acima, que se va~ afastando do mode10 cristao de nosso tempo. Outro aspecto merecedor de destaque e a crucificacao de anirnais, fenomeno que nao significa necessanamente condifYiio deprimente. ''Eu prefiro considerar os animais nos sonhos como deuses, como aut6ctones poderes, clivinos, mteligentes, que exigem respeito." 17 Octavio desenha urn eavalo eruciftcado. E comenta: "Como e que esqueceram que 0 Cristo tern a propria descendencia dos animais? Agente sen te na nossa cam e 0 proprio valor do anima l" 18.

o

MUNDO DAS I"'AOENS

140

..

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Oclli~io

Ig()(kio

16{04 /i0 I6pi8 f popd

46.0;r .13.0em.

"

QctOllio Ignacio

26 / /2 169 6Ieo f paJW/

32.0;r 22.0 em.

Mais curiosa ainda cque Ocuiviodesenha na testa do touro urn terceiro olho, simboJodt penetrante percePCao. Outra pint.ura de Octavio: uma serpentt enrola-se, com muita vivacidade, emtomodt uma cruz provida de dois bra~os horizonw. (cruz grega) (fi g. 19). o Antigo Testamento relata que Moise!; suspendeu numa haste uma serpcnte debrooze e que aqueles que fossem mordidos p:r esses repteis do deserto e os olhassem fica. riam cura dos. No Novo Testamento,Crisw t comparado a essa serpente de bronze. "Em mesmo modo que Moiseselevou a serpentelW:l deserto, assirn tern de ser elevado 0 Filhom Hornem, para que todo aquele que ere ntle tenha a vida eterna" (J oao 3, 14).

At.raves desses exemplos, vemos que as ch amadas "ideia s delirantes" dos esquizofre. nieos, segundo a psiqui at.ria tradicional,cas imagens por eles configuradas possuemsig. nificacOes varias. Nas viagcns em profun. deza pereorTidas nessas trajet6rias abissais poderemosencont.rar configu racOcsdoarque. t.ipo da cruz, pagas ou crisui s. fi cando assim comprovada a vitalid ade dessa imagem arquetipica .

o mesmo autor desenha urn touro crucificado. Que esse animal representa 0 Cristo, nao ha diivida, poi s no alto da cruz acham-se as letras rNRI (Jesus Nazareno Rei dos Judeus). 0 w6logo criswo Tertuliano (160 - 220) diz: ... .. 0 Cristo foi denominado 0 touro por causa de duas realidades: elee, de urna parte, duro ({crus) como umjuiz e, de outra, manso (mansuetus) como urn salvador. Seus comas sao as extremidades da cruz" 19.

El iade. M. Image.v el Symbo/es, p . 215. Gallinw rd . Paris . 1952. 2 JlIng, C. G. Complcle Work ..... 5. p. 423. 3 Idem. ibitlem. p. 269. " Edinge r, E. 0 A rqlletipo Cris/rio. p. 100. Cullrix, S;IO Pa li io. 1988. f, JlIn g, C. G., ap. cit , 911, p. 242. 6 Idem , ibidem, p. 243. 7 Perry, J. W. The Selfin Psychotic Process. p. 83. University of California Press. 1953. 8 Eliade, M. Traitt! (/'Hifllaire des Religions. p. 254. Payot. Paris. 1968. 9 ChevHlier, J . Dictiannaire des Symboles, p. 336. R. LalTont, Paris, 1969 . 10 Edinger, E .. QP. cil. II Perry. J. W .• op. cit .. p. 46. 12 Silveira. N./mngen .... da I nCO'lscienle, p. 13S. 13 Idem. ibidem. p. 206. 14 Edinger. E .. ap. cit., p. 101. 15 Jung. C. G., op.cit., 16, p. 208. 16 Silveira , N., op. cit., p. 296. 17 HillmHn. J . The Dream and Ihe Underworld.p. 147 . Harper and Row. Nova York, 1979. 18 S ilveira, N., op. cit., p. 119 . 19/dem. ibidem. p. 335.

METAMORFOSES E TRANSFORMA~6ES

esse peda~o de natureza que e a psique acontecem tantos fenomenos de ordens diversas, instintivos, arquetipicos, imaginarios, racionais ... todos se cruzando e percorrendo caminhos de muitas voltas. It ljDixonante tentar acompanha-Ios, pois nemum, mcsmo em estados do ser diOOs pato~cos,jamai s perde 0 imantado fio que Ihe tisentido. Destaquemos aqui dois desses processos, mOOs muito atraentes - metamorfoses e ~lI$rorma¢es . Suas denomina~s muitas 1UeSseoonfundem e, de fato , seus conceitos lIioraro sao dificeis de delimitar. morfoses

amos partir do ponto de vista que ve, na r.etamorfose, mud an~a de fonna, sem que hajasimultaneamente paralela altera~ao na esseocia do ser metamorfoseado. Come~ando jtI exemplos

max.imos, lembremos deuses

ip!se metamorfoseiam. Jupiter revest..e-se da fonna de touro, mis:Ja·se 80s rebanhos que descem das montaibas ate as praias do remo de Sidon. Esse tmoebranoocomo a neve, seus mUscuJos sao p:ssantes,a pelagem macia, os comosdiafanos, lIaS no amago de seu ser pennanece inalteralaa essencia do mais poderoso dos deuses. At~la Europa, filha do rei, aproxiroa-se a . 'pia hesitante, mas logo 0 temor desapaOtouro estende-se mansamente sobre a . da praia. Europa encoraja-se a montar odorso do extraordinario animal , e este, ·to,eleva·se no ar, levando a presa ambicioI. Ainda sob a fonna de cisne, conquista . transformando-se em nuvem. une-se a romo ehuva de ouro, fecunda Danae. Se algumas vezes 0 motivo da metamor-

rose e a paixao amorosa, outras vezcs seu objetivo sera 0 castigo. Baco repousava a beira-mar Quando foi visto por piratas vindos da EtrUria. Os piratas aprisionara m-no e 0 embarcaram em seu navio,julgando-o filho de urn rei eesperando opulento resgate pela s ua liberdade. 0 piloto logo percebeu que ojovem nao era apenas urn princi pe. Eles haviam aprisionado urn ser divino. Conclamou inutilmente 0 capitao a desembarca-Io. mas 0 capitAo nao quis ouvi10, e 0 oavio foi posto a velejar. EntAo s urgem prodigios. Ergue-se urna vinha que cnvolve com sens Tamos os mastTos do navia. Baeo melamorfoseia-se nurn leao feroz, que nurn saito dilacera 0 capitao. E as marinheiros, apavorados, l an~am - se no mar metamorfaseadas em delfins. S6 0 piloto, que havia intercedido pelo deus, foi poupad02. Na hisUiria da ciimcia, urn dos pontos de partida foi a demarca~ao de limites entre "os trcs reinosda natureza". Aseguir, veioo lenoo trabalho de ordena~.iio dos minerais, vegetais e animais no ambito de seus res pectivos "reinos", procurando-se sempre as se me lh a n~as e, sobretudo, as diferen~s que pennitissem caracterizar gropos. A fun~ao preliminar do pensamenOO racional e, sem dtivida, diferenciar as coisas umas das outras e ordena-Ias dentro de regras l6gicas. Mas no inconsciente esses procedimentos de di sc rimina~aoe de orden a~ao valem muiOO pouco. Nao ha fronte iras impossiveis de se transpor entre os reinos da natureza3 . As fonnas das coisas nao tern limites precisos. Sao mutaveis a cada instante, seguindo movimentos dirigidos por for~ ins ubmissas as regras estritas do pensamento racional. 0 proprio homem ora se superp6e, ora se confunde com a natureza.

o

o fen6meno da metamorfose permeia lodas as areas da produ~ao imaf:,ti nativa do homem. Nao podera, portanlo, deixar de possuir profunda s i b'11ifica~ao psicol6gica. Insistirasobreo lacosecretoqueunena profundeza todas as coisas - pedra, vegetal, a nimal, homem, deus? Oara configuracao a aspectos da psique que se mant.em ocullos nas cave rnasdasombra? Equantas outrascoisas mais dint em linguagem simbOlica? Nos livros tradicionais de psiqlliatria encontram-se referencias a idcias delirantcs, nas qua is odoente assume a melamorfose em lobo. Era a licantropia dos antigos tratados de psiquiatria, fenome no frcquente , sobretudo nas epocas em que lobos ainda rondavam aldeias europeias, amedronlando as populaCOes. Ai eslava um adequado cabide para receber projecOes de pulsOes agrcssivas. Mas idcntica metamorfoseainda hoje aparece fora da psiquiatria , no folclore de muitos povos. Camara Cascudo assi m descreve 0 lobisomem brasi leiro , 0 home m que se metamorfoseia em lobo. "Como homcm e extremamente pa lido, magro, macilento, de orelhas compridas e nariz levantado. A s ua sorte e um fado , tal vez a remissao de IJm pecado ou uma sorte apenas. Nasce-se lobisomemo Aos trcze a nos, numa terca ou sextafeira , sai de noite e, topando com um lugar onde umjumento se espojou , come~a 0 fado . Oaf por diante, todas as tervas e sextasfeiras, da meia-noite as duas horas 0 lobisomem tem de fazer a sua corrida ... atC regressar ao mesmo espojadollro, onde readquire a forma humana . "~ Os exemplos sao multiplos. M.-L. von Franz, a maiorautoridadeeuropeia na pesquisa dos contos de fada , diz que estuda-los seria de certa maneira estudar 0 esqueletoda psique, pois nelesseencontram, desnudadas, suas estruturas basicas. Os contos de fada sao representacOes de acont.ecimentos psfqui cos. Pertencem ao mundo arquetipico, por isso seus temas reaparecern de maneira tao evidente e pura nos contos de paises os mais distantes, em epocas as mais diferentes, com um minimo de variacOcs. Oaf as metamorfoses serem tao frequentes nos contos de fada , dando-Ihes urn encanto peculiar. Mostram que as fronteiras entre

"'UNDO DAS I"' AOE N S

os seres, nas profundezas da psique, nao . irremovivelmente separadas. Principes,~ cesas, personagens diversos sao transfol'lll&dos em animais, vegetais, pcdras, pamJ'l'Wo perarem a condicao humana no final doo» to, depoi s de muitas vicissitudes que expn. mem um drama desenrolado noinconscieott No mundo da arte, as metumorfosessempre estiveram presentes. A arte g6tica , nao impondo modelos & real externo, deixando livre a im agi na~o& artista, fervilha em me tamorfoses. Na literatura modema fazemo meSll101J escritores Virginia Woolf, em OrlantitJ, t Kafka, no extraordi nario canto A Me/anw· rose, no Qual c narrada a hist6ria de Grep Samsa, modesto viajante comercial, quecer· to dia aman heceu metamorfoseado num monstruoso artr6pode, especie de baratap. gantesca . Agora irremediavelmente separa· do dos outros homens, guardando denlrode si a consciencia dcssa separaCao, Gregor debatc-se, incompreendido dentro de sua no'!! e estranha condi~lio. Lido atcntamente, ~· cebe-se que 0 conto de Kafka aproxima-se muito da sofrida experiencia da con. esquizofrenica. Exemplos de metamorfoses sao abundan. tes na pintura e na poesia surrealista, uma. vez que pintores e poctas abandonam deJi. beradamente 0 pensamento logico para err tregar-se a in spira~ao do inconsciente. Tarnbem em muitas de suas telas os pintores contcmponineos Klee e Picasso metamor· fosearam seres. Mesmo que vivencie metumorfoS(!s,o ar· tista conserva sempre a possibilidade derecuarde volta para 0 mundo da realidade,OfIo de cada ser manrem a forma especfficadesua especie. Assim nao acontece na esqui1.Ofre.. nia. Recuar, voltar de mergulho profundo m inconsciente, nao ecoisa faciJ , sobretudoquan. do faltam relacao a fetiva e compreensao. Estcjamos pois prevenidos, a lim deeshf. dar com muita seriedade e respeito as meta· morfoses que se manifestam nos delfriosdOi loucos (delirio de metamorfose noutra ~ soa, as vezes do sexo oposto, metamorfoseem animal, vegetal, pedra, maquina) e que se deixam surpreender nos seus desenhos IXI pinturas. Nao se trata de metaforas. Essas

143

Como se sentira

0

individuo nurn mundo

11::!:!;;o~o:n:d,~e:.cada caisa, cada ser, pode

il

de urn momento pa ra ou-

noutra coisa, noutro ser, onde todos as I~""si'e ; s acontecem?

Entre tantos desafios que a psiquiatria nos • urn dos mais estranhos e0 das meta-

I" n,.,,,,, 'l ue vern abalar

0 princfpia aristoestabclecido nos manuais de fil osofi a: 1" poss;l,;hdadede mudan~ de urn g€mero outro". Mas esse principia e abalado o imaginario abre caminho por entre regras do pensamenw raciona l. modifies-

• 19'''I''~r. vcrdadeiras metamorfoses. Esse 'i,;,,,,,o ocorre quando a consciencia nao consegue preservar s ua integridade. maisse neha perturbado o pensamcnmnis fOl1!8 adquire 0 pensamento a ponto de produzir consist.entes metamorfoses do ser. Essas mequase sempre se acham fixadas nucleo emocional que provocou a cisno

• "oo..ndentes,representarrecornpensaou Entretanto, as modificacoes das for· parecem nao afetar, em seu amago, a propriamen le dita. Poderia· do ideal, da puniprofundezasdoinconscienforma na imagi nacao criadora. ~ Doponto de vistajunguiano, 0 conceito de "'"""rf,,,ean'pi;a-se ainda mais. Niio nardesejos e oulras express6es de individu ais. Sera preciso descopossivel presenca de herdadas de imaginar, experiencia~",~r;m~nta,e;;s seres hurnanos ao longo .ru""ri",e que foram reativadas no prepor situa¢es pessoais. Em imagens pintadas no Museu de Imado Inoonscienle enoontraremos meta· ul.,,; "n pedra, em vegetal, em animal. Ametamorfose em pedra e real mente urn impressionante. Laing estudou a

Ad~lilla

Gom.:.

2Q 1Q4 16Q gUllch"fpap.d

3 1,0 x 45.0 em.

petrificacao, entendendo-a, na maioria dos casos, como derrota, incapacidade para acao . Certo, uma das mms int.cnsns ansiedades do esq uizofrimico e 0 medo de perder a a utonomia, isto e. de passar de homem que possui subjetividade pr6pria a uma coisa, urn meca· nismo. urna pedra. tratado como se nao exis· tisse. A necessidade de ser percebido niio e, certamente. apenasassunto visual. Estende· se a necessidade de ter a presenca endossa· da ou confirmada pelo outro, a necessidade, enfim, de ser amado'. Foi 0 que acont.eceu a Isaac, como vimos no capitulo 3, fig. 7. Uma mulher revestida de carapaca composta de varias pedras unidas e ntre si (fig. 1). S6 a face e os bracos permanecem humanos. Essa situacao corresponde, segundo M.· L. von Franz, a condi¢es nas quais violentag e mococs crescem com tal intensidade que 0 indi viduo paradoxalment.e se torna frio (estado de gelo), e se a situacao progride a inda mais, ele se petri fica. E 0 que em psiqui atria se denomina estado catatOnico. Poder-se-a dizer que 0 individuo em estado catat6nico acha-se petrificado por emoc6es inconscientes 7 •

S ao estreitas as relacQes entre a mulher, os vegetais, as arvores. A arvore mitica por excelencia e a arvore da vida. Brotam de seus ramos folhas, flores, frutos. It uma arvore mae. Essa e a sua prin· cipal representacao, embora a arvore possa

o

MUNDO D ... S IM ... OIN5

144

ainda simbolizar numerosas significacy5es. "... A riqueza e a vitalidade de urn sfmOOlo exprimem-se mws em sua mudancya de signifi cado. "8 A mulher que teme a realizacyao completa de seu ser feminino, ou a isso e impedida por autoridades exteriores, revesle-se muitas vezes da imagem da arvore em seus sonhos, imaginacyOes, delirios. Na linguagem mitica, que e a linguagem do inconsciente, foi 0 que aconteceu a ninfa grega Dafne em sua fuga de Apolo. Em vari as imagens pintadas Iivremente no Museu de lmagens do Inconsciente essa metamorfose ea uto-retratada. Adelina assumiu muitas vezes a fonna de flor 9 . o dinamismo da vida recorre as metamorfoses como meio pa ra a firmar- se, em bora parciaiment.e. Outras vezes a mulher regride it condicyao vegetal, chegando a configura r-se como feto de cor verde (fig. 2). Note-se que 0 cordao umbilical nessa pintura esta ligado a uma folh a. A autora dessa imagem (fig. 3), m10 conseguindo estruturar-se subjetivamente como mulher, escreveu ao Indo da pintura: "Eu queria vir ao mundo, mas nao achava urn jeito. Entao vim em form a de arvore, que e urn modo lindoe perfeito, por isso me transformei em a rvorc".

C orrcnlement.e, pensa-se que a metamorfose em a nimal significa urn fenomeno de regressao. E muitas vezes esse fenomeno ocorre nesse sentido psicol6gico. Essa era a interpretacyao da psiquiatria classica . Por exemplo, E. Bleuler refere 0 caso de uma catatonica que durante longo periodo se considerou urn cao e freqilentemente latia como seo fosse. Outra doent.e insisti a em afirmar que era urn tubarao. "Nos doi s casos a significacyao da metamorfose c6bvia - uma degradacyao sirnb6lica da personalidade."lo Mas nem sempre essa inlerpretacyao e correta. "Tanto para 0 primitivo como pa ra 0 inconsciente, 0 aspecto animal nao implica necessariamenle qua lquer desvalori zacyao, pois sob certos aspectos 0 animal e su perior ao homem."ll Nao 56 na area biologica , pois

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61ro I pap'" .1.1.0 r '18.0 cm _

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Maria

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01 108 178 hidrocor l pap: 29.0 cm.

urn gato pode saltar de uma posi~iiode nJm so cerca de sete vezes a sua altura. enquanlO o recorde humano para saIto ern altura,api uma corrida, sequer chega a nossa propria a ltura l2. TambCm jamais se ouviu dizerq1l! urn cao haja trafdo o seu amigo. Omesmonao acontece, evidentemen te, no mundo dos m. mens. Freud diz numa entrevisla concedidl a G. S. Viereck: "Eu prefiro a companhiah animai s a companhia humana ... A maIda&! eo resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais agradawi; sao as cmocy6es si mples e diretas de urn cao3l) balancar a cauda, ou a latir expressandoseoJ desprazer"ll.

METAMOR'OSIS I TRAN S 'O R MA1; 6 1 5

145

, ,,

,"Y' Nos contos de fada sao m uito freqOen tes asmetamorfoses de prin cipes e princesas em animais, por encan tamentos ma lefi cos. QuIras vezes, sao fortes componen t.es a nimais aistentes no homem que se apoderam dele e ometamorfoseia m no a nima l correspondenteo -Assim, ser convertido num a nimal nao e m-er de acordo com os pr6prios instintos, masser parcialmente dominado por urn impulso instintivo unilateral que perturba 0 tquilibrio huma no."I. Emdesenhos e pinturas ocorrem tambem metamorfoses em a nimais. Sobre uma de lUllS pmturas, Carlosdiz:"'Duas pessoas nurna !lpornome Carlinho, as outras duas e 0 Ary lransformando-se nurn porco. A que esta no meiocontinua sendo 0 Carlinho" (fi g. 4). Ary foi urn antigo a migo de Carlos, por quem na juventude provavelmente sentia atra~o sexual. Em resurno: a figura do centro,que "continua sendo 0 Carlinho", mulher fm vestes bran cas, representa 0 principio fuminino (anima) na psique de Carlos, prin-

•Cllrl"" PcrtUi3 J.1 { (M { 57 dlro{pal'
48.0x33.0cm .

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cipio que af ocupa posi~ao centra l. Note-se que 0 perfil em cor verde, Ary com cabe~a de porco, se encaixa de maneira exata no perfil da mu lher de branco. Esse desenho exprime urn conOi to fun damental na existencia de Carlos. AJem das pulsOes homossexua is reprimidas, 0 componente femi nino, a lIima, esperada deposiUiria de puros sentimentos, regride a baixo nivel, vindo ao encontro de Ary, cabe~a de porco, adaptando sua face ao focinho do animal, sfmbolo de materia lidade grosseira e de im undfcie . Nessa si tu a~o, oegoe apenas urn personagem entre outros conteudos psiquicos au w nomos. Poder-se-fl fa zer at raves dessa imagem uma ideia desua in segura n ~a ontologica. Oaf a necessida de constante que ele tern de confinn ar sua instavel identidade. Repetidarnente afinna, movido por for~as de defesa da psique: "Sou Carlinho, Carlinho rnesmo". De QcUivio, u ma metamorfose dim'tm ica (fi g. 5). Figura que possui elementos huma noseanimais. 0 peesquerdo, de quadrupede, esta preso por pesada corrente aa nimalidade, enqua nto 0 pi§: direito, de fonna humana, esforca-se para caminhar em frente, com 0 a UXl1io de uma bengala sustentada pelo bra~ esquerdo. A face reline elementos humanos (ate portando 6culos) e a nimais, bern definidos por fortes com os. "Implicitamente, as metamorfoses repousam sobre uma estranha ontologia; elas engendram uma l6gica singular: 0 ser nao e aquilo que ele e; 0 mesmo e 0 outro se identificam; cada objeto, cada ser vivo, traz em si

o

MUN OO OAS IMAG(NS

1~6

poderes mtllti plos e contradit6rios que ele pode pOr em aC;ao imediatamenl.e.",r, Outro desenho de Octavio, mescJando elementos humanose a nimais (fi g. 6). As pemas humanas dao continuidade a uma serpenl.e, simbolo masculino, que a tra vessa 0 crescente da lua, imagem do femi nino. "Quandoo arquetipo primordia l Lorna forma na imaginacao do homem, suas representacOes sao freqiienl.emente monstros inumanos. Essae a fasedosseresquimericoscomposLos de diferentes a nimais ou de animal e homem."16 Sem dtlvida, todas essas estranhas im agens originadas espontaneamentc. scm que seus auLores possuam quruquer conhecimento de irnagens semelhantes configuradas no mundo antigo, encerram significados psicol6gicos. Escreve C. G. Jung: "Essas irnagens Olio teriam sido forjadas, esscs monstros nao teriam servido de cxpressOes simb6licas, se isso nao correspondesse em n6s a alguma necessidadc"Ll. R. Laing relata urn estranho caso de metamorfose. Trata-se, em resurno, de uma mulher que fora bonita , casara-se, mas cedo descobriu que 0 marido era homosscxual. Aos quarenta anos, sua beleza feneceu. Scntia a vida vazia, sem sentido. Entao, repentinamente. sentiu-se repleta de a mor. Falava sem parar de amor. Sua missao era fazer 0 mundo enl.cnder que a rcsposta exclusiva para as mise rias da vida era 0 Amor. Foi e n ta~ intemada sob 0 diagn6stico de psicose ma niaco-depressiva num hospital onde the foram administrados tranquilizantes e eletrochoques. 0 senti menLo de amor que a invadia desapareceu. "0 tratamenLo the subtraiu a energia, escureceu-Ihe a iluminaCao e a rrefeceu-Ihe 0 entusiasmo. Estava curada. Scntia-se morta; mas continuou sua vida como se fosse urn verda deiro cadaver." Cert.a noite veio consulta-lo. Era uma Sexta-Feira Santa. Ela se encontrava numa casa de campo, desabitada, onde fi cou sozinha ate a segunda-feira seguinl.c. A tarde, circulou a esmo pela casa , quando urn Odio louco e feroz se apoderou deJa. Era 0 Espirito da Vida e do Amor. Resistir au ceder? Resolveu entregar-sc. Assim que tomou essa de-



Ckltiv,'o II>"ticio

14 / 01/6.9 Itipis t/e<:t>r / pafJI:J

4 7.0,rJ/.Ocm.

ciSflo, fi cou calma e lucida. Foi a urn quarto, onde a panhou urn cobertor a fim de faw uma ca ma para um cacholTo sob a mesa da cozinha. S urpreendeu-se tirando a roupa e lransformando-se num cachoITO. Grunhiae a ndava ao redor da casa, ate que escurectu, quando foi montar guarda na adega. Depois, sai u da adega pa ra montar guarda no s6tAo. Brilhava a lua cheia. Colocou as patas dian· l.ciras no peitoril daja nela e uivou para a lua. A seguir, desceu pa ra montar guarda novamente na adega. Repetiu 0 ritual lres vezes. Saiu entao da adega e roi deilar-se sobreo cobertor, embaixo da mesa da cozinha. Aror· dou de madrugada. depois de urn sono agra· dave!. Entao viu-se como uma senhora nua, enrolada num cobertor, debaixo da mesa da coz inha. Levantou-se, tomou banho, vestiuse. Era segunda-fei ra de Pascoa. Sentia·ge bern. Nunca mai s se sentiu morta. Acredita na Ressureivao. Passou a viver uma vida aliva e normaP8. Atraves dessa metamorfose, a mulher, que se scntia dcsvitalizada, morta, retomou contata com as forcas vivas que se achavam adonnecidas no inconsciente, num verda· deiro ritual de renovacao tracado pelas fOf1:a s autocura ti vas.

MUAMOR'OSI5 I UANUORMAC6u

As metamorfoses felizes sao aquelas que ao ser urn aumento de vitalidade, eoI"'~'"'''('' nesse easo deserito por Laing. rontrario, as metamorfoses vividas na

1

:~~~':~~;iB~a~C::h~e~l:a:r~d' representariam paQue delas e vitima uma lenti-

da vitalidade, semeaos sofrimentos de Gregor Sam sa, Iil"",,,,,n,,n" descritos par Kafka 19. rran sforma~Oes

IOleit",· .',n,""lo! livros de Jung observara a

repeticao freqtiente da palavra transforma¢Oem seus escritos referentes a psieoterapia. J' em Problemas do Psicologia Modema 11929~, Jung clistingue, no processo psiroterapioo, quatro etapas: I-ealarse: revivescencia de acontecimenlos traumatizantes, acompanhados da Jiberarao de em~Oes a eles vinculados. 2- Sera precise esclarecer os conteudos inronscientes que emergiram na ealarse e enfrentar 0 problema da lransferoncia, a fim deserem dissolvidos os laf,:os criados entre 0 doen1eeo medico no cursoda catarse. Vern it tona oonteudos psiquicos que, nao fora a adlise, permaneceriam ocultos, porem atuantes no inconsciente. Nao apenas elementos incestuosos no sentido estrito da pa!ana, mas tambem inimaginaveis torpezas quenao raro se ama lgamaram na sornbra de cada ser humano. 3-Trata-se da ed uca~o para a vida social. Oindividuo, agora consciente de seus compo!lentes psiquicos claros e sombrios, tera posSbilidades de melhor adapta~o social. 4- Nesta quarta etapa, tipicamente junguiana, perguntar-se-a: Que podera pretender 0 indlviduo depois de haver atingido satisfat6ria adaptaf,:ao social? Se ele se enrontrava abaixo do nivel med-jode adaptaf,:lio, oobjetivo foi alcan~do. Mas, para aqueles que nao haviam tide dificuldades em movimentar-se nesse clito nivel nonnal, haveni 0 impulso em busca de transforma~s do proprio ser, no sentido de alcan~ maior cliferenciaf80 de suas possibilidades ainda nao de 1000 desenvolvidas, e de atingir mais alto n\vel deconsciencia, embora nem sempre tais transforma~Oes correspondam exatamente ______ '- _ ___ __ . _-, __ __ -'L._

Todoser tende a realizar 0 que existe neleem potencial, a crescer, completar-se. E 0 que acontece a semente do vegetal e ao embriao do animal. 0 mesmo ocorre ao homem, quanto ao corpo e quanto a psique. Mas no homem , embora 0 desenvolvimento de suas potencialidades seja impulsionado por fo~s instintivas inconscientes, adquire provavelmente carater peculiar. 0 homem sera capaz de tomar conseiencia nftida desse crescimento e mesmo de influencia-Io. Esse cresci mento, muitas vezes dificiJ e ate doloroso, caminha na busca de eompletaf,:ao da personalidade especffica decada urn, isto e, daquiloqueC. G. Jungdenomina processo de individuaf,:ao. "A significa~o e prop6sito desse processo e a rea liza~o, em todos os seus aspectos, da personalidade, original mente oculta de forma embrionaria; a produf,:iio e desdobramento da totalidade existente em potencial."21 Foram as pr6pnas experiencias intemas de Jung que 0 levaram a descoberta do processo de individua~o, como ele nalTa em suas MemOrws. Viveu-o em todas as suas fases e, paralelamente, observou que 0 curso de desenvolvimentoda personalidadede seus analisandos seguia roteiro semelhante, progredindo sempre em clirecao a urn centro, a urn nueleo energetico que existia no intimo mais profundo da psique. Eurn processo lento. Niioadjanta pretender aeelera-lo artificialmente. Talvez apenas ajuda-Io na rem~o de obstaculos e cria~o de conclit;:6es favorecedoras. Jung relata que, vanas vezes, encontrou antigos analisandos que nlio via desde rnuitos anos e, entretanto, continuavam a ampJiar seu desenvolvimenOO.

Jungtrabalhavacomournempiristadeolhar excepcionalrnente penetrante. Foi assim que aprcendeu, atraves dos sonhos de seus cHentes, nao s6 0 processo de inclividuacao que cada urn buscava realizar por caminhos nao linea res, mas urn surpreendente paralelo entre esse processo e 0 opus alquimico. Opus alquimico e processo de indl viduaf8.o eram, pois, "fenomenos gemeos". Os tramites de ambos ajustavam-se passo a passo. Na busca da pedra filosofal, meta do trabalho

o

MUNOO OA S I"'A O EN S

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do a matCria sc acha a inda no eslado de massa confusa, decaos. 0 nigredo corresponde ao encon tro com a sombra , em sen tido psicol6gico, sombra onde se entrechocam, confusamente, cont.eudos os mais diversos. "Tudo 0 que e criticado com indignar;ao nos outros e revelado nos sonhos como parte do proprio individuo. lnveja, ci umes, rnenti ras, impulsos sexuai s, desejo de poder, a mbi~ao, cobica por dinheiro, irrilabilidade. in fanti lida des de Lada sortc manifeslam-se nos proprios sonhos.":n No t.rabalho alquimico, para que possa ser ultrapassado 0 nigredo (som bra ), tom am-se necessarios procedi meotos de lavagem, separa~ao, et.c, a parte mais a rdua do trabalho, segundo a firma m os alquimistas. Algo semeIhant.e ocorre na primeira fa se do lraba Lho analitico. Na literatura alquimica, diz M .-L. von Franz, 0 grande esforco e a s preocupac;:6es constant.es estao na passagcm do nigredo para 0 albedo"l."l. Essa seb'Unda etapa corresponde, em termos psico16gicos, ao encontro com 0 component.e sexual oposto interno. A anima . no horneOl ; 0 animus, na mulher. 0 embranquecimento
A hip6tese de Jung e que 0 a lquimista projetava sobre os materiais maoipuJados em seus vasos e retortas acont.eci menOOs que ocorriam no seu inconsciente. Essas proje~Oes se a figuravam ao alquimista propriedades da materia , mas de faOO, em seu labora tOrio, 0 que ele experienciava era seu proprio inconsciente.

Os a lqui mistas, desconhecendo por completo a constituic;:a o da materia, projetavarn sobre as retortas a propria psique. POTisso,a ma teria tornou-se, na express<-'lo de Jung. espelho da psique do in vestigador. o Lra bal ho a lquimico e freqiienlemenle mal inte rpretado. Admitia-se que suns rnanipulac;:Oes visavam a mbiciosamente transmutar os metais vis em ouro. Entretanto,os grandes alquimistas repetiam incessaniemente que nao buscavam oouro vulgar, mas o mistCrio int.emo da a rt.e de produzir autll,o que signi fica va alcanc;:ar mai s alto ni\"el de desenvolvimento, esta gio que Paracclso cha· maya 0 homo maior, e Jung, processo de individuacao. Por isso a t.erapiajun/,'Uiana e tambcm conhecida como caminho de transformacao, e nao apenas sati sfat6ria adapta· cao a sociedade em que vivemos. No processo alquimico, uma das maisim· portaot.es ideia s refere-se ao vaso hennctiro, re presentado pelas retortas que conti!mas subsUincias a screm t.ransformadas. Nao se tratade urn simples ut.ensilio, mas tern petu. liarconexao com a matCria-prima tantoquanto com a pedra filosofal , ou, em li nguagern psicol6gica, osel( Para os alquimistasovaso e a lgo verdadeira mente maravilhoso. A fa· mosa alquim ista Maria Profetisa dizquetodo o segredo esta no conhecimento do vasa her· metico. Para os alquim istas, 0 vasa deve ser compietament.e redondo, imit.acao docosmos esferico. 0 vaso e uma especie de matrizoo utero do qua l devera nascer, ao tCnnina do trabalho a lquimico, 0 homem completo. Sen· do assim , e necessario que 0 vaso seja, niiosG redondo, mas tenha a forma ovalZl . Inicial· mente, pode-se pensar que 0 vasa seja apenas uma especie de retorta desti nada a servir de receptacu lo a produc;:ao de reacQcs qufmicas, mas logo se percebe que essa con ce ~ao e inadequada, desde que 0 vaso e antes urn verdadeiro simbolo, al ias como todas as pri ncipais ideia s da a lquimia, segundo fri sa Jung. No trabalho a lquimico 0 individuo projelava sabre a escuridao da materia seus pro. prios cont.eudos psiquicos. E e motivo para refl exao que ainda hoje individuos totalmen· te ignora ntes do opus alquimico projetem, quando tern oportunidade de configurar i ~~:;·

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~, seus conteudos psiquicos inconscientes

emsimbolos muito proximos daqueles utiliwlos pelos alquimistas. Roque acontece em nurnerosos desenhos !pinturas do acervo do Museu de Imagens do 1ntonsciente: conflito e uruao de opostos, Imnafrodita sob 0 aspecto de passaro e de tmnem, a figura de Mercurio, etc. Em seguida V8S0S , simbolos a lquimicos ttnligurados no atelier de nossa museu. Desenho de Carlos (fig. 7). 0 a lquimista 9b-tem0 vaso de ouro, de form a oval, hermeliamente fechado , caracteristicas do vaso alquimico. "0 vaso encerra, sob formas difereates, 0 elixir da vida: ele e urn reservat6rio tt lida. Urn vaso de ouro pode significar 0 ~da vida espiritual, 0 simbolo de urna ~secreta . "25

Oalquimista segura urn vaso de OUTO que emile lut a partir de urna fonna circular que

.fecha henneticamente (fig. 8). "A transmu• dos metais vis em OUTO e a transmutapo de elementos psiconsicos dentro do horflll, de urn estado impuro para urn estado :tquinlado correspondente a urna alta freiplencia energetica." 26 Vasa que encerra em seu centro imagem

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- -circular emitindo raios (sol, self). De cada lado, vegetais em crescimento (fig. 9). "0 vaso alquimico,o vaso hermetico, significa sem pre o lugarnoqual maravilhas se operam; e oseio materno, 0 utero onde 0 novo nascimento toma forma. "27 Diz 0 alquimista Philalethes. "Nosso verdadeiro vaso oculto, ojardim filos6fico, onde nosso sol nasce e se pOe".

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Essa imagem (fig. 10) 6 uma tentativa de LornaI' visivel a base mist.cl'iosa do opus. Ern torno do vaso vc-se urna quaternidade, repl'esentada POI' estrelas, sib'llificativ8s dos quatro elementos. No centro do vaso hfl uma quinLa estrela, que simboliza a quintessimcia. 0 cfrculo, no centre da quinl..:'l estrcla, reprcsenta 0 urn. "'A unidade e represenlada pelo cfrculo, e os quatro elementos, POI' um quadrado. A prodw;:ao da unidadc a partir do quatro e0 resullado de urn proccsso de destilaCllo c sublimacao que assume a assim chamada 'fonna circular' dos alquimistas." 2Il Grande vaso encerrado num cfrculo, cujo contorno econsti tuido POI' pequcnas estrelas. o vaso esta henneticament.e fechadoe selado POI' cinco estrelas (fig. 11). POl' sua vez, esse cfrculo possui, em seu exterior, uma quat.crnidade de s6is negros.

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o vaso a lqufmico, repctimos, e umsim'oo10 psicologico. E uma das imagens mais im· portantes confi{,'"uradas no inconscienle. Sua fun Cao principa l se ria reunir elementos dispersos, evitar que coisas escapem e protegeI' contra fo!,\=a s hostis extemas. "0 circulo C 0 vaso hennetico sao umae mesma coisa, OU seja, uma mandala, tanias vezes encontrada nos desenhos de nossos pacientes, que con'esponde ao vaso de transrOmlaCao." :.!9 As imagens aqui apresentadas e muita; outras pert.encentes ao acervo do l\·luseu de Imagens do Inconscientc confinnam que os simbolos alqufmit-os permanecem vivos no inconscient.c do homem cont.emponinco,CO!ltinuando ai atuant.cs. De outro autor, imagens nao menos demonstrativas . Desenho de Octavio (fig. 12). Vaso em ronna de corpo humano, estruturado simetri· camentc sob configuracOes gcometricas que sugerem dinamis mo interno. "0 vasohermetico, assim chamado pelos aJquimistas, e a raiz e 0 principio de nossa art.e na qual todas as opera~Oes da alquimia sao realizadas;eo corpo hurnano. ou antes, a tot...'l..! organizat;a,o dos corpos e campos considerados sob 0 aspec·

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to de trabalho interno regenerativo.":IO) Os misticos cristaos primitivos viam no corpo do Cristo "vaso do espirito". Vaso pleno de conteudos em transforma.,:ao (fig. 13). Dentre csses conteudos, na parte inferior do vaso destaca-se urn peixe, simbolizando "aquilo que emerge da profundeza~ -o self Do bocal do vaso surgem forma s vegetais. Nessa pintura predominam as cores a zul e ~Uro, indicadoras de espiritualidade. Esse desenho e dcsdobramento do anterior (fig. 14). Vaso pleno. Os elementos nele contidos acham -se ma is bem ordenados e dis postos em oposi.,:ao. Do bocal do vaso emergem formas vegetai s em organiza.,:aoquaternaria. "0 vasa pleno e um simboloquecstani sempre rclacionado com a planta da vida, ou com um emblema qualquer de fertilidad e



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(fig. 15). Assim a '
Noutro desenho de Carlos, grande passaro cor de ouro (fig. 17). Ao lado, um ova dourado irradiando energia , no int.erior do qual se enoontra pequeno passaro. Tratados de a lquimi a afirmam que no ovo se acham contidos os quatro elementos (terra, agua, a r e fogo) e no cenlro da gema esta "0 ponto solar", que e 0 pequeno pinto. Esse pinto, segundo 0 alquimista Mylus, representa 0 passaro de Hermes, sfmbolo do self Ocuivio desenha urn passaro no int.erior de urn ovo deouro(fig. 18). Est3 imagem nao ede dificil compreensao psicol6gica, pois nela podemos reconhecer 0 molivo de uma totalidade pre-consciente. A semente da a nrore ou da nor, ou 0 ovo, que contem Lantos misterios, sao, sem duvida, apropriadas imagen s

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a rquetipicas para exprimir a lntente lotali· dade que contcm todas as coi sas, cujosdeta· lhesai nda nao setorna ram manifeslos.Oo\l) sera tambcm imagem doset{,sob lormaainda nao realizada . "E, porassim ciizer,a penas um germe, isto e, uma potencialidade, uma pas. sibilidade de realizacao, mas nao a coisa propriamente dita ." ;~1 Do ovo emerge u rn grande passarodoura· do de a sas a bertas, cabe~a coroada (fig. 19). 0 passaro, representancio as fon,:as em estado potencia l, pennanecc dcntro do ovo. l'.Ias, pelo "aquecimento",em linguagem atquimica, pela at i va~iio do processo natural de desenvolvimento, em Iinguage m psicol6{,rica, rom· pe-se a casca do ovo para a saida do passaro.

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cirnento do hornern alraves de urn processo lransfonnalivo,

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'Nos mitos de cria~a o , 0 ovo, simbolo do self, eidentificadocorn 0 uni verso em sua totalidadee,outras vez(!s, mais especialmente. com 0

sol nascente. "3-1 Com piela ndo essa extraordinaria serle de imagens desenhadas por Octavia, surge 0

p8ssaro dourado em plena vOo (fig. 20). Na mitologia egipcia esse passaro ocupa urn lugar proerninente, resultando do grande ovo

produzido pelo encontro dos deuses Set e NutM • It 0 passaro solar Benll, de penas douradas. Benu representa nao 56 0 novo sol que nasee cada di a, mas igualmente a rcssurrei~ao d o h omem . 0 Benu egipciocorresponde a Fcnix grega. Ambos s imbolizam 0 reoas-

E ssas series de desenhos, feilas por esquizofrimicos, que retralam processos internos neles desen volvidos, nao implica m necessariamente transfonn a~Ocs da natureza essencial de seus autores. Acont.e<:era muitas vezes que os impulsos para a individuapl0 (transforma~ao)se ma nifestem nesses indi viduossem chegar, porern , a seu lenno. Sao a ntecipa~s, processos pre-conscientes, Sera diffcil. na esquizofrenia, 0 ego conseguir mantel' a pos i~ao de controle, porque, frequcntemen te, e avassalado por outros cornplexos em colisao. "Enquanto na pessoa sadia 0 ego e 0 sujeito de sua experiencia, no esquizofrcni co o ego e apenas urn dos sujeitos da expcricncia."3G Entrelanto, se houver co nd i~-ocs favoraveis e um guia experimentado nessas viagens em profundeza, have ra a possibilidade de 0 indi vi duo sair do episOdio esqu izo fl't~ n ieo, Para q ue isso ocorra "natural mente c impor'tante comprcender esses processos, pol'que assim e posslvel da r s uporte ao cgo quando ele emerge novamentc, recriando a fun~ao da realidade"37, Da m e tamorfose

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a tran s formo~ao

Apuleio, e m seu c1assico livro As M e/amorroses, narm as vicissitudes do jovcm Lucio, com quem se identifiea profundam e nle~ , Lucio pcrcorre uma cx traordimiria tmjet6ria , Partecle do ba ixo nivel da meta morfosc em asno, sib'lli fi cati va do dom in io de i nstintos inferiol'es, pa ra a Linb'; r, atraves de mu itas sofridasavent uras, a a lta tran s forma~aoq u e se opera na tomada de consciimcia do selrsob a forma da imagem sola r de Osiris. Nao se ra diffcil estabelecer paralelos entre a cami nha da de Lucio, 0 opus alqufmico e o processo de i ndi vid ua~ao. Inicia lmente terc mos a fa se do nigredo, onde elementos sombrios acham-se mi sturados; instintos desordcnados; fragmentos diversos da sombra. E ai que ocorre a metamOl-fose COl asno, onde todos esses fatores escuros apossam-se de Lucio, Entretanlo, com seus asperos cascos e muitos sofrimentos, ele vai s ubindo ate encontrar a branca de

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lua, oalbedo, istoe, adeusa Isis. E mnis tarde lhe acontecera 0 prodigioso encontro com 0 arquctipo do self, personi fi cado na imagem de Osiris. Realiza-sco sagrado casamento do sol com a lua. Lucio passa a se dedicar as religiOes de isis e de Osiris.

Lucio e urn jovcm intclectual romano que viveu nO sCculo II d.C. Nos meios int.clectuais, era brilhante advogado, mas os nfvcis subjacentes de sua psique estavam nutridos pelas raizes africanas provenicntes do lado materno. Assim , scntia vivo interesse pclas prfi.licas de magia africana que pcnneavam na epoca a civili za~iio romana. No intento de investigar fenom enos de ocwlismo e pralicas magicas, Lucio resolveu viajar para a Arrica . Logo no inicio da viagem com~aram a ocorrer impressiona ntes avenluras que nao detalharemos aqui. Vamos diretamente a sua metamorfose em asno. Chcgando it Tcssalin, Lucio hospedou-se na residimcia de urna feiliceirachamada Pamphila. Ela tinha como servi~8 1 c aj uda nte em suas magi 8s a jovcm e sedulora Folis, que logoatraiu a ate n~iio de Lucio. Nao tardou em estabclecer-se intenso relacionamenlo sexual entre a mbos. Fotis revela a Lucio segredos, encantamenlOs de que Pamphila e cnpaz. Conla-Ihe que a fe iticeira prepara urn ungiienlo com 0 qual unla tod~ 0 seu COl"pO. Essa substa ncia magica the perm ite lomar a forma de passaro e assim voar ate a casa do amante. Lucio exalta-se ouvindo essa narra~ao e deseja tambem, magicamente, metamorfosear-se em passaro. Fotis, pressionada por Lucio, da-Iheo ungiiento prodigioso. Mas comete terrivel engano. Troca 0 unf:,tUento que tern 0 poder de opcrar a melamorfose e m passaro por urn oulro. Erroternvel. Na ansia de voar, Lucio unta 0 corpo inteiro com 0 ungiiento que Fotis !he dera e, em vez de tomar-se urn passaro, metamorfoseia-se em asno. 0 desespcro de Lucio e imenso. Fotis procura consola-Io, assegurando-Ihe que a magia sera facil mente desfeita Be ele comer algumas rosas. Ela providenciara, nn manha seguinte, .o desencantamento. Aconteceu, porem, outra d esgra~a. Nessa

mesma noite a casa de Pamphila eassaltada por ladrocs que se apoderam de !.odos os valores ali existentes, inclusive dos animais que estavam no estabu!o, e de Lucio, entao sob a fonn a de asno. Os ladrocs prosSCf:,'lJem seus assaltos.ln· vadem urna festa decasamentoesequestram a noi va, a linda Charile. Ao fin al, recolhendo os roubos, rumam enta~ para a caverna onde habitavam em cornpanhia de uma velha, quase sempre embriagada, que cuidava deles e era cha· mada de mae. Charite, separada do noiva, prisioneil1. dos ladrOes, choravadesesperadamen1e. Ten· lando disLrai-Ia , a velha bCbada conta-lhea hist6ria de Amor e Psique. Eis a hisUiria: Venus naoadmiteque umajovem mortal, chamada Psique, estcja ganhando oprestigio de possui r beleza capaz de rivalizarcomasua beleza divina. Ordcna entiio a seu querido filho Eros que fa~a Psique flcar perdida de arnor pelo mais vii dos homens. Mas aconteceu que Eros, ao ver Psique, apaixona·seJX)T e la. Vivern urn grande arnor num palacio encantado. Enlrelanto, Psique nunea \·e seu misterioso amante, que parte na escuridaoa cada madrugada. As duas irmas de Psique conseguem visita-la e, ao verem a palacio maravilhoso onde ela habila, rofdas de im·eo ja, convencem-na de que seu amante sen! provavelmente urn monstro, talvez urn dra· gao pcrigosissimo. E a induzem a acended. noile uma lampada a fim de ve-Io e logo decapita-Io. Psique deixa-se envolver pels labia de suas rnaldosas inniis. Acende uma lampada e, d eb ru~ando-se sobre Eros, fica deslumbrada com sua beleza. Na emOl?ode que e tomada, deixa cair uma gola de oleo sobre 0 pcito de Eros. 0 oleo fervente produz dolorosa queimadura na tenra carne dorleus. Entao Eros diz quejamais quer ver Psiquee vos diretarnente para 0 pal acio de sua mae, onde sera cuidado das dores causadas pela queimadura. o paJiicio onde Psique habitara se desva· ncce, e ela, em total escuridao, desespera-se. Com~, e n ta~, sua sofnda busca de Eros.Vai ao enconlro de Venus, hurnilha-se. A maede Eros Ihe imp6e larefas que parecem mea·

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lizaveis. Psique encontra ajuda inesperada e da ronta das exigencias da grande deusa. Eros, que ama Psique, obtem para ela gra~a junto a Jupiter. Casam-se por fim, e Psique e elevada a linhagem dos imortais. Oasno(Lucio)ouve a hi st6ria muito como;ido, apiedado pelos sommen tos e persistentesesfor~os de Psique para reconquistar Eros -em~o nova para ele, que, ate enta~, mesmoem sua forma de homem, 56 pensara em si proprio. Come~a intemamente sua evolu~ao. Mal a velha tennina a hist6ria de Psique, retornarn os bandidos. 0 asno volta a levar dticotadas e a carregar pesadissimas cargas. Passa seguidamente a periencer a varios propriet:irios, sempre crueis. Porfirn, consegue fugire, trotando rapidamente, chega a uma praia solitaria. Exausto de tantas fadigas, estende-se a beim-mar e adonnece. Subito desperta e, abalado por medoestranho, ve 0 disco da lua cheia emergindo das ondas do mar. Na lua cheia Lucio acredita vcr a imagem da augusta deusa, senhora de todos as seres. Ergue-se nlpido e banha-se no mar, mergulhando sete vezes a cabeya nas ondas man!lIS como se estivesse cumprindo urn ritual. Entao cleva a deusa uma oracao fervorosa, rogando-lhe a gra~a de recuperar a forma humana. De novo 0 sono 0 in vade, e entao, apenas rechnra os olhos, ve erguer-se do mar a visao maravilhosa de Isis. A tunica da deusa e aivissima, mas, a cada instante, pode tomar Iariadas cores, significando que seu poder estende-se sobre todas as modalidades de roisas. Urn manto negro resplandescenf.e a enl'olve. isis dirige-se a Lucio, que contin ua va adormecido sob a rorma de asno: "Deveras participar das restas que amanha serao celebradas em rninha honra, anunciando 0 fim do mvemo. Advertido por mim, 0 sacerdote que ronduz 0 grande coriejo tera na mao direita umacoroa de rosas. Nao hesites . Atravessa a multidao e junta-te ao cort.ejo. Quando estiveres bern perto do sacerdoie, como se fosses beijar docemente sua mao, colhenis as rosas eascomeras. Irnediatamente tu seras despojado das caracteristicas deste animal odioso

(0 asno

eanimal de Set, 0 inimigo ferrenho de

Isis). Nao teras nada a temer. Lembra-te, porern, que por toda a tua vidaestaras a meu servi~o" .

Raiou 0 dia. A natureza parecia em festa. A procissiio em homa da grande deusa co-mecou lentamente a p6r-se em movimento. Por fim , avan~a 0 grao-sacerdote, tendo na mao diriHta 0 sistro, instrurnento de iSiS, e urna coroa de rosas. 0 sacerdote, tambem advertidoem sonho peladeusa, pOe a coroa de rosas ao alcance de Lucio. "Devorei as rosas palpitante de em~ao. E, para espanto geral , fui me despojandodas caracteristicas de asno e retornando a fonn a humana. Entao 0 sacerdote exc1amou: Consagra-te desde logo as observancias de nossa religiao e submete-te voluntariamente ao grupo de seu ministerio!" A procissao, depois de realizar as cerim6nias de praxee seu percurso, voltou ao templo. Lucio, agora sob forma humana, nao desprendia os olhos da imagem da deusa. AI ugou urn alojamento nas proximidades do templo, participando, a titulo particular, do servi~o da deusa. Mas seu desejo era realmente iniciar-se nos ffii sterios isiacos. Insistiajunto ao sacerdote no sentido de ser admitido nesses misterios. 0 sacerdote, porem, tranqiiilizava-o dizendo que 0 momento da inicia~ao seria determinado pela pr6pria deusa. Enquanto esperava esse momento tao desejado, Lucio seguia regras de abstinencia alimentar e auxiliava no servi~o divino. Enfim, a deusa decidiu 0 dia do seu nascimento religioso. Todos os rituais exigidos para essa cerim6nia foram cumpridos, alguns publicos, outros secretos. Lucio regressa a sua cidade natal, ao seu la r. Ai permanece durante poucos dias, pois logo urn apelo irresistivel 0 atrai para Roma, onde vai dedicar-se ao culto da deusa Isis, em seu tempJo romano, no Campo de Marie. Passou-se mais urn ano quando novo sonho vern instiga-lo a cumprir mais outra etapa nos caminhos sagrados. Lucio era iniciado nos roisterios de Isis, mas the faltava a inda, para compietar sua evolu~ao religiosa, ingressar no servi~o do soberano deus Osiris. Lucio submete-se. Realiza todos os prepa-

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rativos exigidos, inclusive a ras pagem da ca~a e a abstincncia. Cumpria fjelmenLe as d ev~6es daquela reiibriao solar , im18 da religino da deusa isis. Essas figura s, {sis e Osiris. deusa e deus, sao participantes do "casamento sagrado", uniao dos opostos. que e0 objet.ivo do processo de individuacao, isto e, da uniao mental, purament.e intrapsiqrnca , do intclecto ou razao com os a felos, extraordimirio itinerario de Lucio, da metamorfose it transformacao. Continuam nos sonhos de Lucio instiga-

cOes para maiores progressos. Agora the e exigido que, alCm de cumpri r 0 culto dogran· de deus em seu templo, prossiga no forum romano sua carrei ra de advogado, scmescon. der a cond iplo atual de homem rcligioso, cubeca raspada , comprometido abertamerltt com os cultos de isis e Osiris. ';Llicio atinge seu mais alto nlvel : a reali· zaCao do self No culto de Isis aconteceu 0 encontro com a anima, mas agora ororre B tomada de conscicncia do a rq ueti po doself, de sua pr6pria natureza divina i n tema . ~ l9

Ovidio Les Metamorphoses I , p. III . Garn ier Fr/)res. Paris. 1953. 2 Dimier, L. Le.~ lIylllllf'S HOIliCriques. p. 69. Garnier Frhes. Paris . 3 Jung. C. G. Com plele Works. 5. II . 4 Cusc udo, L. C. Diciorujrio l / O Fo/dore Brasileiro. p. 359. Institu to Nacional do I.h·ro. Rio de Jane iro. 1954. . 5 Chevalier, J. DicliOliliairf' des SYlllbolcs. p. 506. Hobert LafTont. Pa ri s, 1969. 6 Laing. R D. The Divided S elf. p. 128. Tavistock. Londres , 1959. 7 Vo n l<' mn z, M.·L. Shadow and Evil ill Fairy tales , p. 210. Spri ng. Nonl York , 1974. 8 Ju ng. C. G., op. cit., 13. p. 272. 9 Si lveim , N. Imagens d o III CQlIscielite. p. 206. 10 Bleuler. E. Demelltia Pra ecox or The Group of S chizophrenias, p. 124. Inte rna ti onal Universities Press. Nova York. 1950 . I I Jung. C. G., op. ci l .. 9. p. 230. 12 Amo ry. C. 0 Galo que Veio pora 0 Natal, p. 42. Circulo do Livro. Sao Paulo, 1990. 13 Souza. P. C. (or g). S . Freud e 0 Gabinete do Dr. IAcall, p. 123. Bras iliense, Sao Paulo. 1989. 14 Von F ranz. M.- L. 0 Significado PsicolOgico dos Motivos de Redell ~O nos Contos de Fodas, p . 49. Cultrix. Siio Paulo. 1985. 15 Lascaul t, G. Le Monstre dalls L'art Ocidenlal, p. 163. Kli ncksieck, Pa ri s, 1973. 16 Neumann, E. Th e Great Moth er. p. 13 . Routledge Kegan Paul, Lond res. 1955. 17 Jung, C. G. L 'Homllle a La Decouver/e de Son Ame, p. 290. Mon t- Blanc, Su i~a , 1962 .

18 Laing. R. I) . A Voz d a EXfH!rien cia, p. 190. Vozes. PetrQPolis. ]988. 19l3achela rd , G. Laulream onl. p. 17 . LibraireJrue Co~t i . Pafill, 1956. 20 Jung. C. G .. Complele Works . 16. p. 53. 2 1 Idem, ibidem. 7, p. 108. 22 Von Fran z. M.-L. C. G. JUliN _ H is Myth ill Our Tim e. p. 222. Pu tnam 's Sons. No\'a York. 1975. 23 Von F~ar. z . M.- L. Alchemy. p. 220. Inner City Books, Toronto. 1980. 24 Jung, C. G .• Comple le Works. 12. p. 225. 25 Che" ali ef, J .. op. cit., p. 789 . 26 Metz ner, H. Ma ps ofColisd o/l sll ess, p. 84. The Macm illa n CompllnY, Nov a York . 1971. 27 Che '·alier. J .. op. cil .. p. 789 . 28 Jun g, C. G .. Complele Work.~. 12, p. 119. 29 Idem. ibidem. 14. p. 15. 30 MeUner. R.. op. cit .. p.87. 3 1 ~:Iiade. M. Tru itt l)'1listoirc des Relig iolls, p. 243. Payo~. Paris. 1968. 32 Chevalier. J .. up. cil., p. 554. 33 Von Franz, M.· L. Creation My th s, p. 147. Spring. Zurique, 1972. 34 Idem, ibidem , p. 144. 35 Budge. W. The Godli of The E.' gyption s II , p. 371. Dover. Nova York. 1969. 36 Jun g. C. C ., Complete Work s . 3. p. 227 . 37 Von Franz. M.·L.. Creolio/l Mylh s . p. 109. 38 Apu leio. Les Metamorpholies. E. Le ll Belles Lettres. Pnri H. 1956. 39 Von F ranz. M.-L. Go/dell Alis , XlI. p. 10. Spri ng. Zurique. 1970.

CAPiTUlO 10

c. G. JUNG

NA VANGUARDA DE NOSSO TEMPO Nise da Silveira Luiz Carlos Mello

geniais de Freud abriram os caminhos da psicologia profunda. EntretanLo, 0 criador dessa nova ciencia que marcou revolucionaria· mente 0 inicio do seculo XX penna· neceu apegado as ideias filos6ficas dominantcs no seculo XIX. Umaconcep¢odomundo,segundoFreud, devcra resultar de atividade do pensamenOO cientifico cujos resultados "correspondarn a realidade, isOO e, aquilo que existe fora e inde· pendentemente de n6s. A correspondencia rom 0 mundo exterior real e 0 que chamamos \'erdade" I. Mas 0 mundo exterior, criterio de verdade para Freud, sera tao est..avel quanto parece? Havera urn 56 nivel de realidade, ou varios? Com efeito, a fisica modema subverteu a ronce~iio do mundo construfda de acordo rom a fisica c1assica, conce~ao que parecia inabalavel ate fin s do seculo passado. Agora, as proprias leis da gravita¢o uni· \"Crsal, estabelecidas por Newton, haviam &lfrido modifica~s introduzidas pela teoria da relatividade. 0 indivisfvel atomo reve· lara·se divisive!. Verificou·se que a materia tern comport.amento diferente na escala da macrofisica ou na escala da microfisica. Os etetrons conduzem·se as vezes de maneira WI perturbadora que os fisicos passaram a falar em probabilidade e em incerteza. A luz Mose apresenta apenas sob a forma de onda. Ela tambem se apresenta com caracteristicas de corpusculos, que foram chamados fotons. Einstein demonstrou que materia e energia oaoequivalentes. 0 tem po deixou de ser uma grandeza absoluta, pois. quando se trata de medir grandes velocidades. 0 tempo cresce com a velocidade. 0 tempo e relativo. Sem dtivida, esses conceitos abalam nossa segu· 5 avan~os

ranca. Freud sentiu sua VIsao de mundo amea-;ada e protestou veement.ement.e. Uma conce~ao de mundo que nao partisse de urn conhecimento segura do mundo exterior se· ria para ele urna especie de "anarquismo intelectual",emsuas proprias patavras, "urna contra partida do anarquismo politico, talvez uma irradiacao deste. DecCl"to, ja houve no passado niilistas intelectuais, mas atual· mente parece que a teoria da relatividade da fisica modema subiu-Ihes a cabeca. Partern da ciencia, mas acabam arrastando-a para sua propria a nula-;ao, para 0 suicidio, levan· do·a a suprimir·se a si mesma peta renuncia a suas aspiracOes"2. Sensfvel como urn sism6grafo, Freud pres· sentiu que muitas coisas, a ntes firmes, tor· nar·se·iam movedi-;as. De faoo, deslocamen. tos irnprevisOOs iriarn acontecer. Opostos ate enta~ irreconciliaveis deixariam de ser opos· tos. Argumentos lan-;ados contra certos alvos nao mai s os atingiriam , porque esses pro· prios alvos mudariam de posi-;iio ou simples· mente porque teriam deixado de existir. Freud nao se conforma. "As vezes, temos a impressao de que semelhante niilismo nao e mais do que uma atitude provis6ria. Uma vez suprimida a ciencia, no espaco deixado livre podera norescer urn misticismo qual· querou talvez a antiga conce~ao religiosa do universo." 3 Mas a hist6ria do pensamento humano mostra que as coisas nao se repetem com tanta exatidao. Aconteceu algo muito dife· rente. Aconteceu que eswo se apagando as fronteira s entre aquilo que 0 seculo XIX chao mava real e irreal, natural e sobrenatural. 0 bi61ogo Lyall Watson escreve: "A velha dis· tin-;ao entre natural e sobrenatural perdeu todo 0 sentido"~.

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""UNDO DAS ' ''''AIH N S

liS

Pesquisadores de di versas areas do conheci mento, em trabalhos experi menLais, desde a botanica ate a telepatia, desfazem anLigas separap'>es. 0 conccito de realidade alarga-se cada dia mais e nos da a perceber que a nat.ureza, em sua intimidade, c mais complexa e mais interli gada em todas as suas partes, e mais bela do que supunhamos. A posit;ao de Jung em relat;ao ao conceito de realidade foi oompletamente difercnte da de Freud. Num breve escritoque tern 0 significativo titulo de 0 Real e 0 Surreal , ele define seu ponto de vista contrario a opiniiio dominante de que sejam unicamenle aceitoscomo reais os dados fomecidos pelos senti dos, de modo direto ou indireto. Vale a pena lembrar 0 que ele diz: "Nao sci de nada que diga respeito a uma superrealidade. A realidade contem tudo quanta posso conhecer, pois qualquer coisa que at.ue sobre mim erea l e presente. Se uma coisa nao age sabre mim , nao noto nada e, portanto, nada sei sobre ela. 56 poderei fazer afinnat;Oes sabre coisas reais, e nunca sabre coisas irreais, super-reais au sub-reais . A menos que ocorra a alguem limitar 0 conceito de realidade de tal maneira que 0 atributo 'real' seja aplicado somente a urn segmenta particular da realidade do mundo (... ) it chamada realidade material ou concreta de objetos percebidos pelos sentidos"5. E claro que esse conceito de realidade provocou muitas criticas. A menor critica que se colocava, sem detido exame dos fatos, era que Jung nao podia ser considerado um cientista. Ele continuou trabalhando tTan· qtiilamente, enquanto as brechas que iam sendo abert.as no corpo da ciE!Ocia tradicional pela propria invest.igat;ao cientlfica a obrigavam it revisao de muitas de suas anteriores posit;Oes. Agora se toma evidente que a psicologia junguiana vern assumindo urn lugar de vanguarda na ciencia contemporanea. E 0 que afirma F. Capra: "Por causa de suas ideias aparentemente esotericas. sua enfase na espiritualidade e seu interesse pelo misticismo, Jung nao foi levado muito a serio nos circulos psicanaliticos. Com 0 reconhecimento de uma crescente com pati bilidade e coerencia entre a psicologia junguiana e a ciencia modema,

essa atitudc esta condenada a mudar, PI>" dendo as ideias de Jung acerea do inrons· ciente humano, da dimimica dos fenomenos psicol6gicos, da natureza da doen\"=a mental e do processo de psicoterapia exercer forte in· nuencia sobre a psicologia e a psicoterapia no futuro" 6. Urn dos aspectos ainda pouco estudados, porem fascina ntes, que se nos afigura ponta de lan\"=a em dir~3.o ao futuro e 0 da identi· dade da materia e da psique.

N oconceito de Jung 0 inconscicnte eurna parte da natureza, e a lga objetivo, real, genulno. Os produtos de sua atividade merecern 0 maior credito, pois sao «manifesta~ esponUlOeas de uma esfera psiquica naoron· trolada peloconscienle, livre em suas fonnas de expressao"7. o inconscient..c foi o grande livroqueJung i ncessanlemente se dedicou a decifrar, 0 inesgotavel reservat6rio de onde retirou a materia-prima para a elabora\"=ao de sua psirologia. Observando, reunindo exemplos, Jung notau , surpreso, que id6ias abstratas e da ma is a lta espiritualidade eram freqilenl.emente representadas por elementos perten· centes ao reino mineral. Diversas religi6es utili ...am a pedra para simbolizar Deus e indicar lugares sagrados. 0 santuarioprinci· pal do Islam encerra a caaba, pedra negra denominada "a mao direita de deus~. Fai dormindo com a cabe~a sabre urna pcdra que Jac6 recebeu mensagem deJave, transmitida pelo anjo. E 0 patriarca hebreu erigiu essa pedra em monumento sagrado. Cristo rom· para-se a si proprio a pedra rejeitada quese tornou depois a pedra angular (Mat. 21, 42). A pedra aIquimica (lapis) e urn simbolo do Cristo e da experiimcia mlstica procurada atraves da Grande Arte. A nO{:3.o intuitiva de totalidade psiquica (self)te m napedrae no cristal reprcsentar;iles das mai s consLant..cs. Tudo isso neccssa· riamente teria significa\"=80. Os sfmbolos elaborados no inconsciente devem ser tornados a serio. Seria preciso investigar por que tao comurnente minerais serviam de fonn as de expressao para no¢es ditas de ordem espiritual.

c.

O. JUNO NA VANOUAItDA

159

Jung responde com a hip6tese de que, "do angulo do inconsciente, psique e maMria nao sao apenas equivalentes, mas realmenteidenticas. Issoem contraste nagrante com aunilateralidade intelectual do consciente, que as vezes se compraz em espiritualizar a materia e outras vezes em materializar 0 espfrito" 8. Outros fenomenos davam igualmentetes!emunho de que psique e maMria siio dois aspectos diferentes de uma mesma coisa, conforme admite Jung. Refiro-me a certas ocorrencias ins6litas, denotadoras de que a mnteria pode comportar-se a se melhan~a da psique e reciprocamente, sem que exista entre uma e outra qualquer conexiio de causalidade. Aqui se levantam protestos. PrecisamenIe a grande aqui si~ao da psicologia cientifi ca foi demonstrar que os atos falhos, os conteudos do sonho, os sintomas neur6ticos, esta\'am submetidos ao det.enninismo e assim, de elo em elo, era sempre possf vel chegar ate sua origem. Freud escreve: "Quebrando 0 determinismo, mesmo num 56 ponto, faz-se desabar toda a conce~iio cientffica do mundo"~. Para que se falasse em ciencia, era necessario que as mesmas coisas produzissem sempre os mesmos efeitos. "Pois niio e isso 0 queacontece", diz Richard Feynman , premio Nobel de fisica. E, referindo-se a fen6menos da mecftnica quantica, continua: "Observamos 0 que encontramos e nao podemos saber com antecedencia 0 que acontecera. Muitas \·ezes nao sao as possibilidades mnis razoaveis aquelas que correspondem it situa~iio" 10. Decerto, os novos conceitos siio dificeis de digerir. Mas nao fiz eram a ciencia desmoronar. 0 que desabou, pelo menos parcialmente, foi uma certa estrutura construida num certo momento hist6rico. 0 imponante para manter vivo 0 espirito cientifico sera observar, sera pesquisar incansavelmente, e examinar 0 resultado de observa¢es e pesquisas com inteligencia li vre de enquadramentos limitadores. Tantoquanto Freud, Jung farejou a pista da causalidade nos campos da psicologia e da psicopatologia. Seus estudos sobre as associa~Oes verbais e os Iivros Psicoiogia da De· mencia Precoce (1907) e Conleudo das Psi·

coses (1908) dao testemunho dessas investiga~s.

Mas observou tambem a ocorrencia de curiosos fenomenos que niio se deixavam encadear causa1mente. Separou-os em dois grupos: a) coincidenciadeestados psiquicose deacontecimentos fisicos scm rela~Oes causms entre si, como sonhos, visOes, premoni¢es, que correspondem a fatos oconidos na realidade exterior; b) ocorrenci a de pensamentos, sonhos eestados psiquicos semelhantes, ao mesrno tempo, em lugares diferentes. Fatos desse tipo, tao repetidamente verificados, deveriam ser tornados em considera¢o pelo pesqUlsador sem preconceltos. Escreve Jung: "Minha preocupacao com a psicologia dos processos do inconsciente h8 muito tempo obrigou-me a procurar, ao lado da causalidade, urn outro principio de explicacao, porque 0 principio de causalidade pareceu-me inadequado para explicar certos fe nomenos surpreendentes da psicologia do inconsciente. Verifiquei que ha paralelismos psiquicos que nao podem ser relacionados uns aos outros causalmente, mas devem estar em conexao por urn modo diferente de desdobramento dos acontecimentos" 11 . Nao se trala, portanlo, de aboUr 0 determinismo, masde descobrir um novo principio de conexiio acausal. Jung criou 0 t.enno sincronicidade para designar "a coincidencia, no tempo, de dois ou mais acontecimentos nao relacionados causalmente, mas tendo s ignifica~ao identica ou similar, em contraste com osincronismo, que simplesmente indica a ocorrencia simultanea de dois acontecimentos" 12. Portanto, a sincronicidade caracteriza-se pela ocorrencia de coillcidincias signi/icativas. Jung cita varios exemplos de fatos desse genera, e cada urn de n6s podera lembrar outros tantos. Contaremos urn caso ilustrativo. Nacasa-grande de urna usina do nordeste esta sendo preparndo urn almCKro para muitos convidados. A dona da casa retoca a mesa e pOe diant.e de cada prato urn pequeno jarro com uma rosa recem-colhida no jardim que rodeia a residencia. Depois de completar a volta da mesa, nota, surpresa, que a rosa

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M UN DO DAS I"'A O INS

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desconhecidoda psique. Essasduaslinhasde invest.iga~Oes deram oportunidade a achados que somente podem ser concebidos por meio de a ntinomias, e ambas desenvolvem com:ei· tos que tern analogias noliiveis entre Si 15 E a inda este texto: "Mais eedo ou mais tarde,a f'isica nuclear e a psicologia do inconscientese a proximariio cada vez mais, porque ambas, independentemente uma da outrae \'i.ndode di r~6es opostas. avan~am em territ6rio tmns. cendente. uma com 0 coneeito de alomo, a outra com 0 de a rquetipo"16.

eolocada diante do prato do mando eslava mureha. Substituiu-a, eseolh cndo outra apenas entreaberta. Oai a momentos ve que a segunda rosa tambem murchara. Impressionada, ret.ira todos os jarros com as respectivas rosas, sem fazer qualquer cornentan o. o al rn~ transcorreu alegre. Mas. duas horns depois, 0 usinciro monia de urn enfarle fulminante. Entre 0 enfartc do miocardio e 0 murehar dns rosas decerto nao hli rel a~ao de causa e efeito. Mas entre a morte do homem e a morte das rosasexiste uma solidanedade significativa. Niio vejamos nas ocorrencias de sineroni eidade hist6rias mal-assombradas ou manife sta~Oes de "outro mundo". Muito pelo contrario. Segundo Jung, eonstitucm indica~Oes em favor da unidade psieofisica de todos os fenOmenos. A partir dessas observay6es empincas, ele ehega it eonee~iiode unus mundus, isto e, a hip6tese da unidade basica de matCria e psique. Escreve Jung: "A ideia de unus mundus baseia-sc na suposi~ao d e que a multiplieidade do mundoempirico repousa sabre uma unidade subjacente e de que dois ou mais mundos fundamentalmente diversos n a~ existem lado a lado. ou misturados urn com 0 outro. Ao con trario, todas as eoisas diferentes e divididas perleneem ao mesmo e tinieo mundo" 1.1. Assim. no nosso exemplo havenl uma conexiio Beausal entre 0 homem e a rosa, genero de eonexiio ainda poueo eonhecido, mas que faz prova empfriea da exisiknci a, em ultima instancia, de uma eomunica~ao entre todos os seres, uns com os outros e com 0 ambiente. o homem preci sa na~ esquecer que faz parte de vastissimo sistema de intera~Oes, do qual ele ate agora apenas estudou a superfieie. Ha ainda mui tas coisas a descobrir . Tudo leva a admitir que essas descobertas serao realizadas atraves de urn trabalho de pesquisa noscampos da mierof'isica e da psicologia profunda, quee tambCm, segundoJ ung, "urn mundo do infinitamente pequeno"14. Oiz Jung: "A rnicrof'isica pesquisa o lado deseonhecido da materia, do mesmo modo que a psieologia profund a investiga 0 lado

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N iio se pode pretender ehegar it eompreen· siio da hist6ria tomando em apre~o uma uni· ea dimensiio entre as muitas que tecem sua complexa contextura. Para fin s metodologioos, vamos entretanto destacar a dimensiio psi· col6gica, propondo uma hipOtese para interpreUi-la: 0 momento que estamos \'i.\·endo sena a passagem crit.ica de uma civilizat;iio que se desenvolveu segundo urn modelo trinitario (civi li za~ao cristii) para urna ei\;li· z a~ao que esta corn~ndo a configurar·se segundo urn modelo quakrnario. Partindo do ponto de vista de que os sim· bolos e dogmas religiosos exprimern de rna· neira condensada movimentos e lransform a~Oes na vida psfquica coletiva, Jung es· creveu urn longo traba lho sobre 0 dogma da trindade crista, procurando descobrir sua signifi ca~ao psicol6gica. Decerto, a trindad( n a~ e uma "inve n~ao" do cristianismo. Jun~ t.ra~a- lh e paral elos na Babil6ni a, Egito Grecia, e diz: "Os agrupamentos em triade! const.ituem urn arquetipo na hist6ria dru religiOes e, muito provavelmente, formaran a base da trindade crista"17. A seguir , estuda 0 arquetipo trinitariol suas correspondeneias com a evoluPlo d, consciencia huma na. nos pia nos individual. coletivo. o primeiro esUigio de evol u~iio correspon de ao Pai. E uma con di~ao passiva, infantil de aceita~ao do acontecido, sem reflexao, sen julga mento intelect.ual ou moral. Estabelec leis absolutas que devem ser obedecidas, seI diseussiio. Uma vez transgredidas, 0 eastig e inexoravel. o segundo esUigio eorresponde ao Filhl -

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ractenza-se pela diferencia.;:ao do Pai e de padroes de comportamento. "Isso exige thecimento de sua propria individual idaque nao pode ser adquinda scm discrila~o moral e nao pode ser mantida, a nos que seu significado soja com prelido. "IliA renexaose imp6e, surgem a duviea critica. 0 mundo apresenta-sc separaem opostos. Esse estagio corresponde a a situa.;:ao conniliva. Enquanto, segundo !i do Pai, a mulher adtilLera devena ser idada, 0 Filho diz: "Quem estiver isento de paatirc-lhea primeira pedra". Esseexemmostra clara mente a mudan.;:a de comtamento, no momento em que 0 F'ilho 1~ a colocar-se no lugar do Pai. Abremlovas perspectivas. o terceiro est..:igio e a1can.;:ado quando 0 sciente escula 0 inconscient.e. Correspon!l0 Espirito Santo, descrito nos Atos dos istolos(2, 2) como "urn ruido vindo do ceu lelhante ao vento que sopra com for.;:a". 0 to uindo do cell simboliza intui.;:6es, 13m>5, ideiasemergent.es doinconsciente. Esse :eiro elemento. comum ao Pai e ao Filho. Ipleta 0 arqUlWpo tnnit.ario. Essas etapas correspondem a desenvolentes de niveis psico16b';COS. Enlretanto, a a consciimcia crescere alargar-se, ainda a algo que venha reunir-se a trindade. Ii faltando 0 quatro. Que significa';:80 tern 18tro? Quem 0 representa? :) quatroeo principio feminino, a mulher. ;sa linha de pensamento, Jungint.erpret...'l ::cnte dogma da Assuncao de Maria {trans10 ao ceu do corpo da Virgem na ocasiao de morte)comoexpressaode urn moviment-o vern de raizes inconscicntes, no sentido .proximar 0 feminino da trindade ma~cu­ . "A venera.;:ao por Maria crescera, e psigicamente isso signific8va que se levant do inconsciente colctivo a necessidade nclusiio da figura feminina de Maria a ra puramente patriarcal da Trindade. da 'rpora~o do arquclipo numinoso, da dilade feminina it divindade mnsculinn." I~' kcentement.e, vcm sedesenvolvendo, nao :n seitas prot.estantes, mas mesmo no seio greja Cat61ica, movimentos carismaticos iamentados em intuicoes inconscientes. ~o entra em contato com 0 inconsciente, lS

mas recebe suas inspirat;:6es como verdades absolutas, esquecendoque, aoentrar nocampo do conscient.e, estas sofrem as inevitaveis limitacOes do tempo e dos condicionamentos pessoais. Toma-se necessario rcconhecer que as intuicOes emergentes do inconsciente tomam formas e tonalidades que renetem 0 individuo que as exprime e as restri.;:Oes da epoca em que sao lancadas ao mundo exterior. Quando se torna possfvel a aceita.;:ao de que nao ha verdades absolutas, atinge-se 0 quartoest8giodeconsciencia. Cada visaodo mundo c uma conccp~iio entre muitas outras tambcm formuladas. Nno ha estruturas absolut...'lmente validas; lodos os modelos da existi!ncia sao relativos""'. Te610gos modernos vcrn encontrar-se com as concept;:acs de Jung relativas ao feminino em sua aproximaciio com a Trindade masculina. Leonardo BofT, num ensaio inlerdisciplinar sobre 0 feminino e suns formas religiosas, escrevc: "A rela.;:ao Espirito SantoMaria nao fora aprofundada. sequer feila fruti ficar sistema t icamente como agora 0 Lentamos. A dimensao pneumatica com aquela cristo16gica vern restabelecer 0 equilibrio na rcnexuo mariana e faz justi~a a I'ealiza~ao escatol6gica do feminin~ em Maria. entronizada, mediante 0 EspfritoSanto, no seio da trindade"~'.

A represenlante do principio feminino no mundo crist::io passa a ocupar situacao de alta dignidadc, muito proxima das Tres Pe"soas divinas. E. note-se, com 0 corpo da Mae de Deus, a materia penetra no reino do espirito. It propriedade intrin.scca do arquetipo mac sua rela.;:ao com a terra e n natureza.A'>!'iim, pois, "ea fih'llra de Maria, moldada no arquetipo m;:ie, cntra noeCU com seu corpo, is!'iO indica, diz Jung. uniiio entre materia e espirito, os opostos que pareciam inaproximaveis~-.

Nilo sera decerto por nca!'iO que 0 jesuita Teilhard de Chardin formula urn conceito de materia inteiramentc novo para 0 cristianismo. A materia incrtc, brota, nao existe, diz Chardin; uma conscicncia elemental' anima-a em cada grao de areia. E ele canta urn hino a matCria. cssa vii substancia que 0 cristianismo havia sempre correlacionado

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MUNDO DA5 I ".. ... 0IN5

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ao ma l e ao pecado: "'Louvada sejas aspera Materia ( ... ) pcrigosa Materia, poderosa Materia, universal Materia (. .. t2J No plano cientffico, urn processo paralelo desenvolve-sc. Esereve S. Grof: "0 espaco tridimensional e 0 tempo unidimensional de Newton fora m s ubs tituidos pelo espaco-tcmpo continuo quadridimensional de Einstein . universo da fisica moderna nao e a quele gigantcsco rel6gio mecanico de Newton, mas uma rede unificada de eventos e rel ac<>cs". E continua mnis adia nle: "'Outra area que desafia 0 paradigma cartesiano-newtoniano e que vern recebendo crescente reconhecimen to eientifico e 0 trabalho de Jung. Jung descobriu 0 inconscien te eoletivo, as fun cOes fonnadoras de mitos, os potenciais autocurativos da psique, e a existkncia dos arqmStipos - padrOes dimi micos transpessoais na psique que nao sO transcendem as fronteira s individuais, mas representam uma interrelac;:ao entre consciencia e matkria"24. A psicologia profunda vern reunindo falos que indieam a latente conexao entre materia e psique, enqua nto a ffsica moderna ja demonstrou a equivaIencia entre materia e energia.

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E= - 2-

A leona da relatividade afinna-nos que a massa nada ma is e que uma fanna de energia. A totalidade do universe a parcce-nos como uma teia dimimica de padr6es insepa raveis de energia. Em 0 Tao da Fisico , Capra procura explorar as relacOes entre as eonceitos da fisica modema e as ideias hasicas existentes nas tradicOes filos6fi cas e religiosasdo ExtremoOriente. E res ume: "Quanto mais pcnetramos no mundo submierosc6pico, rnais compreendemO$ a fonna pela qual 0 fi'sico modemo, aseme1hanca do mls tico oriental, passa a perceber 0 mundo como urn sistema de componentes insepa niveis, e m perrnanente intera~ao e movimento, sendo 0 homem parte integrante desse sistem a" ~·

V ern de longe, dos subt.erra neos da psique, a luta do tres com 0 quatro. J ung detectou-a em sfmbol os religiosos, como acabamos de

vcr; em sonhos e visOes, que sao para ele fontes de infonnatrao merecedoras da rrnixi· rna confiabilidade. Tomemos para cxempl o uma impressao visu al estudada nos Hvros Psicologia e Reli· giao e Psicologia e Alquimia . E m serie de sonhos anlerioresja haviam a pa recido 0 drcu lo e 0 quadrado, est,<'l ticosOll em movimento de rotatrao. Por lim, como s intese desse proccsso inconscientc, apresentou-sc uma subila visaoque, nas palavras do sonhador, "deu-lhe u ma impressao da mais sublime h a nnonia". A vi sao cons ta : a) de circulo vertical azul com margem branca dividido em 32 partes e de urn ponleiro que gira sobre esse cfrculo; b) de drculo horizonta l de 4 cores, com flnel de Duro em torno. Os dois circulos tern centro com urn. Esse e 0 rel6gio do mundo, diz osonhador. Funciona em lres ritmos: o primeiro, pequeno ri t mo, e 0 do ponteirodo disco azul , que avanca 1/32; 0 segundo, ritmo medio, corresponde a uma rota{iio com pIe!..:'!. dcsse pon teiro e, si multancamen· te, a urn avanco de 1132 do di sco horizontal; o t.erceiro, grande ritrno, equivale a 32 rotacOcs do ponteiro sobre 0 di sco azul ea uma volta completa do disco horizontal. Para rnelhor escla recer a significacaodesse estranho re16gio, Jung procura paralelos hist6ricos. E vai cneontra r a analogia mais satisfat6ria na visno do paraiso do pacta medieval Gui ll aume Digullevi lle. 0 poeta descreve urn ceu deouroe urn circulo azul que d
C. O. JUNO NA VANOUAIIOA

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eito ao tempo; e urn de ouro, que diz eito ao quatro (quatro cores, Trindade e

mal.

\ visao de Guilla ume toma mai s com prevel a mandala-rel6gio do sonha dor. DcsIdade Media 0 problema da Trinda de e a usao ou 0 reconhecimento do elemento inino, da terra, do corpo da materia em tl, preocupavam os teologos. \ visno do rel6gio do mundo da: uma res.a simb6lica a esss questiio, res posta mais pleta que a visno de Guillaume, gra~as a binacao mais ha rmoniosa entre os dois !!.los e os ritmos que regem suas rot.a~s. :ulo composto de quatro cores e ritmo lice interpenetram-se. :ntegrando 0 tres e 0 quatro, 0 relOgio do ldoda solw;ao simb6lica ao conflito entre :erin e espfrito, conflito que tern dilacernI era crista. ralvez a visiio onirica do rel6gio do mundo ~a algo sofi sticada. Mas as expressOes do mscient.e sao mesmo a ssim , sutis e esmas. Veremos em imagens espontaneas, :.adas no atelier do museu de Engenho de Itro, que 0 problema do tres e do quatro e uma especul a~iio dis tante. Esta prete entre n6s . Nilo importa que seus autohabit.em urn hospital psiquiatrico. Merbados na profundeza do inconsciente, na !ra da psique coletiva, eles participa m tbem, embora inconscientemente, da vida luica da hurna nidade26. Circulo dividido em tres pa rtes. Uma despartes expande-se para a esquerda. 0 lnsciente est.a em intensa a tividade. A :utura t.ernaria TOmpe seus limites, pos!lmente buscando nova e finn e estrutuao, como pode ser visto em pintura de ygmo (fig. 1). Do centro de urn circulo situado no alto tern linhas que se dirigem aos vertices de Itro quadrados, tn'!:s coloridos e urn incolor '. 2). Nessa imagem, 0 urn desdobra-se em dro. "0 quatro simboliza as partes, qualiles e aspectos do Um."21 Na hist.6ria dos Slm bolos a quatemidade e ~obramento da unidade. Esse fenomeno ica a passagem de conteudos que se acha n submersos no inconsciente para a area consciente, pennitindo assim que adqui-

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~/JI'J.'/~~d.o d<....J'l~ l"&n..

f:mygdio cle Barrm 01 {06{70 6leo/pape/ 32,Oz48.0cm .

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Emygdio de 8a rro~ 29 / 03 /74 lripi. tk cor/pape/ 21,Oz3 1,Oem.

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ram caracteristicss diferenciadas e possam seT conhecidos. Aqui urn dos quadrados perma nc<:e incolor. Esse tipo de estrutura (3+1) e fenomeno frequ ent.e nas m a nifesta~Oes do inconsciente. Aparc<:e, entre muitas outras, nas representac6es dos qua tro filhos de Horus, bern como nos emblemas dos quatro eva ngelistas. De outro autor, trianguJo vennelho e lua (fig. 3). o triangulo, no simbolismo dos numeros, equivale ao tres. E a imagem geometries da triade e emblema da trindade divina. 0 triangulo de vertice dirigido pa ra 0 a1to simboliza o masculino, 0 fogo e impulsos ascendentes. Ao lado, a lua, urn dos ma is arcaicos simbolos do feminino, vern complementar 0 tria ngulo masculino.

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MUNDO DIU

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I Outras iiurpl'cendt'nu.'s lnmg('ns do

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rno genero, repn'senlnndo 0 dcs('nvulvinll'n· to do arqulilipo ll'init.irio para () arquetipo da quaternidad(', caract('rlstico df' noss;:! t'po· ca, podl'rn scr vistas no livro ImORl'fI, dll I n('on .'1('1('11 h" A condi!,';-Io do e:-;quizofrenico t' a dt, HIgtJ(.'m que esta. l1lergulhado nas n't..,rl.iM.'s untlt, nU(:rn as imagens arquetJpic;ls e tomam rorrna os U'mas miticos. Esst' nuir, entr(>tanto, niio c tt'lO desordt'nado como Sl' podl'l'ia l'l'£'1' A observaC;{10 da pintllra do;; esqu izorri'nic()s indica a pr('l:;('nl,'a ativa de lim procI'sso n~organizador.doqual reiiultam imagcm;qu(' rcvclam a busca de um centro. as diVISOt's lerna ri af.; e q ualcrna rias, as a proxi mal,'f)('s de opos1os, os f.;irni>olos unificador·(,f.;. Os tr;lbaIhos dl' .1. Weir Pcrry l.(·st.cmunham n(>!-;st' sentido. Ell.' chega mesmo a ralar dl' urn utuante processo renovudor em marcha no decurso de cpisOdios psic{i1ieos agudos • Quais as consequencias dessl' processo quP se desrlohra t'spontancam('nl.(' no intlmo da psiquc'! &. for possivel, com ou "em ajuda do terapt.'Ut.a, uma tomada ci(' conseipncia dessas tentativas instinlivu;J de rt'c~tnJlur.I~ira au·

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IM"'O~NS

tonoma l' Iluir HUIIl cicio perdido na pr()[un,II za d,1 P,"HIl!(', .'\.'- 1m, \uno. qut' ('Ill ',Ino... I.:ampos e nlVl'b hit nUllll'rosOi indlcio,..; do dl·,wnvolvi· Ill'ntll do :lrqut'tiTXI t nni1.udo... da psiqul' profunda que 'PIT'SI'nt:ull I 1":111' pn"""ionam cada vez 1ll.!1'" I) {' ftlsl·lellte. I. 1 /Jma carOl ier/st;ro fl! 1/0.">';([ l'pOCO. D.. Ulltr;! p.lrtc, Sl' olharmos ('m lorno de nos logo S(' ('vidl'l1cin qUl' () princlpin remini· no l's1.<1 il'mmpl'ndo do ineonscient(' c ('xpan· dindo ~ com lill'!,'a pur lodos os ludos. Ba:.;ta Il'mbl'ar a vibrante prescn~a da cor ::la.'- v(,,,te,, dos h(lm('ns: 0 abandono do:,;('vero paldo pel;ls cami ... as :llegresque as mulhercs usnm lamiwm: a musica I' as C311\'fK'S como I()rmas pn'fl'ridas cil' cxpn'ssw: II Crf'scente cHltO:l dt'lI'-1a mal' h'manj~i, I'Ill plt'no Hiode .Jant'il'o: a idCia de transfol'll1;lr a SOcil'dude atnlVl' S dp mudanc;as nas rcin.l,'iJ(·s humanas; (I goslo pdas p('squisas para alem do radonal; a JuV('nludl' hu.-.cando cspontancid"dee amor. (' suas cOl1lradltorias a~(I('''' vlOlcntas. Tud(1 Illuilo con fllso l' tlispl'rso, mas n.'v(>lan· un IllUdalll,'aS (' novas colocul,'Ol's de \'alores :lInda mal dpfinido,,_ Sl'm duvida, a inll')""l'ac;ao do principio fpnllmno n.'primido durante tanto ... spcolos, cnndir:io l1('ces,;aria a passagcm do tt'rceiro para f) quarto esU1hrl.O de descnvolvim('nwda consci('ncia, nao podcria opt'rar-!';c sem difi· clIldadl'.'), cOnfUS(K'S, so/i'imentos, pois a en· trada do qualm, (' prt'ciso frit;ar, n{1O prov0C8 a ;lnllla~:lo da tnndt" milS a rcor{!:1ni7.uc;ao du:
Em toda a f;Uil

ohrd

C. G..Jung ml0 cessa

dl :ndu'ar 0 cmninhn para a integT.l~() des· .-;l' ,conlt'udos amda aUSl'ntct; no ("unsciente, C'lInciir:w indi;';I)('nSav('1 para que a persona· lid:ld! ' lorne ('omplela. () "ro("('_'!o dp mdi \'idUilFIO, eixCI da psicoc ~aJlmJ.,"'lIan.1 tpm por 1l1e>t...."1 0 :·wl[, {)u ~eja, 'I nudl'o centrai da psique, cuja l'strutura h""'I<:a l' quau'rnaria. con:-;titUlda dus pares de opo:"lUl,,: luz-sombra, masculino·fi'minino, ou ditn em ()lIlra~ palavras, bem-ma!. ('spiri· tual-malenal ou cwnico

C. O. JUNG NA VANGUARDA

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Depois de havermos fri sado que 0 simbolismo central do cristianismo e a Trindade, \'erificou-se em piricamente que os simbolos espontilneos da lotalidade psfquica configuram-se no inconscienle sob a forma de quatemidade, que inclui 0 feminino e 0 mal. Num processo muito sofrido, 0 elemento femininovem lentamente sendo integradodenlro dessa quaternidade. Mas se impOe agora uma questao impossivel de ser afastada: 0 problema do mal. J ung considera, aluz de sua experiimcia, que 0 homem ocidental n a~ pode mais, con forme se csfor~ou em fazer durante dois mil anos, rejeitar 0 mal nas trevas exteriores, arriscando-sc assim a ser submerso por ele. 0 mal estU solto, autOnomo. Bdsta abrir as pliginas dosjomais contemporaneos. Que furti 0 homem em busca da integra~ao dcsse poderoso componente de seu pr6prio scr? Enfrentar 0 mal face ao bern como urn dualismo irreconciliavel? Qu, valendo-se da experiencia da prese n~a do mal na hist6ria da

humanidade, como parte integrante do quatkmio basicoda psique humana, nao defrontalos como dualismo irreconciliavel, mas como urn par de opostos que tera de ser duramentc vivenciado? 31 Estamos ainda longe da aceitm;80 consciente do principio feminino e do mal. Eis ai uma tarefa atualfssima: cuidar dessa intcgra~ao. Parece-nos que a psicologiajunguiana e0 instrumentoadequado para realiza-la. A pro posta de Jung e urn modelo quatcmario da existencia, correspondente ao quartoestagio do processo coletivo de desenvolvimento da conscicncia humana, para 0 qual caminhamos, apesar de muitos tro~os. "Jung estava conscientc de que suas descobertas eram incompatfveis com os fundamentos filos6fi cos da cicocia de sua epoca e cxigiam paradigmas inteiramente novos."32 Ele esta tao a frente de nosso tempo que apenas gradualmente vern sendo a preendidas suas descobertas nas diferentes areas do saber humano.

~'reud, S. New !lIlr()(iUClory Lectures in PsycoonalY8is. XX II , p. 170. The Hogarth Press. l
20 Von Fram, M.·!.. Number and Time. p. 126. North ..... estern University Press, EUA, 1974. 21 BofT, L. 0 Rosto Matern o de Deus, p. 11 7. Vozes Petropolis, 1979. 22 Jung, C. G. ,op. cil., 9 , p. lOS. 23 Chnrdin, 1'. Hymne a la Matii~re, en Hymne de l'Uniuerll, p. 71. Seuil, Paris, 1961. 24 Grof. S. Ancient Wisdom and Modern Science, pp. 10-16. State University of New York Press, Nova York, 1984. 25 Capra, F. 0 To o do Fisica , p. 27. Cultrix, Sao Paulo, 1986. 26 Jung, C. G., op. cit., 4. p. 340. 27 Idem, ibidem, II, p. 57. 28 Silveira. Nise. Imagens do Ineon sciente, pp. 285-293. 29 Perry, J . W. The Far Side of Madness. Prentice· Hall, Nova York. 1974. 30 Jun g, C. G., op. cit., 911, p. 63 . 3 1 Perrot, E. La Voie de La Tra/l s(ormation , p.31. Libraire de Medici!!, Paris, 1970. 32 Grof, 5., op. cil., p. 16.

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